Sunteți pe pagina 1din 72

BLUE ROOM

de

David Hare

Tradução- Cristina Bizarro

Personagens

A Rapariga

O Motorista de Táxi

A Au Pair

O Estudante

A Mulher Casada

O Político

A Modelo

O Dramaturgo

A Actriz

O Aristocrata

1
1. A RAPARIGA E O MOTORISTA DE TÁXI

A Rapariga está sentada num banco, na rua, a fumar um cigarro. O Motorista de Táxi
passa e não repara nela. Ela não reage. Segundos depois, ele volta a passar na direcção
oposta. Desta vez ela fala quando ele passa.

RAPARIGA – O quê ? O que é disseste ?

MOTORISTA – Não disse nada.

RAPARIGA – Pareceu-me que tinhas dito qualquer coisa.

MOTORISTA – Não

RAPARIGA- Porque é que me pareceu que tinhas dito qualquer coisa? (Apaga o
cigarro) Queres vir comigo para casa?

MOTORISTA – Se eu quero ir contigo para casa ? Para casa? Porque é que eu iria para
casa contigo ?

A rapariga impassível não responde.

MOTORISTA – Onde é que é a tua casa?

RAPARIGA – Muito perto.

MOTORISTA – Onde ?

RAPARIGA – Do lado Sul do rio.

MOTORISTA – Não vou para esse lado.

RAPARIGA- Podemos apanhar um táxi.

MOTORISTA – Apanhar um táxi ? Eu guio a merda dum táxi.

RAPARIGA – É teu ?

MOTORISTA – É meu.

RAPARIGA – Quer dizer, pertence-te ?

O motorista começa a ir embora.


RAPARIGA – Então ?

2
MOTORISTA – Não tenho dinheiro nenhum. Acabei de gastar o que tinha num jantar.

RAPARIGA – Então ?

O motorista olha para ela observando-a.

MOTORISTA- Tudo bem. Embora lá.

RAPARIGA – E de repente, estamos cheios de pressa.

MOTORISTA – A tua casa é muito longe ?

RAPARIGA – Dez minutos de táxi.

MOTORISTA – Olha, esquece. Dez minutos ? Não. Esquece. Tenho que trabalhar. Ainda
não fiz nada esta noite. E não vou foder no carro. É a primeira regra de condução. Não se
fode no carro.

RAPARIGA – Dá-me um beijo.

MOTORISTA- Aqui?

A rapariga pega-lhe na mão e leva-o rapidamente para um sítio mais escuro da rua.

RAPARIGA- Agora dá-me um beijo.

Ela beija-o. É um momento mágico. Ficam nos braços um do outro.

RAPARIGA- O beijo é a melhor parte. É o que eu gosto mais, é do beijo.

MOTORISTA- Mesmo assim, ainda é muito longe.

O Motorista olha para ela. Começam a andar pela rua.

RAPARIGA – O que é que achas ? Achas que vais querer guiar um táxi a vida toda ?

MOTORISTA – Podemos ficar pelo que estamos a fazer ?

A rapariga olha para ele.

RAPARIGA- O que eu quero.....o que eu realmente quero é alguém a longo prazo.


Preciso de alguém ambicioso.

MOTORISTA- A longo prazo eu fazia-te ciúmes.

3
RAPARIGA – Ah sim ?

MOTORISTA – Claro.

RAPARIGA- Porquê ?

MOTORISTA- Sou irresistível. As mulheres não conseguem resistir-me.

RAPARIGA- Cuidado. Está muito escuro. Um passo em falso e cais ao rio.

MOTORISTA- Adorava cair ao rio.

A rapariga sorri. Ele tenta encostá-la à parede.

RAPARIGA- Vamos para o banco.

MOTORISTA- Não vou andar assim tanto.

O banco está apenas a alguns metros.

MOTORISTA – Fazemos aqui.

RAPARIGA- Cuidado, ou caímos os dois à água...

MOTORISTA- Tudo bem...

RAPARIGA- Espera. Vamos cair à água.

Música . Escuro.

A luz volta. A Rapariga está deitada no chão. O Motorista está de joelhos ao lado dela,
as mãos nos joelhos.

RAPARIGA – Tinha sido melhor no banco.

MOTORISTA – No banco. Fora do banco. De encontro à porra da parede. Qual é a


diferença ? Levanta-te.

RAPARIGA- Hey, onde é que vais ?

MOTORISTA- Trabalhar. (De repente, ele baixa-se com inesperada ternura e ajuda-a a
levantar-se. Ele sorri) Eu disse-te. Ainda não trabalhei nada hoje. ( Começa a sair)

RAPARIGA- Como é que te chamas ?

4
MOTORISTA – Ah não, não te vou dizer o meu nome.

RAPARIGA- Eu chamo-me Irene.

MOTORISTA- Irene, está bem !

RAPARIGA- Como é que te chamas ?

Sorriem os dois. O motorista vira-se para sair.

RAPARIGA- Hey, ouve.....

MOTORISTA – O que é ?

RAPARIGA – Vá lá.

MOTORISTA – O que é ? O que é que queres ?

RAPARIGA – Vá lá. Eu não queria dinheiro nenhum. A sério. Não queria. Mas, vá lá,
por favor, dá-me algum dinheiro.

O Motorista olha para ela por um momento.

MOTORISTA – Gastei-o todo ao jantar. Não sou parvo, Irene.

O Motorista sai.

RAPARIGA – Cabrão ! Cabrão de merda !

5
2. O MOTORISTA DE TÁXI E A “ AU PAIR”.

Música de Elvis Presley. . A Au pair está junto a uma porta. É jovem, tem um sotaque
estrangeiro. Estão no meio de uma discussão.

AU PAIR – Não quero. Não quero mesmo.

MOTORISTA- Porquê ? Porque não ?

AU PAIR- Estávamos a dançar.

MOTORISTA- Entra para aqui. Só um bocadinho. É um quarto interessante.

Ela entra no quarto, deixando a porta aberta.

AU PAIR- Sabes o meu nome ? Consegues ao menos o meu nome lembrar ?

MOTORISTA- Consigo o quê ?

AU PAIR- Ah, o verbo....

MOTORISTA – O verbo ?

AU PAIR- Sim. No meu país o verbo é no fim.

MOTORISTA – No nosso não.

AU PAIR – Não.

MOTORISTA- Ok, adiante. (Ele olha-a nos olhos) Vá, diz lá. Se é assim tão importante.

AU PAIR- Marie. E o teu ?

MOTORISTA- Fred.

AU PAIR – Não te posso chamar Fred.

MOTORISTA- Porque não ?

Ele fecha a porta. Escuro total. A Au Pair ri-se.

AU PAIR- Está tão escuro. Meu Deus, olha que escuro que está.

6
MOTORISTA - Vais ficar bem. Aconteça o que acontecer vais ficar bem. As raparigas
dizem que têm medo, mas afinal têm medo de quê ?

AU PAIR – Do escuro. Têm medo do escuro.

O Motorista acende um fósforo e faz um grande arco com ele.

MOTORISTA – Porque aqui, minha querida.

A Au Pair sorri, embevecida. Ele acende um cigarro com o fósforo e depois puxa um fio
pendurado. Uma lâmpada nua acende-se. O quarto é um armazém poeirento. Caixas de
cartão.

MOTORISTA – Esta noite não porquê? Diz-me, porquê ?

AU PAIR- Porque não.

MOTORISTA- Todas as raparigas dizem “ porque não”. Não sei o que é que isso quer
dizer.

AU PAIR – Quer dizer porque não.

MOTORISTA – Porque hoje é quinta-feira ? Porque está a chover ?

AU PAIR – Só porque não.

MOTORISTA – Porque não te agrado ? É difícil, não achas ?

AU PAIR – Porquê ?

MOTORISTA- Quer dizer, olha bem para mim.

AU PAIR- Está tão escuro que não te consigo ver.

MOTORISTA – Então não pode ser isso, pois não ?

A Au Pair desvia o olhar, sem resposta.

MOTORISTA – Qual é o problema ? Prometo que não digo a ninguém.

AU PAIR –Ah , isso é óptimo. É um bom avanço...

MOTORISTA- O que é que tem de errado ?

AU PAIR- Faz-me sentir realmente sexy. Que boa frase ! “ Não digo a ninguém”!

7
MOTORISTA – Bem, ninguém vai saber.

A Au Pair olha-o de lado.

AU PAIR – Eu vi-te a olhar....

MOTORISTA – O que é que queres dizer ?

AU PAIR – Mais com a loura do que comigo dançaste.

MOTORISTA – Que loura é essa?

AU PAIR – A que um sapo parecia.

MOTORISTA – Ah sim, bom, essa. É uma velha amiga. Bem antiga. É essa a razão ?

AU PAIR – Não.

MOTORISTA – Então, queres voltar ?

A Au Pair olha para ele por um segundo.

AU PAIR – Ainda não.

É uma concessão. O Motorista anima-se.

MOTORISTA – Gostas da música ?

AU PAIR – Gosto. Gosto muito.

MOTORISTA – Elvis.

A Au Pair pára. Está silenciosa.

AU PAIR –Qual é que achas que é a razão ? Porque é que eu tenho que arriscar ? É essa a
razão. Porque já não é seguro. Eu só arriscava se...

MOTORISTA – Se o quê ?

AU PAIR – Se quisesse dizer alguma coisa. Se é para arriscar, tem que querer dizer
alguma coisa.

O Motorista abraça-a e eles beijam-se. Mas ela afasta-se.

AU PAIR – Então ?

8
O Motorista não responde por uns momentos.

MOTORISTA- Quer dizer alguma coisa. Prometo.

AU PAIR – A sério ? Quer mesmo dizer alguma coisa ?

Deitam-se os dois numa cama de caixotes que se esmagam debaixo deles. Ele puxa o fio
da lâmpada.

AU PAIR – Não é ....ai céus.....não é....ai Deus, não é....

No escuro, ouve-se a voz do Motorista.

MOTORISTA – Sim, oh, sim ! Oh sim !

AU PAIR- Não vejo a tua cara.

MOTORISTA- O que é que a minha cara tem a ver ?

AU PAIR – Deixa-me ver a tua cara.

Música.

Os dois continuam no mesmo sítio.

MOTORISTA – Bom, cá estamos. ( Parece contente). Não podemos ficar a noite toda
em cima de cartões.

Acende um fósforo para um cigarro que partilham. Não conseguimos ver a cara dela.

Isto está tão mau que ouvi dizer que estava um prisioneiro no corredor da morte, e
perguntaram-lhe, “ Tem um último pedido ?”. E ele disse “ Um cigarro”. E eles
responderam” “ Você está num espaço público. É contra a lei”.

A Au Pair espreguiça-se, ignorando a história.

AU PAIR – Meu Deus.

MOTORISTA- Meu Deus, o quê ?

AU PAIR Tu es un animal.

MOTORISTA – Tens razão.

9
A Au Pair vira-se e olha para ele.

AU PAIR – Fred...

MOTORISTA – O quê ? Fred, o quê ?

AU PAIR – Diz-me...diz-me o que é que sentes.

MOTORISTA – O que eu sinto ?

AU PAIR – Sim.

MOTORISTA – Acabei de te mostrar o que é que sinto.

Há uma pausa.

AU PAIR- Frederic, diz-me. Por palavras.

MOTORISTA – Sabes o que eu sinto.

AU PAIR – Então beija-me.

O Motorista beija-a. A música de Elvis volta a ouvir-se. É romântico. Então ele pára.

MOTORISTA – Imagina. O gajo prestes a ser frito e não lhe dão uma passa.

Ele levanta-se e acende a luz. Ela está a olhá-lo do chão.

AU PAIR – Ajuda-me a levantar.

MOTORISTA – Anda daí.

Ele ajuda-a. Ela compõe a roupa.

MOTORISTA- O que é que vamos fazer ? Vamos voltar para a festa ?

AU PAIR – Se quiseres.

MOTORISTA- Não sei. Estou um bocado baralhado. Para ser sincero, a modos que me
baralhaste.

AU PAIR – Foi ? Como é que eu fiz isso?

MOTORISTA – Não sei. Se soubesse, já não estava baralhado. ( Ele afasta-se).

AU PAIR – Bom, tenho de ir.

10
MOTORISTA – O quê?

AU PAIR – Sim. Tenho de voltar. Sou tratada como uma criada. Pela família toda. Tenho
que dar de comer aos gatos, aos cães, aos humanos. Sou uma escrava.

O Motorista franze as sobrancelhas, perdido.

MOTORISTA – Como é que vais voltar para casa ?

AU PAIR – Vou a pé.

MOTORISTA – Não podes ir a pé. É perigoso. A esta hora da noite. Não queres uma
boleia?

AU PAIR – ( encolhe os ombros) Se quiseres.

O Motorista pára, começando de repente a falar alto.

MOTORISTA – Não percebo. O que é que eu tenho que dizer ? O que é que tu queres
que eu diga ? Estou a oferecer-te a porra duma boleia.

A Au Pair sorri e faz o movimento de sair. Ele segue-a mais bem disposto.

MOTORISTA- E isso quer dizer o quê ? O que é que o sorriso quer dizer ?

Ela sorri outra vez para ele.

MOTORISTA – Gostava de dançar. Não podemos dançar só mais uma , por favor? Quer
dizer, se não dançarmos, não fica uma coisa meio à bruta ?

Ela olha para ele.

AU PAIR – Sim, Fred.

A música sobe. O Motorista fecha os olhos e começa a balançar as ancas.

MOTORISTA – Não adoras esta parte ? Não adoras ? ( Está num mundo só dele. Aponta
para uma cadeira solitária.) Olha, senta-te. Vou buscar uma cerveja para nós. Podemos
dançar aqui.

AU PAIR – Não tenho muito tempo.

MOTORISTA – Não demoro. ( Abre a porta.) Não te vás embora.

AU PAIR – Não vou.

11
MOTORISTA – Não vás.

Ele vira-se de uma forma hesitante e sai para pista de dança. A Au Pair senta-se
sózinha.

12
3. A AU PAIR E O ESTUDANTE

Uma cozinha. A Au Pair está sentada a uma mesa com uma t-shirt azul e chinelos, a
escrever uma carta. Está muito calor. Após alguns momentos o Estudante entra. Tem
um livro na mão. Jeans à moda e t-shirt. Está extremamente nervoso.

ESTUDANTE- O que é que estás a fazer ?

AU PAIR- A escrever uma carta.

ESTUDANTE- Estou a ver. Para quem ?

AU PAIR – Para um homem que conheci numa festa.

O Estudante não se mexe.

ESTUDANTE – Está tanto calor. Está incrivelmente quente. Nunca faz tanto calor nesta
altura do ano. Não está ninguém na cidade. Sou a única pessoa ainda a trabalhar? Não te
levaram para o campo ?

AU PAIR – Não. (Ela parou de escrever mas não se mexeu da mesa.)

ESTUDANTE – O que é que é mais fresco? Vodka? Temos vodka ?

AU PAIR – Acabou. O seu pai bebeu tudo.

ESTUDANTE- Foi ele que insistiu que eu fosse para Direito. É uma tradição familiar.

AU PAIR – Beber ?

ESTUDANTE- Direito. (Ele não deixa perceber que era uma piada). Tudo bem, bebo
água.

AU PAIR – A torneira é ali.

ESTUDANTE- Não me podes ir buscar um copo ?

É claro que ele espera que a Au Pair o sirva. Ela levanta-se, vai buscar um copo ao
armário, depois vai à torneira e abre-a. Estão os dois encharcados em suor.

ESTUDANTE – Deixa a água correr, para ficar mesmo fria.

13
A Au Pair deixa a água correr.

ESTUDANTE – Quem é que tocou ?

AU PAIR- Desculpe?

ESTUDANTE – Ouvi a campainha tocar.

AU PAIR- Ouviu ? Quando ?

ESTUDANTE – Há um bocado.

AU PAIR- Quando ?

ESTUDANTE – Esta manhã. Fiquei lá em cima tanto tempo que perdi a noção das horas.
Estava à espera de um amigo.

AU PAIR- Não houve amigo. Aqui tem.

Ela estende o copo para ele e coloca-o nas suas mãos. As mãos de ambos tocam-se.

ESTUDANTE- Obrigado. Bebo lá em cima.

Ele sai. A Au Pair vai ao espelho e arruma a roupa, realçando a linha do busto com a t-
shirt. Serve-se de um copo de água. Antes de se virar, o telefone toca. Ela atende.

AU PAIR- Sim? Quer outro ? ( Breve pausa). Não. Venha cá abaixo.

Ela bebe o seu copo de água. Depois tira um terceiro copo e enche-o de água. Quando
acaba o Estudante aparece à porta, sem o livro.

ESTUDANTE- Obrigado. Então, muito bem. Estás a gostar disto aqui? Dás-te bem com
o meu pai ?

AU PAIR- Muito bem.

ESTUDANTE- A minha mãe gosta de ti. Dás-te bem com a minha mãe. O que é uma
coisa importante. É o que eu acho.

AU PAIR – Aqui tem.

ESTUDANTE- É uma mulher interessante, não achas ?

AU PAIR- Quem ?

ESTUDANTE- A minha mãe.

14
A Au Pair dá-lhe o copo de água e as suas mãos tocam-se.

ESTUDANTE- Obrigado.

Ele pega no copo e a Au Pair afasta-se.

ESTUDANTE- Nós fazemos as coisas de uma forma diferente aqui ?

Ela não responde.

ESTUDANTE- Vem cá , Marie.

AU PAIR- Senhor.

ESTUDANTE- Senhor, não. Já ninguém chama senhor a ninguém. Céus, odeio essa
ideia. Esses tempos já passaram.

AU PAIR- Senhor? ( Ela aproxima-se dele).

ESTUDANTE- Por favor, eu só queria...estava a olhar para a t-shirt. A olhar para ti....eu
sei que não tens dinheiro. Ou antes, que te pagamos pouco. E tens coisas tão bonitas.
Posso ver ? Por favor ? ( Ele pega no tecido entre o polegar e o indicador).

AU PAIR- Há alguma coisa de errado ?

ESTUDANTE – Nada. É um azul muito bonito.

AU PAIR- Senhor ?

ESTUDANTE- A sério. É verdade.

Ele põe os braços à volta da cintura dela e puxa-a para si. Ela inclina-se para trás
enquanto ele abre um pouco os botões e beija-lhe o pescoço.
ESTUDANTE – A tua pele é linda. Branca.

AU PAIR- Só está a ser amável.

ESTUDANTE – Não há nada de mal em ser amável, pois não ?

AU PAIR- Não. Amável não faz mal. ( Ela suspira com os beijos dele)

ESTUDANTE- Que som tão bonito....

AU PAIR- Senhor...

15
O Estudante cai de repente aos pés dela, ainda nervoso.

ESTUDANTE- E que chinelos tão bonitos. Também azuis. Como é que se chama?
Indigo?

AU PAIR- Cobalto.

ESTUDANTE- São...quer dizer, o que ia perguntar era, são da mesma loja ? ( Ele
abraça-lhe os joelhos)

AU PAIR- Senhor, se tocam à porta....

ESTUDANTE – Não tocam.

AU PAIR- Ao menos feche as cortinas.

O Estudante fecha as cortinas. Olha para ela.

ESTUDANTE- Porque é que és tímida ?

AU PAIR- Pensa que eu sou tímida ?

ESTUDANTE- Qualquer pessoa que tenha o teu aspecto não tem razão para ficar
embaraçada. Se eu tivesse o teu aspecto, não era tímido. Se eu cheirasse como tu.

Há uma pausa. Nenhum se move.

ESTUDANTE – Na outra noite, a porta da casa de banho não estava fechada.


Adormeceste na banheira.

Olham um para o outro sem se mexerem.

AU PAIR- Estou envergonhada.

ESTUDANTE- Já te vi. Estou a meio caminho, já estou a meio caminho....

Ele avança para ela rapidamente e abraça-a. Deitam-se e ele fica por cima tentando
tirar-lhe a t-shirt.

AU PAIR- E se a campainha tocar, e se o seu amigo chega...

ESTUDANTE- O meu amigo não vem...

AU PAIR – Mas e se vier?

ESTUDANTE – Deixa-o tocar. Não vás à porta. Deixa-o. Não vás à porta.

16
AU PAIR- Mas se ele vier? E se o seu amigo vier ?

ESTUDANTE- Não vem...

Escuro.

A campainha toca insistentemente. Ainda está escuro. Pressentimos que estão deitados
lado a lado.

ESTUDANTE- Merda !

AU PAIR- O quê ?

ESTUDANTE – Há quanto tempo é que está a tocar ?

AU PAIR- Começou agora.

ESTUDANTE- Como é que sabes ?

AU PAIR- Estava a ouvir.

Toca outra vez.

ESTUDANTE- Podes lá ir ?

AU PAIR – O quê ?

ESTUDANTE- Vai lá e espreita quem é. Pode ser só um pedinte.

AU PAIR- Está a brincar.

ESTUDANTE- Estou a dizer-te : vai lá e espreita.

A Au Pair puxa a saia para baixo e sai. O Estudante puxa as calças para cima e abre as
cortinas. A Au Pair volta.

AU PAIR- Quem quer que seja, foi-se embora.

ESTUDANTE- Tens a certeza?

AU PAIR- Claro que sim.

ESTUDANTE- Achas que era o meu amigo ?

17
Ele parece agitado. Ela não repara e avança para ele.

AU PAIR- Bem, nunca saberemos.

O Estudante olha para baixo.

ESTUDANTE- Vou beber um café.

AU PAIR- Porquê?

ESTUDANTE- Acho que é melhor eu ir. Acho que é melhor ir andando. Vou ao café.

A AuPair olha para ele.

ESTUDANTE – A sério. Se o meu amigo telefonar...

AU PAIR- Não telefona...

ESTUDANTE- Se o meu amigo telefonar...

AU PAIR – Não telefona.

Pausa. O Estudante está muito zangado.

ESTUDANTE- Se ele telefonar. Estou a dizer, Marie, se ele .....se ele telefonar, por favor
diz-lhe onde estou. Que é no café. ( Ele pára por um instante) Quer dizer, se puderes
fazer o teu trabalho.

AU PAIR- Senhor.

18
4. O ESTUDANTE E A MULHER CASADA

O quarto do Estudante. É de noite. O Estudante entra, atirando ao chão um pacote de


livros e um saco de plástico. Tira a roupa e muda de t-shirt e calças. Põe as roupas sujas
debaixo da cama. Do saco de plástico tira uma garrafa de Cognac e um pacote de papel
de alumínio. Abre e dentro há uma série de aperitivos. Põe os aperitivos numa bandeja
que coloca ao pé do Cognac. Bebe um pouco da garrafa.

Ao fazer isso, toca a porta. Vai até à porta do quarto, abre-a e ouve. Alguém abriu a
porta. Por isso, ele senta-se numa cadeira com um livro, tentando parecer descontraído.
A Mulher Casada entra. Tentou disfarçar-se vestindo umas calças justas, um enorme
casaco, em lenço à volta cabeça e óculos escuros. Parece uma mistura entre Jacqueline
Onassis e o Homem Invisível. Fica um momento parada com a mão esquerda no
coração, como a recuperar de uma grande emoção.

MULHER CASADA – Meu Deus !

ESTUDANTE- Eu sei. Desculpa.

MULHER CASADA – Foi assustador.

ESTUDANTE- Eu sei.

Ele levanta-se e dirige-se a ela, mas ela encosta-se com as costas na porta.

MULHER CASADA- Nunca mais quero voltar a fazer isto.

ESTUDANTE- Eu sei.

A Mulher Casada recupera as forças.

MULHER CASADA- Eu pensei..

ESTUDANTE- Eu também...

MULHER CASADA- que se viesse, a tua casa estava vazia. Prometeste.

ESTUDANTE – Sim. Não pensei. A empregada. ( Dá um passo para ela). Está tudo
bem. Tenho a certeza que ela não lê os jornais.

MULHER CASADA- Espero bem que não.

ESTUDANTE- Não sabe quem tu és.

MULHER CASADA- Vim directa do trabalho. Não fazes ideia...

19
ESTUDANTE – Não...

MULHER CASADA- Quando eu disse...quando concordei...eu queria ver onde é que tu


moravas..

ESTUDANTE- Aqui está.

MULHER CASADA – Só queria ver onde moravas.

ESTUDANTE- Aqui está.

A Mulher Casada está à porta. Não se moveu.

ESTUDANTE- Aqui está. Bem, pelo menos, senta-te, não ?

MULHER CASADA – Posso ficar cinco minutos.

Atravessa rapidamente o quarto. Ele limpa a cadeira de coisa de estudante e limpa-a


com a mão. Ela senta-se. Ele franze ligeiramente as sobrancelhas

ESTUDANTE- O problema é que, na verdade não te consigo ver...

MULHER CASADA – O quê ?

ESTUDANTE – Quer dizer, com os óculos.

MULHER CASADA – Ah. ( Tira os óculos)

ESTUDANTE- E o lenço.

Mas em vez de o tirar ela levanta-se, ainda nervosa.

MULHER CASADA- É este o teu quarto ?

ESTUDANTE –É.

MULHER CASADA – É aqui que trabalhas? Não posso voltar. (De repente, vira-se).
Está tanto calor! Está um calor insuportável aqui!

ESTUDANTE- Eu tiro-te o lenço.

Ele tira-lhe o lenço. A Mulher Casada não resiste.

MULHER CASADA- O que é ?

20
ESTUDANTE- É a primeira vez que estamos sózinhos.
Inclina-se para a beijar mas ela dá um passo atrás.

MULHER CASADA- Pediste-me para te visitar. Estou a visitar-te. Não percebes...

ESTUDANTE- Não...

MULHER CASADA – A imprensa neste país..

ESTUDANTE- Ah, a imprensa, sim...

MULHER CASADA- Não têm valores. Não têm respeito.

O Estudante concorda.

ESTUDANTE – Nojento.

MULHER CASADA- Está ridiculamente quente aqui!

ESTUDANTE- Isso é porque ainda estás de casaco.

MULHER CASADA- Então tira-o.

O Estudante vai por trás dela e desabotoa o casaco. Depois tira-o e coloca-o na cadeira
com o resto das coisas dela.

MULHER CASADA- E agora tenho de ir embora.

ESTUDANTE- Emma !

MULHER CASADA- A sério. Estou mesmo a falar a sério. Sou amiga dos teus pais, por
amor de Deus.

ESTUDANTE- E depois ?

MULHER CASADA- Vamos esquiar juntos.

O Estudante olha para ela por momentos.

ESTUDANTE- Queres um brandy?

MULHER CASADA – Sim. Mas dá-me água primeiro.

ESTUDANTE- Desculpa?

MULHER CASADA –Um copo de água. Tens uma cozinha, não tens?

21
ESTUDANTE- Sim. ( Não se mexe). Bebe antes um brandy.

A Mulher olha enquanto ele serve o cognac num copo de lavar dentes.

MULHER CASADA- Pensei que conseguia fazer isto mas não consigo.

ESTUDANTE- Porquê ? Não é isto que queremos? Estamos juntos. Estamos num quarto.
Por uma vez, sem os olhos do teu marido a chatearem-nos...( De repente, ele retracta-se).
Está bem, desculpa, não devia ter falado nele...

MULHER CASADA – Não és casado. Não percebes nada.

O Estudante dá-lhe o brandy.

MULHER CASADA- Vinha a subir as escadas e vi-me...

ESTUDANTE- Emma, eu sei como tu és infeliz.

MULHER CASADA- Sabes?

ESTUDANTE- Conheço o mundo do teu marido. Política! Céus ! Como é que alguém
pode ser feliz...alguém com a tua inteligência, a tua sensibilidade....como é que podes ser
feliz num mundo de mentiras e aparências?( De repente, está zangado) O que é que tu
pensas que isto é? Um encontro sórdido?

A Mulher olha directamente para ele.

MULHER CASADA- E o que é, então?

ESTUDANTE- É amor. ( Ele acena levemente face à sua confissão) Céus. Quer dizer, é
isto mesmo. É amor. Estou apaixonado. Não posso viver sem ti. É verdade. Talvez soe
ingénuo. Bem, sou. Sou ingénuo.

A Mulher tirou um aperitivo.

ESTUDANTE- A vida não é um ensaio. Só estamos aqui uma vez.

MULHER CASADA- E a quantas mulheres é que disseste isso ?

ESTUDANTE- Bem, a nenhuma. Pelo menos, desde que te conheci.

MULHER CASADA- Ah bom, isso já é alguma coisa.

Sorriem os dois.

22
MULHER CASADA- Anton, prometeste....
ESTUDANTE- O que é que eu prometi? O que é que eu prometi exactamente?

Pausa.

MULHER CASADA – Tira-me a roupa.

O Estudante com falta de jeito.

ESTUDANTE- Deixa-me só....como é que isto...

MULHER CASADA- Deixa-me ser eu a fazer, está bem?

Ele vai para a cama. A Mulher tem vestido um body debaixo da roupa.

ESTUDANTE- O que é que estás a usar ?

MULHER CASADA- É um body. A Madonna usa-os. ( Entra na cama) Meu Deus, está
frio.

ESTUDANTE- Já aquece num instante.

MULHER CASADA – Bom, isso é contigo, não é?

O Estudante, que se despe, fica perturbado por esta frase e fala directamente para o
público.

ESTUDANTE- Ela não devia ter dito isso.

A Mulher despiu-se debaixo dos lençóis.

MULHER CASADA- Vem, vem para a cama, Anton....

ESTUDANTE – Estou a ir...

MULHER CASADA- Cheira a mel...

O Estudante entra na cama, abraça-a.

ESTUDANTE – És tu. És tu que cheiras a mel...

23
Música. Escuro.

Silêncio.A Mulher está sentada num dos lados do quarto. O Estudante ainda está na
cama.

ESTUDANTE- A culpa é minha. Desculpa. A culpa é toda minha. Eu sabia que isto ía
acontecer. Eu sabia. Sabia que era uma coisa errada.

A Mulher Casada não responde.

ESTUDANTE- Li um artigo.

MULHER CASADA- Um artigo?

ESTUDANTE- Alguns dos homens mais famosos na História tiveram esta experiência
particular.

MULHER CASADA- Ah.

ESTUDANTE- Churchill. Júlio César.

A Mulher franze as sobrancelhas ligeiramente.

ESTUDANTE- Não estou a dizer que me faz sentir melhor. Não faz. Como tu dizes, não
importa, mas mesmo assim.

MULHER CASADA- Não. Embora, para ser justa, tu realmente prometeste que não
fazias nada e mantiveste a tua promessa...

ESTUDANTE- Emma...

MULHER CASADA- Este homem mantém a sua palavra!

ESTUDANTE- Não tem graça.

MULHER CASADA- Ninguém pode dizer que não me avisaste.

ESTUDANTE- O que é isto ? Alguma piada?

MULHER CASADA – Não, por amor de Deus. É só...tens que ser sempre tão sério?

ESTUDANTE- Não, claro que não.

24
MULHER CASADA – Não pensei que podia acontecer a homens tão novos, só isso.
Pensei que só acontecia com velhos acabados. Ou homens que já foderam tanto que não
se aguentam em pé.
O Estudante franze o sobrolho , tentando ignorar esta súbita ordinarice.

ESTUDANTE- E há outra história, vou-te contar, conheci um tipo da Bolsa. Teve de


esperar quinze anos pela mulher que amava - ela era casada, ou qualquer coisa assim. E
quando finalmente conseguem estar juntos, deitaram-se simplesmente um ao lado do
outro. Durante seis noites inteiras, não fizeram nada. Só choraram.

MULHER CASADA- Os dois?

ESTUDANTE- Choraram de alegria.

MULHER CASADA – Achas que isso é verdade para todos os tipos da Bolsa, ou é só
esse, porque...

ESTUDANTE – O que é isto ?

MULHER CASADA – Acho que daqui para frente vou evitar os bolsistas. Se tudo o qoe
oferecem é um choro comunal.

O Estudante eleva a voz.

ESTUDANTE- Sinceramente, esta coisa toda parece que te animou...

MULHER CASADA – De maneira nenhuma...

ESTUDANTE- De uma forma obscura, parece que estás muito bem disposta.

MULHER CASADA – Não estou.

ESTUDANTE- Pensei que era suposto as mulheres darem confiança aos homens nestas
ocasiões.

MULHER CASADA – Ah sim?

ESTUDANTE- Pensei que era suposto elas desviarem o assunto suavemente e fazerem-
nos sentir melhor.

MULHER CASADA- E depois?

ESTUDANTE- Sinto-me pior.

25
MULHER CASADA – Ouve, está tudo bem. Somos amigos. Somos – qual é a palavra –
camaradas.

ESTUDANTE- Por amor de Deus!

MULHER CASADA – Tu disseste primeiro. Disseste! “ Vamos ser camaradas”, foi o


que disseste....

ESTUDANTE- Disse?

MULHER CASADA – Nem queria acreditar. Nunca conheci ninguém que usasse essa
palavra. ( Muda de tom repentinamente) E agora tenho que me ir embora...

ESTUDANTE – Emma, por favor...

MULHER CASADA – Tenho!

ESTUDANTE- Fica só cinco minutos. Por favor!

MULHER CASADA – Está bem, mas só....só se...me fizeres uma promessa.

ESTUDANTE- Que promessa?

MULHER CASADA – Confia em mim.

Pausa.

ESTUDANTE- O que é que eu faço?

MULHER CASADA – Confia em mim. Sei mais do que tu. Deita-te e não te mexas.

O Estudante deita-se. Ela fica ao fundo da cama.

MULHER CASADA – É isso. Se te mexeres, vou-me embora. Não te mexas. Assim.

Fica por cima dele, prestes a resolver o problema.


Música. Escuro.

Escuro. Silêncio.

MULHER CASADA – Oh, meu lindo menino..(Acende a luz) Que horas são ?

ESTUDANTE- (olhando para o relógio) Oito.

26
MULHER CASADA – Oito, meu Deus! ( Enrola o lençol à volta do corpo e começa
rapidamente a agarrar as coisas dela). Eu sei. Eu sei .

ESTUDANTE- Sabes o quê?

MULHER CASADA – Esta noite. Esta noite vai ser a noite em que ele, pela primeira
vez, vai chegar mais cedo a casa. Onde é que estão os meus sapatos?

O estudante saiu da cama e segura os sapatos.

ESTUDANTE – Toma.

MULHER CASADA – Não percebes, pois não? Não compreendes. Isto pode ser o nosso
fim.

ESTUDANTE- Porquê?

MULHER CASADA –Porque eu sou uma péssima mentirosa. Péssima.

ESTUDANTE – Então tens que melhorar.

MULHER CASADA – E isto tudo por ti, por um homem como tu. Vá, dá-me um beijo.

Abraçam-se, ela segurando as roupas, depois corre para a casa de banho, muito feliz.

MULHER CASADA- Péssima mentirosa e muito tímida.

Fecha a porta. O Estudante começa a vestir umas calças, mas pára e come vários
aperitivos. Ela fala da casa de banho.

MULHER CASADA- (off) Anton!

ESTUDANTE – Sim?

MULHER CASADA- Ainda bem que não ficámos só a chorar.

O Estudante sorri contente.

MULHER CASADA- Como é que vai ser? Quando é que um dia destes eu te vejo outra
vez ?

ESTUDANTE- Um dia destes, o que é que queres dizer? Vamos estar juntos no comício
amanhã.

MULHER CASADA – Que comício?

27
ESTUDANTE- Vamos todos. O teu marido vai discursar no comício.

MULHER CASADA – Eu não vou. Estás doido? ( Ela reaparece. Come aperitivos
enquanto acaba de se vestir) É impossível. Nunca sobreviveria.

ESTUDANTE- Vejo-te amanhã.

MULHER CASADA- Está fora de questão.

ESTUDANTE- Então, depois de amanhã. Está cá às seis.

MULHER CASADA- Posso apanhar um táxi na rua ?

ESTUDANTE- Claro. Está combinado. Depois de amanhã. Vens cá ter às seis.

MULHER CASADA – Não está nada combinado. Vemos isso amanhã. No comício.

O estudante abraça-a.

ESTUDANTE – Meu anjo!

MULHER CASADA – Tem cuidado com o meu cabelo.

ESTUDANTE – Amanhã política, depois, no dia seguinte, amor.

MULHER CASADA – Adeus.

ESTUDANTE –( de repente, preocupado) O que é que...quer dizer, é só uma pergunta: o


que é que lhe vais dizer?

MULHER CASADA – Não perguntes. Nem perguntes.

O estudante beija-a uma última vez. Ela sai. Ele senta-se no sofá e come mais aperitivos.

ESTUDANTE – Ando a foder uma mulher casada.

28
5. A MULHER CASADA E O POLÍTICO.

Um quarto.A Mulher Casada está na cama, lendo uns papéis. Há duas camas de solteiro.
O Político entra no quarto, gravata desapertada e as mangas da camisa enroladas.
Parece cansado. A Mulher não olha para cima.

MULHER CASADA – Já paraste?

POLÍTICO- Estou exausto.

MULHER CASADA- Nunca páras antes da uma.

POLÍTICO- O governo do país....( Ele sorri, ironizando) Para além disso, senti-me
sózinho.

MULHER CASADA- Ah sim?

O Político põe a mão em frente aos olhos dela.

POLÍTICO- Não leias mais. Vais fazer mal aos olhos.

A Mulher não se mexe.

POLÍTICO- Era assim que pensaste que ía ser? Quando casaste comigo?

MULHER CASADA- Não faço ideia.

POLÍTICO- Já há algum tempo que queria falar contigo, Emma. Para te agradecer.

MULHER CASADA- Agradeceres-me?

POLÍTICO- Sim. Pela tua paciência. Eu sei que há alturas em que estou perto de ti e
outras em que não estou. Às vezes, tenho que me afastar. Tenho que me retirar...

MULHER CASADA- Sim...

POLÍTICO- É por causa do meu trabalho...

MULHER CASADA- Tenho a certeza.

POLÍTICO – É só por causa do trabalho. Os horários irregulares. As separações. (Faz um


gesto em direcção da cama de solteiro). Mas por outro lado, há uma compensação.

29
MULHER CASADA- Qual é?

POLÍTICO- Estes momentos quando nos encontramos outra vez. ( Senta-se na cama
dela) Lembro-me de alguém me dizer há uns anos: um verdadeiro casamento está sempre
em mudança. Nunca fica parado. A qualquer momento, ou estamos a aproximar-nos ou a
afastarmo-nos.

MULHER CASADA – E qual é este momento?

POLÍTICO- Ah, a aproximarmo-nos.(Pausa) Estive a lembrar-me como começámos...

MULHER CASADA- Ah sim...

POLÍTICO- Como as coisas eram no inicio. Se continuássemos assim, tínhamos


enlouquecido os dois.

MULHER CASADA- Tínhamos?

POLÍTICO- Claro. Se continuássemos como começámos em Veneza...

MULHER CASADA- Veneza!

POLÍTICO- Sim. Meu Deus! (Aproxima-se mais dela) Se continuássemos assim ...

MULHER CASADA- Meses, queres tu dizer?

POLÍTICO- Sim

MULHER CASADA- Em vez de semanas?

POLÍTICO- Exactamente. Acho que tínhamos pegado fogo.

MULHER CASADA – Talvez.

POLÍTICO – Não sei. Já vi tantos casamentos que nasceram na cama, viveram na cama e,
sejamos honestos, acabaram na cama, tudo acabado no espaço de poucos anos...

MULHER CASADA – Sim...

POLÍTICO- A cama como único critério, a cama o único lugar de contacto, a cama a
única coisa que segura tudo...

MULHER CASADA – Sim...

POLÍTICO – Graças a Deus que nós não somos assim.


Pausa.

30
MULHER CASADA – Não.

POLÍTICO- As pessoas têm de ser amigas, não achas? Tanto amigas como amantes.
Sabes o que é que eu acho que é importante ? A coisa mais importante de tudo?

MULHER CASADA – Não.

POLÍTICO- Sentido de humor.

MULHER CASADA- Ah.

POLÍTICO – Se as pessoas pudessem rir juntas, como nós nos rimos...

MULHER CASADA- Claro.

POLÍTICO- Então tinham uma base. Então tinham algo sólido. Uma mulher com quem
se pode rir.

MULHER CASADA- É isso que eu sou?

POLÍTICO- Sim, entre outras coisas.(Olha para ela carinhosamente)

MULHER CASADA- Vais para a cama ?

POLÍTICO- Vou. (Beija-a na testa e levanta-se. Tira três telemóveis idênticos e alinha-
os na mesa de cabeceira. Começa a despir-se.) É bastante assustados, sabes, no meu
trabalho. Olha para trás. Pertenço a uma geração que dava valor à liberdade acima de
tudo. E no entanto, é como se as pessoas se tivessem esquecido do que a liberdade
acarreta.

MULHER CASADA- Esqueceram?

POLÍTICO- A liberdade individual era uma ideia maravilhosa, mas aqui estamos nós,
trinta anos depois, e o governo tem que lidar com as consequências...( Tira os sapatos e
as meias) Desintegração social, sem-abrigo, as cidades a caírem, os serviços sociais
sobrecarregados. Ouvi uma mulher jovem no outro dia, cinco filhos de cinco pais
diferentes. E a comportar-se como se isso fosse um direito divino. E nós temos que tomar
conta dessas crianças! ( Fica de shorts) Ah sim, a liberdade é uma coisa maravilhosa,
mas às vezes acho que as pessoas deviam ter que passar num teste, para provar que a
mereciam.

MULHER CASADA- E tu, mereces ?

POLÍTICO- Bem, acho que provavelmente sim.

31
MULHER CASADA- Santo Deus.

Ambos sorriem.

POLÍTICO- A sério, tu e eu temos dinheiro..

MULHER CASADA- Ah sim...

POLÍTICO- Bem, é um factor. Faz toda a diferença. Podemos tomar conta das nossas
crianças, podemos olhar por elas, podemos criá-las sem sobrecarregar a sociedade.

MULHER CASADA- Portanto, a liberdade é uma questão de dinheiro?

POLÍTICO- Não totalmente.( Ele sorri outra vez, confiante)

MULHER CASADA – É engraçado, contaste-me tão pouco sobre o teu passado...

POLÍTICO- Eu?

MULHER CASADA –Sim.

POLÍTICO- Contei pouco?

MULHER CASADA- Quer dizer, em relação à tua própria liberdade.

POLÍTICO- Tenho que mudar de roupa.(Sai para a casa de banho)

MULHER CASADA- É tão estranho, estamos juntos há oito anos e nestes anos, alguma
vez conversaste comigo sobre como é que era a tua vida antes?

POLÍTICO-(off) Claro que conversei.

MULHER CASADA- Quero dizer, conversar mesmo.

O Político volta em pijama.

POLÍTICO- Sabes todos os nomes.

MULHER CASADA- Claro...

POLÍTICO- A lista. Não falámos já sobre a lista ? Das mulheres com quem estive .

MULHER CASADA- Mas o tipo de vida. Sei tão pouco.

32
POLÍTICO- Não é uma vida sobre a qual eu goste de falar.( Mete-se na cama) Sou muito
mais feliz agora.

MULHER CASADA- És?

POLÍTICO- Claro.(Abana a cabeça, espantado com as suas memórias) Meu Deus, toda
aquela confusão, todas aquelas dúvidas....

MULHER CASADA- Eram assim tantas?

POLÍTICO- Já me perguntaste isso. O que é que interessa?

MULHER CASADA- Interessa. Quero saber. Diz-me.

POLÍTICO – Interessa? O passado interessa? (Pausa um momento, não querendo


prosseguir) Emma, viveste uma vida muito protegida...Pelo menos, comparada com a
minha, vamos dizer, comparada comigo, portanto, a questão é, a maioria sabe isso, a um
certo tipo de mulher....

MULHER CASADA- Há?

POLÍTICO- Claro que há. Percebes o que eu quero dizer. Não é – como dizer ? Não é
politicamente correcto – mas no fundo toda a gente sabe que há dois tipos de mulheres...

MULHER CASADA- Dois?

POLÍTICO- Só que não devemos dizer iss. E eu sou uma pessoa que passou muitos anos
da vida- talvez demasiados – com esse tipo de mulheres.

MULHER CASADA – E que tipo de mulheres é esse?

POLÍTICO – Ah, vá lá, tenho mesmo de dizer ?

Ela olha-o sem responder.

POLÍTICO – Mulheres que só queremos para levar para a cama.

Ela não reage.

POLÍTICO- Ouve...

MULHER CASADA – Estou a ver...

POLÍTICO – Quando se é novo, não faz mal...

MULHER CASADA – Claro...

33
POLÍTICO – Quando se é novo, é natural. Faz parte do crescimento. Mas não é...., ouve,
não é vida. Não é uma vida como nós temos. Com crianças.

MULHER CASADA- Quero ter mais filhos.

POLÍTICO – Bom, ainda bem. (Pausa)

MULHER CASADA – O que é que aconteceu a essas mulheres?

POLÍTICO- Porquê?

MULHER CASADA- Ainda se mantêm em contacto?

POLÍTICO – Claro que não. Não sejas ridícula. Achas que agora que estou
casado....achas que não te dizia ?

MULHER CASADA – Bem...

POLÍTICO – Eu conto-te tudo. ( Olha-a nos olhos) Os dois lados sabem. Nesse tipo de
relações, para ser franco, os dois lados sabem o que se passa. Não é para sempre. Não
tem nada a ver com isso.

MULHER CASADA- Não?

POLÍTICO – Não, é só o momento, uma coisa passageira...

MULHER CASADA- Prazer.

POLÍTICO – Sim. Só pelo prazer passageiro. Só o prazer.

MULHER CASADA – Sim.

POLÍTICO – Paixão.

MULHER CASADA – Sim.

Pausa. Ela olha para ele.

MULHER CASADA – Anda cá.

Ele sorri e deita-se ao lado dela.

POLÍTICO – E até me custa pensar....a sério, até me custa pensar o que terá acontecido a
uma ou duas delas. Não eram almas felizes. Algumas nem conseguiam manter os
empregos.

34
MULHER CASADA – Estou a ver

O Político abana a cabeça, lembrando-se.

MULHER CASADA – Foste para a cama com mulheres casadas?

POLÍTICO – O quê?

MULHER CASADA – Foste para a cama com mulheres casadas?

POLÍTICO – Emma, eu nunca destruí um casamento.

MULHER CASADA – Ah...

POLÍTICO- Isso é outra coisa . Desculpa, mas isso é uma coisa completamente diferente.

A Mulher olha para ele um momento.

MULHER CASADA- Achas que é?

POLÍTICO – Claro. É um princípio básico. Toda a gente tem direito de seguir...como


dizer, as suas necessidades, os seus desejos, mas ninguém tem o direito de destruir a
felicidade de outras pessoas. Não achas?

MULHER CASADA – Não sei.

POLÍTICO – Não pareces muito segura.

MULHER CASADA- Não.

POLÍTICO- E é porque tens amigas que fazem isso? Algumas das tuas amigas dormem
com homens casados?

MULHER CASADA- Acho que sim.

POLÍTICO – E como é que se sentem?

MULHER CASADA – Não sei.

POLÍTICO – Como é que justificam isso?

MULHER CASADA – Acho que elas não tem que justificar nada.

POLÍTICO- Como é que vivem com todas as mentiras, os enganos. O nível de


organização. Estares onde não deves, num horário que não convém. O perigo, o stress. E
para quê? Só por esse momento extra de felicidade. Esse pequeno momento de prazer.

35
MULHER CASADA – Hmmm.(Pausa) Tens a certeza que nunca fizeste isso?

O Político hesita.

POLÍTICO- Olha, se soubesses, digo-te, a sério, é a recordação mais triste que tenho.

MULHER CASADA- Continua.

POLÍTICO – Uma mulher que eu conheci quando era novo.

Silêncio.

MULHER CASADA- Era casada.

POLÍTICO – Sim.

MULHER CASADA – Quanto tempo é que estiveste com ela?

POLÍTICO – O tempo suficiente.

MULHER CASADA – Estou a ver.

POLÍTICO – Alguns meses.

MULHER CASADA – E gostavas muito dela?

POLÍTICO – Um homem pode gostar de uma mentirosa?

Outro silêncio.

MULHER CASADA- E onde é que ela está agora?

POLÍTICO – Oh...

MULHER CASADA – Não, diz-me.

POLÍTICO –Queres que eu te diga?

MULHER CASADA- Sim.

POLÍTICO –Morreu. (Pensativo) Não de uma forma feliz. Infeliz. Em circunstâncias


infelizes. Morreu numa horrorosa confusão de álcool e obsessões. O que, para ser
sincero, já se esperava. Tinha medo disso. Havia qualquer coisa trágica nela. Qualquer
coisa que não estava certa.

A Mulher olha para ela de uma forma dura.

36
MULHER CASADA- O que é que estás a dizer? Que a morte dela foi algum tipo de
julgamento?

POLÍTICO –Oh, não...

MULHER CASADA- Que aconteceu por causa do que ela era? Por causa do que ela fez?

POLÍTICO –Não, eu nunca diria isso.

MULHER CASADA- Como é que ela se chamava?

POLÍTICO –Estella.

MULHER CASADA- Estella.

Ficam os dois pensativos.

POLÍTICO – Mas só conheci o amor verdadeiro uma vez. E foi contigo.(Abraça-a)


Deixa-me beijar-te.

Beijam-se.

MULHER CASADA – Charlie...

POLÍTICO –Sinto-me tão seguro nos teus braços, tão feliz.

MULHER CASADA- Sentes?

POLÍTICO –Se a gente se tivesse conhecido quando era mais novo. Não teria precisado
de conhecer mais ninguém. És uma bela mulher, ouviste? Bela....

Apaga a luz. Música. Escuro.

A música pára. Estão deitados nos braços um do outro.

MULHER CASADA- Sabes em que é que estou a pensar?

POLÍTICO –Não.

MULHER CASADA – Veneza.

POLÍTICO –Ah sim.

MULHER CASADA - Na nossa primeira noite.

37
POLÍTICO –Sim. ( Pausa) O que foi ? Diz-me.

MULHER CASADA Se todas as nossas noites pudessem ser assim. Se me pudesses amar
assim sempre.

POLÍTICO –Sim.( Pausa)

MULHER CASADA- Hmmm

POLÍTICO –É isso que é fantástico no casamento: há tempo para tudo. Quer dizer, nem
toda a gente tem Veneza, mesmo como recordação.

MULHER CASADA –Não.

Ficam deitados, acordados.

POLÍTICO –Boa noite, querida.

MULHER CASADA- Boa noite.

38
6. O POLÍTICO E A MODELO

Um quarto. O Político está sentado no sofá a fumar depois de ter comido uma bela
refeição. Com ele está a Modelo. Está a comer gelado numa taça enorme. A TV está
ligada com o som baixo. O Político olha para a Modelo.

POLÍTICO –Como é que está?

MODELO- Está porreiro.

POLÍTICO –Queres outro? Já não tens vinho. Toma.

Serve outro copo. A Modelo bebe-o todo.

POLÍTICO –E agora quero um beijo.

Ela beija-o no sofá e depois volta para o gelado.

MODELO- Deves achar que sou uma vadia.

POLÍTICO –Porquê ?
MODELO- Vim logo para o quarto.

POLÍTICO –Não acho que sejas uma vadia.( Tenta puxá-la para ele)

MODELO- Hey!

POLÍTICO –Não foi a primeira vez que te vi.

MODELO- Já calculava.

POLÍTICO – Podíamos ter ido dar uma volta primeiro. Se achas que assim as coisas
ficam mais respeitáveis.

MODELO- Andas a seguir-me?

POLÍTICO –Não respondo a isso.

MODELO-Há muitos homens que o fazem.

POLÍTICO –Tenho a certeza.

MODELO- Nunca falo com eles.

39
POLÍTICO –Não? Falaste comigo.

MODELO- E estás a queixar-te?

O Político beija-a violentamente.

POLÍTICO –Sabes a pudim.

MODELO- Tenho é os lábios doces.

POLÍTICO – A sério? Já houve homens a dizerem isso?

MODELO- Alguns.

POLÍTICO –Quantos?

MODELO- Não digo.

POLÍTICO –Quero saber. É importante. Quero saber.

MODELO- Adivinha.

POLÍTICO –Cinquenta?

A modelo afasta-se.

MODELO- Cinquenta? Já agora, porque não quinhentos? Cinquenta!

POLÍTICO –Desculpa. Estava só a adivinhar.

MODELO- Adivinha outra vez.

POLÍTICO –Cinco.

MODELO- Tenho dezassete anos, sabes. Não sou assim tão inocente.

Ela volta para o gelado.

POLÍTICO –Estás tão magra, querida.

MODELO- Para seres modelo, tens que parecer horrorosa. Faz parte do trabalho.

POLÍTICO – Acertaste em cheio.

MODELO- Tens que parecer horrorosa e bonita ao mesmo tempo.

40
POLÍTICO – É um equilíbrio ?

MODELO- Beleza interior.

POLÍTICO –O que é que o teu namorado acha? Tens de ter um namorado. Uma rapariga
bonita como tu.

MODELO- Porque é que perguntas? Porque é que queres saber?

O Politico hesita. Escolhe as palavras.

POLÍTICO –É simples. Sinto-me...poderosamente atraído por ti.

A Modelo olha para ele e depois tira coca da bolsa.

MODELO- Queres?

POLÍTICO –Não, obrigado.

A modelo põe num espelho a coca. O Politico olha um pouco nervoso.

POLÍTICO –Quem é que foi?

MODELO- Quem?

POLÍTICO –O teu último namorado.

MODELO- Ainda estás nisso?( Ela olha para ele deixando de preparar a coca) Por
acaso, era parecido contigo.

POLÍTICO –A sério?

MODELO- Sim. Muito parecido mesmo. ( Volta a preparar a coca)

POLÍTICO –Se tu o dizes.

MODELO- Também falas como ele. “ Se tu o dizes”. E tens a mesma maneira de olhar.

POLÍTICO –Que maneira é essa?

MODELO- A maneira como estás a olhar agora. ( Olha para ele) Não. Não olhes para
mim assim.

O Politico vai até ela e beija-a apaixonadamente. Depois ela afasta-se.

MODELO- Depois disto tenho de ir embora.

41
POLÍTICO –Porquê?

MODELO- Porque tenho que ir para casa, é óbvio. O que é que a minha mãe vai dizer?

POLÍTICO –Ainda vives com a tua mãe ?

MODELO- Passámos por tudo juntos. Somos cinco.

POLÍTICO –O que é que a tua mãe diz quando não vais para casa?

MODELO- Ela sai todas as noites. Eu sou a única que trabalha.

POLÍTICO –Ah nesse caso...

MODELO- Tenho irmãs ainda na escola.

POLÍTICO –Que idade têm ?

MODELO- Uma tem treze. No outro dia apanhei-a num encontro. Nem queria acreditar.
A porca!

POLÍTICO –O que é que fizeste ?

MODELO- Dei-lhe uma coça quando chegou a casa.(Snifa) É isso que eu estou a dizer.
Se eu não lhes der disciplina, quem dá? (Snifa outra linha)

POLÍTICO –É estranho, tu também me lembras alguém.

MODELO- Ah sim ? ( Encosta-se, com os olhos fechados) Quem é que eu te faço


lembrar?

POLÍTICO –Alguém que eu conheci quando era novo.

A modelo está quieta com os olhos fechados.

MODELO- Ainda não me disseste o teu nome.

POLÍTICO –Charles.

MODELO- ( ri) Chamas-te mesmo Charles?

POLÍTICO –Porquê ? Também era o nome dele ?

Silêncio

42
POLÍTICO –Ainda não me disseste quem ele era.

MODELO- Era uma besta. Era uma besta, senão porque é que me deixou ?

POLÍTICO –Estavam apaixonados?

A modelo cala-se.

POLÍTICO –Pensava que os teus olhos eram verdes mas afinal são azuis.

MODELO- E azul não é suficiente ?

O Politico toma isto como uma deixa para a beijar. Mas antes de conseguir ela levanta
uma mão cheia de comprimidos.

MODELO- Toma um destes.

POLÍTICO –Qual ?

MODELO- Um branco.

O Politico põe um na boca.

MODELO- Dois.

Toma os dois. Depois, para lhe agradar, toma outro ao acaso.

POLÍTICO – Tudo o que mandares.

Beijam-se.

POLÍTICO – Quando é que conheceste este homem?

MODELO- Não me lembro. Não consigo lembrar-me de nada. O quarto está às voltas.

POLÍTICO –Abraça-te a mim. Abraça-te com força.

Os olhos da modelo estão fechados. Ele escorrega para o chão e põe a cabeça entre as
pernas dela.

POLÍTICO –Gostas ? É bom ?

MODELO- Não sei o que é que estás a fazer.(Encosta-se) Sabe Deus donde é que isto
veio. Era o gajo do costume. E outro gajo arranjou-lhe isto. E ele disse. E ele disse. Disse
que outro gajo lhe tinha arranjado isto....

43
Música. Escuro

O Politico está sentado a uma mesa muito alerta. A Modelo deitada no sofá, em
abandono, meia adormecida.

MODELO- Porque é que estás tão longe ? Porque é que não vens para aqui?

O Politico olha para ela muito perturbado.

MODELO- Caramba, onde é que eu arranjei aquilo?

POLÍTICO –Boa pergunta.

MODELO- Nunca teria feito....

POLÍTICO –Ah, isso é muito lisonjeador, devo dizer. Foi a coca, foi ?

De repente, a modelo protesta realmente.

MODELO- Eu não faço isto! Eu não faço esta merda ! Eu não vou para a cama com
homens que não conheço.

POLÍTICO –Claro que não. Eu sei que não.

MODELO- Não sou eu. Não é o que eu faço.

POLÍTICO –Ok , por mim tudo bem. Quer dizer, tudo bem de qualquer ponto de vista.
( Ele muda, um pouco desconfortável) Era isso que eu estava a perguntar há bocado, era
por isso que eu queria saber. Quem mais...

MODELO- Céus, ainda continuas com isso?

POLÍTICO –Só estou a perguntar.

MODELO- Porquê? (Pausa) O que é que eu fiz? Fiz qualquer de mal ?

POLÍTICO –Não. Pelo contrário. De facto...estava com esperanças de te poder ver outra
vez.

MODELO- Ah sim?

POLÍTICO –Talvez não aqui. Talvez num outro tipo de lugar que eu arranjasse para ti.

44
Ela olha para ele por um momento

MODELO- És casado, não és?

POLÍTICO –Porque é que dizes isso?

MODELO- Porque é o que parece.

POLÍTICO –E chateava-te se eu fosse?

MODELO- O que é que fazes?

POLÍTICO –Sou politico. Ajudo a governar o país.

MODELO- Hum hum.

POLÍTICO –Ficavas preocupada? Se descobrisses que tinhas estado com um homem


casado?

MODELO- Porque é que me havia de preocupar?

POLÍTICO –Porque o ajudaste a enganar a mulher.


MODELO- Bem, tenho a certeza que ela te engana.

O Politico ri.

POLÍTICO –Dificilmente.

MODELO- Porque é que tens tanta certeza?

POLÍTICO –Sinceramente acho que não é muito provável.

MODELO- Não? Se ela é como as mulheres que eu conheço, então...

POLÍTICO –Não sabes nada. Não sabes a ponta de um corno. Não sabes nada de nada!!!(
De repente, gritou com ela. Levanta-se muito perturbado)

MODELO- Pensei que tinhas dito que não eras casado.

POLÍTICO –Quer eu seja casado ou não, tu simplesmente não sabes nada sobre...sobre
outro tipo de mundo que não seja o teu.

Há um silêncio enquanto ele recupera.

MODELO- Eu não sabia que eras casado. Estava só a falar, está bem? Estava só a
conversar.

45
POLÍTICO –A culpa é minha. Não estou habituado aos comprimidos.(Vai ao pé dela e
senta-se no sofá) Ouve, preciso de ver outra vez.

MODELO- Precisas?

POLÍTICO –Claro. Mas para mim não é fácil. Se chegarmos a um entendimento. Tenho
que dizer, que dada a natureza das coisas, não posso tomar conta de ti.

MODELO- Acho que não.

POLÍTICO –Não posso estar sempre a aparecer.(Olha para ela por um momento) Não
estou a falar do lado moral das coisas. Isso não me importa. E, por mim, terei que ser
cuidadoso, quer dizer, discreto. A imprensa neste país é um escândalo. Está
completamente fora de controlo. Mas, para além disso tudo, o que eu estou a querer dizer
é outra coisa.(Pausa) O mundo como está agora. No que se tornou. Vou ser sincero.
Estou a falar de higiene.

A Modelo olha para ele em silêncio.

POLÍTICO –Não é despropositado.

MODELO- Ah.

POLÍTICO –Posso arranjar um lugar para nós. Até pode ser um sítio onde tu vivas. Se
quiseres viver sózinha.(Ele sorri) Da próxima vez, vai ser noutro lugar.

MODELO- Talvez.

POLÍTICO –Onde ninguém nos perturbe.

MODELO- Talvez

O Politico olha para ela do outro lado do quarto.

POLÍTICO –Kelly, estou a oferecer-te uma vida própria. Independência.

A Modelo não responde.

POLÍTICO –Não é isso que as mulheres querem?

46
7. A MODELO E O ESCRITOR

Um estúdio na parte boémia da cidade. Cheio de livros e CD’s. Uma mesa coberta de
papéis e guiões. As cortinas estão corridas e o quarto está na penumbra. O Escritor abre
a porta, deixando a Modelo passar.

MODELO – Ah, isto é encantador. É lindo. Mas não se vê nada.

ESCRITOR- Os teus olhos já se habituam. Os teus lindos olhos.(Beija-os)

MODELO – Hmm. Os meus lindos olhos não vão ter tempo para se habituarem. Vou-me
já embora.

ESCRITOR- Vamos acender velas, sim? Há uns anos houve um corte de energia e depois
eu pensei: porquê voltar a ter electricidade? Assim temos uma luz mágica. (Ele acendeu
um candelabro e olha em volta, satisfeito com o efeito. Aponta para o sofá) Senta-te ali.
Dorme, se quiseres.

MODELO – Não estou cansada. Vais mostrar-me a canção ?

ESCRITOR- Sim, vou. É uma canção minha.


MODELO – Tua ? Pensei que eras jornalista.

ESCRITOR- Que horror! Porque é que pensaste isso?

A Modelo senta-se no sofé e tira o casaco. Ele senta-se à mesa,chateado.

MODELO – Disseste...

ESCRITOR- Caramba!!

MODELO –Na festa , disseste que eras escritor. Os jornalistas não são escritores.

ESCRITOR- Dificilmente. Quer dizer, genericamente, talvez. Como os ratos são animais.

A Modelo inclina-se para a mesa e observa o computador.

MODELO – É para isso o computador ?

ESCRITOR- Sim, mas nunca o uso. Para mim, sentir a caneta no papel é super
importante.

47
MODELO – Ah. ( Pausa) Disseste que me ías mostrar uma canção que tinhas escrito.

ESCRITOR- Eu disse que a tinha escrito ?

MODELO – Sim, disseste.

ESCRITOR- Escrevi-a ? Não. Ajudei a escrevê-la, para ser correcto. Isso importa? Não.
Em última análise, é a autoria importante? Quer dizer, é ao trabalho que deveríamos dar
valor, não ao escritor.

A Modelo não responde.

ESCRITOR- Fazes ideia do que é que eu estou a falar?

MODELO – Desculpa?

ESCRITOR- Não percebeste uma palavra, pois não?

MODELO – Não.

O Escritor sorri.

ESCRITOR- Como é que estás ? Estás confortável?

MODELO – Que tipo de escritor és ?


ESCRITOR- Não sabes mesmo quem eu sou?

MODELO – Não.

ESCRITOR- Isso é fantástico.

MODELO – Porquê?

ESCRITOR- Quer dizer, adoro a ideia. Estás a falar a sério?

MODELO – Claro.

ESCRITOR- Queres dizer... não me reconheces mesmo, pois não?

MODELO –Não.

ESCRITOR- Muito bom. (Ele pensa um momento, satisfeito) Que tipo de escritor sou eu?
Sim, bom, é uma boa pergunta. Isso é uma coisa sobre a qual as pessoas têm discutido. O
trabalho não é fácil de catalogar.

MODELO –Ah.

48
ESCRITOR- O trabalho ganhou prémios.

MODELO – O trabalho ?

ESCRITOR- Bem, quer dizer, eu ganhei.

Pausa

MODELO – Tens algumas drogas?

ESCRITOR- Drogas? Acabaram. Escrevo sobre elas, claro. São um dos meus temas
recorrentes. Mas de momento, não.

MODELO – O meu soutien está a magoar-me.

ESCRITOR- Tira o soutien. Tira tudo. Não me chateia.

MODELO –Obrigada.

Ela tira o soutien enquanto ele fala.

ESCRITOR- Inevitavelmente , foi catalogado, como se fizesse parte de um movimento.


Chamam-me pós-romântico. Eu sei. É só um nome vazio que a imprensa inventou.
(Pensa) Inquietação. Ansiedade. Estas coisas não desaparecem só por causa daquilo a que
chamamos progresso. Ainda estamos à procura. Ainda seguimos um ideal. Chegamos a
terra e desembarcamos. Levantamos as amarras. Com sorte, fazemos ondas. Mas no
fundo, não temos controlo sobre as marés. ( Perdeu-se no seu pensamento. Vira-se.) O
que é que eu disse?

MODELO –O quê?

ESCRITOR-O que é que eu estava a dizer?

MODELO – Qualquer coisa sobre a inquietação. Ansiedade.

ESCRITOR- É verdade.

MODELO – “ Não ter controlo das marés”.

O Escritor agarrou um papel da mesa e toma nota.

ESCRITOR-“ Controlo das marés”. É bom. (Poisa o papel)Queres beber alguma coisa?

MODELO – Preferia comer. Estou esfomeada. As pessoas pensam que a vida de


manequim é só deslizar de um lado para o outro.

49
ESCRITOR- Isso é interessante. Onde é que vives?

MODELO –Tenho um apartamento. Perto do centro.

ESCRITOR- Do centro ? A sério ?

MODELO – Uma pessoa...uma pessoa arranjou-mo.

O Escritor aproxima-se dela.

ESCRITOR- Estás a corar. Está escuro. Mas eu consigo ver que estás a corar.

Pega-lhe no queixo.A Modelo não resiste.

ESCRITOR- Conta-me mais coisas sobre ti. Estou interessado em tudo sobre ti. Já
algumas vez estiveste apaixonada? Não digas. Deixa-me adivinhar.

MODELO – Estive noiva.

ESCRITOR- E sentes a falta dele, não é?

Há uma pausa. A Modelo começa a chorar

ESCRITOR- Oh, adoro isto, adoro isto. Diz mais qualquer coisa. Levo-te a viajar,
prometo. Já foste à India ?

MODELO –Não.

ESCRITOR- Então vamos. Vamos para o Rajastão. Há lá fortificações construídas sobre


cidades, consegues imaginar? Ponho-te numa torre e fodemos até mais não poder.

Vai buscar o candelabro.

MODELO – Gostava de te perceber. Gostava de saber o que é que estás a dizer.

ESCRITOR- Que quero estar contigo. Que não me farto de ti. Que tudo a teu respeito...a
tua blusinha...(Poisa o candelabro no chão ao pé do sofé e começa a beijar-lhe os seios.)
A tua sainha ingénua e atrevida....e só a ideia das tuas calcinhas delicadas como papiros
frágeis e levemente amarelecidos...

MODELO –Quê ?

ESCRITOR- Sou conhecido pelo meu enorme vocabulário. O meu vasto vocabulário! A
egrégia , rapace, ditirâmbica imensidão do meu léxico indivual...(Fala alto) Palavras

50
arrogantes! O meu trabalho está a latejar de palavras arrogantes! ( Abaixa-se e começa a
apagar as velas) Vamos. Vamos juntos para o Jaipur.

MODELO –Onde?

ESCRITOR- Adoro-te. Adoro-te, criança.

Apaga a última vela. Música Escuro

A música baixa. Vozes na escuridão.

ESCRITOR- Foi maravilhoso.

MODELO –Oh Robert...

ESCRITOR- E agora vou dizer-te o meu nome. (Pausa) Chamo-me Robert Phetean.

MODELO – Phetean ?

ESCRITOR-Sim. Eu sabia que já tinhas adivinhado. Via-se.

MODELO –Não, não adivinhei. A sério. Nunca ouvi falar de ti.

ESCRITOR-Estás a falar a sério? Nunca vais ao teatro?

MODELO –A minha tia levou-me ao Fantasma da Ópera.

ESCRITOR- Eu disse “ ao teatro”.

MODELO – Nunca me convidaram.

ESCRITOR-Bom, eu convido.

MODELO – Boa. Mas só coisas engraçadas.

ESCRITOR- Queres dizer comédia?

MODELO – Ou coisas que metam medo.

ESCRITOR- Porquê? Nunca foste a uma peça a sério?

MODELO – Qual é o objectivo ?

51
ESCRITOR- Nem mesmo se fosse minha? (Ergue-se do sofá na escuridão) Quero ver-te.
Ainda não te vi desde que fizemos amor.

Acende um fósforo e acende a vela.

MODELO – Dá-me o lençol.

ESCRITOR- Já dou. ( Puxa ainda mais o lençol e fica em frente dela com a vela na mão)
És tão linda. És quem eu andava à procura. Uma inocência total, nua e natural.

MODELO – Au! A cera está a derreter. Essa merda dói mesmo.

ESCRITOR- Desculpa.

A Modelo cobre-se com o lençol.

ESCRITOR-Ao principio não acreditei em ti. Que não sabias quem eu era. Há tanta
gente....bem, digamos só, sem ser arrogante, que isso é um grande problema que eu
tenho. As pessoas querem-me conhecer pelas razões erradas.

MODELO –Que razões?

ESCRITOR- Querem ir comigo para a cama por eu ser quem sou.

MODELO – Ah, estou a ver.

ESCRITOR- E depois esperam que eu lhes dê trabalho. (Ri) Tu realmente não sabias que
eu era o Robert Phetean ?

MODELO –Já te disse, nunca ouvi falar de ti.

ESCRITOR- Ah, a fama, a fama. (Abana a cabeça numa ironia triste) Bom, esquece que
sou um escritor. A sério. Vou ser um assistente de loja. Ou um capitalista aventureiro, se
quiseres.

MODELO – Estou completamente baralhada. Do que é que estás a falar?

ESCRITOR- Do nosso futuro.

MODELO –Que futuro?

ESCRITOR- Vamos partir, o que é que achas? Tens umas semanas?

MODELO – Claro que não.

52
ESCRITOR- Vamos e vivemos nos campos. Nas profundezas das florestas. Foi o que eu
sempre quis. Fugir disto tudo E depois um dia...olhamos um para o outro e dizemos
adeus.

MODELO –Adeus? Porquê? Porque é que dizemos adeus?

ESCRITOR- Porque és demasiado para mim.(Ele pega nela embrulhada no lençol)

MODELO –Tenho frio. Abraça-me.

O Escritor beija-a e olha-a com ternura

ESCRITOR-Está na hora de te vestires. Prometo. Não olho.

Vai até à janela. A Modelo começa vestir-se.

ESCRITOR- Diz-me, achas que és feliz?

MODELO –Agora?

ESCRITOR- Em geral.

MODELO – Não sou infeliz.

ESCRITOR- Não estou a falar das tuas circunstâncias nem mesmo dos homens na tua
vida. O que eu estou a perguntar é: sentes-te viva? Sentes que estás mesmo a viver?

MODELO – Não tens uma escova, não ?

ESCRITOR- Tenho.(Pega numa escova de cima da mesa e aproxima-se para lha dar.)
Estás deslumbrante.

MODELO - Obrigada

Ficam um momento parados a olhar-se e depois ela começa a pentear-se.

ESCRITOR- Ainda não são nove. Porque é que não vamos comer?

MODELO – Tem que ser rápido.

ESCRITOR- E arranjo-te um bilhete para a minha peça.

MODELO – Arranja. Estou pronta.

ESCRITOR- Estou a olhar para ti e estou a pensar: se pode ser assim. Se pode ser assim
para sempre.

53
A Modelo olha para baixo, emocionada. Ele dá-lhe o braço.

ESCRITOR- Depois de si.


8. O ESCRITOR E A ACTRIZ

Um quarto de hotel. Há uma cama larga no centro do quarto .O Escritor entra


carregando a bagagem da actriz. Ela entra. Ele Poisa as malas e tenta acender as luzes
no interruptor.

ESCRITOR- Oh, não acredito. A luz não funciona. Não importa. Olha! Está lua cheia...

A Actriz foi até à janela e ajoelhou-se em frente à lua. O Escritor fecha a porta.

ESCRITOR- O que é?

A Actriz não responde. O Escritor aproxima-se dela.

ESCRITOR- Que raio é que estás a fazer?

ACTRIZ- Que é que achas que estou a fazer? Estou a rezar.

ESCRITOR- Não fazia ideia.

ACTRIZ- Não sou uma ateia como tu.

ESCRITOR- Caramba.

ACTRIZ- Anda e ajoelha-te ao pé de mim, infiel. Vai te fazer bem.

O escritor ajoelha-se e põe o braço à volta dela

ACTRIZ- Oh, sexo, sexo, sexo...(Levanta-se) E a quem é que achas que estava a rezar?

ESCRITOR- Bem, imagino que a Deus.

ACTRIZ- Aí é que tu te enganas. Estava a rezar a ti.

ESCRITOR- Então porque é que estavas a olhar lá para fora?

ACTRIZ – O que é que nós estamos a fazer? Para onde é que me arraste, seu sedutor
barulhento?

ESCRITOR- A ideia foi tua. Não paravas de dizer “ O campo!”.

ACTRIZ – E então, não tinha razão ?

54
ESCRITOR- Claro. È lindo. Estamos só a uma hora da cidade e parece o paraíso.

ACTRIZ- É uma bênção. Podias escrever coisas maravilhosas aqui, se tivesses algum
talento.

O escritor engole o insulto e senta-se na borda da cama.

ESCRITOR- Já estiveste aqui antes?

ACTRIZ- Se já estive aqui? Eu vivi aqui.

ESCRITOR- A sério? Com quem?

ACTRIZ- Com o Fritz. Com o mágico Fritz. Eu adorava-o.

ESCRITOR- Sim, já me disseste.

ACTRIZ- Ah, desculpa. Por favor, se te estou a aborrecer, vou para outro lado.

ESCRITOR- Como é que me podes aborrecer? Nunca estive tão pouco aborrecido com
ninguém na minha vida. Desde que não fales do Fritz. Vamos fazer uma regra. Nada de
Fritz.

ACTRIZ- Bom. O Fritz foi um episódio.

ESCRITOR- Ainda bem que vês isso.

ACTRIZ- Anda cá e beija-me.

Beijam-se

ESCRITOR- Vais te rir quando eu te disser isto, mas acho-te de uma inocência nua total
e natural. A sério.

ACTRIZ- Dizes mais disparates por metro quadrado do que qualquer outro homem que
eu conheci. E agora, boa noite.

ESCRITOR- Que é que queres dizer?

ACTRIZ- Vou para a cama. Dás-me a minha mala, por favor? Está ali. ( Tira uma Nossa
Senhora pequenina e põe-na na mesa de cabeceira.)

ESCRITOR- Que é isso?

ACTRIZ- É a Nossa Senhora. Está sempre comigo.(Sorri para ele, ásperamente)

55
E agora, obrigada, Robert. Boa noite

ESCRITOR- Boa noite?

ACTRIZ – Reservei outro quarto para ti.

ESCRITOR- Outro quarto? O que é que queres dizer com “outro quarto”?

ACTRIZ- Outro quarto! Isto até parece os teus diálogos. Tudo repetido. “ Outro quarto” ?
Sim. Reservei outro quarto.

ESCRITOR- Para quê?

ACTRIZ- Para dormir.

ESCRITOR- O que é isto ?

ACTRIZ- O que é isto? Sou eu a tentar mudar.

ESCRITOR- Mudar? Com estes pudores? Por amor de Deus, tu naquela peça....

ACTRIZ- Não fales nisso!

ESCRITOR- Estavas nua em pêlo durante uma hora e meia. Eu , por mim, vi a peça três
vezes.

ACTRIZ- Isso é diferente. É mais fácil no palco. ( Subitamente eleva a voz) És


completamente insensível? Vira-te.

O Escritor vira-se para a parede.

ESCRITOR- Se calhar, vou dar uma volta. Isso inspira-me sempre. Tenho as minhas
melhores ideias à noite. E sabendo que estás perto, sabendo que a minha inspiração está
perto.....

ACTRIZ- Realmente falas como um idiota.

ESCRITOR- A maior parte das mulheres diria que eu falo ....como um poeta.

ACTRIZ- Sim, está bem. Já te podes virar. (Ela meteu-se na cama) Agora podes sentar-te
na beira da cama e contar-me uma história.

ESCRITOR- Que tipo de história é que queres?

ACTRIZ- Tipo....a quem é que estás a ser infiel, agora ?

56
ESCRITOR- Não estou a ser infiel. Agora.

ACTRIZ- Não vejo porque não. Eu estou.

ESCRITOR- Bem, isso não me surpreende.

ACTRIZ- E quem é que achas que é o sortudo?

ESCRITOR- Não faço a mínima ideia.

ACTRIZ- Adivinha.

ESCRITOR- Pela ordem das coisas, eu suponho inevitavelmente, o teu produtor.

ACTRIZ- Quem é que tu pensas que eu sou ? Uma espécie de corista?

ESCRITOR- Desculpa.

ACTRIZ- Adivinha outra vez.

ESCRITOR- Não sei. O actor principal. Benno.

ACTRIZ- O Benno ? Nâo sabes de nada ? O Benno vive com o carteiro.

ESCRITOR- Caramba!

ACTRIZ- É o homem mais casado que eu conheci. (Ela sorri.) Posso fazer uma
sugestão? Robert, mete-te na cama.

ESCRITOR- Isso era o que eu queria.

ACTRIZ- Então, despacha-te.

ESCRITOR- Era disto que eu estava a falar.(Ele despe-se rapidamente) Ouve!

ACTRIZ- O quê?

ESCRITOR- Os grilos estão a cantar.

ACTRIZ- Não sejas ridículo. Não há grilos aqui.

ESCRITOR- Mas não os ouves?

ACTRIZ- Vais ficar a ouvir grilos que não existem toda a noite?

O Escritor mete-se na cama.

57
ACTRIZ- Agora deita-te sossegado.

ESCRITOR- O que é que estás a fazer?

ACTRIZ- Posso te perguntar uma coisa? Estás a pensar ter um caso comigo?

ESCRITOR- Que raio é que te faz pensar isso?

ACTRIZ- Montes de homens querem ter um caso comigo.

ESCRITOR- Sim , mas agora, eu estou em primeiro na linha de partida.

ACTRIZ- Então anda, grilo. A partir de agora, vou chamar-te grilo.

ESCRITOR- Grilo para mim está bem.

A Actriz abraça-o.

ACTRIZ- Fala comigo. Anda, diz-me, quem é que achas que eu estou a trair?

ESCRITOR- Eu apostava é que tu me estás a trair, para começar.

ACTRIZ- (Ri) És louco.

ESCRITOR- Algures por aí há um homem que ainda não conheceste. Um homem que te
espera e é perfeito.

ACTRIZ- Grilo, só dizes disparates.

ESCRITOR- Mas se o conheceres, páras de procurar. E se tu páras de procurar...bem, se


páras de procurar, então deixas de ser tu......

Música. Escuro.

A música pára.

ACTRIZ- Bom, tens que admitir que isto é muito melhor do que actuar naquelas
estúpidas peças.

ESCRITOR- Na minha opinião, representaste peças muito boas.

ACTRIZ- Quer dizer, as tuas?

58
ESCRITOR- Bem....

A Actriz interrompe-o, subitamente sincera.

ACTRIZ- Concordo. Agora que falaste nisso, é uma peça excelente.

ESCRITOR- Obrigado.

ACTRIZ- Escreves peças brilhantes.

ESCRITOR- Obrigado.

Uma breve pausa.

ACTRIZ- Deus vê o que nós fazemos. Amanhã faço a confissão por ti.

O escritor olha para ela, baralhado.

ESCRITOR- A propósito, porque é que não fizeste o espectáculo de Quinta? O médico


disse que estavas bem.

ACTRIZ- Fiz isso para te chatear.

ESCRITOR-Chatear? Porquê?

ACTRIZ- Porque és um convencido.

ESCRITOR-Eu?

ACTRIZ- Não fazes ideia de como toda a gente te odeia no teatro.

ESCRITOR- Eles odeiam-me?

ACTRIZ- Claro! Pelas costas. Todos dizem que és um convencido. Eu sou a única que te
defende. Digo-lhes que tens muitas razões para ser um convencido.

ESCRITOR- E o que é que eles dizem a isso?

ACTRIZ- O que é que eles dizem? O que é que dizem? Que importa o que a gentalha
diz?

ESCRITOR- Bem...

ACTRIZ- Sabes como é o teatro. Um burburinho constante de queixas.

59
O escritor franze as sobrancelhas, infeliz.

ESCRITOR- Eu sempre gostei dos escritores. Mais que tudo.

ACTRIZ- Oh, escritores!

O Escritor muda de assunto, desconfortável.

ESCRITOR- Quando dizes....quando dizes que Deus....

ACTRIZ- Sim?

ESCRITOR- O que eu pergunto é: há algum problema? Para ti? Isto cria-te um


problema?

ACTRIZ- Porque é que perguntas?

ESCRITOR-Bem...

ACTRIZ- O que foi? Não és católico.

ESCRITOR-Estava só a perguntar. Estou interessado.

ACTRIZ- Nem fales disso. Nâo vais conseguir entender nunca. Sim, louca e selvagem e
depois a culpa.

ESCRITOR- Mesmo apaixonada? Mesmo quando é amor?

ACTRIZ- E quantas vezes é amor?

ESCRITOR- O Fritz, suponho.

ACTRIZ- O Fritz era especial. Tu, és um capricho. (Ela sorri, ignorando a dor dele.)
Ainda estás incomodado com o cantar dos grilos?

ESCRITOR- Não param. Não os ouves?

ACTRIZ- O que tu estãs a ouvir são sapos, querido.

ESCRITOR- Não. Os sapos coaxam.

ACTRIZ- Claro que coaxam.

ESCRITOR- E isto não é coaxar. É cantar.

ACTRIZ- És tão teimoso. Dá-me um beijo, sapo.

60
Eles beijam-se.

ACTRIZ- Agora estás feliz, sapo? (Ri) Mas então, ainda não me disseste nada sobre o
espectáculo.

ESCRITOR- Quando soube que tinhas faltado, convenci-me que estarias um pouco
enferrujada quando voltasses. Por isso, não esteve mal.

ACTRIZ- Enferrujada? Fui brilhante!

ESCRITOR- Brilhante?

ACTRIZ.- Tiveram que arrastar as pessoas para fora do teatro.

ESCRITOR- Viste-as, foi? Iam em macas, era?

ACTRIZ- O Benno disse-me: “Representaste como um anjo”

ESCRITOR- Caramba! Totalmente recuperada em vinte e quatro horas.

ACTRIZ- Não percebes nada. A verdadeira razão de eu ter faltado ao espectáculo


foi porque sentia tanto a tua falta !

ESCRITOR- Pensei que tinha sido para me chatear.

ACTRIZ- És tão superficial, sabias? Tinha 39 de febre. Tudo por tua causa.

ESCRITOR- 39 ? Isso é muita febre por um capricho.

ACTRIZ- Um capricho? Estou a morrer de amores por ti, e tudo o que fazes é dizeres que
é um capricho?

O Escritor sorri e abraça-a.

ESCRITOR- E o Fritz ?

ACTRIZ – Que se foda o Fritz. Ah, que se foda o Fritz.

61
9. A ACTRIZ E O ARISTOCRATA.

O palco de um teatro visto de lado. A Actriz agradece, a cortina cai e ela vira-se para
nós. O seu camarim está cheio de flores.Há uma chaise longue e uma mesa com pacotes
de comida chinesa Ela vai à casa de banho para começar a tirar o figurino. Há um
bater nervoso à porta e o Aristocrata entra. A actriz regressa.

ACTRIZ- Meu Deus !

ARISTOCRATA- Desculpe....

ACTRIZ- É o senhor.

ARISTOCRATA- O seu assistente de cena sugeriu...

ACTRIZ- Por favor, entre.

ARISTOCRATA- Nunca me ocorreu que....

ACTRIZ- Pois, mas estou.

ARISTOCRATA- Que ainda não tivesse mudado de roupa.


ACTRIZ- Sente-se.

O Aristocrata senta-se nervosamente na chaise longue.

ARISTOCRATA- Representou...

ACTRIZ- Obrigada.

ARISTOCRATA- Como um anjo.

ACTRIZ- Parece que foi uma espécie de triunfo.

ARISTOCRATA- Uma espécie ? Os espectadores estavam em êxtase.

ACTRIZ- Obrigada pelas suas flores. ( Ela aponta para as flores) Elas aí estão.

ARISTOCRATA- Receio que sejam apenas uma pequena contribuição. Parece que está
virtualmente atolada por admiradores.

62
A Actriz olha para ele, depois pega em todas as flores que não as dele. Vai até à porta
do camarim, abre-a e atira as flores para o chão do corredor. Fecha a porta. Ficou
apenas um único vaso de flores.

ACTRIZ- Pronto. Assim está melhor, não acha? ( Ela aproxima-se dele impulsivamente,
agarra-lhe a mão e leva-a aos lábios) Não se preocupe. Não o compromete com nada.

O Aristocrata sorri.

ARISTOCRATA- As pessoas avisaram-me que era completamente imprevisível.


Algumas pessoas disseram, um enigma.

ACTRIZ- De certeza que sou mais enigmática do que sua pequena Bridget Cluny.

ARISTOCRATA- Bem, há muito pouco mistério na Bridget.( Rapidamente corrige-se)


Não é que ela seja alguém que eu conheça bem.

ACTRIZ- Não?

ARISTOCRATA- Sabia que nunca a tinha visto representar até hoje?

ACTRIZ- Incrível.

ARISTOCRATA- O teatro para mim é um grande problema. Estacionar o carro ! E


depois comer tão tarde.

ACTRIZ- Porque não comer antes?

ARISTOCRATA- Sim, pensei nisso. A maior parte das vezes, não gosto muito de
restaurantes.

ACTRIZ- De que é que gosta?

ARISTOCRATA- É uma boa pergunta.

ACTRIZ- Parece-me alguém um pouco picuinhas.(Sai para a casa de banho)

ARISTOCRATA- Talvez pense demasiado nas coisas.

ACTRIZ(off)- Ah, qual é o objectivo de pensar?

ARISTOCRATA- Tem razão. As pessoas são apenas pessoas ao fim e ao cabo. Eu


costumava passar todo o meu tempo a pensar porque estava aborrecido. Tomava conta
das propriedades da família. Embora , no campo, ao menos há cavalos.

A actriz volta. Vestiu um grande robe.

63
ARISTOCRATA- Céus, porque é que eu estou a ser tão desinteressante?

ACTRIZ- Não, está a ser fascinante.

O Aristocrata sorri.

ARISTOCRATA- E quanto a si ? Gosta de pessoas?

ACTRIZ- Pessoas ? Céus, não. Não as suporto.

ARISTOCRATA- Era o que eu pensava.

ACTRIZ- Estou sempre só. Sou praticamente uma reclusa.

ARISTOCRATA- Claro.

ACTRIZ- Não vejo ninguém. Ninguém!

ARISTOCRATA- Isso é inevitável. Para um artista. Mas os artistas são afortunados.


Porque um artista tem uma razão para viver.

ACTRIZ- Porque é que pensa assim?

ARISTOCRATA- Bem....

ACTRIZ- Eu não tenho nenhuma razão para viver!( Senta-se à mesa e tira a peruca)

ARISTOCRATA- Mas é famosa.....onde quer que vá recebe elogios....

ACTRIZ- Elogios? Acha que os elogios trazem felicidade? Por favor!

ARISTOCRATA- Eu não disse felicidade. Isso não existe. Não é isso que diz a peça?

ACTRIZ-A peça!

ARISTOCRATA- Enquanto estava a ver, pensei, sim, isto é verdade. Esta peça diz algo
verdadeiro. Quando nos apaixonamos, o sentimento está lá. É real. Parece real. Depois,
coisa estranha. Foi-se.

ACTRIZ (majestosamente) – Foi-se !

ARISTOCRATA- De cada vez que olhamos para trás, pensamos “ Estava errado desde o
princípio. Devia ter percebido. “ Mas, como é que sabemos? Como é que sabemos?

ACTRIZ- Malcolm, você chega mesmo ao coração das coisas.

64
O Aristocrata abana a cabeça pensativo.

ARISTOCRATA- E portanto não importa – pois não? – quer se seja grotescamente rico
como eu, ou pobre como um rato. Quer se viva numa cidade ou em Timbuktu. Por
exemplo....perdi o meu chapéu de chuva. Ah, obrigada....onde é que eu ía?

ACTRIZ- Timbuktu.

ARISTOCRATA- Ah sim. Estou a divagar. Mas a minha vida é uma busca.

ACTRIZ- Uma busca?

ARISTOCRATA- Sim. Por um amor que permaneça real.

A Actriz olha para ele.

ACTRIZ- E qual é a opinião de Miss Cluny a esse respeito ?

ARISTOCRATA- O que é que a Bridget tem a ver ?

ACTRIZ- Afinal de contas é a sua namorada.

ARISTOCRATA- É?

ACTRIZ- É o que dizem nos jornais.

ARISTOCRATA- Alguém devia ter-me avisado.

ACTRIZ- Oh Malcom, ande cá! ( Ela ri e puxa-o para ela. Começa a afagar-lhe o
cabelo.) Eu sabia que esta noite estava cá.

ARISTOCRATA- Sabia? Como?

ACTRIZ- Vi-o.

ARISTOCRATA- O quê? Do palco?

ACTRIZ- Toda a minha representação foi dirigida a si.

ARISTOCRATA- A mim?

ACTRIZ- Não sentiu ? Essa sua timidez, esse seu auto-apagamento...

ARISTOCRATA- Não fazia ideia.

65
ACTRIZ- As mulheres ficam loucas com isso. E agora, beije-me finalmente...

O Aristocrata inclina-se e beija-a

ACTRIZ – Pense como ficariam ciumentos os outros homens do público...

ARISTOCRATA- Eu sei...

ACTRIZ- Todas as noites eu sinto-os, a pulsar, a vibrar, como uma força física, todos
desejando sair dos lugares, passar por cima das cadeiras, subir ao palco e possuir-me ali
no chão....

ARISTOCRATA- Quer que lhe diga a verdade? Estou assustado. (Ele pára, em agonia)
Deixe-me explicar. Temos sido francos um com o outro. Eu cheguei a um ponto na
minha vida. Quero que as coisas sejam certas. Quero que as coisas sejam perfeitas. O
príncipio tem que ser certo. Para ser honesto, o que eu quero é não fazer nada agora.
(Pausa) E para ser verdadeiro, acho que o amor sem ser na cama é francamente
desagradável.(Tenta explicar) Com a maioria das mulheres, o que é que importa? Mas
com alguém como você, é importante. Porque vamos sempre recordar a primeira vez. Por
isso... por favor....

ACTRIZ- Céus, é tão adorável!

ARISTOCRATA- Deixe-me dizer-lhe que...

ACTRIZ- Tão doce!!

ARISTOCRATA- O que eu proponho....

ACTRIZ- O que é que propõe?

ARISTOCRATA-Amanhã, venho buscá-la, partimos, alugamos um quarto num hotel,


algures fora da cidade...

ACTRIZ- Eu não sou a Bridget Cluny!

ARISTOCRATA- Não disse isso. Estou a dizer: ouça, o romance é importante. O


ambiente é importante.

A Actriz levantou-se e fechou à chave o camarim. Apaga as luzes.

ARISTOCRATA- Primeiro, criar uma atmosfera. Depois...

ACTRIZ- Sim, e depois?

ARISTOCRATA- Continua-se a partir daí.

66
ACTRIZ- Senta-te mais perto. Aproxima-te mais.

ARISTOCRATA- Há um perfume. O que é? Um perfume que vem da chaise longue.


Frangipani?

ACTRIZ- Está tanto calor, não achas ?

O Aristocrata inclina-se e beija-a no pescoço.

ARISTOCRATA- Sim, está calor.

ACTRIZ- E escuro também, não achas? Escuro como a noite. ( Ela puxa-o mais para si)
Oh Malcolm, tens a certeza? Este princípio está certo?

Música. Escuro.

A luz volta. Ele está completamente vestido, sentado à mesa comendo os restos da
comida chinesa. Ela está deitada na chaise longue. Ambos parecem felizes.

ACTRIZ- Então ?

ARISTOCRATA- Então?

Silêncio. Ele come.

ACTRIZ – O que é que era aquilo acerca do “ambiente”?

ARISTOCRATA- Hmm...

ACTRIZ- Pensei que o “ambiente” era importante para ti. Pensei que “fora da cama” era
socialmente inferior.

ARISTOCRATA- És uma cabra.

ACTRIZ- Obrigada.

ARISTOCRATA- Uma cabra, não. Uma deusa.

ACTRIZ- E eu acho que nasceste para ser actor. A sério. Percebes completamente as
mulheres.

O Aristocrata pára de comer por um momento.

67
ARISTOCRATA- Achas que alguém é alguma vez só uma pessoa? Não achas que todos
mudamos, sempre? Com uma pessoa somos uma pessoa, e com outra somos outra.

ACTRIZ – Achas?

ARISTOCRATA- Acho. Sou uma pessoa completamente diferente quando estou na


javardice.( Ele olha para ela, e continua a comer.)

ACTRIZ- Sabes o que é que eu vou fazer agora?

ARISTOCRATA- O quê?

ACTRIZ- Vou dizer-te que nunca mais te quero ver.

ARISTOCRATA- O que é que estás a dizer?

ACTRIZ- Estás fora do meu campeonato. És demasiado perigoso para mim. Estás aí
sentado como se não tivesse acontecido nada.. Posso lembrar-te: acabaste de me seduzir.

ARISTOCRATA- (sorri) Como é que eu me posso esquecer disso?

ACTRIZ- E amanhã?

ARISTOCRATA- Amanhã?

ACTRIZ- Vens...

ARISTOCRATA- O quê, ver-te?


ACTRIZ- Vens ver-me?

O Aristocrata levanta a voz de repente, provocado pela inevitabilidade da situação.

ARISTOCRATA- O que é que vamos fazer? Diz-me o que é que devemos fazer!

ACTRIZ- O que é que queres dizer?

ARISTOCRATA- Não estás já a ver onde é que isto vai parar?

ACTRIZ- Não.

ARISTOCRATA- Não estamos já no caminho do costume? Não dizemos” Ah, sim, este
é o momento em que isto “ e “ Oh, Céus, cá vamos nós, este é o momento em que
aquilo”! Não sabemos já?

ACTRIZ- Mesmo que tenhas razão, e depois? Isso é uma razão para não fazermos nada?
O que é que estás a dizer? Não vale a pena fazer nada porque nada acaba bem !

68
O Aristocrata sorri, admitindo o argumento.

ACTRIZ- Filosofia? Obrigada. Leio nos livros.

ARISTOCRATA- Os livros não nos ensinam nada.

ACTRIZ- Então, como vez, tenho razão.

ARISTOCRATA- Nada!

ACTRIZ- Tens razão. Acaba tudo mal, porque toda a gente morre ! Por isso, até lá, o
quê? Assim, pelo menos estamos vivos. Vem ter comigo amanhã. Aprende. É a única
forma de aprender.

Olham um para o outro em silêncio. O Aristocrata tira-lhe a chave. Inclina a cabeça


ligeiramente.

ARISTOCRATA- Foi um prazer vê-la.

ACTRIZ- O prazer foi mútuo.

O Aristocrata vai para a porta.

ARISTOCRATA-Au revoir.

ACTRIZ- Adieu, Tumbuktu.

69
10. O ARISTOCRATA E A RAPARIGA

O Som de um saxofone. Num quarto por cima de uma sex-shop amanhece.A rapariga
está a dormir numa cama, as suas roupas espalhadas pelo chão ao pé dela. Numa
cadeira de pele, no outro lado do quarto, o Aristocrata está sentado, completamente
vestido. Ao seu lado, uma garrafa de tequilla quase vazia. Depois de um momento, ele
espreguiça-se e olha em volta.
Está óbviamente com ressaca e não faz ideia de como foi ali parar. Olha para a
rapariga a dormir.

ARISTOCRATA- Oh, Meu Deus, nunca mais ! Juro, nunca mais! O que é que eu fiz?
Bebi todo o dia?(Levanta-se dolorosamente. Diz algumas palavras para se assegurar
que consegue falar) Amnésia. Um termo médico....para o esquecimento. Sinestesia. Um
termo médico....para experimentar sensações numa parte do corpo que não é a que está a
ser estimulada.(Sorri, contente com o seu sucesso) A grande anedota da vida: sentimos
uma coisa mas depois parece outra. Proust saboreia o queque, mas vê a cidade.
(Parecendo genuíno desespero) Porque é que fazemos isto? Porque é que continuamos?

A Rapariga acorda com o barulho.

ARISTOCRATA- Bom dia.

RAPARIGA- Olá, querido!

ARISTOCRATA- Dormiste bem?

RAPARIGA- Mmm.

O Aristocrata aproxima-se dela.

ARISTOCRATA- Estava de saída.

A Rapariga tira a mão debaixo dos lençóis. Ele aperta-a, pegando-lhe por um momento.

ARISTOCRATA- Como se fosse divina!

RAPARIGA – Para onde é que estás a olhar?

ARISTOCRATA- Ah, para a forma como a luz está a brilhar. A forma como acordaste.
(Olha para ela) És uma rapariga bonita. Podias facilmente encontrar um homem. (Ele
pára, sério) Quantos anos tens?

70
RAPARIGA- Vinte, em Dezembro.

ARISTOCRATA- E há quanto tempo...

RAPARIGA- Um ano.

ARISTOCRATA- Um ano. (Tira a carteira e tira um generoso monte de notas) Tenho de


ir.

A Rapariga vira-se para continuar a dormir. O Aristocrata pára. O rosto dela está
virado para ele.

ARISTOCRATA- Posso pedir um favor? Por favor. Por favor não digas nada. (Ele
inclina-se e beija-lhe os olhos) Céus , se não fosses.....o que és, podias fazer uma fortuna.

RAPARIGA- Sim foi o que o Fred disse.

ARISTOCRATA-Fred? Quem é o Fred?

RAPARIGA- É um amigo. Guia um táxi.

ARISTOCRATA- E ? ( Faz intenção de sair) Talvez nos encontremos outra vez.

Os olhos da rapariga continuam fechados.

RAPARIGA- Pergunta pela Irene.

ARISTOCRATA- Irene. (Pára novamente à porta) Mesmo assim, é obra, ãh? Passei a
noite toda com ela e a única coisa que fiz foi beijar-lhe os olhos. É obra. (Sorri, contente
consigo próprio) Irene, isto acontece-te muito?

RAPARIGA- O quê?

ARISTOCRATA- Que os homens te deixem. Eles simplesmente deixam-te?

RAPARIGA- Claro. Todos os dias.

ARISTOCRATA- Não, quero dizer sem...sem...

RAPARIGA- Não. Nunca!

ARISTOCRATA- Mas...

RAPARIGA-Claro que não!

ARISTOCRATA- Não quer dizer que não goste de ti.

71
RAPARIGA- Eu sei. Gostaste de mim mais do que suficiente ontem à noite.

O Aristocrata franze as sobrancelhas.

ARISTOCRATA- Gosto de ti agora.

RAPARIGA- Sim, mas gostaste mais ontem à noite. Não me digas que te esqueceste?

ARISTOCRATA- Sim. Não.

RAPARIGA- Adormeceste depois.

ARISTOCRATA- Sim. Acontece-me. Foi isso que eu fiz, então.

Silêncio. A Rapariga está muito sossegada e a sua voz é carinhosa.

RAPARIGA- Caramba, devias estar muito bebâdo, querido.

ARISTOCRATA- Sim.

A Rapariga volta-se para continuar a dormir. Ele fica à porta.

ARISTOCRATA- Bem, teria sido romântico se eu só lhe tivesse beijado os olhos. Teria
sido romântico. Mas lá está. Não tinha que ser. E continuamos.

O saxofone começa a tocar outra vez. A Rapariga levanta-se e ensonada arrasta os


lençóis atrás dela. Olham-se por um momento.

ARISTOCRATA- Boa noite.

RAPARIGA- Bom dia.

ARISTOCRATA- Sim, claro. Bom dia. Bom dia.

A música aumenta. Ele fica no sítio sem se mexer. Depois sai, decididamente.. Luz fade
out.

FIM

72

S-ar putea să vă placă și