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Assim, atentos a esta lacuna, procuramos dirigir nossos esforços para descobrir
quem foi Guilherme Gaensly, este fotógrafo que tão brilhantemente registrou
cenas urbanas das capitais paulista e baiana, deixando um rico legado para a
História do Urbanismo. Devido à escassa bibliografia, fez-se necessária uma
investida em busca de fontes primárias complementada por depoimentos orais.
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Versos do livro:Auswanderer (Emigrantes) de H. Von Freeben e G. Omolta, c. 1820. Leipzig, 1937 apud
SÃO PAULO (ESTADO). SECRETARIA DO ESTADO DA CULTURA, MUSEU DA IMIGRAÇÃO,
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Imagens de São Paulo
Gaensly no acervo da Light (1899-1925)
Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
Uma destas portas fechadas foi a destruição dos documentos do Consulado Geral
da Suíça em São Paulo devido a dois incêndios na década de 70. Já na
representação consular em Salvador, os documentos referentes aos imigrantes
helvétios foram encaminhados de volta para a Suíça na década de 60. Uma das
pessoas que fez a seleção destes documentos foi o estudioso baiano Cid Teixeira,
que na época publicou dois artigos no Jornal da Bahia, que foram as principais
fontes na recuperação da gênese dos Gaensly.
PINACOTECA DO ESTADO. O olhar e o ficar: a busca do paraíso. São Paulo: 1994. Catálogo de exposição
– ago./set. 1994.
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
Tais são os parâmetros que orientarão o percurso pela origem étnica e religiosa
do fotógrafo suíço Guilherme Gaensly e o contexto histórico em que se deu a
imigração de sua família no Brasil.
As causas para a emigração foram diversas. Podem ser citados fatores como a
fome, o excesso de população, a falta de terra para os camponeses. Além disto, o
governo cobrava altos impostos. “Nas cidades, as crises econômicas causavam
empobrecimento, a proletarização de indivíduos” (TRINDADE, 1994, p. 17-19).
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
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Construído pela firma italiana G. Ansaldo & Co, o navio San Gottardo foi inaugurado em maio de 1884
quando fez sua primeira viagem partindo da Itália (Gênova) em direção ao Brasil e Argentina.
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Do século XV ao século XIX, cerca de dois milhões de suíços migraram ao estrangeiro para se tornarem
militares. “Ao entregar soldados, talvez os governos cantonais faturassem quantias consideráveis mas
estavam também exportando a população excedente.” (NICOULIN, 1995, p. 29)
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Apesar de serem causas fundamentais para a emigração, nem a fome, nem a crise geral explicam a
emigração de famílias abastadas que resolveram tentar a sorte na América.
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
Além de constituir uma enorme mudança na vida destes imigrantes, havia sempre
presente o fantasma da viagem mal sucedida que muitas vezes culminava em
morte. O processo emigratório era ameaçado por fatores externos. A espera na
cidade portuária já era um risco. Se o emigrante não conseguisse o valor
necessário para o embarque, ele poderia ser repatriado e em uma hipótese
extrema, tornar-se mendigo. A travessia significava um perigo em potencial e
muitos não alcançaram seu destino.
Mesmo com todos estes obstáculos, muitas famílias suíças cruzaram o oceano e
escolheram o Brasil como morada, encontrando um País em transição. No Brasil,
o fim do tráfico negreiro em meados do século XIX trouxe como tônica a falta de
mão-de-obra e o conseqüente apelo aos braços europeus para a lavoura. Cabe
ressaltar que a imigração foi incentivada desde o período colonial, com a
preocupação de se ocupar territórios.
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Gaensly no acervo da Light (1899-1925)
Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
No século XIX, os imigrantes que vieram para o Brasil tinham vantagem sobre os
brasileiros pois vinham já orientados para uma inserção produtiva determinada.
Eles criaram uma economia baseada no trabalho familiar, de pequena lavoura de
mantimentos em áreas estratégicas. Havia uma intenção política de destinar terra
a eles. Recebiam subsídios do governo brasileiro para trabalhar em função de ter
sua terra e seu lugar, reproduzindo o que já praticavam na Europa (TRINDADE,
1994, p. 17).
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Casa de Colonos em Dona Francisca – atual Joinville – SC, 1865. Fotografia de gravura do livro
Auswanderer de H. Von Freeben e G. Omolta- Leipzig, 1937. Col. Instituto Hans Staden. (TRINDADE,
1994, p. 20).
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Carl F. Von Martius. Lagoa de Aves à Margem do Rio São Francisco. (Vogelteich am Rio São Francisco)
Atlas zur Reise von Dr. V Spix und Dr. V. Martius, Leipzig in Comm. Bei Friedr. Fleischer. München,
Gedruckt in der Officin Von Dr. C. Wolf, 1823-1831. (TRINDADE, 1994, p. 31).
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Martin Nicoulin destaca a migração de dez mil pessoas, entre 1816 e 1817, para os Estados Unidos, evento
motivado pela crise gerada pelo protecionismo da França, país do qual dependia dois terços do comércio
externo suíço (NICOULIN, 1995).
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
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A título de comparação, o cantão possui uma população de 225 mil, para uma população da Suíça, em 1998,
de 7.123.500 habitantes.
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
do Sul, Isa Markmann e Freya Gaensly. Com o hobby de estudar a gênese de sua
família, ambas recuperaram a árvore genealógica dos Gaensly, o brasão da
família e fotos antigas. Além disso, esta família costuma reunir todos os Gaenlsy
vivos em um almoço anual. O interesse por este tipo de estudo, segundo Dona
Isa, atualmente com 89 anos, vem de sua infância:
Nestas conversas à beira da janela, Isa ficou sabendo mais sobre a vida de seus
bisavós, Barbara e Johan Casper Gaensly, precursores de uma grande linhagem
que já está na quarta geração:
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Depoimento oral de Isa Markmann Gaensly para Ana Maria Dietrich. Curitiba, 01 de junho de 1999.
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Lembranças de Isa Markmann, manuscrito.
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
Pouco se sabe sobre a ligação deste ramo da família com o ramo Gaensly
radicado em Salvador. Porém, ambos os ramos têm a mesma origem, o cantão de
Turgau, Suíça e chegaram na mesma época, entre os anos 30 e 40 do século XIX.
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Sabe-se porém que Ida Gaensly, esposa do fotógrafo Guilherme Gaensly, não chegou a concretizar seus
planos, vindo a morrer em São Paulo em 1933, cinco anos após o marido. Conforme Certidão de Óbito de Ida
Gänsli, 1º/ out./1933. Oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais. 11º Subdistrito – Santa Cecília. São Paulo
–São Paulo. (Cópia datada de 4/5/1999).
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Depoimento oral de Isa Markmann Gaensly para Ana Maria Dietrich. Curitiba, 1 de junho de 1999.
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
Segundo esta publicação, data de 1815 o primeiro registro da chegada dos suíços
na então Província da Bahia. Em 1818, iniciou-se a colonização de Leopoldina nas
margens do Rio Peruípe, em Viçosa, onde colonos suíços introduziram a
plantação de café. Desde então a imigração suíça aumentou progressivamente,
tornando-se necessária a presença de um representante oficial dos suíços na
Bahia. Em 1833, foi nomeado o cônsul Henry Gex (WILDBERGER, 1942, p. 73).
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
contava 42 pessoas enquanto que a cidade da Baía, o resto estava disperso pela
Província.
Profissão Nº
Comerciante 22
Fazendeiro 19
Administrador de fazenda 6
Carpinteiro 8
Relojoeiro 4
Alfaiate 1
Empregado doméstico 1
Padeiro 1
Ourives 1
Marceneiro 1
Agrimensor 1
Não especificado 25
Total 90
(WILDBERGER, 1942, p. 74-75)
Interessante notar que os suíços vieram ao Brasil não só para substituir a mão-de-
obra escrava (o tráfico de negros foi abolido em 1850), mas para atuar em outros
setores da economia. O século XIX foi marcado por um surto industrial na
Província da Bahia. Segundo ofício datado de dezembro de 1853, endereçado ao
Conselho Federal Suíço, há o aconselhamento de imigração de operários como
mecânicos, ferreiros, torneiros, serralheiros, etc.
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
O irmão Ferdinand trabalhou com o primo Jacob em Belém (PA), depois voltou à
Bahia, onde trabalhou com comércio. Frederick sempre morou na Bahia e
trabalhou como telegrafista, morrendo em 1902. E Guilherme Gaensly?
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
Como pode ser observado, os três irmãos morreram solteiros e não deixaram
descendentes, dificultando assim a localização de parentes que pudessem depor
sobre este ramo familiar.
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
Outro indicador das dificuldades da família é o fato de ela estar enterrada no Bahia
Fremden Kirschhof (Cemitério dos Estrangeiros). Localizado em frente ao
cemitério municipal de Salvador Campo Santo, encontra-se dividido em áreas: a
católica e a protestante, o que revela a separação entre os credos até na hora da
morte. Foi destinado à comunidade alemã e conhecido durante muito tempo como
Cemitério dos Alemães. Foi criado em 1850/51 13 e mantido inicialmente por firmas
estrangeiras que faziam donativos. Atualmente, os túmulos são mantidos por
contribuições dos sócios.
Lembramos que, apesar da liberdade de culto ainda que restrita, havia uma
espécie de separatismo entre os adeptos das diferentes religiões, sendo que o
protestantismo ainda era visto com reserva e, muitas vezes, seus adeptos eram
alvo de perseguições. 14
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O primeiro sepultamento do cemitério aconteceu em 10 de junho de 1851.
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Julio Andrade Ferreira refere-se à proibição de enterrar evangélicos no mesmo cemitério que os católicos.
Segundo ele: “Isto acontecera no Rio, onde o bispo mandou desenterrar os ossos do ex-padre José Manoel da
Conceição” (FERREIRA, 1959, p. 159).
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
Em 1863, foi promulgado um decreto pelo qual fica estabelecido o casamento nas
“religiões toleradas” pelo Estado que deveriam ser precedidos de proclamas e
celebrados por um ministro cuja nomeação ou eleição tivesse sido registrada na
Secretaria do Império; os certificados desses casamentos seriam registrados na
Câmara Municipal mais próxima. Estabelecia também que os nascimentos e
sepultamentos seriam registrados nos cartórios de paz e que os cemitérios
públicos comportariam um “lugar separado” para suas sepulturas (LÉONARD, p.
53).
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
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Lindemann. O livro em questão cobre registros entre 1872 e 1888, em um total
de 55 cerimônias de praticantes dos cultos batista e presbiteriano, reunindo
cidadãos de origem inglesa, suíça e francesa.
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LIVRO de registros: casamento religião diferente Estado: 1872 a 1888. Bahia: Arquivo Histórico
Municipal, Fundação Gregório de Mattos, 1872 - 1888.
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Registro da certidão de casamento de Guilherme Gaensly e Elisabeth Ida Ischtiner. Bahia, 5 de maio de
1888 (LIVRO..., 1872-1888).
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Registro da certidão de casamento de Rodolpho Frederico Francisco Lindemann e Alaine Gaensly. Bahia,
23 de abril de 1888 (LIVRO..., 1872-1888).
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
Convém observar que o termo “Casa Gaensly” foi primeiramente utilizado pelo
estudioso Cid Teixeira. Ele também destaca a importância deste estabelecimento
na vida comercial baiana: “A história comercial da Casa Gaensly reconstituída
através de alguns documentos da firma através de passe-partout das suas
fotografias é todo um capítulo da história social da cidade” (TEIXEIRA, 1963, p. 2).
Uma publicação dos anos 40 sobre a firma suíça Wildberger & Cia, que contém
um capítulo sobre a história do Consulado da Suíça na Bahia, trouxe outro
indicativo da importância da família Gaensly na colônia suíça em Salvador. Em
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1858, Jacob Henry Gaensly foi indicado como candidato para tornar-se cônsul
da Suíça em Salvador. Jacob, que nesta época tinha 34 anos e era sócio gerente
da firma F. L. Gaensly & Cia., não conseguiu o cargo (WILDBERGER, 1942, p. 78-
79).
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Registro da certidão de casamento de Joaquim Guilherme Schmidt e Maria [Nelomo]. Bahia, 09 de julho de
1884 (LIVRO..., 1872-1888).
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Aventamos a hipótese de Jacob Henry Gaensly ser o próprio pai de Gaensly, Jacob Heinrich Gaensly.
Devido à presença britânica na Província da Bahia, fato verificado pela presença de um Cemitério Inglês, o
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
segundo nome de Jacob, Heinrich pode ter sua grafia mudada para Henry. Porém, precisaríamos de outras
informações para confirmar esta hipótese.
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Suissa. O Estandarte. São Paulo, 12 fev. 1898, ano IV, n. 7.
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Como podemos observar neste outro artigo publicado no mesmo jornal:
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“Ninguém desconhece que a creação das Missões Nacionais tem produzido resultados fecundos na Egreja
Presbyteriana Brazileira: tem desenvolvido a sua actividade, tem proclamado a sua independencia
financeira, e como as águas extravasam nas grandes enchentes, tem levado fora de suas antigas raias o
conhecimento de Christo...” Revista das Missões Nacionais. Igreja Presbyteriana Brasileira. Ano XIII, n. 2. O
Estandarte. São Paulo, 29 jan. 1898, ano VI, n. 5.
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Outros exemplos de perseguição são citados por Júlio Andrade Ferreira. “Em Jaú, em 1877, a 26 de abril, o
Rev. Dagama foi barbaramente espancado e arrastado por um grupo de fanáticos”. “Em Guarapuava,
Paraná [1886], instauraram um processo contra duas pessoas pelo crime de terem deixado a religiao do
estado e contraido casamento perante um ministro protestante.” “O Rev. Wardlaw certa vez estava sendo
apupado nas ruas de Fortaleza. Um grupo de meninos amolecados o acompanhava e gritava: “Padre
casado! Padre casado! Olha o padre casado!” (FERREIRA, 1959, p. 158-9, 164).
23
BRAGA, J. Ribeiro de Carvalho. A Intolerância religiosa. O Estandarte. São Paulo, 9/07/1898, ano VI, n.
28.
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Ibid.
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Segundo Vicente Themudo Lessa, A. L. Blackford é considerado o “organizador” da Igreja Presbiteriana no
Brasil.
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
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Guilherme Gaensly não foi o único fotógrafo que retratou aspectos da igreja presbiteriana. No arquivo da
Igreja Presbiteriana de São Paulo pode-se encontrar registros de: Alberto Henschel, Valério Vieira, Carlos
Hoenen, G. Sarracino e outros.
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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich
Assim, tendo como norte a malha fina que envolveu o fotógrafo em sua vida, esta
pesquisa não teve o objetivo único de acompanhar sua trajetória, mas através de
uma análise pontual, recuperar questões inerentes ao contexto histórico, como a
imigração suíça no Brasil e o protestantismo na virada do século XIX.
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