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INTRODUÇÃO
 
1.     Direito Penal
Conjunto de normas jurídicas que associam factos penalmente relevantes
uma determinada consequência jurídica, uma sanção jurídica ou, conjunto de
normas jurídicas que fazem corresponder a uma descrição de um determinado
comportamento uma determinada consequência jurídica desfavorável.
A esses factos penalmente relevantes correspondem determinadas sanções
jurídico-penais, que são basicamente:
-         As penas, e as principiais são:
      Prisão;
      Multa.
-         As medidas penais, e as principiais são:
      Medidas de segurança;
      Medidas de correcção.
a)     Medidas de segurança
Têm um carácter essencialmente preventivo, embora sejam sempre pós-
delituais e são baseadas na perigosidade do delinquente.
No âmbito do Direito Penal vigora o princípio da culpa que significa que
toda a pena tem como suporte axiológico normativo uma culpa concreta; a
culpa é simultaneamente o limite da medida da pena.
Ou seja, quanto mais culpa o indivíduo revelar na prática de um facto
criminoso, maior será a pena, quanto menor a culpa menor será a pena.
O fundamento para a aplicação de uma medida de segurança, não pode ser
a culpa, mas sim a perigosidade, ou seja, justifica-se a imposição daquela
medida de segurança quando há suspeita de que aquele indivíduo que
cometeu aquele facto penalmente relevante volte a cometer novo ilícito, de
gravidade semelhante.
b)     Medidas de correcção
São medidas (penais) que se aplicam a jovens delinquentes.
A partir dos 16 anos, o indivíduo tem plena capacidade de culpa e sobre ele
pode recair uma pena: pena de prisão ou pena de multa. Antes dos 16 anos,
o indivíduo é inimputável.
c)     Penas
Sanção característica do Direito Penal. Prevista e regulada nos arts. 40º
segs. CP.
A pena de prisão tem um limite mínimo de um mês e um limite máximo de
20 anos podendo ir até aos 25 anos em determinados casos (art. 41º CP).
A pena de multa tem um limite mínimo de 10 dias e um limite máximo de
360 dias (art. 47º CP).
A pena de prisão distingue-se da pena de multa:
-         A pena de prisão é uma pena privativa da liberdade, em que o indivíduo
é encarcerado num determinado estabelecimento prisional onde cumpre
a pena, vendo a sua liberdade de movimentação coactada;
-         A pena de multa é uma pena de natureza essencialmente pecuniária, se
o juiz condenar alguém pela prática de um crime com uma pena de multa
e esta não paga, ela tem a virtualidade de ser convertível em prisão.
2.     Definição estrutural de Direito Penal

1
Direito Penal é composto por um conjunto de normas jurídicas com uma
determinada estrutura. Essa estrutura é a descrição de um facto, de um
comportamento humano que é considerado crime ou contravenção, a que
corresponde uma sanção jurídico-penal1 . [1]

Estrutura da norma penal:


-         A descrição de um facto – previsão;
-         A sanção jurídica que corresponde à prática desse facto – estatuição.
Mas nem sempre as incriminações ou crimes estão descritos pressupondo
da parte do agente, um comportamento activo; em Direito Penal são crimes
não só determinadas acções, como também determinadas omissões.
Pune-se não a actividade, mas precisamente o “non facere”, uma omissão,
uma inactividade, quando a lei obrigava, naquelas circunstâncias, a que a
pessoa actuasse. A norma tem uma estrutura decomposta numa previsão e
numa estatuição.
-         A estrutura das normas penais insertas na parte especial tem, de um
modo geral, esta bipartição entre uma previsão e uma estatuição;
-         As normas da parte geral permitem de alguma forma encontrar princípios
e preceitos que contemplam o que está na parte especial.
 
3.     Crítica há definição estrutural da norma penal
Esta definição estrutural do Direito Penal não nos resolve o problema de
saber se, em determinados campos em que também são aplicadas
consequências jurídicas desfavoráveis a pessoas que cometem determinados
factos relevantes, se isso é ou não Direito Penal, poderá não ser: poderá ser
por hipótese direito disciplinar, ilícito da mera ordenação social; ilícito das
contravenções (coimas) etc.
Também nestes casos é cominada uma consequência jurídica desfavorável
(uma estatuição) para quem incorre num determinado facto previsto.
O objecto do Direito Penal são os factos penalmente relevantes, sendo os
de maior importância os crimes.
 
4.     Definição formal e material de crime
Formalmente pode-se dizer que o crime é uma acção ou um facto típico,
ilícito e culposo.
Portanto, os crimes principais encontram-se na parte especial do CP. Mas
encontram-se muitos crimes tipificados em outros diplomas legislativos:
Decreto-lei2 , leis.
[2]

Materialmente, crime é todo o comportamento humano que lesa ou ameaça


de lesão (põe em perigo) bens jurídicos fundamentais.
Existe um princípio basilar e que dá consistência à criminalização de
comportamentos que é o princípio da subsidiariedade do Direito Penal.
O Direito Penal ao intervir, só deve emprestar a sua tutela, só está
legitimada a intervir para tutelar determinados bens de agressões humanas
quando essa tutela não puder ser eficazmente dada através de outros quadros
sancionatórios existentes no ordenamento jurídico. Ou seja, quando do direito
civil, do direito administrativo, não forem suficientemente eficazes para
acautelar esses bens jurídicos que as normas de Direito Penal procurem
acautelar.
1[1]
Vulgarmente uma pena.
2[2]
Mediante autorização da Assembleia da República.

2
Bens jurídicos são valores da ordem ideal que o legislador considera,
muitas vezes por opção de para política, outras por opção de política penal ou
política criminal, procurando dar tutela jurídica. São bens jurídicos:
-         Vida;
-         Integridade física;
-         Honra;
-         Liberdade;
-         Propriedade;
-         Património em geral;
-         Liberdade de movimentação;
-         Liberdade de decisão; etc.
Por detrás de cada tipo legal de crime, encontram-se sempre a necessidade
de tutelar um ou mais bens jurídicos.
Não é legítima a criação de um comportamento criminoso, a criação de uma
incriminação, sem que por detrás dessa incriminação se tentem proteger bens
jurídicos fundamentais.
Formalmente o Direito Penal está legitimado pelas normas constitucionais,
mormente o art. 18º CRP, a Constituição aponta determinados critérios que o
legislador ordinário em matéria penal não pode ultrapassar. As normas penais
têm de estar em harmonia com as orientações constitucionais.
Mas, não é o legislador penal que cria o bem jurídico. O bem já existe
porque é um valor de ordem ideal, de ordem moral. Simplesmente o legislador,
ao atribuir-lhe tutela penal, transforma-o em bem jurídico.
A intervenção do Direito Penal por força do princípio da subsidiariedade só
se justifica quando seja para acautelar lesões ou ameaças de lesões de bens
jurídicos fundamentais.
 
5.     Direito Penal no quadro das ciências penais
O Direito Penal é composto por um conjunto de normas jurídicas que têm a
virtualidade de associar a factos penalmente relevantes – os crimes e as
contravenções – determinadas consequências jurídico-penais.
-         Formalmente, o Direito Penal é legitimado pelas próprias normas
constitucionais e a visão constitucional do funcionamento do Estado e da
sociedade é reflectida depois pelo legislador em sede de Direito Penal;
-         Materialmente, aquilo que legitima o Direito Penal é a própria
manutenção do Estado e da própria sociedade.
Portanto, o Direito Penal só deve intervir quando e onde se torne necessário
para acautelar a inquebrantibilidade social.
Saber quais os bens estes valores da ordem moral e ideal que devem
carecer de disciplina jurídica e de tutela penal, pode fazer-se através de duas
maneiras:
1)     Através de um processo intra-sistemático, ou seja, inerente ao sistema:
averiguar quais são as incriminações constantes de legislação penal,
quer da parte especial do Código Penal, quer de legislação penal
extravagante ou avulsa; verificar que comportamento é que o legislador
penal, face ao direito vigente, considera como tal; saber depois de por
detrás dessas incriminações se encontram sempre bens jurídicos que o
legislador pretende tutelar.
2)     Através de um plano sistemático crítico: indagam que valores, que bens,
carecem de tutela penal.

3
O Direito Penal é talvez o ramo de direito que mais próximo se encontra do
ordenamento moral. Muitos comportamentos que são considerados como
criminosos, não deixam de reflectir uma certa carga moral.
 
6.     Princípio da subsidiariedade do Direito Penal
O Direito Penal só deve intervir quando a tutela conferida pelos outros ramos
do ordenamento jurídico não for suficientemente eficaz para acautelar a
manutenção desses bens considerados vitais ou fundamentais à existência do
próprio Estado e da sociedade.
A este carácter subsidiário do Direito Penal, que se resume dizendo que o
Direito Penal intervém como ultima “ratio” no quadro do ordenamento jurídico
instrumental, deve opor-se um outro princípio que é o princípio da
fragmentariedade do Direito Penal, o Direito Penal não deve intervir para
acautelar lesões a todos e quaisquer bens, mas tão só àqueles bens
fundamentais, essenciais e necessários para acautelar a inquebrantibilidade
social.
O carácter subsidiário e fragmentário do Direito Penal deve ser também
analisado em consonância com outro princípio fundamental que é o princípio
da proporcionalidade.
Tal como Gallas dizia: “não se devem disparar canhões contra pardais,
mesmo que seja a única arma de que disponhamos”.
Significa isto que há que medir em termos de proporção, em termos de
grandeza, a necessidade que há de tutelar um bem fundamental, sendo certo
que a intervenção do Direito Penal, por força das sanções jurídicas que lhe são
características, colide com o direito de liberdade que é um direito fundamental
do cidadão.
O Direito Penal só deve intervir quando a sua tutela é necessária e quando
se revela útil, quando tem alguma eficácia.
 
7.     Âmbito e disciplina do Direito Penal
Segundo um critério que separa entre aplicação, criação e execução dos
preceitos de natureza penal, pode-se distinguir entre:
-         Direito Penal material ou substantivo;
-         Direito Penal adjectivo, formal ou Direito Processual Penal;
-         Direito Penal da execução, também designado por Direito Penal
executório ou direito da execução penal.
A dogmática jurídico-penal, ou dogmática penal, é uma ciência normativa
que tem como fundamento e limite à lei positivada, a lei vigente. Neste caso, a
lei penal.
A dogmática parte da elaboração de conceitos que arruma num edifício
lógico e que vem permitir uma aplicação certa, segura e uniforme da lei penal,
ou seja:
-         Afirma-se que um crime é uma acção ou um facto típico, ilícito, culposo e
punível é obra dogmática;
-         Afirmar-se, por exemplo, que um facto ilícito é um facto típico não
justificado, é também obra da dogmática jurídico-penal.
 
8.     O que é a culpa?
É um juízo de censura formulado pela ordem jurídica a um determinado
agente.

4
Censura-se ao agente o facto de ele ter decidido pelo ilícito, o facto de ele
ter cometido um crime, quando podia e devia ter-se decidido diferentemente,
ter-se decidido de harmonia com o direito.
Dentro do âmbito e delimitação do Direito Penal, pode-se distinguir três
conceitos:
1)     Crimes;
2)     Contravenções;
3)     Contra-ordenações.
 
9.     Principais diferenças de regime entre contravenção e crime
Nas contravenções não se pune nunca a tentativa, diferentemente do que
acontece no âmbito dos crimes por força do preceituado nos art. 22º e 23º CP,
ou seja, não há facto contravencional tentado, enquanto que há
responsabilidade por crimes praticados na forma tentada.
Não se pune a cumplicidade no âmbito das contravenções; ao passo que
os cúmplices dos crimes são punidos com as penas fixadas para os autores,
especialmente atenuadas, conforme preceitua o art. 27º/2 CP.
Quanto aos prazos de prescrição do procedimento criminal, tanto maiores
são quanto maiores forem as penas.
Tendencialmente é verdade que as contravenções são menos graves que
os crimes; por força do princípio da proporcionalidade, que é também um
princípio de política penal, a facto menos graves devem corresponder sanções
menos graves; onde, as contravenções são menos sancionadas que os
crimes; logo, se os prazos de prescrição do procedimento criminal são mais
amplos consoante maiores forem as penas, então se pode dizer que os prazos
de prescrição do procedimento criminal são mais curtos no âmbito das
contravenções do que no âmbito dos crimes (art. 117º CP).
É admissível a extradição em matéria de crime; não se admite extradição se
se tratar de uma contravenção.
No âmbito dos crimes, só há responsabilidade criminal se os factos forem
praticados dolosamente; ressalva-se a excepção do art. 13º CP, e a
responsabilização criminal por facto negligente, quando a lei expressamente o
disser.
Nas contravenções é indiferente a responsabilização fundada em facto
doloso ou facto negligente.
 
10. Semelhanças entre ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social
Ambos os ilícitos tentam proteger valores dignos de protecção legal.
O ilícito penal empresta, efectivamente, a protecção jurídico-penal, e o
ilícito de mera ordenação social empresta uma tutela administrativa.
Para prevenir violações a esses interesses que carecem de protecção legal,
ambos os ilícitos impõem aos infractores consequências jurídicas
desfavoráveis.
Por outro lado, o crime tem de ser um facto típico. Também a contra
ordenação tem de ser tipificada na lei; conforme a definição do art. 1º CP.
O crime tem de ser um facto ilícito, contrário à lei. Por força do disposto no
art. 1º DL 433/82, também a contra-ordenação.
O crime é um facto censurável e a contra-ordenação também.
 
11. Diferenças entre ilícito penal e ilícito de mera ordenação social

5
Os seus fins:
Âmbito de aplicação, enquanto que no âmbito do ilícito penal se exige
sempre a intervenção judicial, não se pode aplicar nenhuma sanção jurídico-
penal sem a intervenção dos tribunais.
Quem aplica as coimas no ilícito da mera ordenação social é a
administração; só em caso de não conformação é que poderá haver recurso
para os tribunais comuns3 .[3]

As sanções dos ilícitos são diferentes:


-         A sanção característica do ilícito penal é a pena que assume duas
modalidades:
      Pena de multa, de natureza essencialmente pecuniária, mas que,
quando não paga, pode ser convertida em pena de prisão;
      Pena de prisão, que consiste numa privação da liberdade humana.
-         A sanção do ilícito de mera ordenação social é a coima, que tem
uma natureza pecuniária e que, quando não paga, não pode ser
convertida em prisão.
No ilícito penal é possível a prisão preventiva. No ilícito da mera ordenação
social, não é admissível a prisão preventiva; é, contudo possível a detenção
por 24 horas para identificação do suspeito.
No âmbito do ilícito penal, por regra e por força do art. 11º CP, vigora o
princípio da personalidade, salvo disposição em contrário, só as pessoas
singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal. Diferentemente
sucede no ilícito da mera ordenação social, em que as pessoas colectivas
podem ser sancionadas (art. 7º DL 433º/82). Não há impedimento conceitual à
aplicação de coimas a pessoas colectivas, diferentemente do que sucede
enquanto regra no âmbito do Direito Penal.
 
12. Direito Penal geral e Direito Penal especial
A base da distinção encontra-se no art. 8º CP.
Quando se fala no artigo em Direito Penal militar e Direito Penal da marinha
mercante, isso são fundamentalmente leis penais específicas, ou seja, leis que
têm a ver com a categoria funcional de determinadas pessoas e que valem,
portanto, dentro de determinados limites. Aplicam-se, como os nomes indicam,
aos agentes que detêm essas qualidades.
Portanto, as disposições deste código penal aplicam-se não só ao Direito
Penal, como à restante legislação especial.
Significa, pois que o código penal está dividido em duas partes:
-         Uma parte geral, que vai até o art. 130º CP, inclusive;
-         Uma parte especial, que vai do art. 131º CP, em diante.
Há leis de carácter pessoal4 que saíram posteriormente à feitura e à
[4]

elaboração do código penal.


Leis há que ainda não estão suficientemente maduras ou experimentadas,
para passarem a integrar imediatamente a parte especial do código penal, e
consequentemente não têm aquele carácter de estabilidade que devem ter as
normas constantes de um código.

3[3]
E não tribunais administrativos.
4[4]
Direito Penal especial.

6
TEORIA DO BEM JURÍDICO

 
13. Noção
Essência do Direito Penal como objectivo de proteger bens jurídicos
fundamentais.
O Prof. Figueiredo Dias define bem jurídico como, expressão de um
interesse de uma pessoa ou da comunidade, integridade do Estado, vão-se
sentar na própria pessoa ou na comunidade.
Trata-se do objecto do Direito Penal, objecto que é em si mesmo
socialmente relevante fundamental para a integridade do Estado.
A noção material de crime era todo o comportamento humano que lesava ou
ameaçava de lesão bens jurídicos fundamentais.
A ideia de que o crime lesa bens fundamentais e não direitos remonta a
Birnbaum (séc. XIX), que vem dizer que os crimes não lesam direitos, mas sim
bens, isto é, entidades para além da própria ordem jurídica.
Os bens jurídicos não são realidades palpáveis, concretas, são antes valores
da existência social.
Não é efectivamente o legislador que cria esses bens, pois eles já existem,
preexistem, sendo certo obviamente que quando o legislador lhes confere
tutela jurídica transforma esses bens em bens jurídicos.
Estes bens são interesses da coexistência social, são valores reputados
fundamentais à própria existência da sociedade organizada em termos de
Estado. Os comportamentos que agridam lesem, ponham em causa, façam
perigar esses interesses, devem ser objecto de uma reacção.
O Direito Penal não deve intervir para tutelar todo e qualquer bem jurídico; o
Direito Penal deve intervir apenas para tutelar as ofensas mais graves a esses
bens jurídicos que, por outro lado, têm de ser bens jurídicos fundamentais, daí
carácter subsidiário e fragmentário do Direito Penal.
O Direito Penal só deve intervir para proteger bens jurídicos fundamentais,
ou seja, valores, interesses sociais e individuais juridicamente reconhecidos
quer do próprio, quer da colectividade, em virtude do especial significado que
assumem para a sociedade e das suas valorações éticas, sociais e populares.
O Direito Penal justifica a sua intervenção não só devido à natureza dos
bens jurídicos em causa, que têm de ser bens jurídicos fundamentais, mas
também atendendo à intensidade da agressão que é levada a cabo para com
esses bens jurídicos fundamentais.
 
14. Evolução do conceito de bem jurídico
Existem várias perspectivas
a)     Concepção liberal ou individual
Ligada ao liberalismo e a Füerbach, constata-se que há crime quando se
verifica uma lesão de bens jurídicos que estão concretizados na esfera jurídica
de um certo indivíduo. Portanto, uma lesão de valores ou interesses que
correspondem a bens jurídicos subjectivos.
b)     Concepção metodológica de bem jurídico
Procuram ver no bem jurídico um papel voltado para uma função
interpretativa. Fornecer fórmulas para interpretar as normas. Instrumento de
interpretação dos tipos legais de crimes. O bem jurídico tem como papel
fundamentar a intervenção do Direito Penal.

7
c)     Concepção social
Independentemente destes valores e interesses estarem subjectivados,
concretizados na esfera jurídica de um indivíduo, podendo estar efectivamente
imanentes à colectividade social.
Não necessitam, de ser individualmente encabeçados na esfera social de
um determinado sujeito em concreto. Os bens jurídicos são vistos numa óptica
social, como bens universais pertencentes à colectividade.
d)     Concepção funcional
Podia-se ver nos bens jurídicos, funções que esses mesmos bens jurídicos
desempenhavam para o desenvolvimento da própria sociedade, as funções
sociais desempenhadas por esses bens.
 
15. O bem jurídico hoje: concepção mista
O Prof. Figueiredo Dias, diz que os bens jurídicos são uma combinação de
valores fundamentais, por referência à axiologia constitucional.
São bens jurídicos fundamentais por referência à Constituição, aqueles que
visam o bom funcionamento da sociedade e das suas valorações éticas,
sociais e culturais. Portanto, uma concepção mista em que se dá ênfase a uma
combinação individualista, social ou mesmo funcional do bem jurídico.
Os bens jurídicos tutelados pelas diferentes incriminações têm de estar de
acordo com a Constituição, significando isto que: tem de estar em harmonia
com o princípio da representatividade política e com o princípio da reserva de
lei formal, é a Assembleia da República que deve efectivamente escolher quais
esses valores, quais esses interesses que carecem de tutela jurídico-penal.
 
16. Princípios fundamentais5 [5]

De harmonia com os princípios imanentes a um Estado de direito


democrático deve-se dizer que só deve haver criminalização de
comportamentos humanos quando a tutela conferida por outros ramos de
direitos não seja suficiente para acautelar esses bens jurídicos, é o princípio da
subsidiariedade do Direito Penal.
As restrições limitam-se ao necessário, ou seja, se outros ramos do direito
através das suas sanções, forem suficientes para acautelar a manutenção
destes bens jurídicos, então não se impõe a tutela do Direito Penal, porque ela
deixa de ser necessária, é o princípio da necessidade.
Conjugam-se os princípios da necessidade e da subsidiariedade, o Direito
Penal só deve intervir quando estejam em causa bens jurídicos fundamentais e
que outros ramos de direito não sejam suficientes para salvaguardar os bens
jurídicos. A ideia de necessidade – a pena deve ser necessária.
Por outro lado, de harmonia com o princípio ou com o carácter fragmentário
do Direito Penal, não são todos os bens jurídicos que o Direito Penal deve
tutelar, mas tão só os que o art. 18º CRP indica: os bens fundamentais.
O princípio da proporcionalidade, a intensidade com que se devem restringir
direitos fundamentais do cidadão é variável consoante a necessidade maior ou
menor que há de tutelar outros bens jurídicos fundamentais, por referência à
gravidade dos bens jurídicos em questão.
A teoria do bem jurídico, legítima a intervenção do Direito Penal nos quadros
valorativos do art. 18º CRP, tendo efectivamente um poder muito forte de critica
argumentativa e permite ao legislador, ou ao jurista verificar:
5

8
Por um lado, se esses bens jurídicos que o legislador resolve tutelar
quando cria incriminações são:
-         Bem jurídico fundamental, se o não forem, a tutela do Direito Penal é
inconstitucional;
-         Permite verificar se a intensidade da agressão justifica a tutela do Direito
Penal, isto é, se é efectivamente necessária a tutela do Direito Penal ou
se outra tutela será suficiente.
Por outro lado, permite dizer se o legislador ordinário respeitou a
axiologia constitucional nas diferentes incriminações e nas inserções
sistemáticas dos diferentes tipos legais de crime; permite verificar
também se o princípio da proporcionalidade do Direito Penal, assente em
que, as diferentes gravidades de ilícito devem corresponder diferentes
penas, se isso é ou não observado.
 
17. Relação ordem jurídica penal e ordem jurídica constitucional
O Prof. Figueiredo Dias, diz que existe uma axiologia constitucional, os bens
jurídicos, são exclusivamente definidos na Constituição. Mútua referência, só
não ordem constitucional, é possível identificar os bens jurídicos que a ordem
jurídica vai defender.
A restrição do Direito Penal é a restrição de uma tutela de bens jurídico
constitucionalmente consagrados. Compromisso de ter de proteger os bens
jurídicos constitucionalmente consagrados.
-         Direito Penal de justiça ou clássico ou primário: corresponde ao
núcleo de bens jurídicos consagrados constitucionalmente, estando
consagrados no Código Penal;
-         Direito Penal secundário: todos os bens jurídicos que estavam na
Constituição, mas não nos direitos, liberdade e garantias, não devem ser
tratados no Código Penal, mas em legislação avulsa.
Não há uma exclusiva vinculação da ordem penal à constitucional. A ordem
constitucional identifica valores fundamentais, na ordem social, encontram-se
valores que podem fazer intervir o Direito Penal, valores que poderão não estar
referidos constitucionalmente.
Não há correspondência total da ordem penal na ordem constitucional
6
[5]
Art. 18º/2 CRP.
6
TEORIA DOS FINS DAS PENAS
 
18. Introdução
O Direito Penal pode encontrar legitimação a partir de duas ideias
fundamentais:
-         Da teoria do bem jurídico;
-         Da teoria dos fins das penas.
No âmbito dos fins das penas, pode-se distinguir, fins de duas naturezas:
fins mediatos e fins imediatos:
-         Como fins mediatos das penas tem-se os fins do Estado;
-         Como fins imediatos das penas tem-se a ideia de retribuição e de
prevenção.
O Direito Penal é um ramo de direito produzido pelo Estado e como tal, deve
em última análise prosseguir fins imanentes a esse mesmo Estado.
A finalidade das penas pode ser vista não numa óptica mediata de
[6]

finalidades a prosseguir pelo próprio Estado, mas numa óptica formal e

9
abstracta.
Três finalidades podem ser prosseguidas com os fins imediatos das penas:
1)     Ideia de retribuição;
2)     Ideia de prevenção:
a)   Geral;
b)   Especial.
As penas servem para retribuir o mal a quem praticou o mal, esta é a teoria
retributiva das penas: tem uma finalidade retributiva.
Ou então poder-se-á dizer que as penas servem para fazer com que as
pessoas em geral não cometam crimes, uma finalidade de prevenção geral.
Ou dizer que as penas servem para que a pessoa que é condenada a uma
pena e que a tenha de cumprir não volte ela própria a cometer crimes, tem-se
aqui uma finalidade de prevenção especial.
A estas ideias subjacentes aos fins das penas, há que distinguir entre:
-         Teorias absolutas das penas;
-         Teorias relativas das penas.
 
19. Teorias absolutas – teoria da retribuição ou retributiva
Apresenta a ideia de que as penas são um mal que se impõe a alguém, por
esse alguém ter praticado um crime. Significa a imposição de um mal a quem
praticou um mal, uma ideia de castigo. Escolhe-se uma pena que corresponde
a determinado facto, deve ter correspondência com a proporcionalidade na
responsabilidade do agente.
É uma teoria inadequada para fundamentar a actuação do Direito Penal,
embora este tenha um fim de retribuição, não pode ter a teoria da retribuição
como fim em si mesmo.
 
20. Teorias relativas
a)     Teoria da prevenção :
[7]

Numa óptica de prevenção geral, pode-se dizer que as penas pretendem


evitar que as pessoas em geral cometam crimes.
Numa óptica da prevenção especial, pode-se verificar que o direito penal, ao
submeter um indivíduo a uma sanção por um crime que ele cometeu, pretende
evitar que esse indivíduo volte a cometer crimes. Fá-lo por duas vias:
1)     Ou porque esse indivíduo é segregado, isto é, enquanto está a cumprir
pena tem a impossibilidade de reincidir;
2)     Ou então, já não assente na ideia de segregação, mas numa ideia de
regeneração, de recuperação ou de ressociabilização, através de um
tratamento que lhe será submetido no âmbito do cumprimento da pena.

10
O Direito Penal é chamado a retribuir um crime, mas é concebido com uma
ideia de prevenir (teoria da prevenção geral). O objectivo da pena é
essencialmente o objectivo de exercer uma influência na comunidade geral –
ameaçar se cometer um crime, pois ao cometer fica submetido a uma
determinada pena – prevenir a prática de crimes.
Füerbach, cria a “teoria psicológica da coacção”, as infracções que as
pessoas cometem têm, um impulso psicológico, a função da pena é combater
esse impulso de cometer crimes.
Intimida-se as pessoas, com esta coacção para que os cidadãos em geral
não cometam crimes. Esta prevenção geral divide-se em:
-         Prevenção geral positiva, revelar à comunidade o que acontece se
praticar um crime;
-         Prevenção geral negativa revelar a intimidação.
Aparece a teoria da prevenção especial, tem também a ideia de
prevenção, mas a prevenção já não é a comunidade em geral, mas sim a
prevenção do indivíduo, ou seja, que o agente não volte a cometer um crime.
Pretende evitar a reincidência.
Os principais defensores da teoria da prevenção especial asseguram-na de
três formas :
[8]

1)     Salvaguardar a comunidade do delinquente;


2)     Intimidar o autor com a pena;
[9]

3)     Evitar a reincidência .


[10]

É a teoria que mais se opõe à retributiva. O Direito Penal é cada vez mais
dirigido à pessoa do criminoso, criando condições para o sociabilizar. É alvo de
críticas.
Tal como a prevenção geral, não nos fornece um critério de quanto e a
duração das penas. Os sistemas (teorias) desenvolvidos por si só são falíveis,
começando a se desenvolver teorias mistas.
 
21. Teoria dialéctica dos fins das penas
Klaus Roxin desenvolve esta teoria mista, dizendo que cada uma das teorias
per si, de importância solada são insuficientes para justificar os fins das penas.
Engloba três fases:
1)    Fase da ameaça penal: a formulação de um preceito legal,
abstractamente definido na lei, em que existe a tipificação do
comportamento como criminoso e os estabelecimentos da sanção
correspondente; os fins das penas seriam predominantemente de
natureza, de prevenção geral;

11
2)    Fase da condenação: fase em que o indivíduo que cometeu um crime
vai ser julgado e em que o juiz lhe comunica a pena aplicável, momento
da retribuição;
3)    Fase da execução da pena: em que a finalidade da pena estaria aqui
numa óptica de prevenção especial, de recuperação ou ressociabilização
do delinquente.
 
22. Outras teorias
a)     Teorias unificadoras retributivas
Viam no Direito Penal o fim retributivo (fim essencial), mas partindo das
insuficiências da retribuição iam apontar ao Direito Penal a finalidade de
prevenção.
b)     Teorias unificadoras preventivas
Dois objectivos:
-         Aproveitar o que têm de positivo a prevenção especial e geral;
-         Criar o que falta nelas, a prevenção.
Características:
-         Os fins das penas são essencialmente e exclusivamente preventivos;
-         Renúncia de toda a ideia de retribuição;
-         Princípio da culpabilidade para a limitação da pena vai-se ter em conta a
culpa do agente . Apenas não pode ultrapassar a medida de culpa. Ao
[11]

grau de culpa vai-se encontrar a medida da pena .


[12]

O Código Penal assume princípios de prevenção especial e um misto de


prevenção geral – teorias unificadoras preventivas.
Sistema exclusivamente preventivo em que se procura fazer uma
coexistência dos princípios de prevenção especial e geral.
Função da tutela necessária dos bens jurídicos – objectivos de
ressociabilização do agente encontrando o limite da pena, a culpa.

TEORIA DA LEI PENAL

 
23. Síntese histórica
A primeira manifestação de direito organizado na península ibérica – período
visigótico – relativo ao Direito Penal foi o Código Visigótico, que tentava
restringir o poder do imperador, e o máximo de obediência à lei, referência a
incriminações de carácter doloso.
Influência árabe, período da reconquista, não há uma lei concreta.

12
No séc. XII e XIII, formas de organização do Estado – período afonsino.
Concentra-se nos reis os poderes, tendo o mesmo monopólio do poder de
punir. Há tentativas de organizar o poder – centralização do poder real, limitar
as questões de justiça privada. Atribuir exclusividade de repressão pública. As
penas eram marcadas por grande crueldade.
Nos livros das ordenações há uma linha idêntica na matéria de punição,
estas ordenações mantiveram-se até ao séc. XIX (1852).
Características das ordenações:
-         Casuísmo: direito casuísta evolui na aplicação concreta de casos a caso;
-         Arbitrariedade: o juiz tinha uma longa margem de discricionariedade de
fazer funcionar as penas daquele que estava perante si, as penas eram
transmissíveis;
-         Desigualdade: as penas eram aplicadas em conformidade com a posição
social do acusado.
Este período dura até ao constitucionalismo liberal . Há uma tentativa de
[13]

criação de um Código Penal em 1779, é inspirado pelos movimentos europeus


de Direito Penal .
[14]

No séc. XIX – 1822 – com a constituição liberal vem reorganizar o Estado


português – corte com o regime das ordenações contendo princípios de Direito
Penal.
-         Princípio da humanização das penas passou a ser proibido certas penas
cruéis;
-         Combater a desigualdade das penas;
-         Necessidade das penas;
-         Princípio da proporcionalidade das penas;
-         Acabar com a transmissibilidade da responsabilidade criminal.
Em 1852 é feito o primeiro Código Penal Português, transpõe para o Direito
Penal os princípios penas consagrados.
Em 1886 é feito um novo Código Penal, não mais do que o Código Penal de
1852 com algumas alterações.
Em 1954 é reformado, autoria de Cavaleiro Ferreira.
O Código Penal de 1982 consiste nos projectos e ante-projectos do Prof.
Eduardo Correia:
-         De 1963, no que à parte geral diz respeito;
-         De 1966, no que à parte especial diz respeito.
Sofre alterações em 1984 e uma profunda alteração de 195, dirigida por
Figueiredo Dias, alteração à parte especial.
 
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

13
 
24. Fundamentos
O Direito Penal funda-se na Constituição, as normas penas ordinárias são
autorizadas, são delegadas por outras normas, essas de natureza
constitucional.
Na Constituição encontram-se vários conjuntos de normas que conexionam
directamente com o Direito Penal.
Em primeiro lugar encontram-se um grupo de normas que proíbem certas
penas e certas medidas de segurança . Neste sentido pode-se ver aqui que
[15]

este conjunto de normas constitucionais que proíbem certas penas ou certas


medidas de segurança filiam-se num princípio de política penal, que é o
princípio da humanidade das penas.
Mas na Constituição encontram-se também normas que proíbem a
transmissibilidade das penas; o art. 30º/3 CRP, consagra assim, o princípio da
intransmissibilidade das penas e acolhe o carácter pessoal da
responsabilidade penal (art. 11º CP).
A Constituição contém também um conjunto de normas que delimitam a
aplicação no tempo das leis penais e fixam o âmbito da sua interpretação (art.
29º CRP):
-         Art. 29º/1, proíbe-se a retroactividade das leis penais incriminadoras;
-         Art. 29º/3, proíbe a integração de lacunas em Direito Penal por analogia;
-         Art. 29º/4, impõe obrigatoriamente a retroactividade das leis penais mais
favoráveis ao agente;
-         Art. 29º/5, consagra-se o princípio “ne bis in idem”, ou seja, o princípio
de que ninguém pode ser condenado mais do que uma vez pela prática
do mesmo facto.
Também os princípios gerais de direito internacional são fonte de Direito
Penal (art. 29º/2 CRP).
O Direito Penal funda-se também no sentido de que o legislador ordinário
deve de alguma forma dar acolhimento e plasmar a axiologia ou a valoração
constitucional.
Diz-se que as valorações, as opções axiológicas constitucionais devem
ser respeitadas pelas normas penais, porque é a Constituição que contem
os valores que o Direito Penal deve proteger (art. 18º CRP):
-         Princípio da necessidade da pena: da máxima restrição da pena e das
medidas de segurança;
-         Princípio da intervenção mínima do Direito Penal, ou da
subsidiariedade do Direito Penal;

14
A lei, só pode intervir para restringir ou limitar direitos, liberdades e garantias
fundamentais quando isso se revele absolutamente imprescindível para
acautelar outros direitos tão fundamentais.
-         Princípio da jurisdicionalidade da aplicação do Direito Penal ou
princípio da mediação judicial (arts. 27º/2, 33º/4, 30º/2 CRP):
As sanções de Direito Penal e a responsabilidade criminal de uma pessoa só
podem ser decididas pelos tribunais, que são órgãos de soberania,
independentes, órgãos que julgam com imparcialidade.
Outro princípio fundamental que norteia todo o Direito Penal é o princípio
da legalidade, na sua essência visa a submissão dos poderes estabelecidos à
lei, traduz-se numa limitação de poderes estabelecidos pela própria lei.
 
25. Decorrência do princípio da legalidade
Princípio “nullum crimen, nulla poena sine lege”, ou seja, princípio de que
não há crime nem pena sem lei, extrai-se o seguinte:
-         Não pode haver crime sem lei;
-         A lei que define crime tem de ser uma lei precisa – “nullum crimen nula
poena sine lege certa”;
-         Proíbe-se a retroactividade da lei pena – “nullum crimen nulla poena
sine lege previa”;
-         Proíbe-se a interpretação extensiva das normas penais incriminadoras –
“nullum crime nulla poena sine lege strica”;
-         Proíbe-se a integração de lacunas por analogia e impõe-se a
retroactividade das leis penais mais favoráveis.
Por outro lado, o princípio da legalidade impõe particularidades no âmbito da
competência para a criação de normas penais incriminadoras e normas penais
favoráveis.
O princípio da legalidade impõe a exigência da intervenção judicial ou da
imediação judicial na aplicação ou na apreciação da responsabilidade criminal
do agente. O princípio da legalidade impõe ainda a proibição de uma dupla
condenação pelo mesmo facto.
Uma lei penal não deve conter tão só a descrição de um comportamento
considerado crime; deve conter, em conexão com essa descrição, a
correspectiva sanção jurídico-penal.
O princípio da legalidade tem um fundamento político, um fundamento saído
da Revolução Francesa, do Iluminismo, e que assenta na ideia de que existe
uma razão comum a todos os homens que encontram expressão comum na lei
e evitam o arbítrio.

15
Neste sentido, o princípio da legalidade tem como fundamento a
garantia dos direitos individuais.
O princípio da legalidade, mesmo no domínio do Direito Penal tem uma
justificação e um fundamento de constituir uma garantia de direitos individuais
do cidadão.
Enquanto submissão do poder de punir o Estado à lei, o princípio da
legalidade tem esse fundamento: garantir os direitos individuais do
cidadão.
 
26.  Decorrências do princípio da legalidade enquanto garantia dos
direitos individuais do cidadão
a)     Missão de fazer leis penais
Uma delas afere-se pelas pessoas que têm a missão de criar crimes e
estabelecer as correspondentes sanções jurídico-penais, isto é, que tem a
missão de fazer leis penais.
Do princípio da legalidade decorre a ideia de que não há crime nem pena
sem lei (escrita), a definição de um comportamento como crime e a
correspondente sanção que se lhe aplica tem de constar de uma lei escrita.
Tem competência para criar normas incriminadoras , a Assembleia da
[16]

República (art. 165º CRP).


b)     Não há crime nem pena sem lei prévia
É outra concretização do princípio da legalidade na garantia de direitos
individuais, a exigência de lei prévia, “nullum crimen nulla poena sine lege
prévia”.
Impõe que as leis a aplicar sejam a lei que vigora no momento da prática do
facto.
Outro princípio que é o da imposição de leis penais retroactivas quando as
leis penais posteriores forem favoráveis ao arguido, ao agente.
c)     Exigência de lei expressa
Pode ser analisada a partir de duas outras decorrências:
1)    O princípio de que não há crime nem pena sem lei certa – “nullum
crimen nulla poena sine lege certa”;
2)    Decorrência de que não existe crime nem pena sem lei escrita –
“nullum crimen nulla poena sine lege scripta”.
d)     Exigência de intervenção judicial, “nullum crimen nulla poena sine
juditio”.
Neste sentido, as sanções jurídico-penais sejam elas penas ou medidas
penais, têm de ser sempre aplicadas por um órgão de soberania
independente, com a finalidade de aplicar a justiça, que entre nós são os

16
tribunais.
e)     Proibição de dupla condenação pelo mesmo facto
Consagra-se o princípio “ne bis in idem”, isto é, o princípio de que ninguém
pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo facto.
Existem categorias analíticas e sistemáticas da teoria do facto punível: são
as categorias da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade. Muito genericamente
dir-se-á:
1)    O crime é um facto humano;
2)    Tem de ser típico, ou seja, tem de estar descrito numa lei, tem de
corresponder a uma descrição legal;
3)    Este facto tem ainda de ser simultaneamente ilícito.
 
27. Fontes de Direito Penal
a)     A lei (escrita)
Aqui está a tal decorrência do princípio da legalidade “nullo crimen nulla
poena sine lege scripta”, não há crime nem pena sem lei escrita (art. 165º
CRP).
b)     Costume
Como fonte de incriminação não é admissível em Direito Penal, de
contrário violaria o disposto no art. 1º CP, e arts. 29º e 165º/1-c CRP,
nomeadamente estaria a violar o princípio da representatividade política e da
reserva da lei formal.
No entanto o costume tem valia quando visa, não criar ou agravar a
responsabilidade penal do agente, mas quando a sua intervenção resulte
benéfica para o agente: ou seja, quando o costume se venha traduzir no
âmbito de uma norma favorável, isto é, quando o costume de alguma forma
venha atenuar ou mesmo excluir a responsabilidade criminal do agente.
c)     Jurisprudência
Não é fonte imediata de direito.
Reconduz-se à aplicação da lei ao caso concreto.
Há uma grande tendência para que os tribunais se orientem para decisões
anteriores.
d)     Doutrina
Não é fonte imediata de direito, mas sim fonte mediata. Corresponde ao
conjunto das opiniões dos eminentes penalistas.
e)     Fontes de direito internacional – tratado
São fonte de Direito Penal, tal como a lei, porque depois de todo o processo
de assinatura, aprovação, ratificação, eles entram na ordem jurídica nacional
como lei escrita.

17
 
28. Interpretação da lei penal
Tem-se de dividir as normas penais em dois grupos: normas incriminadoras
e normas favoráveis.
Deve entender-se por normas incriminadoras aquelas que criam ou
agravam a responsabilidade jurídico-penal do agente. São aquelas normas que
de alguma forma contêm a criação de crimes, ou que contêm agravamentos
dos pressupostos de punibilidade ou de punição.
Normas favoráveis, são aquelas normas que visam diminuir a
responsabilidade jurídico-penal do agente, ou atenuá-la, tornando mais suaves
os pressupostos da punibilidade ou da punição.
a)      Normas penais incriminadoras
Proíbe-se a interpretação extensiva das normas penais incriminadoras, de
outra forma estar-se-ia a violar o princípio da legalidade na sua decorrência
“nullum crimen nulla poena sine lege stricta”, ou seja, de que as normas penais
devem ser estritamente aplicadas; é admissível a interpretação restritiva;
proíbe-se a aplicação analógica no âmbito das normas penais
incriminadoras, quer por analogia legis, quer por analogia iuris.
b)      Normas penais favoráveis
Proíbe-se a interpretação restritiva de normas penais favoráveis; admite-se a
interpretação extensiva; relativamente ao problema da analogia:
1)    Alguns autores – Teresa Beleza, etc., admitem a analogia, nas normas
penais favoráveis;
2)    Outros autores – Cavaleiro Ferreira – a analogia em Direito Penal,
quer de normas favoráveis, quer de normas incriminadoras, está
vedada;
3)    Outros ainda – Frederico da Costa Pinto – entende que no âmbito das
normas favoráveis a analogia está de todo excluída. Em certos casos
pode-se admitir a interpretação extensiva de normas favoráveis, mas
não é possível o recurso à analogia no âmbito de normas favoráveis.
 
29. Normas incriminadoras
A interpretação extensiva em normas incriminadoras não é possível. Só é
possível, no âmbito de normas incriminadoras uma interpretação declarativa
lata. Tudo aquilo que a exceda e que vise harmonizar a letra da lei à sua razão
de ser, à sua “ratio”, se ultrapassar este sentido literal máximo possível já se
está a fazer interpretação extensiva. Esta não deve ser admitida em Direito
Penal, porque se entende que por força do princípio da legalidade, na sua
vertente garantia, se exige que a lei penal seja uma lei penal expressa.

18
Assim a norma deve dizer expressamente quais são as condutas, activas ou
omissivas que, a serem ou não adoptadas, constituem objecto de incriminação
em sede de Direito Penal. No entanto admite-se a interpretação restritiva.
Afirma-se rotundamente que não é possível integrar lacunas por
analogia. Isto é, perante um caso omisso que o legislador penal ano tipificou,
não classificou como crime, o juiz não pode, ao contrário de que acontece no
domínio do direito civil regular esse caso omisso, nem recorrendo à analogia
legis, nem à analogia iuris, nem tão pouco criar a norma de harmonia com o
espírito do sistema. O juiz pura e simplesmente julga, absolvendo.
 
30. Normas favoráveis
As normas favoráveis são aquelas que visam, ou que traduzem para o
agente, uma posição mais benéfica porque:
-         Ou excluem a ilicitude de um facto típico e portanto justificam o facto e
tornam-no ilícito, tornando-o ilícito, excluem a responsabilidade penal,
porque não há responsabilidade penal por factos lícitos.
-         Ou tornam-se mais brandos, mais suaves, os pressupostos da
punibilidade e da punição.
Pode-se fazer interpretação extensiva, mas com limites.
Mas já não se aceita que se faça interpretação restritiva de normas
penais favoráveis, isto porque, a ser possível, diminuir-se-ia o campo de
aplicabilidade destas normas favoráveis, o que significa aumentar o campo de
punibilidade.
Quanto à analogia:
Existem várias posições. Uma (Teresa Beleza) admite-se a integração de
lacunas no âmbito de normas penais favoráveis.
Outra posição é a de que se admite por princípio a integração de lacunas por
analogia no âmbito de normas penais favoráveis, desde que essa analogia não
se venha a traduzir num agravamento da posição de terceiros, por ele ter de
suportar na sua esfera jurídica efeitos lesivos ou por ter auto-limitado o seu
direito de defesa.
 
31. Leis penais em branco
É uma norma que contem uma sanção para um pressuposto ou um conjunto
de pressupostos de possibilidade ou de punição que não se encontram
expressos na lei, mas sim noutras normas de categoria hierárquica igual ou
inferior à norma penal em branco . [17]

Levantam-se problemas quanto à constitucionalidade de tais normas,


precisamente porque no entender de determinada doutrina, estas normas

19
seriam inconstitucionais por consistirem numa violação de uma
decorrência do princípio da legalidade que é a existência de lei penal
expressa, mais concretamente a existência de lei penal certa – “nullum crimen
nulla poena sine lege certa”.
A doutrina maioritária defende a constitucionalidade e validade das
normas penais em branco, dentro de certos limites ou desde que sejam
respeitados determinados limites.
Desde que as normas penais em branco contenham os pressupostos
mínimos de punibilidade e de punição, ou seja, que digam quem são os
destinatários e em que posição é que eles se encontram e que contenham a
respectiva sanção; desde que correspondam a uma verdadeira necessidade
que o legislador tem de tutelar bens jurídicos fundamentais através desta
técnica, sob pena de não o fazendo, a alternativa resultaria da sua
desprotecção, estas normas não serão inconstitucionais.
 
32. Concurso legal ou aparente de normas
Na determinação da responsabilidade criminal dos agentes que praticam
factos penalmente relevantes podem suceder situações de anulação ou
concurso de infracções, sempre que o agente com a sua conduta cometa uma
pluralidade de infracções. As quais podem traduzir o preenchimento de vários
tipos de crimes, ou do mesmo tipo mais do que uma vez.
A teoria do concurso permite distinguir os casos nos quais as normas em
concurso requerem uma aplicação conjunta, das situações em que o conteúdo
da conduta é absorvido por uma única das normas.
-         Concurso efectivo ou concurso de crimes: constitui a situação em
que o agente comete efectivamente vários crimes e a sua
responsabilidade contempla todas essas infracções praticadas;
-         Concurso aparente ou concurso de normas: uma vez que a conduta
do agente só formalmente preenche vários tipos de crimes, na
concretização da sua responsabilidade a aplicação de um dos crimes
afasta a aplicação de outro ou outras de que o agente tenha também
preenchido os elementos típicos.
Em rigor não se pode falar em verdadeiro concurso de crimes, mas tão
só em concurso de normas (concurso legal), o qual se traduz num
problema de determinação da norma aplicável . [18]

O tema do concurso de infracções deve ser integrado no âmbito da teoria da


infracção, constituindo uma forma de crime.
O que se depreende da prática judiciária, em consonância com a maioria da
doutrina é que a resolução concreta do concurso de normas opera no momento

20
final da teoria da infracção. Sendo sempre um dos últimos passos na resolução
da responsabilidade dos intervenientes no crime.
A relação de concurso aparente consagra-se por conexões de subordinação
e hierarquia, podendo identificar-se essencialmente três tipos de relações:
1)      Relação de especialidade
Uma norma encontra-se numa relação de especialidade em relação a outra
quando acrescenta mais um tipo incriminador, não a contradizendo contudo.
Neste sentido, vê-se que por força de uma relação de especialidade em que
as normas se podem encontrar, tanto pode subsistir a norma que contenha a
moldura penal mais elevada, como a norma que contenha a moldura penal
mais baixa.
2)      Relação de subsidiariedade
Nos casos em que a norma vê a sua aplicabilidade condicionada pela não
aplicabilidade de outra norma, só se aplicando a norma subsidiária quando a
outra não se aplique. A norma prevalecente condiciona de certo modo o
funcionamento daquela que lhe é subsidiária. Distinguem-se dois tipos:
a)    Subsidiariedade expressa: é a própria lei que afirma expressamente
que uma norma só se aplica se aquela outra não se puder aplicar;
b)    Subsidiariedade implícita ou material: resulta quando em face de
um raciocínio imperativo, se chega à mesma conclusão, ou seja,
quando por força de uma interpretação verificar-se que a relação que
existe entre as normas não pode deixar de ser uma relação de
subsidiariedade.
Existem tendencialmente ou em princípio quatro grandes situações em
que as normas se encontram numa relação de subsidiariedade implícita
ou material:
1º    Diz-se que as incriminações de perigo ou os crimes de perigo se
encontram numa relação de subsidiariedade implícita ou material em
relação aos crimes de lesão.
2º    Casos em que subsiste uma imputação a título negligente e doloso,
sendo certo que a responsabilidade por facto negligente é subsidiária à
imputação por facto doloso;
3º    Diferentes formas de participação ou autoria;
4º    Entre as condutas de omissão e por acção.
3)      Relação de consunção
Quando um certo tipo legal de crime faça parte não por uma definição do
código, mas por uma forma característica, a realização de outro tipo de crime,
ou seja, quando tem uma discrição típica suficientemente ampla que abranja os
elementos da discrição típica da outra norma.

21
A finalidade das normas concentra-se sempre na tutela de bens jurídicos,
sendo possível identificar em cada tipo legal a ratio da conduta descrita.
A relação de consunção acaba por colocar em conexão os valores
protegidos pelas normas criminais. Não deve confundir-se com a relação de
especialidade, pois ao contrário do que se verifica naquela relação de concurso
de normas, a norma prevalecente não tem necessariamente de conter na sua
previsão todos os elementos típicos da norma que derroga.
 
VIGÊNCIA TEMPORAL DA LEI
 
33. Introdução
Uma das decorrências do princípio da legalidade é que não há crime sem
uma lei anterior ao momento da prática do facto que declare esse
comportamento como crime e estabeleça para ele a correspondente sanção . [19]

Em Direito Penal vigora portanto a lei do momento da prática do facto.


Mas a aplicação externa ou exacerbada deste princípio poderia levar a
situações injustas. Donde o princípio geral em matéria penal é de que as leis
penais mais favoráveis aplicam-se sempre retroactivamente.
 
34. Aplicação da lei
Qual é a lei que no momento do julgamento o juiz devia aplicar ao arguido?
É a lei do momento da prática do facto, que é a mas favorável, do que a lei
posterior, ainda que essa lei tenha revogado aquela. Existe ultra-actividade da
lei penal, porque se aplica sempre a lei penal de conteúdo mais favorável ao
arguido.
O momento da prática do facto é sempre aquele em que, no caso de se
tratar de um crime comissivo ou por acção, o agente actuou, ou, no caso de se
tratar de um crime omissivo, no momento em que o agente deveria ter actuado.
Duas situações
Uma nova lei vem descriminalizar uma determinada conduta. Como deve
reagir a ordem jurídica? Se a conduta vier a ser descriminalizada não deve ser
condenado por essa conduta, mesmo que o agente tenha já sido condenado e
se encontre detido (art. 2º/2 CP). Cessa os efeitos penais – princípio da
aplicação da lei mais favorável.
Regime que se revela concretamente mais favorável, deve-se aplicar este
regime ao agente.
No entanto a lei no art. 2º/4 CP coloca um limite para o efeito retroactivo –
“salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado”. É
diferente dos efeitos da descriminalização.

22
Há autores que defendem a inconstitucionalidade do art. 2º/4 CP, outros
defendem a sua constitucionalidade.
 
35. Constitucionalidade do art. 2º/4 CP
A Constituição de 1976 foi revista em 1982, o Código Penal é de 1982 e
entrou em vigor em 1983; donde, o legislador penal deveria ter conhecimento
das disposições constitucionais e se legislou ordinariamente consagrando esta
ressalva, é porque a ressalva não é incompatível com o disposto na
Constituição, por ser legislação posterior.
Não é incompatível o art. 2º/4 CP com o art. 29º/4 CRP, na medida em que a
Constituição manda aplicar retroactivamente a lei de conteúdo mais favorável
ao arguido, e arguido tem um sentido técnico-jurídico rigoroso: uma coisa é
arguido, outra é condenado e outra ainda é réu.
O art. 2º/4 CP, diz que a lei penal de conteúdo mais favorável só não se
aplica ao condenado, e isto porque, se já há trânsito em julgado da sentença
condenatória, é porque esse indivíduo já foi condenado, não se estando a falar
em arguido mas sim em condenado.
A entender-se o contrário, ou seja, a entender-se a aplicabilidade da lei mais
favorável, pôr-se-ia em causa o princípio “ne bis in idem”, e também se poria
em causa a intangibilidade no caso julgado.
Se realmente se pudesse aplicar retroactivamente esta lei mais favorável,
então estava-se a julgar outra vez o mesmo indivíduo pela prática do mesmo
facto. E o princípio “in bis in idem”, de que ninguém deve ser
julgado/condenado duas vezes pelo mesmo facto (art. 29º/5 CRP) era posto
em causa.
 
36. Inconstitucionalidade do art. 2º/4 CP
O Direito Penal tem carácter subsidiário, é o princípio da subsidiariedade do
Direito Penal. Logo o Direito Penal só deve intervir quando se torne necessário
a sua intervenção.
Não faz sentido que o Estado, equacionando uma valoração eminente a um
determinado crime, se abstenha a partir de determinado momento de impor
uma determinada punição; como também não faz sentido continuar a aplicar
uma punição que o Estado recusou num determinado momento.
Esta ressalva é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade, e
também existe o princípio da igualdade dos cidadãos na administração da
justiça.
Um outro argumento para a inconstitucionalidade da ressalva do art. 2º/4
CP, substancialmente não existem diferenças a que se aplique

23
retroactivamente as normas que operam a descriminalização, das normas que
não operam uma descriminalização mas principalmente uma despenalização,
porque nos dois casos se altera o regime penal.
O que está em causa é uma diferente valoração do legislador quanto aos
factos considerados crimes.
 
37. Leis temporárias e leis de emergência
As leis temporárias são as leis que marcam “ab initio”, à partida, o seu prazo
de vigência; são as normas que se destinam a vigorar durante um determinado
período de tempo pré-fixado. São leis temporárias que caducam com o
“terminus” da vigência que pré-fixaram.
As leis de emergência são as leis que face a determinado circunstancialismo
anormal vêm penalizar, criminalizar determinadas condutas que até aí não
eram consideradas crime, ou vêm efectivamente agravar a responsabilidade
penal por determinado facto que até aí já era crime, mas em que esse
agravamento se deve tão só a situações ou circunstâncias anormais que
reclamam a situação de emergência.
Ressalva-se no art. 2º/3 CP, que continua a ser punido o facto criminoso
praticado durante o período de vigência de uma lei de emergência.
Significa que, não obstante no momento do julgamento a lei já não estar em
vigor por já ter caducado ou já ter sido revogada, deve continuar a ser punido
pelo facto que praticou durante esse período em que a lei estava efectivamente
em vigor.
Em bom rigor, no âmbito das leis temporárias não há uma verdadeira
sucessão de leis no tempo, porque:
-         A lei é temporária em sentido estrito, não necessita de nenhuma outra lei
para que se possa afirmar uma sucessão de leis penais no tempo; a lei é
só uma só faz sentido falar em sucessão de leis penais no tempo e em
retroactividade ou irretroactividade quando estão em causa mais do que
uma lei, pelo menos duas leis. Aqui a lei é só uma.
-         Não há uma lei diferente, não há uma sucessão de regimes, donde
também não faz sentido falar em aplicação retroactiva porque a lei é
sempre a mesma.
 
38. Aplicação da lei no espaço
Não são só conexões geográficas que o legislador utiliza para tornar
aplicável a lei penal portuguesa, para que seja competente para julgar factos
penalmente relevantes.

24
O legislador utiliza também a conexão dos valores ou dos interesses lesados
ou ameaçados de lesão com as actividades criminosas, o valor dos interesses
postos em causa pela prática do crime. Isto evidencia-se em sede de dois
princípios:
-         Princípio da tutela ou da protecção dos interesses nacionais.
-         Princípio da universalidade ou de aplicação universal.
Vindo estes princípios consagrados no art. 5º CP.
 
39. Princípio da tutela ou da protecção dos interesses nacionais
Quando se trate de crimes expressamente consagrados no art. 5º/1 CP, são
crimes que o Estado português entende ferirem a sensibilidade jurídica
nacional, são crimes que põem em causa valores ou interesses fundamentais
do Estado português.
Os factos penalmente relevantes ocorridos em território nacional, a lei
portuguesa é competente para os julgar – princípio da territorialidade.
Este princípio da territorialidade é depois complementado pelo princípio do
pavilhão ou da bandeira pelo qual independentemente do espaço aéreo ou
das águas, a lei penal portuguesa também se aplica a factos praticados no
interior de navios com pavilhão português, ou a bordo de aeronaves registadas
em Portugal.
 
40. Princípio da universalidade ou da aplicação universal
São de alguma forma crimes que todos os Estados têm interesse em punir.
De um modo geral, independentemente da nacionalidade dos seus autores,
são crimes que reclamam uma punição universal e daí que as ordens jurídicas
se reclamem competentes para fazer aplicar a sua lei penal a esses factos
descritos no art. 5º/1-b CP.
Da alínea c) do art. 5º/1 CP retira-se o princípio da nacionalidade, também
dito princípio da personalidade activa ou passiva.
O princípio da nacionalidade activa diz basicamente que a lei portuguesa se
aplica a factos praticados no estrangeiro por portugueses. É de harmonia com
o princípio da nacionalidade activo, que a lei penal portuguesa aplica-se a
factos praticados no estrangeiro que sejam cometidos por cidadãos nacionais.
O princípio da nacionalidade passiva diz que a lei penal portuguesa se aplica
a factos cometidos no estrangeiro contra portugueses.
Condições para o princípio da nacionalidade:
1º     Condição: os agentes sejam encontrados em Portugal (art. 5º/1-b CP);
2º     Condição: que os factos criminosos “sejam também puníveis pela
legislação do lugar em que foram praticados, salvo quando nesse lugar

25
não se exerça poder punitivo”;
3º     Que “constituam crime que admite extradição e esta não possa ser
concedida”, não se admite a extradição de cidadãos nacionais.
Esta condição prevista na 3ª condição, só funciona cumulativamente quando
se trate de um caso de nacionalidade passiva, quando se trate de um crime
praticado no estrangeiro por um estrangeiro contra um, português.
 
41. Teoria da ubiquidade
Visa abranger os delitos à distância.
O art. 7º CP é importante: se considerar que a conduta ou o resultado típico
tiveram lugar em Portugal, então pode-se considerar que o facto ocorreu em
território nacional; e aí poder-se-á aplicar a lei penal portuguesa por força do
preceituado no art. 4º CP e que consagra o princípio da territorialidade, uma
vez precisamente que este princípio vem dizer que a lei penal portuguesa é
aplicável a factos praticados no território nacional.
Uma vez em sede do art. 5º CP vai-se analisar caso a caso:
-         Se será o princípio da protecção dos interesses nacionais, poderá ser
um dos crimes elencados no aliena a);
-         Se haverá afloramento do princípio da universalidade (alínea b));
-         Se será eventualmente o princípio da nacionalidade activa ou passiva
previsto na alínea c); e aqui verificar se estão reunidas todas as
condições previstas e se existem ou não restrições à aplicabilidade da lei
portuguesa .
[20]

 
42. Princípio da dupla incriminação e princípio da especialidade
O princípio da dupla incriminação, significa que só é admitida a extradição
se o Estado português considerar também crime o facto pelo qual se pede a
extradição ou o facto que fundamenta a extradição.
O princípio da especialidade significa que a extradição só pode ser
concedida para o crime que fundamenta o seu pedido, não podendo o
extraditado ser julgado por uma infracção diferente e anterior à que fundamenta
o pedido de extradição.
Por outro lado, também em princípio não se admite a extradição quando seja
prioritariamente aplicável a lei penal portuguesa.
 
43. Princípio da administração supletiva da justiça penal (art. 5º/1-e CP)
Admite que o Estado português julgue um criminoso que tenha cometido um
crime no seu país de origem contra um cidadão desse país e fuja para
Portugal. Pressupostos:

26
-         Que o agente se encontre em Portugal;
-         A extradição seja pedida;
-         Seja possível a extradição mas não seja admitida.
O art. 6º define as condições gerais de aplicação da lei penal portuguesa a
factos cometidos por estrangeiros:
-         Princípio de que ninguém pode ser responsabilizado por um facto mais
do que uma vez (art. 29º CRP);
-         Art. 6º/2 CRP, depois de ver que lei penal é competente, tem-se que ter
em atenção a lei do lugar onde o facto foi cometido, e mais favorável,
mas que puna o facto.
As condições no art. 6º/2 CP não funciona quando está em causa o princípio
da protecção dos interesses nacionais (art. 6º/3 CP).
 
TEORIA DO FACTO PUNÍVEL OU TEORIA DA INFRACÇÃO
 
44. Introdução
É a teoria que tem por objecto o estudo do crime. O conjunto dos
pressupostos de punibilidade e de punição que são comuns a todos os crimes,
a todos os factos tipificados na lei como crime.
Os requisitos comuns é que um facto deve ter para ser considerado
criminoso e para que dele decorra uma responsabilidade jurídico-penal para o
seu autor, para o agente daquela infracção.
Pode-se formalmente definir crime como um comportamento humano que
consiste numa acção penalmente relevante, acção essa que é típica, ilícita,
culposa e punível.
Esta teoria permite desde logo uma aplicação certa, segura e racional da lei
penal.
Passa-se dum casuísmo, de verificar caso a caso o que é crime para através
da teoria da infracção, ter-se uma vocação generalizadora de factos
penalmente relevantes, de factos criminosos.
E através do estudo destas categorias analíticas pode-se determinar a
responsabilidade jurídico-penal duma pessoa, pode-se firmá-la ou excluía,
através duma análise de subsunção progressiva.
 
45. Acção penalmente relevante
É todo o comportamento humano dominado ou dominável pela vontade.
Através deste conceito, já se está a excluir a responsabilidade jurídico-penal
de comportamentos que provêm não de pessoas mas de animais.

27
Ter-se-á depois de verificar o seguinte: se está em presença de um
comportamento humano dominado pela vontade, tem-se de ver se esse
comportamento humano preenche ou não um tipo legal de crime.
Tem-se de ver se essa acção preenche a tipicidade de um dos tipos
previstos na parte especial do Código Penal, ou então em legislação penal
lateral.
Para isso é preciso verificar se essa acção é típica, isto é, é necessário
verificar se estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos de
[21] [22]

um tipo legal.
Como se verifica se a acção é típica?
Tem-se efectivamente de analisar esta categoria que é a tipicidade, tem-se
de verificar se aquela actuação humana se subsume ao tipo normativo na
previsão dos seus elementos objectivos e subjectivos.
Depois, tem-se de ver se o elemento objectivo do tipo está preenchido.
O elemento subjectivo geral do tipo é o dolo. Tem-se de se ver então o que
é o dolo: consiste na consciência e vontade de realizar os elementos objectivos
de um tipo legal.
Estando preenchida a tipicidade, vai-se verificar que esta categoria analítica
que é composta por elementos subjectivos e objectivos, estando integralmente
preenchida indicia a ilicitude.
 
46. Ilicitude
A ilicitude num sentido formal, é a contrariedade à ordem jurídica na sua
globalidade, de um facto ilícito é um facto contrário à ordem jurídica, contrário
ao direito.
Mas numa óptica material, o facto ilícito consiste numa danosidade social,
numa ofensa material a bens jurídicos.
Em princípio da lei penal só tipifica factos que são contrários ao direito. Mas
a ilicitude indiciada pelo facto típico ou pela tipicidade pode ser excluída.
Pode estar excluída pela intervenção de normas remissivas, que vêem
apagar o juízo de ilicitude do facto típico, são as designadas causas de
justificação que, a estarem presentes, justificam o facto típico, excluindo a
ilicitude indiciada pela própria tipicidade.
Mas pode acontecer, que preenchido um tipo mediante uma acção
penalmente relevante e a ilicitude indiciada pelo tipo, pode ser que não se
verifique nenhuma causa de justificação ou de exclusão da ilicitude.
Na maior parte dos casos em que as pessoas cometem crimes não estão a
actuar ao abrigo de nenhuma causa de exclusão da ilicitude.
 

28
47. Culpa
É a categoria analítica do facto punível.
Sabendo-se que só se pode formular um juízo de censura de culpa sobre um
imputável, porque as penas só se aplicam a quem seja susceptível de um juízo
de censura de culpa; àquelas pessoas a quem não for susceptível formular um
juízo de censura de culpa aplicam-se medidas de segurança, é nomeadamente
o caso dos inimputáveis e dos menores de 16 anos.
Logo, para que o juízo de culpa possa ser formulado é preciso que o agente
tenha capacidade de culpa. O agente não tem capacidade de culpa se tiver
menos de 16 anos, ou se for portador de uma anomalia psíquica ou de um
estado patológico equiparado.
Mas para além de ter capacidade de culpa, o agente também tem de ter
consciência da ilicitude do facto que pratica; e para além da capacidade de
culpa e da consciência da ilicitude é preciso, para se formular sobre o agente
um juízo de censura de culpa, que o agente não tenha actuado em
circunstâncias tão extraordinárias que o desculpem.
 
48. Punibilidade
Para além de o facto ter consistido numa acção típica, ilícita e culposa, é
ainda preciso que seja punível.
Então chega-se à conclusão que por vezes existem determinados factos
praticados no seio de acções penalmente relevantes, típicas, ilícitas culposas,
mas contudo os agentes não são punidos. E porque é que não há punibilidade
em sentido estrito?
-         Ou porque não se verificam condições objectivas de punibilidade;
-         Ou então porque se trata de uma isenção material, no caso de
desistência;
-         Ou porque se trata de uma causa pessoal de isenção de pena.
Porque é que se fala numa subsunção progressiva?
Porque quando se analisa a responsabilidade jurídico-penal de alguém, tem-
se de analisar detalhadamente todas estas categorias.
Ainda que intuitivamente se possa dar automaticamente a resposta, tem-se
de percorrer estas etapas porque, por hipótese, se chegar à conclusão que
aquele comportamento não foi dominado nem tão pouco era dominável pela
vontade humana, imediatamente se nega a responsabilidade criminal do
agente.
Os tipos, a não ser quando a lei expressamente o diga, são sempre dolosos.
O estudo analítico do crime, da teoria da infracção, vai permitir:
-         Por um lado, fazer uma aplicação certa, segura e uniforme da lei penal;

29
-         Por outro lado, vai ter uma vocação de subsunção progressiva.
Mas se hoje, entende-se que o crime é uma acção típica, ilícita, culposa e
punível, esta tripartição entre tipicidade, ilicitude e culpa é uma conquista
dogmática da Escola Clássica. E à Escola Clássica segue-se cronologicamente
a Escola Neo-clássica, e a esta segue-se a Escola Finalista.
Todas estas escolas teorizam o crime tripartindo-o, dizendo que era uma
acção típica, ilícita e culposa. Agora, o que cada uma destas escolas
considerava como integrante de cada uma destas categorias analíticas é que
diverge.
Escola Clássica:
-         Beling/Van Listz;
-         Acção – naturalista (acção natural);
-         Tipicidade – correspondência meramente externa, sem consideração por
quaisquer juízos de valor; só elementos objectivos e descritivos;
-         Ilicitude – formal;
-         Culpa – psicológica (inserção de todos os elementos subjectivos – dolo e
negligência).
-         Criticas – os factos penalmente relevantes com negligência e os
comportamentos omissos.
Escola Neo-clássica:
-         Prof. Figueiredo Dias;
-         Acção – negação de valores;
-         Tipicidade – o tipo tem também elementos normativos e determinados
crimes têm também na sua tipicidade elementos subjectivos;
-         Ilicitude – material;
a)    Permite graduar-se o conceito de ilicitude;
b)    Permite a descoberta ou a formação de causas de justificação.
-         Culpa – censurabilidade: pressupostos da culpa – capacidade de culpa,
consciência da ilicitude, exigibilidade;
-         Os conceitos de acção social e a posição de Figueiredo Dias, renúncia a
um particular conceito de acção e os conceitos de:
a)    Tipo indiciador;
b)    Tipo justificador ou tipo do dolo negativo;
-         A teoria dos elementos negativos do tipo.
Escola finalista:
-         Wessel;
-         Acção – final;
-         Tipicidade – o dolo é um elemento subjectivo geral dos tipos;

30
-         Ilicitude – conceito de ilicitude pessoal – o desvalor da acção e do
resultado;
-         Culpa – normativa; elementos da culpa.
Todos estes sistemas partem duma análise quadripartida do crime, como
acção típica, ilícita e culposa.
 
49. O sistema clássico
Parte de uma concepção positiva, mecânica, mesmo naturalista, lógica da
teoria da infracção.
O conceito de acção para os clássicos é visto como um conceito naturalista
da acção, como um movimento corpóreo, um esforço muscular ou nervoso que
produz uma alteração objectiva do mundo real.
O tipo ou tipicidade é a correspondência externa de um comportamento
considerado acção uma disposição legal, à discrição legal de um tipo legal de
crime.
Mas a tipicidade era vista do ponto de vista meramente externo ou objectivo
sem nenhuma consideração de valor.
A ilicitude é uma categoria separada. Para os Clássicos a ilicitude é vista
numa óptica meramente formal, ou seja, como contrariedade à ordem jurídica
na sua globalidade. Um facto ilícito é um facto contrário à lei.
Não vem permitir uma graduação do conceito de ilicitude, porque se em
sentido formal, a ilicitude significa contrariedade à ordem jurídica, se o facto
ilícito é o facto que contraria a ordem jurídica, donde contraria a lei, e o facto
lícito é o facto que não contraria a lei, então só se pode afirmar que um
comportamento é ou não é ilícito, é ou não é contrário à ordem jurídica.
Quanto à culpa, para os Clássicos, era nessa categoria dogmática do facto
punível que se incluíam todos os elementos subjectivos. Portanto, a ilicitude e a
tipicidade eram meramente objectivas. Tudo quanto fossem elementos
subjectivos estaria na culpa.
A culpa era vista de uma óptica psicológica, porque a culpa corresponde à
ligação psicológica entre uma pessoa e o seu comportamento, e essa ligação
poderia ser uma ligação dolosa ou uma ligação negligente.
Logo, o dolo e a negligência são meras formas de culpa.
A tipicidade é meramente objectiva. É depois em sede de culpa que se terá
de verificar que relação existe entre o agente e o seu facto, para se poder
afirmar uma culpa meramente psicológica.
 
50. Criticas ao sistema Clássico

31
A primeira crítica diz respeito ao conceito de acção. Este conceito de acção
como movimento corpóreo que produz a alteração objectiva no mundo exterior
é um conceito criticável por várias razões.
Mas talvez a crítica mais forte que se pode tecer ao conceito de acção dos
clássicos é precisamente a omissão porque a responsabilidade penal é
afirmada por factos cometidos por acção, mas também por omissões
penalmente relevantes.
O conceito de acção dos clássicos deixa de fora as omissões, ou os crimes
omissivos.
Daí que os clássicos tenham reformulado um pouco esta noção, dizendo
então que a acção homicida é a acção que se esperava que o agente tivesse.
Em relação à ilicitude, sendo uma ilicitude meramente formal, só nos
permite afirmar se um comportamento, se um facto, se uma acção, é ou não
ilícita, não nos permitindo graduar o conceito de ilicitude.
Em relação à culpa.
Sendo a culpa vista numa óptica meramente psicológica, pergunta-se como
é que os Clássicos explicam a culpa negligente, mormente os casos de
negligência inconsciente.
Nos comportamentos dolosos, o agente conhece e quer empreendida com
determinado resultado típico, ou assumir uma determinada conduta
consubstanciada num tipo legal de crime.
 
51. Sistema Neo-clássico
É desenvolvido na Alemanha a partir dos anos 20, procurando “limar” alguns
defeitos ou arestas do sistema clássico.
A acção para os Neo-clássicos:
Vêem dizer que não é importante verificar se ouve ou não um movimento
corpóreo que produziu uma alteração objectiva no mundo exterior, porque as
actuações humanas são pautadas por determinadas valorações.
O que interessa é efectivamente o valor que está subjacente a um
determinado comportamento. Assim, os Neo-clássicos passam a ver a acção (o
crime) como a negação de valores através de um comportamento. Portanto, o
crime é todo aquele comportamento que nega valores.
Klaus Roxin entende que o que é importante em sede de Direito Penal, em
sede comportamental são tão só os factos ou as acções voluntárias, isto é,
aqueles comportamentos dominados ou domináveis pela vontade.
Dentro da vertente Neo-clássica surge outro conceito de acção, que é a
acção social, desenvolvida por Smith.

32
Este autor defende que mais importante que tudo para afirmar a existência
duma acção penalmente relevante é verificar se aquele comportamento, se
aquela actuação deve ser tido como uma acção em termos sociais. Isto é, se
socialmente aquele comportamento merece a qualificação de acção.
E isto porque, desde logo, há acções que à prática, podem parecer negar
valores, mas que não devem ser acções penalmente relevantes de harmonia
com a própria concepção social de acção.
A tipicidade, os Neo-clássicos vêm dizer que a tipicidade é composta por
uma série de elementos, e o tipo não é valorativamente neutro, implica já um
juízo de valor para quem preenche a tipicidade. Referem que o tipo tem
também elementos normativos, elementos que, descrevendo entidades do
mundo real, carecem duma interpretação complementar pelo recurso a normas.
Para estes autores, o tipo é composto por elementos positivos e por
elementos negativos:
-         Elementos positivos: aqueles que fundam positivamente a
responsabilidade penal do agente;
-         Elementos negativos: são as causas de justificação que, quando
relevantes, justificam o facto típico.
A culpa para os Neo-clássicos, não é uma culpa psicológica, como
pretendiam os Clássicos, mas é antes um conceito que é integrado já por um
critério de censurabilidade assente na existência de determinados
pressupostos, nomeadamente a capacidade de culpa e a consciência da
ilicitude.
A culpa é já uma culpa com ingredientes normativos e implica um juízo de
censurabilidade pela prática de um facto.
 
52. Criticas ao sistema Neo-clássico
O conceito de acção: um comportamento humano que nega valores. Ora, na
negação de valores cabe não só o comportamento activo, como existem
também omissões que podem de igual modo lesar valores.
Portanto, aqui neste conceito de crime como comportamento socialmente
relevante que lesa valores, já se pode enquadrar de alguma forma o
comportamento omissivo ou a omissão, coisa que ficava de fora do conceito
meramente causal e naturalístico de acção dos Clássicos.
Há determinados comportamentos cuja apreensão da negação ou de valores
só pode ser dada pela finalidade do comportamento, ou da acção.
Os Neo-clássicos não incluíam o dolo em sede de tipo ou de tipicidade.
O dolo é um elemento da culpa, ou uma forma de culpa, porque só
excepcionalmente a tipicidade é integrada por elementos subjetivos, chamados

33
elementos subjetivos específicos, com a intenção de apropriação no crime de
furto, etc.
Também os Neo-clássicos não resolvem correctamente problema da
negligência e dos comportamentos negligentes.
 
53. Sistema finalista
Os finalistas propõem um conceito de acção que é um conceito de acção
final. Chagam à conclusão que o direito, a realidade normativa, não pode
aparecer totalmente divorciada e desligada da realidade ôntica, da realidade do
ser que é anterior à realidade normativa.
Se o direito visa regular comportamentos humanos, estabelecer regras de
conduta, então o direito, sob pena de ser uma falácia, tem de respeitar a
natureza ôntica, a natureza do ser, e o que é próprio do ser humano para os
finalistas, dentro de um conceito de acção, é o agir com vista à obtenção de um
fim servindo-se de conhecimentos objectivos e causais que permitem essa
obtenção, este conceito de acção deve ser respeitado em sede de tipicidade.
Portanto, a intenção que preside a uma determinada acção, que é a sua
finalidade, deve ser espelhada no tipo. Logo, o dolo que é a intenção, o fim da
actuação, deve ser um elemento subjectivo do tipo.
Quanto ao conceito de ilicitude: começa a falar-se de um conceito de
ilicitude pessoal.
Actuar ilicitamente já não é tanto actuar contrariamente à ordem jurídica na
sua globalidade, como pretendiam os Clássicos (ilicitude formal). Já não
interessará tanto actuar lesando bens jurídicos fundamentais, como pretendiam
os Neo-clássicos (ilicitude material).
Interessará mais, verificar se aquela pessoa que actua de determinada
forma actua ilicitamente, se se lhe pode atacar um juízo de desvalor na acção
ou no facto que pratica. Existe aqui uma certa concepção ética do direito.
Dentro deste conceito de ilicitude pessoal de se poder reprovar uma pessoa
por adoptar um determinado comportamento, podem-se distinguir dois
desvalores:
1)     O desvalor da acção, da conduta empreendida pelo agente;
2)     O desvalor do resultado, em que se traduz o comportamento ou a
conduta do agente.
A acção, embora no âmbito dos crimes negligentes seja também
desvaliosa , por comparação dos crimes dolosos em que o agente actua
[23]

querendo e conhecendo um determinado resultado, o desvalor da acção nos


crimes dolosos é muito superior.
Quanto à culpa.

34
Os finalistas têm um conceito de culpa puramente normativo.
A consciência da ilicitude, a capacidade de culpa e a exigibilidade dos
comportamentos passam a ser elementos da culpa. Faltando um destes
elementos da culpa, já não é possível formular sobre uma pessoa um juízo de
culpa.
A capacidade de culpa consiste no fundo em a pessoa ter capacidade para
avaliar as exigências. São incapazes de culpa:
a)     Os inimputáveis em razão da idade (menores de 16 anos);
b)     Os portadores de anomalias psíquicas, que são inimputáveis em razão
da anomalia psíquica.
A consciência da ilicitude é um elemento autónomo da culpa.
 
54. Criticas ao sistema finalista
O conceito de acção, é um conceito de acção final e os finalistas nunca
conseguiram com este conceito justificar muito bem os crimes de negligentes.
Sendo assim também para as omissões.
Daí que quem segue a sistemática finalista opte por uma quadripartição do
facto punível, em que se distingue:
-         Crime doloso por acção;
-         Crime doloso por omissão;
-         Crime por acção negligente;
-         Crime por omissão negligente.
-          
55. Acção
Acção penalmente relevante é todo o comportamento humano, com
relevância no mundo exterior, que é dominado ou dominável pela vontade. Fica
logo excluído os comportamentos ou as acções das coisas, das forças da
natureza e dos animais irracionais.
Dentro do ponto de vista dos fins das penais, quer numa óptica retributiva,
quer numa óptica preventiva, não faz sentido criminalizar comportamentos que
não sejam dominados pela vontade.
Uma acção penalmente relevante pode consistir:
-         Num comportamento positivo – num “facere”;
-         Num comportamento negativo – num “non facere”.
A acção tem relevância quer consista num comportamento positivo, quer
numa omissão. A nossa lei equipara a omissão à acção; essa equiparação é
dada pelo art. 10º CP.
Há duas formas de comportamento omissivo penalmente relevante, que se
diferenciam: são designadas omissões puras (ou impróprias) e as omissões

35
impuras (ou impróprias).
Quando o legislador descreve as incriminações, através de normas
proibitivas e de normas que pressupõem um determinado resultado típico do
tipo, para estar preenchido, para ser consumado exige uma conduta e um
resultado.
No caso das omissões impuras nem toda a gente pode incorrer em
responsabilidade jurídico-penal por omissão impura, porque o legislador só
responsabiliza pelas omissões impuras aqueles sobre quem recaía ou
impendia um dever jurídico que pessoalmente o obrigasse a evitar a produção
do resultado típico.
Os clássicos consideravam por acção penalmente relevante todo o
movimento corpóreo, esforço nervoso ou muscular, que produz uma alteração
objectiva no mundo real.
O conceito de acção causal é criticável, isto porque:
-         Torna-se mais difícil de explicar como é que nestes casos das omissões
impuras pode haver a acção omissiva;
-         Crime de injúria: este crime só é concebível a partir de uma certa
ponderação social daquele comportamento como negação de um
determinado valor, só é crime porque socialmente se convenciona que
aquele comportamento é uma acção relevante;
-         Este conceito de acção causal não afasta, de per si, comportamentos
dominados pela vontade.
Só através de um critério exterior ao próprio conceito de acção causal é que
se consegue delimitar os comportamentos com relevância penal e os
comportamentos que não têm essa relevância.
Para os Neo-clássicos, o conceito de acção é todo o comportamento que
nega valores – é uma negação de valores.
Smith vem com um conceito social de acção, dizendo que acção penalmente
relevante é aquilo que é socialmente adequado a ser acção.
Mas este conceito não explica de per si porque é que algumas omissões
negam valores não é dada tanto pela acção, mas pela ordem jurídica.
Muitas vezes também, a relevância social da acção não pode estar
desligada daquilo que o agente quis.
Por outro lado, não há dúvida que o mesmo comportamento pode ter vária e
diferente relevância social, consoante a intenção do agente.
Finalmente o conceito de acção final para os finalistas.
É todo o comportamento em que a pessoa se serve dos conhecimentos
objectivos e causais para atingir uma determinada finalidade.

36
O processo causal nos crimes omissivos representa especialidades face aos
crimes activos. Essas especialidades fazem com que os próprios finalistas
tivessem de chegar a uma análise quadripartida do facto punível (ou da
infracção):
-         Crimes dolosos por acção;
-         Crimes dolosos por omissão;
-         Crimes negligentes por acção;
-         Crimes negligentes por omissão.
Este conceito de acção final não é compreensível para abarcar todas as
realidades e comportamentos que podem dar origem à responsabilidade
jurídico-penal.
Há autores que, em relação ao conceito de acção penalmente relevante,
como categoria autónoma da punibilidade, porque não é um conceito isento de
críticas em qualquer formulação, dizem que nós devemos renunciar a um
particular conceito de acção e é própria tipicidade que englobamos os
comportamentos por acção e por omissão (Prof. Figueiredo Dias).
Há outros autores que discordam e que dizem que o conceito de acção
penalmente relevante e efectivamente uma categoria que não se deve
descurar, porque o conceito de acção tem um determinado rendimento em
sede de dogmática jurídico-penal.
 
56. Tipo ou tipicidade
Por detrás de cada tipo incriminador, o legislador há-de pretender sempre a
tutela de um ou mais bens jurídicos, porque o direito penal encontra a sua
justificação na tutela de bens jurídicos fundamentais.
O bem jurídico é algo distinto do chamado objecto do facto ou objecto da
acção.
Enquanto que o bem é aquela realidade que não é uma realidade palpável,
é um valor, um interesse.
O objecto do facto ou da acção é o “quid” concreto sobre o qual incide a
actividade criminosa do agente.
 
57. Estrutura do tipo
Por detrás de cada tipo legal encontra-se sempre a tutela de um ou mais
bens jurídicos.
Os tipos têm na sua descrição elementos descritivos, predominantemente,
mas também é concebível que nalguns tipos apareçam elementos normativos.
Aliás foram os Neo-clássicos que chamaram à atenção para a existência
destes elementos normativos do tipo.

37
Os elementos descritivos são aqueles elementos que expressam
entidades do mundo real, quer no foro exterior quer interior, quer para a sua
cabal compreensão, não necessitam de nenhuma valoração suplementar feita
pelo recurso a uma norma.
Os elementos normativos são aqueles que, expressando também
entidades do mundo real, para seu cabal entendimento carecem do recurso a
uma valoração suplementar, do recurso por exemplo a outra norma.
Há quem diga, como Ihering, que não existem elementos puramente
descritivos: todos eles são mais ou menos normativos; postulam sempre, para
seu cabal entendimento e compreensão, uma valoração suplementar, seja
ética, seja de ordem jurídica.
O tipo é integrado sobretudo a partir duma abordagem finalista, por uma
estrutura mista: é composto por elementos objectivos e por elementos
subjectivos.
Referindo, agora, tão só ao crime comissivo por acção, ou crime doloso por
acção, pode-se encontrar os seguintes elementos objectivos do tipo:
a)     O agente;
b)     A conduta ou descrição da acção típica;
c)     O resultado;
[24]

d)     O nexo de imputação, também designado de causalidade ;


[25]

e)     Algumas circunstâncias que rodeiam a conduta ou descrição da acção


típica.
Estes elementos objectivos do tipo referenciam entidades ônticas que
existem independentemente de qualquer representação entre a mente do
agente e o facto por ele praticado, por isso se dizem elementos objectivos.
Os elementos subjectivos, são aqueles que pressupõem já uma relação
com o foro íntimo do agente, ou seja, entre a representação da mente do
agente daquilo que ele pensa e quer aquilo que objectivamente se verifica, por
isso se designam elementos subjectivos.
Como elementos subjectivos e no âmbito do crime doloso, encontram-se os
chamados elementos subjectivos específicos, que são elementos que têm
de existir para que os tipos legais de crime se considerem efectivamente
preenchidos. São as especiais tendências, as especiais intenções.
O elemento subjectivo geral será o dolo, no âmbito dos crimes dolosos.
O dolo consiste no conhecimento e vontade de empreender um determinado
tipo legal de crime. O dolo consiste no conhecer e querer os elementos
objectivos de um tipo legal de crime.
O dolo apresenta pois, uma estrutura bipartida, integrada por um elemento
intelectual que é o conhecimento – o conhecimento de uma determinada

38
realidade objectiva; e um elemento de natureza volitiva, o querer efectivamente
essa realidade objectiva de determinada forma.
Nos crimes negligentes, o elemento geral será a negligência.
 
58. Elementos objectivos do tipo especial
a)     Agente
O agente é aquela (s) pessoa (s) que adopta uma conduta típica descrita
num determinado tipo legal de um crime e que empreende a realização típica –
o agente do tipo legal de crime.
b)     Acção típica ou conduta
A conduta típica, também dita descrição da acção típica, ou tão só a acção
típica, aparece como um elemento objectivo do tipo legal de crime e encontra-
se efectivamente descrita no tipo.
c)     Resultado
É também um elemento objectivo do tipo, nos chamados crimes materiais ou
de resultado: é o próprio resultado típico.
Há crimes em que, para além da descrição da conduta típica, se exige que
espaço-temporalmente se desprenda ou se destaque da conduta típica algo
diferenciado que é o resultado – o resultado típico – para que o facto possa
estar efectivamente consumado.
Nestes crimes materiais ou de resultado, que para além da conduta
pressupõe, ainda, para a sua consumação, a verificação do resultado típico.
d)     Nexo de causalidade
Isto traduz-se, em saber se um determinado resultado pode ser imputado a
uma conduta do agente; se aquilo que se verifica pode ser efectivamente
considerado como obra daquela actuação típica do agente.
É um elemento não escrito do tipo, isto porque, nos crimes materiais ou de
resultado, naqueles crimes que se designam normalmente por crimes de forma
livre. Ou seja, são crimes cuja obtenção do resultado típico previsto pela norma
pode ser obtido, por referência à conduta do resultado típica que é matar, pelas
mais diferentes formas.
Por vezes, muito raramente, o legislador pode pretender dar cobertura literal
a esse elemento, ou a este nexo de nexo de causalidade ou de imputação
objectiva, e descrevê-lo.
É o que acontece nos chamados crimes de realização vinculada.
Aqui o crime é de realização vinculada, pela descrição do elemento, por uma
certa descrição do nexo de causalidade. Um outro elemento não escrito no tipo
e que existe apenas nalgumas classificações, ou nalguns tipos de crime – os
crimes de omissão impura ou imprópria – é o chamado dever de garante.

39
Muitas vezes a lei descreve comportamento que considera proibidos e que
as pessoas não devem adoptar, porque ao adoptá-los isso importa a obtenção
de um determinado resultado lesivo, o qual pode ser obtido quer por via de um
comportamento activo ou de uma acção, quer por via de um comportamento
omissivo ou de uma omissão.
Para que uma pessoa seja responsabilizada por ter dado origem à produção
de um resultado típico proibido pela lei em virtude de uma inactividade, ou em
virtude da sua passividade ou omissão, é preciso que sobre essa pessoa
impenda um dever jurídico que pessoalmente a obrigue a evitar a produção
desse resultado lesivo.
Este dever de garante pode resultar fundamentalmente de três pontos: ou
directamente da lei, ou de contrato, ou de uma situação de imergência.
e)     Circunstâncias que rodeiam a conduta
As circunstâncias podem ser, para a nossa lei, ou crimes autónomos, ou
então elementos que integram qualificações ou priviligiamentos de tipos legais
de crimes.
 
59. Acepções em que se utiliza a palavra tipo
a)     Tipo de garantia, total, ou em sentido amplo
Pretende abranger todos os elementos que concorrem para fundamentar
uma responsabilidade criminal, abrangendo simultaneamente não só a
categoria analítica da tipicidade mas também as outras categorias dogmáticas
como a ilicitude a culpa e a própria punibilidade.
O tipo garantia corresponde ao conjunto de pressupostos de punibilidade e de
punição de um tipo legal, de um crime.
b)     Tipo iniciador ou tipo em sentido restrito
O tipo abrange tão só a categoria da tipicidade, com a estrutura somente de
elementos objectivos e subjectivos.
Podendo-se dizer assim que, tipo indiciador ou tipo em sentido restrito é a
correspondência objectiva e subjectiva à definição de um tipo legal de crime.
Ou, por outras palavras, com a expressão tipo indiciador, tipo em sentido
restrito ou tipo de injusto, visa-se a delimitação de um comportamento proibido
ou exigido, ao qual se comina uma sanção penal geral e abstractamente
estabelecida.
Tipo em sentido restrito, porquê?
Porque o facto de preencher um tipo neste sentido restrito não significa de
per si que a pessoa vá ser punida, porque a pessoa pode ter actuado
tipicamente, todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo podem estar
preenchidos mas a pessoa não ter responsabilidade jurídico-criminal porque,

40
por hipótese, naquele caso actuou em legítima defesa.
E designa-se também tipo indiciador porquê?
Porque uma vez preenchida integralmente a tipicidade, preenchidos
integralmente os elementos constitutivo do tipo de crime, formula-se um juízo
de valor sobre essa pessoa no sentido de que a tipicidade indicia a ilicitude, a
qual pode ser excluída pela intervenção das causas de justificação.
c)     Tipo intermédio
Pretende-se significar que a um comportamento típico acresce
simultaneamente um juízo de equidade.
Significa pois, a situação de que alguém cometeu um facto típico em sentido
estrito, que é simultaneamente ilícito, ou seja, uma pessoa cometeu um facto
que corresponde à descrição objectiva e subjectiva de uma norma legal, não
actuando ao abrigo de nenhuma causa de exclusão da ilicitude, ou não
actuando ao abrigo de nenhuma causa de justificação.
 
CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE CRIME
 
IMPUTAÇÃO OBJECTIVA
 
IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
 
ILICITUDE
 
CULPA
 
COMPARTICIPAÇÃO CRIMINOSA
 
PUNIBILIDADE
 
TENTATIVA E DESISTÊNCIA

 
 
CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE CRIME
 
 
60. Quanto ao agente

41
Pode-se classificar a tipicidade em crimes gerais ou comuns, e crimes
específicos ou próprios, podendo estes ainda ser: crimes específicos em
sentido próprio e em sentido impróprio.
Os crimes gerais ou comuns são aqueles que podem ser praticados por
qualquer pessoa, ou seja, qualquer pessoa pode ser agente ou autor do crime
tipificado.
São portanto crimes que não postulam de determinadas qualidades,
naturalísticas ou não, na pessoa do agente.
Os crimes específicos ou próprios são aqueles em que os agentes são
qualificados por um qualquer dever jurídicos, ou por uma qualquer situação
juridicamente definida.
São aqueles que pressupõem como autores dos crimes apenas as pessoas
que têm uma qualidade exigida pelo próprio tipo.
Dizem-se crimes específicos em sentido próprio quando para além de só
poder ser agente ou autor da incriminação aquela pessoa que tenha as
características exigidas pelo próprio tipo, não existe na lei penal nenhuma
tipificação correspondente para o comum das pessoas.
É um crime que só pode ser praticado por aquelas pessoas e mais
nenhumas. Não existe responsabilidade jurídico-penal paralela para quem não
tenha essas qualidades pressupostas pelo tipo na pessoa do seu agente.
Os crimes específicos em sentido impróprio são aqueles que exigindo
embora essas qualidades específicas do agente, têm paralelo para o comum
das pessoas em termos de responsabilização jurídico-penal.
Ainda quanto ao agente, há uma outra classificação que distingue entre:
crimes plurisubjectivos, também chamados de participação necessária e,
crimes unisubjectivos ou unisingulares.
Os crimes plurisubjectivos ou de participação necessária são aqueles
em que o tipo incriminador exige o envolvimento, exige mais do que um agente
para integrar o tipo.
Estes tipos, para estarem preenchidos quanto à pessoa do agente,
pressupõem um envolvimento plural.
Os crimes unisubjectivos ou unisingulares que podem ser praticados por
um único agente. São a maior parte deles: o crime de furto, roubo, homicídio
etc., podem ser praticados única e exclusivamente com a colaboração, ou o
consenso de uma só pessoa, de um só autor.
Klaus Roxin fala nos chamados crimes de violação de dever. São crimes
que são definidos através de um dever jurídico, não tanto pelo desenvolvimento
de qualquer actividade, mas essencialmente pela titularidade de um dever
jurídico.

42
Klaus Roxin propõe uma sistemática bipartida da teoria do facto punível.
Essa teoria bipartida devia assentar:
-         Por um lado, nos crimes que consistem em levar a cabo uma
determinada actividade;
-         Por outro lado, os crimes que violam deveres jurídicos, normalmente
deveres jurídicos de natureza profissional ou deveres jurídicos funcionais
a que uma determinada pessoa está adstrita.
 
61. Princípio da responsabilidade singular ou princípio da
responsabilidade individual
Salvo quando a lei expressamente o disser, apenas as pessoas singulares
são susceptíveis de responsabilidade jurídico-criminal.
Portanto, só existe responsabilidade jurídico-penal das pessoas colectivas
quando a lei expressamente o determinar. É o que preceitua o art. 11º CP.
Fundamentalmente tem-se acentuado o carácter pessoal da
responsabilidade criminal com base em duas ideias:
Por um lado, Füerbach vem dizer que as pessoas colectivas são incapazes
de agir. E isto porque as pessoas colectivas estão dominadas e só têm
capacidade de para agir de harmonia com a especificidade do fim.
Neste sentido, as pessoas colectivas não podem agir como as pessoas
singulares. Se o fim das pessoas colectivas tem de ser um fim legítimo, então
elas só têm capacidade de agir legitimamente, porque senão eram nulas por
contrariedade à lei, à ordem pública e aos bons costumes.
Por outro lado, Savigny tem afirmado também a ideia de que não existe
responsabilidade penal das pessoas colectivas, acentuando já não a ideia de
incapacidade de agir, mas acentuando a ideia da incapacidade de culpa.
A culpa é um juízo individualizado de censura feita pela ordem jurídica e que
se dirige a uma pessoa pela prática de um facto ilícito. E naquilo que no juízo
de censura se reprova ao agente é precisamente o facto dessa pessoa, tendo
capacidade e possibilidade de se decidir de forma diferente, de se decidir pelo
direito, ter-se decidido pelo torto, ter-se decidido pelo ilícito.
Neste sentido, uma vez que as pessoas colectivas não têm uma vontade
própria real, têm só uma vontade fictícia. Daí a insusceptibilidade de
culpabilizar as pessoas colectivas.
 
62. Crimes e função do resultado
Os crimes formais ou de mera actividade, não são só crimes de mera
actividade. Crimes formais são também omissões puras; enquanto crimes de
resultado ou crimes materiais são também omissões impuras.

43
Os crimes por acção em cuja tipicidade e cuja conduta típica está descrita
efectivamente em termos de acção. Acção que, a ser efectuada pelo agente,
viola uma proibição ou um comando legal.
Existe responsabilidade por acção quando o agente pratica actos que são
subsumíveis às condutas descritas nos tipos legais em termos de acção.
Mas também existe responsabilidade por omissão.
As omissões podem ser de duas ordens. Pode-se classificar ou distinguir as
chamadas omissões puras das omissões impuras, também designadas por
alguns autores de omissões próprias e omissões impróprias, respectivamente.
Dentro das omissões puras, tem-se a responsabilidade jurídico-penal do
agente, na porque ele tenha actuado, mas precisamente porque omitiu uma
conduta que lhe era exigível por lei.
Nos caos de omissões puras o agente incorre em responsabilidade jurídico-
penal por ter violado uma norma preceptiva, uma norma que impõe a adopção
de uma determinada conduta que é omitida, ou não tem lugar.
No âmbito das omissões impuras tem-se uma situação diferente. Aqui o
agente é responsabilizado por um determinado resultado que tem lugar não por
sua acção, não porque ele tenha directamente adoptado uma conduta típica
descrita na lei, mas precisamente porque dá origem a um resultado por uma
inactividade sua, violando desta forma uma norma ou um preceito de natureza
proibitiva.
Na omissão imprópria o agente é responsabilizado por um crime, porque
sobre ele impendia um dever jurídico que pessoalmente o obrigava a evitar a
produção do resultado. E este dever jurídico que impende sobre o agente e
que pessoalmente o obriga a evitar a produção do resultado lesivo, ou típico,
pode resultar principalmente de três fontes:
-         Directamente da lei;
-         Indirectamente da lei ou do contrato;
-         De situações de ingerência.
Nas omissões impuras o agente dá origem a um determinado resultado
através da sua passividade; por tanto, existe aqui assim a violação de uma
norma proibitiva mediante um comportamento omissivo.
Mas por força do art. 10º CP, que equipara a acção à omissão, e onde se
encontra a base legal da construção das omissões impuras é necessário, para
responsabilizar alguém por uma omissão impura, que sobre essa pessoa
recaísse o dever jurídico, oriundo de qualquer destas fontes que pessoalmente
o obrigasse a evitar a produção do resultado lesivo.
Portanto, pode-se dizer que:

44
-         Os crimes de omissão pura são os que consistem directamente, pelo
próprio tipo legal, na violação de um comando;
-         Enquanto que os crimes de omissão impura não consistem já na
violação directa de um comando legal, mas sim no levar a cabo, por
remissão, um resultado previsto num tipo que está desenhado em termos
de acção.
Pode-se ver então que os crimes materiais ou crimes de resultado são
também as omissões impuras, mas crimes formais ou de mera actividade são
também omissões puras.
Os crimes de resultado são aqueles em que espaço-temporalmente se
podem destacar ou distinguir algo de diferenciado da conduta, que é o
resultado típico. Os crimes de resultado, ou materiais (omissões impuras), são
aqueles que, segundo o tipo desenhado na lei, pressupõe a verificação de um
certo resultado para se poder dizer que se consumou esse crime.
Os crimes de mera actividade também ditos formais (omissões puras) são
aqueles em que a mera conduta típica consuma imediatamente o crime.
 
63. Importância dogmática e prática da distinção crimes de resultado e
crimes de mera actividade.
Tem importância prática desde logo para efeitos de início da prescrição do
procedimento criminal.
Os arts. 117º e 118º CP dizem a partir de que momento é que se começa a
contar o praz de prescrição do procedimento criminal, e não maior parte dos
casos é a partir da consumação.
-         Enquanto o crime de mera actividade está consumado no momento em
que o agente actua;
-         Nos crimes de resultado o facto só está consumado quando o resultado
típico se verifica; e entre o momento em que o agente actuou e o
momento em que o resultado típico se produziu, pode decorrer um
espaço de tempo mais ou menos longo.
Por outro lado, esta distinção é também importante para efeitos de
possibilidade ou não possibilidade de responsabilidade criminal por facto
tentado.
A tentativa, tal como está tipificada no art. 22º CP, consiste na prática de
actos de execução de um crime que o agente decidiu cometer, sem que o
resultado típico se chegue a verificar.
Portanto, está construída para os chamados crimes materiais ou de
resultado. A tentativa só se distingue da consumação precisamente pela não
verificação de um elemento que é o resultado típico.

45
A tentativa tem três elementos:
1)     A prática de actos de execução, elemento positivo e objectivo;
2)     A decisão do cometimento de um crime, elemento positivo e subjectivo;
3)     A não verificação do resultado típico, elemento negativo e objectivo.
É concebível nos crimes de resultado, falar em tentativa, porque são
concebíveis actos de execução com a intenção criminosa do cometimento de
um facto mas em que, por um outro motivo estranho à vontade do agente, o
resultado pretendido pelo agente não se tenha verificado.
 
64. Tipo em função do objecto
Distingue os chamados crimes de perigo e os crimes de dano ou lesão.
Nos crimes de perigo a descrição típica não exige a lesão efectiva dos
bens jurídicos tutelados pela incriminação, mas tão só a colocação em perigo,
tão só a ameaça de lesão desse bem ou bens jurídicos tutelados pela norma.
Pelo contrário, nos crimes de lesão, exige-se um dano ou uma lesão
efectiva no bem ou bens jurídicos tutelados pela norma. E fala em bem ou bens
jurídicos tutelados pela norma porque há tipos legais de crimes que tutelam
mais do que um bem jurídico. São os chamados crimes pluridimensionais.
Os crimes de lesão são desde logo entre outros:
-         O crime do art. 131º CP: uma vez ocorrida a morte, há uma lesão do
bem jurídico vida;
-         O crime de ofensas corporais (ainda que um pouco controvertidamente)
do art. 142º CP;
-         O crime de burla, previsto no art. 313º CP, etc.
Os crimes de perigo podem distinguir-se em:
-         Perigo concreto;
-         Perigo abstracto;
-         Perigo abstracto-concreto.
Nos chamados crimes de perigo concreto, o legislador tipifica o próprio
perigo pela descrição de uma conduta perigosa, da qual se autonomiza o
resultado típico, resultado que é o próprio perigo para o bem ou bens jurídicos
tutelados pela incriminação. Donde, os crimes de perigo concreto, uma vez que
têm autonomizado o resultado da conduta perigosa descrita pelo legislador,
que é o próprio perigo, são crimes de resultado.
E os crimes de perigo concreto, quanto ao seu elemento subjectivo,
postulam um dolo especial ou específico, que é o chamado dolo de perigo.
Quanto aos crimes de perigo abstracto aqui o legislador parte da
presunção de que aquela conduta descrita é uma conduta perigosa. E perigosa
por referência ao mais variado leque de bens jurídicos.

46
Nos crimes de perigo abstracto o legislador contenta-se com a presunção
que tem de aquele comportamento, aquela actividade, é uma actividade que
pode pôr em perigo, pode ameaçar de lesão, vários bens jurídicos, sem tão
pouco ter a preocupação de se lhe referir expressamente.
Neste tipo de crime, já não é preciso que se autonomize nenhum resultado
típico que seja o próprio perigo, porque a lei contenta-se com a descrição da
conduta que tem como perigosa.
Quanto aos crimes de perigo abstracto-concreto:
É esta uma classificação intermédia entre os crimes de perigo abstracto e os
crimes de perigo concreto, em que se pode dizer que o legislador é menos
exigente do que em relação aos crimes de perigo concreto, mas mais exigente
do que em relação aos crimes de perigo abstracto.
É menos do que nos crimes de perigo concreto porque o legislador descreve
no tipo a própria conduta que considera perigosa, sem necessidade de
autonomizar o resultado perigoso, tal como acontece no âmbito dos crimes de
perigo concreto, e que é o próprio perigo.
 
65. Crimes de mão própria
Estes crimes são aqueles que alguns autores consideram que só podem ser
cometidos pelo próprio agente da infracção, pelo próprio agente material do
crime, não admitindo outra forma de autoria, desde logo autoria mediata.
A autoria mediata é uma das formas de autoria tipificada no art. 26º CP.
Outra situação típica de autoria mediata é o caso da coacção, em que
alguém coage outrem à prática de um determinado facto.
Não se pode confundir estes crimes de mão própria com os crimes
específicos ou próprios:
-         Nos crimes específicos ou próprios exige-se uma especial qualidade do
agente;
-         Os crimes de mão própria são crimes que podem ser praticados por
qualquer agente.
 
66. Crimes simples e crimes pluri-ofensivos [26]

a)     Crimes simples


São aqueles em que é violado, por lesão ou ameaça de lesão um [27]

determinado bem jurídico.


b)     Crimes pluri-ofensivos, pluridimensionais ou crimes compostos
São aqueles em que são violados, por lesão ou ameaça de lesão, vários
bens jurídicos.

47
Qualquer um destes tipos está inserido na parte especial do Código Penal,
num determinado capítulo. Com a adopção das condutas típicas proibidas por
estes tipos o agente lesa vários bens jurídicos.
 
67. Crimes agravados pelo resultado e crimes praeter intencionais
Os crimes praeter intencionais têm uma estrutura mista, são um misto de
um resultado a título doloso. O nexo de imputação dá origem a segundo
resultado imputado ao agente a título de negligência.
Diz-se que nos crimes praeter intencionais há uma estrutura mista: misto de
dolo e negligência, ligados por um nexo de imputação objectiva .
[28]

Os crimes agravados pelo resultado, é uma espécie desta figura da


praeter intencionalidade, mas abrange um conceito mais amplo.
E mais amplo, porque não supõe que o crime básico, que o primeiro
resultado, seja sempre doloso; por hipótese, um resultado negligentemente
provocado pode dar origem a um resultado mais grave, negligentemente
ocorrido.
 
68. Crimes simples ou básicos; crimes qualificados; crimes privilegiados
Os crimes qualificados e os crimes privilegiados distinguem-se dos
crimes básicos ou simples pelas suas variações agravadas, designando-se
então crimes qualificados, e pelas suas variações privilegiadas, designando-se
então crimes privilegiados.
O crimes básico ou crime simples é aquele que descreve os elementos
fundamentais de uma certa forma de violação de bem jurídico tutelado pela
incriminação, descrição essa a partir da qual outros tipos fazem inserir
determinadas variações ou variantes, no sentido de impor uma agravação ou
uma atenuação de pena.
-         Se essas variantes se traduzirem numa agravação da pena, tem-se os
crimes qualificados;
-         Se se traduzirem numa atenuação, tem-se os crimes privilegiados.
Repara-se que esta classificação é também importante desde logo porque
quando estão em causa tipos básicos, tipos qualificados e tipos privilegiados,
normalmente entre eles pode estar em causa uma relação consensual, uma
relação de concurso aparente, legal ou de normas, neste caso numa relação
de especialidade.
 
69. Crimes de intenção ou crimes de resultado parcial
Estes tipos de crime são aqueles em que a tipicidade é descrita em função
de uma especial intenção ou tendência, sem a qual o tipo não está preenchido.

48
Mas, para a consumação do tipo, curiosamente, não se exige que o
resultado dessas intenções, ou dessas tendências se verifique.
Quem chamou a atenção para que os tipos por vezes pressupunham
determinados elementos subjectivos específicos e refiram as especiais
intenções, foram os Neo-clássicos:
-         O tipo de furto, para além de ser um tipo doloso, postula também para
além do dolo (em sede de tipicidade), um elemento subjectivo específico
que é a especial intenção de aprovação;
-         O crime de burla (art. 313º CP) pressupõe uma intenção de
enriquecimento;
-         O crime de envenenamento (art. 146º CP) postula uma intenção de lesar
a saúde física, ou psíquica de outra pessoa;
-         O tipo legal do art. 235º CP tem uma especial intenção: intenção de
causar prejuízos ao Estado ou a terceiros.
Significa pois que a tipicidade aqui é descrita em função desta especial
tendência ou intenção. Se não se verificar esse elemento subjectivo específico,
o tipo não está preenchido.
 
70. Crimes instantâneos, crimes de Estado e crimes duradouros
Estas distinções têm reflexos práticos importantes, nomeadamente para
contagem dos prazos de prescrição do procedimento criminal, para a
determinação do momento da prática do facto, para a matéria da
comparticipação e desistência, entre outras.
Crimes instantâneos são aqueles em que o agente com o seu
comportamento dá origem a uma situação de ilicitude que ocorre e se esgota
com a produção desse comportamento.
Nos crimes duradouros o agente com o seu comportamento dá origem
também a uma situação de ilicitude, situação essa que fica privada em relação
à coisa de que é proprietário das suas faculdades de uso, gozo e fruição. Mas
esse estado lesivo dura enquanto pelo menos a pessoa que furtou não
devolveu o objecto furtado a quem de direito.
E então como é que estes crimes que são ditos de Estado se distinguem
dos crimes instantâneos?
Nos crimes instantâneos, efectivamente, detecta-se um momento preciso em
que corre e se esgota o estado lesivo, mas em que não há possibilidade de
recomposição do estado lesivo.
Como é que se distinguem, por sua vez, os crimes de estado dos crimes
duradouros?

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Nos crimes duradouros de que é exemplo o sequestro há efectivamente,
para efeitos de consumação formal do crime, a determinação do momento em
que o agente com o seu comportamento dá origem a uma situação de ilicitude,
situação de ilicitude que é mantida no tempo pela própria vontade do agente; e
o agente, através de um comportamento seu, pode fazer cessar esse estado
ilícito de coisas.
Mas nos crimes duradouros há um estado decrescente de ilicitude
progressiva.
Conclusão:
-         Nos crimes instantâneos não se verifica um estado lesivo que possa ser
removido;
-         Enquanto nos crimes de estado já há a possibilidade de remover o
estado lesivo;
-         Nos crimes duradouros, havendo também a possibilidade de remoção do
estado lesivo tem-se que, contrariamente aos crimes de estado, existem
graus crescentes de ilicitude, ou uma ilicitude progressiva, o que não
acontece nos crimes de estado em que o grau de ilicitude é sempre o
mesmo.
Uma outra distinção que é necessária fazer é aquela que estabelece a
diferença entre actos preparatórios:
-         De tentativa;
-         E de consumação.
Em primeiro lugar, tem-se que atender a dois conceitos de consumação. Por
um lado fala-se em consumação formal e essa consumação formal pressupõe
o preenchimento de todos os elementos do tipo incriminatório.
Por outro lado, fala-se num conceito de consumação material que tem a
ver com a lesão efectiva do bem jurídico tutelado pela norma jurídico-penal.
Nos crimes materiais ou de resultado só há uma consumação pelo menos
formal, quando o resultado típico se tenha produzido. Enquanto que nos crimes
de mera actividade, ou nos crimes formais, como não há um resultado que se
tenha que distinguir ou autonomizar da conduta do agente, o tipo está
consumado formalmente quando se verifica a actuação ou a conduta típica do
agente.
Mas por vezes, tem-se de distinguir a responsabilidade penal do agente não
por facto consumado, mas por actos preparatórios ou por factos tentados.
Quanto aos actos preparatórios eles são uma fase do “inter criminis”, em
que normalmente é possível cindir e destacar várias etapas na evolução do
cometimento do crime:
-         Há normalmente a pessoa que tem uma intenção criminosa ;
[29]

50
-         Depois a pessoa passa efectivamente a procurar esse plano, que
mentalmente concebeu e prática para efeito determinados actos que são
preparatórios à execução;
-         Passa depois aos actos de execução;
-         E finalmente, quando acaba os actos de execução, está perante a
consumação.
Os actos preparatórios regra geral e por força do disposto no art. 21º CP,
os actos preparatórios não são punidos.
Só existe punição por actos preparatórios quando a lei expressamente o
disser; ou então o próprio legislador tipifica como crime autónomo actos que
são actos de preparação.
Mas a regra geral é a da impunidade dos actos preparatórios e isto porque:
Em primeiro lugar, porque se tem no Código Penal um pendor objectivista da
tentativa. O nosso direito é um Direito Penal de factos exteriorizados; e o nosso
legislador não valora da mesma maneira a intenção e a execução dessa
intenção diferentemente.
A punibilidade da tentativa é muito menor do que a punibilidade por facto
consumado, pois de harmonia com o que preceitua o art. 23º CP:
-         Em primeiro lugar a tentativa só é punida se ao crime consumado
respectivo corresponder pena superior a três anos de prisão, a não ser
que a lei expressamente diga que a tentativa é punível.
-         Por outro lado, sendo ainda punível a tentativa, a pena é especialmente
atenuada.
Só há tentativa, nos termos do art. 22º CP quando o agente passa dos actos
preparatórios para os actos de execução. Então a tentativa é virtualmente
punível. Mas para isso o agente tem de empreender já actos de execução, tem
de ter a decisão criminosa; e é preciso o resultado típico não se produzir.
Por isso, pode-se assentar que os elementos da tipicidade do facto
tentado sejam três:
1)     Actos de execução (art. 22º/2 CP), elemento positivo e objectivo;
2)     De um crime que o agente decidiu cometer (tem de haver a intenção do
cometimento do crime), elemento positivo e subjectivo;
3)     A não produção do resultado típico, elemento negativo e objectivo.
Em Direito Penal não existem tentativas negligentes, as tentativas são
sempre dolosas.
Encontra-se por referência ao disposto no art. 23º CP, as tentativas
impossíveis que também, nalguns casos, não são puníveis.
Nomeadamente não é punível a tentativa impossível por referência ao meio
empregue se revelar um meio manifestamente inadequado à produção do

51
resultado lesivo.
Essa tentativa, quando existe numa manifesta inaptidão do meio empregue
com vista à produção do resultado pretendido, é uma tentativa não punida.
Embora seja necessário o elemento subjectivo – o dolo – para a construção
da figura da tentativa, não se valora da mesma maneira a intenção quando há
consumação e a intenção havendo tão só tentativa.
Também a distinção entre tentativa e consumação é importante para efeitos
de comparticipação.
As várias formas de comparticipação criminosa só são possíveis a partir do
momento em que existem actos de execução por parte de um dos agentes ou
intervenientes . Antes disso, não há comparticipação criminosa.
[30]

Comparticipação criminosa – envolvimento plural de vários agentes,


sendo eles autores ou participantes – só existe efectivamente a partir do
momento em que o agente/autor tenha praticado pelo menos um acto de
execução dos previstos nas várias alíneas do art. 22º CP.
A distinção entre tentativa e consumação é também importante para efeitos
de desistência (art. 24º CP).
Regra geral, só é possível desistir enquanto não há consumação, pelo
menos enquanto não há consumação material.
A tentativa é uma figura que está especialmente concebida para os crimes
materiais ou de resultado. Como a tentativa pressupõe um elemento negativo
que é a não produção do resultado típico está concebida para os crimes de
resultado.
 
71. Crimes uniexecutivos e crimes pluriexecutivos
Nos crimes formais, de que são exemplo os crimes de mera actividade ou as
omissões puras, há quem distinga e fale em:
-         Crimes formais uniexecutivos;
-         Crimes formais pluriexecutivos.
Os crimes pluriexecutivos têm uma descrição típica que pressupõe um
fraccionamento da actuação ou do comportamento ilícito; ou em que
ontologicamente se pode retirar essa conclusão.
Nos crimes uniexecutivos já não é possível nem pensável uma
fragmentação de actos antes da consumação.
A classificação dos crimes pluriexecutivos, dentro dos crimes formais, vem
permitir duas coisas:
1)     Por um lado, vem permitir considerar-se que também é possível falar de
tentativa nos crimes formais que sejam pluriexecutivos;

52
2)     Por outro lado, ainda, nestes crimes formais, que estão preenchidos com
a mera conduta do agente e que não exigem a verificação de um
resultado ontologicamente diferenciado da conduta, vem permitir que nos
crimes formais pluriexecutivos se possa falar por exemplo em
desistência.
 
 
IMPUTAÇÃO OBJECTIVA
 
72. Nexo de causalidade ou nexo de imputação
É um elemento objectivo não escrito do tipo nos crimes materiais ou de
resultado.
Dentro da teoria do facto punível e das categorias analíticas começou-se por
analisar a acção. Verificando-se que havia uma acção penalmente relevante,
essa acção tinha de ser subsumível a um tipo. E portanto o tipo tem uma
determinada estrutura que é composta por elementos objectivos e por
elementos subjectivos.
Para se verificar se aquela acção se subsume a um tipo legal, tem-se de ver
se os elementos do tipo estão preenchidos; se os elementos objectivos
estiverem preenchidos, vai-se então ver se os elementos subjectivos do tipo
também estão preenchidos para, estando o tipo integralmente preenchido,
passar a outra categoria analítica que é a ilicitude.
Se faltar um elemento objectivo do tipo, já não há tipicidade. E já nem
sequer há que passar para a categoria seguinte, para analisar a
responsabilidade jurídico-penal.
Há uma acção penalmente relevante, mas não é típica se não é típica, não
há responsabilização penal do agente.
Nos crimes materiais ou de resultado, tem-se como elemento objectivo o
nexo de causalidade ou nexo de imputação, que permite efectivamente imputar
um evento a uma determinada conduta, em termos de poder responsabilizar
uma pessoa por aquele facto que ocorreu.
Esse nexo de causalidade, sendo um elemento objectivo do tipo nos crimes
materiais, de resultado, ou omissões impuras, é um elemento não escrito do
tipo, não está lá escrito, excepto se se tratar de um crimes de realização
vinculada.
A imputação objectiva só existe nos crimes materiais, nos crimes de
resultado ou nas omissões impuras, nos crimes de mera actividade, como a
conduta do agente consuma desde logo o tipo legal e não é necessário que
espaço-temporalmente algo se diferencia, não há nada a imputar. A própria

53
conduta consuma o tipo legal de crime.
O nexo de causalidade pressupõe que entre os fenómenos se estabeleça
um nexo causal em relação de causa e efeito. Quando se fala em imputação
objectiva, pressupõe-se que entre fenómenos exista um nexo relacional.
Portanto, imputação objectiva e causalidade não são a mesma coisa,
porque, pode haver causalidade e não haver imputação objectiva; da mesma
forma que só artificialmente é que se poderá falar de causalidade e no entanto
haver imputação objectiva.
Esta matéria de imputação objectiva mais na faz do que decidir quando é
que se pode responsabilizar criminalmente uma pessoa por alguma coisa que
ela fez. E nomeadamente, ver se é possível aferir, em termos de nexo de
imputação, um determinado resultado, um determinado evento ou uma
determinada conduta humana.
E só havendo nexo de imputação, esse nexo relacional, que não tem de ser
necessária e forçosamente causal, é que se pode afirmar a responsabilidade
jurídico-penal do agente.
 
73. Teoria da causalidade ou teoria “conditio sine qua non” ou teoria da
equivalência das condições
Surge uma teoria que procurava dar resposta a esta imputação do resultado
a uma determinada actividade e que é uma verdadeira teoria da causalidade,
que pressupõe a existência de um nexo causal entre um determinado resultado
e uma conduta, em termos de causa e efeitos.
A causa de um determinado resultado é toda a circunstância sem a qual o
resultado não se produziria. Neste sentido todas as condições se equivalem
enquanto causa do mesmo resultado. Ou seja, para os partidários da teoria
“conditio sine qua non”, eles partiam dum processo hipotético de eliminação
para verificar se um determinado comportamento podia ser ou não causa de
um determinado resultado.
Então, através deste raciocínio hipotético, eles pensavam assim: vai-se
abstrair dessa conduta cuja causalidade se quer aferir e verificar se o
resultado, abstraindo da conduta, se mantém ou não. E chega-se a esta
conclusão: se abstraindo do comportamento o resultado permanecer é porque
aquele comportamento não é causa de resultado.
Se pelo contrário, abstraindo-se do comportamento ou da conduta, é
causado também desaparecer, então é porque o comportamento é causa do
resultado. E isto faz com que exista um encadeamento causal infinito e leva a
exageros de responsabilidade criminal.

54
Isto porquê? Porque eles nivelam todas as circunstâncias enquanto
condição da produção do resultado; todas concorrem equivalentemente para a
produção do resultado, sem que haja a possibilidade para se parar entre
causas relevantes e causas irrelevantes.
Todas as circunstâncias se equivalem em termos de produção do resultado
típico. Daí que esta teoria seja também chamada a teoria da equivalência das
condições.
Mas quando à partida a relevância da causa for desconhecida, a teoria
pouco ou nada diz sobre a manutenção ou não do resultado.
Uma critica que se faz à teoria da “conditio sine qua non” é que ela não
resolve os casos de imputação na chamada causalidade cumulativa e na
chamada causalidade virtual ou hipotética.
Por outro lado ainda, uma critica que se faz a esta teoria, é a de que esta
teoria, já excessiva na responsabilização criminal, por referência ao conceito de
causa que tem, e porque não permite distinguir entre causas relevantes e
irrelevantes e irrelevantes porque todas as circunstâncias são condições aptas
à produção do resultado, então este conceito naturalístico de causa não
consegue explicar a imputação nos crimes omissões impuros ou impróprios.
 
74. Teoria da causalidade adequada ou teoria da adequação
Parece ser aquela que o Código Penal perfilha no art. 10º, quando equipara
a acção à omissão e quando se diz que, quando de um crime faz parte um
determinado resultado, o facto é tanto a acção adequada a produzi-lo, como a
omissão da acção adequada a evitá-lo.
A teoria da adequação, visa restringir ou limitar os exageros da antecedente
construção da “conditio sine qua non”.
Já não são todas as circunstâncias que se equivalem enquanto causa do
mesmo resultado, mas são só importantes aquelas causas ou aquelas
condições que sejam aptas, que sejam, no sentido de importarem a obtenção
de determinado resultado.
E para a determinação de que se considera causa adequada utiliza-se um
juízo de prognose objectiva posterior, ou prognose objectiva póstuma.
Neste juízo vai-se verificar se, para um homem médio, para um agente
médio colocado nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar daquele
comportamento em concreto, era previsível que resultasse aquela ocorrência
ou que desse comportamento resultasse aquele evento em concreto.
-         Se se pudesse afirmar um juízo de previsibilidade, então dir-se-á que o
comportamento é causa adequada à produção desse resultado;

55
-         Se, pelo contrário, não se puder afirmar um juízo de previsibilidade,
então, ter-se-á de considerar que aquele comportamento não é causa, no
sentido de causa adequada, à produção do resultado.
 
75. Juízo de prognose póstuma ou posterior
Fazer uma prognose é fazer uma previsão. E essa previsão é posterior, ou
póstuma, porque se vai fazer uma previsão no momento em que já ocorreu o
resultado, quer-se efectivamente comprovar se a conduta é conducente a esse
resultado já ocorrido. Por isso é que é uma prognose – uma previsão –, mas é
póstuma.
E é objectiva, porque não se vai perguntar ao próprio agente que agiu se,
actuando daquela forma, lhe era a si previsível que ocorresse aquele evento,
mas vai-se efectivamente questionar, por relação – é quase uma valoração
paralela na esfera laica do agente. Ou seja, vai-se averiguar, para um homem
médio colocado nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar do próprio
agente, se para ele era previsível que daquela conduta ocorresse aquele
resultado.
Na descoberta do critério da causalidade adequada hão-de estar presentes
não só elementos objectivos, não só o recurso à ideia da valoração feita pelo
homem médio, mas há que entrar em linha de conta também com os
conhecimentos concretos que o agente tenha daquela situação.
Para encontrar a verdadeira adequação, há que recorrer também aos
conhecimentos que o agente tenha no caso concreto.
Qual é o critério para se discernir se uma causa é adequada ou não à
produção de um determinado resultado?
Fazendo-se este juízo de prognose objectiva póstuma, faz-se entrar também
em linha de conta os conhecimento que o próprio agente tinha daquela
situação.
Contudo, são várias as críticas que se podem fazer a esta teoria da
adequação e que são as seguintes:
Em primeiro lugar, é uma doutrina que postula, para a adequação da causa,
elementos de natureza subjectiva, uma vez que se tem de ter também em
conta os conhecimentos que o agente tinha da situação. E portanto já não se
faz totalmente uma prognose objectiva posterior, porque ela não é mesclada
por uma subjectividade, pelos conhecimentos que o agente tinha da própria
situação.
Por outro lado, este critério, ou esta ideia de previsibilidade em que assenta
a teoria da adequação é um critério algo impreciso. E isto porque, postulando
um conhecimento da realidade e do mundo objectivo, não há dúvida nenhuma

56
que esse conhecimento é residual.
Finalmente, não se pode esquecer também que sendo categórico o juízo de
previsibilidade, ele só se pode afirmar ou negar.
 
76. Teoria do risco ou dos critérios do risco
Existem doutrinas posteriores cujo percurso foi iniciado por Klaus Roxin, que
vêm introduzir determinadas ideias para de alguma forma, corrigir estas teorias
antecedentes: quer a teoria da adequação ou da causalidade adequada, quer a
teoria da “conditio sine qua non” ou da equivalência das condições. É a
chamada teoria do risco, ou dos critérios do risco.
Os critérios do risco já não se fundam única e exclusivamente numa ideia de
causalidade, já não estabelecem um nexo de causalidade causa – efeito entre
fenómenos. Estabelecem antes um nexo de imputação, ou um nexo relacional,
uma qualquer relação entre fenómenos.
Os critérios de risco não são baseados em critérios de causalidade, sendo
certo que a ideia de causalidade em sede de imputação objectiva é um
pressuposto mínimo ou um limite máximo que não se pode dispensar.
Por vezes, a causalidade, o nexo de causalidade, não chega, não é
suficiente para explicar a imputação objectiva porque, pode existir causalidade,
pode existir um nexo de causa e efeito entre dois fenómenos e no entanto não
haver lugar a imputação objectiva.
Perante a teoria do risco entende-se que só faz sentido considerar um
evento, em termos jurídico-penais, consequência de um determinado
comportamento, sempre que o agente, através do comportamento
empreendido, criar um risco relevante, um risco juridicamente desaprovado
pela ordem jurídica.
Portanto, só faz sentido imputar um resultado, ou uma conduta humana,
quando o agente com aquela conduta:
-         Criou um risco juridicamente relevante, proibido pela ordem jurídica;
-         Ou então aumentou o risco existente;
-         Ou ainda, quando não diminui um risco proibido.
O cerne está pois em que o comportamento ou a conduta do agente tem de
ser criado, aumentado ou não diminuído o risco proibido.
Só haverá lugar a imputação objectiva quando o agente, através da sua
conduta, tiver criado, aumentado ou não diminuído risco proibido.
Existem dois casos em que não há imputação objectiva:
-         Nos casos em que o agente intervém no decurso de um processo causal
já iniciado no sentido de adiar, minorar o evitar a produção de um
resultado lesivo, ou seja, nos casos de diminuição do risco;

57
-         E nos casos de risco lícito ou permitido .
[31]

Portanto, quando as situações estiverem fora do âmbito da esfera de


protecção da norma, também não há imputação objectiva.
Em conclusão:
A causalidade e imputação objectiva são duas realidades que não significa a
mesma coisa.
A relação entre um determinado comportamento humano e um resultado,
para efeitos de punição, não tem que ser sempre necessariamente causal; e
mesmo quando seja causal, essa relação muitas vezes não é suficiente para
afirmar a responsabilidade jurídico-penal do agente. É o que acontece
nomeadamente no caso dos crimes omissos impuros (ou omissões impuras),
em que não há uma causalidade em termos naturalísticos.
Por outro lado, pode haver causalidade e não obstante não haver imputação
objectiva, são casos de diminuição do risco .[32]

Também a causalidade não resolve aquelas situações em que existe uma


actuação negligente por parte do agente, actuação negligente essa que da
origem a um determinado evento lesivo; mas, mesmo que o agente adoptasse
um comportamento lícito, mesmo que o agente actuasse diligentemente, com a
observância de todos os cuidados que lhe são impostos e de que era capaz, o
resultado produzia-se na mesma.
Causalidade há, imputação objectiva em princípio não haverá, pelo menos
para aqueles que defendem como corrector, dentro dos critérios do risco, o
chamado comportamento lícito alternativo.
 
77. Desvios do processo causal
Quando uma pessoa pretende praticar um determinado crime, quando
pretende a obtenção de um determinado resultado típico, prevê normalmente a
forma de obtenção desse evento ou desse resultado típico, constrói, concebe
um determinado processo causal, isto é, faz desencadear uma série de
acontecimentos que vão produzir o evento pretendido pelo agente.
Muitas vezes o processo causal perspectivado pelo agente para obtenção do
evento ou do resultado típico diverge daquele que na realidade se verifica. Há
diversos tipos de desvios no processo causal:
-         Desvios relevantes ou essenciais;
-         Desvios irrelevantes ou não essenciais.
O critério utilizado para verificar se o desvio no processo causal é um desvio
relevante ou não relevante, isto é, se é um desvio essencial ou não essencial, é
o mesmo critério de previsibilidade que se utiliza para aferir da adequação da
causa na teoria da adequação.

58
Ou seja, pergunta-se se, daquela actuação do agente seria previsível que
ocorresse um risco tal que levasse à produção daquele resultado.
-         Se se afirmar essa previsibilidade e se disser que era previsível, então
trata-se de um desvio irrelevante;
-         Se, pelo contrário, se afirmar que não era previsível, então trata-se de
um desvio relevante ou essencial.
Portanto, nos casos de desvio irrelevante ou não essencial do processo
causal, há sempre imputação objectiva.
 
78. Processo causais atípicos
São aquelas situações em que o agente consciente e voluntariamente
provocou o desvalor de acontecimento atípicos ou estranhos, isto é, provocou o
desenrolar de acontecimento que vão dar origem a um determinado resultado
por ele pretendido, mas através dum processo anormal, dum processo atípico
ou estranho.
Causalidade virtual ou hipotética
É aquela causa que acontecem se isto ou aquilo não se verificasse ou não
ocorresse; se não se verificasse outro acontecimento que é, esse sim, a
condição ou a causa real.
 
79. Comportamento lícito alternativo
São todas aquelas situações em que o agente adopta um comportamento
negligente, não observa os deveres de cuidado a que está obrigado e de que é
capaz e, com esse comportamento ilícito por ele adoptado, dá origem a um
resultado lesivo; mas prova-se que, mesmo que o agente actuasse
diligentemente, observando todos os deveres de cuidado, o resultado lesivo
seria o mesmo, os chamados casos de comportamento lícito alternativo.
Isto é, o agente teve um comportamento ilícito. Mas se tivesse sido um
comportamento lícito, o resultado seria exactamente o mesmo.
Nestes casos, os defensores da ideia de risco dividem-se:
-         Há aqueles que dizem que nos casos de comportamento lícito alternativo
não há lugar a imputação objectiva;
-         E há aqueles que dizem que nestes casos deve firmar-se a imputação
objectiva do agente.
 
80. Consagração no âmbito legislativo do art. 10º CP
O legislador relativamente ao art. 10º CP, equipara a acção à omissão e que
ai se consagrar as chamadas omissões impuras ou impróprias.

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Nos termos do art. 10º/1 CP, diz-se que quando um determinado crime, ou
um determinado facto típico, compreende um resultado, o facto abrange não só
a acção adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-lo.
Neste sentido, parece que o legislador firma aqui, como ponto de partida
para a imputação objectiva, uma teoria da adequação, mas teoria da
adequação que, sendo no entanto maioritária na doutrina e jurisprudência mais
recentes, completada pelos critérios de imputação objectiva nomeadamente
pelas ideias do risco.
Assim, em termos de imputação objectiva o quadro doutrinário no nosso país
é o seguinte:
-         O Prof. Cavaleiro Ferreira e o Prof. Eduardo Correia utilizam
basicamente a teoria da adequação para formular a imputação objectiva;
-         O Prof. Figueiredo Dias utiliza já alguns critérios do risco;
-         A tendência é hoje cada vez mais para se adoptar:
        Ou uma teoria da “conditio sine qua non” e introduzir-lhe depois
determinados correspectivos com os critérios do risco;
        Ou, pelo contrário, partir de uma teoria da adequação – causalidade
adequada – e corrigi-la depois com os critérios ou ideias do risco.
Para afirmar a imputação objectiva assenta-se no critério básico da teoria da
adequação, num critério de previsibilidade assente num juízo de prognose
póstumo ou posterior.
Introduzem-se depois correcções a esta teoria, correcções essas trazidas
pela ideia de risco, nomeadamente os casos de diminuição do risco, os casos
de risco permitido ou risco lícito, os casos que se situam para além da esfera
de protecção da norma, em todos eles há causalidade mas não há imputação
objectiva.
Ainda um outro correctivo introduzido por força de um princípio dominante no
Direito Penal, que é o princípio da responsabilidade pessoal ou individual em
Direito Penal e não responsabilização por facto alheio.
 
 
 
IMPUTAÇÃO SUBJECTIVA
 
I.       Erro sobre elementos (de facto) do tipo
II.     Erro sobre elementos normativos
III.   Erro sobre proibições
 
 

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81. Conceito e objecto do dolo
Do tipo fazem parte, para além dos elementos objectivos, os elementos
subjectivos, nomeadamente o elemento subjectivo geral nos crimes dolosos
que é o dolo. E alguns tipos pressupõem também elementos subjectivos
específicos – as especiais tendências, as especiais intenções.
O dolo é a consciência e vontade de praticar certo facto típico, ou de
empreender certa actividade típica.
O dolo, enquanto elemento subjectivo do tipo, consiste o conhecimento dos
elementos objectivos desse tipo e na vontade de os praticar: a pessoa actua
dolosamente quando conhece e quer os elementos objectivos de um tipo legal.
A responsabilidade em Direito Penal é genericamente, por facto doloso. Só
excepcionalmente existe responsabilidade por facto negligente (art. 13º CP).
A partir deste conceito de dolo, verifica-se que o dolo tem uma estrutura
composta por dois elementos:
1)     Elemento intelectual ou cognitivo, que se traduz no conhecer;
2)     Elemento volitivo que se traduz no crer.
Dentro da estrutura do dolo, o elemento intelectual precludido sempre o
elemento volitivo, porque só se pode querer aquilo que previamente se
conheceu.
Faltando o elemento intelectual, está precedido o elemento volitivo, estando
precludido ou excluído o elemento volitivo, falta um elemento do dolo, a
conclusão é a exclusão da imputação dolosa – exclusão do dolo.
Esta falta de conhecimento de elementos do facto típico gera situações de
erro; são as situações de erro de tipo, situações em que há um
desconhecimento ou um imperfeito conhecimento dos factos ou da realidade.
Quanto ao elemento intelectual do dolo interessa ainda dizer que tem que
ser um conhecimento actual.
Quanto ao elemento volitivo – o querer – aqui distinguem-se basicamente
três espécies de dolo (art. 14º/1, 2 e 3 CP):
1)     Dolo directo de primeiro grau ou intenção;
2)     Dolo directo de segundo grau ou dolo necessário;
3)     Dolo eventual ou dolo condicionado ou condicional.
São diferentes formas de graduação do dolo, diferentes formas de
intensidade de querer um determinado resultado.
Uma pessoa pode querer um resultado, ou pode querer um facto típico, com
maior ou menor intensidade.
Quando a pessoa quer directamente aquilo que prevê com a intenção de
realizar aquilo que prevê, está-se perante a forma mais intensa de querer, está-
se perante o dolo de intenção ou dolo directo de primeiro grau.

61
Portanto, em Direito Penal é incorrecto dizer-se que dolo é sinónimo de
intenção, porque intenção em termos rigorosos visa tão só uma das espécies
de dolo, que é a forma mais intensa (art. 14º/1 CP).
Outras vezes a relação de intensidade para com aquilo que o agente quer já
não é tão intensa. São aquelas em que o agente quer algo em primeira linha, e
quer essa coisa com a sua intenção; mas sabe que para conseguir essa coisa,
como consequência necessária da conduta que tem de empreender para
conseguir isso que quer, algo vai acontecer como consequência necessária da
conduta.
Nestas situações está-se perante o dolo directo de segundo grau ou dolo
necessário (art. 14º/2 CP).
Nas situações de dolo eventual, que é a forma mais ténue de intensidade
da relação do querer do agente para com o facto por ele praticado, o agente
representa, prevê como possível que da sua actuação possa ocorrer um
determinado resultado lesivo, um determinado tipo crime. E actua
conformando-se com a possibilidade dessa realização, actua conformando-se
com a possibilidade de a sua actuação desencadear a ocorrência do facto
típico por ele previsto, é o chamado dolo eventual (art. 14º/3 CP).
Muito perto do dolo eventual, está uma outra figura que há chamada
negligência consciente.
Actuar dolosamente ou negligentemente conduz a resultados práticos e
dogmáticos diferentes.
Em primeiro lugar, a norma do art. 13º CP, diz-se que a regra geral é a
imputação por facto doloso e só excepcionalmente existe responsabilidade
criminal por facto negligente.
Por outro lado, a figura da tentativa e a tipicidade da tentativa e do facto
tentado prevista no art. 22º CP é uma tipicidade dolosa. Não existe
responsabilidade penal por tentativa negligente.
E ainda, mesmo quando a lei prevê excepcionalmente responsabilidade por
facto negligente, a moldura penal prevista para o mesmo facto praticado
dolosamente.
Como é que se distingue dolo eventual de negligência?
Enquanto que da estrutura do dolo fazem parte dois elementos – o
elemento intelectual (conhecer) e o elemento volitivo (o conhecer), como
acontece na negligência inconsciente; mas não há nunca o elemento volitivo.
Na negligência nomeadamente na negligência consciente, tem-se aquelas
situações em que o agente representa a possibilidade de perigo , mas actua
[33]

não se conformando com a realização do resultado típico que ele previu.

62
O agente, tendo previsto o perigo para determinado bem jurídico, perigo que
resulta da sua actuação, actua não se conformando que dessa sua actuação o
perigo se venha a desencadear na lesão.
O que é que a negligência consciente tem em comum com o dolo?
É que em ambos existe o elemento intelectual; em ambos existe a
previsibilidade do perigo; em ambos o agente reconhece a possibilidade ou
probabilidade de lesão; o agente reconhece um determinado perigo.
 
82. Teoria da probabilidade ou verosimilhança
Há quem secunde para a distinção entre dolo eventual e negligência
consciente, uma teoria da probabilidade ou verosimilhança.
Aqui, o critério fundamental é o grau de probabilidade com que se prevê um
certo resultado:
-         Se uma pessoa prevê como altamente provável um certo resultado e não
deixa de agir como quer agir, pode dizer-se que essa pessoa actua com
dolo eventual;
-         Se o grau de probabilidade com que se prevê um determinado resultado
é um grau baixo, então haverá negligência consciente.
Esta teoria da probabilidade ou verosimilhança é um critério
extraordinariamente criticável pelo seguinte:
Este critério de grau de probabilidade com que se prevê um determinado
resultado é efectivamente um critério muito impreciso, porque pergunta-se: até
que ponto é que se limita o grau de probabilidade? Então uma pessoa previu
como 50% de probabilidade ou será 60% ou 70%?
É um critério impreciso.
Para além de ser um critério muito impreciso, o grau de probabilidade com
que se prevê ou não determinado resultado é subjectivável, varia de pessoa
para pessoa: há pessoas que são mais cautelosas e outras pessoas que o são
menos.
E por outro lado, há determinados resultados que são altamente prováveis e
que contudo, ninguém pensa imputá-los a título doloso.
Deve afastar esta teoria da probabilidade ou da verosimilhança e se adopte
a teoria da aceitação do consentimento ou da confirmação ou seja, para
além de se prever um determinado resultado, só é possível imputá-lo a título
doloso e afirmar que existe vontade quando o agente tenha aceite ou
consentido nesse mesmo resultado.
 
83. Teoria ou fórmula hipotética

63
Existem basicamente duas teorias, ou duas fórmulas de Frank que ajudam a
compreender quando é que o agente actua conformando-se e portanto
querendo um resultado típico; ou quando é que o agente actua não se
conformando, não querendo o resultado típico.
No primeiro caso tem-se dolo eventual; no segundo negligência consciente.
Segundo a fórmula hipotética de Frank, à que se interrogar quando é que o
agente actuaria caso previsse como certo o resultado:
-         Se se chegar à conclusão que, tendo previsto como certo o resultado
lesivo, o agente não actuaria daquela forma, então é porque o agente
actuou com negligência consciente.
-         Se pelo contrário, tendo previsto como certo o resultado lesivo, o agente
não tivesse deixado e actuar de forma como actuou, então é porque o
agente actuou como dolo eventual.
Esta fórmula ou teoria hipotética de Frank para distinguir os casos em que o
agente actuaria com dolo eventual ou com negligência consciente, é de alguma
forma criticável. Por força de algumas críticas Frank faz uma formulação
positiva da sua teoria.
Já não se pergunta o que é que aconteceria se o agente tivesse previsto
como certo o resultado lesivo, mas vê-se antes, perante uma determinada
situação fáctica, se a posição do agente ao actuar é esta: “aconteça o que
acontecer, haja o que houver, eu actuo”.
Para fazer a distinção entre dolo eventual e negligência consciente e saber
quando é que o agente actua conformando-se (e portanto querendo o
resultado), a teoria ou fórmula positiva de Frank é um bom ponto de partida.
Simplesmente, por vezes há que introduzir ainda determinados correctivos a
esta formulação positiva de Frank. E essa correcção deve ser feita por recurso
ao caso concreto, tendo nomeadamente em conta a intenção do agente e a
posição do agente.
Para a distinção entre dolo eventual e negligência consciente, vai-se partir
do princípio da actuação da teoria positiva de Frank mas com um correctivo
face ao apelo da motivação concreta do agente quando actua de determinada
forma.
E também a intensidade do dolo é reflectida em termos da medida da pena,
no âmbito do art. 72º CP.
 
84. Dolo de perigo
Os crimes de perigo têm uma estrutura típica em que o legislador descreve
uma conduta típica perigosa e da qual se autonomiza um resultado típico que é
o próprio perigo para o bem jurídico que o legislador pretende proteger através

64
da incriminação.
Para que o tipo esteja consumado, é necessário que se autonomize dessa
conduta o resultado típico, que é o perigo para a própria vida da pessoa que foi
exposta.
Nos crimes de perigo concreto o resultado é o próprio perigo para o bem
jurídico que a norma pretende tutelar.
Mas o perigo é uma possibilidade de lesão. Sendo o dolo a consciência e
vontade de realização dos elementos objectivos do tipo, nos crimes de
resultado de que são exemplo também os crimes de perigo concreto, o
resultado é o elemento objectivo do tipo. Logo tem de abarcar o próprio
resultado enquanto elemento objectivo do tipo.
Donde, o dolo tem efectivamente de se reportar nos crimes de perigo
concreto ao próprio perigo que é o resultado autonomizável da conduta
perigosa.
O dolo é uma figura que tem um recorte legislativo. Existem várias
modalidades de dolo, que é um dolo de lesão, previstas no art. 114º CP.
Portanto o dolo de perigo há-de ser um dolo que não pode ser uma figura
inteiramente nova, mas que tem que ter algum apoio legislativo. Há-de ter
alguma filiação em sede do que já está no art. 14º CP, nalgum dos seus
números.
O dolo de perigo não é compaginável de ser recortado à figura do dolo
directo de primeiro grau, ou intenção, prevista no art. 14º/1 CP, porque é difícil
conceber que quem actuar querendo o perigo que é a probabilidade de lesão e
querendo directamente aquele perigo, pelo menos não se conforma com a
possibilidade de lesão.
Por outro lado também não é concebível uma situação de dolo eventual de
perigo, porque se o dolo eventual nos termos do art. 14º/3 CP, é aquela
situação em que o agente representa como possível que da sua conduta vá
ocorrer a lesão e actua conformando-se com essa possibilidade, então o
agente, ao prever como possível o perigo, está a prever a possibilidade da
lesão, porque o perigo é sempre a possibilidade de lesão.
O dolo de perigo há-de ser natural e necessariamente um dolo necessário
de perigo, que pode ser recortado nos moldes do art. 14º/2 CP.
Para que exista dolo de perigo é necessário um elemento positivo e dois
elementos negativos.
Elemento positivo:
É a consciência que o agente tem da situação de perigo: o agente tem de
representar, tem de tomar consciência (elemento intelectual do dolo) da
possibilidade de lesão que é o perigo.

65
Elementos negativos:
1)     É preciso que o agente, tendo previsto e representado o perigo, que é a
possibilidade de lesão não se auto-tranquilize no sentido de pensar que
aquilo que previu como perigoso não irá ocorrer, porque nesse caso tem-
se uma situação de negligência consciente (art. 15º/1 CP).
2)     Por outro lado, tendo o agente representado o perigo e tendo
consciência desse perigo, ele não se pode auto-conformar. Na verdade,
se o agente prevê o perigo e se auto-conforma com a possibilidade de o
perigo por ele previsto se desencadear em lesão, então já se tem uma
situação de dolo eventual de lesão.
Ainda no que diz respeito à imputação subjectiva, torna-se relevante falar
nos elementos subjectivos específicos ou especiais.
Os Neoclássicos chamariam à atenção para o facto de que o tipo tinha
alguns elementos subjectivos específicos. Foram referidas em sede própria as
especiais tendências, as especiais intenções, a propósito do crime de burla,
que pressupunha uma intenção de enriquecimento.
Nestes casos, os tipos só estão preenchidos e constituídos quando se
verifica essa intenção ou intenções. No entanto para a consumação material do
tipo é necessário que o resultado dessas intenções se concretize.
Quando o legislador nada diz, nos tipos da parte especial que são em geral
dolosos, admite-se qualquer forma de dolo – dolo directo, dolo necessário, dolo
eventual – a não ser que a lei expressamente limite a forma de dolo que serve
para o preenchimento do tipo legal .
[34]

 
85. Erro do tipo
Quando falte um dos elementos da estrutura do dolo este está
automaticamente afastado. E isto porque desde logo se o agente desconhece
determinada realidade, nunca a poderia ter querido. Logo, não há dolo. Estas
situações de desconhecimento ou de imperfeito conhecimento da realidade são
situações de erro. E pode haver erro sobre elementos do facto típico.
Enquanto consagração e disciplina legal, o regime do erro está previsto nos
arts. 16º e 17º CP.
O art. 16º CP expressa as situações de erro intelectual, enquanto que o art.
17º CP expressa as situações de erro moral, também dito erro de valoração.
O erro de tipo que exclui o dolo do próprio tipo; e excluindo o dolo, poderá a
tipicidade estar afastada porque falta o elemento subjectivo geral.
Nos casos do erro do art. 17º CP erro moral ou de valoração, a sua
relevância, filtrada ou não por critérios de censurabilidade, tem quando o erro
for não censurável, a função e consequência de excluir a culpa.

66
O erro intelectual do art. 16º/1 CP (erro do tipo) é um erro que pode incidir
sobre elementos do facto típico, elementos normativos ou elementos de direito,
e sobre proibições cujo conhecimento fosse razoavelmente indispensável ao
agente ter para tomar consciência da ilicitude.
No art. 16º/2 CP prevê-se outra situação de erro, que não é já um erro de
tipo, mas é um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito das causas de
exclusão da ilicitude ou das causas de exclusão da culpa.
Dentro das situações de erro intelectual pode-se distinguir duas espécies:
-         Erro ignorância;
-         Erro suposição.
Nas situações de erro ignorância, verifica-se por parte do agente um total
desconhecimento da realidade.
Por vezes, dentro da modalidade do erro intelectual pode haver uma errada
representação da realidade, ou um imperfeito conhecimento. É uma situação
de erro suposição que é uma das modalidades reconduzíveis à situação de
erro intelectual.
É ainda necessário distinguir entre:
-         Erro por defeito; e
-         Erro por excesso.
Ou
-         Erro de tipo; e
-         Tentativa impossível.
Quando se traça a punibilidade da tentativa, fala-se de alguns casos de
tentativa impossível expresso no art. 23º/3 CP. A tentativa pode ser impossível
por hipótese por referência à inexistência do objecto.
As situações de erro de tipo são situações que se dizem normalmente de
erro por defeito, em que o agente, com o seu comportamento, dá origem a um
resultado que ele não quis.
 
86. Critérios de relevância do erro
Em tese geral, como é que se distingue, em termos de relevância, o erro
intelectual do art. 16º CP do erro moral ou de valoração do art. 17º CP?
-         Enquanto que o erro intelectual, nas suas modalidades de erro
ignorância e erro suposição, releva imediatamente, releva por si mesmo,
ou seja, basta provar que a pessoa está no âmbito de uma dessas
situações previstas no art. 16º CP para que o erro tenha relevância;
-         Já em sede de erro moral ou de valoração do art. 17º CP a relevância do
erro é mais exigente, terá que ser filtrada por critérios adicionais, por
critérios de censurabilidade.

67
Numa situação de erro moral ou de valoração, que são aquelas situações
em que as pessoas ignoram a realidade, não têm uma errada percepção da
realidade, mas têm sim é uma errada valoração ou concepção valorativa dessa
mesma realidade, o erro não releva por si mesmo.
A percepção que se tem da valoração jurídica dessa mesma realidade é que
é errada, porque o agente presume que aquele comportamento é um
comportamento lícito, admitido pela ordem jurídica, quando na realidade a
valoração dada àquela actuação é uma valoração negativa, é um
comportamento ilícito.
 
87. Regime da relevância
O erro moral ou de valoração do art. 17º CP não relva por si mesmo, como
nos termos do art. 16º/1 CP. A consequência não é automática, há uma
relevância mais exigente: tem de ser ainda filtrada por um critério de
censurabilidade.
Assim, tem-se de ver se aquele erro de valoração, se aquele erro moral, é
um erro censurável ou um erro não censurável. Ou seja, se era um erro
censurável, porque era um erro evitável, e consoante um caso ou outro, assim
a consequência, desta forma:
-         Se o erro era um erro inevitável, não censurável, a culpa será excluída
nos termos do art. 17º/1 CP;
-         Se, pelo contrário, for um erro censurável, porque era um erro evitável, aí
o agente responde pelo crime doloso que cometeu, podendo a pena
beneficiar de uma atenuação especial e facultativa (art. 17º/2 CP).
Relativamente ao art. 16º/1 CP pode-se esquematizar da seguinte maneira:
I.        Erro sobre elementos (de facto) do tipo:
1)     Erro sobre o objecto:
a)    Desvio no processo causal:
-       Essencial;
-       Não essencial.
b)    Erro sobre a eficácia do processo (a “aberratio ictus”)
2)     Erro sobre as qualidades do autor;
3)     Erro sobre o processo causal;
4)     Erro sobre os elementos acessórios.
II.       Erro sobre os elementos normativos:
1)     Erro sobre qualidades normativas do autor;
2)     Erro sobre qualidades normativas do objecto:
a)    Extensão do conceito normativo
III.     Erro sobre proibições

68
1)     Erro sobre a existência de proibições;
2)     Erro sobre a extensão de proibições.
No art. 16º/1 CP encontram-se várias proposições:
-         O erro sobre elementos de facto do tipo;
-         O erro sobre elementos normativos de um tipo legal;
-         O erro sobre proibições cujo conhecimento seja razoavelmente
indispensável o agente ter para tomar consciência da ilicitude do facto.
Todas estas circunstâncias, a estarem presentes, têm como consequência
nos termos do art. 16º/1 CP a exclusão do dolo. No art. 16º/3 CP ressalva-se a
punibilidade por negligência nos termos gerais.
 
I.        Erro sobre elementos (de facto) do tipo
 
88. Erro sobre o objecto
a)     Erro sobre a existência
Pode tratar-se de uma daquelas situações descritas de erro ignorância
porque, o erro é um total desconhecimento ou um imperfeito desconhecimento
da realidade e do seu significado. Neste sentido, nas situações de erro
ignorância o agente desconhece totalmente a realidade.
Nestas situações de erro sobre o objecto, nomeadamente erro sobre a
existência do objecto, também é possível configurar situações de erro
suposição, ou seja, aquela modalidade de erro intelectual em que o agente
conhece mal, ou imperfeitamente, a realidade.
Nas situações de erro sobre o objecto, nomeadamente erro sobre a
existência do objecto, também é possível configurar situações de erro
suposição, ou seja, aquela modalidade de erro intelectual em que o agente
conhece mal, ou imperfeitamente, a realidade. Para averiguar a relevância
deste erro, tem-se de verificar se entre o objecto representado pelo agente e o
objecto efectivamente atingido ou agredido com a conduta do agente, existe ou
não uma distonía típica. Tem-se de verificar se entre o objecto representado
pelo agente e que ele quis atingir, e o objecto efectivamente atingindo, se a lei
valora da mesma forma, em termos de tipo, aquele comportamento. Havendo
distonía típica, o erro é relevante; se não existe distonía típica, o erro não é
relevante, se não é relevante, então não se afasta o dolo do tipo e não se
aplica a consequência do art. 16º/1 CP.
b)     Erro sobre as características
Estas características do objecto típico podem ser fácticas ou normativas.
Exemplo:

69
A, conhece e quer destruir um livro, mas desconhece que aquele livro que
ele quer possui um valor histórico grande. Desconhece pois aquela
característica fáctica do objecto.
Então, o agente conhece e quer danificar o livro. Portanto, ele conhece e
quer incorrer no crime de dano. Mas na realidade, aquilo que acontece é que o
agente, devido ao valor histórico do objecto do tipo, está a incorrer no crime de
dano agravado.
Qual é a consequência deste erro?
Desconhecendo, o agente, o carácter ou o valor histórico do livro,
desconhece efectivamente esta característica fáctica do objecto do tipo e isso
leva a que o agente seja responsabilizado pelo crime de dano (simples) e não
pelo crime de dano qualificado.
Quanto ao erro sobre as características normativas, exemplo:
Suponha-se que A, conhece e quer destruir um pinheiro, desconhecendo
porém que aquele pinheiro se encontra numa zona florestal protegida por lei,
pelo que a sua destruição implica uma agravação: constitui um crime de dano
substancialmente mais agravado.
Em bom rigor, isto é um erro já da segunda parte do art. 16º CP sobre
elementos normativos, mais concretamente um erro sobre qualidades
normativas do objecto. Neste caso, a consequência será também a de punir o
agente pelo crime de dano simples, na medida em que o agente ignorava
aquele elemento normativo que qualificava o crime.
 
89. Erro sobre as qualidades do autor
Os tipos legais de crime, quanto ao autor, numa das modalidades mas
conhecidas, se podem distinguir entre crimes gerais ou comuns e crimes
específicos, podendo estes ser crimes específicos em sentido próprio ou
crimes específicos em sentido impróprio.
Chama-se agora à colação a noção dos crimes específicos ou próprios
que são aqueles que exigem determinadas qualidades, naturalísticas ou
outras, da pessoa do autor. Ou seja, nem todas as pessoas podem ser autoras
daqueles tipos legais de crime, mas apenas as pessoas que tenham a
qualidade típica descrita na lei.
É um erro que se insere também no art. 16º/1 CP e que leva à exclusão do
dolo .
[35]

 
90. Erro sobre o processo causal
Pode apresentar duas modalidades fundamentais:

70
-         Pode tratar-se de um desvio no processo causal, que pode por seu turno
ser um desvio essencial ou um desvio não essencial;
-         Ou pode tratar-se de um erro sobre a eficácia do processo causal.
Há quem não considere o erro sobre o processo causal como um erro de
tipo. E isto desde logo devido às consequências que a relevância deste tipo de
erro tem.
A relevância do erro sobre o processo causal não é a mesma, em termos de
consequências, do que está preceituado no art. 16º/1 CP – não leva nunca à
exclusão do dolo, mas tem antes relevância ao nível da imputação objectiva.
Porquê então tratar aqui o erro sobre o processo causal, ao lado das
situações de erro do tipo?
Isto é assim porque o nexo causal o nexo de causalidade ou nexo de
imputação é um elemento objectivo do tipo, normalmente um elemento não
escrito do tipo. Portanto, como elemento do tipo que é, faz sentido tratar este
erro ao lado das verdadeiras situações de erro de tipo, como se de um
verdadeiro erro de tipo se tratasse.
Mas note-se, que a relevância do erro sobre o processo causal, quer o
desvio seja essencial ou não essencial, quer do erro sobre a eficácia do
processo causal, não é a mesma em termos consequências do processo no
art. 16º/1 CP não havendo exclusão do dolo.
a)     Desvio no processo causal
Tem-se um desvio no processo causal quando o resultado típico
efectivamente pretendido pelo agente se verifica por um processo causal
diferente daquele que foi perspectivado pelo próprio agente.
Tem-se que se ver quando é que se está perante um desvio no processo
causal que seja essencial, ou quando é que esse desvio no processo causal é
não essencial, porque de acordo com uma ou outra conclusão assim a
consequência em termos de tratamento jurídico-penal é diferenciada; assim:
-         Se estiver perante um desvio no processo causal essencial, o agente só
pode ser punido por tentativa;
-         Se pelo contrário, se estiver perante um desvio no processo causal não
essencial, o desvio não assume qualquer relevância e o agente é punido
por facto doloso consumado.
Então, o cerne da questão está em saber quando é que um desvio no
processo causal é essencial e quando é que não é.
Para se determinar esta situação da essencialidade ou não essencialidade
do desvio, vai-se utilizar precisamente os critérios que se utilizou para firmar a
imputação objectiva. Nomeadamente partindo desde logo duma ideia de
previsibilidade, isto é, perguntando se da conduta adoptada pelo agente era

71
previsível que, em termos de criação de um perigo ou de um risco
juridicamente desaprovado pela ordem jurídica, o resultado típico viesse de
facto a correr mercê do processo causal realmente verificado na prática. Ou
seja, vai-se verificar se era previsível para um homem médio, colocado nas
mesmas circunstâncias que o agente tendo os mesmos conhecimentos que ele
tinha, etc. Que daquela conduta que visava um determinado processo causal
[36]

tivesse ocorrido o processo causal que não realidade ocorreu.


b)     Erro sobre a eficácia do processo causal
São situações em que o agente se engana quanto à eficácia do processo,
por si perspectivado para levar a cabo o resultado típico por ele pretendido.
Quanto ao tratamento a dar a esta situação de erro a eficácia do processo
causal, existe uma divergência doutrinal.
Há quem veja nestas situações de erro sobre a eficácia do processo causal,
uma situação a que se pode chamar dolo geral, em que há um processo
unitário levado a cabo pelo agente com dolo geral: o agente conhece e quer
matar uma pessoa e acaba por conseguir naquilo que efectivamente quis.
A conclusão será responsabilizar o agente por crime doloso consumado.
Há quem pense de maneira diferente, distinguindo consoante a segunda
acção levada a cabo pelo agente e que acaba por ser o processo causal real
que determina o resultado lesivo típico já tivesse ou não sido planeada pelo
agente.
E então dizem:
-         Se a segunda acção, que deu origem ao resultado pretendido pelo
agente, já tivesse sido por este planeada quando ele empreendeu a
primeira acção; e se esta segunda acção for o desenvolvimento lógico do
plano do agente, então nesse caso o agente deve ser responsabilizado
por crime doloso consumado.
-         Se pelo contrário esta segunda acção, que determina o resultado lesivo
pretendido pelo agente numa primeira acção, não tiver sido planeada
pelo agente e ocorrer momentaneamente, não se tratando cuja do
desenvolvimento dum plano inicialmente concebido pelo agente, então o
agente deve ser punido em concurso efectivo com uma tentativa de
homicídio e um homicídio negligente.
Mas nestas situações de erro sobre a eficácia do processo causal seja mais
aceitável a figura do dolo geral, vendo nestas acções um processo unitário
levado a cabo pelo agente com dolo geral e punido pois o agente por facto
doloso consumado.
 
91. A “aberratio ictus”

72
Também designada erro sobre a execução ou execução defeituosa não é
em rigor uma situação de erro intelectual.
Nas situações de aberratio ictus” não existe uma representação errada da
realidade, o que se verifica, sim, é um insucesso do facto, ou um fracasso do
facto.
Nas situações de “aberratio ictus” o agente representa bem o objecto e a
vítima; a realidade é integralmente representada em termos concretos pelo
agente. Portanto, erro intelectual não há.
Também aqui, existem várias posições doutrinais:
Uma delas, é a da Profa. Teresa Beleza, que dá a estas situações de
“aberratio ictus” exactamente o mesmo tratamento que dá às situações de erro
sobre a identidade do objecto, ou seja, entende que se deve averiguar se
existe distonía típica entre o objecto representado pelo agente e o objecto
efectivamente atingido e tratar a situação como se de um erro sobre o objecto
se tratasse.
De acordo com outra posição perfilhada entre outros autores pelo Prof.
Castilho Pimentel, Dra. Conceição Valdágua e também pelos Profs. Cristina
Borges Pinho e Costa Pimenta será de entender que nestas situações de
“aberratio ictus” se deve dar um tratamento diferente, em termos de punir o
agente em concurso efectivo com uma tentativa (de homicídio ou outra) em
relação ao objecto visado ou representado pelo agente e um homicídio
negligente (ou facto negligente) em relação ao objecto efectivamente atingido.
Admite-se em determinadas situações concretas de “aberratio ictus” que a
solução matriz agora referida possa não ser esta, mas possa ser antes uma
tentativa em relação ao objecto representado mas não atingido pelo agente, em
concurso efectivo com um crime consumado com dolo eventual.
São aquelas circunstâncias em que há um insucesso ou um fracasso de
facto, nas situações de “aberratio ictus” em que o agente, representando um
determinado objecto mas que o resultado se irá verificar num objecto diferente
e mesmo assim actua, conformando-se com essa situação.
 
92. Erro sobre elementos acessórios
Estes elementos acessórios de um tipo legal de crime podem constituir
agravantes ou atenuantes, quer genéricas, quer fundamentando um tipo
autónomo de crime ou um tipo diferenciado de crime.
Nestas circunstâncias, há que entender que se deve responsabilizar o
agente pelo crime que ele julga estar a cometer.
 
II.      Erro sobre elementos normativos

73
 
93. Erro sobre as qualidades normativas do autor
Erro sobre elementos normativos, é a segunda proposição do art. 16º/1 CP:
erro sobre elementos de direito de um tipo legal de crime.
Exemplo:
O agente é um funcionário público, mas desconhece que tem aquela
categoria: desconhece que é funcionário público porque se convence que
funcionários públicos só são os funcionários que têm uma determinada
graduação hierárquica, isto é, os funcionários superiores da administração.
Desconhecendo o agente essa qualidade que na realidade tem, é um erro
da 2ª parte do art. 16º/1 CP relevante em termos de exclusão do dolo.
 
94. Erro sobre as qualidades normativas do objecto
É necessário para o erro sobre o objecto.
Exemplo:
Um pinhal situado numa região florestal protegida por lei: o agente
desconhece a existência dessa lei que enquadra aquela região numa zona
protegida e que, em consequência, pune criminalmente de uma forma mais
severa o crime de dano (arrancar, serrar ou por qualquer forma danificar as
árvores).
A relevância do erro é a mesma, no sentido de excluir o dolo do crime de
dano qualificado, devendo o agente ser responsabilizado pelo crime de dano
simples.
Ainda quanto ao erro sobre elementos normativos, há que referir a extensão
do conceito normativo.
Muitas vezes o agente ao actuar tem consciência, sabe, que determinado
elemento fáctico, que o objecto por ele visado, tem uma componente
normativa, só que erra quanto à extensão do conceito normativo.
Este erro sobre a extensão do carácter normativo é já um erro moral ou de
valoração que se há-de aferir em termos de relevância e consequência, em
sede do art. 17º CP.
[37]

Este erro sobre a extensão do carácter normativo há-de ser ponderado


segundo um critério de censurabilidade ou não censurabilidade, porque no fim
de contas é um erro moral ou de valoração.
 
III.    Erro sobre proibições
 
95. Erro sobre a existência de proibições

74
Em primeiro lugar importa referir quais são estas proibições que se filiam em
sede do art. 16º/1 CP e não saltam já para o campo do art. 17º CP como erro
moral ou de valoração. Das proibições legais são só e tão só aquelas ditas
proibições artificiais ou proibições que não têm um carácter ético ou social
enraizado em termos de serem valorativamente neutras no sentido de que os
cidadãos não têm delas consciência ético-jurídica ainda formulada; ou então as
proibições novas.
No fim de contas, proibições que em termos de axiologia não representem
uma interiorização de comando em termos de lesão ético-jurídica de bens
jurídicos reputados como verdadeiramente fundamentais ou essenciais.
 
96. Erro sobre a extensão das proibições
Não se trata já de um erro ignorância, mas é um erro suposição.
Nestas situações em que se está perante um erro sobre a extensão de
proibições, em que o agente conhece a proibição mas engana-se tão só quanto
à sua extensão, já não se está perante um erro a ser valorado em termos do
art. 16º/1 CP mas sim, está-se perante uma situação de erro moral ou de
valoração, a ser valorado à luz dos critérios do art. 17º CP. Ter-se-á depois de
fazer filtrar este erro, pelos critérios da censurabilidade ou não censurabilidade
para, em conformidade com o que dispõe o art. 17º/1 CP exclui a culpa, ou,
nos termos do art. 17º/2 CP punir o agente pelo crime doloso consumado
respectivo cumpra especialmente atenuada.
 
 
ILICITUDE
 
 
A.    REGIME DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
   Legítima defesa
    Direito de necessidade
    Outras causas de exclusão da ilicitude
 
97. Introdução
O conceito de ilicitude material foi uma conquista dos neoclássicos que
também analisaram quais eram as consequências relevantes da distinção entre
ilicitude material e ilicitude formal.
Nomeadamente a partir dum conceito de ilicitude material permita-se uma
graduação do conceito de ilicitude, ao mesmo tempo que permitia descobrir
novas causas de justificação e aderir à chamada justificação supra legal.

75
Quanto ao conceito de ilicitude pessoal e o contributo dado para esta
categoria pelos finalistas.
Uma acção é penalmente relevante, essa acção pode ser subsumível aos
termos gerais e abstractos dum tipo legal de crime.
Se a tipicidade objectiva e subjectiva estiver preenchida, tem-se que o tipo
indicia a ilicitude.
A um facto típico está indiciado um juízo de ilicitude, ilicitude formal, no
sentido de que aquilo que se fez é algo que contraria a ordem jurídica na sua
globalidade, é algo que é contrário à lei.
Mas este juízo de ilicitude indiciado pela tipicidade pode ser excluído, e é
excluído pela intervenção relevante das chamadas causas de exclusão da
ilicitude ou causas de justificação. Estas são causas, que visam excluir a
ilicitude do facto típico; visam dizer que aquele facto, que é típico, é aprovado
pela ordem jurídica porque é um facto que está justificado.
Mas um facto justificado , não deixa por esse facto de ser um facto típico.
[38]

Portanto um facto justificado permanece típico – tão só se exclui a ilicitude.


Um facto, ainda que justificado, não deixa de ser típico, porque os factos,
ainda que aprovados pela ordem jurídica (factos cuja ilicitude esteja excluída)
não são valorativamente neutros.
A própria função que o tipo deve desempenhar inculca a que se faça uma
análise tripartida do facto punível, com as categorias da tipicidade, de ilicitude e
da culpa. E isto porque o juízo que é dado sobre a tipicidade de um facto que
acaba por ser justificado é um juízo que não volta atrás: o tipo tem uma função
de apelo, desde logo pelos fins das penas, visível em cada tipo legal de crime,
quer-se dizer com isto que o legislador quando tipifica comportamentos o faz
com uma determinada intenção.
Portanto, o tipo tem uma certa função de apelo:
-         No sentido de que as pessoas não devem empreender essas condutas
que a lei considera proibidas;
-         Ou no sentido de fazer com que as pessoas adoptem determinadas
condutas que a lei exige.
Esta função de apelo inerente aos tipos só se satisfaz se ainda que o facto
esteja justificado, o tipo permanecer intacto: em princípio não se deve matar,
no entanto aprova-se que alguém mate outrem em legítima defesa.
 
98. Juízo de ilicitude
É um juízo que é feito pela ordem jurídica, um juízo generalizado, um juízo
de desvalor que incide sobre o facto praticado, ou seja:

76
-         A ordem jurídica fórmula um juízo negativo sobre quem adopta um
determinado facto que a ordem jurídica considera um facto proibido;
-         Ou faz incidir um juízo de desvalor, porque efectivamente a pessoa não
adoptou o comportamento que devia ter adoptado quando a lei o exigia.
Neste sentido tem-se que o juízo de ilicitude é um juízo de desvalor
generalizado que incide sobre o próprio facto.
Este juízo de ilicitude diverge de um juízo de culpa, ou de um juízo de
censura de culpa.
No juízo de censura de culpa há também um juízo de desvalor, mas que é já
um juízo individual, é um juízo feito pela ordem jurídica mas que incide já não
sobre o facto praticado, mas recai sobre o agente, precisamente porque o
agente actuou tendo praticado um facto ilícito, quando podia e devia ter-se
decidido diferentemente, quando podia e devia ter actuado de harmonia com o
direito. Portanto, no juízo de censura de culpa, o que se reprova é o agente
(por isso é um juízo individualizado) por ele, naquele caso concreto, ter actuado
ilicitamente, quando podia e devia ter actuado de forma diferente, ou seja,
licitamente. Donde, o juízo de ilicitude é um juízo que procede necessariamente
o juízo de censura de culpa: se em sede de culpa a ordem jurídica dirige ao
agente um juízo de desvalor porque ele praticou um facto ilícito, então o juízo
de ilicitude tem de ser anterior; tem se der firmado anteriormente que o facto
praticado pelo agente é um facto ilícito.
 
99. Regras gerais e princípios que enformam as causas de exclusão da
ilicitude
As causas de exclusão da ilicitude são determinada circunstâncias que, a
estarem presentes excluem a ilicitude do facto praticado, ou justificam o facto
típico praticado pelo agente.
Vigora um princípio, que é o princípio da unidade da ordem jurídica, ou o
concerto unitário de ilicitude, princípio esse que está expresso no art. 31º CP.
Portanto, o facto, não é ilícito quando a ilicitude for excluída pela ordem jurídica
na sua globalidade.
Quando a ilicitude de um facto for excluída por qualquer elemento do
ordenamento jurídico, então esse facto não deve ser visto, para o direito penal,
como um facto ilícito, como um facto não justificado.
Como explicar este conceito unitário e esta exclusão da ilicitude, em sede de
exclusão da ilicitude?
Desde logo por força do princípio da subsidiariedade do direito penal.
Se o direito penal, de harmonia com este princípio, só deve intervir e
emprestar a sua tutela robusta quando a tutela fornecida por outros ramos do

77
direito não for suficientemente eficaz para tutelar cabalmente bens jurídicos
reputados como fundamentais e essenciais à sociedade; então se os outros
ordenamentos jurídicos para determinados factos consideram que o
comportamento é lícito, não deve vir o direito penal incriminar e emprestar a
sua tutela àquele facto, que não merece tutela jurídico-penal, precisamente
porque outros ordenamentos jurídicos prescindiram da sua consideração como
facto ilícito, mas consideram-no um facto aprovado.
As causas de justificação, como visam excluir a ilicitude e irresponsabilizar o
agente, são normas penais favoráveis. Assim sendo, a elas não estão ínsitos
os princípios de garantia e as limitações impostas, enquanto garante do
princípio da legalidade, como acontece com as normas positivas ou normas
que fundam positivamente a responsabilidade jurídico-penal do agente.
As causas de exclusão da ilicitude em direito penal não são apenas as que
estão enumeradas no art. 31º CP mas todas aquelas que o ordenamento
jurídico na sua globalidade considera como relevantes para afastar a ilicitude
de um determinado facto.
Inerente a toda a justificação existe uma ideia comum: não há participação
em facto justificados, ou seja, a participação num facto justificado não é punida.
Quando existe comparticipação criminosa, quando existe um envolvimento
plural de vários agentes no mesmo crime, uns desses agentes podem ser
qualificados como autores e outros como participantes. A participação está
prevista no art. 27º CP e participantes são os cúmplices e também, para
alguma doutrina, os instigadores.
Quando se diz que não existe participação penalmente relevante, em termos
de punição, dum facto justificado, significa que não existe punibilidade da
participação num facto típico justificado.
Outra ideia comum às diferentes causas de justificação é a seguinte:
inerentes a todas as causas de justificação existem elementos subjectivos. O
elemento subjectivo da causa de justificação é, um elemento comum a todas as
causas de justificação.
Toda a doutrina concorda num ponto: havendo elemento subjectivo da
justificação só está aprovado, só está justificado, se se verificarem
simultaneamente os elementos objectivos e subjectivos das causas de
justificação.
Porém, verificando-se tão só a situação objectiva de justificação mas
faltando o elemento subjectivo:
b)     Para determinada doutrina o facto é ilícito, mas o agente é punido por
tentativa;

78
c)     Para outro sector da doutrina o facto é também ilícito, mas o agente é
punido por facto consumado;
d)     Outros autores distinguem consoante a causa de justificação tenha,
quanto ao elemento subjectivo um elemento intelectual e um elemento
volitivo:
       Nas causas de justificação cujo elemento subjectivo tenha esta dupla
estrutura, se o elemento subjectivo tenha esta dupla estrutura, se o
elemento subjectivo não estiver preenchido o agente é punido por
facto consumado;
       Se o elemento subjectivo da justificação prescindir do elemento volitivo
e se contentar só com o elemento intelectual do conhecimento, ou
seja, se o elemento subjectivo não tiver uma estrutura dupla, estão
faltando o elemento subjectivo o agente é punido por facto tentado.
 
A.    REGIME DAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
 
    Legítima defesa
 
100.    Introdução
A legítima defesa assenta precisamente numa reacção a uma agressão
actual e ilícita que ameaça interesses juridicamente protegidos do defendente
ou terceiro. Essa reacção trem de ser uma reacção adequada, necessária a
afastar ou repelir a agressão actual e ilícita.
Existe doutrinas que fundamentam a existência da legítima defesa, como
causa de justificação: a doutrina monista e a pluralista.
a)     Doutrina monista
Para esta doutrina todas as causas de justificação se filiam numa ideia
comum; a noção de ideia comum é que varia de autor para autor.
Poder-se-á dizer que inerente a todas as causas de justificação existe uma
ideia de ponderação de interesses: do interesse a salvaguardar do interesse
ameaçado. Portanto, uma ideia de ponderação de interesses.
b)     Doutrina pluralista
Há quem considere diferenciadamente, para cada uma das diferentes
causas de justificação, diferentes fundamentos.
101.    Fundamentação da legítima defesa
Não é tanto uma ideia de ponderação de interesses, uma ideia de proporção
entre o interesse ofendido e o interesse lesado com a defesa, mas a ideia de
que o direito não deve ceder ao não direito. Esta ideia é de alguma forma
visível se distinguir na legítima defesa duas vertentes:

79
-         Uma vertente ao lado individual;
-         Uma vertente ao lado colectivo-social.
E isto porque, inerente à legítima defesa, dum ponto de vista (ou dum
prisma) meramente individual, está uma ideia de auto-protecção.
Mas, quando se olha a legítima defesa já por um prisma social ou colectivo,
vê-se que o seu fundamento é a reafirmação do direito negado. Se há uma
reacção contra uma acção ilícita, de alguma forma está-se a repor um direito
negado com a agressão, precisamente porque a agressão é ilícita.
Partindo desta ideia do lado individual e do lado social da legítima defesa,
pode-se assentar no seguinte.
Em primeiro lugar, com base nesta ideia de auto-protecção (lado individual
da legitima defesa) não há legítima defesa de interesses públicos. Quer-se
dizer com isto que a defesa de interesses públicos é feita pelos meios
coercivos normais, pelas forças públicas de defesa. No entanto, existem
determinados interesses públicos que, ao serem ofendidos, podem ter uma
certa repercussão pessoal na esfera jurídica dum titular. E se assim for podem
defender-se interesses ou bens de natureza pública.
Por outro lado, à ainda atendendo a esta ideia de auto-protecção, não há
legítima defesa de terceiros contra a vontade do agredido ou do ofendido, isto
é, não há legítima defesa de terceiros se esse terceiro não se quiser defender
ou não quiser ser defendido por uma determinada pessoa em concreto.
Como princípio, e ainda dentro da ideia de auto-protecção, diz-se que não
há legítima defesa contra tentativa impossível.
Na ideia de reafirmação do direito negado e já numa perspectiva social da
legítima defesa, pode-se assentar a seguinte ideia: a legítima defesa justifica-
se e funda-se numa ideia de prevenção geral, numa óptica de prevenção geral
inerente aos fins das penas visa-se evitar que as pessoas voltem a cometer
crimes.
 
102.    Distinção entre legítima defesa e direito de necessidade
Na legítima defesa, ao contrário com o que sucede com o direito de
necessidade, não se exige que haja uma sensível superioridade entre o bem
que se pretenda salvaguardar e o bem que é lesado com a defesa.
Já no âmbito do direito de necessidade, nos termos do art. 34º CP uma
pessoa só actua em direito de necessidade quando, para afastar um perigo que
ameaça de lesão um determinado bem jurídico, lesar outro bem jurídico que
não seja superior ao bem que se pretende salvaguardar. Portanto, tem de
haver uma ideia de ponderação entre os interesses a salvaguardar e os
interesses lesados com o exercício do direito de necessidade.

80
 
103.    Elementos da legítima defesa
O defendente, defende-se duma agressão actual e ilícita.
Uma agressão, para efeitos de legítima defesa, é todo o comportamento
humano que lese ou ameace de lesão um interesse digno de tutela jurídica.
Tem de ser uma agressão humana. Dentro deste conceito de agressão
também se entende que todos aqueles movimentos corpóreos que não
constituem acções penalmente relevantes, não são considerados agressões
para efeitos de legítima defesa, porque são movimentos que não são
dominados pela vontade humana.
A agressão pode consistir ou num comportamento positivo ou numa
omissão.
A agressão pode ser dirigida quer a bens ou interesses de natureza pessoal,
quer a bens de natureza patrimonial do defendente ou de terceiro, consoante
se esteja no âmbito de uma legítima defesa própria ou alheia. E é uma
agressão qualificada: para além de haver uma agressão, ela tem de ser: actual
e ilícita.
a)     Agressão ilícita
É toda a agressão contrária à lei, não necessitando contudo de consistir
numa actuação criminosa. Para ser uma agressão ilícita, tem de se tratar de
uma agressão não justificada, contra legítima defesa não existe legítima
defesa.
b)     Agressão actual
É actual, a agressão que está iminente, isto é, prestes a ocorrer, a agressão
que está em curso ou em execução, ou simplesmente a agressão que ainda
dura.
Nos crimes duradouros há actualidade enquanto durar a consumação, isto é,
há actualidade para efeitos de legítima defesa enquanto não cessar a
consumação.
As situações em que falta o requisito da actualidade da agressão podem ser
reconduzidas a situações de acção directa (art. 336º CC).
Existem também determinadas causas de justificação supra-legais,
nomeadamente a legítima defesa preventiva.
São situações em que não existe uma agressão iminente, mas essa
agressão é tido como certa, e portanto o defendente tem de antecipar a defesa
para um estádio anterior ao da própria agressão. Por isso é que ela se designa
legítima defesa preventiva.
Ainda em sede de legítima defesa e para caracterizar esta agressão actual e
ilícita, tem-se que distinguir os casos de mera provocação de pré-ordenação

81
(ou provocação pré-ordenada).
c)     Mera provocação
A agressão que o defendente repele com a defesa há-de ser uma agressão
que até pode ter sido provocada pelo próprio defendente e aí, ainda existe
legítima defesa. O que não pode é a agressão que o defendente repele ter sido
pré-ordenada pelo defendente com o intuito de agredir simulando uma defesa.
Um outro elemento da legítima defesa, também de natureza objectiva, no
entendimento da Profa. Teresa Beleza a impossibilidade de recurso à força
pública, ou a impossibilidade de recurso em tempo útil aos meios coercivos
normais.
A Profa. Cristina Borges Pinho na esteira de pensamento do Prof. Cavaleiro
de Ferreira considera que esta ideia de impossibilidade de recuso em tempo
útil aos meios coercivos normais não é tanto um pressuposto da legítima
defesa, mas é um problema que se reconduz à racionalidade do meio
empregue, a adequação da defesa.
Vale mais não exigir como pressuposto da legítima defesa a impossibilidade
de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais; é depois, na análise do
meio que o defendente utiliza para repelir a agressão actual e ilícita é que se
vai ver se há ou não uma defesa necessária.
Se o defendente puder recorrer, em tempo útil aos meios coercivos e não o
fizer, defendendo-se por suas próprias mãos, então pode-se dizer que o meio
já não é adequado, mas é antes um meio excessivo.
Um outro elemento objectivo da legítima defesa é a racionalidade do meio
empregue, ou defesa necessária: meio necessário para repelir a agressão
actual e ilícita que ameaça interesses juridicamente protegidos do defendente
ou de terceiro.
Para que se actue ainda legitimamente, para que se actue ao abrigo desta
causa de exclusão da ilicitude é preciso verificar se o meio utilizado para repelir
uma agressão iminente e ilícita de que esta a ser vítima, ou de que está a ser
vítima um terceiro, é um meio racional, adequado para afastar essa agressão.
Se o meio utilizado pelo defendente para afastar a agressão for um meio
desajustado, um meio que ultrapassa os limites da racional, então já não se
está perante a situação de legítima defesa, estar-se-á no âmbito de um
excesso de legítima defesa (art. 33º CP).
O que seja efectivamente o meio necessário para repelir a agressão deve
aferir-se sempre no caso concreto.
Em teoria, pode-se dizer que o meio necessário é aquele dos vários meios
que o agente tem à sua disposição, de eficácia mais suave, ou seja, aquele
que importa consequências menos gravosas para o agressor. Mas, meio de

82
eficácia suave, mas simplesmente meio eficaz, ou de eficácia certa.
Quer-se dizer com isto que, em última análise, a necessidade do meio
empregue para repelir a agressão é aferida em concreto atendendo a múltiplos
factores. Desde logo, atendendo:
-         Às características da vítima (do defendente) e do agressor;
-         Aos meios que o ofendente tenha à sua disposição;
-         Ao meio com que o agressor ameaça de lesão o interesse jurídico
protegido do defendente ou de terceiro;
-         Etc.
 
104.    Excesso de legítima defesa
As situações de excesso de legítima defesa, pela não verificação da
racionalidade do meio empregue na defesa, porque é um meio que ultrapassa
o necessário, faz com que já não esteja perante uma causa de exclusão da
ilicitude. O facto é pois ilícito.
E sendo facto ilícito, contra um excesso de legítima defesa é admitida a
legítima defesa.
Perante uma situação de excesso de legítima defesa, como o facto não está
justificado, como o facto é ilícito, pode-se efectivamente actuar em legítima
defesa.
Se o defendente, podendo recorrer à força pública para evitar a agressão
não o faz e resolve actuar, mas usando um meio racional, tão só omitindo esta
obrigação que é a de recorrer aos meios coercivo normais, então entende-se
que há aqui uma situação de excesso de legítima defesa.
As situações de excesso de legítima defesa não justificam o facto praticado,
este continua a ser um facto ilícito.
Nestas situações de excesso de legítima defesa , o facto praticado pelo
[39]

defendente é um facto ilícito; pode ser objecto de uma atenuação especial


facultativa da pena.
A defesa excessiva pode resultar também do art. 33º/2 CP onde se fala em
não censuráveis, esta não censurabilidade é uma causa de desculpa.
O facto é ilícito, mas o agente não é punido: ainda que o agente, para se
defender, tenha actuado ou respondido em excesso, ele não vai ser punido. O
facto praticado pelo agente é ilícito, sendo ilícito constitui uma agressão ilícita
em termos de poder ser defendida legitimamente.
Pode-se então dizer que o meio necessário para repelir a sua agressão é,
dos vários meios que o agente tem à sua disposição, o mais suave , mas um
[40]

meio de eficácia certa.


 

83
105.    Restrições ético-sociais à legítima defesa
São aqueles casos em que as agressões provêm de crianças, de pessoas
com a sua capacidade de avaliação sensivelmente diminuída, pessoas
embriagada, etc. De um modo geral, de pessoas inculpadas, de inimputáveis,
ou também daquelas pessoas que têm quanto à vítima uma relação de
parentesco.
Nestes casos entende-se que o lado social da legítima defesa desaparece,
ficando tão-só, dentro da sua fundamentação, o lado individual, a necessidade
de auto-tutela ou auto-protecção de interesses.
Estas restrições traduzem-se precisamente em considerar mais exigente o
meio necessário para repelir essas agressões que partem das pessoas
referidas.
 
106.    Elemento subjectivo: “animus defendendi”
Há autores que entendem que as causas de justificação não têm elementos
subjectivos e referem inclusivamente que não existe nenhuma expressão
literal, em sede por hipótese de legítima defesa, que inculque a ideia ou a
necessidade de ter presente este elemento subjectivo que é o “animus
defendendi”, ou seja, a consciência que uma pessoa tem de que está na
iminência de ser agredida é a vontade que tem de se defender.
A maior parte da doutrina considera que isso não é verdade. O elemento
subjectivo do consentimento é precisamente o conhecimento do
consentimento.
Se existe consentimento na realidade, mas o agente desconhece esse
consentimento, o agente actua com falta do elemento subjectivo, porque não
tem conhecimento do consentimento. E a lei diz: se assim for, se houver
consentimento mas o agente actuar desconhecendo esse consentimento, ou
seja, faltando o elemento subjectivo desta causa de justificação, o agente é
punido por facto tentado.
O “animus defendendi” é a consciência que uma pessoa tem de que está
perante uma agressão e a vontade que a tem de repelir, ou a vontade que tem
de se defender dessa mesma agressão.
Existe divergência doutrinária quanto à falta do elemento subjectivo, quando
estão preenchidos os elementos objectivos da legítima defesa.
Em primeiro lugar, existe unanimidade doutrinária (para aqueles que os
elementos subjectivos integram as causas de justificação) no sentido de que se
faltar o elemento subjectivo da legítima defesa ou de qualquer outra causa de
justificação, concretamente se faltar o “animus defendendi”, o facto não está
justificado – o facto é um facto ilícito.

84
A doutrina não está de acordo quanto à forma de punir o agente, nestes
casos em que objectivamente está preenchida a causa de justificação, mas tão
só falta o elemento subjectivo.
É possível a analogia em direito penal?
Dentro deste entendimento, a analogia em direito penal só está proibida nos
termos do art. 1º/3 CP quanto a normas penais desfavoráveis, normas penais
positivas que fundamentam ou agravam a responsabilidade jurídico-penal do
agente. Pelo agravamento ou criação de pressupostos de punibilidade e de
punição.
Tratando-se de uma analogia favorável ao agente, as razões que vedam o
recurso à analogia ínsitas no princípio da legalidade perdem razão de ser.
Ora, esta analogia do art. 38º/4 CP é favorável, porque é mais favorável ao
agente ser punido por facto tentado do que por facto consumado:
-         Em primeiro lugar, porque nem sempre a tentativa é punível: a tentativa
só é punível quanto ao crime, a ser consumado corresponda pena
superior a três anos de prisão (art. 23º/1 CP), a não ser que a lei
expressamente diga o contrário;
-         Por outro lado, na tentativa a pena é especialmente atenuada (art. 23º
CP).
Portanto, é melhor ser-se punido por facto tentado do que por facto
consumado.
 
107.    Limite à legítima defesa resultado do art. 337º CC
Enquanto no Código Civil a legítima defesa exige que o prejuízo causado
pela acção de defesa não seja manifestamente superior àquele que se
pretende evitar, portanto joga-se aqui com uma ideia de ponderação de
prejuízos entre os bens danificados com a defesa e os bens que se pretendem
defender. O art. 32º CP não joga com essa ideia.
Por outro lado e ainda em confronto com o art. 337º CC vê-se, que a
legítima defesa na lei civil apresenta um carácter subsidiário, ou seja, só é
possível recorrer aos próprios meios quando não seja possível fazê-lo através
dos meios coercivos normais.
Essa situação não é um pressuposto da legítima defesa do art. 32º CP:
-         Esta matéria em sede de direito penal é regulada não pelo Código Civil
mas pelo Código Penal;
-         Depois, porque o Código Penal é em relação ao Código Civil lei
posterior;
-         Finalmente, porque esta interpretação que se propõe, confere uma maior
cumplicidade ao funcionamento da legítima defesa e, consequentemente,

85
um alargamento da não responsabilização criminal do agente; de outra
forma seria alargar o campo de punibilidade.
 
    Direito de necessidade
 
108.    Fundamentos
Esta causa de justificação vem prevista no art. 34º CP funcionando
relevantemente, afastar a ilicitude do facto punível.
Quanto ao seu fundamento, assenta já numa ideia de ponderação de
interesses entre o bem jurídico ou interesse ameaçado por um perigo e o bem
jurídico ou interesse que se sacrifica para afastar esse perigo.
Note-se que o interesse ou bem jurídico cujo perigo se afasta tem de ser
superior ao interesse sacrificado.
O estado de necessidade ora reveste a natureza de um verdadeiro direito de
necessidade, e então é uma causa de exclusão da ilicitude, ora tem a natureza
de causa de exclusão de culpa.
O Código Civil clarificou de algum modo a questão, admitindo no seu art.
339º CC um verdadeiro direito de necessidade, por consagrar ser lícita a acção
daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo
actual de um dano manifestamente superior, quer do agente quer de terceiro.
Mas por esta via continuaram sem solução os casos de identidade de
valoração de bens jurídicos e aqueles em o sacrificado tem maior valoração
que não cabiam nem cabem manifestamente no direito de necessidade.
Por isso, a partir da vigência do Código Civil cimentou-se a teoria
diferenciada do estado de necessidade, segundo a qual esse estado abrange
casos de exclusão da ilicitude (havendo então um verdadeiro direito de
necessidade) e de exclusão de culpa.
Nessa linha de orientação se integrou também o Código Penal ao
estabelecer no art. 34º casos de direito de necessidade e no art. 35º de estado
de necessidade desculpante.
O direito de necessidade torna a conduta lícita, dai a imposição feita no art.
34º-b CP quanto à superioridade do bem ou interesse jurídico a salvaguardar.
Daí também que o art. 34º CP tenha que se conjugado com o art. 35º CP,
particularmente com o seu n.º 1, e que uma vida nunca possa ser sacrificado
no exercício de um direito de necessidade, já que, sendo o bem jurídico de
maior valoração, nunca qualquer outro lhe pode ser superior.
Segundo a jurisprudência:
- O estado de necessidade surge quando o agente é colocado perante a
alternativa de ter de escolher entre cometer o crime ou deixar que, como

86
consequência necessária de o não cometer, ocorra outro mal maior ou pelo
menos igual ao do crime. Depende ainda da verificação de outros requisitos,
como a falta de outro meio menos prejudicial do que o facto praticado e
probabilidade de eficácia do meio empregado.
 
109.    Direito de necessidade
Esta causa de justificação vem prevista no art. 34º CP funcionando
relevantemente afasta a ilicitude do facto punível.
Quanto ao seu fundamento, assenta já numa ideia de ponderação de
interesses entre o bem jurídico ou interesse ameaçado por um perigo e o bem
jurídico ou interesse que se sacrifica para afastar esse perigo.
O interesse ou o bem jurídico cujo perigo se afasta tem que ser superior ao
interesse sacrificado. Isso diz-se expressamente um dos elementos do direito
de necessidade, nomeadamente pela verificação do preceituado do art. 34º-b
CP.
A causa de justificação ou de exclusão da ilicitude, designada direito de
necessidade ou estado de necessidade objectivo, também dito estado de
necessidade justificante (art. 34º CP), precisamente para distinguir do art. 35º
CP que prevê o chamado estado de necessidade, também dito estado de
necessidade subjectivo ou desculpante:
-         Enquanto que o direito de necessidade, ou estado de necessidade
objectivo ou justificador é uma causa de exclusão da ilicitude;
-         O estado de necessidade “tout court” ou estado de necessidade
subjectivo ou desculpante é uma causa de desculpa.
Consequências desta distinção:
Em primeiro lugar, enquanto no art. 34º CP é excluída a ilicitude do facto
típico, no art. 35º CP não se exclui a ilicitude do facto típico mas tão só a culpa.
É portanto uma causa de desculpa, o facto permanece típico e ilícito.
Se assim é, é possível haver uma situação de legítima defesa perante uma
situação de estado de necessidade do art. 35º CP. Já não é possível haver
uma situação de legítima defesa face ao art. 34º CP porque este exclui a
ilicitude e para efeitos da legítima defesa a agressão tem que ser actual e
ilícita. Se o facto está justificado pelo direito de necessidade, contra facto
justificado não há justificação.
Por outro lado, há uma importância também relevante porque, partindo da
teoria da acessoriedade limitada, não há comparticipação num facto justificado.
Ou seja, não se responsabilizam os comparticipantes se o facto imputado
estiver justificado. Assim, se o facto praticado pelo autor, o facto principal, for
um facto justificado pelo direito de necessidade do art. 34º CP os

87
comparticipantes, virtualmente cúmplices ou instigadores, não terão também
responsabilidade jurídico-penal, uma vez que o facto praticado é um facto lícito.
Já o contrário se passa no âmbito do estado de necessidade subjectivo ou
desculpante do art. 35º CP porque não há comparticipação num facto lícito,
mas já há comparticipação na culpa.
A culpa é um juízo de censura individualizado e pode existir uma causa de
desculpa que beneficie um determinado agente e não aproveitar aos demais.
Então só beneficia da causa de desculpa quem dela pode aproveitar, já
podendo responsabilizar-se criminalmente os comparticipantes a quem essa
causa de desculpa não aproveita. É por isso que a teoria se diz de
acessoriedade limitada: porque delimita a responsabilidade criminal dos
comparticipantes a um facto típico e ilícito praticado pelo autor. Se o facto for
típico, mas não for ilícito, já falta um dos requisitos da acessoriedade limitada,
portanto, já não há responsabilidade do participante.
As situações do art. 35º CP que têm relevância em sede de culpa (são
causas de desculpa) são aquelas em que o agente age numa situação em que
não tem uma normal liberdade de avaliação, de determinação e não lhe era
exigível que ele adoptasse um comportamento diferente: ou porque está numa
situação de flagrante desespero, de medo ou de coacção.
Pode-se então concluir que a superioridade que se exige nos termos do art.
34º CP entre o bem jurídico sacrificado e o bem jurídico ameaçado pelo perigo
não se mede em termos de quantidade: a quantidade não implica superioridade
qualitativa.
 
110.    Elementos do direito de necessidade
Em primeiro lugar, viu-se que por força do preceituado no art. 34º CP a
situação de perigo não pode ter sido voluntariamente criada pelo agente,
excepto se se tratar de proteger um interesse de terceiro.
O perigo tem que ser um perigo real e efectivo. Se o perigo for uma mera
aparência de perigo, estar-se-á então no âmbito do chamado direito de
necessidade putativo, aqui não há um perigo real e efectivo, há tão só um
perigo pensado ou suposto, o perigo é tão só na cabeça do agente, é uma
situação de direito de necessidade putativo, em que o perigo é só penado na
cabeça do agente e que se chama erro sobre os pressupostos de facto de uma
causa de justificação, cuja previsão normativa e regulamentação está no art.
16º/2 CP.
Por outro lado, o perigo que se visa afastar tem que ser um perigo actual, ou
seja, tem que ser um perigo que exista naquele momento ou que está iminente,
perigo esse que pode advir de factos naturais ou facto humanos . [41]

88
É preciso ainda que cumulativamente se verifique outro elemento desta
causa de justificação previsto no art. 34º-b CP: que exista uma sensível
superioridade entre o interesse a salvaguardar relativamente ao interesse
sacrificado.
Isto passa pela análise de se verificar qual é o interesse mais valioso, daí
que a doutrina por vezes aponte alguns índices para a determinação da
sensível superioridade que tem de existir entre o interesse salvaguardado e o
interesse sacrificado:
-         A medida das sanções penais cominadas para a violação dos bens
jurídicos em causa, por referência à axiologia constitucional;
-         Deve atender-se também aos princípios ético-sociais vigentes na
comunidade em determinado momento;
-         À modalidade do facto;
-         À reversibilidade ou irreversibilidade das lesões;
-         Às medidas de culpa;
-         À medida do sacrifício imposto ao próprio lesado.
Note-se quando se trate de bens eminentemente pessoais o seu número é
irrelevante para aferir a superioridade entre um e outro. Em caso de igualdade
de bens jurídicos, não há lugar à aplicação do art. 34º CP.
O último requisito previsto no art. 34º-c CP: a razoabilidade da imposição ao
lesado do sacrifício do seu interesse, tendo em atenção o valor e natureza do
interessa ameaçado.
Esta é uma limitação ético-social que visa proteger da violação a dignidade e
autonomia ética da pessoa de terceiro, pois o direito tem de se conter e de se
manter de certos limites, recuando mesmo, se necessário, em face desses
valores.
Elemento subjectivo:
O agente tem de conhecer a situação de perigo, actuado precisamente para
evitar esse perigo, que é uma probabilidade de lesão.
Se o agente desconhece a situação de perigo, mas objectivamente está
perante uma situação de direito de necessidade “mutatis mutandis” aplica-se o
regime geral da falta do elemento subjectivo da causa de justificação,
responsabiliza-se o agente por facto tentado, se a tal houver lugar.
 
111.    Estado de necessidade desculpante
Consagra-se no art. 35º/1 CP o estado de necessidade como obstáculo à
existência de culpa.
O agente fica excepcionalmente dispensado da pena (art. 35º/2, 2ª parte
CP). É que a isenção da pena e dispensa da pena são institutos diferentes (ver

89
art. 74º CP), enquadrando-se o art. 35º/2 CP o instituto da dispensa de pena,
porque ainda há culpa, embora em grau muito reduzido, e não no da isenção
de pena, que afasta logo abinitio a punibilidade do facto.
Os casos de identidade de valoração de bens jurídicos e aqueles em que o
bem sacrificado tem maior valoração que o ameaçado não cabem no âmbito do
direito de necessidade e têm portanto que ser resolvidos por via dos
normativos deste art. 35º CP.
A lei escalona a valoração de alguns dos interesses, pelo que se deve
observar a ordem por que os enumera o art. 35º/1 CP. Trata-se de interesses
eminentemente pessoais.
Para os casos em que a lei não refere expressamente, deverá entender-se
que em princípio os interesses eminentemente pessoais predominam sobre os
patrimoniais e que a própria lei, pela indicação dada através das sanções,
estabelece o escalonamento entre os interesses da mesma natureza.
A este respeito e dentro desta orientação, expendeu o Prof. Figueiredo dias
“…são conhecidas as dificuldades que uma avaliação em concreto da
hierarquia dos interesses conflituantes pode suscitar. Nesta matéria deve
bastar-me com acentuar que pontos de apoio para a levar a cabo são
oferecidos quer pela medida das sanções penais cominadas para a violação
dos respectivos bens jurídicos, quer pelos princípios ético-sociais vigentes na
comunidade em certo momento, quer pelas modalidades dos factos, a medida
da culpa ou por pontos de vista político criminais. Como ainda e também,
noutro plano, pela extensão do sacrifício imposto e pela extensão e premência
do perigo existente. Mas para além disso no novo Código existe ainda, para a
justificação, que seja razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em
atenção à natureza e ao valor do interesses ameaçado. Esta limitação ético-
social do direito de necessidade – independentemente de saber se ela poderá
ver-se já contida, ao menos em certa medida, na exigência de sensível
desproporção dos interesses conflituantes – é, minha opinião, de sufragar
incondicionalmente. O direito de necessidade, justificado, embora como disse
por razões de recíproco solidarismo entre os membros da comunidade jurídica,
tem em todo o caso de recuar perante a possibilidade de violação da dignidade
e da autonomia ética da pessoa de terceiro. E isso mesmo quer dar a entender
a alínea c) do art. 34º CP…”
Por maioria de razão, deve entender-se que há lugar a indemnização, se se
verificarem os seus pressupostos no caso de estado de necessidade
desculpante, pois que também o há no caso de direito de necessidade.

     Outras causas de exclusão da ilicitude

90
 
112.    Acção directa
Na acção directa visa-se não tanto repelir uma agressão, como na legítima
defesa, mas evitar a inutilização prática de um direito.
Aqui se exige como pressuposto a impossibilidade de recurso em tempo útil
aos meios coercivos normais e diz-se que o agente, para evitar a inutilização
prática de um direito, pode adoptar um dos comportamentos aqui descritos: ou
apropria-se de uma coisa, ou destrui-la, ou deteriorá-la ou opor uma certa
resistência.
Neste sentido, esta causa de justificação distingue-se também da legítima
defesa porque assenta já numa ideia de ponderação de interesses, na medida
em que o interesse inerente ao direito cuja inutilização o agente visa evitar tem
de ser superior ao interesse lesado com a actuação do exercício da acção
directa.
Distingue-se também da legítima defesa na medida em que esta causa de
justificação não exige já o requisito da actualidade, exigindo como qualificativo
da agressão na legítima defesa.
 
113.    Direito de retenção
O seu regime não está traçado no Código Penal, mas no Código de
Processo Penal.
De um modo geral quando uma pessoa for apanhada em flagrante delito de
um crime que corresponde a pena de prisão, os agentes da autoridade devem
deter esse indivíduo; os outros indivíduos, que não os agentes da autoridade
podem proceder à detenção.
Em princípio, enquanto que para as autoridade públicas se trata do
cumprimento de uma obrigação imposta por lei, para o comum dos cidadãos
existe a faculdade de poder exercer o direito de detenção.
E isto, porque de um modo geral as pessoas não se podem andar a prender
umas às outras, porque podem incorrer em responsabilidade criminal pelo tipo
de sequestro; ou eventualmente para deter outra pessoas podem ter de lhe
lesar a integridade corporal e pratica as ofensas corporais; ou podem ter de
coagir o indivíduo a um determinado comportamento, tudo isto são factos
típicos penalmente relevantes.
 
114.    Direito de correcção
Direito de correcção que os pais têm sobre os filhos e que os professores
têm sobre os alunos.

91
É esta uma causa de justificação entendida como de origem costumeira. O
costume não é fonte de direito em direito penal, mas quando funciona como
contra-norma, ou seja, afastando a responsabilidade penal do agente, portanto
no âmbito de uma norma favorável, já não lhe vê serem-lhe aplicadas as
limitações decorrentes do princípio da legalidade.
Portanto, o legislador aceita aqui o costume como causa de justificação ou
de exclusão da ilicitude.
Qual é o fundamento desta causa de justificação?
Só são detentores e só podem invocar esta causa de justificação
determinadas pessoas que tenham uma posição específica em relação a outra:
pais em relação a filhos, professores em relação a alunos.
Este direito de correcção deve ser aplicado utilizando precisamente o meio
adequado a exercer essa missão pedagógica do direito de correcção.
Quanto ao elemento subjectivo desta causa de justificação, tem-se o
“animus corrigendi”ou a intenção de corrigir. Portanto, o agente tem que se
aperceber da situação fáctica que carece de correcção e actuar com o
objectivo de pedagogicamente corrigir aquela situação.
Quando o agente, para corrigir, excede o limite imposto, quando se afasta do
meio necessário dentro da função pedagógica de reeducar, então já não há o
preenchimento desta causa de exclusão da ilicitude.
 
115.    Consentimento
O consentimento do ofendido está previsto, como causa de exclusão da
ilicitude no art. 38º CP. Importa distinguir:
-         Por vezes, o consentimento é uma causa de exclusão da ilicitude;
-         Noutros casos, o consentimento já não faz parte da ilicitude, não íntegra
uma causa de justificação, mas é um elemento do tipo ou da tipicidade,
podendo ser um elemento positivo ou um elemento negativo do tipo.
Existem determinados tipos legais que só estão preenchidos por exemplo
sem o consentimento do agente, neste caso o consentimento não é uma causa
de exclusão da ilicitude, mas um elemento negativo do tipo, tem que se
verificar a ausência do consentimento para que a tipicidade esteja preenchida.
Noutras vezes o consentimento é também um elemento do tipo, mas um
elemento positivo, nestes casos, para que o tipo esteja preenchido é
necessário que a vítima de alguma forma dê um certo consentimento à conduta
desenvolvida pelo agente.
Quando o consentimento é um elemento do tipo e ele não está presente, o
tipo está logo afastado; já não se vai ver se o comportamento do agente é ilícito
ou não.

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Quando o consentimento não for um elemento do tipo, mas uma causa de
justificação, então é que se tem de verificar se o comportamento típico do
agente está ou não justificado pelo art. 38º CP.
Desde logo são de referir as características da pessoa que dá o
consentimento, não é qualquer pessoa que pode validamente prestar o
consentimento: a lei indica desde logo no art. 38º/3 CP: só maiores de
quatorze anos podem, validamente consentir.
Por outro lado, tem de ser um consentimento actual (art. 38º/2 CP). E só
se admite o consentimento para justificar lesões a bens jurídicos que sejam
livremente disponíveis pelo seu titular.
A integridade corporal é um bem jurídico que pode ser de alguma forma
disponível. Portanto, há que adequar um pouco a motivação que leva ao
consentimento da lesão e também a relevância em termos de reversibilidade
ou irreversibilidade da lesão.
Quanto ao elemento subjectivo desta causa de justificação, é ele o
conhecimento do consentimento. No art. 38º/4 CP prevê-se a punibilidade para
o agente que actua perante uma situação objectiva de justificação, mas com a
falta do elemento subjectivo da causa de justificação, ou seja, no art. 38º/4 CP
prevê-se a punibilidade por facto tentado para quem lesar um bem jurídico
livremente disponível pelo seu titular, desconhecendo que o seu titular
consentia a lesão.
Consentimento presumido: vem previsto no art. 39º CP; neste há uma
situação em que se permite a lesão de determinados bens jurídicos, tendo em
conta que se o titular desses bens tivesses conhecimento das circunstâncias
em que a lesão ocorre, teria consentido essa mesma lesão.
 
116.    Conflito de deveres
É uma causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 36º CP. Trata-se
daquelas situações em que se torna lícito ao agente não cumprir um dever se
cumprir outro dever de categoria igual ou superior.
Se colidirem dois deveres a que o agente está obrigado, de igual valor, o
agente tem a liberdade de optar por um deles, não cumprindo o outro, sendo
certo que só tem a possibilidade de cumprir um deles.
Se colidirem dois deveres, um de natureza inferior e outro de natureza
superior, então está justificado o agente que não cumpre o dever de natureza
inferior satisfazendo um dever de natureza superior.
Colidindo imesuravelmente dois deveres, sendo certo que o agente só pode
cumprir um deles, está justificado o não cumprimento do outro dever ou da
outra ordem, se tiver valor igual ou inferior ao dever (ou ordem) que o agente

93
cumpre.
Esta causa de justificação, justifica-se, quando o cumprimento de um dever
superior em deterimento de um dever jurídico ou de uma ordem de valor
inferior, está aqui inerente uma ideia de ponderação de interesses.
Para o Prof. Figueiredo Dias, no âmbito do art. 36º CP só há conflito de
deveres quando colidem dois deveres de acção; já não é assim quando
colidem um dever de acção e um dever de omissão.
Há quem entenda (e parece bem) que podem coexistir um dever de acção e
um dever de omissão, desde o momento em que se trate de bens
eminentemente pessoais, ou de natureza pessoal, aí o dever de acção cede
sempre perante o dever de omissão.
 
117.    Causas de justificação supra-legais
A justificação supra-legal não encontra o seu regime plasmado na lei, mas
sai causas de justificação que se constroem a partir dos princípios gerais do
ordenamento jurídico e, mais concretamente, a partir dos princípios que
norteiam o regime jurídico da exclusão da ilicitude.
Assim, costuma a doutrina apontar duas causas de justificação supra-legais:
1)     A legítima defesa preventiva:
Esta é aceite naqueles casos em que o defendente actua antes da própria
agressão, mas com o intuito de a evitar, sendo aceite que o defendente não
pode esperar pelo momento da agressão sob pena da sua defesa ser
absolutamente ineficaz.
2)     O direito de necessidade (ou estado de necessidade) defensivo:
É uma causa de justificação supra-legal que nasceu para de alguma forma
dar cabimento à exclusão da ilicitude do crime de aborto, quando a interrupção
voluntária da gravidez era efectuada sob indicação médica na medida em que
o nascimento do feto poderia redundar na morte da mãe.
Para remover ou afastar o perigo de morte da mãe – mulher grávida –
admitia-se esta causa de justificação supra-legal.
Hoje em dia e face à nossa lei tem-se um regime especial de justificação
para o crime de aborto, e que se denomina precisamente “causas especiais de
justificação do crime de aborto”. São causas de exclusão da ilicitude especiais,
em sentido próprio. E isto porquê?
As causas de justificação estão plasmadas na parte geral e valem, em
princípio, para toda a parte especial, ou seja:
-         O consentimento enquanto causa de justificação pode servir para excluir
a ilicitude de uma ofensa corporal, ou a ilicitude de outro tipo qualquer;

94
-         A legítima defesa pode efectivamente justificar um homicídio, uma
ofensa corporal, ou um outro tipo legal de crime, mesmo um furto.
Agora existem causas tipificadas na parte especial que o legislador cria para
esses tipos concretos. Donde, as causas de justificação que estão contidas na
parte especial do Código Penal e que valem só para aquele tipo legal de crime
que a lei indica são designadas causas de justificação especiais.
Mas ainda se pode encontrar na parte especial do Código Penal causas de
justificação especiais, umas que o são em sentido próprio e outras que o são
em sentido impróprio.
Está-se perante causas de justificação especiais em sentido impróprio
quando elas, estando embora previstas na parte especial do Código Penal para
determinado tipo de crimes (e daí a sua especialidade) apresentam já uma
semelhança muito grande com o que esta preceituado na parte geral do Código
Penal a propósito do regime das causas de justificação. Outras causas de
justificação há que, estando previstas na parte especial, têm um regime jurídico
que não pode ser reconduzido, não tem atinência ou semelhança com o que
está preceituado na parte geral. Essas são as designadas causas de
justificação especiais em sentido próprio, de que é exemplo a justificação
do crime de aborto.
 
118.    Erro sobre os pressupostos de facto ou elementos normativos de
uma causa de justificação
Tem-se “mutatis mutandis” precisamente o inverso do que acontece
naquelas situações em que existe objectivamente uma situação de justificação
mas falta o elemento subjectivo.
Aqui é precisamente o contrário: o agente tem o elemento subjectivo, falta é
o elemento objectivo da justificação, por isso é que é uma causas de
justificação putativa.
São situações que são reconduzíveis ao art. 16º/2 CP que exclui o dolo; e
nos termos do art. 16º/3 CP ressalva-se a punibilidade a título de negligência.
São aquelas situações em que o agente representa erradamente que está
perante uma situação objectiva de justificação e actua com o elemento
subjectivo correspondente a essa mesma causa de justificação que ele julga
que está efectivamente presente, quando na realidade falta o elemento
objectivo: falta um pressuposto de facto um elemento normativo dessa causas
de justificação.
Para estas situações de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito de
causas de justificação, a solução esta consagrada no art. 16º/2 CP ou seja, o
erro sobre um estado de coisas que a existir excluiria a ilicitude do facto, exclui

95
o dolo.
Viu-se em sede do art. 16º/1 CP que fala em “erro sobre os elementos do
facto típico” –, o dolo que estaria excluído seria o dolo do tipo.
Agora aqui pergunta-se: como é que o dolo do tipo pode estar excluído se o
agente actuou, ainda que na convicção errada de que estava actuar em
legítima defesa, não deixou, em termos de tipicidade, de conhecer e querer
aquele resultado?
Como é que em termos de tipo ele actua como dolo e depois a
consequência do art. 16º/2 CP é excluir o dolo?
Daí, várias formulações para explicar esta solução deste tipo de erro:
1)     Teoria rigorosa da culpa
Os partidários desta teoria vêm dizer que no caso de erro sobre os
pressupostos de facto de uma causa de justificação, o dolo de tipo não está
excluído. Então, aquilo de que o agente pode beneficiar nestas situações de
erro é de uma atenuação da culpa, ou mesmo de uma exclusão da culpa.
E eles distinguem consoante o erro seja essencial ou não essencial,
consoante seja um erro evitável ou não evitável.
2)     Teoria limitada da culpa
Para os partidários desta teoria, a consequência do erro sobre os
pressupostos de facto ou elementos de direito das causas de justificação deve
ser a mesma das situações de erro de tipo: aplica-se na mesma a exclusão do
dolo como se de um erro de tipo se tratasse. E isto por analogia, ou seja, eles
chegam à conclusão de que nesta circunstância o dolo de tipo deveria estar
excluído, não porque dogmaticamente seja essa a solução, porque por um
processo analógico, ou por uma entidade de razão, se deve estas situações
como se de um verdadeiro erro de tipo se tratasse, portanto, por analogia
aplicam o mesmo regime do erro sobre elementos do facto típico – o erro do
art. 16º/1 CP.
Esta posição é de alguma forma criticável, mesmo quando o agente está em
erro sobre um elemento que a existir excluiria a ilicitude do seu facto, ele do
ponto de vista da tipicidade não deixa de actuar dolosamente, portanto, não faz
muito sentido excluir o dolo de tipo. Mas repare-se: nas situações de exclusão
do dolo de tipo (erro sobre elementos de facto, de direito ou sobre proibições)
do art. 16º/1 CP o dolo está excluído porque:
-         Ou há uma ignorância total da realidade;
-         Ou há uma errada representação da realidade.
Porque há um erro ignorância ou um erro suposição.
3)     Teoria dos elementos negativos do tipo

96
Elementos negativos do tipo são causas de justificação. O tipo é composto,
para estes autores, não só pela tipicidade positiva (elementos positivos do
tipo), mas também por elementos negativos, que são as causas de justificação,
tudo isto faz parte do tipo de ilícito, porque eles não separam tipicidade,
ilicitude e culpa como categorias diferenciadas.
Assim, as causas de justificação, que são elementos a ponderar em sede de
ilicitude, categoria autonomizada da tipicidade, para eles são elementos
negativos do tipo.
Ora, se as causas de justificação são elementos negativos do tipo, não
deixam de ser elementos do tipo, logo, se há um erro sobre um elemento de
uma causa de justificação, não deixa de haver um erro sobre um elemento do
tipo. Se é um erro sobre um elemento do tipo então o dolo de tipo está
excluído.
4)     Teoria do Duplo enquadramento do dolo em sede de tipo e em sede de
culpa (culpa dolosa)
O dolo tem um duplo enquadramento não só em sede de tipo, como
elemento subjectivo geral, mas também em sede de culpa como elemento
subjectivo do tipo, enquanto referenciador do facto proibido pela ordem jurídica
ou enquanto referenciador do facto exigido pela ordem jurídica, é o chamado
dolo de tipo, elemento subjectivo geral.
Mas em sede de culpa o dolo também tem alguma função a desempenhar: o
dolo, ou a culpa dolosa, manifesta já o grau mais censurável da deficiente
posição que o agente adopta para com a ordem jurídica quando se decide pela
prática de um facto ilícito, podendo e devendo decidir-se de forma diferente,
podendo e devendo decidir-se pelo lícito. Neste sentido ter-se-á a culpa dolosa
e o referenciador do dolo de culpa.
Assim, para quem faz esta bipartição entre o dolo de tipo e a culpa dolosa
(ou dolo de culpa) é fácil dizer que nestas situações de erro sobre os
pressupostos de facto de uma causa de justificação o dolo de tipo não está
excluído; então, quando muito, aquilo que se exclui é a culpa dolosa.
Nos termos do art. 16º/2 CP a estatuição é o “preceituado do número
anterior”, que é a exclusão do dolo; e que o dolo abrange também o erro sobre
pressupostos de facto ou de direito de causas de justificação ou sobre
elementos da culpa.
 
119.    Erro sobre a existência e erro sobre os limites de uma causa de
justificação (art. 17º CP)
Ambas as modalidades – erro sobre a existência e erro sobre os limites de
uma causa de justificação – são espécies do chamado erro sobre a ilicitude

97
indirecto ou erro sobre a proibição indirecto.
No âmbito do erro sobre a existência de uma causas de justificação, como
o próprio nome indica, tem-se desde logo aquela situação em que o agente
actua, tem consciência que aquilo que está a fazer é um facto ilícito, é
desaprovado pela ordem jurídica.
Mas pensa que aquele facto, no fim de contas irá ser aprovado pela ordem
jurídica porque ele está a actuar ao abrigo de uma causa de justificação que
julga existir, quando na realidade a ordem jurídica não conhece essa causa de
justificação, nem é possível inferi-la a partir dos princípios jurídicos gerais que
norteiam o regime jurídico da exclusão da ilicitude ou da justificação.
Erro sobre a proibição indirecto, porque o agente em princípio tem
consciência da ilicitude do facto, mas pensa que depois esse facto vai estar
justificado quando na realidade não vai. Por isso é um erro indirecto sobre a
proibição.
As situações de erro directo sobre a proibição são aquelas em que o
agente:
-         Actua conhecendo que aquilo que está a fazer é proibido;
-         Ou não actua, desconhecendo que agir era uma obrigação.
Nas situações de erro sobre a existência de uma causa de justificação, o
erro sobre a proibição já é indirecto, porque o agente tem consciência do
carácter ilícito do facto que pratica; ou tem consciência do carácter ilícito da
omissão que desenvolve.
Simplesmente, julga que depois esses factos vão ser aprovados pela ordem
jurídica, pela existência de uma causa de justificação ou de exclusão da
ilicitude que a ordem jurídica afinal não conhece.
Um outro tipo de erro sobre a proibição indirecto e que tem a ver com
causas de justificação ou de exclusão da ilicitude é o erro sobre os limites de
uma causa de justificação.
Aqui o agente age desconhecendo o carácter proibido da conduta que
empreende, mas está convencido que está a actuar ao abrigo de uma causa de
justificação, que na realidade existe e é reconhecida na lei; mas o agente erra
quanto aos limites dessa causa de justificação.
Tem-se, portanto as situações de erro sobre a proibição indirecto ou erro
sobre a ilicitude indirecto, seja erro sobre a existência ou sobre os limites de
uma causas de justificação, que não erros intelectuais, mas erros morais ou de
valoração, e como tal o regime de relevância é dado pelo art. 17º CP.
Então distingue-se consoante esses erros sejam erros censuráveis ou erros
não censuráveis, consoante esses erros sejam erros evitáveis ou erros
inevitáveis, e assim:

98
-         Se o erro for um erro evitável, logo um erro não censurável, nos termos
do art. 17º/1 CP a culpa está excluída;
-         Se pelo contrário for um erro censurável, porque evitável, nos termos do
art. 17º/2 CP o agente é punido com a pena correspondente ao crime
doloso que pode ser especialmente atenuada.
 
 
 
CULPA
 
120.    Culpa em direito penal
Para responsabilizar alguém criminalmente é necessário que essa pessoa,
para além de ter uma acção penalmente relevante, ou seja, simultaneamente
típica e ilícita, e também necessário que sobre essa pessoa que pratica esse
facto típico e ilícito recaia um juízo de censura de culpa, é necessário também
que o facto seja culposo.
A relação que se estabelece entre a ilicitude e a culpa não é feita nos
mesmos termos, porque a ilicitude não indica a culpa.
Um facto pode ser ilícito e não estar subjacente a esse facto qualquer juízo
de censura de culpa, por isso, a culpa é um pressuposto analítico da
punibilidade autónomo e é também um pressuposto material da punibilidade.
A culpa em direito penal em primeiro lugar é a negação da responsabilidade
objectiva . A responsabilidade penal tem que se fundar numa culpa concreta,
[42]

daí o preceituado no art. 18º CP quando se diz que “a imputação do resultado,


ainda que não previsto ou não querendo pelo agente, tem que ser feita pelo
menos a título de negligência”.
Nesse sentido a imputação do resultado tem na sua base um juízo de
censura da culpa, uma culpa concreta do agente, dolosa ou negligente.
A culpa é também um princípio de política penal ou criminal.
A culpa é o fundamento e o limite da medida da pena, isto é, não é possível
aplicar uma pena, que é a sanção característica do direito penal, a quem não
tenha actuado com culpa.
Daí que, a culpa seja o fundamento da pena. Mas a culpa é também o limite
da medida da pena, na medida em que consoante a maior ou menor culpa
manifestada pelo agente na prática do facto ilícito, daí a maior ou menor pena,
de acordo com a graduação da medida da pena (arts. 71º segs. CP).
 
121.    Culpa como categoria analítica de juízo penal

99
A ilicitude consistia num juízo de desvalor formulado pela ordem jurídica,
juízo de desvalor esse dirigido ao agente pela prática de um facto contrário à
ordem jurídica na sua globalidade.
Na culpa passa-se algo de diferente, também o juízo de culpa é um juízo de
censura, um juízo de desvalor dirigido ao agente, já não diferente sobre o facto
que ele praticado, mas, pela atitude que o agente expressa na prática de um
determinado facto, quando ao agente foi dada a possibilidade e se ter decidido
diferentemente, de se ter decidido de harmonia com o direito (em vez de se ter
decidido como decidido, pelo ilícito). Assim:
-         Enquanto que na ilicitude se verifica a violação de um dever;
-         Na culpa coexiste a ideia não de um dever, mas de um poder.
Na culpa, este juízo de censura é um juízo individualizado, dirigido ao
agente. Aquilo que se se censura ao agente é ele ter manifestado na prática de
um determinado facto uma certa atitude, querendo praticar esse facto (por
hipótese), quando podia ter actuado de uma forma diferente, quando podia ter
actuado de harmonia com o dever ser, de harmonia com o direito.
No juízo de censura der culpa aquilo que se censura ao agente é ele ter-se
decidido pelo ilícito, quando podia comportar-se de maneira diferente. Assim
sendo, o juízo de ilicitude tem de preceder necessariamente o juízo de culpa.
 
122.    Elementos da culpa
Ela é integrada desde logo:
-         Pela capacidade de culpa;
-         Pela consciência da ilicitude;
Um terceiro elemento, contestado por alguns autor, filia-se na,
-         Exigibilidade de adoptar um comportamento diferenciado.
Para fundamentar também um juízo de censura de culpa, é necessário que o
agente, não obstante ter capacidade de culpa e consciência da ilicitude do
facto que comete, não tenha actuado em circunstâncias tão extraordinárias, tão
exorbitantes, de tal forma que a sua liberdade de decisão, a sua liberdade de
captação ou de avaliação não esteja diminuída.
Há quem entenda que a culpa é composta por:
-         Dois elementos positivos:
       Capacidade de culpa;
       Consciência da ilicitude.
-         Um elemento negativo:
       Ausência de causas desculpa.
Pode-se então dizer que verdadeiras causas de exclusão da culpa são
aquelas que se filiam na ausência de capacidade de culpa ou de consciência

100
da ilicitude.
As causas de desculpa não excluem a culpa mas fazem com que aquele
facto seja tolerado pela ordem jurídica, em termos de não haver lugar à
punibilidade, à punição.
 
123.    Evolução do conceito de culpa enquanto categoria analítica
Para os clássicos a culpa era meramente psicológica, ou seja, cifrava-se na
relação do agente para com o facto praticado. E enquanto faziam parte da
ilicitude típica todos os elementos objectivos, era em sede de categoria
analítica da culpa que os clássicos arrumavam todos os elementos subjectivos.
Assim o dolo e a negligência seriam integrados, ou incluídos na culpa, como
elementos subjectivos (como formas de culpa).
Este conceito de culpa evoluiu, desde logo com os neo-clássicos, que
passam a encarar a culpa como um juízo de censurabilidade. Já não era só a
relação psíquica do agente para com o facto praticado que interessava, mas
era também necessário valorar elementos exteriores a essa relação psíquica,
para fundamentar um juízo de censura de culpa.
A culpa aparece aqui já impregnada de alguns elementos normativos, já não
é puramente subjectiva.
Efectivamente, Frank ao traçar a distinção entre direito de necessidade e
estado de necessidade subjectivo ou desculpante chega a esta conclusão.
Na verdade uma pessoa, ao praticar um facto, pode estabelecer para com
esse facto uma relação de dolo ou uma relação de negligência. A pessoa pode
ter querido praticar esse facto, ou a pessoa pode ter dado origem àquele facto,
porque precisamente não se preveniu no sentido de evitar violar determinados
deveres; e consequentemente, a violação desses deveres deu origem à prática
daquele facto.
Frank começa a filiar o fundamento das causas de desculpa com base na
ideia de exigibilidade: exigibilidade ou não de um comportamento diferenciado
daquele que foi tido pelo agente no caso concreto. A ilicitude:
-         É um juízo generalizado que a ordem fórmula, dirigido ao agente, mas
que incide sobre o facto por ele praticado;
-         É um juízo material e como tal, um juízo gradual: um facto pode ser mais
ou menos grave, ou mais ou menos ilícito.
No juízo da culpa, já não se trata de ver se o agente com o seu
comportamento violou um dever e se actuou em contrariedade com a ordem
jurídica na sua globalidade . Tem antes a ver com a ideia de poder,
[43]

consequentemente, é um juízo individualizado que recai sobre cada agente em


concreto. Então censura-se ao agente a atitude que ele revelou ao ter-se

101
decidido pela prática de um facto que viola as exigências de um dever, pela
prática de um facto ilícito, quando podia ter adoptado um comportamento
diferenciado. E podia porque:
-         Tinha capacidade de culpa;
-         Tinha consciência da ilicitude do facto; era-lhe exigível que adoptasse,
no caso concreto, um comportamento diferenciado, podia decidir-se de
harmonia com as exigências do dever, em conformidade com os ditames
da ordem jurídica.
Os finalistas adoptaram um conceito normativo de culpa, porque para eles e
de harmonia com o próprio conceito de acção que eles tinham (quer era uma
acção final), na culpa não interessava nada a relação psicológica que o agente
tinha com o facto praticado, porque essa relação psicológica é transposta, no
finalismo, para uma outra categoria analítica que é o tipo.
Os finalistas incluíram precisamente no tipo o dolo como elemento subjectivo
geral. Assim, os tipos ou são dolosos ou são negligentes.
-         São dolosos: o dolo é o elemento subjectivo geral do tipo;
-         São negligentes: o elemento subjectivo é a própria negligência.
A relação psicológica que se estabelece entre o agente e o facto por ele
praticado é reconduzida e analisada em sede de tipicidade. A culpa ficava
expurgada na sua subjectividade.
Mas os finalistas levaram isto ao extremo e fundamentaram o juízo de
censura de culpa e a culpa em ideias puramente valorativas, portanto, um
conceito de culpa normativo e valorativo, composto por vários elementos:
-         Capacidade de culpa;
-         Consciência da ilicitude.
Para alguns autores:
-         Exigibilidade de um comportamento diferenciado
E ainda, para outros autores:
-         Inexistência de processos anormais de motivação.
Sendo assim, numa análise pós-finalista da categoria dogmática da culpa,
pode-se concluir que o fundamento do juízo de censura de culpa é o poder, a
possibilidade que o agente tinha de observar os comandos da ordem jurídica.
E o agente só tem possibilidade de observar esses comandos impostos pela
ordem jurídica, essas exigências do dever, se:
-         Tiver capacidade de culpa;
-         Tiver actuado com consciência da ilicitude;
-         Não tiver actuado em circunstâncias tão extraordinárias que à ordem
jurídica não lhe reste outra alternativa senão tolerar ou desculpar o facto
praticado.

102
 
124.    Capacidade de culpa
Uma pessoa tem capacidade de culpa quando tem a possibilidade de
conhecer as exigências do direito e pautar o seu comportamento de harmonia
com essas exigências.
Portanto, há capacidade de culpa quando o agente reconhece ou tem
consciência ou pelo menos, tem a possibilidade de ter tido consciência da
ilicitude do facto e actua (ou pode actuar) de harmonia com essa valoração.
O Código Penal não define capacidade de culpa pela positiva, diz, pela
negativa, quem é que não é capaz de culpa, ou seja, quem é inimputável ; [44]

assim, inimputáveis ou incapazes de culpa, são:


-         Os menores de dezasseis anos (art. 19º CP);
-         Os portadores de anomalia psíquica ou de um estado patológico
equiparado (art. 20º CP).
Quem não tem capacidade de culpa não age com culpa. A falta de
capacidade de culpa, tal como a falta de consciência da ilicitude não
censurável, leva à exclusão da culpa.
Inimputabilidade em razão da idade
O legislador penal entende que só têm capacidade de culpa, no sentido de
poder reconhecer as exigências da ordem jurídica e pautar o seu
comportamento de harmonia com essas exigências, os maiores de dezasseis
anos, esse são penalmente imputáveis e sobre eles pode recair um juízo de
censura de culpa: têm culpa penalmente.
Um outro factor que pode excluir a capacidade de culpa, já não de razão
etária, é a verificação de um estado de anomalia psíquica que diminuía
efectivamente a capacidade de avaliação do agente, em termos de não lhe
poder permitir reconhecer o carácter ilícito dos seus factos e de se determinar
de harmonia com essa avaliação. No art. 10º/1 CP referem-se que é
inimputável em razão de anomalia psíquica. No art. 20º/2 CP equiparam-se
situações de anomalia psíquica grave em que, não obstante o agente no
momento da prática do facto poder reconhecer a ilicitude do facto ou
determinar-se de harmonia com essa valoração, pode o juiz declarar
inimputável essa pessoa.
No art. 20º/4 CP tem-se a chamada situação de inimputabilidade
provocada: são aquelas situações em que o agente propositadamente dá
origem a uma situação de incapacidade ou de inimputabilidade, tendo
efectivamente previsto nesse estado praticar um determinado crime, são as
chamadas acções livres na causa em que, nestas situações de
inimputabilidade provocada, a capacidade de culpa não está excluída. E são

103
acções livres na causa porque embora no momento em que o agente pratica o
facto penalmente relevante ele não tenha capacidade de culpa, ele foi livre no
momento anterior para reconhecer o carácter ilícito do seu facto e pautar o seu
comportamento de harmonia com o direito. Consequentemente, o facto não é
livre no momento da sua prática, mas é livre na causa.
Nesse sentido designam-se acções livres na causa e nestas situações a
capacidade de culpa não está excluída.
125.    Consciência da ilicitude
Uma pessoa actua com consciência de ilicitude quando sabe que aquilo que
está a fazer é proibido pela ordem jurídica na sua globalidade; ou quando a
pessoa sabe que actuar era uma obrigação e se abstém precisamente dessa
actuação, omitindo portanto uma acção que lhe era exigível.
Qual é a consciência da ilicitude que se exige ao agente?
Em primeiro lugar, aquilo que se exige ao agente não é uma consciência de
ilicitude formal, mas tão só uma consciência da ilicitude material.
Não se exige formalmente um conhecimento da proibição e da sanção
imposta para a violação daquele pressuposto legal, porque senão só tinha
consciência da ilicitude quem fosse de alguma forma jurista ou penalista.
Portanto, o que se exige é uma consciência da ilicitude material, no sentido de
que aquele comportamento é valorado do ponto de vista axiológico em termos
de ser censurado ético-socialmente. Basta o conhecimento da censura ético-
social do comportamento para que se forme a consciência da ilicitude do facto.
Por outro lado, esta consciência da ilicitude pode ser firmada e pode-se dizer
que o agente actua ainda com consciência da ilicitude, ainda que se trate de
uma consciência da ilicitude eventual.
O que filia o juízo de consciência da ilicitude não é o carácter moral ou
imoral da conduta empreendida pelo agente, porque a valoração moral ou
imoral de um comportamento não coincide sempre com a valoração jurídico-
penal do comportamento ilícito.
Portanto, neste conceito de ilicitude, tão só basta a consciência da ilicitude
material.
Pode acontecer contudo que uma pessoa actue e pratique um facto ilícito e
venha depois a juízo defender-se, dizendo que actuou sem saber que aquilo
que fez é proibido, ou que não actuou precisamente porque desconhecia que
actuar era uma imposição.
Nestes casos, está-se perante situações de erro sobre a ilicitude em que o
agente desconhece o carácter ilícito daquilo que fez, ou desconhece o carácter
ilícito daquilo que efectivamente não fez (e ilícito porque deveria ter feito).

104
Estas situações de erro sobre a ilicitude estão plasmadas no art. 17º CP, o
Prof. Figueiredo dias chama de erro moral ou de valoração.
 
126.    Erro sobre a ilicitude
A propósito do art. 17º CP costuma-se chamar-se-lhe de erro sobre a
ilicitude ou erro sobre a proibição, ainda que seja mais correcto chamar-lhe erro
sobre a ilicitude, porque factos ilícitos não são só acções que violam
proibições, mas também omissões de acções e/ou exigências, consoante os
factos sejam por acção ou por omissão, consoante as normas sejam proibitivas
ou perceptivas. Neste sentido é mais abrangente a designação de erro sobre a
ilicitude, porque abrange quer as acções quer as omissões.
No âmbito deste erro sobre a ilicitude, também designado menos
correctamente erro sobre a proibição, distingue-se o erro sobre a proibição
cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável e exigível ao agente
para ele tomar consciência da ilicitude, que é o erro que se encontra
consagrado no art. 16º/1 3ª parte CP, esse sim um erro de natureza intelectual.
A distinção do erro sobre as proibições do art. 16º/1, 3ª parte CP do erro do
art. 17º CP (erro moral ou de valoração) que é também um erro sobre as
proibições é a seguinte:
- As proibições de que se fala na 3ª parte do art. 16º/1 CP são, dentro das
proibições novas, tão só aquelas que são axiologicamente neutras.
Valorativamente neutras, ou que não contenham em si uma censurabilidade
ético-social.
O erro sobre a ilicitude ou sobre as proibições do art. 17º CP pode ser de
duas naturezas: ou de um erro directo sobre a ilicitude; ou um erro indirecto
sobre a ilicitude.
Sendo que no âmbito do erro indirecto sobre a ilicitude, tem-se o erro sobre
a existência de uma causa de justificação e o erro sobre os limites de uma
causa de justificação. Portanto, um erro sobre normas permissivas.
No erro sobre a ilicitude tem-se aquelas situações em que no fim de contas o
agente erra é sobre a permissão do comportamento. Repare-se: na justificação
de erro sobre a existência de uma causa de justificação, o agente quando
actua sabe que aquilo que está a fazer é um facto ilícito, mas julga que esse
facto ilícito vai ser aprovado pela ordem jurídica pela intervenção de uma causa
de justificação, causa de justificação essa que o ordenamento jurídico
português não conhece e que nem é possível inferir a partir dos princípios que
norteiam o regime jurídico da justificação.
Conforme diz o art. 17º CP tem-se de verificar se se tratam de erros
censuráveis ou erros não censuráveis, isto é, se se tratam de erros evitáveis ou

105
não evitáveis.
Nos termos do art. 17º/1 CP se o erro sobre a ilicitude for um erro não
censurável, for um erro inevitável, então o agente age sem culpa, por isso, o
erro sobre a consciência da ilicitude não censurável exclui da culpa.
Pelo contrário, se o erro for censurável porque era um erro evitável, diz o art.
17º/2 CP que o agente será punido com a pena correspondente ao crime
doloso praticado, contudo, pode beneficiar de uma atenuação especial
facultativa da pena.
Pode-se dizer que o Código Penal traduz uma teoria da culpa em
deterimento daqueles que propunham uma teoria do dolo.
 
127.    Teorias do dolo
Para os partidários desta teoria, o dolo fazia parte da culpa. E o dolo, dentro
do seu elemento, era integrado também pela consciência da ilicitude. O dolo,
ao lado do conhecer e querer um determinado facto era também integrado pela
consciência da ilicitude: o agente tinha de conhecer e querer um determinado
facto sabendo que esse facto era ilícito.
Para a teoria rigorosa do dolo este era integrado na culpa, porque a culpa
era predominantemente subjectiva. Sendo assim, faltando a consciência da
ilicitude, faltaria um elemento do dolo, faltando um elemento do dolo, ele tinha
de estar excluído.
A esta teoria seguiu-se uma outra, a teoria limitada do dolo que diz: sendo
embora o dolo integrado na culpa e composto também pela consciência da
ilicitude, se faltar a consciência da ilicitude falta um elemento do dolo, logo não
se pode punir o agente a título doloso, com uma excepção: aqueles casos em
que faltou a consciência da ilicitude por cegueira jurídica ou inimizade ao
direito.
As teorias do dolo levavam a esta situação: quando se actua sem
consciência da ilicitude, como esta é um elemento do dolo, falta um elemento
do dolo, logo está afastado.
 
128.    Teorias da culpa
Os partidários desta teoria vêm dizer, que o dolo é um elemento do tipo e é
um elemento subjectivo geral (foi uma conquista dos finalistas),
A consciência da ilicitude não é ponto de referência do dolo: a consciência
da ilicitude não integra o dolo, mas é antes um elemento autónomo da culpa, e
consequentemente a faltar a consciência da ilicitude o que pode estar excluído
é a culpa. E é isso que se tem no art. 17º CP:

106
-         Se o agente actua sem consciência da ilicitude e se essa falta de
consciência da ilicitude não lhe é censurável, a culpa está excluída;
-         Se pelo contrario o agente actua sem consciência da ilicitude, mas esse
erro é um erro censurável, então o agente é punido por dolo, podendo a
pena ser atenuada na culpa manifestada pelo agente.
O Código Penal secunda a teoria da culpa, ou seja, pode-se dizer que o
entendimento das teorias da culpa estão de harmonia com o preceituado no
art. 17º CP.
 
129.    Critérios de censurabilidade do erro no art. 17º CP
Existem vários critérios.
Um critério que tende de alguma forma a objectivar um pouco do critério da
censurabilidade ou não do erro, faz esta análise da evitabilidade ou
inevitabilidade do erro da seguinte teoria, coloca um agente médio na
posição do agente real e pergunta se para esse agente médio era nítido que o
facto praticado era um facto ilícito ou não, e assim:
-         Se para um agente médio colocada nas mesmas circunstâncias também
não fosse evidente que o facto era um facto ilícito, ter-se-ia um erro não
censurável, logo a ser filtrado nos termos do art. 17º/1 CP;
-         Se para esse agente médio colocado nas mesmas circunstâncias do
agente o facto praticado se manifestasse ilícito, então nesse sentido, ter-
se-ia um erro censurável, com relevância nos termos do art. 17º/2 CP.
Um critério um pouco mais complicado, é a teoria de Roxin faz a pergunta ao
agente que comete o facto de que vem alegar desconhecimento da sua
ilicitude, ou desconhecimento da sua proibição, faz perguntar se seria de
alguma forma legítimo impor ao agente que ele pelo menos suspeitasse do
carácter ilícito do facto por si praticado.
Então, se se puder dizer que realmente naquelas circunstâncias era de
alguma forma, exigível que ele pelo menos desconfiasse do carácter ilícito do
seu facto, e então se desconfiou tinha a obrigação de se ir informar, saber se
aquilo que ele suspeitou ser ilícito era na verdade lícito ou ilícito.
Esta violação do dever de informação com base numa suposição funda e
efectivamente a censurabilidade do erro e, portanto, a possibilidade de punir o
agente por facto doloso nos termos do art. 17º/2 CP.
Se pelo contrário naquelas circunstâncias não fosse minimamente exigível
que o agente suspeitasse do carácter ilícito do facto, então ele também não
teria nenhuma obrigação de se informar. E daí a inevitabilidade do erro, em que
todas as pessoas incorreriam. E o erro não censurável aí teria relevância nos
termos do art. 17º/1 CP, excluindo a culpa.

107
 
130.    Exigibilidade de um comportamento conforme ao direito
Há autores que consideram um terceiro elemento da culpa, que é a
exigibilidade de um comportamento conforme ao direito, ou de harmonia com o
dever ser.
Esta exigibilidade para determinados autores é, ao lado da capacidade de
culpa e da consciência da ilicitude, um verdadeiro elemento da culpa. E não
existindo este elemento, ou seja, não sendo no caso concreto exigível ao
agente que ele adopte um comportamento diferente, um comportamento de
harmonia com o direito, então falta um elemento da culpa e a culpa tem de
estar excluída. É nomeadamente a posição de Frank.
Por outro lado, autores há que consideram que esta exigibilidade não é um
verdadeiro elemento da culpa.
A exigibilidade do comportamento conforme o dever ser, ou conforme ao
direito, não sendo elemento da culpa, não a exclui, pode é fundamentar uma
desculpa, é o caso de Roxin.
E há quem entenda que a exigibilidade é apenas um princípio de direito
regulativo sem conteúdo material, e consequentemente nem é elemento da
culpa, nem fundamenta toda a desculpa.
Donde, aquilo que se vai entender é que compõem a culpa dois elementos
positivos:
-         Capacidade de culpa;
-         Consciência de ilicitude.
E um elemento de natureza negativa:
-         A ausência de causas de desculpa.
Causas de desculpa, estas que, a verificarem-se, não excluem a culpa do
agente, porque o agente tem capacidade de culpa e consciência da ilicitude.
Mas causas de desculpa porque o agente, não obstante ter esses dois
elementos da culpa actuam em circunstância tão extraordinárias e de alguma
forma tão anormais que toldam a normal capacidade de avaliação e de
determinação. Sendo certo que a ordem a ordem jurídica não pode deixar de
tolerar os factos praticados por essas pessoas nessas circunstâncias,
consequentemente procede a uma desculpa.
Pode-se dizer que, faltando um dos elementos da culpa:
-         Capacidade de culpa;
-         Consciência da ilicitude (não censurável).
A culpa está excluída, são as causas de exclusão da culpa.
 
131.    Causas de exclusão da culpa

108
São três, as causas de exclusão de desculpa previstas no Código Penal:
-         O excesso de legítima defesa (art. 33º CP);
-         O estado de necessidade subjectivo ou desculpante (art. 35º CP);
-         Obediência indevida desculpante (art. 37 CP).
A verificar-se uma destas situações, a culpa está excluída, mas o facto
permanece necessariamente ilícito, uma vez que o juízo de ilicitude procede
necessariamente o juízo de culpa.
a)     Excesso de legítima defesa (art. 33º CP)
Neste artigo 33º CP tem dois números:
O n.º 1 onde prevê-se a legítima defesa excessiva, ou um excesso intensivo,
que tem a ver só com o excesso do meio empregue para repelir a agressão.
Nesse sentido, esse excesso intensivo pode ser um excesso consciente ou um
excesso inconsciente.
Roxin diz que nestes casos de excesso intensivo previsto no art. 33º/1 CP:
-         Quando ele é consciente, o agente pode ser punido por dolo;
-         Quando ele é inconsciente, o agente pode ser punido por negligência.
Sendo certo que se tem de verificar sempre e em todo o caso a
consequência do art. 33º/1 CP que leva a uma atenuação especial da pena . [45]

No n.º 2 prevê-se a situação retinta de desculpa quando o excesso nos


meios empregues tiver resultado de medo, susto ou perturbação não
censurável.
É um estado afecto asténico em que o defendente se encontra, e
consequentemente esse estado afecto a uma certa astenia leva à desculpa.
b)     Estado de necessidade subjectivo ou desculpante (art. 35º CP)
Esta causa de desculpa exige uma ideia de uma certa proporcionalidade,
porque se filia já numa certa exigibilidade.
Também esta causa de desculpa tem um elemento subjectivo, que é a
consciência que as pessoas têm do perigo e a vontade que têm de actuar para
remover esse perigo. No entanto, esta causa de desculpa só existe
verdadeiramente nos termos do art. 34º/1 CP quando estiverem em perigo
única e exclusivamente os bens jurídicos aí descriminados. Quando estiverem
em perigo outros bens que não estes, a solução é dada pelo n.º 2 do art. 34º e
não pela n.º 1.
Por outro lado, esta causa de desculpa pode encontrar um determinado
fundamento na exigência de um comportamento contrário, de um
comportamento conforme ao dever ser.
A exigibilidade inculca aqui, no âmbito do estado de necessidade, já uma
ideia de proporcionalidade.
Em primeiro lugar, tem de se afastar um perigo grave, não é qualquer perigo.

109
Depois, o facto ilícito praticado para remover esse perigo tem de ser o único
facto adequado e necessário à remoção do perigo. Não pode haver outro,
porque se houver já não há desculpa.
Significa que tem de haver sempre uma determinada proporcionalidade, sob
pena de se dizer que era sempre exigível a adopção de um comportamento
diferenciado para a remoção do perigo. Portanto, aqui a ideia de exigibilidade
inculca uma ideia de proporcionalidade entre o bem em perigo e o bem que se
lesa para remover esse perigo.
A exigibilidade de adopção de um comportamento conforme o direito é de
alguma forma um princípio meramente regulativo. E isto porque a ser um
verdadeiro elemento da culpa, ou é para toda a gente ou não é para ninguém.
Então a exigibilidade não sendo elemento da culpa, pode fundamentar uma
situação de desculpa, ou seja: poderá em determinados casos dizer-se que há
culpa, porque o agente tem a capacidade de culpa e consciência da ilicitude e
ainda lhe era possível actuar na harmonia com o direito.
c)     Obediência indevida desculpante (art. 37º CP)
Ainda pode ser desculpado quem cumpre uma ordem de um superior
hierárquico sem ser pelo agente evidente, no quadro das circunstâncias em
que o conhecimento daquela ordem desembocasse na prática de um crime.
Tem-se aqui uma situação de erro sobre a ilicitude.
Cessa o dever de obediência hierárquica quando tal se traduzir na prática de
um crime. No entanto, quando o agente actua em obediência a uma ordem não
sendo para si evidente, no quadro das circunstâncias que ele representou, que
essa ordem conduz à prática de um crime, esse facto pelo agente praticado é
um facto típico e ilícito, mas o agente beneficia de uma desculpa.
 
132.    Erro sobre os elementos de uma causa de desculpa
Este erro, em que o agente julga existir mas que na realidade não existe leva
também, nos termos do art. 16º/2 CP à exclusão do dolo, ressalvando-se nos
termos do art. 16º/3 CP a punibilidade por negligência nos termos gerais.
Este erro exclui o dolo ressalvando-se a punibilidade por negligência nos
termos gerais. Este erro exclui o dolo, ressalvando-se a punibilidade por
negligência nos termos do art. 16º/3 CP.
Tipos de culpa
São elementos que caracterizam a atitude do agente expressa no facto. São
elementos caracterizadores da atitude do agente, são pois elementos
objectivos daquilo que constitui o juízo de censura de culpa.
 
133.    Conclusão

110
A culpa é uma categoria analítica da sistemática do facto punível.
É uma categoria material e como tal, um conceito graduável, ou seja, o
mesmo facto pode ser passível de um maior ou menor juízo de censura de
culpa, de harmonia com a atitude expressa pelo agente na prática do facto, em
termos de poder ter adoptado sempre um comportamento diferenciado daquele
que adoptou, o agente podia sempre ter actuado licitamente e optou por actuar
ilicitamente. E o agente podia ter actuado de harmonia com o direito
precisamente porque:
-         Tinha capacidade de culpa, ou seja, tinha capacidade para avaliar o
carácter ilícito do facto e determinar-se, por essa avaliação;
-         Teve conhecimento do carácter ilícito do seu facto; e
-         Não actuou em circunstâncias tão extraordinárias que o desculpem.
Nesse sentido, a culpa é um conceito material e graduável:
-         Quanto maior for a censura da culpa, maior a pena do agente;
-         Quanto menor for a censura, menor a pena do agente conforme resulta
dos arts. 72º segs. CP.
Inclusivamente, que a culpa é um conceito graduável atestam entre outras:
-         As normas do art. 17º/2 CP em caso de erro censurável sobre a ilicitude
pode haver lugar a uma atenuação especial da pena, que é fundada no
grau de culpa manifestado pelo agente;
-         Prova-o o preceituado no art. 33º/1 CP em caso de excesso intensivo
nos meios empregues na legítima defesa, pode haver também lugar a
uma atenuação;
-         Prova-o o art. 35º/2 CP.
 
 
COMPARTICIPAÇÃO CRIMINOSA
 
134.    Introdução
A matéria da comparticipação encontra-se prevista nos arts. 26º, 27º, 28º e
29 CP.
A comparticipação criminosa postula em que várias pessoas concorrem para
a prática de um facto penalmente relevante.
Pode-se genericamente definir a comparticipação criminosa para o direito
português como uma situação de pluralidade de intervenientes num facto.
O problema que as regras de comparticipação criminosa visam responder é
saber, dentro da prática de um facto, quem é que é responsável, porquê e em
que termos.

111
As regras da comparticipação criminosa são regras necessárias para no
fundo se poder aplicar as regras da parte especial a outras pessoas que não
apenas àquelas que praticam o facto por si mesmas.
Sendo certo que as normas da parte especial carecem em alguns casos das
normas da parte geral para integrar outros comportamentos, as normas dos
arts. 26º e 27º CP são normas que por si só não têm valor, são normas que se
têm que relacionar com as normas da parte especial.
E nestas relações entre as normas dos arts. 26º, 27 e até o art. 28º CP com
as normas da parte especial, tem-se no fundo um conjunto de outras regras.
As regras dos arts. 26º, 27º, e 28º CP são regras de extensão da
tipicidade, ou seja, são regras que visem no fundo tornar típicos
comportamentos que não eram típicos.
As regras da comparticipação criminosa visam valorar contributos que não
são imediatamente subsumíveis aos tipos de ilicitude da parte especial.
Em segundo lugar, trata-se de regras que, em conjunto com a(s) regra(s) da
parte especial, criam uma nova regra de valoração jurídica, nesse sentido
estendem a tipicidade da parte especial.
A comparticipação criminosa assenta na distinção fundamental entre autoria
e participação.
As diversas figuras da autoria e da participação por referência à lei são as
seguintes:
a)     Autoria (art. 26º CP)
-        Autoria singular;
-        Autoria mediata; co-autoria
Figuras que estão previstas no art. 26º CP.
a)     Participação criminosa são formas de envolvimento menos grave,
pressupõem sempre um autor e são:
-        A instigação corresponde, aquele que dá uma indicação, dá uma
ordem a outrem para que esse outrem cometa um facto ilícito;
-        A cumplicidade é o acto de auxílio, de apoio a um facto praticado por
outrem.
 
135.    Autoria
A ideia básica que está subjacente a um conceito extensivo de autoria é a da
equiparação causal dos diversos contributos: quem é causa de um facto, ou
quem se torna causal por um facto, é o autor do mesmo.
Este conceito extensivo pode ainda ser visto puramente como um conceito
extensivo ou, de uma forma mais radical, como um conceito unitário, isto é: há
quem entenda que se teria de partir de uma ideia de causalidade; e sempre

112
que ela fosse essencial para o facto ter-se-ia um autor.
Se porventura alguém fosse causal para o facto, mas o seu contributo não
fosse essencial, já não se teria autor .
[46]

Esta posição distingue-se de uma outra, também de base causalista, que é


mais radical, que é esta: a partir do memento em que se identifica que alguém
é causa, não há distinções a fazer, todos são autores (trata-se por exemplo do
sistema seguindo no direito austríaco).
O conceito extensivo parte de uma ideia de causalidade, mas há formas
radicais de ler este conceito extensivo:
-         Um conceito causal de autor pode ser unitário, e no conceito unitário
quem der causa ao homicídio é autor sempre, independente da distinção
que se possa fazer quanto à essencialidade da causa.
-         Num conceito meramente extensivo parte-se duma ideia de causalidade,
mas pode-se fazer distinções consoante o contributo seja essencial ou
não seja essencial.
O Código Penal separou claramente os cúmplices dos autores, rejeitando
um conceito unitário de autor.
Se ler-se os arts. 26º e 27º CP vê-se que no art. 27º CP o cúmplice é
sempre punido de uma forma menos grave que o autor, o que é um elemento
interpretativo bastante claro no sentido de se poder dizer que o Código Penal
não aceitou uma equiparação total entre os diversos intervenientes, ou seja
rejeitou o conceito unitário de autor.
Por outro lado, pode-se dizer também que rejeita um conceito extensivo de
autor, e isto por duas razões:
1)     Porque prescindiu de qualquer referência à causalidade;
2)     Porque na perspectiva do Prof. Eduardo Correia, quando os cúmplices
prestassem um contributo essencial seriam autores.
O Código Penal rejeitou um conceito extensivo de autor, porque o conceito
extensivo de autor admitia no fundo uma cisão da cumplicidade. O Código
Penal não admite essa cisão:
-         Por referência ao conceito extensivo do autor quem forneça uma arma
imprescindível para a prática do facto ilícito é considerado autor desse
facto ilícito;
-         Para o Código Penal, quem forneça uma arma é sempre considerado
cúmplice, por mais essencial que seja o contributo.
Ao não admitir esta distinção a cumplicidade essencial e a cumplicidade não
essencial o Código Penal também rejeitou um conceito extensivo de autoria.
 
136.    Conceito causal de autor no sistema comparticipativo

113
Uma primeira distinção fundamental consiste em distinguir os autores de
participantes:
-         Os autores dos factos são pessoas que perante o facto têm uma posição
mais importante, mais decisiva;
-         Participantes são aqueles que têm um envolvimento mais distante com o
facto, isto é, um envolvimento menos importante.
Esta distinção entre autor e participante, que é uma distinção doutrinária,
pode ser concretizada por referência a diversos critérios, e há
fundamentalmente três critérios que pretendem operar esta distinção entre
autor e participante:
1)     O critério formal objectivo;
2)     As teorias subjectivistas;
3)     Os critérios materiais objectivos.
 
137.    Teoria (ou critério) formal objectivista
Diz que o autor é o sujeito que executa a conduta típica. Se a conduta típica
é matar, a questão traduz-se em saber quem é que mata a vítima.
A conduta típica é matar alguém, a teoria formal objectiva diz que quem
executa a conduta típica é que é o autor. Então, tem-se o problema ainda por
resolver, porque é exactamente o problema de saber a quem é que pode ser
imputado o facto total quando há contributos parciais que se tem em mãos na
comparticipação criminosa, ou seja, a teoria formal objectiva supõe que está
definido que pretende definir: é a execução da conduta típica.
A teoria formal não permite dar uma resposta, ou seja, não resolve o
problema fundamental da comparticipação criminosa que é saber, quando
existe divisão de tarefas, como é que essas diversas tarefas são valoradas.
Em rigor, a teoria formal objectiva mais não seria do que a aplicação dos
próprios tipos da parte especial. E por essa razão parece que ela não resolve
coisa alguma do ponto de vista de esclarecer a comparticipação criminosa. O
problema fundamental está em saber como é que se podem valorar certos
contributos perante a execução de um facto típico quando há divisão de
tarefas.
Quando há divisão de tarefas, por regra há pessoas que não praticam o
facto típico tal como ele está integralmente descrito, isto é, praticam apenas
parcelas daquilo que poderia ser o facto típico.
Portanto, a teoria formal objectiva é nesta perspectiva uma teoria
consideravelmente inútil. Seria aparentemente respeitadora do princípio da
tipicidade, mas mesmo assim não permitira resolver os casos mais
complicados, que seriam sempre os de divisão de tarefas ou da intervenção de

114
uma pluralidade de pessoas.
 
138.    Teoria subjectivista
A teoria subjectivista distingue-se os autores dos participantes com base na
seguinte ideia fundamental:
-         Autor é aquele que tiver “animus auctoris”, ou seja, quem tiver intenção
de se envolver no facto como autor;
-         Participante será aquele que tiver “animus socii”, ou seja, de mero
envolvimento, desligado no fundo do próprio facto; tem um envolvimento,
mas não tem intenção de se comportar verdadeiramente como autor.
Esta teoria padece de vários vícios.
O primeiro é um vício de técnica jurídica ou dogmática jurídica que é este: o
problema da comparticipação criminosa é um problema de tipicidade objectiva
e traduz-se em saber como é que certos contributos, que são objectivos,
podem ser vistos na valoração de um facto concreto.
Um outro problema é o da imprecisão das teorias subjectivas. O que é o
“animus auctoris” e que é o animus socii”? A doutrina maioritária nesta sede,
que se defendem estas teorias, reportava-se no fundo ao interesse na prática
do facto, mas quando aplicado, este critério gerou situações perfeitamente
bizarras.
Isto subverte completamente o problema objectivo, isto é, o problema da
comparticipação criminosa é um problema de tipicidade objectiva e em função
do interesse na prática do facto subverte-se completamente a postura dos
agentes perante a lesão do bem jurídico.
Por outro lado e em terceiro lugar, as teorias subjectivas não têm qualquer
apoio legal, reportam-se a elementos da intencionalidade que não fazem parte
dos tipos, sintetizando:
-         Em primeiro lugar, são critérios tecnicamente contraditórios porque
tentam resolver problemas de tipicidade objectiva, ou seja, de
contributos, com base em critérios subjectivos;
-         Em segundo lugar, são critérios muito imprecisos, mas se identifica bem
qual é no fundo o “animus” relevante;
-         Em terceiro lugar, conduz a soluções discrepantes, ou seja, quem tem
interesse mas não pratica o facto é autor; quem pratica o facto mas não
tem interesse em rigor não é autor.
 
139.    Critérios materiais objectivos
O critério do Prof. Eduardo Correia é um critério material objectivo, isto é, o
conceito causalista de autor tem uma base material de natureza objectiva:

115
quem presta um contributo que é essencial ao cometimento do facto é
considerado autor.
Na perspectiva do Dr. Costa Pinto o conceito causalista de autor não deve
ser aceite, por duas razões fundamentais.
Em primeiro lugar, o preenchimento do tipo a título de autor depende de
factores completamente aleatórios, porque repare-se: quando se valora um
contributo como essencial ou não essencial, esta essencialidade pode
depender de factos que são alheios ao contributo e que são aleatórios.
Por outro lado, depende de factores completamente aleatórios.
Mas há ainda uma segunda crítica que é mais importante do que esta: é a
teoria causalista do Prof. Eduardo Correia, trata da mesma forma contributos
que, de acordo com a experiência comum, são diferentes.
A tese causalista trata da mesma forma realidades que de acordo com a
experiência comum são diferentes, contudo a teoria causalista uniformiza-os a
todos, trata todos da mesma forma. E nesta medida em que uniformiza
realidades que de acordo com a experiência comum são diferentes, viola o
núcleo elementar do princípio da justiça, viola o princípio da proporcionalidade,
as valorações jurídicas não podem ser as mesmas porque o contributo lesivo
de cada um destes actos é diferente.
 
140.    Teoria do domínio do facto
Esta é ainda uma teoria material objectiva.
Ela é formulada pela primeira vez de uma forma mais rigorosa por Welzel.
Este autor considerou, perante nomeadamente a sua concepção finalista, que
o autor era a pessoa que exercia o domínio final do facto, quem não tivesse
esse domínio final do facto então devia ser punido apenas como participante.
Este conceito que foi formulado por Welzel e que foi trabalhado
posteriormente por Roxin tem imensas virtualidades.
O que é o domínio do facto?
A ideia do domínio do facto parte desta ideia fundamental: o autor de um
facto ilícito é aquele que tem o poder de fazer avançar o facto ilícito, isto é, que
tem o poder de provocar a agressão no bem jurídico.
Domínio do facto é portanto um certo poder de fazer evoluir um perigo para
um bem jurídico, mas este poder de fazer evoluir algo significa duas
modalidades fundamentais no domínio, este domínio pode ser positivo ou
negativo:
-         O domínio do facto é positivo, na perspectiva de Roxin, quando o
domínio de fazer evoluir o facto para a consumação;

116
-         O domínio do facto é negativo, é apenas o domínio de frustrar o avanço
para a consumação.
Roxin retira daqui um ideia extremamente importante: se qualquer pessoa
pode ter no fundo o domínio negativo, isso não caracteriza a autoria, o que
caracteriza a autoria é o domínio positivo do facto.
O que é o domínio positivo do facto?
Para Roxin é dominar a consumação do tipo, isto é, dominar a consumação
do facto ilícito descrito na parte especial.
De acordo com outro autor Bachmann, a única realidade dominável não são
os resultados é o perigo. O perigo sim, é que é uma realidade susceptível de
ser dominada, e isto parece correcto: o objecto do domínio é o perigo.
Por isso pode-se definir o conceito de domínio do facto, ou o conceito e
autor, por referência ao domínio do facto, como o exercício de um domínio
positivo sobre o perigo, ou seja:
-         Quem tem o poder de fazer avançar o perigo para o bem jurídico é autor
desse facto;
-         Quem não detém esse poder, não é autor do facto, poderá ser
participante.
Este conceito do domínio do facto aplica-se de forma diferente às diversas
modalidades de autoria, ou seja, em termos gerais é autor quem detém o
domínio positivo do facto, isto é, quem pode fazer evoluir o perigo para o bem
jurídico. Mas depois, o domínio particularizou-se em relação a cada uma das
figuras previstas na lei.
 
141.    Modalidades de autoria
a)     Autoria material
O autor do facto é aquele que tem o domínio da acção.
Há um aspecto a referir: as figuras da comparticipação criminosa são regras
de imputação do facto a um certo sujeito. Enquanto a teoria da imputação
objectiva relaciona uma acção e um certo resultado, a teoria da
comparticipação criminosa (teoria do domínio do facto) relaciona um certo
agente com uma acção.
Nos casos de autoria material o autor do facto ilícito é aquele que tiver
materialmente o domínio da acção típica. Mas estes casos não levantam
particulares problemas, porque quem tem o domínio do acção típica preenche
desde logo o tipo da parte especial, em rigor seria desnecessária previsão de
uma situação de autoria material.
Corresponde à primeira proposição do art. 26º CP quando se diz que “é
punível como autor quem executa o facto por si mesmo”, deve entender-se

117
esta expressão como aquele que no fundo detém o domínio positivo da acção
que integra o tipo de ilícito.
b)     Autoria mediata
O domínio do facto já se materializa de uma forma diferente vem prevista na
segunda proposição do art. 26º CP e traduz-se naquela situação em que
alguém pratica o facto “por intermédio de outrem”.
Na perspectiva de Roxin significa que a pessoa não tem materialmente o
domínio da acção; mas tem ainda perante o facto uma situação de poder que
lhe permite conduzir a lesão para o bem jurídico.
Qual é a realidade sobre a qual incide esse poder?
Na perspectiva de Roxin é o domínio sobre a vontade do autor material, isto
é, nas situações de autoria mediata há um domínio da vontade que permite no
fundo dizer que o poder que o sujeito detém de fazer evoluir a agressão para
um certo bem jurídico é o domínio que esse sujeito tem sobre a vontade
daquele que executa materialmente o facto.
A situação de autoria mediata, portanto, tem esta particularidade: a acção
materialmente é praticada por uma pessoa, mas existe uma outra que está por
detrás dela que não praticando materialmente a acção, tem um poder de
conduzir o facto porque domina a vontade da pessoa que tem poder
materialmente sobre a acção.
Esta ideia de utilização, de instrumentalização, é fundamental para as
situações de autoria mediata, porque quem pratica materialmente a acção é
instrumentalizado por outrem. E é nesta instrumentalização que reside o
momento do domínio: aquele que instrumentaliza outra pessoa, levando-a a
praticar um facto, detém sobre esse facto um poder que essa outra pessoa não
tem.
Como é que se podem concretizar estas formas de domínio da vontade?
1)     Em primeiro lugar, existe domínio da vontade sempre que se verifica
uma situação de indução em erro relevante.
Genericamente pode dizer-se que a indução em erro relevante (aquele no
fundo que inculca o dolo) corresponde a uma situação de exercício do domínio
do facto, por referência ao domínio da vontade.
Quem induz outra pessoa em erro relevante exerce um domínio sobre a
vontade dessa pessoa e portanto o facto que essa pessoa pratica é imputável
ao sujeito que a instrumentaliza.
2)     Um segundo conjunto de situações identificado por Roxin traduz-se num
domínio sobre vontades débeis e instrumentalizáveis, como por exemplo
as crianças e os inimputáveis em razão de uma anomalia psíquica.

118
Nestas situações entende Roxin que quem utiliza uma criança ou um
inimputável (incapaz de culpa genericamente) tem, em função da sua posição
de ascendente sobre essa pessoa, um domínio na possibilidade de conduzir o
perigo para o bem jurídico. Portanto, uma outra forma de praticar o facto
através de outrem, ou instrumentalizando outrem, é utilizar alguém que tenha
uma vontade débil e que pode ser conduzida perante o ascendente de outra
pessoa: inimputáveis em razão da idade, pessoas que actuem sem consciência
da ilicitude ou inclusivamente alguém que seja inimputável por anomalia
psíquica.
3)     Um terceiro grupo traduz-se nas situações de coacção psicológica
irresistível
Roxin identificou um terceiro leque de situações que correspondem ao
exercício do domínio da vontade quando alguém exerce sobre outrem uma
coação psicológica irresistível.
Estes três conjuntos de situações:
-         Situações de indução em erro relevante;
-         Situações de utilização de inimputáveis, ou de vontades débeis ou
instrumentalizáveis;
-         Situações de coacção psicológica irreversível.
Conduzem a que o facto materialmente praticado pelo executor material seja
atribuído, imputado ao autor mediato, àquele que no fundo detém o domínio da
vontade do executor material. Roxin cria além disso, um quarto grupo de
situações de autoria mediata: são situações em que alguém exerce um
domínio da vontade dentro de um aparelho organizado de poder.
A ideia fundamental de Roxin traduzir-se-ia em identificar situações em que
a cadeia hierárquica entre várias pessoas era de tal forma forte que quem
praticava materialmente a acção em rigor praticava-a, mas essa acção era de
outrem.
Importa frisar que nestas situações de autoria mediata, a figura é sempre
uma figura dolosa, e é dolosa por várias razões:
-         Sendo uma extensão do tipo da parte especial, se o tipo é doloso a
extensão também será dolosa;
-         Por outro lado a ideia de domínio do facto é incompatível com uma
atitude negligente. A ideia de domínio pressupõe consciência e vontade
para que se possa no fundo dirigir o perigo.
A Profa. Teresa Beleza diz que a teoria do domínio do facto é incompatível
com os crimes negligentes, e que, por outro lado, nos crimes negligentes é
completamente desnecessária a teoria do domínio do facto.
c)     Co-autoria

119
Nestas situações tem-se uma repartição de funções em que existe, por parte
de cada um dos co-autores, um domínio funcional do facto, isto é, de acordo
com o contributo que presta, o sujeito, pelo papel que tem, pela função que
desempenha dentro do plano, detém um domínio funcional do facto.
A co-autoria está prevista na terceira proposição do art. 26º CP quando se
diz “toma parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro
ou outros”.
Um dos elementos da co-autoria é um elemento de carácter misto, que é o
acordo, ou seja, para existir co-autoria é necessário que exista uma acordo,
este é uma concertação de vontades para a prática do facto; pode ser uma
decisão conjunta prévia, ou pode ser uma decisão no momento da prática do
facto.
Esta concertação de vontades existe na co-autoria e não existe na autoria
mediata:
-         Na autoria mediata existe uma vontade de dirigir o facto por parte do
autor mediato, mas não há concertação de vontades;
-         Na co-autoria há esta concertação de vontades.
Portanto, é necessário um acordo, este pode ser:
-         Prévio ao facto;
-         Ou pode ocorrer no momento da prática do facto.
Pode ser por outro lado:
-         Expresso;
-         Tácito.
O que é necessário é que exista um acordo que se traduz nesta concertação
de vontades para a prática do facto.
 
142.    Tomar parte directa na execução
É um elemento de natureza objectiva muito importante, ou seja, é necessário
que exista um acordo mas não basta esse acordo.
O que é tomar parte directa na execução?
Supõe em primeiro lugar, um certo envolvimento presencial no facto que
está em causa.
Como é esse acto? Como é que ele se deve delimitar?
A Profa. Conceição Valdágua entende que tomar parte directa na execução,
ou seja, o contributo típico do co-autor tem que ser um contributo também
identificado em termos de tipicidade. Portanto, isto supõe duas referências
fundamentais:
-         Primeiro, que exista uma execução em curso;
-         Segundo, que tome parte directa nela.

120
São duas referências fundamentais para definir o contributo do co-autor,
repare-se porquê:
-         É possível alguém ter alguém envolvimento numa execução sem tomar
parte dela;
-         Por outro lado, pode alguém tomar parte num facto ou num plano sem
estar a participar na execução.
A co-autoria no fundo tem uma baliza objectiva que é a execução do facto
pelos autores, e o acto típico do co-autor é o acto de tomar parte directa numa
execução em curso.
E em que consiste tomar parte directa?
A Profa. Conceição Valdágua entende que para se respeitar o princípio da
tipicidade em matéria de responsabilidade dos diversos agentes, tomar parte
directa tem que ser um contributo minimamente típico, tem que ser um
contributo que esteja pelo menos previsto no art. 22º/2-c CP. Isto é, tem que
ser um acto que faça supor que a seguir será praticado o acto de execução,
mas repete-se, tem que estar em curso uma execução.
Ora, tem que existir, para haver co-autoria, esta coincidência entre o
momento do acto do co-autor de tomar parte directa e a execução em curso:
-         Se for antes da execução tem-se cumplicidade;
-         Se for depois da execução, porventura o comportamento também
apenas se poderá reconduzir à cumplicidade.
A co-autoria não é sempre a mesma, ou seja, há modalidades diferentes de
co-autoria.
O co-autor não detém o domínio total do facto, mas detém uma parcela
importante do domínio por referência a um poder sobre o seu contributo, isto é,
o co-autor detém realmente o domínio positivo do facto seu contributo:
depende dele praticar ou não praticar aquele acto de envolvimento; mas não
detém o domínio global do facto, a sua função é extremamente importante.
Há situações de co-autoria em que o envolvimento é mais forte, distinguindo
nomeadamente a chamada co-autoria complementar das situações de co-
autoria dependente.
a)     Co-autoria complementar: os agentes que actuam não detêm totalmente
o domínio do facto, detêm-no de uma forma repartida;
b)     Co-autoria dependente: alguém pratica um acto de domínio, mas esse
domínio é limitado, não está repartido com outras pessoas.
Portanto:
-         Enquanto nos casos de co-autoria complementar os domínios dependem
um do outro;

121
-         Nos casos de co-autoria dependente o co-autor não tem
verdadeiramente o domínio do facto, apenas tem o domínio do contributo
que presta.
Esta distinção é relevante, porque conduz a regimes de desistência
diferentes:
-         Os co-autores complementares desistem nos termos do art. 24º CP;
-         Os co-autores dependentes desistem nos termos do art. 25º CP.
 
143.    Formas de participação
As formas de participação são formas de envolvimento no facto em relação
às quais não se identifica no participante um momento de domínio, isto é, o
participante é um sujeito que contribui para um facto, mas não detém o domínio
do facto, este domínio depende do autor.
A participação caracteriza-se por o participante não ter o domínio do facto
ilícito, apenas tem o domínio do seu contributo.
As figuras da participação criminosa são a instigação e a cumplicidade.
-         O instigador é aquele sujeito que de acordo com o art. 26º in fine CP
determina outrem à prática de um facto;
-         O cúmplice é o agente que presta auxílio material ou moral à prática do
facto.
Se o fundamento da responsabilidade dos participantes não é o domínio do
facto, terá que ser algo novo; qual é esse fundamento?
De acordo com o Código Penal é o princípio da acessoriedade limitada, ou
seja, os participantes são responsáveis não porque praticam um facto, mas
porque prestam um contributo para o facto.
Esta acessoriedade é limitada neste sentido: para existir responsabilidade do
participante é preciso que o autor material pratique um facto com algumas
características. Que características são essas?
Em parte estão referidas no art. 26º CP: é necessário que haja execução do
facto ou começo de execução. Para além disso, a doutrina divide-se em saber
que características devem ter esse facto: se tem que ser um facto típico, se
tem que ser típico e ilícito, se tem que ser típico, ilícito e culposo ou se, de uma
forma externa, terá que ser típico, ilícito, culposo e punível.
O Código Penal aponta para o princípio da acessoriedade limitada, isto é,
o facto praticado pelo autor material tem que ser típico e ilícito, e isto é
suficiente para responsabilizar o participante.
Da conjugação de três elementos retira-se que o facto tem que ser típico e
ilícito:

122
1)     Do conceito de execução: a responsabilidade dos participantes depende
sempre de execução por parte do autor;
2)     Da existência do art. 28º CP: demonstra que o grau de ilicitude se
comunica entre participantes;
3)     Do art. 29º CP: o que está para além da ilicitude, ou seja, a culpa e a
punibilidade é ponderado em termos pessoais.
Em matéria de comparticipação criminosa, quando existe uma causa de
exclusão da ilicitude, ela aproveita a todos.
Quer da instigação, quer da cumplicidade, dependem sempre desta
execução de um facto típico e ilícito por parte de terceiro, por parte do autor. O
que significa que no sistema português, não existe punição da cumplicidade
tentada e também não existe punição da instigação tentada.
 
144.    Teoria da acessoriedade limitada (art. 28º CP)
O Código Penal em matéria da comparticipação criminosa distingue as
figuras de autoria e de participação. Claramente, há uma distinção entre
cumplicidade e autoria, embora, atendendo ao critério do domínio do facto,
entenda que a instigação é também uma forma de participação e não de
autoria, neste sentido pode-se dizer que:
-         Autores são o autor material, mediato e os co-autores que dependentes,
quer complementares;
-         Participantes, tem-se os instigadores e os cúmplices, morais ou
materiais.
A punibilidade da participação e dos participantes é sempre acessória da
prática, pelo autor, de um facto típico e ilícito. Nisto consiste a teoria da
acessoriedade limitada, ou seja, se o autor material pratica um facto que é
típico, mas que está justificado, é evidente que não há razão para punir o
participante, seja ele instigador ou cúmplice.
Para se poder punir o participante é preciso que o(s) autor(s) tenha praticado
um facto típico e ilícito, já não se exige que o autor tenha praticado também um
facto culposo. E isto porque a culpa, conforme resulta do art. 29º CP é um juízo
individualizado de censura, efectivamente, o autor material pode praticar um
facto típico e ilícito, mas beneficiar de uma causa de exclusão da culpa, ou de
uma causa de desculpa e acabar por não ter responsabilidade jurídico-penal,
enquanto que o participante, se não beneficiar dessa causa de exclusão ou de
desculpa será punido.
Assim, por hipótese se o autor material de um facto ilícito estiver a actuar ao
abrigo de um estado de necessidade, ou direito de necessidade subjectivo ou
desculpante, ele pratica um facto típico e ilícito, simplesmente, beneficia desta

123
causa de desculpa e não tem responsabilidade jurídico-penal, porque é
desculpado. O participante, seja ele cúmplice ou instigador, se não beneficiar
dessa causa de desculpa, como o autor praticou um facto típico e ilícito isso é
suficiente para o responsabilizar criminalmente como participante daquele
facto.
Quando para o preenchimento de um tipo se exige uma qualidade específica
do agente, ou se exige que o autor tenha uma determinada relação com outra
pessoa, esse é um crime específico, mas sê-lo-á em sentido próprio se essa
incriminação só existir para aquele tipo de autor tipificado pela lei, aquele autor
que tem essa qualidade ou essa relação exigida pela própria tipicidade; sê-lo-á
em sentido impróprio quando a norma incriminadora em sede de tipicidade
exija uma qualidade ou uma relação específica para um agente, mas contenha
uma incriminação paralela para todas as outras pessoas.
Nos crimes específicos (em sentido próprio ou impróprio) muitas vezes o
grau de ilicitude depende de determinadas qualidades ou de determinadas
relações específicas do agente.
Diz a lei, nos casos de se tratar de um crime específico em sentido próprio
ou de um crime específico em sentido impróprio, que basta que um dos
comparticipantes tenha essa qualidade ou que esteja nessa relação exigida
pelo tipo, para o grau de ilicitude se comunicar aos restantes comparticipantes,
eles sim que não têm a qualidade ou que não se encontram numa relação
específica pelo tipo. Sendo assim, interessa delimitar o campo do art. 28º/1 CP.
Em primeiro lugar, essa relação específica ou essas qualidades podem
resultar de vários factores:
1)     Podem resultar de um elemento que tem em conta uma relação familiar,
uma relação de parentesco próximo;
2)     Pode resultar de um elemento atido a relações de aspecto profissional;
3)     Pode resultar ainda da prática esporádica de actos isolados.
Em situações de comparticipação, quando o grau de ilicitude depender de
uma qualidade ou duma relação específica, basta que ela se verifique num só
comparticipante, para o tipo pode ser aplicado a todos.
Nos termos do art. 28º CP basta que um dos participantes tenha a qualidade
exigida pelo tipo, para o poder tornar extensível aos demais.
Há aqui a chamada inversão da acessoriedade, que é feita dos participantes
para os autores materiais.
De que forma se podem comunicar essas circunstâncias?
Pode haver comunicação de circunstâncias:
-         Entre co-autores;
-         Do participante (seja ele cúmplice ou instigador) para o autor;

124
-         Entre participantes.
Todas as figuras da comparticipação são figuras dolosas e são, também,
extensões da tipicidade. Como há uma extensão da tipicidade sendo a
responsabilidade jurídico-penal dolosa, o dolo tem que se estender a todo o
tipo, por conseguinte, o comparticipante tem de conhecer também dolosamente
todos os elementos do tipo que fundamentam uma agravação da ilicitude.
O grau de ilicitude e a comunicação de circunstâncias verifica-se também do
participante para o autor, também entre participantes pode haver esta
comunicação de circunstâncias.
Nos tipos qualificadores e quando o grau de ilicitude varia no sentido de uma
agravação, a doutrina está toda de acordo em que haja uma comunicação das
circunstâncias. Quando o grau de ilicitude varia, no âmbito dos crimes
específicos em sentido próprio ou impróprio, no sentido de atenuar a
responsabilidade penal (no sentido de privilegiar), já a doutrina não concorda
que se possam comunicar essas circunstâncias, nestes termos, é de notar
também segundo o entendimento da Prof. Teresa Beleza, que também nos
tipos privilegiados o grau de ilicitude e a comunicação das circunstâncias
funcionar.
Neste sentido pode dizer-se que a acessoriedade limitada não funciona nos
mesmos termos no âmbito dos priviligiamentos e das qualificações.
 
145.    Situações de erro sobre o estatuto do participante
Uma pessoa pode estar absolutamente convencida que está a
instrumentalizar a vontade de outra pessoa e portanto, pode estar convencida
que está a ser autora mediata de um crime, quando na realidade não está a
instrumentalizar vontade nenhuma porque essa pessoa pura e simplesmente
não se deixa instrumentalizar. No fundo então o que se fez foi determinar a
outra pessoa à prática do crime (portanto é instigador).
Assim, quando o agente julga que está numa situação de autoria mediata,
mas na realidade está numa situação de instigador , como é que vai ser
[47]

responsabilizado?
Vai-se responsabilizar esta pessoa por aquilo que ela conseguiu fazer: pela
instigação.
Por outro lado, também é concebível distinguir estas situações:
-         Enquanto que a tentativa de participação não é punível;
-         Já a participação na tentativa é punível, isto é, basta que o autor pratique
um acto de execução com a intenção dolosa de cometimento de um
crime, para que exista, para ele, punibilidade por facto tentado.

125
Assim sendo, também para os participantes haverá essa punibilidade, a
tentativa é um facto típico e ilícito (é possível ser punido por tentativa) e o
participante vê a sua responsabilidade moldada no facto típico e ilícito
praticado pelo autor.
Portanto: enquanto as tentativas de participação não são punidas, já a
participação tentada é punida.
Simplesmente, em termos de participação, os cúmplices, nos termos do
disposto no art. 27º/2 CP são punidos com pena aplicável ao facto praticado
pelo autor especialmente atenuada (atenuação obrigatória).
Então, se o facto do autor for um facto tentado, o cúmplice beneficia de uma
dupla atenuação obrigatória:
-         Atenuação da pena por ser cúmplice (art. 27º/2 CP);
-         Atenuação da pena também obrigatória por facto tentado (art. 23º CP).
Diz a doutrina que estas situações de erro do autor material funcionam em
relação ao participante (instigador) como se de uma verdadeira “aberratio ictus”
se tratasse.
Quando o instigador instrumentaliza ou quando o autor mediato dirige a sua
acção para um determinado facto, em relação a uma determinada pessoa, e o
executor material ou o autor material estão numa situação de erro sobre a
identidade da vítima, tudo se passa para o autor material ou para o instigador
como se de uma verdadeira “aberratio ictus” se tratasse.
 
 
PUNIBILIDADE
 
146.    Introdução
Esta última categoria analítica do facto punível pode ser vista em duas
perspectivas.
Punibilidade em sentido amplo que são todas as condições que concorrem
para fundamentar uma responsabilidade jurídico-penal do agente. Por isso é
que se diz que acção, tipicidade, ilicitude e culpa são categorias analíticas da
punibilidade.
E depois, punibilidade em sentido estrito ou condições de punibilidade.
Dentro das condições de punibilidade, vê-se que elas só têm um elemento
comum, embora surjam com várias designações e com várias fundamentações,
elas estão ligadas por um elemento comum, que é uma ideia negativa: são
condições que se verificam mas que se situam fora, para além destas
categorias de tipicidade, de ilicitude e de culpa. É algo exterior a essas
categorias. Mas são condições de punibilidade que concorrem para

126
fundamentar concretamente uma responsabilidade jurídico-penal do agente.
 
147.    Condições objectivas de punibilidade
Estas condições dividem-se em dois grupos:
1)     Condições positivas de punibilidade: são aquelas que se têm de
verificar, que têm de existir para que o agente seja punido;
2)     Condições negativas de punibilidade: são aquelas que não se podem
verificar para que o agente seja punido.
 
148.    Condições positivas de punibilidade
Uma condição objectiva de punibilidade é a propósito da punibilidade do
facto tentado, ou sejam, a tentativa regra geral, só é punível se ao facto
consumado corresponder uma pena superior a três anos de prisão.
Portanto, pode haver tipicidade do facto tentado e essa tentativa ser ilícita e
culposa; mas faltar a condição objectiva de punibilidade que é o crime
consumado ter uma moldura penal superior a três anos.
É condição objectiva de punibilidade por facto tentado que o crime, a ter sido
consumado, tivesse uma pena superior a três anos, a não ser que a lei diga
expressamente o contrário (art. 23º CP).
Ainda se tem dentro das condições positivas de punibilidade por exemplo o
art. 25º CP que se refere à aplicação da lei portuguesa a factos praticados no
estrangeiro, em sede de algumas alíneas, é condição de aplicabilidade da lei
penal portuguesa o facto de o agente ser encontrado em Portugal.
Outra condição é o crime de participação em rixa, em que o tipo do ponto de
vista objectivo e subjectivo está preenchido a partir do momento em que uma
pessoa toma parte numa rixa de duas ou mais pessoas, contudo, esse facto
típico poderá não ser punível, para o ser, é necessário que dessa rixa resulte a
tal ofensa corporal grave ou a morte, isso é uma condição objectiva de
punibilidade.
 
149.    Condições negativas de punibilidade
São aquelas condições ou circunstâncias que não podem verificar-se sem
que o agente seja punido não obstante o agente ter praticado uma acção
[48]

típica, ilícita e culposa.


1)     Causas de isenção da pena
Têm diferentes fundamentos e podem ser causas de isenção pessoais ou
materiais:
-         São causas de isenção pessoais, aquelas que se ligam à própria pessoa
do agente;

127
-         E materiais as que se ligam ao facto praticado.
Para alguns autores a desistência é uma causa pessoal de isenção de pena.
Para outros, a desistência não é vista na pessoalidade e portanto não será uma
causa pessoal, mas tem a ver com o próprio facto, portanto uma causa material
de isenção.
Qual é o fundamento da desistência?
Alguns autores, nomeadamente Roxin não Vêem a desistência uma causa
de isenção de pena, portanto fazendo parte da punibilidade em sentido estrito,
mas vêem-na como uma causa de exclusão de culpa.
Mas há autores que dizem que o que fundamenta este regime da desistência
da tentativa e de ficar impune dessa tentativa de que o agente voluntariamente
desistiu é algo diferente.
Existem várias teorias, desde logo a teoria primial que diz que por uma razão
de política penal (ou criminal) o facto de o agente saber que desistindo
voluntariamente da tentativa do crime que decidiu cometer não será punido,
isso funciona em relação a ele como um prémio e leva-o a auto-suspender a
execução do crime, logo, fará diminuir a criminalidade, ou fará diminuir o
número de crimes.
De qualquer forma, e por uma razão da teoria dos fins das penas, justifica-se
a não punição da desistência voluntária da tentativa, porque quer da óptica da
prevenção geral, quer da óptica da prevenção especial, não existem razões
para responsabilizar criminalmente alguém que acabou por voluntariamente
desistir da prática de um crime.
Portanto, do ponto de vista da prevenção geral e mesmo da prevenção
especial, se a pessoa por si própria, voluntariamente, desistiu de prosseguir na
execução criminosa, não há fundamento para se responsabilizar criminalmente
o agente.
Quanto à desistência e dentro dos autores que consideram que a
desistência se filia em sede de punibilidade em sentido estrito como causa de
isenção da pena:
Uns autores, vêem a desistência com um enfoque objectivo no facto
praticado, ou seja, o agente já está a praticar actos de execução de um crime
que decidiu cometer, mas auto-suspende a execução, ou evita a consumação,
e neste sentido a valoração é o aspecto positivo da actuação fáctica, ou seja, o
não desenvolvimento, a não prossecução de actos lesivos do bem jurídico
tutelado pela norma penal, e nesse sentido fazem entroncar a desistência
como uma causa de isenção material.
Outros autores, mediante o carácter voluntário da desistência, dizem que é
relativamente à pessoa, o mérito da pessoa que de alguma forma resolve auto-

128
suspender a execução; ou tendo já desenvolvido toda a execução evita a
consumação típica. Consequentemente atiram a desistência para uma causa
de isenção pessoal da pena.
2)     Causas de extinção da responsabilidade jurídico-penal
Uma causa de extinção da responsabilidade jurídico-penal é a morte do
autor do facto. Neste sentido, como a responsabilidade penal é pessoal e
intransmissível, não há possibilidade de fazer um incidente de habilitação de
herdeiros, e, consequentemente, morto o autor do facto, cessa a
responsabilidade jurídico-penal, ela não é transmissível por morte.
Para além da morte do autor (do agente da infracção) existem outras causas
de extinção da responsabilidade jurídico-penal:
-         Prescrição do prazo do procedimento criminal;
-         Caducidade do exercício do direito de queixa, no âmbito dos crimes
semi-públicos e particulares;
-         Prescrição da pena.
3)     Condições de procedibilidade (ou procedência) criminal
No âmbito das condições de procedibilidade também relevam alguma
irresponsabilidade do agente em sede de punibilidade em sentido estrito, ou
seja, tudo aquilo que está para além da prática, pelo agente, de uma acção
típica, ilícita e culposa.
Em processo penal, ao distinguir a natureza dos crimes, entre crimes semi-
públicos e particulares, que nestes dois últimos é necessário para o
desenvolvimento e prossecução do processo criminal:
-         Nos casos dos crimes particulares, queixa e acusação;
-         Nos casos dos crimes semi-públicos, a queixa.
São estas as condições de procedibilidade do processo criminal, que
culmina com a prática de uma efectiva punição. Assim, se quem é titular do
direito de queixa não quer exercer esse direito, então não é pelo facto de o
agente ter praticado um facto típico, ilícito e culposo que ele vai ser punido,
porque efectivamente falta uma condição de procedibilidade.
 
[48]
Se se verificarem, o agente não é punido.
 
 
TENTATIVA E DESISTÊNCIA
 
150.    Introdução
O art. 22º CP define a tipicidade do facto tentado.

129
As regras da tentativa, à semelhança das regras de comparticipação
criminosa, são regras de extensão da tipicidade.
É facto penalmente relevante tanto o facto consumado como o facto tentado.
As regras da tentativa são regras acessórias, não há tentativa de nada,
existem sempre tentativas de factos tipificados na lei: tentativas, de furto, de
homicídio, etc.
A tentativa é sempre dolosa não existem no direito penal a situação do
facto tentado negligente.
 
151.    Tentativa como forma de extensão da tipicidade do facto
Interessa em primeiro lugar, caracterizar aquilo que se chama “inter
criminis”ou o caminho do crime.
Não é mais do que a progressão que na generalidade dos casos acontece e
que vai desde a decisão criminosa até à prática de actos preparatórios,
passando pela execução do próprio crime até culminar na consumação.
É perfeitamente concebível:
-         A pessoa adoptar ou afirmar uma decisão criminosa: a pessoa pensa em
cometer o crime;
-         Depois pratica actos preparatórios: que são actos que se destinam de
alguma forma a facilitar a execução do crime decidido pelo agente;
-         Até que progride para a própria execução.
E consoante o agente leve a execução até ao fim ou não, consoante se
tenha uma situação de execução acabada ou de execução inacabada, poder-
se-á verificar se o resultado típico desejado pelo agente se verifica ou não, isto
é, se desemboca essa execução numa consumação, pelo menos formal. [49]

Com que critérios e quando é que a tentativa é punível?


A regra geral é a da impunidade “nuda cogitatio” ou da decisão criminosa
não exteriorizada materialmente em actuações.
Significa isto que o que é objecto de responsabilização jurídico-penal não
são os pensamentos, não são os sentimentos das pessoas não exteriorizados
materialmente, na prática.
Em primeiro lugar, porque o nosso direito penal é tendencialmente um direito
penal do facto e não um direito penal do agente, o direito penal responsabiliza
sim os agentes, mas precisamente porque eles praticaram factos ilícitos
tipificados na lei.
Por outro lado, por uma razão de política criminal, não faria sentido punir-se
a mera decisão criminosa não exteriorizada na prática material de actos,
porque então se a pessoa que tivesse tão só manifestado a sua intenção de
cometimento do crime fosse responsabilizada, então ela nunca se auto-

130
suspendia, levava mesmo o crime para a frente.
Ao passo que, se de alguma forma ela sabendo que mesmo que tenha
exteriorizado essa intenção tão só por palavras não é punida, pode ainda auto-
suspender-se, precisamente porque essa “nuda cogitatio” não é punida.
152.    Actos preparatórios
O art. 21º CP diz que, regra geral os actos preparatórios não são puníveis.
Esses actos preparatórios visam a facilitação da execução do crime não são
em princípio punidos. Mas já os actos de execução que em sede do art. 22º CP
integram a tipicidade da tentativa, dão lugar a responsabilização jurídico-penal.
Há uma importância prática na distinção entre o que são os actos
preparatórios e o que são já actos de execução:
-         Enquanto os actos de execução preenchem o tipo da tentativa e podem
levar à responsabilização;
-         A regra geral é que de actos preparatórios não se responsabiliza o seu
autor.
Portanto, a diferença se é o acto preparatório ou de execução é
extraordinariamente importante.
O art. 21º CP diz que “os actos preparatórios não são puníveis, salvo
disposição em contrário”.
A regra geral é a impunidade dos actos preparatórios. As excepções podem
revestir duas formas:
1)     Ou a lei penal incrimina autonomamente como um tipo de ilícito novo,
actos que normalmente são actos preparatórios mas têm uma
incriminação autónoma;
2)     Ou então por uma remissão pura e simplesmente genérica: “quem tentar
matar o chefe de Estado…” já e responsabilizado criminalmente, e aí a
preparação é punida.
A distinção entre actos preparatórios e actos de execução é sempre feita em
concreto, são actos preparatórios ou de execução por referência a um crime
concreto.
Os principais critérios de distinção entre actos preparatórios e actos de
execução:
-         Critério formal objectivo;
-         Critério material objectivo;
-         Critérios subjectivistas
O actos que não estiverem incluídos no art. 22º/2 CP são actos
preparatórios.
a)     Critério formal objectivo

131
São actos de execução os que correspondem à definição legal de um tipo de
crime.
O critério formal objectivo dizendo que são actos de execução, aqueles que
correspondem à definição legal de um tipo de crime, faz com que acto de
execução seja desde logo o exercício da subtracção: a pessoa tirar a coisa e
levá-la consigo.
As dificuldades surgem no âmbito da insuficiência do critério formal
objectivo, é quando os tipos legais de crime não pormenoriza, ou só muito
genericamente fazem referência à conduta típica.
b)     Critério material objectivo
São actos de execução adequados a causar o resultado típico ou os que
procedem (ou antecedem) segundo a experiência comum, actos adequados a
produzir o resultado típico, assim são actos de execução:
-         Os actos idóneos a causarem o resultado típico;
-         Ou aqueles que, segundo a experiência comum, são de molde a fazer
esperar que se lhes sigam actos idóneos a produzir o resultado típico.
c)     Critérios subjectivos
Estes critérios vêm dizer que actos de execução são todos os actos
praticados em função de uma decisão definitiva e incondicionada por parte do
agente, ou seja, a partir do momento em que o agente tem uma decisão
definitiva e incondicionada de praticar o crime, tudo o que, ele faz a seguir a
essa decisão inabalável são actos de execução.
Este critério subjectivo é susceptível de várias críticas porque faz muitas
vezes depender a qualificação de actos de execução de circunstâncias que
dependem do próprio agente, mas de alguma forma qualificada diferem actos
idênticos.
O Código Penal tenta resolver estes problemas de separar a preparação,
não punível regra geral, da execução, integrando-a já na tentativa e
consequentemente implicando responsabilidade jurídico-penal, dizendo que
nos termos das várias alíneas do art. 22º/2 CP se consideram actos de
execução:
a)      Os que preenchem um elemento constituído de um tipo de crime é no fim
de contas o critério formal objectivo que aqui se encontra;
b)     Os que são idóneos a produzir o resultado típico é o critério material
objectivo;
c)      Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias
imprevisíveis, são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos
das espécies indicadas nas alíneas anteriores.

132
Nesta última alínea consagra-se também a experiência comum em sede de
um critério material objectivo para a determinação de actos de execução e que
faz apelo à chamada doutrina ou teoria da impressão, ou seja, para a
generalidade das pessoas é previsível, no sentido de que é evidente que, salvo
situações anormais e processos imprevisíveis, após aquela actuação seja de
esperar a prática de actos formal ou materialmente espelhados nas alíneas a) e
b).
 
153.    Tipo da tentativa
A tipicidade do facto tentado é composta por três elementos:
1)     Elemento positivo e objectivo: actos de execução (alíneas do art. 22º
CP);
2)     Elemento de natureza objectiva, mas de conteúdo negativo – não
obstante a prática de actos de execução, não se pode verificar o
resultado típico .
[50]

3)     Tem também de existir um elemento subjectivo e positivo – o agente tem


de praticar esses actos de execução de um crime que decidiu cometer
(tem de haver a decisão criminosa de consentimento do facto), tem de
existir dolo em qualquer das suas formas.
 
154.    Desistência voluntária
Fala-se em desistência se o autor, numa tentativa, desistir voluntariamente
dela, e isto acontece quando o agente no âmbito de uma tentativa inacabada
ou incompleta auto-suspende o acto subsequente de execução, o agente
desiste e não tem responsabilidade jurídico-penal.
Ou aquelas situações, em que a tentativa já é acabada, porque já foram
praticados todos os actos de execução, e então, para desistir relevantemente
deve impedir a consumação típica.
Mas nos termos do art. 24º CP ainda é possível uma situação de desistência
depois da consumação, porque se diz que há desistência quando “…não
obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido
no tipo de crime”.
Isto aplica-se fundamentalmente aos crimes formais, mais concretamente os
crimes de resultado parcial ou crimes de intenção.
A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desiste.
Klaus Roxin vem dizer que a desistência voluntária da tentativa se deve
entender fundamentalmente no plano lógico da execução do crime.
A desistência, para ser voluntária, tem de aferir-se dentro do plano lógico da
execução criminosa do agente, pela contrariedade a esse plano, tem de

133
contrariar precisamente esse plano lógico de actuação criminosa, ou seja, o
agente auto-suspende a execução do crime voluntariamente, portanto não é
coagido por terceiro, por motivação propriamente internas ou externas, de
natureza pessoal ou outra.
Para que se possa falar em desistência voluntária tem que se verificar um
abandono da execução criminosa dentro do quadro lógico traçado inicialmente
pelo agente.
 
155.    Fundamento da isenção da pena
Há quem veja no agente que desiste voluntariamente da tentativa razão em
não o punir, por uma razão de política penal, no sentido de uma teoria premial.
Se o agente sabe que se tentar, mas desistir voluntariamente da tentativa
não será punido, quando estiver a praticar o facto ainda pode auto-suspender-
se, e isso, poderá conduzir a uma diminuição da criminalidade, ou então por
razões que têm a ver com os fins das penas: se o agente por si,
voluntariamente, voltou ao bom caminho, não existem dentro dos fins das
penas (prevenção geral ou especial), razões para aplicação de uma pena.
O art. 24º CP para efeitos de desistência, distingue três situações:
1)     A situação de tentativa incompleta: o agente pode desistir
voluntariamente através de uma omissão, basta que se abstenha de
praticar o subsequente acto de execução.
2)     As situações da tentativa acabada ou completa: o agente praticou todos
os actos de execução, mas ainda pode desistir voluntariamente se
impedir a consumação, aqui já não basta uma atitude passiva, uma
omissão dum acto de execução posterior, mas é necessário que o agente
de alguma forma promova um comportamento no sentido de evitar o
resultado.
3)     “Não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não
compreendido no tipo de crime (art. 24º/1 CP): pensado basicamente
para os crimes formais, em que a consumação material e a consumação
formal não são coincidentes.
 
156.    Punibilidade da tentativa
A regra geral (art. 23º CP) é a de que a tentativa é punida tão só quando ao
crime, a ser consumado, corresponda uma moldura penal superior a três anos
de prisão a regra é de que nem todas as tentativas são puníveis.
Exceptuam-se os casos em que a lei disser o contrário.
Por outro lado, a tentativa é punida de forma diferente relativamente ao facto
consumado.

134
A pena aplicável ao facto tentado é aquela que corresponda ao facto
consumado, mas obrigatoriamente especialmente atenuada, há uma atenuação
que não é facultativa, mas sim obrigatória, da pena, em matéria de facto
tentado.
 
157.    Tentativa impossível
Esta é o reverso da medalha do erro sobre o facto típico: um é um erro por
defeito e o outro é um erro por excesso.
As situações de tentativa impossível são aquelas situações em que o agente
quer um determinado resultado, mas esse resultado objectivamente não é
possível verificar-se porque existe uma inaptidão do meio empregue, ou porque
inexiste o objecto, ou porque o agente não tem a qualidade típica exigida para
o preenchimento do tipo.
Se para a generalidade das pessoas e dentro de uma filiação duma teoria da
impressão, for visível for evidente, for retinto que aquele meio (usado para
praticar o facto) é um meio inepto, então há uma tentativa impossível, que não
é punível.
Em conclusão: em princípio a tentativa impossível só não é punível quando
existir uma manifesta ineptidão do meio empregue ou quando for evidente, em
termos de ser manifestamente evidente a inexistência do objecto, ou quando
for manifestamente claro que a pessoa não tem a qualidade exigida pelo tipo.
Daí que se possa falar em tentativa impossível em relação ao:
-         Meio;
-         Objecto;
-         Agente.
  
 
António, cobrador da Carris, foi assaltado em plena viagem de eléctrico.
Com efeito, de repente sentiu um forte puxão pela correia da mala de mão em
que guardava o dinheiro, que o fez desequilibrar-se e cair, largando a mala na
queda. Só que, tendo sido atacado pelas costas dentro do eléctrico apinhado
de gente, não teve tempo nem possibilidade de ver o ladrão. Não obstante, ao
recobrar o equilíbrio, imediatamente notou que alguém saltara, com alguma
precipitação, do eléctrico em andamento e se lançara numa corrida pela rua
acima que mais parecia ser uma fuga. Julgando ter descoberto o assaltante,
António pendurou-se no corrimão da porta e, segurando uma pistola que trazia
consigo, disparou dois tiros quase simultâneos sobre o dito corredor, Bento,
sendo sua intenção fazê-lo parar, por forma a recuperar a mala do dinheiro.
Com o primeiro dos tiros atingiu uma das pernas do desafortunado passageiro

135
corredor mas, com o segundo atingiu, por falta de pontaria, uma terceira
pessoa, Carlos, causando-lhe a morte. Por acaso, essa terceira pessoa era o
verdadeiro ladrão que, segundos antes descera já do eléctrico para se afastar,
com aparente tranquilidade, com a mala do dinheiro escondia debaixo do
casaco.
Aprecie a responsabilidade criminal de António.
 
António tem uma acção (dar dois tiros) penalmente relevante, porque é um
comportamento humano dominado pela vontade: António não actuou coagido
(no âmbito de uma coacção física ou “vis absoluta”); também não actuou no
âmbito de nenhum movimento reflexo, nem de sonambulismo ou qualquer
outro estado de inconsciência.
A acção de António é um comportamento humano dominado pela vontade
que produz uma alteração objectiva no mundo exterior.
De seguida vai-se verificar se essa acção é ou não típica, isto é, se a
conduta de António preenche, objectiva e subjectivamente, o tipo. Mas qual
tipo?
Aquilo que se identifica imediatamente nesta situação é que António quer
atingir Bento, dispara dois tiros que lhe são dirigidos e atinge Bento, mas
também atinge Carlos.
Seria mais fácil se houvesses apenas um tiro; mas houve dois tiros, ou seja,
pode dizer-se que houve duas acções:
-         Um tiro dirigido a Bento, que atinge Bento;
-         Outro tiro dirigido a Bento, que atinge Carlos.
Portanto, tem-se que dividir esta responsabilidade penal, na medida em que
António pratica factos penalmente relevantes em dois objectos.
Por outro lado, identifica-se aqui também desde logo uma situação de
“aberratio ictus”, em que o agente visualiza um objecto e atinge outro, não
porque tenha confundido os objectos mas precisamente por uma ineficiente
execução.
Assim,
Em relação a Bento e dentro do primeiro disparo:
A intenção do agente era pará-lo para assim conseguir reaver a mala.
Podemos portanto dizer que o agente tem um dolo de ofensas corporais (art.
143º CP).
Assim, vamos verificar se uma primeira acção o tipo do art. 143º CP está
preenchido.
Elementos objectivos:
Há um agente, António.

136
Há uma conduta – pegar na arma e disparar – que corresponde à conduta
descrita no tipo, que é ofender corporalmente outra pessoa.
O resultado típico é o ferimento, a própria ofensa sofrida por Bento na
perna.
Há imputação objectiva – firma-se facilmente o nexo de causalidade,
porque é previsível que de um tiro ocorra um ferimento na perna –
objectivamente o tipo do art. 143º CP está preenchido.
Elemento subjectivo:
Há dolo, o dolo (de tipo) é conhecer e querer os elementos objectivos de um
tipo.
O agente conheceu e quis aquilo que fez: o agente conheceu e quis
disparar a arma para ferir o ladrão; o agente quer aquele resultado típico que
previamente conheceu. Portanto, há dolo.
Objectiva e subjectivamente o tipo está preenchido
Em relação ao segundo disparo:
O agente quer atingir Bento e atinge Carlos. Temos aqui uma situação, já
identificada de “aberratio ictus”.
A regra geral será punir agente em concurso efectivo por uma tentativa, é
[1]

um facto negligente:
-         Tentativa em relação ao objecto que o agente visou, mas não atingiu;
-         É um facto negligente em relação ao objecto que o agente não
visualizou, mas que efectivamente atingiu.
Aplicando esta solução modelar à nossa hipótese, teríamos então um
concurso efectivo de:
-         Tentativa de ofensas corporais em relação a Bento – art. 143º CP;
-         Homicídio negligente em relação a Carlos – art. 137º CP.
Relativamente à tentativa, temos que provar que os elementos do facto
tentado estão presentes.
Em primeiro lugar, a tipicidade do facto tentado vem prevista no art. 22º CP.
Ai se diz que há tentativa quando o agente pratica actos de execução de um
crime que decidiu cometer sem que o resultado típico se chegue a verificar.
Assim:
O agente praticou actos de execução constitutivos do tipo legal de crime
(art. 2º/2-a CP), na medida em que disparou a arma, sendo sua intenção ferir
Bento , mas o resultado típica ofensa corporal – não se chegou a consumar
[2]

(verificou-se outro objecto).


Neste sentido temos provada e firmada a tentativa do art. 143º CP.
Quanto ao art. 137º CP:[3]

137
Vai-se pressupor que há imputação objectiva porque o agente violou o
dever de cuidado que lhe era exigível, de que ele era capaz, ele devia-se
certificar se a sua pontaria era suficientemente boa para, com o eléctrico em
movimento e estando rodeado de pessoas, não atingir outra pessoa.
Não tendo observado esses deveres de cuidado, não há dúvida nenhuma
que a morte de Carlos lhe pode ser imputada.
Assim temos:
-         Art. 143º CP, mais tentativa do art. 143º CP (em relação a Bento); e
-         Art. 137º CP (em relação a Carlos).
Uma vez identificados e firmados os tipos, sabemos que a tipicidade indicia
a ilicitude.
Vai-se então ver, dentro destas categoria dogmática da teoria do facto
punível que é a ilicitude, se há ou não causas de justificação ou de exclusão da
ilicitude, para podermos concluir se o facto, além de típico, é também ilícito.
Sabemos da matéria de facto que António, quando dispara contra Bento,
tem intenção de o parar porque está convencido que Bento é o ladrão.
Por outras palavras, António pensa que está a actuar em legítima defesa
quando na realidade não está, porque para isso era necessário que Bento
tivesse praticado uma agressão.
Temos então uma situação em que o agente actua com “animus
defendendi” (elemento subjectivo da causa de justificação), mas em que avalia
mal a realidade porque julga que esta excluiria a ilicitude do seu facto.
Ou seja, o agente está em erro sobre um pressuposto de facto de uma
causa de justificação, que é uma situação subsumível ao art. 16º/2 CP, erro
sobre uma circunstância que a exigir excluiria a ilicitude do facto.
Assim, em relação a Bento:
Os factos típicos que António praticou foram o do art. 143º CP (primeiro
disparo) mais tentativa do art. 143º (segundo disparo).
Mas quando os praticou António está em erro sobre um pressuposto de
facto de uma causa de justificação. Se o regime de relevância desse erro nos é
dado pelo n.º 2 do art. 16º CP, então exclui-se o dolo.
Nos termos do n.º 3 do art. 16º CP ressalva-se a punibilidade por
negligência nos termos gerais.
Então:
Em relação às ofensas corporais consumadas (primeiro disparo) o agente
poderá ser responsabilizado por ofensas corporais negligentes, nos termos do
art. 148º CP.
Em relação à tentativa de ofensas corporais (segundo disparo):

138
As tentativas em Direito Penal são sempre dolosas, não há tentativa
negligente. Por isso não é possível punir uma tentativa negligente, porque é
uma figura que a lei não conhece.
Assim, quanto a este facto o agente não tem responsabilidade criminal.
E mesmo que tivesse, por força do preceituado no art. 23º CP uma tentativa
só é punível se ao crime, a ser considerado, corresponder uma pena superior a
três anos. Como o crime do art. 143º CP tem uma moldura penal de até três
anos, também por uma razão de punibilidade o agente não seria unido.
Mas desde logo porque a tentativa é sempre dolosa, não há tentativas
negligentes em Direito Penal, o agente não seria responsabilizado.
Assim, podemos concluir que a responsabilidade penal de António para com
Bento será de ofensas corporais negligentes nos termos do art. 148º CP, por
remissão do n.º 3 do art. 16º CP. [4]

Em relação a Carlos:
O agente praticou o facto típico de homicídio negligente (art. 137º CP).
Se o facto é típico, vamos ver se também é ilícito, uma vez que sabemos
que a tipicidade indicia a ilicitude. Simplesmente, esse juízo de ilicitude pode
ser quebrado por contra-norma, por causas de exclusão da ilicitude ou de
justificação, que vêm aprovar o facto.
Recapitulando a matéria de facto nos temos que António, por força de uma
“aberratio ictus”, mata Carlos, que na realidade tinha sido o verdadeiro ladrão.
Será que existe aqui alguma causa de justificação que venha a excluir a
ilicitude do facto típico?
Na realidade Carlos tinha sido o ladrão. Donde, poderá configurar-se aqui
uma situação de legítima defesa. Vamos então verificar se os elementos
objectivos e subjectivos da legítima defesa estão preenchidos.
Art. 32º CP:
Por parte de Carlos verifica-se a existência de uma agressão. Agressão,
para efeitos de legítima defesa, é todo o comportamento humano que contraria
a ordem jurídica e que o defendente não é obrigado a suportar.
No caso concreto essa agressão ofende bens de natureza patrimonial de
terceiro.
É uma agressão ilícita porque é contrária à lei (conceito de ilicitude formal),
que neste caso consubstancia desde logo um tipo legal de crime que é o furto
(ou, virtualmente, roubo, porque houve violência para a subtracção).
É uma agressão actual: há já uma consumação formal, mas ainda não há
uma consumação material.
Há várias teses sobre a consumação do crime de furto, nomeadamente a
que é defendida pelo prof. Eduardo Correia segundo a qual, não obstante ter

139
havido subtracção da coisa móvel objecto do facto (consumação formal do
crime de furto, desde que o agente preencha o elemento subjectivo especifico
do art. 203º CP que é a intenção de apropriação ilegítima para si ou para
terceiro da coisa furtada), só há de alguma forma verdadeira consumação
material do crime quando em relação ao objecto do facto o agente detém para
com ele uma certa “posse pacífica”, em que ele se pode comportar como
verdadeiro detentor ou titular da coisa furtada.
Ora, neste caso da hipótese ainda não há essa posse pacífica .
[5]

Assim:
É uma agressão actual e ilícita, que ofende interesses de natureza
patrimonial de terceiro, sendo esses interesses dignos de tutela jurídico-penal.
Vai-se agora ver se o meio é necessário.
Em primeiro lugar, a adequação do meio afere-se no caso concreto; o meio
necessário para repelir a agressão actual e ilícita tem que ser o meio menos
gravoso para o agressor, mas tem que ser simultaneamente um meio eficaz.
Uma arma de fogo em determinadas circunstâncias é um meio adequado
para repelir a agressão – se (X) está na iminência de uma agressão à sua vida
e se utiliza uma arma de fogo para repelir essa agressão, o meio é adequado,
ainda que seja previsível a morte do agressor.
Em segundo lugar, a utilização de uma arma de fogo, mesmo que seja para
salvaguardar bens de natureza patrimonial, desde que dirigida a um órgão não
vital do agressor, é também um meio adequado.
Portanto, a arma de fogo em si nada nos diz quando ao meio ser ou não ser
adequado. A legítima defesa (ao contrário do direito de necessidade), não
assenta numa ideia de ponderação de interesses: não tem de haver uma
sensível superioridade entre o bem que se defende e o bem que se lesa com a
defesa.
Daí que se compreenda que o agente, para salvaguardar o seu património
(propriedade), possa ferir o ladrão. E ninguém diz que o agente está em
excesso de legítima defesa por excesso do meio empregue.
Da mesma forma que para salvaguardar a sua honra ou a sua
autodeterminação sexual o agente possa lesar a vida do agressor. Não deixa
de estar a actuar em legítima defesa. Na legítima defesa a necessidade do
meio não joga com a natureza dos interesses em causa.
Assim, meio necessário será aquele, dentro dos meios que o agente tem à
sua disposição, o meio de eficácia mais suave, ou seja, aquele cujas
consequências são menos gravosas para o agressor. Mas meio
simultaneamente eficaz.

140
Então, entre uma pedra, um pau e uma arma de fogo, o meio certamente
mais suave será a pedra ou mesmo o pau. Mas poderá não ser um meio eficaz,
tudo depende das circunstâncias do caso concreto.
Na hipótese, atendendo às circunstâncias, parece que se pode afirmar que
o meio utilizado foi um meio necessário.
Assim, uma vez verificada a existência de todos os elementos objectivos da
legítima defesa, vai-se agora analisar o elemento objectivo desta causa de
justificação que é o “animus defendendi”, consciência e vontade que pessoa
tem de se defender.
António não sabe que Carlos é o ladrão, portanto ele não tem consciência
da agressão. Sendo assim, ele não pode ter querido repelir a agressão. Logo,
falta o elemento subjectivo da justificação.
Então, que o facto é ilícito ninguém dúvida, uma vez que falta um elemento
da causa de justificação. Sendo o facto ilícito, como é que vamos
responsabilizar o agente?
O que o agente fez, o resultado, no fim de contas foi bem feito, porque
Carlos era o ladrão. Mas a acção de António, porque não sabia que Carlos era
o ladrão, é desvaliosa. Quando existe desvalor na acção, mas não existe
desvalor no resultado, temos a punibilidade por facto tentado.
Então aplica-se analogicamente, mesmo à legítima defesa, o n.º 4 do art.
38º CP e pune-se o agente por facto tentado.
Vimos também em sede própria que relativamente a esta questão a
Doutrina não é unânime:
-         Há quem considere, em relação a todas as causas de justificação
que, quando estão presentes os elementos objectivos e tão só falta o
elemento subjectivo, se aplica a punibilidade por facto tentado;
-         Na perspectiva de outros autores, há que distinguir:
·        Se as causas de justificação têm, em relação ao elemento
subjectivo, uma bipartição estrutural em que é possível distinguir
o elemento intelectual e o elemento volitivo, ou seja, consciência
da agressão e vontade de se defender, a falta do elemento
subjectivo importa a punição por facto doloso consumado;
·        Quando as causas de justificação quanto ao elemento
subjectivo pressupõem apenas o elemento intelectual, que é o
conhecimento da situação objectiva da justificação (de que é
exemplo o consentimento, previsto no art. 38º CP), a falta do
elemento subjectivo importa a punição por facto tentado.
-         Há ainda outros autores que negam a existência de elementos
subjectivos nas causas de justificação; e, negando-os, os factos estão

141
justificados desde que se encontrem preenchidos os elementos
subjectivos
Adoptando agora a primeira solução e aplicando à nossa hipótese
analogicamente o n.º 4 do art. 38º CP, temos então que o agente seria punido,
relativamente a Carlos, por facto tentado, mas o facto praticado pelo agente foi
o homicídio negligente.
Ora, a tentativa é sempre dolosa, não há tentativas negligentes em Direito
Penal. Portanto, o agente não seria responsabilizado juridico-penalmente por
este facto.
Mas mais ainda e isto é que é importante : a justificação nos factos
[6]

negligentes prescinde sempre do elemento subjectivo da justificação, sob pena


de os factos negligentes nunca poderem ser justificados.
O que é que se quer dizer com isso?
Se António está na iminência de ver a sua integridade corporal lesada e,
para repelir essa agressão, pega na pasta e dá com ela na cabeça da pessoa
que o vai ofender corporalmente, António, do ponto de vista jurídico-penal tem
uma acção penalmente relevante que é típica: preenche os elementos
objectivos do crime de ofensas corporais, bem como os elementos subjectivos
porque actuou com dolo, conheceu e quis ferir o seu agressor.
O facto é típico mas está justificado pela intervenção desta causa de
justificação, porque estão preenchidos os elementos objectivos da legítima
defesa: António actuou com consciência de que estava perante a iminência
dessa agressão.
Agora, o que é que acontece se António está na iminência de ser alvo de
uma agressão e distraidamente atira a pasta ao ar, porque está a brincar com
ela, e depois a pasta cai na cabeça daquela pessoa que estava na iminência
de ofender corporalmente António?
Do ponto de vista jurídico-penal António pratica um crime de ofensas
corporais negligentes, porque quando partiu a cabeça àquela pessoa não
conheceu nem quis aquele resultado, isso resultou de uma falta de cuidado.
Logo, repare-se:
Se na primeira situação, em que o agente dolosamente quer partir a cabeça
ao seu agressor, o facto está justificado .
[7]

Nesta segunda situação, e que há um facto negligente, em que há um


desvalor do resultado mas não há um desvalor da acção, o facto tem de estar
necessariamente justificado. Se o facto doloso está justificado, o facto
negligente que é menos desvalioso também tem de estar justificado,
presidindo-se do elemento subjectivo da justificação, da consciência que o
agente tinha de que estava na iminência de ser vítima de uma ofensa corporal.

142
Se fosse necessário esse elemento, nunca poderia haver justificação de
factos negligentes, porque o agente para ter consciência de que estava perante
a iminência de uma agressão, para repelir essa agressão tinha de sempre de
actuar querendo repelir essa agressão. E portanto, tinha sempre de actuar
dolosamente.
-         Se os factos dolosos são justificados – e para esses é preciso a
existência do elemento subjectivo da justificação;
-         Os factos negligentes são justificados, prescindindo-se do elemento
subjectivo da justificação.
Portanto, na nossa hipótese, como se trata de um facto negligente
(homicídio negligente) prescinde-se do elemento subjectivo da justificação.
Donde, como o agente objectivamente está perante uma situação de
legítima defesa, o facto por ele praticado esta justificado.

[1]
Só excepcionalmente, nas situações de “aberratio ictus”, e quando a matéria de facto nos permitir concluir isso, é que
nós punimos o agente em concurso efectivo por uma tentativa do facto em relação ao objecto visado, em concurso
com um facto consumado com dolo eventual em relação ao objecto atingido.

Mas isto apenas nos acasos em que a lei seja de molde a permitir-nos concluir que em relação ao objecto não
representado mas atingido pelo agente houve ainda a possibilidade de dolo eventual.

[2]
Decisão de cometimento do crime – elemento subjectivo

[3]
Embora não tenha sido ainda estudada a tipicidade do facto negligente vamos pressupô-la.

[4]
Esta remissão não é automática, tendo que ser analisada caso a caso.

[5]
Para quem considera o crime de furto como um crime de estado vê assim a questão resolvida para efeitos de
legítima defesa.

Desta forma, indo por um ou por outro caminho, está justificada a actualidade da agressão para efeitos de legítima
defesa.

[6]
É uma especialidade dos crimes negligentes

Num facto doloso podemos distinguir entre desvalor da acção e


[7]

desvalor do resultado

143

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