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FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO
EM PERSPECTIVA COMPARADA:
SOBRE SIGNIFICADOS E MEDIDAS1
Jonathan Rodden
RESUMO
Este artigo revê e redireciona a literatura empírica comparada sobre as causas e conseqüências da
descentralização e do federalismo. A “primeira geração” de estudos concebia a descentralização como um
jogo de soma zero, de transferência de autoridade do centro para os governos subnacionais; partia das
premissas da economia de bem-estar social e da teoria da escolha pública e empregava formas pouco
precisas para medir a descentralização do gasto e o federalismo. Em contraste, ao definir diversas
modalidades de federalismo e de descentralizações fiscal, política e de políticas; ao medi-las e ao explorar
inte-rrelações entre países e ao longo do tempo, este trabalho apresenta um retrato mais preciso da
descentralização e do federalismo, que fornece subsídios para explicar a crescente disjunção entre a teoria
e as evidências encontradas em diferentes países. Assim, aponta na direção de uma “segunda geração” de
trabalhos empíricos mais sofisticados, que levam a política e as instituições a sério.
PALAVRAS-CHAVE: federalismo; descentralização fiscal; descentralização política; descentralização de
políticas; conceitos.
fiscal, uma distinção binária entre estados fede- vantes? Este artigo assume algumas licenças das
rais e unitários ou ambos. regressões utilizadas em análises comparadas e
apresenta algumas perguntas básicas sobre defi-
Crescente desilusão com a descentralização e
nições e medidas. Após distinguir e estabelecer
o federalismo, especialmente entre os países em
relações entre tipos de descentralização e federa-
desenvolvimento, é o leitmotif mais evidente des-
lismo, argumento que as relações entre a teoria e
sa literatura. Teorias otimistas, começando por
a análise empírica da “primeira geração” de estu-
Montesquieu e continuando ao longo da moderna
dos são bastante tênues.
economia do bem-estar social (OATES, 1972),
enfatizaram as vantagens de revelação da infor- A primeira tarefa deste artigo é utilizar dados
mação e de accountability das estruturas gover- novos para apresentar uma descrição empírica e
namentais mais descentralizadas. As teorias da conceitualmente mais sólida das formas de
escolha pública exploraram a possibilidade de que descentralização e federalismo. Esse procedimento
a mobilidade, em contextos descentralizados e de proporcionar-nos-á várias pistas importantes so-
jurisdição múltipla, possa facilitar a adequação entre bre as razões por que os estudos empíricos exis-
as preferências dos cidadãos e as políticas gover- tentes destoam tanto das teorias normativas e às
namentais (TIEBOUT, 1956; BRETON & vezes entre si. Acima de tudo, em lugar de forta-
SCOTT, 1978), produzir governos menores, mais lecer a autoridade independente dos governos es-
eficientes e menos corruptos (HAYEK, 1939; taduais e municipais, a descentralização muitas
BRENNNAN & BUCHANAN, 1980), bem como, vezes cria uma forma de governo mais complexa
sob determinadas condições, mercados mais se- e entrelaçada que pouco se parece com as formas
guros e crescimento econômico mais rápido de descentralização previstas nos manuais sobre
(WEINGAST, 1995). Porém, estudos empíricos o federalismo fiscal ou nas teorias de escolha pú-
recentes contestam essas teorias, apresentando blica. Em segundo lugar, à luz destes fatos, o ar-
evidências que associam a descentralização e o tigo reavalia o que se aprendeu com a primeira
federalismo a níveis mais altos de percepção da geração de estudos comparados e enfatiza for-
corrupção (TREISMAN, 2000a), governos mai- mas de melhorar a coleta de dados, a teoria e os
ores (STEIN, 1999), instabilidade macro-econô- laços entre ambas.
mica (WIBBELS, 2000) e, sob determinadas con-
II. DESCENTRALIZAÇÃO
dições, menor crescimento (DAVOODI & ZOU,
1998). Tais estudos freqüentemente apresentam A descentralização é freqüentemente concebi-
conclusões que põem em dúvida os benefícios da da como a transferência de autoridade dos gover-
descentralização e do federalismo. nos centrais para os governos locais, tomando-se
como fixa a autoridade total dos governos sobre a
Contudo, as distinções entre os variados tons
sociedade e a economia. Os esforços para definir
de descentralização e federalismo ainda não fo-
e medir a descentralização concentraram-se pri-
ram encaradas com seriedade. Questões sobre
mordialmente na autoridade fiscal e, em grau me-
desenho, conteúdo e forma da descentralização
nor, na autoridade política e da gestão de políti-
são tratadas superficialmente, não porque as teo-
cas.
rias e as hipóteses relevantes sejam pouco dife-
renciadas, mas devido às dificuldades envolvidas II.1. Descentralização fiscal
na coleta de dados mais refinados. As deficiênci-
A maior parte dos estudos empíricos sobre
as dessas medidas freqüentemente são reconhe-
descentralização enfoca exclusivamente a distri-
cidas, mas defendidas como o custo necessário
buição das despesas e receitas entre níveis de go-
para construir uma amostra de tamanho suficien-
verno. Esses estudos apóiam-se principalmente na
te para permitir fazer inferências confiáveis. Mas
publicação do FMI Government Finance Statistics
quão altos são esses custos? Será que os indica-
Yearbook (daqui em diante, “GFS”) para calcular
dores preferidos de descentralização realmente
a participação dos governos locais e regionais no
medem os conceitos utilizados nas teorias rele-
total do gasto governamental.
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FONTE: o autor, a partir de: colunas 1 a 3: GFS; colunas 4, 5 e 8: Rodden (2002); colunas 6 e 7: OECD (1999).
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A primeira coluna da Tabela 1 apresenta dados como Canadá e Suíça, enquanto essa proporção é
sobre a descentralização de gastos para todos os inferior a 4% em alguns países altamente centra-
países para os quais o GFS fornece uma boa co- lizados da África. Esses dados permitem-nos tra-
bertura ao longo dos anos 1990. Bem mais do que çar ainda – o que é mais importante – a evolução
a metade do gasto público é realizada pelos níveis da descentralização fiscal ao longo do tempo.
regionais e local, em federações descentralizadas
NOTAS:
Compartilhados entre os governos central e subnacionais
Compartilhados entre dois ou mais níveis subnacionais
Um nível subnacional apenas
FONTES: 1a: GFS; 1b: Henderson (s/d); 1c: Henderson (s/d) e World Bank (2000); 1d a 1f: Henderson (s/d).
A Figura 1a apresenta as médias da participa- to retornou para os governos centrais nos anos
ção dos governos locais e regionais no total do 1990, enquanto a descentralização fiscal prevale-
gasto, para um conjunto de 29 países para os quais ceu mais na Espanha e em boa parte da América
existem séries temporais a partir de 1978. Obser- Latina.
va-se uma tendência ascendente notável: em 1978,
Entretanto, um olhar rápido sobre esses dados
em torno de 20% dos gastos eram feitos nos ní-
não inspira grande confiança com relação à sua
veis subnacionais; em 1995, essa média havia sal-
utilidade como uma medida composta de
tado para mais de 32%. Contudo, isso de maneira
descentralização da autoridade. Por exemplo, a
alguma representa uma tendência universal. Em
Dinamarca é o terceiro país mais descentralizado
alguns países, a distribuição da autoridade de gas-
do mundo, segundo a Tabela 1 – ainda mais des-
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centralizado do que os EUA – embora o governo as estão apresentadas na segunda coluna da Ta-
central regule quase todos os aspectos das finan- bela 1. Além disso, pode-se obter uma medida al-
ças dos governos locais. A Nigéria aparece em ternativa de descentralização fiscal, calculando-
sétimo lugar, mesmo que os estados, durante o se a participação das receitas próprias dos gover-
período de regime militar, fossem pouco mais do nos locais na receita governmental total (terceira
que postos administrativos do governo central. coluna da Tabela 1). Embora seja uma fonte úutil
para observar a variação ao longo do tempo, deve-
Em resumo, é difícil interpretar os dados so-
se tomar cuidado ao fazer inferências baseadas
bre a descentralização do gasto sem informações
na variação entre países, porque os registros so-
adicionais sobre a estrutura regulatória das finan-
bre as receitas de transferências e as receitas pró-
ças subnacionais. A maior parte dos argumentos
prias não parecem ser consistentes entre os paí-
teóricos que enfatizam os ganhos de eficiência
ses.
obtidos pela descentralização (assim como os ar-
gumentos mais recentes que apontam para os pe- Uma forma de obter medidas mais seguras do
rigos desta última) implicitamente assumem que que as do GFS seria utilizar informações dos pró-
os avanços – deterioração – em “responsividade” prios países, para construir uma medida de auto-
[responsiveness] ou os incentivos para os esfor- nomia de receitas dos governos subnacionais que
ços dos governos locais derivam da maior auto- não codifique automaticamente receitas derivadas
nomia em relação em relação ao governo central de mecanismos de partilha tributária como receita
central, assim como na teoria da organização in- própria. A quarta coluna da Tabela 1 apresenta uma
dustrial, para a maior parte da literatura, a essên- medida da participação das transferências mais
cia da descentralização reside no fato de que ela receitas partilhadas no total das receitas dos go-
permite maior discrição para os governos locais vernos subnacionais e a coluna seguinte apresen-
combinada à limitação de acesso do centro à in- ta uma medida das receitas próprias como parce-
formação, restringindo assim a capacidade do úl- la da receita total (RODDEN, 2002). Esta última é
timo de anular decisões locais ex post (QIAN & uma alternativa à variável simples “descentralização
WEINGAST, 1997). Ao comparar firmas, se as do gasto” – representa uma tentativa de medir a
divisões regionais da firma A gastam mais do que parcela da receita governamental total que é efeti-
as divisões regionais da firma B, isso não neces- vamente arrecadada por meio dos esforços dos
sariamente é reflexo de uma descentralização maior governos subnacionais.
da primeira se os gerentes regionais da firma A
Contudo, mesmo essa variável ainda exagera
estão mais sujeitos a um controle rígido por parte
o grau de autonomia dos governos subnacionais
da sede central e suas decisões sofrem interven-
com relação às suas receitas. Embora os gover-
ção freqüente, enquanto a firma B é essencialmente
nos subnacionais possam arrecadar receitas cha-
um conglomerado. No mesmo sentido, a
madas de “fonte própria”, o governo central pode
descentralização do gasto governamental pode di-
ainda manter o poder de decisão acerca das
zer muito pouco sobre o locus da autoridade.
alíquotas e das bases tributárias, deixando aos
Uma consideração importante diz respeito às governos subnacionais o simples papel de coletar
fontes de financiamento da descentralização do impostos de acordo com a determinação central.
gasto: se ela provém de transferências Um estudo recente da Organização para a Coope-
intergovernamentais, receita compartilhada com ração e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE)
o centro de acordo com uma fórmula fixa ou da examina esse problema complexo, mas infelizmen-
arrecadação de receitas próprias, tais como im- te aborda apenas um pequeno número de países
postos ou tarifas pagas por usuários, ou ainda (OECD, 1999). Tal estudo permite-nos calcular
empréstimos. Até recentemente, quase todos os duas variáveis adicionais: a parcela do total das
estudos comparados ignoraram essas diferenças. receitas de impostos sobre a qual os governos
O GFS de fato inclui uma linha nas suas contas subnacionais possuem autonomia plena para fixar
das receitas subnacionais chamada “transferênci- (1) as alíquotas de seus próprios impostos e (2)
as” [grants], mas para muitos países elas não in- as taxas e as fontes de seus impostos. Essas vari-
cluem as transferências constitucionalmente com- áveis, também apresentadas na Tabela 1, apresen-
partilhadas. Pode-se utilizar essa informação para tam um retrato muito diferente da autonomia fis-
calcular a dependência dos governos locais e re- cal dos governos subnacionais. Vários países em
gionais em relação às transferências. Essas médi- que os governos subnacionais são responsáveis
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por uma grande parcela do total do gasto (coluna trata da autoridade autônoma sobre as receitas
1) e da taxação (coluna 5), esses governos subnacionais. Um objetivo importante para a co-
subnacionais têm muito pouca autonomia sobre leta de novos dados seria a expansão e aperfeiço-
as alíquotas e as fontes de tributação (coluna 7). amento do estudo da OCDE, especialmente para
De fato, este estudo deixa claro que os EUA, o os países em desenvolvimento.
Canadá e a Suíça são um caso à parte quando se
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A Tabela 2 apresenta uma matriz de dupla en- Henderson perguntou se o governo central tem o
trada de coeficientes de correlação para todas as direito legal de sobrepor-se às decisões tomadas
variáveis contempladas neste artigo. O número de pelos níveis subnacionais com relação às políti-
casos que servem de base para as correlações cas sob sua competência “com uma facilidade que
aparece em itálico. As variáveis referentes à mo- coloque em questão sua autoridade”
dalidade de descentralização, baseada na “receita (HENDERSON, s/d). Embora essa codificação
de fonte própria”, calculadas a partir do GFS e envolva uma certa liberdade de critérios, a figura
das informações dos próprios países, apresentam 1b mostra que, em 1975, 21% dos governos cen-
correlações elevadas, de 0,9. Seguindo a primeira trais da amostra de Henderson não possuíam o
coluna para baixo, encontram-se correlações re- direito legal de anular as decisões e políticas to-
lativamente elevadas (0,87 e 0,84) entre as variá- madas localmente, mas em 1995 essa porcenta-
veis “descentralização do gasto” e “arrecadação gem havia pulado para 60%. Em segundo lugar,
de recursos de fonte própria”, calculadas com base Henderson perguntou que nível do governo é res-
nas informações do GFS e nas informações dos ponsável pela tomada de decisões em cada uma
próprios países. Contudo, para a amostra menor de três áreas de política: educação básica (autori-
da OCDE, a correlação entre a descentralização dade sobre currículo e contratação ou demissão
do gasto e qualquer uma das variáveis referentes de professores), infra-estrutura (construção local
à arrecadação local autônoma de impostos cai para de estradas) e a força policial local. Os gráficos
aproximadamente 0,64. das figuras 1d a 1f mostram uma tendência ine-
quívoca na direção de uma influência maior dos
Adicionalmente, os governos centrais podem
governos locais e regionais em cada uma dessas
tentar restringir a autonomia fiscal dos governos
áreas.
subnacionais, não somente por meio de transfe-
rências condicionadas e da regulação da arreca- Talvez o aspecto mais impressionante desses
dação local de impostos, como também impondo gráficos seja a prevalência de autoridade compar-
limitações formais à obtenção de empréstimos tilhada. A porção da amostra em que existe autori-
pelos governos subnacionais. A capacidade de dade compartilhada entre o governo central e um
aceder os mercados de crédito ou outras fontes ou mais dos governos locais está indicada por
de financiamento do déficit é um componente meio de uma linha pontilhada. Muito raramente os
importante da autonomia fiscal dos governos governos centrais cedem autonomia plena aos
subnacionais. Um índice criado pelo Banco governos subnacionais. Na vasta maioria dos ca-
Interamericano de Desenvolvimento considera as sos, a descentralização envolve um movimento de
exigências para autorização de endividamento, os uma situação de completo controle do governo
limites quantitativos e as restrições ao uso de dí- central para a de um envolvimento conjunto entre
vidas impostas pelo governo central, assim como o centro e uma ou mais unidades subnacionais.
a possibilidade de obter empréstimos dos bancos Mesmo nos casos em que o governo central não
e empresas públicas de propriedade dos governos está envolvido, a autoridade é freqüentemente
subnacionais (em 1995). Essa variável, com es- compartilhada por dois ou mais níveis de governo
cala de 1 a 5, é apresentada na última coluna da (apresentados na tabela com tipo normal). Final-
Tabela 1. A Tabela 2 mostra que a autonomia para mente, as situações em que apenas um nível de
obter empréstimos está positivamente governo está envolvido na elaboração das políti-
correlacionada às medidas de gastos e de cas (apresentado em negrito) são extremadamente
descentralização das receitas e negativamente raras. A literatura sobre o federalismo fiscal assu-
correlacionada às dependência de transferências me o “pressuposto de que a provisão de serviços
(cf. HAGEN & EICHENGREEN, 1996; públicos deve estar localizada nos níveis menores
RODDEN, 2002). do governo, abrangendo, espacialmente, os custos
e benefícios relevantes” (OATES, 1999, p. 1 124).
II.2. A descentralização de políticas
A prescrição normativa e, em última instância, as
A descentralização de políticas raramente é teorias positivas que dela são derivadas supõem
examinada pelos estudos empíricos, porque é muito uma nítida compartimentalização da autoridade,
difícil medí-la. Afortunadamente, Vernon de acordo com algo que se assemelha ao princí-
Henderson recentemente tomou para si essa tare- pio do subsidiariedade, combinada à autoridade
fa (HENDERSON, 2000). Em primeiro lugar, compartilhada ocasionalmente, para as tarefas em
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que os custos e os benefícios relevantes recaem Embora seja útil a distinção binária entre auto-
entre os níveis de governo. Contudo, os dados do ridades eleitas e nomeadas, variações mais sutis
Gráfico 1 mostram que os governos centrais e na descentralização política entre sistemas que ele-
regionais estão freqüentemente envolvidos até gem diretamente seus governos subnacionais são
mesmo em assuntos relacionados ao currículo, mais difíceis de quantificar, embora sejam de gran-
contratação e demissão de professores do ensino de importância. Acima de tudo, é importante ava-
fundamental, assim como decisões sobre a cons- liar a relação entre as arenas eleitorais de níveis
trução de estradas municipais. local e central. Por exemplo, a lista de candidatos
que competem nas eleições locais pode ser esco-
É possível transformar os dados sobre políti-
lhida pelos dirigentes do partido no governo cen-
cas do Gráfico 1 em uma medida simples da au-
tral. Do outro lado do espectro, as autoridades
tonomia dos governos subnacionais sobre as po-
locais ou estaduais podem desempenhar um pa-
líticas. Uma estratégia razoável consiste em atri-
pel-chave na seleção de candidatos para as elei-
buir dois pontos para os países que não têm con-
ções governamentais do governo central. Por
trole central sobre as políticas dos governos
exemplo, na Austrália e na Alemanha, as listas dos
subnacionais, dois pontos para cada área de polí-
partidos para as eleições federais são elaboradas
tica em que o controle é exercido exclusivamente
pelos líderes partidários estaduais, assim como,
pelos governos regionais ou locais e um ponto
nos EUA, os estados desempenham um papel fun-
para as áreas de política em que os governos
damental na seleção dos candidatos à presidência.
subnacionais compartilham suas decisões com o
Embora essas questões sejam examinadas em al-
centro. Para 1995, o índice vai de zero a sete. A
guns poucos estudos de caso (GARMAN,
Tabela 2 mostra que essa variável apresenta uma
HAGGARD & WILLIS, 2001), uma meta valiosa
correlação de 0,51 com a descentralização do gas-
para as pesquisas futuras seria a compilação de
to, mas é interessante notar que ela não é signifi-
um conjunto de dados comparativos de diversos
cativamente correlacionada com nenhuma das
países.
outras medidas de decentralização.
De maneira mais abstrata, essas variáveis são
II.3. A descentralização política
interessantes em caso de querermos avaliar a in-
A seguir, é possível obter algum conhecimen- dependência relativa (ou interdependência) das
to sobre a descentralização política acompanhan- arenas eleitorais dos níveis central e subnacionais.
do eleições regionais e locais ao longo do tempo. Por exemplo, as eleições dos governos estaduais
O Gráfico 1c apresenta a parte da amostra em nos EUA são conhecidamente influenciadas pela
que os governos regionais e locais são eleitos por avaliação que os eleitores fazem do presidente e
voto popular, mostrando mais uma vez uma ten- seus colegas de partido. Governadores – sem sorte
dência evidente em direção à descentralização. – podem ser apenados pelos efeitos de punição
Enquanto somente 30% dos governos locais da das eleições realizadas na metade do mandato,
amostra eram eleitos em 1970, em 1999 essa par- enquanto outros – mais felizardos – podem pegar
cela havia aumentado para 86%. Para muitos des- carona na popularidade do presidente em perío-
ses países, essa mudança representa parte de uma dos de prosperidade econômica. Em um exemplo
mudança maior, do autoritarismo para a demo- mais extremo das externalidades entre eleições
cracia, no final dos anos 1980 e início dos anos centrais e subnacionais, os eleitores alemães en-
1990. caram as eleições estaduais como competições
federais de metade do mandato, pois determinam
Um índice simples de descentralização políti-
diretamente a composição partidária da poderosa
ca, variando de zero a dois, atribui um ponto para
câmara alta. Por outro lado, David Samuels suge-
cada nível subnacional em que os membros do
re que no Brasil, onde os estados são os distritos
poder Executivo foram eleitos por voto popular
eleitorais, as eleições federais sofrem forte influ-
em 1995. Não surpreende que a Tabela 2 mostre
ência da política do nível estadual em que os go-
que as autoridades locais eleitas por voto popular
vernadores jogam um papel crítico (SAMUELS,
gozem de maior grau de autonomia na gestão das
2000).
políticas do que as autoridades nomeadas e que
tenham poder de decisão sobre uma proporção O sucesso de uma autoridade subnacional tem
maior das despesas públicas. um componente que se baseia nas avaliações acer-
ca de seu desempenho no nível local e um com-
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ponente que provém da avaliação de seu partido contratual ou federal. O federalismo significa que
no nível nacional. Não obstante essa “carona”, para algum subconjunto das decisões ou ativida-
vários estudos demonstram vínculos claros entre des do govero central, torna-se necessário obter
o desempenho fiscal no plano estadual e o desem- o consentimento ou a cooperação ativa das unida-
penho macro-econômico e os resultados das elei- des subnacionais.
ções para Governador, nos EUA. Assim, as
Antes de examinar os detalhes das instituições
chances de reeleição dos governadores nos EUA
que balizam os contratos federais, é importante
têm claros componentes nacionais e estaduais.
compreender como e porque os contratos fede-
Uma estimativa da dimensão desses componen-
rais fazem-se pela primeira vez. Tanto a definição
tes para as autoridades subnacionais em diversos
quanto a operação do federalismo estão imersas
países dir-nos-ia muito sobre sua motivação, por
nas condições históricas que fizeram emergir o
exemplo, para a cooperação intergovernamental,
contrato original. William Riker (1964) argumen-
o esforço local ou a disciplina fiscal.
ta que as federações modernas surgiram de nego-
Uma avaliação menos precisa, porém mais ciações que visavam a garantir defesa militar con-
operacional, da relação entre as arenas eleitorais tra um inimigo comum, embora seja possível acres-
centrais e subnacionais foi sugerido primeiramente centar-se outros bens coletivos como o livre co-
por William Riker e Ronald Shaps (1957) e foi mércio e uma moeda comum. As alianças e as
empregada em uma amostra de 14 federações confederações costumam sofrer de instabilidade,
desde os anos 1970 (RODDEN & WIBBELS, comportamento oportunista e problemas de ação
2002): o número de governadores de nível esta- coletiva; contudo, se os incentivos para a coope-
dual ou provincial com a mesma filiação partidá- ração são suficientemente fortes e os incentivos
ria do poder Executivo federal. Esse dado permite políticos são adequadamente alinhados, os repre-
observar as variações na (des)centralização polí- sentantes das entidades envolvidas podem nego-
tica ao longo do tempo e facilita comparações úteis ciar uma nova estrutura de governo baseada em
entre países. Permite acompanhar, por exemplo, um governo central com forte autoridade e regras
o dramático declínio da dominação do Partido do decisórias que exigem algo menos que a unanimi-
Congresso na Índia, a erosão gradual do domínio dade. Uma vez feito esse contrato, ele toma vida
do PRI (Partido Revolucionário Institucional) no própria e continua vigendo mesmo após a derrota
México, a fragmentação do sistema federal brasi- do inimigo ou a conquista de um mercado ou
leiro e os episódios de autoritarismo e federalismo moeda comum. Alfred Stepan (1999) identifica
democrático na Nigéria. Embora seja baixo o nú- um segundo caminho em direção ao federalismo.
mero de casos que coincidem, a Tabela 2 mostra Muitos estados multinacionais formaram-se não
que, na média, nos anos 1990, essa “harmonia por meio de acordos voluntárias, mas por meio
partidária” está negativamente correlacionada com da conquista e do colonialismo. Diante do desafio
medidas de descentralização fiscal e política. de manter unido um estado multinacional, um pacto
federal torna-se necessário, para conservar a uni-
III. FEDERALISMO
dade nacional e evitar os temores de exploração
O federalismo não é uma distribuição particu- interétnica.
lar de autoridade entre governos, mas sim um pro-
Em ambos os cenários, o contrato federal ori-
cesso – estruturado por um conjunto de institui-
ginal é um acordo sobre a composição e os pode-
ções – por meio do qual a autoridade é distribuída
res do governo central, bem como sobre as “re-
e redestribuída. O federalismo remete-se à pala-
gras do jogo” que estruturarão as futuras
vra fœdus, no latim, que significa “contrato”. A
interações entre esse governo e as unidades que o
palavra veio a ser usada para descrever acordos
compõem. Os efeitos da barganha original tor-
cooperativos entre estados, geralmente para fina-
nam as federações diferentes dos sistemas unitá-
lidades de defesa. Acordos formais e contratos
rios. As unidades não cederão autoridade ao cen-
implicam reciprocidade: qualquer que seja o pro-
tro sem salvaguardas contra a exploração futura,
pósito, os envolvidos devem cumprir alguma obri-
seja por parte do centro mesmo, seja por parte
gação mútua. Se o governo central pode obter tudo
dos outros estados. Desse modo, os acordos fe-
o que deseja dos governos locais por meio de sim-
derais geralmente incluem: a) uma constituição que
ples atos administrativos, faz pouco sentido en-
proteja a soberania e a autonomia das unidades,
carar ambos como engajados em uma relação
incluindo em alguns casos b) cláusulas que lhes
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atribuem todos os “poderes residuais” que foram território, enquanto estados grandes defendem a
explicitamente atribuídos ao centro; a credibilidade representação proporcional à população. O com-
dessa legislação muitas vezes está vinculada à pre- promisso geralmente envolve uma câmara baixa
sença de c) um tribunal constitucional forte e in- de base demográfica e uma câmara alta que so-
dependente; mais importante, acordos federais bre-representa os estados pequenos2. Dados com-
exigem d) maiorias ou supermaiorias das unida- parativos coletados por David Samuels e Richard
des territoriais para efetuar uma ampla gama de Snyder mostram que as federações apresentam
mudanças nas políticas – especialmente mudan- níveis muito mais elevados de sobrerepresentação
ças na distribuição vertical básica de autoridade da câmara alta do que os sistemas unitários
política e fiscal ou na Constituição. (SAMUELS & SNYDER, 2001).
Desde a Filadélfia de 1776 até a Reunião de Portanto, o federalismo é uma forma de agre-
Cúpula da Comunidade Européia em Nice no ano gação de preferências que freqüentemente depen-
2000, está claro que, na adoção de um acordo de de acordos entre os governos territoriais ou
federal, as maiores preocupações relativas à pos- seus representantes, em contraste com o princí-
sibilidade de exploração provêm dos pequenos ter- pio majoritário (CREMER & PALFREY, 1999).
ritórios que seriam sistematicamente derrotados Mas isso de modo algum implica um conceito bi-
se os votos fossem distribuídos de acordo com a nário. A Tabela 3 retrata um continuum que reflete
população. Assim, estados pequenos tendem a in- o papel dos governos territoriais nos processos
sistir em esquemas de representação baseados no de elaboração de políticas do governo central.
FONTE: o autor.
NOTA: n/d: não disponível.
No extremo esquerdo, as decisões são toma- realista no nível nacional, Israel – com somente
das por maiorias de indivíduos – os distritos um distrito eleitoral que abrange o país inteiro –, é
territoriais não desempenham nenhum papel. Tal-
vez os melhores exemplos modernos sejam os
referendos ou as assembléias de cidades [town 2 Outra explicação para a má distribuição é que a riqueza
meetings] nas áreas rurais da Nova Inglaterra3 ou fundiária e os proprietários de capital procuram isolar-se
na Suíça. Ou, para fornecer um exemplo mais das demandas em favor da redistribuição provenientes dos
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um país em que os níveis menores do governo provinciais estão claramente presos a um proces-
não coincidem com nenhuma zona territorial que so contínuo de negociação intergovernamental,
tenha papel formal nos processos decisórios do que ocorre principalmente externamente às insti-
governo central. Seguindo esse continuum, temos tuições do governo central. O governo central do
os legislativos eleitos por distritos territoriais – o Canadá chega até a assinar acordos contratuais
modelo da maior parte das legislaturas modernas. com as províncias. Embora ele não seja obrigado
Mesmo que esses distritos não correspondam às a obter a aprovação dos governos provinciais para
fronteiras dos governos territoriais (como nos sis- elaborar políticas, freqüentemente precisa agradá-
temas ao estilo Westminster, em que a las, fazendo-lhes barganhas e pagamentos. Os
redistritalização é freqüente), pode-se esperar mais governos centrais da Rússia e da Espanha envol-
negociação territorial que nos sistemas sem dis- vem-se diretamente em negociações bilaterais e
tritos. Seguindo ao longo desse continuum, en- multilaterais com os governos regionais; na Ale-
contram-se os legislativos em que as fronteiras manha e na Austrália, há uma variedade de orga-
dos governos territoriais e dos distritos eleitorais nismos multilaterais de negociação, formais e ori-
correspondem uns aos outros, mas as cadeiras entados para a elaboração de políticas específi-
são alocadas de acordo com a população, como é cas, que incluem os estados e o governo central.
o caso da câmara alta na Itália.
Em suma, acordos federais são em grande
A próxima posição na Tabela 3 é ocupada pela parte produto de incentivos institucionais deriva-
câmara alta da grande maioria das federações dos de negociações anteriores, mas algumas ve-
modernas, incluindo os EUA. Nela, cada territó- zes as instituições relevantes não estão identificadas
rio tem o mesmo número de representantes dire- na Constituição. Alguns países, como a Alema-
tamente eleitos, independentemente da sua popu- nha, o Brasil e os EUA possuem quase todos os
lação. Mas a posição que segue é ainda mais “fe- atributos identificados acima, de (a) a (e). Porém,
deral”: no Senado original dos EUA, assim como a Índia, a Áustria e o Canadá geralmente são con-
no moderno Bundesrat alemão, os representantes siderados federações, embora suas câmaras altas
são nomeados diretamente pelos governos esta- não sejam nem fortes nem sobre-representadas.
duais. Finalmente, no extremo esquerdo da Tabe- As credenciais federais da Índia às vezes são con-
la 3, encontram-se os legislativos em que os re- testadas, porque nesse país o Primeiro-Ministro
presentantes são nomeados diretamente, os esta- goza da autoridade constitucional para destituir os
dos pequenos estão sobre-representados e as governos dos estados; porém, esse poder vem
mudanças do status quo exigem supermaiorias ou, sendo empregado cada vez com menor freqüên-
em um caso extremo, unanimidade. Para mudan- cia, sem mudança constitucional.
ças constitucionais, o Bundesrat alemão pertence
Não obstante essas áreas cinzas, tentativas
a esse grupo, assim como o Conselho de Minis-
anteriores de medição comparada tratam o fede-
tros da Comunidade Européia, para as questões
ralismo como um conceito binário. Inúmeros es-
mais importantes. A cada posição mais à direita
tudos comparados utilizam as classificações fei-
nesse espectro, os governos territoriais assumem
tas por estudiosos das constituições (ELAZAR,
maior precedência como unidades relevantes na
1995; WATTS, 1999) que identificam as federa-
construção das maiorias legislativas e pode-se di-
ções baseados mais no senso comum e na experi-
zer que a representação torna-se mais “federal”.
ência do que em critérios rigorosos de codificação.
A representação dos estados na elaboração de A última linha da Tabela 2 mostra os coeficientes
políticas do governo central faz parte da essência de correlação de uma única variável dummy “fe-
do federalismo (KING, 1982). Entretanto, uma deral” com as outras variáveis de descentralização.
definição estrita pareceria excluir o Canadá, pois Não surpreende que o federalismo encontre-se
suas províncias não têm representação formal positivamente correlacionado com medidas de
como veto players nos processos decisórios do descentralização de despesas, de receitas, de em-
governo federal. Contudo, os governos federal e préstimos e de políticas. Entretanto, em contraste
com o conhecimento convencional, as federações
não se distinguem dos sistemas unitários em ter-
mos de níveis de dependência das transferências.
trabalhadores urbanos.
Além disso, o coeficiente de correlação positiva
3 Na costa Leste dos EUA (nota das tradutoras).
para autonomia fiscal dos governos subnacionais
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FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA
é puxado por três federações – os EUA, a Suíça e fazem das autoridades centrais e subnacionais tam-
o Canadá –; outras federações com dados dis- bém se inter-relacione. A literatura normativa so-
poníveis a esse respeito possuem níveis muito bre o federalismo fiscal, assim como as teorias
baixos de autonomia fiscal. constitucionais norte-americanas sobre o federa-
lismo dual, têm tido efeitos obscurecedores. Mui-
A classificação tradicional das federações é
to freqüentemente, economistas e cientistas polí-
muito ampla, juntando países tão diferentes como
ticos teorizam sobre descentralização como se ela
Suíça e Paquistão. Também mascara importantes
significasse uma divisão nítida de tarefas, em que
variações temporais, como, por exemplo, a
o centro só entra para a provisão de bens coleti-
Nigéria, ao entrar e sair da ditadura militar, ou a
vos nacionais e para corrigir desvios. As noções
Índia, à medida que a “regra do Presidente” des-
de federalismo que prevalecem na Ciência Políti-
vaneceu-se por obsolescência. Há muito espaço
ca criam um problema parecido. O federalismo
para melhorarmos a medição do federalismo. Va-
não necessariamente acarreta uma autoridade maior
riáveis dummy sobre o federalismo devem ser
dos governos subnacionais sobre os impostos,
consideradas com ceticismo. Embora não neces-
gastos ou qualquer outra coisa. O federalismo não
sariamente funcione muito melhor, um caminho
implica que o centro e os estados sejam sobera-
possível para a medição mais refinada seria criar
nos, cada um protegido contra a interferência do
medidas contínuas, adotando índices baseados nas
outro. Ao contrário, as federações têm evoluído
dimensões do federalismo mencionadas acima e
para contratos incompletos em andamento e pela
nos critérios de representação mostrados na Ta-
sua própria natureza estão sob constante
bela 3. Mais importante ainda, na próxima seção,
renegociação. Na maior parte das federações, o
argumento que qualquer tentativa de medir o fe-
centro depende das províncias para implementar
deralismo deve ser cuidadosamente articulada com
e fazer valer muitas das suas decisões e não pode
o argumento teórico de interesse.
efetuar mudanças do status quo em algumas áre-
IV. RELACIONANDO A TEORIA E A ANÁLISE as sem o consentimento das unidades constituin-
DE DADOS tes.
Deste exercício de esclarecimento de concei- Com base nessas lições, o resto deste artigo
tos e medidas, algumas lições destacam-se. Em- revisita diversas questões dirigidas à pesquisa
bora a descentralização do gasto e o federalimso empírica comparada. Para cada área de pesquisa,
estejam correlacionados com algumas das medi- discute 1) as limitações dos estudos existentes; 2)
das alternativas, são proxies pouco precisas e po- formas de melhorar as conexões entre teoria e
tencialmente enganosas para muitos dos fenôme- dados e 3) novos rumos para a teoria.
nos discutidos pelas teorias mais importantes so-
IV.1. A descentralização endógena
bre as causas e conseqüências da descentralização.
Mais importante ainda, os dados apresentados A intuição central da teoria do federalismo fis-
acima nos dão retratos muito diferentes da cal afirma que os benefícios da descentralização
descentralização e do federalismo do que os que correlacionam-se positivamente com a variação
estão implícitos em boa parte da literatura teórica. geográfica nas demandas providas pelo setor pú-
É pouco freqüente que a descentralização fiscal e blico (OATES, 1972; PANIZZA, 1999). Essa li-
de políticas envolva um deslocamento de uma nha de argumentação baseia-se em Montesquieu
quantidade fixa de autoridade ou recursos do go- e Rousseau, ao enfatizar os benefícios da
verno central para os governos regionais ou lo- descentralização em territórios grandes e de po-
cais. Ao contrário, a descentralização geralmente pulações vastas. Embora não explicitem os pro-
envolve acrescentar novas camadas ou novos re- cessos políticos por meio dos quais as demandas
cursos e responsibilidades para os níveis inferio- por descentralização são transformadas em polí-
res de governo, em um contexto de superposição ticas, esses autores argumentam que sistemas
de esferas de autoridade. excessivamente centralizados em países grandes
e heterogêneos terão que encarar uma grande pres-
A descentralização política também se acres-
são para descentralizar, se não quiserem expor-se
centa à natureza complexa e imbricada do gover-
aos riscos de secessão ou guerra civil. Alberto
no de múltiplos níveis. Quando a autoridade so-
Alesina e seus colaboradores estendem essa lógi-
bre as políticas e sobre as finanças imbrica-se,
ca e examinam um intercâmbio básico entre os
não surpreende que a avaliação que os eleitores
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benefícios das grandes jurisdições e os custos da valente à secessão. Talvez seja mais relevante per-
heterogeneidade em populações grandes guntar por que os políticos escolhem tornar o
(ALESINA & SPOLAORE, 1997). Mas o tama- Estado mais imbricado e complexo. Por exemplo,
nho grande implica custos – a dificuldade de sa- quais incentivos conduzem os políticos do gover-
tisfazer uma população mais diversificada. Outro no central a abrir mão de ter responsibilidade in-
ramo da literatura enfatiza o intercâmbio entre a) dependente sobre a provisão de certos bens pú-
os benefícios da coordenação e das economias de blicos e compartilhar responsibilidades com os
escala e b) os benefícios de fixar os níveis dos governos locais para o financiamento da provisão
impostos e de determinar as transferências descentralizada por meio de transferências? Em
redestributivas no nível local, nas sociedades que parte, a resposta pode relacionar-se com a poten-
possuem níveis (e distribuições) de renda regio- cial redução do déficit orçamentário do governo
nalmente heterogêneos (BOLTON & ROLAND, central bem como com a transferência da res-
1997). Em todos esses modelos, níveis suficien- ponsabilidade pelo mau desempenho. De modo
temente altos de heterogeneidade geram deman- inverso, o que explicaria a tendência dominante
das para a descentralização ou mesmo para a se- da primeira metade do século XX, de migração da
cessão. autonomia fiscal e de políticas – especialmente
relativa a impostos – dos estados e províncias para
Um desafio que se apresenta para testar estes
os governos centrais federais ou, mais recente-
argumentos encontra-se no fato de que exigem
mente, para os organismos intergovernamentais?
medições da heterogeneidade regional das prefe-
Depois do trabalho pioneiro de Fritz Scharpf e
rências. A área territorial e a heterogeneidade lin-
seus colaboradores (SCHARPF, REISSERT &
güística são as proxies usadas nos estudos
SCHNABEL, 1976), dedica-se pouca atenção te-
empíricos de Wallace Oates e Ugo Panizza, que
órica ou empírica para questões relativas à natu-
revelaram uma correlação positiva com a
reza cada vez mais imbricada da tomada de deci-
descentralização do gasto. Esses estudos ainda
sões de governos centrais, regionais e locais.
mostram que a riqueza e a democracia estão posi-
tivamente associadas à descentralização do gasto. Em suma, além de uns poucos estudos sobre
a descentralização de despesas, trabalhos compa-
Contudo, a descentralização do gasto tende a
rados sobre a descentralização endógena em ma-
ser uma proxy pobre da devolução política e de
téria de impostos, política e de políticas são um
políticas que tais teorias abordam. Quando a
território ainda sem exploração. O caminho mais
heterogeneidade étnica ou lingüística gera deman-
promissor para uma próxima geração de pesqui-
das por descentralização, as demandas tendem a
sas seria abordar uma gama mais ampla de variá-
dirigir-se para o locus da tomada de decisões a
veis de descentralização e complementar os mo-
respeito dos currículos escolares, da segurança
delos do eleitor mediano com pressupostos mais
pública ou da introdução de eleições locais. No
realistas sobre instituições e políticas.
argumento de Bolton e Roland, que foca as prefe-
rências em relação ao locus da autoridade tributá- IV.2. Accountability, corrupção e bom governo
ria derivadas da renda, a variável independente
Se a descentralização de fato envolvesse a
correta exigiria dados regionais sobre os níveis de
transferência líquida de autoridade conforme for-
renda e sua distribuição interpessoal e a variável
mulado pela teoria do federalismo fiscal, poder-
dependente correta assemelhar-se-ia às variáveis
se-ia aproximar o governo “do povo” e melhorar
de autonomia tributária da OCDE acima descri-
a informação, accountability e “responsividade”
tas. Contudo, os testes empíricos da teoria ten-
[responsiveness] em relação aos cidadãos. No en-
dem a ser muito dificeis, pois já vimos que o tipo
tanto, quando a descentralização envolve acres-
de autonomia tributária dos governos subnacionais
centar camadas de governo e expandir áreas de
concebido por essa teoria é extremamente
responsibilidade compartilhada, pode facilitar a
incomum, mesmo nos países mais desenvolvidos.
transferência de “culpa” ou de créditos políticos,
De fato, os dados apresentados acima suge- na prática reduzindo a accountability. Pior ainda,
rem que as teorias de descentralização endógena, em países que já sofrem do fenômeno da
se bem que visam a iluminar tendências recentes, corrupção, pode conduzir à competição pela ex-
devem ir além das teorias do eleitor mediano nas tração de rendas e confusão sobre as bases do
quais a descentralização é conceitualmente equi- suborno (SHLEIFER & VISHNY, 1993). Os es-
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FEDERALISMO E DESCENTRALIZAÇÃO EM PERSPECTIVA COMPARADA
tudos anteriores sobre corrupção, em que as vari- o pressuposto de que a mobilidade teria menos
áveis exógenas eram medidas de descentralização custos nas jurisdições menores. No entanto, isso
do gasto e uma variável dummy “federalismo” não não nos fornece muita informação se não for
permitiam distinguir entre essas possibilidades acompanhado de uma medida dos poderes fiscais
(TREISMAN, 2000a; FISMAN & GATTI, 2002). dos governos. De fato, teorias simples sobre o
Porém, um trabalho recente de Triesman tenta li- nível ótimo de taxação fornecem bons motivos
dar com os problemas potenciais associados à para suspeitar que haja uma correlação negativa
superposição de autoridade, utilizando uma variá- entre o tamanho da jurisdição e a autonomia tribu-
vel que conta o número de níveis de governo, tária.
empregando uma medida de autoridade judicial e
Em todo caso, nenhum dos estudos empíricos
policial descentralizada (que supõe a superposição)
existentes sobre corrupção ou bom governo cons-
(TREISMAN, s/d). É possível que estudos futu-
tituem provas aceitáveis das hipóteses que vincu-
ros apresentem avanços nesse sentido, examinando
lam a competição intergovernamental e os cons-
a extensão em que diferentes níveis apresentam
trangimentos sobre os políticos locais. Em pri-
superposição de autoridade ou, melhor ainda, au-
meiro lugar, pode não ser suficiente a simples iden-
toridade regulatória.
tificação de autonomia regulatória ou tributária dos
Alguns dos argumentos mais convincentes que governos subnacionais ou mesmo a observação
relacionam a descentralização com mais de que a competição horizontal realmente aconte-
accountability e menos corrupção consideram a ce. Em alguns países, a estrutura do regime tribu-
mobilidade e a competição intergovernamental tário subnacional pode encorajar a exportação de
como fatores que reduzem a capacidade de su- impostos ou acordos corruptos entre governos
borno dos governos. Porém, nem a subnacionais e empresários. Além disso, embora
descentralização do gasto nem o federalismo são todos os supostos benefícios da descentralização
uma proxy razoável da mobilidade do capital e da suponham ganhos em accountability, muito pou-
competição intergovernamental. A primeira exige co se sabe sobre os vínculos entre os tipos de
alguns dados sobre as possibilidades reais dos in- descentralização fiscal e de políticas (ou, melhor
divíduos e das firmas realmente migrarem ou de dito, superposição) e a capacidade dos eleitores
ameaçar fazê-lo. Em boa parte do mundo, os la- de responsibilizar as autoridades locais por aquilo
ços étnicos e lingüísticos agem como impedimen- que fazem. Um caminho mais promissor que as
tos fortes contra a mobilidade. Fora um pequeno regressões para fazer análise comparada seriam
grupo de países ricos, a mobilidade entre jurisdi- detalhados estudos de caso, apoiados em uma
ções é mais freqüentemente uma ação desespera- perspectiva explicitamente comparativa. Por exem-
da para fugir da pobreza do que expressão de pre- plo, estudos sobre os EUA mostram que os eleito-
ferências sobre a provisão local de serviços ou res tanto punem quanto recompensam os políti-
sobre a corrupção e a migração geralmente con- cos estaduais pelos resultados macro-econômi-
duz às favelas das capitais, onde a corrupção e a cos e fiscais obtidos (LOWRY, ALT & FERREE,
provisão de serviços podem ser piores ainda. 1998), coisa que os eleitores alemães não fazem
Mesmo assim, os teóricos acima citados concen- (LOHMANN, BRADY & RIVERS, 1997). O pró-
tram-se primordialmente na mobilidade do capi- ximo passo seria vincular explicitamente essas
tal, em vez da mobilidade do trabalho. Mas para variações entre países com diferenças nas insti-
que a mobilidade do capital tenha efeitos sobre a tuições políticas e fiscais.
governança, os governos subnacionais precisam
IV.3. Escala fiscal e redistribuição
apresentar um grau significativo de autonomia
regulatória, principalmente com relação aos im- Um conjunto parecido de problemas tem afe-
postos. Todavia, os dados apresentados acima tado a literatura empírica comparada que examina
sugerem que a autonomia da autoridade tributária a descentralização e o tamanho do governo. Acei-
dos governos subnacionais é uma ficção em mui- te-se ou não o viés antigovernamental implícito
tos dos países que à primeira vista aparentam ser nessa literatura, há bons motivos para acreditar
descentralizados. Para examinar a plausabilidade que a descentralização, se facilitar a competição
da competição entre jurisdições. Uma abordagem tributária entre governos, conduzirá a um setor
comum na literatura envolve examinar o tamanho público de menor tamanho. A primeira geração de
e o número das jurisidições de primeiro nível, sob estudos empíricos, no entanto, não tentou medir
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Finalmente, à medida que as lições provenien- cia líquida de autoridade ou de recursos fixos dos
tes dos estudos de caso e da coleta de dados so- níveis centrais de governo para os subnacionais,
bre os países avancem, as teorias também devem nem entender o federalismo como a alocação fixa
evoluir. Isso já começa a acontecer, conforme os de esferas de autonomia do governo central e das
analistas respondem aos problemas relativos a províncias. Um ponto de partida mais promissor
accountability, corrupção e instabilidade macro- para a construção teórica seria a análise das cau-
econômica em países recentemente descentrali- sas e efeitos da distribuição imbricada e compar-
zados. Um importante passo seria reconhecer que tilhada de autoridades política, fiscal e de políti-
o melhor entendimento da descentralização dos cas.
últimos 20 anos não consiste em uma transferên-
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