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O enigma brasileiro atual: Lula

será devorado?
ARMEN MAMIGONIAN·TERÇA-FEIRA, 14 DE MAIO DE 2019

O enigma brasileiro atual: Lula será devorado?[1]

Armen Mamigonian

Introdução

Nos anos 90 inúmeros intelectuais abandonaram seus ideais de


“esquerda” após a queda do socialismo na URSS. Estes
renegados no Brasil e no mundo prestaram, inconscientemente,
um útil serviço à medida que, alegres uns raivosos outros, se
desmascararam ao aderirem ao neo-liberalismo pró-americano
de Collor e FHC no caso brasileiro.

Recentemente no Brasil outros intelectuais de esquerda (Chico


de Oliveira, entre outros) tem externado nos últimos meses
decepção e perplexidade diante do governo Lula e não sem uma
certa razão. Mas a pergunta que se deve colocar é a seguinte:
afinal, qual é o enigma brasileiro hoje em dia? É possível decifrá-
lo? Acrescentemos enfaticamente: cabe aos intelectuais
decifrar, pois repetindo Marx: se essência e aparência fossem a
mesma coisa não haveria necessidade de ciência. Concluindo:
se não formos capazes de decifrar o enigma, não só Lula como
toda a esquerda brasileira será devorada.

Estamos convencidos de que o Brasil do milagre econômico


(anos 70), assim como o Brasil da crise dos anos 80, que se
prolonga até os dias atuais, foi decifrado por Ignacio Rangel
(Brasil: milagre e anti-milagre, 1985), que continua lançando sua
luz explicativa sobre a realidade brasileira, desde que se saiba
usar seu pensamento marxista radical, criativo e original.

1. “Mundo sem fronteiras” é uma falsidade norte-americana


A economia mundial é uma realidade indiscutível, pelo menos
desde o século XVI, mas ela não significa um mercado mundial
sem fronteiras, como pretendem nos últimos anos os
apologistas da “globalização”, quer honestamente equivocados
(O. Ianni entre nós, Kurz na Alemanha, entre outros), quer
ideólogos do imperialismo, espalhados pelas universidades do
mundo ocidental (e antigamente... cristão!). O comércio não é
global e sim internacional, isto é, entre nações, mas à medida
que as dimensões geográficas de pequeno porte (França,
Alemanha, Itália, etc.) não são mais bases territoriais suficientes
para a acumulação capitalista, a economia mundial está
gestando blocos continentais (União Européia, Nafta, Bloco
asiático projetado), cada um com moedas distintas e
defendendo seus próprios interesses comerciais e financeiros.
Isto quer dizer que o comércio internacional no interior dos
blocos é facilitado, enquanto o comércio entre blocos é
desestimulado, longe portanto de um mercado mundial sem
fronteiras.

Apesar das evidências acima apontadas, intelectuais de


esquerda equivocados e principalmente intelectuais orgânicos
do imperialismo, para usar uma expressão inspirada em
Gramsci, insistem na idéia de que as nações não têm mais
nenhum papel a cumprir.

O sistema capitalista mundial continua funcionando à base da


relação centro-periferia, apesar de geógrafos marxistas
edulcorados como D. Harvey, H. Capel, Y. Lacoste, entre outros,
insistirem em minimizar ou mesmo negar esta relação. Os
países da periferia estão submetidos hoje em dia a um
neocolonialismo ainda mais brutal pelo uso permanente do
terrorismo financeiro, já que as metrópoles monopolizam o
capital financeiro mundial, resultante em cada país central da
fusão dos bancos com as indústrias, como Lenin já havia
percebido nos inícios do século XX (O imperialismo, fase
superior do capitalismo).

2. A dívida pública crescente sufoca o brasil

No Brasil dos anos 60 Ignacio Rangel já assinalava que os


instrumentos do colonialismo entre nós eram “a desfaçatez da
direita, a imbecilidade das esquerdas e o déficit em conta
corrente no balanço de pagamentos” (D. Dias Carneiro: I. Rangel
e os economistas de minha geração, Informe Corecon-RJ,
3/1994). À medida que o Estado brasileiro se endividou nos anos
70 junto aos bancos estrangeiros para financiar a “marcha
forçada” do governo Geisel (A. Barros de Castro, A economia
brasileira em marcha forçada, 1985) e depois junto aos bancos
brasileiros, “empurrando com a barriga” a dívida externa, ele se
tornou refém do sistema financeiro e dirigiu o grosso da
poupança brasileira ao pagamento das dívidas externa e
interna, perdendo a capacidade de realizar políticas públicas.

É aí, na dívida pública descomunal que reside o cerne da crise


brasileira desde os anos 80. A incapacidade de definir este
problema como central e a incapacidade de enfrentá-lo
corretamente levou-nos irremediavelmente ao beco sem saída
em que nos encontramos: pagamos cada vez mais e a dívida
não para de aumentar. Cabe-nos perguntar com que política
econômica, que seja do interesse dos trabalhadores e da nação
poderemos sair efetivamente da crise, que já dura mais de duas
décadas, com agravamento do problema central (dívida pública
crescente) e dos problemas decorrentes, como as crises
econômica, social, política, moral, educacional, etc. Se não
encontrarmos uma saída e continuarmos tutelados pelo FMI,
vale dizer pelo imperialismo norte americano, seremos levados
ao mesmo desastre que ocorreu recentemente na Argentina,
que aliás parece redefinir o seu rumo, com o governo Kirshner.
3. Necessidade de novo pacto de poder desenvolvimentista

No atual período depressivo da economia mundial, vigente


desde a chamada crise do petróleo (1973), os países asiáticos
passaram a crescer aceleradamente (China, Índia, Coréia do Sul,
Indonésia, etc.), assim como no período depressivo anterior,
anos 20 e 30 do século XX, foi a América Latina a região de
maior expansão industrial, paralelamente ao Japão e a URSS.
Aliás, nos períodos depressivos mundiais as regiões e países
atrasados têm oportunidade de crescimento acima da média
mundial, usando a técnica disponível no centro do sistema, que,
entretanto, carece de novíssimas tecnologias para voltar a
crescer (I. Rangel: Ciclo, tecnologia e crescimento, Civilização
Brasileira, 1982).

O Brasil, além de ter sido favorecido no período depressivo


mundial da primeira metade do século XX, se beneficiou com o
pacto de poder de 1930, que significou a ascensão dos
latifundiários e industriais interessados na expansão do mercado
interno e a queda dos cafeicultores, agro-exportadores e do
capitalismo industrial inglês. O imperialismo americano, sócio do
novo pacto de poder, teve o papel de financiar a política
econômica nacional-desenvolvimentista de Vargas, JK, Geisel e
outros estadistas do período. Este pacto de poder, que
alavancou o extraordinário crescimento industrial, agrícola e
urbano brasileiro, se esgotou em 1980, colocando a
possibilidade de um novo pacto (4adualidade brasileira na visão
de I. Rangel, tendo a primeira começado com a Independência,
a segunda com a Abolição-República e a terceira com a
Revolução de 30), que tornasse os industriais brasileiros sócios
hegemônicos no lugar dos latifundiários feudais decadentes e
incorporando a dissensão latifundiária capitalista, resultante do
surgimento das empresas agrícolas e também dos bancos
brasileiros, que seriam chamados a substituir os bancos norte-
americanos com a função de financiar internamente a instalação
de novas infra-estruturas: ferrovias, duplicação de rodovias,
modernização portuária, metrôs urbanos, saneamento básico,
etc., que impulsionariam nova fase de crescimento brasileiro.

4. A contra-revolução de Collor e FHC desnacionalizou o Brasil

No lugar desta possível evolução sobreveio a partir de 1990 com


Collor e FHC uma contra-revolução que substituiu o nacional-
desenvolvimentismo pelo neo-liberalismo: 1) o capital financeiro
americano (bancos e indústrias) se tornou hegemônico, 2) a
indústria brasileira, sócia subalterna do pacto de 30, foi afastada
do poder, 3) o latifúndio feudal (Norte e Nordeste), com poder
político, mas agonizante economicamente, participou da contra-
revolução, assim como 4) os bancos brasileiros ocuparam um
espaço econômico e político subalterno ao capital financeiro
norte-americano. Todo este bloco contra-revolucionário, sob o
comando dos EUA, passou a paralisar a economia brasileira e o
Estado nacional, bem como a provocar o apodrecimento da vida
política e cultural no Brasil.

Na eleição presidencial de 1989 as chamadas esquerdas


lançaram, de maneira incompetente, três candidatos (Lula,
Brizola e Covas) e permitiram a vitória da direita (Collor), com
apoio norte-americano, dando origem à contra-revolução e
depois, de maneira novamente incompetente e por
preocupações eleitoreiras, não aproveitaram o interregno Itamar
Franco (1993-94) para se unirem diante de perigo crescente dos
EUA, cujas primeiras manifestações explicitadas já se fizeram
sentir sob o governo Figueiredo, ainda durante a ditadura
militar.

A ação colonialista dos EUA em relação à América Latina tem


mais de 150 anos (Doutrina Monroe), como todos deveríamos
saber, apesar de seus numerosos acólitos no centro de sistema
(H. Capel, p. ex. na AGB de João Pessoa em 2002) nos
aconselharem a não falar de imperialismo ianque. Nas últimas
décadas os EUA patrocinaram golpes militares no Brasil (1964),
no Chile (1973), na Argentina (1976), etc. Durante a ditadura
militar a economia brasileira continuou a crescer
assustadoramente e passou a exportar produtos industriais mais
sofisticados (aviões, armamentos, auto-peças, etc.) criando
superávites comerciais e relacionamentos crescentes na
América Latina, no Mundo árabe (Argélia, Iraque, etc), na África
(Angola, Moçambique), na Ásia (Japão, China), além do acordo
nuclear com a Alemanha. Como H. Kissinger assinalou na
ocasião, os EUA não poderiam permitir o aparecimento de um
“novo Japão na sua área de influência”.

O governo Reagan (1981-88) intensificou a reação norte-


americana diante da erosão de sua hegemonia mundial e
mesmo no mundo capitalista. No caso da América Latina foi
suspensa a renovação de empréstimos, assim como passou a
cobrar a dívida externa de maneira draconiana, provocando
crises econômico-financeiras no México, Brasil e em
praticamente todos os demais países, além da multiplicação da
dívida por conta dos contratos com juros flutuantes feitos
anteriormente.

5. Moratória e combate à inflação: falsos problemas

No Brasil, o nacional-desenvolvimentismo começou a se


enfraquecer durante o governo Figueiredo, que moderou o
nacionalismo militar por conta do peso da dívida externa e por
conseqüência das pressões dos países centrais. Foi forçado a
aceitar financiamento alemão visando construir para a Portobrás
novo terminal graneleiro no Rio Grande-RS, prejudicando o
terminal da Cotrijuí, que não operava à plena capacidade, bem
como cedeu à Mitsubishi a implantação do metrô de superfície
de P. Alegre, em detrimento da Mafersa, empresa estatal de
vagões ferroviários, que continuou sem encomendas. Nos dois
casos, entre outros, a indústria nacional passou a ser submetida
ao dumping das importações de equipamentos estrangeiros, por
conta dos financiamentos facilitados. Assim, o endividamento
externo aumentou e se iniciou o estrangulamento da indústria
nacional de equipamentos pesados, implantados ou ampliados
durante o governo Geisel. Entretanto a postura nacionalista
ainda dominava: 1) na demissão de M.H.Simonsen, que
propunha combate a inflação crescente com aplicação de
política recessiva e sua substituição por A. Delfim Netto, que
propunha o uso das capacidades ociosas da economia, 2) nos
estímulos à exportação, que cresceu muito com as
desvalorizações cambiais (Delfim Netto) e ao mesmo tempo
ajudando o atendimento ao setor bancário do imperialismo
americano, pois os dólares gerados pelas exportações serviam
ao pagamento dos juros da dívida externa, 3) na implantação da
reserva de mercado da informática, que deu origem à Itautec e
outras empresas de alta tecnologia, 4) no acordo de cooperação
científica com a China, etc.

Mas o pior estava por acontecer e ocorreu após a abertura


democrática. Intelectuais de esquerda, sobretudo economistas,
passaram a repetir, posando-se de “radicais”, que era
necessário decretar a moratória da dívida externa (C. Furtado,
P.Nogueira Batista Jr e outros), posta em prática no Plano
Cruzado (Governo Sarney), quando a incompetência dos
economistas de esquerda (Unicamp), se somou à desfaçatez dos
economistas de direita (PUC-RJ) na definição do “inimigo” a
enfrentar, isto é a inflação, como se nas décadas, de 1940 a
1980, de enormes taxas de crescimento, a inflação não tivesse
se manifestado periodicamente. Do Plano Cruzado (1986) ao
Plano Real (1994) os economistas brasileiros, quase
unanimemente, ignorantes uns e vendidos outros, passaram a
engrossar a “jihad anti-inflacionária” imposta pelo FMI. Como
disse P. Anderson: “recordo-me de uma conversa que tive no Rio
de Janeiro, em 1987, quando era consultor de uma equipe do
Banco Mundial; um amigo neoliberal da equipe confiou-me que o
problema crítico no Brasil não era uma inflação demasiado alta,
mas demasiado baixa: ‘esperemos que os diques se rompam,
precisamos de uma hiperinflação aqui para condicionar o povo a
aceitar a medicina deflacionária drástica que falta neste país’”
(Balanço do Neoliberalismo In: E.Sader e P. Gentili/orgs Pós-
Neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático,
1995).

6. O combate à inflação continuou prioridade no governo Lula

Anteriormente, o combate a inflação já havia sido um fracasso


no governo João Goulart, com a aplicação do Plano Trienal (C.
Furtado), ajudando a ocorrência do golpe militar de 1964, assim
como haviam fracassado, na década de 50, as experiências anti-
inflacionárias no Chile e na Argentina, na época em que os
assessores monetaristas da primeira fase do governo JK
forçaram-no a admitir que “são condições essenciais de uma
política de estímulo ao capital estrangeiro a estabilidade
política, cambial e monetária” (JK: Mensagem ao Congresso
Nacional, 1957 p. 247), como se o Brasil tivesse que optar entre
capital estrangeiro e arrocho salarial, opinião compartilhada por
monetaristas e estruturalistas, que ignoravam a capacidade
ociosa como promotora da crise e igualmente promotora da
retomada do crescimento, desde que utilizada (I. Rangel: A
inflação brasileira, 1963 e Francisco Sá Jr/org: Inflação e
desenvolvimento, 1984).

Ao invés de termos aproveitado as lições de Rangel da década


de 60, a situação se agravou nos anos 80 e 90 pela
unanimidade que reuniu economistas de esquerda (Unicamp, G.
Mantega, P. Sandroni, entre outros), com os de direita (A. Lara
Resende, P. Arida, F. Lopes, G. Franco, entre outros) todos
incensados pela mídia de aluguel (TV Globo, Veja, FSP, etc.)
como gênios (do crime, claro...), que se puseram à discutir
hiperinflação em geral, ao invés de procurar entender a inflação
brasileira, que afinal não é a mesma que a chinesa ou a inglesa,
por exemplo. Igualmente descobriram que a siderurgia brasileira
poderia ser vendida a preço barato, pois não era mais
“estratégica”, como garantiu com santa ignorância A.
Mercadante e assim por diante.

Não seria de estranhar que o PT, vitorioso nas eleições


presidenciais não tivesse um projeto de governo, insistindo no
“combate” à inflação, política que já se desmoralizou diante do
povo. Assim, A. Palocci e H. Meirelles vão revelando o que são:
fantoches do FMI, inimigos dos interesses nacionais. Isto quer
dizer que nas eleições de 2002 teria sido preferível uma chapa
Itamar-Lula para enfrentar a “herança maldita” dos governos
Collor e FHC, já que o governo de Minas Gerais a partir de 1999
recuperou o controle da Cemig, impediu a privatização de
Furnas e passou a enfrentar o problema da dívida pública
estadual, demonstrando determinação e competência para
enfrentar os verdadeiros problemas, isto é, as armadilhas do
imperialismo norte-americano, como agora demonstra o atual
governo do Paraná (R. Requião: Presidente, onde fica a saída?
FSP 20/04/2004). Mas, afinal qual é a “herança maldita” de que
fala José Dirceu, expressão sintomaticamente jamais usada por
Palocci?

7. A “herança maldita” dos governos Collor e FHC

Escrever sobre a “herança maldita” demandaria no mínimo de


um longo artigo, coisa que não é possível aqui. Trata-se, em
resumo, da quebra do modelo nacional desenvolvimentista
(1930-1980), de enormes realizações econômico-sociais, além
naturalmente dos problemas criados por se ter tratado de um
desenvolvimento sem reforma agrária (via prussiana desde
Getúlio até Geisel) e da recolonização do Brasil sob liderança do
imperialismo (bancário e industrial), num verdadeiro processo
contra-revolucionário vitorioso desde 1990. Os EUA, que
comandaram o processo em toda a América Latina a partir do
governo Reagan (1981-88), usaram fantoches locais para
gerenciar a contra-revolução, com cobertura das mídias de
aluguel (TV, revistas, jornais), de espionagem e corrupção da
CIA e FBI e de todos os instrumentos necessários (Carlos Costa:
Os EUA grampearam o Alvorada, entrevista a Bob Fernandes,
Carta Capital, 24/3/2004).

Os EUA impuseram uma política de dumping comercial sobre a


economia brasileira, que se acelerou com o Plano Real (FMI-
FHC). Com a abertura comercial de 1995 os oligopólios que
operavam no mercado interno se viram defrontados com os
gigantescos oligopólios internacionais e assim não puderam
mais remarcar preços, como nos planos anteriores. A inflação foi
controlada momentaneamente a custa de importações maciças
(o real foi supervalorizado frente ao dólar), que provocaram
queda da produção nacional, desemprego, etc. Em 1990, antes
do Plano, registrávamos saldo comercial de US$ 10,8 bilhões e
já em 1997, sob o Plano “vitorioso”, sofremos um déficit de US$
8,4 bilhões, com prejuízos enormes à economia nacional. O PIB
brasileiro que havia se recuperado dos desastres de Collor (1,0%
em 1991 e –0,5% em 1992) durante o governo Itamar Franco
(4,9% em 1993 e 5,9% em 1994) voltou a cair com FHC (4,2%
em 1995 e 2,7% em 1996, 3,3% em 1997, 0,1% em 1998, 0,8%
em1999, etc.), um desastre brutal que se sustentou graças, 1)
ao desemprego, que intimidou os trabalhadores, 2) à mídia e 3)
aos políticos de aluguel. Para decepção e perplexidade popular,
o PIB teve queda de 0,2% em 2003 (governo Lula),
comparativamente ao ano de 2002, que já havia sido
insignificante (1,9%). Acrescente-se que estes resultados não
vieram apenas da abertura comercial, mas também da
imposição de juros internos altos, visando atrair capitais
estrangeiros, a pretexto de escassez de poupança interna,
estrangulando a economia e da ausência de investimentos onde
eles fazem falta, nas infra-estruturas.

8. Palocci e Meirelles endossaram a “herança maldita”

O combate à inflação, provocando mais recessão como os dados


acima apontam, é a maior “herança maldita”. Há muitas outras
características do governo FHC que merecem ser analisadas
mais minuciosamente em outra ocasião: 1) de 1990 a 2001 no
balanço de criação/destruição de emprego o setor agropecuário
teve 3,08 milhões de empregos a menos e a indústria 1,15
milhão de empregos a menos, enquanto o balanço positivo no
comércio e serviços foi de sub-emprego em geral, 2) o “spread”
bancário, isto é, a diferença entre o custo do dinheiro para os
bancos e o quanto eles cobram aos consumidores e empresas, é
o mais alto do mundo, 3) as negociatas nas privatizações,
inúteis para o interesse nacional (telecomunicações, CVRD,
siderurgia, etc.), aumentaram as contas secretas nas ilhas
Cayman e resultaram na queda de ministros, como Mendonça
de Barros, que continuam impunes (Waldomiro Diniz pediu 1%,
enquanto senadores do Norte-Nordeste continuam pedindo
20%), 4) as máfias do contrabando e do narcotráfico investiram
milhões de dólares nos jogos de bingo, 5) a carga tributária
cresceu de 28,5% do PIB em 1995 para 35,9% em 2002, num
processo de reforma tributária sigilosa posta em prática por
Everardo Maciel, aliviando o capital e penalizando os
assalariados, 6) o papel de Robert Rubin na condução da crise
cambial de 1999 (G. Palast: A melhor democracia que o dinheiro
pode comprar, 2004).

Em julho de 2002 FHC levou os candidatos presidenciais aos


EUA e todos eles, inclusive Lula, assinaram acordo de
continuidade com o FMI. Itamar Franco ou Roberto Requião
certamente não teriam assinado. Garotinho, a convite do FBI,
havia estado anteriormente na posse de Bush (Carlos Costa,
entrevista citada). Palocci e Meirelles são fantoches do FMI: eles
e suas políticas recessivas de pagamento religioso dos juros,
etc. são defendidos intransigentemente por Bornhausen (FSP
8/3/2004), Malan (OESP 14/3/2004), J. M. Camargo (FSP
13/3/2004), toda vez que ocorre o mínimo perigo. Palocci
nomeou Meirelles (Citibank), autor da reforma bancária (1994)
que abriu as portas à desnacionalização do Banespa,
Bamerindus, Real, etc. e como foi impedido de nomear Everardo
Maciel para continuar na Receita Federal, conseguiu emplacar
seu sub, Jorge Rachid.

9. Dois polos de poder no governo Lula e as ideias de Ignacio


Rangel

O governo Lula tem dois polos de poder: o imperialismo norte-


americano que controla o Ministério da Fazenda e o Banco
Central (Palocci) e o setor nacionalista que controla o BNDES, os
ministérios da Indústria, da Agricultura, Ciência e Tecnologia, do
Exterior (José Dirceu). Como o imperialismo tem medo de ser
desbancado pelas pressões sociais e nacionais montou a
“armação” Waldomiro Diniz para derrubar José Dirceu. A nós
compete levantar a bandeira da autonomia nacional exigindo a
saída dos “dois perdidos numa noite suja”, na expressão de
Plínio Marcos, a dupla Palocci-Meirelles e a nomeação para o
Ministério da Fazenda de economistas nacionalistas, da
confiança dos industriais e dos trabalhadores (C. Lessa, L.
Belluzzo ou Delfim Netto) e principalmente a aceleração dos
investimentos em infra-estruturas estranguladas, a maior
oportunidade de investimentos de que dispomos e que
continuam na mira dos lobistas estrangeiros.

Ignacio Rangel se bateu praticamente sozinho no


desmascaramento dos “cegos conduzindo cegos”, apontando a
inflação como epifenômeno da crise e indicando como saída 1)
investimentos maciços em infra-estruturas estranguladas, por
exemplo em ferrovias novas como a Ferronorte, Norte-Sul, Rio-
São Paulo, entre outras, com concessões dos serviços públicos à
iniciativa privada operando no Brasil (as parcerias público-
privadas de G. Mantega seriam uma das maneiras, mas estão
muito atrasadas) e 2) aquisição dos equipamentos e dos
serviços complementares no mercado nacional de fatores,
gerando efeitos multiplicativos imediatos: geração de emprego
de engenheiros, técnicos e operários nacionais, criação de
sobras de caixas nestas empresas envolvidas, vale dizer de
poupança a partir do uso das capacidades ociosas das
empreiteiras (Camargo Correa, Odebrecht, Andrade Gutierrez,
etc.), das indústrias de equipamentos (Mafersa, GE, Villares),
poupança que teria interesse em ser reaplicada, via
intermediação bancária nacional, nas novas ferrovias, novas
usinas elétricas, novos terminais portuários, novas linhas de
metrô, etc. O crescimento econômico induzido pelo Estado
ajudaria à regeneração das suas finanças, hoje estranguladas
pelo pagamento de juros, permitindo a realização de políticas
públicas ofensivas de 1) reforçamento do mercado interno
(promoção de políticas habitacionais urbanas, da reforma
agrária, etc.), 2) de estímulo ao comércio externo bilateral, de
governo para governo, com possibilidades de financiamentos
das nossas exportações, 3) de rediscussão da dívida externa e
interna, em grande parte já quitadas.
A perplexidade de Chico de Oliveira e de outros na verdade é
paralisante, enquanto a luz de Ignacio Rangel, marxista-leninista
até a medula, continua iluminando o Brasil de “cegos
conduzindo cegos”, da parábola bíblica, e nos estimulando ao
debate e ao combate.

10. Lula perdeu a batalha, mas não a guerra

O texto “O enigma brasileiro atual: Lula será devorado?” foi


escrito em 2004, no início do primeiro mandato presidencial.
Tendo se passado 15 anos, somos obrigados a retomá-lo em
2019, com Lula encarcerado. Pouco antes de ser preso ele deu
uma de suas entrevistas antológicas, de mais de cem páginas (A
verdade vencerá, 2018), chamando a atenção sobre as
falsificações produzidas pela Lava-Jato, montadas por dois
jovens artistas da TV Globo, Dallagnol e Moro. Aliás, é um sinal
dos tempos do capitalismo mundial decadente, o fato do Trump,
presidente dos EUA, se orgulhar de ter oficializado as “fake-
news”, difundindo seguidamente mentiras escancaradas,
seguindo o exemplo de J. Goebells, propagandista da Alemanha
nazista, para quem a mentira repetida muitas vezes se
transformava em verdade. No Brasil, a TV Globo tem seguido à
risca esta lição.

Entretanto, é bom relembrar que os interesses em jogo entre


nações, classes sociais e indivíduos não começaram hoje, como
indica a velha parábola judaica sobre a verdade e a mentira:
“Um dia a Verdade e a Mentira se encontraram. A Mentira diz à
Verdade: ‘hoje está um dia maravilhoso’. A Verdade olha para o
céu desconfiada e suspira, pois o dia estava realmente lindo.
Elas andam algum tempo juntas, chegando finalmente a um
poço. A Mentira diz à Verdade: ‘a água está muito boa, vamos
tomar um banho juntas’. A Verdade mais uma vez desconfiada
testa a água e descobre que realmente está muito gostosa. Elas
se despem e começam a tomar banho. De repente a Mentira sai
da água, veste o roupão da Verdade e foge. A Verdade, furiosa,
sai do poço e corre para encontrar a Mentira e pegar suas
roupas de volta. O Mundo vendo a Verdade nua, desvia o olhar,
com desprezo e raiva. A pobre Verdade volta ao poço e
desaparece para sempre, escondendo nele sua vergonha. Desde
então a Mentira viaja ao redor do mundo vestida como a
Verdade, satisfazendo as necessidades da sociedade. Por que o
mundo não nutre o menor desejo de encontrar a Verdade nua”
(Jessé Souza, A classe média no espelho, 2018).

A sabedoria judaica sobre a verdade e a mentira chama a


atenção para o fato de que o poder dominante usa a mentira, o
que acaba com o tempo provocando crises e impasses e daí
resulta a necessidade imperiosa de corrigir ideias e ações
equivocadas. Isto explica o aparecimento, ao longo dos séculos,
dos chamados profetas, que enxergam longe e são capazes de
indicar os caminhos da regeneração. Foi o caso de Karl Marx no
século XIX, quando tomou o partido do proletariado nascente e
indicou a necessidade do socialismo. Sobre a verdade e a
mentira é útil dizer, de maneira simples, que os negros
enxergam melhor os brancos do que os brancos enxergam os
negros, os trabalhadores enxergam melhor os patrões do que
estes enxergam os trabalhadores, assim como os povos
colonizados enxergam melhor os imperialistas do que estes
enxergam os colonizados. Quem está com a verdade? Quem
está com a mentira?

Na história do século XX, quando se iniciou a transição do


capitalismo para o socialismo, inúmeros líderes que lutaram
incansavelmente pelos interesses populares e nacionais como J.
Stalin, Deng Xiaoping, A. Gramsci, Ho chi Minh, M. Gandhi, N.
Mandela, Fidel Castro e outros, foram presos e às vezes por
longos anos, mas continuaram a luta e hoje são reverenciados
como heróis nacionais. No Brasil, Getúlio Vargas foi deposto em
1945 pelos militares a serviço dos EUA e mais tarde, presidente
eleito, foi levado ao suicídio após ter criado a Petrobrás, contra
chuvas e trovoadas, incluindo as que partiram do imperialismo
norte-americano. Por tudo isto, Lula na referida entrevista, de
inícios de 2018, lamentou a morte de Getúlio, o exílio do Jango e
a iminência de sua prisão. Não fugindo à luta, afirmou: “Não fui
eleito para virar o que eles são, eu fui eleito para ser quem eu
sou. Tenho orgulho de ter sabido viver do outro lado sem
esquecer quem eu era”.

11. O PT nasceu em novas circunstâncias históricas

Na vida dos grandes líderes populares há muitos denominadores


comuns, o principal dos quais a vontade férrea de defender os
interesses do povo e da nação oprimida. Há semelhanças
curiosa nas histórias pessoais e políticas de Lenin e de Lula. O
gênio da revolução russa ficou chocado com a morte de seu
irmão mais querido, executado pelo regime tzarista. Lula
igualmente ficou chocado com a prisão e as torturas sofridas por
frei Chico, seu irmão querido, que o havia introduzido na vida
sindical. Estes acontecimentos brutais amadureceram
rapidamente os dois líderes, pessoas independentes e
acostumadas a pensar com suas próprias cabeças e logo
encontraram os caminhos a seguir. Lenin descobriu que a
revolução da Rússia só podia sair vitoriosa dirigida por um
partido de quadros revolucionários profissionais, assim como
Lula percebeu, muitas décadas depois, que a revolução violenta
estava esgotada e não era mais o caminho para mudar o Brasil,
como a luta armada contra a ditadura militar havia pretendido.
Era necessário criar um partido de massas, como o PT, com
forte base sindical (Lula sem censura, 1981). Vale a pena
lembrar que na Itália, na mesma época, E. Berlinguer, dirigente
do PCI havia chegado à conclusão semelhante, propondo uma
aliança com a ala esquerda da Democracia Cristã, liderada por
Aldo Moro, que acabou assassinado covardemente por
extremistas infanto-juvenis, travestidos de revolucionários.

12. O PT nasceu sério e corajoso, mas com infiltrações perigosas

Tentamos sublinhar linhas acima as semelhanças históricas


entre os caminhos percorridos por Lenin e Lula, como líderes de
esquerda. É bom relembrar que a tomada de poder na Rússia
em 1917 foi quase pacífica, mas logo foi seguida pela
intervenção militar estrangeira, dando início a uma guerra civil
de 1918 a 1921, com milhões de mortos dos dois lados e o
nascimento do Exército Vermelho, que fez a proeza de ganhar a
guerra civil e sair vitorioso na 2ª Guerra Mundial contra a
Alemanha nazista.

Aqui no Brasil a vitória de Lula na eleição presidencial de 2002


também foi seguida de raivosa reação do imperialismo norte-
americano e seus asseclas, com seguidas tentativas golpistas,
começando pelo “mensalão”. Na verdade poucos observadores,
mesmo aqueles atentos aos acontecimentos, tem ideia da
desproporção do pequeno poder de fogo das forças populares,
quando vitoriosas em países destruídos e empobrecidos, diante
da força gigantesca do imperialismo com efetivos militares
enormes e fortemente armados, orçamentos de bilhões de
dólares, controle da imprensa, legislativo e judiciário maleável
nos países colonizados.

Criar partidos disciplinados e conectados com a realidade


concreta e não vivendo de fantasias, como fizeram Lenin e Lula
é fator indispensável a qualquer projeto de mudança, mas é
apenas o início de um longo percurso, cheio de dificuldades,
como a história tem demonstrado. Antes mesmo de fundar o PT,
ao se destacar como líder sindical respeitado, Lula sofreu inveja
de políticos como FHC, conforme relato de R. Faoro e Mino
Carta, além das contestações de extremistas infanto-juvenis,
como do jornalista gaúcho, que insistia para ele “brigar pela
revolução e não por um poste”. Com sua visão concreta da
realidade, Lula deu a resposta didática: “Quem sabe eu seja
mais revolucionário do que você, por que se eu for numa favela
e for falar em revolução eu vou juntar uma pessoa, quem sabe
eu mesmo, mas se eu for reivindicar um poste eu vou juntar
pelo menos cinquenta pessoas, que já caíram na rua por não ter
um poste com luz naquele lugar” (Lula sem censura, 1981).

Ao contrário das fantasias embaladas por grandes setores da


classe média brasileira e seus intelectuais de esquerda, como o
jornalista gaúcho acima referido, deveríamos saber que os
líderes populares e seus partidos são feitos de carne e osso,
seres humanos com acertos e erros e não anjos caídos do céu.
Assim como A. Gramsci foi aprisionado por B. Mussolini, ex-líder
de esquerda, Deng Xiaoping foi posto em prisão domiciliar por
Mao Tsetung, durante a fantasiosa Revolução Cultural. Assim
intelectuais estrangeiros de prestígio erraram ao subestimar a
experiência do PT e endeusar o “socialismo do século XXI” dos
países latino-americanos “mais revolucionários”. Mas é assim
que caminha a humanidade, gostemos ou não...

O PT nasceu sob liderança de Lula, com uma grande base


sindical do ABC paulista, oriunda das greves dos anos 1970,
acrescida de militantes combativos das comunidades eclesiais
de base espalhadas pelo Brasil, mas perdeu consistência com a
adesão oportunista de grupos esquerdistas nascidos durante a
ditadura militar, no movimento estudantil (MEP, Libelu, etc),
além de intelectuais pretensamente marxistas como A.
Mercadante (FEA-USP), A. Palocci (Libelu), Tarso Genro (PCdoB),
entre outros. Os sindicalistas e as comunidades eclesiais de
base lutavam de maneira séria, buscando resultados viáveis e
sustentáveis, enquanto os grupelhos infanto-juvenis e os
intelectuais esquerdistas preferiam mais aparecer, do que agir.
Novamente a Mentira querendo enganar a Verdade.

13. A redemocratização, as lutas sindicais do ABC e os


economistas do MDB

Para melhor entender as qualidades e os defeitos do PT é


importante cruzar sua pré-história sindical e seus primeiros
passos político-partidários com a história econômica e política
do Brasil naqueles anos. É bom lembrar que após o golpe militar
de 1964 o marechal Castelo Branco, sob influência norte-
americana, destruiu a FNM além de grupos nacionais como Jafet
e Panair do Brasil, provocando reação dos setores nacionalistas
do Exército, que acabaram assumindo o governo e deram
origem ao “milagre econômico” e ao 2°PND desenvolvimentista
do governo Geisel, cuja política externa independente levou ao
reconhecimento e ao acordo espacial com a China, como
registraram M.C. d’Araújo e C. Castro (Ernesto Geisel, 1997).
Nos finais dos anos 70 a ditadura havia assumido a abertura
política “lenta, gradual e segura”, enfrentando a resistência da
linha dura militar, enquanto os líderes sindicais do ABC dirigiam
greves operárias gigantescas, que ajudaram a
redemocratização. Enquanto isto “economistas do MDB”
(M.C.Tavares e outros) não tinham ideia de que rumos a
economia brasileira deveria tomar. Curiosamente naqueles anos
os militares e os líderes sindicais sabiam o que queriam, mas os
economistas referidos não sabiam o que propor, aguardando o
retorno à democracia, como alguns disseram, para começar a
pensar.

O Centro Brasil Democrático, presidido por Oscar Niemeyer,


organizou em fins de 1978 vários painéis de discussão da
realidade brasileira (Painéis da Crise Brasileira, 1979) e um
deles, “Perspectivas do quadro econômico-social”, teve como
expositores P. Malan, R. Almeida, A. Passos Guimarães, F. Pena,
R. Saturnino Braga, A. Coimbra, M. C. Tavares, E. Matarazzo
Suplicy, L. C. Bresser Pereira e I. Rangel. Fora a verborragia de
alguns e a ausência de propostas para o futuro da economia,
ficou evidente o deslocamento da realidade de quase todos,
mesmo do experiente Rômulo de Almeida, que criticou a
construção da ponte Rio-Niterói e da Ferrovia do Aço, pois não
enxergavam que a ditadura militar havia conseguido colocar a
economia brasileira em novo e alto patamar.

Na verdade, tanto economistas quanto sociólogos, carregam o


pecado de se aprisionar muito facilmente às teorias que
professam, em geral copiadas dos outros, e não dão grande
importância à realidade empírica concreta. Acabam se tornando
“cegos conduzindo cegos”, provocando por ignorância enormes
estragos econômicos, sociais e políticos, como aconteceu com o
“Plano Trienal” dos anos 1960 e os congelamentos de preços
dos anos 1980. Exceção a este pecado mortal de desligamento
da realidade, na reunião acima referida, foi a presença de
Ignacio Rangel. Este economista extraordinário continua até
hoje ignorado nos cursos de economia das universidades,
apesar de seu discernimento e originalidade terem sido
reconhecidos por R. Bielschowsky (O pensamento econômico
Brasileiro, 1988). Assim sendo, cabe perguntar o que os outros
participantes do painel de 1978 não viam e que Ignacio Rangel
vinha explicitando desde vários anos antes (A inflação é uma
defesa, Veja, 06/10/1976).

14. Ignacio Rangel apontou a saída progressista para a crise


econômica dos anos 1980

Na entrevista à Veja, dois anos antes do painel “Perspectivas do


quadro econômico-social”, de resultados pífios, Ignacio Rangel
apresentou um panorama esclarecedor dos problemas
econômicos brasileiros: 1) a inflação não era um bicho de sete
cabeças, como se alardeava, pois induzia os poupadores a
realizar alguma aplicação para não perder dinheiro e assim
evitava a depressão, amenizando a crise, 2) a substituição
industrial de importações havia se esgotado ao alcançar com
sucesso sua etapa final, a implantação da mecânica pesada
completa, 3) o setor carente de investimentos era o das
infraestruturas, como metrôs, ferrovias, saneamento, etc., 4) o
setor público estava excessivamente endividado e incapaz de
atender o setor estrangulado e assim era necessário atrair
investimentos privados, sob forma de concessão destes serviços
públicos, até então operados por empresas públicas.

Para entender as razões deste raciocínio didático e lúcido,


ausente em quase todos os economistas, é necessário lembrar
que Ignacio Rangel desde sempre se distinguiu pelo
compromisso com o Brasil e com o socialismo, sem carreirismo,
subordinação partidária e holofotes. Adolescente lutou de armas
na mão pela Revolução de 1930, mas acabou preso em 1935 ao
liderar camponeses maranhenses e mandado para o Rio de
Janeiro, como Graciliano Ramos, entre outros. Ele logo percebeu
o equívoco da necessidade da reforma agrária para alavancar a
industrialização, passando a estudar economia por conta própria
e assim acabou integrando a assessoria econômica de Getúlio
Vargas, mas só se tornando getulista em 1954, quando estava
na Cepal, em Santiago do Chile, e já era brilhante funcionário do
BNDE.

Batalhador incansável, Ignacio Rangel não só expôs as razões


da crise e os rumos para enfrentá-la, como aprofundou suas
ideias em dois testamentos, que até hoje não perderam
atualidade: 1) História da dualidade brasileira (Revista de
Economia Política, n 4, 1981) e 2) Economia: milagre e anti-
milagre (1985). Infelizmente os economistas de esquerda,
vivendo no mundo da lua, trataram de ignorá-las, por serem
estatizantes de carteirinha, enquanto os economistas de direita
preferiam a venda das empresas estatais, todas se possível.
Paradoxalmente os dois lados se entenderam em 1980, na
pauta de combate à inflação, ditada pelo FMI, como assinalou
Perry Anderson, citado linhas acima. Assim a crise continuou nos
anos 1980, atenuada por Delfim Neto, ministro do general
Figueiredo e continua até hoje, atenuada durante o governo
Lula.

Nos dois testamentos acima citados, Rangel expôs


minuciosamente os caminhos a percorrer, ressaltando que o
modelo de substituição de importações (1930-1980) havia feito
um percurso brilhante, mas havia se esgotado, assim como o
pacto político-social que havia sido liderado por caudilhos
competentes, desde Getúlio Vargas até Ernesto Geisel, em
aliança com os industrias e os bancos norte-americanos. Para
Rangel havia chegado a hora de colocar no poder o setor
industrial brasileiro, insignificante em 1930, mas gigantesco em
1980, constituído pelo chamado tripé (estatais como a
Petrobrás, etc., multinacionais como Volks, etc. e indústrias
nacionais como Votorantim, etc.). O novo pacto deveria cumprir
várias tarefas econômicas: 1) conceder os serviços públicos
estrangulados à iniciativa privada, e manter nas mãos do Estado
o aval dos negócios, com fórmulas financeiras esboçadas por
Ignacio Rangel, 2) reforçar o mercado interno dos trabalhadores,
incluindo uma reforma agrária de novo tipo e 3) abrir a
economia de dentro para fora, como a China ou a Índia,
estimulando exportações industriais não apenas de bens de
consumo, mas também bens sofisticados, que o país produzia
em 1980.

15. As propostas de Ignacio Rangel não foram postas em prática


É importante reafirmar que ao final dos anos 1970 e início dos
1980 a ditadura militar dava sequência ao processo de
redemocratização “lenta, gradual e segura”, assim como os
metalúrgicos do ABC preparavam a criação do PT. Enquanto isto
os “economistas do MDB” continuavam perdidos, assim como os
grupelhos esquerdistas estudantis, que ainda sonhavam com o
socialismo para o dia seguinte. Além de Geisel e Golbery e das
lideranças sindicais comandadas por Lula, Ignacio Rangel
também tinha propostas baseadas na realidade daqueles anos.

Ignacio Rangel achava ser possível substituir o pacto de poder


implantado pela Revolução de 1930, por um novo, sob a
liderança da indústria brasileira, diante de algumas evidências,
como: 1) a dimensão e a maturidade alcançadas pela indústria e
pelo sistema bancário brasileiros e 2) a força política alcançada
por candidaturas nacionalistas de Brizola, Lula e Covas. O
edifício industrial havia se completado com a mecânica pesada
e a engenharia pesada e os bancos nacionais já haviam
frequentado a escola maternal do capitalismo financeiro, como
ele afirmava, ao bancar as construtoras imobiliárias, que
verticalizaram de maneira impressionante as grandes e médias
cidades no Brasil inteiro. Os bancos haviam adquirido
experiência e condições de intermediar os investimentos ou
serviços públicos que fossem concedidos à iniciativa privada,
incluindo o lançamento de debêntures de infraestrutura, como
estão oferecendo hoje em dia, com muitas décadas de atraso.
Por este caminho o sistema bancário nacional, estatal e privado,
poderia substituir o sistema financeiro norte-americano, parte
do pacto de poder de 1930, mas que começava a bloquear o
crescimento econômico brasileiro.

Infelizmente a contra-revolução de Collor e FHC partiu para as


“privatarias” da Usiminas, CSN, Telebrás, etc., atrelando os
interesses da economia brasileira aos interesses do
imperialismo e as concessões dos serviços públicos
estrangulados viraram negociatas ou equívocos, como no caso
das rodovias, com numerosos exemplos emblemáticos: 1) a
rodovia Castelo Branco, em São Paulo, sem necessidade de
duplicação, foi privatizada como um negócio qualquer, 2) as
rodovias estaduais do Paraná, que necessitavam duplicação,
não foram duplicadas e passaram a cobrar pedágios
escorchantes, enriquecendo a CR Almeida, a troco de nada, 3)
as rodovias estaduais gaúchas foram privatizadas e depois
estatizadas em decisão demagógica do governo Tarso Genro,
pois os pedágios foram suprimidos ao invés do rebaixamento de
tarifas, e assim as rodovias entraram em colapso, 4) a BR 101
foi duplicada de Florianópolis-SC a Torres-RS pelo governo do
PT, com enormes gastos ao longo de intermináveis anos e
depois concedida à iniciativa privada, em decisão equivocada.
Resumindo deve-se dizer que as concessões rodoviárias foram
feitas sem seriedade, lentidão interminável e enormes
negociatas, não resultando em investimentos maciços, ao
contrário.

Alguns estudos dão uma ideia da política de concessões e seus


equívocos, como foram expostos, entre outros, por K. Machado
(Concessões de rodovias, mito e realidade, 2002) e C. S. Maciel
(Política de regulação...In: R. Carneiro: A supremacia dos
mercados e a política econômica do governo Lula, 2006). Assim,
pode-se dizer que hoje em dia muitas infraestruturas continuam
estranguladas e abandonadas, o que ajuda a entender por que a
crise econômica brasileira se agravou. Deve-se lembrar que na
última campanha presidencial curiosamente tanto Haddad
quanto Bolsonaro prometeram retomar as obras paralisadas,
milhares pelo Brasil afora, as principais delas de infraestruturas.

As propostas de Ignacio Rangel sobre infraestruturas, sobre o


reforçamento do mercado interno, incluindo reforma agrária de
novo tipo e abertura do mercado brasileiro de dentro para fora
estimulando exportações industriais, baseavam-se em
realidades concretas, imperceptíveis para muitos economistas
prejudicados pela cegueira. Desde 1976, há mais de quarenta
anos, apontava para a necessidade de concessões dos serviços
públicos que começavam a se estrangular. Percebeu, por
exemplo, que o governo Geisel havia iniciado investimentos em
vária infraestruturas, como o metrô de São Paulo, as usinas de
eletricidade, a Ferrovia do Aço, que seria dos 1000 dias, etc.
Neste último caso foi realizada a duplicação do trecho de Belo
Horizonte-Juiz de Fora, bem como o túnel de 8 645 metros sob a
Mantiqueira, no trecho entre Juiz de Fora e Barra Mansa, mas
acabou interrompida e sua eletrificação abandonada, por falta
de recursos financeiros provenientes de impostos e
empréstimos estrangeiros.

A enorme dimensão que a economia brasileira havia alcançado,


exigia nos anos 1980 correções de rumo também de grandes
dimensões. Por isto, Ignacio Rangel além de indicar a retomada
de investimentos em infraestruturas paralisadas, também dava
grande ênfase à necessidade de reforçar o mercado interno,
como parte fundamental do novo modelo brasileiro. Para isto ele
partiu da observação das tendências em andamento na
realidade: 1) acelerar a reforma agrária baseada em micro-lotes,
onde os boias-frias e outros trabalhadores carentes pudessem
fixar suas famílias, produzir alimentos e escoar o excedente
para cidades próximas. Assim, a renda dos trabalhadores rurais
aumentaria e também os salários urbanos, que não seriam tão
pressionados pelo êxodo rural arrefecido. A experiência dos
ejidos mexicanos e dos kolkhoses russos serviam de exemplo,
como na iniciativa de J. Lerner ao criar na periferia de Curitiba as
“comunidades rururbanas” em 1975-76 e depois como
governador as “vilas rurais”, que são atualmente mais de 400
no Paraná. Na Bahia, recentemente, na gestão de J. Wagner (PT)
foram distribuídos pequenos lotes rurais e algumas cabras, com
bom êxito econômico e social. Infelizmente estes exemplos não
foram imitados, resultando em sucessivos aumentos do
desemprego, juntamente com a violência urbana insolúvel e 2)
ampliar as exportações industriais brasileiras, que começaram
com grande êxito nos anos 1960, direcionadas aos EUA e à
Europa, compostas de bens de consumo simples, como têxteis e
calçados, móveis etc. e nos anos 1970 de produtos industriais
sofisticados, agora dirigidos para outros mercados da América
Latina, África e Oriente Médio, como automóveis, caminhões,
ônibus, autopeças, armamentos, contra importações de petróleo
e prestação de serviços de engenharia pesada, em rodovias,
ferrovias, hidrelétricas, etc.

É importante concluir esta longa experiência do item número 15


deste artigo reiniciado em 2019, para dizer enfaticamente que
Ignacio Rangel continua sendo o profeta que decifrou o enigma
brasileiro e por isto seu pensamento deve nortear o próximo
governo do PT, em decorrência da eleição presidencial de 2022,
com Lula ou Jacques Wagner, para que o Brasil reencontre seu
rumo de grandeza, inclusive reintegrando os BRICS. Está dentro
das possibilidades.

16. Os EUA bloquearam o Japão, a URSS e o Brasil

As décadas de 1970 e 1980 foram muito importantes para o


Brasil e o mundo inteiro. Os “anos gloriosos” de após segunda
guerra mundial terminaram com a crise do petróleo de 1973-
1974, marcando o fim da fase expansiva e o início da fase
depressiva do ciclo de Kondratiev. No caso brasileiro,
curiosamente o governo Geisel soube enfrentar de maneira
competente a crise do petróleo, adotando várias medidas
simultâneas: 1) extração em águas profundas, pioneira no
mundo, 2) importações de Angola, Argélia, Iraque, e Irã,
financiadas com contrapartidas acima referidas e 3) o programa
do ProÁlcool, também pioneiro no mundo. Mas o abastecimento
de petróleo era apenas um dos problemas e não o maior, que o
Brasil precisava enfrentar.

Naquelas décadas os EUA passaram por desafios de grande


porte, como a ofensiva econômica japonesa, o avanço
geopolítico soviético e as revoluções na periferia, como as
derrotas no Vietnã e no Irã. Na verdade, a fase depressiva da
economia mundial atingiu principalmente os EUA, acabando por
provocar o planejamento e a adoção de um programa
econômico e político agressivo do governo R. Reagan (1981-
1988), comandado pelo “complexo militar-industrial”, na
expressão de D. Eisenhower: 1) corrida armamentista reiniciada
com a “guerra nas estrelas”, 2) fluxos financeiros liberados,
incluindo a criação dos paraísos fiscais no Caribe, 3)
enquadramento do Japão e da URSS, 4) neoliberalismo nas
relações de trabalho internas e aberturas comerciais e
financeiras impostas à periferia latino-americana e africana, etc.

Assim os EUA conseguiram mudar expressivamente a correlação


de forças mundiais, que lhe era desfavorável nos anos 1970,
impondo durante o governo R. Reagan uma nova correlação de
forças, sob seu comando exclusivo. Esta nova correlação de
forças permitiu aos EUA imporem ao mundo novas pautas
econômicas e políticas, inclusive reduzindo a ONU a quase nada.
Vale relembrar que a pauta de crescimento de crescimento
econômico dos países periféricos era pauta integrante do
governo J. Kennedy, tendo em vista a disputa com a URSS. A
nova correlação de forças permitiu ao imperialismo norte-
americano substituir a pauta de crescimento econômico na
periferia por novas pautas: abertura comercial, privatização de
empresas estatais, combate à inflação, combate à corrupção,
democratização, etc.

As novas pautas criadas ou recriadas durante o governo R.


Reagan tiveram boas oportunidades de aplicação no final da
ditadura militar brasileira, com a redemocratização em
andamento. A CIA norte-americana voltou a operar no Brasil
com força total, como ficou evidente nas entrevistas realizadas
por Bob Fernandes com Carlos Costa, citadas anteriormente. A
CIA passou a financiar a Polícia Federal visando equipá-la e ao
mesmo tempo usá-la nas suas tarefas de espionagem. O
controle da PF pela CIA chegou ao extremo dela gravar as
conversas de FHC com Clinton na questão da cobertura
eletrônica da Amazônia, favorecendo uma empresa norte-
americana, o que tornou FHC refém da PF na gestão de V.
Chelotti (2/95 a 3/99). Os EUA usaram a redemocratização no
Brasil para seus próprios interesses, como nos dias atuais
exigem a “democracia” na Venezuela, para seus próprios
interesses, esquecendo da democracia na Arábia Saudita.

Mas a pauta mais importante do imperialismo no Brasil desde os


anos 1980 parece ter sido o combate à inflação, como P.
Anderson explicitou. Os fracassos dos planos Cruzado, Bresser e
outros, se conjugou com outra pauta, o combate à corrupção,
elegendo Collor, o “caçador de marajás” ne depois o Plano Real,
de combate à inflação, elegeu FHC, apadrinhado de R. Marinho
(TV Globo) e de ACM (PFL). As medidas recessivas e as
privatizações altamente suspeitas provocaram desemprego
gigantesco e favoreceram a eleição de Lula, que estava na
previsão da CIA, que tratou de agir e colocar Palocci, seu
homem de confiança, no lugar certo.

Palocci chegou onde chegou por práticas abertas de corrupção,


juntamente com sua “república de Ribeirão Preto”, disposto a
favorecer quem pagasse mais. Assim, a CIA programou o
assassinato de Celso Daniel no início de 2002, pondo em prática
sua longa experiência nos assassinatos do general Torrijos, do
líder equatoriano Galdoz e outro mais. Dionísio A. Severo,
condenado a 63 anos, foi retirado de helicóptero do presídio de
Guarulhos e levado ao Embu, onde era aguardado pela
quadrilha da favela Pantanal para matar Celso Daniel, raptado
em São Paulo. Dionísio fugiu para o interior da Bahia, onde
morreu esfaqueado em abril de 2002 (S. Navarro: Celso Daniel,
2016). Lula, que sabia das coisas, disse no enterro: “Estou
convencido de que você, Celso Daniel, não foi vítima do acaso e
que não foi um incidente. Possivelmente, sua morte foi
planejada, possivelmente tem gente grande por trás disso”.
Operações complexas e de altos custos sempre foram obras de
profissionais, como FBI e CIA, como as mortes de Martin Luther
King, executada por assassino que “escapou” da prisão, ou as
mortes de J. Kennedy e de seu irmão, todas com “modus
operandi” semelhantes.

17. Quais são as perspectivas do Brasil para os próximos anos?

A ofensiva dos EUA durante o governo R. Reagan deu os


resultados programados em relação à URSS, ao Japão, ao Brasil
e o resto da América Latina e à África, dando origem à ideia do
“Fim da História”, isto é, da hegemonia definitiva e absoluta.
Como sabemos, isto não durou muito tempo diante da emersão
da China, da Rússia, da Índia e de outros países contrários à
hegemonia norte-americana. Entretanto, é importante
reconhecer que os EUA não aceitam passivamente seu
enfraquecimento mundial. Da mesma forma que a Alemanha, a
Itália e o Japão se posicionaram nos anos 1930, os EUA de hoje
em dia estão reagindo com política interna e externa de
extrema direita e estimulam seus seguidores a acompanhá-los
no mesmo caminho, mas enfrentam resistências no mundo
inteiro.

Quanto ao Brasil, dissemos linhas atrás, que há possibilidades


reais de reversão política em favor dos interesses nacionais e
populares, com a eleição de Lula ou Jacques Wagner nas
eleições presidenciais de 2022. Neste sentido vale a pena
relembrar que: 1) a política entreguista e de arrocho salarial do
governo Dutra contribuiu para a vitória esmagadora de Getúlio
Vargas em 1950, quando houve correção do salário mínimo em
100% e recuperação econômica nacionalista, 2) a política
entreguista do marechal Castelo Branco (1964-66) foi
substituída pela linha nacionalista, resultando no “milagre
econômico” e no governo Geisel e 3) a política desastrosa de
FHC, de desnacionalização, privatização e desemprego brutal,
abriu caminho para a vitória de Lula em 2002. É possível dizer
que as medidas entreguistas e reacionárias do governo
Bolsonaro poderão levar às derrotas nas eleições municipais em
2020 e conforme a continuidade do desemprego maciço e do
arrocho salarial, as possibilidades de derrota nas eleições
presidenciais de 2022 aumentarão.

É verdade que o antipetismo nos setores privilegiados da


sociedade brasileira continuará por muito tempo, mas é bom
não esquecer que todas as pesquisas eleitorais em 2018
indicavam nítida vitória de Lula para presidente. Foi necessário
montar a “armação” da mídia de aluguel (TV Globo, etc.), PF,
MPF e judiciário, todos manipulados e por último o dedo militar
sobre o STF, agentes conscientes ou inconscientes do
imperialismo norte-americano, somados, aliás, às “fake-news”
bolsonaristas para chegar onde chegamos.

É verdade também que a experiência política do PT nos


governos municipais, estaduais e federal nem sempre foi muito
feliz, como aparece nos estudos de A. Moura (Memórias
operárias, 1980) e de Celso Daniel (As administrações
democráticas e populares em questão, 1991), sabotadas de
dentro e de fora, como nas gravações criminosas organizadas
por Carlinhos Cachoeira, padrinho do atual governador de Goiás
ou nas ações de infiltrados como Delcídio Amaral e A. Palocci.
Tomando apenas o exemplo de L. Erundina, vale lembrar a
paralisação de todas as obras públicas na cidade de São Paulo,
herdadas do governo anterior, reduzindo a questão a uma
simples economia doméstica, e assim prejudicando Lula em
1989. Mas também acertou ao bancar os mutirões para
construções de moradias populares e conceder à Shell terrenos
no percurso para o autódromo de Interlagos, para seus postos
de gasolina, como contrapartida para a recuperação do
autódromo, abandonado por falta de manutenção. Experiência
que não foi aproveitada pelos economistas do PT, infelizmente.

Lula como presidente teve mais acertos que erros. Preocupou-se


com a retomada do crescimento econômico, com investimentos
maciços da Petrobrás, intoleráveis para as empresas petrolíferas
norte-americanas e europeias, que trataram de acionar a Lava-
Jato, como anteriormente acionaram o Mensalão... Afinal
abocanhar o Pré-Sal vale cometer qualquer crime... Lula
também deu atenção especial ao Nordeste, carente de bolsa
família, aumento do salário mínimo, cisternas e luz para todos,
assim como se preocupou em ampliar as vagas do ensino
superior, com bons resultados. Realizou também relações
externas independentes, estimulando a ampliação das
exportações brasileiras, o que permitiu sobra de dólares para
quitar a dívida com o FMI e ainda criou reservas cambiais
significativas.

Entretanto, no governo Lula reinou na economia a dupla Palocci-


Meirelles que colocou em prática as regras do Plano Real (FHC),
de juros altos e desvalorização do dólar, ambos mortais para a
indústria brasileira, que alcançava 3,47% do total mundial, antes
da política desastrosa de FHC (âncora cambial). Caiu para 2,85
% em 2005 e para 1,84% em 2016, despencando da 5ª
colocação mundial para a 9ª posição, com tendência a piorar,
conforme dados da ONU (A indústria pode deixar o grupo das 10
maiores, Estadão 16/X/2017).

Com acertos e erros, Lula terminou seu mandato elogiado por A.


Ermírio de Moraes, O. Setubal e outros empresários
nacionalistas e consagrado pelo povo brasileiro. Nos últimos
anos batalhou vitoriosamente para manter o PT em pé diante da
ofensiva imperialista iniciada em 2013. Eleito em 2022, muito
provavelmente fará as correções indicadas pelas ideias
luminosas de Ignacio Rangel. Vamos à batalha...

[1] Este texto foi escrito em duas etapas: em 2004 para a


Ciência Geográfica, da AGB de Bauru-SP e completada em 2019,
como está explicitado. Agradeço a contribuição inestimável das
professoras M. Graciana E. de Deus Vieira e Isa de Oliveira
Rocha.

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