ADOLESCÊNCIA Célia Maria Ferreira da Silva Teixeira1
Resumo: O suicídio e a tentativa de suicídio de adolescentes são fenômenos complexos,
constituindo forte desafio à compreensão dos fatores desencadeantes, exigindo, pois, estudos interdisciplinares de forma a evitar uma visão unidimensional do problema. Neste trabalho, a autora aborda a questão do suicídio, em particular na fase da adolescência, fazendo alusão aos resultados de pesquisa desenvolvida junto a adolescentes. A autora ressalta os fatores de risco e fatores de proteção ao suicídio de jovens, chamando a atenção para a necessidade de políticas de prevenção ao suicídio e a construção de ações integradas que visem ajudar os jovens a re-significar a existência, em contextos de referência. Identifica a família e a escola como espaços privilegiados de prevenção ao suicídio.
Palavras-chaves: adolescência; tentativa de suicídio; prevenção.
O adolescente num momento de angústia desiste da própria vida.
(Adolescente, 17 anos, do sexo masculino).
Face à sua complexidade, o suicídio jovens dos dias atuais, o suicídio e
tem sido abordado sob aspectos a tentativa de suicídio em diversos, exigindo esforços adolescentes se apresentam como conjugados de profissionais de o mais drástico infortúnio. Relatos diferentes especialidades, de forma constantes na literatura sobre o a evitar os riscos decorrentes de assunto indicam que a grande uma visão unidimensional da maioria das pessoas que tentou realidade. Fica evidente a morrer anunciou sua intenção. necessidade do estudo Todavia, seus sinais de alerta não interdisciplinar, conforme afirma foram reconhecidos, o que indica, Sampaio (1991; 31): “O suicídio é quase sempre, despreparo dos considerado um fenômeno profissionais e familiares. complexo, multifacetado, A tentativa de suicídio por jovens necessitando esforços coordenados mostra-se como sinal de alarme. de vários sectores, unidos através Traduz fracasso no processo da de uma correta metodologia de adolescência, contrapondo-se à intervenção, tanto quanto possível essência do existir dessa fase. A objetiva”. opção pela morte surge como a negação do desejo de viver. É Explicações sociológicas, preciso, pois, aprofundar os estudos psiquiátricas e psicológicas para o sobre o problema, de forma a fenômeno têm surgido, buscando ampliar o conhecimento acerca de justificativas para uma escolha tão dois temas fascinantes: a drástica ou para a ação cujo intento adolescência e as manifestações não atingiu a morte, denominada suicidas nessa fase. Ambos se por autores de “tentativa de apresentam como grandes desafios suicídio”. para os profissionais da saúde, da Se por um lado, a educação, sem deixar de ser, tóxicodependência, a talvez, o mais incômodo problema marginalidade, a delinqüência e a para pais e familiares. Essas AIDS são realidades atinentes aos inquietações remetem-nos a algumas questões: Qual o comunicação que encontrará seu significado da tentativa de suicídio sentido na vida relacional do sujeito. em adolescentes? Como identificar Na busca de compreensão do sinais de alerta de suicídio ou como fenômeno do suicídio, o paradigma conhecer/ diagnosticar adolescentes sistêmico e da complexidade se potencialmente suicidas? contrapõe aos estudos sobre o suicídio e a tentativa de suicídio em Sabemos que a adolescência é uma adolescentes, sugerindo que os etapa do desenvolvimento do ser transtornos psiquiátricos são fatores humano marcada por inúmeras determinantes no comportamento transformações físicas, emocionais suicida. e sociais; um sofrimento que o adolescente vivencia nesse período Sudbrack & Costa (1992) lembram pode marcá-lo profundamente. que “mais importante do que procurar a causa do problema é Por possuir uma tendência natural identificar como seus efeitos são em comunicar-se através da ação, vividos no contexto sócio-familiar em detrimento da palavra, o [...] qual a função do significado que adolescente poderá buscar o sintoma adquire no contexto das alternativas diversas para o alívio de interações onde ele se produz e se seu sofrimento e conflitos: fazer uso mantém” (p.27). de drogas, manifestar depressão, apresentar ideação suicida, tentar o Outra contribuição importante no suicídio ou buscar a morte. entendimento do movimento de busca de morte, ainda na área dos Na opinião de Gervais (1994), o estudos sistêmicos, é apresentada adolescente, ao experienciar a vida por Neuburger (1999). Ele propõe a com grande e insuportável discussão entre o suicídio de sofrimento, poderá reagir mediante adolescentes e a situação condutas características de vivenciada de despertencimento, ou passagem ao ato, com reações seja, a relação entre o desejo de violentas contra outras pessoas ou morrer e o sentimento de "não mais contra si mesmo. ser reconhecido como pertencente a um grupo ou pelo risco de perder Em lugar de se pensar que um seu pertencimento a um grupo" adolescente que tenta morrer o faz (p.181). devido a uma única causa, há de se Amplia-se, assim, o entendimento compreender que sua intenção de da tentativa de suicídio em deixar de existir pode ser o adolescentes, no tocante a uma resultado de vários fatores em multiplicidade de fatores co- interação, não cabendo senão a determinantes. O raciocínio de que idéia capaz de conter a o adolescente possa se encontrar complexidade do fenômeno. Importa em grupo de risco, em função de mergulhar no entendimento da conflitos com pais ou situações cadeia de relações desses diversos desfavoráveis existentes no fatores em interação com a pessoa contexto familiar, apresenta-se, operando num determinado portanto, incorporado na questão do contexto. A vontade de cometer o pertencimento. Juntam-se, aos ato, às vezes fatal, pode ser aspectos familiares, outros vínculos entendido ainda como um sintoma – necessários, presentes na vida do adolescente. Redimensiona-se o se auto-organizar perante os fatos significado da ligação da pessoa da vida, não teríamos tanta com vários grupos de referência, convicção ao se falar de um jovem. evitando a idéia redutora e simplista Não é incomum ele oscilar entre a de que uma tentativa de suicídio racionalidade ou a simples encontra-se conectada a uma única impulsividade. Na perspectiva de situação, como, por exemplo, o Morin (1997): “Quando o suicídio se raciocínio de que um adolescente manifesta, não apenas a sociedade tentou morrer porque rompeu com a foi incapaz de expulsar a morte, não namorada. apenas foi incapaz de dar ao indivíduo o gosto da vida, mas Por outro lado, na opinião de também foi vencida, negada; ela Pommerau (1996), a ideação não pode fazer mais nada nem em suicida na adolescência precisa ser favor nem contra a morte do diferenciada daqueles pensamentos homem” (p.49). mais ou menos mórbidos que Tais aspectos convergem em buscam responder às interrogações direção à idéia de que o suicídio, existenciais características desse sob o enfoque social, amplia as período da vida. É comum ocorrer possibilidades de compreensão um acentuado interesse pelos desse ato. As demandas sociais símbolos de morte e atitudes de que pesam sobre o adolescente por atração/ repulsão por inteligência, corpo perfeito, acontecimentos horríveis etc. homogeneização no tipo beleza Pensar sobre morte é necessário e máxima, com desrespeito às estruturante nessa idade. Quanto às diferenças, podem fazer com que idéias suicidas, estas não devem ele, desde cedo, queira desistir de ser conectadas apenas às ser no social, de tudo, umas das “representações fugazes que aspirações da pós-modernidade. atravessam o espírito nos Nessa linha de pensamento, momentos difíceis, quando a morte Esslinger e Kovács (1999) referem: aparece em toda sua evidência “O exagero do culto ao corpo pode como o único verdadeiro término de levar ao que estamos chamando de qualquer empreitada humana” ‘sepultura’ – pode conduzir à (p.17). doença, ao sofrimento ou à morte” (p.65). Tubert (1999) por sua vez, refere: “há, então, na tentativa de suicídio, Sabe-se outrossim que há uma determinação estrutural, a falta indicadores físicos e emocionais de um lugar no qual o adolescente reveladores de que um adolescente possa se definir e se reconhecer possa se encontrar em um grupo de como sujeito, tanto na família como risco de suicídio. Sintomas como na sociedade” (p. 102). dor de cabeça, náuseas e nervosismo são facilmente Não seria a angústia da perda de identificados pelas pessoas com as referência das coisas de seu mundo quais convive. Contudo, há outra e da identidade que conduziria o dimensão, inegavelmente delicada, adolescente ao fenômeno de que encerra outro conjunto de retirada ou desejo de saída da sintomas, nem sempre detectados. existência? Se o ser humano adulto Baixa auto-estima, conflitos consegue driblar suas incertezas e familiares, fracasso escolar, perdas afetivas são algumas das causas desprezo são expressos, muitas que podem, associadas a condições vezes, através de atitudes de de stress emocional, colocar o impaciência e irritação. adolescente em grupo de risco. Acrescentam-se ainda a essa dimensão os próprios sentimentos Pensar na complexidade do suicídio do profissional diante da incerteza e da tentativa de suicídio remete- da vida, do medo da morte. A nos a diversos desafios, em proximidade da morte do outro traz especial, às formas de empreender aspectos de indagações sobre a ações preventivas. Sabe-se que própria existência e sobre o sentido ocorre negação ou afastamento do da morte e da vida. São problema, podendo significar uma sentimentos que podem se defesa contra um evento de tão encontrar adormecidos como difícil aceitação. No caso de defesas necessárias ao adolescentes, a questão torna-se desempenho do papel profissional. mais carregada de fortes Mas, contrariamente, pode ser a sentimentos na medida em que oportunidade de re-significar o provoca reações diversas naqueles sentido da existência, a busca de que convivem ou conviveram com boas respostas para o pessoas tão jovens: seus pais, sua enfrentamento dos desafios postos família, seus professores, seus pelas intempéries do viver. amigos, seu médico. A ameaça de morte, ou a morte, implica uma É preciso compreender a dimensão aproximação da própria morte do gesto suicida e seu aspecto (Bromberg, 2000), explicando em relacional, os sentimentos e as parte o afastamento das pessoas emoções diversas: culpa, medo, quando se aborda esse assunto. raiva vivida pela família, pelos pais, bem como, os sentimentos das O impacto das histórias de pessoas pertencentes a outros adolescentes com tentativa de contextos de referência do suicídio tem deixado ecos em nós, adolescente: os profissionais da independentemente do lugar em saúde, profissionais da escola, que estejamos. Cabe aqui situarmos pesquisadores e pessoas que se o conceito de ressonância, que se propõem a intervir junto ao mostra de extrema importância na adolescente e a sua família. compreensão de elementos que Entendemos que a tentativa de envolvem indivíduos e suas suicídio e o suicídio não podem ser experiências pessoais, interações e circunscritos, fundamentalmente, à modo de agir. Existe uma gama de dimensão da doença mental. São sentimentos, nem sempre questões sociais e comunitárias, consciente, que atinge o profissional uma vez que envolve a pessoa que num determinado momento, em se encontra inserida em ambientes especial, por ocasião das interações diversos, tendo como base de no processo de atendimento ao referência a família, os amigos, os adolescente que tentou morrer. professores e outras pessoas de Tentar alcançar a desesperança do seu contexto social. Defendemos paciente pode levar a nos pois, a idéia de que busca da morte encontrarmos, sendo essa uma é um pedido de ajuda. importante ocasião para elucidar sentimentos presentes. Raiva e Dados da Organização Mundial de vezes como o lugar seguro para Saúde (OMS) referem que cerca de crescer. 815.000 pessoas se mataram no A escola foi mostrada, pelos ano de 2000 em todo o mundo, uma adolescentes escolares, muito mais taxa de 14,5 para cada 100.000 como contexto desfavorável ao habitantes, significando um suicídio crescimento de uma pessoa do que a cada 40 segundos. Nos últimos 40 numa dimensão positiva que anos as taxas de suicídio favoreça a vivência de sentimentos aumentaram em 60% no mundo de amor a si próprio e a instalação todo. Os dados da OMS referem de esperança permanente no viver. ainda que o suicídio é a 3ª causa de Isso levanta importantes reflexões morte entre as idades de 15-44 sobre a necessidade premente de anos, em ambos os sexos, sem transformações que permitam incluir as tentativas de suicídio, que resgatar o potencial educativo da são 20 vezes mais freqüentes que o escola, entendida como um meio suicídio. A OMS (1996) define, pois, que prepara para a vida. o suicídio como um problema de saúde pública. O tabu da morte Como ficamos diante da concretude ainda se faz presente na sociedade da morte por suicídio e de dados do século XXI e, em especial, no comprovantes de que o suicídio e a tocante ao suicídio, engendrando tentativa de suicídio em concepções que dificultam adolescentes já se tornou muito reflexões, atuação e ações. mais freqüente do que se pode Em pesquisa realizada para o imaginar? Doutoramento em Psicologia2 O fenômeno do suicídio não só (Teixeira, 2003) com estudantes desafia os profissionais da saúde, escolares e adolescentes atendidos mas o campo das ciências humanas em contexto de tratamento, foi e sociais. Não bastam médicos, possível identificar sujeitos cujas enfermeiras, auxiliares de histórias eram reveladoras de que enfermagem e psicólogos pensar sobre a morte ou passar melhorarem a qualidade de seus para ação o desejo de atendimentos, de forma a evitar autodestruição, de aniquilamento do projeções e racionalizações. Faz-se ser são expressões máximas da necessário que profissionais da vontade de por fim ao sofrimento saúde e da educação empreendam psíquico. um trabalho multidisciplinar que vá Família e escola foram apontados além de aspectos curativos, e que pelos adolescentes como fator de consigam atingir a dimensão da risco e, paradoxalmente fator de prevenção. proteção ao suicídio. A família representa a condição Se somos ainda um país sofrido, necessária para o crescimento e reconhecidamente carente de boas desenvolvimento de vínculos que políticas de saúde e de educação, garantam a sobrevivência física, não precisamos sê-lo no campo das social e afetiva das pessoas. idéias, das ações, das intenções e Contudo, os adolescentes da das intervenções. Todos nós pesquisa apontaram o contexto sabemos que o problema do familiar como fator desencadeante suicídio exige trabalhar no para a tentativa de suicídio e, por desmonte de idéias e dos tabus que o circunscrevem aos espaços dos GERVAIS, Y. La prevéntion des hospitais, das instituições de toxicomanies chez les adolescents. atendimento, ou o mantêm limitado Paris: L´Harmattan, 1994. ao âmbito da família, que sofre com MORIN, E. O homem e a morte a perda de um ente querido. (Rodrigues, C.A, Trad) Rio de Janeiro: Imago, 1997. (Trabalho A sociedade tem reservado aos original publicado em 1990) adolescentes o lado negativo da existência, através da violência, do NEUBURGER, R. .O mito familiar abandono e da discriminação. Mas (S. Rangel, Trad.). São Paulo: não estamos impedidos de Summus, 1999.(Trabalho original vislumbrar que a esperança se publicado em 1995). encontra depositada em cada um ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA que compõe as redes de apoio do SAÚDE. CID-10 – Centro adolescente, quer na esfera Colaborador da OMS para comunitária, quer no espaço mais Classificação de Doenças em íntimo da família. Trata-se da Português, 3ª edição. São Paulo: esperança de que seja dada ao Editora da Universidade de São adolescente a oportunidade para Paulo, 1996. que sua existência se inscreva num tempo e espaço plenos de POMMEREAU, X.. L´adolescent significados. suicidaire. Paris: Dunod, 1996.
Autora: SAMPAIO, D. Ninguém morre
1 Faculdade de Medicina da UFG - sozinho – o adolescente e o Departamento de Saúde Mental e Medicina suicídio. Lisboa: Editorial Caminho , Legal 1991. SUDBRACK, M.F.O. & COSTA, L.F. Notas: A contribuição da abordagem 2 sistêmica no trabalho com famílias Tese de Doutorado “Tentativa de Suicídio sobre problemas com crianças e na Adolescência: dos sinais de aviso às possibilidades de prevenção”, defendida no adolescentes. Em Cadernos CBIA. Instituto de Psicologia/ UnB – 2003. Ano 1, nº 4 , 1992. TEIXEIRA, C.M.F.S. Tentativa e suicídio na adolescência: dos sinais Referências bibliográficas de aviso às possibilidades de prevenção. Tese de Doutorado. BROMBERG, M.H.P.F. A Universidade de Brasília, Psicoterapia em situações de perda Brasília,2003. e luto. Campinas (SP): Livro Pleno, TUBERT, S. A morte e o imaginário 2000. na adolescência. (P. Vidal, Trad). ESSLINGER, I. & KOVÁCS, M.J. Rio de Janeiro: Companhia de Adolescência: vida ou morte. São Freud, 1999. Paulo: Editora Ática, 1999.