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Imagens de São Paulo

Gaensly no acervo da Light (1899-1925)


Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

“Adeus minha pátria ingrata


Nós rumamos alegres de mãos dadas
Para lá, para aquelas muito elogiadas terras
Para nós construirmos um Paraíso Terrestre.” 1

Imigração suíça e protestantismo no século XIX


Reflexões sobre a micro-história de Guilherme Gaensly

Ana Maria Dietrich

Pesquisas sobre biografias de fotógrafos no Brasil ainda são um desafio para os


estudiosos. São poucas as referências, poucos aqueles que se debruçaram sobre
este tema e as informações encontradas são superficiais, muitas vezes
restringindo-se a dados pessoais como nacionalidade, data de nascimento e de
morte. Com Guilherme Gaensly não poderia ser diferente. Apesar de constarem
referências a seu nome em diversas obras como o fotógrafo que registrou o boom
de desenvolvimento urbano paulista na virada do século, e alguns autores terem
traçado importantes reflexões sobre sua obra (KOSSOY, 1988), as informações
sobre sua pessoa eram poucas.

Assim, atentos a esta lacuna, procuramos dirigir nossos esforços para descobrir
quem foi Guilherme Gaensly, este fotógrafo que tão brilhantemente registrou
cenas urbanas das capitais paulista e baiana, deixando um rico legado para a
História do Urbanismo. Devido à escassa bibliografia, fez-se necessária uma
investida em busca de fontes primárias complementada por depoimentos orais.

1
Versos do livro:Auswanderer (Emigrantes) de H. Von Freeben e G. Omolta, c. 1820. Leipzig, 1937 apud
SÃO PAULO (ESTADO). SECRETARIA DO ESTADO DA CULTURA, MUSEU DA IMIGRAÇÃO,

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Gaensly no acervo da Light (1899-1925)
Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

As dificuldades não foram poucas. Apesar da vida de Gaensly estar separada de


nossa época atual por poucas décadas, pois ele faleceu em 1928, recuperá-la foi
uma tarefa repleta de desafios. Como em uma escavação arqueológica, houve a
junção dos fragmentos de sua micro-história encontrados nos diversos arquivos na
tentativa de reconstituir a teia de fatos que envolveram sua vida. Imersos no jogo
entre passado e presente, procurou-se reconstituir as partes desta história que se
desmancharam no vórtice do tempo, cientes de que “...há portas que [o
historiador] não poderá jamais forçar, de que há limites que não poderá jamais
transpor...” (GIRARDET, 1987).

Uma destas portas fechadas foi a destruição dos documentos do Consulado Geral
da Suíça em São Paulo devido a dois incêndios na década de 70. Já na
representação consular em Salvador, os documentos referentes aos imigrantes
helvétios foram encaminhados de volta para a Suíça na década de 60. Uma das
pessoas que fez a seleção destes documentos foi o estudioso baiano Cid Teixeira,
que na época publicou dois artigos no Jornal da Bahia, que foram as principais
fontes na recuperação da gênese dos Gaensly.

As investigações históricas centradas na análise de fenômenos circunscritos --


uma comunidade, uma família ou, no caso, um indivíduo -- podem possibilitar a
leitura de problemas de ordem geral, que dizem respeito ao tecido social em que o
indivíduo está inserido (GINSBURG et al., 1989, p. 175). Nas décadas de 70 e 80,
Carlo Ginsburg e outros historiadores introduziram esta maneira de fazer história
ao privilegiar as zonas até então marginais, os conflitos entre configurações
socioculturais, além de estabelecer uma zona de diálogo com outras áreas de
saber, principalmente a Antropologia e a Filosofia (GINSBURG et al., 1989, p.
177).

PINACOTECA DO ESTADO. O olhar e o ficar: a busca do paraíso. São Paulo: 1994. Catálogo de exposição
– ago./set. 1994.

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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

“A análise micro-histórica é, portanto, bifronte. Por um lado, movendo-se


numa escala reduzida, permite em muitos casos uma reconstituição do
vivido impensável noutros tipos de historiografia. Por outro lado, propõe-se
a indagar as estruturas invisíveis dentro das quais aquele vivido se articula”
(GINSBURG et al., 1989, p. 178).

Tais são os parâmetros que orientarão o percurso pela origem étnica e religiosa
do fotógrafo suíço Guilherme Gaensly e o contexto histórico em que se deu a
imigração de sua família no Brasil.

Os desafios da imigração suíça

O tema da imigração constitui parte de nosso imaginário no que se refere à


formação do povo brasileiro, com imagens de naus lotadas de pessoas de
diversas partes do mundo, como nos registros feitos por Guilherme Gaensly e seu
sócio Lindemann, de cenas da chegada dos imigrantes do navio San Gottardo2.
Um outro aspecto que também foi alvo de interesse do fotógrafo foi a recepção
dos passageiros na Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo. Muitos sonhos e
esperanças se esconderam sob o desgastado jargão “fazer a América”.

A historiografia brasileira tem se ocupado muito deste tema, apesar de haver um


restrito número de obras que se referem à imigração suíça em particular. Cabe
ressaltar que a imigração suíça foi a primeira imigração de pessoas livres de
origem não portuguesa que chegou ao Brasil. Tal fluxo imigratório iniciou-se em
1818.

As causas para a emigração foram diversas. Podem ser citados fatores como a
fome, o excesso de população, a falta de terra para os camponeses. Além disto, o
governo cobrava altos impostos. “Nas cidades, as crises econômicas causavam
empobrecimento, a proletarização de indivíduos” (TRINDADE, 1994, p. 17-19).

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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

No prefácio do livro A Gênese de Nova Friburgo, o professor da Sorbonne, Pierre


Chaunu, aponta a crise européia como principal causa para esta emigração. “De
1815/1816 a 1820/1821, houve em toda a Europa, e a Suíça francófona está no
centro da Europa e de seus problemas -- é o cerne da Europa -- , um surto
migratório que foi um surto de crise” (NICOULIN, 1995, p. 21).

Assim, o Brasil aparece como alternativa para os insatisfeitos da Suíça,


caracterizada por Martin Nicoulin como um país marcado por muitas tradições. A
emigração funcionou parcialmente para remediar os efeitos do fechamento
comercial da Europa oriental (NICOULIN, 1995, p. 22). Não só os pobres vieram
para o Brasil, mas também famílias mais abastadas. Vieram famílias completas,
“...prodigioso presente que a Europa oferece ao Novo Mundo” (NICOULIN, 1995,
p. XX), que entravam em choque com a falta de estrutura do Brasil: poucas
escolas, poucas estradas, pouca comunicação. Este panorama geral prejudicava a
transmissão de conhecimentos e de habilidade tecnológica.

Além da crise européia, existem outros fatores que propulsionaram esta


emigração 3. O início do século XIX, mais precisamente os anos de 1815 e 1816,
foi marcado pelo Bloqueio Continental napoleônico e conseqüente aumento das
tarifas aduaneiras. A repercussão destes fatos provocou aumento de desemprego
na Suíça, estimulando muitos a embarcarem rumo à América. Outros fenômenos
conjunturais, como a crise no campo entre os anos de 1816 e 1817, com perda de
colheitas, provocaram um quadro de aumento de custo de vida, penúria e fome 4.
A superpopulação de um lado e a falta de recursos de outro levaram à exportação

2
Construído pela firma italiana G. Ansaldo & Co, o navio San Gottardo foi inaugurado em maio de 1884
quando fez sua primeira viagem partindo da Itália (Gênova) em direção ao Brasil e Argentina.
3
Do século XV ao século XIX, cerca de dois milhões de suíços migraram ao estrangeiro para se tornarem
militares. “Ao entregar soldados, talvez os governos cantonais faturassem quantias consideráveis mas
estavam também exportando a população excedente.” (NICOULIN, 1995, p. 29)
4
Apesar de serem causas fundamentais para a emigração, nem a fome, nem a crise geral explicam a
emigração de famílias abastadas que resolveram tentar a sorte na América.

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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

de diversas correntes humanas Os suíços civis que emigraram geralmente


estavam ligados às atividades comerciais, à produção têxtil e à relojoaria.

Além de constituir uma enorme mudança na vida destes imigrantes, havia sempre
presente o fantasma da viagem mal sucedida que muitas vezes culminava em
morte. O processo emigratório era ameaçado por fatores externos. A espera na
cidade portuária já era um risco. Se o emigrante não conseguisse o valor
necessário para o embarque, ele poderia ser repatriado e em uma hipótese
extrema, tornar-se mendigo. A travessia significava um perigo em potencial e
muitos não alcançaram seu destino.

A dívida da passagem podia se transformar em escravidão. Em algumas cidades


portuárias, havia um mercado no qual os capitães dos navios vendiam aos
fazendeiros os emigrados que lhe deviam a quantia da passagem (NICOULIN,
1995, p. 42). Outros problemas que os imigrantes enfrentavam constantemente
eram as doenças tropicais. Em 1849/50, irrompeu na Província da Bahia, por
exemplo, uma grande epidemia de cólera e febre amarela, sendo que a maioria
dos suíços lá residentes foi atingida. “Em 1853 ainda grassava a febre amarela;
desta vez seis caiam doentes sendo um caso fatal” (WILDBERGER, 1942, p. 77).

Mesmo com todos estes obstáculos, muitas famílias suíças cruzaram o oceano e
escolheram o Brasil como morada, encontrando um País em transição. No Brasil,
o fim do tráfico negreiro em meados do século XIX trouxe como tônica a falta de
mão-de-obra e o conseqüente apelo aos braços europeus para a lavoura. Cabe
ressaltar que a imigração foi incentivada desde o período colonial, com a
preocupação de se ocupar territórios.

O decreto de 1808 que estabelecia o direito de propriedade de terra a estrangeiros


propiciou o aumento gradativo do trabalho livre, além de criar um sistema agrário
paralelo ao escravista.

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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

No século XIX, os imigrantes que vieram para o Brasil tinham vantagem sobre os
brasileiros pois vinham já orientados para uma inserção produtiva determinada.
Eles criaram uma economia baseada no trabalho familiar, de pequena lavoura de
mantimentos em áreas estratégicas. Havia uma intenção política de destinar terra
a eles. Recebiam subsídios do governo brasileiro para trabalhar em função de ter
sua terra e seu lugar, reproduzindo o que já praticavam na Europa (TRINDADE,
1994, p. 17).

A iconografia da época revela o olhar de estranhamento do estrangeiro perante o


“paraíso tropical”. Em um desenho de 1865 do livro Auswanderer, vemos uma
casa simples de colono em Dona Francisca, atual Joinville (SC) em plena floresta,
reforçando a imagem de isolamento dos imigrantes em uma terra pouco habitada
5
e com uma natureza “exótica”. Em outra gravura (1823/1831), de Carl F. Von
Martius, três homens vestidos de fraque e portando carabinas observam uma
6
lagoa à margem do Rio São Francisco, repleta de aves e rodeada por árvores.
Mais uma vez, há a recorrência da imagem do deslumbramento perante a nova
terra e à sua vegetação nativa.

O surto migratório a partir da Suíça é marcante entre 1815 e 1821 7. A presença


suíça no Brasil tem como marco inicial a implantação, em 1820, da colônia de
Nova Friburgo no Estado do Rio de Janeiro, em iniciativa apoiada por Dom João
VI. Em 1846, o governo brasileiro, através de uma missão em Berlim liderada por
Visconde de Abrantes, estabeleceu diretrizes com objetivo de aumentar a

5
Casa de Colonos em Dona Francisca – atual Joinville – SC, 1865. Fotografia de gravura do livro
Auswanderer de H. Von Freeben e G. Omolta- Leipzig, 1937. Col. Instituto Hans Staden. (TRINDADE,
1994, p. 20).
6
Carl F. Von Martius. Lagoa de Aves à Margem do Rio São Francisco. (Vogelteich am Rio São Francisco)
Atlas zur Reise von Dr. V Spix und Dr. V. Martius, Leipzig in Comm. Bei Friedr. Fleischer. München,
Gedruckt in der Officin Von Dr. C. Wolf, 1823-1831. (TRINDADE, 1994, p. 31).
7
Martin Nicoulin destaca a migração de dez mil pessoas, entre 1816 e 1817, para os Estados Unidos, evento
motivado pela crise gerada pelo protecionismo da França, país do qual dependia dois terços do comércio
externo suíço (NICOULIN, 1995).

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Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

imigração: a colonização com base na pequena propriedade, a naturalização


imediata dos imigrantes, a liberdade de culto e o trabalho livre (VECHIA, 1994).

Como aponta Ariclê Vechia, em 1847 alemães e suíços foram contratados em um


sistema de parceria, no qual o colono recebia uma porcentagem sobre a colheita.
Assim, foram fundadas várias colônias em São Paulo. Porém, a repercussão da
idéia do colono estrangeiro como substituição da mão-de-obra escrava
prejudicava a imagem do Brasil enquanto pólo de imigração, provocando na
Europa uma propaganda contrária ao Brasil (VECHIA, 1994).

De Turgau a Salvador: a chegada dos Gaensly ao Brasil

Entre os imigrantes suíços, estava a família Gaensly. O resultado de nossas


pesquisas indica que há dois ramos da família Gaensly que chegaram ao Brasil no
século XIX. Uma parte da família radicou-se em São Mateus do Sul (PR), e
algumas pessoas deste ramo rumaram posteriormente para Curitiba. O segundo
ramo, e neste o fotógrafo Guilherme Gaensly está inserido, chegou primeiramente
em Salvador. Na última década do século XIX, Guilherme Gaensly mudou-se para
São Paulo.

Ambos os ramos provieram da cidade de Welhausen, no cantão de Turgau,


(Suíça), fronteira com a atual Alemanha. Welhausen apresentava uma população
de 527 habitantes em 1831. Situada a quatro quilômetros da capital do cantão,
Frauenfeld, é hoje conurbada com Felben. Em 1826, Frauenfeld tinha 1.200
habitantes e hoje, 18.900. 8

Alguns detalhes e curiosidades da vinda desta família para o Brasil estão


presentes nas lembranças de duas representantes vivas da família Gaensly, ramo

8
A título de comparação, o cantão possui uma população de 225 mil, para uma população da Suíça, em 1998,
de 7.123.500 habitantes.

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do Sul, Isa Markmann e Freya Gaensly. Com o hobby de estudar a gênese de sua
família, ambas recuperaram a árvore genealógica dos Gaensly, o brasão da
família e fotos antigas. Além disso, esta família costuma reunir todos os Gaenlsy
vivos em um almoço anual. O interesse por este tipo de estudo, segundo Dona
Isa, atualmente com 89 anos, vem de sua infância:

“Minha bisavó morava conosco e como, naquela época, as senhoras idosas


eram vovozinhas e ficavam presas nas suas casas, nos seus quartos, não
havia a possibilidade de uma senhora octogenária andar passeando pelas
ruas de Curitiba. Assim, me vejo na salinha de minha avó, ela sentada rente
à janela que dava para um lago da Praça 19 de Dezembro, sempre com um
trabalho na mão, os olhos fitos na rua para não perder um só
acontecimento. Ela tricotava todas nossas meias, e eu ficava sentada junto
dela atenta para escutar e sentir as maravilhas que a querida velhinha tinha
a me contar. Era vinda imigrante da longínqua Europa pronta para
conquistar um novo mundo, uma nova vida.” 9

Nestas conversas à beira da janela, Isa ficou sabendo mais sobre a vida de seus
bisavós, Barbara e Johan Casper Gaensly, precursores de uma grande linhagem
que já está na quarta geração:

“Entre 1838 e 1848, duas famílias suíças, uma da cidade de Welhausen e


outra de Frauenfeld, estavam arrumando as malas para enfrentar o
desconhecido. Eram as famílias Maeder e Gaensly respectivamente. A
família Maeder, de classe média, arrumou as trouxas, pois a vida para eles
era muito penosa e a propaganda do ‘além mar’ era muito promissora [...]. A
outra família, a Gaensly, que vivia em Frauenfeld era uma família abastada.
Era simplesmente uma aventura. O chefe da casa cansou da monotonia da
vida em um país muito bem organizado. Chegaram ao Sul do Brasil. A
propaganda, como sempre, não foi sincera. Era uma terra inculta, mata
virgem e longe da civilização. O sr. Casper Gaensly e dona Barbara
arregaçaram as mangas e queriam dominar o destino.” 10

Esta fala, mesmo que romantizada, recupera elementos importantes de reflexão


do processo imigratório como, por exemplo, o estímulo de mudança para a

9
Depoimento oral de Isa Markmann Gaensly para Ana Maria Dietrich. Curitiba, 01 de junho de 1999.
10
Lembranças de Isa Markmann, manuscrito.

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América através da propaganda. Há o reforço da idéia de contraste entre a Suíça,


país “organizado”, e o Brasil, “terra inculta, mata virgem e longe da civilização”.
Civilização x barbárie, ordem x caos, progresso x natureza -- estas imagens
antagônicas são constantemente manipuladas na construção de um imaginário
referente à imigração. Qualidades dos imigrantes tais como a coragem e o
pioneirismo das ações são destacadas: “queriam dominar o destino”. Valoriza-se a
idéia da “aventura” da viagem intercontinentes mascarando todo os conflitos de tal
processo.

Pouco se sabe sobre a ligação deste ramo da família com o ramo Gaensly
radicado em Salvador. Porém, ambos os ramos têm a mesma origem, o cantão de
Turgau, Suíça e chegaram na mesma época, entre os anos 30 e 40 do século XIX.

O depoimento de Isa Markmann confirma que pelo menos um contato em vida


eles tiveram. Segundo ela, quando menina, a família Gaensly do Sul recebeu a
notícia da morte de “um certo fotógrafo Gaensly de São Paulo” que teria deixado
sua casa na capital paulista como herança para os parentes do Sul. A viúva de
11
Gaensly iria voltar a Salvador . Mas, segundo ela, os parentes não chegaram a
tomar posse da casa devido à distância.

“Alguns parentes tinham hábito de vir às segundas-feiras tomar café em


minha casa aqui em Curitiba. Lembro que em uma dessas ocasiões, nós
estávamos se despedindo quando encontramos o tio Albamo. Ele nos
contou que tinha recebido uma carta, parece que do governo de São Paulo,
dizendo que ele havia recebido como herança uma casa do falecido primo
Gaensly, que era fotógrafo. Tio Albamo desistiu porque ele sabia como
eram as coisas... ter que ir para São Paulo e ter mil e tantas coisas a
saber... Daí ele desistiu de querer, outros aceitaram e ficou por isso mesmo.
É pouca coisa o que sabemos desse parente.” 12

11
Sabe-se porém que Ida Gaensly, esposa do fotógrafo Guilherme Gaensly, não chegou a concretizar seus
planos, vindo a morrer em São Paulo em 1933, cinco anos após o marido. Conforme Certidão de Óbito de Ida
Gänsli, 1º/ out./1933. Oficial do Registro Civil de Pessoas Naturais. 11º Subdistrito – Santa Cecília. São Paulo
–São Paulo. (Cópia datada de 4/5/1999).
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Depoimento oral de Isa Markmann Gaensly para Ana Maria Dietrich. Curitiba, 1 de junho de 1999.

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Somente através de uma investida histórica nos arquivos da Suíça poderíamos


aprofundar o conhecimento sobre a ligação entre os dois ramos Gaensly.

Na recuperação da genealogia da família Gaensly estabelecida em Salvador, as


fontes principais foram os artigos do estudioso Cid Teixeira, publicados no Jornal
da Bahia nos anos 60. Em depoimento, Cid afirmou que para escrever estes
artigos, usou como fonte primária os documentos do Consulado da Suíça na
Bahia, hoje transferidos para a Suíça.

Usamos também como fonte os documentos localizados nos arquivos, museus e


cemitérios de Salvador, através dos quais pudemos recuperar algumas
informações inéditas, além de uma publicação dos anos 40, localizada na Agência
Consular da Suíça em Salvador.

Segundo esta publicação, data de 1815 o primeiro registro da chegada dos suíços
na então Província da Bahia. Em 1818, iniciou-se a colonização de Leopoldina nas
margens do Rio Peruípe, em Viçosa, onde colonos suíços introduziram a
plantação de café. Desde então a imigração suíça aumentou progressivamente,
tornando-se necessária a presença de um representante oficial dos suíços na
Bahia. Em 1833, foi nomeado o cônsul Henry Gex (WILDBERGER, 1942, p. 73).

“Quando a Suíça reconheceu a nossa independência em 30 de janeiro de


1826, já haviam fixado na Baía alguns de seus cidadãos. Em 1816 o Sr.
Meuron aqui fundou a primeira fábrica de rapé. Dois anos mais tarde, o
professor Freireyss, companheiro do príncipe Maximiliano de Wied, tendo
fundado a colônia Leopoldina no sul da Baía, ali fixou mais duas famílias
suíças” (WILDBERGER, 1942, p. 112).

O primeiro recenseamento dos suíços residentes na Província da Bahia estimou,


em 1841, a presença de 90 pessoas de profissões variadas, com maior
concentração nas áreas rurais e de comércio (ver tabela). A Colônia Leopoldina

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contava 42 pessoas enquanto que a cidade da Baía, o resto estava disperso pela
Província.

Profissão Nº
Comerciante 22
Fazendeiro 19
Administrador de fazenda 6
Carpinteiro 8
Relojoeiro 4
Alfaiate 1
Empregado doméstico 1
Padeiro 1
Ourives 1
Marceneiro 1
Agrimensor 1
Não especificado 25
Total 90
(WILDBERGER, 1942, p. 74-75)
Interessante notar que os suíços vieram ao Brasil não só para substituir a mão-de-
obra escrava (o tráfico de negros foi abolido em 1850), mas para atuar em outros
setores da economia. O século XIX foi marcado por um surto industrial na
Província da Bahia. Segundo ofício datado de dezembro de 1853, endereçado ao
Conselho Federal Suíço, há o aconselhamento de imigração de operários como
mecânicos, ferreiros, torneiros, serralheiros, etc.

No caso da família de Guilherme Gaensly, o ramo de negócios inaugurado pelo


pai do fotógrafo, Jacob, foi uma firma de importação de tecidos e exportação de
algodão denominada J. H. Gaensly. Ao lado da firma do pai do fotógrafo, diversas
fábricas de tecidos surgiram nesta mesma época (WILDBERGER, 1942, p. 110).

Em 1873, houve um novo surto imigratório com a vinda de diversas famílias e


fundação dos núcleos coloniais de Muniz, Teodoro e Poço. A orientação para os
imigrantes era de se absterem de participar em quaisquer movimentos políticos na
nova terra. Neste sentido, o presidente da Confederação Suíça enviou uma carta
ao cônsul da Suíça na Bahia., Jacob Studer, em 1902, com o seguinte pedido:

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“Conselho para todos os Suíços: quando estalarem revoluções em países


estrangeiros, devem nossos compatriotas distanciarem-se de quaisquer
manifestações; caso o não fizerem serão eles exclusivamente culpados se
apanharem parte das bordoadas que então forem distribuídas”
(WILDBERGER, 1942, p. 90)

Os primeiros Gaensly, Frederico e Gustavo, chegaram a Salvador em 1840, mas


não se adaptaram ao Brasil, voltando logo a sua terra de origem. Segundo Cid
Teixeira, apesar de não se fixarem, “a correspondência destes dois Gaensly foi
bastante para atrair outros parentes” (TEIXEIRA, 1963, p. 2). Entre os diversos
membros da família que chegaram entre 1840 e 1850, veio o pai de Guilherme
Gaensly, Jacob Heinrich, que chegou ao Brasil em 1843 e foi o único da família a
se fixar em Salvador. As idas e vindas da Europa de diversos membros parecem
caracterizar a migração isolada, sem suporte oficial. Depois de cinco anos, em
1848, chega a Salvador a mãe de G. Gaensly, Anna Barbara Kyn e os três filhos
Ferdinand, Frederick e Wilhelm (Guilherme).

O irmão Ferdinand trabalhou com o primo Jacob em Belém (PA), depois voltou à
Bahia, onde trabalhou com comércio. Frederick sempre morou na Bahia e
trabalhou como telegrafista, morrendo em 1902. E Guilherme Gaensly?

“Wilhelm nasceu em 1843, no mesmo ano em que seu pai deixava


Welhausen pela cidade de Salvador. Chegou aqui com cinco anos. Aqui
cresceu, aculturou-se, baianou-se, inclusive no nome, que assinou sempre
Guilherme e não Wilhelm Gaensly. Na sua infância, difundira-se a
daguerreotipia e a fotografia. Durante a adolescência e mocidade era uma
autêntica febre” (TEIXEIRA, 1963, p. 2).

O livro de registros do Cemitério dos Estrangeiros nos fornece outras informações


sobre a família Gaensly. Guilherme teve uma irmã caçula, cinco anos mais nova,
que nasceu na Bahia em 1848, Julia Gaensly. Também teve outra irmã nascida na
Bahia, Alaine Gaensly, da qual não encontramos registro de óbito. Ao todo,
encontram-se enterrados neste Cemitério cinco Gaensly:

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- Jacob Heinrich (pai de Gaensly): morreu em 1868, aos 64 anos


- Anna Barbara (mãe de Gaensly): morreu em 1895, aos 82 anos (27 anos
depois do J. Heinrich), de debilidade senil
- Frederico (irmão): morreu em 1902, com 54 anos, de esclerose
- Fernando (irmão): morreu em 1915, com 78 anos, de esclerose
- Júlia (irmã): morreu em 1936, com 88 anos, de esclerose

Como pode ser observado, os três irmãos morreram solteiros e não deixaram
descendentes, dificultando assim a localização de parentes que pudessem depor
sobre este ramo familiar.

Um pedaço da Suíça protestante no Brasil

A vida do fotógrafo Guilherme Gaensly, apesar do reconhecimento e sucesso


comercial, não deve ter sido fácil do lado pessoal. O “baianar-se”, delicioso verbo
criado por Cid Teixeira referindo-se ao fotógrafo, talvez não se adequasse tão bem
a ele, que carregava o estigma de ser estrangeiro e protestante. As diferenças de
religião, de costumes e língua devem ter assinalado um difícil processo de
adaptação de toda família Gaensly à realidade brasileira. Como assinala Trindade,
referindo-se aos imigrantes de língua alemã: “O contato entre eles e os nacionais,
de origem luso-brasileira não se deu sem estranhamentos, dificuldades de ambas
as partes: cultura, tipo físico, língua, religião, ambições distintas, motivação de
vida distinta” (TRINDADE, 1994, p. 30).

Entre as dificuldades enfrentadas pela família Gaensly, pode-se lembrar a seca


que assolou a Província da Bahia em 1858, quando o fotógrafo Guilherme Gaensly
tinha 15 anos. Nos três anos de duração, a seca assolou o comércio baiano.
Muitas firmas entraram em liquidação, incluindo bancos (WILDBERGER, 1942, p.
110).

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Outro indicador das dificuldades da família é o fato de ela estar enterrada no Bahia
Fremden Kirschhof (Cemitério dos Estrangeiros). Localizado em frente ao
cemitério municipal de Salvador Campo Santo, encontra-se dividido em áreas: a
católica e a protestante, o que revela a separação entre os credos até na hora da
morte. Foi destinado à comunidade alemã e conhecido durante muito tempo como
Cemitério dos Alemães. Foi criado em 1850/51 13 e mantido inicialmente por firmas
estrangeiras que faziam donativos. Atualmente, os túmulos são mantidos por
contribuições dos sócios.

Lembramos que, apesar da liberdade de culto ainda que restrita, havia uma
espécie de separatismo entre os adeptos das diferentes religiões, sendo que o
protestantismo ainda era visto com reserva e, muitas vezes, seus adeptos eram
alvo de perseguições. 14

A religião oficial do Brasil em fins do Império era o catolicismo. Pelo Tratado


Comercial com a Inglaterra (1810), os protestantes poderiam ter um lugar de culto,
mas sem a aparência de templo. Esta lei perdurou até a separação entre a Igreja e
o Estado, com o advento da República. “Os primeiros templos presbiterianos, pois,
como de outras denominações evangélicas, não tinham torre, nem sino, nem cruz”
(FERREIRA, 1959, p. 153).

O primeiro templo presbiteriano no Brasil foi inaugurado somente em 1874, na


travessa da Barreira, na cidade do Rio de Janeiro. Durante o Império, os templos
presbiterianos não chegaram a meia dúzia (FERREIRA, 1959, p. 153).

13
O primeiro sepultamento do cemitério aconteceu em 10 de junho de 1851.
14
Julio Andrade Ferreira refere-se à proibição de enterrar evangélicos no mesmo cemitério que os católicos.
Segundo ele: “Isto acontecera no Rio, onde o bispo mandou desenterrar os ossos do ex-padre José Manoel da
Conceição” (FERREIRA, 1959, p. 159).

14
Imagens de São Paulo
Gaensly no acervo da Light (1899-1925)
Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

Mesmo com a crônica falta de templos, a difusão do credo da Igreja Presbiteriana


já acontecia desde 1863, com a vinda de missionários estrangeiros para o Brasil.
A história desta igreja, portanto, muitas vezes se confunde com a história destes
missionários. Na Bahia, o pastor Schneider foi responsável por uma ação pioneira
no ano de 1871. Em 1872, após um ano de pregações, o número de adeptos
havia atingido trinta pessoas (FERREIRA, 1959, p. 90-91).

Enquanto país eminentemente católico, o Brasil enfrentou diversas dificuldades de


convivência com as minorias religiosas. Segundo G. Léonard, o processo de
reconhecimento de casamentos não católicos no Brasil foi árduo. Até meados de
1860, não havia uma regularização de casamentos protestantes, como também
não estava regularizado o registro de nascimento e morte. “Os protestantes dessa
época (quase unicamente membros das colônias alemãs) contentavam-se com
uma união de fato acompanhada de uma cerimônia religiosa celebrada por algum
pregador” (LÉONARD, p. 53).

Em 1863, foi promulgado um decreto pelo qual fica estabelecido o casamento nas
“religiões toleradas” pelo Estado que deveriam ser precedidos de proclamas e
celebrados por um ministro cuja nomeação ou eleição tivesse sido registrada na
Secretaria do Império; os certificados desses casamentos seriam registrados na
Câmara Municipal mais próxima. Estabelecia também que os nascimentos e
sepultamentos seriam registrados nos cartórios de paz e que os cemitérios
públicos comportariam um “lugar separado” para suas sepulturas (LÉONARD, p.
53).

Como indício desta separação entre os credos, a pesquisa nos arquivos de


Salvador revelou-nos um livro específico para casamentos de cidadãos com culto
diferente da religião do Estado entre os anos de 1872 a 1888. Neste livro,
encontram-se registrados os casamentos de Guilherme Gaensly e de seu sócio

15
Imagens de São Paulo
Gaensly no acervo da Light (1899-1925)
Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

15
Lindemann. O livro em questão cobre registros entre 1872 e 1888, em um total
de 55 cerimônias de praticantes dos cultos batista e presbiteriano, reunindo
cidadãos de origem inglesa, suíça e francesa.

Todos os casamentos registrados neste livro foram realizados nas próprias


residências dos protestantes. A cerimônia de casamento de G. Gaensly e Ida, por
exemplo, foi realizada em 5 de maio de 1888 na residência dos pais da noiva,
João Jacob Itschner e Elisabet [Wolf]. As testemunhas foram o sócio de Gaensly
no estúdio baiano, Rodolpho Lindemann e o irmão do fotógrafo, Frederico Gaensly
16
.

Encontra-se também registrado o casamento entre Rodolpho Lindemann e Alaine


17
Gaensly, irmã de G. Gaensly , que foi realizado na sede da empresa de Gaensly
e Lindemann. Nota-se aqui um aspecto curioso da história pessoal de Guilherme
Gaensly: Lindemann, seu sócio no estúdio baiano foi também seu cunhado. Esses
laços familiares ficam mais evidentes ao vermos que as testemunhas do
casamento de Lindemann foram os irmãos de Gaensly, Fernando e Frederico. Um
18
terceiro casamento, de Joaquim Guilherme Schmidt , também foi realizado na
sede da empresa.

O fato de dois casamentos de estrangeiros protestantes, o de Lindemann e de


Schmidt, terem sido realizados na chamada “Casa Gaensly” mostra a importância
desta família no seio da colônia suíça-alemã da Bahia. A monumentalidade
arquitetônica da “Casa Gaensly”, que servia de estúdio e residência para G.
Gaensly e era localizada na Praça Castro Alves (Salvador, BA), um dos principais

15
LIVRO de registros: casamento religião diferente Estado: 1872 a 1888. Bahia: Arquivo Histórico
Municipal, Fundação Gregório de Mattos, 1872 - 1888.
16
Registro da certidão de casamento de Guilherme Gaensly e Elisabeth Ida Ischtiner. Bahia, 5 de maio de
1888 (LIVRO..., 1872-1888).
17
Registro da certidão de casamento de Rodolpho Frederico Francisco Lindemann e Alaine Gaensly. Bahia,
23 de abril de 1888 (LIVRO..., 1872-1888).

16
Imagens de São Paulo
Gaensly no acervo da Light (1899-1925)
Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

pontos comerciais de Salvador, foi registrada em várias fotografias de Gaensly e


Lindemann.

Convém observar que o termo “Casa Gaensly” foi primeiramente utilizado pelo
estudioso Cid Teixeira. Ele também destaca a importância deste estabelecimento
na vida comercial baiana: “A história comercial da Casa Gaensly reconstituída
através de alguns documentos da firma através de passe-partout das suas
fotografias é todo um capítulo da história social da cidade” (TEIXEIRA, 1963, p. 2).

Uma publicação dos anos 40 sobre a firma suíça Wildberger & Cia, que contém
um capítulo sobre a história do Consulado da Suíça na Bahia, trouxe outro
indicativo da importância da família Gaensly na colônia suíça em Salvador. Em
19
1858, Jacob Henry Gaensly foi indicado como candidato para tornar-se cônsul
da Suíça em Salvador. Jacob, que nesta época tinha 34 anos e era sócio gerente
da firma F. L. Gaensly & Cia., não conseguiu o cargo (WILDBERGER, 1942, p. 78-
79).

Gaensly e o jornal O Estandarte

Para contextualizarmos o clima vivido por Guilherme Gaensly e seus


conterrâneos, empreendeu-se uma pesquisa no Centro de Documentação e
História Reverendo Vicente Themudo Lessa, da Igreja Presbiteriana de São Paulo.
Uma das fontes consultadas foi o jornal oficial da Igreja Presbiteriana no Brasil, O
Estandarte, veiculado desde 1893 até hoje, que nos forneceu numerosas
referências do modus vivendi dos protestantes nesta época. As palavras do artigo

18
Registro da certidão de casamento de Joaquim Guilherme Schmidt e Maria [Nelomo]. Bahia, 09 de julho de
1884 (LIVRO..., 1872-1888).
19
Aventamos a hipótese de Jacob Henry Gaensly ser o próprio pai de Gaensly, Jacob Heinrich Gaensly.
Devido à presença britânica na Província da Bahia, fato verificado pela presença de um Cemitério Inglês, o

17
Imagens de São Paulo
Gaensly no acervo da Light (1899-1925)
Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

“Suissa”, encontrado neste jornal, são reveladoras de sentimentos de admiração


pela Pátria-mãe. Notar a visão de mundo dos protestantes que aliava valores de
liberdade e progresso com a fé nesta religião:

“A Suissa dá ao mundo um bello exemplo de honra e de prosperidade [...].


Na sua planície, há relativamente à superfície, maior número de railway que
em nenhuma planície do globo! Ao passo que este pequeno paiz de
montanhas escarpadas offerece ao mundo um espetáculo tão civilizador, a
Suissa é também o paiz onde a intrucção é mais completa [...]
De que paiz catholico-romano se poderá dizer outro tanto?
Onde há o Espírito de Christo, ahi há a verdadeira liberdade e o verdadeiro
progresso. A Suissa é um paiz christão, evangélico, protestante.” 20

Além do embate religioso dessa época, há mais uma vez a expressão de um


conflito de imagens contrastantes entre a Pátria abandonada, a Suíça protestante
e modelo de progresso e a nova terra, o Brasil católico e atrasado. Estas imagens
vão sendo trabalhadas no imaginário dos imigrantes, sendo que a religião, ao lado
da língua e do sangue, torna-se uma variável importante para a manutenção da
identidade cultural de membros de uma nação em território estrangeiro.

Este conflito perpassa toda a segunda metade do século XIX. De um lado, o


governo que precisava da mão-de-obra estrangeira oriunda em parte de países
protestantes, mas não abria mão de sua posição enquanto representante de um
País que tinha como religião oficial a católica; de outro o estrangeiro, que
procurava mecanismos para preservar sua identidade, entre eles a manutenção
da religião protestante. A Imprensa protestante é um destes mecanismos. Aliada
às chamadas missões nacionais, através das quais missionários protestantes
estrangeiros divulgavam a religião protestante, servia para reforçar o papel da
Igreja, divulgar seus princípios, dar voz à comunidade local21.

segundo nome de Jacob, Heinrich pode ter sua grafia mudada para Henry. Porém, precisaríamos de outras
informações para confirmar esta hipótese.
20
Suissa. O Estandarte. São Paulo, 12 fev. 1898, ano IV, n. 7.
21
Como podemos observar neste outro artigo publicado no mesmo jornal:

18
Imagens de São Paulo
Gaensly no acervo da Light (1899-1925)
Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

Os adeptos do protestantismo foram alvo de inúmeras perseguições religiosas.


22
São vários os registros deste tipo de perseguição , como por exemplo, o
incidente, descrito pelo jornal “O Estado de São Paulo”, ocorrido em Santos em
1898, referente ao apedrejamento de pastores protestantes pela comunidade
local.

“...foi pedrada de crear bicho contra a egrejinha e contra os respeitáveis


barbaças. Acossados de medo, estes fugiram pelos fundos da casa e
apresentaram-se ante-hontem na delegacia de polícia onde pediram
garantias em nome do Christo, que já viram e apalparam.” 23

Tal ato causou indignação na comunidade protestante que utilizou do jornal O


Estandarte para deixar registrado seu protesto, uma vez que seriam
representantes de uma considerável parte da família brasileira 24.

Como já visto, Guilherme Gaensly pertencia à religião presbiteriana. Seu


casamento foi realizado por um dos fundadores desta igreja no Brasil, o pastor A.
25
L. Blackford . O vínculo de Gaensly com esta igreja não parou por aí. Em 1922,
quando já morava em São Paulo, apenas seis anos antes de sua morte, ele
produziu uma foto de um dos principais eventos desta igreja, “O Sínodo

“Ninguém desconhece que a creação das Missões Nacionais tem produzido resultados fecundos na Egreja
Presbyteriana Brazileira: tem desenvolvido a sua actividade, tem proclamado a sua independencia
financeira, e como as águas extravasam nas grandes enchentes, tem levado fora de suas antigas raias o
conhecimento de Christo...” Revista das Missões Nacionais. Igreja Presbyteriana Brasileira. Ano XIII, n. 2. O
Estandarte. São Paulo, 29 jan. 1898, ano VI, n. 5.
22
Outros exemplos de perseguição são citados por Júlio Andrade Ferreira. “Em Jaú, em 1877, a 26 de abril, o
Rev. Dagama foi barbaramente espancado e arrastado por um grupo de fanáticos”. “Em Guarapuava,
Paraná [1886], instauraram um processo contra duas pessoas pelo crime de terem deixado a religiao do
estado e contraido casamento perante um ministro protestante.” “O Rev. Wardlaw certa vez estava sendo
apupado nas ruas de Fortaleza. Um grupo de meninos amolecados o acompanhava e gritava: “Padre
casado! Padre casado! Olha o padre casado!” (FERREIRA, 1959, p. 158-9, 164).
23
BRAGA, J. Ribeiro de Carvalho. A Intolerância religiosa. O Estandarte. São Paulo, 9/07/1898, ano VI, n.
28.
24
Ibid.
25
Segundo Vicente Themudo Lessa, A. L. Blackford é considerado o “organizador” da Igreja Presbiteriana no
Brasil.

19
Imagens de São Paulo
Gaensly no acervo da Light (1899-1925)
Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

Presbiteriano Independente reunido em São Paulo na Igreja da 24 de maio”. Esta


foto retrata o grupo dos principais representantes da época, reunidos dentro da
igreja. Atrás do grupo, lê-se os letreiros pendurados na parede, com uma
mensagem significativa enquanto portadora da missão que cada retratado tinha:
“Nós pregamos o Christo Crucificado... Arrependei-vos e crede no Evangelho”. A
fotografia de formato 24 X 30 cm, colada em um suporte onde se vê a marca
registrada do fotógrafo: “Photographia Guilh. Gaensly. São Paulo, rua da Boa
Vista, 39”, encontra-se arquivada no Centro de Documentação e História
Reverendo Vicente Themudo Lessa 26.

Um outro indício do simbolismo desta fotografia foi a publicação da mesma na


capa do jornal O Estandarte, na edição de 2 de março de 1922. Esta é uma das
poucas fotografias publicadas neste jornal, composto na grande maioria de suas
edições, unicamente de textos, o que chama a atenção para a importância do
tema retratado no contexto da história da Igreja Presbiteriana no Brasil,
caracterizando além da ligação com esta igreja, a prestação de serviços de
Guilherme Gaensly à comunidade suíça.

O vínculo com seus conterrâneos e a preservação da sua identidade cultural


expressou-se também por sua associação à Sociedade Suissa de Beneficencia
“Helvetia” desde o ano de 1892, quando já havia se mudado para São Paulo, até a
sua morte em 1928. Ele foi sócio contribuinte desta instituição, fundada em 1880
em São Paulo, além de produzir retratos de seus dirigentes no começo do século
XX. Em 1929, um ano após sua morte, a sua esposa, Dona Ida Gaensly fez um
donativo de diversos quadros e livros de sua propriedade (SOCIEDADE..., 1893).

26
Guilherme Gaensly não foi o único fotógrafo que retratou aspectos da igreja presbiteriana. No arquivo da
Igreja Presbiteriana de São Paulo pode-se encontrar registros de: Alberto Henschel, Valério Vieira, Carlos
Hoenen, G. Sarracino e outros.

20
Imagens de São Paulo
Gaensly no acervo da Light (1899-1925)
Capítulo: Imigração suíça e protestantismo no século XIX Ana Maria Dietrich

Assim, tendo como norte a malha fina que envolveu o fotógrafo em sua vida, esta
pesquisa não teve o objetivo único de acompanhar sua trajetória, mas através de
uma análise pontual, recuperar questões inerentes ao contexto histórico, como a
imigração suíça no Brasil e o protestantismo na virada do século XIX.

21

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