Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Alberto Pasqualini
P284p Pasqualini, Alberto, 1901-1956.
O pensamento político de Alberto Pasqualini / realização Assembléia Legislativa do
Estado do Rio Grande do Sul, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, Museu
Júlio de Castilhos. - Porto Alegre : Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul,
2005.
272 p. - (O pensamento político, 3)
Realização:
Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul
Museu Júlio de Castilhos
Coordenação:
Escola do Legislativo "Deputado Romildo Bolzan"
Pesquisa:
Liana Bach Martins
Marcia Eckert Miranda
Digitação e Revisão:
Géssica Daiana Sielichow de Oliveira
Priscila Pereira Pinto
Renata Dias
Roberta de Freitas
Editoração:
Juçara Campagna - CORAG
Capa:
Sid Monza - CORAG
A coleção “O Pensamento Político” faz parte do projeto realizado pela Assembléia Legislativa do
Estado do Rio Grande do Sul, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e o Museu
Júlio de Castilhos, com coordenação da Escola do Legislativo “Deputado Romildo Bolzan”, que
tem por objetivo destacar e homenagear personagens da História política do Rio Grande do Sul.
Edson Portilho
Deputado Estadual e Presidente da Escola do Legislativo
Apresentação
Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Sul
Nara M M Nunes
Diretora do Museu Julio de Castilhos
Apresentação
embro que na minha infância em Caxias do Sul o meu pai fazia citações de discursos de
Alberto Pasqualini. Invariavelmente, as tardes de domingo eram recheadas de discussões
na velha casa cinza. Muito me marcou a frase “o que faz o trabalhista é a mentalidade e
não a profissão”. Assim eu fui crescendo. Acumulando sonhos e desejos para uma efetiva mudança
social no Brasil.
Alberto Pasqualini ensinou-me que é fundamental o comprometimento dos homens públicos
com as causas populares e com o solo pátrio. Ele propunha soluções para os graves problemas
sociais, como o analfabetismo, a falta de escolas, a miséria e a marginalização dos trabalhadores
rurais. Foi um guerreiro na luta por reformas de base. Pregava um salário mínimo justo, mais e
melhores condições de trabalho para os trabalhadores, um sistema de saúde eficaz, queria a reforma
agrária, a implantação de colônias agrícolas, a ampliação do cooperativismo, a concessão de
créditos para os pequenos agricultores, e outras tantas aspirações.
A Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul está de parabéns pela iniciativa de lançar a
biografia deste político gaúcho que é orgulho para todos nós. Sem dúvida, os jovens, estudantes e
futuras gerações hão de se orgulhar de tão nobre iniciativa.
Aos meus amigos quero dizer que considero o senador Alberto Pasqualini, ao lado do
presidente Getúlio Vargas, ícones na minha formação sindical, social, e política.
Alberto Pasqualini vive!
“A vida só tem expressão, só tem sentido, só tem beleza, quando guiada por um
ideal; ideal de bondade, de justiça, de humanidade, que nos faça compreender as
contingências e as misérias terrenas, nos dê forças e coragem para superá-las e nos
aproxime sempre mais da perfeição, que só existe fora dos limites humanos, isto é,
na vastidão e na glória de Deus”, (trecho de “Discurso aos economistas”, publicado
no jornal Correio do Povo, edição de 24/12/1953).
Sérgio Zambiasi
Apresentação Técnica
1.Discurso durante a campanha eleitoral da Frente Única para a Câmara Federal - 30 de agosto de
1934...........................................................................................................................................................21
2.Discurso de encerramento dos trabalhos anuais da Câmara Municipal - 18 de novembro de 1936......30
3.Saudação ao Presidente Getúlio Vargas, em nome do Departamento Administrativo - 17 de
novembro de 1940.....................................................................................................................................35
4.Ditaduras - 11 de junho de 1943 ............................................................................................................43
5.O sentido da democracia - 27 de junho de 1943 ....................................................................................49
6.As leis e as mulheres - 04 de julho de 1943...........................................................................................54
7.Amor e poder - 28 de julho de 1943 ......................................................................................................59
8.Saudação aos jornalistas cariocas - 04 de janeiro de 1944 ....................................................................65
9.Marginais e colônias agrícolas - 27 de agosto de 1944..........................................................................68
10.A organização social do mundo - 29 de dezembro de 1944 ................................................................71
11.Governo e partidos - 11 de fevereiro de 1945......................................................................................79
12.Candidaturas e programas - 01 de abril de 1945..................................................................................83
13.A lição das greves - 08 de abril de 1945 ..............................................................................................86
14.Nas vésperas da constituição - 10 de setembro de 1946 ......................................................................89
15.Discurso como candidato - novembro de 1946....................................................................................93
16.Trabalhismo e Socialismo - Discurso em Caxias do Sul - 17 de dezembro de 1946...........................109
17.Entrevista sobre a inconstitucionalidade do Parlamentarismo rio-grandense - 18 de julho de 1947...128
18.A força interna dos partidos políticos - 24 de agosto de 1947 .............................................................130
19.À margem da mensagem presidencial I - 14 de setembro de 1947......................................................134
20.À margem da mensagem presidencial II - 18 de setembro de 1947 ....................................................139
21.À margem da mensagem presidencial IV - 28 de setembro de 1947...................................................144
22.Entrevista sobre parlamentarismo ou presidencialismo - 18 de outubro de 1947 ...............................150
23.As verdadeiras causas do desequilíbrio social - 07 de novembro de1947 ...........................................157
24.A importância das eleições municipais -15 de novembro de 1947......................................................164
25.Discurso no Diretório Municipal do PTB - 06 de abril de 1949..........................................................166
26.Discurso em homenagem a Getúlio Vargas - 20 de abril de 1949.......................................................169
27.Entrevista sobre sucessão presidencial - I - 31 de agosto 1949 ...........................................................173
28.A essência de Trabalhismo - 28 de fevereiro de 1950 .........................................................................176
29.Mensagem lida em comício do PTB - 20 de abril de 1950..................................................................180
30.Discurso na Convenção Nacional do PTB - Lançamento da candidatura de Getúlio Vargas à
Presidência da República - 18 de junho de1950 .......................................................................................183
31.Conferência do Alegrete - 07 de setembro de 1950.............................................................................191
32.Diretrizes fundamentais do Trabalhismo Brasileiro ............................................................................200
33.Reformas de base I - 29 de agosto de 1951..........................................................................................211
34.A sociedade segundo o Trabalhismo - 04 de outubro de 1951 ............................................................220
35.Discurso no Clube do Comércio - 06 de março de 1951 .....................................................................229
36.O problema da moradia - 02 de setembro de 1952 ..............................................................................234
37.Síntese da plataforma do candidato trabalhista - 22 de julho de 1954.................................................247
38.Plataforma de governo - 25 de julho de 1954 ......................................................................................248
39.Discurso em Cruz Alta - 12 de setembro de 1954 ...............................................................................261
40.Em defesa do monopólio estatal do petróleo II - 29 de março de1955................................................265
Discurso Durante a Campanha Eleitoral
da
Frente Única para a Câmara Federal
PELOTAS, 29 (via aérea) - Foi esta a conferência pronunciada, no dia 27, no Teatro
Guarany:
Aqui estamos, neste amável aconchego sentindo bem junto de nós o coração deste admirável
e altivo povo pelotense; aqui estamos, menos para conquistá-lo para a nossa causa, para estimular-
lhe o entusiasmo, do que para buscarmos nós mesmos na sua alma vibrante, na palavra inflamada
dos seus oradores, no ardor da sua mocidade intrépida nas suas tradições de cultura e destemor, o
retempero das nossas forças, o revigoramento das nossas energias morais, empenhadas nesta grande
batalha política onde se vai decidir a sorte do Rio Grande do Sul.
Não somos instigadores da anarquia; não somos propagandistas da desordem, empreiteiros
da demagogia ou inimigos da paz. Somos homens que nasceram livres e que livres se conservam
tendo, portanto, o direito de debater as questões políticas e morais de sua terra e de exprimir o
pensamento com a altivez, o desassombro dos cidadãos independentes. Como rio-grandenses, temos
ainda a convicção de que não nos foi cassado o direito de falar em nome das tradições de honra e de
dignidade do povo gaúcho!
Para os nossos adversários nós somos apenas perturbadores da paz, dessa paz que eles
afirmam ter imposto ao Rio Grande: paz social, paz política, paz econômica e administrativa. No
dicionário da República Nova muitas palavras inverteram a sua significação. São podendo ocultar
as próprias misérias a ditadura tentou disfarçá-las, trocando as palavras que as descrevem. Haverá
hoje ainda alguém que duvide das realidades que correspondem às expressões “posto de sacrifício”,
“espírito revolucionário”, “obra revolucionária”, “dinamismo construtor”, “cumprimento do dever”,
“bem público”, “prática do bem”, “desprendimento” e “desapego às posições” e muitos outros
sarcasmos que o poder atira à face do povo?
Não é, pois, de estranhar que a palavra “paz” tenha também perdido na boca do despotismo,
a sua significação natural e humana.
Enganam-se, entretanto, os lexicólogos da tirania. Não se mudam os fatos e nem se ilude o
povo, com inversões vocabulares e com escamoteações verbais.
A paz é tudo, menos o que eles pensam, é tudo, menos o que eles desejam - Paz não é
silêncio diante da iniqüidade, a resignação diante do abuso, a impassibilidade diante do desgoverno,
a humilhação diante da força.
Paz não é a impunidade, a irresponsabilidade, a tolerância, a submissão.
Todos nós somos partidários da paz; todos a desejamos, todos a queremos, a exigimos, por
ela lutamos e lutaremos. A paz, porém, como nós a compreendemos e como deve ser entendida, não
é o disfarce da ignomínia, a ocultação do erro, o abafamento da indignidade. A paz, a nossa paz, é a
paz objetiva, a paz orgânica - expressão do equilíbrio, da honestidade, da justiça que devem existir
nas ações individuais, nas situações sociais, nas atividades econômicas, nas disputas políticas, nas
práticas administrativas, no exercício do poder, nas relações, enfim, entre governantes e
governados.
Paz Sócial
Não pode haver paz social sem segurança, não há segurança social sem civilização.
Já tivemos a lembrança de rio-grandensizar o Brasil, mas nunca tivemos a idéia de civilizar
o Rio Grande. Porque há, desgraçadamente, dois Rio Grande: há o Rio Grande evoluído, entregue
ao trabalho e absorto nos mistérios fecundos da civilização. É o Rio Grande que lida nas fazendas,
que labuta nas lavouras, que se agita nas indústrias, se movimenta no comércio, aprende nas
escolas, medita nos gabinetes, trabalha nas repartições, vigia nos quartéis, construindo a sua
riqueza, preparando os seus homens, aperfeiçoando as instituições, defendendo o seu patrimônio. E
o Rio Grande que marcha no ritmo da evolução social.
Mas, há um outro Rio Grande, que não evolui, que não tem profissão, que ficou à margem
da civilização. É o Rio Grande bárbaro, o Rio Grande atávico, o Rio Grande selvagem, aquém se
poderiam aplicar as palavras de Darwin: “Ao gaúcho dos pampas falta por completo o sentimento
de humanidade” .
Em quase todos os povos há formas coletivas de criminalidade. Elas tomam este ou aquele
aspecto, segundo as condições étnicas mesológicas e econômicas dos agregados humanos. A máfia,
o camorrismo, o gangsterismo, são expressões organizadas da criminalidade econômica.
O caudilhismo, na América do Sul, é a forma organizada da criminalidade política.
As suas agressões não são contra a propriedade, senão acidentalmente, e, em geral, sob a
forma de extorsões. As investidas do caudilhismo, como expressão de delinqüência, são contra a
vida, contra a liberdade, contra o exercício dos direitos políticos e sociais.
E ele o maior e mais feroz inimigo da democracia e para combatê-la, congrega e mobiliza
todas as forças da criminalidade nativa.
O caudilhismo, no Rio Grande, é de formação guerreira. As guerras o geraram, as
revoluções o expandiram, a política o aproveitou.
Psicologicamente, é a degeneração de virtudes primitivas que serviram à causa da libertação
da América. Sociologicamente, é um complexo de tendências anti-sociais, rebeldes a toda idéia de
civilização.
“Os instintos caudilhescos, quando se não podem expandir livremente em conseqüência da
contenção que sobre eles exercem o meio social e as instituições legais, são a causa de certas
deformações psíquicas que poderiam catalogar sob a denominação de psicose do caudilhismo.”
O mandonismo, o exibicionismo, a prestigiomania, a obsessão da popularidade, a vaidade de
se sentir assediado e admirado, de constituir o ponto de convergência de todos os olhares e de todas
as atenções; a necessidade de receber o elogio e a submissão de toda a gente e de ser apresentado ao
mundo como um super-homem, eis os sintomas menos perigosos desses estados psicopatológicos.
Há duas espécies de caudilhismo: o caudilhismo de cima e o caudilhismo de baixo; o
caudilhismo que manda e o caudilhismo que obedece.
O habitus caudilhesco exterioriza-se e pode ser observado até em certas particularidades da
indumentária, das atitudes e da postura do corpo. Quando, por exemplo, em pleno coração de uma
cidade civilizada, onde as pessoas procuram distinguir-se pela elegância do traje e pela suavidade
do trato, encontramos indivíduos enfiados em capas de provisórios, olhar turvo, costeletas puxadas
até o queixo, aba do chapéu quebrada aos olhos, um cano de 44 emergindo meio palmo da orla do
casaco, temos a certeza, quase absoluta, de que estamos na presença de espécimes do caudilhismo
baixo. Ninguém se sente seguro perto desses tipos, a não ser dentro de um carro blindado ou tendo
em cada braço uma metralhadora.
Há indivíduos que só nesse aparato de força encontram o derivativo para as suas tendências.
São os leões-de-chácara absolutamente inofensivos. Outros, porém, há que não sossegam
enquanto não cometem uma tropelia, não armam uma bagunça, não espaldeiram um cidadão
indefeso ou não praticam um assassinato. São perigosos, principalmente porque sempre agridem
pelas costas, de emboscada ou a traição. O ataque pela frente é privilégio do homem de bem, do
homem que tem consciência de que exerce um direito, de que pratica um ato justo e realiza uma
ação moral.
Meus senhores, como poderá haver tranqüilidade no Rio Grande enquanto não
desaparecerem esses aspectos degradantes, essa brigandagem torpe, inimiga da civilização?
Como poderá haver segurança, quando os governos e as facções políticas, ao invés de
reprimirem e combaterem essa criminalidade crioula, lhe estimulam os surtos e lhe garantem a
impunidade?
Como pode haver sossego, quando os habitantes da própria capital do Estado, que deveria
ser um centro de cultura e de civilização, não podem sair de suas casas com a certeza de que a elas
volverão sem um olho vazado, uma costela partida ou uma bala no espinhaço?
Como pode haver paz social, quando, ao invés de se empregar a força armada para garantir a
integridade, a liberdade, o trabalho dos cidadãos contra as arremetidas dos caudilhetes, e se põe a
força ao serviço desses mesmos caudilhetes?
Consultem os nossos adversários a própria consciência e depois nos digam se somos nós ou
eles os perturbadores da paz social.
Paz Política
A paz social é a condição da paz política. Paz política não significa, porém, inércia,
acovardamento, transigência, cambalacho ou receio de desagradar ao poder.
Há paz política quando, divididos embora os cidadãos em ideologias diversas, exercem,
entretanto, sem constrangimento, as prerrogativas que lhes são asseguradas pela Constituição: há
paz política quando se toma efetiva a prática da democracia, quando os embates se travam nas
esferas das idéias dos postulados políticos, das questões programáticas, da crítica administrativa,
orientando, esclarecendo, instruindo a opinião, para que o eleitorado pronuncie nas umas a sua
sentença irrecorrível.
Quando, porém, os depositários do poder dele se servem não como meio de assegurar o
exercício dos direitos e o respeito à vontade do povo, mas como instrumento aos serviços de uma
facção; quando os governantes, traindo o mandato que lhes foi conferido pelo povo, utilizam-se da
força, mantida pelo mesmo povo para humilhá-lo, para impedir-lhe a livre manifestação da vontade;
quando não se respeita a consciência do funcionário, que não é servidor de um partido, mas um
agente da administração política, isto é, da própria coletividade; quando os usufrutuários do poder
organizam "resistências" não para resistirem às paixões, aos interesses, ao sabujismo, ao
rastejamento, à corrupção, ao suborno, à intriga, à infâmia e às tendências anti-sociais, mas as
preparam, as ensaiam, as exibem, como instrumentos de violências para conturbar as consciências,
atemorizar os tímidos, comprimir a liberdade e sufocar a opinião; quando o poder se dissimula, se
desnivela, se degrada, se irresponsabiliza, nessas formas e por esses processos como poderá haver
paz política, que pressupõe o mínimo de constrangimento e o máximo de liberdade?
Esses métodos são incompatíveis com a democracia, porque são os métodos da tirania e do
despotismo. Como o sumo filósofo, Aristóteles, nós poderíamos também exclamar: “Que terrível
flagelo é a injustiça quando tem as armas na mão!”
Vencer por tais processos não é vencer. Há vitórias que são ignomínias como há derrotas
que são triunfos imortais.
No dia em que um governo, respeitando a vontade do povo, fosse derrotado nos comícios,
ele seria, de fato, o único vencedor. Teria alcançado a maior, a mais bela, a mais estupenda das
vitórias que ao homem é dado conseguir, porque, vencendo-se a si próprio, na expressão imortal do
orador romano, teria vencido a própria vitória!
Se existem da parte dos governantes sinceros propósitos de respeitar a lei e praticar o bem,
ainda não é tarde para o fazer.
Reprimam o crime, contenham a violência, desarmem os esbirros, acalmem a calúnia,
desautorizem a mentira.
Um gesto pode ser uma redenção. Nós não guardamos rancores, não nos move a raiva, não
nos alimenta o ódio. As nossas palavras não são de agressão mas de legítima defesa. Não somos
ofensores, mas ofendidos; não somos atacantes, mas atacados. Mais do que nós, mais do que os
nossos partidos, atacado, ofendido e agredido é o próprio Rio Grande do Sul!
Paz Econômica
Da paz social, da paz política e da reta administração depende a paz econômica.
Falar em paz econômica, no Rio Grande, é uma ironia. É fechar os olhos à desorganização,
ao desânimo, à miséria, ao desespero que lavram em quase todos os quadrantes das atividades
econômicas rio-grandenses. Esse estado de coisas é quase exclusivamente conseqüência da
desorientação, da imprevidência, da insegurança da administração.
A produção está desamparada e os produtores abandonados e arruinados pelos trustes.
Não há quem não saiba que as funções econômicas fundamentais são a produção e o
consumo. As demais funções são secundárias, acessórias e derivadas daquelas.
Organizar a produção, estimulá-la, promover o seu aperfeiçoamento, remover as causas que
a perturbam, resolver-lhe os problemas cuja solução não está ao alcance das organizações privadas,
eis o dever do Poder Público em matéria de política econômica.
No Rio Grande tem-se procedido de modo erradamente inverso. Ao invés de cuidar-se do
essencial, que é a produção, tratou-se do acessório, que é a intermediação.
Entre a intermediação e a produção há sempre um antagonismo de interesses. O
intermediário procura adquirir pelo mínimo para revender pelo máximo. Quando existe uma
pluralidade de intermediários, em razão da concorrência que entre eles se estabelece, há uma maior
procura nas zonas de produção e uma maior oferta nos mercados de consumo. Conseqüentemente,
os preços tendem a elevar-se ao máximo nas zonas produtoras e a baixar nos mercados de consumo,
reduzindo-se ao mínimo a carga especulativa, isto é, o lucro da intermediação. Com o fenômeno da
concorrência, aproveitam, pois, os produtores e os consumidores, que têm, como adversário
comum, o intermédio.
A medida que a concorrência entre os intermediários recrudesce, os lucros das operações ou
dos negócios vão sempre mais reduzindo e, por essa razão, compreendendo os intermediários que
seria preferível substituir esse estado de guerra, que os aniquila, por uma situação de entendimentos
e de colaboração, não raras vezes fundem-se numa organização única, formando assim o que se
chama vulgarmente um truste.
Não é difícil de se compreender o perigo que tal organização representa para os produtores e
os consumidores, pois os intermediários associados poderão de agora em diante impor os preços de
compra e os preços de venda.
Os governos prudentes combatem os trustes justamente pelos desequilíbrios que podem
ocasionar. Só houve um governo que teve a genial idéia de promover a formação e oficialização de
trustes: foi o governo rio-grandense, o Governo Getúlio Vargas! E para quê? Para salvar a
produção!
Certos intermediários dos principais produtos rio-grandenses foram agrupados em
organizações sui generis a que se deu o nome de “sindicatos”. Não ficou aí, porém, a peregrina
fórmula governamental. Criaram-se as famosas taxas bromológicas, taxas elevadas, proibitivas,
delas se isentando os sindicatos, com o fim de assegurar-lhes o controle absoluto e a exclusividade
do comércio.
O Governo coroou a sua obra instituindo o monopólio legal em favor dos sindicatos.
Armados os sindicatos de todos esses privilégios, iniciaram a escorcha dos produtos, pois,
senhores absolutos do comércio, estavam em condições de impor os seus preços. Elevaram os
preços nos mercados de consumo seguindo o princípio de comprar pelo mínimo para revender pelo
máximo, obtendo, assim, lucros fabulosos.
As manobras altistas dos sindicatos, nos mercados de consumo, foram estimular as
indústrias dos mesmos produtos em outros estados.
As nossas mercadorias foram deslocadas, substituídas, operando-se assim o fomento da
superprodução reflexa e a conseqüente queda dos preços. De quem é o prejuízo? Os sindicatos são
os que menos sofrem, porque só compram e vendem quando querem e pêlos preços que lhes
convêm. O espoliado, o sacrificado, o arruinado, é o pobre produtor.
Eis, pois, a finalidade e o destino dessas organizações: fazer a fortuna de poucos e a
desgraça de muitos.
Aí está, como triste exemplo ilustrativo, o caso da banha. Esse produto representava uma
das maiores parcelas do valor das nossas exportações. Hoje essa indústria, graças à ação do
sindicato, está virtualmente destruída e uma onda de miséria e de desespero ameaça assolar toda
uma vasta região colonial, outrora próspera e feliz.
Os sindicatos comerciais, monstruosidades econômicas, organizações ilegais e anti-sociais
foram à solução oficial achada para resolver os nossos problemas econômicos. O Governo passado
descobriu a fórmula, a amai administração a aplicou até à navegação fluvial.
Uma das necessidades vitais para o Rio Grande, é a solução do problema pecuário. Parece
inacreditável que até hoje não tenha sido ainda resolvida essa questão. Ela se não é simples, não é,
em todo caso, insolúvel. Depende apenas de boa vontade. Há urgência no caso. O peso das
hipotecas e dos impostos está atolando cada vez mais os criadores. É necessário quanto antes
construir os estabelecimentos frigoríficos e organizá-los de tal forma a poderem dar escoamento à
produção. Várias fórmulas já foram propostas ao Governo para a solução desse tema. Por que não
as aplica?
Por que não descruza os braços? O que é que ainda espera?
Meus senhores, eu não quero que as minhas palavras sejam portadoras de maus presságios.
Tenho, porém, a convicção segura, a quase certeza plena de que, se não se mudarem esses sistemas,
se não se emendarem essas práticas, se não se sair dessa apatia, cinco anos mais serão tempo de
sobra para a completa ruína econômica do Rio Grande!
Só não enxergam a catástrofe os que não a querem ver ou os que não têm o patriotismo
suficiente para impedi-la, enquanto é ainda tempo de o fazer.
Pode a oposição não vencer o Governo. Ele será, porém, derrotado pêlos seus próprios erros,
pelas suas próprias culpas, pela miséria e pelo desespero daqueles que lhes sofrem as
conseqüências. E fácil enfrentar a força de um exército, não é difícil sufocar uma revolução.
Impossível, porém, é dominar a angústia e o desespero de um povo.
Os problemas econômicos e administrativos exigem soluções seguras. Não basta realizar
este ou aquele empreendimento, construir um edifício, ligar duas cidades por uma faixa de cimento,
estender alguns quilômetros de trilhos, erguer um obelisco, alterar uma rua, criar um instituto, para
se poder caracterizar uma “obra administrativa notável”.
Uma verdadeira obra administrativa obedece sempre a um sistema preordenado e de
realizações.
Meia dúzia de empreendimentos isolados, dispersos, desconexos, são antes aventuras
administrativas.
O que falta ao atual Governo é precisamente isto: método, orientação, penetração, previsão,
clarividência. Resolvem-se as questões mais por palpite do que por estudo. Faz-se alguma coisa por
fazer, sem se indagar, sem se examinar se o que se faz está bem-feito, ou se não se poderia fazer
melhor. O Estado possui servidores íntegros e competentes. De que servem, porém, a capacidade, a
meticulosidade, o escrúpulo, quando o impulso se substitui ao raciocínio? De que servem a cultura,
a vontade de realizar e de acertar, quando os arrivistas que se diplomaram na escola da bajulação
vão ocupar os lugares que, por direito, deveriam pertencer aos que acumularam experiência no trato
dos negócios públicos?
Meus concidadãos, a vitalidade deste País é tão grande que, por mais que os governos se
tenham esforçado por aniquilá-la, não conseguiram ainda realizar a sua obra. Não sabemos até
quando e até onde ele resistirá. O certo, porém, é, quanto ao Rio Grande do Sul, que, pêlos
caminhos que o conduzem, desta vez, sim, irá para o despenhadeiro.
Falar em paz econômica do Rio Grande do Sul, mais do que uma amarga ironia, é uma
crueldade.
Se os governos, em vez de esmagarem, com pulso de ferro, as conspirações que se tramam
na sua própria imaginação, aplicassem toda essa energia em resolver as questões vitais da economia
e da administração, em realizar a justiça social, assegurar a liberdade política e tranqüilizar a
coletividade, maiores títulos de benemerência conquistariam para o seu nome.
Falo tão sem paixão, tão acima das conveniências partidárias, que eu preferiria mil vezes o
triunfo dos nossos adversários à vitória da oposição, desde que essa vitória fosse puramente uma
conseqüência de esfacelamento econômico do Rio Grande.
Enganam-se os que julgam que o objetivo dessa nossa campanha seja a posse do poder.
Fiquem com ele os nossos adversários, contanto que o utilizem, não como instrumento de interesses
partidários e pessoais, mas como meio de realizar o bem coletivo, que não tem cor política. Quanto
a nós, contentes ficaremos com o direito de exame e de crítica e com a faculdade de propor ao povo
todos aqueles princípios, todas aquelas medidas que consideramos necessárias ao seu próprio bem-
estar.
Os verdadeiros estadistas, os que têm a consciência tranqüila, não receiam a discussão dos
seus atos e a análise da sua conduta, pois fácil será confundir os que criticam se estiverem errados e,
se tiverem razão, felicidade deverá ser para o governante, digno desse nome, descobrir os próprios
erros e ter a oportunidade de corrigi-los.
O homem civilizado, ao argumento responde com outro argumento, e não com a explosão
de sentimentos maus. Pretender destruir a verdade com a agressão, não é proceder como criaturas
humanas, mas como brutos, ou como homens que perderam o uso da razão.
Quando Cristo, acusado de perturbar a paz dos judeus e de tramar a revolução, foi
conduzido preso perante o sumo sacerdote Anás e este o interrogou sobre a sua doutrina e os seus
discípulos, o divino Mestre respondeu:
- “Eu falei abertamente ao mundo; eu sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos
os judeus se reúnem e nada disse em oculto. Por que me perguntas a mim? Pergunta aos que
ouviram o que foi que lhes ensinei”.
Tendo dito isto, um dos criados que ali estavam deu uma bofetada em Jesus dizendo:
- “Assim respondes ao sumo sacerdote?”
Advertiu Jesus.
- “Se falei mal, dá testemunho do mal; e, se bem, por que me feres?”
Meus concidadãos, nós também temos pregado ao Rio Grande, abertamente, na imprensa e
na praça pública, a revolução moral, a purificação dos costumes políticos, a dignificação da prática
administrativa. Temos pregado o idealismo, o desprendimento, a fraternidade para que o Estado não
seja o gozo de poucos e o sacrifício de muitos. Nós também podemos perguntar aos sumos
sacerdotes do Poder:
- Se falamos mal, apontai-nos a mentira. Se falamos bem, se dizemos a verdade, por que os
vossos servos nos insultam, por que nos agridem, por que perseguem a imprensa independente, por
que atacam homens indefesos, por que enxovalham a civilização?
Meus concidadãos, a nossa missão, a missão da Frente Única é a missão da paz. Da paz que
não seja a paz gelada dos sepulcros, caiados por fora e podres por dentro, mas da paz que seja a
alegria da existência revivida e purificada na verdadeira prática do bem e na reparação de todas as
injustiças.
Se o nosso sacrifício pessoal for à condição dessa paz que o Rio Grande tanto procura,
abram-se, então, quanto antes, os nossos túmulos, para que encontremos na paz da morte a
felicidade que para ele sonhamos na paz da vida!
O SR. PRESIDENTE (Prosseguindo) - Vai ser suspensa a sessão por 5 minutos, a fim de ser
lavrada a ata de encerramento dos nossos trabalhos da 2ª reunião ordinária da 1ª legislatura.
O SR. PRESIDENTE - Está reaberta a sessão. O Sr. Secretário vai proceder à leitura da ata
da sessão de hoje.
O Sr. Secretário - Faz a leitura da ata que, posta em discussão, é aprovada, sem observações.
O SR. PRESIDENTE - Está encerrada a última sessão da 2a reunião ordinária da 1a
Legislatura.
Levanta-se a sessão às 21h30min.
RIO GRANDE DO SUL. Câmara Municipal. Annaes da Câmara Municipal de Porto Alegre: 33ª
Sessão da 2ª reunião ordinária da 1ª legislatura. Porto Alegre, Globo, 18 nov. 1936. p. 1171-1178.
Saudação ao Presidente Getulio Vargas,
em Nome do Departamento Administrativo
Devemos pré ferir que nos apontem os enganos a que nos aplaudam os êxitos,
pois, para os que têm a responsabilidade dos negócios públicos, o erro é quase um
delito; o êxito, apenas um dever.
Senhor Presidente:
O Departamento Administrativo que, neste momento, tem a honra excepcional de receber-
vos em sessão plenária, é uma delegação direta de vossa confiança e da vossa autoridade. Ele vos
deve, portanto, contas do mandato que lhe conferistes e da forma pela qual o tem exercido.
Órgão colateral dos Executivos estadual e municipais, a sua função na administração geral
do Estado se desenvolve precipuamente no exame e debate das iniciativas governamentais que. em
razão de sua natureza e relevância, postulem provimentos legislativos. Incumbe-lhe ainda a
vigilância das arrecadações e dos gastos públicos, o estudo e a proposição dos meios e processos de
aperfeiçoamento da administração estadual e municipal, além de outras funções de caráter
informativo.
O Departamento Administrativo, no regime vigente, é o órgão que exerce a crítica da
administração estadual e municipal: crítica no sentido técnico da expressão, que é a forma mais
elevada da colaboração e que consiste no discernimento das soluções mais adequadas aos
problemas administrativos e, às quais, só é possível chegar-se com segurança pelo confronto e
discussão das diversas formas de concebê-lo.
No desempenho dessas amplas e importantes atribuições, o Departamento Administrativo do
Rio Grande do Sul tem procurado realizar a finalidade e o espírito da lei que o instituiu, agindo com
discrição, com objetividade suaviter in modo, fortiter in ré.
Entre ele e os demais órgãos da administração pública, estadual e municipal, a colaboração é
a mais íntima, e o entendimento, o mais cordial.
Esse perfeito sincronismo de ação derivada identidade de orientação e de propósitos que
animam os responsáveis pela administração pública rio-grandense, o que não exclui a possibilidade
de divergências acidentais no tocante ao modo de apreciar tecnicamente determinadas questões.
Essas divergências, porém, são antes variações angulares sob as quais visamos os mesmos objetivos
e existem naturalmente onde cada qual conserva autonomia do pensamento e onde se não
menospreza a nobre e elegante atitude do espírito, que consiste em admitir a possibilidade de que
haja acerto não só na própria opinião como também na alheia.
Devemos preferir que nos apontem os enganos a que nos aplaudam os êxitos, pois, para os
que têm a responsabilidade dos negócios públicos, o erro é quase um delito; o êxito, apenas um
dever.
A discussão das opiniões é ainda útil e salutar porque estimula o estudo mais cuidadoso e
aprofundado dos temas administrativos, propiciando o descobrimento da melhor solução.
O essencial é que os pontos de vista se originem do estudo objetivo das questões, não como
acontece nas assembléias políticas onde as discordâncias, na generalidade dos casos, derivam de
motivos e considerações absolutamente estranhos ao mérito dos assuntos debatidos.
O plano em que se exercem as atividades do Departamento Administrativo permiti-me a
observação particularizada de todos os setores da administração pública estadual e municipal. O
Departamento pode informar que ela se realiza com segurança e com esforço cada vez crescente no
sentido do aperfeiçoamento.
O Rio Grande tem muitas razões para felicitar-se e - por que não dizer -, tem razões para
orgulhar-se de ter na chefia de seu governo, secundado por um ativo e brilhante secretariado, um
dos mais ilustres soldados do nosso Exército, o nobre e culto Cel. Cordeiro de Farias. Essas razões
aparecerão um dia mais vivas, quando, realçadas na perspectivado tempo e, talvez, da saudade, os
rio-grandenses puderem melhor avaliar os serviços que lhe foram prestados, lealmente,
impessoalmente, sem reclame, sem o alarde que é a ressonância da tolice e o mecanismo da
compensação da mediocridade.
Tem sido comum propósito do governo e do Departamento aperfeiçoar a administração
pública e assentá-la em bases racionais.
A normalização das finanças do Estado e dos municípios e a solução das questões que lhe
são conexas, em que se inclui a equitativa e não antieconômica distribuição dos encargos fiscais e a
boa aplicação das rendas públicas, constitui uma das preocupações fundamentais da administração.
Podemos sincera e honestamente assegurar que a situação financeira do Estado, malgrado as
dificuldades oriundas de um período de desgoverno, tende rapidamente para a regularidade, sem
prejuízo da integral execução do plano administrativo traçado. O déficit que, possivelmente, o
orçamento de 1941 ainda usará, será um déficit nominal. Em geral os orçamentos públicos
costumam ser equilibrados na previsão e deficitários na execução. Com o orçamento do Estado dar-
se-á o fenômeno inverso: será ele deficitário na previsão, mas tenderá a equilibrar-se na execução.
Poderíamos, sem pecar contra a técnica orçamentária, estabelecer a equivalência aritmética entre a
receita e a despesa; preferimos, porém, conservar o déficit para que ele seja uma advertência e uma
exortação constante à prudência e à moderação nos gastos.
A máquina administrativa estadual está sendo ativamente remodelada. Não ignoramos que
existem falhas e deficiências em certos setores e organismos administrativos.
O Governo do Estado, porém, com a colaboração deste Departamento, está firmemente
empenhado em corrigi-las.
Esperamos vencer a rotina e a burocracia, eliminando o desperdício de meios e de energia.
A administração pública não deve ter o aspecto e os movimentos lerdos dos organismos
anquilosados, mas deve funcionar com o máximo de eficiência, de agilidade e de economia.
Temos a certeza de que, brevemente, todos os serviços públicos autárquicos, semi-
autárquicos ou centralizados funcionarão sinergicamente dentro de suas verdadeiras finalidades,
produzindo, o máximo de benefício econômico e de rendimento administrativo.
Finanças sólidas e administração bem organizada constituem as duas condições essenciais, a
base e o ponto de partida de qualquer programa de administração intensiva.
Podemos afirmar com segurança que, se se persistir na atual orientação e se se mantiver
sempre vivo o senso crítico, que é o mecanismo de prevenção e de correção dos erros, dentro de
curto período o Rio Grande do Sul terá resolvido satisfatoriamente todos os seus problemas
fundamentais.
Desejamos que o Estado seja o ponto de apoio, o coordenador de todas as iniciativas e
atividades úteis à coletividade, um instrumento não de opressão mas de defesa de todos os direitos.
Desejamos que não se alterem a paz e a concórdia entre os rio-grandenses e que todos eles
se sintam livres, seguros e confiantes, encarando o poder público e os seus agentes não com
suspeita e inquietação, mas como a garantia do seu próprio bem-estar. Tudo será perfeito se os
governantes governarem com mentalidade de governados e se estes elegerem os governantes
árbitros dos seus interesses e das suas necessidades.
Temos, por fim, sempre presente que a administração pública deve ter paredes de cristal
para que cada um possa verificar como foi empregada a contribuição que lhe exigiu o poder
público.
Por esses princípios temos orientado a nossa ação e é sob a inspiração deles, Sr. Presidente,
que desejamos continuar a prestar-vos o nosso leal concurso na objetivação do vosso e do nosso
grande sonho e que é a construção moral e material de uma grande e forte nação. Grande e forte,
não para oprimir outras nações, mas para cooperar com elas na realização dos grandes ideais da
humanidade.
É também com essa disposição de ânimos que estamos decididos a praticar o Estado Novo
porque o compreendemos e o interpretamos não apenas como alteração de organização política,
mas, principalmente, como renovação de mentalidade, de orientação governamental e de métodos
de administração. Estes devem assentar em princípios técnicos, devem ser ditados pelo interesse
público e não por conveniências pessoais ou político-partidárias.
A própria constituição política do país deve ser o sistema fundamental dos processos
técnico-jurídicos mais aptos a realizar o constante ajustamento da sociedade às novas condições
espirituais e materiais da vida. O Estado é a integração desses processos e está para a coletividade
como o sistema nervoso para os seres animados. Ele deve, portanto, ser estruturado de tal forma que
permita a pronta e rápida percepção das necessidades de todas as partes do organismo social e
assegure a rapidez das reações específicas destinadas a satisfazê-las. O Estado é, essencialmente,
um órgão de ajustamento e equilíbrio social.
Nos organismos superiores, quando há falhas no sistema de relação e de coordenação, dá-se
a ruptura do equilíbrio entre o organismo e o meio, o que pode acarretar o prejuízo e até a
destruição daquele. Fenômeno análogo acontece com as sociedades quando há defeitos no seu
aparelhamento de defesa e no seu mecanismo de adaptação nos diferentes momentos históricos do
processo evolutivo.
Creio ser essa a filosofia do Estado Novo e sua justificação histórica.
Ele não é uma ameaça à liberdade individual, mas pretende ser a garantia da liberdade
dentro dos princípios da justiça social e dos interesses nacionais.
Não pode haver liberdade para a prática da injustiça e da iniqüidade. O individualismo
exagerado conduz à opressão dos fracos e é uma tese da plutocracia. O outro extremo, a anulação
do indivíduo e o aniquilismo da personalidade, é obra da barbaria e do despotismo. A personalidade
e a dignidade humanas devem ser respeitadas, a liberdade individual precisa ser assegurada, mas a
medida e o critério da liberdade é o interesse social. O indivíduo é livre, porém ele deve ver e medir
a sua liberdade não com seus olhos e as suas medidas, mas com os olhos e o estalão da coletividade.
Esses postulados acham-se inscritos na Constituição de 10 de novembro de 1937. Como
consequência lógica, instituiu ela os processos considerados mais adequados a garantir a sua
execução prática. Se o Estado Nacional é forte, ele o é para defender o direito e não para destruí-lo.
O direito, porém, que ele defende é o conjunto das condições que garantem a cada um uma justa
parcela na distribuição dos bens da civilização.
Afirma-se que um dos característicos do Estado Nacional é o de ser autoritário. Este
qualitativo exige interpretação. Autoritarismo não é aqui, como vulgarmente se supõe, sinônimo de
arbítrio e ilegalismo. Estado autoritário é o Estado provido dos meios eficazes do cumprimento de
sua missão. Estado autoritário é sinônimo de Estado ativo em contraposição ao passivismo
determinado pela supremacia do indivíduo.
A ampliação da esfera da atividade estatal é uma decorrência do ritmo, do estilo da vida
moderna e da complexidade crescente dos seus problemas. Estado autoritário não significa, pois,
arbítrio governamental, mas uma maior sensibilidade e uma maior reatibilidade no ajustamento
contínuo dos interesses individuais aos interesses coletivos.
Somos democratas e o nosso regime é democrático, mas a democracia não deve proceder
como o homem insensato da Escritura que foi aconchegar e aquecer ao calor do peito as víboras que
encontrara enregeladas no caminho.
A democracia, se quiser sobreviver, deve ser menos piedosa e, diante dos perigos que a
ameaçam, munir-se dos necessários meios de defesa.
A nossa época é essencialmente socialista, e o nosso socialismo, o socialismo brasileiro, não
se caracteriza pela trituração do indivíduo na máquina do Estado, mas pela cooperação harmônica
das partes com o todo. O Estado é o órgão que realiza o sistema da cooperação nacional.
Na essência de todas as concepções e movimentos políticos sociais modernos é essa a idéia
fundamental que reponta e que procura consubstanciar-se. Existe no mundo uma aspiração
generalizada, um desejo, um ideal de justiça social em busca das formas de materializar-se. Esse
sentimento tem força muito superior aos interesses e às vontades individuais e vai abrindo caminho
por entre as resistências do egoísmo como a planta por entre as pedras que a oprimem no solo onde
brota. Felizes os povos quando homens superiores de aguçada esthesia política, sintonizam com
esse ideal e o realizam sem perturbar o ritmo social. Desgraçadas as nações quando lhe servem de
médium naturezas deformadas e patológicas, cujas reações desordenadas e cujos excessos podem
comprometer a própria civilização. Essas nações, como pêndulos violentamente sacudidos,
oscilarão em busca de equilíbrio até que desapareça a mão que as conturba.
A vossa sensibilidade política. Senhor Presidente, pressentiu, na agitação do mundo, o ponto
de equilíbrio, sem oscilar nos extremos. Em linguagem hegeliana, poderíamos dizer que, no
panorama político social - brasileiro de 1937, o individualismo era a tese; os extremismos, a
antítese; vós. Senhor Presidente, realizastes a síntese.
Extraordinárias - escreveu Cícero na República - são as transformações e as mudanças
cíclicas que se operam nas estruturas dos Estados. Estudá-las é função do sábio; pressenti-las,
prevê-las. moderar-lhes a eclosão e ritmar-lhes o curso, é missão de um grande estadista inspirado
por Deus.
Nenhuma doutrina política é totalmente verdadeira nem totalmente falsa. A sabedoria
consiste precisamente em extrair e aproveitar de cada uma o seu teor de conveniência e de justiça.
O regime instituído pela Constituição de 1937 é capitalista. Mas não totalmente capitalista,
porque não admite o predomínio do capital sobre o trabalho, nem a exploração do fraco pelo forte.
As relações entre o capital e o trabalho estão assentadas num plano de harmonia e cooperação e não
de subordinação. Em princípio, os meios de produção são privados. Pode, porém, o Estado, em
determinadas circunstâncias, quando o interesse nacional o exige, subtrair esses meios da livre
concorrência e socializá-los.
O regime instituído pela Constituição de 1937 é corporativista. Não é, porém, totalmente
corporativista, porque o seu corporativismo é econômico e não político.
O regime instituído pela Constituição de 1937 é democrático, mas a democracia não é ultra-
individualista, liberal e contemplativa. E ela lateralmente temperada pela instituição corporativa e,
centralmente, pelo intervencionismo estatal e pelo reforçamento do Poder Executivo.
Se alguém perguntasse se é este o regime verdadeiro responderíamos que, filosoficamente, a
pergunta não tem sentido, porque não há, em tese, regimes verdadeiros ou falsos. Há regimes que
convêm ou não convêm a um determinado momento histórico, que se adaptam ou não se adaptam a
uma determinada nação.
Os regimes políticos, como instrumentos de adaptação do organismo social às condições
históricas, são funções do espaço e do tempo, variam, alteram-se, retificam-se, aperfeiçoam-se. E
necessário até que haja um certo coeficiente de elasticidade para facilitar em todas as circunstâncias
essa adaptação.
Uma carta política define-se, pois, pelas suas coordenadas históricas e deve ser julgada,
dentro do espírito e das necessidades da época, pelas suas idéias nucleares, pelas suas diretrizes
fundamentais, pelo seu conteúdo social.
Creio que a melhor apologia que se possa fazer da Carta constitucional de 1937, como
estruturação política e social reclamada pelo momento histórico, seja dizer-se que os seus princípios
basilares já se haviam imposto entre nós muito antes de ser ela outorgada.
Se fosse lícito ao humilde intérprete do Departamento ilustrar a tese com uma documentação
pessoal, pediria vénia para repetir as seguintes palavras proferidas no momento em que um grupo de
moços cheios de ideais e de ilusões transpunha os umbrais da academia e tomava uma atitude diante
dos problemas da vida.
“Estamos vivendo o período de doutrinação que precede às grandes transformações sociais.
A consciência coletiva já começa a perceber que a organização política e econômica da sociedade
atual não corresponde às suas necessidades materiais e aos seus postulados morais.
Nenhum homem, sincero e probo, poderá assegurar que a constituição política da sociedade
moderna e o seu regime econômico estejam calcados sobre a idéia de utilidade geral, de bem
coletivo, que constituem o ideal de justiça. Só os espíritos superficiais, ou os caracteres torpemente
egoístas, poderão considerar justa a situação de milhões de desafortunados a quem uma organização
social deficiente e aberrante da equidade dá, em troca de trabalho e de sofrimento, a incerteza do
pão de cada dia.
Não. A justiça não é a utilidade do mais forte, como proclamava cinicamente o sofista
interlocutor de Sócrates.
A justiça deve ser, como a definiu o filósofo que a história apelidou divino, a expressão da
harmonia universal. Para que reine a ordem e a harmonia na sociedade é necessário que se a
reforme, que se não pretenda, levianamente, deter a evolução que normalmente se deve operar. E
preciso orientar e dirigir as forças sociais, perscrutando e prevendo cientificamente o termo a que se
dirige. E mister não obstar-lhes insensatamente o desdobramento, para que, acumuladas e
potencializadas, não explodam formidáveis e irresistíveis, revertendo violentamente instituições e
arruinando coletividades.
Em todos os momentos históricos da sociedade, em todos os pontos da curva evolutiva, a
sua constituição econômica e política deve ser a mais adequada à diferenciação das funções que
nela se opera e ao desdobramento rítmico de todas as atividades. Se a harmonia cessa de existir, se
se rompe o equilíbrio funcional, a sociedade, necessariamente, se perturba e se debate, como sucede
nas regiões atmosféricas, quando o equilíbrio barométrico agita as camadas aéreas, deslocando-as,
revolvendo-as, convulsionando-as, desencadeando, enfim, os tufões e as tempestades.
É necessário que a organização econômica, o regime da produção, o sistema político e
jurídico evolviam incessantemente com a própria sociedade. Mas o processo deve ser lento e
progressivo.
Não é de crer-se, por isso, que esse objetivo possa ser alcançado com programas trágicos e
com revoluções apocalípticas; com doutrinas que pretendam destruir e aniquilar, em vez de integrar
e construir; com sistemas que visem eliminar uma das causas de injustiça social, implantando outra,
quiçá mais perigosa e mais temível. A revolução é sempre o equivalente da opressão e, portanto,
padece dos mesmos erros, dos mesmos vícios e das mesmas iniquidades.
Há, por outro lado, quem entendia que o máximo que se podia atingir, econômica e
politicamente, foi alcançado pela Revolução Francesa, que proclamou a igualdade de todos perante
a lei. criando a democracia baseada no conceito de cidadão.
Esquecem, porém, como observa vim sociólogo moderno, que o cidadão, como ente
primogênito da soberania política, não existe nem pode existir nos tempos atuais. O cidadão, como
expressão política, só era possível na antigüidade clássica, porque o trabalho produtor era
exclusivamente realizado pêlos escravos, permitindo aos civis, uma intensa e exclusiva atividade
política.
Hodiernamente, o cidadão é uma ficção legal, porque, sob as suas aparências, existe a
realidade que é o indivíduo, como elemento integrante de um sistema econômico diverso. E preciso,
pois, descobrir uma organização social que, sob o ponto de vista econômico, seja baseada na
realidade da produção, e, sob o ponto de vista político, seja a expressão de ficções legais,
metafísicas, mas de todas as atividades ou funções orgânicas da sociedade.
Só assim se realizará a justiça econômica, a justiça política, a justiça social, que sempre foi o
ideal dos filósofos e o ideal consciente ou subconsciente da sociedade.”
Essas palavras, pronunciadas há quase doze anos, constituem um indício de que, já antes da
Revolução de 1930, tinham curso entre a mocidade as idéias que deveriam mais tarde encontrar
expressão na Carta de 1937 e na admirável e avançada legislação social do País.
Mas se os regimes, seja qual for a sua natureza e o seu estilo, são funções do espaço e do
tempo, algo deve ser invariante em todos eles; logo, é o próprio espírito que os toma fecundos e
sem o que não passarão de fórmulas estéreis e vazias. Esse algo, esse quid vivificador, é a vontade
firme e constante dos governantes e governados, de praticá-los honesta e sinceramente e de orientar
no serviço da Pátria os seus pensamentos e as suas ações sub spicieaeternitates. A pátria é eterna e
está acima dos homens e de suas criações efémeras, como o firmamento está acima das nuvens que
às vezes o toldam e o obscurecem mas que em seguida se desfazem tangidas pelo vento.
Esses são os propósitos, esses são os sentidos, que nesta hora. Senhor Presidente, unem a
todos os rio-grandenses de boa vontade.
Extirpado o caudilhismo, que menos nos oprimia do que nos desagradava, transformou-se o
potencial de nossas energias polêmicas em energias orgânicas de trabalho e de reconstrução. O Rio
Grande transfigurou-se. O Rio Grande das turmas rodoviárias, das fanfarronices e das ameaças
ridículas, o Rio Grande caudilhesco - revivescência anacrônica e caricatural de tempos heróicos -
esse Rio Grande desapareceu para sempre e jamais reviverá, porque o Rio Grande, sem deixar de
ser heróico, quer ser aquilo a que o votou a sua destinação histórica: uma expressão racional de
trabalho, de cultura e de civilização.
A quem deve o Rio Grande a realização do seu maravilhoso destino?
Responde o povo. Senhor Presidente, nas consagrações que vos tem tributado. Ele vos diz
que enquanto a gratidão não se apagar do coração dos homens, a sua dívida para conosco será
imprescritível e irresgatável.
Quando aqui lutávamos não pela supremacia de partidos ou de homens, o que seria
substerno, mas para integrar o Rio Grande na civilização, a mocidade nos exortou: “libertai o Rio
Grande e tereis o seu coração!”
Vós acudistes e aqui tendes nossos corações, são corações altivos, e por isso mesmo,
corações leais.
Corações altivos, sim, corações altivos! Porque não seria digno de um grande e nobre chefe
comandar homens que não marchassem de cabeça erguida e não trouxessem nos lábios o que
sentem no coração!
O Rio Grande contou convosco numa das horas mais sombrias do seu destino. Podeis estar
certo de que essa certeza jamais vos decepcionará!
PASQUALINI. Alberto. Ditaduras. Correio do Povo, Porto Alegre. 11 jul. 1943. p.4
O Sentido da Democracia
Segundo um postulado do direito moderno, todo poder político emana do povo e só pode ser
legitimamente exercido em nome dele e no seu interesse.
A Carta Política de 1937 inscreveu-o no seu artigo primeiro e, portanto, na pedra
fundamental do edifício constitucional.
A força com que esse princípio se impõe à consciência universal pode ser apreciada na
atitude dos amais condutores de povos, seja qual for o regime político em que atuam: todos eles,
ditadores ou ultrademocratas, se declaram representantes do povo e intérpretes de sua vontade. Isso
vem demonstrar ser essa atitude a única legitimação possível da autoridade.
O povo, porém, não é uma entidade abstrata. E a soma de todos os indivíduos vinculados a
uma determinada coletividade política e, portanto, a soma de suas necessidades, de suas tendências,
dos seus ideais, soma que não é uma adição de parcelas ou interesses heterogêneos, mas uma
resultante geral e direcional que marca o diagrama evolutivo e cultural nação.
Se todo poder reside no povo, a posse e o exercício do poder contra a sua vontade, os seus
interesses será uma violência e uma usurpação.
Tem-se geralmente do poder político uma noção menos exata e freqüentemente deformada.
Costuma-se representá-lo e imaginá-lo apenas por um dos seus aspectos: a possibilidade material de
impor coativamente certas determinações. Esta, porém, é somente uma de suas faces, a menos
essencial. O poder, no seu sentido orgânico e substancial, é um fator de coesão e de cooperação
social e se traduz numa pluralidade de funções: função de perceber as necessidades e aspirações
coletivas, de determinar, por assim dizer, o lugar geométrico onde os interesses individuais devem
projetar-se, fundir-se e integrar-se no sistema dos interesses coletivos; função de descobrir as
soluções mais adequadas aos problemas que a evolução social suscita; função de estruturação, de
organização e de disciplina social e, por fim, função de ordenar e utilizar os meios materiais
adequados de efetivá-las e assegurá-las.
Vê-se, portanto, que o poder, no seu aspecto substancial, se confunde com o próprio direito.
Onde não existe essa identificação, não há poder político nem poder jurídico, mas tirania, opressão
e simples abuso da força material.
Na história dos povos não é rara a anomalia que se caracteriza pela inversão funcional dos
meios e dos fins. Tal fato acontece, por exemplo, quando o sistema material e secundário da coação
e da força pretende ser um fim em si próprio, absorver e controlar funções que pertencem aos
órgãos direcionais.
Uma das maiores dificuldades está em saber como e quando o comportamento dos órgãos de
manifestação do poder, isto é dos governantes, exprimem realmente à vontade e os interesses do
corpo social.
Se se advertir que isso somente ocorre quando os agentes do poder são escolhidos por via de
eleição popular, ter-se-á resolvido apenas aparentemente à dificuldade, pois restará averiguar esta
outra questão de determinar como e quando certos cidadãos investidos de autoridade pública por
esse modo poderão ser considerados como efetivamente escolhidos pelo povo.
Sabemos, por experiência quase universal e por experiência própria, que os métodos e
processos instituídos para esse fim são quantitativa e qualitativamente falhos e que os resultados
favoráveis dependem, principalmente, do grau de cultura do povo, e da menor influência de fatores
que os possam deformar ou comprometer.
Admitindo-se, porém, que a escolha se possa realizar em condições tecnicamente ideais e
que a investidura no poder seja legítima na sua origem, esta condição não será ainda suficiente, pois
cumprirá que o uso da autoridade continue a ser legítimo em todos os momentos do seu exercício.
Se os governantes (entendendo-se o termo no sentido mais amplo), em dado momento, exercerem o
poder contra os interesses da coletividade, sua posição se tomará ilegítima, ainda que tenha sido
legal ab origine. E necessário que, se mantenha sempre inalterável a consonância entre os atos
governamentais e os interesses coletivos.
Ora, a única maneira pela qual é possível apurar a existência dessa plena correspondência e
harmonia entre os interesses do povo e a conduta dos governantes, entre as necessidades e
aspirações daquele e as determinações destes, estará em assegurar a todos os membros da
coletividade a possibilidade de opinarem sobre o modo como devem ser conduzidos os negócios
públicos e sobre as atividades governamentais.
Se fosse possível sobre cada assunto político e administrativo de certa importância obter o
pronunciamento da coletividade, teríamos a democracia direta. Isso, porém, não somente é
impraticável como nem todos os cidadãos estariam em condições de indicar, com pleno
conhecimento de causa, as soluções mais adequadas para os problemas correntes.
O que é sempre possível e o que mais deve interessar é que se possa livremente manifestar a
opinião esclarecida.
O sistema representativo, por si só, não conduz a esse desideratum, pois a existência de uma
pluralidade de órgãos governamentais oriundos do voto popular tem-se freqüentemente revelado
incapaz de assegurar o controle da opinião sobre a gestão dos negócios públicos.
Os parlamentares, sob o disfarce da representação popular, são, não raro, expressões de
interesses de camarilhas e a prática tem demonstrado que nem sempre os “representantes do povo
são recrutados entre elementos moral e intelectualmente mais idôneos”.
É necessário, portanto, que no meio social existam e se desenvolvam outras formas de
expressão dos sentimentos e dos ideais coletivos e é principalmente necessário que exista sempre a
possibilidade de manifestação da opinião esclarecida sobre todos os assuntos públicos cuja solução
exige estudo e sabedoria.
Onde os atos governamentais podem ser livremente examinados e discutidos, onde as
medidas governamentais não são o produto do arbítrio ou do capricho de uma ou mais pessoas, mas
são estudadas, pensadas tecnicamente assentadas e executadas; onde os governantes, ressalvadas
naturalmente certas restrições que as circunstâncias podem aconselhar no interesse da própria
coletividade, asseguram a todos os cidadãos a faculdade de exporem os seus desejos e as suas
necessidades, de defenderem os seus pontos de vista, de indicarem e sugerirem as medidas mais
adequadas para resolver determinadas situações, de apontarem os erros e os enganos para serem
retificados e corrigidos, de reclamarem contra abusos da autoridade para serem reprimidos; onde os
governantes se colocam na posição de prepostos, mandatários, gestores da coisa pública ou, numa
palavra, de servidores e não de senhores do povo ou dominadores e árbitros absolutos dos seus
destinos, aí existe, realmente, no que respeita às relações entre governantes e governados, um
regime democrático.
Não basta para caracterizar um governo democrático que se tenha originado e constituído
segundo determinadas fórmulas. E necessário que, a todo instante, a ação governamental se
desenvolva no plano exclusivo dos interesses coletivos, que exista uma perfeita sintonização entre
os seus propósitos e as aspirações do povo, entre as suas realizações e as necessidades e
conveniências nacionais.
O poder se legitima muito mais pelo espírito com que é exercido do que pela forma como
foi alcançado. Se assim não fosse, nenhuma revolução se poderia justificar e diante dos desatinos e
dos abusos dos governos legais ou constitucionais só haveria o remédio da submissão e da
resignação. O povo se legitima ou não pelos sensatos.
Como e quando, porém, se poderá afirmar que determinado governo age em consonância
com os interesses coletivos?
O juiz dessa conformidade só pode ser, evidentemente, o próprio povo, isto é, a opinião
honesta e esclarecida. Por isso, a democracia reside substancialmente na possibilidade de todos os
cidadãos idôneos e capazes de se pronunciarem com correção e espírito patriótico os problemas
nacionais, os atos do governo, a conduta dos governantes, afim de aprová-la, desaprová-la e retificá-
la. A crítica é condição fundamental da democracia.
Um governo será tanto mais democrático quanto mais se orientar pela bússola da opinião
sensata, quanto mais direto e mais extenso for o seu contato e a sua articulação com os órgãos de
extrinsecação da vontade e dos sentimentos coletivos.
O estado é o sistema nervoso da nação e o governo deve ser o órgão central desse sistema,
recolhendo, interpretando e coordenando as atividades e reações do corpo social. Um governo sem
meios de informação popular seria como um organismo desprovido de órgãos sensoriais. Sem poder
controlar as suas próprias reações, sem pontos de referência com a realidade, viveria, e agiria dentro
de uma espécie de “autismo” ou de delírio alucinatório.
Entre os mais eficazes meios de expressão popular e de intercâmbio de idéias está a
imprensa. A Constituição vigente lhe atribui função de caráter público. Creio que podemos agora
compreender e interpretar melhor o sentido dessa função.
Não deseja a Constituição que a imprensa se transforme em instrumento de propaganda
pessoal e de louvaminha dos governantes, o que seria deprimente. O que quer a Constituição é que a
imprensa seja uma tribuna honesta e responsável, onde se traduza o verdadeiro sentir do povo, onde,
dentro do mais elevado espírito de entendimento e de colaboração, governantes e governados falem
a linguagem clara da sinceridade da verdade e do patriotismo e acertem o rumo dos negócios
públicos.
Quão maiores e mais numerosos forem os meios de expressão popular, maiores e mais
extensas serão as fontes de informação dos governos e maiores serão também, portanto, as
probabilidades de que se conduzam com acerto e sabedoria.
A intercomunicação de governantes e governados, a influência e participação direta e ativa
da opinião esclarecida na gerência dos negócios públicos, a crítica objetiva e impessoal da
orientação geral do governo e da administração, seria como que o comício permanente onde,
segundo a clássica frase de Renan, se realizaria o plebiscito de todos os dias.
O problema da democracia é, portanto, a formação de uma consciência esclarecida, a
multiplicação e a Uberdade dos seus meios de expressão.
Sem um ingente trabalho educacional, que ainda está por ser começado, que eleve o nível
cultural do povo, que aumente a capacidade do seu juízo crítico e a faculdade de autodeterminar-se,
a democracia continuará sendo uma palavra vã de que se servirão os aventureiros e espertalhões
para iludi-lo e para mascará-lo, mascarando, sob o disfarce do bem geral, os seus próprios interesses
e ambições.
A democracia não é apenas a sonoridade e a sedução de uma palavra nem pode ser realizada
com fórmulas ingênuas e anódinas. A democracia há de ser, antes e acima de tudo, produto da
cultura, do aperfeiçoamento moral, da homogeneidade de sentimentos, devendo encontrar
inspiração permanente na disposição e no propósito de cada membro da coletividade e de concorrer
com as suas criações espirituais e materiais para aumentar o acervo de bens sociais e tomar mais
humana e eqüitativa a sua distribuição.
Para isso, é preciso reformar as concepções egoístas e primárias e substituir a mentalidade
agressiva de luta pela vida - que é a forma individual do imperialismo como o imperialismo é a
forma internacional do egoísmo e onde há poucos vencedores e muitos vencidos - pela idéia de
cooperação social e de fraternidade.
A função do Estado será coordenar os fatores dessa cooperação e instituir a técnica
destinada a assegurá-la e a aperfeiçoá-la.
É possível que tudo isso seja utopia, mas é uma utopia generosa, que vive nos ideais
humanos e de que já se vislumbram os albores.
O dever das gerações presentes é preparar e educar as gerações vindouras no espírito dessa
utopia para que todos os povos formem um dia a Grande Democracia que irmanará a todos os
homens e onde não haverá mais tanques nem canhões, nem sangue, nem lágrimas.
PASQUALINI, Alberto. O sentido da democracia. Correio do Povo, Porto Alegre, 27 jun. 1943.
p.4.
As Leis e as Mulheres
PASQUALINI, Alberto. As leis e as mulheres. Correio do Povo. Porto Alegre, 4.jul. 1943.p.4.
Amor e Poder
Qualquer filósofo germânico do tipo astênico e esquizotímico, que nunca tivesse ousado
lançar uma cabeça de ponte num coração feminino, poderia escrever quatro volumes sobre o amor,
quatro sobre o poder e mais quatro sobre as relações metafísicas entre o amor e o poder. Sobraria
ainda material para vários apêndices e suplementos.
Há quem afirme que, para discorrer razoavelmente sobre o amor, é preciso nunca ter amado
e, para dissertar corretamente sobre o poder, nada é de tanta valia como uma insuficiência supra-
renal.
E possível que o filósofo, depois de estudar com proficiência a gênese, a evolução e as
diferentes manifestações do amor, e do poder, dedicasse alguns capítulos especiais ao poder como
meio de realização do amor e ao amor como força de consecução do poder. Não menos
transcendente seria a discussão da tese do que é mais forte: se o poder do amor ou o amor do poder.
O exame das reações e do comportamento humano determinados pelo amor e pelo poder
talvez levassem o filósofo à conclusão de que o poder do amor conduz ao amor do poder e que o
amor do poder nada mais é do que uma das manifestações do poder do amor. Assim, amor e poder,
forças biológicas de igual sentido e de igual sinal, identificar-se-iam na unidade vital do ser
segundo o plano do infinito...
Esta seria a síntese da obra.
A verdade é que há tantas concepção de amor quantos são os corações que lhe
experimentaram as delícias e os tormentos, os êxtases e as angústias as esperanças e os desesperos,
as graças e as feridas.
Por essa razão é, ao mesmo tempo, fácil e difícil defini-lo. Fácil, porque todos os conceitos
lhe convêm; difícil, porque nenhum o exprime cabalmente. Cada qual o compreende e o caracteriza
segundo as suas próprias reações e experiências.
Censuram-se os namorados suspirando: “Tu não sabes o que é amar...” “Eu sei, tu é que não
sabes...”
Ambos têm razão. Todos sabem e ninguém sabe o que é amor.
Disse La Rochefoucaud acontecer com o amor o mesmo que com os fantasmas: todos falam
deles sem que ninguém os tenha visto...
Do amor existem milhares de definições, desde as poéticas até as cínicas. Há quem o
considere um estado patológico e há até quem lhe negue a existência. O tema é tão velho ou mais
velho do que o mundo.
Se dentre as definições me fosse dado escolher uma, preferiria a de Spinoza: amor est
titiliatio concomitante idea a causae externae. O amor é uma cócega associada à idéia de causa
exterior. Não é extraordinário? Não é o amor uma coceira? Hoje, talvez, nos exprimíssemos de
outra forma. Em vez de insinuar que o amor é uma sarna cardíaca, poderíamos dizer, mais
elegantemente, que é um “estado alérgico do coração...”.
Schopenhauer, porém, o hipocondríaco Schopenhauer, acha graça, da ingenuidade dos
poetas e dos enamorados e lhes adverte que o amor é apenas a vontade de viver de outro indivíduo...
Na troca de olhares saturados de amor já está germinando uma vida nova. Os suspiros dos
namorados são os suspiros do “gênio da espécie”. O amor é o estratagema de que se serve a
natureza para alcançar os seus fins.
Outro filósofo assevera, mais positivamente, ser o amor “a continuidade do plasma
germinativo que se manifesta e se afirma energicamente, salvaguardando os direitos da espécie
contra as fantasias individuais”.
O amor seria, pois, apenas o disfarce ou a camuflagem do instinto; um engodo e um ardil da
natureza para realizar os seus desígnios: a continuidade da vida. Segundo Chamfort a natureza só se
preocupa com a permanência da espécie e, para perpetuá-la, lhe é suficiente valer-se da nossa
tolice... Não foi o mesmo cínico Chamfort que afirmou ser o amor “L' échange de deuxphantasies et
lê contact de deux epidermes?.
O casamento, conforme uma opinião corrente, tem três fases: a primeira do entusiasmo, a
segunda do hábito, a terceira da... resignação. Só nesta última é que os dois compreenderiam o logro
e que o casamento é "uma cilada que a natureza nos arma”.
De acordo com tais idéias, o amor seria um epifenômeno, um luxo sentimental, a
complicação de um tropismo. Dois átomos de hidrogênio não se combinam com um de oxigênio
para constituírem uma molécula de água? Um grão de polem, levado pelo vento ou na asa de um
inseto, não desce o pistilo da flor para formar a semente? Produz-se a água gera-se a planta sem
necessidade de amor. O que quer a natureza é um novo ser, é a continuidade da vida, de que os
organismos são as formas transitórias. Fazer do amor o objetivo da vida é inverter os meios e os
fins, pois é a vida que é o objetivo do amor.
A natureza não se interessa pelos sonhos, pelas ânsias, pelas aflições, pelos alvoroços, pelos
suspiros, pelas lágrimas e pelos madrigais dos namorados. O que a natureza reclama não são
romances, mas, como Hitler, novos organismos, novos individuais. Rés non verbas...
Não há dúvida de que essa concepção materialista e prosaica do amor deve ser, no mundo
dos namorados, obra da quinta coluna...
Devemos, pois, protestar contra a nazificação do amor e proclamar que é ele a razão da
existência, a beleza da vida, a exaltação das almas e a fusão dos corações. E o sopro e a chama
divina onde se sublima o sentido da vida...
Não sentenciou Proudhon que, nas almas de elite, o amor não tem órgãos?
Talvez haja na tese proudhoniana um pouco de exagero. Nem todos, evidentemente,
concordariam em dar ao amor caráter tão... metafísico.
Convirá por isso, ficar com a fórmula intermediária de um filósofo americano e segundo a
qual o homem, que é um dos termos, vive para a mulher, que é o outro termo, e a mulher para a
prole, que é, como num silogismo, a conclusão.
Segundo essa concepção, a mulher tem na vida um papel mais importante do que o homem.
É nela que a natureza deposita suas esperanças e é a ela que confia a realização dos seus projetos.
Todas as reações da mulher têm como objetivo a segurança da prole.
Muitos pensam que quem escolhe é o homem. Pura ilusão. Quem escolhe é a mulher. A
superioridade física, mental ou econômica do homem garantirá a prole. E por essa superioridade
que a mulher guia a sua escolha, o que obriga o homem a lutar por conquistá-la. Luta pela vida é
luta pela superioridade; e luta pela superioridade é, real ou potencialmente, luta pelo amor.
A mulher é o perpetum movens, o centro de gravitação do mundo. É ela que faz a história.
Eis a razão por que sagacidade e a malícia gaulesas aconselham que, nas complicações dos
homens, se procure sempre a mulher...
E de rir da ingenuidade dos historiadores quando pretendem conhecer e ensinar as razões
que inspiraram ou ditaram as atitudes dos homens históricos. Que sabem eles do que passava na
consciência e no coração desses homens quando se tomaram heróis ou criminosos? Se fosse
possível devassá-la, talvez se encontrasse a imagem de uma mulher.
Isso não acontece apenas com os condutores de povos e os heróis. Acontece também com os
sábios, os artistas, os burgueses e os proletários; com os grandes homens e os pequenos, com os
chefes de Estado e os humildes funcionários. A diferença é apenas esta: enquanto o funcionário
procurará afirmar a sua superioridade e a sua personalidade vencendo um concurso burocrático, um
chefe de Estado subjugará um povo ou desencadeará uma guerra.
A própria filosofia, que realiza freqüentemente o milagre de elevar o homem acima da
natureza, não consegue imunizá-lo e libertá-lo da tirania dessa força misteriosa que é o instinto da
perpetuação da vida.
Foi paradoxalmente do cérebro de Augusto Comte, o fundador da filosofia positiva, filosofia
que nega qualquer valor às concepções apriorísticas, que brotou um dia esta genial intuição:
“On ne peutpas toujours penser, mais on peuti toujours aimer.”
Cansamo-nos de pensar e até de agir, diz o filósofo, mas nunca nos cansamos de amar...
Quem lhe inspirou tão grande verdade não foi a especulação filosófica, mas O amor de
Clotilde - mon angélique Chiotilde - como lhe chamava.
Ela, porém, vivia decepcionada e triste, desiludida dos homens e do mundo. Já não
acreditando na vida e no amor, lhe escrevia:
“O amor não é indispensável nas relações dos homens; deveis viver como se eu não existisse
e considerar-me uma sincera amiga, cuja felicidade atual será de embelezar alguns momentos de
vossa vida. Esqueçamos os nossos sexos para pensar nos nossos corações...”
Esquecer os sexos! Como poderia o ardor e a paixão do filósofo conformar-se com idéias
tão proudhonianas?
“Esquecer os nossos sexos, viver como se não existísseis, numa palavra, dar minha alma a
vós e meu corpo a outras, tudo isso me é impossível. Meu coração é incapaz de tais abstrações...”
Admiráveis palavras! Pode o espírito conceber, abstrair, idealizar, enunciar princípios, engendrar
teorias, criar mundos imaginários. Mais forte do que os sistemas é, porém, o coração, porque o
coração é a própria vida que quer continuar. Diante de um lindo rosto de mulher, todas as
abstrações se esfumam como a névoa sob os raios ardentes do sol...
E no amor de sua angélica Clotilde que o gênio de A. Comte adquire novos lampejos e se
expande, em novas criações. Ele próprio haveria de reconhecer que grande parte de sua obra foi
influenciada pela mulher cujo nome haveria de imortalizar:
“A esse amor nobre deverei sempre, como filósofo, a compreensão verdadeira da
preponderância necessária da vida afetiva. Eu havia estabelecido no meu livro fundamental que,
nem o pensamento, nem a ação podem constituir o centro essencial da existência humana, que deve
ser dirigida sobretudo para o sentimento. Era, porém, necessário que essa convicção racional fosse
consolidada e animada por um profundo sentimento pessoal... Este é o eminente serviço de que
serei sempre devedor, minha Clotilde, à vossa adorável influência e que assim contribuirá para
tomar a segunda parte da minha carreira filosófica superior à primeira...”
O amor gera a vontade de viver e de criar. E da necessidade de amor que nasce o que
Nietzsche chamou a “vontade de poder”.
Quando o indivíduo possui as condições naturais para elevar a personalidade ao nível
necessário à realização do seu destino, tudo se passa normalmente. O caso, porém, pode complicar-
se quando a ausência de alguma dessas condições gera o sentimento de inferioridade e determina a
formação de mecanismos de compensação.
Alfred Adier estabeleceu a lei psicológica de que o sentimento de inferioridade orgânica se
converte em fator permanente do desenvolvimento psíquico do indivíduo.
Isso quer dizer que o indivíduo procura cobrir por meio de mecanismos de compensação, as
suas deficiências orgânicas.
E essa, aliás, uma lei geral da vida. A astúcia é, por exemplo, a força do fraco. Se o leão
tivesse a astúcia da raposa e o elefante a velocidade do antílope, que seria dos outros animais?
A possibilidade e a harmonia da vida repousam no equilíbrio dos contrários e dos
equivalentes. A inteligência é um equivalente da força. Onde há exuberância de músculo há, em
geral, insuficiência de córtex e onde há excesso de vida orgânica pode haver deficiência de vida
mental.
Tanto a inteligência como a força são expressões de poder.
Esses equipamentos psíquicos de cobertura podem determinar a criação de planos ou de
objetivos imaginários através dos quais o indivíduo procurará afirmar a sua personalidade e a sua
superioridade. Dentro de certos limites, o fenômeno é normal. São os mecanismos de compensação
e de sublimação que nos ajudam a viver. Quando, porém, os limites são excedidos, quando o
indivíduo recorre àquilo que Adier denomina a “técnica neurótica da vida”, podem acontecer
grandes reboliços na terra.
Se Napoleão tivesse tido a figura de um Robert Taylor, provavelmente Napoleão I nunca
teria existido.
São os complexos de inferioridade que põem o mundo em polvorosa.
Mas, são os mecanismos de compensação e de sublimação que criam também as grandes
obras do espírito humano.
O característico fundamental da vida é a sua tendência à continuidade; é a “libido”, isto é, a
vontade de expandir-se e de perpetuar-se.
É a mulher que simboliza a vida, porque é nela e por ela que a vida humana continua. O
homem é o grão de pólen; a mulher é o pistilo.
Poderiam as mulheres com razão sustentar que os homens são meros satélites e acessórios.
Não é assim no reino animal? Representa o homem apenas o termo a quo e o sistema de segurança
da prole.
E essa segurança que orienta a escolha da mulher e é a criação ou consecução dessa
segurança que desorienta muitas vezes o homem.
A mulher se rende tanto ao músculo como ao cérebro, tanto à posição do homem como à sua
arte, tanto ao seu heroísmo como aos fundos bancários, porque tudo faz parte do sistema de
segurança.
Entre os selvagens é o duelo que decide, freqüentemente, a quem deve pertencer a mulher
amada. Entre os civilizados, a força e o poder revestem outras formas reais ou compensativas que
vão desde a ortopedia miraculosa dos alfaiates até a teoria da relatividade... E por elas que o homem
consciente ou inconscientemente, procura impor-se e manifestar a sua suficiência.
É do amor, da vontade de viver, que emana a energia, a impulsão criadora, a vontade de
poder.
Um mecanismo de compensação impulsionado pelo amor poderá criar um herói, formar um
sábio, revelar um gênio, animar um artista, fazer um santo ou gerar um criminoso; sem amor,
poderá, quando muito, produzir um cético, um negativista, um hipocondríaco e um suicida.
O amor é o convite para a vida e o poder o meio de garantir a sua aceitação. Todo poder que
não serve ao amor é energia que se degrada.
Sobrada razão, pois, teria Herr Professor se encerrasse o seu 12° volume com a conclusão
de que o poder e o amor formam a síntese da unidade vital.
Mas, muito antes dele um nosso patrício se havia antecipado, com inigualável espírito
prático e senso de humor, numa ilustração avançada e sui generis da teoria.
Quem no-lo relata é von Martius, outro sábio germânico que, há mais de 120 anos,
percorreu as selvas deste imenso Brasil.
Conta-nos Martius que havia no Rio Negro, na tribo dos Manaos, um cacique todo-poderoso
chamado Cocui. Como todo homem, tinha seu hobby. Assim, diante do outro sexo, era acometido
de manifestações alérgicas, principalmente quando se tratava de mulheres dos amigos. Até aqui
nada haveria de extraordinário e o tupixava poderia viver admiravelmente entre nós. Seu “fraco,
porém, era outro. Depois de seduzir as mulheres dos companheiros, requisitava-as, engordava-as e
as comia! Não está aí a mais perfeita “assimilação” do objeto amado na mesma unidade vital...?
Refere ainda o naturalista alemão que os súditos, despojados de suas mulheres, acabaram
por revoltar-se contra o totalitarismo do chefe. Não esclarece, porém, se elas não se sentiam
imensamente felizes de oferecer as suas tenras costelas ao amoroso estômago do original
morubixava...
PASQUALINI, Alberto. Amore Poder. Correio do Povo, Porto Alegre, 18jul. 1943. p. 4
Saudação aos Jornalistas cariocas
Maior favor se presta aos agentes da autoridade pública, que a exerçam com reta
intenção, indicando-lhes os enganos e prevenindo-os contra o erro...
PASQUALINI, Alberto. “Não se colabora com o governo apenas aprovando e aplaudindo, mas
também criticando e censurando”. Correio do Povo, Porto Alegre, 4 jan. 1944. p. 12.
Marginais e Colônias Agrícolas
PASQUALINI, Alberto. Marginais e Colônias Agrícolas. Correio do Povo, Porto Alegre. 27 ago.
1944. p. 4.
A notícia de que haverá de fato eleições e de que está para ser promulgada a lei eleitoral
provocou alvoroço em todo o país, havendo auspiciosamente começado a efervescência política.
Os próceres iniciaram confabulações, os políticos já se estão movimentando e articulando
segundo as recíprocas afinidades, sendo a prever para breve a exumação dos velhos partidos, a sua
provável remontagem nas oficinas dos P.R.P., P.R.M., P.D., P.C., etc., etc., e a formação de novos
para os embates eleitorais.
O povo acompanha curioso o desenrolar dos ensaios nos bastidores da alta governança e
procura adivinhar, como a platéia antes do espetáculo e enquanto se afinam os instrumentos, o que
se passa atrás do pano, como cada personagem do elenco desempenhará seu papel e se a peça será
do gênero “I Plagiacci” ou se terá o estilo wagneriano do “Crepúsculo dos Deuses”...
De qualquer forma, a desusada atenção popular é alvissareira, pois vem denotar o interesse
da massa pelos acontecimentos que se prenunciam na próxima reabertura da temporada político-
eleitoral.
Mas, seria profundamente deplorável e decepcionante se, depois de tão longa pausa, que
deve ter propiciado o arejamento do ambiente político, se reiniciassem as práticas com os mesmos
erros, os mesmos vícios e os mesmos embustes; se as forças que se vão exibir e medir na arena
eleitoral se caracterizassem e definissem simplesmente como partido de governo e partido que está
contra o governo - o primeiro tendo como programa manter-se no poder a qualquer custo e o
segundo tendo como objetivo derrubar o governo, também de qualquer jeito para assenhorear-se do
poder.
Nos países em que o Estado tem um caráter providencial, em que a esfera de sua influência e
interferência se estende a quase todas as atividades e negócios, o normal exercício daquelas e a
condução destes dependem direta ou indiretamente das boas graças das autoridades. Daí a razão
pela qual, onde tal fenômeno se verifica, as hostes dos dois exércitos se digladiam encarniçada e
irreconciliavelmente, umas para não perder as posições-chave e os negócios e as outras para obtê-
los para si. Quando a tese é “ficar no poder” e a antítese “derrubar o governo”, a síntese será,
necessariamente, uma revolução.
A isso, a esse triste e degradante espetáculo, não se pode dar o nome de democracia, porque
não é um embate de idéias que procuram iluminar e acertar o caminho do bem comum, mas um
entrechoque de estômagos que se pretendem mútua e egoisticamente excluir.
Agarrar-se ao poder com unhas e dentes não pode constituir um programa, como também
não pode ser um programa lutar simplesmente para arredar e enxotar os que se acham na posse do
poder.
A política, no elevado sentido do termo, é a ciência da pesquisa e a arte da realização do
bem-estar social. Exige desinteresse, renúncia, abnegação. Pressupõe um ideal.
E preciso, pois, distinguir entre agrupamentos que se formam em torno de interesses, e
partidos que se constituem para a realização de objetivos éticos e sociais. As fórmulas políticas
concernentes à estruturação e ao mecanismo estatal, guardados certos princípios fundamentais, são
apenas meios para alcançar a finalidade fundamental.
Cumpre, por isso, que, na discussão e eleição dos meios, não se percam de vista os fins.
Todo cidadão deve ser político, político no bom sentido da palavra. Ser político no bom
sentido significa cooperar ativamente com a própria opinião e voto para o bem geral.
O debate político deve versar sobre a caracterização e definição do bem comum e sobre a
escolha dos meios mais adequados de realizá-lo. Como as questões políticas envolvem, geralmente,
matéria opinativa e se traduzem, como se diz em lógica, em juízos de valor, cumpre acatar e
respeitar todas as opiniões enquanto se possa apurar e autenticar a sua sinceridade e não sejam o
disfarce de interesses ou quizílias pessoais.
Todos os sistemas oferecem vantagens e desvantagens. A discussão política deve ter por
objetivo a evidenciação de umas e outras. Justamente porque não se pode demonstrar
matematicamente a "verdade" política, o seu critério é expresso, nas democracias, pelo acordo da
maioria.
Por essa mesma razão, todo debate político deve ter por finalidade a constituição e apuração
dessa maioria em torno de determinada tese, sistema ou solução.
Duas condições são, por isso, fundamentais no funcionamento da democracia: primeiro, a
liberdade de debate político; segundo, a liberdade e a garantia do voto.
Constitui, portanto, dever fundamental e elementar do governo assegurar ao povo todas as
condições que lhe permitam manifestar as suas simpatias e preferências por este ou aquele
programa e a escolha dos nomes de sua confiança para executá-lo.
Se os indivíduos que ocupam os postos governamentais podem e devem, como qualquer
cidadão, ter convicções políticas, o governo como tal não pode parcializar-se. Os altos cargos da
administração pública não são propriedade de partidos e muito menos de indivíduos. Pertencem ao
povo e é a ele que incumbe designar, por meio do voto, quem deve exercê-los.
Governo é magistratura e a sua ação não pode ser facciosa. Aqueles que se valem do poder
para fins partidários e como instrumento de coação, degradam a autoridade, são indignos da função
que exercem e cometem uma traição contra o povo.
Nada há, por isso, de tão absurdo como o slogan de que o Governo precisa ganhar e vai
ganhar as eleições. Pode, sem dúvida, o partido que está no poder disputar e ganhar o pleito
eleitoral, porém lisamente, em concorrência e em igualdade de condições com as demais correntes
de opinião.
Cumpre, pois, fazer a nítida distinção entre governo e partido e não identificar um com
outro.
O poder é apenas um sistema de meios políticos e jurídicos para a realização de um
programa que presume exprimir o bem comum. Desde o instante em que o povo opte por outras
diretrizes, o partido que está no poder deve entregá-lo ao que venceu e se impôs na simpatia e na
confiança popular.
Somente quando se considera o governo não como o aparelhamento técnico e jurídico para
satisfação de necessidades e realização de aspirações coletivas mas como um instrumento a serviço
de interesses privados é que se criam obstáculos à livre manifestação da vontade popular.
Para um partido que está no poder, a derrota nos comícios eleitorais deveria significar a mais
bela das vitórias, pois constituiria a prova cabal e indiscutível da correção, da Usura e da dignidade
com que os governantes souberam desempenhar e honrar o seu mandato.
Tudo o que acaba de ser dito são noções elementares - quase lugares-comuns - mas que
convém relembrar e repetir no momento em que se fala em eleições e existe a probabilidade de que
venham a realizar-se.
Façam-se, pois, eleições, mas eleições livres e honestas, sem golpes, sem truques, sem
malabarismos, eleições por onde se filtrem todos os matizes da opinião nacional.
E de esperar que as novas gerações, que não conhecem ainda os processos da velha
politicalha, não se deixem envolver e contaminar por ela, mas se disponham antes a repeti-la e a
combatê-la.
É necessário desinçar a política nacional do profissionalismo e do caudilhismo. Enquanto
ainda houver sintomas dessas duas pragas, principalmente da última, que se manifesta sob várias
formas e constitui mal endêmico em certas repúblicas centro e sul-americanas, o Brasil não poderá
aspirar ao primeiro plano da escala internacional onde se alinham as nações cultas e civilizadas.
Um povo revela o seu verdadeiro nível cultural no funcionamento das instituições políticas
que, nas democracias, têm como premissa e pressuposto fundamental a verdade eleitoral.
Sem esta verdade, nenhum governo saindo das umas será legítimo, porque será um produto
da coação ou da fraude e nunca a expressão da vontade soberana do povo.
PASQUALINI, Alberto. Governo e Partidos. Correio do Povo, Porto Alegre, 11 fev. 1945. p. 4.
Candidaturas Programas
... um programa não deveria ser um simples ato fornial,a poste-tiori, para
justificar uma candidatura, mas, antes, cumpriria ser esta a decorrência lógica e
natural de um programa.
PASQUALINI, Alberto. Candidaturas e Programas. Correio do Povo, Porto Alegre, 1º abr. 1945. p.
4.
A Lição das Greves
Não pretendo fazer aqui a apologia da greve, que é um recurso de que os trabalhadores
devem lançar mão somente em casos excepcionais. Nos próprios países de legislação social
avançada, o exercício do direito de greve está devidamente regulamentado, especificando-se quais
os casos e em que condições pode aquela legitimar-se.
Assim, estabelece a Constituição do México no art. 123, inciso XVIII, que “as greves serão
lícitas quando tenham por objeto conseguir o equilíbrio entre os diversos fatores da produção,
harmonizando-se os direitos do trabalho com os do capital”.
"Nos serviços públicos - prescreve o mesmo dispositivo constitucional - será obrigatório
para os trabalhadores dar aviso, com dez dias de antecedência, à Junta de Conciliação e Arbitragem,
da data fixada para a suspensão do trabalho. As greves somente serão consideradas ilícitas quando a
maioria dos grevistas exerça atos de violência contra as pessoas ou propriedades, ou em caso de
guerra quando aqueles pertençam aos estabelecimentos e serviços que dependem do governo."
O exercício do direito de greve vem ainda longamente regulamentado na Lei Federal do
Trabalho, que também fixa o processo para dirimi-la. Antes de declará-la, por exemplo, devem os
trabalhadores formular por escrito as suas reivindicações ao empregador, comunicando o propósito
de recorrer à greve, devendo caracterizar-lhe o objeto e indicar o dispositivo legal em que se
fundamenta. O aviso deve ser dado com seis dias de antecedência ou de dez, quando se trate de
serviços públicos.
Segundo a lei mexicana que estamos citando e que é das mais modernas, a greve deve ter
por finalidade:
a) conseguir o equilíbrio entre os diversos fatores da produção harmonizando os direitos do
trabalhador com os do capital;
b) obter do empregador a celebração e o cumprimento do contrato coletivo de trabalho;
c) exigir a revisão do contrato coletivo, ao terminar o período de vigência nos termos e casos
estabelecidos pela lei;
d) apoiar uma greve que tenha por objeto algumas das finalidades acima mencionadas e que
não tenha sido declarada ilícita.
Fora dos casos e condições legais, a greve é considerada ilícita.
A Carta Constitucional de 1937 não admite a greve, que considera recurso anti-social,
nocivo ao trabalho e ao capital e incompatível com os interesses da produção nacional. A
instauração do dissídio coletivo seria, segundo a nossa legislação trabalhista, o meio de pleitear a
modificação das condições de trabalho.
Fazendo, porém, obstrução do aspecto jurídico da greve e examinando os movimentos
irrompidos unicamente através de suas causas determinantes, parece não haver dúvida serem elas de
caráter meramente econômico. Uma razão única, que é a necessidade de viver, induz os
trabalhadores ao uso desse recurso extremo e um único direito invocam eles, direito que não é
simples criação legal e que, por isso mesmo, nenhuma lei pode suprimir, porque decorre da própria
natureza: o direito de viver.
De acordo com a nossa legislação vigente, especialmente a legislação de guerra, penas
severíssimas poderiam ser aplicadas aos grevistas. Quem, entretanto, ousaria invocar essas leis para
ameaçá-los, acusá-los ou condená-los?
Há no Brasil um problema sério e grave, que cumpre estudar e resolver, o do tremendo
desequilíbrio que a inflação trouxe para a economia das classes proletárias.
Todos sabem que uma das conseqüências da inflação é enriquecer, pelo menos
momentaneamente, a classe patronal e empobrecer sempre mais os que vivem de salários. Devemos
reconhecer a dura realidade e a triste verdade expressa já no slogan de que, na situação atual, os
ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. A razão é muito simples: os ricos
possuem bens, propriedades, meios de produção, mercadorias, que se valorizam fantasticamente
com a inflação; os pobres só têm o salário e este é uma expressão monetária que se degrada sempre
mais e cada vez vale menos.
O simples aumento dos salários, por si só, não resolverá o problema, porque esse aumento
também concorrerá para ativar o processo inflacionário e conseqüentemente, elevar ainda mais o
custo de vida. Aumento de salário significa aumento do custo de produção, da capacidade aquisitiva
e, portanto, maior procura de bens e utilidades, contribuindo dessa forma para o seu encarecimento.
O que cumpre é romper esse círculo vicioso e isso só se conseguirá com o aumento da
produção de utilidades de consumo, a redução dos gastos públicos improdutivos, notadamente, na
medida do possível, as despesas militares que absorvem grande percentagem dos ingressos
públicos, a taxação dos lucros e aplicação da respectiva receita exclusivamente em obras e serviços
de assistência social, a simplificação do cipoal legislativo que entrava a produção e entorpece a
circulação da riqueza e, finalmente, com a adoção de outras medidas, em cuja execução devem
colaborar o Governo e todas as classes interessadas.
O Governo, sem dúvida, não se poderá eximir da culpa de não ter tido a previsão necessária
e de não haver acudido, em momento oportuno, para prevenir ou circunscrever a extensão do mal.
Atribuir-lhe, porém, a integral responsabilidade é um absurdo que o bom senso não deve admitir.
E certo, que, muitas vezes, as dificuldades que estão nas coisas se aliam à incapacidade ou
ao descaso das pessoas em resolvê-las. O dia, porém, que se conseguir eliminar esses percalços, o
mundo terá dado um grande passo no caminho da perfeição.
O aspecto mais sombrio, entretanto, das perspectivas que se desenham diante dos nossos
olhos reside na circunstância de que o País terá de enfrentar os mais sérios problemas sociais e
econômicos justamente no momento em que se verifica a eclosão de uma crise política, cujo
processo e cujas conseqüências não se podem ainda claramente prever e calcular.
Lamentavelmente, os interesses políticos que se entrechocam parecem obscurecer a visão
exata da situação e das verdadeiras necessidades do povo que apenas são afloradas como tema de
exploração facciosas e não com o intuito e o interesse patriótico de estudá-las e satisfazê-las.
Aí está, porém, a lição dos fatos e sobre o que ela significa e pode pronunciar devem refletir
todos aqueles que têm responsabilidades nos destinos do País.
Vivemos numa época em que a política, como ciência e arte de conduzir sociedade e de
realizar o bem-estar social, não deve ser feita apenas por políticos, mas interessar a todos, porque
somente pela compreensão, concurso e boa vontade de todas as classes, por uma conjugação de
esforços comuns, sem preocupações subalternas e sem intuitos egoísticos e pela ação esclarecida e
segura dos governos, se poderão erradicar as causas do mal que está minando e debilitando o
organismo nacional.
PASQUALINI, Alberto. A lição das greves. Correio do Povo. Porto Alegre, 8 abr. 1945. p.4.
Nas Vésperas da Constituição
Quando, dias atrás, no Rio de Janeiro, a tensão nervosa da população, conseqüência das
dificuldades e privações que a torturam, explodiu num lamentável movimento depredatório, um
ilustre parlamentar propôs que a Assembléia Constituinte se considerasse em sessão permanente até
a promulgação da Constituição. Julgava, possivelmente, o nobre deputado, que os males que nos
afligem seriam tanto antes debelados quanto mais cedo fosse promulgada a lei fundamental do país.
Esse pensamento era, aliás, muito razoável num constituinte, compenetrado e convicto como
devia estar da transcendente função política, histórica e social da elaboração constitucional.
Mas, sem menoscabar ou subestimar o alívio psicológico que a futura Constituição poderá
trazer às nossas aflições, julgamos que será prudente não nos fazermos demasiadas ilusões sobre as
suas milagrosas virtudes.
Uma Constituição, por si só não resolve problemas. Pode apenas facultar e facilitar os meios
jurídicos e políticos de sua solução. Terá a Constituição de 1946 escolhido os meios mais
adequados? Isso é o que veremos em breve quando a obra dos constituintes for submetida à prova
da realidade.
Há, a respeito, muitos prognósticos pessimistas e não se pode deixar de reconhecer que
existem para isso fundadas razões.
Os constituintes de 1946, precisamente porque egressávamos de um período ditatorial, e se
mostraram aflitos com o problema da liberdade e de suas garantias jurídicas. Preocuparam-se mais
(notadamente os da oposição) em combater, corrigir e apagar, como diziam, os vestígios da
ditadura, do que em criar uma estrutura política e jurídica em consonância com os postulados e as
necessidades sociais dos nossos dias.
Na campanha política, explodiram ódios e ressentimentos, de longa data represados. Isso era
natural, mas tais questões não podiam interessar ao povo. Os políticos invectivavam um passado
que se extinguia enquanto o povo dirigia os seus olhares para o futuro onde punha as suas
esperanças.
Como conseqüência dessa assintonia desse desentendimento e dessa incompreensão, a
Constituição de 1946 será ainda a dama espartilhada de 1891 com o rouge da legislação trabalhista
do Estado Novo. As garantias jurídicas da liberdade terá adicionado as garantias jurídicas do
trabalho. Não terá aberto, porém, nenhuma perspectiva nova para a solução das grandes questões
nacionais, para a solução dos problemas sociais, para a instituição da verdadeira justiça distributiva
que, nos seus textos, será apenas uma figura de retórica.
Dirão que, no capítulo dos direitos sociais, há uma grande novidade: a participação dos
trabalhadores nos lucros das empresas.
O anteprojeto consignava simplesmente a participação do trabalhador nos lucros.
Posteriormente, foram apresentadas diversas emendas. Queriam umas que a participação fosse
direta; outras, que fosse direta ou indireta, deixando a solução para a lei ordinária; por fim, uma
terceira fórmula propunha que se criasse uma contribuição social sobre os lucros para o custeio de
um amplo plano de assistência social.
Na votação do projeto e das emendas, segundo agora informa a imprensa, prevaleceu a
primeira solução: a participação direta. O extraordinário é que foi ela defendida por trabalhistas,
comunistas e, representantes mais reacionários do capitalismo.
Ouvi de certo político a seguinte explicação: a participação direta dos trabalhadores nos
lucros é inexequível praticamente. Todos o sabem, menos os trabalhadores que vivem embalados na
doce ilusão de que vão associar-se aos dividendos dos patrões. Pleitearam uns a participação direta
para agradar aos trabalhadores e mostrar que são seus amigos e defensores; outros, os capitalistas,
porque sabem de antemão que a fórmula jamais será executada: por fim, os comunistas a apoiaram
porque querem que o proletariado compreenda que não deve confiar nos processos do capitalismo...
E acrescentou: mundus vult decipi, ergo decipiatr. O povo quer ser enganado; portanto, para sermos
agradáveis ao povo, não há outra solução senão enganá-lo...
Não sei se a explicação é exata, pois parece muito cínica para ser correia. E de se acreditar
que a maioria dos constituintes tenha sido sincera na formação dos seus pontos de vista. Certo,
porém, é que a disposição votada será letra morta, porque a participação direta do trabalhador nos
lucros é de tão difícil realização prática, que o preceito constitucional jamais será regulamentado. E,
ainda que um dia o viesse a ser, grande seria a decepção dos trabalhadores, eis que, na partilha dos
lucros, não lhes tocariam quantias maiores que as gratificações que os patrões, por ocasião das
festas de fim de ano, distribuem espontaneamente aos seus auxiliares.
Mas, não é só isso. Desde que seja o patrão legalmente compelido a abrir mão de uma
parcela dos lucros em favor dos seus empregados, se sentirá desobrigado de proporcionar-lhes
quaisquer outros benefícios ou de aumentar-lhes os salários. Quando, pois, os empregados
reclamarem melhoria de remuneração, terão os patrões sempre pronta esta resposta: trabalhem e
produzam mais, pois assim os lucros serão maiores e ganharão mais...
Nossos constituintes não fizeram uma Constituição para o Brasil, mas para um país de
existência abstrata. Não se aperceberam de que entre nós, os problemas sociais e econômicos são
ainda de caráter elementar e assistencial e que só poderemos resolvê-los se dispusermos de grande
massa de recursos financeiros e se a aplicação desses recursos for convenientemente concentrada
nessa finalidade.
Por que e para que acenar aos trabalhadores com perspectivas ilusórias, com esperanças vãs,
com benefícios que jamais serão outorgados? Por que esse engodo constitucional, essa mistificação
demagógica que só pode ter o efeito de ludibriar o proletariado? Se houvesse o sincero propósito de
melhorar as condições de vida das massas trabalhadoras, outras deveriam ser as soluções: soluções
simples, práticas, exeqüíveis e eficientes.
Se a Constituição instituísse uma contribuição sobre os lucros e fixasse ao mesmo tempo a
quota mínima dos lucros a ser socializada, isto é, a ser aplicada em obras e serviços de recuperação
social e econômica, então, sim, estaríamos diante de uma fórmula concreta cuja execução poderia
ser imediatamente iniciada. Disporíamos de bilhões de cruzeiros para serem investidos na instalação
de colônias agrícolas onde se processaria a recuperação social, econômica e educacional das
populações rurais, que vivem na miséria e no abandono, aumentando o seu potencial aquisitivo e
produtivo e abrindo mercados para as nossas indústrias. Disporíamos de bilhões para a organização
de institutos de crédito que proporcionariam o financiamento, sem juros, para a aquisição da
moradia, para as cooperativas de produção e de consumo; disporíamos de bilhões para combater a
tuberculose, que dizima a população, a mortalidade infantil, as endemias rurais; disporíamos de
bilhões para centuplicar as escolas e todos os meios e organismos de assistência social.
Somente depois de havermos resolvidos adequadamente esses problemas elementares é que
poderíamos pensar em outras soluções que nem os povos mais cultos, mais civilizados e de muito
mais alto padrão de vida, cogitaram até agora de sugerir e de equacionar.
O mal das constituições é serem feitas por políticos e não por estadistas. Muitos daqueles
têm outras preocupações que não as verdadeiras necessidades do povo, embora quase sempre as
mascarem sob o disfarce do interesse público.
Nossos políticos discursaram liricamente sobre os problemas da liberdade e da democracia,
esquecendo que, para a grande maioria do povo, há outro problema excruciante que é o da
necessidade. A Uberdade política sendo, sem dúvida um dos maiores bens é, no entanto, apenas o
pressuposto para conseguir a libertação da necessidade. E mister, por intermédio dos processos da
liberdade e da democracia, resolver o problema da necessidade e realizar a justiça social.
O erro do fascismo consistiu em pretender alcançar esses fins por outra forma, isto é, pela
supressão da Uberdade. O erro de certos democratas é querer instituir os meios esquecendo os fins,
o que tornará ilusória e sem sentido a existência daqueles.
Em toda a campanha política que precedeu às eleições só se discutiram temas e se ouviram
chavões da Revolução Francesa. Eis por que, para o povo, não passou de palavrório oco e vazio.
Por fim, qual foi o resultado? foi realmente salva a democracia e a liberdade política? O povo teve
apenas a alternativa de escolher entre dois generais. Quem o afirma é o próprio General Gois
Monteiro numa de suas recentes entrevistas. “O Presidente Dutra - advertiu o ilustre titular da
Guerra - foi sufragado por mais de três milhões de brasileiros. Sua eleição resultou do espírito e das
circunstâncias criadas pelo 29 de outubro e não só por força da ação do PSD. Todo mundo sabe
que, antes daquele movimento, a ação do PSD era morna e macia...”
Ora, em 29 de outubro de 1945, houve no Rio de Janeiro uma parada de tanques. Logo, se a
eleição do atual presidente resultou dessas circunstâncias devemos, necessariamente tirar a
conclusão de que foram os tanques os seus verdadeiros eleitores.
Sem entrar no exame desses fatos, teremos de reconhecer que poderiam eles caracterizar,
quando muito uma “tanquecracia” nunca, porém, uma democracia.
Mas... o que passou, passou. Afinal de contas, estamos na América do Sul e não na
Inglaterra ou nos Estados Unidos.
E necessário que a liberdade política exista e seja assegurada. E um imperativo como se
costuma dizer retoricamente, da “dignidade humana”. E necessário que a democracia (ainda que
seja este nosso simulacro de democracia) funcione. Isto, porém não basta, pois teremos apenas à
disposição os meios jurídicos para realizar outros objetivos fundamentais do homem e do cidadão.
De que lhe serve a uberdade, de que lhe adiantam as urnas, se não tem saúde, se não tem pão, não
tem teto, e não tem justiça?
Não se caia, pois, no perigoso engano de imaginar que a Constituição, por um passe de
mágica, venha resolver e sanar tudo. Depois de promulgada continuarão as filas e o mercado negro
não acabará.
O leite não jorrará nas leitarias, nem o pão ficará mais branco. A inflação também
continuará, como o déficit, a tuberculose, o analfabetismo, a mortalidade infantil e a miséria
nacional.
A grande tarefa ainda não está começada, nem sequer esboçada. Se os nossos nobres e
ilustres pais da pátria não se compenetrarem dessa verdade, verdade que coloca a solução dos
grandes problemas nacionais fora do alcance dos temas e das combinações meramente políticas, não
se surpreendam e não se espantem quando um dia, depois de haverem votado uma Constituição, que
consideram a panaceia dos nossos males e a suprema garantia da liberdade e da democracia, o povo
lhes der as costas e corra a bater palmas aos ditadores...
PASQUALINI, Alberto. Nas vésperas da Constituição. Correio do Povo, Porto Alegre, 10 set.
1946. p. 4.
Discurso como Candidato
Devemos voltar as nossas vistas para aqueles que não têm terras, não têm
morada, não têm sequer um lugar onde morrer.
Programa
1. A política do Governo do Estado será conduzida no sentido do desenvolvimento de sua
economia das forças da produção e do progresso social. Na realização desses objetos, o Governo
terá sempre em vista os interesses das classes trabalhadoras.
2. Nas suas relações com as empresas privadas, o estado não deverá considerar o capital como
mero instrumento produtor de lucro, mas como meio de expansão econômica de bem-estar
coletivo. Somente sob essas condições poderão tais empresas receber o estímulo e o apoio do
poder público.
3. Governo deverá proteger o povo contra todas as formas de exploração.
4. A ampliação e o melhoramento das vias de comunicação, a solução do problema da força motriz
e dos transportes, deverão constituir temas fundamentais da futura administração do estado.
5. O estado prestará auxilio eficaz às cooperativas e associações de trabalhadores legalmente
reconhecidas, procurando, por todas as formas, amparar o trabalhador, preservar-lhe a saúde e o
bem-estar.
6. O estado incentivará e promoverá a produção de gêneros de primeira necessidade e sobretudo, a
produção leiteira, avícola e hortícola com o fim de barateá-la e obtê-la em quantidade suficiente
às necessidades da população. Para tanto poderá instalar granjas cooperativas nas proximidades
dos grandes centros consumidores.
7. O estado ampliará os serviços de assistência às populações rurais com o objetivo de facilitar-
lhes os meios de produção e de trabalho, proporcionar-lhes conforto e bem-estar, evitando a
fuga do campo e a emigração de colonos. Deverão ser multiplicadas as escolas públicas,
eficazmente auxiliadas as escolas particulares, disseminadas escolas técnico-agrícolas
estimulando o cooperativismo, instaladas estações de máquinas e equipamentos agrícolas,
postos de distribuição de sementes, fungicidas e inseticidas, depósitos para armazenamento da
produção e câmaras de expurgo; melhoradas as vias de comunicação e organizados serviços
assistência técnica e assistência médico-hospitalar.
8. Será isenta do imposto de transmissão inter-vivos a pequena propriedade rural, quando o
adquirente for o trabalhador rural ou colono. Será isenta do mesmo e outros tributos, do
operário.
9. Logo que as condições orçamentárias do estado o permitam, será extinto o imposto de vendas e
consignações pago pelo colono. Deverá, da mesma forma, ser gradativamente reduzido até a
total extinção o imposto incidente sobre a produção agrícola.
10. As reivindicações constantes da Carta do Agricultor, aprovada pelo primeiro Congresso de
Agricultores, em 14 de julho de 1945, constituem parte integrante do presente programa.
11. A receita de que trata o Decreto-Lei n° 532 de 27 de janeiro de 1944 (adicional do imposto de
venda e consignações) será exclusiva e integralmente aplicada em obras e serviços de
assistência social. Os recursos dessa verba deverão ser ampliados de acordo com a capacidade
contributiva das classes mais favorecidas.
12. plano de assistência social incluirá essencialmente:
a) a instalação de colônias agrícolas;
b) o combate à tuberculose e à mortalidade infantil;
c) a organização de serviços de assistência à infância, à maternidade e aos menores
desamparados;
d) a organização de serviços médicos e hospitalares;
e) produção e distribuição gratuita de medicamentos às pessoas de poucos recursos;
f) organização de um departamento especializado destinado a assegurar trabalho adequado às
pessoas desempregadas.
13. As colônias agrícolas terão função social, econômica e educacional, estimulando-se nelas,
além do trabalho individual, a produção sob forma cooperativa. As colônias agrícolas serão
providas:
a) de escolas de ensino primário e técnico-rural;
b) de equipamentos destinados à lavoura mecanizada;
c) de oficinas de conserto e de aprendizagem;
d) de usinas de beneficiamento da produção;
e) de armazéns cooperativos;
f) de serviços de assistência médico-hospitalar, educação física e assistência espiritual.
14 O estado, nos limites de suas possibilidades, e, em conexão com iniciativas de igual natureza,
promoverá a organização do crédito popular destinado ao financiamento, sem juro, da casa
própria, das cooperativas de consumo de trabalhadores e das cooperativas de produção agrícola
constituídas de pequenos agricultores ou colonos. Nas mesmas condições poderá ser financiada
a construção de habitações para trabalhadores, a aquisição da pequena propriedade rural e dos
demais meios de produção. Os fundos serão obtidos, quer da verba de assistência social, quer de
outras contribuições a serem instituídas.
15 O estado e os municípios promoverão o mais rapidamente o saneamento das cidades. As
contribuições de custeio devidas pelos particulares serão fracionadas em pequenas prestações, a
fim de facilitar o pagamento.
16 A Universidade deverá ser provida dos necessários recursos para o seu reaparelhamento e para o
contrato de cientistas, técnicos e especialistas de renome a fim de preparar os professores e
transformá-la em centro de pesquisas técnico-científicas e de expansão cultura
17 Deverão ser asseguradas ao magistério estadual e municipal condições materiais e morais que
lhe permitam cumprir com eficiência e dignidade a sua alta missão.
18 A administração pública deverá ser desburocratizada e organizada em base de maior autonomia
e responsabilidade dos diferentes órgãos administrativos.
19. A administração pública deverá ser exercida imparcialmente no interesse exclusivo da
coletividade, desvinculada de quaisquer injunções partidárias, estranhas ao programa de
administração:
a) o funcionalismo será selecionado rigorosamente de acordo com o grau de capacidade e
idoneidade de cada um, excluída, em absoluto, a interferência partidária;
b) os prefeitos, delegados de polícia, exatores e autoridades que lhes são subordinados, não
poderão exercer atividade partidária.
20 O estado e os municípios deverão ampliar as garantias e os serviços de assistência aos seus
funcionários, exigindo, porém, de cada um o exato cumprimento dos seus deveres funcionais.
Pasqualini, Alberto. Discurso do candidato do PTB: “Devemos voltar as nossas vistas para aqueles
que não têm terras, não têm morada, não têm sequer um lugar onde morrer”. Correio do Povo,
Porto Alegre, 12 nov. 1946. pp, 4, 24.
Trabalhismo e Socialismo
Discurso em Caxias do Sul
O mal não está em que haja iniciativa privada; o mal está em que essa iniciativa
seja conduzida num sentido egoísta e individualista, em explorar o povo, ao invés de
ser dirigida para o bem coletivo.
Entrevista Sobre a
Inconstitucionalidade
do Parlamentarismo Rio-grandense
Somente (...) com o espírito isento das paixões e dos interesses do momento,
poderá o Rio Grande dizer de que lado estava a razão.
Logo que foi conhecida a decisão do Supremo Tribunal Federal, declarando inconstitucional a
Carta parlamentarista rio-grandense, a nossa reportagem pôs-se a campo, a fim de ouvir a opinião
dos líderes das correntes políticas que votaram a favor do governo de gabinete.
Ausente o Deputado José Diogo Brochado da Rocha, líder da bancada trabalhista na
Assembléia, o qual se encontrava ontem em São Borja, conferenciando com o Sr. Getúlio Vargas,
ouvimos, porém, a palavra altamente autorizada do Sr. Alberto Pasqualini, influente prócer do PTB,
e ex-candidato à governança do Estado pelo partido majoritário.
Foram essas as impressões de S. Sa sobre o histórico pronunciamento do Supremo Tribunal
Federal.
“Com a adoção do parlamentarismo, teve em vista a maioria dos constituintes possibilitar,
nas condições da atual divisão de forças políticas, a participação e a cooperação de todos os partidos
no governo ajustando-o constantemente, através de um mecanismo democrático mais sensível, aos
movimentos e aos reclamos da opinião pública refletidos na Assembléia. Eminentes
constitucionalistas, como Pontes de Miranda e Carlos Maximiliano, abonaram a perfeita
compatibilidade do sistema, com a Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal, entretanto, entendeu não se conciliar o regime parlamentar nos
estados com os princípios constitucionais da União. O seu histórico aresto representa a verdade
judiciária diante da qual temos todos o dever de nos curvar.
Roma locuta, causa finita.
Restará a crédito dos constituintes rio-grandenses o gesto também histórico de terem
ensejado mais um passo no caminho do aperfeiçoamento das instituições e a nobre intenção de
haverem tentado, mediante uma nova estrutura de governo, a conjugação honesta de forças políticas
para a realização de um grande programa de administração e solução dos problemas do povo.
Democracia não é exclusivismo e facciosismo. Democracia é, essencialmente, uma técnica
de governo capaz de traduzir, a todo instante, as verdadeiras necessidades e as legítimas Aspirações
populares.
O presente será julgado pelo futuro. Somente então, com o espirito isento das paixões e dos
interesses do momento, que tudo deformam e deturpam, poderá o Rio Grande dizer de que lado
estava a razão.”
PASQUALINI, Alberto Roma locuta, causa finita. O presente será julgado pelo futuro.
Correio do Povo, Porto Alegre, 18jul. 1947.p. 12.
A Força Interna dos Partidos Políticos
PASQUALINI, Alberto. A força interna dos partidos políticos. Correio do Povo, Porto Alegre,
24 ago. 1947. p. 4.
A Margem da Mensagem Presidencial
... o processo social, material e cultural de um país se mede pelo teor de suas
necessidades e pelo grau em que podem ser atendidas.
Num país como o Brasil, com tão altos índices de analfabetismo, de ignorância, de
mortalidade infantil, de morbidade em geral e de pauperismo, os problemas sociais revestem ainda
caráter elementar e primário: são problemas de natureza assistencial.
Mais de 40% da população é, segundo o censo de 1942, constituída de menores de 14 anos.
Temos, portanto, 20 milhões que não produzem. Dos 30 milhões restantes talvez 10 ou 12 milhões
tenham realmente expressão econômica, pois existe uma grande massa que não consome, isto é, que
não atende sequer às necessidades elementares da vida civilizada, por faltar-lhe poder aquisitivo.
Não tem poder aquisitivo, ou porque não dispõe de meios de produção, ou porque não tem
condições físicas e habilitações para o trabalho. Não podendo produzir, não pode consumir; não
podendo consumir, não poderá ter recursos para produzir. Esse é um dos aspectos do círculo vicioso
da miséria nacional.
A maior parte da massa populacional que está nessas condições encontram-se nas zonas
rurais. Isso é exato sobretudo nos Estados do norte do Brasil.
Em sua mensagem ao Congresso, afirma o Presidente da República que a situação de
milhões de brasileiros das zonas rurais, submetidos a um processo secular de atrofiamento de suas
capacidades físicas e intelectuais, vegetando sem estímulo, sem saúde, sem instrução e morando em
terras alheias, decorre do sistema de utilização da terra, isto é, do alto índice de concentração da
propriedade rural no Brasil. E esse alto índice - adverte a mensagem - que explica o baixo salário do
trabalhador rural, a má utilização da terra, o atraso da mecanização agrícola, o espantoso
desperdício de energias humanas, a não fixação do homem à terra, a mesquinhez do nosso mercado
interno, o deslocamento demográfico para as cidades, a diminuta densidade de tráfego das nossas
estradas de ferro e a impressionante degradação dos solos agrícolas.
Para sanar esses males preconiza a mensagem a necessidade da reforma agrária mediante
uma série de providências, entre as quais enumera as seguintes: facilidades de utilização de áreas
suficientes para a lavoura, para a criação e a habitação higiênica, destinadas àqueles que desejam
dedicar-se às atividades rurais, de modo a fixar o homem ao campo dentro de um programa de
colonização racional; revisão da legislação sobre arrendamento de terras; transformação da
tributação territorial num instrumento eficaz para a utilização racional das terras e para combater a
concentração da propriedade rural; estabelecimento, em bases sólidas, do crédito agrícola
especializado para financiamento, a juros módicos, da pequena exploração agrícola e pecuária;
encorajamento e estímulo à instalação de cooperativas de agricultores e criadores.
Além da reestruturação agrária, nas bases propostas, pretende o governo enviar ao
Congresso um projeto de Código Rural que, segundo anuncia a mensagem, deverá ter feição
progressista “dentro da diretriz do parcelamento das grandes glebas inaproveitadas ou devolutas, em
propriedades passíveis de exploração lucrativa”.
A divisão das grandes glebas não seria, porém, suficiente para alcançar os objetivos
colimados. Por essa razão, diz a mensagem, “urge também reerguer e valorizar o trabalhador
nacional, mediante a instalação de Colônias Agrícolas pela venda a trabalhadores rurais brasileiros,
a longo prazo, de lotes cujo aproveitamento será feito mediante assistência e orientação técnica”. E
ainda pensamento do governo, segundo a mensagem, instalar nas colônias agrícolas, indústrias
rurais, para serem exploradas pelos próprios colonos, em moldes cooperativistas.
Aí estão, pois, os lineamentos fundamentais de um plano de reforma agrária, de organização
da vida rural e de recuperação social como tantas vezes temos preconizado aqui no Rio Grande do
Sul. O programa deverá, naturalmente, atender às peculiaridades e às características de cada região.
Na escala das prioridades, o problema sanitário ocupa, como vimos, o primeiro lugar. E
necessário, antes de tudo, cuidar da saúde do homem rural. Vive ele abandonado, à míngua de
recursos médicos, farmacêuticos e hospitalares e na mais completa ignorância no que concerne a
cuidados higiênicos. Curar os organismos e prevenir a enfermidade é a primeira tarefa. Em seguida,
educar para o trabalho, alfabetizai", instruir e ministrar os conhecimentos técnicos indispensáveis.
Sem isso, de nada adiantará a divisão e distribuição das terras, porque, embora dadas de graça, não
encontrarão quem as saiba e possa cultivar.
Eis por que a instalação de colônias agrícolas constituem um dos pontos fundamentais de
um programa dessa natureza. A função da colônia agrícola é, antes de tudo, operar a concentração
do elemento humano. Não é possível prestar assistência onde existe a dispersão. O governo não
pode instalar uma escola, um hospital e uma oficina ao lado de cada rancho. A colônia agrícola
possibilita, não apenas a organização do trabalho e seu maior rendimento, mais também a
organização da assistência social, educacional e técnica.
As colônias agrícolas não devem, pois, ser encaradas apenas como unidades econômicas de
produção, mas como todo um sistema de serviços, desde a escola primária à escola técnica, desde a
oficina à estação de máquinas, o posto médico ao hospital, o armazém cooperativo ao engenho de
beneficiamento.
Cumpre que a colônia agrícola seja um centro de aprendizagem e de irradiação: dali sairão
os operários rurais especializados, os futuros agricultores, física e tecnicamente aptos para as lides
da terra.
Mas, colônias agrícolas desse estilo não se organizam apenas com palavras. São necessários
recursos e recursos em grande escala. A instalação de uma colônia para duzentas famílias, com os
seus serviços racionalmente organizados, não custará menos do que uma dezena de milhões de
cruzeiros, recuperáveis a longo prazo.
Na proposta orçamentária da União para 1948, encontramos a consignação de uma verba de
28 milhões e oitocentos mil cruzeiros para colônias e núcleos agrícolas. Um pingo d'água num
oceano de necessidades.
Poder-se-ia observar que o alto custo da organização de colônias agrícolas as toma
praticamente irrealizáveis. Não é difícil responder à objeção. Em primeiro lugar, não é necessário
que todos os agricultores sejam organizados em colônias agrícolas. Devem ser estas instaladas de
preferência onde mais se façam sentir as necessidades sociais e educacionais do homem do campo.
A função das colônias, como observamos, não é apenas propiciar meios de produção, mas instruir e
emancipar o trabalhador rural, habilitá-lo profissionalmente ao cultivo da terra, tendo em vista,
principalmente, a educação e preparação das gerações novas. Cada colônia deve ser um viveiro de
agricultores e técnicos rurais que demandarão, posteriormente, outros pontos para exercerem as suas
atividades. Será isso uma conseqüência do desenvolvimento demográfico da colônia. Caberá
também ao Estado a tarefa complementar de proporcionar aos novos elementos, já aptos para o
trabalho, os necessários meios de produção.
A vida rural no Brasil deverá ser organizada, futuramente, na base de colônias agrícolas. Os
colonos que vieram de além-mar trouxeram um grande cabedal de experiência, de vontade de
trabalhar e progredir. Seria um erro supormos que, para o desenvolvimento da agricultura, e
suficiente distribuir terras. A terra de nada serve quando os músculos não têm resistência, quando o
homem não sabe cultivá-la ou, sabendo-o, não dispõe dos recursos necessários, ou ainda quando é
um vencido. Não basta possuir a terra. Temos em toda a parte milhares de ocupantes de terras, cuja
produtividade é nula e levam uma existência de miséria e privações. Não dispõem eles de
conhecimentos e recursos para o cultivo da terra; são fisicamente desgastados pelas doenças e pela
subnutrição. A indolência em que vivem mergulhados é a expressão exterior da miséria física e
fisiológica. Vencidos, liquidados, são criaturas sem necessidades ou que, pelo menos, não têm
consciência delas.
Essa espécie de nirvana, produto do pauperismo e da resignação, é a suprema degradação do
ser humano. O homem é, essencialmente, um sistema de necessidade: necessidades espirituais e
materiais. E precisamente na diferenciação dessas necessidades que ele se distingue dos animais.
Do mesmo modo, o progresso social, material e cultural de um país se mede pelo teor de suas
necessidades e pelo grau em que podem ser atendidas.
Toda a economia se baseia nas necessidades humanas e na sua satisfação, expressa no
consumo. A vida humana se reduz a sentir necessidades, ter a aspiração de satisfazê-las e lutar para
conseguir os meios.
A degradação da necessidade é o índice de miséria, de atraso e de degeneração.
Desaparecendo o desejo de uma vida melhor, desaparece não só o estímulo para o trabalho, mas a
sua própria razão de ser.
A recuperação de grande massa de brasileiros deve fazer-se, precisamente, desenvolvendo-
lhes a consciência de novas necessidades e incutindo-lhes a vontade de satisfazê-las. Isso depende
de condições físicas e psíquicas, de criar organismos sãos e aptos para o trabalho; de ministrar
conhecimentos e proporcionar os meios de adquirir e produzir. Só então teremos efetivamente
elevado o padrão de vida.
Como acertadamente observa a mensagem presidencial, o alargamento do mercado interno
através do aumento do poder aquisitivo das massas rurais, é uma das condições senão a própria base
do revigoramento econômico e de desenvolvimento industrial do país.
Não se trata de verdades novas, nem ditas pela primeira vez. São slogans que estão na boca
e na pena de todos que enxergam duas polegadas adiante do nariz. Mas é muito alvissareiro que
essas afirmações se encontrem num documento oficial e, sobretudo, numa exposição da situação
panorâmica do país feita pelo Chefe da Nação ao Congresso Nacional. Isso significa que muitas
soluções, às vezes encaradas com desconfiança, já se impõem aos próprios governantes e estão em
vias de concretização.
Pelo menos, já é muito ter o diagnóstico das nossas fraquezas e deficiências e saber como
devemos acudir-lhes. Poderá ainda haver certa hesitação quanto ao emprego dos meios adequados e
eficazes para executar as soluções previstas e planejadas. As idéias não provocam resistência
enquanto se mantêm nos domínios da abstração e das generalizações. Quando porém tratamos de
corporificá-las e materializá-las, de sair do terreno das especulações do puro verbalismo, para a
terra firme dos fatos e das realidades, tudo muda de figura.
Estamos cansados de ver e ouvir autênticos burgueses discorrer com grande aperto d'alma
sobre a miséria, o pauperismo e a justiça social. Em geral preferem contribuir com idéias e
sentimentos a contribuir de outro modo mais concreto para a solução desses problemas...
Mas, já conhecemos de sobra os nossos males e podemos até dispensar os discursos.
Sabemos também qual é a medicina. O que cumpre agora é ter a coragem e a decisão de buscar e
coordenar os meios para obter os remédios e aplicá-los convenientemente.
Se a justiça social se traduz, como concordam nossos sociólogos e políticos, por uma melhor
distribuição da riqueza, é mister então tomar as medidas para torná-la efetiva. Muitos, porém
arrependendo-se de traduzir em fatos o que dizem em palavras, estacam e perguntam: “Que
adiantaria socializar a miséria?”
Há aqui um evidente sofisma. Não temos, em conjunto, grande riqueza; a que existe, porém,
expressa na soma de recursos, dinheiro e meios de produção e está mal distribuída.
Como nas dunas, ela se acumula aqui e ali, trazida pêlos ventos da especulação, pelo
trabalho e pelas necessidades de milhões. O que cumpre é um suave movimento de retomo e de
recuperação das depressões. A prosperidade, o bem-estar, a estabilidade social e econômica de um
povo tem mais sentido horizontal do que vertical. Porque quando tudo se acumula nas montanhas
mediante o desgaste e a erosão da base, será fatal, mais cedo ou mais tarde, a ruptura do equilíbrio e
o desmoronamento de toda a cordilheira. E então, não haverá lei de segurança que o possa impedir.
A defesa de um país não reside apenas nos seus tanques, nos seus canhões, nos
seus vasos de guerra, nos seus aviões. Ela tem a sua base sobretudo no vigor físico e
moral do seu povo, na aptidão dos seus filhos, nas suas indústrias, na sua
agricultura, no seu potencial econômico e no seu equilíbrio social.
O Parlamentarismo e o PTB
Como o assunto já ia resvalando para o caso concreto, que tanto interessa a opinião publica
rio-grandense, quisemos saber se a bancada do PTB já havia decidido a adoção da fórmula
parlamentarista.
Depois de refletir um pouco disse-nos o Sr. Alberto Pasqualini: - “A bancada do PTB,
conforme noticiou a imprensa, concordou por maioria e em princípio em realizar, nesse sentido, um
entendimento com a bancada do PL. Uma Comissão da bancada está agora incumbida de estudar a
fórmula.”
Os objetivos do PTB
“Na hipótese - continuou o nosso entrevistado - em que venha ser instituído no Estado o
governo de Secretariado, o PTB e o PL, com maioria na Assembléia, passarão automaticamente a
controlar o governo.
O PTB, e o mesmo acontece com o PL, não visa com isso apossar-se pura e simplesmente
do poder, o que se quer é realizar o ajustamento dos dois poderes somente possível ou melhor
realizável no regime parlamentar. Se mais de dois partidos concordarem em cooperar no governo
tanto melhor. Com isso lucrará o Rio Grande. A única coisa que o PTB deseja é objetivar o seu
programa e que sejam asseguradas as liberdades democráticas. Como combatemos o facciosismo,
não poderíamos ser nunca exclusivistas.
Por outro lado cumpre reconhecer à Assembléia Legislativa a faculdade de escolher o
regime que melhor convenha aos interesses do Rio Grande e melhor assegure o funcionamento do
seu governo.”
Encerrando a nossa etiquete sobre as eleições municipais, ouvimos hoje o Dr. Alberto
Pasqualini, que no pleito estadual de 19 de janeiro foi um dos candidatos a governador do Estado e
que também figurou entre os componentes da última Câmara de Vereadores de Porto Alegre,
fechada com o Golpe de 1937.
Foram as seguintes as palavras do líder trabalhista:
“A administração municipal é que está mais diretamente vinculada às necessidades da
população. Nas cidades o abastecimento de água, de luz e energia elétrica, os esgotos, os transportes
e outros problemas urbanos são de alçada municipal. Nas zonas rurais, a municipalidade tem
principalmente a seu encargo a difusão do ensino primário e a construção e o melhoramento das
estradas internas; do governo municipal depende ainda a escolha das autoridades que estão em
imediato contato com os cidadãos, como os subprefeitos e inspetores de quarteirão.
Por todas essas razões, é natural que os pleitos municipais despertem no eleitorado um
interesse todo especial.
Nas eleições municipais têm ainda, entre nós, maior influência os fatores locais e pessoais
do que os motivos partidários. Em alguns municípios, por exemplo, determinados partidos se aliam;
noutros, os mesmos partidos se combatem. Na interpretação do resultado das eleições não se poderá
deixar de ter em consideração essa circunstância. Terão maior probabilidade de êxito os candidatos
que, pela sua idoneidade, inspirem maior confiança ao eleitorado.
A campanha eleitoral decorreu, de um modo geral, satisfatoriamente. Em certos municípios
as autoridades locais ainda deram atestado de sua incultura, procurando pressionar o eleitorado
tímido e ignorante. Indiscutivelmente, porém, fizemos nesse terreno grandes progressos e os abusos
que se verificam não podem ser levados à conta do governo estadual.
Acredito que, depois das eleições e em conseqüência delas venha a alterar-se sensivelmente
o panorama político do Estado no sentido de uma maior cooperação interpartidária, reclamada pela
própria necessidade de se estabelecer, no interesse recíproco, a colaboração entre a administração
estadual e as administrações municipais conquistadas pelos partidos de oposição”.
Um partido deve ser um ideário, uma convicção que se transforma em ação, ação
doutrinária, ação política, ação administrativa.
DISCURSO em comício pelo PTB. Correio do Povo. Porto Alegre, 20 abr. 1949. pp. 5,14.
Entrevista sobre Sucessão Presidencial
- J
RIO 30 (CP) - O vespertino Folha Carioca publica hoje, com destaque, uma entrevista que
o Sr. Alberto Pasqualini concedeu a um representante daquele órgão, que foi especialmente ouvi-lo
em Porto Alegre. Interrogado em primeiro lugar como encara o problema da sucessão presidencial e
as negociações partidárias que vêm sendo entabuladas nesse sentido, aquele destacado líder
trabalhista gaúcho respondeu:
Um Trono Vacante
“E estranho e singular que a eleição para presidente da República constitua no Brasil um
“problema”. No entanto, o termo está consagrado pela terminologia política, é linguagem oficial dos
partidos, é problema, é ainda “sucessão”, o que dá a impressão de haver um trono vacante...
Temos uma dezena ou mais de partidos políticos. Seria de se supor que pelo menos os
maiores se distinguissem e diferenciassem por princípios e objetivos, se não contrários, ao menos
diversos. E assim sendo a competição eleitoral deveria ter em vista a conquista de mandatos
políticos para a realização desses princípios e a conquista desses objetivos. O “problema”, pois,
seria o próprio exercício da democracia e se resolveria num episódio eleitoral com o fim de apurar
para que lado se inclina a maioria do eleitorado.
Mais importância do que o candidato, deveria ter a natureza das soluções preconizadas pelos
diferentes partidos. Assim, por exemplo, na Inglaterra, o que interessa numa eleição não é a
possibilidade deste ou daquele político tomar-se chefe do governo, mas a vitória ou derrota de uma
determinada tese ou sistema econômico e social. O eleitorado escolhe entre a solução conservadora
e a solução socialista, e não propriamente entre Churchil ou Attlee.
O mesmo acontece em outros países mais ou menos civilizados. E para isso que existem os
partidos. Aliás a própria palavra o indica. Quem fala em “partido” alude necessariamente a uma
posição ou atitude relativamente a sistemas políticos sociais e econômicos. No Brasil, porém, as
coisas se passam de modo diverso. Há muitos partidos, mas estes, em geral, não traduzem posições
ideológicas diferentes. São formações em tomo de situações e interesses ocasionais.”
A Presidência
“Vivemos no Brasil - continuou o Sr. Pasqualini - num regime presidencialista primário que
se adapta maravilhosamente às tendências caudilhescas sul-americanas. O Presidente da República
é centro de atividade política e administrativa do país. Em tomo dele, por isso, se popularizam
interesses e ambições de grande vulto. Dispor da presidência, equivale dispor de máquina
administrativa, do Ministério da Fazenda, do Banco do Brasil, equivale a ter nas mãos grandes
negócios, vinculados ao governo e ao próprio poder econômico. Não, não são ideologias que
disputam a Presidência da República, mas esses grandes interesses que, divididos em grupos, se
digladiam e formam o back ground da política nacional. Eis por que existe um “problema” da
sucessão. Não se trata de choques de idéias e de soluções, mas de choques de interesses.
Donde a razão de ser de tão encarniçada luta pela presidência. Se assim não fosse, a solução
natural do “problema” estaria nas umas e não ofereceria dificuldades”.
As Negociações
Aludindo, em seguida, às negociações partidárias para a solução do problema da sucessão
presidencial, disse o destacado prócer petebista: “As negociações com que vêm sendo entaboladas
representam apenas uma tentativa para o encontro da composição entre os interesses em conflito,
coisa aliás bastante difícil.
Até agora, não se ouve dizer, por exemplo, que entre os políticos que examinam a questão
houvesse concordância ou divergência quanto às soluções a serem dadas aos problemas nacionais.
Isso prova que tais problemas não entraram sequer em cogitação. É que o “problema” é outro. Isso,
entretanto, não significa que entre os políticos não haja os que encaram as questões nacionais com
elevado espírito público e até com idealismo.
Mas não são esses rari nantes in gurgite vasto, que resolverão o “problema”.
Candidato Único
Perguntado, nesta altura, se achava viável a possibilidade de um candidato único e se não
seria isso uma fuga à democracia, o Sr. Alberto Pasqualini respondeu:
“O candidato deveria ser uma questão secundária. Deveria ser uma conseqüência e não uma
premissa. E se premissas fossem todas iguais, teriam que conduzir necessariamente à mesma
conclusão. Em outras palavras: se todos os partidos querem a mesma coisa, não há necessidade de
uma pluralidade de candidatos. Os próprios partidos podem deixar de existir e fundir-se num só. Se,
porém, pretendem coisas diferentes, como poderá haver um “candidato único”? Não seria isso de
um ilogismo”?
A Fórmufa Jobim
Perguntado sobre como recebera a chamada “Fórmula Jobim” e de suas possibilidades no
terreno prático, Pasqualini respondeu: “Walter Jobim é um homem honrado, que segue uma linha
de decência política. Acredito que sua intenção, conhecendo muito bem as condições de nossa
democracia, fosse evitar um choque de maiores proporções entre interesses em conflito. Sua atitude
foi nobre e sincera, mas não creio que tenha sido compreendida”.
Sobre o panorama político-social de seu Estado, o Rio Grande do Sul, não quis falar o Sr.
Alberto Pasqualini.
E conversa vai conversa vem, o repórter achou jeito de encaixar uma pergunta meio
discreta: Haveria possibilidade do Rio Grande, a exemplo de 1929, em tratando-se da sucessão
presidencial, unir-se e formar uma frente única? A reposta foi rápida:
- “Depois que existem os partidos políticos nacionais, as frentes regionais são destituídas de
qualquer sentido.
Sua eventual formação provaria apenas que os partidos não têm consistência, não têm
programas nem objetivos específicos. Particularmente, para o Partido Trabalhista Brasileiro nada
significaria uma frente única dessa natureza, porquanto o PTB pretende ser um instrumento político
de defesa da classe trabalhadora e os trabalhadores não têm interesses ou necessidades a resolver
como gaúchos, paulistas ou mineiros, mas simplesmente como brasileiros.
Não há nem poderia haver, para um partido de massas, somente problemas e soluções
regionais, mas também nacionais. Além disso, entre 1929 e 1949, medeia uma distância de vinte
anos. Naquela época, havia casos políticos a resolver. Hoje, as questões são predominantemente de
índole econômica e social. São, por isso, questões que interessam a toda a coletividade nacional e
não a este ou àquele Estado. E tomo a repetir: as soluções pelas quais o Partido Trabalhista
propugna são soluções de âmbito nacional. Portanto, para o PTB as frentes regionais não podem ter
sentido algum. Seriam a negação do trabalhismo...” - concluiu Pasqualini sua palpitante entrevista.
O primeiro postulado trabalhista foi enunciado no dia em que o Criador disse ao homem: in
sudore vultus tiu vesceris pane. “Ganharás o pão com o suor do teu rosto”. Desde então se tornou
contrário à lei divina ganhar o pão e as comodidades da vida com o suor de rostos alheios.
Sabemos que a sociedade tem as suas raízes orgânicas na simpatia e na solidariedade. A vida
social deve ser essencialmente atividade cooperante. A parte deve cooperar com o todo para que o
todo possa garantir a sobrevivência, a segurança e o bem-estar de cada uma das partes. Eis por que a
vida social no seu aspecto econômico fundamental, assim como se acha organizada nas
coletividades civilizadas, é uma troca constante de utilidades e serviços, em última análise um
intercâmbio de trabalho.
É o trabalho a fonte originária e primacial dos bens e é, portanto, o trabalho a causa
principal do valor de quase todos os bens. Donde se pode concluir que a única moeda legítima que
deve possibilitar o acesso aos bens ou a sua aquisição é o trabalho que concorreu, direta ou
indiretamente, para a sua produção. Também se poderia concluir que a participação de cada um no
produto social, representado pelo acervo dos bens produzidos, deveria estar em proporção à
utilidade social do seu trabalho, isto é, deveria ser graduada pelo maior ou menor benefício que
trouxe para a coletividade.
O trabalho a que aqui nos referimos significa qualquer gênero de atividade de que possa
resultar em benefício econômico e, portanto, monetariamente mensurável a quem exerce. Os
resultados de uma atividade podem ser úteis ao indivíduo, mas prejudiciais ou indiferentes para a
coletividade. A utilidade social do trabalho se medirá pela maior ou menor soma de benefícios que
proporcionar à coletividade.
Poderíamos dizer que o valor social do trabalho está em função de sua utilidade social e de
sua qualificação. O trabalho, portanto, deveria ser remunerado em função do seu valor social. Na
realidade, porém, isso não acontece.
Freqüentemente, a atividade socialmente menos útil é a que rende mais ou recebe maior
remuneração. Isso proporciona a alguns a posse injusta de poder aquisitivo permitindo-lhes disputar
com vantagens sobre os demais, o produto social isto é, a soma de bens produzidos e existentes.
Vemos freqüentemente muitos indivíduos que enriquecem ou que desfrutam de um alto
nível de existência, sem terem prestado ou sem prestarem nenhum trabalho socialmente útil. Quem
por exemplo, ganha numa negociata ou simplesmente num negócio de pura especulação dez
milhões, obtém, praticamente um poder aquisitivo objetivo, donde a razão pela qual o trabalhismo
não é, necessariamente, um movimento socialista. A economia socialista é apenas uma técnica, não
um fim, técnica que poderia eventualmente, dar bons resultados em países evoluídos socialmente e
materialmente, como a Inglaterra e os Estados Unidos mas que, possivelmente daria resultados
negativos em países atrasados.
O trabalhismo na sua primeira fase ou forma elementar, é um conjunto de reivindicações
quanto às garantias jurídicas do trabalho proletário. Essa primeira fase já foi ultrapassada
praticamente em todos os países civilizados e as garantias do trabalho se acham incorporadas não
apenas à legislação específica de cada país, mas também aos textos constitucionais. São, portanto,
conquistas definitivas que se sedimentam na estrutura orgânica das nações. Entre nós, esses
princípios fundamentais se acham, hoje, inscritos no artigo 157 da Constituição.
Na segunda fase as reivindicações trabalhistas concernem à própria organização econômica
da coletividade, visando, precisamente, reduzir sempre mais, se não eliminar todas as causas e
fatores de usura social, de modo que o intercâmbio se opere sempre entre formas de trabalho
socialmente útil e de modo que todo ganho e toda disponibilidade de poder aquisitivo seja a
contrapartida dessa espécie de trabalho ou atividade.
Todo ganho que não corresponda a um trabalho socialmente útil (que se pode denominar
ganho improdutivo), tenderá a piorar as condições de existência social e a agravar os desníveis e as
injustiças existentes.
Os princípios fundamentais do trabalhismo poderiam, pois, ser assim resumidos:
Porto Alegre assistiu ontem, pela segunda vez, ao lançamento da candidatura do Senador
Getúlio Vargas à Presidência da República. No dia 18, um comitê popular efetuou grande comício
no Largo da Prefeitura, onde, após falarem numerosos lideres políticos, um operário leu uma
proclamação em que disse exigir, em nome do povo gaúcho, a candidatura do ex-Presidente da
República.
Ontem, em novo e grande meeting, os Diretórios Estadual e Municipal do PTB lançaram,
outra vez, a candidatura do Senador Getúlio Vargas e este ato se verificou justamente no momento
em que principiaram a circular, em Porto Alegre, as primeiras notícias da aceitação por parte do
Presidente de Honra do PTB, da sua candidatura à sucessão do General Eurico Dutra.
Como sucedeu no dia 18, dezenas de oradores ocuparam ontem o microfone, representando
Diretórios Distritais do PTB e Diretórios Municipais do interior do Estado. Após a irradiação,
vários oradores populares também expressaram o seu apoio à candidatura Getúlio Vargas.
Entre os oradores do comício oficial do PTB destacaram-se os Srs. Egidio Hervé, Presidente
do Diretório Municipal; João Nunes de Campos, Deputado Estadual; José Loureiro da Silva que
pronunciou o discurso oficial; Zacharias de Azevedo, líder da bancada trabalhista na Câmara
Municipal; José Vecchio e Tenório Leite, membros do Diretório Nacional.
O líder da bancada trabalhista na Assembléia Legislativa do Estado, Deputado Egidio
Michaelsen, leu, também, importante mensagem enviada pelo Sr. Alberto Pasqualini, que se
encontra atualmente no Rio de Janeiro. O texto desse documento é o seguinte:
“Neste dia de tanta significação afetiva para todos os trabalhadores do Brasil, o povo está
acorrendo aos comícios trabalhistas para homenagear Getúlio Vargas. Dando expansão aos seus
sentimentos de gratidão, os trabalhadores estão, ao mesmo tempo, praticando a verdadeira
democracia. E, aqui, na praça pública, e não em conciliábulos secretos que eles vêm declarar quem
desejam ver elevado à suprema magistratura do País. É ao povo que cabe essa decisão e não aos
poderosos do dia.
Se uma imensa parcela do povo brasileiro deseja sufragar o nome do grande brasileiro, não
podemos compreender como, em nome da democracia, se pretenda obstar ou ameaçar a livre
manifestação da vontade popular.
Desejamos que se pratique a democracia e que os seus princípios sejam acatados e
respeitados. Nós, trabalhistas, nada devemos temer dela, antes tudo devemos esperar do exercício
sincero e honesto das instituições democráticas. O clima do trabalhismo só pode ser o da
democracia, estruturada em suas formas superiores, eis por que desejamos que ela seja
definitivamente implantada e assegurada no nosso País.
Nossa exclusiva preocupação deve ser a realização dos ideais trabalhistas, ideais que
pretendem a objetivação da verdadeira justiça social. Eles têm um sentido profundamente humano e
cristão e nada há neles de extremista e de subversivo. Subversivos, sim, são os propósitos daqueles
que pretendem tolher ao povo brasileiro o direito de autodeterminar-se.
Assim como reconhecemos aos demais partidos o direito de escolherem seus candidatos, não
podemos admitir vetos para os nossos. Entendimentos políticos só deveremos aceitá-los em base de
igualdade. Não poderemos considerar nenhuma proposta que parta da premissa que o candidato
deve ser de outro partido. Se um partido político deseja nosso apoio, deve também dispor-se a
apoiar-nos. De qualquer forma nenhum entendimento deveremos admitir com sacrifício dos
objetivos e das reivindicações trabalhistas. Por isso, a base para qualquer entendimento não pode
ser um programa de proposições vagas e imprecisas, mas um conjunto de soluções concretas,
maduramente estudadas e onde os interesses das classes trabalhadoras estejam plenamente
garantidos.
Nenhuma ameaça deverá jamais intimidar-nos. As massas trabalhadoras não deverão
permitir nenhum esbulho dos seus direitos e de suas prerrogativas democráticas e deverão reagir à
altura da agressão, parta de onde partir.
Não nos caberá a responsabilidade do que acontecer se alguém tentar violar a Constituição
do País. Se tivermos força para eleger um candidato, a teremos também para garantir o veredicto
das umas. Para isso esperamos contar com a cooperação de todos os verdadeiros democratas, sejam
quais forem os seus matizes partidários. Não importa a pluralidade de partidos e candidatos. O que
importa é que nos respeitemos mutuamente e que nos submetamos à vontade popular manifestada
através do voto livre e consciente.
Desejamos que a campanha política que se aproxima seja pacífica e cordial. Nada temos
contra ninguém. Para nós, o mais importante não será obter votos, mas conquistar consciências. Se
todos entregarmos a decisão ao povo e nos submetermos a ela, as instituições democráticas estarão
preservadas e, teremos elevados os foros de nossa cultura política.
Esse deve ser o nosso pensamento e, neste dia, consagrado às homenagens ao chefe de nosso
partido, devemos reafirmar a nossa unidade, a nossa coesão e a nossa fidelidade aos ideais do
trabalhismo. Eles resistirão a todos os embates e sobreviverão a todas as contingências porque neles
está traçado, com uma fatalidade inexorável, a fisionomia futura da sociedade humana que não
poderá continuar a ser o gozo de poucos afortunados e o sofrimento de milhões de deserdados.”
RIO, 17 (C. P.) - Foi o seguinte o discurso pronunciado hoje pelo Sr. Alberto Pasqualini
durante a Convenção Nacional do PTB:
O Partido Trabalhista Brasileiro acaba de definir sua posição de traçar os seus rumos
políticos na atual emergência da vida nacional, lançando a candidatura do Senador Getúlio Vargas à
Presidência da República.
Formas de Crédito
Apenas, já que aludi ao crédito, desejaria também fazer uma referência ao juro. Nós
entendemos que o juro não tem sentido quando o crédito ou os financiamentos não se destinam a
atividades lucrativas no sentido capitalista, mas a finalidades sociais e assistenciais. Vós bem
sabeis, por exemplo, que a moradia própria será sempre inacessível ao trabalhador, e que o crédito
de que os pequenos agricultores tanto precisam para adquirir a terra e os instrumentos de trabalho
será sempre uma miragem enquanto se cobrarem os juros atuais sobre os financiamentos. Eis por
que preconizamos uma total reforma na organização do crédito, distinguindo entre o crédito que
tem em vista o dividendo, tanto para quem o dá como para quem o recebe, e o crédito que visa o
objetivo social, que não pode pretender juros e que deve, portanto, ser instituído e organizado pelo
Estado.
O problema da terra
Com relação à terra, entendemos que a sua aquisição deve ser acessível a todos que desejam
torná-la produtiva e que, para isso, incumbe ao Estado tomar as medidas adequadas. A terra, fonte
primária de todos os bens que condicionam a própria vida, não pode ser transformada em objeto de
monopólio ou em valor de especulação.
Trabalhismo e Democracia
Por ser o trabalhismo um movimento no sentido das necessidades e das aspirações
populares, o clima do trabalhismo só pode ser o da democracia, eis que somente através das
instituições e do mecanismo democrático pode o povo fazer sentir a sua vontade e fazer valer os
seus direitos.
Não tem o trabalhismo brasileiro nenhum objetivo, nenhuma reivindicação que se não
possam enquadrar rigorosamente dentro dos princípios constitucionais vigentes. O que apenas
desejamos é que os textos da Constituição deixem de ser frases sonoras de conteúdo puramente
verbal para transformar-se em realidade viva através de medidas e providências que atendam
efetivamente às necessidades do povo brasileiro.
Enquanto as massas trabalhadoras e sofredoras tiverem uma crença e uma esperança, um
país nada terá a recear e todos poderão sentir-se tranqüilos. Não haveria erro maior do que destruí-
las. As massas trabalhadoras acreditam em Getúlio Vargas e nele confiam. Alimentemos essa fé e
essa esperança que poderão tomar mais suave o caminho de nossa evolução social, tão inexorável
como as leis da natureza.
E necessário que nossos homens públicos e que todos os homens de responsabilidade,
aqueles que possuem a visão panorâmica das coisas e não o estreito diafragma dos políticos de
aldeia, compreendam esse fenômeno e compreendam quanto é útil à coletividade e à ordem social
que exista no seio das massas uma força de polarização, de liderança e de contenção que as guie, as
conduza às suas legítimas conquistas, suavemente, sem os atropelos, os extravasamentos e os
excessos das agitações sociais.
Confiança na Democracia
Por outro lado, senhores, devemos encarar as competições políticas como debate de idéias e
são como questões pessoais.
A existência de tendências e de correntes diversas de opinião é da índole do regime
democrático. Nós, trabalhistas, acatamos e respeitamos todas as crenças e convicções políticas e,
portanto, tributamos o maior respeito às agremiações particulares que as professam.
Eis por que nos sentimos à vontade de dirigir nossa saudação a todos os partidos políticos
aqui representados e de render as nossas homenagens ao candidato da União Democrática Nacional,
ao candidato do Partido Social Democrático, os eminentes brasileiros Brigadeiro Eduardo Gomes e
Deputado Cristiano Monteiro Machado.
Podem nossos preclaros adversários de idéias ter a certeza de que a nossa ação política
jamais se desviará dos seus objetivos que são os do trabalhismo e que não devem portanto ser
desvirtuados ou deturpados. Nossa linha política pretende ser uma linha reta traçada no plano das
instituições democráticas. Se as outras Unhas também o forem não haverá o perigo dos
cruzamentos. Esperamos que, passando elas, embora por pontos diferentes, todos convirjam para
um ponto só, que é o bem-estar do povo e a felicidade da pátria. Lá nesse ponto, terminada a
refrega, nós havemos de nos encontrar para trabalharmos juntos pela grandeza do Brasil.
Devo dizer que de nós não partirão provocações, nem as poderemos aceitar, pois pretendemos
desenvolver a campanha eleitoral no plano elevado das idéias, debatendo objetivamente problemas
nacionais, dentro dos princípios da educação e da ética política. Essa é, companheiros, a
recomendação que vos trago de nosso eminente candidato, e se não a seguíssemos, não seríamos
dignos a causa de defendermos. Mas, devemos também esclarecer que, como cidadãos brasileiros,
cônscios dos seus direitos e de suas prerrogativas constitucionais, não poderemos temer e admitir
ameaças e, portanto, não nos deteremos diante delas. Se o preço da liberdade é realmente a eterna
vigilância, acreditamos então que os verdadeiros democratas estarão sempre alertas, não faltando,
nesta hora, as inspirações de sua fé e aos seus compromissos com a democracia para que seja
assegurado ao povo brasileiro o direito de escolher livremente o candidato de sua preferência.
Esperemos, assim, que a 3 de outubro o povo não deposite o seu voto nas urnas com a
descrença, o desalento e a humilhação dos vencidos, mas que o faça com fé, com entusiasmo, com
altivez, com a consciência de quem exerce uma prerrogativa soberana e de quem traça livremente os
destinos da Nação.
E esse teste que desejamos realizar e os acontecimentos futuros nos dirão se o Brasil é um país livre
e democrático ou se uberdade e democracia são, em nossa Pátria, apenas ficções e palavras vãs,
apenas o disfarce da exploração econômica e da opressão das massas trabalhadoras. Por isso, o
futuro também nos dirá se a paz social que se pretende assegurar é a paz que dimana da realização
da justiça, a paz que vive nos lares e nos corações felizes, ou se é a paz dos cemitérios, a paz gelada
dos sepulcros, caiados por fora e podres por dentro.
Nós estamos desarmados. Nosso arsenal é constituído apenas de nossas convicções, de nossos
ideais, de nossas esperanças, de nosso voto. A história, porém, nos estimula e nos tranqüiliza,
porque nos ensina que, em todos os tempos e em todos os lugares, essas sempre foram as únicas
armas invencíveis.
Constitui para mim uma honra e um privilégio poder nesta noite dirigir a palavra à nobre e
culta sociedade alegretense e dirigi-la também a todos os homens da fronteira, cuja hospitalidade,
cuja bravura e cujos rasgos de heroísmo, através da história, todos nós conhecemos e admiramos. E
a fronteira a fiel depositária das tradições rio-grandenses. Foi ela, por vezes, o cenário de lutas
épicas, onde os homens defendiam as lindes da Pátria ou as suas idéias de armas na mão.
A ponte do Ibirapuitan aí está para assinalar um episódio de um passado recente, quando a
paixão política atingia tal intensidade de nos jogar em lutas fratricidas. Se esse passado político não
deve mais voltar porque hoje não teria mais sentido, por outro lado ele nos revela a verdadeira
psicologia do povo gaúcho, a firmeza e a coragem com que os rio-grandenses sabem defender as
causas que abraçam e pelas quais estiveram sempre dispostos a dar o seu sangue e a sua vida.
Sabeis que a alma do homem e as características temperamentais são quase sempre um
reflexo do ambiente físico em que decorre a sua existência. Os que vivem em horizontes fechados
são geralmente tímidos e desconfiados. E que são a timidez e a desconfiança senão um retraimento
e uma limitação de nós mesmos, uma barreira que levantamos entre nós e nossos semelhantes?
De modo diverso reagem e se comportam os que vivem em horizontes mais amplos. São
homens, como se diz, de alma aberta, sem prevenções, sem desconfianças, francos, leais e
hospitaleiros.
Esta é a característica do homem dos pampas, onde os sentimentos de liberdade, de altivez
e de independência são um reflexo da própria amplidão terrestre.
Por isso mesmo, o homem do pampa, cujo raio visual é limitado apenas pela linha onde o
céu e a terra se encontram, dificilmente tolera limitações. Dificilmente admite restrições a este
instinto de Liberdade e de independência que está sempre pronto a defender com o risco e o
sacrifício da própria vida.
A bravura e a intrepidez do gaúcho exprimem exatamente sua atitude de permanente
reação contra tudo que possa limitá-las ou perturbá-las.
Creio que a índole e a psicologia do gaúcho estão retratadas naquela velha e arrevesada
quadrinha popular que todos nós aprendemos em criança:
PASQUALINI, Alberto. Conferência do Alegrete (Cine Teatro Glória em 7 set. 1950). Diário de
Notícias, Porto Alegre, 10 set. 1950. p. 10.
Diretrizes Fundamentais do Trabalhismo
Brasileiro
a) assegurar a cada cidadão uma ocupação em consonância com as suas aptidões, tomando as
medidas adequadas para combater o desemprego;
b) assegurar a cada trabalhador salário-mínimo de acordo com as suas necessidades e as da família.
Justificação
O programa do Partido Trabalhista Brasileiro, fundado em março de 1915, tinha em vista,
em muitas das suas disposições, a nova ordem constitucional que se iria instituir. A preocupação
fundamental do Partido, preocupação justa e legítima, era que não fossem diminuídos os direitos e
as garantias assegurados aos trabalhadores pela legislação trabalhista do Presidente Getúlio Vargas.
Com a promulgação da Constituição, em 18 de setembro de 1946, numerosos itens do
programa trabalhista tiveram acolhida nos textos constitucionais. Trata-se, portanto, atualmente, de
tornar efetivos esses preceitos.
Das circunstâncias apontadas surge a necessidade de uma revisão do programa do Partido,
suprimindo disposições já corporificadas em princípios da nossa organização política e incluindo
outros que melhor caracterizem a índole de nosso Trabalhismo, configurem os seus objetivos, as
suas diretrizes, a sua orientação e o localizem dentro dos sistemas econômicos e sociais que se
defrontam no mundo.
Poderíamos admitir que existem atualmente três sistemas ou regimes fundamentais: - o
capitalismo, o socialismo e o comunismo. Pondo de lado este último, cuja tática e cujos processos
não se poderiam coadunar com a ideologia Trabalhista, é de perguntar qual o regime preconizado
pelo Trabalhismo brasileiro, se o capitalismo ou o socialismo. Sobre esse ponto não existem idéias
muito claras, o que impõe a necessidade de fixar a verdadeira doutrina e as soluções que se
formulam para os nossos problemas fundamentais.
PASQUALINI, Alberto. Bases e Sugestões para uma política social. Porto Alegre, O Globo, 1948.
Reformas de Base
Creio que não estarei em erro nem cometerei uma heresia ao repetir agora a
afirmação de que o trabalhismo, encarada a questão sob o aspecto dos postulados
democráticos, não tem porque reivindicar nenhuma reforma de maior tomo em
nosso sistema político-constitucional.
O SR. ALBERTO PASQUALINI - Sr. Presidente, temos ouvido falar, nestes últimos
tempos, da necessidade de uma reforma de base: mas, talvez porque não haja sido debatido o
assunto, não possuímos uma idéia clara, definida ou aproximada do seu conteúdo e da sua extensão.
Sabemos apenas que há reformas que se impõem, que há situações, métodos e sistemas que devem
ser corrigidos ou eliminados em vários setores da vida nacional. Entretanto, o que desconhecemos -
porque não foram fixados - são os delineamentos dessa reforma, suas coordenadas, suas
características e sua profundidade. E natural, portanto, que cada um lhe atribua, já não digo o
sentido das suas conveniências, mas, ao menos, a interpretação ditada ou sugerida por suas
tendências e inclinações.
Meu objetivo é indicar alguns pontos dessa reforma, encarada do ângulo da concepção
trabalhista. Devo esclarecer que não pretendo interpretar nem o pensamento nem a orientação do
Partido Trabalhista Brasileiro, a que tenho a honra de pertencer, porque isso constitui tarefa e
função dos seus órgãos dirigentes. O que apenas me proponho é contribuir modestamente para o
estudo de certas questões, procurando as soluções do ponto de vista da doutrina trabalhista, assim
como consigo compreendê-la e interpretá-la.
As opiniões que vou emitir serão, portanto, rigorosamente em tese, estritamente em caráter
pessoal.
Círculo Vicioso
Vemos, pois, que existe uma estreita relação e dependência entre as formas e o estilo do
comportamento político e o grau de desenvolvimento econômico e cultural de determinada
coletividade. O pior é que se estabelece um verdadeiro círculo vicioso: o primitivismo econômico
gera as formas do primarismo político e o primarismo político contribui, direta ou indiretamente,
para manter a incultura e o primitivismo econômico e, conseqüentemente, os índices de exploração
social.
Esse círculo vicioso somente poderá romper-se à medida que se acelerar o
desenvolvimento econômico e cultural, à medida que se operarem mudanças na mentalidade
política e à medida que as massas trabalhadoras forem adquirindo maior consciência política.
Poderia parecer, à primeira vista, que, tratando-se de fatos e variações interdependentes, o
círculo vicioso não poderia ser quebrado. Na realidade, porém, a sociedade não é um sistema
estático, mas um processo dinâmico que evolui constantemente sob a pressão de forças internas e de
influências externas.
Creio que esse processo evolutivo poderá ser apressado ou retardado segundo o grau de
compreensão, de honestidade, de espírito público e de sabedoria das chamadas elites dirigentes.
Preparação do futuro
A política é como que uma técnica da solidariedade no tempo. Dispondo do acervo de
experiências do passado, não se deve limitar a efeitos imediatistas, mas ter sempre os olhos voltados
para o futuro.
Nisso o estadista se distingue do político vulgar, porque este encara os fatos e as situações
segundo o critério oportunista das conveniências momentâneas, ao passo que aquele os considera
com a visão e as perspectivas do futuro. Quanto ao Brasil, cumpre não esquecer que o futuro é a
quarta dimensão em que deverão ser equacionados os seus problemas fundamentais.
Eis por que uma reforma de base deverá ser também um compromisso das gerações
presentes para com as gerações futuras. E será este também o melhor meio de resgatarmos nossa
dívida de gratidão para com as gerações passadas que, além da vida, nos legaram este patrimônio
sagrado e inalienável, que é o Brasil, nossa Pátria comum.
E necessário, portanto, criar as condições psicológicas, morais e políticas para que a
reforma se possa realizar democraticamente, para que atinja as estruturas que já não resistem ao
embate das novas idéias, que já não se ajustam às necessidades de nosso tempo, que já não
correspondem aos postulados da justiça social. (Muito bem! Muito bem! Palmas. O orador é
cumprimentado.)
Creio que devemos cultivar nossas tradições políticas, não no sentido partidarista
acidental, mas no seu significado fundamental, naquilo que revelam a tendência e a vocação da
causa pública e esse indomável sentimento de independência e de liberdade, que é uma das
condições e uma das garantias do regime democrático.
Este testemunho de simpatia que temos a ventura de receber de vossa generosidade tem
hoje para mim uma significação e um encanto particular. E que além da presença tão grata e tão
honrosa de tantas pessoas a quem voto admiração e afeto, tenho esta noite a meu lado, para
compartilhar do privilégio de vossa amizade e dos meus sentimentos de gratidão, uma companheira,
que é também uma gaúcha autêntica, não apenas pela circunstância do nascimento ou dos laços
familiares, mas principalmente, pela sua afeição, pela sua fidelidade e pelo seu culto à terra, à gente,
aos costumes e às tradições do Rio Grande do Sul.
Há entre todos nós este elo afetivo e indestrutível que nos une, esta marca que nos
distingue, esta condição de que nos orgulhamos: sermos filhos do Rio Grande do Sul.
Ser rio-grandense é, para nós, muito menos que um sentimento regionalista, mas muito
mais do que um mero acidente geográfico. E a integração em uma determinada formação social e
psicológica, a identificação com certo estilo de vida pública e privada, a responsabilidade perante
um passado de lutas e de sacrifícios, não em prol de interesses localistas, mas para independência e
grandeza da Pátria e pelo aperfeiçoamento de suas instituições.
O rio-grandense é um ser político por excelência e com isso quero apenas significar que ele
tem a vocação da causa pública que é uma das manifestações superiores do instinto e do sentimento
social. A esse sentimento se contrapõe, em pólo oposto, as tendências grupistas e - individualistas.
Onde predominam essas tendências, a política, em vez de ser a ciência e a arte de organizar e
orientar a sociedade no sentido de alcançar os seus objetivos superiores, não passa de um sistema de
expedientes ao serviço de interesses privados. Ela se torna então a forma degenerativa de uma
função e de uma atividade que deveria ser exercida em benefício da coletividade.
Eis que então os partidos políticos longe de exprimirem as diferentes concepções do bem
estar coletivo e as diversas forças organizadas e atuantes para alcançá-lo, não passam de bandos que
se disputam o poder, não como meio de realizar um ideal político e social, mas como fonte de
vantagens materiais, de negócios e de favores. São como certas sociedades anônimas, que se
organizam para benefício exclusivo dos seus incorporadores e dirigentes e onde o incauto acionista,
que é o povo, nunca logra ver um magro dividendo, embora prometido com estardalhaço no
foguetório demagógico da praça pública.
Podemos com orgulho proclamar que não obstante nossos defeitos e certas práticas
viciosas que ainda subsistem, o mercantilismo nunca se infiltrou na vida política do Rio Grande do
Sul.
Os homens do Rio Grande sempre souberam ser fiéis aos seus ideais políticos, pelos quais,
muitas vezes, como o atestam as páginas de nossa História, deram o seu sangue e a sua vida. Por
sermos capazes de divergir até de armas na mão, sabemos nos compreender e nos respeitar. Se
transigirmos, não o fazemos na base de negócio, mas do interesse público. Quando vencedores, não
somos arrogantes; quando vencidos, não rastejamos aos pés do vencedor, não perdemos a dignidade
e a compostura.
A função pública, no Rio Grande, sempre foi exercida com decência e honestidade. Aqui
não são sequer as exceções que confirmam a regra. Nossos homens públicos e nossos funcionários
jamais macularam o serviço público, mas sempre souberam dignificar os cargos de que foram
depositários. Poderíamos citar, como exemplo coletivo dessa verdade, nossa austera magistratura,
padrão eloqüente de integridade e de fidelidade à causa do direito e da justiça.
Seria desprimoroso, injusto e deselegante se reivindicássemos para nós rio-grandenses,
qualquer superioridade moral ou qualquer primado patriótico, mas o que cumpre reconhecer e,
todos reconhecem, é que as contingências geográficas, nossa formação histórica e, possivelmente,
nossa estrutura econômica, acentuaram, no Rio Grande, certos traços da alma brasileira,
desenvolvendo e aguçando o seu sentido político, isto é, a preocupação e o interesse pelas questões
que concernem ao bem-estar da coletividade, embora encarado, muitas vezes, sob ângulos
diferentes.
Creio que devemos cultivar nossas tradições políticas, não no seu sentido partidarista
acidental, mas no seu significado fundamental, naquilo que revelam a tendência e a vocação da
causa pública e esse indomável sentimento de independência e de Uberdade, que é uma das
condições e uma das garantias do regime democrático.
Onde não existe idealismo, onde a atividade pública não é um ato de renúncia, de
desprendimento e quase uma missão apostolar, o poder político se tomará sempre o monopólio de
corrilhos, de grupos econômicos, um jogo do mercantilismo e da aventura. E então os órgãos da
administração, como ainda ontem assinalava em sua alocução radiofônica o Sr. Presidente da
República, existirão apenas para defender interesses pessoais, proteger apadrinhados e enriquecer os
especuladores.
Não irei repetir o chavão, que se ouve e se lê todos os dias, que vivemos a era das grandes
transformações sociais. Mesmo porque essas transformações não são de agora, começaram com a
própria humanidade e a acompanharão até O fim dos séculos. O importante é descobrir o seu
sentido fundamental, isto é, o rumo que segue a evolução da humanidade e de suas instituições.
Creio não ser difícil perceber que a história da humanidade em sua significação essencial, é
um processo de nivelamento: nivelamento jurídico, nivelamento político, nivelamento social,
nivelamento econômico.
A humanidade tende para a igualdade, talvez como uma série matemática tende para um
limite, como os pontos da hipérbole tendem para a assíntota, à medida que avançam para o infinito.
A sabedoria, portanto, consistirá em facilitar esse processo e será estultice e coisa vã tentar
opor-lhe resistência, como o seria pretender contrariar a lei da gravidade ou alterar a trajetória dos
corpos celestes. A natureza conduz os que lhe seguem as leis; arrasta os que a elas se opõem:
volentes ducit, nolentes trahit.
A verdadeira política consistirá, pois, em orientar nossa ação de acordo com a tendência
evolutiva da sociedade, ritmando-lhe o processo e facilitando-lhe o desenvolvimento.
Encarando a política sob esse ângulo universal, quase diria sub specie aeternitatis,
poderíamos dizer que é ela a ciência e a arte de promover, dentro das contingências de tempo e de
lugar, as reformas sociais em ordem a realizar o contínuo ajustamento das instituições políticas e
jurídicas e da estrutura econômica ao sentido fundamental da evolução humana.
Essa é a função e a missão do verdadeiro estadista, que se distingue do político comum na
particularidade de que este encara os fatos e as situações segundo o critério oportunista das
conveniências momentâneas, ao passo que aquele os considera com a visão e as perspectivas do
futuro. No que particularmente respeita ao Brasil, é preciso sempre não esquecer que o futuro é a
quarta dimensão em que deverão ser equacionados os seus problemas fundamentais.
Se reconhecermos que o verdadeiro objetivo da política é coordenar os meios de assegurar
à sociedade um grau sempre crescente de segurança e de bem-estar; se visa assentar as bases, as
estruturas e as instituições que devem garantir a liberdade, estabelecer o equilíbrio econômico e
promover o aperfeiçoamento moral do homem e a paz entre as nações, então a política, no seu
sentido mais elevado e mais profundo, será a própria técnica da solidariedade humana.
Esta é a política que deve ser estudada, compreendida e seguida sobretudo pela mocidade,
que se não deve deixar envenenar e corromper por aquela outra política, que é a sua antítese e a sua
contrafação; que é o seu lado oposto e caricato, porque se resume, muitas vezes, num facciosismo
estreito, mesquinho e odioso; porque nada mais é do que um entrechoque de interesses e de apetites,
um processo de corrupção e de aviltamento moral, a ciência de mascarar as próprias conveniências
e ambições sob o disfarce do interesse coletivo, uma arte de enganar, uma escola de bajulação e de
sabujismo - a técnica, enfim, de mistificar o povo, de anestesiar-lhe a consciência e os sentidos,
enquanto é espoliado e sacrificado.
Essa espécie de política deve ser combatida e banida, como uma das maiores chagas do
organismo nacional.
Mas parece-me que estou cometendo uma impropriedade fazendo considerações desta
natureza nesta reunião de finalidades puramente afetivas. E que a sua causa, embora indireta, é uma
causa política, é um abraço de despedida por ter de afastar-me temporariamente de vosso convívio
para exercer um mandato político que foi conferido por uma parcela do povo rio-grandense.
Quando vejo, aqui no Rio Grande e fora dele, tantas expressões de sua intelectualidade e
de sua cultura, tantos expoentes de suas atividades econômicas, das profissões liberais e do seu
honrado funcionalismo; tantos lutadores da causa pública, humildes uns e outros que já se podem
considerar vultos históricos, pergunto a num mesmo se não irei usurpar o lugar que, por direito,
deveria caber a um desses rio-grandenses ilustres.
Levo como modesta credencial apenas o meu idealismo, um pequeno breviário de idéias e
de diretrizes, a sinceridade de minhas convicções e o grande desejo de ver nossa Pátria organizada
em outras bases, onde a justiça social seja uma realidade viva e não simplesmente uma figura de
retórica, um enfeite literário para adornar os programas partidários e as plataformas políticas; onde
a justiça e a solidariedade social não se traduzam apenas na sopa do mendigo, no asilo da
orfandade, no Natal da criança pobre, no cartão do prócer político recomendando empregos para a
clientela eleitoral. Mas, que sejam a garantia do trabalho que deve ser um direito para todos e não
uma dádiva que se implora como uma graça; que seja a eliminação da exploração humana, o
equilíbrio das relações econômicas, a morte do parasitismo, a segurança do futuro, a dignidade, a
alegria e a felicidade de viver.
No cumprimento do meu dever, dentro da modéstia de minhas possibilidades, procurarei
ter sempre presente o preceito de Marco Aurélio: seguir o que é justo, dizer o que é verdadeiro. Em
defender a justiça, que deve ser principalmente o escudo dos fracos e dos humildes, e em proclamar
a verdade, não poderei admitir interferências ou limitações. E se um dia se criar uma
incompatibilidade entre minha consciência e a conduta a seguir ou se me convencer da inutilidade
de lutar pêlos ideais que abracei, então só me restará devolver humildemente ao nobre e altivo povo
do Rio Grande o mandato que a sua generosidade me confiou.
Não sei como poderia agradecer a formosa oração do meu querido amigo. Dr. Luiz Lopes
Palmeiro, uma das inteligências moças e privilegiadas do Rio Grande. Suas palavras expressas com
a elegância de estilo e o brilho que lhe admiramos, foram um transbordamento de indulgência e de
generosidade que incentivam a não abandonar o campo da luta.
Minha senhora e eu vos agradecemos o encanto desta noite em que nos distinguistes com a
honra de vossa presença e os requintes de vossa atenção e de vossa fidalguia. Guardaremos dela
uma recordação inesquecível. Será a lembrança de vossa bondade e também a imagem sempre
presente e sempre viva de nosso querido Rio Grande.
PASQUALINI, Alberto. Creio não ser difícil perceber que a história da humanidade é um
processo de nivelamento. Diário de Notícias, Porto Alegre
O Problema da Moradia
O SR. ALBERTO PASQUALINI - Sr. Presidente, meus nobres colegas, desejo, com as
considerações que vou fazer, analisar alguns aspectos do problema da moradia, sobretudo o do
financiamento da habitação para o trabalhador, aspecto que se relaciona com um tema mais amplo e
mais geral, qual o da organização estatal do crédito para objetivos sociais e assistências.
Um dos direitos fundamentais do homem é o direito de estar, isto é, o direito de ocupar
certa porção do espaço físico, como condição da própria existência material.
Esse direito, nas suas conseqüências e nos seus corolários lógico-sociais deve traduzir-se,
no mundo moderno pelo direito de cada um a ter sua moradia para nela abrigar a família e constituir
o seu lar.
Não seria suficiente, porém, o reconhecimento teórico e jurídico desse direito desde que a
questão não pode, em nossos dias, ser colocada apenas em termos de possibilidade, mas deve ser
posta em termos de efetividade. Eis por que uma sociedade bem organizada deve criar todas as
condições e proporcionar os meios para que esse direito possa ser concretizado.
O problema da moradia não existe para as classes abastadas, que podem desfrutar do
conforto dos palacetes e dos apartamentos de luxo. E um problema típico das classes proletárias dos
que vivem de salários ou vencimentos médios e inferiores. Para estes últimos, as dificuldades se
tomam, dia a dia, mais angustiantes.
As despesas de moradia não trazem maiores preocupações aos orçamentos das pessoas que
possuem rendas elevadas, mas podem causar graves desequilíbrios nos orçamentos dos grupos de
menor capacidade econômica.
Se examinarmos a distribuição das diversas despesas num orçamento doméstico,
poderemos desde logo verificar que, quanto menores os ganhos de uma pessoa ou de uma família,
maior é a percentagem desses ganhos que deve ser gasta na alimentação. Já no século passado o
economista e estatístico alemão Engels formulou a conhecida lei segundo a qual as despesas de
alimentação estão, percentualmente, na razão inversa dos salários. Isso significa que, se o salário for
muito baixo, quase todo ele deverá ser gasto em alimentação.
Quando, em conseqüência da desvalorização da moeda, decresce o valor real ou o poder
aquisitivo dos salários o trabalhador se vê na contingência de reduzir as demais despesas inclusive
de moradia, forçado que é a aplicar maior percentagem dos seus ganhos em alimentação. Por outro
lado a propriedade imobiliária “valoriza-se” aparentemente, por efeito da depreciação monetária e,
realmente, em face da maior procura dos que pretendem aplicar nela o dinheiro, para fugir dos
efeitos da inflação.
A desvalorização dos salários e a valorização da propriedade e, portanto, a elevação dos
aluguéis, obriga o trabalhador, sobretudo nos grandes centros urbanos, a deslocar-se para as zonas
periféricas ou para as áreas cujo valor esteja na paridade de sua capacidade de pagar despesas de
moradia. Quando essa capacidade tende para zero, é a população pobre forçada a procurar abrigo
em lugares praticamente abandonados e cuja ocupação pouco ou nada lhe custe.
As classes de menores recursos são gradativamente expulsas das zonas que se valorizam
para as áreas que, por suas condições ou situação, ainda pouco valem ou estão momentaneamente
sem utilização. Eis por que aqui, no Rio, enquanto a cidade se estende, se ergue para o alto, na
suntuosidade e imponência de suas edificações, as encostas dos morros se cobrem de andrajos para
receber e abrigar a população humilde que neles se refuga, acossada pelos arranha-céus.
O desenvolvimento das cidades determina um processo de deslocamento. Os grupos que
vão adquirindo maior capacidade econômica, tendem a deslocar os grupos de rendimentos menores
para as zonas menos urbanizadas e para as habitações de categoria inferior. Assim, os grupos de
salários ou de rendimentos superiores tendem a empurrar os grupos de salário médio para as
habitações sofríveis, os grupos de salário médio empurram por sua vez, os grupos de baixos salários
para as habitações miseráveis.
Esse movimento poderia, dentro de certos limites, considerar-se um fato natural. Ocorre,
porém, que pode ele adquirir um ritmo anormal e acelerado nos períodos inflacionários, pois, então,
a pressão centrífuga estará na razão direta da valorização da propriedade e da desvalorização dos
salários.
Uma das conseqüências da inflação que produz esse duplo efeito, é a marginalização da
habitação, isto é, a inflação joga continuamente uma grande massa de proletários para as habitações
miseráveis, ou seja, fora da margem do que deveria ser uma habitação humana.
Segundo as estimativas correntes, surgiram nas favelas do Rio de Janeiro, no período de
1940 a 1950, cerca de 27.500 casebres, abrigando presumidamente 110.000 pessoas (4 por barraco
segundo a média verificada). Pelo censo de 1950, a totalidade da população das favelas era de
186.000 pessoas o que quer dizer que no decênio 1940-1950, o aumento foi de 150%.
Ora, foi precisamente nesse período que se verificou o tremendo impacto inflacionário que
quadruplicou o custo de vida, elevando-se o papel-moeda em circulação de 5.186 milhões para
31.202 milhões.
Há, sem dúvida, outras causas concorrentes que influem na formação dessas cidades
caricaturais que levam para o alto dos morros o protesto da pobreza e da miséria contra a dos
arranha-céus. Há as migrações do interior para as cidades, mas não devemos que se elas se
processam, é porque se está operando um crescimento urbano brado à custa do estiolamento do
campo.
Os recursos monetários do País tendem, por efeito da própria inflação, que os atrai para os
setores mais especulativos, e por efeito da defeituosa organização e distribuição do crédito, a
acumular-se nas grandes cidades e nas mãos de grupos reduzidos. O Distrito Federal, por exemplo,
concentra 40% do movimento bancário, ao passo que em Mato Grosso não atinge 0,4 %. Isso nos
explica, em parte, porque com o valor de um metro quadrado de terreno em Copacabana se
poderiam adquirir 10 milhões de metros quadrados de terras em Mato Grosso. Certas cidades se
agigantam mas o interior, de um modo geral, permanece estacionário e abandonado. A agricultura,
em razão do defeituoso regime de distribuição das terras, da carência de crédito adequado e de
recursos de toda a ordem, está impossibilitada de libertar-se dos métodos primitivos, irracionais e
antieconômicos de produzir. Não consegue reduzir os custos de produção, sobretudo os custos
parasitários para os quais contribuem, com elevados coeficientes, as pesadas taxas de juros. Está,
por isso, impossibilitada de oferecer os seus produtos ao nível da capacidade aquisitiva do mercado
interno e da paridade do mercado internacional.
Este último fato cria problemas difíceis em nossa vida de relação com as demais nações e
para os quais se adotam ou se propõe, freqüentemente, soluções artificiais ou de emergência que
tenderão a manter e a agravar a situação e a jogar novas e mais tremendas cargas sobre o povo. E
tudo isso para salvar um sistema produtivo organizado em bases econômicas e socialmente falsas.
Nas grandes cidades continua-se a levantar febrilmente arranha-céus, a construir
apartamentos e vivendas suntuosas, a congestionar as vias públicas de automóveis de luxo, a encher
as lojas de artigos de importação, formando tudo isso a maquilagem que disfarça o pauperismo
nacional.
O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - No entanto, na última sessão desta Casa, o Senador Assis
Chateaubriand asseverou que os males atuais da nossa agricultura eram decorrentes da pequena
propriedade, e que só a grande propriedade nos poderia salvar desta situação.
O SR. ALBERTO PASQUALINI - Temos a Fundação da Casa Popular criada para o fim
específico de proporcionar a casa própria aos grupos de salários inferiores, compreendidos nessa
categoria os que percebem menos de 60 mil cruzeiros anuais.
Não é meu intuito analisar aqui essa instituição, sua organização e seu funcionamento.
Desejo apenas sublinhar que, de um modo geral, os financiamentos têm sido feitos na base
de 7 e 8%, prazo de 20 anos e que, nessas condições, incluindo-se ainda as taxas de seguro de vida,
de seguro contra fogo e taxas prediais, a mensalidade toma-se excessivamente onerosa e fora do
alcance da maioria dos trabalhadores. E preciso não esquecer que 80% deles, incluído o
funcionalismo público, percebem salários ou vencimentos inferiores a dois mil cruzeiros. O salário
médio dos comerciários, por exemplo, é em todo o País de 1 .083 cruzeiros, sendo ainda inferior o
dos industriários e o dos trabalhadores rurais. Em rigor, como observei, nas grandes cidades, onde o
problema é mais premente, a maioria dos trabalhadores, dado o baixo nível de salários, não poderia
pagar despesas de moradia, sem reduzir, além do limite crítico, as despesas de alimentação.
A Fundação não concede financiamento desde que a amortização e demais despesas
absorvam mais de 25% do salário. E como se vê, muito otimismo, supor que a média dos
trabalhadores possa aplicar essa percentagem em despesas de moradia.
Para tomar financeiramente acessível a moradia aos trabalhadores de baixos salários, a
Fundação projetou um tipo de habitação cujo custo, no Rio, é de, aproximadamente, 30 mil
cruzeiros, excluindo o terreno. E um barraco melhorado e mais higiênico. A mensalidade seria de
300 cruzeiros, importância que, a meu ver não pode ser gasta em moradia por uma família que
tenha um orçamento inferior a três mil cruzeiros, sem que se sujeite a privações e a uma deficiência
alimentar que caracteriza fisiologicamente a fome.
O SR. ALBERTO PASQUALINI - Exato. Devo ainda esclarecer a V. Exa que a Fundação
da Casa Popular tinha um plano decenal para resolver o caso das favelas. Previa a construção de
sessenta mil casas e a inversão necessária seria de dois bilhões e cem milhões de cruzeiros.
É necessário organizar um programa de maior envergadura, buscando para isso os recursos
financeiros onde podem ser coletados e planejando, em 10 anos, a construção de, pelo menos, meio
milhão de moradias populares higiênicas e confortáveis, porque, afinal, a higiene e o conforto não
devem ser privilégio dos afortunados.
Esse seria um programa digno de um governo trabalhista ou de qualquer governo que se
compenetrasse da premência e da gravidade da situação em que se debatem as massas
trabalhadoras.
Sem a mobilização de recursos fundamentais, tudo não passará de promessas, delongas e
fantasias.
O Sr. Flávio Guimarães - A construção da casa popular está sendo financiada pelas caixas
econômicas e, também, pelas autarquias, contribuição essa que não entrou na argumentação de V.
Exa que se restringiu à Fundação da Casa Popular.
O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - V. Exa está coberto de razão. O que declarou é um fato.
O Sr. Flávio Guimarães - Deve-se levar em conta o número de habitações construídas pela
Fundação da Casa Popular, pelas caixas econômicas e pelas autarquias, de que falam as estatísticas.
O Sr. Flávio Guimarães - Se não houver pagamento de juros, mesmo à taxa de 6%, não é
possível obter casas, porque o Banco ou a Caixa Econômica pagam esses juros aos depositantes.
Este é o problema.
O SR. ALBERTO PASQUALINI - Acabei, há pouco, de observar que as caixas
econômicas não podem, em rigor, realizar financiamentos para a aquisição da casa popular, em
razão dos juros que devem pagar aos depositantes. Se a taxa média de juros for de 5% e as despesas
de administração 2 ou 3%, as caixas econômicas não poderão financiar a taxas inferiores a 8 ou 9%.
O Sr. Flávio Guimarães - Entende, pois, V. Exa, que não somente a Fundação da Casa
Popular mas também as autarquias não deveriam cobrar juros?
O SR. ALBERTO PASQUALINI - A Fundação da Casa Popular é que não deveria cobrar
juros, desde que os seus recursos não são onerosos.
O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - V. Exa terá o meu apoio integral na Comissão de Trabalho e
Previdência Social. O ponto de vista que defende merece toda a minha simpatia, e acredito ser o
único que atende realmente ás necessidades do operariado brasileiro.
O SR. ALBERTO PASQUALINI - V. Exa tem toda razão, e muito agradeço o aparte.
E de duvidar que os beneficiários da inflação tenham o sincero propósito e o interesse de
combatê-la. Falam e pregam muitas vezes contra ela, mas devem sentir-se intimamente satisfeitos
quando vêem suas propriedades e bens valorizar-se, quando os balanços acusam o contínuo
aumento dos lucros fáceis, quando há indícios de que se alargam sempre mais o campo e as
oportunidades de especulação.
Ao falar em especulação, não me refiro aos açougueiros, aos vendeiros e aos feirantes: não
devemos pensar no comércio varejista, que por estar em contato direto com o público é
freqüentemente o bode expiatório. E ele tão responsável pela alta contínua dos preços como os
cristãos pelo incêndio de Roma. Os verdadeiros "tubarões" se encontram nas águas profundas, onde
manobram invisivelmente os cordéis da política econômica, financeira e monetária do país.
O Sr. Kerginaldo Cavalcanti - Aliás, não com o brilhantismo de V. Exa, tive ocasião de
frisar este ponto perante o Senado.
O SR. ALBERTO PASQUALINI - Parece que estamos sendo avassalados por uma onda
de insânia e não compreendemos que todo ganho especulativo ou improdutivo não aumenta a
substância econômica, nada acrescenta em riqueza e é apenas uma forma de tirar de muitos para o
enriquecimento, sem causa, de poucos. E, uma espécie de processo canceroso do organismo
econômico e que acabará por corroer-lhe e liquidar-lhe a estrutura.
O regime econômico vigente está cheio de contradições.
Afirma-se, por exemplo, que só há uma maneira de fazer baixar o custo de vida: é
produzir. Se, porém, em conseqüência de maior produção, os preços tendem a cair, é o governo
chamado a intervir direta ou indiretamente no mercado para não deixar que baixem. E financia-se
então a manutenção dos preços altos com novas emissões, isto é, por um processo de contínuo
encarecimento.
Uma cédula emitida, que não represente trabalho produtivo, que não tenha como lastro
certa quantidade de riqueza, é como um cheque sem fundos, é uma “felipeta” de curso orçado, que
só pode adquirir valor, em última análise, subtraindo-o do salário dos trabalhadores.
Só existe um modo de baratear o custo de vida. Consiste em primeiro lugar, em erradicar
corajosamente as causas da inflação, entre as quais se podem incluir: primeiro, o aumento crescente
dos gastos públicos economicamente improdutivos, com prejuízo do que é essencial; segundo, o
alargamento de crédito para operações e negócios de mera especulação, notadamente as inversões
imobiliárias que têm esse caráter, determinando a concentração dos recursos monetários nas
grandes cidades com prejuízo da agricultura, que vive asfixiada sem crédito e escorchada pelas altas
taxas de juro; terceira, a ausência de um sistema racional de crédito que permita o financiamento de
inversões básicas, das atividades produtivas e da criação de meios de bem-estar sem recurso em
última instância, às emissões. Será necessário ainda organizar a produção em outras bases,
eliminando os custos adicionais decorrentes de técnica deficiente, e as parcelas parasitárias dos
custos e dos preços.
A inquietação e o impasse da hora presente resultam, principalmente, das incongruências
da organização econômica, em completo divórcio com os postulados sociais que aceitamos.
Reconhecemos como justa, determinada política social, mas praticamos uma política financeira,
monetária e fiscal que lhe está em absoluta contradição. Semeamos novas esperanças no coração
das massas trabalhadoras, mas por outro lado, conservamos as velhas estruturas, absolutamente
incapazes de atenuar as dificuldades da hora presente e de remover as do futuro.
Se um governo tentasse um ponto de equilíbrio, procurando ser trabalhista no Ministério
do Trabalho, liberal no Ministério da Economia e conservador no Ministério das Finanças, deixaria
de ser governo para se transformar num conflito.
Os contrastes entre os grupos sociais se extremam cada vez mais, por efeito do sistema
econômico e dos seus mecanismos. Há um processo de crescente exacerbamento entre a “tese” e a
“antítese” podendo ser a “síntese” uma eclosão violenta.
Para que isso não ocorra cumpriria que todos aqueles que pertencem, embora formalmente,
a partidos diversos, mas que possuem a mesma concepção dos problemas fundamentais e de sua
solução, que esposam os mesmos ideais de liberdade e de justiça social, se dispusessem a coordenar
e unir os seus esforços para uma ação política comum; ação política de sentido elevado, sem
objetivos individualistas, mesquinhos e diversionistas, inspirada unicamente no propósito de dotar a
coletividade nacional dos novos instrumentos de que necessita para o seu progresso, a sua
tranqüilidade e seu bem-estar; de uma ação política que lenha como suporte moral a firme
disposição de extirpar da vida nacional todas as formas de exploração, de negocismo e de corrupção
e de organizá-la em bases de maior decência e austeridade.
Creio que somente assim poderíamos ter autoridade para aconselhar e orientar o povo em
horas tão difíceis e que se poderão tomar ainda mais amargas; para explicar-lhe o que é possível
fazer e o que não é possível; para dizer-lhe, sincera e honestamente, o que pode esperar e o que não
deve, para solicitar-lhe novos créditos de confiança e para pedir-lhe que não descreia de nossa
fidelidade e devotamento à causa pública.
Como ponto de partida nesta nova missão que meus companheiros me confiaram, sinto-me
no dever de confirmar e ratificar as diretrizes e o programa que me orientaram na campanha de
1947 como candidato do Partido Trabalhista Brasileiro ao Governo do Estado. Essas diretrizes
permanecem imutáveis, eis que nada perderam em sua substância. A dinâmica dos fatos poderá ter
trazido alterações no quadro geral da situação do Estado, isto é, no âmbito da realidade em que
deverá atuar o Poder Público. Tal circunstância, porém, poderá apenas implicar mudança de
pormenores, fato natural e inerente à execução de qualquer plano de administração. Mas não
importa em abandonar o programa fundamental, pois este deve ser observado e seguido com
absoluta constância e fidelidade.
Cabe aqui apenas projetar esses princípios sobre fatos novos e circunstâncias atuais, o que
tentarei fazer em poucas palavras.
Não vou, pois, deter-me numa enumeração pormenorizada de todas as necessidades e de
todos os problemas do Estado e apresentar-vos soluções para todos eles. Não venho trazer-vos uma
panacéia, que se indica como remédio para tudo e para todos. Não prometo nem prometerei jamais
soluções mentirosas e, inexeqüíveis e que sirvam de meros expedientes eleitorais. Proponho-me
apenas encaminhar soluções possíveis e sensatas e sempre em função da realidade do interesse
social, e das possibilidades financeiras do nosso Estado.
A verdadeira tirania
Não obstante, afirmou-se no campo adversário que a luta que se vai ferir no Rio Grande
não é senão mais um episódio da “eterna disputa entre a liberdade e a tirania”. E possível que assim
seja, eis que as palavras, com o evoluir dos tempos, mudam muitas vezes de significação e de
sentido. Se, nos dias atuais, em que todo cidadão deste país tem plena liberdade de ir à praça
publica para dizer o que pensa e o que sente; em que qualquer pessoa pode recorrer à justiça quando
se julgar prejudicada ou ferida em seus direitos; em que na tribuna e na imprensa se podem fazer as
mais veementes críticas aos homens que detêm a responsabilidade do Governo, críticas muitas
vezes injustas e que raiam pelos extremos da injúria e da difamação - é sem dúvida porque, se
tirania existe, ela será certamente de outra natureza, que não política. Não pode ser e não será
jamais essa tirania que é a antítese da liberdade, dessa liberdade de que todos podemos desfrutar e
de que, se fôssemos sensatos, nunca deveríamos abusar. Trata-se, em verdade, de outra tirania, não
menos cruel nem menos odiosa que a tirania política e que não poucos teimam em não enxergar, em
não compreender, em não sentir, em não afastar. E a tirania da miséria, da necessidade e do
sofrimento, que aflige imensas parcelas de nossa população; que transforma em tragédia a vida de
todos aqueles que lutam pelo pão cada dia, de todos os que vivem de salários, cujo nível está
sempre abaixo das necessidades mais elementares e, quando se fala em elevá-los, desencadeia-se
verdadeira tormenta que quase abala as próprias instituições, como se ao Governo não assistisse o
direito, quando na verdade tem o dever, de proteger os fracos e os humildes contra o pior de todos
os inimigos da paz, da liberdade, da democracia, da justiça e da tranqüilidade social, que é o abuso
do poder econômico. Este sim, é o maior de todos os tiranos, porque fazendo uso da liberdade,
pretende dar ao forte o direito de oprimir o fraco e, superpondo-se ao próprio poder do Estado, nega
a este a faculdade de intervir para corrigir as injustiças sociais, impedindo a exploração do homem
pelo homem. Invocam-se então todas as teorias do liberalismo econômico, manipulando-as e
escamoteando-as habilmente, de modo a confundi-las e identificá-las com o liberalismo político, a
fim de dar a impressão de que toda intervenção do Estado no campo econômico e social é atentar
contra a democracia e a liberdade.
Moralidade Administrativa
Mas, não basta, neste particular, que a ação supletiva ou corretiva do Estado seja eficiente.
Cumpre que se revista também de moralidade, pois esta deve ser sua norma constante e inflexível
de ação.
A rigorosa moralidade dos atos do Governo e de cada um dos seus servidores deve ser
inquestionável. Nem por medo, nem por favor, me farão jamais transigir com este ponto de honra
do meu programa.
Além da inflexibilidade intransigente no respeito aos ditames da moralidade
administrativa, acreditamos que a moralidade nos serviços públicos poderá ser encorajada e
facilitada, pelas normas de organização e de eficiência, tendentes a um controle técnico das
despesas e da interferência dos funcionários, especialmente no que toca ao planejamento adequado
dos projetos e dos programas governamentais.
Empreendimentos Estatais
Na esfera dos empreendimentos estatais, o Plano de Obras deve ser ressaltado como
exemplo da capacidade de realização do atual Governo.
Nosso empenho será o de executá-lo com constância e tenacidade, atualizando-o e
desdobrando-o com base no melhor conhecimento das necessidades. Na medida em que os recursos
o permitirem, procuraremos intensificá-lo e ampliá-lo, a fim de que o Rio Grande possa acelerar a
expansão de suas atividades produtoras.
O Plano de Obras está ligado, necessariamente, ao Plano de Eletrificação e a outros
programas parciais. Procuraremos integrar os diversos programas num plano geral de
desenvolvimento e progresso do Rio Grande, que incorpore também a contribuição do Governo
Federal e a colaboração dos municípios. Será um programa de esforços complementares e
harmônicos que promova, além das providências fundamentais de desenvolvimento da economia,
os investimentos necessários à elevação dos níveis de vida de nossa população.
Crédito
Fator decisivo é o crédito para estímulo e desenvolvimento da produção. Não se
justificaria, pois, que o Estado se alheasse desse problema. Minhas idéias sobre o crédito, tive a
ocasião de expô-las em diversas oportunidades e, sobretudo, no projeto que apresentei ao Senado,
instituindo o Sistema Federal de Bancos de Estado.
Embora a matéria caiba mais na esfera de competência dos Poderes Federais, entendo que
o Governo Estadual deve ter também um papel vigoroso nesse sentido.
Deve-se, aliás, ressaltar, com justiça, que os estabelecimentos bancários rio-grandenses se
têm conduzido numa Unha impecável de prudência e sobriedade, não se deixando absorver e
empolgar pela onda inflacionária que corrompeu boa parte do sistema bancário nacional.
De qualquer forma, porém, cabe ao Estado um esforço maior no terreno do crédito. O
Banco do Rio Grande do Sul foi criado com a finalidade de tomar-se um banco ao serviço da
produção. Entretanto, pela condição de seus recursos, foi obrigado a limitar-se-á um banco de
depósitos e descontos. Sendo, praticamente, um banco do Estudo, cumpre aparelhá-lo para
desempenhar o papel econômico e social a que deve se destinar. Assim, deve ser modificada sua
orientação no sentido do atendimento precípuo das atividades produtoras, sendo provido
complementarmente de recursos do Estado, em regime especial, para serem aplicados, através de
carteiras especializadas, na assistência financeira aos pequenos agricultores e às respectivas
organizações cooperativas, ampliando-se essa assistência, progressivamente, às cooperativas de
consumo constituídas de trabalhadores.
Sistema de Transportes
O sistema de transportes em conjunto é, ao lado do sistema de geração e transmissão de
energia, a ossatura de um plano de desenvolvimento econômico. Deverá ser promovida a
coordenação entre os diferentes programas e a melhor articulação entre os esforços estaduais,
federais e municipais, no sentido de um plano unitário, realizando obras e desenvolvendo-se
serviços em consonância com os interesses da economia do Estado.
As diretrizes de um plano geral de transportes deverão resultar de acurados estudos
técnico-econômicos, prosseguindo os trabalhos que deram base ao Plano de Obras, Serviços e
Equipamentos. Parece, entretanto, que não há como hesitar sobre a importância do transpor
ferroviário em nosso Estado e sobre o papel que exerce a Viação Férrea.
Dever-se-á, portanto, dar continuação, com acentuada prioridade, aos programas atuais,
visando melhorar a via permanente, os meios de tração e material rodante da Viação Férrea, de
modo a reduzir-lhe o custo de operação e aumentar a capacidade de transporte, tudo a serviço da
produção e do consumo.
No que se refere às rodovias, deve o sistema ser considerado em articulação com o
ferroviário fluvial e lacustre.
Cumpre estabelecer um programa rodoviário conjunto, federal e estadual, em que se
determinem prioridades em função do sistema geral de transportes e de interesses da economia do
Estado.
Coordenação de esforços
Outros problemas
Deixo de mencionar uma série de outras questões e problemas, ou porque já foram
indicados no programa com que concorri ao governo do Estado, em 1947, ou porque foram
expostos em outras oportunidades.
A enumeração de todas as necessidades do Estado e de sua população, notadamente das
classes produtoras e trabalhadoras, obrigaria a fazer-vos um relatório cansativo de horas a fio, sem
utilidade prática, desde que estão na consciência de todos e o seu atendimento depende, não apenas
de inventariá-las minuciosamente, mas dos recursos financeiros de que o Estado possa dispor.
Não será com uma inflação de promessas que poderemos acudir às angústias, às aflições e
aos reclamos da coletividade. E necessário não prometer demais para não correr o risco de aumentar
as desilusões do povo.
O essencial é possuir uma diretriz, que sirva de norma e de orientação para a solução dos
casos e dos problemas ocorrentes. Nossa diretriz se inspira no programa trabalhista e, portanto, na
defesa intransigente dos legítimos interesses das classes trabalhadoras, no desenvolvimento da
economia do Estado, das forças da produção e do progresso social, seguindo, não a linha que passa
pelos extremos, mas a inspiração cristã dos evangelhos.
O trabalhismo, bem compreendido e sinceramente praticado, representa mais uma etapa no
caminho da evolução social, que nenhuma força jamais poderá deter.
Enganam-se os que pensam que as dificuldades e os contratempos que o atual governo
trabalhista teve de enfrentar, em sua ação administrativa, tenham abalado a fé e a confiança que
sempre existiram no coração do povo. Têm este o senso suficiente para não se deixar desiludir e
para compreender que não será recuando às fórmulas vazias do passado que poderá encontrar a
solução dos seus problemas e das suas dificuldades.
O mundo não marcha para trás e o nosso dever é prosseguir, com resolução e firmeza, na
trilha do nosso programa e de nossos ideais, corrigindo os erros e procurando não repeti-los no
futuro.
Não pouparei esforços nem sacrifícios para corresponder às esperanças que,
generosamente, em mim depositaram meus companheiros de luta e os nossos valorosos aliados, a
quem rendo o tributo do meu reconhecimento.
Se me perguntassem o que estou disposto a fazer pela vitória de nossa causa, poderia
responder com uma frase que, na História, ficou famosa: “O que é possível fazer, está feito; o que é
impossível, se fará!”
Se me interpelassem o que pretendo realizar, se eleito, diria que meu propósito é
consagrar-me a um governo de inspiração social, com base nos princípios da mais rigorosa justiça e
moralidade.
Desses princípios não me afastarei, com eles jamais transigirei, sejam quais forem as
conseqüências.
Sou imensamente grato às palavras, cheias de bondade e de generosidade, com que me
saudaram e distinguiram meus valorosos companheiros de luta. Elas constituem para mim um
incentivo para redobrar os esforços na luta em que estamos empenhados.
Rendo a homenagem de minha veneração ao Presidente Getúlio Vargas, chefe nacional do
nosso partido, cuja ação em prol das classes trabalhadoras nunca poderá ser esquecida e sempre
deverá ser exaltada.
Faço um apelo aos meus nobres adversários para que este embate político se trave no plano
elevado das idéias e das soluções, sem ataques pessoais, sem odiosidades e malquerenças, mas com
nobreza e lealdade, para que o Rio Grande possa dar ao Brasil um exemplo de civismo, de educação
e de cultura política.
Ao povo rio-grandense caberá decidir, livremente, quem deve governá-los. Nós,
trabalhistas, nos curvaremos, obedientes e submissos, à sua vontade soberana.
Devo, entretanto, proclamar que tenho absoluta confiança na vitória de nossa causa. O Rio
Grande já compreendeu que ela está na linha natural de evolução do mundo e que não serão as
pequenas oscilações que apagarão ou abalarão a fé do povo em seu sentido fundamental.
O trabalhismo deve ser, antes e acima de tudo, um ato de convicção e de fé; convicção de
que o trabalho é a fonte originária de todos os bens produzidos e certeza de que, no futuro, deverá
ser mais justa a sua repartição.
Para isso é necessário lutar, lutar com as forças do espírito, com a pregação constante das
idéias, lutar pela sua realização prática através do mecanismo estatal, cuja finalidade precípua deve
ser a realização da justiça social.
O Rio Grande, que já empunhou a bandeira do trabalhismo, não recuará, não abandonará a
sua legenda, não se deixará vencer pelas desilusões e pelos desencantos, mas erguendo essa
bandeira cada vez mais alto, cumprirá sua missão histórica e será fiel ao seu destino glorioso e
imortal.
PASQUALINI, Alberto. O Rio Grande decidirá se deseja seguir o caminho da paz e da justiça
social ou retrogradar a uma política vazia de conteúdo humano. Correio do Povo, Porto Alegre,
25 jul. 1954, pp. 11,26.
Discurso em Cruz Alta
O derradeiro e supremo gesto de Getúlio Vargas foi uma lição morredoura para
a democracia.
Proferindo, em Cruz Alta, o seu primeiro discurso após os trágicos acontecimentos que
abalaram o País, na madrugada de 24 de agosto, quando as forças reacionárias e os falsos
democratas levaram o Presidente Getúlio Vargas ao supremo sacrifício de sua vida para poupar o
Brasil de uma luta fratricida, o Sr. Alberto Pasqualini assim se expressou:
O nome desta cidade, profundamente sugestivo, está a lembrar-nos, nesta hora de
inquietação e de incerteza, o destino do ser humano.
Para todos os cristãos, a cruz é um símbolo de sofrimento e de sacrifício, mas é também o
símbolo da fé, o preço do resgate e da salvação da alma humana.
A injustiça do julgamento e a crueldade do castigo não perturbaram a serenidade do Divino
Mestre. A incompreensão e o ódio dos seus inimigos não alteraram os seus sentimentos de
tolerância, de indulgência e de bondade. Numa lição de infinita misericórdia, de todos sentiu
piedade e, na hora do sacrifício, pediu a Deus o perdão pelo crime que os seus algozes perpetravam.
Meus companheiros.
A beira dos caminhos da nacionalidade, ergue-se hoje uma cruz.
Nela podemos ler a seguinte inscrição: “Ao ódio, respondo com o meu perdão. Esse povo
de quem fui escravo não será mais escravo de ninguém. Minha alma e meu sangue serão o preço do
seu resgate”.
Ali repousa Getúlio Vargas.
Trazemos no coração a mágoa dos recentes e dramáticos acontecimentos que arrebataram a
vida de nosso grande Presidente Getúlio Vargas. E com a tristeza e a amargura desta hora, que
reiniciaremos nossa peregrinação política pelo Rio Grande.
Já não temos entre nós a presença material daquele que, por sua clarividência, sua
serenidade e seu gênio político, soube imprimir novos rumos ao Brasil, fazendo que nosso País
despertasse do torpor dos séculos e seguisse o caminho luminoso do progresso material e da justiça
social. Mas a falta de Getúlio Vargas será agora substituída pela força de suas idéias e pelo sentido
de sua obra, porque esta jamais perecerá.
Tudo o que ele representou em sua vida de dedicação à causa dos trabalhadores; todos os
traços de obreiro grandioso da libertação econômica do Brasil, e de defensor da nacionalidade,
deverão agora corporificar-se num ideal partidário que há de recolher o sentido de sua obra e
congregar a imensa maioria do povo brasileiro para defendê-la. Eis aí a grande missão histórica do
Partido Trabalhista: levar avante, pelo caminhos da evolução e da verdadeira democracia, a obra
social iniciada pelo Presidente Getúlio Vargas.
Há homens que, quando desaparecem, deixam atrás de si um vácuo imenso que não pode
ser preenchido pelo suceder das próximas gerações. Se consultarmos a História, veremos que é
nesses momentos que surgem as grandes crises, abalando povos e enfraquecendo nações.
Mas, ainda aqui se revela o gênio previdente de Getúlio Vargas: morreu traçando rumos à
posteridade, legando ao povo brasileiro o sentido de sua vida e de sua obra e uma organização
política capaz de continuá-la e de aperfeiçoá-la através do tempo.
Seu testamento político, escrito no limiar da eternidade, aponta o caminho que devemos
seguir para realizar a grandeza do Brasil e o bem-estar do seu povo. Denuncia quais as forças que
pretendem tolher a independência econômica de nossa Pátria e riscar as garantias e os direitos que
sua legislação social conferiu aos trabalhadores.
Todo o grande exército trabalhista ouviu e compreendeu sua derradeira ordem do dia e
aqui estamos, para empreendermos e realizarmos a continuação de sua obra.
Esperamos que o povo saiba interpretar o sentido do seu gesto heróico de renúncia, à vida
para poupar à Nação uma luta fratricida e um crime contra a democracia, crime instigado por
aqueles mesmos que se dizem os seus defensores e se apresentam aos olhos estarrecidos da Nação
como as vestais do regime democrático.
O povo brasileiro viu, estupefato, nos últimos acontecimentos, o modo de agir de certos
democratas. Percebeu como criaram, propositadamente, um clima artificial e fraudulento, para
tentarem justificar a deposição ou a renúncia forçada do Presidente da República eleito pela vontade
soberana do povo brasileiro.
Onde está, perguntamos, a responsabilidade do Presidente da República ou de seus
familiares nesse nefando crime da Rua Toneleros, cuja autoria intelectual, apesar de todas as
devassas e de todas as violências processuais até hoje não foi apurada?
No entanto, com base nessa suposta responsabilidade, se impôs a renúncia de um
presidente, que teve nas umas, em 1950, uma consagração popular, perpetrando-se, por essa forma,
um atentado contra a Constituição e contra a vontade soberana do povo.
O derradeiro e supremo gesto de Getúlio Vargas foi uma lição imorredoura para a
democracia, foi o preço do seu resgate, porque a bala que lhe atravessou o coração impediu que se
consumasse no Brasil uma agressão violenta contra as instituições democráticas.
Meditem sobre tudo isso os rio-grandenses que fazem profissão de fé democrática e
lembrem sempre que Getúlio Vargas também era um rio-grandense.
O Partido Trabalhista, fiel à sua missão há de recolher e perpetuar o sentido perene dessa
lição e há de prosseguir, sem esmorecimentos, sem desvios e democraticamente, a luta política pela
causa dos trabalhadores e pela libertação do povo brasileiro.
Agora que já não existe, materialmente, o alvo principal das investidas de nossos
adversários; agora que não mais existe aquele que apontavam como fonte e causa de todos os males
e inimigos da democracia, porque ainda nos combatem com tanto encarniçamento, tentando até
associar outras forças políticas na luta contra nós e nosso partido? A resposta a esta pergunta talvez
possamos encontrá-la na derradeira mensagem de Getúlio Vargas, quando disse: “Não querem que
o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.
Eis aí a dura e triste realidade desta quadra tormentosa da vida brasileira. As forças da
reação se unem para combater as forças da evolução, para isolar e afogar na impotência os
sentimentos e as aspirações populares. Mas serão essas tentativas vãs, porque nada poderá deter a
marcha inexorável do progresso social e da libertação do povo brasileiro dos grilhões do
capitalismo reacionário e especulador.
Um governo de inspiração social, como deve ser um governo trabalhista, tem obrigações a
cumprir perante o povo, perante os trabalhadores das cidades, dos campos e das colônias, que
esperam dias melhores e mais tranqüilos.
O caminho para a realização dessa tarefa e cumprimento desses deveres pode ser longo e
áspero, mas não há obstáculos que não possam ser superados quando existe a firme intenção de
percorrê-lo.
As incompreensões e as injustiças não nos devem abater jamais, principalmente nesta hora
em que o Rio Grande está diante de uma nova encruzilhada: ou empreende com coragem e
desassombro, a marcha para o futuro, que lhe abrirá novas perspectivas de progresso e de paz
social, ou retrocede ao conservadorismo, que cada dia mais se afasta dos verdadeiros sentimentos e
aspirações populares.
A democracia há de fortalecer-se não com fórmulas ocas e vazias, não recebendo
punhaladas pelas costas, mas resolvendo os problemas do povo e acudindo às suas aflições. O
verdadeiro regime democrático se pratica buscando a fundo a causa de nossos males e instituindo
uma política racional de soluções, única forma de realizar o desenvolvimento econômico, a
distribuição da riqueza e o bem-estar da coletividade.
Temos nós, trabalhistas, uma diretriz segura e um programa a cumprir. E vos asseguro que
nada nos afastará do propósito de o realizar se o povo rio-grandense nos der a honra de governá-lo.
Aqui não estamos com a missão de pedir votos para pessoas, porque os pedimos para uma causa.
Essa causa, cruzaltense, não é apenas nossa, é também vossa, como é igualmente todo o Rio
Grande.
Vós, que tendes um glorioso passado de lutas, que aspirais ao progresso e que sonhais com
dias melhores para o futuro, deveis cooperar conosco. E aqui, ao nosso lado, o vosso posto de
combate.
Nosso estudo é o voto. E com ele e com a força que emana das urnas, e não das armas, que
se consagra a vontade e a soberania do povo. E com o voto que se exercita e se defende a
democracia.
Tenho certeza de que, em 3 de outubro, contaremos com o vosso apoio, porque nossa causa
é a vossa causa, nossa luta é a vossa luta, nossa vitória será a vossa vitória".
PASQUALINI, Alberto. Discurso em Cruz Alta. Correio do Povo, Porto Alegre, 12 set. 1954,
p.6.
Em Defesa do Monopólio Estatal do
Petróleo JJ
O SR. PRESIDENTE - Tem a palavra o nobre Senador Alberto Pasqualini para, como
relator na Comissão de Finanças, emitir parecer.
Sr. Presidente:
1 - O projeto dos eminentes Senadores Plínio Pompeu, Othon Mader e Apolônio Sales têm
por objetivo modificar o sistema de exploração do petróleo instituído pela Lei n° 2.024, de 3 de
outubro de 1953.
Atualmente, a exploração petrolífera, compreendendo a pesquisa, a lavra, a refinação de
petróleo nacional ou estrangeiro, o transporte marítimo de petróleo bruto de origem nacional ou de
derivados de petróleo produzidos no País, bem como o transporte por meio de condutos de petróleo
bruto e seus derivados, constituem monopólio da União.
O monopólio é exercido pelo Conselho Nacional do Petróleo, no que concerne à
supervisão orientadora e fiscalizadora, e por intermédio da Petrobrás e Subsidiárias no que concerne
à exploração propriamente dita.
São, nessas condições, o CNP e a Petrobrás órgãos institucionais de execução do
monopólio da União e não entidades às quais a União possa deferir a execução desses serviços
mediante concessão.
2 - O projeto ora em exame pretende alterar, um tanto contraditoriamente o sistema
vigente, permitindo a concessão da exploração petrolífera a nacionais ou a companhias brasileiras,
organizadas de acordo com a lei, sendo o prazo da concessão de 30 anos, podendo esse prazo ser
prorrogado por igual período.
O projeto nada mais é, substancialmente, do que a reprodução da Emenda n° 19, de autoria
do nobre Senador Othon Mader e oferecida na Comissão de Viação e Obras Públicas, por ocasião
de ser examinado e discutido no Senado o projeto da Petrobrás, na legislatura anterior, emenda que
foi recusada pelo Senado.
3 - A lei que instituiu o monopólio estatal da exploração do petróleo é de outubro de 1953.
A Petrobrás foi instalada em maio de 1954, iniciando suas atividades em agosto, tendo, portanto,
sete meses de funcionamento. Não há, na justificação do projeto, a indicação de fatos novos que
aconselham uma mudança de ramos no sistema de nossa exploração petrolífera. Os aspectos
técnicos do problema e os que se relacionam intimamente com os interesses nacionais da
exploração petrolífera foram longamente debatidos por ocasião do exame, discussão e votação do
projeto da Petrobrás no Parlamento Nacional. Seria duvidosa a reedição, agora, de todos esses
argumentos que evidenciaram a conveniência, senão a necessidade, da instituição do monopólio
estatal da exploração do petróleo e sua execução por órgãos específicos, que são, no caso, o
Conselho Nacional do Petróleo e a Petrobrás.
O único argumento que poderia ser invocado, a esta altura, em favor do projeto seria o
concernente à diminuição de nossas disponibilidades cambiais. Mas, além de que esse fato não
poderia ser considerado decisivo e é de natureza transitória, cumpro ponderar que, para o corrente
exercício, que corresponde a um ano crítico, porque é ainda desfavorável o balanço cambial da
Petrobrás, já está assegurada à empresa a cobertura cambial necessária para as suas aquisições e
demais compromissos que devam ser pagos em moeda estrangeira.
A Superintendência da Moeda e do Crédito, em 3 de fevereiro último, resolveu conceder à
Petrobrás, para o seu programa de inversões, no ano em curso, divisas, em dólares, correspondentes
a 80% das economias resultantes de suas atividades, e das refinarias particulares, num mínimo de
3% e num máximo de 5% da receita cambial em dólares. Presume-se que essas economias atinjam,
no corrente ano, cerca de 40 milhões de dólares, dispondo assim a Petrobrás de cerca de 22 milhões
nessa moeda. A essas disponibilidades, em dólares, deve-se ainda acrescentar 3% sobre a receita em
moedas invencíveis e utilizáveis pela Petrobrás e que pode ser estimada no equivalente de 12
milhões de dólares.
E certo que a garantia de câmbio à Petrobrás representara, neste momento, certo sacrifício.
Será ele, porém, largamente compensado em futuro próximo quando as economias cambiais
resultantes do funcionamento e das atividades da Petrobrás serão consideravelmente maiores. E
preciso não esquecer que as divisas agora utilizadas pela Petrobrás representarão, em futuro
próximo, um multiplicador de sua economização.
Essas economias podem ser calculadas anualmente da seguinte forma:
ÜS$ Refinaria de Cubatão ............................................................................................. 20,000,000.00
Produção amai e refinação em Mataripe ......................................................................... 9,000,000.00
Petroleiros atuais ............................................................................................................. 2,000,000.00
Produção de óleo e refinação para lubrificante em Mataripe ........................................ 40,000,000.00
E mais 3 dólares por barril de óleo comum que for produzido no Brasil e 1 dólar e meio
por barril que for refinado.
As divisas agora necessárias terão, possivelmente, no presente exercício, a seguinte
aplicação da Petrobrás:
US$ Desenvolvimento na área do Recôncavo ................................................................... K.(X)0,000
Pesquisa e exploração fora da área do Recôncavo, incluindo a Amazônia ........................ 13.000,000
Construção de novas refinarias (uma a ser instalada no Rio de Janeiro e outra no Nordeste
............................................................................................................................................. 20,000,000
A produção atual (extração efetiva) do Recôncavo é de 6.000 barris diários, a produção
potencial dos poços ó de cerca de 16.000 barris e a produção potencial dos campos de 20.000 barris
diários.
3 - Com relação à descoberta de Nova ( )linda, que enche a Nação de tantas esperanças,
convém observar que o óleo foi encontrado a mais de 2.700 metros de profundidade, em arenito
com 18 metros de espessura, havendo entretanto, outros arenitos mais profundos e muito mais
espessos e que poderão encerrar reservas de óleo muito maiores. E se considerarmos que, em Nova
Olinda, os indícios de óleo foram freqüentes a partir de 900 metros de profundidade, será essa uma
indicação da presença do petróleo em parte considerável da coluna sedimentar. Informam os
técnicos que existem na Amazônia todas as características de sedimentação favoráveis à formação e
à acumulação do óleo em grande escala, devendo-se ressaltar a acessibilidade da região a
petroleiros, o que faz presumir que, dentro de tempo relativamente breve, as refinarias nacionais
possam estar utilizando o óleo da Amazônia.
4 - Quando, com a descoberta do petróleo no Amazonas, se abrem perspectivas tão
promissoras e tão animadoras para a nossa emancipação em matéria de combustíveis líquidos, seria
de todo contra-indicada qualquer alteração na lei que instituiu o monopólio estatal da exploração
petrolífera. Agora, mais do que nunca, os aspectos econômicos e políticos do problema aconselham
a manutenção desse monopólio. Não é essa propriamente, como muitas vezes se tem dito, uma
atitude contra o capital estrangeiro que, nos termos do projeto, poderia vir a aplicar-se à exploração
petrolífera através de empresas organizadas no Brasil. Não é tampouco uma atitude contra o capital
privado, que tem, em nosso País, outras e amplas possibilidades e oportunidades de inversão e de
lucro. Trata-se apenas do cumprimento do princípio fundamental, que está inscrito na ciência de
nosso povo de que as riquezas básicas do País, em particular o petróleo, devem ser explorados
exclusivamente em benefício da coletividade nacional e não com o objetivo de proporcionar
dividendos ao capital privado, nacional, estrangeiro ou internacional.
Os que defendem a tese da participação do capital estrangeiro, que poderia verificar-se
através de empresas organizadas no Brasil, invocam o exemplo de outras nações, citando-se países
extremamente débeis - como certos países sul-americanos e os países do Oriente Médio - e países
extremamente fortes, como o Canadá e os Estados Unidos. Mas, como tivemos a oportunidades de
dizer em parecer anterior sobre o mesmo tema, o Brasil não deve aderir a essa tese porque “nem é
tão forte para despreocupar-se das conseqüências dessa exploração, nem é tão débil para que dela
necessite”.
5 - Pondo agora de lado essas considerações de caráter geral e entrando propriamente no
exame do projeto, cumpre fazer as seguintes observações:
a) Prescreve-se no art. 2o que a União exercerá o monopólio da exploração petrolífera por
meio do Conselho Nacional do Petróleo, por meio da Petrobrás e subsidiárias e por concessões
dadas pelo Poder Executivo a nacionais e companhias brasileiras organizadas de acordo com a lei.
A parte final dessa proposição é equívoca. Há a legislação brasileira que regula a constituição de
companhias, matéria do direito mercantil, e há a legislação brasileira anterior à Lei n° 2.004, que
estabelecia as condições que deviam satisfazer essas empresas privadas para poderem dedicar-se à
exploração petrolífera. Com a instituição do monopólio, essa legislação tomou-se praticamente
caduca. Poder-se-ia, portanto, pretender agora que as expressões do projeto “companhias brasileiras
organizadas de acordo com a lei” querem referir-se ao regime jurídico comum de constituição das
empresas. Nessas condições poderiam ter a participação inclusive de acionistas estrangeiros, desde
que organizada no Brasil e tendo aqui sua sede, condição suficiente para serem brasileiras.
Mas, tomar-se-ia temerário, em matéria de petróleo, tentar por essa forma, abrir as portas
aos trustes internacionais. O capital estrangeiro e o capital privado em geral, são guiados
exclusivamente por intuitos lucrativos. Esse é o objetivo a que tudo se deve submeter. A exploração
dos recursos básicos de uma nação não pode, porém, ficar sujeita a esse condicionamento.
Além disso, como freqüentes vezes se tem acentuado, e acaba de frisar o eminente Senador
Juracy Magalhães, é pouco provável que as empresas petrolíferas internacionais tenham
efetivamente interesse em descobrir novas fontes de óleo em nosso País, para uma exploração
imediata, desde que há excesso potencial de 2 milhões diários de óleo no mundo. As reservas do
Oriente Médio, por exemplo, são estimadas em mais de 50% das reservas mundiais, enquanto a
produção é inferior a 20% da produção mundial. O problema da exploração petrolífera nacional é
um problema nosso e não dos trustes internacionais. Precisamos explorar imediatamente o nosso
petróleo o que pode não estar nos desígnios das empresas internacionais.
b) O art. 2° do projeto pretende restringir a pesquisa e a lavra da Petrobrás, sem limitação
de área, ao Recôncavo Baiano. Nos demais pontos do território nacional, segundo estatui o mesmo
artigo, a pesquisa e lavra a serem realizadas pela Petrobrás, somente poderiam operar-se numa área
formada por um raio de 22 quilômetros, tendo como centro o poço pioneiro de produção comercial
que tivesse sido perfurado antes da data da conversão do projeto em lei.
Esse dispositivo tinha a pretensão evidente de excluir a Petrobrás da pesquisa e lavra, fora
da área do Recôncavo, pois por ocasião da apresentação do projeto, ainda não se manifestara o
petróleo em Nova Olinda.
Aliás, no inciso III do art. 2º se declara expressamente que cada concessionário, com
exclusão da Petrobrás, terá a permissão de pesquisar uma área máxima de 600.000 hectares, etc.
Na situação atual, de acordo com o projeto, à Petrobrás ficaria, portanto reservada a área
do Recôncavo e mais outra área de forma circular, tendo como centro o poço pioneiro de Nova
Olinda e um raio de 22 quilômetros. Esse círculo teria pouco mais de 150.000 hectares, isto é, a
quarta parte da área pesquisável e explorável pelas empresas privadas que houvessem obtido
concessão.
Esse critério é evidentemente arbitrário e profundamente injustificável, pois a Petrobrás
seria excluída de áreas onde está promovendo sondagens, como Alter-do-Chão no Pará, Riachão, no
Maranhão, Jacarezinho, no Paraná, e na região nordeste do Recôncavo. Seria igualmente varrida das
áreas que foram objeto de pesquisas geológicas e geofísicas e nas quais foram investidos, pelo
Conselho Nacional do Petróleo e pela Petrobrás centenas de milhões de cruzeiros. Todas essas
áreas, segundo o projeto, seriam passíveis de concessão a terceiros sem qualquer indenização ou
compensação ao trabalho progresso das entidades estatais. E, tomando como exemplo o campo de
Nova Olinda, poderia vir ele, em parte, a ser objeto de concessão, a qualquer empresa, desde que
não se conhecessem ainda as suas limitações e o poço pioneiro poderia ser excêntrico em relação à
configuração do campo, tomando-se assim a área de reserva da Petrobrás não coincidente com a
superfície real do campo.
Além disso, a Petrobrás ficaria excluída, da exploração de três estruturas já delineadas,
duas nas margens do rio Abacaxi e uma no Ariri, que ficariam fora do círculo em questão embora
situados na mesma bacia sedimentar.
Nessas condições, o CNP e a Petrobrás teriam investido dezenas de milhões em pesquisas
geológicas, geofísicas e de perfuração para conceder a expressão de estruturas petrolíferas de mão
beijada, a outras empresas.
O projeto em exame representa, portanto, a completa inversão do sistema instituída pela
Lei n° 2.004. Nesta, é a Petrobrás a única e absoluta empresa exploradora, porque está investida do
monopólio da exploração petrolífera em todo o território nacional. No projeto, a Petrobrás, empresa
estatal, está em situação inferior às empresas privadas, dadas as limitações que lhes são impostas.
Trata-se, portanto, de um sistema contrário aos interesses nacionais e que ofenderia, além disso, as
convicções e os sentimentos do povo brasileiro que reclama, em sua grande maioria, a
nacionalização integral da exploração petrolífera.
Por todas essas razões e ainda outras que foram desenvolvidas por ocasião da discussão do
projeto da Petrobrás e que aqui se omitem para brevidade da exposição, a Comissão de Finanças
opina pela não-aprovação do projeto.