Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
de
David Hare
Personagens
A Rapariga
O Motorista de Táxi
A Au Pair
O Estudante
A Mulher Casada
O Político
A Modelo
O Dramaturgo
A Actriz
O Aristocrata
1
1. A RAPARIGA E O MOTORISTA DE TÁXI
A Rapariga está sentada num banco, na rua, a fumar um cigarro. O Motorista de Táxi
passa e não repara nela. Ela não reage. Segundos depois, ele volta a passar na direcção
oposta. Desta vez ela fala quando ele passa.
MOTORISTA – Não
RAPARIGA- Porque é que me pareceu que tinhas dito qualquer coisa? (Apaga o
cigarro) Queres vir comigo para casa?
MOTORISTA – Se eu quero ir contigo para casa ? Para casa? Porque é que eu iria para
casa contigo ?
MOTORISTA – Onde ?
RAPARIGA – É teu ?
MOTORISTA – É meu.
2
MOTORISTA – Não tenho dinheiro nenhum. Acabei de gastar o que tinha num jantar.
RAPARIGA – Então ?
MOTORISTA – Olha, esquece. Dez minutos ? Não. Esquece. Tenho que trabalhar. Ainda
não fiz nada esta noite. E não vou foder no carro. É a primeira regra de condução. Não se
fode no carro.
MOTORISTA- Aqui?
A rapariga pega-lhe na mão e leva-o rapidamente para um sítio mais escuro da rua.
RAPARIGA – O que é que achas ? Achas que vais querer guiar um táxi a vida toda ?
3
RAPARIGA – Ah sim ?
MOTORISTA – Claro.
RAPARIGA- Porquê ?
Música . Escuro.
A luz volta. A Rapariga está deitada no chão. O Motorista está de joelhos ao lado dela,
as mãos nos joelhos.
MOTORISTA- Trabalhar. (De repente, ele baixa-se com inesperada ternura e ajuda-a a
levantar-se. Ele sorri) Eu disse-te. Ainda não trabalhei nada hoje. ( Começa a sair)
4
MOTORISTA – Ah não, não te vou dizer o meu nome.
MOTORISTA – O que é ?
RAPARIGA – Vá lá.
RAPARIGA – Vá lá. Eu não queria dinheiro nenhum. A sério. Não queria. Mas, vá lá,
por favor, dá-me algum dinheiro.
O Motorista sai.
5
2. O MOTORISTA DE TÁXI E A “ AU PAIR”.
Música de Elvis Presley. . A Au pair está junto a uma porta. É jovem, tem um sotaque
estrangeiro. Estão no meio de uma discussão.
MOTORISTA – O verbo ?
AU PAIR – Não.
MOTORISTA- Ok, adiante. (Ele olha-a nos olhos) Vá, diz lá. Se é assim tão importante.
MOTORISTA- Fred.
AU PAIR- Está tão escuro. Meu Deus, olha que escuro que está.
6
MOTORISTA - Vais ficar bem. Aconteça o que acontecer vais ficar bem. As raparigas
dizem que têm medo, mas afinal têm medo de quê ?
A Au Pair sorri, embevecida. Ele acende um cigarro com o fósforo e depois puxa um fio
pendurado. Uma lâmpada nua acende-se. O quarto é um armazém poeirento. Caixas de
cartão.
MOTORISTA- Todas as raparigas dizem “ porque não”. Não sei o que é que isso quer
dizer.
AU PAIR – Porquê ?
AU PAIR- Faz-me sentir realmente sexy. Que boa frase ! “ Não digo a ninguém”!
7
MOTORISTA – Bem, ninguém vai saber.
MOTORISTA – Ah sim, bom, essa. É uma velha amiga. Bem antiga. É essa a razão ?
AU PAIR – Não.
MOTORISTA – Elvis.
AU PAIR –Qual é que achas que é a razão ? Porque é que eu tenho que arriscar ? É essa a
razão. Porque já não é seguro. Eu só arriscava se...
MOTORISTA – Se o quê ?
AU PAIR – Se quisesse dizer alguma coisa. Se é para arriscar, tem que querer dizer
alguma coisa.
AU PAIR – Então ?
8
O Motorista não responde por uns momentos.
Deitam-se os dois numa cama de caixotes que se esmagam debaixo deles. Ele puxa o fio
da lâmpada.
Música.
MOTORISTA – Bom, cá estamos. ( Parece contente). Não podemos ficar a noite toda
em cima de cartões.
Acende um fósforo para um cigarro que partilham. Não conseguimos ver a cara dela.
Isto está tão mau que ouvi dizer que estava um prisioneiro no corredor da morte, e
perguntaram-lhe, “ Tem um último pedido ?”. E ele disse “ Um cigarro”. E eles
responderam” “ Você está num espaço público. É contra a lei”.
AU PAIR Tu es un animal.
9
A Au Pair vira-se e olha para ele.
AU PAIR – Fred...
AU PAIR – Sim.
Há uma pausa.
O Motorista beija-a. A música de Elvis volta a ouvir-se. É romântico. Então ele pára.
MOTORISTA – Imagina. O gajo prestes a ser frito e não lhe dão uma passa.
AU PAIR – Se quiseres.
MOTORISTA- Não sei. Estou um bocado baralhado. Para ser sincero, a modos que me
baralhaste.
10
MOTORISTA – O quê?
AU PAIR – Sim. Tenho de voltar. Sou tratada como uma criada. Pela família toda. Tenho
que dar de comer aos gatos, aos cães, aos humanos. Sou uma escrava.
MOTORISTA – Não podes ir a pé. É perigoso. A esta hora da noite. Não queres uma
boleia?
MOTORISTA – Não percebo. O que é que eu tenho que dizer ? O que é que tu queres
que eu diga ? Estou a oferecer-te a porra duma boleia.
A Au Pair sorri e faz o movimento de sair. Ele segue-a mais bem disposto.
MOTORISTA- E isso quer dizer o quê ? O que é que o sorriso quer dizer ?
MOTORISTA – Gostava de dançar. Não podemos dançar só mais uma , por favor? Quer
dizer, se não dançarmos, não fica uma coisa meio à bruta ?
MOTORISTA – Não adoras esta parte ? Não adoras ? ( Está num mundo só dele. Aponta
para uma cadeira solitária.) Olha, senta-te. Vou buscar uma cerveja para nós. Podemos
dançar aqui.
11
MOTORISTA – Não vás.
Ele vira-se de uma forma hesitante e sai para pista de dança. A Au Pair senta-se
sózinha.
12
3. A AU PAIR E O ESTUDANTE
Uma cozinha. A Au Pair está sentada a uma mesa com uma t-shirt azul e chinelos, a
escrever uma carta. Está muito calor. Após alguns momentos o Estudante entra. Tem
um livro na mão. Jeans à moda e t-shirt. Está extremamente nervoso.
ESTUDANTE – Está tanto calor. Está incrivelmente quente. Nunca faz tanto calor nesta
altura do ano. Não está ninguém na cidade. Sou a única pessoa ainda a trabalhar? Não te
levaram para o campo ?
ESTUDANTE- Foi ele que insistiu que eu fosse para Direito. É uma tradição familiar.
AU PAIR – Beber ?
ESTUDANTE- Direito. (Ele não deixa perceber que era uma piada). Tudo bem, bebo
água.
É claro que ele espera que a Au Pair o sirva. Ela levanta-se, vai buscar um copo ao
armário, depois vai à torneira e abre-a. Estão os dois encharcados em suor.
13
A Au Pair deixa a água correr.
AU PAIR- Desculpe?
ESTUDANTE – Há um bocado.
AU PAIR- Quando ?
ESTUDANTE – Esta manhã. Fiquei lá em cima tanto tempo que perdi a noção das horas.
Estava à espera de um amigo.
Ela estende o copo para ele e coloca-o nas suas mãos. As mãos de ambos tocam-se.
Ele sai. A Au Pair vai ao espelho e arruma a roupa, realçando a linha do busto com a t-
shirt. Serve-se de um copo de água. Antes de se virar, o telefone toca. Ela atende.
Ela bebe o seu copo de água. Depois tira um terceiro copo e enche-o de água. Quando
acaba o Estudante aparece à porta, sem o livro.
ESTUDANTE- Obrigado. Então, muito bem. Estás a gostar disto aqui? Dás-te bem com
o meu pai ?
ESTUDANTE- A minha mãe gosta de ti. Dás-te bem com a minha mãe. O que é uma
coisa importante. É o que eu acho.
AU PAIR- Quem ?
14
A Au Pair dá-lhe o copo de água e as suas mãos tocam-se.
ESTUDANTE- Obrigado.
AU PAIR- Senhor.
ESTUDANTE- Senhor, não. Já ninguém chama senhor a ninguém. Céus, odeio essa
ideia. Esses tempos já passaram.
ESTUDANTE- Por favor, eu só queria...estava a olhar para a t-shirt. A olhar para ti....eu
sei que não tens dinheiro. Ou antes, que te pagamos pouco. E tens coisas tão bonitas.
Posso ver ? Por favor ? ( Ele pega no tecido entre o polegar e o indicador).
AU PAIR- Senhor ?
Ele põe os braços à volta da cintura dela e puxa-a para si. Ela inclina-se para trás
enquanto ele abre um pouco os botões e beija-lhe o pescoço.
ESTUDANTE – A tua pele é linda. Branca.
AU PAIR- Não. Amável não faz mal. ( Ela suspira com os beijos dele)
AU PAIR- Senhor...
15
O Estudante cai de repente aos pés dela, ainda nervoso.
ESTUDANTE- E que chinelos tão bonitos. Também azuis. Como é que se chama?
Indigo?
AU PAIR- Cobalto.
ESTUDANTE- São...quer dizer, o que ia perguntar era, são da mesma loja ? ( Ele
abraça-lhe os joelhos)
ESTUDANTE- Qualquer pessoa que tenha o teu aspecto não tem razão para ficar
embaraçada. Se eu tivesse o teu aspecto, não era tímido. Se eu cheirasse como tu.
Ele avança para ela rapidamente e abraça-a. Deitam-se e ele fica por cima tentando
tirar-lhe a t-shirt.
ESTUDANTE – Deixa-o tocar. Não vás à porta. Deixa-o. Não vás à porta.
16
AU PAIR- Mas se ele vier? E se o seu amigo vier ?
Escuro.
A campainha toca insistentemente. Ainda está escuro. Pressentimos que estão deitados
lado a lado.
ESTUDANTE- Merda !
AU PAIR- O quê ?
ESTUDANTE- Podes lá ir ?
AU PAIR – O quê ?
A Au Pair puxa a saia para baixo e sai. O Estudante puxa as calças para cima e abre as
cortinas. A Au Pair volta.
17
Ele parece agitado. Ela não repara e avança para ele.
AU PAIR- Porquê?
ESTUDANTE- Acho que é melhor eu ir. Acho que é melhor ir andando. Vou ao café.
ESTUDANTE- Se ele telefonar. Estou a dizer, Marie, se ele .....se ele telefonar, por favor
diz-lhe onde estou. Que é no café. ( Ele pára por um instante) Quer dizer, se puderes
fazer o teu trabalho.
AU PAIR- Senhor.
18
4. O ESTUDANTE E A MULHER CASADA
Ao fazer isso, toca a porta. Vai até à porta do quarto, abre-a e ouve. Alguém abriu a
porta. Por isso, ele senta-se numa cadeira com um livro, tentando parecer descontraído.
A Mulher Casada entra. Tentou disfarçar-se vestindo umas calças justas, um enorme
casaco, em lenço à volta cabeça e óculos escuros. Parece uma mistura entre Jacqueline
Onassis e o Homem Invisível. Fica um momento parada com a mão esquerda no
coração, como a recuperar de uma grande emoção.
ESTUDANTE- Eu sei.
Ele levanta-se e dirige-se a ela, mas ela encosta-se com as costas na porta.
ESTUDANTE- Eu sei.
ESTUDANTE- Eu também...
ESTUDANTE – Sim. Não pensei. A empregada. ( Dá um passo para ela). Está tudo
bem. Tenho a certeza que ela não lê os jornais.
19
ESTUDANTE – Não...
ESTUDANTE- E o lenço.
ESTUDANTE –É.
MULHER CASADA – É aqui que trabalhas? Não posso voltar. (De repente, vira-se).
Está tanto calor! Está um calor insuportável aqui!
20
ESTUDANTE- É a primeira vez que estamos sózinhos.
Inclina-se para a beijar mas ela dá um passo atrás.
ESTUDANTE- Não...
O Estudante concorda.
ESTUDANTE – Nojento.
O Estudante vai por trás dela e desabotoa o casaco. Depois tira-o e coloca-o na cadeira
com o resto das coisas dela.
ESTUDANTE- Emma !
MULHER CASADA- A sério. Estou mesmo a falar a sério. Sou amiga dos teus pais, por
amor de Deus.
ESTUDANTE- E depois ?
ESTUDANTE- Desculpa?
MULHER CASADA –Um copo de água. Tens uma cozinha, não tens?
21
ESTUDANTE- Sim. ( Não se mexe). Bebe antes um brandy.
A Mulher olha enquanto ele serve o cognac num copo de lavar dentes.
MULHER CASADA- Pensei que conseguia fazer isto mas não consigo.
ESTUDANTE- Porquê ? Não é isto que queremos? Estamos juntos. Estamos num quarto.
Por uma vez, sem os olhos do teu marido a chatearem-nos...( De repente, ele retracta-se).
Está bem, desculpa, não devia ter falado nele...
ESTUDANTE- Conheço o mundo do teu marido. Política! Céus ! Como é que alguém
pode ser feliz...alguém com a tua inteligência, a tua sensibilidade....como é que podes ser
feliz num mundo de mentiras e aparências?( De repente, está zangado) O que é que tu
pensas que isto é? Um encontro sórdido?
ESTUDANTE- É amor. ( Ele acena levemente face à sua confissão) Céus. Quer dizer, é
isto mesmo. É amor. Estou apaixonado. Não posso viver sem ti. É verdade. Talvez soe
ingénuo. Bem, sou. Sou ingénuo.
Sorriem os dois.
22
MULHER CASADA- Anton, prometeste....
ESTUDANTE- O que é que eu prometi? O que é que eu prometi exactamente?
Pausa.
Ele vai para a cama. A Mulher tem vestido um body debaixo da roupa.
MULHER CASADA- É um body. A Madonna usa-os. ( Entra na cama) Meu Deus, está
frio.
O Estudante, que se despe, fica perturbado por esta frase e fala directamente para o
público.
23
Música. Escuro.
Silêncio.A Mulher está sentada num dos lados do quarto. O Estudante ainda está na
cama.
ESTUDANTE- A culpa é minha. Desculpa. A culpa é toda minha. Eu sabia que isto ía
acontecer. Eu sabia. Sabia que era uma coisa errada.
ESTUDANTE- Li um artigo.
ESTUDANTE- Alguns dos homens mais famosos na História tiveram esta experiência
particular.
ESTUDANTE- Não estou a dizer que me faz sentir melhor. Não faz. Como tu dizes, não
importa, mas mesmo assim.
MULHER CASADA- Não. Embora, para ser justa, tu realmente prometeste que não
fazias nada e mantiveste a tua promessa...
ESTUDANTE- Emma...
MULHER CASADA – Não, por amor de Deus. É só...tens que ser sempre tão sério?
24
MULHER CASADA – Não pensei que podia acontecer a homens tão novos, só isso.
Pensei que só acontecia com velhos acabados. Ou homens que já foderam tanto que não
se aguentam em pé.
O Estudante franze o sobrolho , tentando ignorar esta súbita ordinarice.
MULHER CASADA – Achas que isso é verdade para todos os tipos da Bolsa, ou é só
esse, porque...
MULHER CASADA – Acho que daqui para frente vou evitar os bolsistas. Se tudo o qoe
oferecem é um choro comunal.
ESTUDANTE- De uma forma obscura, parece que estás muito bem disposta.
ESTUDANTE- Pensei que era suposto as mulheres darem confiança aos homens nestas
ocasiões.
ESTUDANTE- Pensei que era suposto elas desviarem o assunto suavemente e fazerem-
nos sentir melhor.
25
MULHER CASADA – Ouve, está tudo bem. Somos amigos. Somos – qual é a palavra –
camaradas.
ESTUDANTE- Disse?
MULHER CASADA – Nem queria acreditar. Nunca conheci ninguém que usasse essa
palavra. ( Muda de tom repentinamente) E agora tenho que me ir embora...
MULHER CASADA – Está bem, mas só....só se...me fizeres uma promessa.
Pausa.
MULHER CASADA – Confia em mim. Sei mais do que tu. Deita-te e não te mexas.
Escuro. Silêncio.
MULHER CASADA – Oh, meu lindo menino..(Acende a luz) Que horas são ?
26
MULHER CASADA – Oito, meu Deus! ( Enrola o lençol à volta do corpo e começa
rapidamente a agarrar as coisas dela). Eu sei. Eu sei .
MULHER CASADA – Esta noite. Esta noite vai ser a noite em que ele, pela primeira
vez, vai chegar mais cedo a casa. Onde é que estão os meus sapatos?
ESTUDANTE – Toma.
MULHER CASADA – Não percebes, pois não? Não compreendes. Isto pode ser o nosso
fim.
ESTUDANTE- Porquê?
MULHER CASADA – E isto tudo por ti, por um homem como tu. Vá, dá-me um beijo.
Abraçam-se, ela segurando as roupas, depois corre para a casa de banho, muito feliz.
Fecha a porta. O Estudante começa a vestir umas calças, mas pára e come vários
aperitivos. Ela fala da casa de banho.
ESTUDANTE – Sim?
MULHER CASADA- Como é que vai ser? Quando é que um dia destes eu te vejo outra
vez ?
ESTUDANTE- Um dia destes, o que é que queres dizer? Vamos estar juntos no comício
amanhã.
27
ESTUDANTE- Vamos todos. O teu marido vai discursar no comício.
MULHER CASADA – Eu não vou. Estás doido? ( Ela reaparece. Come aperitivos
enquanto acaba de se vestir) É impossível. Nunca sobreviveria.
MULHER CASADA – Não está nada combinado. Vemos isso amanhã. No comício.
O estudante abraça-a.
O estudante beija-a uma última vez. Ela sai. Ele senta-se no sofá e come mais aperitivos.
28
5. A MULHER CASADA E O POLÍTICO.
Um quarto.A Mulher Casada está na cama, lendo uns papéis. Há duas camas de solteiro.
O Político entra no quarto, gravata desapertada e as mangas da camisa enroladas.
Parece cansado. A Mulher não olha para cima.
POLÍTICO- O governo do país....( Ele sorri, ironizando) Para além disso, senti-me
sózinho.
POLÍTICO- Era assim que pensaste que ía ser? Quando casaste comigo?
POLÍTICO- Já há algum tempo que queria falar contigo, Emma. Para te agradecer.
POLÍTICO- Sim. Pela tua paciência. Eu sei que há alturas em que estou perto de ti e
outras em que não estou. Às vezes, tenho que me afastar. Tenho que me retirar...
29
MULHER CASADA- Qual é?
POLÍTICO- Estes momentos quando nos encontramos outra vez. ( Senta-se na cama
dela) Lembro-me de alguém me dizer há uns anos: um verdadeiro casamento está sempre
em mudança. Nunca fica parado. A qualquer momento, ou estamos a aproximar-nos ou a
afastarmo-nos.
POLÍTICO- Sim. Meu Deus! (Aproxima-se mais dela) Se continuássemos assim ...
POLÍTICO- Sim
POLÍTICO – Não sei. Já vi tantos casamentos que nasceram na cama, viveram na cama e,
sejamos honestos, acabaram na cama, tudo acabado no espaço de poucos anos...
POLÍTICO- A cama como único critério, a cama o único lugar de contacto, a cama a
única coisa que segura tudo...
30
MULHER CASADA – Não.
POLÍTICO- As pessoas têm de ser amigas, não achas? Tanto amigas como amantes.
Sabes o que é que eu acho que é importante ? A coisa mais importante de tudo?
POLÍTICO- Então tinham uma base. Então tinham algo sólido. Uma mulher com quem
se pode rir.
POLÍTICO- Vou. (Beija-a na testa e levanta-se. Tira três telemóveis idênticos e alinha-
os na mesa de cabeceira. Começa a despir-se.) É bastante assustados, sabes, no meu
trabalho. Olha para trás. Pertenço a uma geração que dava valor à liberdade acima de
tudo. E no entanto, é como se as pessoas se tivessem esquecido do que a liberdade
acarreta.
POLÍTICO- A liberdade individual era uma ideia maravilhosa, mas aqui estamos nós,
trinta anos depois, e o governo tem que lidar com as consequências...( Tira os sapatos e
as meias) Desintegração social, sem-abrigo, as cidades a caírem, os serviços sociais
sobrecarregados. Ouvi uma mulher jovem no outro dia, cinco filhos de cinco pais
diferentes. E a comportar-se como se isso fosse um direito divino. E nós temos que tomar
conta dessas crianças! ( Fica de shorts) Ah sim, a liberdade é uma coisa maravilhosa,
mas às vezes acho que as pessoas deviam ter que passar num teste, para provar que a
mereciam.
31
MULHER CASADA- Santo Deus.
Ambos sorriem.
POLÍTICO- Bem, é um factor. Faz toda a diferença. Podemos tomar conta das nossas
crianças, podemos olhar por elas, podemos criá-las sem sobrecarregar a sociedade.
POLÍTICO- Eu?
MULHER CASADA- É tão estranho, estamos juntos há oito anos e nestes anos, alguma
vez conversaste comigo sobre como é que era a tua vida antes?
POLÍTICO- A lista. Não falámos já sobre a lista ? Das mulheres com quem estive .
32
POLÍTICO- Não é uma vida sobre a qual eu goste de falar.( Mete-se na cama) Sou muito
mais feliz agora.
POLÍTICO- Claro.(Abana a cabeça, espantado com as suas memórias) Meu Deus, toda
aquela confusão, todas aquelas dúvidas....
POLÍTICO- Claro que há. Percebes o que eu quero dizer. Não é – como dizer ? Não é
politicamente correcto – mas no fundo toda a gente sabe que há dois tipos de mulheres...
POLÍTICO- Só que não devemos dizer iss. E eu sou uma pessoa que passou muitos anos
da vida- talvez demasiados – com esse tipo de mulheres.
POLÍTICO- Ouve...
33
POLÍTICO – Quando se é novo, é natural. Faz parte do crescimento. Mas não é...., ouve,
não é vida. Não é uma vida como nós temos. Com crianças.
POLÍTICO- Porquê?
POLÍTICO – Claro que não. Não sejas ridícula. Achas que agora que estou
casado....achas que não te dizia ?
POLÍTICO – Eu conto-te tudo. ( Olha-a nos olhos) Os dois lados sabem. Nesse tipo de
relações, para ser franco, os dois lados sabem o que se passa. Não é para sempre. Não
tem nada a ver com isso.
POLÍTICO – Paixão.
POLÍTICO – E até me custa pensar....a sério, até me custa pensar o que terá acontecido a
uma ou duas delas. Não eram almas felizes. Algumas nem conseguiam manter os
empregos.
34
MULHER CASADA – Estou a ver
POLÍTICO – O quê?
POLÍTICO- Isso é outra coisa . Desculpa, mas isso é uma coisa completamente diferente.
POLÍTICO- E é porque tens amigas que fazem isso? Algumas das tuas amigas dormem
com homens casados?
MULHER CASADA – Acho que elas não tem que justificar nada.
35
MULHER CASADA – Hmmm.(Pausa) Tens a certeza que nunca fizeste isso?
O Político hesita.
POLÍTICO- Olha, se soubesses, digo-te, a sério, é a recordação mais triste que tenho.
Silêncio.
POLÍTICO – Sim.
Outro silêncio.
POLÍTICO – Oh...
36
MULHER CASADA- O que é que estás a dizer? Que a morte dela foi algum tipo de
julgamento?
MULHER CASADA- Que aconteceu por causa do que ela era? Por causa do que ela fez?
POLÍTICO –Estella.
Beijam-se.
POLÍTICO –Se a gente se tivesse conhecido quando era mais novo. Não teria precisado
de conhecer mais ninguém. És uma bela mulher, ouviste? Bela....
POLÍTICO –Não.
37
POLÍTICO –Sim. ( Pausa) O que foi ? Diz-me.
MULHER CASADA Se todas as nossas noites pudessem ser assim. Se me pudesses amar
assim sempre.
POLÍTICO –É isso que é fantástico no casamento: há tempo para tudo. Quer dizer, nem
toda a gente tem Veneza, mesmo como recordação.
38
6. O POLÍTICO E A MODELO
Um quarto. O Político está sentado no sofá a fumar depois de ter comido uma bela
refeição. Com ele está a Modelo. Está a comer gelado numa taça enorme. A TV está
ligada com o som baixo. O Político olha para a Modelo.
POLÍTICO –Porquê ?
MODELO- Vim logo para o quarto.
POLÍTICO –Não acho que sejas uma vadia.( Tenta puxá-la para ele)
MODELO- Hey!
MODELO- Já calculava.
POLÍTICO – Podíamos ter ido dar uma volta primeiro. Se achas que assim as coisas
ficam mais respeitáveis.
39
POLÍTICO –Não? Falaste comigo.
MODELO- Alguns.
POLÍTICO –Quantos?
MODELO- Adivinha.
POLÍTICO –Cinquenta?
A modelo afasta-se.
POLÍTICO –Cinco.
MODELO- Tenho dezassete anos, sabes. Não sou assim tão inocente.
MODELO- Para seres modelo, tens que parecer horrorosa. Faz parte do trabalho.
40
POLÍTICO – É um equilíbrio ?
POLÍTICO –O que é que o teu namorado acha? Tens de ter um namorado. Uma rapariga
bonita como tu.
MODELO- Queres?
MODELO- Quem?
MODELO- Ainda estás nisso?( Ela olha para ele deixando de preparar a coca) Por
acaso, era parecido contigo.
POLÍTICO –A sério?
MODELO- Também falas como ele. “ Se tu o dizes”. E tens a mesma maneira de olhar.
MODELO- A maneira como estás a olhar agora. ( Olha para ele) Não. Não olhes para
mim assim.
41
POLÍTICO –Porquê?
MODELO- Porque tenho que ir para casa, é óbvio. O que é que a minha mãe vai dizer?
POLÍTICO –O que é que a tua mãe diz quando não vais para casa?
MODELO- Uma tem treze. No outro dia apanhei-a num encontro. Nem queria acreditar.
A porca!
MODELO- Dei-lhe uma coça quando chegou a casa.(Snifa) É isso que eu estou a dizer.
Se eu não lhes der disciplina, quem dá? (Snifa outra linha)
POLÍTICO –Charles.
Silêncio
42
POLÍTICO –Ainda não me disseste quem ele era.
MODELO- Era uma besta. Era uma besta, senão porque é que me deixou ?
A modelo cala-se.
POLÍTICO –Pensava que os teus olhos eram verdes mas afinal são azuis.
O Politico toma isto como uma deixa para a beijar. Mas antes de conseguir ela levanta
uma mão cheia de comprimidos.
POLÍTICO –Qual ?
MODELO- Um branco.
MODELO- Dois.
Beijam-se.
MODELO- Não me lembro. Não consigo lembrar-me de nada. O quarto está às voltas.
Os olhos da modelo estão fechados. Ele escorrega para o chão e põe a cabeça entre as
pernas dela.
MODELO- Não sei o que é que estás a fazer.(Encosta-se) Sabe Deus donde é que isto
veio. Era o gajo do costume. E outro gajo arranjou-lhe isto. E ele disse. E ele disse. Disse
que outro gajo lhe tinha arranjado isto....
43
Música. Escuro
O Politico está sentado a uma mesa muito alerta. A Modelo deitada no sofá, em
abandono, meia adormecida.
MODELO- Porque é que estás tão longe ? Porque é que não vens para aqui?
POLÍTICO –Ah, isso é muito lisonjeador, devo dizer. Foi a coca, foi ?
MODELO- Eu não faço isto! Eu não faço esta merda ! Eu não vou para a cama com
homens que não conheço.
POLÍTICO –Ok , por mim tudo bem. Quer dizer, tudo bem de qualquer ponto de vista.
( Ele muda, um pouco desconfortável) Era isso que eu estava a perguntar há bocado, era
por isso que eu queria saber. Quem mais...
POLÍTICO –Não. Pelo contrário. De facto...estava com esperanças de te poder ver outra
vez.
MODELO- Ah sim?
POLÍTICO –Talvez não aqui. Talvez num outro tipo de lugar que eu arranjasse para ti.
44
Ela olha para ele por um momento
O Politico ri.
POLÍTICO –Dificilmente.
POLÍTICO –Não sabes nada. Não sabes a ponta de um corno. Não sabes nada de nada!!!(
De repente, gritou com ela. Levanta-se muito perturbado)
POLÍTICO –Quer eu seja casado ou não, tu simplesmente não sabes nada sobre...sobre
outro tipo de mundo que não seja o teu.
MODELO- Eu não sabia que eras casado. Estava só a falar, está bem? Estava só a
conversar.
45
POLÍTICO –A culpa é minha. Não estou habituado aos comprimidos.(Vai ao pé dela e
senta-se no sofá) Ouve, preciso de ver outra vez.
MODELO- Precisas?
POLÍTICO –Claro. Mas para mim não é fácil. Se chegarmos a um entendimento. Tenho
que dizer, que dada a natureza das coisas, não posso tomar conta de ti.
POLÍTICO –Não posso estar sempre a aparecer.(Olha para ela por um momento) Não
estou a falar do lado moral das coisas. Isso não me importa. E, por mim, terei que ser
cuidadoso, quer dizer, discreto. A imprensa neste país é um escândalo. Está
completamente fora de controlo. Mas, para além disso tudo, o que eu estou a querer dizer
é outra coisa.(Pausa) O mundo como está agora. No que se tornou. Vou ser sincero.
Estou a falar de higiene.
MODELO- Ah.
POLÍTICO –Posso arranjar um lugar para nós. Até pode ser um sítio onde tu vivas. Se
quiseres viver sózinha.(Ele sorri) Da próxima vez, vai ser noutro lugar.
MODELO- Talvez.
MODELO- Talvez
46
7. A MODELO E O ESCRITOR
Um estúdio na parte boémia da cidade. Cheio de livros e CD’s. Uma mesa coberta de
papéis e guiões. As cortinas estão corridas e o quarto está na penumbra. O Escritor abre
a porta, deixando a Modelo passar.
MODELO – Hmm. Os meus lindos olhos não vão ter tempo para se habituarem. Vou-me
já embora.
ESCRITOR- Vamos acender velas, sim? Há uns anos houve um corte de energia e depois
eu pensei: porquê voltar a ter electricidade? Assim temos uma luz mágica. (Ele acendeu
um candelabro e olha em volta, satisfeito com o efeito. Aponta para o sofá) Senta-te ali.
Dorme, se quiseres.
MODELO – Disseste...
ESCRITOR- Caramba!!
MODELO –Na festa , disseste que eras escritor. Os jornalistas não são escritores.
ESCRITOR- Dificilmente. Quer dizer, genericamente, talvez. Como os ratos são animais.
ESCRITOR- Sim, mas nunca o uso. Para mim, sentir a caneta no papel é super
importante.
47
MODELO – Ah. ( Pausa) Disseste que me ías mostrar uma canção que tinhas escrito.
ESCRITOR- Escrevi-a ? Não. Ajudei a escrevê-la, para ser correcto. Isso importa? Não.
Em última análise, é a autoria importante? Quer dizer, é ao trabalho que deveríamos dar
valor, não ao escritor.
MODELO – Desculpa?
MODELO – Não.
O Escritor sorri.
MODELO – Não.
MODELO – Porquê?
MODELO – Claro.
MODELO –Não.
ESCRITOR- Muito bom. (Ele pensa um momento, satisfeito) Que tipo de escritor sou eu?
Sim, bom, é uma boa pergunta. Isso é uma coisa sobre a qual as pessoas têm discutido. O
trabalho não é fácil de catalogar.
MODELO –Ah.
48
ESCRITOR- O trabalho ganhou prémios.
MODELO – O trabalho ?
Pausa
ESCRITOR- Drogas? Acabaram. Escrevo sobre elas, claro. São um dos meus temas
recorrentes. Mas de momento, não.
MODELO –Obrigada.
MODELO –O quê?
ESCRITOR- É verdade.
ESCRITOR-“ Controlo das marés”. É bom. (Poisa o papel)Queres beber alguma coisa?
49
ESCRITOR- Isso é interessante. Onde é que vives?
ESCRITOR- Estás a corar. Está escuro. Mas eu consigo ver que estás a corar.
ESCRITOR- Conta-me mais coisas sobre ti. Estou interessado em tudo sobre ti. Já
algumas vez estiveste apaixonada? Não digas. Deixa-me adivinhar.
ESCRITOR- Oh, adoro isto, adoro isto. Diz mais qualquer coisa. Levo-te a viajar,
prometo. Já foste à India ?
MODELO –Não.
ESCRITOR- Que quero estar contigo. Que não me farto de ti. Que tudo a teu respeito...a
tua blusinha...(Poisa o candelabro no chão ao pé do sofé e começa a beijar-lhe os seios.)
A tua sainha ingénua e atrevida....e só a ideia das tuas calcinhas delicadas como papiros
frágeis e levemente amarelecidos...
MODELO –Quê ?
ESCRITOR- Sou conhecido pelo meu enorme vocabulário. O meu vasto vocabulário! A
egrégia , rapace, ditirâmbica imensidão do meu léxico indivual...(Fala alto) Palavras
50
arrogantes! O meu trabalho está a latejar de palavras arrogantes! ( Abaixa-se e começa a
apagar as velas) Vamos. Vamos juntos para o Jaipur.
MODELO –Onde?
ESCRITOR- E agora vou dizer-te o meu nome. (Pausa) Chamo-me Robert Phetean.
MODELO – Phetean ?
ESCRITOR-Bom, eu convido.
51
ESCRITOR- Nem mesmo se fosse minha? (Ergue-se do sofá na escuridão) Quero ver-te.
Ainda não te vi desde que fizemos amor.
ESCRITOR- Já dou. ( Puxa ainda mais o lençol e fica em frente dela com a vela na mão)
És tão linda. És quem eu andava à procura. Uma inocência total, nua e natural.
ESCRITOR- Desculpa.
ESCRITOR-Ao principio não acreditei em ti. Que não sabias quem eu era. Há tanta
gente....bem, digamos só, sem ser arrogante, que isso é um grande problema que eu
tenho. As pessoas querem-me conhecer pelas razões erradas.
ESCRITOR- E depois esperam que eu lhes dê trabalho. (Ri) Tu realmente não sabias que
eu era o Robert Phetean ?
ESCRITOR- Ah, a fama, a fama. (Abana a cabeça numa ironia triste) Bom, esquece que
sou um escritor. A sério. Vou ser um assistente de loja. Ou um capitalista aventureiro, se
quiseres.
52
ESCRITOR- Vamos e vivemos nos campos. Nas profundezas das florestas. Foi o que eu
sempre quis. Fugir disto tudo E depois um dia...olhamos um para o outro e dizemos
adeus.
MODELO –Agora?
ESCRITOR- Em geral.
ESCRITOR- Não estou a falar das tuas circunstâncias nem mesmo dos homens na tua
vida. O que eu estou a perguntar é: sentes-te viva? Sentes que estás mesmo a viver?
ESCRITOR- Tenho.(Pega numa escova de cima da mesa e aproxima-se para lha dar.)
Estás deslumbrante.
MODELO - Obrigada
ESCRITOR- Ainda não são nove. Porque é que não vamos comer?
ESCRITOR- Estou a olhar para ti e estou a pensar: se pode ser assim. Se pode ser assim
para sempre.
53
A Modelo olha para baixo, emocionada. Ele dá-lhe o braço.
ESCRITOR- Oh, não acredito. A luz não funciona. Não importa. Olha! Está lua cheia...
A Actriz foi até à janela e ajoelhou-se em frente à lua. O Escritor fecha a porta.
ESCRITOR- O que é?
ESCRITOR- Caramba.
ACTRIZ- Oh, sexo, sexo, sexo...(Levanta-se) E a quem é que achas que estava a rezar?
ACTRIZ – O que é que nós estamos a fazer? Para onde é que me arraste, seu sedutor
barulhento?
54
ESCRITOR- Claro. È lindo. Estamos só a uma hora da cidade e parece o paraíso.
ACTRIZ- É uma bênção. Podias escrever coisas maravilhosas aqui, se tivesses algum
talento.
ACTRIZ- Ah, desculpa. Por favor, se te estou a aborrecer, vou para outro lado.
ESCRITOR- Como é que me podes aborrecer? Nunca estive tão pouco aborrecido com
ninguém na minha vida. Desde que não fales do Fritz. Vamos fazer uma regra. Nada de
Fritz.
Beijam-se
ESCRITOR- Vais te rir quando eu te disser isto, mas acho-te de uma inocência nua total
e natural. A sério.
ACTRIZ- Dizes mais disparates por metro quadrado do que qualquer outro homem que
eu conheci. E agora, boa noite.
ACTRIZ- Vou para a cama. Dás-me a minha mala, por favor? Está ali. ( Tira uma Nossa
Senhora pequenina e põe-na na mesa de cabeceira.)
55
E agora, obrigada, Robert. Boa noite
ESCRITOR- Outro quarto? O que é que queres dizer com “outro quarto”?
ACTRIZ- Outro quarto! Isto até parece os teus diálogos. Tudo repetido. “ Outro quarto” ?
Sim. Reservei outro quarto.
ESCRITOR- Mudar? Com estes pudores? Por amor de Deus, tu naquela peça....
ESCRITOR- Estavas nua em pêlo durante uma hora e meia. Eu , por mim, vi a peça três
vezes.
ESCRITOR- Se calhar, vou dar uma volta. Isso inspira-me sempre. Tenho as minhas
melhores ideias à noite. E sabendo que estás perto, sabendo que a minha inspiração está
perto.....
ESCRITOR- A maior parte das mulheres diria que eu falo ....como um poeta.
ACTRIZ- Sim, está bem. Já te podes virar. (Ela meteu-se na cama) Agora podes sentar-te
na beira da cama e contar-me uma história.
56
ESCRITOR- Não estou a ser infiel. Agora.
ACTRIZ- Adivinha.
ESCRITOR- Desculpa.
ESCRITOR- Caramba!
ACTRIZ- É o homem mais casado que eu conheci. (Ela sorri.) Posso fazer uma
sugestão? Robert, mete-te na cama.
ACTRIZ- O quê?
ACTRIZ- Vais ficar a ouvir grilos que não existem toda a noite?
57
ACTRIZ- Agora deita-te sossegado.
ACTRIZ- Posso te perguntar uma coisa? Estás a pensar ter um caso comigo?
A Actriz abraça-o.
ACTRIZ- Fala comigo. Anda, diz-me, quem é que achas que eu estou a trair?
ESCRITOR- Algures por aí há um homem que ainda não conheceste. Um homem que te
espera e é perfeito.
Música. Escuro.
A música pára.
ACTRIZ- Bom, tens que admitir que isto é muito melhor do que actuar naquelas
estúpidas peças.
58
ESCRITOR- Bem....
ESCRITOR- Obrigado.
ESCRITOR- Obrigado.
ACTRIZ- Deus vê o que nós fazemos. Amanhã faço a confissão por ti.
ESCRITOR-Chatear? Porquê?
ESCRITOR-Eu?
ACTRIZ- Claro! Pelas costas. Todos dizem que és um convencido. Eu sou a única que te
defende. Digo-lhes que tens muitas razões para ser um convencido.
ACTRIZ- O que é que eles dizem? O que é que dizem? Que importa o que a gentalha
diz?
ESCRITOR- Bem...
59
O escritor franze as sobrancelhas, infeliz.
ACTRIZ- Sim?
ESCRITOR-Bem...
ACTRIZ- Nem fales disso. Nâo vais conseguir entender nunca. Sim, louca e selvagem e
depois a culpa.
ACTRIZ- O Fritz era especial. Tu, és um capricho. (Ela sorri, ignorando a dor dele.)
Ainda estás incomodado com o cantar dos grilos?
60
Eles beijam-se.
ACTRIZ- Agora estás feliz, sapo? (Ri) Mas então, ainda não me disseste nada sobre o
espectáculo.
ESCRITOR- Quando soube que tinhas faltado, convenci-me que estarias um pouco
enferrujada quando voltasses. Por isso, não esteve mal.
ESCRITOR- Brilhante?
ACTRIZ- És tão superficial, sabias? Tinha 39 de febre. Tudo por tua causa.
ACTRIZ- Um capricho? Estou a morrer de amores por ti, e tudo o que fazes é dizeres que
é um capricho?
ESCRITOR- E o Fritz ?
61
9. A ACTRIZ E O ARISTOCRATA.
O palco de um teatro visto de lado. A Actriz agradece, a cortina cai e ela vira-se para
nós. O seu camarim está cheio de flores.Há uma chaise longue e uma mesa com pacotes
de comida chinesa Ela vai à casa de banho para começar a tirar o figurino. Há um
bater nervoso à porta e o Aristocrata entra. A actriz regressa.
ARISTOCRATA- Desculpe....
ACTRIZ- É o senhor.
ARISTOCRATA- Representou...
ACTRIZ- Obrigada.
ACTRIZ- Obrigada pelas suas flores. ( Ela aponta para as flores) Elas aí estão.
ARISTOCRATA- Receio que sejam apenas uma pequena contribuição. Parece que está
virtualmente atolada por admiradores.
62
A Actriz olha para ele, depois pega em todas as flores que não as dele. Vai até à porta
do camarim, abre-a e atira as flores para o chão do corredor. Fecha a porta. Ficou
apenas um único vaso de flores.
ACTRIZ- Pronto. Assim está melhor, não acha? ( Ela aproxima-se dele impulsivamente,
agarra-lhe a mão e leva-a aos lábios) Não se preocupe. Não o compromete com nada.
O Aristocrata sorri.
ACTRIZ- De certeza que sou mais enigmática do que sua pequena Bridget Cluny.
ACTRIZ- Não?
ACTRIZ- Incrível.
ARISTOCRATA- Sim, pensei nisso. A maior parte das vezes, não gosto muito de
restaurantes.
63
ARISTOCRATA- Céus, porque é que eu estou a ser tão desinteressante?
O Aristocrata sorri.
ARISTOCRATA- Claro.
ARISTOCRATA- Bem....
ACTRIZ- Eu não tenho nenhuma razão para viver!( Senta-se à mesa e tira a peruca)
ARISTOCRATA- Eu não disse felicidade. Isso não existe. Não é isso que diz a peça?
ACTRIZ-A peça!
ARISTOCRATA- Enquanto estava a ver, pensei, sim, isto é verdade. Esta peça diz algo
verdadeiro. Quando nos apaixonamos, o sentimento está lá. É real. Parece real. Depois,
coisa estranha. Foi-se.
ARISTOCRATA- De cada vez que olhamos para trás, pensamos “ Estava errado desde o
princípio. Devia ter percebido. “ Mas, como é que sabemos? Como é que sabemos?
64
O Aristocrata abana a cabeça pensativo.
ARISTOCRATA- E portanto não importa – pois não? – quer se seja grotescamente rico
como eu, ou pobre como um rato. Quer se viva numa cidade ou em Timbuktu. Por
exemplo....perdi o meu chapéu de chuva. Ah, obrigada....onde é que eu ía?
ACTRIZ- Timbuktu.
ARISTOCRATA- É?
ACTRIZ- Oh Malcom, ande cá! ( Ela ri e puxa-o para ela. Começa a afagar-lhe o
cabelo.) Eu sabia que esta noite estava cá.
ACTRIZ- Vi-o.
ARISTOCRATA- A mim?
65
ACTRIZ- As mulheres ficam loucas com isso. E agora, beije-me finalmente...
ARISTOCRATA- Eu sei...
ACTRIZ- Todas as noites eu sinto-os, a pulsar, a vibrar, como uma força física, todos
desejando sair dos lugares, passar por cima das cadeiras, subir ao palco e possuir-me ali
no chão....
ARISTOCRATA- Quer que lhe diga a verdade? Estou assustado. (Ele pára, em agonia)
Deixe-me explicar. Temos sido francos um com o outro. Eu cheguei a um ponto na
minha vida. Quero que as coisas sejam certas. Quero que as coisas sejam perfeitas. O
príncipio tem que ser certo. Para ser honesto, o que eu quero é não fazer nada agora.
(Pausa) E para ser verdadeiro, acho que o amor sem ser na cama é francamente
desagradável.(Tenta explicar) Com a maioria das mulheres, o que é que importa? Mas
com alguém como você, é importante. Porque vamos sempre recordar a primeira vez. Por
isso... por favor....
66
ACTRIZ- Senta-te mais perto. Aproxima-te mais.
ACTRIZ- E escuro também, não achas? Escuro como a noite. ( Ela puxa-o mais para si)
Oh Malcolm, tens a certeza? Este princípio está certo?
Música. Escuro.
A luz volta. Ele está completamente vestido, sentado à mesa comendo os restos da
comida chinesa. Ela está deitada na chaise longue. Ambos parecem felizes.
ACTRIZ- Então ?
ARISTOCRATA- Então?
ARISTOCRATA- Hmm...
ACTRIZ- Pensei que o “ambiente” era importante para ti. Pensei que “fora da cama” era
socialmente inferior.
ACTRIZ- Obrigada.
ACTRIZ- E eu acho que nasceste para ser actor. A sério. Percebes completamente as
mulheres.
67
ARISTOCRATA- Achas que alguém é alguma vez só uma pessoa? Não achas que todos
mudamos, sempre? Com uma pessoa somos uma pessoa, e com outra somos outra.
ACTRIZ – Achas?
ARISTOCRATA- O quê?
ACTRIZ- Estás fora do meu campeonato. És demasiado perigoso para mim. Estás aí
sentado como se não tivesse acontecido nada.. Posso lembrar-te: acabaste de me seduzir.
ACTRIZ- E amanhã?
ARISTOCRATA- Amanhã?
ACTRIZ- Vens...
ARISTOCRATA- O que é que vamos fazer? Diz-me o que é que devemos fazer!
ACTRIZ- Não.
ARISTOCRATA- Não estamos já no caminho do costume? Não dizemos” Ah, sim, este
é o momento em que isto “ e “ Oh, Céus, cá vamos nós, este é o momento em que
aquilo”! Não sabemos já?
ACTRIZ- Mesmo que tenhas razão, e depois? Isso é uma razão para não fazermos nada?
O que é que estás a dizer? Não vale a pena fazer nada porque nada acaba bem !
68
O Aristocrata sorri, admitindo o argumento.
ARISTOCRATA- Nada!
ACTRIZ- Tens razão. Acaba tudo mal, porque toda a gente morre ! Por isso, até lá, o
quê? Assim, pelo menos estamos vivos. Vem ter comigo amanhã. Aprende. É a única
forma de aprender.
ARISTOCRATA-Au revoir.
69
10. O ARISTOCRATA E A RAPARIGA
O Som de um saxofone. Num quarto por cima de uma sex-shop amanhece.A rapariga
está a dormir numa cama, as suas roupas espalhadas pelo chão ao pé dela. Numa
cadeira de pele, no outro lado do quarto, o Aristocrata está sentado, completamente
vestido. Ao seu lado, uma garrafa de tequilla quase vazia. Depois de um momento, ele
espreguiça-se e olha em volta.
Está óbviamente com ressaca e não faz ideia de como foi ali parar. Olha para a
rapariga a dormir.
ARISTOCRATA- Oh, Meu Deus, nunca mais ! Juro, nunca mais! O que é que eu fiz?
Bebi todo o dia?(Levanta-se dolorosamente. Diz algumas palavras para se assegurar
que consegue falar) Amnésia. Um termo médico....para o esquecimento. Sinestesia. Um
termo médico....para experimentar sensações numa parte do corpo que não é a que está a
ser estimulada.(Sorri, contente com o seu sucesso) A grande anedota da vida: sentimos
uma coisa mas depois parece outra. Proust saboreia o queque, mas vê a cidade.
(Parecendo genuíno desespero) Porque é que fazemos isto? Porque é que continuamos?
RAPARIGA- Mmm.
A Rapariga tira a mão debaixo dos lençóis. Ele aperta-a, pegando-lhe por um momento.
ARISTOCRATA- Ah, para a forma como a luz está a brilhar. A forma como acordaste.
(Olha para ela) És uma rapariga bonita. Podias facilmente encontrar um homem. (Ele
pára, sério) Quantos anos tens?
70
RAPARIGA- Vinte, em Dezembro.
RAPARIGA- Um ano.
A Rapariga vira-se para continuar a dormir. O Aristocrata pára. O rosto dela está
virado para ele.
ARISTOCRATA- Posso pedir um favor? Por favor. Por favor não digas nada. (Ele
inclina-se e beija-lhe os olhos) Céus , se não fosses.....o que és, podias fazer uma fortuna.
ARISTOCRATA- Irene. (Pára novamente à porta) Mesmo assim, é obra, ãh? Passei a
noite toda com ela e a única coisa que fiz foi beijar-lhe os olhos. É obra. (Sorri, contente
consigo próprio) Irene, isto acontece-te muito?
RAPARIGA- O quê?
ARISTOCRATA- Mas...
71
RAPARIGA- Eu sei. Gostaste de mim mais do que suficiente ontem à noite.
RAPARIGA- Sim, mas gostaste mais ontem à noite. Não me digas que te esqueceste?
ARISTOCRATA- Sim.
ARISTOCRATA- Bem, teria sido romântico se eu só lhe tivesse beijado os olhos. Teria
sido romântico. Mas lá está. Não tinha que ser. E continuamos.
A música aumenta. Ele fica no sítio sem se mexer. Depois sai, decididamente.. Luz fade
out.
FIM
72