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O SÉCULO DE MICHELS: COMPETIÇÃO

OLIGOPÓLICA, lÓGICA AUTORITÁRIA E


TRANSIÇÃO NA AMÉRICA LATINA*
Wonderley Guilherme dos Santos
doxalmente e em parte pelo êxito dos pe-
INTROOUÇAO ríodos autoritários anteriores, pois foi jus-
tamente com Peron, na Argentina, com Ge-
Existe uma diferença crucial entre as
túlio Vargas e o traballiismo, no Brasil, e
recentes experiências autoritárias latino-
com Odria, no Peru, que o operariado des-
americanas e aquelas vivenciadas durante as
ses três países foi reconhecido como ator
décadas de 40 e 50, a saber, o mais absolu-
político legítimo e, ainda que sob distintas
to fracasso das mais recentes na criaçfi:o,
formas, incorporado à sociedade política
quer de instituições, quer de um suporte
nacional.
social estável a uma liderança carismática
ou a um partido, ainda que personalista. O legado dos autoritarismos do passa·
Se este resultado nlro surpreende em rela- do inviabilizou o programa político dos au-
ção aos autoritarismos francamente reacio- toritarismos reacionários de hoje - Chile
nários como no Chile e na Argentina-, e Argentina - na exata medida em que es-
é pelo menos intrigante que o autoritaris- tes defmiram como principal inimigo de
mo comprometido com a modemizaçio e suas metas econômicas os segmentos sociais
o engrandecimento nacionais, como no precedentemente organizados e incorpora-
Brasil, assim como o autoritarismo também dos. No Brasil, a promessa de benefícios no
modemizante e antioligárquico peruano, médio prazo nlro foi suficiente para obter a
nada tenham produzido política e social- esperada transferência de lealdade política.
mente comparável ao peronismo argentino, No Peru, nem mesmo os ganhos imediatos
ao getulismo e traballiismo brasileiros, e ao do operariado já organizado e dos segmen-
próprio odriismo peruano. E isto apesar do tos marginalizados das periferias utbanas
relativô êxito de seus programas economi- foram suficientes para abalar as lealdades já
camente modernizadores. ~ provável que o estabelecidas com Odria, o Aprismo e o
fracasso contemporâneo se explique para- Partido Comunista. "'

* Trabalho apresentado na terceira reuniro do projeto sobre Partidos Políticos e Democracia no


Cone Sul, patrocinado pelo Joint Comrnittee on Latin American Studies, do Social Science Re-
search Council, e pelo American Council of I.eamed Societies, Punta del Este, 24-26 de abril de
1985. Será publicado na Argentina, juntamente com os demais textos apresentados no seminá·
rio.

dados- Reviafll de Ciências Sociais, Rio de ,Janeiro, vol. 28, n'l 3, 1985, pp. 283 a 310
os partidos políticos latino-americanos vir são um instrumento, ou a,gência, para re-
Creio que é a·evidência deste fracasso ra como se entende a transiçífo latino-ame-
a desempenhar o mesmo crucial papel na presentar o povo expressando suas deman-
político, bem mais do que os impasses e di- ricana, isto é, em todas elas a hipótese de
constituição de uma pó/is não-autoritária. das". 4 Mais ou menos à mesma época,
ficuldades econômicas do Brasil, Argentina uma transiçífo para o passado parece re-
Para este efeito, discutirei na seçífo II o Leon Epstein afirmava que "A caracterís-
e Chile, que inspiram a formulaçífo de cená- mota e também não é de se supor que per-
significado dos partidos políticos enquanto tica crucial que define [os partidos1é o for-
rios otimistas quanto ao médio prazo des- maneçam congeladas em suas estruturas
instituição democrática, na seçífo III a lógi- necimento de legendas para candidatos em
ses países. A poucos analistas parece plau- atuais. Concretamente, porém, as virtuali·
ca do autoritarismo e as condições para busca de cargos públicos eletivos". 5
sível que a escalada ou reintensificação da dades da transiçífo soviética são segura-
uma transição negociada e, fmalmente, na Em realidade, Sigmund Neuman já
coerção seja resposta política adequada pa- mente distintas das virtualidades dinamar-
seçífo IV, a posição dos partidos na fase estabelecera, cerca de 20 anos antes, o qua-
ra criar as condições que permitiriam so- quesas ou hondurenhas. 2
transicional e pós-autoritária. dro conceituai em que se moveriam as aná-
lucionar os problemas econômicos, já que A dramaticidade do problema transi- lises posteriores. Embora longas, valem as
foi justamente esta a justificativa ideológi· cional latino-americano decorre, pois, da 11 duas citações seguintes: "Para resumir: po-
ca para a instauração dos autoritarismos re- impossibilidade de se deduzir logicamente OS PARTIDOS POLfTICOS ENQUANTO demos deftnir o 'partido político' em geral
centes. Pretender que maior coação é re- do conceito de transição qualquer critério INSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA como a organizaçífo articulada dos atores
médio eficaz para superar dificuldades eco- que esclareça o sentido ou sentidos prová- políticos atuantes na sociedade, aqueles
A vasta maioria dos estudos sobre
nômicas geradas durante o próprio autori- veis da própria transição. Mas o mesmo empenhados no controle do poder gover-
partidos políticos comparte, pelo menos,
ta,rismo pode ser tese atraente para alguma apelo ao concreto sugere que a mudança três características: a) consideram os parti- namental e que competem pelo apoio po-
facçífo mais primitiva, mas não seria fácil em curso na América Latina almeja a supe- dos instituições para selecionar pessoas, pular com outro grupo ou grupos que de-
tomá-la persuasiva para todos os grupos da ração do autoritarismo, muito embora se- fendem visões divergentes. Como tal, é o
através de eleições, que devemo ocupar
coalizão autoritária. 1 jam ainda obscuros os atributos do sistema postos governamentais; b) que, ao assim grande intermediário que estabelece o elo
O sentimento difuso de que o retor- político que se imagina venha a ser instau- proceder, desempenham o papel central de entre as forças sociais e ideologias e as ins-
no completo a formas sanguinárias de re- rado pelo atual processo. Ainda assim. e expressar e representar demandas e segmen- tituições governamentais oficiais, relacio-
pressão parece pouco provável - a menos tomando como ponto de referência alguns tos da populaçífo; c) que tal papel resul- nando-as à ação política dentro da comuni-
que se conceba simultaneamente a possi- atnbutos de sistemas não-autoritários con- tou historicamente do múltiplo processo de dade política mais ampla." 6 Quanto ao
bilidade de deflagraçífo de guerras civis de temporâneos, ima,gina-se também que os industrialização, urbanizaçífo, extensão do quando e porquê tal se dá, afirmava:
proporções inima,gináveis - contribui para sistemas políticos em gestaçífo na América "Quando a representaçífo política se amplia
sufrágio e nacionalização da disputa políti-
solidificar a idéia de que o autoritarismo Latina reafirmarão algumas das conquis- ca. Assim, por exemplo, defme Sartori: e um fórum nacional de debates se desen-
latino-americano encontra-se em transição. tas civilizatórias do liberalismo clássico, volve, oferecendo uma oportunidade cons-
"Um partido é qualquer grupo político que
Contudo, não basta saber que o retomo a fundamentalmente as hberdades de expres- tante para a participação política - onde
participa de eleições e é capaz de eleger
formas políticas do passado, áinda que são, organizaçífo e participação políticas. ti
candidatos a cargos públicos." 3 E os par· quer que tais condições sejam preenchidas,
próximo, seja quase impossível, ou que a neste contexto que a pergunta sobre o pa- os partidos políticos surgem." 7 Tais con-
tidos são assim defmidos porque "Partidos
manutenção do status quo é também insus- pel a ser representado pelos partidos polí- dições são preenchidas, explicarão La Pa-
são canais de expresslfo. Ou seja, os parti-
tentável, para que se vislumbre, simples- ticos no processo de transição adquire im· lombara e Weiner, e mais tarde Epstein, à
dos pertencem, em primeiro lugar e antes
mente por contraposiçífo, uma idéia mais portância singular pois, historicamente, is- medida que se dá a expansão do sufrá-
de mais nada, aos meios de representaça:o:
ou menos clara do estágio a que se chega- to é, na história das atuais poliarquias, os
rá subseqüentemente. Em abstrato, todas partidos se converteram na mais bem-suce-
as sociedades contemporâneas encontram- dida instituiça:o capaz de expressar, organi- G. Sartori, Parties and Party Systems: A Framework for Analysis, vol. I, Cantbridge, Cambridge
se em transição. E transição que pode ser zar e efetivar a participaçífo política. Se as- University Press, 1976, p. 64.
entendida, formalmente, da mesma rnan.ei- sim é, cabe inda,gar em que medida podem 4
ldem,p.27.
Leon Epstein, "Politicai Parties", in Fred Greenstein e Nelson Polsby, eds., Handbook of Poli-
Discuti a dinâmica da desa.gregaçâ'o do autoritarismo em "Autoritarismo e Após: Conwrgên- ticai Science, vol. 4, JVongovemmental Politics, Mass., Addison-Wesley, 1975, p. 230.
cias e Divergências entre Bmsü e Chile", Dados, voL 25, n. 2, 1982, pp. 151·165. Retomarei o 6
Sigmund Neuman, "Toward a Comparative Study of Politicai Parties", in S. Neuman, ed.,Mo-
ponto na seção IL dern Politicai Parties, Chicago, The University of Chicago Press, 1956, p. 396.
2
Ver, a propósito, a literatura recente sobre a transição pós-industrial a que estariam submetidas 7
Idem, p. 395.
as sociedades avançadas contemporâneas.

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gio, resultado da industrialização e da ur- significa dizer, pela ampliação da própria res será o de como restabelecer politica- variados e a perspectiva nacional ou, se
banização. 8 pó/is. Ambos os processos, segundo Pizzor- mente as desigualdades da sociedade (estra- são instrumentos passivos dos interesses
Embora a descriçiio dos estudos cita- no, decorreram de pressões de massa pela tégia dos grupos social e economicamente locais, a integração entre os micro-demos e
dos corresponda à parte da empiria históri- ampliação dos direitos políticos e das ten- dominantes) ou como, através da política, a macro-pólis será mais problemática. 11
ca das atuais poliarquias, também é certo tativas da burguesia para aliar-se aos novos se retificar!io essas desigualdades ( estraté-
que outros fenômenos de igual significação segmentos populares visando fortalecer-se. Simultaneamente à nacionalização da
gia popular). Nesta disputa, entretanto, os
têm sido descurados nas análises conven- A ampliação da pó/is se faz, pois, du- política processa-se, com temporalidade di-
partidos políticos, como parte das institui-
cionais. Em acrescimo, a nlo-inclusiio de plamente: de um lado, pelo movimento de ferente, a renacionalização da economia,
~s da nova pólis, não apenas expressa-
algumas perguntas na agenda relativa aos fazer coincidir a sociedade política com a mediante a introdução das relações mercan-
vam interesses, mas contribuíam eles pró-
partidos políticos impede que se obtenha sociedade strlctu sensu, derrubando- se as tis-capitalistas no universo econômico anti-
prios para dar forma ao novo demos - ofe-
melhor compreensiio até mesmo da parte barreiras à participação política; de outro, go. ~ também, e particularmente neste as-
recendo alternativas inéditas de estratifica-
empírica revelada pelas investigações já fei- pelo movimento de incorporar à pólis, isto pecto, que os partidos, ou protopartidos,
çiio e clivagens sociais em tomo de identi-
tas. As mais importantes delas, e a partir é, à sociedade política organizada sob con- desempenham papel constitutivo do novo
dades coletivas novas- e à p6lis, ao reco-
das quais outras decorrerão, consistem trole do demos, número cada vez maior de demos. Ao mencionar a reorganizaçiio do
locar o problema de como conectar institu-
seguramente nas seguintes: por que em de- funções do governo, que deixavam, deste demos estou sublinhando o processo de re-
cionalmente a sociedade à política. 10
terminado momento da História de algu- modo, de ser monopólio adscrito dos bem- estruturação da ordem econõmica e da or-
O impacto da nacionalização da po-
mas naçt.les européias a participação polí- sucedidos, dos delegados do rei ou dos no- dem social. ~ a sociedade de mercado, com
lítica, via partidos e extensiio.do sufrágio,
tica aparece como problema? Como e por táveis em geral, e passavam a fazer parte suas mediações econômicas e suas estrutu-
terá conseqüências distintas para a nova pó-
que os partidos polfticos surgem como so- dos objetos de competição. ~ este processo ras sociais, que busca instaurar-se em subs-
/is, dependendo do timing da nacionaliza- tituiçiio à ordem patriarcal anterior.
lução para o problema da participação simultâneo de expando burguesa e dos as- ção partidária em relação à nacionalização
política? salariados que nacionaliza a competição de outras instituiçt.les, por exemplo, a buro- Se para a constituição da nova p6lis
Resposta parcial à primeira pergunta política, ao mesmo tempo em que se viio cracia e o exército, e também das relações foi crucial o rompimento da simetria entre
foi dada por Pizzorno ao afumar arguta- delineando as instituições que exprimiriam que se estabeleçam entre o centro e os po- posição social e posição política, a reestru-
mente que a participação política surge as novas fonnas de conflito. deres locais. No que diz respeito à inte- turaçiio do demos se toma imperativa pela
como problema quando se rompe a corre- Para além do diagnóstico de Pizzor-
gração do novo demos e da nova pólis os desagregação do discurso polítíco-econõ-
lação entre posição social e posiçiio polí- no, portanto, percebe-se que a assimetria
partidos podem favorecer formas distintas mico que prevalece ainda até fins do século
tica, isto é, quando o lugar de alguém na entre posição social e posiçiio política, com
de integraçiio - por exemplo, criando iden- XVlll, e a disseminação da idéia de que
pólis deixa de estar automaticamente as- as conseqüências empíricas assinaladas, in· tidades sociais homogêneas, se conseguem existia um sistema econômíco natural, cujo
segurado pelo lugm: que esse mesmo al- dica que o processo crucial em
curso é a
estabelecer ftltros entre os interesses locais funcionamento, liberto dos entraves das re-
guém ocupa no demos. 9 A partir de então substituição de um demos, e de uma pó/is a
as posições no sistema político passaram a este ajustada, por outro demos, caracteri-
ser objeto de disputa, de competição, niio zado por novos atores, e por outra pó/is,
estando mais garantido que a pó/is seria a cujos atributos e instituições estio ainda
projeção do demos. Simultaneamente, de- em gestação. Uma vez questionada a sime-
10 A reestruturação do demoli, na realidade européia, faz surgir uma série de conflitos novos, pro-
flagra-se o processo de demandas pelo au- tria entre a ordem social e a ordem políti-
duzindo realinhamentos sociais e politicos ao longo de várias linhas de clivagens- funcionais, ter-
mento do número de cargos eletivos, o que ca, o problema institucional dos novos ato-
ritoriais, étnicas, religiosas - que, ao mesmo tempo, criam obstáculos à extensão do sufrágio e
fazem com que a nacionalização da política e a cristalização dos conflitos variem em tempo e
natureza de país para país. Ver S. Lipset e S. Rokkan, "Qeavage Structures, Party Systems, and
8 J. La Palombara e M. Weiner, "The Origins and Dewlopment of Politicai Parties", in J. LaPa- Voter Alignments: An Introduction", in S. Lipset e S. Rokkan, eds., Party Systemr and Voter
lombara e M. Weiner, Politicai Parties and Politicai Development, Princeton, Princeton Univer- Aügnmmts: Cross-National Perlf[Jectivea, Nova York, The Free Press, 1967; S. Rokkan, "The
sity Press, 1966. Comparative Study ofPolitical Participation; Notes Toward a Perspective on Current Research",
9
Alessandro Pizzorno, "Introducción al Estudio de la Participación Política", in A. Pizzorno, M. in Austin Rumney, EtflllYil on the Behavforal Study of Politics.
Kaplan e M. CasteUs, Partfcipacf6n y Cambio Socúzl en la Problematfca<:ontemponmea, Buenos 11
Ver Hans Daalder, "Parties, Elites, and Politicai Development in Westem Europe", in La Palom-
Aires, S.I.A.P., 1976 (versão original em italiano publicada em QUIIderni di SodologiQ, nl!ll 3/4, bara e Weiner, eds., Politicai Partles • .• , op. cit.; S. Rokkan, "Electoral Mobilization, Party
1966). A oontraposiç«o entre pólifl e demos nlo pertence, porém, ao texto de Pizzomo. Competition, and National Integration", in idem.

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lações sociais pré- capitalistas, se manifes- continuaram a aparecer, competindo, no bership limitada e de mandato imperativo. sivo ao escopo da pólis, partidariamente es-
taria no mercado. 12 demos, tal como os partidos competiam na Comparados às demais propostas institu- truturada, os partidos, detendo o oligopó-
A formulação conceituai da estrutura pólis.. 16 cionais de organização da pólis, os partidos lio da representação, iniciam o apogeu que
do novo demos e mais ainda sua corpori- A dinâmica de construção da ordem ofereciam uma dupla novidade: de um la- iria perdurar até a segunda metade deste
ficação aproximada em uma dada ordem social que viria a desaguar nas modernas do, como apontou .Pizzomo, a de oferecer século. Mas é também durante esse período
empírica - tomou alguns séculos e não se poliarquias implicou, portanto, quatro pro- uma alternativa de ação coletiva com base que uma alteração crucial ocorrerá no in-
fez facilmente. Não foi com os fisiocratas, cessos simultâneos e interligados: 1) o alar- na solidariedade, criando urna arena de terior dos próprios partidos, subvertendo as
os quais, por assim dizer, inventaram o gamento da pólis, enquanto sociedade polí- igualdade de participação entre todos os relações entre representantes e representa-
conceito de "sistema econômico", e para tica, para fazê-la coirl'cidir com o demos; 2) membros da otganização; de outro, através dos. Se, simbolicamente, pode-se dizer que
os quais o bom funcionamento do "siste.. o alargamento da pólis, enquanto sistema do conceito de mandato virtual, a de atri- 1850-1950 foi o século dos partidos e dos
mà", enquanto natural, ainda demandava de instituições, para fazê-la coincidir com buir universalidade à representação. A par- mercados, também, com segurança, pode-
a interveniência do poder político. 13 Tam- todo o governo; 3) a reestruturação do de- ticipação política poderia ser identificada se afirmar que foi o século de Michels e
bém ruro foi A. Smith o grande visionário mos de acordo com o processo de divisa:o ou efetivada exaustivamente através da re- de Ricardd-Marx.
da estrutura do novo demos, embora para social do trabalho guiado pela dinâmica ca- presentação, dada a virtualidade ou univer- Todo modelo de funcionamento de
isso houvesse contribuído ponderavelmen- pitalista; 4) a reestruturação do demos de salidade do mandato. uma ordem social dada implica certa sim-
te, conforme concordam Tnbe e Schumpe.. acordo com os tipos de interação entre o Foi só em meados do século XIX plificação e certo grau de idealização do
ter. 14 Tal como a constituição da nova pó- centro, as periferias e os diversos atores so- que, concomitantemente ou quase, os prin- que efetivamente se passa na empiria. Por
lis, difícil, também longa e experimental ciais. Crucial no período é que, assim co- cípios da livre competição no mercado im- isso, indico com cautela que a descrição a
foi a reestruturação do demos pois, segun- mo os princípios da nova ordem econômi- puseram hegemonicamente os parâmetros seguir do século de Michels e de Ricardo-
do Dobb, "o que pode ser afirmado com ca, consubstanciados no mercado livre, coe- da dinâmica econômica e os partidos polí- Marx, ou. alternativamente, o século de
certeza é que, até 1817, o ano dos Princí- xistiram e competiram durante latgo prazo ticos adquiriram a supremacia como insti- nascimento e apogeu dos partidos políticos
pios de Ricardo, nada havia que pudesse com princípios da velha ordem ou que se tuições aptas a expressar, organizar e efeti- e dos mercados competitivos, representa
ser chamado um sistema teórico unificado ofereciam como alternativa para substituir var a participação política. A partir de en- apenas um ponto de referência que permi-
de economia política, mesmo como esboço a velha ordem, da mesma maneira, entre os tão, o problema da participação política te, espero, acompanhar a trajetória de um
preliminar". 15 séculos XVII e XIX, os partidos políticos confina-se ao problema da representação, período de relativa integração de uma or-
O surgimento de uma nova concepção também nã'o foram as únicas instituições detendo os partidos o duopólio ou oligo- dem social específica e ao mesmo tempo
da estrutura do demos nã'o foi, todavia, que se propunham a expressar, organizar e pólio da oferta dessa representação. visualizar a geração dos fenômenos que a
suficiente para que ele efetivamente se efetivar a participação política. Ao contrá- Obtida a situação de oligopólio de iriam tomar problemática no mundo con·
reotganizasse segundo tal concepção. Ou- rio, competiam os partidos políticos com fato, senãó de jure, modificam-se as inte- temporâneo.
tras concepções, tanto quanto práticas dis- as velhas e novas guildas, os clubes secre- rações entre as instituições da pó/is e o de- Aproximadamente a partir de mea-
tintas das previstas pela ordem do mercado, tos, as associações profissionais de mem- mos. Em particular, no que diz respeito a dos do século passado, a ordem liberal clás-
representados e representantes inicia-se o sica poderia ser descrita como tendo resol-
12 Discuti extensamente esse problema em "Os Limites do Laissez-Faire e os Princípios do Gover- processo assim descrito por Beer: "Em seu vido os problemas da agenda pública desde
no", Iupelj, Série Estudos, n. 14, março de 1983, onde a literatura contemporânea sobre esse gabinete em um dos clubes, o Whip recebia o século XVI, e que, uma vez resolvidos
debate é largamente citada e comentada. pedidos de candidatos a candidato em bus- tais problemas, a ordem aparecia precisa-
13 Ver Elizabeth Fox-Genovese, The Origins o[ Physiocrocy Economic Revolution and Social ca de bases eleitorais e de bases eleitorais mente como ordem, porque: a) a economia
Order tn Eighteenth·Century France, Nova York, Cornell University Press, 1976. em busca de candidatos." 17 Esta descri- fora instituída como um sistema tiío pró-
14 Ver, além de W. G. dos Santos, "Os Limites do Laissez-Faire .. • ", op. cit., Keith Tribe, Land, ção identifica o momento em que, dado o ximo do natural quanto possível, cuja in-
Labour and Economic Digcoune, Londres, Routledge & Kegan Paul, 1978, partic. caps. 5 e 6; contexto em que o escopo da participação tegração e dinâmica pareciam obedecer a
Joseph Schumpeter, History o[ Economic Analysis, Londres, George Allen & Unwln, 1961, é coextensivo ao escopo da representação, princípios racionais embora transcendentes
p. 186 (a primeira edição é de 1954).
e em que o escopo do governo é coexten- aos desígnios humanos; b) concomitante..
15 Maurice Dobb, Theorles o[ Values and Distrlbution Since Adam Smith, Cambridge, Cambridge
University Press, 1973, p. 66. 17 Samuel H. Beer, "Great Britain: From Governing Elite to Organized Mass Parties", in Neuman,
16 Idem, cap. 4, "The Reaction Agalnst Ricardo". ed., Modern Politicai •• • , op. cit., p. 13.

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mente, o sistema polltico também se auto- quanto ao caráter democrático da represen- meu conhecimento, tenha sido persuasiva- fontes de geraçãQ de identidades coletivas
nomizara em relação ao universo económi- tação política como solução institucional mente refutada. Creio que nã'o foi refutada que escapam ao controle do oligopólio
co e, em especial, em relação ao conglo- ao problema da participação organizada do simplesmente porque nlio o poderia ser en- partidário. É o próprio processo de divisão
merado de microrrelações - cujo agregado demos napólis surgiram. quanto a representação política, via sistema social do trabalho, associado à mutaç!io
compunha o desde entlo chamado siste- Uma vez criada com base na igualda- partidário, esgotasse o problema da partici- ética em ·curso no mundo contemporâneo,
ma social (a distinção é importante porque, de de participação de seus membros, a or- pação politica. E a equação "representação que se encarrega de multiplicar acelerada-
em atenção ao diagnóstico de Maquiavel, as ganização política, diz Michels, começa a política igual a participação política" não mente o número de novos e inesperados
microtransações sociais são permeadas por multiplicar os flns para os quais foi criada, pOdia ser desaflada enquanto outras carac- segmentos do demos e, em conseqüência,
valores e sentimentos, enquanto as relações e que escapam à compreensão e objetivos terísticas do século de Michels nlio perdes- gerar a explos!o de demandas que tanto as-
políticas de dominação e controle s!io emo- dos membros individuais do partido. Em sem igualmente vigência. Hoje, é toda uma susta os teóricos da "decadência política"
cionalmente estéreis e eticamente neutras, seqüência, uma divisão de trabalho, talco- ordem estruturada segundo urna certa pó/is ou da "nio govemabilidade das democra·
isto é, são. institucionalizadas); ~o gover- mo ocorre externamente na sociedade e na que está sendo desafiada. É por aí que po- cias". Em realidade, o que está em processo
no, quer dizer, o exercício efet1vo de po- economia, começa a processar-se também demos começar a entender o núcleo de ver- é a revelação da quebra do oligopólio da
der, se fazia de acordo com as regras estru- em seu interior. Surgem os especialistas na:o dade do problema de Michels, ao mesmo representação partidária como forma exclu-
turadas da pólis, isto é, segundo o conjun- só da política como da administraçlio da tempo em que somos obrigados a repensar siva de participação política. A lei de ferro
to de normas que regiam as relações entre própria organização partidária e uma es- o problema das relações entre o demos e a das oligarquias foi e é verdadeira em con-
as diversas instituições que expressavam a tratificação inevitável em termos de conhe- pólis ou, em outras palavras, o problema textos nos quais o oligopólio da oferta de
sociedade política. O governo, pois, era cimento, habilidade e objetivos se estabe- moderno da participação política e o papel participação puder ser mantido pelo siste·
coextensivo à pólis, inexistindo qualquer lece entre a liderança dos partidos e seus dos partidos em uma transição poliárqui· ma partidário de representação. Contudo,
área de poder sobre o público que nlio es- membros comuns. A igualdade inicial que ca.zo em contextos nos quais o processo econõ-
tivesse sob controle da pó/is, quer direta- servira de cimento à constituição daquele O primeiro processo em curso diz res- mico-social tenha rompido a capacidade
mente através da manifestação da pólis - ator coletivo tende a ser subvertida pela li- peito ao descolamento que se repete entre partidária de produzir identidades, o
em sua face de sociedade política, via elei- derança institucionalizada. Mesmo Pizzor- governo e pólis, isto é, entre governo e so- descolamento entre representação e par-
ções -, quer indiretamente mediante a fis- no, que propõe a solidariedade igualitária ciedade política estruturada. Em qualquer ticipação se fará inapelavelmente claro
calização da pólis em sua face instituciona- irricial como explicação suficiente para a governo contemporâneo é crescente o nú- e as pressões do demos para participar
lizada, isto é, partidos interagindo em par- constituição da açlio coletiva, subscreve o mero de postos que não são preenchidos através e além do sistema de representação
lamentos; d) a pólis, a sociedade política, diagnóstico de Michels. Em suas ptóprias por via eleitoral, ou por indicação partidá- se farão cada vez maiores.
se tomou gradativamente coextensiva ao palavras, "urna lei tendencial das organiza- ria, e nem mesmo são sujeitos ao controle Não se trata pois de um problema de
demos; e) a participação do demos na pólis ções políticas é a reduçã'o progressiva das da pólis. A captura de funções políticas, "nãO governabilidade das democracias", co-
se fazia pela mediação do sistema partidá- áreas de igualdade inicial sobre as quais se públicas, por tecnocracias que n!o são res- mo querem Huntington e outros, nem de
rio que expressava, organizava e represen- havia baseado a participaçlio, com o con- ponsáveis perante ninguém é fenômeno re- decadência institucional generalizada,
tava o demos. Quer dizer, nenhuma outra seqüente declínio desta última" . 19 conhecido e cuja análise já compõe enorme como quer Olson, por exemplo, mas de de-
forma de participação na pólis se fazia au- A lei de ferro das oligarquias de Mi- literatura. cadência do oligopólio da oferta de repre-
delà da estrutura de representação institu- chels é um dos fantasmas que rondam a O segundo processo em curso é cons- sentação e sua conversilo em ba"eiras à
cionalizada nos sistemas partid.ários. 18 Foi teoria democrática, ou poliárquica, con- tituído pela multiplicação rápida de novas participação política. 21 A implicação rele-
neste contexto que as suspeitas de Michels temporânea sem que, tanto quanto é de

O que implica, desde logo, que a "recupemçã'o" dos sistemas partidários não depende apenas de
18 uma refonna interna aos sistemas ou aos partidos como propõem vários analistas. Ver, para boa
Claro está que à medida que a pólia se tornava coextensiva ao demos, os homens de negócios análise do problema da não-governabilldade das democracias, cometendo entretanto o equívoco
se organizavam para interferir no governo, fora do controle da pólis institucionalizada. Ver mencionado inicialmente, Gianfranco Pasquino, Crisis dei Partiti e Govemabattá, Bolonha, II
Rokkan, "The Comparative Study", ln Neuman, Modem Politicai •.. , op. cit. Data daí a con- Mulino, 1980, particularmente caps. III e IV.
cepção de participação política que praticamente a coníma aos mecanismos de representação 21
plus ação via grupos de pressão ou grupos de interesse. Não estou me referindo à linha de análise dos ciclos polftico-eoonômicos, cujo exemplar recen-
te mais brilhante encontm-se em Edward Tufte, Politicai Contrai o[the Economy, Prinreton,
19 Princeton University Press, 1978. Ponderada resenha crítica da litemtura ao longo dessa linha
Pizzorno, "Introducción al Estudio .•. ", op. cit., p. 45.

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vante deste entendimento da problemática tícipação e de redistribuição-, nã'o há dú- diminuição das desigualdades sociais toma O equívoco mais comum a ser evita-
do Século de Michels é, creio, óbvia. A cri· vida de que essas crises se manifestam de extremamente aguda a competição pela he- do consiste em supor que o período auto-
se de participação e govemabilidade do maneira cumulativa e particularmente in- gemonia na constituição da nova pólis e do ritário representa, por assim dizer, um pa-
mWldo contemporâneo não poderá ser re- tensa em países cujos patamares de riqueza novo demos? Qual será a relação entre a rênteses histórico, e que a retomada do
solvida pela prescrição orwelliana de HWl- absoluta são ainda baixos, e cujas desigual- nova pólis e o novo demos latino-america- controle dos fios do destino se datá em cir-
tington, segundo a'qual só poderemos man- dades sociais herdadas de décadas de gover- nos? Que papel podem desempenhar os cunstâncias mais ou menos similares às
ter a democracia se a reduzirmos, isto é, nos oligárquicos são manifestamente insu- partidos nesse doloroso e certamente lon- que prevaleciam no tempo pré· autoritá-
se reprimirmos as demandas. A crise de par- portáveis. Tal é a situação dos países da go período de gestação histórica? Essas são rio. Muito embora o risco de que se cometa
ticipação só poderá ser resolvida se aceitar- América Latina que se encontram em tran- as questões que pretendo muito tentativa- este equívoco pareça insignificante - pois,
mos a obsolescência dos sistemas partidá· sição para algo além do autoritarismo. 23 mente abordar na seção IV, após discutir afinal de contas, a História não cessa de
rios enquanto oligopólios da oferta de par· Que papel podem desempenhar os partidos a lógica do autoritarismo e a:s condições de fluir -, ele é, não obstante, muito real, e
ticipação. Em outras palavras, o remédio políticos nessa transição em um momento wna transição negociada. por duas ordens de razões. Em primeiro
para os problemas da representação é alar- claramente caracterizado como pós-miche- lugar, porque não é incompatível adnútir-
gar o escopo das formas legítimas de parti- liano, isto é, quando o oligopólio partidário III se que a História é outra e, ao mesmo tem-
cipação.22 da oferta de representação não constitui po, que é a mesma coisa. Esta é justamente
A L0GICA DO AUTORITARISMO E AS a concepção de História favorita de círcu-
Embora as poliarquias tradicionais fórmula política satisfatória para o proble-
CONDIÇÕES PARA UMA TRANSIÇÃO los radicais condensada no adágio Plus
também se defrontem hoje com a reposição ma da participação e quando a cumulati-
NEGOCIADA ça change, plus c'est la même chose. Sob
de problemas que pareciam defmitivamen- vidade das crises de integração, pertenci-
te superados crises de integração, de par- mento cívico e redistribuição de riquezas e Em certo sentido, o autoritarismo sua forma sofisticada a teoria sugere que as
pode ser entendido como a fórmula mais modificações de superfície nlfo alteram os
extremada de impedir uma, duas ou to- detenninantes estruturais da sociedade ou,
encontra-se em James Douglas, "Review Article: The Overloaded Crown", British Joumal of ainda, que as mudanças observáveis só são
das as três alternativas seguintes: a) que o
Politicai Science, 6, pp. 483-505. Refiro-me particularmente ao tipo de reflexão represen-
tada por M. Crozier, S. Huntington & J. Wartanuki, The Crisi:r of Democracy, Nova York, New conflito político institucionalizado tennine perfeitamente compreensíveis quando se
York University Press, 1975, e o recente Mancur Olson, Jr., The Rise and Decline of Nations, por ajustar a estrutura da pólis à estrutura reconhece que, em essência, nada se alterou.
New Haven, Yale University Press, 1982. Em outro artigo discuto mais detidamente essa litera- do demos; b) que o mesmo conflito seja Outra circunstância que tende a favo-
tura, que envolve mais do que os partidos políticos. Ver W.G. dos Santos, "Modelos Endóge· utilizado para a contínua reestruturação recer a emergência de uma visão parentéti-
nos de Decadência Liberal", Iuperj, Série Estudos, n. 2l,janeiro de 1984. ca da História resulta da existência do pró-
do demos, seja no sentido de reduzir dis-
22
Sidney Verba, "Sequences and Development", in L. Binder, J. Coleman, J. La Palombara, L. paridades sócio-econômicas, seja no senti- prio autoritarismo. Em sua fase final qual-
Pye, S.. Verba e M. Weiner, Crisis and Consequences in Politicai Development, Princeton, Prin· do de aumentá-las; c) que ainda o mes- quer regime autoritário tende a defrontar-
Ceton University Press, 1971, discute como a superação de uma crise, no caso de participaçã"o,
nãO significa que ela nã:o vohe a ocorrer e que nã:o surjam demandas para o reconhecimento de mo conflito sirva de conduto para reestru- se com vastíssima coalizão de veto incor-
outras formas de participação. Ver o artigo citado., esp. pp. 303-4. Curioso é observar que Hun- turação da própria pólis, quer quanto ao porando a absoluta maioria dos segmentos
tington, embora reconhecendo a possibilidade de que a explosã'o de demandas se resolva pela número de atores (banimento ou, alterna- sociais. A solda que os mantém unidos é de
criação de outras formas de participação, além da forma representativa, termine por propor a tivamente, anistia a grupos políticos; ex- natureza negativa, anti, contra. Trata-se de
redução da participação. Ver S. Huntington, "Postindustrial Politics: How Benign Will It Be?", uma coalizão cuja positividade resume-se
tensão do direito de voto), quer quanto às
Comparative Politics, vol 6, n. 2, janeiro 1974, p. 175.
regras de interação na pólis (sistema de a sua negatividade, se se quiser. Afastado o
23
Deixei dehberadamente de discutir o conceito de participação para que pudesse fluir da exposi· governo; pauta de c01p.portamentos legíti- obstáculo autoritário, porém, toma-se im·
ção que, qualquer que seja o conceito, houve um tempo em que ele mfo era coextensivo à
representação plus grupos de pressão ou de interesse, e hoje certamente também já não mais o é. mos e ilegítimos) quer, finalmente, quanto possível adiar a formulação de um projeto
Entender o Século de Michels, e o que o tornou possível, pareceu-me mais atraente do que dis- aos limites permitidos de intervenção da positivo de poder, positivo propriamente
cussões semânticas que terminam por oferecer variações da defmição acima. Embora com sofis- pólis no demos. Por contraposição, transi- dito, cuja negatividade consistirá na dife-
ticação diversa e sensibilidade diferente para os problemas tratados no texto é, afmal, do con- tar do autoritarismo para wna sociedade renci~ção dos diversos setores antes indis-
ceito restrito de participaçã"o que se ocupam, entre outros, M. Weiner, "Politicai Partícipation: politicamente plural significa restabelecer tintos na coalizão de veto. Qual o referen-
Crisis of the Politicai Process", in Binder et alli, Crisis and Consequences ... , op. cit., N. Nie
e S. Verba, "Politicai Participation", in Fred Greenstein e Nelson Polsby, Handbook ... , op. institucionalmente as condições que tor- _cial de lealdade mais imediato e acessível,
cit., vol cit.; R McClosky, "Politicai Participation", in David Sills, oo.,Intemational Encyclo- nem possíveis as alternativas a, b e c acima. em tal circunstância, sentro as lealdades par-
pedia ofthe Social Sciences, vol II, Nova York, The McMillan Co., 1968. Em quais circunstâncias tal transição se dá? tidárias, ideológicas e de toda natureza do

292 293
período pré-autoritário? O impulso para fi- dições um governo autoritário é levado a posiçio, creio poder traçar uma primeira a importância dos serviços de inteligência
xar a individualidade de cada segmento so- negociar uma saída democrática? Corno se hipótese sobre a lógica dos regimes autoritá- e a ameaça contínua dos movimentos sal-
cial singular via recuperaçllo da biografa pode prever, a análise seguinte ainda é preli- rios: quanto mais autoritário o regime, vacionistas - se tomam claras quando atri-
pretérita decorre, naturalmente, da cons- minar e só leva em consideraçllo alguns fa- maior a diferença entre sua dinâmica polí- buímos uma proporçio real à instabilidade
trangida dissoluçllo de todas as identida- tores. Nio obstante, ofereço- a na esperan- tica e sua dinâmica societária. A implica- constitutiva do autoritarismo.
des na amorfa coa.J.izlro anti-autorltária. E o ça de que ela possa abrir urna Unha promis- çio dessa hipótese, se veroadeira, para a A ausência de uma transaçio regula-
grau de dependência das novas identidades sora de ~uisa e de pensamento. possibilidade de urna transforrnaçio nego- da constitucionalmente com urna oposição
em relação ao passado, associado à exten- Em primeiro lugar, temos que dife- ciada do regime é crucial, corno se verá. orgarúzada clara e autonomamente induz a
SIIo das transformações efetivas operadas renciar entre o que acontece no nível polí- Urna sociedade nã'o evolui apenas co- emergência de um antagonismo difuso ao
sob o regime autoritário, desernpenltará re- tico mais visível dos regimes autoritários e mo conseqüência de seus impulsos inter- regime. Nlfo estando em parte alguma, a
levâ.nte papel no processo político pós-au- o que acontece no nível societário. A apa- nos. Ela também sofre transformações oposição pode estar em toda parte. É ai
toritário. rência de estabilidade e o aspecto glacial sem qualquer julgamento de valor ligado a que começa o papel estratégico dos serviços
Assumo, em qualquer caso, perspecti- dos governos autoritários podem levar muita elas-, corno resultado das políticas leva- de inteligência. Dada a necessidade de con-
va contrária à concepção parentética da gente a acreditar que a própria sociedade das a efeito pelo próprio regime. A maioria trole urúversal para aumentar a previsibili-
História e, mais ainda, suponho que preci- está igualmente inerte. Isto, porém, nllo é dessas transformações nã'o é antecipada dade social, e a ausência de instituições
samente porque a estrutura da oroern (d~ veroadeiro. Mesmo que o governo seja tão por ninguém, sendo apenas o resultado de políticas que canalizem quaisquer dissen-
mos e pólis) se altera substanci'alrnente é estagnado que tenha corno seu úrúco obje- um conjunto de mediações societárias bas- sões que possam ocorrer, o governo é com-
que é possível compreender a transforma- tivo a preservaçio do status quo (por exem- tante complexas. O sonho mais caro do au- pelido a confiar na espionagem, na censura
ção nllo catastrófica, isto é, negociada, do plo, Portugal sob Salazar e o Haiti sob a di- toritarismo, de reduzir a irnprevislbilidade e outros rnecarúsrnos para detectar e impe-
autoritarismo. Em primeiro lugar, alteram- nastia Duvallier), nenhuma sociedade chega social a zero, nã'o pode ser realizado. Dia dir a irrupçio do conflito. Quanto mais a
se significativamente as condições políticas a urna paralisaçio total, sem revelar qual- após dia, novas relações sociais, novos pa- sociedade se desenvolve, maior é a impor-
pela exaustlo da lógica autoritária, e é disto quer vestígio de um movimento das ten- drões de comportamento, novos quadros tância desses serviços de inteligência e re-
que tratarei a seguir. 24 dências internas no sentido de urna diferen- institucionais slio criados e isto significa pressã'o.
Quando ollwnos a História verifica- ciaçlfo e uma complexidade maiores. Ain· que novos loci de poder potencial estão Outra fonte de instabilidade consiste
mos que as derrubadas dos regimes autori- da que o objetivo do governo seja apenas surgindo. E justamente por este fato básico no estímulo que os regimes autorlt$rios
tários ocorrem segundo dois padrões prin- manter as coisas corno estio, o ritmo da di- pode-se ver por que esses regimes são ine- oferecem para a emergência das mesmas
cipais. É freqüente que urna fraçllo das for- ferenciaçio social poderá ser mais vagaro- rentemente instáveis, por mais fortes que ações políticas que eles procuram evitar,
ças que apóiam o governo, inclusive um im· so, mas nlio poderá ser totalmente elimina- pareçam, determinando aquilo que eu po- isto é, as conspirações salvacionistas. Nos
portante setor militar, se separe e execute do. deria chamar a lógica de ferro do autorita- sistemas em que aqueles que estlfo no po-
com sucesso um golpe palaciano, convoque O mesmo raciocínio aplica-se aos re- rismo: um sistema autoritário não pode ser der e aqueles que estio na oposiçio têm
eleições e transmita o poder a um governo gimes autoritários que, nio sendo conser- estável porque, ou se expande continua- seu comportamento relativamente exposto
organizado mais ou menos democratica- vadores no sentido acima, sã'o reacionários mente afunde controlar as novas áreas re- ao público, fazer segredo de algo que po-
mente. Às vezes acontece também, embora ou rnodermzadores. Nestes casos, as trans- levantes da vida social, ou tem que aceitar deria ser público sem correr riscos equivale
não seja freqüente, que um regime autori- formações sociais ocorrerlo mais rapida- um relaxamento relativo na medida em a escolher meios ineficientes de participa-
tário seja derrubado por urna revoluçllo mente e a inércia do sistema político po- que os grupos fora da coalizão dominan- ção política. Quando, porém, nã'o existem
social generálizada. Para compreender o derá dar a falsa impressão de que o sistema te adquirem o controle dos novos loci de canais competentes que dêem vazão ao dis-
primeiro caso é preciso um tipo de análise social também está paralisado. Vou tentar poder. Qualquer sistema autoritário enfren- senso, as críticas abertas se transformam
a que se poderia chamar de teoria dos gol- explicar melhor a proposiçlfo geral que 8S ta sempre o dilema de tomar-se cada vez em murmúrios e o fluxo de comunicação se
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pes; o segundo caso seria a teoria da revo- minhas observações anteriores encerram: mais autoritário, se pode, ou cedo ou tar· reduz aos vizinhos que pensam da Jmsrna
lução. As reflexões adiante pertencem a: em qualquer sociedade, o ritmo da dinâmi- de terá que abrir mio de partes do poder e maneira. E quem diz vizinhos, diz colegas
uma terceira variedade e procuram urna res- ca política não corresponde ao ritmo da di- até desaparpcer por completo, eventual- de trabalho e camaradas de armas. A par-
posta para a seguinte questlfo: sob que con- nâmica societária. Corno corolário dessa pro· mente. tir de uma situação corno essa, nlio é preci-
Algumas características clássicas dos so muito para que swjarn messianismos pa-
Utilizo-me nesta seção de pontos desenvolvidos no trabalho mencionado na nota 1. regimes autoritários - corno, por exemplo, raideológicos.

294 295
À atração que a conspiraçã'o exerce pode conjecturar sobre as condições que se em cliques competitivas. Como a oposi- estar insatisfeitos com a política governa-
ieve ser acrescida a tendência para as ideo- podem favorecer a disposiçfo de negociar. ção civil continua a ser alimentada por pes- mental (nfo é possível servir à classe capi-
logias messiânicas. Quando· as duas se reú- A repressãO tem um preço. Se você soas cada vez menos ligadas a qualquer talista como um todo durante todo o tem-
nem, estabelece-se a tensll'o circular entre o tem que fazer algum mal para manter o po- conspiração subversiva, a divisfo entre as po, mesmo para um regime autoritário rea-
autoritarismo e a conspiração: o poder au- der, aconselhava Maquiavel, faça-o de uma forças autoritárias, com a possível emergên- cionário capitalista), dirigentes sindicais
toritário apresenta a prevençã'o dos movi- vez e num só golpe. Por trás do conselho de cia de uma facção que pode até simpatizar que não podem ser plausivelmente acusa-
mentos salvacionistas como autojustifica- Maquiavel está a racionalizaçãO da natureza com uma parte da oposição civil, se toma dos de subversivos (de um /lado, eles pas-
ção, enquanto as p:róprias medidas tomadas onerosa da repressfo. Além disso, quanto éada vez mais onerôsa - em termos de con- sam pelos filtros autoritários antes de se
para impedi-los acabam por induzi-los. Da- mais um governo tem que recorrer à repres- sumo de tempo e em termos de benefícios tomarem dirigentes; de outro, muitas vezes
da a aleatoriedade da oposição potencial, são para assegurar a cooperação, mais one- laterais a serem pagos - para convencer eles apenas pedem para fazer o jogo do
as pressões autoritárias têm que se estender rosa ela se toma. Um sistema totalitário uma coalizão repressiva majoritária sobre mercado), associações civis tradicionais
a círculos cada vez mais amplos das rela- inteiramente bem-sucedido troca a repres- quem sllo os inimigos. (Ordem dos Advogados, Associação de Im-
ções sociais, incluindo até aqueles que per- são pela socialização, a doutrinação, a cen- Nlio é o caso que a maioria dessas prensa, Igreja) que n!o podem exercer seus
tencem ao proprio sistema. Mais uma vez, sura e a atomizaçã'o societária. A repressão forças repressivas se tenha decidido, de fa- deveres proftssionais e civis sem uma am-
estando em parte alguma, a oposição pode pura e simples só é utilizada à margem do to, a não continuar a ser repressiva.- em- pliação do grau de liberdade (e que dificil-
estar em todo lugar. sistema. Um sistema autoritário tem que bora também essa possibilidade nfo deva mente podem ser tachadas de inimigos ve-
depender basicamente da repressão, faltan- ser descartada. O que é mais importante, rossímeis) etc. Em particular, são os pró-
Sendo assim, um sistema autoritário
do-lhe mecanismos para conseguir adesões. porém, é o fato crucial de que as várias cli- prios partidos políticos que serão os inter-
nllo pode ser estável, verdadeiramente ins-
Quanto mais usa essa repressão, porém, ques repressivas nllo são capazes de chegar locutores do autoritarismo exausto. E é
titucionalizado, em face de uma vida social
em mutação. Se ele seguirá a lógica de ferro mais difícil lhe é continuar a usá-la, ao a termo sobre quem sfo os inimigos. En- precisamente em tal momento de emergên-
do autoritarismo e tornar-se-á cada vez mesmo preço, por diversas razões. Vamos quanto algumas delas podem querer repri- cia dos partidos, dotados de importância
mais autoritário, ou se aceitará negociar apontar apenas uma delas. mir determinadas pessoas, estas podem não capital para a conjuntura, embora com pa:
uma saída do universo repressivo, é uma O controle repressivo contínuo da parecer inimigos verossímeis para outras pel histórico em redefmição, que cabe con-
das questõés que terão que ser discutidas. vida social concorre para reduzir e até ex- facções e vice-versa. Em outras palavras, siderar a delicada e específica posição que
Existem quatro casos contemporâ- tinguir, eventualmente, o número dos ini- inexiste uma função social da repressão, ocupam em relação ao resto da sociedade.
neos conhecidos em que a falência do au- migos verossímeis. Se no início é relativa- tão problemática de ser descoberta ou cria- Tal é a matéria da seção seguinte.
toritarismo foi iniciada pelo proprio regime mente fácil para os governantes autoritários da quanto sua análoga função social de
- o grego, o espanhol, o uruguaio e obra- mostrar contra quem é dirigida a repressão bem-estar. IV
sileiro.25 A extensão da liberalizaçãO e a es- comunistas, supostos comunistas, subver- O custo crescente da construção de
OS PARTIDOS NA FASE
tabilidade das novas instituições que cada sivos, supostos subversivos, terroristas e as- cliques repressivas competitivas pode até
TRANSICIONAL E PÓS-AUTORITARIA
um deles atingiu é bastante diferente, até sim por diante-, o próprio sucesso dare- ser o mais importante fator de ajuda na
agora, e ainda é cedo para antecipar se essas pressão os varre completamente da arena criação de um clima político, no qual uma É necessário esclàrecer de imediato
tentativas terllo sucesso total. O que parece política. Chega então o momento em que a saída negociada aparece como a alternativa que a negociação de que se trata não se ma·
comum a todos eles é a emergência, dentro repressão se volta para os políticos de incli- menos divisionista para o regime, isto é, nifesta sob a forma exclusiva de pactos for-
do círculo de poder, de uma facção sufi- nação moderada e para certas autoridades para as Forças Armadas que o apóiam. Mas, mais (como no caso espanhol), nem mesmo

l
cientemente poderosa para obter a concor- públicas. Finalmente, chega a ocasião em quem sfo essas pessoas com as quais o re- sob a aparência menos drástica de enten-
dância da "linha dura" para uma estratégia que a repressfo é utilizada contra membros gime pode ter que negociar, dado o fato de dimentos informais entre lideranças estraté-
de liberalização negociada. Apesar de ni'o do p:róprio círculo de poder. Nesse momen- que não silo inimigos verosdmeis para a gicas (como parece ter ocorrido na Argen-
se conhecerem as razões que estão na mente to, porém, a ampla coalizão repressiva se maioria das forças repressivas? tina e no Uruguai). Até porque nllo é a
dos membros dessa facçãO, qualquer um vê ameaçada pela poSS1bilidade de romper- Elas nlio são diferentes dos atores po- existência de pactos formais que garante o

Deixo de considerar a Argentina aceitando, para efeito deste trabalho, que o processo argentino
I
I
líticos clássicos. Empresários que podem sucesso da abertura. 26 A negociação pode

As tentativas de garantir a continuidade da liberalização mediante a assinatura de pactos sfo cla-


tenha resultado estritamente da derrota nas Malvinas. ramente derivadas de análise simplista do exemplo espanhol. A tentativa argentina com o últi-

296 297
evoluir sob a égide de um compromisso im- dos políticos latino· americanos arriscam· se a coalizfo de oposiçíio ao regime, como já e turbulências ocasionais, possuía desde a
plícito entre setores da opoiçio e do regi- à erosão de sua legitimidade, fenômeno que mencionado anteriormente, o ponto de re- primeira metade do século pelo menos dois
me, cujos termos se vã'o alterando por ajus- afeta todos os sistemas partidários ociden- ferência para a recuperação de identidade partidos - a Unión Cívica Radical e o Par-
tes sucessivos em funçio. do restabeleci- tais. das diversas facções é a identidade prévia tido Socialista - e mais agrupamentos no-
mento gradativo de "certos formalismos" A "ecologia'' dos sistemas partidários que possuíam. Claro está, a probabilidade minálmente partidários que expressavam a
- aboliçio de censura, eleições parlamenta- latino-americanos é, entretanto, variáveL de que a disposiçio dos atores se encami- vontade do conservadorismo intransigente.
res mais ou menos livres etc. - e das con- Quando as sombras do autoritarismo co- nhe no sentido de retomar a velha identida- ~ importante considerar, no caso argentino,
seqüentes alterações nos graus de liberdade meçam a se dissipar slÍrge a oportunidade de - e, portanto, as velhas diferenças com que não obstante a existência de um parti-
dos atores políticos. Por exemplo, após a de computar o saldo social e econômico os demais atores - dependerá não apenas do socialista, pequeno, o operariado utba-
extinção do édito autoritário que permitia pago a preço de liberdade. É este legado da extensão das mudanças ocorridas sob o no só veio a incorporar-se de fato ao jogo
ao Executivo brasileiro cassar mandatos le- que os partidos deverã'o administrar e, de- autoritarismo, mas também dos custos em político formal através do movimento pe-
gislativos, ficou automaticamente modifica- pendendo de seu contorno, o efeito do de- que os diversos atores incorreram durante ronista e:ín meados da década de 40. É pos-
da a posiçio de poder do governo relativa- sempenho partidário será mais ou menos o mesmo período pelo fato de terem pos- sível entender o sistema· partidário argen-
mente ao Congresso, não mais podendo o disruptivo ou mais ou menos integrador de suído a identidade que tiveram. Um exem- tino desde então como constituído por pe-
primeiro interferir arbitrariamente no se- uma ordem estável. Aqui reside a crucial plo concreto. Nio é implausível que parte lo menos três partidos de fato, isto é, com
gundo sem violar a própria legalidade au- diferença do momento histórico latino- da resistência do movimento peronista ao estruturas capazes de organizar e mobilizar
toritária. 27 americano em relaçio ao século passado eu- longo dos últimos 30 anos se deva precisa- vontades políticas e produzir impacto no
Se os trajetos de redução da assime- ropeu: enquanto na Europa do século pas- mente ao fato de que, sobretudo a partir de sistema político abrangente, independen-
tria entre a póliB e o demos podem ser múl- sado os partidos nã'o podiam ser senão inte- 1966, tenham sido os peronistas o alvo pri- temente do fato de estarem na legalidade
tiplos, d'urante a transiçio e após, então é gradores, hoje, na América Latina, eles vilegiado da coerçio autoritária. Após 1976, ou proscritos, a saber, os dois Unión Cívica
sobretudo aqui, nesta esfera de incerteza e podem ser integradores ou matrizes de con- com o recrudescimento de novo ciclo auto- e
o "Partido" Peronista.29
invençio, que os partidos políticos tendem flitos institucio11almente insolúveis. É im- ritário encaminhando-se para o delírio, é No Brasilpré-1964,osistema partidá-
a desempenhar um papel eminentemente possível antecipar a orientaçio que virão a l que parece haver se generalizado a coerçio rio .era nâ'o apenas novo, comparativamente
estratégico: tanto favorecendo o parto da seguir, mas é indispensável delinear os cons- ' governamental. 28 aos demais, como estava em franco proces-
nova ordem pelo uso do monopólio dare- trangimentos societais com os quais neces- A intensidade com que se retoma ao so de reformulaçio prática. De 1946a 1964
presentação política formal que detém e
pelo reconhecimento de seu declínio en-
sariamente se defrontarão. É o que faremos
nesta seção.
! passado em busca de identidade depende, o que se verifica no Brasil é a simultânea
também, do grau de institucionalizaçio e nacionalização organizacional de alguns
quanto oligopólio de participação; ou di- A primeira característica relevante da estabilidade do mtema partidário àquela partidos, a concentraçio estadual de outros
ficultando a transformaçio política pela ordem em vias de se liberalizar reside no época. Seria possível aqui, talvez, ordenar e a conseqüente redefmição do peso pon-
pretensão de reter, juntamente com o mo- papel que a memória das clivagens partidá- decrescentemente o Uruguai, o Chile, a Ar- derado de cada um deles no sistema parti-
nopólio da representaçio, o oligopólio da rias e ideológicas do período pré-autoritá- gentina e o Brasil. Sem dúvida o Uruguai e dário· parlamentar. Aliás, processo seme·
participaçlio. Neste último caso, os parti- rio venha a desempenhar. Ao se desagregar o Chile possuíam sistemas partidários bem Jhante de decadência do partido conserva-
enraizados que incorporavam inclusive, no dor e ascendência de outro partido, a De-
mo governo Perón demonstra claramente que, se o pacto não for instrumento predítivo do com-
I caso chileno, os setores utbanos relevan- mocracia Cristã:, observa-se também no
30
tes. A Argentina, não obstante proscrições Chile pré- golpe.
portamento comprometido, jamais será impeditivo de sua própria violação. Ver, sobre o caso ar-
gentino, Liliana de Riz, Retomo y Derrumbre El Cfltimo Gobiemo Peronista, Buenos Aires,
I
27
Folios Ediciones, 1981.
Bolivar Lamounier tem insistentemente chamado a atenção para o impacto que códigos nãO ex-
plicitados de conduta e alterações na ordem legal produzem na estrutura institucional do con-
flito. Ver, em particular, B. Lamounier, "Representação Política: A Importância de certos For-
l 28

l9
.ver Marcelo Cavarozzi, Autoriwismo y De~cracia (1955·1983), Buenos Aires, Centro Editor
de America Latina, 1983.
Ver Dario Canton, ElecionetJ y Partidos Políticos en la Argentina Historia, lnterpretación Y
Bálance: 1910-1966, Buenos Aires, Siglo Veinteuno, 1973.
malismos", em B. Lamounier, F. Weffort e Maria Vitoria Benevides, orgs., Direito, ada®nia e
Participação, São Paulo, T.A. Queiroz Editor, 1981; Bolivar Lamounier, Impasses e Alternati- 30 Ver Maria do Carmo Campelo de Souza, EtJtado e Partidos Polfticos no Brasil (1930-1964), São
vas: O Brasil Diante da Crise, trabalho apresentado na reunião do grupo Elites Políticas da As- Paulo, Editora Alfa-Omega, 1976; Olavo Brasil de Lima Junior, Partidos Pollticos Brasileiros,
sociação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, São Paulo, 8.6.84. As 1945-1964, Rio de Janeiro, Graal Editora, 1983; Arturo Valenzuela, The Bre11kdown of Demo-
observações deste panígrafo Silo baseadas nos trabalhos citados de Lamounier. cratic Regimet: Chile, Maryland, The John Hopkins University Press, 1978. Para estudo de par-

298 299
A reconstituição compulsória do sis- to maior o período autoritário e tanto mais
tema partidário brasileiro em 1966, que fundas as cicatrizes deixadas, tanto maior pansio do contingente de votos livres do as modificações no setor primário foram de
permitiu o estranho fenômeno de um siste- tende a ser a adesão a concepções antigas controle latifundiário. A composição do 51% para 32%, e no setor secundário de
ma autoritário com eleições a intervalos da realidade social e, por conseqüência, eleitorado e sua maior vulnerabilidade aos 30% para 41%. Tomando como ponto de
regulares (reminiscente da Espanha fran- tanto maior o hiato entre essas concepções meios de persuasão, antes que de coação, comparação um país socialista, em perío-
quista e do Portugal salazarista), produziu e o estado do mundo. E, contudo, será com tendem a alterar a relação entre os partidos do ae acumulação acelerada, verifica- se
uma bipolarização e crescente identifica- essa realidade que os partidos deverão lidar e suas bases tradicionais, obrigando à rees- que, em 30 anos (1928-1958), a porcenta·
ção popular com o partido da oposição. 31 e, não, com um mundo parenteticamente truturação do universo simbólico e da lin- gem da força de trabalho soviética ocupada
Novas reformulações partidárias por via au- congelado. Tratarei de algumas dimensões guagem política. Assim, a atenção à dinâmi- no setor primário passou de 71% para 40%,
toritária, antes de 1982, deram lugar ao do mundo social, cujas modificações síio ca destes dois parâmetros, que independem enquanto aquela ocupada no setor secun-
surgimento de mais três partidos, saídos da altamente relevantes para a dinâmica po- em larga medida da natureza do regime, dário cresceu de 18% para 38%. 32
costela da oposiçíio. É todavia cedo para lítica em um contexto hôeralizado, e to- permite antecipar parte do contorno do Transformações de igual magnitude e
avaliar a dinâmiça do novo sistema, assim mando como ponto de referência alguns mundo pós-autoritário a exigir recondicio- importância ocorreram na divislo sexual do
como é prematuro diagnosticar se e de que exemplos retirados do caso brasileiro. namento partidário. trabalho e na estrutura ocupacional, mas
forma sobreviveríio os antigos (pré-1966) Sempre haverá alguma alteração em Alteração de extrema importância re- nlo é necessário discriminá-las aqui. 33 Re·
Partido Social Democrático, Uilião Demo- pelo menos dois parâmetros "naturais" da fere-se à divisão social do trabalho, entre levante é atentar para as prováveis implica-
crática Nacional e Partido Trabalhista Bra- realidade social. Por parâmetro "natural" sexos, setores da economia e entre ocupa- ções sociais e políticas delas resultantes.
sileiro, ainda que sob nomenclatura diversa. entendo aquelas dimensões que níio podem ções. É certo que em grande parte este pro- Desde logo o crescimento do setor secundá-
Do mesmo modo, as recentes eleições uru- ser controladas por políticas governamen- cesso é condicionado pelas políticas econô- rio organiza, por assim dizer, naturalmente
guaias níio constituem base suficiente para tais- no caso, o tamanho bruto da popu- micas do regime. Mas é igualmente certo a força de trabalho nas grandes empresas e
concluir se, de fato, a tradicional clivagem lação e sua distribuição no contínuo rural- que a forma exata da divisão social do tra- firmas. Ativa-se ou reativa-se o sindicalis-
entre Blancos e Colorados permanecerá mbano. Como se sabe, políticas de natali- balho é absolutamente imprevisível, até mo, por um lado, e altera-se a composição
operacionalmente eficaz como antes. Nlo é dade não respondem por todas as altera· porque parte das modificações ocorre em da renda do governo, por outro. Quer di·
impossível que os últimos resultados refli- ções na estrutura populacional de um país, função da derrubada de preconceitos, quer zer, ademais de conflitos sobre a renda é de
tam justamente aquele movimento primei- assim como as migrações urbanas não são quanto a sexos, quer quanto a ocupações. se esperar pressões sobre a estrutura dos
ro de retomo a lealdades antigas, sobretudo exaustivamente determinadas pelas oportu- Apenas a título ilustrativo da veloci- gastos públicos, particularmente no que diz
em um sistema de linhagem longeva. Do nidades de trabalho. No Brasil do último dade que tal processo pode atingir conside- respeito a serviços básicos. A agenda de de-
Chile, final e infelizmente, nada se pode vintênio, sobretudo, a modificação na taxa re-se os dados comparativos a seguir. En- mandas sociais tende a se alterar substan·
ainda dizer. de mbanização foi particularmente espeta- tre 1960 e 1980, a porcentagem da força cialrnente em decorrência do processo de
A reiteração de lealdades partidárias cular, pois a relação entre a população ur- de trabalho brasileiro ocupada na agricultu- divisão social do trabalho, tomando obso-
e ideológicas pretéritas pode servir de estor- bana e a população rural (PU/PR) passou ra decresceu de 53,9% para 29,9%, enquan- letos programas partidários, algumas pniti-
vo ou acelerador em outro e crucial senti- de 0,82, em 1960, a 2,1 em 1980. to a porcentagem ocupada no setor secun- cas populistas e retóricas grandiloqüentes.
do, a saber, cooperando ou dificultando a O impacto da população em geral, e dário cresceu de 12,9% para 24,3%. Em 40 Não é impossível, também, que políticas
justa apreciação do que ocorreu na socie- da população mbana, em particular, se faz anos de acumulação industrial na Inglater- de interesse venham a competir com polí-
dade durante o período autoritário. Sendo sentir desde logo no volume de demandas ra (1801-1841), as variações foram de 35% ticas de solidariedade, isto é, que os gran-
impossível deter o movimento social, tan- por bens de consumo coletivo e pela ex- para 23%, no setor primário, e dé 29% para des agregados sociais tendam a fragmentar-
39%, no setor secundário. Já nos Estados se e, na medida em que o regime tenha ob·
tidos particulares ver Maria Vitoria Benevides, ,4 UDN e o Udenismo, Rio de Janeiro, Paz e Ter- Unidos, também em 40 anos (1870-1910), tido maior ou menor sucesso em generali-
ra, 1981; e, sobretudo, o magistral estudo de Lucia Hippolito, De Raposali e Refom~istali - O l
PSD e a Exp~ncla Democrática Brasileira (1945-1964), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985.
Ver Simon Kuznets, Modern Economic Growth Rate, Structure, and Spread, New Haven,
31
A gradativa redefmição de lealdades pode ser acompanhada nos estudos contidos em Bolivar
Lamounier e Fernando Henrique Cardoso, eds., Os Panldos e as Eleições no Brasil, Rio de Ja-
neiro, Paz e Terra, 1975; Fabio Wanderley Reis, org., A L6gictl do Processo Eleitoral Brasilei-
[
I
Yale University Press, 1966, tabela 3.2, p. 106.
Análise da evolução estrutural do Brasil, a nível nacional, de 1960 a 1980 e de onde foram co-
ro, São Paulo, Ed. Símbolo, 1978; Bolivar Lamounier, org., Voto de Desconfiança Eleições lhidos os dados anteriores, encontra-se em W. G. dos Santos, "A Pós-'Revolução' Brasileira",
e Mudança Politica no Bmsil, 1970-1979, Rio de Janeiro, Ed. Vozes, 1980. em Helio Jaguaribe, ed., Bralil, Sociedade Democrática, Rio de Janeiro, Livraria José Olympio
Editora, 1985.

300
301
zar as relações capitalistas, comportar- se A conseqüllncia política mais relevan- do Estado, podendo dele utilizar-se para "inegociável" - a sindicalização rural. E
cada vez mais segundo a lógica do mercado. te dessa reestruturação consiste em que as corromper o movimento operário .. em escala e velocidade possivelmente supe-
Em qualquer caso, exame cuidadoso· da manifestações do operariado industrial não É a adição do papel econômico estra· riores ao que ocorreria caso a mobilização
evolução do processo de divisã'o social do admitem mais, quer a insenstbilidade go- tégico do novo operariado às condições po- se processasse em função dos objetivos por
trabalho é requisito indispensável para ava- vernamental, quer a pura repressão. Por líticas em que sua lidemaça se deve mover assim dizer normais da sindicalizaçã'o.
liação da matéria social com a qual Mo de uma razão simples, mas explosiva: o com- que ajuda a esclarecer alguns fenômenos de Constituída a rede de organizações rurais,
lidar os partidos. portamento político do operariado indus- recentíssimo aparecimento na História pouco tempo levou para que, além de ad-
Há que se considerar igualmente as trial - por exemplo, greves ou operações- política brasileira. Fenômenos, aliás, que ministrar o Funrural, passassem os sindica-
conseqüllncias não-antecipadas de políticas tartaruga - produz impactos significativos nlro slro passageiros, mas estruturais - o tos a desempenhar o papel de seus símiles
autoritárias. Além dos processos "naturais" nas contas nacionais, podendo, inclusive, que permite dizer que a História brasileira utbanos, quer dizer, recolher as reivindica-
e daqueles cujo padrão é incontroJável, está inviabilizar a programaçã'o econômico- jamais voltará a ser o que era sem que isto ções de toda natureza do campesinato e ar-
sempre em operação na sociedade a "mlio fmanceira governamental. Uma semana de se reduza a mera figura de retórica. ticulá-las sob forma de demandas jurídicas
invisível do caos" produzindo efeitos mui- greves na regiã'o do ABC paulista pode tor- Quanto ao campesinato, é de conhe- claras: salários, condições de trabalho etc.
to além, e freqüentemente indesejados por nar letra morta qualquer carta de intenções cimento comum que nlro apenas foi até O que vem acontecendo na área rural
parte do governo, em decorrência de suas ao FMI, na medida em que ficam compro- muito recentemente o verdadeiro grande brasileira, desde aproximadamente 1980 -
próprias políticas. E, não obstante, não há metidas as metas previstas de exportação. mudo da História nacional como, ademais, greves bem-sucedidas, movimentações etc.
por defmição como evitá-los, nem, o qúe Este exemplo elucida o que de outro modo todas as tentativas de organizá -lo em asso- -, também nlio pode ser tomado como pas-
aparece ao governo como ainda pior, co- pareceria complacência ou tolerância por ciações e sindicatos até e imediatamente sageiro. Trata-se de fenômeno resultante
mo corrigi-los. A título de exemplo dos parte dos poderes públicos, ou mesmo em- após 1964 foram violentamente reprimidas do amadurecimento do campesianato atra-
efeitos da mão invisível do caos vou refe- presariais, face a movimentos grevistas que pelas autoridades públicas e pelas organiza- vés de Jl}ilitância organizada dos sindicatos
rir-me a processos que afetaram o opera- sã'o, nas condições jurídicas prevalecentes, ções paramilitares privadas. É este, digamos rurais evidenciando a constituição de novo
riado e o campesinato brasileiros nos úl- ilegais. Dada a posição crucial que alcançou assim, padrã'o de interação histórica que foi e rel:vante ator político na dinâmica da
timos 20 anos. 34 na estrutura da produção, dispõe o opera- radicalmente alterado no início dos anos 70. abertura, somando já cerca de 8 milhões de
Duas importantes transformações riado industrial moderno de poderoso re- Objetivando iniciar um programa pre- sindicalizados contra cerca de 4 milhões na
ocorreram na estrutura do operariado in- curso de negociação e converteu-se em ator 35
videnciário para a área rural, e não preten- área urbana.
dustrial nos últimos 20 anos. Em primeiro político de pleno direito e fato. dendo constituir burocracia semelhante ao A penúltima dimensã'o que desejo
lugar, a modificação do peso relativo do Paralelamente, e por ironia da Histó- sistema previdenciário utbano, decidiu o abordar refere-se à participação do Estado
operariado privado em relação ao operaria- ria, a medida repressiva que expulsou o governo executar o Funrural de forma des- na economia e na vida social. Historicamen-
do público. Até 1964, o peso maior e lide- operariado do governo da previdência so- centralizada e praticamente livre da buro- te 0 Estado latino-americano sempre foi
rança do movimento maior encontrava-se cial, em 1966, propiciou substituição em cracia estatal. Para este fim patrocinou jus- co'mparativamente muito mais crucial para
entre ferroviários. portuários e trabalha- larga escala da velha liderança peleguista- tamente a sindicalização rural na expecta- a dinânlica da sociedade do que o Estado
dores da siderurg~a (estatal), sendo ponde- que usava os recursos do sistema previden- tiva de que os sindicatos rurais fossem o europeu ou norte-americano. Tem sido
ravelmente menor o papel do operariado ciário para domar a massa trabalhadora -, instrumento de implementação do progra- comum, por outro lado, a adesã'o do surto
privado, concentrando- se este, basicamen- pela "nova" liderança sindical que não tem ma - o que de fato vieram a ser, mas nã'o autoritário recente latino-americano a pro-
te, nas indústrias têxteis e de alimentação. outra coisa a oferecer a seus liderados se- apenas. gramas de governo antiestatizantes e favo"
Atualmente, o p~so do operariado priva- não representação efetiva e adequada. Os Preconceitos antiburocráticos, aliás ráveis à desinibida ordem de mercado. Uma
do, sobretudo das indústrias de ponta, su- novos líderes ollo têm como comprar a bem fundados, deram lugar ao patrocínio coisa, porém, é programar, outra, realizar.
pera significativamente o do operariado aquiescência dos liderados porque não es- governamental justamente daquele movi- E ainda aqui a variação entre os diversos
público. tio mais inseridos no aparato burocrático mento estigmatizado como subversivo e casos latino-americanos é bastante razoá-

O principio da mãO invisível do caos e sua importância na constituição da ordem social foi tra· 35 Para as relações entre as políticas sociais autoritárias e o operariado e o'Canlpesinato ver W. G.
tado por mim em "Reflexões sobre o Liberalismo- Um Argumento Provisório", em B. Lamou· dos Santos, Cidadtmiil e Jultiça - Politica Social na ordem Bmsileira, Rio de Janeiro, Ed. Cam-
nier, F. Weffort e M. V. Benevides, orgs., Direito, Cidadania e Participação, op. cit. pus, 1979.

302 303
L a
ma de controle pela via da representação, Quadro I
vel, assim como varia à medida que o
Criação de Conselhos por Período Presidencial (1956-1979)
outro programa que costuma acompanhar a isto é, partidos interagindo em Parlamentos.
desestatização - a absorção de capital es- Observe- se, no Quadro I, o ritmo de KUBITSCHEK JOÃO GOULART CASTELW BRANCO
04/64 a 03/67
COSTA E SILVA
03/67 a 08/69
01/56 aOI/61 10/61 a03/64
trangeiro - também obtém sucesso. nus- criação de comissões e conselhos régulató- Conselho de Política Aduaneira Conselho Nacional de Política Sa- Comissão; de Cartografia - Seplan Comissão Nacional para Facilita-

trarei o primeiro ponto - penetração do rios de todo tipo, de Juscelino Kubitschek (CPA)~ MF
Conselho Nacional de Petróleo
lariai(CNP5)- N1b
Comisslo de Programação Fman-
Conselho Monetário Nacional
(CMN)- NF
ção do Transporte Aéreo Interna-
cional - M. Aer.

Estado - tomando ainda como exemplo o à interrupção do governo Joã'o Goulart e (CNP)~ MME ceira(CPF)- MF
Conselho de Defesa dos Direitos
Comitê Brasileiro de Nomencla tu·
ra~MF
Comissfo de Coordenação do
Transporte Aéreo Civil- M. Aer.

caso brasieliro. desde Castello Branco até a primeira meta- da Pessoa Humana- MJ Comiss:io Executiva do Sal (CES)
- MIC
Conselho Nacional de Desenvolvi·
menta da Pecuária (Condepe) -

O objetivo de restaurar o mercado de do governo Joã'o Figueiredo. Conselho Nacional da Bonacha


(CNB)- MIC
MA
Conselho Inteuninisterial de Pre-
ços(CIP)- MF
em sua plena capacidade operativa alvore- É evidente que a penetração regula- Conselho Nacional de Comércio
Exterior (Concex) - MIC Comissão de Corudenação das
Conselho Naciooa.l de Seguros Pn· IGF (lngecor)- MF
ceu juntamente com o movimento militar tória do Estado brasileiro exacerbou- se vados (CNSP) - MIC Conselho de Planejamento e Coor-
Conselho Nacional de Twismo denação de Combate ao Contra-
vitorioso em março de 64. Desde então ja- consideravelmente durante o período auto- (CNTur)- MIC bando (Coplan)- MF
Conselho Nacional de Transportes Conselho de Desenwlvimento Co-
mais abandonou a retórica oficial. Contu- ritário, de tal modo que nã'o existe hoje (CNI)-NIC mercial (CDC) - MIC
Consellio de Segurança Nacional Conselho de Desenvolvimento In-
do, o aparelho produtivo estatal cresceu praticamente nenhuma atividade ou setor (CSN)- PR dustrial (CDI)- MIC
Alto Comando das Forças Arlnlt" Conselho Superior de Censura
também desde então aceleradamente, assis- social, de qualquer natureza, que não depa- das (ACF A) - PR (CSC)- NJ
Comitê Coordenador dos Estudos
tindo e acompanhando a diversificação da re com um funcionário do Estado como in- EnergéticosdaAmazDnia- MME

economia. Existe por certo a controvérsia. terlocutor, com freqüência como oponen-
sobre a rationale para esse crescimento: se te, e não raras vezes como competidor. Por JUNTA MiliTAR MÉDICI JOÃO FIGUEIREDO
para servir ao interesse público, se para fa- seu próprio peso e magnitude não há como 09/69 a 10/69 10/69 a0Jn4 03/79 a

vorecer o segmento privado. A realidade ignorar esta face do Estado e reconhecer a Comissão Brasileira de lntercâm-
bio(CBI)- MF
Conselho de Prevenção Antitóxi-
co- MS
Comissão Coordenadora da ~\>lí­
tica de Compra de Locomotiva
Conselho Naciona1 de Desenvol-
vimento Urbano (CNDU)- MI

social e política do setor produtivo estatal, importância de sua posição enquanto atar Comissão de Coordenação de Ati-
vi:iades de ·Processamento Eletiô-
(CCPCL)- NT
Conselho de DesenYOlvimento
Comiss!'o Intenninisterial de Estu-
dos para Controle das Enchentes

porém, independe em larga medida de sua intra-sociedade. Não se trata aqui do Esta- nico (Capre) - SEPLAN (desati-
wda)
EcOJihnico (CDE) - PR (desati-
wdo)
do Rio Sãb Francisco - MI
Comissi'o Nacional de Energia -

rationale econômica em sentido estrito. Não do enquanto o outro da sociedade, mas en- Conselho Nacional de Commlica-
çõ<s (CNC)- MC
Conselho de Desenvolvimento So-
cial ({DS)- PR (desativado)
PR
Comissão Permanente de Catalo-
gação de Material de Uso Comum
é porque a siderurgia e a petroquímica esta- quanto parte constitutiva da sociedade ela Conselho Nacional de Direito Au-
toral- MEC
Conselho Nacional de Regiões Me-
tropolitanas e &lítica Urbana das Forças Armadas (CPCM) -
Comissi"o de Fusio e lncorpora- (CNPU) - SEPLAN EMFA
tais têm por objetivo produzir insumos a mesma. ção.de Empresas (Coí~e)- MF Conselho Nacional de Abasteci- Comiss!'o Brasileira para o Progra-
Conselho para Concessão de Bene- mento (Conab)- MA ma Hidrológico Internacional
baixo preço ao setor privado, ou não, que Finalmente, cabe atentar para as re- fícios Fiscais a Programas Especiais Conselho Coordenador da Política (PHI)- M. Rex.
de Exportação (Befrex) - MIC Naciooal de Ciédito Rural (Com- Comissio Nacional do Ano Inter-
a burocracia pública que as opera deixa de percussões do autoritarismo na morfologia Conselho Nacional de Metrologia, a:OO)- MA nacional das Pessoas Deficientes -
Normalização e Qualidade Indus- Comissão Nacional da Indústria MEC
competir por recursos ou por influência na social, isto é, na rede de associações e orga- trial (Conmetro) - MIC de Construção Civil (CNICC) - Comissão Executiva do Programa
Comissão lnterministerial para os NIC Especial de Apoio às Populações
formulação da política econômica. A tec- nizações que constituem em seu conjunto Recursos do Mar (CIRM) - MM Comissão Brasileira do Programa Pobres das Zonas Canavieiras do
Conselho de Não- Ferrosos e de Internacional de Comlação Geo- Nordeste- MI
nocracia como ator político relevante tem o sistema de oferta de oportunidades de Siderurgia (Consider)- MIC lógica- MME Comissão Especial para Propor a
Comissão de Coordenação do Sis- Atuaüzação da Legislação sobre
por base precisamente o papel estratégico participação. Os partidos incluem-se aqui, tema do Pessoal Civil - Dasp Microftlmagem- MJ
Conselho Consultivo da Adminis-
.que o setor produtivo estatal ocupa na eco- por suposto, mas justamente porque atra- tração de Saúde Previdenciária
(Conasp)- MPas
nomia. vessamos período pós-micheliano,osistema Conselho Nacional de Imigração
- M. Rex.
Mas não é apenas enquanto produtor partidário não consegue esgotar, pela via da Comissão Nacional pata Assuntos
Antárticos (Comantar)- M. Rex.
que a penetração estatal é importante. É representação, a procura por participação, Comissão Nacional para Coorde-
nar e Apresentar Sugestões sobre
necessário observar a evolução da capaci- demanda que é latente mas que tende a se a Problemática dos Idosos - MPas.
Comissão lnterministerialcom Vis-

dade regulatória do Estado, isto é, à me- tornar manifesta à medida que a liberaliza- tas à Recupetação, Controle e Pre-
servação da Quaüdade Ambiental
em Cubatão - MI
dida que controla ou administra a aloca- ção avance. Conselho Superior do Ministério
Público do TrabalhO- MJ
ção de recursos, a produção e distribuição Os determinantes estruturais que esti- Comissão Marítima Nacional

de bens, preços e salários, a estrutura fJS- mulam a procura por .participação são vá- (CoMaNa) - MM

[
Comissã'o lntermtnisterial Destina-

cal e as transações internacionais. Comis- rios, desde a divisão social do trabalho aos da a Estudar e Propor Medidas
para a Criação da Guarda Costeira

sões e conselhos constituídos majoritaria- movimentos de autodefesa social, passan- ~MM


Conselho Superior de Corregedo-
ria Geral- MJ
mente por designação do Executivo com- do pela diferenciação funcional da econo- I
Conselho Nacional de Turismo -
MIC
põem a constelação de microlegislativos, mia. O grau de permissividade do autorita-
fora do alcance do eleitorado e de sua for- rismo, por seu turno, pode eventualmente Obs.:Osdadosdo Governo Ftgueiredo referem-se ao período 03n9 a03/84.

304 305
q w
admitir a proliferação de associações que gráficas (populacionais e locacionais) e na A cela I do Quadro Il seria idealmen- xistência de um terceiro ator relevante - o
surgem sob forma politicamente neutra e, divisão do trabalho, associadas aos efeitos te freqüentada por situações resultantes do Estado abriria espaço para o confronto
em um primeiro momento, inofensivas. Sfo da mio invisível do caos, além obviamente entrecruzamento de elevada competição so- mais imediato entre grupos sociais nã'o re-
associações de bairro, de etnias e folclore, da intensidade do autoritarismo, delineiam cietária por participação (significativa rup- presentados ou insatisfatoriamente repre-
movimentos de proteção ambiental, que o a demanda insatisfeita por participação. tura do oligopólio partidário) e forte pene- sentados no espectro partidário e os pró-
sistema autoritário, e muitas vezes o sis· A rede associativa e o sistema partidário, tração estatal nos assuntos sociais. Aparen- prios partidos.
tema político tradicional, nífo percebe co- por outro lado, defmem o grau de competi· temente, a probabilidade maior em tal cir-
Mas sobre o que se estará competin-
mo constituindo manifestações embrioná- tividade da oferta de oportunidades de par- cunstância é a de que venham a ocorrer
do afmal? Em acréscimo à pauta de deman-
rias de demanda por participação. Todavia, ticipação. A abrangência da penetração es- composições entre grupos de interesse par-
das naturais em qualquer sociedade. a
são esses e outros movimentos, mais im- tatal, fmalmente, indica a extensão da po- tidários e extrapartidários e setores da tec-
competição por melhor distribuição de
positivos posteriormente, que irãO entrar litização da sociedade, isto é, à medida que nocracia reguladora e do setor produtivo
bens e valores-, surgirá por certo a reivin-
na competiçífo com os partidos. os assuntos sociais slo administrados por estatais, dando como resultado a segmenta-
dicaçlo de que se retifiquem injustiças e
:a possível agora descrever os elemen- normas e regulamentos, antes que por coo- ção e~balcS?ização do aparelho do Estado.
discriminações direta e obviamente deriva-
tos, ainda que sumária e toscamente, cuja peração voluntária. Uma sociedade relativamente plural e das do exercício despótico do poder. E,
combinação irá em cada caso nacional :aevidente que as repercussões dos competitiva face a um Estado organiza- sobretudo, a reestruturação da pólis reco-
constituir a "ecologia" dos sistemas parti· processos básicos - mudanças populacio- cionalmente débil ou reduzido ( exceto em locará na agenda aquele conjunto de ques-
dários, isto é, o ambiente com o qual deve- nais e locacionais, alterações na divisão so- sua capacidade de coação), caso da cela II, tões, cujas respostas condicionam a passa·
rão interagir. cial do trabalho e efeitos da mão invisível tenderia a produzir um sistema político- gem do "estado de natureza" para um esta-
A questão da memória da identidade do caos na morfologia social - rede as- estatal bastante simétrico ã estratificação do civilizado: quais devem ser os limites da
perdida pode vir a configurar sério proble- sociativa e sistema partidário -, por um organizacional e econôrnica da sociedade. política e da partidarização?, que critérios
ma, especialmente se essa dinâmica é ali- lado, e o grau de penetração estatal,, por Em outros termos, seria esta uma situação devem prevalecer na diferenciação entre o
mentada por políticas específicas do regi- outro, defmem as incógnitas chaves da de laissez-fairianismo político, na qual a di· público e o privado?, que regras devem or·
me autoritário. É aqui que se podem origi- equação política, pois ficam então estru- ferenciação de renda e status da sociedade denar a competição sobre a hierarquia de
nar movimentos sociais irredentos, incon- turalmente dispostos o Estado e a socieda- tenderia a projetar- se quase em contrapon- valores que darão "alma" aos novos oure-
formados com nada menos do que comple- de, ambos com seus respectivos níveis de to perfeito no exercício do poder político novados a tores coletivos?
to ajuste de contas com o já agora passa· diferenciaçlo e competitividade internas. estatal.
Minimamente, é possível antecipar quatro Claro está que as considerações pre-
do. Matéria delicada que tanto pode con-
Se o grau de competitividade social é cedentes slo bastante especulativas, sendo
verter-se em feudos privados como em cenários alternativos, consoante sejam a
baixo, isto é, se prevalecem as condições de possível que diversas dinâmicas estejam si-
abruptas manifestações de violência apa- competitividade organizacional societária e
oligopólio partidário de participação políti· multaneamente presentes em função de ou-
rentemente insensatas. a penetração estatal elevadas ou baixas, tal
ca, diante de extensa participação do Esta- tras variáveis - por exemplo, maior ou me-
A combinação de mudanças demo- como ilustrado no Quadro II.
do em assuntos sociais, cela III, é de se es- nor "nacionalização" do sistema partidá·
perar acentuada partidarização das políti· rio, "taxa" de excludência do sistema so-
Quadro II cas governamentais. A probabilidade de cial (minorias étnicas ou funcionais que
Penetraçiio Estatal que tais políticas venham a refletir ou não constituam cidadanias de segunda classe)
a agenda de prioridades sociais dependerá, etc. Mas é de qualquer forma conveniente
ALTA BAIXA
em tal caso, do grau de representatividade sublinhar a importância que o grau de oli-
A do sistema partidário e nada mais.
L gopolização da competição social e a inten-
T II
Finalmente, se o oligopólio partidá- sidade da penetração estatal terlo na estru-

I
Competitividade A
Organizackmlll 1----~i-------t rio é predominante e a penetração estatal turação do conflito durante e após a transi-
8 é reduzida, cela IV, é de se supor que as ção do autoritarismo para uma circunstân-
Societária A
I lli IV preSSÕes sociais no sentido de romper a cia liberalizada. Dessa estrutura e dinâmica
X ' oligopolizaçio da participação sejam mais é que dependerá o futuro democrático da
A
acentuadas do que no caso anterior. A ine- América Latina.

306 307
--
v como um sistema tão próximo do natural que se passa iib demos e o relativo estado c) as alterações na divisão social do traba-
quanto possível, cuja integração e dinâmi· estacionário dapólis. De.onde se segue uma lho com o conseqüente reordenamento so-
CONCLUSÕES ca pareciam obedecer a princípios racionais, primeira hipótese sobre a lógica dos regi- cial e mudanças no peso relativo dos di-
Será útil talvez recapitular as ques· embora transcendentes aos desígnios hu- mes. autoritários: quanto mais autoritário versos atores sociais; d) os efeitos produzi-
tões e hipóteses discutidas. A possibilidade manos; b) o sistema político também se o regime, maior a assimetria entre sua dinâ- dos pela mtro invisível do caos; e) o grau de
de superar novo surto autoritário recoloca tomara autônomo em relação ao universo mica política e sua dinâmica societária. Por penetração do Estado sob sua dupla forma,
a participação política como problema e a econõrnico e, em especial, em relaç[o ao isto os regimes autoritários são inerente- produtiva e regulatória; f) o grau de com-
primeira questão consiste justamente em conglomerado de microrrelações, cujo agre· mente instáveis e submetidos à lógica de petitividade na estrutura da oferta de par-
saber por que a participação política apa- gado compunha o desde enttro chamado sis- ferro do autoritarismo. Conforme salien- ticipação, em decorrência do impacto dos
rece como problema. Tal como se deu no tema social; c) o governo, isto é, o exercí· tei anteriormente neste trabalho, um siste- processos anteriores na morfologia social.
passado, a participação política se converte cio efetivo do poder, se fazia de acordo ma autoritário não pode ser estável porque,
em problema quando existe ponderável hia· com as regras estruturadas da pólis, ou seja, ou se expande continuamente a fim de con- O grau de penetração estatal e o grau
to, descolamento, entre o governo e a so- segundo o conjunto de normas que regiam trolar as novas áreas relevantes da vida so- de competitividade na oferta de oportuni-
ciedade, entre a pólis e o demos. Em con- as relações entre as diversas instituições que cial, ou aceita relaxamento relativo na me- dades de participação constituem duas das
seqüência, a solução do problema da parti· expressavam a sociedade política; d) a pólis dida em que grupos fora da coalizão do· principais variáveis para definir o padrão de
cipação política consiste na reestruturação se tornava gradativamente coextensiva ao minante adquirem controle de novos luga- política que virá a se estabelecer: uma so-
da pólis para ajustá-la ao demos. demos; e) a participação do demos na pólis res de poder. ciedade relativamente plural e competitiva
Historicamente, a construção da or- se fazia pela mediação do sistema partidá- face a um Estado organizacionalmente dé-
O controle contínuo da vida social,
dem social modema refere- se a longo pro· rio que expressava, organizava e represen- bil tenderia a produzir uma situação de
entretanto, exaure o número de inimigos
cesso de reordenação das relações entre pó- tava o demos. e em tal contexto que os verossímeis, induzindo a fragmentação da
laissez-fairianismo político, na qual .o po-
tis e demos, ambos substancialmente rees- partidos surgem como monopólio da repre- coalizão autoritária em cliques represso-
der político estatal tenderia a refletir a di-
truturados como resultado de quatro pro· sentação e a representação como solução ferenciação de renda e status na sociedade;
ras competitivas. A inexistência de inimigos
cessos simultâneos e em permanente inte- exaustivà para o problema da participação. se a competitividade é elevada e a penetra-
verossímeis e a fragmentação do sistema
ração: I) o alargamento dapólis, enquanto A lei de ferro da oligarquia foi e é ção do Estado também o é, deve- se esperar
em cliques repressoras competitivas leva o
sociedade política, para fazê-la coincidir válida enquanto a representação política, a formação de coalizões entre grupos so-
autoritarismo à impotência pela inexistên-
com o demos; 2) o alargamento da pólis, via sistema partidário, esgotar o problema ciais e grupos tecnocráticos e a balcaniza-
cia de uma funçio social de repressllo, e
enquanto sistema de instituições, para fa- da participação política, e este será o caso ção do aparelho do Estado; se o grau de
esta é condição necessária para a emergên-
m·la coincidir com todo o governo; 3) a enquanto nã"o houver descolamento entre cia da possibilidade de uma saída negocia-
competitividade social é baixo. e a penetra-
reestruturaçio do demos de acordo com o governo e sociedade e enquanto o demos ção estatal é elevada, é provável que as po-
da do período autoritário.
processo de divisão social do trabalho guia- não gerar novas matrizes de identdade cole- líticas governamentais venham a refletir
do pela dinâmica capitalista; 4) a reestru· tiva que escapem ao controle do oligopólio É no contexto de uma nova "ecolo- acentuada partidarização; fmalmente, se o
turação do demos de acordo com os tipos partidário. Em outras palavras, a lei de fer- gia", entretanto, que os partidos políticos, oligopólio partidário é predominante (bai-
de interação entre o centro, as periferias, ro da oligarquia foi e é verdadeira em con- conjunturalmente importantes, embora em xo grau de competitividade social) e a pe-
e entre os diversos atores sociais. Não ha- textos nos quais o oligopólio da oferta de decadência histórica enquanto oligopólio netração estatal é reduzida, é de se esperar
via nenhuma determinação, ex ante, que participação puder ser mantido pelo siste- de participação, deverão contribuir para a o aparecimento de pressões sociais no sen-
obrigasse a que esses processos produzis- ma partidário de representação. E justa- restauração democrática. E esta ecologia se tido .de romper o oligopólio da participa-
sem um e apenas um resultado. A ordem mente esta premissa é que se encontra em defme como decorrência do valor que ve- ção.
social finalmente estruturada derivou· se da deterioração no mundo contemporâneo, e nham a assumir as seguintes variáveis: a) o
competição entre concepções distintas de de forma intensa em regimes autoritários. papel da memória social na recuperação da As considerações finais sã"o evidente-
como deveria ser estruturada. Em qualquer sociedade, o ritmo da identidade coletiva do passado e sua re- mente especulativas, objetivando tão so-
Em meados do século XIX, aproxi- dinâmica politica nã"o corresponde ao rit- sistência ao reconhecimento de mudanças; mente à fiXação de pontos de referência
madamente, o perfil da ordem social estava mo da dinâmica societária. O descolamento b) as alterações ocorridas nos parâmetros para possível evolução dos sistemas autori-
já d~lin,.ado de acordo com as seguintes ca- entre pólis e demos é ainda mais agudo em "naturais" população e m:banização e seus tários, em sua fase de liberalizaçfo, cujo re-
:-aderísticas: a) a economia fora instituída regimes autoritários pela diferença entre o efeitos sobre a composiçtro do eleitorado; sultado, de qualquer modo, será sempre de·

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pendente da competência e inventividade mais seria outra coisa que medonha pers-
dos atores políticos. Não fora esta caracte- pectiva de eterna rotina.
rística humana irreprimível e o futuro ja- (Recebido pam publicação em junho de 1985)

A RESPOSTA DA SOCIEDADE: A LUTA PELOS


ABSTRACT DIREITOS HUMANOS NO CONE SUL
The Michels Century:
Oligopolistic O:Jmpetition, Authoritarlan Logic José Morío Gómez
and Tmnsition in LatinA merica

Nost~:~ heranço não foi precedida de nenhum testamento.


This paper focuses on the role played by the politicai party as a democratic institution, the
politicai parties in sunnounting authoritarianism logic of authoritarianism, and the conditions for René Char, Paris, 1946
and in the transition to democracy. This subject a negotiated transition, particularly in Brazil, and
takes on special importance in the light of the lastly, the position of politicai parties in the post· Fué muy duro • .. Caminar, golpear puertag, ese empuje (• • •) que nos llevó ese dfa que
history of present-day pluralistic govemments, authoritarian transitionai phase. se reunió por primera vez la Multipartídaria, sin pedir audiencia o penniso a nadie • ••
in which politicai parties have proved to be the Speculating on the possible evolution of Abrimo/i la puerta eles dijimos: "acá estamos las madres, no hereden ésto •.• '', y les
institution most successful at expressing, organi- authoritarian systems in the liberalization stage, entregamos un documento. Desde ese momento comenzaron a ver que nosotras tentamos
zing and bringing about politicai participation; the author concludes by designating two of the mucha fuerza. Y además quedó muy claro el pedido con vida de lO!; desaparecídm,
thereby raising the question ofwbether they will main variables for defining the politicai model to porque de em manera responmbilizamos a los culpables de la desaparición. (. • •) ese
be able to play an analogous role in the consti- be established: the extent of state penetration rt>etamo de la aparición con vida de los detenidos desaparecidos, algo que se fui
tution of a non-authoritarian polity in Latin and the degree of competitiveness in the availabi- haciendo carne en mucha gente.
America. lity of opportunities for participation. Hebe de Bonafmi, presidente da Associação Madres de Plaza de Mayo, Buenos Aires,
The author discusses the significance of outubro de 1982

R~SUM~
consagrados a tal ftm. São menos conheci-
Le Siecle de Michels: Compétition dos os problemas que esta temática estabe-
Oligopoliste, Logique Autoritaire et Transition Na história recente dos países do Co- lece com relaçifo à compreensão e inteligi·
en Amérique Latine bilidade da práxis soc.:íal Assim, resumida-
ne Sul, a temática dos direitos humanos de-
signa o campo de urna nova interaçílo polí- mente, podemos pensar que a relevância
Quel a été le role assumé par les partis po- tion des partis politiques en tant qu'institutions dos direitos humanos: (a) alude a urna prá-
tica em termos de atores, posições e natu-
litiques lors du processus de dépassement de l'au· démocratiques, sur la logique de l'autoritarisme,
reza do conflito social. A situaçã'o que lhe tica defensiva, meramente circunstancial.e
toritarisrne et de transition vers la démocratie? sur les conditions nécessaires à une transition né-
Tel est le débat que propose l'auteur de cet arti- gociée, particulierement au Brésil et, finaiement, deu origem é amplamente conhecida: de de conteúdo moral e individual antes que
cle. Cette question acquiert une importance sin- sur la position des partis lors de cette phase de um lado, a violaçã'o sistemática dos direi· político?, ou (b) trata-se, ao contrário, da
guliêre si on considere que dans l'Histoire des po- transition post-autoritaire. tos elementares das pessoas por parte de expressão embrionária de um fenômeno de
lyarchies actuelles, les partis politiques, rnieux L'auteur émet des hypotheses quant à caráter político, complexo e inédito na
regimes autoritários que recorrem ao ter-
que n'importe quelle autre institution, se sont l'évolution possible des sysdmes autoritaires
montres capables d'exprirner, d'organiser et de actuellement en phase de libéralisation. II conclut rorismo de Estado (assassinato, desapareci- região?
rendre effective la participation politique. Cest. en indiquant deux des principales variables pro- mento, tortura, detençã'o arbitrária, censu- Estas reflexões se inscrevem na pro-
pourquoi on est en droit de se demander dans pres à défmir le modele de politique qui s'éta- ra, extlio forçado etc.); de outro, a reivin· blemática evocada pela segunda questão.
quelle mesure ils pourraient jouer un rôle sem- blira: le degré de pénétrationde l'Etat et le degré dicaçfo da plena vigência dos direitos vio· Elas partem do pressuposto básico de que
blable dans la constitution d'une "polis" non au- de compétitivité dans roffre d'occasions de parti- a questão dos direitos humanos constitui
lados, no plano nacional e internacional,
toritaire en Amérique Latine. cipation.
L' artícle établit un débat sur la significa- empreendida por entidades e movimentos um momento teórico e prático cortsubstan-

dados- Revista de Ciêncfag Sociais, Rio de Janeiro, vol. 28, nQ 3, 1985, pp. 311 a 327

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