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A Construção da Democracia

Síntese histórica dos grandes momentos da


Câmara dos Deputados, das Assembléias
Nacionais Constituintes do Congresso Nacional

Casimiro Neto

2003

Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados


Centro de Documentação e Informação
Coordenação de Biblioteca
http://bd.camara.gov.br

"Dissemina os documentos digitais de interesse da atividade legislativa e da sociedade.”


CÂMARA DOS DEPUTADOS

Casimiro Neto

A Construção da
Democracia

Síntese Histórica dos Grandes Momentos da Câmara


dos Deputados, das Assembléias Nacionais Constituintes e do
Congresso Nacional – 180 Anos (1823 – 2003), de Representação
Parlamentar – 182 Anos (1821 – 2003), e de 15 Anos
da Promulgação da Constituição Federal de 1988

Centro de Documentação e Informação


Coordenação de Publicações
BRASÍLIA – 2003

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

DIRETORIA LEGISLATIVA
Diretor: Afrísio Vieira Lima Filho
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO
Diretora: Nelda Mendonça Raulino
COORDENAÇÃO DE PUBLICAÇÕES
Diretora: Maria Clara Bicudo Cesar
COORDENAÇÃO DE ESTUDOS LEGISLATIVOS
Diretora: Dirce Benedita Ramos Vieira Alves

Auxiliar de Pesquisa, Leitura e Revisão: Carmen Amélia Pereira d’Almeida Dias e João Mário Dias
Fotografias: Luiz Antonio Ribeiro, Armando Sampaio Lacerda e Jorge Luiz Vieira Serejo
Ilustrações: Allan de Lana Frutuoso, Claudio Augusto Lisboa Gonçalves e João Mário Pereira
d’Almeida Dias
Capa: Cosme Rocha
Fotografias e ilustrações do acervo do Centro de Documentação e Informação da Câmara dos
Deputados.

Todos os direitos desta edição reservados à Câmara dos Deputados


As idéias contidas nesta obra expressam a opinião do autor e não as da instituição parlamentar.

Câmara dos Deputados


Centro de Documentação e Informação – CEDI
Coordenação de Publicações – CODEP
Anexo II, térreo
Praça dos Três Poderes
70160-900 – Brasília (DF)
Telefone: (61) 318-6865; fax: (61) 318-2190
publicacoes.cedi@camara.gov.br

SÉRIE
Temas de interesse do Legislativo
n. 5
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
Coordenação de Biblioteca. Seção de Catalogação.

Silva Neto, Casimiro Pedro da.


A construção da democracia : síntese histórica dos grandes momentos da Câmara dos
Deputados, das assembléias nacionais constituintes e do Congresso Nacional .../ Casimiro
Neto. — Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2003.
751 p. – (Série temas de interesse do Legislativo ; n. 5)
ISBN 85-7365-317-5
1. Poder Legislativo, história, Brasil. 2. Câmara dos Deputados, história, Brasil. I. Título.
II. Série.

CDU 342.532(81)(091)

ISBN 85-7365-317-5

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“A democracia é um ideal em permanente dinamismo,
que se transforma e aperfeiçoa num incessante desenvolvimen-
to, que não lhe permite conquistas pacíficas e definitivas. Cada
posição alcançada, reclama uma constante renovação de esfor-
ços, de trabalhos e de sacrifícios. Mais do que uma técnica de
governo, mais do que uma concepção de vida, é a democracia
um conjunto de valores reais, que dão sentido à existência, eno-
brecem as coletividades e valorizam o homem.
Desgraçados dos povos que deixarem sufocar no seu cora-
ção e apagar no seu espírito a chama do amor à democracia.
Estarão irremissivelmente condenados à ignomínia da escravi-
dão e serão conduzidos, não como criaturas humanas, ilumi-
nadas por um espírito imortal, mas como rebanhos, sem alma e
sem consciência.

DEPUTADO TANCREDO DE ALMEIDA NEVES (MG) – 18/09/51
Plenário da Câmara dos Deputados – Sessão Solene.
Comemoração do quinto aniversário de promulgação
da Constituição Federal de 1946.

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Homenagem

“Enquanto houver, neste País um só homem sem


trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda a
prosperidade será falsa.”
(TANCREDO DE ALMEIDA NEVES)

“Canto o crepúsculo da tarde / e o clarão da linda aurora


canto aquilo que me alegra / e aquilo que me apavora
e canto os injustiçados / que vagam no mundo afora.”
(PATATIVA DO ASSARÉ)

“Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se


descobrem e, assim descobrindo-se, com eles
sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam.”
(PAULO FREIRE – Professor, educador e pensador)

“Em nome de quem venho”


Venho em nome dos pequenos, / dos párias dos humildes.
Em nome do oprimido contra o opressor; / do pobre contra o rico;
do pequeno contra o grande. / Venho em nome daquele que não têm lar;
daqueles que não têm lençol; / daqueles que têm sede de amor;
daqueles que nunca tiveram uma benfazeja e carinhosa mão a suavizar a
agonia;
daqueles que vivem no ódio perene.”
(OTÁVIO BRANDÃO, in A Plebe, 2 de outubro de 1920)

“Isso não pode continuar assim.


Enquanto houver um irmão brasileiro,
ou uma irmã brasileira, passando fome,
teremos motivos de sobra para
nos cobrir de vergonha.”
(LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA – Plenário do
Congresso Nacional – 1º/01/2003 – Posse e compromisso
constitucional como Presidente da República)

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Sumário

Lista de Ilustrações
pág. 9

Apresentação
Deputado João Paulo Cunha – Presidente da Câmara dos Deputados
pág. 13

Prefácio
Ministro Nelson Jobim – Vice-Presidente do STF
pág. 15
Considerações do Autor
pág. 17

Introdução
pág. 21
Antecedentes da História Legislativa do Brasil Independente
pág. 23

Deputados, Procuradores e Delegados do “Reino Americano” às Cortes


Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa
pág. 47

Primeiro Império
pág. 83
Início da História Legislativa do Brasil Independente
pág. 111

Primeira Legislatura
pág. 153

Período Regencial – Regência Provisória


pág. 173
Período Regencial – Regência Trina Permanente
pág. 179

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Período Regencial – Regência do Senador Diogo Antonio Feijó
pág. 187
Período Regencial – Regência do Senador Pedro de Araújo Lima (PE)
pág. 191

Segundo Império
pág. 201

Abolição da Escravatura
pág. 259
Primeira República (15/11/1889 a 16/7/1934)
pág. 283

Segunda República (16/7/1934 a 10/11/1937)


pág. 389

Terceira República (10/11/1937 a 18/9/1946)


pág. 409
Quarta República (18/9/1946 a 9/4/1964)
pág. 427

Quinta República (9/4/1964 a 5/10/1988)


pág. 485
Sexta República (5/10/1988)
pág. 617

Síntese Histórica dos Diários da Câmara dos Deputados


pág. 677

Síntese Histórica dos Anais da Câmara dos Deputados


pág. 711
Considerações Finais
pág. 723

Posfácio
pág. 731

Comentários
pág. 735
Referências
pág. 748

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Lista de Ilustrações

Pág.

– Quadro/Ilustração nº 1 e 1/A – Jornada dos Mártires – Antô-


nio Parreiras – Museu Mariano Procópio Juiz de Fora – MG. Tiradentes
ante o carrasco – Rafael Falco – Comissão de Constituição e Justiça –
Câmara dos Deputados ............................................................................. 29
– Quadro/Ilustração nº 2 – A chegada da Família Real e comitiva
na cidade do Rio de Janeiro ....................................................................... 32
– Quadro/Ilustração nº 3 – O plenário das Cortes Gerais, Extra-
ordinárias e Constituintes da Nação Portugueza. O Deputado Antonio
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP) diante do pronuncia-
mento insolente das galerias e assediado de apartes querendo abafar
sua voz que defendia os mais legítimos interesses do Brasil, afirma
impavidamente, em tom solene, que faz emudecer, desde logo, a gri-
taria: “Silêncio! Aqui desta tribuna até os reis tem que me ouvir”. ....................... 73
– Quadro/Ilustração nº 4 e 4/A – O Palácio e Capela das Neces-
sidades – litografia colorida de Martins Lopes. Lisboa. (Sec. XIX). Pin-
tura da luneta colocada sobre a mesa da Presidência da Sala das Ses-
sões da Assembléia da República Portuguesa. Foi pintada por Veloso
Salgado e representa os Constituintes de 1821, em sessão plenária no
Palácio das Necessidades, na Sala da Livraria do Convento. As figuras
são retratos de 50 constituintes, focando a tela o momento em que usa
da palavra o Deputado Fernandes Tomás ................................................. 74
– Ilustração nº 5 e 5/A – O Imperador D. Pedro I ............................ 82
– Quadro/Ilustração nº 6 e 6/A – A Abadessa do Convento da
Lapa (Bahia), Joanna Angélica de Jesus (A “mártir da independência do
Brasil”) e a reunião dos Procuradores Gerais das Províncias do Brasil
na cidade do Rio de Janeiro ....................................................................... 92-93
– Ilustração nº 7 – Interior do edifício da Cadeia Velha após a
reforma para instalação da Assembléia Geral Constituinte e Legislati-
va de 1823 .................................................................................................. 109
– Quadro/Ilustração nº 8 – 8/A e 8/B – Os irmãos Andradas:
José Bonifácio de Andrada e Silva, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
Machado e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrada ......................... 110

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Pág.
– Quadro/Ilustração nº 9 – O Deputado Antonio Carlos Ribei-
ro de Andrada Machado e Silva reverenciando o soberano do mundo
e o poder de persuasão inerente aos canhões da artilharia imperial .. 134
– Quadro/Ilustração nº 10 e 10/A – Sessão Plenária da Assem-
bléia Geral Constituinte e Legislativa de 1823 .......................................... 137
– Quadro/Ilustração nº 11 – O Deputado às Cortes Gerais, Ex-
traordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, Jornalista Cypriano
José Barata de Almeida .............................................................................. 151
– Quadro/Ilustração nº 12 – O Presidente da Câmara, Depu-
tado José da Costa Carvalho, depois Marquês de Monte Alegre ............... 171
– Quadro/Ilustração nº 13 – O Presidente da Câmara, Depu-
tado Martim Francisco Ribeiro de Andrada .............................................. 177
– Quadro/Ilustração nº 14 – O Regente Diogo Antônio Feijó ..... 186
– Quadro/Ilustração nº 15 e 15/A – O Deputado Francisco Gê
Acaiaba de Montezuma, Visconde de Jequitinhonha e o Deputado Ho-
nório Hermeto Carneiro Leão, Marquês do Paraná ................................189-190
– Quadro/Ilustração nº 16 e 16/A – O Presidente da Câmara,
Deputado Joaquim Marcelino de Brito e o Imperador D. Pedro II –
decênio de 1850 .......................................................................................199-200
– Quadro/Ilustração nº 17 e 17/A – O Presidente da Câmara,
Deputado Henrique Pereira de Lucena, Barão de Lucena e a Princesa
Imperial Regente D. Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela
Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon ..................................269-270
– Quadro/Ilustração nº 18 e 18/A – Proclamação da República: o
Marechal Manoel Deodoro da Fonseca deixando o ministério logo após
a demissão dos membros do 36º Gabinete – Visconde de Ouro Preto e o
Chefe do Governo Provisório Marechal Manoel Deodoro da Fonseca ....281-282
– Quadro/Ilustração nº 19 – A cerimônia de posse e compromis-
so constitucional do Presidente da República Marechal Manoel Deo-
doro da Fonseca ......................................................................................... 303
– Quadro/Foto nº 20 e 20/A – O Presidente da Assembléia Na-
cional Constituinte (1933/1934), Deputado Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada e o Governo Provisório – 24/10 a 3/11/1930 ............................... 388
– Quadro/Foto nº 21 e 21/A – O Presidente da Câmara – Deputado
Pedro Aleixo e o Presidente da República – Getúlio Dornelles Vargas .....407-408
– Quadro/Foto nº 22 – 22/A – 22/B – 22/C e 22/D – O Presidente
da Assembléia Constituinte, Senador Fernando de Melo Viana, assina
a Carta de 1946 no plenário lotado da Câmara dos Deputados; Mesa
da Assembléia Constituinte de 1946; Palácio Tiradentes – Sede da As-

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Pág.
sembléia Constituinte de 1946; o Presidente da Câmara, Deputado
Honório Fernandes Monteiro e o Presidente da República – Marechal
Eurico Gaspar Dutra ..................................................................................423-426
– Quadro/Foto nº 23 – 23/A – 23/B – 23/C e 23/D – O Presidente
da Câmara, Deputado Paschoal Ranieri Mazzilli; o Presidente da Re-
pública Juscelino Kubitschek de Oliveira; Visita às obras do edifício do
Congresso Nacional; Sessão Solene do Congresso Nacional em Brasília
e Manifestação popular em frente do Congresso Nacional ..................453-454
– Quadro/Foto nº 24 e 24/A – O Presidente, em exercício, da
Câmara, Deputado Afonso Celso Ribeiro de Castro e o Presidente da
República, João Belchior Marques Goulart ...............................................483-484
– Quadro/Foto nº 25 e 25/B – O Presidente da Câmara, Depu-
tado Adauto Lúcio Cardoso e o Presidente da República, Marechal
Humberto de Alencar Castello Branco ..................................................... 508
– Quadro/Foto nº 26 – 26/A – 26/B e 26C – O Presidente da
Câmara, Deputado José Bonifácio Lafayette de Andrada; o Presidente
da República, Marechal Artur da Costa e Silva; visita do Presidente
Costa e Silva ao Gabinete do Vice-Presidente Pedro Aleixo e o Vice-
Presidente da República, Pedro Aleixo ......................................................541-542
– Quadro/Foto nº 27 – 27/A – 27/B – 27/C – O Presidente da
Câmara, Deputado Marco Antônio de Oliveira Maciel, com o Ministro
do Planejamento e Coordenação Geral, João Paulo dos Reis Velloso e o
Deputado José Alencar Furtado; o Presidente da República, General-
de-Exército Ernesto Geisel; o Presidente da Câmara, Deputado Marco
Antônio de Oliveira Maciel, cumprimenta o Presidente dos Estados
Unidos da América do Norte, Jimmy Carter (1977-1981), quando de
sua visita ao Congresso Nacional no dia 30 de março de 1978 ....................563-564
– Quadro/Foto nº 28 – 28/A e 28/B – O Dr. Tancredo de Almeida
Neves; o Presidente da Câmara, Deputado Ulysses Silveira Guimarães
e o Presidente da República, José Sarney Costa .........................................584-586
– Quadro/Foto nº 29 e 29/A – Plenário da Assembléia Nacional
Constituinte e o Presidente da Assembléia, Deputado Ulysses Silveira
Guimarães e a Constituição Cidadã ........................................................... 616
– Quadro/Ilustração nº 30 – O Presidente da República Luiz
Inácio Lula da Silva e o Vice-Presidente José Alencar Gomes da Silva.
Deslocamento para cerimônia de posse e prestação do compromisso
constitucional no Congresso Nacional no dia 1º de janeiro de 2003 ..... 663
– Quadro/Ilustração nº 31 – A diversidade partidária .................... 664
– Galeria dos Presidentes da Câmara dos Deputados – Repú-
blica ...........................................................................................................665-675

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Pág.
– Quadro nº 32 – Capa do Diário da Câmara dos Deputados do
dia 17 de abril de 2003 (180 anos da Primeira Sessão Preparatória da
Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, rea-
lizada no dia 17 de abril de 1823) .............................................................. 676
– Quadro nº 33 – Capa do primeiro volume de Anais da Assem-
bléia Geral Constituinte e Legislativa de 1823. Neste volume registra-
se, dentre outras, a Primeira Sessão Preparatória da Assembléia Geral,
Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, realizada a 17 de abril
de 1823 ...................................................................................................... 709

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Apresentação

Democracia: um ideal em construção

A Construção da Democracia, de Casimiro Neto, ilustra a bibliografia


histórico-política nacional com uma brilhante sinopse do desempenho parla-
mentar no Brasil ao longo de quase dois séculos. Quando se comemoram 180
anos de história do Parlamento brasileiro, ressalte-se – como nos dá a conhe-
cer o historiador – o importante papel do Legislativo como centro de deba-
tes, fórum em que se discutem as grandes questões da nacionalidade. Na
Câmara dos Deputados, sentimos bater cada vez mais fortemente o coração
do Brasil. Afinal, somos a Casa do Povo, e assim nos dizemos não por estraté-
gia retórica, mas porque verdadeiramente nos sentimos a instituição em que
devem ter voz, de maneira livre e democrática, os interesses do povo, os sen-
timentos do cidadão, os reclamos da opinião pública.
Como não poderia deixar de ser, o ônus que nos incumbe é diretamen-
te proporcional à grandeza do encargo. Expomo-nos a protestos e a críticas,
a calúnias e a difamações, sem que abdiquemos da responsabilidade de cons-
trutores da democracia, de promotores da justiça, de defensores da liberda-
de. Não é outra a essência deste A Construção da Democracia, com que Casimiro
Neto nos reporta a luta que, há 180 anos, empreende a Câmara dos Depu-
tados pela democracia que se deve ao povo brasileiro.
Democracia da qual, certa vez, o jornalista Carlos Castello Branco deu
irretocável definição: “o equilíbrio entre ordem e liberdade, entre autoridade e lega-
lidade é a própria essência do regime democrático, que jamais aspirou a dar direitos
sem atribuir deveres, que nunca permitiu, em tese, distribuir franquias sem a contra-
partida das responsabilidades”.
A Câmara dos Deputados sente-se, pois, orgulhosa em trazer a público
A Construção da Democracia, de Casimiro Neto, obra que se destaca entre as
mais relevantes da historiografia brasileira e engrandece a Casa a que temos
a honra de pertencer.
Agosto de 2003.

Deputado JOÃO PAULO CUNHA


Presidente da Câmara dos Deputados

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Prefácio

E sta obra engrandece toda a Nação, a começar por seu título.


O relato dos acontecimentos e da sistemática de funcionamento do Par-
lamento demonstra a importância da Democracia.
Revela os diversos acontecimentos históricos e marcantes os quais a Pá-
tria se viu a enfrentar. Mudanças necessárias, e outras, nem tanto, mas que
por isso não deixam de ter a devida importância no processo de desenvolvi-
mento de um povo.
Nessa linha de raciocínio, o autor, servidor público da Câmara dos Depu-
tados, demonstra toda a sua experiência de pesquisador. Mostra-se apaixo-
nado por aquilo que faz, atitude que enobrece a Instituição e a atividade a
qual ele se dispôs a efetuar – servir ao público, ao povo, à Nação.
É uma Obra precursora da mentalidade voltada ao questionamento,
que sempre será atual, pois é característica primaz da atualidade a perenida-
de que se apresenta nesses registros.
Em cada página verifica-se uma homenagem às idéias dos grandes ho-
mens e aos momentos históricos do Parlamento.
A síntese está nas páginas com que o autor relembra o Deputado Ulysses
Guimarães.
Reproduz, do Dr. Ulysses – esta é a forma com que sempre nos dirigi-
mos a ele e sobre ele –:
“(...) o tempero do tempo é a têmpera duradoura da lei. O tempo não
perdoa com o que se faz sem ele, na genial advertência de Joaquim
Nabuco. É substancial o tempo na elaboração das boas leis, para
que elas durem com o tempo. Também nas leis, o tempo é o exercício
da cidadania. Eis a razão institucional pela qual o Legislativo te-
nha geralmente duas Casas como instâncias de reflexão. (...) Sena-
dores ou Deputados, não somos legisladores exclusivos. O povo é o
legislador supremo, criticando, sugerindo, aplaudindo ou condenan-
do as matérias em causa no Parlamento”.
As palavras aqui alinhavadas não englobam nem representam o alcance
que a Obra representará para a história e a literatura legislativa.

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É mister que o leitor se debruce sobre essas páginas de vívida e real
história do Legislativo Brasileiro.
É certo que ela se alçará ao patamar dos grandes acontecimentos des-
critos em seu texto, rumo ao futuro.
Junho de 2003.

Ministro NELSON JOBIM


Vice-Presidente do STF

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Considerações do Autor

N o dia 29 de agosto de 1821 os deputados constituintes da Provín-


cia de Pernambuco desembarcam em Lisboa, prestam juramento e tomam
assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portugueza”.
Inicia-se o primeiro capítulo de uma das mais belas páginas parlamentares
na construção da democracia brasileira. A partir daí começam a chegar e a
tomar posse os demais constituintes das outras províncias do Brasil. O que
deveria ser um entrave aos propósitos brasileiros devido à difícil travessia do
Atlântico; às incertezas da terra desconhecida; aos conflitos de interesses,
materiais e políticos, entre Brasil e Portugal; e uma assembléia com ampla
maioria portuguesa com propósitos recolonizadores, serve de estímulo aos
representantes das províncias. A tudo isso soma-se a defesa veemente e altiva
dos interesses do “Reino Americano”, com arrebatados pronunciamentos que
tocam por vezes o extremo da audácia. Destaca-se nestes embates, sobrancei-
ra, a figura do Constituinte Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e
Silva (SP). Este na sessão do dia 22 de maio de 1822, diante do pronuncia-
mento insolente das galerias e assediado de apartes querendo abafar sua voz
que defendia os mais legítimos direitos de sua Pátria, afirma impavidamente,
em tom solene, que faz emudecer, desde logo, a gritaria: “Silêncio! Aqui desta
tribuna até os reis têm que me ouvir”.
Em síntese, esta é a proposta desta obra. O trabalho de reunir as propo-
sições e pronunciamentos de grande repercussão nacional, publicados nos
Anais e Diários da Câmara dos Deputados, das Assembléias Nacionais Cons-
tituintes e do Congresso Nacional, destaca e deixa claro a efetiva participação
dos deputados no processo histórico brasileiro. Longe está o intento de fan-
tasiar esta ou aquela passagem histórica não registrada nas publicações ofi-
ciais. Em alguns fatos registrados a preocupação foi a de se ater às informa-
ções colhidas de diversas pessoas e servidores da Casa que acredito idôneas e
que presentes assistindo e acompanhando a pesquisa muito enriqueceu as
páginas ora apresentadas.
Por problemas de espaço e pela linha editorial proposta, não é possível
transcrever todos os pronunciamentos e atos legislativos dos grandes mo-
mentos da Câmara dos Deputados ou das Assembléias Nacionais Constituin-
tes. São momentos dramáticos, vivenciados na plenitude do processo histórico
brasileiro e outros de grande patriotismo vividos pelos deputados ou pelos
constituintes dentro ou fora do Parlamento.

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MICRO R04M

18 Casimiro Neto

Todos eles, de um modo ou de outro, contribuiram com sua cota de


sacrifício e de bem querer por este imenso Brasil, discutindo a liberdade
ou, à falta desta, as mazelas e as conquistas de dias melhores para o povo
brasileiro, na busca permanente da construção e reconstrução da democra-
cia. Os pronunciamentos ou propostas, inseridas ou não nesta obra, não
desmerecem ninguém, pelo contrário engrandecem o Parlamento e ressal-
tam um fato histórico pela força das idéias. Peço desculpas, e rendo home-
nagens a todos àqueles que bem souberam colocar os fatos na tribuna e
discuti-los em plenário.
Vale a pena repassar a história através dos discursos, pronunciamentos,
debates e discussões ocorridos no Plenário das Assembléias Constituintes, da
Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Congresso Nacional. Co-
nhecer os grandes oradores, a retórica, a peroração, é vivenciar em sua pleni-
tude a construção da democracia brasileira. Fatos pitorescos, fatos que nos
levam a plena indignação, fatos que nos fazem sorrir, fatos que orgulham os
cidadãos e o Brasil. Por isso acredito que o objetivo foi alcançado – incentivar
o debate e a pesquisa, reviver a história parlamentar, dela tirar lições exem-
plares e muito aprender.
Tudo que o Parlamento foi, fez, pensou, discutiu, debateu ou aprovou
está magicamente preservado nas páginas dos Anais e Diários da Câmara dos
Deputados, das Assembléias Nacionais Constituintes, do Senado Federal, e
do Congresso Nacional. Magicamente, porque foi graças ao trabalho dos ser-
vidores que nos antecederam, em épocas remotas, sem meios tecnológicos
apropriados, que tudo fizeram para a preservação da nossa história legislativa.
Neste momento cabe a nós, em homenagem a estas abnegadas pessoas e à
valorização do Parlamento, continuá-lo para as gerações futuras.
Esta obra é o resultado de longas horas de pesquisa dedicadas ao aten-
dimento ao cidadão e da vontade, sobre todos os aspectos aqui enfocados, em
divulgar os trabalhos legislativos e as atividades dos representantes do povo
das províncias e depois dos estados brasileiros, ao longo de 180 anos após a
Independência do Brasil, completados a 17 de abril de 2003, de 182 anos de
representação parlamentar a completar no dia 29 de agosto deste mesmo
ano, e de 15 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988 que esta-
rão sendo completados em 5 de outubro de 2003.
A construção da nossa democracia foi árdua e com muitas interrupções.
Por isso, sem o resgate da nossa história legislativa, como teremos contato
com o nosso passado, com o conhecimento do que se construiu e do que se
fez por este imenso Brasil? Como haveremos de receber, com orgulho, a he-
rança das conquistas acumuladas pelas gerações anteriores? Sem isto, como
valorizar a instituição da qual fazemos parte?
Os fatos, os partidos e as ações individuais de cada deputado retratam o
Parlamento, compõem a sua história e dão a dimensão exata do seu valor.
Sendo assim, para transcrição dos pronunciamentos e proposições, fiz a op-
ção de usar a grafia original conforme os registros taquigráficos inseridos nos

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MICRO R04M

A Construção da Democracia 19

Anais e Diários da Câmara dos Deputados, das Assembléias Nacionais Cons-


tituintes, e do Congresso Nacional. Existem alguns erros gráficos nestas pu-
blicações, mas não poderia assumir o risco da correção sob pena de, crimino-
samente, estar deturpando o que está escrito no documento impresso. Acredito
que, ao respeitar a escrita original, estou aguçando a busca e o conhecimento
dos fatos históricos, além de tornar a leitura mais vivenciada, mais dinâmica,
mais empolgante.
Procurei inserir neste trabalho o conhecimento e a vivência de alguns
anos dedicados exclusivamente à pesquisa parlamentar – o mais procurado,
o mais questionado, o mais polêmico. Certamente estou cometendo erros e
omissões, o que é natural num trabalho de tamanha empreitada, porém ina-
ceitável numa obra de pesquisa. Por isso me coloco a inteira disposição para
futuras inserções ou correções que se fizerem necessárias.
Ao término desta obra já está em andamento a sua revisão. As críticas e
sugestões serão sempre objeto de análise, inserções e soma de novos conheci-
mentos, mas, desde já, com humildade, o meu pedido de desculpas por pos-
síveis erros, lapsos e omissões. Parafraseando Dom Francisco Manuel de Mello
– escritor português –, relembro que “os maiores pecados (erros) eu os castiguei, os
menores vós os vêdes e castigareis”. Conto com a indulgência dos leitores. Neste
ponto a lição de Rafael Bluteau está presente quando nos ensina que “nenhum
autor está obrigado a esgotar a matéria de que trata; nem se deve envergonhar se, entre
as muitas coisas que sabe, ignora algumas”.

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Introdução

N os países regidos por uma constituição democrática, a opinião


pública é o principal elemento de força, de negociação e também a essência em
que se devem apoiar os poderes do Estado. Os representantes do povo, a quem
são confiados o governo, para que bem possam administrar o bem público,
devem se inspirar nos sentimentos da Nação e ter a preocupação constante de
ir receber nas fontes populares a boa água, límpida e transparente, que revigo-
ra e fortifica a suas ações e a promulgação dos grandes atos públicos. A Consti-
tuição Federal de 1988, consagra, em seu artigo 1º, parágrafo único, o princí-
pio da soberania popular pelo qual “todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente”. É o seu porto seguro.
Este gesto de humildade e reconhecimento à sabedoria popular justifi-
ca-se porque o parlamentar de gabinete e o governante enclausurado já não
fazem sentido na democracia contemporânea e que na lição de Aécio Neves
da Cunha (PSDB-MG) “aprisionada em suas rotinas e divorciada da vontade popu-
lar, a representação serve ao esvaziamento da política, à descrença em seus atores e, por
decorrência, ao enfraquecimento da democracia”.
Expondo seus atos e suas decisões à luz da publicidade, e provocando
sobre eles as apreciações da tribuna, do cidadão, das entidades representati-
vas e dos meios de comunicação, imprime-se-lhes, afinal, o cunho de uma
resolução geralmente aceita e à qual não faltou a sanção do País, que nas
sábias palavras do Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP) “o povo é
o legislador supremo, criticando, sugerindo, aplaudindo ou condenando as matérias
em causa no Parlamento, bem como os seus autores. Os cidadãos não podem ser surpre-
endidos e alarmados por decisões imaturas, muito menos instantâneas”, e que de
acordo com a Deputada Luiza Erundina de Sousa (PSB-SP) “ao contrário do
que se poderia supor, a divisão do poder com o povo, fonte e origem do poder, contribui-
rá, certamente, para que a representação se legitime e se fortaleça ainda mais, pois
democracia representativa e democracia direta são dois pilares que sustentam o edifício
da Democracia e da Cidadania”.
O Deputado Antonio Pereira Pinto (ES) em sua introdução aos primei-
ros volumes dos Anais Parlamentares deixou escrito que: “Relativamente á
vulgarisação dos debates do corpo legislativo os resultados políticos que se colhem são
de todo o ponto dignos da mais seria attenção, por meio della o povo inteiro assiste, por
assim dizer, ás deliberações do parlamento. O orador não se dirige só á assembléa de
que faz parte, mas por seu intermedio ao mundo inteiro.

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22 Casimiro Neto

A publicidade converteu-se em um dos mais poderosos instrumentos do governo


parlamentar. O povo é consultado pelo parlamento, e concorre para a adopção ou
condemnação das leis que nelle são propostas, e desse modo as mesmas leis não são leis
emquanto a approvação publica não as tem sanccionado.
Assim o entenderão perfeitamente os fundadores do Imperio, manifestando logo
na Assembléa Constituinte e depois no principio da legislatura de 1826 todo o empe-
nho pela publicação dos actos e dos debates parlamentares, cogitando e com justa razão
que era esse o meio efficaz de dar realce, e prestigio ás suas deliberações”.
A Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa precisava divulgar os seus
trabalhos, que, conforme as palavras do Deputado Cândido José de Araújo
Vianna, Visconde e Marquês de Sapucaí (MG), torná-se necessário “para que a
nação convenientemente se instrúa dos trabalhos dos seus representantes e julgue do
fervor com que estes sustentão os interesses publicos na árdua e difficil tarefa da organisação
de lei fundamental, e das mais leis e reformas urgentes que a seus desvelos se achão
confiadas”.
No momento da Independência do Brasil, várias províncias se encon-
travam em mãos de governantes portugueses, tornando difícil congregar num
só pensamento o ideal de uma nova Nação. A afirmação da independência,
além de uma forte política de unificação interna, necessitava também do apoio
externo, já que o País não poderia sobrevevir isolado das outras nações. Por
isso, a informação é considerada estratégica para a sua consolidação e preci-
sava ser divulgada junto aos cidadãos brasileiros, residentes estrangeiros, dis-
sidentes e, acima de tudo, reconhecida pela Nação Portuguesa e por outros
países, principalmente, Inglaterra, Estados Unidos da América do Norte,
França e Áustria.
A publicação dos grandes atos públicos e políticos da Nação brasileira
requer urgência e é imprescindível. Os jornalistas e a imprensa da época
tornam-se grandes aliados do Parlamento e do Governo imperial, contri-
buindo imensamente, através dos seus periódicos e folhas, na propagação
das idéias democráticas do novo país. A eles, não podemos esquecer, deve-
mos a transcrição integral das sessões parlamentares e a preservação destas
primeiras páginas da nossa história legislativa.

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A Construção da Democracia 23

Antecedentes da História Legislativa do


Brasil Independente

A Rainha D. Maria I, filha de D. José I e de D. Mariana Vitória,


nasceu em 17 de fevereiro de 1734, na cidade de Lisboa e casou-se em 1760
com o tio, Príncipe D. Pedro, que mais tarde tomou o nome de D. Pedro III.
Bonita e elegante, com ares de doçura e pureza, foi criada num ambiente
austero e triste, tendo uma educação extremamente religiosa. Sobe ao trono
português, em 16 de julho de 1777, por morte de D. José I, seu pai. É demi-
tido o Sr. Sebastião José de Carvalho e Mello, Conde de Oeiras e Marquês de
Pombal, todo poderoso ministro da Corte portuguesa e considerado um ateu,
cessando, assim, sua influência na política lusitana. Em 1780 é condenado ao
desterro. Em 5 de janeiro de 1785 D. Maria I, através de Carta Régia, manda
extinguir todas as fábricas e manufaturas de lã, algodão, linho, seda, ouro,
prata, e quebrar a martelo todos os teares das indústria de tecidos no Brasil,
exceto a de pano grosso para sacarias ou roupas de escravos. Com a Carta
Régia de 5 de julho de 1802 chega-se ao cúmulo de proibir aos governadores
o recebimento, em audiência, de pessoas vestindo roupas feitas com tecidos
não fabricados ou exportados de Lisboa.
A morte do seu marido, em 1786; a do seu seu filho e herdeiro do trono,
Príncipe D. José, irmão mais velho de D. João, em 1788; a do seu mestre
confessor; o temor dos efeitos que a “Revolução Francesa” de 1789 pudessem
trazer a Portugal, causando-lhe a perda do trono; e, principalmente, por sua
rígida educação religiosa, o pavor de perder, também, sua alma são conside-
rados os principais fatores que levaram a rainha a apresentar sintomas de
alienação mental.
Ofício recebido por Cypriano Ribeiro Freitas, Ministro de Portugal, em
Londres, datado de 4 de fevereiro de 1792, e escrito pelo Ministro dos Es-
trangeiros, Luís Pinto de Sousa Coutinho, atesta seu princípio de melancolia
e insânia mental. Em julho de 1799 é considerada louca, oficialmente. Fale-
ceu, na cidade do Rio de Janeiro, em 20 de março de 1816.
D. João VI, batizado com o nome de José Maria Francisco Xavier de
Paula Luís Antônio Domingos Rafael de Bragança e Bourbon, o Clemente,
28º Rei de Portugal, 24º Rei dos Algarves, Rei do Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves, Imperador Titular do Brasil, Regente do Reino de Portugal
durante o impedimento de sua mãe, a Rainha Senhora D. Maria I, Príncipe

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24 Casimiro Neto

da Beira e do Brasil, Duque de Bragança, Duque de Guimarães, Duque de


Barcelos, Marquês de Vila Viçosa, Conde de Arraiolos, Conde de Ourém,
Conde de Barcelos, Conde de Faria e de Neiva, Conde de Guimarães, Senhor
da Sereníssima Casa do Infantado, Magestade. Era filho de D. Maria I e de
D. Pedro III. Nasceu na cidade de Lisboa, no Real Paço da Ajuda, em 13 de
maio de 1767. Casa-se, em 1785, com Dona Carlota Joaquina de Bourbon,
filha de Carlos III e irmã de Carlos IV, rei da Espanha e torna-se, oficialmen-
te, Príncipe Regente, em julho de 1799, apesar de já governar, em nome de
sua mãe, impossibilitada de exercer sua função no Reino, desde 10 de feve-
reiro de 1792. É aclamado rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves,
em 6 de fevereiro de 1818, no Rio de Janeiro, e neste mesmo dia expede
decreto de indulto aos presos do reino do Brasil. É a primeira e única vez que
um monarca europeu assumirá o trono em uma Corte nos trópicos. Faleceu,
na mesma cidade em que nasceu, no Paço Real da Bemposta, a 10 de março
de 1826.
D. Pedro I, Imperador do Brasil e Rei de Portugual, é o terceiro filho do
Príncipe Regente D. João, mais tarde D. João VI, e da Princesa Real D. Carlota
Joaquina Teresa Cayetana de Bourbon y Bourbon. Nasceu o primeiro impe-
rador do Brasil no Real Paço de Queluz, em Lisboa, a 12 de outubro de 1798,
sendo batizado com o nome de “Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos
Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de
Bragança e Bourbon”. Falecendo seu irmão mais velho, o Príncipe D. Antônio
de Bragança e Bourbon, em 1801, e sendo o primogênito da família real a
infanta D. Maria Teresa de Bragança e Bourbon, passou o infante D. Pedro
de Alcântara a ser o herdeiro da coroa portuguesa, com o título de Príncipe
da Beira. Casa-se, em 6 de novembro de 1817, na cidade do Rio de Janeiro,
com a Arquiduquesa d’Áustria, Maria Leopoldina Josefa Carolina Francisca
Fernanda Beatriz de Habsburgo-Lorena, nascida em Viena a 22 de janeiro de
1797, filha do Imperador Francisco II, da Alemanha e 1º da Áustria, Rei da
Hungria e da Bohemia, e da Imperatriz D. Maria Theresa Carolina de
Bourbon-Nápoles, sobrinha da Rainha Maria Antonieta, e irmã da Impera-
triz D. Maria Luiza, segunda esposa do Imperador Napoleão Bonaparte. Em
1819 nasce a primeira filha do casal, D. Maria da Glória Joana Carlota Leo-
poldina Paula Izidora Micaela Rafaela Gonzaga de Bragança e Habsburgo.
Com a morte da Imperatriz Leopoldina, no dia 11 de dezembro de 1826,
casa-se, em segundas núpcias, com a Princesa D. Amélia Augusta Eugênia
Napoleão de Beauharnais e Leuchtenberg no dia 16 de outubro de 1829. O
Imperador D. Pedro I faleceu no dia 24 de setembro de 1834, com 36 anos
incompletos, no Real Paço de Queluz, no mesmo quarto em que nascera – o
Salão D. Quixote. O Brasil deve-lhe a independência e Portugal a liberdade.

1788-1789. Conspiração da Inconfidência Mineira. Experiência histó-


rica brasileira em matéria constituinte, de liberdade e de independência, ocor-
rida na Capitania de Minas Gerais. Homens destemidos e apaixonados pelo

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A Construção da Democracia 25

Brasil, revoltados com a política colonialista portuguesa, idealistas, inspira-


dos, também, em pensamentos, livros e publicações da época sobre as mu-
danças constitucionais de então e sobre os últimos acontecimentos no mun-
do, começam a questionar, debater e propor uma nova realidade nacional.
O século XVIII, na Europa, é tempo de grande agitação política e filo-
sófica. Um clamor de liberdade para todos, em todos os assuntos, em todos
os cantos e recantos, espalha-se pelo continente europeu. As novas idéias
alastram-se rapidamente.Os homens passam a debater um conceito até en-
tão indiscutível: “que os reis governavam por determinação divina”. Inicia-se a luta
contra as tiranias. O homem deve ser livre, deve poder pensar o que quiser.
Essas idéias revolucionam também o “Novo Mundo”. A declaração de
Independência dos Estados Unidos da América no dia 4 de julho de 1776 –
redigida por Thomas Jefferson, um dos membros mais importante do “Se-
gundo Congresso Continental em Philadelphia”, devido à sua popularidade e à
lucidez de seu estilo literário –, é assinada pelos representantes de nove das
treze colônias, que se haviam insurgido contra a Inglaterra para a definitiva
conquista de sua liberdade. É declarada, solenemente, a igualdade dos ho-
mens, e que entre os seus direitos inalienáveis estavam o da vida, da liberda-
de, e da busca da felicidade. No texto, o redator incorpora a sua filosofia
iluminista, inspirada nas idéias avançadas dos pensadores franceses e ingle-
ses. Diz a declaração em seu preâmbulo: “São verdades indiscutíveis para nós:
que todos os homens nascem iguais; que a todos concebeu o Criador certos direitos
inalienáveis, entre os quais estão o da vida, liberdade e a busca da felicidade; que os
homens, para assegurarem esses direitos, constituíram governos, cujos justos poderes
emanam do consentimento dos governados. Que, toda vez que uma forma de governo
contraria esses fins, é um direito do povo alterá-la ou aboli-la e instituir um novo
governo, basendo seus fundamentos em princípios tais e organizando seus poderes de
tal forma, que a eles pareça contribuir mais eficazmente para sua segurança e felicida-
de”. A declaração, na verdade, estipula o direito das colônias a se tornarem
“Estados livres e independentes”, desligados de qualquer compromisso de obe-
diência à Coroa britânica, com a qual rompe toda união política. A primeira
constituição norte-americana é aprovada sob o nome de “Articles of Confederation
and Perpetual Union”. Os “Artigos da Confederação” só entra em vigor em 1781,
com a anuência do último Estado a subscrevê-la – Maryland.
Em 1787, sob a presidência de George Washington e a presença de figu-
ras notáveis como Hamilton, Madison, Franklin e outros grandes líderes, reu-
ne-se em Philadelphia uma convenção federal – 5º Congresso Continental –,
incumbida de elaborar a Constituição definititiva que é votada no dia 17 de
setembro de 1787. Aprovada a Carta política, foi a mesma levada a ratifica-
ção dos Estados-Membros, passando a vigorar em 1789, época em que se
constitui o primeiro governo federal, tendo à frente George Washington (1789-
1797), o qual nomeia para seus auxiliares, dentre outros, Hamilton, Jefferson
e o General Henry Knox, respectivamente, Secretário da Fazenda, do Inte-
rior e Exterior, e da Guerra. Posteriormente, no “Primeiro Congresso Federal”,

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26 Casimiro Neto

com a presença, dentre outros, de Patrick Henry e Samuel Adams, é acrescida


do “Bill of Rights” (declaração de direitos), com dez emendas aprovadas con-
juntamente em 1791, asseguradoras de várias prerrogativas individuais, como
a liberdade de palavra, de imprensa, de religião, de petição, de reunião, de
ser julgado o criminoso por júri local com recursos para Cortes superiores,
garantias para a pessoa, domicílio, etc. Esta Constituição americana coloca
em prática o princípio da separação dos poderes, formulado por Locke e
Montesquieu.
O episódio da “Inconfidência Mineira” em Minas Gerais transcorre entre a
revolução americana, sua posterior constituição e a revolução francesa com a
tomada da Bastilha no dia 14 de julho de 1789, que derruba o antigo regime e
proclama os Direitos Universais do Homem e do Cidadão, aprovados a 26 de
agosto deste mesmo ano. A soberania é encarnada pela nação, da qual todo
governante não passa de mandatário. A lei é a expressão da vontade geral; e o
respeito – indiscutível e obrigatório – à ordem legal fica assegurado pela sepa-
ração dos poderes. É o direito da pessoa fazer tudo aquilo que não prejudica o
outro.
A “Inconfidência Mineira” começa, precisamente, no ano de 1788. É a
primeira expressão constituinte de uma nova consciência política nacional,
que se confunde com a noção específica de Estado, de Estado Nacional, de
Estado independente e de Estado soberano. Estes inconfidentes, por suges-
tão de Alvarenga Peixoto, colheram do início de um verso do poeta latino
Virgílio – escrito em Roma entre 42 e 39 a.C –, na sua “primeira écloga das
Bucólicas”, quando o personagem Títiro ante a pergunta de Melibeu: “E que
tão poderosa causa tiveste de ver Roma? responde: A liberdade, que, embora tardia,
voltou a face, afinal, e olhou para mim, negligente em conquistar seu favor, quando
via a barba tombar cada vez mais branca sob a navalha. Favoreceu-me enfim, após
longo tempo veio, depois de tornar-se minha senhora Amarílis, e libertar-me de Galatéia.
Pois – sim, confessarei – enquanto meu coração era prisioneiro de Galatéia, nem tinha
esperança de liberdade, nem cuidado do pecúlio. Em vão os currais produziam vítimas
numerosas, em vão comprimia no cincho pingues queijos para a ingrata cidade: jamais
a destra voltava para casa cheia de dinheiro”. É a adaptação para a expressão
máxima da liberdade que sonhavam: “Libertas: quae sera tamen” – A liberdade,
que, embora tardia, ou ainda, Ainda que tarde, a liberdade.
Delatados pelo Coronel Joaquim Silvério dos Reis, e depois pelo Te-
nente-Coronel Basílio de Brito Malheiro do Lago e pelo Mestre-de-Campo
Inácio Correia Pamplona, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por al-
cunha “Tiradentes”, que fora tropeiro, minerador e cirurgião é feito prisionei-
ro no dia 10 de maio de 1789. Seguem-se várias prisões de outros inconfiden-
tes, postos a ferros e incomunicáveis. Começa a devassa, inquérito rigoroso
para julgar os acusados de sedição, um crime infame, segundo a Coroa por-
tuguesa. Passam a ser interrogados. No Rio de Janeiro, mantidos em celas
individuais, só se avistando com seus interrogadores ou com os delatores com
quem eram acareados, os inconfidentes aguardam a sentença durante três

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A Construção da Democracia 27

longos anos. Em três interrogatórios, Tiradentes tudo nega. Mas no dia 18 de


janeiro de 1790, durante o quarto interrogatório, confessa a conspiração.
Não quer, entretanto, que seu ato seja inútil e, frustrado em libertar sua pátria,
tenta ao menos salvar seus companheiros assumindo toda a responsabilidade
nos acontecimentos. Em setembro de 1791 encerram-se os interrogatórios e
em outubro terminam as investigações. No dia 18 de abril de 1792, os cinco
réus padres recebem a sentença. No dia seguinte, 19, são lidas as sentenças dos
réus civis e militares, que condenam doze deles a pena capital. Digno e sereno,
Tiradentes ouve a sua condenação e diz ao seu confessor Frei Raimundo de
Penaforte: “Se Deus me ouvisse, só eu morreria e não eles”. E, como se Deus atendes-
se ao apelo, no dia seguinte, numa nova decisão, baseada em carta de clemên-
cia da Rainha D. Maria I “a Piedosa ou a Louca”, essas condenações, exceto a do
Alferes Joaquim José da Silva Xavier, são comutadas em desterro perpétuo na
África. “Dez vidas eu daria, se as tivesse, para salvar as deles” confessa.
Portugal está enfraquecido economicamente, atrasado em relação aos
novos tempos, já não é o grande descobridor dos mares. A luta entre o
reacionarismo intelectual, o absolutismo monárquico e as idéias filosóficas, es-
téticas e políticas do iluminismo leva a uma rápida substituição de valores,
assusta os governantes e vem daí toda a explosão monárquica e absolutista
contra os mentores e intelectuais do movimento.
Um dos atos da Rainha D. Maria I, em sua real demência, é justamente
a assinatura da sentença de morte pelo crime de “sedição” dada a Tiradentes,
o mais popular dos inconfidentes, que assumiu total responsabilidade nos
acontecimentos. Herói, torna-se o mártir deste grande episódio e da inde-
pendência brasileira. Em 21 de abril de 1792, às onze horas e vinte minutos,
no Largo da Lampadosa, no Rio de Janeiro, morre enforcado o “herói, sem
medo, de todo um povo”. O “mártir da independência brasileira” tem sua cabeça
cortada e seu corpo esquartejado em quatro partes, salgado e distribuído em
postes no caminho que levava à Vila Rica. Sua descendência considerada in-
fame, a casa onde morava foi arrasada e salgada, para que nunca mais ali se
construísse, tendo em seu lugar se erguido um pilar, recordando a culpa do
“abominável réu”, na ânsia medieval de calar vozes e pensamentos.
A violência não intimida os brasileiros e ao contrário do esperado pelos
dominadores, semeia idéias e sentimentos de liberdade e de independência
da Coroa portuguesa. Na morte, vence Tiradentes. Menos de dois anos de-
pois o Governo português inicia uma nova devassa, desta vez no Rio de Janei-
ro, na denominada “Conjuração Fluminense”. A Sociedade Literária do Rio de
Janeiro, fundada em 6 de junho de 1786, é dissolvida com alarde como cen-
tro da conspiração. São presos e seqüestrados os livros e papéis do poeta e
professor de Retórica Manuel Inácio da Silva Alvarenga e do bacharel Mariano
José Pereira da Fonseca, depois Marquês de Maricá, entre outros. É o temor à
rebelião que se alastrava. O processo inicia-se em 11 de dezembro de 1794 e
se arrasta até o dia 14 de maio de 1796. Sem nenhuma culpa formada, depois
de três anos de encarceramento, são soltos.

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28 Casimiro Neto

As idéias de liberdade estão disseminadas. Na manhã de 12 de agosto


de 1798 aparecem afixados, em diversos recantos da cidade de Salvador, na
Bahia, inúmeros folhetos anunciando a chegada da liberdade e concitando o
povo à revolta, enquanto na praça principal da cidade, o povo dava “vivas” à
liberdade e “morras” aos preconceitos e à tirânia. É a primeira revolução so-
cial no Brasil. São lavradores, alfaiates e soldados os artífices da “Conjuração
Baiana” ou “Conspiração dos Alfaiates”, gente humilde, quase todos mulatos,
envolvendo aproximadamente 676 pessoas sob a liderança do alfaiate João
de Deus do Nascimento. A maioria delas não pode ser localizada pela Gover-
no português durante a repressão. Nesta revolta já se nota a influência da
Revolução Francesa, com a divisa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. O mo-
vimento fracassa, mas o “Estatuto dos Trabalhadores” confeccionado por Cypriano
José Barata de Almeida, Manoel Faustino dos Santos (o Lira) e João de Deus
do Nascimento, assinala o advento de um novo tempo ao Brasil. Forca, degrêdo
e cárcere são o resultado da rebelião para esses homens. Dos réus, 34 ao todo,
a repressão portuguesa enforca quatro: João de Deus do Nascimento e seus
imediatos, os soldados Lucas Dantas do Amorim Torres e Luís Gonzaga das
Virgens, e o liberto Manoel Faustino dos Santos (o Lira).
A cada instante torna-se mais difícil aos colonizadores portugueses im-
pedir que as idéias de independência se alastrem pelo Brasil. E, em cada
novo pensamento rebelde, em cada gesto de desobediência política, em cada
desejo de liberdade estava a sombra de um homem enforcado. O Alferes José
Joaquim da Silva Xavier, vulgo “Tiradentes”, mostrara o caminho.
Não se pode deixar de citar a figura de José Joaquim Maia (RJ), brasi-
leiro do Rio de Janeiro, estudante de medicina na Universidade de Montpellier,
na França, que dois anos antes da “Inconfidência Mineira” procurou e foi rece-
bido por Thomás Jefferson, um dos construtores da independência dos Esta-
dos Unidos e que fora designado embaixador da nova república em Paris no
ano de 1785. Do pronunciamento do Deputado Brígido Fernandes Tinoco
(PSD-RJ), na sessão de 11 de março de 1946, transcrevo as seguintes pala-
vras: “A desigualdade de classes, a injustiça da côrte, a independência dos Estados
Unidos e o espírito de reforma que invadia todo o mundo civilizado, portanto, geraram
a Inconfidência mineira. O primeiro inconfidente foi José Joaquim Maia, nascido na
choupana de um pobre artezão, sob o céu da capital do Brasil. Culto, inteligente, a sua
entrevista com Jefferson, em que analisou a situação social do Brasil, marca a existên-
cia de um realizador, de um grande idealista. Nas cartas de 2 de outubro e 21 de
novembro de 1786, dirigidas a Jefferson, nas quais se assina “Vendek”, já o notável
Maia solicitava um auxílio extremo da brilhante nação americana, narrando-lhe que
a pátria gemia em atroz escravidão, os homens não tinham liberdade, o trabalho era
aviltante e os usurpadores pisavam o solo pátrio rasgando as leis da natureza e da
humanidade”.

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A Construção da Democracia 29

Quadro/Ilustração nº 1
Jornada dos Mártires – Antônio Parreiras – Museu Mariano Procópio
Juiz de Fora – MG

Quadro/Ilustração nº 1/A
Tiradentes ante o carrasco – Rafael Falco – Comissão de Constituição e Justiça –
Câmara dos Deputados

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30 Casimiro Neto

7 de março de 1808. Dez horas. Chegada da família real (a rainha, o


príncipe, sua esposa, e os filhos) e de sua comitiva formada pelo aparelho
burocrático-administrativo e pela elite cortesã à cidade do Rio de Janeiro. É
recebida com grandes festas. Haviam aportado na Bahia no dia 22 de janeiro
de 1808, e ali permanecem por mais de um mês, até o dia 26 de fevereiro. A
frota lusitana, composta de quinze embarcações, transportando a família real
e a corte portuguesa com aproximadamente quinze mil pessoas, partira de
Lisboa, escoltada pela armada inglesa sob o comando do Almirante Sir Sidney
Smith, em 29 de novembro de 1807. Vinte e quatro horas depois, o General
(francês) Jean-Andoche Junot, com a vanguarda de sua tropa, chega à capital
portuguesa. A invasão napoleônica, em território português, pela fronteira
de Segura, na Beira Baixa, ocorrera em 17 de novembro de 1807, para apli-
car a decisão do “Tratado Franco-Espanhol de Fontainebleau” de 27 de outubro,
que decidiu a partilha de Portugal.
Com a intenção de impor a todos os países da Europa sua política
contrária à Inglaterra e buscando golpear de morte o comércio inglês, o
Imperador Napoleão Bonaparte (1804-1815), que tomara o poder na França
em 1799 e se tornara ditador com o título de primeiro-cônsul, decreta, no
ano de 1806, o “Bloqueio Continental”. O decreto proíbe os demais países do
continente europeu de estabelecer quaisquer relações comerciais com os
portos ingleses. No dia 7 de janeiro de 1807, a Grã-Bretanha, por meio de
“Ordens do Conselho”, declara os portos franceses e os das suas colônias em
estado de bloqueio, proibindo os navios de qualquer pavilhão de aportarem
nestes portos. É a luta da terra contra o mar. Portugal, país tradicionalmen-
te aliado à Grã-Bretanha e dependente do comércio inglês, busca a todo
custo manter sua neutralidade frente a política internacional francesa, trans-
gredindo as exigências feitas pelo Imperador (francês) Napoleão Bonaparte
(1804-1815). Segundo as regras do “Bloqueio Continental”, Portugal fica obri-
gado a fechar seus portos aos navios ingleses, além do confisco dos bens e a
prisão dos súditos britânicos residentes em terras lusitanas. “Ou Portugal
rompe com a Inglaterra, ou eu desmorono sobre Portugal” declara o Imperador
(francês) Napoleão Bonaparte (1804-1815). No dia 11 de agosto de 1807,
Portugal é intimado pelo governo francês a cortar as relações com a Grã-
Bretanha.
As coisas se complicam. Se o Príncipe Regente D. João cede ao que lhe
impõe a França, rompendo com a Inglaterra, que é o mar, arrisca-se a perder
a futurosa nação americana, que é, para Portugal, a razão de um grande
império além-mar. Se não cede, verá a invasão do reino pelas tropas france-
sas. A decisão é difícil e demorada. Não há outra saída. Nem a neutralidade.
Não há como romper com a Inglaterra, antiga aliada e protetora.
Descontente com a recusa de Portugal em obedecer às normas decreta-
das pelo seu governo, o Imperador (francês) Napoleão Bonaparte (1804-
1815) declara a deposição da “Casa de Bragança” e ordena a invasão do terri-
tório português. Ao Princípe Regente D. João restam duas alternativas:

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A Construção da Democracia 31

entregar-se à humilhação de ser prisioneiro ou procurar refúgio além-mar,


onde também é soberano. No dia 22 de outubro é realizada uma Convenção
entre Portugal e a Grã-Bretanha sobre a transferência para o Brasil da mo-
narquia portuguesa e sobre a ocupação da ilha da Madeira por tropas ingle-
sas. No dia 16 de novembro a frota britânica chega à foz do Tejo.
A idéia de uma mudança da Corte portuguesa para o Brasil não era
nova, nem abstrata. Já se havia pensado na criação de um “Grande Império”
do outro lado do Atlântico. Se por terra o General (francês) Jean-Andoche
Junot domina a invasão, pelo mar o oceano era inglês e a Grã Bretanha lhe
protegeria a fuga. Sob pressão do exército francês, a 27 de novembro o em-
barque da Família Real para o Brasil tem de ser feito às pressas e em confu-
são, sob chuva persistente e monótona, em uma manhã enevoada e triste. A
esquadra inglesa sob o comando do Almirante Sir Sidney Smith faz a prote-
ção do frota real.
Para o Brasil, o resultado da mudança da Corte lusitana passa a ter, em
todos os sentidos, uma transformação histórica. A política estrangeira de Por-
tugal, que era essencialmente européia, torna-se de repente americana. A
colônia brasileira, como que antevendo o futuro que lhe ia sorrir, ao contrá-
rio de Lisboa, em uma manhã clara, fresca e dourada de sol, recebe-os com
festas, com alegria na alma. Os menores gestos e trejeitos da real comitiva
fazem a multidão delirar e a todos encantam.
Uma série de atos administrativos são lavrados pelo Príncipe Regente
D. João e postos logo em execução. Tanto para dar emprego aos amigos que
acompanham a Família Real, como para organizar um governo de fato, pois
que baldadas eram as esperanças de breve regresso às terras lusitanas. É ini-
ciado um período de grandes transformações e adaptações, com a criação de
repartições novas e encargos até então desconhecidos no ambiente pacato e
provinciano do Rio de Janeiro.
De passagem por Salvador, na Bahia, em 22 de janeiro de 1808, antes de
aportar no Rio de Janeiro, o Príncipe Regente é convencido pelos seus conse-
lheiros da necessidade de abrir nossos portos às nações amigas, o que se efetua
pela Carta Régia de 28 de janeiro de 1808. A produção brasileira subira de
valor devido ao bloqueio napoleônico e o Rio de Janeiro transforma-se num
grande centro comercial de primeira ordem. Prejudicial aos ingleses, estes come-
çam a fazer pressão para anular os efeitos desse decreto. Vitoriosos em suas
pretensões, em 19 de janeiro de 1810, é assinado tratado comercial com a Grã-
Bretanha, o que vem a se tornar um verdadeiro monopólio para este país com
efeitos nocivos para o Brasil, e que perduraram por longo tempo, onde os
produtos inglêses só estão sujeitos a 15 por cento de tarifas alfândegárias. Já
para as outras nações continentais, para entrar nas terras do “Reino Americano”,
todas as mercadorias pagam 24 por cento de direitos de consumo, inclusive os
produtos portugueses. Conseguem também a autorização para manter em ter-
ras brasileiras, como havia em Portugal, um juiz seu, inglês, para julgar as
causas em que fossem parte os súditos de sua majestade britânica.

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32 Casimiro Neto

Quadro/Ilustração nº 2
A chegada da Família Real e comitiva na cidade do Rio de Janeiro

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A Construção da Democracia 33

13 de maio de 1808. É expedido decreto, com a rubrica do Príncipe


Regente, D. João VI, que “crêa a Impressão Régia”. Tem como objetivo a publi-
cação de todos os atos normativos e administrativos da Côrte portuguesa
instalada no Brasil.
Por ocasião da vinda da Família Real para o Brasil, o Sr. Antônio de
Araújo, depois Conde da Barca, manda acondicionar no porão da “Nau
Meduza”, integrante da frota real, os prelos que haviam sido comprados da
Inglaterra para implantação de uma gráfica na Secretaria de Estado dos Ne-
gócios Estrangeiros, e da Guerra, em Lisboa. Mais tarde, na Província do Rio
de Janeiro, esse parque gráfico passou a denominar-se “Typographia Nacio-
nal”, tendo como objetivo a impressão e publicação das leis, decretos e resolu-
ções da Assembléia Geral Legislativa, e dos atos oficiais e despachos do Go-
verno Imperial.

10 de setembro de 1808. Começa a circular o primeiro jornal impresso


no Brasil, a “Gazeta do Rio de Janeiro” (1808-1822). Posteriormente, o periódi-
co “A Idade d’Ouro do Brazil” (1811-1823) e a revista “O Patriota” (1813-1814) e
outros iniciam a imprensa no Brasil. No primeiro número da “Gazeta do Rio de
Janeiro”, o editor, Frei Tibúrcio José da Rocha, informa que será publicado
uma vez por semana; porém, logo no segundo número avisa que será publi-
cado duas vezes por semana. Mais tarde, no entanto, passa a ser publicado
três vezes por semana. É interessante notar que o primeiro anúncio brasileiro
que saiu neste jornal no seu primeiro número dizia o seguinte: “Estão no prelo
as interessantes obras seguintes: Memmoria historica da invasão dos Francezes em
Portugal no anno de 1807. Observações sobre o Commercio Franco do Brazil”.
A “Gazeta do Rio de Janeiro” existiu até 31 de dezembro de 1822. De
caráter oficioso, limita-se à publicação de atos oficiais, e à transcrição de no-
tícias estrangeiras. Não encontram eco em suas páginas, as efervescências
democráticas e os agravos da sociedade, visto que está debaixo da censura
imediata das autoridades. Nesse dia é comemorado o “Dia da Imprensa”.
Deixando de aparecer em 1823, a “Gazeta do Rio de Janeiro” cedia o seu
lugar ao “Diário do Governo”. Afirmando o caráter oficioso do novo periódico,
uma portaria de 2 de janeiro de 1823, referendada por José Bonifácio de
Andrada e Silva, ordena a expedição de circulares às repartições públicas,
para que remetessem, regularmente, à redação daquela folha ,“todo o expe-
diente que tivesse cabimento” no Diário. Pouco antes se havia afirmado a utilida-
de, para o público, de passar a Gazeta “a um bem organizado Diário do Governo”.
Na concessão de favores definiam-se, porém, obrigações. Ficava a redação do
Diário debaixo da imediata inspeção do Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios Estrangeiros, que nomearia pessoa hábil para rever as matérias que
os redatores oportunamente lhe submetessem a exame e aprovação, “como
convém ao crédito de uma folha desta natureza”. Estava instalada a censura e o
controle total do que seria publicado. O edital do Intendente-Geral de Polícia
Paulo Fernandes Viana, de 30 de maio de 1809, é explícito: “os que publicarem

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34 Casimiro Neto

qualquer escrito sem exame e licença serão presos na cadeia pública e pagarão de pena
duzentos mil réis”.
É interessante notar que o poema impresso pelo Frei Gregório José
Viegas, em 1807, foi a primeira composição tipográfica na colônia, depois de
1747. Entretanto, a imprensa já se instalara em 1539 no México; em 1583 no
Perú; e em 1630 nos Estados Unidos da América. Em Portugal ela tivera
ingresso no ano de 1465. Era o temor do reino ao órgão de difusão, semea-
dor da liberdade de pensamento.
Vale registrar, que as notícias sem censura só podiam ser lidas no “Cor-
reio Braziliense” ou “Armazem Literario”, considerado o primeiro jornal brasilei-
ro, porém publicado em Londres, Inglaterra. O primeiro número é de 1º de
junho de 1808 e vai circular até dezembro de 1822, com um total de 175
números em 29 volumes. Foi impresso na Oficina de W. Lewis, com periodici-
dade mensal, e trazia na primeira página a epígrafe “Na Quarta parte nova os
campos ara, e se mais mundo houvéra la chegara”. – Camoens, c. VII. e. 14.”. Seu
redator Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça escreve no pri-
meiro número: “Introducção. – O individuo, que abrange o bem geral d’uma socie-
dade, vem a ser o membro mais distincto della: as luzes, que elle espalha, tiram das
trevas, ou da illuzaõ, aqueles, que a ignorancia precipitou no labyrintho da apathia,
da inepcia, e do engano. Ninguem mais util pois do que aquelle que se destina a
mostrar, com evidencia, os acontecimentos do presente, e desenvolver as sombras do
fucturo”. Informa também, logo no primeiro número, o seguinte: “Resolvi lan-
çar esta publicaçaõ na capital inglesa dada a dificuldade de publicar obras periodicas
no Brazil, já pela censura prévia, já pelos perigos a que os redactores se exporiam
falando livremente das acções dos homens poderosos”.
O “Correio Braziliense” exerceu imensa influência sobre os acontecimen-
tos não só no Brasil como em Portugal, desde os seus primeiros números,
pela crítica aos atos da realeza lusitana. Tanto foi que acabou sendo proibida
a entrada do periódico nos domínios portugueses, sob as mais severas penas.
Em 1821 e 1822 foi este jornal o porta voz das aspirações de liberdade que
agitavam o “Reino Americano”.

24 de setembro de 1810. Espanha. Expedição das “Resoluções das Cortes


Constituintes Espanholas” reunidas na Ilha de Leão, no porto de Cadiz. Por
esforço patriótico da Junta Central que havia preparado a campanha da li-
bertação peninsular do domínio napoleônico, nasce depois a célebre “Consti-
tuição de 1812”. Esta Constituição é imposta aos “Bourbons da dinastia espanho-
la”, que depois, em 1814, é revogada por Fernando VII, quando dissolve
essas Cortes. Mas, em 1820, a revolução constitucional triunfa novamente
com o golpe militar liderado pelos Generais Quiroga, Riego e Miranda e faz
o rei católico reconvocar as então interrompidas Cortes Legislativas, restabe-
lecer e jurar a “Constituição de Cadiz de 1812”, no dia 7 de março de 1820.
Esses fatos provocaram em Portugal quase idênticos sucessos políticos,
como era de se prever, dada a vizinhança dos dois países e a força expansiva

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A Construção da Democracia 35

das idéias liberais. Origina-se, então, do exemplo espanhol, a convocação das


“Côrtes Geraes, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portugueza”, em 1820,
para dar à monarquia lusitana uma lei fundamental do Estado, fixando-se
nesta, a uma só vez, não só os direitos e deveres dos cidadãos, como ainda os
limites e atribuições dos diversos poderes da nação soberana. Esse Estatuto
ou Carta Política de 1820, em Portugal, é quase que uma cópia ou arremedo
da Constituição Espanhola de 1812 e serve também para estudo, debate e
final promulgação, em 30 de setembro de 1822, da Constituição Política da
Nação Portuguesa.
18 de junho de 1815. O Imperador (francês) Napoleão Bonaparte
(1804-1815) é derrotado pelas tropas sob o comando de Duque de Wellington
na célebre “Batalha de Waterloo”. Forçado a renunciar ao trono é exilado e
segue preso, em um navio inglês, para a ilha de Santa Helena. Morre no dia
5 de maio de 1821.

16 de dezembro de 1815. O Brasil é elevado a Reino Unido junto a


Portugal e Algarves. No ano seguinte, em 1816, são unidas em um só escudo as
três armas de Portugal, Brasil e Algarves, sendo mantida a mesma bandeira.

6 de março de 1817. Revolução Pernambucana. Movimento revolucio-


nário de caráter republicano e liberal. Seu objetivo é criar no Nordeste brasi-
leiro uma república livre do domínio português e da hegemonia político-
econômica do Rio de Janeiro e do Sul do Império. O movimento estende-se
à Paraíba e ao Rio Grande do Norte, onde também se formam juntas provisó-
rias de governo.
É a mais espontânea, a mais desorganizada e a mais simpática de todas
as nossas revoluções. Suas causas internas tem fundamentos espirituais e
materiais; as externas, no peso dos tributos exigidos do povo para sustentar a
guerra de conquista no Prata, e na manutenção da pesada máquina adminis-
trativa que o Príncipe Regente D. João, trouxera da Europa. A zona mais
produtiva do País sofre uma verdadeira asfixia tributária. Os pesados tributos
se avolumam de ano para ano e esgotam a população. Outros fatores se so-
mam a estes: atraso no pagamento da tropa e a carestia geral resultante da
grande seca de 1816, que abala até as classes mais abastadas.
A revolução tem como participantes mais destacados o comerciante
Domingos José Martins, os religiosos João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro
e Miguel Joaquim de Almeida (Padre Miguelinho), José Inácio Ribeiro de
Abreu e Lilma (Padre Roma), os Capitães José de Barros Lima (por alcunha
“Leão Coroado”) e Domingos Teotônio Jorge. O governo da revolução é com-
posto por uma “Junta Governativa”, que pretende representar todas as classes.
Há ainda um Conselho de Estado formado pelos homens mais cultos da Pro-
víncia, entre os quais está o Ouvidor de Olinda (PE) e Desembargador da
Relação da Bahia Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, ir-
mão de José Bonifácio de Andrada e Silva. Foi precursor deste movimento o

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36 Casimiro Neto

Padre Manoel de Arruda Câmara, que funda no ano de 1800 uma sociedade
secreta – o Areópago de Itambé –, para propagação das novas idéias. É desco-
berta e dissolvida ainda em 1802.
Após a proclamação da República, cria-se uma bandeira própria, são
abolidos os impostos pagos ao Rio de Janeiro, bem como os monopólios, as
insenções de direitos e favores especiais; o soldo dos militares são aumenta-
dos e os padres passam a ser remunerados pela República. Publicada, a “Lei
Orgânica” é enviada às câmaras municipais de todas as comarcas de Pernam-
buco. Esta lei fixa as limitações do Governo Provisório da nova República,
consagra as liberdades de opinião e de imprensa, os direitos individuais, e
proibe ataques a religião católica. Os portugueses que vivem no Nordeste do
Brasil serão reconhecidos como “patriotas” se aderirem ao regime.
À maneira da “Revolução Francesa”, declara-se abolido o tratamento ce-
rimonioso pelo de “patriota”, igualando-se perante a lei todos os membros da
nova república. Proscrevem-se os títulos de nobreza e privilégios de classe,
O Governo Provisório envia emissários às capitanias vizinhas em busca
de adesão e também a Londres, Washington e Buenos Aires para angariar
apoio político à causa revolucionária e reconhecimento da nova república.
O Império lusitano está ameaçado. D. Marcos de Noronha e Brito, Conde
dos Arcos, Governador da Bahía, manda, para combater o governo revolu-
cionário, fortes contingentes armados, os quais dominam logo a Paraíba e o
Rio Grande do Norte. Pernambuco, embora resistindo valentemente, não
tem como se opor ao avanço das tropas do Governo Imperial.
Os emissários revolucionários enviados à Bahia e ao Ceará, respectiva-
mente, os Padres José Inácio Ribeiro de Abreu e Lilma (Padre Roma) e José
Martiniano de Alencar são presos. Sumariamente fuzilado o principal emis-
sário da revolução – o Padre José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima (Padre
Roma) –, o temor se apodera dos criadores da República. Sucedem-se as pri-
sões do frade carmelita, Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, de Miguel
Joaquim de Almeida (Padre Miguelinho) e de todos os chefes do movimento.
O movimento dura aproximadamente 76 dias e vai até o dia 20 de maio
de 1817. A vingança e a repressão real é violenta e impiedosa. É instalado um
tribunal de julgamento. São seqüestrados os bens dos implicados e condena-
dos à morte vários revolucionários. Estes, depois de mortos, tem suas mãos
cortadas, decepadas as cabeças e os membros esquartejados. Tantas são as
barbáries do tribunal, que o próprio Príncipe Regente D. João VI suspende
as execuções, e determina a formação de outro tribunal constituído por dois
desembargadores do Paço e dois da Casa de Suplicação. Este tribunal, po-
rém, revela-se tão bárbaro quanto o primeiro.
A Câmara de Recife, ante tanta selvageria, resolve pedir ao Príncipe
Regente D. João que conceda anistia aos demais implicados, já agora os de
menor participação, com raras exceções.
A bárbara repressão só diminui com a expedição da Carta Régia de 6 de
agosto de 1817 que concede anistia, perdoa alguns presos e suspende defini-

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A Construção da Democracia 37

tivamente as devassas. No dia 6 de fevereiro de 1818, dia da coroação de


D. João VI como rei de Portugal, Brasil e Algarves é expedido decreto de
indulto aos presos do reino do Brasil e o processo é suspenso. Alguns réus são
libertados e os restantes são enviados para as prisões da Bahia, entre os quais
estão Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva e o frade carmelita,
Frei Joaquim do Amor Divino Caneca.
O fato é que, desbaratado o governo rebelde, Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada Machado e Silva entrega-se voluntariamente à justiça. Fica preso
com ferros aos pés e ao pescoço, em um calabouço, no qual entrava muito
pouco a luz do dia. Somente na derradeira semana de novembro do ano
seguinte, sofre o primeiro interrogatório. É aconselhado que devia pedir cle-
mência real, ao que responde: “Perdão? Só peço a Deus! Do Rei quero justiça!”.
Melhoradas mais tarde as condições dos presos, passa, então, a ministrar
aulas aos companheiros de infortúnio. Esta reclusão em uma masmorra, na
cidade de Salvador (BA), vai durar quase quatro anos. Os que não morrem no
cárcere ou não recebem o perdão real são libertados em 1820. Restituído à
liberdade com a aclamação de novo regime constitucional no reino lusitano
em agosto de 1821, é eleito deputado pela Província de São Paulo às “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”.
As crueldades do Governador Luís do Rêgo Barreto continuam e tra-
zem desespero e ódio ao povo pernambucano, gerando, em menos de quatro
anos, a “Revolução Pernambucana de 1821”, não menos violenta e ameaçadora
da integridade nacional.
Analisando a origem social e a profissão dos inconfidentes, dos revolu-
cionários fluminenses de 1794, dos revolucionários baianos de 1798 e dos
revolucionários pernambucanos de 1817, verifica-se a predominância de ofí-
cios e atividades identificadas como sendo as da classe média e a ausência da
elite abastada.

24 de agosto de 1820. Tem início a Revolução Constitucionalista do


Porto. Após a missa, o regimento de artilharia anuncia com 21 tiros a revolu-
ção que exige a elaboração de uma Constituição, “cuja falta é a origem de todos
os nossos males”. O descontentamento geral dos portugueses e o entusiasmo
com que a Espanha acolheu o juramento da “Constituição de Cadiz” pelo rei, a
7 de março de 1820, induziram os liberais do Porto à revolta. No dia 15 de
setembro de 1820, a Junta Provisória faz jurar, em Portugal, uma Constitui-
ção provisória sob os moldes da espanhola, até ser redigida a definitiva. Em
17 de setembro a guarnição de Lisboa adere e o movimento vence sem resis-
tência. A “Junta Provisional Revolucionária” liberta os presos, inclusive os de
1817; convoca as primeiras eleições de Portugal, para as “Côrtes Geraes, Extra-
ordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”; proclama a soberania da Nação
sobre o rei e intima-o a retornar incontinente a Lisboa. Destaca-se que o
nome “Côrtes Gerais” é tradição em Portugal, desde as mais antigas reuniões
de representantes de classes.

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Movimento com idéias nitidamente liberais arrebata adeptos entusiás-


ticos em todas as partes do reino lusitano. Até então, Portugal estivera sob o
regime de monarquia absolutista. Não pregam a república nem mesmo a
substituição da monarquia, a despeito de haver o Rei D. João VI abandonado
a Nação, em fuga precipitada para o Brasil; ao contrário, referem-se a ele
com expressões de respeito, simpatia e dedicação.
O motivo é claro. A nação lusitana do pós-guerra (napoleônica) passa a
viver em crise profunda. A econômica, devido a abertura dos portos do Brasil
às outras nações, à liberdade industrial no reino americano e às más vindi-
mas; a social, devido à mortandade e à imigração; a política, devido à ausên-
cia do rei, à restauração da “Constituição de Cadiz” na Espanha, ao desenvolvi-
mento das idéias liberais difundidas por toda a Europa a partir da “Revolução
Francesa” de 1789 e da “Revolução Espanhola” em 1810; a ideológica, devido
às idéias francesas no governo português; a militar, devido ao comando in-
glês no Exército.
O fermento das idéias revolucionárias estava latente em Portugal, des-
de 1817. Começara ali o onipotente governo militar do Marechal (inglês)
Guilherme Carr Beresford, que afoga em sangue o movimento libertário en-
cabeçado em Lisboa pelo Tenente-General Gomes Freire de Andrade e os
envolvidos sendo presos. Sem uma Constituição estavam todos fartos dos in-
toleráveis excessos e vexames a que os submetia a ditadura militar.
O aumento da importação dos gêneros de primeira necessidade, a co-
meçar pelo trigo; o fechamento de fábricas; a concorrência inglesa; e os ope-
rários famintos fazem com que a penúria atinja seu extremo. Esgotado intei-
ramente, o Erário não paga aos funcionários públicos e nem restitue os
depósitos. À miséria soma-se a humilhação, porque, entre tantas adversida-
des, a gloriosa nação se acha reduzida à colônia do Brasil, constituído o cen-
tro da monarquia, por abrigar o soberano.
O Sinédrio, grupo de letrados, militares e burgueses do Porto, decide
seguir o exemplo da “Revolução Constitucionalista Espanhola” de 9 de março de
1820. Há necessidade da volta de D. João VI para Portugal.
As eleições, em Portugal, terminam no dia de Natal de 1820. As “Côrtes
Gerais, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza” compostas, tão so-
mente, de 74 deputados eleitos pela nação lusitana, e que se achavam em
Lisboa, com exclusão dos representantes, ainda ausentes ou não eleitos, de
outros domínios ultramarinos da América, África e Ásia, reunem-se, pela pri-
meira vez, em sessão preparatória de verificação de poderes e de redação da
fórmula de juramento dos deputados, na cidade de Lisboa. A reunião aconte-
ce na reformada e bem disposta, “Sala da Livraria”, do Palácio Real – antigo
“Convento das Necessidades” –, no dia 24 de janeiro de 1821. No dia 26 tem
lugar a solene instalação do Congresso Constituinte que só vai encerrar os
seus trabalhos legislativos no dia 4 de novembro de 1822, dia em que os
constituintes dão por finda a sua missão. A Constituição Portuguesa é votada
a 12 de julho e promulgada a 30 de setembro de 1822. Encerrados os traba-

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A Construção da Democracia 39

lhos constituintes, o Parlamento português continua, em sessão ordinária,


até o dia 2 de junho de 1823.
Vale ressaltar que a Sala da Livraria do Convento oratoriano é descrita
por José Baptista de Sousa – escritor português –, em sua obra: De Westminster
a São Bento: A aprendizagem do parlamentarismo em Almeida Garrett, como
um “(...) espaço pequeno e estreito, mas muito iluminado, bem ao gosto da época e
semelhante às Câmaras dos Deputados em Paris ou dos Lordes em Westminster. Para
além do recinto destinado aos deputados, a sala dispunha, ainda, de local para os
membros do Governo, a um nível mais inferior, e as tribunas para os diplomatas”.
No Brasil, a Província do Grão-Pará é a primeira a receber as notícias da
“Revolução do Porto”, como igualmente é a primeira a aderir, em 1º de janeiro
de 1821, ao “Pacto Constitucional” que viesse a ser elaborado pelas Cortes Ge-
rais. Em seguida a Bahia e as outras províncias aderem ao movimento revolu-
cionário.
No Rio de Janeiro, as primeiras informações, vagas ainda, sobre a Revo-
lução de 24 de agosto de 1820, chegam pelo bergantim “Providência”, aqui
aportado no dia 17 de outubro desse mesmo ano. Mas o fato é que, somente
em fevereiro de 1821, obteve o Rei D. João VI, em retardada correspondên-
cia oficial de Lisboa, sob despacho do brigue de guerra “Infante D. Sebastião”,
confirmação definitiva da vitória dos liberais do Porto e de todos os fatos
desenrolados no velho continente entre agosto e outubro de 1820, inclusive a
anistia aos militares.
Desde o primeiro momento dos trabalhos legislativos das Cortes Ge-
rais, Extraordinárias e Contituintes da Nação Portuguesa, cujas sessões se
prolongam, com várias interrupções, por sete meses, o moderado represen-
tante português, Deputado Pereira do Carmo, lembra que deviam expedir
ordens para a eleição de deputados nos domínios ultramarinos, a fim de que
fossem estes diretamente representados nas Cortes. Aconselha, inclusive, que
enquanto durassem as eleições na América e outras possessões de além-mar,
e não pudessem vir tomar assento os deputados eleitos, deliberasse o Con-
gresso sobre a escolha provisória de cidadãos idôneos naturais do Brasil e das
outras colônias asiáticas e africanas, desde que residentes ou, então, presen-
tes em Portugal, para que assim não deixassem o “Reino Americano” e os de-
mais domínios da monarquia de ter efetiva representação parlamentar na
Corte Constituinte.
A prudente indicação do Deputado Constituinte (português) Pereira do
Carmo provoca vivo debate, em vários dias de sessão, sendo afinal rejeitada.
De modo que, em relação ao Brasil, sob o capcioso argumento de outros
deputados de que nem mesmo sabia o Congresso Constituinte se o “Reino
Americano” aceitara a revolução, aderindo ao sistema político das Cortes e se
queria continuar ligado ao Reino de Portugal. Com estes argumentos preten-
dem os parlamentares lusitanos firmar o absurdo princípio de que podiam
legislar, à revelia de outras colônias, sobre as suas necessidades e interesses, e
organizar a Constituição política que tinha de reger todos os Estados da Co-

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roa, dos quais já a esse tempo era o Brasil o mais rico e importante pela sua
população e recursos de toda a ordem.
Todavia, a partir do momento em que o Rei D. João VI tomou conheci-
mento oficial da revolução portuguesa, quase às vésperas de seu regresso a
Portugal, entendeu de bom alvitre que em todas as capitanias brasileiras,
desde que oficialmente denominadas províncias, se fizessem as eleições para
deputados àquelas Cortes, “(...) em conformidade dos systema hespanhol adoptado
pelo governo provincial do Reino Unido”. Cabe a seu filho, o Príncipe Regente
D. Pedro, expedir ordens para que tais eleições se realizassem, nas províncias
brasileiras do Sul (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais) que mais direta-
mente obedeciam ao governo do Rio de Janeiro, enquanto que, por instru-
ções emanadas de Lisboa, outras províncias do Norte (Bahia, Maranhão, Pará)
elegeriam os seus deputados. Algumas outras poucas províncias espontanea-
mente tratavam de eleger seus representantes às Cortes, sem esperar deter-
minações expressas, tal o entusiamo que nelas havia por esse ensaio da sua
nova vida política, no sistema representativo.
18 de fevereiro de 1821. Palácio do Rio de Janeiro. O Rei D. João VI
está em dúvida entre ir e ficar, entre o grupo palaciano liberalizante, de
D. Pedro de Sousa Holstein, Duque de Palmela, e do absolutista, da Rainha
D. Carlota Joaquina, nascida Carlota Joaquina Teresa Cayetana de Bourbon
y Bourbon. Pensa em mandar seu filho Pedro de Alcântara para Portugal, a
fim de consolidar o regime constitucional e tomar medidas que se ajustassem
a realidade brasileira. É expedido decreto, com a rubrica do Rei D. João VI,
“determinando que D. Pedro de Alcântara, Príncipe Real do Reino Unido de Portu-
gal, Brasil e Algarves, vá a Portugal (o que não se concretiza); convoca os procura-
dores das cidades e vilas principais, que tem juízes letrados, tanto do Reino do Brasil,
como das Ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde que forem eleitos, para, em Junta de
Côrtes, se tratar das leis constitucionais que se discutem nas Côrtes de Lisboa, a fim de
assentarem as bases constitucionais que atendam as condições peculiares da América
portuguesa e cria, também, uma comissão encarregada de preparar os trabalhos de que
se devem occupar os mesmos procuradores”. Grifado pelo compilador.

É a nossa primeira convocação de uma representação política dentro do


território brasileiro.
23 de fevereiro de 1821. Palácio do Rio de Janeiro. É expedido decre-
to, com a rubrica do Rei D. João VI, “nomeando os membros da commissão encar-
regada de preparar as leis constitucionais de que trata o decreto de 18 de fevereiro, do
mesmo anno”.
A decisão tomada no dia 18 de fevereiro de 1821 não agrada às tropas
portuguesas, pois querem que o Rei D. João VI vá a Portugal e jure a Consti-
tuição tal como for feita pelas Cortes. Em 26 de fevereiro a tropa portuguesa,
reunida no largo do Rossio, força-o a jurar uma Constituição que ainda não
foi escrita.

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A Construção da Democracia 41

7 de março de 1821. Palácio do Rio de Janeiro. É expedido Decreto,


com a rubrica do Rei D. João VI, com o seguinte teor: “Tendo-se dignado a
Divina Providencia de conceder após uma tão devastadora guerra o suspirado benefi-
cio da paz geral entre todos os Estados da Europa; e de permittir que se começassem a
lançar as bases da felicidade da Monarchia Portugueza, mediante o ajuntamento das
Côrtes Geraes, extraordinariamente congregadas na Minha muito nobre e leal Cidade
de Lisboa, para darem a todo o Reino Unido de Portugal, Brazil e Algarves uma
Constituição Politica conforme aos principios liberaes, que pelo incremento das luzes se
acham geralmente recebidos por todas as Nações: (...) Cumpria pois que cedendo ao
dever, que Me impôz a Providencia, de tudo sacrificar pela felicidade da Nação, Eu
Resolvesse, como tenho resolvido, transferir de novo a Minha Côrte para a cidade de
Lisboa, antiga Séde e berço original da Monarchia; a fim de alli cooperar com os
Deputados Procuradores dos Povos na gloriosa empreza de restituir á briosa Nação
Portugueza aquelle alto gráo de explendor, com que tanto se assignalou nos antigos
tempos: E deixando nesta Corte ao Meu muito amado e prezado filho, o Principe Real
do Reino Unido, Encarregado do Governo Provisorio deste Reino do Brazil, emquanto
nelle se não achar estabelecida a Constituição Geral da Nação.
E para que os Meus Povos deste mesmo Reino do Brazil possam, quanto antes,
participar das vantagens da Representação Nacional, enviando proporcionado nume-
ro de Deputados Procuradores ás Côrtes Geraes do Reino Unido; em outro Decreto, da
data deste, Tenho dado as precisas determinações, para que desde logo se comece a
proceder em todas as Provincias á eleição dos mesmos Deputados na fórma das
Instrucções, que no Reino de Portugal se adoptaram para esse mesmo effeito, passando
sem demora a esta Côrte os que successivamente forem nomeando nesta Provincia, a
fim de Me poderem accompanhar os que chegarem antes da Minha sahida deste Reino;
Tendo Eu aliás providenciado sobre o transporte dos que depois dessa época, ou das
outras Provincias do Norte houverem de fazer viagem para aquelle destino. Palacio do
Rio de Janeiro aos 7 de Março de 1821. Com a rubrica de Sua Magestade”. Grifado
pelo compilador.
Neste mesmo dia de 7 de março é expedido outro decreto com a rubrica
do Rei D. João VI, com o seguinte teor: “Havendo Eu Proclamado no Meu Real
Decreto de 24 de Fevereiro proximo passado a Constituição Geral da Monarchia, qual
foi deliberada, feita e accordada pelas Côrtes da Nação a esse fim extraordinariamente
congregada na Minha muito nobre e leal Cidade de Lisboa: E cumprindo que de todos
os Estados deste Reino Unido concorra um proporcional numero de Deputados a com-
pletar a Representação Nacional: Hei por bem ordenar que neste Reino do Brazil e
Dominios Ultramarinos se proceda desde logo á nomeação dos respectivos Deputados,
na fórma das Instrucções, que para o mesmo effeito foram adoptadas no Reino de
Portugal, e que com este Decreto baixam, assignadas por Ignacio da Costa Quintella,
Meu Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino; e aos Governadores e
Capitães Generaes das differentes Capitanias, se expedirão as necessarias ordens, para
fazerem effectiva a partida dos ditos Deputados á custa da Minha Real Fazenda. O
mesmo Ministro e Secretario de Estado o tenha assim entendido e faça executar. Palacio
do Rio de Janeiro em 7 de Março de 1821. Com a rubrica de Sua Magestade.

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42 Casimiro Neto

Instrucções para as eleições dos Deputados das Côrtes, segundo o methodo esta-
belecido na Constituição Hespanhola, e adoptado para o Reino Unido de Portugal,
Brazil e Algarves, a que se refere o Decreto acima”. Grifado pelo compilador. Seguem as
instruções assinadas pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Reino Ignacio da Costa Quintella, com 5 capítulos e 103 artigos. Os capítulos
estão assim distribuídos: Capítulo I – Do modo de formar as Cortes – Artigos
da Constituição espanhola. Capítulo II – Da nomeação dos deputados das
Cortes. Capítulo III – Das juntas eleitorais de freguezias. Capítulo IV – Das
juntas eleitorais das comarcas. Capítulo V – Das juntas eleitorais de Provín-
cia. Nestas instruções estão inseridas as adaptações necessárias à realidade
portuguesa.
É considerada a nossa primeira lei eleitoral. Tem por base a “Consti-
tuição Espanhola de Cadiz de 1812” e as “Ordenações do Reino”, que é o primeiro
“Código Eleitoral” a viger no Brasil, as quais foram elaboradas em Portugal, no
fim da Idade Média, e utilizadas até 1828. Em seu “Livro Primeiro, Título 67”,
as “Ordenações” determinavam o procedimento para se efetivar eleições.
O processo eleitoral é muito complicado, fazendo-se indireto e em qua-
tro graus, segundo o método e as instituições adotadas pela “Constituição Es-
panhola de Cadiz de 1812”, por cujos dispositivos os cidadãos domiciliados e
residentes no território da respectiva freguesia, reunidos nas juntas ou as-
sembléias paroquiais, nomeavam compromissários, sendo por estes imedia-
tamente escolhidos os eleitores da paróquia; e por estes, eram designados os
eleitores da comarca, que, dentro de curto prazo, acorriam à capital da pro-
víncia para ali elegerem os deputados.
Para ser eleitor paroquial, de comarca, e deputado das Cortes é neces-
sário ser cidadão, morador e residente no domicílio declarado, estar em exer-
cício dos seus direitos, e ser maior de 25 anos. Não podem ser eleitos depu-
tados das Cortes, os Conselheiros de Estado; todas as pessoas que ocupam
empregos da Casa Real; os estrangeiros, ainda que tenham carta de cidadão
passada pelas Cortes; e nenhum funcionário público, nomeado pelo Gover-
no, pela mesma província em que exercer as suas funções.
Pelas instruções mandadas adotar no Brasil, é tomado por base o censo
demográfico de 1801, que dava ao nosso país uma população livre de 2.323.386
habitantes, devendo corresponder à representação de cada grupo de 30.000
almas (exceto escravos) 1 deputado, ou fosse, um total de 76 representantes
para aquela cifra de habitantes livres do Brasil.
Quanto aos subsídios dos deputados às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e
Constituintes, convocadas em Lisbôa” assim está escrito: “Aos Deputados se hão de
dar 4$800 por dia desde aquelle, em que se puzerem em marcha para a Capital, os
quaes serão pagos pelo Erario, conforme a Resolução da Junta Preparatória das Côrtes”.
O resultado da eleição paroquial depende absolutamente da mesa elei-
toral e vai perdurar ao longo do Império. Seu poder e arbítrio não conhecem
limites; sua formação é a mais irregular, e as conseqüências são as desordens

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A Construção da Democracia 43

e as demasias eleitorais. Não há nenhuma qualificação anterior dos votantes.


A Mesa aceita os votos de quem quer e recusa outros, a pretexto da falta de
condições legais.
Mas dentre todas as dificuldades encontradas, são escolhidos duzentos
e cinqüenta representantes, e destes, são eleitos noventa e sete deputados
(inclusive suplentes), procuradores e delegados para representarem o “Reino
Americano junto ás Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes, convocadas em
Lisbôa”.

10 de março de 1821. Lisboa. Palácio da Regência. É expedido Decre-


to das Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa
que “dá ás bases da Constituição Política da monarquia portugueza”.

23 de março de 1821. Palácio do Rio de Janeiro. Resolvida a volta de


D. João VI é expedida a Decisão do Governo nº 13 pelo Ministro e Secretário
de Estado dos Negócios do Reino, Ignácio da Costa Quintella, que comunica
a retirada de Sua Majestade para Portugal, e determina que, “sem perda de
tempo, se façam as eleições dos deputados para representarem o Reino do Brazil nas
Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes convocadas em Lisbôa”. Grifado pelo
compilador.

7 de abril de 1821. O Rei D. João VI faz publicar um edital por onde se


convocam, extraordinariamente, os eleitores que devem eleger os brasileiros
representantes do Brasil nas Cortes Portuguezas. No Rio de Janeiro reune-se
a primeira assembléia de eleitores realizada no Brasil, em um prédio há pou-
co inaugurado, na Praça do Comércio, no dia 21 de abril, às quatro horas da
tarde, tendo José Clemente Pereira (português, mas brasileiro de coração)
como secretário e entre outros escrutinadores Joaquim Gonçalves Ledo (RJ)
e Januário da Cunha Barbosa (RJ). Nesta primeira reunião, ao final, faz-se
chegar ao Rei D. João VI um documento, através de uma comissão, onde
declaram que até chegar a Constituição que há de vir de Lisboa, os povos do
Brasil terão que se reger, somente, pela Constituição espanhola. Continuan-
do a tumultuada reunião ao longo da noite de 21 para 22, esta é encerrada –
por ordem do Príncipe Regente D. Pedro –, com as tropas portuguesas cer-
cando o edifício e dissolvendo a tiros a assembléia de eleitores e os cidadãos
desarmados que delas participavam como observadores. José Clemente Pe-
reira, carinhosamente apelidado de “Zé Pequeno”, e outros participantes da
assembléia são feridos. Há algumas mortes. Não se sabe quem ordenou a
violência, mas o povo carioca, no dizer dos cronistas da época, afixa um car-
taz com a seguinte inscrição: “Açougue do Bragança”.

22 de abril de 1821. Palácio da Boa Vista. É expedido decreto, com a


rubrica do Rei D. João VI, que “annula o Decreto datado de hontem que mandou
adoptar no Reino do Brazil a Constituição Hespanhola”. É expedido também ou-
tro decreto que “manda proceder a devassa contra os sediciosos e amotinadores da

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44 Casimiro Neto

Praça do Commercio do Rio de Janeiro do dia 21 deste mez” e outro que “encarrega
o Governo Geral do Brazil ao Príncipe Real do Reino Unido de Portugal, Brazil e
Algarves, D. Pedro de Alcântara”. Nesse mesmo decreto o Príncipe Regente D. Pedro
é constituído “Regente e Lugar-Tenente do Rei”.
As eleições para as Cortes Constituintes se dão com atraso no Brasil e
obedecem ao decreto e às instruções expedidas em 7 de março 1821. Todas
as províncias brasileiras existentes fazem a escolha de seus representantes
para as “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. São
eleitos 97 deputados (inclusive suplentes), procuradores e delegados pelas
províncias do Império do Brasil. Apenas 53 deputados comparecem às Cor-
tes Constituintes, sendo dez (10) representantes de Pernambuco; oito (8), da
Bahia; seis (6), do Rio de Janeiro; seis (6), de São Paulo; quatro (4), do Ceará;
três (3), de Alagoas; três (3), da Paraíba do Norte; três (3), do Grão-Pará; dois
(2), do Maranhão; dois (2), do Rio-Negro (Amazonas); dois (2), do Piauí; um
(1), do Rio Grande do Norte; um (1), de Santa Catarina; um (1), do Espírito
Santo; e um (1), de Goiás. Alguns só comparecem ou já residiam em Lisboa,
mas não tomam posse. Vários são portugueses, por nascimento ou opção, e
outros brasileiros conservadores e liberais.
A esse tempo, as Províncias do Amazonas, Sergipe e Paraná ainda não
estavam efetivamente constituídas. A primeira (Capitania e Comarca do Rio
Negro) teve sua representação unida com a da Província do Pará; a segunda
(Capitania e Comarca de Sergipe d’El-Rey) ficou envolvida na representação
baiana; e a terceira (Comarca de Curytiba, dependente da Província de São
Paulo) só foi elevada à categoria de província brasileira no segundo reinado.
O Rio de Janeiro foi a província que primeiro procedeu as eleições para
as “Côrtes Gerais”, mas os primeiros deputados constituintes do Brasil a de-
sembarcarem em Lisboa são os da Província de Pernambuco, que prestam
juramento e tomam assento em “Côrtes”, no dia 29 de agosto de 1821, sete
meses após instalados os trabalhos constituintes. O primeiro representante
brasileiro a fazer uso da palavra foi o Monsenhor Francisco Moniz Tavares,
na sessão de 30 de agosto, seguindo-se-lhe Manuel Zefirino dos Santos, e
Pedro de Araújo Lima, na sessão de 31 do mesmo mês.
No dia 10 de setembro tomam posse os deputados constituintes da Pro-
víncia do Rio de Janeiro; no dia 6 de novembro tomam posse os representan-
tes da Província do Maranhão; no dia 19 deste mesmo mês tomam posse os
representantes da Província de Santa Catarina; no dia 15 de dezembro são
reconhecidos e tomam posse os deputados constituintes das Províncias da
Bahia e de Alagoas, que acabavam de desembarcar. Os deputados constituin-
tes da Província de São Paulo tomam posse no dia 11 de fevereiro de 1822;
em 4 de fevereiro, tomam posse os da Província da Paraíba; em abril de 1822,
os das Províncias do Pará, Espírito Santo e Goiás. Em meados de maio de
1822 tomam posse os representantes eleitos pela Província do Ceará.
A representação de Minas Gerais, a mais numerosa, permanece no Bra-
sil, aguardando uma melhor oportunidade política. A bancada de Mato Grosso

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A Construção da Democracia 45

e a bancada de São Pedro do Rio Grande do Sul deixam, também, de compa-


recer às Cortes.
Aos deputados constituintes, além das despesas de viagem, arbitradas e
pagas por suas províncias, percebiam do erário público subsídio suficiente
para sua manutenção pessoal em Lisboa, conforme determinação do Rei
D. João VI.
Ao tomarem posse, e à proporção que são convencidos das atitudes e
propósitos recolonizadores da maioria portuguesa em relação ao Brasil, os
parlamentares da minoria brasileira, pouco a pouco, vão congregando os
pontos de vista divergentes e estabelecendo laços de íntima solidariedade.
Com isso evitam, nos debates e votações, uma desunião que já se havia
caracterizado logo no início, quando da posse dos primeiros deputados cons-
tituintes do Brasil. Por isso, a partir desse momento, levantam os “deputados
americanos” brados enérgicos, nas Cortes, toda vez que surgem, amparadas
pela violenta maioria portuguesa, propostas nocivas ao interesse e ofensivas
à dignidade do Brasil.

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A Construção da Democracia 47

Deputados, Procuradores e Delegados


do “Reino Americano” às Cortes Gerais,
Extraordinárias e Constituintes
da Nação Portuguesa

Relação revista e atualizada – que merece ser rediscutida


– de 97 Deputados (inclusive suplentes), procuradores e dele-
gados brasileiros eleitos às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e
Constituintes da Nação Portugueza” pelas várias províncias
do Brasil, então “Reino Americano Unido à Monarchia
Portugueza”, convocadas em Lisboa – sessões legislativas de
24/01/1821 a 2/6/1823.

V ale registrar que temos necessidade de trazer para a Seção de Do-


cumentação Parlamentar e para o Arquivo da Câmara dos Deputados cópias
– em microfilmes ou em meio eletrônico, conforme trabalho similar realiza-
do pelo Ministério da Cultura com o memorável “Projeto Resgate”, que foi
desenvolvido sob a coordenação técnica da servidora Esther Caldas Bertoletti
–, dos Anais destas “Côrtes Constituintes” para os devidos estudos comparativos
com o intuíto da correção de informações e de datas discordantes inseridas
nas várias obras pesquisadas e ainda para completar uma lacuna em nosso
acervo da história legislativa brasileira.
PELA VASTA COMARCA AMAZÔNICA DE SÃO JOSÉ DA BARRA DO RIO NE-
GRO E EX-CAPITANIA DO RIO-NEGRO que era subordinada ao Pará, e mais
tarde, em 1852, elevada a província com o nome de Amazonas. As “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza” receberam os elei-
tos da bancada do Pará, separadamente, e são eles:
1) João Lopes da Cunha. Deputado efetivo eleito pela “Comarca da Bar-
ra de Nossa Senhora da Conceição de Manáos” (Rio Negro), a 14 de janeiro de
1822, tomou assento, por alguns meses, como deputado suplente, enquanto
durou a ausência do Deputado efetivo José Cavalcanti de Albuquerque. Pe-
ríodo de mandato: 29/08/1822 a 11/10/1822.
2) José Cavalcanti de Albuquerque. Deputado efetivo eleito pela
“Comarca da Barra de Nossa Senhora da Conceição de Manáos” (Rio Negro), a 14
de janeiro de 1822. Compareceu, afinal, às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e
Constituintes da Nação Portugueza” e tomou assento. Promulgada a Constitui-
ção, manteve-se na Assembléia Ordinária do Parlamento Português até o en-

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48 Casimiro Neto

cerramento dos trabalhos legislativos, em 2 de junho de 1823, devido a vitó-


ria da contra-revolução liderada por D. João VI, no dia posterior, que faz a
promessa de outorga de uma nova Carta Constitucional. Período de manda-
to: 12/10/1822 a 2/06/1823.
Consta que não assinou e nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.

PELA PROVÍNCIA DO GRÃO-PARÁ:


1) Felippe Alberto Patroni Martins Maciel Parente. Bacharel em Direito
pela Universidade de Coimbra. Este não foi propriamente deputado regular-
mente eleito, mas foi admitido apenas a tomar assento e falar perante as “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”, como especial ho-
menagem à província de que era filho e delegado, por haver sido ela a primei-
ra que aderira à Revolução Portuguesa de 1820, em 1º de janeiro de 1821, e ao
“Pacto Constitucional” que viesse a ser elaborado pelas Cortes Gerais.
Estudante de Direito na Universidade de Coimbra, passava as férias em
Lisboa quando rebentou o movimento liberal, no Porto. Jovem, cheio de en-
tusiasmo, e ambições, abraçou logo a causa da revolução e partiu, sem perda
de tempo, para o Pará, de onde era natural, a fim de transmitir a boa nova.
Ali, tomou a iniciativa de fazer a vasta Província da Amazônia aderir, de pron-
to, à causa portuguesa a 1º de janeiro de 1821, conforme se vê no ofício, de
que foram, ele e o Alferes Cunha portadores, em nome da Junta Provisória
do Pará, ao Congresso Constituinte de Lisboa. O Senado da Camara de Belém,
inculcando-se de corpo eleitoral, chegou a escolher Patroni, deputado às Cor-
tes, e a Junta a ele delegou poderes para, perante aquele Supremo Congres-
so, requerer tudo quanto conviesse ao seu mandato. Apesar de toda a sua
luta, não chegou a ser reconhecido deputado, por ser irregular o seu manda-
to. Feitas as devidas considerações é aprovado que a Assembléia, por exceção,
o ouvisse como delegado do governo paraense. Mas, o fato é que teve ruidoso
sucesso político, quando a Assembléia o admitiu em seu recinto, e ali fez
patriótico discurso, a 5 de abril de 1821, sendo o primeiro americano a falar
perante as “Côrtes de Lisbôa”.
2) Dom Romualdo de Souza Coelho. 8º Bispo do Pará – Diocese de
Belém. Deputado efetivo eleito pela Comarca de Belém, no dia 19 de Dezem-
bro de 1821. Foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinári-
as, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de mandato: 1º/04/1822 a
4/11/1822.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.
3) Francisco de Souza Moreira. Deputado efetivo eleito pela Comarca
de Belém, no dia 19 de Dezembro de 1821. Tomou assento e ocupou sua
cadeira até o encerramento das “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes

Sem título-1 48 7/5/2004, 10:15


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A Construção da Democracia 49

da Nação Portugueza”. Promulgada a Constituição, manteve-se na Assembléia


Ordinária do Parlamento Português até o encerramento dos trabalhos
legislativos, em 2 de junho de 1823, devido a vitória da contra-revolução
liderada por D. João VI, no dia posterior, que faz a promessa de outorga de
uma nova Carta Constitucional. Período de mandato: 2/07/1822 a 2/06/1823.
Consta que não assinou e nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
4) Joaquim José Clemente da Silva Pombo. Deputado suplente eleito
pela Comarca de Belém, no dia 19 de Dezembro de 1821, e substituto even-
tual de qualquer um dos dois deputados efetivos. Não compareceu às “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”.

PELA PROVÍNCIA DO MARANHÃO:


1) José João Beckman e Caldas. Cônego. Deputado suplente, eleito a 5
de agosto de 1821. Compareceu às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituin-
tes da Nação Portugueza”, onde tomou assento como substituto do Deputado
Dr. Raimundo de Britto Magalhães e Cunha. Período de mandato: 6/11/1821
a 4/11/1822.
Consta que não assinou e nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
2) Joaquim Antônio Vieira Belfort. Bacharel e magistrado. Formado
em Direito pela Universidade de Coimbra e Desembargador da Relação de
São Luís. Deputado efetivo, eleito a 5 de agosto de 1821. Foi para Portugal e
tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”. Período de mandato: 6/11/1821 a 22/09/1822.
Consta que apenas jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setembro
de 1822.
3) Raimundo de Brito de Magalhães e Cunha. Formado em Medicina
pela Universidade de Coimbra. Deputado efetivo, eleito a 5 de agosto de
1821. Pediu e “obteve escusa” do mandato de deputado. A saúde comprometi-
da não lhe permitia a travessia do Atlântico na longa viagem entre São Luís e
a Barra do Tejo, tendo sua cadeira sido ocupada pelo suplente José João
Beckman e Caldas, cônego.
Um fato interessante desta província, que merece registro, é que, em
abril de 1823, portanto, findos os trabalhos constituintes em Lisboa, à vista
das instruções vindas de Portugal, procede-se a novas eleições e saem elei-
tos deputados às Cortes Portuguesas, pelo círculo da Capital, Manoel Pai-
xão dos Santos Zacheu, e seu substituto, o Dr. Antônio Pedro da Costa
Ferreira; e pelo interior, o Padre José Antônio da Cruz Ferreira Tésinho, e
seu substituto, o Cônego José João Beckman e Caldas. Justifica-se o ato
eleitoral pelos vínculos fortíssimos que prendiam a Província do Maranhão
e todo o extremo Norte a Lisboa. Não compareceram e nem tomaram posse.

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50 Casimiro Neto

Nessa época, o Brasil já se havia declarado independente de Portugal desde


7 de setembro de 1822.

PELA PROVÍNCIA DO PIAUÍ:


1) Domingos da Conceição. Padre. Português nato. Deputado suplente
eleito a 30 de outubro de 1821, em Oeiras. Estando em Lisboa, foi chamado
para substituir o Deputado efetivo Dr. Ovídio Saraiva de Carvalho, bacharel
em Direito e magistrado, o qual não compareceu às “Côrtes Geraes, Extraordi-
nárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Promulgada a Constituição, o Pa-
dre Domingos se manteve na Assembléia Ordinária do Parlamento Portugu-
ês até o encerramento dos trabalhos legislativos, em 2 de junho de 1823,
devido à vitória da contra-revolução liderada por D. João VI que, no dia
posterior, faz a promessa de outorga de uma nova Carta Constitucional. Pe-
ríodo de mandato: 15/07/1822 a 2/06/1823.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.
2) Ovídio Saraiva de Carvalho. Bacharel em Leis pela Universidade
de Coimbra e magistrado. Poeta e literato. Deputado efetivo, eleito a 30 de
outubro de 1821. Domiciliado no Rio de Janeiro, recusa o cargo político e
ali se deixa ficar. Não compareceu às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Consti-
tuintes da Nação Portugueza” sendo substituído pelo Padre Domingos da Con-
ceição.
3) Miguel de Souza Borges Leal Castello Branco. Bacharel em Leis
pela Universidade de Coimbra, e magistrado. Deputado efetivo, eleito a 30
de outubro de 1821. Foi a Portugal, mas de lá, embora houvesse tomado
assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”,
consta que resolveu regressar logo depois, sem ter assinado ou jurado a Cons-
tituição Portuguesa. Tomou posse no dia 1º/08/1822.

PELA PROVÍNCIA DO CEARÁ:


1) Pedro José da Costa Barros. Sargento-Mór do Corpo de Engenhei-
ros, posto mais ou menos correspondente, atualmente, ao de Major. Foi mais
tarde, em 17 de abril de 1824, o primeiro presidente constitucional da Pro-
víncia do Ceará, e depois, em 2 de setembro de 1825, tomou posse como o
segundo presidente constitucional da Província do Maranhão. Deputado efe-
tivo, eleito a 25 de dezembro de 1821, não compareceu às “Côrtes Geraes,
Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Não desistiu do mandato
e deixou-se ficar no Rio de Janeiro, onde estava residindo e trabalhando pela
causa da independência brasileira, sem que, jamais, lhe preenchesse o lugar,
o 2º suplente Manuel Pacheco Pimentel.
2) Manuel do Nascimento Castro e Silva. Advogado provisionado, não
cursou academias, mas, considerado um autodidata em estudos jurídicos e

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A Construção da Democracia 51

econômicos, especializou-se em conhecimentos financeiros, e por isso, não


sendo bacharel em Direito, recebeu provisão para advogar em juízo de 1ª
Instância. Liberal notório e bom político. Deputado efetivo, eleito a 25 de
dezembro de 1821, fez parte da Comissão dos Negócios do Ultramar – colô-
nias e domínios ultramarinos portugueses. Promulgada a Constituição man-
teve-se na Assembléia Ordinária do Parlamento Português, e de lá se retirou
em maio de 1823. Período de mandato: de 9/05/1822 a 4/11/1822.
Consta que não assinou e nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
3) José Martiniano de Alencar. Padre. Grande orador, homem de tem-
peramento combativo, exaltado patriota e republicano convicto. Deputado
suplente, eleito a 25 de dezembro de 1821. Compareceu e tomou assento nas
“Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza” na vaga do
Deputado efetivo, Coronel José Inácio Gomes Parente, que, por motivo de
doença grave, desistiu de tomar posse. Período de mandato: de 10/05/1822 a
4/10/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
4) Manuel Felippe Gonçalves. Padre e missionário. Era residente em
Icó. Deputado efetivo, eleito a 25 de dezembro de 1821. Foi a Portugal e
tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”. Período de mandato: de 9/05/1822 a 4/11/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
5) Antônio José Moreira. Vigário de Fortaleza. Liberal notório. Depu-
tado efetivo, eleito a 25 de dezembro de 1821. Foi a Portugal, e tomou assen-
to nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Pe-
ríodo de mandato: de 9/05/1822 a 4/11/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
6) José Inácio Gomes Parente. Coronel. Deputado efetivo, eleito a 25
de dezembro de 1821. Desistiu do cargo, em razão do agravamento de enfer-
midade crônica, e não comparaceu às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Consti-
tuintes da Nação Portugueza”.
7) Manuel Pacheco Pimentel. Padre. Deputado 2º suplente, eleito a 25
de dezembro de 1821. Não compareceu às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e
Constituintes da Nação Portugueza”.

PELA PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE:


1) Afonso de Albuquerque Maranhão. Deputado efetivo, eleito a 8 de
dezembro de 1817, deixou-se ficar no Brasil, procedendo assim mais de acor-

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52 Casimiro Neto

do com seu patriotismo nativo, pois era francamente partidário da separação


definitiva entre os reinos americano e europeu. Não enviou o seu diploma e
nem compareceu às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”.
2) Antônio de Albuquerque Montenegro Moura. Padre. Vigário de
Goianinha. Patriota exaltado. Participou da revolução pernambucana de 1817
e, para não ser preso, fugiu para o sertão, embora tivesse sido procurado, foi
pronunciado à revelia e condenado à “pena de morte natural atroz”. Deputado
efetivo eleito a 8 de dezembro de 1821, foi a Portugal, apresentou o diploma
e, embora tendo sido aprovado, nunca se apresentou às “Côrtes Geraes, Extra-
ordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Tendo tomado conhecimento
das disposições contrárias das Cortes em relação ao Brasil, não acudiu às
ordens da Assembléia para ocupar sua cadeira e, por isso, deixou de tomar
assento para não ter de aceitar a Constituição a ser votada, que não convinha
ao reino ultramarino. Essa atitude encheu de indignação a maioria do Con-
gresso Constituinte que ansiava por ver presentes as deputações ultramari-
nas, e tudo foi feito para o Padre Montenegro tomar assento na Assembléia,
sem, entretanto, conseguir abalar a firme resolução do modesto e altivo re-
presentante brasileiro.
3) Gonçalo Borges de Andrade. Deputado suplente, eleito em 8 de
dezembro de 1821. Não compareceu às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Cons-
tituintes da Nação Portugueza”.

PELA PROVÍNCIA DA PARAÍBA DO NORTE:


1) José da Costa Cirne. Padre e paraibano nato, aderiu à revolução de
1817, da qual se tornou fervoroso adepto, sendo um dos maiores entusiastas
das novas idéias. Foi preso e remetido ao Recife no mês de março de 1818.
Dali foi transferido para um cárcere, nas fortalezas da Bahia, tendo os seus
bens seqüestrados em 14 de julho de 1817, sendo indultado, em 1821. Depu-
tado suplente eleito a 26 de agosto de 1821, foi a Portugal e tomou assento
nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza” como
substituto do Deputado Francisco de Arruda Camara. Período de mandato:
15/07/1822 a 4/11/1822.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.
2) Francisco de Arruda Camara. Doutor em Medicina pela faculdade
francesa de Montpelier e agricultor. Tomou parte nas revoluções de 1817 e
1824. Deputado efetivo, eleito a 26 de agosto de 1821, não compareceu às
“Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”, e nem pe-
diu escusas, pois “(...) julga inútil, senão ridícula a sua presença em conselho que
não atendia aos votos da Pátria”. Foi então substituído pelo Padre José da Costa
Cirne.

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A Construção da Democracia 53

3) Francisco Xavier Monteiro da França. Advogado provisionado, não


cursou academias, mas era considerado um autodidata em estudos jurídicos.
Por isso, não sendo bacharel em Direito, recebeu provisão para advogar em
juízo de Primeira Instância. Político discreto e hábil, bom orador e poeta. São
notáveis os seus escritos poéticos, feitos quando preso nos cárceres da Bahia.
Foi depois, em 1840, presidente da Província da Paraíba. Participou ativa-
mente da revolução pernambucana de 1817, sendo eleito um dos membros
do Governo Provisório da Paraíba, acabou sendo preso. Foi remetido à Co-
missão Militar no Recife, teve seus bens seqüestrados, julgado e condenado à
morte. Conta-se que já estava no oratório, fazendo sua última prece, quando
chegou a comutação da pena para a de prisão perpétua nos cárceres da Bahia,
de onde só saiu depois do indulto de 1821. Deputado efetivo eleito a 26 de
agosto de 1821, foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordiná-
rias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de mandato: 4/02/1822 a
4/11/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
4) Virgínio Rodrigues Campello. Padre. Vigário da Frequesia de Cam-
pina Grande. Dedicado professor de meninos pobres, aderiu com grande
entusiasmo à revolução de 1817. Foi preso, teve todos os seus bens confisca-
dos pela Alçada, em nome “d’El Rey”, conforme os autos de confisco de maio,
junho e julho de 1817. Foi transferido para os cárceres da Bahia, onde per-
maneceu até o indulto geral de 1821. Deputado efetivo eleito a 26 de agosto
de 1821, foi a Portugal em meados de agosto de 1822, apresentou o diploma
e, embora tendo sido aprovado, nunca se apresentou às Cortes. Em seguida,
pediu dispensa para não jurar e nem aceitar a Constituição Portuguesa, que
não convinha ao reino ultramarino. Período de mandato: 14/08/1822 a
25/10/1822.

PELA PROVÍNCIA DE PERNAMBUCO:


1) Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira, depois primeiro Barão
de Cimbres. Agricultor. Estudioso de matemática e Ciências Naturais. Depu-
tado efetivo eleito pelas comarcas de Olinda e Recife em 7 de junho de 1821,
foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituin-
tes da Nação Portugueza”. Seu nome aparece, também, no “Diário das Côrtes
Geraes” como sendo “Domingos Malaquias de Oliveira”. Período de mandato:
29/08/1821 a 4/11/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
2) Inácio Pinto de Almeida e Castro. Padre. Vigário de Jaboatão. Em-
bora muito simpático à causa revolucionária republicana de 1817, não foi
envolvido na devassa após a contra-revolução. Deputado efetivo, eleito pelas
comarcas de Olinda e Recife, em 7 de junho de 1821, foi a Portugal e tomou

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54 Casimiro Neto

assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”.


Período de mandato: 29/08/1821 a 4/11/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
3) Félix José Tavares de Lyra. Agricultor e proprietário rural. Foi um
dos membros da Junta Governativa de Pernambuco eleita pelo clero, nobre-
za, povo e chefes militares, em 13 de dezembro de 1823, e excluído dessa
junta, em 8 de janeiro de 1824, pelo colégio dos eleitores de paróquias, reu-
nidos em Olinda. Deputado efetivo eleito pelas Comarcas de Olinda e Recife
em 7 de junho de 1821, foi a Portugal, e tomou assento nas “Côrtes Geraes,
Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de mandato:
29/08/1821 a 4/11/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
4) Francisco Moniz Tavares. Padre e mais tarde monsenhor. Escritor e
historiador. Foi um dos vultos mais notáveis da revolução de 1817. Preso como
suspeito de cumplicidade, permaneceu muitos meses nos calabouços da Bahia.
Apaixonado e ardente, o sacerdote batalhador não perdoava a D. João VI a
crueza com que tratara os revolucionários que se haviam comportado duran-
te a vitória, aliás efêmera, com inexcedível generosidade. Seu ódio concen-
trava-se, agora, em Luís do Rego Barreto, capitão-general português da infe-
liz capitania, desde 1817. Deputado efetivo, eleito pelas Comarcas de Olinda
e Recife, em 7 de junho de 1821, foi a Portugal, e tomou assento nas “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”, onde muito se des-
tacou como deputado.
Em vivo debate com o Deputado Constituinte (português) Borges Car-
neiro, na sessão das Cortes de 18 de outubro de 1821, Muniz Tavares produ-
ziu corajoso e patriótico discurso, combatendo a remessa de mais tropas para
Pernambuco e a incômoda presença, ali, da já numerosa guarnição lusitana,
que o brioso povo da sua terra não mais tolerava. Chegou, em aparte violento
ao Constituinte lusitano Ferreira de Moura, a lembrar que o primeiro choque
que causou a desunião entre os Estados Unidos da América e a Inglaterra
fora causado pelo fato dessa mesma metrópole mandar-lhes soldados contra
à sua vontade. Depois, em outro pronunciamento, perante às Cortes, propõe
a criação de uma universidade, no Brasil, tendo como resposta da maioria
portuguesa naquela Assembléia que “algumas escolas primárias bastariam para o
Reino americano”. Ainda perante as Cortes, fez convincente e notável discurso
em defesa do seu compatriota Francisco Paes Barreto, depois Marquês do
Recife, e primeiro presidente da Província de Pernambuco, em maio de 1825,
que se encontrava preso no Castelo de São Jorge, em Lisboa, como um dos
envolvidos nos acontecimentos do Recife, e contra o Governador da Provín-
cia, o Capitão-General (português) Luiz do Rego Barreto. Através de seu
empenho pessoal conseguiu a absolvição do referido conterrâneo.

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A Construção da Democracia 55

Período de mandato: de 29/08/1821 a 4/10/1822).


Consta que somente assinou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.
5) Manoel Félix De Veras. Agricultor. Eleito a 7 de junho de 1821,
tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza” como suplente dos deputados eleitos na Vila de Garanhuns pelo
colégio dos eleitores da Comarca do Sertão do Rio São Francisco, considera-
da província distinta, os quais eram o Vigário Serafim de Souza Pereira, logo
falecido, e o Padre José Teodoro Cordeiro, que não compareceu às Cortes
Constituintes e nem a elas enviou o seu diploma. Período de mandato: de
16/08/1822 a 4/11/1822.
Consta que não assinou e nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
6) Serafim de Souza Pereira. Vigário. Deputado efetivo eleito a 7 de
junho de 1821, na Vila de Garanhuns, pelo colégio dos eleitores da Comarca
do Sertão do Rio São Francisco, considerada província distinta, e falecido
logo após a sua eleição.
7) José Theodoro Cordeiro. Padre. Deputado efetivo eleito a 7 de ju-
nho de 1821, na Vila de Garanhuns, pelo colégio dos eleitores da Comarca
do Sertão do Rio São Francisco, considerada província distinta. Não compa-
receu às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza” e
nem a elas enviou o seu diploma.
8) Manoel Zeferino dos Santos. Deputado efetivo eleito pelas Comarcas
de Olinda e Recife em 7 de junho de 1821. Foi a Portugal e tomou assento nas
“Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Na sessão
das Cortes do dia 31 de agosto de 1821, o Deputado Zeferino dos Santos
apresenta e defende, com ênfase, uma proposta para que fossem restituídos à
liberdade e à Pátria, com as garantias e vantagens inerentes aos seus postos,
os oficiais presos ou desterrados em conseqüência do último levante militar
de 6 de março de 1821, no Recife, contra o detestado governo do Capitão-
General (português) Luís do Rego Barreto. Período de mandato: 29/08/1821
a 4/11/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
9) Pedro de Araujo Lima. Bacharel em Direito, formado pela Universi-
dade de Coimbra, e magistrado. Doutor em Cânones e Jurisprudência. De-
pois Marquês de Olinda. Deputado efetivo eleito pelas Comarcas de Olinda e
Recife, em 7 de junho de 1821. Com vinte e oito anos de idade vai a Portugal
e toma assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”. Nelas faz brilhante figura como deputado, honrando a sua pá-
tria. Espírito grave, e profundamente conservador, revela-se, nos debates e,

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56 Casimiro Neto

depois, ao longo de sua vida pública, um respeitador das decisões da maioria


parlamentar. Algumas proposições de sua autoria, apresentadas durante as
sessões plenárias das Cortes, tratam da instituição de uma Biblioteca Pública,
no Recife; da fundação de escolas de primeiras letras, em todas as paróquias,
devendo, no programa do ensino primário serem incluídas para os alunos
ligeiras noções de Direito Constitucional; e decretação de lei, obrigando o
Clero a doutrinar o povo, a bem da paz e do espírito de regeneração social.
Período de mandato: de 29/08/1821 a 4/11/1822.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.
10) João Ferreira da Silva. Proprietário rural. Deputado efetivo eleito
pelas Comarcas de Olinda e Recife em 7 de junho de 1821, compareceu às
“Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de
mandato: 29/08/1821 a 4/09/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
11) Antônio de Pádua Vieira Cavalcanti. Deputado suplente eleito pe-
las Comarcas de Olinda e Recife em 7 de junho de 1821, seguiu para Lisboa,
mas não tomou assento perante as “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituin-
tes da Nação Portugueza”.
12) Dom Francisco Xavier de Lossio e Seiblitz. Deputado suplente
eleito pelas Comarcas de Olinda e Recife em 7 de junho de 1821, seguiu para
Lisboa, mas não tomou assento perante as “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e
Constituintes da Nação Portugueza”.

PELA PROVÍNCIA DE ALAGOAS:


1) Francisco de Assis Barbosa. Padre. Vigário de Ipióca. Deputado
efetivo eleito em julho de 1821, compareceu às “Côrtes Geraes, Extraordiná-
rias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de mandato: 15/12/1821
a 4/11/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
2) Francisco Manoel Martins Ramos. Coronel da Tropa de Linha.
Honrado parlamentar, inteligente e polido no trato com as pessoas. Achava-
se, em Lisboa, por ocasião da invasão francesa, tendo então prestado serviços
a bordo da esquadra inglesa, no bloqueio do porto daquela cidade. Deputado
efetivo eleito em julho de 1821, foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de man-
dato: 15/12/1821 a 4/11/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.

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A Construção da Democracia 57

3) Manoel Marques Grangeiro. Advogado provisionado, não cursou


academias, mas era considerado um autodidata em estudos jurídicos. Por
isso, não sendo bacharel em Direito, recebeu provisão para advogar em juízo
de 1ª Instância. Deputado efetivo, eleito em julho de 1821, foi a Portugal e
tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”. Período de mandato: 15/12/1821 a 4/11/1822.
Consta que não assinou, nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.

PELA PROVÍNCIA DA BAHIA:


1) Cypriano José Barata de Almeida. Jornalista combativo, filósofo e
médico formado pela Universidade de Coimbra. Notável patriota e orador
político, dedicado à causa da libertação do Brasil do jugo português. Homem
de pequena estatura, mas de ação, e um liberal exaltado com idéias acentua-
damente republicanas. Deputado efetivo, eleito pela Junta eleitoral da capi-
tal – São Salvador em 1821, foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes,
Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Consta que delas se reti-
rou para a Inglaterra sem ter assinado ou jurado a Constituição Portuguesa
de 23 de setembro de 1822. Período de mandato: 15/12/1821 a 21/09/1822.
O mais velho dos constituintes brasileiros não tolerava insultos ao Brasil
e nem a omissão dos seus pares. Durante as sessões das Cortes defendeu, com
altivez, a sua pátria, principalmente durante o ano de 1822, quando a esma-
gadora maioria portuguesa do Congresso Constituinte expedia decretos e
medidas contrárias ao “Reino americano”. Alvo da maioria que lhe era contrá-
ria, foi por várias vezes interrompido, em seus enérgicos discursos, pela grita-
ria furiosa e pelas injúrias das galerias; mas, impávido e firme como um ro-
chedo no meio de ondas tempestuosas, nem hesitava, nem tremia, nem menos
forte continuava a falar.
Durante uma sessão plenária do Congresso Constituinte em 1822, o
representante da Província da Bahia, Deputado (General) Luís Paulino de
Oliveira Pinto da França, votou com a maioria a favor de moção hostil ao
Brasil. O sexagenário Cypriano José Barata de Almeida (BA), que durante a
sessão se conservara mudo, sai do Plenário, e em um dos corredores encontra
o Deputado (General) Luís Paulino de Oliveira Pinto da França. Cypriano
Barata, impelido pela revolta de seu patriotismo, pelo seu inconformismo,
pelo imprudente e excessivo arrebatamento, tira satisfações, em nome do
povo de sua província, com o deputado que assim votara. Trocam injúrias e
resolvem desafrontar-se por meio das armas. No alto da escada, de repente,
Cypriano Barata agride física e inopinadamente o assustado parlamentar, e
com ímpeto empurra-o pela escada abaixo. A Comissão de Polícia e a Comis-
são de Regimento Interno pronunciam-se severamente contra o férvido an-
cião, propondo em última instância a sua exclusão do Congresso Constituin-
te até que a justiça ordinária julgasse o crime. José Lino Coutinho (BA) e

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58 Casimiro Neto

Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP) conseguem impu-


gnar os pareceres desfavoráveis a Cypriano José Barata de Almeida (BA) e o
processo acaba extinto.
O Jornal “Reverbero Constitucional Fluminense”, do dia 2 de julho de 1822,
no artigo “Extractos da Carta de hum Deputado do Brazil em Côrtes” retrata estes
fatos: “Chegou hoje e leo-se no Congresso a fatal noticia do combate na Bahia entre as
Tropas Europeas e Brazileiras, na qual estas ficárão, vencidas, e se espera terrivel
reacção. O Congresso ouvio tudo isso com indifferença, e remeteo o negocio ao Governo,
percebendo-se bem, que quer, que se enviem Tropas de refresco para subjugar aquella
Provincia, quanto a este respeito tudo perdido se fôr a votos, porque somos subplantados
infallivelmente.
Por motivo desta noticia se agarrárão hoje vergonhosamente nas escadas do Paço
das Cortes, dous Deputados da Bahia, hum liberal, e outro addido á causa Europea, e
que em certo modo defendia o procedimento da Tropa de Portugal; mas foi pisado e
ferido, (apesar de ser Marechal) por cahir pela escada de pedra, e o Liberal, Paisano,
e velho ficou victorioso. Veremos pela primeira vez este Processo, que será rigoroso,
attentas as circumstancias ponderadas”.
2) Alexandre Gomes de Argollo Ferrão. Militar. Depois Barão de
Cajaíba. Deputado efetivo, eleito pela Junta eleitoral da capital – São Salva-
dor, em 1821, foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordiná-
rias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Promulgada a Constituição, mante-
ve-se na Assembléia Ordinária do Parlamento Português, e de lá se retirou,
em março de 1823. Período de mandato: 15/12/1821 a 29/03/1823.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.
3) Marcos Antônio de Souza. Padre e mais tarde Bispo da Diocese de
São Luís do Maranhão. Deputado efetivo eleito pela Junta Eleitoral da capi-
tal – São Salvador em 1821, foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes,
Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de mandato:
15/12/1821 a 4/11/1822.
Versado em língua latina e exaltado partidário da Independência do
Brasil, na Constituinte portuguesa, defende com todo vigor os interesses da
Igreja e do Estado, a liberdade da imprensa religiosa, e trabalha para que seja
sustentado o foro eclesiástico.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.
4) Pedro Rodrigues Bandeira. Deputado efetivo eleito pela Junta elei-
toral da capital – São Salvador –, em 1821, foi a Portugal e tomou assento nas
“Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de
mandato: 15/12/1821 a 4/11/1822.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.

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A Construção da Democracia 59

5) José Lino Coutinho. Doutor em Ciências Médico-Cirúrgicas pela


Universidade de Coimbra. Parlamentar brilhante, espirituoso e com o dom
supremo da eloqüência. Deputado efetivo eleito pela Junta eleitoral da capi-
tal – São Salvador –, em 1821, foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Consta que delas
se retirou para a Inglaterra sem ter jurado a Constiuição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822, tendo-a somente assinado. Período de mandato: 15/12/1821
a 24/09/1822.
Tomou parte ativa, enérgica e corajosa ao lado de seus pares brasileiros
na defesa do Brasil. Ao chegar em Falmouth, Inglaterra, redigiu de seu pró-
prio punho e inspiração, o “Manifesto Político de 22 de Outubro de 1822”,
que é, em seguida, assinado pelos sete representantes brasileiros às Cortes
Constituintes.
6) Domingos Borges de Barros. Barão e mais tarde Visconde da Pedra
Branca. Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, magistrado, di-
plomata, poeta e grande orador. Um homem preocupado com os crimes e
com as desigualdades sociais, como a escravidão e a incapacidade política das
mulheres. Deputado efetivo eleito pela Junta Eleitoral da capital – São Salva-
dor –, em 1821, foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordiná-
rias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de mandato: 15/12/1821 a
4/11/1822.
Nas Cortes se faz distinguir como o precursor do sufrágio feminino,
tendo desejo de apresentar e defender um projeto em defesa dos direitos
civis e políticos da mulher, com grande surpresa de seus pares que repelem o
seu empenho pelo projeto, por ser este, no mínimo, inoportuno.
Consta que assinou a Constituição Portuguesa de 23 de setembro de
1822 e das Cortes se retirou para a França, recusando-se a jurar a referida
Constituição.
7) Luís Paulino de Oliveira Pinto da França. General do Exército e
mais tarde Marechal-de-Campo. Leal à Coroa e apegado às idéias monárquicas.
Deputado efetivo foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordi-
nárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de mandato: 15/12/1821 a
22/09/1822.
Consta que apenas jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setembro
de 1822.
8) Francisco Agostinho Gomes. Clérigo e homem notável pelo seu sa-
ber, especializou-se em Ciências Naturais sem jamais ter freqüentado uma
faculdade. Deputado efetivo eleito pela Junta Eleitoral da capital – São Salva-
dor –, em 1821, foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordiná-
rias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Consta que delas se retirou para a
Inglaterra sem ter assinado ou jurado a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822. Período de mandato: 15/12/1821 a 23/09/1822.

Sem título-1 59 7/5/2004, 10:15


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60 Casimiro Neto

Devido a sua timidez, nunca quiz falar perante as Cortes Constituintes,


mas, nos trabalhos das Comissões Parlamentares, deixou documentos com-
provadores do seu notável saber.
9) Luís José de Barros Leite. Deputado efetivo, eleito em 1821 como
nono e último representante da província, pela Comarca de Jacobina, no
sertão baiano. Completou a bancada baiana conforme comunicado da Junta
Governativa da Província às Cortes Gerais, em que dizia que esse nono repre-
sentante da Bahia não poderia estar em Lisboa, senão em maio ou junho de
1822. Período de mandato: desconhecido.
Consta que não assinou e nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.

PELA PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO:


1) José Bernardino Baptista Pereira de Almeida Sodré. Bacharel em
Direito e magistrado. Deputado efetivo eleito pela Comarca de Vitória a 20
de setembro de 1821. Não compareceu às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e
Constituintes da Nação Portugueza”.
Quando se dispunha a partir para Portugal, tomou conhecimento da
conspiração patriótica da Independência, no Rio de Janeiro, e resolveu ficar
no Brasil.

2) João Fortunato Ramos dos Santos. Médico e professor universitário.


Deputado suplente, eleito pela Comarca de Vitória no dia 20 de setembro de
1821. Residia em Portugal onde era professor da Universidade de Coimbra.
Tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza” no lugar de José Bernardino Batista Pereira de Almeida Sodré.
Período de mandato: 18/04/1822 a 22/09/1822.
Consta que apenas jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setembro
de 1822.

PELA PROVÍNCIA DO RIO DE JANEIRO:


1) Custódio Gonçalves Ledo. Formado em Medicina pela Universida-
de de Coimbra. Irmão do jornalista político Joaquim Gonçalves Ledo. Eleito
como primeiro suplente, já residia no Porto. Assumiu o lugar de Dom José
Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, falecido no dia imediato ao da
posse. Período de mandato: de 17/09/1821 a 4/11/1822. Permaneceu nas Cortes
até junho de 1823.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.
2) Dom José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho. Bispo de Elvas
e Pernambuco e bacharel em Cânones pela Universidade de Coimbra. Estu-
dioso de Economia. Embora residisse em Portugal, sua província o elegera

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A Construção da Democracia 61

Deputado efetivo. Tomou assento, mas veio a falecer no dia imediato ao da


posse nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”.
Período de mandato: 10/09/1821 a 12/09/1821.
3) Dom Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho. Doutor em
Cânones pela Universidade de Coimbra. Depois Bispo de Coimbra e Conde
de Arganil. Reitor da Universidade de Coimbra. Residia em Portugal e, aos
86 anos, é eleito deputado efetivo. Embora tendo recebido o diploma de
deputado, não compareceu às Cortes para prestar o respectivo juramento e
ser empossado de sua cadeira, em virtude de estar doente. No dia 13 de
outubro de 1821 oficiou às Cortes Constituintes a sua impossibilidade de
tomar posse, sendo, então, substituido pelo suplente Francisco Villela Barboza.
4) João Soares de Lemos Brandão. Bacharel em Direito e proprietário
rural. Deputado efetivo foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes,
Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de mandato:
20/09/1821 a 4/11/1822. Permaneceu nas Cortes até junho de 1823.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.
5) Luís Nicolau Fagundes Varella. Bacharel em Direito pela Universi-
dade de Coimbra e advogado. Deputado efetivo foi a Portugal e tomou assen-
to nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Pe-
ríodo de mandato: 20/09/1821 a 4/11/1822. Permaneceu nas Cortes até junho
de 1823.
Durante os debates parlamentares nas sessões de 20 e 29 de dezembro
de 1821, a propósito da supressão, decretada pelas Cortes, de vários Tribu-
nais no Brasil, deixa-se levar na discussão pela maioria adversa ao Brasil.
Esta atitude repercute mal no Rio de Janeiro e o povo fluminense faz chegar
até ele a indignação de todos contra as suas atitudes impatrióticas. Tomado
de brios, este não mais faz uso da palavra nas Cortes Constituintes.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.
6) Francisco Villela Barbosa. Bacharel em Matemática pela Universi-
dade de Coimbra e Engenheiro Militar. Professor de Geometria da Academia
Real da Marinha. Depois primeiro Visconde e Marquês de Paranaguá. Depu-
tado eleito como 2º suplente, residia em Portugal. Tomou assento nas “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”, substituindo Dom
Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, que desistira de ocupar a
cadeira. Período de mandato: 16/10/1821 a 4/11/1822.
Tomando conhecimento da independência brasileira, demitiu-se de seu
posto militar. Assinou um requerimento pedindo anulação de seu mandato
de deputado e partiu para o Brasil no final de maio de 1823. Foi um dos
brasileiros plenipotenciários do Tratado de Paz com Portugal para o efetivo
reconhecimento da independência do Brasil.

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62 Casimiro Neto

Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-


bro de 1822.
7) Luíz Martins Bastos. Negociante. Era fluminense, mas residia em
Portugal, e como deputado efetivo eleito pela sua província em 1821, tomou
assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”.
Período de mandato: 10/09/1821 a 4/11/1822. Permaneceu nas Cortes até
junho de 1823.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.

PELA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO:


1) Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Bacharel em Direito pela
Universidade de Coimbra, advogado e agricultor. Era português de nasci-
mento, mas brasileiro adotivo e de coração. Residia em São Paulo, que o
elegeu deputado efetivo. Foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes,
Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Período de mandato:
11/02/1822 a 22/09/1822.
Na sessão das Cortes Constituintes, em 6 de março de 1822, quando
os ânimos da maioria estavam exaltadíssimos contra o Brasil, fez um me-
morável discurso em defesa do “Reino Americano”. Mais prático do que
retórico, ao invés de extravagar em longas pendengas acadêmicas, preferia
dar sólidos empurrões em projetos úteis à gente paulista que o mandara às
Cortes Constituintes. Por julgá-la danosa ao Brasil, recusou-se, terminante-
mente, a assinar a Constituição Portuguesa, de nada valendo as ameaças
que recebeu.
A sua fazenda, em Ibicaba (perto de Limeira), foi a primeira proprieda-
de agrícola particular que, em 1847, adotou o trabalho livre para trabalhado-
res estrangeiros, tendo, então, contratado colonos alemães.
Consta que não assinou e nem jurou a Constituição Portuguesa de 23 de
setembro de 1822.
2) Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva. Bacharel em
Direito pela Universidade de Coimbra e Ouvidor de Olinda. Deputado efeti-
vo foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Consti-
tuintes da Nação Portugueza”. Nelas foi um campeão incansável em prol dos
interesses da sua Pátria. Chefe da Representação Brasileira na Assembléia,
traz à bancada brasileira o prestígio pessoal nascido da constância e grandeza
da alma com que suportara a reclusão na Bahia, por ter participado da “Revo-
lução Pernanbucana de 1817”. Consta que de Lisboa se retirou para a Inglater-
ra, sem ter assinado ou jurado a Constituição Portuguesa de 23 de setembro
de 1822. Período de mandato: 11/02/1822 a 23/09/1822.
Tomou posse no dia 11 de fevereiro de 1822 e, já no dia 13, faz grande
estréia no Congresso Constituinte, intervindo no debate travado a propósito

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A Construção da Democracia 63

da organização da Justiça no Brasil, e dizendo: “A respeito de se dizer que os


povos, apezar de gosarem os mesmos direitos, não hão de ter todos as mesmas commodi-
dades, digo que isto, se assim fosse, a nossa união não duraria um mez. Os povos do
Brasil são tão portuguezes como os povos de portugal e por isso hão de ter aqui iguaes
direitos. Emquanto a força dura, dura a obrigação de obedecer. A força de Portugal ha
de durar muito pouco, e cada dia ha de ser menor, uma vez que se não adoptem medi-
das proficuas e os Brasileiros não tenham iguaes commodidades”. E assim, prosse-
gue, durante todo o restante das sessões da Assembléia, o seu heróico patrio-
tismo, que em arrebatadores pronunciamentos, toca por vezes o extremo da
audácia. Insultado e ameaçado pelo povo de Lisboa presente nos debates,
que das galerias do Congresso Constituinte o interrompia com injúrias, o
grande representante paulista, em vez de calar-se ou abster-se, reagia vee-
mente, e redobrava, com ardor, a sua fala. Nestas ocasiões várias de suas
apóstrofes tornaram-se célebres. Em uma destas ironicamente retruca: “Quando
fala um Deputado brasileiro cala a canalha portuguesa”. Prova, com isso, ser o
verdadeiro líder parlamentar das bancadas de representantes brasileiros, de-
fendendo com o risco da própria vida, com brilho, todos os interesses do
“Reino americano”.
Na sessão de 9 de maio de 1822, diante do pronunciamento insolente
das galerias, querendo abafar a voz do grande tribuno brasileiro, quando este
falava perante as Cortes Constituintes, defendendo os mais legítimos direitos
de sua Pátria, exclamou ele, em tom solene, que fez emudecer, desde logo, a
gritaria: “Silencio! Aqui desta tribuna, até os Reis têm que me ouvir!”

3) José Ricardo da Costa Aguiar de Andrada. Bacharel em Direito pela


Universidade de Coimbra, magistrado, poliglota, erudito, e depois ministro
do Supremo Tribunal de Justiça do Império. Temperamento combativo e
exaltado. Deputado efetivo foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes,
Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Consta que delas se reti-
rou para a Inglaterra sem ter assinado ou jurado a Constituição Portuguesa
de 23 de setembro de 1822. Período de mandato: 2/07/1822 a 23/09/1822.

4) Diogo Antônio Feijó. Padre, professor e jornalista. Foi mais tarde


Regente do Império. Deputado efetivo e destemido defensor dos interesses
do Brasil, foi a Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e
Constituintes da Nação Portugueza”. Consta que delas se retirou para a Inglater-
ra sem ter assinado ou jurado a Constituição Portuguesa de 23 de setembro
de 1822. Período de mandato: 11/02/1822 a 12/08/1822.
Na sessão do dia 25 de abril de 1822, pronuncia notável discurso com-
batendo a maioria da Assembléia Constituinte nas medidas por ela tomadas
com o propósito absurdo da recolonização do Brasil e da perda das vantagens
político-administrativas que, ao “Reino Americano”, tinham sido asseguradas
durante os treze anos de sede da Corte e Monarquia lusitana, no Rio de
Janeiro.

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64 Casimiro Neto

5) José Feliciano Fernandes Pinheiro. Bacharel em Direito pela Uni-


versidade de Coimbra, magistrado, escritor, historiador e publicista. Foi mais
tarde o primeiro Presidente da Província do Rio Grande do Sul, em 8 de
março de 1824, e Visconde de São Leopoldo. Deputado efetivo foi a Portugal
e tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”. Período de mandato: 27/04/1822 a 9/12/1822. Consta que foi o
único deputado paulista que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23
de setembro de 1822, pela convicção de que estava a isso obrigado pelas
explícitas instruções do mandato que recebera.
6) Antônio Manuel da Silva Bueno. Professor de Humanidades em
Santos/SP. Deputado suplente, tomou assento no lugar do Deputado Francis-
co de Paula Souza e Mello, nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da
Nação Portugueza”. Consta que delas se retirou para a Inglaterra sem ter assi-
nado ou jurado a Constituição Portuguesa de 23 de setembro de 1822. Perío-
do de mandato: 25/02/1822 a 22/09/1822.
7) Antônio Paes de Barros. Agricultor. Depois primeiro Barão de
Piracicaba. Autodidata. Deputado efetivo, não quiz ir tomar assento nas “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Deve-se a ele a
primeira cultura intensa do café, em sua propriedade agrícola de São João do
Rio Claro, e a construção das primeiras fábricas de tecidos em sua província.
8) Francisco de Paula Souza e Mello. Natural de Itú. Advogado
provisionado, não cursou academias. Notável brasileiro que se dedicava às
causas advocatícias, era considerado um autodidata em estudos jurídicos, com
profundos conhecimentos em Direito Constitucional, Administrativo e Finan-
ceiro. Por isso, não sendo bacharel em Direito, recebeu provisão para advogar
em juízo de Primeira Instância. Deputado efetivo, contudo, doente e abatido,
não compareceu às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”, tendo sido substituído pelo suplente Antônio Manuel da Silva
Bueno.

PELA PROVÍNCIA DE SANTA CATHARINA:


1) Lourenço Rodrigues de Andrade. Padre. Deputado efetivo, foi a
Portugal e tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da
Nação Portugueza”. Período de mandato: 19/11/1821 a 4/11/1822.
O Padre Lourenço, ao se apresentar às Cortes Constituintes, no dia 19
de novembro de 1821, com a simplicidade que lhe era característica, causou
espécie àquele Parlamento devido o seu aspecto aldeão. A Mesa da Assem-
bléia duvidou de que pudesse ser mesmo aquele o novo representante ameri-
cano, mandatário dos eleitores da província meridional brasileira, havendo
necessidade, para que a Comissão de Poderes aceitasse testemunho da iden-
tidade do desmalicioso catarinense, de provas, embora não previstas na lei
eleitoral, nem em seu regulamento de 22 de novembro de 1820, que regeu o

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A Construção da Democracia 65

processo de escolha dos representantes ultramarinos às Cortes Constituintes.


Permaneceu em Portugal até meados de 1823.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.

2) José da Silva Mafra. Foi eleito suplente do Deputado Lourenço Rodrigues


de Andrade – Não tomou assento.

PELA PROVÍNCIA DE SÃO PEDRO DO RIO GRANDE DO SUL:


1) José Saturnino da Costa Pereira. Formado em Matemática pela Uni-
versidade de Coimbra, professor da Real Escola Militar, notável musicista e
Sargento-Mór do Corpo de Engenheiros, posto mais ou menos correspon-
dente, atualmente, ao de Major. Irmão de Hipólito José da Costa, redator do
célebre “Correiro Braziliense”, editado em Londres, e que tanto contribuiu para
a causa da Independência do Brasil. Foi eleito deputado efetivo, em 1821, às
“Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”, mas deixou
de comparecer e nelas tomar assento.

2) João de Santa Bárbara. Padre e professor de Filosofia em Porto Ale-


gre. Deputado efetivo eleito em 1821, também não compareceu às “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”.

PELA PROVÍNCIA DE GOIÁS:


1) Joaquim Teotônio Segurado. Magistrado. Ouvidor da Comarca de
São João das Duas Barras. Deputado efetivo. Era português de nascimento e,
eleito pela Comarca de São João das Duas Barras, compareceu às “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Promulgada a Cons-
tituição, e convencido de que não podia deixar o Parlamento sem a vontade
expressa de seus comitentes, manteve-se na Assembléia Ordinária do Parla-
mento Português até o encerramento dos trabalhos legislativos, em 2 de ju-
nho de 1823, devido a vitória da contra-revolução liderada por D. João VI,
que no dia posterior, faz a promessa de outorga de uma nova Carta Constitu-
cional. Período de mandato: de 18/04/1822 a 2/06/1823.
Consta que assinou e jurou a Constituição Portuguesa de 23 de setem-
bro de 1822.

2) Lúcio José Lisboa. Foi eleito suplente do Deputado Joaquim Teotonio


Segurado. Não compareceu às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da
Nação Portugueza”.
3) Luís Antonio da Silva e Souza. Cônego e cronista da história de
Goiás. Eleito deputado efetivo pelo colégio eleitoral da capital goiana, em
1821, não tomou assento nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da
Nação Portugueza”.

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66 Casimiro Neto

4) Plácido Moreira de Carvalho. Foi eleito suplente do Deputado Luís


Antônio da Silva e Souza pelo colégio eleitoral da capital goiana em 1821.
Não compareceu às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”.

PELA PROVÍNCIA DE MATO-GROSSO:


1) Dom Luís de Castro Pereira. Bispo. Eleito deputado efetivo pelo
colégio eleitoral da Província, na Comarca de Cuiabá, não compareceu às
“Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”.
2) Manoel Alves da Cunha. Padre. Deputado suplente eleito pelo colé-
gio eleitoral da Província, na Comarca de Cuiabá, mas não compareceu às
“Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza” para tomar
assento no lugar do titular.
3) José de Souza Guimarães. Foi eleito procurador da Província (e não
deputado), pelo distrito eleitoral com sede na cidade de Mato Grosso, junto
às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Não com-
pareceu.
4) João Pina de Macedo. Foi eleito procurador da Província (e não depu-
tado), pelo distrito eleitoral com sede na cidade de Mato Grosso, junto às
“Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Não com-
pareceu.
5) José Antônio Gonçalves Piréco. Encontrava-se em Lisboa e foi eleito
procurador da Província (e não deputado), pelo distrito eleitoral com sede na
cidade de Mato Grosso, junto às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes
da Nação Portugueza”. Não compareceu.

PELA PROVÍNCIA DE MINAS GERAES:


1) Lúcio Soares Teixeira de Gouvêa. Bacharel em Direito formado pela
Universidade de Coimbra e magistrado. Eleito deputado efetivo nas eleições
entre os dias 16 a 19 de setembro de 1821 pela Junta Eleitoral da Comarca de
Villa Rica (Ouro Preto), foi o mais votado. Uma vez diplomado, acertou com
seus colegas de bancada – em absoluta maioria presentes no País, adiarem
para mais tarde a ida para Lisboa. Assim permaneceram no Brasil até que
sobreveio a Independência, em 7 de Setembro de 1822, que tornou sem motivo
o desempenho daquele cargo político. Pelo que nenhum deles viajou para
Lisboa, nem lá apareceu qualquer dos representantes de Minas Gerais peran-
te o Congresso Constituinte.
2) José Eloy Ottoni. Funcionário do Ministério da Marinha, não che-
gou a se diplomar com graus acadêmicos, mas teve sólidos estudos de huma-
nidades. Foi latinista exímio, poeta sacro de renome e exerceu o magistério
no interior de Minas, antes de se entregar à burocracia, em Portugal e no

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A Construção da Democracia 67

Brasil. Eleito deputado efetivo, de acordo com as eleições realizadas entre os


dias 16 a 19 de setembro de 1821, pela Junta Eleitoral da Comarca de Villa
Rica (Ouro Preto). Foi um dos três representantes mineiros que se achavam
no “Velho Mundo”, junto com o Desembargador Francisco de Paula Pereira
Duarte e o Dr. Carlos José Pinheiro, quando das eleições de 1821. Pelo fato
de não lhe haver chegado a tempo seu diploma, nelas deixou de tomar assen-
to, conforme era seu intento.
3) Belchior Pinheiro de Oliveira. Padre. Vigário da Vila de Pitangui.
Eleito deputado efetivo, de acordo com as eleições realizadas entre os dias 16 a
19 de setembro de 1821 pela Junta Eleitoral da Comarca de Villa Rica (Ouro
Preto), às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Foi
para o Rio de Janeiro, mas resolveu permanecer no Brasil, acompanhando a
marcha da Independência. Teve grande ação junto aos Andradas.
4) Antônio Teixeira da Costa. Bacharel em Direito formado pela Uni-
versidade de Coimbra e magistrado. Eleito deputado efetivo, de acordo com
as eleições realizadas entre os dias 16 a 19 de setembro de 1821 pela Junta
Eleitoral da Comarca de Villa Rica (Ouro Preto), às “Côrtes Geraes, Extraordi-
nárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Não chegou a sair da província
para tomar posse de sua cadeira, e foi solidário com os demais representan-
tes mineiros.
5) Manoel José Velloso Soares. Doutor. Residia em Villa Rica. Eleito
deputado efetivo, não foi às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da
Nação Portugueza” tomar posse de sua cadeira.
6) Francisco de Paula Pereira Duarte. Bacharel em Direito pela Uni-
versidade de Coimbra e magistrado. Depois Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça do Império. Eleito deputado efetivo, de acordo com as eleições
realizadas entre os dias 16 a 19 de setembro de 1821 pela Junta Eleitoral da
Comarca de Villa Rica (Ouro Preto). Era nascido em Minas Gerais, mas esta-
va na Europa, em 1821, quando sua província o elegeu deputado às “Côrtes
Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Nestas, porém, não
chegou a tomar assento, conforme era sua intenção, porque seu diploma não
lhe foi remetido para Portugal.
7) José de Resende Costa, (filho). Contador-Geral da Fazenda, Escri-
vão da Mesa do Erário (hoje Tesouro Nacional), Administrador do Contrato
Real da Fábrica de Lapidação de Diamantes, na cidade do Rio de Janeiro.
Economista e escritor. Mais tarde Conselheiro de Estado. Eleito deputado
efetivo, de acordo com as eleições realizadas entre os dias 16 a 19 de setem-
bro de 1821 pela Junta Eleitoral da Comarca de Villa Rica (Ouro Preto), às
“Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”.
Foi lembrado por sua província, pelo quanto lutou pela liberdade do
Brasil em sua juventude, que, ao lado do seu pai, de mesmo nome, Capitão

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68 Casimiro Neto

José de Rezende Costa, como ele réu da “Conjuração Mineira”, foi desterrado,
em fins do século dezoito, para terras africanas. Ele, para o arquipélago de
Cabo Verde, e seu pai, para Bissau.
Tendo recebido as devidas ajudas de custo para despesas de embarque
e o adiantamento de subsídio, estava em preparativos para a viagem, quan-
do, em comum acordo com os outros eleitos, desistiu de tomar posse. Dei-
xou-se ficar no Rio de Janeiro onde foi um dos adeptos e entusiastas da causa
da Indepedência.
8) Lucas Antônio Monteiro de Barros. Bacharel em Direito pela Uni-
versidade de Coimbra e magistrado. Mais tarde Visconde de Congonhas do
Campo. Eleito deputado efetivo, de acordo com as eleições realizadas entre
os dias 16 a 19 de setembro de 1821 pela Junta Eleitoral da Comarca de Villa
Rica (Ouro Preto), às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”. Desistiu de ir ocupar a cadeira, apesar de, ele e outros compaheiros
de sua bancada, já estarem no Rio de Janeiro prontos a viajar para Lisboa, já
tendo, inclusive, recebido do Governo de Minas Gerais as respectivas ajudas
de custo para despesas de embarque e adiantamento de subsídios.
9) José Custódio Dias. Padre. Eleito deputado efetivo, de acordo com
as eleições realizadas entre os dias 16 a 19 de setembro de 1821 pela Junta
Eleitoral da Comarca de Villa Rica (Ouro Preto), às “Côrtes Geraes, Extraordi-
nárias, e Constituintes da Nação Portugueza”. Residia no Rio de Janeiro e desis-
tiu de ir ocupar a cadeira, embora ele e outros colegas de sua bancada, já se
acharem no Rio de Janeiro prontos a viajar para Lisboa, já tendo, inclusive,
recebido do Governo de Minas Gerais a respectiva ajuda de custo para despe-
sas de embarque e adiantamento de subsídios.
10) João Gomes da Silveira Mendonça. Brigadeiro do Exército. Depois
Marquês de Sabará. Eleito deputado efetivo, de acordo com as eleições reali-
zadas entre os dias 16 a 19 de setembro de 1821 pela Junta Eleitoral da
Comarca de Vila Rica (Ouro Preto), às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Consti-
tuintes da Nação Portugueza”. Residia no Rio de Janeiro, onde dirigia a “Fábrica
Militar de Pólvora da Estrella” e, tendo recebido as devidas ajudas de custo para
despesas de embarque e o adiantamento de subsídio para comparecer às
Cortes, já estava em preparativos para a viagem, quando de comum acordo
com os outros eleitos desistiu de tomar posse.
11) José Cesário de Miranda Ribeiro. Bacharel em Direito pela Uni-
versidade de Coimbra e magistrado. Depois primeiro Visconde de Uberaba.
Eleito deputado efetivo, de acordo com as eleições realizadas entre os dias 16
a 19 de setembro de 1821 pela Junta Eleitoral da Comarca de Villa Rica
(Ouro Preto), às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”, não compareceu ao Congresso Constituinte.
12) Domingos Álvares Maciel. Capitão-mór e proprietário rural. Ir-
mão do inconfidente Dr. José Alvares Maciel, falecido no degredo africano de

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A Construção da Democracia 69

Massangano (Angola). Eleito deputado efetivo, de acordo com as eleições


realizadas entre os dias 16 a 19 de setembro de 1821 pela Junta Eleitoral da
Comarca de Villa Rica (Ouro Preto), às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Cons-
tituintes da Nação Portugueza”, não compareceu ao Congresso Constituinte,
permanecendo em Vila Rica, onde residia.
13) Jacinto Furtado de Mendonça. Capitão-mór e agricultor. Eleito,
em última vaga, deputado efetivo, de acordo com as eleições realizadas entre
os dias 16 a 19 de setembro de 1821 pela Junta Eleitoral da Comarca de Villa
Rica (Ouro Preto), às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”. Tendo recebido as devidas ajudas de custo para despesas de
embarque e o adiantamento de subsídio, já se encontrava no Rio de Janeiro.
Apesar de inclinado a comparecer às Cortes, estava em preparativos para a
viagem, quando de comum acordo com os outros eleitos desistiu de tomar
posse.

OS SUPLENTES ELEITOS PELA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS


(NA PROPORÇÃO DE UM TERÇO PARA O NÚMERO DOS DEPUTADOS
EFETIVOS):
1) José Joaquim da Rocha. Capitão-mór, jornalista, e advogado apenas
provisionado, mas um autodidata com conhecimento profundo das leis e ju-
risprudência. Mais tarde diplomata e conselheiro. A banca de advocacia J.J.
Rocha, no Rio de Janeiro, é das mais procuradas na Corte. Eleito deputado
suplente, de acordo com as eleições realizadas entre os dias 16 a 19 de setem-
bro de 1821 pela Junta Eleitoral da Comarca de Villa Rica (Ouro Preto), às
“Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza”, é um dos
mais empenhados em dissuadir seus conterrâneos desse comparecimento ao
Congresso Constituinte. Como jornalista, contribui, imensamente, em prol
da independência brasileira. Tendo recebido as devidas ajudas de custo para
despesas de embarque e o adiantamento de subsídio, já se encontrava em
preparativos para a viagem, quando, em comum acordo com os outros elei-
tos, desistiu de tomar posse.
2) Manoel Rodrigues Jardim. Padre. Foi um dos quatro deputados su-
plentes eleitos em Vila Rica, de acordo com as eleições realizadas entre os
dias 16 a 19 de setembro de 1821 pela Junta Eleitoral da Comarca de Villa
Rica (Ouro Preto), às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”, Residia na Comarca de Sabará e ali se deixou ficar. Mais tarde
figurou, ainda, na política de Minas Gerais, tendo sido Secretário do Gover-
no da Província.
3) Carlos José Pinheiro. Poliglota e escritor. Formado em Medicina pela
Universidade de Coimbra. Residia em Portugal, onde era professor catedrá-
tico de Anatomia e Operações Cirúrgicas da Faculdade Médica, na cidade do
Mondego – Coimbra –, quando foi eleito suplente pela sua província natal,

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70 Casimiro Neto

entre os dias 16 a 19 de setembro de 1821 pela Junta Eleitoral da Comarca de


Villa Rica (Ouro Preto), às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”. É um dos três representantes mineiros que se achavam no “Velho
Mundo”, junto com o Desembargador Francisco de Paula Pereira Duarte e o
poeta José Eloy Ottoni, mas, por não ter chegado a tempo o seu diploma,
também não pode tomar assento no Congresso Constituinte como substituto
de qualquer dos deputados mineiros que lá não compareceram.
4) Bernardo Carneiro Pinto. Residia na Comarca de Paracatu quando
foi apontado para um dos lugares de deputado suplente, na representação de
sua província, às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”. Mas, de acordo com o que resolvera a bancada de Minas Gerais,
também, não foi tomar parte no “Supremo Congresso das Côrtes Constituintes”.
A bancada de Minas Gerais supramencionada, à exceção, como vimos
acima, do poeta José Eloy Ottoni, do Desembargador Francisco de Paula Pe-
reira Duarte, e do Dr. Carlos José Pinheiro, que então se achavam na Europa,
faz uma representação, a 25 de fevereiro de 1822, dirigida ao Governo Provi-
sório da mesma província, salientando a conveniência de permanecerem, de
preferência no Brasil, todos os eleitos. E, assim, todos de acordo, resolvem
adiar a ida e o comparecimento às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituin-
tes da Nação Portugueza”, em Lisboa, até nova resolução ou melhor oportuni-
dade política. Por isso nenhum deles toma assento.
Quanto às “Côrtes”, estas muito se incomodam com a atitude decisiva
dos representantes eleitos por Minas Gerais, ao tomarem conhecimento de
que os mineiros haviam patrioticamente deliberado ficar no País, prestigian-
do a política emancipadora em andamento no Brasil. Tomam a decisão, in-
clusive, de mandar abrir inquérito acerca do fato desses parlamentares não
desejarem sair do “Reino Americano”, nem comparecerem ao Supremo Con-
gresso das Cortes Constituintes.
Os representantes portugueses, não se conformando com a ausência
dos mandatários de Minas Gerais, tudo fazem entre junho e julho de 1822
para conseguir que ao menos os dois deputados efetivos de Minas, então em
Lisboa (o poeta José Eloy Ottoni e o desembargador Francisco de Paula Perei-
ra Duarte), tomassem assento nas “Côrtes Constituintes”. Mas, embora os dois
referidos parlamentares eleitos manifestassem uma tal ou qual disposição em
satisfazerem os desejos da Assembléia, o que é certo é que os seus diplomas
não lhes foram remetidos pela Junta da Capital da Província e, sem o diplo-
ma, o Congresso Constituinte não pode reconhecê-los nem lhes dar posse.
A maioria dos representantes lusitanos, uma vez votada a Constituição
de 12 de julho de 1822, começa a facilitar o ingresso nas “Côrtes Constituintes”
do maior número possível de representantes do “Reino Americano” com a fina-
lidade de que estes jurassem e assinassem a Carta Constitucional, dando a
esta o necessário respaldo político. Mesmo assim, não é obtida a maioria das
assinaturas dos representantes brasileiros.

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A Construção da Democracia 71

No dia 23 de setembro de 1823, com a ausência da maioria dos repre-


sentantes do Brasil, os constituintes assinam a nova Constituição e, no dia 1º
de Outubro, o Rei D. João VI aceita, jura e faz publicar, como lei fundamental
do Estado, a “Constituição Política da Monarchia Portugueza decretada pelas Cortes
Geraes Extraordinarias e Constituintes, Reunidas em Lisboa no anno de 1821”.
Prestado o juramento da Constituição no dia 4 de novembro de 1822,
as “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza” ainda con-
tinuaram a funcionar para não suspender trabalhos inadiáveis. No dia 15 do
mesmo mês, são instaladas as “Côrtes Ordinárias”, que abrem, em seguida, no
dia 22, a segunda legislatura do Parlamento português, permanecendo com
os trabalhos legislativos até o dia 2 de junho de 1823.
Encerrados os trabalhos constituintes, iniciam-se as “Côrtes Ordinárias”
e, para que o “Reino Americano” fosse nelas representado desde a abertura,
fica estabelecido, contra a vontade do chefe da representação brasileira, Depu-
tado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), que os parla-
mentares da América portuguesa continuariam no exercício do mandato até
que chegassem os eleitos para a nova legislatura. Mas poucos representantes
do Brasil comparecem às sessões, não tomam parte nas discussões, retirando-
se, sucessivamente, de modo que, afinal, ali só ficam, ainda assim desfalcadas,
as deputações de oito províncias: Rio Negro, Grão-Pará, Maranhão; Piauí,
Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, e Goiás. Estas mesmas ficam de tal
modo reduzidas que, nas últimas sessões da “Assembléa Ordinaria do Parlamento
Portuguêz”, nos dois primeiros dias de junho de 1823, somente se acham pre-
sentes quatro deputados do Brasil (o amazonense José Cavalcante de
Albuquerque, o paraense Francisco de Souza Moreira, o piauiense Padre Do-
mingos da Conceição e o representante de Goiás, Desembargador Joaquim
Teotônio Segurado) os quais continuam à comparecer às sessões, convenci-
dos de que não podiam desertar do parlamento sem a vontade expressa de
seus comitentes. Convém notar que os dois últimos, o vigário e o magistrado,
não passam de brasileiros adotivos, como portugueses natos que eram.
O aspecto positivo das “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da
Nação Portugueza” foi o de marcar o fim do absolutismo monárquico em Por-
tugal e o início do sistema representativo nos domínios lusitanos, a que per-
tencíamos. Para o Brasil, essa Assembléia Constituinte significa o advento da
representatividade política, na medida em que nela tiveram assento os pri-
meiros deputados brasileiros. Este fato vai ter um papel decisivo no processo
da independência brasileira, pois são as medidas recolonizadoras, delas ema-
nadas, que criam o ambiente necessário à eclosão revolucionária de 1822.
Ainda durante o ano de 1823, em terras lusitanas, começa a reação
absolutista. As coisas não corriam em mar de rosas, como haviam prometido
os revolucionários de 1820. Tinham um rei constitucional que ficara comple-
tamente preso às decisões tomadas pelas “Côrtes”, sem qualquer liberdade de
ação. O povo fora declarado soberano, mas já lastimava a sua soberania, por
reconhecer que ela de nada lhe valia perante as dificuldades cada vez mais

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graves com que lutava. Nem vinham as grandes reformas anunciadas, nem se
tomavam as medidas urgentes que requeria o estado da Nação. Enquanto
pelas províncias, as aldeias continuavam a protestar contra os decretos que
queriam, por força, impôr-lhes, transformação nas tradições nacionais, as
“Cortes Ordinárias” passavam o tempo em discursatas retóricas, vazias de sen-
tido e absolutamente inúteis de acordo com pensamento dos representados.
No dia 23 de fevereiro de 1823 estalou a revolta em Vila Real, que se
alastra aos gritos de: “Viva El-Rei absoluto! Morra a Constituição!” Mas, esse
primeiro movimento absolutista falha. Na noite de 26 para 27 de maio de
1823, o Infante D. Miguel, instigado por D. Carlota Joaquina, nascida
D. Carlota Joaquina Teresa Cayetana de Bourbon y Bourbon, encabeça uma
reação absolutista. Junta-se com alguns revolucionários em Vila Franca de
Xira, onde redigem uma proclamação, protestando contra o que se estava
passando em Portugal. No dia 3 de junho de 1823, a contra-revolução tri-
unfa. O Rei D. João VI aceita os acontecimentos, dissolve as “Côrtes” lusita-
nas, suspende a Carta Constitucional de 1822, organiza novo governo e faz
a promessa de outorga de uma nova Carta. Em conseqüência da
“Vilafrancada”, o Infante D. Miguel é nomeado Generalíssimo e Comandan-
te-em-Chefe do Exército. A nova ordem política, absolutista, é hostil ao
regime liberal. O absolutismo retorna, mitigado por uma Constituição ou-
torgada (1826 a 1829).

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A Construção da Democracia 73

Quadro/Ilustração nº 3
O plenário das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portugueza.
O Deputado Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP) diante do
pronunciamento insolente das galerias e assediado de apartes querendo abafar sua
voz que defendia os mais legítimos interesses do Brasil, afirma impavidamente,
em tom solene, que faz emudecer, desde logo, a gritaria: “Silêncio!
Aqui desta tribuna até os reis tem que me ouvir”.

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Quadro/Ilustração nº 4 e 4/A
O Palácio e Capela das Necessidades – litografia colorida
de Martins Lopes. Lisboa. (Sec. XIX).
Pintura da luneta colocada sobre a mesa da Presidência da Sala das Sessões da Assembléia
da República Portuguesa. Foi pintada por Veloso Salgado e representa os Constituintes
de 1821, em sessão plenária no Palácio das Necessidades, na Sala da Livraria
do Convento. As figuras são retratos de 50 constituintes, focando a tela o
momento em que usa da palavra o Deputado Fernandes Tomás.

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A Construção da Democracia 75

26 de abril de 1821. Para o Rei D. João VI este é um dia triste e para a


rainha D. Carlota Joaquina, nascida Carlota Joaquina Teresa Cayetana de
Bourbon y Bourbon, um dia feliz, pois sempre detestara viver no Brasil. O
monarca deixa o Brasil e parte para Portugal, onde, futuramente, irá jurar a
Constituição liberal. No mesmo dia é instalada a regência do Príncipe Real
D. Pedro de Alcântara. No dia 27 de abril é expedida a Decisão do Governo
nº 20 pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brasil,
D. Marcos de Noronha e Brito, oitavo Conde dos Arcos e último Vice-Rei do
Brasil, no Rio de Janeiro, que “Participa a Instalação da Regência”.
D. João VI, sempre sensato e ponderado, às vésperas do seu embarque
para Portugal, aconselha seu filho, o Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara:
“Pedro, se o Brasil se separar, antes que seja para ti, que me hás de respeitar, do que
para algum desses aventureiros”.
O Rei D. João VI, durante os treze anos de sua permanência no Brasil,
havia conquistado a amizade do povo com seu jeito bondoso e afável. Amava
o Brasil e vivia no meio dos brasileiros que o adoravam, fazendo desaparecer
até os últimos vestígios do sistema colonial e, com isso, constituindo um im-
pério brasileiro. Francisco Gomes da Silva, o “Chalaça”, em suas memórias,
destaca que “(...) Os Brasileiros em geral se reputavam tratados com despreso pelos
Portuguezes, o que acontece em todos os paizes que hão sido colonias; porem a estada de
S. M. o senhor Rei D. João VI no Brasil, e a sua benevolencia para com os brasileiros,
havia consideravelmente diminuido esse sentimento das offensas, que nunca os colonos
perdoam aos metropolitanos”.
Os fluminenses ficam consternados com o regresso do Rei D. João VI
para Portugal. Há tentativa de sustar esta viagem em estranho episódio na
“Praça do Commércio”, na cidade do Rio de Janeiro, entre os dia 21 e 22 de
abril de 1821, sob a orientação de Silvestre Pinheiro Ferreira.
Em Portugal, no dia 27 de abril, à noite, com a chegada da fragata
“Maria da Glória”, vinda do Brasil, as notícias do Rio de Janeiro aliviam Lis-
boa da ansiedade febril gerada pela mudez do rei. É noticiado o juramento
da futura constituição pelo monarca. O população é tomada de verdadeiro
delírio. Luzes iluminam as casas e os céus da cidade. No dia seguinte, os
jornais noticiam, as igrejas repicam os sinos e, assim que abre o “Palácio das
Côrtes”, o povo invade as galerias. Vivas ressoam no recinto e nas tribunas
com indizível entusiasmo, como assinala o “Diário” daquele Congresso. É o
dia mais feliz das “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”. O Rei D. João VI desembarca em Lisboa, acompanhado por uma
deputação das Cortes constituintes, no dia 4 de julho de 1821.
Já escrevia o redator Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Men-
donça, no “Correio Braziliense” de abril de 1820, que “todo o systema de adminis-
tração está hoje arranjado por tal maneira que Portugal e Brazil são dous Estados
diversos, mas sujeitos ao mesmo rei; assim a residencia do soberano em um delles será
sempre motivo de resentimentos para o outro a não se fazer mais alguma cousa”. Pre-
via a proximidade da desintegração da monarquia lusitana.

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76 Casimiro Neto

No Brasil, o Príncipe D. Pedro de Alcântara assume o Governo em si-


tuação bastante difícil. Além de reduzida sua ação a um raio que apenas com-
preendia as províncias do Sul, e assim mesmo, no Rio de Janeiro, é vigiado
sistematicamente pelo partido português, escudado no exército do General
Jorge de Avilez. Além disso o Governo encontra-se sem recursos financeiros,
porque, antes do retorno a Portugal, o Rei D. João VI e a comitiva que o
acompanhou, obviamente, sacam, como é de direito, o que tinham deposita-
do no Banco do Brasil. O Tesouro e o museu também passam pelo mesmo
processo. A professora Carmen Amélia Pereira d’Almeida Dias, após profun-
da e incansável pesquisa, reportando-se a estes fatos, informa “que nem tudo
foi retirado e enviado a Portugal. Entre outros valores, permanece no Brasil a Real
Biblioteca, oriunda da Real Biblioteca do Palácio da Ajuda, em Lisboa, e que engloba,
também, a Biblioteca do Infantado. Doada à cidade do Rio de Janeiro por D. João VI,
antes de sua partida, hoje faz parte do acervo da Divisão de Obras Raras da Biblioteca
Nacional, mantendo o nome de Real Biblioteca (REB).
No contrato de reconhecimento de nossa independência, pagou-se a Portugal a
quantia de 800:000$00 réis (oitocentos contos de réis) como ressarcimento dos livros e
documentos aqui deixados. Apesar de ter sido uma quantia elevada para a época, ao
ficarmos com a Real Biblioteca, o Brasil se tornou o oitavo país do mundo em riqueza
documental. Segundo nos diz Paulo Herkenhoff, em sua ‘História de Uma Coleção’,
publicado pela Biblioteca Nacional, ‘...de toda a forma, Portugal foi o grande perdedor.
Fica sem os livros trazidos para a América por sua Corte em fuga e sem os tesouros
levados para Paris pelas tropas napoleônicas. Viveu um duplo saque’.
Entre as obras pertencentes à REB encontram-se a Bíblia de Mogúncia, datada
de 1462; um paleotipo espanhol, 1ª edição das ‘Décadas’ de Tito Lívio, feita por Frei
Pedro de la Vega impressa em Saragoça no ano de 1520, ambos incunábulos
valiosíssimos; a ‘Bíblia de Ferrara’; vários exemplares raríssimos de ‘livros de Horas’
dos séculos XIV e XV; diversos outros incunábulos; um exemplar da edição ‘princeps’
dos Lusíadas, datada de 1572; manuscritos tais como ‘Catálogo dos Livros da Livraria
de Diogo Machado Barbosa’, escrito por sua própria mão e doado pelo autor à Real
Biblioteca da Ajuda, em 1770, vindo conseqüentemente, para o Brasil com o Príncipe
D. João, e que constitui hoje um valiosíssimo códice original autógrafo; gravuras;
xilogravuras; mapas; cartas náuticas; partituras musicais de grande valor; escultu-
ras; e quadros de pintores famosos, entre outras preciosidades, fazendo com que a nossa
Biblioteca Nacional ocupe, atualmente, o oitavo lugar no ‘ranking’ mundial de obras
raras.
Hoje na REB encontram-se, apenas, 13.528 títulos, sendo que o restante da
coleção foi, segundo lamenta o grande filólogo Ramiz Galvão, 50 anos depois, na
primeira metade do século XIX, uma parte perdida ‘ou porque mão criminosa ousou
tocar-lhes, ou porque a excessiva confiança de passados administradores permitiu que
alguns volumes fossem consultados fora do estabelecimento’ (Anais, pág. 34), ‘vide’
artigo publicado no jornal ‘Estado de São Paulo’ – suplemento literário –, de 26 de
junho de 1965, de autoria do Prof. Dr. Segismundo Spina, eminente camonista paulista,
cujo telefone nos foi passado gentilmente pelo Prof. Dr. Leodegário de Azevedo Filho,

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A Construção da Democracia 77

outro camonista ilustre, e que, com suas valiosas informações muito contribuiu para
esta pesquisa.
Através do Prof. Dr. Segismundo Spina tomamos conhecimento de ter-se encon-
trado, ou encontrar-se na REB, o exemplar da edição ‘princeps’ dos Lusíadas
supracitado; e outra dividida entre a Biblioteca do Jardim Botânico do Rio de Janeiro
e a do Museu Histórico Nacional da mesma cidade, segundo informação da Dra.
Rejane Benning, Diretora da Divisão de Obras Raras da Biblioteca Nacional, que
muito nos auxiliou com suas inestimáveis informações e orientações.
Em nossos museus, bem como no Palácio do Itamarati, encontram-se várias pe-
ças de mobiliário e pinturas valiosas aqui deixadas pelo Rei D. João VI.
No Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, está depositada uma coleção
de numismática de incomensurável valor: seis livros raríssimos, também, sobre numis-
mática com o selo real (dois trazem apenas o selo real e os outros quatro o selo da
Biblioteca Pública e o selo real), sendo o mais antigo deles datado de 1567, e várias
obras de arte, para lá transferidos pelo Prof. Dr. Gustavo Barroso, seu idealizador e
fundador, e seu diretor por vários anos, segundo nos foi dado a conhecer através da
Dra. Eliane Vieira, Chefe da Biblioteca deste museu, que, incansavelmente, tanto aju-
dou neste levantamento.
Na Biblioteca do Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro, se-
gundo a preciosa colaboração da Dra. Tânia Lúcia Rezende, ex-Chefe deste departa-
mento e atualmente bibliotecária Tecnologista Sênior desta instituição, não há ainda
um inventário que nos possa dizer quantos volumes vieram da REB, mas, provavel-
mente, grande parte do acervo sobre Botânica, anterior a 1820, deve ter feito parte da
biblioteca aqui deixada por D. João VI.
Ao todo vieram de Portugal 60 mil títulos, em três viagens, e o Rei D. João VI só
retornou à Metrópole com um reduzido número de manuscritos que diziam respeito
diretamente a Portugal, informação esta, também, fornecida pela Dra. Rejane Benning,
da Biblioteca Nacional
O Prof. Dr. Evanildo Bechara disse-nos que tinha conhecimento que se encontra-
va no Brasil um exemplar da edição ‘princeps’ dos Lusíadas, de Luís de Camões,
autografada, que se supõe ter pertencido ao célebre poeta, mas que nunca a tinha visto.
Depois de uma pesquisa mais profunda e trabalhosa descobrimos sua real existência.
Pertencendo, hoje, à Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, segundo
a Chefe desta biblioteca, Dra. Maura Macedo, tem escrito à mão e a lápis: Luiz de
Camões seu dono, com letra do século XVI, porém não pertenceu a REB. Foi presente-
ado ao Imperador D. Pedro II, em 1845, por Frei João de São Boaventura e pertence-
ra à Biblioteca Beneditina do Convento de Lisboa. Ao partir para o exílio, D. Pedro II
levou-o consigo. Em 1928 foi doado a este instituto por D. Pedro Henrique Afonso
Filipe Maria de Órleans e Bragança, Príncipe do Grão-Pará. Assim ficamos com um
legado cuja existência a maior parte dos brasileiros desconhece.” Grifado pelo compilador.
Acompanham o Rei D. João VI, no seu regresso, aproximadamente 4.000
súditos, entre os quais comerciantes e capitalistas. Este fato prejudica o co-
mércio, pois sua saída implica na retirada de capitais de uma hora para outra,
não só do movimento comercial como do Banco do Brasil, que, com estas

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retiradas e mais as que o rei realiza, fica sem lastro e é forçado a suspender os
pagamentos. Os compromissos públicos correspondem a mais do dobro do
que o Governo arrecada através dos tributos. Meses depois, no dia 21 de
setembro, o Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara escreve uma carta ao
pai, o Rei D. João VI, onde relata o estado em que se encontram as finanças.
A instituição nunca mais se recupera. Desacreditada e deficitária, termi-
na liquidada com a promulgação da Carta de Lei de 23 de setembro de 1829,
que estipula a continuação do banco até o dia 11 de dezembro do mesmo
ano, data limite para a liquidação e conclusão de todas as suas operações e
demais providências para o resgate das suas notas em circulação.
As conseqüências são os primeiros empréstimos externos junto à Ingla-
terra, com taxas extorsivas, e a emissão de papel-moeda sem lastro. Dívida e
inflação, que somados a outros fatos políticos, vão repercutir negativamente
durante todo o primeiro reinado.
O primeiro Banco do Brasil foi fundado em 12 de outubro de 1808 com
o objetivo de sustentar a Coroa em crise, facilitar pagamentos, promover o
comércio e custear a dispendiosa guerra da Banda Oriental, que foi invadida
nesse mesmo ano, sendo anexada ao Brasil em 1821 com o nome de Provín-
cia Cisplatina. O banco nasce privado, enquanto cabe ao Governo o controle
das aplicações. Mas, por iniciativa do regente, com o tempo, assume caráter
paraestatal. Atua em depósitos, descontos e emissões. É dotado, ainda, do
privilégio da venda de produtos monopolizados pela Coroa, tais como: pau-
brasil, diamantes e marfim. Só ao fim de treze meses consegue reunir capital
mínimo. A praça resiste e demora a investir. Em 1821, como o banco conti-
nua deficitário, o Rei D. João VI deposita nele as jóias da Coroa e convoca
todos a fazerem o mesmo. Medida política de pouca duração.
5 de junho de 1821. Paço da Boa Vista. É expedido decreto, com a
rubrica do Príncipe-Regente D. Pedro de Alcântara, que “aprova os deputados
da Junta Provisional, atendendo o art. 31 das Bases da Constituição Portugueza”.
Nesse mesmo dia, as tropas portuguesas no Rio de Janeiro obrigam o Prínci-
pe Regente D. Pedro de Alcântara a jurar as “Bases da Constituição da Monar-
quia Portugueza”. No dia 7 de junho é expedido um edital em que “a Junta
Provisional faz saber ao público que ela foi instalada nesse mesmo dia, iniciando as
suas sessões no dia 20, interinamente, no Consistório da Igreja de São Francisco de
Paula”.
7 de junho de 1821. Paço da Boa Vista. É expedido Decreto, com a
rubrica do Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara, “mandando que o Senado
da Câmara do Rio de Janeiro esteja em sessão continuada, para que os empregados
públicos prestem juramento às Bases da Constituição da Monarquia Portugueza”. No
dia 8, outro decreto “manda publicar e jurar as Bases da Constituição Portugueza
nas províncias do Reino do Brazil, para que todos fiquem sujeitos à sua observância”.
Vale lembrar que, as Câmaras Municipais eram locais de representação
política nacional, cabendo-lhes decidir sobre a administração dos municí-

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A Construção da Democracia 79

pios, além de legislarem sobre salários, impostos, abastecimento, processos


de guerra e paz com tribos indígenas, entre outros assuntos relevantes. Esse
modelo de administração local das cidades e vilas teve origem no sistema
municipal português. Esses “Conselhos Municipais” são denominados de “Se-
nados da Câmara”. A Câmara Municipal na vila paulista de São Vicente – a
primeira capital administrativa do Brasil –, foi instalada em 22 de janeiro de
1532 por Martim Afonso de Souza.
12 de julho de 1821. É expedido decreto, com a rubrica do Rei D. João
VI, que “desenvolve e determina os principios que sobre a liberdade de imprensa se
acham estabelecidos nos arts. 8º, 9º e 10 das Bases da Constituição”. No seu artigo
primeiro determina: “Toda a pessoa póde da publicação desta lei em diante impri-
mir, publicar, comprar e vender nos Estados Portuguezes quaesquer livros ou escriptos
sem prévia censura”. O Título I fala “sobre a extensão da liberdade de imprensa”; o
Título II “dos abusos da liberdade de imprensa e das penas correspondentes”; o Títu-
lo III “do juizo competente para conhecer os delictos comettidos por abuso da liberda-
de”; o Título IV “da ordem do processo nos juizes sobre os abusos da liberdade de
imprensa” e o Título V trata “do tribunal especial de protecção da liberdade de im-
prensa”.

22 de agosto de 1821. Plenário das “Côrtes Portuguezas”. A Comissão


Parlamentar de Justiça e Constituição oferece às Cortes três projetos relativos
ao Brasil. O primeiro, “trata de organizar governos provisórios locais, nas diversas
províncias do Reino americano”. O que parece perfeitamente inútil, de vez que a
Constituição a ser votada têm de fixar definitivamente a forma pela qual se
devem governar as várias províncias ou estados da monarquia. O segundo,
“impõe ao Príncipe D. Pedro de Alcântara o dever de deixar o Rio de Janeiro para
viajar incognito pelas principais Côrtes européias, aperfeiçoando a sua educação como
futuro rei de Portugal, sucessor da Corôa bragantina”. Essa medida antipolítica
irrita os brasileiros e priva o príncipe da posição semi-soberana de Regente.
É um prenuncio das medidas recolonizadoras visadas pelos legisladores da
velha metrópole em relação ao Brasil. O terceiro projeto, mais irritante ain-
da, “propõe a redução e extinção dos Tribunais e repartições superiores do Estado, que
nos treze anos do Governo Joanino se haviam criado e instalado na capital brasileira
(Rio de Janeiro)”, assim, privando o País de instituições públicas úteis aos cida-
dãos residentes no Brasil.
5 de outubro de 1821. É expedida “Proclamação”, com a rubrica do Prín-
cipe Regente D. Pedro de Alcântara, “sobre as tendências do povo á independência
do Brazil. Torna pública sua fidelidade á religião, ao Rei D. João VI e á Constituição
portugueza, estando pronto a morrer por estas e declarando guerra aos anticonstitucio-
nais e aos perturbadores do sossego público”. Pressão militar.
As Cortes lusitanas exigem a volta do Príncipe Regente D. Pedro de
Alcântara. Em dezembro de 1821, chega ao Rio de Janeiro o navio de guerra
“Infante D. Sebastião” com a incumbência de levá-lo para Portugal, o qual de-

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pois, devia viajar pela Europa, a fim de completar sua educação. Não sabe se
vai. Toma forma um grande movimento encabeçado no Rio de Janeiro pelo
Frei Francisco de Santa Thereza de Jesus Sampaio, Joaquim Gonçalves Ledo,
José Clemente Pereira, José Joaquim da Rocha, Luiz Pereira da Nobrega de
Souza Coutinho, e em São Paulo pelos Andradas. Petições de várias provín-
cias (RJ, SP, MG, RS) pressionam para que o príncipe não saia do Brasil. Ele
se impressiona com a representação da Junta de São Paulo, de 2 de janeiro de
1822, escrita por José Bonifácio de Andrada e Silva, pedindo que ele não se
retirasse do Brasil. Em segredo, manda divulgá-la.
9 de janeiro de 1822. Palácio da Cidade. José Clemente Pereira, Presi-
dente da Junta do Rio de Janeiro, lê para o Príncipe-Regente D. Pedro de
Alcântara uma representação escrita por Frei Francisco de Santa Thereza de
Jesus Sampaio, com mais de oito mil assinaturas, duramente obtidas, sob
pressão de aproximadamente 2.000 homens das tropas portuguesas, pedin-
do que ficasse, ou melhor não atendesse às ordens vindas de Lisboa. Fala
sobre o perigo de “um partido republicano que existe semeado em muitas províncias
e que o navio que reconduzir o Príncipe Real, aparecerá no Tejo com o pavilhão da
independencia do Brazil”. Nasce deste movimento, a primeira grande demons-
tração de rebeldia do Príncipe-Regente D. Pedro de Alcântara, em prol da
autonomia brasileira.
É público o“TERMO DE VEREAÇÃO DO SENADO DA CIDADE DO RIO
DE JANEIRO DE 9 DE JANEIRO DE 1822 – O Principe Regente declara ficar no
Brasil. Aos 9 de Janeiro do anno de 1822, nesta cidade de S. Sebastião do Rio de
Janeiro, e Paços do Conselho, aonde se achavam reunidos em acto de Vereação, na
fórma do seu Regimento, o Juiz de Fóra Presidente, Vereadores, e Procurador do Sena-
do da Camara, abaixo assignados, por parte do Povo desta Cidade foram apresentadas
ao mesmo Senado varias Representações, que todas se dirigem a requerer que este leve
a consideração de S. A. Real, que deseja que suspenda a Sua sahida para Portugal,
por assim o exigir a salvação da Patria, que está ameaçada do imminente perigo de
divisão de partidos, que se temem de uma independencia absoluta, até que o Soberano
Congresso possa ser informado destas novas circumstancias, e á vista dellas acuda a
este Reino com um remedio prompto, que seja capaz de salvar a Patria, como tudo
melhor consta das mesmas Representações, que se mandaram registrar. E sendo vistas
estas Representações, estando presentes os homens bons desta Cidade, que têm andado
na governança della, para este acto convocados, por todos foi unanimemente accordado
que ellas continham a vontade dominante de todo o Povo, e que urgia que fossem
immediatamente apresentadas a S. A. Real. Para este fim sahiu immediatamente o
Procurador do Senado da Camara, encarregado de annunciar ao Mesmo Senhor esta
deliberação, e de Lhe pedir uma Audiencia para o sobredito effeito: e voltando com a
resposta de que S. A. Real tinha designado a hora do meio-dia para receber o Senado
da Camara no Paço desta Cidade, para alli sahiu o mesmo Senado ás 11 horas do dia:
e sendo apresentadas a S. A. Real as sobreditas Representações pela voz do Presidente
do Senado da Camara, que Lhe dirigiu a falla; depois delle o Coronel do Estado-Maior

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A Construção da Democracia 81

ás Ordens do Governo do Rio Grande Manoel Carneiro da Silva Fontoura, que tinha
pedido licença ao Senado da Camara para se unir a elle, dirigiu a falla ao Mesmo
Senhor, protestando-Lhe que os Sentimentos da Provincia do Rio Grande de S. Pedro
do Sul eram absolutamente conformes aos desta Provincia: E no mesmo acto João
Pedro Carvalho de Moraes apresentou a S. A. Real uma Carta das Camaras de Santo
Antonio de Sá e Magé contendo iguaes sentimentos. E S. A. Real dignou-se responder
com as expressões seguintes: “COMO É PARA BEM DE TODOS, E FELICIDADE
GERAL DA NAÇÃO, ESTOU PROMPTO: DIGA AO POVO – QUE FICO – .” E
logo chegando S. A. Real ás varandas do Paço, disse ao Povo: “AGORA SÓ TENHO
A RECOMMENDAR-VOS UNIÃO, E TRANQUILLIDADE.” – Foi a resposta de
S. A. Real seguida de vivas da maior satisfação, levantados das janellas do Paço pelo
Presidente do Senado da Camara e repetidos pelo immenso Povo que estava reunido no
Largo do mesmo Paço, pela ordem seguinte: Viva a Religião – Viva a Constituição –
Vivam as Côrtes – Viva El Rei Constitucional – Viva o Principe Constitucional – Viva
a união de Portugal com o Brazil. – Findo este acto, se recolheu o Senado da Camara
aos Paços do Conselho, com os Cidadãos, e os Mestéres do Povo, que acompanharam, e
o sobredito Coronel pela Provincia do Rio Grande do Sul. E de tudo para constar se
mandou tomar este Termo, que todos sobreditos assignaram commigo José Martins da
Rocha, Escrivão do Senado da Camara, que o escrevi. – José Clemente Pereira. –
Francisco de Souza e Oliveira. – Luiz José Vianna Grugel deo Amaral e Rocha. –
Manoel Caetano Pinto. – Antonio Alves de Araujo. – José Martins Rocha. (Seguem-se
as assignaturas dos mais Cidadãos.)”. Grifado pelo compilador.
Com este gesto o Princípe Regente D. Pedro de Alcântara oficializa sua
desobediência às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portugueza”. A separação do Brasil de Portugal está informalmente realizada.
É sufocada a reação das tropas portuguesas ao comando do General Jorge de
Avilez, no dia 12 de janeiro, que fazia prontidão, constante e hostil, em frente
ao Palácio Real.

Inicia-se o Primeiro Império – monarquia brasileira –, que


vai até 7 de abril de 1831.

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82 Casimiro Neto

Ilustração nº 5 e 5/A – O Imperador D. Pedro I

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A Construção da Democracia 83

Primeiro Império

C om o início do Primeiro Império da monarquia brasileira, logo


após, no dia 16 de janeiro de 1822, José Bonifácio de Andrada e Silva (SP)
encabeça um novo ministério formado por brasileiros. Assume a chefia polí-
tica do movimento para a consolidação da regência de D. Pedro de Alcântara,
opondo-se às medidas recolonizadoras das “Côrtes de Lisboa”. Diante dos fa-
tos, a tropa lusa sob o comando do General (português) Jorge de Avilez,
acantonada no Rio de Janeiro, amotina-se em apoio às “Côrtes” e contra os
brasileiros. Reação dos brasileiros. Isoladas, as tropas portuguesas recuam
para a região da Praia Grande, em Niterói. O Governo regencial as expulsa,
e o Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara proíbe, em 17 de fevereiro, a
vinda de outras. Ordena que os decretos de Lisboa só sejam aplicados com
seu aval. Organiza a luta armada para expulsão dos remanescentes militares
nas Províncias de Pernambuco, Ceará, Maranhão, Piauí e Pará e declara ini-
miga toda tropa que tente desembarcar em território brasileiro. Apóia os
baianos na guerra contra as tropas portuguesas que estão sob o comando do
Brigadeiro (português) Ignácio Luiz Madeira de Mello – homem enérgico e
um dos mais fortes representantes do partido português recolonizador do
Brasil, que foi nomeado através de Carta Régia chegada de Lisboa no dia 15
de fevereiro de 1822 para assumir o comando das tropas acantonadas na
Bahia, substituindo o Brigadeiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães que era
prestigiado pelos brasileiros. No dia 18, o Senado da Câmara de Salvador
impugna a validade da Carta Régia, por lhe faltarem algumas formalidades.
Affonso D’E. Taunay em sua obra “Grandes vultos da Independência brasileira”
detalha os acontecimentos: “Chamado ao Palacio, assistiu Madeira a uma sessão
longa e tempestuosissima dos membros do governo que acabou pela resolução de se
nomear uma Junta Militar de sete membros até o aclaramento da situação. Competir-
lhe-ia a presidencia desta junta. Protestou, energico, contra tal decisão, retirando-se do
palacio pela madrugada de 19 de fevereiro.
Ás seis da manhã de 19 rompiam as hostilidades entre as tropas portuguezas e as
brasileiras. A 21, depois de violento bombardeio, tomavam os lusitanos o forte de S. Pedro,
centro da resistencia nacional, aprisionando Freitas Guimarães. Compostos de vetera-
nos aguerridos nas campanhas napoleonicas, haviam os batalhões portuguezes batido
facilmente, no Rosario e no campo da Polvora, os corpos de milicianos brasileiros,
contemporaneamente. Avaliaram-se as mortes em mais de duzentas nestes dous dias de
sanguinolentas refregas.

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84 Casimiro Neto

‘Donos da cidade, os soldados de Madeira, como sempre acontece nas sedições e


em cidade populosa e rica, entregaram-se a toda a sorte de tropelias e excessos’.
Officiando ao governo sobre estes acontecimentos disse Madeira de Mello que
magotes de sediciosos e reaccionarios, fugindo aos vencedores, se refugiaram, talvez á
força, em diversas casas particulares e no Convento da Lapa, dalli abrindo fogo sobre
a legião lusitana, o que motivara a reacção da tropa. A este depoimento se contrapõe o
da Junta da Bahia, a affirmar que os portuguezes justificavam as suas tropelias sob o
pretexto de tiros sobre elles disparados das casas.
É muito provavel, imparcialmente falando, que se houvesse dado o que Madeira
affirmara. Nada mais natural, em tão extensa e violenta refrega, entre uma população
inteira e os estrangeiros, seus dominadores. Seria aliás muito difficil conter os soldados,
fóra de si após dous dias de combate.
Entre onze e doze horas de 20, apresentou-se, á porta da Lapa, um magote de
soldados portuguezes a reclamar em altos brados a entrada no mosteiro. Estavam as
pobres religiosas transidas de terror, ante as angustias daquelles dias terriveis, constan-
temente agitados pelo estrepido da fuzilaria e da artilharia. Como se lhes não abrisse o
portão começaram os soldados a arrombal-o a machadadas, e, afinal, penetraram na
casa.
Adeantaram-se para a clausura do Mosteiro, quando, abrindo-se uma porta,
heroica, impavida assomou um vulto de religiosa, trazendo ao peito, sobre o escapulario
azul, o grande medalhão prelacial de prata, com a imagem de Nossa Senhora da
Conceição. Era a madre abbadessa Joanna Angelica de Jesus.
Pasma ante tanto desprendimento de vida naquella mulher, estacou a soldadesca
possessa. Com a voz firme e vibrante de indignação, lembrando-se de suas filhas
claustradas e dos patriotas refugiados dentro daquelle recanto asylar, bradou.
Para traz, bandidos! Respeitae a casa de Deus! Antes de conseguirdes os vossos
infames designios, passareis por sobre o meu cadaver!
‘Surdo rumor acolheu estas phrases’, diz o General Carlos Augusto de Campos,
nos seu bello livro As heroinas do Brasil. ‘Mata, mata e avança!’ Bravejaram os solda-
dos portuguezes. Um miseravel, acercando-se então de Soror Joanna Angelica com a
boca a vomitar imprecações furiosas e immundas, enterrou-lhe no peito a baioneta.
‘A madre abbadessa’, diz Joaquim Norberto, em suas Brasileiras celebres, ‘cruzou
os braços sobre o seio ensanguentado, como se apertasse contra elle a gloriosa palma do
martyrio, que recebia com a sua morte, alçou os olhos para o céu e expirou com um
sorriso nos labios’; o pavimento tinto de sangue da martyr estremecu, como a terra
sacudida por suas commoções internas”. Grifado pelo compilador. A Abadessa do Con-
vento da Lapa, Joanna Angélica de Jesus (BA), torná-se a “mártir da indepen-
dência brasileira”.
Aqui vale relembrar que a proclamação da nossa independência no dia
7 de setembro de 1822 não fica só entre o “Grito do Ipiranga” e as festividades
da “Coroação do Imperador”. Luta-se para consolidar, internamente, a nossa
libertação do jugo lusitano e fazer a união da nação brasileira. Destacam-se
os combates ocorridos na Comarca de Campo Maior na Província do Piauí,
cerca de 85 quilômetros ao norte de Teresina, no dia 13 de março de 1823.

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A Construção da Democracia 85

Confronto de tropas brasileiras e portuguesas às margens do rio Jenipapo.


Considerado como um dos episódios mais importantes e um dos mais violen-
tos da história do Estado do Piauí, a “Batalha do Rio Jenipapo” está inserida no
contexto de lutas pela independência do Brasil, em curso desde o final do
século XVIII. Neste combate centenas de piauienses e voluntários cearenses
perdem a vida ou são capturados, escrevendo com o seu sangue uma das
páginas mais gloriosas da história nacional.
Tudo se inicia no dia 19 de outubro de 1822 quando, na Câmara da
Comarca de São José da Parnaíba, se realiza a proclamação da independên-
cia da Província do Piauí e D. Pedro I é aclamado Imperador Constitucional
pelos cidadãos Simplício Dias da Silva, João Cândido de Deus e Silva, Leo-
nardo de Carvalho Castelo Branco, Domingos Dias, José Ferreira Meireles,
Bernardo Antônio Saraiva, Ângelo da Costa Rosal, Bernardo de Freitas Cal-
das e Joaquim Timóteo de Brito. Nesta data, é hoje comemorado o “Dia do
Estado do Piauí”. Essa iniciativa faz com que as tropas portuguesas se deslo-
quem de Oeiras (naquela época a capital da Província do Piauí) para a Comarca
de São José da Parnaíba a quase 700 quilômetros de distância, lideradas pelo
próprio Governador das Armas, o Sargento-Mor (Major) João José da Cunha
Fidié. A Província fica ainda sob domínio português até 24 de janeiro de 1823
quando, em Oeiras, o Brigadeiro Manuel de Sousa Martins, depois Visconde
da Parnaíba, depõe a Junta Governativa favorável a Portugal, assume o poder
e declara-se, também, em luta pela independência da Província do Piauí.
Campo Maior, Piracuruca, Matões, dentre outros povoados e vilas aderem ao
processo emancipatório.
O Norte é um autêntico satélite de Portugal, onde é mantida uma seve-
ra vigilância sobre os movimentos revolucionários. O Professor João de Deus
ensina aos internautas que “apesar da independência ter sido oficialmente procla-
mada a 7 de setembro de 1822, as outras regiões da América portuguesa não haviam
aderido. Aquele gesto simboliza apenas a adesão da região Centro-Sul e o processo de
independência nas outras províncias implica luta e sangrentas batalhas, especialmente
no norte, incluindo o nordeste atual. Essa área é alvo de pretensão portuguesa com o
objetivo de perpetuar os seus domínios na América. Neste sentido, a Província do Piauí
assume importância fundamental para o governo português em virtude de sua posi-
ção territorial, encravada entre as províncias ocidentais e orientais do norte da Amé-
rica portuguesa. Por conta disso e, sobretudo, devido à expansão dos ideais emanci-
pacionistas, desde 1821 eram enviadas, pelo governo português, quantidades
significativas de armamentos e munições, bem como havia a nomeação de militares
experientes para cuidar desta região. Para essa província fora nomeado João José da
Cunha Fidié como Governador das Armas. Ele era experiente militar, veterano nas
guerras napoleônicas”.
O Governo português poderia até reconhecer a independência brasilei-
ra, mas a continuação do domínio da coroa portuguesa nas Províncias do
Pará, Amazonas, Maranhão e Piauí é de importância fundamental para aque-
le país. O escritor piauiense Francisco Castro, no seu livro “A Guerra do Jenipapo”,

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86 Casimiro Neto

destaca que “o Piauí era riquíssimo e bastante cortejado pela Coroa Portuguesa em
razão do grande comércio de carnes que, aliás, servia aos mercados do Maranhão,
Bahia e Pernambuco e até mesmo para o exterior”.
A “Batalha do Jenipapo” é o retrato do heroísmo de um povo em luta pela
sua liberdade. A bravura do povo piauiense nesta batalha torna-se essencial
para que o Brasil não venha a ser dividido em dois países. A luta decidiu a
unidade do Império brasileiro. A guerra traz fome, peste, sangue e morte.
Esta batalha é uma demonstração, também, do quanto a população do Piauí
rejeita o Governador das Armas, Sargento-Mor (Major) João José da Cunha
Fidié, a personificação da dominação portuguesa, a quem os documentos da
época denominam de soberbo, feroz, avarento, opressor e cruel inimigo do
Piauí. A população desta província, em uma mobilização sem precedentes, se
une para a formação de tropas para o combate, agregando-se grupos de va-
queiros, lavradores, artesãos, escravos, roceiros, mulheres, e com o apoio dos
sertanejos voluntários da Província do Ceará, começam os deslocamentos para
expulsar os portugueses da região. As tropas da independência, com mais de
dois mil homens, voluntários e convocados, armados toscamente de instru-
mento domésticos, de caça e agrícolas, tais como facões, machados, foices,
espetos, paus e pedras, poucas espingardas, velhas espadas, sem nenhuma
experiência militar, partem para o confronto.
A batalha às margens do Rio Jenipapo é o ápice da luta e do heroísmo
desse povo. A luta contra as tropas portuguesas compostas de aproximada-
mente 1.800 homens, bem armados, municiados, disciplinados e treinados,
dura das nove horas da manhã às duas da tarde sob sol ardente. A superiori-
dade militar dos portugueses impõe a vitória na batalha. Aproximadamente
542 brasileiros são feitos prisioneiros e mais de 200 estão entre mortos e
feridos. Do lado português, as perdas não chegam a uma centena – são apro-
ximadamente 60 feridos e 19 mortos –, porém haviam perdido boa parte da
bagagem de guerra, com as tropas da independência desviando importantes
equipamentos bélicos das tropas inimigas. Embora derrotados na primeira
refrega, os brasileiros engajados na luta não recuam da região. A luta conti-
nua pelo sertão e os portugueses são derrotados na seqüência da batalha pela
independência com a tática adotada pelos sertanejos, quando vários portu-
gueses são mortos em combate. Uma autêntica operação de guerrilha se ca-
racteriza pela formação de trincheiras nas escassas moitas dos matagais, pe-
las táticas de patrulhas ou colunas legalistas fazendo explorações pelos
caminhos e picadas, e pela disposição e expectativa da tropa aliada para en-
frentar as tropas inimigas. Impedem a marcha das tropas portuguesas para a
capital da Província, preservando a vitória do movimento. A chegada de re-
forços de outras vilas e províncias faz com que o comandante português aban-
done o campo de luta, e se desloque da região com sua unidade militar. Con-
vidado pela Junta Maranhense a defender a Vila de Caxias, entra nesta vila
no dia 17 de abril e fortifica-se na elevação denominada de Taboca. Ali, os
portugueses, durante três meses, resistem ao cerco das tropas aliadas, forma-

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A Construção da Democracia 87

das por patriotas maranhenses, piauienses e cearenses sob o comando do


Tenente-Coronel João da Costa Alecrim. Em meados de julho chega o refor-
ço do “exército auxiliador do Ceará, Piauí e Pernambuco” comandado pelo chefe
sertanejo – sergipano domiciliado no Ceará, Capitão-Mor José Pereira
Filgueiras. Reduzido a situação crítica, sem nenhuma possibilidade de socor-
ro ou suprimentos, o Governador das Armas, Sargento-Mor (Major) João
José da Cunha Fidié, passa o comando das tropas portuguesas ao Tenente-
Coronel Luís de Mesquita no dia 27 de julho de 1823. A capitulação é assina-
da no dia 31, tendo sido rejeitadas na véspera as condições propostas pelos
sitiados. A guarnição sai das trincheiras no dia 1º de agosto e depõe as armas.
As forças patriotas vitoriosas entram na Vila de Caxias no dia 1º de agosto de
1823. O comandante português é preso, enviado à Bahia, daí ao Rio de Ja-
neiro e em seguida é deportado para Portugal.
Na Província da Bahia trava-se a mais longa e dura batalha. Em provín-
cia alguma do Brasil de longe sequer haveriam de assumir as mesmas pro-
porções bélicas. Depois das chacinas acontecidas entre os dias 19 a 21 de
fevereiro de 1822 nas ruas de Salvador, agora dominadas pelas tropas portu-
guesas sob comando do Brigadeiro Ignácio Luiz Madeira de Mello, pesava,
assim, sobre aqueles brasileiros a dura opressão dos combatentes inimigos.
Os lusitanos não desejam de forma alguma entregar a Província ao Governo
Imperial. Mas não tarda a reação baiana, onde se destaca a figura intrépida
da heroína Maria Quitéria de Jesus Medeiros, Soldado-de-Infantaria do Ba-
talhão de Caçadores – denominados de “Voluntários do Príncipe D. Pedro” –,
nas fases mais arriscada de combate às tropas do brigadeiro português. Nesta
guerra registra-se também a presença do violento e cruel ex-soldado de
Napoleão, o francês Pedro Labatut, que, admitido no Exército Imperial, é em
seguida nomeado brigadeiro e comandante da expedição destinada a socor-
rer os patriotas baianos. Consegue importante vitória no “Combate de Pirajá”,
impondo pesada derrota aos portugueses. Com os reforços recebidos depois
da contratação do Almirante inglês Lord Alexandre Thomaz Cochrane, de-
pois Marquês do Maranhão (Brasil) e Conde de Dundonald (Inglaterra) para
comandar a esquadra brasileira na defesa da nossa costa e na imposição de
forças para enfrentar as tropas portuguesas, e do Coronel José Joaquim de
Lima e Silva que traz suas tropas do Rio de Janeiro, sobretudo o corpo de
escol denominado de “Batalhão do Imperador”, a guerra toma outro rumo.
Este coronel assume o comando das tropas envolvidas em combate. No dia
15 de junho de 1822, a “Carta Régia” expedida pelo Príncipe Regente D. Pedro
de Alcântara “ordena ao Brigadeiro Ignacio Luiz Madeira de Mello, Governador
das Armas da Bahia, que se recolha a Portugal com a sua Tropa”. Essa luta dura um
ano, têm aspectos sangrentos e atos de heroísmo do povo baiano. Encerrados
os combates, os combatentes brasileiros entram vitoriosos e solenemente na
cidade de Salvador no dia 2 de julho de 1823, após a fuga da esquadra
portugueza que leva para a Europa as tropas vencidas do Brigadeiro Ignácio
Luiz Madeira de Mello.

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88 Casimiro Neto

Na sessão do dia 17 de julho de 1823, o Secretário, Deputado José Joa-


quim Carneiro de Campos (RJ), lê o seguinte ofício do Ministro e Secretário
de Estado dos Negócios da Marinha Luiz da Cunha Moreira, depois Viscon-
de de Cabo Frio: “Illm. e Exm. Sr. – De ordem de S. M. Imperial communico a V. Ex.
para levar ao conhecimento da assembléa geral constituinte e legislativa do imperio;
que pela sumaca S. José Triumphante, vinda da Bahia com 14 dias de viagem, consta
ter evacuado aquelle porto e cidade, a esquadra, e tropas lusitanas no dia 2 do corrente
mez, cujas particularidades talvez brevemente se receberáõ. – Deus guarde a V. Ex.
Palacio do Rio de Janeiro, 17 de Julho de 1823. Luiz da Cunha Moreira. – Sr. José
Joaquim Carneiro de Campos”.
Na sessão do dia 18 de julho de 1822, o Secretário, José Joaquim
Carneiro de Campos (RJ), pede a palavra para ler o seguinte ofício do Minis-
tro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha Luiz da Cunha Moreira,
depois Visconde de Cabo Frio: “Illm. e Exm. Sr. – De ordem de S. M. Imperial
communico a V. Ex. para levar ao conhecimento da assembléa geral constituinte e
legislativa do imperio, que pela corveta Liberal, chegada hontem a este porto, participa
o 1º commandante da esquadra do bloqueio, lord Cochrane, em officio datado em 2 do
corrente, que naquelle dia evacuára o inimigo a Bahia, não podendo ter mais recursos
por mar; e que é de sua intenção perseguil-o, até onde isso possa ser vantajoso.
Deus guarde a V. Ex. Palacio do Rio de Janeiro, 18 de julho de 1823. – Luiz da
Cunha Moreira. Sr. José Joaquim Carneiro de Campos”.
Decreto expedido pela Regência Trina Permanente no dia 12 de agosto
de 1831 traz o seguinte texto: “A Assembléa Geral Legislativa decreta e a Regência
Trina Permanente, em nome do imperador, o Senhor D. Pedro II sanciona a Carta de
Lei que declara o dia 2 de Julho de festividade nacional na Provincia da Bahia”.
Para enfrentar as despesas militares na luta da independência, o Gover-
no Imperial faz um empréstimo interno, aceitando a sugestão do Ministro e
Secretário da Fazenda Martim Francisco Ribeiro de Andrada (SP) – homem
de severos costumes, austero, probo e um organizador de talento –, contrário
a qualquer tipo de operação creditícia no estrangeiro. É então realizado um
empréstimo junto aos comerciantes do Rio de Janeiro, resgatável no prazo
de dez anos com a criação do fundo das rendas alfandegárias.
16 de fevereiro de 1822. Convocação da primeira representação polí-
tica – Primeiro Império. É expedido decreto, com a rubrica do Príncipe
Regente D. Pedro de Alcântara, que “cria o Conselho de Procuradores Geraes das
Provincias do Brazil para representar estas na Côrte, no Rio de Janeiro, e assessorar o
príncipe regente nas questões dos negócios públicos”. Escolhidos com o simples voto
consultivo, este conselho não era para fazer leis, mas para julgar as que se
fizessem nas Cortes de Lisboa. São nomeados pelos eleitores das paróquias e
das comarcas.
Em março, o Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara vai a Minas Ge-
rais. Durante a viagem, elementos contrários à regência tentam derrubar o
ministério e eleger uma junta provisória. Não encontram respaldo político.

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A Construção da Democracia 89

O Príncipe Regente volta ao Rio de Janeiro satisfeito com o resultado da


viagem e com a adesão de novas províncias à sua autoridade.
13 de maio de 1822. Rio de Janeiro. Festa de gala. Por proposta de
Domingos Alves Branco Muniz Barreto (BA) – acolhida com entusiasmo –,
que ao Príncipe-Regente D. Pedro de Alcântara se conferisse o título de “Pro-
tetor e Defensor Perpétuo do Brasil” a fim de que pudesse ter “títulos conferidos pelo
povo”, Januário da Cunha Barbosa (RJ) e Joaquim Gonçalves Ledo (RJ) redi-
gem discurso, que é lido por José Clemente Pereira e respondendo o Prínci-
pe Regente, afirmativamente, com a seguinte ressalva: “Declarou sua Alteza
Real, depois de assinar a ata supra, que se não assinava protetor do Brasil porque este
não precisava da sua proteção e a si mesmo protegia”. Guardou, porém, o de “De-
fensor Perpétuo”, de que também sempre usou o Imperador D. Pedro II. É
então lançada em ata, lida e assinada, o seguinte:“TERMO DE VEREAÇÃO
DO SENADO DA CAMARA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO DE 13 DE MAIO
DE 1822. O Principe Regente aceita o titulo de Defensor Perpetuo do Brazil. Aos 13
dias do mez de Maio do anno de 1822, nesta Cidade do Rio de Janeiro, e Paço de S. A.
Real, aonde o Senado da Camara desta cidade veiu o requerimento do Povo da mesma,
e Tropa da 1ª e 2ª Linha, que se achavam reunidos no Largo do Paço, pelo Povo e
Tropa sobredita, foi representado ao mesmo Senado da Camara, que tinham acabado
de Acclamar a S. A. Real o Principe Regente, Protector e Defensor Perpetuo, e Consti-
tucional do Reino do Brazil, e que requeriam que o Senado em nome do Povo desta
Cidade ratificasse a sobredita Acclamação, e de tudo para constar mandasse lavrar as
Actas necessarias. E sendo apresentada a S. A. Real a expressada representação do
Povo e Tropa pelo Senado da Camara, houve o mesmo Senhor por bem declarar –
QUE ACEITAVA E CONTINUARIA A DESEMPENHAR COMO ATÉ AQUI O
TITULO, QUE O POVO E TROPA DESTA CÔRTE LHE CONFERIRAM. – E
logo, sendo esta declaração S. A. Real Publicada de uma das varandas do Paço pelo
Juiz de Fóra Presidente do Senado da Camara, foi a mesma applaudida pelo Povo e
Tropa, que estavam presentes, com os seguintes Vivas, que o Sobredito Presidente do
Senado da Camara levantou pela ordem seguinte: – Viva El Rei Constitucional – Viva
o Principe Regente, Protector e Defensor Perpectuo e Constitucional do Reino do Brazil
– Viva a Princeza Real – Viva a Constituição – Vivam as Côrtes. E de tudo para
constar se mandou lavrar este Termo, em que assignou S. A. Real, o Senado da Camara,
Povo e Tropa, que estavam presentes. E eu José Martins da Rocha, Escrivão do Senado
da Camara, que o escrevi.
PRINCIPE REGENTE CONSTITUCIONAL E PERPECTUO DEFENSOR
DO REINO DO BRAZIL. – José Clemente Pereira. – João Soares de Bulhões. – Do-
mingos Vianna Grugel do Amaral. – José Antonio dos Santos Xavier. – (Seguem as
assignaturas dos mais cidadãos.)
Additamento ao termo de vereação acima.
DECLAROU SUA ALTEZA REAL, DEPOIS DE ASSIGNAR A ACTA SU-
PRA, QUE SE NÃO ASSIGNAVA PROTECTOR DO BRAZIL – PORQUE ESTE
NÃO PRECISAVA DA SUA PROTECÇÃO E A SI MESMO SE PROTEGIA. –

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90 Casimiro Neto

Era ut supra. E eu José Martins Rocha o escrevi. – José Clemente Pereira. – João
Soares de Bulhões. – Domingos Vianna Grugel do Amaral. – José Antonio dos Santos
Xavier”.
20 de maio de 1822. Plenário das “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Cons-
tituintes da Nação Portugueza”. Os representantes da Província da Bahia apre-
sentam uma proposição apoiada pela maioria dos constituintes brasileiros
contra a política violenta de Lisboa, cujo governo deliberara remeter mais
tropas militares para Salvador.

23 de maio de 1822. Largo do Paço. “VEREAÇÃO EXTRAORDINARIA


DO SENADO DA CAMARA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. O Senado da
Camara da Cidade do Rio de Janeiro atendendo aos anseios da população daquela
cidade dirige á Presença de S. A. Real o Principe Regente em que pretende e requer que
o mesmo Senhor mande convocar nesta Côrte uma Assembléa Geral das Provincias do
Brazil”.

2 de junho de 1822. Instalação da primeira representação política em


território brasileiro – Primeiro Império. O Príncipe Regente D. Pedro de
Alcântara instala “o Conselho de Procuradores Geraes das Provincias Brazileiras” e
em sua fala diz o seguinte: “As Representações de S. Paulo, Rio de Janeiro, e Minas
Geraes, em que Me pediam que Ficasse no Brazil, tambem Me deprecavam a Creação
de um Conselho de Estado. Determinei-Me a Creal-o na fórma ordenada no Meu Real
Decreto de 16 de Fevereiro deste anno, e cuja fórma era exigida pelas tres Provincias
legalmente representadas.
Foi inexplicavel o prazer que Minha alma sentiu, quando estas representações
chegaram á Minha Presença, porque então conheci que a vontade dos Povos era não só
útil, mas necessaria para sustentar a integridade da Monarchia em geral, e mui prin-
cipalmente do grande Brazil, de quem Sou Filho. Redobrou ainda muito mais o Meu
prazer, por ver que as idéas dos Povos coincidiam com as Minhas puras, sinceras, e
cordiaes intenções: e não querendo Eu retardar-lhes os bens que uma tal medida lhes
promettia, Determinei no citado Decreto, que immediatamente, que se achassem reuni-
dos os Procuradores de tres Provincias, o Conselho entraria a exercitar suas funcções:
esta execução porém não pôde ter logar litteralmente, visto ter-se manifestado sobrema-
neira a vontade dos Povos de que haja uma Assembléa Geral Constituinte e Legislati-
va, como Me foi communicado pelas Camaras. Não querendo portanto demorar nem
um só instante, nem tão pouco faltar em cousa alguma ao que os Povos desejam, e
muito mais quando são vontades tão razoaveis, e de tanto interesse, não só ao Brazil,
como a toda a Monarchia, Convenci-Me de que hoje mesmo devia installar este Meu
Conselho de Estado, apezar de não estarem ainda reunidos os Procuradores de tres
Provincias, para que Eu junto de tão illustres, dignos, e liberaes Representantes Sou-
besse qual era o seu pensar relativo á Nossa situação politica, por ser um negocio, que
lhes pertence como inteiramente popular; e nelle interessar tanto a Salvação da Nossa
Patria, ameaçada por facções. Seria para Mim muito indecoroso, assim como para os
illustres Procuradores muito injurioso, recommendar-lhes suas obrigações; mas sem se

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A Construção da Democracia 91

offender (nem levemente) a nenhum, Me é permittido fazer uma única recommendação,


Eu lhes peço que advoguem a Causa do Brazil da fórma há pouco jurada, ainda que
contra Mim seja (o que espero nunca acontecerá) porque Eu pela Minha Nação estou
prompto até a sacrificar a propria vida, que a par da Salvação da nossa Patria é nada.
Pelas razões expostas acabais de ver a necessidade, que houve desta installação
repentina, e Sabei que della depende a Honra, a Gloria, a Salvação da nossa Patria,
que está em summo perigo.
Illustres Procuradores, são estes os sentimentos que regem a Minha Alma, e tambem
os que hão de reger a vossa; Contai Commigo não só como intrepido guerreiro que pela
Patria arrostará todos e quaesquer perigos, mas tambem como Amigo vosso, Amigo da
Liberdade dos Povos, e do Grande, Fertil, e Riquissimo Brazil, que tanto Me tem hon-
rado, e Me Ama.
Não assenteis, illustres Procuradores, que tudo o que tenho dito é nascido de
grandes cogitações, esquadrinhando palavras estudadas, e enganadoras; não: é filho
do Meu Amor da Patria, expressado com a voz do coração. Acreditai-me. A 2 de Junho
de 1822. Principe Regente”. Grifado pelo compilador.
Em seguida é realizado o juramento dos procuradores gerais com o
seguinte teor: “Juro aos Santos Evangelhos de defender a Religião Catholica Roma-
na, a Dynastia da Real Casa de Bragança, a Regencia de Sua Alteza Real, Defensor
Perpetuo do Brazil, de manter a Soberania do Brazil, a Sua integridade, e a da Provincia
de quem sou Procurador, requerendo todos os seus direitos, foros, e regalias bem como
todas as Providencias que necessarias forem para a conservação e mantença da Paz, e
da bem entendida União de toda a Monarchia, aconselhando com a verdade, consciencia,
e franqueza a Sua Alteza Real em todos os negocios, e todas as vezes, que para isso fôr
convocado. Assim Deus me salve”. É realizado, também, o juramento dos Minis-
tros e Secretários de Estado com o seguinte teor: “Juro aos Santos Evangelhos de
sempre com verdade, consciencia, e franqueza aconselhar a Sua Alteza Real em todos
os negocios, e todas as vezes que para isso fôr convocado”. No dia posterior, 3 de
junho, é expedido decreto, com a rubrica do Príncipe Regente D. Pedro de
Alcântara, atendendo a um requerimento datado do mesmo dia, dos pro-
curadores das Províncias, ministros e secretários de Estado que pediam a con-
vocação, com a “maior brevidade possível”, de uma “Assembléa Geral de Represen-
tantes das Provincias do Brazil”. Requerimento este assinado por Joaquim
Gonçalves Ledo e José Mariano de Azevedo Coutinho, procuradores-gerais
da Província do Rio de Janeiro; Lucas José Obes, Procurador-Geral do Esta-
do Cisplatino; José Bonifácio de Andrada e Silva, Caetano Pinto de Miranda
Montenegro, Joaquim de Oliveira Alvares, Manoel Antônio Farinha. O refe-
rido decreto que “manda convocar uma Assembléa Geral Constituinte e Legislativa,
composta de Deputados das Provincias do Brazil, os quais serão eleitos na forma das
Instrucções que forem expedidas” tem o seguinte teor: “Havendo-Me representado
os Procuradores Geraes de algumas Províncias do Brazil já reunidos nesta Côrte, e
differentes Camaras, e Povo de outras, o quanto era necessario, e urgente para a man-
tença da Integridade da Monarchia Portugueza, e justo decoro do Brazil, a Convoca-
ção de uma Assembléa Luso-Braziliense, que investida daquella porção de Soberania,

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92 Casimiro Neto

que essencialmente reside no Povo deste grande, e riquissimo Continente, Constitua as


bases sobre que se devam erigir a sua Independencia, que a Natureza marcara, e de
que já estava de posse, e a sua União com todas as outras partes integrantes da Grande
Familia Portugueza, que cordialmente deseja: E Reconhecendo Eu a verdade e a força
das razões, que Me foram ponderadas, nem vendo outro modo de assegurar a felicidade
deste Reino, manter uma justa igualdade de direitos entre elle e o de Portugal, sem
perturbar a paz, que tanto convem a ambos, e tão propria é de Povos irmãos: Hei por
bem, e com o parecer do Meu Conselho de Estado, Mandar convocar uma Assembléa
Geral Constituinte e Legislativa, composta de Deputados das Provincias do Brazil
novamente eleitos na fórma das instrucções, que em Conselho se acordarem, e que serão
publicadas com a maior brevidade. José Bonifacio de Andrade e Silva, do Meu Conse-
lho de Estado, e do Conselho de Sua Magestade Fidelissima El-Rei o Senhor D. João
VI, e Meu Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Reino do Brazil e Estran-
geiros, o tenha assim entendido, e o faça executar com os despachos necessarios. Paço 3
de Junho de 1822”. Grifado pelo compilador.

Quadro/Ilustração nº 6
A Abadessa do Convento da Lapa (Bahia), Joanna Angélica de Jesus
(A “mártir da independência do Brasil”).

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A Construção da Democracia 93

Quadro/Ilustração nº 6/A
A reunião dos Procuradores Gerais das Províncias do Brasil
na cidade do Rio de Janeiro

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94 Casimiro Neto

10 de junho de 1822. “VEREAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO SENADO


DA CAMARA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. Com o Largo do Paço tomado
pela população o Juiz de Fóra dirigiu a S. A. Real a falla em nome do Senado da
Câmara, do Povo e Tropa, significando os sentimentos de respeito, amor e lealdade que
todos juntos vinham expressar ao mesmo Senhor, acompanhados do juramento de man-
ter a Regencia de S. A. Real, da mesma fórma que a haviam jurado manter os Pro-
curadores Geraes desta Provincia. S. A. Real Dignou-se responder: “QUE OS SEUS
SENTIMENTOS ERAM A TODOS MANIFESTOS, E QUE PERMANECERIA
NELLES”.

19 de junho de 1822. É expedida a Decisão do Governo nº 57 pelo


Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brasil e Estrangei-
ros José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), que “estabelece as instrucções sobre o
processo eleitoral dos Deputados à Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Brazil”.
Grifado pelo compilador. Pode ser considerada a “Primeira Lei Eleitoral” elaborada
no Brasil, por determinação do Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara. Esta
decisão tem como objetivo regulamentar as eleições dos deputados para a
Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, a ser composta de representan-
tes da províncias brasileiras.
Entre outras, simplifica as que haviam servido para a eleição dos depu-
tados às “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza” e
especifica o total de 100 deputados constituintes, no mínimo. A Província de
Sergipe e a do Amazonas, à época Rio Negro, são omitidas nas instruções.

“Decisão nº 57 – Reino. – Em 19 de junho de 1822 – Instrucções, a que se refere


o Real Decreto de 3 de Junho do corrente anno que manda convocar uma Assembléa
Geral Constituinte e Legislativa para o Reino do Brazil.
CAPITULO I
DAS ELEIÇÕES
1. As nomeações dos Deputados para a Assembléa Geral Constituinte do Brazil
serão feitas por Eleitores de Parochia.
2. Os Eleitores, que hão de nomear os Deputados, serão escolhidos directamente
pelo Povo de cada uma das Freguezias.
3. As Eleições de Freguezias serão presididas pelos Presidentes das Camaras com
assistencia dos Parochos.
4. Havendo na Cidade ou Villa mais de uma Freguezia, será a Presidencia
distribuida pelos actuaes Vereadores da sua Camara, e na falta destes pelos transactos.
5. Toda a Povoação ou Freguezia, que tiver até 100 fogos, dará um Eleitor; não
chegando a 200, porem si passar de 150, dará dous; não chegando a 300 e passar de
250, dará tres, e assim progressivamente.
6. Os Parochos farão affixar nas portas das suas Igrejas Editaes, por onde cons-
te o numero de seus fogos, e ficam responsaveis pela exactidão.

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A Construção da Democracia 95

7. Têm direito a votar nas Eleições Parochiaes todo o Cidadão casado e todo
aquelle que tiver de 20 annos para cima sendo solteiro, e não fôr filho-familia. Devem,
porém, todos os votantes ter pelo menos um anno de residencia na Freguezia onde
derem o seu voto.
8. São excluidos do voto todos aquelles que receberem salarios ou soldadas por
qualquer modo que seja. Não são comprehendidos nesta regra unicamente os Guarda-
Livros e 1ºs caixeiros de casas de commercio, os criados da Casa Real, que não forem de
galão branco, e os Administradores de fazendas ruraes e fabricas.
9. São igualmente excluidos de voto os Religiosos Regulares, os Estrangeiros
não naturalisados e os criminosos.
10. Proceder-se-há ás Eleições de Freguezias no primeiro Domingo depois que a
ellas chegarem os Presidentes nomeados para assistirem a este acto.
CAPITULO II
DO MODO DE PROCEDER ÁS ELEIÇÕES DOS ELEITORES
1. No Dia aprazado para as Eleições Parochiaes, reunido na Freguezia o res-
pectivo Povo, celebrará o Parocho Missa solemne do Espirito Santo, e fará, ou outro
por elle, um discurso analogo ao objecto e circumstancias.
2. Terminada esta Ceremonia Religiosa, o Presidente, o Parocho e o Povo ser dirigi-
rão ás Casas do Conselho, ou ás que melhor convier, e tomando os ditos Presidente e
Parocho assento á cabeceira de uma Mesa, fará o primeiro, em voz alta e intelligivel, a
leitura dos Capitulos I e II destas Instrucções. Depois proporá dentre os circumstantes os
Secretarios e Escrutinadores, que serão approvados ou rejeitados por acclamações do Povo.
3. Na Freguezia que tiver até 400 fogos inclusive, haverá um Secretario e dous
Escrutinadores; e nas que tiverem dahi para cima, dous Secretarios e tres Escrutinadores.
O Presidente, o Parocho, os Secretarios e os Escrutinadores forma a Mesa ou Junta
Parochial.
4. Lavrada a Acta desta nomeação, perguntará o Presidente si algum dos
circumstantes sabe e tem que denunciar soborno ou conluio para que a Eleição recaia
sobre pessoa ou pessoas determinadas. Verificando-se por exame publico e verbal a
existencia do facto arguido (si houver arguição), perderá o incurso o direito activo e
passivo de voto. A mesma pena soffrerá o calumniador. Qualquer duvida que se suscite
será decidida pela Mesa em acto successivo.
5. Não havendo, porém, accusações, começará o recebimento das listas. Estas
deverão conter tantos nomes quantos são os Eleitores que tem de dar aquella Freguezia:
serão assignadas pelos votantes, e reconhecida a identidade pelo Parocho. Os que não
souberem escrever chegar-se-hão á Mesa e, para evitar fraudes, dirão ao Secretario os
nomes daquelles em quem votam: este formará a Lista competente, que depois de lida
será assignada pelo votante com uma Cruz, declarando o Secretario ser aquelle o signal
de que usa tal individuo.
6. Não póde ser Eleitor quem não tiver (além das qualidades requeridas para
votar) domicilio certo na Provincia, ha quatro anno inclusive pelo menos. Além disso

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deverá ter 25 annos de idade, ser homem probo e honrado, de bom entendimento, sem
nenhuma sombra de suspeita e inimisade á Causa do Brazil, e de decente subsistencia
por emprego, ou industria, ou bens.
7. Nenhum Cidadão poderá escusar-se da nomeação, nem entrar com armas
nos logares das Eleições.
CAPITULO III
DO MODO DE APURAR OS VOTOS
1. Recolhidas, contadas e verificadas todas as listas, a Mesa apurará os votos
applicando o maior cuidado e exacção neste trabalho, distribuindo o Presidente as
letras pelos Secretarios e Escrutinadores, e elle mesmo tendo os nomes conteúdos nas
mencionadas listas.
2. Terminada a apuração destas, proceder-se-há á conta dos votos, e o Secreta-
rio formará uma relação de todos os sujeitos que os obtiverem, pondo o numero em
frente ao nome. Então o Presidente e a Mesa, verificando si os que alcançaram a
pluralidade possuem os requisitos exigidos e demarcados no § 6 do Capitulo II, os
publicará em alta voz. No caso de empate decidirá a sorte.
3. O acto destas Eleições é successivo: as duvidas que occorrerem serão decididas
pela Mesa, e a decisão será terminante.
4. Publicados os Eleitores, o Secretario lhes fará immediatamente aviso para
que concorram á casa onde se fizeram as Eleições. Entretanto lavrará o Termo dellas
em o livro competente, o qual será por elle sobrescripto, e assignado pelo Presidente,
Parocho e Escrutinadores. Deste se extrahirão as copias necessarias, igualmente
assignadas, para se dar uma a cada Eleitor, que lhe servirá de Diploma, remetter-se
uma á Secretaria de Estado dos Negocios do Brazil e uma ao Presidente da Camara
das Cabeças de Districto.
5. As Camaras das Villas requererão aos Commandantes Militares os Soldados
necessarios para fazer guardar a ordem e tranquilidade, e executar s commissões que
occorrerem.
6. Reunidos os Eleitores, os Cidadãos que formaram a Mesa, levando-os entre si
e acompanhados do Povo, se dirigirão á Igreja Matriz, onde se cantará um Te-Deum
solemne. Fará o Parocho todas as despezas de altar, e as Camaras todas as outras; bem
como proverão de papel e livros todas as Juntas Parochiaes.
7. Todas as listas dos votos dos Cidadãos serão fechadas e selladas, e remettidas
com o Livro das Actas ao Presidente da Camara da Comarca para serem guardadas no
archivo della, pondo-se-lhes rotulos por fóra, em que se declare o numero das listas, o
anno e a Freguezia, acompanhado tudo de um officio do Secretario da Junta Parochial.
8. Os Eleitores, dentro de 15 dias depois da sua nomeação, achar-se-hão no
Districto que lhes fôr marcado. Ficarão suspensos pelo espaço de 30 dias, contados da
sua nomeação, todos os processos civis em que elles forem autores ou reus.
9. Todas estas acções serão praticadas a portas abertas e francas.
10. Para facilitar as reuniões dos Eleitores, ficam sendo (só para este effeito)
Cabeças de Districto, os seguintes:

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Na Provincia Cisplatina: – Montividéo, Maldonado, Colonia.


Na Provincia do Rio Grande do Sul: – Villa de Porto Alegre, Villa do Rio Gran-
de, Villa do Rio Pardo, Villa de S. Luiz.
Na Provincia de Santa Catharina: – Villa do Desterro, Villa de S. Francisco,
Villa da Laguna.
Na Provincia de S. Paulo: – A Cidade de São Paulo, Villa de Santos, Villa de
Itú, Villa de Coritiba, Villa de Paranaguá, Villa de Taubaté.
Na Provincia de Matto Grosso: – Villa Bella, Villa de Cuyabá, Villa do Paraguay
Diamantino.
Na Provincia de Goyaz: – Cidade de Goyaz, Julgado de Santa Cruz, Julgado de
Cavalcante.
Na Provincia de Minas Geraes: – Villa de S. João d’ElRei, Villa da Princeza da
Campanha, Villa de S. Bento de Tamanduá, Villa Rica, Cidade de Marianna, Villa de
Pitangui, Villa do Principe, Villa de Nossa Senhora do Bom Sucesso, Villa do Piracatu.
Na Provincia do Rio de Janeiro: – A Capital, Villa de S. João Marcos, Villa de
Santo Antonio de Sá, Macahé.
Na Provincia do Espirito Santo: – Villa da Victoria, Villa de S. Salvador.
Na Provincia da Bahia: – Villa de Porto Seguro, Villa de S. Matheus, Villa de
S. Jorge, Villa do Rio das Contas, Cidade de S. Salvador, Villa de Santo Amaro, Villa
do Itapicurú, Villa da Cachoeira, Villa da Jacobina, Villa de Sergipe, Villa Nova de
Santo Antonio.
Na Provincia das Alagôas: – Villa de Porto Calvo, Villa das Alagôas, Villa do
Penedo.
Na Provincia de Pernambuco: – Cidade de Olinda, Cidade do Recife, Garanhuns,
Villa das Flores, Villa da Barra, Carinhanha, Campo Largo, Cabrobó.
Na Provincia da Parahyba: – Cidade da Parahyba, Villa Real, Villa da Rainha
da Campina Grande.
Na Provincia do Rio Grande do Norte: – Cidade do Natal, Villa Nova da
Princeza.
Na Provincia do Ceará: – Villa do Aracati, Villa do Sobral, Villa de Icó.
Na Provincia do Piauhy: – Villa da Parnahyba, Cidade de Oeiras.
Na Provincia do Maranhão: – Cidade de S. Luiz, Villa de Itapicurú-merim,
Villa de Caxias.
Na Provincia do Pará: – Cidade de Belém, Villa Viçosa, Santarém, Barcellos,
Marajó, Villa Nova da Rainha, Villa do Crato, Olivença, Cametá.
11. Os Eleitores das Freguezias das Villas e logares intermedios concorrerão
áquelle Districto que mais commodo lhes fôr dos apontados.
CAPITULO IV
DOS DEPUTADOS
1. Os Deputados para a Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Reino do
Brazil não podem ser por ora menos de 100. E porque a necessidade da mais breve

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installação da Assembléa obste a que se espere por novos e mais bem formados Censos,
não devendo merecer attenção por inexactos todos os que existem, este numero 100 será
provisoriamente distribuidos pelas Provincias na seguinte proporção:

Provincia Cisplatina ................................... 2


Rio Grande do Sul ...................................... 3
Santa Catharina ......................................... 1
S. Paulo ..................................................... 9
Matto Grosso .............................................. 1
Goyaz ......................................................... 2
Minas Geraes ............................................. 20
Rio de Janeiro ............................................. 8
Capitania ................................................... 1
Bahia ......................................................... 13
Alagôas ...................................................... 5
Pernambuco ............................................... 13
Parahyba .................................................... 5
Rio Grande do Norte ................................... 1
Ceara ......................................................... 8
Piauhy ....................................................... 1
Maranhão .................................................. 4
Pará ........................................................... 3

2. Para ser nomeado Deputado cumpre que tenha, além das qualidades exigidas
para Eleitor no § 6 capitulo II, as seguintes: Que seja natural do Brazil ou de outra
qualquer parte da Monarchia Portugueza, comtanto que tenha 12 annos de residencia
no Brazil, e sendo estrangeiro que tenha 12 annos de estabelecimento com familia,
além dos da sua naturalização; que reuna á maior instrucção, reconhecidas virtudes,
verdadeiro patriotismo e decidido zelo pela causa do Brazil.
3. Poderão ser reeleitos os Deputados do Brazil, ora residentes nas Côrtes de
Lisboa, ou os que ainda para alli não partiram.
4. Os Deputados receberão pelo Thesouro Publico da sua Provincia 6.000 cru-
zados annuaes, pagos a mesadas no principio de cada mez; e no caso de que haja
alguma Provincia, que não possa de presente com a despeza, será ella paga pelo cofre
geral do Thesouro do Brazil, ficando debitada á Provincia auxiliada para pagal-a
quando, melhoradas as suas rendas, o puder fazer.
5. Os Governos Provinciaes, proverão aos transportes dos Deputados das suas
respectivas Provincias, bem como ao pontual pagamento de suas mesadas.
6. Ficarão suspensos todos e quaesquer outros vencimentos, que tiverem os Depu-
tados, percebidos pelo Thesouro Publico, provenientes de empregos, pensões, etc.
7. Os Deputados pelo simples acto da Eleição ficam investidos de toda a plenitu-
de de poderes necessarios para as Augustas Funcções da Assembléa; bastando para
autorisação a cópia da Acta das suas Eleições.

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8. Si acontecer que um Cidadão seja ao mesmo tempo eleito Deputado por duas
ou mais Provincias, preferirá a nomeação daquella onde tiver estabelecimento, e
domicilio. A Provincia privada procederá a nova escolha.
9. As Camaras das Provincias darão aos respectivos Deputados instrucções so-
bre as necessidades, e melhoramentos das suas Provincias.
10. Nenhum cidadão poderá escusar-se de aceitar a nomeação.
11. Quando estiverem reunidos 51 Deputados, instalar-se-ha a Assembléa. Os
outros tomarão nella assento a proporção que forem chegando.
CAPITULO V
DAS ELEIÇÕES DOS DEPUTADOS
1. Os Eleitores das Freguezias, tendo comsigo os seus Diplomas, se apresentarão
á Autoridade Civil mais graduada do Districto (que há de servir-lhes de Presidente até
á nomeação do que se ordena no § 4 deste Capitulo) para que este faça inscrever seus
nomes, e Freguezias, a que pertencem, no Livro que há de servir para as Actas da
proxima eleição dos Deputados; marque-lhes o dia e o local da reunião, e faça intimar
á Camara a execução dos preparativos necessarios.
2. No dia aprasado, reunidos os Eleitores presididos pela dita autoridade, depois
de fazer-se a leitura dos Capitulos IV e V, nomearão por acclamação um Secretario e
dous Escrutinadores, para examinarem os Diplomas dos Eleitores, e accusarem as fal-
tas que lhe acharem, e assim mais uma Commissão de dous dentre elles para examina-
rem os Diplomas do Secretario e Escrutinadores, os quaes todos darão conta no dia
seguinte das suas informações.
3. Logo depois começarão a fazer por escrutinio secreto e por cedulas a nomea-
ção do Presidente escolhido dentre os Eleitores, e, apurados os votos pelo Secretario e
Escrutinadores, será publicado o que reunir a pluralidade, do que se fará Acta ou
Termo formal com as devidas explicações. Tomando o novo Presidente posse, o que será
em acto successivo, retirar-se-há o Collegio Eleitoral.
4. No dia seguinte, reunido e presidido o Collegio Eleitoral, darão as Commissões
conta do que acharam nos Diplomas. Havendo duvidas sobre elles (ou qualquer outro
objecto), serão decididas pelo Presidente, Secretario, Escrutinadores e Eleitores; e a
decisão é terminante. Achando-se, porém, legaes, dirigir-se-há todo o Collegio á Igreja
principal, onde se celebrará pela maior Dignidade Ecclesiastica Missa solemne do Es-
pírito Santo, e o Orador mais acreditado (que não poderá escusar) fará um discurso
analogo ás circumstancias, sendo as despezas como no art. 6 do Capitulo III.
5. Terminada a Ceremonia, tornarão ao logar do Ajuntamento e, repetindo-se a
leitura dos Capitulos IV e V, e feita a pergunta do § 4 Capitulo II, procederão á eleição
dos Deputados, sendo ella feita por cedulas individuaes, assignadas pelo votante, e
tantas vezes repetidas, quantas forem os Deputados que deve dar a Provincia; publi-
cando o Presidente o nome daquelle, que obtiver a pluralidade, e formando o Secretario
a necessaria Relação, em que lançará o nome do eleito e os votos que teve.
6. Preenchido o numero, e verificadas pelo Collegio Eleitoral as qualidades
exigidas no § 2 do Capitulo IV, formará o Secretario o Termo da eleição, e circumstancias

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que a acompanharam: delle se extrahirão duas copias, uma das quaes será remettida á
Secretaria de Estado dos Negocios do Brazil, e outra fechada e sellada á Camara da
Capital, levando inclusa a relação dos Deputados que sahiram eleitos naquelle districto,
com o numero de votos, que teve, em frente do seu nome. Este Termo e Relação serão
assignados por todo o Collegio, que desde logo fica dissolvido.
7. Recebidas pela Camara da Capital da Provincia todas as remessas dos
differentes Districtos, marcará por Editaes o dia e hora em que procederá á apuração
das differentes nomeações: e nesse dia, em presença dos Eleitores da Capital, dos Ho-
mens bons e do Povo, abrirá as Cartas, fazendo reconhecer pelos circumstantes que ellas
estavam intactas, e, apurando as relações pelo methodo já ordenando, publicará o seu
Presidente, aquelles que maior numero de votos reunirem. A sorte decidirá os empates.
8. Depois de publicadas as eleições, formados e exarados os necessarios Termos e
Actas assignadas pela Camara e Eleitores da Capital, se dará uma cópia a cada um dos
Deputados, e remetter-se-há outra á Secretaria de Estado dos Negocios do Brazil.
9. O Livro de Actas, e as Relações e Officios recebidos dos differentes Districtos
serão emmaçados conjunctamente, sobrepondo-se-lhes o rotulo – Actas das Eleições dos
Deputados para a Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Reino do Brazil no
anno de 1822; e se guardará no Archivo da Camara.
10. A Camara, os Deputados, Eleitores, e Circumstantes dirigir-se-hão á Igreja
principal, onde se cantará solemne Te-Deum a expensas da mesma Camara.
Paço, 19 de Junho de 1822. – José Bonifacio de Andrada e Silva”. Grifado pelo
compilador.

21 de junho de 1822. É expedida a Decisão do Governo nº 59 pelo Mi-


nistro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brasil e Estrangeiros
José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), que “remette a todos os governos das provín-
cias, os decretos, proclamações e instrucções para as eleições de Deputados à Assembléa
Geral Constituinte e Legislativa do Reino do Brazil”. Grifado pelo compilador.
O periódico denominado “O Regulador Brasílico-Luso”, nº 2, de 31 de ju-
lho de 1822, editado no Rio de Janeiro, traz duas matérias interessantes com o
título: “Os conhecimentos necessários aos Deputados” e “O perfil do bom deputado”.
1º de agosto de 1822. Palácio do Rio de Janeiro. É expedido decreto,
com a rubrica do Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara, que “declara inimi-
gas as Tropas mandadas de Portugal. Tendo-Me sido confirmada, por unanime con-
sentimento e espontaneidade dos Povos do Brazil, a Dignidade e Poder de Regente
deste vasto Imperio, que El-rei Meu Augusto Pai Me Tinha outorgado, Dignidade de
que as Côrtes de Lisboa, sem serem ouvidos todos os Deputados do Brazil, ousaram
despojar-Me, como é notório: E tendo Eu aceitado, outrossim, o Titulo e encargos de
Defensor Perpetuo deste Reino, que os mesmos Povos tão generosa e lealmente Me
conferiram: Cumprindo-Me, portanto, em desempenho dos meus dos Meus Sagrados
Deveres, e em reconhecimento de tanto amor e fidelidade, Tomar todas as medidas
indispensaveis á salvação desta maxima parte da Monarchia Portugueza, que em Mim
se confiou, e cujos direitos Jurei conservar illesos de qualquer attaque: e como as Côrtes
de Lisboa continuam no mesmo errado systema, e a todas as luzes injusto, de recolonisar

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o Brazil, ainda á força d’armas; apezar de ter o mesmo já proclamado a sua


Independencia Politica, a ponto de estar já legalmente convocada pelo Meu Real De-
creto de 3 de junho proximo passado, uma Assembléa Geral Constituinte e Legislativa
a requerimento geral de todas as Camaras, procedendo-se assim com uma formalidade
que não houve em Portugal, por ser a convocação do Congresso em sua origem sómente
um acto de clubs occultos e facciosos: E Considerando Eu igualmente a Sua Magestade
El-Rei o Senhor D. João VI, de cujo Nome e Autoridade pretendem ás Côrtes servir-se
para os seus fins sinistros, como prisioneiro naquelle Reino, sem vontade propria, e sem
aquella liberdade de acção, que é dada ao Poder Executivo nas Monarchias Constitu-
cionais: Mando, depois de ter Ouvido o Meu Conselho de Estado, a todas as Juntas
Provisorias de Governo, Governadores d’Armas, Commandantes Militares e a todas as
Autoridades constitucionais, a quem a execução deste Decreto pertencer, o seguinte:
III. Que sejam reputadas inimigas todas e quaesquer Tropas, que de Portugal
ou de outra qualquer parte forem mandadas ao Brazil, sem prévio consen-
timento Meu, debaixo de qualquer pretexto que seja; assim como todas as
tripolações e guarnições dos navios em que forem transportadas, si preten-
derem desembarcar: Ficando, porém, livres as relações commerciaes e
amigaveis entre ambos os Reinos, para conservação da União Politica que
muito Desejo manter.
III. Que si chegarem em boa paz, deverão logo regressar, ficando porém retidas
a bordo e incommunicaveis, até que se lhes prestem todos os mantimentos e
auxilios necessarios para a sua volta.
III. Que no caso de não quererem as ditas Tropas obedecer a estas ordens, e
ousarem desembarcar, sejam rechaçadas com as armas na mão, por todas
as Forças Militares da 1ª e 2ª Linha, e até pelo Povo em massa; pondo-se
em execução todos os meios possiveis para, si preciso fôr, se incendiarem os
navios, e se metterem a pique as lanchas de desembarque.
IV. Que si apezar de todos estes esforços, succeder que estas Tropas tomem pé
em algum Porto ou parte da Costa do Brazil, todos os habitantes que o não
poderem impedir, ser retirem para o centro, levando para as mattas e mon-
tanhas todos os mantimentos e boiadas, de que ellas possam utilizar-se; e
as Tropas do Paiz lhes façam crua guerra de postos e guerrilhas, evitando
toda a ocasião de combates geraes, até que consigam ver-se livres de seme-
lhantes inimigos.
IV. Que desde já fiquem obrigadas todas as Autoridades Militares e Civis, a
quem isto competir, a fortificarem todos os Portos do Brazil, em que possam
effectuar-se semelhantes desembarques, debaixo da mais restricta e rigoro-
sa responsabilidade.
VI. Que si por acaso, em alguma das Provincias do Brazil não houverem as
munições e petrechos necessarios para estas fortificações, as mesmas Auto-
ridades acima nomeadas, representem logo a esta Côrte o que precisam,
para daqui lhes ser fornecido, ou dêm parte immediatamente á Provincia
mais vizinha, que ficará obrigada a dar-lhes todos os soccorros precisos
para o bom desempenho de tão importantes obrigações. As Autoridades Civis

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e Militares, a quem competir a execução deste Meu Real Decreto, assim o


executem, e hajam de cumprir com todo o zelo, energia e promptidão, debai-
xo da responsabilidade de ficarem criminosas de Lesa-Nação, si assim deci-
didamente o não cumprirem. Palacio do Rio de Janeiro, 1º de Agosto de
1822. Com a rubrica de S. A. R. o Principe Regente. e Luiz Pereira da
Nobrega de Souza Coutinho”. Grifado pelo compilador. É expedido tam-
bém um manifesto que “esclarece os povos do Brazil das causas da guer-
ra travada contra as tropas do Governo de Portugal que se encontra em
território brazileiro”. Joaquim Gonçalves Ledo (RJ) e José Bonifácio
de Andrada e Silva (SP) manifestam-se sobre a soberania do Brasil.
3 de agosto de 1822. É expedido decreto, com a rubrica do Príncipe
Regente D. Pedro de Alcântara, e com a assinatura de José Bonifácio de
Andrada e Silva (SP), que “declara as Instrucções de 19 de junho deste anno, sobre
a eleição de Deputados á Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Reino do Brazil”.
Grifado pelo compilador. Trata-se de um decreto interpretativo do regulamento
eleitoral.

25 de agosto de 1822. O Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara vai a


Província de São Paulo tendo como objetivo dominar movimento contrário à
regência e dalí se desloca para a cidade de Santos, na mesma província.
7 de setembro de 1822. Dezesseis horas. Sítio do Ipiranga. O Príncipe
Regente D. Pedro de Alcântara, acompanhado do Ministro e Secretário de
Estado Especial e Interino Luiz de Saldanha da Gama, depois Marquês de
Taubaté, do seu fiel secretário particular Francisco Gomes da Silva – o Chala-
ça –, do Major Francisco de Castro Canto e Melo, e do Padre Belchior Pinhei-
ro de Oliveira, em visita à Província de São Paulo, quando está regressando
de Santos, recebe de dois emissários do Rio de Janeiro – o Sargento-Mor de
Milícias Antônio Ramos Cordeiro e o Correio Paulo Bregaro –, os decretos
das “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e Constituintes da Nação Portugueza” – trazi-
dos de Lisboa pelo navio “Três Corações”, que de lá partira a 3 de julho –, que
anulam as ordens do regente (para as “Côrtes” a rebeldia do príncipe é uma
afronta à soberania popular que elas encarnam) e ordenam uma investigação
sumária contra os que houvessem contribuído para impedir que seguissem
com destino a Lisboa os deputados eleitos por Minas Gerais. Uma outra carta
responsabiliza o Ministério pelos atos contrários à política da Metrópole e
manda processar os membros da Junta de São Paulo que haviam subscrito a
representação de 24 de dezembro de 1821, julgada insultuosa pelos termos
em que fora redigida.
Recebe, também, notícias que chegavam de Portugal através de carta do
Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP). As men-
sagens o informam que é muito criticado nas “Côrtes Geraes, Extraordinárias, e
Constituintes da Nação Portugueza”, que estas dominam o rei e seu ministério,
que o príncipe será rebaixado a mero delegado das mesmas e, com isso,

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reduzindo a autoridade do Governo no Brasil; que as províncias brasileiras


serão divididas, que não seria aprovada pelas Cortes o Ato Adicional à Cons-
tituição Portuguesa – proposta no Brasil –, relativo à organização particular
e autonômo do reino do Brasil com um governo e um congresso especial,
que seria anulada a convocação do Conselho de Procuradores Gerais das
Províncias, e processados todos os que se haviam oposto às determinações
das Cortes lusitanas.
À esses despachos juntam-se cartas de José Bonifácio de Andrada e Sil-
va (SP) e da Princesa Real D. Maria Leopoldina Josefa Carolina Francisca
Fernanda Beatriz de Habsburgo-Lorena solicitando do príncipe uma decisão
imediata e seu regresso à Corte, no Rio de Janeiro. Alertavam, inclusive, do
perigo da vinda de tropas portuguesas, como as que pouco antes haviam
chegado à Bahia.
Logo após a leitura destas comunicações – pelas quatro horas e 30 mi-
nutos da tarde –, diante dos fatos que se lhe apresentam, o Príncipe Regente
D. Pedro de Alcântara proclama a separação do Brasil do Reino de Portugal.
“É tempo! Independência ou morte. Estamos separados de Portugal”. E, em um ato
simbólico, arranca o laço português que traz ao chapéu e o joga para longe
de si. Ordena, em seguida, que a guarda tire dos seus uniformes os seus laços.
No dia 8 de setembro, a “divisa do Brazil – Independência ou Morte” é proclama-
da pelo Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara. No dia 9 parte de São Paulo
e chega ao Rio de Janeiro no dia 14. As notícias logo se espalham e começam
as demonstrações do entusiasmo popular.
De acordo com o relato do Padre Belchior Pinheiro de Oliveira (MG)
“o Príncipe desembainhou a espada, no qual foi acompanhado pelos militares; os pai-
sanos tiraram os chapéos. E D. Pedro disse: – Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo
meu Deus, juro fazer a liberdade do Brazil. – Juramos, responderam todos! D. Pedro
embainhou a espada, no que foi imitado pela guarda, poz-se à frente da comitiva, e
voltou-se, ficando de pé nos estribos: – Brazileiros, a nossa divisa de hoje em diante
será Independência ou Morte! Firmou-se nos arreios, esporeou sua bella besta baia, e
galopou, seguido do seu sequito, em direcção à São Paulo”.
“Vossa A. R. não ignora que o partido republicano aí está e fará por si a Inde-
pendência, se não a empolgarmos”. Os conselhos e a exortação de José Clemente
Pereira no apelo feito ao Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara para ficar
no Brasil, trazem para todos e para a nação um novo tempo, e novos horizon-
tes para o novo país que, a partir da divisa “Independência ou Morte”, começa a
construir sua independência e a democracia brasileira livre de peias e impo-
sições estrangeiras.
A reconstituição do trajeto do Imperador D. Pedro I dentro da Provín-
cia de São Paulo, que culminou com a proclamação da Independência do
Brasil foi feita pelo Prof. José Luiz Pasim e objeto de pronunciamento do
Deputado Féres Osrraia Nader (PTB-RJ) na sessão do Congresso Nacional
do dia 6 de outubro de 1988.

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18 de setembro de 1822. É expedido decreto, com a rubrica do Prín-


cipe Regente D. Pedro de Alcântara, que “concede anistia geral para as passa-
das opiniões políticas; ordena o distintivo ‘Independência ou Morte’ e a saída dos
dissidentes”.
23 de setembro de 1822. É expedido decreto, com a rubrica do Prínci-
pe Regente D. Pedro de Alcântara, que “manda cessar (e isto para correspponder
á geral alegria da cidade do Rio de Janeiro pela nomeação dos Deputados para a
Assemblea-Geral Constituinte e Legislativa, que há de lançar os gloriosos fundamentos
do Império do Brazil) a devassa a que se mandou procceder na província de S. Paulo,
pelos successos do dia 23 de maio de 1822, e outros que a este se seguiram; pondo-se em
liberdade os que estiverem presos”.
Enquanto isso, nas “Côrtes Gerais, Extraordinárias e Constituintes” convo-
cadas em Lisboa, os conflitos de interesses, materiais e políticos, entre Brasil
e Portugal, provocam a ruptura entre os representantes portugueses e brasi-
leiros. A maioria portuguesa daquela Assembléia tudo decide contra os interes-
ses brasileiros. O povo que assiste às sessões vaia os “Representantes do Brasil”.
Os deputados brasileiros testemunham os insultos feitos ao seu país e
quase nada podem fazer. Seu pequeno número os deixa sem influência, e só
por acaso aparece alguma coisa em que o “Reino Americano” seja contempla-
do. Vários deputados do Império do Brasil, ainda sem conhecimento da pro-
clamação da independência recusam-se a assinar a Constituição Portuguesa
aprovada em 25 de setembro de 1822.
Nos debates e pronunciamentos realizados na Assembléia, o Deputado
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), chefe da represen-
tação brasileira, revela seus dotes oratórios e sua extraordinária coragem,
combatendo, com veemência, as medidas recolonizadoras. Quando se con-
vence, de vez, que a maioria portuguesa tudo decide contra os interesses
brasileiros e que não vão licenciar os deputados que querem regressar à Pátria,
decide sair de Lisboa para a Inglaterra, com alguns de seus companheiros.
Na manhã de 6 de outubro de 1822, é divulgado que, na véspera, ti-
nham tomado um barco inglês com destino a Falmouth, vários representan-
tes do Brasil. São eles: Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva –
chefe da representação brasileira nas Cortes de Lisboa –, Antônio Manuel da
Silva Bueno, Diogo Antônio Feijó, José Ricardo da Costa Aguiar de Andrada,
representantes da Província de São Paulo; Francisco Agostinho Gomes,
Cipriano José Barata de Almeida e José Lino Coutinho, representantes da
Província da Bahia. O ódio contra eles explode com violência e, de Portugal,
estende-se às possessões. A imprensa lusitana cobre-os de injúrias.
Na sessão plenária das “Côrtes Portuguezas” de 12 de outubro de 1822 é
lido um ofício do ministro da Justiça, remetendo uma nota do intendente-
geral da Polícia de Lisboa que diz terem-se evadido, sem passaportes, no
paquete inglês “Marlborough – capitão Bull”, sete deputados que não juraram a
Constituição Portuguesa. O Plenário resolve tirar seus nomes da lista dos

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representantes brasileiros, sendo, também, riscados da lista geral. De suas


condutas se manda devassar e processar.
Na sessão do dia 15 de outubro de 1822, o Deputado Xavier Monteiro
requer que os mesmos não fossem considerados cidadãos portugueses. Os
madeirenses tentam arrebatá-los do navio em que viajavam, em escala no
Funchal, onde vinham embarcados desde Lisboa. Seguem viagem e desem-
barcam em Falmouth, porto inglês do condado de Cornwall.
O “Correio Braziliense” do mês de novembro de 1822, tendo como redator
Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça – ardente defensor do
Brasil e da interiorização de sua capital –, publica o seguinte: “Declaração de alguns
deputados pelo Brazil nas Côrtes de Portugal, que de Lisbôa se passaram á Inglaterra.
Os abaixo assinados, querendo prevenir qualquer suspeita alheia da verdade,
que possa ocasionar a sua inesperada retirada de Lisbôa, declaram á nação portugueza
e ao mundo inteiro os motivos que os obrigarão a assim obrar. Desde que tomarão
assento no Congresso de Portugal, lutando pela defesa dos direitos e interesses da sua
patria, o Brazil e da nação em geral, infelizmente virão mallogrados todos os seus
esforços, e ate avaliados estes como outros tantos attentados contra a mesma nação. O
desprezo e as injurias andarão sempre de companhia á rejeição de suas propostas; e,
depois de verem com dôr de seus corações todos os dias meditar-se e por-se em execução
planos hostis contra o Brazil, apesar de suas repetidas e vivas reclamações, se lhe
offereceu para assignar e jurar a Constituição, aonde se encontrão tantos artigos inju-
riosos e humilhantes ao seu paiz e talvez nem um só que possa, ainda de um modo
indirecto, concorrer para a sua futura, posto que remota, prosperidade.
Os abaixo assignados não podião, sem merecer a execração de seus concidadãos,
sem ser atormentados dos eternos aguilhões, da consciencia, sem sujeitar-se á maldição da
posteridade, subscrever, e muito menos jurar, uma tal Constituição, feita como de proposito
para exaltar e engrandecer Portugal á custa do Brazil; recusarão, portanto, fazel-o.
(...) Em Falmouth, 22 de outubro de 1822. Os Deputados Cypriano José Barata
de Almeida, Francisco Agostinho Gomes, José Lino Coutinho, Antonio Manoel da Sil-
va Bueno, Diogo Antonio Feijó”.
Os referidos deputados, de volta ao Brasil, e estando no Recife, a 24 de
dezembro de 1822 fazem publicar um novo manifesto tratando do mesmo
assunto.
12 de outubro de 1822. Palacete do Campo de Sant’ana. Senado da Câ-
mara da cidade do Rio de Janeiro. Com o Paço tomado pela população e,
obedecendo o edital de 21 de setembro do mesmo ano que “Trata da acclamação
do Principe Regente como Imperador do Brazil” é realizada a “ACCLAMAÇÃO DO
SENHOR D. PEDRO IMPERADOR CONSTITUCIONAL DO BRAZIL, E SEU
PERPETUO DEFENSOR. No fausto dia 12 do mez de Outubro de 1822, Primeiro da
Independencia do Brazil, nesta Cidade e Côrte do Rio de Janeiro, e Palacete do Campo
de Santa Anna, se juntaram o Desembargador Juiz de Fóra, Vereadores, e Procurador do
Senado da Camara, commigo Escrivão abaixo nomeado, e os Homens bons, que no
mesmo têm servido, e os Mesteres, e os Procuradores das Camaras de todas as Villas

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desta Provincia adiante assignados, para o fim de ser Acclamado o Senhor D. PEDRO
DE ALCANTARA IMPERADOR CONSTITUCIONAL DO BRAZIL, conservando
sempre o Titulo de Seu Defensor Perpetuo Elle e Seus Augustos Sucessores, na fórma
determinada em Vereação Extraordinaria de 10 do corrente. (...)Findo este solemne Acto
foi Sua Magestade Imperial e Constitucional acompanhado debaixo de Pallio á Capella
Imperial, aonde estava disposto um Te-Deum solemne em Acção de Graças”.
Vale registrar que foi, também, por proposta de Domingos Alves Branco
Muniz Barreto (BA) que se desse o título de imperador, em vez de rei, ao
Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara e que, aceito pelo povo do Rio de
Janeiro através de seus representantes no Senado da Câmara, foi este acla-
mado como “Imperador Constitucional do Brasil e seu Perpétuo Defensor”. Com a
independência e a aclamação do Imperador, o Brasil passa a existir como
entidade política, como país.
D. Pedro de Alcântara, com apenas 22 anos, torna-se o primeiro
governante do maior império que já existiu abaixo da linha do Equador. Im-
pério apenas menor que o da Rússia, da China e do Britânico. Alguns depu-
tados e estudiosos da época consideravam este como o dia da independência
do Brasil. A Decisão do Governo nº 210, de 1º de outubro de 1824, declarava
de grande gala o dia 12 de outubro.
18 de outubro de 1822. É expedida a Decisão de Governo nº 125 pelo
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brasil e Estrangei-
ros José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), que “comunica aos encarregados de
negócios, no estrangeiro, o Acto da Acclamação do Príncipe Regente como Imperador
do Brazil”.
28 de outubro de 1822. Primeira demissão dos Andradas. 48 horas
depois os mesmos são readmitidos, atendendo a representações dos procura-
dores-gerais e comandantes das guarnições. Reassume José Bonifácio de
Andrada e Silva (SP) com plenos poderes e com a disposição de poder reali-
zar o seu programa de “centralizar a união e prevenir as desordens”. O governo
dos Andradas dura 18 meses, até 16 de julho de 1823, e é marcado pela
disputa entre o ministério e o grupo da maçonaria, sob o comando de Joa-
quim Gonçalves Lêdo.
1º de dezembro de 1822. Cerimônia de coroação e sagração do Impe-
rador D. Pedro I. Realiza-se de acordo com a Decisão do Governo nº 138, do
dia 20 de novembro, expedida pelo Ministro e Secretário de Estado dos Ne-
gócios do Reino do Brasil e Estrangeiros José Bonifácio de Andrada e Silva
(SP), que “determina o Cerimonial do Auto de Coroação e Sagração”. Sendo realiza-
do, também, logo após esta cerimônia, o juramento dos procuradores-gerais
das províncias, do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, e dos procuradores
de outras câmaras, declarando obediência as leis e ao Imperador.
Em meados de dezembro de 1822, por determinação do Ministro e
Secretário de Estado da Fazenda Martim Francisco Ribeiro de Andrada (SP),

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é expedida ordem para se preparar uma casa destinada aos trabalhos da As-
sembléia Geral, Constituinte e Legislativa. A “Cadeia Velha”, que se acha deso-
cupada sendo o edifício que melhores condições e proporções oferece, é es-
colhida.
Theodoro José Biancardi é o encarregado da sua reforma e decoração,
por indicação de José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), no intuito de prestar
este auxílio ao seu irmão, Ministro e Secretário de Estado da Fazenda, na
preparação daquela casa histórica. Biancardi fica encarregado, também, da
organização da respectiva Secretaria. O oratório, ou Capella de Jesus, onde
esteve Tiradentes, serve, depois, para o Arquivo da Câmara. O lugar que
melhor encontra para a Secretaria da Assembléia é o salão onde existia o
alçapão e por onde subiam e desciam os presos.
Estando nestes preparativos, conta-se que, quando Theodoro José
Biancardi estava mandando assoalhar a boca do alçapão, vê, de repente, um
homem vestido de preto ajoelhar-se perto deste local que se estava fechando.
Este, unindo as mãos, levanta os olhos para o céu, e diz estas palavras, que,
tradicionalmente conservadas, foram sendo repassadas ao longo da nossa
história legislativa: “Louvado sejaes, meu Deus: quando, em 1792, eu sahi por aqui,
para cumprir a sentença que me foi imposta por occasião da Conjuração Mineira, não
me passou pelo pensamento que seria eu hoje um dos membros da Assembléa Geral
Constituinte e Legislativa do Brazil! Louvado seja o Senhor, meu Deus”. Era José de
Rezende Costa – filho (MG), e que proferia tais palavras, com lágrimas nos
olhos. A medida que o assoalho se pregava na boca do alçapão, narrava a
Biancardi os seus sofrimentos e os de seus companheiros de infortúnio.
Este brasileiro fora, anteriormente, eleito deputado por Minas Gerais
às “Côrtes Geraes, Constituintes e Legislativas da Nação Portugueza”. Agora, depu-
tado para a primeira Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Brasil
tem como missão ajudar a constituir o Brasil como nação livre, soberana e
independente. Depois da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa, é elei-
to, mais uma vez, deputado para a 1ª legislatura – 1826/1829.
Ainda estudante e um dos inconfidentes de Minas Gerais, é preso junta-
mente com seu pai, José de Resende Costa (MG), que também estava impli-
cado na conspiração. São condenados à morte e enviados para a ilha das
Cobras. Ambos obtêm, em 1792, a comutação da pena de morte na de degre-
do. É desterrado por dez anos para a ilha de São Tomé de Cabo Verde, sendo
seu pai desterrado para Bissau.
A Cadeia Velha, edifício construído em meados do século XVII para abrigar a
Câmara Municipal e servir de prisão, como era costume no Brasil Colonial, foi a
primeira sede da Câmara dos Deputados, de 17 de abril a 12 de novembro de 1823,
depois, no Império, de 29 abril de 1826 a 15 de novembro de 1889, e também, de 12
de dezembro de 1891 a 11 de setembro de 1914, na 1ª República.
5 de janeiro de 1823. É expedida a Decisão do Governo nº 2 pelo Mi-
nistro e Secretário de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros José

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Bonifácio de Andrada e Silva (SP), que “dá providências para se reunirem quanto
antes na cidade do Rio de Janeiro os Deputados da Assembléa Constituinte”. Grifado
pelo compilador. As eleições para a Assembléia Constituinte haviam se realizado
após a “Proclamação da Independência”. Estas instruções são para que os gover-
nos provinciais facilitem todos os meios precisos para o transporte de seus
representantes à Corte, no Rio de Janeiro, “com a possível brevidade”. Lembra,
inclusive, da necessidade de virem os suplentes, quando os titulares estive-
rem impedidos.
17 de fevereiro de 1823. É expedido Decreto, com a rubrica do Impe-
rador D. Pedro I, que “explica o Decreto de 3 de Junho de 1822 sobre subsidio dos
Deputados á Assembléa Constituinte”.

20 de fevereiro de 1823. É expedida a Decisão do Governo nº 23 pelo


Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros José
Bonifácio de Andrada e Silva (SP), “concedendo licença, para se erigir, no sítio
denominado Ipiranga, um monumento à Independência do Brasil, a pedido do cida-
dão Antonio da Silva Prado e outros”. No dia 9 de abril de 1825 é expedida a
Decisão do Governo nº 83 pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios
do Império, Estevão Ribeiro de Rezende (MG), Marquês de Valença, “determi-
nando que seja levantado, no próprio sítio do Ipiranga, o monumento que se pretende
erigir em memória da proclamação da Independência do Brasil”.
14 de abril de 1823. É expedido decreto, com a rubrica do Imperador
D. Pedro I, “designando o dia 17 de abril para a reunião dos Deputados da Assembléa
Geral Constituinte e Legislativa, do Reino do Brazil”. Grifado pelo compilador.

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Ilustração nº 7
Interior do edifício da Cadeia Velha após a reforma para instalação
da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa de 1823

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Quadro/Ilustração nº 8 – 8/A e 8/B


Os irmãos Andradas – José Bonifácio de Andrada e Silva.
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva.
Martim Francisco Ribeiro de Andrada.

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A Construção da Democracia 111

Início da História Legislativa


do Brasil Independente

Assentamento das bases da democracia


com a instalação do Poder Legislativo

17 de abril de 1823. A nossa história legislativa do Brasil independente


tem início com a primeira sessão preparatória, aberta às nove horas, no re-
cinto da “Cadeia Velha”, com a presença de 52 deputados constituintes, e de
acordo com as instruções expedidas pelo Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios do Império e Estrangeiros José Bonifácio de Andrada e Silva (SP).
Para presidir as Sessões Preparatórias e a instalação da Assembléia, são elei-
tos Presidente e Secretário interinos, respectivamente, os Deputados D. José
Caetano da Silva Coutinho, Bispo Capelão-Mor (RJ), e Manoel José de Souza
França (RJ).
O Deputado D. José Caetano da Silva Coutinho, Bispo Capelão-Mor
(RJ), é depois eleito para presidir as sessões no mês de maio. O Deputado
José Bonifácio de Andrada e Silva (SP) é eleito vice-presidente no mês de
maio e presidente, em junho. Em julho assume a presidência o Deputado
Manoel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá (MG); em agosto é eleito, nova-
mente, o Deputado D. José Caetano da Silva Coutinho, Bispo Capelão-Mor
(RJ); em setembro assume o Deputado José Egídio Álvares de Almeida, Ba-
rão de Santo Amaro (RJ); em outubro, o Deputado Martim Francisco Ribeiro
de Andrada (RJ); e, em novembro, o Deputado João Severiano Maciel da
Costa, (MG).
Quatorze das dezoitos províncias relacionadas nas instruções de 19 de
junho de 1822 se fazem presentes (Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo,
Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte,
São Pedro do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo).
São eleitos noventa deputados, seis não tomam posse. Os representantes das
Províncias do Pará, do Piauí, do Maranhão e da Cisplatina não comparecem.
Estas províncias se encontram convulsionadas pelas guerras da independên-
cia. Nestes locais quem governa, ainda, são os mandatários portugueses e
não há eleições.
A eleição favorece de modo especial ex-revolucionários: conjurados
mineiros e baianos e os líderes da revolução pernambucana de 1817.
Um fato curioso, que merece registro, é que a câmara apuradora de
Olinda, a pretexto de uma reclamação que no ato de verificação de votos lhe

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fizeram os eleitores e homens bons que se achavam presentes não expediu o


diploma do Deputado Venâncio Henriques de Rezende (PE) – revolucionário
de 1817 –, fundamentando-se no § 2º, do Capítulo 4º, das Instruções de 19
de junho de 1822, visto como constava por duas cartas assinadas pelo mesmo
deputado e impressa nos periódicos “Marimbondo” e “Gazeta Pernambucana”
de que “(...) ele não era afeto á causa do Brazil, promovendo o sistema republicano”.
Contra tal exclusão reclamou o referido deputado, e sendo sua petição envia-
da à Comissão de Poderes, esta, em luminoso parecer subscrito pelos repre-
sentantes Estevão Ribeiro de Rezende (MG), Manoel Jacinto Nogueira da
Gama (RJ), e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), opi-
nou que se lhe desse assento na Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa,
como efetivamente se deu.
O que há de mais ilustrado no País acha-se reunido no Plenário da
Constituinte. A maioria dos constituintes é composta de magistrados e ba-
charéis em Leis e Canônes, seguindo-se de padres, militares, funcionários,
médicos, proprietários urbanos e rurais, representando o que há de mais
culto nas províncias. Na realidade são quase todos da elite abastada e instruí-
da, formados em Coimbra. Liberais cautelosos e flexíveis. Há um diminuto
bloco das camadas médias e do baixo clero. Não há representação dos traba-
lhadores manuais ou artífices. Grande parte dos constituintes não tem qual-
quer experiência em questões legislativas, mas outros haviam participado das
“Côrtes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portugueza”, em Lisboa,
como representantes do Brasil.
São eleitos pela Província de Minas Gerais, dois inconfidentes, com-
panheiros de Tiradentes: José de Rezende Costa – filho (MG) que foi en-
contrado, de joelhos chorando, rezando, e agradecendo a Deus que lhe
permitira, depois de tantas lutas, a glória de ser Constituinte no mesmo
local onde fora prisioneiro, julgado e deportado, e o Padre Manuel Rodrigues
da Costa (MG), que também estivera, enclausurado no mesmo edifício da
Cadeia Velha.
Dos conjurados baianos de 1798 e constituinte às “Côrtes Portuguezas”, é
eleito o sexagenário Cypriano José Barata de Almeida (BA), que não assume
por julgar a Assembléia “cercada de mais de sete mil baionetas de nossos inimigos e
que fora do Parlamento, melhor defenderia seus ideais políticos e a causa da Pátria”.
Por essa época já publicava seu periódico intitulado “A sentinela da liberdade na
guarita de Pernambuco” e que faz oposição ao governo. A Junta Governativa de
Pernambuco intima-o a viajar para o Rio de Janeiro, a fim de assumir na
Assembléia Geral Constituinte e Legislativa a cadeira para a qual for eleito
pela Bahia. Não cumpre a ordem. Expirado o prazo, é preso e expulso da
província. Vai passar longos anos na prisão em Salvador e depois no Rio de
Janeiro, em 1823, onde é recolhido na Fortaleza de Santa Cruz. Consegue se
libertar somente em 1829 e vai para a Bahia, onde começa a publicar o perió-
dico “Sentinella da liberdade na guarita do quartel-general de Pirajá”. Preso nova-

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A Construção da Democracia 113

mente por se ter incompatibilizado com os políticos moderados de Salvador,


só vai obter a sua liberdade definitiva em 1833. É interessante destacar que
mesmo preso, Cypriano José Barata de Almeida (BA) continua a publicar seu
periódico com o título “Sentinella da Liberdade”, modificando, ironicamente, o
título de acordo com as prisões para onde ia sendo transferido.
Dos revolucionários de 1817, integram a Assembléia Geral, Constituin-
te e Legislativa o Doutor Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e
Silva (SP), e os Padres Francisco Muniz Tavares (PE), José Martiniano de
Alencar (CE), João Antônio Rodrigues de Carvalho (CE) e Venâncio Henriques
de Rezende (PE).
18 de abril de 1823. Plenário. O Deputado Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada Machado e Silva (SP) apresenta uma fórmula de juramento para os
Constituintes, que, depois de discutida e emendada pelo Deputado Martim
Francisco Ribeiro de Andrada (RJ), é aprovada com a seguinte redação: “Juro
cumprir fiel e lealmente as obrigações de deputado na assembléa geral constituinte e
legislativa braziliense, convocada para fazer a constituição politica do Imperio do Brazil,
e as reformas indispensaveis e urgentes, mantida a religião catholica apostolica roma-
na, a integridade e independencia do Imperio, sem admittir com alguma nação qual-
quer outro laço de união ou federação, que se opponha á dita independencia, mantido
outrossim o Imperio constitucional, e a dynastia do Sr. D. Pedro nosso primeiro impera-
dor e sua descendencia”. Grifado pelo compilador.
1º de maio de 1823. 9 horas. Plenário. Registra-se o seguinte: “O Sr.
Presidente: – Creio que são horas de irmos á capella, para se ouvir missa e prestar
juramento.
Conveio a assembléa, e d’ali se dirigio em corpo a capella-imperial onde assistiu á
missa solemne do Espirito-Santo que officiou o Sr. bispo capellão-mór; o qual logo depois
prestou o juramento de deputado nas mãos do decano do cabido pronunciando de joelhos
e em voz alta o mesmo juramento pela forma approvada. Igualmente jurárão perante o
Sr. bispo, presidente da assembléa, o Sr. secretario e mais deputados, pondo cada um por
sua vez a mão sobre os Santos-Evangelhos, e dizendo: – Assim o juro. Concluido este acto
voltárão os Srs. deputados á sala da assembléa”. Grifado pelo compilador.
Na obra “Notícia histórica sobre a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa
de 1823 – Inventário Analítico do Acervo Arquivístico e Sinopse de Tramitação” o
Técnico Legislativo da Câmara dos Deputados Ernani Valter Ribeiro assim
descreve a sessão inaugural: “(...) A entronização do Imperador na sala das sessões
da Assembléia, se obedeceu em tudo ao Regimento Provisório, aprovado nas sessões
preparatórias, deu-se da seguinte forma: uma deputação de onze membros foi receber o
Imperador, onde se apeou à entrada do edifício da Assembléia, para acompanhá-lo até
o trono. O Imperador teve de se descobrir à entrada da sala, e a coroa e o cetro foram
conduzidos por seus oficiais e depositados em uma mesa à direita do trono, que se
situava no topo da sala das sessões. A cadeira do presidente da Assembléia ficava no
primeiro degrau à direita do trono, ladeada pelas cadeiras dos secretários. Os depu-
tados, em torno de uma mesa circular, podiam ver o presidente e podiam ser vistos,

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114 Casimiro Neto

assentando-se indistintamente e sem precedências. O presidente, os secretários e todos os


deputados ficaram de pé até que o Imperador se assentou no trono. Os espectadores,
independentemente de sua classe ou cargo, exceto os membros da família imperial,
ficaram de pé, enquanto o Imperador permaneceu na sala das sessões. (Anais, 1823,
t.1, p.5.7.).
A entrada do Imperador, sem coroa e sem cetro, provocou constrangimento em
alguns deputados, como saberemos por ocasião da nova discussão do cerimonial, já
para tornar definitivo o Regimento Interno. Questão aparentemente fútil, envolvia, no
entanto, um problema capital, qual o de saber quem encarnava a soberania nacional,
o Imperador ou a Constituinte, ou que parcela dessa soberania cada um destes repre-
sentava. Na discussão desse aspecto do cerimonial, ficou bem evidenciada a preocupa-
ção dos constituintes com esse problema, que vai estar presente até o golpe de Estado de
12 de novembro, quando o Imperador dissolveria a Assembléia. Antonio Carlos expli-
cou: “A Comissão julgou que, sendo Sua Magestade Imperial um poder constitucional
e a Assembléia outro, devia ser igual a situação de ambos, quando presentes; e como a
Assembléia se não cobre, pareceu que também Sua Magestade Imperial devia entrar
descoberto”. (Anais, 1823, t.1, p.7,1ª Col.)”.
Vale registrar, que durante o Império, no dia 3 de maio, entre meio
dia às 13 horas, na abertura anual dos trabalhos legislativos, na “Sessão Im-
perial da Abertura da Assembléia Geral Legislativa”, o monarca, na sua “Fala do
Trono”, logo que tomava assento e mandava que se assentassem também os
Srs Deputados, Senadores e todos os outros presentes nesta sessão solene,
lia pessoalmente a sua mensagem perante os “Srs. Representantes da Nação”
expondo a situação do país, os planos de governo e as sugestões aos parla-
mentares de proposituras que poderiam ser adotadas durante a sessão
legislativa. Ao final do ano legislativo, o imperador comparecia novamente
na denominada “Sessão Imperial do Encerramento da Assembléia Geral Legislati-
va”. Quanto a isso, de acordo com o Deputado Constituinte Martim Fran-
cisco Ribeiro de Andrada (RJ) na sessão do dia 12 de junho de 1823 “(...)
entre os actos publicos do governo representativo, nenhum ha mais solemne do que
aquelle em que o monarcha, como chefe da nação, abre a Assembléa, e aquelle em que
termina os seus trabalhos”.
Depois desta sessão solene começava a elaboração do “Voto de Graças”
que era a resposta à “Fala do Trono”. A primeira tarefa das duas Casas era
nomear uma comissão para prepará-la. Provocando sempre o debate políti-
co, governo e oposição colocavam os seus pontos de vista comuns e as suas
divergências. Discutido, votado e aprovado o projeto de resposta à “Fala do
Trono”, era, em seguida, nomeada uma comissão para levá-la ao imperador.
Ressalta que cada Câmara debatia e preparava seu voto, nomeava sua co-
missão, seu orador próprio, marcava a audiência imperial e ouvia-se do
monarca uma pequena resposta. Na volta às respectivas Câmaras, eram co-
municados pelo orador designado o desempenho da sua função e as pala-
vras do imperador.

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A Construção da Democracia 115

A “Assembléa Geral, Constituinte e Legislativa” é instalada, solenemente,


no dia 3 de maio de 1823 (dia da invocação da Santa Cruz), às doze horas e
trinta minutos, com a presença do Imperador D. Pedro I, que, abrindo os
trabalhos da Assembléia, dirige à representação nacional a sua primeira “Fala
do Trono”. A mais longa de quantas leu perante os legisladores brasileiros, até
sua abdicação em 1831. É um pronunciamento histórico. “Dignos Represen-
tantes da Nação Brazileira. É hoje o dia maior, que o Brazil tem tido, dia, em que elle
pela primeira vez começa a mostrar ao mundo, que é imperio, e imperio livre. Quão
grande é meu prazer, vendo juntos representantes de quasi todas as provincias, fazerem
conhecer umas ás outras seus interesses, e sobre elles bazearem uma justa e liberal
constituição, que as reja! (...) Afinal raiou o grande dia para este vasto imperio, que
fará época na sua historia. Está junta a assembléa para constituir a nação. Que pra-
zer! que fortuna para todos nós! (...) fazendo uma constituição sábia”. Faz referência
a divisão e harmonia entre os poderes: “Uma constituição em que os tres poderes
sejão bem divididos de fórma, que não possão arrogar direitos, que lhe não compitão
mas que sejão de tal modo organisados e harmonizados, que se lhe torne impossível,
ainda pelo decurso do tempo fazerem-se inimigos, e cada vez mais concorrão de mãos
dadas para a felicidade geral do estado”. O Imperador D. Pedro I faz um balanço
da situação do País, do Tesouro Público, das obras concluídas e em andamen-
to, do Exército e da Armada, da Administração Pública, e das principais me-
didas adotadas para a consolidação da Independência do Brasil, pois ainda
se lutava para conquistá-la. Concluindo, diz que “com sua espada defenderá a
Pátria, a Nação e a Constituição”. É aclamado pela Assembléia e pelo povo nas
galerias.
O Presidente da “Assembléa-Geral, Constituinte e Legislativa”, Deputado
D. José Caetano da Silva Coutinho, Bispo Capelão-Mor (RJ), dirige ao Impe-
rador D. Pedro I, a seguinte resposta: “Senhor. Cabendo-me hoje a ditosa sorte de
manifestar na augusta presença de Vossa Magestade Imperial os honrados sentimentos
patrioticos da assembléa geral constituinte e legislativa do Imperio do Brazil, a primei-
ra idéa que se me offerece é a novidade deste mesmo espectaculo soberano, e magestoso,
pela primeira vez ostentado no Brazil, e raras vezes visto no resto do mundo.
(...) A distincção dos poderes políticos é a primeira base de todo o edificio consti-
tucional: estes poderes se achão já distinctivamente no recinto augusto desta sala; a
sabedoria colletiva da nação; a autoridade constituinte e legislativa; o chefe do poder
executivo. Mas é este mesmo recinto apertado, e estreito que eu considero como a ima-
gem viva, e energica daquelle laço apertado e indissoluvel, que deve ligar todos os
membros do corpo politico, daquella doce harmonia, que deve erigir para um só fim
todos os supremos poderes, aliás distinctos e independentes nos limites da sua esphera.
(...) Os talentos, e as luzes da assembléa hão de levantar certamente com toda a
perfeição, e sabedoria, a complicada machina do estado, mas o que nos afiança a regu-
laridade, a constancia, e a perpetuidade dos seus movimentos são, as virtudes, as pai-
xões bem reguladas pela razão, os bons constumes, e maneiras, os sinceros sentimentos
religiosos das autoridades públicas e dos individuos particulares”. Encerra afirman-
do que se “(...) verá repetir muitas vezes esse mesmo acto magestozo, em que o monar-

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ca vem ao seio da representação nacional a congratularem-se, e a felicitarem-se mutua-


mente pelos duplicados motivos de felicidade do povo e da gloria do throno”. Grifado
pelo compilador.
Terminada a resposta, levanta-se o Presidente da Assembléia Consti-
tuinte e conclama em voz alta “– Viva o nosso primeiro imperador constitucional –
o que foi repetido pela assembléa e espectadores com altas aclamações. Sua Magestade
exclamou também – Viva a assembléa constituinte e legislativa; – e foi igualmente
correspondido pela assembléa e espectadores”.
“Concluído este ato pelas duas horas da tarde, levantou-se Sua Magestade, e a
Assembléa; e com o mesmo cerimonial com que tinha entrado se retirou”.
“Dia memorável nos Faustos da Historia Brazilica”, na expressão do Depu-
tado José Bonifácio de Andrada e Silva (SP). O Imperador D. Pedro I, os
constituintes e o povo se unem no primeiro “ato da soberania nacional”, em
comunhão com a mesma esperança “de segurança do futuro”.
Dentre outros jornais, “O Espelho” registra: “Assomou finalmente o dia sus-
pirado, objecto dos desejos e dos votos dos brazileiros”.
Com a Independência, novas personagens entram em cena: A Nação, o
Povo, a Pátria. Se a independência faz-se imperial como fórmula de união, a
constitucional é a declaração de liberdade dos povos do Brasil. A Assembléia
Constituinte passa a falar pelo que ela tinha de melhor a representar: as
aspirações de uma jovem Nação.
Duas afirmações do Imperador D. Pedro I provocam reações na Assem-
bléia, mostrando, desde logo, suas dissenções com o primeiro corpo legislati-
vo brasileiro: a de que “(...) defenderia a pátria, a nação e a constituição, se fosse
digna do Brazil e de mim”, e a segunda: “(...)espero que a constituição que façais,
mereça a minha imperial aceitação, seja tão sábia, e tão justa, quanto apropriada á
localidade, e civilisação do povo brazileiro; igualmente, que haja de ser louvada por
todas as nações que até os nossos inimigos venhão a imitar a santidade e sabedoria de
seus principios, e que por fim a executem”. Grifado pelo compilador.
Estas afirmações soam mal dentro do Parlamento, pois que a maioria
parlamentar não admitiriam que se viessem a votar uma constituição indigna
da Nação e do monarca. Para o frade carmelita Frei Joaquim do Amor Divino
Caneca “o imperador não podia ter outra dignidade que não fosse a da nação, de
modo que só lhe cumpriria aceitar o texto que lhe enviasse a Assembléia Constituinte” e
que segundo ele, diferente das constituições européias “a nossa Constituição há
de ser brasileira no espírito e no corpo” de vez que nossa situação em relação aos
outros países era totalmente diferente.
O Imperador se esquecia, naquele momento histórico, que a Assem-
bléia era constituinte e legislativa, cabendo a esta decidir o meio, a forma e o
conteúdo constitucional. Esta passa a conviver, desde o primeiro dia, com um
poder que a precede e limita, e com boatos de sua dissolução.
Desde o primeiro momento de sua instalação, revela-se o insanável con-
flito entre a “Assembléa Geral, Constituinte e Legislativa”, expressão da soberania
nacional, a querer valer suas prerrogativas, desejando mesmo, algumas ve-

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A Construção da Democracia 117

zes, ampliá-las, e de outro, o Imperador, aferrado à tradição absolutista da


“monarquia dos Bragança”, cercado de maus conselheiros.
A discussão do “Voto de Graças” (resposta à “Fala do Trono”) teve início no
dia 6 de maio, por proposta do Deputado Antônio Carlo Ribeiro de Andrada
Machado e Silva (SP), que, no dia anterior, havia apresentado um projeto de
resposta, de sua autoria com o seguinte teor: “Proponho que se nomêe uma depu-
tação para levar á presença de Sua Magestade Imperial, o voto de graças da assembléa
pela graciosa falla de Sua Magestade Imperial pronunciada na sessão primeira, de 3
do corrente mez, e que se declare a Sua Magestade Imperial: “1º Que a assembléa
reconhece com ternura a generosidade e grandeza d’alma de Sua Magestade Imperial,
que desprezando sentimentos acanhados, e vistas curtas e interessadas foi o primeiro a
convocar a representação nacional, que deve limitar o poder que de facto possuião os
seus antecessores. 2º Que a assembléa louva, e agradece a actividade de Sua Magestade
Imperial, que lhe abrio o caminho ás reformas precisas, e facilitou assim os trabalhos da
assembléa. 3º A assembléa reconhece mais na falla de Sua Magestade Imperial os
sentimentos de verdadeira constitucionalidade, e os principios de genuina liberdade a
que aspira”. Foi remetido à Mesa.
A discussão revela, desde logo, as tendências que começam a se esboçar
no âmbito da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa entre moderados e
exaltados, e entre partidários do Imperador e oposicionistas. Há censura às
advertências do Imperador. O Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
Machado (SP), em defesa da sua proposta, assim se posiciona: “(...) A nação,
Sr. presidente, elegeu um imperador constitucional, deu-lhe o poder executivo, e o de-
clarou chefe hereditário; nisto não podemos nós bulir; o que nos pertence é estabelecer
as relações entre os poderes, de fórma porém que se não ataque a realeza; se o fizermos
será a nossa obra digna do imperador, digna do Brazil e da assembléa. Isto espero que
façamos”. O Deputado José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), na mesma ses-
são e em defesa da “Fala do Trono”, assim se pronuncia: “(...) O povo do Brazil,
Sr. Presidente, quer uma constituição, mas não quer demagogia e anarchia; assim o
tem declarado expressamente, e é uma verdade de que não póde duvidar-se. (...) Estou
certo que todos nós temos em vista um só objecto: uma constituição digna do Brazil,
digna do imperador, e digna de nós”.
No decorrer dos trabalhos da Assembléia Constituinte, o centro dos
debates passa a ser a natureza da soberania, imperial ou popular, e a forma
do seu exercício. José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), ministro e depu-
tado, advoga o primado do poder pessoal do Imperador, em nome da unida-
de nacional e de um Executivo forte. Jornais oficiosos e setores militares de-
fendem o poder de veto absoluto do monarca, até sobre a Constituição.
Não existindo partidos políticos, três facções estão em luta aberta. Há
uma divisão nítida entre brasileiros e portugueses ainda não conformados
com a Independência do Brasil. Os brasileiros, por sua vez, se dividem em
duas correntes políticas. Uma, é chefiada por Joaquim Gonçalves Ledo, que
quer maiores poderes para os representantes do povo e, conseqüentemente,
limitação dos poderes do Imperador. Fação que tende mais para a República

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do que para a Monarquia. A outra, é chefiada por José Bonifácio de Andrada


e Silva (SP), que, receosa do Brasil cair na desordem, quer limitar os poderes
do Parlamento. A Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa, por sua vez,
ciosa de suas prerrogativas, isenta seus atos da sanção imperial.
10 de maio de 1823. Plenário. O Deputado Francisco Moniz Tavares
(PE) apresenta o “projeto de decreto que autorisa o Governo, por espaço de trez mezes,
contados do dia da publicação do presente decreto, a fazer retirar immediatamente para
o seu paiz os portuguezes suspeitos e que não tem dado provas de adhesão á sagrada
causa da independencia”.

9 de junho de 1823. Plenário. O 1º secretário informa que “recebeu um


memmorial offerecido á Assembléa pelo Deputado José Bonifácio de Andrada e Silva,
sobre a necessidade e meios de se edificar no interior do Brazil uma nova capital para
assento da Côrte, da Assembléa Legislativa, e dos tribunais superiores”. Grifado pelo
compilador. É recebida com agrado e remetida à Comissão de Estatística, e
depois à Comissão de Constituição para apresentarem o seu parecer.
Anteriormente, em 1821, já havia sugerido a criação de uma “cidade
central no interior do Brazil para assento da Côrte de Regencia, que poderá ser na
latitude pouco mais ou menos de 15 graus, em sítio sadio, ameno e fértil e regado por
algum rio navegável” e, em 1822, propõe a criação da capital do Reino, no
“Centro do Brazil”, com a denominação “Brazília ou qualquer outra”. Em Lon-
dres, o jornal “Correio Braziliense”, de 1813, 1818 e 1822, publica artigos sob a
responsabilidade do redator Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Men-
donça, defendendo a transferência da capital para o interior do País.
14 de junho de 1823. Plenário. O Deputado José Feliciano Fernandes
Pinheiro (RS), depois Visconde de São Leopoldo, após pronunciar-se sobre
instrução pública e estudantes brasileiros na universidade de Coimbra apre-
senta uma indicação com o seguinte teor: “Proponho que no Império do Brazil se
crie quanto antes uma universidade pelo menos, para assento da qual parece dever ser
preferida a cidade de S. Paulo pelas vantagens naturaes, e rasões de conveniencia
geral. Que na faculdade de direito civil, que será sem duvida uma das que comporá a
nova universidade, em vez de multiplicadas cadeiras de direito romano, se substituão
duas, uma de direito publico constitucional, outra de economia politica. – Paço da
assembléa 12 de junho de 1823. O deputado. José Feliciano Fernandes Pinheiro”.
Finda a leitura requereu o mesmo deputado a urgência, que sendo apoiada,
faz-se em seguida a segunda leitura da proposta e resolve a Assembléia que
seja remetido à Comissão de Instrução Pública para a transformar em proje-
to de lei.
Na sessão de 19 de agosto, o Deputado Martim Francisco Ribeiro de
Andrada (RJ), por parte da Comissão de Instrução Pública, lê o projeto de lei
que trata da criação de duas universidades, uma na cidade de São Paulo e
outra na de Olinda, nas quais se ensinarão todas as ciências e letras. Criando-
se, desde já, um curso jurídico na cidade de São Paulo. Colocado em dis-

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A Construção da Democracia 119

cussão nos meses seguintes, os debates processam-se de forma apaixonada.


Advogando mais em favor das províncias de origem, os constituintes exaltam
as qualidades de suas regiões. Em 4 de novembro o projeto é aprovado em
terceira discussão, com emendas, permanecendo, entretanto, a localização de
acordo com o projeto original. É remetido à Comissão de Redação das Leis.
17 de julho de 1823. O Imperador D. Pedro I afasta o “Gabinete dos
Andradas”, por motivos não esclarecidos. Mas o rompimento se dá, porque,
nesta data, o monarca anistiara todos os presos políticos, indistintamente,
inclusive os inimigos dos Andradas, causando dúvidas sobre as idéias a serem
implementadas pelo Governo Imperial. São substituídos por uma nova ad-
ministração, composta de homens que têm a reputação de mais moderados.
Como era natural, seguiu-se na política do ministério completa mudança.

18 de julho de 1823. Plenário. O Secretário, Deputado José Joaquim


Carneiro de Campos (RJ), lê o seguinte ofício: “Illm. E Exm. Sr. – Sua Magestade
o Imperador, tendo concedido a demissão que lhe pedirão os ministros e secretarios de
estado dos negocios do imperio, estrangeiros e da fazenda; e devendo elles ser substituidos
por outros, que pelo seu caracter, e conhecimentos, e sua firme adhesão á causa do
Brazil, aos principios constitucionaes, merecessem a confiança publica: nomeou a V.
Ex. para os negocios do imperio, e estrangeiros, e ao Sr. conselheiro Manoel Jacintho
Nogueira da Gama para os da fazenda, e presidencia do thesouro publico. O que de
ordem de S. M. Imperial participo a V. Ex. para ser presente á assembléa geral consti-
tuinte e legislativa deste imperio. – Deus guarde a V. Ex. Palacio do Rio de Janeiro, em
18 de Julho de 1823. – Caetano Pinto de Miranda Montenegro. – Sr. José Joaquim
Carneiro de Campos”.
Entre outros atos, o Governo, por portaria de 2 de agosto de 1823,
expedida pelo Ministro e Secretário de Estado da Guerra João Vieira de Car-
valho, Marquês de Lages, nascido em Portugal, ordena que os prisioneiros
portugueses feitos na Bahia, na guerra da independência, fossem incorpora-
dos ao Exército brasileiro.
Essa medida provoca dissabores e desconfiança na Assembléia sobre os
planos do Governo. Não estando, ainda, o Brasil reconhecido por Portugal, e
havendo-se operado completa mudança nos acontecimentos políticos, esta
medida era pelo menos impolítica. É a velha discussão entre portugueses
natos (pés de chumbo) e brasileiros (pés de cabra). Os Andradas, agora na oposi-
ção, já não são tão defensores da autoridade imperial, e passam a discutir os
atos do Governo no plenário da Assembléia Constituinte. A Assembléia, por
sua vez, pede contas ao Governo pela adoção de medida tão grave, e os Depu-
tados Francisco Gê Acaiaba de Montezuma (BA), e Antônio Carlos Riberio de
Andrada Machado e Silva (SP) vão à tribuna, e desabonam, energicamente,
esse procedimento do ministro.
1º de setembro de 1823. Plenário. O “Projeto de Constituição”, com 272
artigos, é apresentando e lido pelo relator, Deputado Antônio Carlos Riberio

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120 Casimiro Neto

de Andrada Machado e Silva (SP). A Comissão Especial, encarregada de redi-


gir o respectivo projeto de constituição e nomeada a 5 de maio, é composta
pelos Deputados Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP),
José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), Antônio Luiz Pereira da Cunha (RJ),
depois Marquês de Inhambupe, Manoel Ferreira da Câmara de Bittencourt e
Sá (MG), Pedro de Araujo Lima (PE), depois Marquês de Olinda, José Ricardo
da Costa Aguiar de Andrada (SP), e Francisco Moniz Tavares (PE).
De acordo com esse projeto, o território do império do Brasil compre-
ende as “Províncias do Pará, Rio-Negro, Maranhão, Piauhy, Ceará, Rio-Grande do
Norte, Parahyba, Pernambuco, Alagôas, Sergipe D’El-Rei, Bahia, Espírito Santo, Rio
de Janeiro, São Paulo, Santa Catharina, Rio-Grande do Sul, Minas-Geraes, Goyaz,
Matto-Grosso, as ilhas de Fernando de Noronha, Trindade, e outras adjacentes e, por
federação, o Estado Cisplatino”.
Toma, como modelo, não mais a Constituição dos Estados Unidos –
objeto de estudos que foi desde os inconfidentes mineiros –, mas sim aquelas
das monarquias continentais da Europa Ocidental. É proposta a monarquia
constitucional conservadora, em voga no mundo desde 1815. Modelo fran-
cês da Carta outorgada pelo Rei Luiz XVIII, em 1814, na fase da restauração
pós-napoleônica. Divisão em três poderes, o Executivo a cargo do monarca, e
o Parlamento eleito por voto distrital censitário (vota quem tem renda supe-
rior a 5,4 t/ano de farinha de mandioca). As eleições são indiretas, elegendo
a massa dos cidadãos ativos os eleitores, e os eleitores os deputados e igual-
mente os senadores nesta primeira organização do Senado. Os escravos que
obtiverem carta de alforria são considerados cidadãos brasileiros, os ingê-
nuos e os libertos, nascidos no Brasil, podem votar nas assembléias primárias
ou de paróquia, desde que, obedecidas as condições que enumera. Cada
legislatura durará quatro anos, e cada sessão legislativa quatro meses. É pre-
vista a emancipação lenta dos escravos e sua educação religiosa e industrial.
São garantidos a liberdade pessoal, o juízo por jurados, a liberdade religiosa,
a liberdade de indústria, a inviolabilidade da propriedade e a liberdade da
imprensa. Prevê o ensino público nos três graus. A Assembléia Geral é cons-
tituída de duas salas, sendo a sala de deputados (eletiva) e sala de senadores
ou senado (vitalícios). Não é prevista a dissolução da Câmara pelo Impera-
dor, mas sim, a renúncia dele, caso assuma a coroa de outro reino (D. Pedro é
herdeiro do reino lusitano). É criado um conselho privado do Imperador. Os
poderes constitucionais não podem suspender a Constituição no que diz res-
peito aos direitos individuais.
Na essência, o projeto é de teor liberalizante e de contenção do poder
do monarca. Todos os grandes princípios das liberdades constitucionais, to-
das as novas conquistas do sistema representativo estão ali proclamados e
consagrados. A liberdade pessoal, a igualdade perante a lei, a publicidade do
processo, a abolição do confisco e da infâmia das penas, a liberdade religiosa,
a liberdade de imprensa e de indústria, a garantia de propriedade, e o julga-
mento pelo júri são solenemente reconhecidos.

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A Construção da Democracia 121

5 de setembro de 1823. Plenário. O Deputado Pedro José da Costa


Barros (CE) apresenta a Indicação nº 2, com a seguinte redação: “Proponho
que a assembléa declare o dia 7 do corrente, anniversário da independencia brazileira,
dia de festa nacional; e que nomeie uma deputação composta de tantos membros quantas
são as provincias que se achão representadas, um de cada província, afim de
comprimentar a S. M. Imperial, e agradecer-lhe em nome do império o primeiro grito
da sua independencia, solto por elle nas margens do Ypiranga. – Paço da assembléa,
em 3 de setembro de 1823”. Grifado pelo compilador. A proposta é colocada em
discussão, aprovada, e o dia 7 de setembro, é declarado, interinamente, festa
nacional. É nomeada uma comissão de 24 deputados, de acordo com o regi-
mento, para cumprimentar o monarca. No dia 7, às 13 horas, os deputados são
recebidos, solenemente, pelo Imperador D. Pedro I, no Palácio da Cidade.
9 de setembro de 1823. Plenário. o Deputado Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada Machado e Silva (SP) apresenta a indicação de nº 6, propondo
que “se mande ao Imperador um exemplar do Projeto de Constituição”. Colocada em
votação, é, em seguida, aprovada. No dia 10, é votada a forma de remeter o
projeto. Decide-se que se faça uso da forma ordinária e não através de uma
deputação. No dia 12, o projeto é enviado através de ofício. No dia 17, é lido
ofício do Governo Imperial, declarando ter “o imperador recebido, com especial
agrado, o referido exemplar, e que, seria muito maior sua satisfação, se em lugar do
projecto, fosse já a Constituição do Império, por estar, intimamente convencido, de que
dela dependem a sua estabilidade e a prosperidade geral”.
18 de setembro de 1823. Plenário. O Deputado Pedro José da Costa
Barros (CE) faz o seguinte pronunciamento: “Sr. presidente, é chegada a hora das
indicações e eu tenho a fazer uma para que a assembléa a tome em consideração: é
geral o clamor em toda a cidade pelo sem numero de escravos fugidos: é igualmente
constante que existem ajuntamentos a que chamão quilombos sendo um destes nas ime-
diações de Catumby, segundo me disserão: não conheço uma só casa das da minha
amizade que não tenha escravos fugidos; e consta-me que há quilombos de 100, e até
asseverão de 1000 escravos fugidos: é uma força que está engrossando ao pé da cidade,
e que póde vir a dar cuidado: e é necessario tomar isto em consideração: quando eu
estava preso, mandou-se uma patrulha contra um destes quilombos; e ou fosse impericia
de quem a dirigio; ou achassem, como presumo uma força com que não contavão, o
certo é que esta patrulha voltou enxovalhada com alguns feridos etc.
Bem suppuz eu então, que tomando mais serias medidas, o ministerio mandasse
logo gente sufficiente, que com exacto conhecimento destes quilombos acabasse de uma
vez com elles; porém nada disto succedeu: contentou-se com aquella tentativa ficou mal
a patrulha, e não se cuidou mais nisto; isto é inacreditável, Sr. Presidente. Vão engros-
sando estes conloios todos os dias e não se attende ás consequencias que delles podem
resultar.
Peço portanto que se officie ao governo para que faça promptamente diligencia
de extinguir estes quilombos nos quaes consta-me até que se achão alguns desertores
armados, o que parece ser verdade, porque receberão aquella patrulha com uma guerra

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122 Casimiro Neto

aberta, portanto requeiro que o governo mande uma força tal, que não fique de novo
maltratada, e consiga a total extincção daquelles ajuntamentos”. Grifado pelo compilador.
Após esse pronunciamento o deputado entrega à Mesa a seguinte Indi-
cação: “Proponho que se officie ao governo afim deste tomar medidas promptas e
energicas, já, já, para a extincção do quilombo denominado Guandú, nas immediações
de Catumby. – Costa Barros”. Grifado pelo compilador. A Indicação é apoiada, e
vencendo-se também a urgência, faz-se a segunda leitura. Falam mais alguns
deputados. Julgando-se a matéria suficientemente discutida, é colocada em
votação, e em seguida aprovada.
No dia 22 de setembro, é publicado a resolução da “Assembléa Geral,
Constituinte e Legislativa”, datada de 20 de setembro, com o seguinte teor:
“Para Caetano Pinto de Miranda Montenegro. A assembléa geral constituinte e
legislativa do imperio do Brazil sendo-lhe presente que nas immediações de Catumby
existe um quilombo denominado Guandú e convindo a bem do publico a sua prompta
extincção: manda recomendar ao governo a maior efficacia e energia na expedição das
medidas necessarias para se extinguir o mencionado quilombo, o que V. Ex. levará ao
conhecimento de S. M. I. Deus guarde á V. Ex. – Paço da assembléa, em 20 de setembro
de 1823. – João Severianno Maciel da Costa”. Grifado pelo compilador.
Na sessão de 26 de setembro, é lido o ofício do Ministro e Secretário de
Estado dos Negócios da Justiça Caetano Pinto de Miranda Montenegro, com
o seguinte teor: “Ilm. e Exm. Sr. – Estavão dadas as providencias, antes de receber o
officio de V. Ex. de 20 do corrente, para extinguir o Quilombo do Guandú nas
immediações de Catumby; mas tem-se demorado a execução porque as montanhas, e
matos, que cercão esta cidade por aquelle lado, e por onde os calhambolas se derramão
por veredas, e picadas desconhecidas, ao primeiro rebate das suas espias e atalaias,
fazem necessário o cahir sobre elles de sobresalto, e este depende de segredo e disfarce. O
que participo a V. Ex. de ordem de S. M. o Imperador, para chegar ao conhecimento da
assembléa geral constituinte e legislativa deste Império. Deus guarde a V. Ex. Palacio
do Rio de Janeiro, em 25 de Setembro de 1823. – Caetano Pinto de Miranda
Montenegro”. Grifado pelo compilador.
Durante os trabalhos legislativos da Assembléia Geral, Constituinte e
Legislativa as questões suscitadas variam, desde a extinção do tráfico negrei-
ro (são dignas de nota as sessões dos dias 29 e 30 de setembro de 1823), ao
fortalecimento do poder imperial.
Os artigos publicados no “Diário do Governo” (periódico da iniciativa
privada, onde eram publicados as portarias, os decretos, e os extratos dos
trabalhos da Assembléia, e ainda, para completá-lo entravam outros artigos
escolhidos pelo redator ou pelos donos da folha) suscitam vivas reclamações
de diversos deputados, que vêem nas matérias divulgadas manifestações de
sentimentos absolutistas.
O crescimento da oposição e os ataques ao Governo Imperial criam um
clima de animosidade na Corte. O monarca não está acostumado a essas
contrariedades nem a uma fiscalização severa de seus atos. Daí esse antago-
nismo vivo e flagrante, essa irritação sempre crescente entre a “Assembléa Ge-

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A Construção da Democracia 123

ral Constituinte e Legislativa” e o Governo, que veio infelizmente a complicar-


se com as rivalidades de nacionalidade.
O Governo, até então independente e livre de peias, sofre, constrangi-
do, com a ação de um poder soberano que lhe dita as leis e toma-lhe contas.
No desconhecimento e vivência dos recursos do sistema parlamentar, o im-
perador toma como um ataque à instituição governamental qualquer censura
feita a seus atos.
Os últimos dias da “Assembléa Geral, Constituinte e Legislativa” são tumul-
tuados. Mais de uma vez, ocupa a atenção do Plenário e é objeto de acalora-
dos debates, a exclusão da cidadania brasileira dos portugueses que se ha-
viam manifestado contrários à Independência do Brasil. As galerias, sempre
lotadas de lusitanos, manifestam-se ruidosamente.
Campanhas nativista e de oposição começam a ser feitas pelo jornal “O
Tamoio”, sob a responsabilidade dos Deputados Martim Francisco Ribeiro de
Andrada (RJ) e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP),
cujo primeiro número aparece em 12 de agosto. Outros adeptos à causa dos
Andradas fazem circular o “Sentinella da Liberdade à Beira mar da Praia Gran-
de”. Condenam o alistamento, no Exército, de oficiais portugueses aprisiona-
dos na Bahia, a tibieza no trato de uma delegação portuguesa, a outorga do
título de Marquês do Maranhão ao Almirante inglês Lord Alexandre Thomaz
Cochrane, depois Conde de Dundonald (Inglaterra). Aliás, quanto a isso, na
sessão do dia 20 de outubro o Deputado Francisco Gê Acayaba de Montezu-
ma (BA) apresentou a seguinte indicação: “Proponho que se declare ao governo
que se não verifique o titulo de marquez de Maranhão na pessoa de lord Cochrane, sem
que por lei se estabeleça a ordem e gradação dos titulos, que devem fazer a grandeza e
fidalguia da nação brasileira. – O deputado Montezuma”, que sendo requerida a
urgência é apoiada.
Estremecidas, assim, as relações entre a Assembléia e o Governo Impe-
rial, a tropa, quase pela maior parte composta de portugueses, intervem na
questão, assumindo arrogantemente uma atitude hostil à Constituinte.
Dominados pelo espírito faccioso, os oficiais da guarnição da Corte di-
rigem-se, no dia 1º de novembro, a São Cristovão e apresentam uma petição
ao Imperador, exigindo a expulsão dos Andradas do seio da Assembléia Ge-
ral Constituinte e Legislativa e a satisfação, por parte desta, a pretendidos
insultos. Em vez de punir os culpados, o Governo Imperial, dominado, tam-
bém, da maior animosidade contra os deputados constituintes, participa o
fato à Assembléia. Todas as tropas da cidade, em armas, começam a ser con-
centradas em São Cristovão.
Um incidente precipita a crise e expõe o vezo absolutista do Impera-
dor D. Pedro I. O periódico “Sentinella da Liberdade à Beira mar da Praia
Grande”, em artigo assinado sob o pseudônimo “brasileiro resoluto”, tacha de
traidores dois oficiais portugueses alistados no Exército brasileiro. Estes
revidam surrando o boticário David Pamplona Côrte-Real (natural das Ilhas
dos Açores), na porta de sua botica, no largo da Carioca, no dia 5 de novem-

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124 Casimiro Neto

bro, como suposto autor das cartas impressas. É de todo inocente. A 6 de


novembro, é lido, no plenário da Assembléia, o seguinte requerimento: “So-
berana assembléa: – Com o mais profundo respeito chega ante esta augusta assembléa
geral constituinte e legislativa o cidadão brazileiro David Pamplona Côrte Real, a
exigir aquella saudavel providencia, que só póde encontrar no abrigo da justiça. Em
noite de 5 do corrente mez de Novembro de 1823, pelas sete horas e meia da noite,
achando-se o supplicante dentro de sua botica em o largo da Carioca n.15, observou
que o espreitava o sargento-mór José Joaquim Januario Lapa, e o capitão Zeferino
Pimentel Moreira Freire, ambos do corpo de artilharia montada, ao tempo em que o
supplicante estava a conversar com José Martins, e logo que este se retirou, se dirigio
ao supplicante o dito major Lapa, descarregando-lhe uma grande bordoada, e dizen-
do – você, você não é o brazileiro resoluto? – Mal pôde o supplicante evitar o golpe,
que o apanhou desapercebido, retirando-se para dentro, por nessa occasião estar na
porta, e dizendo não ser elle, mas assim mesmo foi então perseguido pelo dito major
Lapa; e o capitão Moreira, que entrarão na botica, com palavras ameaçadoras, e o
mesmo major Lapa descarregou segunda bordoada, que o supplicante recebeu no
ante-braço esquerdo, mas como com amargura lhe estranhasse o attentado de procu-
rarem massacrar um cidadão pacifico e innocente dentro de sua mesma casa, elles
perguntando se o não conhecia, foi o mesmo supplicante insultado com os mais
affrontosos convicios pelo dito capitão Moreira, que até chegou a querer contra elle
desembainhar um estoque, que trazia em uma bengala.
Como porém aquelles assassinos então reconhecessem não ser o supplicante o
autor das cartas, que nos papeis publicos tem apparecido com assignatura de brasileiro
resoluto, se retirarão dizendo que se havião enganado; devendo o supplicante a sua
vida sómente a tal reconhecimento. Presenciarão este acontecimento muitas pessoas, e o
supplicante desgraçadamente tem em si duas grandes contusões, uma no ante-braço
esquerdo, e outra sobra a orelha direita, e desta ultima que sem duvida foi dirigida a
tirar-lhe a vida, apenas só o acaso a conservou ao supplicante.
Se alguma atrocidade parece merecer providencia, é sem duvida aquella, pela
qual se chega a violar a segurança do cidadão dentro de sua mesma casa: a impunida-
de de tal delicto é sem duvida de pessimas consequencias que para se evitarem vem o
supplicante mui respeitosamente pedir a esta soberana assembléa aquellas providen-
cias, que exige a segurança publica e individual dos cidadãos brazileiros, atacada só
porque são reconhecidos por brazileiros. Rio de Janeiro, 6 de Novembro de 1823. –
David Pamplona Corte Real”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP)
fala em seguida: “Esta materia deve ser decidida com urgencia. É na verdade origi-
nal que o ser brazileiro, e ter sentimentos brazileiros, sirvão de motivo para ser este
homem atacado por aquelles que estão ao serviço do Brazil. Eis aqui uma prova de que
a nação está dividida em dous partidos, cumpre que estejamos alerta”. O requeri-
mento é remetido à Comissão de Legislação e Justiça e no dia 8 é lido o
parecer: “A comissão de legislação vio o requerimento de David Pamplona Côrte Real,
que pede providencias desta augusta assembléa a bem da segurança publica, e da
individual dos cidadãos.

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A Construção da Democracia 125

(...) A commissão é de parecer que o supplicante deve recorrer aos meios ordinarios,
e prescriptos nas leis”.
Os irmãos Andradas tomam a defesa do boticário. Os jornais “O Tamoio”
e o “Sentinella da Liberdade à Beira mar da Praia Grande” exigem vingança,
investem contra o Governo imperial, atacam os oficiais portugueses que
servem nas tropas imperiais, e requerem a expulsão dos inimigos dos brasi-
leiros. O Imperador D. Pedro I, por sua vez, quer a expulsão dos Andradas
da Constituinte. O ministério demite-se. O boticário apela à Assembléia
Constituinte, que se esquiva, pois não é de sua competência falar no pro-
cesso. Mas o nervoso debate vai até o dia 10 de novembro, quando entra
em pauta o projeto sobre liberdade de imprensa, e os ânimos ficam mais
exaltados.
A sessão do dia 10 de novembro de 1823 é muito agitada e a discussão
do projeto sobre liberdade de imprensa, que teve sua primeira discussão
iníciada no dia 23 de outubro, atinge o ápice. O Deputado José Martiniano
de Alencar, padre (CE), assim se expressa: “Uns cidadãos, que desejão ouvir as
discussões, me pedirão agora que visto não haver lugar nas galerias, requeresse eu á
assembléa a permissão de entrarem para dentro da sala, ficando por detraz das cadei-
ras dos deputados; eu o proponho, a assembléa decidirá”. O Deputado Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP) fala em seguida: “Nisto não
póde haver duvida; ninguem é mais interessado nos trabalhos e deliberações da assembléa
do que o povo: isto tem-se feito em todas as assembléas. Entrem, oução, e saibão como
nós, ou bem ou mal, defendemos os seus direitos”. O requerimento é colocado em
votação, e em seguida, é aprovado. Comunica-se ao povo que podiam entrar
e enche-se imediatamente a sala. O presidente da Assembléia adverte as pes-
soas para as regras de comportamento a serem observadas durante os traba-
lhos legislativos.
Admitindo-se o povo às galerias e ao plenário, por aprovação unânime
dos constituintes, a sessão torna-se tensa. Quando colocado em discussão o
parecer da comissão de justiça sobre o requerimento do boticário David
Pamplona Côrte Real, o inflamado Deputado Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada Machado e Silva (SP) faz um longo e inflamado discurso: “(...) Quando
se perde a dignidade, desapparece tambem a nacionalidade. Não, não somos nada, se
estupidos vemos, sem os remediar, os ultrages que fazem ao nobre povo do Brazil, es-
trangeiros que adoptamos nacionaes, e que assalariamos para nos cobrirem de
baldões...Os cabellos se me errição, o sangue ferve-me em borbotões, á vista do infando
attentado, e quasi maquinalmente grito: vingança!...Poderei ser assassinado: não é
novo que os defensores do povo sejão victimas do seu patriotismo; mas meu sangue
gritará vingança, e eu passarei á posteridade como o vingador da dignidade do Brazil.
E que mais póde desejar ainda o mais ambicioso dos homens?”
O Deputado Martim Francisco Ribeiro de Andrada (RJ) fala em segui-
da: “(...) Legisladores! Trata-se de um dos maiores attentados; de um attentado, que
ataca a segurança, e dignidade nacional, e indirectamente o systema político por nós
adoptado, e jurado. Quando se fez a leitura de semelhante atrocidade, um silencio de

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126 Casimiro Neto

gelo foi nossa única resposta, e o justo receio de iguaes insultos á nossa representação,
nem se quer fez assomar em nossos rostos os naturaes sentimentos de horror e indigna-
ção”. Continuando o seu pronunciamento, o deputado é interrompido pelos
“apoiados” de alguns de seus pares, que, com entusiasmo, aplaudem o seu
discurso, e pelo que repetiam o povo das galerias e sala. Há tumultos genera-
lizados no recinto da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa. Ovacio-
nam, também, o inflamado Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
Machado e Silva (SP), levam-no nos ombros. O presidente recomenda silên-
cio. Não sendo atendido, a sessão é, então, bruscamente interrompida, às
treze horas e vinte minutos, pelo seu presidente, o Deputado João Severiano
Maciel da Costa (MG), depois Marquês de Queluz, que no dia 11 se justifica
pela adoção da medida.
11 de novembro de 1823. Plenário. Dez horas. O Deputado Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), parlamentar consumado,
reconhecido como o primeiro grande vulto da assembléia, faz o seguinte pro-
nunciamento: “Sr. Presidente, tenho que fazer uma proposta, que requeiro se tome
logo em consideração para se deliberar sobre ella. A situação da capital do Rio de
Janeiro me determina a fazel-a. O dia de hontem foi um dia muito notavel; as tropas
estiverão em armas toda a noite, e correndo a cidade a puzerão em geral inquietação;
os cidadãos pacificos não dormirão.; e propagando-se vozes de se atacarem alguns
deputados, foi preciso tomar cautelas, e velar em defesa própria.
Á vista disto, cumpre-nos, como sentinellas da nação, vigiar pela sua segurança.
Sua Magestade acha-se actualmente no seu palacio rodeado de todos os corpos,
até dos de artilharia, o que indica haver causa que, supposto a não conheçamos, deve
ser da mais alta consideração. E como nós somos responsaveis á nação, proponho que
esta assembléa se declare em sessão permanente, e que se destine uma deputação para
pedir a Sua Magestade que pelo governo se nos transmittão os motivos de tão
extraordinarios movimentos nas tropas, e o que obriga a que os corpos estejão com
cartuxos embalados como promptos para ataque, quando não apparece razão para isto.
Sr. Presidente, o mundo nos vê; a nação nos escuta; o descuido em tal caso não merece
desculpa, nem em um corpo legislativo tem lugar os descuidos. Estabeleçamos pois as
nossas comunicações com o governo, e para isso se forme uma commissão especial, afim
de deliberar-se com conhecimento prompto sobre as medidas que parecerem mais conve-
nientes. Eu mando á mesa o que escrevi sobre este objeto”. Grifado pelo compilador. Em
seguida entrega à Mesa, a Indicação nº 12, propondo que a Assembléia se
declare, em sessão permanente, enquanto durarem as inquietações na cida-
de; que se solicite ao Governo, os motivos dos estranhos movimentos milita-
res que perturbam a tranqüilidade da capital; que se escolha uma comissão
especial que vigie sobre a segurança da Corte; e que se comunique com o
Governo e autoridades, a fim de deliberar-se sobre quais as medidas extraor-
dinárias que demandam as delicadas circunstâncias. Aprovada a sua urgên-
cia, é, em seguida, colocada em discussão. Falam vários deputados. Colocada
em votação, a indicação é aprovada.

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A Construção da Democracia 127

Esta reunião que viria a ser chamada de “A Noite da Agonia”, vara a ma-
drugada e fica em sessão permanente do dia 11 para o dia 12 de novembro.
Durante a noite são trocados ofícios e notas entre a Assembléia e o Governo
imperial. Nesta tensa e exaustiva troca de mensagens, é informado que a
oficialidade não tolera “certos redatores de periódicos e seu incendiário partido e em
especial O Tamoio, o “Sentinella da Liberdade à Beira mar da Praia Grande”e os
Andradas”.
O Deputado Joaquim Manoel Carneiro da Cunha (PB) pronuncia: “O
que vejo nisto é o governo a querer dar-nos a lei; e então vale mais largarmos a nossa
tarefa, uma vez que pretende abater a dignidade da assembléa, e a de um povo generoso
que tantos sacrificios tem feito para proclamar a sua independencia. (...) Portanto para
a salvação do estado é necessário que se remova, não a tropa, mas a assembléa para
fóra do Rio de Janeiro” e, em seguida, apresenta emenda nesse sentido.
“(...) O nosso lugar é este. Se S.M. quer alguma coisa de nós, mande aqui e a
Assembléa deliberará”, declara o Deputado Martim Francisco Ribeiro de Andrada
(RJ).
“(...) Se morrermos, acabamos desempenhando nossos deveres”, pronuncia o
Constituinte Francisco Gê Acayaba de Montezuma (BA).
O Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império e Estran-
geiros Francisco Villela Barbosa (RJ), Oficial do Exército, primeiro Viscon-
de e Marquês de Paranaguá é convocado para informar sobre os aconteci-
mentos.
Às onze horas, do dia 12, é anunciada sua chegada e os “Anais Parlamen-
tares” registram que ao entrar, observou-se, que como é de praxe, o ministro
deveria deixar sua espada no vestíbulo. “Responde que a espada é para defender
a pátria, e não para ofender os membros da Assembléia e que portanto podia entrar com
ela”. Toma assento à esquerda do último secretário e passa a prestar esclareci-
mentos. “Diz que os oficiais se queixavam dos insultos que se lhes faziam em alguns
periódicos, atacando-os na sua honra e probidade; e muito particularmente das injú-
rias dirigidas contra o Imperador, e da falta de decoro e respeito para com sua augusta
pessoa, sendo até ameaçada sua existência física e política no periódico intitulado “O
Tamoio”. Pediam, também, que sendo redatores do referido periódico os deputados se-
nhores Andradas, fossem estes expulsos da assembléia; o que o Imperador declarou
como inadmissível. Informa, também, que o Imperador, sabendo a causa do motim que
no dia 10 obrigara a Assembléia a levantar a sessão extemporaneamente, retirou a
tropa para São Cristovão com o objetivo de desviar da ocasião alguma desordem e ficar
a Assembléia em liberdade. Roga que a Assembléia corresponda com providências de
moderação e prudência, pois receia que haja o mesmo que houve em Portugal, (o golpe
absolutista da Vilafrancada, em 27 de maio de 1823) visto que os acontecimentos
atuais e as suas causas se parecem muito com os fatos ocorridos naquele reino: a Assem-
bléia amotinada levantar extemporaneamente a sessão; os militares queixarem-se ao
Imperador; as tropas marcharem para São Cristovão; e a Assembléia todo o dia e noite
em sessão permanente. Diz que coisas semelhantes a estas viu em Portugal mas que não
pode afirmar qual será o resultado final”. O Presidente declara estar a Assembléia

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128 Casimiro Neto

satisfeita com as suas declarações. Em seguida, o ministro retira-se com as


formalidades de estilo.
Na Assembléia Constituinte, até aquele momento, ministro algum havia
se portado de modo tão inconveniente e impolítico. As suas palavras, em pre-
sença dos acontecimentos, pareciam calculadas a semear a desconfiança e o
descrédito no povo e na Assembléia. Colocando-se em votação se devia ser
chamado o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, José de
Oliveira Barbosa, Oficial do Exército, Visconde do Rio Comprido, para maio-
res esclarecimentos, ficou decidido que não. Algum tempo depois, é anunciado
que marchava a tropa, e que parecia dirigir-se à Assembléia. Às doze horas e
quarenta minutos, a tropa cerca o prédio com dois canhões de estopim aceso.

12 de novembro de 1823. Treze horas. O monarca manda cercar todo o


edifício da Assembléia com as tropas militares, e são colocadas peças de arti-
lharia nas entradas das ruas adjacentes. Com o Parlamento cercado e amea-
çado de eminente bombardeio, é dissolvida a “Assembléa Geral Constituite e Le-
gislativa”, por decreto do Imperador D. Pedro I. Esse mesmo decreto é
entregue à porta da assembléia ao 4º Secretário, Deputado Manoel Antônio
Galvão (BA), por um oficial do Exército Imperial, que diz trazer recomenda-
ção de Sua Majestade para que o mesmo seja lido, voltando outra vez por
suas mãos. O decreto é lido ao plenário, pelo Quarto-Secretário, e é concebi-
do nos seguintes termos: “Havendo eu convocado, como tinha direito de convocar,
a assembléa geral constituinte e legislativa, por decreto de tres de Junho do anno proximo
passado; a fim de salvar o Brazil dos perigos que lhe estavão imminentes: e havendo
esta assembléa perjurado ao tão solemne juramento que prestou á nação de defender a
integridade do imperio, sua independencia, e a minha dynastia: Hei por bem, como
imperador e defensor perpetuo do Brazil, dissolver a mesma assembléa, e convocar já
uma outra na fórma das instruções feitas para convocação desta, que agora acaba, a
qual deverá trabalhar sobre o projecto de constituição que eu lhe hei de em breve apre-
sentar, que será duplicadamente mais liberal do que o que a extincta assembléa acabou
de fazer. Os meus ministros e secretarios de estado de todas as differentes repartições o
tenhão assim entendido, e fação executar a bem da salvação do império. Paço, 12 de
Novembro de 1823, segundo da independencia e do imperio. – com a rubrica de Sua
Magestade Imperial”. Grifado pelo compilador.
O Presidente da “Assembléa Geral, Constituinte e Legislativa”, Deputado
João Severiano Maciel da Costa (MG), “manda tirar uma cópia do decreto, e
entregar o original ao oficial que o trouxe”. O Quarto-Secretário, Deputado Manoel
Antônio Galvão (BA), “informa que o oficial lhe disse que o Imperador mandara a
tropa para defender a Assembléa de qualquer insulto que se lhe pretendesse fazer”.
Sem mais delongas o Presidente encerra a sessão. Um confronto era desne-
cessário diante das graves notícias que corriam no Rio de Janeiro e o desloca-
mento de tropas em direção da Assembléia Constituinte. Os deputados saem
da sala, dissolvendo-se, assim, a Assembléia Geral e Constituinte e Legislati-
va, pelas treze horas, do dia 12 de novembro de 1823.

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A Construção da Democracia 129

Os Constituintes, por prudência, retiram-se, sem protesto. Ao deixar a


Assembléia, alguns são presos por ordem do Imperador D. Pedro I, entre os
quais estão: Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), Martim
Francisco Ribeiro de Andrada (RJ), Francisco Gê Acayaba de Montezuma
(BA), José Joaquim da Rocha (MG), Padre Belchior Pinheiro de Oliveira (MG),
Monsenhor Francisco Muniz Tavares (PE), Nicolau Pereira de Campos
Vergueiro (SP), Padre Venâncio Henriques de Rezende (PE), Joaquim Manoel
Carneiro da Cunha (PB), Padre José Martiniano de Alencar (CE), Padre Inácio
de Almeida Fortuna (PE), José da Cruz Gouvêa (PB), Augusto Xavier de Car-
valho (PB) e o Padre Luís Inácio de Andrade Lima (PE). Logo depois é detido
José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), em sua casa. O Patriarca havia se
retirado pouco antes, a fim de se refazer da longa vigília. Por isso não assistiu
o ato da dissolução da assembléia, e não foi preso com os seus irmãos. É dito
que as prisões são feitas para livrar os deputados do furor do povo, e especial-
mente dos oficiais das tropas imperiais. Mas a verdade é que as prisões são
motivadas por razões de Estado. Estes são acusados de insultos ao Imperador
e falta de decoro devido à possível influência que exerciam através dos reda-
tores no periódico o “Sentinella da Liberdade à Beira mar da Praia Grande” e na
redação direta do “Tamoyo”, sendo a “consequência de suas doutrinas produzir
partidos incendiários, de que o governo não podia calcular a força que tinha e que
poderiam adquirir abusando da liberdade de imprensa”.
São conduzidos ao cais do Largo do Paço, embarcados em um escaler
guarnecido pelos imperiais marinheiros e levados ao Arsenal de Marinha,
acompanhados de outros quatro escaleres igualmente guarnecidos de tropa.
Nota-se pelos acontecimentos que tudo fora planejado em detalhes, tendo
sido feito com todas as cerimônias inerentes ao ato de detenção e prisão dos
deputados constituintes.
À tarde o Imperador passeia com grande séquito, sendo aclamado por
lusitanos e crianças. Mas, em vez das ruas em festa com damascos e cetins nas
janelas como no dia da instalação da Assembléia Geral, Constituinte e Legis-
lativa, há perplexidade, tristeza e mágoa. Já nesta época o Imperador
D. Pedro I perdera muito da popularidade, não só devido ao golpe de estado,
como também às acusações que lhe faziam os brasileiros de pender demais
para os portugueses, somando-se a isso era de conhecimento o seu pendor
pelos dotes de uma favorita a quem fizera viscondesa e logo depois Marquesa
de Santos.
O “Diário do Governo” registra estes fatos: “(...) Isto he o que nos consta dos
trabalhos da Assembléa; sendo igualmente informados que á sahida da porta da mesma
Assembléa forão prezos por Ordem de S. M. o Imperador os Srs. Andrada Machado,
Ribeiro de Andrada, Montezuma, e Rocha. Já este tempo as Tropas, que estavão acam-
padas em S. Christovão, tinhão marchado para a Cidade, e alguns Corpos se achavão
nas immediações da salla da Assembléa.
Concluido isto Sua Magestade Imperial passeou a cavallo pelas ruas principaes
da Cidade; entre immensos Vivas, dados á sua Augusta Pessoa, e á nova Assembléa que

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no Decreto, de que acima falamos, Promete convocar. De tarde houverão salvas das
Fortalezas, e embarcações surgirão no Porto, e á noite illuminação espontanea na maior
parte da Cidade; aonde tem reinado hum profundo socego. SS. MM. Estiverão no
Theatro, aonde se repetirão os mesmos Vivas)”.
De todos eles, só os cinco primeiros e mais José Bonifácio de Andrada e
Silva são conservados em prisão até o dia 20, data em que, desterrados, em-
barcam com destino ao porto do Havre, na França, a bordo de uma velha
charrua, de nome “Luconia” (que, no ano anterior fora apresada por ordem
do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros
José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), quando aqui aportou conduzindo
dois deputados da Índia às Cortes de Lisboa). A velha charrua está sob o
comando do capitão (vinculado aos portugueses) Estanislau Joaquim Barbo-
sa. Os demais são postos em liberdade poucos dias depois. O “Patriarca da
Independência” passa de herói a exilado. Os restantes dos presos são logo pos-
tos em liberdade.
Ao examinar a trajetória da primeira Assembléia Constituinte não é
possível separar os três irmãos Andradas. Participantes ativos dos aconteci-
mentos, vemos o entusiamo, a energia, e a vontade de construir um novo país
em José Bonifácio de Andrada e Silva; o grande orador, o agitador, o jurista e
o espírito de sacríficio de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e
Silva; a rigidez, a austeridade, o equilíbrio, o mais sensato em Martim Fran-
cisco Ribeiro de Andrada.
O decreto imperial do dia 18 de novembro concede aos três irmãos
Andradas, ao Capitão-Mor e advogado José Joaquim da Rocha (MG), e ao
baiano Francisco Gê Acayaba de Montezuma (futuro Visconde de Jequitinho-
nha) a pensão de 1:200$ annual e de 600$ ao Padre Belchior Pinheiro de
Oliveira (MG), pagando-se-lhe logo três meses adiantados por uma vez so-
mente.
O “Diário do Governo” do dia 22 de novembro de 1822, registra “Noticias
Maritimas. Sahidas. Dia 20 do corrente. – have de Grace; Ch. Luconia, Com. O Cap.
Tem. Joaquim Estanisláo Barbosa: conduz de passagem os prezos José Bonifácio de
Andrada e Silva com sua mulher, sua irmã, huma filha, e 2 criadas, Martim Francisco
Ribeiro de Andrada com sua mulher, e 3 criados, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada
Machado com sua mulher, hum sobrinho, e hum criado, o Padre Belchior Pinheiro de
Oliveira com hum criado, José Joaquim da Rocha com 2 filhos, e Francisco Gê Acaiaba
Montezuma com sua mulher, e hum criado”).
Conta-se, que os inimigos dos irmãos Andradas estavam em conluio
com o comandante (vinculado aos portugueses) Estanislau Joaquim Barbosa
e tinham em mente o plano de entregá-los nas mãos dos lusitanos e com isso,
certamente, receberiam a pena capital. As manobras executadas pelo navio,
desviando-se do curso programado para levá-los para a costa de Portugal,
deram ensejo à certeza de que tal trama se efetuaria. Três meses gasta o
“Luconia” do Rio de Janeiro à altura da barra de Lisboa. José Bonifácio de
Andrada e Silva (SP) – cientista e com conhecimentos de navegação –, des-

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confiando da manobra chama os seus irmãos e os outros presos, dá-lhes co-


nhecimento do fato, e conseguindo convencer os marinheiros, fazem um
motim e tomam o barco. José Bonifácio de Andrada e Silva (SP) assume o
comando e com o apoio do Imediato Raposo – de origem portuguesa –, com
o pretexto de falta de alimentos e água, consegue fundear no porto espanhol
de Vigo, onde logo em seguida aparece o navio de guerra português “Lealda-
de” que estava em perseguição ao navio que conduzia os brasileiros. Os portu-
gueses pressionam os espanhóis para prender os ex-deputados constituintes.
Os emissários enviados por José Bonifácio de Andrada e Silva (SP) para
contactar a representação do governo inglês e conseguir, diplomaticamente,
uma palavra de opoio aos exilados, obtêm êxito. A vida dos irmãos Andradas
e dos outros companheiros de infortúnio é salva graças a intervenção do Consul
inglês no porto espanhol e do Ministro britânico em Madri. Os presos de-
sembarcam em liberdade e, obtendo passaportes espanhóis, partem para
Bordéus, França, onde chegam a salvo.
O Senador Barbosa Lima no dia 2 de julho de 1925, em memorável
pronunciamento sobre as discussões referente a reforma costitucional que
estava em curso e tratando da história legislativa brasileira diz em um dos
trechos: “(...) A charrua Luconia, em detestáveis condições de navegação, acolheu a
seu bordo, desterrados para o velho continente, si não talvez confiados a um desalmado
piloto, incumbido de fazer perecer, em um naufrágio simulado, os gloriosos Andradas e
os seus leaes correlegionarios”.
No dia 24, é baixado um decreto, mandando tirar devassa sobre os fatos
sediciosos dos dias 10, 11 e 12 de novembro “sem limitação de tempo, nem deter-
minado número de testemunhas” e servindo de corpo de delito “os periódicos
intitulados Tamoyo e Sentinella da Liberdade e quaesquer outros escriptos incendiá-
rios”, para se descobrir “a sedição promovida para a ruína da Pátria”. A irritação
e o ódio substituem a razão de Estado.
Após uma ausência de quase seis anos, José Bonifácio de Andrada e
Silva (SP), retorna ao Brasil, no dia 23 de julho de 1829, e assume a cadeira
de deputado pela Bahia, como suplente, nas sessões legislativas de 1831 e
1832.

13 de novembro de 1823. É expedido decreto, com a rubrica do Impe-


rador D. Pedro I, “declarando que a qualificação de perjura, dada á Assembléa
Geral Constituinte e Legislativa, dissolvida, não compreendia toda a representação
nacional, mas somente a facciosa, que anelava vinganças”.
O ato violento da dissolução da Constituinte é um gravíssimo erro polí-
tico. Imprudente precipitação do Imperador, que repercute, dolorosamente,
em todo o seu reinado. É um golpe audacioso que, pelo atordoamento pro-
duzido, aumenta por algum tempo o poder do imperador para logo em se-
guida cair em desgraça.
Por mais que procuram acusar a assembléia de facciosa, a opinião pública
entende que a reação do Governo Imperial excedera, de muito, a gravidade da

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ofensa recebida. Nas províncias, o golpe gera reações. Na Bahia, iniciam-se tu-
multuosos protestos que vão durar três dias. Mas a maior foi a reação pernambu-
cana, em 1824, com o movimento denominado “Confederação do Equador”.
O que se pode afirmar é que o dissídio entre a “Assembléa Geral, Consti-
tuinte e Legislativa” e o soberano, desenvolveu-se no dia a dia da histórica
assembléia, e não é o caso de espancamento do boticário do largo da Carioca,
a sua causa. A Assembléia teve certamente os seus erros e demasias partidá-
rias, não sabendo conduzir com inteligência e tato o episódio de David Pamplona
Corte-Real. Mas na verdade, foi a separação das idéias, da polêmica em redor
dos princípios, e da delimitação das áreas de autuação dos poderes. Era dividir
ou não a soberania. Era a pouca convivência, de todos, com os embates parla-
mentares. E acima de tudo a vontade do soberano, aferrado à tradição absolu-
tista da monarquia dos Bragança, se sobrepondo ao desejo da maioria.
Não se aponta uma só página do “Diário da Assembléa”, de suas sessões,
dos seus trabalhos e das discussões ali inseridas, em que não esteja estampa-
do o mais profundo respeito, a mais severa circunspecção em suas relações
com o Imperador. “A Nação, Sr. Presidente, elegeu um Imperador constitucional,
deu-lhe o poder executivo e o declarou chefe hereditário: Nisto não podemos nós bulir;
o que nos pertence é estabelecer as relações entre os poderes, de forma porém que se não
ataque a realeza” pronuncia o Constituinte Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
Machado e Silva (SP). Nas próprias sessões de 11 e 12 de novembro, em que
o monarca, mal-aconselhado e arrastado pela impetuosidade de seu caráter,
violenta, com mão armada, a dignidade da Assembléia – nem uma palavra,
nem uma queixa parte dos deputados contra ele.
Tanto os Constituintes como o Imperador haviam recebido os seus res-
pectivos mandatos do povo. O ponto de equilíbrio entre o monarca e a
“Assembléa Geral, Constituinte e Legislativa” acaba sendo rompido em virtude
das sérias divergências por parte do Governo Imperial, tendo como conse-
qüência a sua dissolução.
No decorrer da tumultuada sessão do dia 11 de novembro, com as acu-
sações aos irmãos Andradas, e diante das notícias que corriam na capital, o
Deputado José Bonifácio de Andrada e Silva (SP), após tomar ciência dos
fatos, assim se expressa, através de pronunciamento, em Plenário: “(...) Diz o
governo que os officiaes da guarnição pedem satisfação dos insultos que se lhes tem
feito. (...) Diz que o Tamoio é redigido por tres deputados, entre os quaes eu tenho a
honra de ser nomeado, e portanto reputado incendiário; mas declarando eu, em 1º
lugar, que na pequena parte que me coube, só disse o que a minha consciencia me
dictou, pergunto como é que se faz uma acusação desta sem conhecimento de causa?(...)
quanto a permanencia da sessão creio que não há que discutir; devemos estar aqui até
que este negocio se termine, e acabem as desconfianças, recuperando a capital a sua
antiga segurança, se não obrarmos assim seremos fracos, incapazes de ser deputados da
generosa nação brasileira”.
O Constituinte Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva
(SP), notável orador e polemista, após tomar ciência das acusações, faz o

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A Construção da Democracia 133

seguinte pronunciamento: “(...) Eu nunca tive influência em semelhantes papéis,


referidos no offício do ministro; por consequência o ministério mentio, quando tomou
semelhante pretexto para fazer acusação tão falsa e tão indigna. Se acaso há abuso de
liberdade de imprensa nesses papéis, faça o governo a sua obrigação, chame a jurados
os autores delles.
Todavia sempre agradeço ao governo o escolher-me para alvo de seus tiros (hon-
ra que eu não esperava) como fez a outros meus collegas, iguaes a mim em sentimentos
de liberdade, pois em todos considero a aversão devida á escravidão.
Sei que posso desagradar, que me comprometto, que não tenho segurança apezar
do título de deputado, mas em minha consciência devo fallar com imparcialidade; e
então digo: que liberdade temos nós? Que somos nós aqui? Quanto ao carácter de
deputado diz-se que sou perturbador, apontão-me como assassino, e autor de Bernardas,
e pede-se a minha cabeça, e a de outros deputados!
E porque serão os nossos nomes escolhidos? É porque se deseja que não tenhamos
assento aqui, porque somos contra abusos, e contra a escravidão.” Ao final assim se
expressa: “Não admitto pois restricções á liberdade d’imprensa; o que quero é que se
diga ao governo que a falta de tranquillidade procede da tropa e não do povo; e que a
assembléa não se acha em plena liberdade como é indispensável para deliberar; o que
só poderá conseguir-se removendo-se a tropa para maior distancia”.
Vale o registro de que era de interesse de José Bonifácio de Andrada e
Silva (SP) apresentar à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa uma re-
presentação e, em anexo, como sugestão, um projeto de lei que “determinava
o fim do comércio da escravatura africana no Brasil dentro de quatro ou cinco anos, o
direito do escravo de comprar sua alforria e estes de receberem do Estado uma pequena
sesmaria de terra para cultivarem, a proibição de venda de escravo casado com escrava
sem vender ao mesmo tempo e ao mesmo comprador a mulher e os filhos menores de 12
anos, a proibição de castigar os escravos com surras ou castigos cruéis sem autorização
judicial, os direitos da escrava grávida, a criação, em todas as províncias, de caixas de
economia onde os escravos pudessem pôr a render os produtos pecuniários dos seus
trabalhos, e criação do conselho superior conservador dos escravos para fazer cumprir
esta lei”. Diz em sua representação: “(...) É de espantar pois que um tráfico tão
contrário às leis da moral humana, e às santas máximas do Evangelho, e até contra as
leis de uma sã política, dure há tantos séculos entre homens, que se dizem civilizados e
cristãos! Mentem, nunca o foram... E vou, finalmente, senhores, apresentar-vos os
artigos, que podem ser objeto da nova lei que requeiro: discutí-os, emendai-os, ampliai-os
segundo a vossa sabedoria e justiça”. Encerra afirmando: “Generosos cidadãos do
Brasil, que amais a vossa Pátria, sabei que sem a abolição total do infame tráfico de
escravatura africana, e sem a emancipação sucessiva dos atuais cativos, nunca o Bra-
sil firmará a sua indepedência nacional e segurará e defenderá a sua liberal constitui-
ção; nunca aperfeiçoará as raças existentes, e nunca formará como imperiosamente o
deve, um exército brioso, e uma marinha florescente. Sem liberdade individual não
pode haver civilização nem sólida riqueza; não pode haver moralidade e justiça; e sem
estas filhas do Céu, não há nem pode haver brio, força e poder entre as Nações”. Grifado
pelo compilador.

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134 Casimiro Neto

Quadro/Ilustração nº 9
O Deputado Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva
reverenciando o soberano do mundo e o poder de persuasão
inerente aos canhões da artilharia imperial

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A Construção da Democracia 135

Fica para a história o fato, contado e repetido através dos anos, do gesto
do Deputado Constituinte Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e
Silva (SP). Conta-se que este ao sair preso da Assembléia, devidamente acom-
panhado por oficiais do Exército Imperial, nota, na janela do palácio impe-
rial, vizinho ao prédio da Assembléia, o Imperador D. Pedro I assistindo a
prisão dos deputados constituintes. Prosseguindo em sua caminhada e ao
passar diante das peças de artilharia que o Imperador mandara ali colocar,
acintosamente apontadas para a porta por onde acabara de franquear, vira as
costas para o Imperador, detem-se respeitoso e, descobrindo-se, exclama com
ironia: “Obedeço ao soberano do mundo. A sua majestade o canhão!” e fazendo-lhe
uma reverência, diz: “Respeito muito o seu poder!”. Affonso D’E. Taunay, na sua
obra “Grandes vultos da Independência Brasileira” relata: “Conta-se que ao passar,
preso, por um parque de artilheria, descobriu-se Antonio Carlos, a dizer aos canhões:
Soberanos do mundo, eu vos saúdo!”. Segue para a prisão da ilha das Cobras, de
onde dias depois parte para a Europa.
Esta agonia da coação militar sobre a representação popular, infeliz-
mente, não foi a única na nossa história parlamentar. Vai perdurar, ainda,
durante o Império e depois na consolidação da República. A Assembléia Cons-
tituinte cai com honra e dignidade, enfrentando as ameaças e o poder dos
canhões das tropas imperiais.
Apesar de todos os obstáculos enfrentados pela “Assembléa Geral, Consti-
tuinte e Legislativa”, trinta e nove projetos de lei, sete requerimentos, cento e
cinqüenta e sete indicações, duzentos e trinta e sete pareceres, o regimento
interno e uma proclamação aos povos do Brasil foram oferecidos à aprecia-
ção dos constituintes. Proposições tais como: criação de universidades, me-
mórias sobre a extinção da escravatura, mudança da capital do Império,
catequese e colonização dos índios, etc. Dos trinta e nove projetos seis foram
aprovados e sancionados pela Assembléia.
No dia 20 de outubro de 1823, uma deputação nomeada pelo Plenário
da Assembléia, apresentou estas seis resoluções ao Imperador, para sua exe-
cução. Transformadas em Cartas de Lei, são registradas e publicadas na devi-
da forma. São elas: a primeira, que estabelece provisoriamente a forma que
deve ser observada na promulgação dos decretos da Assembléia Geral, Cons-
tituinte e Legislativa do Império do Brasil, sem dependência de sanção im-
perial. Originou-se do Projeto de Lei nº 12, da Comissão de Constituição,
apresentado na sessão de 12 de junho e relatado pelo Deputado Pedro de
Araújo Lima (PE); a segunda, que revoga o decreto de 16 de fevereiro de
1822, e com isso declarando a extinção do Conselho de Procuradores-Gerais
das províncias. Originou-se do Projeto de Lei nº 7, do Deputado Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), apresentado na sessão de
21 de maio; a terceira, que proíbe aos deputados exercerem qualquer outro
emprego durante o tempo da deputação, exceto o de ministros e Intendente-
Geral de Polícia. Originou-se do Projeto de Lei nº 18, do Deputado Cândido
José de Araújo Vianna (MG), apresentado na sessão de 21 de julho; a quarta,

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que revoga o Alvará de 30 de março de 1818 sobre sociedades secretas e


menciona os casos em que podem ser ou não toleradas. Originou-se do Pro-
jeto de Lei nº 3, do Deputado João Antônio Rodrigues de Carvalho (CE),
apresentado na sessão de 7 de maio; a quinta, que declara o código, leis,
decretos e resoluções que provisoriamente ficam em vigor, para terem obser-
vância no Império depois da independência. Originou-se do Projeto de Lei
nº 1, do Deputado Antônio Luiz Pereira da Cunha (RJ), e a sexta, abolindo as
juntas provisórias estabelecidas pelo decreto de 29 de setembro de 1821, dando
nova forma aos governos das províncias, que passaram a ser administradas
por presidente e conselho. Originou-se do Projeto de Lei nº 6, do Deputado
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), apresentado na
sessão de 9 de maio de 1823.
Além desses, no dia 22 de novembro de 1823, dez dias depois de expe-
dir decreto dissolvendo a “Assembléa Geral, Constituinte e Legislativa”, o Impera-
dor D. Pedro I “considerando que, assim como a liberdade de imprensa he hum dos
mais firmes sustentaculos dos Governos Constitucionaes, tambem o abuso della os leva
ao abysmo da guerra civil, e da anarquia, como acaba agora mesmo de mostrar huma
tão funesta, como dolorosa experiência: e sendo de absoluta necessidade empregar já
hum prompto, e efficaz remedio, que tire aos inimigos da Independencia deste Imperio
toda a esperança de verem renovadas as scenas, que quasi o levarão á borda do precipicio,
marcando justas barreiras a essa liberdade de Imprensa, que longe de offenderem o
direito, que tem todo o Cidadão, de communicar livremente suas opiniões e idéas, sirvão
sómente de dirigi-lo para o bem e interesse geral do Estado; único fim das Sociedades
Politicas: Hei por bem Ordenar, que o Projecto de Lei sobre esta mesma materia, datado
de dous de Outubro proximo passado, que com este baixa assignado por João Severiano
Maciel da Costa, Meu Ministro, e Secretario de Estado dos Negócios do Imperio, e que
se principiára a discutir na Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa, tem desde a
publicação deste Decreto, sua plena e inteira execução, provisoriamente, até á installação
da nova Assembléa, que Mandei convocar, a qual dará, depois de reunida, as provi-
dencias legislativas, que julgar mais convenientes, e adequadas á situação do Impé-
rio”. Grifado pelo compilador. O Imperador D. Pedro I manda executar, proviso-
riamente, o projeto de lei que regula a liberdade de imprensa. Este Projeto de
Lei de nº 36, de 2 de outubro, foi apresentado na sessão de 6 de outubro de
1822, pela Comissão de Legislação e Justiça Civil e Criminal, composta pelos
Deputados José Antônio da Silva Maia (MG); Bernardo José da Gama, Vis-
conde de Goyanna (PE); Estevão Ribeiro de Rezende, Marquês de Valença
(MG); José Teixeira da Fonseca Vasconcellos, Visconde de Caeté (MG); e João
Antônio Rodrigues de Carvalho (CE), tendo como relator o Deputado José
Antônio da Silva Maia (MG) e tramitava, em regime de urgência. Projeto este
que teve sua origem na Indicação do Deputado Diogo Duarte Silva (SC),
apresentada em Plenário no dia 24 de maio de 1823 “solicitando a promulgação
de uma nova lei sobre a liberdade de imprensa e que se nomeasse uma comissão para
redigir o projeto de lei” e também no Projeto de Lei nº 10, de mesma data, do
Deputado Augusto Xavier de Carvalho (PB). Posteriormente, decretos do

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A Construção da Democracia 137

Quadro/Ilustração nº 10 e 10/A
Sessão Plenária da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa de 1823

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138 Casimiro Neto

Imperador D. Pedro I, de 11 de setembro de 1826, e de 13 de setembro de


1827, declaram a sua eficácia por estar em pleno vigor. Homenagem tardia
do Imperador aos trabalhos dos constituintes.
Embora dissolvida a “Assembléa Geral, Constituinte e Legislativa”, o triunfo
da idéia constitucional estava obtido. O impulso dado à causa dos princípios
de liberdade e do processo legislativo estava consumado. Ao Imperador já
não era dado deter o seu curso.
Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 12 de novembro
de 1823 a 28 de abril de 1826.

13 de novembro de 1823. É expedida “Proclamação” do Imperador


D. Pedro I que trata da “dissolução da Assembléa Geral Constituinte e Legislativa”.
No mesmo dia é expedido decreto, com a rubrica do Imperador D. Pedro I,
que “crea um Conselho de Estado”. Conselho este composto por dez membros,
“homens probos, e amantes da Dignidade imperial e da Liberdade dos Povos”. Conse-
lho este composto pelos “Meus seis actuaes Ministros, que já são Conselheiros de
Estado natos pela Lei de Vinte de Outubro proximo passado”, o Desembargador do
Paço, Antônio Luís Pereira da Cunha, depois Marquês de Inhambupe; e os
Conselheiros da Fazenda: José Egídio Álvares de Almeida, depois Marquês
de Santo Amaro; José Joaquim Carneiro de Campos, depois Marquês de
Caravelas; Manuel Jacinto Nogueira da Gama, depois Marquês de Baependi.
Tinham como missão tratar do “Projecto de Constituição, e também de outros negó-
cios da Côrte”. O projeto imperial é escrito em prazo recorde. No dia 11 de
dezembro, do mesmo ano, o texto constitucional já está pronto e no dia 20 já
está impresso para divulgação e distribuição.
A criação do Conselho de Estado é confirmada pela Constituição Políti-
ca do Império, promulgada em 25 de março de 1824, e extinto pela Ato
Adicional de 12 de agosto de 1834, conservando, porém, as respectivas hon-
ras os conselheiros que existiam nessa época, bem como os vencimentos
pecuniários àqueles que eram efetivos.
Ao longo da nossa história legislativa, o Brasil passa a conviver, com a
criação, pelo Poder Executivo, de grupos a quem é entregue a tarefa de ela-
borar anteprojetos de nossas Cartas, o que causa reações adversas e polêmi-
cas sobre a sua necessidade e validade constitucional.
16 de novembro de 1823. É expedido “Manifesto” do Imperador
D. Pedro I “justificando a dissolução da Assembléa Geral Constituinte e Legislativa”.
17 de novembro de 1823. É expedido decreto, com a rubrica do Impe-
rador D. Pedro I, que “manda proceder as eleições para deputados à nova Assembléa
Geral Constituinte e Legislativa pelo mesmo méthodo estabelecido nas instrucções de 19
de junho de 1822 e do decreto de 3 de agosto do mesmo ano”. Grifado pelo compilador.
13 de dezembro de 1823. O clero, a nobreza, o povo e os chefes milita-
res elegem uma junta para governar a Província de Pernambuco. O Presiden-

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A Construção da Democracia 139

te desta “Junta Governativa” é Manuel de Carvalho Paes de Andrade. Os Depu-


tados de Pernambuco, Paraíba e Ceará publicam no Recife um manifesto
narrando “o atentado à Constituinte, a saída dos Deputados com o terror no rosto e o
aparato bélico das tropas, reconhecendo, todavia, com gratidão que o Imperador lhes
permitira retirar em paz e até lhes suprira a passagem”.
17 de dezembro de 1823. É expedida a Decisão do Governo nº 179
pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império João Severiano
Maciel da Costa (MG), primeiro Visconde e Marquês de Queluz, que “remette
ao Senado da Camara do Rio de Janeiro e ás camaras das províncias o Projeto de
Constituição”.
Consultadas as Câmaras Municipais, quase todas o aprovam. Há exce-
ções. Em Itú (SP), o Padre Diogo Antônio Feijó faz reparos. As Câmaras de
Olinda e Recife, PE, recusam o texto. O frade carmelita Frei Joaquim do
Amor Divino Caneca critica-o “por ser inteiramente mau, pois não garante a inde-
pendência do Brazil, ameaça a sua integridade, oprime a liberdade dos povos, ataca a
soberania da nação e nos arrasta ao perjúrio”. Mas o monarca sente-se apoiado,
desiste da Assembléia Constituinte, e faz do seu projeto a primeira Constitui-
ção brasileira.
O ato de fechar a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, prometer
outra e não convocá-la, e, finalmente, outorgar uma constituição política para
o Império do Brasil, representa um ato de insofismável despotismo. Imper-
doável, exaspera ao extremo os sentimentos liberais dos revolucionários que
o poeta José da Natividade Saldanha deixa latente: “Queremos o nosso direito de
uma Assembléa Constituinte, mesmo com as dificuldades e as vicissitudes que são inevi-
táveis á liberdade e aos primeiros passos de uma nacionalidade nova”.

5 de janeiro de 1824. É expedido decreto, com a rubrica do Imperador


D. Pedro I, que “manda contrair na Europa um empréstimo de três milhões de libras
esterlinas”. O decreto, referendado pelo Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios da Fazenda Mariano José Pereira da Fonseca (RJ), Visconde e Mar-
quês de Maricá, autoriza a realização de operação de crédito na praça de
Londres.
A resolução da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa, nomeando
o Deputado Felisberto Caldeira Brant Pontes (BA) como negociador em Lon-
dres, foi publicada e enviada ao Imperador no dia 7 de novembro de 1823.
Ainda não tinha o novo país dois anos de vida, e já se via obrigado a
solicitar empréstimos aos banqueiros estrangeiros. Os novos encargos do
Governo aumentavam em muito as despesas públicas. Despesas urgentes e
extraordinárias, a defesa, a segurança e a estabilidade do imenso império são
os motivos alegados pelo Imperador D. Pedro I. Além disso, inaugurava-se
no mundo a era dos empréstimos. Os povos pediam cartas constitucionais; os
governos dos povos pediam dinheiro emprestado. A soberania nacional co-
meça a se curvar diante de um novo fato político e financeiro. Os conselhos

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do ex-Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda Martim Fran-


cisco Ribeiro de Andrada (SP) – agora um exilado –, não são mais objetos de
análise. O empréstimo é contraído, em Londres, Inglaterra, no dia 20 de
agosto do mesmo ano, pelo Marechal e ex-Deputado Felisberto Caldeira Brant
Pontes Oliveira e Horta, Marquês de Barbacena (BA) e pelo Conselheiro
Manoel Rodrigues Gameiro Pessôa, plenipotenciários autorizados pelo Go-
verno do Brasil. O consórcio das casas Farquhard Chrawford, Fletcher
Alexander e Thomas Wilson, de um lado, e a Nathan Mayer Rothschild, de
outro, são os nossos credores. O empréstimo é totalmente desfavorável ao
Brasil, causa polêmicas e grandes debates no Plenário da Câmara dos Depu-
tados. Já diziam os grandes estudiosos e historiadores que “dessa malfadada
operação de crédito decorre a escravização da nossa soberania ao capitalismo interna-
cional”.
11 de março de 1824. É expedido decreto, com a rubrica do Imperador
D. Pedro I, que “jura e manda jurar o projeto da Constituição Política do Império
datada de 24 de fevereiro e designa para esta solenidade o dia 25 de março”. No dia
13 de março, é expedida a Decisão do Governo nº 68 pelo Ministro e Secre-
tário de Estado dos Negócios do Império João Severiano Maciel da Costa
(MG), primeiro Visconde e Marquês de Queluz, que “envia às câmaras das
províncias o decreto pelo qual se ordenou que fosse jurada a Constituição Política do
Império do Brazil”.
25 de março de 1824. O Imperador D. Pedro I teme uma nova assem-
bléia constituinte e não vê necessidade de sua convocação para discutir e
votar o projeto de Constituição. Decide outorgá-lo. É expedida Carta de Lei
que “manda observar a Constituição Política do Império, oferecida e jurada por Sua
Majestade o Imperador D. Pedro I”.
No decreto de dissolução da Assembléia, o Imperador prometera aos
brasileiros um projeto de constituição mais liberal. A primeira Constituição
brasileira tem um trabalho final bem articulado, metódica apresentação das
matérias e boa técnica jurídica, mas, em suas linhas gerais, não difere do
projeto que estava sendo discutido pela “Assembléa Geral, Constituinte e Legisla-
tiva” e, assim como o projeto, tem como modelo a Carta francesa, outorgada
pelo Rei Luiz XVIII, em 1814, na fase da Restauração pós-napoleônica.
Desta cópia, iria dar conta o próprio Deputado Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada Machado e Silva (SP), relator e principal autor do projeto na
Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa do Brasil: “Os Senhores Conselhei-
ros de Estado, que entraram a fazer a Constituição, não fizeram senão inserir poder
moderador, elemento federativo, colocar alguns artigos diferentes e no mais copiaram
meu projeto” e que de acordo com Varnhagen “limitou-se a dar melhor classifica-
ção ás doutrinas consignadas no que fôra offerecido á Assembléa Constituinte, a ser
mais generoso a respeito da liberdade de cultos e a introduzir, como primeira experiencia
ensaiada na pratica, o poder moderador, lembrado pelo insigne e liberal publicista
Benjamin Constant”. Omitindo-se, cautelosamente, esta circunstância, apre-

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A Construção da Democracia 141

sentou-se a nova constituição, como uma dádiva graciosa do Imperador e dos


conselheiros de estado que a assinaram.
Deve sua elaboração, em boa parte, a José Joaquim Carneiro de Cam-
pos (RJ), primeiro Visconde e Marquês de Caravelas, que foi o seu principal
organizador, recebendo de Francisco Vilela Barbosa (RJ), primeiro Visconde
e Marquês de Paranaguá alguns retoques da redação e modificação da ordem
de exposição das doutrinas e também a sábia interferência de Mariano José
Pereira da Fonseca (RJ), Visconde e Marquês de Maricá. Mas, sem dúvida,
houve colaboração do jovem imperador. A publicação do texto final, a 20 de
dezembro, revela, no título, a participação do Imperador D. Pedro I no traba-
lho: “Projeto de Constituição para o Império do Brazil organizado em Conselho de
Estado sobre as bases apresentadas por S.M.I., o Sr. D. Pedro I, Imperador Constitu-
cional e Defensor Perpétuo do Brazil”. Com esta Constituição, o primeiro reina-
do entra em sua fase descendente, dando razão ao presságio de José Bonifá-
cio de Andrada e Silva (SP) ao monarca, logo após a dissolução: “Salve o trono
para seu herdeiro, pois para si ele já está perdido”.
O frade carmelita Frei Joaquim do Amor Divino Caneca em sua análise
crítica da Constituição declara: “Uma Constituição não é outra coisa que a acta do
pacto social que fazem entre si os homens, quando se ajuntam e associam para viverem
em reunião ou sociedade”.
De acordo com a primeira Constituição brasileira, a “Assembléa Geral Le-
gislativa” compreende a Câmara dos Deputados (temporária) e a Câmara dos
Senadores ou Senado (vitalícia). A palavra “legislatura” tem definição consti-
tucional e o artigo 17 determina que “cada Legislatura durará quatro anos, e
cada sessão anual quatro meses”. A sessão imperial de abertura, em assembléia
geral, reunidas ambas as câmaras, todos os anos, no dia 3 de maio, com re-
presentantes das dezenove províncias: Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe d’El Rei,
Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato
Grosso, Santa Catarina, São Pedro do Rio Grande do Sul e Cisplatina. Espe-
cifica, também, o total de 102 deputados para a 1ª legislatura. As eleições são
indiretas, elegendo a massa dos cidadãos ativos, em assembléias paroquiais,
os eleitores de Província, e estes os representantes da Nação e das Províncias.
É estabelecido o voto censitário, menos seletivo, e mais elitista (renda míni-
ma de 100 mil réis/ano para eleitores, 400 mil para deputados, 800 mil para
senadores). É criado o Conselho de Estado e os Conselhos Gerais das Provín-
cias (com função legislativa e os membros eleitos indiretamente) embriões
das futuras assembléias legislativas provinciais, que serão criadas pela Carta
de Lei nº 16, denominada “Ato Adicional”, de 12 de agosto de 1834. Os Conse-
lhos Gerais não possuem autonomia, pois o poder é centralizado no Impera-
dor D. Pedro I. Amplia os direitos individuais com liberdade de pensamento,
de imprensa, sigilo de correspondência, fim dos açoites, da tortura, da marca
de ferro quente e todas as demais penas cruéis. É criado o Supremo Tribunal
de Justiça. Os poderes constitucionais não podem suspender a Constituição

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142 Casimiro Neto

no que diz respeito aos direitos individuais. Mas o regime político é a


constitucionalização do absolutismo, em especial ao criar o Poder Modera-
dor. Inovação brasileira, remotamente inspirado no pensador francês Benja-
min Constant, “o poder moderador é a chave de toda organização política”, mas que
para o frade carmelita Frei Joaquim do Amor Divino Caneca é “a chave-mestra
da opressão da nação”. Privativo do Imperador, permite-lhe nomear senadores,
convocar a Assembléia Geral, sancionar ou vetar leis, aprovar ou não decisões
das províncias, dissolver a Câmara dos Deputados, nomear ou demitir minis-
tros, suspender juízes, perdoar penas e conceder anistia. O Poder Executivo
também é enfeixado pelo monarca. O Senado nomeado (com base em lista
tríplice eleita) é vitalício.
A Constituição silencia sobre a escravidão, e por isso, poderiámos assim
dizer, infelizmente, que os escravos não eram cidadãos, eram coisas, e estas
podiam ser negociadas como propriedade do seu senhor. Mas, indiretamen-
te, aborda a questão, ao dispor, em seu artigo 6º que “são cidadãos brasileiros:
1º) Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos ou libertos, ainda que o pai
seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço da sua nação.” Grifado pelo
compilador.
Por ingênuos, entenda-se, eram os filhos de escravos nascidos após a
emancipação, ou filhos de ex-escravos; e libertos eram os escravos alforriados,
que passaram à condição de livres, postos em liberdade, que receberam a
carta de alforria, ou, usando-se a linguagem do direito romano, manumissos.
A Constituição Política do Império é o texto de maior permanência na
história constitucional do País. Vigora por sessenta e cinco anos, sofre apenas
uma emenda, o Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, e uma Lei, de nº 105,
de 12 de maio de 1840, que interpreta alguns artigos deste Ato Adicional.

26 de março de 1824. É expedido decreto, com a rubrica do Imperador


D. Pedro I, que “torna sem efeito o decreto de 17 de novembro de 1823 sobre as
eleições de deputados para a nova Assembléa Constituinte e manda proceder a eleição
dos deputados e senadores da Assembléa Geral Legislativa do Império do Brazil e dos
membros dos Conselhos Gerais das Províncias”. Acompanham o decreto, as instru-
ções baixadas pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império
João Severiano Maciel da Costa (MG), primeiro Visconde e Marquês de Queluz.
As eleições são retardadas em virtude do movimento revolucionário da
“Confederação do Equador”, em 2 de julho de 1824, no Recife. A integridade do
Império está ameaçada.
Movimento nacionalista com organização republicana e revolucionária
iniciado e sustentado em Pernambuco pelo Chefe da Junta Governativa desta
província, Manuel de Carvalho Paes de Andrade, líder da revolução de 1817,
que se encontrava exilado nos Estados Unidos da América. Participa também
como secretário, o poeta, advogado e jornalista José da Natividade Saldanha.
Estabelecendo uma república federativa e democrática nas províncias
do Norte, esperam seus líderes criar as condições necessárias para promover

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A Construção da Democracia 143

a união futura não só da América Portuguesa, mas de todo o continente ao sul


do Rio Grande do Sul. O manifesto às províncias do Norte diz: “Brazileiros. O
Imperador desamparou-nos e que nos resta agora? Unamo-nos para salvação nossa,
estabeleçamos um gorverno supremo, verdadeiramente constitucional, que se encarre-
gue de nossa defesa e salvação. Brazileiros! Unamo-nos e seremos invencíveis!”. Envida
forte apelo em prol da adesão das províncias vizinhas para formação de um
regime republicano como nos Estados Unidos da América, contando receber
apoio da Bahia ao Pará (Norte e Nordeste). Divulgando o lema: “República e
só república, e morra para sempre a tirania real!”, anuncia adesões e convida os
brasileiros a imitarem o exemplo.
A divulgação das idéias dos revolucionários e a adesão popular é explo-
siva. O ideólogo do movimento – principal conselheiro e publicista –, é o
frade carmelita Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, nascido em Recife, ex-
seminarista em Olinda, filho de artesão (tanoeiro português), professor de
geometria, de retórica poética e filosofia racional e moral, jornalista, e erudi-
to. Participou do movimento revolucionário pernambucano de 1817, e por
isso, sendo processado e mantido preso na Bahia durante quatro anos. Desde
a Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, defende abertamente as idéias
republicanas no jornal “Typhis Pernambucano” – periódico liberal e radical –,
onde há assimilação original dos bons modelos de jornalismo panfletário,
sobretudo dos revolucionários franceses e norte-americanos. Crítico da Cons-
tituição outorgada em 1824, defende ainda a autonomia provincial contra o
centralismo monárquico que garante a dominação do Sudeste sobre as de-
mais regiões brasileiras. O “Pacto Social” publicado neste periódico reclama
uma constituinte inspirada nas “luzes do século”, segundo “o sistema americano”
e não segundo o exemplo da “encanecida Europa” trazendo, também, uma
clara mensagem abolicionista. Nesta ocasião, surgem outros jornais
panfletários, com os nomes típicos da época: “Argos”, “Maribondos”, “Guaritas”,
“Sentinelas”, além dos “Diários” e “Gazetas”.
Na aparência, revoltam-se as províncias contra a nomeação do Coronel
Francisco Paes Barreto (o Morgado do Cabo), depois Marquês do Recife, para
presidente da Província de Pernambuco e a conseqüente demissão de Manuel
de Carvalho Paes de Andrade, Chefe da Junta Governativa Provincial. Na
resistência à nomeação do primeiro e depois de um segundo presidente da
Província, opção oferecida pelo Imperador D. Pedro I numa aparente atitude
conciliatória, condensaram-se contradições mais profundas, com a situação
se agravando a partir da reunião de forças pelo Coronel Francisco Paes Barreto
(o morgado do Cabo) para desalojar do poder o Chefe da Junta Governativa
Manuel de Carvalho Paes de Andrade e seus correlegionários. Há outros
motivos. Rebelam-se contra o Imperador D. Pedro I, por haver este mandado
dissolver a Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa e outorgado, meses
depois, a Constitutição Política do Império do Brasil. O protesto se dirige ao
autoritarismo imperial e denuncia, também, o abandono das províncias, com
o poder central atento apenas aos problemas da área fluminense. Resumem

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144 Casimiro Neto

em uma só frase os princípios sobre os quais se assenta a legitimidade do


poder: “As Constituições, as leis e todas as instituições humanas são feitas para os
povos e não os povos para elas”.
Pretendem a expulsão do Imperador D. Pedro I, o desmembramento
das províncias, e a formação de uma república análoga à dos Estados Unidos
da América do Norte. Convocam uma Assembléia Constituinte para 17 de
agosto de 1824, e adotam projeto baseado na Carta colombiana de Bolivar.
Criam uma bandeira e o lema “Religião, Independência, União e Liberdade”,
inscrito em torno da cruz de Jesus Cristo. Um dos primeiros atos do governo
independente é a supressão do tráfico negreiro por convir “não somente aos
interesses da humanidade porém ainda mais aos desta província”. É instituído e
decretado o recrutamento geral e convoca-se a “Assembléia Constituinte e Legis-
lativa da Confederação do Equador”.
Os revolucionários obtém apoios setoriais na Paraíba, Rio Grande do
Norte e Ceará, mas não alcança o extremo-norte, como se esperava, nem o
apoio das potências estrangeiras.
O Imperador D. Pedro I faz uma “Proclamação às Tropas”, no dia 27 de
julho de 1824, contra o manifesto do Presidente da Junta Governativa de
Pernambuco Manuel de Carvalho Paes de Andrade e, através de quatro de-
cretos assinados em 26 e 27 de julho de 1824, suspende as garantias constitu-
cionais nas duas províncias rebeldes, cria uma comissão militar, fixa o núme-
ro dos membros para julgar os rebeldes, e dá outras providências relativas à
rebelião. Envia, em 2 de agosto, o “Exército Cooperador da Boa Ordem”, com
1.200 homens, para combater o movimento, sob o comando do Coronel Fran-
cisco de Lima e Silva, depois Brigadeiro Comandante do Exército Cooperador
da Boa Ordem (pai do futuro Duque de Caxias, também alistado), e uma
força naval sob o comando do Almirante (inglês) Lord Alexandre Thomaz
Cochrane, Marquês do Maranhão, depois Conde de Dundonald (Inglaterra)
com cinco navios. O Exército recebe reforços do Coronel Francisco Paes Barreto
(o morgado do Cabo), e da aristocracia agrária, temerosa da adesão de escra-
vos e populares à revolução. A cidade do Recife é bloqueada, conseguindo-se
a 17 de setembro dominar inteiramente o movimento revolucionário. Apro-
ximadamente 3.500 homens tomam parte na luta contra as tropas de Manuel
de Carvalho Paes de Andrade que, em desvantagem, abandona a luta, e junto
com seus companheiros José Natividade Saldanha e o Comandante-de-Ar-
mas Falcão de Lacerda busca asilo a bordo da fragata inglesa “Tweed” e alcan-
çam a Guiana Inglesa. O secretário da junta, o poeta José Natividade Saldanha,
asila-se na Venezuela, fixando-se depois em Bogotá, onde passa a exercer a
advocacia e vem a falecer em 1830. O Presidente da Junta Governativa Ma-
nuel de Carvalho Paes de Andrade vai viver em Londres (Inglaterra), de onde
só retornará após a abdicação do Imperador D. Pedro I, para reiniciar uma
carreira política que, no período regencial, o levará à Presidência da Provín-
cia de Pernambuco e ao Senado do Império. O frade carmelita Frei Joaquim
do Amor Divino Caneca e outros tentam a resistência em Olinda.

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A Construção da Democracia 145

A “Divisão Constitucional” entra pelo sertão em busca dos rebeldes do


Ceará. Após intensos combates, estes se rendem em 8 de novembro, bem
como a divisão do frade carmelita Frei Joaquim do Amor Divino Caneca no
dia 28 de novembro de 1824.
A punição, em processos rápidos e sumários, é obra de uma comissão
militar nomeada pelo Imperador D. Pedro I. Trinta e dois rebeldes são con-
denados à morte. Ao todo, são executados onze confederados, dos quais três
no Rio de Janeiro, salvando suas vidas os outros, com a fuga. O sexagenário
Cypriano José Barata de Almeida é condenado à prisão perpétua, sendo en-
tretanto libertado depois de alguns anos. Sentenciado, o herói, frade carmelita
Frei Joaquim do Amor Divino Caneca é condenado à forca, mas não se acha
no Recife carrasco, preso ou escravo que aceite executar a sentença. Conde-
nado “a que morra de morte natural no lugar da forca” acaba sendo fuzilado, a 13
de janeiro de 1825, na Fortaleza das Cinco Pontas, envolto numa áurea de
heroísmo e lenda. É enterrado no Convento dos Carmelitas. Os seus escritos
são impressos em 1875, por ordem da Assembléia Legislativa da Província de
Pernambuco. Cessada a luta e restabelecida a ordem, a Constituição Política
do Império do Brasil é jurada no Recife, capital pernambucana, a 1º de de-
zembro de 1824. Conta-se, que o Almirante (inglês) Lord Alexandre Thomaz
Cochrane, Marquês do Maranhão, depois Conde de Dundonald (Inglaterra)
prosseguindo a campanha e indo pacificar o Norte entrou em novembro na
Província do Maranhão. Vencida a luta, temendo não receber o que o Império
lhe devia, obriga o presidente desta província a lhe entregar 106 contos de réis
do governo por conta de muito maior soma exigida, e partiu para Portsmouth
(Inglaterra) com a fragata “Piranga”, do Governo imperial. Mais tarde restitui a
fragata ao ministro (encarregado dos negócios) do Brasil na Inglaterra.

26 de maio de 1824. Os Estados Unidos da América, que haviam decla-


rado sua independência a 4 de julho de 1776, são, quarenta e seis anos de-
pois, a primeira nação a reconhecer a Independência e o Império do Brasil,
conforme a recém-formulada linha de “A América para os americanos” proposta
pelo Presidente James Monroe (1817-1825) na acertada fórmula internacio-
nal da independência do continente. Antes, no dia 2 de dezembro de 1823, o
Presidente da República dos Estados Unidos da América do Norte havia apre-
sentado ao congresso americano sua célebre mensagem que entre outros de-
talhes, destaca que não era mais admissível que nações do novo continente
fosse colônia de qualquer nação estrangeira e que não era possível que na-
ções européias interferissem nos negócios de países americanos – a denomi-
nada “Doutrina Monroe”. O Governo brasileiro é o primeiro, em nosso conti-
nente, a aderir a esta declaração em janeiro de 1824. Comunicado do
plenipotenciário brasileiro junto ao Governo dos Estados Unidos da América
do Norte, Sr. José Silvestre Rebello, datado de 31 de maio de 1824, participa
que a união americana havia reconhecido a Independência e o Império do
Brasil.

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146 Casimiro Neto

Na Inglaterra, Felisberto Caldeira Brant Pontes Oliveira e Horta (MG),


Visconde e primeiro Marquês de Barbacena, advoga junto ao Gabinete do
Primeiro-Ministro do Rei Jorge IV o reconhecimento da independência do
Brasil, o qual se mostra favorável, mas deixa de fazê-lo, no momento, para
não desagradar ao Governo português, tradicional aliado da Inglaterra. Com
o desenrolar dos acontecimentos e com outros países reconhecendo a nossa
Independência, a Inglaterra, com vastos interesses no Brasil, percebe não
pode retardar a solução do caso luso-brasileiro e procura um ajuste entre as
partes.
O reconhecimento da Independência do Brasil pelo Rei de Portugal,
D. João VI, é realizado após quatorze meses de penosas negociações em Lon-
dres – Inglaterra, Nesta mediação figura Sir Charles Stuart – antigo diploma-
ta britânico em Lisboa de 1810 a 1814 –, como ministro mediador e plenipo-
tenciário por parte de Portugal.
O historiador Otávio Tarquinio de Sousa descreve em sua obra “A vida de
D. Pedro I” que “a 13 de maio de 1825 foi assinada uma Carta Régia ou Carta
Patente, na qual, em síntese, D. João VI ordenava que dali em diante o reino do Brasil
fôsse reconhecido como Império, tomando ele e seus sucessores o título e a dignidade de
imperador do Brasil e rei de Portugal e Algarves e cedendo e transferindo a D. Pedro I,
como seu sucessor, o pleno exercício da soberania do Império do Brasil. Neste parti-
cular, D. Pedro I se mostra a princípio irredutível, sugerindo depois a fórmula que lhe
parecia conveniente: que o pai tomasse o título de imperador, e o conservasse, mas
abrindo mão dos direitos ao mesmo correspondentes”.
O tratado de paz e aliança é assinado no Rio de Janeiro no dia 29 de
agosto de 1825, sendo ratificado por parte do Brasil, no dia 30 do mesmo
mês, e pela de Portugal, em 15 de novembro do mesmo ano. Nesta mesma
data celebraram os sobreditos plenipotenciários uma convenção, que tam-
bém foi ratificada e pela qual o Imperador D. Pedro I conveio, à vista das
reclamações apresentadas de Governo a Governo, em se dar ao de Portugal a
soma de dois milhões de esterlinos (pago com empréstimos ingleses). Com
isto liquida-se o empréstimo português realizado em Londres, em nome do
Reino Unido, no mês de outubro de 1823, no valor de 1.400.000 libras ester-
linas, e a pagar a D. João VI 600.000 libras esterlinas a título de indenização
das propriedades que este possuía no Brasil. Ficando com esta quantia extin-
tas, de ambas as partes, todas e quaisquer outras reclamações, assim como
todo o direito a indenização desta natureza.
Esse empréstimo, feito pelos portuguêses, foi, sem dúvida, contraído a
fim de debelar a revolução nacional brasileira pela independência. Tudo, em
segredo de estado, pelas sabidas reações que poderiam provocar no Brasil.
É também incluída uma cláusula obrigando o Brasil a abolir o tráfico de
escravos.
O Governo brasileiro tinha enviado missões à França, Grã-Bretanha,
Áustria, Estados Unidos da América, Santa Sé, Buenos Aires, enfim para muitos
países, com o objetivo de negociar o reconhecimento da nossa independên-

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A Construção da Democracia 147

cia. Cria-se com essa decisão um poder de barganha, de pressão, que estes
países não detinham, e que é colocado nas mãos das grandes potências da
época, sobretudo da Inglaterra. O reconhecimento da nossa independência
serve de pretexto para troca de favores comerciais e econômicos prejudiciais
ao Brasil.

28 de agosto de 1824. É expedida a Decisão do Governo nº 179 pelo


Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império João Severiano
Maciel da Costa (MG), 1º Visconde e Marquês de Queluz, com o seguinte
teor: “Havendo S. M. o Imperador determinado em novembro do anno passado que
todos os empregados no serviço da Assembléa-Geral Constituinte e Legislativa fossem
conservados na respectiva folha, na persuasão de que promptamente se installaria a
nova Assembléa, que mandara convocar: E não tendo assim succedido, nem sendo
justo que continuem a pagar-se ordenados que foram concedidos com a clausula expres-
sa de se vencerem sómente enquanto durassem os trabalhos daquelle Congresso: Ha por
bem, que o Official-Maior da Secretaria de Estado dos Negocios do Império Theodoro
José Biancardi tire daquella folha todos os empregados nomeados, com a referida clausula,
e que não estão em actual serviço, exceptuando sómente os tachygraphos João Caetano
de Almeida e Pedro Affonso de Carvalho, que serão conservados com a obrigação de
abrir Aula de Tachygraphia, em que possam outra vez praticar os menos habeis, para
adquirirem a capacidade que lhes falta, ou os que de novo quizerem applicar-se para
entrarem no serviço da futura Assembléa Legislativa”. Grifado pelo compilador.
A rebelião na Província Cisplatina, no primeiro semestre do ano de 1825
(a partir de 19 de abril), fomentada pela República de Buenos Aires, incorpo-
rando a Banda Oriental à República das Províncias Unidas do Rio da Prata,
em novembro; o decreto de 10 de dezembro de 1825, declarando guerra
contra o Governo das Províncias Unidas do Rio da Prata, autorizando o corso
e armamento; o manifesto de D. Pedro I, justificando o procedimento da
Corte do Brasil a esse respeito e dos motivos que obrigaram a declarar guerra
ao referido governo, levou, mais uma vez, ao adiamento da reunião da As-
sembléia Geral Legislativa.
A Província Cisplatina torna-se a República Oriental do Uruguai, con-
forme a “Carta de Lei de 30 de agosto de 1828” que ratificou a convenção preli-
minar de paz entre o Império do Brasil e a República das Províncias Unidas
do Rio da Prata, assinada no Rio de Janeiro, em 27 de agosto de 1828, e,
também, pela assinatura do “Ato Diplomático de 26 de maio de 1830”, aceitando
a Constituição que foi elaborada e promulgada pela nova República, em 18
de julho de 1830. A Banda Oriental deixa o Império mas não integra as
Províncias Unidas. Forma a República Oriental do Uruguai, “independente de
toda e qualquer nação”.
A ocupação de Montevidéo pelas armas do Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves, em 1817, trouxera paz e tranqüilidade aos povos daquele
Estado. Pelo tratado de 31 de julho de 1821 o Estado de Montevidéo foi
anexado ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves pela livre deliberação

Sem título-2 147 7/5/2004, 10:20


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148 Casimiro Neto

dos seus legítimos representantes, o qual desde esse momento tomou o nome
de Província Cisplatina Brasileira. Na independência foi D. Pedro I aclamado
Imperador do Brasil na Província Cisplatina pelos povos, cabildos, autorida-
des civis e militares. Posteriormente aceitou-se e jurou-se na mesma província
o projeto de Constituição Política do Império do Brasil, não faltando a esse
ato a adesão dos respectivos cabildos, do clero, das corporações civis, do tri-
bunal de apelações, e das repartições administrativas. Mais tarde procedeu-
se à eleição de deputados e senadores que passam a representar a Província
Cisplatina no Parlamento brasileiro.
O desgaste causado pela guerra, onde se perderam, aproximadamente,
8 mil vidas; o imposto criado e denominado de “Imposto de Sangue”; e o recru-
tamento forçado de soldados, desde pais de família a meninos de dez anos
“embarcados em condições que matam mais que os combates” acelera o fim do pri-
meiro reinado.
5 de setembro de 1825. Decisão do Governo nº 199, expedida pelo
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Estevão Ribeiro de
Rezende (MG), Barão, Conde e Marquês de Valença, “manda abonar aos depu-
tados à Assembléa Legislativa, para que subsistam com a decência correspondente ao
nobre encargo com que os tem honrado a Nação, com a quantia mensal de 100$000, até
que, instalada a Assembléa, recebam os respectivos vencimentos”. Grifado pelo compilador.

2 de dezembro de 1825. Palácio de São Cristovão. Quinta da Boa Vista.


Rio de Janeiro. Nasce o futuro Imperador do Brasil, D. Pedro II. Sétimo filho
e terceiro varão do Imperador D. Pedro I e da Imperatriz D. Maria Leopoldi-
na Josefa Carolina Francisca Fernanda Beatriz de Habsburgo-Lorena. É bati-
zado com o nome de “Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano
Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e
Habsburgo”. Herdeiro do trono desde o berço, pois seus dois irmãos mais
velhos já havim morrido antes de completar um ano. No dia 2 de agosto de
1826, o menino Pedro é reconhecido oficialmente como herdeiro presuntivo
do trono brasileiro. Órfão de mãe quando apenas contava um ano e nove dias
de nascido – 11 de dezembro de 1826 –, oito anos depois, a 24 de setembro
de 1834, morre também seu pai, ficando então na mais completa orfandade.
4 de março de 1826. O Rei D. João VI adoece gravemente. É instituído
o Conselho de Regência presidido por sua filha, a Infanta D. Isabel Maria. O
rei vem a falecer no dia 10 de março. No dia 27 a “Gazeta de Lisboa” publica
uma portaria, datada de 20, ordenando que todas as leis, cartas, patentes,
etc. fossem passadas em nome de D. Pedro, “Por Graça de Deus, Rei de Portugal
e dos Algarves”. A 29 de abril segue para o Rio de Janeiro uma deputação da
Regência portadora de uma mensagem, datada de 16 daquele mês. Está en-
carregada de apresentar pêsames ao Imperador D. Pedro I do Brasil (IV de
Portugal) pela morte do pai, felicitá-lo por sua elevação aos respectivos tro-
nos e solicitar-lhe ordens.

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A Construção da Democracia 149

10 de abril de 1826. É expedido decreto, com a rubrica do Imperador


D. Pedro I, que “manda executar o tratado solenizado entre D. João VI, de Portugal,
e Sua Majestade o Imperador do Brazil sobre o reconhecimento da independência e do
Império do Brazil”.
Por Decreto de 25 de abril de 1826, “S.M.I. houve por bem designar o dia
29 de abril pelas nove horas da manhã para a primeira reunião dos Senadores e
Deputados em suas respectivas Camaras a fim de se praticarem e seguirem todos os
actos indispensaveis para a solemne abertura da mesma Assembléa”. Na primeira
sessão preparatória a 29 de abril e com a presença de 45 deputados, proce-
dem-se as nomeações do presidente e secretário, interinos, sendo proclama-
dos eleitos para presidente, o Deputado Luís Pereira da Nóbrega de Souza
Coutinho (RJ), e para 1º secretário, o Deputado Manoel José de Souza França
(RJ). Durante a primeira legislatura as províncias deverão ser representadas
por um total de cem deputados. Um representante da Província da Paraíba
do Norte e outro de Sergipe não tomam assento.
As eleições dos deputados para a Primeira Legislatura (1826-1829), a
Segunda (1830-1833), a Terceira (1834-1837) e Quarta Legislatura (1838-
1841) obedeceram as instruções de 26 de março de 1824, sistema indireto
(colégio eleitoral censitário) ou eleição de dois graus – eleição por províncias.
Exigem renda mínima para votar e ser votado, além de critérios como profis-
são, religião e sexo serem pressupostos para o exercício da cidadania. As elei-
ções para a Quinta Legislatura (1843-1844) obedeceram as instruções de 4
de maio de 1842, sistema indireto ou eleição de dois graus – eleição por
províncias. As eleições para a Sexta Legislatura (1845-1847) voltaram a obe-
decer as instruções de 26 de março de 1824, sistema indireto ou eleição de
dois graus – eleição por províncias. As eleições para a Sétima (1848), Oitava
(1850-1852) e Nona Legislatura (1853-1856) obedeceram as instruções da-
das pela Lei nº 387, de 19 de agosto de 1846, sistema indireto ou eleição de
dois graus – eleição por províncias. As eleições para a Décima Legislatura
(1857-1860) obedeceram as instruções dadas pelo Decreto nº 842, de 19 de
setembro de 1855, sistema indireto ou eleição de dois graus – eleição por
distrito de um só deputado (com suplentes). As eleições para a 11ª (1861-
1863), 12ª (1864-1866), 13ª (1867-1868), 14ª (1869-1872) e 15ª Legislatura
(1872-1875) obedeceram as instruções dadas pela Lei nº 1.082, de 18 de
agosto de 1860, sistema indireto ou eleição de dois graus – eleição de círculo
de três deputados. As eleições para a 16ª (1877) e 17ª Legislatura (1878-
1881) obedeceram as instruções dadas pela Lei nº 2.675, de 20 de outubro de
1875, sistema indireto – Lei do terço ou da representação das minorias. As
eleições para a 18ª (1881-1884), 19ª (1885) e 20ª Legislatura (1886-1889)
obedeceram as instruções dadas pela Lei nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881,
eleição direta – distrito de um só deputado.
Na primeira sessão preparatória, o primeiro parlamentar a usar da pa-
lavra é o Deputado José Antônio da Silva Maia (MG) que oferece “um projecto

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150 Casimiro Neto

de regimento, extrahido da assembléa constituinte, afim de que, merecendo aceitação,


servisse interinamente nos trabalhos prévios, a que se tinha de dar princípio”.
Por motivos alheios ao desejo do Imperador e divergências entre a Câ-
mara e o Senado sobre o cerimonial de instalação da “Assembléa Geral Legisla-
tiva”, a mesma não é realizada no dia 3 de maio conforme manda o “Artigo 18
da Constituição Política do Império do Brazil”. Por decisão de S.M.I., a sessão
solene de abertura do Parlamento é adiada, devendo a Câmara dos Depu-
tados “continuar com os seus trabalhos preparatórios, até que haja o numero de depu-
tados determinado pela Constituição, e communicar então ao Governo que se acha
preenchida esta formalidade, afim de se darem as convenientes providencias para a
solemne abertura da Assembléa”.
2 de maio de 1826. O Imperador D. Pedro I, que já na Carta Constitu-
cional portuguesa (art. 5º), outorgada por ele em 29 de abril deste mesmo
ano, declarava abdicar a favor de sua filha, a Princesa D. Maria da Glória, faz
nova abdicação, por ser “incompatível com os interesses do Império do Brazil e os do
Reino de Portugal continuar a ser Rei de Portugal”.
Nesta abdicação dispunha-se que a Princesa D. Maria da Glória, então
com apenas 7 anos de idade, casaria com seu tio D. Miguel, e que este juraria
a Carta Constitucional. Tal juramento foi feito pelo Infante D. Miguel em
Viena, Áustria, onde se encontrava no dia 4 de outubro de 1826. O casamen-
to com sua sobrinha celebrou-se na mesma Corte no dia 29, tendo sido a
Princesa representada pelo Barão de Vila Seca. No dia 3 de julho de 1827 o
Imperador D. Pedro I nomeia D. Miguel seu “Lugar-Tenente”, a fim de gover-
nar e reger Portugal de conformidade com a Carta Constitucional. D. Miguel
assume, mas viola as condições tratadas e inicia a guerra civil portuguesa
entre liberais e absolutista (miguelistas). Em 1828, após a vitória, D. Miguel I
proclama-se rei absoluto de Portugal, abolindo todos os decretos de D. Pedro
IV, incluindo a Carta Constitucional.

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A Construção da Democracia 151

Quadro/Ilustração nº 11
O Deputado às Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa
Jornalista Cypriano José Barata de Almeida

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A Construção da Democracia 153

Primeira Legislatura

6 de maio de 1826. 12 horas. Paço do Senado. Presidência do Senador


Felisberto Caldeira Brant Pontes Oliveira e Horta (MG), Visconde e primeiro
Marquês de Barbacena. Sessão Solene de Abertura da Primeira Sessão Legis-
lativa da Primeira Legislatura da “Assembléa Geral Legislativa” (Câmara dos
Deputados e Câmara dos Senadores) pelo Imperador D. Pedro I.
Na segunda “Fala do Trono”, o Imperador refere-se aos assuntos nacio-
nais e internacionais: “(...) Todo o Imperio está tranquilo, excepto a provincia Cis-
platina (...) pois homens ingratos, e que muito deviam ao Brazil, contra elle se levan-
taram, e hoje se acham apoiados pelo governo de Buenos-Ayres, actualmente em luta
contra nós. A honra nacional exige que se sustente a provincia Cisplatina, pois está
jurada a integridade do Imperio. A Independencia do Brazil foi reconhecida por meu
augusto pai o Sr. D. João VI, de gloriosa memoria, no dia 15 de Novembro do anno
proximo passado; seguiram-se a reconhecel-a a Austria, Inglaterra, a Suecia e a França,
tendo-o sido já muito antes pelos Estados-Unidos d’America. No dia 24 de abril do
anno corrente, anniversario do embarque de meu pai o Sr. D. João VI para Portugal,
recebo a infausta, e inopinada noticia da sua morte: uma dôr pungente se apodera do
meu coração; o plano que devia seguir, achando-me, quando menos o esperava, legiti-
mo Rei de Portugal, Algarves, e seus dominios, se me apresenta repentinamente; ora a
dôr, ora o dever occupam o meu espirito; mas pondo tudo de parte, olho aos interesses
do Brazil, attendo á minha palavra, quero sustentar minha honra, e delibero, que
devia felicitar Portugal, e que me era indecoroso não o fazer. Qual seria a afflicção, que
attormentaria minha alma, buscando um meio de felicitar a nação portugueza, não
offendendo a brazileira, e de as separar (apezar de já separadas) para nunca mais se
poderem unir? Confirmei em Portugal a regencia, que meu pai havia creado; dei uma
annistia; dei uma constituição; abdiquei, e cedi de todos os indisputaveis, e inauferiveis
direitos, que tinha á corôa da monarquia portugueza, e soberania d’aquelles reinos
na pessoa da minha muito amada, e querida filha a princeza D. Maria da Gloria,
hoje Rainha de Portugal, D. Maria II”. Grifado pelo compilador. Recomenda à As-
sembléia a discussão de leis complementares e de leis sobre educação e
finanças: “(...) Deve merecer-vos summo cuidado a educação da mocidade de ambos
os sexos, a fazenda publica, todos os mais estabelecimentos publicos, e primeiramente
a factura de leis regulamentares, assim como a abolição de outras directamente oppostas
á constituição, para por esta nos podermos guiar, e regular exactamente” e encerra
afirmando: “(...) Muito mais teria a recommendar-vos, mas parece-me não o dever
fazer”.

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154 Casimiro Neto

Aos quinze minutos depois do meio dia, deixa Sua Majestade Imperial
a sala da Assembléia Geral Legislativa, sendo acompanhado com as mesmas
formalidades que haviam precedido no seu recebimento.
Tem início a primeira legislatura – 1826 a 1829.

12 de maio de 1826. Plenário. O Deputado José Antônio da Silva Maia


(MG) propõe que a Comissão de Legislação indique, com urgência, as medi-
das que devem ser tomadas para organização dos Códigos Civil e Criminal.
Na mesma sessão, o Deputado Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira,
primeiro Barão de Cimbres (PE), propõe que se conceda prêmio a quem,
dentro de dois anos, apresentar o melhor projeto dos referidos códigos. Na
sessão do dia 1º de agosto de 1826 é lido o parecer da Comissão de Legisla-
ção e Justiça Civil e Criminal.

18 de maio de 1826. Plenário. O Deputado José Clemente Pereira (RJ),


apresenta o primeiro projeto de lei que “trata da abolição do commércio de escra-
vos em todo o Império do Brazil no último dia do mêz de dezembro do anno de 1840; a
prohibição de introducção de novos escravos nos portos; e aprehensão e venda dos
navios negreiros que forem encontrados com esse tipo de carga”. Já em 8 de junho é
lido o parecer da Comissão de Legislação, de Justiça Civil e Criminal, favorá-
vel ao projeto. No dia 15 a referida comissão apresenta uma emenda, que é
lida em plenário, prevendo a extinção da escravatura no prazo de seis anos
contados do dia da publicação da lei. O projeto não foi convertido em lei e
não teve, propriamente, discussão em Plenário.

22 de maio de 1826. Plenário. O Deputado José Bernardino Baptista


Pereira (ES) faz um pronunciamento em que destaca o seguinte: “(...) Nos
mezes de Novembro, Dezembro, Janeiro e Fevereiro, o campo torna-se um seguido vul-
cão, e os ventos, que então rijamente soprão, combinados com o fogo, apresentão a
imagem do inferno, da miseria, e como que do fim do mundo. Não sou exagerado. Para
remediar tão funestos damnos, organizei o presente projeto, visto que a ordenação patria
não tem sufficientemente acautelado todos os casos”. Apresenta, em seguida, proje-
to de lei “tratando das queimadas em terras lavradias sob algumas condições e as
devidas penas aos infratores”. Grifado pelo compilador.

29 de maio de 1826. Plenário. O Deputado Bernardo Pereira de Vas-


concelos (MG), em nome da Comissão de Leis Regulamentares lê o projeto
de lei “sobre a responsabilidade dos empregados publicos”. Na sessão de 30 de maio,
o Primeiro-Secretário Deputado Manoel José de Sousa França (RJ) lê o proje-
to de lei da Comissão de Leis Regulamentares que trata “da responsabilidade
dos ministros, e secretarios de Estado, e da maneira de proceder contra elles”.
3 de junho de 1826. Plenário. O Deputado José Clemente Pereira (RJ)
apresenta projeto de lei que “estabelece as bases que organizou para o projecto de
código criminal” com a seguinte justificativa: “Sr. Presidente, é desnecessário e até

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A Construção da Democracia 155

superfluo mostrar a necessidade que temos de um codigo criminal, pois na realidade o


não possuimos; visto que as ordenações immensas e informes que se dizem em vigor, são
inteiramente inapplicaveis ás nossas circumstancias. Desta falta de legislação resultão
os grandes males que se experimentão na administração da justiça.
Sendo pois, conhecida a utilidade e necessidade que temos deste codigo, que não
poderá ser obra de um momento, por depender de profunda meditação e estudo,
emprehendi ordenar um projecto sobre os principios modernamente admittidos e come-
cei a formar alguns dos titulos que necessariamente deveráõ entrar no codigo criminal.
Porém, depois de ter adiantado algum trabalho sobre as bases que havia estabelecido,
lembrei-me que talvez estas mesmas bases houvessem de soffrer grandes alterações, e
que neste caso estava derribado todo o edificio que houvesse levantado sobre ellas, e todo
o meu trabalho perdido.
Como, porém, possa acontecer que algum dos meus illustres collegas tenha esco-
lhido este mesmo objecto para nelle empregar as suas meditações e vigilia, e as minhas
intenções não têm outro fim mais do que a utilidade da nação, julguei que faria algum
serviço publicando estas bases que havia organisado para o projecto do codigo crimi-
nal, que talvez possão merecer alguma aceitação, sujeitando-as desde já ás reformas e
melhoramentos que se julgarem uteis. Por este modo não só poderáõ ellas suscitar algu-
mas idéas a qualquer outro, que se tenha dado a este trabalho, mas servir-me-hão
depois para prosseguir no meu plano com mais segurança, esperando que na proxima
futura sessão me seja possivel apresentar o projecto do codigo criminal fundado nas
bases que forem approvadas. E só para este fim tenho a honra de offerecer este projecto”.
Grifado pelo compilador.
Na sessão do dia 9 é enviado à Comissão de Legislação e Justiça Civil e
Criminal e na sessão do dia 1º de agosto de 1826 é lido o parecer desta
comissão.
Foi sobre as disposições deste projeto e de outro, apresentado pelo mes-
mo autor em 16 de maio de 1827, e com o projeto do Deputado Bernardo
Pereira de Vasconcellos (MG), apresentado em 4 de maio de 1827, que se
formulou o “Código Criminal do Império do Brazil”.. Considerado um dos maio-
res monumentos legislativos do Brasil independente.
8 de junho de 1826. É expedida a Decisão do Governo nº 88 pelo Mi-
nistro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda Manuel Jacinto No-
gueira da Gama (MG), primeiro Visconde, Conde e Marquês de Baependi,
que “estipula o pagamento do subsídio e ajuda de custo aos deputados”.
5 de julho de 1826. Plenário. O Deputado Padre Januário da Cunha
Barbosa (RJ), em nome da Comissão de Instrução Pública e por ordem da
Câmara dos Deputados, lê o projeto de lei que “trata da criação de um curso
jurídico ou de sciencias sociaes no Rio de Janeiro”. Este projeto é assinado também
pelo Deputado José Cardoso Pereira de Mello (BA). Durante a discussão no
ano de 1826 e 1827 recebe várias emendas e transforma-se na Lei de 11 de
agosto de 1827 que criou dois cursos de ciências jurídicas e sociais, um na
cidade de São Paulo, outro na de Olinda, conforme idéia do Deputado José

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156 Casimiro Neto

Feliciano Fernandes Pinheiro (RS), Visconde de São Leopoldo, lançada atra-


vés de uma indicação, no dia 14 de junho de 1823, no Plenário da Assembléia
Geral, Constituinte e Legislativa.
A fundação dos cursos jurídicos representa um grande avanço na políti-
ca e na administração do Brasil. Os estudantes brasileiros tinham que se des-
locar para Portugal e com a Independência não era mais admissível esta sub-
missão. Há necessidade de consolidar sua organização com bases em direito
brasileiro e estudado em suas escolas.
7 de agosto de 1826. Plenário. O Deputado Bernardo Pereira de
Vasconcellos (MG) apresenta projeto de lei para o “estabelecimento do Supremo
Tribunal de Justiça” conforme estabelecido no artigo 163, da Constituição Po-
lítica do Império. Em 9 de agosto a Comissão de Leis Regulamentares manda
imprimir por se tratar de projeto em regime de urgência. É discutido nas
sessões legislativas de 1827 e 1828, sendo transformado em lei no dia 18 de
setembro de 1828.

26 de agosto de 1826. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-


rador D.Pedro I sanciona a Carta de Lei que “marca as formalidades com que se
ha de proceder em Assembléa Geral Legislativa ao reconhecimento do Príncipe Impe-
rial como sucessor do trono do Brazil”.
11 de setembro de 1826. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o
Imperador D.Pedro I sanciona a Carta de Lei que “manda que as sentenças de
pena de morte não se executem, sem que primeiramente sejam presentes ao Poder Mo-
derador”.

23 de novembro de 1826. É efetivado o acordo Anglo-Brasileiro, visan-


do a regular e abolir o tráfico de escravos, no prazo de três anos.

11 de dezembro de 1826. Morre a Imperatriz D. Maria Leopoldina


Josefa Carolina Francisca Fernanda Beatriz de Habsburgo-Lorena. O Impe-
rador D. Pedro I casa-se, em segundas núpcias, com Dona Amélia de
Leuchtenberg no dia 28 de agosto de 1828.
4 de maio de 1827. Plenário. O Deputado Bernardo Pereira de
Vasconcellos (MG) apresenta projeto de lei que “trata do Código Criminal”. Foi
sobre as disposições deste projeto e do projeto do Deputado José Clemente
Pereira (RJ), apresentado em 3 de junho de 1826 e 16 de maio de 1827,
respectivamente, que se formulou o Código Criminal. Considerado um dos
maiores monumentos legislativos do Brasil independente. Na sessão do dia
12 de maio é eleita uma comissão especial para tratar desses projetos. É no-
meada uma comissão mista e na sessão de 31 de agosto é lido o seu parecer.
Na sessão plenária de 26 de novembro de 1827, recebeu-se ofício do Senado
participando ter sido adotado inteiramente o projeto. É transformado em lei
no dia 16 de dezembro de 1830.

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A Construção da Democracia 157

22 de maio de 1827. Plenário. O Primeiro-Secretário lê o seguinte ofí-


cio enviado pelo Governo Imperial: “Ilm. e Exm. Sr. – Sua Magestade o impera-
dor me ordenou que remettesse a V. Ex. para fazer presente na camara dos deputados a
cópia da convenção para a final abolição do commercio de escravatura, a qual foi
assignada nesta côrte pelos respectivos plenipotenciarios, em 23 de novembro do anno
passado, e que se acha já ratificado por Sua Magestade o Imperador, e Sua Magestade
Britanica.
E como cumpra que a mesma camara fique sciente dos fortes motivos, que teve o
governo brazileiro para concluir a dita convenção, determinou-me Sua Magestade
Imperial que fizesse a seguinte exposição.
Logo que o plenipotenciario britanico apresentou o seu projeto para a dita con-
venção, os plenipotenciarios brazileiros lhe observarão que havião mudado muito as
circumstancias depois da época de 18 de Outubro de 1825, em que fôra assignada a
convenção feita com Sir Charles Stuart, e que não foi ratificada por Sua Magestade
Britanica; pois que não estava reunida então a assembléa, e o governo podia attender aos
interesses geraes da nação, e conseguintemente achava-se agora o mesmo governo emba-
raçado de concluir ajuste algum a este respeito, visto que na camara dos deputados já
havia apparecido um projecto de lei, em que se propunha a abolição do trafico dentro em
seis annos, convindo por isso esperar pela proxima reunião da assembléa para proceder o
governo com toda a circumspecção em um negocio de importancia vital para a nação.
O plenipotenciario britanico respondeu que elle pensava que Sua Magestade o
Imperador não havia mudado dos seus sentimentos de justiça e humanidade, que tan-
tas vezes manifestára sobre a abolição da escravatura: que não fôra mandado pela sua
côrte, para alongar, mas sim para abreviar o prazo: e que, além disto, achando-se já
prohibido o tráfico de escravos ao norte do equador, Sua Magestade Britanica, queren-
do mostrar toda contemplação para com os interesses deste imperio, que deseja promo-
ver; não quis, depois do acto da sua independencia, requerer ao governo portuguez o
cumprimento dos tratados existentes com a Inglaterra, pelos quaes o mencionado trafi-
co é geralmente prohibido ás nações estrangeiras: Que sem isso talvez, dentro em seis
mezes, o Brazil não tivesse porto algum, aonde fizesse aquelle trafico, a não ser por
contrabando: Que a resistencia da parte do governo brazileiro seria completamente
inutil, porque assentado como está entre todas as nações cultas acabar com este trafico
geralmente, e tendo El-Rei fidelissimo promettido fazêl-o tambem gradualmente, pro-
messa, que não se cumprio de maneira alguma, o governo britanico, ou faria que
Portugal fechasse os portos africanos ao commercio brazileiro de escravatura, ou emba-
raçaria com suas esquadras o accesso aos navios brazileiros, que para elles se dirigis-
sem. Desta sorte o governo attentou pelo bem da nação, cedendo por bem o que lhe seria
tirado pela força, poupando até as perdas, que teria em caso contrario.
Quanto á condição, que parece forte, de serem considerados piratas os armadores
que fizerem contrabando, cumpre notar que é notorio que a Inglaterra tem insistido
sobre esse ponto com todas as nações estrangeiras, e que já nos Estados-Unidos da
America passou na camara dos representantes uma lei em que se impunha igual pena
sobre os referidos armadores, por se ter reconhecido que era esse o único efficaz meio de
se evitar a continuação do trafico de escravatura.

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158 Casimiro Neto

Deus guarde a V. Ex. Paço, em 22 de Maio de 1827. – Marquez de Queluz. – Sr.


José Antonio da Silva Maia”. Grifado pelo compilador.
“Convenção a que se refere o officio supra
“Nós o imperador constitucional, etc.
Art. 1º Acabados tres annos depois da troca das ratificações do presente tratado,
não será licito aos subditos do imperio do Brazil fazer o commercio de escravos na costa
d’Africa, debaixo de qualquer pretexto ou maneira qualquer que seja. E a continuação
deste commercio feito depois da dita época por qualquer pessoa subdita de S. M. Impe-
rial será considerado e tratado de pirataria.
Art. 2º S. M. o Imperador do Brazil e S. M. o rei do Reino-Unido da Grã-
Bretanha e Irlanda julgando necessario declararem as obrigações pelas quaes se achão
ligados para regular o dito commercio até o tempo da sua abolição final, concordão por
isso mutuamente em adoptarem e renovarem tão efficazmente, como se fossem inseridos
palavra por palavra nesta convenção, todos os artigos e disposições dos tratados
concluidos entre S. M. Britannica e el-rei de Portugal sobre este assumpto em 22 de
Janeiro de 1815 e 28 de Julho de 1817, e os varios artigos explicativos que lhe têm sido
addicionados.
Art. 3º As altas partes contractantes concordão mais em que todas as materias e
causas nos ditos tratados conteudas, assim como as instrucções e regulações e fórmas de
instrumentos annexos ao tratado de 28 de julho de 1817, sejão applicadas mutatis
mutandis ás ditas altas partes contractantes e seus subditos tão eficazmente como se
fossem aqui repetidas palavra por palavra; confirmando e approvando por este acto
tudo o que fôr feito pelos seus respectivos subditos em conformidade dos ditos tratados e
em oabservancia delles.
Art. 4º Para a execução dos fins desta convenção as altas partes contractantes
concordão mais em nomearem desde já commissões mixtas na fórma daquellas já esta-
belecidas por parte de S. M. Britannica e el-rei de Portugal, em virtude da convenção
de 28 de Julho de 1817.
Art. 5º A presente convenção será ratificada e as ratificações serão trocadas em
Londres dentro do espaço de quatro mezes, e desde esta data ou mais cedo se fôr possivel.
Em testemunho do que os respectivos plenipotenciarios assignarão a mesma e lhe puzerão
o sello das suas armas.
Feito na cidade do Rio de Janeiro, aos 23 de Novembro de 1826”. Grifado pelo
compilador.
É remetido à Comissão de Diplomacia e Estatística, ficando autorizada
para ouvir e chamar outras comissões que julgar convenientes. Em 2 de julho
de 1827, começa a discussão do parecer da referida comissão sobre a conven-
ção da abolição do comércio de escravos, assinada em 23 de novembro de
1826.
Importantíssimo foi o parecer e a discussão deste tratado. Notou-se que
na ratificação faltara a assinatura do negociador britânico; discutiu-se larga-
mente a questão, de que, se o mesmo tratado, pela Constituição, deveria ter
sido apresentado à Câmara dos Deputados antes de ratificado e a maioria

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A Construção da Democracia 159

dos oradores inclinou-se para a opinião afirmativa; discorreu-se acerca da


imposição da pena de pirataria ajustada pelas partes contratantes com rela-
ção aos contrabandistas, asseverando-se que a aplicação de tal penalidade
competia não ao Governo, mas ao corpo legislativo; observou-se que os nego-
ciadores e o Governo brasileiro tinham cedido à coação e às ameaças do Ga-
binete do Primeiro-Ministro do Rei Jorge IV; ponderou-se que os ditos nego-
ciadores, bem como o Ministério, tinham incorrido em responsabilidade pela
violação dos preceitos constitucionais, a despeito dos quais fora firmada a
referida convenção; e afinal resolveu-se que “a camara não tomasse deliberação a
respeito do tratado, reservando-a para tempo competente”. Assim, a Câmara dos
Deputados aprova e o secretário envia ao Ministro dos Negócios Estrangeiros
a resolução abaixo transcrita:
“Ilm. e Exm. Sr. – A camara dos deputados vio o officio, que V. Ex. me dirigio em
22 de maio proximo passado, acompanhando a cópia da convenção celebrada pelos
governos de Sua Magestade Imperial e Sua Magestade Britannica, e expondo os mo-
tivos, que teve o governo brasileiro para concluir a dita convenção: e depois de maduro
exame resolveu não tomar deliberação a respeito deste tratado, reservando-a para tem-
po competente. O que tenho a honra de participar a V. Ex. para que suba ao conheci-
mento de S. M. o Imperador. – Deus guarde a V. Ex. – Paço da camara dos deputados,
em 6 de Julho de 1827. – José Antonio da Silva Maia. – Sr. marquez de Queluz”.
Grifado pelo compilador.
Vale lembrar que no dia 12 de maio de 1823, o Vice-Rei da Índia, Lord
Amherst, de passagem pelo Rio de Janeiro, em notável conferência sobre a
“Questão Servil” transmitiu a José Bonifácio de Andrada e Silva (SP) que seria
pré-condição, para reconhecimento da independência, a cessação da vinda
de escravos africanos para o Brasil e, em 1826, Sir Charles Stuart, por ocasião
do tratado de reconhecimento da Independência do Brasil por parte de Por-
tugal, acabou por firmar uma convenção com o Império brasileiro sobre a
extinção do tráfico, a qual, todavia, não teve respaldo do Gabinete do Primei-
ro-Ministro do Rei Jorge IV.
Enquanto em negociações, a Esquadra inglesa apresava navios negrei-
ros no Atlântico, levando a julgamento os responsáveis pelo transporte pe-
rante os tribunais anglo-brasileiros, sediados em Serra Leoa e no Rio de Ja-
neiro.
Os ingleses, em dúvida, se a convenção iria ser ratificada, passam a
pressionar ainda mais as autoridades brasileiras, chegando inclusive a apri-
sionar navios traficantes em águas territoriais do Brasil. Logo adviria o famo-
so “Bill Aberdeen” – lei votada pelo Parlamento inglês, em 1845, que recebeu o
nome do seu autor, George Hamilton Gordon, Conde de Aberdeen. Denomi-
nada de “Lei Aberdeen” estipulava, dentre outras coisas, que os navios aprisio-
nados pelos ingleses, onde quer que fossem, gerariam a punição dos respon-
sáveis pelo transporte dos escravos, conforme o julgamento pelos tribunais
do “Almirantado da Inglaterra”. As decisões já não seriam mais por cortes mis-
tas integradas por brasileiros e ingleses.

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luciete r04m

160 Casimiro Neto

9 de julho de 1827. Plenário. O Deputado Antônio Ferreira França


(BA) apresenta projeto de lei que “liberta os escravos quando o senhor não tiver
herdeiros e em outras determinadas circunstâncias”.
11 de agosto de 1827. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro I sanciona a Carta de Lei que “cria dois cursos de sciências juridicas
e sociaes, um na cidade de São Paulo, outro na de Olinda”. Lei esta que teve origem
na idéia levantada pelo Deputado José Feliciano Fernandes Pinheiro (RS),
Visconde de São Leopoldo, através de uma indicação apresentada no dia 14
de junho de 1823 no Plenário da Assembléia Geral, Constituinte e Legislati-
va, e que teve raízes no projeto da Comissão de Instrução Pública de 5 de
julho de 1826 assinada pelos Deputados Padre Januário da Cunha Barbosa
(RJ) e Padre José Cardoso Pereira de Mello (BA).
O Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Academia de São Paulo co-
meça a funcionar em 1º de março de 1828 e o Curso de Ciências Jurídicas e
Sociais de Olinda é inaugurado em 15 de maio de 1828.

13 de setembro de 1827. É expedido decreto, com a rubrica do Impe-


rador D. Pedro I, “sobre a inteligencia da lei que atualmente regula a liberdade de
imprensa”.

18 de setembro de 1827. Plenário. O Deputado Padre Diogo Antônio


Feijó (SP) apresenta projeto de lei que “estabelece regras para o tratamento dos
escravos pelos seus senhores, obrigando-os a sustentar, vestir, educar e tratar humana-
mente os mesmos. Esclarecendo também que o senhor que fizer no seu escravo ferida,
contusão ou aleijamento, será punido na forma da lei e abrindo a possibilidade do
escravo comprar sua liberdade desde que ofereça o preço avaliado”.

29 de setembro de 1827. Plenário. O Deputado Antônio Ferreira França


(BA) apresenta uma indicação propondo que “os escravos da Nação sejão libertados”.

28 de junho de 1828. Plenário. O Deputado Bernardo Pereira de


Vasconcellos (MG) apresenta projeto de lei “extinguindo o Banco do Brazil (cria-
do pela lei de 12 de Outubro de 1808) e reconhecendo como dívida pública todas as
notas do banco em circulação”. Começa a prevalecer a idéia da extinção do Ban-
co do Brasil. A instituição nunca se recuperou dos desacertos financeiros
advindos com os saques efetuados pelo Rei D. João VI e pela sua comitiva,
quando do retorno destes para Portugal. Desacreditada e deficitária, termina
liquidada com a promulgação da Carta de Lei de 23 de setembro de 1829,
que estipula a continuação do banco até o dia 11 de dezembro do mesmo
ano, com a liquidação e conclusão de todas as suas operações e demais provi-
dências para o resgate das suas notas em circulação.
2 de agosto de 1828. Plenário. O Deputado José Cesário de Miranda
Ribeiro (MG), Visconde de Uberaba, apresenta o Projeto de Lei nº 59, com o
seguinte teor: “A Assembléa Geral Legislativa decreta

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A Construção da Democracia 161

Art. 1º As familias Brazileiras indigentes, que quiserem povoar alguns terrenos


do Imperio desocupados, serão para esse fim socorridos pelo Governo, que lhes assignará
terras para sua lavoura, e lhes ministrará ferramentas, sementes, e o alimento, e mais
socorros necessarios á vida para o primeiro anno.
Art. 2º Emquanto houverem familias Brazileiras indigentes, não se admittirão
Colonias Estrangeiras: e nunca sem permissão do Corpo Legislativo.
(...) Camara dos Deputados, 1 de Junho de 1828 – José Cesario de Miranda
Ribeiro”. Grifado pelo compilador.
27 de agosto de 1828. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro I sanciona a Carta de Lei que “dá Regimento para os Conselhos
Gerais das Províncias”.
30 de agosto de 1828. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro I sanciona a Carta de Lei que “ratifica a convenção preliminar de
paz entre o Império do Brazil e a República das Províncias Unidas do Rio da Prata”.
18 de setembro de 1828. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o
Imperador D.Pedro I sanciona a Carta de Lei que “cria o Supremo Tribunal de
Justiça e dá-lhe regimento”. O decreto expedido em 2 de janeiro de 1829 desig-
na o dia 9 de janeiro para a instalação do Supremo Tribunal de Justiça com-
posto por 17 juízes. Em 8 de janeiro de 1829, é expedido outro decreto
empossando o presidente do referido tribunal, Sr. José Albino Fragoso. Em
20 de dezembro de 1830, uma resolução da Assembléia Geral Legislativa,
sancionada por D. Pedro I “marca as declarações com que deve ser cumprida a lei
que criou o Supremo Tribunal de Justiça”.
1º de outubro de 1828. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Im-
perador D.Pedro I sanciona a Carta de Lei que “cria em cada cidade e vila do
Império as câmaras municipais, dando nova forma a essas casas legislativas, marca
suas atribuições, o processo para a sua eleição, e, também, ao dos juízes de Paz”. Esta
lei reconhece e amplia os poderes de administração e cobrança de impostos
locais. As funções de prefeito cabem ao vereador mais votado e por isso decla-
rado presidente da Câmara, sendo as decisões tomadas através de votação.
Com essa lei cumpre-se o artigo 106 da Constituição Política do Império do
Brasil onde se lê: “Em todas as cidades e vilas ora existentes, e nas mais que para o
futuro se criarem, haverá Câmaras, às quais compete o Governo econômico e munici-
pal das cidades e vilas.” Em 1º de dezembro do mesmo ano é expedido decreto,
assinado pelo Imperador D. Pedro I, que “dá instruções para as eleições dos ve-
readores, dos juizes de paz e seus suplentes”.
29 de dezembro de 1828. É expedido decreto, com a rubrica do Impe-
rador D. Pedro I, que “manda contrair um emprestimo na praça de Londres ou em
outra da Europa”.
2 de abril de 1829. Sessão Imperial da Abertura da Assembléia Geral
Extraordinaria. Início da primeira sessão extraordinária da nossa história

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162 Casimiro Neto

legislativa, convocada e mandada reunir por Decreto de 9 de fevereiro de


1829, do Imperador D. Pedro I, para atender à necessidade de resolver ques-
tões urgentes e fundamentais, como a notícia de que estavam chegando no
Brasil tropas estrangeiras, de possessões portuguesas, que aqui vinham bus-
car asilo, e, também, dos negócios da fazenda em geral e do Banco do Brasil,
que o monarca assim destaca em sua “Fala do Trono”: “Claro é a todas as luzes o
estado miseravel a que se acha reduzido o thesouro publico, e muito sinto prognosticar,
que se nesta sessão extraordinaria, a assembléa, a despeito das minhas tão reiteradas
recommendações, não arranja um negocio de tanta monta, desastroso deve ser o futuro
que nos aguarda”. Antes de tudo, é uma demonstração de boa vontade do
Imperador D. Pedro I para conquistar as boas graças do Parlamento, já em
crescente oposição ao seu absolutismo. Esta sessão extraordinária vai durar
até o dia 3 de maio de 1829, quando o monarca procede ao seu encerramen-
to e ao mesmo tempo faz a abertura da sessão ordinária. Nesta abertura o
Imperador destaca: “(...) Tenho ratificado uma convenção preliminar de paz com o
governo das provincias unidas do Rio da Prata. Cumprindo-me velar aos interesses de
minha muito amada e querida filha a rainha reinante de Portugal, resolvi que ella
passasse á Europa, onde chegou, achando usurpada a sua corôa. Posto que eu esteja
decidido á não transigir com esta usurpação, estou igualmente firme no principio de
não comprometter por causa della a tranquilidade e interesses deste imperio”.
4 de abril de 1829. Onze horas e trinta minutos. Plenário. O Ministro e
Secretário de Estado da Fazenda Miguel Calmon du Pin e Almeida (BA),
Visconde e Marquês de Abrantes, é recebido com as formalidades de estilo, e
em seguida, lê a exposição de motivos e a proposta do Governo sobre a “extinção
do Banco do Brazil, de um novo sistema de administração e liquidação que afiançasse
a circulação de suas notas, garantisse os seus depósitos, e proporcionasse aos seus acio-
nistas um lucro razoável”. Em 8 de julho é lida e publicada a redação final,
sendo em seguida enviado a Câmara dos Senadores.

11 de abril de 1829. É expedido decreto, com a rubrica do Imperador


D. Pedro I, dispondo “que todas as sentenças profereridas contra escravos, por morte
feita a seus senhores sejão logo executadas independente de subirem a apreciação Imperial”.
3 de maio de 1830. 12 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Primeira Sessão da Segunda Legislatura. Plenário. O
Imperador D. Pedro I, em sua “Fala do Trono”, declara: “Augustos e dignissimos
senhores representantes da Nação.
Cheio de prazer venho abrir a primeira sessão da segunda legislatura deste imperio,
e muito folgo, podendo annunciar á assembléa geral legislativa o meu consorcio com a
serenissima princeza D. Amelia Augusta Eugenia de Leuchtemberg, actual imperatriz,
minha muito amada e prezada mulher.
Com a desejada vinda de minha augusta esposa teve lugar o regresso da joven
rainha de Portugal e Algarves, minha amada e querida filha, que (não abandonando
a sua causa), ora se acha debaixo de minha protecção e tutela: e posto que eu na

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A Construção da Democracia 163

qualidade de pai e tutor, deva defender a causa da mesma soberana, todavia serei fiel á
minha palavra dada á assembléa, de não comprometter a tranquilidade e interesses do
Brazil em consequencia de negocios de Portugal.
O trafico de escravatura cessou, e o governo está decidido a empregar todas as
medidas que a boa fé e a humanidade reclamão para evitar sua continuação debaixo de
qualquer fórma, ou pretexto que seja: portanto julgo de indispensavel necessidade indi-
car-vos que é conveniente facilitar a entrada de braços uteis. Leis que autorisem a
distribuição de terras incultas, e que afiancem a execução dos ajustes feitos com os
colonos, serião de manifesta utilidade e de grande vantagem para a nossa industria em
geral”. Grifado pelo compilador. É a primeira manifestação da Coroa, feita no
Parlamento, a propósito da escravidão. Tanto o projeto de “Voto de Graças”
quanto as emendas apresentadas ao mesmo aludem principalmente à introdu-
ção de braços livres. No que respeita à repressão do tráfico, repetem, mais ou
menos literalmente, as palavras do Imperador D. Pedro I, o que revela, com
relação à cessação do comércio de escravos, um otimismo que fatos posteriores
se encarregaram de demonstrar de todo ponto injustificado. E é fato, porque
em nenhuma das “Falas do Trono” apresentadas pelas quatro regências, na me-
noridade de D. Pedro II, há qualquer referência ao problema da escravidão.

20 de maio de 1829. Plenário. É lida a proposta do Governo Imperial


sobre o “Código do Processo Criminal”. Sobre esta proposta é que foi assentada
a promulgação do “Código do Processo Criminal do Império do Brazil”. Discutida
na Câmara dos Deputados é enviada ao Senado. Na sessão de 3 de outubro
de 1832 foram apresentadas com ofício do Secretário do Senado as emendas
feitas e aprovadas ao Código do Processo Criminal naquela Casa. Na sessão
de 10, do mesmo mês, entram em discussão, em globo, e são adotadas as
referidas emendas. Na sessão de 20 de outubro procede-se à leitura do proje-
to aprovado para subir à sanção do Imperador. O projeto é sancionado a 29
de novembro de 1832, pela Regência Trina Permanente.

19 de agosto de 1829. Plenário. A Comissão de Justiça Criminal apre-


senta parecer sobre “os escravos que se pressumia terem falecido por envenenamento
dos parceiros, na comarca de Itú, na Província de São Paulo”, e propõe projeto de
resolução “com medidas para evitar a reprodução daqueles crimes e prevendo, inclu-
sive, penas aos senhores de escravos”.

14 de maio de 1830. Plenário. É lido o projeto de lei do Deputado


Antônio Pereira Rebouças (BA), estatuindo que “todo e qualquer escravo que
consignar em depósito público o seu valor, e mais a quinta parte do mesmo valor, será
imediatamente manutenido se seu senhor não convier em conferir-lhe amigavelmente a
liberdade”.

18 de maio de 1830. Plenário. É lido o projeto de lei do Deputado


Antônio Ferreira França (BA) que propõe “a abolição gradual da escravidão no
prazo de 50 anos”.

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164 Casimiro Neto

7 de junho de 1830. Plenário. O Deputado Martim Francisco Ribeiro


de Andrada (MG) faz um longo pronunciamento justificando projeto de sua
autoria sobre “o restabelecimento e reforma do Banco do Brazil”, que é apresenta-
do em seguida.
17 de julho de 1830. Plenário. É lido o parecer e o projeto de resolu-
ção da Comissão da Marinha, com o seguinte teor: “A illustre commissão de
marinha concorda com o parecer do ministro e secretario de estado dos negocios da
marinha, sobre a venda dos escravos da nação empregados no arsenal da marinha
desta côrte, e considerando a commissão de fazenda quanto interesse tem esta medida,
tem a honra de propôr a seguinte resolução: Artigo único. O governo fará vender em
hasta pública os escravos da nação empregados no arsenal da marinha desta cidade,
e consumirá as notas do banco que forem dadas em pagamento. Paço da camara dos
deputados, 16 de julho de 1830. – Bernardo Pereira de Vasconcellos. – João Mendes
Vianna. – Diogo Duarte Silva. – Martim Francisco Ribeiro de Andrada”. Grifado
pelo compilador.
Em 5 de agosto de 1830, quando se discute esse projeto de resolução, o
Deputado Ernesto Ferreira França (PE) faz o seguinte pronunciamento: “Sr.
presidente, pedi a palavra unicamente para satisfazer o meu dever por isso vou fallar
contra o projeto, e mandarei uma emenda para que em lugar de vender diga-se – dar
liberdade – não são justas as razões que se dão para sustentar a escravidão, nós paga-
mos bem paga a nossa; e a vista disso não podemos ser livres admittindo escravidão, e
eu me opponho contra esse exemplo de infamia e mandarei a minha emenda a mesa.
Emenda: Libertar-se-hão os escravos da nação de que trata a presente resolução. Paço
da camara, 5 de agosto de 1830. – Ernesto Ferreira França”. Grifado pelo compilador.
A emenda é apoiada. Em seguida o Deputado Antônio Ferreira França (BA)
assim se posiciona: “Eu entendo que a cousa é contra a constituição porque a cons-
tituição é para melhorar os nossos direitos, ella não veio para nos dar direitos, veio
para melhoral-os, os nossos direitos são dados por Deus. (...) como é que nós podemos
vender homens nossos irmãos? Porque? Por notas? (...) e eu vou declarando o meu
voto, eu peço por Deus, peço pelos santos e até pelos annos do nosso imperador, que se
dê a liberdade a estes escravos. (...) e eu peço que no dia dos annos do nosso imperador
o governo declare a liberdade dos escravos da nação, e para isso eu proponho esta
emenda: No dia dos annos do nosso imperador o governo declare a liberdade dos escra-
vos da nação. – Antonio Ferreira França”. Grifado pelo compilador. A emenda é apoiada
para entrar em discussão. Discutido o projeto e colocado em votação, é rejei-
tado, assim como ambas as emendas.
Como conseqüência do acordo assinado com a Inglaterra em que o ano
de 1830 seria o último do tráfico de africanos, só nesse ano entraram em
terras brasileiras aproximadamente 100.000 escravos.
24 de julho de 1830. Plenário. É lido o projeto de resolução do Depu-
tado Antônio Ferreira França (BA) com o seguinte teor: “No primeiro dia de
festa nacional depois da sancção desta resolução, o governo declarará a liberdade dos
escravos da nação”.

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A Construção da Democracia 165

26 de agosto de 1830. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-


rador D. Pedro I sanciona a Carta de Lei que “concede favores aos estudantes
brasileiros que regressarem da Universidade de Coimbra e escolas da França”.
28 de agosto de 1830. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro I sanciona a Carta de Lei que “concede privilégio ao que descobrir,
inventar ou melhorar uma indústria útil e um prêmio ao que introduzir uma indústria
estrangeira, e regula sua concessão”.
20 de setembro de 1830. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro I sanciona a Carta de Lei que “trata dos abusos da liberdade da
imprensa e das suas penas”. Todos podem comunicar os seus pensamentos por pala-
vras ou escritos e publicá-los pela imprensa sem dependência de censura, com
tanto que respondam pelos abusos que cometerem no exercício deste direito.
16 de dezembro de 1830. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o
Imperador D. Pedro I sanciona a Carta de Lei que “manda executar o Código
Criminal do Império do Brazil”. O Decreto de 18 de agosto de 1832 declara as
faltas com que foi impresso o Código Criminal.
As discussões desta lei iniciaram-se na sessão do dia 12 de maio de 1826,
quando os Deputados José Antônio da Silva Maia (MG) e Domingos Malaquias
de Aguiar Pires Ferreira, Barão de Cimbres (PE), propuseram que a Comis-
são de Legislação indicasse, com urgência, as medidas que se deviam tomar
para organização dos Códigos Civil e Criminal e que se concedesse prêmio a
quem, dentro de dois anos, apresentasse o melhor projeto de tais códigos. Na
sessão do dia 17 do mesmo mês tiveram segunda leitura aquelas indicações e
foram à Comissão de Legislação. Os projetos de lei que deram origem ao
Código Criminal foram apresentados pelo Deputado José Clemente Pereira
(RJ) no dia 3 de junho de 1826 e no dia 16 de maio de 1827. Um outro
tratando do mesmo assunto foi apresentado pelo Deputado Bernardo Pereira
de Vasconcellos (MG) no dia 4 de maio de 1827.
Foi sobre as disposições destes projetos que se formulou o Código Cri-
minal, considerado um dos maiores monumentos legislativos do Brasil inde-
pendente. O caráter inovador desse Código serviu de modelo à legislação
penal de outros países europeus. É instituído o “habeas corpus” e acaba-se com
a aplicação do Livro 5º das Ordenações do Reino, que trata do açoite, da
tortura, da marca de ferro quente, e de todas as demais penas cruéis. Não
mais aceito pela própria evolução da sociedade de então e já abolido pela
Constituição Política do Império do Brasil, de 1824.
No final da década de 20 e início da de 30, o café passa a ser o principal
produto brasileiro de exportação. O declínio do cultivo da cana-de-açúcar,
por causa da produção cubana, e o mesmo acontecendo com o de algodão,
devido à concorrência norte-americana, faz o café crescer como principal
fonte de divisas para o Brasil ao longo do Primeiro e Segundo Impérios.
Os acontecimentos em Portugal, com a morte do Rei D. João VI, em
1826, gera crise no Brasil. O Imperador D. Pedro I herda o trono lusitano

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166 Casimiro Neto

como Rei D. Pedro IV. Pensa o Imperador em cingir a dupla coroa. Consulta
o seu Conselho de Estado, mas tem que recuar de seu intento ante a formal
recusa de assentimento deste. Mesmo diante da recusa, suspeita-se que, de
alguma maneira, o Imperador deseje reatar a união anterior a 1822. A esco-
lha para o Senado de conservadores simpáticos ao velho ideal de um império
luso-brasileiro é um indício das artimanhas do monarca. Ele outorga uma
Constituição aos portugueses com um poder moderador. Sob pressão dos bra-
sileiros, abdica da Coroa lusitana em favor da filha, Princesa D. Maria da Glória
Joana Carlota Leopoldina Paula Izidora Micaela Rafaela Gonzaga de Bragança
e Habsburgo, passando a regência a Infanta D. Maria Thereza, sua irmã, pois a
futura D. Maria II só tinha 7 anos de idade, e promulga a Carta Constitucional
portuguesa a 29 de abril de 1826. Pouco tempo depois confia e assina o contra-
to de casamento da jovem rainha D. Maria II com D. Miguel, seu irmão e, por
conseguinte tio de D. Maria, que jura a Carta portuguesa e assume a regência
de Portugal a 26 de fevereiro de 1828. D. Miguel assume, mas viola as condi-
ções estipuladas no contrato e no golpe absolutista, logo depois, faz-se coroar
rei, fazendo pesar sobre Portugal um regime de terror, continuamente assinala-
do por numerosos execuções, confisco de bens e deportações. O Imperador D.
Pedro I, com apoio da Inglaterra, faz do Rio de Janeiro a capital da resistência
liberal portuguesa, o que mantém a dúvida sobre suas ambições européias.
O ano de 1830 é atípico para o Primeiro Império. Na Europa cresce a
influência do liberalismo político. A revolução liberal francesa repercute com
intensidade no Brasil. A queda do rei absolutista Carlos X, na revolução de
julho de 1830 na França, após uma tentativa de golpe de estado, sendo subs-
tituído no trono por Luís Felipe, o “rei-cidadão”, tem repercussão nas provín-
cias brasileiras e fica como um aviso ao Imperador D. Pedro I. Quando a
notícia chega ao Rio de Janeiro, em setembro, a Câmara, a imprensa e o povo
comemoram a queda de mais um modelo de absolutismo aristocrático. Em
editorial, o liberal Evaristo da Veiga, do jornal “Aurora Fluminense”, alerta:
“Carlos X, deixou de reinar; o mesmo aconteça a todo aquele monarca que, traindo os
seus juramentos tentar destruir as instituições livres do seu país”. Na capital paulista
uma agitação política se transforma em motim no dia 5 de outubro. O Ouvidor
da Comarca expede ordens de prisão contra alguns estudantes, em cuja defe-
sa destaca o jornalista italiano Líbero Badaró, redator do jornal “Observador
Constitucional”. Este jornalista vem a ser assassinado a tiros e pauladas, em
uma emboscada na capital paulista, no dia 20 de novembro de 1830. Grande
comoção. Ampla repercussão na Província e fora dela. Ao seu enterro compa-
recem aproximadamente 5 mil pessoas. Começa a circular no Rio de Janeiro
o Jornal “República”, de Borges da Fonseca. Os professores de Direito em São
Paulo se negam a festejar o aniversário do Imperador. Uma sublevação de
escravos na capital baiana tem o saldo de 50 mortos, 41 presos e fugas em
massa. O Presidente da Província da Bahia, Visconde de Camamu, é assassi-
nado por um desconhecido. O Brasil começa a ser palco de uma série de
revoltas regionais, separatistas ou liberais.

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A Construção da Democracia 167

Soma-se a esses fatos, o crescimento da oposição dentro da Câmara dos


Deputados contra o Imperador. Os parlamentares convocam os ministros para
exposição e justificação de atos e medidas tomadas pelo Governo imperial.
Os deputados conhecidos como “exaltados” se opõem aos liberais moderados
e ao, mais conservador, “bloco de Coimbra”.
Esse sentimento oposicionista decorre desde a dissolução da Assem-
bléia Geral Constituinte e Legislativa em 1823, da repressão aos envolvidos
na “Confederação do Equador”, em 1824, da nomeação de um Conselho de
Estado, e da outorga da Constituição Política do Império do Brasil. Além
disso o prestígio do Imperador está em baixa pela morte da boa Imperatriz
D. Maria Leopoldina Josefa Carolina Francisca Fernanda Beatriz de
Habsburgo-Lorena, no dia 11 de dezembro de 1826, e as cenas deprimentes
passadas em torno de seu leito de agonia, na ausência do marido que se
encontrava no Rio Grande do Sul, bem como pelos fracassos ocorridos na
Guerra do Prata; a concessão da independência à Província Cisplatina; a hu-
milhação do governo brasileiro ante os insultos da esquadra francesa do Al-
mirante Roussin; e os contínuos desrespeitos dos cruzadores ingleses perse-
guidores do tráfico africano; a dívida do Governo e o colapso financeiro que
levou à falência o Banco do Brasil; a incompetência administrativa; os déficits
orçamentários; e o apego do monarca aos portugueses. Fortes correntes libe-
rais vivenciadas na Europa ecoam na Câmara e na imprensa. Tudo isso são
fatos que deveriam ser repensados pelo monarca. Nas Câmaras redobram de
audácia os liberais e, afinal as coisas chegam a tal ponto que o Imperador não
tem outra solução a não ser desterrar a Marquesa de Santos para São Paulo e
procurar um segundo matrimônio visando restabelecer a simpatia perdida
com os brasileiros. A 16 de outubro de 1829, casa-se com a Princesa Amélia
Augusta Eugênia Napoleão de Beauharnais e Leuchtenberg, filha do Prínci-
pe Eugênio, enteado de Napoleão I e Vice-Rei da Itália.
Em princípios de 1831, o Imperador D. Pedro I viaja à Província de
Minas Gerais e ali tem a noção exata do seu enfraquecimento político. De
volta ao Rio de Janeiro, seus adeptos realizam grandes festas, de tal forma
que as mesmas se tornam uma afronta aos brasileiros oposionistas. Esta provo-
cação ocasiona a triste e célebre “Noite das Garrafadas”, de 13 para 14 de março
de 1831. A casa do jornalista Evaristo da Veiga, redator principal do “Aurora
Fluminense”, baluarte de oposição ao Governo, é apedrejada e os brasileiros
atacados pelas ruas com pedras e cacos de garrafas. A agitação dura vários dias,
insuflada pelos brasileiros que revidam com manifestações antilusitanas. Com
brados de “morte aos estrangeiros”, estudantes, cadetes e populares pedem a “ca-
beça do tirano”. São fatos políticos de uma crise já anunciada.
Um embate parlamentar merece destaque e envolve a aprovação de
duas leis cruciais: a redução em um terço dos gastos do Governo no Orça-
mento de 1831-32 e em um quarto das despesas militares; e a demissão, com
algumas exceções, de todos os oficiais militares estrangeiros.
Em 19 de março de 1831, o Imperador D. Pedro I volta a nomear um
ministério liberal formado por brasileiros, mas o demite no dia 5 de abril

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168 Casimiro Neto

deste mesmo ano e nomeia um outro – o 10º Gabinete –, todo formado por
portadores de títulos de nobreza de sua total confiança mas que não contam
com a simpatia popular.

6 de abril de 1831. Rio de Janeiro. A agitação cresce. O povo, reunido


no Campo da Aclamação, atual praça da República, exige a volta do ministé-
rio deposto. Evaristo da Veiga publica mais um artigo violento e incisivo onde
está escrito: “Nada há mais insuportável do que o jugo estrangeiro, e é estrangeiro
todo o governo que tem horror à nação cujos destinos preside, e que se envergonha de
pertencer-lhe”.
É expedido decreto, com a rubrica do Imperador D. Pedro I, que “no-
meia tutor de seus augustos filhos o conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva”. O
“Patriarca da Independência” – intelectual, naturalista e homen de letras –,
mesmo no exílio havia sido selecionado para Senador da Bahia, mas o mo-
narca não o aprovara. Retornando ao Brasil no dia 23 de julho de 1829, e já
reconciliado com o Imperador D. Pedro I, passa a exercer a tutoria do filho
do monarca a partir do dia 8 de abril de 1831. De 3 de maio de 1831 a 21 de
outubro de 1832, graças aos baianos, é deputado (suplente) na Câmara dos
Deputados. Quanto a tutoria, no dia 12 de agosto de 1831, “A Assembléa Geral
Legislativa decreta e a Regência Trina Permanente, em nome do imperador, o Senhor
D. Pedro II sanciona a Carta de Lei que “marca as funcções do cargo de Tutor do
Imperador Menor o Senhor D. Pedro II, e de Suas Augustas Irmãs”. Exercerá esta
tutela até o dia 14 de dezembro de 1833, quando a Regência, através de
decreto “suspende o cidadão José Bonifácio de Andrada e Silva, do cargo de tutor de
S. M. o Imperador e das princezas suas augustas irmãs”. A acusação “é a ingerência
do mesmo tutor em negocios politicos contra o disposto no art. 2º da lei de 12 de agosto
de 1831, por actos que compromettião essencialmente os interesses do seu augusto pupillo,
servindo de centro, e de apoio á facção estrangeira, que ainda não desanimou de resta-
belecer no Brazil o dominio do duque de Bragança”. É nomeado em seu lugar o
novo tutor, Manuel Inácio de Andrade Souto Maior, Marquês de Itanhaém.
De acordo com notícias publicadas no “Correio Official”, o tutor é preso,
escoltado e enviado em um “escaler para a Ilha de Paquetá”. É instaurado pro-
cesso-crime contra ele, o qual se prolonga até 1935, sob acusação de dar
apoio aos “caramurus”, partidários da restauração do Imperador D. Pedro I.
Processado como réu – traição à Patria –, o juri o absolve unanimimente. A
Câmara dos Deputados discute o parecer ao projeto de resolução sobre a
remoção do tutor durante os dias 28 de maio a 10 de junho de 1834 quando
é aprovado por 57 votos contra 31. É muito discutido o fato que, sendo o
tutor um parlamentar, que como tal gozava de privilégio garantido pela Cons-
tituição Política do Império do Brasil, além do mais tendo sido nomeado pela
Assembléia Geral Legislativa, como poderia este ter sido preso e demitido da
referida tutoria. Alguns deputados entendem que é uma afronta ao Poder
Legislativo. Todos esses entreveros e aborrecimentos são golpes muito fortes
para um homem de sua idade e José Bonifácio de Andrada e Silva (SP) – O

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A Construção da Democracia 169

Patriarca da Independência do Brasil –, vem a falecer em “São Domingos de


Nictheroy” no dia 6 de abril de 1838, às três horas da tarde, depois de anos de
uma enfermidade que o deixara semi-inválido.
Vale ressaltar que na sessão ordinária do dia 5 de julho de 1832, quando
estava em discussão o “parecer das Commissões de Constituição e Justiça Criminal
sobre a remoção do tutor do Sr. D. Pedro II e suas augustas irmãs”, registra-se a
brilhante defesa do Patriarca da Independência feita pelo Deputado Antônio
Pereira Rebouças (BA). Destaca-se deste pronunciamento o seguinte: “Senho-
res. Creio haver-vos exposto sufficientemente a incompetencia do denunciante e a atro-
cidade da denuncia destituida como é de provas legaes, e contra as provas legaes,
constantes das devassas e mais procedimentos inquisitorios, que têm tido lugar sucessi-
va e cumulativamente sobre os acontecimentos de 3 e 17 de Abril.
A dôr me compuge se passo a reflectir sobre o procedimento das illustres commissões
de constituição e justiça criminal, ou mais exactamente, sobre o procedimento de alguns
de seus membros.
Sabido é de todos e por todos, que o negocio da remoção de um tutor é puramente
civil, elle se opera nos juizos de orphãos, os quaes nenhuma jurisdicção criminal exer-
cem, e tanto que no seu regimento se acha expresso que as questões criminaes dos orphãos
pertencem ás justiças ordinarias.
Demais, a razão convence, e a lei decide, que a tutela imperial não é um encargo
politico: as funcções do tutor respectivo nada têm com o publico administrativo.
Como arrogar-se, não só a commissão de constituição, mas (o que mais admira e
espanta!) a de justiça criminal o conhecimento de um semelhante negocio, e a proposi-
ção de se dever destituir o tutor da imperial pessoa?!”
E encerra afirmando: “Appello para a intelligencia e moral, para os deveres
que nos ligão á honra e á patria. Espancadas as sombras do egoismo, ver-se-hão á
luz da razão fria sobre todos os horrores, que as trevas das paixões encobrem. Voto
contra o parecer”. A esse respeito ver, também, o pronunciamento do Depu-
tado Martim Francisco Ribeiro de Andrada (MG), proferido no dia 9 de
julho de 1832.
O Deputado Antônio Pereira Rebouças (BA), fruto do casamento do
alfaiate português Gaspar Pereira Rebouças e da negra Rita Basília dos San-
tos, definia-se como representante da população mulata brasileira, e em sua
vida parlamentar prega a inserção deste grupo nos negócios do Governo.
Autodidata por excelência, estudou latim, distinguiu-se em Ciências Jurídi-
cas e transformou-se em um dos maiores especialistas em direito civil da Cor-
te Imperial. Em 1847, o grande orador, jornalista e político é autorizado a
exercer a banca de advocacia como rábula – advogado prático.
7 de abril de 1831. Rio de Janeiro. Campo da Aclamação. Revolta, sem
violência, de iniciativa da Câmara dos Deputados, com o apoio da imprensa,
do povo e do Brigadeiro Francisco de Lima e Silva (pai de Luís Alves de Lima e
Silva – Duque de Caxias), Comandante das Armas da Corte e da Província do
Rio de Janeiro, que leva grande parte da guarnição para o local da concen-

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170 Casimiro Neto

tração popular. Com essa movimentação de tropas, dá, assim, o necessário


apoio militar à rebelião civil. O Imperador D. Pedro I recebe a comunicação
oficial dos fatos por intermédio do Major Frias Villar e ainda de madrugada,
resolve abdicar do trono do Brasil em favor de seu filho, o Príncipe Imperial
D. Pedro de Alcântara.
O Legislativo ainda se encontrava em recesso, mas mesmo assim, neste
dia, às dez horas e meia, no Paço do Senado, a Assembléia Geral Legislativa,
com os deputados e senadores presentes no Rio de Janeiro, sob a presidênica
do Senador José Joaquim Carneiro de Campos (BA), primeiro Visconde e
Marquês de Caravelas, recebe das mãos do Brigadeiro Comandante das Ar-
mas, Francisco de Lima e Silva, o ato de abdicação de D. Pedro I, com o
seguinte teor: “Usando do direito que a Constituição me concede declaro, que hei
muito voluntariamente abdicado na pessoa de meu muito amado e prezado filho o
senhor D. Pedro de Alcântara. Boa Vista, 7 de abril de 1831, décimo da Independên-
cia e do Império. – Pedro”. É a primeira solução de força sem violência, que se
torna típica da história política brasileira ao longo de sua história.
Uma Câmara inicialmente tímida e acovardada diante do poder abso-
luto e militarizado do Imperador D. Pedro I, em 1826, transforma-se, nos
anos seguintes, em uma Câmara corajosa, independente, crítica, que leva o
Imperador à Abdicação. Os fatores da revolução de abril, moderando corajo-
samente a propaganda das idéias anárquicas, combatendo pela imprensa, na
tribuna da Câmara dos Deputados, e pelas armas, com o apoio do Brigadeiro
Francisco de Lima e Silva, Comandante das Armas da Corte e da Província
do Rio de Janeiro, encaminham o movimento de 1831 na estrada da ordem
e do liberalismo almejado. Encerra-se um período de inexperiência demo-
crática e começa a consolidação do princípio monárquico e da representação
política no Parlamento. A ação e o triunfo do liberalismo vai durar de 1831
até 1836, quando começa a reação conservadora.
Para que o Governo Imperial não ficasse acéfalo devido à menoridade
do príncipe, então com cinco anos e quatro meses de idade, e de acordo com
o Capítulo V, da Constituição Política do Império do Brasil, é eleita, em se-
guida, a “Regência Trina Provisória”, composta pelos Senadores José Joaquim
Carneiro de Campos, Marquês de Caravellas (BA), Nicolau Pereira de Cam-
pos Vergueiro (MG) e do Brigadeiro Francisco de Lima e Silva, para a condu-
ção dos négocios do Império até a eleição da “Regência Trina Permanente”. É
redigida, também, uma proclamação aos brasileiros referente à abdicação e à
nomeação da Regência Provisória. Definem-se as atribuições da Regência,
suspendendo-se o Poder Moderador, que podia dissolver a Câmara dos Depu-
tados, dentre outras prerrogativas discricionárias.

Encerra-se o primeiro império – monarquia brasileira (1822/


1831) –, constituído que foi por 10 gabinetes ministeriais e inicia-
se o período regencial com a Regência Provisória, que se extende de
7 de abril até 17 de junho de 1831.

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A Construção da Democracia 171

Quadro/Ilustração nº 12
O Presidente da Câmara – Deputado José da Costa Carvalho,
depois Marquês de Monte Alegre

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A Construção da Democracia 173

Período Regencial
Regência Provisória

9 de abril de 1831. D. Pedro II, nascido a 2 de dezembro de 1825 e


batizado com o nome de “Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano
Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e
Habsburgo” é aclamado imperador. É expedido decreto, com a rubrica dos
membros da “Regência Trina Provisória”, dando “anistia aos cidadãos condenados
ou mesmo pronunciados por crimes políticos e aos réus militares condenados por crimes
de deserção”.
O Imperador D. Pedro II terá direito ao trono quando fizer dezoito
anos. Enquanto menor, o País deverá ser governado por regências. A Câmara
dos Deputados e a Câmara dos Senadores dividem-se entre políticos das fac-
ções que depois vão se aglutinar nos futuros partidos “Conservador” e “Libe-
ral”. Na realidade, essas facções representam uma mesma elite de fazendei-
ros, comerciantes, militares e profissionais liberais.
Três grupos passam a disputar o poder: “os restauradores” (portugueses
em sua maioria e formados por comerciantes, militares e membros da buro-
cracia, denominados “os caramurus”), que não aceitam a decisão do ex-impe-
rador, passam a trabalhar pelo seu retorno e lançam um periódico com o
titulo de “O Caramuru”; os “liberais moderados” (elite agrária, denominados de
“chimangos”) que querem reforçar seu poder político, sem mexer no plano
social, e impedir o ressurgimento do autoritarismo que a volta do Imperador
D. Pedro I traria. Divulgam suas idéias no “Aurora Fluminense”; e por fim os
“liberais exaltados” (também formados pela elite), que querem reformas mais
profundas, como a extensão do direito do voto, o fim do Conselho de Estado
e da vitaliciedade da Câmara dos Senadores e um maior poder para as pro-
víncias. Passam a ser conhecidos como “farroupilhas” (maltrapilhos) por bus-
carem apoio entre a população mais pobre. Divulgam suas idéias nos periódi-
cos “República”, “A Malagueta”, e no “Sentinela da Liberdade”.
13 de abril de 1831. É expedida uma proclamação da Regência que
anuncia a saída do ex-imperador do solo brasileiro. Festejos nas ruas pela
“queda do tirano”.
A saída de D. Pedro do solo brasileiro é triste e saudosa, mas de real
desafogo e alegria, pois que vivia obsecado pela idéia de se vingar de D. Miguel
(seu irmão). Deixa com seu filho uma breve, expressiva e dolorosa carta. Con-

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174 Casimiro Neto

ta-se que, com as pálpebras úmidas de lágrimas, embarca com D. Amélia de


Leuchtenberg (D. Leopoldina havia falecido em 11 de dezembro de 1826),
ao amanhecer, nos escaleres com remadores estrangeiros que os levam até a
fragata inglêsa “Warspite”. Às sete horas da manhã passa para a fragata “Volage”
e segue para a Europa.
O ex-Imperador D. Pedro I deixa o Brasil levando para a Europa D. Maria
da Glória Joana Carlota Leopoldina Paula Izidora Micaela Rafaela Gonzaga
de Bragança e Habsburgo (D. Maria II), rainha destronada de Portugal. Dei-
xando a família em Paris, e novamente com apoio dos ingleses, chefia a opo-
sição liberal a seu irmão D. Miguel. O Imperador D. Pedro I no Brasil e Rei
D. Pedro IV em Portugal, título já lhe outorgado anteriormente, vai escrever
o mais belo capítulo da sua vida. Organiza uma expedição e se dirige aos
Açores. A 3 de março de 1832, assume o ex-imperador a regência de Portu-
gal, em nome da filha. Forma um ministério constitucional e com o apoio do
Conde de Villa Flor desembarca em terras lusitanas com um exército de 7.500
homens. Toma sem dificuldades a cidade do Porto a 9 de julho de 1832, que
o acolhe com entusiamo. Suprime os privilégios feudais, apresentando-se como
o homem dos novos tempos, pós-revolução de 1830. Conquista terreno polí-
tico e militar sobre o retrógrado D. Miguel. Com o apoio da armada inglesa
vence os miguelistas, toma Lisboa e obtém em 26 de maio de 1834 a capitu-
lação de Évora. No dia 1º de junho de 1834, parte D. Miguel I para o exílio
com a obrigação de nunca mais voltar aos domínios portugueses e nem con-
correr para perturbar a tranqüilidade do reino. A 15 de agosto de 1834,
abrindo-se as Cortes portuguesas, é confirmada a sua regência. Mas, logo
depois, declara ao Parlamento que julga achar-se nos últimos dias de vida, e
solicita que seja decretada a maioridade de D. Maria da Glória Joana Carlota
Leopoldina Paula Izidora Micaela Rafaela Gonzaga de Bragança e Habsburgo.
Passa o trono à filha de 15 anos, coroada D. Maria II. Sem completar 36 anos
de idade, morre de tuberculose, que contraíra durante o cêrco da cidade do
Porto, D. Pedro IV, no Paço de Queluz, às duas horas e meia da tarde do dia
24 de setembro de 1834, na mesma cama e no mesmo aposento, o “Salão
D. Quixote”, onde viera ao mundo.
O Imperador D. Pedro I prefere partir, porque já não se sentia bem em
terras brasileiras. A popularidade adquirida a partir de fevereiro de 1821
tranformara-se na frieza de um povo que aguardava melhores dias para o
novo país. Sangrava a independência da Província Cisplatina, humilhação
suprema, e doía a memória da Confederação do Equador.
Esse sentimento contra o Imperador D. Pedro I fica patente nos anos
seguintes e chega ao extremo quando em 16 de maio de 1834 entra em dis-
cussão o projeto de lei, de autoria do Deputado Venâncio Henriques de
Resende com o seguinte teor: “A assembléa geral legislativa decreta: O ex impera-
dor do Brazil D. Pedro I, fica para sempre inhibido de entrar no territorio do Brazil e
de residir em qualquer parte delle, ainda que seja como estrangeiro e individuo parti-
cular; e se o contrario fizer de qualquer fórma que seja, será tido e tratado como inimi-

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A Construção da Democracia 175

go e aggressor da nação brazileira. Camara dos deputados, 26 de junho de 1833.


Henriques de Rezende”. Grifado pelo compilador. É discutido nos dias 16, 17, e 21
de maio. Neste último dia é colocado em votação e não é aprovado.
4 de maio de 1831. Plenário. O Deputado Padre José Bento Leite Ferreira
de Mello (MG) apresenta indicação “com o fim de estabelecer-se uma commissão
que apresente dentro de quatro dias, as bases do plano para a creação das guardas
nacionaes” e requer a sua urgência. Justifica sua proposta “ponderando que o
estado actual exige que se empreguem sem demora todos os meios para a conservação
da segurança publica, não obstante observar-se que o bom senso e o amor da ordem não
menos que o da liberdade, residem em todos os brazileiros”. A proposta é colocada
em votação e aprovada. Na sessão do dia 9 de maio, a comissão integrada
pelos Deputados Raimundo José da Cunha Mattos (GO), José Joaquim Vieira
Souto (RJ) e Evaristo Ferreira da Veiga (MG) apresenta o Projeto de Lei “criando
guardas nacionaes em todas as provincias do imperio”, que é lido em Plenário. O
projeto é discutido nos dias 9 e 20 e neste último é aprovado, sendo então
enviado ao Senado. Retorna do Senado, com emendas, no dia 18 de julho.
Entra em votação no dia 22 e é aprovado com as emendas. Transforma-se na
Lei de 18 de agosto de 1831 que “crêa as Guardas Nacionaes e extingue os corpos
de milicias, guardas municipaes e ordenanças”. Começa timidamente a adoção de
medidas descentralizadoras.
6 de maio de 1831. Plenário. É lido o requerimento do Deputado José
Cesario de Miranda Ribeiro (MG) com o seguinte teor: “Requeiro a nomeação
de uma commissão especial que se encarregue de propôr por escripto, na fórma do art.
174 da constituição do Imperio, a reforma dos artigos constitucionaes, que ella conhe-
cer que a merecem: e depois se prosiga nos mais actos, que a constituição prescreve nos
arts. 175, 176 e 177. Paço da camara dos deputados, 6 de Maio de 1831. – Miranda
Ribeiro”. Grifado pelo compilador. Colocado em discussão e votação na mesma
sessão é aprovado e em seguida é eleita a referida comissão especial, que fica
composta dos Deputados José Cesário de Miranda Ribeiro (MG); Francisco
de Paula Souza e Mello (SC) e José da Costa Carvalho (BA). Na sessão de 9 de
julho a comissão especial lê o seu parecer propondo as bases da lei. Em 13 de
outubro de 1831 é lida e aprovada a redação final, sendo então enviado a
Câmara dos Senadores nesse mesmo dia. No Senado teve parecer e voltou à
Câmara dos Deputados em 1º de agosto de 1832 com quatorze emendas. Nas
discussões subseqüentes a Câmara dos Deputados rejeitou doze. Vencendo-
se, porém, que o projeto era vantajoso e útil ao Império, requereu a Câmara
a reunião da Assembléia Geral para tratar-se das emendas que haviam sido
rejeitadas. O requerimento de fusão é acolhido e, aberta a discussão entre os
dias 17 a 28 de setembro de 1832, foram aprovadas setes das emendas inte-
gralmente, duas somente em parte, e as outras rejeitadas. No dia 12 de outu-
bro de 1832 é sancionada a Carta de Lei “ordenando, que os eleitores dos Depu-
tados para a seguinte Legislatura, lhes confiram nas procurações, especial faculdade
para reformarem os artigos da Constituição designados no mesmo decreto”. No dia 30

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176 Casimiro Neto

de outubro é expedido outro decreto pela Regência Trina Permanente que


“prescreve o modo dos eleitores conferirem aos deputados à Assembléia Geral Legislati-
va a especial faculdade para a reforma da Constituição”.
13 de maio de 1831. Plenário. O Deputado Manoel Odorico Mendes
(MA) apresenta indicação tendo por fim “recomendar ao governo vigilancia para
evitar contrabando de escravos que são introduzidos pela costa do Brazil, usando para
este fim da bandeira portuguesa para iludir o tratado com a Inglaterra”. Recebe o
apoio de vários parlamentares. Grifado pelo compilador.
Na composição da “Regência Trina Permanente”, o deputado acima cita-
do recusa fazer parte do triunvirato, para ela indicando o seu companheiro
de representanção João Bráulio Muniz (MA).

16 de junho de 1831. Plenário. Os Deputados Antônio Ferreira França


(BA) e Ernesto Ferreira França (PE) apresentam projeto “declarando o fim da
escravidão no Brazil”. Não foi objeto de deliberação. Na mesma sessão o Depu-
tado Francisco Xavier Pereira de Brito (PE) apresenta projeto “declarando que
o senhor de qualquer escravo não poderá recusar-lhe a liberdade, uma vez que este lhe
ofereça o seu valor e dá outras providências”, e o Deputado Antônio João de Lessa
(RJ) apresenta outro projeto declarando que “são livres todos os africanos que
comprovem terem sido contrabandeados e estipula penas para os possuidores dos
escravisados”. Grifado pelo compilador. No dia 20, este mesmo deputado reclama
providências repressoras, requerendo que fosse dado quanto antes para dis-
cussão o projeto que já havia sido aprovado pelo Senado.
17 de junho de 1831. Plenário. Paço do Senado. Presidência do Sena-
dor D. José Caetano da Silva Coutinho, Bispo Capelão-Mor (SP). Eleição,
pela Assembléia Geral Legislativa, da “Primeira Regência Trina Permanente”
composta pelos Deputados José da Costa Carvalho, Marquês de Monte Ale-
gre (BA), João Bráulio Moniz (MA), e pelo Brigadeiro Francisco de Lima e
Silva (RJ), Barão da Barra Grande, de acordo com o Art. 123, Capítulo V,
Constituição de 1824, para governar o Império na menoridade de D. Pedro II.

Encerra-se a Regência Provisória, constituída que foi por ape-


nas um gabinete ministerial e inicia-se a Regência Trina Perma-
nente em 17 de junho de 1831, que se extende até o dia 12 de outu-
bro de 1835.

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A Construção da Democracia 177

Quadro/Ilustração nº 13
O Presidente da Câmara – Deputado Martim Francisco Ribeiro de Andrada

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A Construção da Democracia 179

Período Regencial
Regência Trina Permanente

5 de agosto de 1831. Plenário. O Deputado Francisco Gê Acayaba de


Montezuma, Visconde de Jequitinhonha (BA) – considerado o primeiro
abolicionista do Brasil –, requer “se désse para a ordem do dia um projecto vindo do
senado sobre importações e escravos, pela urgente necessidade que havia de remediar
ao grande numero delles que todos os dias se ia introduzindo em fraude da lei, como
tinha sabido ultimamente por cartas da Bahia, onde a introducção se fazia tanto ás
claras que até se designavão os nomes dos contrabandistas; que elle comtudo os occultaria
por agora em razão de que devendo cahir sobre elles a pena da lei, e demais a infamia
de contrabandistas, que não estava inda sufficientemente convencido da identidade dos
culpados, e por isso não queria envolver algum de quem só houvesse suspeitas, reser-
vando-se para em tempo opportuno denunciar na representação nacional os autores de
tão nefando crime.
Manifestou quanto desejava que suas palavras fosssem perfeitamente colhidas
pelos tachygraphos para que chegasse ao conhecimento daquelles homens e soubesse o
imperio todo que a camara dos Srs. deputados tomava muito a peito este negocio.
Concluidas estas reflexões pedio que lhe fosse permittido offerecer um projecto de
resolução, ao qual fez preceder a exposição seguinte:
Sr. presidente, dos Estados Unidos, da costa d’Africa e de muitas outras partes
são remettidos para aqui os refugos dos libertos, que nos vêm servir de maior peso do
que vêm augmentar o numero de braços capazes de se empregarem em objecto productivo.
Todos sabem que os Estados-Unidos estabelecerão uma republica denominada Liberia,
para onde vão os libertos africanos; mas todas as vezes que não podem conseguir
mandal-os para lá, visto que os não podem forçar a ir, dão-lhes certo geito, fazendo
ajustes com elles, adiantão-lhes ajudas de custo afim de serem enviados para diferentes
partes, como para S. Domingos, para o Brazil, etc.
Outro motivo ainda me move a apresentar o projecto que vou lêr, e é que muitos
contrabandistas de escravos da costa d’Africa, vendo-se impedidos de poderem conti-
nuar neste infame trafico, mandão vir escravos e os declarão nas alfandegas do Brazil
como libertos de Angola, Moçambique, etc. E depois delles entrarem são vendidos nos
leilões, ou quando não cheguem aos leilões são vendidos de outro qualquer modo; e, em
uma palavra, os contrabandistas satisfazem o seu fim. Ora, para me oppôr a esta
importação, que ninguem dirá que possa produzir algum bem, para me oppôr a este
novo genero de contrabando, quero apresentar um projecto de resolução se a camara o

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180 Casimiro Neto

julgar urgente; do contrario, guardarei para outro dia. (Leu uma resolução no sentido
do seu discurso.)” Grifado pelo compilador. Apresenta projeto de resolução “prohibindo
a entrada, em território brasileiro, de escravos de Angola; Moçambique; etc., conside-
rados libertos”. Grifado pelo compilador.
Em seguida fala o Deputado Antônio Pereira Rebouças (BA), tratando
do mesmo assunto. Ao final apresenta um requerimento sobre os libertos
africanos no Brasil e sugere, também, que é necessário discutir-se o projeto
que veio do Senado, tratando da importação de escravos.
No dia 23 de agosto entra em segunda discussão o Projeto de Lei nº 83,
vindo do Senado, sobre o “trafico illicito da escravatura”, ao qual se ofereceram
várias emendas. Discutido e aprovado sem delongas, é convertido em lei no
dia 7 de novembro desse mesmo ano.
18 de agosto de 1831. A Assembléa Geral Legislativa decreta e a Regên-
cia Trina Permanente, em nome do imperador, o Senhor D. Pedro II sancio-
na a Carta de Lei que “crêa as Guardas Nacionaes e extingue os corpos de milicias,
guardas municipaes e ordenanças”.
27 de outubro de 1831. A Assembléa Geral Legislativa decreta e a Re-
gência Trina Permanente, em nome do imperador, o Senhor D. Pedro II san-
ciona a Carta de Lei que “revoga as cartas regias que mandaram fazer guerra e por
em servidão os índios”.
7 de novembro de 1831. A Assembléa Geral Legislativa decreta e a
Regência Trina Permanente, em nome do imperador, o Senhor D. Pedro II
sanciona a Carta de Lei que “declara livres todos os escravos vindos de fora do
Império do Brazil, e impõe penas e multas aos importadores dos mesmos escravos”. Os
importadores seriam punidos, inclusive, com a obrigação de reexportação de
negros para a África. Pelo tratado que foi realizado com a Inglaterra em 1815
e em 1817 o império português ficou obrigado à elaboração e aprovação de
uma lei proibindo o comércio da escravatura.
A Inglaterra, que só em 1833 libertou os escravos das suas colônias,
logo se aproveitou da oportunidade da proclamação da nossa independência
política para, em troca do seu reconhecimento, renovar diretamente as nego-
ciações que antes fizera com Portugal para um tratado de abolição do tráfico
de escravos da África. A convenção foi assinada, mas diante das dificuldades
que surgiam para o seu fiel cumprimento, tomou a Regência Trina Perma-
nente a deliberação de obter da Assembléia Geral Legislativa uma lei que
firmasse de vez o que o Governo Imperial acordara com a Grã-Bretanha. O
projeto de lei é votado depois de muita pressão dos ingleses. Foi uma trami-
tação rápida e sem grandes debates.
12 de abril de 1832. É expedido decreto, com a rubrica da Regência
Trina Permanente, que “regulamenta a execução da lei de 7 de novembro de 1831
sobre o trafico da escravatura, a execução do exame de embarcações suspeitas de impor-
tação de escravos, determinando os responsaveis por tal attribuição e obrigando os

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A Construção da Democracia 181

importadores a um deposito de quantia em dinheiro para a reexportação dos escravos,


sob pena de embargo nos bens”. Parecia que com essa providência, obtida da
Assembléia Geral Legislativa pelo Governo Imperial, deveria cessar sem de-
mora o infame comércio. Assim não acontece, porém. Vemos, pelos resumos
das “Falas do Trono” atrás exarados, que o Governo, apesar do empenho em
que estava e das esperanças que muitas das vezes o animaram, só mais tarde,
quando eficazmente armado de novos e mais poderosos instrumentos de
persuassão, pôde acabar definitivamente com o tráfico.
18 de agosto de 1832. É expedido decreto, com a rubrica da Regência
Trina Permanente, que “declara as faltas com que foi impresso o Código Criminal”.

12 de outubro de 1832. A Assembléa Geral Legislativa decreta e a Re-


gência Trina Permanente, em nome do imperador, o Senhor D. Pedro II san-
ciona a Carta de Lei “ordenando, que os eleitores dos Deputados para a seguinte
Legislatura, lhes confiram nas procurações, especial faculdade para reformarem os
artigos da Constituição designados no mesmo decreto”. No dia 30 de outubro é
expedido outro decreto, pela Regência Trina Permanente, que “prescreve o
modo dos eleitores conferirem aos deputados á Assembléa Geral Legislativa a especial
faculdade para a reforma da Constituição”. Esta lei teve origem no requerimento
do Deputado José Cesário de Miranda Ribeiro (MG), apresentado em 6 de
maio de 1831, solicitando a nomeação de uma comissão especial para propor
a reforma constitucional.
Tendo falhado o “golpe de Estado de 30 de julho de 1832”, cujo fim era
converter a Câmara dos Deputados em Assembléia Nacional para decretar as
reformas constitucionais e tomar outras providências relativas ao estado sub-
versivo em que se achava o País pela renhida luta dos partidos, a Câmara dos
Senadores, ou porque receasse os perigos iminentes, continuando a retardar
a solução daquelas reformas que lhe haviam sido enviadas no ano de 1831,
ou porque julgasse favorável a oportunidade de tirar do projeto certas dispo-
sições a que se opunha, tais como a extinção do poder moderador, a monar-
quia federativa, a temporariedade do Senado e a extinção do Conselho de
Estado, deu-se pressa em decidí-lo e remetê-lo à Câmara dos Deputados em
1º de agosto de 1832, com quatorze emendas.
Colocadas em discussão as emendas do Senado nas sessões de 29, 30 e
31 de agosto e 1º, 3 e 4 de setembro do mesmo ano, são rejeitadas doze delas.
Vencendo-se, porém, que o projeto era vantajoso e útil ao Império (Art. 61 da
Constituição), requereu a Câmara dos Deputados a reunião da Assembléia
Geral Legislativa para tratar das emendas que havia rejeitado. Deu-se lugar à
reunião da Assembléia no período de 17 a 28 de setembro. São aprovadas,
integralmente, sete das emendas, duas somente em parte, e as outras rejeita-
das. É então adotada a Carta de Lei de 12 de outubro de 1832.
29 de novembro de 1832. A Assembléa Geral Legislativa decreta e a
Regência Trina Permanente, em nome do imperador, o Senhor D. Pedro II,

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182 Casimiro Neto

sanciona a Carta de Lei que trata do “Código do Processo Criminal de Primeira


Instância”. Código este que teve origem na sessão de 20 de maio de 1829,
quando o Ministro e Secretário de Estado da Justiça, Lúcio Soares Teixeira de
Gouveia, apresentou proposta de um Código do Processo, com 546 artigos.
No dia 13 de dezembro de 1832 é expedido outro decreto, pela Regência Trina
Permanente, que dá “instruções para a execução do referido código”. Esse código
liquida de vez a herança processualística herdada do Brasil colonial, firmando-
se em modelos de países europeus, como a Inglaterra e a França. O “habeas
corpus” (Título VI, Da ordem de Habeas Corpus, Art. 340.) consta como instru-
mento de garantia de liberdade no caso de prisões com algum erro legal.
8 de junho de 1833. Plenário. É lido o projeto de lei do Deputado
Antônio Ferreira França (BA) que “declara que o ventre não transmitte a escravi-
dão, assim como não transmitte a infamia, a quaesquer penas (constituição art. 179 §
XX) Assim todos os nascidos no Brazil de qualquer ventre serão livres”. Grifado pelo
compilador.

10 de junho de 1833. Plenário. O Ministro e Secretário de Estado da


Justiça, Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho (RJ), Visconde de Sepetiba,
atendendo às circunstâncias do momento, onde vários atentados foram co-
metidos por escravos contra a vida de seus senhores e familiares, apresenta a
seguinte proposta de que “serão punidos com a pena de morte os escravos, ou escra-
vas, que matarem por qualquer maneira que seja, ferirem ou fizerem outra grave ofen-
sa physica a seu senhor, administrador, feitor, ou as suas mulheres e filhos”. Em 10 de
julho de 1833, a Comissão de Justiça Criminal apresenta parecer à proposta
do Ministro e Secretário de Estado da Justiça, para que seja convertida em
projeto de lei.
2 de julho de 1833. Plenário. É lido o requerimento do Deputado Ernesto
Ferreira França (PE), para que se “imprima, e que seja presente á commissão, onde
pende a indicação ultimamente apresentada sobre a mudança da capital do imperio
para o interior do Brazil, a representação ácerca deste objecto feita á assembléa consti-
tuinte pelo Sr. José Bonifacio de Andrada e Silva”. Grifado pelo compilador. Colocado
em discussão e votação é aprovado.
9 de agosto de 1833. Plenário. O Deputado José Corrêa Pacheco e Silva
(SP) apresenta proposição junto à Câmara dos Deputados e à Comissão Mista
para revisão do Código Criminal, de 16 de dezembro de 1830, prevendo que
“todo o cidadão que entender que elle ou outrem soffrem uma prisão, ou constrangi-
mento illegal em suas pessoas, têm direito de pedir uma ordem de segurança indivi-
dual, ou habeas corpus”. Grifado pelo compilador. O autor em sua proposição deta-
lha o processo a ser seguido.
12 de agosto de 1834. “A Regência Trina Permanente, em nome do impera-
dor, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súbditos do império que a Camara dos
Deputados, competentemente autorizada para reformar a Constituição Política do Im-
pério do Brazil, nos termos da Carta de Lei de 12 de outubro de 1832, decretou a Lei

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A Construção da Democracia 183

nº 16”. Lei esta que faz algumas alterações e adições à Constituição. Os Con-
selhos Gerais das Províncias são convertidos em Assembléias Legislativas pro-
vinciais. É suprimido o Conselho de Estado, conservando, porém, as respec-
tivas honras os conselheiros que existiam nessa época, bem como os
vencimentos pecuniários àqueles que eram efetivos. A Regência passa a ser
exercida por uma só pessoa, eleita para um mandato de quatro anos. Esta lei
foi denominada de “Ato Adicional”. Triunfo à coragem, inteligência e energia
do Deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos (MG). Vitória liberal da Câ-
mara dos Deputados. É a consagração lógica da “Revolução de Abril de 1831” e
sua natural conquista. Dirigido como foi pelos brasileiros moderados, satisfez
os anseios do País naquele momento e apertou os laços da sua união.
As discussões desta lei tiveram início na sessão de 5 de maio de 1834,
quando foi oferecido o seguinte requerimento: “Requeiro que com urgência se
eleija uma commissão especial para apresentar a redacção das reformas da constitui-
ção, confforme aos artigos da lei relativa. – Venancio Henriques de Rezende”. A ur-
gência é apoiada e aprovada. Na sessão de 6 de maio é nomeada a comissão
especial e fica composta pelos Deputados Bernardo Pereira de Vasconcelos
(MG), Francisco de Paula Araújo e Almeida (BA), e Antônio Paulino Limpo
de Abreu (MG). Em 7 de junho é lido o parecer da Comissão Especial encar-
regada de apresentar o projeto das reformas da Constituição. A redação final
é aprovada em 6 de agosto de 1834. Depois de assinado, é apresentado à
Regência Trina Permanente por uma deputação de vinte e quatro membros,
no dia 9 de agosto, para a devida promulgação.
Estabelecida a Regência, reacenderam-se as agitações em prol do ideal
federativo, refletindo a crise da formação política do País. O Ato Adicional
que modifica o regime unitário da Constituição de 1824 não é mais do que
uma concessão ao federalismo, criando as Assembléias e aumentando as atri-
buições dos presidentes das províncias, extinguindo o Conselho de Estado e
retirando da Regência a faculdade de dissolver a Câmara dos Deputados.

10 de setembro de 1834. Plenário. São lidos os pareceres das Comis-


sões de Comércio, Agricultura, Indústria e Artes, e de Justiça Civil e Criminal
sobre o “Código de Comércio”, enviado pelo Governo à Camara dos Deputados.
As comissões entendem que deve ser aprovado sem discussão. O Deputado
Manoel Paranhos da Silva Velloso (RS) pede dispensa da impressão do Códi-
go, o qual depois de sofrer algumas objeções, é aprovado.
Este projeto teve origem quando o Governo nomeou uma comissão com-
posta do Deputado e Magistrado José Clemente Pereira (RJ) e de quatro nego-
ciantes, os senhores José Antônio Lisboa, Inácio Ratton, Lourenço Vertin e
Guilherme Midosi, para organizar um projeto de Código Comercial. Desem-
penhou-se esta do encargo e, na sessão legislativa de 1834, foi o dito projeto
apresentando à Câmara dos Deputados pelo Ministro e Secretário de Estado
da Justiça, Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho (RJ), Visconde de Sepetiba,
em nome da “Regência Trina Permanente”.

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184 Casimiro Neto

O projeto é discutido em junho de 1835, sendo então aprovada a no-


meação de uma comissão mista, que dá o seu parecer em 17 de outubro do
mesmo ano. Em 11 de maio de 1839, o Deputado João José de Moura Maga-
lhães (BA) apresenta requerimento com o seguinte teor: “Requeiro que se nomêe
uma commissão especial para examinar o projecto do codigo do commercio, e as emen-
das que existirem, afim de dar um parecer definitivo”. A Comissão Especial para
exame do Projeto de Código do Comércio é eleita em 13 de maio de 1839.
Na sessão de 17 de janeiro de 1843 volta à discussão e é criada nova Comis-
são Mista, que oferece seu parecer em 29 de agosto. Na sessão de 22 de
janeiro de 1845 é nomeada uma Comissão Especial para rever o projeto exis-
tente na Casa. Discutido em junho e julho, é enviado ao Senado. Retornando
à Câmara dos Deputados, na sessão de 6 de março de 1850 são aprovadas as
emendas do Senado e no dia 2 de maio é enviada a resolução ao Imperador
para ser sancionada. É transformado na Lei nº 556, de 25 de junho de 1850.
24 de setembro de 1834. Plenário. É lida a proposta enviada pelo Go-
verno Imperial através do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Es-
trangeiros, que foi transformada em projeto de lei pela Câmara dos Depu-
tados, com o seguinte teor: “A assembléa geral legislativa decreta: O governo imperial
fica autorizado a fazer as despezas precisas para a sustentação e tratamento dos africa-
nos que forem, ou tiverem sido apprehendidos, por ocasião de os pretenderem introduzir
ilicitamente no imperio; e bem assim para fazer qualquer ajuste diplomatico com as
nações que possuem colonias na costa da Africa, com o fim de serem para alli reexpor-
tados os ditos africanos, como determina o art. 2º da lei de 7 de Novembro de 1831,
dando contas á assembléa geral legislativa das sobreditas despezas, para serem por ella
approvadas. Paço da camara dos deputados, 12 de Agosto de 1834. – Diogo Duarte
Silva. – Manoel do Nascimento Castro e Silva. – Bernardo Pereira de Vasconcellos”.
Grifado pelo compilador.

10 de janeiro de 1835. É expedido o Decreto, com a rubrica de Francis-


co de Lima e Silva (RJ) – Barão da Barra Grande –, e João Braúlio Moniz
(MA), com o seguinte teor: “a Regência em nome do Imperador o Senhor Dom
Pedro Segundo, Tendo em vista beneficiar, quanto ser possa, e sem gravame do Thesouro
Publico Nacional, as familias dos Empregados Publicos, que fallecerem sem lhes deixar
meios de honesta subsistencia: Há por bem Approvar o Plano de Monte Pio Geral de
Economia, que lhe foi apresentado pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negocios
da Justiça e interinamente dos Estangeiros” Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho
(RJ), Visconde de Sepetiba. O art. 1º do Plano de Montepio determina que
“fica creado o Monte Pio Geral de Economia para a subsistencia e soccorro das familias
dos Empregados Publicos, de qualquer classe, que fallecerem em exercicio ou aposenta-
dos no serviço da Nação”. O art. 2º esclarece que “são considerados como taes para
a entrada no presente estabelecimento: § 1º Todos os cidadãos que recebem ordenado,
soldo ou salario do Thesouro Publico, ou por qualquer outra repartição publica, por
officio, praça, emprego ou outro serviço de qualquer denominação que seja. § 2º Todos
os Empregados nomeados pelo Governo Central, ou pelos Governos Provinciaes, que

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A Construção da Democracia 185

servem empregos ou officios, com ordenado ou sem elle, declarando nesta caso o valor
em que os estimão, a fim de entrarem para a caixa annualmente com a quantia corres-
pondente aos cinco por centro do valor estimado”. Grifado pelo compilador. Fica insti-
tuído, a título de previdência, o desconto no salário dos servidores públicos
do valor determinado em lei.
O Decreto expedido no dia 22 de junho de 1836, com a rubrica do
Regente do Império Padre Diogo Antônio Feijó (SP), manda “observar, d’ora
em diante, o Plano annexo do Monte Pio Geral dos Servidores do Estado, ficando sem
effeito o que baixou com o Decreto de 10 de janeiro de 1835”. Este decreto é assina-
do, também, pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça
Gustavo Adolfo de Aguilar Pantoja (BA).

24 de janeiro de 1835. Bahia. Revolta dos Malês. Considerada uma das


mais importantes insurreições de escravos ocorridas no Brasil, envolvendo
mais de mil pessoas, entre escravizados e libertos das mais variadas profis-
sões, na luta pelo direitos mais legítimos que são merecedores.

10 de junho de 1835. A Assembléa Geral Legislativa decreta e a Regên-


cia Trina Permanente, em nome do imperador, o Senhor D. Pedro II sancio-
na a Carta de Lei que “determina as penas com que devem ser punidos os escravos
que matarem, ferirem ou cometerem outra qualquer ofensa física contra seus senhores,
estabelecendo regras para o processo”.

De 5 a 9 de outubro de 1835. Plenário. Paço do Senado. Presidência do


Senador Bento Barroso Pereira (PE). Reunião da Assembléia Geral Legislati-
va (deputados e senadores), de acordo com os artigos 26, 27 e 28 do Ato
Adicional (Lei nº 16, de 12 de outubro de 1834). Abertura das atas dos colé-
gios eleitorais por províncias para apuração dos votos para regente. Com o
total de 2.826 votos é eleito como Regente do Império o Senador pela Provínica
do Rio de Janeiro e Padre Diogo Antônio Feijó (SP) – Liberal –, para um
mandato de quatro anos. Por encontrar-se doente só toma posse às dez horas
e quarenta e cinco minutos do dia 12 de outubro de 1835. É lida a proclama-
ção da Assembléia Geral dirigida à Nação sobre a eleição e juramento do
Regente, na forma da Constituição e das leis vigentes. Será o Regente do
Império do dia 12 de outubro de 1835 até o dia 19 de setembro de 1837,
quando renuncia ao cargo por se achar gravemente enfêrmo e sem condições
de conduzir as reformas necessárias ao País e então, assume, interinamente,
o Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Pedro de Araújo
Lima (PE), Marquês de Olinda, até que se efetive sua permanência no cargo
depois de realizada a eleição pela Assembléia Geral Legislativa.

Encerra-se a Regência Trina Permanente, constituída que foi


por quatro gabinetes ministeriais e inicia-se a Regência do Sena-
dor e Padre Diogo Antônio Feijó (SP) em 12 de outubro de 1835, que
se extende até o dia 19 de setembro de 1837.

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186 Casimiro Neto

Quadro/Ilustração nº 14
O Regente Diogo Antônio Feijó

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A Construção da Democracia 187

Período Regencial
Regência do Senador e Padre Diogo
Antonio Feijó (SP)

18 de maio de 1836. Plenário. O Deputado Joaquim José Rodrigues


Torres (RJ), Visconde de Itaboraí, obtém a palavra pela ordem, e declara que
“algumas assembléias legislativas provinciais têm interpretado a Constituição de um
modo que lhe parece contrário à mesma Constituição; que têm ultrapassado os limites
de suas atribuições; e entende portanto que é um mal muito grave que se esteja todos os
dias nesta Casa a revogar atos das assembléias provinciais, o que sem dúvida pode
trazer graves consequências; e conclue propondo a urgência para apresentar um re-
querimento afim de se nomear uma comissão especial para tratar da inteligência de
alguns artigos do Ato Adicional”. A urgência proposta é apoiada, e depois de
julgada discutida, é aprovada. O Deputado oferece então à discussão o se-
guinte requerimento: “Requeiro que se nomêe uma commissão, que trate de apresen-
tar á esta camara um projecto de lei interpretando os artigos do acto adicional, que
possão ter necessidade de interpretação. Paço da camara, 18 de maio de 1836. –
Rodrigues Torres”. É apoiado.
9 de março de 1837. O Regente, Padre Diogo Antônio Feijó (SP), em
nome do Imperador, o Senhor D. Pedro II, expede decreto sobre “o direito de
Petição de Graça ao Poder Moderador para penas de morte que não comprehendem os
escravos, que perpetrarem homicidios em seus proprios Senhores, como he expresso no
Decreto de 11 de abril de 1829”.
10 de julho de 1837. Plenário. É feita a leitura do parecer da comissão
das assembléias provinciais, composta pelos Deputados Paulino José Soares
de Souza (RJ), Visconde do Uruguai; Miguel Calmon du Pin e Almeida (BA),
Visconde e Marquês de Abrantes; e Honório Hermeto Carneiro Leão (MG),
Marquês do Paraná, propondo um “projeto de decreto interpretando vários artigos
do Ato Adicional á Constituição”. Projeto este que recebeu o nº 74/37. É julgado
objeto de deliberação e mandado imprimir com o parecer. Discutido durante
os anos de 1838 e 1839, foi enviado ao Senado no dia 10 de junho de 1839.
Na Sessão Imperial de Abertura da Assembléia Geral Legislativa, em 3
de maio de 1838, o Regente Interino Pedro de Araújo Lima (PE), Marquês de
Olinda, assim se expressava em relação ao Ato Adicional: “(...) Sobre a intelli-
gencia da lei de 12 de Agosto de 1834, que reformou a constituição do imperio, duvi-

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188 Casimiro Neto

das, e duvidas graves têm sido suscitadas. Eu chamo a vossa attenção para este mui
importante objeto”.
Retornando do Senado, o projeto recebe o nº 139/38. Discutido entre
17 e 27 de setembro de 1838 e, em 3 de junho de 1839, são lidas as novas
redações assinadas pelos Deputados Paulino José Soares de Souza (RJ), Antô-
nio Pereira Barreto Pedroso (RJ), Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Macha-
do e Silva (SP), José Cesário de Miranda Ribeiro (MG) e José Clemente Perei-
ra (RJ). A redação final é lida e aprovada em 26 de junho de 1839, sendo
então enviada à Câmara dos Senadores, de onde só na primeira quinzena de
maio de 1840 subiu à sanção imperial.
19 de setembro de 1837. Plenário. Em profundo silêncio é lida a re-
núncia e o “Manifesto ao povo brasileiro” do Regente do Império Padre Diogo
Antônio Feijó (SP). Declara-se demitido do lugar de Regente do Império por
se achar gravemente enfêrmo e sem condições de conduzir as reformas ne-
cessárias ao País. Além disso é acusado de fraqueza pela política empregada
para combater os Farrapos no Rio Grande do Sul. Iniciada a reação conserva-
dora – partidária da centralização política e do reforço da autoridade do
Poder Executivo, assume como Regente, interinamente, o Ministro e Secretá-
rio de Estado dos Negócios do Império, o ex-deputado e Senador Pedro de
Araújo Lima (PE), Marquês de Olinda, até que se procedam novas eleições
pela Assembléia Geral Legislativa. Este presta juramento, sobre o livro dos
Santos Evangelhos, como Regente Interino, na Sessão da Assembléia Geral
Legislativa do dia 27 de setembro, às quatorze horas.

Encerra-se a Regência do Senador e Padre Diogo Antônio Feijó


(SP), constituída que foi por quatro gabinetes ministeriais e inicia-
se a Regência do Senador Pedro de Araújo Lima (PE), Marquês de
Olinda, em 19 de setembro de 1837, que se extende até o dia 23 de
julho de 1840.

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A Construção da Democracia 189

Quadro/Ilustração nº 15
O Deputado Francisco Gê Acaiaba de Montezuma – Visconde de Jequitinhonha

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190 Casimiro Neto

Quadro/Ilustração nº 15/A
O Deputado Honório Hermeto Carneiro Leão – Marquês do Paraná

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A Construção da Democracia 191

Período Regencial
Regência do Senador Pedro de Araújo Lima (PE)

12 de maio de 1838. Plenário. O Deputado Francisco Gê Acayaba de


Montezuma (BA), Visconde de Jequitinhonha, fundamenta e manda à Mesa
o seguinte requerimento: “Requeiro que se peça ao governo que remetta á camara
todas as notas do governo inglez e de seu agente diplomatico nesta côrte, dos ultimos
dous annos, relativo ao trafico da escravatura, caso não contenhão segredo de gabinete.
– Montezuma”. Grifado pelo compilador. Em vista das razões apresentadas pelo
Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros Deputado Antônio Peregri-
no Maciel Monteiro (PE), segundo Barão de Itamaracá, o autor pede para
retirar o seu requerimento, no que o Plenário consente.

4 de outubro de 1838. Plenário da “Assembléa Geral Legislativa”. “O Sr.


Presidente declara que o objecto da presente reunião da assembléa geral, era para dar-
se execução ao art. 28 do acto addicional, abrindo-se por províncias as actas dos collegios
eleitoraes, a fim de proceder-se á apuração final dos votos para o regente do império,
eleito em 22 de Abril proximo passado”. A apuração é concluída no dia 6 e é eleito
como Regente o ex-Deputado e Senador Pedro de Araújo Lima (PE), Mar-
quês de Olinda, com 4.308 votos. “O Sr. Presidente consulta se a assembléa geral
julga legal a eleição, e é geralmente approvada, assim como que se convide ao Sr. Pedro
de Araújo Lima para vir prestar o juramento, amanhã, pelas 11 horas da manhã.
Approva-se a formula do juramento e da proclamação adoptada em 9 de Outubro de
1835”. No dia 7 presta o seguinte juramento: “Juro manter a religião catholica,
apostolica romana, a integridade e indivisibilidade do imperio, observar e fazer obser-
var a constituição politica da nação brazileira, e mais leis do imperio, e prover ao bem
geral do Brazil, quanto em mim couber. Juro fidelidade ao imperador o Sr. D. Pedro II,
e de entregar o governo a quem pela constituição competir”. Nesta mesma sessão é
feita a leitura da proclamação da “Assembléa Geral Legislativa” aos brasileiros
sobre a abertura das atas dos colégios eleitorais e do juramento do regente
eleito. A reação dos liberais não tarda a acontecer e a antecipação da maiori-
dade do Imperador D. Pedro II, em 1840, após nove anos de conturbadas
regências é o resultado.

13 de maio de 1839. Plenário. O Deputado Herculano Ferreira Penna


(MG) pede urgência para ler Projeto de Lei nº 4, de sua autoria, “sobre o
destino dos africanos ilicitamente introduzidos no império, que na forma da lei de 7 de

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192 Casimiro Neto

novembro de 1831, forem competentemente julgados livres serão eles empregados nas
obras públicas, ou em quaesquer trabalhos industriais que estiverem a cargo do gover-
no geral, distribuindo-se os que restarem à câmara municipal da Corte, aos governos
das províncias e ás companhias nacionais, com direito a uma retribuição pecuniária”.
Grifado pelo compilador. Julgado objeto de deliberação é mandado imprimir.

5 de julho de 1839. Plenário. O Deputado Martim Francisco Ribeiro de


Andrada (SP) apresenta proposição que “requer urgência para um novo projeto
de lei de nº 46 que considera mais circunstanciado e desenvolvido do que outro ante-
riormente apresentado” e que “trata do destino dos africanos ilicitamente introduzidos
no império, que na forma da lei de 7 de novembro de 1831, forem competentemente
julgados livres serão empregados nas obras públicas a cargo do governo geral, e os
restantes distribuidos pela câmara municipal; pelos governos das províncias; e pelas
companhias nacionais para serem ocupados em trabalhos, ou publicos, ou industriais.
Terão direito a sustento, vestuário, tratamento em caso de moléstia e retribuição pe-
cuniária anual. Dá várias providências sobre a distribuição dos mesmos”. Grifado pelo
compilador. Julgado objeto de deliberação é mandado imprimir.

31 de agosto de 1839. Plenário. O Deputado João Cândido de Deus e


Silva (PA) apresenta o Projeto de Lei de nº 111 que “cria a Província do Rio
Negro, desmembrando-se para isso da Província do Pará todo o território compreendi-
do pela comarca do Alto Amazonas”. Este projeto transforma-se na Carta de Lei
nº 582, de 5 de setembro de 1850.
12 de maio de 1840. Plenário. O Deputado Francisco Álvares Machado
de Vasconcelos (SP) faz as seguintes ponderações ao Presidente da Câmara
dos Deputados: “Sr. presidente, pedi a palavra para fazer um requerimento, mas por
ora é só a V. Ex. que o faço; porque convencido como estou do patriotismo de V. Ex.,
tenho a persuasão de que me não verei na necessidade de fazel-o á camara.
Sr. presidente, existe na casa ha perto de tres annos um projecto de lei da maior
importancia, o qual até o presente não tem sido dado para a ordem do dia, nem tem
entrado em discussão, apezar dos reiterados requerimentos ou representações de muitas
assembléas provinciaes e de muitas camaras municipaes. Fallo do projecto de lei sobre a
lei de 7 de Novembro que abolio o commercio da escravatura; e eu creio que é mister
quanto antes tomar-se uma deliberação a respeito. É mister quanto antes, porque, se
continuarmos neste estado sem que se tomem as convenientes medidas, quando se quizerem
remediar os males que todos os dias mais se aggravão, talvez seja tarde, e que já elles
não tenhão remedio. Estou pois convencido que V. Ex. dará quanto antes para entrar
em discussão o projecto de que fallo, e uma medida se tomar a respeito, grande gloria
caberá tambem a V. Ex. por tel-a accelerado! Mas se não acontecer isso, se a demora
continuar, os males que resultaráõ talvez sejam mais funestos do que ate aqui têm sido.
As tentativas do governo inglez a este respeito todos os dias se tornão mais serias; é
horrorosa a maneira porque se vai paralysando o nosso commercio; é horroroso ver
como se tem alterado a paz de muitas familias, e como os seus interesses se têm aggravado.
Estas breves considerações bastaráo, estou convencido, para que V. Ex. tome em conside-

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A Construção da Democracia 193

ração o meu requerimento”. Grifado pelo compilador. O Presidente responde que há


de ser tomado com alguma consideração o requerimento do nobre Deputado.
Na sessão de 22 de maio o mesmo deputado volta a insistir para a colo-
cação do projeto de lei na Ordem do Dia, dizendo: “Sr. presidente, eu tenho
tenção de fazer a V. Ex. todas as semanas a repetição do requerimento que fiz na sema-
na passada, pedindo a V. Ex. que metta-se na ordem do dia a lei que veio do senado
sobre a escravatura; e hei de levar esta tenção até importunar a V. Ex. a ponto tal que
V. Ex. para se ver livre das minhas importunações não terá outro remedio senão pôr
este projeto em discussão. (...) Peço pois a V. Ex. que faça o bem que puder ao paiz,
introduzindo este projecto de lei na ordem do dia”. Volta a insistir no assunto na
sessão do dia 23 de maio quando diz: “(...) Ora, achando-se sobre a mesa um
projecto de relações, quem poderá dizer no Brazil que elle é mais necessario do que o
projecto ácerca do commercio de escravatura?”. Este projeto de lei vai se tornar a
Carta de Lei nº 581, 4 de setembro de 1850 que vem a estabelecer medidas
para a repressão do tráfico de africanos no Império, cuja importação já era
proibida pela Lei de 7 de novembro de 1831.
Ainda no dia 12 de maio de 1840, é expedido o seguinte decreto pelo
Regente: “A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Regente Pedro de Araújo Lima,
Marquês de Olinda, em nome do imperador sancciona a Carta de Lei nº 105 que
interpreta alguns artigos do Ato Adicional que reformou a Constituição Política do
Império do Brazil”. Vitória da prudência política e da experiência jurídica dos
parlamentares. Sem reformar de novo a Constituição, limitou-se a interpre-
tar a Reforma Constitucional de 12 de agosto de 1834, nos seus pontos mais
críticos, por via de lei ordinária. Destacam-se nas discussões desta lei
interpretativa os Deputados e notáveis juristas José Clemente Pereira (RJ),
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), Paulino José Soa-
res de Souza (RJ), João José de Moura Magalhães (BA), Martim Francisco
Ribeiro de Andrada (SP), Antônio Pereira Barreto Pedroso ((RJ), Honório
Hermeto Carneiro Leão (MG), Manoel Machado Nunes (SP), e Urbano Sabino
Pessoa de Mello (PE).
Esta Carta de Lei teve origem a partir do requerimento do Deputado
Joaquim José Rodrigues Torres (RJ), Visconde de Itaboraí, apresentado em
Plenário a 18 de maio de 1836 e, posteriormente, a 10 de julho de 1837, com
a publicação do parecer da comissão das assembléias provinciais composta
pelos Deputados Paulino José Soares de Souza (RJ), Visconde do Uruguai;
Miguel Calmon du Pin e Almeida (BA), Visconde e Marquês de Abrantes; e
Honório Hermeto Carneiro Leão (MG), Marquês do Paraná, propondo um
“projeto de decreto interpretando vários artigos do Ato Adicional á Constituição”.
Durante a Regência, o descontentamento com o acúmulo de impostos,
a intervenção da Corte nos assuntos internos das províncias e a política
centralizadora que negligenciava os interesses dessas províncias, gera rebeli-
ões regionais. Apresentando semelhanças e diferenças, essas revoltas popula-
res em diversos pontos do País, ora reivindicavam melhores condições so-
ciais, ora contestavam o modelo administrativo implantado.

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194 Casimiro Neto

A “Revolução Farroupilha” ou “Guerra dos Farrapos”, na Província de São


Pedro do Rio Grande do Sul e, transitoriamente, na de Santa Catarina, é a
mais longa das revoluções brasileiras, que vai se prolongar por quase dez
anos (20/09/1835 a 27/02/1845), mobilizando, aproximadamente, 20 mil ho-
mens e mulheres. Movimento republicano e federalista de amplas propor-
ções. Os proprietários de terras do Rio Grande do Sul, grandes estancieiros –
liberais ou “chimangos” –, com apoio de peões, agregados e marginalizados
sociais (farrapos), sob o comando do Coronel-de-Milícias Bento Gonçalves da
Silva e que tem como principal doutrinário da causa o jornalista Tito Livio
Zambeccari, carbonário italiano exilado, se rebelam contra as autoridades
governamentais. Pretendem, antes de tudo, uma relação entre o poder cen-
tral e a província que se revele menos prejudicial aos interesses dos estanciei-
ros, charqueadores e exportadores. Não se contesta o Império em si mesmo,
mas os termos da subordinação à Corte. Do lado do Governo Imperial, junto
com o Exército, ficam comerciantes e burocratas diretamente vinculados ao
Estado – o conservador-monárquico –, ou “caramuru”.
Nos dois primeiros anos, os revolucionários conseguem dominar gran-
de parte do território gaúcho e daí estendem o campo de luta até Santa
Catarina. Apoderam-se de Laguna e fundam uma república, em julho de
1839, à qual dão o nome de “Juliana”, de curta duração. Nesta invasão en-
contram-se à frente da luta David Canabarro e Giuseppe Garibaldi. As tro-
pas do Governo Imperial intensificam a luta e neutralizam as forças rebel-
des. Ao final da guerra, no dia 1º de março de 1845, com a rendição do
Exército Farroupilha ao Brigadeiro Luís Alves de Lima e Silva, Barão de
Caxias, Presidente e Comandante das Armas da Província do Rio Grande
do Sul, há um preço salgado, como o charque, a ser pago pela província
gaúcha. Assinam uma paz honrosa com o Governo Imperial, onde os rebel-
des têm lugares e promoções no Exército, mas os campos estão devastados,
parte do rebanho abatida para alimentar os soldados e a economia reduzi-
da a frangalhos.
Destacaram-se, nessa revolução, o Coronel-de-Milícias Bento Gonçal-
ves da Silva, Chefe Supremo das tropas farroupilhas, pela sua ousadia e inte-
ligência e Anita Garibaldi (Ana Maria de Jesus Ribeiro), que movida pela sua
coragem e pela convicção de seus ideais políticos, deixou sua marca na histó-
ria brasileira, transformando-se em uma das personagens mais apaixonantes
do nosso País. Ao lado do marido, o herói italiano Giuseppe Garibaldi, a
exímia cavaleira lutou, primeiro na “Guerra dos Farrapos”, junto com os rebel-
des gaúchos que combatiam o Governo Imperial, depois na guerra civil do
Uruguai e, por fim, pela unificação da Itália, país onde faleceu, na região de
Ravenna, ao nordeste desse país.
A agitação política atinge quase todo o País. Motins e levantes no Rio de
Janeiro (1831/1832) e as rebeliões regionais: a) a Guerra dos Cabanos, na
Província de Pernambuco, b) a Cabanagem, na Província do Grão-Pará (1835/
1840), que ocupava a área hoje dividida entre Pará, Amazonas, Roraima,

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A Construção da Democracia 195

Rondônia e Amapá. Sentimento de nacionalismo dos camponeses (índios ou


mestiços, chamados de cabanos) que reagem ao domínio dos portugueses.
Calcula-se que morreram 40% de uma população de aproximadamente 100
mil habitantes; c) A Sabinada, na Província da Bahia (1837/1838). Sob a lide-
rança do médico Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira e com o apoio dos
militares, os rebeldes expulsam as autoridades provinciais e proclamam a
República; d) a Balaiada, na Província do Maranhão, parte do Piauí e Ceará
(1838/1841), que teve ampla participação de cerca de 11 mil homens, em sua
maioria sertanejos, aproximadamente 3 mil escravos foragidos em quilom-
bos e muitos índios. Adotam o apelido do fabricador e vendedor de balaios
Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio. Todas essas revoltas como sua
repressão foram violentas.
No início do ano de 1840, a Regência atravessa séria crise. À instabilida-
de política do País soma-se a ausência de um projeto de unidade nacional,
agravada pelas dificuldades de comunicação e transporte entre as províncias.
A unidade territorial do País está ameaçada. Os debates no Parlamento foca-
lizam a autonomia das províncias, a centralização ou descentralização do poder
e a organização das forças de mar e terra. A elite por sua vez vai perdendo a
confiança na Regência e a antecipação da maioridade de D. Pedro II torna-se
objeto de intensos debates na Câmara dos Deputados e na Câmara dos Sena-
dores.
18 de maio de 1840. Plenário. O Deputado Honório Hermeto Carneiro
Leão (MG), Marquês do Paraná, apresenta o Projeto de Lei nº 27, que “trata
da reforma da Constituição” na parte relativa à maioridade de D. Pedro II, e o
justifica com um longo discurso que diz em um dos trechos: “(...) O meu projecto
versa sobre a reforma do art. 121 da constituição, que diz que o imperador é menor ate
a idade de 18 annos completos. (...) Muito estimo, senhores, que os mestres que propuz,
que forão por mim indicados, tenhão aproveitado tanto ao imperador, que elle esteja
hoje em estado de tomar conta do governo do paiz antes da idade de 18 annos. Eu me
felicito apresentando, como apresento, este projecto, deixando comtudo á camara o fu-
turo julgamento do ponto”. Requer sua urgência, sendo em seguida aprovada.
Têm início intensos debates sobre o assunto durante os meses de maio, junho
e julho de 1840. Os liberais, embora minoritários, forçam a decretação da
maioridade do jovem imperador.
21 de julho de 1840. Plenário. O Deputado Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada Machado e Silva (SP) apresenta o seguinte projeto de lei: “A assembléa
resolve: Artigo único. Sua Magestade Imperial o Sr. D. Pedro II é desde já declarado
maior. – Andrada Machado” e solicita urgência para este projeto. A urgência é
apoiada e entra em discussão. Grandes debates são realizados no desenrolar
da sessão. As galerias se manifestam com vivas à maioridade do Imperador.
“O Sr. Presidente dá para ordem do dia a urgencia do projecto do Sr. Andrada Macha-
do, que declara maior, desde já, S. M. o Imperador”. Levantada a sessão, o Sr. Navarro
deu vivas á maioridade de Sua Magestade, vivas respondidos pelas galerias; e os es-

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196 Casimiro Neto

pectadores, ao sahirem da camara, dirigirão-se pela rua da Cadêa, repetindo os mes-


mos vivas”.
No dia 22 continua a discussão da urgência requerida pelo Deputado
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP) para ser discutido o
seu projeto apresentado no dia 21, declarando maior S. M. Imperial o Sr.
D. Pedro II. Não havendo quem peça a palavra sobre a urgência, é julgada
discutida e, sendo posta a votos, é aprovada. O projeto é julgado objeto de
deliberação e entra em discussão. O Primeiro-Secretário interrompe-a para
ler o decreto expedido pelo Regente Pedro de Araujo Lima, em nome do
Imperador o Sr. D. Pedro II, enviado à Câmara dos Deputados pelo Ministro
e Secretário de Estado dos Negócios do Império Bernardo Pereira de
Vasconcellos, recentemente nomeado, pelo qual houve por bem adiar a
Assembléa Geral e Legislativa para o dia 20 de novembro do mesmo ano. “A
esta leitura prorompem os gritos de calumnia, traição, governo conspirador, viva a
maioridade do imperador, e outros muitos que partem de todos os lados. O Sr. Presiden-
te, procura em vão manter a ordem. Augmenta a confusão e o tumulto. Muitos Srs.
deputados pedem a palavra pela ordem”. O Deputado Francisco Alvares Machado
de Vasconcelos (SP), “(pela ordem e com vehemencia)” assim se pronuncia: “Se-
nhores, desde o dia 7 de abril ate hoje, o único ligamento que tem havido para reunir
os partidos tem sido a camara dos deputados. (estrondosos e repetidos apoiados, muitos
gritos de ordem e attenção, os Srs. Deputados dirigem-se por gestos e palavras para os
espectadores, afim de que se conservem tranquilos). (...) Acabo declarando que protesto
contra todos os actos praticados por este governo illegal, intruso e usurpador, ao qual é
licito a todo o brazileiro resistir; vamos para o campo”.
O Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP)
diz: “Declaro que não reconheço legal este acto do governo: o regente é usurpador
desde o dia 11 de março. É um traidor, é um infame o actual ministerio... quero que
estas palavras fiquem gravadas como protesto... (estrondosos apoiados, continuão os
vivas)”.
O Deputado João Coelho Bastos (PB), energicamente, conclama: “O
governo conspira contra o monarcha, os amigos do monarcha colloquem-no no throno.
(Explosão de apoiados)”.
O Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP)
com energia convida: “Quem é patriota e brazileiro siga commigo para o senado.
Abandonemos esta camara prostituida. (estrondosos apoiados)”.
“Muitos Srs. deputados acompanhão o Sr. senador Ferreira de Mello, que os
convida a irem para o Senado. Retirão-se quasi todos os membros do salão aos gritos
repetidos que partem de todos os lados. O Sr. presidente manda ler a acta da presente
sessão, lavrada pelo Sr. Marinho, e levanta a mesma. (São onze horas.)”.
Com a repercussão do adiamento é expedido outro decreto pelo Re-
gente, convocando a “Assembléa Geral Legislativa” para o dia 23 do mesmo
mês.
É nomeada uma deputação composta de oito membros: os Deputados
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP); Martin Francisco

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A Construção da Democracia 197

Ribeiro de Andrada (SP); Francisco Gé Acayaba Montezuma (BA), Visconde


de Jequitinhonha e os Senadores João Vieira de Carvalho (CE), primeiro
Barão, Conde e Marquês de Lages; Nicolau Pereira de Campos Vergueiro
(MG); Padre José Martiniano de Alencar (CE); Francisco de Paula Cavalcanti
de Albuquerque (PE), Visconde de Suassuna; e Antônio Francisco de Paula e
Hollanda Cavalcanti de Albuquerque (PE), Visconde de Albuquerque. São
recebidos por D. Pedro II e questionam se ele queria ser aclamado no dia 2 de
dezembro, data do seu natalício, conforme pensamento do Regente, ou se
queria já, tendo respondido que “queria já”. O jovem imperador completaria
quinze anos em 2 de dezembro de 1840 e, somente em 2 de dezembro de
1843 poderia tornar-se, de fato, chefe do Governo.

23 de julho de 1840. 10 horas e 30 minutos. Paço do Senado. Presidên-


cia do Senador Francisco Vilela Barbosa (RJ), primeiro Visconde e Marquês
de Paranaguá. As galerias estão lotadas de espectadores, assim como o salão
do Senado.
Após narrar os acontecimentos do dia 22, o Presidente da Assembléia
Geral Legislativa, com energia, declara: “Eu como orgão da representação nacio-
nal em assembléa geral, declaro desde já maior a Sua Magestade Imperial o Sr.
D. Pedro II, e no pleno exercicio de seus direitos constitucionaes. Viva a maioridade de
Sua Magestade o Sr. D. Pedro II, Viva o Sr. D. Pedro II, imperador constitucional e
defensor perpetuo do Brazil. Viva o Sr. D. Pedro II. (Estes vivas são correspondidos
com o maior enthusiasmo e por longo tempo por toda a assembléa e pelos numerosos
concursos de espectadores). Neste momento um dos espectadores solta vivas á nação
brazileira, e diz que está encarregado pelo povo de offerecer uma fita ao deputado
Navarro, como aquelle que mais se sacrificou. O Sr. Navarro levanta-se e recebe um
laço de fita amarella com o letreiro Viva a maioridade de S. M. Imperial o Sr.
D. Pedro II”.
O Sr. Presidente nomeia os Deputados Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada Machado e Silva (SP); Antônio Paulino Limpo de Abreu (MG), Vis-
conde de Abaeté; e o Senador Manoel Alves Branco (BA), segundo Visconde
de Caravelas, para redigir o “Projeto de Proclamação da Maioridade do Impera-
dor”, para ser lido e depois aprovado pela Assembléia Geral Legislativa.
Os deputados e senadores reunidos em “Assembléa Geral Legislativa” re-
cebem o “Projeto de Proclamação da Maioridade do Imperador” que, relatado pelo
Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), líder do
movimento maiorista, “declara a maioridade de S. M. Imperial, o Sr. D. Pedro II,
e no pleno exercício de seus direitos constitucionais. “Brazileiros! A assembléa geral
legislativa do Brazil reconhecendo o feliz desenvolvimento intellectual de S. M. Impe-
rial o Sr. D. Pedro II, com que a Divina Providencia favoreceu o imperio de Santa
Cruz; reconhecendo igualmente os males inherentes a governos excepcionaes, e presen-
ciando o desejo unanime do povo desta capital; convencida de que com este desejo está
de accordo o de todo o imperio, para conferir-se ao mesmo augusto senhor o exercicio
dos poderes que pela constituição lhe competem; houve por bem, por tão ponderosos

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198 Casimiro Neto

motivos, declaral-o em maioridade, para o effeito de entrar immediatamente no pleno


exercício desses poderes, como imperador constitucional e defensor perpetuo do Brazil.
O augusto monarcha acaba de prestar o juramento solemne determinado no art. 103
da constituição do Imperio. Brazileiros! Estão convertidas em realidades as esperanças
da nação; uma nova era apontou; seja ella de união e prosperidade. Sejamos nós
dignos de tão grandioso beneficio”. Diante dos fatos e, acatando a expressão dos
sentimentos da Nação, a “Assembléa Geral Legislativa”, solenemente, declara-o
em maioridade. Às quinze horas e trinta minutos, do dia 23, no Paço do
Senado, o Imperador D. Pedro II, com 14 anos e sete meses e meio, faz o
juramento solene de acordo com o art. 103 da Constituição Política do Impé-
rio do Brasil. Vitória liberal da Câmara dos Deputados. A príncipio, o golpe
de mestre dos liberais maioristas é uma vitória sobre os conservadores, mas
um ano depois estes voltam à carga, com a votação de medidas reacionárias
que deixam claro sua disposição de retornar a cúpula do poder – como a
criação do “Conselho de Estado” e a reforma do Código de Processo Criminal –
, e que suscitam a “Revolução Liberal” de 1842, circuncrita às Províncias de São
Paulo e Minas Gerais. O Deputado Honório Hermeto Carneiro Leão (MG),
Marquês do Paraná, apresentou o projeto sobre a maioridade de D. Pedro II
em 18 de maio de 1840, tendo requerido sua urgência, é em seguida aprova-
do. O Imperador D. Pedro II é coroado no dia 18 de julho de 1841.
Por quase uma década, o País foi governado por quatro regências conse-
cutivas: a Regência Trina Provisória (1831), a Regência Trina Permanente
(1831-1835), a primeira Regência Una (1835-1837), a segunda Regência Una
(1837-1840). A falta de consenso entre as classes e grupos dominantes acerca
do modelo político mais conveniente tornou esses anos os mais conturbados
da história do Brasil independente. A nação estava cansada dos conflitos ar-
mados no período da Regência. Sem um imperador declarado, o príncípe
herdeiro tinha tutores agindo em seu nome, embora, em geral, sem o seu
conhecimento, devido a sua menoridade. A derrota dos movimentos popula-
res e revolucionários no final da década de 30 e início da de 40 consolida o
Estado Imperial e a unidade nacional, mas requer mudanças na estrutura de
Governo.

Encerra-se a Regência do Senador Pedro de Araújo Lima (PE),


Marquês de Olinda, constituída que foi por quatro gabinetes mi-
nisteriais e inicia-se o Segundo Império – monarquia brasileira –,
que se extende até o dia 15 de novembro de 1889.

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A Construção da Democracia 199

Quadro/Ilustração nº 16
O Presidente da Câmara – Deputado Joaquim Marcelino de Brito

Sem título-2 199 7/5/2004, 10:20


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200 Casimiro Neto

Quadro/Ilustração nº 16/A
O Imperador D. Pedro II – decênio de 1850

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A Construção da Democracia 201

Segundo Império

24 de julho de 1840. Posse do Primeiro Gabinete do Segundo Império.


O Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP) enca-
beça o novo Ministério sendo nomeado Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios do Império. Seu irmão Martim Francisco Ribeiro de Andrada (SP)
assume a Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda.
Vale relembrar que o Imperadro D. Pedro I organizou o seu primeiro
ministério com dois Andradas, confiando a um a pasta do Império e ao outro
a da Fazenda. Agora o Imperador D. Pedro II organiza o seu primeiro minis-
tério com outros dois Andradas, confiando, também, a um a pasta do Impé-
rio e ao outro a da Fazenda.
Na sessão do dia 29 de julho deste ano, Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada Machado e Silva (SP) comparece para discutir o Orçamento. O Depu-
tado Joaquim José Pacheco (SP) pede a palavra pela ordem e questiona o
Ministro: “Convém antes de tudo fazer ao nobre ministro algumas interpellações; eu
desejo ministrar-lhe occasião de explicar-se perante a casa, e por isso o convido a decla-
rar quaes os principios com que o novo gabinete pretende dirigir a politica em geral, e
muito particularmente quaes as suas vistas a respeito da guerra no Rio Grande. (...) pedir
ao nobre ministro que, sendo possivel, declare qual o programma politico com o qual
pretende o governo superintender os negocios do nosso paiz”.
Responde Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP)
expondo o programa da sua administração: “Senhores, responderei ao que o no-
bre Deputado acaba de pedir; eu cuidei que era desnecessário perguntar-me por
programmas; eu tenho nesta casa tantas vezes exprimido os meus principios, elles são
tão conhecidos, que devia saber-se que não mudei.
(...) Senhores, um desses meus principios rigorosos da administração publica é a
simplicidade na fiscalisação da renda publica e a mais restricta economia nas despezas.
(...) respeito rigoroso á lei, seguil-a sem atormental-a, sem torcêl-a, procurando,
bem como a administração de que faço parte, entender a vontade do legislador; por
consequencia hei de entender as leis em seu sentido litteral todas as vezes que fôr possivel,
e quando não fôr, hei de sustentar o seu espirito, mas segundo as boas regras de
hermeneutica, e é o que a administração inteira há de fazer tambem.
(...) Quanto aos negocios do Rio Grande, devo dizer francamente o que disse
outr’ora: hei fazer guerra, e guerra forte aos rebeldes, se acaso recusarem obedecer e
entregar-se ao seu legitimo monarcha; a administração, porém, está prompta a escutar
os rebeldes.

Sem título-2 201 7/5/2004, 10:20


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202 Casimiro Neto

(...) Declarei mais, senhores, que a administração é solidaria: um por todos e


todos por um hão de responder pelos actos que tiverem lugar.
(...) Devo dizer mais que é um principio da administração a publicidade de seus
actos: a administração não teme os olhos da nação, nem os das camaras; pretende obrar
de modo que se não julgue preciso esconder nada.
(...) É preciso ainda declarar outro principio que a casa deve saber; a adminis-
tração tem por fim conciliar os partidos, mas tudo tem seus limites, a conciliação de
partidos não é frouxidão.
(...) esse deputado quando disse – abandonemos uma camara prostituída – foi
porque assentou que a camara se tinha deixado prostituir pelas calumnias do governo,
calumnias que ella não tinha tido a dignidade de repellir; eis aqui o que disse: todavia
se disse bem ou mal, se exagerei ou não, não asseverarei.
(...) Saiba, porém, a casa desde já que eu não mudo de juizo de um dia para
outro, estes cabellos brancos embranquecerão até agora nos caminhos da verdade e da
virtude; de pequenas cousas não faço caso. Parece-me que tenho satisfeito”.
23 de novembro de 1841. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o
Imperador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 234, que “cria o Conselho de
Estado”, composto de doze membros ordinários e podendo ter até mais doze
membros extraordinários, vitalícios, além dos ministros de Estado. Quando
reunidos deverão ser presididos pelo monarca. Esta lei, na verdade, restaura
o Conselho de Estado que o Ato Adicional havia suprimido. Outra prova da
inteligência dos membros da Câmara dos Deputados, evitando uma nova
reforma constitucional.

3 de dezembro de 1841. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Im-


perador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 261, que “reforma o Código do
Processo Criminal”.
1º de maio de 1842. 10 horas e 30 minutos. Plenário. Sétima Sessão
Preparatória. Presidência do Deputado Martim Francisco Ribeiro de Andrada
(SP). O Primeiro-Secretário, Deputado D. José de Assis Mascarenhas (GO) lê,
no meio do mais profundo silêncio, um ofício do Ministro e Secretário de
Estado dos Negócios do Império Cândido José de Araújo Viana (MG), Vis-
conde e Marquês de Sapucaí, remetendo cópia de decreto que dissolve a Câ-
mara dos Deputados com o seguinte teor: “Tomando em consideração o que me
expuzerão os meus ministros e secretarios de estado, no relatorio desta data (1) e tendo
ouvido o meu conselho de estado, hei por bem, usando das attribuições que me confere a
constituição no artigo cento e um paragrapho quinto, dissolver a camara dos deputados;
e convocar, desde já, outra que se reunirá no dia primeiro de Novembro do corrente anno.
Candido José de Araujo Vianna, do meu conselho, ministro e secretario de estado
dos negocios do imperio, o tenha assim entendido e faça executar com os despachos
necessarios. Palacio do Rio de Janeiro, em primeiro de Maio de mil oito centos e qua-
renta e dous, vigessimo primeiro da independencia e do imperio. – Com a rubrica de
Sua Magestade o Imperador”. Grifado pelo compilador.

Sem título-2 202 7/5/2004, 10:20


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A Construção da Democracia 203

O Primeiro-Secretário, depois desta leitura, declara que a Câmara fica


inteirada. Os Srs. Deputados se retiram, imediatamente, e as galerias, nas
quais havia entre 20 a 30 espectadores, ficam logo vazias. Não havendo quem
faça a ata, o Presidente se retira. O Imperador D. Pedro II, cedendo às pres-
sões do Gabinete Conservador, dissolve a Câmara dos Deputados de maioria
liberal, sob a alegação de fraude nas denominadas “Eleições do Cacete”. Jovem
e inexperiente, o Imperador deixa-se influenciar pelos áulicos (cortesãos e
palacianos). Aos liberais nada mais é que a marcha para o absolutismo. Te-
mem que o jovem monarca repita as façanhas e a vocação absolutista do pai.
No dia das eleições a trama e a violência, realmente, são fatos a serem
considerados. São cometidas em quase todos os pontos do Império. Ordens
são lavradas e confiadas aos agentes que presidem a sessão eleitoral para
remover obstáculos e impedir que predomine a vontade pública. Emprega-
dos públicos são colocados na dura decisão de optar entre o sacrifício de sua
consciência e o pão de seus filhos; operários de repartições públicas, solda-
dos, marinheiros de embarcações de guerra são constrangidos a levar à carga
cerrada, em listas que lhes são impostas, um voto de que não têm consciên-
cia; agentes subalternos de menor moralidade e autorizados para proceder
como lhes aprouver, arregimentam e armam indivíduos, cujos direitos são
mais que contestáveis e muitos dos quais, não pertencendo às paróquias, não
têm nelas votos. Estas pessoas invadem os templos, arrancam das mesas com
violência, rasgando-lhes as vestes, os cidadãos que para as compor haviam
sido chamados, e os substituem por outros à força. Roubam-se urnas; substi-
tuem-se nelas as listas verdadeiras, falsificam-se atas e, em alguns lugares, o
número de eleitores é aumentado de maneira escandalosa. O espanto e o
terror reinam nas cidades, vilas e povoações. Os soldados do Governo e cabos
eleitorais percorrem armados as ruas e praças; há gritos, clamores, tumultos
de todo o gênero. O dia termina com pessoas feridas e espancadas. Fatos que
vão perdurar, ainda, por um longo período durante o Segundo império.

4 de maio de 1842. É expedido o Decreto nº 157, com a rubrica do


Imperador D. Pedro II, que “dá novas instrucções sobre a maneira de se proceder às
Eleições Geraes e Provinciaes”. Continua o sistema indireto (colégio eleitoral
censitário) ou a denominada “eleição de dois graus”. Institui o alistamento pré-
vio, a eleição das mesas e proibe o voto por procuração. Politicamente estas
instruções visam deter os excessos da maioria liberal que começara a predo-
minar no segundo reinado. Mas estas instruções só tiveram validade para as
eleições da Quinta Legislatura – 1843/1844, porque a partir da Sexta Legisla-
tura voltam as instruções de 26 de março de 1824.
Esta primeira reforma da legislação eleitoral é de extrema importância,
em virtude de decorrer da crise originada com a dissolução prévia da Câma-
ra dos Deputados, quando o motivo invocado pelo Ministério foi exatamente
o da inautenticidade da representação parlamentar. Sendo uma reforma con-
sumada através de ato do Poder Executivo, termina provocando a Carta de

Sem título-2 203 7/5/2004, 10:20


luciete r04m

204 Casimiro Neto

Lei nº 387, de 19 de agosto de 1846, também conhecida como “Lei regulamen-


tar das eleições do Império do Brazil”.
17 de maio de 1842. Revolução Liberal. Movimento armado, promovi-
do pelos liberais na cidade de Sorocaba, Província de São Paulo, chefiado
pelo ex-Regente Diogo Antônio Feijó e participação ativa de Raphael Tobias
de Aguiar e Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, que durou um mês e cinco
dias, e nas cidades de Barbacena, São João Del Rei, São José e outras cidades
do interior de Minas Gerais, no dia 10 de junho, que durou quase três meses.
As causas, como as de outros movimentos armados do segundo reinado, fo-
ram, principalmente, o descontentamento pela criação do Conselho de Esta-
do, pela reforma do Código de Processo Criminal, pelas leis julgadas reacio-
nárias, pelas reivindicações econômicas e sociais – liberais e democráticas –, e
pela primeira dissolução da Câmara dos Deputados depois de 12 de novem-
bro de 1823. O Brigadeiro Luís Alves de Lima e Silva (RJ), Barão de Caxias,
Comandante-Chefe das Forças em Operação e Vice-Presidente da Província
de São Paulo, vence os rebeldes, restabelece a paz e regressa à Côrte, no Rio
de Janeiro, como Marechal-de-Campo. Barão, conde, marquês e único du-
que do Império Brasileiro, Caxias foi a figura marcante do Segundo Império.
Com sua atuação enérgica e humana pacificou o País e sustentou o trono.
No manifesto de 1842, diziam, entre outras coisas, os chefes da Revolu-
ção em Minas Gerais: “Vós sabeis, mineiros, quais são as tendências dessa facção,
qual o seu pensamento constante. Fingindo-se amiga exclusiva do trono, recusa aliá-lo
com a liberdade dos cidadãos e procura sacrificá-lo inteiramente ao poder, e, a pretexto
de o fortalecer, como se o amor dos povos ao monarca não fosse a mais forte garantia de
estabilidade do trono; e como se todos não percebessem, através do diafano véu com que
cobrem o seu desejo de plantar o governo oligárquico, de se perpetuarem no mando,
escravisando a um tempo a Coroa e a Nação.
Sempre infensa ás liberdades publicas, sempre desejosa de centralizar mais o
poder, para assim desfrutar o País, foi seu primeiro cuidado tirar ás provincias regalias
que lhes foram dadas pelo acto adicional”.
27 de julho de 1842. É expedido decreto, com a rubrica do Imperador
D. Pedro II, que traz o “adiamento da reunião da Assembléa Geral Legislativa
convocada pelo Decreto de 1º de maio de 1842”, com o seguinte teor: “Não sendo
possível, em consequencia das perturbações ocorridas na provincia de S. Paulo e na de
Minas Geraes, que, tanto nessas provincias como nas que lhe ficam vizinhas, se proce-
da ás eleições de deputados á assembléia geral, que na conformidade do meu imperial
decreto de 1º de maio do corrente anno, têm de reunir-se no dia 1º de Novembro, do
mesmo anno: Hei por bem transferir para o dia 1º de Janeiro do futuro anno de 1843
a reunião da referida assembléia.
Candido José de Araujo Vianna, do meu conselho, ministro e secretario de estado
dos negocios do imperio, assim o tenha entendido e o faça executar com os despachos
necessarios. – Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador”. Grifado pelo compilador.
Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 1º de maio de
1842 a 23 de dezembro de 1842.

Sem título-2 204 7/5/2004, 10:20


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A Construção da Democracia 205

11 de janeiro de 1843. Plenário. O Deputado Antônio Pereira Rebouças


(BA) apresenta projeto de lei, no qual, entre outras medidas, estipula que
“nenhum africano será recebido a bordo de qualquer navio que o tenha de transportar
ao Brazil como colono, sem que primeiro ser-lhe conferida carta de alforria ad instar do
determinado no art. 7º das instruções de 28 de Julho de 1817”. Na sessão do dia 24
de abril é, sem debate, rejeitado o art. 1º do projeto, ficando prejudicados os
demais.

23 de janeiro de 1843. O Deputado Paulino José Soares de Souza (RJ),


Visconde do Uruguai, faz um importante pronunciamento sobre a organiza-
ção ministerial do Terceiro Gabinete: “(profundo silencio.) – Sr. Presidente, eu
pretendia pedir a palavra sómente para pronunciar-me contra o adiamento. As refle-
xões, porém, que acaba de fazer um nobre deputado por Pernambuco, o Sr. Maciel
Monteiro, exigem que eu o acompanhe sobre outro assumpto grave e importante que
elle acaba de chamar para a discussão.
Nos paizes que vivem debaixo do regimen representativo, os ministerios não se
retirão do poder sómente nos casos em que tenhão perdido a confiança da corôa ou do
paiz representado pelas camaras. Além dessas causas, ha outras. A nossa historia par-
lamentar nos offerece dellas varios exemplos. Recordo-me agora dos seguintes. Em
maio de 1837, quando apenas tinha começado a discussão da resposta á falla do throno,
retirou-se o ministerio que então servia. Entretanto as camaras legislativas não lhe
tinhão ainda, por actos ou votação, infligido alguma censura e condemnado a sua
politica. O ministerio de 19 de setembro retirou-se quando estava com toda a sua força,
rodeado de todo o prestigio e com grande maioria nas camaras. (Apoiados.) Outro
ministerio (não me recordo da data da sua nomeação, mas fazia parte delle, como
ministro da justiça, um dos mais brilhantes oradores da deputação da Bahia), retirou-
se tambem sem que houvesse soffrido derrota alguma nos debates parlamentares.
(...) As causas que originárão a crise ministerial que produzio a dissolução do
gabinete, da qual acabamos de ser testemunhas, não são de muito recente data. Existião
entre alguns membros do dito gabinete desconfianças reciprocas, relativas a pontos de
lealdade de uns para com outros. Dahi nascia uma desintelligencia sensivel e funesta,
da qual devia necessariamente resentir-se o serviço publico, o que devia influir sobre o
estado da camara e do paiz; e nunca as suas circumstancias requerêrão mais união,
mais harmonia e mais fortaleza nos conselhos da corôa!
(...) Algumas observações se fizerão sobre o ministerio que acaba de organizar-se.
Eu peço á camara que se recorde das difficuldades que encontrárão sempre e ainda
encontrarão entre nós as organisações ministeriaes, e de que não temos abundancia de
homens que possão occupar o amargo, penoso e diifficil cargo de ministro de estado.
Querem-se seis ministros todos conhecidos por precedentes, todos com prestigio, todos
oradores, todos com relações e influencia nas camaras, todos versados nas materias das
suas repartições e com conhecimentos politicos, todos unanimes em pensamento!
(...) Senhores, os acontecimentos que tiverão lugar no pais durante o intervallo
das sessões legislativas forão mui graves, forão importantissimos, não só em si, mas
pela larga influencia que exercêrão sobre o paiz, e que as suas consequencias ainda hão

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206 Casimiro Neto

de vir a produzir. Essas duas rebelliões de S. Paulo e Minas forão dous focos que
derramárão grande desmoralisação naquellas duas provincias, e que vierão augmentar
ainda mais a que proveio das outras rebelliões que têm flagellado o imperio. (Apoia-
dos.) Poderemos abandonar os topicos da resposta que se referem a males tão graves e
tão profundos, que não deixão de o ser qualquer que seja o ministerio? Na presença de
factos tão importantes não ha de a camara pronunciar o seu juizo? (Apoiados.) O
silencio da representação nacional sobre actos que affectárão tão profundamente a paz
publica não irá acoroçoar as facções? (Numerosos apoiados.)
(...) que a camara se pronuncie sobre os factos importantes que tiverão lugar;
que, no estado em que estão os negocios publicos, ella faça sentir que detesta as rebelliões
(muitos apoiados), que nada poupará para extinguir as causas que as têm produzido
(apoiados), e para assegurar efficazmente a paz publica; ou então que diga ao paiz: –
está tudo perdido. – (Muitos apoiados.) (Este discurso, ouvido com religioso silencio,
interrompido sómente por varios signaes de adhesão, produz na camara profunda sen-
sação. Muitos deputados se dirigem ao orador para cumprimental-o.)”. Grifado pelo
compilador.

30 de março de 1843. Capela do Palácio Real de Nápolis. A Princesa


Teresa Cristina Maria Giuseppa Gaspare Baltassare Melchiore Gennara
Francesca de Padova Donata Bonosa Andrea d’Avellino Rita Luitgarda
Geltruda Venancia Taddea Spiridione Rocca Matilde de Bourbon-Duas Sicílias
casa-se com o Imperador D. Pedro II. Na ausência do monarca brasileiro na
cerimônia, o seu procurador é o Conde de Siracusa, irmão da desposada.
Casam-se, em pessoa, a 4 de setembro de 1843.

10 de junho de 1843. O Deputado Joaquim José Rodrigues Torres (RJ),


Visconde de Itaborai, então Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da
Marinha, apresenta projeto de lei que “trata de Terras e Colonisação”. Elabora-
do pelo Conselho de Estado e enviado ao Parlamento, foi discutido em julho
e agosto na Câmara dos Deputados e remetido para o Senado a 2 de outubro
do mesmo ano. Do Senado volta emendado, sendo recebido na Câmara em
sessão de 26 de agosto de 1850. A requerimento do Deputado Antônio de
Barros Vasconcelos (MA), estas emendas foram discutidas em globo nas ses-
sões de 30 e 31 de agosto e 2 e 3 de setembro. Neste último dia é encerrada
a discussão e aprovado o projeto, que sobe à sanção imperial. Transforma-se
na Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.
11 de janeiro de 1844. O Ministro e Secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros, Paulino José Soares de Souza (RJ), Visconde do Uruguai, dirige
uma nota ao Ministro da Grã-Bretanha, onde enumera violências praticadas
pelos ingleses e violações de itens do Acordo Anglo-Brasileiro de 23 de no-
vembro de 1826.
24 de maio de 1844. 12 horas e 45 minutos. Plenário. Presidência do
Deputado Manuel Ignácio Cavalcanti de Lacerda (PE). Confusão e tumulto
nas galerias. No meio do mais profundo silêncio no plenário da Câmara dos

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A Construção da Democracia 207

Deputados, levanta-se o Primeiro-Secretário, Deputado Brás Carneiro No-


gueira da Costa e Gama (RJ), Visconde de Baependi, e lê, com a voz forte e
pausada, um ofício do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Im-
pério José Carlos Pereira de Almeida Torres (BA), segundo Visconde de Macaé,
remetendo cópia de decreto com o seguinte teor: “Usando das attribuiçoes que
me confere a constituição no artigo 101, § 5º; e tendo ouvido o meu conselho de estado,
hei por bem dissolver a camara dos deputados, e convocar desde já outra, que se reuni-
rá no dia 1º de Janeiro do anno futuro.
José Carlos Pereira de Almeida Torres, do meu conselho de estado, ministro e
secretario de estado dos negocios do imperio, assim o tenha entendido e faça executar
com os despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro, em 24 de maio de 1844,
vigesimo terceiro da independencia e do imperio”. Grifado pelo compilador.
O Presidente da Câmara dos Deputados roga aos parlamentares que se
conservem em seus lugares para se fazer a ata. É feita sua leitura e, não ha-
vendo quem faça reflexões sobre a mesma, dá-se por aprovada. Retiram-se os
membros da Câmara dos Deputados no meio de repetidos vivas ao Impera-
dor e ao ministério, que rompem com força das galerias e duram por algum
tempo.
Essas dissoluções da Casa dos representantes caracteriza o permanente
conflito entre o Poder Moderador e a Câmara dos Deputados que vai durar
até o fim do Império, em 1889. É o Parlamentarismo sujeito ao consentimen-
to da Coroa de acordo com a Constituição Política do Império do Brasil.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 24 de maio de


1844 a 23 de dezembro de 1844.

As eleições dos deputados, por províncias, para a 6ª Legislatura – 1845/


1847 voltam a obedecer às instruções de 26 de março de 1824.
8 de agosto de 1845. Inglaterra. É sancionado ato do Parlamento Britâ-
nico sujeitando os navios brasileiros envolvidos no tráfico de escravos ao Alto
Tribunal do Almirantado e a qualquer tribunal do Vice-Almirantado dentro
dos domínios da Grã-Bretanha. Denominado de “Bill Aberdeen”, pois é de
autoria de George Hamilton Gordon, Conde de Aberdeen. Em 25 de julho
de 1845, quando esta proposição estava em discussão no Parlamento inglês,
houve um protesto da Legação Imperial do Brasil em Londres, assinado por
José Marques Lisboa, enviado extraordinário e ministro plenipotenciário de
S. M. o Imperador do Brasil. Em 22 de outubro de 1845, o Governo Impe-
rial, por meio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, encaminha ao Go-
verno inglês protestos contra o referido ato.
3 de maio de 1846. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Terceira Sessão da Sexta Legislatura. Plenário. O
Imperador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “Augustos e dignissimos
senhores representantes da Nação. (...) A cessação da medidas convencionadas entre o
Brazil e a Grã-Bretanha para reprimir o trafico de escravos, foi notificada em tempo

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208 Casimiro Neto

opportuno pelo meu governo ao de S. M. Britannica. Depois desta notificação, passou


uma lei no parlamento britannico, sujeitando á jurisdicção dos tribunaes ingleses, os
navios brazileiros suspeitos de empregados naquelle trafico.
O meu governo protestou contra este acto, dando deste protesto conhecimento á
todas as potencias amigas. Fiel ao empenho contrahido de pôr termo ao trafico de
africanos, não deixará comtudo o meu governo de defender as prerogativas da minha
corôa e os direitos nacionaes. Para tão justos fins, conto com a vossa coadjuvação leal
e patriotica”. Grifado pelo compilador.
No “Voto de Graças” proposto em 15 de maio, aprovado em 26 do mes-
mo mês e levado ao Paço Imperial em 10 de junho, declara a Câmara dos
Deputados considerar inconciliável com os princípios de independência e
soberania nacional o ato do Parlamento britânico; tomar parte no protesto
que o Governo Imperial apresentara ao Governo britânico; apreciar a fide-
lidade com que o mesmo governo procurava satisfazer o empenho contraí-
do com a Inglaterra; e afiançar ao Imperador a leal e unânime coadjuvação
dos brasileiros na sustentação das prerrogativas da Coroa e dos direitos
nacionais.
29 de junho de 1846. Paço de São Cristovão. Quinta Imperial da Boa
Vista. Nasce Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela
Gonzaga de Bragança e Bourbon, filha do Imperador D. Pedro II e da Im-
peratriz D. Teresa Cristina Maria. Em 10 de agosto de 1850, a menina Isa-
bel é reconhecida como sucessora no Trono e Coroa do Império do Brasil.
Casa-se em 15 de outubro de 1864 com o Príncipe Gastão de Orléans, Con-
de D’Eu, primogênito do Duque de Nemours e neto de Luís Felipe, Rei dos
Franceses.
19 de agosto de 1846. A Assembléia Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro II, sanciona a Carta de Lei nº 387, que “regula a maneira de
proceder as eleições de Senadores, Deputados, Membros das Assembléias Provínciais,
Juízes de Paz, e Câmaras Municipais”. Também conhecida como “Lei regulamen-
tar das eleições do Império do Brazil” é a primeira sobre eleições, que não é
originária do Governo Imperial, sendo elaborada em cumprimento de dis-
positivo constitucional. Regulamenta as eleições do Império do Brasil asse-
gurando, até quanto possível, a regularidade no registro e qualificação dos
eleitores. Esta lei, revogando todas as anteriores, condensa as instruções para
eleições provinciais e municipais e estabelece, pela primeira vez, uma data
para eleições simultâneas em todo o Império. Um grande avanço no sentido
da legitimidade da representação e uma tentativa da Câmara dos Deputados
para moralizar o sufrágio popular. Continua o sistema indireto (colégio elei-
toral censitário) ou a denominada “eleição de dois graus”. Estas instruções vão
perdurar até a Nona Legislatura – 1853/1856.
Com esta lei dá-se o restabelecimento das incompatibilidades, a resti-
tuição ao Senado do direito de verificação de poderes de seus membros, os
recursos de qualificação aos Tribunais de Relação (início da Justiça Eleitoral)

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A Construção da Democracia 209

e a qualificação dos elegíveis. Em 10 de fevereiro de 1847 é expedido o De-


creto nº 500 com a rubrica do Imperador D. Pedro II, que “regula o modo por
que se deve executar a Lei Regulamentar das Eleições nº 387, de 19 de agosto de 1846,
na parte relativa ás queixas, reclamações, denúncias, e recursos, de que trata a mesma
lei”. Em 13 de setembro de 1852 é expedido o Decreto nº 671 da Assembléia
Geral Legislativa e sancionado pelo Imperador D. Pedro II, que “altera a divisão
dos Colégios Eleitorais de diversas províncias de acordo com a Carta de Lei nº 387”.
A origem desta lei teve início com a apresentação do Projeto de Lei
nº 3, de 1838, oferecido pelo Deputado Jerônimo Francisco Coelho (SC) e do
requerimento do Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e
Silva (SP), de 11 de maio de 1839, solicitando a nomeação de uma comissão
especial para organizar a “Lei das eleições”. Em 14 de maio de 1839 é eleita a
comissão e passa a ser composta pelos Deputados: Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada Machado e Silva (SP), Rodrigo de Souza da Silva Pontes (AL), e
Francisco Álvares Machado de Vasconcellos (SP). Em 16 de agosto de 1839, o
Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (SP), em pro-
nunciamento no Plenário, apresenta o resultado dos trabalhos da comissão e
faz as seguintes ponderações: “(...) Se o suffragio universal não tem a minha apro-
vação, menos a têm as eleições indiretas. Semelhantes eleições aniquillão toda a força
moral da representação, fazendo desapparecer o apoio que possa haver do interesse que
por ella mostrem os que a elegeram. (...) os eleitores primários não é natural se interes-
sarem por deputados que não escolherão. (...) O escrutínio secreto porém introduz a
indifferença, alberga a dissimulação e apadrinha a imoralidade, castrando a ardileza
de caracter. (...) A commissão reconhece a imperfeição deste trabalho; mas esperança-se
que a sabedoria da casa o aperfeiçoará, e tornará digno de ser adoptado”. Em seguida
lê o Projeto de Lei nº 93 que “trata da reforma eleitoral”.
Os interesses partidários, interpretando e mutilando ao seu sabor os
preceitos da Carta de Lei nº 387, fazem de uma obra bem organizada e
delineada com esmero, um tipo disforme e sem aplicação prática. Põe-se,
então, à conta do projeto os abusos nas eleições que se seguem, quando para
semelhante resultado havia somente contribuído a sua inexecução e a paixão
política. O aconselhado seria pelas regras da prudência tentar o seu melhora-
mento e não a sua substituição. Começa então os debates para aprovar um
novo projeto.
20 de julho de 1847. É expedido o Decreto nº 523, com rubrica do
Imperador D. Pedro II, que “cria a figura constitucional do Presidente do Conselho
dos Ministros”. É nomeado o Senador Manoel Alves Branco (BA), segundo
Visconde de Caravelas, para Presidente do Conselho de Ministros. É o pri-
meiro mandatário a exercer este cargo. Consagração do regime parlamen-
tarista.
Termina a primeira fase – monarquia não-parlamentarista, de 1822 a
1847 –, e começa a segunda fase – monarquia parlamentarista, de 1847 a
1889.

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210 Casimiro Neto

O Deputado Bonifácio José Tamm de Andrada (MG) em sua obra “Par-


lamentarismo e Realidade Nacional” descreve o modelo parlamentarista brasi-
leiro implantado: “O Imperador, geralmente dentro da Câmara ou do Senado, ouvia
as lideranças principais, identificava um nome de prestígio no Poder Legislativo mais
conveniente para o momento político e indicava-o para Primeiro-Ministro, com a de-
nominação de Presidente do Conselho. Este organizava o seu Ministério, o seu progra-
ma de governo, comparecia perante a Câmara, recebia o voto de confiança e começava
a governar”.

5 de outubro de 1848. 14 horas. Plenário. Presidência do Deputado


Antônio Pinto Chichorro da Gama (PE). O Primeiro-Secretário, Deputado
Antônio Thomaz de Godoy (MG), procede à leitura de um ofício do Minis-
tro e Secretário de Estado dos Negócios do Império José da Costa Carvalho
(BA), Visconde e Marquês de Monte Alegre, remetendo cópia de decreto
com o seguinte teor: “Usando da attribuição que me confere o art. 101 § 5º da
constituição do Imperio, hei por bem adiar a assembleia geral legislativa para o dia
23 de abril de 1849.
O Visconde de Monte Alegre, conselheiro de estado, ministro e secretario de estado
dos negocios do imperio, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de
Janeiro, em 5 de Outubro de 1848, vigesimo setimo da independencia e do imperio. –
Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador”. Grifado pelo compilador.
O Presidente informa que está adiada a Assembléia Geral Legislativa e
que será elaborada a ata da sessão. Após a leitura da ata, e não havendo quem
faça mais reflexão sobre a mesma, julga-se aprovada.

7 de novembro de 1848. Revolução Praieira. Nativista e federalista, foi


deflagrada na cidade de Olinda, Província de Pernambuco. Já em 12 de ju-
nho de 1848 reconheciam os deputados de Pernambuco que “a sua província
se achava no estado crítico e melindroso e que para salvá-la para arredar o partido
liberal de um precipício certo, era necessário um presidente que merecesse ao mesmo
partido a graça de o deixar governar”. É o último dos grandes movimentos ar-
mados do Império e ganhou esse nome por ficar na rua da Praia, em Recife,
o seu principal arauto, o jornal liberal “Diário Novo”. Foi um reflexo do espí-
rito revolucionário de 1848 que varria, então, a Europa, e deflagrado em
cadeia por diversos países, notadamente na França, em fevereiro, com a pro-
clamação da Segunda República; na Itália; na Alemanha; na Áustria; e na
Hungria. Foram movimentos de cunho liberal e democrático (burguesia e
trabalhadores), visando transformações econômicas e sociais. De uma forma
ou de outra, no mundo inteiro manisfestou-se o impacto dessa série de acon-
tecimentos, conhecida como “Primavera dos Povos”, que influenciou também
os brasileiros. O “Manifesto Comunista”, de Karl Marx e Friedrich Engels, publi-
cado nesse período, era fruto de uma reflexão intelectual sobre a nova reali-
dade. No Brasil, a Revolução Praieira teve origem na rivalidade tradicional
entre os liberais (praieiros) e os conservadores (marinheiros e guabirus). Revolu-

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A Construção da Democracia 211

ção com intensa carga de reivindicações sociais como nenhuma outra antes
no Brasil. Um verdadeiro choque de classes, contribuindo para isso as desi-
gualdades sociais existentes nessa província, onde se dizia que “quem não é
Cavalcanti é cavalgado” e onde o comércio urbano continuava praticamente
monopolizado pelos portugueses. Revolução encerrada em 2 de fevereiro de
1849 com a vitória do Governo Imperial.
Durante a discussão nos dias 21, 22, 24, 25 e 26 de janeiro de 1850 do
“Projeto de Resposta à Fala do Trono” apresentado no dia 14 de janeiro de
1850, em que o Imperador trata da “Revolta de Pernambuco”, falam vários
deputados e os Ministros e Secretários de Estado da Justiça e da Marinha
sobre os acontecimentos naquela província; do comércio de escravos e das
violências praticadas pela Inglaterra com o aprisionamento de navios brasi-
leiros na costa brasileira e da política do ditador Rosas e suas exigências. O
Deputado Herculano Ferreira Penna (MG) faz um longo e interessante his-
tórico da revolução de Pernambuco e da anistia aos revoltosos. O Ministro e
Secretário de Estado da Marinha Manuel Vieira Tosta (BA), Barão, Viscon-
de e Marquês de Muritiba, também disserta longamente sobre aquela revo-
lução; as cabeças a prêmio; a morte de Nunes Machado; e outros aconteci-
mentos.
Saindo da maioridade, vencida a revolução liberal de 1842, encerrado
o decênio da “Revolução Farroupilha” ou “Guerra dos Farrapos” – na Província
de São Pedro do Rio Grande do Sul e, transitoriamente, na de Santa Catarina
–, e sufocada a insurreição praieira, o Império estabiliza-se num longo perío-
do de apaziguamento interior e de prestígio internacional.
19 de fevereiro de 1849. Com a Assembléia Geral Legislativa ainda em
recesso é expedido ofício do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Império José da Costa Carvalho (BA), Visconde e depois Marquês de Monte
Alegre, remetendo cópia de decreto de dissolução da Câmara dos Deputados
com o seguinte teor: “Usando das attribuições que me confere a constituição no
art. 101 § 5º, e tendo ouvido o meu conselho de estado, hei por bem, dissolver a camara
dos deputados; e convocar, desde já, outra, que se reunirá no dia primeiro de Janeiro do
anno futuro.
O Visconde de Mont’ alegre, do meu conselho de estado, ministro e secretario de
estado dos negocios do imperio, assim o tenha entendido e faça executar com os despa-
chos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro, em 19 de Fevereiro de 1849, vigesimo
oitavo da independencia e do imperio. – Com a rubrica de Sua Magestade o Impera-
dor. – Visconde de Mont’Alegre”. Grifado pelo compilador.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 5 de outubro de


1848 a 14 de dezembro de 1849.

22 de março de 1850. Plenário. O Deputado Pedro Pereira da Silva


Guimarães (CE) apresenta proposição “declarando que todos os nascidos de ventre

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212 Casimiro Neto

escravo no Brasil serão considerados livres a partir da data da promulgação desta


lei; os senhores de escravos são obrigados a libertar os mesmos toda vez que estes pela
sua alforria derem uma quantia igual àquela por que foram comprados, doados ou
havidos por qualquer outro título; e proíbe a venda de um dos cônjuges sem o outro”.
Grifado pelo compilador. Não é julgado objeto de deliberação. Deixa de ser pu-
blicado.
25 de junho de 1850. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Imperador
D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 556 sobre o “Código Comercial do Império do
Brasil”. Em 25 de novembro de 1850 é expedido o Decreto nº 737, com a
rubrica do Imperador D. Pedro II, que “determina a ordem do Juizo no Processo
Comercial” e, também, é expedido o Decreto nº 738, do mesmo dia e mês, que
“dá regulamento para os Tribunais do Comércio, e para o processo de quebras”. Esses
decretos organizam o Processo Comercial. O Decreto nº 3.900, de 26 de ju-
nho de 1867, regula o Juízo Arbitral do Comércio.
11 de julho de 1850. Plenário. O Conselheiro e Deputado Euzébio de
Queiroz Coutinho Mattoso Camara (RJ), Ministro e Secretário de Estado da
Justiça no Gabinete Olinda-Monte Alegre faz a seguinte solicitação: “(...) Nes-
te caso eu pediria a V. Ex. que houvesse de dar para a ordem do dia de amanhã a lei
sobre o trafego; isto é, a continuação da discussão do art. 13 de um projecto sobre esta
materia que ficou adiado no anno de 1848. E como nessa occasião a discussão foi
secreta, com a declaração de poderem assistir os ministros, eu creio que deve continuar
da mesma maneira; entretanto, se é necessario para isto requerimento, eu o farei”.
Trata-se do art. 13 do Projeto de Lei nº 133, de 30 de junho de 1837, “sobre a
repressão do tráfico de africanos”, de autoria do Senador Felisberto Caldeira Brant
Pontes Oliveira e Horta (MG), Visconde e primeiro Marquês de Barbacena. A
Presidência informa que o projeto todo já fora votado, menos o art. 13, cuja
discussão tinha ficado adiada desde 1848. Em votação secreta, realizada no
dia 12 de julho de 1850, o art. 13 é rejeitado, decisão esta tomada pela “quase
unanimidade de votos dos membros presentes em número de 96”. Na sessão poste-
rior, dia 13, o Primeiro-Secretário, informa ao Plenário que está sobre a mesa
a redação das emendas feitas ao projeto e que vai imprimir. As sessões dos
dias 15 e 16 são muito tumultuadas pelas discussões e apartes realizados. Na
sessão do dia 15 o Ministro e Secretário de Estrado dos Negócios Estrangei-
ros Paulino José Soares de Souza (RJ), Visconde do Uruguai, faz uma extensa
resenha sobre tratados, convenções e fatos relacionados ao tráfico de escra-
vos. Na sessão do dia 17 de julho, por ordem e decisão do Plenário da Câma-
ra dos Deputados, o Primeiro-Secretário Deputado Francisco de Paula Cân-
dido (MG) manda publicar a redação aprovada, em sessão secreta, desse
mesmo dia, ao Projeto de Lei nº 133, de 1837. Retorna ao Senado. Na sessão
de 22 de agosto é publicado ofício do Senado comunicando que adotou e vai
dirigir à sanção imperial o decreto aprovado. Em 9 de setembro o Primeiro-
Secretário comunica ao Plenário a sanção imperial do Decreto. Este projeto
foi sancionado em 4 de setembro de 1850 pelo Imperador D. Pedro II, trans-

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A Construção da Democracia 213

formando-se na Carta de Lei nº 581 e que foi regulamentada pelo Decreto


nº 708, de 14 de outubro de 1850.
2 de agosto de 1850. Plenário. O Deputado Pedro Pereira da Silva Gui-
marães (CE) apresenta projeto “propondo a emancipação progressiva dos escravos,
declarando que são livres da data da presente lei em diante todos os que no Brasil
nascerem de ventre escravo; da obrigação dos senhores de escravos de libertar os mes-
mos toda vez que estes pela sua alforria derem uma quantia igual àquela por que foram
comprados, doados ou havidos por qualquer outro título; proibindo a separação por
venda dos escravos casados sob pena da nulidade da alienação”. Grifado pelo compi-
lador. Colocado em votação, o projeto não foi julgado objeto de deliberação.
Votam a favor somente o autor e os Deputados Casimiro José de Moraes
Sarmento (RN), Antônio Fernandes da Silveira (SE), Venâncio Henriques de
Rezende (PE) e Francisco de Paula Baptista (PE).
A idéia da emancipação progressiva dos escravos começa a tomar lugar
nas discussões plenárias. Os defensores fundamentam suas razões no direito
natural, no direito das gentes, no direito civil, na religião e mesmo nas conve-
niências políticas da época.

10 de agosto de 1850. Onze horas. Paço do Senado. Reunião da Assem-


bléia Geral Legislativa com a presença de trinta e um senadores e setenta e
nove deputados sob a presidência do Senador Luís José de Oliveira Mendes
(PI), primeiro Barão de Monte Santo, para o “ato solene de Reconhecimento da
Princesa Imperial a Senhora Dona Isabel, como Sucessora no Trono e Coroa do Impé-
rio do Brasil”. No dia 14 de agosto de 1850 é expedido o Decreto nº 691, com
a rubrica do Imperador D. Pedro II, que “manda imprimir, publicar e remeter,
para conhecimento de todos, ás autoridades do município da Côrte e das Províncias o
Instrumento do Reconhecimento da Princesa Imperial a Senhora Dona Isabel, como
Sucessora no Trono e Coroa do Império do Brasil”.
4 de setembro de 1850. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o
Imperador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 581, que “estabelece medi-
das para a repressão do tráfico de africanos no Império cuja importação é proibida
pela Lei de 7 de novembro de 1831”. Esta lei foi regulamentada pelo Decreto
nº 708, de 14 de outubro de 1850; pelo Decreto nº 731, do dia 14 de no-
vembro de 1850, e também pelo Decreto nº 731-A, deste mesmo dia. Todos
eles expedidos com a rubrica do Imperador D. Pedro II, que “regula a exe-
cução da lei nº 581, que estabelece medidas para a repressão do tráfico de Africanos
no Império”.
A importação de escravos passa a ser considerada pirataria. Ficou co-
nhecida como “Lei Eusébio de Queiróz”. O Conselheiro e Deputado Euzébio de
Queiroz Coutinho Mattoso Camara (RJ), Ministro e Secretário de Estado da
Justiça do Gabinete Olinda-Monte Alegre, de espírito elevado e justo, afron-
tando os preconceitos sobretudo da elite rural e a ira dos comerciantes ne-
greiros, que ameaçavam manter ainda por longo tempo a escravidão no Bra-

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214 Casimiro Neto

sil, e, arriscando sua própria popularidade manteve, a todo custo a luta para
a aprovação da Lei nº 581.
Posta vigorosamente em execução pelo Governo Imperial, livrou este o
País de novas afrontas, como a do “Bill Aberdeen”, que autorizava os navios
ingleses a “perseguirem os navios brazileiros até mesmo nas costas do Brazil, aprisio-
nal-os, vendel-os, incendial-os, mettel-os a pique e entregar as respectivas tripulações
ao julgamento dos tribunaes da Serra Leôa”.
Apesar das enérgicas medidas tomadas pelo Ministro e Secretário de
Estado da Justiça para fazer cumprir a lei que considerava pirataria a impor-
tação de escravos e declarava incidirem os importadores, não só na pena
corporal do art. 179 do Código Criminal, como na multa por escravo impor-
tado, ainda assim conseguiram os traficantes introduzir no País nada menos
de três mil africanos no ano de 1851 e setecentos em 1852.
Se esses números revelam, de um lado, pelo seu decrescimento, o modo
louvável como o Governo Imperial reprimia o tráfico hediondo, demons-
tram, por outro, que os infames mercadores não estavam ainda dispostos a
abondonar o lucrativo negócio. É preciso dar um paradeiro definitivo ao trá-
fico. Outras medidas são tomadas e com isso desencadeada uma ação mais
enérgica, fazendo cessar, finalmente, esse tipo de contrabando.
O projeto que deu origem a esta lei teve início no Senado Federal, sen-
do secreta a sua discussão na Câmara dos Deputados, em 1848. Ficou sem
andamento até 11 de Julho de 1850, quando o mesmo ministro pediu que
fosse colocado na pauta para o dia seguinte, declarando logo lhe parecer que
deveria continuar secreta a sua discussão. O Presidente atende o seu pedido e
são imprimidas as emendas feitas dois anos antes ao projeto do Senado Fe-
deral. No dia 16 entra em discussão o art. 13, o último do projeto e o único
que não fora ainda discutido. O Conselheiro e Deputado Euzébio de Queiroz
Coutinho Mattoso Camara (RJ), Ministro e Secretário de Estado da Justiça do
Gabinete Olinda-Monte Alegre, requer que a discussão seja secreta, e o Presi-
dente declara admitir o pedido, na forma do art. 105 do regimento.
Trava-se polêmico debate a propósito do pedido ministerial. Nega o
Presidente a palavra, que vários deputados solicitam pela ordem, alegando
que a matéria do requerimento não era objeto de discussão. Trocam-se inú-
meros apartes, reina sussurro e partem vozes das galerias. O Presidente da
Câmara dos Deputados Gabriel Mendes dos Santos (MG) chama energica-
mente à ordem. Partem de todos os lados vivas reclamações com o intuíto de
cessar o comportamento dos poucos cidadãos que insistiam em perturbar a
ordem da sessão.
Por ordem do Presidente da Câmara dos Deputados, as galerias são
esvaziadas e começa a sessão secreta solicitada pelo Ministro e Secretário de
Estado da Justiça. Adotadas pelo Senado as emendas da Câmara, inclusive a
rejeição do art. 13, foi, em seguida sancionada pelo Imperador.
Com o estabelecimento de medidas para a repressão do tráfico de afri-
canos para as terras do Brasil, o preço do cativo é elevado tornando seu aces-

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A Construção da Democracia 215

so restrito às camadas superiores da sociedade rural. É um golpe à cumplici-


dade de parte da população livre com o trabalho servil. Surge a necessidade
de buscar alternativas visando solucionar o problema da escassesz de mão-
de-obra. A imigração de europeus dispostos a trabalhar nos cafezais é a solu-
ção encontrada.
5 de setembro de 1850. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Im-
perador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 582, que “eleva a Comarca do
Alto-Amazonas, na Provincia do Grão-Pará, á categoria de provincia, com a denomi-
nação de Provincia do Amazonas”. Esta lei teve origem no Projeto de Lei de
nº 111, de 31 de agosto de 1839, do Deputado João Cândido de Deus e Silva
(PA) que “cria a Provincia do Rio Negro, desmembrando-se para isso da Província do
Pará todo o território comprehendido pela comarca do Alto Amazonas”. Em 1º de
janeiro de 1852 toma posse o seu primeiro Presidente, Deputado João Batis-
ta de Figueiredo Tenreiro Aranha (PA).

18 de setembro de 1850. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o


Imperador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 601, que “dispõe sobre as
terras devolutas no Imperio, e ácerca das que são possuidas por titulo de sesmaria sem
preenchimento das condições legaes, bem como por simples titulo de posse mansa e
pacifica: e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejão ellas cedidas a
titulo oneroso assim para emprezas particulares, como para o estabelecimento de Colonias
de nacionaes, e de estrangeiros, autorisado o Governo a promover a colonisação es-
trangeira na fórma que se declara”. É criada a “Repartição Geral das Terras Públi-
cas” para dirigir a medição, divisão, descrição das terras devolutas e sua con-
servação, de fiscalizar a venda e distribuição delas e de promover a
colonização nacional e estrangeira. Em 30 de janeiro de 1854 é expedido o
Decreto nº 1.318, com a rubrica do Imperador D. Pedro II, que “manda exe-
cutar a Lei nº 601 – Lei de Terras”. Lei esta que teve origem quando o Deputado
Joaquim José Rodrigues Torres, depois Visconde de Itaborai (RJ), então
Ministro e Secretário de Estado da Marinha, apresentou, em plenário, o
projeto de lei que “tratava de Terras e Colonisação” elaborado pelo Conselho
de Estado.
3 de maio de 1851. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Terceira Sessão da Oitava Legislatura. Plenário. O
Imperador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “Augustos e dignissimos
senhores representantes da Nação. (...) A lei de 4 de Setembro do anno passado tem sido
vigorosamente executada. A ella se deve principalmente o estado de quasi extincção do
trafico. Espero que continueis a coadjuvar o meu governo com todos os meios que
possão ser necessarios para obstar a que reappareça, ainda que em pequena escala”.
Grifado pelo compilador.
No “Voto de Graças”, a Câmara dos Deputados promete ao Governo Im-
perial a coadjuvação solicitada para que se obstasse o reaparecimento do trá-
fico de escravos, ainda que em pequena escala.

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216 Casimiro Neto

Verifica-se pelas “Falas do Trono” e pelas respostas nos “Votos de Graças”


relativas ao período de 1852 a 1857, que o Governo, apoiado pelo Parlamen-
to, continua a reprimir severamente o infame comércio de escravos, que, não
obstante as audaciosas tentativas dos contrabandistas, foi, afinal, extinto.
Depois de 1857 há um período de dez anos, durante os quais nenhuma
referência faz o Imperador ao tráfico de escravos ou a estes.
15 de julho de 1851. Plenário. O Deputado José Inácio Silveira da Motta
(SP) apresenta projeto de lei que “estipula imposto sobre a venda de escravos maio-
res de 10 anos, as transferências de domínio de escravos, e a matrícula geral destes”.
Apresenta também um outro que “manda vender em hasta pública os prédios
rústicos e os escravos pertecentes ás ordens religiosas, proibindo a separação dos casa-
dos, dos pais ou mães dos filhos, ou dos avós dos netos, quando estes não tiverem pai ou
mãe vivos”. Pouco a pouco, vai tomando vulto, a idéia emancipadora dos es-
cravos.
22 de agosto de 1851. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 614, que “organiza o Corpo
Diplomatico Brasileiro”. Em 20 de março de 1852 é expedido o Decreto nº 940
e, também, o de nº 941, com a rubrica do Imperador D. Pedro II, que “dá
regulamento ao Corpo Diplomático Brasileiro” e “determina o número e categorias das
Missões diplomáticas que convêm manter nos paízes estrangeiros”. Em 24 de maio de
1872 é expedido o Decreto nº 4.968 que “manda executar o regulamento consular,
em substituição ao Decreto nº 520, de 11 de junho de 1847, sobre o mesmo assunto”.
3 de maio de 1852. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Quarta Sessão da Oitava Legislatura. Plenário. O
Imperador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “Augustos e dignissimos
senhores representantes da Nação. (...) O meu governo continúa e continuará a repri-
mir o trafico, o qual depois da ultima sessão legislativa ainda tem diminuido. Espero
que, mediante o vigor e atenção que elle emprega nesta tarefa, desappareceráõ de todo
as poucas e indigans especulações com que a avidez do lucro procura embaraçal-a.
Conto sempre com a vossa inteira coadjuvação para todas as medidas que a experiencia
aponte como necessarias para a completa extincção de tão abominavel commercio”.
Grifado pelo compilador.

4 de junho de 1852. Plenário. O Deputado Pedro Pereira da Silva Gui-


marães (CE) reapresenta o projeto de lei de sua autoria que propõe “a eman-
cipação progressiva dos escravos, declarando que são livres da data da presente lei em
diante todos os que no Brasil nascerem de ventre escravo; considerando livres os que
nascidos em outra parte viessem para o Brasil; estabelecendo que os que criassem o
escravo até aos sete anos pudessem tê-lo em seu serviço até os quatorze anos sendo
depois dessa idade considerado emancipado; estatuindo a remissão do cativeiro por
certa soma a juizo de arbitros; proibindo a separação por venda dos escravos casados e
autorizando a criação de estabelecimentos para o tratamento e subsistência dos que
fossem abandonados por seus senhores”. Grifado pelo compilador. No momento em

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A Construção da Democracia 217

que o autor deste projeto, aliás, apresentado desde 1850, por mais duas ve-
zes, e sempre repelido pela maioria da Câmara dos Deputados, tenta justifi-
car suas vantagens, levantam-se reclamações e protestos contra a proposição,
que obrigam o presidente a interromper por diversas vezes o orador e a
ameaçá-lo afinal de que o faria sentar. O Deputado José Pedro Dias de Carva-
lho (MG) propõe que o referido projeto vá a uma comissão para receber pa-
recer, mas de todos os lados do Plenário surgem vozes pedindo a sua imedia-
ta reprovação e assim acontece, votando apenas, pelo mesmo projeto, o seu
autor e o Deputado André Bastos de Oliveira (CE).
Ainda nesse ano o Dr. Agostinho Marques Perdigão Malheiro (MG) re-
produz, em seu livro “A escravidão no Brasil”, parte de um “Projeto de 1852 na
sociedade contra o trafego de Africanos e prommotora da colonisação e civilisação dos
Indigenas – Terceira Parte – Extincção Progressiva da escravidão no Brazil”. Não
tem indicação da fonte de onde foi retirado.
3 de maio de 1853. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Primeira Sessão da Nona Legislatura. Plenário. O
Imperador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “Augustos e dignissimos
senhores representantes da Nação. (...) A fé dos tratados e nosso proprio interesse exige
imperiosamente, não só a completa cessação do trafico de africanos, mas tambem que se
torne impossivel sua reapparição. Os meus ministros, vos indicaráõ as medidas que
parecem ainda precisas para conseguir-se este duplicado fim.
Cada vez é mais urgente proteger a emigração estangeira para neutralisar os
effeitos da falta de braços. É um dos objectos em que devemos empregar incessantes e
desvelados esforços”. Grifado pelo compilador.
29 de agosto de 1853. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 704, que “eleva a Comarca de
Coritiba, na Provincia de S. Paulo à categoria de provincia, com a denominação de
Provincia do Paraná”. Em 16 de janeiro de 1865 é expedido o Decreto nº 3.378,
com a rubrica do Imperador D. Pedro II, que “fixa provisoriamente os limites
entre as provincias do Paraná e Santa Catarina”. Em 19 de dezembro de 1853
toma posse o seu primeiro presidente, o Deputado Zacarias de Góis e Vascon-
celos (SE).
23 de setembro de 1853. Plenário. A Assembléa Geral Legislativa resol-
ve expedir Resolução “sobre a competência dos Auditores da Marinha para proces-
sar e julgar os réus envolvidos em tráfico”.
28 de dezembro de 1853. É expedido o Decreto nº 1.303, com a rubrica
do Imperador D. Pedro II, “declarando que os africanos livres, cujos serviços foram
arrematados por particulares, ficam emancipados depois de quatorze anos, quando o
requeiram, e providencia sobre o destino dos mesmos africanos”.
2 de janeiro de 1854. É expedido o Decreto nº 1.310, com a rubrica do
Imperador D. Pedro II, “declarando que o Artigo quarto da Lei de 10 de Junho de

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218 Casimiro Neto

1835, que manda executar sem recurso as Sentenças condenatorias contra escravos,
comprehende todos os crimes commettidos pelos mesmos escravos em que caiba a pena de
morte”.
7 de maio de 1854. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Segunda Sessão da Nona Legislatura. Plenário. O
Imperador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “Augustos e dignissimos
senhores representantes da Nação. (...) O meu governo continua a exercer na repressão
do trafico a mais activa e energica vigilancia, empregando os meios de que póde dispôr
para extinguir este abominavel commercio; e os seus esforços têm sido até agora coroa-
dos de feliz resultado.
Recommendo-vos o projecto de lei, iniciado nos ultimos dias da sessão passada,
que tem por fim tornar mais efficaz esta repressão”. Grifado pelo compilador.

5 de Junho de 1854. É sancionada a Lei nº 731 pelo Imperador D. Pedro


II onde está escrito: “Hei por bem Sanccionar, e Mandar que se execute a Resolução
seguinte da Assembléa Geral Legislativa que declara desde quando deve ter lugar a
competencia dos Auditores de Marinha para processar e julgar os réos mencionados no
Art. 3º da Lei nº 581 de 4 de Setembro de 1850, e os casos em que devem ser impostas
pelos mesmos Auditores as penas de tentativa de importação de escravos”.
Era preciso pôr um paradeiro definitivo ao tráfico de escravos. Esta
tarefa cabe então ao pai do grande abolicionista Joaquim Aurélio Barreto
Nabuco de Araújo (PE), o Deputado José Tomás Nabuco de Araújo (PE),
Ministro e Secretário de Estado da Justiça do 12° Gabinete de 6 de setem-
bro de 1853, organizado pelo Presidente do Conselho de Ministros, Depu-
tado Honório Hermeto Carneiro Leão (MG), Marquês do Paraná. Deve-se
principalmente a ele a vitória deste projeto de resolução. A lei foi por ele
referendada.
No dia 15 de maio de 1854 este projeto de resolução entra em segunda
e terceira discussão. Colocado em votação é em seguida aprovado.
As severas medidas nele contidas foram, é certo, recebidas com alguma
estranheza, principalmente por defendê-las um espírito liberal como o Con-
selheiro e Deputado José Tomás Nabuco de Araújo (PE). Mas, também é
certo, teve a virtude de, completando a “Lei Eusébio de Queiroz”, acabar de vez
com a importação de africanos escravizados.
Com essas medidas estava dado o primeiro grande passo para encerra-
mento do tráfico de escravos e iniciar as grandes discussões para a liberdade
definitiva destes. Outros projetos se lhe seguiriam, inevitavelmente.
11 de agosto de 1854. Plenário. O Deputado João Maurício Wanderley
(BA), depois Barão de Cotegipe, apresenta o Projeto de Lei nº 117 que “proibe
o comércio e o transporte de escravos de umas para outras províncias”. Na sessão do
dia 1º de setembro o autor profere um longo discurso, em que responde a
cada um dos ataques feitos à sua proposta, salientando as vantagens que ela
traria à lavoura no Norte do País, donde emigrava grande número de escra-

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A Construção da Democracia 219

vos, comprados por fazendeiros dos estados do sul. Apresenta, também, o


Projeto de Lei nº 118 que “obriga os senhores a alimentar os escravos, mesmo
alforriados, em conseqüência de velhice, doença prolongada ou incurável e que torna
livres os escravos mendigos”. Este de cunho mais humanitário. Estes projetos
não prosperaram.
3 de maio de 1855. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Terceira Sessão da Nona Legislatura. Plenário. O
Imperador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “Augustos e dignissimos
senhores representantes da Nação. (...) Comprazo-me em annunciar-vos que nenhuma
tentativa tem havido de trafico de africanos”.
19 de setembro de 1855. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o
Imperador D. Pedro II sanciona o Decreto Legislativo nº 842, que “altera a lei
de 19 de agosto de 1846”. Reforma eleitoral em curso. Esta lei altera as eleições
do Império do Brasil e faz uma completa transformação do regime até então
vigente. As províncias são divididas em tantos “Distritos Eleitorais” quantos
forem os seus deputados à Assembléia Geral Legislativa. Fica conhecida como
“Lei dos Círculos”, porque estabelece o voto por distritos ou círculos eleitorais.
Um só representante para cada distrito eleitoral e eleição também dos seus
suplentes, interiorizando as eleições e dando força às influências locais. Voto
distrital puro, melhorando a representação urbana. Continua o sistema indi-
reto (colégio eleitoral censitário) ou a denominada “eleição de dois graus”.
Realizadas as eleições, essa lei vem a sofrer severas críticas, entre elas a
de ter contribuído para o enfraquecimento dos partidos políticos. Por isso,
antes de novo pleito, luta-se pela sua revogação. Portanto, esta lei só vigora
para a Décima Legislatura – 1857/1860.
3 de maio de 1856. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Quarta Sessão da Nona Legislatura. Plenário. O Im-
perador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “Augustos e dignissimos
senhores representantes da Nação. (...) A despeito das providencias tomadas para a
repressão do abominavel trafico de escravos, alguns aventureiros ousárão tentar novas
expeculações; mas a vigilancia do meu governo, auxiliado pela opinião publica,
conseguio mallogral-as, como espero que sempre acontecerá”.
3 de maio de 1857. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Primeira Sessão da Décima Legislatura. Plenário. O
Imperador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “Augustos e dignissimos
senhores representantes da Nação. (...) O vigor com que forão reprimidas as duas
ultimas tentativas de introducção de Africanos em Serinhaem e S. Matheos deve ter
desacoroçoado os aventureiros que julgavão a occasião azada para realisarem no imperio
suas criminosas emprezas”.
22 de dezembro de 1858. É expedido o Decreto nº 2.318, com a rubrica
do Imperador D. Pedro II, que “dá providências para contratar um Jurisconsulto

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220 Casimiro Neto

para confecção e organização do Código Civil do Império”. Em 23 de julho de 1864


é expedido o Decreto nº 3.292, dando instruções pelas quais se há de regular
a comissão criada pelo Decreto nº 3.188, de 18 de novembro de 1863 para
examinar o Projeto do Código Civil, redigido pelo Bacharel Augusto Teixeira
de Freitas. Em 9 de setembro de 1862 é expedida a Lei nº 1.177, tratando do
assunto. Em 3 de dezembro de 1872 é assinado contrato com o Conselheiro
de Estado José Tomás Nabuco de Araújo (BA) para a redação do Projeto do
Código Civil do Império. Contrato referendado pelo Decreto nº 5.164, de 11
de dezembro de 1872.
3 de março de 1860. É expedido o Decreto nº 2.318, com a rubrica do
Imperador D. Pedro II, que “reorganiza o Arquivo Púbico”. A classificação dos
documentos do Arquivo Público passa a ser dividida em três seções: legislativa,
administrativa e histórica.

18 de agosto de 1860. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-


rador D. Pedro II sanciona o Decreto nº 1.082, que “altera a Carta de Lei nº 387,
de 19 de agosto de 1846, e o Decreto nº 842, de 19 de setembro de 1855, sobre elei-
ções”. A segunda “Lei dos Círculos” mantêm os distritos eleitorais, mas com três
deputados e abolindo a eleição de suplentes. Exige ainda que as autoridades
se desincompatibilizem de seus cargos seis meses antes dos pleitos. Com os
“círculos eleitorais” amplia-se a representação da propriedade rural. Em 31 de
dezembro de 1868 é expedida a Decisão de Governo nº 565, pelo Secretário
de Estado dos Negócios do Império Deputado Paulino José Soares de Sousa
(RJ), que “dá instruções sobre a execução da lei regulamentar do processo eleitoral nas
eleições primárias”. Continua o sistema indireto (colégio eleitoral censitário)
ou a denominada “eleição de dois graus”. Esta lei vai perdurar até a 15ª Legis-
latura – 1872/1875.
A limitada circunscrição territorial traçada no Decreto nº 842, de 19 de
setembro de 1855, e o pequeno número de eleitores tendia a falsear a fiel
expressão do voto, dando lugar a indecorosas transações entre os candidatos,
e localizando por modo tal a eleição, que o deputado não era propriamente o
representante da Nação, mas o eleito de seu reduto eleitoral, desligando-se
assim dos laços do partido e mais acessível, portanto, à influência do poder.
Pretendendo sanar tão sérios incovenientes decreta-se o alargamento dos cír-
culos com três deputados e com isso estabelecem-se novas incompatibilida-
des. A promulgação dessa lei não tardou em trazer desilusões a seus autores e
nem foi ela, como se imaginava, o elo que desse ao País uma representação
legítima.
10 de setembro de 1860. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o
Imperador D. Pedro II sanciona o Decreto nº 1.096, que “regula os direitos civis
e políticos dos filhos de estrangeiros nascidos no Brasil, cujos pais não estiverem em
serviço de sua Nação, e das estrangeiras que casarem com brasileiros, e das brasileiras
que casarem com estrangeiros”. Grifado pelo compilador.

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A Construção da Democracia 221

O Império do Brasil tem seu apogeu durante a denominada “Questão


Christie”, quando a brutalidade inglesa põe de pé a nação inteira ao lado do
seu primeiro mandatário. O navio inglês “Príncipe de Gales” naufraga nas cos-
tas da Província do Rio Grande do Sul, em 1861. É saqueado por desconhe-
cidos. O Imperador D. Pedro II ordena que se apurem as responsabilidades
através de uma comissão de investigação, para descobrir quem havia pilhado
o navio. William Dougal Christie, ministro inglês no Rio de Janeiro, atrevida-
mente, deseja que um oficial de sua pátria tome parte na comissão que vai
apurar os fatos e, além disso, requer uma indenização elevada, no valor de
6.525 libras, pelos prejuízos sofridos, correspondente, segundo ele, ao valor
da carga desaparecida. A dignidade do nação brasileira está em jogo.
As divergências entre o Império do Brasil e o Império Britânico atin-
gem seu ápice em 1862. Três oficiais inglêses da fragata “Forte”, entre eles um
capelão, tomam uma bebedeira e em estado lastimável passam a provocar
desordens, a ofender e desacatar os guardas brasileiros. Os oficiais estavam à
paisana e foram postos, imediatamente, na cadeia. William Dougal Christie,
sabedor do acontecido, considera a prisão dos oficiais ingleses uma grave
ofensa à Marinha Britânica. Pede satisfações ao Governo brasileiro, exige a
punição dos policiais brasileiros que efetuaram a prisão e a demissão do mi-
litar que prendeu os oficiais ingleses, e ainda que censure publicamente as
outras autoridades que haviam consentido na prisão dos mesmos. O Império
Britânico envia navios de guerra ao litoral brasileiro. Diante da recusa do
Imperador D. Pedro II em atender às exigências formuladas, no dia 30 de
dezembro de 1862, o ministro britânico no Rio de Janeiro através de comuni-
cado, declara que vai dar começo a represálias, até obter a satisfação que
pedira pela prisão dos oficiais e pela depredação dos salvados do navio Prince of
Wales. Cumprindo as instruções do ministro, o Almirante Warren captura na
barra da Província do Rio de Janeiro embarcações brasileiras desarmadas.
Estes fatos causam revolta e indignação na população, que sai às ruas,
tendo à frente Teófilo Otôni, reagindo violentamente. Noticia-se que cinco
navios mercantes brasileiros haviam sido apresados pela esquadra inglesa. A
residência do embaixador inglês é ameaçada de invasão, bem como os esta-
belecimentos comerciais de ingleses que viviam em terras brasileiras. À tarde,
tendo ouvido o seu Conselho de Estado, o Imperador D. Pedro II tem que
intervir para que o povo se acalme. Dirige-se à cidade e é acompanhado até
ao Paço por uma multidão imensa, que o aclama. Na tribuna da Câmara dos
Deputados revezam-se oradores em busca de uma solução para o conflito. O
rompimento por quase três anos (1863-1865) entre a diplomacia dos dois
países só foi resolvido com a interferência da comunidade internacional. O
Rei da Bélgica Leopoldo I é escolhido como árbitro para decidir a questão
entre os dois países. Antecipadamente, o Governo Imperial resolve pagar a
indenização referente à carga do navio inglês. O Imperador D. Pedro II con-
sidera que não se deviam discutir questões de dinheiro, quando o mais im-
portante era o desrespeito inglês pela soberania nacional do nosso País. O

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222 Casimiro Neto

arbitramento fica então restrito às demais exigências de William Dougal


Christie e a violência da Inglaterra ao aprisionar navios mercantes brasilei-
ros. O rei da Bélgica Leopoldo I no dia 18 de junho de 1863, através do laudo
de arbitragem, pronuncia-se favorável ao Brasil, cabendo, então, à Inglaterra
desculpar-se por ofender a dignidade da nação brasileira. Entretanto o Go-
verno inglês recusa-se a apresentar suas desculpas oficiais, o que leva o Impe-
rador do Brasil a romper relações diplomáticas com o Império Britânico e a
expulsar William Dougal Christie do território brasileiro. As relações diplomá-
ticas entre os dois países somente são reatadas em 1865, quando o Governo
inglês, através do enviado extraordinário Mr. Edward Thorton, no dia 23 de
setembro de 1865, no acampamento de Uruguaiana, apresenta as desculpas
oficiais ao Imperador D. Pedro II. Registra-se que o representante britânico
disse o seguinte: “Estou encarregado de exprimir a V. M. I. o pesar com que S. M. a
Rainha viu as circunstâncias que acompanharam a suspensão das relações de amizade
entre as côrtes do Brasil e da Inglaterra, e de declarar que o Govêrno de S. M. nega
toda a intenção de offender a dignidade do Imperio do Brasil, que S. M. aceita plena-
mente, sem reserva, a decisão de S. M. o rei dos Belgas, e que será feliz em nomear um
ministro para o Brasil, logo que V. M. estiver pronto para renovar as relações diplomá-
ticas”. O desfecho deste fato revela a afirmação da soberania nacional e da
dignidade dos cidadãos brasileiros.
26 de junho de 1862. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro II sanciona Lei nº 1.157, que “substitui em todo o Império o actual
sistema de pesos e medidas pelo sistema metrico frances”.
12 de maio de 1863. Doze horas. Plenário. Presidência do Deputado
Pedro Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, Visconde de Camaragibe
(PE). O Primeiro-Secretário, Deputado Antônio Pereira Pinto (ES), procede à
leitura de um ofício do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Im-
pério Pedro de Araújo Lima (PE), Marquês de Olinda, remetendo cópia do
Decreto nº 3.092, com o seguinte teor: “Usando das attribuições que me confere a
constituição no art. 101 § 5º, e tendo ouvido o meu conselho de estado, hei por bem
dissolver a camara dos deputados, e convocar desde já outra, que se reunirá no dia 1º
de Janeiro do anno proximo futuro.
O marquez de Olinda, conselheiro de estado, senador do imperio, presidente do
conselho de ministros, ministro e secretario de estado dos negocios do imperio, assim o
tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro, 12 de Maio de 1863. 42º
da independencia e do imperio. – Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador”.
Grifado pelo compilador.
Finda a leitura, o Presidente declara que a Câmara dos Deputados fica
inteirada, e convida os Srs. Deputados a se conservarem nos seus lugares
enquanto se lavra a ata da sessão, que é, pouco depois, lida e assinada.
Essas dissoluções da Câmara dos Deputados caracterizam o permanen-
te conflito entre o Poder Moderador e os parlamentares desta Casa de leis,
que vai durar até o fim do Império, em 1889. É o parlamentarismo sujeito ao

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A Construção da Democracia 223

consentimento da Coroa, de acordo com a Constituição Política do Império


do Brasil.
Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 12 de maio de
1863 a 13 de dezembro de 1863.
24 de setembro de 1864. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o
Imperador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 1.237, que “reforma a legis-
lação hipotecária, estabelece as bases das sociedades de crédito real e considera os escra-
vos e animaes pertencentes as propriedades agricolas como objeto de hipoteca e de pe-
nhor”. Em 26 de abril de 1865 é expedido o Decreto nº 3.453 com a rubrica
do Imperador D. Pedro II que “manda observar o regulamento para execução da
Lei nº 1.237 que reformou a legislação hipotecária”.
Ainda no dia 24 de setembro de 1864 é expedido o Decreto nº 3.310,
com a rubrica do Imperador D. Pedro II, que “concede emancipação a todos os
africanos livres existentes no império ao serviço do Estado ou de particulares, havendo-
se por vencido o prazo de quatorze anos do Decreto nº 1.303, de 28 de dezembro de
1853, e dá outras providências”. Grifado pelo compilador.
É consenso entre os grandes humanistas da época e de uma considerá-
vel parcela dos representantes do povo no Parlamento que a redução tempo-
rária da riqueza do Estado e da riqueza privada não é razão para continuar o
mal muito maior que é a escravidão e, menos ainda, para se manter como
legítimo um princípio reprovado. O mal é grave e profundo. A sua extirpação
deve necessariamente ser dolorosa. Aos poderes do Estado, porém, incumbe
tomar as necessárias providências para se conseguir tão louvável e justo fim,
com o menor abalo e prejuízo.
Já nesta época os Deputados sabiam ser necessária, embora difícil, a
abolição da escravatura com a conseqüente incorporação dos ex-escravos à
cidadania. Parte-se de um processo lento e gradual.
Em novembro de 1864 o Paraguai declara guerra ao Brasil. Para fazer
frente a este conflito são expedidos vários decretos. O Decreto nº 3.371, de 7
de janeiro de 1865, com a rubrica do Imperador D. Pedro II “cria corpos para
o serviço de guerra em circumstâncias extraordinarias com a denominação de Voluntarios
da Patria”. O Decreto nº 3.508, de 30 de agosto de 1865, com a rubrica do
Imperador D. Pedro II, “concede aos guardas nacionaes designados para o serviço
de guerra os mesmos favores concedidos aos Voluntarios da Patria”. O Decreto
nº 3.529, de 18 de novembro de 1865, com a rubrica do Imperador D. Pedro
II, “concede o uso de uma medalha aos oficiais e praças da Armada que se distingui-
ram no combate naval de Riachuelo”. O Decreto nº 3.725-A, de 6 de novembro
de 1866, com a rubrica do Imperador D. Pedro II, é expedido com o seguinte
teor: “Hei por bem ordenar que aos escravos da Nação, que estiverem nas condições de
servir no Exército, se dê gratuitamente liberdade para se empregarem naquele serviço;
e sendo casados, estenda-se o mesmo benefício às suas mulheres”. Grifado pelo compi-
lador. O Decreto nº 3.853, de 1º de maio de 1867, com a rubrica do Impera-
dor D. Pedro II, “cria uma medalha de bravura para oficiais e praças de pré, mais

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224 Casimiro Neto

bravos, na campanha contra o Paraguai”. O Decreto nº 3.926, de 31 de agosto


de 1867, com a rubrica do Imperador D. Pedro II, “concede o uso de uma meda-
lha às fôrças expedicionárias em operações ao sul da provincia de Mato Grosso”. O
Decreto nº 4.118, de 14 de março de 1868, com a rubrica do Imperador D.
Pedro II, “cria uma medalha comemorativa do forçamento do passo de Humaitá”. O
Decreto nº 4.156, de 17 de abril de 1868, com a rubrica do Imperador D.
Pedro II, “cria uma medalha de merito para os que se distinguirem por bravura em
qualquer ação de guerra”. O Conde d’Eu, esposo da Princesa Isabel é nomeado
comandante das forças brasileiras na Guerra contra o Paraguai, em 23 de
março de 1869. O Decreto nº 4.560, de 6 de agosto de 1870, com a rubrica
do Imperador D. Pedro II, “concede o uso de uma medalha ao Exército em opera-
ções na guerra contra o govêrno do Paraguai”.
Com a audaz e brutal agressão do Paraguai à soberania brasileira, em
novembro de 1864, é iniciado o imenso esforço para repelir os agressores e
começam os preparativos para a mais demorada e sangrenta guerra de nossa
história – o maior conflito militar da América do Sul –, que ao seu final, e
graças à heróica atuação dos guascas (camponeses do Rio Grande do Sul) e do
Brigadeiro Luís Alves de Lima e Silva (RJ), depois Duque de Caxias – nomea-
do Comandante-em-Chefe das Forças do Império e depois Comandante Ge-
ral das Forças Aliadas –, é imposta a derrota ao Paraguai e a morte do ditador,
Marechal Francisco Solano Lopez, em 1º de março de 1870. Em 20 de junho
de 1870, em Assunção do Paraguai, é assinado o primeiro e segundo Protoco-
lo do Acordo Preliminar de Paz do Império do Brasil, da República da Argen-
tina e da República do Uruguai (Tratado da Tríplice Aliança, assinado em
Buenos Aires em 1º de maio de 1865) com a República do Paraguai. Repre-
senta o Brasil o Conselheiro José Maria da Silva Paranhos (BA), Visconde do
Rio Branco.
Fica para a história a Batalha Naval do Riachuelo, no dia 11 de junho
de 1865. Nesta fase do conflito, a esquadra brasileira em combate contra a
esquadra paraguaia, agigantam-se de abnegação patriótica o Guarda-Mari-
nha João Guilherme Greenhalgh e o Imperial Marinheiro de Primeira Classe
Marcílio Dias – que tanto já se distinguira nos ataques de Paissandú –, imor-
taliza-se ainda mais nesse dia. Heróis, mártires e defensores da Bandeira
Nacional, no convés do vapor “Parnaíba” sucumbem no seu posto de honra,
mas não permitem a profanação do Pavilhão Nacional que chegou a ser ar-
riado por um militar paraguaio, mas que diante da coragem dos marinheiros
e dos soldados brasileiros, no mastro ficou firme e sereno, apenas sacudido
pelos ventos. A tropa inimiga se retira do combate e o Pavilhão é içado nova-
mente. Sobre este fato vale a pena ler o pronunciamento do Deputado Plínio
Salgado (ARENA), na Sessão Solene do Congresso Nacional, do dia 10 de
junho de 1965, em homenagem à Marinha do Brasil, ao ensejo do transcurso
do primeiro centenário da Batalha do Riachuelo que, em um dos trechos,
destaca: “(...) Lutam, Caem os bravos oficiais do Exército e da Marinha, um a um, na
defesa do pavilhão nacional. É nesse instante que o Guarda-Marinha Greenhaugh e o

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A Construção da Democracia 225

marinheiro de primeira classe, o celebre, o famoso Marcílio Dias, se imortalizam: ar-


rancam das mãos do inimigo as bandeiras, nelas se envolvem, tingem-nas com seu
sangue vermelho de patriotismo e sucumbem envoltos no pavilhão nacional. (Palmas
prolongadas.)
Pouco depois, apesar de toda a tristeza e acabrunhamento pela perda daqueles
heróis, eis que estrugem, com alegria, vivas ao Imperador, vivas ao Brasil, vivas ao
Almirante Barroso. Que foi? Foi o “Parnaíba” que rechaçou os inimigos, foi o “Parnaíba”
que tornou a hastear a bandeira verde-amarela de nossa Pátria! (Palmas.)”
O tratado definitivo de paz entre o Império do Brasil e a República do
Paraguai só foi promulgado em 27 de março de 1872, através do Decreto
nº 4.910, assinado pela Princesa Imperial Regente D. Isabel Cristina Leopol-
dina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga, em nome do Imperador D.
Pedro II.
11 de novembro de 1864. O Deputado Frederico Carneiro de Campos
(RJ), tendo sido nomeado Presidente da Província de Mato Grosso e quando
se deslocava para tomar posse, é aprisionado a bordo do vapor brasileiro
“Marquês de Olinda” que a poucas léguas aquém da Vila da Conceição foi abor-
dado pelo vapor de guerra paraguaio “Taquari” e daí conduzido para Assun-
ção, onde fica prisioneiro.
8 de julho de 1865. Doze horas. Plenário. Presidência do Deputado
Camilo Maria Ferreira Armond (MG), Barão, Visconde e Conde de Prados. O
Primeiro-Secretário, Deputado Afonso Celso de Assis Figueiredo (MG), Vis-
conde de Ouro Preto, procede a leitura de um ofício do Ministro e Secretário
dos Negócios do Império Pedro de Araújo Lima, Marquês de Olinda, reme-
tendo cópia do Decreto nº 3.490 com o seguinte teor: “Usando da attribuição
que me confere o art. 101 § 5º da constituição do Império, hei por bem adiar a assembléa
geral legislativa para o dia 4 de Março de 1866.
O marquez de Olinda, conselheiro de estado, presidente do conselho de ministros,
ministro e secretario de estado dos negocios do imperio, assim o tenha entendido e faça
executar. Palacio do Rio de Janeiro, em 8 de Julho de 1865, 44º da Independencia e do
Imperio. – Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador”. Grifado pelo compilador.
O Sr. Presidente declara que a Câmara dos Deputados fica inteirada, e
portanto suspensos os trabalhos legislativos. Logo depois é lida e aprovada a
ata da sessão.
Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 8 de julho de 1865
a 3 de março de 1866.

19 de maio de 1866. É expedido decreto da Assembléia Geral Legisla-


tiva que “estabelece o conceito de livre ventre”.
26 de junho de 1866. O Deputado Aureliano Cândido Tavares Bastos
(AL) apresenta aditivo à Lei do Orçamento que “autorisa o governo a passar
cartas de alforria a todos os escravos e escravas da Nação e que nas terras das fazendas

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226 Casimiro Neto

nacionais será estabelecido, como proprietário, cada escravo ou família de escravos das
mesmas fazendas, sendo distribuido por eles os bens móveis e gado se houver e dá outras
providências”. Grifado pelo compilador. Não teve andamento.
22 de maio de 1867. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Primeira Sessão da 13ª Legislatura. O Imperador
D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “(...) O elemento servil no Imperio
não póde deixar de merecer opportunamente a vossa consideração, provendo-se de
modo que, respeitada a propriedade actual, e sem abalo profundo em nossa primeira
industria, a agricultura, sejão attendidos os altos interesses que se ligão á emancipa-
ção. Promover a colonisação deve ser objecto de vossa particular solicitude”. Grifado
pelo compilador.

17 de julho de 1867. Plenário. O Deputado José Bonifácio de Andrada


e Silva – O Moço (RJ), pronuncia um longo discurso sobre a proposta do
Governo a respeito de questão financeira e de trabalho. Ao final discute a
questão servil sob o enfoque econômico.

26 de setembro de 1867. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o


Imperador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 1.507, que “fixa a despesa,
orça a receita geral do Império, a cobrança de impostos sobre os vencimentos dos servi-
dores públicos e arrecadação do imposto pessoal”. O Decreto nº 3.977, de 12 de
outubro de 1867 dá regulamento para a cobrança do imposto sobre os venci-
mentos dos servidores públicos no valor de 3% e para os reformados e pen-
sionista no valor de 1%. O Decreto nº 4.052, de 28 de dezembro do mesmo
ano, regulamenta a arrecadação do imposto pessoal.

28 de março de 1868. É expedido o Decreto nº 4.129, com a rubrica do


Imperador D. Pedro II, que “manda proceder uma nova matrícula geral dos
escravos e deu regulamento para a arrecadação da taxa dos mesmos”. Grifado pelo
compilador.

9 de maio de 1868. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-


bléia Geral Legislativa. Segunda Sessão da 13ª Legislatura. O Imperador
D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “(...) Mais uma vez apraz-me reco-
nhecer que, na defesa da honra nacional ultrajada pelo presidente do Paraguay, o
governo ha sido auxiliado por todos os Brazileiros. Estou certo de que esse auxilio não
cessará emquanto a desaffronta não fôr completa, e rendo ao exercito, á esquadra, á
guarda nacional e aos voluntarios da patria os encomios de que são credores. Encerra
afirmando: “O elemento servil tem sido objecto de assiduo estudo, e opportunamente
submetterá o governo á vossa sabedoria a conveniente proposta”. Grifado pelo compilador.
9 de julho de 1968. Plenário. Quando entra em segunda discussão a
proposta do Governo Imperial que fixa as forças de terra para o ano financei-
ro de 1869 a 1870, o Ministro e Secretário de Estado da Guerra, Senador
João Lustosa da Cunha Paranaguá (PI), segundo Visconde e segundo Mar-

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A Construção da Democracia 227

quês de Paranaguá, fala da guerra do Brasil contra o Paraguai “(...) A guerra é


sustentada em um paiz longinquo, de um terreno muito accidentando, em que as
difficuldades e os obices creados de longo tempo pelo inimigo são admiravelmente se-
cundados pela natureza; accresce que marchamos sempre para o desconhecido. Deve-
mos confessar que quando esta guerra apanhou-nos de improviso, não nos achavamos
preparados para ella, mas a luta era para nós um dever de honra de que não podiamos
declinar; haviamos de aceita-la nas condições em que ella nos foi oferecida. (Apoiados.)
Um delegado do governo, como disse, foi aprisionado, com outros Brazileiros a bordo
de um vapor nosso que lá ficou com todo seu carregamento e dinheiro do Estado; duas
provincias fronteiras forão invadidas; a nossa vida, honra, e fazenda estavão em perigo;
era, pois, chegado o momento supremo da necessidade da defesa, não restava-nos outro
alvitre senão oppôrmos ao inimigo selvagem todos os recursos de que pudessemos dispôr”.
Grifado pelo compilador. Prossegue com o seu depoimento, sendo várias vezes
aparteado. Em seguida é dada a palavra ao Deputado José Bonifácio de
Andrada e Silva, o Moço (SP), que empolga a Câmara dos Deputados pela
formidável eloqüencia combatendo o Governo Imperial e o propósito da
guerra onde destaca: “Sr. presidente, a guerra é a questão financeira, a guerra é a
grande questão internacional, a grande questão politica; a guerra é a grande questão
de ordem publica.
E’ a questão financeira porque, sorvedouro immenso, ella devora nossos capitaes,
ella ameaça nossa industria, ella desequilibra os mercados e esmaga o credito publico
que, na phrase de um escriptor distincto, é o patriotismo do dinheiro, e na phrase de um
financeiro notavel, em época como esta, é tambem uma famosa e util artilharia.
(...) A guerra é a grande questão politica, porque em nome della se violão as mais
importantes garantias do cidadão brazileiro (apoiados) e cerceião-se as mais sagradas
atribuições do corpo legislativo. (Apoiados.)
(...) Pois bem, senhores, seja tambem a grande questão patriotica! Em nome dos
interesses internacionaes, dos direitos dos cidadãos brazileiros, da imprensa, do parla-
mento, da grandeza do paiz, peçamos ao nobre ministro da guerra a franqueza e a luz,
sem as quaes não é possivel discuti-la. (Apoiados.)”. Grifado pelo compilador.
Após fazer extenso pronunciamento, sendo aparteado pelos Ministros e
Secretários de Estado dos Negócios Estrangeiros, Deputado João Silveira de
Sousa (SC); da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Deputado Manoel
Pinto de Sousa Dantas (BA); da Guerra, Senador João Lustosa da Cunha
Paranaguá (PI), segundo Visconde e segundo Marquês de Paranaguá; e por
outros parlamentares encerra dizendo: “(...) Ha ainda, Sr. presidente, uma medi-
da digna de severa censura, é a que se contém no aviso de 9 de Outubro de 1867 e nas
disposições que elle se ligão. Verdadeira excrescencia na administração da guerra, a
creação de uma commissão especial para o serviço de alistamento dos recrutas, engajados,
substitutos, voluntarios e libertos, offerece larga margem á censura.
A affluencia do trabalho não era tanta que necessitasse essa creação hybrida.
(Apoiados da opposição.)
Sr. presidente, o exame que acabei de fazer de alguns actos da administração de
S. Ex.; o exame ácerca da direcção da guerra, e mesmo da posição difficil em que

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228 Casimiro Neto

SS. Exs. se collocárão, me convencem, e hão de convencer ao paiz que já não podem
elles suster a bandeira que hasteárão; pelo contrario, o estado critico em que se achão as
finanças do Estado, e todos os ramos do serviço publico, assegura que SS. Exs., para
servir-me de uma phrase de Voltaire, sustentão o paiz como a corda sustenta o enforca-
do. (Apoiados; muito bem.) – (O orador é comprimentado por muitos Srs. deputados.)”.
30 de junho de 1868. Plenário. O Deputado José Coelho da Gama e
Abreu (PA) faz notável resenha histórica e cronológica das nossas vitórias e
dos revezes da guerra. Nesse pronunciamento revela-se um estudioso pacien-
te das nossas causas militares, apontando os erros de tática e a falta de vigi-
lância e de estratégia na direção das forças de terra e mar, o que tem contri-
buído para a procrastinação da vitória, com o sacrífico financeiro e econômico
do País e de milhares de vidas preciosas. Diz em um dos trechos “(...) A guerra
tem para nós agora um novo interesse, interesse maior talvez do que aquelle com que
até hoje tem occupado a attenção da casa. A guerra, com referencia ás ultima noticias
do Prata, é uma questão que envolve as finanças do paiz, a sorte dos nossos compatrio-
tas, que alli se achão soffrendo mil privações, e mais que tudo, a honra e os brios da
nação, em risco de serem mareados”.
É um conforto e um orgulho folhear os “Annaes Parlamentares” dessa
época tormentosa da vida nacional. Inteligência, cultura, independência,
questionamentos, soluções, franqueza rude nos debates e incontestável intui-
ção patriótica elevam a Tribuna da Câmara dos Deputados e tem a gratidão e
admiração dos cidadãos ali representados. Os aplausos e os apoiados das
galerias não deixam dúvida. Nota-se o interesse dos deputados em se infor-
marem nos mínimos detalhes do que está ocorrendo no País e na guerra,
através de interpelações e requerimentos verbais.
Evidentemente, já era movida a Câmara dos Deputados por sentimen-
tos pacifistas. O Deputado Antônio Felício Santos (MG) clama pela paz, lem-
bra o discurso de Thiers sobre a Guerra da França com o México, acha que
não nos diminuiríamos em tratar com o ditador, Marechal Francisco Solano
Lopez, uma vez vencedores em Humaitá e em Assunção.
17 de julho de 1868. Plenário. É memorável esta sessão plenária. No
bojo das críticas à condução da Guerra do Paraguai, o Imperador D. Pedro II,
cedendo a Luís Alves de Lima e Silva (RJ), Barão, Conde, Marquês e Duque
de Caxias, destitui o Gabinete Majoritário de Zacarias de Góis e Vasconcelos.
O Deputado Martim Francisco Ribeiro de Andrada (SP) expõe os motivos da
queda do gabinete e ao final destaca: “(...) O gabinete de 3 de Agosto, pois, retira-
se, Sr. presidente, com os principios liberaes que sustentou na imprensa e na tribuna. O
gabinete de 3 de agosto retira-se, não com a convicção de nunca haver errado, porque
o erro é partilha da humanidade; retira-se com a convicção de ter empregado todos os
esforços ao seu alcance para vencer as circumstancias especiaes, notaveis e perigosas
em que se acha o paiz. O gabinete de 3 de agosto retira-se, senhores, com a convicção de
que soube respeitar sua dignidade pessoal, assim como conservou toda a lealdade para
com seus amigos politicos. (Muito bem; muito bem.)”.

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A Construção da Democracia 229

Em seguida, o Presidente do Conselho de Ministros Joaquim José


Rodrigues Torres (RJ), Visconde de Itaboraí, fala do convite do Imperador e
a composição do novo gabinete. Ao término deste, em impressionante dis-
curso, fundamenta o Deputado José Bonifácio de Andrada e Silva – o Moço
(RJ), uma moção de desconfiança ao 23º Gabinete, que acabara de constituir
seu ministério no dia 16, convidado que foi no dia 14 pelo Imperador
D. Pedro II.
O referido Deputado, em sua fala, diz o seguinte: “(...) hoje, do dia para a
noite, um ministerio cahe no meio de uma numerosa maioria parlamentar, e inopina-
damente surgem os nobres ministros como hospedes inoportunos que bate fóra de horas
e pedem agazalho em casa desconhecida.
(...) Dariamos por mera complacencia o apoio material e constrangido do nosso
voto a um gabinete a quem não podemos prestar nossa cooperação moral, intelligente e
livre. Desgraçado o governo que se visse condemnado a viver da generosidade de seus
adversarios; e mais desgraçado ainda o paiz que contemplasse sem estranheza esse
espectaculo do aviltamento dos depositarios de seus destinos. (Muitos apoiados.)
Senhores, os nobres ministros sabião, que não tinhão maioria nesta camara, sabião
que tinhão de ir revolver todo o paiz (muitos apoiados), sabião portanto que vinhão
offerecer-nos a dictadura. Com tranquilidade aceitárão-a. A responsabilidade não é
nossa, é dos proprios nobres ministros (muitos apoiados); não temos nós, da minoria,
obrigação de aceitar a luta no terreno em que nos offerece o nobre presidente do conse-
lho (muitos apoiados), não a aceitamos, com franqueza e dignidade mantemos a nossa
posição. A responsabilidade é do governo e só do governo. (Muito bem!) Portanto, vou
mandar á mesa a seguinte moção: “requeiro que se lance na acta a seguinte declara-
ção: A camara vio com profundo pezar e geral surpreza o estranho apparecimento do
actual gabinete, gerado fóra do seu seio e symbolisando uma nova politica, sem que
uma questão parlamentar tivesse provodado a quéda de seus antecessores. Amiga since-
ra do systema representativo e da monarchia constitucional, a camara lamenta este
facto singular, não tem e não póde ter confiança no governo. Sala das sessões, 17 de
julho de 1868. – José Bonifácio”. Ainda presente na sessão o Presidente do Con-
selho de Ministros Joaquim José Rodrigues Torres (RJ), Visconde de Itaboraí,
faz a defesa do seu ministério. A moção é colocada a votos e aprovada em
seguida por 85 votos contra 10. O Deputado Felizardo Toscano de Brito (PB)
pede a palavra pela ordem e diz: “A camara acaba de dar a mais eloquente resposta
a esta transformação politica que acaba de verificar-se, e que certo não tem nome na
historia do systema representativo, resposta que mostra de modo irrecusavel a diginidade
da camara dos deputados, e a força de suas convicções, que sem duvida são as do
partido liberal, que representa. Requeiro, portanto, que adiemos a sessão para ama-
nhã, vindo com a mesma dignidade esperar aqui o acto do poder executivo”. Grifado
pelo compilador. Dissolve-se a Câmara dos Deputados, no dia 20 de julho, por
decreto expedido no dia 18 e convoca-se outra para 3 de maio de 1869.
Já no dia 19 de julho, a Corte, no Rio de Janeiro, transforma-se numa
cidade sitiada, e a sede da Câmara dos Deputados é cercada pelas tropas do
Governo Imperial.

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230 Casimiro Neto

As delicadas condições das finanças públicas, a necessária emancipação


dos escravos, as necessidades de reformas políticas e, principalmente, o enve-
lhecimento precoce da monarquia começa a tornar-se um problema
institucional e a corrosão do Império é um fato.
20 de julho de 1868. 12 horas. Plenário. Presidência do Deputado
Francisco de Paula da Silveira Lobo (MG). O Primeiro-Secretário, Deputado
Antônio da Fonseca Viana (MG), procede à leitura de um ofício do Ministro e
Secretário dos Negócios do Império Paulino José Soares de Sousa, remeten-
do cópia do Decreto nº 4.226, com o seguinte teor: “Usando da attribuição que
me confere a constituição no art. 101 § 5º, e tendo ouvido o meu conselho de estado:
Hei por bem dissolver a camara dos deputados, e convocar outra, que se reunirá no dia
3 de maio do anno proximo futuro.
Paulino José Soares de Souza, do meu conselho, ministro e secretario de estado
dos negocios do Imperio, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de
Janeiro, 18 de Julho de 1868, 47º da Independencia e do Imperio. – Com a rubrica de
Sua Magestade o Imperador”. Grifado pelo compilador.
Finda a leitura, o Presidente declara que a Câmara dos Deputados fica
inteirada, e convida os Srs. Deputados a se conservarem nos seus lugares
enquanto se lavra a ata da sessão, que é, pouco depois, lida e assinada.
A sessão legislativa que se encerra foi fecunda, muito produtiva. As
preocupações com a defesa nacional e com a recompensa aos bravos solda-
dos e cidadãos brasileiros que nela empenharam o seu sangue e a sua vida
são patentes através da conclusão das medidas legislativas que vinham sen-
do retardadas no Parlamento. É assim que se conclue o projeto de reorgani-
zação da Guarda Nacional, à qual, nos dois primeiros artigos, se atribuem a
defesa do Império contra forças estrangeiras e a manutenção da ordem
pública interna. Vota-se a lei da “Conscripção Militar”, eleva-se o soldo por
inteiro o meio soldo que os oficiais mortos em combate, ou em conseqüên-
cia de ferimentos nele recebidos, deixam às mães, viúvas, filhas solteiros e
filhos menores, sendo o soldo do posto imediato, quando o oficial contasse
mais de trinta e cinco anos de praça; pensões são reguladas, independente-
mente do montepio, não só para os herdeiros desses militares como para os
soldados que ficassem inválidos durante a campanha de guerra. Ao mesmo
tempo, conclusas essas proposições, acentuavam-se os desejos e os votos de
uma paz honrosa.
Sente-se que a Câmara dos Deputados bem reflete os sentimentos da
Nação, já desalentada por tantos infortúnios. O pronunciamento do Depu-
tado Francisco Belizário Soares de Souza (RJ), clamando pelo término das
lutas sangrentas e censurando a perda da oportunidade que nos ofereceu a
entrada na capital paraguaia para a conclusão da paz; os discursos do Presi-
dente do Conselho de Ministros e o do Ministro e Secretário de Estado da
Guerra são as últimas notas vibrantes de patriotismo que ecoaram no Plená-
rio da Câmara dos Deputados no ano de 1869. A guerra durou muito mais

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A Construção da Democracia 231

tempo do que se previra e custou mais de 600 mil contos de réis ao Tesouro
nacional. Quantia elevadíssima. Surge um déficit orçamentário nas contas do
Governo que vai se manter durante todo o Segundo Império.
O dia 1º de março de 1870 reservava bons ventos ao Brasil e ao Paraguai,
pondo termo nessa jornada sangrenta que vinha consumindo as duas nações,
dizimando a flor de suas populações, comprometendo as suas indústrias, o
seu desenvolvimento econômico e arruinando as suas finanças, arrastando
também a essa dolorosa situação os nossos bravos aliados do cone sul.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 20 de julho de


1868 a 14 de abril de 1869.

5 de junho de 1869. Plenário. O Deputado Manoel Francisco Correia


(PR), apresenta o Projeto de Lei nº 29 que “prohibe a venda de escravos em leilão
e em hasta publica e estipula que não deve haver separação de marido e mulher e de
pais e filhos menores de dezesseis anos”, o Projeto de Lei nº 30 que “concede o
produto de loterias para com ele libertar o maior numero possivel de escravos, preferi-
dos os do sexo feminino, d’entre estes os de menor idade e dá outras providências”, e
também o Projeto de Lei nº 31 que “manda proceder matricula especial de todos os
escravos existentes no Império e considerando livres os escravos que por qualquer mo-
tivo deixarem de serem incluidos nessa matricula e criando o imposto de 500 réis por
cada escravo maior de 10 anos”. Grifados pelo compilador. Estas proposições não
prosperaram.

15 de setembro de 1869. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o


Imperador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 1.695, que “prohibe as ven-
das de escravos debaixo de pregão e em exposição publica”. Grifado pelo compilador.

18 de maio de 1870. Plenário. O Deputado Theodoro Machado Freire


Pereira da Silva (PE) apresenta o Projeto de Lei nº 3 que “trata da reforma da
legislação penal sobre os escravos”. Grifado pelo compilador. Este projeto revoga o
art. 60 do Código Criminal, a Lei de 10 de junho de 1835, e o art. 80 da Lei
de 3 de dezembro de 1841. Tratam da revogação dos dispositivos que
cominavam a pena de açoites a escravos.
23 de maio de 1870. Plenário. O Deputado Raimundo Ferreira de Araújo
Lima (CE) apresenta o Projeto de Lei nº 18 que “considera livres ou ingênuos os
filhos de mulher escrava que nascerem depois da publicação da lei, autoriza o governo
a mandar levantar a matricula de todos os escravos do Imperio e a fazer matricula
especial dos ingênuos”. Grifado pelo compilador. Na mesma sessão o Deputado Agos-
tinho Marques Perdigão Malheiro (MG) apresenta quatro projetos sobre “ele-
mento servil”: 1) o Projeto de Lei nº 19, que “revoga o Art. 60 do código criminal,
a lei de 10 de junho de 1835, salvo o disposto no art.2º, e o Art. 80 da lei de 3 de
dezembro de 1841, tratando da reforma da legislação penal sobre os escravos” ou seja,
substituia a pena de açoites pela de prisão com trabalhos; 2) o Projeto de Lei

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232 Casimiro Neto

nº 20, que “trata de vendas de escravos, o direito do proprio escravo comprar e ter sua
alforria e regula os casos de liberdade dos mesmos”; 3) o Projeto de Lei nº 21, que
“declara livres e ingenuos o filho de mulher escrava que nascer depois de promulgada
a lei, devendo, porem, servir ao senhor da mãe até a idade de 18 anos”; e 4) o Projeto
de Lei nº 22, que “autoriza o governo a conceder alforria gratuita aos escravos da
nação, prohibindo ás corporações religiosas e de mão-morta adquirir e possuir escra-
vos, sob pena de ficarem logo livres”. Ainda nesta mesma sessão é apresentado
requerimento subscrito pelo Deputado Jerônimo José Teixeira Júnior (RJ) e
outros 11 deputados para “nomeação de uma commissão especial de nove membros
para dar á camara seu parecer, com urgencia, sobre as medidas que julgar conveniente
adoptar-se ácerca da importante questão do elemento servil no imperio, de modo que,
respeitada a propriedade actual, e sem abalo da primeira industria, a agricultura,
sejam attendidos os altos interesses que se ligam a este assumpto”. Grifado pelo compila-
dor. Aceito o requerimento, foi, por proposta do próprio autor, reduzido a
cinco o número de membros da comissão.

24 de maio de 1870. Plenário. Procede-se a eleição de uma comissão


especial para “dar parecer sobre a questão do elemento servil no Império do Brazil”.
Saem eleitos os Deputados Jerônimo José Teixeira Júnior (RJ), Rodrigo
Augusto da Silva (SP), Domingos de Andrade Figueira (RJ), João José de
Oliveira Junqueira (BA) e Francisco do Rego Barros Barreto (PE).
Durante os trabalhos da comissão é expedido um requerimento ende-
reçado à Secretaria da Câmara dos Deputados solicitando que “sejam remeti-
das á mesma comissão todas as proposições relativas ao assunto que tenham sido ofere-
cidos a Casa para apreciação”. São expedidos, também, dois requerimentos ao
Governo Imperial “solicitando cópias de projetos e pareceres sobre a questão do ele-
mento servil e que tenha sido submentida ao Conselho de Estado e de quaisquer outros
trabalhos concernentes ao mesmo assunto”. Grifado pelo compilador.

3 de junho de 1870. Plenário. O Deputado Theodoro Machado Freire


Pereira da Silva (PE) apresenta o Projeto de Lei nº 69 que “estabelece disposições
para o registro de todos os escravos existentes no Império, presumindo-se libertos os
escravos que não forem registrados por seus senhores ou prepostos durante dois anos
consecutivos e trata, também, do recenseamento anual dos escravos existentes nos mu-
nicípios”. Grifado pelo compilador.

7 de julho de 1870. Plenário. O Deputado José Martiniano de Alencar


(CE) apresenta o Projeto de Lei nº 121, que “concede favores às sociedades de
emancipação de escravos; aumento progressivo da taxa dos mesmos; e a libertação dos
que não estiverem matriculados”. Grifado pelo compilador.

20 de julho de 1870. Os Deputados Theodoro Machado Freire Pereira


da Silva (PE) e Agostinho Marques Perdigão Malheiro (MG) apresentam aditivo
à Lei do Orçamento, nas Disposições Gerais, “autorizando o governo a conferir
aos escravos da Nação a alforria; declarando livres os que nascerem depois da presente

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A Construção da Democracia 233

lei, podendo, inclusive, estabelê-los em terras do estado ou devolutas”. Grifado pelo


compilador.
Os Deputados Manuel Antônio Duarte de Azevedo (SP) e Joaquim
Floriano de Godoi (SP) apresentam, também, aditivo à mesma Lei do Orça-
mento, declarando que “o produto da taxa na Côrte e nas províncias e da meia siza
da venda dos escravos será destinado a criação de um fundo para auxiliar a manumissão
voluntária do elemento servil”. Grifado pelo compilador.
16 de agosto de 1870. Plenário. A Comissão Especial, eleita em 24 de
maio desse mesmo ano, apresenta seu parecer sobre a “Questão do elemento
servil”. Relatório, extenso e minucioso, faz uma retrospectiva de todos os
projetos já apresentados na Câmara dos Deputados desde o início do Pri-
meiro Império até o ano de 1870. Cita outros países e se reporta a várias
obras, mapas, documentos e pensamentos de grandes juristas. Em um dos
trechos reportando-se à geração futura assim está escrito: “(...) Este assumpto
da emancipação do elemento servil é muito grave, importante, e requer uma solução,
que não póde ser indefinidamente adiada. Está, além disto, na consciência dos brazileiros
que cumpre pôr um termo á reprodução da escravatura, que será muito duradoura
entre nós, se não estancar a fonte, que diariamente alimenta essa instituição, conde-
nada, aliás, pelos princípios da religião, da moral, da moderna civilisação, e até
pelos sãos e verdadeiros princípios da economia social, que demonstra que o trabalho
livre é muito mais vantajoso e proficuo do que o trabalho escravo”. Grifado pelo com-
pilador.
Ao final do relatório assim se expressam: “O presente trabalho, portanto, é
apenas o fructo do dever, e, quando nenhum auxilio possa trazer à ellucidação de tão
melindroso assumpto, terá sempre o merecimento de provar ao mundo civilisado a soli-
citude da camara dos deputados do Brazil a prol da prudente solução da mais grave
questão social deste Império”. Grifado pelo compilador.
Em seguida a comissão especial apresenta o Projeto de Lei nº 200, que
“autoriza o governo proceder matrícula especial de todos os escravos existentes no im-
pério; declara livre os que, por culpa ou omissão dos interessados, deixarem de ser
incluídos nas relações que são obrigados os senhores a apresentar, em duas vias, às
estações fiscaes; autoriza o governo a conferir, com ou sem clausulas, mas sempre gra-
tuitamente, alforria aos escravos da Nação, cuja alheação prohibe, tornando taes dis-
posições extensivas aos escravos, em uso fructo, da corôa, podendo estabelecel-os em
terras do estado ou devolutas; prohibe ás ordens e corporações religiosas a acquisição de
captivos; declara livre, salvo ao senhor o direito de indemnização, os escravos que
fossem de condominos e por alguns d’estes libertados, ainda os que prestassem ao esta-
do, no exercito e na armada, relevantes serviços de guerra, e os que, com ingnorancia
do senhor, professassem em religião ou tomassem ordem sacras. Alforria sem indemnização
os que, por enfermos ou invalidos, forem abandonados pelo senhor; os que, com autori-
zação d’este, entrarem para a religião, para o exercito e para a armada; os que se
estabelecerem como livres com sciencia e pasciencia do senhor; os escravos das heranças
vagas e os filhos das escravas que houver de ser livre depois de certo tempo ou sob

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234 Casimiro Neto

condição. Cria um fundo destinado a promover a emancipação voluntaria; estabelece


em cada provincia, a libertação annual de tantos escravos quantos corresponderem á
quota do fundo de emancipação, dando preferencia, para tal, aos que souberem ler e
escrever e aos do sexo feminino, de 12 a 40 annos, d’entre estes aos de menor idade.
Permitte ao captivo a constituição de peculio, assim como ao conjuge livre a remissão do
conjuge escravo. Quanto aos filhos das escravas, nascidos depois da publicação da lei,
declarava-os livres, permanecendo em poder e sob a autoridade do senhor de suas
mães, prestando-lhe, até os 15 annos, serviços compativeis com essa idade, e recebendo,
dos 15 aos 21, uma retribuição modica, fixada pelo governo”. É o que, de principal,
contém o projeto, mas não teve andamento.
Vários deputados solicitam a ampla divulgação desse parecer. É o início
de um grande debate nacional sobre a questão dos escravos no Brasil. O
abolicionismo começa a se tornar um grande movimento popular.
Vale registrar que em 1866, José Antônio Pimenta Bueno (SP), Viscon-
de e Marquês de São Vicente, apresentou cinco anteprojetos de lei ao Impe-
rador D. Pedro II. Depois de estudados no Conselho de Estado, o monarca
comunicou ao Conselheiro de Estado José Tomás Nabuco de Araújo (BA) que
ele havia sido nomeado, junto com outros membros, para constituir uma
Comissão encarregada de examinar as proposições do Visconde e Marqês de
São Vicente, a fim de unificá-los numa só proposta de lei. Tal proposta deve-
ria aproveitar o que fora apreciado pelos membros do Conselho de Estado.
Em 20 de agosto de 1867, o Conselheiro José Tomás Nabuco de Araújo (BA)
apresenta a proposta de lei solicitada, tratando da emancipação de escravos
como resultado da fusão dos cinco projetos do Visconde de São Vicente e
assinada pelos membros da comissão que realizou os estudos. Esta comissão
era composta pelos Conselheiros José Tomás Nabuco de Araújo (BA), Presi-
dente, Cândido José de Araújo Viana (MG), Visconde e Marquês de Sapucaí,
Francisco de Salles Tôrres Homem, Visconde de Inhomirim (RJ), e o próprio
José Antônio Pimenta Bueno (SP), Visconde e Marquês de São Vicente, autor
dos anteprojetos iniciais.
A população escravizada têm na alforria uma forma de fazer pressão.
Esta é fruto de uma tensa negociação entre os meios de resistência e conven-
cimento dos escravos e a política de domínio do proprietário, que tudo podia
fazer. A maioria das alforrias são adquiridas mediante o pagamento do valor
do escravo com pecúlio próprio, adquirido através de atividades autônomas
conquistadas na vigência do cativeiro.
Se não há possibilidade política da extinção total da escravatura, a abo-
lição gradual torna-se imprescindível com a “Lei do Ventre Livre”, de 28 de
setembro de 1871; a “Lei dos Sexagenários”, de 28 de setembro de 1885 e,
finalmente, a extinção formal da escravidão no Brasil a 13 de maio de 1888.
Nas sessões dos dias 12, 14, 16, e 19 de setembro de 1870, quando se
discute a alforria dos escravos da Nação ao serviço da Corôa, são realizados
grandes debates e interessantes pronunciamentos sobre o assunto.

Sem título-2 234 7/5/2004, 10:20


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A Construção da Democracia 235

9 de setembro de 1870. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Im-


perador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 1.829, que “manda proceder o
primeiro recenseamento da população do Império e cria a Diretoria Geral de Estatística”.
A verba para as despesas do recenseamento já havia sido garantida pela Car-
ta de Lei nº 1.764, de 28 de junho de 1870. O Decreto nº 4.856, de 30 de
dezembro de 1871, marca o primeiro recenseamento simultâneo da popula-
ção para o dia 1º de agosto de 1872.
3 de dezembro de 1870. É publicado no Rio de Janeiro, capital do
Império, o Jornal “A República”, trazendo em sua edição o “Manifesto Republi-
cano”. Antes, em novembro, os cidadãos Lafaiete Rodrigues Pereira, Cristiano
Benedito Otôni, Rangel Pestana, Henrique Limpo de Abreu, Miguel Vieira
Ferreira e outros fundaram o “Clube Republicano”.
No mesmo ano, em São Paulo, Manoel Ferraz de Campos Sales, Américo
Brasiliense de Almeida e Melo, José Vasconcelos de Almeida Prado, Joaquim
Roberto de Azevedo Marques, Quirino dos Santos, Luís Gama, José Ferreira
de Meneses, Bernardino de Campos, Francisco de Paula Cruz e Olímpio da
Paixão organizaram o Clube Paulistano.
Em janeiro de 1872 é fundado o Partido Republicano Paulista que, jun-
to com o Partido Republicano Mineiro, fundado em 1888, vem a dominar a
Primeira República. Em 1873 é realizada a “Convenção Republicana de Itú”.
A adesão de intelectuais e parlamentares dão forças ao movimento e
com isso passa a ter representação política. Ao longo dos anos seguintes ocor-
re intensa divulgação das idéias republicanas.
Estas não ficam restritas somente às academias de direito, mas atingem
também a própria Escola Militar, onde o professor Tenente-Coronel Benjamim
Constant Botelho de Magalhães prega contra a monarquia e consegue adep-
tos para sua causa.
Outros republicanos ardorosos pregam suas idéias: em Minas Gerais,
Joaquim Felício dos Santos; no Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos; em
Pernambuco, José Isidoro Martins Júnior; na Bahía, Virgílio Clímaco Damásio;
e no Rio de Janeiro, Lopes Trovão, Quintino Bocaiuva e Silva Jardim.
Com isso, a partir do ano de 1870, duas novas forças políticas começam
a predominar no Império, o republicanismo e o novo Exército, que havia
começado a reforma da sua estrutura aristrocrática a partir da década de
1840. Publicações das décadas seguintes refletiam seus pensamentos e o pre-
paro técnico-político de seus oficiais.
No ano da Proclamação da República o Brasil já vai contar com 237
clubes republicanos, os quais dispunham de 74 jornais e periódicos.

3 de maio de 1871. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-


bléia Geral Legislativa. Terceira Sessão da 14ª Legislatura. Plenário. O Impe-
rador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “(...) Considerações da maior
importancia aconselhão que a reforma da legislação sobre o estado servil não continue

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236 Casimiro Neto

a ser uma aspiração nacional indefinida e incerta. É tempo de resolver esta questão, e
vossa esclarecida prudencia saberá conciliar o respeito á propriedade existente com esse
melhoramento social que requerem nossa civilisação e até o interesse dos proprietarios.
O governo manifestar-vos-ha opportunamente todo o seu pensamento sobre as
reformas para que tenho chamado a vossa attenção”.

12 de maio de 1871. Plenário. Sessão noturna. Anuncia-se a chegada


do Ministro e Secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas Depu-
tado Theodoro Machado Freire Pereira da Silva (PE) – do 25º Gabinete, de
José Maria da Silva Paranhos (BA), Visconde do Rio Branco, que havia assu-
mido o governo a 7 de março. É nomeada uma comissão de deputados para
recebê-lo, o qual, sendo introduzido com as formalidades de estilo, toma as-
sento à direita do Presidente e, em seguida, procede à leitura da seguinte
proposta: “Augustos e dignissimos Srs. Representantes da nação. Não convindo que
continue indecisa a solução da questão servil, urge dirigi-la com acerto por causa da
fortuna particular e pública.
Disposto o governo imperial a concorrer para que adopteis providencias que
realizem pausada, mas successivamente a emancipação da escravatura no Brazil, de
ordem de S.M. o Imperador tenho a honra de apresentar-vos a proposta seguinte, na
qual a sorte das gerações futuras e os direitos da propriedade existente são atendidos . É
lida a proposta que na sua essência “Declara de condição livre os filhos de mulher
escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos pertencentes à Nação,
os de usufruto da Corôa, os de heranças vagas e os abandonados por seus senhores, e
providencia sobre a criação e tratamento daqueles filhos menores e ainda sobre a liber-
tação anual de escravos em cada Província de acordo com a quota anualmente dispo-
nível do fundo destinado para a emancipação”. Grifado pelo compilador. Assina a pro-
posição o próprio Ministro e Secretário da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas Deputado Theodoro Machado Freire Pereira da Silva (PE). A propo-
sição recebe o nº 167. O Deputado Cândido Mendes de Almeida (MA) apre-
senta requerimento de urgência “para que seja eleita uma comissão especial com-
posta por cinco membros para dar o parecer”. No dia 15 de maio é eleita a
Comissão Especial composta pelos Deputados Luís Antônio Pereira Franco
(BA), Joaquim Pinto de Campos (PE), Raimundo Ferreira de Araújo Lima
(CE), João Mendes de Almeida (SP), e Ângelo Tomás do Amaral (AM). A
proposta é objeto de intensos debates, inclusive na sessão do dia 10 de junho.
Em 30 de junho, o Deputado Monsenhor Joaquim Pinto de Campos (PE),
relator da Comissão Especial, pede permissão e lê um extenso, detalhado e
erudito parecer com emendas ao projeto original, mas que não alteram a
essência da proposta governamental. Na sessão de 6 de julho o Deputado
Agostinho Marques Perdigão Malheiros (MG) envia à Mesa mais um requeri-
mento, para que se requisitassem, com urgência, do Governo Imperial, exem-
plares do folheto impresso em 1868, contendo projetos e trabalhos do Con-
selho de Estado sobre o elemento servil, e para que se imprimissem e
distribuissem os trabalhos do mesmo Conselho por ele pedidos e já recebidos

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A Construção da Democracia 237

pela Câmara dos Deputados. No dia 10 entra em segunda discussão e neste


mesmo dia o Presidente do Conselho de Ministros, José Maria da Silva
Paranhos (BA), Visconde do Rio Branco, profere um dos seus mais notáveis
discursos, que leva à vitória a tramitação da proposição da “Lei do Ventre Livre”.
Nos meses de julho e agosto continuam as discussões, sendo aprovado em
terceira discussão no dia 28 de agosto. Antes, em 18 de agosto, o Deputado
Agostinho Marques Perdigão Malheiro (MG) apresentara emendas substitutivas
ao projeto inicial. A redação final é aprovada em 29 de agosto, sendo, então,
o projeto enviado ao Senado Federal, o qual é transformado na Lei nº 2.040,
de 28 de setembro de 1871. É um passo decisivo para a abolição gradual da
escravatura e passa a ser conhecida como “Lei do Ventre Livre”.
O programa do 25º Gabinete, de José Maria da Silva Paranhos, Viscon-
de do Rio Branco (BA), que assumiu o governo a 7 de março de 1871 era a
“Questão servil” (libertação do ventre), que foi objeto principal da “Fala do
Trono” de 3 de maio de 1871. Este ministério sofreu a mais enérgica e inteli-
gente oposição de que há notícia, registrada nos “Annaes Parlamentares”, mas o
Visconde do Rio Branco, vencendo todas as dificuldades, fez passar, ainda
que por poucos votos, a “Lei do Ventre Livre”, em virtude da qual ninguém
mais nasceria escravo no Brasil.
17 de maio de 1871. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impera-
dor D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 1.913, que “outorga o consentimento
de que trata o Art. 104 da Constituição Política do Império, e declara que, na ausência
de Vossa Magestade Imperial governará como Regente, a Princesa Imperial a Senhora
D. Izabel”. No dia 20 de maio a Princesa Imperial Regente, D. Isabel Cristina
Leopoldina Augusta, jura a Constituição e assume a regência do trono. É
outorgada ao Imperador D. Pedro II a faculdade para ausentar-se tempora-
riamente do Brasil para tratamento e restabelecimento da saúde da Impera-
triz Dona Teresa Cristina. Partiu para a Europa no dia 25 de maio de 1871,
pretendendo retornar ao Império em abril de 1872. Retorna no dia 31 de
março de 1872, quando reassume o poder.

23 de agosto de 1871. Plenário. O Deputado Antônio da Costa Pinto e


Silva (SP) apresenta proposição que “autoriza a ser alforriados pela casa imperial,
independente de indenização, os escravos da nação, cujos serviços foram dados em
usufruto à Corôa”. Grifado pelo compilador.
20 de setembro de 1871. A Princesa Imperial Regente, Senhora D. Izabel,
em nome do Imperador D. Pedro II, faz saber a todos os subditos do Império que a
Assemblea Geral Legislativa decretou e ela sanccionou a Carta de Lei nº 2.033, que
“trata da reforma judiciária, alterando diferentes disposições da Legislação Judiciá-
ria e manda que sejam consolidadas as disposições legislativas e regulamentares,
concernentes ao processo civil e criminal”. Em 22 de novembro de 1871 é expe-
dido o Decreto nº 4.824, que “regula a execução desta reforma” e em 6 de
novembro de 1872 é expedido o Decreto nº 5.129, que “dá as instruções para

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238 Casimiro Neto

consolidação das disposições legislativas e regulamentares concernentes ao processo


civil e criminal”.
28 de setembro de 1871. A Princesa Imperial Regente, Senhora D. Izabel,
em nome do Imperador D. Pedro II, faz saber a todos os subditos do Imperio que a
Assembléa Geral Legislativa decreta e ela sancciona a Carta de Lei nº 2.040 que
“declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta
lei, libertos os escravos pertencentes à Nação, os de usufruto da Corôa, os de heranças
vagas e os abandonados por seus senhores, e providencia sobre a criação e tratamento
daqueles filhos menores e ainda sobre a libertação anual de escravos em cada Província
de acordo com a quota anualmente disponível do fundo destinado para a emancipa-
ção”. Grifado pelo compilador. Vitória da Câmara dos Deputados. É a abolição
gradual da escravatura e fica conhecida como “Lei do Ventre Livre ou Lei dos
Nascituros”. É assinada pela Princesa Imperial Regente, D. Isabel Cristina
Leopoldina Augusta, na ausência do Imperador D. Pedro II, que se encon-
tra em viagem ao exterior. Esta lei teve origem no Projeto de nº 167, que foi
apresentado em Plenário, no dia 12 de maio de 1871, pelo Ministro e Se-
cretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas Deputado Theodoro
Machado Freire Pereira da Silva (PE). O Decreto nº 4.815, de 11 de novem-
bro de 1871, “dá as instruções para a execução do Art. 6º”. O Decreto nº 4.835,
de 1º de dezembro do mesmo ano, “aprova o regulamento do Art. 8º da referida
lei, que trata da matrícula especial dos escravos e dos filhos livres da mulher escra-
va”. O Decreto nº 4.960, de 8 de maio de 1872, “altera o regulamento aprova-
do pelo Decreto nº 4.835, na parte relativa á matrícula dos filhos livres de mulher
escrava”. O Decreto nº 5.135, de 13 de novembro de 1872, “aprova o regula-
mento geral para a execução da Lei nº 2.040”. O Decreto nº 6.341, de 20 de
setembro de 1876, altera algumas disposições do regulamento aprovado
pelo Decreto nº 5.135. O Decreto nº 6.966, de 8 de julho de 1878, “altera o
regulamento aprovado pelo Decreto nº 4.835”. O Decreto nº 6.967, de 8 de
julho de 1878, “altera os regulamentos aprovados pelos Decretos nºs 4.835, 5.135
e 4.960”.
No encerramento da Sessão Legislativa, em 30 de setembro 1871, a
Princesa Imperial Regente, D. Isabel Cristina Leopoldina Augusta, em sua
“Fala do Trono” congratula-se com o Parlamento pela decretação da “Lei do
Ventre Livre ou Lei dos Nascituros”, declarando que esta lei marcaria “uma nova
éra de progresso material e moral do Brazil”.
Apesar do esforço dos gabinetes e dos vários decretos regulamentares a
“Lei do Ventre Livre” não trouxe os resultados esperados. A falta de aplicação
do fundo de emancipação deixa escravas milhares de pessoas que poderiam
ser libertadas. A venda dos serviços dos ingênuos é, na realidade, uma outra
forma de vender escravos. Na Câmara dos Deputados há intenso debate em
torno do fracasso desta lei e do fundo de emancipação. O Gabinete Imperial
expede várias decisões de governo durante as décadas de 70 e 80, visando
dirimir dúvidas sobre a lei, sem conseguir seu intento. Os atos de rebeldia

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A Construção da Democracia 239

levam agitação social em vários pontos do País e o abolicionismo passa a


dominar a realidade nacional.
Ainda durante o ano de 1871, por ocasião da promulgação da “Lei do
Ventre Livre ou Lei dos Nascituros”, encontrando-se, na Presidência do Conselho
de Ministros, José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco (BA), a
maçonaria resolve promover-lhe uma homenagem, na qual discursa o Padre
Almeida Martins, também maçon. O sermão ao homenageado está baseado
em termos tirados da linguagem maçônica. Quando o Bispo do Rio de Janei-
ro, D. Pedro Maria de Lacerda toma conhecimento do discurso pronunciado
pelo padre, aconselha-o a deixar a maçonaria, no que não é atendido. O
bispo decide suspender o padre de suas funcões. Começa, então, a polêmica
entre os sacerdotes maçons, a Igreja Católica, os Bispos D. Vital (Frei Vital
Maria Gonçalves de Oliveira) – Bispo de Olinda –, D. Antônio de Macedo
Costa, Bispo do Pará, e o Governo Imperial. Em 1874, os Bispos de Olinda e
Pará são duramente punidos pelo Imperador D. Pedro II com 4 anos de pri-
são em regime de trabalhos forçados. A pena é comutada para prisão sim-
ples. O Papa Pio IX, que a princípio desaprovara o procedimento dos bispos,
não gosta das medidas tomadas pelo Governo brasileiro e o problema torna-
se um caso internacional. A denominada “Questão Religiosa” só vai terminar
em meados do ano de 1875, quando é proposta anistia aos bispos condena-
dos. O Imperador D. Pedro II a aprova e o Presidente do Conselho de Minis-
tros José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco (BA), é substituí-
do pelo 26º Gabinete chefiado pelo Marechal Luís Alves de Lima e Silva (RJ),
Barão, Conde, Marquês e Duque de Caxias. Neste Gabinete, Duque de Caxias
acumula, também, o cargo de Ministro e Secretário de Estado da Guerra.
A conflitante “Questão Religiosa” só aconteceu porque a união entre o
“trono e o altar”, prevista na Constituição Política do Império do Brasil, era
uma fonte potencial de conflito. O Brasil herdara de Portugual o regime do
padroado. O Governo indicava os principais sacerdotes e os padres eram
pagos pelo Estado. Mas as bulas papais só teriam aplicação no País com o
beneplácito do Imperador. Em 1848, o Papa Pio IX assume o trono religoso
criticando as liberdades modernas em voga no mundo e reafirma a prepon-
derância da Igreja Católica e em 1870, no Vaticano, é aprovada o dogma da
infalibilidade papal.
3 de maio de 1872. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assembléia
Geral Legislativa. Quarta Sessão Legislativa da 14ª Legislatura. Plenário. O
Imperador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “(...) Augustos e dignissimos
Srs. representantes da nação. Venho com o mais vivo prazer abrir a presente sessão da
assembléa geral. Este anniversario, que é sempre para todos um motivo de regozijo, offerece-
me hoje a opportunidade de agradecer o consentimento que outorgastes para que eu
pudesse sahir do Imperio por alguns mezes, como pedia a saude de minha cara esposa.
Mercê de Deus, effectuei a viagem e regressei á nossa amada patria com a maior
felicidade, tendo encontrado entre todos os povos, que visitei, benevolo e obsequioso
acolhimento, de que conservarei a mais grata recordação.

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240 Casimiro Neto

(...) A acquisição de braços uteis, que ha sido objecto constante de nossos cuida-
dos, depois da reforma decretada pela lei de 28 de setembro, exigirá de dia em dia mais
efficazes providencias. O governo desvela-se em dissipar os receios que essa importante
reforma poderia incutir; e folgo de manifestar-vos que os mesmos proprietarios agricolas
têm concorrido, conforme se esperava, para a melhor execução da lei”. Grifado pelo
compilador.
Somente no ano de 1885 a extinção da escravatura voltou a ser citada
nas “Falas do Trono”.

22 de maio de 1872. 12 horas. Plenário. Presidência do Deputado


Jerônimo José Teixeira Júnior (RJ). O Primeiro-Secretario, Deputado Joa-
quim Pires de Machado Portela (PE) procede à leitura de um ofício do Minis-
tro e Secretário de Estado dos Negócios do Império João Alfredo Correa de
Oliveira (PE), remetendo cópia do Decreto nº 4.965, com o seguinte teor:
“Usando da attribuição que me confere a constituição no art. 101 § 5º, e tendo ouvido
o meu conselho de estado, hei por bem dissolver a camara dos deputados, e convocar
outra, que se reunirá no dia 1 de Dezembro do corrente anno.
O Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira, do meu conselho, ministro e secretario de
estado dos negocios do Imperio, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio
de Janeiro, em 22 de Maio de 1872, 51º da Independencia e do Imperio. – Com a
rubrica de Sua Magestade o Imperador”. Grifado pelo compilador.
Finda a leitura, o Presidente declara que a Câmara dos Deputados fica
inteirada, e convida os parlamentares a conservarem-se nos seus lugares en-
quanto se lavra a ata da sessão, que é, pouco depois, lida e assinada.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 22 de maio de


1872 a 13 de novembro do mesmo ano.

Durante o ano de 1874 são expedidos vários decretos autorizando a


celebração de contrato com terceiros para a introdução de imigrantes nas
várias províncias brasileiras.

20 de outubro de 1875. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o


Imperador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 2.675, que “reforma a
legislação eleitoral e autoriza o governo colligir e publicar por decreto todas as dispo-
sições que ficam vigorando em relação ao processo eleitoral”. Grifado pelo compilador.
Fica abolido o voto distrital. Aprovada durante o “Gabinete Conservador do
Marechal Luís Alves de Lima e Silva (RJ) – Duque de Caxias”, esta reforma ins-
tala a representação das minorias ou do terço e atende às exigências de
melhoria do processo eleitoral. Determina que as eleições para deputados à
Assembléia Geral e para membros das assembléias legislativas fossem reali-
zadas por províncias. Fica conhecida como “Lei do Terço”, porque obrigava
que os partidos ou coligações vitoriosos preenchessem dois terços dos car-
gos, e o restante fosse ocupado por partidos minoritários, além de instituir o
título eleitoral. Continua o sistema indireto (colégio eleitoral censitário). Esta

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A Construção da Democracia 241

lei vai perdurar até a 17ª Legislatura – 1878-1881. Continua a discrimina-


ção eleitoral: votam apenas os homens livres, maiores de 25 anos e donos
de determinada renda anual.
O Decreto nº 6.097, de 12 de janeiro de 1876, “manda observar as instru-
ções regulamentares para execução da reforma da legislação eleitoral”. O Decreto
nº 6.241, de 5 de julho de 1876, “fixa o número de eleitores das paróquias do
Império do Brasil”.
Esta lei cai logo em descrédito com a opinião pública manifestando-se
pela necessidade de sua substituição. O falseamento do voto é o caminho
mais curto para chegar-se ao aniquilamento das instituições livres e o meio
mais seguro de consagrar a onipotência de outros poderes. A questão eleito-
ral é complexa, depende da instrução do povo, dos costumes públicos, da
moralidade dos governos, da leal execução das leis, e do respeito aos direitos
políticos do cidadão.
Ainda no dia 20 de outubro de 1875, a Assembléa Geral Legislativa
decreta e o Imperador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 2.677, que
“outorga o consentimento de que trata o art. 104 da Constituição para que S. M. o
Imperador possa sair do Império, e declara que, durante sua ausência governará como
regente a Princesa Imperial, Srª D. Izabel”. Segunda viagem do Imperador
D. Pedro II à Europa.

23 de outubro de 1875. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Im-


perador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 2.682, que “regula o direito que
tem o fabricante e o negociante, de marcar os produtos de sua manufatura e de seu
comércio”.

2 de fevereiro de 1876. É expedido ofício do Ministro e Secretário de


Estado dos Negócios do Império José Bento da Cunha e Figueiredo (PE),
depois Visconde de Bom Conselho, remetendo cópia do Decreto nº 6.114,
com o seguinte teor: “Usando da autorização conferida no art. 5º do Decreto nº 2.675
de 20 de Outubro de 1875, Hei por bem Espaçar para o dia 31 de Dezembro do
corrente anno a reunião da Assembléa Geral convocada pelo Decreto nº 5.657 de 3 de
Junho de 1874 para a 16ª legislatura.
O Dr. José Bento da Cunha e Figueiredo, do Meu Conselho, Senador do Imperio,
Ministro e Secretario de Estado, dos Negocios do Imperio, assim o tenha entendido e
faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em dous de Fevereiro de mil oitocentos setenta
e seis, quinquagesimo da Independencia e do Imperio. – Com a rubrica de Sua Magestade
o Imperador”. Grifado pelo compilador.
Vale registrar que ainda no ano de 1876, a Tipografia Nacional publi-
cou o “Manifesto da Sociedade Abolicionista Bahiana” em que diz: “A petição que os
abaixo assignados tem a honra de apresentar ao corpo legislativo, adiantando de muito
o problema da abolição, é antes de tudo a confirmação de um direito que tem sido
esquecido dos poderes publicos, e depois, a direcção dada ás forças nacionaes que cami-
nham em busca do futuro.

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242 Casimiro Neto

No estado actual de agitação dos espiritos, a luta se pode travar de um momento


para outro, quando a acção do abolicionismo encontrar a covardia dos juízes, acaute-
lando-se nas malhas da chicana, ou a prepotencia do possuidor de escravos, resistindo
com preço avultado de estimativa para o resgate da mercadoria!
Contra os primeiros, actue o governo creando o processo simples e claro para as
acções de liberdade, e não exigindo outra prova senão aquella pela qual garantia o
direito de posse.
Contra os segundos determine o valor do escravo pelo capital que elle representa
effectivamente, única base justa de transacção commercial”. Grifado pelo compilador.
Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 10 de outubro de
1875 a 12 de dezembro de 1876.

26 de março de 1876. O Imperador D. Pedro II viaja e a Princesa Impe-


rial Regente, D. Isabel Cristina Leopoldina Augusta, assume novamente o
Governo. O Imperador retorna ao Brasil no dia 25 de setembro de 1877.

3 de julho de 1877. Plenário. O Deputado Agostinho Marques Perdi-


gão Malheiro (MG) apresenta o Projeto de Lei nº 130 que “prohibe, sob as penas
de 1 a 8 annos de prisão e multa, o comércio de escravos, quer de umas para outras
províncias do Império, quer dentro da mesma província ou do município neutro”.
Grifado pelo compilador. Enviado às Comissões de Agricultura, de Justiça Civil e
Justiça Criminal, não teve andamento.

11 de abril de 1878. É expedido ofício do Ministro e Secretário de


Estado dos Negócios do Império Carlos Leôncio de Carvalho (RJ), remeten-
do cópia do Decreto nº 6.880 com o seguinte teor: “Usando da attribuição que
Me confere a Constituição Política do Imperio no art. 101 § 5º e Tendo ouvido o Meu
Conselho de Estado: Hei por bem dissolver a Camara dos Deputados e convocar outra,
que se reunirá no dia 15 de Dezembro do corrente anno.
O Dr. Carlos Leoncio de Carvalho, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de
Estado dos Negocios do Imperio, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do
Rio de Janeiro, em 11 de Abril de 1878, 57º da Independencia e do Imperio. – Com a
rubrica de Sua Magestade o Imperador”. Grifado pelo compilador.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 11 de abril de


1878 a 26 de novembro do mesmo ano.
O ano de 1878 é atípico para o Segundo Império. O flagelo da seca
devasta as províncias do Norte e Nordeste, estanca as fontes de produção e
esgota os recursos do Tesouro. A epidemia da varíola se desenvolve com in-
tensidade. A dívida herdada com a Guerra do Paraguai, os gastos oriundos
com a previsão de conflito com a República Argentina e o excesso de pessoal na
folha de pagamento da Administração Pública deixa em estado crítico as
finanças da Nação. É necessário e é autorizada a emissão de papel-moeda
para suprir a deficiência do meio circulante. Mesmo assim a Câmara dos

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A Construção da Democracia 243

Deputados foi dissolvida, deixando aparentes as indecisões e o desprestígio


dos liberais que se encontravam no poder.
Na “Fala do Trono” por ocasião da “Sessão imperial de abertura da 1ª sessão
da 17ª legislatura da Assembléa Geral Legislativa”, em 15 de dezembro de 1878,
o Imperador D. Pedro II trata do assunto: “(...) A saúde pública não tem sido
satisfactoria; no decurso do verão passado, febres de natureza diversa se manifestaram
nesta capital e em algumas provincias do norte; desenvolvendo-se tambem com inten-
sidade a epidemia da variola. É de esperar que por effeito das medidas tomadas para
debellar as causas do mal, e com o favor do Altissimo, se consiga melhorar o estado
sanitario.
O flagello da secca devasta ha quasi dous annos uma parte consideravel do
Norte do Imperio, affligindo profundamente o Meu coração: para minorar as conse-
quencias de tamanha calamidade tem o Governo empregado os meios a seu alcance,
fazendo remessas frequentes de generos alimenticios e fornecendo trabalho”. Grifado
pelo compilador.

12 de fevereiro de 1879. Plenário. O Deputado Antônio Eleutério de


Camargo (RS) apresenta o Projeto de Lei nº 65, que “prohibe o comércio e trans-
porte de escravos de umas para outras províncias do Império”. Grifado pelo compilador.
É remetido à Comissão de Fazenda e não teve andamento.
Projeto semelhante ao de nº 117, do Deputado João Maurício Wanderley
(BA), depois Barão de Cotegipe, apresentado em 1854, que dava ao Governo
Imperial atribuição para fixar o número de escravos que podiam viajar em
companhia dos seus senhores. Além disso, proibia o comércio e transporte de
escravos de umas para as outras províncias do Império, idéia esta consigna-
da, também, no Projeto de Lei nº 130, de 3 de julho de 1877, do Deputado
Agostinho Marques Perdigão Malheiro (MG).

15 de março de 1879. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-


rador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 2.827, que “dispõe o modo como
deve ser feito o contrato de locação de serviços aplicados à agricultura”. Regulando a
locação de serviços na agricultura, da parceria agrícola e pecuária, dos es-
trangeiros e imigrantes.

21 de março de 1879. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado


Jerônimo Sodré Pereira (BA) lança na Câmara um apelo em favor da aboli-
ção: “Senhores, não nos enganemos: a grande propriedade que repousa sobre o ele-
mento servil, é a estátua de bronze, que Nabucodonosor viu em sonho, estátua de
bronze com pés de barro! A pedra já começou a rolar da montanha e, brevemente, tenho
fé em Deus, há de tocar o pé do colosso e há de derribá-lo por terra!”. Grifado pelo
compilador. Diz ainda que é chegada a hora da discussão e de resolver o proble-
ma, pois é uma questão de mera apreciação.
13 de novembro de 1879. Doze horas. Sessão Extraordinária. Plenário.
Presidência do Deputado Camilo Maria Ferreira Armond, Visconde de Pra-

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244 Casimiro Neto

dos (MG). O Primeiro-Secretario, Deputado José Cesário de Faria Alvim (MG),


procede à leitura de um ofício do Ministro e Secretário de Estado dos Negó-
cios do Império Francisco Maria Sodré Pereira (BA), remetendo cópia do
Decreto nº 7.535 com o seguinte teor: “Usando da attribuição que me confere o
art. 101 § 5º da constituição do Imperio, Hei por bem Adiar a assembléa geral legislativa
para o dia 15 de abril de 1880.
Francisco Maria Sodré Pereira, do meu conselho, ministro e secretario de Estado
dos negocios do Imperio, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de
Janeiro, em 12 de Novembro de 1879, 58º da Independencia e do Imperio. – Com a
rubrica de Sua Magestade o Imperador”. Grifado pelo compilador.
“O Sr. Presidente declara que, á vista do decreto que se acabava de ler, estava
adiada a Camara dos Srs. Deputados, e convida os parlamentares presentes a se con-
servarem em seus lugares até se lavrar a ata da sessão, que pouco depois é aprovada”.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 13 de novembro


de 1879 a 14 de abril de 1880.

Com esse decreto de adiamento é encerrado o último ano legislativo da


década de 70. A década dos questionamentos à continuidade da escravidão e
da crítica às distinções raciais e sociais entre a população livre. Os pronuncia-
mentos e os projetos apresentados na tribuna da Câmara dos Deputados
empolgaram as camadas populares. É o prenúncio de uma nova realidade
que vai se concretizar, finalmente, na próxima década.
A abolição total da escravatura é uma bandeira de luta e passa a ser
agitada em particular devido à atuação de políticos como Joaquim Aurélio
Barreto Nabuco de Araújo (PE), que empolga a Câmara dos Deputados e
domina as multidões pelo poder de suas palavras e sua atuação; além de
Jerônimo Sodré Pereira (BA), Joaquim Maria Serra (MA), José Mariano Car-
neiro da Cunha (PE), e Sancho de Barros Pimentel (SE) e de representantes
expressivos da inteligência negra, como José do Patrocínio, extraordinário
jornalista e assombroso tribuno, poderosamente auxiliado por todos que o
cercam e os que o seguem, sacode a Nação inteira com a magia da sua
palavra cadente, e mais Luíz Gama, João Fernandes Clapp, e André
Rebouças.
Não podemos esquecer de citar Rui Barbosa de Oliveira (BA), que pro-
clama desde 1869 a ilegalidade do cativeiro e toma depois lugar à frente da
campanha, em surtos de eloqüência; Augusto Teixeira de Freitas, o grande
civilista, que se nega a codificar na sua erudita “Consolidação das Leis Civis” os
dispositivos legais que se relacionam com a escravidão; oficiais e praças do
Exército que se negam a capturar os escravos fugitivos; inúmeros jornais e
periódicos a despertar na sociedade o valor das idéias em discussão; Castro
Alves com o “O Navio Negreiro” e “Escrava Isaura”; e de Bernardo Guimarães,
um dos grandes romancistas da época, despertando a consciência em prol
dos escravos.

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A Construção da Democracia 245

Ainda no ano de 1880 é fundada a Sociedade Brasileira Contra a Escravi-


dão, que se encarrega de uma bem elaborada campanha que passa a receber
adesões importantes nas mais diferentes camadas sociais do Império. Lança
o “Manifesto da sociedade brasileira contra a escravidão”, onde em um dos trechos
está assim redigido: “Não se enganem os nossos inimigos: nós representamos o direi-
to moderno. A cada victoria nossa, o mundo estremecerá de alegria; a cada victoria
delles, o paiz soffrerá uma nova humilhação. (...) há muitos annos que foi collocada a
primeira pedra do grande edificio, mas nós chegamos ainda á tempo de lançar os
nossos obscuros nomes nos alicerces de uma nova patria”. Critica a atuação do Par-
tido Liberal, mostra que a escravidão é a causa do atraso brasileiro em rela-
ção a outros países e deixa claro suas intenções contra os senhores de escra-
vos. O povo por toda parte funda associações libertadoras, auxilia os chefes
do movimento, avança contra todos os tropeços e vibra de entusiasmo a cada
vitória da grande causa. Com isso a campanha abolicionista é transportada
vitoriosamente da rua para o Parlamento.
12 de agosto de 1880. Plenário. Os Deputados Antônio Moreira de
Barros (SP), Manoel Batista da Cruz Tamandaré (SP), Olegário Herculano
d’Aquino e Castro (SP) apresentam o Projeto de Lei nº 85, que “prohibe o
comércio e o transporte de escravos de umas para outras provincias do Imperio”. Ten-
tam em vão fazer vingar os dispositivos de outros projetos semelhantes, quer
com relação à venda, quer com referência ao transporte dos escravos, exce-
ção feita aos que viajassem com os respectivos senhores ou com estes mudas-
sem de uma para outra província, em número fixado em regulamento.
9 de janeiro de 1881. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro II sanciona Carta de Lei nº 3.029, que “reforma a legislação
eleitoral”. É a última reforma eleitoral do Império e fica conhecida como “Lei
Saraiva”. Esta lei vai perdurar até a 20ª Legislatura – 1886/1889. As nomea-
ções dos senadores e deputados para a Assembléia Geral Legislativa, mem-
bros das Assembléias Legislativas Provinciais, e quaisquer autoridades eletivas
passam a ser feitas através de eleições diretas, antes escolhidos por colégio
eleitoral censitário. O voto é secreto e o alistamento preparado pela Justiça.
Regulamenta as imunidades, impõe penalidades rigorosas contra as fraudes
eleitorais, alarga o voto aos naturalizados, católicos e libertos (escravos li-
vres). Passam a tomar parte nas eleições todos os cidadãos brasileiros alista-
dos eleitores e que se acharem no gozo dos direitos políticos. É o retorno às
eleições distritais com as províncias sendo divididas em tantos distritos elei-
torais quantos forem os seus deputados à Assembléia Geral Legislativa, resta-
belecendo os distritos com um só deputado. O Deputado Rui Barbosa de
Oliveira (BA) é um dos destaques na elaboração desta lei. Para as eleições
provinciais continua o estabelecido na Carta de Lei nº 842, de 19 de setem-
bro de 1855, com os distritos elegendo vários deputados. Em 29 de janeiro
de 1881 é expedido o Decreto nº 7.981, com a rubrica do Imperador
D. Pedro II, que “manda observar as instruções para o primeiro alistamento dos

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246 Casimiro Neto

eleitores do Império do Brasil”. Em 13 de agosto de 1881 é expedido o Decreto


nº 8.213, com a rubrica do Imperador D. Pedro II, que “regula a execução da
Lei nº 3.029 que reformou a legislação eleitoral”. Em 17 de novembro de 1881 é
expedido o Decreto nº 8.308, tratando do mesmo assunto. Em 7 de outubro
de 1882 é expedido o Decreto Legislativo nº 3.122, alterando disposições da
Lei nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881.
Vale registrar, que na sessão de 30 de junho de 1882, havendo o Depu-
tado Inácio Antônio de Assis Martins (MG) requerido urgência para que en-
trasse na Ordem do Dia o projeto da Comissão Mista nomeada para rever o
regulamento eleitoral de 13 de agosto de 1881, o Ministro e Secretário dos
Negócios do Império, Deputado Rodolfo Epifânio de Sousa Dantas (BA),
declara que o Ministério considera inoportuna a discussão daquele projeto, o
que o levava a fazer da rejeição da urgência uma questão de confiança políti-
ca. Entretanto, sendo concedida a urgência requerida, em votação nominal,
por 63 votos favoráveis e 45 contra, o Presidente do Conselho de Ministros,
Martinho Álvares da Silva Campos (MG), apresentou ao Imperador D. Pedro
II a demissão coletiva do Ministério.
30 de junho de 1881. É expedido ofício do Ministro e Secretário de
Estado dos Negócios do Império Francisco Inácio Marcondes Homem de
Melo (SP), Barão Homem de Mello, remetendo cópia do Decreto nº 8.153,
com o seguinte teor: “Usando da attribuição que me confere a Constituição Politica
do Imperio no art. 101 § 5º, e tendo ouvido o meu Conselho de Estado, hei por bem
dissolver a Camara dos Deputados e convocar outra, que se reunirá no dia 31 de
dezembro proximo futuro.
O Barão Homem de Mello, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de Estado
dos Negocios do Imperio, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de
Janeiro em 30 de junho de 1881, 60º da Independencia e do Imperio. – Com a rubrica
de Sua Magestade o Imperador”. Grifado pelo compilador.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 12 de março de


1881 a 12 dezembro do mesmo ano.

4 de setembro de 1882. Plenário. O Deputado Leandro de Chaves Mello


Ratisbona (CE) apresenta o Projeto de Lei nº 281, tratando da “prohibição do
commercio de escravos em todo o Imperio e da venda dos mesmos de provincia a
provincia”. Grifado pelo compilador. Em relação aos outros que tratam do mesmo
assunto, este é mais amplo e mais detalhado, mas ficou retido na pasta da
Comissão de Justiça Civil sem ter andamento.
14 de outubro de 1882. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro II sanciona Carta de Lei nº 3.129, que “regula a concessão de
patentes aos autores de invenção ou descoberta industrial”. Segunda tentativa de re-
gular a propriedade de marcas e patentes no Brasil-Império. O Decreto nº 8.820,
de 30 de dezembro de 1882, aprova o regulamento para execução desta lei.

Sem título-2 246 7/5/2004, 10:20


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A Construção da Democracia 247

4 de novembro de 1882. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o


Imperador D. Pedro II sanciona Carta de Lei nº 3.150, que “regula o estabele-
cimento de companhias e sociedades anonimas”. O Decreto nº 8.821, de 30 de
dezembro de 1882, dá o regulamento para execução desta lei. A indústria
demandava recursos volumosos, dificilmente acessíveis aos poucos empresá-
rios dispostos a arriscar seu capital fora do esquema tradicional da monocultura
de exportação. Além disto, o temor da especulação financeira havia determi-
nado um rígido controle do Estado sobre as sociedades anônimas. Com a
reformulação implantada através desta nova lei de orientação liberal, o volu-
me de negócios se multiplica nos anos seguintes.
21 de abril de 1883. É expedido o Decreto nº 8.935, com a rubrica do
Imperador D. Pedro II, que “approva o regulamento para conccessão e colocação de
linhas telefonicas”.

26 de maio de 1883. Plenário. O Presidente do Conselho de Ministros


Lafaiette Rodrigues Pereira (MG) – 31º Gabinete –, ao apresentar seu progra-
ma de governo assim se expressa sobre a escravidão: “Entre as questões que mais
preocupam a attençaõ do paiz, sobreleva, pela sua gravidade e pelos effeitos economicos
e sociaes, a do elemento servil. Vós o sabeis, a lei de 28 de setembro de 1871 organisou
um mecanismo simples e efficaz, por meio de cuja acção, dentro de um prazo, que não
será longo, o elemento servil estará extincto em todo o Imperio. Mas, pergunto-vos: não
será possivel adoptar, alguma medida, no sentido de auxiliar, de facilitar a acção da lei
de 28 de setembro?
Senhores, é esta uma questão, ácerca da qual a palavra do governo deve ser
clara e precisa. O governo entende que é tempo de estabelecer, por lei geral, a locali-
sação do elemento servil nas provincias. (Apoiados.) É uma medida que tem sido
adoptada pelas assembléas provinciaes, mas sem a necessaria efficacia, porque falta-
lhes competência para estabelecer a conveniente sancção. A adopção deste alvitre por
lei geral preparará elementos que contribuirão para facilitar a solução desta questão.
(Apoiados.)
Uma outra providência, que tambem póde ser deliberada, é a do augmento dos
recursos do fundo de emancipação, como seria a creação de um imposto especial sobre o
proprio elemento servil. (Apoiados.) O governo opportunamente occupará a attenção
do corpo legislativo com este assumpto.
O governo, no entanto, lançará mão das medidas que estão em sua alçada para
que as manumissões por meio do fundo de emancipação se façam com a promptidão e a
correcção necessarias”. Grifado pelo compilador.
2 de agosto de 1883. Plenário. O Ministro e Secretário da Agricultura,
Deputado Affonso Augusto Moreira Penna (MG), é recebido com as formali-
dades de estilo e lê a proposta do governo que “adopta providências tendentes a
fixar a residência dos escravos nas províncias onde se acham domiciliados e aumenta o
fundo de emancipação criado pela Lei nº 2.040 com o objetivo de extinguir gradual-
mente o elemento servil no Império”. Grifado pelo compilador.

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248 Casimiro Neto

3 de setembro de 1883. Plenário. O Deputado José Leopoldo de Bulhões


Jardim (GO) apresenta o Projeto de Lei nº 120, que “declara livres, desde a data
da lei, todos os escravos existentes no império, ficando os libertos obrigados a prestação
de serviços aos seus ex-senhores pelo prazo de seis annos, salvos os resgates que estabe-
lece”. Grifado pelo compilador. Enviado à Comissão de Justiça Civil, não teve an-
damento.
Vale registrar, que neste ano de 1883 é fundada a “Confederação Abolicio-
nista do Rio de Janeiro” que faz publicar manifesto datado de 11 de agosto de
1883, onde traz um relato histórico da questão da escravidão no Brasil e suas
conseqüências à economia do País. Alí está escrito: “A escravidão e a pena de
morte já estão condemnadas pela sciencia e sem appello. Só falta que a legislação
arranque-as do seu codigo para inhumal-as nas miserias do passado”. João Fernandes
Clapp é o fiel escudeiro e presidente desta confederação.
Ainda durante este ano começa a polêmica sobre o que vai ser denomi-
nada mais tarde de “Questão Militar”. Na Escola Militar é formada uma comis-
são para combater a reforma do montepio dos militares, onde está prevista a
contribuição obrigatória. Os oficiais indicam o Tenente-Coronel Antônio de
Sena Madureira para combater o projeto apresentado no Senado pelo Presi-
dente do Conselho de Ministros João Lustosa da Cunha Paranaguá (PI), se-
gundo Visconde e depois segundo Marquês de Paranaguá. O Tenente-Coro-
nel Antônio de Sena Madureira conhecido pela veemência com que defendia
suas convicções, vai à imprensa e critica a reforma que tratou de inoportuna.
É punido por seus superiores.
Diante do inusitado, o Governo resolve proibir os militares de discutir
questões militares, pela imprensa, sem autorização do Ministro e Secretário
de Estado da Guerra, o que, evidentemente, desagrada aos atingidos pela
medida.
Em 1884, o Tenente-Coronel Antônio de Sena Madureira é punido com
a demissão do comando que exercia na Escola de Tiro de Campo Grande e
transferido para a Escola Preparatória de Rio Pardo (RS), porque se recusa a
prestar informações ao Ajudante-General do Exército Manoel Antônio da Fon-
seca Costa, Barão (RJ), Visconde e depois Marquês da Gávea, sobre uma home-
nagem festiva prestada ao jangadeiro cearense Francisco do Nascimento, que
se recusou a transportar e impediu o embarque de escravos para o Sul do País.
Transferido, o Tenente-Coronel Antônio de Sena Madureira contesta a decisão
do então Ministro e Secretário de Estado da Guerra, Felipe Franco de Sá (MA).
Em meados de 1885, o Coronel Cunha Matos, ligado aos liberais, apura
irregularidades administrativas e denuncia o extravio de fardamento em uma
companhia isolada, na Província do Piauí e pede o afastamento do coman-
dante corrupto, ligado aos conservadores. O caso torna-se motivo de debates
e muita polêmica. Na Câmara, o Deputado Simplício Coelho de Rezende (PI)
defende o comandante punido e acusa o Coronel Cunha Matos. O ressenti-
mento dos militares que tinham arriscado suas vidas pelo País na Guerra do
Paraguai não deixa o fato passar em branco. O Coronel Cunha Matos se

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A Construção da Democracia 249

defende pela imprensa – o que é proibido –, e o que ocasiona sua prisão por
48 horas, além de ser advertido na “Ordem do Dia” dos quartéis.
No mesmo mês, no Rio Grande do Sul, Júlio Prestes de Castilhos convi-
da o Tenente-Coronel Antônio de Sena Madureira a discutir a “Questão Mili-
tar” pelo seu jornal “A Federação” – explosivo órgão republicano. Aceito o con-
vite acaba sendo repreendido pelo Ministro e Secretário de Estado da Guerra
Alfredo Rodrigues Fernandes Chaves (RJ).
Face às punições que vem sofrendo os oficiais que discutem pela im-
prensa assuntos militares, o General Manoel Deodoro da Fonseca (AL), Co-
mandante de Armas e Presidente em exercício da Província do Rio Grande
do Sul, solidário com os companheiros de farda, autoriza uma reunião em
que protestam contra as punições e proibições. Diante desses fatos, o General
é destituído de todos os postos que ocupa na Província, sendo obrigado a
embarcar para o Rio de Janeiro, a chamado do Governo Imperial. o Tenente-
Coronel Antônio de Sena Madureira, em solidariedade ao General, se demi-
te. Chegando à Capital, no dia 26 de janeiro de 1887, ambos são recebidos
como heróis, em festiva recepção promovida pelos companheiros de farda e
pelos cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha.
O movimento militar se alastra de tal forma que o Governo, para pôr
termo à “Questão Militar”, anula as punições que havia imposto aos militares
envolvidos nos incidentes. O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o
Tenente-Coronel Antônio de Sena Madureira e o Coronel Cunha Matos são
perdoados pelo Imperador D. Pedro II e a “Questão Militar” é encerrada.
Fica a lição para os parlamentares e para a sociedade brasileira. Neste
episódio, pela primeira vez na história do Brasil, os militares revelaram com
vigor e clareza, nos atos e atitudes, a existência de uma “classe militar” unida e
coesa. Preparavam o terreno, para em breve começar a interferir de maneira
decisiva no jogo político do País.
9 de junho de 1884. Plenário. O Presidente do Conselho de Ministros –
32º Gabinete – Manoel Pinto de Sousa Dantas (BA), ao apresentar seu pro-
grama de governo assim se expressa sobre o elemento servil: “(...) Cabe-me
agora manifestar-vos o pensamento do gabinete na questão do elemento servil. Chega-
mos, Sr. Presidente, a uma quadra em que o governo carece intervir com a maior
seriedade na solução progressiva deste problema, trazendo-o francamente para o seio
do parlamento, a quem compete dirigir-lhe a solução. (Apoiados; muito bem.) Neste
assumpto nem retroceder, nem parar, nem precipitar.
E’ pois, especial proposito do governo caminhar nesta questão, não sómente como
satisfação a sentimentos generosos e aspirações humanitarias, mas ainda como home-
nagem aos direitos respeitaveis da propriedade, que ella envolve, e aos maiores interes-
ses do paiz, dependentes da fortuna agricola, que, entre nós, infelismente, se acha até
agora ligada pelas relações mais intimas com essa instituição anomala.
É dever imperioso do governo, auxiliado pelo poder legislativo, fixar a linha até
onde a prudencia nos permitte, e a civilisação nos impõe chegar; sendo que assim se

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250 Casimiro Neto

habilitará a cohibir desregramentos e excessos, que compromettem a solução do proble-


ma, em vez de adiantal-a.
Com este intuito, considera o governo indispensavel e inadiavel uma disposição
geral, que firme no paiz inteiro a localisação provincial da propriedade servil, já adian-
tada na legislação das provincias.
Mas não basta. O fundo de emancipação gyra até hoje n’um círculo acanhadissimo.
Para ampliál-o, em proporções vastas, o governo promoverá uma medida poderosa.
Refiro-me a uma contribuição nacional, que chame a concorrer para a extincção desse
elemento toda a massa contribuinte, e não unicamente as classes proprietarias. (Apoia-
dos; muito bem.)
Occorre ainda uma providência, que o gabinete julga de inteira equidade e
opportuna: a libertação dos escravos, que tenham attingido, e attingirem a idade de 60
annos. As razões ponderosas em apoio desta medida, que honraria a indole philantropica
dos brazileiros, não cabem neste momento. O governo reserva-as para a discussão do
projecto que vos submetterá”. Grifado pelo compilador.
Contra este Gabinete foram propostas várias moções de desconfiança,
reprovando o projeto sobre o elemento servil, apresentado e lido na sessão de
15 de julho de 1884, o que causa a dissolução da Câmara dos Deputados em
3 de setembro de 1884.

15 de julho de 1884. Plenário. O Deputado Rodolfo Epifânio de Sousa


Dantas (BA) – filho do Presidente do Conselho de Ministros Manoel Pinto de
Sousa Dantas (BA) – 32º Gabinete, que a 6 de junho tomara posse no Gover-
no –, e mais 28 parlamentares, entre os quais o Deputado Rui Barbosa de
Oliveira (BA), apresentam o Projeto de Lei nº 48 sobre a “emancipação dos
escravos pela idade, por ommissão da matricula, pelo fundo de emancipação, por trans-
gressão do domicilio legal do escravo, e por outras disposições que se especificam”.
Grifado pelo compilador. Estabelecia ainda que o escravo de sessenta anos, cum-
pridos antes ou depois da lei, adquiriria ipso facto a liberdade; manda efetuar
nova matrícula; declara o domícilio dos escravos, e dava muitas outras provi-
dências. Após sua leitura é enviado às comissões de Justiça Civil e Criminal e
à de Orçamento.
Deve-se registrar que havendo nele matéria tributária, não podia ser de
iniciativa governamental, mas foi submetido previamente à consideração do
Conselho de Estado, sendo este projeto a causa principal da queda do Gabi-
nete Sousa Dantas.
Aprovado na Câmara dos Deputados depois de intensos debates, é en-
viado ao Senado em 25 de agosto de 1885, onde foi aprovado no mês de
setembro e sancionado pelo Imperador em 28 de setembro de 1885, dando
origem à Carta de Lei nº 3.270. Ficou conhecida como a “Lei Saraiva-Cotegipe
ou Lei dos Sexagenários”, aprovada que foi entre o 33º Gabinete, de José Antô-
nio Saraiva (BA), que assumiu o Governo a 6 de maio e o 34º Gabinete, do
Barão de Cotegipe, que assumiu o Governo a 20 de agosto de 1885.
O longo parecer, com 134 páginas, do Deputado Rui Barbosa de Olivei-

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A Construção da Democracia 251

ra (BA), eleito relator pelos votos das Comissões reunidas de Orçamento e


Justiça Civil ao Projeto de Lei de nº 48-A, é apresentado no dia 4 de agosto e
publicado no dia 24, em anexo. Apresentado em 19 dias, é um trabalho
notabilíssimo, tanto pela força de argumentação, quanto pela casticidade da
forma em que foi escrito. Diz o parecer: “As commissões reunidas não sabem medir
applausos ao gabinete, pela nobre iniciativa que se traduziu no projecto Rodolpho
Dantas. Dessa attitude intelligente a nação começa a colher fructos preciosos na ampla
tranquilidade que envolve o espirito publico, desde que o governo convenceu o paiz de
que a phase da agitação popular devia chegar aos seu termo, porque ia iniciar-se a da
acção legislativa.
A situação liberal não podia encerrar-se, esquecendo que, ha dezesseis annos, o
programma do seu partido exigia: “A emancipação geral das futuras gerações; a eman-
cipação gradual das gerações presentes.
Não é que pretendamos chamar a solução do problema á arena das parcialidades
politicas. Não! Esta é a questão sagrada. É a grande questão nacional.
(...) A nação, interrogada, vae responder.
Não temos a minima duvida quanto á decisão deste appello. Seja qual fôr, po-
rém, a sorte immediata, reservada ao projecto, o seu pensamento breve e inevitavel-
mente triumphará, honrando para sempre o gabinete benemerito, a que se deve este
impulso. Ou, si desapparecer (não se illudam os retardatarios), será para deixar o
campo a medidas mais heroicas”. Grifado pelo compilador. Impossível resumí-lo e
dificílima a escolha de um trecho qualquer para ser aqui transcrito.
Nesta mesma sessão do dia 15 de julho de 1884, o Deputado Antônio
Felício dos Santos (MG) apresenta o Projeto de Lei nº 51 “dispondo que se
proceda a nova matrícula de todos os escravos até julho de 1885, ficando livres os que
não forem inscritos e cujo valor será arbitrado conforme o processo da lei para a liber-
tação pelo fundo de emancipação”. Grifado pelo compilador. Para todos os efeitos, nos
casos de desapropriação ou libertação, feita pelo pecúlio do escravo ou pelo
fundo de emancipação, bem como nos pleitos de liberdade, prevaleceria, sem
recurso, o valor inscrito na matrícula. Para a libertação pelo fundo de eman-
cipação seriam preferidos, em igualdade de condições, os escravos cujos pro-
prietários mais reduzissem o valor da indenização.

31 de julho de 1884. Plenário. O Deputado Affonso Celso de Assis


Figueiredo Júnior (MG) apresenta o projeto de lei “criando um internato para
educação de ingênuos. Foi oferecido como aditivo ao orçamento da receita, sendo, en-
tão, rejeitado em 1º de agosto do mesmo ano”.

25 de agosto de 1884. Plenário. O Deputado José Luís de Almeida


Nogueira (SP) apresenta o Projeto de Lei nº 77, que “dispõe sobre a matrícula
anual dos escravos existentes no Império e do aumento do fundo de emancipação”.
Grifado pelo compilador.

3 de setembro de 1884. Doze horas. Plenário. Presidência do Deputado


Manoel Alves de Araújo (PR). O Primeiro-Secretário, Deputado Leopoldo

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252 Casimiro Neto

Augusto Diocleciano de Melo e Cunha (ES), procede à leitura de um ofício do


Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Felipe Franco de Sá
(MA), remetendo cópia do Decreto nº 9.270 com o seguinte teor: “Usando da
attribuição que Me confere a Constituição Politica do Imperio no art. 101 § 5º, e tendo
Ouvido o Conselho de Estado, Hei por bem dissolver a Camara dos Deputados e Con-
vocar outra, que se reunirá extraordinariamente no dia 1º de Março do anno proximo
vindouro.
Filippe Franco de Sá, do Meu Conselho, Senador do Imperio, Ministro e Secre-
tario de Estado dos Negocios do Imperio, assim o tenha entendido e faça executar.
Palacio do Rio de Janeiro em 3 de Setembro de 1884, 63º da Independencia e do
Imperio. – Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador”. Grifado pelo compilador.
Após a leitura o Presidente da Câmara dos Deputados faz o seguinte
pronunciamento: “Senhores, a nossa missão está terminada. A camara dos Srs. depu-
tados, guarda fiel da Constituição, cumpriu com o dever de honra a que se tinha
imposto, concedendo as leis de meios pedidas pelo governo, leis que foram discutidas,
votadas e hoje mesmo enviadas á sancção.
A última phase dos nossos trabalhos é uma esplendida demonstração dos patrioticos
intuitos da camara dos Srs. deputados, antepondo os altos interesses políticos e quaesquer
adversos ao repouso, tranquilidade e segurança das instituições nacionaes.
Ao desenvolvimento do regimen representativo em nosso paiz, á eleição livre,
impondo a todos sua autoridade e prestigio, devemos atribuir as importantes garantias
que offerece a Constituição do Imperio no jogo e conflicto em que se acharam os altos
poderes do Estado.
Qualquer omissão em que haja incorrido no alto e honroso desempenho dos nos-
sos trabalhos, denunciará vossa generosidade, desde que escolhestes para ser o “primus
inter pares”, o ultimo de vossos collegas. Eu vos agradeço”. Grifado pelo compilador. Em
seguida convida os deputados a se conservarem nos seus lugares enquanto se
lavra a ata da sessão, que é, pouco depois, lida e aprovada.
Na realidade o Projeto de Lei nº 48, do Deputado Rodolfo Epifânio de
Sousa Dantas (BA) e de mais 28 parlamentares, dispondo sobre a emancipa-
ção dos escravos, concedendo liberdade aos maiores de 60 anos sem indeni-
zação e criando imposto para o aumento do Fundo de Emancipação e do
outro lado a intransigência dos escravagistas foi a causa da dissolução da
Câmara dos Deputados, mas não se consegue deter o avanço das idéias
abolicionistas.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 3 de setembro de


1884 a 10 de fevereiro de 1885.

4 de maio de 1885. 11 horas. Plenário. Logo após a abertura da sessão,


o Deputado Antônio Manoel de Siqueira Cavalcante (PE) pede a palavra e faz
o seguinte questionamento: “Sr. Presidente, o fim para que pedi a palavra não
póde ser exposto á Camara dos Srs. Deputados, em vista dos ultimos acontecimentos,
sem que V. Ex. me informe quaes as medidas que foram tomadas para nos assegurar a

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A Construção da Democracia 253

liberdade e a independencia neste recinto. (Apoiados da Opposição.)” Após vários


apartes e as explicações do Presidente da Casa o referido deputado lê a se-
guinte moção de sua autoria e subscrito por mais seis parlamentares: “A camara
dos deputados convencida de que o ministério não póde garantir a ordem e segurança
publica, que é indispensável á rezolução do projecto do elemento servil, nega-lhe a sua
confiança”. Lida e apoiada, é em seguida colocada em discussão. Colocada em
votação é aprovada por 52 contra 50, com votos favoráveis tanto de conserva-
dores como de liberais. Depois da votação o ministério pede e obtêm a sua
exoneração em 6 de maio de 1885.
O Gabinete Sousa Dantas caí, mas recebe da população do Rio de Janei-
ro estrondosa manifestação de apoio. Torna-se, ao cair defendendo o seu
projeto de emancipação, um dos chefes mais populares do movimento
libertário, que cresce a olhos vistos, ante as barreiras que o escravagismo lhe
opunha.
Logos após a abertura desta legislatura e estando em pauta as discussões
referentes à “extinção gradual do elemento servil” tratada pelo projeto de lei
apresentado em 15 de julho de 1884, onde este declarava a emancipação dos
escravos pela idade, por ommissão da matricula, pelo fundo de emancipa-
ção, por transgressão do domicilio legal do escravo, e por outras disposições
que se especificava, as sessões plenárias são nervosas e tumultuadas. Os depu-
tados são objetos de achaques e ironias dentro do recinto. Ao sairem do pré-
dio da Assembléia são desacatados e alguns são feridos por populares, que,
no dizer do Deputado Antônio Manoel de Siqueira Cavalcante (PE), trata-se
“(...) de um magote de capangas, assalariados evidentemente pela policia (apoiados e
não apoiados), instrumentos inconscientes de uma tactica de terror planejada contra
alguns membros desta Camara. (Apoiados; muito bem.)”.
As sessões dos dias 27, 28 e 29 de maio e do mês de junho de 1885 são
dignas de notas em virtude dos grandes debates ocorridos por ocasião da
discussão do projeto sobre a “extinção do elemento servil”.

8 de maio de 1885. 13 horas. Sessão Imperial da Abertura da Sessão


Extraordinária da Assembléia Geral Legislativa. 19ª Legislatura. Plenário. O
Imperador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “(...) A reunião da
Assembléa Geral Legislativa desperta neste momento as mais fundadas esperanças re-
lativamente ao objecto da presente sessão extraordinaria.
(...) A presente sessão extraordinaria foi aconselhada pela necessidade, a que
certamente correspondereis com a maior solicitude, de resolver acerca do projecto que o
governo julga util á extincção gradual da escravidão em nossa patria, conforme o
desejo de todos os brazileiros, de modo que o sacrificio seja o menor possivel, em obstar
ao desenvolvimento das forças productoras da nação.
A vossa sabedoria reconhecerá a alta conveniencia de assegurar a tranquilidade
necessaria para completar-se a substituição do trabalho servil”. Grifado pelo compilador.

12 de maio de 1885. Plenário. O Deputado André Augusto de Padua

Sem título-2 253 7/5/2004, 10:20


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254 Casimiro Neto

Fleury (GO), ao apresentar um novo projeto sobre a “extinção gradual do ele-


mento servil”, faz o seguinte pronunciamento: “Sr. Presidente, sobresaltados os
grandes interesses da lavoura e do commercio, excitada e fundada a esperança de
vermos, em pouco tempo, extincto o elemento servil que tanto nos envergonha e atraza,
era natural a impaciencia de alguns dos honrados membros desta casa, era natural o
seu desejo de, no mesmo dia em que se apresentou o gabinete de 6 de maio, saberem o
modo por que elle pretende attender ás graves necessidades da situação.
O projecto que tenho a honra de apresentar, creio que satisfaz essa exigencia.
Elaborado de accordo com o governo, calcado sobre bases mais ou menos conhe-
cidas, tem elle por fim apressar a libertação gradual dos escravos e substituir o trabalho
destes pelo trabalho livre nos estabelecimentos agricolas, impedindo que se perturbem as
fontes de producção que tão de perto se prendem ao estado financeiro do paiz.
Tratando-se de uma questão neutra, de uma questão social, que não importa
exclusivamente ao partido liberal, e para a qual devem concorrer as luzes e o patriotis-
mo de todos os partidos representados nesta Camara (apoiados.), requeiro a V. Ex. a
nomeação de uma commissão especial, de nove membros, que, compenetrada de sua
responsabilidade, trata de, com a maxima urgencia, emittir seu parecer. (Muito bem.)”.
Grifado pelo compilador.
O Projeto de Lei nº 1/85 apresentado é assinado pelos Deputados André
Augusto de Padua Fleury (GO), Franklin Américo de Menezes Doria (PI),
Ulisses Machado Pereira Vianna (PE), Augusto César de Pádua Fleury (MT),
Ildefonso José de Araujo (BA), e Aristides César Espinola Zama (BA) e traz
alterações em algumas idéias do projeto apresentado pelo Gabinete Dantas,
entre elas a liberdade dos sexagenários que estaria sujeita, ainda, a três anos
de serviço. Em seguida é aprovado o requerimento de nomeação de comissão
especial constituída por nove membros, de maioria liberal. A 19 de maio é
lido o parecer da comissão. A primeira discussão inicia-se a 27 de maio e
encerra-se a 3 de junho com um substancioso pronunciamento do Deputado
republicano Prudente José de Moraes Barros (SP). No dia 5 é encerrada a
discussão. A segunda discussão ocorre entre 18 de junho a 13 de agosto de
1885, quando é aprovado por 73 votos favoráveis contra 17.
Durante a tramitação deste projeto destacam-se dois pronunciamentos
do Deputado Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (PE), que pela sua
essência é muito felicitado na tribuna e aplaudido pelas galerias. O proferido
no dia 3 de julho diz em um dos trechos: “Com effeito, senhores, tenho orgulho de
repetir o que já disse uma vez: – É preciso abençoar o genio fecundo da nossa patria, que
permitte que, com a morte da escravidão, ella não morra tambem: mas que, pelo contra-
rio, determina um congraçamento, que as dissenções de hoje nos impedem ainda de reco-
nhecer, um congraçamento profundo entre brazileiros e brazileiros, qualquer attitude que
tenham tomado nesta questão, e nos prepara para saudarmos com igual enthusiasmo e
como nação unida, o dia proximo em que não existir mais um escravo no Brazil.
Sim, é preciso abençoar o genio fecundo da nossa patria, que consentiu que
chegassemos a um tão grandioso resultado sem parar em nosso crescimento nacional,
quando, em outros paizes, a escravidão, ao desapparecer, conseguiu arrastar comsigo a

Sem título-2 254 7/5/2004, 10:20


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A Construção da Democracia 255

prosperidade e o futuro delles”. (Muito bem; muito bem! Applausos prolongados nas
galerias. O orador é felicitado.)”. Grifado pelo compilador. O proferido no dia 30 de
julho acontece quando a Mesa faz a leitura da interpelação do Deputado
Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (PE) ao Presidente do Conselho
de Ministros José Antônio Saraiva (BA). Após a leitura é dada a palavra ao
interpelador que, colocando-se de acordo com o ponto de vista abolicionista,
ataca veementemente a proposta quando esta exclui os escravos de mais de
60 anos da categoria dos que devem ser libertos, imediata e incondicional-
mente, pelo fundo de emancipação, sujeitando-os à obrigação de mais três
anos de serviço e pelo alto preço dos irmãos dos ingênuos e destes para o
resgate de sua liberdade. Colhe, como sempre, simpáticas manifestações das
galerias. Em um dos trechos destaca que “(...) Chegou a hora de se fazer justiça,
aquella de que somos capazes, que é muito pequena, á raça que tem feito do Brazil tudo
quanto elle é; a essa raça que não paga sómente os subsidios dos deputados e a dotação
imperial; que paga tambem os juros da nossa divida em Londres e os juros das apolices
no Brazil, e na qual, no momento em que a honra da nacionalidade brasileira está em
jogo, vamos buscar o maior numero dos nossos soldados e á qual pedimos o mais largo
e generoso tributo de sangue. (Muito bem. Applausos nas galerias.)
(...) Há 50 annos que todos os brazileiros, que sabem soletrar, têm recebido do
Estado a intimação de que elle quer acabar com a escravidão, mas que não ousa,
porque seria offender os interesses de uma classe”. Grifado pelo compilador.
Muito combatido pelos abolicionistas que o consideram um verdadeiro
retrocesso se comparado com a Lei de 28 de setembro de 1871, o projeto teve
sua redação final aprovada em 25 de agosto de 1885 e enviado ao Senado,
onde é aprovado no mês seguinte.
20 de maio de 1885. 13 horas. Sessão Imperial de Encerramento da
Sessão Extrarodinária, e de Abertura da Assembléia Geral Legislativa. Pri-
meira Sessão Legislativa da 19ª Legislatura. Plenário. O Imperador D. Pedro
II, em sua “Fala do Trono”, declara: “(...) A extinção gradual da escravidão, assumpto
especial da sessão extraordinaria, deve continuar a merecer-vos a maior solicitude.
Essa questão que se prende aos mais altos interesses do Brazil, exige uma solução que
tranquillise a nossa lavoura. Confio-a, pois, á vossa sabedoria e patriostismo”. Grifado
pelo compilador.

26 de setembro de 1885. Doze horas. Plenário. Presidência do Depu-


tado André Augusto de Pádua Fleury (GO). O Primeiro-Secretário, Depu-
tado Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior (MG), procede a leitura de um
ofício do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império Ambrósio
Leitão da Cunha (PA), Barão de Mamoré, remetendo cópia do Decreto
nº 9.500, com o seguinte teor: “Usando da attribuição que Me confere a Constitui-
ção Politica do Imperio, no art. 101, § 5º, e Tendo ouvido o Conselho de Estado, Hei
por bem Dissolver a Camara dos Deputados e Convocar outra, que se reunirá no dia 3
de maio do anno proximo vindouro.
O Barão de Mamoré, do Meu Conselho, Senador do Imperio, Ministro e Secre-

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tario de Estado dos Negocios do Imperio, assim o tenha entendido e faça executar.
Palacio do Rio de Janeiro em 26 de setembro de 1885, 64º da Independencia e do
Imperio. – Com a rubrica de Sua Magestade o Imperador”. Grifado pelo compilador.
Após a leitura, o Presidente da Casa faz o seguinte pronunciamento:
“Senhores, quaesquer que tivessem sido as nossas divergencias, e por maiores que fos-
sem as contrariedades, que tivemos de supportar, não posso deixar de assignalar os
relevantes serviços prestados pela Camara dos Srs. Deputados, no momento em que ella
é dissolvida.
A Camara bem mereceu do paiz pelas medidas que decretou, e especialmente pela
importante reforma, de sua iniciativa, a extinção do elemento servil.
O paiz registrará esta resolução como melhoramento necessario e de grande al-
cance.
Pela minha parte, cumpre-me agradecer á Camara a honra que me conferiu,
collocando-me nesta cadeira; e o auxilio que me prestou, no desempenho dos deveres do
elevado cargo para o qual me designou”. Grifado pelo compilador.
Convida os deputados a se conservarem nos seus lugares enquanto se
lavra a ata da sessão. É lido a sinopse dos trabalhos parlamentares do ano de
1885. A ata depois de lida é colocada para votação e aprovada.
A reforma, de iniciativa da Câmara dos Deputados, da “extinção gradual
do elemento servil”, ficou conhecida como a “Lei dos Sexagenários” e foi sancio-
nada pelo Imperador D. Pedro II em 28 de setembro de 1885. Dois dias após
a Câmara dos Deputados ter sido dissolvida.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 26 de setembro


de 1885 a 14 de abril de 1886.

28 de setembro de 1885. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o


Imperador D. Pedro II sanciona a Carta de Lei nº 3.270, que “regula a extinção
gradual do elemento servil, cria o fundo de emancipação e manda proceder, em todo o
Império uma nova matrícula dos escravos”. Grifado pelo compilador. Fica conhecida
como a “Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos Sexagenários”, pois libertava os escravos
com mais de 60 anos.
Esta lei teve origem no Projeto de Lei nº 48/84, de autoria do Deputado
Rodolpho Epifânio de Sousa Dantas (BA) e mais 28 parlamentares, apresen-
tado em 15 de julho de 1884. Com a queda do Gabinete Dantas o Deputado
André Augusto de Pádua Fleury (GO) e outros cinco parlamentares, em nome
do Gabinete Saraiva, apresentam a 12 de maio de 1885, um novo projeto de
lei, de nº 1/85, sobre a “extinção gradual do elemento servil”, modificando algu-
mas idéias do projeto Dantas. Da discussão e votação do projeto participa-
ram Rui Barbosa de Oliveira (BA); Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de
Araújo (PE) e outros grandes tribunos da época. Em 14 de novembro de
1885, é expedido o Decreto nº 9.517 que “aprova o regulamento para a nova
matrícula dos escravos menores de 60 anos de idade, o arrolamento especial dos de
60 aos 65 anos e a eliminação do arrolamento dos de 65 anos em diante”. Grifado

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A Construção da Democracia 257

Mesmo combatida pelos escravocratas e desagradando à to-


pelo compilador.
talidade dos abolicionistas, é mais uma vitória no lento processo de extinção
da escravatura.
Realizada a matrícula verifica-se que ainda existiam aproximadamente
720.000 ou mais escravos distribuídos pelas províncias brasileiras.
José Bonifácio de Andrada e Silva, o moço (SP), no Senado; Rui Barbosa
de Oliveira (BA), na Câmara dos Deputados e José do Patrocínio, na impren-
sa, dentre os mais combatentes, levantam suas vozes, provocando em toda
parte ecos contra a Lei de 28 de setembro de 1885, considerada retrógrada
em relação à Lei de 28 de setembro de 1871. A propaganda abolicionista
chega a sua fase mais intensa.
3 de maio de 1886. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Primeira Sessão Legislativa da 20ª Legislatura. Plená-
rio. O Imperador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “(...) Alguns
factos criminosos occorridos durante a ultima eleição, apezar das repetidas recomenda-
ções e ordens do governo, aconselham que examineis si a reprodução de semelhantes
factos póde ser evitada por meio de alterações da lei eleitoral.
(...) A lei de 28 de setembro de 1885 vai sendo fiel e lealmente executada. Com
ella prende-se a questão da introducção de immigrantes, aos quaes dever-se-hão pro-
porcionar meios de empregarem-se como pequenos proprietarios do solo, ou como traba-
lhadores agricolas.
Para este fim é indispensavel a revisão do decreto de 15 de março de 1879 sobre
locação de serviços e da lei de terras, de 18 de setembro de 1850”. Grifado pelo compilador.

12 de outubro de 1886. Plenário. O Deputado Affonso Celso de Assis


Figueiredo Júnior (MG) apresenta projeto de lei que “reduz o valor dos escravos
e proibe o transporte d’este entre a côrte e a província do Rio de Janeiro”.
3 de maio de 1887. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-
bléia Geral Legislativa. Segunda Sessão Legislativa da 20ª Legislatura. Plená-
rio. Comparece à abertura da sessão o Secretário de Estado dos Negócios do
Império, Barão de Mamoré, incumbido pelo Imperador D. Pedro II, então
doente, de representá-lo nesta solenidade. Após as solenidades de estilo pas-
sa à leitura da “Fala do Trono” onde destaca o seguinte: “(...) Lembro-vos igual-
mente a reforma judiciaria, cuja discussão acha-se adiantada, e o que vos foi recom-
mendado na ultima sessão em referencia ao exercito, armada e reforma municipal.
A matricula dos escravos encerrou-se no prazo marcado. Pelos dados conhecidos,
ainda não é possivel determinar o numero dos matriculados; póde-se, porém, affirmar
que o dos escravos existentes no Imperio é muito inferior àquelle em que era geralmente
calculado, graças ás medidas legislativas, que têm sido lealmente executadas, e aos
sentimentos humanitarios dos Brazileiros.
O governo continua a prestar especial attenção á immigração e confia nos resul-
tados das medidas adoptadas para dar-lhe maior desenvolvimento.
A colonisação nacional é tambem assumpto de que se occupa para conseguir o

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povoamento e cultura das terras devolutas do Estado.


Para facilitar a execução das idéas do Governo sobre estes importantes ramos do
serviço publico, é necessaria a adopção do projecto de reforma da Lei de terras votado
pela Camara dos Deputados e que pende da decisão do Senado”. Grifado pelo compi-
lador.

4 de maio de 1887. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado


Affonso Celso de Assis Figueiredo Júnior (MG) apresenta projeto pioneiro
em que “são declarados livres desde a data da promulgação da lei todos os escravos
matriculados no Império”. Grifado pelo compilador. O projeto depois de realizada a
segunda leitura regimental, em 5 de maio de 1887, não foi julgado objeto de
deliberação por 41 votos contra e 33 favoráveis. Apesar do pioneirismo, o
projeto obrigava os libertos à prestação intransferível de serviços aos seus ex-
senhores pelo prazo de dois anos ou o pagamento correspondente ao tempo
de trabalho a ser executado.

23 de maio de 1887. Plenário. O Deputado Domingos José Nogueira


Jaguaribe Filho (CE) apresenta projeto de lei sobre a “organisação do trabalho
dos escravos”. Fixa que os escravos que se acharem matriculados até o dia 28
de setembro de 1888 perderão a condição de escravos, sendo, porém, obriga-
dos à prestação de serviços por espaço de cinco anos.
28 de junho de 1887. A Assembléa Geral Legislativa decreta e o Impe-
rador D. Pedro II sanciona Carta de Lei nº 3.318, que “outorga o consentimento
de que trata o Art. 104 da Constituição Política do Império, para que Sua Magestade
o Imperador possa sair do Império, e declara que, durante sua ausência, governará,
como Regente, a Princesa Imperial Senhora D. Isabel”. O Imperador D. Pedro II
embarca para a Europa no dia 30 de junho para tratamento de sua saúde e só
retorna ao Brasil no dia 22 de agosto de 1888. Com isso o Imperador dá à
Princesa Imperial Regente, D. Isabel Cristina Leopoldina Augusta, outra
oportunidade para a erradicação da escravatura no Brasil.

14 de outubro de 1887. A Princesa Imperial Regente, Senhora D. Izabel, em


nome do Imperador D. Pedro II, faz saber a todos os subditos do Império que a Assembléa
Geral Legislativa decretou e ela sancionou a Carta de Lei nº 3.346 que “estabelece
regras para o registro de marcas de fábrica e de comércio”. O industrial ou nego-
ciante passa a ter o direito de assinalar as suas mercadorias ou produtos por
meio de marcas especiais.

7 de março de 1888. A Princesa Imperial Regente, D. Isabel Cristina


Leopoldina Augusta, força a demissão do 34º Gabinete presidido por João
Maurício Wanderlei (BA), do Barão de Cotegipe e nomeia como novo Presi-
dente do Conselho de Ministros, o Senador João Alfredo Corrêa de Oliveira
(PE) – 35º Gabinete (Conservador) –, que assume em 10 de março.

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A Construção da Democracia 259

Abolição da Escravatura

3 de maio de 1888. 13 horas. Plenário. Sessão Imperial de Abertura da


Assembléia Geral Legislativa. Terceira Sessão Legislativa da 20ª Legislatura.
É aberta pela Princesa Imperial Regente, D. Isabel Cristina Leopoldina
Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, em nome
do Imperador D. Pedro II. Na sua “Fala do Trono” faz referência à extinção da
escravatura: “(...) Espero de vossa sabedoria providencias que melhorem a condição
dos juizes e tornem mais effectiva a sua responsabilidade. A organização do ministerio
publico é de indeclinavel urgencia, como tambem a reforma do processo e julgamento
dos delictos sujeitos a penas leves.
O governo renovará esforços para dotar a nossa Patria com o Codigo Civil fun-
dado nas solidas bases da justiça e equidade.
(...) A extincção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das
liberalidades particulares, em honra do Brazil, adiantou-se pacificamente de tal modo,
que é hoje aspiração acclamada por todas as classes, com admiraveis exemplos de abnega-
ção da parte dos proprietários. Quando o proprio interesse privado vem espontoneamente
collaborar para que o Brazil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavou-
ra haviam mantido, confio que não hesitareis em apagar do direito patrio a única excepção
que nelle figura em antagonismo com o espírito christão e liberal das nossas instituições.
Mediante providencias que acautelem a ordem na transformação do trabalho,
apressem pela immigração o povoamento do paiz, facilitem as communicações, utilizem
as terras devolutas, desenvolvam o credito agricola e aviventem a industria nacional,
póde-se asseverar que a producção sempre crescente tomará forte impulso e nos habili-
tará a chegar mais rapidamente aos nossos auspiciosos destinos.
Augustos e Dignissimos Senhores Representantes da Nação.
Muito elevada é a missão que as circumstancias actuaes vos assignalam. Tenho
fé que correspondereis ao que o Brazil espera de vós.
Esta aberta a sessão.
Isabel, Princeza Imperial Regente.
Terminado este acto, retiraram-se suas Altezas Imperial e Real, com o mesmo
ceremonial com que foram recebidos e immediatamente o Sr. presidente levantou a
sessão”. Grifado pelo compilador.
Se, diante do intenso movimento que se observa em prol da abolição da
escravatura, ainda restasse no pensamento de alguém qualquer dúvida sobre
a solução a dar-se em breve ao problema do elemento servil, bastaria a “Fala
do Trono” com que a Princesa Imperial Regente, D. Isabel Cristina Leopoldina

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260 Casimiro Neto

Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, inaugu-


rou os trabalhos legislativos, para fazer dissipar essas dúvidas, aliás descabi-
das. E descabidas eram, porque não eram poucos os sintomas denunciadores
de que a abolição vinha perto. Os fatos falavam por si.
Escravos, principalmente na Província de São Paulo, fugiam em massa,
certos da impunidade em que ficaria a sua deserção do cativeiro. Numerosos
senhores davam exemplo alforriando seus escravos, em todo o País. Sucedi-
am-se comícios em prol da liberdade e subscrições em favor de alforrias. Juízes
auxiliavam o movimento, dando interpretação liberal a dispositivos legais,
qual o que mandava submeter à matricula escravos de filiação desconhecida,
alegando que só era cativo o filho da cativa, e que não se poderia escravizar
aquele de quem não se sabia se era a genitora escrava ou não.
O Clube Militar anuncia a ruptura definitiva entre o Exército e os fazen-
deiros escravocratas, recusando-se a perseguir escravos fugidos. O Marechal
Manoel Deodoro da Fonseca (AL), em nome do Clube Militar, dirigia-se à
Princesa Imperial Regente, D. Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela
Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, rogando-lhe que não fos-
sem os militares incumbidos de captura de negros que fugissem à escravidão.
A imprensa continuava o combate à escravidão e não deixava que se apa-
gasse a chama sagrada do abolicionismo. Dizia-se até que dentro do próprio lar
da Princesa Imperial Regente, D. Isabel Cristina Leopoldina Augusta, os prínci-
pes, com o consenso e talvez com o estímulo dela mesmo, editavam um jornalzinho
em que se pregava a abolição do cativeiro. Os abolicionistas, agora mais confian-
tes, na imprensa, na tribuna, nas ruas, nas associações de classes, em toda a parte,
valentes, prosseguiam na campanha, sem hesitar e sem retroceder.

7 de maio de 1888. 12 horas. Câmara dos Deputados. Plenário. Recinto


e galerias repletos. Logo após a leitura do expediente, o Deputado Affonso
Celso de Assis Figueiredo Júnior (MG) faz um pronunciamento declarando o
pensamento dos liberais e o seu apoio incondicional a adoção do projeto
abolicionista do gabinete conservador. Declara-o como ponto prioritário an-
tes que o Governo Imperial coloque em pauta o grande número de outras
reformas. Diz em um dos trechos: “Sr. presidente, o apoio enthusiastico, que eu
presto ao ponto capital do programma do governo – a extincção immediata e incondi-
cional do elemento servil –, não é, nem pode ser uma mordaça para o meu direito de
critica dos actos politicos e administrativos do gabinete de 10 de março, que se afigurem
passiveis de censura.
Julgo que, nas condições actuaes do paiz, é dever de patriotismo apressar por
todos os meios, não praticar acto algum que possa retardar, de um minuto que seja, o
advento dessa grande lei, que será a aurora da regeneração patria.
(...) Um dos chefes liberaes, que estou mais acostumado a respeitar, cujo caracter
mais sinceramente acato e, cujas opiniões estou habituado a prestar a mais dedicada
adhesão, o Sr. conselheiro Dantas, declarou que armisticio deveria ser a palavra da
situação.

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A Construção da Democracia 261

(...) Cumpre-nos estimulal-o, determinar a adopção rapida do projecto, que con-


signa idéa nossa; mas, concomitantemente, devemos cumprir o nosso dever de fiscalisar
severamente o procedimento dos agentes do poder”. Grifado pelo compilador.
Logo após a “Ordem do Dia”, o Presidente do Conselho de Ministros,
Senador João Alfredo Corrêa de Oliveira (PE), ao apresentar seu programa
de governo e seu ministério de 10 de março, declara solenemente: “(...) Julgo-
me dispensado de expôr o nosso programma, porque acha-se expresso na Falla do Throno.
Direi sómente que o Ministerio, si tiver o apoio do Parlamento, há de esforçar-se quanto
fôr possivel para que esse programma se converta em realidade, e sobretudo para que se
effectue quanto antes a reforma do elemento servil, que é a aspiração nacional, e que o
gabinete tem empenho em fazer tão perfeita quanto a opinião publica a indica e quer
(Apoiados; muito bem.)
Amanhã será apresentada a proposta do poder executivo para que se converta
em lei a extincção immediata e incondicional da escravidão no Brazil. (Muito bem;
muito bem. Applausos no recinto e nas galerias.)”. Grifado pelo compilador.
Logo em seguinda o Deputado Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de
Araújo (PE), principal líder parlamentar abolicionista, faz um dos seus mais
longos e emocionantes pronunciamentos que merece ser transcrito em pelo
menos algumas partes: “Sr. Presidente, ao contrario do meu illustre amigo, depu-
tado pelo Rio Grande do Sul, cuja intenção ficou mais clara do qu elle nos disse e cujas
ironias cahiram sobre o ministerio e a Corôa, eu levanto-me para offerecer ao honrado
presidente do conselho, para a realização do seu grande programma, o apoio desinte-
ressado, si não de toda, de uma parte daquella fracção do partido que foi sempre antes
de tudo abolicionistas. (Muito bem.)
(...) É este incomparavelmente o maior momento de nossa patria, a geração
actual ainda não sentiu cousa semelhante e precisamos lembrar-nos do que nossos paes
que viram o 7 de abril ouviram aos nossos avós que viram a Independencia, para
imaginar que nesta terra brazileira houve de geração em geração uma cadeia de emo-
ções parecidas com esta. (Apoiados. Muito bem.)
Dentro dos limites de nossa vida nacional e feito o desconto da marcha de um
seculo todo, 1888 é um maior acontecimento para o Brazil do que 1789 foi para a
França. (Apoiados. Muito bem, bravos.) E’ litteralmente uma nova patria que começa
e assim como á mudança de uma fórma de governo cahem automaticamente no vacuo
as instituições que a sustentavam ou viviam della, é o caso de perguntar, Sr. presidente,
si os nossos velhos partidos, manchados com o sangue de uma raça, responsaveis pelos
horrores de uma legislação barbara, barbaramente executada, não deviam ser na hora
da libertação nacional, como o bóde emissario nas festas de Israel, expulsos para o
deserto, carregados com as faltas e as maldições da nação purificada.
A nação, neste momento, não faz distincção de partidos, ella está toda entregue
á emoção de ficar livre, ella confunde no mesmo sentimento Dantas e João Alfredo,
José Bonifacio morto e Antonio Prado vivo; ella não pergunta si quem vai fazer a
abolição é liberal ou é conservador, como á repercussão estrondosa das victorias con-
tra o Paraguay, para deixar pulsar os seus corações de brazileiros, os conservadores

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não queriam saber si Osorio, o vencedor de 24 de maio, era liberal, nem os liberais
indagavam si quem tinha tomado Assumpção, Caxias, era conservador. (Apoiados e
bravos nas galerias.)
Quando a abolição estiver feita, Sr. presidente, então sim, pódem recomeçar essas
nossas lutas partidarias que se travam de facto em torno das comarcas para juizes de
direito e das patentes de guarda nacional (risos), parecendo que se travam em torno de
ficções constitucionaes; neste momento, porém, o terreno é outro e muito diverso, porque
do que se trata é nada menos do que de fechar a cova americana, de que falla Michelet,
onde, por amor do ouro, foram atirados dous mundos, o negro por sobre o indio. (Apoia-
dos. Muito bem.)
(...) Sim, Sr. presidente, si é o partido conservador que vai declarar abolida a
escravidão no Brazil, eu digo-o sem recriminação, a culpa dessa substituição de papeis
ha de recahir toda sobre essa dissidencia liberal de 1884, que impediu o ministerio
Dantas de vencer as eleições daquelle anno, de arrastar comsigo o eleitorado todo do
paiz, e de realizar uma reforma muito mais larga do que o seu projecto. (Apoiados.)
Houve, porém, sempre no partido liberal uma minoria de homens timidos que
fizeram com que os grandes nomes de nossa historia, na questão que mais interessa ao
partido liberal, a da abolição, isto é, da formação do povo brazileiro, fossem conserva-
dores em vez de liberaes: foram elles que impediram Antonio Carlos de fazer o que fez
Euzebio, que impediram Zacharias de fazer o que fez Rio Branco e que impediram
Dantas de fazer o que vai fazer João Alfredo, que nunca tiveram fé nem no povo, nem
nas idéas liberaes. (Muitos apoiados.) Mas o escravo já tem sido por demais explorado.
Eu sei, Sr. presidente, que os liberaes estão soffrendo em todas as provincias do
jugo conservador, mas estão soffrendo em suas garantias constitucionaes apenas, ao
passo que os escravos estão soffrendo em suas pessoas e no seu corpo. Antes de pensar
nos nossos correligionarios, temos que pensar em nossas victimas, e os escravos o são,
victimas da politica estreita até hoje de ambos os partidos... E’ exactamente porque
esquecemos o que estamos soffrendo para salval-os do captiveiro em que ainda estão por
nossa culpa, mostrando assim sermos abolicionistas antes de sermos partidarios, que há
merito no apoio que prestamos ao ministerio conservador. Nós temos muito que nos
fazer perdoar pela raça negra e eu acredito estar servindo os interesses do partido
liberal, que não é outra cousa sinão o povo, o qual não é outra cousa em vastissima
extensão sinão a raça negra, tomando a attitude que tomo ao lado do gabinete no
baptismo da liberdade que elle vai agora receber...
Há muito tempo, Sr. Presidente, que eu abandonei o caminho das subtilezas
constitucionaes que se adaptam a todas as situações possiveis. Pelo estado do nosso povo
e pela extensão do nosso territorio, nós teremos por muito tempo, sob a monarchia ou
sob a republica, que viver sob uma dictadura de facto. Há de haver sempre uma von-
tade diretora, seja do monarcha, seja do presidente. Esta é a verdade, tudo mais são
puras ficcões sem nenhuma realidade a que correspondam no paiz.
Agora, porém, o que se vê, Sr. presidente é, essa dictadura de facto assumir o
caracter de governo nacional no mais largo sentido da palavra, promovendo a aboli-
ção, e é por isto que eu entendo que, longe de merecer as censuras, as ironias e até os
ultrages que estão sendo accumulados pelo despeito partidario sobre a sua cabeça, a

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A Construção da Democracia 263

Princeza Imperial merece a maxima gratidão do nosso povo. Nos mezes em que o
Imperador lhe confiou o Imperio ella achou tempo de fazer delle uma patria, um paiz
livre, com uma lagrima do seu coração de mãi ella cimentou em um dia essa união do
throno com o povo que, com toda a sua experiencia dos homens e das cousas, seu pae
não pôde consolidar inteiramente em 47 anos de reinado. (Apoiados.) Não há nada
mais bello, Sr. Presidente. A simples intuição de uma brazileira, que não é mais do que
qualquer de nossas irmãs, com a mesma singeleza, a mesma honestidade e o mesmo
carinho, escreve a mais bella pagina de nossa historia e illumina o reinado inteiro de
seu pae. 1871 é todo delle, mas 1888 é todo della. Há neste momento uma manhã mais
clara em torno dos berços, uma tarde mais serena em torno dos tumulos, uma atmosphera
mais pura no interior do lar. Os navios levarão amanhã por todos os mares a bandeira
lavada da grande nodoa que a manchava, os nossos compatriotas nos pontos mais
longiquos da terra onde se achem sentirão que é um titulo novo de orgulho e de honra
o nome de Brazileiro... A quem se deve essa mudança tão rapida si não á Princeza
Imperial? Os grandes pensamentos vêm do coração. Ao dito de Vauvenargues, Sr.
presidente, póde-se accrescentar – e tambem os grandes reinados, como esta curta regencia
que em tão pouco tempo deu ao sentimento de patria outra doçura e á palavra huma-
nidade outro sentido. (Apoiados. Muito bem.)
(...) O honrado Presidente do Conselho foi o principal auxiliar da lei de 1871, e
agora vai ser o autor da lei de 1888.
(...) O honrado Presidente do Conselho, Sr. Presidente, tem direito neste momento
de todo o povo brazileiro ao maior apoio que o povo americano dava a Lincoln na
vespera da abolição, o maior apoio que a nação italiana dava a Cavour na vespera da
sua unificação, ao maior apoio que o povo brazileiro dava a José Bonifacio na vespera
da Independencia. São tres grandes objectos em uma só bandeira de que elle é o porta-
dor e é assim que eu lhe repito por outras palavras a saudação que lhe fez o grande
jornalista do norte, Maciel Pinheiro: “Pudestes ser meu inimigo hontem, has de com
certeza voltar a ser meu inimigo amanhã; mas, por emquanto, és o pontifice de uma
religião sublime, vais coberto pelo pallio da communhão nacional e levas nas mãos a
hostia sagrada da redempção humana!” (Muito bem! Muito bem! Applausos prolonga-
dos nas galerias.)”. Grifado pelo compilador.
Fala em seguida o Deputado Lourenço Cavalcanti de Albuquerque (AL):
“(...) Demais, como acreditar S. Ex. que sua declaração poderia constranger a Camara
dos Srs. Deputados, quando eu, que sempre fui considerado como escravocrata, hoje me
julgo na obrigação de votar, quanto antes, a reforma?
Senhores, o trabalho servil está definitivamente acabado (apoiados), já não exis-
te escravidão no Imperio; o que existe é um phantasma de escravidão que está estor-
vando a organização do trabalho livre e mantendo um estado de excitação que offerece
serios perigos. (Apoiados.)
É por isso que digo: enterremos logo o cadaver da escravidão, para que possamos
preparar o futuro, como é nosso dever”. Grifado pelo compilador.
Nota-se ao longo das discussões em Plenário, durante o Segundo Impé-
rio, que em muitos pontos os conservadores e liberais são bastante semelhan-
tes, chegando mesmo a ser afirmado por grandes historiadores da época que

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nada se parecia tanto com um liberal como um conservador no poder. Basta


atentar-se que os conservadores, como vimos acima no pronunciamento do
Deputado Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (PE), fizeram as gran-
des reformas pregadas pelos liberais, tais como a repressão do tráfico de afri-
canos, Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850, graças ao trabalho do Ministro
e Secretário de Estado da Justiça Deputado Eusébio de Queiróz Coutinho
Mattoso Câmara (RJ), do Gabinete Olinda-Monte Alegre; a Lei nº 2.040 ou
“Lei do Ventre Livre”, de 28 de setembro de 1871, do Gabinete de José Maria
da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco (BA); e agora a Lei nº 3.353 – “Lei
Áurea” –, de 13 de maio de 1888, que extingue a escravidão no Brasil, do
Gabinete de João Alfredo Corrêa de Oliveira (PE).
8 de maio de 1888. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado
Rodrigo Augusto da Silva (SP), Ministro e Secretario de Estado dos Negocios
da Agricultura, Comercio e Obras Publicas e Interino dos Negocios Estran-
geiros, é introduzido no recinto com as formalidades de estilo, toma assento
à direita do Presidente e, em seguida, lê a seguinte proposição: “Augustos e
Digníssimos Senhores Representantes da Nação – Venho, de ordem de Sua Alteza a
Princesa Imperial, Regente em nome de Sua Magestade o Imperador, apresentar-vos a
seguinte proposta:
Art. 1º É declarada extincta a escravidão no Brazil.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.
Palacio do Rio de Janeiro em 8 de maio de 1888. – Rodrigo A. da Silva. (Pro-
longadas acclamações e ruidosas manifestações dentro e fóra do recinto.)
O Sr. Presidente declara que a proposta do Governo Imperial será tomada na
devida consideração pela Câmara dos Srs. Deputados, e convida a deputação a acom-
panhar o Sr Ministro da Agricultura, que retira-se com as mesmas formalidades com
que fôra recebido”.
Em seguida fala o Deputado Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo
(PE), que diz: “Sr. presidente, eu peço a V. Ex. e peço á Camara que tenham tolerancia
para esta manifestação que o povo brazileiro acaba de fazer dentro do seu recinto.
(Acclamação. Applausos.) Não houve dia igual nos nossos annaes. (Acclamações.
Applausos.) Não houve momento igual na historia da nossa nacionalidade.
(Acclamações. Applausos.) É como si o territorio brazileiro até hoje estivesse occupado
pelo estrangeiro e este derepente o evacuasse e nos deixasse senhores de nossa vida
nacional. (Acclamações. Applausos.)
Eu desejaria que no peito de cada deputado brasileiro batesse o coração, como
neste momento pulsa o meu, para que a Camara se elevasse á altura do governo liber-
tador; para que ella mandasse para o Senado, votada de urgencia como a maior das
necessidades publicas, a abolição total da escravidão. (Applausos.)
Parece, porém, Sr. presidente, que é preciso, mesmo, por amor do escravo, para
que a grandeza deste decreto não seja discutida em nenhum dos cantos de nosso territorio,
que ella seja revestida de todas as solemnidades, por maiores e por mais dolorosas que
sejam todas as delongas que exige a elaboração das leis”. Grifado pelo compilador.

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A Construção da Democracia 265

Justifica, a seguir, um requerimento para que seja nomeada uma comis-


são especial, composta por cinco membros, incumbida de dar parecer sobre a
proposta, e conclue: “(...) A escravidão occupa o nosso territorio; opprime a consciencia
nacional, e é o inimigo peior do que o estrangeiro pisando no territorio da patria.
(Applausos.) Precisamos de apressar a passagem do projecto de modo que a libertação
seja immediata. (Muito bem.)
Lembro-me, Sr. presidente, que, quando á convenção franceza foi proposta a
abolição da escravidão, e um deputado começava a fallar, ouviu-se logo esta interrup-
ção: “Presidente, não consintas que a Convenção se deshonre, discutindo por mais
tempo este assumpto.”
E a assembléa levantou-se unanime, e o presidente declarou abolida a escravi-
dão, aos gritos de – viva a Convenção! E viva a Republica! Como eu quizera agora
que aos gritos de viva a Princeza Imperial (Longos applausos) e viva a Camara dos
Srs. Deputados (Applausos.) decretassemos neste momento a abolição immediata da
escravidão no Brazil. (Muito bem.)
Estou certo que a Camara approvará a minha proposta; cada um de seus mem-
bros vai elevar-se a uma altura a que nunca attingiu nenhum membro do parlamento
brazileiro.
Teremos assim, Sr. presidente, por parte desta Camara uma demonstração de
patriotismo, que ficará sendo a epopéia da gloria brazileira, do mais bello movimento
de unificação nacional que registra a historia de um seculo, do mais sublime exemplo
de generosidade de um povo que registra a historia toda. (Muito bem, muito bem;
prolongados applausos.)”.
O Sr. Presidente pede ao orador que mande à Mesa o seu requerimento
por escrito. Assim o faz. O requerimento é lido, apoiado e posto em dis-
cussão. Sem debate, é aprovado. De acordo com o que foi aprovado é então
nomeada uma comissão especial, com cinco membros, composta pelos Depu-
tados Manoel Antônio Duarte de Azevedo (SP), Joaquim Aurélio Barreto
Nabuco de Araújo (PE), Antônio Gonçalves Ferreira (PE), Affonso Celso de
Assis Figueiredo Júnior (MG), e Alfredo Corrêa de Oliveira (PE) para dar
parecer sobre a proposta do Governo Imperial que extingue o elemento ser-
vil. Reunida imediatamente, volta, momentos depois, com o parecer favorá-
vel, que é lido. Em seguida o Deputado Manuel Antônio Duarte de Azevedo
(SP) requer a dispensa de impressão, para que entrasse em discussão o proje-
to na sessão seguinte.
Após discussão, onde o Deputado Domingos de Andrade Figueira (RJ)
contesta o parecer e o Deputado Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo
(PE) o defende vigorosamente, é aprovada a dispensa de impressão. Entran-
do, na sessão do dia 9, em segunda discussão o art. 1º da proposta do Gover-
no, falam os deputados Domingos de Andrade Figueira (RJ), Rodrigo Augusto
da Silva (SP) – Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura,
Comercio e Obras Publicas e Interino dos Negocios Estrangeiros e Alfredo
Rodrigues Fernandes Chaves (RJ). O Deputado Inocêncio Marques de Araú-
jo Góes Júnior (BA) apresenta uma emenda: “Ao Art. 1º acrecente-se: – desde a

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266 Casimiro Neto

data desta lei”. O Deputado Aristides César Espínola Zama (BA) pede a pala-
vra pela ordem e requer: “Quando uma camara deliberativa como esta, acudindo
ao appello de uma nação inteira, vai votar uma medida, como a proposta do governo,
é preciso que nos Annaes fiquem gravados os nomes dos votantes (apoiados.), por isso
requeiro que V. Ex. consulte á casa si consente em que seja nominal a votação”. É
aprovado requerimento. Em seguida a emenda é aprovada, voto nominal,
com 83 votos favoráveis e 9 contra.
Após calorosas discussões, no dia 10 de maio o projeto é aprovado e em
seguida remetido ao Senado. A sessão é levantada às 14 horas da tarde.
O Deputado Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (PE), em segui-
da, faz uso da palavra e diz: (...) Nós abolicionistas, retiramo-nos desta campanha
certos de que nada tirámos e, pelo contrario, tudo demos não só á dignidade do cidadão
brazileiro, mas tambem á dignidade de ambos os partidos constitucionaes. (Apoiados.)
(...) não há para o homem publico, como não há para os partidos, verdadeira
prosperidade sinão no momento em que elles se esquecem das preoccupações individuaes
e se recordam simplesmente do bem publico, do bem da patria”. Grifado pelo compilador.
Termina seu pronunciamento felicitando a Câmara dos Deputados de 1888,
o 35º Gabinete – de 10 de março de 1888 –, ambos os partidos constitucio-
nais e a Regente do Império; requerendo finalmente, que, em consagração
de tão memorável dia, fosse suspensa a sessão. É aplaudido de pé pelo Plená-
rio e pelas galerias. Posto a votos, é aprovado o requerimento.
Ainda nessa sessão do dia 10, O Deputado Affonso Celso de Assis
Figueiredo Júnior (MG) apresenta o seguinte projeto de lei: “A Assembléa Geral
Legislativa resolve:
Art. 1º Será considerado de festa nacional o dia em que fôr sanccionada a lei que
declara extincta a escravidão do Brazil.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrario.
Sala das sessões, 10 de maio de 1888. – Affonso Celso Junior”.
Na sessão do dia 11, teve segunda leitura e foi julgado objeto de delibe-
ração, sendo então remetido à Comissão de Constituição e Legislação.

13 de maio de 1888. É expedida a seguinte proclamação: “A Princeza


Imperial Regente, Senhora D. Izabel, em sua 2ª regência, em nome do Imperador
D. Pedro II, faz saber a todos os subditos do Império que a Assembléa Geral Legislativa
decretou e ela sanccionou a Carta de Lei nº 3.353 que “declara extincta a escravidão
no Brazil”.
“Lei nº 3.353 – de 13 de maio de 1888. Declara extincta a escravidão no
Brazil
A Princeza Imperial Regente, em nome de Sua Magestade o Imperador o Se-
nhor D. Pedro II, faz saber a todos os subditos do Imperio que a Assembléa Geral
decretou e ella sanccionou a Lei seguinte:
Art. 1º E’ declarada extincta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brazil.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrario.

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A Construção da Democracia 267

Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da


referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente
como nella se contém.
O Secretario de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publi-
cas e Interino dos Negocios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Con-
selho de Sua Magestade o Imperador, a faça imprimir, publicar e correr.
Dada no Palacio do Rio de Janeiro em 13 de maio de 1888, 67º da Independencia
e do Imperio. Princeza Imperial Regente. – Rodrigo Augusto Silva.
Carta de Lei pela qual Vossa Alteza Imperial Manda executar o Decreto da
Assembléa Geral, que houve por bem sanccionar, declarando extincta a escravidão no
Brazil, como nella se declara.
Para Vossa Alteza Imperial vêr.
Chancellaria-mór do Imperio. – Antonio Ferreira Vianna. – Transitou em 13 de
maio de 1888. – José Julio de Albuquerque Barros”.
O Jornal “A Província de São Paulo” destaca em sua primeira página:
“GLÓRIA Á PÁTRIA” – Está extincta a escravidão no Brasil. Legisla-se entre flores,
apresentam-se pareceres por acclamação e vota-se com ruidosos applausos. A Lei que
vae affirmar o voto nacional sae do Parlamento no meio de festas.
É o inverso do que nos ensina a história. A libertação dos escravos faz-se no
Brazil por um accentuado movimento de opinião, pela capitulação franca das ultimas
forças de resistencia, pela desagregação dos elementos conservadores, mas em plena
paz, sem perturbação de ordem, pelo congraçamento dos combatentes da vespera.
Os que ainda hontem se oppunham tenazmente á reforma, unem-se aos mais
exaltados que a defendiam.
(...) A victoria do abolicionismo exprime, pois, a vontade nacional. O general que
dirigiu a batalha e conseguiu a victoria foi esse grande anonymo que se chama – povo.
Depois de Aureliano Candido Tavares Bastos que começou em 1861 a lucta
contra a escravidão, pedindo a liberdade para os africanos nas suas memoraveis Car-
tas do Solitario, vieram Luz Gama e Americo de Campos prosseguindo no trabalho
pratico de libertar não só os africanos como os outros, em 1863; e quasi concomitante-
mente a Opinião Liberal introduziu no programa liberal a substituição do trabalho
escravo pelo livre, em 1866.
(...) Que lutas! Mas em 1868 já associações mais ou menos secretas alastravam
o solo da escravidão e disputavam a posse e o dominio do escravo aos que não possuiam
titulos legitimos.
(...) Promulgou-se em 1871 a lei de 28 de Setembro e o poder social quebrou o
encanto do direito dominal sobre o homem.
(...) Salientam-se então José do Patrocinio, Clapp, Nabuco, Rebouças, Reis, Ennes
de Souza, José Mariano e outros.
(...) As vozes eloquentes de Ruy Barbosa e José Bonifácio vibraram o sentimento
patriótico.
(...) O acto legislativo de 8 de Maio que há de apparecer em breve como lei, traz
o cunho do sentir popular; pode-se dizer – é uma lei que sahiu do povo para a gloria e
felicidade da nação.

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268 Casimiro Neto

Trabalhador obscuro de longos anos, saudamos o grande acto da soberania po-


pular com a mesma calma com que temos operado em todos os periodos de maior ou
menor movimento de opinião.
Hoje, na partilha disputada das palmas da victoria, quantos não ficaram esque-
cidos?
Há, entretanto, um meio de distribuirmol-as fazendo justiça a todos – é darmol-
as ao povo.
Não nos esqueçamos, porém, que os vivos vivem dos mortos, e destaquemos no
meio das festas tres nomes: Aureliano Candido Tavares Bastos, Luiz Gama e Ferreira
de Menezes.
Aquele representa a generosidade e intuição da raça branca e estes o soffrimento
e os affectos da raça negra.
Glória á Patria que se engrandece libertando os pacientes cooperadores do seu
progresso!”
No dia seguinte, o jornal “Diário Popular” estampa em sua primeira pá-
gina a seguinte manchete: “A Lei Áurea”. E o redator responsável Américo de
Campos assim se expressa: “Bem raro, em nossa terra, o poder executivo é, como
agora, mero executor de um decreto do povo. E trata-se da Lei Áurea, a grande lei
regeneradora a que a um tempo resgata do captiveiro a raça malsinada e ergue o País da
aviltante ignominia. Múltipla e salvadora regeneração: – o escravo eliminado, o senhor
abolido, o trabalho nobilitado e a patria desafrontada”. Finaliza seu editorial com a
seguinte frase: “No dia em que deixamos de ser senhores, nesse dia fizemo-nos dignos da
liberdade”. Em outra chamada assinada por Couto de Magalhães destaca-se: “O
que ganhamos – A revolução que acaba de operar-se pela extincção do escravo, é um
grande bem, não pelo que vai lucrar a raça negra que, por atrazada, há de continuar a
soffrer quasi como dantes, e sim pelo que vão ganhar os que já eram livres.
Até agora o trabalhador sem salario, mantido pelo bacalhau, deixava largas
margens na producção do paiz para alimentar enorme multidão de parasitas sociaes.
O salario para o trabalhador vai tornar mais difficil para todos a lucta pela
vida; os parasitas hão de desapparecer compellidos a trabalhar pela ausencia das so-
bras filhas do trabalho escravo. E’ este o primeiro beneficio da reforma.
O segundo beneficio será o predominio do homem intelligente, moral e activo,
sobre o estupido immoral e preguiçoso”.
Telegramas e congratulações dirigidas à Câmara dos Deputados e à
Assembléia Geral Legislativa chegam de todos os recantos do Brasil e das
nações amigas.
Um telegrama recebido da República Argentina e lido no Plenário da
Câmara dos Deputados traz o seguinte texto: “Buenos Aires, Mayo 15. A’ Enri-
que B. Moreno – Ministro Argentino. Para su debido cumplimiento tengo órdem del
Excelentisimo Señor Presidente de la Republica de trasmitir á V. Ex. lo seguinte:
“Presidencia de la Camara de Diputados de la Nacion. – Buenos Aires, Mayo 14
1988. – Al Excelentisimo Señor Presidente de la República. – Tengo el honor di dirigirme
a V. Ex. trasmitién-dole á continuacion la resolucion adoptada en sesion de hoy por la
Honorable Cámara que presido: la Cámara de Diputados de la Nacion resuelve: Que

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A Construção da Democracia 269

el Señor Presidente de la misma dirija uma nota al Poder Ejecutivo pidiendo a êste se
sirva trasmitir por intermedio de la Legacion en Rio de Janeiro un voto de felicitation
al Parlamento Brazilero por la sancion definitiva del proyecto aboliendo la esclavitud.
Dios guarde a V. Ex. – (firmados) Carlos Tagley, presidente. – Alejo Ledesma, secreta-
rio. Saludo V. Ex. – (Firmados) Roberto Quirino Costa”.

Quadro/Ilustração nº 17
O Presidente da Câmara – Deputado Henrique Pereira de Lucena,
Barão de Lucena

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270 Casimiro Neto

Quadro/Ilustração nº 17/A
A Princesa Imperial Regente D. Isabel Cristina Leopoldina Augusta
Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon

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A Construção da Democracia 271

É concedida, finalmente e formalmente, liberdade a todos os escravos


do Império do Brasil. Aproximadamente 800 mil escravos conquistam a tão
esperada liberdade. Liberdade esta já conquistada de fato nos meses prece-
dentes com fugas em massa e considerada como um dos maiores movimen-
tos de desobediência civil da história brasileira. A igualdade civil de todos
os brasileiros é formalmente reconhecida. No entanto, logo a seguir, os ex-
escravos são esquecidos. Substituídos pelo imigrante no trabalho assalaria-
do, e na ausência de políticas públicas que os integrassem ao contexto eco-
nômico, como preconizavam as associações abolicionistas e os seus mais
legítimos defensores, permanecem socialmente marginalizados, entregues
à própria sorte na luta pela sobrevivência e na afirmação do País que ajuda-
ram a construir.
A lei é assinada pela Princesa Imperial Regente, D. Isabel Cristina Leo-
poldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon,
durante a terceira viagem do Imperador D. Pedro II ao exterior e segunda à
Europa para tratamento de sua saúde (1871-1872, 1876-1877 e 1887-1888).
Viagens estas sempre pagas com recursos próprios. O monarca regressa ao
País desembarcando na capital do Império, a cidade do Rio de Janeiro, no
dia 22 de agosto de 1888. Vale lembrar que a Princesa Imperial Regente,
D. Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de
Bragança e Bourbon, nos seus três anos e meio na direção dos negócios do
Governo, foi a única mulher a exercer a chefia de Estado no Brasil até o final
século XX e início do século XXI. Em razão da extinção da escravidão, Sua
Santidade o Papa Leão XIII resolve conferir à Princesa Imperial a “Comenda
Rosa de Ouro”.
O Brasil, como única monarquia da América do Sul, tinha sua socieda-
de aristrocrática baseada no escravismo. O Deputado Francisco Rodrigues
Alencar Filho – Chico Alencar (PT-RJ) –, destaca em 26 de novembro de 2003
que: “Fomos a maior sociedade escravocrata dos tempos modernos – dos mais de 10
milhões de negro(a)s arrancados da África pelo tráfico, 4 milhões foram trazidos à
força para o Brasil. Somos o maior país negro fora da África. Quase dois terços da
nossa História a partir de 1500 foram marcados pelo trabalho escravo”. Por isso a
abolição formal da escravatura, que se dá, tardiamente, em 13 de maio de
1888, acontece sob intensa pressão interna e externa. E é fato, porque exem-
plos nobres de algumas províncias, como a do Ceará, do Amazonas e do Rio
Grande do Sul, já haviam dado a liberdade aos escravos que viviam em seus
territórios e a imigração se processava de forma acelerada nas províncias de
São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Não podemos esquecer que todo o processo da impressionante
mobilização civil, na tribuna da Câmara dos Deputados, na imprensa e nas
ruas, que precedeu a abolição (formal e legal), e efetivada, em especial, na
deserção em massa dos últimos escravos, foi em grande parte relegado ao
esquecimento, substituido pela imagem popularizada da abolição enquanto
concessão da princesa, “redentora de uma raça”. Mas também não se pode fugir

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272 Casimiro Neto

à evidência de que, no que diz respeito à extinção da escravatura, procurou a


Coroa nela influir o mais que pôde.
A luta heróica e persistente pela abolição da escravatura remonta aos
tempos dos primeiros quilombos – aldeia dos fugidos da escravidão –, com a
tragédia épica de Zumbi, na República dos Palmares, situada em uma grande
área na Serra da Barriga, entre Alagoas e Pernambuco, no século XVII, e só
termina em maio de 1888, com os grandes debates realizados ao longo desta
década. A ex-Deputada e Senadora Benedita da Silva (RJ) nos ensina que “Zumbi
foi morto. Sua cabeça, separada do corpo, foi exposta ‘no lugar mais público’ de Recife para
‘satisfazer os ofendidos’ e ‘assustar’ os negros que acreditavam ser Zumbi imortal. Mas
Zumbi sobreviveu à sua morte, porque imortalizou-se na luta antiescravista e libertária,
que se expressa até hoje na luta pelo fim do preconceito racial e pela realização de justiça
social e política para os excluídos da sociedade brasileira. Zumbi morreu. Mas viva Zumbi!.
Em pleno século XVII os negros, índios e brancos marginalizados construíram
dentro do Estado brasileiro uma alternativa social despojada de preconceitos de cor e de
raça, que ficou conhecida como República dos Palmares. A República dos Palmares foi
palco, por um século, da resistência de um povo que vivia em liberdade. Como reação à
ousadia que representou Palmares, houve o desmantelamento deste Estado Pluriracial”.
Termina o modelo escravagista mantido por mais de três séculos no
território brasileiro, justificado muitas das vezes pela pretensa salvação das
almas; outras vezes pela pretensa superioridade dos homens de cor branca e
no Império considerado o sustentáculo da economia do País. Todas essas
falsas justificativas não resistem aos movimentos de emancipação promovi-
dos pelos próprios negros através da formação de inúmeros quilombos que
lutavam pela afirmação de sua autonomia e pela libertação de seus integran-
tes; pelo desdém aos denominados “capitães-do-mato” – caçadores de escravos
mantidos pelos grandes proprietários –, e pela participação ativa dos mes-
mos em movimentos revolucionários; por persistentes abolicionistas que
ocuparam a tribuna da Câmara dos Deputados desde as suas primeiras ses-
sões, já na Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, em 1823; e depois ao
longo do Império, apresentando inúmeras proposições que buscavam extin-
guir o tráfico e a escravidão; a fundação, em 1883, da Confederação Abolicio-
nista que tem no seu presidente, João Fernandes Clapp, um exemplo de com-
batente, e finalmente pelos inúmeros periódicos engajados na luta pela
extinção do elemento servil.
É justo destacar nestas memórias a participação ativa na luta pela aboli-
ção da escravatura realizada, dentre outros, pelos cidadãos Joaquim Aurélio
Barreto Nabuco de Araújo (PE), Jerônimo Sodré Pereira (BA), Joaquim Maria
Serra (MA), José Mariano Carneiro da Cunha (PE), e Sancho de Barros Pimen-
tel (SE), José do Patrocínio, Luíz Gama, André Rebouças, Rui Barbosa de Oli-
veira (BA), Augusto Teixeira de Freitas, Castro Alves, e Bernardo Guimarães.
Se a maioria das proposições apresentadas na Câmara dos Deputados
não alcançaram a repercussão desejada pelos seus autores, mesmo assim foi
de muita valia, pois serviram para sustentar o debate, promover gradualmen-

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A Construção da Democracia 273

te a extinção da escravatura e deixar claro que o homem não detém o direito


de castigar e escravizar outro ser humano.
Vale ressaltar que, em relação aos Estados Unidos da América, a aboli-
ção da escravatura no Brasil não se caracterizou por uma guerra de raças,
pelo contrário, houve uma expansão de sentimentos, de solidariedade e de
confraternização. E tanto foi pacífica que, feita a abolição, nenhum ex-escra-
vo, na embriaguez da liberdade, exerceu vindicta pessoal contra o seu ex-
senhor, algoz que lhe foi muitas das vezes. No Brasil foi gradual, da indepen-
dência em 1822 a 1888 (sessenta e seis anos), nos Estados Unidos da América
a abolição levou vinte anos mais, da independência em 1776 a 1862 (oitenta
e seis anos), em meio a uma guerra civil, que durou quatro anos.
No dia 4 de setembro de 1860, nos Estados Unidos da América do Nor-
te, Abrahão Lincoln é eleito Presidente, contrariando os interesses e a políti-
ca escravagista dos estados do Sul. Estes se revoltam, formando uma confe-
deração de sete estados (número que se eleva a onze pouco depois) sob a
presidência de Jefferson Davis. As tropas sulistas tomam o “Forte Sumter” no
dia 14 de abril de 1861 e dá-se início a uma cruenta guerra civil denominada
de “Guerra da Secessão”. Ainda durante o desenrolar da guerra, no dia 22 de
setembro de 1862, o Presidente Abrahão Lincoln cumprindo uma promessa
feita anos antes de que “(...) Se eu algum dia na minha vida tiver oportunidade hei
de ferir de morte a escravidão” decreta a emancipação completa dos escravos a
começar de 1º de janeiro do ano seguinte: “Que, do dia 1º de janeiro, do ano de
nosso Senhor de mil oitocentos e sessenta e três, todas as pessoas tidas como escravas em
qualquer Estado, ou parte de um estado, em rebelião contra os Estados Unidos, serão
daqui por diante e para sempre livres”. Grifado pelo compilador. Abrahão Lincoln é
reeleito para a presidência dos Estados Unidos da América do Norte em 21
de novembro de 1864, toma posse a 4 de março de 1865 e é assassinado no
mês seguinte, a 14 de abril.
Há de se considerar, também, que a concessão da Lei nº 3.353, de 13 de
maio de 1888, fundou-se no princípio de compensações econômicas e prote-
cionistas. Enquanto o Estado brasileiro investia pesadamente nos interesses
da elite, o negro abria as porteiras das senzalas na ilusão de que a liberdade
enfim chegava. Não recebem os seus documentos de cidadania – os seus títu-
los eleitorais –, e viram párias nos campos e nas cidades durante muitos anos
ainda. Um século há de se passar e só em 1988, com uma nova Constituição,
começa a consolidação da democracia e a incorporação da comunidade ne-
gra no ideário nacional. Muito há por fazer, muito a ser questionado e dis-
cutido pelos seus descendentes. E aqui vale citar: “Agostinho Neto, líder da
independência da República Popular de Angola, repetindo Manuel Congo, do Rio, e o
negro Cosme, do Maranhão, clamou: ‘minhas mãos colocaram pedras nos alicerces do
mundo: mereço meu pedaço de pão!”

21 de maio de 1888. Plenário. O Deputado Manoel Rodrigues Peixoto


(RJ) apresenta o seguinte projeto de lei: “A Assembléa Geral resolve:

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274 Casimiro Neto

Art. 1º Ficam extinctas todas as dividas resultantes da transmissão da proprie-


dade escrava, taxa sobre escravo e multas respectivas.
§ 1º O governo mandará dar por findas quaesquer acções judiciaes que, por esse
motivo, se estiverem promovendo.
§ 2º Restituirá as quantias cobradas amigavel ou judicialmente, depois da data
em que foi promulgada a lei nº 3.356, que extingue a escravidão.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.
Sala das sessões, 21 de maio de 1888. – R. Peixoto”.
Na sessão do dia 22 teve segunda leitura, foi julgado objeto de delibera-
ção e remetido à Comissão de Orçamento e Contas.
No dia 24 de novembro de 1888 é promulgada a Carta de Lei nº 3.396
que “declara extinctas as dívidas provenientes da ex-propriedade servil, devendo o Go-
verno restituir integralmente os impostos dessa origem, cobradas no exercício de 1888”.
Ainda na sessão de 21 de maio de 1888, é apresentado à Mesa da Câma-
ra o projeto de resposta à “Fala do Trono”, com que a Princesa Isabel, em
nome do Imperador D. Pedro II, abriu a Terceira Sessão, da 20ª Legislatura,
no dia 3 de maio de 1888. O referido projeto é assinado pelos Deputados
Manoel Antônio Duarte de Azevedo (SP), Francisco da Silva Tavares (RS) e
Francisco de Assis Rosa e Silva (PE), onde se faz referência à extinção da
escravatura: “(...) A Câmara dos Deputados (...) pede venia para congratular-se com
Vossa Alteza pelo generoso ato da extinção do cativeiro no Brazil. (...) Desfizemo-nos,
Senhora, do ominoso legado, que apenas por constrangimento da indústria agrícola
haviam mantido até hoje; restituimos à personalidade humana os fóros integrais de sua
dignidade; em face do princípio da igualdade política, consagramos o da uniformidade
de condição civil, e eliminamos assim da legislação a única excepção repugnante com a
base moral do direito pátrio, e com o espírito liberal das instituições modernas. Este
fato, que é testemunho do nosso adiantamento social e político, e que deve acrescentar a
consideração que o Brasil merecia das nações civilizadas, foi ruidosamente aplaudido
dentro e fora do Império”. Grifado pelo compilador.

24 de maio de 1888. O Deputado Antônio Coelho Rodrigues (PI) apre-


senta o Projeto de Lei nº 11 que “trata da reforma da Constituição Política do Impé-
rio do Brasil”. O artigo único declara: “Os eleitores dos deputados para a seguinte
legislatura lhes conferirão nas procurações especial faculdade para reformarem os artigos
abaixo mencionados da Constituição e do Acto Addicional; assim como os demais que
estiverem com elles em immediata dependencia”. O § 1º está escrito: “Os arts. 3º e 117
da Constituição, afim de prevenir os casos de incapacidade physica ou moral do successor
do throno, antes ou depois da sua acclamação”. O § 12 declara: “O art. 120, afim de
não poderem exercer cargos publicos nem o Marido da Imperatriz, nem os Principes da
Familia Imperial”. Na sessão do dia 30 teve segunda leitura, ficando sobre a
Mesa para ter a terceira leitura na forma do art. 175 da Constituição.

8 de junho de 1888. Plenário. O Deputado Affonso Celso de Assis


Figueiredo Júnior (MG) apresenta projeto de lei que trata da “abolição da pena

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A Construção da Democracia 275

de morte”. Na sessão do dia 12 teve segunda leitura, foi julgado objeto de


deliberação e remetido à Comissão de Constituição e Legislação.
8 de agosto de 1888. Plenário. O Deputado Joaquim Aurélio Barreto
Nabuco de Araújo (PE), após um extenso pronunciamento, apresenta o Pro-
jeto de Lei nº 65, que trata da “reforma constitucional no sentido de tornar o
Imperio uma monarchia federativa”. O referido projeto é subscrito por mais 17
parlamentares e já havia sido apresentado, pelo mesmo autor, na legislatura
passada. A idéia da monarquia federativa é muito discutida e praticamente
aceita por todos do Partido Liberal, no Império. Teve segunda leitura na
sessão do dia 20 e terceira na de 27 do mesmo mês, não sendo objeto de
deliberação.

24 de novembro de 1888. O Imperador D. Pedro II sanciona o Decreto


nº 3.403, “mandando que se execute a resolução da Assembléia Geral Legislativa que
permite ás companhias anônimas, que se propuserem a fazer operações bancárias, emi-
tir, mediante certas condições, bilhetes ao portador e á vista, convertíveis em moeda
corrente”. O Decreto nº 10.104, de 5 de janeiro de 1889, “regula a execução
desta resolução”. Reforma monetária em curso.

3 de maio de 1889. 13 horas. Sessão Imperial de Abertura da Assem-


bléia Geral Legislativa. Quarta Sessão Legislativa da 20ª legislatura. Plená-
rio. O Imperador D. Pedro II, em sua “Fala do Trono”, declara: “(...) Em virtude
da emancipação civil que decretastes na sessão transacta, vai prosseguindo regular-
mente a substituição do trabalho, sem os abalos profundos que em toda parte succederam
a crises desta natureza. A classe agricola comprehendeu que ficara inutil e sem valia
uma propriedade que nem era mais susceptivel de posse, e inaugurou resolutamente o
novo regimen, do qual provirá a regeneração e o augmento das industrias.
O governo tem auxiliado, com os meios que lhe concedestes, esse movimento de
transformação economica e social.
(...) Não têm sido menos solicitos os altos poderes do Estado em auxiliar a agri-
cultura e outras industrias, favorecendo a corrente immigratoria, já avolumada, e em
grande parte espontanea, pelos exemplos de prosperidade dos estrangeiros que pro-
curam a nossa patria. Ascenderam as entradas, o anno passado, ao numero de 131.000
immigrantes; as dos ultimos mezes annunciam resultado maior”.
Deixa claro a necessidade de uma reforma agrária para completar a
abolição: “Para fortalecer a immigração e augmentar o trabalho agricola importa que
seja convertida em lei, como julgar vossa sabedoria, a proposta para o fim de regularisar
a propriedade territorial e facilitar a acquisição e cultura das terras devolutas. Nessa
occasião resolvereis sobre a conveniencia de conceder ao Governo o direito de desapro-
priar, por utilidade publica, os terrenos marginaes das estradas de ferro que não são
aproveitadas pelos proprietarios, e podem servir para nucleos coloniaes”.
E encerra afirmando: “(...) Augustos e Dignissimos Senhores Representantes
da Nação. Muito haveis feito pelo progresso e felicidade de nossa Patria; porém muito
resta ainda por fazer em uma nação nova, de extenso territorio cheio de riquezas naturaes,

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276 Casimiro Neto

e votada pela Providencia aos mais esplendidos destinos. Si é grande o encargo que
assumis, não é menor o vosso patriotismo, e o Brazil o recorda com a mais segura
confiança.
Está aberta a sessão.
Dom Pedro II, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil.” Grifa-
do pelo compilador.
Em resposta à “Fala do Trono”, a Câmara dos Deputados assim se posi-
ciona: “A Camara dos Deputados lisonjeia-se de saber que o generoso acto de redempção
civil praticado na sessão transacta, longe de produzir os abalos que succederam em
toda a parte a semelhantes transmutações, não desorganisou sensivelmente o trabalho,
cujos braços vão sendo substituidos de modo regular. E Deus ha de permitir, Senhor,
que, pela regeneração e crescimento das industrias, sob o regimen muito mais fecundo
do trabalho livre, seja applaudida geralmente a reforma, que, si extinguiu uma pro-
priedade sem valia, não mais susceptivel de posse, foi a um tempo obra de reparação
social e de reconstrucção economica”. Grifado pelo compilador.

17 de maio de 1889. Plenário. O Deputado João Nogueira Penido (MG)


fundamenta o seguinte requerimento: “Requeiro que esta Augusta Camara, me-
diante parecer de uma commissão tirada do seu seio, resolva sobre a necessidade de
verificar, si na pessoa do actual imperante emergem os impedimentos previstos pelo
art. 126 da Constituição Política do Imperio do Brazil, que o privem de continuar a
governar; e, caso seja vencida essa necessidade, proceda-se nos termos do art. 39 do
regimento commum, convidando o Senado a que nomeie a sua commissão para identico
fim”. Grifado pelo compilador.
Concedidas a urgência requerida pelo Deputado João Manoel Pereira
da Silva (RJ), e a prorrogação da hora destinada ao expediente, requerida
pelo Deputado Antônio dos Passos Miranda (AM), entra o requerimento em
discussão. Requerida a votação nominal pelo Deputado João Manoel Pereira
da Silva (RJ), é concedida e obtém-se o seguinte resultado: 96 votos contra e
quatro votos a favor.
As condições de saúde do Imperador são objeto de discussões na tribu-
na, nos jornais e nas praças. A dúvida é sobre o futuro da monarquia no País.
No dia 7 de junho de 1889, assume o 36º Gabinete – último do Impé-
rio –, presidido pelo Deputado Affonso Celso de Assis Figueiredo(MG), Vis-
conde de Ouro Preto. Ministério liberal, têm vida curta, vai até o dia 15 de
novembro de 1889.

17 de junho de 1889. 12 horas e 30 minutos. Plenário. Presidência do


Deputado Henrique Pereira de Lucena (PE), Barão de Lucena . O Primeiro-
Secretario, Deputado José Luís de Almeida Nogueira (SP), procede a leitura
de um ofício do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império
Franklin Américo de Menezes Dória (BA), Barão de Loreto, remetendo cópia
do Decreto nº 10.251 com o seguinte teor: “Usando da attribuição que Me con-
fere a Constituição Política do Imperio no artigo 101 § 5º, e Tendo ouvido o Conselho

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A Construção da Democracia 277

de Estado: Hei por bem Dissolver a Camara dos Deputados e Convocar outra, que se
reunirá extraordinariamente no dia 20 de Novembro do corrente ano.
O Barão de Loreto, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios
do Imperio, assim o tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em 15
de Junho de 1889, 68º da Independencia e do Imperio. Com a rubrica de Sua Magestade
o Imperador”. Grifado pelo compilador.
O Presidente convida os Srs. Deputados a se conservarem em seus luga-
res até que seja lavrada e assinada a ata da sessão.

É a última dissolução da Câmara dos Deputados no Segundo


Império. Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 17 de junho
de 1889 a 1º de novembro de 1889.

A representação popular, iniciada no Brasil por força da Constituição


Política do Império do Brasil, de 1824, com a primeira sessão preparatória a
29 de abril de 1826, foi dissolvida 11 vezes por decreto imperial, no exercício
do Poder Moderador. De imediato eram convocadas novas assembléias, ca-
racterizando novas legislaturas com as respectivas sessões de instalação. Pode-
se assim constatar a existência de 20 legislaturas, no período de 1826 a 1889.
A 21ª, que seria instalada a 20 de novembro de 1889, foi surpreendida no
decorrer das sessões preparatórias, realizadas de 2 a 15 de novembro de 1889,
com o advento da República.
O Decreto Legislativo nº 79, de 5 de dezembro de 1979, tratou de “da
designação do número de ordem das Legislaturas”.

2 de novembro de 1889. Plenário. A primeira sessão preparatória é


aberta às doze horas com a presença de 49 deputados. Procede-se à nomea-
ção da Mesa Interina, sendo eleitos para Presidente, o Deputado Carlos
Affonso de Assis Figueiredo (MG); para Vice-Presidente, o Deputado Luís
Antônio Barbosa de Almeida (BA); para Primeiro-Secretário, o Deputado
Aristides de Souza Spinola (BA); para Segundo-Secretário, o Deputado Pedro
da Cunha Beltrão (PE); para Terceiro-Secretário, o Deputado Honório
Hermeto Carneiro Leão, Barão do Paraná (RJ); e para Quarto-Secretário, o
Deputado Custódio José Ferreira Martins (MG).

A Câmara dos Deputados continua com os trabalhos preparatórios até a


13ª sessão, realizada no dia 15 de novembro de 1889. Durante esta última
sessão preparatória o Deputado Carlos Viana Ribeiro (MA) “faz algumas obser-
vações sobre as notícias que correm na cidade do Rio de Janeiro e pede á Mesa que
preste algumas informações a respeito, tendo o 1º secretário, Deputado Aristides de
Souza Spinola (BA) respondido que oficialmente nada cabia informar. Encerra-se a
sessão ás doze horas e vinte minutos”.
11 de novembro de 1889. O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca
(AL), Quintino Antônio Ferreira de Sousa (RJ) – Quintino Bocaiúva –, Aristi-

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278 Casimiro Neto

des da Silveira Lobo (PB), Rui Barbosa de Oliveira (BA), o Vice-Almirante


Eduardo Wandenkolk (RJ), e o Tenente-Coronel Benjamin Constant Botelho
de Magalhães (RJ) fazem os últimos planos para o golpe republicano. Duran-
te toda a primeira quinzena do mês de novembro a conspiração entre oficiais
do Exército e republicanos do Rio de Janeiro e de São Paulo é articulada.
Durante os encontros fica decidido que a República será proclamada na reu-
nião seguinte da Assembléia Geral Legislativa, marcada para o dia 20, mas,
no dia 14, espalha-se pelos quartéis o boato da prisão dos líderes republica-
nos. O 1º Regimento se subleva e entra em prontidão.

15 de novembro de 1889. Proclamação da República. Amanhece.


Passa um pouco das 9 horas da manhã. Cercado no Quartel-General do
Rio de Janeiro, no Campo de Santana, pelos rebeldes republicanos sob o
comando do Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Presidente do
Conselho de Ministros Affonso Celso de Assis Figueiredo (MG), Visconde
de Ouro Preto, ordena ao General Floriano Vieira Peixoto (AL) que esma-
gue a rebelião com a mesma energia mostrada pelos militares na Guerra
do Paraguai. “As bocas-de-fogo no Paraguai, senhor ministro, eram inimigas”,
responde o General Floriano Vieira Peixoto (AL), e acrescenta a um incré-
dulo Presidente do Conselho de Ministros: “Aquelas que Vossa Excelência está
vendo são brasileiras”.
O Jornal “O Correio do Povo”, em edição do dia 16, descreve esses acon-
tecimentos: “Proclamação da Repúblia – No Campo da Acclamação – Era imponen-
te o aspecto que apresentavam as forças de terra e mar, formadas no campo da
acclamação, desde o amanhecer, em frente ao quartel do 1º, onde conservava-se prisio-
neiro do povo e dos militares o gabinete decaído.
Em constante ecolução, ao mando do general Deodoro da Fonseca, viam-se o 1º
e 9º regimento de cavallaria, 2º regimento de artilharia de campanha, 1º, 7º e 10º
batalhões de infantaria, corpos de imperiaes marinheiros e navaes, corpos de alumnos
das escolas militares da praia vermelha e superior de guerra, corpo de bombeiros e
corpos de policia da côrte e provincia do Rio.
Ali permanecendo durante horas, senhora da praça, a força levantava successivos
vivas á liberdade, ao exercito e armada, á Republica Brazileira!
Cerca de 9 horas da manhã, á intimação do povo e do exercito, o gabinete decla-
rou-se demittido, pedindo o sr. visconde de Ouro Preto ao general Deodoro garantia
para a sua pessoa e dos seus collegas.
O sr. general respondeo-lhe que o povo e o exercito não offenderiam os cidadãos
destituidos do governo e que os ex-ministros podiam se retirar na maior tranquilidade,
como aconteceo.
Ao ser communicada ao povo e aos militares a quéda do ministerio, levantaram-
se acclamações de todos os lados á Republica Brazileira e vivas estrepitosos, emquanto
o parque de artilharia dava uma salva de 21 tiros, com os canhões Krupp assestados
para a secretaria da guerra.

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A Construção da Democracia 279

O general Deodoro, sr. Quintino Bocayuva, e o tenente-coronel Benjamin Constant


foram então disputados pelo povo e pelos militares, que os carregaram em verdadeiro
triumpho.
(...) A’s 8horas da manhã apresentou-se em frente ao quartel-general o capitão de
cavallaria Goldophim, acompanhado de 7 praças. Vinha esse official em exploração.
Nesse momento, alguns batalhões formaram em frente ao quartel, sahindo então
o sr. barão de Ladario, afim de dar ordens aos fuzileiros navaes. Nessa occasião foi elle
intimado por um official, por ordem do sr. general Deodoro para entregar-se. Sem
proferir uma palavra, o sr. barão de Ladario sacou do bolso um revolver e apontou-o
ao peito do official, fazendo fogo. O tiro, porém, falhou.
Approximando-se delle o sr. general Deodoro, para reiterar a ordem de prisão, foi
recebido com um tiro pelo sr. barão de Ladario, desviando-se, porém, a bala do alvo.
Acto continuo, foram disparados alguns tiros por praças do exercito, ficando o sr. barão
de Ladario ferido. Immediatamente foi elle transportado em maca para o palacete do
Itamaraty”.
(...) A’s 11 horas da manhã o visconde de Ouro Preto telegraphou ao imperador,
que se achava em Petropolis, chamando-o á côrte immediatamente.
Ao meio dia e um quarto, o sr. d. Pedro II, acompanhado de sua magestade a
imperatriz e de seus semanarios, tomaram o trem da estrada de ferro Principe do Grão-
Pará, chegando á estação de S. Francisco Xavier ás 2 horas da tarde. Dahi seguiram
em coche para o paço da cidade, onde chegaram ás 3 horas.
Após o Sr. Afonso Celso de Assis Figueiredo (MG), Visconde de Ouro
Preto, pedir a demissão coletiva do seu Ministério, o Imperador D. Pedro II
tenta contornar a situação e formar um novo gabinete liberal. Em vão. Afon-
so Celso de Assis Figueiredo (MG), Visconde de Ouro Preto é preso e recolhi-
do ao Estado-Maior do 1º Regimento de Cavalaria, em São Cristovão.
Cerca de três horas da tarde, chega ao edífico da Câmara Municipal do
Rio de Janeiro o Vereador José do Patrocínio, acompanhado do povo, e ime-
diatamente é votada a seguinte representação: “Exmos srs. representantes do
exercito e da armada nacionaes. – Temos a honra de communicar-vos que, depois da
gloriosa e nobre resolução que ipse facto depoz a monarchia brazileira, o povo, por
orgãos espontaneos e pelo seu representante legal nesta cidade, reunio-se no edificio da
camara municipal, e, na fórma da lei ainda vigente, declarou consummado o acto da
deposição da monarchia e, acto seguido, o vereador mais moço, ainda na fórma da lei,
proclamou, como nova forma de governo no Brazil, a Republica.
Attendendo ao que, os abaixo assignados esperam que as patrioticas classes mili-
tares sanccionem a iniciativa popular, fazendo immediatamente decretar a nova fórma
republicana do governo nacional. Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1889”.
O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL) que havia aderido à cons-
piração republicana em 4 de novembro, já dizia: “Se ela já não governa, não há
mais o que esperar da Monarquia. Façamos a República”.
Nas palavras de Affonso Arinos de Mello Franco (MG) “a República veio,
na rua, trazida pela pureza da propaganda, pelos tribunos populares, pela imprensa
livre, pela crescente repulsa das massas ao Império em ruínas e pela espada gloriosa de

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280 Casimiro Neto

Deodoro. E uma palavra, veio pela caminhada inevitável do tempo “esse boiadeiro de
botas lentas e longas” de que falou o grande poeta”.
A disputa interna nos quadros monárquicos; o Exército desejando a
queda do Gabinete Liberal de Affonso Celso de Assis Figueiredo (MG), Vis-
conde de Ouro Preto, e com isso a volta dos conservadores ao poder, porque
é conveniente à corporação; a mal resolvida “Questão Militar”; a dívida con-
traída para fazer frente à “Guerra do Paraguai”; a propaganda republicana; e
a transformação econômica operada com a abolição da escravatura, que colo-
cou muito “senhor de escravos” contra o regime, somadas, levam à queda da
monarquia.
A esperança dos conservadores de que os rebeldes republicanos se con-
tentariam com a simples troca de Gabinete ministerial são sepultadas logo ao
cair da noite, quando os brasileiros recebem a comunicação, em documento
já assinado pelo Governo Provisório, de que havia sido decretada a deposição
da dinastia imperial e, conseqüentemente, a extinção do sistema monárquico.
Proclamada a República, o Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL)
assume a Chefia do Governo Provisório, na qualidade de comandante do
movimento armado, no período de 15/11/1889 a 25/02/1891. Nesse mesmo
dia é expedido pelo Chefe do Governo Provisório, Marechal Manoel Deodo-
ro da Fonseca, o Decreto nº 1, que “proclama provisoriamente e decreta como
forma de governo da Nação Brasileira, a República Federativa, estabelecendo as nor-
mas pelas quais se devem reger os Estados Federais”. As províncias do Brasil, reuni-
das pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil e
a cidade do Rio de Janeiro constituída, também, provisoriamente, sede do
Poder Federal. O artigo quarto deixa claro que, “enquanto, pelos meios regula-
res, não se proceder á eleição do Congresso Constituinte do Brazil e bem assim á eleição
das Legislaturas de cada um dos Estados, será regida a Nação brasileira pelo Governo
Provisório da República”.
A promessa de um plebiscito estava contemplado no artigo 7º: “Sendo a
República Federativa brasileira a forma de governo proclamada, o Governo provisório
não reconhece nem reconhecerá nenhum governo local contrário á forma republicana,
aguardando, como lhe cumpre, o pronunciamento definitivo do voto da nação, livre-
mente expressado pelo sufrágio popular”. O Almirante Saldanha da Gama irá
cobrar essa promessa na Revolta da Armada de 1893.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 15 de novembro


de 1889 a 3 de novembro de 1890.

Encerra-se o Segundo Império, constituído que foi por 36 ga-


binetes ministeriais e inicia-se, assim, a República.

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A Construção da Democracia 281

Quadro/Ilustração nº 18
PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca deixando o ministério logo após a
demissão dos membros do 36º Gabinete – Visconde de Ouro Preto

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282 Casimiro Neto

Quadro/Ilustração nº 18/A
PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA
O Chefe do Governo Provisório Marechal Manoel Deodoro da Fonseca

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A Construção da Democracia 283

Primeira República
(15/11/1889 a 16/07/1934)

Nota do autor: Para uma melhor compreensão didática desta obra e da


nossa história legislativa, o critério utilizado para a divisão da História repu-
blicana foi o de ajustar as repúblicas segundo os diversos regimes constitucio-
nais do Brasil.
Na Primeira Repúblida estão incluídos os regimes de exceção corres-
pondentes ao período pós-Proclamação da República, a convocação do Con-
gresso Nacional Constituinte e a elaboração da Carta constitucional – 4/11/1890
a 24/02/1891 –, a dissolução do Congresso Nacional pelo Presidente da Re-
pública Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL) no dia 3 de novembro de
1891 e ao regime de exceção do Governo Provisório de Getúlio Dornelles
Vargas (RS) no período de 24 de outubro de 1930 a 16 de julho de 1934.
16 de novembro de 1889. É expedido pelo Chefe do Governo Provisó-
rio, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 2, que “provê á
decência da posição da familia do ex-imperador e ás necessidades do seu estabelecimen-
to no estrangeiro”.
Neste mesmo dia o Jornal “Correio do Povo”, que se dizia um “Órgão
Republicano” estampa em manchete principal: “VIVA A REPÚBLICA BRAZI-
LEIRA! – VIVA O EXERCITO – VIVA A ARMADA! – VIVA O POVO BRAZILEI-
RO!”. Logo abaixo desta manchete a seguinte Proclamação do Governo Pro-
visório: “Concidadãos: O povo, o exercito e a armada nacional, em perfeita communhão
de sentimentos com os nossos concidadãos residentes nas provincias, acabam de decre-
tar a deposição da dynastia imperial e consequentemente a extincção do systema
monarchico-representativo.
Como resultado immediato desta revolução nacional, de carater essencialmente
patriotico, acaba de ser instituido um governo provisorio, cuja principal missão é ga-
rantir com a ordem publica a liberdade e os direitos dos cidadãos.
Para comporem esse governo, emquanto a nação soberana, pelos seus orgãos
competentes, não proceder á escolha do governo definitivo, foram nomeados pelo chefe
do poder executivo da nação os cidadãos abaixo-assignados.
Concidadãos: O governo provisorio, simples agente temporario da soberania
nacional, é o governo da paz, da liberdade, da fraternidade e da ordem.
No uso das attribuições e faculdades extraordinarias de que se acha investido
para a defeza da integridade da patria e da ordem publica, o governo provisorio, por

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284 Casimiro Neto

todos os meios ao seu alcance, promette e garante a todos os habitantes do Brazil, nacio-
naes e estrangeiros, a segurança da vida e da propriedade, o respeito aos direitos individuaes
e politicos, salvas, quanto a estes, as limitações exigidas pelo bem da patria e pela legitima
defeza do governo proclamado pelo povo, pelo exercito, pela armada nacional.
Concidadãos: As funcções da justiça ordinaria, bem como as funcções da admi-
nistração civil e militar continuarão a ser exercidas pelos orgãos até aqui existentes,
com relação aos actos na plenitude dos seus efeitos: com relação ás pessoas, respeitadas
as vantagens e os direitos adquiridos por cada funccionario.
Fica, porém, abolida desde já a vitaliciedade do senado e bem assim abolido o
conselho de estado. Fica dissolvida a camara dos deputados.
Concidadãos: o governo provisorio reconhece e acata todos os compromissos na-
cionaes contrahidos durante o regimen anterior, os tratados subsistentes com as potencias
estrangeiras, a divida publica externa e interna, os contratos vigentes e mais obriga-
ções legalmente estatuidas.
Marechal Manoel Deodoro da Fonseca – Chefe do governo provisorio”. Grifado
pelo compilador. Segue-se a relação dos nomes dos componentes do ministério
republicano e o Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889.
Neste mesmo dia, às 15 horas, o ex-Imperador D. Pedro II recebe men-
sagem do Governo Provisório que lhe é entregue pelo Comandante do Regi-
mento de Cavalaria, Major Frederico Solon de Sampaio Ribeiro, solicitando
que a Família Real deixe o Brasil. Logo depois o ex-Imperador D. Pedro II
redige uma resposta ao documento recebido nos seguintes termos: “À vista da
intimação escrita, que me foi entregue hoje, às 3 horas da tarde, resolvo, cedendo ao
império das circunstâncias, partir, com toda a minha família, para a Europa, amanhã,
deixando esta pátria, de nós estremecida, à qual me esforcei por dar constantes testemu-
nhos de entranhado amor e dedicação, durante quase meio século, em que desempenhei
o cargo de Chefe de Estado. Ausentando-me, pois, eu com todas as pessoas da minha
família, conservarei do Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo ardentes votos por
sua grandeza e prosperidade”. Na madrugada do dia 17 começa a retirada da
Família Imperial do território brasileiro. A saída faz-se de madrugada pelo
temor da reação popular, que chegou a esboçar-se na Bahia e Pernambuco e
ameaçava alastrar-se por todo o País.
Em seguida, são expedidos pelo Chefe do Governo Provisório, Mare-
chal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), mais dois decretos tratando da situa-
ção do ex-Imperador: O Decreto nº 5, de 19 de novembro de 1889, que
“assegura a continuação do subsidio com que o ex-imperador pensionava do seu bolso
a necessitados e enfermos, viuvas e orphãos” e o Decreto nº 78-A, de 21 de dezem-
bro de 1889, que nos seus artigos trata do seguinte: “Art. 1º É banido do territorio
brazileiro o Sr. D. Pedro de Alcantara, e com elle sua familia.
Art. 2º Fica-lhe vedado possuir immoveis no Brazil, devendo liquidar no prazo
de dous annos os bens dessa especie, que aqui possuem.
Ar. 3º É revogado o decreto nº 2 de 16 de novembro de 1889, que concedeu ao
Sr. D. Pedro de Alcantara 5.000:000$ de ajuda de custo para o seu estabelecimento no
estrangeiro.

Sem título-3 284 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 285

Art. 4º Consideram-se extinctas, a contar de 15 desse mez, as dotações do Sr.


D. Pedro de Alcantara e sua familia”. Grifado pelo compilador.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de
fevereiro de 1891, nas Disposições Transitórias, Art. 7º, corrige esta incoe-
rência do Governo Provisório e declara que “é concedida a D. Pedro de Alcântara,
ex-Imperador do Brasil, uma pensão que, a contar de 15 de novembro de 1889, ga-
ranta-lhe, por todo de sua vida, subsistência decente. O Congresso ordinário, em sua
primeira reunião, fixará o quantum desta pensão”. A Lei nº 20, de 22 de outubro
de 1891, “fixa em 120.000$ annuaes a pensão a que tem direito D. Pedro de Alcantara,
ex-Imperador do Brasil”.
Como parte das comemorações do “Centenário da Independência”, em 3
de setembro de 1920, é sancionado o Decreto nº 4.120, que “revoga os artigos
1º e 2º do Decreto nº 78-A, de 21 de dezembro de 1889, e autoriza a transladar para
o Brasil os despojos mortais do ex-imperador D. Pedro II e de sua esposa, D. Thereza
Christina, abrindo para tais fins os necessários créditos”. Decreto do Poder Legisla-
tivo e teve origem em proposição de autoria do Deputado Francisco Valadares
que revoga o banimento da família imperial do Brasil.
Em dezembro de 1889, morre a Imperatriz Dona Teresa Cristina, na
cidade do Porto. Em 1890, D. Pedro II muda-se para Paris. No dia 5 de de-
zembro de 1891, à meia-noite, o ex-Imperador vem a falecer, aos 66 anos de
idade, vítima de pneumonia, no Hotel Bedford, em Paris (França). Celebra-
das exéquias solenes na Madeleine, uma das principais igrejas de Paris, trem
especial levou o esquife até Lisboa, onde foi sepultado provisoriamente no
panteão da “Dinastia de Bragança”, na igreja de São Vicente de Fora. O envelhe-
cido Imperador, que tanto trabalhara para unir os brasileiros e pacificá-los,
morreu no exílio. Só alguns anos depois a Nação lhe fará justiça restaurando
sua imagem na História do Brasil. Durante o Governo do Presidente Epitácio
da Silva Pessoa (PB) é expedido decreto abolindo o banimento da família im-
perial. Em 8 de janeiro de 1921, Gastão de Orléans, Conde D’Eu e seus filhos
chegam ao Rio de Janeiro acompanhando os despojos de D. Pedro II e Dona
Teresa Cristina. A Princesa D. Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela
Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, Condessa d’Eu, vem a fale-
cer em 14 de novembro de 1921, no Castelo d’Eu em Paris-França.
Sendo o único império nas Américas, a monarquia era um regime arti-
ficial no continente, voltada para a Europa e de costas para a América, sem
olhar para o seu interior, o verdadeiro Brasil, com sua realidade e sua
potencialidade. Havia necessidades urgentes de mudanças. A República era
um sonho por demais acalentado, discutido e revestido de simbolismo du-
rante os últimos anos de Governo Imperial.
Mas um aspecto positivo do regime monárquico não pode ser esqueci-
do e deve ser motivo de júbilo: foi o fato do Império assegurar a autonomia
nacional, preservar a unidade territorial e a unidade das províncias, em uma
área de proporções continentais, de realidades tão diversificadas e em uma
época de difícil acesso a suas mais remotas fronteiras. Não seria demais afir-

Sem título-3 285 7/5/2004, 10:21


286 Casimiro Neto

mar que o Primeiro Império fez a Independência do Brasil, a Regência fez a


Nação, e o Segundo Império consolidou a vasta extensão territorial.
Na Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824,
e na Lei nº 16, denominda de “Ato Adicional” – de 12 de agosto de 1834 –, não
estava consagrado o regime parlamentar, porém as idéias dominantes à épo-
ca e a influência do sistema inglês na vida brasileira, abriram caminho para
que aqui se instalasse, mesmo não constando da Constituição, o parlamenta-
rismo.
Até a criação do Conselho de Ministros no dia 20 de julho de 1847,
quem formava o gabinete ministerial era o Imperador. Com a criação deste
conselho cabia, agora, ao seu presidente indicar os demais ministros, ou seja,
formar o ministério ou o gabinete. Sem mexer na Constituição, foi implanta-
do e consagrado o regime parlamentarista.
Prudente e austero desde muito jovem, D. Pedro II preferiu “governar e
não reinar”, amparando-se num regime parlamentar inspirado nos moldes
ingleses. O Imperador nomeava o presidente do Conselho de Ministros, e
este escolhia o ministério, compondo o Poder Executivo. Para manter-se no
Governo, o Gabinete devia merecer, simultaneamente, a confiança da Câma-
ra dos Deputados, órgão transitório do Poder Legislativo, e do Imperador.
Este, em virtude das atribuições que lhe conferia a Constituição, como titular
do Poder Moderador – o árbitro do regime –, podia dissolver a Câmara pro-
visória, convocar novas eleições ou demitir o Gabinete, formando outro com
a colaboração da Câmara provisória.
Se a maioria da Câmara dos Deputados e o Gabinete ministerial entras-
sem em divergências, cabia ao Imperador, ouvindo o Conselho de Estado,
qual dos dois tinha razão. O que estivesse com a razão era geralmente manti-
do no poder. Se o Imperador julgasse que a crise era apenas do Gabinete,
substituía-o por outro do mesmo partido, se achasse que era ocasião de ser
aplicado o programa do partido então em oposição, chamava-o ao poder.
Havendo dissolução da Câmara dos Deputados, marcavam-se imediatamen-
te novas eleições. O Senado, órgão permanente do Poder Legislativo, não
fazia política, isto é, não provocava a demissão dos ministros, pois nele pode-
ria haver, em razão da vitaliciedade de seus membros, maioria adversa ao
partido então no poder, que não deveria ficar sujeito à sua confiança.
Durante o Segundo Império, que durou 49 anos, 36 gabinetes foram
formados, sendo 19 liberais, 16 conservadores e 1 de conciliação, isto é, for-
mado por políticos dos dois partidos. Este ministério de conciliação teve,
como presidente, Honório Hermeto Carneiro Leão, Marquês de Paraná (MG)
– de 6 de setembro de 1853 a 3 de setembro de 1856 –, quando veio a falecer,
sendo então substituído por Luís Alves de Lima e Silva, Duque de Caxias, que
vai governar até o dia 3 de maio de 1857.
É encerrado um longo período de experiência da prática do parlamen-
tarismo que deu certo, onde a constante lógica era a competência dos eleitos
e não o tempo de seus mandatos.

Sem título-3 286 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 287

A Câmara dos Deputados durante a monarquia, através dos partidos


liberal e conservador, contribuiu de maneira decisiva com o Imperador
D. Pedro II através das discussões das reformas econômicas para a moderni-
zação do País com a introdução de novas tecnologias no Brasil, tais como o
telégrafo, o telefone, o cabo submarino de comunicações e a maior rede fer-
roviária da América do Sul, além de estaleiros para construção naval e a inau-
guração do abastecimento público de eletricidade do Rio de Janeiro em 1879,
mesmo ano de inauguração de idêntico serviço na cidade de Nova Iorque, a
longa e difícil transição para a abolição da escravatura, e também, a última
reforma monetária do Império.
Vale relembrar ainda que até 1850, consolida-se a ordem no País, acabam
as rebeliões que abalaram o Brasil de Norte a Sul, aperfeiçoa-se o Governo par-
lamentar, cria-se o cargo de presidente do Conselho de Ministros e começa a luta
contra o tráfico de escravos. O decênio 1850/1860 marca uma grande fase de
prosperidade econômica e progresso material. Vigora a conciliação política or-
questrada por Honório Hermeto Carneiro Leão (MG), Marquês de Paraná, equi-
libra-se a região platina, surgem empreendimentos industriais e financeiros, cons-
troem-se ferrovias e cresce a descentralização do poder. A relativa estabilidade
política do Segundo Império só será abalada na década de 1870, quando o País
começa a sentir os efeitos da Guerra do Paraguai (1865 a 1870). Esta guerra se
afirma como divisor de águas do Segundo Império – é o seu apogeu e o início de
sua queda. O negociador para a formação da Tríplice Aliança: Brasil, Uruguai e
Argentina foi o Deputado Francisco Octaviano de Almeida Rosa (RJ) cujo texto,
de sua autoria, teve apoio do Almirante Joaquim Marques Lisboa (RS), Barão,
Conde, Visconde e Marquês de Tamandaré, que comandava a esquadra imperial
na Bacia do Prata. Os seis anos de guerra aumentam vertiginosamente a dívida
externa brasileira para com a Inglaterra, principal fornecedora de armas e capi-
tais para os combatentes. Preso a essa dívida e corroído por crescente inflação, o
Brasil imperial não terá mais a real estabilidade econômica. No decênio 1870/
1880, aumenta o esforço pela emancipação gradual do elemento servil, são dis-
cutidas e promovidas as reformas eleitorais, lança-se o “Manifesto Republicano” e
as viagens do Imperador D. Pedro II se sucedem, sendo substituído pela Princesa
Imperial Regente, D. Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela
Gonzaga de Bragança e Bourbon. Daí até 1887 cresce a agitação abolicionista,
realiza-se, em 1882, a reformulação da Lei das Sociedades Anônimas, expan-
dem-se a produção cafeeira e o progresso da Província de São Paulo, morrem os
antigos estadistas do Império e ascendem novas lideranças no cenário político.
Por fim, no breve período até 15 de novembro de 1889, os destaques são a
desestabilização acelerada do regime imperial, com a doença do imperador e o
seu afastamento dos negócios do Estado, o descontentamento de grande parte
da oficialidade do Exército, a abolição dos escravos, a febre da bolsa de valores, e
a crescente onda de repulsa a um terceiro império. Exemplos de fatos históricos
que, de maneira alguma, devem ser esquecidos para que se possa entender a
construção do império brasileiro e sua derrocada em 1889.

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288 Casimiro Neto

19 de novembro de 1889. É expedido pelo Chefe do Governo Provisó-


rio, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 4, que “estabele-
ce os distinctivos da bandeira e das armas nacionaes, dos sellos e sinetes da Republica”.
A bandeira adotada pela República mantém a tradição das antigas cores na-
cionais: o verde e o amarelo. Conserva o losango amarelo disposto em campo
verde, retira as armas do Império, introduzindo o emblema republicano. A
esfera azul celeste atravessada por uma zona branca, em sentido oblíquo e
descendente da esquerda para a direita, com a legenda “Ordem e Progresso” é
ponteada por vinte e uma estrelas prateadas, entre as quais as da constelação
do Cruzeiro do Sul, representando os vinte Estados da República e o Municí-
pio Neutro (Distrito Federal) dispostas segundo a posição astronômica do céu
do Rio de Janeiro no momento em que a supracitada se achava no meridiano.
Neste mesmo dia é expedido pelo Chefe do Governo Provisório, Mare-
chal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 6, “declarando que se
consideram eleitores para as camaras geraes, provinciaes e municipaess todos os cida-
dãos brazileiros, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever”.
É o fim do voto censitário, onde só votavam as pessoas que pudessem com-
provar determinada renda.
No dia 20 de novembro de 1889 é expedido pelo Chefe do Governo
Provisório, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 7, que
“dissolve e extingue as assembléas provinciaes e fixa provisoriamente as attribuições
dos governadores de Estados”.
No dia 19 de dezembro de 1889 é expedido pelo Chefe do Governo
Provisório, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 70-A,
que “crêa uma commissão composta de tres membros, que são os Drs. Joaquim Felicio
dos Santos; Antonio da Silva Jardim e Benedicto Cordeiro de Campos Valladares para
preparar a regulamentação do decreto nº 6 de 19 de novembro de 1889 visando,
inclusive, o conhecimento do censo eleitoral para as eleições futuras”.
No dia 8 de fevereiro de 1890 é expedido pelo Chefe do Governo Pro-
visório, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 200-A, que
“promulga o regulamento eleitoral com as respectivas instrucções”.
No dia 22 de março de 1890 é expedido pelo Chefe do Governo Provi-
sório, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 277-D e o
Decreto nº 277-E, que “tratam do alistamento eleitoral dos estrangeiros”.
No dia 23 de junho de 1890 é expedido pelo Chefe do Governo Provi-
sório, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 511, que
“manda observar o regulamento para a eleição do primeiro Congresso Nacional” com
o seguinte teor: “O Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo
Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido pelo Exercito e
Armada, em nome da Nação, resolve que na eleição do primeiro Congresso Nacional,
a que se tem de proceder na conformidade do art. 1º do decreto n. 510 de 22 do corrente
mez, que publicou a Constituição dos Estados Unidos do Brazil, se observem as dispo-
sições do regulamento annexo, assignado pelo Dr. José Cesario de Faria Alvim, Minis-
tro e Secretario de Estado dos Negocios do Interior”. É previsto o total de 205

Sem título-3 288 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 289

deputados, sendo a maior bancada a do Estado de Minas Gerais com 37


deputados, seguindo-se a do Estado da Bahia e do Estado de São Paulo com
22 deputados respectivamente. Esse decreto foi muito discutido por suas dis-
posições restritivas. O Decreto nº 648, de 9 de agosto de 1890, expedido pelo
Chefe do Governo Provisório, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL),
trata dos eleitores que não foram incluídos no alistamento eleitoral e ampa-
rados pela Lei nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881 e o Decreto nº 663, de 14 de
agosto de 1890, que adita providências relativas ao processo eleitoral.
20 de novembro de 1889. É expedido pelo Chefe do Governo Provisó-
rio, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 7, que “dissolve
e extingue as assembléias legislativas provinciais criadas pelas leis de 12 de outubro de
1832 e 12 de agosto de 1834 e fixa provisoriamente as atribuições dos governadores
dos Estados”.

3 de dezembro de 1889. Com o objetivo de acelerar a organização cons-


titucional do País, o Chefe do Governo Provisório, Marechal Manoel Deodo-
ro da Fonseca (AL), através do Decreto nº 29 “resolve nomear uma commissão
composta dos Drs. Joaquim Saldanha Marinho, na qualidade de presidente, Americo
Brasiliense de Almeida Mello, na de vice-presidente, e Antonio Luiz do Santos Werneck,
Francisco Rangel Pestana e José Antonio Pedreira de Magalhães Castro, na de vogaes,
para elaborar um projecto de Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil,
afim de ser presente á Assembléa Constituinte”. Grifado pelo compilador.
A comissão, reunida em Petrópolis, sob a presidência de Joaquim
Saldanha Marinho, resolve que cada um dos quatro membros restantes ela-
bore um anteprojeto para ser discutido e votado, embora Francisco Rangel
Pestana entenda que o trabalho deva ser coletivo. Vencido, resolve trabalhar
com Antônio Luís dos Santos Werneck. Três anteprojetos são escritos. Ponde-
rados e discutidos todos os pontos de alta relevância, a “Comissão dos cinco” ou
“Comissão de Petrópolis” elabora o anteprojeto de Constituição definitivo e o
entrega ao Governo Provisório, em 30 de maio de 1890. Em seguida é repas-
sado para o Dr. Rui Barbosa de Oliveira (BA), Ministro da Fazenda, com a
missão de retocá-lo antes de ser publicado em decreto, ad referendum da As-
sembléia Constituinte. Discutido e alterado em reuniões ministeriais, é sub-
metido ao Governo Provisório, sob a presidência do Generalíssimo Manoel
Deodoro da Fonseca (AL), e por ele assinado e publicado em 22 de junho de
1890. É um projeto constitucional que tem como base as Constituições norte-
americana e argentina, com algumas idéias da Constituição da Suíça.
O dia 3 de dezembro é escolhido para lembrar o “Manifesto de 3 de de-
zembro de 1870” e o aparecimento do jornal “A República”, no Rio de Janeiro,
capital do Império do Brasil.
21 de dezembro de 1889. É expedido pelo Chefe do Governo Provisó-
rio, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 78, que nos
seus artigos trata do seguinte: “Art. 1º Ficam banidos do territorio nacional os

Sem título-3 289 7/5/2004, 10:21


290 Casimiro Neto

cidadãos Affonso Celso de Assis Figueiredo, intitulado Visconde de Ouro Preto, e Carlos
Affonso de Assis Figueiredo.
Art. 2º Fica desterrado do territorio nacional, com a obrigação de residir em
qualquer dos paizes do continente europeu, o cidadão Gaspar Silveira Martins”.
Nesse mesmo dia é expedido o Decreto nº 78-A, que no seu artigo pri-
meiro trata do seguinte: “É banido do territorio brazileiro o Sr. D. Pedro de Alcantara,
e com elle sua familia”. É expedido, também, o Decreto nº 78-B, que “trata da
convocação do Congresso Nacional Constituinte”. Os seus artigos trazem o seguinte:
“Art. 1º No dia 15 de setembro de 1890 se celebrará em toda a Republica á eleição
geral para a Assembléa Constituinte, a qual compor-se-há de uma só camara, cujos
membros serão eleitos por escrutinio de lista em cada um dos Estados.
Art. 2º A Assembléa Constituinte reunir-se-há dous mezes depois na Capital da
Republica”. A esse respeito ver também o Decreto nº 510, de 22 de junho de
1890.
23 de dezembro de 1889. É expedido pelo Chefe do Governo Provisó-
rio, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 85-A, que “Crêa
uma commissão militar para julgamento dos crimes de conspiração contra a Republica
e seu Governo, applicando-lhes as penas militares de sedição”. O Decreto nº 295, de
29 de março de 1890, expedido pelo Chefe do Governo Provisório, Marechal
Manoel Deodoro da Fonseca (AL), “sujeita ao regimen do decreto n. 85 A de 23 de
dezembro de 1889 todos aquelles que derem origem a falsas noticias e boatos alarman-
tes dentro ou fóra do paiz ou concorrerem pela imprensa, por telegramma ou por qual-
quer modo para pol-os em circulação”. Com esses decretos fica oficializada a cen-
sura oficial logo nos primeiros atos de um Governo provisório republicano.

7 de janeiro de 1890. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório,


Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 119, que “prohibe a
intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em materia religiosa, consa-
gra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providencias”.
Grifado pelo compilador.

22 de junho de 1890. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório,


Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 510, que publica a
“Constituição do Estados Unidos do Brazil” e que traz no preâmbulo o seguinte
texto: “O Governo Provisório da Republica dos Estados Unidos do Brazil, constituido
pelo Exercito e Armada, em nome e com assenso da Nação:
Considerando na suprema urgencia de accelerar a organisação definitiva da
Republica, e entregar no mais breve prazo possivel á Nação o governo de sim mesma,
resolveu formular sob as mais amplas bases democrarticas e leberaes, de accordo com as
lições da experiencia, as nossas necessidades e os principios que inspiraram a revolução
a 15 de novembro, origem actual de todo o nosso direito publico, a Constituição dos
Estados Unidos do Brazil, que com este acto se publica, no intuito de ser submettida á
representação do paiz, em sua proxima reunião, entrando em vigor desde já nos pontos
abaixo especificados.

Sem título-3 290 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 291

E em consequencia,
Decreta:
Art. 1º É convocado para 15 de novembro do corrente anno o primeiro Congres-
so Nacional dos representantes do povo brazileiro, procedendo-se á sua eleição aos 15
de setembro proximo vindouro.
Art. 2º Esse Congresso trará poderes especiaes do eleitorado para julgar a Cons-
tituição que neste acto se publica, e será o primeiro objecto de suas deliberações”.
Art. 3º A Constituição ora publicada vigorará desde já unicamente no tocante á
dualidade das Camaras do Congresso, á sua composição, á sua eleição e á funcção, que
são chamadas á exercer, de approvar a dita Constituição, e proceder em seguida na
conformidade das suas disposições.
Pelo que
O Governo Provisorio toma desde já o compromisso de cumprir e fazer cumprir,
nestes pontos, a dita Constituição”. Grifado pelo compilador. A esse respeito ver tam-
bém o Decreto nº 78-B, de 21 de dezembro de 1889.
23 de junho de 1890. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório,
Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 511, que “manda
observar o regulamento para a eleição do primeiro Congresso Nacional”. No artigo
5º observa que: “A nomeação dos deputados e senadores será feita por Estados e por
eleição directa, na qual votarão todos os cidadãos qualificados eleitores de conformida-
de com os decretos ns. 200-A de 8 de fevereiro, 277-D e 277-E de 22 de março de
1890”. Define o quantitativo de 205 deputados e 63 senadores e diz ainda no
artigo 67: “Aos cidadãos eleitos, para o primeiro Congresso entendem-se conferidos
poderes especiaes para exprimir a vontade nacional ácerca da Constituição publicada
pelo decreto n. 510 de 22 de junho corrente, bem como para eleger o primeiro Presiden-
te e Vice-Presidente da Republica”. Grifado pelo compilador.

4 de outubro de 1890. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório,


Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 802, que “providen-
cia sobre a convocação das Assembléas Legislativas dos Estados e estabelece o processo
para a respectiva eleição”. O mesmo assunto é tratado pelo Decreto nº 1.189,
expedido em 20 de dezembro de 1890, que “dá providências relativamente á
primeira eleição das Assembléas Legislativas dos Estados”.
11 de outubro de 1890. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório,
Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 847, que “promulga
o Codigo Penal dos Estados Unidos do Brazil”. No seu Livro II, Título I, Capítulo
II e III, Título II, Capítulo I, trata dos crimes contra a existência política da
República – Dos crimes contra a constituição da República e forma de seu
governo; Dos crimes contra o livre exercício dos poderes políticos; Dos cri-
mes contra a segurança interna da República. Promulgado pelo Chefe do
Governo Provisório, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL) e não cum-
prido pelo mesmo durante o fechamento do Congresso Nacional em 3 de
novembro de 1891.

Sem título-3 291 7/5/2004, 10:21


292 Casimiro Neto

Nesse mesmo dia é expedido pelo Chefe do Governo Provisório, Mare-


chal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 848, que “Organiza a
Justiça Federal, criando o Supremo Tribunal Federal”.
23 de outubro de 1890. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório,
Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 914-A, que “publica
a Constituição dos Estados Unidos do Brazil, submettida pelo Governo Provisorio ao
Congresso Constituinte”. A Constituição é publicada novamente, “considerando
na conveniencia de attender immediatamente ao sentimento nacional, contemplando
algumas alterações indicadas á Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil,
cujo texto, dependente da approvação do futuro Congresso, se publicou pelo decreto de
22 de junho deste anno, resolveu modifical-o desde logo nos raros topicos sobre que se
pronunciou accentuadamente neste sentido a opinião do paiz”.
4 de novembro de 1890. 12 horas. Sala do Cassino Fluminense desti-
nada aos trabalhos preparatórios da Câmara dos Deputados. Plenário. Pri-
meira Sessão Preparatória. É eleito o Deputado Antônio Gonçalves Chaves
(MG) para presidir as suas sessões e que vai até a 11ª, no dia 14 de novem-
bro de 1890. Para Primeiro-Secretário é eleito o Deputado João da Matta
Machado (MG).

Na Câmara dos Deputados e na Câmara dos Senadores, tem


início os trabalhos preparatórios para a segunda Assembléia Na-
cional Constituinte que encerra trabalhos no dia 24 de fevereiro de
1891 com a promulgação da Constituição Federal.
O Cassino Fluminense passa a ser a sede provisória da Câ-
mara dos Deputados, mas somente para as sessões preparatórias
do Congresso Constituinte de 4 a 14 de novembro de 1890.

15 de novembro de 1890. Data do primeiro aniversário da República.


13 horas e 30 minutos. Plenário. Palácio de São Cristóvão. Sessão Solene de
Instalação do Congresso Nacional. Presidência do Senador Joaquim Felício
dos Santos (MG). “Á 1 1/2 hora da tarde, no edificio destinado ao Congresso Nacio-
nal, occupados os respectivos logares pela mesa provisoria, o Sr. Presidente convidou os
membros do Congresso a contrahir o formal compromisso de bem cumprir os seus deve-
res pelo modo por que elle passa a fazel-o:
“Prometto guardar a Constituição Federal que for adoptada, desempenhar fiel e
legalmente o cargo que me foi confiado pela Nação e sustentar a união, a integridade
e a independencia da Republica”.
Em seguida, declara installados os trabalhos do Congresso , abre a sessão e man-
da proceder á chamada.
(...) O Sr. Presidente declara que acha-se em uma das ante-salas o Sr. secretario
do chefe do Governo Provisorio, portador da Mensagem dirigida ao Congresso Nacio-
nal pelo mesmo Sr. chefe do Governo Provisorio, Manoel Deodoro da Fonseca, e convi-
da os Srs. 3º e 4º secretarios a introduzil-o ate a mesa.

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A Construção da Democracia 293

“Mensagem dirigida ao Congresso Nacional pelo generalissimo Manoel Deodo-


ro da Fonseca, chefe do Governo Provisorio da Republica do Estados Unidos do Brazil,
em 15 de novembro de 1890.
Srs. Membros do Congresso Nacional – A providencia, que regulou por leis eter-
nas e immutaveis tudo quanto o universo encerra, approuve que eu fosse elevado á
magistratura suprema de nossa patria na hora historica de 15 de novembro do anno
passado e conservar-me a existencia muito ameaçada, então, para, atravez de um
periodo que se me afigurava longo de mais, pelas tremendas responsabilidades que
assumi, saudar-vos no anniversario daquelle glorioso dia entregando-vos os destinos
da Nação.
(...) Até hontem a nossa missão era fundar a republica; hoje o nosso supremo
dever perante a Patria e o mundo é conserval-a e engrandecel-a. Não se mudam
instituições para persistir em defeitos inveterados, ou para causar simples deslocações
de homens. Nas revoluções em que preponderam os principios sobre que repouza a
trilogia sagrada do direito, da justiça e da liberdade, os povos visam antes de tudo
melhorar de condição, fortalecer o império das leis e reivindicar o papel que lhes cabe
no governo da sociedade.
Taes e tão elevados intuitos não se conseguem sem que, governantes e governa-
dos se combinem para dar á autoridade e á liberdade a extensão que lhes é propria e de
que dependem essencialmente a ordem civil e politica.
(...) A obra legislativa, para ser perfeita, deve representar a expressão viva, pal-
pitante, da experiencia e das necessidades de cada povo.
O tempo indica a opportunidade das leis, o tempo as reforma ou as deroga. Cada
povo tem nos seus monumentos legislativos uma tradição, um principio, um compedio
de idéas fundamentaes, que atravessam as idades, resguardando da versatilidade dos
partidos e da inconstancia das situações garantias e direitos que formam a essencia, a
substancia, a base da sociedade civil e politica” e conclama os constituintes:
“(...) Muito resta ainda a fazer, e muito exige e espera a Nação do vosso patriotismo.
Há um anno apenas que iniciamos a demolição de tres seculos. Essa demolição
não tem sido nem será jamais a devastação do conquistador, porque a patria era
nossa”.
Encerra afirmando: “Vamos todos caminho direito do futuro. Quanto mais
sobrios e firmes nos conservarmos como vencedores, mais nos approximaremos do ideal
a que aspiram os povos que buscam na liberdade o dominio da justiça e do direito.
Sejam estes os rumos da patria nova, unicos que nos podem conduzir á leitura dos
destinos que nos restão reservados na America”.
O Deputado José Joaquim Seabra (BA), pela ordem, faz o seguinte pro-
nunciamento: “Estamos, Sr. presidente, deante de um quadro realmente magestoso e
bello, de um espectaculo raro, si não excepcionalmente visto, qual o de um povo que se
levanta inteiro para salvar as alvoradas da redempção da patria.
Sinto neste momento todos os fremitos, todas as expansões, todas as commoções,
que se agitam na consciencia nacional; experimento todas as alegrias de que deve estar
apossada a Nação inteira por ver hoje affirmado o principio grande e poderoso da
soberania nacional, principio único, base de todos os governos livres. Afigura-se-me

Sem título-3 293 7/5/2004, 10:21


294 Casimiro Neto

ver expandir-se neste recinto, inebriado pelos doces e suaves aromas da democracia, a
alma popular, neste recinto mesmo de onde foram expellidos os destroços da monarchia
e onde vae começar a grande obra da construcção da Republica! (apoiados.).
Hontem, Sr. presidente, hontem eram os grandes pesadelos da noute da monarchia;
succederam-se os atropellos e a incerteza da dictadura; afinal surgem as alegrias e as
esperanças da aurora e da liberdade da Republica! Nem é para admirar, porque já se
disse algures que o dia precisa da noute para formar a aurora, que é mais bella de
ambos”. Grifado pelo compilador.
Para este primeiro Congresso Nacional Constituinte foram eleitos 205
Deputados e 63 Senadores. O projeto de Regimento para o Congresso Nacio-
nal Constituinte é discutido e votado entre os dias 18, 19 e 20 de novembro
de 1890.

21 de novembro de 1890. 12 horas. Plenário. Votação para presidente


do Congresso Nacional Constituinte. É eleito o Senador Prudente José de
Moraes e Barros (SP) e para Primeiro-Secretário o Deputado João da Matta
Machado (MG).

22 de novembro de 1890. 12 horas. Plenário. Eleição da Comissão Es-


pecial composta de 21 deputados e senadores para dar parecer sobre o Proje-
to de Constituição dos Estados Unidos do Brazil, publicado com o Decreto
nº 914-A, de 3 de outubro de 1890. A Comissão Especial é constituída pelos
seguintes constituintes: “Manoel Francisco Machado (Sen-AM), Lauro Nina Sodré
e Silva (Dep-PA), Casimiro Dias Vieira Junior (Dep-MA), Theodoro Alves Pacheco
(Sen-PI), Joaquim de Oliveira Catunda (Sen-CE), Amaro Cavalcanti (Sen-RN), João
Soares Neiva (Sen-PB), José Hygino Duarte Pereira (Sen-PE), Gabino Bezouro
(Dep-AL), Manoel Preciliano de Oliveira Valadão (Dep-CE), Virgílio Clímaco Damázio
(Sen-BA), Gil Diniz Goulart (Sen-ES), Bernardino José de Campos Júnior (Dep-SP),
João Baptista Láper (Sen-RJ), Ubaldino do Amaral Fontoura (Sen-PR), Lauro
Severiano Muller (Dep-SC), Júlio Prestes de Castilho (Dep-RS), João Pinheiro da
Silva (Dep-MG), José Lopes da Silva Trovão (Dep-DF), José Leopoldo de Bulhões
Jardim (Dep-GO) e Aquilino Leite do Amaral Coutinho (Sen-MT)”.
Após a eleição o Presidente do Congresso Constituinte, Prudente José
de Moraes e Barros (Sen-SP), “convida a commissão a constituir-se desde já para
combinar os, dias e as horas em que tem de funccionar, indicando o edificio do Senado
para ponto de reunião; e na forma do regimento suspende os trabalhos do Congresso
até que a commissão officie á mesa communicando haver elaborado seu parecer”. A
Comissão Especial é instalada nesse mesmo dia de acordo com ata respectiva
em que diz: “O Sr. José Hygino propõe, e é unanimente aceita, a aclamação de uma
Mesa composta dos Srs. Ubaldino do Amaral, Presidente, Lauro Sodré e Lauro Muller,
Primeiro e Segundo-Secretários”.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 23 de novembro


a 9 de dezembro aguardando o parecer da comissão especial.

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A Construção da Democracia 295

O Parecer da Comissão Especial é lido pelo Constituinte José Higino


Duarte Pereira (PE) no dia 10 de dezembro, seguido de dois votos em separa-
do: o primeiro dos constituintes José Higino Duarte Pereira (Sen-PE), Virgílio
Clímaco Damázio (Sen-BA), Amaro Cavalcanti (Sen-RN), Casimiro Dias Vieira
Júnior (Dep-MA) e Manoel Francisco Machado (Sen-AM) e o segundo do
Deputado Júlio Prestes de Castilho (Dep-RS).
O desejo de apressar a votação da Constituição para que o País entras-
se o quanto antes no regime legal, leva os constituintes a só discutirem os
pontos principais do projeto – a organização federativa, a discriminação de
rendas, a unidade do Direito, a dualidade da magistratura, o sistema de
eleição presidencial, a liberdade religiosa, a organização dos estados e al-
guns outros –, tendo havido requerimentos para o encerramento dos deba-
tes. Mas nos “Anais do Congresso Constituinte da República” se ressalta a firme-
za de princípios, a ponderação, a tolerância e o civismo dos parlamentares
constituintes.
O Deputado Pedro Américo de Figueiredo (PA) assim se pronuncia so-
bre este fato: “Sr. Presidente, parece que podemos bem considerar hoje encerrada a
discussão do 1º titulo do projecto de Constituição.
Nas circumstancias em que nos achamos, cumpre sermos cordatos, patriotas e
breves. É impossivel que aos nossos collegas escape o estado anormal em que se acha o
paiz. Há no ar, na atmosphera, um como espirito maligno que se manifesta qual uma
ameaça continua de commoções sociaes, que é preciso dissipar e destruir. A imprensa
queixa-se da demora que teem tido aqui as discussões. Dizia-se que, ao estabelecer-se o
regimen republicano, outra orientação tomariam as discussões politicas; entretanto con-
tinua a offerecer pretexto para cada um de nós exhibir o seu talento oratório, e o debate
dessas questões rouba logar ás resoluções que cumpre tomar.
V. Ex. tem visto que já estamos perfeitamente illuminados; há mesmo sobre o
assumpto tanta luz que já offusca.
(...) Mas o vicio é contagioso; o vicio das emendas faz com que eu, que sou
artista, tambem apresente emendas, assim como o vicio da oratoria faz com que eu
esteja agora falando em publico. Isto pode fazer com que este parlamento degenere e
transforme-se em sala de espectaculos oratorios”. Grifado pelo compilador.
14 de dezembro de 1890. Expedição da Decisão Ministerial S/Nº, pelo
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e Presidente do
Tribunal do Tesouro Nacional, Rui Barbosa de Oliveira (BA) que “manda quei-
mar todos os papéis, livros de matrícula e documentos relativos á escravidão, existentes
nas repartições do Ministério da Fazenda”.
A Decisão Ministerial tem o seguinte teor: “Considerando que a Nação
brasileira, pelo mais sublime lance de sua evolução histórica, eliminou do solo da pá-
tria a escravidão – instituição funestíssima que por tantos anos paralisou o desenvolvi-
mento da sociedade, inficionou-lhe a atmosfera moral.
Considerando, porém, que dessa nódoa social ainda ficaram vestígios nos arqui-
vos publicos da administração;

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296 Casimiro Neto

Considerando que a República está obrigada a destruir esses vestígios por honra
da Pátria, e em homenagem aos nossos deveres de fraternidade e solidariedade para
com a grande massa de cidadãos que pela abolição do elemento servil entraram na
comunhão brasileira;
Resolve:
1º Serão requisitados de todas as Tesourarias da Fazenda todos os papéis, livros
e documentos existentes nas repartições do Ministério da Fazenda, relativos ao elemen-
to servil, matrícula dos escravos, dos ingênuos, filhos livres de mulher escrava e libertos
sexagenários, que deverão ser sem demora remetidos a esta Capital e reunidos em lugar
apropriado na Recebedoria.
2º Uma comissão composta dos Srs. JOÃO FERNANDES CLAPP, presidente da
confederação abolicionista, e do administrador da Recebedoria desta Capital, dirigirá
a arrecadação dos referidos livros e papéis e procederá á queima e destruição imediata
deles, que se fará na casa da máquina da Alfândega desta Capital pelo modo que mais
conveniente parecer á comissão. – Capital Federal, 14 de dezembro de 1890. Rui
Barbosa”.
20 de dezembro de 1890. Plenário. O Deputado José Joaquim Seabra
(BA) pede a palavra pela ordem: “Peço a palavra, Sr. Presidente, para apresentar
á consideração da Casa uma moção que me parece não poder deixar de ser approvada
pelo Congresso. Refere-se ella ao facto de haver o Governo mandado extinguir os ultimos
vestigios da escravidão.
A moção acha-se assignada por grande numero de senadores e deputados, e
espero que o Congresso, approvando-a, fará justiça e prestará devida homenagem ao
patriotico Governo Provisorio, que acabou de uma vez para sempre com aquillo que era
nossa vergonha, a pagina negra da historia do Brazil”. Grifado pelo compilador. Vai à
Mesa, é lida e posta em discussão a seguinte moção assinada por 83 constitu-
intes: “O Congresso Nacional congratula-se com o Governo Provisorio por ter man-
dado fazer eliminar dos archivos nacionaes os ultimos vestigios da escravidão no Brazil.
– Em 10 de dezembro de 1890”. Grifado pelo compilador.
Colocada em discussão, o Deputado Francisco Coelho Duarte Badaró
(MG) assim se pronuncia: “Sr. Presidente, não quero que ninguem entenda que,
ao levantar para pronunciar-me contra esta moção, eu pretenda condemnar a obra
meritoria dos abolicionistas. O que faço é protestar contra o acto de cremação de todo
o archivo da escravidão no Brazil, porque envolve interesse historico. Nós, em vez de
procurarmos destruir, o que é uma obra de verdadeiros iconoclastas, deviamos ter a
nossa Torre do Tombo, um edificio destinado a recolher os papeis de todos os archivos
do paiz.
Somos um povo novo que corremos o risco de ter difficuldades para escrever a
nossa historia, porque é deploravel o que se observa em todas as municipalidades e nas
repartições das antigas provincias: por toda a parte o mesmo abandono, o mesmo des-
cuido, e por ultimo o facto de mandar-se queimar grande numero de documentos que
podiam servir para se escrever com exactidão a historia do Brazil, no futuro. (Muito
bem; muito bem.)”. Grifado pelo compilador.

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A Construção da Democracia 297

Infelizmente, para a nossa história e para todos os cidadãos interessa-


dos em resgatar suas origens, o orador não encontra apoio. Um crime estava
por ocorrer com a incineração de grande parte da história brasileira. A pro-
posta é colocada a votos, e a moção é aprovada. Os papéis eram a nossa
memória a ser preservada, e principalmente, conhecida pelas futuras gera-
ções da comunidade negra, que tem na busca de seu passado o resgate de sua
cidadania. Uma provável indenização a ser requerida pelas duas partes en-
volvidas não poderia ser objeto de desculpas para esconder, apagar e destruir
séculos de uma atitude abominável. Ademais, não se varrem da história fatos
que nela avultem e cujas provas, incineradas, embora, em alguns arquivos,
permanecem em outros, nos livros, nos jornais e na memória do povo.
A abolição da escravatura entre nós foi uma tão alta e luminosa conquis-
ta que, longe de a pretendermos ocultar, devemos, pelo contrário, expô-la,
em todos os seus pormenores, à luz que dá a vida, que ilumina horizontes
sombrios, como irretorquível demonstração do nosso amor à liberdade, à
esperança que derruba preconceitos, que faz nascer um novo amanhã.
Não há como negar que o problema da escravidão ocupou sempre e
cada vez mais a opinião nacional, que foi, pouco a pouco a começo, e vertigi-
nosamente depois, deixando-se avassalar por ele, ao ponto de dominar as
massas, assenhorar-se da imprensa, empolgar o poder moderador, invadir e
dividir partidos, tornar-se programas de gabinetes, provocar a queda de ga-
binetes ministeriais, dissolver a câmara temporária e depois, afinal, irromper
Parlamento adentro em grande, completa e definitiva vitória.
A respeito da queima de todos os papéis, livros de matrícula, e de outros
documentos relativos à escravidão existentes nas repartições do Ministério da
Fazenda, “as obras completas de Rui Barbosa – Atos Legislativos.Decisões Ministe-
riais e Circulares – Prefácio e Notas de José Gomes Bezerra Câmara – página 339 –
Ministério da Cultura – Fundação Casa de Rui Barbosa” traz o seguinte texto sobre o
assunto: “No último dos artigos citados, o eminente Presidente da Fundação Casa de
Rui Barbosa ofereceu expressiva síntese a respeito (cf. “Um Velho Tema: A Queima dos
Arquivos da Escravidão”).
Não pertence exclusivamente a Rui a queima dos papéis, sem embargo de sua
iniciativa, e sim, também, e em maior parcela, ao Conselheiro Tristão de Alencar Araripe,
titular da Fazenda, em face de seu ato de 13 maio de 1891, quando se expediu a
decisão ministerial para execução de tal destruição.
Com efeito, na Circular nº 29, de 13 de maio de 1891 (Diário Oficial de 13 de
maio, 1891, p. 2.037-8), expedida, segundo o seu teor, para cumprimento das Instru-
ções de 14 de dezembro, não só encarece o Ministro Alencar Araripe urgência para sua
execução, como também determina em um de seus tópicos:
A incineração será feita em presença da Junta da Fazenda, e disto se lavrará
uma ata minuciosa, da qual se remeterá cópia a este Ministério.
Dois aspectos devem ser postos em relevo:
a) situação do escravo, sob o ponto de vista jurídico, antes de 13 de maio de 1888;
b) tendência abolicionista naquela fase.

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298 Casimiro Neto

É necessário que se diga não existir lei alguma, na legislação reinícola, e, a ‘fortiori’,
em seu domínio de ultramar até o ano de 1888, instituindo a escravidão da raça negra.
Melo Freire (Inst., liv. II, tít. I, § 12), depois de afirmar, e com razão, em seus
dias (1789), não haver servos de origem, de cativeiro, nem de pena, prossegue: ‘In
Brasilia tamem servi nigri tolerantur’. E como se tolerava! Melhor diria –
‘recognoscimus’. Bastaria lembrar que uma extravagante de D. João V (Alv. De 3 de
março de 1741, confirmando outros atos régios de seu pai – Pedro II) mandava mar-
car com ferro em brasa o negro achado em quilombo, e, quando já marcado, cortar a
orelha.
Melo traz outras considerações, mas se arrima em péssima companhia – em
Montesquieu, que não admitia Deus colocar alma em um negro, sendo Deus ente perfeito,
sapientíssimo, mormente uma boa alma (cf. De L’ Esprít Des Lois, liv. XV, chap. V).
Em direito positivo, se levar-se a rigor, só existia o Cód. Visigótico, mais precisa-
mente a tradição romanística, nada mais fazendo o ‘Forum Iudicum’ do que repetir o
que preexistia, assimilando muita coisa do Direito Romano. Afora isso, as muitas doa-
ções feitas a partir da Reconquista, mormente a mosteiros, prelazias e mais entidades
eclesiásticas. Tais doações, feitas pelos soberanos, poderiam reputar-se lei para o caso
concreto.
O Conde de Oeiras deu um grande passo, com o Alvará de 19 de setembro de
1761, declarando livres os negros que chegassem ao território metropolitano, menos
aqueles que fossem tripulantes de navios. Mas não fora além disso.
Rui Barbosa não admitia meio-termo para o problema. Em livro de impressão ou
folha solta, seja o que for, fixou a seguinte frase:
“A abolição do elemento servil é entre nós, presentemente, o problema dos proble-
mas. – Julho de 1887. Rui Barbosa.
Dentre os abolicionistas, dos autênticos, ninguém tolerava o meio-termo.
Foi quando surgiu o célebre requerimento formulado por José Porfírio Rodrigues
de Vasconcelos e outros, apresentando as bases para fundação de um banco encarrega-
do de indenizar os ex-proprietários de escravos ou seus herdeiros, dos prejuízos causa-
dos pela Lei de 13 de maio de 1888, deduzidos 50% de seu valor em favor da Repú-
blica. O despacho não se fez esperar, sendo proferido a 11 de novembro de 1890.
“Mais justo seria, e melhor se consultaria o sentimento nacional, se se pudesse
descobrir meio de indenizar os ex-escravos, não onerando o Tesouro, Indeferido”. (Diá-
rio Oficial de 12.XI.1890, p. 5.216.) Foi este o despacho.
A repercussão de tal despacho foi sensível, e, tocado, naturalmente, por um misto
de receio e de mal-estar, cerca de um mês depois proferia a decisão de que tanto se fala,
mas notando-se que se cogitava, naqueles dias, de um movimento de reivindicação, de
ressarcimento de prejuízos oriundos da promulgação da Lei de 13 de maio – pretensão
que não tinha amparo algum em direito positivo, mas poderia suscitar problemas.
Base jurídica não havia, mas existia o problema latente.
A ameaça da indenização sem dúvida o atormentava, não obstante a ausência de
fundamento para tanto, a ausência de suporte jurídico, mas isso não bastava, sabendo-
se que no Brasil até mesmo a posição das letras do alfabeto se controverte, e, por vezes,
vence o sofisma.

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A Construção da Democracia 299

Não fora um ato despótico, nem ocorreu arbitrariedade, e, tanto assim, que se
instituiu desde logo uma comissão idônea. Desta não se retirava a atribuição de preser-
var alguma coisa de interesse histórico. Foi um ato político, em que se exige, apenas, o
‘prudens arbitrium’. Consistiu, antes de tudo, numa prévia defesa do erário.
Bem mais radical seria, como realmente fora, a Circular nº 29, de Alencar Araripe,
endereçada a todos os órgãos subordinados, determinando a destruição de tais peças
para que ficassem extintos todos os livros e papéis referentes ao elemento servil.
É possível que não tenha refletido o Secretário de Estado, raro sendo, como se
sabe, o ministro com propensão para historiador, que não o empolgasse, depois, aquele
ato. É sintomático, a propósito, verificar-se que, em escrito a respeito da abolição, em
prefácio redigido em 1918, a tal episódio não ter sido feita a mais leve referência.
O homem público, em determinados momentos, poderá agir bem mais como de-
fensor do Fisco, convertendo-se em seu advogado, em estadista, em suma, bem mais do
que aquele que se devota á história, quanto àquilo que a esta importa, e pode concluir
que a destruição de papéis constitui tarefa das mais difíceis e problemáticas para quem
considere o seu valor, não tanto o actual, mas eventual, aleatório ou futuro.
Um mês de gestão de Rui Barbosa não ensejou a execução da decisão ministerial,
nem permitiria madura reflexão, suscetível de revogá-la ou modificá-la, mas cinco
meses eram mais do que suficientes, e nada também, até maio de 1891, se fez senão
confirmar e executar a determinação, quando não mais tinha ele voz ativa na Secreta-
ria de Estado”.
Ainda no dia 20 de dezembro de 1890 é expedido pelo Chefe do Gover-
no Provisório Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), o Decreto nº 1.189,
que “dá providencias relativamente á primeira eleição das assembléas legislativas dos
Estados”. No artigo 1º assim está escrito: “Na primeira eleição das assembléas legis-
lativas dos Estados serão observadas as disposições do regulamento annexo ao decreto nº
511 de 23 de junho de 1890, com as modificações estatuidas no art. 7º do decreto n. 802
de 4 de outubro ultimo”. Quanto à fiscalização e aos trabalhos das mesas eleitorais
deve-se observar os termos do Decreto nº 663, de 15 de agosto de 1890.

20 de janeiro de 1891. O ministério se demite, declarando sua oposição


ao Chefe do Governo Provisório Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL).

24 de fevereiro de 1891. 12 horas. Plenário. Palácio de São Cristóvão.


Assinatura e promulgação da nova Carta Constitucional. Encerra-se a sessão
às dezesseis horas e trinta minutos. A segunda Constituição Brasileira e pri-
meira da República tem forte inspiração na constituição norte-americana,
com predomínio na sua elaboração o gênio de Rui Barbosa de Oliveira (BA).
Ela vinha endossada pelo Governo Provisório, no decreto de organização da
Justiça Federal. Sobre esse assunto, Rui Barbosa de Oliveira (BA), Ministro da
Fazenda, em extenso pronunciamento, na sessão do dia 16 de dezembro de
1890, assim se expressa: “(...) A constituição americana não é uma construcção em
decadencia, corroida pela vetuztez secular. É um organismo vivo, um organismo renas-
cente, um organismo juvenil nos seus cem annos de adolescencia robusta, um organis-

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300 Casimiro Neto

mo que ainda não cessou de crescer, e agigantar-se, um organismo cuja força medra
continuamente com o perpassar dos tempos. (Muito bem.) Pelo tecido organico dos
elementos que a compõem, pela natureza evolutiva da combinação que encarna, pela
acção reconstituinte do seu poder judiciario, pela sua communicação interior com as
fontes da vida nacional, pelas emendas que a tornam contemporanea a todas as aspi-
rações successivas do espirito popular, a constituição americana é, hoje, como em 1789,
um modelo da actualidade, um thesouro de experiencia, um transumpto completo das
reinvidicações politicas do seculo dezenove; e não pode deixar de considerar-se , para as
nações deste Continente, o grande manancial da democracia federativa. (Apoiados). E
encerra afirmando: (...) Eu quizera, senhores, que estes conselhos, de uma actualidade
evidentissima, soassem nesta casa como um oraculo proferido pela sombra dediviva do
pai da União Americana, no meio dos nossos debates, sobre o berço da nossa. Porque,
ou eu me engano de todo, ou me foi de todo inutil este anno de dictadura em que eu
supponho ter atravessado cincoenta annos de experiencia; ou então, si quereis consul-
tar o verdadeiro amor da patria e as aspirações reaes della, haveis de meditar, no fundo
da consciencia, a lição memoravel de Washington. (Muito bem, muito bem, O orador
recebe felicitações geraes e a sessão interrompe-se por alguns minutos). Grifado pelo
compilador.
Em outro momento discutindo uma questão constitucional ratifica essa
consagração: “(...) nossa lâmpada de segurança será o direito americano, suas ante-
cedências, suas decisões, seus mestres. A Constituição Brasileira é filha dele e a própria
lei nos pôs nas mãos esse foco luminoso”.
O regime político passa a ser republicano e presidencialista. Consagra o
príncipio federativo, onde a nação é uma federação de vários estados, com
seus próprios governos, submetidos ao governo central, aos quais se permite
tudo o que o texto constitucional não proíba. Introduz o crime de responsabi-
lidade para os ocupantes de cargos no Poder Executivo, abrandam-se as pe-
nas criminais com a supressão da pena de galés, banimento judicial e de
morte; inviolabilidade do domicílio; situação e direitos dos funcionários; e
liberdade do exercício da profissão. O recurso do “habeas corpus” passa a ser
constitucional. É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da
receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao
Congresso Nacional. Os deputados serão eleitos nos estados, em montante
proporcional à sua população, para triênios, e os senadores, extinta a sua
vitaliciedade, para o período de nove anos, em número de três por estado e o
Distrito Federal. Acaba o voto censitário, que restringia os votantes a quem
detinha propriedades e rendas. Adota-se o voto direto e universal, para todos
os maiores de 21 anos, excluídos os analfabetos, além de algumas outras cate-
gorias, como os mendigos e, implicitamente, as mulheres, que ainda vão es-
perar por esse direito até a convocação da Assembléia Constituinte de 1933/34.
Confere aos Estados-Membros autonomia para organizar o seu Poder Legis-
lativo. Com isso, após a promulgação das Constituições estaduais, o Poder
Legislativo Estadual passa a ser exercido pelo Congresso, composto pelo Se-
nado e Câmara dos Deputados estaduais. O presidente da República será

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A Construção da Democracia 301

eleito, pelo voto direto, para um mandato de quatro anos. Excepcionalmen-


te, o primeiro presidente e seu vice, serão eleitos indiretamente pelo Con-
gresso Constituinte.
O Congresso Nacional abrirá seus trabalhos a 3 de maio de cada ano,
cada Legislatura durando três anos e cada sessão legislativa quatro meses da
data da abertura, podendo ser prorrogado, adiado ou convocado extraordi-
nariamente. Este período de funcionamento vai perdurar até a revolução de
outubro de 1930, mudando com a promulgação da Constituição de 1934.
Na ausência de um tribunal específico é instituído um sistema de apura-
ção, onde cabe à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal verificar e
reconher os poderes de seus membros. Este mecanismo é muito criticado ao
longo da primeira República, pois permite aos grupos políticamente domi-
nantes ratificarem ou anularem os resultados das urnas.
Podemos apontar imperfeições e deficiências, das quais regime ne-
nhum, até hoje, logrou escapar. Ao longo da história provou-se que esse
modelo de constituição não funcionou a contento no Brasil e em nenhum
sistema presidencialista da América Latina. Com a importação do federalis-
mo americano, irreal para o Brasil, utiliza-se, abusivamente, da intervenção
federal, e institucionaliza-se a fraude eleitoral com o predomínio incontras-
tável da corrente política dominante – é uma eleição de cartas marcadas, o
voto não é secreto. Começa o tempo dos coronéis e dos votos “de cabresto”.
As mulheres e os analfabetos não podem votar; implanta-se a política dos
governadores; cria-se a prática nefasta da cauda orçamentária e desvirtua-
se o estado de sítio. Mas não se há de negar que os debates e discussões
desenvolvidas para a elaboração da primeira Constituição da República
constitue um trabalho de alta soberania, de descortino e de sugestivo inte-
resse patriótico.

25 de fevereiro de 1891. 12 horas. Plenário. Palácio de São Cristóvão.


Eleição do Presidente e Vice-Presidente da República em obediência ao arti-
go primeiro das Disposições Transitórias: “Promulgada esta Constituição, o Con-
gresso, reunido em Assembléa Geral, elegerá em seguida, por maioria absoluta de vo-
tos, na primeira votação e, se nenhum candidato a obtiver, por maioria relativa na
segunda, o Presidente e o Vice-Presidente da Republica. E § 4º: “Concluída ela, o
Congresso dará por terminada a sua missão constituinte, e, separando-se em Camara
e Senado, enceterá o exercício de suas funcções normais a 15 de junho do corrente
anno, não podendo em hipótese alguma ser dissolvido”. Grifado pelo compilador.
Candidatam-se o Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL) e o Vice-
Almirante Eduardo Wandenkolk (RJ) pela situação e os oposicionistas lan-
çam Prudente José de Moraes e Barros (SP) e o General Floriano Vieira Pei-
xoto (AL).
Tem como certa a implantação de uma ditadura militar se o
Generalíssimo Manoel Deodoro da Fonseca (AL) não for eleito. Diante dos
fatos e boatos que corriam na capital do País, o Congresso Nacional não tem

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302 Casimiro Neto

outra alternativa e o elege Presidente da República. Para Vice-Presidente o


escolhido é o General Floriano Vieira Peixoto (AL) com larga margem de
votos. Encerra-se a sessão às dezesseis horas.

26 de fevereiro de 1891. 13 horas. Plenário. Palácio de São Cristóvão.


Posse do Presidente e do Vice-Presidente da República, eleitos pelo Congres-
so Nacional Constituinte, para o primeiro período presidencial de governo
republicano de 26/02/1891 a 15/11/1894. Após a cerimônia são declarados
concluídos os trabalhos do Congresso Nacional no seu caráter de Constituin-
te e encerra-se a sessão às treze horas e cinqüenta e cinco minutos. É encerra-
da a segunda Assembléia Nacional Constituinte.

O Palácio de São Cristovão, antigo Paço da Quinta da Boa


Vista serviu de sede ao Congresso Nacional Constituinte, de 15 de
novembro de 1890 a 26 de fevereiro de 1891.

28 de fevereiro de 1891. É expedido o Decreto nº 3 pelo Presidente da


República dos Estados Unidos do Brasil, Marechal Manoel Deodoro da Fon-
seca (AL), que “faz saber a todos os cidadãos brazileiros que o Congresso Nacional
resolveu declarar de festa nacional o dia 24 de fevereiro, commemorativo da promulga-
ção da Constituição da Republica”.
Após o encerramento dos trabalhos constituintes, os parlamentares vol-
tam para os seus estados. O Presidente da República Marechal Manoel Deo-
doro da Fonseca (AL) promove substituições de cargos em quase todas as
unidades da federação desagradando ainda mais os políticos e a frágil situa-
ção que o apóia. Voltam os congressistas ao Rio de Janeiro para a reabertura
dos trabalhos legislativos, como legislatura ordinária.
A república vai mal. O favorecimento aos banqueiros e especuladores, o
encilhamento, o crescimento contínuo da dívida pública e da circulação mo-
netária, a queda do câmbio, a oposição parlamentar e o descontentamento
com a política implantada pelo Poder Executivo apressam a apresentação do
projeto de lei de responsabilidade que permitirá processar criminalmente o
Presidente da República.

7 de março de 1891. É expedido o Decreto nº 18 pelo Presidente da


República dos Estados Unidos do Brasil, Marechal Manoel Deodoro da Fon-
seca (AL), tratando do “Código Penal para a Armada dos Estados Unidos do Brazil”
que no preâmbulo está escrito: “O Presidente da Republica dos Estados Unidos do
Brasil, em observancia do decreto de 14 de fevereiro ultimo, que autorizou o Ministro
da Marinha a modificar algumas disposições do Codigo Penal para a Armada, estabe-
lecido pelo decreto n. 949 de 5 de novembro de 1890, Decreta:
Que seja aquelle Codigo substituido pelo que a este acompanha, assignado pelo
Contra-Almirante Fortunalto Foster Vidal, Ministro da Marinha, que assim o fara
executar”.

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A Construção da Democracia 303

Quadro/Ilustração nº 19
A cerimônia de posse e compromisso constitucional do Presidente da República
Marechal Manoel Deodoro da Fonseca

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304 Casimiro Neto

10 de junho de 1891. 12 horas. Palácio de São Cristovão – antigo Paço


da Quinta da Boa Vista. Sessão preparatória. Presidência provisória do Depu-
tado João Lopes Ferreira Filho (CE). Em 18 de junho é eleito o Deputado
João da Mata Machado (MG), Presidente da Câmara dos Deputados. Resigna
do mandato por questão regimental, sendo reeleito na mesma sessão.

Início dos trabalhos legislativos da República dos Estados Uni-


dos do Brasil.
O Palácio de São Cristovão passa a ser a sede da Câmara dos
Deputados, de 10 de junho de 1891 até 11 de dezembro de 1891.

14 de outubro de 1891. É expedido o Decreto nº 14 pelo Presidente da


República dos Estados Unidos do Brasil, Marechal Manoel Deodoro da Fon-
seca (AL), que “publica a resolução do Congresso Nacional prorogando a actual
sessão legislativa até 15 de novembro de 1891”.
3 de novembro de 1891. Os congressistas estão receosos de que o presi-
dente da República deseje poderes ditatoriais devido às decisões tomadas no
interregno legislativo e ao seu arrebatamento temperamental. Cresce a opo-
sição parlamentar. Isto irrita o Presidente da República Marechal Manoel
Deodoro da Fonseca (AL), que não se conforma com os ataques dos congres-
sistas. Está acostumado à disciplina da caserna e pouco habituado ao sistema
presidencialista, à oposição e à convivência democrática entre os Poderes da
Repúbica. É expedido então, nesse dia, o Decreto nº 641, com o seguinte
teor: “O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil: Tendo em considera-
ção o que nesta data expõe em manifesto ao paiz, decreta:
Art. 1º Fica dissolvido o Congresso Nacional eleito em 15 de setembro de 1890.
Art. 2º É convocada a Nação para, em época que ulteriormente se fixará, esco-
lher novos representantes.
Art. 3º O Governo expedirá para esse fim um regulamento eleitoral, asseguran-
do ao Paiz plena liberdade nessa escolha.
Art. 4º O novo Congresso procederá á revisão da Constituição de 24 de fevereiro
deste anno nos pontos que serão indicados no decreto de convocação.
Art. 5º Essa revisão em caso algum versará sobre as disposições constitucionaes
que estabelecem a fórma republicana federativa e a inviolabilidade dos direitos concer-
nentes á liberdade e segurança individual”. Grifado pelo compilador.
Resquícios típicos dos decretos imperiais utilizados para dissolução da
Câmara dos Deputados. Na teoria e na prática as mesmas cenas de 1823.
Brigadas cercam os prédios em que funcionam as duas Casas do Congresso
Nacional, impedindo a entrada dos deputados e senadores. É decretado o
estado de sítio no Distrito Federal e em Niterói. No mesmo dia, o Presidente
da República Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL) divulga um mani-
festo à Nação explicando por que ordenou o fechamento do Congresso Na-
cional. O Parlamento responde ao manifesto do Presidente com outro assina-

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A Construção da Democracia 305

do por 117 deputados e senadores. A eficácia do manifesto dos parlamenta-


res é nula, pois estando em estado de sítio não é possível publicar na impren-
sa. Dezenove dias depois a Armada, através do Contra-Almirante Custódio
José de Melo (BA) declara-se em rebelião. O Presidente da República Mare-
chal Manoel Deodoro da Fonseca (AL) ameaça reagir. As fortalezas de terra
entram de prontidão. A população do Rio de Janeiro está em pânico.
O Decreto nº 677, expedido pelo Presidente da República dos Estados
Unidos do Brasil, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), no dia 21 de
novembro de 1891, “convoca o Congresso Nacional para o dia 3 de maio proximo,
designa para a eleição geral o dia 29 de fevereiro antecedente e indica quaes os artigo
da Constituição que teem de ser revistos”. Expõe seus considerandos, típicas justi-
ficativas ou exposição de motivos de governos autoritários, e diz: “O Presiden-
te da Republica dos Estados Unidos do Brazil, tendo em attenção o que ficou exposto no
manifesto de 3 do corrente mez e o solemne compromisso contrahido no art. 5º do
decreto n. 641 da mesma data relativamente ás emendas á Constituição de 24 de
fevereiro ultimo e que deveriam ser indicadas no acto de convocar-se a Nação para
eleger novos representantes; e
Considerando que a desharmonia dos Poderes Constitucionaes originou-se, em
grande parte, de presuppor-se que o art. 35 da mesma Constituição concedia faculdade
ampla ao Congresso para intervir tanto no Executivo como no Judiciario e até nullificar
actos de mera administração, em embargo das desclassificações alli expressamente defi-
nidas;
Considerando que por esse mesmo motivo ainda é indispensavel esclarecer o dis-
posto no art. 40 quanto a época em que o veto presidencial deve ser submettido á
discussão no Congresso;
Considerando, outrossim, que os arts. 17, § 1º e 29, 1ª parte, conteem disposição
perigosa e conversivel em elemento dissolvente daquella harmonia e mesmo sedicioso,
desde que autoriza prorrogações e adiamentos illimitados, ao mesmo tempo que não
permitte ao Senado iniciar a medida quando a Camara pretenda realizar o
obstruccionismo;
Considerando mais o inconveniente de tolher-se ao Executivo a utilisação de
aptidões de alto valor attrahidas ao exercicio de funcções legislativas e que podem
tornar-se indispensaveis ao andamento dos negocios publicos, indo prestar o seu con-
tingente em commissões importantes (art. 23, § 2º);
Considerando ainda a desvantagem da exaggerada proporcionalidade entre a
população e a representação, firmada no art. 28;
Considerando, finalmente, a necessidade de declarar como serão garantidos, de
accordo com a propria Constituição, os direitos adquiridos no que toca ao uso de conde-
corações e distincções ariundas de serviços prestados á Nação e anteriormente reconhe-
cidos;
Decreta:
Art. 1º É convocado o Congresso Nacional para o dia 3 de maio do anno proximo,
realizando-se a eleição geral no dia 29 de fevereiro antecedente.

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306 Casimiro Neto

Art. 2º As disposições da Constituição de 24 de fevereiro ultimo, que, na fórma do


art. 4º do decreto n. 641 de 3 do corrente mez, devem ser revistas pelo Congresso eleito,
são as contidas nos arts. 17, § 1º, 23, ultima parte, 28, 29, 35, 40 e 72, § 2º.
Art. 3º Revogam-se as disposições em contrario.
O Ministro de Estado dos Negocios do Interior o faça executar.
Capital Federal, 21 de novembro de 1891, 3º da Republica”. Grifado pelo compi-
lador.
Desde a solenidade de posse dos eleitos, quando o Marechal Manoel
Deodoro da Fonseca (AL) foi recebido pelos congressistas em agressivo silên-
cio ao passo que todos batiam palmas para o Vice-Presidente, Marechal
Floriano Vieira Peixoto (AL), em um gesto claramente provocativo, que as
relações do Presidente da República com o Congresso Nacional não são boas.
A nomeação de Henrique Pereira de Lucena (PE), Barão de Lucena, para
formar o novo ministério agrava o momento político. O Parlamento não con-
fia nele, acusando-o de altamente comprometedor com a monarquia depos-
ta. Quando Henrique Pereira de Lucena (PE), Barão de Lucena, escolhe os
nomes para o ministério, a crise se agrava.
O Congresso Nacional une-se fortemente em torno de seu Presidente,
Prudente José de Moraes e Barros (SP), colocando-se pronto para a qualquer
momento derrubar o Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL) e substituí-
lo por outro marechal: o de Ferro, Floriano Vieira Peixoto (AL). Este que é a
suprema humilhação para o Presidente da República, seu inimigo político,
contra cuja eleição lutara.
O meio de conseguir derrubar o presidente é votar o seu “impeachment”
com a aprovação da lei que define os crimes de responsabilidade do Presi-
dente da República. O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL) veta a lei
e faz ameaças ao Congresso Nacional. Prudente José de Moraes e Barros (SP)
desconhece as ameaças do Presidente da República e envia a lei para dis-
cussão e votação do veto. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal uni-
dos pela mesma idéia derrubam o veto presidencial. O Marechal Manoel
Deodoro da Fonseca (AL) cumpre a promessa feita quando das ameaças a
Prudente José de Moraes e Barros (SP) e dissolve o Congresso Nacional. O
decreto é inconstitucional, sendo considerado um golpe de estado.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 3 de novembro de


1891 a 11 de dezembro de 1891.

23 de novembro de 1891. O Presidente não pode usar por muito tem-


po os poderes discricionários que se atribuiu. Alguns dias depois, no Rio
Grande do Sul, começa um movimento revolucionário contra ele. Reação
violenta contra a dissolução do Congresso Nacional, encabeçada pelos parla-
mentares, pelo povo, integrados com os nomes mais expressivos da época, e
pela Armada. Apoiados pelos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande
do Sul, dá-se início a uma revolta na baía da Guanabara. Greves e vários

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A Construção da Democracia 307

movimentos deixam a cidade em clima de guerra civil. Diante destes fatos, o


Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL) reúne o Ministério e renuncia à
Presidência da República – “Já não sou mais o Presidente e vou pedir a minha
reforma” declara. Passa o governo parodiando o velho Imperador D. Pedro II:
“Assino o decreto de alforria do derradeiro escravo do Brasil”. Cansado, doente,
desiludido e pouco compreendido, o herói da Proclamação da República vem
a falecer em agosto de 1892. Assume, então, o seu vice, Marechal Floriano
Vieira Peixoto (AL), que vai governar até o fim do primeiro período de gover-
no republicano – 15 de novembro de 1894. Na Presidência da Câmara o
Deputado Bernardino José de Campos Júnior (SP).
Com a renúncia do Presidente da República Marechal Manoel Deodoro
da Fonseca (AL), cria-se um impasse quanto à ascensão do Vice-Presidente
Marechal Floriano Vieira Peixoto (AL). Pela Constituição, artigo 42, “se no
caso de vaga, por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem
ainda decorrido dois anos do período presidencial, proceder-se-á a nova eleição”. En-
tretanto, pelo fato do Marechal Floriano Vieira Peixoto (AL) pertencer ao
grupo opositor ao Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), cria-se um
movimento favorável à sua presidência.
Nesse mesmo dia é expedido pelo novo governante o Decreto nº 685,
que “convoca, extraordinariamente, o Congresso Nacional, para o dia 18 de dezembro
proximo futuro”. O texto do decreto é o seguinte: “O Vice-Presidente da Republica
dos Estados Unidos do Brazil, considerando ser urgente a votação das leis annuais, da
lei eleitoral e das demais que determinaram a prorrogação da sessão legislativa ordinaria
deste anno, interrompida pelo decreto de 3 do corrente mez:
Resolve, usando da attribuição que lhe confere o art. 48, nº 1 da Constituição,
convocar extraordinariamente o Congresso Nacional para reunir-se no dia 18 de de-
zembro deste anno”.
É expedido, também, pelo novo governo o Decreto nº 686, que “annulla
os decretos de 3 do corrente”. O texto do decreto é o seguinte: “O Vice-Presidente
dos Estados Unidos do Brazil, considerando:
Que em caso algum póde ser dissolvido o Congresso Nacional por acto do Poder
Executivo (art. 1º § 4º das disposições transitorias da Constituição);
Que sómente em caso de aggressão estrangeira ou grave commoção intestina
póde ser declarado o estado de sitio em algum ponto do territorio nacional (art. 48 § 15
da Constituição);
Que nenhuma destas hypotheses verificou-se no Districto Federal e na capital do
Estado do Rio de Janeiro, nem a ordem e a tranquilidade publica se acham ahi pertur-
badas ou ameaçadas:
Resolve annullar os decretos de 3 do corrente mez, pelos quaes foi dissolvido o
Congresso Nacional, suspensas as garantias constitucionaes nos referidos logares e
constituida uma junta militar para o julgamento dos que violassem as ordens do Go-
verno”.
No dia 7 de janeiro de 1892 o Vice-Presidente da República dos Estados
Unidos do Brasil promulga o Decreto nº 27 que “regula o processo e julgamento

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308 Casimiro Neto

do Presidente da Republica e dos Ministros de Estado nos crimes comuns”. No dia 8 é


promulgado o Decreto nº 30 que trata “dos crimes de responsabilidade do Presi-
dente da República”. Uma das causas do fechamento do Congresso Nacional
no dia 3 de novembro de 1890.
12 de dezembro de 1891. 12 horas. Edifício da Cadeia Velha. Câmara
dos Deputados. Primeira sessão preparatória. Presidência do Deputado Astolfo
Pio da Silva Pinto (Primeiro Vice-Presidente). A Câmara inicia os trabalhos
preparatórios que vai até a quarta sessão, no dia 16 de dezembro. No dia 18
de dezembro, às treze horas, no recinto do Senado, abre-se sessão extraordi-
nária do Congresso Nacional, sob a presidência do Deputado Bernardino
José de Campos Júnior (SP), para receber a mensagem do Vice-Presidente da
República Marechal Floriano Vieira Peixoto (AL). A primeira sessão extraor-
dinária da Câmara dos Deputados ocorreu em 19 de dezembro de 1891 e
encerrou seus trabalhos em 21 de janeiro de 1892. No dia 22 de janeiro do
mesmo ano, às treze horas, no recinto do Senado Federal, o Congresso Na-
cional, sob a presidência do Deputado Bernardino José de Campos Júnior
(SP), divulga manifesto à Nação Brasileira e, em seguida, é declarado o en-
cerramento da sessão extraordinária do Parlamento.
As condições precárias das instalações físicas do Paço da Quinta da Boa
Vista faz a Câmara dos Deputados voltar a funcionar na antiga sede (Cadeia
Velha), de 12 de dezembro de 1891 até 11 de setembro de 1914. A partir daí
o edifício da Cadeia Velha serviu, apenas, de depósito, sendo derrubado, em
1923, para, em seu lugar, ser erguido o novo e suntuoso Palácio da Câmara,
hoje denominado Palácio Tiradentes.
Velho edifício, reclusão a princípio de condenados, sombrio cenário do
martírio de Joaquim José da Silva Xavier, o “Tiradentes”, também evocava a
gloriosa atuação dos vultos que ali elaboraram e discutiram leis e ergueram,
em protestos veementes, a eloqüente voz contra a escravidão. As idéias liberais,
republicanas, democráticas dali emanadas ao longo do Império e depois na
República se integraram na obra gigantesca e prodigiosa da formação de nossa
nacionalidade. Foi lamentável para a história do nosso País a sua demolição.

26 de janeiro de 1892. O Congresso Nacional decreta e o Vice-Presi-


dente da República Floriano Vieira Peixoto sanciona a Lei nº 35, que “estabe-
lece o processo para as eleições federaes”. Primeira lei eleitoral da República. O
sistema de eleição distrital fica redefinido e permanece até a revolução de
1930. A prática da eleição distrital na República velha, no entanto, é menos
proveitosa do que no tempo do Império. Apesar de consagrado em várias leis
eleitorais, o voto distrital não é efetivamente respeitado durante a República
e, na verdade, ajuda a manter as estruturas de poder e a dominação das
oligarquias.
De fevereiro de 1893 a 23 de agosto de 1895. Revolução Federalista.
Ameaça à estabilidade do Governo e do regime republicano em todo o País.

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A Construção da Democracia 309

Luta entre os gasparistas ou “maragatos”, federalistas de Gumercindo Saraiva


e os castilhistas ou “pica-paus”, republicanos legalistas, chefiados por Júlio
Prates de Castilho e Pinheiro Machado, no Estado do Rio Grande do Sul e
que se espalha até os Estados de Santa Catarina e do Paraná. Na verdade uma
guerra civil que dura aproximadamente 31 meses e da qual sai vitorioso o
Presidente do Estado, Júlio Prates de Castilhos, embora com um saldo nega-
tivo de aproximadamente 10.000 mortos, milhares de feridos e crueldades
cometidas pelas duas partes envolvidas no conflito.
6 de setembro de 1893. Rio de Janeiro. A revolta de grande parte da
Armada, no porto desta capital sob o comando do Contra-Almirante Custó-
dio José de Mello (BA), contra o Presidente da República Marechal Floriano
Vieira Peixoto (AL) faz com que o Congresso Nacional declare em estado de
sítio, por dez dias, a Capital Federal e a do Rio de Janeiro, autorizando o
Presidente da República a estendê-lo dentro daquele prazo a outros pontos
do território nacional, onde fosse necessário para a manutenção da ordem.
O sinal para o início da revolta foi dado no Sul, com a prisão, a 13 de
julho deste ano, do Almirante e Senador Eduardo Wandenkolk, ex-ministro
da Marinha, que já anteriormente tomara posição contra o Governo, como
signatário do “Manifesto dos 13 Generais” (31 de março de 1892). Estes gene-
rais assinam o manifesto alegando a inconstitucionalidade do Governo
Floriano, exigindo o seu afastamento e a abertura de novas eleições para o
cargo majoritário. A reação do Floriano Vieira Peixoto (AL) é enérgica: exo-
nera os oficiais e os manda prender por insubordinação. Os integrantes da
“Revolta da Armada” recebem, no dia 7 de dezembro, o apoio do Contra-
Almirante Luís Felipe Saldanha da Gama juntamente com a Escola Naval.
José do Patrocínio, em 1892, faz do seu Jornal “Cidade do Rio”, fundado
em 1887, um órgão de oposição ao Governo do Marechal Floriano Vieira
Peixoto (AL) e com isso acaba sendo preso e desterrado. Em 1893, de volta ao
Rio de Janeiro, dá o seu apoio aos oficiais na “Revolta da Armada” através de
seu jornal. O periódico é fechado e o jornalista José do Patrocínio se refugia
em local ignorado. Em 1895, no Governo do Presidente Prudente José de
Moraes e Barros (SP), o referido jornal reinicia suas atividades.
No Plenário da Câmara dos Deputados, às 14 horas e 10 minutos do dia
6 de setembro de 1893, o Deputado Francisco Glicério (SP) pede a palavra
para negócio urgente: “Sr. presidente, está no conhecimento da Camara, que gra-
ves occurrencias se estão desdobrando na bahia do Rio de Janeiro com caracter revo-
lucionário”.
Em seguida o Presidente da Câmara dos Deputados solicita que se faça
a leitura da mensagem do Presidente da República: “O Sr. 1º Secretario lê a
seguinte mensagem: Sr. presidente da Camara dos Deputados – Communico-vos e aos
membros da Camara, que hoje ao amanhecer, o ministro da marinha trouxe ao meu
conhecimento que parte da esquadra se tinha sublevado, collocando-se em attitude
revolucionaria e em franca hostilidade contra o governo legal.

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310 Casimiro Neto

O governo comprehendendo ser de seu dever levar o facto ao vosso conhecimento,


assegurando-vos que se sente forte para manter a ordem publica.
Saude e fraternidade. Capital Federal, 6 de setembro de 1893, – Floriano Peixoto”.
Em outra intervenção o Deputado Francisco Glicério (SP) declara: “(...) O
paiz encontra-se defronte de uma revolução temerosa, dirigida por chefe prestimoso,
companheiro e collaborador até ha pouco tempo do Presidente da República, no seu
governo. Ao abandonar o Presidente da Republica, o chefe da revolução fez declarações
formaes de adhesionismo á causa revolucionária do Rio Grande do Sul. O regimen
monarchico é no Brazil querido por homens sem a coragem franca de suas convicções,
mas que espreitam com insistencia os erros da República”.
É colocado a votos um requerimento assinado por cinco parlamentares
para que a Câmara dos Deputados se constituisse em sessão secreta, a fim de
tratar do assunto. A sessão secreta é encerrada às 23 horas. No dia 7 a Câma-
ra dos Deputados continua, novamente em sessão secreta, até às 23 horas. No
dia 8, ainda em sessão secreta, é votada a autorização de decreto de “Estado
de Sítio”, de acordo com os substitutivos dos Deputados João Alves de Castro
(GO) e João da Matta Machado (MG), por 77 votos favoráveis contra 36
contrários. Em seguida é deliberado que se publiquem as atas das sessões
secretas.
Na sessão do dia 18 de setembro de 1893 o Deputado Bellarmino
Augusto de Mendonça Lobo (PR) faz interessantes questionamentos sobre o
“Estado de Sítio” e as imunidades parlamentares: “(...) torna-se evidente que, em
caso nenhum, principalmente funccionando o Congresso, póde-se julgar os represen-
tantes da nação privados das immunidades parlamentares.
É tão previdente a nossa Constituição a este respeito que investe o deputado das
immunidades desde o momento em que recebe o diploma até á nova eleição.
Logo as immunidades acompanham os deputados em todas as funcções sociaes,
que elles desempenhem durante todo esse interregno.
Nessas condições não se póde soccorrer, para justificar o attentado que vem de ser
praticado contra o distincto deputado pelo estado do Rio, Sr. Luiz Murat, nenhuma
excepção, nem mesmo a de ter sido este illustre deputado detido pela autoridade policial
por motivo extranho ao mandato, qual o que decorre da qualidade de redactor do
jornal “A Cidade do Rio”.
Semelhante detenção constitue uma arbitrariedade, um acto de prepotencia e ao
mesmo tempo uma violação da Constituição, e contra ella protesto em nome da minoria
da Camara”.
Graças a uma nova esquadra que fora adquirida e aparelhada no exte-
rior a “Revolta da Armada” termina com a rendição dos revoltosos no dia 13 de
março de 1894 e grande parte da oficialidade e dos marujos embarca para o
exílio após refugiar-se em navios estrangeiros. Os remanescentes da “Revolta
da Armada” que haviam desembarcado no Uruguai, de bordo dos navios por-
tugueses que os acolheram, penetram no Rio Grande do Sul e incorporam-se
às forças sulistas que continuavam com a Revolução Federalista. O Contra-
Almirante Luís Felipe Saldanha da Gama perde a vida no combate de Campo

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A Construção da Democracia 311

Osório, no Rio Grande do Sul, a 24 de junho de 1895, quando atacados pelas


forças do Governo republicano.

21 de outubro de 1893. Quando o Brasil, depois de ver encerrada a


“Revolta da Armada”, no dia 6 de setembro, reputava-se livre de qualquer
ameaça a sua incipiente democracia eis que se dá a fundação do “Império do
Belo Monte”, no Arraial de Canudos, pelo beato Antônio Conselheiro. Conde-
nando a República, por ter decretado a separação do Estado da Igreja, a
mudança no casamento religioso e outros assuntos de menor importância,
formam uma verdadeira congregação religiosa, preparando-se para um futu-
ro de justiça e prosperidade que viria logo depois do “Juízo Final”. Surge,
assim, uma comunidade camponesa que, além de abolir a propriedade priva-
da, recusa-se a pagar impostos.
No início, divulgam-se, insistentemente, que os inimigos da República
estavam remetendo armas e munições a Antônio Conselheiro, embarcando-
as na “Estrada de Ferro Central do Brasil”, com endereço à estação das Sete
Lagoas, de onde seguiam para seu destino. O Governo de Minas Gerais toma
as devidas providências no sentido de apurar a exatidão desse fato, e a im-
prensa noticia que um destacamento de polícia havia trocado tiros com os
tropeiros incumbidos daquele serviço. Por toda parte se espalha que Canudos
era o reduto da monarquia e o posto avançado para a restauração desta.
A propaganda oficial republicana deturpa os fatos e um caso isolado
nos sertões da Bahia, sem nenhum poder político e sem aparato bélico, tor-
na-se um fator de desagregação nacional e do fim da República recém-insta-
lada no País.

15 de novembro de 1894. Segundo período de Governo Republicano.


Toma posse na Presidência da República Prudente José de Moraes e Barros
(SP). Primeiro presidente civil. Na Vice-Presidência toma posse Manoel
Vitorino Pereira (BA).
No Estado da Bahia, uma questão inicialmente insignificante, a visita
do Frei João Evangelista ao povoado de Canudos, em 18 de maio de 1895, e
sua posterior denúncia do que vira; as divergências entre o Juiz de Direito
Arlindo Leôni, de Juazeiro, e o beato Antônio Vicente Mendes Maciel, vulgo
“Antônio Conselheiro”, transforma-se numa questão religiosa, depois um caso
de insurreição e por último em uma guerra civil. O que deveria ter sido estu-
dado por sociólogos foi exterminado por expedições punitivas do Governo
republicano.
O juiz telegrafa pedindo providências ao Governo do Estado. O Gover-
nador Luís Viana envia um contigente policial, em 6 de novembro de 1895. A
primeira expedição, com mais de 100 homens, parte da capital baiana para
Juazeiro, via ferroviária, sob o comando do Tenente Manoel da Silva Pires
Ferreira, desloca-se até o vilarejo de Uauá e ali acantona, no dia 19. No dia 21
de novembro, os sertanejos de Antônio Vicente Mendes Maciel, vulgo “Antô-

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312 Casimiro Neto

nio Conselheiro”, armados de velhas espingardas, instrumentos de trabalho e


palmas ressequidas invadem o acampamento e desbaratam a força policial,
que se retira em marcha forçada. As linhas do telégrafo transmitem para o país
inteiro o prelúdio da guerra santa. As armas rústicas dos conselheristas trans-
formam-se em armas possantes e modernas financiadas por monarquistas.
“A República está em perigo! É preciso salvar a República!”
Em 25 de novembro de 1895, a segunda expedição, com aproximada-
mente 600 homens, sob o comando do Major Febrônio de Brito, com metra-
lhadoras e canhões, chega às proximidades de Monte Santo, onde acantona
em 29 de dezembro. No dia 12 de janeiro de 1896 é travado o “combate do
Cambaio” (montanha em ruínas), nas proximidades de Canudos. As tropas do
Governo caem em uma emboscada. Em desvantagem batem em retirada. Os
sertanejos vencem mais uma batalha contra o Governo republicano.
A retirada humilhante da segunda expedição convence o Governo Esta-
dual de que não poderia, com seus recursos, combater Canudos. Apela para
o Governo Federal.
A terceira expedição, sob o comando do Coronel de Infantaria Antônio
Moreira César, apelidado de “corta-cabeças”, embarca para a Bahia em 3 de
fevereiro de 1897. Junta-se a ele, na região baiana, o Coronel Pedro Nunes
Tamarindo. Com aproximadamente 1.300 homens, a 20 de fevereiro che-
gam a Monte Santo. Invadem Canudos no dia 3 de março e são massacrados
pelos sertanejos nos labirintos do arraial em cinco horas de combate. O Co-
ronel Antônio Moreira César é fulminado por um tiro na barriga, vindo a
falecer no local. As tropas começam a recuar e o Coronel Pedro Nunes
Tamarindo acaba sendo morto. As notícias chegam, no Rio de Janeiro, em 7
de março e causam um grande alvoroço.
5 de abril de 1897. Em Queimados, começa a concentração de tropas
que marcharão contra Canudos. A quarta e última expedição, sob o comando
dos Generais Arthur Oscar de Andrade Guimarães, Comandante em Chefe
das operações; João da Silva Barbosa; Cláudio do Amaral Savaget e Carlos
Eugênio de Andrade Guimarães. O Ministro da Guerra, Marechal Carlos
Machado Bittencourt, chega a Monte Santo, constata a ineficiência do apoio
logístico, geratriz das dificuldades operacionais desta quarta expedição, e
então manda prover a organização dos comboios de munições de boca e de
guerra. Sob sua orientação direta a luta muda de rumo e o Governo é vitorio-
so em Canudos. O Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt
vem a ser assassinado ao defender o Presidente da República, Prudente José
de Moraes e Barros (SP), do ataque de um extremista, em pleno palanque
oficial armado na Praça XV de Novembro (Capital Federal), durante a recep-
ção às tropas chegadas de Canudos, em 5 de novembro de 1897.
5 de maio de 1897. Congresso Nacional. Plenário. 13 horas. Leitura da
mensagem apresentada ao Congresso Nacional na abertura da primeira ses-
são da terceira legislatura pelo Presidente da República, Prudente José de

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A Construção da Democracia 313

Moraes e Barros (SP). A mensagem, em relação aos combates em Canudos,


diz: “Durante o intervallo das vossas sessões, o facto de maior gravidade quanto á
ordem publica, pela repercussão que teve em todo o paiz, foi sem duvida, o revez sofrido
a 3 e 4 de março proximo findo pelas forças que formavam a brigada expedida contra
os fanaticos e bandidos acastellados na povoação de Canudos, Estado da Bahia.
Lamentavel pelas victimas que fez, entre as quaes avulta a figura denodada e
patriotica de Moreira Cesar, que succumbiu honrando o posto que lhe foi confiado, o
desastre de Canudos tornou-se notavel pela sensação que a sua noticia produziu nesta
Capital e nos Estados, sensação aggravada pela supposição de que os revoltosos dos
sertões da Bahia não são simplesmente impulsionados pelo fanatismo religioso, mas
tambem instrumentos dos que ainda sonham com a restauração da monarchia, apezar
de estar esta definitivamente condemnada pela Nação.
A alma nacional, assim ferida, vibrou forte, e de toda parte foram enviadas ao
Governo innumeras manifestacões, affirmando a solidariedade patriotica na defesa da
Republica.
Estas manifestações valem um verdadeiro plebiscito a favor das instituições vi-
gentes, tão espontaneas e sinceras foram ellas.
Batalhões de patriotas, da Guarda Nacional e de policia dos Estados collocaram-
se ás ordens do Governo da União; e, já em collectividades, já isoladamente, para ir
combater os revoltosos.
Nesta Capital foi onde a inesperada noticia daquelle insucesso se fez sentir com
maior intensidade.
A exaltação propria desses momentos, em que a angustia parece dominar a socie-
dade inteira, deu em resultado a pratica de excessos lamentaveis, tendo a autoridade de
intervir para restabelecimento da ordem publica alterada e para a protecção dos direi-
tos individuaes violados ou ameaçados.
Graças ás providencias então tomadas e á indole ordeira da nossa população,
restabeleceu-se a tranquilidade e a calma habitual voltou aos espiritos.
O exame reflectido dos factos produz a crença de que o insuccesso de Canudos
deu-se, não porque os revoltosos dispuzessem de elementos capazes de resisitir e repellir
o ataque, mas porque as forças legaes, quando já se achavam dentro da povoação, que
seria tomada e vencida, tiveram a infelicidade de perder o valente chefe que as dirigia
e que, com o exemplo, mais do que com as vozes do commando, transmittia-lhes a sua
coragem, que attingia as raias da temeridade.
O bravo coronel Moreira Cesar não teve quem o substituisse com igual prestigio,
apezar do valor militar dos seus auxiliares immediatos: – dahi o desanimo que apode-
rou-se das forças legaes e a retirada desordenada e desastrosa.
O desastre augmentou a força moral dos revoltosos e os recursos materiaes para a
luta.
Não obstante, a causa da legalidade e da civilisação, em breve, vencerá a
ignorancia e o banditismo.
Canudos vae ser atacado em condições de não ser possivel novo insuccesso: den-
tro em pouco a divisão do Exercito, ao mando do general Arthur Oscar, destroçará os
que alli estão envergonhando a nossa civilisação.

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314 Casimiro Neto

Folgo em affirmar-vos que, para consecução desse resultado, que é um desideratum


de toda a Nação, estão collaborando com o Governo Federal, principalmente, os Go-
vernos dos Estados limitrophes da Bahia e o Governo deste Estado, cujo procedimento
tem sido correcto e patriotico”. Grifado pelo compilador.
10 de maio de 1897. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado
Raimundo de Amorim Figueira (AM) apresenta a seguinte indicação: “Sr. Pre-
sidente, venho cumprir um dever de solidariedade republicana; venho apresentar á
consideração da Camara uma indicação de pezames, porque não posso esquecer a
memoria de todos aquelles bravos que, no Estado da Bahia, em Canudos, pereceram
deante do ultimo reducto monarchico que existe em toda America. É esta a indicação.
(Lê.) (Muito bem; muito bem.)
Vem á Mesa, é lida, apoiada e sem debate approvada a seguinte INDICAÇÃO:
A Camara dos Deputados interpretando os sentimentos republicanos de todos os bons
brazileiros, manifesta o seu profundo pezar pelo insuccesso das armas legaes em Canu-
dos, no Estado da Bahia, onde a causa republicana perdeu com a morte dos coroneis
Moreira Cesar e Tamarindo, capitão Salomão dos Reis e outros militares, valentes e
leaes, defensores dignos dos respeitos e veneração de todos os brazileiros verdadeira-
mente republicanos. Sala das sessões, 10 de maio de 1897. – Amorim Figueira”. Grifa-
do pelo compilador.

26 de maio de 1897. Os alunos da Escola Militar rebelam-se. Prendem


oficiais e recusam entregar a munição existente na escola que tinha sido re-
quisitada pelo Governo. Tomando conhecimento do fato, este, age
rápidamente e isola o estabelecimento de ensino. Os alunos acabam se ren-
dendo no dia 27. Após apuração dos fatos, aproximadamente, 150 cadetes
são expulsos daquela escola. A revolta e seus desdobramentos repercute na
Câmara dos Deputados. Na sessão do dia 28 o Deputado José Joaquim Seabra
(BA) apresenta um requerimento com o seguinte teor: “Requeiro que a Mesa da
Camara nomeie uma commissão, afim de congratular-se com o Sr. Presidente da
Republica pela manutenção da ordem publica e prestigio da Constituição, no dia 26 do
corrente”. O Deputado Francisco Glicério (SP) lidera os deputados na votação
contrária ao Governo e diz: “Sr. presidente, não posso dissimular, que em tratando-
se da Escola Militar, nós os republicanos não consideramos sómente a reunião de alumnos
que alli se preparam para o serviço das armas, sinão que a nossa alma está eternamen-
te presa áquelle edificio cujas paredes relembram as nossas esperanças no passado,
reducto de nossas glorias que as proprias aguas do mar, beijaram respeitosas, nas mais
graves circumstancias. (Bravos,; muito bem; muito bem.)
(...) É por isso, Sr. presidente, que eu peço liçença para affirmar que o requeri-
mento do nobre Deputado pela Bahia teve por fim dividir-nos vizando claramente
collocar-nos nesta alternativa: approvarmos a proposta, e condemnarmos, não o acto
de indisciplina dos rapazes, mas a solidariedade legalista e republicana que nos prende
áquelle historico deposito de nossas affeições, ou rejeitarmos a proposta, significando
assim de nossa parte desconfiança ao Presidente da Republica. (Apoiados repetidos em
muitas bancadas.)”. Grifado pelo compilador. Após intensos e violentos apartes no

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A Construção da Democracia 315

curso dos debates, os partidários do Presidente da República não conseguem


aprovar o requerimento.
Na sessão do dia 29, o Deputado Arthur Cesar Rios (BA) faz seu pedido
de demissão da Presidência da Câmara dos Deputados e declara em seu pro-
nunciamento: “(...) Sr. presidente, a moção ou requerimento, que hontem foi apresen-
tado, nesta Camara, pelo meu honrado collega de bancada, o Sr. Seabra, não foi, como
disse o illustre chefe do Partido Federal, o Sr. General Glicerio, o fructo de uma combi-
nação. Não, Sr. presidente: esse requerimento foi o fructo da iniciativa do nobre Depu-
tado e delle tive conhecimento poucos instantes antes da abertura da sessão. (...) Re-
cusar-se, Sr. presidente, uma demonstração destas que os nobres deputados podem
considerar desnecessarias ou mesmo anodynas, por uma votação solemne como a de
hontem, é um facto que há de ser necessariamente interpretado fóra daqui como uma
opposição, uma desconfiança ao Poder Executivo.
Foi por isso Sr. presidente, que a bancada bahiana, apezar de não ouvida ou con-
sultada pelo autor do requerimento (apoiados), por uma votação unanime, inspirada só
e exclusivamente nestes principios, deu o seu voto em favor de semelhante requerimento.
Representante da Bahia, não posso rejeitar a solidariedade desse voto que os
meus collegas de bancada deram; deste modo, parece que entre mim e a maioria da
Camara há uma divergencia. Penso que o Presidente da Camara dos Srs. Deputados
deve ser interprete fiel dos sentimentos, do pensamento, da mesma Camara, e toda a vez
que o não for, elle não póde exercer com dignidade este cargo para o qual lhe fallecia o
mais necessario de todos os elementos, que é a confiança da Camara. Nesta condições
deposito a minha exoneração de Presidente da Camara dos Srs. Deputados nas mãos de
V. Ex., para que, ouvindo a mesma sobre o incidente e collocando-o no terreno de
confiança politica, da solidariedade do modo de pensar do Presidente da Camara com
toda a Camara, isto é, no terreno de assegurar ao Poder Executivo o seu apoio comple-
to, emquanto este governo girar dentro da orbita constitucional, mantendo o regimen
legal e defendendo a ordem publica. É este o requerimento que faço a V. Ex.”. Grifado
pelo compilador. Colocado o requerimento em votação, a Câmara dos Depu-
tados concede a demissão solicitada por 79 votos contra 71.
O Presidente da República Prudente José de Moraes e Barros (SP) re-
solve intervir na crise, reapresentando a candidatura do Deputado Arthur
Cesar Rios (BA) a seu cargo. A oposição lança o Deputado Francisco Glicério
(SP). O Governo acaba vencendo a disputa por 86 votos a 76. A divisão polí-
tica na Câmara dos Deputados é fato e notória.
10 de junho de 1897. Plenário. Intensos debates. O Deputado João de
Siqueira Cavalcante (PE) critica o Governo do Estado da Bahia pela sua atua-
ção no caso da “Guerra de Canudos” e apresenta o seguinte requerimento:
“Requeiro que, por intermedio da Secretaria da Guerra, seja enviado à Camara dos
Deputados cópia do relatorio do general Frederico Solon e documentos que o instruiram,
sobre os acontecimentos do Municipio de Monte-Santo, arraial de Canudos, do Estado
da Bahia”. O Deputado Aristides Augusto Milton (BA) faz defesa enérgica da
atuação do Governador e lê documento do Delegado de Polícia da Villa de

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316 Casimiro Neto

Itapicuru, de 10 de novembro de 1876, dando conta das atividades de Antô-


nio Vicente Mendes Maciel, vulgo “Antônio Conselheiro”, naquela região. Na
sessão do dia 28 de julho de 1897, o Deputado Plínio de Castro Casado (RS)
faz homenagem póstuma ao Coronel Thomaz Tompson Flores, morto no
combate de Canudos. Na sessão do dia 17 de agosto, o Deputado Leovigildo
de Ypiranga Amorim Filgueiras (BA) apresenta requerimento de informa-
ções sobre as operações militares na Bahia.
5 de outubro de 1897. Canudos. A luta é encerrada com a morte de
Antônio Vicente Mendes Maciel, vulgo “Antônio Conselheiro”. A população da-
quela localidade é quase totalmente dizimada por um exército de mais de
6.000 soldados, que somados aos reforços recebidos no decorrer da campa-
nha, em 31 de julho, sob o comando do General Miguel Maria Girard, chega
aproximadamente a mais de 10.000 militares enviados ao teatro de opera-
ções, efetivos estes, deslocados de varias unidades da federação. Foram mor-
tos nesta última expedição aproximadamente 83 oficiais e 827 praças.
Com a ocupação de Canudos pelas tropas do Governo republicano e o
fim do confronto, desfaz-se a miragem de justiça e fartura que se formara nos
sertões estéreis e a ilusão de uma sociedade evangélica auto-suficiente.
6 de outubro de 1897. Plenário. O Deputado Francisco Glicério (SP)
pede a palavra “para negocio urgente. Movimento de attenção – Sr. Presidente, sou
informado de que o Governo da Republica recebeu communicação official do Estado da
Bahia, transmittindo-lhe a gratissima nova da tomada definitiva de Canudos.
Segundo os termos officiaes e positivos dessa communicação, que chegou ao
Ministerio da Guerra, Canudos foi tomado pelas forças legaes e está em nosso poder.
Não póde haver uma victoria mais assignalada (apoiados), vindo coroar os es-
forços do exercito nacional e do Governo da Republica, no empenho de reprimir aquella
sedição, que tem coberto de luto as forças nacionaes. (Muito bem.)
Como V. Ex. sabe, Sr. Presidente, alli pereceram bravos soldados, patriotas distinctos
e desinteressados; essa guerra cruel teve a rara significação de devorar officiaes supe-
riores do exercito nacional, que se distinguiram pelos seu valor, pelo seu criterio e pela
dedicação á causa publica. Portanto, peço a V. Ex. haja por bem de submetter á
approvação da Camara o requerimento que tenho a honra de submetter ao seu criterio,
pedindo a suspensão de sua sessão por hoje, em attenção áquelle facto, que venho de
assignalar. (Muito bem; muito bem.)”. Grifado pelo compilador.
O requerimento é apreciado em regime de urgência e aprovado. Em
seguida o Presidente da Câmara dos Deputados, Artur Cesar Rios (BA), faz a
comunicação oficial à Casa sobre a tomada de Canudos pelas forças do Exér-
cito. Fala também o Deputado Artur Pinto da Rocha (RS) que lamenta a mor-
te do Tenente-Coronel Antônio Tupy Ferreira Caldas na batalha de Canudos.
O Deputado Belizário Augusto Soares de Souza (RJ), após um discurso pa-
triótico, termina afirmando: “Hoje, como amanhã, sejam quaes forem as tremendas
provas, o nosso brado ha de ser: Viva o Brazil! Viva a Republica! (Muito bem. Bravos
e palmas no recinto e nas galerias)”.

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A Construção da Democracia 317

O Presidente da Casa encerra a sessão dizendo: “Parece que interpreto os


sentimentos da Camara proclamando approvada por unanimidade a moção, e convido
a Camara a dar de pé um viva á Republica. (É correspondido. Palmas das galerias.)”.
Na sessão de 8 de outubro é lida mensagem presidencial comunicando
à Câmara dos Deputados a tomada de Canudos e o reconhecimento do cadá-
ver de Antônio Vicente Mendes Maciel, vulgo “Antônio Conselheiro”. Na sessão
do dia 9 o Deputado José Peregrino de Araújo (PB) cumprimenta os militares
pela vitória de Canudos e o Presidente da Casa Arthur Cesar Rios (BA) dá
conhecimento ao Plenário da saudação da Mesa da Câmara dos Deputados
ao Chefe da Nação pelo término da campanha de Canudos.
5 de novembro de 1897. O Presidente da República Prudente José de
Moraes e Barros (SP)comparece ao Arsenal de Guerra para prestigiar as tro-
pas que voltavam dos combates em Canudos e é vítima de um atentado con-
tra sua vida. O Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt,
ao notar o gesto fatal do militar (aspençada) Marcelino Bispo de Melo contra
a vida do Presidente, interpõe-se entre os dois, e é atingido pelo punhal do
criminoso.
Câmara dos Deputados. Plenário. 13 horas e 20 minutos. Durante a
fala do Deputado Irineu de Mello Machado (DF) chega à Câmara dos Depu-
tados a notícia do assassinato do Ministro da Guerra, o orador interrompe
seu discurso e a sessão é suspensa por 5 minutos.
Reaberta a sessão, o Deputado Irineu de Mello Machado (DF) continua
o pronunciamento e diz: “Sr. Presidente, como a Camara viu, eu estava orando
quando chegou ao conhecimento da Camara, por uma informação particular, prestada
ao distincto Deputado Nilo Peçanha, a noticia de um attentado contra a vida do illustre
marechal Machado Bittencourt, um dos bons servidores da Nação e um dos melhores
soldados da República. (Apoiados Geraes.)”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Nilo Peçanha (RJ) fala em seguida: “(Profundo silencio) – A
gravidade extrema do emocional acontecimento de que a Camara acaba de ter noticia
provoca a mais estreita e a mais viva solidariedade dos dous partidos políticos em que se
divide o Corpo Legislativo da Republica. (Apoiados geraes.)”.
O Deputado Augusto Montenegro (PB) requer: “Sr. Presidente, V. Ex.
comprehende que a Camara não póde continuar a deliberar deante deste lutuoso acon-
tecimento, e peço a V. Ex. que consulte a Camara si consente na suspensão da sessão,
até a approvação do requerimento do Sr. Nilo Peçanha e que seja autorizada a mesa a
manifestar ao Sr. Presidente da Republica os seus sentimentos”.
O Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur César Rios (BA) dá o
seu testemunho: “(profundamente commovido) – Meus senhores, cumprindo um de-
ver de gratidão para com o bravo soldado que voltava da campanha gloriosa de Canu-
dos, fui quasi testemunha do desastroso, do indigno acontecimento, que deve pungir o
coração de todo o brazileiro e que prostrou por terra o bravo marechal Carlos Machado
Bittencourt.
S. Ex. acaba de fallecer...

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318 Casimiro Neto

E foi victima da sua dedicação, salvando a pessoa do chefe da Nação, contra o


qual se levantara a arma homicida, que encontrou no peito do illustre marechal o
escudo que salvaguardou a vida do chefe da Nação Brazileira (apoiados geraes.)
Interpreto nestas palavras o sentimento unanime da Camara, a dor profunda
que nos assalta por esse indigno acontecimento, e que é um attentado contra a dignida-
de desta Nação.
Assim, pois, de accordo com os sentimentos da Camara e acceitando a proposta do
levantamento da sessão, vou nomear a commissão que, além da Mesa, assistirá aos
funeraes do bravo marechal Machado Bittencourt, cuja perda neste momento a Pátria
deplora”. Grifado pelo compilador.
É nomeada uma comissão para acompanhar os funerais do Marechal.
O Presidente da Câmara dos Deputados encerra a sessão dizendo: “(...) A
Camara não se reunirá em sessão nocturna hoje, nem haverá sessão amanhã”. A
sessão é encerrada às 14 horas.
A sessão do dia 8 de novembro é de grandes debates sobre o atentado.
A Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, ponderando os termos da
Mensagem do Poder Executivo que solicita a “decretação do estado de sitio para
os territórios do Distrito Federal e da Comarca de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro”,
apresenta o Projeto de Lei nº 146, de 1897. Discutido nos dias 9 e 10 de
novembro é aprovado no dia 11 e enviado ao Senado Federal. É imposto o
“estado de sítio” por trinta dias, prorrogando-o por mais sessenta. A repercus-
são dos acontecimentos é desfavorável aos florianistas e, no processo crimi-
nal aberto para apurar os fatos e apontar os envolvidos, são presos e desterra-
dos vários líderes jacobinos. Esta tendência política civil e militar que nasce
durante a Presidência do Marechal Floriano Vieira Peixoto (AL) mantém-se
influente até 1897. A denominação “jacobinos” vem da corrente mais à es-
querda da primeira fase da Revolução Francesa (1789-1794).
15 de novembro de 1898. Terceiro período de governo republicano.
Toma posse na Presidência da República, Manoel Ferraz de Campos Salles
(SP). Na Vice-Presidência toma posse Francisco de Assis Rosa e Silva (PE).
Ainda sem partidos políticos nacionais, surgem poderosos partidos regio-
nais. Em 1901, uma cisão no Partido Republicano Paulista dá origem ao Par-
tido Republicano Dissidente de São Paulo, apoiado por Prudente José de
Moraes e Barros e Júlio Mesquita.
Com o objetivo de reduzir a oposição e criar uma base de apoio junto
aos Estados federados, foram realizados entendimentos e criado, no Gover-
no do Presidente da República Manoel Ferraz de Campos Sales (SP), no ano
de 1900, a “política dos governadores”. O acordo firmado entre o Governo Fe-
deral e os governos estaduais, prevê que o Governo Federal receberá total
apoio dos presidentes dos Estados (governadores), através de seus deputados
e senadores. Em troca o Governo federal garantirá o domínio político de
determinadas famílias em seus estados, impossibilitando a vitória da oposi-
ção. Esta política beneficia principalmente os Estados de São Paulo e Minas

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A Construção da Democracia 319

Gerais, que monopolizam o cargo de Presidente da República, inaugurando


a denominada “política do café-com-leite”.
Dentre os diversos meios fraudulentos desenvolvidos destaca-se a “Co-
missão Verificadora de Poderes”, constituída por parlamentares, dentro de cada
Casa legislativa, com a incumbência de analisar as campanhas e o processo
eleitoral dos candidatos. A “Comissão de Cinco Membros”, nomeada para exa-
minar os diplomas oferecidos e organizar as listas dos deputados legalmen-
te diplomados e daqueles cujos diplomas não se revestiram das formalida-
des legais, através de parecer, reconhece ou não o deputado diplomado. As
listas organizadas pela Comissão são colocadas em votação no plenário. Aos
candidatos que não foram eleitos dá-se oportunidade para apresentarem
suas contestacões. Analisadas por uma das “Comissões de Inquérito”, emite-se
um parecer. Constatado qualquer indício de fraude, o candidato não é
diplomado e perde o direito ao exercício do cargo, sofrendo a chamada
“degola”. Evidentemente, a maioria dos candidatos da oposição eram “dego-
lados”. Os candidatos legalmente diplomados prestam o compromisso regi-
mental.
Durante o desenrolar da primeira República várias leis versando sobre
matéria eleitoral são expedidas, sem que haja aperfeiçoamento para evitar a
fraude e a manipulação do voto. Os principais movimentos reivindicatórios
são pelo voto secreto e pelo voto feminino, que só serão adotados após a
“Revolução de 1930”.
28 de maio de 1902. São Paulo. Realização do II Congresso Socialista
que funda o Partido Socialista do Brasil (PSB). Neste congresso participaram
delegações estaduais do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, da Bahia, Pernam-
buco, Paraíba, Pará e São Paulo, esta última integrada, em sua maioria, por
cidadãos italianos. O primeiro congresso foi em 1892. Primeiro dos partidos
socialistas brasileiros de tendência anarco-sindicalista, seu programa inclui,
entre outros, o voto feminino, aposentadoria para os velhos e incapazes, di-
reito de greve, justiça e instrução primária gratuitas, semana inglesa de tra-
balho e jornada de oito horas.
31 de outubro de 1904. O Congresso Nacional decreta e o Presidente
da República Francisco de Paula Rodrigues Alves (SP) sanciona a Lei nº 1.261,
que “torna obrigatória, em toda a República, a vacinação e a revacinação contra a
varíola”. No dia 5 de novembro, Vicente de Souza, líder do Centro das Classes
Operárias, funda, com o apoio de positivistas contrários ao Governo, a “Liga
Contra a Vacinação Obrigatória”. Agitação, fome, desemprego e carestia, frutos
da política econômica do Governo federal, além do uso político de lideranças
contrárias ao Governo dá início a “Revolta da Vacina”. No dia 14 de novembro,
aproximadamente 300 cadetes da Escola Militar do Brasil, sob o comando do
General-de-Brigada Silvestre Rodrigues da Silva Travassos marcham com
destino à cidade com o intento de tomar o Palácio do Governo. A esse respei-
to, no dia 16 de novembro, o Governo envia ao Congresso Nacional a seguin-

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320 Casimiro Neto

te mensagem: “Srs. Membros do Congresso Nacional. No dia 14 do corrente, ás 7


horas da noite, o general de brigada Silvestre Travassos sublevou a Escola Militar do
Brasil, e, assumindo o seu commando, poz-se em marcha, a frente dos alumnos arma-
dos, com destino á cidade.
O Governo fez marchar immediatamente forças a seu encontro e conseguiu resta-
belecer a ordem, occupando militarmente a escola, prendendo os alumnos e o general
Travassos.
Sabe-se que era intuito dos revoltosos depôr o Governo legal e instituir no paiz a
dictadura militar.
O levante da Escola Militar era o seguimento de uma série de tumultos que há
dias tem perturbado a tranquilidade desta Capital, como preparo áquella criminosa
tentativa.
O Governo tem procurado cumprir o seu dever e está preparado para manter a
ordem publica e garantir as instituições, contando com o patriotismo inquebrantavel
de todas as forças da Republica. Carece, entretanto, apurar as responsabilidades dos
militares e civis envolvidos em tão graves acontecimentos, fazendo-os processar e
prender, e lamentar ter de vos communicar que o Senador tenente-coronel Lauro
Sodré e os Deputados Alfredo Varella e major Barbosa Lima são geralmente conside-
rados como autores do movimento que visava entregar ao primeiro delles a dictadura
mulitar.
Trazendo ao vosso conhecimento factos de tanta gravidade, confio que auxiliareis
o Governo a apurar essas responsabilidades, sem o embaraço que as immunidades
parlamentares concedem áquelles Membros do Congresso, que se achavam envolvidos
nos lamentaveis acontecimentos. Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1904. – 16º da
Republica. – Francisco de Paula Rodrigues Alves”.
Depois de várias considerações o Primeiro-Secretário procede à leitura
do seguinte Projeto de Lei: “Art. 1º. Ficam declarados em estado de sitio, até trinta
dias, o território do Districto Federal e o da comarca de Nitheroy no Estado do Rio de
Janeiro.
Art. 2º. O Poder Executivo fica autorizado a suspender o estado de sitio, dentro
do periodo marcado, desde que não necessite mais da medida excepcional.
Art. 3º. Revogam-se as disposições em contrario. Senado Federal, 16 de novem-
bro de 1904. – Alberto José Gonçalves, Presidente interino.- Joaquim Ferreira Chaves,
1º Secretario interino. – Thomaz Delfino, 2º Secretario interino”.
É anunciada a discussão única do referido projeto de lei, que recebe o
Nº 276-A/1904 e é colocado em votação. É unanimamente aprovado, salvo
reclamação em contrário do Deputado Irineu de Mello Machado (DF).
As Forças Armadas ocupam a cidade e reprimem com violência qual-
quer foco de oposição popular. Centenas de pessoas são presas, acorrentadas
e colocadas em navios-prisões, sendo depois enviadas a colônias penais no
Território do Acre.
15 de novembro de 1904. O Congresso Nacional decreta e o Presidente
da República Francisco de Paula Rodrigues Alves (SP) sanciona a Lei nº 1.264,

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A Construção da Democracia 321

que “trata da Reforma da Legislação Eleitoral, e dá outras providências”. Denomi-


nada de “Lei Rosa e Silva” é na realidade um verdadeiro código eleitoral. O
Decreto nº 2.419, de 11 de julho de 1911, prescreve os casos de inelegibilidade
para o Congresso Nacional, para a Presidência e Vice-Presidência da Repú-
blica e altera algumas das disposições da Lei nº 1.264.
2 de agosto de 1906. Câmara dos Deputados. Plenário. Visita do Sr.
Elihu Root, Secretário de Estado da República dos Estados Unidos da Améri-
ca do Norte e dos trabalhos da “3ª Conferência das Repúblicas Americanas” na
cidade do Rio de Janeiro – ou “3ª Conferência Pan-Americana”. O Secretário é
saudado com entusiasmo pelo Primeiro-Secretário, Deputado James F. Darcy
(RS), que em um dos trechos destaca: “(...) Recebido na 3ª Conferencia das
Republicas Americanas o estadista da America do Norte, o sociologo, o pensador, o
grande espirito humanitario, um discurso oracular e modelar abriu para as patrias
americanas uma nova era; fez affirmações de tal ordem que a velha muralha, vinte
vezes estabelecida nos separando a nós todos, nações da America do Norte, do Centro e
do Sul, desfez-se e ruiu por terra”. O Secretário de Estado responde com um
notável discurso que fica sendo a mais completa exposição da política conti-
nental americana.

15 de junho de 1907. É publicado o Decreto nº 6.532, que “aprova o


regulamento para a execução do Decreto Legislativo 979, de 6 de janeiro de 1903”.
Este Decreto Legislativo trata das normas para organização de membros em
cooperativas tendo como objetivo a defesa dos interesses das classes de tra-
balhadores. Na realidade é a autorização para a criação de sindicatos pro-
fissionais.
18 de abril de 1909. Plenário da Câmara dos Deputados. Apresenta seu
diploma o Deputado Manoel da Motta Monteiro Lopes eleito pelo Primeiro
Distrito da Capital Federal. No dia posterior, a “Comissão de Cinco Membros”
nomeada para examinar os diplomas oferecidos e organizar as listas dos depu-
tados legalmente diplomados e daqueles cujos diplomas não se revestiram
das formalidades legais, através do Parecer nº 1, reconhece-o como deputado
legalmente diplomado. As listas organizadas pela Comissão são colocadas
em votação. São aprovadas. Os candidatos – não eleitos –, Dr. Nicanor Queiróz
do Nascimento e o Coronel João de Figueiredo Rocha, apresentam-se como
contestantes do diploma conferido ao candidato Dr. Manoel da Mota Monteiro
Lopes. Vale a pena ler estas contestações. No dia 30 é lido e vai imprimir o
Parecer nº 29 da Terceira Comissão de Inquérito, que reconhece os depu-
tados eleitos pelo Primeiro Distrito e não acata as contestações oferecidas ao
Parecer. No dia 1º de maio, o Parecer nº 29 é colocado em votação, sendo em
seguida aprovado. No dia 3 de maio, o Deputado Manoel da Motta Monteiro
Lopes (DF) presta o compromisso regimental. Foi o primeiro representante
genuíno da raça negra, da qual se orgulhava, a fazer parte do Parlamento
brasileiro. A esse respeito ver, também, o pronunciamento do Deputado

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322 Casimiro Neto

Affonso Arinos de Mello Franco (UDN-MG), feito no dia 5 de julho de 1951


logo depois da sanção da Lei nº 1.390, de 3 de julho do mesmo ano, que
incluiu “entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de
raça ou de cor” – primeira lei contra a discriminação racial no Brasil.
14 setembro de 1909. Plenário. Sob clima de grande emoção e violen-
tos apartes, os Deputados Alexandre José Barbosa Lima e Irineu de Mello
Machado (DF) falam sobre o assassinato de diversos estudantes da Faculdade
de Ensino Superior, no Largo do São Francisco de Paula, no Rio de Janeiro, e
apresenta requerimento, subscrito por outros parlamentares “propondo que em
testemunho de profundo pezar pelos lamentaveis conflictos em que foram hontem
victimados diversos alumnos das Faculdades de Ensino Superior, a Camara suspenda
a sua sessão e autorize a Mesa a nomear uma Commissão que em nome da mesma
Camara acompanhe os enterros”. Na sessão do dia 27 de outubro o Deputado
Alexandre José Barbosa Lima volta a insistir no assunto, pronuncia um me-
morável discurso e fala sobre a lentidão na marcha do processo relativo ao
assassinato dos estudantes.

3 de outubro de 1909. Na tarde deste dia, Rui Barbosa de Oliveira (BA)


aceita ser o candidato da “oposição”, e disputar com o Marechal Hermes
Rodrigues da Fonseca (RS) a eleição para Presidente da República para o
sexto período de governo republicano – 15/11/1910 a 15/11/1914.
Rui Barbosa de Oliveira (BA), homem de um metro e cinqüenta de
altura, ligeiramente corcunda e com aproximadamente 48 quilos – minús-
culo no tamanho, mas um gigante na oratória –, começa a mudar a história
das eleições no Brasil. Ao longo de sua rica história de vida destaca-se como
jurisconsulto, orador, escritor, jornalista, político, e membro fundador da
Academia Brasileira de Letras. Foi apelidado de “A Águia de Haia” por sua
brilhante participação na “Segunda Conferência de Paz”, em Haia, na Holanda,
em 1907, onde foi discutida a criação de uma Corte Permanente de Justiça.
Em 1912, é designado membro brasileiro da Corte de Arbitragem, criada
pela “Primeira Conferência de Paz”, em 1899. Em 1920, integra a Corte Perma-
nente Internacional de Justiça.
Para se ter uma idéia do seu caráter, do saber e de sua atuação como
advogado, sobretudo perante o Supremo Tribunal Federal, basta reportar-
se aos primeiros meses do ano de 1892. Os oposicionistas ao Governo do
Marechal Floriano Vieira Peixoto (AL), descontentes com a atitude do Pre-
sidente da República em não convocar as eleições previstas no art. 42, da
Constituição Federal, onde está escrito que “se, no caso de vaga, por qualquer
causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorridos dois anos
do período presidencial, proceder-se-á a nova eleição”, passam a fazer pressão
através de propaganda e agitação contra o Governo. Expede-se um mani-
festo assinado por militares dando ultimato ao Presidente para a convoca-
ção das eleições.

Sem título-3 322 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 323

No dia 19 de janeiro de 1892, estoura um levante, chefiado pelo Sar-


gento Silvino Honório de Macedo, que pretende trazer de volta à Presidência
da República o Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL). São tomadas as
fortalezas de Santa Cruz, Laje e São João. O Governo reage e debela o mo-
tim. Meses depois, é convocada uma homenagem ao Marechal Manoel Deo-
doro da Fonseca (AL) para o dia 10 de abril de 1892. Senha para um novo
golpe militar. O velho Marechal, gravemente enfermo, não comparece. No
dia 12 o Governo determina a prisão dos líderes do movimento, decreta “Es-
tado de Sítio” e suspende as garantias constitucionais por 72 horas. Presos os
manifestantes, são desterrados para a Amazônia e detidos nas Fortalezas de
Lage e de São João.
O Dr. Rui Barbosa de Oliveira (BA), adversário político do Presidente,
encaminha um pedido coletivo de habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal
para os desterrados e os presos do Rio de Janeiro. O recado do Presidente da
República Marechal Floriano Vieira Peixoto (AL) ao Presidente da Suprema
Corte é claro: “Se os seus ministros concederem ordens de Habeas Corpus contra os
meus atos, eu não sei quem amanhã lhes dará habeas corpus de que, por sua vez,
necessitarão”. Uma ameaça expressa, audaz e intolerante de um Poder contra
outro Poder da República. O pedido coletivo de “habeas corpus” para mare-
chais, generais, parlamentares e jornalistas entra em pauta para julgamento
e por um voto de diferença, os juízes negam o pedido.
Na mesma época a Suprema Corte havia declarado a inconstitucionali-
dade do Código Penal da Armada dos Estados Unidos do Brasil, de 7 de
março de 1891, expedido pelo Decreto nº 18, do Presidente da República
dos Estados Unidos do Brasil, Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL).
O Presidente da República Marechal Floriano Vieira Peixoto (AL) tenta
restringir a independência e a autonomia da Suprema Corte e faz a indicação
de um médico e dois generais para os quadros daquela Corte, sem, contudo,
lograr êxito na empreitada. O Senado não aprova as indicações. Indignado
com o fato, o Presidente da República nega-se a indicar novos nomes. Por
insuficiência de “quorum” mínimo para a realização das suas sessões e dar
posse ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, fica esta corte vários me-
ses sem deliberar.
A Constituição de 1891 declara em seu artigo 72, § 23 que “dar-se-á o
habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer
violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder”. Parte de uma concepção
arrojada para seu tempo, promovendo a liberdade de locomoção no sentido
mais amplo, abrigando centenas de litígios, indo desde a política de governa-
dores e casos de intervenção federal até os limites da separação entre a Igreja
e o Estado.
Agiganta-se o advogado Rui Barbosa de Oliveira (BA) na persistente
defesa dos perseguidos políticos e no requerimento de vários outros “habeas
corpus”. É memorável a seqüência histórica desta empreitada.

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324 Casimiro Neto

O conflito entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário perdura ainda


durante o governo do Presidente Prudente José de Moraes e Barros (SP), que
considera exorbitantes os poderes do Supremo Tribunal Federal em garantir
imunidades parlamentares a vários congressistas processados durante o “Es-
tado de Sítio”.
Assunto objeto de intensos debates na tribuna , nos meios jurídicos e
nos jornais, só vem a ter solução no ano de 1926 com as várias modificações
oriundas da aprovação da emenda constitucional. Esta reforma fortalece o
Poder Executivo na medida em que restringe a concessão do “habeas corpus”,
ficando ele assim unicamente adstrito ao seu sentido originário de instituto
protetor da liberdade de locomoção, perdendo, com isso, a latitude que
alcançara por aplicação jurisprudencial. Fica assim escrito o “Art. 72, § 22, –
dar-se-á o habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar em iminente perigo de
sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de
locomoção”.
Rui Barbosa de Oliveira (BA), considerado um homem à frente do seu
tempo, que no final do Segundo Império destaca-se na elaboração da refor-
ma eleitoral – voto direto –; em diversos pareceres emitidos sobre problemas
do ensino; na sua “Campanha Abolicionista”, quando enfrenta fazendeiros e
grandes proprietários contrários ao fim da escravidão; Vice-Chefe do Gover-
no Provisório após a Proclamação da República; ministro da Fazenda; sena-
dor; relator da Constituição de 1891; oposicionista ao Governo do Marechal
Manoel Deodoro da Fonseca (AL) quando este dissolve o Congresso Nacional
em 1892; apontado como rebelde em 1893, quando ocorre a “Revolta da Ar-
mada”; exilado; e vice-presidente do Senado Federal, empresta agora o seu
carisma em um pleito eleitoral. Lidera no País, no final do ano de 1909 e
início de 1910, o primeiro movimento significativo de opinião pública, com a
sua inflamada “Campanha Civilista”. Já dizia ele: “Eu sou dos sacrifícios. Se fosse
para a vitória não me convidavam, nem eu aceitaria; mas como é para a derrota,
aceito. A idéia não morrerá pelo meu egoísmo. Perderemos, mas o espírito da resistência
civil se salvará”. As esperanças de uma verdadeira democracia republicana
estampam nas manchetes dos jornais.
Inicialmente o civilismo se limita a uma campanha contra o militarismo
nas eleições, mas logo se transforma na primeira janela para a cidadania. A
classe média e os trabalhadores urbanos apoiam Rui Barbosa de Oliveira
(BA). Em sua campanha prega o voto secreto, o fim do analfabetismo, a refor-
ma da Constituição e o fim da interferência do Exército na vida civil. Ao final
da campanha perde as eleições, mas não perde os objetivos propostos, alcan-
çados que foram na sua essência: revolucionar as idéias conservadoras de seu
tempo.
No Parlamento, a campanha política (“hermismo” e “civilismo”) tumultua
os trabalhos legislativos. As galerias estão sempre cheias de simpatizantes dos
dois partidos, que perturbam as sessões, muitas vezes brigando a bofetões e
ponta-pés.

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A Construção da Democracia 325

Esgotados, uma tarde, os recursos de admoestação e dos “Tympanos” –


campainha de mesa em forma de sino, sem badalo, acionada por um marte-
lo –, o Presidente da Câmara dos Deputados ameaça evacuar as galerias.
Interessado com o barulho que elas faziam, o Deputado Cincinato Cesar da
Silva Braga (da minoria – SP), tenazmente, se opõe. Observa que “por evacuar
galerias, no regimen passado, mais de um Ministério se enfraqueceu, ou sossobrara”.
As galerias tiveram, nesta tarde, uma verdadeira homenagem, não sendo eva-
cuadas.
No dia 15 de novembro de 1910 toma posse o candidato eleito Mare-
chal Hermes Rodrigues da Fonseca (RS). Na Vice-Presidência toma posse
Wenceslau Braz Pereira Gomes (MG).
No início do ano de 1914, Rui Barbosa de Oliveira (BA) é candidato
novamente para o cargo de presidente da República contra o indicado pelo
Governo e pelo partido da situação, o Vice-Presidente Wenceslau Braz Perei-
ra Gomes (MG), mas desiste do pleito, e declara em manifesto que o Brasil
era ingovernável após a passagem do Marechal Hermes Rodrigues da Fonse-
ca (RS) pelo Poder Executivo. Nas sessões do Senado Federal da primeira
quinzena do mês de novembro de 1914, o Senador Rui Barbosa de Oliveira
(BA) faz memoráveis pronunciamentos denunciando as violências praticadas
contra cidadãos, jornalistas e estudantes e as prisões efetuadas na Capital da
República. Fala também da escolha de candidatos à Presidência e Vice-Presi-
dência da República pelo Partido Republicano Conservador, eleitos em 1º de
março de 1914, reconhecidos e proclamados pelo Congresso Nacional no dia
30 de junho do mesmo ano. Foram eleitos para Presidente da República,
Wenceslau Bráz Pereira Gomes (MG) e para Vice-Presidente, Urbano Santos
da Costa Araújo (MA) – sétimo período de governo republicano.
É também, digno de nota, seu pronunciamento realizado em 5 de julho
de 1915, sobre o sistema de verificação de poderes realizado pela Câmara
dos Deputados e pelo Senado Federal e sobre a “degola” do candidato
diplomado Dr. José Rufino Bezerra Cavalcanti, durante a tramitação do Pa-
recer nº 60, de 1915, sobre “as eleições realizadas no Estado de Pernambuco em 30
de janeiro do mesmo ano, para a renovação do terço do Senado e opinando que seja
reconhecido e proclamado Senador da República pelo mesmo Estado o Sr. Dr. Francisco
de Assis Rosa e Silva”. No processo consta a alegação do Dr. José Rufino Bezer-
ra Cavalcanti, candidato diplomado e também a do Dr. Francisco de Assis
Rosa e Silva, candidato contestante. Sendo reconhecido Senador pelo Estado
de Pernambuco, o contestante presta compromisso regimental na sessão do
dia 6 de julho de 1915.
O candidato eleito para a presidência da República – oitavo período de
governo republicano (15/11/1918 a 15/11/1922) –, Francisco de Paula
Rodrigues Alves (SP), não chega a tomar posse por motivo de saúde. Acome-
tido pela “gripe espanhola” vem a falecer no dia 16 de janeiro de 1919. Toma
posse na vice-presidência da República Delfim Moreira da Costa Ribeiro (MG).
Neste cargo vai exercer, interinamente, a presidência em substituição ao titu-

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326 Casimiro Neto

lar. O próprio vice-presidente também não dispõe de boas condições de saú-


de. Seu curto mandato ficou conhecido como “regência republicana”, uma vez
que se destaca no governo o seu ministro da Viação e Obras Públicas, Afrânio
de Mello Franco (MG). Seguindo as normas constitucionais são convocadas
novas eleições para os cargos majoritários da Nação, em 1919. Rui Barbosa
de Oliveria (BA) decide realizar novo protesto pela forma como estas estão
sendo conduzidas e apresenta-se, outra vez, como candidato para a segun-
da fase do oitavo período de governo republicano contra Epitácio da Silva
Pessoa (PB). Não é eleito, mas obtem, sem qualquer apoio da máquina elei-
toral, cerca de um terço dos votos, além de conseguir a vitória no Distrito
Federal.

23 de novembro de 1910. Rio de Janeiro. A cidade amanhece sob a


ameaça de bombardeio. Rebelião na Marinha de Guerra do Brasil. Os mari-
nheiros, após presenciarem a agressão ao companheiro Marcelino Rodrigues
que recebera duzentos e cinqüenta golpes de chibata no convés, como castigo
por uma infração corriqueira, entram em revolta na Armada. Estão fartos da
primitiva “Lei da Chibata”, uma herança dos colonizadores portugueses, da
péssima alimentação nos navios, e dos maus tratos. São aplicados castigos
corporais para disciplinar a corporação: “para faltas leves, prisão a ferros na
solitária e a pão e água; faltas leves repetidas, idem por seis dias; faltas graves, 25
chibatadas”. O Comandante Batista das Neves e outros oficiais e marinheiros
são mortos. Outros marujos são detidos na guarnição. Dominam quatro gran-
des navios e fazem manobras pela baía da Guanabara. O timoneiro João Cân-
dido Felisberto (RS), o “Almirante Negro” como passa a ser chamado, comanda
a esquadra formada pelos encouraçados “Minas Gerais” – um dos maiores do
mundo –, e o “São Paulo”, apoiados pelos vasos de guerra “Barroso” e “Bahia”.
Dominam a cidade sob a mira dos canhões e com a ameaça de bombardeio
da capital. Os rebeldes exigem do Presidente da República Hermes Rodrigues
da Fonseca (RS), recém-empossado, a reforma do Código Militar que os re-
gem, ingresso de negros nas escolas de oficiais, abolição dos castigos corpo-
rais e cruéis na Marinha de Guerra, aumento do soldo e aprovação de projeto
de anistia geral para todos os revoltosos.
Convém relembrar que, em 17 de junho de 1828, na primeira legislatura
do Império, a Comissão de Guerra da Câmara dos Deputados apresentou o
seguinte parecer ao projeto de resolução do Deputado Manoel do Nascimen-
to Castro e Silva (CE): “A commissão de guerra, vendo o projecto de resolução do
nobre deputado o Sr. Castro e Silva que pede fiquem sem effeito as portarias de 4 de
Junho de 1823, 28 de Maio de 1824, 3 de Setembro de 1825 e outras ordens que
mandão castigar com chibatadas os crimes de primeira e segunda deserção simples, e
pôr em inteira observancia o tit. 4º da ordenação de 9 de Abril de 1805; acha-se
obrigada a informar a esta augusta camara, que estando demonstrado que o castigo
das chibatadas e açoutes, rodas de páo, e pancadas de espada, tanto no exercito, como
na armada, em vez de ser util á conservação da disciplina da tropa e marinhagem,

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A Construção da Democracia 327

serve mais para estragar o phyzico e o moral dos homens do que de os compelir a
procederem como bons cidadãos, conhecendo mais que o ministro da guerra não podia
sem notorio abuso de autoridades suspender por uma simples portaria a execução da
ordenação de 9 de Abril de 1805, a qual não obstante os seus palpaveis defeitos e os
resultados que teve oppostos á intenção do legislador, (como a experiencia mostrou
desde o mesmo dia da sua publicação) não devera ser annullada por um modo tão
irregular, como o foi o da portaria de 3 de Setembro de 1825; e estando com effeito
provado que as deserções erão menos frequentes antes do que depois da publicação da
ordenação sobredita, e que muito mais frequentes se tornarão depois que se expedio a
portaria de 3 de Setembro de 1825, chegando a relaxação de muitos soldados, ate ao
ponto de desertarem por mero divertimento e o abuso dos chefes a decidirem sem conse-
lho da natureza dos crimes, e da qualidade ou gravidade dos castigos, o que bem prova
que as providencias do governo tiverão um resultado inverso dos fins que se propôz,
visto ser desproporcionada a pena á grandeza do delicto; póis que sendo constante que
muitos commandantes de corpos por falta de leis mais providentes mandão punir a seu
arbitrio com 100, 200 e ate 800 chibatadas a quaesquer soldados por culpas commettidas
contra a disciplina economica e particular dos mesmos corpos, e os commandantes dos
navios de guerra mandão castigar com rodas de páo, açoutes e pancadas de espada os
seus marinheiros e soldados por culpas leves, de modo nenhum se podem reputar 60 ou
100 chibatadas como sufficiente castigo do crime de deserção (reputado um dos mais
graves do exercito) daquelle soldado relaxado, a quem por culpas muito menores se
applicão mais severos castigos, não só pelos commandantes dos corpos e das compa-
nhias, mas ainda por um sargento ou outros officiaes inferiores. Taes são os effeitos da
nossa actual legislação militar!
E ainda que no projecto de ordenação do Sr. deputado Cunha Mattos, se ache
para o futuro abolido o infame castigo das chibatadas, nunca vantajoso e sempre
estragador dos brios e outras qualidades phisicas e moraes dos militares; e esteja
determinado no mesmo projecto um systema de castigos de deserções mais consentaneo
com a razão e sentimentos generosos de um povo livre, nem por isso a commissão se
oppõe ao projecto do Sr. Castro e Silva, reservando para occasião mais opportuna a
total abolição dos castigos de chibatadas, açoutes, rodas de páo, e pancadas de espa-
da, tanto no exercito como na armada; e por isso a commissão cingindo-se tão sómente
á materia do mesmo projecto do Sr. Castro e Silva, tomado pela parte da illegal
suspensão da lei praticada pelo ministro da guerra, e nunca porque entenda que a
ordenança de 9 de abril de 1805 seja um meio conveniente para diminuir e castigar
as deserções, tem a mesma commissão a honra de apresentar a esta augusta camara,
com consentimento do illustre autor do projecto, e como emenda a elle o seguinte”.
Grifado pelo compilador.
Em seguida apresenta projeto de resolução considerando nulas e de
nenhum efeito as portarias expedidas que impunham castigos corporais aos
soldados e marinheiros das forças imperiais. “Projeto de Resolução – A assembléa
geral legislativa resolve:
Artigo unico. Fica em seu inteiro vigor o titulo 4º da ordenança de 9 de abril de
1805, e as leis que o illuminarão ou alterarão, e serão consideradas irritas, nullas e de

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328 Casimiro Neto

nenhum effeito as portarias expedidas pela repartição de guerra sobre a provisoria


suspensão das penas da 1ª e 2ª deserção simples.
Paço da camara dos deputados, 8 de junho de 1828. – Raymundo José da Cunha
Mattos. – Francisco das Chagas Santos. – José Gervasio de Queiroz Carreira. – A. F. de
P. e Hollanda Cavalcante de Albuquerque. – Luiz Augusto May”.
O projeto é discutido e aprovado, sendo, em seguida, mandada impri-
mir a resolução.
Ao longo do Império o assunto volta em pauta e no dia 20 de junho de
1888 é lido, em Plenário, o Parecer nº 9 B/1888, que “trata da abolição do
castigo corporal na Armada” nos seguintes termos: “Additivo apresentado na 2ª
discussão do projeto de força naval para 1889, pelo Sr. Deputado Affonso Celso Júnior.
Á commissão de marinha de guerra foi presente o additivo apresentado pelo depu-
tado Affonso Celso Júnior ao projeto de fixação de força naval para o exercício de
1889, abolindo o castigo corporal na Armada.
Considerando, porém, a commissão que o additivo de que se trata entende muito
de perto com a disciplina, que convém manter e observar na Armada.
Considerando que o referido additivo encerra, pelo motivo exposto, materia gra-
ve e de subida importancia, e não se achando habilitada com as informações precisas
para emittir sua opinião em assumpto de tamanha relevancia, é de parecer que a
respeito seja ouvido o Governo, por intermedio do Ministerio da Marinha.
Sala das commissões, em 19 de junho de 1888. – Dr. Cantão. – Passos Miranda”.
Grifado pelo compilador.
Como tão perverso sistema não foi abolido durante o Império, o Decreto
nº 3, expedido pelo Governo Provisório, em 16 de novembro de 1889, tratava
do seguinte: “O Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil,
attendendo ao patriotismo e disciplina com que se houveram as praças da armada que
cooperaram no movimento nacional, que deu em resultado a proclamação do actual
regimen, decreta: Art. 1º Fica reduzido a nove annos o tempo da duração de serviço na
armada para os recrutados e para os procedentes das escolas de aprendizes marinheiros.
Art. 2º Fica abolido na armada o castigo corporal.
Sala das sessões do Governo Provisorio, 16 de novembro de 1889, 1º da Republica.
Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio. S. Lobo. – Ruy
Barbosa. – Q. Bocayuva. – Benjamin Constant. – Wandenkolk”. Grifado pelo compilador.
Mesmo assim, apesar do conhecimento direto dos fatos que continua-
vam ocorrendo pelas diversas administrações navais superiores, através de
reclamações pacíficas dos marinheiros, as proibições de maus tratos e casti-
gos físicos não são cumpridas pela oficialidade naval e não se tem notícias de
nenhuma condenação de oficiais por ter mandado “chibatear” soldados na-
vais e marinheiros. Esta situação vai perdurar ainda ao longo da Primeira
República.
Vendo-se esgotados todos os recursos legais da reclamação, quando não
tiveram mais a quem apelar, a quem dirigir suas súplicas, os seus protestos de
desespero e agonia, essa classe militar se revolta e faz valer as suas reclama-
ções pela armas e pela indisciplina como um direito inalienável.

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A Construção da Democracia 329

Durante o movimento estava em discussão o Projeto de Lei nº 188, de


1910, fixando a despesa do Ministerio da Marinha para o exercício de 1911.
Debates polêmicos em torno do assunto, inclusive com pedidos de adiamen-
tos da discussão. O revolta militar dura quatro dias e resulta em muitas mor-
tes. Ao final há um acordo. O Governo promete anistia aos revoltosos e a
extinção dos castigos corporais. Nos dias 24 e 25, a Câmara dos Deputados e
o Senado Federal discute, vota, e aprova um projeto de anistia aos amotina-
dos e participantes do levante. Com isso é encerrada a denominada “Revolta
da Chibata”.
Mas o acordo não é cumprido. Quando os revoltosos se desmobilizam,
o Governo volta atrás, começa a perseguir os que participaram da revolta e
prende a liderança do movimento. Encarcerados em condições desumanas e
mesmos mortos 26 deles, sendo que nove são fuzilados, e outros excluídos da
corporação. João Cândido Felisberto, gaúcho, filho de ex-escravos, fica
trancafiado na Ilha das Cobras por dezoito meses. A partir de então, João
Cândido Felisberto (RS) passa a ser vítima de uma perseguição implacável.
Torna-se um mito. Temido pelos militares, carrega a fama de subversivo até o
final de sua vida. Desprezado pela União, é endeusado pelos seus compa-
nheiros de luta e vive na memória do povo carioca.
A investida do Governo leva a uma nova revolta dos marinheiros; entre-
tanto, preparada, a Marinha consegue reprimi-la, promovendo novas pri-
sões, execuções e exílio.

23 de novembro de 1910. 13 horas. Plenário da Câmara dos Depu-


tados. O Líder da Maioria, Deputado Torquato da Rosa Moreira (BA), fala
sobre o episódio: “Sr. Presidente, ninguem que tenha conhecimento dos graves acon-
tecimentos que se estão passando na bahia desta Capital poderá dissimular a impressão
profunda por elles causada, sobre todos os espiritos, sem distincção de classes (apoia-
dos), sem distincção de partidos (apoiados geraes), pois que elles interessam a toda
Nação Brazileira (apoiados; muito bem). Nã ha como occultar: o que está perigando
neste momento é a ordem publica e o que, com estes acontecimentos, soffre grave ataque,
são os altos e permanentes interesses da Nação.
Desgraçadamente, Sr. Presidente, a maruja brasileira, amotinada, obedecendo a
interesses inconfessaveis, sem a cultura necessaria para comprehender a gravidade desses
acontecimentos e da attitude, que acaba de assumir, põe em grave risco a tranquilidade
publica, a ordem, o socego e, porque não dizel-o? os proprios creditos da nossa Nação”.
Em nome da Minoria, o Deputado Francisco Antunes Maciel (RS) fala
em seguida: “(...) o Governo não julga ainda opportuna a intervenção do Parlamen-
to, por quaesquer medidas que tenha de tomar relativamente ao movimento que tanto
impressiona esta cidade e que em poucas horas ha de impressionar não só o paiz como
os povos cultos que comnosco cultivam relações de commercio e de amizade.
(...) Desde 11 horas e pouco encontrei-me aqui neste recinto, procurando ouvir
os meus ilustres companheiros de opposição, embora eu de ante não previsse qual seria
a sua atitude, qual era aquella que convinha tomar na situação actual.

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330 Casimiro Neto

Dos que foram entrando, de todos ouvia na mesma conformidade o pensamento


que eu tinha e que teria de revelar desta tribuna, quer se manifestasse, quer não se
manifestasse o orgam da illustre maioria.
O nosso pensamento é, Sr. Presidente, de nada promover, de nenhum reparo
fazer, nenhuma consideração emittir sobre as circumstancias actuaes, acatando em tudo
e por tudo as medidas que competem ao Governo do meu paiz em situações dolorosas
como esta em que se encontra a sociedade brazileira.
Elle, pelas suas responsabilidades, deve saber o que é indispensável fazer
actualmente.
Si, de alguma cousa necessita, alem das medidas que a legislação em vigor lhe
faculta, venha pedil-a, porque o Parlamento estará com elle (apoiados) emquanto elle
se mantiver na defeza da ordem social perturbada, como se acha: e emquanto estiver
convencido de que isto que se passa na bahia do Rio de Janeiro é apenas uma mons-
truosa revelação do espirito de anarchia (apoiados geraes) que não póde ter solidarie-
dade alguma da Nação Brazileira (apoiados) nem de nenhum dos partidos que aqui
representamos. (Muito bem, muito bem. Palmas nas galerias e no recinto. O orador é
immensamente felicitado.)”. Grifado pelo compilador.
Antes de iniciar a “Ordem do Dia”, o Deputado Luís Adolfo Corrêa da
Costa (MT) pede a palavra pela ordem e faz o seguinte relato: “Sr. Presidente,
acabo de chegar do Arsenal de Marinha, onde tive o profundo sentimento de ver o
cadaver do meu amigo de infancia capitão de mar e guerra João Baptista das Neve, do
1º tenente Mario Alves de Souza e de varios praças de marinha.
Não é occasião opportuna para se fazer o elogio funebre dos que morreram no
cumprimento dos seus deveres; entretanto, devendo realizar-se, amanhã, as exequias
em hora que a Camara não estará reunida, peço a V. Ex. e aos meus illustres collegas
que, em signal de solidariedade com aquelles que sacrificaram a vida por amor da
ordem e da disciplina, nomeiem uma commissão para representar a Camara na cerimonia
funebre. (Muito bem.)”. Grifado pelo compilador.
Posto a votos, é aprovado o requerimento de nomeação da comissão.
Na mesma sessão, ao final da “Ordem do Dia”, o Deputado José Carlos
de Carvalho (DF) faz o seguinte relato: “Sr. Presidente, V. Ex. deve comprehender
a situação angustiosa que me traz neste momento á presença de V. Ex.; a Camara e o
paiz podem sentir, com tanta sinceridade como eu agora sinto, estes desagradaveis e
desastrosos acontecimentos, que tanto compromettem a Republica e a minha querida
corporação – a Armada Nacional. (Apoiados, muito bem.)
Hoje, Sr. Presidente, ás 9 horas da manhã, fui procurado em minha casa pelo
illustre Dr. Rodolpho de Miranda, que ia da parte de meu chefe e estremecido amigo, o
Sr. General Pinheiro Machado, dizer-me o que havia chegado ao seu conhecimento
acerca do gravissimo facto, que a Camara tambem sabe agora, por informações da
imprensa.
O Sr. General Pinheiro Machado era de opinião que eu fosse officiosamente a
bordo dos couroçados Minas Geraes e S. Paulo e demais navios que estão revoltados,
para saber o que havia de real e o que era necessario fazer-se para sahir-se de tão
inesperada e afflictiva situação.

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A Construção da Democracia 331

(...) dirigi-me em seguida para o Arsenal de Marinha, na companhia do Dr.


Rodolpho de Miranda.
Ahi vi, na sala da ordem, o cadaver do valoroso commandante do Minas Geraes,
sacrificado a golpes de machadinha quando procurava conter a maruja amotinada.
Flanqueando o illustre morto, estavam outros corpos de officiaes cahidos na lucta pelo
cumprimento do dever, e alguns cadaveres de marinheiros que haviam sido fieis aos
seus superiores.
Dizer a V. Ex. e á Camara como encontrei o Arsenal de Marinha, seria descrever
um quadro feio, de que o momento não aconselha que nos occupemos, tratando de
cousas que nos podem entristecer ainda mais do que a revolta dos marinheiros, que já
tanto nos afflige e compromette a administração da marinha. (Muito bem.).
Difficilmente encontrei, Sr. Presidente, uma lancha decente para me conduzir a
bordo do couraçado Minas Geraes, e quando pedi uma bandeira branca, deram-me um
lençol que acabava de servir a um dos marinheiros mortos, então recolhidos á casa da
ordem do Arsenal.
Arvorei esse lençol na prôa da lancha e segui para bordo do Minas Geraes.
Em viagem, encontrei uma embarcação mercante que vinha daquelle couraçado,
trazendo um emissario. Fiz atracar a lancha, e do emissario recebi um officio, destinado
ao Sr. Presidente da Republica. Guardei esse officio para ser por mim entregue a S. Ex.
e dirigi-me então para bordo do S. Paulo, que me chamava á falla.
Logo que fui reconhecido, a sua guarnição formou, permittindo a minha entra-
da. Uma vez a bordo e recebido com todas as honras, perguntei quem se responsabiliza-
va por aquelles actos.
Responderam-me: “todos”, e um delles accrescentou: “navios poderosos como es-
tes não podem ser tratados, nem conservados, por meia duzia de marinheiros que estão
a bordo; o trabalho é redobrado, a alimentação é pessima e mal feita e os castigos
augmentam desbragadamente. Estamos em um verdadeiro momento de desespero: sem
comida, muito trabalho e as nossas carnes rasgadas pelos castigos corporaes, que che-
gam á crueldade. Não nos incommodamos com o augmento de nossos vencimentos,
porque um marinheiro nacional nunca trocou por dinheiro o cumprimento de seu de-
ver e os seus serviços á Patria.”.
Nessa occasião, do Minas Geraes, perguntaram pelo telegrapho quem estava a
bordo do S. Paulo. Responderam que era o Comandante José Carlos. Pediram que
queriam me ver. Despedi-me da guarnição do S. Paulo, recebendo della todas as conti-
nencias e seguranças de que seriam fieis ao Governo do Marechal Hermes. A bordo do
Minas Geraes fui recebido com todas as honras.
Ahi encontrei a sua guarnição muito exaltada e resolvida á resistencia, caso não
fossem atendidas as suas reclamações.
E para que eu me certificasse da justiça da reclamação, pediram-me para passar
mostra ao navio, afim de ter a certeza de que tudo estava em ordem. “Nada queremos,
disseram-me os marinheiros, sinão que nos alliviem dos castigos corporaes, que são
barbaros, que nos deem meios para trabalhar, compativeis com as nossas forças. V. S.
póde percorrer o navio, para ver como elle está todo em ordem, e até o nosso escrupulo,

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332 Casimiro Neto

Sr. Commandante chegou a esse ponto: alli estão guardando o cofre de bordo quatro
praças, com armas embaladas; para nós aquillo é sagrado. Só queremos que o Sr.
Presidente da Republica nos dê liberdade, abolindo os castigos barbaros que soffremos,
dando-nos alimentação regular e folga no serviço.”
“V. S. vai ver si nós temos ou não razão.”
Mandaram vir á minha presença, Sr. Presidente, uma praça, que tinha sido
castigada ante-hontem. Examinei essa praça e trouxe-a commigo para terra, para ser
recolhida ao Hospital de Marinha. Sr. Presidente, as costas desse marinheiro asseme-
lham-se a uma tainha lanhada para ser salgada.
Perguntei si havia feridos ou mortos a bordo. Responderam que havia um official
agonizando, um 2º tenente, cujo nome não me souberam informar.
Perguntei-lhes ainda o que queriam, e me responderam: “o mesmo que pede a
guarnição do S. Paulo, e no officio que mandámos pelo nosso emissario ao Sr. Mare-
chal Presidente da Republica, pedimos perdão pela falta que praticámos levados pela
allucinação a que chegámos pelos castigos barbaros que recebemos, todos os dias, e a
posição desesperada em que nos collocaram. Fizemos tudo isto porque basta de soffrer e
não sabemos ainda o que faremos. Em todo caso, pedimos perdão e sentimos que estavamos
amparados na nossa desgraça quando nos annunciaram a vinda de V. S. para ser
intermediario do nosso pedido do perdão. V. S. , pedimos todos, seja o nosso bemfeitor e
nos livre da desgraça em que cahimos e que não foi por nossa culpa; peça ao Sr.
Marechal Hermes que nos perdôe.”
Retirei-me de bordo do Minas Geraes, trazendo ao Sr. Presidente da Republica
estas informações e fazendo-lhe entrega do officio que a elle era dirigido pela guarnição
daquelle couraçado.
Saltei no Arsenal de Marinha, e ao official de serviço entreguei a praça que
havia sido chibateada a bordo e precisava ser recolhida ao hospital. Em seguida, fui
para o palacio, onde encontrei o Sr. Presidente da Republica com seus ministros, a
quem dei contas da incumbencia que me levara a bordo dos couraçados Minas Geraes
e S. Paulo.
Desta simples exposição, V. Ex., Sr. Presidente, e a Camara bem podem
comprehender a gravidade da situação e medir devidamente as responsabilidades que
pesarão sobre o Congresso nacional, por qualquer acto que tenha de praticar, levado
pelas exigencias do momento.
A gente que está a bordo é capaz de tudo, quando os chefes e marinheiros são
individuos allucinados pela desgraça em que cahiram.
Acredito que o Governo vae agir como lhe impõem o dever, a dignidade e o
respeito que todos nós devemos á Republica, ainda que tenhamos de lamentar perdas
enormes e registrar sacrificios sem conta.
Não sei o que aquella gente vae fazer; mas, pelo que pude deprehender da exaltação
dos animos e planos dos chefes, a situação é gravissima.
(...) Trago apenas estas informações á Camara; o mais, o Governo communicara
pelos processos regulares. (Apoiados.)
Assim, não me compete sinão ser portador destes esclarecimentos, para que a
Camara fique sabedora da situação exacta e penosa em que nos achamos. Tenho

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A Construção da Democracia 333

concluido. (Muito bem; muito bem. O orador é muito abraçado e vivamente cumpri-
mentado.)”. Grifado pelo compilador.
24 de novembro de 1910. 13 horas. Plenário da Câmara dos Depu-
tados. O Deputado Francisco Joaquim Bethencourt da Silva Filho (DF) fala
sobre o Marinheiro João Cândido Felisberto (RS): “(...) Emquanto as autorida-
des federaes esperam da generosidade desse homem, até hontem ignorado mas hoje
conhecido em todo o Brazil, o soldado João Candido, que a capital do paiz, cidade
comercial, séde dos poderes constitucionais da Republica não seja bombardeada, derruidos
seus predios, afugentada e assassinada sua população; emquanto todos nós tudo fiamos
da generosidade desse caboclo até hontem obscuro e de hontem para hoje revelado um
bello e habil marinheiro, com proficiencia superior a de muitos officiaes de nossa arma-
da, notaveis pela perambulação na rua do Ouvidor e pela comparencia a todas as
festas e bailes deste regimen de comesainas, fica tristemente evidenciada a impotencia
de nossas fortalezas e de parte de nossa esquadra immobilizada na fidelidade ao gover-
no legal da Republica.
A população da cidade do Rio de Janeiro vive anciosa, não sabendo si, de um
momento para o outro, ficará na contigencia de uma população atacada por uma
esquadra inimiga.
(...) As nossas fortalezas e navios fieis ao Governo não se encontram em condi-
ções de enfrentar a esquadra revoltada.
Achamo-nos, como disse, entregues á generosidade de obscuros patricios.” (Muito
bem; muito bem.)”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Alexandre José Barbosa Lima (DF) fala sobre a anistia aos
revoltosos: “(...) neste momento de angustia, não é possivel a nenhum orador occupar-
se exclusivamente da materia em debate, sem voltar sua attenção para o facto que, ha
48 horas, traz em sobressalto a população desta Capital.
Aprecio o movimento subversivo dos marinheiros, considerando-o como uma
consequencia inevitavel da infracção da lei no regimen disciplinar, desde que os casti-
gos physicos reduzem os pequenos servidores da patria a verdadeiros escravos.
Entendo que a amnistia é uma consequencia natural dessa revolta, porque ella
virá assegurar o dominio da lei esquecida e porque esta providencia não deve ser con-
cedida unicamente aos revoltosos graduados, de galões e bordados”. Grifado pelo compi-
lador.
O Jornal “O Estado de São Paulo” do dia 25 de novembro destaca em sua
primeira página: “Revolta na Armada – A situação continua muito grave. 4 horas e
45 minutos da tarde. O anunciado bombardeioo começa sem grande intensidade.
Neste momento succedem-se os tiros que repercutem na cidade inteira causando enor-
me terror.
(...) O deputado José Carlos, que fora a bordo dos S. Paulo annunciou da tribu-
na da Camara que se o governo não deferisse ás mensagens dos rebeldes estes bombar-
deariam a cidade ás 5 horas. Referiu que há perfeita organisação militar a bordo, não
estando um único marinheiro embriagado.

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334 Casimiro Neto

A ameaça da maruja insubordinada se cumpre minutos antes. Começa a Aveni-


da Central a ficar abandonada. As poucas senhoras que se viam na cidade correm a
tomar os bondes. Para todas as direcções foge gente.
(...) A grossa artilharia do “S. Paulo” e do” Minas Gerais” rebôa medonhamente,
estremecendo as casas”.
Na coluna “Notas Avulsas” destaca os seguintes comentários do enviado espe-
cial: “(...) Uma das maiores surpresas da revolta da esquadra é a admiravel precisão
com que têm evoluido os navios revoltosos a bordo dos quaes (já se sabe positivamente)
não existem officiaes.
(...) No “Minas”, que é o navio que mais trabalha, estão apenas 4 machinistas!
Toda a guarnição é de rapazes! Commanda-se um mulato, João Candido, typo intelligente
e arguto.
(...) motivos da revolta. Os marinheiros reclamavam, sobretudo, a suppressão dos
castigos corporaes supprimidos pelo almirante Alexandrino de Alencar e restabelecidos
agora, pela actual administração da marinha.
(...) Um official do cruzador frances “Duguay-Trouin”, conversando sobre os
factos, declarou que o que se passava na esquadra brasileira era exactamente o que, há
annos, se passara, em Odessa, na esquadra russa. Tem alguma razão, mas não tem
todas. A nossa marinhagem não procedeu como a russa: a disciplina a bordo, testemu-
nhou-o o deputado José Carlos, era modelar”.
25 de novembro de 1910. 13 horas. Plenário da Camara dos Depu-
tados. O Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Deputado Frederico
Augusto Borges (CE), envia à Mesa o seguinte requerimento: “Requeiro urgencia
para a Commissão de Constituição e Justiça apresentar o seu parecer sobre o projecto de
amnistia, do Senado, sendo suspensa a sessão por um quarto de hora; e mais para se,
logo depois de apresentado, discutido e votado o mesmo parecer. Sala das sessões, 25 de
novembro de 1910. – Frederico Borges. presidente da Commissão. Grifado pelo compila-
dor. Colocado a votos é aprovado.
Quinze minutos depois é lido o parecer ao Projeto de Lei nº 250-A/
1910 (Do Senado) com o seguinte conteúdo: “(...) Deante dos graves aconteci-
mentos que se desenrolam em nossa bahia enchendo de pavor uma população laborio-
sa: compreendendo os grandes males que podem ainda cahir sobre essa população, caso
não cesse immediatamente a insurreição de parte de sua Armada; deante do interesse
geral que a tudo se sobrepõe, a Commissão de Constituição é de parecer que seja adoptada
pela Camara e nos termos em que está redigido o projecto do Senado. – Frederico
Borges, Presidente vencido, por entender não ser admissivel a amnistia no caso verten-
te e attentas as condições em que a mesma é dada. – Raul Fernandes. – Germano
Hasslocher, relator. – Justiniano de Serpa. – Ubaldino de Assis. – Teixeira de Sá. –
Irineu Machado, vencido. Em sua plataforma eleitoral o Sr. Ruy Barbosa disse: “A
disciplina militar deve manter-se firmemente:
1º, pela observancia absoluta das leis militares;
6º, pela repressão dos attentados contra as leis de subordinação da ordem militar
á ordem civil;

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A Construção da Democracia 335

7º, pela mais estreita observancia das normas que vedam ao Exercito e á Armada
as manifestações collectivas;
9º, por uma administração, em summa, que exclua totalmente da politica o Exer-
cito e a Marinha, os encerre unicamente no circulo natural da sua vocação, os reduza
emfim ao seu legitimo papel de orgãos defensivos do paiz contra o estrangeiro e sustentadores
das instituições constitucionaes, nas mãos do poder constituido contra a desordem.”
Adopto taes fundamentos como razão de decidir e nego a amnistia reputando este
ignominioso projecto como um deploravel acto de fraqueza.
Pedro Moacir – Concedo, em principio, a amnistia, mas com o protesto de recla-
mar no plenario as indispensaveis informações do Poder Executivo sobre si tem ou não
meios de resistir á revolta e, em segundo logar, si assegura estar de accôrdo com o
Congresso na concessão da amnistia. – Lamenha Lins.
N. 250 – 1910 (Do Senado)
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º É concedida amnistia aos insurrectos de posse dos navios da Armada
Nacional si os mesmos, dentro do praso que lhes for marcado pelo Governo, se submetterem
ás autoridades constituidas.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrario.
Senado Federal, 24 de novembro de 1910. – Quintino Bocayuva, presidente,
Joaquim Ferreira Chaves, 1º secretario. Candido de Abreu, 2º secretario interino”.
Grifado pelo compilador.
Com a galeria da Câmara dos Deputados lotada de cidadãos, ansiosos
por uma solução do conflito, é anunciada a discussão do projeto. São troca-
dos vários apartes. O Presidente da Casa, Deputado Sabino Alves Barroso
Júnior (MG), tem que intervir reclamando atenção de todos os presentes.
O Deputado Pedro Gonçalves Moacir (RS) faz um contundente pronun-
ciamento e ao final declara: “(...) Em taes condições voto o projecto de aministia,
como um acto de necessidade e não de fraqueza, como emfim, uma garantia de justiça,
uma providencia de alta politica, a envolver nas suas inspirações o restabelecimento
dos sagrados direitos da humanidade. Seja qual fôr a irregularidade das fórmas de
reclamação, cumpre não esquecer que os marinheiros querem apenas ser homens livres,
obedecendo á disciplina dentro da Constituição. São insubordinados que pedem repa-
ração, desvairados pelo horror da chibata”. Grifado pelo compilador. Após a sua fala o
orador é muito cumprimentado.
O projeto é aprovado por 115 votos a favor e 19 contrários, em terceira
discussão, às dezessete horas e quarenta minutos. É enviado à sanção presi-
dencial, oficiando-se ao Senado Federal sobre a aprovação da proposição.
Durante o desenrolar destes acontecimentos, um fato curioso fica para
a história da Câmara dos Deputados. Achando-se esta em sessão ordinária e
a presidindo o Segundo-Secretário Antônio Simeão dos Santos Leal (PB) e na
tribuna estando com a palavra o Deputado Manoel Corrêa Defreitas (PR),
conhecido e afamado por sua desconcertante originalidade, eis que come-
çam a zunir por cima da Casa, incessantemente, as balas dos navios revolta-
dos. Em dado momento, ouve-se um desabar de tijolos. Tinha sido uma gra-

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336 Casimiro Neto

nada, que botara abaixo um pedaço de parapeito do Paço, ao lado da Câma-


ra. Ante a insegurança de tudo, o Presidente-em-exercício suspende a sessão,
deixa a Mesa juntamente com os outros secretários, deputados, servidores, e
taquígrafos. Mas o Deputado Manoel Correa Defreitas (PR) continua o seu
pronunciamento. Depois é visto, pelos últimos que abandonaram o recinto,
ainda a gesticular e a falar perante o Plenário vazio.
Setembro de 1912. Na região do Contestado, pedaço de terra entre os
Estados do Paraná e de Santa Catarina, aproximadamente entre os rios Ne-
gro, Iguaçú e Uruguai, e a República da Argentina, tem início a “Guerra Santa
do Constestado” também conhecida como “Guerra dos Pelados” e que de acordo
com o telegrama do Coronel Francisco de Albuquerque, do município
catarinense de Curitibanos, ao Governador de Santa Catarina, datado de 21
de setembro de 1912, lido pelo Deputado Celso Bayma (SC) na sessão do dia
25 de outubro de 1912 diz que (...) fanatismo semelhante ao de Canudos acaba de
explodir á margem de Taquarussú, a sete leguas da vila. Inspira o movimento um
individuo de nome José Maria Agostinho, que se diz “monge, propheta, medico e santo”.
Vindo a Campos Novos, proclamou em Taquarussú a restauração da monarchia, tendo
centenas de pessoas, que armadas, o rodeiam.
Promette marchar sobre esta villa, pretendendo fazer aqui seu quartel-general,
de onde agirá no intuito de abranger os tres Estados do Sul. Para aquelle ponto continúa
a haver uma verdadeira romaria de fanaticos, havendo já individuos que abandona-
ram familia e negocios. Urge que sejam dadas medidas de repressão, de accôrdo a
gravidade dos factos. Lembro seja conseguido, a toda a pressa, contingente federal, que
deverá desembarcar na estação Caçador, distante de Taquarussú dez leguas, emquanto
V. Ex. nos forneça elementos de força pública, para aqui, via Blumenau. Não temos
nenhuma arma e nenhum cartucho para a defesa da localidade. – Albuquerque”. Gri-
fado pelo compilador.
Antes deste conflito, no século XIX, o Brasil e a Argentina disputaram
diplomaticamente a posse da região de Palmas, entre estes dois Estados. A
questão foi resolvida, em favor do Brasil, pela arbitragem do presidente dos
Estados Unidos da América do Norte, Grover Cleveland, proferida em setença
no dia 5 de fevereiro de 1895. Posteriormente, o tratado de 6 de outubro de
1898, celebrado no Rio de Janeiro estabeleceu os limites designados pelo
árbitro e o modo de se fazer a demarcação, dando depois as instruções em 2
de agosto de 1900. Em 4 de outubro de 1910, são assinados os “Artigos
declaratórios da Demarcação de Fronteiras entre os Estados Unidos do Brazil e a Re-
pública Argentina”, O Parecer de nº 67/1912, que aprova a “A Convenção Com-
plementar do Tratado de Limites de 6 de outubro de 1898 entre o Brazil e a Argentina,
assignada em Buenos Ayres a 4 de outubro de 1910” foi publicado nos Anais da
Câmara dos Deputados no dia 4 de julho de 1912, página 172 a 180, sendo
posteriormente aprovada e assinada.
Depois deste acordo, o Estado do Paraná e o de Santa Catarina passa-
ram a disputar a nova região. Cada um contestava o direito de o outro ficar

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A Construção da Democracia 337

com o território. Por isso, esse território passou a ser chamado de “o Contestado”.
Em 1904, o Supremo Tribunal Federal concedeu “o Contestado” a Santa
Catarina, mas os paranaenses não se conformaram e a execução da sentença
foi embargada. O litígio, que deveria ter sido encerrado com o pronuncia-
mento da Suprema Corte, continuou agitado em ambos os Estados, chegan-
do os políticos paranaenses a propor a criação do Estado das Missões. Em
1910, nova decisão judicial favoreceu o Estado de Santa Catarina e somente
em 12 de outubro de 1916 esses Estados chegaram a um acordo e realizaram
a partilha do território disputado. O Projeto nº 20-C, de 1917, “approvando o
accôrdo entre os Estados do Paraná e de Santa Catharina, alterando os respectivos
limites” é aprovado em redação final no dia 30 de junho de 1917 e enviado ao
Senado Federal.
Para se ter uma idéia dos limites entre os dois Estados basta reportar ao
Projeto de Lei nº 63-A/1891, da Comissão de Constituição, Legislação e Jus-
tiça publicado na sessão do dia 21 de setembro de 1891 onde traz um extenso
arrazoado sobre o assunto.
O problema na região começa a se complicar a partir de 1908, com a
costrução, nessa área, de um trecho da estrada de ferro São Paulo-Rio Gran-
de. Iniciada por uma firma francesa, a concessão passou à companhia norte-
americana “South Brazil Railway Company”, que em pouco tempo englobou
várias empresas. Com o término da construção da ferrovia, as terras passa-
ram para as mãos das companhias colonizadoras, na maioria estrangeiras.
Um dos principais motivos para o início da guerra é a ofensiva irresponsável
destas empresas na região: as multinacionais “Lumber Co.”, considerada uma
das maiores serrarias do mundo e a ferrovia “South Brazil Railway Company”,
responsável pela demissão de vários trabalhadores após o término da obra.
Além disso, podemos considerar, também, um surto messiânico em conjunto
com o fanatismo religioso, reivindicação de propriedade, questões limítrofes
entre Estados, disputas políticas provincianas, cobiça por pinheirais, grilagem,
ignorância, miséria e posse de terras por grupos estrangeiros no corte da
madeira. Para o Capitão João Teixeira de Mattos Costa, que iria morrer he-
roicamente na campanha, “a revolta do Contestado é apenas uma insurreição de
sertanejos espoliados nas suas terras, nos seus direitos e na sua segurança. (...) duplo
produto da violência que revolta e da ignorância que não sabe outro meio de defender
o seu direito”.
Depois de tomar conhecimento da situação o Governador de Santa
Catarina manda para o local um contingente de tropas estaduais. Após qua-
tro horas de resistência ao fogo de artilharia, os fanáticos batem em retirada.
Acompanhado por aproximadamente quarenta adeptos, José Maria de San-
to Agostinho refugia-se em Irani, no município de Palmas, no Estado do
Paraná, onde já tinha vivido anteriormente.
Com a repercussão dos incidentes na região e com os desencontros de
informações, o Governo do Estado do Paraná considera a invasão dos fanáti-
cos vindos de Santa Catarina como manobra para provocar a intervenção de

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338 Casimiro Neto

tropas federais no “Contestado” e forçar assim o Paraná à execução da senten-


ça do Supremo Tribunal Federal, que lhe fora desfavorável, no caso dos limi-
tes. Envia, então, uma expedição da polícia militar (aproximadamente 60
homens do Regimento de Segurança do Estado do Paraná) chefiada pelo
Coronel João Gualberto Gomes de Sá Filho, com ordens para dispersar os
fanáticos e trazê-los amarrados para desfilar em Curitiba. No dia 22 de outu-
bro de 1912 tem início o ataque ao acampamento dos sertanejos. O tropa é
encurralada pelos rebeldes e o Coronel João Gualberto Gomes de Sá Filho é
morto. Morre também José Maria de Santo Agostinho, que se dizia enviado
de Deus para salvar os sertanejos. Uma enorme agitação toma conta da re-
gião. Para os caboclos aproximava-se a hora da “Guerra de São Sebastião”. O
profeta iria ressuscitar de sua cova rasa e despencaria dos céus, como um
raio, para a vingança e o resgate do povo miserável da região de acordo com
as visões da “virgem” Teodora, neta do velho visionário e novo chefe, Euzébio
Ferreira dos Santos. Este e seus filhos, fundam o Arraial de São Bom Jesus do
Taquarussu no dia 1º de dezembro de 1913. Os homens raspam a cabeça e a
barba e formam a “Irmandade Santa”. São os “pelados” de José Maria contra os
“peludos” da República.
A segunda expedição contra os fanáticos tem início entre janeiro e feve-
reiro de 1914. O Tenente-Coronel Dinarte de Aleluia Pires no comando de
750 homens e 150 cargueiros reunidos em um batalhão de Caçadores, duas
seções de metralhadoras, duas peças de artilharia de Montanha e um esqua-
drão de cavalaria atacam o reduto de Taquarussu. Vencidos e em desvanta-
gem, os sertanejos retiram-se e reagrupam-se na região de Caraguatá,
encravada bem no centro geográfico da região contestada pelos Estados do
Paraná e de Santa Catarina.
A terceira expedição com aproximadamente mil combatentes sob o co-
mando do Coronel Capitulino Gomes Freire Gameiro começa o seu desloca-
mento no dia 6 de março de 1914. Adiantando ao ataque, os sertanejos, em-
boscados, investem contra a tropa e forçam o seu recuo. Em desvantagem, a
tropa legalista começa a sua retirada da região no dia 9 de março. A repercus-
são é enorme e o Governo reage.
Por determinação direta do Ministro da Guerra, o General-de-Divisão
Vespasiano Gonçalves de Albuquerque e Silva (PE), organiza-se nova expedi-
ção. A quarta expedição, com aproximadamente 1.600 homens, sob o co-
mando do General Carlos Frederico de Mesquita, veterano da “Guerra de
Canudos”, começa seu deslocamento no dia 17 de maio de 1914. Divididas
em duas colunas, cercam e arrasam o reduto abandonado de Caraguatá. Saem
em deslocamento de combate para outra região e são atacados de surpresa
pelos rebeldes, recuam e deixam incólume as outras “cidades-santas”. O
messianismo engrossa suas fileiras. Os sertanejos passam a acreditar como
nunca nos sonhos e fantasias de seus profetas. Sob o comando de vários che-
fes e animados com os êxitos obtidos, não se limitam a esperar os ataques da
tropa, antecipando-se, atacam povoações, destroem estações ferroviárias, e

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A Construção da Democracia 339

invadem cartórios para queimar os arquivos de registros de propriedade de


terras. Os ânimos se alteram. Há adesão em massa de novos líderes ao movi-
mento rebelde.
A quinta expedição, com aproximadamente sete mil homens, sob o co-
mando do General Fernando Setembrino de Carvalho, começa o cerco à re-
gião em fins do ano de 1914. Em 5 de abril de 1915, os rebeldes são massa-
crados com a tomada do reduto de Santa Maria, que tinha a aparência de
uma nova Canudos, chegando a abrigar uma população calculada em 5 mil
pessoas. Uma parte dos rebeldes se dispersa e o surto messiânico descamba
para o banditismo, levando o terror ao sertão. O Capitão João Teixeira de
Mattos Costa, encarregado de manter a ordem nos sertões, acaba sendo mor-
to em uma emboscada dos fanáticos contra sua tropa de 60 homens, do 16º
Batalhão de Infantaria, no dia 6 de setembro de 1915. No período final do
conflito, a luta contra os rebeldes passa a ser principalmente obra de grupos
civis, os denominados “vaqueanos” comandados por Lau Fernandes, morador
de Canoinhas. Depois de destruídos os últimos redutos, muitos fanáticos se
entregam, enquanto outros fogem pelas serras da região. Mas nos primeiro
dias de 1916 é dada por encerrada a “Guerra do Contestado”.
A guerra que durou aproximadamente quatro anos, de 1912 a 1916,
custou aos cofres públicos um valor altíssimo para a época, matou e deixou
milhares de pessoas feridas. É um dos episódios mais sangrentos e uma das
maiores cicatrizes da História do Brasil. Registra-se, também, que neste con-
flito foi empregada, pela primeira vez no Brasil, a aviação, com quatro apare-
lhos, em missões de reconhecimento para o combate aos rebeldes.
Na sessão do 24 de setembro de 1914, o Deputado Luís Bartholomeu
de Souza e Silva (PR) faz um intenso pronunciamento, sendo aparteado por
várias vezes, abordando as causas da “Guerra do Contestado”, e declara em um
dos trechos: (...) A opinião mais generalizada, Sr. Presidente, que parece ser a verda-
deira sobre esse movimento de desordeiros é a de que os chamados fanaticos são em sua
quasi totalidade criminosos, que, para fugir á perseguição das autoridades dos Estados
limitrophes, se reuniram na zona contestada entre o Paraná e Santa Catharina, onde
podiam estar ao seguro de qualquer perseguição, uma vez que alli não existia policia-
mento regular, por motivo desta malfadada questão de limites que, não obstante os bons
desejos de catharinenses e paranáenses, não pode ainda ser levada a termo”.
Na sessão do dia 31 de maio de 1916, o Deputado Maurício de Lacerda
(RJ) apresenta o seguinte requerimento: “Requeiro por intermedio da Mesa, que
o Governo informe quaes os termos dos relatorios apresentados pelos generais Carlos
Mesquita e Setembrino de Carvalho sobre as operações militares no Contestado, bem
como os nomes dos cidadãos que tenham soffrido pena de morte, sua nacionalidade,
idade, sexo e motivo da pena e os documentos relativos a seu processo até final
condemnação.
No caso de terem sido summarissimas taes execuções, sem fórma de processo e não
ordenadas pelo chefe da expedição militar, quaes as providencias pelo Governo toma-
das, para punição dos autores desses actos criminosos”.

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340 Casimiro Neto

Os pronunciamentos dos Deputados Manoel Correa Defreitas (PR) e de


Celso Bayma (SC) e de vários outros Parlamentares desta época nos dão a
exata dimensão histórica e os detalhes deste conflito.
28 de junho de 1914. Domingo. 9 horas e 45 minutos. O Arquiduque
Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Áustro-Húngaro e sua
esposa, a Princesa Sofia Chotek, em visita oficial ao posto avançado do do-
mínio imperial nos Bálcãs, para inspecionar manobras militares a serem
realizadas nos arredores da cidade, são assassinados a tiros de revólver no
segundo atentado, ambos ocorridos no mesmo dia de que foram vítimas,
na cidade de Serajevo, na Bósnia-Herzegovina. O autor do atentado, um
estudante sérvio chamado Gavrilo Princip, de 19 anos, pertencente a uma
sociedade secreta denominada de “Unidade ou Morte”, mas conhecida popu-
larmente como “Mão Negra”, era um dos sete conspiradores espalhados em
pontos estratégicos da cidade de Sarajevo. Estes, todos jovens, entre 17 e 20
anos, membros do movimento nacionalista que pretendia uma grande sérvia
e declarados inimigos da monarquia dos Habsburgo. O articulador do aten-
tado, entretanto, havia sido outro: o Chefe do Departamento Sérvio de In-
formações, Brigadeiro Dragutin Dimitrijevic. A causa da explosão do naci-
onalismo sérvio foi a anexação da Bósnia-Herzegovina pelos austríacos em
1908, que já dominava a Europa Central. Esse episódio altera de maneira
inesperada a situação da política européia. Encarado como um ataque con-
tra o Império Austro-Húngaro é a causa imediata da Primeira Guerra Mun-
dial que inicia-se no dia 28 de julho de 1914 quando a Áustria declara guer-
ra à Servia.
1º de julho de 1914. Plenário. O Deputado João Dunshee de Abranches
Moura (MA) faz pronunciamento sobre o atentado contra os herdeiros do
trono da Áustria-Hungria. “Sr. Presidente, por mais agudas e intensas que se tor-
nem as crises sociaes nos povos civilizados, sejam quaes forem as situações dos regimens
que os engrandecem ou os infelicitem, a morte violenta de um chefe de Estado, ou de
quem esteja destinado a exercer tão alta investidura, jámais foi nem poderá ser uma
solução em politica. Eliminar mesmo um tyrano, já houve quem o dissesse, não é elimi-
nar a tyrannia. Passam os homens como passam os máos e os bons governos; ficam as
instituições e, com as instituições, os bons ou máos constumes que as geraram ou as
perverteram.
A’ indole e á cultura do povo brazileiro, sempre repugnaram os processos brutaes
e cruentos da acção revolucionaria. E sendo assim, no espirito publico, tão sensível
sempre aos impulsos generosos e nobres, não poderia deixar de ser profunda, como foi,
a impressão causada pelo barbaro atentado em que tombaram victimas o principe her-
deiro do throno da Austria-Hungria e sua serenissima consorte. Penso assim interpre-
tar os sentimentos da Camara dos Deputados requerendo a V. Ex. se digne consultar a
Casa se consente que seja inserido na acta dos nossos trabalhos de hoje um voto de
profundo pesar por tão lutuoso acontecimento e officie a Mesa a S. Ex. o Sr. Ministro
Plenipotenciario do imperador Francisco José, junto ao Governo Brazileiro, enviando-

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A Construção da Democracia 341

lhe condolencias para que as transmitta ao seu augusto soberano e ao Parlamento da


grande nação que tão digna e nobremente representa entre nós. (Muito bem; muito
bem.)”. Grifado pelo compilador. Colocado a votos, o requerimento é aprovado
por unânimidade.
28 de julho de 1914. O Império Austro-Húngaro declara guerra à Sérvia.
Começa a Primeira Guerra Mundial. São formadas a “Tríplice Aliança”, entre
o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e a Itália e a “Tríplice Entente”,
concentrada entre a França, a Grã-Bretanha e a Rússia. A Alemanha desen-
volve uma intensa campanha submarina contra os países neutros, a fim de
evitar o abastecimento das potências que lhe fossem contrárias e começa a
torpedear navios mercantes brasileiros, o que leva o Governo brasileiro a
reconhecer e proclamar o estado de guerra entre o Brasil e a Alemanha, a 26
de outubro de 1917. Declarado em estado de guerra, o Brasil envia auxílio às
nações aliadas. A guerra termina no dia 11 de novembro de 1918, às 11
horas, quando a Alemanha e os países da “Tríplice Entente” assinam o “Armistício”.
As condições do armisticio aceito pela Alemanha equivalem a uma completa
capitulação.

8 de agosto de 1914. Plenário. É apresentado o seguinte requerimento:


“A Camara dos Deputados do Brazil, deplorando que as mais poderosas nações do
mundo preferissem recorrer á força, em vez de buscarem para as suas divergencias as
soluções pacificas e juridicas, faz votos pela mais rapida terminação da luta armada e
espera que sejam respeitados a integridade territorial, a independencia e os direitos dos
povos neutros e estranhos ao conflicto e bem assim os principios do Direito Internacio-
nal Publico, os tratados, convenções e a justes internacionaes e as convenções e decla-
rações elaboradas pela Conferencia de Paz, os quaes teem por objectivo tornar “o menos
deshumana possivel” a immensa calamidade da guerra. Sala das sessões, 8 de agosto
de 1914. – Irineu Machado. – Leão Velloso. – Zerzedello Corrêa. – Prudente de Moraes
Filho. – Figueiredo Rocha. – Alfredo Ruy. – Mauricio de Lacerda”. Grifado pelo compi-
lador. Após discutido é aprovado o requerimento.

31 de agosto de 1914. Plenário. O Presidente, em exercício, da Câmara


dos Deputados, Luís Soares dos Santos (RS), faz o seguinte comunicado: “Está
finda a leitura do expediente. Antes de dar a palavra ao primeiro orador inscripto
preciso prevenir aos Srs. Deputados que, tendo chegado ao conhecimento da Mesa
algumas reclamações contra as condições em que se encontra o actual edificio onde está
funccionando a Camara, a Mesa tomou a providencia de solicitar uma vistoria por
parte do engenheiro do Ministerio do Interior.
O laudo deste não assignala propriamente que o edificio se encontra em ruinas;
todavia elle não garante a solidez do mesmo edificio para o bom funccionamento dos
nossos trabalhos.
Nestas condições a Mesa adoptou o alvitre de procurar fazer a mudança da
Camara de modo a não serem interrompidos os seus trabalhos; e, desde logo, as suas
vistas se votaram para o Palacio Monroe.

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342 Casimiro Neto

Devo trazer ao conhecimento da Camara que, em conferencia que acabo de ter


com o Sr. Presidente da Republica, encontrei da parte de S. Ex. a melhor boa vontade
quanto a esse desideratum, devendo ainda dizer que por S. Ex. foi feita a communicação
official ao Sr. Ministro da Viação, afim de que fosse entregue aquelle palacio ao Presi-
dente da Camara.
Em taes condições, espero que todos os Srs. Deputados approvem a iniciativa
tomada pela Mesa da Camara. (Muito bem.) E, assim sendo, conto muito breve effectuar
a mudança da Camara para o Palacio Monroe. (Muito bem.)”. Grifado pelo compilador.
Vale relembrar aqui um dos fatos acontecidos na antiga “Sala do Café”
da Cadeia Velha, que nas outras sedes futuras da Câmara dos Deputados
continuou sendo um lugar de tentação para os lobistas, cidadãos em busca de
respostas aos seus anseios, vendedores e pedintes. Relata José Vieira, servi-
dor da Secretaria da Câmara dos Deputados, em suas memórias, descritas
para o “Centenário da Câmara dos Deputados em 1926”, o seguinte: “(...) Pedidos
iniciais nos corredores e na rua, iam ali justificar; os jornais estavam sempre á mão.
Poucas vezes as brigas no plenário não terminavam no café.
A sala do café na cadeia velha não seria evocada completamente se della
excluissimos o bom Serapião, que no novo Palácio, já alquebrado, vemos em um dos
corredores, o passo moroso, mas ainda com o sorriso do outro tempo. Uma tarde, o
deputado Heredia de Sá, carioca de bôas roupas, cujos coletes João do Rio ironisava em
sua chronica, agrediu o jornalista. Heredia, typo de athleta, não sendo João, ao menos
um boxeur. Serapião percebeu a gravidade do conflito, e, com humildade – “Tenha
paciença, seu doutou; tenha paciença seu doutou”, negro forte, segurou o aggressor, de
maneira que elle se houve de acalmar”.

2 de setembro de 1914. Plenário. O Primeiro Vice-Presidente da Câma-


ra dos Deputados, Luís Soares dos Santos (RS), faz o seguinte comunicado:
“Está finda a hora destinada ao expediente. Antes de entrar na ordem do dia, devo
prevenir aos Srs. Deputados que, em virtude da resolução tomada pela Mesa, de accôrdo
com a Camara, quanto á transferência da séde de nossos trabalhos para o Palacio
Monroe, há necessidade de alguns serviços para adaptação do novo edificio ao funcio-
namento das sessões.
Pretendia a Mesa que essa adaptação fosse feita domingo e segunda-feira, dia
feriado, mas encontrou difficuldades, por serem estes dias determinados para o descan-
so; de sorte que, a menos que a Camara delibere o contrario, resolvo só convocar a
proxima sessão para o dia que for opportunamente designado, destinando o resto desta
semana e talvez algum dia da proxima para a renovação e adaptação daquelle edificio.
(Muito bem; muito bem.)”. Grifado pelo compilador.

Por esse motivo os trabalhos legislativos de plenário, da Câ-


mara dos Deputados, ficam suspensos de 3 a 11 de setembro de
1914.
O Palácio Monroe passa a ser a sede da Câmara dos Depu-
tados, de 12 de setembro de 1914 a 17 de junho de 1922.

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A Construção da Democracia 343

O Palácio Monroe (antiga sede do Senado Federal) foi construído para


abrigar o “Pavilhão do Brasil” na Exposição de Saint Louis, “Lousiania Puchase
Exposition”, realizada em 1904, no Estado de Louisiana, Estados Unidos da
América do Norte. Na época, o Presidente da República Francisco de Paula
Rodrigues Alves (SP) tinha a intenção de projetar a imagem do Brasil perante
o mundo, que vivia a efervescência da “Belle Époque”. O nome do Palácio foi
escolhido por José Maria da Silva Paranhos Júnior (RJ), Barão do Rio Bran-
co, em homenagem ao Presidente americano, James Monroe (1817-1825),
que no dia 2 de dezembro de 1823 havia apresentado ao Congresso america-
no sua célebre mensagem que, entre outros detalhes, destaca que não era
mais admissível que nações do novo continente fossem colônias de qualquer
nação estrangeira e que não era possível que nações européias interferissem
nos negócios de países americanos – a denominada “Doutrina Monroe”. A li-
nha proposta “A América para os americanos” foi a acertada fórmula internacio-
nal da independência do continente. O Governo brasileiro é o primeiro a
aderir a esta declaração, em janeiro de 1824. O engenheiro autor do projeto,
Coronel Francisco Marcelino de Sousa Aguiar, usou uma estrutura metálica
capaz de ser desmontada e reerguida posteriormente no Rio de Janeiro. Com
o término da exposição, o palácio foi remontado no final da Avenida Rio
Branco, próximo a Avenida Beira Mar, no Centro da cidade, para abrigar a “3ª
Conferência Pan-Americana”, em 1906. Nesta ocasião, no dia 2 de agosto, visitou
o Parlamento brasileiro o Sr. Elihu Root, Secretário de Estado da República dos
Estados Unidos da América do Norte e que presidiu, também, os trabalhos da
“3ª Conferência das Repúblicas Americanas”, na cidade do Rio de Janeiro.
12 de setembro de 1914. Diário do Congresso Nacional – Sessão Câma-
ra dos Deputados. É publicado o seguinte: “É convocada para hoje, 12 do corren-
te, á hora regimental, a primeira das sessões desta Camara na sua nova séde, Palacio
Monroe, á Avenida Rio Branco, com a seguinte ordem do dia”. Segue a relação de
proposições na Ordem do Dia.
Palácio Monroe. Plenário da Câmara dos Deputados. 75ª sessão ordi-
nária e primeira na sua nova sede. Presidência do Deputado Luís Soares dos
Santos (RS), Primeiro Vice-Presidente. Após a leitura do expediente e a pres-
tação de compromisso regimental do Deputado Alberto Maranhão (RN) –
primeiro parlamentar a tomar posse no novo edifício –, o Deputado José
Valois de Castro (SP) faz o seguinte pronunciamento sobre a guerra na Euro-
pa. “Sr. Presidente, cumpro um dever de consciencia christã, despertando neste palacio,
onde pela primeira vez nos reunimos para o exercicio da soberania, como representan-
tes do Poder Legislativo, os echos dos hymnos da confraternização internacional, aqui
tantas vezes entoados.
É natural a evocação desta encantadora visão da paz, pelo contraste entre a
belleza fecunda dos seus beneficios e os horrores indescriptiveis desse tristissimo espectaculo
que neste angustioso momento nos offerece a Europa, envolvida na mais tremenda
guerra que a historia jámais registrou em seus annaes.

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344 Casimiro Neto

Não é somente pelo lado dos estragos materiaes, das cidades destruidas pelos
belligerantes, tanto de uma parte como de outra, de bellos navios mercantes, postos
a pique com accentuado requinte de deshumanidade, que esta luta horrivel nos
deve impressionar. É por certo contristador o facto da extincção ou inutilização de
tantos milhares de vidas, de tantas riquezas acumuladas, de tantas maravilhas
destruidas. Mas o que igualmente nos deve desolar é que esta guerra representa um
tremendo retrocesso na civilização, um attentado contra os mais elevados principios
de direito internacional, uma derogação do direito maritimo, do direito das gentes,
inspirados no excelso dictame da revelação christã e nos rudimentares deveres da
humanidade.
Não podemos, portanto, continuar indifferentes deante desta calamidade.
Nós, filhos do continente americano, temos um dever a realizar neste tristissimo
momento.
Nem se diga que o Brazil vae tomar a iniciativa no cumprimento desse dever; o
que elle irá fazer é entrar na comunhão de pensamento e identificar-se com os desejos e
aspirações de todas as republicas do Novo Mundo, levantando-se com todas ellas no
desempenho da mais sublime das missões: a mediação pela paz.
Poderá ser isto considerado uma utopia, poderá ser julgada uma medida platonica.
Seja muito embora uma e outra cousa, o que não se poderá contestar é que será
um nobre gesto, immortalizando a America. E não terá ella o direito de se fazer ouvir?
A sua cultura, filha da civilização do mundo occidental europeu, ás suas relações
economicas com as potencias belligerantes, a complicada trama de grandes interesses
comerciaes, envolvendo a permuta de riquezas extraordinarias, não lhe darão autori-
dade para fallar?
Quem sabe si a tentativa não será infrutifera e si poderemos, de hoje a um mez,
precisamente no dia em que Colombo, como instrumento da Providencia, e guiado pela
sua fé, entregou á Hespanha um Novo Mundo, não possa vir este retribuir ao Velho
Mundo, em bençãos de paz, a sua descoberta para a civilização?
(...) Eis o que explica a minha presença nesta tribuna, onde venho apresentar á
approvação da Camara dos Deputados uma indicação cujos principios são os mesmos
adoptados por cada qual dos representantes da Republica do Brazil.
Lê a indicação: (...) Indico á Camara dos Deputados, que faça lembrar ao Poder
Executivo a idéa de, por intermedio do Sr. Ministro das Relações Exteriores, convidar
os Governos de todas as nações americanas para apresentar sua mediação no actual
conflicto europeu, a qual deve ser offerecida collectivamente, começando por pedir aos
belligerantes um armisticio e propondo-lhes, na vigencia deste, a reunião de um tribu-
nal em que, com a imparcial assistencia dos expontaneos medianeiros da paz, resolvam
amistosamente os povos ora em luta as questões que os arrojaram aos campos de bata-
lha, e firmarem de uma vez para sempre, si possivel fôr, a pról do bem da humanidade
o arbitramento como regra única de decidir todas e quaesquer dissensões entre as sobe-
ranias do mundo.
Sala das sessões, 12 de setembro de 1914. – Valois de Castro”. Grifado pelo com-
pilador.

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A Construção da Democracia 345

24 de dezembro de 1915. A Comissão Especial do Código Civil (Projeto


de Lei nº 168 A, de 1915) em sua 43ª reunião conclui a revisão da redação
final do código e a assinatura dos membros é realizada no dia posterior, em
sessão solene, no encerramento dos seus trabalhos. Na Presidência da Co-
missão Especial do Código Civil, o Deputado Justiniano de Serpa (PA) e que
tem como Relator-Geral o Deputado Afrânio de Mello Franco(MG).
Para o entendimento desta tramitação é necessário recorrer à discussão
dos Projetos de Lei de números 001/1902, 002/1913, 168/1915, 168-A/1915 e
à Comissão Especial do Código Civil que teve como presidente o Deputado
José Joaquim Seabra (BA).
26 de dezembro de 1915. Plenário da Câmara dos Deputados. “Dis-
cussão única da redacção final do projecto nº 168 A, de 1915 – Código Civil Brazileiro
(vide projectos nºs 1, de 1902, e 2, de 1913.
O Sr. Presidente – Está em discussão a redacção do projecto nº 168-A, de 1915,
Código Civil Brazileiro. (Pausa.).
Si não ha quem peça a palavra, declaro encerrada a discussão. (Pausa.)
Está encerrada.
Os senhores que approvam a redacção final queiram levantar-se. (Pausa.)
Foi approvada unanimemente.
O projecto vae ser enviado á sancção.
Estando votada a redacção final do projecto de Codigo Civil Brazileiro, cumpre-
me, agradecendo aos Srs. Deputados a solicitude com que attenderam ao appello da
Mesa, no sentido de comparecer a esta sessão extraordinaria e especial, congratular-me
não só com a Camara como com o Senado da Republica, por verem hoje coroados de
exito os seus esforços para ser o Brazil dotado com uma codificação civil de accôrdo com
a cultura juridica moderna. (Muito bem.)
A votação que acaba de se realizar assignala a conclusão da maior obra legislativa
do Parlamento da Republica. (Muito bem.)
O Congresso Nacional, que com tanto empenho tratou de satisfazer a esta legiti-
ma aspiração do povo brazileiro, conta que o Poder Judiciario, ao qual cabe pôr em
execução o acto legislativo ora ultimado, tambem se empenhe para que, na sua pratica,
o Codigo Civil corresponda á expectativa do paiz. (Muito bem! Muito bem! Palmas
prolongadas.)”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Justiniano de Serpa (PA) – Presidente da Comissão Espe-
cial do Código Civil –, assim se pronuncia: “Peço tambem, Sr. Presidente a honra
de congratular-me com V. Ex., com a Camara, com a outra Casa do Congresso e com o
paiz todo pela terminação da tarefa legislativa de elaboração do Codigo Civil.
No momento em que as nações de mais antiga, de mais vasta e de mais gloriosa
cultura se entregam desesperadamente, loucamente, a uma luta de exterminio, sem
igual na historia, não sómente para a destruição de homens e cousas, de povos e monu-
mentos, mas para a substituição de principios generosos que os seculos sagraram e
abolição de ideaes que pareciam eternos; no momento em que a força material, obrigan-
do-nos a um recuo de centenas de annos, ameaça-nos de ensombrar de noites polares,

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346 Casimiro Neto

de povoar de fantasmas e de interrogações temerosas o caminho do futuro; no momento,


emfim, em que se produz, nos centros mais adeantados da civilização universal, a
maior crise do direito e da justiça; é grato a todos os brazileiros, é grato á nossa patria
poder-mos affirmar a nossa confiança no direito, o nosso respeito á justiça, e os senti-
mentos de confraternidade que nos ligam a todos os homens.
No Codigo que ahi está, Sr. Presidente, encontram-se, em syntheses fundamentaes
e luminosas, as melhores conquistas juridicas do nosso tempo; e todos nós sabemos que
é apenas a reprodução das nossas praticas através de toda a vida nacional, o art 3º,
que assegura nenhuma differença existir entre o brazileiro e o estrangeiro, quanto á
acquisição e gozo dos direitos civis. Sim, no Brazil, felizmente, não ha estrangeiros
sinão para os actos da vida politica. E ainda bem que assim é. É com o concurso e a
collaboração de todos os homens bons das differentes partes da terra que desejamos e
queremos fazer desta formosa porção da America uma grande patria, digna do respeito
de todos os povos. (Muito bem.)
E neste sentido, o Codigo, que acaba de ser votado, reaffirma eloquentemente as
idéas e os sentimentos da nossa jovem, mas gloriosa nacionalidade, testificando por
outro lado o alto gráo da nossa cultura juridica. (apoiados; muito bem.)
E, Sr. Presidente, uma outra razão torna ainda feliz o momento em que vamos
entregar ao paiz o seu Codigo Civil, que V. Ex. acertadamente qualificou de maxima
obra legislativa da Republica. (Apoiados.)
É que o tem de sanccionar e presidir o inicio de sua execução um cultor do direito,
um homem de Estado que possue clara e exacta intuição do papel do poder publico, e
conhece sufficientemente a influencia que exerce, nas democracias bem organizadas, o
principio-dogma da lei.
Será, pois, o primeiro a dar provas de submissão aos novos preceitos, que vão
reger as relações de direito privado, e é de esperar, senhores, que á remodelação legal
correspondam praticas politicas e judiciarias que assignalem um periodo novo nos
annaes da nossa querida Patria.
Começou com o Governo do eminente Sr. Wencesláo Braz uma phase auspiciosa
de reconsiliação dos espiritos, de paz, de concordia, de tolerancia, ou, para dizer tudo
em uma phrase, de reimplantação dos sãos príncipios democráticos. E é justo, é lógi-
co, que esta nova era se assignale tambem pela execução leal e integra do Codigo
Civil, poderoso instrumento de educação do povo, no dizer de R. Von Hering. (Muito
bem.)
Talvez devesse, neste instante, Sr. Presidente, recordar, aqui os nomes dos glorio-
sos brazileiros de varias gerações, que concorreram com o producto do seu engenho
para a realização da obra monumental que ahi está a receber as bençãos do paiz.
Mas, receioso de tomar tempo á Casa, e, mais ainda, de commeter injustiça, não
relembrando todos e reconhecendo a uns meritos e serviços que caberiam a outros, peço
licença para prestar homenagens a todos que ainda vivem, resumindo-os em Clovis
Bevilaquia, o insigne autor do projecto, e Ruy Barbosa, o genial escriptor e jurisconsulto,
que deu ao Código a fórma classica e modelar que tem; e os mortos, aliás numerosos e
illustres, em Teixeira de Freitas, Nabuco de Araujo e Andrade Figueira, uma trindade
á altura da edade de oiro da jurisprudencia romana. (Muito bem; Muito bem.)

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A Construção da Democracia 347

E, assim, Sr. Presidente, congratulando-me com V. Ex. com o Congresso, com o


povo brazileiro, em summa, solicito permissão para enviar á Mesa um requerimento
pedindo que, como demonstração, do nosso jubilo por este acontecimento, e affirmação
dos nossos anhelos pela felicidade da democracia brazileira, sob o dominio do direito, sob
o governo da lei, seja a acta da sessão de hoje, singularmente solemne, assignada por
todos os Srs. Deputados. (Muito bem; muito bem. O orador é muito cumprimentado.)”.
Grifado pelo compilador.
O projeto é enviado à sanção e promulgado pelo Presidente da Repúbli-
ca Wenceslau Braz Pereira Gomes (MG), em 1º de janeiro de 1916. Lei nº 3.071,
publicada no “Diário Official” de quarta-feira, 5 de janeiro de 1916. A primei-
ra página do “Diário Official” é inusitada – em epígrafe: “Diário Official – Esta-
dos Unidos do Brazil”, com “Z”; e no corpo do “Diário Official”: “Actos do Poder
Legislativo – Lei n. 3.071 – de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil dos Estados
Unidos do Brasil. O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil; faço saber
que o Congresso Nacional decretou e eu sancciono a seguinte lei: CODIGO CIVIL
DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL”. É a primeira lei brasileira a trazer com
“S” o nome do Brasil e de sua gente, os brasileiros.
16 de março de 1917. O Jornal “O Estado de São Paulo” destaca em sua
primeira página: “A Situação Européia – A Conflagração – A Revolução na Rússia
– Victoria do partido popular apoiado pelo exército – Abdicação do czar”. Durante o
ano de 1917 acontece a “Revolução Russa”, que se desenvolve em três etapas
nitidamente caracterizadas: de fevereiro a julho é derrubado o czarismo e o
poder fica dividido entre o Governo Provisório e os sovietes; de julho a se-
tembro, os bolcheviques e a direita tentam, sucessivamente, a tomada do po-
der; a partir de setembro, cresce a fase revolucionária até a queda, no mês
seguinte, na denominada “Revolução de Outubro”, do Governo Provisório e a
implantação do novo regime. Isto acontece às cinco horas da manhã de 26 de
outubro quando o “II Congresso Nacional dos Sovietes”, que acabava de ser inau-
gurado, anuncia a derrubada do Governo Provisório e a vitória da revolução
com a formação do primeiro Governo soviético. Vladimir Ilitch Ulianov, co-
nhecido pelo pseudônimo de “Lenin”, assume o poder. Registra-se que o pseu-
dônimo “Lenin” vem desde fins de 1901, quando Vladimir Ilitch Ulianov
polemizava através das páginas do Jornal “ISKRA” (a Centelha) para dar
“fisionomia e organização precisas” ao movimento social-democrata russo.
25 de outubro de 1917. 13 horas. Plenário. O Deputado Juvenal Lamarti-
ne de Faria (RN) faz a leitura da mensagem do Presidente da República Wenceslau
Braz Pereira Gomes (MG) com o seguinte teor: “Srs. membros do Congresso Nacional
– Cumpro o penoso dever de communicar ao Congresso Nacional que, por telegrammas de
Londres e de Madrid, o Governo acaba de saber que foi torpedeado, por um submarino
allemão, o navio brasileiro “Macau” e que está preso o seu commandante.
A circumstancia de ser este o quarto navio nosso posto a pique por forças navaes
allemães é por si mesma grave; mas esta gravidade sóbe de ponto com a prisão do
commandante brasileiro.

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348 Casimiro Neto

Não há como, Srs. membros do Congresso Nacional, illudir a situação ou deixar


de constatar, já agora, o estado de guerra que nos é imposto pela Allemanha.
A prudencia com que temos agido não exclue, antes nos dá a precisa autoridade,
mantendo illesa a dignidade da Nação, para acceitar os factos como elles são e aconse-
lhar represalias de franca belligerancia.
Si o Congresso Nacional em sua alta sabedoria não resolver o contrario, o Go-
verno mandará occupar o navio de guerra allemão que está ancorado no porto da
Bahia, fazendo prender a sua guarnição, e decretará a internação militar das equipagens
dos navios mercantes de que nos utilizamos.
Parece chegado o momento, Srs. membros do Congresso Nacional, para caracte-
rizar na lei a posição de defensiva que nos teem determinado os acontecimentos, forta-
lecendo os apparelhos de resistencia nacional e completando a evolução da nossa polí-
tica externa á altura das aggressões que vier a soffrer o Brasil.
Palacio da Presidencia, Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1917, 96ª da
Independencia e 29ª da Republica. – Wenceslau Braz P. Gomes. – A’ Commissão de
Diplomacia e Tratados”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Astolfo Dutra Nicácio (MG) fala em seguida: “Sr. Presidente,
a Camara ouviu a leitura da mensagem em que o Governo relata os ultimos aconteci-
mentos, que traçam uma nova directriz para os nosso negocios internacionais; ao mes-
mo tempo, pede o Poder Executivo que o Congresso Nacional o arme, dos meios que
indica, para que possa defender dignamente o brio nacional, que acaba de ser tão
atrozmente offendido pelo torpedeamento noticiado de mais um vapor brasileiro, e
consequente prisão do respectivo commandante, por um submarino allemão.
Penso interpretar bem os sentimentos da unanimidade da Camara dos Srs. Depu-
tados, declarando que esta louva a acção energica do Governo, e está disposta a lhe
conceder as medidas que pede, e tantas quantas necessarias para, nesta grave emergencia,
salvaguardar a honra da Nação Brasileira. (Apoiados; muito bem.)
E estou certo de que a Camara dos Srs. Deputados, collocando-se solidaria com o
Governo da Republica neste delicado momento, nada mais fará do que traduzir os
sentimentos de altivez, de dignidade, de honra da Patria Brasileira. (Muito bem, muito
bem; o orador é muito cumprimentado.)”
26 de outubro de 1917. Plenário. É lido o seguinte requerimento: “Re-
queiro urgencia para ser immediatamente lido, discutido e votado o projecto n. 307, de
1917, da Commissão de Diplomacia e Tratados. Sala das Sessões, 26 de outubro de
1917. – Alberto Sarmento. Posto a votos é aprovado. O Primeiro-Secretário Depu-
tado Antônio José da Costa Ribeiro (PB) procede a leitura do Projeto de Lei
nº 307, de 1917, que, em artigo único, “reconhece e proclama o estado de guerra
iniciado pelo Imperio Allemão contra o Brasil e autoriza o Presidente da Republica a
adoptar as providencias constantes da mensagem de 25 de outubro corrente, e tomar as
medidas de defesa nacional e segurança publica, que julgar necessarias, abrindo os
creditos precisos ou realizando as operações de credito que forem convenientes, para esse
fim; revogadas as disposições em contrario. Sala das Commissões, 26 de outubro de
1917. Alberto Sarmento. Presidente e Relator. – e outros”.

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A Construção da Democracia 349

Em seguida o Deputado Maurício de Lacerda (RJ) faz esclarecedor pro-


nunciamento, onde traz um extenso arrazoado sobre o que está sendo apro-
vado. Posto a votos pelo processo nominal, o Presidente da Câmara, Depu-
tado Sabino Alves Barroso Júnior (MG), anuncia o resultado: “Responderam
– sim – 149 Srs. Deputados – não – um. Total, 150. O artigo único do projeto n.
307, de 1917, foi approvado. (Palmas prolongadas e acclamações, no recinto, nas
tribunas e galerias, achando-se de pé os assistentes. Soam demoradamente os
tympanos). A redação final é aprovada e o projeto enviado ao Senado Fe-
deral, que, em regime de urgência aprova a proposição por unanimidade,
às 18 horas do mesmo dia. O Presidente da República Wenceslau Braz Pe-
reira Gomes (MG), às 18 horas e 26 minutos, assina o Decreto nº 3.361, de
26 de outubro de 1917, sancionando a lei votada pelo Congresso Nacional.
Nas ruas do Rio de Janeiro repetem-se as manifestações populares, erguen-
do a multidão entusiásticos vivas ao Brasil, França, Inglaterra e Estados
Unidos da América.
O Jornal “O Estado de São Paulo” do dia 27 retrata a solene sessão plená-
ria: “A sessão da Camara Federal apresentava um aspecto imponente. Todas as banca-
das, galerias e tribunas, bem como as immediações do recinto, achavam-se inteiramente
occupadas, vendo-se muitas senhoras e diplomatas.
(...) A approvação do projecto provocou uma vibrante manifestação de
enthusiasmo, que se prolongou por mais de dez minutos, num rumor de palmas, vivas,
gritos delirantes de todos os lados e som de campainhas com que a mesa pretendia
restabelecer o silencio”.
11 de novembro de 1918. Termina a “Primeira Guerra Mundial”, às 11
horas, quando a Alemanha e os países da “Tríplice Entente” (Grã-Bretanha,
França e Rússia) assinam o “Armistício”. As condições do armistício aceito pela
Alemanha equivalem a uma completa capitulação.
O Jornal “O Estado de São Paulo” destaca: “Rio, 11 – A notícia da celebração
do armisticio dos alliados com a Allemanha foi recebida aqui com grandes demonstra-
ções de regosijo por todas as classes sociaes.
Grande massa popular, tendo a frente bandas de música, percorreram as princi-
pais ruas e praças, erguendo vivas aos alliados. Todo o commercio embandeirou as suas
casas. Muitas repartições publicas e casas particulares içaram as bandeiras brasileiras
e alliadas.
(...) O governo decretou feriado o dia de amanhan, por motivo do armisticio.Esse
feriado começará ás 13 horas, devendo desembarcar ao meio-dia todas as bandas de
musica da marinha que juntamente com as militares da terra desfilarão pelas ruas da
cidade em grandes manifestações”.
12 de novembro de 1918. 13 horas. Plenário da Câmara dos Depu-
tados. Após a leitura do expediente “O Sr. Predidente (levantando-se, no que é
acompanhado por todos os Srs. Deputados e mais pessoas presentes) – Acha-se sobre a
mesa uma mensagem do Poder Executivo, á leitura da qual vou proceder eu mesmo,
dada a excepcional importancia desse documento. (lê):

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350 Casimiro Neto

“Em nome e de ordem do Sr. Presidente da Republica, tenho a honra de


communicar a V. Ex., para que o transmitta á Camara dos Deputados, com as mais
vivas congratulações do Poder Executivo, que a Allemanha acaba de assignar as con-
dições do armisticio que foram impostas pelas nações alliadas.
(...) Aproveito o ensejo para reiterar a V. Ex. os protestos da minha alta estima e
mais distincta consideração. – Nilo Peçanha.” (Palmas.)
Acaba de ser lida a mensagem em que o Governo da Republica communica ao Con-
gresso Nacional a assignatura do armisticio entre os nossos alliados e os imperios centraes.
Tenho por este faustoso acontecimento a grande satisfação de congratular-me
com a Camara dos Srs. Deputados.
Arrastado a romper a neutralidade que, apezar de enorme sympathia que o vin-
culava á causa da Entente, mantinha na luta; arrastado a romper a neutralidade
pelos attentados á sua propriedade e á sua bandeira, o Brasil passou a formar ao lado
dos belligerantes pugnadores pelos principios do Direito, da Justiça e da Civilização.
Fel-o em um dos momentos mais difficeis da guerra, quando revezes pareciam
accentuar uma phase de grandes perigos, de grandes sacrificios; fel-o conscio de que
teria de arcar com as graves responsabilidades do passo que déra.
Collocou assim o nosso glorioso Brasil a dedicação aos sãos principios, o amor ao
ideal mais sublime que póde aninhar-se no coração humano – o amor ideal da liberda-
de – acima de todos os sacrificios, por mais ingentes que o fossem.
E começou a collaborar na luta, contribuindo com a sua parte de producções, de
transportes, de cooperação militar naval, de missões militar e sanitaria, attendendo, na
medida das necessidades de seus alliados, ao appello que lhe era feito.
Certo iriamos a um maior tributo de sangue, quando as circumstancias o exigis-
sem, porque jámais se negou o Brasil a cimentar com o seu generoso sangue os alicerces
das aras em que se cultua a liberdade.
Não foi mister ir tão longe.
As armas da civilização, em uma incessante messe de victorias, iniciadas ao
alvorecer de 15 de julho – como para que, ao lado da data immortal, que rememora a
conquista da liberdade dos povos, figurasse a da victoria imperecível da civilização –
foram levando de vencida as hostes do militarismo retrogrado até que o clangor da
victoria, despertando a alma dos povos opprimidos, levantou-os para irem ao encontro
dos ideaes dos povos que se batiam pelos principios democraticos, rompendo os elos dos
grilhões da tyrania que os algemavam ao regimen anachronico do passado.
Está conquistada a victoria! Voltam a guiar a humanidade os ideaes promissores
e fecundos da paz e da fraternidade, á sombra de cuja bandeira os homens livres e
irmãos trilharão ininterruptamente a senda do bem e da felicidade.
Gloria, pois, áquelles que jámais desesperaram nos momentos mais arduos da
peleja; gloria, pois, áquelles que, pela sua iddomita resistencia, prepararam o caminho
da victoria; gloria eterna aquelles que, de animo sempre inquebrantavel, bateram-se
para que mais uma vez fossem triumphantes a civilização e a liberdade! (Prolongada
salva de palmas.)”. Grifado pelo compilador.
A seguir o Deputado Alberto Sarmento (SP), Presidente da Comissão de
Diplomacia e Tratados, faz um extenso e esclarecedor pronunciamento sobre

Sem título-3 350 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 351

o desenrolar da guerra até a vitória final dos aliados e encerra afirmando:


“Façamos ardentes e sinceros votos para que perdure essa liga, essa união entre as
Nações, que nos deu a victoria! Si ellas foram unidas e fortes na guerra e, por isso
venceram, que sejam unidas e fortes na paz, para completarem a obra immorredoura
que iniciaram!
Ao redor dellas, virão formar outras Nações que, estranhas á lucta, aspiram
igualmente viver sob o regimen da paz e do trabalho fecundo.
Para que o pacifismo não seja uma aspiração fugaz das nações fracas e uma
promessa fallaz das nações fortes é preciso, é indispensável que desta provação por que
vem de passar o mundo, todos os povos se colliguem no sentido de firmar, consolidar e
perpetuar o regimen da paz e da concordia do Universo. (Prolongada salva de pal-
mas.)”. Grifado pelo compilador. Em seguida apresenta a seguinte proposição:
“Proposta – Para commemorar a victoria, proponho, em nome da Commissão de Diplo-
macia e Tratados, e como seu Presidente: 1º Que seja consignada na acta dos nossos
trabalhos uma moção de congratulações com a Nação Brasileira, com o seu povo e
poderes constituidos da Republica, pela feliz terminação da guerra; 2º Que se insira
na acta um voto de felicitações e applausos aos Chefes de Estado das potencias alliadas,
aos chefes dos respectivos governos e ás Camaras dos representantes de cada uma
daquellas potencias e commandante supremo de todas as forças alliadas, pelo triumpho
que alcançaram, e um voto de respeitosa e sentida homenagem aos que tombaram na
defesa da grande causa. A Mesa da Camara fará expedir os telegramas que julgar
necessários. Sala das sessões, 12 de novembro de 1918. – Alberto Sarmento”. Subme-
tida a votos é aprovada.
15 de novembro de 1918. 13 horas. Congresso Nacional. Presidência
do Senador Antônio Francisco de Azeredo (MT). “Sessão Solemne de affirmação do
Vice-Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil eleito para servir no perio-
do presidencial de 1918 a 1922”. O candidato eleito para a presidência da Re-
pública – oitavo período de governo republicano (15/11/1918 a 15/11/1922) –,
Francisco de Paula Rodrigues Alves (SP), não chega a tomar posse por motivo
de saúde. Acometido pela “gripe espanhola” vem a falecer no dia 16 de janeiro
de 1919. Toma posse na vice-presidência da República Delfim Moreira da
Costa Ribeiro (MG). Neste cargo vai exercer, interinamente, a presidência em
substituição ao titular. O próprio vice-presidente também não dispõe de boas
condições de saúde. Seu curto mandato ficou conhecido como “regência repu-
blicana”, uma vez que se destaca no governo o seu ministro da Viação e Obras
Públicas, Afrânio de Mello Franco (MG). Seguindo as normas constitucionais
são convocadas novas eleições para os cargos majoritários da Nação, em 1919.
Para a segunda fase do oitavo período de governo republicano toma posse na
Presidência da República Epitácio da Silva Pessoa (PB) no dia 28 de julho de
1919.
21, 22 e 23 de junho de 1919. Rio de Janeiro. Tem lugar a conferência
de fundação do primeiro partido comunista do Brasil, com programa elabo-
rado por José Oiticica, segundo os princípios do “comunismo libertário”. Abri-

Sem título-3 351 7/5/2004, 10:21


352 Casimiro Neto

ga socialistas e anarquistas, mas tem curta duração. O partido tem a adesão


da “Liga Comunista Feminina”, presidida por Maria de Lourdes Nogueira, a
qual tem como objetivo promover “a unificação nacional do anarquismo”. Vale
registrar que o comunismo no Brasil nasce sob a influência direta da “Revolu-
ção Russa” e em meio a lutas acirradas contra a influência anarquista no mo-
vimento. Mas o partido dos “comunistas-bolcheviques” só surge no dia 25 de
março de 1922, o agitado ano da insurreição dos “18 do Forte de Copacabana”
e da “Semana da Arte Moderna”.
13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. Realiza-se em São Paulo, a Semana de
Arte Moderna.

25 de março de 1922. É fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB),


em Niterói, no “I Congresso dos Grupos Comunistas”, no qual participam dele-
gados de Niterói, Rio de Janeiro, São Paulo, Santos, Cruzeiro, Juiz de Fora,
Recife e Porto Alegre, após reuniões constitutivas preliminares realizadas no
Rio de Janeiro, em novembro do ano anterior, por iniciativa de doze repre-
sentantes da maioria antianarquista dos socialistas brasileiros, liderados por
Astrogildo Pereira. Estes haviam lançado, em janeiro de 1922, a revista “Mo-
vimento Comunista”, que precedeu a fundação, depois da qual lançaram, em
maio do mesmo ano, “A Classe Operária”. São aprovados os estatutos do Parti-
do Comunista do Brasil (PCB), seção brasileira da Internacional Comunista.
Embora se tenham organizado nos termos do “Código Civil dos Estados Unidos
do Brasil”, sofre repressão, entrando na ilegalidade em que sempre existiu,
excetuados pequenos períodos. Sua plataforma abrange o voto secreto, a le-
gislação social, a luta contra as leis de exceção, a anistia aos presos políticos e
autonomia do Distrito Federal. Um dos mais antigos dos partidos políticos
brasileiros, embora tenha atuado a maior parte de sua existência na ilegalida-
de, sobreviveu a todas as alterações político-institucionais por que passou o
Brasil nos últimos oitenta anos.
Os preparativos para a grande “Exposição Internacional do Centenário da
Independência” levaram a Câmara dos Deputados a ocupar, de 18 de junho de
1922 a 5 de maio de 1926, o edifício da Biblioteca Nacional. Enquanto isso,
construía-se o Palácio Tiradentes, no local da antiga sede, a “Cadeia Velha”.
Inaugurado por ocasião das comemorações do primeiro Centenário da Câ-
mara dos Deputados, o Palácio Tiradentes serviu-lhe de sede de 6 de maio de
1926 a 20 de abril de 1960, quando ocorreu a transferência da Capital Fe-
deral para Brasília e a sua nova sede passou a ser, a partir de 21 de abril, o
Palácio do Congresso Nacional, na Praça dos Três Poderes, cujo projeto é de
autoria de Oscar Niemeyer.
17 de junho de 1922. Reunião da Mesa. “Aos 17 dias do mez de junho de
1922, reunida, a commissão de Policia, tomando conhecimento do officio do Sr. Minis-
tro da Justiça e Negocios Interiores, communicando ter sido assignado o contracto para
construcção do novo edificio da Camara dos Deputados, resolveu providenciar no sen-

Sem título-3 352 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 353

tido de que a mesma Camara fosse installada, com urgencia, na Biblioteca Nacional,
correndo as despesas de mudança e de installação por conta do citado ministerio,
officiando-se nesse sentido ao alludido Ministro e marcando-se o dia 19 do corrente
para a cerimonia do lançamento da primeira pedra do supra citado edificio, cuja
construcção ficará assim iniciada. Arnolfo Azevedo, Presidente. – José Augusto, 1º
Secretario. – Costa Rego, 2º Secretario”.
É publicado o “Termo de contracto celebrado entre o Ministerio da Justiça e
Negocios Interiores e Francisco Lopes de Assis Silva & Companhia, para a construcção
do esqueleto em concreto armado, alvenaria, coberturas, pisos, forros, cupolas, claraboias,
escadas, etc, para o novo edificio da Camara dos Deputados”.
Nesse mesmo dia, em Plenário, o Presidente da Câmara dos Deputados
Arnolfo Rodrigues de Azevedo (SP), faz a seguinte comunicação: “Srs. Depu-
tados, em cumprimento do disposto no decreto legislativo n. 4.381 A, de 6 de Dezembro
de 1921, entendeu-se a Mesa com o Sr. Presidente da Republica para tornar effectiva
a construcção de um edificio destinado á condigna installação da Camara dos Depu-
tados, que ate agora, e desde a proclamação de nossa independencia, tem funccionado
em casas de adaptação imperfeita, tomadas por emprestimo, em caracter provisorio, á
generosidade do Poder Executivo, neste e no passado regimen, sempre aguardando feliz
opportunidade pra a definitiva solução desse problema quasi secular.
Estabelecido o accôrdo exigido por aquella lei, entre o Chefe do Governo e a Mesa
da Camara, ficou resolvido que o terreno, á construcção destinado, seria o quadrilatero
situado entre as ruas da Misericordia, da Republica do Peru (antiga Assembléa), de
S. José e de D. Manoel, logar tradiccional, onde existe a denominada “cadeia velha”,
paço da assembléa legislativa do Imperio e, por muitos annos, séde da Camara Federal
dos Deputados da República; prisão do proto-martyr de nossas liberdades politicas, o
Tiradentes; fonte de onde, em caudal de inestimaveis beneficios, promanaram as mais
sabias, as mais patrioticas, as mais esclarecidas leis, que nos integraram no convivio
dos povos civilisados, attestando o nosso progressivo e crescente adiantamento e as
aptdidões inconstestaveis de um povo laborioso e intelligente, que a muitos se afigurou
ter nascido já adulto, tal o gráo de aperfeiçoamento com que se apresentava na legisla-
ção elaborada pelas assembléas de seus representantes mais directos, alli reunidos tan-
tas vezes, em memoraveis sessões, que são verdadeiros padrões de gloria nossa e não
deslustrariam parlamento algum.
Não só maior facilidade de aproveitamento desse terreno, agora devoluto, mas
tambem e muito principalmente, aquella circumstancia de guardar o local, o melhor e
o mais precioso de nossas tradições parlamentares, actuaram no nosso espirito para
fixar a escolha.
Determinando que alli seria edificado o predio da Camara dos Deputados, tive-
mos expontaneamente elaborados e offerecidos á Mesa, os projectos dos engenheiros
Francisco Lopes de Assis Silva & Comp. e architecto Archimedes Memoria, chefe do
Escriptorio Heitor de Mello, que estiveram expostos e foram examinados, no gabinete
da Presidencia da Camara, por quasi todos os Deputados, dando-se preferencia ao do
segundo architecto, que foi escolhido e approvado pela Mesa, e parecia, igualmente,
mais do agrado dos que o viram e analysaram.

Sem título-3 353 7/5/2004, 10:21


354 Casimiro Neto

Estando escolhidos, o local e o projecto, dirigiu a Mesa ao Presidente da Republica,


a seguinte mensagem:
“Exmo. Sr. Dr. Epitacio Pessoa, M. D. Presidente da Republica – Tenho a honra
de solicitar de V. Ex. as providencias necessarias para execução da lei n. 4.381-A, de 6
de dezembro de 1921, no sentido de que seja aberto o credito de seis mil contos de réis
(6.000:000$000) e para que o Ministerio da Justiça e Negocios Interiores receba as
precisas instrucções para construcção do edificio destinado á Camara dos Srs. Depu-
tados. O edificio sera erguido no terreno visinho ao local do antigo predio em que
funcionava a citada Casa do Congresso Nacional na rua da Misericordia, entre as
ruas Republica do Perú (antiga da Assembléa), S. José e D. Manoel, e abrangera em
parte este mesmo local, sendo o trecho restante utilizado para uma praça, de accôrdo
com o projecto adoptado...”
(...) Convido os Srs. Deputados a assistirem o lançamento da pedra fundamental
dessa construcção, Segunda-feira, 19 de junho, ás 13 horas, no logar indicado, fican-
do assim iniciada a grande obra, que dentro em breve será o confortavel Palacio da
Camara dos Deputados.
De Accôrdo ainda com o disposto na citada lei, accedeu a Mesa em ceder este
edificio para completar o conjuncto onde se organizará a Exposição Internacional,
commemorativa do Centenario da Independencia do Brasil, e em acceitar, como
installação provisoria, ate conclusão do novo predio, uma parte do Palacio da Bibliotheca
Nacional, á Avenida Rio Branco, que está sendo convenientemente adaptada, e offerecerá
boas condições de commodidade e conforto para os trabalhos da Camara.
Para realizar-se a mudança do recinto das sessões, dos moveis e mais dependencias
será necessario interromper os nossos trabalhos durante oito ou dez dias , a partir de
amanhã.
Assim, vou levantar a reunião, deixando para designar opportunamente a
ordem do dia da sessão seguinte, que se realizará no edificio da Bibliotheca Nacional,
o que farei pelo Diario do Congresso, com a devida antecedencia”. Grifado pelo com-
pilador.

Por esse motivo os trabalhos legislativos de plenário, da Câ-


mara dos Deputados, ficam suspensos de 18 a 26 de julho de 1922.

Nos dias 25 e 26 de julho é publicado no Diario do Congresso Nacional


o seguinte: “O Presidente da Camara dos Deputados convoca para terça-feira, 27 de
junho, uma sessão para continuação dos trabalhos ordinários da sessão legislativa de
1922, marcando a seguinte: Ordem do Dia:”. Segue a relação das proposições
constantes da Ordem do Dia.
Na sessão de 27 de junho, a primeira no edifício da Biblioteca Nacio-
nal, o Presidente da Casa, Deputado Arnolfo Rodrigues de Azevedo (SP) jus-
tifica os motivos do interregno parlamentar de 18 a 26 de junho de 1922:
“Antes de designar a ordem do dia, dou publicidade ao seguinte: “Pelo decreto legisla-
tivo n. 4.381-A, de 6 de dezembro de 1921, ficou a Mesa da Camara dos Srs. Depu-
tados autorizada a ceder o Palacio Monroe e a promover a installação provisoria desta

Sem título-3 354 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 355

Casa do Congresso em outro predio, onde possa permanecer ate a conclusão das obras
do palacio, que, pela mesma resolução, lhe será destinado.
Pensavam os autores do projecto, afinal transformado nessa resolução legislativa,
que o contracto das obras e o inicio da construcção do edificio pudessem ser feitos nos
quatro mezes de interregno parlamentar e, nesse presupposto, empregou a Mesa da
Camara o melhor de seus esforços para que se apressassem a confecção e escolha do
projecto, organização dos orçamentos e detalhes das respectivas obras, de sorte a offerecer
ao Ministerio da Justiça e Negocios Interiores as bases da concurrencia publica, que
deveria ser aberta sem demora.
(...) Circumstancias independentes da vontade da Mesa, porém, vieram impedir
a realização do pensamento dos autores da medida, podendo-se assignalar entre elllas,
a convocação do Congresso, em sessão extraordinaria, para 10 de março, reduzindo á
metade o periodo das férias do nosso parlamento.
(...) Não é segredo para ninguem que o Palacio Monroe foi obtido, em 1914, por
uma concessão do Poder Executivo, que o destinava a outros misteres conducentes ao
cultivo de nossas relações internacionaes, para guardar reminiscencias da Exposição
Internacional de São Luiz, dos Estados Unidos da America do Norte, onde figurava
como pavilhão dos Estados Unidos do Brasil. Estava occupado pela Camara a titulo
precario e em caracter provisorio, havia oito annos, para ser restituido, quando se
tornasse necessario á publica administração, para destino mais adequado a sua
architectura e ao fim para que foi edificado.
(...) Por essas e outras razões de procedencia incontestavel, resolveu a Mesa con-
cordar com a cessão e effectuar a mudança, dentro do prazo estricta e rigorosamente
indispensavel ás rapidas adaptações exigidas e á remoção do recinto e do mobiliario
pertencentes á Camara, imprescindiveis aos nossos trabalhos e ao conforto dos srs.
Deputados.
Para isso teve a Mesa de interromper as sessões ordinarias por alguns dias e o
fez em face da impossibilidade de qualquer outro procedimento, como é facil de ser
provado.
(...) Alem disso, temos o precedente de 1914, em que a mudança da Camara
para o Palacio Monroe determinou a suspensão de suas sessões ordinarias, por mais de
uma semana, sem reclamação alguma, não obstante faltar o voto expresso da Camara,
autorizando a mudança da sua séde, que a Mesa de então resolveu e executou e a
Camara só tacitamente homologou, sem ouvir o Senado.
(...) Do exposto é forçoso concluir que não houve, em todo o procedimento da
Mesa, desde o inicio das diligencias para construcção do edificio da Camara ate á
mudança da séde dos trabalhos para a Bibliotheca Nacional, um único acto que se não
baseie em disposição de lei ou que della não resulte como consequencia logica, forçada
e inelutavel, o que folgo de poder deixar assignalado nos “Annaes” da Camara, com
esta exposição de motivos”. Grifado pelo compilador.
A sessão do dia 6 de julho de 1922, registra o pronunciamento do Depu-
tado Costa Rego (AL), na cerimônia de lançamento da pedra fundamental
para assinalar a inauguração da construção do Palácio destinado à Câmara
dos Deputados, conforme projeto do arquiteto Archimedes Memória.

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356 Casimiro Neto

Como parte das comemorações do “Centenário da Independência”, em 3


de setembro de 1920, é sancionado o Decreto nº 4.120, que “revoga os artigos
1º e 2º do Decreto nº 78-A, de 21 de dezembro de 1889, e autoriza a transladar para
o Brasil os despojos mortais do ex-imperador D. Pedro II e de sua esposa, D. Thereza
Christina, abrindo para tais fins os necessários créditos”. Decreto do Poder Legis-
lativo que teve origem em proposição de autoria do Deputado Francisco de
Campos Valadares MG) que revoga o banimento da família imperial do
Brasil.
Implantada a República, em 15 de novembro de 1889, uma série inter-
minável de revoluções, revoltas, quarteladas, motins, agitações traz intran-
qüilidade à Nação. Em 1891 é dado o golpe de estado do Presidente da Re-
pública Marechal Manoel Deodoro da Fonseca (AL), logo seguido de sua
deposição. Em 1893, a “Revolução federalista”; a “Revolta da Armada”, chefiada
pelo Contra-Almirante Custódio José de Mello (BA) e à qual, pouco depois,
adere o Contra-Almirante Luís Felipe Saldanha da Gama, juntamente com a
Escola Naval; depois a “Guerra de Canudos”; a “Revolta da Escola Militar” da
Praia Vermelha contra a vacina obrigatória; motins em alguns navios da Es-
quadra e durante os quais são mortos diversos oficiais e marinheiros na cha-
mada “Revolta da Chibata”, liderada pelo timoneiro João Cândido Felisberto
(RS); a “Guerra do Contestado”; e a conspiração dos sargentos no governo do
Presidente Wencesláu Brás Pereira Gomes (MG). Além disso, a República co-
meçou com um formidável encilhamento, isto é, uma chuva de falências cau-
sadas por generalizadas manipulações de ações nas bolsas brasileiras da épo-
ca, atribuindo-se valores inexistentes a empresas fantasmas. A República vai
se adaptando aos caminhos da democracia que se vai consolidar com a pro-
mulgação da Constituição de 1988.

5 de julho de 1922. 13 horas. Plenário. O Primeiro-Secretário Depu-


tado José Augusto Bezerra de Medeiros (RN) faz a leitura da seguinte Mensa-
gem Presidencial: “Srs. Membros do Congresso Nacional – Havendo rebentado um
movimento sedicioso no Distrito Federal, com ramificação no Estado do Rio de Janeiro,
venho pedir ao Congresso Nacional se digne suspender as garantias constitucionaes
por um mez nesta Capital e naquelle Estado.
A existencia da commoção intestina, que autoriza a medida excepcional do sitio,
não precisa ser demonstrada: ella ahi está aos olhos de todos, na revolta da Escola
Militar, da fortaleza de Copacabana e do forte do Vigia.
A poucos passos do Rio de Janeiro está se combatendo: as forças legaes lutam com
os rebeldes.
O Governo tem informações de que estes tem entendimento com individuos de
outros Estados.
Peço, por isto, ao Congresso Nacional que autorize o Governo a prorogar o esta-
do de sitio e a estendel-o a outras localidades si os acontecimentos o exigirem.
Rio de Janeiro, 5 de julho de 1922, 101º da Independencia e 34º da Republica.
– Epitacio Pessoa”.

Sem título-3 356 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 357

O Deputado José Gonçalves Maia (PE) denuncia: “Senhores, o que estamos


presenciando actualmente, nessa luta, entre um punhado de insurrectos e o Poder Exe-
cutivo, é uma tentativa do militarismo que começa a se mexer e quer vencer e annullar
o poder civil.
Si hoje esse punhado de insurrectos se pudesse tornar victorioso, o poder civil da
Republica, a Republica civil, estaria morto e sepultado o governo, no ridiculo da sua
impotencia e da sua inutilidade”. Grifado pelo compilador.
Após falarem vários deputados é lido o seguinte requerimento de ur-
gência do Deputado Júlio Bueno Brandão (MG) e subscrito por outros parla-
mentares: “Requeremos urgencia para immediata discussão e votação do projecto nº
58, de 1922, decretando o estado de sitio, afim de ser hoje ultimado. Camara dos
Deputados, 5 de julho de 1922. Bueno Brandão e subscrito por outros parlamentares”.
Colocado em votação é aprovado. Conseqüentemente, entra em pauta o Pro-
jeto de Lei nº 58, de 1922, com o seguinte teor: “O Congresso Nacional decreta:
Artigo único. E’ declarado, pelo prazo de 30 dias, no Districto Federal e no Estado do
Rio de Janeiro, o estado de sitio, com suspensão das garantias constitucionaes, ficando
o Presidente da Republica autorizado a prorogal-o por maior prazo e a estendel-o a
outros pontos do territorio nacional, si as circumstancias o exigirem; revogadas as
disposições em contrario”. Sala das sessões, 5 de julho de 1922. Bueno Brandão e
subscrito por outros parlamentares”.
O Sr. Presidente – Os senhores que approvam a redacção final do projecto nº 58
A, de 1922, queiram se levantar. (Pausa.)
Foi approvada e o projecto vae ser remettido ao Senado. (Palmas no recinto e nas
galerias.)”. Colocado em votação sua redação final, é aprovado e remetido ao
Senado Federal.
Insatisfação com as “cartas falsas”, tremenda campanha difamatória le-
vada a efeito por parte da imprensa contra um dos candidatos à Presidência
da República, a qual culminou com a apresentação dessas cartas atribuidas ao
Sr. Artur da Silva Bernardes (MG), e na qual, insidiosamente, envolveram as
classes armadas, então representadas pela Marinha e pelo Exército; a prisão
do Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca (RS), e a utilização do Exército,
pelo Governo Federal, em lutas interoligárquicas, gera levantes revolucioná-
rios na Vila Militar, Escola Militar e Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro.
Rebelam-se, também, algumas guarnições no Estado do Mato Grosso.
O movimento de 5 de julho de 1922 ficou conhecido pela denominação
de “Revolta dos 18 do Forte de Copacabana”, com reflexos na Escola Militar do
Realengo, cujos alunos, com excessão irrisória, foram todos expulsos. A resis-
tência dos revoltosos é feita através de um confronto suicida. Dezessete mili-
tares e um civil marcham pela Avenida Atlântica ao encontro das tropas
legalistas. Nessa luta desigual são facilmente dominados. Os revoltosos escre-
vem com seu sangue, nas areias brancas, um poema de heroísmo. Sobrevivem
os Tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos. Em conseqüência do movi-
mento são efetuadas numerosas prisões, inclusive de civis. Dessa revolução
originou-se a expressão “tenentismo” para caracterizar a corrente política de

Sem título-3 357 7/5/2004, 10:21


358 Casimiro Neto

jovens oficiais contra a situação dominante. No decorrer do mês, outros focos


de rebelião militar são sufocados, havendo centenas de prisões.
Na sessão do dia 7 de julho é lido o seguinte requerimento do Depu-
tado Arthur Palmeira Ripper (SP) e subscrito por outros parlamentares:
“Requeremos se lance na acta da sessão de hoje um voto de congratulações e de louvor
ás forças armadas, Exercito, Marinha, Brigada Militar, Policia Civil e Corpo de Bom-
beiros, pela dedicação fiel e enexcedivel lealdade com que se collocaram ao lado das
autoridades constituidas, em defesa da ordem legal da Constituição da Republica e da
honra da Nação Brasileira. Sala das sessões, 7 de julho de 1922. Palmiera Ripper e
subscrito por outros parlamentares”. O autor justifica seu requerimento: “A redacção
desse requerimento, Sr. Presidente, por si só é um discurso, por si só traduz bem a
vibração intensa que se nota nesta Casa, como a expressão da alma nacional, conforta-
da com a solução feliz dada, hontem, pelos elementos a que esse requerimento se refere
á aventura, que eu, si pudesse, faria desapparecer das paginas da historia nacional”.
Colocado em votação é aprovado.
O Deputado Francisco Joaquim Bethencourt da Silva Filho (DF) faz as
seguintes considerações: “Sr. Presidente, no momento em que o Congresso Nacional
e a Nação se regosijam pelo restabelecimento da ordem; no momento em que se glorifi-
cam os heróes da legalidade; seja-me licito admirar esse punhado de homens, essa leva
de bravos, esse pelotão de 20 e tantos heróes, embora apaixonados por uma causa
errada, illudidos em sua boa fé, espesinhados e amarrotados a alma e o coração,
epicamente se batem por aquillo que julgavam um santo ideal, com bravura talvez
superior á dos heróes das Thermopilas e de Itororó, atirando-se contra as legiões de um
exercito, contra as forças de policia, contra as forças de marinha, contra o Governo,
contra a natureza toda, procurando espartanamente a morte de encontro a tres mil
baionetas, milhares de fuzis e canhões apontados contra seus valentes peitos”. Grifado
pelo compilador.
O Presidente da Câmara dos Deputados Arnolfo Rodrigues de Azevedo
(SP) fala em seguida: “A Mesa, associando-se com grande jubilo patriotico, ao acto de
justiça da Camara dos Srs. Deputados, pede licença para fazer ao Sr. Presidente da
Republica, como chefe supremo das forças armadas do paiz as devidas communicações
e solicitar de S. Ex, que seja publicado no boletim do comando de cada uma das unida-
des daquellas forças, o voto de louvor que acabam de proferir, em nome da Nação
agradecida, os seus legitimos e mais directos representantes. (Muito bem.)”.
A esse respeito o pronunciamento do Deputado Octacilio de Albuquerque
(PB) do dia 13 de julho de 1922 traz melhores informações sobre os fatos.
3 de julho de 1924. Plenário. O Deputado José Bonifácio de Andrada e
Silva (MG) faz um emocionante pronunciamento sobre o centenário da Con-
federação do Equador, movimento revolucionário de 1824, iniciado e susten-
tado em Pernambuco, ao qual aderiram as províncias do Nordeste até o Piauí.
Merece ser lido na íntegra.
5 de julho de 1924. 13 horas. Plenário. Presidência do Deputado Arnolfo
Rodrigues de Azevedo (SP). O Primeiro-Secretário Deputado Heitor de Souza

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A Construção da Democracia 359

(ES) faz a leitura do seguinte expediente: “Do Ministerio da Justiça e Negocios


Interiores, de 5 do corrente, enviando a seguinte Mensagem: Srs. membros do Congres-
so Nacional – tenho o pezar de levar ao vosso conhecimento que um movimento sedici-
oso rebentou, em a noite de hontem para hoje, na Capital do Estado de S. Paulo, onde
uma parte das forças do Exercito sublevou-se, prendendo autoridades militares supe-
riores e sitiando o Palacio do Governo. A esta hora, está sendo opposta aos sediciosos
intrepida resistencia pela Policia Estadual.
O Governo está senhor do plano de onde surgiu essa tentativa criminosa; sabe
que ella procede de uma conspiração, cujo fóco principal está na Capital da República;
e que pretende alastrar-se por outros Estados. Está apparelhado para suffocal-o e para
defender a ordem constitucional. Sente-se para isso fortalecido pelo apoio das forças
militares, do Congresso e da Nação, que, certamente, não permittirão se consume o
crime tentado ha exactamete dous annos.
Para que o Governo possa cumprir inteiramente o seu dever, terá necessidade de
recorrer a medidas extraordinarias, para as quaes a Constituição Federal estabeleceu o
estado de sitio.
Confia, portanto, que o Congresso Nacional, com a urgencia que a gravidade da
situação reclama, o habilite com a faculdade de decretar aquella providencia constitu-
cional, desde já no Districto Federal e no Estado de S. Paulo, e em todos os pontos do
territorio nacional onde se faça necessaria, e pelo tempo correspondente ás necessidades
da defesa da ordem publica. – Arthur Bernarddes. – A’ Commissão de Constituição e
Justiça”. Grifado pelo compilador.
Tem a palavra o Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (MG),
para assunto urgente: “O Sr. Antonio Carlos (Movimento de attenção) – Sr. Presi-
dente, a Camara acaba de ouvir a leitura da mensagem que lhe dirigiu o Sr. Presidente
da Republica. Em virtude dos termos desse documento, é que eu me levanto, impellido
pela maior indignação, sentimento sem duvida partilhado por toda a Camara (apoia-
dos, muito bem), para, correspondendo, aos dictames do meu patriotismo, que se con-
fundem com os dos meus prezados collegas, apresentar um projecto que ao mesmo tempo
assignale a nossa firme solidariedade com o Sr. presidente da Republica, a actuação
que terá de desenvolver, em face das novas tentativas de desordem, a nossa firme con-
fiança, o nosso decidido proposito de entregar ao seu elevado criterio e ao seu acendrado
patriotismo os precisos meios para que possa S. Ex., combatendo os elementos subversi-
vos, que uma vez mais tentam contra a ordem publica, assegurar á nossa Patria os dias
felizes que os interesses do Brasil e dos brasileiros não cessam de reclamar. (Muito bem;
muito bem.)
Apresento, Sr. Presidente, á consideração da Camara dos Srs. Deputados o se-
guinte projecto (lê):
Artigo unico. É declarado o estado de sitio por 60 dias na Capital Federal e nos
Estados do Rio de janeiro e S. Paulo, ficando o Presidente da Republica autorizado a
prorogal-o, a extendel-o a outros pontos do territorio nacional e a suspendel-o no todo
ou em parte. Revogam-se as disposições em contrario. (Muito bem; muito bem.)”. Gri-
fado pelo compilador. O projeto é subscrito por mais de 127 parlamentares. Sen-

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360 Casimiro Neto

do requerida urgencia para imediata discussão e votação, o mesmo é aprova-


do e remetido ao Senado Federal.
Revolução tenentista em São Paulo, sob o comando do General refor-
mado Isidoro Dias Lopes, o Major Miguel Costa e os Tenentes João Cabanas
e Joaquim Távora. A partir do Quartel da Luz tropas rebeldes do Exército e
da Força Pública tomam de assalto os principais pontos estratégicos da capi-
tal paulista, entre elas as estações de estrada de ferro e o telegráfo nacional.
O Presidente do Estado de São Paulo, Carlos de Campos, é evacuado por
tropas leais da Marinha, dos Fuzileiros Navais, do Exército e da Polícia Mili-
tar. Evacuada a Capital Paulista pelas forças legais, caiu ela em poder dos
revoltosos, mas o Governo Federal já tinha estabelecido um cinturão de tro-
pas em torno dela, bombardeando os pontos de concentração dos rebeldes.
O movimento revolucionário fica limitado ao Estado de São Paulo e ao dis-
tante Estado do Amazonas. No dia 27, diante da pressão das tropas legalistas,
que fazem uso, inclusive, de bombardeios aéreos, os revolucionários abando-
nam a cidade e se deslocam para o Estado do Paraná, formando a “Coluna
Paulista”, comandada pelo Major Miguel Costa.
No dia 9 de julho é aprovado por unanimidade o requerimento do Depu-
tado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (MG) nos seguintes termos: “A Camara
dos Deputados julga-se no dever de, traduzindo o sentimento geral do paiz, de que é
reflexo e orgão, applaudir a serena energia e imperturbavel intrepidez com que na
actual emergencia e em face do odioso levante de que está sendo theatro a capital do
Estado de S. Paulo, está agindo o eminente Sr. Presidente da República, e de significar-
lhe a sua integral solidariedade.
29 de julho de 1924. Plenário. O Deputado Octávio Mangabeira (BA),
Primeiro Vice-Presidente da Casa, faz o seguinte comunicado: “Srs. Depu-
tados. Não tendo hontem funccionado a Camara, sómente hoje é permittido á Mesa
levar, como trago em seu nome, ao conhecimento da casa, a communicação official, que
teve do Poder Executivo, de já se achar restaurada, na capital de S. Paulo, com a volta
do Presidente Carlos de Campos á séde de seu Governo, o pleno imperio da lei.
Occupando esta cadeira, na ausencia do nosso illustre Presidente, cabe-me, Srs.
Deputados, ao transmittir-vos, officialmente, uma tão grata noticia, congratular-me
comvosco, com a grande nação brasileira, na pessoa de seus Representantes, por mais
esta victoria que se inscreve, entre as mais bellas que já proclamamos, pela ordem legal
em nossa patria.
Resolvereis, Srs. Representantes como vos parecer mais acertado, na alta
comprehensão, que todos temos, do papel desta assembléa no nosso apparelho constitucio-
nal, sobre o modo por que a Camara deva exprimir, no momento, o que pensa e o que
sente a nação, para com o Governo da Republica, para com a forças da legalidade, para
com todos os que accorreram em defesa da Constituição e do regimen, em summa, para
com as grandes circumstancias que definem a hora historica que vamos atravessando.
A Mesa fará cumprir, como lhe incumbe, as vossas resoluções. A estas, de já, vos
declaro que a Mesa se associa, no voto que, neste instante, é o que borbota, da sinceri-

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A Construção da Democracia 361

dade, do recondito de todas as consciencias, voto que eu quero, ao concluir, erguer –


erguer como um grito de alma ao Deus da nossa patria: para que nos deixe os horizon-
tes o signo da tormenta; para que o Brasil, sob a Republica, possa realizar, pelo cami-
nho da legalidade, sob a lei, a marcha que o conduza, triumphante, á prosperidade e á
grandeza, emfim, e concluindo, meus Senhores, para que a alva que começa a limpar
os nossos céos, após a tempestade, traga, de facto, a promessa de paz entre os brasileiros!
(Muito bem; muito bem. Palmas.)”. Grifado pelo compilador. Nesta mesma sessão e
sobre o mesmo assunto falam os Deputados Antônio Carlos Ribeiro de Andrada
(MG), Annibal Freire da Fonseca (PE), Eurico de Freitas Valle (PA), José Boni-
fácio de Andrada e Silva (MG), Juvenal Lamartine de Faria (RN), Domingos
Quadros Barbosa Alvares (MA), Dorval Pires Porto (AM), José Georgino Alves
Avelino (RN), Antônio Carlos de Salles Junior (SP), João Alves de Castro
(ES), Nicanor Queiroz do Nascimento (DF), Getúlio Dornelles Vargas (RS),
Adolpho Konder (SC), Natalício Camboim de Vasconcelos (AL), José Lino da
Justa (CE), Manoel de Mattos Duarte Silva (RJ), Eurides Cunha (PR), João
Mangabeira (BA), Arthur Pinto da Rocha (RS), e Júlio Cesario de Mello (DF).
Em plena vigência de “estado de sítio” começa a discussão da revisão cons-
titucional que Paulo Bonavides e Paes de Andrade na obra “História Constitu-
cional do Brasil” assim deixam escrito: “A iniciativa política de reforma coube ao
Catete, tanto que na primeira Mensagem presidencial de Bernardes ao Congresso em
1924 fora já matéria dominante a revisão constitucional, enumerando o Presidente os
seguintes tópicos, em ordem sucessiva, muitos dos quais constavam, desde muito, dos
manifestos reformistas precedentes, mas que não haviam ainda logrado concretizar-se
numa proposta efetiva na esfera parlamentar: a eliminação da chamada cauda orça-
mentária, a proibição da reeleição dos governadores, a obrigatoriedade de relatórios
anuais dos Governadores ao Presidente da República dando-lhe ciência da situação
vigente nos respectivos estados, a introdução do veto parcial, a criação de tribunais
federais de segunda instância, as restrições à aplicação do habeas corpus, a proteção da
economia nacional mediante a interdição dos trusts, a defesa do País contra os estran-
geiros indesejáveis e a questão da propriedade e da exploração das minas e riquezas do
subsolo.
(...) Ocupando-se da única reforma introduzida na lei fundamental da Pri-
meira República, Afonso Arinos descreve os passos que conduziram à sua concretiza-
ção. Em junho de 1924, debaixo da vigência do estado de sítio, tiveram início os
trabalhos da revisão, com a reforma do Regimento da Câmara dos Deputados. No
ano seguinte, a 3 de julho, o projeto, composto de 76 emendas teve entrada à Câma-
ra, sendo posteriormente submetido a uma Comissão Especial de 21 membros, dos
quais, segundo Arinos, os mais destacados vieram a ser o paulista Herculano de
Freitas, o baiano João Mangabeira, o sergipano Gilberto Amado e o mineiro Viana
de Castro, líder do Governo. Combatiam o projeto, com veemência, os deputados
Adolfo Bergamini, Plínio Caiado, Batista Luzardo, Venceslau Escobar, Leopoldo de
Oliveira e Alberto de Moraes.
De acordo ainda com aquele constitucionalista, a penosa tramitação da reforma
prosseguiu em setembro de 1925 com dois lances que de certo modo, tendo em vista

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362 Casimiro Neto

acelerar-lhe o curso, contribuíram todavia para enfraquecer o conteúdo revisionista do


projeto: no dia 18, fez-se a retirada de 43 das 76 emendas apresentadas, e no dia 26
um novo corte se deu, com a retirada de mais 26 emendas, restando tão-somente sete
que foram logo aprovadas, ainda em setembro em primeira discussão. Em outubro,
relata Arinos, houve nova reforma do Regimento, e as sete emendas ficaram reduzidas
a cinco substitutivos.
A 23 de outubro o projeto passara na Câmara, sendo enviado ao Senado, onde
também ocorreu, no ano seguinte, reforma do regimento, para apressar-lhe a tramita-
ção. O Governo enfrentou no Senado tanto quanto na Câmara tenaz resistência ao seu
programa revisionista, encabeçada sobretudo por Barbosa Lima, Lauro Sodré, Sampaio
Correia, Antônio Moniz e Moniz Sodré. Foram igualmente adversários da reforma,
ainda segundo Afonso Arinos, os Senadores Epitácio Pessoa e Antonio Azeredo. No
Senado as votações da reforma se encerraram a 25 de novembro de 1925, tendo havido
duas modificações relativas ao capítulo sobre Declaração de Direitos.
Na Câmara, prossegue o eminente constitucionalista logo após a abertura da
sessão legislativa de 1826 iniciou-se o segundo turno das discussões e votações do
projeto de revisão constitucional, cujo encerramento se deu ali a 8 de julho. Da Câma-
ra, o projeto tornou ao Senado, onde tramitou de 7 de agosto a 3 de setembro de 1926,
data em que, aprovadas as emendas, se concluiu a primeira revisão da Carta Constitu-
cional de 1891, revisão serôdia e inócua, pois o organismo da Velha República já se
achava mortalmente agonizante. Dez anos mais cedo, e com outra origem, outro clima
e outro conteúdo, ou votada sem a coação do estado de sítio, ela teria tido legitimidade
bastante para conjurar a crise”.
Esta reforma enfrenta alguns pontos críticos da Constituição de 1891,
mas depois dela costumava-se dizer que se preparava o caminho para im-
plantação de uma ditadura no País.

28 de outubro de 1924. O Capitão Luís Carlos Prestes subleva a guarni-


ção militar de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, e toma a cidade de assal-
to. Outras guarnições militares aderem à revolta. No dia 27 de dezembro, a
“Coluna Gaúcha”, comandada pelo Capitão Luís Carlos Prestes, inicia sua
marcha em direção a Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná. Em 11 de abril de
1925, a “Coluna Gaúcha” se encontra com a “Coluna Paulista”, em Porto Santa
Helena, também no Estado do Paraná. Do encontro de gaúchos e paulistas,
forma-se a “Coluna Fênix”, que mais tarde ficará conhecida como “Coluna
Prestes”. Em julho de 1925, a “Coluna Prestes”, com aproximadamente 1.500
homens, inicia sua marcha pelo Brasil. Os tenentes partem para a guerrilha,
furando com facilidade os cercos armados pelas tropas legalistas. Em 3 de
fevereiro de 1927, a“Coluna Prestes” interna-se na Bolívia, depois de uma
marcha de mais de 25 mil quilômetros que atravessou os sertões do Brasil em
treze estados, durante dois anos e sete meses, lutando contra as tropas do
Governo. Em 24 de maio de 1927, o “Cavaleiro da Esperança” e sua coluna
penetram no Paraguai, dissolvendo-se por conta própria e internando, gran-
de parte de seus elementos, em território estrangeiro. Ao realizar esta mar-

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A Construção da Democracia 363

cha, conta-se que o Capitão Luís Carlos Prestes ainda não pensava em tornar-
se comunista. O seu desejo básico era conhecer o verdadeiro Brasil, trazendo
à tona o seu repúdio à inércia dos governantes da época que se distanciavam
dos verdadeiros problemas do País. Antes de transformá-lo era preciso entendê-
lo. Por isso muito se falou do caráter humanista da marcha. Derrubar a
“República Velha” e a oligarquia dominante é um objetivo a ser considerado. A
insatisfação se espalha ainda mais pelo País durante o Governo do Presidente
da República Arthur da Silva Bernardes (MG).
Simultâneamente à revolução gaúcha, o Governo Federal enfrenta o
levante do “Encouraçado São Paulo”, chefiado pelo Tenente Hercolino Cascardo,
no dia 4 de novembro de 1924. Sem condições de lutar sozinho contra as
forças legais, o navio ruma para Montevidéu, onde os rebeldes conseguem
asilo político e posteriormente engajam-se na “Coluna Gaúcha”. As revoluções
tenentistas espalham-se pelo País. Os Estados de Mato Grosso, Sergipe e Ama-
zonas apresentam, também, focos de rebelião nos quartéis ali localizados.
Na sessão do dia 4 de novembro de 1924, o Deputado Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada (MG) traz ao conhecimento do Plenário os fatos que
estão se passando em um navio da Marinha de Guerra que foi tomado por
rebeldes. Diz em um dos trechos: “(...) Esse nucleo reduzido de militares, actuando
sobre uma parte tambem pequena da Marinha de guerra, acaba de conseguir que um
dos nossos ‘dreadnoughts’, o ‘S. Paulo’, pratique actos reveladores da adhesão ao movi-
mento contra as autoridades legaes. Devo informar, porém, á Camara, que o ‘São
Paulo’ tem, dentro da sua propria guarnição, os elementos que terão de destruir o
levante. O Governo sabe, nesta hora, que dentro delle já se estabeleceu a luta, que o
numero de officiaes revoltosos é minimo, mas que, audazmente, conseguindo captar a
confiança de parte da marinhagem, desferiram os golpes já conhecidos. E o Governo
sabe que varios dos officiaes e muitos dos sub-officiaes, assim como grande parte da
maruja, estão operando no sentido de retomar o commando do ‘dreadnought’ aos pou-
cos que se revoltaram.
(...) Direi por último, Sr. Presidente, que não devo terminar as poucas palavras
que hei pronunciado, sem synthetizar á Marinha fiel, que é, quasi toda (apoiados;
muito bem), á Marinha, na pessoa do venerando brasileiro – esse sim, que merece as
palmas da Camara – o almirante Alexandrino de Alencar (apoiados; muito bem; pal-
mas), que a estas horas assumindo o supremo commando da Marinha de Guerra asse-
gura ao povo brasileiro que a Marinha será, mais uma vez, ao lado do Exercito Nacio-
nal, essa poderosa columna da legalidade. (Muito bem; muito bem. Palmas no recinto)”.
Após este pronunciamento, apresenta requerimento de sua autoria e de ou-
tros parlamentares, propondo que a Câmara dos Deputados preste solidarie-
dade ao Presidente da República Arthur da Silva Bernardes (MG). Muito dis-
cutido, é em seguida aprovado.
Se, em 1922, os tenentes revolucionários apresentam uma reação
corporativa das Forças Armadas com a prisão da mais alta patente do Exérci-
to e o fechamento do Clube Militar, em 1924, eles já trazem um projeto polí-
tico: voto secreto, limitação das atribuições do Poder Executivo, moralização

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364 Casimiro Neto

e independência do Poder Legislativo, ampliação da autonomia do Judiciá-


rio e obrigatoriedade do ensino primário e profissional. Esse fenômeno
tenentista, tendo os revolucionários da “Coluna Prestes-Miguel Costa” e os che-
fes dos levantes de 1922 e 1924, Juarez Távora, João Alberto, Siqueira Cam-
pos, Cordeiro de Farias, teve como pano de fundo a crise da República Velha
e culmina com o movimento revolucionário de 1930.
1º de dezembro de 1924. Plenário. O Deputado Basílio de Magalhães
(MG) apresenta o Projeto de Lei nº 247 que “concede o direito de voto à mulher,
mediante as condições que enumera”. Em seu pronunciamento faz a seguinte jus-
tificativa: “Sr. Presidente, o projecto que vou ter a honra de apresentar á consideração
da Camara é um corollario natural do que produz a adopção, no Brasil, do voto
secreto-obrigatório.
Com effeito, já havendo mulheres no exercicio de funcções publicas, e, portanto,
directamente interessadas na administração do Estado, evidentemente não podem con-
tinuar afastadas da actividade politica.
(...) As mulheres já gosam de direitos políticos em 28 paizes do mundo culto.
(...) Ao tratar deste assumpto, da concessão do voto ás mulheres, permitta-se-me
recordar que, quando no exercicio do cargo de director da Bibliotheca Nacional, tive o
ensejo de, em um dos ultimos relatorios que apresentei ao Sr. Ministro da Justiça e
Negocios Interiores, dizer que, a exemplo da America do Norte, deviamos confiar ao
sexo feminino os postos principaes do referido estabelecimento.
(...) Sr. Presidente, acho extranhavel que o homem fecundo fabricante de deuses
e de biblias, para diminuir a mulher, chegasse á pobreza de imaginação de consideral-
a oriunda de uma sua costella.
Não seria melhor ao homem, com um pouco mais de poesia no cerebro, ver na
mulher um ser oriundo de um pedaço de seu coração?”. Grifado pelo compilador.
Após fazer um extenso arrazoado singular e poético sobre as virtudes e
a sabedoria da mulher e de ter enumerado em uma lista as dignas represen-
tantes femininas da sociedade brasileira, sendo aparteado por vários parla-
mentares, apresenta o seu projeto: “Vou passar agora á leitura do projecto que
tenho a honra de offerecer á consideração desta Camara:
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Póde a mulher inscrever-se no alistamento eleitoral mediante as condi-
ções seguintes:
1ª) Ser brasileira nata ou naturalizada;
2ª) Ter mais de 21 annos de edade;
3ª) Saber ler, escrever e contar;
4ª) Consentir o marido, si casada não desquitada;
5ª) Dispor de renda que lhe assegure a subsistencia, quando solteira, viuva ou
casada desquitada;
6ª) Não pertencer a qualquer ordem monastica, congregação religiosa ou
comumnidade civil, sujeita a voto de obediencia, regra ou estatuto, que lhe implique a
renuncia da liberdade individual.

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A Construção da Democracia 365

Art. 2º Uma vez alistada nos termos do art. 1º, e observadas as disposições dos
arts. 26 e 41 e respectivos paragraphos da Constituição, póde a mulher ser eleita, quer
para exercer a Presidencia ou Vice-Presidencia da Republica, quer para desempenhar
o mandato de Deputado ou Senador do Congresso Nacional.
Art. 3º Revogam-se as disposições em contrario.
Sala das sessões, 1 de dezembro de 1924. – Basilio de Magalhães.”
E encerra dizendo: “Assim, Sr. Presidente, ao terminar as minhas ponderações
a respeito deste assumpto de tanta relevancia para a nossa nacionalidade e de tanto
momento, devo declarar que não foi por estimulo de vaidade pessoal que me abalancei
a mais esta iniciativa, porém sim pelo mesmo natural carinho que tenho dedicado,
desde o primeiro balbuciar da minha intelligencia, a tudo quanto diz respeito á grande-
za de minha patria. Nunca me pude convencer de que as mulheres brasileiras sejam
inferiores ás mulheres de outras nacionalidades, ao ponto de ficarem até agora sem o
goso do direito, que tanto as deve noblitar, de virem perante as urnas escolher quem
melhor governe o paiz ou disputar cargos electivos, de cujo desempenho sejam ellas
capazes. Foi apenas com esse intuito que elaborei este projecto, e fio que a Camara,
fazendo-me a justiça que lhe impetro, me perdôe a ousadia de ser ainda eu, em um
assumpto de tanta importancia , quem tenha vindo trazel-o a esta Casa, onde pontifi-
cam tantos mestres e refulgem tantos talentos de escól. Era o que eu tinha a dizer.
(Muito bem; muito bem. O orador é muito cumprimentado.)”. Grifado pelo compilador.
6 de maio de 1926. 13 horas. Palácio Tiradentes. “SESSÃO ESPECIAL
DE INAGURAÇÃO DE SEU EDIFICIO PROPRIO E DE COMMEMORAÇÃO
DO 1º CENTENARIO DO PODER LEGISLATIVO BRASILEIRO, EM 6 DE
MAIO DE 1926”.
O Presidente da Câmara dos Deputados, Arnolfo Rodrigues de Azevedo
(SP) faz um emocionante pronunciamento: “(...) Para a data do centenario do
Poder Legislativo do Brasil, não poderia encontrar a Camara commemoração mais
adequada e mais frisante do que esta proporcionar aos legisladores brasileiros, manda-
tarios legitimos e directos da nação, uma séde, sob todos os aspectos, digna da elevada
investidura dos que aque veem fallar, agir e provêr em nome da soberania nacional,
offerecendo ao mesmo tempo, a esta bella cidade e ao paiz, um monumento de architectura,
solido, confortavel, bem acabado, para attestar aos vindouros a capacidade de producção,
de trabalho e de aperfeiçoamento a que attingiu a geração que ora passa.
(...) Cem annos de trabalho efficiente nos legaram um grande patrimonio de
legislação civil e politica, tanto na Monarchia como na Republica, podendo orgulhar-
se o Brasil dos seus legisladores, em nada inferiores aos dos povos mais adeantados em
civilização e cultura. Entre elles se formaram os grandes oradores parlamentares, cuja
fama se alargou até transpôr nossas fronteiras, emquanto, dentro dellas, arrastavam as
camaras e deslumbravam as multidões, em surtos de eloquencia avassaladora, domi-
nando e vencendo governos poderosos e situações difficeis, ou creando instituições e
postulados de liberdade e de justiça”.
E encerra afirmando: “(...) Este austero ambiente de severidade e de grandeza
se revelará, então, ao paiz como o veneravel santuario das bôas leis, cenaculo augusto

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366 Casimiro Neto

de patriotas sem jaça, presos ao fiel desempenho do mandato como apostolos de uma
ethica sem par á fé jurada nas aras sacrosantas da Patria e da Republica.
Saúdo-vos, Srs. Deputados, pela inauguração do Palacio da Camara, congra-
tulando-me com os egregios Srs. Senadores Federaes, e comvosco, pela passagem da
data centenaria do Poder Legislativo do Brasil. (Applausos calorosos e demorados.)”.
Grifado pelo compilador.

11 de agosto de 1927. É declarada a ilegalidade do Partido Comunista


Brasileiro.

25 de outubro de 1927. O Estado do Rio Grande do Norte é objeto de


destaque no País. o Presidente do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros,
sanciona a Lei nº 660. O artigo 77 traz o seguinte texto: “No Rio Grande do
Norte poderão votar e ser votados, sem distincção de sexo todos os cidadãos que reuni-
rem as condições exigidas por esta lei”. É concedido, pela primeira vez no País, o
direito de voto às mulheres. O primeiro requerimento para eleitora é de Júlia
Alves Barbosa, em Natal (RN), datado de 22 de novembro de 1927. O regis-
tro como primeira eleitora brasileira coube à professora Celina Guimarães
Viana, em Mossoró (RN), datado de 25 de novembro de 1927. Em 1929 toma
posse na prefeitura de Lajes (RN), Luísa Alzira Teixeira Soriano, primeira
prefeita do seu estado, do Brasil e da América do Sul.
26 de dezembro de 1929. 13 horas e 30 minutos. Plenário da Câmara
dos Deputados. A lista de presença acusa o comparecimento de 24 Srs. Depu-
tados. Não há número regimental para abrir a sessão. Na sequência, marcan-
do o clima da tensa polarização da época, o Deputado Ildefonso Simões Lopes
(RS) mata a tiros seu colega Manoel Francisco de Sousa Filho (PE). No Plená-
rio do Senado Federal, às 15 horas e 50 minutos, chega a notícia do triste
acontecimento quando está com a palavra o Senador Irineu Machado. O
senador interrompe seu discurso e faz a seguinte solicitação: “Sr. Presidente,
tendo chegado a meu conhecimento, neste momento, uma notícia de séria gravidade;
tendo sabido neste momento que foi ferido na Câmara o eminente Deputado e grande
orador Souza Filho, pela mão do Sr. Simões Lopes, eu não sei como conter minha
emoção e pediria a V. Ex. que désse por terminados os trabalhos de hoje”. A sessão é
encerrada. A Câmara dos Deputados convoca sessão especial para o dia 28
de dezembro, às 10 horas. Neste dia o Presidente da Casa, Deputado Sebas-
tião do Rego Barros (PE) ao abrir a sessão faz o seguinte pronunciamento:
“Está aberta a sessão especial, convocada para prestar homenagens á memoria do
nosso brilhante e valoroso companheiro, Deputado Souza Filho, victima de um attentado
sem exemplo na vida parlamentar brasileira.
O que foi a actuação do illustre Deputado, em duas legislaturas, durante as
quaes representou o eleitorado livre de Pernambuco, está na lembrança de todos os Srs.
Deputados.
Espirito de escól, talento pujante, abrilhantado por uma cultura variada, ora-
dor de fina estirpe, deixando transparecer, através da palavra, o valor de sua intelli-

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A Construção da Democracia 367

gencia, a profundeza de sua erudição, a generosidade de sua alma, a inteireza de seu


caracter, a sua indomita coragem, o Deputado Souza Filho foi, incontestavelmente,
uma das glorias do Parlamento Brasileiro (Muito bem), através de toda a historia da
vida parlamentar do Brasil, desde a Monarchia á República. (Muito bem.)
Todas as causas nobres, todos os sentimentos generosos, todas as idéas patrioticas,
tiveram sempre, na sua palavra, a defesa calorosa, eloquente e brilhante. (Muito bem.)
A homenagem que lhe vamos render é um preito ao seu valor, e, ao mesmo tempo,
uma manifestação de patriotismo, de protesto e de revolta. (Apoiados; muito bem. Pal-
mas.)”. Grifado pelo compilador.
Falam ainda os Deputados Eurico de Castro Chaves (PE), Manoel Pedro
Villaboim (SP) – pela maioria –, e Domingos Quadros Barbosa Alvares (MA).

No início dos anos 30, a escolha de um paulista, Júlio Prestes de


Albuquerque, para suceder um outro paulista, Washington Luís Pereira de
Souza, na Presidência da República quebra o pacto de revezamento existente
entre Minas Gerais e São Paulo. A Primeira República (1889-1930) estava
toda voltada para a “política do café-com-leite”. Os governantes dos Estados do
Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba discordam do Presidente da Re-
pública e formam a “Aliança Liberal” em apoio às candidaturas de Getúlio
Dornelles Vargas (RS) e João Pessoa (PB) à Presidência e à Vice-Presidência
da República. A “Aliança Liberal” é derrotada nas urnas, fraudadas por ambas
as partes, nas eleições de 1º de março de 1930 que dá a vitória a Júlio Prestes
de Albuquerque com 1 milhão e 92 mil votos contra 737 mil dados ao seu
oponente. Em 26 de julho é assassinado João Pessoa (PB). Este fato leva o
povo às ruas e dá maior ímpeto à oposição. Sua morte comove a Nação. É o
estopim da revolução. No Rio Grande do Sul, setores da “Aliança Liberal”,
aproveitando o momento político, passam a responsabilizar Washington Luís
Pereira de Souza (RJ) pelos últimos acontecimentos. Começa o movimento
revolucionário que no Norte do país estaria sob o comando de Juarez Távora;
no centro, em Minas Gerais, a liderança do movimento está sob a chefia de
Olegário Maciel e no Sul, pelo próprio Getúlio Dornelles Vargas. É desta
ocasião a palavra de ordem do Deputado Antonio Carlos Ribeiro de Andrada
(MG): “Façamos a revolução antes que o povo a faça”.
4 de outubro de 1930. O Jornal “A Federação – Orgam do Partido Republi-
cano” traz em sua manchete principal: “Rio Grande, de pé, pelo Brasil! Não
poderás falhar ao teu destino heróico”. Logo abaixo transcreve um editorial
intitulado “A’ Nação” assinado por Getúlio Dornelles Vargas (RS). O Jornal
“Diário de Minas” destaca: “Esgotados os recursos da reacção branca, a reacção pela
armas”. Traz a íntegra do telegrama do Presidente do Estado de Minas Ge-
rais, Olegário Maciel, enviado aos Presidentes das Câmaras Municipais do
Estado.
Neste mesmo dia, às 13 horas e 30 minutos, no Plenário da Câmara dos
Deputados, é lido ofício do Ministério da Justiça e Negócios Interiores Augusto

Sem título-3 367 7/5/2004, 10:21


368 Casimiro Neto

Viana do Castello (MG), também deste dia, que envia a seguinte Mensagem
Presidencial: “Srs. Membros do Congresso Nacional – conforme communicações rece-
bidas nesta Capital, e que são, presentemente, do dominio publico, irrompeu hontem
um movimento subversivo em Bello Horizonte e em Porto Alegre, com immediata reper-
cussão em outras cidades dos Estados de Minas Geraes e Rio Grande do Sul.
O Governo Federal conhece a trama desse movimento, cuja propaganda, aliás,
se fazia aberta e notoriamente, de alguns mezes a esta parte, pela imprensa, nos comicios
e na tribuna parlamentar, e, com maior intensidade, nos Estados acima referidos e no
da Parahyba, este ultimo já conflagrado por uma luta politica interna.
Não obstante a firme repulsa que a essa campanha impatriotica oppoz sempre a
opinião sensata do paiz, os elementos propugnadores da desordem conseguiram suble-
var forças policiaes de Minas e do Rio Grande do Sul.
A gravidade da situação cresce pelo facto de ser essa commoção intestina dirigida
e amparada pelos proprios governos dos rescpectivos Estados.
Em taes condições, para que o Governo Federal possa agir com presteza e efficiencia
no sentido de reprimir esse movimento subversivo, torna-se necessario que o Congresso
Nacional declare em estado de sitio o territorio dos Estados de Minas Geraes, Rio
Grande do Sul, Parahyba, Rio de Janeiro e do Districto Federal, com fundamento no
disposto nos arts. 34, numero 20, e 80, da Constituição Federal, até 31 de dezembro de
1930, e autorize o Poder Executivo a estender essa medida si julgar necessario, a
outros pontos do territorio nacional.
Solicito, tambem, autorização para fazer as operações de credito precisas afim de
occorrer ás despezas extraordinarias exigidas pelas circumstancias.
Rio de Janeiro, 4 de outubro de 1930. – Washington Luiz P. de Sousa”. Grifado
pelo compilador.
Em seguida é apresentado o Projeto de Lei nº 293/30, do Deputado
José Cardoso de Almeida (SP) e subscrito pela maioria parlamentar, que “de-
clara em estado de sitio varios pontos do territorio nacional”. Tem o seguinte texto:
“O Congresso Nacional decreta: Artigo único. É declarado o estado de sitio, até o dia
31 de dezembro do corrente anno, no Districto Federal e nos Estados do Rio de Janeiro,
Minas Geraes, Rio Grande do Sul e Parahyba, ficando o Presidente da República
autorizado a extendel-o a outros pontos do território nacional e a suspendel-o no todo
ou em parte; revogadas as disposições em contrario”. O autor da proposião requer
sua urgência. Colocado em votação, é aprovado. Entra em discussão o proje-
to. O Deputado Maurício de Lacerda (RJ) faz extenso pronunciamento e diz
em um dos trechos: “(...) É o sitio indefinido, sem limite no tempo e no espaço. É o
sitio interativo, que se prolongará por cima do Congresso e até dos quatriennios, como
já se viu entre nós. Reputo inconstitucional essa delegação. Em face dos precedentes, da
interpretação de governos, exercidos por ex-constituintes ou de parlamentares também
ex-constituintes, no caso os Srs. Epitacio Pessôa e Ruy Barbosa, assim ficou estabeleci-
do”. E encerra dizendo: “(...) espero que das montanhas azues de Minas Geraes,
como dos pampas verdes do sul não surja o passo cadenciado de uma dictadura que
ainda acabe nos roubando as ultimas ceremonias da actual dictadura para com esta lei
que hoje estamos violando, nos surja o passo de carga da nacionalidade, decidida,

Sem título-3 368 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 369

emfim, a derrubar, não o Governo, por desamor ás pessôas, mas o Governo por amor á
colletividade nacional! (Muito bem; muito bem. O orador é cumprimentado.)”. Grifa-
do pelo compilador. É votada a redação final do Projeto de Lei nº 293, sendo
aprovada por 119 votos favoráveis contra 6. É remetido ao Senado Federal,
que em Sessão Extraordinária, neste mesmo dia, às 17 horas e 35 minutos,
aprova o referido projeto, em regime de urgência, e envia à sanção presi-
dencial.
São confirmados os boatos sobre a existência de oficiais revolucionários
das Forças Armadas, em São Paulo, Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do
Sul. É divulgado telegrama enviado de Buenos Aires que dá conta da prisão
do revolucionário brasileiro Luís Carlos Prestes e do revolucionário boliviano
Roberto Inojosa, de ordem do Governo Argentino. Em maio deste ano de
1930, Luís Carlos Prestes havia lançado, de Buenos Aires, um manifesto, pre-
gando “a revolução agrária e antiimperialista”.
5 de outubro de 1930. O jornal “A União – Orgam Official do Estado”
destaca em sua manchete: “Triumphante a revolução na Parahyba – O enthusiasmo
do povo – Outras notas”.
Na madrugada de ante-hontem rebentou em diversos pontos do paiz o movimen-
to revolucionário que se constituira uma fatalidade consequente do estado em que che-
gara a Nação Brasileira, sacudida em seus justos anseios por libertar-se de uma politica
nefasta e de todo ponto abusiva pela prepotencia do Sr. Washington Luis.
O movimento assumiu para logo impressionante aspecto, dando-lhe proporções
de definitiva victoria. E nem podia ser de outro modo, dada a patriotica finalidade que
encerra e o valor das figuras que nelle se empenhavam possuidas do maior idealismo e
do mais candente enthusiamo para a redempção de uma patria que se afogava na
compressão, no desrespeito aos direitos alheios, no esbulho das eleições, no attentado á
autonomia dos Estados, culminando no barbaro assassinio do grande presidente João
Pessôa.
Nesse ambiente faccioso criado pelos caprichos de um chefe de govêrno que se
tornou, elle proprio, o chefe ostensivo de uma candidatura repellida pelo povo, só pode-
ria medrar essa revolta legitima, insopitavel, que está a dominar o paiz inteiro, hon-
rando e enaltecendo o civismo e a bravura da nossa gente.
O espirito revolucionario, a que se ligara Minas e Rio Grande do Sul, num
pacto de combate aos desmandos do poder central, não deixaria de arrastar a Parahyba,
naquella hora governada por uma mentalidade tradicionalmente democratica.
Nem a Parahyba, nem o Presidente João Pessôa, poderiam emudecer, ficando
indifferentes aos principios programaticos da Alliança Liberal.
Mas, se esses postulados não fôram respeitados, estremando-se o sr. presidente da
Republica em rasgar a Constituição, mentindo aos seus compromissos, de respeitar o
comesinho direito do voto, só a revolução seria capaz de reintegrar o Brasil nos principios
republicanos.
Comprehendeu bem isso o brilhante espirito de Juarez Tavora, mocidade voltada
para os interesses superiores da patria, numa cruzada radiosa de constante pregação

Sem título-3 369 7/5/2004, 10:21


370 Casimiro Neto

civica e acção constructora.


Foi a sua voz de commando que moveu centurias e centurias de patriotas,
illuminados pelo desejo de renovação do regimen, na madrugada radiosa de 4 de
outubro.
E a estas horas, o seu exemplo de bravura, como o maior milagre de coragem
civida, foi o animador precipuo dos movimentos de nobre rebeldia, que o soldado brasi-
leiro com o povo brasileiro, estão em Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauhy
e outros Estados, salvando a honra e a dignidade do paiz.
Victoriosa a revolução na Parahyba, triumpharam, mais uma vez, os ensinamentos
do mallogrado presidente João Pessôa, cuja personalidade neste momento de reivindi-
cações evocamos com a maior saudade e a maior veneração”.
Para chefiar o governo revolucionário da Paraíba, o Coronel Juarez Tá-
vora nomeia o Dr. José Américo de Almeida.
Neste mesmo dia é expedido o Decreto nº 19.350 pelo Presidente da
República Washington Luís Pereira de Sousa (RJ), que “declara em estado de
sítio todo o território da República até 31 de dezembro de 1930”. O Congresso Na-
cional entra em recesso. Na Presidência da Câmara, o Deputado Sebastião do
Rego Barros (PE).

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 5 de outubro de


1930 a 9 de novembro de 1933.

24 de outubro de 1930. 17 horas. Movimento revolucionário sob a lide-


rança civil de Getúlio Dornelles Vargas (RS) e a chefia militar do Tenente-
Coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro que, iniciado em 3 de outubro, no
Rio Grande do Sul, com o apoio das Forças Armadas, depõe o Presidente da
República Washington Luís Pereira de Sousa (RJ), faltando 20 dias para ter-
minar o mandato presidencial, a 15 de novembro de 1930.
Enquanto aguarda a chegada de Getúlio Dorneles Vargas (RS), então na
frente das tropas revolucionárias que marchavam do Sul para a capital do
País, assume o Governo do Brasil, a Junta Governativa Provisória composta
pelos Generais-de-Divisão Augusto Tasso Fragoso (MA) e João de Deus Menna
Barreto (RS), e do Contra-Almirante José Isaías de Noronha (RJ). Em 31 de
Outubro, Getúlio Dorneles Vargas (RS) desembarca no Rio de Janeiro, em
uniforme militar, precedido por, aproximadamente, três mil soldados gaú-
chos, sob grande aclamação popular, amarrando seus cavalos no obelisco que
se encontra na confluência da Avenida Rio Branco com a Avenida Beira-Mar,
dando o tom da vitória.
Vitoriosa a revolução, o Presidente Washington Luís Pereira de Sousa
(RJ) deixa o Palácio da Guanabara – residência presidencial –, ao lado do
Cardeal D. Sebastião Leme da Silveira Cintra, às 17 horas, depois de longo
trabalho de persuasão. Desejava o Presidente deposto esperar até que as tro-
pas avançassem sobre ele e resistiu à insistência de vários amigos, cedendo
apenas ao Cardeal. Foi levado preso para o Forte de Copacabana, de onde

Sem título-3 370 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 371

mais tarde seguiu para o exílio.


Vários fatores contribuiram para a vitória do movimento revolucioná-
rio: mesmo com o fim do voto censitário, a participação eleitoral continuou
muito baixa porque 60% da população era de analfabetos e a estes continua-
va proibido o voto; a taxa de votantes em relação à população do País passa
de um mínimo de 1,4% a um máximo de 5,7%; o voto não era obrigatório,
nem secreto, o que tornava o povo alvo fácil de pressões e subornos travestidos
de favores; a institucionalização da fraude eleitoral com o predomínio incon-
trastável da corrente política dominante – o baixo número de eleitores levava
ao predominio de fenômenos como o coronelismo, o “voto de cabresto” e às
fraudes, fazendo com que o sistema eleitoral fosse controlado pelas oligar-
quias locais; pelo voto a descoberto, chamado “bico de pena”; pelo inadmissí-
vel reconhecimento dos eleitos realizado pelo próprio poder político, repre-
sentado pelo Legislativo – a denominada “comissão dos cinco” –, que tinha o
poder absoluto de decidir quem tomaria posse ou não e, conseqüentemente,
os candidatos vencedores nos pleitos eleitorais nem sempre ocupavam suas
cadeiras. Sistema este denominado de terceiro escrutínio, onde no reconhe-
cimento final de poderes os diplomas mais líquidos eram rasgados violenta-
mente; a desorganização e indisciplina reinantes nos partidos políticos con-
trolados por “coronéis”, industriais e banqueiros; o não direito ao voto e a
participação política das mulheres, há muito tempo reivindicado, incompati-
bilizava-o com parcela significativa da sociedade; a submissão do Judiciário,
pondo em risco a independência de decisão de seus membros; o abuso da
intervenção federal e o desvio do instituto do estado de sítico; a política dos
governadores; a prática nefasta da cauda orçamentária; a crise econômica de
1929; e o surgimento de movimentos sociais reivindicando melhores condi-
ções de vida, trabalho e distribuição de renda.
Conseqüências diretas deste quadro foram o surgimento de correntes
extremas, tanto de direita, quanto de esquerda, na política nacional e o regi-
me de força implantado a seguir.
Com esta revolução, que se situa no mesmo plano ideológico do movi-
mento de 1922 (18 do Forte) e da revolução de 1924 (São Paulo), encerra-se
o que se convencionou chamar de “República Velha”. Esta tendo como lei maior
a Constituição de 1891, baseada no modelo americano, não funcionou no
Brasil, como esperava Rui Barbosa de Oliveira (BA), que no declínio de sua
vida, rendeu-se a esta verdade. Não tem exemplo, também, em nenhum ou-
tro sistema presidencialista na América Latina, devido à impossibilidade da
criação, por costume e não pelo texto, de um órgão moderador e constante-
mente renovador, como é a Suprema Côrte dos Estados Unidos da América,
único país do mundo em que o sistema presidencialista funciona a contento.
As mudanças de ordem econômica, política e social que ocorreram a
seguir no País fizeram com que a “Revolução de 1930” fosse considerada o
marco inicial da Segunda República no Brasil ou “República Nova”. Se de um
lado esta revolução não tinha um projeto ideológico claro, do outro abalou as

Sem título-3 371 7/5/2004, 10:21


372 Casimiro Neto

oligarquias e permitiu a ascensão de setores reformistas das camadas médias


urbanas. As relações trabalhistas foram normatizadas, a jornada de trabalho
foi limitada, e o salário mínimo foi fixado.
O presidente eleito, Júlio Prestes de Albuquerque (SP), não chega a
tomar posse no cargo, tendo em vista a eclosão do movimento revolucioná-
rio e a ascensão do Governo Provisório. Conhecido pelo apelido de “Dr.
Julinho” passa a ser motivo de “chacota” em temas músicais ufanistas inseri-
dos em documentários e emissões radiofônicas patrocinadas pela propa-
ganda oficial.
3 de novembro de 1930. 16 horas. Palácio do Catete. É empossado
pelos revolucionários de 1930, na qualidade de Chefe do Governo Provisó-
rio, o líder da revolução, Getúlio Dornelles Vargas (RS). Ao assumir o gover-
no, promete reconstitucioná-lo, tão logo transcorresse uma fase de necessá-
ria recomposição, acrescentando que não a prolongaria além do estritamente
necessário. Promessa não cumprida.
11 de novembro de 1930. É expedido pelo Chefe do Governo Provisó-
rio Getúlio Dornelles Vargas (RS) o Decreto nº 19.398, que “institue o Governo
Provisório dos Estados Unidos do Brasil, e dá outras providências”. É também o
primeiro ato convocatório da Assembléia Constituinte.
De acordo com o texto “O Chefe do Governo Provisório dos Estados Unidos
do Brasil, decreta:
Art. 1º O Governo Provisório exercerá discricionariamente em toda sua plenitu-
de as funções e atribuições, não só do Poder Executivo, como também do Poder Legisla-
tivo, até que eleita a Assembléa Consitituinte, estabeleça a reorganização constitucional
do País.
Art. 2º É confirmada para todos os efeitos, a dissolução do Congresso Nacional,
das atuais Assembléas Legislativas dos Estados (quaisquer que sejam as suas denomi-
nações), Câmaras ou Assembléias Municipais e quaisquer outros órgãos legislativos ou
deliberativos existentes nos Estados, nos Municípios, no Distrito Federal ou território
do Acre e dissolvidos os que ainda não tenham sido de fato. O Artigo 5º decreta:
“Ficam suspensas as garantias constitucionais e excluída a apreciação judicial dos
decretos e atos do Governo Provisório ou dos Interventores federais, praticados na
conformidade da presente Lei ou de suas modificações ulteriores”. Grifado pelo compila-
dor. Ratifica todos os atos da Junta Governativa Provisória e os do Governo
atual, cria ainda o Conselho Nacional Consultivo e, também, o Tribunal Es-
pecial para processo e julgamento de crimes políticos, funcionais e outros
que serão discriminados na lei de sua organização. O relator do decreto é o
Dr. Levi Fernandes Carneiro.
Em relação a este primeiro ato convocatório da Assembléia Constituinte,
ver também o Decreto nº 21.402, de 14 de maio de 1932; o Decreto nº 22.621,
de 7 de abril de 1933; o Decreto nº 22.653, de 20 de abril de 1933 e o Decreto
nº 23.102 de 19 de agosto de 1933.
O Chefe do Governo Provisório Getúlio Dornelles Vargas (RS) começa

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A Construção da Democracia 373

governando com uma reformulação geral: desmonta todo o esquema do go-


verno anterior e a dissolução do Congresso Nacional é o passo inicial desse
trabalho. Baixa o Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930, com a
assinatura de seus novos ministros, dando ao Governo o direito legal de exer-
cer, além do Poder Executivo, a autoridade legislativa. Esse arranjo duraria,
segundo o texto, até que uma Assembléia Constituinte eleita processasse a
reorganização constitucional do País.
Junto com o Congresso Nacional, são fechadas as Assembléias Esta-
duais e as Câmaras Municipais, além de afastados todos os governadores dos
Estados para onde são destacados interventores nomeados pelo Presidente e
chefe da revolução. Minas Gerais é a exceção no caso. É estabelecida, tam-
bém, uma comissão para reformar a legislação eleitoral.
A era getulista começa num clima de instabilidade social. É proibido
formar grupos nas ruas. A ordem da polícia é circular. As coisas podiam ir
bem popularmente, mas politicamente não. O Governo demora demais, aos
olhos de muitos, gozando de seus poderes discricionários e excepcionais. Essa
concentração de poderes faz emergir disputas entre os variados setores que
compõem a coalização revolucinária.
18 de novembro de 1930. É expedido pelo Chefe do Governo Provisó-
rio Getúlio Dornelles Vargas (RS) o Decreto nº 19.408, que “institue a Ordem
dos Advogados do Brasil”. Decreto referendado pelo Ministro da Justiça e Ne-
gócios Interiores Oswaldo Euclides de Souza Aranha (RS).
27 de maio de 1931. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório
Getúlio Dornelles Vargas (RS) o Decreto nº 20.047, que “regula a execução dos
serviços de radiocomunicações no território nacional”. O artigo 12 define a radio-
difusão como serviço de interesse nacional e de finalidade educacional. Auto-
riza o Governo a promover a unificação dos serviços de radiodifusão, no sen-
tido de constituir uma rede nacional, prevendo a retransmissão simultânea,
pelas estações, de programas nacionais, e , isolada ou simultaneamente, pro-
gramas regionais. O Decreto nº 21.111, de 1º de março de 1932, “aprova o
regulamento para a execução dos serviços de radiocomunicações no território nacio-
nal”, onde o artigo 69 deixa claro que o “programa nacional é destinado a ser
ouvido, ao mesmo tempo, em todo o território do país, em horas determinadas, e versará
sobre assuntos educacionais, de ordem política, social, religiosa, econômica, financeira,
científica e artística, obedecendo à orientação que for estabelecida de acordo com o
disposto neste regulamento”. O plano e a fiscalização dos serviços de radiodifu-
são competem ao Ministério da Viação e Obras Públicas, cabendo ao Serviço
de Publicidade da Imprensa Nacional a execução do programa nacional. O
Decreto nº 24.655, de 11 de julho de 1934, “dispõe sobre a concessão e a execução
dos serviços de radiodifusão e dá outras providências”. O artigo 2º determina que
“a rede nacional de radiodifusão será constituída pelas estações existentes e pelas que
vierem a ser instaladas, ficando a sua direção a cargo do Departamento dos Correios e
Telégrafos”. O artigo 5º torna “obrigatória a retransmissão do programa nacional

Sem título-3 373 7/5/2004, 10:21


374 Casimiro Neto

pelas estações das concessionárias e permissionárias”, gerado por estação escolhida


por determinação do Governo Federal. O artigo 9º dispõe que “enquanto não
for instituído o Departamento de Publicidade e Difusão Cultural, para cuja organiza-
ção fica o governo autorizado; o Programa Nacional continua a ser executado pelo
Serviço de Publicidade da Imprensa Nacional”. É o embrião do futuro Departa-
mento de Imprensa e Propaganda (DIP), a ser criado em 1939. Com isso é
instituído “A Hora do Brasil”, que anos mais tarde passaria a denominar-se
“Voz do Brasil”. O Decreto-Lei nº 1.915, de 27 de dezembro de 1939, “cria o
Departamento de Imprensa e Propaganda e dá outras providências” diretamente
subordinado ao Presidente da República. Entre outros encargos, tem por fim
centralizar, coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional, in-
terna e externa, e servir, permanentemente como elemento auxiliar de infor-
mação dos ministérios e entidades públicas e privadas, na parte que interessa
à propaganda nacional e fazer a censura. O artigo 19 determina que “todos os
serviços de propaganda e publicidade dos ministérios e quaisquer departamentos e esta-
belecimentos da administração pública federal, ou de entidades autárquicas criadas
por lei, serão feitos pelo D.I.P. com o qual aqueles órgãos manterão ligação permanen-
te”. O Decreto-Lei nº 1.949, de 30 de dezembro de 1939, “dispõe sobre o exercí-
cio de atividades de imprensa e propaganda no território nacional e dá outras provi-
dências”. O artigo 1º determina que as atividades de imprensa e propaganda
exercidas no território nacional serão fiscalizadas pelo Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP). O Decreto-Lei nº 7.582, de 25 de maio de
1945, “extingue o Departamento de Imprensa e Propaganda e cria o Departamento
Nacional de Informações”.

19 de janeiro de 1932. Renasce o Partido Republicano Paulista.

25 de janeiro de 1932. São Paulo. Cem mil pessoas participam de um


comício, na Praça da Sé, reivindicando a convocação de uma Assembléia
Nacional Constituinte conforme as promessas do Chefe do Governo Provi-
sório Getúlio Dornelles Vargas (RS) e o restabelecimento da autonomia dos
estados.

16 de fevereiro de 1932. É criada a Frente Única Paulista, que inclui o


Partido Democrático, o Partido Republicano Paulista e a Liga de Defesa
Pública.

24 de fevereiro de 1932. Com o intuíto de acalmar os grupos políticos


que exigem o regresso ao regime constitucional é expedido pelo Chefe do
Governo Provisório Getúlio Dornelles Vargas (RS) o Decreto nº 21.076, que
“dispõe sobre o Código Eleitoral”. Entre outros atos, institue-se a Justiça Eleito-
ral, distinta da justiça comum, que é instalada no dia 20 de maio com o nome
de Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, com os tribunais regionais em cada
capital e os juízes singulares nas comarcas. Passa a ser responsável por todos
os trabalhos eleitorais: alistamento, organização da mesas, apuração dos vo-

Sem título-3 374 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 375

tos, reconhecimento e proclamação dos eleitos e com isso retira das assem-
bléias a fiscalização das eleições. Regula as eleições federais, estaduais e mu-
nicipais além de instituir a representação proporcional. Institue o sufrágio
direto, secreto e universal. Concede o direito de voto aos maiores de 18 anos
e o direito das mulheres votarem e serem votadas que elege a primeira parla-
mentar brasileira, a nível federal, a Deputada Constituinte Carlota Pereira de
Queiróz (SP).
Observadas as prescrições deste decreto, a composição da Assembléia
Constituinte deverá ser de 254 deputados eleitos e 40 deputados classistas –
representação profissional –, composta de representantes de empregados,
empregadores, profissionais liberais e funcionários públicos, observadas as
prescrições do Decreto nº 22.653, de 20 de abril de 1933.
Denominada de “a carta de alforria do povo brasileiro”, a adoção deste
código incorpora significativos avanços como a instituição de uma Justiça
Eleitoral independente de injunções políticas; a adoção da representação
proporcional e da cédula oficial e única nas eleições majoritárias; o registro
dos partidos políticos e a volta à unidade nacional em matéria eleitoral.
O sistema de distritos eleitorais é abandonado e nunca mais faz parte
da legislação, apesar de várias tentativas ao longo das décadas seguintes, e
mesmo com a justificativa dos proponentes de que o voto distrital tem sido
adotado nos países em que a tradição do governo representativo alcançou maior
maturidade. Sendo o voto a base da representação política, quanto mais próxi-
ma ao eleitor se tornar a escolha do seu candidato, maior será a possibilidade
de um resposta positiva frente aos interesses daquele que o elegeu.

21 de março de 1932. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório


Getúlio Dornelles Vargas (RS) o Decreto nº 21.175, que “institui a carteira
profissional”.

14 de maio de 1932. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório


Getúlio Dornelles Vargas (RS) o Decreto nº 21.402, que “fixa o dia tres de maio
de 1933 para a realização das eleições a Assembléa Constituinte e crea uma commissão
para elaborar o ante-projecto da Constituição”, que na comissão devem estar “(...)
representadas as correntes organizadas de opinião e de classe, a juízo do Chefe do
Governo” e fixa “as eleições á Assembléa Constituinte se realizarão no dia 3 de maio de
1933, observados o decreto n. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, e os que, em com-
plemento delle, foram ou vierem a ser expedidos pelo Governo”. Segundo ato convo-
catório da Assembléia Constituinte. A esse respeito ver também os outros atos
convocatórios da Assembléia Constitunte: Decreto nº 19.398, de 11 de no-
vembro de 1930; o Decreto nº 22.621, de 5 de abril de 1933; o Decreto
nº 22.653, de 20 de abril de 1933, e o Decreto nº 23.102 de 19 de agosto de
1933.
23 de maio de 1932. Cresce o movimento de oposição ao regime de
Getúlio Dornelles Vargas (RS). Manifestações em São Paulo exigem o retorno

Sem título-3 375 7/5/2004, 10:21


376 Casimiro Neto

à autonomia estadual. À noite ocorrem choques entre os manifestantes e


membros da Legião Revolucionária (transformada em Partido Popular Pro-
gressista, sob a liderança de Miguel Costa). Morrem os estudantes Martins,
Miragaia, Dráusio e Camargo. Nota-se o clima de guerra civil na capital
paulista. As iniciais de seus “nomes-de-guerra” passam a compor a sigla
M.M.D.C., estandarte do movimento constitucionalista.

9 de julho de 1932. Noite. Explode a “Revolução Constitucionalista” em


São Paulo. O comando militar dos revoltosos é formado pelo General Isidoro
Dias Lopes, com assistência do Coronel Euclides de Figueiredo, e pelo Gene-
ral Bertoldo Klinger, que veio do Estado do Mato Grosso à frente de um
contingente de tropas. A liderança civil cabe à Liga de Defesa Paulista, na
qual se incluem diversos agrupamentos cívicos, entre os quais o M.M.D.C.
O Governador Pedro Toledo adere à revolução e o movimento armado
levanta todo o Estado pela reconstitucionalização do País e pela cessação da
interferência federal em São Paulo. A Força Pública se une ao Exército aquar-
telado em São Paulo, enquanto se formam batalhões de voluntários. Com a
intensa repercussão em todo o Estado, a mobilização se faz com entusiasmo,
bem como a campanha do “ouro para o bem de São Paulo”. A população é con-
vocada a contribuir com jóias e adornos de metais preciosos. São mobilizados
todos os recursos morais, técnicos e industriais.
No interior do Estado o engajamento cívico é exemplo dos mais notá-
veis. No dia 11 de julho o jornal “A Notícia”, da cidade de São José do Rio
Preto – interior do Estado de São Paulo –, em edição extraordinária, destaca:
“São Paulo dá ao Brasil o mais bello exemplo de civismo, levantando-se, uno, fremente
de amor pátrio, pela constitucionalização immediata do país”.
A participação da mulher é um dos traços mais marcantes e singulares
desta revolução, não se limitando só a discursos, assinaturas, palavras can-
dentes, trabalhos nas oficinas de costura e hospitais. Há, inclusive, casos de
mulheres que combatem na linha de fogo, como a professora rural Maria
Iguassiaba. A médica Carlota Pereira de Queiróz participa ativamente junto
com a Cruz Vermelha paulista na organização de um grupo de 700 mulheres
para dar assistência aos feridos. O trem blindado, o capacete de aço e a ma-
traca são os símbolos do levante paulista. O Governo Provisório reage atacan-
do os paulistas pelo Sul e no vale do Paraíba, enquanto a Marinha bloqueia o
litoral. O Estado de São Paulo fica sozinho, sem contar com o esperado apoio
dos Estados do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. A luta armada dura três
meses. Relatadas, também, pelos meus pais, tios e avós, ficam para a história
as famosas “Capturas” – policiais do governo que embrenhavam-se pelos síti-
os e fazendas do interior paulista em busca de homens e jovens para reforçar
as fileiras de combatentes –, e as “matracas” (instrumentos de madeira que
acionadas imitavam o barulho de metralhadoras), que, na falta de armamen-
tos para todos os soldados que desejavam participar dos combates, serviam
pelo menos para assustar as tropas inimigas. Acossado por todos os lados, o

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A Construção da Democracia 377

Estado é derrotado pelo esgotamento de seus recursos. Em 28 de setembro a


revolução chega ao fim e as hostilidades são suspensas em 1º de outubro de
1932, sendo os chefes revolucionários presos e desterrados para a Europa.
Apesar da repercussão política do movimento e das mortes em comba-
te, a data fixada para a convocação da Assembléia Constituinte não é altera-
da, mas traduziu-se, sem dúvida, em um elemento de pressão para que a
mesma se cumprisse.
Com a eclosão da “Revolução Constitucionalista” é retardado o início dos
trabalhos da comissão encarregada de elaborar o anteprojeto da Constitui-
ção, e um novo decreto, de nº 22.040, expedido em 1º de novembro de 1932,
“regula os trabalhos da commissão encarregada de elaborar o ante-projecto da futura
Constituição Brasileira”. O Presidente da “Grande Comissão” e Ministro da Justi-
ça, Francisco Antunes Maciel Júnior (RS), designa para presidir a subcomis-
são o Ministro das Relações Exteriores, Afrânio de Mello Franco (MG). A
comissão é composta por outros grandes nomes como Joaquim Francisco de
Assis Brasil (RS), Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (MG), João Mangabeira
(BA), Oswaldo Euclides de Sousa Aranha (RS) e Oliveira Viana. O jurista
Carlos Maximiliano Pereira dos Santos (RS) é o Relator-Geral. As reuniões da
“Commissão Constitucional” acontecem, inicialmente, na casa de Afrânio de Mello
Franco (MG), passando depois para o Palácio do Itamaraty, e daí ser denomi-
nado de “Subcomissão do Itamaraty”. Inicia-se a primeira reunião no dia 11 de
novembro de 1932, às 21 horas. São realizadas 51 sessões até o dia 5 de maio
de 1933, encerrando os trabalhos, neste dia, às 16 horas e 30 minutos. Todas as
sessões são publicadas no Diário Oficial. Na leitura dessas atas nota-se o rigor
da análise, o detalhamento das matérias e o excelente nível de discussão.

7 de outubro de 1932. O jornalista Plínio Salgado lança as bases da


Ação Integralista Brasileira (AIB). Ficou conhecido como o “Manifesto de Outu-
bro”. De tendência nacionalista-cristã em contraposição à “Doutrina Marxista”, é
dirigido à “Nação, ao operariado do País e aos sindicatos de classe, aos homens de
cultura e pensamento, á mocidade das escolas e das trincheiras e ás classes armadas”.
Chefiada pelo jornalista Plínio Salgado e Gustavo Barroso, intelectuais
direitistas, o movimento inicia no Brasil uma intensa pregação nacionalista e
patriótica contra o colonialismo e o comunismo. Desfere violentos ataques ao
liberalismo burguês e ao socialismo. Combatendo os trustes internacionais e
o imperialismo, defende o monopólio estatal do petróleo e as riquezas natu-
rais. Prega um estado ditatorial e nacionalista que promova a “regeneração
nacional” baseada no lema “Deus, Pátria e Família”. Declaram que “o integralismo,
com a mente voltada para Deus, visa aos interesses supremos da Pátria e á unidade da
nação, anseios esses profundamente arraigados no seio da família brasileira, além da
implantação do princípio da autoridade e o ideal de justiça humana”.
Como os nazistas alemães e fascistas italianos tem uniformes, símbolos
e saudações. Com a finalidade de se identificar, os integralistas usam como
meio de saudação erguer o braço direito na vertical, pronunciando a palavra

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378 Casimiro Neto

“Anauê”, em sinal de paz e amizade. Saudação tirada e copiada dos índios


brasileiros que significa “Sou teu amigo”, diferente dos nazistas e fascistas que
levantavam o braço à moda romana. O uniforme usado é a “camisa verde” com
o sigma grego que parece um “E” como logotipo do partido, com a intenção
de implantar disciplina consciente, deveres e obrigações aos seus adeptos.
Conta com o apoio da classe média, dos latifundiários e de grandes capitalis-
tas. A ele aderem numerosos elementos do clero católico, da política e tem
adesão em massa de membros das Forças Armadas ao longo da década. Pro-
movem passeatas, manifestações e ataques armados, especialmente contra os
comunistas. Fundação de núcleos de educação cívica e assistência social. Ali-
mentam o sonho de atingir o poder com o apoio do Presidente da República
Getúlio Dornelles Vargas (RS).
9 de dezembro de 1932. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório
Getúlio Dornelles Vargas (RS) o Decreto nº 22.194. Após uma extensa expo-
sição de motivos, determina que “ficam suspensos por três anos os direitos políticos
dos que se acharem incluidos em qualquer dos dispositivos enumerados nos paragrafos
seguintes (quatorze itens), entre os quais estão: “todos os membros do Governo da
União, depostos pela revolução de outubro de 1930, do vice-presidente do Senado e dos
presidentes e vice-presidentes da Camara; todos os membros dos Governos dos Estados,
que, solidarios com aquêle, lhe prestaram auxilio material ou politico para combater o
referido movimento, pelo qual se manifestava de modo inequivoco a vontade da Nação;
todos os ex-deputados e ex-senadores, que assinaram pareceres anulando os diplomas
dos deputados e do senador legitimamente releitos pelo Estado da Paraíba, na eleição
federal de 1930; todos os ex-deputados que assinaram o parecer depurando os quatorze
deputados legitimamente eleitos pelo Estado de Minas Gerais, na mencionada eleição
federal; todos os que foram reconhecidos por essa ocasião, apezar de não eleitos, depu-
tados pelos Estados da Paraíba e de Minas Gerais, assim como o reconhecido senador
por aquele Estado; todos os membros do governo rebelde do Estado de São Paulo e dos
da sua primeira Junta Governativa; dos que, no Estado de Mato Grosso, fizeram parte
da administração creada pelo govêrno rebelde de São Paulo articular a rebelião nos
dois Estados, realizando-se por êsse meio o objetivo, anunciado pelo dito Govêrno, de
incorporar á sua Jurisdição o território de Mato Grosso”. Grifado pelo compilador. Se-
gue um extenso arrazoado tratando do assunto.

5 de abril de 1933. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório Ge-


túlio Dornelles Vargas (RS) o Decreto nº 22.621, que “dispõe sobre a convocação
da Assembléa Nacional Constituinte; aprova o seu Regimento Interno; prefixa o número
de deputados á mesma e dá outras providências”. Terceiro ato convocatório da
Assembléia Constituinte. A esse respeito ver também os outros atos convoca-
tórios da Assembléia Constitunte: Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de
1930; Decreto nº 21.402, de 14 de maio de 1932; o Decreto nº 22.653, de 20
de abril de 1933 e o Decreto nº 23.102 de 19 de agosto de 1933.
20 de abril de 1933. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório

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A Construção da Democracia 379

Getúlio Dornelles Vargas (RS) o Decreto nº 22.653, que “fixa o número e estabe-
lece o modo de escolha dos representantes de associações profissionais que participarão
da Assembléa Constituinte”. A esse respeito ver também os outros atos convoca-
tórios da Assembléia Constitunte: Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de
1930; Decreto nº 21.402, de 14 de maio de 1932 e o Decreto nº 23.102 de 19
de agosto de 1933.
3 de maio de 1933. São realizadas as eleições para a Assembléia Nacio-
nal Constituinte, em plena vigência da primeira “Ditadura Vargas”, estando
suspensos os direitos políticos de todos os membros do Governo da União
depostos pelo movimento revolucionário; suspensos, igualmente, os direitos
políticos de todos os membros dos governos dos Estados; os de todos os ex-
deputados e ex-senadores. Enfim, suspensos os direitos de todos que se achas-
sem compreendidos nas malhas do Decreto nº 22.194, de 9 de dezembro de
1932.

19 de agosto de 1933. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório


Getúlio Dornelles Vargas (RS) o Decreto nº 23.102, que “convoca a Assembléa
Nacional Constituinte”. Último ato convocatório para a instalação da Assem-
bléia Constituinte. A esse respeito ver também os outros atos convocatórios
da Assembléia Constitunte: Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930;
Decreto nº 21.402, de 14 de maio de 1932; o Decreto nº 22.621, de 5 de abril
de 1933 e o o Decreto nº 22.653, de 20 de abril de 1933.
10 de novembro de 1933. 14 horas. Palácio Tiradentes. Plenário. Presi-
dência do Ministro Hermenegildo de Barros, Presidente do Tribunal Supe-
rior de Justiça Eleitoral, que dirige a primeira sessão preparatória da Assem-
bléia Nacional Constituinte para receber os diplomas, classificá-los e presidir
a sessão de eleição do Presidente da Casa. Com esta missão o ministro justifi-
ca a sua presença: “Srs. Representantes do Povo Brasileiro na Assembléia Nacional
Constituinte.
Antes de dar início ao trabalho das Sessões Preparatórias, devo justificar a mi-
nha presença nesta Casa e consequente ocupação desta cadeira.
Magistrado, exclusivamente Magistrado, por espaço de quasi meio século, sem
nunca ter exercido função de outra natureza, parecerá, talvez, extranho que me encon-
tre, neste momento, no fim da minha carreira judiciária, no desempenho de uma fun-
ção política, embora de caráter provisório e de duração, apenas, de algumas horas.
Aquí estou, Senhores, em obediência a um preceito do vosso Regimento e, ainda,
para corresponder á gentileza da homenagem que o ilustre Sr. Ministro da Justiça quis
prestar ao Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, que tenho a honra de presidir.
Quando S. Ex. teve a lembrança dessa homenagem, um dos órgãos mais autori-
zados da imprensa desta Capital, “A Vanguarda”, que, aliás, me distingue com sua
estima e simpatia, a que sempre sou profundamente reconhecido, – “A Vanguarda”
observou que as Sessões Preparatórias não deviam ser presididas por mim, na qualida-
de de Presidente do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, mas por um de vós, por um

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380 Casimiro Neto

dos eleitos do Povo, á semelhança do que se praticara em 1890, quando o Senado e a


Camara dos Deputados de então aclamaram seus Presidentes interinos os Drs. Joa-
quim Felício dos Santos e Antônio Gonçalves Chaves. Mas, Senhores, a situação era
diferente; o sistêma agóra adotado é inteiramente diverso, Naquêle tempo, era natural
que o Senado e a Camara dos Deputados fossem presididos por eleitos de sua confiança,
porque êles tinham de nomear as comissões verificadoras de poderes, e vós sabeis que
dessas comissões dependia, em grande parte, a derrota ou a vitória dos candidatos.
Não raro, acontecia que eram reconhecidos os não eleitos e deixavam de ser
reconhecidos os eleitos.
Os fatos são de ontem, e eu não teria necessidade de os relembrar.
Agora, porém, a Camara dos Deputados não verifica poderes de seus membros;
não nomeia comissões verificadoras desses poderes. Os diplomas são expedidos pelos
Tribunais Regionais, com recurso voluntário para o Tribunal Superior Eleitoral, que
será competente para dizer, a respeito, a ultima palavra.
Por outro lado, não estou aqui no desempenho de função de que dependesse o
reconhecimento ou o não reconhecimento de vosso direito. Minha missão aqui é muito
simples. Consiste, apenas, em receber os diplomas, dar-lhes o destino conveniente e
presidir á eleição do vosso Presiente efetivo.
(...) Desempenho, Senhores, esta função sem constrangimento, em paz completa
com a minha consciência de juiz, não só porque, como acabei de dizer, a função não tem
importancia política, como porque estou convencido de que o Regimento, que me deu
essa atribuição, de modo nenhum atentou contra vossa independência, contra vossa
soberania – independência e soberania que ninguém melhor do que eu saberia respei-
tar e acatar”. Grifado pelo compilador.
Junto com os outros representantes, toma posse a primeira mulher elei-
ta Deputada Constituinte, a médica Carlota Pereira de Queiróz (SP). Partici-
pante ativa durante a “Revolução Constitucionalista de 1932” no Estado de São
Paulo, junto com a Cruz Vermelha paulista organizou um grupo de 700 mu-
lheres para dar assistência aos feridos.
Tem início os preparativos para a 3ª Assembléia Nacional
Constituinte que encerra os trabalhos legislativos no dia 20 de ju-
lho de 1934.
12 de novembro de 1933. Plenário. É eleito o Deputado Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada (MG) para Presidente da Assembléia Nacional Consti-
tuinte que, em sua fala de agradecimento, exorta os Constituintes: (...) Para só
me referir aos momentos históricos equivalentes ao que transcorre, ouso rememorar os
famosos dias da Assembléia Constituinte de 1823 e da Assembléia Constituinte de 1891.
Ali, o sentimento patriótico incendiado até ao heroismo; aqui, o trabalho sereno de
homens esclarecidos organizando, com o conhecimento de suas responsabilidades, a
democracia e a federação. De um e de outro transe, maior surgiu o Brasil, maior pela
bravura e civismo dos seus filhos, maior pela cultura moral e política. As figuras que,
no meio ilustre de uma e de outra Assembléia, lograram sobrelevar ás demais, têm os
seus nomes ainda hoje circundados, e o terão sempre, pelo hálo da admiração nacional

Sem título-3 380 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 381

ininterrupta.
Tenhamos a justa ambição de nos igualar aos grandes homens dessa época, uns,
creadores e organizadores da Pátria; outros, creadores e organizadores das instituições
republicanas!
Ponhamos o máximo das nossas energias, das nossas mais vivas e poderosas
energias, nestes dias que se vão seguir, ao serviço único dos ideais de civilização e de
progresso, que animam o povo glorioso de que somos representantes!
Por fim, senhores, empenhemos os maiores esforços de que formos capazes, sempre
nos inspirando no mais puro patriotismo, para que esta outra Assembléia Constituinte,
tambem passe á posteridade, ostentando, como brazão imortal, a gloria de haver votado
uma Constituição Política que ficou sendo o fator máximo da grandeza e da prosperi-
dade do Brasil”. Grifado pelo compilador.
15 de novembro de 1933. 14 horas. Plenário. Sessão Solene de Instala-
ção da Assembléia Nacional Constituinte. O Chefe do Governo Provisório
Getúlio Dornelles Vargas (RS) comparece ao Plenário e faz a leitura de sua
mensagem sob “prolongada salva de palmas e movimento geral de atenção”. Pela
primeira vez na história da República, um chefe de Governo, pessoalmente,
presta contas dos seus atos em sessão solene no Parlamento. Após a leitura de
sua mensagem, a sessão é encerrada às 15 horas e 30 minutos.
16 de novembro de 1933. 11 horas. Sessão Especial para eleição da
Comissão Constitucional. Composta de 26 membros, tem como missão dar
parecer sobre o “Anteprojeto de Constituição” elaborado pela “Subcomissão do
Itamaraty” e sobre as emendas ao mesmo oferecidas no Plenário da Assem-
bléia Nacional Constituinte.
A primeira reunião de instalação acontece nesse mesmo dia às 17 horas.
Nesta, são eleitos os Constituintes Carlos Maximiliano Pereira dos Santos
(RS), Presidente da Comissão Constitucional; Levi Fernandes Carneiro, pre-
sidente da Ordem dos Advogados (eleito pela Representação Profissional das
Profissões Liberais), Vice-Presidente; e Raul Fernandes (RJ) como Relator-
Geral. Na indicação destes o Constituinte Francisco Solano Carneiro da Cunha
(PE) diz: “(...) O Sr. Carlos Maximiliano foi parte magna na organização do Ante-
projeto remetido pelo Govêrno Provisório e é grande figura do Direito Constitucional
brasileiro; o Se. Levi Carneiro foi um dos autores do decreto que limitou os poderes
dêsse Govêrno e o Sr. Raul Fernandes é um dos nomes mais acatados do nosso Direito
Político”.
Iniciados os trabalhos, estudou a Comissão Constitucional em oito reu-
niões plenárias e 27 reuniões de uma subcomissão, por ela mesma nomeada,
o “Anteprojeto de Constituição” oferecido à Assembléia Nacional Constituinte
pelo Governo Provisório, e as 1.239 emendas apresentadas no Plenário. Das
suas deliberações resultou um “Projeto Substitutivo”, no qual se fundiram as
disposições do “Anteprojeto de Constituição” aceitas e inúmeras emendas, sendo
introduzidos muitos textos da iniciativa da própria Comissão. Ao final, no dia
8 de março de 1934, em conclusão aos trabalhos, submetem à consideração

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382 Casimiro Neto

da Assembléia Nacional Constituinte o “Parecer e Substitutivo da Comissão Cons-


titucional ao AnteProjeto de Constituição e ás emendas apresentadas em primeira dis-
cussão”. Tendo sido publicado, com incorreções, este substitutivo foi
republicado no dia 11 de março. Na sessão do dia 13 é votado em primeiro
turno e na sessão de 15 foi ordenado que se publicasse para a discussão e
redação definitiva.
Esta Assembléia Nacional Constituinte é formada por um corpo virtual-
mente insubmisso ao Governo Federal. A volta à democracia é um sonho
acalentado e precisa ser concretizado. São oito meses de discussão, debates e
de elaboração da nova Carta Constitucional.
Logo nos primeiros dias a moção do Deputado Antônio de Garcia
Medeiros Neto (BA), pela qual a Assembléia Constituinte ratificava os poderes
discricionários do Governo Provisório, causa polêmica e é muito combatida.
O trabalho desenvolvido pelos constituintes, em função do alto nível de
seus membros, dos acirrados debates travados e perpetuados nos “Annaes da
Assembléa Nacional Constituinte”, acabou por traduzir-se em fonte de grande
significação jurídica, de alto valor científico. Fonte de permanente consulta
dos Deputados Constituintes de 1946.

10 de julho de 1934. É expedido pelo Chefe do Governo Provisório


Getúlio Dornelles Vargas (RS) o Decreto nº 24.645, que “estabelece medidas de
proteção aos animais”.

14 de julho de 1934. Sábado. Neste dia o suplemento do Diário Oficial


da União traz publicado os últimos (numerosos) decretos assinados pelo Chefe
do Governo Provisório Getúlio Dornelles Vargas (RS).

16 de julho de 1934. 14 horas. Plenário. Sessão solene. Presidência do


Deputado Antonio Carlos Ribeiro de Andrada (MG). Presença de 249 e au-
sência de 5 Deputados Constituintes. Assinatura e promulgação da nova “Carta
Constitucional”.
Logo em seguida o Presidente da Assembléia Nacional Constituinte,
Deputado Antonio Carlos Ribeiro de Andrada (MG) pronuncia as seguintes
palavras: “A Constituição está assignada pela Mesa da Assembléa e pelos Srs. Depu-
tados presentes.
Meus senhores! Dominado pelo mais intenso jubilo e possuido das mais firmes
esperanças, cumpro o grato dever, nesta hora sacratissima da Patria, de congratular-
me com a Nação Brasileira e com a Assembléa Nacional Constituinte, por este aconte-
cimento de rara magnitude e de tão excepcional relevancia para o presente e para os
destinos do Brasil.
Sinto-me feliz, porque tocamos, venturosamente, ao termino dos nossos traba-
lhos, havendo conseguido dotar a Patria de um Codigo Politico á altura da sua civili-
zação, digno dos luminosos destinos de um povo livre e com a precisa capacidade para
abrir ao Brasil novos e largos horizontes de cultura e de progresso.

Sem título-3 382 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 383

Animam-se as mais fundadas esperanças, porque confio em que a Nação Brasilei-


ra, sob o influxo do mais ardente civismo, saberá infundir alma e vida aos textos em que
firmámos os seus direitos e porque confio em que aquelles a quem caberá a honra de
executar esta Lei Magna saberão destinar a essa nobre tarefa o melhor das suas atitudes.
Com estas palavras, meus senhores, julgo exprimir, enthusiasticamente, os senti-
mentos e os votos que me dominam neste grande instante da vida nacional”.
Em seguida é apresentado, colocado a votos e aprovado, por aclama-
ção, o artigo único do projeto de resolução que “em homenagem á data da pro-
mulgação da Constituição Brasileira, o dia 16 de julho de cada anno será feriado
nacional em todo o territorio da República”. A sessão encerra-se às 18 horas e 5
minutos. Terceira Constituição brasileira e segunda da República. Sofre in-
fluência de outras constituições da época e, dentro da mesma linha da Carta
mexicana de 1917, das Constituições de Weimar, de 1919 e a da Espanha, de
1931. É o nosso primeiro documento constitucional a fugir do esquema de
estabelecer, somente, uma organização limitativa do poder e com isso, ao
sepultar a velha democracia liberal, institui a democracia social, cujo
paradigma é a Constituição alemã de Weimar, de 1919.
As principais alterações são: a) quanto à forma: 1) introdução do nome de
Deus no preâmbulo; 2) incorporação ao texto de preceitos de Direito Civil, de
Direito Social e de Direito Administrativo; 3) multiplicação dos títulos e capítu-
los, ficando a Constituição com mais do dobro de artigos que tinha a de 1891;
b) quanto à substância: 1) reforço dos vínculos federais; 2) poderes independen-
tes e coordenados entre si; 3) sufrágio feminino e secreto; 4) O Poder Legisla-
tivo é exercido pela Câmara dos Deputados com a colaboração do Senado Fe-
deral. Dá-se o rompimento com o bicameralismo, deixando as atividades
legislativas a cargo da Câmara dos Deputados. Ao Senado cabe prover a coor-
denação dos poderes, manter a continuidade administrativa e velar pela Cons-
tituição; 5) os ministros de Estado, com responsabilidade pessoal e solidária
com o Presidente da República e obrigados a comparecer ao Congresso para
prestarem esclarecimentos ou pleitearem medidas legislativas; 6) a Justiça Mi-
litar e Eleitoral, como órgãos do Poder Judiciário; 7) o Ministério Público, o
Tribunal de Contas e os Conselhos Técnicos, coordenados em Conselhos Ge-
rais, assistindo os ministros de Estado, como órgãos de cooperação nas ativida-
des governamentais; 8) conquistas sociais com as normas reguladoras da or-
dem econômica e social, da família, educação e cultura, dos funcionários
públicos, de segurança nacional e da Previdência Social. Determina a transfe-
rência da Capital da União para um ponto central do Brasil. Às garantias indi-
viduais acrescenta-se o instituto do “Mandado de Segurança” e a “Ação Popular”.
Atendendo as mais legítimas preocupações com os direitos sociais o ar-
tigo 121 declara: “A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições
do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e
os interesses econômicos do País”. Os paragráfos deste artigo deixam claro que a
legislação do trabalho deverá observar preceitos que visem melhorar as con-
dições do trabalhador.

Sem título-3 383 7/5/2004, 10:21


384 Casimiro Neto

Adota ao lado da representação política tradicional, eleita por sufrágio


universal e direto, a representação das corporações trabalhistas no Legislati-
vo, eleita por sufrágio indireto. Instrumento circunstancial que reflete os an-
tagonismos, as aspirações e os conflitos da sociedade. Representa um com-
promisso diante das diversas forças que protagonizaram os diversos
movimentos e eventos políticos que a antecederam. A curta duração que teve,
três anos e três meses, não deve ser explicada por defeitos que trazia em si,
mas, em verdade, pela radicalização do clima social de então. Com o contur-
bado quadro político da época, agitado, ainda, por ideologias importadas do
exterior, tanto a extrema direita quanto a extrema esquerda tornaram inviável
a sua plena aplicação, gerando condições para que se tornasse possível o
golpe de 1937.
O artigo 112, item 1, alínea “a”, declara que são inelegíveis, em todo o
território da União: o presidente da República, os governadores, os interven-
tores, o prefeito do Distrito Federal, os governadores dos Territórios e os
ministros de Estado, até um ano depois de cessadas definitivamente as res-
pectivas funções, deixando claro que não se desejava permitir que ocupantes
de cargos do Poder Executivo pudessem influir na escolha de seus sucessores.
É proibida a reeleição do presidente da República.
Não está prevista a eleição do vice-presidente da República. O art. 52,
§ 8º, determina que “em caso de vaga no último semestre do quadriênio, assim como
nos de impedimento ou falta do Presidente da República, serão chamados sucessiva-
mente a exercer o cargo o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e
o da Corte Suprema”. Como substituto legal o Presidente da Câmara, Depu-
tado Antonio Carlos Ribeiro de Andrada (MG), vai exercer a Presidência da
República durante a viagem do titular ao Uruguai e à Argentina, no período
de 16 de maio a 8 de junho de 1935.
Quanto ao Poder Legislativo estadual, é previsto um legislativo esta-
dual unicameral com o nome de Assembléia Legislativa, composta por depu-
tados estaduais, eleitos por sufrágio universal e direto, e deputados classistas,
isto é, representantes das organizações profissionais, eleitos por sufrágio
indireto.
O Congresso Nacional abrirá seus trabalhos a 3 de maio de cada ano,
cada Legislatura durando quatro anos e cada sessão legislativa seis meses.
Noventa dias depois de promulgada a Constituição, deverão ser realiza-
das as eleições dos membros da Câmara dos Deputados e das Assembléias
Constituintes dos Estados.
O Jornal “O Estado de São Paulo” dá a exata dimensão da grandiosidade
e do cerimonial da ocasião e destaca em sua manchete: “A SOLENNIDADE
DA PROMULGAÇÃO DA NOVA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA – A solennidade
da promulgação da nova Constituição, hoje realisada, revestiu-se de excepcional im-
portancia.
Os trabalhos decorreram sob intensa vibração, que cresceu no final da sessão
quando, terminada a assignatura dos autograplhos, o sr. Antonio Carlos declarou

Sem título-3 384 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 385

promulgada a nova Carta, em nome da Assembléia Nacional Constituinte. Palmas e


vivas ao Brasil partiram de todos os pontos do recinto, das tribunas e das galerias
inteiramente repletas.
No recinto, ornamentado de flores, viam-se os varios interventores, neste mo-
mento no Rio, e ministros de Estado. Em poltronas, collocadas em frente à bancada da
imprensa, tomaram assento os srs. Antunes Maciel, ministro da Justiça; Lacerda
Cavalcanti, do Exterior; Juarez Tavora, da Agricultura e Washington Pires, da Edu-
cação; interventores Armando de Salles Oliveira, de S. Paulo; Flores da Cunha, do
Rio Grande do Sul; Juraci Magalhães, da Bahia; Lima Cavalcanti, de Pernambuco;
Benedicto Valladares, de Minas; Martins de Almeida, do Maranhão; e Pedro Ludovico,
de Goyas.
(...) Em frente ao palacio Tiradentes grande multidão permaneceu até ao fim da
solennidade, além da tropa formada para prestar as honras devidas.
(...) Applausos a varias bancadas. Ouviram-se, por varias vezes, durante a
cerimonia da assignatura, salva de palmas e vivas partidos da assistencia.
Verificaram-se essas manifestações ao serem chamados os deputados da Bancada
Paulista, quando foram levantados vivas a São Paulo e ao Brasil; a do Estado do Rio,
de que faz parte o relator geral, sr. Raul Fernandes; a do Rio Grande do Sul e ainda
quando foi pronunciado o nome do sr. Levy Carneiro”.
A PROMULGAÇÃO. A assinatura dos autographos, que se iniciou ás 14 e 40,
terminou ás 17 e 45, sob prolongadas salvas de palmas.
O sr. Antonio Carlos, na presidencia, declara que se vae proceder á decretação e
promulgação da nova Constituiçaõ do paiz e pede que os deputados e toda a assistencia
se ponham de pé, o que se dá após calorosas manifestações de enthusiasmo da assistencia.
(...) Terminada a leitura do preambulo, repetem-se demonstrações de jubilo, ou-
vindo-se prolongadas palmas e vivas ao Brasil.
Fóra é dada, nesse instante, uma salva de vinte e um tiros emquanto a força que
forma junto ao edificio da Assembléa, presta as devidas continencias.
(...) Ao microphone da Radio Club do Brasil, durante a sessão da promulgação
da Constituição, o deputado dr. Alcantara Machado proferiu as seguintes palavras: “A
Bancada Paulista tem consciencia de haver honrado os compromissos que lhe impunha
o seu mandato.
(...) O dia de hoje é um dos grandes dias do calendario paulista. Tanto quanto o
dia 25 de janeiro. Tanto quanto o 7 de setembro. Tanto quanto o 9 de julho. A Consti-
tuição, que acabamos de subscrever, é fruto do sangue que derramastes, voluntarios de
32, das lagrimas que vertestes, mulheres de 32, dos sacrificios que fizestes paulistas de
32. Bemdita sejas minha terra, que continuas a ser, para a gloria tua e felicidade do
Brasil, a sentinella do direito e a trincheira da liberdade”.
Também a senhora Carlota Pereira de Queiroz pronunciou as seguintes pala-
vras: “Ouvindo chamar a Bancada de São Paulo para assignar a Carta Magna, que
a Constituinte de 34 acaba de elaborar, encho-me de enthusiasmo ao pensar que me
cabe a honra de deixar, pela primeira vez, assignalado um nome feminino num docu-
mento de tão alto valor nacional. O coração, vibrando de emoção, só encontra uma
phrase para exprimir a significação desta solenidade; “Viva o Brasil!”.

Sem título-3 385 7/5/2004, 10:21


386 Casimiro Neto

O deputado Abreu Sodré proferiu as seguintes palavras: “São Paulo venceu.


Duvidam? É a pura verdade porque acaba de ser promulgada a nossa Constituição.
Congratulamo-nos, brasileiros”.

17 de julho de 1934. 14 horas. Plenário. Presidência do Deputado An-


tônio Carlos Ribeiro de Andrada (MG). Ordem do Dia. Eleição do Presidente
da República. “O Sr. Presidente – Confere o numero de cedulas encontradas na urna
com o de votantes. Vae-se proceder á apuração dos votos. (Ao serem lidas as primeiras
cedulas há applausos no recinto, nas tribunas e galerias; renovando-se essas manifes-
tações no decorrer da apuração. No momento em que é lida uma cedula contendo o
nome do Sr. Antonio Carlos Ribeiro de Andrada a Assembléa de pé, prorrompe numa
enthusiastica salva de palmas, no que é acompanhada por toda a assistencia.). São
apuradas 248 cedulas, que dão o seguinte resultado: Para Presidente da Republica:
Getulio Dornelles Vargas – 175; Antonio Augusto Borges de Medeiros – 59; Pedro
Aurelio Goes Monteiro – 4; Protogenes Guimarães – 2; Raul Fernandes – 1; Artur
Bernardes – 1; Plinio Salgado – 1; Antonio Carlos Ribeiro de Andrada – 1; Afranio
de Mello Franco – 1; Oscar Weinschenck – 1; Paim Filho – 1; Levy Carneiro – 1.
Total: 248. O Sr. Presidente – Em vista do resultado do escrutinio proclamo Presidente
da Republica, no quadriennio a iniciar-se, o Sr. Dr. Getulio Dornelles Vargas. (Palmas
prolongadas e acclamações enthusiasticas no recinto, tribunas e galerias.)”. O Diário
da Assembléia Nacional Constituinte registra várias declarações de votos. Elei-
ção indireta, escrutínio secreto – na forma do artigo 1º das Disposições Tran-
sitórias –, para o primeiro quadriênio constitucional no período de 20/07/
1934 a 3/05/1938. As eleições para o próximo Presidente da República deve-
riam ocorrer em janeiro de 1938.
Concessão perigosa é a eleição do Presidente da República pela Assem-
bléia Nacional Constituinte, que sem a participação popular e o voto de con-
fiança dos eleitores, assegura a Getúlio Dorneles Vargas (RS) a desejada con-
tinuação no poder e o preparo político esmerado da Constituição fascista de
11 de novembro de 1937.
A esse respeito, no dia 16 de julho de 1934, o Deputado Cincinato Cesar
da Silva Braga (SP) entrega à Mesa memorável discurso que deveria pronun-
ciar, se tivesse havido oportunidade, justificando a atitude da bancada paulista
e expondo os motivos por que a Assembléia Nacional Constituinte deveria se
pronunciar contra a candidatura de Getúlio Dornelles Vargas (RS). Neste pro-
nunciamento destaca-se as seguintes observações: “ Sr. Presidente, a Assembléia
Nacional Constituinte, nesta hora historica, está chegada ao pinaculo de suas
magestaticas f uncções.
Cento e vinte e oito brasileiros, podem entregar ás mãos de um homem os destinos
de 45 milhões de brasileiros durante quatro annos. Nossa responsabilidade assume
agora proporções agigantadas para cada uma de nossas consciencias.
(...) Desejo que, em substituição da candidatura Getulio Vargas, a maioria da
Assembléa adopte um digno candidato, fiel aos postulados da Revolução. A esse candi-
dato quero dar o meu voto, de coração aberto”.

Sem título-3 386 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 387

20 de julho de 1934. 14 horas. Plenário. Sessão solene. Presidência do


Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (MG). Posse do Presidente da
República, Getúlio Dornelles Vargas (RS). Às quinze horas e trinta e cinco
minutos, de acordo com o art. 26 da Constituição Federal, o Presidente da
Assembléia Nacional Constituinte declara encerrados os trabalhos legislati-
vos constituintes para elaboração da nova Carta constitucional.
O jornalista Pedro Noleto detalha que “duas ditaduras, ou dois regimes de
exceção, como prefere o eufemismo político, margeiam o período histórico que se
convencionou chamar de Primeira República, também conhecida como República
‘oligárquica’, ‘do café com leite’ ou ‘dos coronéis’. Inaugurada em novembro de 1889
por um governo provisório, sob um regime ditatorial comandado pelo marechal Deodo-
ro da Fonseca e denominado ‘República da Espada’, ela termina em outubro de 1930,
com o início da primeira ditadura Vargas. Numa esfera pública ainda incipiente, em
que o povo havia testemunhado com passividade a derrubada da monarquia pelos
militares, ressurgem velhos conflitos entre centralização e federalismo”.

Têm início a Segunda República


(16/07/1934 a 10/11/1937)

Sem título-3 387 7/5/2004, 10:21


388 Casimiro Neto

Quadro/Foto nº 20
O Presidente da Assembléia
Nacional Constituinte (1933/1934)
Deputado Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada

Quadro/Foto nº 20/A
O Governo Provisório
(24/10 a 3/11/1930)

Sem título-3 388 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 389

Segunda República
(16/07/1934 a 10/11/1937)

21 de julho de 1934. 14 horas. Plenário da Câmara dos Deputados.


Primeira Sessão Ordinária de acordo com o art. 2º das Disposições Transitó-
rias: “Empossado o presidente da República, a Assembléa Nacional Constituinte se
transformará em Câmara dos Deputados e exercerá cumulativamente as funções do
Senado Federal, até que ambos se organizem nos termos do art.3º, § 1º. Neste intervalo
elaborará as leis mencionadas na mensagem do Chefe do Governo Provisório, de 10 de
abril de 1934, e outras porventura reclamadas pelo interesse público. Na sessão de
24 de julho é eleito o Deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (MG)
para Presidente da Casa. A “Função Ordinária da Assembléia Nacional Consti-
tuinte” dura até 27 de abril de 1935 com a sessão solene de encerramento.

14 de outubro de 1934. São realizadas as eleições gerais destinadas à


constituição do novo Parlamento, das Assembléias Constituintes dos Estados
e da Câmara Municipal do Distrito Federal. Constitui um verdadeiro plebis-
cito a eleição realizada nesse dia. Os direitos políticos já haviam sido restabe-
lecidos.

17 de janeiro de 1935. Plenário. O Deputado Gilberto Gabeira (Repre-


sentação Profissional – Empregados) faz o seguinte pronunciamento: “Sr. Pre-
sidente, Srs. Deputados: Traz-me neste momento á tribuna o desejo de attender a um
appello de companheiros dedicados, daquelles que poderemos chamar de verdadeiros
patriotas, visto como aspiram ver o Brasil, amanhã, uma Nação forte, digna do povo
que a habita.
Attendo, Sr. Presidente, o pedido que me fazem, porque as idéas consubstanciadas
no programma dos meus camaradas estão tambem dentro do meu coração.
Estando de accordo com os principios concretizados no manifesto que redigiram e
sendo eu um legitimo representante das classses trabalhadoras, lerei, na integra, esses
documento, pedindo aos Srs. Deputados a benevolencia de sua attenção, visto como na
hora em que vivemos ha necessidade imperativa de pensarmos no futuro do Brasil.
O programma elaborado por esse grupo de amigos, sinceros e trabalhadores,
intitula-se: “Pela Libertação Nacional do Povo Brasileiro”. Em seguida faz a leitura
do “Manifesto da Alliança Nacional Libertadora do Brasil” e ao final diz: “Ao termi-
nar a leitura deste manifesto, quero fazer um appello a todos os Srs. Deputados, no
sentido de que nelle não vejam um programma politico, mas uma directriz proposta por

Sem título-3 389 7/5/2004, 10:21


390 Casimiro Neto

diversos brasileiros, patriotas como os que mais o forem, afim de que, amanhã, possa-
mos ter um Brasil realmente digno, forte, coheso e respeitado, livres os que o habitam
dos grilhões que os escravizam ao imperialismo estrangeiro – as dividas externas.
Outro objectivo, Sr. Presidente, não tem esse manifesto, suggerindo ao Governo a
desapropriação de todas as empresas estrangeiras e a suspensão dos pagamentos das
dividas externas, como medidas capazes de assegurar a felicidade do povo brasileiro.
Continuaremos a reconhecer as nossas dividas, mas só as pagaremos quando tivermos
perfeitamente organizadas a nossa economia e as nossas finanças.
Faço, pois, um appello a todos os Srs. Deputados, afim de que meditem profunda-
mente nesse manifesto, no qual não se préga qualquer doutrina subversiva, mas tão
sómente se collima a grandeza e a libertação do Brasil no futuro. (Muito bem; muito
bem)”. Grifado pelo compilador.
A Aliança Nacional Libertadora do Brasil (ANL), criada com o apoio
das forças populares de esquerda – principalmente os comunistas –, e de
setores progressistas, conclama à derrubada do governo autoritário de Getúlio
Dornelles Vargas (RS) e à tomada do poder por um governo revolucionário.
Congregando as oposições ao Presidente da República, surge para combater os
integralistas e a direita situacionista. Tendo uma linha discretamente socialista
marxista, opõe-se a todos os totalitarismo de direita, preconizando a criação de
um Estado democrático e popular. Defende uma lista de reformas que incluí o
fortalecimento dos sindicatos, o direito de greve, a nacionalização das empre-
sas estrangeiras, um governo popular, o cancelamento da dívida externa e a
reforma agrária. O crescimento da “Aliança Libertadora Nacional (ANL)”, sob o
comando de Luís Carlos Prestes, incomoda as elites dirigentes e as que sonha-
vam com o poder. O Presidente da República e os militares que o rodeiam,
como o General-de-Divisão Pedro Aurélio de Góis Monteiro (AL), conspiram
para aumentar o poder do Governo, usando, para isso, a “ameaça vermelha”.

1º de fevereiro de 1935. Plenário. O Deputado José Eduardo Prado


Kelly (DF), ao longo de um pronunciamento de aproximadamente 12 pági-
nas, faz extenso e detalhado relatório sobre o projeto de segurança nacional,
que se dizia destinado a defender as instituições, que foi apresentado no dia
26 de janeiro de 1935, de autoria do Deputado João Simplício Alves de Car-
valho (RS) e subscrito por mais 114 deputados.
Em um dos trechos do seu pronunciamento o Deputado José Eduardo
Prado Kelly (DF) dá um alerta: “Está posto perante a Camara, senhor Presidente, o
debate do projecto de segurança nacional. Logo depois de apresentado á Mesa, anteci-
pa os tramites regimentaes de discussão e, por sua relevancia, impõe um turno prévio,
que é o do primeiro contacto com o seu texto, o das primeiras manifestações de censura
ou de applauso. Vivemos uma hora enganadora de impressões immediatas, e os senti-
mentos da Nação se reflectem no espelho de seu parlamento, como deste se irradiam
para ella os conceitos que permittem a rapidez da leitura e a improvização do juizo.
Não será o ambiente propicio á obra serena da dialectica, ao esforço tranquillo da
reflexão, ao balanço imparcial de vantagens e inconvenientes. Não é mesmo o pretorio

Sem título-3 390 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 391

final, em que se decidirá da sorte da iniciativa. É a phase da paixão, bem ou mal


inspirada, da coisa publica, e do atropelo peculiar ás reacções movidas pela tradição
liberal do Paiz. Comtudo, estas circumstancias aconselham, de preferencia, a reserva e
o equilibrio racional, uma tentativa honesta de sinceridade e de coordenação logica.
(...) Hoje será um movimento defensivo, de que não deve recear o Paiz pelo espirito
de benignidade e tolerancia politica do governo central; mas amanhão será, talvez, a
obra prima das tyranias, o instrumento ideal das perseguições partidarias, a arma
traiçoeira do arbitrio, a serviço das colligações olygarchicas, o meio inexcedivel para as
vindictas, as aversões, os odios, as violencias. (Muito bem.)”. Grifado pelo compilador.
Em seguida o Deputado Adolfo Bergamini (DF), pela ordem, faz a se-
guinte denúncia: “Quero, Sr. Presidente, lançar desta tribuna um protesto vehemente
contra as violencias que se praticaram antes mesmo de ser o projecto de Lei de Segu-
rança Nacional considerado pela Camara. Foram presos jornalistas e proletarios da
imprensa.
(...) foram recolhidos pela policia, sem que se possa, decentemente, justificar essa
attitude dos agentes da autoridade.
O Sr. Acurcio Torres – Não parece, assim, que já estamos novamente no regime
da annunciada ditadura?
O Sr. Adolpho Bergamini – Conviria indagar, antes, se conseguimos sahir della
algum momento...
O Sr. Acurcio Torres – Ás vezes, dizem que sim, ás vezes dizem que não.
O Sr. Adolpho Bergamini – Contra o que dizem, contrapõe-se a eloquencia dos factos.
(...) A violencia foi praticada contra aquelles que têm o gesto de civismo de se
rebelar contra a ameaça que paira sobre a Nação, de se lhe agrilhoarem os pulsos e
amordaçar-lhe a consciencia. A violencia foi perpetrada sem explicação legitima e con-
tra ella levanto desta tribuna, o meu vehemente protesto. (Muito bem; muito bem.)”.
Grifado pelo compilador.

29 de março de 1935. Plenário. É aprovada a Redação Final do Projeto


de Lei nº 128-C, de 1935, que “define crimes contra a ordem política e social” –
denominada como“Lei de Segurança Nacional”. É enviado a sanção presiden-
cial. O Projeto de Lei nº 128/35 teve origem no Projeto de Lei nº 78/35 que
“define crimes contra a ordem política, contra a ordem social, estabelecendo as respec-
tivas penalidades e o processo competente e prescreve normas para a cassação de natu-
ralização”, de autoria do Deputado João Simplício Alves de Carvalho (RS),
subscrito por mais cento e quatorze parlamentares. Apresentado no dia 26 de
janeiro de 1935 é enviado no mesmo dia à Comissão de Constituição e Justiça,
onde recebe parecer e substitutivo. Sendo voto vencido, o relator, Deputado
Antônio Augusto Covello (SP), e também o Deputado Adolfo Bergamini (DF),
este, membro da Comissão, apresentam voto em separado e com emendas.
Os autores do projeto original justificam a apresentação da proposição:
“Condição primaria da vida e desenvolvimento dos povos, é a estabilidade das institui-
ções que lhes resultem das tradições e da consciencia civica. Sem estabilidade politica,
não é possivel o trabalho prospero, nem a segurança pessoal de ninguem.

Sem título-3 391 7/5/2004, 10:21


392 Casimiro Neto

(...) O recurso, pois, aos processos da violencia já não tem a menor justificativa. É
um crime contra a Patria. O crime de querer impor ao povo o que elle não deliberou.
Nem quer.
(...) Por sua vez, as autoridades publicas responsaveis pela ordem, pela paz, preci-
sam estar armadas de meios legaes para o cumprimento do seu dever constitucional. Não
podem, nem devem cruzar os braços, permitindo a expansão irrefreada de elementos
dissolventes e destruidores de nossas mais legitimas conquistas de povo civilizado e culto.
Uma coisa é a liberdade, outra a anarchia. Aquella vive e prospera dentro da
lei,da disciplina e da ordem; esta visa o aniquilamento da ordem, da disciplina e da lei.
(...) O projeto de lei que apresentamos e subscrevemos, não collide com o texto,
nem com o espirito da Constituição. Pelo contrario, visa sua defesa. Tem por finalidade
tornal-a effectiva e respeitada. E encontra apoio na legislação recente dos mais adian-
tados paizes democraticos”. Grifado pelo compilador.
Esse projeto é recebido sob os mais vivos e veementes protestos da opi-
nião pública brasileira, justamente, alarmada com a ameaça de tão severas e
violentas medidas. Passa a ser conhecido, também, como “Projeto de Lei Mons-
tro”. Há inúmeros protestos de entidades de classe e de parlamentares. Era o
que faltava ao Presidente da República Getúlio Dorenelles Vargas (RS). A lei
sancionada, de interpretação dúbia, atende aos seus desejos e lhe dá carta
branca para reprimir atividades tidas como subversivas. O projeto é converti-
do na Lei nº 38, de 4 de abril de 1935.

28 de abril de 1935. 14 horas. Plenário. Primeira Sessão Preparatória.


Presidência do Ministro Hermenegildo de Barros, Presidente do Tribunal
Superior de Justiça Eleitoral, que dirige a sessão de instalação dos trabalhos
preparatórios do Poder Legislativo da República e a sessão de eleição do
presidente da Câmara dos Deputados, em 30 de abril, sendo eleito o Depu-
tado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (MG).

3 de maio de 1935. Quatorze horas. Sessão Conjunta Solene de Instala-


ção do Poder Legislativo. É lida a mensagem apresentada ao Poder Legislati-
vo pelo Presidente da República Getúlio Dornelles Vargas (RS). A primeira
sessão legislativa da nova legislatura é aberta no dia 4 de maio de 1935.

4 de maio de 1935. O Poder Legislativo decreta e o Presidente da Repú-


blica Getúlio Dornelles Vargas (RS) sanciona a Lei nº 48, que “modifica o Código
Eleitoral”. Na realidade um novo Código Eleitoral.

11 de julho de 1935. É expedido o Decreto nº 229 pelo Presidente da


República, Getúlio Dornelles Vargas (RS), que “ordena o fechamento, em todo o
territorio nacional, dos nucleos da “Alliança Nacional Libertadora”, devendo o Mi-
nistro de Estado da Justiça e Negócios Interiores baixar instruções no sentido
de ser promovido sem demora, por via judicial, o cancelamento do registro
civil da mesma organização. A Aliança Nacional Libertadora do Brasil (ANL)
é colocada na ilegalidade. Muitas prisões são efetuadas e as redes do movi-

Sem título-3 392 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 393

mento são fechadas em todo o País. Não há reação dos aliancistas em geral,
mas os comunistas passam a planejar uma insurreição armada.
Desde o ano de 1934 a realização de passeatas antifacistas torna-se co-
mum e os enfrentamentos com os militantes integralistas – Ação Integralista
Brasileira (AIB) –, são a cada dia mais acirrados. O resultado acaba sendo o
violento choque ocorrido em outubro de 1934 na cidade de São Paulo.

23 de novembro de 1935. À noite. Explode a “Intentona Comunista”, em


Natal (RN), organizada pela “Aliança Nacional Libertadora (ANL)” com o apoio
dos comunista. É liderada por sargentos, cabos, operários e funcionários pú-
blicos. Três dias depois a rebelião é esmagada. No dia 25, em Recife (PE), sob
o comando do Tenente Roberto Besouchet e do Sargento Gregório Bezerra,
a revolta não dura um dia. No dia 26, o Presidente da República Getúlio
Dornelles Vargas (RS) decreta o estado de sítio em todo o País. No dia 27, às
duas horas e trinta minutos, inicia-se o movimento no Rio de Janeiro, mas
não sai dos quartéis rebeldes, principalmente, o 3º Regimento de Infantaria
localizado na Praia Vermelha, tendo à frente o ex-líder tenentista Capitão
Agildo Barata Ribeiro, que cumpria pena de prisão. Simultâneamente, suble-
vou-se parte da guarnição da Escola de Aviação Militar, onde o Tenente-Co-
ronel Eduardo Gomes enfrenta o levante. A situação é controlada no mesmo
dia pelo Governo Federal. Rendem-se às treze horas e vinte e cinco minutos.
Por problemas de comunicação os revoltosos, sob o comando de Luís Carlos
Prestes, presidente de honra da “Aliança Nacional Libertadora do Brasil (ANL)”,
trocam as datas do início do levante. É o início e o fim da “Intentona Comunista”.
O Governo estava preparado e as rebeliões são facilmente controladas. O
líder da “Ação Integralista Brasileira (AIB)” dirige telegrama ao Presidente da
República Getúlio Dornelles Vargas (RS) oferecendo cem mil homens dos
“camisas verdes” para combater o comunismo. O Governo Federal autoriza
que em solenidades oficiais desfilem uniformizados com camisas verdes, apre-
sentando-se, assim, como adversários intransigentes dos comunistas. O “Verde”
contra o “Vermelho” dá o tom oficial aos extremistas. O fracasso da insurreição é
seguido de uma terrível repressão. No dia 25 de novembro, o Congresso Na-
cional vota o estado de sítio que, renovado, se prolonga até o ano seguinte. Suce-
dem-se as prisões dos comunistas e demais partidários do movimento. Fica
provado que, apesar do grande crescimento político, a “Aliança Libertadora Na-
cional (ANL)” é fraca para a tomada do poder e também que o Partido Comu-
nista do Brasil (PCB) tem reduzidas possibilidades de uma ação mais radical,
porque em seu movimento o Governo sempre manteve espiões infiltrados.
Os líderes militares deste levante são presos e submetidos a julgamento
por uma corte especial, o Tribunal de Segurança Nacional, juntamente com
líderes civis, inclusive parlamentares e o Prefeito do Distrito Federal, Pedro
Ernesto Batista, acusados de conivência com o movimento subversivo. Regis-
tra-se que participaram da orientação política desse movimento, assessoran-
do o Partido Comunista do Brasil (PCB), como representantes da Internacio-

Sem título-3 393 7/5/2004, 10:21


394 Casimiro Neto

nal Comunista, o alemão Arthur Ernst Ewert (Harry Berger) e o argentino


Rodolfo Ghioldi, também presos, como Luís Carlos Prestes, que vem a cum-
prir nove anos de prisão.
Com o derramamento de sangue no Rio de Janeiro e em outros pontos
do território nacional, a indignação popular prestigia o Governo do Presidente
Getúlio Dornelles Vargas (RS) na já desejada tomada de força. O saldo político
mais grave é o de abrir caminho para o golpe autoritário de 1937. A partir
desses fatos a Câmara dos Deputados aprova todas as medidas excepcionais
enviadas pelo Poder Executivo: estado de sítio, estado de guerra, prisão de
parlamentares e criação de órgãos específicos para a repressão policial.
14 de dezembro de 1935. O Poder Legislativo decreta e o Presidente da
República Getúlio Dornelles Vargas (RS) sanciona a Lei nº 136, que “modifica
vários dispositivos da Lei nº 38, de 4 de abril de 1935, e define novos crimes contra a
ordem política e social”. Esta lei teve origem no Projeto de Lei nº 182/36, de
autoria do Poder Executivo, para tramitação em regime de urgência. É dis-
cutido no mês de agosto e início do mês de setembro de 1935, quando foi
aprovado. Endurecimento no tratamento com os funcionários civis e milita-
res envolvidos nos denominados crimes políticos.

18 de dezembro de 1935. É promulgado pelos Presidentes e Secretári-


os da Câmara dos Deputados e do Senado Federal o Decreto Legislativo nº 6,
que trata de “Emenda à Constituição Federal”. Neste Decreto Legislativo estão
inseridas as Emendas nºs 1, 2 e 3. Pela Emenda nº 1 “a Câmara dos Deputados,
com a colaboração do Senado Federal, poderá autorizar o Presidente da República a
declarar a comoção intestina grave, com finalidades subversivas das instituições políti-
cas e sociais, equiparada ao Estado de guerra, em qualquer parte do território nacio-
nal, observando-se o disposto no art. 175, nº 1, §§ 7º, 12 e 13, e devendo o decreto da
declaração da equiparação indicar as garantias constitucionais que não ficarão
suspensas”. Pela Emenda nº 2 “perderá a patente e posto, por decreto do Poder Exe-
cutivo, sem prejuízo de outras penalidades e ressalvados os efeitos da decisão judicial
que no caso couber, o oficial da ativa, da reserva ou reformado que praticar ato ou
participar de movimento subversivo das instituições políticas e sociais”. Pela Emenda
nº 3 “o funcionário civil ou inativo, que praticar ato ou participar de movimento
subversivo das instituições políticas e sociais será demitido, por decreto do Poder Exe-
cutivo, sem prejuízo de outras penalidades e ressalvados os efeitos da decisão judicial
que no caso couber”.
5 de março de 1936. É preso no Rio de Janeiro o Sr. Luís Carlos Prestes
– O “Cavaleiro da Esperança” –, e também, Olga Benário, Harry Berger (Arthur
Ernst Ewert) e Elise Ewert. Por todo o ano milhares de pessoas são enviadas
para o cárcere, acusadas de comunistas. Consultar os “Diários Parlamentares”
desta época é entender o que realmente se passou neste período de intensa
repressão e arbítrio, antes da implantação do “Estado Novo” e suas conse-
qüências. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

Sem título-3 394 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 395

indica para defesa ex-offício dos líderes comunistas Luís Carlos Prestes e Harry
Berger (Arthur Ernst Ewert) o Dr. Heráclito Sobral Pinto, que, por nove lon-
gos anos, trava duras batalhas em defesa destes cidadãos, da liberdade e con-
tra as torturas e violência do regime implantado, exigindo do Governo res-
peito aos presos políticos na tentativa de resguardar a integridade física dos
mesmos com base no Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934, que “estabe-
lece medidas de proteção aos animais”.
A escritora Ruth Weerner em seu romance biográfio “Olga Benário – A
história de uma mulher corajosa”, com tradução de Reinaldo Mestrinel, detalha
um dos julgamentos de Luís Carlos Prestes: “Quando Prestes entrou para o se-
gundo julgamento no tribunal especial, em 8 de setembro de 1937, reinava na grande
sala um silêncio perturbador. Estava flácido, magro, sujo, com as roupas rasgadas e o
rosto cheio de sangue – fora torturado a caminho do tribunal. Seu corpo cambaleava,
os olhos pestanejavam na cavidade profunda. Alguns baixaram o olhar, pois achavam
desagradável e degradante ver Prestes naquele estado entre os guardas uniformizados
e bem alimentados, no meio de juízes bem tratados e bem barbeados, testemunhas e
ouvintes. Havia uma intenção infame em fazê-lo desfilar naquele estado diante de seus
concidadãos, mas aqueles que se mantinham no poder pela violência enganaram-se
mais uma vez.
Quando Preste começou a falar, assustaram-se pelo tom claro de sua voz. Ouvi-
ram suas palavras e reconheceram que esse homem possuía dignidade intangível, força
inquebrantável e confiança inabalável. Ali estava um ser humano maior do que eles,
pleno de verdade e de certeza naquilo em que acreditava, convencido da vitória final
sobre aqueles que hoje eram seus algozes. Falava o Cavaleiro da Esperança, o herói do
povo, o mensageiro da libertação do Brasil.
Preste refutou as acusações. Com orgulho, reconheceu que era militante do Par-
tido Comunista e que, por isso, naturalmente pertencia à vanguarda do movimento de
libertação popular. Assumiu sozinho a inteira responsabilidade pela eclosão da insur-
reição revolucionária de novembro1 de 1935. Calou-se em relação às perguntas sobre
os companheiros e colaboradores, sobre os detalhes dos preparativos – como calara des-
de o dia de sua prisão.
Aproveitou esse breve espaço de tempo para falar não aos carrascos do tribunal,
mas sim ao povo brasileiro, para dizer-lhes aquilo que considerava importante: – Na
posição em que me encontro, todos devem saber: vou continuar a luta contra aqueles
que exploram e oprimem o povo.
Prestes foi reconduzido à solitária com 16 anos por cumprir e, não obstante,
vitorioso sobre todos eles”.
A judia Olga Benário, mulher de Luís Carlos Prestes, grávida, é depor-
tada para a Alemanha. Do porto de Hamburgo é conduzida para Berlim e
encarcerada em um presídio de mulheres, sob a administração da Gestapo,
com sua filha Anita recém-nascida. E, embora não tenha sido condenada por
nenhum tribunal eles a mantêm presa, em “detenção de proteção”, onde sofre
humilhações e interrogatórios. Depois de algum tempo sua filha é retirada
da cela e enviada a um orfanato. A mulher do “Cavaleiro da Esperança” morre

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396 Casimiro Neto

em um campo de concentração. Anita só volta a ver o pai em 1945, quando


no Brasil volta a normalidade democrática.
28 de julho de 1936. Câmara dos Deputados. Plenário. “O Sr. Presidente
– Está finda a leitura do expediente. Achando-se na ante-sala a Srª Bertha Maria
Julia Lutz reconhecida e proclamada Deputada pelo Distrito Federal, na vaga aberta
pelo fallecimento do Sr. Cândido Pessôa, convido os Srs. 3º e 4º Secretários, para, em
commissão, introduzirem no recinto S. Ex., afim de prestar o compromisso regimental.
Comparece S. Ex., acompando da respectiva commissão e, junto á Mesa, presta o
compromisso regimental, tomando assento, em seguida. (Palmas no recinto, tribunas e
galerias).
O Sr. Presidente – Há sobre a mesa e vou submettel-o a votos o seguinte:
Requerimento
Requeiro se insira na acta um voto de congratulações á Mulher Brasileira pela
posse da representante feminina doutora Bertha Lutz.
Sala das Sessões, 28 de julho de 1836. – Carlos Reis.” Grifado pelo compilador.
A Deputada Berta Maria Júlia Lutz (DF) requer a palavra pela ordem:
“Sr. Presidente, no symbolismo genial de sua mythologia, tinham os hellenos antigos
uma deusa representativa das aspirações humanas realizadas. Chamavam-na Nike –
“A Victoria”. Alada quando revestida dos attributos divinos, figuravam-na tambem
aptera e com razão. Têm as azas partidas quasi todas as victorias, que os deuses, ciosos
de seu prestígio, concedem a nós, miseros mortaes.
Após o vendaval de uma batalha em que avultaram as ambições incontidas, as
perseguições mesquinhas, as calunias, as miserias e até as diffamações, vem hoje a
morte, mensageira silenciosa da Paz eterna, abrir os portaes do Poder Legislativo a
mais uma mulher.
Apesar das mensagens congratulatorias, que de todos os recantos do Paiz me
affluem da opinião feminina organizada, apesar das flores, da presença reconfortadora
de uma phalange das minhas companheiras; não obstante a fidalguia da acolhida dos
meus collegas, foi com o coração pezaroso que subi a escadaria da Camara, atravessei
as salas, corredores e o recinto, para prestar, perante a Casa e perante V. Ex. Sr. Presi-
dente, o compromisso de honra que acabo de assumir.
Filha extremosa de um pae digno, sôa-me ainda aos ouvidos o pranto desconso-
lado da filha adolescente de Candido Pessôa, contra quem a vida desfechava o seu
primeiro golpe quando lhe roubava prematuramente o carinho de pae.
Tenho perante os olhos a imagem de sua esposa, daquella mulher forte que con-
firma a fé que deposito no sexo feminino, e que durante sua vida conjugal inteira, foi
para o marido sempre a companheira serena e bondosa, indulgente e maternal.
Nunca esquecerei os funeraes imponentes do nobre Deputado pelo Districto Fe-
deral: as lagrimas do povo, homens e mulheres, que durante uma noite e um dia, aos
milhares, desfilaram pela camara mortuaria, em homenagem derradeira áquelle que
fôra sua voz, seu amigo, seu defensor.
Jamais olvidarei, tampouco, Sr. Presidente, o auxilio generoso que de Candido
Pessôa recebi. Com aquella lealdade impulsiva que o caracterizava, nas vesperas do

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A Construção da Democracia 397

pleito supplementar, mandou scientificar-me, altas horas da noite, pelo seu correligionario
mais proximo, de um gesto que elle considerava como traição culminante de uma série
longa de promessas falhas e de compromissos rôtos. Disse-me mais, então: “Talvez me
faltem algumas dezenas de votos para fazel-a Deputada, mas, hei de garantil-a na
primeira supplencia e, quanto ao futuro, fica entregue ás mãos de Deus.”
E assim foi. Enquanto alguns elementos do partido distribuiam pelas secções
eleitoraes da cidade chapas avulsas, que não podiam ser encimadas pela legenda
partidaria, pois, vinham exornadas com o nome de um rival e adversario, Candido
Pessôa, e outros correlegionarios leaes, embora discretos, amparavam a minha candi-
datura e me mantinham na supplencia automista do Districto Federal.
Sr. Presidente, são palavras estas que pronuncio sem amargura e sem ódio. Sem
rancor siquer nem animosidade para quem quer que seja. São a explicação apenas do
tributo de gratidão que voto á memoria de meu nobre predecessor.
Sr. Presidente, os factos idos são como as aguas passadas que correram para o
mar. E todas as aguas do oceano, algum dia, serão distilladas pelo sol e recahirão sobre
a terra, transmutadas em chuvas e orvalhos bemfazejos. Os embates vividos fortalecem
a fibra do lutador.
Esta cadeira que agora occupo recebi-a duplamente das mãos generosas do Depu-
tado que repousa na paz do Senhor. Envolta de luta, vincula para sempre ao movimen-
to feminino brasileiro, o nome de Candido Pessôa, como o de outros brasileiros illustres
vivos ou mortos, que comnosco commungaram, não no momento facil do triumpho,
mas na vigilia amarga do sacrificio que o precedeu.
Procurarei esforçar-me para seguir a trilha recta que Candido Pessôa traçou,
sendo amiga de seus amigos, procurando ser commedida e justa para com todos e
defendendo com os collegas de bancada os interesses legitimos do Districto Federal.
Sr. Presidente, embora defenda uma causa e uma idéa, é quasi desnecessaria a
minha presença aqui. As causas que redimem e as idéas que marcham trazem dentro de
si mesmas a pujança e seu impulso. Nenhum obstaculo póde detel-as indefinidamente;
nenhuma pessoa é necessaria ao percurso de sua bandeira. Ás vezes ardua, mas sempre
triumphal.
Foi de tal modo generosa, completa – unanime quasi – a collaboração dos Srs.
Deputados Constituintes e do Governo na defesa das suggestões ao ante-projecto da
Constituição vigente que, como delegada da mulher, apresentára eu ao ante-projecto
que eu, pessoalmente, não hesitaria em entregar ao homem brasileiro a defesa dos
direitos da mulher. É ella, entretanto, que deseja minha presença na Assembléa Na-
cional.
Estamos distantes ainda do Governo scientifico dos povos; daquelle regime que já
impera na engenharia e na cirurgia, por exemplo, e que despindo-se da aureola do
Poder, despersonalizará um dia os negocios publicos. Tem a nossa época, como expres-
são política mais elevada o governo pelo consentimento do governado.
Dentro do regime democratico todas as correntes devem ter representação no
cenaculo politico.
A mulher é metade da população, a metade menos favorecida. Seu labor no lar é
incessante e anonymo; seu trabalho profissional é pobremente remunerado, e as mais

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398 Casimiro Neto

das vezes o seu talento é frustrado, quanto ás opportunidades de desenvolvimento e


expansão.
É justo, pois, que nomes femininos sejam incluidos nas cedulas dos partidos e
sejam suffragados pelo voto popular.
Vivemos numa época de tumulto e de clamor. Neste seculo – como talvez em todos
– a civilização é diariamente assaltada pela barbarie. Os impulsos nobres dos corações
humanos vivem em conflicto eterno com os seus interesses, instinctos e paixões.
Voltando os ouvidos pelas ondas do ether para o Velho Mundo, tão rico em lições
boas e em lições más, presenciamos phenomenos estranhos: vaidades doentias que se
manifestam em gestos theatrais e pueris; ambições illicitas que escravizam os fracos,
dentro e fóra das fronteiras do seu paiz; vencidos que entôam ladainhas humilhantes de
subserviencia e de terror. E ao lado desses paizes, outros, mais afortunados, onde impe-
ram a paz, a ordem e a lei. Observando-os de perto, veremos que cada vez que a
civilização é eclypeada, temporariamente, pela barbarie, com ella sossobram a paz, a
justiça, a lei; as liberdades publicas e as garantias individuaes; com ella submerge o
respeito pela personalidade humana, principalmente pela personalidade humana que
não ostenta armas, como é o caso da mulher.
E sempre que, graças a uma cultura politica superior, a civilização caminha e se
mantem, com ella se fortalece o regime da paz, da lei e da ordem, e dentro della se
desenvolve o respeito pelos direitos inherentes a todo ser humano, seja elle pobre ou rico,
culto ou ignorante, seja elle homem ou mulher.
Veremos, ainda, que, cada vez que a mulher tem os seus direitos respeitados e
garantida a sua participação nos negocios publicos, ella traz ao homem uma collaboração
devotada, dentro de um programa constructor. É o que faz o eleitorado feminino dos
Estados Unidos e da Nova Zeelandia, inspirando aos representantes do Povo leis que
reduziram ao minimo a mortalidade infantil e maternal; é o que fazem as Deputadas
escandinavas e britannicas, defendendo a habitação do humilde, velando pelos interes-
ses do funccionario e clamando por justiça para com a mulher.
De modo identico procedem as eleitas do Povo Brasileiro, como a minha nobre
collega por São Paulo, Dra. Carlota de Queiroz, cujo nome declino com prazer e que
vem se dedicando com interesse á causa dos menores abandonados,...
A Sra. Carlota de Queiroz – Agradecida a V. Ex. por suas palavras tão generosas.
A SRA. BERTHA LUTZ – ... as jovens legisladoras estaduaes, Maria Luiza
Bittencourt, que para se preparar ao exercicio do seu mandato na Bahia estuda finan-
ças publicas na celebre Universidade de Harvard; a Dra. Lili Lages, restaurando
municipios extintos de Alagôas e obtendo para a Saude Publica dotações orçamentarias
sufficientes á execução de sua missão; é o que faz preclara Deputada Maria de Miranda
Leão, no Amazonas, e muitas outras, tendo sob sua égide a guarda de todas as leis que
interessam ao trabalho feminino, á maternidade, á infancia e ao lar.
É dentro desse credo que eu aqui faço, hoje, Srs. Deputados, minha profissão de
fé. O lar é a base da sociedade, e a mulher estará sempre integrada ao lar; mas o lar
não cabe mais no espaço de quatro muros – lar tambem é a escola, a fabrica, a officina.
Lar, Sr. Presidente, é, acima de tudo, o Parlamento, onde se votam as leis que regem a
familia e a sociedade humana.

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A Construção da Democracia 399

Ampliando a sua visão, á medida que os seus horizontes se alargam, a mulher


brasileira, na minha singela pessoa, se integra comvosco, senhores legisladores, na
vossa tarefa constructora de crear a moldura legislativa do Brasil de amanhã.
E é dentro desse espirito, Srs. Deputados, desse espirito essencialmente feminino,
essencialmente humano, que vos trago hoje, como mandataria do povo carioca, a
collaboração modesta, despretenciosa mas sincera e bem intencionada de mulher. (Mui-
to bem; muito bem. Palmas prolongadas no recinto e nas galerias. A oradora é viva-
mente cumprimentada
Em seguida, é approvado o requerimento do Sr. Carlos Reis”. Grifado pelo compi-
lador.

11 de setembro de 1936. É sancionada a Lei nº 244 que “institue o Tribu-


nal de Segurança Nacional e dá outras providências”, órgão judiciário subordina-
do ao Poder Executivo e destinado ao processo e julgamento dos crimes arti-
culados na Lei nº 38, de 4 de abril de 1935 e também na Lei nº 136, de 14 de
novembro de 1935. Esta lei teve origem no Projeto de Lei nº 182/36, propos-
to pelo Poder Executivo para tramitação em regime de urgência, e que foi
discutido durante o mês de agosto e início de setembro de 1935, quando é
aprovado.
Na sessão de 27 de agosto de 1935, quando em debate o referido proje-
to, o Deputado José Eduardo Prado Kelly (RJ) faz, novamente, um extenso
pronunciamento – publicado no dia 29 de agosto –, que em um dos trechos
destaca: “(...) Depois de legitimar a prisão de seus pares, completa a Camara a sua
obra, e retira-os da Justiça ordinaria, que pediu licença para o processo – entregando-
os a uma justiça política, creada em nome de um principio que offende o proprio respei-
to humano: o do julgamento de convicção, sem necessidade de colheita de provas, e
quiça, de elementos indiciarios”. Em 27 de outubro o tribunal condena 75 pes-
soas. O Decreto-Lei nº 88, de 20 de dezembro de 1937, “modifica a lei nº 244,
de 11 de setembro de 1936, que instituiu o Tribunal de Segurança Nacional, e dá
outras providências”. Transforma-se em órgão permanente após a decretação
do “Estado Novo”. O Decreto-Lei nº 1.261, de 10 de maio de 1939, “dispõe
sobre a composição do Tribunal de Segurança Nacional”.

4 de maio de 1937. Plenário. Primeira Sessão Ordinária da Terceira


Sessão da Primeira Legislatura. Eleição para Presidente da Câmara dos Depu-
tados. Contra a vontade do Presidente da República Getúlio Dornelles Vargas
(RS), é novamente candidato ao cargo de presidente da Casa o Deputado
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (MG), que neste dia, na abertura dos
trabalhos legislativos se pronuncia: “(...) Neste posto me encontro desde a Consti-
tuinte. Coube-me a honra insigne de presidir á Assembléa que restituiu á Nação o
regime da lei e elaborou a nova Carta Constitucional. Mas, acima de tudo, mais forte
do que nunca, pairou a consciencia juridica da Nação, e os constituintes puderam
levar a bom termo a sua obra, de que se orgulha a cultura politica do Paiz.
Reconduzindo-me, depois, na Camara Ordinaria, á direcção dos vossos trabalhos,

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400 Casimiro Neto

trouxestes-me, senhores Deputados, novas manifestações da vossa confiança e do vos-


so generoso julgamento.
(...) Ouçamos a voz grave e os appellos que nos chegam de todos os recantos da
Patria. Que não se perturbe o imperio da lei, que a violencia seja banida da nossa vida
politica, que as ambições e os rancores se apaguem deante da Nação. Sob a invocação
emotiva do Brasil, formulemos votos para que não se perturbe a paz dos nossos lares e
para que os homens saibam encontrar os caminhos que nos conduzam a felicidade
duradoura, que a nossa terra tanto merece e tanto aspira. (Prolongada salva de pal-
mas no recinto, tribunas e galerias.)”. Grifado pelo compilador.
São apuradas 284 cédulas, que dão o seguinte resultado: Pedro Aleixo
(MG), 152 votos; Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (MG), 131 votos; Fran-
cisco Moura, 1 voto. Com uma diferença de apenas 21 votos é proclamado
eleito o Deputado Pedro Aleixo (MG) para a Presidência da Câmara dos Depu-
tados.
11 de agosto de 1937. Realiza-se o “I Congresso Nacional dos Estudantes”,
no qual é fundada a “União Nacional dos Estudantes (UNE)”. A primeira tarefa
assumida pela nova entidade é o de organizar o movimento estudantil em
diretórios acadêmicos e em federações estaduais. O “II Congresso Nacional dos
Estudantes”, realizado de 5 a 20 de dezembro de 1938, em plena ditadura do
“Estado Novo”, na cidade do Rio de Janeiro, ratifica a decisão oficial de sua
criação. Esse congresso estudantil contou com a presença de um representan-
te do Ministro da Educação, Gustavo Capanema (BA), e de dezenas de dele-
gados representando 80 centros acadêmicos de diversos pontos do País. Em
11 de fevereiro de 1942, pelo Decreto-Lei nº 4.105, o Presidente Getúlio
Dornelles Vargas (RS) reconhece a “União Nacional dos Estudantes (UNE)” como
entidade coordenadora e representativa dos corpos discentes dos estabeleci-
mentos de ensino superior do País. O artigo 5º deste decreto declara ainda
que “fica incorporada à União Nacional dos Estudantes a Confederação dos Despor-
tos Universitários, instituída pelo Decreto-Lei nº 3.617, de 15 de setembro de 1941”.
30 de setembro de 1937. O Presidente da República Getúlio Dornelles
Vargas (RS) e o seu Ministro da Guerra, General-de-Divisão Eurico Gaspar
Dutra (MT), divulgam o documento intitulado “Plano Cohen”, referindo-se a
uma pretensa conspiração comunista para tomar o poder que depois se sou-
be ter sido forjado pelos integralistas e sob a orientação do Capitão do Exér-
cito Olímpio Mourão Filho. Os políticos começam a desconfiar dos planos
golpistas do presidente da República logo que ele começa a afastar militares
legalistas do comando em áreas estratégicas e em seus lugares nomear ofi-
ciais de sua confiança. A fobia ao comunismo é feita através de hábil propa-
ganda e consegue a adesão de vários governadores. Pretextando a ameaça do
plano, o Governo faz pressão para aprovar no Congresso Nacional o “estado
de guerra” – em plena paz –, suspendendo os direitos constitucionais. Com a
radicalização do clima social na disputa da extrema direita com a extrema
esquerda, criam-se condições para um golpe de Estado.

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A Construção da Democracia 401

1º de outubro de 1937. Plenário. Câmara dos Deputados. Terminada a


leitura do expediente o Presidente da Casa, Deputado Pedro Aleixo (MG),
informa que: “(...) acaba de chegar á Camara documento que deve ser lido no expe-
diente, ainda hoje, de vez que trata de assumpto urgente. Esse documento vae ser lido.
(...) O Sr. Celso Machado (Servindo de 1º Secretario) procede á leitura da se-
guinte Mensagem: “Srs. membros do Poder Legislativo – Tenho a honra de solicitar a
VV. EEX., nos termos da Emenda Constitucional n. 1, a necessaria autorização para a
declaração do estado de guerra, pelo prazo de 90 dias, tendo em vista os motivos que o
Sr. Ministro da Justiça e Negocios Interiores desenvolve na exposição junta. Rio de
Janeiro, 1 de outubro de 1937. – Getulio Vargas.
Em 1 de outubro de 1937”.
“A S. Ex. o Sr. Dr. Getulio Dornelles Vargas, Presidente da Republica dos Esta-
dos Unidos do Brasil.
Sr. Presidente – Logo que assumi a pasta da Justiça e Negocios Interiores, e
mercê de firme e sincera convicção formada pela evidencia dos factos que se me apre-
sentavam á observação, propuz a V. Ex., em exposição datada de 20 de junho proximo
passado, o levantamento do estado de guerra. Disse, então, que se abria novo periodo
de funccionamento livre das instituições, numa atmosphera de tranquilidade
symptomatica de victoria da Nação sobre os seus inimigos, e que confiava na sabedoria
do povo brasileiro, cumprindo a todos velar, com os meios legaes de acção, á preserva-
ção da ordem triumphante.
2. Affirmam, entretanto, os Exmos. Srs. Ministros da Guerra e da Marinha em
exposição dirigida a V. Ex. que, no momento actual, como em 1935, as ameaças do
communismo são evidentes, e que não é possivel fiquemos inertes ante a catastrophe que
se aproxima. Asseguram, ainda, que “o crime de lesa-Patria praticado em novembro
daquelle anno está prestes a ser repetido, com maior energia e mais segurança de exito”.
3. Como se vê, Sr. Presidente, grave, muito grave, é a situação que nos apontam
os dignos titulares das pastas militares. Asseveram, outrossim, em linguagem franca e
precisa, que “já conhece a Nação o plano de acção communista desvendado pelo Estado
Maior do Exercito”; e que “é um documento cuidadosamente architectado, cujo desen-
volvimento meticuloso vem da preparação psychologica das massas, ao desencadear do
terrorismo sem peias”.
4. Mais, ainda. Accrescentam que “a propaganda communista invade todos
os sectores da actividade publica e privada e que o commercio, a industria, as
classes laboriosas, a sociedade em geral e a propria familia vivem em constante
sobresalto”.
5. A policia civil do Districto Federal, por seu turno, mesmo após a victoria da
lei sobre o levante de 35, não deixou nunca de acompanhar de perto a acção subversiva
dos communistas.
6. Ora, na minha exposição a que acima alludi, tive o ensejo de esclarecer: “O
direito é pela vida, não pela morte das Nações; é pelo equilibrio e não pelo descalabro;
pela segurança certa, não pelo risco inutil. O estado de guerra representa uma
mobilização de defesa e salvaguarda opportuna, insubstituivel pela precisão dos
effeitos.”

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402 Casimiro Neto

7. Pois bem: coherente com estas considerações e deante da gravidade dos factos
averiguados, estou convencido que é em nome do mesmo direito que se faz mistér recor-
rer ao estado de guerra, em defesa da Nação, de suas tradições e de seu regime organico.
8. Proponho, pois, a V. Ex. seja solicitada ao Poder Legislativo, nos termos da
Emenda Constitucional n. 1 a necessaria autorização para a declaração do estado de
guerra pelo prazo de 90 dias.
Aproveito a opportunidade para renovar a V. Ex. os protestos do meu profundo
respeito. – José Carlos de Macedo Soares”.
É apresentado o seguinte requerimento de urgência: “Requeremos urgencia
para immediata discussão e votação do projecto offerecido pelo Poder Executivo, em
mensagem, sobre a decretação do estado de guerra”. O Deputado Carlos Coimbra
da Luz (MG) – Líder da Maioria –, primeiro signatário do requerimento, tem
a palavra para justificar a urgência e expõe: “(...) Não queremos, de certo, voltar
á terrivel surpresa de 1935 (muito bem), quando a Nação se encontrou desarmada,
desprevenida, perdendo, victimas da sanha de inimigos da ordem e da patria grandes
figuras das nossas forças armadas, brasileiros heroicos que deixaram de existir, na mais
sublime homenagem ás instituições vigentes. Não seremos nós, neste instante em que os
responsaveis pela ordem publica, denunciam toda a trama sinistra que vae continua-
mente minando os fundamentos do regimen, não seremos nós que havemos de negar a
nossa prompta solidariedade, sem tergiversações, á medida julgada pelo Governo
indispensavel á segurança do Brasil”.
O Deputado Octávio Mangabeira (BA), ao encaminhar a votação, ques-
tiona o requerimento, combate e impugna o projeto do Governo. Em um dos
trechos destaca: (...) Trata-se, Sr. Presidente, da suspensão das garantias constitucio-
nais, senão que se trata, em verdade, do estabelecimento, no Paiz, da dictadura do
Poder Executivo”. O requerimento é aprovado por 120 votos a favor e 42 votos
contrários. Entra em seguida, em discussão única o Projeto nº 676, de 1937.
Grandes debates no Plenário da Câmara dos Deputados.
O Deputado Waldemar Martins Ferreira (SP), líder constitucionalista,
fundamenta o voto contrário da sua bancada e, em veemente pronunciamen-
to, apela para a dignidade e o patriotismo da Câmara dos Deputados. Em um
dos trechos destaca: “(...) Sabem-se quaes são os arautos; andam elles por aqui, pelos
corredores da Camara, assegurando ao paiz que não haverá eleições em 3 de janeiro de
1938; andam elles por ahi affirmando que se fará, de qualquer maneira, a prorogacão
do mandato do Sr. Presidente da Republica...! São subterfugios que se estão confirman-
do dia a dia, porque se verifica que foi traçado friamente um programma que está sendo
executado. (Apoiados e não apoiados). É preciso denuncial-o ao paiz e eu tomo sobre
mim a responsabilidade de denuncial-o desta tribuna. (Palmas). É uma dictadura
militar que se annuncia, é a própria dictadura do Sr. Presidente da Republica que se
pretende. A verdade é que, por factos de varia natureza, ella está patente em todos os
espiritos, e ainda não foi demonstrada a these contraria.
(...) Não sou cego, nem quero deixar de ver. Estou vendo e até prevendo – porque
previ – quando affirmava que haviamos de chegar a este ponto. E o programma vae ser
executado por etapas. Hoje, é o estado de guerra. Se o não votarmos, será a dissolução

Sem título-3 402 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 403

da Camara. Mas dissolvida ela será. Os factos confirmarão, ou não, o que acabo de
dizer e faço votos, os melhores votos, para que seja desmentido o que prenuncio”.
O Deputado Raul Jobim Bittencourt (RS) fala em nome da Bancada
Liberal do Rio Grande do Sul: “(...) Queremos que, ou Armando de Salles Oliveira
ou José Américo de Almeida ou Plínio Salgado, seja eleito e empossado (Muito bem).
Mas periclita a campanha da successão presidencial e com ella compromettem-se os
alicerces da democracia, se através do estado de guerra, mal, subversivamente applicado,
o Governo, como mezes antes, perseguir Estados, ameaçar intervencões, prender
emissarios de Governadores, encaminhar processos injuriosos contra representantes do
Poder Publico, só para dar preferencias a este ou áquelle candidato, e quando mais não
seja, para anniquilar todos e crear a desordem e a dictadura”.
A sessão ordinária é encerrada às 18 horas e convocada sessão extraor-
dinária para às 20 horas com a continuação da discussão única do Projeto
nº 676, de 1937.
Aberta a sessão extraordinária, a Comissão de Constituição e Justiça
apresenta substitutivo que colocado em votação é aprovado por 138 votos a
favor, contra 52. Em seguida é lida e, sem observação, aprovada a redação
final com o seguinte teor; “Projeto n. 676 A – 1937 – O Poder Legislativo decreta:
Art. 1º Fica o Presidente da República autorizado, nos termos da emenda n. 1 á Cons-
tituição Federal, a declarar em todo o territorio nacional, pelo prazo de noventa dias,
equiparado ao estado de guerra, a commoção intestina grave, com finalidades subver-
sivas das instituições politicas e sociaes existentes no Paiz. Art. 2º Revogam-se as dispo-
sições em contrario. Sala da Comissão, em 1 de outubro de 1937. – Valente de Lima,
Presidente. – Martins Freire. – Heitor Maia. – João Henrique”. O projeto vai ao
Senado Federal e encerra-se a sessão às 23 horas e 20 minutos.
São apresentadas várias declarações de votos que deixam claras a apre-
ensão dos Deputados com os verdadeiros motivos do Presidente da Repúbli-
ca Getúlio Dornelles Vargas (RS) que, sob o pretexto de defender a ordem
jurídica e o Estado democrático, o fira de morte, violando-lhe o Código fun-
damental – a Constituição Federal. Declaram que o projeto é flagrantemente
inconstitucional, pois que não havendo comoção intestina, senão a descober-
ta de um projeto, de um plano de comoção, a situação desta espécie não
autoriza a Constituição possa-se equiparar ao “estado de guerra”. Deixam claro
o absurdo e as desastrosas conseqüências para o País.
O Jornal “O Estado de São Paulo” em sua manchete no dia seguinte des-
taca: “Com o voto contrario das bancadas de S. Paulo e do Rio Grande do Sul, a
Camara approvou a decretação do estado de guerra”.
No início de 1937, em um clima tenso, as várias correntes políticas já
haviam iniciado a movimentação para as eleições à Presidência da República,
que seriam no ano seguinte, representando as correntes democráticas: o
paraibano José Américo de Almeida – apoiado pelos “getulistas”, mas sem
muito entusiasmo pelo Governo, e Armando Salles de Oliveira – das oligar-
quias paulistas-, que aliás, fora interventor da ditadura em seu Estado. Além
destes, anuncia-se também a candidatura do líder integralista Plínio Salgado

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404 Casimiro Neto

– das forças de ultradireita –, cuja doutrinação se vinha fazendo largamente e


que no dia 17 de julho faz-se registrar como candidato para disputar as elei-
ções. No entanto ninguém conta com o apoio declarado do Presidente da
República Getúlio Dornelles Vargas (RS). O nome de Armando Salles de Oli-
veira consegue apoio em termos nacionais e passa a constituir a mais séria
ameaça aos propósitos continuístas do Presidente da República.
A ideologia fascista que inspira Hitler e o nazismo encontra eco na Eu-
ropa e fora dela. No Brasil, Getúlio Dornelles Vargas (RS), sonhando alto
com o poder, não aceita mais ninguém ocupando o Palácio do Catete. Para
tanto, conta com o apoio dos grupos conservadores – temerosos do comunis-
mo –, dos integralistas – defensores de um Estado forte –, e de militares como
o Ministro da Guerra, General-de-Divisão Eurico Gaspar Dutra (MT); o Che-
fe do Estado-Maior, General Pedro Aurélio de Góis Monteiro (AL) e ainda o
Chefe de Polícia do Distrito Federal, Capitão Felinto Muller.
É proibido aos militares o comparecimento, fardados, a comícios políti-
cos e devendo-se abster de participar destes, a fim de que ficassem prontos
para a defesa da ordem e do regime constitucional. É divulgado que o Minis-
tro da Guerra, General-de-Divisão Eurico Gaspar Dutra (MT), advertira os
oficiais que usavam a “camisa verde” dos integralistas em cerimônias fora da
caserna. Divulga-se um complô integralista. Notas do Ministério da Justiça
consideram o integralismo contrário ao regime.
Todos esses fatos e mais a agitada sessão do dia 27 de setembro; a pos-
terior aprovação do projeto de decretação do “estado de guerra” no dia 1º de
outubro, com 138 votos favoráveis ao Governo contra 52; o desfile de milha-
res de integralistas no Rio de Janeiro no dia 1º de novembro; o discurso de
Plínio Salgado feito pelo rádio, à noite deste mesmo dia, dão a dimensão
exata da agitação social no País. Preparado o terreno, material e psicologica-
mente, Getúlio Dornelles Vargas (RS) dá o golpe final.
10 de novembro de 1937. Com o edifício do Poder Legislativo vazio e
cercado por tropas militares, impedindo que a ele se chegasse, o Presidente
Getúlio Dornelles Vargas (RS) outorga uma nova Constituição ao País. Cons-
tituição esta, conta-se, que estava pronta desde setembro desse mesmo ano.
Elaborada por Francisco Luís da Silva Campos (MG), ex-Ministro da Educa-
ção, então nomeado Ministro da Justiça e Negócios Interiores com a colabo-
ração de Carlos Medeiros da Silva, é imediatamente posta em vigor, embora
parcialmente, com a condição de submetê-la a um plebiscito que nunca se
realizou. Os integralistas comemoram.
Quarta Constituição brasileira e terceira da República. Do tipo fascis-
ta, sendo logo apelidada de “Polaca”. Extremamente autoritária, concentra
todo poder político nas mãos do Presidente da República. Fixa o mandato
presidencial de 6 anos e prorroga o do então presidente até se realizar um
plebiscito de acordo com o artigo 175 da Constituição. São dissolvidos nesta
data a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, as Assembléias Legislativas

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A Construção da Democracia 405

dos Estados e as Câmaras Municipais. Fica criado o Parlamento Nacional,


compondo-se de duas Câmaras: a Câmara dos Deputados (representantes do
povo, eleitos mediante sufrágio indireto) e o Conselho Federal (composto de
um representante por Estado e dez membros nomeados pelo Presidente da
República com mandatos de seis anos). Proíbe-se a iniciativa individual de
projetos de lei aos membros de qualquer uma das Câmaras. É excluída a
Justiça Eleitoral dentre os órgãos do Poder Judiciário e é atribuído à União,
privativamente, o poder de legislar sobre matéria eleitoral da União, dos
Estados e dos Municípios. As eleições ao Parlamento Nacional deveriam ser
marcadas pelo Presidente da República, depois de realizado o plebiscito, que
não se concretiza.
No Capítulo da “Ordem Econômica”, artigos 135 a 155, ficam estabeleci-
dos os preceitos básicos da legislação trabalhista. O artigo 138 diz textual-
mente: “A associação profissional ou sindical é livre. Somente, porém, o sindicato
regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que par-
ticiparem da categoria de produção para que se foi constituído, e de defender-lhes os
direitos perante o Estado e as outras associações profissionais, estipular contratos cole-
tivos de trabalho obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e
exercer em relação a eles funções delegadas de Poder Público”. O artigo 139 detalha
que “(...) A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e
ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”. Obser-
va-se que o texto é baseado totalmente nas premissas do Estado italiano fas-
cista e escritas na célebre “Carta del Lavoro”, de 21 de abril de 1927.
Sobre esse assunto o Deputado João Amazonas de Souza Pedroso (PCB-
DF) em seu pronunciamento do dia 13 de maio de 1946 na Assembléia Cons-
tituinte, diz o seguinte: (...) Todos nós, Srs. Constituintes, temos ainda bem viva a
experiência desses longos anos de Estado Novo, nos quais os trabalhadores brasileiros
viram-se compelidos a um tipo de organização sindical, que não corresponde aos seus
interêsses de classe, e que afinal foi reduzida a um simples apendice do aparelho estatal,
sujeita a uma incrível burocracia administrativa, que praticamente impede os traba-
lhadores menos letrados de exercer eficientemente qualquer cargo de direção. E o resul-
tado é que, entregues as direções dos sindicatos a elementos que não são os mais capazes,
do ponto de vista dos interêsses da sua classe, e pela ação coercitiva do poder público,
perderam aqueles organismos, em grande parte, suas características fundamentais de
orgãos de classe, para se transformarem em trunfos de política personalística de deter-
minados figurões do Estado Novo”.
As Casas Legislativas são dissolvidas e a ditadura governa com a expe-
dição de “decretos-lei” e de leis denominadas “constitucionais”, com interven-
tores nos Estados e com o poder de legislar prolongando-se por oito anos.
Mais uma vez o Poder Legislativo, entrave aos governantes anti-democráti-
cos, é retirado do seu verdadeiro caminho para dar passagem a mais um ato
ditatorial.
Na Presidência da Câmara, o Deputado Pedro Aleixo (MG) dirige uma
carta ao Presidente da República onde declara: (...) Com amarga surpresa verifi-

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406 Casimiro Neto

quei, hoje, que o edíficio da Câmara dos Deputados foi ocupado por Forças Armadas.
Divulgaram-se logo depois notícias de que o Governo da República havia expedido
decreto de dissolução do Poder Legislativo.
Não conheço os fundamentos de tão graves atos. Impedida materialmente de
funcionar e tomar consenqüentemente qualquer deliberação sobre assuntos de tanta
relevância, a Câmara dos Deputados não pode levar a Vossa Excelência o pensamento
da maioria, senão da totalidade de seus membros. Por isso, na qualidade de presidente
da Câmara dos Deputados – poder que se constituiu nas mais puras fontes da vontade
do povo brasileiro – sinto-me no dever de levar até Vossa Excelência o meu protesto,
contra os referidos atos e espero que o Brasil saberá fazer justiça á honestidade, á
fidelidade, á lisura, á operosidade e ao patriotismo de seus legítimos representantes”.
Grifado pelo compilador.
Com a Carta de 1937 e com o poder discricionário nas mãos, o Presi-
dente da República Getúlio Dornelles Vargas (RS) inaugura uma ditadura de
extrema direita, apoiada em asfixiante legislação, onde temos, como exem-
plo, os decretos-leis promulgados com o objetivo de restringir as liberdades
individuais e ampliar os poderes do Estado. Há restrição do Poder Legislati-
vo e redução do papel do Judiciário no regime implantado. Os princípios da
legalidade, da irretroatividade da lei e o “Mandado de Segurança” são retira-
dos. É reinserida a pena de morte por motivos políticos, homicídios fúteis e
cruéis. É instituida a censura prévia e a interferência do Governo na impren-
sa. Tem início o chamado “Estado Novo”, que, na justificativa do Presidente da
República ao decretar a nova Carta Constitucional, está “atendendo ao estado de
apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais exten-
sa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente”.
Sobre a pena de morte, a Emenda Constitucional nº 1, de 16 de maio
de 1938, relaciona em quais crimes deverá ser aplicada e a Emenda Constitu-
cional nº 2, desta mesma data, “restabele, por tempo indeterminado, a faculdade
constante do art. 177 da Constituição Federal de 1937”, onde está escrito que
“dentro do prazo de sessenta dias, a contar da data desta Constituição, poderão ser
aposentados ou reformados de acordo com a legislação em vigor os funcionários civis e
militares cujo afastamento se impuser, a juízo exclusivo do Governo, no interesse do
serviço público ou por conveniência do regime”. Grifado pelo compilador.
Na esteira do golpe, uma onda de música ufanista, patrocinada pela
propaganda oficial, varre o País. Não há vice-presidente da República. São
mais oito longos anos prevalecendo o Poder Executivo, forte e único, sobre
todos os demais, depois de eliminado do seu caminho o Poder Legislativo e
reduzido o papel do Poder Judiciário.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 10 de novembro


de 1937 a 31 de janeiro de 1946.

Têm início a 3ª República – Regime do “Estado Novo” ou da


Constituição “polaca” (10/11/1937 a 18/09/1946)

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A Construção da Democracia 407

Quadro/Foto nº 21
O Presidente da Câmara – Deputado Pedro Aleixo

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408 Casimiro Neto

Quadro/Foto nº 21/A
O Presidente da República – Getúlio Dornelles Vargas

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A Construção da Democracia 409

Terceira República
Denominada de regime do “Estado Novo”
ou da Constituição “polaca”
(10/11/1937 a 18/09/1946)

11 de novembro de 1937. O Jornal “A Pátria” destaca em sua primeira


página: “Ainda uma vez, ao longo de nossa evolução historica e política, as forças
armadas cumprem o seu dever pelo Brasil! – Getúlio Vargas fala eloquentemente á
Nação. – Promulgada nova Constituição. – O gabinete do chefe de Polícia distribuiu
hontem a seguinte nota: “A nova Constituição foi promulgada. A transformação se
operou de modo pacífico e teve por fim assegurar a paz á Nação. A Constituição será
submettida a plebiscito nacional. A nova Constituição assegura, do modo mais comple-
to, a autoridade da União e arma o governo de meios normaes de defesa e da ordem.
Haverá parlamento e um Conselho Consultivo de Economia Nacional. São garantidos
todos os direitos e contratos. Logo abaixo declara: “Notável dedicação! O Cap. Felinto
Muller e a sua efficiente colaboração ao Governo. Ainda uma vez é justo enaltecer, em
face da população carioca, a actividade prodigiosa que vem sendo exercida, nesta ulti-
mas horas, pelo chefe de Polícia do Districto federal, que ainda hontem passou o dia e
a noite inteira em seu gabinete, sem arredar de seu posto um instante, multiplicando-se
nas providências necessarias ao acautelamento da ordem publica. Em outra chama-
da destaca: “O Presidente da Camara dos Deputados recolheu ao Banco do Brasil o
numerario que estava a sua disposição. Segundo nos informou um ex-parlamentar, o
sr. Pedro Aleixo, presidente da Camara dos Deputados, tomára providencias adminis-
trativas no sentido de pôr em ordem a documentação daquella casa, tendo feito recolher
ao Banco do Brasil o numerario que estava a sua disposição para diversas despesas do
Poder Legislativo”.
O Jornal “O Estado de São Paulo” destaca em sua primeira página: “Pro-
fundas alterações na ordem politico-social do Paiz. –Por acto do executivo federal,
foram dissolvidos o Senado e a Camara da Republica e os legislativos estaduaes e
municipaes – Outorga de uma nova Constituição – Pela nova ordem de coisas o periodo
governamental será de 6 annos. – Transformação de projectos em lei. – Com a dissolu-
ção do Senado e da Camara dos Deputados o governo, segundo se noticia, deverá
transformar em leis varios projectos importantes que se encontravam em andamento
naquellas Casas do Legislativo”.
2 de dezembro de 1937. O Presidente Getúlio Dornelles Vargas (RS) san-
ciona o Decreto-Lei nº 37 que “dissolve todos os partidos políticos”. Contrariando

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410 Casimiro Neto

os compromissos assumidos, os responsáveis pela implantação do “Estado Novo”


decretam a extinção de todos os partidos políticos e são, igualmente, atingidas
pelo decreto as milícias cívicas e organizações auxiliares dos partidos políticos,
sejam quais forem os seus fins e denominações. Fica vedado, também, o uso de
uniformes, estandartes, distintivos e outros símbolos dos partidos políticos e
organizações auxiliares. As contravenções a esta lei serão punidas com pena de
prisão, o julgamento será de competência do Tribunal de Segurança Nacional
e o processo seguirá o rito sumaríssimo. Começam as perseguições da polícia-
política de Getúlio Dornelles Vargas (RS) nos ministérios, repartições públicas
e aos cidadãos comprometidos com democracia do País.
10 de maio de 1938. Meia-noite. Membros da Ação Integralista Brasi-
leira (AIB), sob o comando de Severo Fournier e inspiração de Plínio Salga-
do, invadem o Palácio Guanabara e o Ministério da Marinha. A intenção dos
revolucionários é depor o Presidente da República Getúlio Dornelles Vargas
(RS). Não conseguem o intento. Encontram resistência armada. O Ministro
da Guerra, General-de-Divisão Eurico Gaspar Dutra (MT), chega, logo de-
pois, nas cercanias do Palácio. Segue-se um tiroteio. A maioria dos integralistas
conseguem evadir-se do local, mas nove membros são baleados no local. O
médico Belmiro Valverde, juntamente com o Capitão Severo Fournier e o
Tenente Júlio Barbosa do Nascimento são presos e ficam detidos até 1945. O
líder integralista Plínio Salgado é preso em São Paulo e enviado de volta ao
exílio, em Portugal.

31 de dezembro de 1938. É expedido o Decreto-Lei nº 1.019 pelo Pre-


sidente da República Getúlio Dornelles Vargas (RS) que “institue uma comissão
especial e permanente, para o fim de rever, do ponto de vista constitucional e da técnica
legislativa, os projetos de decretos-leis e regulamentos a serem expedidos pelo Governo”.
Frustradas estão as esperanças de um breve retorno à democracia.
1º de setembro de 1939. Hitler invade a Polônia. Dois dias depois, a
Inglaterra e a França declaram guerra à Alemanha. Começa a Segunda Guerra
Mundial. No Brasil, ainda neutro no conflito, o Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP) promove hinos que louvam a tranqüilidade do “Estado Novo”
e a exaltação do trabalho. O navio brasileiro “Cabedelo” é torpedeado pelos
alemães. No dia 22 de janeiro de 1942, na “Conferência dos Chanceleres Latino-
Americanos”, no Rio de Janeiro, o Ministro das Relações Exteriores Oswaldo
Euclides de Souza Aranha (RS) anuncia o rompimento do Brasil com as po-
tências do “Eixo”. Durante o ano de 1942, vários navios brasileiros são torpe-
deados. A pressão, através das manifestações populares e das entidades civis
organizadas, fazem com que o Brasil entre na guerra, oficialmente, no dia 31
de agosto de 1942, com a expedição do Decreto-Lei nº 10.358 que “declara o
estado de guerra em todo o território nacional”. No dia 16 de julho de 1943 é
noticiada a chegada da Força Expedicionária Brasileira à Itália, onde o Brasil
terá ativa participação.

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A Construção da Democracia 411

1º de maio de 1943. É expedido o Decreto-Lei nº 5.452, pelo Presiden-


te da República Getúlio Dornelles Vargas (RS), que “aprova a Consolidação das
Leis do Trabalho”. É, assim, instituída a “Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)”,
reunindo todas as resoluções tomadas desde 1930 na área trabalhista.

24 de outubro de 1943. Rio de Janeiro. É finalizado, com o trabalho


conjunto de Milton Soares Campos e Virgílio Arinos de Melo Franco, o “Ma-
nifesto dos Mineiros”, onde são inseridos os princípios democráticos e a repulsa
ao totalitarismo. Solene e discretamente subscrito pelos seus idealizadores, é,
em seguida, divulgado intensamente apesar da censura ainda em vigor no
País.

28 de fevereiro de 1945. É expedida a Lei Constitucional nº 9 pelo


Presidente da República Getúlio Dornelles Vargas (RS) que, entre outros atos
permite eleição direta para a suprema magistratura do País – com o período
presidencial de 6 anos –, para os Governadores dos Estados, para o Parla-
mento e para as Assembléias Legislativas.

7 de abril de 1945. É organizada, no Rio de Janeiro, a União Democrá-


tica Nacional (UDN), cujo candidato à Presidência da República é o Tenente-
Brigadeiro Eduardo Gomes (RJ).

8 de abril de 1945. É fundado, em Belo Horizonte, o Partido Social De-


mocrático (PSD), apoiado na máquina política do Estado Novo. Seu candidato
à Presidência da República é o General-de-Divisão Eurico Gaspar Dutra (MT).
O “Golpe de Estado” de 1937 fizera milhares de vítimas; centenas de bra-
sileiros ainda estavam exilados, foragidos, presos ou clandestinos. Começa a
intensa campanha nacional a favor da anistia com o apoio da União Nacional
dos Estudantes (UNE), da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da Or-
dem dos Advogados do Brasil (OAB). Estimulado pela opinião pública, o
Supremo Tribunal Federal decide, a 11 de abril, conceder “habeas corpus” aos
exilados políticos. Entre os que voltam está Armando Sales Oliveira, um dos
candidatos à Presidência da República nas eleições canceladas pelo golpe de
1937. Com isso, no dia 18 de abril de 1945, o Presidente da República Getú-
lio Dornelles Vargas (RS) expede o Decreto-Lei nº 7.474, que dá “Anistia Geral”
aos envolvidos em crimes políticos posteriores a 16 de julho de 1934. Um gran-
de passo no retorno à democracia. Um dos anistiados, o jornalista Aparício
Torelly, membro da Aliança Nacional Libertadora (ANL), companheiro de cela,
no presídio da Rua Frei Caneca, do escritor Graciliano Ramos, declara: “A anis-
tia é um ato pelo qual os governos resolvem perdoar generosamente as injustiças e os
crimes que eles mesmos cometeram”. Luís Carlos Prestes também está entre os anis-
tiados e junto com outros presos é solto depois de cumprir quase dez anos de
reclusão. Perseguições, crimes, torturas, exílio, Ilha de Fernando de Noronha,
Ilha Grande, triste memória gerada nos porões do Governo de Getúlio Dornelles
Vargas (RS) e que cai com o fim da ditadura do “Estado Novo”.

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412 Casimiro Neto

15 de maio de 1945. É fundado o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),


cujos organizadores são, principalmente, os funcionários do Ministério do
Trabalho, fiéis ao ex-presidente Getúlio Dornelles Vargas (RS).
28 de maio de 1945. É expedido o Decreto-Lei nº 7.586, pelo Presiden-
te da República Getúlio Dornelles Vargas (RS), que trata do novo “Código
Eleitoral Brasileiro”. Elaborado por uma comissão chefiada por Agamennon
Sérgio Godoi de Magalhães, Ministro da Justiça e Negócios Interiores, a “Lei
Agamenon”, como ficou conhecida, cria o Tribunal Superior Eleitoral, regula-
menta o processo eleitoral, baseando-se no voto secreto e nas eleições diretas,
fixa a data de 2 de dezembro de 1945 para a realização das eleições e exige
que os partidos tenham caráter nacional. As oposições passam a criticá-la,
acusando o Governo da tentativa de manter o “Estado Novo”.
2 de setembro de 1945. Termina a “Segunda Guerra Mundial” com a
vitória dos “Aliados” (designação que engloba 25 países que lutaram contra o
nazi-fascismo) e a derrota das forças do “Eixo” com a formalização da rendi-
ção do Japão, depois da explosão da bomba atômica no dia 6 de agosto de
1945 destruindo a cidade de Hiroxima e a explosão da segunda bomba na
cidade de Nagasáqui no dia 9.
Durante os primeiros meses de 1945, o Presidente Getúlio Dornelles
Vargas (RS), sentindo a onda de insatisfação reinante no País e a forte pressão
popular, reformula 35 artigos da Constituição, inclusive com a edição da Lei
Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945, que “altera dispositivos consti-
tucionais. Convoca eleições para Presidente da República, Governadores de Estados,
Parlamento e Assembléias Legislativas”. Extensa reforma constitucional. Entre
outros revoga aqueles que estatuem o voto indireto para a eleição do presi-
dente da República, senadores e deputados.
Desconfianças e dúvidas sobre o comportamento do Presidente da Re-
pública Getúlio Dornelles Vargas (RS) fazem com que ele seja deposto pelas
Forças Armadas, sob a liderança do Ministro da Guerra, General-de-Divisão
Eurico Gaspar Dutra, no dia 29 de outubro de 1945, com o apoio de grande
parte do povo brasileiro. O motivo imediato do movimento foi a nomeação
de Benjamim Vargas, irmão do presidente, para a chefia de Polícia do Distri-
to Federal. Mas a causa é outra, o desgaste da ditadura e o retorno à demo-
cracia é uma aspiração nacional profunda e generalizada.
Durante a vigência do “Estado Novo” foram expedidos dez leis constitu-
cionais que tratam de emendas à Constituição de 1937 e uma infinidade de
decretos-leis, dentre estes podem ser citados os de nº 1.202, de 8 de abril de
1939 – chamado de “Ato Adicional à Carta Constitucional de 1937”, e “dispõe sobre
a administração dos Estados e dos Municípios”; o de nº 5.511, de 21 de maio de
1943, que “incorpora ao texto do Decreto-Lei nº 1.202 as alterações e retificações
sobre a administração dos Estados e Municípios”; e o de nº 7.518, de 3 de maio de
1945, que “modifica disposições constantes no Decreto-Lei nº 1.202, revisto pelo De-
creto-Lei nº 5.511”.

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A Construção da Democracia 413

Sucede-lhe no cargo, por convocação das Forças Armadas e para um


governo de transição, o Presidente do Supremo Tribunal Federal Dr. José
Linhares (CE), que toma as medidas necessárias para a realização de eleições
diretas para presidente da República e para os representantes do povo, com
poderes constituintes. São expedidas 11 leis constitucionais pelo Presidente
da República Dr. José Linhares (CE), tratando da normalização institucional
pós-ditadura Vargas. Entre elas é expedida a Lei Constitucional nº 13, de 12
de novembro de 1945, que “dispõe sobre os poderes constituintes do Parlamento que
será eleito a 2 de dezembro de 1945” e assim redigido: “Art. 1º – Os representantes
eleitos a 2 de dezembro de 1945 para a Câmara dos Deputados e o Senado Federal
reunir-se-ão no Distrito Federal, sessenta dias após as eleições, em Assembléia Consti-
tuinte, para votar, com poderes ilimitados, a Constituição do Brasil.
Parágrafo único. O Conselho Federal passa a denominar-se Senado Federal.
Art.2º – Promulgada a Constituição, a Câmara dos Deputados e o Senado Fe-
deral passarão a funcionar como Poder Legislativo ordinário”. Grifado pelo compilador.
Primeiro ato convocatório da Assembléia Nacional Constituinte. A esse res-
peito, ver também, a Lei Consitucional nº 15, de 26 de novembro de 1945.
A Lei Constitucional nº 14, de 17 de novembro de 1945, extingue o
combatido e polêmico “Tribunal de Segurança Nacional e dispõe sobre a competên-
cia para o processo e julgamento de crimes contra a existência, a segurança e a integri-
dade do Estado e a guarda e o emprego da economia popular”.
A Lei Constitucional nº 15, de 26 de novembro de 1945, “dispõe sobre os
poderes da Assembléia Constituinte e do Presidente da República eleitos a 2 de dezem-
bro de 1945”. É o segundo ato convocatório da Assembléia Nacional Consti-
tuinte. A esse respeito ver também a Lei Constitucional nº 13, de 12 de no-
vembro de 1945.
A Lei Constitucional nº 19, de 31 de dezembro de 1945, “dispõe sobre a
proclamação e a posse do candidato eleito para a Presidência da República em 31 de
janeiro de 1946”. A esse respeito, ver também, a Lei Constitucional nº 21, de
23 de janeiro de 1946.
Termina o “Estado Novo”. O fator mais importante da política social do
Estado Novo foi a “Consolidação da Leis do Trabalho (CLT)”, aprovada em 1º de
maio de 1943, entrou em vigor a partir de 10 de novembro deste mesmo ano.
Veja bem que são datas de extrema coincidência. Esta consolidação represen-
tou a reunião e sistematização da vasta legislação trabalhista produzida a par-
tir de 1930 com a chegada de Getúlio Dornelles Vargas (RS) ao poder. Dividi-
da em 11 títulos com um total de 922 artigos, as matérias estão assim
distribuídas: do primeiro ao 12º – Introdução; do 13 ao 223 – Normas gerais
de tutela do trabalho; do 224 ao 441 – As normas especiais; do 442 ao 510 –
Contrato individual do trabalho; do 511 ao 610 – Organização sindical; do
611 ao 625 – Convenções coletivas do trabalho; do 626 ao 642 – Regulação
do processo de multas administrativas; do 643 ao 762 – Justiça do Trabalho e
o Ministério Público; do 763 ao 910 – Direito instrumental; do 911 a 922 –
Disposições finais e transitórias.

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414 Casimiro Neto

A “Consolidação da Leis do Trabalho (CLT)” introduziu muitos direitos até


então inexistentes, tais como horário de trabalho, férias, descanso remunera-
do e condições de segurança. Foi responsável pela oficialização da assinatura
da carteira de trabalho do operário no ato da contratação por qualquer em-
presa, instituída em 1932.
Desde o início da década de 30, após a chegada de Getúlio Dornelles
Vargas (RS) ao poder, o “Dia do Trabalho”, comemorado todos os anos em 1º
de maio, tornou-se uma das datas magnas do regime político do “Estado Novo”,
sendo tradicionalmente festejado com anúncio de novas leis dedicadas aos
trabalhadores. Em 1938, Getúlio Dornelles Vargas (RS) regulamentou a Justi-
ça do Trabalho, segundo projeto apresentado pelo Ministro do Trabalho
Waldemar Cromwell do Rêgo Falcão (CE). Estava lançada a base para a “Con-
solidação das Leis do Trabalho (CLT)”.
Em 29 de janeiro de 1942, o Presidente da República Getúlio Dornelles
Vargas (RS) assina a Portaria 791, designando uma comissão de dez membros
para “estudar e organizar um anteprojeto de Proteção ao Trabalho e de Previdência
Social”. A comissão dividiu-se em duas: uma para cuidar das leis trabalhistas e
outra da Previdência Social. Apenas a primeira concluiu seus trabalhos.
O anteprojeto elaborado pela comissão foi publicado no Diário Oficial
da União de 5 de janeiro de 1943 para receber sugestões de empregados e
empregadores. Cerca de duas mil sugestões foram enviadas pelas entidades
de classe. Em 31 de março do mesmo ano, a comissão concluiu seu trabalho
e em 1º de maio foi assinado o Decreto-Lei nº 5.452, aprovando o conjunto
das normas que entraram em vigor em 10 de novembro de 1943. Seu texto
foi publicado no Diário Oficial da União em 21 de agosto daquele ano.
Ao longo dos anos a “Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)” vem so-
frendo várias modificações, sem, contudo, perder a essência que motivou sua
criação. Foi modificada em vários pontos, em 1967, pelo Decreto-Lei nº 229.
Voltou a ser atualizada em 1974, por dois decretos que regulamentaram as
férias anuais remuneradas e a segurança e medicina do trabalho. No período
entre 1975 e 1995 foi modificada algumas vezes, resultando de legislações
específicas ou da promulgação da Constituição de 1988.
17 de novembro de 1945. O Partido Comunista do Brasil (PCB) lança a
candidatura de Yedo Fiúza para a presidência da República.
2 de dezembro de 1945. São realizadas as eleições para a Presidência
da República e para o Congresso Nacional. Doze partidos concorrem ao plei-
to eleitoral: o Partido Social Democrático (PSD); o Partido Trabalhista Brasi-
leiro (PTB); o Partido Republicano Democrático (PRD); o Partido Libertador
(PL); o Partido Republicano (PR); o Partido Comunista do Brasil (PCB); o
Partido Popular Sindicalista (PPS); o Partido Republicano Progressista (PRP),
do ex-interventor Ademar de Barros; o Partido Agrário Nacional (PAN); o
Partido Democrata Cristão (PDC); o Partido de Representação Popular (PRP),
do integralista Plínio Salgado e a União Democrática Nacional (UDN). Des-

Sem título-3 414 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 415

ses partidos, apenas quatro conseguiram arregimentar grande massa eleito-


ral: PSD; UDN; PTB e PCB.
São eleitos 286 deputados e 42 senadores. O PSD obtém maioria na
Assembléia Constituinte. O General-de-Exército Eurico Gaspar Dutra (MT)
– ex-ministro da Guerra no Governo de Getúlio Dornelles Vargas (RS) –, é
eleito Presidente da República pela coligação PSD/PTB com 3,2 milhões de
votos e toma posse no dia 31 de janeiro de 1946.
Surpresa nas eleições, em dez meses de legalidade o Partido Comunista
do Brasil (PCB) passa de um partido clandestino com quase 4.000 membros,
para um partido com mais de 100.000 filiados, que leva às urnas aproxima-
damente 600.000 votos que elegem 14 deputados federais, provando mais
uma vez que é um caminho errado pretender afastar pela força e pela violên-
cia as idéias dos homens e as ideologias partidárias. Pela primeira vez em
nossa história legislativa uma bancada comunista estará presente em uma
Assembléia Constituinte.
Com a vitória democrática dos países aliados na “Segunda Guerra Mun-
dial” determina um grande movimento constitucional, em toda parte. Na
Europa surgem nove constituições, doze na América Latina, e cinco nos paí-
ses Árabes e Asiáticos. Ao todo, vinte e seis reordenações constitucionais. A
ditadura do “Estado Novo”, instaurada no Brasil com a Carta de 1937 já não
tem bases em que se apoiar. As oposições vinham se aglutinando desde 1943,
ano em que foi divulgado o “Manifesto dos Mineiros”, que pedia a redemocrati-
zação do País.

1º de fevereiro de 1946. Sexta Feira. Primeira Sessão Preparatória. Pa-


lácio Tiradentes, edifício da Câmara dos Deputados. Sem nenhum antepro-
jeto para subsidiar um novo texto constitucional, os trabalhos constituintes,
soberanos, têm início às 14 horas, no Palácio Tiradentes, edifício da Câmara
dos Deputados, observando-se ainda que, de acordo com o art. 1º da Lei
Constitucional nº 13, “os representantes eleitos a 2 de dezembro de 1945 para a
Câmara dos Deputados e o Senado Federal reunir-se-ão no Distrito Federal, sessenta
dias após as eleições, em Assembléia Constituinte, para votar, com poderes ilimitados, a
Constituição do Brasil”. Grifado pelo compilador.
No Plenário, a presidência cabe ao Ministro Valdemar Falcão, Presiden-
te do Tribunal Superior Eleitoral, de acordo com o art. 4º, da Lei Constitu-
cional nº 15, que dirige a sessão de instalação dos trabalhos preparatórios da
Assembléia Nacional Constituinte para recebimento dos diplomas e eleição
do Presidente dessa Assembléia. Em suas palavras iniciais pede “que Deus
inspire a todos os legisladores, que Deus lhes dê fôrças, inteligência e luzes para encon-
trarem a solução de harmonia, a solução de paz, a solução construtiva que permitem à
civilização cristã ressurgir cada vez mais pura e grandiosa das possíveis ruínas em que
a lançou a guerra sangrenta que há tão pouco tempo terminou”.
O primeiro Constituinte a pedir a palavra pela ordem é o Deputado
Maurício Grabois (PCB-DF): “Sr. Presidente, Srs. Constituintes. Vou levantar uma

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416 Casimiro Neto

questão de ordem, que julgo de grande importância para a Assembléia Constituinte que
hoje se instala. Devemos e precisamos lutar pela soberania desta Assembléia, como
poder legítimo verdadeiramente eleito pelo povo. Ao iniciarem-se, portanto, os traba-
lhos de hoje, precisamos fazer valer essa soberania, que o povo conquistou para a sua
Assembléia Constituinte. Em tal sentido, as normas regimentais, que foram, por assim
dizer, outorgadas a esta Assembléia, não podem prevalecer porque não partiram do
povo, nem da própria Assembléia Constituinte. Refiro-me ao Decreto-lei número 8.708,
que além do mais, se baseia na Carta caduca, para-fascista, de 10 de novembro de
1937. (Muito bem! Palmas.)”. Em seguida apresenta um “Projeto de Normas Regi-
mentais dos Trabalhos Iniciais da Assembléia Constituinte” e que é assinado tam-
bém por Luís Carlos Prestes (PCB-DF), Maurício Grabois (PCB-DF), João
Amazonas de Sousa Pedroso (PCB-DF), Milton Cayres Brito (PCB-SP), Jorge
Amado (PCB-SP), José Maria Crispim (PCB-SP), Alcides Rodrigues Sabença
(PCB-RJ), Agostinho Dias de Oliveira (PCB-PE), Carlos Marighella (PCB-BA),
Gregório Lourenço de Bezerra (PCB-PE)e Osvaldo Pacheco da Silva (PCB-SP).
Questões de ordem são levantadas não reconhecendo a legitimidade do
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral na condução dos trabalhos prepa-
ratórios da Assembléia Nacional Constituinte, que no dizer do Deputado
Carlos Marighella (PCB-BA), “(...) trata-se, realmente, de corpo estranho numa
assembléia que o povo, em memorável pleito, exigiu fosse soberana e livre”. O Presi-
dente, Ministro Valdemar Falcão, responde que “o protesto do nobre representan-
te da bancada comunista constará da ata dos nossos trabalhos. Deixo de submeter a
votos a indicação á que S. Exª se refere por amor á coerência com o próprio ponto de
vista em que se coloca o digno Sr. Deputado. Seria a votação de uma proposta presidida
pelo mesmo corpo estranho a que S. Exª alude” e que o Deputado João Gomes
Martins Filho (PSD-SP) na sessão do dia 4 solicita “(...) ainda de conformidade
com êsse sentir de brasileiro e reconhecendo o elevado espírito de justiça que deve ani-
mar a todos os Constituintes, permitir-me-ia solicitar a tôdas as bancadas reunidas no
Palácio Tiradentes fizessem riscar, da ata do nosso primeiro dia de trabalho, uma ex-
pressão que considero pejorativa qual a de “corpo estranho” atribuída ao Presidente
desta Assembléia, Sr. Ministro Valdemar Falcão, pois os mesmos dispositivos, os mesmos
regulamentos, as mesmas leis que nos trouxeram a esta Casa trouxeram também a
S. Exª. a essa Presidência”.
Na segunda sessão preparatória, no dia 4 de fevereiro, iniciada às 14
horas e 15 minutos, é eleito o Senador Fernando de Melo Viana (PSD-MG),
Presidente da Assembléia Constituinte. Na primeira sessão, no dia 6, é eleito
para Primeiro Vice-Presidente o Deputado Otávio Mangabeira (UDN-BA).

Com as sessões preparatórias tem início a 4ª Assembléia Cons-


tituinte que encerra os trabalhos legislativos no dia 20 de setembro
de 1946.

15 de março de 1946. 11 horas e 30 minutos. Salão Nobre do Edifício


da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da Comissão de Constituição.

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A Construção da Democracia 417

Composta por 37 parlamentares inicia-se a elaboração do “Anteprojeto de Cons-


tituição”. São eleitos para Presidente da Comissão, o Senador Nereu de Oli-
veira Ramos (PSD-SC), para Vice-Presidente o Deputado José Eduardo Pra-
do Kelly (UDN-RJ), que, aliás, foram também, respectivamente os líderes da
maioria e minoria. Para Relator-Geral é eleito o Deputado Carlos Cirillo Júnior
(PSD-SP). Nenhum anteprojeto serve de base aos trabalhos legislativos, que,
assim, se processam diferentemente das Constituições de 1890/91 e 1933/34.
A Comissão de Constituição aprova a distribuição das matérias por dez
subcomissões. Na formação destas foram consultadas as tendências e o dese-
jo dos senhores membros da Comissão Constitucional. Daí resultou a seguin-
te distribuição:
1ª) Organização Federal – Constituintes: José Carlos de Ataliba No-
gueira (PSD), Clodomir Cardoso (PSD) e Argemiro de Figueiredo (UDN).
2ª) Discriminação de Rendas – Constituintes: Artur Sousa Costa, Be-
nedito Valadares Ribeiro (PSD), Aliomar de Andrade Baleeiro (UDN) e Deo-
doro de Mendonça (PPS).
3ª) Poder Legislativo – Constituintes: Benedito Costa Neto (PSD),
Gustavo Capanema (PSD) e José Monteiro Soares Filho (UDN).
4ª) Poder Executivo – Constituintes: Acúrcio Francisco Torres (PSD),
Maurício Graco Cardoso (PSD), José Antônio Flôres da Cunha (UDN) e Raul
Pilla (PL).
5ª) Poder Judiciário – Constituintes: Valdemar Pedrosa (PSD), Atílio
Vivaqua (PSD) e Milton Soares Campos (UDN).
6ª) Declarações de Direitos – Constituintes: Ivo d’Aquino Fonseca
(PSD), Eduardo Duvivier (PSD), Mário Mazagão (UDN), Artur da Silva
Bernardes (PR) e Milton Caires Brito (PCB).
7ª) Ordem Econômica e Social – Constituintes: Agamemnon Sérgio
de Godói Magalhães (PSD), José Carlos de Ataliba Nogueira (PSD), Hermes
Lima (UDN), Paulo Baeta Neves (PTB) e João Café Filho (PRP).
8ª) Família, Educação e Cultura – Constituintes: Adroaldo Mesquita
da Costa (PSD), Flávio Guimarães (PSD), José Ferreira de Sousa (UDN), Pa-
dre Alfredo Arruda Câmara (PDC) e Guaraci Silveira (PTB).
9ª) Segurança Nacional – Constituintes: Silvestre Péricles de Góis
Monteiro (PSD), Joaquim Magalhães Cardoso Barata (PSD) e Edgar de
Cavalcanti Arruda (UDN).
10ª) Disposições Gerais e Transitórias – Constituintes: Carlos Cirilo
Júnior (PSD), José Eduardo Prado Kelly (UDN) e Nereu de Oliveira Ramos
(PSD).
Sobre esta distribuição o Presidente da Comissão, Constituinte Nereu
de Oliveira Ramos (PSD-SC), diz: “Obedecemos em geral á orientação da Consti-
tuição de 1934, embora sem o intuito de estabelecer norma inflexível de trabalho. Orga-
nizamos as subcomissões segundo a distribuição da matéria na Constituição de 34”.
O relator de cada uma destas redige um texto da seção respectiva. De-
pois de emendado no seio da subcomissão, dentro do prazo de dez a quinze

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418 Casimiro Neto

dias, é, em seguida, oferecido à comissão, cujos membros apresentam novas


emendas, que são discutidas e votadas de imediato. Depois estas seções todas
são coordenadas em um projeto, dito da “Comissão Constitucional”, que o ofe-
rece ao Plenário da Assembléia Constituinte para apreciação. Neste, recebe
uma quantidade enorme de emendas, que sofrem a triagem dos relatores e o
novo texto vai a Plenário, novamente, permitindo-se o “destaque” das emen-
das rejeitadas para discussão e votação de cada um deles assim admitidas,
depois de aprovado em globo aquele projeto da Comissão, “salvo emendas”.
As reuniões da Comissão de Constituição, juntamente com os trabalhos
das subcomissões, são publicados desde a primeira sessão, no dia 15 de março
até a 62ª sessão no dia 27 de maio de 1946. A partir da 63ª, em 26 de junho,
passa a se reunir para conhecer das emendas de Plenário e dar o parecer res-
pectivo, indo até a 89ª reunião, em 10 de setembro de 1946, quando a Comis-
são Constitucional se reúne para apresentar as emendas de redação. Prosse-
guindo os trabalhos, em seguida é aprovada a remessa ao Plenário,
imediatamente, da redação final, com as assinaturas de todos os membros da
comissão. Ao final, o Presidente da Comissão Constitucional dá por encerrada
a missão dos membros da referida comissão. Estas reuniões estão publicadas
em cinco volumes denominados de “Anais da Comissão da Constituição – 1946”.
Logo no início das sessões, o Deputado Hermes Lima (UDN-DF) sali-
enta que “a obra será mais de restauração do regime destruído pelo golpe de 10 de
novembro de 1937”. E, realmente, foi essa a tendência restauradora das linhas
de 1891 com as inovações aproveitáveis de 1934, seguindo-se a orientação
social que esta havia adotado (disposições de proteção aos trabalhadores, à
ordem econômica, à educação, à família, etc.), característica do texto que
veio a ser promulgado com grande entusiasmo no dia 18 de setembro de
1946. Abre-se a possibilidade do Presidente e Vice-Presidente da República
serem eleitos por partidos diversos.
Pela primeira vez, na história política do Brasil, sentavam-se no Parla-
mento fortes bancadas de comunistas e de trabalhistas. A predominância era
de conservadores com tendências liberais e que faziam concessões ao proleta-
riado, desejosos de soluções evolutivas e sociais. Diferentemente das Consti-
tuintes anteriores era pequeno o número de militares.
Em meados de março de 1946 surge a primeira denúncia contra o Par-
tido Comunista do Brasil (PCB). O Constituinte e Senador Luís Carlos Pres-
tes (PCB-DF), respondendo a uma pergunta capciosa de jornalistas do “Jor-
nal do Comércio” e da “Tribuna Popular” sobre qual a posição dos comunistas se
o Brasil acompanhasse qualquer nação imperalista que declarasse guerra à
União Soviética, o dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCB) responde:
“Fariamos como o povo da Resistência Francesa, o povo italiano, que se ergueram
contra Petain e Mussolini. Combateriamos uma guerra imperalista contra a URSS e
empunhariamos armas para fazer a resistência em nossa pátria contra um govêrno
dêsses, retrogrado, que quissesse a volta do fascismo. Mas acreditamos que nenhum
govêrno tentará levar o povo brasileiro contra o povo soviético, que luta pelo progresso

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A Construção da Democracia 419

e bem estar dos povos. Se algum govêrno cometesse êste crime, nós, comunistas, lutariamos
pela transformação da guerra imperalista em guerra de libertação nacional”. Grifado
pelo compilador. A polêmica está formada. Depois de quase uma semana de
provocações, de insultos, de expressões injuriosas aos comunistas e ao Cons-
tituinte e Senador Luís Carlos Prestes (PCB-DF), este na sessão do dia 26 de
março em longo pronunciamento, seguido de vários apartes, dá a dimensão
exata de suas palavras na entrevista aos jornais e encerra dizendo: “(...) Somos
radicalmente contrários à reação, à volta ao facismo, à ditadura. Quem ataca, quem
faz esta campanha contra o Partido Comunista, combate a democracia. São campa-
nhas para sufocar o povo, para envenená-lo com a imprensa venal, a serviço de ban-
queiros alienígenas na preparação de uma nova guerra. É contra isso que batemos,
contra isto lutaremos, por todos os meios em tôdas as circunstâncias dentro ou fora da
Assembléia. Não temos o fetichismo da vida legal. Se não nos permitirem a legalidade,
o Partido Comunista, que já viveu 23 anos na clandestinidade, depois de 10 meses de
vida legal, aí está. Queremos a legalidade. Os que desejarem a ilegalidade, que dêm o
primeiro passo nêsse sentido.
(...) Que se unam, pois, todos os patriotas, em defesa da paz e da democracia! Em
defesa da soberania nacional. Era isso o que tinha a dizer. (Muito bem; muito bem.
Palmas. O orador é cumprimentado)”. Grifado pelo compilador.
23 de março de 1946. O advogado Honorato Himalaia Virgulino, que
fora procurador do Tribunal de Segurança Nacional em 1935 e denunciara
os líderes da “Intentona Comunista”, encaminha ao Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) um pedido de cancelamento do registro do Partido Comunista do Bra-
sil (PCB), tendo em vistas as declarações do Constituinte e Senador Luís Carlos
Prestes (PCB-DF). Pouco tempo depois é apresentada denúncia contra este
mesmo partido pelo Deputado Edmundo Barreto Pinto (PTB-DF). A denún-
cia se baseia no fato de ser “o Partido Comunista Brasileiro (PCB) um partido
internacional comandado por Moscou, insuflador da luta de classes, antidemocrático e
que apoiaria a União Soviética no caso de uma guerra entre esta e o Brasil”. As
denúncias são encaminhadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que man-
da ouvir o Partido Comunista do Brasil (PCB). Apresentada a sua defesa e
ouvido o Ministério Público, o Procurador-Geral da República, Temístocles
Brandão Cavalcanti, manda arquivar o processo. Entretanto, no Plenário do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por três votos a dois, o processo não é
arquivado e é ordenada a instauração de sindicância.
8 de agosto de 1946. 14 horas e 30 minutos. Plenário da Assembléia
Constituinte. Sessão Especial para receber o General (Norte-Americano)
Dwight David Eisenhower. Presença de várias autoridades. O Presidente Fer-
nando de Mello Vianna faz a seguinte comunicação: “Desejo submeter à aprecia-
ção dos Srs. Constituintes telegrama que pretendo passar ao Govêrno e à Câmara dos
Representantes dos Estados Unidos, nos seguintes têrmos: “Exmo. Sr. Presidente da
Câmara dos Representantes – Washington – No momento em que o Senado e a Câma-
ra dos Deputados do Brasil, pela unanimidade dos partidos politicos da Nação, se

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420 Casimiro Neto

reunem em sessão especial para receber e homenagear o grande General Dwight


Eisenhower, expoente do glorioso e invicto Exército Norte-Americano, junto ao qual a
Fôrça Expedicionária Brasileira se ufana por haver conquistado galhardamente lou-
ros comuns na luta pelos mesmos e superiores ideais, dirijo a V. Exª e demais membros
dêsse Parlamento uma calorosa mensagem como expressão do inolvidável reconheci-
mento aos insuperáveis e heróicos esforços que os cidadãos da Pátria do grande Roosevelt
consagraram à humanidade para que perdurassem na Terra os postulados inalienáveis
da Democracia. Que Deus inspire os legisladores dos Estados Unidos da América e ao
eminente Presidente Truman, proporcionando-lhes sábias diretrizes nesta fase de recons-
trução e rasgando sólidos e novos caminhos à compreensão entre os homens, para a
preservação definitiva da paz mundial. Minhas cordiais saudações. Fernando de Mello
Vianna – Presidente da Assembléia Constituinte do Brasil. (Aplausos prolongados.)”
“O Sr. Presidente – Considero os aplausos da Assembléia como aprovação do
texto do telegrama, a ser expedido após a sessão”. Grifado pelo compilador.
Após o cerimonial de estilo é dada a palavra ao Deputado Octávio
Mangabeira (UDN-BA), Primeiro Vice-Presidente da Assembléia Constituin-
te, para saudá-lo em nome dos Constituintes e do povo brasileiro. Em um dos
trechos diz: “(...) A mais alta, a mais expressiva, a mais grata das homenagens que
será possível prestar a um chefe militar vitorioso é a de retirar do esquecimento, sempre
que fôr oportuno, para render-lhe o culto a que tanto fizeram jus, os que, tendo banha-
do com o seu sangue o campo de ação, lá ficaram para sempre. Façamo-lo nesta emer-
gência com uma unção tanto maior quanto entre êles figuram alguns dos que forma-
ram na batalha e honraram a nossa bandeira. (Palmas prolongadas.)
Não menos certo, porém, que a mais adequada, a mais própria, a mais sublime
das demonstrações com que a humanidade redimida poderá manifestar o seu reconhe-
cimento aos que por ela morreram, é a que consiste em proceder de maneira que o
sacrifício que os roubou a vida não tenha sido em vão.
Cesse sôbre a terra a iniquidade; cesse sôbre a Terra a tirania, que é o maior dos
insultos à memória dos que se sacrificaram para que os homens e os povos sejam livres”.
Grifado pelo compilador. Ao final deste pronunciamento o orador é entusiástica-
mente cumprimentado. Em seguida é dada a palavara ao General Dwight
David Eisenhower que diz em um dos trechos: “(...) A democracia é essencialmen-
te um sistema político que reconhece a igualdade dos homens perante a lei. Não faz
distinção entre grandes e pequenos nem entre ricos e pobres. Esta forma de govêrno se
apoia sôbre duas grandes pedras fundamentais. A primeira é a fé inquebrantável na
dignidade do indivíduo, no valor eterno da alma humana. A segunda, um sistema de
empreendimentos livres – o direito do homem de conquistar para si próprio e para sua
família uma vida decente com o suor do seu rosto e com o labor de suas próprias mãos.
A democracia reconhece os direitos de cada um para pensar, agir, praticar sua religião,
falar de acôrdo com suas convicções e sua própria consciência. A única restrição é que
êle não deve avançar sôbre os iguais direitos dos outros”. Grifado pelo compilador.

18 setembro de 1946. 15 horas. Plenário da Assembléia Constituinte.


Promulgação da Constituição dos Estados Unidos do Brasil. O Presidente da

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A Construção da Democracia 421

Assembléia Constituinte, Senador Fernando de Melo Viana pronuncia: “Se-


nhores Representantes, quando tôdas as esperanças da nação, todos seus anseios demo-
cráticos se voltam para êste recinto augusto, rejubilamo-nos pelo remate de nosso traba-
lho árduo, conscientes de haver propiciado ao povo brasileiro um código político sem
desnível de sua cultura.
Emergimos de um regime ditatorial sombrio, em que as garantias individuais
foram canceladas, superpondo-se o arbítrio onipoderoso ao direito e à justiça. (Palmas
prolongadas.)
(...)se a construção jurídica de 1946 não pretende a perfeição, é permeada de
largo sôpro de socialização e humanismo, que agita a civilização contemporânea, em
justo equilíbrio.
É uma obra democrática, traçada dentro das lides da civilização cristã, que faz a
felicidade de nossa gente, abnegada e pacífica! Basta Senhores!
É legítima a impaciência pela fórmula que passo a pronunciar instilando, em
nosso nome e por nossa autoridade, vida e eficácia aos preceitos materiais: Nós, os
representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia
Constituinte para organizar um regime democrático, decretamos e promulgamos a Cons-
tituição dos Estados Unidos do Brasil. (Ouve-se o Hino Nacional tocado por orquestra
sinfônica)”. Grifado pelo compilador.
Após a cerimônia de assinaturas, o Presidente da Assembléia Consti-
tuinte faz a seguinte convocação: “Srs. Representantes! Cumprindo disposição cons-
titucional, convoco V. Ex.as para uma sessão extraordinária amanhã, às 14 horas,
para eleição do Vice-Presidente da República e, encerrando esta memorabilíssima sole-
nidade, que deve ficar, para sempre, em nosso espírito e em nosso coração, devo dizer
que me sinto grandemente honrado em ter sido o Presidente desta ilustre Assembléia,
que, pelos seus membros e com o auxílio da elite intelectual de todos os departamentos
da atividade em nossa terra, colaborou, num só esfôrço, sem medir sacrifícios, para a
notável obra, que hoje entregamos ao Brasil – como a entrega que faz da óstia a mão do
sacerdote – afim de ser cumprida com lealdade, com fidelidade, para o bem do nosso
nobre povo.
Convido os Srs. Representantes a comparecerem, em seguida, ao Palácio do Catete,
para comunicação ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República do ato que aca-
bamos de realizar. Viva o Brasil. (Palmas prolongadas. Entusiásticas ovações no recin-
to e nas galerias.)”. Grifado pelo compilador. Registra-se na ata que deixou de com-
parecer o Representante do Estado do Rio Grande do Sul, Getúlio Dornelles
Vargas. Levanta-se a sessão às 18 horas e 55 minutos.
O jornal “Folha Carioca”, em edição extra, deste mesmo dia, destaca em
sua manchete: “Promulgada a Constituição! – fragrantes de “Folha Carioca” no
momento histórico da tarde de hoje, quando era promulgada a nova Constituição,
reintegrando, assim, o país, em pleno regime democrático, após um longo período de
ditadura”. Afirma mais adiante: “A Nação entra, hoje, em nova fase de sua vida,
com a promulgação da nova Carta Magna do país, elaborada pelos constituintes de
1946, em sete meses de trabalho. Foi o ato da promulgação uma grande solenidade, á
altura da significação histórica e do justificado júbilo que proporciona aos brasileiros”.

Sem título-3 421 7/5/2004, 10:21


422 Casimiro Neto

No dia 19 de setembro, no Plenário da Assembléia Constituinte, é eleito


para Vice-Presidente da República o Senador Nereu de Oliveira Ramos (PSD-
SC), com 179 votos favoráveis contra 139 dados ao Sr. José Américo de
Almeida. O eleito é logo em seguida empossado no cargo. No dia 20, após a
fixação do subsídio do Presidente e do Vice-Presidente da República, a última
sessão da Assembléia Constituinte é encerrada às 16 horas e 40 minutos com
a seguinte exortação do seu Presidente: “Levantemo-nos, pois, Senhores, pela
prosperidade e pela grandeza do Brasil! (Muito bem; muito bem! Tôda a Assembléia,
de pé, aplaude demorada e calorosamente.)”.
Quinta Constituição brasileira e quarta da República. Literalmente tão
bem redigida quanto a de 1891 com a estrutura e as linhas gerais asseme-
lhando-se, mas sem a rigidez presidencialista desta. É restabelecida a inde-
pendência dos três poderes, o Poder Legislativo volta a ser bi-cameral com o
Senado voltando à posição de 1891; desaparece a representação classista e os
órgãos de cooperação governamental; o Tribunal de Contas passa a ser regu-
lado pelo Poder Legislativo como órgão de fiscalização orçamentária deste.
As eleições passam a ser diretas em todos os níveis e há liberdade de organi-
zação partidária. É instituido o salário mínimo, o direito de greve e o ensino
gratuito. São excluidas as penas de morte, banimento e confisco. Fim dos
decretos-lei. Os deputados serão eleitos por sufrágio universal, voto secreto e
direto, com sistema de representação proporcional dos partidos políticos. O
Poder Legislativo nos Estados sendo exercido pelas Assembléias Legislativas.
Admite porém uma fonte de atrito incompatível com o presidencialismo: a
possibilidade de Presidente e Vice-Presidente da República serem eleitos por
partidos diversos. Em seus poucos mais de vinte anos de vigência, o que se vai
ver é uma sucessão de crises institucionais. O Congresso Nacional abrirá seus
trabalhos a 15 de março de cada ano e encerrará a sessão legislativa no dia 15
de dezembro, com a Legislatura durando quatro anos. Consagra o “Princípio
Mudancista da Capital da União”, fixando inclusive prazo para início dos estu-
dos de localização da nova Capital.
Pelos debates e discussões apreciadas, nota-se que os constituintes par-
tem do princípio kantiano de que o Estado não é o fim em si mesmo, mas meio
para o fim. Este fim é sempre o homem. O Estado deve fazer convergir seus
esforços, precipuamente para elevar social, física, moral e intelectualmente o
homem. Melhorando este homem do ponto de vista da saúde, da educação, do
bem estar econômico, viria como conseqüência, o desenvolvimento total da
Nação. As finanças municipais passam a ter um tratamento diferenciado e o
Brasil agrícola recebe uma política de recuperação das áreas atrasadas.
Em contraste com outras constituições estrangeiras, as do Brasil, até
então, não previam a punição de parlamentares indisciplinados ou de proce-
dimento incompatível com as suas funções. É então instituída a polícia parla-
mentar. O art. 48, § 2º estatue que “perderá, igualmente, o mandato, o deputado
ou senador cujo procedimento seja reputado, pelo voto de dois terços dos membros de
sua câmara, incompatível com o decoro parlamentar”. Essa pena extrema é aplica-

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A Construção da Democracia 423

da, logo na primeira legislatura, no dia 27 de maio de 1949, ao Deputado


Edmundo Barreto Pinto (PTB-DF), quando, em sessão secreta, é votado o
Projeto de Resolução nº 23, de 1949. A favor da cassação do mandato como
infringente do decoro parlamentar, duzentos e quatro votos, contra quarenta
e seis e em branco dois. Projeto transformado na Resolução nº 22/49 que
“declara perdido o mandato do Deputado Edmundo Barreto Pinto” devido a proce-
dimento incompatível com o decoro parlamentar.
Logo no início do seu mandato cria vários incidentes dentro da Câmara
dos Deputados que não são registrados pelos Anais devido ao policiamento
que a Mesa exerce, mas os fatos tornam-se de conhecimento público. Além
disso, deixa-se fotagrafar de casaca e cuecas com uma garrafa de champa-
nhe, e também nu sob o chuveiro para ilustrar entrevistas a jornalistas. O
“Diário da Noite”, do Rio de Janeiro, na edição de 9 de maio de 1949, começa
a publicar as “Memórias” do referido deputado, relatando os fatos mais ínti-
mos de sua vida e atribuindo a outras pessoas, inclusive deputados, senado-
res, ministros e políticos em geral, a prática de atos reprováveis, de maior ou
menor gravidade.
A bancada do Partido Trabalhista Brasileiro resolve “considerar dela des-
ligado o Sr. Barreto Pinto, por cujas atitudes não assume qualquer responsabilidade,
visto julgá-las reprováveis” e ainda no decorrer do processo incita os brios dos
seus colegas parlamentares dizendo: “que as colunas do Palácio Tiradentes hão de
tremer”.
Têm início a 4ª República
(18/09/1946 a 9/04/1964)

Quadro/Foto nº 22
O Presidente da Assembléia Constituinte, Senador Fernando de Melo Viana,
assina a Carta de 1946 no plenário lotado da Câmara dos Deputados

Sem título-3 423 7/5/2004, 10:21


424 Casimiro Neto

Quadro/Foto nº 22/A e 22/B


Mesa da Assembléia Constituinte de 1946
Palácio Tiradentes – Sede da Assembléia Constituinte de 1946

Sem título-3 424 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 425

Quadro/Foto nº 22/C
O Presidente da Câmara – Deputado Honório Fernandes Monteiro

Sem título-3 425 7/5/2004, 10:21


426 Casimiro Neto

Quadro/Foto nº 22/D
O Presidente da República – Marechal Eurico Gaspar Dutra

Sem título-3 426 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 427

Quarta República
(18/09/1946 a 9/04/1964)

23 de setembro de 1946. 14 horas. Plenário. Início das atividades legis-


lativas.
Ainda neste mês de setembro é encerrada também a sindicância sobre o
Partido Comunista do Brasil (PCB), aparecendo no relatório do Tribunal
Regional Eleitoral (TRE) do Distrito Federal a afirmação de que haviam sido
encontrados dois estatutos do partido: o que estava registrado oficialmente e
outro intitulado “Projeto de Reforma”. Nessa época já se encontra à frente do
processo o Sub-Procurador-Geral da República, Alceu Barbedo, pois o Pro-
curador-Geral da República, Temístocles Brandão Cavalcanti se considerou
impedido, já que fora derrotado no seu pedido de arquivamento do processo.

18 de abril de 1947. Plenário. O Deputado Edmundo Barreto Pinto


(PTB-DF) apresenta requerimento com o seguinte teor: “Por se tratar de ato
público, requeiro que se consigne, em ata, um voto de aplausos ao govêrno federal
mandando suspender, em todo o território nacional, o funcionamento da “União da
Juventude Comunista”, em defesa dos princípios democráticos”. O requerimento está
subscrito por mais dez parlamentares. Após vários debates o requerimento é
retirado de pauta pelo autor.

7 de maio de 1947. Em vista do parecer do Sub-Procurador-Geral da


República, Alceu Barbedo, onde argumenta que, além da irregularidade dos
estatutos, o Partido Comunista do Brasil (PCB) era um partido estrangeiro,
apresentando como prova o seu nome: não era um “Partido Comunista Brasileiro”
e sim um “Partido Comunista do Brasil”. O Tribunal Superior Eleitoral julga
procedentes as acusações contra o referido partido. Em decisão de três votos
contra dois, declara a ilegalidade do Partido Comunista do Brasil (PCB) –
que representava a quarta maior organização partidária do País –, e o cance-
lamento do seu registro eleitoral. Em 10 de maio o Ministro da Justiça e
Negócios Interiores Benedito Costa Neto (RJ) determina o encerramento
das atividades do Partido Comunista do Brasil (PCB). Em 28 de maio é julga-
do o “habeas-corpus” impetrado pelo Senador Luís Carlos Prestes e pelos Depu-
tados Maurício Grabois (PCB-DF) e João Amazonas de Souza Pedroso (PCB-
DF), negado por unanimidade. Desencadeia-se uma forte repressão contra
os núcleos comunistas existentes no Brasil.

Sem título-3 427 7/5/2004, 10:21


428 Casimiro Neto

Mas nem por isso a bancada comunista na Câmara dos Deputados, ten-
do à frente o Deputado Carlos Marighella (PCB-BA), deixa de ser atuante e
continua a apresentar proposições, inclusive sobre a exploração do petróleo.
Participa, também, de grandes debates nacionais até o mês de janeiro de
1948.
7 de janeiro de 1948. Plenário. Sessão Extraordinária. 14 horas. Consi-
derado um atentado às instituições democráticas e uma subversão da ordem
constitucional vigente em relação aos mandatos populares, na opinião de
vários parlamentares, entra em discussão e votação o Projeto de Lei nº 900/47
do Senado Federal que “extingue o mandato dos membros dos Corpos Legislativos
da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos municípios, eleitos ou
não sob legendas partidárias pela cassação do registro do respectivo partido, pela perda
dos direitos políticos e outros”. São apresentadas várias emendas e destaques.
Votam nominalmente a favor da cassação do mandato dos parlamentares
comunistas 169 Deputados, e 74 votam contra, inclusive Affonso Arinos de
Mello Franco (UDN-MG). Na declaração de voto do Deputado Edmundo
Barreto Pinto (PTB-DF) este assim se posiciona: “Coerente com a minha atitude
e como autor da denúncia para a cassação do registro do P.C.B., votei pelo projeto,
pronto mérito, uma vêz que fôra rejeitada a preliminar de sua inconstitucionalidade.
Não póde haver mandatário de um partido que não mais existe. Não quer isso, entre-
tanto dizer que apresentados por outros partidos, possam aquêles representantes compa-
recer novamente ás urnas, como aliás sustenta o próprio relator na Comissão de Cons-
tituição e Justiça”. Grifado pelo compilador. Sancionado transforma-se na Lei nº 211,
de 7 de janeiro de 1948.
10 de janeiro de 1948. A Mesa da Câmara dos Deputados, em face do
disposto no art. 2º da Lei nº 211, de 7 de janeiro de 1948, e tendo em vista o
Ofício nº P.R. 088, de 9 de janeiro de 1948, do Presidente do Tribunal Supe-
rior Eleitoral, declara extintos os mandatos de deputados e suplentes eleitos
sob a legenda do Partido Comunista do Brasil (PCB). A Mesa do Senado
Federal havia tomado a mesma decisão em 9 de janeiro declarando extinto o
mandato do Senador Luís Carlos Prestes (PCB-DF) e seu respectivo suplente,
Abel Abreu Chermont. Essas medidas atingiram um senador e seu suplente,
quatorze deputados federais e seus suplentes e vários deputados nas assem-
bléias estaduais. Em 18 de maio de 1949 é julgado pelo Supremo Tribunal
Federal o primeiro “mandado de segurança” impetrado contra a cassação dos
mandatos dos representantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) no Con-
gresso Nacional, sendo indeferido por unanimidade.
Restaram dois deputados comunistas no Congresso Nacional, Diógenes
Lopes de Arruda Câmara (PST-SP) e Pedro Ventura Felipe de Araújo Pomar
(PSP-SP) e exercem os seus mandatos até 31 de janeiro de 1951.
Com o Congresso Nacional cassando os mandatos de deputados e sena-
dores, calam as vozes de legítimos e expressivos representantes da esquerda
no Parlamento, perde em seu conteúdo os grandes debates nacionais.

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A Construção da Democracia 429

Com o mundo dividido entre dois blocos: o capitalista e o comunista,


que se enfrentam numa “guerra fria”, cabe ao Brasil o papel de destaque da
democracia na América do Sul em contraste com o sindicalismo populista de
Perón na Argentina. A presença norte-americana passa a ser fortíssima na
sociedade brasileira atingindo largos segmentos das novas classes médias ur-
banas. O Brasil alinha-se ao chamado “mundo livre”, capitaneado pelos ame-
ricanos, conseqüência lógica da vitória aliada na “Segunda Guerra Mundial”.
7 de dezembro de 1949. Congresso Nacional. É promulgado o Decreto
Legislativo nº 64, de 1949 que “aprova a Carta da Organização dos Estados Ame-
ricanos, firmada em Bogotá, República da Colômbia, a 30 de abril de 1948, pelo
Brasil e outros países”. Este decreto e o texto são publicados no Diário do Con-
gresso Nacional do dia 8 de dezembro de 1949.

10 de abril de 1950. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da


República Eurico Gaspar Dutra (MT) sanciona a Lei nº 1.079, que “define os
crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento”. São crimes
de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem con-
tra a Constituição Federal, inclusive o livre exercício do Poder Legislativo, do
Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados e o exercício dos
direitos políticos, individuais e sociais.
17 de julho de 1950. Plenário. O Deputado Affonso Arinos de Mello
Franco (UDN-MG) apresenta o Projeto de Lei nº 562 que “inclui entre as con-
travenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor”. Em
sua justificativa assim se expressa o autor: “Uma das manifestações mais chocan-
tes de desrespeito aos direitos do homem e à dignidade da pessoa humana, que ainda se
pode observar na época atual, é, sem dúvida, o preconceito de raça ou de cor. (...) Por
mais que se proclame a inexistência, entre nós, do preconceito de raça, a verdade é que
êle existe, e com perigosa tendência a se ampliar. (...) Nada justifica, pois, que continu-
emos disfarçadamente a fechar os olhos à prática de atos injustos de discriminação
racial que a ciência condena, a justiça repele, a Constituição proíbe e que podem con-
duzir a monstruosidade como os “pogroons” hitleristas ou a situações insolúveis como a
da grande massa negra norte-americana”. Transforma-se na Lei nº 1.390, de 3
de julho de 1951, sancionada pelo Presidente da República Getúlio Dornelles
Vargas (RS). Primeira lei contra a discriminação racial no Brasil, declara no
artigo 1º que “constitui contravenção penal, punida nos têrmos desta Lei, a recusa, por
parte de estabelecimento comercial ou de ensino de qualquer natureza, de hospedar, servir,
atender ou receber cliente, comprador ou aluno, por preconceito de raça ou de côr”.
É memorável o pronunciamento do Deputado Affonso Arinos de Mello
Franco (UDN-MG) feito no dia 5 de julho de 1951 e do qual se destaca: “(...)
o projeto que ontem, pela sanção do Exmo. Sr. Presidente da República, se transformou
em lei, não é nem deve ser considerado obra individual de nenhum membro do Con-
gresso Nacional e, sim, obra coletiva de compreensão e de progresso intelectual de todo
o Congresso Nacional.

Sem título-3 429 7/5/2004, 10:21


430 Casimiro Neto

(...) a obra não foi absolutamente minha. Não fui mais do que um insuficiente
instrumento da expressão de um estado de consciência coletiva, que se refletiu normal e
verdadeiramente no estuário da consciência nacional, que é o Parlamento brasileiro.
Esta é uma lei – não me pesa nem é prova de vaidade dize-lo – que honra o Congresso,
por que é uma lei que coloca o Congresso na vanguarda de todo o pensamento socioló-
gico, de todo o pensamento político, de todo o pensamento científico da época moderna
em relação a esta matéria.
Aliás, era tradição do pensamento brasileiro a luta contra a discriminação ra-
cial. Nos tempos da Colônia, na minha terra de Minas Gerais, quando os intelectuais
se reuniam nas conspirações de que deveria sair aquêle admirável movimento que foi a
Inconfidência Mineira, já Alvarenga Peixoto, entre as preocupações que mais o atrai-
am, nos debates coletivos, ressaltava exatamente a necessidade da abolição do escravos.
(...) Posteriormente, um dos maiores homens de Estado do país, que foi o primeiro José
Bonifácio, colocou a abolição entre os seus planos de govêrno.
Não precisamos rememorar a atividade de homens que, durante o Império, se
bateram pela causa contrária à discriminação racial – homens como Perdigão Malheiros,
autor de trabalho ainda hoje admirável sob tantos pontos de vista; homens como Rebouças
– para que, no fim do Império, êsse movimento insuperável viesse florir e se espraiar
na obra imortal de Ruy Barbosa, em seu grande parecer sôbre a emancipação, e nos
discursos admiráveis de Joaquim Nabuco, dentro e fora desta Casa do Congresso.
Falo como descendente de antigos senhores de escravos. Lembro-me, ainda, Sr.
Presidente, na minha infância, das figuras veneráveis da negra Racquel e da negra
Beatriz, que morreram em nossa casa, escravas que foram dos meus avós. Lembro-me
do carinho com que eram recordados os negros como Flor, como Joaquim Mironga,
como Pedro Barqueiro, como tantos outros que passaram a tipos literários, imortaliza-
dos pelas páginas do primeiro Afonso Arinos. Falo, em consequência, como homem que
se criou no respeito, na admiração e na ternura pela raça negra, que formou o Brasil.
Nós nos formamos embalados pelos braços dos negros. Nós nos criamos, progredimos,
enriquecemos, alimentados pelo trabalho e pelo suor dos africanos. E foi para mim,
motivo de revolta íntima, foi para mim sempre motivo de protesto incontido da minha
consciência democrática de brasileiro, o espetáculo deprimente que oferecia o nosso
país, no momento em que a Constituição Federal proibe as discriminações de raças,
saber eu que o Itamarati negava entrada aos negros, sob especiosos argumentos, e que
na Marinha e na Aeronátuica, recusava-se entrada aos candidatos negros, sob os mes-
mos pretextos inconfessáveis. Por consequência, foi cedendo a uma linha de coerência
do pensamento nacional, foi cedendo a uma tradição de ternura, de afeto e de admira-
ção que herdei dos meus maiores, foi sobretudo atendendo à consciência que encontrei
formada e resoluta no Congresso Nacional, que modestamente me prestei a servir de
instrumento para êsse alto desiderato da nossa cultura.
Já que estou falando nesta Casa, já que estou fazendo o retrospecto de idéias nesse
recinto, pediria à Câmara dos Deputados do Brasil que se lembrasse, no dia de hoje, da
figura notável de Monteiro Lopes, o primeiro e grande Deputado negro que inaugu-
rou, em 1909, sua campanha, sua batalha pela libertação econômica e racial dos
negros. Monteiro Lopes foi o pioneiro da raça no Brasil, precursor de tôdas as novas

Sem título-3 430 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 431

idéias que hoje nos empolgam e arrastam. Penso fechar essas minhas comovidas pala-
vras de saudação ao Congresso Nacional – porque quero saudar neste momento o
Congresso Nacional – recordando o grande nome de Monteiro Lopes e recomendando-
o à admiração dos nossos conterrâneos”.

24 de julho de 1950. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da


República Marechal Eurico Gaspar Dutra (MT) sanciona a Lei nº 1.164, que
“institui o código que regula a Justiça Eleitoral, os partidos políticos e toda matéria
relativa a alistamento, eleições e propaganda eleitoral.”. Obriga os partidos a uma
escrituração rigorosa de receitas e despesas e a fiscalização das contas por
parte da Justiça Eleitoral.

25 de outubro de 1950. O Congresso Nacional decreta e o Presidente


da República Marechal Eurico Gaspar Dutra (MT) sanciona a Lei nº 1.207,
que “dispõe sobre o direito de Reunião”. O art. 1º determina que “sob nenhum
pretexto poderá qualquer agente do Poder Executivo intervir em reunião pacífica e sem
armas, convocada para casa particular ou recinto fechado de associação, salvo no caso
do § 15 do artigo 41 da Constituição Federal, ou quando convocação se fizer para
prática de ato proibido por lei”.

13 de julho de 1951. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da


República Getúlio Dornelles Vargas (RS) sanciona a Lei nº 1.395, que “dis-
põe sôbre a eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República pelo Congresso
Nacional”. No caso de vacância dos cargos de presidente e vice-presidente
da República na segunda metade do período presidencial, far-se-á a eleição
pelo Congresso Nacional para ambos os cargos, trinta dias depois da última
vaga.

18 de setembro de 1951. Plenário. Sessão Solene. Comemoração do


quinto aniversário da promulgação da Constituição Federal. O Deputado
Tancredo de Almeida Neves (PSD-MG) assim se expressa: “(...) Sr. Presidente.
Srs. Deputados. Não se julga uma constituição pelos princípios que codifica, mas prin-
cipalmente pela soma de benefícios que ela prodigaliza. Elas constituem poderosos ins-
trumentos de técnica jurídica destinados a alcançar o objetivo supremo de tôda a demo-
cracia, que é a justiça, e o bem estar social. Este é o ideal democrático, na sua mais alta
expressão. Atingí-lo é a missão que o destino outorgou às novas gerações. Aspera e
penosa é a luta para alcançá-lo.
(...) A democracia é pois um ideal em permanente dinamismo, que se transforma
e aperfeiçôa num incessante desenvolvimento, que não lhe permite conquistas pacificas
e definitivas. Cada posição alcançada, reclama uma constante renovação de esforços,
de trabalhos e de sacrifícios. Mais do que uma técnica de governo, mais do que uma
concepção de vida, é a democracia um conjunto de valores reais, que dão sentido à
existencia, enobrecem as coletividades e valorizam o homem.
Desgraçados dos povos que deixarem sufocar no seu coração e apagar no seu
espírito a chama do amôr à democracia. Estarão irremissivelmente condenados à igno-

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432 Casimiro Neto

mínia da escravidão e serão conduzidos, não como criaturas humanas, iluminadas por
um espírito imortal, mas como rebanhos, sem alma e sem consciência...
Honremos, pois, a nossa Constituição. Ela é o primado do Direito e nos assegura
uma vida digna e livre. (Muito bem; muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado)”.
Grifado pelo compilador.
Em seguida fala o Deputado Affonso Arinos de Mello Franco (UDN-
MG): “(...) A passagem do primeiro lustro da Constituição democrática de 1946, – cujo
transcurso a Câmara festeja em solenidade que deve servir de exemplo educativo para
o culto da Constituição em todo o país – sugere algumas reflexões que valham para a
nossa classe dirigente, com auto-crítica, diante dos agitados anos que acabamos de
viver, e como tomada de consciência, em face do futuro talvez atormentado que nos
aguarda.
(...) Para cultuar a Constituição, é preciso conhecê-la, para conhecê-la é necessá-
rio aplicá-la, para aplicá-la é indispensável não temê-la.
(...) Rivarol dizia que a lei é como o escudo: pesa mas protege. A Constituição não
é só um escudo, é um lar. É o lar democrático em que todos nós nos acolhemos para
viver com dignidade e liberdade a fascinante existência política: esta luta em prol do
reinado da legalidade para o poder e da conquista da maior felicidade para todo o
povo. (Muito bem; muito bem. Palmas prolongadas. O orador é cumprimentado)”.
Grifado pelo compilador.

11 de dezembro de 1951. Plenário. É lido o Projeto de Lei nº 1.516,


que “dispõe sobre a constituição da sociedade por ações Petróleo Brasileiro S. A. e dá
outras providências”, de autoria do Poder Executivo. Getúlio Dornelles Vargas
(RS) havia tomado posse na Presidência da República no dia 31 de janeiro de
1951 e conforme promessas de campanha propõe, entre outros, o “Programa
do Petróleo Nacional” e a criação da “Sociedade por Ações Petróleo Brasileiro S.A.”.
Grandes debates no Congresso Nacional e manifestações que levam milhares
de pessoas às ruas com a polêmica campanha “O Petróleo é Nosso”. Transfor-
ma-se na Lei nº 2.004, do dia 3 de outubro de 1953.
Com o envio das Mensagens nºs 469 e 470, de 6 de dezembro de 1951,
pelo Presidente da República Getúlio Dornelles Vargas (RS), ao Congresso
Nacional, acompanhadas dos Projetos de Lei nºs 1.516 e 1517, de 11 de
dezembro de 1951, que tratam, respectivamente, da constituição da Socieda-
de por Ações Petróleo Brasileiro S. A., do provimento de recursos para o
Programa Nacional do Petróleo e para o Fundo Rodoviário Nacional, têm
início os grandes debates em busca de soluções para o seu encaminhamento.
O Projeto de Lei nº 1.516/51 que acompanha a mensagem é sucinto.
Tem apenas 31 artigos. No artigo 2º está determinado que “a Petróleo Brasilei-
ro S. A. terá por objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o comércio e o transporte de
petróleo e de seus derivados, inclusive de xisto betuminoso, bem como quaisquer ativi-
dades correlatas ou afins”.
A iniciativa do Poder Executivo mobiliza de imediato o Congresso
Nacional para uma tomada de posição em torno da matéria. A Mesa da Câ-

Sem título-3 432 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 433

mara dos Deputados distribui os projetos às Comissões de Constituição e


Justiça; de Economia; de Transportes, Comunicações e Obras Públicas; de
Segurança Nacional; e de Finanças. Técnicos são convocados e ouvidos pelas
Comissões. Tal providência se deve à necessidade de firmar-se desde logo no
Parlamento brasileiro, um juízo mais rigorosamente técnico que político, de
modo a permitir o conhecimento mais profundo de um problema
legislativamente novo para os congressistas – o da exploração do petróleo.
Os debates sobre a forma de organizar a indústria brasileira do pe-
tróleo despertam paixões, mobilizam grupos de interesse e ganham as ruas.
É consenso da maioria que o problema petrolífero deve ser entendido como
uma questão nacional. É o Estado preservando a sua soberania nos setores
considerados estratégicos, que segundo a lição de Bérenger “impera quem tem
petróleo. Impera nos mares pelos óleos pesados. Impera nos céus pelas essências leves.
Impera nos continentes pelas gasolinas. Impera no mundo pelo poder financeiro liga-
do a uma matéria mais preciosa, mais envolvente e mais dominadora que o próprio
ouro”.
Durante a convocação extraordinária da sessão legislativa de 1951 - ja-
neiro de 1952 -, vários deputados se pronunciam na tribuna sobre a matéria.
No dia 22 deste mês, o Deputado Euzébio Rocha Filho (PTB-SP) apresenta o
Projeto de Lei nº 1.595, que “dispõe sôbre a organização da Sociedade por Ações
Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima, e dá outras providências”, prevendo o mo-
nopólio estatal e praticamente definindo o nome da nova empresa. O referi-
do projeto é subscrito por mais 25 parlamentares e tem como justificativa do
autor o de reajustar o Projeto de Lei nº 1.516, do Poder Executivo, ao texto
da mensagem que o apresenta. A discussão divide os parlamentares entre
defensores e críticos do monopólio. O nome da nova estatal também é alvo
de debates. É sugerido o nome de “Empresa Nacional de Petróleo (ENAPE)”. De
volta das Comissões especializadas, no dia 5 de junho de 1952, o Projeto de
Lei nº 1.516-A/51 com os pareceres, emendas e seus apensados: os Projetos
de Lei nºs. 1.517/51 e 1.595/52 são lidos em Plenário e vão a impressão. No
dia 6 de junho de 1952 é anunciada a primeira discussão do projeto, que se
vai prolongar até o dia 2 de julho. Nesta data somam-se 126 emendas apre-
sentadas ao projeto. Vai às Comissões para os devidos pareceres. De retorno
das Comissões especializadas, o Projeto de Lei nº 1.516-B/51 é publicado no
Suplemento nº 156 do dia 23 de agosto de 1952. Entra na “Ordem do Dia”,
para discussão e votação dos pareceres com emendas, no dia 1º de setembro
de 1952. Em 3 de setembro é anunciada a redação para discussão do Projeto
de Lei nº 1.516-C/51. No dia 8 de setembro é anunciada a redação para
discussão do Projeto de Lei nº 1.516-D/51. Em 11 de setembro é anunciada a
votação das emendas, que se prolonga até o dia 18. No dia 23 é anunciada a
redação final do Projeto de Lei nº 1.516-E/1951, que é votada a 25. Em 30 de
setembro de 1952 o projeto é enviado ao Senado Federal.
De acordo com o substitutivo aprovado, no artigo 1º, fica estabelecido
“o monopólio da União sobre a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e outros

Sem título-3 433 7/5/2004, 10:21


434 Casimiro Neto

hidrocarbonetos fluídos e gases raros, existentes no território nacional; a refinação do


petróleo nacional ou estrangeiro; o transporte marítimo do petróleo bruto de origem
nacional ou de derivados de petróleo produzido no País, e bem assim o transporte, por
meio de condutos de petróleo bruto e seus derivados, assim como de gases raros de
qualquer origem”. No artigo 5º do substitutivo, é estabelecido que “fica a União
autorizada a constituir, na forma da lei, uma sociedade por ações, que se denominará
Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima e usará a sigla ou abreviatura de Petrobrás”. É
a consagração da campanha “O Petróleo é Nosso”, deslanchada por vários seg-
mentos sociais nacionalistas, em décadas anteriores e a partir da apresenta-
ção da proposição.
Enquanto o projeto em questão tramitava na Câmara dos Deputados,
no Senado Federal, durante a “Hora do Expediente”, vários oradores ocuparam
a tribuna para debater o problema do petróleo brasileiro. Enviado ao Senado
Federal o projeto recebe o número 265/52. Naquela Casa, na sessão do dia 9 de
junho de 1953, é aprovado com 32 emendas, desfigurando inteiramente o teor
aprovado anteriormente. Em seguida é devolvido à Câmara dos Deputados.
O movimento popular cresce. Parlamentares, técnicos, militares, es-
tudantes, movimentos sociais, e meios de comunicação lançam a campanha
de rua em defesa do Petróleo brasileiro. A reação nacionalista propaga-se
intensa e rapidamente.
Pela Resolução nº 327, de 14 de julho de 1953, é constituída pela
Câmara dos Deputados uma Comissão Especial de 15 membros para dar
parecer sobre as emendas oferecidas pelo Senado Federal ao Projeto de Lei
nº 1.516-E/51. Seus integrantes são nomeados pelo Presidente da Casa no
dia 15 de julho. No dia 17 são publicadas as emendas do Senado Federal. O
Deputado Carlos Alberto Lúcio Bittencourt (PTB-MG), relator das emendas
do Senado Federal, reconstitui a proposta original. A Comissão Especial dá
seu parecer a 31 de agosto de 1953. Na sessão do dia 8 de setembro é lido, em
plenário, o parecer da Comissão Especial às emendas do Senado Federal. A
partir de 10 de setembro, o projeto entra em discussão única na “Ordem do Dia”
da Câmara dos Deputados que se extende até o dia 15 de setembro. No dia 18
entra em discussão a redação final. No dia 21 é aprovado o Projeto de Lei nº
1.516-H/51, com a manutenção do monopólio estatal. Sobe, a seguir, à sanção
presidencial e se transforma na Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953.
A campanha “O Petróleo é nosso” empolga o País e serve de pretexto
para que Câmara dos Deputados aprove, finalmente, a legislação sobre o
petróleo. Através da votação da redação final toma forma a redação do artigo
1º da lei, que define os setores da indústria monopolizadora, e a do artigo 2º,
sobre o exercício do monopólio, a cargo da Petrobrás.
O escritor Euzébio Rocha nos ensina que “do ponto de vista histórico e
sociológico, o analista político encontra na campanha do petróleo brasileiro um movi-
mento decisivo para os destinos do Brasil. O movimento não teve a sua origem nos
elementos representativos da aristocracia econômica, cultural ou política do País, ao
contrário das lutas pela independência, a abolição e a República. Nasceu da sensibili-

Sem título-3 434 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 435

dade e patriotismo do povo brasileiro com destacada participação da classe média. Das
camadas populares ascendeu aos valores mais expressivos da nacionalidade”.
A campanha “O Petróleo é nosso” é uma página histórica da Instituição
parlamentar que, registrada nos Anais e Diários das duas Casas do Congresso
Nacional, nos dá a exata dimensão da sua importância no trato das grandes
decisões nacionais. E aqui vale lembrar Woodrow Wilson – Presidente dos
Estados Unidos – 1913-1921 –, Quando diz que “a Nação que possui petróleo em
seu subsolo e o entrega a outro país para explorar, não zela pelo seu futuro”.
30 de abril de 1953. Congresso Nacional. É promulgado o Decreto
Legislativo nº 30, de 1953, que “aprova o Acôrdo de Assistência Militar assinado
no Rio de Janeiro em 15 de março de 1952 entre a República dos Estados Unidos do
Brasil e os Estados Unidos da América”. O decreto e o texto são publicados no
Diário do Congresso Nacional do dia 1º de maio de 1953.

23 abril de 1954. Plenário. É lido o Projeto de Lei nº 4.280 que “autori-


za a União a construir a empresa Centrais Elétricas Brasileiras S. A. – Eletrobrás e dá
outras providências”, de autoria do Poder Executivo. Trata do estabelecimento
do monopólio estatal de energia elétrica e transforma-se na Lei nº 3890-A,
de 23 de abril de 1961. Esta matéria e mais a elevação do salário-mínimo, em
maio deste mesmo ano, acaba provocando reações da direita. O País começa
a viver dias tensos, com grandes debates e discussões na imprensa e no Con-
gresso Nacional. Prega-se abertamente um golpe militar. O jornalista Carlos
Frederico Werneck de Lacerda (DF) é um dos principais responsáveis pelo
clima ao mover oposição tenaz ao Governo de Getúlio DornellesVargas (RS),
através do seu jornal “Tribuna da Imprensa”.
5 de agosto de 1954. Às primeiras horas deste dia, à rua Toneleros, no
Bairro de Copacabana, desenrola-se um bárbaro atentado onde perde a vida
o Major Aviador Rubens Florentino Vaz e ficam feridos o jornalista Carlos
Frederico Werneck de Lacerda (DF) e o Guarda Municipal Sálvio Romero.
Quando, em frente ao edifício nº 180 da Rua Toneleros, se despedem, após
ligeira palestra, no final de uma viagem de automóvel, o Major Aviador Rubens
Florentino Vaz, espécie de guarda-costas, o jornalista Carlos Frederico Werneck
de Lacerda (DF) e o seu filho menor Sérgio são inopinadamente atacados a
tiros por um desconhecido que consegue atingir mortalmente o major e em
um pé o referido jornalista, o qual reagindo a bala, provoca a fuga do agressor.
Este tem sua retirada interceptada pelo Guarda Municipal Sálvio Romero,
que armado de revólver, procura evitar sua fuga, e contra ele, o desconheci-
do, dispara sua arma. Na troca de tiros o guarda fica ferido e o malfeitor
consegue fugir. O policial ainda atira contra o automóvel que o criminoso
utiliza para a evasão e toma seu número, fato que contribue para que, horas
depois, o motorista do automóvel se entregue à prisão. É aberto um Inquéri-
to Policial Militar (IPM), conduzido pela Aeronáutica, na Base Aérea do Galeão.
Suspeita-se que a tentativa de assassinato do Jornalista Carlos Frederico

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436 Casimiro Neto

Werneck de Lacerda (DF) teria sido tramada nos bastidores do Palácio do


Catete, por homens ligados ao Presidente da República Getúlio Dorneles
Vargas (RS) contra quem o jornalista estava movendo, na imprensa e na tele-
visão, uma violenta e inflamada campanha. Entre os suspeitos é citado o nome
de Gregório Fortunato, Chefe da Guarda Pessoal do Presidente da República.
O atentado precipita a crise já anunciada.
O Jornal “Tribuna da Imprensa” destaca em sua manchete: “A Nação exige
os nomes dos Assassinos”. Em editorial diz: “O sangue de um inocente. Rubens
Florentino Vaz, herói do Correio Aéreo Nacional, pai de quatro crianças, caiu esta
noite a meu lado. Meu próprio filho correu, com êle, o risco a que estão sujeitos os
brasileiros entregues a um regime de corrupção e de terror.
Os que não cedem à corrupção caem sob a ação da violência.
Temos dito isto. Há neste país quem não saiba que a corrupção do govêrno Vargas
gera o terror do seu bando?
Dia após dia, noite após noite, a ronda da violência faz o cêrco aos que não
cedem à coação do dinheiro.
Hoje, que mais posso dizer? A visão de Rubens Vaz na rua, com duas balas a
queima-roupa; a viagem interminável que fiz com êle até o Hospital, vendo-o morrer
nos meus braços, impede-me de analisar a frio, neste momento, a hedionda emboscada
desta noite.
Mas, perante Deus, acuso um só homem como responsável por esse crime. É o
protetor dos ladrões, cuja impunidade lhes dá audácia para atos como o desta noite.
Esse home chama-se Getúlio Vargas.
Ele é o responsável intelectual por esse crime. Foi a sua proteção; foi a covardia
dos que acobertaram os crimes dos seus asseclas que armou de audácia os bandidos.
Assim como a corrupção gera a violência, a impunidade estimula os criminosos.
Penso nessas crianças e no meu filho. Rubens Vaz morreu na guerra. Morreu
esse querido amigo, na mais terrível, na mais insidiosa das guerras: a de um povo
inerme contra os bandidos que constituem o govêrno de Getúlio Vargas. Carlos Lacerda”.
O jornalista Carlos Frederico Werneck de Lacerda (DF) começou a tra-
balhar no “Diário de Notícias” como repórter em 1929. Comunista na juventu-
de, tornou-se anticomunista em 1939 e passou para a extrema direita. Com
seu jornal “Tribuna da Imprensa”, combateu Getúlio Dornelles Vargas (RS) sem
dar trégua. O “demolidor de presidentes” como era chamado, foi deputado pela
UDN entre 1955 e 1960. Participou da tentativa de golpe contra o Presidente
Juscelino Kubitschek de Oliveira (MG) em 1955 e colaborou para derrubar o
Presidente Jânio da Silva Quadros (MS) em 1961. Participou ainda do golpe
que derrubou João Belchior Marques Goulart (RS) em 1964, porque achava
que a ditadura duraria pouco. Com a consolidação da ditadura, une-se a
Juscelino Kubitschek de Oliveira (MG) e João Belchior Marques Goulart (RS)
na denominada “Frente Ampla” para a restauração da democracia. Um dos
mais combativos e combatido líder conservador, seus discursos e artigos aba-
lam a República.

Sem título-3 436 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 437

9 de agosto de 1954. Plenário. Os Deputados Aliomar de Andrade Ba-


leeiro (UDN-DF), Affonso Arinos de Mello Franco (UDN-MG), Nelson de
Sousa Carneiro (PSD-DF) e José Bonifácio Lafayete de Andrada (UDN-MG)
comentam e fazem críticas ao Governo sobre o crime da Rua Toneleros. O
Deputado Aliomar de Andrade Baleeiro (UDN-DF) assim se pronuncia: “Sr.
Presidente, Srs. Deputados, estranho que nesta emergência as bancadas do PSD este-
jam quase desertas! É realmente sinal de gravidade extrema a ausência dos líderes da
maioria nesta Casa.
A Nação tôda se debruça sôbre os acontecimentos novos das últimas 48 horas.
Não há cidadão brasileiro, por mais alheio ao problema político, que não se dê conta do
ambiente pesado que cerca o país no momento.
(...) Os fatos, tais como os jornais publicam, são de ordem pôr a Câmara dos
Deputados em atitude de expectativa grave. O que se está jogando neste momento não
é simplesmente a punição de um crime, mas própria perenidade das instituições repu-
blicanas e das instituições democráticas, em cujo nome nos reunimos, nesta Casa. Há
algo que diz mais do que a hora que passa. Ela é uma hora decisiva para o futuro da
própria nacionalidade! Não se iluda o ilustre vice-líder da maioria: – estamos numa
das encruzilhadas da nossa História.
A paciência da Nação Brasileira, neste momento, está esgotada. Ela contempla a
Câmara dos Deputados e o Senado como órgão dos quais espera uma atitude, do mesmo
modo que aguarda de outras instituições permanentes a medida que se impõe nas cir-
cunstâncias.
(...) Por mais que procure recordar-me, por tôda a história brasileira, não me
lembro que a instituição presidencial houvesse caído mais baixo do que neste momento.
(...) O Govêrno que desgraçadamente, hoje se acha à frente do País, é daqueles
que recorrem a todos os meios: ao peculato, à corrupção ativa e passiva, a tôdas as
formas de desfaçatez, até à falsificação de documentos que apresenta, como apresentou,
a êste Congresso em 1937, sob a capa de Relatório Cohen. Se hoje, êle passa dos crimes
contra o erário e arma o braço assassino na calada da noite mais uma razão existe para
que não interrompamos um minuto nossa vigilância. – (Muito bem; muito bem.
Palmas.)”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Affonso Arinos de Mello Franco (UDN-MG) trata também
do assunto: “(...) no caso que vitimou o Major da Aeronáutica e que milagrosamente
poupou ao jornalista Carlos Lacerda, o desfôrço pessoal, a violência direta, dentro do
seu caráter execrando apresenta circunstâncias particulares de repulsão!
(...) O que se passou na Rua Toneleros não foi o golpe do duelista romântico, não
foi o bote do homicida apaixonado, foi a espera, foi a tocaia noturna, foi a guarda do
morcêgo repulsivo para desferir, sem ódio, para desferir sem razão, a fim de lançar
convenientemente, na sua conta de “deve” e “haver”, o golpe traiçoeiro, o fogo mortí-
fero, a emboscada da traição que, poupando aquêle a quem deveria ser dirigida, veio,
no entanto, ceifar, na flor de sua glória, uma das vidas de humildade mais rutilante,
uma das vidas de modéstia mais poderosa, uma das vidas de obscuridade mais rica que
êste País tem produzido.

Sem título-3 437 7/5/2004, 10:21


438 Casimiro Neto

(...) Senhor Presidente, eu não falo como homem da oposição, eu falo como líder
da minoria, eu não falo como adversário do Govêrno. Eu falo com a voz estertorada de
angústia, eu falo com o coração espezinhado de dor, eu falo com sentimentos revoltados
de patriota, eu falo em nome de todos os brasileiros que têm qualquer coisa a defender
neste resto que ainda nos sobra de país, que têm qualquer respeito a manter por êsse
trapo de Bandeira que ainda se arrasta! (Palmas) E é com êsses sentimentos, é com essa
mágoa calorosa, com essa dor e êsse sofrimento que eu venho, em face do povo, em nome
do meu Partido, perguntar, reclamar, exclamar: Em que país estamos nós?! Em que
país estamos nós que fatos como êsses se processam há dias, que acontecimentos como os
relatados se desenrolam há dezenas de horas e não há esperança de que se possa chegar
ao desmascaramento dessas farsas sucessivas, e não há esperança de que um pouco de
alento nos venha levantar o velho, o cansado coração?!
(...) Esta, a meu ver, a grande chave, a tragédia inútil, a monótona, a monocórdia,
a disciplinada, a tediosa tragédia do Senhor Getúlio Vargas. Para manter um Poder
que não exerce, para servir-se de uma fôrça que não utiliza, para usar dos instrumen-
tos de que não dispõe, amortece o País, aniquila as resistências, confunde os valores,
desbarata as esperanças, desgraça a Nação”. Grifado pelo compilador.
13 de agosto de 1954. Plenário. O Deputado Affonso Arinos Mello Fran-
co (UDN-MG) – Como Líder da Minoria –, analisa o discurso e as declarações
feitas à imprensa pelo Presidente da República quando em visita oficial a
Minas Gerais e, ao final, pede a renúncia de Getúlio Dornelles Vargas (RS):
“(...) Senhor Presidente, há uma versão histórica; há, pelo menos, uma tradição
legendária que declara que, no momento em que a maior justiça se encontrou com a
maior injustiça e no dia em que o erro supremo se defrontou com a suprema verdade,
nesse dia o juiz, o interessado na justiça, o representante do poder estatal, que era
Pôncio Pilatos, em face da perturbadora fúria, em face do transviamento das multidões
arrebatadas, esquecendo-se dos deveres morais que incumbiam a sua pessoa e dos mis-
teres políticos que incumbiam a seu cargo, respondeu, a uma advertência, com estas
palavras melancólicas: “Mas, o que é a verdade?”.
A resposta a esta pergunta tem sido inutilmente procurada pelos pensadores e
pelos filósofos. O que é a verdade? Para cada um ela se apresenta para cada além, para
cada esperança, para cada paixão, para cada interesse. Para cada além, para cada
esperança a verdade se reveste de roupagens enganosas. Mas ninguém jamais formu-
lou esta pergunta em relação à negação da verdade, ninguém perguntou jamais: “O
que é a mentira?”.
Ao Sr. Getúlio Vargas respondo que, se não é possível saber o que é a verdade, é
perfeitamente possível saber-se o que não é a mentira.
(...) Senhor Presidente Getúlio Vargas, eu lhe falo como Presidente: reflita na sua
responsabilidade de Presidente e tome, afinal, aquela deliberação que é a última que
um Presidente na sua situação pode tomar.
(...) – lembre-se dos homens e dêste país e tenha a coragem de ser um dêsses
homens não permanecendo no Govêrno, se não fôr digno de exercê-lo. (Muito bem;
muito bem. Palmas. O orador é vivamente cumprimentado)”. Grifado pelo compilador.

Sem título-3 438 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 439

24 de agosto de 1954. Com a evolução da crise política no País o Presi-


dente da República Getúlio Dornelles Vargas (RS) recebe um ultimato das
Forças Armadas. Neste dia, às 8 horas da manhã, o Presidente suicida-se com
um tiro no coração.
Plenário da Câmara dos Deputados. 14 horas. O Deputado Rui Almeida
(1º Secretário) – procede à leitura do seguinte EXPEDIENTE
Da Presidência da República, nos seguintes têrmos:
Em 24 de agosto de 1954. Senhor Presidente da Câmara dos Deputados: Tenho
a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência que, nesta data, em face do
falecimento do Exmo. Senhor Presidente Getúlio Vargas e de acôrdo com o que prescre-
ve a Constituição Federal, assumi a chefia do Poder Executivo.
Apresento a Vossa Excelência os protestos de elevada estima e distinta considera-
ção. – João Café Filho”.
Falam, em seguida, sobre o lamentável episódio os Deputados José
Augusto Bezerra de Medeiros (UDN-RN), Gustavo Capanema (PSD-MG),
Affonso Arinos Mello Franco (UDN-MG), e o Deputado Ruy Vitorino Ramos
(PTB-RS) que pronuncia-se também a respeito, lendo as últimas declarações
do ex-Presidente: “Senhor Presidente, Senhores Deputados, para um rio-grandense,
para um rio-grandense trabalhista, amigo de tantos anos do Presidente Getúlio Vargas,
é tarefa sobremodo difícil e espinhosa usar da palavra, nesta oportunidade. Já que
tenho o dever de fazê-lo em nome do meu Partido e dos rio-grandenses que represento
nesta hora, devo iniciar o meu discurso com uma explicação pessoal, de que me consi-
dero devedor ao nobre patrício e eminente colega o Deputado Afonso Arinos. Nós os
trabalhistas da bancada nesta Câmara já nos acostumamos a ver na pessoa do ilustre
mineiro uma das figuras mais expressivas da intelectualidade e dos quadros políticos do
nosso país. Homem de talento excepcional, de equilíbrio e de tolerância, palavra serena
e respeitosa que soube grangear nesta Casa a admiração e aprêço de todos os seus
colegas.
Ao iniciar o seu discurso, poderia Sua Excelência se ter sentido desconsiderado
pela atitude que assumiu, naquele momento, a bancada trabalhista na Câmara Fe-
deral, retirando-se do plenário para não ouvir a homenagem de que Sua Excelência se
fazia portador. Não foi feita, com essa atitude, nenhuma desconsideração pessoal ao
nobre Deputado – desejo frizar isto nesta oportunidade; mas Sua Excelência vinha à
tribuna para falar em nome de fôrças que chocaram profundamente o nosso coração
nestes últimos tempos, fôrças que consideramos arbitrárias e reacionárias, e que aquela
eminente palavra representava. Mesmo sem saber o tom do seu discurso, mas simples-
mente, porque êle iria representar uma homenagem de muitos que nós considerávamos
hipócritas em face do cadáver do Presidente Vargas (Palmas), nós furtamos ao prazer e
ao privilégio de ouvir mais uma vez a sua palavra iluminada.
(...) O líder Gustavo Capanema já fixou êsse aspecto da tragédia: de que o Presi-
dente Getúlio Vargas se suprimiu para salvar a honra de seu nome. Era exatamente
isso que Osvaldo Aranha acentuava na explicação que me dava. Além disso êle exami-
nava aspectos verdadeiramente comoventes e grandiosos dos últimos instantes do gran-
de brasileiro.

Sem título-3 439 7/5/2004, 10:21


440 Casimiro Neto

Presidira a sessão dos Ministros: discutia, com lógica e serenidade; examinara os


problemas que lhe foram submetidos com o equilíbrio que caracterizava a sua invulgar
personalidade. A essa hora, já havia elaborado o documento histórico que transmite, de
hoje, à posteridade, já tinha meditado sôbre êle, e conta Osvaldo Aranha que viu o
Presidente Vargas reler o documento escrito, cujo conteúdo desconhecia, e que S. Exa.
ainda acrescentara uma vírgula em determinado trecho, a fim de que o seu pensamento
ficasse devida e fielmente expresso.
Osvaldo Aranha, a certa altura da palestra que manteve com o Presidente, exa-
minou a possibilidade de providências que poderiam ser tomadas, no sentido de supe-
rar a crise e evitar a violência e o derramamento de sangue e ouviu esta expressão do
Presidente: Êsse problema de sacrifício é só comigo; se alguém precisa se sacrificar, êsse
devo ser eu”.
Diz Osvaldo Aranha que entendeu que êle se referia à função, mas nunca à vida.
Em certo trecho, também, o Presidente teria dito que daquele Palácio não sairia
mais um Presidente: sairia um cadáver.
Ninguém atentou, como era natural, para a realidade daquelas expressões vigo-
rosas, que já definiam e marcavam uma decisão inabalável. Lá, então, tomei conheci-
mento do teor dos dois notáveis documentos deixados pelo Senhor Getúlio Vargas com a
sua assinatura, documentos que vão passar à História, um dêles com todas as caracte-
rísticas de um documento evangélico.
Vou ler à Casa êsses documentos, que desejo façam parte integrante do discurso
modesto que pronuncio nesta hora. O primeiro é do teor seguinte:
“As últimas declarações do Presidente Getúlio Vargas”.
O Presidente Getúlio Vargas que faleceu na manhã de hoje, deixou as seguintes
declarações ao Povo brasileiro:
“Mais uma vez, as fôrças que os interêsses contra o povo coordenaram novamen-
te, se desencadeiam sôbre mim.
Não me acusam, me insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o
direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu
não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é impôsto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos
econômicos financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o
trabalho de libertação e instaurei um regime de liberdade social. Tive que renunciar.
Voltei ao Govêrno nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacio-
nais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do traba-
lho. A Lei de Lucros Extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da
revisão do salário-mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional
na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, e mal começa esta a fun-
cionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespêro.
Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o Govêrno dentro da espiral inflacionária, que destruía os valores do
trabalho. Os lucros das emprêsas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas
declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de
100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal

Sem título-3 440 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 441

produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sôbre a
nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma agressão
constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a
mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos
posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém,
querem continuar, sugando o Povo Brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho êste meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis a minha
alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater a vossa porta, sentirei em vosso peito
a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no
meu pensamento a fôrça para a reação. Meu sacrifício nos manterá unidos e meu nome
será a vossa bandeira de luta.
Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e man-
terá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio, respondo com o perdão. E aos que
pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje
me liberto para a vida eterna. Mas êsse povo de quem fui escravo, não mais será
escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será
o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho
lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia, não abateram o meu ânimo. Eu
vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o
primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”.
Além desse documento formal, o Presidente, no seu último momento, escreveu, à
mão, num papel qualquer que estava aos seu alcance, mais estas palavras, produto
talvez do seu último solilóquio:
“À sanha dos meus inimigos deixo o legado da minha morte. Levo o pesar de não
ter podido fazer pelos humildes tudo aquilo que desejava”.
Desejei, Senhores Deputados, fixar êstes aspectos para caracterizar bem a gran-
deza, o heroísmo, a nobreza, a superioridade moral com que morreu o Presidente Getú-
lio Vargas.
E encerra dizendo: “Sirva a renúncia tão solicitada do Presidente Vargas,
sirva o sacrifício da sua vida e do seu sangue, da sua carreira que êle mesmo cortou no
momento em que entendeu necessário, sirva êste exemplo a nós, trabalhistas e à geração
que nos há de suceder; sirva êste exemplo para novas lutas, para novas batalhas em
favor do povo que tanto precisa de nós, como tanto precisou dêle. – (Muito bem; muito
bem. O orador é abraçado)”. Grifado pelo compilador.
O Jornal “Última Hora” em sua manchete principal destaca: “Cumprindo
sua promessa: “Só morto sairei do Catete, Getúlio Vargas suicidou-se”. Vargas suici-
dou-se, hoje, às 8,35 horas. O Presidente Getúlio Vargas, cumprindo sua promessa de
que só sairia morto do Catete, suicidou-se, em seus aposentos particulares, com um tiro
no coração.
Logo às primeiras notícias do suicídio do Presidente da República grande núme-
ro de personalidades do mundo político, social e militar acorreram ao Palácio do Catete.

Sem título-3 441 7/5/2004, 10:21


442 Casimiro Neto

É grande o nervosismo em toda a cidade, acreditando-se que o gesto dramático do


Presidente modificará o ambiente político, agravando possivelmente a crise que se su-
punha superada com o seu propósito de licenciar-se passando o governo ao seu substi-
tuto legal, Sr. Café Filho”.
Os dias seguintes são marcados por violentas manifestações populares.
Acelera e aprofunda a crise em que o País já se debatia. Morre o Presidente da
República com suas virtudes e defeitos. Nasce o mito.
O Vice-Presidente João Fernandes Campos Café Filho (RN) assume a
Presidência do República. É controlado pelas forças conservadoras da União
Democrática Nacional (UDN) que atuara em agressiva oposição a Getúlio
Dornelles Vargas (RS). Em 1955, realizam-se as eleições para o qüinqüênio
1956-1961, saindo vencedor o Sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira (MG) para
presidente e João Belchior Marques Goulart (RS) para Vice. O Presidente da
República João Fernandes Campos Café Filho (RN) afasta-se do cargo, antes
de concluir seu mandato por motivo de doença – ataque cardíaco –, passando
a Presidência da República para o Deputado Carlos Coimbra da Luz, Presi-
dente da Câmara, no dia 8 de novembro de 1955. Este pretende demitir o
Ministro da Guerra, Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott (MG) e é depos-
to no dia 11 de novembro por um “golpe preventivo” para garantir a posse dos
eleitos em outubro de 1955. Assume a Presidência da República até a posse
dos eleitos o Senador Nereu de Oliveira Ramos (SC), Vice-Presidente do Se-
nado Federal, conforme deliberação das duas Casas legislativas. No dia 21 de
novembro de 1955, o Dr. João Fernandes Campos Café Filho (RN), tendo
recebido alta, resolve reassumir a Presidência da República, mas esse propó-
sito é declarado inconveniente pelos generais liderados pelo Ministro da
Guerra. No dia 23, o Congresso Nacional decreta o impedimento do Dr. João
Fernandes Campos Café Filho (RN). O Senador Nereu de Oliveira Ramos
(SC) transmite o cargo de Presidente da República ao eleito Dr. Juscelino
Kubitschek de Oliveira (MG) no dia 31 de janeiro de 1956, o qual inicia o seu
governo em clima de incertezas, tendo, inclusive, problemas com oficiais da
Aeronáutica que por duas vezes iniciam movimentos revoltosos, logo venci-
dos e anistiados.

4 de abril de 1955. O candidato à Presidência da República, Juscelino


Kubitschek de Oliveira (MG), discursa em um comício, em uma noite fria, na
cidade de Jataí, interior do Estado de Goiás. Conta-se que quando acaba de
prometer cumprir fielmente a Constituição Federal é interrompido por um
homem, com jeito caipira, de nome Antônio Soares Neto, o “Toniquinho”.
Estava ao lado do caminhão de som e havia disparado, com seu vozeirão, a
seguinte pergunta: “O senhor disse que, se eleito, irá cumprir rigorosamente a Consti-
tuição. Desejo saber, então, se pretende pôr em prática o dispositivo da Carta Magna que
determina, nas suas Disposições Transitórias, a mudança da capital federal para o Pla-
nalto Central?”. O candidato Juscelino Kubitschek de Oliveira (MG) hesita dian-
te da pergunta à queima-roupa, mas reage com presteza e firme em sua respos-

Sem título-3 442 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 443

ta diz: “Sim, se eleito for, cumprirei a Constituição e construirei a nova capital aqui, no
interior do Brasil”. Promessa de campanha que mudaria os rumos do País.
E aqui vale relembrar os fatos históricos da República para concretizar a
interiorização da Capital do Brasil. O Vice-Presidente da República Floriano
Vieira Peixoto (AL) cria, no ano de 1892, a Comissão Exploradora do Planal-
to Central do Brasil, mais tarde conhecida como “Missão Cruls”. A chefia des-
ta missão cabe ao cientista e astronômo belga Luís Cruls – Diretor do Obser-
vatório Nacional –, para estudar e demarcar a área do Distrito Federal. Ofício
datado de 30 de setembro de 1892, do Ministro da Agricultura, Comércio e
Obras Públicas, encaminha Mensagem do Vice-Presidente da República,
Marechal Floriano Vieira Peixoto (AL), que “manda consignar no Orçamento
desse ministério, para o exercício de 1893, uma verba de 80:000$000 (oitenta contos
de réis), destinadas às despesas com a Comissão do Planalto Central da República, sob
a direção do Dr. Luiz Cruls, para exploração e demarcação da futura Capital Federal”.
No local, são gastos nove meses de trabalho, de 9 de junho de 1892 a 28 de
fevereiro de 1893, e o relatório final é apresentado ao Governo Federal em
1894. Neste trabalho são empregados 22 homens, divididos em quatro gru-
pos, que percorrem mais de quatro mil quilômetros em lombos de animais,
acampam sob lonas precárias, convivem com as doenças e com a solidão do
planalto central, longe da civilização. Demarcam a área da futura capital do
País, um quadrilátero, onde encontram as condições naturais para sua im-
plantação, de acordo com a Constituição Federal de 24 de fevereiro de 1891,
artigo 3º, onde está determinado que “fica pertencendo à União, no planalto
central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportuna-
mente demarcada para nela estabelecer-se a futura Capital federal”. Além disso,
detalham topografia, clima, geologia, fauna, flora, recursos minerais e mate-
riais da região explorada. Porém, somente em 1922, caravana chefiada pelo
Engenheiro Balduino Almeida definiu onde edificar o marco da “Pedra Fun-
damental da futura Capital Federal dos Estados Unidos do Brasil”, nas cercanias de
Planaltina, no Morro Centenário, entre os rios Sobradinho e São Bartolomeu.
No dia 7 de setembro de 1922 é lançada a “Pedra Fundamental da Nova Capi-
tal”, a nove quilômetros da Cidade de Planaltina de Goiás.
A Constituição de 1946 – Ato das Disposições Constitucionais Transitó-
rias –, fixa prazo para início dos estudos de localizão da nova Capital. São
aventadas três hipóteses: o Triângulo Mineiro; a cidade de Goiânia (recém-
construída); e o “Quadrilátero Cruls” (já demarcado). O Presidente da Repú-
blica Marechal Eurico Gaspar Dutra (MT) nomeia uma nova Comissão de
técnicos, presidida pelo General-de-Brigada Djalma Poli Coelho, para proce-
der ao estudo da localização da nova Capital. Após quase dois anos de estu-
dos, pesquisas e debates, a Comissão conclui seus trabalhos, adotando a solu-
ção encontrada pela “Missão Cruls”, favorável ao Planalto Central de Goiás.
Mas somente em 1953, o Presidente da República Getúlio Dornelles Vargas
(RS) sanciona a Lei nº 1.803 que define prazo para a conclusão dos estudos
definitivos, fixando uma área de aproximadamente 52.000 quilômetros qua-

Sem título-3 443 7/5/2004, 10:21


444 Casimiro Neto

drados, incluindo o “Quadrilátero Cruls” e regiões que abrangiam Anápolis,


Goiânia e parte de Minas Gerais (Unaí). É designada nova Comissão presidi-
da pelo General-de-Brigada Aguinaldo Caiado de Castro e depois, no Gover-
no João Fernandes Campos Café Filho (RN), pelo Marechal José Pessoa Ca-
valcante de Albuquerque. Esta Comissão fixou seus estudos em duas áreas: o
Triângulo Mineiro, e o “Quadrilátero Cruls”. Após estudos dos cinco sítios de
1.000 quilômetros quadrados cada, selecionados por Donald Belcher, optou
por localizar a nova Capital no sítio Castanho, compreendendo uma área do
território de Planaltina banhada pelos rios Torto, Paranoá, Bananal e Gama,
situados dentro do “Quadrilátero Cruls”. Tomando-se por base o sítio escolhi-
do, estabeleceram-se os limites de uma área de 5.000 quilômetros quadrados
ao seu redor, sendo indicado um território de 5.800 quilômetros quadrados.
O Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira (MG), em sua
primeira mensagem ao Congresso Nacional, se refere à necessidade da cons-
trução da nova Capital do Brasil, no Planalto Central.
5 de maio de 1955. Plenário. É publicado o parecer da Comissão de
Constituição e Justiça sobre o pedido relacionado ao Ofício nº 3.274, de 31
de dezembro de 1954, da 14ª Vara Criminal do Distrito Federal, que pede
licença para processar o Deputado Carlos Frederico Werneck de Lacerda (DF)
com o seguinte teor: “Exmº Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. Correndo por
êste Juízo uma queixa-crime, em que é querelante o Doutor Lutero Sarmanho Vargas e
querelado o Dr. Carlos Lacerda, incurso nos artigos 139 e 140, c/c o artigo 141, nº
III, do Código Penal, cuja cópia autêntica da queixa segue junto a êste, solicito de V.
Exª, nos têrmos do artigo 45 da Constituição Federal, a devida licença para o prosse-
guimento da referida queixa, que se encontra, presentemente, na fase da instrução
criminal.
Informo a V. Exª que estava designado o próximo dia 6 de janeiro, para ter lugar
a inquirição das testemunhas de acusação, mas, devido a diplomação do querelado
como Deputado Federal, êste Juízo sustou o andamento da referida queixa, aguardan-
do a licença acima solicitada.
Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Exª os protestos de estima e con-
sideração. O Juiz de Direito, Júlio Alberto Alvarez.”
Segue um extenso arrazoado extraído dos autos, o relatório da comis-
são e o parecer que opina, seja concedida a licença para prosseguimento da
queixa-crime.
É publicado também, em seguida, outro parecer da mesma comissão,
sobre o pedido relacionado ao ofício nº 8.377, de 18 de novembro de 1954,
da 1ª Vara Criminal do Distrito Federal, que pede licença para proceder cri-
minalmente contra o Deputado Euvaldo Lodi (PSD-MG), com o seguinte
teor: “Atendendo à representação feita pelo Dr. Promotor Público em exercício nêste
Juízo, encaminho a essa Câmara a solicitação de licença requerida pelo Ministério
Público, para proceder criminalmente contra o Deputado Euvaldo Lodi, por partici-
pação no crime a que já respondem, nesta Vara, os acusados Gregório Fortunato e

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A Construção da Democracia 445

outros, pelo homicídio do Major Rubens Florentino Vaz e tentativas de morte contra
Carlos Lacerda e Salvio Romeiro.
Vai esta instruída com cópias autênticas das peças do processo criminal em curso,
indicadas pelo Dr. Promotor Público, bem como da petição pela defesa do referido Depu-
tado e dirigida a êste Juízo.
Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Exª os meus protestos de alta
estima e distinta consideração. O Juiz Substituto, Luiz Carlos da Costa Carvalho.”
Seguem-se a um extenso arrazoado extraído dos autos, os acontecimen-
tos na Capital da República, os depoimentos das testemunhas e dos envolvi-
dos no crime da Rua Toneleros, o relatório da comissão e o parecer que opina
seja concedida a licença para processar o Deputado Euvaldo Lodi (MG).
Gregório Fortunato, chefe da Guarda Pessoal do Presidente da Repúbli-
ca Getúlio Dornelles Vargas (RS) é condenado a pena de 20 anos de reclusão
como mandante do atentado da Rua Toneleros no dia 5 de agosto de 1954.
Às primeiras horas deste dia, à Rua Toneleros, no Bairro de Copacabana,
desenrolara um bárbaro atentado onde perde a vida o Major Aviador Rubens
Florentino Vaz e ficam feridos o jornalista Carlos Frederico Werneck de Lacerda
(DF) e o Guarda Municipal Sálvio Romero.
No dia 23 de outubro de 1962, Gregório Fortunato é assassinado na
Penitenciária Lemos de Brito pelo detento Feliciano Emiliano Damas, que
acreditava ser o ex-chefe da Guarda Pessoal do Presidente da República ain-
da influente o suficiente para puni-lo com a transferência da Lemos de Brito
para a Colônia Penal da Ilha Grande.
26 de abril de 1956. Câmara dos Deputados. Plenário. Presidência do
Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PSD-SP). É lida a Mensagem nº 156/
56 do Poder Executivo, que “dispõe sobre a mudança da Capital Federal e dá outras
providências”. Devidamente protocolado como o Projeto de Lei nº 1.234/56,
cria, ainda, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap).
Esta mensagem foi assinada pelo Presidente Juscelino Kubitschek de
Oliveira (MG), em um bar, no aeroporto de Anápolis (GO), no dia 18 de abril
de 1956, três meses depois de eleito em 3 de outubro de 1955, por isso ficou
denominada como a “Mensagem de Anápolis”.
Em 27 de abril, deste mesmo ano, o Deputado Emival Ramos Caiado
(UDN-GO) apresenta requerimento de urgência para tramitação do projeto
nos seguintes termos: “Senhor Presidente, por considerarmos a interiorização da
Capital Federal um dos problemas de base da nacionalidade, tomamos a liberdade de
solicitar regime de urgência para a mensagem presidencial que trata do assunto. O
requerimento que neste instante, encaminho a V. Exª é subscrito plos Líderes da Maio-
ria, da Minoria e do Bloco Parlamentar de Oposição, conta com mais de 142 assinatu-
ras”. Grifado pelo compilador.
Em 4 de maio o Deputado José Trindade da Fonseca e Silva (PSD-GO)
em pronunciamento de grande repercussão faz a defesa da interiorização da
Capital Federal: “(...) A interiorização da Capital do País não é uma idéia de nossos

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446 Casimiro Neto

dias, muito menos uma paixão platônica dos goianos e Estados circunvizinhos. É um
determinismo da consciência nacional. Ela nasceu com evolução de nossa gente. Quando
da opulência do ouro nos séculos 17, 18 e 19, quando se proibia nas Minas de Goiás
e Mato Grosso que houvesse agricultura da cana de açucar e roças em geral e que os
filões de ouro eram a única condição de existência de nossos lugares, é oportuno regis-
trarmos aqui à guisa de justiça e de função histórica o nome de quem primeiro falou na
idéia de interiorização da Capital do Brasil. Esse nome é o do cartógrafo, senão o
primeiro medidor de nossas terras e planificador de nossos caminhos em pleno século
setecentista, Francisco Tosse Columbina, discípulo do jesuíta Gabriel Soares, essa primícia
histórica do nativismo anhanguerino, que em 1750 já trabalha em Goiás, conforme
documentação deixada por Capistrano de Abreu e citada por Azevedo Pimentel da
Comissão Cruls. Tôda essa documentação se acha na sessão de cartografia da Bibliote-
ca Nacional e no Arquivo Mineiro, como remanescentes do acêrvo histórico que perten-
cera ao Visconde de Linhares em Portugal.
O movimento da Inconfidência Mineira de 1779 coloca ao lado da flâmula da
idéia de nossa independência política, a idéia fixa de se arrancar do Rio de Janeiro a
sede da prepotência lusitana. Para não ficarmos dentro de nossas aspirações, longe de
qualquer jacobinismo, lembraríamos aquela passagem histórica em que o Embaixador
inglês, em 1809, William Pitt, discorrendo sôbre o poderio territorial português, venti-
lou a idéia quanto ao Brasil, que se mudasse a sua Capital, para o interior do País.
Numa homenagem ao Velho Portugal lembrava o nome de Nova Lisbôa.
O “Correio Brasiliense” que circula de 1803 a 1822, sob a direção do intimorato
José Hipólito da Costa Pereira Furtado de Mendonça, transformou-se na pira ardente
na defesa da interiorização da Capital do Brasil. Dizia ele: “Para o Sertão, no interior
central e imediato às cabeceiras dos grandes rios que se dirigem ao norte, ao sul, ao
nordeste e ao sudeste”. É a primeira fonte histórica que focaliza o sítio privilegiado do
Planalto Central Brasileiro.
É oportuno que se lembre aqui a influência dos Andradas no evento da idéia.
Homens da governança de São Paulo, em 1821, João Carlos Augusto Ugenhauseu,
presidente, José Bonifácio de Andrada e Silva, vice-presidente e Martin Francisco Ri-
beiro de Andrada, secretário, dirigem aos nossos deputados ao Congresso de Lisbôa um
veemente apêlo, objetivando a Mudança da Capital do Brasil. Diz o precioso documen-
to: Ser muito útil que se levante uma cidade central no interior do Brasil, para assento
da Côrte ou Regência, lembrando, naquela época, o nome batismal de Brasília.
Em 1823, na Constituinte de nossa primeira Carta Magna, é o mesmo José Boni-
fácio de Andradra e Silva que apresenta na sessão do dia 9 de junho a emenda histórica,
instituindo para o Brasil o diploma constitucional da Mudança da Capital do Império.
E a idéia passa agora para as cogitações doutrinárias de conspicuos historiadores. É o
diplomata e Ministro de Estado, inegávelmente grande historiador, Francisco Adolfo
Varnhagem, o futuro Visconde Pôrto Seguro, a comandar a idéia da mudança da Capital
do Império, assinalando as cabeceiras das grandes bacias hidrográficas da potamografia
brasileira. No Planalto Central de Goiás nascem: o Tocantins, o Paranaíba e o São
Francisco, respectivamente a bacia do Amazonas, do Prata e a Franciscana, na concep-
ção geo-econômica da centralização do poder político no centro geográfico do Brasil.

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A Construção da Democracia 447

A República de 89 consagra o problema da Mudança da Capital Federal


esteriotipada na Constituição de 91, idéia repetida na Constituição de 1934, confir-
mada e ampliada na atual Carta Magna.
Todos os Presidentes da República falaram da grande idéia em suas plataformas.
Mas merecem registro histórico, a bem da verdade, o Marechal Floriano Peixoto e, mais
perto de nós Epitácio Pessoa, em 1922, o qual por um admirável trabalho parlamentar
do saudoso Americano do Brasil, reviveu o assunto. Em nossos dias, desde o Marechal
Eurico Gaspar Dutra, todos os Presidentes da República tiveram os seus nomes ligados
ao problema da Mudança da Capital, através de atos oficiais objetivando alguma
realização da idéia em marcha.
Mas, Sr. Presidente e Senhores Deputados, à margem de um imperativo constitu-
cional, em que pese o desequilíbrio demográfico de nossa Pátria, desequilíbrio há bem
pouco quase total, entre a orla marítima e a interlândia brasileira, dir-se-ia, os muros
da Serra do Mar e os encantos das praias do Atlântico, vêm em abono da grande
emprêsa os exemplos da História pátria.
(...) Os movimentos de caráter revolucionário que enobrecem as páginas de nossa
história emprestam exemplos de significativa expressão, em que as capitais se muda-
ram, revolucionariamente, dentro dos anseios que objetivaram a nossa independência
política.
(...) Quase todas as revoluções do Brasil tiveram as suas Capitais, que se muda-
ram e se movimentaram na proporção da marcha de suas lutas.
É com estas considerações, Sr. Presidente e Senhores Deputados, que lanço do
alto desta tribuna o mais veemente apêlo, no sentido de que se instale nesta Casa uma
nova Confederação do Equador pela efetivação da Mudança da Capital.
(...) O Brasil ainda olha para os continentes daqueles que nos conquistaram pela
história e nos amarram pelos tratados internacionais, como se ainda sobre nós pesasse
aquele clima colonizador dos séculos 17, 18 e 19. A Capital Federal no interior do
Brasil é o primeiro passo para essa independência econômica, pela valorização dos
nossos lugares, através do aproveitamento das nossas reservas encravadas nos recursos
naturais daquelas faixas esquecidas e separadas da governança controlada pelos efei-
tos imediatos de acordos políticos.
(...) A interiorização da Capital Federal equilibra as distâncias, equilibra os “fa-
vores” e dá ao Presidente clima e espaço de mais aproximação com as populações bra-
sileiras. O Governo deixa a política da extremidade para passar ao torax, onde reside
a fôrça motora do organismo humano. Daí o topônimo consagrado de “Coração do
Brasil”, com que sonhou Pôrto Seguro, quando frisou as cabeceiras das três grandes
bacias da potamografia brasileira, no Planalto Central de Goiás.
Apelo para esta Casa, dizendo que é chegado o momento. A pedra de toque mo-
veu-a o honrado Sr. Presidente da República. Agora urge que vença à onda dos
turvadores e se entregue o Brasil aos destinos sonhados por várias gerações, levando
para o interior do seu corpo geográfico a sede do Govêrno da República. (Muito bem;
muito bem. Palmas). Grifado pelo compilador.
Em 7 de maio é constituída a “Comissão Especial de Mudança da Capital”,
tendo como relator o Deputado Emival Ramos Caiado (UDN-GO). O primei-

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448 Casimiro Neto

ro parecer com substitutivo é aprovado em 24 de julho de 1956. A Câmara


Municipal de Araçatuba/SP e outros municípios enviam manifesto encarecendo a ne-
cessidade de ser aprovado com a possível brevidade o projeto que dispõe sobre a transfe-
rência do governo da República para Goiás. Em 30 de agosto de 1956 é aprovada,
em Plenário, a redação final. No dia 04 de setembro é enviado ao Senado
Federal. Em 18 de setembro é aprovado e enviado à sanção presidencial. Em
19 de setembro de 1956 o Presidente da República, Juscelino Kubitschek de
Oliveira (MG), eleito em 3 de outubro de 1955 e tendo tomado posse em 31
de janeiro de 1956, sanciona a Lei nº 2.874, regulando a transferência da
Capital Federal e criando a Companhia Urbanizadora da Nova Capital
(Novacap). No mesmo dia é lançado o “Concurso do Plano Piloto”. Cumpre-se
a Constituição de 1946 e que já constava das Cartas de 1891 e 1934. Como as
30 metas de governo já estavam estruturadas, o Presidente Juscelino
Kubitschek de Oliveira (MG) elege a construção da capital como sua meta
síntese. Em fevereiro de 1957, sob a direção dos arquitetos Oscar Niemeyer e
Lúcio Costa (autor do Plano Piloto da cidade), uma multidão de trabalhado-
res denominados coletivamente de “Candangos” – palavra originária do
“quimbundo-angolano kangundu”, que significa pessoa ruim, ordinário, vilão,
mas que em Brasília significa um novo homem – o operário, o construtor, o
visionário, o descamisado, o esperançoso, os rebeldes de primeira e segunda
geração, qualquer dos primeiros habitantes de Brasília. Nos inúmeros cantei-
ros de obras são chamados de acordo com o seu local de origem – é o minei-
ro, o paulista, o ceará, o paraíba, o gaúcho, o goiano, o catarina, o baiano, e
tantos outros de todas as terras e nascimentos. Orgulhosos de suas origens,
iniciam um regime de 24 horas de trabalho ininterrupto na construção da
nova capital do País. Em abril de 1957, surgem as primeiras casas de madeira
na “Cidade Livre”. No dia 7 de maio, é rezada a primeira missa, na presença
de aproximadamente 15 mil pessoas.
27 de agosto de 1956. Câmara dos Deputados. Plenário. O Emival Ra-
mos Caiado (UDN-GO) apresenta o Projeto de Lei nº 1.773, que “fixa a data
da mudança da Capital Federal, e dá outras providências”, ou seja, a transferência
devendo ser realizada no dia 21 de abril de 1960. No dia 19 de setembro de
1957 é aprovada a Redação Final e enviado ao Senado Federal. Em 27 de
setembro o Senado Federal comunica a remessa do projeto à sanção. Trans-
forma-se na Lei nº 3.273 – denominada de “Lei Emival Caiado” –, publicada
no Diário Oficial da União, em 1º de outubro de 1957.
23 de outubro de 1956. Plenário. O Deputado Emival Ramos Caiado
(UDN-GO) exorta o pioneirismo do Presidente da Companhia Urbanizadora
da Nova Capital, ex-Deputado, Dr. Israel Pinheiro da Silva (PSD-MG): “Sr.
Presidente, considerando, como de fato considero, a interiorização da Capital da Repú-
blica um primeiro passo para a reforma de base no Brasil, recebi com entusiamo a
notícia, veiculada pelos jornais desta cidade, de que o Presidente da Cia. Urbanizadora
da Nova Capital do Brasil havia determinado certas providências no que tange à

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A Construção da Democracia 449

construção da cidade.
Com efeito, diligenciando na construção de hotel, outros aeroportos, alojamento
para tropas da Aeronáutica, Palácio Presidencial provisório, Usina elétrica, rodovias
de acesso a Brasília, etc., antes mesmo de ter o Sr. Presidente da República completado
as nomeações para a direção da Companhia, o eminente Senhor Israel Pinheiro vem
confirmar a impressão geral de confiança na sua capacidade realizadora e no seu
patriotismo, demonstrando não ter sido em vão que renunciou ao mandato de Deputa-
do Federal, pois se encontra no firme propósito de suplantar as dificuldades e percalços
que terá de arrostar, na realização dêsse ciclópico empreendimento que é a mudança da
capital federal.
Assim, Sr. Presidente, em nome do povo goiano, que tenho a honra de representar
nesta Casa, desejo congratular-me com o Dr. Israel Pinheiro e com a Nação, ao ensejo
de tão auspiciosas notícias para o progresso do Brasil. (Muito bem). Grifado pelo
compilador.
O Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira (MG) leva
o Brasil a profundas transformações. Multinacionais se instalam no País, im-
plantando a indústria automobilística e ampliando a farmacêutica e a de ali-
mentos. A administração pública passa a basear-se no planejamento, em metas
a serem cumpridas. Fica famosa a frase do novo presidente: “Cinqüenta anos
em cinco”. Brasília fica conhecida como símbolo dessa época, de trabalho,
interiorização e integração nacional.
Nos primeiros dias do mês de janeiro de 1959 a “Revolução Cubana”
triunfa e o Deputado José Guimarães Neiva Moreira (PSP-MA), na sessão do
dia 6 de janeiro de 1959, registra o fato: “Sr. Presidente, como V. Exª. e a Casa
sabem, a revolução que há quatro anos se vinha ampliando a todos os confins da
República de Cuba chegou ao seu fim vitorioso. O Juiz Manuel Urrutia foi proclama-
do Presidente da República e ocupou o seu pôsto ontem no Palácio Presidencial de
Havana. As Fôrças revolucionárias estão consolidando, em tôda a República, o seu
domínio. A administração pública está sendo reorganizada”. Grifado pelo compilador.
No dia 14 de janeiro de 1959 o Deputado Oswaldo Cavalcanti da Costa
Lima Filho (PTB-PE) denuncia: “Senhor Presidente e Senhores Deputados, as espe-
ranças que todos os democratas depositavam no movimento revolucionário cubano,
chefiado pelo Senhor Fidel Castro e que visava pôr abaixo uma das ditaduras odiosas
já instaladas na América Central, estão sendo infelizmente perturbadas pelo tom san-
guinário que vai tomando a revolução vitoriosa em Cuba. A imprensa mundial regis-
tra todos os dias, fuzilamentos sem conta, sem forma, nem processo de justiça; todos os
dias , homens livres, são colocados ao pé do muro e sumàriamente fuzilados. De tal
forma êsse procedimento dos revolucionários vitoriosos atenta contra os direitos básicos
da pessoa humana que já se cogita de levar o assunto à Organização das Nações
Unidas, cujo alto pretório poderia decidir por uma intervenção que sustasse aquêles
fatos criminosos”. Grifado pelo compilador.
21 de abril de 1960. Conforme prometido, o Presidente da República,
Juscelino Kubitschek de Oliveira (MG), inaugura a nova capital do Brasil –

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450 Casimiro Neto

Brasília, a denominada “Capital da Esperança”. População da Capital: 58.000


habitantes. População do Distrito Federal: 127.000 habitantes. O Jornal “Diários
Associados”, em edição comemorativa, destaca: “O Brasil amanhece em nova ca-
pital. No vasto planalto central, Brasília, o sonho acalentado desde os inconfidentes,
surge no centro da gravidade do país para comandar a conquista do interior e trazer
até êle a civilização que se espraia pelo Atlântico. Há pouco mais de três anos, ela
existia apenas na imaginação de alguns homens e era um esbôço sôbre uma prancheta.
Hoje, é marco decisivo na história do desenvolvimento econômico do Brasil e a
certeza de um amanhã melhor para os brasileiros de tôdas as latitudes.
Louvo o esfôrço de quantos divulgam a saga de Brasília, suas obras, seus deta-
lhes, suas perspectivas. – Trabalhos como êste valem como documento e testemunho de
um momento de extraordinária beleza, em que uma nação se aposse de seu destino para
se projetar no futuro. A) Juscelino Kubitschek”.
Durante a missa comemorativa é lida uma mensagem radiofônica do
papa João XXIII. Emocionada, a multidão acompanha a cerimônia ajoelha-
da no barro vermelho.

Plenário do Congresso Nacional. Prédio da Praça dos Três Poderes.


Onze horas e trinta minutos. Sessão solene de instalação do Congresso Na-
cional em Brasília. Presidência do Senador João Belchior Marques Goulart
(RS) e com a presença do Presidente da República, Juscelino Kubitscheck de
Oliveira (MG). O Deputado Paschoal Ranieri Mazzili (PSD-SP), falando em
nome da Câmara dos Deputados, faz o seguinte pronunciamento: “(...) Algum
fundamento profundo há sempre nas idéias que resistem ao tempo e à transitoriedade
dos homens. Trazido até nós, de geração em geração, desde o tempo dos inconfidentes,
o sonho de interiorização da Capital brasileira encontrou sempre vozes que lhe deram
novo vigor e nova forma, cada etapa da vida imperial e republicana. Até com o nome
de Nova Lisboa, Brasília já existiu na imaginação dos homens da primeira metade do
século XIX, a quem parecia que a Capital se deve fixar em lugar são, ameno, aprazível
e isento do confuso tropel das gentes indistintamente acumuladas. E o Patriarca da
Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva abrangendo com a sua larga visão
um Brasil uno, em que litoral e sertão se integrassem no mesmo todo, achava que desta
Côrte Central dever-se-ão logo abrir estradas para as diversas províncias, portos de
mar, para que se comuniquem e circulem com tôda a prontidão as ordens do Govêrno e
se favoreça por êles o comércio interno do vasto império do Brasil”. Faz referência ao
futuro: “E com o tempo não haverá mais séculos de distancia entre o Brasil do litoral
e o Brasil do interior. Haverá apenas o Brasil do presente, em harmoniosa formação”.
Enaltece os construtores e os pioneiros: “(...) Fizeram a sua parte os construtores e
os pioneiros. Deram-nos um ambiente de beleza e serenidade, aliando ao funcional o
espiritual. Simbolizam a harmonia e a independência dos Três Poderes nesta praça que
os abriga. Planejaram e executaram. Despertaram energias adormecidas, geraram
dinamismo, venceram resistências. Cabe a nós completar a obra”. E encerra reafir-
mando a responsabilidade dos representantes do povo: “(...) E na emoção deste
momento, estou certo de falar por todos ao dizer que nós, representantes do povo brasi-

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A Construção da Democracia 451

leiro, procuraremos também cumprir a nossa parte do grande empreendimento a que se


lançou o Brasil, com Brasília”. Grifado pelo compilador. Encerra-se a sessão às doze
horas e vinte minutos. Cumprem-se o sonho-visão símbolo da epopéia da
construção da capital brasileira do Padre salesiano Dom Bosco, ocorrido em
30 de agosto de 1883na cidadezinha de Becchi, na Itália.
Vale relembrar que Tomé de Sousa, o primeiro Governador-Geral do
Brasil, nomeado para um mandato de três anos, em 1548, tinha como missão
construir uma cidade e um forte na bahia de Todos os Santos. Uma frota de
três navios (Conceição, Salvador e Ajuda), duas caravelas e um bergantim
trazem aproximadamente mil pessoas, incluindo o Padre Manoel da Nóbrega,
as quais desembarcam na Vila do Pereira, em 29 de março de 1549. Salvador
é então a primeira cidade fundada no Brasil (antes só existiam vilas, como a
Vila do Pereira, São Vicente, Ilhéus, Porto Seguro). No dia 1º de novembro de
1549 é oficialmente declarada instalada a cidade do Salvador da Bahia de
Todos os Santos, primeira capital do Brasil, no local denominado “Ribeira das
Naus”, e presta juramento como primeiro Governador-Geral. Em 1763 é efe-
tivada a mudança da capital para o Rio de Janeiro e, em 21 de abril de 1960,
é inaugurada a cidade de Brasília e faz-se a transferência da capital. Quatro
séculos se passaram para se concretizar a interiorização do território brasilei-
ro. Brasília passa a simbolizar a modernização do País, materializando um
ideal de penetração e conquista além do litoral, proveniente de várias gera-
ções de brasileiros.
Brasília tornou-se épicamente “a Brasília de todos nós/nacionais, estrangei-
ros e alienígenas/Brasília de todas as cores/credos, raças e amores/Brasília dos bares,
comércios shoppings e feiras/Brasília dos eixos Ws, Ss e Ls/Brasília das satélites,
superquadras, cruzeiros e lago/Brasília da seca, águas, chuvas e flores/Brasília de
todos os encontros, monumentos, praças e parques/Brasília de todos os encantos, can-
tos, prosas e poesias/Brasília... A Brasília de todos nós”. Brasília é isso, é brasileira,
é povo de todos os cantos e encantos. É um marco urbanístico e arquitetônico
mundial, patrimônio da humanidade.
Oscar Niemeyer revoluciona a arquitetura brasileira e consegue dar le-
veza aos monumentos da Capital Federal. O Palácio do Congresso Nacional,
sede do Poder Legislativo Federal, projetado também por Oscar Niemeyer,
com base na idéia de que a arquitetura deve ser a manifestação do espírito,
da imaginação e da poesia. Oscar Niemeyer valoriza os volumes, os espaços
livres e profundidade visual, para dar ao edifício um caráter monumental,
apesar da simplicidade de suas formas geométricas; destaca os plenários da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, erguendo sobre o conjunto as
duas cúpulas que os abrigam. A beleza das cúpulas da Câmara dos Deputados
e do Senado Federal enche os nossos olhos de cidadania. O plenário, órgão
máximo de decisão da Câmara dos Deputados, está situado no interior da
cúpula côncava do Palácio do Congresso Nacional. Na cúpula cônvexa está
situado o plenário do Senado Federal. É o espaço destinado ao debate políti-
co, à discussão e à aprovação das leis.

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452 Casimiro Neto

No Memorial do Plano Piloto assim está descrito: “Destacam-se, no con-


junto, os edifícios destinados aos poderes fundamentais que, sendo em número de três e
autônomos, encontraram no triângulo equilátero (...) a forma mais apropriada de
contê-los (...) Em cada ângulo dessa praça – Praça dos Três Poderes – localizou-se uma
das casas, ficando as do governo e do Supremo Tribunal na base, a do Congresso no
vértice, com frente igualmente para uma esplanada ampla. Lúcio Costa, autor do
projeto urbanístico da Capital”.
No “Jornal da Câmara” do dia 19 de março de 2003 encontramos a se-
guinte matéria sobre esse assunto: “Aos 95 anos, o arquiteto Oscar Niemeyer será
homenageado pela Casa hoje, às 15 horas, quando recebe no Salão Nobre a Medalha
Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados – uma forma de os parlamentares reco-
nhecerem o talento do homem que revolucionou a arquitetura brasileira e conseguiu
dar leveza aos monumentos de Brasília.
Niemeyer costuma repetir uma frase do poeta Baudelaire, que diz que a beleza
tem que criar espanto. E foi isso o que ele fez ao idealizar o prédio do Congresso Nacio-
nal. Foram necessários muitos cálculos para conseguir a imagem que ele tinha em
mente, ao rabiscar o esboço das duas cúpulas que representam a Câmara e o Senado,
passando a idéia de que elas apenas tocam a laje. ‘Queria dar mais ênfase aos plenári-
os porque é dali que saem as decisões importantes para o País’, contou o arquiteto, em
depoimento histórico à TV Câmara. A idéia era permitir que quem descesse a Esplanada
dos Ministérios em direção ao Supremo Tribunal Federal pudesse ver os outros prédios
da Praça dos Três Poderes através do vazio entre as cúpulas.
Ao relembrar o período de elaboração do projeto da praça, Niemeyer destacou
que a área dos antigos prédios do Senado e da Câmara no Rio de Janeiro foi multipli-
cada por três. Mesmo assim, o projeto já sofreu várias modificações. ‘Fica sempre uma
cicatriz quando se mexe em um projeto original, mas tivemos que fazer as modificações
para atender às novas necessidades e os deputados sempre me ouviram’, enfatizou o
arquiteto”.

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A Construção da Democracia 453

Quadro/Foto nº 23 – 23/A e 23/B


O Presidente da Câmara – Deputado Paschoal Ranieri Mazzilli
O Presidente da República Juscelino Kubitschek de Oliveira
Visita às obras do edifício do Congresso Nacional

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454 Casimiro Neto

Quadro/Foto nº 23/C e 23/D


Sessão Solene do Congresso Nacional em Brasília
Manifestação popular em frente do Congresso Nacional

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A Construção da Democracia 455

2 de maio de 1960. Plenário da Câmara dos Deputados. O Presidente


da Casa, Deputado Paschoal Ranieri Mazzilli (PSD-SP) após minucioso deta-
lhamento sobre a mudança da nova sede do Congresso Nacional informa que
“a Mesa agradece aos funcionários da Secretaria da Casa, a dedicação, a colaboração
e a compreensão dos Srs. Deputados” e declara abertos os trabalhos da Câmara
dos Deputados em sua nova sede.
6 de maio de 1960. Plenário. O Deputado Fernando Ferrari (PTB-RS)
apresenta o Projeto de Lei nº 1.837, que “institui o regime jurídico do trabalhador
rural, provê sobre o seguro social ao agricultor, estabelece o abono de família rural, e dá
outras providências”. Em sua justificativa o autor diz: “com a interiorização da
capital começa uma nova era sócio-política para o Brasil. O preenchimento dos espaços
vazios, a fuga do litoral para o Oeste, que se vão concretizar, constituem o fato socioló-
gico mais importante deste século para a vida nacional.
Agora que os comandos políticos também se interiorizam e passarão a sentir mais
de perto o cheiro da terra e a ouvir com mais freqüência o clamor dos angustiados
campesinos, penso ter chegado a hora de integrar na comunidade política e social do
País as populações rurais.
Brasília será apenas um esqueleto levantado no Planalto se não a sustentarmos
com a estrutura da reforma agrária imediata, que deve ser processada através do am-
paro efetivo ao homem do campo, dando-lhe condições de sobreviver e de prosperar.
Convido o Congresso, oxigenado pelos ventos de Brasília, a meditar sôbre
êste projeto que ora entrego a sua clarividência.
(...) Sustento cada vez mais por isso mesmo, que não teremos no Brasil uma
liberdade para todos enquanto não trouxermos as populações rurais ao aconhego da
lei. Nem estas, fora do processo político ou legal, não alcançadas por êle têm interêsse
no vínculo. Não se ama o que não se conhece. Não podem sentir as populações campesinas
amor pela vida democrática, se não se beneficiem dela, se, em seu nome, morrem nos
campos, pelo abandono higiênico ou pela miséria econômica”.
Encerra sua justificativa afirmando: “A grande revolução dêste século, que já
se disse ser do direito social, deve ser processada nos campos. Precisamos completar a
revolução de 1930. Não digo, nem direi, que devemos diminuir o índice ascendente do
progresso industrial urbano mas digo, sim, que devemos elevar o índice rurícula até
onde se encontra o do desenvolvimento industrial. A diminuição dessa faixa dissintoni-
zante entre o campo e a cidade deve ser o grande objetivo da luta desta geração, e a
Câmara dos Deputados do Brasil que aí está, tem a suprema responsabilidade de rea-
lizar êste milagre que será, sem dúvida, o grande passo no caminho certo da redenção
econômica do Brasil”. Grifado pelo compilador.
Discutido nas duas Casas do Congresso Nacional transforma-se na Lei
nº 4.214, sancionada no dia 2 de março de 1963. É a primeira lei a reconhe-
cer os direitos trabalhistas e previdenciários para a categoria de trabalhado-
res rurais, como salário mínimo, jornada de trabalho, remuneração, férias,
repouso semanal remunerado, rescisão, aviso prévio, higiene e segurança do
trabalho. Uma verdadeira alforria aos trabalhadores do campo.

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456 Casimiro Neto

31 de janeiro de 1961. Congresso Nacional. Posse dos Senhores Jânio


da Silva Quadros (MS) e João Belchior Marques Goulart (RS), Presidente e
Vice-Presidente da República, respectivamente, para o período de 31 de ja-
neiro de 1961 a 31 de janeiro de 1966.
18 de julho de 1961. Plenário. O Deputado Antônio de Andrade Lima
Filho (PTB-PE) e outros apresentam requerimento solicitando “seja constituí-
da uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar fatos ocorridos no
Engenho da Pedra, no município da Agua Preta – Pernambuco e ainda estudar as
causas e as implicações do fenômeno socio-economico que deu origem ao aparecimento
das Ligas Camponesas”. Os trabalhos são encerrados em 17 de junho de 1965
com a aprovação da Resolução nº 129.
25 de agosto de 1961. Câmara dos Deputados. Plenário. Durante a
primeira parte do Grande Expediente, que está sendo dedicado ao “Dia do
Soldado”, e estando com a palavra o Deputado Geraldo Freire da Silva (UDN-
MG), seu pronunciamento é interrompido por fortes rumores no recinto. O
Deputado Dirceu Cardoso (PSD-ES) pede a palavra para uma comunicação.
“Senhor Presidente, vou ler um documento que vai deixar perplexa a Câmara e a
Nação. É o seguinte:
“Fui vencido pela reação e assim deixo o Govêrno. Nestes sete meses, cumpri o
meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigávelmente, sem preven-
ções nem rancores. Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta Nação pelo
caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o
progresso efetivo e a justiça social a que tem direito seu generoso povo. Desejei um
Brasil para os brasileiros, afrontando nesse sonho a corrupção, a mentira e a covardia
que subordinam os interêsses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos,
inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra
mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa da colaboração.
Se permanecesse, não manteria confiança e tranqüilidade, ora quebradas, indis-
pensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria
paz pública.
Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudan-
tes, para os operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da
vida nacional. A mim não falta a coragem da renúncia.
Saio com um agradecimento e um apêlo. O agradecimento é aos companheiros
que comigo lutaram e me sustentaram dentro e fora do Govêrno e, de forma especial, às
Fôrças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportu-
nidade. O apêlo é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de
cada um dos meus patrícios para todos e de todos para cada um.
Sòmente assim seremos dignos dêste País e do mundo. Sòmente assim seremos
dignos da nossa herança e da nossa predestinação cristã.
Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalhemos todos. Há
muitas formas de servir nossa Pátria.
Brasília, 25 de agôsto de 1961. Ass. Jânio Quadros”.

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A Construção da Democracia 457

“Ao Congresso Nacional:


Nesta data e por êste instrumento, deixando com o Ministro da Justiça as razões
do meu ato, renuncio ao mandato de Presidente da República.
Brasília, 25 de agôsto de 1961. Ass. Jânio Quadros”. Grifado pelo compilador.
Tumulto no Plenário.
O Deputado Osmar Cunha (PSD-SC) pronuncia: “Que assuma Ranieri
Mazzilli imediatamente o Govêrno, de acôrdo com a Constituição da República, para
que se mantenha, a ordem e para que não venha o golpe contra esta Nação.
Vamos levar ao Palácio, Ranieri Mazzilli para que assuma, na forma da Cons-
tituição da República, o Govêrno do Brasil”.
O Deputado Almino Monteiro Alvares Affonso (PTB-AM) pronuncia:
“(...) Sr. Presidente o Partido Trabalhista Brasileiro, neste instante, fiel às suas tradi-
ções democráticas, não pode aceitar esta renúncia senão como um golpe em que o
Presidente da República pretenda retornar ao Govêrno à maneira de um ditador, dis-
farçado ou não, seja sob que forma fôr. (Palmas)”.
O Deputado Eloy Ângelo Coutinho Dutra (PTB-GB) informa: Sr. Presi-
dente, Srs. Deputados, leio numa edição extra do “Correio Braziliense”, a seguinte
nota:
“Depois de encerrada a parada militar hoje pela manhã, em comemoração ao
Dia do Soldado, os três Ministros Militares estiveram no Palácio e disseram ao Presi-
dente que sua política exterior estava criando chama de intranqüilidade. Fizeram-lhe
ver que não se responsabilizariam pelo que poderia advir dessa insegurança, e êsse
teria sido o motivo da renúncia do Presidente Jânio Quadros, pois pouco mais tarde o
Presidente entregava o seu pedido de renúncia ao Sr. Pedroso Horta”. Grifado pelo
compilador.
O Congresso Nacional se reúne às 16 horas e 45 minutos para tomar
conhecimento da renúncia do Presidente Jânio da Silva Quadros (MS). Às 17
horas e 15 minutos toma posse o Presidente da Câmara dos Deputados,
Paschoal Ranieri Mazzilli (PSD-SP), na Presidência da República. Vai exercer
o governo até o dia 8 de setembro de 1961, quando toma posse o Vice-Presi-
dente João Belchior Marques Goulart (RS).
O breve governo de Jânio da Silva Quadros (MS) concentrou-se em com-
bater a corrupção e adotar uma política externa independente.
A sucessão presidencial, na Câmara dos Deputados, passa a ser discuti-
da com muita emoção, com tumultuados debates, devido a declarada ten-
dência esquerdista do sucessor legal de Jânio da Silva Quadros (MS), o Vice-
Presidente João Belchior Marques Goulart (RS), que estando em visita à China
(país comunista) no momento da renúncia, está agora a caminho do Brasil
para tomar posse do cargo para o qual é o sucessor constitucional.
O conflito está formado. De um lado os legalistas, que desejam empossar
João Belchior Marques Goulart (RS), e do outro, os que tentam vetar o seu
retorno ao País, por razões alegadas de segurança nacional. Instala-se a “crise
da legalidade”. Diante do inusitado, o Congresso Nacional fica obrigado a
procurar uma alternativa para abrandar os ânimos e satisfazer as partes em

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458 Casimiro Neto

conflito. A solução, de consenso, é dar posse ao Vice-Presidente, mas dimi-


nuir o seu poder. A adoção do regime parlamentarista parece ser a melhor
solução.
27 de agosto de 1961. Câmara dos Deputados. Plenário. É lida a Men-
sagem 471/61, de autoria do Poder Executivo, que “submete à consideração do
Congresso Nacional o parecer das Forças Armadas sobre a inconveniência da posse do
Senhor João Goulart, Vice-Presidente da República nas funções de Presidente da Re-
pública”.
O Deputado Eloy Ângelo Coutinho Dutra (PTB-GB) pede a palavra
pela ordem e faz o seguinte pronunciamento: Senhor Presidente, leio mensagem
do Senhor Presidente da República, Presidente da Câmara dos Deputados, ao Senhor
Presidente do Senado, no exercício da Presidência, nos seguintes têrmos:
“Tenho a honra de comunicar a Vossa Excelência que, na apreciação da atual
situação política, criada pela renúncia do Presidente Jânio Quadros, os Ministros mi-
litares, na qualidade de chefes das Fôrças Armadas, responsáveis pela ordem interna,
manifestaram-me a absoluta inconveniência, por motivos de segurança nacional, do
regresso ao País do Vice-Presidente da República, João Belchior Marques Goulart.
Brasília, 28 de agosto de 1961. Ranieri Mazzilli”.
Sr. Presidente, juramos nesta Casa, defender a Constituição. Empenhamos a
nossa palavra no respeito à lei. Não tecerei considerações em tôrno do civismo das
Classes Armadas, até hoje nunca desmentido. Não tecerei comentários a respeito dos
Srs. Deputados, cujo civismo todos conhecem, mas, Sr. Presidente, fôsse o substituto do
Presidente da República da UDN, do PSD, do PSB ou de que partido fosse, a minha
atitude seria esta: tão logo êste Congresso capitulasse e adotasse uma democracia de
fancaria, tutelada pelas metralhadoras do Exército, o meu primeiro ato será a renúncia
do meu mandato (Muito bem. Palmas), porque não me submeterei, em hipótese algu-
ma, a representar nesta Casa o desejo e a vontade de 60 mil eleitores para servir como
um fantoche de uma democracia que não existe. (Muito bem).
Sob minha palavra de honra que tão logo êsse fato se dê, nesta Casa, eu renun-
ciarei ao meu mandato. (Muito bem. Palmas). Grifado pelo compilador.
Em seguida o Deputado Adauto Lúcio Cardoso (UDN-GB) faz um dos
seus mais corajosos pronunciamentos, defende a posse de João Belchior
Marques Goulart (RS) na Presidência da República e, ao mesmo tempo, dá
entrada a uma representação criminal contra o Presidente da República, em
exercício, e contra os ministros militares. Diz: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, há
poucas horas, desta tribuna, lembrava eu o pensamento lapidar de Winston Churchill,
quando nos ensinava que aos homens mais inteligentes e mais hábeis é difícil muitas
vêzes discernir o caminho mais conveniente, a solução mais satisfatória; porém que aos
homens mais simples e modestos era sempre azado e fácil encontrar o caminho do dever.
Por muito tempo, desde que chegou ao nosso conhecimento a atitude dos chefes
militares, conculcando nos pés a Constituição da República (palmas) foi pensamento
meu tomar pela única vereda que a nós, membros de um Poder desarmado, nos era
oferecido. Vacilei muito, não que me faltasse a decisão; vacilei porque não queria com

Sem título-3 458 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 459

um gesto, com uma iniciativa extrema desta natureza, perturbar, prejudicar as possí-
veis soluções conciliatórias. Aguardei, em amarga vigília, que êsse regime democrático,
no qual temos vivido, prêsa constante de sobressaltos e humilhações, encontrasse ainda
uma vez uma fórmula de sobrevivência. Fórmula honrosa como outras que nos têm sido
oferecidas.
Esperei em vão. Já agora nenhum homem daqueles mais hábeis, nenhum homem
daqueles mais prudentes pode dizer-nos que há alguma coisa ainda a esperar. Dizer-se
que não são claras as posições, alegar-se que ainda restam palavras a ser ditas por
aquêles que se tornaram responsáveis pela situação a que chegamos é, sem dúvida
alguma, contemporizar além do limite intransponível do nosso dever.
Srs. Deputados, Srs. Representantes da Nação, cada um de nós, nesta hora, dá
a satisfação que está a seu alcançe. Eu dou o meu. Neste momento, encaminho à
Câmara dos Deputados, como gesto final do exercício do meu mandato (não apoiados),
como gesto final da minha vida pública...
O Sr. Croacy de Oliveira – Rendemos nossas homenagens a Vossa Excelência..
O SR. ADAUTO CARDOSO – (...) a seguinte representação criminal:
Exmº Sr. Presidente da Câmara dos Deputados. Adauto Lúcio Cardoso, advoga-
do e deputado federal, representante eleito pelo povo do Estado da Guanabara, no
cumprimento dos deveres do mandato que exerce, vem oferecer contra o Sr. Ranieri
Mazzilli, Presidente da Câmara dos Deputados, ora no exercício da Presidência da
República; contra o Marechal Odylio Denis, Ministro da Guerra; contra o Brigadeiro
Grüm Moss, Ministro da Aeronáutica; e contra o Almirante Silvio Heck, Ministro da
Marinha, representação na forma da lei número 1.079, de 10 de abril de 1950, cujo
art. 13, item I estatui serem crimes de responsabilidade dos ministros de Estado os atos
nela definidos, “quando por eles praticados ou ordenados”.
2) Nesse diploma legal se definem, como crimes contra a segurança interna do
País os seguintes atos:
‘1 – tentar mudar por violência a forma do govêrno da República;
2 – tentar mudar por violência a Constituição federal ou de algum dos Estados,
ou lei da União, de Estado ou Município; e
..................................................................................................................
4 – praticar ou concorrer para que se perpetre qualquer dos crimes contra a
segurança interna, definidos na legislação penal;
3) Por outro lado, a legislação penal a que se refere o item 4 supra transcrito, no
caso, a lei nº 1802, de 5 de janeiro de 1952, que dispõe sôbre os crimes praticados
contra a segurança interna e externa do País – e que por isso tomou o nome de Lei de
Segurança do Estado, define como atentatórios da segurança interna os seguintes atos:
“Art. 5º Tentar, diretamente e por fato, mudar, por meios violentos a Constitui-
ção, no todo ou em parte, ou a forma de govêrno por ela estabelecida.
Art. 6º Atentar conta a vida, a incolumidade e a liberdade:
a) do Presidente da República, de quem eventualmente o substitui ou, no terri-
tório nacional, de chefe de Estado estrangeiro.
..................................................................................................................

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460 Casimiro Neto

Art 8º Opor-se, diretamente e por ato, à reunião ou livre funcionamento de


qualquer dos podêres políticos da União’.
4) Ocorre que, declarada a renúncia do Sr. Jânio Quadros à Presidência da
República, por ato de que o Congresso Nacional tomou conhecimento no dia 25 de
agosto corrente, segundo dispõe o art. 79 da Constituição da República, foi êle substituido
pelo vice-presidente eleito e empossado, Sr. João Belchior Marques Goulart, que deve-
ria entrar em exercício de suas funções logo que presente em qualquer ponto do territó-
rio nacional, de regresso de sua viagem ao Extremo Oriente.
5) A sucessão do vice-presidente no cargo de chefe do Poder Executivo, no caso
de vaga por impedimento, licença, renúncia ou morte do presidente é, na Constituição da
República, parte integrante da sua forma de govêrno cuja alteração por meios violentos
se pune nos dispositivos da Lei de Segurança do Estado, anteriormente transcritos.
6) Em violação deles e notadamente daqueles também aqui citados e que consi-
deram crime atentar contra a liberdade do Presidente da República e “opor-se, direta-
mente e por fato, ao livre funcionamento de qualquer dos podêres políticos da União” os
citados agentes do Poder Executivo, declarando agir em nome de chefes militares cujos
nomes não declinam, resolveram impedir que o Sr. João Belchior Marques Goulart,
exerça a presidência da República, tolhendo-lhe a liberdade de regressar em segurança
ao território nacional.
7) Além da notoriedade dêsse fato, que é objeto de comunicação do Sr. Ranieri
Mazzilli ao Congresso Nacional, é também certo que o Marechal Ministro da Guerra,
manifestou em nome de seus colegas, a deputados, senadores e líderes políticos, o seu
propósito de não consentir no livre funcionamento do Poder Executivo sob a chefia do
presidente João Belchior Marques Goulart.
Em face do exposto, cuja prova será feita com documentos e com as testemunhas
adiante enumeradas, requer que Vossa Excelência mande processar a presente repre-
sentação, na forma da lei e do regimento para que afinal se julgue procedente, aplican-
do-se contra os responsáveis as sanções penais cabíveis.
Sala das Sessões, em 28 de agôsto de 1961. – Adauto Lúcio Cardoso.
Testemunhas:
Deputado Ruy Ramos. Deputado César Prieto. Deputado Almino Affonso. De-
putado Batista Ramos”. (Muito bem. Palmas prologandas).
Não há mais muito que dizer a Vossas Excelências. Orgulhamo-nos do Poder
Legislativo a que temos a honra de pertencer. (Muito bem). Orgulhamo-nos de que,
através de todos os tropeços, através de todas as deficiências, no meio dos embaraços,
das falhas dêste País, já amadurecido para a vida democrática, tenhamos encontrado
uma Câmara digna do nome de instituição representativa dêste País.
O Sr. Antônio Carlos Magalhães – A Câmara é que se orgulha de Vossa Excelência.
O SR. ADAUTO CARDOSO – Senhor Presidente, estou certo de que por cima
das divergências partidárias, para além das nossas discórdias que no seu calor, na sua
paixão construiremos dia a dia uma tarefa humilde de protozoários, o nosso caminho e
a linha mediana do regime democrático, estou certo de que nós todos cumprimos como
pudemos e como Deus nos permitiu os deveres do nosso mandato.

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A Construção da Democracia 461

Sr. Presidente, sei que pratico o último ato do exercício do meu mandato, cumpri
tanto quanto pude o juramento constitucional que prestei no dia do meu ingresso nesta
Câmara. (Palmas).
Estou convicto, Srs. Deputados, de que esta Câmara não se desonrará (Palmas);
estou certo de que em um dia distante ou próximo, mas um dia que mercê de Deus será
dado a nós ou aos nossos filhos, para os quais, em cujo nome temos lutado, estou certo
de que nós voltaremos aqui para lembrar aquêles que não desfaleceram, aquêles que
não capitularam, aquêles que não se entregaram. (Muito bem; muito bem. Palmas
prolongadas; o orador é cumprimentado)”. Grifado pelo compilador.
Nesse mesmo dia, às vinte horas e quinze minutos a Mensagem nº 471/61
é lida no plenário do Congresso Nacional. É nomeada uma comissão mista para
dar parecer sobre a mensagem.

2 de setembro de 1961. Congresso Nacional. É aprovada e promulgada a


proposta de emenda constitucional instituindo o “Sistema Parlamentar do Gover-
no” no Brasil – Emenda Constitucional nº 4 (Ato Adicional) –, que no seu artigo
primeiro declara: “O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República e pelo
Conselho de Ministros, cabendo a este a direção e a responsabilidade da política do Gover-
no, assim como da Administração federal”. O Presidente da República, em exercí-
cio, Deputado Paschoal Ranieri Mazzili (PSD-SP) comunica que as Forças Ar-
madas darão plenas garantias ao desembarque, permanência e investidura do
Presidente da República. Esta Emenda Constitucional teve origem na PEC nº
16, de 12 de julho de 1961, de autoria do Deputado Raul Pilla (PL-RS).
No dia 7 de setembro toma posse na Presidência da Republica o Dr.
João Belchior Maques Goulart (RS). O Conselho de Ministros é formado. O
Primeiro Gabinete tem no cargo como Primeiro-Ministro Tancredo de Almeida
Neves (PSD-MG), que assume no dia 8 de setembro de 1961 e vai até o dia 12
de julho de 1962. É sucedido pelo Senador Auro Soares de Moura Andrade,
que se demite logo em seguida, em virtude do Presidente da República ter-se
recusado a nomear os ministros por ele indicados. O Segundo Gabinete é
formado em seguida tendo como Primeiro-Ministro o Sr. Francisco de Paula
Brochado da Rocha (RS) e vai do dia 12 de julho até o dia 18 de setembro de
1962. Vale ressaltar que o Primeiro-Ministro pediu sua renúncia no dia 14.
Assume em seguida o Terceiro Gabinete, tendo como Primeiro-Ministro o
Professor Hermes Lima (BA). Este, constituído como Conselho Provisório do
dia 18 de setembro a 6 de dezembro de 1962 vai até o dia 24 de janeiro de
1963, quando volta a fase presidencialista.
A Emenda Constitucional nº 4 prevê ainda, em seu artigo 25, o se-
guinte: “A lei votada nos termos do art. 22 poderá dispor sobre a realização de
plebiscito que decida da manutenção do sistema parlamentar ou volta ao sistema
presidencial, devendo, em tal hipótese, fazer-se a consulta plebiscitária nove meses
antes do termo do atual período presidencial”. Grifado pelo compilador. Essa consulta
é antecipada. O plebiscito é realizado na gestão do Primeiro-Ministro Pro-
fessor Hermes Lima (BA). No dia 6 de janeiro de 1963, 11.500.000 dos 18

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462 Casimiro Neto

milhões de eleitores comparecem à votação, confirmando a opção pelo presi-


dencialismo por larga margem de votos. Acaba assim a experiência parla-
mentarista na República brasileira que foi do dia 8 de setembro de 1961 a 24
de janeiro de 1963.
14 de setembro de 1962. Câmara dos Deputados. Discussão única das
emendas do Senado Federal ao Projeto de Lei nº 4.636-E, de 17 de agosto de
1962, de autoria do Deputado Gustavo Capanema (PSD-MG) e subscrito pelos
Deputados José Martins Rodrigues (CE – Líder do PSD) e Arnaldo dos Santos
Cerdeira (SP – Líder do PSP), que “dispõe sôbre a vacância ministerial e sôbre o ‘refe-
rendum’ popular no dia 6 de janeiro de 1963”. Tramitando em regime de urgência
desde o dia 11 de setembro é enviado ao Senado Federal nesse mesmo dia.
Retornando no dia 14 entra, em seguida, na Ordem do Dia. Em votação, as
emendas do Senado Federal são aprovadas. Em votação, a Redação Final é apro-
vada. Transforma-se na Lei Complementar nº 2, de 16 de setembro de 1962.
O Deputado Ernani Ayres Sátiro e Souza (UDN-PB) no encaminhamen-
to da votação da redação final alerta: “Sr. Presidente, consumou-se um atentado à
Constituição da República. (Muito bem) Êste § 2º vai envergonhar ao longo da Histó-
ria o Congresso. (Vozes – Oh!...)
Com ‘oh’ ou sem ‘oh’ vai envergonhar nossa cultura jurídica, porque se diz num
parágrafo de lei ordinária que continuará em vigor uma emenda constitucional ou
voltará a vigorar em sua plenitude a Constituição Federal, Quer dizer, não poderia
haver heresia maior um disparate mais grave.
A crise não terminará porque essa crise chama-se João Goulart e êsse permanece
na Presidência da República. (Muito bem; muito bem.)”. Grifado pelo compilador.
A sessão é encerrada às 2 horas e 30 minutos do dia 15.
De acordo com o artigo segundo desta lei complementar “a Emenda
Constitucional nº 4 será submetida a ‘referendum’ popular no dia 6 de janeiro de
1963” e ainda, de acordo com o paragráfo primeiro, “proclamado pelo Superior
Tribunal Eleitoral o resultado, o Congresso Nacional organizará dentro do prazo de
90 dias, o sistema de govêrno na base da opção decorrente da consulta”.
O plebiscito é realizado a 6 de janeiro de 1963. De um total de 12.773.260
votos, quase dez milhões foram pelo retorno ao sistema presidencialista. Cresce
a mobilização política no País.
15 de outubro de 1962. Início da “crise dos mísseis em Cuba”. Um avião-
espião norte-americano detecta, por meio de fotos aéreas, a presença de mís-
seis soviéticos apontados para os Estados Unidos da América e que haviam
sido instalados secretamente em Cuba. Seguem-se 13 dias de crescente ten-
são entre os Estados Unidos e a Rússia, deixando o mundo em pânico. O
Presidente norte-americano John Kennedy, o Primeiro-Ministro russo Nikita
Kruchev e seus assessores trocam acusações. A “guerra fria” ameaça transfor-
mar-se em uma “guerra nuclear”, em grande escala, entre as duas superpotên-
cias. O dia 27 é crucial. Após intensas e nervosas negociações, no dia 28 os
soviéticos concordam em retirar os mísseis e ordenar que os navios a caminho

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A Construção da Democracia 463

de Cuba voltem à Rússia, em troca da promessa norte-americana de não in-


vadir a ilha de Fidel Castro.
Durante o desenrolar dos acontecimentos é declarado o bloqueio naval
a Cuba.
O Deputado Almino Monteiro Álvares Afonso (PTB-AM) assim se pro-
nuncia sobre o episódio: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, colho as últimas palavras
do nobre Deputado Medeiros Neto, quando registra a sua apreensão quanto à sorte da
humanidade, no instante em que, perplexos, tomamos conhecimento da atitude, real-
mente inesperada, do Presidente John Kennedy.
É irremediável que o bloqueio determinado pelo Presidente dos Estados Uni-
dos à República de Cuba constitui ato de guerra não declarada. Nenhuma
exemplificação dos perigos que porventura estivessem pairando, quer sôbre os Es-
tados Unidos, quer sôbre os demais países da América Latina, pode ter o condão de
desfigurar aquilo que os tratadistas, a uma única voz, considerem como ato de
guerra, não declarada.
(...) Sr. Presidente, na manhã de hoje, a delegação americana junto ao Conselho
da Organização dos Estados Americanos apresentou projeto de resolução, considerando
configurada a hipótese dos Artigos 6º e 8º do Tratado do Rio de Janeiro e, à base disto,
pleiteou de todos os países da América, membros da OEA, sanções de natureza militar
contra a República de Cuba, isolada ou coletivamente.
O Brasil não pode aceitar esta proposta, sob pena de constituir uma vergonha
para nós, sob pena de representar uma capitulação, sob pena de significar a anulação
dos grandes resultados da Conferência de Punta del Este, quando realmente a Chance-
laria brasileira alteou-se a um plano de respeitabilidade mundial.
Não podemos aceitar, porque seria pisotear o princípio básico da autodetermina-
ção dos povos, e representaria um precedente contra cada um dos países latino-ameri-
canos. Hoje, Cuba; amanhã, a Bolívia; depois, a Venezuela, e chegaria a nossa vez.
Passou-se o tempo dos fuzileiros navais. Querem reeditá-lo agora, através de bloqueio”.
Grifado pelo compilador.
Os Estados Unidos tem o voto do Brasil na reunião da “Organização dos
Estados Americanos (OEA)”, mas com relação à participação de tropas brasilei-
ras no conflito o Presidente da República João Belchior Marques Goulart
(RS) deixa claro que “os princípios de não intervenção e da defesa do direito de
autordeterminação, que norteiam a política exterior brasileira, não serão alterados em
conseqüência dos acontecimentos que no mundo se desenrolam”. Na sessão do dia 29
de outubro falam ainda sobre o assunto os Deputados Alfredo Arruda Câmara
(PDC-PE) e Lucídio Ramos (PL-RS).

23 de janeiro de 1963. Congresso Nacional. É promulgada pelas Mesas


da Câmara dos Deputados e do Senado Federal a Emenda Constitucional
nº 6 que “revoga a Emenda Constitucional nº 4 e restabelece o sistema presidencial de
governo instituído pela Constituição Federal de 1946, salvo o disposto no seu art. 61”.
O País volta ao presidencialismo. Esta Emenda Constitucional teve origem na
PEC nº 38, de18 de janeiro de 1963, do Senado Federal.

Sem título-3 463 7/5/2004, 10:21


464 Casimiro Neto

O ano de 1963 é crucial para todos os brasileiros. Grandes debates na-


cionais, incertezas e dúvidas nos pronunciamentos políticos. No Congresso
Nacional dois blocos se formam: A “Frente Parlamentar Nacionalista”, que têm
o apoio externo do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e da União
Nacional de Estudantes (UNE); e a “Ação Democrática Parlamentar”, organiza-
da pelo Deputado João Mendes da Costa Filho (UDN-BA). A polarização
conduz para uma situação cada vez mais conflitante. A União Nacional dos
Estudantes (UNE) se fortalece e de suas fileiras saem intelectuais e artistas
para formar o Centro Popular de Cultura.

2 de março de 1963. O Presidente da República, João Belchior Mar-


ques Goulart (RS), sanciona a Lei nº 4.214, que “Dispõe sôbre o Estatuto do
Trabalhador Rural”. Institui o regime jurídico do trabalhador rural, provê so-
bre o seguro social ao agricultor, estabelece o abono de família rural, e dá
outras providências. É a primeira lei a reconhecer direitos trabalhistas e pre-
videnciários para a categoria de trabalhadores rurais, como salário mínimo,
jornada de trabalho, remuneração, férias, repouso semanal remunerado, res-
cisão, aviso prévio, higiene e segurança do trabalho. Uma verdadeira alforria
dos trabalhadores do campo. Teve origem no Projeto de Lei nº 1.837, de 6 de
maio de 1960, de autoria do Deputado Fernando Ferrari (PTB-RS).

7 de agosto de 1963. Plenário. A Câmara dos Deputados rejeita por 69


votos sim, 164 não e 2 abstenções o Projeto de Lei nº 93-B, de autoria do
Senador Milton Campos (PLS 30, de 7 de agosto de 1962), apresentado na
Câmara dos Deputados no dia 5 de abril de 1963, que “dispõe sôbre o Estatuto
da Terra”.

23 de agostode 1963. Rio de Janeiro. Em homenagem ao falecimento


do ex-presidente da República Getúlio Dornelles Vargas (RS), é realizado um
comício da esquerda que conta com forte proteção militar. O Governador
Carlos Frederico Werneck de Lacerda decreta os dias 23 e 24 feriados no
Estado da Guanabara para evitar possíveis choques entre os seus partidários
e os do Presidente da República João Belchior Marques Goulart (RS). Este
comparece ao comício e, em discurso inflamado e insistente recomenda que o
Congresso Nacional aprove as emendas constitucionais necessárias às “Refor-
mas de Base” e conforme suas palavras “antes que fossem realizadas fora da lei”.

12 de setembro de 1963. Pela madrugada eclode em Brasília, na


Esplanada dos Ministérios, na Base Aérea e na Área Alfa, um levante de sar-
gentos da Marinha e da Aeronáutica, logo sufocado. Mais de seiscentos sar-
gentos, cabos e outros praças estão envolvidos. Tomam de assalto e paralisam
os escritórios do centro telefônco e do telégrafo, os aeroportos militar e civil
da capital da República e o Ministério da Marinha, bem como o rádio trans-
missor da Fundação Brasil Central, de onde lançam um apelo a outros cole-
gas para se aliarem à revolta. Fecham as rodovias de entrada e saída da cida-

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A Construção da Democracia 465

de, aprisionam aproximadamente trinta oficiais militares, o Ministro Victor


Nunes Leal, do Supremo Tribunal Federal e o Deputado Clóvis Coutinho da
Motta RN), Presidente, em exercício, da Câmara dos Deputados. Os rebeldes
estão inconformados com a decisão do Supremo Tribunal Federal, do dia 11
de setembro, que, por sete votos contra um, deixou de reconhecer o direito
de elegibilidade dos praças graduados que tribunais regionais eleitorais ha-
viam registrado como candidatos e que receberam milhares de votos, como
foi o caso no Estado da Guanabara e no Rio Grande do Sul. Rasgam o código
de disciplina e da hierarquia militar e a um só tempo se voltam contra todos
os Poderes da República.
O Governo reage. No aeroporto, as posições são entregues pelos rebel-
des sem resistência. No prédio do Ministério da Marinha, contudo, as tropas
do Governo são obrigadas a tomá-lo a bala, ocasião em que foi morto um dos
amotinados e feridos outros três. Mais de quinhentos e cinqüenta rebelados
são presos, inclusive seu líder, indentificado como sendo o Primeiro Sargento
da Aeronáutica, Antônio Prestes de Paula.
Atendendo convocação do seu presidente, a Câmara dos Deputados se
reune, às 9 horas e 30 minutos, em Sessão Extraodinária Matutina. Após a
leitura do expediente, o Líder do Governo, Deputado Tancredo de Almeida
Neves, faz o seguinte comunicado: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, lamentáveis
acontecimentos agitaram, na madrugada de hoje, a Capital da República. Informa-
ções oficiais que nos chegam através do Coronel André Fernandes, Chefe do Gabinete
do Ministro da Guerra, em Brasília, e do Coronel Pinto Guedes, Subcomandante da
Casa Militar da Presidência da República, alguns sargentos, induzindo a boa-fé dos
seus comandados, lançaram-se em um movimento subversivo cujos objetivos e propósi-
tos ainda não estão bem caracterizados. No primeiro momento, de surpresa, tomaram o
edifício-sede do Ministério da Marinha, a estação telefônica desta Cidade, a base aérea
e outras dependências do Ministério da Marinha, na área Alfa. As autoridades incum-
bidas da manutenção da ordem e da segurança nacional reagiram e, já neste momento,
os sediciosos que se encontravam no Ministério da Marinha renderam-se incondicio-
nalmente. Há ainda focos de subversão na base aérea e também na área Alfa da Mari-
nha. Êsses focos de subversão estão, não obstante, controlados e espera-se a qualquer
momento, sua rendição.
Sobre os acontecimentos, Suas Excelências, os Ministros da Guerra, Marinha,
Aeronáutica e Justiça expediram o seguinte comunicado:
‘Na madrugada de hoje eclodiu em Brasília um movimento de caráter subversi-
vo sob pretexto de protestar contra a decisão do Supremo Tribunal Federal do qual
participaram, já identificados, graduados da Marinha e da Aeronáutica, constituindo-
se em grupos de choque.
Êsses elementos, de surprêsa, apossaram-se dos edifícios do Ministério da Mari-
nha, da sede da Companhia Telefônica e do campo de aviação.
Tropas do Exército sediadas em Brasília, acionadas de ordem do Sr. Ministro da
Guerra pelo CMT da 11ª Região Militar, foram empregadas para debelar o movimen-
to. Informações chegadas de Brasília, às 6 horas e 30 minutos, indicam que a situação

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466 Casimiro Neto

foi dominada, tendo os amotinados refluído para a área do Ministério da Marinha e


adjacências, onde estão cercados por tropas de infantaria e carros de combate.
Será expedido no momento um ‘ultimatum’ aos amotinados, que já estão
pràticamente sem possibilidade de defesa. Caso não atendam ao ‘ultimatum’, será des-
fechado o ataque.
A situação militar no restante do País permanece sem alteração. Rio de Janeiro,
GB, 12 de setembro de 1963. – Dr. Abelardo Jurema, Ministro da Justiça. – Almirante
Sílvio Mota, Ministro da Marinha. – General Jair Dantas Ribeiro, Ministro da Guer-
ra – Brigadeiro-do-Ar Anísio Botelho, Ministro da Aeronáutica’.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, tenho ainda a informar à Casa que, segundo
informações oficiais, reina a ordem em todo o País, achando-se, em todo o território
nacional, a nossa população entregue às suas atividades normais e rotineiras. S. Exa.
o Sr. Presidente da República, que se encontrava no interior do Rio Grande do Sul,
neste momento já se acha em Pôrto Alegre e, inteirado dos acontecimentos, toma as
providências reclamadas pela situação.
Era esta a informação que me cabia dar aos nobres representantes da Nação.
(Muito bem. Palmas)”. Grifado pelo compilador.
Em seguida o Deputado Pedro Aleixo (UDN-MG) discorre sobre o as-
sunto: “Senhor Presidente, Senhores Deputados, sucintamente o nobre Senhor Depu-
tado Tancredo Neves, digníssimo Líder do Govêrno nesta Casa, acaba de fazer comu-
nicação oficial dos acontecimentos que, na madrugada de hoje, em terrível impacto,
trouxeram a intranqüilidade, encheram de apreensões sombrias a quantos civis dêles
tiveram conhecimento.
(...) Sabemos que, ontem, o Supremo Tribunal Federal, por sete de seus ministros
contra um, deu pelo descabimento de recurso interposto de decisão que julgou inelegíveis
sargentos, mas no voto dos vencedores declarado ficou que a tese da inelegibilidade era
indiscutível.
O texto constitucional não precisa absolutamente ser recordado aos nobres Srs.
Deputados. Êle é de uma clareza, de uma limpidez que dispensa qualquer comentário.
(...) Ora, todos nós somos testemunhas de que, apesar da limpidez dos textos cons-
titucionais, promoveu-se neste País uma campanha sustentando que a Constituição da
República não precisava ser cumprida e que eram elegíveis os sargentos que a Consti-
tuição, clara e peremptoriamente declara inelegíveis.
Pior do que isso, aproveitando-se da falta de conhecimentos na classe de sargen-
tos de nossas Fôrças Armadas, procurou-se convecer a êsses modestos graduados que o
fato de não poderem êles receber sufrágios para representantes do povo em casas legis-
lativas é insuportável humilhação, é odiosa discriminação.
(...) Não encerrarei estas considerações sem evocar a emoção de que fui possuído
quando, chegando a esta Casa, um dos nossos eminentes colegas narrou-me êste lance
dramático: de um dos andares do edifício do Ministério da Guerra, que significa neste
momento uma cidadela de defesa das instituições democráticas, assentava-se poderoso
canhão contra o edifício do Ministério da Marinha, no qual se abrigavam amotinados.
Faziam-se os preparativos para que se desfechasse um tiro de aviso ao qual outro deve-
ria seguir-se e que por certo roubaria a êste País talvez algumas dezenas de vidas. Em

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A Construção da Democracia 467

dado instante, por ente a perplexidade e a ansiedade geral, abriu-se uma porta do
edifício do Ministério da Marinha e saíram, em fila indiana, humildes concidadãos
nossos que vestiam a gloriosa farda da arma de Tamandaré (Palmas) e, enquanto
caminhavam, iam deixando no chão, como demonstração de que se rendiam, os instru-
mentos bélicos que a Nação lhes confiara para a manutenção da ordem e para a defesa
da Pátria.
Naquele gesto humilde êles significavam o seu desalento e renunciavam a uma
luta gloriosa.
Comandava os amotinados um pobre sargento, o qual, interpelado pelos oficiais
que recebiam os rebeldes, no momento preciso em que se entregava para os rigores do
processo, explicava seu comportamento dizendo que se revoltara tomado da maior in-
dignação, mas isto fizera como prova de solidariedade com os companheiros cujos direi-
tos haviam sido negados no Supremo Tribunal Federal.
Sr. Presidente, o espetáculo que evoco há de repercutir junto aos promoventes da
agitação, aos privilegiados que sopram o ódio e a discórdia entre as classes armadas e
fará que no fundo da consciência dêles brote o remorso do crime que cometeram, fazen-
do com que aquêle desgraçado que mais merece uma aula de educação cívica, do que
pròpriamente a severidade de sanções penais e disciplinares, fôsse levado a sentir, por
falta de esclarecimentos, que era o portador de uma bandeira de justas reivindicações
de sua classe.
(...) que conceda Deus a esta Nação, a quantos a esta Nação pertencemos, desde
aquêle que exerce a sua primeira magistratura até aquêle desgraçado sargento que hoje
se fêz porta-bandeira de supostas reivindicações de classe, que Deus conceda a todos a
graça imensurável de sua misericórdia. (Muito bem. Muito bem. Palmas prolongadas.
O orador é cumprimentado)”. Grifado pelo compilador.
Em seguida o 1º Vice-Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado
Clóvis Coutinho da Motta (PTB-RN), no exercício da Presidência, faz o se-
guinte esclarecimento: “Srs. Deputados, a Presidência da Casa foi informada hoje,
às 4 horas da manhã, de que algo de anormal se passava nesta Capital.
Imediatamente dirigiu-se à sede do Congresso Nacional, a fim de verificar in
loco os acontecimentos.
Na Esplanada dos Ministérios, tive ocasião de encontrar alguns militares que
me convidaram a seguir até o edifício do Ministério da Justiça, onde mantive contato
com êles por mais de hora e meia. Naquele local já se encontravam alguns oficiais do
Exército, feitos prisioneiros por seus subalternos. Êste o motivo por que apenas às 5
horas e 30 minutos da manhã pude chegar até à Câmara dos Deputados, tomando
tôdas as providências que a pobreza de recursos nos podia facultar, principalmente os
telefones. Não faltou, dentro de nossas limitações, o cuidado necessário ao resguardo do
exercício do nosso mandato e a parcela da nossa contribuição na manutenção da ordem
pública.
O nosso Líder Tancredo Neves teve oportunidade de ler da tribuna uma nota do
Sr. Ministro da Justiça e dos Ministros Militares. Acabo de receber o seguinte comuni-
cado, trazido em mãos pelo Senhor Chefe da Casa Civil da Presidência da República:
‘Sr. Presidente, o Gabinete Civil da Presidência da República comunica que na

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468 Casimiro Neto

Capital Federal reina absoluta tranqüilidade, estando restabelecidos todos os serviços


públicos e mantida a ordem. Encontram-se em pleno funcionamento os Podêres da
República, estando as autoridades em seus postos, no cumprimento de suas tarefas
normais’.
Resta, Srs. Deputados, a cada um de nós, o dever indeclinável de tirar dos
acontecimentos uma grande lição, como nos compete, e de continuarmos a ser como
agora somos, os vigilantes cautelosos, cuidadosos e indormidos das liberdades e da
Constituição. (Muito bem. Palmas prolongadas)”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Marco Antônio Tavares Coelho (PST-GB) faz a defesa dos
sargentos: “Sr. Presidente, creio que não poderíamos deixar de assinalar a nossa opi-
nião a respeito dos acontecimentos que se verificaram na madrugada de hoje, nesta
Capital. Felizmente, a esta hora, sabe-se que o problema está ultrapassado e resolvido.
Tivemos nós a oportunidade, juntamente com outros Deputados da Frente Parlamen-
tar Nacionalista, de conversar com um grupo numeroso de sargentos que se encontra-
vam na Base Aérea de Brasília e que, na madrugada de hoje, levantaram o seu protes-
to contra a decisão ontem adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Naturalmente que
aí poderíamos lamentar o ocorrido, desde que sabemos que, inclusive, nêle, se perdeu
uma vida e vários soldados ficaram feridos e estão hospitalizados. Mas, Senhor Presi-
dente, não podemos deixar aqui de assinalar a bravura e a pureza do gesto dêsses
soldados, sargentos, e cabos, que desejaram transmitir ao País, talvez de uma forma
errada, o seu protesto contra o esbulho dos votos de candidatos que foram registrados e
participaram do pleito, candidatos indicados por sargentos brasileiros. Hoje, pela ma-
nhã, o ilustre Líder da Minoria, Deputado Pedro Aleixo, em sua oração, procurou
apresentar uma formulação, procurou fazer crer que era absolutamente líquida e certa
a não-possibilidade de os sargentos participarem das eleições, desde que, na opinião de
S. Exa., o texto constitucional é claro. Mas, Senhor Presidente, não se pode afirmar
que esta tese seja tão pacífica assim, desde que até mesmo tribunais regionais eleitorais
registraram candidatos sargentos que receberam milhares e milhares de votos, como é o
caso do nosso colega da Guanabara, o Deputado Sargento Garcia. Por outro lado, o
sargento eleito no Rio Grande do Sul disputou as eleições com medida liminar decreta-
da pelo ilustre Ministro Osvaldo Trigueiro. Portanto, Senhor Presidente, não se pode
afirmar que a causa dos sargentos era uma causa absolutamente fora da lei, mas, o que
devemos aqui assinalar é que mesmo que esta tese fôsse pacífica, ou seja, mesmo que
todos aceitassem que sargentos não podem ser eleitos, na verdade o que se configura
agora, diante do País, é que a Constituição da República, nesse capítulo, representa
mais um código odioso contra o povo, desde que milhões e milhões de brasileiros estão
impedidos de exercer o seu direito de voto. Milhares e milhares de praças de pré e
sargentos não podem, pela mesma razão, participar dos pleitos eleitorais. Portanto,
Senhor Presidente, o que se deve assinalar nesta hora, nesta hora dramática para o
País e nesta hora particularmente dramática para aquêles jovens com os quais tivemos
oportunidade de conversar, que com o seu gesto, talvez tenham comprometido a sua
carreira militar, mas, levantaram-se com bravura, chamando a atenção do País para
essa iniqüidade que existe na Constituição da República. Portanto, Sr. Presidente, de-
sejamos aqui assinalar êste fato porque é muito simples no momento apresentarem-se os

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A Construção da Democracia 469

sargentos como baderneiros, como homens que provocam arruaças, mas Sr. Presidente,
êste foi o mesmo juízo feito, em 1922, quando se levantaram os 18 do Forte de
Copacabana. Naquela hora também o comentário foi êsse, muito espalhado aqui nesta
Casa. Mas, Sr. Presidente, mesmo através de certos atos que podemos lamentar, na
verdade homens abrem caminho, homens fazem avançar o carro da História em nossa
Pátria. (Muito bem.)”. Grifado pelo compilador.
4 de outubro de 1963. Plenário. O Presidente da República, João
Belchior Marques Goulart (RS), envia a Mensagem nº 320 ao Congresso Na-
cional apresentando o Projeto de Lei nº 1.091, que “decreta o estado de sítio em
todo o Território Nacional, pelo prazo de trinta dias”. A exposição de motivos é
assinada pelos Ministros da Marinha, da Guerra, e da Aeronáutica. Após a
leitura e discussão, é convocada sessão extraordinária noturna para as 20
horas. Sem quorum para deliberar, é convocada sessão extraordinária matu-
tina, para as nove horas do dia 7 de outubro, segunda-feira. Nesse dia, o
Presidente da República envia mensagem retirando o projeto de decretação
de estado de sítio, pois até a esquerda se posiciona contra a pretensão do
Governo federal.

Início do ano de 1964. Com a renúncia do Presidente Jânio da Silva


Quadros (MS), em 25 de agosto de 1961, o poder foi entregue ao Vice-Presi-
dente João Belchior Marques Goulart (RS), incompatibilizado com as Forças
Armadas e com profundas ligações com a esquerda. Cria-se uma crise políti-
co-militar e há desordem no País. Movimentos sociais no campo e discussões
nas universidades, nos sindicatos e até mesmo em alguns setores das Forças
Armadas tornam tenso esse período. Discutem-se as “Reformas de Base” (a
reforma agrária, a nacionalização de setores industriais estratégicos, a redu-
ção das remessas para o exterior de lucros do capital estrangeiro e o aumento
dos impostos sobre os setores mais ricos da população). Os chefes militares
fazem advertências ao Governo Federal e à Nação.
A exibição do filme “O Encouraçado Potenkin” (obra prima do cinema mudo
sobre a rebelião dos marinheiros do encouraçado russo que se recusam a fuzilar seus
companheiros e que favorece a oposição ao Czar. Episódio da Revolução Popular Rus-
sa, em 1905), no Ministério da Educação para uma platéia onde se achavam
marinheiros e fuzileiros navais irrita o Ministério da Marinha. Durante a exi-
bição um narrador doutrinava os militares ali presentes.
Estimulado por uma onda de manifestações sindicais e estudantis, o
Presidente anuncia as “Reformas de Base”.
13 de março de 1964. Sexta-Feira. Central do Brasil. Rio de Janeiro.
Comício em favor das “Reformas de Base” com a presença do Presidente da
República, João Belchior Marques Goulart (RS), ministros, parlamentares,
líderes sindicais, governadores, delegações provenientes de outros estados,
lideranças da União Nacional dos Estudantes (UNE) e aproximadamente
120.000 pessoas. O Presidente da República, em discurso de uma hora e

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470 Casimiro Neto

cinco minutos, defende longamente a necessidade das reformas de base no


País tais como a reforma agrária, tributária, eleitoral ampla, pelo direito do
voto do analfabeto e pela elegibilidade de todos os brasileiros. Anuncia a
assinatura do decreto de expropriação de terras e o da encampação das refi-
narias particulares de petróleo, e também, a próxima assinatura de um ter-
ceiro, o do tabelamento dos aluguéis. Cria-se no País a expectativa angustia-
da de uma explosão social. Fala-se em golpe, revolução e em guerra civil.
Dias depois, em uma palestra na Associação Brasileira de Imprensa (ABI),
Luís Carlos Prestes, em nome dos comunistas, cobra uma definição do Presi-
dente e indaga se o mesmo está disposto a se colocar à frente do processo
democrático e revolucionário que avança.
No dia 16 de março, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) ame-
aça “tomar medidas concretas”, caso o Congresso Nacional não aprove, dentro
de um mês, o pedido de reformas encaminhado pelo Presidente da Repúbli-
ca João Belchior Marques Goulart (RS). No dia 19, mais de 500 mil pessoas
invadem as ruas do centro de São Paulo, realizando-se a manifestação
antigovernamental “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, organizada
pela Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE) e Sociedade Rural
Brasileira (SBR), entre outras entidades. A marcha tem como objetivo mobi-
lizar a opinião pública contra a política desenvolvida pelo Governo, que con-
duziria, de acordo com seus opositores, à implantação do comunismo no Brasil.
Começa a reação civil à sensação de radicalização no País. No dia 20, o Gene-
ral-de-Exército Humberto de Alencar Castello Branco (CE), Chefe do Esta-
do-Maior do Exército, expede circular aos generais, conclamando-os a agi-
rem “contra a subversão”.
Os últimos dias de março reativaram o processo da crise político-mili-
tar. Tudo começa quando marinheiros e fuzileiros navais resolvem comemorar o
segundo aniversário da associação de classe que os representava. O então
Ministro da Marinha, Almirante-de-Esquadra Sílvio Borges de Souza Motta
(RJ), proibe tal reunião. Em protesto pela prisão dos diretores da sua associa-
ção, os marujos e fuzileiros navais se rebelam e vão se abrigar na sede do
Sindicato dos Metalúrgicos, situada à Rua Ana Neri, no Rio de Janeiro. A
concentração reune aproximadamente 3.000 homens, encabeçados pelo Cabo
José Anselmo, que fazem várias reivindicações. Com estes acontecimentos,
cria-se na Marinha de Guerra do Brasil uma crise semelhante à da revolta
dos marinheiros, no final do mês de novembro de 1910, que teve o marujo
João Cândido Felisberto (RS) – o “Almirante Negro” –, ao comando dos rebel-
des. Durante a crise não passa despercebida a presença do velho marinheiro,
chefe da “Revolta da Chibata” ao lado do Cabo José Anselmo. Durante quase
três dias, os marinheiros e fuzileiros navais rebelados transformam o “Palácio
do Aço” em um grande acampamento militar. Uma tropa do Corpo de Fuzilei-
ros Navais é enviada para desalojá-los e prendê-los. Mas, ali chegando, em
face dos apelos dos rebeldes que cantam o Hino Nacional e os incitam à
adesão, metade do contingente se despoja de suas armas e adentra o sindica-

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A Construção da Democracia 471

to. O restante do contingente recebe ordens de regresso ao quartel. O Minis-


tro da Marinha, Almirante-de-Esquadra Sylvio Borges de Souza Motta (RJ),
solicita ao Exército que envie uma força mecanizada para pôr cerco ao prédio
do Sindicato dos Metalúrgicos. O pedido é prontamente atendido. O acesso ao
local é bloqueado. O Ministro do Trabalho e Previdência Social, Amaury de
Oliveira e Silva (PR) vai ao sindicato a fim de parlamentar com os rebeldes.
Enquanto durou a permanência dos rebeldes no prédio do Sindicato
dos Metalúrgicos, não lhes faltaram as visitas e o incentivo de políticos da
Esquerda, bem como as de associações femininas e de estudantes, de igual
tendência. Coletas de dinheiro são feitas em benefício dos mesmos e rece-
bem, também, mantimentos. Diversões são proporcionadas aos amotinados
pelo Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE),
que ali faz várias representações. Durante dias, o País inteiro fica preso aos
acontecimentos. No auge da crise, o Ministro da Marinha, Almirante-de-Es-
quadra Sylvio Borges de Souza Motta (RJ) expede ordem de prisão contra o
Vice-Almirante Cândido da Costa Aragão, Comandante do Corpo de Fuzilei-
ros Navais.
O Jornal “Última Hora”, do dia 27 de março de 1964, destaca em sua
manchete: “Tensão no País com a crise na Marinha – 3.000 Marujos sublevados
desacatam ordem de prisão – Almirante Sílvio Motta demissionário”.
Com o desenrolar dos acontecimentos, julgando-se desprestigiado, o
titular da Marinha apresenta o seu pedido de demissão, que é aceito pelo
Presidente da República. O grupo de marinheiros e fuzileiros navais, reuni-
dos no prédio do Sindicato dos Metalúrgicos, vence a luta contra o Ministro
da Marinha, Almirante-de-Esquadra Sylvio Borges de Souza Motta (RJ), der-
rubado de seu posto, enquanto o Vice-Almirante Cândido da Costa Aragão,
que se recusara a enviar tropas contra os militares rebelados, é reconduzido
ao comando do Corpo de Fuzileiros Navais e o Almirante (reformado) Paulo
Mário da Cunha Rodrigues (RJ) assume a pasta da Marinha. É a quebra da
disciplina e rompimento da hierarquia militar, que são a base das instituições
militares. Os rebeldes são retirados do seu reduto e levados para o quartel do
Batalhão de Guardas do Exército, de onde são libertados por ordem pessoal
do Presidente da República, João Belchior Marques Goulart (RS) e, em segui-
da, saem em passeata pelas ruas centrais da cidade.
Enquanto eram grandes as expansões de alegria dos rebeldes, um mo-
vimento de reação se verifica entre a oficialidade naval que não se conforma
com a libertação, pura e simples, dos marinheiros e fuzileiros navais. Reuni-
dos no Clube Naval, órgão da classe, com a participação de dezenas de almi-
rantes e centenas de oficiais superiores, em manifesto, tornam pública a sua
insatisfação ante a solução dada ao episódio, que lhes parece de natureza
gravíssima e no qual identificam influências comunistas. É exigida, novamente,
a punição dos marinheiros e fuzileiros navais e o restabelecimento do princí-
pio da hierarquia e da disciplina. O Clube Militar declara sua solidariedade
aos seus colegas da Marinha na dupla exigência: punição dos marinheiros e

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472 Casimiro Neto

fuzileiros navais rebelados e o afastamento do Vice-Almirante Cândido da


Costa Aragão, do Comando do Corpo de Fuzileiros Navais.
De um lado os oficiais da Marinha e do Exército, que, no Clube Naval e
no Clube Militar, exigem a punição dos marinheiros e fuzileiros navais; do
outro, os comandos sindicais impondo a liberdade dos mesmos como condi-
ção indispensável para que não fosse deflagrada uma greve geral.
30 de março de 1964. O Presidente da República, João Belchior Mar-
ques Goulart (RS), acompanhado de ministros de Estado, do Comandante
do Corpo de Fuzileiros Navais, Vice-Almirante Cândido da Costa Aragão e
do Cabo José Anselmo, Presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzilei-
ros Navais do Brasil, comparece ao Automóvel Clube do Brasil – sede Rio de
Janeiro – para receber ruidosa homenagem da Associação Beneficiente dos
Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar, que comemora o seu 40º aniversá-
rio. Uma assembléia de aproximadamente mil suboficiais e sargentos das
unidades da Marinha, Exército, Aeronáutica e políciais militares. Esta home-
nagem ficou conhecida como a “Festa dos Sargentos”. Uma das reivindicações é
o direito de votar e de ser votado – uma das causas do levante de sargentos da
Marinha e da Aeronáutica em Brasília, no dia 12 de setembro de 1963. Ali se
ouve a palavra de vários líderes da classe e, após falarem oito oradores, o
Presidente da República João Belchior Marques Goulart (RS) levanta-se e faz
um dos seus mais longos e veementes discursos, acusando os oficiais e o IBAD
de reacionarismo. Mais uma vez são desrespeitados os princípios militares
básicos da hierarquia e da disciplina e desta vez com uma agravante: a pre-
sença do Presidente da República – Comandante-em-Chefe das Forças Arma-
das – “Constituição Federal de 1946, Art. 176 – As forças armadas, constituídas
essencialmente pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, são instituições nacionais per-
manentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade supre-
ma do Presidente da República e dentro dos limites da lei.” É o estopim da crise.
Nesta noite decide-se fazer a revolução de qualquer maneira para depor o
Presidente da República.
31 de março de 1964. 5 horas da manhã. É deflagrado o “Movimento
Militar Revolucionário”, antes da data – 2 de abril – previamente estabelecida
pelos conspiradores. Em Juiz de Fora, Minas Gerais, tanques e tropas lidera-
das pelo General-de-Divisão Olympio Mourão Filho e pelo General-de-Bri-
gada Carlos Luís Guedes começam a se deslocar para o Rio de Janeiro. O
primeiro contingente das tropas revolucionárias está sob o comando do Ge-
neral-de-Brigada Antônio Carlos da Silva Muricy e o seu Estado-Maior tem
como chefe o Coronel Wálter Pires de Carvalho e Albuquerque que é forma-
do, dentre outros, pelos coronéis Heitor de Caracas Linhares e Alísio Sebas-
tião Mendes Vaz. Recebem o apoio do Governador do Estado de Minas Ge-
rais – José Magalhães Pinto –, do Governador do Estado da Guanabara –
Carlos Frederico Werneck de Lacerda –, do Governador do Estado de São
Paulo – Adhemar de Barros –, e do Comandante da 2ª Região Militar – Gene-

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A Construção da Democracia 473

ral-de-Exército Amaury Kruel –, além do apoio do Marechal Odylio Denys e


de outros chefes militares. No Nordeste, o Exército sob o comando do Gene-
ral-de-Exército Joaquim Justino Alves Bastos, entra em ação e prende o Go-
vernador de Pernambuco Miguel Arraes de Alencar. Não há resistências.
Neste mesmo dia às 13 horas e 30 minutos, no Plenário da Câmara dos
Deputados, estão na “Ordem do Dia”, em regime de urgência, dois projetos
polêmicos. 1º) Votação, em discussão única do projeto de Decreto Legislativo
nº 57-B, que “concede anistia aos militares ou civis participantes dos acontecimentos
que se desenrolaram em Brasília no dia 12 de setembro de 1963, e dá outras providên-
cias”. 2º) Votação, em discussão única, do Projeto de Lei nº 809-B, de 1963,
que “dispõe sôbre a regularização da propriedade da terra, seu uso e domínio e dá
outras providências”.
Antes do início da “Ordem do Dia”, nos discursos de pequeno expedien-
te, o Deputado Joaquim Mariano Dias Menezes (PTN-SP) pede a palavra
para uma comunicação, onde condena a subversão da ordem que se prepara
no País: “Senhor Presidente, Senhores Deputados, a Nação assiste, entre atônita, per-
plexa e revoltada, a total e completa subversão da ordem da disciplina.
Desde o dia 13 último, quando, em praça pública, vozes se levantaram perante
os três ministros militares e perante o Senhor Presidente da República, agredindo o
Congresso e mesmo pedindo o seu fechamento, os acontecimentos se sucederam. Houve
o movimento dos marinheiros e culminou ontem com o espetáculo mais melancólico
para uma Nação que se tem na conta de País livre; o próprio chefe simbólico das Fôrças
Armadas brasileiras, o Presidente da República em reunião do Automóvel Clube do
Brasil, perante uma corporação de sargentos, que se reunia para uma comemoração,
proferiu um discurso que contém em cada parágrafo, pelo menos para quem sabe ler
nas entrelinhas, uma verdadeira agressão às instituições e ao Congresso e, pelo menos,
na pior das hipóteses, a 50 por cento da opinião pública do País.
Tive a honra, Senhor Presidente, de comparecer, meses atrás, perante o Senhor
Presidente da República, presentes todos os Deputados do Partido Trabalhista Nacio-
nal, e foi S. Exa. quem nos apresentou uma pesquisa de opinião pública, demonstrando
cabalmente que – e a expressão foi de S. Exa., o Senhor Presidente da Repúlbica – se
80% senão 90% da opinião pública do País se manifestavam a favor da reforma
agrária e das reformas de base, entretanto, quanto à emenda constitucional, 50% da
opinião pública se manifestam a favor e os outros 50% contra.
Esta pesquisa, S. Exa. o Senhor Presidente da República, nos mostrou em reu-
nião conosco, do P.T.N., no seu refúgio de Brasília, no Tôrto.
Pois bem, S. Exa. , ontem, proferiu um discurso do qual me permito ler apenas
um trecho para deixar testemunhado como hoje, se conduz o problema das reformas no
País.
Diz S. Exa.: ‘Realizaremos com o apoio de tôdas as forças patrióticas e progres-
sistas do País, e com o apoio das Fôrças Armadas, as reformas cristãs e democráticas
que preconizamos – afirmou. Mas as realizaremos à sombra única da bandeira Nacio-
nal do Brasil. Iludem-se aquêles que pretendem mistificar o povo brasileiro. Engana-se
quem, através de propaganda cara, das mais caras que já conheceu nossa história,

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474 Casimiro Neto

pretende iludir o povo brasileiro, fazendo crer que nós, povo, Fôrças Armadas e traba-
lhadores desejamos outras reformas que aquelas. Se quiserem saber quais as côres que
presidirão as reformas que serão realizadas, basta olhar a túnica de comandantes e
comandados do nosso Exército, da nossa Aeronáutica, da nossa Marinha, da Polícia
Militar. E ali, em cada túnica encontrarão o verde-oliva que é o verde da Bandeira
Brasileira. O Azul da Aeronáutica e da Marinha, que é o Azul da Bandeira Brasileira.
É com essas cores – verde, amarelo e azul – que faremos as reformas. E se êsses reacio-
nários, se essas fôrças insensíveis às reivindicações do povo brasileiro, quiserem olhar
para trás dessas túnicas, encontrarão também um coração brasileiro, um coração que
bate na defesa também dos interêsses mais altos dessa Nação.
Também, Senhores Sargentos, não nos iludamos com os seus argumentos pra
mistificar a opinião pública. Ao lado de cada túnica de militar estará também outra
instituição, que defenderemos até com nosso sacrifício: as famílias dos militares, as
famílias brasileiras, instituição básica da nossa Pátria, que se encontra conosco nessa
luta, que não é contra ninguém, mas é a favor do povo’.
Estas, Senhor Presidente, para quem sabe ler nas entrelinhas, as interpretações
que pudemos tirar do discurso ontem proferido por S. Exa. que é um discurso afrontoso
ao Congresso Nacional, às instituições e, na pior das hipóteses, a 50% da opinião
pública do País que não comunga com o processo de reformas apontado por S. Exa. o
Senhor Presidente da República, como chefe das Fôrças Armadas, pelo menos
simbólicamente não podia, subvertendo, êle também, o princípio da ordem, da autori-
dade, da hierarquia, dirigir-se a uma assembléia de sargentos – corporação inferior das
classes armadas – da forma por que o fêz, concitando os sargentos das três armas a se
voltarem contra o povo brasileiro em sua maioria, pelo menos em 50% contra o Con-
gresso e contra as instituições, caso essas reformas não venham a ser dadas ao País, o
pensamento de S. Exa. o Presidente da República.
Daí, Senhor Presidente, ler êsses trechos do discurso de S. Exa. para que os Anais
desta Casa sejam o repositório histórico de um dos mais inconcebíveis pronunciamentos
de um Chefe de Estado, instigando uma corporação militar contra o próprio regime, e
subvertendo o princípio da disciplina e da hierarquia militar. Reunindo-se com esca-
lões inferiores das três armas no preciso instante em que os sargentos de uma dessas
fôrças acabava de dar à Nação a mais acintosa demonstração de desrespeito à ordem e
à disciplina que juraram defender. S. Exa. extravasou de todo bom senso, e hoje mais
não merece, senão a reprovação da Nação Brasileira.
Que a história o julgue pois, porque as contemporâneas já o julgaram na pior
conta, após a inconcebível fala de ontem. (Muito bem)”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Walter Peracchi Barcellos (PSD-RS) faz veemente pronun-
ciamento contra o comunismo e denuncia: “Sr. Presidente e Srs. Deputados, é
grave o momento que estamos vivendo. Ontem o Líder da minha Bancada, o Deputado
Martins Rodrigues, antevendo mais êste acontecimento deplorável da pretensa home-
nagem dos sargentos, declarava que se instalara um soviet na Marinha. Solidarizan-
do-me plenamente com S. Exa., quero dizer que não se instalou um ‘soviet’ apenas na
Marinha, mas no Exército, na Aeronáutica, no Palácio do Govêrno, em tôdas as repar-
tições públicas federais; e o maior ‘soviet’, Sr. Presidente, que se instalou neste País foi,

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A Construção da Democracia 475

sem dúvida, na Petrobrás (Muito bem), que tem uma hora radiofônica que outra coisa
não faz senão estimular a subversão da ordem constitucional vigente (Muito bem),
proclamando e anunciando todos os discursos que lhe são favoráveis, inclusive os desta
Casa, mas silenciando com relação àqueles que se contrapõem aos que pretendem, da
forma por que está fazendo, subverter o regime, a ordem constitucional vigente, trans-
formar êste País numa nova Cuba”. Grifado pelo compilador.
O Deputado João Herculino Sousa Lopes (PTB-MG), nos discursos de
grande expediente, dá notícias sobre os acontecimentos no Estado de Minas
Gerais: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, tive neste instante um contato telefônico com
a Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, e é com pesar, profundo pesar, que
comunico a esta Casa que a Constituição começou a ser rasgada em meu Estado.
O Deputado Sinval Bambirra foi prêso. O Jornal “Última Hora” foi fechado;
seu diretor foi prêso; os ônibus foram requisitados; as casas de comércio e os bancos estão
fechados”. Grifado pelo compilador.
A sessão prossegue, mas sem “quorum” para deliberar sobre a matéria é
convocada sessão extraordinária noturna para as 21 horas desse mesmo dia.
Aberta a sessão extraordinária, o Deputado Anísio de Alcântara Rocha
(PSD-GO) pede a palavra pela ordem e solicita: “Senhor Presidente, solicito a
V. Exª. informações sôbre as providências que a Mesa da Câmara dos Deputados tomou
ou tomará, em relação à situação de Brasília,
Segundo chegou ao meu conhecimento, o aeroporto está fechado, as estradas que
dão acesso a Belo Horizonte e Goiânia já estão tomadas por fôrças do Exército. Eu
perguntaria a V. Exª que providências a Mesa poderia tomar já junto ao Ministério da
Aeronáutica, pois tenho a impressão de que estamos completamente isolados dentro de
Brasília. (Muito bem).
O Sr. Presidente – (Afonso Celso) – A Presidênciaa toma conhecimento das infor-
mações prestadas pelo nobre Deputado Anísio Rocha e adotará as providências cabíveis
no caso dentro em breve, dando ciência ao Plenário dessas providências e dos seus
resultados”. Grifado pelo compilador.
As informações que chegam ao Congresso Nacional é de que o Aero-
porto de Brasília está fechado e ocupado por tropas federais; barreiras estão
nas rodovias que ligam a Capital do País às capitais de Goiás, Minas e São
Paulo; o serviço de teletipo, telex, bem como as ligações interurbanas estão
cortadas e que as emissoras de TV locais receberam visitas de oficiais milita-
res que impediram a transmissão de uma comunicação do Presidente do Con-
gresso Nacional, Senador Auro de Moura Andrade, de movimentação de tro-
pas e de várias adesões de governadores de Estados ao movimento militar.
Na sessão extraordinária noturna, nos discursos de pequeno expedien-
te, o Deputado Francisco Julião Arruda de Paula (PSB-PE) faz um intenso
pronunciamento sobre as reformas em discussão no Congresso Nacional, diz
que os acontecimentos que se estão verificando estão previstos há muito tem-
po, declara “abençoados os marinheiros, bravos sargentos, camponêses rebelados, ope-
rários indômitos do Brasil. A vós sim, rendo a minha admiração, a minha homenagem
pelo sangue que já derramastes neste País e que ainda não foi redimido, mas que

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476 Casimiro Neto

haverá de contribuir para a nossa unidade, pela fôrça de todos nós em defesa daqueles
que sentem o clamor das massas desesperadas do Brasil”, alerta que “(...) se amanhã
alguém tentar levantar os gorilas contra a Nação, já podemos dispor – por isso ficamos
no nordeste o ano todo – podemos dispor de quinhentos mil camponêses para responder
aos gorilas como os gorilas quiserem: na lei, como desejamos, na marra, se êles quise-
rem”. Encerra reafirmando que o povo brasileiro já tomou a decisão de con-
quistar sua emancipação econômica, sua emancipação social e que ela será
conquistada pacificamente ou através da revolução da rebelião das massas
inconformadas do Brasil. O orador é muito aplaudido e cumprimentado.
Após falarem vários Deputados a sessão é encerrada à 1 hora do dia 1º de
abril, sem ter votado a pauta constante da Ordem do Dia.
1º de abril de 1964. O Jornal “Diário Carioca” destaca em sua manche-
te: “Guarnições do I Exército marcham para sufocar rebelião em Minas Gerais –
Jango: govêrno manterá a ordem e a democracia – Ministro da Guerra reassume e
lança proclamação – Manifesto de Jango – Lacerda atravancou ruas com trincheiras
carros e barricadas”.
No Plenário da Câmara dos Deputados às 13 horas e 30 minutos, o
Deputado Arnaldo de Castro Nogueira (UDN-GB) faz a seguinte comunica-
ção: “Sr. Presidente, neste momento em que ocupo a tribuna, graças a uma gentileza
do Deputado Amaral Neto, o Palácio da Guanabara, na antiga Capital Federal, está
sendo atacado por fôrças dos Fuzileiros Navais, comandadas pelo Almirante Aragão”.
Vários outros pronunciamentos dão notícias dos acontecimentos nos Esta-
dos. O Deputado Ernani Ayres Sátiro e Sousa (UDN-PB) – como Líder da
Minoria – faz intenso pronunciamento, onde analisa os últimos acontecimen-
tos e afirma: “(...) a página atual da História do Brasil está sendo escrita fora do
Congresso Nacional e o Congresso Nacional é, apenas, nêsse momento, o registro
vivo, a ressonância fecunda e patriótica, para que o sociólogo, o historiador possam
interpretar êstes fatos e êstes acontecimentos”. A sessão é encerrada às18 horas e
10 minutos.
Ainda nesse dia o Presidente da República João Belchior Marques
Goulart (RS) abandona o Rio de Janeiro, toma o rumo de Brasília e de lá
segue para Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde o Comandante do III
Exército, General-de-Divisão Ladário Pereira Teles – fiel ao Governo e à lega-
lidade constitucional –, e o Deputado Leonel de Moura Brizolla (PTB-RS)
pretendem enfrentar o movimento revolucionário. Diante dos fatos e das
notícias que chegam ao seu conhecimento, o Presidente da República reco-
nhece a impossibilidade de oposição ao movimento militar e ordena a cessa-
ção de resistência. O novo Governo é reconhecido pelo Presidente dos Esta-
dos Unidos da América do Norte, Lyndon Johnson, poucas horas após a
tomada do poder.
2 de abril de 1964. 2 horas e 40 minutos (madrugada). Reunião Extra-
ordinária do Congresso Nacional. Plenário. Presença de 212 congressistas –
29 senadores e 183 Deputados. Tumulto no plenário. O Presidente do Con-

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A Construção da Democracia 477

gresso Nacional, Senador Auro de Moura Andrade alerta: “Atenção, Srs. Depu-
tados, serei forçado a suspender a sessão até quando a calma volte ao Plenário, para
que esta Presidência possa cumprir o seu dever de fazer a comunicação e a declaração
que lhe cabe formular nesta hora angustiosa da vida brasileira. Está suspensa a ses-
são.” Quando reabre a sessão extraordinária faz a seguinte comunicação: “Co-
munico ao Congresso Nacional que o Sr. João Goulart deixou, por força dos notórios
acontecimentos de que a Nação é conhecedora, o Governo da República. (Aplausos
prolongados. Protestos. Tumultos). Em seguida é lido ofício do Chefe do Gabinete
Civil Darcy Ribeiro (MG) com o seguinte teor: “Brasília, 2 de abril de 1964.
Senhor Presidente, O Senhor Presidente da República incumbiu-me de comunicar a
Vossa Excelência que, em virtude dos acontecimentos nacionais das últimas horas, para
preservar de esbulho criminoso o mandato que o povo lhe conferiu, investindo-o na
Chefia do Poder Executivo, decidiu viajar para o Rio Grande do Sul, onde se encontra
à frente das tropas militares legalistas e no pleno exercício dos poderes constitucionais,
com o seu Ministério”. Tumulto no Plenário. A Presidência conclui a sua comu-
nicação: “O Sr. Presidente da República deixou a sede do Govêrno (protestos, Palmas
prolongadas)... deixou a Nação acéfala numa hora gravíssima da vida brasileira em
que é mister que o Chefe de Estado permaneça à frente do seu Govêrno. (Apoiados.
Muito bem). O Sr. Presidente da República abandonou o Govêrno. (Aplausos caloro-
sos. Tumulto. Soam insistentemente as campanhias). A acefalia continua. Há necessi-
dade de que o Congresso Nacional, como poder civil, imediatamente tome a atitude que
lhe cabe, nos têrmos da Constituição. (Palmas. Protestos), para o fim de restaurar, na
pátria conturbada, a autoridade do Govêrno, a existência do Govêrno. Não podemos
permitir que o Brasil fique sem Govêrno, abandonado. (Palmas. Tumulto.) Recai sobre
a Mesa a responsabilidade pela sorte da população do Brasil em peso. Assim declaro
vaga a Presidência da República (Palmas prolongadas. Muito bem. Muito bem. Pro-
testos) e, nos têrmos do art. 79, da Constituição Federal, invisto no cargo o Presidente
da Câmara dos Deputados, Sr. Ranieri Mazzilli (Palmas prolongadas. Muito bem.
Muito bem. Protestos)”. Encerra-se a sessão às 3 horas da madrugada.
O ex-Presidente João Belchior Marques Goulart (RS) busca asilo no
Uruguai. Assume o Governo do País o Presidente da Câmara dos Deputados,
Paschoal Ranieri Mazzilli (SP) até 15 de abril do mesmo ano, quando toma
posse o novo governante eleito, indiretamente, pelo Congresso Nacional.
Na Câmara dos Deputados, na sessão ordinária desse mesmo dia, é
votado e aprovado, em segundo turno, o Projeto de Decreto Legislativo nº
57-B de 1963, que “anistia os militares ou civis participantes dos acontecimentos
que se desenrolaram no dia 12 de setembro de 1963”. Não retornando à pauta é
arquivado.
Com a revolução é abortada uma geração cheia de promessas e espe-
ranças, não destruindo apenas esquemas, sonhos e partidos. Corta carreiras
políticas e interrompe projetos de vida. Perplexos e desorientados os jovens e
as novas lideranças vêem seus sonhos serem bruscamente interrompidos. É
encerrada a mais longa experiência liberal do País, iniciada com a Carta Magna
de 1946. O País nesse período viveu um interregno democrático com crises

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478 Casimiro Neto

institucionais e ameaças de intervenção das forças armadas – Renúncia presi-


dencial e impedimento do vice-presidente; parlamentarismo; presidencialis-
mo; CPI do IBAD; revolta dos sargentos em Brasília; ação das ligas campone-
sas; campanha deflagrada pelo Governo de João Belchior Marques Goulart
(RS) pelas denominadas “Reformas de Base” e os tensos debates no Congresso
Nacional; o “Comício das Reformas” na Central do Brasil no dia 13 de março de
1964 (sexta-feira); culminando com a manifestação dos marinheiros e fuzilei-
ros navais no Rio de Janeiro e a quebra da disciplina e rompimento da hie-
rarquia militar, base das instituições militares. Em contrapartida, começa a
reação civil e militar à sensação de radicalização no País. As correntes conser-
vadoras sob a liderança política da União Democrática Nacional (UDN) e
com ampla cobertura jornalística, declaram suas suspeitas às reformas pro-
postas pelo Governo, considerando-as, no mínimo, comunizantes. Além da
rejeição na votação do “Estatuto da Terra”, do embargo ao estado de sítio pro-
posto pelo Governo e das manifestações da TFP (Tradição, Família e Proprie-
dade), as forças oposicionistas enchem as ruas com a manifestação
antigovernamental “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” no dia 19 de
março, quando aproximadamente 500 mil pessoas invadem as ruas do centro
da capital paulista. No dia 20, o General-de-Exército Humberto de Alencar
Castello Branco (CE), Chefe do Estado-Maior do Exército, expede circular
aos generais, conclamando-os a agirem “contra a subversão” e tudo isso é en-
cerrado com o início do movimento militar revolucionário no dia 31 de mar-
ço com declarado apoio dos governadores dos Estados de Minas Gerais, Rio
de Janeiro e depois São Paulo. O temor da instauração de uma república
sindicalista com forte influência comunista reenquadra o País nos moldes da
“Guerra Fria”, realinhando-o com os Estados Unidos da América A cidadania
plena sofre duro golpe. Desencadeia-se em todo território brasileiro uma
onda de prisões de líderes políticos, sindicais e camponeses. É iniciado o
mais longo ciclo de governos militares da história do Brasil.

9 de abril de 1964. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado Mil-


ton Garcia Dutra (PTB-RS) faz a seguinte denúncia: “Sr. Presidente, na manhã
de hoje a Universidade de Brasília foi cercada pela Polícia Militar de Minas Gerais.
Os estudantes e os professores da Universidade padrão dêste País estiveram sem contato
externo desde as sete horas até há poucos minutos. Dois professôres de nossa Universi-
dade foram de lá retirados, prêsos e conduzidos não se sabe para onde. Enquanto,
Senhor Presidente, me fôr dado falar aqui no plenário da Câmara, quero alto e em bom
som manifestar a minha desaprovação e meu protesto por êsses gestos inusitados dos
vitoriosos do dia. (Muito bem)”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Mário Maia (PTB-AC) pede a palavra para uma questão de
ordem: “Sr. Presidente, se não me engano, no dia seguinte ao da deposição do Senhor
João Goulart foi endereçada à Mesa, por colega nosso, uma pergunta com respeito às
garantias das imunidades parlamentares. A Presidência informou à Casa que tinha
tomado as devidas providências e nesse sentido tinha entrado em entendimento com o

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A Construção da Democracia 479

Sr. Presidente da República, empossado, o qual havia assegurado ao Presidente da


Casa que as imunidades parlamentares e os mandatos dos representantes do povo no
Congresso Nacional seriam assegurados pelo Presidente da República, acrescentando
que êle não teria mais condições de permanecer à frente dos destinos da Nação desde que
não tivesse competência para assegurar os mandatos e as imunidades de seus colegas.
Ora, Sr. Presidente, nós estamos sabendo – e é do conhecimento público de tôda a
nação – que inúmeros colegas nossos foram prêsos e continuam prêsos. Outros estão
sendo caçados e suas cabeças postas a prêmio. Outros, ainda, são diàriamente indiciados,
em listas que aparecem nos jornais daqui de Brasília e das outras capitais do País.
Pergunto a V. Exa., Sr. Presidente, quais as providências tomadas pela Mesa no
sentido de assegurar o mandato dêsses deputados e suas imunidades, pelo menos en-
quanto não se baixa o falado Ato Institucional ou Ato Constitucional que vem discipli-
nar a matéria.
Acho que a Constituição, pelo menos é o que está sendo proclamado pelas fôrças
revolucionárias, continua em plena vigência e a cassação prévia dos mandatos dêsses
deputados ou suas prisões, creio, está constituindo um atentado flagrante à Constitui-
ção que tanto se quer e se propõe respeitar nesta Casa.
Eis por que formulo a minha questão de ordem, perguntando quais as providên-
cias que a Casa tomou nesse sentido para informar aos nossos companheiros. (Muito
bem)”. Grifado pelo compilador.
O Presidente, em exercício, da Câmara, Deputado Afonso Celso Ribei-
ro de Castro (PTB-RJ), responde a questão de ordem: “Como tôda a Casa sabe,
atravessamos um clima revolucionário em virtude da deflagração de movimento que
mudou o govêrno neste País.
Estando, como é evidente, suspensas aquelas garantias constitucionais cujo cum-
primento é exigido num ambiente normal nem por isso esta Presidência deixou de estar
atenta e vigilante na defesa das garantias e das imunidades dos membros desta Casa.
Recebeu sempre tôdas as notícias, tôdas as informações, tôdas as denúncias a ela trazidas
a respeito de ameaças, de atentados e de efetivação de prisões de membros desta Casa.
Pode informar neste instante à Câmara que a maioria dessas denúncias e recla-
mações não têm procedência. Oficialmente, só tem conhecimento da prisão de um De-
putado, o Sr. Neiva Moreira. Esta Presidência procurou verificar o caso e reclamou das
autoridades que haviam efetivado a prisão o respeito às imunidades parlamentares.
Recebeu, então, a resposta em tempo útil. Informou o Sr. Ministro da Guerra que
aquêle nosso colega havia, na verdade, sido prêso, mas porque existiam provas contun-
dentes de que estava, na verdade, aliciando sargentos nos quartéis.
Em face dessa atitude do Senhor Deputado Neiva Moreira, o comando revoluci-
onário não poderia deixar de detê-lo, e lamentava informar à Casa que não poderia
também, por enquanto, dar-lhe liberdade, podendo não obstante, afiançar à Presidên-
cia desta Casa que teria, como terão todos os prêsos políticos, o tratamento devido.
Sabe também a Presidência, mas a respeito não tem ainda nenhuma informação
oficial, que um outro nosso colega, o Sr. Deputado Mário Lima, se acha realmente
prêso, em Salvador. Já tomou as providências necessárias para verificar a veracidade
do fato e se possível, libertar êsse nosso colega.

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480 Casimiro Neto

Não tem, entretanto, qualquer resposta oficial sôbre o assunto. Assim sendo, não
poderá dar qualquer esclarecimentos a esta Casa.
São as informações que se sente obrigada esta Presidência dar, em face da recla-
mação do nobre Deputado Mário Maia, cientificando a S. Exa. e à Casa, mais uma
vez, que, apesar do clima que atravessamos, está vigilante e não deixará de envidar
todos os esforços em defesa dos nossos colegas e em defesa das imunidades constitucio-
nais previstas em nossa Carta Magna. (Muito bem)”. Grifado pelo compilador.
Nesse mesmo dia é sancionado o “Ato Institucional nº 1”, com 11 artigos,
pelo Comando Supremo da Revolução, composto pelo General-de-Exército
Arthur da Costa e Silva (RS), pelo Tenente-Brigadeiro-do-Ar Francisco de
Assis Corrêa de Mello (RJ) e pelo Vice-Almirante Augusto Hamann Rademaker
Grünewald (RJ). São mantidas a Constituição de 1946, as constituições esta-
duais e respectivas emendas. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da
República, cujos mandatos terminarão em 31 de janeiro de 1966, será reali-
zada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, no prazo
de dois dias, a contar do ato, em sessão pública e votação nominal. Eleição
indireta. Os projetos de lei sobre qualquer matéria enviados pelo Presidente
da República ao Congresso Nacional deverão ser apreciadas dentro de 30
dias, a contar do seu recebimento na Câmara dos Deputados e de igual prazo
no Senado Federal, caso contrário, serão tidos como aprovados. Suspende
por seis meses as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabi-
lidade. Investigação sumária. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da
República, que tomarão posse em 31 de janeiro de 1966, será realizada em 3
de outubro de 1965. Pode suspender direitos políticos pelo prazo de 10 anos
e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a
apreciação judicial desses atos. Este ato passa a vigorar desde a sua data até
31 de janeiro de 1966.
A justificativa do “Ato Institucional nº 1” assim está expressa: “É indispen-
sável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma
nova perspectiva sôbre o seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento,
não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública
nacional, é uma autêntica revolução.
A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se
traduz, não o interêsse e a vontade de um grupo, mas o interêsse e a vontade da Nação.
A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se mani-
festa pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais
radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como o Poder Constituinte,
se legitima por si mesma. Ela destitui o govêrno anterior e tem a capacidade de consti-
tuir o nôvo govêrno. Nela se contém a fôrça normativa, inerente ao Poder Constituinte.
Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à
sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Fôrças Armadas e ao
apoio inequívoco da Nação, representam o povo e em seu nome exercem o Poder Cons-
tituinte, de que o Povo é o único titular. O Ato Institucional que é hoje editado pelos
Comandantes em Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em nome da revo-

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A Construção da Democracia 481

lução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na sua quase totalidade, se destina
a assegurar ao nôvo govêrno a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de recons-
trução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar,
de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração
da ordem interna e do prestígio internacional da nossa Pátria. A revolução vitoriosa
necessita de se institucionalizar e se apressa pela sua institucionalização a limitar os
plenos podêres de que efetivamente dispõe.
O presente Ato Institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa, re-
presentada pelos Comandos em Chefe das três Armas que respondem, no momento, pela
realização dos objetivos revolucionários, cuja frustração estão decididas a impedir. Os
processos constitucionais não funcionaram para destituir o govêrno, que deliberadamente
se dispunha a bolchevizar o país. Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as
normas e os processos de constituição do novo govêrno e atribuir-lhe os podêres ou os
instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interêsse do
País. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, de-
cidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte
relativa aos podêres do Presidente da República, a fim de que êste possa cumprir a
missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes
medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado
não só na cúpula do govêrno como nas suas dependências administrativas. Para redu-
zir ainda mais os plenos podêres de que se acha investida a revolução vitoriosa, resolve-
mos, igualmente, manter o Congresso Nacional, com as reservas relativas aos seus
podêres, constantes do presente Ato Institucional.
Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Con-
gresso. Êste é que recebe dêste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Cons-
tituinte, inerente a tôdas as revoluções, a sua legitimação.
Em nome da revolução vitoriosa, e no intúito de consolidar a sua vitória, de
maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao País um govêrno
capaz de atender aos anseios do povo brasileiro, o Comando Supremo da Revolução,
representado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica
resolve editar o seguinte ATO INSTITUCIONAL”. Grifado pelo compilador.
Nesse mesmo dia na sessão extraordinária noturna, às 21 horas, o Pre-
sidente, em exercício, da Câmara, Deputado Afonso Celso Ribeiro de Castro
(PTB-RJ), faz o seguinte comunicado: “Srs. Deputados já deve ser do conhecimen-
to de todos, a partir desta tarde, o País se encontra sob nôvo regime, que se consubstancia
nos dispositivos de Ato baixado pelo Comando das Fôrças Revolucionárias, e assinado
pelos três Ministros Militares. Não temos ainda oficialmente êsse Ato dado à publicida-
de, isto é, não temos condições para ler à Casa os seus Dispositivos. Tôda a Nação,
porém ouviu a sua leitura através das rádios e, ao que se informa, profunda alteração
é feita na Constituição do País, suspensas pràticamente tôdas as garantias individuais,
suspensas também as imunidades parlamentares.
Antes de chegar a esta Casa, tive conhecimento da prisão violenta de dois compa-
nheiros nossos, os Senhores Deputados Benedito Cerqueira e Bocayuva Cunha. No-
meei de logo, ao aqui chegar, uma comissão de três Deputados, integrando-a um repre-

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482 Casimiro Neto

sentante da Mesa, para procurar o Comando Militar de Brasília e solicitar explicações


e esclarecimentos.
Esta Presidência, portanto, neste ensejo, não vê por que possa esta Casa continu-
ar no debate das matérias da Ordem do Dia (Muito bem; muito bem: palmas) e na
votação de suas proposições, nos têrmos em que o vinha fazendo. Mas não quer suspen-
der os seus trabalhos, nem quer deliberar por si mesma. Convocou todos os membros da
Mesa e todos os Líderes desta Casa e com êles terá, dentro de poucos minutos, uma
reunião no seu gabinete, para apreciar a situação, enquanto aguarda também a volta
da comissão nomeada, para ter conhecimento exato da situação dos nossos três compa-
nheiros detidos, porque já agora se acrescenta mais a prisão do Sr. Deputado Roland
Corbisier.
Desta forma, esta Presidência, suspende a sessão pelo tempo necessário para que
esteja habilitada a dar explicações ao Plenário”. Grifado pelo compilador. Suspende a
sessão às 21 horas e 35 minutos e reabre às 23 horas e 10 minutos, sendo logo
em seguida encerrada por ter–se esgotado o prazo regimental da suspensão
da sessão.

Têm início a 5ª República.

Sem título-3 482 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 483

Quadro/Foto nº 24
O Presidente, em exercício, da Câmara – Deputado Afonso Celso Ribeiro de Castro

Sem título-3 483 7/5/2004, 10:21


484 Casimiro Neto

Quadro/Foto nº 24/A
O Presidente da República – João Belchior Marques Goulart

Sem título-3 484 7/5/2004, 10:21


A Construção da Democracia 485

Quinta República
(9/4/1964 a 5/10/1988)

O período militar com a expedição de atos institucionais a partir de 9


de abril de 1964, a “Constituição Congressual” de 24 de janeiro de 1967 – 6ª da
nossa história e 5ª da República, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de
outubro de 1969, promulgada pela Junta Militar e as emendas subseqüentes.
O período civil com a denominada “Nova República” até a promulgação da
nova Carta Constitucional.
10 de abril de 1964. 13 horas e 30 minutos. Câmara dos Deputados.
Plenário. Depois de vários pronunciamentos sobre os últimos acontecimen-
tos, o Presidente, em exercício, da Câmara, Deputado Afonso Celso Ribeiro
de Castro (PTB-RJ), suspende a sessão às 16 horas para uma reunião convo-
cada, pelo próprio, com os Líderes de partido “a fim de tomarem conhecimento
de documento importante”.
Reaberta a sessão às 16 horas e 30 minutos, o Segundo Vice-Presidente
Deputado Lenoir Vargas Ferreira (PSD-SC) faz a seguinte comunicação: “Atenção
Srs. Deputados. A Mesa acaba de receber uma comunicação urgente, que passo a ler,
para conhecimento do Plenário:
URGENTE
Do Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacional.
Ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados.
Assunto: Cassação de Mandatos Legislativos
Anexo: Cópia de ato do Comando Supremo da Revolução.
Passo às mãos de Vossa Excelência, para os devidos fins, a inclusa cópia do Ato
do Comando Supremo da Revolução, datados de hoje, relativo à cassação de mandatos
legislativos.
Sirvo-me do ensejo para apresentar a Vossa Excelência os meus protestos de alto
aprêço e distinta consideração. – Gen. Bda. André Fernandes de Souza, Secretário-
Geral do Conselho de Segurança Nacional.
ATO DO COMANDO DA REVOLUÇÃO, REPRESENTADO
PELOS COMANDANTES-EM-CHEFE DO EXÉRCITO,
DA MARINHA E DA AERONÁUTICA
Cassa Mandatos Legislativos
O Comando Supremo da Revolução resolve, nos têrmos do Art. 10 do Ato
Institucional de 9 de abril de 1964, cassar os mandatos dos seguintes membros do
Congresso Nacional:”

Sem título-4 485 7/5/2004, 10:22


486 Casimiro Neto

Segue-se uma lista com o nome de 40 (quarenta) deputados: “Abelardo de


Araújo Jurema(PSD-PB); Adahil Barreto Cavalcanti(PTB-CE); Adão Manoel Perei-
ra Nunes(PSP-RJ); Almino Monteiro Alvares Afonso(PTB-AM); Amaury de Oliveira
Silva(PTB-PR); Antonio Garcia Filho(PTB-GB); Armando Temperani Pereira(PTB-
RS); Arthur Mello de Lima Cavalcante(PTB-PE); Barros Barretos – suplente – (PE);
Benedito Cerqueira(PTB-GB); Clóvis Ferro Costa(UDN-PA); Demisthoclides
Baptista(PST-RJ); Eloy Angelo Coutinho Dutra(PTB-GB); Fernando de Sant’ana
(PSD-BA); Francisco Julião Arruda de Paula(PSB-PE); Gilberto Mestrinho de
Medeiros Raposo(PTB-RO); Henrique Cordeiro Oest(PSP-AL); João Dória(PDC-BA);
José Antônio Rogê Ferreira(PTB-SP); José Aparecido de Oliveira (UDN-MG); José
Guimarães Neiva Moreira(PSP-MA); José Lamartine Távora(PTB-PE); Leonel de
Moura Brizola(PTB-GB); Luiz Fernando Bocayuva Cunha(PTB-RJ); Luiz Gonzaga
de Paiva Muniz(PTB-RJ); Marco Antonio Tavares Coelho(PST-GB); Mario Soares
Lima(PSP-BA); Max da Costa Santos(PSB-GB); Moysés Lupion(PSD-PR); Murilo
Barros Costa Rego(PTB-PE); Paulo Mincaroni(PTB-RS); Paulo de Tarso
Santos(PDC-SP); Pelópidas Silveira – suplente – (PE); Plínio Soares de Arruda
Sampaio(PDC-SP); Ramon de Oliveira Neto(PTB-ES); Roland Cavalcante de
Albuquerque Corbisier(PTB-GB); Salvador Romano Lossaco – suplente – (SP); Sérgio
Nunes Magalhães Júnior(PTB-GB); Silvio Leopoldo de Macambira Braga(PSP-PA);
e Waldemar Luiz Alves(PST-PE).
Rio de Janeiro, GB, 10 de abril de 1964. – Arthur da Costa e Silva, General-de-
Exército. – Francisco de Assis Correia de Mello, Tenente-Brigadeiro. – Augusto Hamann
Rademaker Grunewald, Vice-Almirante”. Grifado pelo compilador.
Após a leitura o Deputado Armindo Marcílio Doutel de Andrade
(PTB-SC) pede a palavra pela ordem e faz o seguinte questionamento: “Pela
ordem, Sr. Presidente. Antes que V. Exa. leia a lista dos suplentes, peço a palavra pela
ordem, nos termos regimentais. Pergunto a V. Exa. se a Mesa da Câmara, diante desta
comunicação, vai convocar os suplentes legitimando destarte a cassação dos mandatos
dos Deputados cujos nomes foram anunciados ou, se, ao revés, vai passar a considerá-
los ainda em exercício, mantendo a dignidade e a soberania do Congresso Nacional.
(Palmas)”. Grifado pelo compilador.
Responde o Segundo Vice-Presidente Deputado Lenoir Vargas Ferreira
(PSD-SC): “A questão de ordem de V. Exa. encontra resposta na própria situação
vigente no País. Uma vez que está em vigor o Ato Institucional e que por êle se atribui
ao poder revolucionário o direito da cassação de mandatos legislativos, evidentemente,
na hora em que foi dado conhecimento à Casa êsses mandatos estão cassados e nada
mais resta à Mesa senão fazer a convocação dos respectivos suplentes, e era o que
estávamos fazendo”.
Alguns deputados sabendo da cassação, antecipadamente, já se haviam
pronunciado. A sessão é encerrada às 17 horas e 15 minutos.
11 de abril de 1964. Câmara dos Deputados. Plenário. O Presidente,
em exercício, da Câmara, Deputado Afonso Celso Ribeiro de Castro (PTB-
RJ), faz a seguinte comunicação: “(...) Vem à Mesa Expediente do Chefe do Gabi-
nete Militar que o Secretário passará a ler à Casa.

Sem título-4 486 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 487

O Sr. 3º Secretário Lê o seguinte documento:


As Sec 07 – Em abril de 1964.
Do Gen. Chefe do Gabinete Militar da Presidência da República.
Ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados.
Senhor Presidente:
Tenho a honra de encaminhar a V. Exa. uma cópia do Ato do Comando Supremo
da Revolução relativo à cassação de direitos políticos.
Aproveito o ensejo para apresentar protestos de estima e real consideração – Gen.-
Bda. André Fernandes de Souza, Chefe de Gabinete Militar.
ATO DO COMANDO SUPREMO DA REVOLUÇÃO, REPRESENTADO
PELOS COMANDANTES-EM-CHEFE DO EXÉRCITO,
DA MARINHA E DA AERONÁUTICA
Suspende Direitos Políticos
O Comando Supremo da Revolução resolve, nos têrmos do artigo 10, do Ato
Institucional, de 9 de abril de 1964, suspender , pelo prazo de dez anos, os direitos
políticos dos seguintes cidadãos:”
Segue-se uma relação com os nomes de 100 (cem) cidadãos entre os quais
estão: “Luiz Carlos Prestes, João Bechior Marques Goulart, Jânio da Silva Quadros,
Miguel Arraes de Alencar, Darci Ribeiro, Raul Riff, Waldir Pires, Celso Furtado, Roberto
Morena, Samuel Wainer, Josueh de Castro e do líder sindical, presidente da Associação
dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, Cabo José Anselmo dos Santos”.
Estão inclusos, também, 44 (quarenta e quatro) deputados – quarenta
cassados em lista anterior e mais quatro: “Abelardo de Araújo Jurema(PSD-PB);
Adahil Barreto Cavalcanti(PTB-CE); Adão Manoel Pereira Nunes(PSP-RJ); Almino
Monteiro Alvares Afonso(PTB-AM); Amaury de Oliveira Silva(PTB-PR); Antonio
Garcia Filho(PTB-GB); Armando Temperani Pereira(PTB-RS); Arthur Mello de Lima
Cavalcante(PTB-PE); Barros Barretos – suplente – (PE); Benedito Cerqueira(PTB-
GB); Clóvis Ferro Costa(UDN-PA); Demisthoclides Baptista(PST-RJ); Eloy Angelo
Coutinho Dutra(PTB-GB); Fernando de Sant’ana(PSD-BA); Francisco Julião Arruda
de Paula(PSB-PE); Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo(PTB-RO); Helio Victor
Ramos(PSD-BA); Henrique Cordeiro Oest(PSP-AL); João Dória(PDC-BA); José An-
tônio Rogê Ferreira(PTB-SP); José Aparecido de Oliveira(UDN-MG); José Guima-
rães Neiva Moreira(PSP-MA); José Lamartine Távora(PTB-PE); Leonel de Moura
Brizola(PTB-GB); Luiz Fernando Bocayuva Cunha(PTB-RJ); Luiz Gonzaga de Paiva
Muniz(PTB-RJ); Marco Antonio Tavares Coelho(PST-GB); Mario Soares Lima(PSP-
BA); Max da Costa Santos(PSB-GB); Milton Garcia Dutra(PTB-RS); Moysés
Lupion(PSD-PR); Murilo Barros Costa Rego(PTB-PE); Ney Ortiz Borges(PTB-RS);
Paulo Mincaroni(PTB-RS); Paulo de Tarso Santos(PDC-SP); Pelópidas Silveira –
suplente – (PE); Plínio Soares de Arruda Sampaio(PDC-SP); Ramon de Oliveira
Neto(PTB-ES); Roland Cavalcante de Albuquerque Corbisier(PTB-GB); Rubens
Beyrodt Paiva(PTB-SP); Salvador Romano Lossaco – suplente – (SP); Sérgio Nunes
Magalhães Júnior(PTB-GB); Silvio Leopoldo de Macambira Braga(PSP-PA); e
Waldemar Luiz Alves(PST-PE).

Sem título-4 487 7/5/2004, 10:22


488 Casimiro Neto

Rio de Janeiro, GB. 10 de abril de 1964. – Arthur da Costa e Silva, General-de-


Exército. – Francisco de Assis Correia de Mello, Tenente-Brigadeiro. – Augusto Hamann
Rademaker Grunewald, Vice-Almirante”. Grifado pelo compilador.
Após a leitura do ato, o Presidente, em exercício, da Câmara, Deputado
Afonso Celso Ribeiro de Castro (PTB-RJ), faz a seguinte convocação: “Em face
da comunicação e do Ato ora lido e de suas conseqüências, esta Presidência convoca os
suplentes Cícero Santos Corrêa Martins, José Correia Batista Queiroz, Lino Braun e
Feliciano Maia Tavares, para substituirem os Senhores Deputados Hélio Ramos, Rubens
Paiva, Milton Dutra e Ortiz Borges”. Grifado pelo compilador.
No dia 14 de abril é publicada a Portaria nº 1, do Comando Supremo
da Revolução, que “determina a abertura de Inquérito Policial Militar, a fim de
apurar fatos e as devidas responsabilidades de todos aquêles que, no País, tenham
desenvolvido ou ainda estejam desenvolvendo atividades capituláveis nas Leis que
definem os crimes militares e os crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social.”
Vitoriosa a revolução, começam imediatamente as cassações e as fugas
para o exílio de cidadãos brasileiros. Um dos primeiros atingidos foi o Depu-
tado Francisco Julião Arruda de Paula (PSB-PE), célebre pelo barulho de suas
ligas camponesas no Nordeste. Temerariamente, pensando talvez que o mo-
vimento já triunfante pudesse sofrer uma reviravolta, o Deputado Francisco
Julião Arruda de Paula (PSB-PE), um dos homens mais visados pelos milita-
res, encontrava-se no plenário da Câmara dos Deputados ao ser divulgada a
notícia de sua cassação, a de vários outros parlamentares e do cerco que se
armava para prendê-lo. Sem meios de furar o cerco, por sua própria conta,
adotou o Palácio do Congresso Nacional como asilo provisório. Aproximada-
mente três dias depois soube-se, de repente, que ele havia escapado. O Depu-
tado Adauto Lúcio Cardoso (UDN-DF) lhe dera fuga em seu carro até a SQS
114, onde ele morava. A aversão do jurista Adauto Lúcio Cardoso às cassa-
ções de mandatos e aos atos de exceção praticados após o movimento militar
vai se tornar cada vez mais nítida ao longo do seu mandato parlamentar.
“Começou, naquele 10 de abril de triste memória, um processo de “depuração”,
se assim o podemos chamar, que depois se estenderia a outros líderes, governadores,
deputados, senadores, funcionários públicos, professores, e que acabaria atingindo,
inclusive, os partidários do golpe, num processo autofágico, próprio dos regimes ilegí-
timos e sem representatividade popular.
Razões de segurança nacional justificavam, então, as punições. Hoje, analisan-
do esse passado recente, constatamos que as cassações políticas promovidas pelo regime
militar não trouxeram benefícios ao País. O que houve foi a “eliminação” de lideranças
políticas tradicionais e ação preventiva e nefasta contra os líderes emergentes.
O Brasil perdeu. Calou-se o Congresso. A justiça foi acuada e reduzida. Os
partidos foram dizimados, as universidades desfalcadas de importantes quadros. Nin-
guém, nem mesmo os governadores de então, ganhou com o banimento da vida pública
de lideranças que despontavam na vida nacional.
(...) Sem poderes para mudar, para influir nos rumos, para decidir, o Congresso
Nacional se resumia à tribuna. Era a Voz do povo, contra as injustiças, as persegui-

Sem título-4 488 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 489

ções, os excessos de grupos militares que tudo podiam, que desconheciam limites éticos,
morais, humanos.” Deputado Michel Temer. Brasília. 2000. Apresentação do livro:
“Atos Institucionais – Sanções Políticas” de autoria de Paulo Affonso Martins de Oli-
veira.
11 de abril de 1964. 16 horas. Congresso Nacional. Plenário. Presença
de 381 Srs. Deputados e de 60 Srs. Senadores. Conforme consta do Edital de
Convocação do Congresso Nacional, a sessão conjunta da Câmara dos Depu-
tados e do Senado Federal destina-se a realizar as eleições, em votação nomi-
nal, de Presidente e de Vice-Presidente da República na forma do que estabe-
lece o Artigo 79, § 2º da Constituição Federal, Lei nº 4321 e Ato Institucional
nº 1. Encerrada a votação para Presidente da República, é proclamado o
resultado: General Humberto de Alencar Castello Branco, 361 votos. São
verificadas 72 abstenções. General Eurico Gaspar Dutra, dois votos. General
e Deputado Juarez Távora, três votos. É proclamado eleito Presidente da
República o Sr. Humberto de Alencar Castello Branco. Encerrada a votação
para Vice-Presidente da República, em primeiro escrutínio, é proclamado o
resultado: José Maria Alkmim, 203 votos. Auro Soares de Moura Andrade,
150 votos. Ranieri Mazzilli, dois votos. Antônio Sanchez Galdeano, um voto.
Milton Campos, dois votos. Abstenções, 63. Como nenhum dos candidatos
obteve a maioria absoluta exigida pela lei, é necessário a realização do segun-
do escrutínio. Encerrada a votação é proclamado o resultado: José Maria
Alkmim, 256 votos. Auro Soares de Moura Andrade, nove votos. Milton Cam-
pos, dois votos. Juarez Távora, um voto. É proclamado eleito Vice-Presidente
da República o Sr. José Maria Alkmim. Encerra-se a sessão às 23 horas.
15 de abril de 1964. Quinze horas. Congresso Nacional. Plenário. Pre-
sença de 332 Srs. Deputados e de 58 Srs. Senadores. “Sessão convocada com a
finalidade especial de dar posse e receber o compromisso constitucional de S. Exª. o Sr.
Marechal Humberto de Alencar Castello Branco e de S. Exª, Sr. Dr. José Maria Alkmin.
Período complementar de três anos (15/04/1964 a 31/01/1966). Pela Emenda Cons-
titucional nº 9, de 22/07/1964, os mandatos são prorrogados até 15/03/1967.
Após a posse o Sr. Presidente da República, Marechal Humberto de Alencar
Castello Branco, dirige-se, pela primeira vez, em sua condição de Chefe de Estado, à
Nação Brasileira, perante o Congresso de sua Pátria e diz: (...) Meu procedimento será
o de um Chefe de Estado sem tergiversações no processo para a eleição do brasileiro a
quem entregarei o cargo a 31 de janeiro de 1966. (Muito bem. Palmas). (...) Caminha-
remos para a frente com a segurança de que o remédio para os malefícios da extrema
esquerda não será o nascimento de uma direita reacionária. (Muito bem; Palmas pro-
longadas), mas os das reformas que se fizerem necessárias. (Palmas.)”.
Reitera as suas promessas de que respeitará as liberdades democráticas
e manterá o regime republicano representativo, com a restauração, em sua
plenitude, das instituições constitucionais, sem compromissos com grupos ou
partidos políticos, para só agir voltado no sentido da defesa e solução dos
altos interesses nacionais.

Sem título-4 489 7/5/2004, 10:22


490 Casimiro Neto

17 de abril de 1964. Câmara dos Deputados. Plenário. O Presidente,


em exercício, da Câmara, Deputado Afonso Celso Ribeiro de Castro(PTB-
RJ), faz a seguinte comunicação: “Dou conhecimento à Casa do seguinte ofício:
OFÍCIO Nº 65-SEC
Em 14 de abril de 1964.
Do Chefe do Gabinete Militar da Presidência da República.
Ao Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados.
Assunto: Suspensão de direitos políticos.
Senhor Presidente:
Tenho a honra de encaminhar a Vossa Excelência, uma cópia do Ato do Coman-
do Supremo da Revolução, relativo à suspensão de direitos políticos.
Aproveito o ensejo para apresentar protestos de estima e real consideração – Gen.-
Bda. André Fernandes de Souza, Chefe do Gabinete Militar.
ATO Nº 4 – SUSPENDE DIREITOS POLÍTICOS
O Comando Supremo da Revolução resolve, nos têrmos do artigo 10, do Ato
Institucional, de 9 de abril de 1964, suspender , pelo prazo de dez anos, os direitos
políticos dos seguintes cidadãos:”
Segue-se uma relação com os nomes de 62 (sessenta e dois) cidadãos
entre os quais estão: “Gregório Bezerra e o Almirante (FN) Cândido da Costa Aragão”.
Neste ato estão inclusos os seguintes deputados: “Alberto Guerreiro Ramos(PTB-
GB), Alberico Tavares de Morais (Suplente), Epaminondas Gomes dos Santos(PTB-
GB), João Simões (PSD-PR), José Pedroso Teixeira da Silva (PSD-RJ), Luiz Portela
de Carvalho (Suplente-PTB-PE), Moysés Santiago Pimentel (PTB-CE), Múcio Ataíde
(Suplente-MG).
Rio de Janeiro, GB. 13 de abril de 1964. Ge.Ex. Arthur da Costa e Silva – Ten.
Brig. Francisco de Assis Correia de Mello – Vice-Alm. Augusto Hamann Rademaker
Grunewald”. Grifado pelo compilador.
Após a leitura do ato, o Deputado Alberto Guerreiro Ramos (PTB-GB),
um dos atingidos pela suspensão dos direitos políticos, levanta a seguinte
questão de ordem: “Senhor Presidente, ontem a Mesa firmou entendimento nesta
Casa de que só publicaria a lista de Deputados cujos direitos políticos foram suspensos
pelo Alto Comando Militar, depois do pronunciamento da Comissão de Justiça. Após
isso, tendo conversado com V. Exa., V. Exa. me disse que, se o documento chegasse às
suas mãos, sentir-se-ia no dever de mandar publicar.
Eu trouxe à Casa essa comunicação e enderecei a V. Exa. um apêlo para que
mantivesse a decisão do Presidente eventual da sessão da tarde de ontem. Mas V. Exa.
acaba de comunicar à Casa o ato, e naturalmente, segue-se a sua publicação.
Pergunto a V. Exa. se considera, a partir da leitura do documento, que estão
cassados os nossos mandatos. Aliás, estou certo de que V. Exa. mesmo firmou decisão em
contrário. Pelas palavras ditas por V. Exa. que se encontram publicadas no “Diário do
Congresso Nacional” do dia 11, entende-se que V. Exa. não considera que a mera
enunciação ao plenário dêsse documento suspenda os mandatos”. Grifado pelo compilador.

Sem título-4 490 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 491

O Presidente, em exercício, da Câmara, Deputado Afonso Celso Ribei-


ro de Castro (PTB-RJ) assim se posiciona:
“Respondendo à questão de ordem levantada pelo Senhor Deputado Guerreiro
Ramos, esta Presidência aproveita a oportunidade para esclarecer a sua posição e o seu
comportamento em tôda essa questão de cassação de mandatos, uma vez que a imprensa
de hoje já distorce a posição e as decisões tomadas por esta Presidência.
A posição inicial do Presidente, à primeira comunicação que recebeu, foi conside-
rar suspensos os mandatos cassados por ato do poder revolucionário e assim decidiu
convocando de imediato os suplentes. Procedeu, também, assim, quando recebeu comu-
nicação da suspensão de direitos, convocando de imediato os suplentes, porque achava
a Presidência que a extinção de direitos políticos implicava na cassação de mandatos.
Naquela oportunidade, era urgente a medida, uma vez que a Casa se aparelhava para
cumprir dispositivo constitucional, qual fôsse o que atribui ao Congresso eleger o Pre-
sidente e o Vice-Presidente da República, o que deveria ser feito com número completo
e quorum regimental.
Em face do inconformismo de um dos Srs. Deputados atingidos por aquela medi-
da com a decisão do Presidente, acatou e recebeu esta Presidência recurso daquele nosso
colega Deputado Milton Dutra, encaminhando-o ao órgão da Casa competente, no que
diz respeito à cassação de mandatos, que é a Comissão de Constituição e Justiça, para
que emitisse parecer, concordando ou não com a decisão desta Presidência.
Nos próprios têrmos da decisão proferida naquela ocasião, verá o nobre Depu-
tado Guerreiro Ramos como acertada andou, como precavida andou esta Presidência
em assim decidir. Ao fim da sua decisão, diz esta Presidência não considerar nenhum
dos Srs. Deputados como tendo perdido o seu mandato, aguardando manifestação da
Comissão de Constituição e Justiça, tão só para o efeito da convocação dos respectivos
suplentes.
Aguarda, portanto, a Presidência a decisão daquele órgão técnico para o efeito
de convocar os suplentes dos Deputados agora atingidos, mas considera também que
êsses Deputados estão com o exercício dos seus mandatos desde já suspensos, por efeito
do Ato, que não é desta Casa mas, sim, do poder revolucionário.”
(...) lamentando, como lamentou em todos os outros casos, que assim haja que
proceder e haja de privar-se do convívio dos nobres colegas atingidos pelo Ato há ins-
tantes comunicado à Casa. Grifado pelo compilador.
7 de maio de 1964. É expedido decreto pelo Presidente da República,
Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (CE) e pelo Ministro da Jus-
tiça e Negócios Interiores, Milton Soares Campos (MG), que cassa os manda-
tos eletivos federais e suspende os direitos políticos, por dez anos, dos Depu-
tados Clay Hardmann de Araújo (RS), e Floriano Maia D’Avila – suplente (RS).
8 de junho de 1964. É expedido decreto pelo Presidente da República,
Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (CE) e pelo Ministro da Jus-
tiça e Negócios Interiores, Milton Soares Campos (MG), que cassa o mandato
eletivo federal e suspende pelo prazo de dez anos os direitos políticos do
Senador Juscelino Kubitscheck de Oliveira (GO).

Sem título-4 491 7/5/2004, 10:22


492 Casimiro Neto

10 de junho de 1964. É expedido decreto pelo Presidente da Repúbli-


ca, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (CE) e pelo Ministro da
Justiça e Negócios Interiores, Milton Soares Campos (MG), que cassa o man-
dato eletivo federal e suspende pelo prazo de dez anos os direitos políticos do
Deputado José João Abdalla (SP).

12 de junho de 1964. É expedido decreto pelo Presidente da Repúbli-


ca, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (CE) e pelo Ministro da
Justiça e Negócios Interiores, Milton Soares Campos (MG), que cassa os man-
datos eletivos federais e suspende pelo prazo de dez anos os direitos políticos
dos Deputados Otávio Rodrigues Maria (SP), Paulo Jorge Mansur (SP), William
Salem (SP) e Natalicio Tenório Cavalcanti de Albuquerque (RJ).

13 de junho de 1964. É expedido decreto pelo Presidente da Repúbli-


ca, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (CE) e pelo Ministro da
Justiça e Negócios Interiores, Milton Soares Campos (MG), que cassa os man-
datos eletivos federais e suspendendo pelo prazo de dez anos os direitos po-
líticos dos Deputados Américo Silva (PA), Océlio Medeiros – suplente – (PA), Celso
Teixeira Brant – suplente – (MG), Renato Climaco Borralho de Medeiros (RO), Félix
Valois de Araújo (RR), Expedito Machado da Ponte (CE), Wilson Fadul (MT), e José
Palhano de Sabóia – Padre (CE).
Nestes decretos, além dos mandatos federais, são cassados e suspensos
os direitos políticos de mandatos eletivos estaduais e municipais; de líderes
operários e estudantis; de funcionários públicos; e inclusive do cidadão David
Capistrano da Costa, Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Na história do País, os mandatos parlamentares já foram cassados por
quatro vezes. A primeira, quando o Imperador D. Pedro I dissolveu a Assem-
bléia Geral Constituinte e Legislativa em 11 de novembro de 1823. A segun-
da, quando se proclamou a República. A terceira, quando da revolução de
1930. A Quarta, quando Getúlio Dornelles Vargas (RS) deu o “Golpe de
Estado” em 1937. Mas nunca se viu o Congresso Nacional sujeito a expurgos
parciais como passa a ocorrer – justamente o mesmo Parlamento que ele-
ge os presidentes por voto indireto –, até o final do ciclo de governos
militares.

24 de setembro de 1964. O Congresso Nacional decreta e o Presidente


da República Humberto de Alencar Castello Branco (CE) sanciona a Lei
nº 4.410, que “institui prioridade para os feitos eleitorais, e dá outras providências”,
ou seja, que trata das questões levadas à Justiça que tenham por objeto o
provimento ou o exercício dos cargos eletivos.

4 de outubro de 1964. Congresso Nacional. Plenário. É lido e vai a


imprimir o Projeto de Lei nº 26-CN, que “dispõe sobre o Estatuto da Terra e dá
outras providências”. Transforma-se na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de
1964.

Sem título-4 492 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 493

3 de junho de 1965. É promulgada a Emenda Constitucional nº 14,


que, entre outras alterações, trata dos “casos de ineligibilidade para os cargos do
Poder Executivo, da lisura e normalidade das eleições contra o abuso do poder econô-
mico e uso indevido da influência no exercício de cargos ou funções públicas”.
15 de julho de 1965. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da
República Humberto de Alencar Castello Branco (CE) sanciona a Lei nº 4.737,
que “institui o Código Eleitoral”. Dispõe que os abusos do poder econômico e
de autoridade serão coibidos e punidos. Penaliza a compra de votos e o for-
necimento gratuito de alimentos e transporte no dia da eleição, com o fim de
fraudar o exercício do voto, ambos considerados crimes eleitorais e punidos
com pena de reclusão e multa.
Nesse mesmo dia, o Congresso Nacional decreta e o Presidente da Re-
pública Humberto de Alencar Castello Branco (CE) sanciona a Lei nº nº 4.740,
que “dispõe sobre a Lei Orgânica dos Partidos Políticos”. Lei de pouca duração,
porque, logo depois em 27 de outubro, o Ato Institucional nº 2 extingue os
partidos políticos existentes à época.

13 de outubro de 1965. Plenário. É lido e vai a imprimir a Proposta de


Emenda à Constituição nº 5 – CN, de iniciativa do Presidente da República,
que acrescenta dispositivos ao art. 7º (intervenção federal nos Estados), dá
nova redação ao § 1º do art. 108 (competência da Justiça Militar) e exclui da
apreciação judicial atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e
pelo Governo Federal, com base nos §§ 1º e 2º do art. 7º do Ato Institucional
nº 1 e resoluções das Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores que
hajam cassado mandatos eletivos ou declarado impedimento de governado-
res, deputados, prefeitos ou vereadores. É lido e vai a imprimir, também, o
Projeto de Lei nº 9 – CN, que “dispõe sobre a suspensão dos direitos políticos”,
denominado “Estatuto dos Cassados”, de iniciativa do Presidente da República.
Este projeto impõe aos punidos, com base na legislação revolucionária – Ato
Institucional nº 1 –, a cessação do privilégio de foro por prerrogativa de fun-
ção, a suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais, a
proibição de manifestação pública sobre assunto de natureza política, a apli-
cação, quando necessária à preservação da ordem política e social, das se-
guintes medidas de segurança: liberdade vigiada, proibição de freqüentarem
determinados lugares e domicílio necessário. Todas as medidas previstas nes-
tas duas proposições passam a ser consagradas pelo Ato Institucional nº 2. No
dia posterior, em sessão conjunta do Congresso Nacional, são lidas as Mensa-
gens Presidenciais de nº 13 e 14 encaminhando as referidas proposições.
26 de outubro de 1965. 21 horas e 20 minutos. Congresso Nacional.
91ª Sessão Conjunta. Plenário. Presidência do Senador Auro Soares de Moura
Andrade (SP). Discussão, em primeiro turno, do Projeto de Emenda à Cons-
tituição nº 5, de 1965 – CN. Após intensos debates, o Presidente do Congres-
so Nacional, Senador Auro Soares de Moura Andrade (SP), declara que “está

Sem título-4 493 7/5/2004, 10:22


494 Casimiro Neto

esgotado o tempo regimental da sessão. Nos termos do Regimento, está encerrada, em


consequência, a discussão da matéria. Esta Presidência confirma a convocação do Con-
gresso para uma sessão extraordinária, às 4,30 horas. Está encerrada a sessão. (Le-
vanta-se a sessão às 3, 35 horas)”.
Às quatro horas e trinta minutos, já do dia 27, inicia a 92ª sessão con-
junta. Presidência do Senador Auro Soares de Moura Andrade (SP). Este de-
clara: “Presentes, na Casa, noventa e cinco Srs. Deputados e dez Srs. Senadores. Não
há portanto, o ‘quorum’ mínimo exigido para realização da sessão. Assim sendo, irei
convocar o Congresso para uma sessão às quatorze horas e trinta minutos”. Após
considerações de alguns parlamentares, o Presidente do Congresso Nacional
encerra a sessão às quatro horas e cinqüenta minutos.

27 de outubro de 1965. 11 horas. Em pronunciamento transmitido por


uma cadeia nacional de rádio, o Presidente da República, Marechal Humberto
de Alencar Castello Branco (CE), lê breve alocução justificando a necessidade
da adoção do Ato Institucional nº 2, e em seguida é feita a leitura do preâm-
bulo e o texto do ato, com 33 artigos, que, entre outras alterações na Consti-
tuição de 1946, declarava: “Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados
os respectivos registros” e “para a organização dos novos partidos são mantidas as
exigências da Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965, e suas modificações”. Permite a
decretação do recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e
das Câmaras de Vereadores através de ato complementar e consagra, ainda,
o princípio da eleição indireta para presidente e vice-presidente da Repúbli-
ca, e para os governadores dos Estados. A eleição indireta passa a ser realiza-
da pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão
pública e votação nominal. Poderão ser suspensos os direitos políticos de quais-
quer cidadãos pelo prazo máximo de dez anos e cassar mandatos legislativos
federais, estaduais e municipais. Prevê o julgamento de civis por tribunais
militares. A primeira eleição para presidente e vice-presidente da República
será realizada em data a ser fixada pelo Presidente da República e comunica-
da ao Congresso Nacional, a qual não poderá ultrapassar o dia 3 de outubro,
e o atual presidente é inelegível. É conferido ao Presidente da República a
faculdade de legislar mediante decretos-leis sobre matéria de segurança na-
cional, estando em pleno funcionamento o Congresso Nacional, ou, ainda,
decretado o recesso parlamentar por ato complementar, fica autorizado a
legislar mediante decretos-leis em todas as matérias previstas na Constitui-
ção e na Lei Orgânica. Este ato vigora desde a sua publicação até 15 de março
de 1967. Deixa caracterizado que os atos praticados pelo Comando Supremo
da Revolução e pelo Governo Federal, com fundamento no AI-1 e neste, fi-
cam excluídos de apreciação judicial. É próprio dos ditadores que cometem
crimes se acautelarem com o aparato solene do julgamento após vitoriosa a
democracia.
São extintos os seguintes e principais partidos: o PSD (Partido Social
Democrático); o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro); a UDN (União Demo-

Sem título-4 494 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 495

crática Nacional); o PDC (Partido Democrata Cristão); o PSB (Partido Socia-


lista Brasileiro); o PSP (Partido Social Progressista); o PST (Partido Social
Trabalhista); o PTN (Partido Trabalhista Nacional; o MTR (Movimento Tra-
balhista Renovador); etc.
O processo eleitoral brasileiro começa a sofrer modificações acentuadas
após a revolução de 31 de março de 1964, e mais precisamente a 27 de outu-
bro de 1965, quando, em plena crise política, o Presidente da República,
Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (CE), concorda em editar o
Ato Institucional nº 2, em cujos artigos se inclui a extinção dos partidos polí-
ticos então existentes. O Ato Institucional nº 2 constitui o desfecho de um
período de confrontação no âmbito do próprio Governo, representando uma
vitória de seus setores mais radicais, diante dos temores suscitados pelas elei-
ções de dois governadores considerados potencialmente perigosos para a
revolução: Israel Pinheiro, em Minas Gerais, e Negrão de Lima, na Guanabara,
ambos ainda sem terem tomado posse de seus cargos. E mais: o perigo de
rejeição, pelo Congresso Nacional, do denominado “Estatuto dos Cassados”,
Projeto de Lei nº 9 – (CN), de 13 de outubro de 1965, de autoria do Poder
Executivo, que “dispõe sobre a suspensão de direitos políticos”.
Do ponto de vista político-eleitoral, o Ato Institucional nº 2 significou o
adiamento da eleição para presidente e vice-presidente da República para
data a ser fixada pelo então Presidente da República, Marechal Humberto de
Alencar Castello Branco (CE), não podendo ultrapassar o dia 3 de outubro
de 1966, data em que, efetivamente, foi eleito o Marechal Artur da Costa e
Silva (RS), segundo presidente do movimento revolucionário de 1964.
20 de novembro de 1965. O Presidente da República Marechal
Humberto de Alencar Castello Branco (CE) resolve baixar o Ato Comple-
mentar nº 4, que “determina ao Congresso Nacional a criação de organizações com
atribuições de partidos políticos”. Vem daí a origem da ARENA e do MDB –
blocos aglutinadores da maioria e minoria, respectivamente, de congressistas
partidários do Governo e de seus opositores –, que se tornaram partidos de
acordo com a Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965, que “dispõe sobre a Lei
Orgânica dos Partidos Políticos”.
Ainda como conseqüência do Ato Institucional nº 2 e dos atos comple-
mentares que regulamentaram seus dispositivos, altera-se, substancialmente,
a perspectiva eleitoral que se delineava até à época em que ele foi editado: o
virtual candidato da antiga UDN à Presidência da República, Carlos Frederico
Werneck de Lacerda (RJ), perde todas as suas possibilidades, rompe com o
Presidente da República Humberto de Alencar Castello Branco (CE) e acaba
tendo seus direitos políticos suspensos por 10 anos, a 30 de dezembro de
1968.
5 de fevereiro de 1966. O Presidente da República, Marechal Humberto
de Alencar Castello Branco (CE), “na condição de Chefe do Governo da Revolução
e Comandante Supremo das Forças Armadas resolve editar o Ato Institucional nº 3,

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496 Casimiro Neto

estabelecendo que as eleições para governador e vice-governador dos Estados far-se-ão


pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa, em sessão pública e
nominal.” Eleição indireta. As eleições para governadores e vice-governado-
res deverão se realizar em 3 de setembro, as para presidente e vice-presidente
da República, em 3 de outubro, e as para senadores, deputados federais e
estaduais, em 15 de novembro de 1966. Os prefeitos dos municípios das capi-
tais serão nomeados pelos governadores dos Estados mediante prévio assen-
timento da Assembléia Legislativa ao nome proposto. Ficam excluídos de
apreciação judicial os atos praticados com fundamento no presente ato
institucional e nos atos complementares deste.
15 de abril de 1966. Após três atos institucionais e quinze emendas que
modificaram totalmente a Carta Constitucinal de 1946, o Presidente da Re-
pública, Humberto de Alencar Castello Branco (CE), baixa o Decreto nº 58.198
(publicado no Diário Oficial de 18 de abril, página 4.046), que “institui Comis-
são Especial de Juristas, para o fim que menciona, e dá outras providências”, visando
trazer a institucionalização dos “ideais e princípios” do movimento militar de
março de 1964. É o seguinte o seu teor: “O Presidente da República,
Considerando a necessidade de rever o texto da Constituição de 18 de setembro de
1946, a êle incorporando as emendas constitucionais e os dispositivos permanentes dos
Atos Institucionais, decreta:
Art. 1º – Fica instituída Comissão Especial de Juristas, para o fim de:
a) rever as emendas constitucionais e os dispositivos de caráter permanente dos
Atos Institucionais, coordená-los e inseri-los no texto da Constituição Federal;
b) excluir do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias os preceitos de
vigência já esgotada, incluindo os dos Atos Institucionais da mesma natureza, com as
alterações adequadas; e
c) sugerir emendas à Constituição que, imprimindo ao seu contexto unidade e
harmonia, contribuam para a evolução do processo democrático brasileiro e garantam,
na vida pública, regime de austeridade e responsabilidade.
Art. 2º – A Comissão compor-se-á do Jurisconsulto Levi Carneiro, dos Ministros
Orozimbo Nonato e Miguel Seabra Fagundes e do Professor Themístocles Brandão
Cavalcanti, sob a presidência do primeiro.
Art. 3º – Concluído o trabalho, a Comissão o submeterá, com exposição de moti-
vos, à consideração do Presidente da República, por intermédio do Ministério da Jus-
tiça e Negócios Interiores.
Art. 4º – Êste Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário. Brasília, 15 de abril de 1966, 145º da Independência e 78º
da República. H. Castello Branco – Mem de Sá”.
Nos primeiro dias de agosto de 1966 a imprensa dá notícia de uma crise
surgida no seio da Comissão de Juristas, quando o Dr. Seabra Fagundes en-
viou carta ao Dr. Levi Carneiro, pedindo dispensa de continuar nos trabalhos
da referida comissão, sob a alegação de que se achava extremamente cansado
e que não poderia continuar a dar ao órgão a colaboração que lhe pretendia

Sem título-4 496 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 497

prestar, quando aceitara o convite para integrá-lo. Sobre este fato a entrevista
do Dr. Seabra Fagundes, publicada no Jornal “O Estado de São Paulo” nos dias
31 de agosto e 1º de setembro de 1966, esclarece a verdade dos fatos.
No dia 19 de agosto, o anteprojeto da Comissão de Juristas é entregue
ao Presidente da República Humberto de Alencar Castello Branco (CE), em
cerimônia realizada no salão nobre do Palácio das Laranjeiras, no Rio de
Janeiro.
Após diversos protestos pelo sigilo guardado em torno do anteprojeto
da Comissão de Juristas, o Governo, finalmente, libera o teor do “Anteprojeto
da Constituição dos Estados Unidos do Brasil”, com 256 artigos, à imprensa, que
divulga-o no dia 25 de agosto de 1966 para o conhecimento dos cidadãos.

23 de maio de 1966. É expedido decreto pelo Presidente da República,


Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (CE), e pelo Ministro da
Justiça e Negócios Interiores, Mem de Sá (RS), que suspende pelo prazo de
dez anos os direitos políticos dos cidadãos “Carlos Marighela, João Amazonas de
Souza Pedroso, Maurício Grabois, Humberto Lucena Lopes, Apolonio Pinto de Car-
valho e outros”.

3 de outubro de 1966. 16 Horas. Congresso Nacional. Plenário. Sessão


Conjunta. Presidência do Senador Auro Soares de Moura Andrade (SP). Pre-
sença de 51 senadores e 285 deputados. Eleição indireta. Nos termos do que
dispõem o art. 41 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitu-
cional nº 9; o Ato Institucional nº 1, em seu artigo 9º e parágrafos 1º, 2º e 3º;
o Ato Institucional nº 2, em seu artigo 26 e parágrafo único; o Ato Institucional
nº 3, em seus artigos 2º e 5º; o Ato Complementar nº 9, em seu artigo 1º,
parágrafos e letras e o Ato Complementar nº 16, em seu artigo 1º, letras a, b
e c, é realizada a eleição para presidente e vice-presidente da República. São
candidatos únicos o General-de-Exército Arthur da Costa e Silva (RS) e o Dr.
Pedro Aleixo (MG), pela Aliança Renovadora Nacional (ARENA), respecti-
vamente, a presidente e vice-presidente da República. Não houve pedidos de
inscrições de candidatos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Devido a tumultos no Plenário, a sessão é suspensa e logo em seguida é
reaberta. Fala o Deputado Tarcílio Vieira de Melo (BA-Líder do MDB na Câ-
mara dos Deputados), que em extenso pronunciamento convoca seus compa-
nheiros de bancada para que se retirem do Plenário logo ao início da votação
em protesto contra o processo eleitoral. Respondem à chamada e votam na
chapa única 253 deputados e 41 senadores. O único voto do MDB, na Câma-
ra dos Deputados, aos candidatos é do Deputado Anísio de Alcântara Rocha
(MDB-GO), que, antes do início da votação, faz extenso pronunciamento jus-
tificando o seu voto.
É designada uma comissão para convidar o General-de-Exército Artur
da Costa e Silva (RS) a comparecer ao Plenário. Os candidatos são declarados
eleitos, é executado o Hino Nacional e, em seguida, é dada a palavra ao novo

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498 Casimiro Neto

presidente, que assim se expressa: “(...) Meus intuitos democráticos e minha preo-
cupação com a ordem constitucional não podem ser postos em dúvida. (...) A democra-
cia não é uma transcendência. É uma vocação humana, e sua raiz mais funda está no
instinto de liberdade. Todo poder político tem origem popular, e essa origem é a só razão
que pode legitimá-lo. A Revolução reconhece essas verdades, e as tem entre os seus
postulados. E encerra dizendo: (...) O voto com que me honrastes a mim e meu
preclaro companheiro, o Deputado Pedro Aleixo, (Palmas prolongadas) valorosa ex-
pressão civica e patrimônio moral do Congresso (Palmas prolongadas) implica segura-
mente a certeza da vossa colaboração. Juntamente com ela espero, desde já, merecer
também o apoio do povo brasileiro, e a Deus suplico que me ampare em cada dia do meu
govêrno. (Muito bem. Muito bem. Palmas)”. Grifado pelo compilador. Levanta-se a
sessão às 19 horas e 20 minutos.

13 de outubro de 1966. É expedido decreto do Presidente da Repúbli-


ca, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (CE), e do Ministro da
Justiça e Negócios Interiores, Carlos Medeiros Silva (MG), com fundamento
no artigo 15, do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, suspenden-
do os direitos políticos pelo prazo de dez anos, e cassando os mandatos dos
Deputados Abrahão Fidelis de Moura (AL); Antônio Adib Chammas (SP); Armindo
Marcílio Doutel de Andrade (SC); Cesar Prieto (RS), Humberto El-Jaick (RJ); e Se-
bastião Paes de Almeida (MG).
Na Presidência da Câmara dos Deputados, o Deputado Adauto Lúcio
Cardoso (ARENA-GB), o mesmo deputado que sempre se destacou pela
intransigência com que defendeu a independência do Congresso Nacional
das pressões sindicais e de outras áreas durante o Governo de João Belchior
Marques Goulart (RS) e contra o qual conspirou. Vitoriosa a revolução foi
escolhido líder do Bloco Parlamentar Revolucionário e em seguida é eleito
Presidente da Câmara dos Deputados. Neste cargo empenha-se em conven-
cer o Presidente da República, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco
(CE), a abrir mão do poder de cassar mandatos legislativos. Em 12 de outu-
bro de 1966, depois de ter conferenciado durante meia hora com o Presiden-
te da República e ter saído do Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro,
persuadido de que não haveria mais cassações de parlamentares, é surpreen-
dido, em casa, no começo da noite, com a notícia oficial da cassação dos
mandatos de seis deputados federais.
No dia 15 de outubro, sábado, pela manhã, Adaucto Lúcio Cardoso
(ARENA-GB) segue para Brasília, assume o seu posto e também a posição de
líder rebelde à decisão do Governo. Tenta reunir os deputados, em Plenário.
Não há “quorum”. Se encontravam em seus estados em campanha eleitoral.
No dia seguinte, regressa ao Rio de Janeiro afirmando que via, na ausência
dos parlamentares, uma espécie de referendum às cassações. De sábado para
domingo, os líderes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) conseguem
reunir, em Brasília, o número de deputados suficientes para que se pudesse
realizar sessão na Câmara dos Deputados, na manhã seguinte, segunda-feira.

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A Construção da Democracia 499

No dia 17, segunda-feira, pela manhã, o Presidente da Câmara dos


Deputados retorna a Brasília e preside a sessão plenária. O Deputado Ulysses
Silveira Guimarães (MDB-SP), servindo como Secretário lê o Ofício nº Gb – 0
– C – 01, de 14 de outubro de 1966, do Secretário-Geral do Conselho de
Segurança Nacional, com o seguinte teor: “Ao: Exmº Sr. Primeiro Secretário da
Câmara dos Deputados. Cumpre-me comunicar a Vossa Excelência que, por decreto de
13 do corrente, publicado no Diário Oficial do dia subsequente, o Excelentíssimo Se-
nhor Presidente da República resolveu, com fundamento no artigo 15, do Ato
Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, suspender os direitos políticos pelo prazo
de dez anos e cassar os mandatos dos seguintes deputados: Abrahão Fidelis de Moura,
Antonio Adib Chammas, Armindo Marcílio Doutel de Andrade, Cesar Prieto, Humberto
El-Jaick, Sebastião Paes de Almeida. Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa
Excelência os protestos da minha elevada estima e consideração – a) Gen. Div. Ernesto
Geisel, Secretário-Geral do C S N”.
Estão presentes 83 Deputados, que se solidarizam com o seu presiden-
te. Em entrevista coletiva à imprensa e em contato com os seus pares, afirma
que somente o Plenário poderia cassar mandatos, e, enquanto a Câmara dos
Deputados, pela maioria de seus membros não opinasse, ele garantiria aos
deputados cassados pelo Presidente da República, Marechal Humberto de
Alencar Castello Branco (CE), o pleno exercício de seus mandatos, com direi-
to à voz e, se for o caso, ao voto. Está definitivamente aberta e deflagrada a
crise. A Câmara dos Deputados transforma-se num centro de resistência, em
defesa das prerrogativas de homens dos quais o seu presidente não concorda
com as idéias, mas cuja representação respeita ao extremo. Como bom advo-
gado resolve executar o ritual da resistência, processual e formalística. Rece-
be o ofício enviado pelo Secretário-Geral do Conselho de Segurança Nacio-
nal, General-de-Divisão Ernesto Geisel, em que lhe é comunicada a publicação
dos atos cassatórios no Diário Oficial, o qual, na forma regimental, encaminha
à Comissão de Constituição e Justiça com o seguinte despacho: “Ausente o Sr.
Primeiro-Secretário, determino se ouça a Comissão de Constituição e Justiça, agrade-
cendo-se a comunicação. 17 de outubro de 1966. Assinado: Adauto Cardoso”.
À comissão caberia o estudo sob os ângulos de constitucionalidade, le-
galidade, juridicidade, técnica legislativa e também quanto ao mérito, para
emitir parecer a ser posteriormente votado em plenário.
Com o apoio dos parlamentares da oposição e até de uma parcela subs-
tancial dos governistas, a Câmara dos Deputados resiste. O Presidente da
Casa, Deputado Adauto Lúcio Cardoso (ARENA-GB), recebe o apoio do Pre-
sidente do Senado Federal, Senador Auro Soares de Moura Andrade (SP).
O Deputado Tarcílio Vieira de Melo (BA-Líder do MDB) requer a pala-
vra, como Líder de partido (Líder da resistência democrática), e faz um ex-
tenso pronunciamento sobre o episódio: “(...) Sr. Presidente, julgando dessa ma-
neira, jamais tivemos V. Exª como leviano, que pudesse afirmar à Nação que não
haveria cassações de mandatos federais, quando a brutalidade do ato estava ali a
traumatizar a alma do País. Coube a V. Exª , antes de mais ninguém, Sr. Presidente,

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500 Casimiro Neto

cobrir as suas próprias palavras, encampar o seu próprio comportamento, sobretudo


manter o respeito, a dignidade e a soberania desta Casa, quando acudindo àquilo que
esperávamos de V. Exª, fêz divulgar pela imprensa a nota que agora leio, porque a
desejo incorporada aos Anais da Câmara como título de honra na vida pública de
V. Exª e desta Casa.(Palmas).
“O Presidente da Câmara dos Deputados não poder erigir-se em substitutivo da
Maioria da Casa para as decisões sôbre a matéria que por sua gravidade excede da
competência que o Regimento Interno lhe atribui. Realmente, publicou o “Diário Ofi-
cial” de ontem um ato de cassação pelo Poder Executivo dos mandatos de 6 membros do
Poder Legislativo, integrantes da Câmara. Houve ainda, por acréscimo, a suspensão
de seus direitos políticos por 10 anos. No que se infere às cassações, única matéria de
sua inalienável competência, só depois de consulta à Mesa reunida e após, pelo voto da
maioria dos Srs. Deputados, nos têrmos da Constituição, se julgará a Presidência au-
torizada a declarar a extinção dos mandatos, caso seja homologado o ato do Poder
Executivo. O ‘quorum’ verificado durante 3 dias, seja entre os membros da Mesa, seja
no Plenário, não alcançou o mínimo indispensável para abrir a sessão, ficando assim
adiada a matéria, cuja inclusão em Ordem do Dia, em caráter prioritário, hoje deter-
minei”.
Sr. Presidente, 6 horas depois dessa declaração de V. Exª, que a nação ouviu
comovida, o Presidente do Senado Federal, e Presidente do Congresso, fazia divulgar
em São Paulo outra nota que também, para honra dêste Congresso e de S. Exª, desejo
fique transcrita nos Anais dos nossos trabalhos.
Assim falou o Senador Moura Andrade: ‘Apóio integralmente a nota do Presi-
dente da Câmara, Deputado Adauto Cardoso (palmas), sobre as cassações de mandatos
parlamentares. Está certa a sua decisão de submeter a matéria à Câmara, incluindo-a
em Ordem do Dia, em caráter prioritário, a fim de, pelo voto do plenário, habilitar-se
à decisão final.
O Líder Deputado Vieira de Melo distribuiu nota na qual diz entender que, como
Presidente do Congresso, o Senador Auro Moura Andrade não poderá ficar indiferente
à atitude do Presidente da Câmara, uma vez que as cassações decretadas atingem em
cheio todo o Poder Legislativo.
Assim é, de fato. Não estou indiferente, mas aliado ao Presidente da Câmara, que
é um bravo, um valoroso homem público. (Palmas).
O Presidente da Câmara e o Presidente do Senado têm posição notória e nítida,
reiteradamente declarada, conhecida dos parlamentares e da Nação, de solidariedade
recíproca, seja no que se refere a cassações de mandatos, seja no que diz respeito aos
Arts. 14 e 15 do Ato Institucional nº 2 e ao processo de elaboração constitucional.
Um e outro, porém, dependem dos parlamentares que presidem, particularmente
nas horas de crise, e não dispensam êste apoio. Os fatos surgiram no momento em que
deputados e senadores estão espalhados por todo o País, em faina eleitoral, já agora a
menos de 30 dias das eleições. Daí a dificuldade de se reunirem. Não obstante, é impe-
rioso participarem, com seus Presidentes, dessas gravíssimas deliberações’.
(...) Senhor Presidente, está a Nação envôlta, mergulhada na mais grave crise
política, como disse, de que se tem notícia. É o litígio, é o divórcio entre o Poder Legis-

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A Construção da Democracia 501

lativo, pela palavra de seus dois Chefes autorizados, e o Poder Executivo, presidido
pelo Senhor Marechal Castello Branco.
(...) Então, meus senhores, entendemos nesta hora de fazer nesta Casa, uma
vigília permanente, fazer esta Casa funcionar sob a sua honrada Presidência, para
que toda a Nação tenha conhecimento de que, se todos para aqui não ocorreram, a
unânimidade do Movimento Democrático Brasileiro se fêz presente nesta hora tão gra-
ve para os destinos do nosso País, porque estamos convencidos de que este exemplo
arrastará para aqui outros companheiros, mesmo os não filiados à nossa agremiação,
como já começa a acontecer, para que tomem o caminho de Brasília, e venham transfor-
mar esta nova Capital em cidadela avançada do grande movimento de restauração
democrática do Brasil. Daqui partirá, diariamente, pela palavra dos nossos compa-
nheiros – não apenas pela palavra do seu Líder, mas também pela palavra de outros
bravos companheiros – uma mensagem ao povo brasileiro, para que todos se mobilizem
nesta hora, em termos e princípios que são o fundamento da sua vocação para serem
livres, da sua estupenda capacidade de reação, para que todos nós, unidos, represen-
tantes e povo, possamos construir realmente, a partir daqui, em bases de confiança
popular, o grande destino da Nação brasileira. (Palmas prolongadas. (O orador é
cumprimentado)”. Grifado pelo compilador.
No dia 18, em nota distribuida à imprensa, assim se posiciona o Presi-
dente da Câmara dos Deputados, Adauto Lúcio Cardoso (ARENA-GB): “(...)
Dou testemunho do patriotismo e da honradez do Senhor presidente da República no
cumprimento de suas difíceis tarefas de govêrno. Acredito que Sua Excelência se persu-
adiu de que com tais medidas estaria cumprindo o seu dever para com o País. Certo
estou porém de que cumpro o meu, fazendo com que tais atos sejam sujeitos à homologa-
ção das Casas do Congresso, o qual, acima de tudo, encarna e representa a supremacia
do poder civil”.
Num gesto simbólico e romântico, os deputados cassados asilam-se nas
dependências da Câmara, onde o seu presidente diz que tem melhores con-
dições de dar-lhes proteção e segurança pessoal. Alguns se alojam na enfer-
maria onde comem, dormem e se medicam. Conta-se, que o gabinete do
Diretor-Geral da Câmara, Luciano Brandão Alves de Sousa, é franqueado
aos deputados, e ali lhes oferece, à noite, um chá. O local passa a ser denomi-
nado “Casa de Chá do Luar de Outubro”.
Certo dia, à tarde, o funcionário da lavanderia que faz a coleta e entrega
das roupas de cama de pacientes e médicos, ao chegar com o carrinho, traz
consigo um policial que, disfarçadamente, tenta burlar a Segurança da Câ-
mara dos Deputados e entrar no prédio do Congresso Nacional, provavel-
mente, para dar ordem de prisão aos deputados cassados ou simplismente
bisbilhotar. Tendo sido detectado, a Segunça da Casa frusta-lhe a ingênua
tentativa. No momento em que os seguranças impedem a passagem do refe-
rido policial, este leva uma enorme vaia de todos os servidores que, curiosos,
acompanham o insólito episódio pelas janelas do Anexo I.
Nestes dias de tensão ocorre um fato curioso. Cinco representantes da
oposição levam um pequeno susto a bordo do avião em que se dirigiam a

Sem título-4 501 7/5/2004, 10:22


502 Casimiro Neto

Brasília. Meia hora antes do pouso, o comandante lhes mostra um telegrama,


no qual alguém perguntava quantos deputados havia a bordo. Eles querem,
primeiro, saber quem está perguntando. E a resposta veio logo. Não era o
SNI, mas o Sr. Geraldo Antônio Rosa, Chefe da Portaria do edifício principal
e encarregado do registro de presença dos deputados, na Casa.
A crise entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo evolui rapidamen-
te, a maioria dos deputados envolvidos em campanhas eleitorais não retornam
a Brasilia. A Câmara dos Deputados é composta na sua totalidade de 408
parlamentares. A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) possui 254, o
“quorum” exige 272 deputados, portanto o Governo não dispõe de dois ter-
ços, necessário para a homologação das cassações nos termos estritamente
constitucionais. O Governo militar sugere aos parlamentares da Aliança Re-
novadora Nacional (ARENA) que não compareçam e com isso impedindo a
realização normal de uma sessão. O impasse chega a tal ponto de intransigência
que a alternativa se torna pouco animadora: “ou o marechal presidente consegue
mesmo cassar os seis deputados ou termina, ele próprio, cassado por seus companheiros
revolucionários”.
19 de outubro de 1966. 13 horas e 30 minutos. Plenário. Presença de
cento e sete Deputados. O Deputado Fernando da Gama e Souza (MDB-PR)
denuncia: “(...) A Nação inteira acompanha a atitude do Senhor Presidente da Repú-
blica que continua cometendo crimes de responsabilidade contra os Poderes constituí-
dos. Agora, tomo conhecimento, através de jornais categorizados que nos merecem a
maior fé, órgãos de imprensa de responsabilidade como “O Estado de São Paulo” e
“Jornal do Brasil” de que se pretende cercear mais ainda a liberdade do Congresso, e
desta vez fisicamente, cortando a luz, o fornecimento de água e cercando o Congresso
Nacional, para evitar que quem quer que seja penetre neste recinto. Isto com o objetivo
de vencer, pela fome, pelo cansaço, os Deputados que aqui se encontram. Mas tal não
ocorrerá. Se Deus quiser, resistiremos”. Grifado pelo compilador.
O Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Adauto Lúcio Car-
doso (ARENA-GB), faz o seguinte pronunciamento: “A Mesa permite-se fazer ao
Plenário uma comunicação que reputa de grande importância. É a seguinte: O nobre
Deputado Raymundo Padilha, Líder do Govêrno, depois de entendimentos com o Sr.
Presidente da República, acaba de transmitir à Presidência da Câmara a segurança de
que os Senhores Deputados Doutel de Andrade, César Prieto, Humberto El Jaick,
Abrahão Moura e Sebastião Paes de Almeida têm plena garantia de sua liberdade,
podendo permanecer nesta Capital, dela sair e a ela voltar, quando lhes aprouver.
Mantém o Chefe do Poder Executivo a sua decisão de que os referidos Srs. Depu-
tados têm os seus mandatos cassados pelo ato de 13 do corrente, não podendo exercer
atividades políticas sem infração da chamada Lei do Confinamento.
A Presidência da Câmara declara que não abre mão da posição que adotou”.
(Palmas prolongadas , com o Plenário de pé).
A comunicação ora feita, portanto, tem o propósito de deixar claro aos Srs. Depu-
tados cujos nomes mencionei que nenhum risco correrão, desta vez sob garantias for-

Sem título-4 502 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 503

mais prestadas pelo Sr. Presidente da República. Evidentemente, o exercício do manda-


to de cada um dêsses Senhores Deputados só pode ser assegurado pela Mesa nos limites
de sua jurisdição que são os limites desta Casa”. Grifado pelo compilador. A sessão é
levantada às dezoito horas e trinta minutos.
Numa atitude de agressiva hostilidade, veículos do DOPS circulam, dia
e noite, em volta do prédio do Congresso Nacional.

20 de outubro de 1966. Madrugada. O Presidente da República


Humberto de Alencar Castello Branco (CE) resolve baixar o “Ato Complemen-
tar nº 23”. Com este ato o Governo militar decreta o recesso do Congresso
Nacional até o dia 22 de novembro do mesmo ano.
Pela primeira vez desde a queda do “Estado Novo” o Poder Legislativo é
fechado e os seus trabalhos suspensos por prazo determinado.
O ato de decretação do recesso parlamentar não se completa por si
mesmo. É criada, no direito brasileiro, uma nova figura, a do executor do
recesso parlamentar. Cabe, então, ao General-de-Brigada José Nogueira Paes,
Comandante da 11ª Região Militar, sediada em Brasília, a triste tarefa e é ele
quem leva para a Capital, na madrugada de quinta-feira, o decreto de recesso
do Congresso Nacional e repassa a missão, na porta do Parlamento, ao Coro-
nel-de-Infantaria Carlos de Meira Mattos, Comandante do Batalhão de Guarda
Presidencial, a tropa de choque e de elite de Brasília. É o mesmo coronel que
fora a São Domingos com tropas brasileiras para permitir que os dominicanos
votassem livremente. O mesmo que deixara o Brasil para defender a demo-
cracia. E é o mesmo que desembarca na porta do Congresso Nacional com
extremada violência.
Na madrugada desse dia, o Eixo Monumental é fechado pelas tropas do
Exército na altura da Rodoviária do Plano Piloto. Os quartéis estão de pron-
tidão. Há grande movimentação de tanques e caminhões nas cercanias do
Eixo Monumental. Clima de guerra. Aproximadamente 600 homens, entre
Fuzileiros Navais, com roupagem camuflada, soldados do Exército e da Aero-
náutica, tomam parte da operação. Pelotões rastejam pelo chão, dão peque-
nas corridas pelos gramados, escondem-se atrás de árvores e postes e avan-
çam em direção ao prédio do Congresso Nacional. No estacionamento de
automóveis da Câmara dos Deputados, jipes conduzem canhões de pequeno
porte, caixas de munições, fuzis, e há aproximadamente 100 homens, com
fardamento camuflado, armados de metralhadoras, e capacetes de aço. A
ordem é isolar o Congresso Nacional e reduzir ao mínimo quaisquer possibi-
lidades de resistência dos parlamentares que se haviam asilado nas suas de-
pendências. Informes divulgados por agentes do Serviço Nacional de Infor-
mações (SNI) dizem que na Câmara dos Deputados estava reunido um
agrupamento de contra-revolucionários armados, dispostos a travar uma luta
se fosse necessário. “O Marechal Castello Branco esqueceu-se de que requisitamos
munições de bôca e não munição de espingarda” diz o Deputado Fidélis dos Santos
Amaral Netto (MDB-GB).

Sem título-4 503 7/5/2004, 10:22


504 Casimiro Neto

A Capital da República é também isolada através do controle de todas


as suas comunicações. É executada uma severa vigilância sobre o noticiário
da crise entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo e as emissoras de rádio
e televisão são avisadas de que deveriam abster-se de comentar os aconteci-
mentos de Brasília.
Enquanto isso, na Câmara dos Deputados (o Poder desarmado), isto
é, no Gabinete da Presidência da Casa, setenta e um deputados, mal dormi-
dos, tensos, cansados, inclusive os cassados, estão reunidos, analisando os
fatos e as notícias que chegavam a todo instante. A partir das quatro horas
e quarenta minutos os telefones são cortados, e, conseqüentemente, são
desligados os telefones da Capital, logo em seguida as luzes são apagadas e
começa a faltar água. O Deputado Adaucto Lúcio Cardoso (ARENA-GB)
manda que os funcionários liguem o gerador próprio. Não é possível, por-
que já estava ele com os fios cortados e cercado por forças militares. Velas
são acendidas. Ninguém tem a mais remota idéia de resistência armada.
Das janelas do Congresso Nacional assiste-se a uma das maiores operações
militares realizadas em Brasília. Em poucos minutos o prédio fica totalmen-
te cercado.
Aproximadamente doze caminhões, e dentro deles perto de 300 ho-
mens de todas as armas, descem a rampa que dá acesso à garagem e à entra-
da de parlamentares. O Coronel-de-Infantaria Carlos de Meira Matos co-
manda uma verdadeira operação de guerra. Está metido em uniforme de
campanha, usa capacete, pistola e cinto com balas. São evacuadas as pessoas
que se encontram na entrada do edifício do Congresso Nacional. É então
exigido dos fotógrafos o seguinte: “Ou atiram as máquinas no chão, ou apa-
nham”. E alguns apanham de cassetetes.
Dura aproximadamente cinco minutos a invasão do Parlamento pela
tropa da Polícia do Exército. O primeiro militar a atravessar a porta do sa-
guão é o Coronel-de-Infantaria Carlos de Meira Matos que, cercado de solda-
dos da Polícia do Exército, entra em corrida acelerada pelo saguão principal
do Congresso Nacional, caracterizando-se com isso a invasão das dependên-
cias do Poder Legislativo e a sua violação. É uma vergonha na história nacio-
nal. Os funcionários da Casa contam que o coronel corria velozmente em
todas as direções, gritava com energia ordenando a saída de todos, tendo ele
próprio agarrado algumas pessoas pelos braços, várias das quais conseguem
fugir para o interior do edifício. Sua dramaticidade é realçada pelo seu capa-
cete e o pesado equipamento de campanha. Os soldados usam cassetetes
para agredirem as pessoas. A ação se torna mais impressionante pela rapidez
com que se movimentam os militares em toda a profundidade do salão, indo
até o pé da escada de acesso ao primeiro pavimento que dá acesso ao Plená-
rio. Invadem o gabinete do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Não
encontram resistência armada. Encontram homens desarmados,
empenhandos na defesa da soberania, da integridade e da dignidade da Casa
à qual pertencem.

Sem título-4 504 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 505

Às sete horas e trinta e cinco minutos, o Presidente da Câmara dos


Deputados Adauto Lúcio Cardoso (ARENA-GB) recebe a cópia do “Ato Com-
plementar do recesso parlamentar” do qual é portador o Primeiro-Secretário,
Deputado Nilo de Souza Coelho (ARENA-PE), que, um tanto constrangido,
diz que recebera um pedido do General-de-Brigada José Nogueira Paes para
fazer a entrega do documento, já que o Presidente da Câmara dos Deputados
não fora encontrado em sua residência. O Presidente da Casa recebe, abre o
envelope e lê, em voz alta e compassada, sob silêncio total, o Ato Comple-
mentar nº 23: “O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o
art. 31 do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965 e Considerando que no
interêsse de preservar e consolidar a Revolução de 31 de março de 1964 e ouvido o
Conselho de Segurança Nacional, o Presidente da República houve por bem suspender
os direitos políticos e cassar mandatos de deputados federais, na forma do art. 15 do Ato
Institucional n. 2 , de 27 de outubro de 1965; Considerando que os atos desta natureza
estão excluídos da apreciação de qualquer instância legislativa ou judiciária, e assim
tem sido entendido pelo Supremo Tribunal Federal e o próprio Congresso Nacional;
Considerando que em relação aos recentes atos que atingiram seis deputados federais
publicados no ‘Diário Oficial’, de 14 de outubro do corrente, entendeu o senhor Presi-
dente da Câmara dos Deputados depois de recebida a comunicação regular de sua
expedição e publicação, submetê-los à apreciação de comissões internas e do plenário da
mesma Casa do Congresso Nacional para discussão e votação; Considerando que tal
procedimento importa em suspender a execução dos atos mencionados retirando-lhes os
efeitos imediatos que são de sua própria essência e natureza; Considerando ainda que
esta procrastinação, além de infundada e contrária aos precedentes foi agora tomada
no momento em que a Câmara dos Deputados não poderia contar com número sufi-
ciente para deliberar, por motivo notório da campanha eleitoral em que estão empenha-
dos os senhores deputados; Considerando, finalmente, que se constituiu assim naquela
Casa do Congresso Nacional por motivo de ausência justificada da grande maioria de
seus membros um agrupamento de elementos contra-revolucionários com a finalidade
de tumultuar a paz pública e perturbar o próximo pleito de 15 de novembro embora
compromentendo o prestígio e a autoridade do próprio Poder Legislativo. Resolve bai-
xar o seguinte Ato Complementar: Art. 1º – Fica decretado o recesso do Congresso
Nacional a partir desta data até o dia 22 de novembro de 1966. Art. 2º – Enquanto
durar o recesso do Congresso Nacional o Presidente da República fica autorizado a
baixar decretos-leis em tôdas as matérias previstas na Constituição. Art. 3º – A diplomação
do Presidente e do Vice-Presidente da República eleitos pelo Congresso Nacional em 3
de outubro de 1966, caberá à Mesa do Senado Federal. Art. 4º – Este Ato Complemen-
tar entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário. Brasília. 20 de
outubro de 1966. 145º da Independência e 78º da República”. Assinam o docu-
mento o Presidente da República, Humberto de Alencar Castello Branco (CE),
o Ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva (MG), e outros ministros. Ao
término da leitura o Deputado Adauto Lúcio Cardoso (ARENA-GB) estranha
que o Primeiro-Secretário fosse o portador e não o General-de-Brigada José
Nogueira Paes. Também causa espécie ao Presidente da Câmara dos Depu-

Sem título-4 505 7/5/2004, 10:22


506 Casimiro Neto

tados o fato de que o documento não tenha sido enviado acompanhado de


um ofício e diz ao Deputado Nilo de Souza Coelho (ARENA-PE): “A nossa
estranheza, Sr. Primeiro Secretário, é que, antes de receber este decreto, fomos vítimas
de vexames: corte de luz, interrupção de telefones, e cerco militar do Congresso – uma
Casa desarmada. O gerador foi ocupado militarmente. Todo o edifício está cercado. Sei
que o Sr. Primeiro Secretário não é o responsável por isso, pois é um simples portador”.
Perguntado pelo Deputado Armindo Marcílio Doutel de Andrade (SC) por-
que não reagia diz: “Não podemos Deputado. Esta é uma Casa desarmada. Só pode-
mos reagir com os meios ao nosso alcance: a palavra falada e escrita”. Encerra o
diálogo afirmando: “Considero encerrada a nossa missão. Bom dia senhores. Até
melhores dias”. O portador do documento informa que o Presidente da Repú-
blica, Humberto de Alencar Castello Branco (CE) garante a liberdade de to-
dos, podendo sair, mesmo os cassados, que nada ocorrerá.
Os militares entram no Palácio do Congresso Nacional, fecham todas as
entradas e deixam apenas uma saída. O primeiro deputado a deixar o recin-
to, sob a mira de baionetas e metralhadoras, mas com as garantias oferecidas
pelo Governo e transmitidas pelo Primeiro Secretário, Deputado Nilo de Souza
Coelho (ARENA-PE) é o parlamentar cassado Cesar Prieto (MDB-RS). Cada
deputado, funcionário e jornalista que deixa o edifício é obrigado a se iden-
tificar, fornecer o nome e a profissão a um oficial, que anota os dados forne-
cidos. Em seguida são obrigados a passar entre dois pelotões de soldados do
Exército, formados junto ao saguão da portaria da Câmara. Uma fila enor-
me, como se fosse um “corredor polonês” se forma. O Deputado Fidélis dos
Santos Amaral Netto (MDB-GB) rasga sua identidade, não admitindo que
militar algum o identificasse. Uma humilhação, sem tamanho, a um Poder
constituído da República. A revolução começa a mostrar a sua face oculta. A
antítese da democracia.
Aproximadamente às oito horas, sob palmas e seguido de vários depu-
tados e jornalistas, o Presidente da Câmara dos Deputados Adauto Lúcio
Cardoso (ARENA-GB) deixa o edifício do Congresso Nacional. Ao sair, um
oficial postado no local pede-lhe para se identificar. O Presidente da Casa vai
responder quando vários deputados gritam: “O Presidente da Câmara dos Depu-
tados não precisa se identificar para sair de uma Casa que preside. Abaixo a Ditadu-
ra!”. O Coronel-de-Infantaria Carlos de Meira Matos aproxima-se e registra-
se, então, o seguinte diálogo, (contado e repetido por funcionários da Casa
com o passar dos anos): “_Coronel, preciso manifestar ao senhor a minha estranhe-
za de vê-lo aqui, não como executor de um decreto de recesso, mas de um cêrco militar
bélico e ocupação militar de uma Casa desarmada. Cumpra sua missão, mas saiba que
a história o condenará”. O coronel responde: “_ Eu, não esperava do senhor uma
atitude tão anti-revolucionária como a que o senhor adotou”. “_ Eu sou antes de tudo,
um servidor do Poder Civil”, retrucou o Presidente da Câmara dos Deputados,
sob palmas. O Coronel-de-Infantaria Carlos de Meira Matos não encontra
nada mais para dizer a não ser “_ E eu sou um servidor do poder militar”. Após
esse diálogo, o coronel passa apressadamente na frente do Presidente da Câ-

Sem título-4 506 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 507

mara dos Deputados, Adauto Lúcio Cardoso (ARENA-GB). O nobre parla-


mentar, diante do inusitado, faz uma reverência e com ironia diz: “Curvo-me
diante de Sua Majestade, o poder militar”.
Com esse gesto o Presidente da Câmara dos Deputados, Adauto Lúcio
Cardoso (ARENA-GB), tráz de volta um exemplo irônico da história parla-
mentar do Brasil. Quando o Imperador D. Pedro I fecha a Assembléia Geral
Constituinte e Legislativa, em 11 de novembro de 1823, manda prender al-
guns deputados, entre eles se encontra Antônio Carlos de Andrada Machado
e Silva (SP). Este ao sair preso do Parlamento, devidamente acompanhado
por oficiais do Exército Imperial, nota, na janela do palácio imperial, vizinho
ao prédio da Assembléia, o Imperador D. Pedro I assistindo a prisão dos
deputados constituintes. Prosseguindo em sua caminhada e ao passar diante
das peças de artilharia que o Imperador mandara ali colocar acintosamente
apontadas para a porta por onde acabara de franquear, vira as costas para o
Imperador, detem-se respeitoso e, descobrindo-se, exclama com ironia: “Obe-
deço ao soberano do mundo. A sua majestade o canhão!” e fazendo-lhe uma reve-
rência, diz: “Respeito muito o seu poder!”. Affonso D’E. Taunay, na sua obra
“Grandes vultos da Independência Brasileira” relata: “Conta-se que ao passar, preso,
por um parque de artilheria, descobriu-se Antonio Carlos, a dizer aos canhões: Sobera-
nos do mundo, eu vos saúdo!”.
O recesso parlamentar decretado com o Ato Complementar nº 23 pos-
sibilita ao Presidente da República legislar sobre todas as matérias previstas
na Constituição.
O Brasil está triste e perplexo. É preciso parar para ver a “banda passar
cantando coisas de amor”. Música consagrada no Festival Nacional da Canção,
de autoria de Chico Buarque, e com interpretação de Nara Leão e do Quar-
teto em Cy. Traz uma letra simples e melodia ingênua a comporem uma
atmosfera docemente provinciana. E quando a Banda passa resta o eco na
memória, persistente, convidativo, obrigando o ouvinte a assoviar ou canta-
rolar, quase sem sentir. A gente sofrida despede-se da dor e sentem-se, subitamen-
te, alegres e solidários. Graças a ela a alegria retorna às multidões.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 20 de outubro a


22 de novembro de 1966.

Sem título-4 507 7/5/2004, 10:22


508 Casimiro Neto

Quadro/Foto nº 25
O Presidente da Câmara – Deputado
Adauto Lúcio Cardoso

Quadro/Foto nº 25/B
O Presidente da República –
Marechal Humberto de Alencar
Castello Branco

Sem título-4 508 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 509

23 de novembro de 1966. Plenário. O Deputado Adauto Lúcio Cardoso


(ARENA-GB) abre a sessão às treze horas e trinta minutos com a presença de
57 Deputados. O Deputado Nelson de Souza Carneiro (MDB-RJ) faz a se-
guinte comunicação: “Sr. Presidente, nesta primeira sessão após a melancólica fase
que há de marcar a página mais negra da história política dêste País, aqui estou para
exaltar o gesto dos parlamentares bolivianos que, em homenagem ao Congresso Brasi-
leiro, não quiseram acompanhar ao Brasil o Presidente René Barrientos. É o senti-
mento que se espalha pelos parlamentares de tôda a América, hoje reunidos no Parla-
mento Latino-Americano.
Assim como os militares se reúnem para discutir os problemas de defesa do Con-
tinente e os Chanceleres marcam encontro para debater os vários problemas de nature-
za internacional, vale destacar, Sr. Presidente, a atitude dos parlamentares, onde quer
que estejam, interessados na manutenção da ordem democrática nos países da América
Latina.
Espero voltar a esta tribuna, Senhor Presidente, mais longamente, a fim de deixar
nos Anais a repulsa de todos os bons democratas contra a atitude do Sr. Presidente da
República que tanto humilhou esta Casa e a cada um dos que aqui estiveram presentes.
Neste instante, pretendo apenas significar o aprêço com que os parlamentares do
Brasil tomaram conhecimento da atitude nobre dos seus colegas da Bolívia, que, mal
saídos de uma ditadura, dão pública demonstração do seu amor à normalidade
democrática.(Muito bem. Muito bem.)”. Grifado pelo compilador. A sessão é encerra-
da às quinze horas e trinta minutos.
Na sessão do dia 24 de novembro, O Deputado Fidélis dos Santos Amaral
Netto (MDB-GB) faz um relato dos acontecimentos, seguido do Deputado
Mário Piva (MDB-BA) que além de outro relato faz a seguinte denúncia: “(...)
Sr. Presidente, antes de historiar, para os Anais desta Casa, o ato de brutalidade, como
mencionei, do cêrco dêste Congresso, quero denunciar desta tribuna um fato que me
acaba de ser revelado e que provém de fontes oficiais.
O Sr. Presidente da República está disposto a baixar novo Ato Institucional, mais
um no longo rosário de Atos Institucionais e Complementares que vem marcando a
vida dêste País; está disposto a baixar um nôvo édito, estabelecendo a convocação ex-
traordinária do Congresso Nacional para a votação da nova Constituição, mas, muito
pior do que isso, firmando normas para a votação desta nova Carta. Dentro dêste édito
revolucionário, no bôjo desta legislação, que o Executivo já denominou e batizou de
‘legislação executiva’, estabelece Sua Excelência, para vergonha nossa e da democra-
cia brasileira, a redução do ‘quorum’ para aprovação da Constituição.
Sr. Presidente, seria fastidioso enumerar tudo quanto vai decorrer de uma provi-
dência dessa natureza. Teremos na realidade, não uma Constituição votada pelo Con-
gresso Nacional, mas um ato referendado por um número de Deputados – e um número
que não se exige sequer para a votação de simples leis ordinárias. É a Lei Magna do
País, a Constituição, que vai ser votada por um ‘quorum’ que o Presidente da Repúbli-
ca estabelecerá ao seu arbítrio, como arbitrários têm sido todos os seus atos até então.
Sr. Presidente, esta denúncia é feita e trazida ao conhecimento da Casa, para
que, desde logo, fique assinalado o protesto veemente do Movimento Democrático Bra-

Sem título-4 509 7/5/2004, 10:22


510 Casimiro Neto

sileiro, que não aceita, senão como imposição de fôrça, medidas dessa natureza”. Grifa-
do pelo compilador.

28 de novembro 1966. A Mesa da Câmara dos Deputados recebe a de-


cisão tomada pela Comissão de Constituição e Justiça, que, em sessão secreta
e depois de quase duas horas de debate, delibera com fundamento no voto
vencido do relator de que o processo fosse devolvido à mesma para que esta
declarasse extintos os mandatos de representação popular dos deputados
cassados. Reunida a Mesa, o Presidente da Câmara dos Deputados, Adauto
Lúcio Cardoso (ARENA-GB), faz uma exposição, absolutamente serena e tran-
qüila, não apenas das ocorrências de todos conhecidas, mas da análise de
suas causas e dos possíveis desdobramentos. Manifesta sua opinião e o assun-
to é amplamente discutido. Debate-se a questão, trocam-se idéias. Seus com-
panheiros da Mesa não o acompanham na atitude de resistência ao ato
cassatório. Mas o pior já passara, os equívocos são desfeitos, são trocadas
explicações em alto nível e chegam a um ponto de vista comum. É autorizado
o Presidente da Câmara dos Deputados a declarar extintos os mandatos cas-
sados por ato do Presidente da República. É expedida uma nota à imprensa.
O Presidente da Casa, Adauto Lúcio Cardoso (ARENA-GB) deixa a reunião
para presidir a sessão plenária que havia sido aberta às treze horas e trinta
minutos. Logo ao assumir os trabalhos faz o seguinte pronunciamento: “Se-
nhores Deputados: A douta Comissão de Constituição e Justiça, examinando a comuni-
cação do Conselho de Segurança Nacional enviada ao Sr. Deputado Primeiro-Secretá-
rio, sôbre o ato do Exmo. Sr. Presidente da República que suspendeu os direitos políticos
de seis dos Senhores Deputados integrantes desta Casa, devolveu à Mesa o referido
expediente com parecer que conclui dever a Mesa declarar extintos os mandatos de
representação popular de que se acham êles investidos. Fundou-se o parecer daquele
colendo órgão na Lei nº 211, de 7 de janeiro de 1948, que estabelece no seu art. 2º
deverem as Mesas dos Corpos Legislativos declarar a extinção dos mandatos quando
ocorrer a suspensão dos direitos políticos dos seus titulares.
É de todo improvável a obtenção de ‘quorum’ nesta Casa até o dia 1º de dezem-
bro, quando se encerra a sessão legislativa ordinária. Assim, não será possível subme-
ter-se a matéria à consideração do plenário. Não será porém excessivo prever-se, em
face da votação realizada na Comissão de Constituição e Justiça, o sentido que teria o
pronunciamento do plenário.
Em declarações anteriores, deixei explícitos os motivos que me levaram a subme-
ter êsse ato do Poder Executivo à apreciação da Comissão de Constituição e Justiça.
Realmente, sempre entendi que o primeiro e mais alto dever de nossa investidura de
mandatos da soberania popular está na preservação da inviolabilidade dos nossos man-
datos e da independência e autonomia do Congresso, como instrumento de realização
do regime democrático. As revoluções e seus atos, bem como as leis na sua mutabilidade,
constituem algo de transitório, em confronto com a instituição parlamentar a que per-
tencemos, elemento permanente, cuja integridade constitui o real testemunho da sobre-
vivência da democracia.

Sem título-4 510 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 511

Sei que entre nós, tem havido, há ainda e haverá sempre, como em tôda coletivi-
dade, uma minoria de homens menos responsáveis. Repito porém que não devemos
consentir que o Poder Executivo nos arrebate a prerrogativa de julgá-los e de cassar
mandatos que o povo lhes conferiu. Isso mesmo professei pùbicamente, em abril de
1964, quando não me achava ainda onerado com as responsabilidades da desarmada
resistência que o exercício do cargo de presidente da Câmara dos Deputados veio a
impor-me, em outubro de 1966.
É certo que o Exmo. Sr. Presidente da República, em declaração formal que não
visou contribuir para a solução dêsse conflito, mas antes veio cumprir propósitos ex-
pressos antes dêle, firmou compromissos de não aplicar, daqui por diante, na área do
Congresso Nacional os podêres de que se investiu pelos artigos 14 e 15 do Ato
Institucional número 2. Esta Câmara e o Senado se acham portanto livres da coação
que para seus membros representava essa faculdade de cassar mandatos, atribuída ao
Chefe do Poder Executivo.
Se isso basta à Câmara atingida no recente episódio de cassações, não basta
porém ao seu presidente, que, confrontado com suas convicções, não se sente em condi-
ções de cumprir o papel de executor da decisão hoje tomada pela Mesa, nos têrmos do
parecer da Comissão de Constituição e Justiça, mandando que o presidente declare
extintos os mandatos e, portanto, excluídos das listas de presença, do plenário e das
comissões os seus deputados cujos direitos políticos foram suspensos.
Em face do exposto, Srs. Deputados, firmei a irrevogável decisão de renunciar,
como agora renuncio, à presidência da Câmara. Não importa isso em quebra dos laços
de solidariedade, de estima e gratidão que me prendem aos nobres colegas de partido
que me conduziram a êste alto pôsto. Estou certo de que compreenderão meus sentimen-
tos e a prioridade dos meus compromissos para com esta Câmara. Nem significa meu
gesto que eu me separe dos companheiros com os quais participei do movimento de
março e abril de 1964, em defesa das instituições. Sou fiel a elas e aos altos objetivos da
Revolução.
Convoco o Sr. 1º Vice-Presidente a que venha assumir a presidência desta sessão.
E, para que possa fazê-lo o nobre Sr. Deputado Sr. Baptista Ramos, vou suspender a
sessão, por cinco minutos. Está suspensa a sessão”. Grifado pelo compilador.
A sua postura de líder é reconhecida por todos os seus pares em pro-
nunciamentos subseqüentes ao ato de renúncia. Em desdobramentos a esses
fatos, em fevereiro de 1967, Adauto Lúcio Cardoso (ARENA-GB) é nomeado
Ministro do Supremo Tribunal Federal, pelo próprio Presidente da Repúbli-
ca, Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (CE), tomando posse no
início do mês de março de 1967.
7 de dezembro de 1966. O Presidente da República, Humberto de
Alencar Castello Branco (CE), edita o “Ato Institucional nº 4”, que “convoca o
Congresso Nacional para se reunir, extraordinariamente, de 12 de dezembro de 1966
a 24 de janeiro de 1967”. O objeto principal da convocação extraordinária é a
discussão, votação e promulgação do “Projeto de Constituição”, revisto e modi-
ficado pelo Conselho de Segurança Nacional, e apresentado pelo Presidente

Sem título-4 511 7/5/2004, 10:22


512 Casimiro Neto

da República. De acordo com este ato, o Presidente da República poderá


baixar atos complementares, bem como decretos-leis sobre matéria de segu-
rança nacional e matéria financeira, e, ainda, no período de recesso parla-
mentar poderá expedir decretos com força de lei sobre matéria administrati-
va e financeira.
A exposição de motivos do Ministro da Justiça e Negócios Interiores
Carlos Medeiros Silva (MG), junto com o “Projeto de Constituição”, é encami-
nhada pela Mensagem nº 25, de 12 de dezembro de 1966, do Presidente da
República, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (CE), ao Con-
gresso Nacional.
12 de dezembro de 1966. Congresso Nacional. O Senador Auro Soares
de Moura Andrade (SP), Presidente do Congresso Nacional, instala os traba-
lhos legislativos relativos à 6ª Sessão Legislativa Extraordinária, da 5ª Legis-
latura.
No dia 24 de janeiro de 1967, a “Constituição Congressual” é promulgada,
simultaneamente, pelas Mesas das duas Casas do Congresso Nacional para
vigorar a partir do dia 15 de março de 1967, quando assume a Presidência da
República o Marechal Artur da Costa e Silva (RS).
6ª Constituição brasileira e 5ª da República. Sofre forte influência da
Carta de 1937, cujas características básicas assimila. Nitidamente
centralizadora, tem preocupação fundamental com a segurança nacional, re-
duzindo a autonomia individual e permitindo a suspensão de direitos e ga-
rantias constitucionais. Dá maiores poderes à União e ao Poder Executivo,
aprofundando a intervenção na economia dos estados e municípios. Acaba
com a eleição direta para presidente da República, criando para elegê-lo um
colégio eleitoral. São suspensas, também, as garantias dos magistrados. Fa-
culta ao Presidente da República a expedição de decretos-leis sobre seguran-
ça nacional e finanças públicas. Entretanto, esta faculdade é limitada aos ca-
sos de urgência ou de interêsse público relevante, não podendo acarretar
aumento de despesas. Embora entrem em vigor na data de sua publicação,
estes decretos-leis são sujeitos ao “referendum” do Congresso Nacional que os
aprovará ou rejeitará, integralmente, dentro de sessenta dias. Findo este pra-
zo, sem deliberação, o texto é tido como aprovado. Os decretos-leis emana-
dos com base nos Atos Revolucionários escapam à apreciação do Poder Legis-
lativo. Persistiu a estrutura do Estado social, de molde mais intenso do que o
delineado na Constituição de 1934.
Fica para a história o atraso no relógio do Plenário para a conclusão dos
trabalhos da elaboração da nova Constituição na data prevista pelo AI-4. O
prazo é a meia noite para a conclusão e votação da Constituição. Os servido-
res da Casa relatam que o Presidente do Congresso Nacional, Senador Auro
Soares de Moura Andrade (SP), manda desligar o relógio do Plenário às 23
horas e 40 minutos e a sessão termina aproximadamente às 3 horas da ma-
drugada, mas, conforme o relógio, foi cumprido o prazo estipulado pela

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A Construção da Democracia 513

mensagem presidencial. O integrantes do Movimento Democrático Brasilei-


ro (MDB) divulgam manifesto exigindo sua revisão.
O pronunciamento do Deputado Tarcílio Vieira de Melo (BA – Líder da
Bancada do MDB) do dia 21 de dezembro de 1966, contrário à Constituição
que estava sendo discutida, é digno de nota. Em um dos trechos diz: “(...) O
instrumento que foi mandado a esta casa é uma obra que está longe de corresponder
sequer ao mínimo de aspirações quer da cultura jurídica, quer da sensibilidade do povo
brasileiro. Ela quer aproximar autoridade de liberdade, conciliar a opressão e a liber-
dade, o arbítrio e a garantia, tentando, através desse mundo de incongruência, sem
nenhuma formulação técnica, sem qualquer sentido puro, chegar a entregar ao povo
brasileiro um instrumento capaz de detê-lo, e, sobretudo, de amesquinhá-lo.
(...) É uma Constituição velhaca. Acima de tudo ela é velhaca. Para traduzir o
direito, cria garantias e, mais que essas garantias, cria o caminho para que elas sejam
eliminadas. Ela não tem sequer a grandeza, a coragem da seriedade, é a velhacaria
estampada. Ela jamais poderia ser o retrato de uma mentalidade revolucionária, pois,
até aí, a Nação entenderia, porque nem mesmo essa mentalidade existe já neste país.
(...) saio desta tribuna dizendo que essa Carta, esse instrumento, esse monumento
da vergonha nacional, não terá o voto do Movimento Democrático Brasileiro. (Muito
bem! Muito bem! Palmas.)”. Grifado pelo compilador.

5 de janeiro de 1967. Plenário. Leitura da Mensagem nº 26, de 1966


(CN), do Presidente da República, Marechal Humberto de Alencar Castello
Branco (CE), referente ao Projeto de Lei nº 23, de 1966 (CN), que “regula a
liberdade de manifestação do pensamento e de informação”. Trata da liberdade de
manifestação do pensamento e de informação, do registro dos responsáveis
pelos meios de informação e divulgação, dos abusos no exercício da liberda-
de de manifestação do pensamento e informação, do direito de resposta, da
responsabilidade penal, da ação penal, do processo penal, da responsabilida-
de civil e disposições diversas.
Discutido ainda durante o mês de janeiro, votado e aprovado o
substitutivo da Comissão Mista no dia 22, transforma-se na Lei nº 5.250, de 9
de fevereiro de 1967, denominada de “Lei de Imprensa”.

13 de março de 1967. É expedido o Decreto-Lei nº 314, denominado


de “Lei de Segurança Nacional”. Não foi ratificado pelo Congresso Nacional.

15 de março de 1967. 11 horas. Congresso Nacional. Plenário. Sessão


destinada à solenidade da prestação do compromisso e posse de S. Exªs. o
Marechal Artur da Costa e Silva (RS) e Dr. Pedro Aleixo (MG) como Presiden-
te e Vice-Presidente da República O ex-presidente da República Marechal
Humberto de Alencar Castello Branco (CE) vem a falecer no Ceará, em 18 de
julho de 1967, em acidente aéreo.

8 de julho de 1967. Pouco depois do meio-dia. Edifício do Congresso


Nacional. O Deputado Nelson de Souza Carneiro (MDB-GB) troca tiros com

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514 Casimiro Neto

o Deputado Estácio Gonçalves Souto Maior (ARENA-PE) no saguão, em fren-


te a Agência do Banco do Brasil, defronte ao conjunto de salas onde se acha
instalado o MDB e o Gabinete do seu Líder. O Deputado Estácio Gonçalves
Souto Maior (ARENA-PE) é ferido na troca de tiros. Socorrido, é internado
no Hospital Distrital de Brasília. Neste mesmo dia a Mesa da Câmara dos
Deputados designa uma Comissão Especial “para apreciar a conduta dos Senho-
res Deputados Nelson Carneiro e Souto Maior em face do Art. 221, do RI”. Este
episódio é narrado em detalhes quando da publicação do Parecer nº 10/67 da
Comissão Especial, no Diário da Câmara dos Deputados do dia 31 de agosto
de 1967, página 4965. Outros detalhes do episódio podem ser encontrados,
também, nos Diários da Câmara dos Deputados dos dias 23 de junho de
1967 – página 27, suplemento –, e 21 de setembro de 1967, página 5686.
Durante o ano de 1967 cresce o movimento de oposição ao regime mi-
litar. É descoberto pela repressão militar um foco de guerrilha rural na serra
de Caparaó, no Estado de Minas Gerais.
4 de setembro de 1967. É constituída, no Rio de Janeiro, a denominada
“Frente Ampla”. Movimento que reune políticos oposicionistas das mais varia-
das tendências, com o intuíto de lutar para o País retornar ao caminho da
democracia representativa. Os três nomes mais importantes são justamente
dos líderes mais destacados dos três maiores partidos extintos pela revolução
de 1964. E são eles: Juscelino Kubitschek de Oliveira (PSD-MG)), João Belchior
Marques Goulart (PTB-RS), e Carlos Frederico Wernecck Lacerda (UDN-GB).
Vale ressaltar que esses três líderes políticos, e em causa as três maiores
alternativas de poder, vêm a falecer, em circunstâncias misteriosas, em curto
espaço de tempo. A ditadura implantada no Brasil e por todo o Sul do conti-
nente americano, o recrudescimento da repressão e a coordenação entre ór-
gãos de controle político, como a depois conhecida “Operação Condor” cau-
sam estranheza e rumores ao longo do processo de abertura política e da
redemocratização após a Constituição de 1988.
A troca de informações e o justiçamento de elementos envolvidos em
atos políticos nos países do cone sul já eram denunciados no Plenário da
Câmara dos Deputados. Um dos casos é o registrado pelo pronunciamento
do Deputado Lício Silva Hauer (PTB-DF) no dia 24 de março de 1961, quan-
do o mesmo relata que “(...) nos meados de dezembro último, oito guerrilheiros
paraguaios, sentindo-se acuados pelas fôrças militares de Strossner, atravessaram a
fronteira, portando armas típicas de guerrilha – metralhadoras, pistolas e dinamites –
e solicitaram asilo ao Delegado de Paranhos, em Mato Grosso, o indivíduo Hilário
Lopes, a quem depuseram as armas.
Entretanto, foram os rebeldes localizados pelas fôrças paraguaias, em 25 de de-
zembro, véspera da chacina.
(...) Conta o Delegado de Amambaí, Inocêncio Rodrigues, o Santinho, que, dia
26 de dezembro, recebeu um ofício do Delegado de Paranhos, Hilário Lopes, solicitan-
do-lhe fôsse buscar os oitos rebeldes paraguaios, que lá não podiam permanecer. Assim,

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A Construção da Democracia 515

chegou a Paranhos às 17 horas daquele mesmo dia, amarrou os rebeldes com corda de
pesca, colocou-os em um caminhão, dirigido por João Tavares, e acompanhado de um
filho dêste, menor, Waldemar Tavares, e de Breno dos Santos, buscou transportá-los, já
noite, para Amambaí. Eis senão quando, cêrca de 22 horas, quando estava a 20 km de
Paranhos, foi atacado por um grupo de 15 a 20 homens que lhe tomaram os rebeldes e
fuzilaram-nos incontinenti, em pleno território brasileiro.
(...) Oito homens são chacinados, em território brasileiro, por soldados de fôrças
militares de outro país, e é como se nada houvesse acontecido”. Grifado pelo compilador.
Apresenta em seguida requerimento de informações e no dia 11 de agosto de
1961 volta a insistir no assunto com apresentação de outro requerimento de
informações ao Poder Executivo.
A respeito do movimento denominado “Frente Ampla”, no dia 17 de ou-
tubro de 1967, o Deputado Raul Brunini Filho (MDB-GB) ressalta: “Sr. Presi-
dente, recém-chegado de rápida visita ao interior de São Paulo, não posso deixar de
registrar o interêsse popular pelo movimento que atualmente empolga o cenário políti-
co nacional: a Frente Ampla.
Faço êste registro sem outro intuito senão aquêle de constatar um fato: enganam-
se aquêles que pensam que o povo está desinteressado do problema político; o povo está
aguardando uma oportunidade de poder manifestar-se, de falar, de externar o seu
pensamento, de participar ativamente da vida nacional. E a Frente Ampla é o instru-
mento democrático, válido e oportuno dessa manifestação.
(...) Êste atrito entre o atual e o ex-Governador de São Paulo é assunto obrigató-
rio de tôdas as conversas de rua, onde o povo só fala em eleição direta para escolher o
nôvo Presidente da República. E eleição direta é com a Frente Ampla.
Logo, se “a voz do povo é a voz de Deus”, se o povo pede eleições diretas, estamos,
nós da Frente Ampla, em muito boa companhia, com Deus e o povo. (Muito bem.)”.
Grifado pelo compilador.
No festival nacional da canção, Caetano Veloso canta “Alegria, alegria –
Caminhando contra o vento sem lenço, sem documento...”.
9 de outubro de 1967. Bolívia. Região de Vallegrande. O lendário
gerrilheiro Che Guevara, ex-ministro cubano, depois de capturado, é fuzilado
pelo Soldado Mário Terán por determinação superior. O silêncio oficial so-
bre o fato impede a divulgação, mas não detém as notícias e informações
sobre o acontecimento.
28 de março de 1968. O estudante secundarista Édson Luís de Lima
Souto, de 18 anos, é morto a tiros pela Polícia Militar no restaurante estudantil
“Calabouço”, no Rio de Janeiro, durante uma manifestação contra o fechamen-
to do restaurante, que atendia sobretudo a estudantes pobres, oriundos de ou-
tros estados. Aproximadamente 20 estudantes saem feridos da agressão poli-
cial. No dia 29, aproximadamente, 60 mil pessoas participam do cortejo fúnebre.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) decreta greve nacional dos estudan-
tes. No dia 30, são organizadas manifestações estudantis em vários estados,
apesar da proibição do Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva (SP),

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516 Casimiro Neto

e assim continuarão por todos os meses seguintes, inclusive com a participação


dos trabalhadores descontentes com a política salarial do Governo.
4 de abril de 1968. Câmara dos Deputados. Plenário. É apresentado o
requerimento do Deputado Padre Manoel Bezerra de Mello (ARENA-SP) e
subscrito por mais 137 parlamentares com o seguinte teor: “Nos têrmos do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados, requeiro à Mesa seja instalada uma
Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar, em todo o país, a extensão das
violências que vêm sendo praticadas contra estudantes e, particularmente, para apu-
rar os fatos e as responsabilidades do massacre praticado pela Polícia Militar do Rio de
Janeiro, na data de ontem e que culminou com o assassinato do jovem escolar Edson
Luís Lima Souto, de 17 anos de idade. Câmara dos Deputados, 29 de março de 1968”.
No dia 15 de maio é aprovada a Resolução nº 67/68. É nomeado relator o
Deputado Oswaldo Zanello Vieira da Costa (ARENA-ES). A Comissão Parla-
mentar de Inquérito (CPI) não conclui os trabalhos.

5 de abril de 1968. Em resposta aos atos dos estudantes e a outros fatos


políticos o Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva (SP), expede a
Portaria nº 177-GB, que proíbe, em todo o território nacional, manifesta-
ções, reuniões, comícios, desfiles, passeatas ou exercício de quaisquer ativida-
des de natureza política pelo movimento denominado “Frente Ampla”, oriun-
do dos chamados “Pactos de Lisboa e de Montevidéu”. Esta portaria determina à
Polícia Federal: a) a prisão em flagrante delito de todos quantos sejam encon-
trados violando as proibições enumeradas; b) procedam à apreensão de li-
vros, jornais, periódicos ou quaisquer publicações, que divulguem manifesta-
ções sobre assunto de natureza política por todos quantos estejam legalmente
impedidos de fazê-lo, inclusive da denominada “Frente Ampla”; e c) promovam
a imediata instauração de inquéritos policiais contra os que estiverem pratican-
do esses atos, bem como dos responsáveis pelos órgãos de divulgação.
24 maio de 1968. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado Paulo
Macarini (MDB-SC) apresenta o Projeto de Lei nº 1346/68, que “concede anis-
tia, em todo o território nacional, aos estudantes e trabalhadores envolvidos nos acon-
tecimentos que se sucederam à morte de Edson Luiz de Lima Souto” com a seguinte
justificativa: “Visa o presente projeto conceder anistia aos trabalhadores e estudantes
que estão sendo processados, como envolvidos nos episódios, manifestações e crises que,
em todo o território nacional, se sucederam à morte do jovem Edson Luiz de Lima
Souto, no restaurante Calabouço, na Guanabara.
O justo protesto contra o barbarismo praticado desencadeou no país uma série de
prisões indiscriminadas, de aberturas de processos militares e de outras arbitrariedades
que, em última análise, de nada contribuem para o preparo intelectual e político dos
futuros dirigentes do país.
Por outro lado, os movimentos pacíficos dos trabalhadores, longe de perturbação
da ordem, são reivindicações naturais por melhores salários e mais dignas e justas
condições de vida para si e para seus dependentes.

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A Construção da Democracia 517

A aprovação desta medida representará inequívoca demonstração de que o Poder


Público passa a compreender as atividades da juventude e da classe operária, em face
da atual conjuntura brasileira. Exemplo digno de nota e suficientemente expressivo
acaba de dar o Govêrno francês que, em face de crise muito mais grave, anuncia
anistia ampla e consulta plebiscitária”. Grifado pelo compilador.

26 de junho de 1968. No Rio de Janeiro é realizada uma manifestação


da qual participam aproximadamente cem mil pessoas que protestam contra
as violências praticadas pela polícia no dia 21 de junho, no centro da cidade,
e que ficou conhecida como a “sexta-feira sangrenta” atingindo estudantes e
outras pessoas no local. Esta manifestação ficou denominada de “Passeata dos
Cem Mil” e dela participaram além dos estudantes, intelectuais, operários,
profissionais liberais e religiosos. É o momento de maior atuação do movi-
mento estudantil. No dia 5 de julho, o clima de tensão reinante entre o Go-
verno e os estudantes se agrava com a proibição do Ministro da Justiça, Luís
Antônio da Gama e Silva (SP), da realização de qualquer tipo de manifesta-
ção em todo o território nacional, que é ratificada pelo Conselho de Seguran-
ça Nacional.
Com o objetivo de manter o controle da situação, a despeito de todas as
manifestações contrárias, os militares passam a governar sob forte repressão.
O número de desparecidos políticos aumenta, a censura torna-se uma prática
comum.

21 de agosto de 1968. Plenário. Votação, em discussão única, do Proje-


to de Lei nº 1.346-B, de 1968, que “concede anistia, em todo o território nacional,
aos estudantes e trabalhadores envolvidos nos acontecimentos que se sucederam à morte
de Edson Luiz de Lima Souto”. No encaminhamento da votação tem a palavra o
Deputado Mário Covas Júnior (MDB-SP), Líder do MDB: “Sr. Presidente, Srs.
Deputados, ao longo da tramitação dêste projeto temos ouvido nesta Casa os mais
variados argumentos em favor da sua aprovação, mas não se pode negar que algumas
vozes, muito mais a justificar uma posição política, têm procurado combatê-lo. E os
argumentos que usam essas vozes são, sobretudo, de duas ordens. Afirmam, em primei-
ro lugar, que a concessão da anistia seria algo como um ‘bill’ de indenidade, alguma
coisa que, uma vez aprovada, serviria para estimular e fazer recrudescer um processo
que já então encontraria na possibilidade do esquecimento da culpa a sua principal
determinante. E associam a êste outro argumento pueril na sua essência, qual seja o da
inoportunidade da medida.
Ora, Sr. Presidente, não iremos repetir aqui todo o elenco, tôda a gama de argu-
mentos em favor da anistia. Têm êles sido repetidos ao longo dêstes anos, e, neste curto
espaço que nos cabe, melhor será que nos restrinjamos à análise dos dois argumentos, os
dois últimos que são usados para negar a anistia.
Sr. Presidente, se verdade fôra que a anistia constitui um ‘bill’ de indenidade, ela
se chocaria com tôda a tradição, com todo o exemplo histórico que ao longo do tempo
tem ocorrido no Brasil.

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518 Casimiro Neto

Antes da Independência, dois decretos de anistia foram aprovados neste País


depois da Independência e até a República, 17 decretos de anistia foram aprovados
neste país da República até 1930, 20 decretos de anistia foram aprovados neste País
após 1930, e até a Constituição de 1946, 20 novas leis a respeito de anistia foram
aprovadas; posteriormente a 1946, até 1963, 8 decretos de anistia foram aprovados. E
ainda hoje momentos antes de votarmos êste decreto, um decreto de anistia eleitoral foi
votado nesta Casa.
Ora, Sr. Presidente, alguns daqueles que sobretudo a partir de 1946 manifesta-
ram em determinados instantes o seu compromisso com a anistia estão explicitados entre
os autores de projetos de anistia. O Sr. Getúlio Moura apresentou em 1946 um projeto
de anistia; também os Srs. Alfredo Sá, Gregório Bezerra, Guaracy Ferreira, Custódio
Ferreira, Café Filho, Alfredo Sá, Bias Fortes, Flôres da Cunha, João Mangabeira, Rui
de Almeida, Euclides Figueiredo, o nobre Deputado João Roma, o nobre Deputado
Arnaldo Cerdeira, Mendonça Júnior, Sérgio Magalhães, Vieira de Melo, Luiz
Tourinho, Jorge de Lima, Sérgio Magalhães, Ulysses Guimarães, Manuel Barbuda,
Clóvis Mota, Pereira Lima e Moisés Pimentel, até 1964. Vale dizer, portanto, Sr.
Presidente e Srs. Parlamentares, que em tempo algum, em época nenhuma, neste
País, se considerou a anistia como um processo que ao invés da pacificação – que é o
objetivo – representasse um ‘bill’, uma ordem, uma autorização para a impunidade
ou para a indenidade.
Resta-nos considerar o argumento da inoportunidade, que parece estar sendo a
tônica de todos aquêles que combatem êste projeto.
Ora, Sr. Presidente, alegam os que assim raciocinam que a anistia não se concede
quando aquêles que se pretendem anistiar ainda se encontram em processo de agitação
política.
Devo lembrar a êsses que o Decreto de 5 de setembro de 1896, sancionando ato
do Congresso Nacional, relacionou-se com pessoas que tivessem participado de movi-
mento até 4 de setembro, ocorridos no Estado de Sergipe. Tal decreto, repito, é de 5 de
setembro de 1896. O Decreto 2.280, de 25 de novembro de 1910, preconizava anistia
aos insurretos de posse dos navios da Armada Nacional que se submetessem às autori-
dades constituídas dentro do prazo marcado. O Decreto de 18 de setembro de 1822,
primeiro gesto de D. Pedro I e José Bonifácio, foi baixado anistiando os que apoiassem
a causa da Independência; os que continuassem a combatê-la deveriam sair do lugar
onde residissem dentro de trinta dias, e do Brasil dentro de quatro meses. O Decreto 69
, de 29 de março de 1841, autorizou o Presidente da Província de São Pedro, no Rio
Grande do Sul, a concedê-la aos envolvidos na revolução ali ocorrida que se tornassem
dignos da clemência imperial e depusessem as armas. O Decreto 392, de 20 de novem-
bro de 1844, autorizou o Presidente da Província do Maranhão a concedê-la aos
rebeldes daquela província que se apresentassem na Comarca do Brejo. O Decreto 576-
A, de 1849, autorizou o Presidente da Província de Pernambuco a concedê-la aos
revolucionários que se apresentassem e que depusessem as armas. Em tôdas essas opor-
tunidades foi a anistia concedida em pleno processo de sublevação.
(...) Mas, se isso não bastasse, Sr. Presidente, se êsses exemplos históricos não
fôssem suficientes para testar a validade do argumento da inoportunidade, lembraria

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A Construção da Democracia 519

que no dia 1º de abril de 1964, exatamente nesse dia esta Casa, em sessão matutina,
votava um projeto concedendo anistia.
(...) Repetir-se-á, como aqui fêz o ilustre Monsenhor Arruda, que os estudantes
não desejam a anistia, que os estudantes não a querem, que os estudantes a abomi-
nam. Os estudantes, Sr. Presidente, como todos aquêles que se engajam numa luta,
que participam de um processo político condicionados apenas pelo idealismo, abomi-
nam a clemência, o esquecimento da culpa e têm como apanágio sustentar a posição
que tomaram.
(...) Há dois meses, Sr. Presidente, 100 mil pessoas saíram às ruas na Guanabara;
essas 100 mil pessoas formaram uma comissão de seis pessoas, que aqui estiveram com
o Presidente da República. E, nessa conversa, disseram ao Presidente que sairiam
noutra passeata se os que estivessem presos não fôssem libetados. A resposta do Presi-
dente da República, manifestada em todos os jornais, foi a de que não poderia soltá-los,
porque se encontravam ‘sub judice’.
(...) Sei, Sr. Presidente, que é muito difícil termos um Congresso livre num país
em que o povo não é livre, em que o povo é escravo, em que o povo ainda não alcançou
a sua emancipação. (Muito bem. Palmas.) Sei disso, Sr. Presidente, mas tenho a con-
vicção, tenho a certeza de que dia virá em que êsse povo se libertará e, nesse dia, essas
instituições, entre as quais se insere o Congresso Nacional, hão de projetar esta liberda-
de em cada uma de suas manifestações. Neste instante, Sr. Presidente, quero com hu-
mildade, mas com absoluta sinceridade, firmar meu compromisso, perante a História,
com êsse futuro: no dia em que êste povo se emancipar, hei de juntar a minha voz, esteja
eu onde estiver, num apêlo pela anistia aos que hoje oprimem êste País. (Muito bem;
muito bem. Palmas prolongadas. O orador é abraçado”. Grifado pelo compilador.
O projeto é submetido a votos sendo rejeitado. No dia 30 a Universida-
de de Brasília é invadida e a Universidade Federal de Minas Gerais é fechada
após intervenção da polícia.

2 de setembro de 1968. Plenário. Pronunciamento do Deputado Márcio


Emmanuel Moreira Alves (MDB-GB) no “Grande Expediente” com o seguinte
teor: “Senhor Presidente, um defeito no microfone me impeliu hoje para a direita.
Antes de começar o meu discurso, desejaria ler a nota que jornalistas credenciados
junto à Câmara dos Deputados lançaram sôbre os acontecimentos da Universidade de
Brasília. “Os jornalistas credenciados junto à Câmara dos Deputados, por intermédio
de seu comitê de imprensa, condenam, com tôda a veemência, a invasão policial-mili-
tar da Universidade de Brasília. Ao se solidarizarem com os universitários brasileiros,
a sua justa repulsa aos atos de brutalidade e de agressão à pessoa humana, expressam,
sobretudo, a confiança de que os autores do inominável atentando sejam exemplarmen-
te punidos: mandantes e mandatários. Brasília, 2 de setembro de 1968. – Almyr
Gajardoni, Presidente”.
Sr. Presidente, longamente preparei para hoje uma análise dos projetos e dos
estudos da reforma da Universidade brasileira, feitos pelo Governo brasileiro. Havia
preparado o trabalho no pressuposto de que o Governo Federal e a Liderança da Mai-
oria estavam interessados em efetivamente debater e realizar a reforma universitária.

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520 Casimiro Neto

As contínuas violências praticadas contra estudantes e contra as universidades tornam


inteiramente impossível qualquer debate sobre a reforma do ensino superior. A fotogra-
fia que ontem publicou o Jornal do Brasil – a bota de um miliciano arrombando um
laboratório da Universidade de Brasília – é o exato retrato da política universitária
deste Governo. As atrocidades cometidas Quinta-feira, nesta cidade, a nova invasão da
Universidade na noite de ontem, com a prisão de estudantes e professôres, inclusive
com a detenção, durante algum tempo, do filho do Governador do Ceará, que a Brasília
chegara no avião do Ministro das Minas e Energia apenas na véspera, demonstram
que este Govêrno tem como política para o programa do ensino superior exterminar os
universitários e destruir a Universidade. Ouço V. Exa. Deputado Chagas Rodrigues.
O Sr. Chagas Rodrigues – Nobre Deputado, o simples fato de não haver a Presi-
dência da República afastado o Diretor do Departamento de Polícia Federal e o Co-
mandante da Polícia Militar de Brasília, sem falar no Ministro da Justiça, o simples
fato de essas autoridades continuarem no exercício dos cargos está a demonstrar que o
Sr. Presidente da República não quer apurar coisa alguma. Ao contrário, S. Exa., ao
que tudo indica, é solidário com o crime monstruoso perpetrado quinta feira. É preciso
assinalar que enquanto V. Exa. profere esse discurso, enquanto outros Srs. Deputados
falam no Grande Expediente e na Ordem do Dia, vemos a cadeira da liderança do
Governo inteiramente vazia. Não há líder, nem Vice-Líder, ninguém, e este País cami-
nha sabe Deus para onde.
O Sr. MÁRCIO MOREIRA ALVES – Nobre Deputado Chagas Rodrigues, sau-
damos, como um aparecimento raro e talvez alvissareiro, a presença no Plenário do
nobre Líder Ernâni Sátyro. Na sexta-feira passada, a Liderança do Governo, em face
do clamor de tôdas as classses, das mães, das esposas, da Associação Comercial, dos
mestres, para não dizer já da Ordem dos Advogados, dos estudantes e dos políticos, que,
contra a brutalidade cometida na Universidade, se levantava, deixou naquela cadeira
um Vice-Líder completamente desinformado, em desrespeito, não à Oposição, mas à
Maioria do seu próprio Partido, que, pelos microfones e pelos manifestos externou com
coragem e altivez o seu protesto contra aquêles atos de vandalismo. Creio que o fato de
o Sr. Líder da ARENA ter estado no Congresso durante duas horas de sessão e aqui
haver aparecido apenas à porta do Plenário e dêle ràpidamente se retirado, sem sequer
dar ao seu companheiro, no exercício da Liderança de plenário, as informações das
conversas que tivera no Palácio do Planalto, demonstra tão-sómente o desapreço do
Executivo para com esta Casa e para com a sua própria Liderança nesta Casa que,
indo ao Palácio do Planalto para informar-se, sequer conseguiu avistar-se com o
Presidente da República, limitando seus contatos ao Chefe da Casa Militar, Jaime
Portela.
Mas a Nação reclama, para sua tranquilidade, a adoção de providências concre-
tas e urgentes. Ninguém mais está disposto a aceitar as meras declarações oficiosas de
que, sôbre o massacre de Brasília, será aberto rigoroso inquérito – e abro aqui um
parêntesis para saudar a nova ausência do Líder Ernani Sátyro do plenário.
Todos conhecemos a espécie de rigoroso inquérito que êste Govêrno abre sôbre os
criminosos que em suas fileiras se abrigam. O IPM, aberto em Pernambuco pelo Gene-

Sem título-4 520 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 521

ral Antônio Carlos Muricy, sôbre torturas de presos políticos, concluiu que havia tortu-
rados, mas não apurou os torturadores.
Seus nomes, é bem verdade, são conhecidos no Brasil inteiro. São conhecidos,
também, no Ministério do Exército, que promove os torturadores, uma vez que no Bra-
sil de hoje torturar um prêso inerme parece ser motivo de promoção na outrora honrada
e gloriosa carreira militar.
Mas, no inquérito do IPM, os que quebraram as costelas e as vértebras de Wardyr
Ximenes não foram apontados, nem aquêles que torturaram e seviciaram centenas de
outros prisioneiros.
No Rio de Janeiro, como disse o Deputado Hermano Alves, apurou-se que Edson
Luís de Lima Souto fôra fuzilado pela Polícia Militar, apuraram-se os nomes dos
fuzilantes, mas não se tomou nenhuma providência para puní-los.
Quando ficou demonstrada a tortura dos irmãos Ronaldo e Rogério Duarte,
apressou-se o então general comandante da Vila Militar a negá-la. Posteriormente, um
inquérito foi ralizado por ordem do Ministro de Exército, quando já os nomes de alguns
dos torturadores e os números das viaturas utilizadas eram conhecidos da Polícia. Que
resultou do “rigoroso inquérito”, se é que houve? Simplesmente o envio ao Senado
Federal de uma mensagem nomeando para Embaixador nas Guianas o General José
Horácio da Cunha Garcia, que tão afoitamente se preocupara em tachar de mentiro-
sos os que apontavam as torturas e negar a sua própria existência. Se punição houve
– e parece que o Coronel Goulart Câmara realmente foi punido com uma prisão
domiciliar de trinta dias – foi ela guardada no sigilo dos documentos secretos do
Exército Nacional.
Portanto, o que nesses quatro anos nós aprendemos a esperar dos “rigorosos in-
quéritos” é que êles garantam apenas a rigorosa impunidade dos criminosos que ser-
vem ao Govêrno. (Muito bem). E mais: aprendemos também a saber que fazer passea-
tas, fazer greves, participar de congressos da UME ou da UNE é ser enquadrado na
Lei de Segurança Nacional, mas jogar bombas, assaltar bancos, matar soldados é ser
encaminhado à justiça civil. Êste foi o tratamento que, por serem extremistas de direita,
os terroristas aprisionados em São Paulo tiveram por parte dêste mesmo Govêrno.
O Sr. Cid Carvalho – V. Exa. Permite um aparte?
O Sr. MÁRCIO MOREIRA ALVES – Um momento só, nobre Deputado Cid
Carvalho.
Mas o desvêlo do Govêrno para com os terroristas que com seus ideais comungam
é de tal ordem, que chegou a ordenar que os terroristas presos em São Paulo saissem do
DOPS e das prisões com um capuz na cabeça, para que não fôssem fotografados e para
que a imprensa não apontasse ao povo as suas fisionomias.
Ouço V. Exa., nobre Deputado Cid Carvalho, com muito gôsto.
O Sr. Cid Carvalho – Nobre Deputado Márcio Moreira Alves, V. Exa. pôde
presenciar, por ocasião da invasão da Tcheco-Eslováquia, a irrupção de revolta contra
aquela atitude despótica, por parte de diversos membros da ARENA. Naquele momen-
to, todos nós, que compomos a bancada da Oposição, viemos à tribuna para denunciar
aquela atitude, e denunciávamos porque, coerentemente, nos achamos, no plano inter-

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522 Casimiro Neto

no, engajados também numa luta contra o despostismo e pela restauração democrática
neste País. V. Exa. deve ter ouvido, em cochichos, diversas lamúrias de companheiros
da ARENA sôbre o quadro atual da vida brasileira. Ainda há pouco subia comigo no
elevador um parlamentar da ARENA, que, apavorado, me dizia, “O País está mar-
chando para o caos. Há um plano premeditado de marcha para a ditadura”. Mas o
que até, nobre Deputado, temos o direito de exigir é que os companheiros, aqui, dessa
Bancada ausente, sintam que têm o dever de lutar pela própria sobrevivência e que a
lamúria não há de ser a contribuição que êles possam dar para que o País saia dêsse
processo obscuro e realmente revoltante que atravessa neste momento. É verdade que
diversos parlamentares da ARENA não aceitaram a mera condição do silêncio e da
lamúria. Mas precisa muito mais.
É preciso que o clamor de todos os setores – e V. Exa. fala nos setores intelectuais,
de jornalistas, de professôres – é preciso que o clamor, nesta Casa, ultrapasse, de muito,
os limites de uma facção.
A ARENA, como um conjunto, pelos seus Parlamentares, está desafiada: ela que
se sensibilizou tanto pela posição brutal da União Soviética, ao invadir a Tcheco-
Eslováquia, tem de se sensibilizar mais e muito mais, quando aqui, internamente e tão
perto de nós, um processo muito mais brutal é usado, do que naquele longínquo rincão
da Europa. Era o aparte que queria dar a V. Exa.

O Sr. MÁRCIO MOREIRA ALVES – Agradeço a V. Exa., nobre Deputado Cid


Carvalho.
Quero dizer que, realmente, vi, com grande alegria e esperança, inúmeros Par-
lamentares da ARENA se manifestarem contra o vandalismo, o crime oficializado na
Universidade de Brasília. Neste plenário mesmo vejo dois nobres Deputados com os
quais tive a honra de assinar, juntamente com outros membros da Comissão de Educa-
ção e Cultura, desta Casa, um documento de protesto. Agora, é certo, como se pronun-
ciaram até hoje têm a estrita obrigação, não apenas para com os mandatos que cum-
prem, mas para com os filhos e os netos que têm, de também lançarem seu protesto. A
Nação inteira já disse “basta” a êsses crimes oficiais. Nesta Casa só tinham coragem de
defendê-los os líderes e vice-líderes da bancada governista. Hoje nem êles têm essa
coragem. Preferem fugir do plenário, preferem deixar vazia a cadeira da liderança.
Mas, embora sem ter na Casa a presença do líder do Govêrno, creio indispensá-
vel apresentar a essa liderança algumas perguntas claras, concretas e objetivas: – 1ª)
Foram ou não as autoridades do Departamento de Polícia Federal que tomaram a
iniciativa de invadir o campus da Universidade de Brasília? 2ª) Tiveram ou não essas
autoridades a cobertura de unidades da Polícia Militar e do Exército? 3ª) Foram ou
não as tropas de assalto comandadas pelos Generais Cupertino Bretas Durão e Dionisio
do Nascimento? 4ª) Está ou não o Departamento de Polícia Federal subordinado ao
Ministério da Justiça? 5ª) Pode o Ministro da Justiça recusar-se, impunemente, a assu-
mir a responsabilidade por ato praticado pelos seus inferiores hierárquicos? 6ª) Quem
são os responsáveis pelas notas oficiais publicadas a 30 de agosto em nome do Departa-
mento de Polícia Federal, na imprensa falada e escrita, e que contêm, além de inume-
ráveis mentiras sôbre fatos, insultos ao Reitor da Universidade de Brasília e a parla-

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A Construção da Democracia 523

mentares? 7ª) Sente-se o Govêrno solidário com o teor dessas notas? Se não estiver com
elas solidário, quais as medidas e quando pretende tomá-las para punir os responsáveis
por essa tentativa de ludibriar a opinião pública e por injúria a autoridade do Exército
e a membros do Congresso Nacional? 8ª) Pretende o Govêrno, no caso de instaurar o
tradicional “rigoroso inquérito”, adotar a norma geral de Direito Administrativo que
manda afastar de seus cargos as autoridades sob suspeita, enquanto o inquérito não fôr
concluído?
E, finalmente, a última pergunta, a que todos fazem nesta Casa, nas ruas, por
tôda parte: quando será estancada a hemorragia da Nação? Quando pararão as tro-
pas de metralhar na rua o povo? Quando uma bota, arrebentando uma porta de labo-
ratório, deixará de ser a proposta de reforma universitária do Govêrno? Quando tere-
mos, como pais, ao ver os nossos filhos saírem para a escola, a certeza de que êles não
voltarão carregados em uma padiola, esbordoados ou metralhados? Quando podere-
mos ter confiança naqueles que devem executar e cumprir as leis? Quando não será a
polícia um bando de facínoras? Quando não será o Exército um valhacouto de tortura-
dores? Quando se dará o Govêrno federal, a um mínimo de cumprimento de dever,
como é para o bem da República e para tranquilidade do povo?
O Sr. Mariano Beck – a presença de Vossa Excelência nesta tribuna, tratando
dos crimes na Universidade de Brasília, enseja-nos a oportunidade de transcrever nos
Anais desta Câmara um manifesto ontem divulgado pelo ‘Correio Braziliense’, de mães
e espôsas de Brasília, que se constitui, sem dúvida alguma, num dos mais dramáticos
documentos que se possa ler em tôrno dêsses dolorosos acontecimentos. Para que conste,
nobre Deputado, dos Anais da Câmara, peço licença a V. Exa. para lê-lo neste instante.
O Sr. MÁRCIO MOREIRA ALVES – Com o maior prazer.
O Sr. Mariano Beck –
‘As Mães e Espôsas de Brasília sentem chegada a hora de tornar público a sua
aflição e o seu repúdio pelas cenas de selvajaria e inominável violência que mais uma
vez ensangüentaram a Universidade de Brasília. Além das costumeiras prisões, foi
gravemente atingido a tiros o estudante Waldemar Alves da Silva, terceiranista do
Curso de Engenharia Mecânica.
O que nós Mães e Espôsas sempre desejamos é sòmente ver nossos filhos e maridos
estudando e trabalhando em paz e segurança, dentro de um Brasil capaz de atender
aos reclamos de uma juventude idealista e inteligente. No entanto o que vemos neste
grave instante nacional é justamente o oposto, isto é, tôdas as formas de brutalidade e
violência utilizadas contra jovens desarmados em massacres que contrariam nossas
mais caras tradições.
Exigimos, para a pacificação dos espíritos, a abolição definitiva de qualquer
forma de agressão contra os nossos filhos e espôsos, a eliminação do estado de insegu-
rança que também nos atinge – denunciado ao País em Manifesto pelos próprios
professôres da UNB aos quais somos muito gratos – e a realização de um inquérito
minucioso para a apuração das responsabilidades. Nossa luta é pela construção de um
Brasil melhor mais humano e mais justo.
Brasília, 31 de agosto de 1968.

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524 Casimiro Neto

Assina: Ana Laura Machado, Lila Gomes Covas e mais cento e sessenta e oito
senhoras’.
Como disse Vossa Excelência, para honra nossa, entre as assinaturas dêste mani-
festo consta um número enorme das de espôsas de colegas nossos, de homens da Lide-
rança da ARENA, que certamente condenam, como nós todos, a selvageria cometida
Quinta-feira passada.
O Sr. MÁRCIO MOREIRA ALVES – Agradeço a V. Exa. nobre Deputado, o
aparte.
Sr. Presidente, é bem verdade que a Liderança do Govêrno, nesta Casa, tornou-
se clandestina. Parece que o nobre Líder do Govêrno e seus Vice-Líderes, ou perderam
seus mandatos, ou perderam as suas falas. Mas, apesar disso, apesar dêste deserto que,
na primeira bancada do Plenário, pode ser constatado, tôdas as perguntas que faço são
objetivas e concretas. Não podem elas ter respostas com opiniões ou com a desinformação
que temos o costume, infelizmente para nós e para a dignidade do Congresso Nacional,
de ver por parte da Liderança do governista. Conforme as respostas que a elas forem
dadas por atos, por fatos, poderemos avaliar as verdadeiras intenções do Executivo.
Poderemos saber se êste Govêrno deseja realmente ser um instrumento de respeito às leis
e até aos direitos humanos mais comezinhos, ou deseja, pelo contrário, declara-se defi-
nitivamente um bando armado, que pela fôrça da opressão, mantém o poder e que no
poder deseja ficar apenas para de suas vantagens usufruir.
Conforme as respostas, conforme a definição que dêstes episódios teremos dêste
Executivo, poderá o povo brasileiro, poderemos todos nós que clamamos por paz, mas,
sobretudo, por justiça, tomar a medida do nosso futuro e saber o que neste futuro nos
espera: se a lei cumprida por quem deve cumprí-la ou se a lei imposta por nós mes-
mos. (Muito bem; muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado.)”. Grifado pelo
compilador.

3 de setembro de 1968. Plenário. Pequeno Expediente. O Deputado


Márcio Emmanuel Moreira Alves (MDB-GB) faz um pronunciamento (curta
manifestação no denominado “pinga fogo”, brevíssima fala para comunica-
ção) com o seguinte teor: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, todos reconhecem, ou
dizem reconhecer, que a maioria das Fôrças Armadas não compactua com a cúpula
militarista que perpetra violências e mantém êste País sob o regime de opressão. Creio
haver chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande momento da união pela
democracia. Êste é também o momento do boicote: as mães brasileiras já se manifesta-
ram; tôdas as classes sociais clamam o seu repúdio à violência. No entanto isso não
basta. É preciso se estabeleça, sobretudo por parte das mulheres, como já se começou a
estabelecer nesta Casa por parte de mulheres de parlamentares da ARENA, o boicote ao
militarismo. Vem aí o 7 de setembro. As cúpulas militaristas procuram explorar o sen-
timento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem juntos com
os algozes dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe se compenetrasse de
que a presença de seus filhos nesse desfile é um auxílio aos carrascos que os espancam e
os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicotasse êste desfile. Êste boicote pode
passar também – sempre falando de mulheres – às moças, àquelas que dançam com os

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A Construção da Democracia 525

cadetes e namoram os jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje no Brasil, com que as
mulheres de 1968 repetissem as paulistas da guerra dos Emboabas e recusassem a
entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam a Nação, recusassem aceitar
aquêles que silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adian-
ta. Necessário se torna agir contra os que abusam das Fôrças Armadas, falando e
agindo em seu nome.
Creio Sr. Presidente, que é possível resolver esta farsa, esta ‘democratura’, êste
falso entendimento, pelo boicote. Enquanto não se pronunciarem os silenciosos, todo e
qualquer contato entre civis e militares, deve cessar, porque só assim conseguiremos
fazer com que êste País volte à democracia. Só assim conseguiremos fazer com que os
silenciosos, que não compactuam com os desmandos dos seus chefes, sigam o magnífico
exemplo dos 14 oficiais de Crateús, que tiveram a coragem e a hombridade de,
públicamente, se manifestarem contra um ato ilegal e arbitrário dos seus superiores.
(Muito bem.)”. Grifado pelo compilador.
Este pronunciamento passa despercebido dentro da Casa, sem maiores
comentários, e no sumário do Diário da Câmara dos Deputados, suplemento
ao nº 154, é apenas registrado como: “MÁRCIO MOREIRA ALVES – Momento
da união pela democracia”.
As denúncias feitas, no Plenário da Câmara dos Deputados, pelo Depu-
tado Márcio Emmanuel Moreira Alves (MDB-GB) incomodam os agentes ci-
vis e militares engajados na repressão e aos que não concordam com os cami-
nhos que estão sendo traçados pelos denominados “revolucionários de 31 de
março”. O pronunciamento realizado na sessão do dia 9 de fevereiro de 1968
é um outro exemplo de denúncia feita pelo referido parlamentar quando
trata, também, de reforma agrária e das condições dos trabalhadores da Zona
da Mata, em Pernambuco.

5 de setembro de 1968. O Ministro do Exército, General-de-Exército


Aurélio de Lyra Tavares (PB), envia a Exposição de Motivos nº 01 – Confi-
dencial –, ao Presidente da República Arthur da Costa e Silva (RS) com o
seguinte teor:
“Nº 01 BRASÍLIA, DF, 05 DE SET DE 1968.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA
1. O Deputado Federal MÁRCIO MOREIRA ALVES, em sessão de 2 do corrente,
falando a respeito dos lamentáveis e tristes acontecimentos ocorridos na Universidade de
Brasília, no seu legítimo direito de adversário do Govêrno, formulou, em têrmos textuais,
a seguinte pergunta: ‘Quando o Exército não será um valhacouto de torturadores?’
O mesmo deputado, na sessão do dia 3 do corrente, verberando as violências
praticadas na Universidade de Brasília, ainda sob o clima emocional por elas gerado,
antes, mesmo, que fossem apuradas as causas e os responsáveis, assim se pronunciou:
‘Vem aí o 7 de setembro. As cúpulas militares procuram explorar o sentimento
profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem junto aos algozes
dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe se compenetrasse de que a
presença de seus filhos nessse desfile é um auxílio aos carrascos que os espancam e os

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526 Casimiro Neto

metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicotasse êste desfile. Êste boicote pode
passar também – sempre falando de mulheres – às moças, às namoradas, àquelas que
dansam com os cadetes e frequentam os jovens oficiais’.
2. Embora os referidos conceitos, de caráter e de responsabilidade pessoal do
deputado em apreço, no uso da liberdade que lhe é assegurada pelo regime instituido
com a Revolução de março, não exprimam o pensamento da Câmara mais represen-
tativa do Povo Brasileiro, na sua dignidade intangível e na respeitabilidade do seu
próprio decôro, é de considerar-se a ressonância com que êles ecoam no seio do Exér-
cito. Porque é êle uma Instituição Nacional que se destina, precisamente, e por jura-
mento de fidelidade, à defesa do regime e das Instituições Nacionais, entre as quais se
destaca o Congresso Nacional, pelo papel essencial que lhe cabe no fortalecimento da
democracia.
3. Está certo o Exército de que dentro da harmonia e da Independência dos
Poderes Constituidos (Art 6 da Constituição do Brasil), que as Fôrças Armadas têm a
missão constitucional de garantir (Art 92 da Constituição), a coibição de tais violênci-
as e agressões verbais injustificáveis contra a Instituição Militar constitui medida de
defesa do próprio regime, sobretudo quando parecem obedecer ao propósito de uma
provocação que só poderia concorrer para comprometê-lo.
4. A despeito da gravidade evidente das ofensas dirigidas pelo Deputado MÁRCIO
MOREIRA ALVES e do sentimento de repulsa com que elas ainda mais uniram os
militares, como integrantes de uma instituição a que tanto já deve a democracia brasi-
leira, o Exército continua empenhado em contê-las dentro da disciplina e da serenidade
das suas atitudes, obediente ao Poder Civil e confiante nas providências que Vossa
Excelência julgue devam ser adotadas.
Aproveito a oportunidade para apresentar a Vossa Excelência os meus protestos
de elevada estima e distinta consideração.
Assina: Aurélio de Lyra Tavares”. Grifado pelo compilador.
Após conhecimento do Presidente da República Marechal Arthur da
Costa e Silva (RS), o mesmo despacha, em 9 de setembro, ao Ministro da
Justiça Luís Antônio da Gama e Silva (SP), para conhecer e tomar as provi-
dências cabíveis.
Em 10 de setembro de 1968, é expedido o Aviso nº 26/68, confidencial,
do Chefe do Gabinete Militar, General-de-Brigada Jayme Portella de Mello
(PB), ao Ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva (SP), com o seguin-
te teor: “Senhor Ministro
Exposição de Motivos nº 01 – CONFIDENCIAL, de 5 do mês em curso em que
o Exmo Sr Ministro do Exército transcreve conceitos altamente ofensivos ao Exército,
emitidos pelo Deputado MARCIO MOREIRA ALVES, para as providências que o
Excelentíssimo Senhor Presidente da República julgar devam ser adotadas.
Tenho a honra de transmitir a V Exa o mencionado expediente, à vista do despa-
cho nele exarado por sua Excelência o Senhor Presidente:
‘Ao Exmo Sr Ministro da Justiça para conhecer e tomar as providência cabíveis,
no caso’.

Sem título-4 526 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 527

Aproveito a oportunidade para apresentar a V Exa os meus protestos de alta


estima e distinta consideração.
Assina: Gen Bda JAYME PORTELLA DE MELLO – Chefe do Gabinete Mili-
tar da Presidência da República”. Grifado pelo compilador.
19 de setembro de 1968. É expedido o Aviso nº 002/MIN C.037, do
Ministro da Aeronáutica, Marechal-do-ar Márcio de Souza e Mello (SC), con-
fidencial, ao Ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva (SP), com o
seguinte teor: “Senhor Ministro: Venho dirigir-me a Vossa Excelência, para expres-
sar a repercussão negativa e altamente indesejável que pessoalmente e os integrantes
da Fôrça Aérea Brasileira experimentamos ao conhecer as considerações profunda-
mente ofensivas às Fôrças Armadas emitidas pelo Deputado Federal Márcio Moreira
Alves nas sessões realizadas nos dias 2 e 3 do corrente mês.
2. Estou convicto que a Vossa Excelência não passa desapercebida a repercus-
são desagradável das ofensas gratuitas dirigidas à coletividade militar que, fiel aos
preceitos constitucionais, espera de Vossa Excelência as providências legais capazes
de coibir a repetição das agressões verbais que deliberadamente visem tentar
amesquinhá-la.
3. Permito-me acrescer que o Excelentíssimo Senhor Ministro do Exército deu-
me conhecimento, por ocasião de um dos entendimentos pessoais que mantemos, da
Exposição de Motivos por êle encaminhada a Sua Excelência o Senhor Presidente da
República e cujos conceitos plenamente coincidem com os meus próprios.
Aproveito a oportunidade para apresentar a Vossa Excelência os protestos de
elevada estima e distinta consideração.
Assina: MÁRCIO DE SOUZA E MELLO – Ministro da Aeronáutica”. Grifado
pelo compilador.

28 de setembro de 1968. É expedido o Aviso nº 2913, Confidencial, do


Ministro da Marinha, Almirante-de-Esquadra Augusto Hamann Rademaker
Grünewald (RJ), ao Ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva (SP),
com o seguinte teor: “Senhor Ministro – Tomei conhecimento da Exposição de Mo-
tivos Nº 01, de 5 de setembro de 1968 (CONFIDENCIAL), do Exmº Sr. Ministro do
Exército ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República com a qual estou de acôrdo.
Em seu pronunciamento de 3 do corrente o Deputado Federal MÁRCIO MOREIRA
ALVES com o trecho “Vem aí o 7 de setembro. As cúpulas militares procuram explorar
o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem junto
aos algozes dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe se compenetrasse
de que a presença de seus filhos nêsse desfile é um auxílio aos carrascos que os espan-
cam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicotasse êste desfile. Êste boicote
pode passar também – sempre falando de mulheres – às moças, às namoradas que
dançam com os cadetes e frequentam os jovens oficiais”, ofende as Fôrças Militares em
têrmos subversivos e inaceitáveis.
Tornaram-se hábito para êsse Deputado, como pode ser constatado através dos
seus pronunciamentos, as ofensas as Fôrças Armadas e as tentativas de conflitá-las com
o povo com intenção nítida de atentar contra a ordem democrática.

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528 Casimiro Neto

Afim de coibir tais abusos e violências verbais contra os órgãos que devem defen-
der a Pátria e garantir os Poderes constitucionais a Lei e a Ordem me parece ser o
Deputado Federal MARCIO MOREIRA ALVES, passível de enquadramento no Art.
151, da Constituição do Brasil.
Aproveito a oportunidade para renovar a V. Exª. os protestos de minha alta
estima e distinta consideração.
Assina AUGUSTO HAMANN RADEMAKER GRUNEWALD – MINISTRO
DA MARINHA”. Grifado pelo compilador.
29 de setembro de 1968. Maracanãzinho. III FIC (Festival Internacio-
nal da Canção). Apresentador Hilton Gomes. O cantor Geraldo Vandré le-
vanta a multidão com a música “Caminhando – Pra Não Dizer Que não Falei de
Flores”. No texto da canção conclama: “Vem, vamos embora, que esperar não é
saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer. Pelos campos, há fome, em grandes
plantações. Pelas ruas marchando indecisos cordões. Inda fazem da flor seu mais forte
refrão. E acreditam nas flores, vencendo o canhão”. A canção de protesto é classifi-
cada em segundo lugar, sob as vaias do público, que a queriam em primeiro.
O compositor sai do festival consagrado como a grande voz da juventude
brasileira. Para o Governo Militar torna-se um inimigo a ser calado. Em pou-
co tempo, “Caminhando” é censurada e os compactos com a música, lançados
logo após o festival, recolhidos. Com a edição do AI-5, em dezembro, o com-
positor entra na clandestinidade e se exila no Chile.
2 de outubro de 1968. È expedido o Aviso nº 01486-B, Confidencial,
do Ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva (SP), ao Procurador-
Geral da República Decio Meirelles de Miranda, com o seguinte teor: “Senhor
Procurador-Geral – Tendo o Senhor Deputado Márcio Moreira Alves, nos dias 2 e 3
de setembro próximo passado, proferido, da tribuna da Câmara dos Deputados, dois
discursos altamente ofensivos às Fôrças Armadas e com evidente intuito de desmorali-
zá-las, visando a atentar contra a ordem democrática e às instituições nacionais, o
Excelentíssimo Senhor Ministro do Exército representou ao Excelentíssimo Presidente
da República, solicitando providências sôbre o problema criado, tendo sua Excelência a
mim remetido o expediente para os necessários estudos e providências aplicáveis ao
caso.
2. Posteriormente, os Excelentíssimos Senhores Ministros da Marinha e da Ae-
ronáutica a mim se dirigiram, com o mesmo objetivo e, assim apoiando a atuação do
Excelentíssimo Senhor Ministro do Exército.
3. Procedi, então, a meticuloso estudo do problema e o subordinei à deliberação do
Excelentíssimo Senhor Presidente da República, concluindo pela aplicação ao referido
parlamentar da sanção política prevista no art. 151 da Constituição da República Fede-
rativa do Brasil, ou seja, a suspensão dos seus direitos políticos, pelo prazo de 10 (dez)
anos, a ser declarada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, mediante representação
do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, uma vez
que estava caracterizado o abuso do direito individual consagrado no § 8º do art. 150 da
mesma Constituição, com o objetivo de atentar contra a ordem democrática.

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A Construção da Democracia 529

4. Analizada minha exposição, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República


houve por bem aprová-la, como tudo consta do incluso expediente (Processo-Confidencial
nº 60.787/68, dêste Ministério), tornando-se, porém, necessária a prévia licença da
Câmara dos Deputados para a instauração do procedimento, consoante prescreve o pará-
grafo único do art. 151 da Constituição da República Federativa do Brasil.
5. Assim sendo, e em cumprimento ao respeitável despacho presidencial, tenho a
honra de me dirigir a Vossa Excelência, a fim de solicitar suas providências para que
seja feita aquela representação ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, com a finalida-
de já referida, cumpridas as exigências de estilo.
Aproveito-me de mais esta oportunidade para renovar a Vossa Excelência protes-
tos de alta estima e distinta consideração.
Assina: Luís Antônio da Gama e Silva – Ministro da Justiça”. Grifado pelo com-
pilador.

11 de outubro de 1968. Supremo Tribunal Federal. É protocolado re-


querimento do Procurador-Geral da República, Décio Meirelles de Miranda
com o seguinte teor: “EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO SU-
PREMO TRIBUNAL FEDERAL – O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA,
no uso de suas atribuições constitucionais, tendo em vista a aprovação do Excelentíssi-
mo Senhor Presidente da República à Exposição de Motivos GM/860-B do Excelentís-
simo Senhor Ministro da Justiça, vem representar contra o Deputado Federal Márcio
Moreira Alves, com fundamento no art. 151 e respectivo parágrafo da Constituição
Federal, pelas razões constantes do processo anexo e que se encontram amplamente
examinadas, nos aspectos de fato e de direito, na Exposição de Motivos acima mencio-
nada, que, juntamente com a documentação que a instrui, fica fazendo parte integran-
te da presente representação.
Requer, assim, que, autuada esta com o processo que a acompanha, de nº 60.787/68,
originário do Ministério da Justiça, seja solicitada à Câmara dos Deputados a necessá-
ria licença para o processamento do parlamentar inicialmente citado, prosseguindo-se
nos demais têrmos de direito.
Brasília, 11 de outubro de 1968 – Assina: Décio Miranda – Procurador-Geral
da República”. Grifado pelo compilador.
12 de outubro de 1968. Pela manhã, o XXX Congresso da UNE, que
está sendo realizado na ilegalidade em uma fazenda perto da cidade de Ibiúna-
SP, é invadido por 170 elementos da Força Pública do Estado de São Paulo e
30 do DOPS. Mais de setecentos estudantes são detidos e entre eles as princi-
pais lideranças do movimento. A repressão faz recuar o movimento estudan-
til e tem início o engajamento e entrada dos primeiros integrantes do movi-
mento na clandestinidade.
O Jornal “O Estado de São Paulo” do dia 13 de outubro destaca na pri-
meira página: “Prêsa cupula da ex-UNE – A detenção de 720 estudantes numa
fazenda perto de Ibiuna, efetuada ontem pela manhã, desarticulou a cúpula da ex-
UNE, e lançou um início de pânico no setor estudantil de esquerda. Estão detidos,
entre outros, Wladimir Palmeira, José Dirceu, Luís Travassos, Antônio Ribas, Edson

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530 Casimiro Neto

Soares, Paulo Sgeller, e Matta Machado, tendo-se como certa a prisão de todos os
presidentes das UEEs e representantes eleitos nos diferentes Estados da Federação”.
14 de outubro de 1968. Plenário da Câmara dos Deputados. O Depu-
tado Djalma Marinho Muniz Falcão (MDB-AL) faz seu pronunciamento onde
destaca a prisão de estudantes no Município de Ibiúna, interior do Estado de
São Paulo: “(...) Fui, Sr. Presidente, um daqueles que protestaram veemente contra a
invasão brutal do campus da Universidade de Brasília, e o fiz em consonância com a
maioria da Nação Brasileira, cuja consciência cívica repudiou aquêle ato de vandalis-
mo contra a Universidade da Capital da República.
Agora, Sr. Presidente, por uma questão até de coerência, de princípio e de cons-
ciência, venho a esta tribuna, neste momento nebuloso em que vivem as instituições
liberais do País, para, com a autoridade do meu passado de combatente, protestar
contra tôdas essas violências e condenar as arbitrariedades cometidas no último fim de
semana contra cêrca de mil universitários brasileiros que se reuniam pacificamente
numa cidade do interior do Estado de São Paulo.
Foi a intolerância do Govêrno, Senhor Presidente, no trato dos assuntos mais
sérios dos universitários brasileiros, que encurralou aquêles mil jovens patrícios numa
fazenda do interior paulista, e foi a certeza da impunidade que armou, mais uma vez,
o braço de policiais que se abateu sôbre os estudantes que se reuniam no interior de São
Paulo.
(...) Quero, levando, neste instante, mais uma vez a minha solidariedade aos
moços que, em todos os quadrantes do País, lutam, não pela implantação de um regime
de subversão, mas na defesa dos seus melhores ideais, que se confundem também com os
melhores ideais do povo brasileiro, externar sobretudo minha confiança no Congresso
Nacional, que, sendo o cérebro das decisões políticas dêste País, há de encontrar, pela
inteligência e pelo equilíbrio de seus componentes, uma saída honrosa para o impasse
institucional que está a se criar e que poderá levar o Brasil à noite tenebrosa de uma
ditadura sem entranhas, de uma ditadura que venha, finalmente, exterminar os últi-
mos alentos democráticos e liberais com que sonha o povo brasileiro (Muito bem.)”.
Grifado pelo compilador.

6 de novembro de 1968. Câmara dos Deputados. É protocolado o Ofí-


cio nº 773, da mesma data, do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís
Gallotti, ao Presidente da Câmara dos Deputados, José Bonifácio Lafayette
de Andrada, com o seguinte teor: “Senhor Presidente,
Dando cumprimento ao despacho proferido pelo Sr. Ministro Relator nos autos
da representação nº 786, do Sr. Procurador-Geral da República, venho solicitar, por
intermédio de V. Exa., o pronunciamento dessa Câmara sôbre se concede licença para
que o Deputado Márcio Moreira Alves responda ao processo de que tratam o art. 151
da Constituição e seu parágrafo único.
Acompanham êste ofício as cópias da representação e seu aditamento, dos docu-
mentos que lhe foram juntos, bem como do despacho acima referido.
Reitero a V. Exa. Protestos de elevada estima e mais distinta consideração.
Assina: Luiz Gallotti. – Presidente”. Grifado pelo compilador.

Sem título-4 530 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 531

O processo é despachado à Comissão de Constituição e Justiça no mes-


mo dia.
22 de novembro de 1968. É criado o Conselho Superior de Censura. E
aqui vale lembrar Max Gehringer quando diz que “(...) os ditadores, palavra lati-
na que significa ‘os que impõem sua própria voz’, constituem uma longa linhagem de
déspotas que vêm desde as catacumbas da História, e desenvolveram um elo de ligação
entre a primeira e a terceira fase da vida: mesmo adultos, teimam em não abrir mão das
benesses dos tempos da infância. Além disso, ignoram a quarta fase, por que ditadores
acreditam piamente que jamais envelhecerão, e enxergam seus súditos como adolescentes
rebeldes e conspiradores, que teimam em ficar discutindo as sábias imposições ditatoriais”.

10 de dezembro de 1968. 15 horas. Plenário da Comissão de Constitui-


ção e Justiça (CCJ). Clima tenso. No calor dos debates, conta-se que o Depu-
tado João Herculino de Souza Lopes (MDB-MG) vira a estatueta de Rui Bar-
bosa de Oliveira (BA) para o lado e diz: “Rui Barbosa está se envergonhando com
esta sessão”. Tem início a votação do parecer ao Ofício nº 773, de 1968, do
Supremo Tribunal Federal, solicitando licença para processar o Deputado
Márcio Emmanuel Moreira Alves (MDB-GB). Apurado o resultado em escru-
tínio secreto, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) concede a licença
por dezenove votos contra doze, o que é proclamado pelo seu presidente,
Deputado Djalma Aranha Marinho (ARENA-RN). Logo em seguida o mes-
mo lê declaração expondo seu ponto de vista e renunciando ao seu cargo de
presidente e de membro da Comissão. O ato de renúncia é seguido por ou-
tros parlamentares. Antes, em 30 de novembro, durante uma das reuniões da
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para apreciar o referido ofício, o
Deputado Djalma Aranha Marinho (ARENA-RN) já havia se manifestado pela
sua renúncia, mas atendendo aos apelos das lideranças da Aliança Renovado-
ra Nacional (ARENA) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), per-
maneceria até o final do exame da matéria em debate.
Na sessão plenária da Câmara dos Deputados do dia 10 de dezembro é
apresentado o Projeto de Resolução nº 82, de 1968, que concede licença para
processar o Deputado Márcio Emmanuel Moreira Alves (MDB-GB). É lido e
enviado à impressão, sendo publicado em suplemento ao Diário da Câmara
dos Deputados de 11 de dezembro de 1968.
12 de dezembro de 1968. 9 horas. 13ª Sessão da Câmara dos Depu-
tados, da convocação extraordinária. Sessão Extraordinária Matutina. Con-
ta-se que o clima era tenso. Debates nervosos, empurrões e ameaças que par-
tem de todos os lados. O microfone de apartes é atirado sobre o Presidente
da Câmara dos Deputados, José Bonifácio Lafayette de Andrada (ARENA-
MG), que está presidindo a sessão. Os deputados estão no Plenário para vo-
tar e estão sabendo de várias ameaças contra o Poder Legislativo. Alguns
proferem palavras de intimidação: “Não adianta. Os homens estão com a força.
Eles vão fechar o Congresso Nacional.”

Sem título-4 531 7/5/2004, 10:22


532 Casimiro Neto

O Presidente da Câmara dos Deputados José Bonifácio Lafayette de


Andrada (ARENA-MG) submete à votação do Plenário, em discussão única, o
Projeto de Resolução nº 82, de 1968, da Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) que tem como relator o Deputado Lauro Franco Leitão (ARENA-RS) e
que concede licença para processar o Deputado Márcio Emmanuel Moreira
Alves (MDB-GB). O projeto constou da pauta, em discussão única, no dia 11,
na sessão vespertina e na sessão noturna.
Falam para encaminhar a votação o Deputado Márcio Emmanuel
Moreira Alves (MDB-GB): “Sr. Presidente, Srs. Deputados, marcou-me o acaso para
que me tranformasse em símbolo da mais essencial das prerrogativas do Poder Legisla-
tivo. Independente do meu desejo, transmudaram-me no símbolo da liberdade de pen-
samento, expressa na tribuna desta Casa. Sei bem que a prova a que me submeteram
está muito acima de minhas fôrças e de minha capacidade. Mas transcendeu, a causa
que a Câmara julgará, à minha pessoa, ao meu mandato, aos partidos. É incômoda e
angustiante a posição que me tocou. Suporto-a sem temor, embora não merecesse a
honra de simbolizar a liberdade de tôda a Casa do Povo. As grandes causas exemplares,
que na vida das nações firmam as garantias da democracia, sempre ultrapassam os que
as tenham motivado.
A impessoalidade das conquistas do Direito é uma das mais belas realidades da
luta dos povos pela liberdade. O nome dos barões que, nas pradarias de Windsor,
fizeram o Rei João Sem Terra assinar a Magna Carta, perdeu-se nas brumas do tempo.
Mas o julgamento por jurados, o direito de os cidadãos de um país livremente atraves-
sarem as suas fronteiras, a necessidade de lei penal anterior e de testemunhas idôneas
para determinar uma prisão, continuam a ser um imorredouro monumento àqueles
homens e a todos os homens. Esqueceram as gerações modernas as violências de Henrique
VII da Inglaterra, porém tôdas as nações do Ocidente incorporaram às suas tradições
jurídicas a medida legal que durante seu reinado e contra êle firmou-se – o ‘habeas
corpus’. Até mesmo as decisões iníquas podem ser fonte de liberdade. Ninguém sabe ao
certo onde jazem os restos do escravo Dred Scott; contudo, a decisão que a Côrte Supre-
ma Norte-Americana tomou mantendo-o escravo, foi o estopim da libertação de todos os
negros da América do Norte.
Assim poderá ser, também, neste caso. Apagado o meu nome, apagados os nomes
de quase todos nós da memória dos brasileiros, nela ficará, intacta, a decisão que breve
a Câmara tomará. Não se lembrarão os pósteros do Deputado cuja liberdade de expri-
mir da tribuna o seu pensamento é hoje contestada. Saberão, todavia, dizer se o Parla-
mento a que pertenceu manteve sua prerrogativa de inviolabilidade ou se dela abriu
mão. A verdade histórica é que os homens passam, mas os direitos que uma geração
estabelece, através de suas lutas, às outras gerações são legados, pouco a pouco criando
o patrimônio comum das leis, garantias e liberdade de uma nação.
Não se julga aqui um deputado; julga-se uma prerrogativa essencial do Poder
Legislativo. Livre como o ar, livre como o pensamento a que dá guarida deve ser a
tribuna da Casa do Povo. A Constituição proíbe que se tente abolir a Federação e a
República. No entanto, os parlamentares podem defender da tribuna a monarquia e o
estado unitário. A liberdade de expressão no Congresso terá de ser total para que o

Sem título-4 532 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 533

Congresso sobreviva. Muitas vêzes, em períodos conturbados de nossa História, e ain-


da recentemente, Deputados discursaram em defesa de um regime de exceção. Os depu-
tados argelinos, malgaches e africanos reiteradamente reclamaram da tribuna da As-
sembléia Francesa a independência de seus países. Fizeram o mesmo os irlandeses na
Câmara dos Comuns, sem que houvessem sofrido sanções. Os parlamentares sulistas
defendem no Congresso Norte-Americano a segregação racial que a Côrte Suprema
colocou fora da lei. E nos Estados Unidos, que têm, no Vietnã, 600 mil de seus melhores
soldados, incontáveis são as manifestações de representantes do povo contra a guerra.
Pode um Deputado pronunciar um discurso que não conte com o apoio de um só de seus
colegas. O fato de poder proferi-lo livremente não quer, entretanto, dizer que a Câmara
a que pertence é solidária com os conceitos que emitiu. Simplesmente significa que a
Câmara existe, que é um poder independente e que garante a seus membros a liberdade
de palavra e opiniões.
A lição dos mestres sôbre a inviolabilidade da tribuna parlamentar é inexaurível.
Nenhum dos comentaristas das Constituições que o Brasil já teve sequer admite discuti-
la. Os autores citados pelo Sr. Ministro da Justiça, ou do assunto não tratam, ou dêle
tratam, como é o caso de Raul Machado Horta, para afirmar o que também afirma-
mos: a inviolabilidade é irrenunciável, pois que ao Deputado não pertence e, sim, a
todo o Congresso.
Procura-se criar, em tôrno da concessão ou não de uma licença para que se prossi-
ga um processo a respeito do que muito bem chamou o nosso professor de deveres, Depu-
tado Djalma Marinho, “delito impossível”, uma crise institucional. Pudesse eu evitar
esta crise abrindo mão de meus direitos, certamente o faria. Não creio que as crises que
cada vez mais frequentemente sacodem a imperfeita e injusta estrutura constitucional
brasileira possam ser removidas pelo sacrifício de um, de dois, de dez ou de todos os
Deputados. Transcendem eles ao Congresso, aos mandatos e aos representantes do povo.
São, antes, originárias de abusos de poder que do exercício de direitos. Estão fundamente
fincadas na própria Constituição de 1967, no gigantismo das atribuições do Executivo,
no afastamento do povo dos governantes, que não escolhe, na desigualdade de participa-
ção nas riquezas nacionais, nas ameaças à soberania nacional que a todo momento sen-
timos. Entretanto, isto não me é dado fazer. Não se discute, na espécie, o que pertence ao
Deputado, ou seja, a sua imunidade processual. Discute-se o que pertence à Câmara, ou
seja, a inviolabilidade da sua tribuna, das suas comissões, das suas votações.
O Ministro da Justiça, movido por misteriosas pressões e por um pertinaz desejo
de atacar o Congresso Nacional, surge, com a sua representação, perante o provo
brasileiro, tal como Shylock apareceu diante do Doge de Veneza com a confissão de
dívida do mercador Antônio, que lhe permitia tirar bem ao coração da vítima uma libra
de carne. Não há apêlo que o aplaque, não há violência que o estarreça, não há razão
que o emocione, nem pedido que o abale. Quer, por fôrça e a todo custo, retirar de junto
do coração do Poder Legislativo o preço que acredita ser-lhe devido.
Mas, tal como ao mercador de Veneza era impossível receber o que lhe deviam
sem romper a lei, derramando o sangue de um cristão, é também impossível ao Ministro
da Justiça receber o mandato de um Deputado sem causar a definitiva hemorragia no
Poder Legislativo.

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534 Casimiro Neto

Todos nós aqui chegamos pela confiança que recebemos de uma parcela do povo
brasileiro, manifestada pelo voto secreto em eleições diretas. Esta confiança não é gra-
tuita. Representa o compromisso que assumimos com o pensamento e os interêsses da-
queles que nos elegeram para que aqui exprimíssemos os seus anseios. Assim entendo e
procuro viver o meu mandato. Os que em mim votaram não o fizeram iludidos. Sabiam
quem eu era e por isso me escolheram. O que pensava a respeito dos tempos que vivemos
no Brasil, a visão que tenho do futuro ao qual devemos aspirar, tudo isto era conhecido
de forma clara e precisa, pois que minhas opiniões longamente as expusera, através de
livros, de discursos, de programas de televisão e, sobretudo, de uma longa e diária
presença na imprensa.
Que visão é esta? Creio poder encontrar as suas raízes em uma profecia de Isaías:
(Cap. 65, vers. 17 a 25) “Pois eu vou criar novos céus e uma nova terra. O passado
não será mais lembrado, não volverá mais ao espírito, mas será experimentada a ale-
gria e a felicidade eterna daquilo que vou criar... Serão construídas casas que se habi-
tarão, serão plantadas vinhas das quais se comerá o fruto. Não mais se construirá para
que outro se instale, não mais se plantará para que outro se alimente. Os filhos de meu
povo durarão tanto quanto as árvores, e meus eleitos gozarão do trabalho de suas mães.
Não trabalharão mais em vão, não darão mais à luz filhos votados a uma morte repen-
tina”.
É por um mundo assim que batalhamos. É por um Brasil assim que não tememos
o sacrifício. O que prego, desde o princípio de minha vida pública, nesta Casa e fora
dela, é o estabelecimento de uma sociedade justa, onde todos possam viver livremente,
livremente exprimindo suas opiniões e tendências e recebendo oportunidades iguais de
desenvolverem os seus dotes humanos, sem sofrerem qualquer restrição por motivo de
côr, de crença e, sobretudo, de disparidades de fortuna. Assim entendo deva ser êste País
internamente, como entendo ainda que externamente deva ser soberano, sem filiar-se a
blocos internacionais políticos ou militares, sem de nação alguma, por mais poderosa
que seja, receber o ditado do seu comportamento e sem que os agentes de qualquer
nação, ainda que poderosa e amiga, possam em seu desenvolvimento influir
determinantemente. Acredito que todos nós tenhamos uma responsabilidade direta na
construção da paz social, como da paz internacional, responsabilidade esta que é tanto
maior quanto maiores forem os instrumentos de cultura, de fortuna e de poder de que
cada um disponha.
É-me lembrado frequentemente, nesta Casa, por amigos que à minha responsabi-
lidade apelam, por adversários que me procuram julgar, que sou um dos privilegiados
da sociedade brasileira. É verdade. Tenho disto a mais profunda e presada noção.
Procuro, por isso, transformar o que de mais eficaz os privilégios me deram, ou seja, a
possibilidade de acesso aos bens da cultura, que a noventa por cento dos brasileiros é
negada, em um instrumento que permita aos despojados de hoje serem os participantes
do amanhã. Quero crer, tal como Dom Antônio Fragoso expressou em uma carta recen-
temente publicada nos jornais, que nos cabe conscientizar o povo da realidade que o
cerca a fim de que, dispondo de todos os elementos necessários ao julgamento, possa êle
fazer livremente a opção pelo sistema social e econômico que às suas aspirações mais
perfeitamente atenda.

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A Construção da Democracia 535

Tôda minha vida política foi e é norteada no sentido de poder eu prestar minha
colaboração à tomada de consciência do povo brasileiro quanto à sua própria realidade.
Sr. Presidente, não defendo o mandato que recebi para furtar-me à responsabili-
dade de responder por minhas palavras e opiniões. Nunca deixei de ser por elas pes-
soalmente responsável, como jamais deixei de exprimi-las. Ataquei governos e podero-
sos, quando a proteger-me tinha apenas a inviolabilidade de minha consciência. Nas
trincheiras da oposição passei minha vida de jornalista. Não abdiquei do meu dever de
opinar quando muitos calavam e o Presidente da República podia suspender
arbitràriamente direitos políticos.
Por que luto, então? Luto por solidariedade a esta Câmara, livre de pressões e
ameaças. Luto por solidariedade a todos e a cada um dos deputados, cujo dever de
dizerem o que pensam – ainda que pensem de modo totalmente contrário às minhas
opiniões – querem cassar. Luto porque cêdo aprendi a respeitar a Câmara dos Depu-
tados e, depois de a ela pertencer, aprendi a amá-la. Luto porque quero a Câmara
aberta e digna. Quero que daqui saiam as leis e as reformas que reconstruirão no Brasil
a democracia e estabelecerão a justiça social. Quero que o Congresso recobre algumas
das suas prerrogativas perdidas e conserve as que preservou.
Sei que a tentativa de cassar o meu mandato é apenas a primeira de muitas que
virão. Sei que o apetite, dos que a esta Casa desejam mal, é insaciável. Os que pensam
em aplacá-lo hoje, com o sacrifício de um parlamentar, estarão apenas estimulando a
sua voracidade.
Buscam os inimigos do próprio Congresso um pretexto. Acusam-me de injuriar
as Fôrças Armadas. Nos processos penais de injúria a ação é liminarmente suspensa
quando o acusado nega o seu ânimo de injuriar, e o acusador aceita a explicação. Nego
aqui e agora que haja, em qualquer tempo e lugar, injuriado as Fôrças Armadas.
(Palmas prolongadas). As Classes militares sempre mereceram e merecem o meu respei-
to. O militarismo, que pretende dominá-las e comprometer-lhes as tradições democráti-
cas, transformando-as em sua maior vítima, êsse militarismo – deformação criminosa
que a civis e militares contamina – impõe-se ao nosso repúdio.
Finalizo, Sr. Presidente, na esperança de que as angústias e sofrimentos que
atravessamos possam servir para o engrandecimento do Congresso e a liberdade da
Pátria. Os últimos dias foram pródigos em exemplos e lições. Um homem modesto,
suave e tranquilo mostrou ao Brasil que no momento da verdade transforma-se a dig-
nidade no cinzel que esculpe o herói. Djama Marinho soube recusar as honras para
ficar com a sua consciência. Juntamente com seus companheiros de partido,que foram
expurgados da Comissão de Justiça em nome de ideais a que se conservam fiéis, perso-
nifica a independência da Câmara. Vindo de outro Rio Grande, onde o sangue dos
peleadores firmou as fronteiras da Pátria, Daniel Krieger mostrou que estão vivas as
tradições de bravura dos gaúchos. É o verdadeiro e digno irmão do cavaleiro andante
Brito Velho.
Entrego-me agora ao julgamento dos meus pares. Rogo a Deus que cada um
saiba julgar, em consciência, se íntegra deseja manter a liberdade desta tribuna, que
livre recebemos das gerações que construíram as tradições políticas do Brasil. Rogo a
Deus que mereça a Câmara o respeito dos brasileiros, que possamos, no futuro, andar

Sem título-4 535 7/5/2004, 10:22


536 Casimiro Neto

pelas ruas de cabeça erguida, olhar nos olhos os nossos filhos, os nossos amigos. Rogo a
Deus, finalmente, que o Poder Legislativo se recuse a entregar a um pequeno grupo de
extremistas o cutelo da sua degola. Volta-se o Brasil para a decisão que tomaremos. Mas
só a História nos julgará! (Muito bem, muito bem. Palmas prolongadas. O orador é
cumprimentado)”. Grifado pelo compilador.
O Presidente da Câmara dos Deputados, José Bonifácio Lafayette de
Andrada (ARENA-MG) concede a palavra ao Deputado Mário Covas Júnior
(MDB-SP), na qualidade de Líder do Movimento Democrático Brasileiro
(MDB) – Minoria: “Sr. Presidente, permita V. Exa. e os meus pares que eu reivindi-
que, inicialmente, um privilégio singular: o de despir-se da roupagem vistosa da lide-
rança transitória, com que companheiros de partido me honraram, para falar na con-
dição de membro desta Casa, sem outra representação senão a outorga oferecida por
aquêles que para cá me enviaram. Será, talvez, um desvio regimental consentido, en-
tretanto, plenamente compreensível, já que a causa que somos obrigados a apreciar
sobrepaira, superpõe-se às próprias agremiações partidárias. Em sua análise, o coletivo
domina o individual, o institucional supera o humano, a impessoalidade há de ser o traço
marcante, eis que, hoje, esta Casa está sendo submetida a julgamento. Recolhida ao
banco dos réus, aguarda o veredicto que será exarado pelos seus próprios ocupantes.
Discute-se a validade de uma das suas mais caras prerrogativas, instrumento
essencial de seu funcionamento como poder, que é a inviolabilidade. Impugna-se seu
caráter absoluto, impondo-se-lhe restrições que a transformariam em princípio abstra-
to. Intenta-se, pelo dúbio caminho do transitório que somos nós, alienar algo que, por
ser propriedade da instituição, é permanente. Constesta-se, sob o império da razão
política, uma prerrogativa da qual não temos o direito de abdicar, porque, vinculada à
tradição, à vida e ao funcionamento do Parlamento, a êle pertence, e não aos parla-
mentares. Para isto, investem contra a Constituição exatamente aquêles que procla-
mam a sua excelência, que exaltam suas virtudes e que sustentam a sua imutabilidade.
(...) A acusação é o crime de injúria a uma instituição – as Fôrças Armadas. A
arma, a palavra. O instante: os dias em que atingiu o clímax, a alta tensão emotiva
emergente dos episódios relacionados com a invasão da Universidade de Brasília.
(...) Mas, Sr. Presidente, ouço sustentar que não só o argumento jurídico teria
razões para êste procedimento. Aqui e ali ouço que, ao analisar o problema sob o ângulo
político, diferente será o comportamento de cada um de nós.
Ainda aí, sustento eu, o individual não pode prevalecer sôbre as prerrogativas da
Instituição.
Um Poder soberano não delega, não transfere, é êle próprio juiz de seus atos. Há
de ter a independência e a grandeza de manter essa condição inalienável. E o Poder
Legislativo, exatamente para reservar-se essa condição, sábiamente estabeleceu limita-
ções regimentais para a inviolabilidade, fixando o Poder de Polícia pelo próprio órgão
diretor da Casa.
Ora, sendo o Legislativo, por definição constitucional, um Poder Independente,
juiz, portanto, de seus próprios atos, e dispondo de instrumental necessário ao exercício
dessa competência, infere-se uma conclusão iniludível: concedendo a licença, o Poder
Legislativo se estará autocondenando, pelo crime de omissão.

Sem título-4 536 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 537

(...) Tem o Poder Legislativo o direito de transferir a outro Poder um problema


que, surgido no seu âmbito, de sua competência, o colocará em confronto com outros
poderes e instituições? É possível que o faça. Mas, neste instante, já não será um Poder.
Seus componentes já não mais exercerão a função pública, mas terão sido tranformados
em funcionários públicos.
(...) Como acreditar que as Fôrças Armadas brasileiras que foram defender em
nome do povo brasileiro, em solo estrangeiro, a liberdade e a democracia no mundo,
colocassem como imperativo de sua sobrevivência o sacrifício da liberdade e da demo-
cracia no Brasil? (Palmas). Ou, Sr. Presidente, por formação e por índole, um homem
que fundamentalmente crê. Desejo morrer réu do crime da boa fé, antes que portador
do pecado da desconfiança. Creio na Justiça, cujo sentimento, na excelsa lição de Afon-
so Arinos, é a noção de limitação de Poder. Limitação bitolada por dois extremos: sua
contenção para que não extravase na prepotência, e seu pleno exercício para que não se
despenhe na omissão.
Creio no povo, anônimo e coletivo, com todos os seus contrastes, desde a febre
criadora à mansidão paciente. Creio ser dêsse amálgama, dessa fusão de almas e emo-
ções, que emana não apenas o Poder, mas a própria sabedoria. E nêle crendo, não posso
desacreditar de seus delegados. Creio na palavra ainda quando viril ou injusta, por
que acredito na fôrça das idéias e no diálogo que é seu livre embate. Creio no regime
democrático, que não se confunde com a anarquia, mas que em instante algum possa
rotular ou mascarar a tirania. Creio no Parlamento, ainda que com suas demasias e
fraquezas, que só desaparecerão se o sustentarmos livre, soberano e independente. Creio
na liberdade, êste vínculo entre o homem e a eternidade, essa condição indispensável
para situar o ser à imagem e semelhança de seu criador. Creio, Sr. Presidente e esta
crença mais se consolidou pelas últimas lições que recebi, pois nunca é tarde para
aprender na honra, êsse atributo indelegável, intransferível por ser propriedade divina.
Porque em tudo isso creio, Sr. Presidente, e protegido pelo resguardo de minhas palavras
iniciais, quero declarar minha firme crença de que, hoje, o Poder Legislativo será absol-
vido. Da altitude desta tribuna, da magestade desta Mesa, da altivez deste plenário, as
vozes do gênio do Direito e da Deusa da Justiça podem ser ouvidas em seu patético apêlo:
não permitais que um “delito impossível” possa transformar-se no funeral da Democra-
cia, no aniquilamento de um Poder e no cântico lúgubre das liberdades perdidas. (Muito
bem; muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado)”. Grifado pelo compilador.
O Presidente da Câmara dos Deputados, José Bonifácio Lafayette de
Andrada (ARENA-MG) concede a palavra ao Deputado Geraldo Freire da
Silva (ARENA-MG), na qualidade de Líder da Aliança Renovadora Nacional
(ARENA) – Maioria: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, o meu propósito nesta tribuna
é apenas o de desfazer alguns equívocos. O primeiro dêles, é quando se diz que estamos
procedendo à degola de um Deputado, à cassação de um dos nossos colegas. Não se
trata absolutamente disto. O que temos em vista é apenas um pedido de licença dirigido
pelo Supremo Tribunal Federal à Câmara dos Deputados. Então, quem entender que
se trata de degola, necessàriamente, há de estabelecer que os juízes do Supremo Tribu-
nal Federal são carrascos e não magistrados. Trata-se de um foro privilegiado, perante
o qual responde o próprio Presidente da República.

Sem título-4 537 7/5/2004, 10:22


538 Casimiro Neto

(...) O ato da Câmara é de sua autonomia política. Os motivos políticos hão de


orientar a decisão da Câmara. Concedida a licença, a imunidade se ausenta, restaura-
se a vigência normal do princípio fazendo desaparecer os privilégios. O representante
do povo não é um homem que possa sustentar privilégios e prerrogativas, porque o que
recebemos de nossos eleitores são deveres para com êste povo. E seria absolutamente
incrível que nós votássemos leis a que todos os cidadãos brasileiros fossem obrigados a
obedecer, enquanto nós próprios nos considerássemos semi-deuses, sujeitos a moral, ao
bem e à verdade, superiores ao bem e ao mal.
(...) A inviolabilidade do parlamentar pelas palavras, opiniões e votos no exercí-
cio do mandato não significa, aliás, quando se lhe dê a inteligência, que ela requer a
sua aplicação, a irresponsabilidade absoluta do representante do povo. Ela implica nos
justos limites em que deve ser estendida e subtrair o membro da representação popular
à censura e ao julgamento de outro poder.
(...) Sr. Presidente, a hora é decisiva. Há pressões, sim. Há pressão de certa
imprensa, que procura alardear o voto daqueles que entendem rebeldes, e procuram
diminuir aquêles que se consideram fiéis à sua própria formação. Há pressão dos par-
tidos político, mas existe a pressão autêntica, que é obedecida por mim e por companhei-
ros que me acompanharam, sem desdouro daqueles que votam contra mim, ou contra
vossa causa, que é, Sr. Presidente, a pressão da nossa consciência. (Muito bem. Palmas)”.
Grifado pelo compilador.
Após esses três pronunciamentos a votação processa-se por escrutínio
secreto. Respondem a chamada nominal e votam 369 Senhores Deputados. É
procedida a apuração e o Presidente da Câmara dos Deputados, José Bonifá-
cio Lafayette de Andrada (ARENA-MG) informa: “A Mesa vai proclamar o resul-
tado da votação. Sim – 141; Não – 216; Brancos – 12, total 369. O projeto foi
rejeitado, vai ao arquivo. (Muito bem; muito bem. Palmas prolongadíssimas). (É can-
tado o Hino Nacional pelo Plenário de mãos dadas e pelas galerias lotadas). Sobre a
Mesa declaração de voto do Sr. Deputado Cunha Bueno e vários outros”. Em seguida
o Sr. Presidente convoca sessão extraordinária noturna para as vinte e uma
horas e trinta minutos e encerra-se a sessão às quinze horas e dez minutos.
O taquígrafo Paulo Luiz Bastos Serejo (um dos servidores que fez o apa-
nhamento taguigráfico da sessão), em suas memórias, cita que: “Ao final da
sessão, o Deputado Mário Covas dirigiu-se à taquigrafia para tomar um cafezinho e lá
citou textualmente: _ amanhã o Congresso Nacional estará fechado”. O que era co-
mentado, também, por outros deputados. Cita, também, que o Deputado
Márcio Emmanuel Moreira Alves (MDB-GB) não esperou o encerramento da
sessão. Sutilmente saiu pela lateral do plenário da Câmara dos Deputado e
seguiu direto, de automóvel, para uma fazenda nas proximidades de Anápolis
(GO) e de lá se refugiou no Paraguai e posteriormente no Chile. A sua fuga
tinha razão de ser: o Governo Militar já sabia que perderia na votação de
plenário e corriam rumores de que o Deputado Márcio Emmanuel Moreira
Alves (MDB-GB) seria preso naquele mesmo dia.
Nesse mesmo dia, de acordo com a convocação, é realizada a 14ª sessão
da Câmara dos Deputados, da convocação extraordinária. Extraordinária

Sem título-4 538 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 539

noturna. Às vinte e duas horas e vinte e cinco minutos, não tendo chegado,
ainda, os avulsos da Ordem do Dia, o Presidente da Câmara dos Deputados,
José Bonifácio Lafayette de Andrada (ARENA-MG) encerra a sessão, desig-
nando sessão ordinária para o dia 13, às treze horas e trinta minutos.
13 de dezembro de 1968. 13 horas e 30 minutos. 15ª sessão da Câmara
dos Deputados, da convocação extraordinária. Leitura da ata da sessão ante-
rior. Falam vários deputados. Ordem do Dia. Apresentação de proposições.
Encerramento de discussão de vários projetos. Às dezessete horas e quinze
minutos, o Presidente da Câmara dos Deputados, José Bonifácio Lafayette
de Andrada (ARENA-MG) encerra a sessão, antes, porém, designa Ordem
do Dia para a Sessão Ordinária do próximo dia 16, às treze horas e trinta
minutos e que será a mesma da sessão que se encerra.
À noite, desse mesmo dia, em um dos momentos mais cruciais da histó-
ria política e da cultura brasileira o Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama
e Silva (SP) convoca rede nacional de rádio e televisão e em tom sombrio
anuncia o Ato Institucional nº 5 (AI-5), e, com base nele o Ato Complementar
nº 38 que decreta o recesso do Congresso Nacional, sem prazo determinado.
Na Presidência da República, o Marechal Artur da Costa e Silva (RS) – 15/03/1967
a 31/08/1969. Na Presidência da Câmara o Deputado José Bonifácio Lafayette
de Andrada (ARENA-MG). Estabelece-se no País uma ditadura sem disfarçes.
Suspende as garantias constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade, es-
tabilidade e do “habeas corpus”. Concede ao Presidente da República, ouvido
o Conselho de Segurança Nacional, e sem limitações da Constituição, pode-
res para suspender direitos políticos de qualquer cidadão, por dez anos, e
cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, e ainda, decretar o
recesso parlamentar (fechamento) do Congresso Nacional, das Assembléias
Legislativas e Câmaras Municipais. Enquanto o Congresso estiver fechado,
pode-se legislar por decreto e as punições decorrentes desse ato não são pas-
síveis de apreciação judicial. São suspensas as garantias dos juízes e dos fun-
cionários públicos; o de demitir ou reformar oficiais das Forças Armadas e
das Polícias Militares; suspensos o “habeas corpus” nos crimes políticos contra
a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Durante a noite vários jornais editados no País são visitados por agentes
do DOPS, da Polícia Federal e de censores. Censura prévia, apreensão e reco-
lhimento de edições. As estações de rádio e televisão também são censuradas.
O Jornal “O Estado de São Paulo” do dia 14 de dezembro destaca em sua
matéria de capa: “Nôvo ato; Congresso em recesso – O presidente da Câmara dos
Deputados, sr. José Bonifácio, declarou, após ouvir a leitura do Ato Institucional e do Ato
Complementar: ‘Obedecendo ao nôvo regime, declaro que nossa missão está encerrada’.
Antes declarara que o Brasil saia do Estado de Direito para entrar no de fato.
Êsse episódio, acrescentou, não é novo na vida política e parlamentar do Brasil e na de
outros povos do Ocidente. Êle resulta de crises profundas, de dificuldades do govêrno e
de mal-estar do povo.

Sem título-4 539 7/5/2004, 10:22


540 Casimiro Neto

‘Não é o momento de examinar o Ato – aduziu. Mas é a hora de manifestar a


esperança de que crises como esta sejam resolvidas uma vez mais, para propiciar o
desenvolvimento do povo’. Acentuou que duas coisas jamais devem ser esquecidas, por-
que são perenes: as eleições e os eleitores que neste País têm sido tradição.
Formulou, ainda, uma prece a Deus para que o Brasil se transforme na grande
e poderosa nação a que faz jús pelo valor de seus filhos e por sua posição na História”.
Em outra chamada destaca: “As detenções – Mesmo antes de o Ato Institucional
ter sido dado ao conhecimento público, pela ‘Hora do Brasil’ (por volta das 23 horas),
já algumas prisões começavam a ser efetuadas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na
Guanabara foram presos Tenório Cavalcanti, Darcy Ribeiro, o general R/1 Salvador
Mandim e Ciro Kurtz, deputados estaduais, e o jornalista Joel Silveira; em São Paulo,
o deputado Hélio Navarro, que foi conduzido ao DPF para prestar depoimento.
À noite, depois da leitura do Ato – a qual foi esperada desde as 20 horas – novas
detenções foram efetuadas. O sr. Juscelino Kubitschek foi preso no Teatro Municipal e
conduzido à Vila Militar; os jornalistas Oswaldo Peralva e Francisco Pinto, detidos
quando elementos do DOPS invadiram o ‘Correio da Manhã’, o jornalista Hélio
Fernandes, na redação da ‘Tribuna da Imprensa’. Também foi preso o deputado Rafael
de Almeida Magalhães.”
O “Jornal do Brasil” destaca em manchete: “Govêrno baixa Ato Institucional
e coloca o Congresso em recesso por tempo ilimitado”.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 13 de dezembro


de 1968 a 21 de outubro de 1969.

Sem título-4 540 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 541

Quadro/Foto nº 26
O Presidente da Câmara – Deputado
José Bonifácio Lafayette de Andrada

Quadro/Foto nº 26/A
O Presidente da República – Marechal
Artur da Costa e Silva

Sem título-4 541 7/5/2004, 10:22


542 Casimiro Neto

Quadro/Foto nº 26/B e 26C


Visita do Presidente Costa e Silva ao Gabinete do Vice-Presidente Pedro Aleixo
O Vice-Presidente da República – Pedro Aleixo

Sem título-4 542 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 543

Ainda como conseqüência dessas novas disposições seguem-se uma sé-


rie de decretos cassando mandatos eletivos e suspendendo os direitos políti-
cos de diversos parlamentares, prosseguindo até o ano de 1977. Abaixo trans-
crito as cassações de Deputados ao longo dos anos citados.
30 de dezembro de 1968. É expedido decreto pelo Presidente da Repú-
blica, Marechal Artur da Costa e Silva (RS), e pelo Ministro da Justiça, Dr.
Luís Antônio da Gama e Silva (SP), “cassando os mandatos eletivos federais e sus-
pendendo os direitos políticos, por dez anos, dos Deputados David José Lerer (SP), ),
Gastone Righi Cuocchi (SP), Hélio Henrique Pereira Navarro (SP), Henrique Henkin
(RS), Hermano de Deus Nobre Alves (GB), José Carlos Estelita Guerra (PE), José
Lurtz Sabiá (SP), Márcio Emmanuel Moreira Alves (GB), Matheus José Schmidt
Filho (RS), Renato Bayma Archer da Silva (MA e do suplente, em exercício, Maurílio
Filgueira Ferreira Lima (PE)”. Grifado pelo compilador. Neste mesmo dia é expedi-
do decreto suspendendo os direitos políticos pelo prazo de dez anos do cida-
dão Carlos Frederico Werneck de Lacerda (GB).
Registra-se um fato histórico: na Assembléia Legislativa do Estado de
Pernambuco mais da metade da bancada do Movimento Democrático Brasi-
leiro (MDB) – nove dos quatorze deputados estaduais são cassados e proibi-
dos de exercer atividade política.

16 de janeiro de 1969. É expedido decreto pelo Presidente da Repúbli-


ca, Marechal Artur da Costa e Silva (RS), e pelo Ministro da Justiça, Dr. Luís
Antônio da Gama e Silva (SP), “cassando os mandatos eletivos federais e suspen-
dendo os direitos políticos, por dez anos, dos Deputados Alcides Flores Soares Júnior
(RS), Anacleto Campanella (SP), Antônio Batista Vieira – Padre (CE), Antônio Fran-
cisco de Almeida Magalhães (GO), Antônio Sylvio Cunha Bueno (SP), Antônio Vital
do Rêgo (PB), Cândida Ivete Vargas Tatsch Martins (SP), Celso Gabriel de Rezende
Passos (MG), Dorival Masci de Abreu (SP), Edgard de Godói da Matta Machado
(MG), Emerenciano Prestes de Barros (SP), Eugênio Doin Vieira (SC), Ewaldo de
Almeida Pinto (SP), Hary Normanton (SP), Israel Dias Novaes (SP), Jamil Amiden
(GB), João Herculino de Souza Lopes (MG), Jorge Cury (PR), José Maria Magalhães
(MG), José Mariano de Freitas Beck (RS), José Martins Rodrigues (CE), Marcos
Kertzmann (SP), Mario Covas Júnior (SP), Mário Piva (BA), Milton Vita Reis (MG),
Osmar Cunha (SC), Osmar de Araújo Aquino – suplente (PB), Osmar Dutra (SC),
Oswaldo Cavalcanti da Costa Lima Filho (PE), Paulo Macarini (SC), Raul Brunini
Filho (GB), Roberto Cardoso Alves (SP), Unírio Carrera Machado (RS), Yukishigue
Tamura (SP), e Zaire Nunes Pereira (RS)”. Grifado pelo compilador.
7 de fevereiro de 1969. É expedido decreto pelo Presidente da Repú-
blica, Marechal Artur da Costa e Silva (RS), e pelo Ministro da Justiça, Dr.
Luís Antônio da Gama e Silva (SP), “cassando os mandatos eletivos federais e sus-
pendendo os direitos políticos, por dez anos, dos Deputados Adelmar Costa Carvalho
(PE), Aloysio Ubaldo da Silva Nonô (AL), Atlas Brasil Catanhede (RR), Aluizio Alves
(RN), Antônio Carlos Pereira Pinto – Suplente em exercício – (RJ), Antônio de Oliveira

Sem título-4 543 7/5/2004, 10:22


544 Casimiro Neto

Godinho – Padre (SP), Breno Dhalia da Silveira (GB), Camilo Silva Montenegro
Duarte (PA), Celso Fortes do Amaral (SP), Cid Rojas Américo de Carvalho (MA),
Edésio da Cruz Nunes (RJ), Edson Moury Fernandes (PE), Epílogo Gonçalves de
Campos – suplente – (PA), Erivan Santiago França – suplente (RN), Getúlio Barbosa
de Moura (RJ), José Bernardo Cabral (AM), José Colagrossi Filho (GB). José Maria
Alves Ribeiro (RJ), Marcial do Lago – Suplente em exercício – (MG), Mário Gurgel
(ES), Mario Maia (AC), Ney de Albuquerque Maranhão (PE), Paulo Campos (GO),
Paulo Freire de Araujo (MG), Pedro Moreno Gondim (PB), Renato Celidônio (PR),
Sady Coube Bogado (RJ), SimãoVianna da Cunha Pereira (MG), Waldyr de Mello
Simões (GB), e Wilson Barbosa Martins (MT)”. Grifado pelo compilador.

13 de março de 1969. É expedido decreto pelo Presidente da Repúbli-


ca, Marechal Artur da Costa e Silva (RS), e pelo Ministro da Justiça, Dr. Luís
Antonio da Gama e Silva (SP), “cassando os mandatos eletivos federais e suspen-
dendo os direitos políticos, por dez anos, dos Deputados Leo de Almeida Neves (PR),
Pedro Celestino da Silva Filho ((GO), e do Suplente Jayme Câmara (GO)”. Grifado pelo
compilador.

29 de abril de 1969. É expedido decreto pelo Presidente da República,


Marechal Artur da Costa e Silva (RS), e pelo Ministro da Justiça, Dr. Luís
Antônio da Gama e Silva (SP), “cassando os mandatos eletivos federais e suspen-
dendo os direitos políticos, por dez anos, dos Deputados Almir Turisco de Araújo –
suplente (GO), Antônio de Andrade Lima Filho – suplente – (PE), Antônio Luciano
Pereira Filho – suplente (MG), Clodomir Alcoforado Leite – suplente (PE), Edgard
Bezerra Leite – suplente – (PE), Estácio Gonçalves de Souto Maior (PE), Helio da
Mota Teixeira Gueiros (PA), Floriceno Paixão (RS), Francisco das Chagas Caldas
Rodrigues (PI), Gastão Otávio Lacerda Pedreira (BA), Glênio Martins Peçanha (RJ),
João Machado Rollemberg Mendonça (SE), José de Castro Ferreira – suplente – (MG),
José Feliciano de Figueiredo (MT), Oseas Cardoso Paes (AL)”. Grifado pelo compilador.
Neste mesmo dia são aposentados funcionários públicos, cassados os manda-
tos eletivos estaduais e municipais e suspensos os seus direitos políticos, as-
sim como de vários cidadãos, entre eles encontrando-se o jornalista Antônio
Carlos Callado. O decreto de 1º de julho de 1969 suspende os direitos políti-
cos do cidadão Herbert José de Souza e outros.

11 de setembro de 1969. É expedido decreto pelo Governo Provisório


(Junta Militar) – Almirante-de-Esquadra Augusto Hamann Rademaker
Grünewald (RJ), General-de-Exército Aurélio de Lyra Tavares (PB), Briga-
deiro Márcio de Souza e Mello (SC), e pelo Ministro da Justiça Dr.Luís Antô-
nio da Gama e Silva (SP), “cassando os mandatos eletivos federais e suspendendo os
direitos políticos, por dez anos, dos Deputados Antônio Ferreira de Oliveira Brito (BA)
e Júlia Vaena Steinbruch (RJ)”. Grifado pelo compilador.

30 de setembro de 1969. É expedido decreto pelo Governo Provisório


(Junta Militar) – Almirante-de-Esquadra Augusto Hamann Rademaker

Sem título-4 544 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 545

Grünewald (RJ), General-de-Exército Aurélio de Lyra Tavares (PB), Briga-


deiro Márcio de Souza e Mello (SC), e pelo Ministro da Justiça Dr.Luís Antô-
nio da Gama e Silva (SP), “cassando os mandatos eletivos federais e suspendendo os
direitos políticos, por dez anos, dos Deputados Arnaldo dos Santos Cerdeira (SP); Carlos
Murilo Felício dos Santos (MG); Gilberto Ronaldo Campello de Azevedo (PA), Lígia
Moellmann Doutel de Andrade (SC), Maria Lúcia de Mello Araújo (AC), Nísia Coimbra
Flôres Carone (MG), e Gerardo Magella Mello Mourão – suplente (AL)”. Grifado pelo
compilador.

5 de janeiro de 1976. É expedido decreto pelo Presidente da Repúbli-


ca, General-de-Exército Ernesto Geisel (RS), e pelo Ministro da Justiça, Ar-
mando Ribeiro Falcão (CE), “cassando o mandato eletivo federal e suspendendo os
direitos políticos, por dez anos, do Deputado Alberto Marcelo Gato (SP)”. Grifado pelo
compilador.

29 de março de 1976. É expedido decreto pelo Presidente da Repúbli-


ca, General-de-Exército Ernesto Geisel (RS), e pelo Ministro da Justiça, Ar-
mando Ribeiro Falcão (CE), “cassando os mandatos eletivos federais e suspendendo
os direitos políticos, por dez anos, dos Deputados:Nadyr Rossetti (RS) e Amaury Müller
(RS)”. Grifado pelo compilador.

1º de abril de 1976. É expedido decreto pelo Presidente da República,


General-de-Exército Ernesto Geisel (RS), e pelo Ministro da Justiça, Arman-
do Ribeiro Falcão (CE), “cassando o mandato eletivo federal e suspendendo os direi-
tos políticos, por dez anos, do Deputado Lysâneas Dias Maciel (RJ)”. Grifado pelo com-
pilador.

4 de agosto de 1976. É expedido decreto pelo Presidente da República,


General-de-Exército Ernesto Geisel (RS), e pelo Ministro da Justiça, Arman-
do Ribeiro Falcão (CE), cassando o mandato eletivo federal e suspendendo os direitos
políticos, por dez anos, do Deputado Ney Lopes de Souza (RN). Grifado pelo compilador.

14 de junho de 1977. É expedido decreto pelo Presidente da Repúbli-


ca, General-de-Exército Ernesto Geisel (RS), e pelo Ministro da Justiça, Ar-
mando Ribeiro Falcão (CE), cassando o mandato eletivo federal e suspendendo os
direitos políticos, por dez anos, do Deputado Marcos Wellington de CastroTito (MG).
Grifado pelo compilador.

29 de junho de 1977. É expedido decreto pelo Presidente da Repúbli-


ca, General-de-Exército Ernesto Geisel (RS), e pelo Ministro da Justiça, Ar-
mando Ribeiro Falcão (CE), cassando o mandato eletivo federal e suspendendo os
direitos políticos, por dez anos, do Deputado José Alencar Furtado (PR). Grifado pelo
compilador.

1968 foi o ano em que o regime instituído pela “Revolução de 31 de março


de 1964” foi mais violentamente contestado. A contestação estava na ordem

Sem título-4 545 7/5/2004, 10:22


546 Casimiro Neto

do dia. Dos estudantes, clero e intelectuais, em passeatas, aos parlamentares


no Congresso Nacional. É o ano dos sonhos e utopias, da busca de ideais, e
do domínio do presente. É o desprezo ao passado e a impaciência com o
futuro. É o ano da marcha dos estudantes; dos trabalhadores; e dos protestos
em Paris de “maio de 68”. É o ano das manifestações estudantis, passeatas e
greves que agitam o Brasil. Esse sentimento é sintetizado por Caetano Veloso
na sua canção “É proibido proibir”, apresentada no “III Festival Internacional da
Canção” em São Paulo.
A onda de oposição ativa vai crescendo até o último mês do ano, quan-
do, então, a 13 de dezembro de 1968, o Governo põe um ponto final na
resistência aberta editando o Ato Institucional nº 5 (AI-5). Usando como
motivação imediata a recusa de licença pela Câmara dos Deputados, na vota-
ção do dia 12, do mesmo mês, para que fosse processado o Deputado Márcio
Emmanuel Moreira Alves (MDB-GB), acusado de ofender as Forças Arma-
das. Estas e a Polícia Federal entram em prontidão. As notícias sobre o Depu-
tado Márcio Emmanuel Moreira Alves (MDB-GB) são proibidas no rádio e na
televisão. Paralelamente, as medidas repressivas se intensificam contra, so-
bretudo, intelectuais, estudantes e professores. Radicalização e ruptura. É um
ato ditatorial interrompendo duras conquistas e amadurecendo a inocência
característica dos movimentos estudantis. É o ano que não terminou e que
nunca será completo.
A partir de então a contestação armada e a guerrilha, passa a substituir
a contestação consentida dos estudantes, do clero e dos parlamentares. A
conseqüência é a intensificação da repressão, a fuga, a clandestinidade, os
pontos, os aparelhos, o exílio, os seqüestros, os interrogatórios, a tortura e
morte de militantes e repressores. Está na “Ordem do Dia”, está no “DOI-Codi”.
Sumariamente, são abertos centenas de processos políticos ao longo dos anos
de 1964 a 1985 pela ditadura militar e pelos simpatizantes do regime im-
plantado.
7 de fevereiro de 1969. É expedido pelo Governo Provisório (Junta
Militar) –Almirante-de-Esquadra Augusto Hamann Rademaker Grünewald
(RJ), General-de-Exército Aurélio de Lyra Tavares (PB), Brigadeiro Márcio
de Souza e Mello (SC), o Ato Complementar nº 47, que “suspende os trabalhos
parlamentares das Assembléias Legislativas estaduais até 20 de maio de 1970”.
26 de fevereiro de 1969. É expedido pelo Governo Provisório (Junta
Militar) –Almirante-de-Esquadra Augusto Hamann Rademaker Grünewald
(RJ), General-de-Exército Aurélio de Lyra Tavares (PB), Brigadeiro Márcio
de Souza e Mello (SC), o Decreto-Lei nº 477, que “define infrações disciplinares
praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de
ensino público ou particular, e dá outras providências”. Este Decreto-Lei é expedi-
do com o Congresso Nacional ainda em recesso, por força do Ato Institucional
nº 5 (AI-5), veda terminantemente qualquer atividade de cunho político no
interior das universidades e centros educacionais, devendo a apuração das

Sem título-4 546 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 547

infrações serem feitas mediante processo sumário a ser concluído no prazo


improrrogável de vinte dias. Sobre este mesmo assunto ver a Lei nº 6.680, de
16 de agosto de 1979; o Decreto nº 84.035 de 1º/10/1979; e a Lei nº 7.395, de
4/11/1985.
31 de agosto de 1969. É expedido pelo Governo Provisório (Junta Mili-
tar) – Almirante-de-Esquadra Augusto Hamann Rademaker Grünewald (RJ),
General-de-Exército Aurélio de Lyra Tavares (PB), Brigadeiro Márcio de Souza
e Mello (SC), o Ato Institucional nº 12. Enquanto durar o impedimento tem-
porário do Presidente da República, Marechal Artur da Costa e Silva (RS),
por motivo de saúde (trombose cerebral), as suas funções passam a ser exercidas
pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar
nos termos dos atos institucionais e complementares, bem como da Consti-
tuição de 24 de janeiro de 1967. Excluem-se de qualquer apreciação judicial
todos os atos praticados de acordo com este ato institucional e seus atos com-
plementares, bem como os respectivos efeitos. É impedida a posse do Vice-
Presidente, Pedro Aleixo (MG).
O Jornal “O Estado de São Paulo”, do dia 2 de setembro de 1969 –, desta-
ca em sua manchete: “Costa enfermo; Armas governam”.

5 de setembro de 1969. É expedido pelo Governo Provisório (Junta


Militar) – Almirante-de-Esquadra Augusto Hamann Rademaker Grünewald
(RJ), General-de-Exército Aurélio de Lyra Tavares (PB), Brigadeiro Márcio
de Souza e Mello (SC), o Ato Institucional nº 13. O Poder Executivo poderá,
mediante proposta dos Ministros de Estado da Justiça, da Marinha de Guer-
ra, do Exército ou da Aeronáutica Militar, banir do território nacional o bra-
sileiro que, comprovadamente, se tornar inconveniente, nocivo ou perigoso à
segurança nacional. Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos
praticados de acordo com este ato institucional e atos complementares dele
decorrentes, bem como os respectivos efeitos.
9 de setembro de 1969. Com o Congresso Nacional ainda em recesso, é
expedido pelo Governo Provisório (Junta Militar) – Almirante-de-Esquadra
Augusto Hamann Rademaker Grünewald (RJ), General-de-Exército Aurélio
de Lyra Tavares (PB), Brigadeiro Márcio de Souza e Mello (SC), o Ato
Institucional nº 14. De acordo com este ato, não haverá pena de morte, de
prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra exter-
na psicológica adversa, ou revolucionária, ou subversiva, nos termos que a lei
determinar. Esta disporá também, sobre o perdimento de bens por danos
causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício do car-
go, função ou emprego na Administração Pública, direta ou indireta. Exclu-
em-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com
este ato institucional e atos complementares dele decorrentes, bem como
seus respectivos efeitos. Com isto fica prevista a pena de morte e a prisão
perpétua em casos de “guerra revolucionária ou subversiva”.

Sem título-4 547 7/5/2004, 10:22


548 Casimiro Neto

No dia 29 de setembro, o Governo Provisório (Junta Militar) – Almiran-


te-de-Esquadra Augusto Hamann Rademaker Grünewald (RJ), General-de-
Exército Aurélio de Lyra Tavares (PB), Brigadeiro Márcio de Souza e Mello
(SC), expede o Decreto-Lei nº 898 que “define os crimes contra a segurança na-
cional, a ordem política e social, estabelece o seu processo e julgamento e dá outras
providências”. Este decreto prevê a prisão perpétua, em grau mínimo e morte,
em grau máximo. A respeito deste assunto é expedido, também, pelo Presi-
dente da República Emílio Garrastazu Médici (RS), o Decreto-Lei nº 1.077,
de 26 de janeiro de 1970, estabecendo a censura prévia de livros, periódicos,
publicações, diversões e espetáculos públicos, bem como à programação das
emissoras de rádio e televisão. Em vista deste decreto é baixada a Portaria nº
11-B, pelo Ministro da Justiça Alfredo Buzaid (SP), que torna obrigatória a
censura prévia da Polícia Federal na divulgação de livros e periódicos no ter-
ritório nacional.
Apenas uma sentença de condenação à morte de preso político. Em 18
de março de 1971, Theodomiro Romero dos Santos foi condenado a pena de
morte pela Justiça Militar por ter matado o Sargento da Aeronáutica Valder
Xavier de Lima. Posteriormente o Superior Tribunal Militar transforma a
pena de morte em prisão perpétua. Para os ditadores a morte ou a prisão
perpétua do adversário ou do crítico importuno é um mal necessário, justifi-
cável perante os dogmas cristãos e ideológicos.
14 de outubro de 1969. Expedição do Ato Institucional nº 16 pelo Go-
verno Provisório (Junta Militar) – Almirante-de-Esquadra Augusto Hamann
Rademaker Grünewald (RJ), General-de-Exército Aurélio de Lyra Tavares (PB),
Brigadeiro Márcio de Souza e Mello (SC), onde “é declarada a vacância do cargo
de Presidente da República, visto que o seu titular, Marechal Arthur da Costa e Silva,
está inabilitado para exercê-lo, em razão da enfermidade que o acometeu. É declarado
vago, também, o cargo de Vice-Presidente da República, ficando suspensa, até a eleição
e posse do novo Presidente e Vice-Presidente, a vigência do art. 80 da Constituição
federal de 24 de janeiro de 1967. A eleição deverá ser realizada em 25 de outubro,
pelos membros do Parlamento, em sessão pública e votação nominal e posse dos titulares
no dia 30 do mesmo mês, em sessão solene do Congresso Nacional. O mandato dos
eleitos terminará a 15 de março de 1974”.
17 de outubro de 1969. Com o Congresso Nacional, ainda, em recesso,
o Governo Provisório (Junta Militar) – Almirante-de-Esquadra Augusto
Hamann Rademaker Grünewald (RJ), General-de-Exército Aurélio de Lyra
Tavares (PB), Brigadeiro Márcio de Souza e Mello (SC), decreta e promulga a
“Emenda Constitucional nº 1” para entrar em vigor em 30 de outubro de 1969.
Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de uma nova Consti-
tuição. Passando a vigorar com força de uma nova Carta, substitui a Consti-
tuição “promulgada” pelo Congresso Nacional em 24 de janeiro de 1967. Re-
força ainda mais a União e o Poder Executivo. Na expedição de decretos-leis
cabe ao Congresso Nacional aprovar ou rejeitá-los dentro de sessenta dias,

Sem título-4 548 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 549

não podendo emendá-los, e se, nesse prazo, não houver deliberação, o texto
será tido por aprovado. O Presidente da República será eleito pelo sufrágio
de um Colégio Eleitoral, composto de membros do Congresso Nacional e de
delegados das Assembléias Legislativas dos Estados, em sessão pública e me-
diante votação nominal. O mandato presidencial será de cinco anos. O Presi-
dente e o Vice-Presidente da República, eleitos na forma do Ato Institucional
nº 16, de 14 de outubro de 1969, terminarão seus mandatos em 15 de março
de 1974. Consagra a aprovação dos atos praticados pelo Comando Supremo
da Revolução e a sua exclusão de apreciação judicial.
22 de outubro de 1969. 15 horas. Plenário do Congresso Nacional.
Sessão Solene destinada à instalação da Terceira Sessão Legislativa Ordinária
da Sexta Legislatura (posteriormente renumerada). De acordo com o Ato
Complementar nº 72, o Parlamento é reaberto após dez meses de recesso,
para tratar da eleição do novo Presidente e Vice-Presidente da República. Em
mensagem ao Congresso Nacional, encaminhada pelo Governo Provisório
(Junta Militar), o Presidente da República Artur da Costa e Silva (RS) assim se
expressa sobre o dia 13 de dezembro de 1968: “(...) A edição do AI-5 e a dos Atos
subseqüentes configuraram procedimento típico de salvação pública, impôsto por grave
emergência. (...) Podendo ter dissolvido o Congresso, já que fôra compelida a retomar o
seu impulso de origem, a Revolução preferiu declará-lo em recesso, mantendo-o vivo e
legitimando-o como instituição vital do sistema democrático. (...) Quero afirmar ao
Congresso Nacional que o Brasil fêz, em 1964, uma opção definitiva ao rumo indicado
por sua tradição liberal e cristã. Neste sentido, o 13 de dezembro nada mais foi que a
confirmação do 31 de março, assim como a recente promulgação da Emenda Constitu-
cional nº 1 confirma e revigora o 24 de janeiro, quando a Revolução espontâneamente
restaurou, aprimorando-o, o nosso sistema constitucional”.

25 de outubro de 1969. 15 horas. Plenário do Congresso Nacional.


Eleição indireta na forma do artigo 4º, do Ato Institucional nº 16, de 14 de
outubro de 1969, e do artigo 1º do Ato Complementar nº 73, de 15 de outu-
bro de 1969. O artigo 5º do Ato Institucional nº 16/69 determina que o man-
dato presidencial termine a 15 de março de 1974. Os senhores General-de-
Exército Emílio Garrastazu Médici (RS) e Almirante-de-Esquadra Augusto
Hamann Rademaker Grünewald (RJ) são os candidatos da Aliança Renova-
dora Nacional (ARENA) para concorrerem, respectivamente, aos cargos de
Presidente e Vice-Presidente da República Federativa do Brasil para o perío-
do de 30 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974. Não há pedidos de
inscrição de outros candidatos. Os parlamentares do Movimento Democráti-
co Brasileiro (MDB) comparecem à sessão, mas decididos pela abstenção no
ato de votar. Resultado da votação: 293 votos para os candidatos, todos os
votos da ARENA. Abstiveram-se 75, todos do MDB.
30 de outubro de 1969. 9 horas e 50 minutos. Plenário do Congresso
Nacional. “Sessão destinada à solenidade da prestação do compromisso e posse de

Sem título-4 549 7/5/2004, 10:22


550 Casimiro Neto

S. Exªs. o Sr. General-de-Exército Emílio Garrastazu Médici e o Almirante-de-Esqua-


dra Augusto Hamann Rademaker Grünewald, como Presidente e Vice-Presidente da
República”.
Com o novo Governo militar do “Movimento Revolucionário de 1964” en-
tram em pauta as campanhas ufanistas e de grandes realizações. Um destes
exemplos é a inauguração da Rodovia Transamazônica no dia 27 de setem-
bro de 1972. O período é marcado pelo recrudescimento da repressão políti-
ca, da censura aos meios de comunicação e pelas denúncias de tortura aos
presos políticos.
Várias organizações de esquerda intensificam suas ações e fazem a op-
ção pela luta armada. Surgem focos de guerrilha rural no vale da Ribeira, no
Estado de São Paulo e na região denominada de “Bico do Papagaio”, entre os
Estados do Pará, Goiás e Maranhão. Intensifica-se também a guerrilha urba-
na, com assaltos a bancos, seqüestros de aviões e de diplomatas estrangeiros.
Em resposta, o Governo federal transfere o comando das operações repressi-
vas para a Oban – Operações Bandeirantes, sediada no Estado de São Paulo,
que passa a se chamar Comando de Operações de Defesa Interna (CODI) e
que coordena as atividades dos Departamentos de Operações e Informações
(DOIs). O aparato repressivo do Governo ainda conta com os centros de in-
formações das Forças Armadas. São eles: o Ciex, do Exército; o Cenimar, da
Marinha; e o Cisa, da Aeronáutica. Em conseqüência dessas medidas o Go-
verno consegue desestruturar as organizações de esquerda, com a prisão, exílio
ou morte de seus principais líderes.

21 de julho de 1971. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da


República, Emílio Garrastazu Médici (RS), sanciona a Lei nº 5.682 – Lei Or-
gânica dos Partidos –, que dispõe “sobre a criação e a organização interna dos
partidos, com normas sobre as finanças e a contabilidade dos mesmos e a criação do
Fundo Partidário”.

11 de janeiro de 1973. O Congresso Nacional decreta e o Presidente


da República, Emílio Garrastazu Médici (RS), sanciona a Lei nº 5.869, que
“trata do novo Código de Processo Civil”. Teve origem na Mensagem nº 210 (PL
nº 810/72) e enviada ao Congresso Nacional em 2 de agosto de 1972 pelo
Presidente Emílio Garrastazu Médici (RS) com exposição de motivos, data-
da de 31 de julho de 1972, do Senhor Ministro de Estado da Justiça, Alfredo
Buzaid (SP).
15 de janeiro de 1974. 9 horas. Congresso Nacional. Plenário. Eleição
indireta na forma do artigo 1º da Lei complementar nº 15, de 13 de agosto
de 1973. A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, fixou o
mandato presidencial em 5 anos. Foram registrados, pela Mesa do Senado
Federal, como candidatos à Presidência e à Vice-Presidência da República,
respectivamente, os Generais-de-Exército Ernesto Geisel (RS) e Adalberto
Pereira dos Santos (RS), pela Aliança Renovadora Nacional e os senhores

Sem título-4 550 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 551

Deputado Ulysses Silveira Guimarães (SP) e Professor Alexandre Barbosa Lima


Sobrinho, pelo Movimento Democrático Brasileiro, de acordo com o estabe-
lecido nos arts. 9º e seguintes da Lei Complementar nº 15, de 13 de agosto
de 1973.
O Colégio Eleitoral é composto pelos membros do Congresso Nacional
e pelos delegados das Assembléias Legislativas estaduais, estes em
proporcionalidade estabelecida com base no número de eleitores de cada
Estado da Federação e fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral (art. 4º da Lei
Complementar nº 15/73).
Para encaminhar a votação é dada a palavra ao Deputado Ulysses Silveira
Guimarães (SP) que faz um dos mais belos pronunciamentos: “(...) O Movi-
mento Democrático denuncia e condena a cassação nacional e local, esta nas Capitais
e dezenas de municípios, do direito político do povo brasileiro de eleger, pelo voto direto,
o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Governadores e Vice-Governadores
dos Estados, Prefeitos e Vice-Prefeitos.
(...) Nesta altura do meu discurso perpasso os olhos por este numeroso conclave.
Confesso, Senhor Presidente, que sou tomado de profunda amargura, que me punge
como insuportável crise de consciência. Quando não vejo sentados nessas cadeiras, que
dignificaram com lustre e lustro, os precondenados pelas cassações de mandatos e sus-
pensão de direitos políticos, arrancados ao legislativo com a substância vital de sua
independência, inquieto eu me pergunto se eu próprio não ocupo o lugar de líderes que
não hesitaram entre a fidelidade à República e a carreira e que, até através de reelei-
ções, provaram ser insubstituíveis na predileção do povo que jamais trairam, na leal-
dade à Nação da qual nunca se locupletaram, na pureza com que interpretavam a
vontado do Estado, como serva do Direito e não do arbítrio do Príncipe.
Há palavras na vida dos povos que iluminam sua história e simbolizam sua
honra.
Existe hoje no Brasil palavra oracular, limpa como a verdade e translúcida como
cristal, para que através dela se divise e surja a figura reparadora da Justiça. Esta
palavra, eu vou pronunciá-la agora: ANISTIA. (Muito bem! Palmas.).
Encerra dizendo: “(...) O Movimento Democrático Brasileiro saúda os emi-
nentes representantes da Aliança Renovadora Nacional e presta-lhes a homenagem de
sua sinceridade ao proclamar que sairão deste recinto nem vencidos muito menos con-
vencidos, pois haverá esperança para a liberdade enquanto restar um homem sobre a
face da terra; a democracia é o povo, e o povo sendo eterno, é indestrutível. (Muito
bem! Palmas prolongadas.). Grifado pelo compilador.
Procede-se à votação pelo processo nominal. Votam 497 membros do
Colégio Eleitoral, sendo 400 votos para o General-de-Exército Ernesto Geisel
(RS), candidato da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), e 76 votos para o
Deputado Ulysses Silveira Guimarães (SP), candidato do Movimento Demo-
crático Brasileiro (MDB). Abstiveram-se de votar 21 membros do Colégio Elei-
toral. O General-de-Exército Ernesto Geisel (RS) é proclamado eleito Presi-
dente da República Federativa do Brasil para o mandato de 15 de março de
1974 a 15 de março de 1979. Encerra-se a Sessão às 11 horas e 45 minutos.

Sem título-4 551 7/5/2004, 10:22


552 Casimiro Neto

14 de março de 1974. Plenário. O Deputado Francisco José Pinto dos


Santos (MDB-BA) faz um duro pronunciamento protestando contra a pre-
sença, no Brasil, do General Augusto Pinochet, Presidente da Junta de Go-
verno do Chile: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, certo dia um tenente do exército,
desvairado na caça aos comunistas, ordenou que suas tropas atirassem sobre popula-
ções civis, mulheres e crianças indefesas. Dezenas de pessoas foram assassinadas iner-
mes. A opinião pública do seu país e a mundial, revoltadas, pediram a punição deste
comandante criminoso. Este tenente pertencia, contudo, ao exército americano, e era
combatente de guerra no palco do Vietnam. O Tenente William Calley, o anti-herói do
massacre de Mi-Lay, foi punido pela Justiça Militar dos Estados Unidos. Foi afastado
do Exército, preso e, afinal, condenado. País algum o receberá com honras de qualquer
espécie, porque desonrou a farda que vestia e as leis de guerra que jurou cumprir e
obedecer.
Mas, ontem, Sr. Presidente, chegou ao Brasil e foi recebido com honras de Chefe
de Estado a quem desonrou o Estado que devia servir e a farda que o agasalha.
(...) O que nos vem do Chile de Pinochet é o fechamento de jornais, é a censura
desvairada à imprensa remanescente. O que nos vem do Chile é a opressão mais cruel,
de que nos dá idéia a reportagem e as fotos publicadas pela revista VISÃO, do campo de
concentração da Ilha Dawson. O que nos vem do Chile é o clamor dos presos, dos
perseguidos, do povo oprimido. É o horror do massacre promovido pelos golpistas. Três
mil mortos, segundo Pinochet declarou a Dorrit Harazim, da revista VEJA; dois mil,
segundo a referência cínica que um dos comparsas de Pinochet em sua sinistra emprei-
tada, o Brigadeiro Leigh, fez ao repórter Prado, da revista VISÃO. Oito mil, dez mil,
ou muito mais, de acordo com fontes menos suspeitas.
(...) Alguns o aplaudirão – os eternos turiferários do Poder – crentes de que o
aclamando agradam o Governo que se instala amanhã. Outros censurarão na impren-
sa o que aqui se diz para que não se saiba que há os que resistem, em todas as partes do
mundo, contra a violência.
Enfim, Sr. Presidente, os anticristãos de lá e de cá, os que traem a pátria lá e
aqui, os inimigos do povo em todos os quadrantes da Terra não devem esquecer-se de
que pelos crimes cometidos há sempre, mais cedo ou mais tarde, uma pena a purgar e a
cumprir. Era o que tinha a dizer. (Muito bem! Palmas.)”. Grifado pelo compilador.
15 de agosto de 1974. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da
República, General-de-Exército Ernesto Geisel (RS), sanciona a Lei nº 6.091,
que “dispõe sobre o fornecimento gratuito de transporte, em dias de eleições, a eleitores
residentes nas zonas rurais, e dá outras providências”.
15 de novembro de 1974. Realizam-se eleições gerais em todo o Brasil.
Vitória do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que faz 335 deputados
estaduais, 160 deputados federais e vários senadores. Aumenta consideravel-
mente a bancada oposicionista nas duas Casas. Começa a mudar e a se
redesenhar um novo cenário político para o Brasil. No início desse ano havia
expirado o prazo de suspensão dos direitos políticos dos primeiros cassados
pelo Ato Institucional nº 1.

Sem título-4 552 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 553

11 de junho de 1975. Câmara dos Deputados. Plenário. Leitura da


Mensagem 160/75 do Poder Executivo: “Mensagem nº 160 –
EXCELENTÍSSIMOS SENHORES MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL:
Nos termos do artigo 56 da Constituição, tenho a honra de submeter à elevada deli-
beração de Vossas Excelências, acompanhado de Exposições de Motivos do Senhor
Ministro de Estado da Justiça e do Supervisor da Comissão Elaboradora e Revisora
do Código Civil Professor Miguel Reale, o anexo projeto de lei que institui o Código
Civil. – Brasília, em 10 de junho de 1975. Ernesto Geisel. O anteprojeto foi
enviado ao Presidente da República em 6 de junho de 1975 com a devida
exposição de motivos assinada pelo Ministro da Justiça Armando Ribeiro
Falcão (CE) e pelo Supervisor da Comissão Professor Miguel Reale. Na Ex-
posição de Motivos do Professor Miguel Reale, de 16 de janeiro de 1975,
este assim se expressa: “Senhor Ministro – Na qualidade de Supervisor da “Co-
missão Revisora e Elaboradora do Código Civil”, cabe-me a honra de submeter à
consideração de Vossa Excelência o Anteprojeto de Código Civil, elaborado com a
inestimável colaboração dos Professores JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES (Parte
Geral), AGOSTINHO DE ARRUDA ALVIM (Direito das Obrigações), SYLVIO
MARCONDES (Atividade Negocial), EBERT VIANNA CHAMOUN (Direito das
Coisas), CLOVIS DO COUTO E SILVA (Direito de Família) e TORQUATO CAS-
TRO (Direito das Sucessões).
Não obstante já conhecidas as diretrizes fundamentais do Anteprojeto, através
das Exposições de Motivos redigidas pelo signatário e demais membros da Comissão,
não será demais, como remate final dos trabalhos iniciados há quase seis anos, a 23 de
maio de 1969, recapitular os seus pontos essenciais, com os aditamentos indispensáveis
ao pleno esclarecimento da matéria.
Ao fazê-lo, Senhor Ministro, posso afirmar que, pela forma como se desenvolve-
ram os estudos, com base em reiteradas pesquisas próprias, mas também graças às
preciosas sugestões e críticas que nos chegaram de todos os quadrantes do País, a obra
ora apresentada transcende a pessoa de seus autores, o que me permite apreciá-la com
a indispensável objetividade.
Preferimos, os integrantes da Comissão, agir em sintonia com a comunidade
brasileira, corrigindo e completando os Anteprojetos anteriores, publicados no Diário
Oficial da União, respectivamente, de 7 de agosto de 1972, e 18 de junho de 1974, por
uma razão essencial de probidade científica, a qual se identifica com o natural propó-
sito de bem servir ao povo.” Grifado pelo compilador. Na Câmara dos Deputados o
projeto de lei passa a ser o de nº 634/75.
No dia 23 de junho de 1975 é nomeada a Comissão Especial (CESP)
destinada a dar parecer ao referido projeto de lei e no dia 24 são eleitos os
Deputados Tancredo de Almeida Neves (MDB-MG) para presidente,
Brígido Fernandes Tinoco (MDB-RJ) e Flávio Portela Marcílio (ARENA-
CE), para vice-presidentes e João Cândido Linhares (ARENA-SC), para
relator-geral. No dia 13 de setembro de 1983, em plenário, é realizada a
leitura do parecer da Comissão Especial (CESP) referente ao PL 634-A/75
que é publicado no dia posterior. Em 16 de maio de 1984 na Comissão

Sem título-4 553 7/5/2004, 10:22


554 Casimiro Neto

Especial (CESP) é realizada a votação da redação final oferecida pelo


Relator-Geral Deputado Ernani Ayres Satyro e Souza (ARENA-PB). Apro-
vação unânime, sendo então remetido ao Senado Federal. Em 4 de feve-
reiro de 1998 é realizada a leitura e publicação das emendas do Senado
Federal referente ao PL 634-C/75. No dia 15 de março de 1998 é criada
Comissão Especial (CESP) destinada a apreciar e proferir parecer sobre as
emendas do Senado Federal. No dia 20 de setembro de 1999 o Deputado
Ricardo Ferreira Fiúza (PFL-PE), da Comissão Especial, é nomeado relator-
geral para apreciação das emendas do Senado Federal. No dia 6 de de-
zembro de 2000 a Comissão Especial (CESP) dá aprovação unânime ao
Parecer do Relator-Geral, Deputado Ricardo Ferreira Fiúza (PFL-PE), pela
constitucionalidade, juricidade, técnica legislativa e, no mérito, pela apro-
vação das emendas do Senado Federal. Neste mesmo dia, em Plenário, é
realizada a leitura e publicação do Parecer da Comissão Especial (CESP) –
PL 634-D/75. No dia 15 de agosto de 2001, em Plenário, é realizada a
votação em turno único. Em 6 de dezembro de 2001 é aprovada a redação
final referente ao PL 634-E/75 e despachado à sanção presidencial. Em 10
de janeiro de 2002 é transformado na Lei 10.406/02 que entra em vigor
no dia 11 de janeiro de 2003.
Os trabalhos iniciados em 23 de maio de 1969 pela “Comissão Revisora e
Elaboradora do Código Civil” termina quase trinta e três anos depois com a
aprovação da referida lei.

27 de outubro de 1975. Plenário. O Deputado José Freitas Nobre (MDB-


SP) faz a seguinte comunicação: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero fazer a esta
Casa e à Nação, falando pela Liderança do MDB e em nome do Presidente do meu
Partido uma grave comunicação.
(...) De São Paulo, trago a denúncia relativa à morte de um jornalista profissi-
onal, que trabalhava como Diretor do Departamento de Telejornalismo da TV-Cultu-
ra, de propriedade do Governo do Estado, que até há pouco havia exercido sua ativida-
de na revista Visão, e, anteriormente, em vários outros jornais, inclusive no O Estado
de São Paulo.
Para ingressar como profissional na TV-Cultura, esse jornalista tivera primeira-
mente analisada sua ficha política, como ocorre hoje rotineiramente, antes de qualquer
contrato com o serviço público em qualquer dos seus escalões.
Nada havia, assim, até há pouco tempo, por parte dos órgãos de segurança, que
incriminasse Vladimir Herzog.
No entanto, alguns meses depois, procuraram-no para depor em alegado inqué-
rito policial de ordem política. Ele se comprometeu a comparecer no dia seguinte, sába-
do último, 25 de outubro, às 8 horas da manhã, para ser ouvido.
Ali compareceu como prometera, espontaneamente, mas ali veio a morrer, naque-
le mesmo sábado, horas depois.
É de estarrecer que, tendo-se apresentado espontaneamente, viesse a tirar sua
própria vida, através do suicídio, segundo versão que se propala.

Sem título-4 554 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 555

Mas, ainda que se admitisse essa versão, como explicar a falta de vigilância, se
ele estava confiado à guarda de autoridade? E, mais ainda, se outros suicídios ocorre-
ram, ultimamente, no mesmo local e nas mesmas circunstâncias?
Se se admite o suicídio, é o caso de perguntar que tipo de pressão, de atemorização,
de maus tratos estariam sendo inflingidos aos presos para que eles preferissem a morte?
Todas estas perguntas ficam na mente de cada um dos profissionais de imprensa
do País, porque o que acontece a um pode acorrer a outros.
É certo que o II Exército expediu comunicado, onde informa que Vladimir Herzog,
Diretor responsável do Departamento de Jornalismo da TV-Cultura, confessara, por
escrito, que pertencia ao Partido Comunista e que “cerca das 16 horas, ao ser procura-
do na sala onde fora deixado desacompanhado, foi encontrado morto, enforcado, tendo
para tanto utilizado uma tira de pano”, e que “o papel contendo suas declarações foi
achado rasgado e em pedaços”, com a assinatura ilegível.
Ao lado da versão oficial, a nota do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do
Estado de São Paulo, que, por sua vez, recebeu a solidariedade da Federação Nacional
dos Jornalistas, é esclarecedora quanto aos acontecimentos na sexta-feira, quanto à sua
apresentação no Sábado, à hora marcada, quanto à sua morte, apontada como por
“asfixia mecânica por enforcamento” em hora ignorada.
(...) Os colegas do jornalista morto, independentemente das convicções políticas
que ele porventura abraçasse, levaram, hoje, seu corpo ao Cemitério Israelita do Butantã,
na Capital de São Paulo.
Os familiares não puderam ver seu corpo, embora tivessem tido notícia de que
apresentava equimoses generalizadas.
(...) O Sr. Presidente da República tem hoje ao seu exame o apelo nacional, que
é feito à suprema autoridade do País, no sentido de que presos ou processados devam
responder aos inquéritos na forma da lei e dentro dos princípios universais de respeito
à pessoa humana.
Estranha circunstância a desse triste acontecimento, quando se recorda que os
pais de Vladimir Herzog fugiram da barbárie nazista para que os filhos pudessem
viver numa Pátria de justiça e de paz.
Seu corpo repousa sob a fria lousa de um cemitério paulistano, mas a classe não
enterra seus propósitos de apurar a verdade dessa morte a disposição de impedir que
esses acontecimentos se repitam. (Palmas.)”. Grifado pelo compilador.
Meses depois, no dia 17 de janeiro de 1976, a morte do operário
metalúrgico Manuel Fiel Filho, em circunstâncias semelhantes, no mesmo
local, causa indignação e revolta na sociedade brasileira e evidencia a existên-
cia de divergências com os setores militares contestadores da política adotada
pelo Governo. O processo de distensão política entra em quarentena. O Ge-
neral Ednardo D’Ávila Melo é exonerado do comando do II Exército. Assu-
me o General Dilermando Gomes Monteiro (MT).
1º de julho de 1976. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da
República, General-de-Exército Ernesto Geisel (RS), sanciona a Lei nº 6.339,
que “dá nova redação ao artigo 250 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, altera-
do pelo artigo 50, da Lei nº 4.961, de 4 de maio de 1966, e ao artigo 118 da Lei

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556 Casimiro Neto

nº 5.682, de 21 de julho de 1971”. Denominada de “Lei Falcão”, esta lei visa o


controle sobre o eleitorado e sobre o Congresso Nacional. Restringe severa-
mente a propaganda eleitoral, impedindo o debate político nos meios de
comunicação.
22 de agosto de 1976. Morre em acidente de carro no KM 165 da Via
Dutra o ex-Presidente da República e construtor de Brasília, Juscelino
Kubitschek de Oliveira (MG).
No dia 23 de agosto aproximadamente 350 mil pessoas, emocionadas,
acompanham o cortejo do ex-Presidente da República Juscelino Kubitschek
de Oliveira (MG) pela Esplanada dos Ministérios, na Capital Federal.
Câmara dos Deputados. Plenário. 13:30 h. “O SR. PRESIDENTE (Célio
Borja) Há sobre a mesa e vou submeter a votos os seguintes Requerimentos: Senhor
Presidente, tendo falecido em trágico acidente o ex-Prefeito de Belo Horizonte, ex-Depu-
tado Federal, ex-Governador de Minas Gerais, ex-Presidente da República e ex-Senador,
Juscelino Kubitschek de Oliveira, Requeremos sejam suspensos os nossos trabalhos, a
constituição de uma Comissão Externa da Câmara para representá-la em seus funerais e
a designação de uma Sessão da Câmara para homenagear o insigne morto.
Ao Senhor Presidente e demais membros da Mesa da Câmara dos Deputados,
Os signatários do presente requerimento, tendo em vista a omissão regimental,
pois não prevê a nossa Lei Interna a suspensão dos trabalhos para a prestação de
homenagem à memória dos políticos mais eminentes, senão apenas quando se trate do
falecimento de congressista da legislatura corrente, ou de chefe de um dos Poderes da
República (artigo 89, item I, do Regimento Interno) e pretendendo homenagear a
memória de Juscelino Kubitschek, ontem tragicamente falecido, declaram que se retira-
rão do Plenário, para obter a suspensão dos trabalhos, requerendo que a Mesa proceda
nos termos do item III, do artigo 89, do citado Regimento Interno. Sala das Sessões,
23 de agosto de 1976. – Homero Santos e subscrito por mais 31 Deputados”. Grifado
pelo compilador.
Tem a palavra o Deputado Antônio Bresolin (MDB-RS) para encami-
nhar o requerimento: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, andou acertado Giovani
Pappini quando afirmou: “Verdadeiramente grande não é aquele que nasce grande, e,
depois, pouco a pouco, vai perdendo os seus poderes divinos; mas grande é aquele que
sabe conquistar a sua grandeza, lutando contra tudo e contra todos, até contra a sua
própria natureza, e contra qualquer adversidade.”
E foi assim o grande e saudoso Presidente Juscelino Kubitschek. Bafejado pelo
carinho da mãe, que tanto amou e que tanto o incentivou. Simples funcionário do
Correio, médico, Prefeito, Governador e por fim Presidente da República. Em todos os
postos que ocupou do mais humilde ao mais elevado, o ilustre morto sempre foi o mesmo:
generoso, trabalhador, idealista, eficiente e honesto. Homem de larga visão, talentoso e
culto, espírito empreendedor e persistente, na sua larga caminhada política deixou
lastro de realização que o colocam entre os maiores estadistas.
Presidente da República pela vontade do povo, Juscelino Kubitschek sempre foi
um homem do povo. A sua trajetória luminosa, pontilhada de lutas, fez deste intimorato

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A Construção da Democracia 557

e idealista desbravador um sustentáculo das lídimas aspirações populares, um intran-


sigente defensor das liberdades fundamentais da criatura humana.
Ao deixar a Presidência da República, dirigindo-se ao Presidente Jânio Qua-
dros, disse: ‘Tenho a honra de passar às mãos de V. Exª. o comando da República, para
o qual foi escolhido pela maioria do povo brasileiro.’
E acrescentou: ‘Está consolidada, entre nós, a democracia e estabelecida a paz
que todos esperamos duradoura. O sentido que imprimi ao meu Governo para tornar o
Brasil consciente da sua grandeza e levá-lo a entrar na posse dos instrumentos de sua
ação redentora, o futuro há de julgá-lo, ao abrigo das paixões violentas mas efêmeras.’
E o Presidente Jânio Quadros a Juscelino:
‘O Governo de V. Exª. que ora se finda, terá marcado na história a sua passa-
gem, principalmente porque, através de sua meta política, logrou consolidar, em termos
definitivos, no País, os princípios do regime democrático.’
Foi estadista de marcante personalidade. Na sua alma, no seu coração e nos seus
atos o ódio nunca esteve presente. Ao lado dos clarões de sua inteligência fulgurante,
dos seus gestos corajosos, Juscelino Kubitschek era humilde, e sempre timbrava seus atos
com a fé que sempre foi sua companheira inseparável. Ainda há meses, no Seminário
de Brasília, participando de um cursilho, conviveu na maior fraternidade cristã com
homens das mais diferentes condições econômicas, sociais e intelectuais. E ao justificar
a sua presença naquela casa, disse que se fazia presente para fortalecer a fé e reviver os
ensinamentos religiosos que havia recebido de sua extremosa mãe.
Falar sobre suas obras não há necessidade. Estamos no coração de Brasília, que
é a maior obra do século e que foi construída por Juscelino Kubitschek. É verdade que
o gigantesco empreendimento custou muitas lutas, sofrimentos e até preseguições. Mas
Carlos André Perez, Presidente da Venezuela, disse: ‘Não há caminhos fáceis para as
grandes coisas.’
Ao tombar, tragicamente, Juscelino Kubitschek agiganta-se e avança no tempo,
como disse Benjamim Franklim: ‘No transcurso da nossa vida pública, não podemos
esperar a aprovação nem o reconhecimento imediato dos nossos trabalhos. Porém, deixai-
nos perseverar, mesmo quando atacados e ostensivamente injuriados. A satisfação ínti-
ma que têm todos aqueles de consciência limpa estará, em nós, sempre presente, e o
tempo nos fará justiça na voz do povo, mesmo entre aqueles que presentemente mais nos
antagonizam’. Grifado pelo compilador.
Em seguida tem a palavra o Deputado Milton Steinbruch Lomacinsk
(MDB-RJ) Para encaminhar a votação do requerimento: “Sr. Presidente, nobres
Deputados, a Nação perdeu ontem um dos seus melhores filhos. O ônus dessa perda
será avaliado com o correr do tempo, mas a legítima dimensão de sua grandeza a
História inequivocamente haverá de propalar.
A morte de Juscelino Kubitschek encerra uma das carreiras políticas mais extra-
ordinárias da História do Brasil, Juscelino foi um superior aos seus próprios defeitos,
maior do que seus erros.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, aprendi a gostar de Juscelino nos meus dez anos
de ‘Manchete’. Foi com Adolfo Bloch que comecei a compreender as obras e o trabalho
de Juscelino e foi com Bloch, ontem, que Juscelino se despediu do mundo. Passou o fim

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558 Casimiro Neto

de semana em São Paulo, hóspede de Bloch, e, na saída, Adolfo Bloch entregou-lhe


uma passagem, dizendo: ‘Vamos para o Rio de avião’, e o que Juscelino respondeu:
‘Não, vou de automóvel, porque quero passar em Resende para visitar um amigo’, o
fazendeiro Mário Garnero. Juscelino o visitou e, em seguida, ao se retirar da fazenda,
seu automóvel foi envolvido num acidente ao colidir com uma carreta, provocando-lhe
morte instantânea.
Sr. Presidente, encerra-se com Juscelino um período da História do Brasil, um
período importante a que a História há de dar o devido valor”. Grifado pelo compilador.
Falam vários outros deputados. Ao final da sessão o requerimento é
aprovado e é nomeada uma Comissão de Representação Externa para acom-
panhar os funerais do ex-Presidente da República Juscelino Kubitschek de
Oliveira (MG) composta pelos Deputados Francelino Pereira dos Santos (ARE-
NA-MG), Ulysses Silveira Guimarães (MDB-SP), Marcelo Caracas Linhares
(ARENA-CE), Alceu de Deus Collares (MDB-RS), José Pinheiro Machado
(ARENA-PI) e Homero Santos (ARENA-MG).
24 de agosto de 1976. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado
Gamaliel Bueno Galvão (MDB-PR) dá o seu depoimento sobre os funerais do
ex-presidente: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, ainda sob a emoção da tragédia que
se abateu sobre o Brasil, com a morte do grande líder nacional Juscelino Kubitschek,
hoje queremos dizer o que sentimos de perto, juntamente com dezenas de Deputados, de
braços dados com o povo, nas ruas de Brasília: sentimos como os brasileiros repudia-
ram o ato que havia cassado os direitos políticos do ex-Presidente da República e retira-
do aquele homem público da vida nacional.
Nesta oportunidade, queremos prestar algumas homenagens especiais, princi-
palmente à Associação Comercial e ao setor industrial, por haverem liberado, sem ne-
nhuma ordem superior, o fechamento do comércio brasiliense. Homenageamos também
a mocidade estudantil universitária e o grupo de ‘motoqueiros’, que, abrindo passagem
para o povo, evidenciou que a juventude de hoje é a mesma do passado, que acredi-
tou em Getúlio Vargas, que acreditou em Juscelino Kubitschek. Saudamos também as
mulheres, donas-de-casa, os servidores públicos, os candangos e os trabalhadores em
geral.
Aplaudimos a imprensa, particularmente a de Brasília, que fez edições extraor-
dinárias, que não teve medo de dizer a verdade.
Também rendemos preito aos motoristas de táxi, que nos transportaram gratuita-
mente e portavam uma faixa preta em suas antenas de rádio, numa demonstração
pública de que o povo quer eleições diretas e secretas. O povo cantava nas ruas: ‘Que-
remos eleições diretas; não queremos eleições indiretas.’ Tal manifestação é prova evi-
dente que assim como o povo, em 1974, soube votar no MDB, porque votou consciente,
em novembro de 1976 também votará em nosso Partido, porque sabe o que quer”.
Grifado pelo compilador.

14 de setembro de 1976. Câmara dos Deputados. Plenário. Sessão So-


lene. “Homenagem à memória do ex-Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. O
SR PRESIDENTE (Célio Borja) – A presente sessão destina-se a homenagear a me-

Sem título-4 558 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 559

mória do Sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, ex-Presidente da República e ex-Parla-


mentar. Concedo a palavra ao Sr. Homero Santos, como autor do requerimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, nunca a vida se uniu tanto à vida. E era preciso
viver, para chegar a este momento, falar desta tribuna, como autor do requerimento de
homenagem a Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Era preciso viver, e hoje aqui estamos para homenagear aquele sobre quem Afon-
so Arinos de Melo Franco disse ‘Juscelino explodiu como uma estrela e continuará como
uma luz permanentemente acesa nos céus do Brasil’.
(...) E esta homenagem, simples, como a vida de JK, na confusão dos nossos
sentimentos, termina com algo que tocou profundamente os nossos sentimentos, a carta
de um verdadeiro amigo, Adolpho Bloch, que, com calor humano, escreveu para JK: ‘O
Senhor precisava ver o povo levando-o nos braços até o Aeroporto, cantando o Peixe
Vivo e o Hino Nacional. Em Brasília, a cidade parou. Parecia um pouco com a festa da
inauguração. O Senhor esteve na Catedral. Dom José Newton quase não pôde oficiar
a missa. Dona Sarah revelou-se uma Dama única. Ela pediu silêncio e disse: ‘JK
pertence ao povo’, e o entregou aos braços do povo que cantava e continuou cantando
ao longo de 10 km, até o Campo da Esperança. Foi emocionante. Com suas motocicle-
tas reluzentes, os jovens traziam um cartaz que me comoveu: ‘ao querido Juscelino,
nossa eterna gratidão’.
Era preciso viver. (Palmas. O orador é cumprimentado)”. Grifado pelo compilador.
Falam em seguida os Deputados Brígido Fernandes Tinoco (MDB-RJ),
Aderbal de Araújo Jurema (ARENA-PE), Hugo Napoleão do Rego Neto (ARE-
NA-PI) e Renato Mário de Avelar Azeredo (MDB-MG).
O Deputado Tancredo de Almeida Neves (MDB-MG) em pronuncia-
mento realizado nesta ocasião destaca: “Sr. Presidente, Deputado Célio Borja,
meus colegas, integrantes da Mesa da Câmara, Srs. Deputados, minhas Senhoras,
meus Senhores, no elogio fúnebre de De Gaulle, no seu inimitável ‘Quando os Carva-
lhos se Abatem’, o gênio literário de Malraux nos narra cena simples e comovente que
presenciou quando, em Colombey-les-Deux Églises, era dado à sepultura o corpo do
grande herói francês. Uma fila de fuzileiros navais, erectos e firmes, apresentava ar-
mas ao cortejo que desfilava, contendo uma multidão que atrás deles se apinhava. Eis
que do meio dela se destaca uma mulher do povo, uma camponesa de chale preto,
humilde e triste, que, dirigindo-se a um daqueles militares, com voz altiva e enérgica,
reclamou: ‘Por que não me deixam passar?’ – ‘A ordem é para todos’, foi a resposta.
Malraux, que assistia ao diálogo, pousou a mão no ombro do marinheiro e ponderou:
– ‘Deixe-a passar. O General ficaria satisfeito. Ela fala como a França’. Fazendo meia-
volta, sem pronunciar uma palavra, sem mexer os músculos, ainda apresentando ar-
mas, ele abre um claro por onde penetra, coxeando, aquela francesa obscura e anôni-
ma. Nesse episódio, Malraux sentiu e viu, através de estranho e misterioso simbolismo,
o apresentar de armas à França eterna, miserável e fiel.
Foi esse mesmo sentimento que de todos se apoderou na tarde e noite do último 23
de agosto, quando contemplamos nesta Capital uma multidão imensa que se agitava
no seu coração e se espraiava ao longo das suas ruas e avenidas, aguardando horas a
fio, respeitosamente, o instante de prestar a sua última homenagem ao Presidente, ao

Sem título-4 559 7/5/2004, 10:22


560 Casimiro Neto

servidor do povo, ao amigo de todos, que horas antes a morte tragicamente nos arreba-
tara. Ela resumia, naquele instante, a alma de quase cento e dez milhões de brasileiros
espalhados na vastidão do nosso território, que naquela mesma hora, tomados da mes-
ma emoção, unidos na mesma dor, carpiam o líder excepcional, cujo desaparecimento
colocava em destaque a lição digna e luminosa de sua vida tecida no estudo, no traba-
lho, na bondade e na inquebrantável fidelidade aos valores perenes da Pátria. (Pal-
mas.) Houve em cada lar uma prece, em cada alma uma lágrima, em cada coração um
voto de pesar e de saudade.
É que Juscelino Kubitschek de Oliveira pertencia àquela rara estirpe do herói de
Sófocles na ‘Antígona’. Não viera para partilhar o ódio, viera para distribuir o amor.
As nacionalidades dependem muito de sua configuração física, dos acidentes
imprevisíveis e incontroláveis de sua formação dos entes telúricos que lhes vincam a
índole e a vocação. Mas não há notícia na História de que nenhuma delas se haja
transformado em nação poderosa, digna e culta, sem a presença de condutores clarivi-
dentes e proféticos, de guias seguros e carismáticos, de líderes sábios e generosos.
São os predestinados que, com as suas mãos fortes e rígidas, sabem argamassar as
virtudes e os defeitos do seu povo para torná-lo viril e dinâmico, com olhar fito no
futuro, para rasgar nos horizontes a perspectiva iluminada do destino. (Palmas.)
(...) Crescemos, fortalecemo-nos e nos dignificamos sempre na linha da generosi-
dade cristã, no respeito do direito, no culto da liberdade, sem a qual as nações se trans-
formam em imensos campos de concentração e os povos se estiolam no medo, na covar-
dia e na mediocridade. (Palmas.)
(...) Seria fastidioso descerrar as monumentais realizações de Juscelino Kubitschek
de Oliveira na Presidência da República. E não apenas fastidioso, de todo desnecessá-
rio, porque elas estão gravadas, em letras de fogo e para sempre, na gratidão nacional.
Mas não se pode falar de Juscelino Kubitschek de Oliveira sem falar de Brasília, o que
seria uma omissão imperdoável.
(...) Lutou e muito sofreu para construí-la. Teve de enfrentar pressões externas e
internas insuportáveis. Quando se viu só na sua determinação, apelou para o candango,
em cujos músculos, como numirífico avatar, se alojara o arrojo dos bandeirantes.
(...) Brasília foi, no passado, o seu desafio; hoje é a sua afirmação e, amanhã há
de ser o marco eterno de sua glória.
(...) Cassaram-no, é verdade. Baniram-no da vida pública. Os vilipêndios que
amarguraram os últimos anos de sua vida não o abateram, nem o diminuíram: ele
cresceu no coração do povo. (Palmas prolongadas.) Na sua humildade cristã, ele en-
controu a força da altivez e da honra para enfrentar e suplantar as maquinações do
ódio.
Os interrogatórios inquisitoriais não demoliram o seu ânimo. As ameaças do
terror não o amendrontaram. Mas no exílio ele se entibiou e sofreu. A saudade da
Pátria distante e o pavor de que não pudesse mais revê-la angustiavam-no e penetra-
vam no seu coração como uma agonia.
(...) O exilio era o toque que faltava para compor a imagem histórica de Juscelino
Kubitschek de Oliveira, foi a moldura de ouro de sua radiosa personalidade e da sua
permanente presença nos acontecimentos do seu tempo.

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A Construção da Democracia 561

(...) Sr. Presidente, Srs. Deputados, seja-me permitido, antes do término desta
oração que os sentimentos me vão ditando e que pronuncio por honrosa delegação da
Direção Nacional do Movimento Democrático Brasileiro, que eu quebre, de leve, o
protocolo solene desta magna e histórica sessão da Câmara dos Deputados para dirigir
uma palavra à Exmª Srª. D. Sarah Kubitschek de Oliveira (Palmas prolongadas), que
nestes dias tristes nos surpreende com as resistências espartanas do seu espírito. O
preclaro Presidente Juscelino Kubitschek, estilista primoroso, como prosador e orador,
nunca, ao que me conste, em qualquer fase da sua vida, buscou no ritmo e na rima a
expressão de suas emoções. Sei, porém, que talvez o único verso de sua lavra ele o
compôs para a sua consorte incomparável, companheira no esplendor e no tormento, e
o fez esculpir numa placa que, em sua homenagem e reconhecimento do muito que dela
recebera de encorajamento, ternura e amor, afixou na sua fazenda de Luziânia. É
singelo e de emocionante beleza: ‘Solar de Dona Sarah, que, com exemplar dignidade,
foi Primeira Dama de Belo Horizonte, de Minas, do Brasil e é desta casa.’ (Palmas.)
Assistimos à antecipação do seu julgamento histórico, à sua intronização no
Pantheon da Pátria, um ato público, patético, solene e majestoso de revogação de todas
as injustiças e agravos que os ódios e as paixões lhe irrogaram. (Palmas.)
(...) Outro assim, para repetir o vate andaluz, tardará muito a nascer.
Diante do seu vulto, que a morte transfigura e ilumina, com os clarões da imor-
talidade, elevando-o aos páramos onde se encontram os espíritos tutelares da Pátria,
outras palavras não encontro, para encerrar esta oração, senão aquelas que o gênio de
Shakespeare, na mais famosa de suas tragédias políticas, colocou nos lábios de Marco
Antônio, diante do cadáver mutilado de César: ‘Dos nobres era o mais nobre. A sua
vida era pura. Os elementos que compunham o seu ser, de tal forma nele se conjuga-
vam, que a natureza inteira poderia levantar-se e bradar ao Universo: aqui está um
Homem.’ (Palmas prolongadas. O orador é vivamente cumprimentado.)”. Grifado pelo
compilador.

1º de abril de 1977. É expedido o Ato Complementar nº 102 pelo Pre-


sidente da República, General-de-Exército Ernesto Geisel (RS). Logo apeli-
dado de “Pacote de Abril”, o ato complementar coloca o Congresso Nacional
em recesso. São promulgadas duas emendas constitucionais e sancionados
vários decretos-leis.
“O Presidente da República no uso da atribuição que lhe confere o § 1º do art. 2º
do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, e
Considerando que, nos termos do Ato Complementar nº 102, de 1º de abril de
1977, foi decretado, a partir dessa data, o recesso do Congresso Nacional;
Considerando que, decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo federal é
autorizado a legislar sobre todas as matérias, como preceitua o citado dispositivo do Ato
Institucional n° 5, de 13 de dezembro de 1968;
Considerando que a elaboração de emendas à Constituição, compreendida no
processo legislativo (art. 46, I), está na atribuição do Poder Executivo federal”, pro-
mulga a Emenda Constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977, e a Emenda
Constitucional nº 8, de 14 de abril de 1977. A Emenda Constitucional nº 7

Sem título-4 561 7/5/2004, 10:22


562 Casimiro Neto

promove ampla reforma do Poder Judiciário. A Emenda Constitucional nº 8


institue a figura do senador biônico, eleitos pelo sufrágio do Colégio Eleito-
ral constituído para eleição do Governador de Estado e o mandato presiden-
cial, de acordo com a mesma emenda, § 3º do art. 75, passa a ser de 6 anos.
Na Presidência da Câmara, o Deputado Marco Antônio de Oliveira Maciel
(ARENA-PE).
O Jornal “O Estado de São Paulo” destaca em sua matéria de capa: “Geisel
fecha Congresso para fazer reformas – Depois de reunir o Conselho de Segurança
Nacional, o presidente Geisel baixou, ontem pela manhã, Ato Complementar decretan-
do o recesso do Congresso Nacional. Às 20 horas, o presidente fez um pronunciamento
à Nação, por uma cadeia nacional de rádio e TV, quando anunciou as medidas adota-
das e explicou que o recesso se justificava ante a necessidade da edição da reforma do
Poder Judiciário, bloqueada no Congresso pela oposição. Geisel também prometeu alte-
rações no sistema político”.

Os trabalhos legislativos ficam suspensos de 1º a 14 de abril


de 1977.

Sem título-4 562 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 563

Quadro/Foto nº 27
O Presidente da Câmara, Deputado Marco Antônio de Oliveira Maciel,
com o Ministro do Planejamento e Coordenação Geral João Paulo
dos Reis Velloso e o Deputado José Alencar Furtado

Quadro/Foto nº 27/A
O Presidente da República – General-de-Exército Ernesto Geisel

Sem título-4 563 7/5/2004, 10:22


564 Casimiro Neto

Quadro/Foto nº 27/B e 27/C


O Presidente da Câmara, Deputado Marco Antônio de Oliveira Maciel,
cumprimenta o Presidente dos Estados Unidos da América do Norte,
Jimmy Carter (1977-1981), quando de sua visita ao
Congresso Nacional no dia 30 de março de 1978

Sem título-4 564 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 565

15 de abril de 1977. 13 horas e 30 minutos. Plenário da Câmara dos


Deputados. Após a leitura do expediente o Presidente da Câmara, Deputado
Marco Antônio de Oliveira Maciel (ARENA-PE) – democrata convicto e con-
trário a qualquer tipo de cerceamento dos trabalhos do Parlamento –, decla-
ra: “Srs. Deputados, no momento em que se reiniciam as atividades da Câmara dos
Deputados, cabe-me renovar a convicção – que é de toda a Casa – de que permanece
inarredável a idéia da imprescindibilidade da Instituição parlamentar à vida dos po-
vos organizados em sociedades democráticas.
O fato de voltarmos a nos reunir após a interrupção que acabamos de sofrer no
funcionamento do Poder Legislativo nacional vem demonstrar que é essencial à prática
do regime democrático a existência e atuação das Casas de representação política.
O sentimento democrático tem sido sempre o grande itinerário dos destinos da
Nação brasileira. Tenho, por isso, em meu espírito, a certeza de que a presença do
Parlamento impõe-se no conjunto da ação governamental.
O recesso do Congresso Nacional não fez diminuir as nossas crenças e a fé inaba-
lável na continuidade da construção, com descortino e espírito público, de uma Demo-
cracia sinônimo de bem-estar, justiça e liberdade.
Estou certo, pois, de que os eminentes colegas continuarão a trabalhar no sentido
de promover o desenvolvimento do País e o aperfeiçoamento das instituições políticas,
realizando, assim, as aspirações do povo brasileiro. (Palmas)”. Grifado pelo compilador.
Em seguida o Deputado José Alencar Furtado (MDB-PR), como Líder,
destaca em memorável pronunciamento: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, a Opo-
sição, nesta Casa, vem falar à Nação para servi-la.
O Presidente da República, tornando-se senhor absoluto dos rumos políticos do
Brasil, cerrou as portas do Congresso Nacional, decretando-lhe o recesso, a pretexto da
implantação de uma precária reforma judiciária, promovendo, entretanto, onze ou-
tras, para afastar o povo das decisões do seu destino.
(...) Democracia não se faz pela vontade de um homem, por mais iluminado ou
messiânico que seja, mas pela manifestação soberana de um povo. Ela existe quando as
instituições funcionam acordes com os princípios que regem a formação cultural da
nacionalidade.
(...) Ao que consta, o Sr. Presidente da República não é a Nação, não tem poderes
divinos, nem goza de soberania. É, contudo, no Brasil do AI-5, representante do arbí-
trio, e por isso impõe. Outorga-se em poder constituinte e por isso incrusta na Consti-
tuição, também imposta, normas e medidas do seu império.
Representa o Executivo, centralizadoramente, legisla pelo Legislativo, majorita-
riamente, e julga pelo Judiciário, discricionariamente.”
E encerra afirmando: “O MDB é hoje um grande partido. As provações o têm
retemperado. O sofrimento, deu-lhe unidade, a determinação de luta, deu-lhe grande-
za.
Vivemos talvez, o melhor instante da nossa vida partidária, pelo devotado idea-
lismo dos nossos companheiros, a serviço do Brasil.
Temos programa, temos princípios, temos povo e temos fé. Por isso a nossa resis-
tência democrática, com a graça de Deus, será a dos cristãos nas catacumbas. (Muito

Sem título-4 565 7/5/2004, 10:22


566 Casimiro Neto

bem! Palmas prolongadas. O orador é cumprimentado.)”. Grifado pelo compilador. En-


cerra-se a sessão às 17 horas e 55 minutos.
Vale registrar, para efeito de pesquisa e conhecimento, os decretos-leis
expedidos durante a vigência dos recessos do Congresso Nacional, no perío-
do dos governos militares, não foram ratificados pelo Parlamento. Com isso
temos o seguinte:
Os Decretos-Leis de nºs 001 a 318, expedidos no período de 13 de
novembro de 1965 a 14 de março de 1967; os de nºs 359 a 1.068, expedidos
no período de 13 de dezembro de 1968 a 21 de outubro de 1969; e os de nºs
1.533 a 1.543 expedidos no período de 1º a 14 de abril de 1977 não foram
ratificados pelo Congresso Nacional e por isso o Parlamento não tem publi-
cados em seus Anais as exposições de motivos correspondentes. Podem ser
encontradas na biblioteca do Ministério da Justiça ou da Presidência da Re-
pública.
28 de junho de 1977. É promulgada a Emenda Constitucional nº 9, que
“dá nova redação ao § 1º do art. 175 da Constituição federal”. É introduzido o
divórcio no Brasil. O casamento poderá ser dissolvido, nos casos expressos
em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos ou se
devidamente comprovado em juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for ante-
rior à data da emenda aprovada.
12 de outubro de 1977. Feriado em Brasília. Movimentação de tropas.
Convocados, os generais comandantes de tropas em outros Estados e que
chegam à Capital Federal são levados diretamente ao Palácio do Planalto,
onde hipotecam solidariedade ao Presidente da República General-de-Exér-
cito Ernesto Geisel (RS). É o desfecho da crise entre o Presidente da Repúbli-
ca e o seu Ministro do Exército, o General-de-Exército Silvio Couto Coelho
da Frota (RJ), pretenso candidato à sucessão presidencial, que é demitido. O
General-de-Exército Fernando Belfort Bethlem (RJ), do Comando do III Exér-
cito, sediado em Porto Alegre e que foi Comandante do Comando Militar da
Amazônia, é nomeado o novo Ministro do Exército.
No dia 14 de outubro, o Jornal “O Estado de São Paulo” destaca em sua
manchete principal: “Governo inicia resposta às acusações de Frota. – Embora o
Palácio do Planalto afirmasse que não haveria resposta à nota em que o general Sylvio
Frota faz uma série de acusações a atitudes políticas e diplomáticas do atual governo,
na prática a reação governamental às críticas do ex-ministro do Exército já começou,
seguindo a orientação da Presidência da República, segundo a qual cada setor dará
respostas indiretas, mas específicas, a cada uma das denúncias. – (...) em São Paulo, o
comandante do II Exército, general Dilermando Gomes Monteiro, distribuiu nota à
imprensa afirmando que ‘a substituição do ministro do Exército não teve nenhuma
interferência no ambiente disciplinar da instituição”.
Assunto reservado, somente no dia 17 de outubro o Deputado Aurélio
Roslindo Campos (MDB-SP), em pronunciamento no “Pequeno Expediente”,
fala sobre a sucessão presidencial: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, a faceta mais

Sem título-4 566 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 567

surpreendente da fulminante exoneração do General Silvio Frota foi a facilidade com


que todos os setores militares e políticos absorveram a decisão.
(...) Em algumas ocasiões, falando aos jornalistas, assessores e amigos, o Gover-
nador Paulo Egydio exteriorizou seus pressentimentos com esta frase: – “Aquele que
botar a cabeça para fora, na luta pela sucessão federal, poderá ficar sem ela”. E o
General Silvio Frota foi decapitado. Traçando este perfil, não estou sequer tentando
interpretar os fundamentos da exoneração do Ministro da Guerra, primeiramente por-
que não disponho de nenhuma informação concreta, depois, porque sou um simples
soldado do meu partido e existem determinações taxativas para que prudentemente se
evitem especulações. Mas existem ilações que do episódio da incruenta decapitação e da
personalidade do executor se reafirmam até como um compromisso e pelas quais o
Presidente Ernesto Geisel continua inarredavelmente condicionado às rígidas normas
que ditou para sua política distensionista, que a iniciar-se ainda durante o seu Gover-
no, haverá de se completar como na execução de um legado pelo próximo Presidente,
civil ou militar, cuja candidatura começará a ser urdida a partir de janeiro”. Grifado
pelo compilador.

5 de abril de 1978. O Senador Teotônio Brandão Vilela apresenta o


“Projeto Brasil”, preconizando reformas no regime de governo. Poeta das
multidões de esquecidos pelo Brasil afora, encanta multidões, refaz novos
caminhos, novos tempos e dá um novo rumo às discussões políticas. A histo-
riadora e pesquisadora Marly Silva da Motta na introdução da obra “Grandes
Vultos que Honraram o Senado – Perfil Parlamentar de Teotônio Vilela”, publicada
em 1996, destaca que “em 1983, sofrendo de câncer, Teotônio andou por todo o país,
defendendo a realização imediata de eleições diretas para presidente da República.
Essa é, sem dúvida, a lembrança mais forte que dele ficou, mesmo para aqueles mais
jovens que nunca o viram nem ouviram o som de sua voz pausada e forte.
(...) Para Teotônio, democracia não era um conceito abstrato. Era preciso torná-
la concreta; dar-lhe forma em leis e instituições estáveis. Ultrapassados os mais sérios
impasses do processo de abertura – o ‘pacote de abril’ e a demissão do ministro do
Exército, Sílvio Frota, ambos em 1977 – Teotônio se engajou na ‘causa’ de passar o
Brasil a limpo”.
O editorial do Jornal “Folha de São Paulo” publicado no dia 14 de no-
vembro de 1983 destaca que “sua ação descolou-se paulatinamente da realidade
das classes, dos partidos e dos interesses datados, para atingir outro terreno, o dos
sentimentos perenes (...). A política precisa de Teotônios como os povos precisam de
artistas”.
15 de outubro de 1978. Congresso Nacional. Plenário. Eleição indireta
na forma da Emenda Constitucional nº 8, de 14 de abril de 1977. O mandato
presidencial, de acordo com a mesma emenda, § 3º, art. 75, passou a ser de 6
anos.
São registrados pela Mesa do Senado Federal como candidatos a Presi-
dente e a Vice-Presidente da República, respectivamente, pela Aliança Reno-
vadora Nacional (ARENA), o General-de-Exército João Batista de Oliveira

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568 Casimiro Neto

Figueiredo (RJ) e o Dr. Antônio Aureliano Chaves de Mendonça (MG) e pelo


Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o General-de-Exército Euler
Bentes Monteiro e o Dr. Paulo Brossard de Souza Pinto (RS).
O colégio eleitoral é composto pelos membros do Congresso Nacional e
os delegados das Assembléias Legislativas estaduais, estes em
proporcionalidade estabelecida com base no número de eleitores de cada
Estado da Federação e fixada pelo Tribunal Superior Eleitoral (art. 4º da Lei
Complementar nº 15/73).
Para encaminhar a votação é dada a palavra ao Presidente do Movi-
mento Democrático Brasileiro (MDB), Deputado Ulysses Silveira Guimarães
(SP), que faz mais um emocionante pronunciamento: “(...) Repito que o Movi-
mento Democrático Brasileiro estrategicamente aceitou a via indireta com a esperança
e o compromisso, se vitoriosos seus candidatos, de enxotá-la da vida pública brasileira
(Palmas!), com a imediata convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte e
conseqüente eleição, pelo voto direto, universal e secreto do Presidente da República,
dos Governadores de Estado, dos Prefeitos Municipais e dos Senadores. (Palmas!).
(...) O Poder Legislativo no Brasil atual é infelicitado pela competência reduzida
que lhe foi imposta e pelo acréscimo de competência arbitrária, que lhe foi impositivamente
adicionada.
Encerra dizendo: “(...) Dia virá que, Deus ajudará para que seja breve,
restabelecida a Democracia, nos encontraremos, colegas que somos do mesmo ofício,
como aliados ou adversários, não sentados nestas cadeiras, mas de pé nos palanques,
nos caminhões, em caixotes, na Rádio e na Televisão, falando em eleições livres e para
todos os cargos representativos, sentindo o cheiro forte do povo, apertando as mãos
rudes dos trabalhadores, ouvindo o futuro na voz moça dos estudantes e contemplando
a fisionomia angustiada das multidões, trágicos panfletos de carne e sangue gritando
por pão, casa, saúde, educação e liberdade. (Palmas prolongadas.)”. Grifado pelo com-
pilador.
Procede-se à votação pelo processo nominal. Votam 584 membros do
Colégio Eleitoral, sendo 355 votos para o General-de-Exército João Batista
de Oliveira Figueiredo (RJ), candidato da Aliança Renovadora Nacional (ARE-
NA), e 226 votos para o General-de-Exército Euler Bentes Monteiro, candi-
dato do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Abstiveram-se de votar
três membros do Colégio Eleitoral. O General-de-Exército João Batista de
Oliveira Figueiredo (RJ) é proclamado eleito Presidente da República Fede-
rativa do Brasil para o mandato de 15 de março de 1979 a 15 de março de
1985. Encerra-se a Sessão às 12 horas e 5 minutos.
18 de outubro de 1978. Congresso Nacional. Plenário. É lido o Projeto
de Lei nº 35-CN, do Poder Executivo, que “define os crimes contra a segurança
nacional, estabelece a sistemática para o seu processo e julgamento, e dá outras provi-
dências (extinção da pena de morte e prisão perpétua)”. É discutido no mês de
outubro e novembro. No dia 28 de novembro esgota-se o prazo de tramitação
do projeto, de acordo com o prazo estabelecido no § 2º do art. 51 da Consti-

Sem título-4 568 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 569

tuição Federal. A matéria é aprovada por decurso de prazo, conforme previs-


to no parágrafo 3º do art. 51 da Constituição Federal. No dia 17 de dezembro
de 1978 o Presidente da República, General-de-Exército Ernesto Geisel (RS),
sanciona a Lei nº 6.620.
Têm início as necessárias reformas constitucionais prometidas pelo go-
verno militar e nunca implementadas.
13 de dezembro de 1978. É promulgada a Emenda Constitucional nº
11 que entra em vigor em 1º de janeiro de 1979. Entre outros assuntos decla-
ra: “São revogados os Atos Institucionais e Complementares, no que contrariarem a
Constituição Federal, ressalvados os efeitos dos atos praticados com base neles, os quais
estão excluídos de apreciação judicial”, e também, “A organização e o funcionamento
dos Partidos Políticos, de acordo com o disposto neste artigo, serão regulados em lei
federal.” O Presidente da República, General-de-Exército Ernesto Geisel (RS),
é convencido, nos últimos dias de seu governo, a revogar os atos institucio-
nais, precisamente depois de 10 anos de vigência do AI-5. Com essa decisão
passa para a história como o Presidente da República, do “ciclo de governos
militares”, que acabou com a legislação excepcional e introduziu as modifica-
ções das exigências para a organização dos partidos políticos.
27 de junho de 1979. O Presidente da República, General-de-Exército
João Batista de Oliveira Figueiredo (RJ), envia ao Congresso Nacional a Men-
sagem nº 59, que “concede anistia e dá outras providências”. No dia 28 é realiza-
da a leitura da mensagem e constituída a Comissão Mista para apreciação da
matéria. No dia 2 de agosto são eleitos o Senador Teotônio Vilela e o Depu-
tado Ernani Ayres Sátyro de Sousa (ARENA-PE) para presidente e relator,
respectivamente, da Comissão Mista. Nesse mesmo dia são designadas
subcomissões para visitar presos no Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, e Salva-
dor. Até o dia 10 de agosto, prazo final, são apresentadas 302 emendas ao
Projeto de Lei nº 14/79. Intensos e apaixonados debates nas sessões do Con-
gresso Nacional.
No dia 22 de agosto de 1979, às 9 horas da manhã, no Plenário do
Congresso Nacional, com a presença de 411 deputados e 67 senadores tem
início a discussão final e votação do Projeto de Lei nº 14, de 1979-CN, que
“concede Anistia, e dá outras providências”. As galerias estão tomadas de milita-
res e recrutas, em trajes civis, que se manifestam ruidosamente na tentativa
de impedir a livre manifestação dos parlamentares da oposição quando estes
têm direito a palavra. Começa uma das sessões mais agitadas e tumultuadas
dos últimos anos.
O Deputado José Oliveira Costa (MDB–AL) pede a palavra para uma
questão de ordem e denuncia: “Nós, do Movimento Democrático Brasileiro, temos
informações de que, desde as cinco horas da manhã de hoje, militares, recrutas à paisa-
na se postavam defronte ao prédio do Congresso, com o objetivo de ocupar as galerias e
impedir o livre acesso do povo ao processo de votação do Projeto de Anistia, a reali-
zar-se na manhã de hoje, nesta Casa. Peço a V. Exª, Sr. Presidente, considerando a

Sem título-4 569 7/5/2004, 10:22


570 Casimiro Neto

gravidade do fato, que a Mesa adote providências para que fatos dessa natureza não
se repitam, e mais ainda, para que as portas permaneçam abertas, independente-
mente das galerias estarem lotadas, a fim de que o povo – já que esta Casa é do povo
– tenha oportunidade de participar, de assistir aos nossos trabalhos... (Manifestações
das galerias.)
O SR. PRESIDENTE (Lourival Baptista) – As galerias não podem se manifes-
tar. Está com a palavra o nobre Sr. Deputado José Costa.
...tenha a oportunidade de assistir à votação desta matéria, que é da maior rele-
vância para o País. Muito Obrigado a V. EXª.” Grifado pelo compilador.
O Deputado Antônio Tidei de Lima (MDB-SP) reforça a denúncia: “(...)
Como Membro da Mesa da Câmara dos Deputados, tive o cuidado de chegar ao Con-
gresso Nacional às 7 horas e 15 minutos, e encontrei as galerias todas tomadas. Para
informar a V. Exª, colhi junto à Segurança da Câmara que 10 minutos para às 7
horas, quando aqui chegaram os funcionários da Câmara dos Deputados, a quem está
encarregado o serviço de segurança da Casa, eles já encontraram mais de 700 solda-
dos da Polícia da Aeronáutica, Sr. Presidente, os quais aqui não estão na sua condição
de civis. Observa-se claramente que há uma verdadeira operação militar de ocupação
desta Casa. É legítimo Sr. Presidente? É legítimo? (Palmas.)
S. Exª foi mal informado, quando disse que as portas do Congresso foram abertas
ás 7 horas; as portas do Congresso não foram abertas. Pelo Anexo I do Senado, antes
das 7 horas, foi permitida a invasão militar que se observa nesta Casa, neste momento.
É o nosso protesto, o protesto veemente, não apenas de um membro do MDB, mas de um
membro da Câmara dos Deputados que se sente responsável para assegurar também ao
povo o legítimo direito de poder acompanhar os trabalhos na Casa do povo!
Sr. Presidente, fica registrado o nosso protesto contra essa operação mascarada,
pois não tiveram inclusive o cuidado de trazer cabeleira postiça para não serem
indentificados.
Fica registrado, Sr. Presidente”. Grifado pelo compilador.
É apresentado requerimento de preferência para votação do substitutivo
subscrito pelos Deputados Ulysses da Silveira Guimarães (MDB-SP) e José
Freitas Nobre (MDB-SP) e pelo Senador Paulo Brossard (Emenda nº 7) que
trata de uma anistia mais ampla. Colocado em votação, o pedido de prefe-
rência é rejeitado.
À proposta do Governo são incorporadas algumas emendas acolhidas
pelo Substitutivo do Relator da Comissão Mista, Deputado Ernani Ayres Sátyro
de Sousa (ARENA-PE), aperfeiçoando e ampliando o texto a ser votado. Es-
tende a anistia aos estudantes, sindicalistas, empregados de empresas priva-
das que participaram de greves e foram destituídos ou demitidos; aos crimes
eleitorais; além de descentralizar, para mais rápida apreciação e decisão, os
requerimentos que seriam submetidos diretamente ao Ministro da Justiça.
Amplia a abrangência do direito à anistia até 15 de agosto do ano em curso;
a possibilidade de o cônjuge ou parente de pessoas desaparecidas requerer
declaração de ausência; anistia aos que, encontrando-se no exílio, ficaram

Sem título-4 570 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 571

impossibilitados de cumprir o serviço militar; e assegura aos anistiados o


direito de inscreverem-se em partidos políticos legalmente constituídos para
votar e serem votados nas convenções partidárias que se realizarem no prazo
de um ano, a partir da vigência da lei a ser sancionada.
Depois de oito horas e trinta e cinco minutos de reuniões ininterruptas,
é aprovado a anistia para o período compreendido entre 2 de setembro de
1961 e 15 de agosto de 1979. Excetuam-se dos benefícios da anistia os que
foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e
atentado pessoal. O texto que entrará em vigor é o substitutivo apresentado
ao Parecer nº 79, de 1979 (CN), da Comissão Mista do Congresso Nacional,
tendo como relator o Deputado Ernani Ayres Sátyro de Sousa (ARENA-PE).
Por apenas quatro votos (206 contra 202) foi rejeitada a emenda do
Deputado Djalma Aranha Marinho (ARENA-RN), que estendia o benefício
aos crimes de morte. A emenda rejeitada tem o seguinte teor: “Parágrafo úni-
co. Consideram-se conexos aos crimes políticos, para os efeitos da presente anistia, além
dos atos preparatórios e complementares de crime político, os crimes de qualquer natu-
reza praticados por motivação política”.
Durante a sessão há trocas duras de acusações e agressões físicas entre
os parlamentares. Longas e organizadas vaias por parte de pessoas que lotavam
as galerias irritam os parlamentares, ocorrendo várias interrupções e recla-
mações.
No dia 23 de agosto de 1979, o Jornal “O Estado de São Paulo” destaca em
sua manchete de primeira página: “Aprovada anistia que exclui os terroristas. –
Numa das sessões mais agitadas dos últimos tempos e depois de oito horas de reuniões
ininterruptas, o Congresso aprovou ontem a anistia para os crimes políticos cometidos a
partir de 1961, com exclusão dos condenados por ações que tenham resultado em morte.
O texto que entrará em vigor é o do substitutivo do deputado Ernani Sátyro, relator do
projeto na comissão mista, e por apenas 5 votos (206 contra 201) foi rejeitada a emenda
do arenista Djalma Marinho, que estendia o benefício aos crimes de morte.
Houve de tudo na tumultuada sessão de ontem do Congresso: trocas duras de
acusações entre parlamentares e agressões físicas no plenário, longas e organizadas
vaias por parte dos populares que lotavam as galerias e até mesmo a rebeldia de 16
deputados arenistas, que votaram a favor da emenda Djalma Marinho.
No Palácio do Planalto, ainda não se sabia quando o presidente pretende sanci-
onar a anistia, cujo texto deverá receber ainda hoje. Said Farhat informou apenas que
Figueiredo acolheu “com satisfação” a aprovação do projeto, “sobretudo pelo alcance
político e social que ele tem”.
Embora a decisão do Congresso não tenha sido por uma anistia mais ampla, os
presos políticos de São Paulo e Rio encerraram ontem sua greve de fome”.
28 de agosto de 1979. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da
República, General-de-Exército João Baptista de Figueiredo (RJ), sanciona a
Lei nº 6.683, que “concede anistia e dá outras providências” – denominada “Lei
da Anistia” –, nos termos em que foi aprovada pelo Congresso Nacional e com

Sem título-4 571 7/5/2004, 10:22


572 Casimiro Neto

vetos parciais (MSG 81/79). “É concedida anistia a todos quantos, no período


compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes
políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos
suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de Fundações vincula-
das ao Poder Público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares
e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucio-
nais e Complementares”. É um marco na história recente do Brasil que encerra,
com esperança, uma década muito difícil para o povo brasileiro.
No decorrer da história do Brasil independente, desde o Decreto de 18
de setembro de 1822, que “concedeu anistia geral para as passadas opiniões, ordenou
o distintivo Independência ou Morte e a saída dos dissidentes” até o Decreto nº 84.143,
de 31 de outubro de 1979, que “regulamentou a Lei nº 6.683, de 28 de agosto de
1979” foram promulgados oito dispositivos constitucionais e expedidos 132
dispositivos infraconstitucionais. Histórica referência, demonstrando o caráter
ordeiro e pacífico do povo brasileiro. A este respeito ver também a obra “Anistia
– Legislação Brasileira – 1822 – 1979”, publicada no ano de 1980, elaborada pela
Seção de Legislação Brasileira, da Coordenação de Estudos Legislativos, sob a
responsabilidade editorial da servidora Edna Gondim de Freitas.

19 de outubro de 1979. Congresso Nacional. É lida a Mensagem nº 103


que encaminha o Projeto de Lei nº 37, de 1979 – CN, que “regula o artigo 152
da Constituição, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 11, de 1978,
altera dispositivos da Lei nº 5.682, de 21 de julho de 1971(Lei Organica dos Partidos
Políticos), e do Decreto-Lei nº 1.541, de 14 de abril de 1977 (Lei das Sublegendas), e
dá outras providências”. Em um dos trechos da Mensagem Presidencial destaco
o seguinte: “(...) Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 1, encerrou-se o
período do bipartidarismo nascido de acontecimento histórico – a Revolução, em face
da qual se criaram os dois Partidos: o que se formou para lhe apoiar o ideário e que
apoiaria os progrmas de sucessivos governos e o que se constituiu em Oposição.
Com o passar dos anos, correntes de procedências diversas e convicções políticas
até conflitantes confluíram para a única legenda que é o instrumento da expressão e
luta oposicionistas, merecendo esta, não raro o cognome de Federação de Oposições, tão
grande a diferenciação, senão o antagonismo entre os que a integram, em concepções
ideológicas ou doutrinárias, isto é, no que é fundamental ao militante político.
No seio do próprio Partido do Governo, apesar de em menor grau, ocorreram
discordâncias fundadas não apenas nos interesses legítimos ante o poder, mas em con-
cepções sobre o destino da sociedade, do Estado, e a posição deste perante o homem, vale
dizer, por motivos também doutrinários.
(...) O projeto regulamenta, em suma, a Emenda Constitucional nº 11, no que
concerne aos partidos políticos. Propõe novos moldes para a fundação, organização e
funcionamento das instituições partidárias, a fim de que, dentro da problemática bra-
sileira de hoje, possam ajudar o futuro que será mais democrático se ao esforço constru-
tivo do Governo corresponder a crítica oportuna e esclarecida da Oposição. Os cami-
nhos são diversos e até opostos, mas a obra é comum”. Grifado pelo compilador.

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A Construção da Democracia 573

No dia 21 de novembro de 1979 o Congresso Nacional aprova o Projeto


de Lei nº 37 – CN, de 1979. Sancionado pelo Presidente da República, Gene-
ral-de-Exército João Batista de Oliveira Figueiredo (RJ), transforma-se na
Lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979. Uma reforma partidária que na
prática extingue a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) e restabelece o pluripartidarismo. Sinaliza,
assim, o início da abertura política.

10 de fevereiro de 1980. É aprovado o manifesto de criação do Parti-


do dos Trabalhadores (PT) tendo como um dos fundadores o líder sindical
Luiz Inácio Lula da Silva (PE). De acordo com as palavras do Deputado
Aloizio Mercadante (PT-SP) na sessão solene em homenagem aos 20 anos
da fundação do Partido dos Trabalhadores, realizada na Câmara dos Depu-
tados no dia 9 de fevereiro de 2000. “esse partido nasceu das lutas contra a
ditadura militar. Primeiro, das manifestações estudantis que começaram com os as-
sassinatos de Alexandre Leme e Vladimir Herzog, ainda no início dos anos 70 e,
depois, na segunda metade dessa década, que permitiram tomar as ruas em grandes
manifestações democráticas, na luta por liberdade de expressão, contra a tortura e
pela anistia.
Conjuntamente com essa primeira grande onda de mobilizações populares feitas
pelos estudantes, vieram os trabalhadores. No dia 12 de maio de 1978, as máquinas
da Scania Vabis, no ABC, pararam. Braços cruzados, máquinas paradas, e por meio
de uma mobilização dos metalúrgicos do ABC, liderados por Lula, a classe trabalhado-
ra começou a entrar no cenário político nacional de forma decisiva.
Como uma mancha de óleo por todo o País, propagaram-se as greves no ABC, e
os trabalhadores, há tanto tempo oprimidos pela ditadura, pela intervenção nos sindi-
catos, pela ausência do direito de greve e pela absoluta impossibilidade de manifestação
política e sindical, começaram a romper todas essas amarras e se constituíram num
novo e decisivo sujeito político na História do Brasil.
O eixo fundamental da construção do nosso Partido foram as lutas sindicais e
operárias lideradas por Lula, Olívio Dutra, Jacó Bitar, naquela época, e tantas outras
lideranças que vinham dessa grande mobilização popular”.

12 de fevereiro de 1980. É lançado o plano de ação política do Partido


Popular (PP) pelo Senador Tancredo de Almeida Neves (MG).

12 de maio de 1980. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concede a


sigla PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) que foi fundado em 1945, por Ge-
túlio Dornelles Vargas (RS) a Cândida Ivette Vargas Martins (RS), frustrando
as expectativas do ex-governador Leonel de Moura Brizzola (RS), que cria o
Partido Democrático Trabalhista (PDT).

27 de agosto de 1980. Treze horas e quarenta minutos. A funcionária


Lyda Monteiro da Silva é fatalmente vitimada por um atentado a bomba na
sede da OAB, no Rio de Janeiro.

Sem título-4 573 7/5/2004, 10:22


574 Casimiro Neto

19 de novembro de 1980. Congresso Nacional. É promulgada a Emen-


da Constitucional nº 15, que “reestabelece o sistema de voto direto nas eleições para
Governador de Estado e para Senador da República” e põe fim à figura do deno-
minado “senador biônico”.
30 de abril de 1981. Quinta-feira. 22 horas. Rio de Janeiro. Bombas
explodem no estacionamento do “Riocentro”, na Barra da Tijuca, onde está
sendo realizado um show de música popular, patrocinado pelo Centro Brasil
Democrático – Cebrade –, para comemorar o Dia do Trabalhador. O Capitão
do Exército Wilson Chaves Luís Machado, do DOI-Codi, é gravemente ferido
e seu companheiro, o Sargento Guilherme Pereira do Rosário, especialista
em explosivos, morre. O show, promovido pela TV Bandeirantes com partici-
pação de cantores brasileiros, é suspenso, a polícia interdita a área e não sabe
explicar se as bombas estavam ou não dentro do carro do militar. No início da
madrugada, uma equipe de especialistas em explosivos do Exército começa a
periciar o local.
Com o andamento das investigações fica aparente que ativistas milita-
res de extrema-direita tentam desestabilizar o governo do Presidente da Re-
pública, General-de-Exército João Batista de Oliveira Figueiredo (RJ), e a
abertura política em andamento no País. Estas investigações apontam para
uma operação armada por agentes do CIEX-Centro de Informações do Exér-
cito, onde serviam o capitão que acabou mutilado e o sargento que morreu.
O General-de-Divisão Golberi do Couto e Silva (RS) pede demissão do
Gabinete Civil da Presidência da República no dia 6 de agosto de 1981, não
satisfeito com a atitude do Presidente da República João Baptista de Oliveira
Figueiredo (RJ) em ter aceito as pressões dos militares de extrema-direita
envolvidos no atentado. Os extremistas, com o apoio do General-de-Brigada
Octávio Aguiar de Medeiros (RJ), Chefe do Serviço Nacional de Informações
(SNI), evitam por todos os meios que o inquérito aberto apure os autores do
ato terrorista.
4 de maio de 1981. Plenário. O Deputado Domingos de Freitas Diniz
Neto (PT-MA) é o primeiro a denunciar o ocorrido e diz: “Sr. Presidente, Srs.
Deputados, o tema hoje, como não poderia deixar de ser, é o terror. Em sessão do Con-
gresso Nacional, tivemos oportunidade de relatar e analisar os fatos que estão
intranqüilizando a Nação e a família brasileira. Exatamente no dia 30 próximo pas-
sado, à noite, nas imediações do chamado Rio Centro, na cidade do Rio de Janeiro,
realizava-se uma concentração de trabalhadores, de jovens, enfim, do povo do Estado
do Rio, visando à comemoração do 1º de maio.
Aqueles jovens, aqueles trabalhadores e todo o povo brasileiro foram tomados de
perplexidade em face dos atentados terroristas praticados por dois militares da ativa do
Exército Nacional que servem no DOI-CODI, exatamente no I Exército. Estas afirma-
ções têm respaldo na própria realidade.
Toda a imprensa nacional, como articulistas do gabarito de Carlos Castelo Branco,
Carlos Chagas, Vilas Boas Correa, como de resto todo o povo brasileiro, concluíram

Sem título-4 574 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 575

sobre a autoria do atentado. Só que quem não chegou à mesma conclusão foram as
chamadas cúpulas militares do I Exército e da Secretaria de Segurança do Estado do
Rio de Janeiro”. Grifado pelo compilador.
Os Deputados Elquisson Dias Soares (PMDB-BA), Walter da Silva
(PMDB-RJ), José Wilson Siqueira Campos (PDS-GO), Adhemar Santillo
(PMDB-GO), Carlos Gomes Bezerra (PMDB-MT), Iram de Almeida Saraiva
(PMDB-GO), Octacílio Nóbrega de Queiroz (PMDB-PB), Nilson Alfredo
Gibson Duarte Rodrigues (PDS-PE), João Faustino Ferreira Neto (PDS-RN),
Leorne Menescal Belém de Holanda (PDS-CE), José Mário Frota Moreira
(PMDB-AM), Jorge Wilson Arbage (PDS-PA), Antonio José Miguel Feu Rosa
(PDS-ES), Jose Guilherme de Araújo Jorge (PDT-RJ), Odacir Klein (PMDB-
RS), Carlos Alberto Cotta (PP-MG), José Hugo Mardini (PDS-RS), Magnus
Francisco Antunes Guimarães (PDT-RS), Aurélio Peres (PMDB-SP), Sílvio de
Andrade Abreu Júnior (PP-MG) se revezam na tribuna do Plenário para de-
nunciar o fato e solicitar providências do Governo.
18 de setembro de 1981. Rio de Janeiro. O Presidente da República,
General-de-Exército João Batista de Oliveira Figueiredo (RJ), sofre um enfarte.
É hospitalizado e logo transferido para Cleveland, nos Estados Unidos. Assu-
me o Vice-Presidente Antônio Aureliano Chaves de Mendonça (MG).
5 de abril de 1982. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado
Audálio Ferreira Dantas (PMDB-SP) faz a seguinte denúncia: “Sr. Presidente,
Srªs e Srs. Deputados, repetidas vezes tenho ocupado esta tribuna para dizer que esta
Nação, a partir do início do chamado processo de abertura, vive um regime de liberda-
de vigiada. Todas as liberdades públicas neste País são efetivamente concedidas a título
precário. Basta examinarmos a questão da liberdade de informação, que determina
todas as demais, pois sem um mínimo de liberdade de informação nenhuma das outras
liberdades subsiste. É sempre oportuno lembrar que, apesar da queda do AI-5, outros
instrumentos que cerceiam a liberdade de informação permanecem em vigor. Além dos
artigos específicos da Lei de Segurança Nacional, está em vigor o Decreto-Lei nº 1.077,
de 1969, que estabelece a censura prévia nos veículos de informação. A lei de impren-
sa, que, comparada com esses instrumentos, pode ser considerada liberal, continua em
vigor e sendo utilizada freqüentemente pelos donos do Poder contra os jornalistas. São
constantes as investidas contra a liberdade de informação. Ainda há pouco, no Rio de
Janeiro, um censor da Polícia Federal anunciou a sua disposição de impedir até a
propaganda de absorventes femininos na televisão, por considerá-la uma imoralidade.
E todas as vezes que esses setores do obscurantismo anunciam suas cruzadas moralistas,
a pretexto de salvaguardar a moralidade pública, tem-se verificado graves prejuízos à
liberdade de expressão. A censura moral termina sistematicamente na censura política.
Quando S. Exª o Presidente da República anuncia a sua cruzada moralista, não
podemos deixar de temer a censura política.
Agora mesmo um filme que enfoca os dias mais negros deste regime, intitulado
‘Prá Frente Brasil’, do Diretor Roberto Farias, está ameaçado de interdição total. A
decisão deverá ser tomada hoje pela Censura Federal. E essa decisão, que não será,

Sem título-4 575 7/5/2004, 10:22


576 Casimiro Neto

certamente, de caráter rotineiro, poderá indicar se este País está a caminho de uma real
abertura ou se descerá ao abismo da prepotência e do obscurantismo. A decisão indica-
rá também se o País não está de volta aos dias mais terríveis inaugurados por este
regime. Ao que tudo indica, a Censura Federal não decidirá hoje segundo os critérios de
seus zelosos funcionários, mas sob pressão ou determinação expressa de setores do poder
que se consideram com o direito de decidir o que é bom e o que é mau para esta Nação.
O noticiário dos órgãos de comunicação, nos últimos dias, trouxeram, com bastantes
detalhes, informações a respeito das decisões que vêm sendo tomadas pela chamada
comunidade de informações, a respeito desse filme e que levaram, até agora, à demissão
do Presidente da EMBRAFILME, Sr. Celso Amorim. A situação criada com essa de-
missão, e claramente ligada ao filme ‘Prá Frente Brasil’, revelam-nos uma situação
extremamente grave, na qual desempenham papel preponderante os setores ‘duros’, que
consideram o filme de Roberto Farias ofensivo ao regime ou aos militares.
Mas que ofensa ao regime conterá esse filme? Segundo o noticiário, o filme ‘Prá
Frente Brasil’ retrata um episódio dos tempos ainda recentes do Ato Institucional nº 5,
principalmente sob o Governo do Gen. Médici. Naqueles dias, ao mesmo tempo em que
se propagandeava um Brasil novo, um Brasil gigante, um Brasil que progredia, um
Brasil que festejava as vitórias do futebol na Copa do Mundo em 1970, havia a escuri-
dão dos ‘porões’ do regime, onde se torturava e se matava. O filme conta a história de
um cidadão preso por engano e levado por grupos paramilitares para lugar ignora-
do e submetido a torturas. Ora, estes fatos ocorreram – e isto está registrado já pela
História.
(...) eu mesmo sou testemunha de fatos semelhantes aos que são narrados nesse
filme. Como Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, de 1975 a 1978,
principalmente no segundo semestre de 1975, ouvi vários depoimentos de companhei-
ros jornalistas que foram apanhados nas ruas, nas suas casas ou nos seus locais de
trabalho e levados para lugares onde foram submetidos a tortura. A morte de Vladmir
Herzog, em 1975, foi um desses episódios.
(...) ‘A parte da História do Brasil que ainda não foi contada’, na opinião do ator
Antônio Fagundes; “Um filme que cria e transmite a quem o vê a atmosfera densa e
tensa da insegurança, da delação e de medo de uma década que começa no Governo
Costa e Silva, incorpora o período curto mas tenebroso da Junta Militar, atravessa toda
a mistificação de euforia e milagre para fora do negro mandato sob censura e tortura
do Governo Médici e vai implodir com a morte de Wladimir Herzog, com o sacrifício do
operário Manuel Fiel Filho e com a demissão do General Ednardo Mello do comando
do II Exército nos meados do mandato do Presidente Ernesto Geisel”. Grifado pelo com-
pilador.
No dia 12 de abril o Deputado José Guilherme de Araújo Jorge (PMDB-
RJ) assim se posiciona sobre os fatos: “Sr. Presidente, Srs. Deputados, cineastas
brasileiros, produtores cinematográficos, artistas, técnicos em espetáculos de diversões
públicas, documentaristas, através de suas entidades de classe enviaram telegrama ao
Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel solicitando a libertação do filme ‘Prá Frente
Brasil’, de Roberto Farias, pois sua proibição constitui o que denominam ‘um grave
desserviço à democracia’.

Sem título-4 576 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 577

Este gesto do Ministério da Justiça, equivale dizer, do Governo, impedindo a


apresentação desta obra do cinegrafista brasileiro, diretor Roberto Farias, faz lembrar
episódio citado recentemente por um cronista brasileiro: Picasso, diante do seu célebre
mural que permanecia nos Estados Unidos até ser levado de volta à Espanha recente-
mente, depois da queda de Franco observava, em companhia de amigos, a sua obra
quando um nazista o interpelou: ‘Foi você quem fez isto?’ e Picasso respondeu: ‘Não,
foram vocês’. O filme ‘Prá Frente Brasil’ pode ser inserido da mesma forma: não foi
Roberto Farias quem realizou substancialmente ‘Prá Frente Brasil’, documentário que
em termos de ficção se reporta aos dias dramáticos, aos momentos negros de violência e
de tortura, de infringência aos direitos humanos por que passou este País depois que
nele se instalou a Revolução de 64. É um documento vivo, palpitante e ninguém pode
apagar a História com um gesto tão simples como o de um professor que apaga no
quadro-negro rabiscos de giz. Impedir que uma obra cinematográfica como esta seja
apresentada à população brasileira é atentar contra o princípio que o Presidente da
República está defendendo; a abertura democrática.
Diz o telegrama enviado ao Ministro da Justiça pela Associação Brasileira de
Produtores Cinematográficos, pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e
Diversões Públicas do Rio de Janeiro, pela Associação Brasileira de Cineastas, pela
Associação de Técnicos de Cinemas, pela Associação Brasileira de Documentaristas e
pelo Conselho Nacional de Cineclubes:
‘Consideramos a proibição do filme ‘Prá Frente Brasil’, do cineasta Roberto Farias,
um grave desserviço à democracia através de decisão da Censura Federal. Foi posta em
causa a maioridade da sociedade brasileira. Além do respeito à liberdade de expressão e
pensamento, está em jogo nossa capacidade de construir o futuro deste País. A consoli-
dação da democracia passa, também, pela análise dos traumas do passado. A matéria-
prima da arte é a liberdade. Apelamos para a alta compreensão de S. Exª no sentido de
que o referido filme seja liberado, permitindo a continuidade plena da proposta de
abertura política, em que se empenha toda a Nação brasileira’.
Subscrevemos, Sr. Presidente, em meu nome e no de meu partido, o PDT, esse
telegrama enviado ao Ministro da Justiça. Solidarizamo-nos com a defesa da cultura e
da liberdade e esperamos que o Governo tenha discernimento e lucidez bastante para
permitir que uma mensagem histórica como essa seja levada ao conhecimento do povo,
que dela já tem conhecimento pela memória que guarda dos períodos lamentáveis que
atravessou nos governos Médici e Geisel”. Grifado pelo compilador.
7 de junho de 1982. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da
República, General-de-Exército João Batista de Oliveira Figueiredo (RJ), san-
ciona a Lei nº 6.996, que “dispõe sobre a utilização do processamento eletrônico de
dados nos serviços eleitorais e dá outras providências”. Nesse mesmo dia é sancio-
nada a Lei nº 6.999, que “dispõe sobre a requisição de servidores públicos pela
Justiça Eleitoral e dá outras providências”.
29 de junho de 1982. É promulgada a Emenda Constitucional nº 22,
que, entre outras alterações, estabelece no artigo 148, parágrafo único: “Igual-
mente na forma que a lei estabelecer, os Deputados federais e estaduais serão eleitos pelo

Sem título-4 577 7/5/2004, 10:22


578 Casimiro Neto

sistema distrital misto, majoritário e proporcional”. Grifado pelo compilador. Este siste-
ma não chega a ser implantado, pois é revogado pela Emenda Constitucional
nº 25, de 15 de maio de 1985.

19 de abril de 1983. Congresso Nacional. Plenário. É lida a Proposta de


Emenda à Constituição de nº 5/83, que “dispõe sobra a eleição direta para Presi-
dente e Vice-Presidente da República”. De autoria do Deputado Dante Martins de
Oliveira (PMDB-MT) é subscrita por outros 175 deputados e 24 senadores.
Em sua justificação o autor se pronuncia: “(...) Ao submetermos esta Proposta ao
exame do Congresso Nacional, estamos certos de sermos porta-vozes do anseio da Na-
ção, da imensa maioria do nosso povo, que, há muito, acalenta esta aspiração, mais
forte agora, após ter ressuscitado politicamente, com a última eleição para governador.
(...) A nós basta um mínimo de patriotismo, de honestidade e de sentimento hu-
mano, para entendermos que é hora de mudar.”

19 de outubro de 1983. O Presidente da República, General-de-Exérci-


to João Batista de Oliveira Figueiredo (RJ), expede o Decreto nº 88.888, que
“determina o estabelecimento de medidas de emergência na área do Distrito Federal”.
Na madrugada do dia 24 de outubro o Comandante Militar do Planalto,
General-de-Divisão Newton Araújo de Oliveira e Cruz, ordena a invasão da
sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seção do Distrito Federal –
presidida pelo Dr. Maurício Corrêa –, sob a alegação de que a Seccional pro-
movia um encontro proibido para discutir e contestar as medidas de emer-
gência instaladas no Distrito Federal. O que não era verdade.
Outro fato de extrema gravidade contra a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), Seção do Distrito Federal, foi o incêndio ocorrido no dia 29 de
junho de 1984. O seu presidente transmite sua convicção de que o incêndio
tivera origem criminosa. Lembra, inclusive, que o incidente aconteceu ape-
nas três dias depois que o Comandante Militar do Planalto, General-de-Divi-
são Newton Araújo de Oliveira e Cruz, fora citado para contestar ação movi-
da pela Seccional de Brasília, concernente ao episódio da invasão desta sede
em 24 de outubro.

14 de novembro de 1983. Congresso Nacional. Plenário. É lido o Proje-


to de Lei nº 17-CN, do Poder Executivo, que “define os crimes contra a seguran-
ça nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento, e dá outras
providências.” Discutido no mês de novembro, é aprovado, conforme o Pare-
cer nº 209/83 – CN, no dia 2 de dezembro. Transforma-se na Lei nº 7.170,
sancionada em 14 de dezembro pelo Presidente da República, General-de-
Exército, João Batista de Oliveira Figueiredo (RJ).

8 de abril de 1984. O Presidente da República, General-de-Exército


João Batista de Oliveira Figueiredo (RJ), expede o Decreto nº 89.566, que
determina, novamente, “o estabelecimento de medidas de emergência na área do
Distrito Federal”. É consenso geral que o decreto nada mais é do que uma

Sem título-4 578 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 579

manobra para pressionar o Congresso Nacional e dificultar a aprovação da


emenda do Deputado Dante Martins de Oliveira (PMDB-MT), denominada
de “Diretas Já”.
Os dias seguintes são marcados por grandes comícios nas principais
capitais. No último comício nacional pelas diretas, o maior comício já realiza-
do em São Paulo, no Vale do Anhangabaú, aproximadamente 1,7 milhão de
pessoas, duas horas e meia de passeata e show desde a praça da Sé, o povo em
coro pede “Diretas Já” e vaia as 58 mudanças propostas na emenda enviada ao
Congresso Nacional no dia 16 de abril de 1984 pelo Presidente da República
General-de-Exército João Batista de Oliveira Figueiredo (RJ).
25 de abril de 1984. 9 horas. Congresso Nacional. Plenário. Um ano e
seis dias depois da apresentação da Proposta de Emenda à Constituição nº 5,
de 1983, que “dispõe sobre a eleição direta para presidente e vice-presidente da Repú-
blica”, de autoria do Deputado Dante Martins de Oliveira (PMDB-MT) e subs-
crita por outros 175 deputados e 24 senadores, começa a discussão e votação,
em primeiro turno da referida emenda.
Na Capital Federal, o dia todo é muito tenso. Estações de televisão e
rádio são lacradas. Os telefones dos deputados ficam sem comunicação com
os Estados da Federação. São efetuadas várias prisões e o Comandante Mili-
tar do Planalto, General-de-Divisão Newton Araújo de Oliveira e Cruz, co-
mandando pessoalmente a operação do cerco da Esplanada dos Ministérios,
ataca automóveis, e determina a apreensão de carros que buzinavam para
apoiar uma passeata de estudantes. Com essas medidas tenta evitar a repeti-
ção do buzinaço da noite anterior.
O Deputado José Freitas Nobre (PMDB-SP) pede a palavra para uma
questão de ordem e faz a seguinte denúncia: “(...) Quero, no entanto, Sr. Presi-
dente, ainda nesta questão de ordem, destacar junto a V. Exª a estranheza e, ao mesmo
tempo, o protesto da Oposição contra a prisão, esta noite, de Deputados Federais,
(Palmas.) cujas imunidades têm que ser defendidas, cuja liberdade de movimento, di-
reito de manifestação do pensamento e liberdade têm de ser asseguradas. Ainda à noite
e pela madrugada, com o Presidente da Câmara, que interveio juto ao Ministro da
Justiça, e sei que também com a intervenção de V. Exª., conseguimos libertar os Depu-
tados Jacques D’ornellas, do PDT, e Aldo Arantes, do PMDB, presos pelo General
executor das medidas de emergência no Planalto, numa arbitrariedade sem preceden-
tes, que atinge não apenas os Deputados, o nosso partido, mas atinge a dignidade deste
Poder, se ele é realmente Poder, como desejamos e queremos. (Palmas.)
É verdade que os nossos companheiros foram soltos e já estão conosco aqui, Sr.
Presidente, mas há ainda a reclamar o corte de todos os telefones nesta Casa. Não há
possibilidade de comunicação, senão para a Capital da República, sitiada não pelos
militares que, ontem, cercavam este Congresso, mas sitiada pela ausência de possibili-
dade de comunicação”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Walber Sousa Guimarães (PMDB-PR) lê a seguinte nota:
“O Presidente da Câmara dos Deputados, tomando conhecimento da prisão, ontem à

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580 Casimiro Neto

noite, dos Srs. Deputados Aldo Arantes e Jacques D’Ornellas, cuja ocorrência levou
pessoalmente ao conhecimento do Sr. Ministro da Justiça, no sentido de providenciar a
libertação dos mesmos, apresenta o seu veemente protesto contra o ocorrido e a forma
insultuosa com que foram tratados. Brasília, 25 de abril de 1984. Deputado Flávio
Marcílio, Presidente.”
“Ao apoiar essa medida, esta nota vigorosa do nosso eminente Presidente da Câ-
mara, quero apresentar a minha solidariedade aos dois colegas insultados e protestar
contra um General arbitrário que não sabe cumprir com o seu dever.”
O Parecer, proferido oralmente pelo Deputado Ernani Ayres Satyro e
Sousa (PDS-PB), é contrário à Proposta e as de nºs 6, 8 e 20, de 1983, que
com ela tramitam.
O Deputado Dante Martins de Oliveira (PMDB-MT), autor da Proposta
de Emenda à Constituição de nº 5/83 e que foi subscrita por outros 175 depu-
tados e 24 senadores tem a palavra pela Liderança do PMDB: “Sr. Presidente,
Srs. Congressistas, às dezoito horas de ontem, Brasília sintonizava o Brasil e os brasi-
leiros através de uma sintonia de buzinas, que saía, não dos automóveis, mas do cora-
ção de todos os brasilienses. Naquele instante, os 130 milhões de brasileiros rompiam a
censura arbitrária imposta pelas medidas de emergência. A Brasília sitiada, cercada,
ofendida, marcava o seu protesto, ao mesmo tempo em que se solidarizava com milhões
de patrícios nossos que ocuparam, nos últimos meses, as praças e ruas, no maior movi-
mento cívico já realizado na História deste País.
(...) Sr. Presidente, Srs. Congressistas quero afirmar, neste momento, que a Emenda
Constitucional nº 5, que levou meu nome, não me pertence, nem ao PMDB nem aos
partidos de Oposição; ela pertence a toda a Nação, a todo o povo brasileiro, porque
traduz o sentimento, a angústia e, principalmente, a esperança de melhores dias para
130 milhões de brasileiros.
Sr. Presidente, está em nossas mãos o destino deste País. O Congresso Nacional,
hoje, é alvo de toda a atenção nacional, e muito mais, representa a esperança da Pátria
e do povo brasileiro. Está em nossas mãos a saída pacífica para os graves problemas
econômicos, sociais e políticos que nos envolvem hoje. Está em nossas mãos a própria
sobrevivência desta instituição enquanto poder, respeitada pela opinião pública en-
quanto poder, que tem como tarefa histórica a consolidação da democracia brasileira.
Está em nossas mãos, Sr. Presidente, Srs. Congressistas, a soberania nacional, hoje
violentada, conspurcada, pisoteada, negociada, humilhada, o que revolta todos aque-
les que amam nossa Pátria, que amam nosso povo. Está em nossas mãos o futuro
grandioso do Brasil, do Brasil-vida, do Brasil-educação, do Brasil-saúde, do Brasil-
amor, do Brasil fraterno, do Brasil justo, do Brasil livre, do Brasil democrata e do
Brasil soberano. Hoje é o dia da vitória deste Congresso Nacional. Felicidades a todos
os Congressistas! (Palmas.). Grifado pelo compilador.
A Mesa do Congresso Nacional proclama o resultado da votação: 298 –
“SIM”; 65 – “NÃO”; 3 abstenções.
Os votos, embora majoritários, não alcançaram o quorum constitucional neces-
sário à aprovação da matéria. A proposta está rejeitada.
Rejeitada pela Câmara, deixa a matéria de ser submetida ao Senado Federal.

Sem título-4 580 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 581

A proposta vai ao Arquivo”.


A sessão é encerrada às 2 horas do dia imediato, após a realização de
três sessões conjuntas durante o correr do dia 25.
O Jornal “O Estado de São Paulo” destaca em sua manchete principal:
“Diretas derrotadas na Câmara. – A emenda Dante de Oliveira que pretendia a
volta das eleições diretas já para presidente da República foi derrotada nesta madru-
gada na Câmara dos Deputados, sem precisar da votação do Senado. Na Câmara,
eram necessários 320 votos a favor, mas apenas 298 votaram sim (54 do PDS),
enquanto 65 votaram contra (todos do PDS), com 113 ausentes (112 do PDS e um
do PTB) e três abstenções (todas do PDS). O clima, ontem à noite, era de calma em
todo o País. Mas, perto das 23h30, a PM tomava posição na Esplanada dos Minis-
térios, em Brasília, e preparava um cerco ao gramado defronte ao Congresso, onde se
concentravam aproximadamente mil pessoas. Todo o dia foi tenso, com TV e Rádios
lacrados, várias prisões, o general Newton Cruz atacando automóveis pela manhã e
uma estranha apreensão de O Estado e JT em algumas bancas do centro de São
Paulo. E já existe um novo slogan: ‘Negociação já’. – Buzina deu apreensão de
carro. – A Polícia Militar ocupou até a calçada de um jardim de infância ontem em
Brasília, para evitar manifestações de estudantes a favor das diretas. O cerco foi
maior na Esplanada dos Ministérios, onde um grupo de estudantes fez passeata e
irritou o general Newton Cruz. Ao verificar que a passeata passaria diante do quar-
tel-general, ele ordenou que estudantes fossem presos e disse: ‘Não podem me desmo-
ralizar em frente ao meu quartel’. Em seguida, determinou a apreensão de carros que
buzinavam para apoiar a passeata, comandando pessoalmente a operação. – O con-
trole do Rádio e da TV. – O Departamento Nacional de Telecomunicações (Dentel)
apertou o cerco contra o rádio e a televisão, que passaram a controlar em todo o País,
proibidos de transmitir qualquer notícia sobre a discussão e a votação da emenda
Dante de Oliveira sem censura prévia. As ordens e contra-ordens que partiam de
Brasília acabaram criando muita confusão para as empresas e provocando adver-
tências e punições”.
Com a formação da “Aliança Democrática” em 1984, é indicado o nome
do Dr. Tancredo de Almeida Neves (MG) para candidato à Presidência da
República. Há tentativas de radicalização da campanha pelos seus adversári-
os. Tancredo de Almeida Neves com seu perfil conciliador pede vigilância
contra as ameaças e pressões na campanha eleitoral, e garante que enfrenta-
rá, através do diálogo, os que se opõe à Constituição.
A substituição do General-de-Exército João Batista de Oliveira Figueiredo
(RJ) – 15/03/79 a 15/03/1985 –, encerra o “Ciclo dos Governos Militares” na
Presidência da República e ocorre de acordo com as normas estabelecidas na
Constituição outorgada pela Junta Militar, em 17 de outubro de 1969, indi-
cando o sucessor, através de um colégio eleitoral.
Durante o período militar foram editados 17 Atos Institucionais, entre
9 de abril de 1964 a 14 de outubro de 1969 e 102 Atos Complementares. Os
atos complementares eram atos normativos destinados a complementar os
atos institucionais. Excluiam de qualquer apreciação judicial todos os atos

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582 Casimiro Neto

praticados de acordo com os atos institucionais e atos complementares deles


decorrentes, bem como seus respectivos efeitos. Reformaram profundamen-
te a ordem institucional do País sob a presidência do Marechal Humberto de
Alencar Castello Branco (CE) –15/04/1964 a 15/03/1967 –, do Marechal Artur
da Costa e Silva (RS) – 15/03/1967 a 31/08/1969 –, do Governo Provisório da
Junta Militar – 31/8/1969 a 30/10/69 –, do General-de-Exército Emílio
Garrastazú Médici (RS) – 30/10/1969 a 15/031974 –, do General-de-Exército
Ernesto Geisel (RS) – 15/03/1974 a 15/03/1979 –, e do General-de-Exército
João Batista de Oliveira Figueiredo (RJ) – 15/03/1979 a 15/03/1985.
Vinte e um anos de regime militar, com poder absoluto conferido ao
Executivo pela edição de atos excepcionais, em detrimento das prerrogativas
do Congresso Nacional e das liberdades individuais. Extinção dos partidos
políticos. Eleição indireta para a Presidência da República e governos esta-
duais. Edição da Lei de Segurança Nacional. Agitações estudantis e trabalhis-
tas. Recrudescimento do terrorismo da esquerda e da direita. Severa censura
dos meios de comunicação de massa. Luta armada. Seqüestro de autoridades
e assaltos a bancos. Aumento do aparato repressivo do Estado. Cassações de
mandatos parlamentares. Recesso do Congresso Nacional e casuísmos na le-
gislação eleitoral.

15 de janeiro de 1985. Nove horas. Congresso Nacional. Plenário. Elei-


ção Indireta. Colégio Eleitoral composto por senadores, deputados e delega-
dos das Assembléias Legislativas dos Estados, destinado à eleição do Presi-
dente e Vice-Presidente da República para o sexênio a iniciar-se a 15 de março
de 1985. São registrados, pela Mesa do Senado Federal, como candidatos a
presidente e vice-presidente da República, respectivamente, pelo Partido De-
mocrático Social (PDS), o Deputado Paulo Salim Maluf (SP) e o Deputado
Flávio Portella Marcílio (CE) e, pelo Partido do Movimento Democrático Bra-
sileiro (PMDB), o Dr. Tancredo de Almeida Neves (MG) e o Senador José
Sarney (MA).
É concedida a palavra ao Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-
SP), representante do candidato a Presidente da República registrado pelo
partido da Oposição perante o Colégio Eleitoral. “(...) O PMDB caminhou
vinte anos pela via áspera e tormentosa da resistência, entre cruzes, banições e proscri-
ções cívicas para chegar a este dia, tomando dura decisão política, imposta pela cir-
cunstância e plebiscitada pela Nação.
Construiu sua identidade política pela luta e pela sinceridade. Seus compromis-
sos são populares e o irrespondível testemunho das urnas certifica que foram cumpridos
ou o povo tem fé que serão cumpridos.
(...) O povo se autodeterminou nsa praças e ruas das metrópoles e dos mais
remotos rincões da Pátria, tomou consciência de que a unidade é a medida de sua
invencibilidade, que só pela organização deixa de ser massa informe e vilipendiada
pela injustiça, para ser promovido a autor da história e não inerme espectador do
dramático desenvolvimento da civilização brasileira.

Sem título-4 582 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 583

(...) O grito colossal, orquestrado e reivindicatório de ‘Diretas Já’ foi o grito con-
tra o autoritarismo que rasga o título eleitoral para massacrar o cidadão; contra a
recessão que condena à fome e ao desespero milhões de desempregados; contra a infla-
ção como imposto maldito e clandestino, sacrificando a pobreza e as donas-de-casa; é
rejeição da economia garroteada pela especulação e do pagamento da dívida externa à
custa de salários e da paralisação do desenvolvimento.
(...) Um sopro místico inspira e transfigura o povo. É a alegria, a esperança, a
comunhão, é o estado de graça. Está na Bíblia que a graça é o Senhor, seu parentesco
com homem é ato de purificação e de entrega. É ato de entrega ao povo e não do povo,
pois ao povo tudo se entrega, a Geografia como País, a Economia pela Justiça Social, os
políticos estão numa entrega total, apaixonante e incorruptível, pois, numa democra-
cia, ele é o Soberano; brilham sobre ele o sol para brotarem do solo as colheitas e as
estrelas como um desafio para que chegue até elas. O povo não se entrega. Só pode ser
entregue pelos traidores.
A Nova República, com novos homens e novos compromissos, inaugura um novo
tempo para a Pátria, renovada na dignidade da Democracia e no inconspurcado res-
peito à soberania popular. (Palmas.)”. Grifado pelo compilador.
A votação é feita pelo processo nominal.
“Respondem à chamada e votam no nome do Sr. Deputado Paulo Salim Maluf
180 membros do Colégio Eleitoral.
Respondem à chamada e votam no nome do Dr. Tancredo de Almeida Neves 480
membros do Colégio Eleitoral.
São apuradas 17 abstenções.
São proclamados eleitos Presidente e Vice-Presidente da República Federativa do
Brasil, respectivamente, Sua Excelência o Dr. Tancredo de Almeida Neves e Sua Exce-
lência o Sr. Senador José Sarney, para o período a iniciar-se a 15 de março de 1985.
Levanta-se a sessão às doze horas e trinta minutos.”
A legislação eleitoral no período compreendido entre a deposição do
Presidente da República João Belchior Marques Goulart (RS) e a eleição de
Tancredo de Almeida Neves (MG) foi marcada por uma sucessão de atos
institucionais e emendas constitucionais, leis e decretos-leis com os quais os
militares conduziram o processo eleitoral de maneira a adequá-lo aos seus
interesses, visando ao estabelecimento da ordem preconizada pelo revolução
de 1964 e à obtenção de uma maioria favorável ao Governo. Com esse obje-
tivo, altera-se a duração de mandatos, cassam-se direitos políticos, decretam-
se eleições indiretas para presidente da República, governadores dos estados
e dos territórios e estâncias hidrominerais; instituem-se as candidaturas na-
tas, o voto vinculado, as sublegendas; altera-se o cálculo para o número de
deputados na Câmara, com base ora na população, ora no eleitorado, privile-
giando estados politicamente incipientes em detrimento daqueles tradicio-
nalmente mais expressivos, reforçando assim o poder discricionário do Go-
verno.
Após a eleição, o Presidente eleito Tancredo de Almeida Neves (MG),
em visita ao Estado do Rio de Janeiro, convida o Professor Afonso Arinos de

Sem título-4 583 7/5/2004, 10:22


584 Casimiro Neto

Mello Franco (MG) para presidir uma comissão incumbida de redigir um


anteprojeto de constituição.
A eleição de Tancredo de Almeida Neves (MG) e José Sarney Costa
(MA) dá início à fase final da transição para a democracia. Em 15 de março,
às dez horas e trinta minutos, toma posse o Vice-Presidente José Sarney Costa
(MA). Com a doença e morte de Tancredo de Almeida Neves (MG), em 21 de
abril, o compromisso assumido de promover a reconstitucionalização do País
foi mantido por José Sarney Costa (MA).

Tem início a denominada “Nova República”.

Quadro/Foto nº 28
O Dr. Tancredo de Almeida Neves

Sem título-4 584 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 585

Quadro/Foto nº 28/A
O Presidente da Câmara – Deputado Ulysses Silveira Guimarães

Sem título-4 585 7/5/2004, 10:22


586 Casimiro Neto

Quadro/Foto nº 28/B
O Presidente da República – José Sarney Costa

Sem título-4 586 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 587

14 de março de 1985. Brasília. O Presidente eleito Tancredo de Almeida


Neves (MG) é internado às pressas no final da noite, no Hospital de Base do
Distrito Federal, com “diverticulite de Meckel” – a princípio, falou-se de apendi-
cite –, sendo operado na madrugada do dia 15. Neste interim, após muita
controvérsia, fica decidido que o Vice-Presidente eleito José Sarney Costa
(MA) deve assumir o cargo para o qual foi consagrado nas urnas do Colégio
Eleitoral. A princípio, a tese do Ministro-em-Chefe do Gabinete Civil, João
Leitão de Abreu (RS) era de que o cargo deveria ser passado ao Presidente da
Câmara, Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP). Mas, depois de
uma reunião em Brasília, o próprio Presidente da Câmara, Deputado Ulysses
Silveira Guimarães (PMDB-SP), o Presidente do Senado Federal, José Manoel
Fontanillas Fragelli (MT), e o futuro Ministro do Exército, General Leônidas
Pires Gonçalves, chegam ao consenso de que assumiria o Vice-Presidente eleito
José Sarney Costa (MA). Consultados vários juristas de renome, lembraram
estes que a Constituição, no seu artigo 76, sustentava a posse do vice-presi-
dente eleito no caso de impedimento do presidente. Há, também, um prece-
dente histórico: a posse do candidato eleito a vice-presidente Delfim Moreira
da Costa Ribeiro (MG) no dia 15 de novembro de 1918. O candidato eleito a
presidente da República, Francisco de Paula Rodrigues Alves (SP), para o
oitavo período de governo republicano – (15/11/1918 a 15/11/1922) –, não
chegou a tomar posse por motivo de saúde. Acometido pela “gripe espanhola”
vem a falecer no dia 16 de janeiro de 1919.

15 de março de 1985. Dez horas. Congresso Nacional. Plenário. “O SR.


PRESIDENTE (JOSÉ FRAGELLI) – O Congresso Nacional foi convocado para, em
sessão solene, receber a prestação do compromisso e dar posse a S. Exªs, o Presidente
eleito da República Federativa do Brasil, o Sr. Tancredo de Almeida Neves e o Sr. José
Sarney, eleito Vice-Presidente da República, com mandato a iniciar-se a 15 de março
de 1985 e a terminar em igual data no ano de 1991.
Entretanto, como é do conhecimento da Nação, o Presidente eleito sofreu uma
intervenção cirúrgica há poucas horas, encontrando-se impossibilitado de tomar posse
nesta solenidade, conforme atesta laudo médico recebido por esta Presidência e que vai
ser lido pelo Sr. Primeiro-Secretário.
É lido o seguinte: “Hospital de Base do Distrito Federal. – Atestado. – Atesto
para os devidos fins, que o Sr. Dr. Tancredo Neves, encontra-se internado neste Hospi-
tal de Base do D.F., onde foi submetido pela madrugada de hoje a cirurgia e onde
deverá ficar em repouso, estando o mesmo impossibilitado de se locomover temporaria-
mente. Brasília, 15 de março de 1985. Dr. Gustavo de Arante Pereira. – Diretor do
Hospital de Base do D.F.”
(...) Diante do laudo apresentado, e à vista do disposto no parágrafo único do
artigo 76 da Constituição Federal, será empossado, na presente sessão, o Sr. Vice-Presi-
dente eleito, que, nessa qualidade, prestará o compromisso nos termos previstos na Lei
Maior e exercerá, no impedimento temporário do Presidente eleito, a Presidência da
República”. Grifado pelo compilador. Levanta-se a sessão às 10 horas e 35 minutos.

Sem título-4 587 7/5/2004, 10:22


588 Casimiro Neto

Na sessão do Congresso Nacional do dia 20 de março a Deputada Irma


Rosseto Passoni (PT-SP) faz o seguinte comunicado: “Sr. Presidente, Srs. Con-
gressistas: Estivemos, ontem pela tarde, a Bancada do Partido dos Trabalhadores, no
Hospital de Base de Brasília, e pudemos assistir a comunicação de Antônio Britto,
porta-voz da Presidência da República, em relação à situação de saúde do Presidente.
O que eu senti é que há uma necessidade de que esta Casa, via Senado ou via
Câmara, ou, talvez melhor, via Congresso, esta Casa tenha comunicações oficiais de
como é que anda realmente a situação de saúde do Presidente Tancredo Neves. Esta
Casa é um Poder Legislativo que merece e deve ser informada oficialmente da situação.
Porque não é possível mais que a gente também corra atrás de boatos ou que este Brasil
fique em alvoroço, quando também nós nesta Casa não temos informações.
Portanto, solicito aqui, nesta breve comunicação, que V. Exª. peça, como Presi-
dente, a informação oficial, via Congresso, de que o boletins, de que as informações
sobre a situação do Presidente sejam comunicadas oficialmente a esta Casa. Isso eu
entendo, sobre a situação de que o Presidente também é um paciente, mas também é um
Presidente e, portanto, esta Casa deve ser informada, também, da real situação que o
Presidente está a enfrentar, e que esta Nação seja informada, oficialmente, via esta
Casa, da própria situação, e que nós não tenhamos que correr atrás dos fatos e sejamos
desafiados a dar informações de que não dispomos. É o pedido que faço a esta Casa,
neste momento. (Muito bem.)”. Grifado pelo compilador.

21 de março de 1985. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado


Djalma de Souza Bom (PT-SP) faz a seguinte solicitação ao Deputado Ulysses
Silveira Guimarães (PMDB-SP): “Sr. Presidente, antes de fazer a comunicação do
Partido dos Trabalhadores, sabedor que somos da sua preocupação com referência ao
estado de saúde do Presidente Tancredo Neves, o que aliás, é a preocupação da Casa e
de toda a Nação brasileira, reconhecendo também a facilidade que tem V. Exª. de apro-
ximação com os médicos que operaram o Presidente da República, perguntaremos se
existe a possibilidade de V. Exª., agora, de viva voz, dizer qual o estado de saúde do
Presidente e quais são as suas possibilidades de melhora. Para que possamos ter um
pouco de tranqüilidade, gostaríamos de receber de V. Exª. de viva voz, uma resposta a
este nosso questionamento.”
Responde o Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP): “Dada
a excepcionalidade da situação, acredito que possa, interpretando o Regimento, em-
bora o devesse fazer em outra oportunidade, de pronto acudir à justa preocupação de
V. Exª. Entendi do meu dever, e esta Casa é testemunha, acompanhar passo a passo,
a todo momento, tudo quanto ocorre com relação ao Presidente Tancredo Neves. (...)
Assim que fui informado de que S. Exª. seria submetido a uma segunda intervenção
cirúrgica, desloquei-me para o hospital. Estive com os médicos, antes e depois da
cirurgia, acompanhando tudo o que diz respeito ao primeiro dignitário desta Nação.
A situação, hoje, posso declarar à Câmara, é a seguinte: logo de manhã, por volta
das sete ou oito horas, recebi comunicação da equipe médica de que o Presidente
Tancredo Neves tinha passado uma noite dentro das circunstâncias consideradas
satisfatórias, que iam fazer um segundo exame, do qual tive ciência entre nove e dez

Sem título-4 588 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 589

horas da manhã, que prosseguia o estado satisfatório do Presidente, que S. Exª.


caminhava para a sua convalescença, para a sua melhoria, enfim. (...) Disse-me o
médico que, embora tivesse S. Exª. um tubo na boca, podia falar, que estava em
condições de se manifestar, inclusive, falou de seu estado de espírito, que sabemos ser
peculiar à sua personalidade, ao seu ânimo forte; que S. Exª. estava, evidentemente,
bastante estimulado pela circunstância de ter tido êxito na operação. De forma que é
este o quadro, felizmente animador, que me foi revelado e confirmado ainda há minu-
tos por um dos médicos que assistem o Sr. Presidente e que, aliás, é médico desta Casa,
o Dr. Pinheiro da Rocha”.
26 de março de 1985. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado
José Genoino Neto (PT-SP) levanta a seguinte questão de ordem: “Sr. Presi-
dente, para uma questão de ordem. É evidente que V. Exª. e a Casa comungam do
profundo desejo de toda a Nação de que a saúde do Sr. Presidente da República seja
restabelecida. É natural, também, que acompanhemos com apreensão o desenrolar da
doença de que foi acometido S. Exª. Levanto esta questão de ordem exatamente para
solicitar de V. Exª. informações, caso as tenha, sobre o estado de saúde do Sr. Presidente
Tancredo Neves, de acordo com o que V. Exª., como Presidente da Casa e representante
do Poder Legislativo, considerar importante informar aos Srs. Deputados.”
Responde o Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP): “Posso
adiantar à Casa que, às 4 horas da manhã, tive informação de que os médicos haviam
decidido que o Presidente Tancredo Neves deveria ser removido para São Paulo. Fui
para o hospital e, de lá, acompanhei o Presidente até o aeroporto, onde embarcou para
a Capital paulista. Daquele momento para cá, tenho tido notícias constantes, oriundas
do próprio hospital. Até solicitei à EMBRATEL – no que fui atendido – um telefone
diretamente ligado com o hospital.
As informações que posso dar são de que o Presidente foi operado. A operação
começou cerca de onze minutos para as duas horas. (...) A última notícia que tenho,
passo-a com as devidas reservas, pois não é oficial, uma vez que os médicos ainda não
terminaram a operação. O Prof. Jatene, médico de grande responsabilidade, esteve na
sala de cirurgia e informa que, localizada a artéria que estava sangrando, foi ressecada.
O problema estava situado na sutura da primeira operação. Nessa sutura é que se
produziu o sangramento. (...) O pós-operatório, evidentemente, é delicado, dadas as
circunstâncias. (...) Sei que interpreto o pensamento e os votos da Câmara, do Senado
e de toda a Nação de que o Presidente supere as graves – não há dúvida – dificuldades
que afetam a sua saúde. Era o que desejava declarar à Casa”.
2 de abril de 1985. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado Raul
Bernardo Nelson de Senna (PDS-MG) faz o seguinte comunicado: “Sr. Presi-
dente, eventualmente na Liderança do meu Partido, o PDS, neste instante, desejo unir
minha voz, em nome dos integrantes da bancada do PDS, à daqueles que aqui já se
pronunciaram, mais uma vez, em relação à triste doença do presidente eleito Tancredo
Neves, neste momento em que a Casa toma conhecimento de que S. Exª. está sendo
operado pela quarta vez, para corrigir a infecção que tomara seu organismo. (...)
solicitamos de V. Exª. que, naturalmente, dê alguma palavra esclarecedora a este Ple-

Sem título-4 589 7/5/2004, 10:22


590 Casimiro Neto

nário em relação à doença do presidente eleito Tancredo Neves. Que nos traga as
últimas notícias verdadeiras sobre o estado de saúde de S. Exª.”.
Responde o Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP): “(...) Efetivamente,
tive a comunicação de que os médicos constataram a necessidade de uma quarta inter-
venção, devido a uma hérnia que estava comprimindo a alça dos intestinos. Esta ope-
ração já está sendo feita, e a informação lacônica, evidentemente, por circunstâncias
óbvias, é que se está esperando os boletins médicos circunstanciados para termos os
informes.
(...) Contudo, os médicos estão seguros de que poderão ser felizes nesta interven-
ção, e acreditam que, pelo estado geral do presidente, revelado até agora, ele venceria
mais esta provação”.
12 de abril de 1985. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado
Leorne Menescal Belém de Holanda (PDS-CE) faz a seguinte solicitação: “(...)
Sr. Presidente, a Casa aguarda com ansiedade a sua palavra. Naturalmente, não
constituiria qualquer constrangimento para o orador ouvir de V. Exª. palavras que
trouxessem a este Plenário – e através dele a toda a Nação – informações proporcio-
nando a tranqüilidade que todos esperamos em função dos noticiários mais recentes
sobre o estado de saúde do Presidente Tancredo Neves, que preocupa a todos nós. Natu-
ralmente, se V. Exª. tem alguma informação a prestar à Casa, Sr. Presidente, eu apelo
no sentido de que o faça neste instante, para que a nossa angústia e o nosso desespero
não se prolonguem sequer por minutos.
Responde o Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP): “(...) Ainda esta ma-
drugada, eu tinha constantes notícias sobre a cirurgia. É justo que diga à Casa e à
Nação sobre a desvelada competência e esforço da equipe que cuida da saúde do Presi-
dente. O Professor Guilherme Arantes, Superintendente do Instituto do Coração, avi-
sou-me sobre a punção realizada e, posteriormente, a respeito da alternativa, que foi a
cirurgia, tendo-me antecipado que o Presidente Tancredo Neves sairia vivo da mesa de
operação. No curso da cirurgia esta previsão foi confirmada.
Temos esperanças, dizia há pouco à televisão. Enquanto existe um sopro de vida
– e mais de que isso tem o Presidente Tancredo Neves – há esperança. Vamos nos
agarrar a essa mensagem, porque a saúde do Presidente significa oportunidades muito
grandes para que possamos enfrentar a crise.
Por isso, estamos unidos – todos os partidos estão unidos – nessa crise que assola
o País”.
22 de abril de 1985. 10 horas. Congresso Nacional. Plenário. “O SR.
PRESIDENTE (JOSÉ FRAGELLI) – Senhoras e Senhores Congressistas como é pú-
blico e notório, após luta tenaz contra enfermidade que o acometeu, acompanhada
comovidamente por todos os brasileiros, o Presidente Tancredo de Almeida Neves veio a
falecer.
Vago o cargo de Presidente da República, ao Vice-Presidente, sua Excelência o
Senhor Doutor José Sarney, que já prestou, perante o Congresso Nacional, a 15 de
março do corrente ano, o compromisso constitucional e encontra-se, desde então, no
exercício da Presidência em virtude do impedimento do titular, cabe exercer, como suces-

Sem título-4 590 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 591

sor do Presidente eleito, agora falecido, o cargo de Presidente da República, nos termos
do art. 77, caput, da lei maior.
Passo a ler a Mensagem nº 232, datada de 21 de corrente, do Exmº Sr. Presiden-
te da República, à Presidência do Senado Federal.
É lida a seguinte – MENSAGEM Nº 232
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal: Com imenso pesar, que é a
expressão do sentimento nacional, cumpro o doloroso dever de comunicar a Vossa Exce-
lência o falecimento, ocorrido nesta data, do Excelentíssimo Senhor Doutor Tancredo
de Almeida Neves, Presidente da República eleito.
Em decorrência desse fato, tenho a honra de informar a Vossa Excelência que
continuo a exercer, agora na qualidade de sucessor, o cargo de Presidente da República,
na forma do Artigo 77 da Constituição Federal. Brasília, 21 de abril de 1985. – José
Sarney”. Grifado pelo compilador.
O Jornal “O Estado de São Paulo” estampa na primeira página de sua
edição extra: “A morte do homem do Brasil – Tancredo Neves. – Há 75 anos, São
João Del Rey via nascer um homem que seria a esperança do Brasil. A pequena cidade
do interior de Minas acostumou-se ao som de sua flauta e às jogadas pela meia-esquer-
da do Esparta F. C. Tentou ser militar e engenheiro, acabou fazendo Direito. Atraves-
sou fronteiras, optou pela política, saiu para o mundo. Casou-se com sua primeira
namorada, Risoleta, foi vereador, deputado, primeiro-ministro, governador. Irônico,
bem-humorado, “capaz de enxergar no escuro”, chegou à Presidência da República.
Mas não assumiu. Um dia antes da posse, a doença o levou à cama de um hospital. A
Nação, que agitava suas bandeiras, que festejava a chegada de uma Nova República,
emudeceu. Foram 39 dias de agonia. Uma luta contra a morte. Luta que ele perdeu. O
Brasil chora”.
9 de maio de 1985. Congresso Nacional. Plenário. Discussão em segun-
do turno da Proposta de Emenda à Constituição nº 2/84, que “estabelece elei-
ções diretas nos municípios considerados estâncias hidrominerais”. Na realidade, tra-
ta-se do denominado “Emendão” que estende o voto aos analfabetos; declara
livre a criação de partidos políticos e legaliza os partidos de esquerda; resta-
belece eleições diretas para prefeito e vice-prefeito das capitais dos estados,
dos municípios considerados de interesse da segurança nacional e das estân-
cias hidrominerais e também, para presidente e vice-presidente da Repúbli-
ca, em dois turnos; estipula que a primeira representação do Distrito Federal
à Câmara dos Deputados será composta de oito deputados, eleitos em 15 de
novembro de 1986 e também a eleição de três senadores; acaba com a fideli-
dade partidária e revoga o artigo que previa a adoção do sistema distrital
misto. Colocada em votação 423 Deputados votam sim e há uma abstenção,
61 senadores votam sim e não há nenhuma abstenção. A proposta é aprovada
e convocada sessão conjunta para promulgação da matéria. No dia 15 de
maio de 1985 é promulgada a Emenda Constitucional nº 25 que “altera dispo-
sitivos da Constituição Federal e estabelece outras normas constitucionais de caráter
transitório”.

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592 Casimiro Neto

18 de julho de 1985. É expedido pelo Presidente da República, José


Sarney Costa (MA), o Decreto nº 91.450, que “organiza a Comissão Provisória de
Estudos Constitucionais”. Presidida pelo Professor Affonso Arinos de Mello Fran-
co (MG), é composta por quarenta e oito membros. Formada com personali-
dades eminentes nas áreas jurídica, política, literária, empresarial, trabalhis-
ta e científica a comissão é instalada no dia 3 de setembro de 1985 pelo
Presidente da República, José Sarney Costa (MA), que assim se pronuncia:
“(...) Eles não se reunirão para ditar aos Constituintes que textos devem aprovar
ou não. Eles irão reunir-se para ouvir a Nação, discutir com o Povo as suas aspirações,
estimular a participação da cidadania no processo de discussão da natureza e fins do
Estado, e estimulá-la a escolher bem os Delegados Constituintes.
É singular a situação histórica em que nos encontramos. Mas todas as situações
históricas são singualares. O tempo perece e renasce a cada segundo; e em cada segun-
do perecem e nascem as circunstâncias políticas.
Sem uma ruptura do Estado – e devemos dar graças a Deus por tê-la evitado –
não nos cabia outra saída que a de convocar a Assembléia Nacional Constituinte com
a solidariedade do Congresso Nacional.
O que faz a autenticidade das Constituições não é a forma de convocar-se o
Colégio Constituinte: é a submissão do texto fundamental à vontade e à fé dos cidadãos.
Essa vontade e essa fé, para que se manifestem, reclamam discussão, como reclamam
recolher e codificar a reflexão que ela provoque. Encontram-se aqui alguns dos mais
ilustres e honrados cidadãos deste País. Sou responsável pela escolha deste grupo, e fico
feliz em lhes dizer que não foi fácil a decisão. O Brasil dispõe de milhares de homens e
mulheres capazes de interpretar o sentimento do povo, de submeter-se à razão do povo,
e de servir com alegria ao Povo.
A Comissão não substituirá o Congresso nem substituirá o povo. Será, na verda-
de, uma ponte de alguns meses entre a gente brasileira e os representantes que ela
elegerá. Servirá como uma área de discussão livre e informal das razões nacionais,
submetendo ao debate público teses básicas quanto ao Estado, à sociedade e à Nação”.
Grifado pelo compilador.
A Comissão Constitucional se organiza em várias subcomissões internas
e forma comitês regionais fora do Rio de Janeiro que aceleram sua tarefa. Os
trabalhos são concluídos em 18 de setembro de 1986 e o texto final entregue
ao Presidente da República, José Sarney Costa (MA), que em suas palavras de
agradecimento assim se manifesta: “(...) Entre a última Comissão Constitucional
presidida por Afrânio de Melo Franco, essa exemplar figura de devotamento ao Brasil,
e a que hoje encerra seus trabalhos, presidida por seu filho, vivemos mais de meio século
de crises políticas, econômicas, institucionais e sociais. Vivemos quase que permanente-
mente mergulhados no que ousaria chamar de crise de nossa própria identidade e de
nossas inquietações cívicas..
(...) Muito fica a dever o País à capacidade, ao zelo intelectual, à enorme erudi-
ção e aos profundos conhecimentos desse exemplo de dignidade da vida pública brasi-
leira, que é Afonso Arinos de Melo Franco, que emprestou o brilho de sua inteligência
e o amor de sua devoção ao Brasil, à cátedra universitária, ao jornalismo, à política, à

Sem título-4 592 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 593

diplomacia, ao direito, à História, à crítica literária e à ciência política, com o mesmo


entusiasmo com que, convocado pelo Governo, no vigor de seus 81 anos e na lucidez de
sua inteligência, não se eximiu de prestar mais este grande serviço á Nação”. Grifado
pelo compilador.
O “Anteprojeto Constitucional”, com 436 artigos e as disposições transitóri-
as, é publicado no Suplemento Especial do Diário Oficial – Seção I, de 26 de
setembro de 1986, com as seguintes palavras introdutórias: “Este trabalho,
documento redigido por homens comuns, resume a Esperança e a Fé de nosso Povo.
Esta Fé e esta Esperança, como expressões fortes e afirmadoras, têm seu chão em uma
realidade povoada de espantos.
Somos, como povo, e em nosso tempo, o medo e a coragem que o vence; a miséria
e a ostentação que a humilha; as enfermidades que nos dizimam e o amor que nos
multiplica. Em cada homem e em cada mulher deste povo há um herói que não se sabe
herói, e que, no círculo do cotidiano, vive as mais duras sagas, decifra os enigmas e
doma as esfinges.
Dele recolhemos a ira dos injustiçados e a inteligência dos criadores, o conselho
sereno dos céticos e as iluminadas rotas da Utopia dos visionários.
Depois de ouví-lo, cabe-nos sugerir a construção de um Estado que responda à
vontade expressa nas ruas, naqueles meses densos de emoção, em que se consolidou, na
bravura e na alegria, no sacrifício e na ternura, a transição democrática.
O povo quer que a Nação se erga, orgulhosa, sobre os alicerces e pilares da
honra. Para isso, em cartas, em memoriais de petição, nos encontros, nos debates, na
imprensa, ele nos instou a que propuséssemos uma ordem jurídica aberta, um sistema
democrático de Direito e modernos instrumentos de administração política.
A Nação, fatigada dos desencontros, deseja a paz que se assente na Liberdade e na
Justiça, e seja garantida por instituições fortes e duradouras”. Grifado pelo compilador.
Conhecido como “Anteprojeto da Comissão Afonso Arinos”, no entanto, este
documento não foi enviado oficialmente ao Congresso Nacional. Protestos
de parlamentares e entidades de classe faz o Presidente da República, José
Sarney Costa (MA), recuar de sua boa intenção, pois partem do princípio que
a Assembléia Nacional Constituinte é livre e soberana para elaborar o seu
próprio projeto de Constituição e ao Poder Executivo é vedado interferir nos
trabalhos de elaboração da nova Carta.
28 de junho de 1985. O Presidente da República, José Sarney Costa
(MA), envia a Mensagem Presidencial nº 330 ao Congresso Nacional, que
“convoca a Assembléia Nacional Constituinte”. A proposta é promulgada como
Emenda Constitucional nº 26, em 27 de novembro de 1985, pelas Mesas da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, prevendo a reunião unicameral
dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em Assem-
bléia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987,
na sede do Congresso Nacional. O Presidente do Supremo Tribunal Federal
instalará a Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição do
seu presidente.

Sem título-4 593 7/5/2004, 10:22


594 Casimiro Neto

Com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte encerra-se um


círculo de instabilidade da República que soma sete dissoluções do Congresso
Nacional: 1889, 1891, 1930, 1937, 1966, 1968, 1977; quatro governos provisó-
rios: Deodoro da Fonseca-1889, Junta Militar-1930, Paschoal Ranieri Mazzili-
1964, Junta Militar-1969; duas renúncias presidenciais: Manoel Deodoro da
Fonseca-1891, Jânio da Silva Quadros-1961; três presidentes impedidos de to-
mar posse: Júlio Prestes de Albuquerque-1930, João Belchior Marques Goulart-
1964, Pedro Aleixo-1969; cinco presidentes depostos: Washington Luís Pereira
de Sousa-1930, Getúlio Dornelles Vargas-1945, João Fernandes Campos Café
Filho/Carlos Coimbra da Luz-1955, João Belchior Marques Goulart-1964, Arthur
da Costa e Silva/Pedro Aleixo-1969; suícidio de um presidente: Getúlio Dornelles
Vargas no segundo mandato-1954; três constituintes; cinco constituições dife-
rentes 1892, 1934, 1937, 1946, 1967; três longos períodos ditatoriais-1930/34,
1937/45, 1964/85; nove governos autoritários; doze estados de sítio; dois esta-
dos de guerra; dezessete atos institucionais; dezenove rebeliões militares; e um
sem-número de cassações, banimentos, exílios, intervenções nos sindicatos e
universidades, censuras à imprensa, prisões, torturas e assassinatos políticos.
Nos últimos 58 anos, somente um presidente civil, Juscelino Kubitschek de
Oliveira (MG) terminou o mandato.
Os seguintes partidos políticos concorrentes ao pleito eleitoral, elegem
seus titulares ou suplentes e compõe a base do pensamento legislativo e dos
ideais de democracia para a elaboração constitucional: Partido da Frente Li-
beral (PFL), Partido Democrático Social (PDS), Partido Democrático Traba-
lhista (PDT), Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido
Democrata Cristão (PDC), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido Socia-
lista Brasileiro (PSB), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Comunista
do Brasil (PC do B), Partido Social Cristão ( (PSC), Partido Socialista (PS),
Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Liberal (PL), Partido Municipalista
Brasileiro (PMB), Partido Nacionalista Democrático (PND) e o Partido da Ju-
ventude (PJ). Os constituintes são eleitos em 15 de novembro de 1986.
20 de dezembro de 1985. O Congresso Nacional decreta e o Presidente
da República, José Sarney Costa (MA), sanciona a Lei nº 7.444, que “dispõe
sobre a implantação do processamento eletrônico de dados no alistamento eleitoral e a
revisão do eleitorado e dá outras providências”, possibilitando, em 1986, o
recadastramento, em todo o território nacional, de milhares de eleitores sob
a supervisão e orientação do Tribunal Superior Eleitoral.
21 de abril de 1986. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da
República, José Sarney Costa (MA), sanciona a Lei nº 7.465, que no seu arti-
go primeiro decreta: “O cidadão Tancredo de Almeida Neves, eleito e não empossado,
por motivo de seu falecimento, figurará na galeria dos que foram ungidos pela Nação
brasileira para a Suprema Magistratura, para todos os efeitos legais”.
31 de janeiro de 1987. Encerra-se neste dia o último mandato do Depu-
tado Manoel Cavalcanti de Novaes (BA). Tendo iniciado seu primeiro man-

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A Construção da Democracia 595

dato em 15 de novembro de 1933 com a Assembléia Constituinte, o referido


deputado participou de 12 legislaturas, sendo por isso considerado como o
parlamentar com o mais longo mandato da nossa história legislativa até a
presente data.
1º de fevereiro de 1987. 16 horas. Plenário. Sessão de Instalação da
Assembléia Nacional Constituinte. O Presidente do Supremo Tribunal Fe-
deral, Ministro José Carlos Moreira Alves, assume a presidência dos traba-
lhos e declara instalada a Assembléia Nacional Constituinte, de acordo com a
Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, que a convocou.
Faz um extenso pronunciamento e enfatiza ao final: “(...) Senhores Constituin-
tes: Na feitura de uma Constituição, as questões são múltiplas, e as dificuldades várias.
Resolvê-las com prudência e sabedoria é o grande desafio que se apresenta a esta como
a todas as Assembléias Constituintes.
Os olhos conscientes da Nação estão cravados em vós.
A missão que vos aguarda é tanto mais difícil quanto é certo que, nela, as virtu-
des pouco exaltam, porque esperadas, mas os erros, se fatais, estigmatizam.
Que Deus vos inspire. (Palmas prolongadas.)”

Tem início os preparativos para a quinta Assembléia Nacio-


nal Constituinte que encerra os trabalhos legislativos no dia 5 de
outubro de 1988.
2 de fevereiro de 1987. 15 horas. Assembléia Nacional Constituinte.
Presidência do Ministro José Carlos Moreira Alves. O Deputado Aécio Neves
da Cunha (PMDB-MG) pede a palavra pela ordem: “Tendo sido, Sr. Presidente,
no momento histórico da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, cometida
uma grave omissão, vejo-me no dever de, na certeza de que represento o pensamento de
milhões de brasileiros e de grande parte desta Casa, solicitar que V. Exª. conceda um
minuto de silêncio em homenagem àquele que viveu e morreu pela reistitucionalização
deste País e, sem dúvida, o grande inspirador desta Assembléia Nacional Constituinte.
Portanto, Sr. Presidente, solicito conceda um minuto de silêncio em homenagem
ao mártir da Constituinte, em homenagem ao Presidente Tancredo Neves. (Palmas.)
(Cumpre-se um minuto de silêncio)”. Grifado pelo compilador.
Em seguida o Presidente do Supremo Tribunal Federal dirige a sessão
de eleição do Presidente da Assembléia Nacional Constituinte. É eleito o
Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP) com 455 votos e em segui-
da assume a cadeira presidencial e faz o seguinte agradecimento: “Inicialmen-
te desejo que estas palmas, que são palmas consagradoras, sejam enderaçadas à Cons-
tituição que vamos, livre e soberamente, elaborar (Palmas.). Desejo, falando pela
Assembléia Nacional Constituinte, eminente Ministro Moreira Alves, agradecer a V. Exª
haver presidido com competência, isenção e dignidade, este ato histórico. Foi a primeira
vez na História da República que em torno da Assembléia Nacional Constituinte se
reuniram os três Poderes – o Poder Judiciário e o Executivo – na pessoa do Presidente
do Supremo Tribunal Federal, o eminente Ministro Moreira Alves, comparecendo, tam-

Sem título-4 595 7/5/2004, 10:22


596 Casimiro Neto

bém pela primeira vez, na História de todas as Constituintes deste País, o Presidente da
República, o Dr. José Sarney.
Feitos estes agradecimentos, peço vênia àqueles que aqui se encontram, por cir-
cunstâncias que acredito todos entenderão, que somente amanhã, em hora que vou
convocar, direi as palavras que entendo do meu dever dirigir aos Constituintes e à
Nação”. Grifado pelo compilador.
No dia 3 de fevereiro o Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-
SP) em sua fala exorta os Constituintes: (...) Srs. Constituintes, esta Assembléia
reúne-se sob um mandato imperativo: o de promover a grande mudança exigida pelo
nosso povo. (Palmas.) Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer
mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar. (Palmas.)
Estes meses vividos pelo povo brasileiro, desde que nos reunimos em Goiânia e
Curitiba, a fim de exigir eleições diretas para a Presidência da República, demonstra-
ram que o Brasil não cabe mais nos limites históricos que os exploradores de sempre
querem impor. Nosso povo cresceu, assumiu o seu destino, juntou-se em multidões,
reclamou a restauração democrática, a justiça social e a dignidade do Estado.
Estamos aqui para dar a essa vontade indomável o sacramento da lei. A Consti-
tuição deve ser – e será – o instrumento jurídico para o exercício da liberdade e da
plena realização do homem brasileiro.
(...) Srs. Constituintes, estou convencido de que esta é excepcional oportunidade
histórica de dar ao País a mais nacional de suas Constituições. Quando uso o termo,
uso-o na convicção de que as nossas cartas anteriores foram redigidas na adolescência
da Pátria, quando buscávamos nos estados estrangeiros o modelo para as instituições
do País.
(...) Como nos recomendou Tancredo, não vamos nos dispersar. Juntos soubemos
ter paciência e coragem. Juntos não nos faltará a necessária competência. Haveremos
de elaborar uma constituição contemporânea do futuro, digna de nossa Pátria e de
nossa gente. Para isso, iremos vencer os desafios econômicos, políticos e sociais. Seremos
os profetas do amanhã.
A voz do povo é a voz de Deus. Com Deus e com o povo venceremos, a serviço da
Pátria, e o nome político da Pátria será uma Constituição que perpetue a unidade de
sua Geografia, com a substância de sua História, a esperança de seu futuro e que
exorcize a maldição da injustiça social. (Palmas prolongadas.)”. Grifado pelo com-
pilador.
Tem início a Quinta Assembléia Nacional Constituinte. São criadas oito co-
missões, organizadas segundo critério temático, com a missão de elaborar
anteprojetos parciais da Constituição. Cada uma composta por 63 membros
titulares e igual número de suplentes e divididas em três subcomissões, res-
guardando o princípio da proporcionalidade partidária e número variável de
membros. São elas:
I) da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher
Ia) da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais
Ib) dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias
Ic) dos Direitos e Garantias Individuais

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A Construção da Democracia 597

II) da Organização do Estado


IIa) da União, Distrito Federal e Territórios
IIb) dos Estados
IIc) dos Municípios e Regiões
III) da Organização dos Poderes e Sistema de Governo
IIIa) do Poder Legislativo
IIIb) do Poder Executivo
IIIc) do Poder Judiciário e do Ministério Público
IV) da Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições
IVa) do Sistema Eleitoral e dos Partidos Políticos
IVb) de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança
IVc) de Garantia da Constituição, Reformas e Emendas
V) do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças
Va) de Tributos, Participação e Distribuição de Receitas
Vb) de Orçamentos e Fiscalização Financeira
Vc) do Sistema Financeiro
VI) da Ordem Econômica
VIa) de Princípios Gerais, Intervenção do Estado, Regime da Proprie-
dade do Subsolo e da Atividade Econômica
VIb) da Questão Urbana e Transporte
VIc) da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária
VII) da Ordem Social
VIIa) dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos
VIIb) de Saúde, Seguridade e do Meio Ambiente
VIIc) dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias
VIII) da Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tec-
nologia e da Comunicação
VIIIa) da Educação, Cultura e Esportes
VIIIb) da Ciência e Tecnologia e da Comunicação
VIIIc) da Família, do Menor e do Idoso.
É instituída também a “Comissão de Sistematização”, para completar, for-
malizar e apresentar o “Primeiro Projeto de Constituição”, elaborado a partir dos
anteprojetos das comissões temáticas, considerada como a de número IX.
Integrada por 49 membros titulares e outros 49 suplentes, pelos presidentes
e relatores das oito comissões temáticas e os das 24 subcomissões, somando,
portanto, 89 membros, não contando os suplentes. Esta comissão é presidida
pelo Constituinte Afonso Arinos de Melo Franco (PFL-RJ), o mesmo que
chefiara a “Comissão Provisória de Estudos Constitucionais” que teve a incumbên-
cia de elaborar o anteprojeto constitucional não enviado ao Congresso Na-
cional.
Cidadãos e entidades civis comparecem levando suas propostas, suges-
tões e reivindicações com grande destaque nos meios de comunicação.
O primeiro anteprojeto causa reações nas lideranças conservadoras e
obriga a Comissão de Sistematização a corrigir algumas falhas e retocar al-

Sem título-4 597 7/5/2004, 10:22


598 Casimiro Neto

guns equívocos. Voltando para a Comissão de Sistematização é acertado e


firmado acordo, com algumas concessões, que acentuam o perfil popular do
texto.
“O que então não se percebeu é que a Constituinte encontrara sua estabilidade e
não mais abandonaria o caminho que a levara ao reencontro com a sociedade.
A rebelião do Centrão assinala a última ilusão. Deu a impressão de que a esma-
gadora maioria conservadora do Plenário, marginalizado durante meses em que a
Comissão de Sistematização deu as cartas, retomara o freio, impondo a reforma do
regimento interno, reabrindo prazos para apresentação de emendas.
Na reta final e decisiva das duas rodadas de votação, o mutirão do Plenário,
comandado pela mão de ferro do doutor Ulysses, confirmou que a Constituinte acertara
a mão e não voltava atrás. A Constituição acabou com a cara do povo, como define o
seu presidente, confirmando grandes avanços sociais, ampliando direitos individuais e
coletivos, ousando, criando, inovando.
Nunca tivemos Constituição como esta. Não é perfeita, não escapa a severas
críticas. Podia ser melhor. Mas a verdade é que, se não enche as medidas, saiu acima da
expectativa. O povo não esperava muito e, pelo visto, não acredita no presente da
Constituição que é mais sua do que nenhuma outra.” Villas-Bôas Corrêa – Sistema
Jornal do Brasil – Nova Constituição Brasileira.
27 de maio de 1988. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da
República, José Sarney Costa (MA), sanciona a Lei nº 7.663, que “altera os
artigos 7 e 71 da Lei nº 4737, de 15 de julho de 1965, que trata do Código Eleitoral”.
1º de setembro de 1988. Câmara dos Deputados. Plenário. 339ª Sessão
da Assembléia Nacional Constituinte. Encerramento da votação das emen-
das destacadas oferecidas ao Projeto de Constituição em segundo turno. Ao
final o Presidente da Assembléia Nacional Constituinte, Deputado Ulysses
Silveira Guimarães (PMDB-SP) faz o seguinte pronunciamento: “Minhas ir-
mãs e meus irmãos Constituintes, quando partimos para a travessia, em 1º de fevereiro
de 1987, a esperança estava no cais, com os olhos nos corações e nas reivindicações dos
65 milhões de brasileiros que para Brasília nos mandaram. Hoje é o alvoroço da che-
gada, com a âncora da Constituição chatada no chão da democracia. (Palmas).
Em nome dos Constituintes, seus pais, com amor, ternura e fé, dizemos à recém-
nascida:
Seja o amparo dos fracos e injustiçados e o castigo dos fortes prepotentes. (Muito
bem! Palmas prolongadas.)
Expulse a ditadura no Brasil, pela prática do ofício público com honestidade,
competência, compromissos sociais e pela autoridade do exemplo, mais do que pelo
ruído das palavras.
Seja escola para as crianças e analfabetos, igualdade para as mulheres e mino-
rias discriminadas. (Palmas.) Salário condizente com distribuição de renda para os
trabalhadores, proteção e estímulo para o empresariado, seguridade para todos os bra-
sileiros, inclusive 11 milhões de aposentados abandonados. (Muito bem! Palmas pro-
longadas.)

Sem título-4 598 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 599

Seja o homem sua religião, pois o Estado é criatura do homem, o homem criou o
Estado e não o Estado criou o homem; (Muito bem! Palmas prolongadas.) O homem é
o fim e o Estado é o meio; na disputa entre o Estado e o homem, fique com o homem
amparado pela razão. (Muito bem! Palmas prolongadas.)
Seja alegre, a alegria é o testemunho dos fortes; seja corajosa, sem a coragem
todas as virtudes perecem na hora do perigo; não seja escapatória, pois a indecisão é o
refúgio dos fracos; seja a núncia da esperança, a esperança é o sinal de que o homem
pode vencer.
Seja irmã do pobre, o pobre só pode se salvar pela lei e pela justiça; seja Moisés
guiando milhões de desamparados para a Canaã da cidadania.
Não fique somente nas estantes, saia, ande, escute, olhe mais do que escute, mais
vale ver uma vez do que ouvir cem vezes.
Saia da Assembléia Nacional Constituinte, seu berço, para o serviço, o progresso
e a segurança social e política da Pátria.
Mais uma vez, o agradecimento da Nação aos componentes da Mesa da Assem-
bléia Nacional Constituinte, ao incansável e erudito Relator Bernardo Cabral (Pal-
mas prolongadas.), e aos Relatores-Adjuntos, Constituintes Adolfo Oliveira, José Fogaça
e Antônio Carlos Konder Reis; aos talentosos e incasáveis líderes de todos os partidos;
(Palmas prolongadas.), aos assessores, na pessoa do Secretário-Geral da Mesa, Dr.
Paulo Afonso (Palmas prolongadas.). À D. Dorothy Prescott, que coordena os dedicados
componentes do meu Gabinete; aos funcionários, através do Diretor-Geral, Dr. Adelmar
Sabino; aos jornalistas personalizados em Ary Ribeiro e João Emílio Falcão.
Irmãs e irmãos Constituintes: Deus lhes pague pela eleição com que me privile-
giaram e pelo convívio que tanto alegrou meu coração e motivou minha ação. Esforcei-
me tanto por apressar o abandono desta excelsa cadeira e agora já sinto pungente
saudade em deixá-la.
Nós vamos. A Constituição fica. Fica para ficar, pois com ela ficará a democra-
cia, a liberdade, a Pátria como uma casa de todos, com todos e para todos. (Muito bem!
Palmas prolongadas.)
Esta é a manifestação que desejava fazer ao abraçar com o coração repleto de
alegria meus irmãos, meus companheiros constituintes.
Muito obrigado. (Muito bem! Palmas prolongadas.)”. Grifado pelo compilador.
22 de setembro de 1988. Câmara dos Deputados. Plenário. 340ª Sessão
da Assembléia Nacional Constituinte. Votação nº 1.021 – Redação Final do
Projeto de Constituição apresentado pela Comissão de Redação Final. Colo-
cado em votação o texto é aprovado.
O Partido dos Trabalhadores através dos pronunciamentos dos Depu-
tados José Genoíno Neto (PT-SP), Benedita Souza da Silva (PT-RJ), Olívio de
Oliveira Dutra (PT-RS), Irma Rossetto Passoni (PT-SP), Eduardo Jorge Martins
Alves Sobrinho (PT-SP), Paulo Gabriel Godinho Delgado (PT-MG), Paulo
Renato Paim (PT-RS), Vladimir Gracindo Soares Palmeira (PT-RJ), e Luiz Inácio
Lula da Silva (PT-SP), faz a justificação do porquê estão votando contra o
texto global e porque assinam a Carta Constitucional.

Sem título-4 599 7/5/2004, 10:22


600 Casimiro Neto

O Deputado Paulo Renato Paim (PT-RS) assim se pronuncia: “(...) Temos


capacidade e competência para construir um país melhor. Temos que fazer política.
Temos que disputar as eleições, temos que nos preparar cada vez mais.
Este País depende de nós, precisa de nós!
O PT vota contra o texto global, porque não pode votar a favor de um texto que
é contra a reforma agrária, não assegura a estabilidade, dá 5 anos para o Presidente
Sarney, como mantém na íntegra a estrutura militar.
O PT assina a Carta porque reconhece os avanços principalmente nos direitos
dos trabalhadores, do qual somos autores de grande maioria das emendas aprovadas e
dos acordos. A luta continua para que o que não foi assegurado na Constituinte se
busque no dia-a-dia e em 1993 possamos incorporá-los no corpo da nova Constitui-
ção”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) – Constituinte mais
votado para integrar a Assembléia Nacional Constituinte –, afirma: “(...)
Importante na política é que tenhamos espaço de liberdade para ser contra ou a
favor. E o Partido dos Trabalhadores, por entender que a democracia é algo impor-
tante – ela foi conquistada na rua, ela foi conquistada nas lutas travadas pela socie-
dade brasileira –, vem aqui dizer que vai votar contra esse texto, exatamente porque
entende que, mesmo havendo avanços na Constituinte, a essência do poder, a essên-
cia da propriedade privada, a essência do poder dos militares continua intacta nesta
Constituinte.
Ainda não foi desta vez que a classe trabalhadora pôde ter uma Constituição
efetivamente voltada para os seus interesses. Ainda não foi desta vez que a sociedade
brasileira, a maioria dos marginalizados, vai ter uma Constituição em seu benefício.
Sei que a Constituição não vai resolver o problema de mais de 50 milhões de
brasileiros que estão fora do mercado de trabalho. Sei que a Constituição não vai resol-
ver o problema da mortalidade infantil, mas imaginava que os constituintes, na sua
grande maioria, tivessem, pelo menos, a sensibilidade de entender que não basta, efeti-
vamente, democratizar nas questões econômicas. Era preciso democratizar na questão
do capital. E a questão do capital continua intacta. Patrão, neste País, vai continuar
ganhando tanto dinheiro quanto ganhava antes, e vai continuar distribuindo tão pou-
co quanto distribui hoje.
É por isto que o Partido dos Trabalhadores vota contra o texto e, amanhã, por
decisão do nosso diretório – decisão majoritária – o Partido dos Trabalhadores assinará
a Constituição, porque entende que é o cumprimento formal da sua participação nesta
Constituinte. Muito obrigado, companheiros. (Muito bem! Palmas)”. Grifado pelo com-
pilador.
O Deputado José Bernardo Cabral (PMDB-AM), Relator do Projeto de
Constituição faz o seguinte pronunciamento: “O homem é um Deus quando
sonha...e um mendingo quando pensa.”
“Sr. Presidente, Srs. Constituintes, a caminhada, ao longo destes 19 meses –
árdua, em certas horas, tormentosas, às vezes, dramática, em circunstâncias inesquecí-
veis –, é forçoso declarar, sempre palmilhada com a independência que caracterizou
esta Assembléia Nacional Constituinte, chega, hoje, aos seus derradeiros instantes.

Sem título-4 600 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 601

Por esta razão, não posso, não quero nem devo silenciar. A minha função de
Relator – quando dela me desincumbo, em definitivo – impõe que faça um especial
agradecimento a todos os eminentes colegas constituintes, sem exceção – líderes e lidera-
dos – pela compreensão, colaboração, estímulo e incentivo que a mim sempre deram.
Não fora isso, não me teria sido possível chegar ao final do honroso cometimento
que, um dia, Deus me colocou sobre os ombros.
Insultado, ofendido, injuriado, difamado, caluniado, não me omiti, não deser-
tei, já que, de forma obstinada, sabia que o objetivo maior era dar a minha contribuição
para que o País possa sair da excepcionalidade institucional – que o marcou no passa-
do – para o reordenamento constitucional, que o espera no presente.
Do suprimento de ontem – lazer perdido, cicatrizes na alma – posso registrar o
profundo contentamento de hoje, a comprovar que os homens não valem pelo privilégio
da fortuna de que desfrutam ou do poder que eventualmente conseguem empalmar,
mas pelo que produzem em prol da coletividade. (Palmas.)
Assim, permitam-me os colegas constituintes que aos agradecimentos que lhes
endereço possa eu ajuntar os mais sensibilizados aos colegas assessores, ao Secretário-
Geral da Mesa, Paulo Affonso Martins, aos meus queridos Relatores-Adjuntos – Sena-
dor José Fogaça, Deputado Antônio Carlos Konder Reis e Deputado Adolfo Oliveira,
quais cirineus redivivos tanta ajuda me deram e sem a qual não seria possível a conclu-
são da minha tarefa.
Por igual, a todos os integrantes da Mesa Diretora da Assembléia Nacional Cons-
tituinte e, em particular, a V. Exª, Sr. Presidente Ulysses Guimarães, estadista que
merece a divisa de Bayard – sans peur et sans reproche – e que conseguiu fincar no
mais alto do topo da cidadania a bandeira da independência parlamentar. (Palmas.)
Um dia, Presidente Ulysses Guimarães, quando a história desta Constituinte for
escrita sem as ardências circunstanciais, o nome de V. Exª. haverá de emergir como o
homem que soube reunir altivez sem arrogância, independência com diginidade, leal-
dade com afeto e bravura sem bravata.
Concluo, pois, e o faço, eminentes colegas constituintes, valendo-me do Poeta
Fernando Pessoa:
“... Da obra é minha a parte feita. O por fazer é só com Deus.”
Muito obrigado. (Muito bem!Palmas.)”. Grifado pelo compilador.

5 de outubro de 1988. Câmara dos Deputados. Plenário. 341ª Sessão


da Assembléia Nacional Constituinte. Sessão solene para promulgação da
Constituição da República Federativa do Brasil e prestação de compromisso
constitucional. Quinze horas e trinta minutos. Presidência do Deputado Ulysses
Silveira Guimarães (PMDB-SP).
“O SR PRESIDENTE (Ulysses Guimarães) – Sob a proteção de Deus e em
nome do povo brasileiro, iniciamos nossos trabalhos.
Declaro aberta a Sessão Solene da Assembléia Nacional Constituinte.
Convido os Srs. Líderes a conduzirem até a Mesa os Srs. Presidentes da Repúbli-
ca, José Sarney, e do Supremo Tribunal Federal, Rafael Mayer.
(Os presidentes são introduzidos no recinto e tomam assento à mesa.)

Sem título-4 601 7/5/2004, 10:22


602 Casimiro Neto

O SR. PRESIDENTE (Ulysses Guimarães) – Srs. Constituintes e convidados,


a presente sessão destina-se à promulgação da Constituição da República Federativa
do Brasil e à prestação do compromisso dos Srs. Constituintes e dos Srs. Presidentes da
República e do Supremo Tribunal Federal.
Convido os presentes para ouvirem, de pé, o Hino Nacional.
(Execução do Hino Nacional)
O SR. PRESIDENTE (Ulysses Guimarães) – A Presidência passará a assinar
os autógrafos, que autenticam a Carta Política. Dentro em breve, depois desses autó-
grafos, teremos a promulgação da Constituição do País.
Permitam-me uma manifestação que não está, digamos, na liturgia da solenida-
de do ato, mas que para mim e para os Srs. Constituintes tem significação: entre as
ofertas que recebi – e não foram poucas – de canetas para assinar este documento que
os constituintes elaboraram, eu me permito, acredito que com os aplausos dos constitu-
intes, escolher a que me foi oferecida pelos funcionários da Câmara dos Deputados.
(Palmas).
O SR. PRESIDENTE (Ulysses Guimarães) – Falando com emoção aos meus
companheiros, às autoridades, aos chefes do Poder Legislativo, às senhoras e senhores
que aqui se encontram, e falando sobretudo ao Brasil, declaro promulgado o documen-
to da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. (Muito bem!
Palmas) Que Deus nos ajude para que isso se cumpra. (Muito bem! Palmas prolonga-
das)”. Grifado pelo compilador.
Em seguida prestam compromisso constitucional os Senhores Consti-
tuintes, o Presidente da República e, de forma inédita, porque isso não ocor-
reu na promulgação das seis Constituições anteriores, o Presidente do Supre-
mo Tribunal Federal.
O Constituinte Afonso Arinos de Melo Franco (PFL-RJ) fala em nome
dos Srs. Parlamentares e afirma: “(...) Srs. Constituintes, concluída está vossa tare-
fa preferencial, mas outro dever se abre ao vosso cuidado e esforço. Este dever indeclinável
é sustentar a Constituição de 1988 (Muito bem! Palmas), apesar de quaisquer diver-
gências com sua feitura; é colaborar nas leis que a tornem mais rapidamente e mais
eficazmente operativa, apesar as dificuldades referidas; é colaborar na sua defesa con-
tra a onda que se avoluma e propaga no seio do povo, e que visa a atacá-la, tão
desabridamente, que esses ataques passaram a envolver toda a classe política.
(...) Derrubar a Constituição, execrar os políticos, é derrubar a liberdade para
entregar a política atual a outra “política”, isto é , a outro tipo de “governo” não
declarado, que teria em mãos a sorte e o destino do povo, e com ele o próprio futuro da
Pátria.
(...) Srs. Constituintes de hoje, Srs. Congressistas de amanhã, nosso dever é fazer
política, isto é, defender e praticar a Constituição brasileira em vigor, acreditar nela,
convocar a Nação para defendê-la, se estiver em risco, reagir contra esses riscos disfar-
çados. Em suma, praticar e defender a liberdade. Fazer política é honrar nosso manda-
to, sustentar nosso trabalho, enobrecer a memória do nosso tempo. (Palmas prolonga-
das.)”. Grifado pelo compilador.

Sem título-4 602 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 603

O Presidente da Assembléia Nacional da República de Portugal, Victor


Crespo, fala em nome dos representantes dos parlamentos estrangeiros pre-
sentes à solenidade. “(...) A nova Constituição brasileira é moderna e avançada,
fonte de paz e progresso, em sintonia com a mentalidade e vontade dominante de uma
população pacífica desejosa de progresso e bem-estar. Classificou-a V. Exª., Sr Presi-
dente Ulysses Guimarães, de ‘Constituição cidadã’. Forma feliz de exprimir um dos seus
aspectos essenciais: o destaque dado ao indivíduo em face do Estado. Nela o cidadão
aparece muito mais protegido e menos à mercê de decisões distantes”.
Em seguida o Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP), Presi-
dente da Assembléia Nacional Constituinte faz um pronunciamento histórico
que há de ficar marcado na memória de todos os brasileiros pelo seu conteú-
do de amor a Pátria, à liberdade e pela democracia: “(...) Estatuto do Homem,
da Liberdade, da Democracia. Dois de fevereiro de 1987: ‘Ecoam nesta sala as reivin-
dicações das ruas. A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar’.
São palavras constantes do discurso de posse como Presidente da Assembléia Nacional
Constituinte.
Hoje, 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação mudou.
(Palmas.)
A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes, mudou
restaurando a Federação, mudou quando quer mudar o homem em cidadão, e só é
cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remé-
dio, lazer quando descansa. (Palmas.)
(...) Chegamos! Esperamos a Constituição como o vigia espera a aurora.
Bem-aventurados os que chegam. Não nos desencaminhamos na longa marcha,
não nos desmoralizamos capitulando ante pressões aliciadoras (Palmas.) e
comprometodoras, não desertamos, não caímos no caminho.
(...) A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplica-
ção e sem medo. (Palmas.)
A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a
reforma.
Quanto a ela, discordar, sim. divergir, sim. Descumprir, jamais. (Palmas.) Afrontá-
la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. (Muito bem! Palmas.) Conhe-
cemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento,
garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério. (Muito
bem! Palmas.)
A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia.
Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do ho-
mem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio
à ditadura. Ódio e nojo. (Muito bem! Palmas prolongadas.) Amaldiçoamos a tirania
onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina.
(Palmas.)
Assinalarei algumas marcas da Constituição que passará a comandar esta gran-
de Nação.

Sem título-4 603 7/5/2004, 10:22


604 Casimiro Neto

A primeira é a coragem. A coragem é a matéria-prima da civilização. Sem ela, o


dever e as instituições perecem. Sem a coragem, as demais virtudes sucumbem na hora
do perigo. Sem ela, não havera a cruz, nem os evangelhos.
A Assembléia Nacional Constituinte rompeu contra o ‘Establishment’, investiu
contra a inércia, desafiou tabus. Não ouviu o refrão saudosista do velho do Restelo, no
genial canto de Camões. Suportou a ira e perigosa campanha mercenária dos que se
atreveram na tentativa de aviltar legisladores em guardas de suas burras abarrotadas
com o ouro de seus privilégios e especulações. (Muito bem! Palmas.)
Foi de audácia inovadora a arquitetura da Constituinte, recusando anteprojeto
forâneo ou de elaboração interna.
O enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas
populares, algumas com mais de um milhão de assinaturas, que foram apresentadas,
publicadas, distribuídas, relatadas e votadas, no longo trajeto das subcomissões à reda-
ção final.
A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de dez mil
postulantes franquearam, livremente, as onze entradas do enorme complexo arquitetônico
do Parlamento, na procura de gabinetes, comissões, galeria e salões.
Há, portanto, representativo e oxigenado sopro de gente, de rua, de praça, de
favela, de fábrica, de trabalhadores, de cozinheiras, de menores carentes, de índios, de
posseiros, de empresários, de estudantes, de aposentados, de servidores civis e militares,
atestando a contemporaneidade e autenticidade social do texto que ora passa a vigorar.
Como o caramujo, guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperan-
ça e reivindicações de onde proveio. (Palmas.)
A Constituição é caracteristicamente o estatuto do homem. É sua marca de
fábrica.
(...) Tipograficamente é hierarquizada a precedência e a preeminência do ho-
mem, colocando-o no umbral da Constituição e catalogando-lhe o número não supera-
do, só no art.5º, de 77 incisos e 104 dispositivos.
Não lhe bastou, porém, defendê-lo contra os abusos originários do Estado e de
outras procedências. Introduziu o homem no Estado, fazendo-o credor de direitos e
serviços, cobráveis inclusive com o mandado de injunção.
Tem substância popular e cristã o título que a consagra: “a Constituição cida-
dã”. (Palmas.)
(...) Tem significado de diagnóstico a Constituição ter alargado o exercício da
democracia, em participativa além de representativa. É o clarim da soberania popular
e direta, tocando no umbral da Constituição, para ordenar o avanço no campo das
necessidades sociais.
O povo passou a ter a iniciativa de leis. Mais do que isso, o povo é superlegislador,
habilitado a rejeitar, pelo referendo, projetos aprovados pelo Parlamento.
A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. Do presidente
da República ao prefeito, do senador ao vereador.
A moral é o cerne da Pátria.
A corrupção é o cupim da República. (Palmas.) República suja pela corrupção
impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam.

Sem título-4 604 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 605

Pela Constituição, os cidadãos são poderosos e vigilantes agentes da fiscalização,


através do mandado de segurança coletivo; do direito de receber informações dos órgãos
públicos, da prerrogativa de petição aos poderes públicos, em defesa de direitos contra
ilegalidade ou abuso de poder; da obtenção de certidões para defesa de direitos; da ação
popular, que pode ser proposta por qualquer cidadão, para anular ato lesivo ao patri-
mônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, isento de custas judiciais;
da fiscalização das contas dos municípios por parte do contribuinte; podem peticionar,
reclamar, representar ou apresentar queixas junto às comissões das Casas do Congresso
Nacional; qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato são partes legíti-
mas e poderão denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas
da União, do estado ou do município. A gratuidade facilita a efetividade dessa fiscali-
zação.
Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria,
com humildade e realismo, admite ser emendada, até por maioria mais acessível, dentro
de cinco anos.
Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz,
ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os
caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o caminho que penetrar nos
bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria.
(...) É consagrador o testemunho da ONU de que nenhuma outra Carta no
mundo tenha dedicado mais espaço ao meio ambiente do que a que vamos promulgar.
(...) A atuação das mulheres nesta Casa foi de tal teor (Palmas prolongadas),
que, pela edificante força do exemplo, aumentará a representação feminina nas futuras
eleições.
(...) Agradeço aos constituintes a eleição como seu Presidente e agradeço o conví-
vio alegre, civilizado e motivador. Quanto a mim, cumpriu-se o magistério do filósofo:
o segredo da felicidade é fazer do seu dever o seu prazer. (Palmas.)
Todos os dias, meus amigos constituintes, quando divisava, na chegada ao Con-
gresso, a concha côncava da Câmara, rogando as bênçãos do céu, e a convexa, do
Senado ouvindo as súplicas da terra (palmas), a alegria inundava meu coração. Ver o
Congresso era como ver a aurora, o mar, o canto do rio, ouvir os passarinhos.
Sentei-me ininterruptamente nove mil horas nesta cadeira, em 320 sessões, ge-
rando até interpretações divertidas pela não-saída para lugares biologicamente exigíveis.
(Risos. Palmas.) Somadas as das sessões, foram 17 horas diárias de labor, também no
gabinete e na residência, incluídos sábados, domingos e feriados.
Político, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades.(Palmas) Uma
delas, benfazeja, me colocou no topo desta montanha de sonho e de glória. Tive mais do
que pedi, cheguei mais longe do que mereço. (Não apoiado.) Que o bem que os consti-
tuintes me fizeram frutifique em paz, êxito e alegria para cada um deles.
Adeus, meus irmãos. É despedida definitiva, sem o desejo de retorno.
Nosso desejo é o da Nação: que este Plenário não abrigue outra Assembléia
Nacional Constituinte. (Palmas prolongadas.)Porque, antes da Constituinte, a ditadu-
ra já teria trancado as portas desta Casa.
Autoridades, Constituintes, Senhoras e Senhores.

Sem título-4 605 7/5/2004, 10:22


606 Casimiro Neto

A sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou antagonismo do


Estado.
(...) O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela,
pela anistia, libertou e repatriou. (Palmas.)
A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram. (Muito bem!
Palmas prolongadas.)
Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das diretas-já, que, pela tran-
sição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador.
Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A
Nação deve mudar. A Nação vai mudar.
A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo
à mudança.
Que a promulgação seja nosso grito:
Mudar para vencer!
Muda, Brasil! (Muito bem! Muito bem! Palmas prolongadas.)”. Grifado pelo com-
pilador.
É ovacionado pelo povo nas galerias e nos corredores do Congresso
Nacional, pelos constituintes e pelas autoridades presentes.
O “Jornal da Constituinte” – veículo semanal editado a partir de 1º de
junho de 1987 sob a responsabilidade da Mesa Diretora da Assembléia Na-
cional Constituinte – estampa na primeira página do nº 63: “ESTA CARTA
É NOSSA – Às 15 horas e 54 minutos do dia 5 de outubro de 1988 o Deputado
Ulysses Guimarães declarou promulgada a nova Constituição. Você agora é um ci-
dadão da República Federativa do Brasil!” e nas páginas seguintes as seguintes
chamadas: “Carta é promulgada com festa e emoção. – Ulysses: mudar para vencer.
– Arinos: a defesa dos políticos. – Crespo: Brasil deu um exemplo. – Na festa da nova
Constituição fé, semente e o selo do futuro. – Constituição: vitória de um povo que
sabe o que quer. – Ulysses: Uma sessão histórica. – O povo acreditou e ganhou. –
Grande era a missão, maior o entusiasmo. – CONSTITUIÇÃO CIDADÃ. – Termi-
namos a transição. – Você é responsável pela cidadania que a Carta dá. – Agora
brilha a luz no fim do túnel! – 20 meses, 315 artigos. É tempo de seguir a lei. –
Assim cada um cumpriu a missão.”
A Assembléia Nacional Constituinte encerra seus trabalhos com a pro-
mulgação da nova Carta Constitucional. Sétima Constituição brasileira e sex-
ta da República. Muitas são as conquistas, especialmente com relação aos
aspectos sociais, trabalhistas e político-institucionais. O ponto mais positivo
da nova Carta, na opinião geral dos parlamentares e juristas, é o título que
trata dos “Direitos e Garantias Fundamentais” saudado como um dos mais mo-
dernos e democráticos do mundo. Com efeito, além de consagrar os princí-
pios essenciais do Estado de Direito e de enunciar os direitos e garantias
individuais internacionalmente reconhecidos, o novo texto constitucional trata
de algumas inovações no que tange aos instrumentos jurídicos garantidores
desses direitos. São eles: O mandado de segurança coletivo, instrumento atra-
vés do qual os partidos políticos com representação no Congresso Nacional e

Sem título-4 606 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 607

as organizações sindicais, entidades de classe ou associações poderão defen-


der direitos líquidos e certos de seus membros ou associados, violados ou
ameaçados por autoridade pública ou seus prepostos. O mandado de injunção,
que possibilita ao cidadão exigir o respeito a seus direitos e liberdades consti-
tucionais e às prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidada-
nia, ameaçados por falta de norma regulamentadora. O habeas data, conce-
dido para assegurar ao cidadão o conhecimento de informações relativas a
sua pessoa, constante de registro ou banco de dados de entidades públicas ou
privadas, e possibilitar-lhe as devidas correções. Merece, ainda, especial des-
taque a ampliação do direito de propor ação popular, agora conferido a qual-
quer brasileiro que pretenda anular ato lesivo ao patrimônio público, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente ou ao patrimônio histórico e
cultural.
Pela primeira vez, uma Constituição brasileira trata do meio ambiente –
um capítulo inteiro –, e estabelece uma série de normas destinadas a protegê-
lo. Obras ou atividades que possam causar degradação ecológica deverão ser
precedidas de estudo de impacto ambiental para sua aprovação, e os crimes
contra a natureza passam a ser contravenção penal. O infrator sofrerá san-
ções penais e administrativas e ainda terá de reparar os danos causados. Con-
sidera ainda como patrimônio nacional a floresta amazônica, a mata atlânti-
ca, a serra do Mar, o Pantanal mato-grossense e a zona costeira.
Devolve os poderes do Legislativo e este assume suas funções: legiferante
e fiscalizadora. Dá-lhe novas atribuições em matéria de política econômico-
financeira, orçamento, política nuclear e comunicações. Garante o direito de
voto a analfabetos e a jovens de 16 anos; a ampliação das conquistas do traba-
lhador e dos direitos da mulher.
É mantida a inelegibilidade por abuso do poder econômico e define o
procedimento para a impugnação de mandato eletivo nos casos de abuso
comprovado. Os partidos deixam de ser concebidos como órgãos públicos e a
eles são assegurados o direito a recursos do fundo partidário.
O Poder Judiciário com maiores prerrogativas de autogestão adminis-
trativa e financeira, garantido-se, assim, sua independência e autoridade.
Determina a realização de plebiscito para definir a forma (república
ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo
ou presidencialismo); determina que o presidente e os governadores, bem
como os prefeitos dos municípios com mais de 200 mil eleitores sejam
eleitos por maioria absoluta ou em dois turnos se nenhum candidato al-
cançar a maioria absoluta na primeira votação e, naqueles municípios com
menos de duzentos mil eleitores, os chefes do Poder Executivo sejam elei-
tos por maioria simples. Estabelece, ainda, que o período de mandato do
presidente será de cinco anos, vedando-lhe a reeleição para o período
subseqüente e fixa a desincompatibilização até seis meses antes do pleito
para os chefes dos executivos federal, estaduais e municipais que quise-
rem concorrer a outros cargos.

Sem título-4 607 7/5/2004, 10:22


608 Casimiro Neto

Cria a Advocacia Geral da União, acabando com o acúmulo de tarefas


muitas vezes incompatíveis dos membros do Ministério Público, a quem cabi-
am tanto a representação da União em juízo quanto o papel de fiscal da lei.
Antes, procuradores e promotores se vinculavam ao Executivo. Com isso muda
o Ministério Público. Passa a não existir qualquer espécie de relação de su-
bordinação e integração aos poderes Judiciário, Legislativo ou Executivo. Com
a mudança, aumentou a autonomia e cresceu a missão, praticamente trans-
formando esse órgão num quarto poder. O Ministério Público conserva o seu
papel de promotor da ação no campo penal, mas passa a atuar, ao lado de
outras instituições, como defensor do povo. Guardião de interesses difusos e
coletivos em áreas como meio ambiente, direitos do consumidor, patrimônio
histórico e cultural, controle da administração pública e de serviços de rele-
vância pública. Cabe-lhe amplíssima missão de defesa da ordem jurídica e do
regime democrático. Vigia a ação das autoridades, zela pela cidadania e de-
fende minorias, ou seja, desempenha funções essenciais para a defesa da
sociedade.
A nova Carta privilegia a livre iniciativa, o trabalho, assentando-se nos
princípios da soberania nacional; da propriedade privada, atendida sua fun-
ção social; da livre concorrência; da defesa do consumidor; da defesa do meio
ambiente; e da redução das desigualdades regionais e sociais. Implanta um
novo sistema de assistência e seguridade sociais.
O Prefácio, abaixo transcrito, do Presidente da Assembléia Nacional
Constituinte, Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP), inserindo na nova Cons-
tituição e distribuído por ocasião da promulgação é objeto de questionamen-
to, contestação e justificativa.

“A CONSTITUIÇÃO CORAGEM

O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, anal-


fabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania.
A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergo-
nham o País.
Diferentemente das sete constituições anteriores, começa com o
homem.
Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita
para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constitui-
ção Cidadã.
Cidadão é o que ganha, come, sabe, mora, pode se curar.
A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as
instituições e convulsiona a sociedade.
Por isso mobiliza, entre outras, novas forças para o exercício do
governo e a administração dos impasses. O Governo será praticado
pelo Executivo e o Legislativo.

Sem título-4 608 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 609

Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competências


para vencer dificuldades, contra a ingovernabilidade concentrada em
um, possibilita a governabilidade de muitos.
È a Constituição coragem.
Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus,
tomou partido dos que só se salvam pela lei.
A Constituição durará com a democracia e só com a democracia
sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça.
Brasília, 5 de outubro de 1988.
Assinatura do Constituinte Ulysses Guimarães – Presidente.”
Falam sobre o assunto os Senadores Jarbas Gonçalves Passarinho (PDS-
PA), Marcondes Iran Benevides Gadelha (PFL-PB), e os Deputados Genebaldo
de Souza Correia (PMDB-BA) e Fidélis dos Santos Amaral Neto (PDS-RJ).
Estas informações podem ser localizadas na Sessão Conjunta – Congresso
Nacional –, do dia 6 de outubro de 1988.
A respeito das discussões em relação à “pessoa portadora de deficiência”, o
Deputado Nelson de Carvalho Seixas (PDT-SP) fala sobre sua participação na
Constituinte: “(...) Este é um breve relato da minha participação na Assembléia Na-
cional Constituinte de 1988, toda ela voltada para a pessoa portadora de deficiência,
que foi o motivo de minha candidatura e de minha eleição. Na ‘Fase Temática’ fui
colocado na Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Mi-
norias, tendo como presidente o Deputado Ivo da Silva Lech (PMDB-RS), paraplégico,
mas o relator foi o Deputado Alceni Ângelo Guerra (PFL-PR), que me deu bastante
força, acolhendo a quase totalidade de minhas propostas, nem todas aprovadas na
Comissão de Sistematização. Como a referência a esse segmento da população era ‘De-
ficientes’ a nossa primeira preocupação foi mudá-la para enfatizar a ‘pessoa’ que even-
tualmente tinha uma ou mais deficiências, ao lado de suas eficiências. Em sessão de 6
ou 7 de março de 1987, o Relator Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) colocou
em votação meu pedido de destaque que, aprovado, colocou em toda a Constituição de
1988 a expressão “Pessoa Portadora de Deficiência” ou “Portadores de Deficiência”,
como se observa em todo o seu texto. A seguir, farei referência a todas as conquistas na
Carta Magna, algumas por inciativa totalmente minha, outras por propostas simultâ-
neas de outros parlamentares, que obtiveram a primazia na sua condução, como foram
os casos de César Epitácio Maia (PDT-RJ) e Sandra Martins Cavalcante (PFL-RJ),
constituinte a quem devo pessoalmente muito apoio e colaboração. Não transcreverei os
textos, mas somente farei citação de sua locação: Título II, Capítulo II, Art. 7º, Inciso
XXXI – que considerei de extrema importância, impedindo o trabalhador portador de
deficiência (mental/física/auditiva/visual) de ser preterido no seu ingresso no mercado
de trabalho ou injustiçado em sua remuneração, desde que mostrasse a mesma qualida-
de laboral dos demais. Título II, Capítulo VII, Art. 37, Inciso VIII – estabeleceu-se
uma reserva de mercado para os portadores de deficiência, que já deveria ter sido
determinada, pois que se, na população em geral, segundo a Organização Mundial de
Saúde, tem-se 10% de portadores de deficiência e, admitamos que a metade deles tenha

Sem título-4 609 7/5/2004, 10:22


610 Casimiro Neto

capacidade de trabalho, portanto, dever-se-ia ter estabelecido um máximo de 5%; no


DF, por obra do Deputado Distrital Benício Tavares introduziu-se em sua legislação o
exagero de 20%. Título III, Capítulo II, Art. 23, Inciso II e Art. 24, Inciso XIV –
ambos os dispositivos visam a saúde, a assistência, a proteção e a integração social das
pessoas portadoras de deficiência, que vieram a receber legislação ordinária variada,
com destaque para a Lei 7853, de 24 de outubro de 1989. Título VIII, Capítulo II,
Art. 203, Inciso IV e V – este último contendo a discutida pensão, de um salário
mínimo, ao portador de deficiência e ao idoso, que não possam prover a própria manu-
tenção ou de te-la, provida por sua família; então, para se dar uma ínfima ajuda
exige-se (Lei 8742/93 – Organização da Assistência Social) a renda de ¼ do salário
mínimo, o que não é pobreza, mas sim miserabilidade. Em continuidade ao trabalho
parlamentar participei da Comissão de Assistência Social e fui relator do projeto de lei
relativo a essa parte da Seguridade Social, onde coloquei como parâmetro de carência
social a renda de ½ salário mínimo por membro da família, mesmo achando ainda
pouco. Título VIII, Capítulo III, Art. 208, Inciso III – que garante o atendimento
educacional especializado, mas preferencialmente na rede regular de ensino, ensejando
a tão falada hoje ‘Educação Inclusiva’, longe de se obter à vista da precária situação
da educação pública no Brasil, mas é um esforço anti-segregacional. Título VIII,
Capítulo VII, Art. 227, § 1º, Inciso II e § 2º – a elaboração da Constituição Federal
vinha sendo até repetitiva em relação aos portadores de deficiência, mas faltavam al-
guns pontos como a prevenção de deficiências, a preparação para o trabalho, a elimi-
nação de preconceitos e de obstáculos arquitetônicos, as normas de construção dos
logradouros e dos edifícios de uso público, bem como o transporte dessas pessoas; resul-
tado, colocou-se tudo isso nesses dois dispositivos, pois estava se arrematando a nossa
Carta Magna”.
O Jornal “O Estado de São Paulo” destaca em sua primeira página: “A
nova Carta entra em vigor. – Foram 341 sessões plenárias, 1.021 votações, 2.400
horas de discursos, 15 mil pronunciamentos e 66 mil emendas. Aconteceu de tudo:
brigas, emoção, agressões, risos e lágrimas. Vinte meses depois de instalados os traba-
lhos da Assembléia Nacional Constituinte, o Brasil ganha nova Constituição. A séti-
ma, desde 1824. E com revisão marcada para daqui a cinco ano. – (...) Concluiu-se
com ela uma das etapas mais importantes do processo de transição democrática. (...) A
Constituição surge como produto de uma Assembléia que escolheu método de trabalho
excessivamente complicado – 24 subcomissões, oito comissões temáticas, Comissão de Sis-
tematização – para chegar ao texto básico. A conseqüência é que os trabalhos se prolonga-
ram, o que facilitou a ação dos mais variados grupos de pressão. Eles agiram com desen-
voltura e exerceram influência maior do que o normal em regimes democráticos”.
Vale registrar os números da Assembléia Nacional Constituinte de
1987/1988:
1ª FASE
A Assembléia Nacional Constituinte iniciou seus trabalhos no dia 1º de
fevereiro de 1987. Até 24 de março desse mesmo ano foi elaborado e aprova-
do o seu Regimento Interno.

Sem título-4 610 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 611

2ª FASE
Em seguida foram iniciadas as atividades das 24 subcomissões, apresen-
tando a seguinte estatística: Período de 7 de abril de 1987 a 25 de maio de
1987. Duração: 50 dias. Audiências públicas: 182. Emendas apresentadas aos
anteprojetos: 6.417. Os documentos foram encaminhados ao Centro de Do-
cumentação e Informação para indexação e arquivamento.
3ª FASE
As oito comissões temáticas deram início a seus trabalhos em 26 de
maio de 1987 e concluindo-os em 15 de junho de 1987. Total de emendas
(comissões e subcomissões): 14.920. Total de anteprojetos (comissões e
subcomissões): 74. Documentos apreciados pelo relatores: 32.337 (incluindo-
se aí 12.000 sugestões, sendo 9.653 de constituintes e 2.347 de entidades).
4ª FASE
Esta ficou por conta da Comissão de Sistematização e do Plenário,
iniciando-se com o recebimento, em 17 de junho de 1987, dos anteprojetos
oriundos das comissões temáticas. As atividades da Comissão de Sistematização
encerraram-se em 18 de novembro de 1987. Duração: 224 dias. Número de
reuniões: 125. Textos produzidos para discussão, emendas e votação: cinco.
Emendas apresentadas em Plenário: 35.111 (das quais 122 emendas populares).
5ª FASE
Votação em Plenário do “Projeto A”, em 1º turno, que foi de 27 de
janeiro a 30 de junho de 1988. A reforma do Regimento Interno, pela Reso-
lução nº 3, em 5 de janeiro de 1988 possibilitou a apresentação de novas
emendas e destaques: Total de emendas nesta fase: 2.045. Total de destaques
nesta fase: 2.277. Sessões do 1º turno: 119. Votações: 732. Tempo de traba-
lho: 476 horas e 32 minutos. Destaques apreciados e votados: 2.277. Disposi-
tivos contidos no projeto: 1.812.
6ª FASE
Da matéria aprovada resultou o “Projeto B”, cujo período de votação
no Plenário correu entre os dias 1º de setembro de 1988 a 2 de setembro de
1988. Emendas oferecidas: 1.834. Destaques: 1.744. Total de sessões: 38. Dis-
positivos contidos no projeto: 2.059.
7ª FASE
“Projeto C” à Redação Final, na Comissão de Redação. Emendas de
redação apresentadas: 833. Destaques: 733. Sessões realizadas: oito (dias 13,
14, 19 e 20 de setembro de 1988).
RESUMO:
Número de dias em que foram realizadas sessões plenárias: 309. Número
de sessões plenárias: 330. Subcomissões e Comissões temáticas (7 de abril de
1987 a 15 de junho de 1987): dois meses e nove dias. Comissão de Sistemati-
zação (9 de abril de 1987 a 18 de novembro de 1987): sete meses e 14 dias.

Sem título-4 611 7/5/2004, 10:22


612 Casimiro Neto

PLENÁRIO: a) Instalação até o início da discussão e votação do 1º


turno (1º de fevereiro de 1987 a 27 de janeiro de 1988): 11 meses e 26
dias. b) 1º turno (27 de janeiro de 1988 a 30 de junho de 1988): cinco
meses e quatro dias. c) 2º turno (1º de julho de 1988 a 2 de setembro de
1988): dois meses e três dias. d) Redação Final – Projeto “C” (13 de se-
tembro de 1988 a 22 de setembro de 1988): cinco dias. O total de horas
trabalhadas equivale a um ano, 11 meses e um dia, com carga diária de
quatro horas, ininterruptas. (Fonte: Jornal da Constituinte – nº 63, de 5 de
outubro de 1988).
Participaram da Assembléia Nacional Constituinte 487 Deputados e 49
Senadores. A relação nominal dos votos, durante a Assembléia Nacional Cons-
tituinte e registrados pelo sistema eletrônico, se encontra publicada em avul-
sos. Havendo divergências e para sanar dúvidas, as referidas publicações po-
dem ser encontradas na Seção de Arquivo Impresso, da Coordenação de
Arquivo. Uma das votações que causou dúvida é a de nº 48, que foi publicada
no Diário da Assembléia Nacional Constituinte de 10 de fevereiro de 1988
página 7.127.
Ao longo de vários anos de pesquisa notamos que algumas expressões
de artigos da nova Constituição não foram votadas em 1º e 2º turnos, ou só
foram votadas apenas uma vez. Algumas disposições permanentes e transitó-
rias tiveram alterações de mérito votadas apenas em um turno. Merecem,
pois, uma pesquisa mais aprofundada, bem como os seguintes artigos: Art.
2º; Art. 59, inciso V; Art. 14, parágrafo 3º, inciso VI, alínea “c”; inciso IV,
alínea “c”; Art. 70 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A
respeito destes fatos, o Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP) faz
os devidos esclarecimentos em seu pronunciamento publicado no Diário da
Assembléia Nacional Constituinte (DANC) do dia 23 de setembro de 1988, à
página 14319.
Vale registrar que o Deputado Nilson Alfredo Gibson Duarte Rodrigues
(PMDB-PE) foi o Constituinte que mais apresentou emendas, no total de
1.165, e também o que mais as teve aprovadas, no total de 257. Considerado
por seus pares como um dos deputados mais presentes e atuantes das últimas
legislaturas do Congresso Nacional, junto de tantos outros que dedicaram e
dedicam todas as suas horas à causa pública e aos grandes debates nacionais.
Fato este registrado nas notas taquigráficas, mas não publicadas, no Diário da
Casa, sessão do dia 20 de novembro de 1996, quando da votação da PEC 198/
95. O Presidente da Câmara dos Deputados Luís Eduardo Magalhães (PFL-
BA), necessitando de um parecer de Plenário, procura pelo Deputado Nilson
Alfredo Gibson Duarte Rodrigues (PMDB-PE) ao Secretário-Geral da Mesa,
Mozart Vianna de Paiva, e, tomando conhecimento de que o referido deputa-
do se encontrava em uma viagem de trabalho, ao exterior, designado que foi
pelo próprio Presidente da Casa, diz: “(...) Que falta faz o Deputado Nilson
Gibson...!”.

Sem título-4 612 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 613

Para uma melhor compreensão e busca dos documentos inseridos no


processo constituinte temos as seguintes fontes disponíveis no “Sistema
Prodasen” e no “Sistema Sicon” – Internet – página do Senado Federal:

BANCO: SAIC (sugestões apresentadas pelos cidadãos brasileiros à CCJ


do Senado Federal entre março de 1986 a julho de 1987 (72.719 sugestões).
BANCO: SGCO (sugestões apresentadas pelos constituintes e entida-
des civis (11.989 sugestões).
BANCO: APEM (textos integrais dos anteprojetos, dos substitutivos e
dos projetos de Constituição que tramitaram durante a ANC (72.128 do-
cumentos) e subdivide-se em Banco: ANTE (anteprojetos e substitutivos até
o Anteprojeto de Constituição, com 501 artigos, 2.994 documentos); Banco:
PROJ (projetos de constituição a partir da fase “L”, 2.490 documentos); e
Banco: EMEN (emendas apresentadas durante toda a fase de elaboração da
Constituição, 66.643 documentos).
BANCO: DISC (reúne as referências e resumos dos pronunciamentos
proferidos pelos senadores, deputados e autoridades com indicação dos
aparteantes) e subdivide-se nos Bancos: DISS – discursos de senadores e DISD
– discursos dos deputados.
FASES DE “A” a “X” (não existe a fase D).
SUBCOMISSÕES TEMÁTICAS (24)
FASE A – Anteprojeto do relator;
FASE B – Emendas ao anteprojeto do relator;
FASE C – Anteprojeto da subcomissão.
COMISSÕES TEMÁTICAS (8)
FASE E – Emendas ao anteprojeto da subcomissão;
FASE F – Substitutivo do relator;
FASE G – Emenda ao Substitutivo;
FASE H – Anteprojeto da comissão.
Em 15 de junho de 1987, o Relator da Assembléia Nacional Constituin-
te recebeu os textos de sete das oito comissões temáticas (a comissão VIII não
concluiu os trabalhos)
Em 29 de junho de 1987, o Relator da Assembléia Nacional Constituin-
te apresentou o “Anteprojeto de Constituição” com 501 artigos (FASE I).

COMISSÃO DE SISTEMATIZAÇÃO
FASE I – Anteprojeto de Constituição (501 artigos);
FASE J – Emenda de mérito (CS) ao anteprojeto (prazo: 28/06 a 2/07/87);
FASE K – Emenda de adequação (CS) ao anteprojeto;
FASE L – Projeto de Constituição da Comissão de Sistematização com
496 artigos. O projeto vai a Plenário;

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614 Casimiro Neto

FASE M – Emendas (1P) de Plenário (prazo: 15/07 a 13/08/1987). Volta


à Comissão de Sistematização;
FASE N – Primeiro Substitutivo do Relator (305 artigos);
FASE O – Emendas (ES) ao primeiro substitutivo do relator (prazo:
28/08 a 5/09/1987);
FASE P – Segundo Substitutivo do Relator (264 artigos).
PLENÁRIO
FASE Q – “Projeto A” (início do 1º turno – de 24/11/1987 a 30/06/1988);
FASE R – Ato das Disposições Transitórias;
FASE S – Emendas (2P) de Plenário ao “Projeto A” (prazo: 7 a 13/01/1988
– apresentação de destaques e votação do “Projeto A);
FASE T – “Projeto B” (fim do primeiro e início do segundo turnos) –
5/07/1988;
FASE U – Emendas (2T) ao “Projeto B” (prazo: 7 a 11/08/1988) – desta-
ques para votação do “Projeto B”;
FASE V – “Projeto C” (fim do segundo turno) – 2/09/1988.
COMISSÃO DE REDAÇÃO (instalada em 21 de abril de 1988)
FASE W – Propostas exclusivamente de redação ao “Projeto C” –
publicadas e distribuídas as propostas (PR) e apreciadas as propostas (PR)
pela Comissão de Redação;
FASE X – “Projeto D” – Redação Final – votada em 22/09/1988, em turno
único.
EPÍLOGO
FASE Y – Promulgação – 5/10/1988.
Para melhor entendimento da complexidade na elaboração da históri-
ca Constituição de 1988, vale deixar registrado o valor das seguintes obras:
1ª) – “Fontes de Informações sobre a Assembléia Nacional Constituinte de 1987
– Quais são, onde buscá-las e como usá-las” do Assessor Legislativo do Senado
Federal Mauro Márcio Oliveira, publicada em 1993, destaca em sua introdu-
ção que: “(...) Os números que registram a tarefa constitucional são impressionantes.
Como exemplos podem ser citados os mais de 212 mil registros eletrônicos relativos a
emendas, projetos e destaques, espalhados em mais de uma dezena de bases de dados
possíveis de serem acessadas por mais de 150 instituições públicas e privadas do País;
as mais de 2 mil caixas com documentos originais da Assembléia; os 308 exemplares do
Diário da Assembléia Nacional Constituinte, reunidos em uma coleção sintética de 16
e em outra expandida de 39 volumes; as 215 fitas de videocassetes, as 1.270 fotos e as
2.865 fitas sonoras de gravação dos trabalhos constituintes; e uma extensa coleção de
documentos catalogados pelas bibliotecas.
2ª) – “O processo histórico da elaboração do texto Constitucional – Volumes 1, 2
e 3” dos servidores Dilson Emílio Brusco e Ernani Valter Ribeiro, da Seção de
Documentos Legislativos da Coordenação de Arquivo, que traz os mapas de-
monstrativos da elaboração do texto constitucional, das votações na Comis-

Sem título-4 614 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 615

são de Sistematização, das votações em plenário nos 1º e 2º turnos, do con-


trole de reuniões das Comissões e Subcomissões, e das audiências públicas.
Na apresentação desta obra o Deputado Inocêncio Gomes de Oliveira (PE)
deixou escrito que “a Constituição brasileira de 1988 foi o coroamento de um longo
processo de maturação em que todas as forças da sociedade se congregaram para traçar o
perfil de um novo País a ser construído na afirmação plena da cidadania responsável.
O texto promulgado não representou jamais o consenso amplo de uma identidade
inerte, mas antes o pulsar dinâmico de relações sociais complexas e contraditórias, de
idéias e mentes diferenciadas, cujo embate as fez convergir, num grande acordo nacio-
nal, para desaguar no estuário aberto da democracia.
É este certamente o legado maior que nos deixou Ulysses Guimarães, Presidente
da Assembléia Nacional Constituinte: a Constituição Cidadã, como a batizou com justo
orgulho e o confirma agora no prefácio desta obra, último texto de toda uma vida que
dignificou esta Casa”.
Na página seguinte o Deputado Ulysses Silveira Guimarães (SP) decla-
ra que “transformar seus concidadãos em homens melhores, fazendo com que seu bom
comportamento se torne habitual, é o objetivo maior de todo legislador. O sucesso ou o
fracasso nessa empresa é que determinam, na verdade, a diferença entre a boa e a má
constituição” (Aristóteles).
Define-se com precisão, nessas palavras do grande filósofo, o espírito de que se
imbuiu a Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88, quando instalou seus traba-
lhos para elaborar a nova Constituição da República Federativa do Brasil.
(...) Muitos foram os obstáculos, suspeitas e incompreensões. Vencidos todos, ul-
trapassados com vontade política de elaborar a estruturação jurídica, social e econômi-
ca no espaço da lei suprema do País.
A lei maior brasileira registrou a mudança da sociedade brasileira. Seu escopo
primeiro e mais importante: o homem. Chamei-a a Constituição Cidadã, porque no
cidadão instituiu seu fim e sua esperança”.

Têm início a Sexta República e a consolidação da democracia.

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616 Casimiro Neto

Quadro/Foto nº 29 e 29/A
Plenário da Assembléia Nacional Constituinte
O Presidente da Assembléia Deputado Ulysses Silveira Guimarães e
a Constituição Cidadã.

Sem título-4 616 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 617

Sexta República
(5/10/1988)

15 de fevereiro de 1990. 15 horas. Congresso Nacional. Sessão Solene


destinada à instalação dos trabalhos da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 48ª
legislatura. Presença do Presidente da República, José Sarney Costa (MA), que
comparece e lê pessoalmente sua mensagem ao Parlamento: “Srs. Congressistas,
envio ao Congresso Nacional a última mensagem do meu mandato. Renovo, mais uma
vez, minha homenagem a esta instituição, coração e alma do sistema democrático.
Lanço os olhos no tempo. Recordo a manhã de 15 de março de 1985. Com a
doença, e depois a morte de Tancredo Neves, coube-me dirigir a Nação no seu período
mais difícil, porque mais cheio de cobranças políticas, em toda a nossa história.
Somavam-se esperanças e dificuldades. As liberdades, até então represadas, ex-
plodiam em reivindicações e gestos de intolerância. A ânsia de mudanças atropelava os
fatos. Tive a tarefa gigantesca e quase impossível de administrar e dar equilíbrio a uma
aliança de forças heterogêneas que fora construída, em precária engenharia política,
para possibilitar a travessia do regime autoritário para o pleno estado de direito.
Há um tempo de semear e um tempo de colher.
(...) Plantei o exemplo da paciência política, essencial à convivência democráti-
ca. Plantei os ventos da liberdade que varreram o País inteiro. Plantei as modificações
institucionais promovidas sem hesitação.
(...) A Constituinte foi a primeira na história republicana que não anunciou um
estuário de confronto. Em 1824, termina na dissolução do Parlamento. Em 1891,
desemboca na espada de Floriano. Em 1934, cai no Estado Novo. Em 1946, cria a
clandestinidade para as esquerdas. Hoje, abre-se no estuário da Liberdade.
(...) O País viveu uma festa, a festa da liberdade. A transferência do poder se
processa com normalidade, civilidade e educação política inéditas.
Chegamos ao fim de mandato. Os espaços foram abertos. Os trabalhadores che-
gam a dois palmos do poder, eles que outrora não alcançavam dois passos na esfera das
decisões.
O povo escolhe, decide, manda.
(...) Agradeço ao Congresso Nacional o apoio recebido nas horas difíceis. Se não
foi total, foi o necessário e patriótico para chegar até aqui.
Creio, porque nele vivi, que no Congresso está uma grande reserva e valores
cívicos que nos momentos críticos encontra, com patriotismo, solução para os anseios de
nossa Nação, para que ela continue o seu caminho e ocupe o lugar que lhe está reser-
vado no mundo.

Sem título-4 617 7/5/2004, 10:22


618 Casimiro Neto

Desejo renovar minha homenagem ao Poder Legislativo, afirmando que, nestes


anos, juntos, lançamos a base fundamental da sociedade democrática brasileira, o go-
verno da liberdade! Os historiadores dirão sobre este tempo.
Ele será um instante solar das instituições democráticas, porque “todo poder
humano é um conjunto de tempo e paciência, como dizia Balzac.
A democracia, hoje, não é a planta tenra de que nos falava Otávio Mangabeira,
mas o carvalho, de Rui Barbosa, a cuja sombra espero que nos deixem perpetuamente
elaborar e cumprir os roteiros de salvação do povo secularmente sofrido deste País.
(Palmas prolongadas)”. Grifado pelo compilador.
Pela segunda vez na história republicana um chefe de governo compa-
rece ao Congresso Nacional no início de uma sessão legislativa para leitura
de sua mensagem. Sua presença é interpretada como uma forma de saudar a
redemocratização do País com o final da Assembléia Nacional Constituinte
de 1987/88 e a promulgação da nova Carta Constitucional. Antes, Getúlio
Dornelles Vargas (RS) havia comparecido a uma sessão solene, não como pre-
sidente eleito, mas como Chefe do Governo Provisório, na abertura dos tra-
balhos da Assembléia Nacional Constituinte no dia 15 de novembro de 1933,
quando fez a entrega e a leitura de sua mensagem, prestou contas de seus
atos após a deposição do Presidente da República e a implantação de um
novo regime de governo.
18 de maio de 1990. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da
República Fernando Affonso Collor de Mello (AL) sanciona a Lei Comple-
mentar nº 64, que “estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º, da Constituição Fe-
deral, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências”.
9 de abril de 1990. Plenário. O Deputado Nelson Azevedo Jobim
(PMDB-RS) apresenta o Projeto de Lei Complementar nº 223, que “dispõe
sobre a edição de medidas provisórias, previstas no art. 62 da Constituição Federal, e
dá outras providências”. O projeto está subscrito por mais sete deputados. Apro-
vada sua tramitação em regime de urgência, durante as discussões são reali-
zados intensos debates. É colocado em votação, em turno único, no dia 6 de
março de 1991. Para encerrar o período de encaminhamento de votação, é
concedida a palavra ao Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP),
último orador inscrito, para falar a favor do projeto. Com o plenário comple-
tamente em silêncio para ouvir suas considerações diz: “(...) Sr. Presidente Ibsen
Pinheiro, ao saudar sua sábia e corajosa determinação de sem delongas submeter ao
Plenário matéria tão polêmica e difícil, permito-me recordar que a democracia é a
técnica política da prudência, vigilância e desconfiança da soberania popular como
delegar seu poder original a seus representantes.
Daí dar e tirar mandatos pela periodicidade. Subdividir em três Poderes –
Legislativo, Executivo e Judiciário. As respectivas competências não são exclusivas
em nenhum deles. O Executivo é Legislativo na propositura de mensagens e no exer-
cício da sanção ou do veto; o Legislativo é Executivo na administração impenetrável
interna de seu espaço de independência e na nomeação de altos funcionários da

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A Construção da Democracia 619

República; o Judiciário é Legislativo pela iniciativa de lei em sua área – ‘Proposer la


loi, c’est régner’, no magistério dos juristas – e na revogação das leis por inconstitu-
cionalidade.
Estes e outros são os freios e contrapesos, na formulação histórica e cautelosa do
‘Founding Fathers’ do regime presidencialista criado nos Estados Unidos da América
do Norte.
O fundamento é de que o poder não pode estar nas mãos de um homem só, de
uma instituição só, de uma oligarquia ou plutocracia só. Para ser democrático, há de
ser condominiado.
Séculos de mártires e abusos testemunham que não é o poder que corrompe o
homem. É o homem que corrompe e abusa do poder.
Na ontologia e na teleologia da Constituição, a medida provisória, ao se degra-
dar em ‘desmedida’ provisória, audaciosamente afronta a Constituição e ultraja a ins-
tituição. A instituição está acima da Constituição.
Portugal de Salazar, a Espanha de Franco, a União Soviética antes do período
libertário de Gorbachev, o torvo período autoritário brasileiro, tiveram ‘Constituições’,
mas não tiveram a instituição, porque a instituição se chama democracia.
Sr. Presidente, o tempero do tempo é a têmpera duradoura da lei. O tempo não
perdoa com o que se faz sem ele, na genial advertência de Joaquim Nabuco. É substan-
cial o tempo na elaboração das boas leis, para que elas durem com o tempo. Também
nas leis, o tempo é o exercício da cidadania.
Eis a razão institucional pela qual o Legislativo tenha geralmente duas Casas
como instâncias de reflexão.
Freqüentemente censura-se o Legislativo pela demora, que, sendo protelatória ou
preguiçosa, é inaceitável. Mas é precisamente nesse período de sazonamento que está
baseado um dos pré-requisitos da lei.
Senadores ou Deputados, não somos legisladores exclusivos. O povo é o legisla-
dor supremo, criticando, sugerindo, aplaudindo ou condenando as matérias em causa
no Parlamento, com como seus autores.
Os cidadãos não podem ser surpreendidos e alarmados por decisões imaturas,
muito menos instantâneas.
Povo quer dizer participação. Inclusive pelo direito natural de defesa de seu
patrimônio, de sua saúde, de sua educação, até de sua sobrevivência.
Portanto, a instantaneidade da vigência da medida provisória, quando
antidemocraticamente aviltada em ‘desmedida’ provisória, é um monstro jurídico, polí-
tico, social, econômico e sindical.
Não pairam dúvidas. Somos a favor do uso da medida provisória como delega-
ção admitida também nos países democráticos, mas somos indignadamente contra o
abuso das medidas provisórias, prática revogatória dos fundamentos democráticos.
Somos contra, principalmente, pela repetência.
A repetência é um flagelo na educação. Na ‘desmedida’ provisória é a reprovação
pelas lições estruturais do regime republicano.
(...) Srªs e Srs. Congressistas, esta Nação não pode continuar sob o signo, mais
do que o signo, o estigma, mais do que o estigma, a maldição da provisioriedade.

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620 Casimiro Neto

Congresso Nacional funcionalmente provisório, pois, na verdade, é pronto-so-


corro diário, tentando salvar vítimas da arbitrariedade das ‘desmedidas’ provisórias
ou, pelo menos, minorar suas lesões.
(...) Ao finalizar, dirijo-me, esperançosamente, ao Presidente Fernando Collor de
Mello. É tarde, mas ainda é tempo. Chega de provisoriedade, Sr. Presidente da República.
O Brasil só se salvará com a estabilidade das leis, da moeda, dos salários, das
relações preço e salário, do desenvolvimento.
O Brasil não pode continuar acordando atônito, confuso, desesperado. O Brasil
quer socorro, não improvisações. Não se deixe aprisionar pelas ‘desmedidas’ provisóri-
as. Precavenha-se contra o efeito bumerangue.
(...) Antes de abandonar esta tribuna, abraço os companheiros que comungam
da mesma causa. Estendo fraternalmente o mesmo abraço aos que em tantos episódios
têm divergido de nós. Eu os abraço com a consagradora definição: democracia é o conví-
vio de contrários. Mas, convivência dentro da Constituição, não fora ou contra ela.
Definitivamente a “desmedida” provisória é inconstitucionalissimamente
inconstitucional.
Srªs e Srs. Deputados, esta Casa é uma trincheira. O povo nos convocou para
ela, como soldados da democracia, não como desertores da democracia. (Muito bem!
Palmas.)”. Grifado pelo compilador.
A redação final é aprovada no dia 20 de março deste mesmo ano e
enviada ao Senado Federal. O projeto é arquivado quando em tramitação
naquela Casa legislativa.

10 de dezembro de 1991. É expedido Ato da Presidência da Câmara


dos Deputados com o seguinte teor: “O Presidente da Câmara dos Deputados, no
uso de suas atribuições, e tendo em vista o disposto no art. 38, do Regimento Interno,
RESOLVE: Constituir Comissão Externa, integrada pelos Deputados Nilmário Miranda
(PT); Maurici Mariano (Bloco); Roberto Valadão (PMDB); Paulo Ramos (PDT);
Sigmaringa Seixas (PSDB); Roberto Franca (PSB) e Haroldo Lima (PCdoB), para,
sob a coordenação do primeiro e sem ônus para a Casa, atuar junto aos familiares dos
mortos e desaparecidos políticos após 1964, na localização dos seus restos mortais.
Brasília, 10 de dezembro de 1991. Ibsen Pinheiro. Presidente”.

19 de janeiro de 1992. Plenário. O Deputado Nilmário de Miranda


(PT-MG), em co-autoria de iniciativa popular, apresenta o Projeto de Lei nº
2.710 que “cria o Fundo Nacional de Moradia Popular – FNMP, e o Conselho Nacio-
nal de Moradia – CNMP, e dá outras providências”. Este projeto é publicado no
Diário da Câmara dos Deputados do dia 8 de abril de 1992.
31 de março de 1992. Promulgação da Emenda Constitucional nº l,
que “dispõe sobre a remuneração dos Deputados Estaduais e dos Vereadores”. Emen-
da constitucional que teve origem na PEC 5/89 – SF = PEC 61/90 – CD.
Têm início o “Ciclo das Reformas Constitucionais”. Quanto a isso vale
relembrar as palavras do Ministro José Carlos Moreira Alves em seu pronun-
ciamento na abertura da Assembléia Nacional Constituinte no dia 1º de feve-

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A Construção da Democracia 621

reiro de 1987: “(...) Ao instalar-se esta Assembléia Nacional Constituinte, chega-se


ao termo final do período de transição com que, sem ruptura constitucional, e por via
de conciliação se encerra ciclo revolucionário.
Como só vai acontecer em momentos como este, reacendem-se as esperanças, e, de
certa forma, renascem devaneios utópicos.
De há muito, porém, feneceram os ideais de Constituição perfeita e perpétua.
Como adverte DUGUIT, ‘a eterna quimera dos homens é procurar inserir nas
Constituições a perfeição que eles não têm’. Pode dizer-se, generalizando a lúcida obser-
vação de RUI BARBOSA nos primórdios da república, que o indispensável é “uma
Constituição sensata, sólida, praticável, política nos seus próprios defeitos, evolutiva
nas suas insuficiências naturais, humana nas suas contradições inevitáveis’.
Não há mais lugar para que se pretenda a imutabilidade absoluta da Constitui-
ção, que é mera dedução lógica da teoria do contrato social. A incoercível mutabilidade
das condições sociais, políticas, econômicas e culturais dos povos não se compadece com
o imobilismo indefinido do texto constitucional. A aspiração que persiste é a da Consti-
tuição estável, não sendo poucos os que sustentam que o valor dela se afere de sua
capacidade de permitir mais facilmente que se efetuem mudanças na estrutura social
sem modificação no mecanismo do processo político, Esse, aliás, o segredo da longevidade
da Constituição americana, prestes a completar duzentos anos, graças à desenvoltura
das construções jurisprudenciais que a concisão de seu texto permite. Mas merecem ser
meditadas as palavras de BISCARETTI DI RUFFIA sobre a extensão do conteúdo
das Constituições: ‘Na realidade, a melhor solução parece estar no meio, uma vez que,
se, por um lado, o excessivo laconismo de uma Constituição pode permitir ao legislador
ordinário mudar-lhe sensivelmente, na prática, o conteúdo por intermédio de suas
normas de aplicação, por outro, a prolixidade excessiva diminui seu prestígio, porque
requer demasiadas e freqüentes revisões’.
Tenho que o fundamental numa Constituição é encontrar o ponto de equilíbrio
que melhor atenda, nas complexas relações entre o Estado, a sociedade e o indivíduio,
às diferentes realidades nacionais”.
25 de agosto de 1992. Promulgação da Emenda Constitucional nº 2,
que “dispõe sobre o plebiscito previsto no art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias”. Prevê a realização do plebiscito no dia 21 de abril de 1993 para
definir a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de gover-
no (parlamentarismo ou presidencialismo), para ter vigência a partir de 1º
de janeiro de 1995. Emenda constitucional que teve origem na PEC 51/90,
de autoria do Deputado José Serra (PSDB-SP) e outros parlamentares.
3 de setembro de 1992. É publicado no Diário da Câmara dos Depu-
tados, Suplemento ao nº 143, a “denúncia por crimes de responsabilidade contra o
Sr. Presidente da República, Fernando Collor de Mello, oferecida pelos cidadãos Bar-
bosa Lima Sobrinho e Marcello Lavenère Machado, previstos nos arts. 85, IV e V, da
Constituição Federal, e nos arts. 8º, 7, e 9º, da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950,
para o fim de ser decretada a perda do cargo e sua inabilitação temporal para o exercí-
cio de função pública”, com a seguinte justificação: “(...) O ‘impeachment’ não é

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622 Casimiro Neto

uma pena ordinária contra criminosos comuns. É a sanção extrema contra o abuso e a
perversão do poder político. Por isso mesmo, pela condição eminente do cargo do de-
nunciado e pela gravidade excepcional dos delitos ora imputados, o processo de
‘impeachment’ deita raízes nas grandes exigências da ética política e da moral pública,
à luz das quais hão de ser interpretadas as normas do direito positivo.
Nos regimes democráticos, o grande juiz dos governantes é o próprio povo, é a
consciência ética popular. O governante eleito que se assenhoreia do poder em seu
próprio interesse, ou no de seus amigos e familiares, não pratica apenas atos de corrup-
ção pessoal, de apropriação indébita ou desvio da coisa pública: mais do que isso, ele
escarnece e vilipendia a soberania popular.
É por essa razão que a melhor tradição política ocidental atribui competência,
para o juízo de pronúncia dos acusados de crime de responsabilidade, precisamente ao
órgão de representação popular. Representar o povo significa, nos processos de
“impeachment”, interpretar e exprimir o sentido ético dominante, diante dos atos de
abuso ou traição de confiança nacional”. Ao longo de 38 páginas, expõem as
razões da denúncia. O Presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Valls Pi-
nheiro (PMDB-RS), assina o depacho com o seguinte teor: “Observado o artigo
218, do Regimento Interno, indentifico estarem satisfeitos os requisitos formais. Os
denunciantes comprovam as condições que os legitimam para o ato. As firmas estão
reconhecidas. Juntaram-se documentos e arrolaram-se testemunhas, em obediência ao
mínimo legal. Os fatos descritos atendem, em tese, os requisitos de tipificação, tendo sido
apontadas as hipóteses legais. Há, portanto, condições de tramitação. Brasília, 1º de
setembro de 1992”.
A entrega da petição de “Impeachment do Presidente da República”, assina-
da pelo Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcello
Lavenére Machado e pelo Presidente da Associação Brasileira de Imprensa
(ABI), Barbosa Lima Sobrinho, é marcada por uma manifestação que se ini-
cia por uma caminhada cívica, a partir da sede do Conselho Federal da Or-
dem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília. Integram a caminhada
vários segmentos da sociedade civil e o povo em geral que vai se avolumando
à medida que se aproxima do Congresso Nacional. A petição inicial é entre-
gue ao Presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Valls Pinheiro (PMDB-
RS), que a manda publicar para os devidos efeitos legais.

9 de setembro de 1992. São publicadas no Diário da Câmara dos Depu-


tados, Suplemento ao nº 146, as “denúncias por crimes de responsabilidade contra
o Sr. Presidente da República, Fernando Affonso Collor de Mello, oferecidas pelos cida-
dãos Ângela Maria Moreira Canuto Mendonça que diz: ‘(...) A presente petição pre-
tende demonstrar que o Sr. Presidente da República cometeu crime de responsabilidade
ao atentar contra a probidade na administração, pois não se portou honestamente no
trato da coisa pública. Não se perca de vista, a par disso, que a responsabilidade polí-
tica do Sr. Presidente da República, que se pretende ora demonstrar, independe de
eventual responsabilização penal decorrente de ilícitos que porventura tenham ocorri-
do sob sua supervisão’ e Fernando Baptista Bolzoni que diz: ‘(...) O Relatório em

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A Construção da Democracia 623

Anexo, da Comissão Parlamentar de Inquérito aberta para apurar a procedência das


denúncias feitas pelo Sr. Pedro Collor de Mello contra o Sr. Paulo César Farias, oferece
farto material de prova das alegações feitas contra o Presidente da República, a esta
altura posicionado sem qualquer autoridade moral para o exercício do cargo, sendo a
sua permanência um desrepeito ao povo brasileiro e à nossa imagem no concerto das
nações”. Ao longo de 28 páginas, expõem as razões da denúncia. No dia 8 de
setembro de 1992, por despacho do Presidente da Câmara dos Deputados,
Ibsen Valls Pinheiro (PMDB-RS), esta denúncia é apensada à oferecida pelos
Srs. Barbosa Lima Sobrinho e Marcello Lavenère Machado. É republicada no
Diário da Câmara dos Deputados, Suplemento ao nº 151, do dia 16 de se-
tembro de 1992, com novo despacho.
A revolta da sociedade brasileira fica caracterizada formalmente nestas
petições desde que, em maio de 1992, o Sr. Pedro Collor de Mello declarou à
imprensa que seu irmão e Presidente da República, Fernando Affonso Collor
de Mello (AL), mantinha uma sociedade informal com o Sr. Paulo César Ca-
valcante Farias, alicerçada na exploração do prestígio decorrente de suas li-
gações e, além disso, o próprio Presidente da República estaria se benefician-
do de valores ilegalmente obtidos pelo seu ex-tesoureiro de campanha
presidencial.
Diante de tão sérias acusações, no dia 27 de maio de 1992, foi apresen-
tado o Requerimento nº 52, ao Congresso Nacional, de autoria do Senador
Humberto Lucena, requerendo “a criação de Comissão Parlamentar Mista de In-
quérito Destinada a apurar fatos contidos nas denúncias do Senhor Pedro Collor de
Mello, referentes às atividades do Senhor Paulo Cesar Cavalcante Farias, capazes de
configurar ilicitude penal”.
No dia 1º de junho de 1992 são nomeados os membros da Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito e logo em seguida dá-se sua instalação. Nes-
se mesmo dia é eleito o Presidente da Comissão, o Deputado Benito da Gama
Santos (PFL-BA), a Vice-Presidência cabe ao Senador Maurício José Corrêa e
para Relator é eleito o Senador Amir Lando. Durante todo o mês de junho,
julho e agosto são realizadas reuniões e ouvidos depoimentos de vários cida-
dãos que diretamente ou indiretamente estão envolvidos no caso. Nos dias 24
e 25 de agosto a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito discute o relatório
final e no dia 26, sendo colocado em votação, é aprovado com 16 votos favo-
ráveis e cinco contra.
As atas das 37 reuniões da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito,
inclusive o Relatório Final, foram publicados no Diário do Congresso Nacio-
nal, Sessão Conjunta, Suplemento ao nº 41, de quarta-feira, 23 de setembro
de 1992. Em síntese, o relatório conclui que: “O Presidente da República, de
forma permanente e ao longo de mais de dois anos de mandato, recebeu vantagens
econômicas indevidas, quer sob a forma de depósitos bancários feitos nas contas de
outras pessoas, quer sob a forma de recursos financeiros para aquisição de bens, benfei-
torias, melhorias e acessões diretamente realizadas em imóvel de sua propriedade.” A
sociedade brasileira revoltada requer providências. Os meios de comunica-

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624 Casimiro Neto

ção dão ampla cobertura aos fatos e o “impeachment” do Presidente da Repú-


blica, Fernando Affonso Collor de Mello (AL), passa a ser a referência para
uma solução democrática.
23 de setembro de 1992. É publicado no Diário da Câmara dos Depu-
tados, Suplemento ao nº 156, o seguinte requerimento: “Nos termos do pará-
grafo 4º do artigo 46 do Regimento Interno requeremos a convocação da Comissão
Especial destinada a dar parecer sobre a denúncia contra o Senhor Presidente da Re-
pública por crimes de responsabilidade para o dia 23 do corrente, às vinte horas, na
sala da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados para a discussão
e votação do Parecer do Relator, Dep Nelson Jobim”. Assinam o requerimento 19
Senhores Deputados. Na publicação seguinte, do dia 24, Suplemento “A” ao
nº 157, outro requerimento requerendo a convocação da Comissão Especial.
O Suplemento “B” deste mesmo dia traz as “alegações preliminares de defesa
oferecidas pelo Senhor Presidente da República, Fernando Affonso Collor de Mello”,
com 201 páginas. Ao final é publicado despacho e requerimento de “convoca-
ção da Comissão Especial destinada a discussão e votação do Parecer do Relator sobre
a denúncia contra o Sr. Presidente da República por crimes de responsabilidade, para
o dia 24 do corrente mês de setembro de 1992, às 15:00 horas, na sala da Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados”.
25 de setembro de 1992. Sexta-Feira. 9 horas. Plenário. O Presidente
da Câmara dos Deputados, Ibsen Valls Pinheiro (PMDB-RS), faz a seguinte
comunicação: “Há sobre a mesa o seguinte expediente. Parecer da Comissão Especial
destinada a dar parecer sobre a denúncia contra o Sr. Presidente da República, por
crimes de responsabilidade, oferecida pelos cidadãos Barbosa Lima Sobrinho e Marcello
Lavenère Machado. Informo aos Srs. Deputados que os avulsos contendo a denúncia,
o parecer, a defesa e toda a documentação estarão nos escaninhos dos Srs. Deputados
até às 9 horas de amanhã, sábado, dia 26 de setembro, para que se possa iniciar a
discussão geral da matéria no plenário, na próxima segunda-feira.”
O Parecer da Comissão Especial é publicado nesse mesmo dia, 25 de
setembro, Suplemento ao nº 158.
A Srª Secretária, Deputada Irma Rossetto Passoni (PT-SP), servindo como
primeiro-secretário procede à leitura do Parecer do Relator, Deputado Nel-
son Azevedo Jobim (PMDB-RS). Após a leitura do relatório, é lida a seguinte
conclusão e voto:
“Porque a Denúncia preenche as condições jurídicas e políticas relativas à sua
admissibilidade.
Porque as diligências e a oitiva das testemunhas arroladas na Defesa dizem com
o juízo de mérito da acusação – de absolvição ou de condenação – e não são pertinentes
ao juízo prefacial de admissibilidade e autorização. Conclui o Relator:
a) – pela não apreciação do requerimento de diligências e de produção de pro-
vas, para que o mesmo seja apreciado no Senado Federal, forma pela qual a Câmara
dos Deputados não invade área de competência privativa daquela Casa do Congres-
so Nacional.

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A Construção da Democracia 625

b) – pela admissibilidade jurídica e política da acusação e pela conseqüente au-


torização para a instauração, pelo Senado Federal, do processo por crime de responsa-
bilidade promovido pelos Senhores Barbosa Lima Sobrinho e Marcelo Lavenère Ma-
chado contra o Senhor Presidente da República, Fernando Affonso Collor de Mello.
Sala das Reuniões, 23 de setembro de 1992. – Dep. Nelson Jobim, Relator”.
Grifado pelo compilador.
Em seguida, a Deputada Sandra Meira Starling (PT-MG) lê o Parecer da
Comissão Especial, do dia 24 de setembro, que “opina pela não apreciação do
requerimento de diligências e de produção de provas, pela admissibilidade jurídica e
política da acusação e pela autorização para instauração, pelo Senado Federal, de
processo de crime de responsabilidade, nos termos do parecer do Relator”.
28 de setembro de 1992. 14 horas. Plenário. O Presidente da Câmara
dos Deputados, Ibsen Valls Pinheiro (PMDB-RS), anuncia: “Discussão do pare-
cer da Comissão Especial Destinada a dar Parecer sobre a Denúncia contra o Senhor
Presidente da República por Crime de Responsabilidade.
Antes de iniciar-se a discussão, vou conceder a palavra ao Sr. Barbosa Lima
Sobrinho, co-autor da denúncia, cujo ingresso no plenário autorizo neste momento. (o
Plenário, de pé, aplaude demoradamente)”.
O cidadão Barbosa Lima Sobrinho fala da tribuna e diz em um dos
trechos memoráveis: “(...) é a serviço do Brasil que aqui neste momento, perante a
Câmara dos Deputados, manifestando-me num processo de “impeachment” que se
baseia no levantamento de provas inumeráveis de uma exemplar Comissão de Inqu-
érito que apurou tudo o que chegava ao seu conhecimento, não só favoravelmente ao
Governo, mas também à Oposição, e ouviu todos os elementos que podiam dizer
alguma coisa em benefício ou a favor deste Governo – mas não houve nenhum depo-
imento a favor.
(...) O Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Marcello Lavanère,
suceder-me-á nesta tribuna e dirá os argumentos jurídicos que podem ser apresentados
em contestação ao que aqui puder ser dito em defesa do Presidente da República. Po-
rém, o que me cabe aqui é invocar a palavra de um humilde motorista, a palavra de
um homem que, interpelado na Comissão Parlamentar de Inquérito por um Deputado
que o procurava confundir, afirmando que ele estava traindo os seus patrões, respon-
deu serena e tranqüilamente com estas palavras imortais: ‘Meu patrão é o Brasil’. E é
isso que desejo neste momento, ou seja, que esse processo até o fim não tenha outro
patrão senão o Brasil, senão os seus interesses supremos no combate à corrupção e no
combate à impunidade. Muito Obrigado. (Palmas prolongadas.)”.
A Mesa faculta a palavra ao segundo co-autor, o Sr. Marcelo Lavenère
Machado que diz em um dos trechos: “Recebam Srªs e Srs. Deputados, em nome
da sociedade brasileira, que agora, ousadamente, pretendo representar, o abraço frater-
no do povo brasileiro, que não os quer alijados do processo político, que não os quer
vilipendiados, mas que os quer vertical e sobranceiramente envergando a bandeira
auriverde da nossa Pátria, respondendo aos anseios do povo, que pede justiça, que pede
probidade, que pede moralidade e auto-estima, que pede apenas o direito de amanhã

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626 Casimiro Neto

poder olhar com a fronte erguida e com o peito cheio para seus filhos, dizendo-lhes que
cumprimos com nossa tarefa. A CPI do caso PC, o Supremo Tribunal Federal e a
Comissão Especial que aprovou o relatório do Deputado Nelson Jobim cumpriram com
sua tarefa. E V. Exªs, com certeza, amanhã, nesta Casa, neste Planalto, no coração do
nosso País, mais uma vez, farão por onde merecer o apreço, o prestígio e a gratidão do
povo brasileiro, que deposita, nesta hora, em suas mãos, a responsabilidade de definir o
destino da Pátria ou de fechar-lhes as portas de maneira definitiva.”
A discussão do Parecer prossegue até o cair da noite e importa frisar
que o Presidente da República não compareceu à sessão de debates, nem
enviou procurador que, em seu nome, falasse – o que lhe fora facultado pelo
Presidente da Câmara dos Deputados Ibsen Valls Pinheiro (PMDB-RS).

29 de setembro de 1992. 9 horas. Plenário. Sessão extraordinária, Ma-


tutina. Continuação da Discussão e votação do Parecer da Comissão Especial Destina-
da a dar Parecer sobre a Denúncia contra o Senhor Presidente da República Crime de
Responsabilidade”. Encerrada a fase de discussão, a Mesa dá esclarecimentos
sobre o processo de votação. Encerrada a chamada nominal, a Mesa procla-
ma o resultado: “38 votos “não”; 441 votos “sim”; ausentes 23 Srs. Deputados;
abstenção, 1. O parecer foi aprovado (Palmas.). Está admitida a acusação contra o Sr.
Presidente da República por crime de responsabilidade, segundo denúncias oferecidas
pelos ilustres cidadãos Barbosa Lima Sobrinho e Marcelo Lavenère (Palmas.). A deci-
são será comunicada ao Sr. Presidente do Senado Federal, para os fins do disposto no
art. 52, inciso I, da Constituição Federal”.
Nas ruas, a população brasileira acompanha o processo de discussão e
votação. O voto decisivo é dado, às 18 horas e 48 minutos, pelo Deputado
Paulo Romano (PFL-MG). O Plenário, de pé, canta o Hino Nacional. Os
ministros do Governo entregam carta coletiva de renúncia. Também se demi-
tem os presidentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. O
Presidente da República, Fernando Affonso Collor de Mello (AL) dá entrevis-
ta prometendo acatar a decisão e receberá do Primeiro-Secretário do Senado
Federal, Dirceu Carneiro (PSDB-SC), comunicado para deixar a Presidência
e passar o poder ao Vice-Presidente Itamar Augusto Cautiero Franco (MG)
que em entrevista pede à população “união, paz e trabalho”.
No Diário do Senado Federal, Suplemento ao nº 162, do dia 1º de outu-
bro de 1992, é publicado o “Ofício SGM/P nº 1388, da Mesa da Câmara dos
Deputados, autorizando o Senado Federal a instaurar processo contra o Excelentíssimo
Senhor Presidente da República Fernando Affonso Collor de Mello, por crime de res-
ponsabilidade”. Com o ofício é publicado, também, neste Diário, todo o pro-
cesso legislativo correspondente, desde a denúncia até decisão do Plenário
da Câmara dos Deputados (docs. nº 1 a 36). Outros documentos do processo
estão publicados nos Diários do Senado Federal, como Órgão Judiciário, dos
dias 8, 10, 15, 27 (inclusive seu suplemento), 28, 29, 30, e 31 de outubro; 4, 5,
6, 7, 10, 11, 12, 13, 26, 27, e 28 de novembro; 1º, 2, 3, 4, 8, 9, 10, 17, 19, 23,
28, e 29 de dezembro de 1992.

Sem título-4 626 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 627

Na sessão do Senado Federal, como Órgão Judiciário, do dia 29 de


dezembro de 1992, (publicado no Diário do Senado Federal, como Órgão
Judiciário, do dia 30 de setembro de 1992) está toda a “Ata Circunstanciada da
Sessão do Senado Federal, como Órgão Judiciário”, realizada em 29 de Dezembro
de 1992, “destinada ao julgamento do Presidente da República”. Por 76 votos ‘sim’ e
3 votos ‘não’, é aprovada a Resolução Nº 101, do Senado Federal, que considera
prejudicado o pedido de aplicação da sanção de perda do cargo de Presidente da Repú-
blica, em virtude da renúncia ao mandato apresentada pelo Senhor Fernando Affonso
Collor de Mello e formalizada perante o Congresso Nacional, ficando o processo extinto
nessa parte. É julgado procedente a denúncia por crimes de responsabilidade. Em
conseqüência é imposta ao ex-Presidente a sanção de inabilitação, por oito anos, para
o exercício de função pública”.
No Diário do Senado Federal do dia 30 de dezembro de 1992 está pu-
blicada a Resolução nº 101, de 1992, que “dispõe sobre sanções no Processo de
‘Impeachment’ contra o Presidente da República, Fernando Affonso Collor de Mello, e
dá outras providências”.
Sobre esse assunto ver também os Diários do Senado Federal, como Ór-
gão Judiciário, dos dias 10 de fevereiro, 23 de junho, e 11 de agosto de 1993.
Em sua primeira entrevista coletiva como presidente eleito, no Centro
de Convenções de Brasília, no dia 22 de dezembro de 1989, Fernando Affonso
Collor de Mello, 40 anos, ex-prefeito de Maceió e ex-governador de Alagoas,
candidato do PRN, 29º brasileiro a ocupar constitucionalmente a Presidência
da República, havia prometido, entre outras coisas, moralizar a administra-
ção pública, reduzir o papel do Estado na economia, com a privatização das
empresas estatais, e que teria como prioridade reduzir a inflação a índices
aceitáveis. Promessa não cumprida. Corrupção. A população revoltada sai às
ruas, cobra moralidade e ética dos seus governantes e agentes públicos.
Quase 101 anos depois da primeira discussão sobre o “impeachment” do
primeiro presidente republicano, o Congresso Nacional, demonstrando o ama-
durecimento da democracia representativa, faz valer as suas prerrogativas,
impondo sanções por crime de responsabilidade a um presidente da Repú-
blica. Diante deste fato, uma lição de Rui Barbosa de Oliveira (BA) não deve
ser esquecida e que foi citada pelo Dr. Evandro Lins e Silva (Advogado de
Acusação) no processo, quando em discussão no Senado Federal, este como
Órgão Judiciário, no dia 29 de dezembro de 1992: “(...) Terminemos com Rui
Barbosa, o homem a quem a minha geração deve tanto por sua pregação, por seu
apostolado, por seu culto ao direito. Foi ele, talvez, o cidadão brasileiro que mais tenha
honrado e elevado esta tribuna, de cujas alturas, agora, me dirijo aos Srs. Senadores e
ao meu País. Rui Barbosa emitiu este conceito definitivo para este julgamento, e com a
qual quero encerrar estas razões que acabo de apresentar ao Senado do meu País: “A
honra é ainda mais obrigatória nos que representam nações (o chefe de governo) do que
nos que só se representam a si mesmos. A turpitude, que nos particulares inspira desprezo
e enjôo, no órgão de uma soberania nacional provoca escândalo e revolta. Num caso, é
um sujeito que se desmoraliza. No outro, é uma nacionalidade que se desacredita”.

Sem título-4 627 7/5/2004, 10:22


628 Casimiro Neto

O Jornal “O Estado de São Paulo” destaca em sua primeira página: “Collor


renuncia mas não consegue obstruir processo de impeachment. – Senado decide conti-
nuar a sessão para impedir ex-presidente de candidatar-se por 8 anos e o caso deve ir
ao Supremo Tribunal. – Estudantes com caras pintadas vão ao Congresso e cantam o
Hino Nacional na posse definitiva do Itamar na Presidência. – Presidente fará pro-
nunciamento à Nação hoje às 11 horas e defenderá crescimento econômico ao lado do
combate à inflação. – O presidente afastado, Fernando Collor, renunciou ontem, logo
no início da sessão de julgamento do seu impeachment, para tentar livrar-se da pena
de inelegibilidade por oito anos. (...) As galerias ocupadas principalmente por estudan-
tes com caras pintadas, cantaram o Hino Nacional”.
13 de outubro de 1992. No Plenário da Câmara dos Deputados e nos
corredores do Congresso Nacional a notícia de que o Deputado Ulysses Silveira
Guimarães (PMDB-SP), sua esposa, D. Mora, o Senador Severo Fagundes
Gomes (PMDB-SP), sua esposa, D. Henriqueta, e o piloto do helicóptero em
que viajavam, foram vítimas de acidente aéreo no litoral do Estado do Rio de
Janeiro, na tarde do dia 12, deixa todos apreensivos e consternados.
O Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP), um dos políticos
que mais influenciaram o Brasil nos últimos 40 anos desaparece quando o
helicóptero em que viajava de Angra dos Reis para São Paulo cai no mar
durante uma tempestade, perto da Ponta de Joatinga e da divisa do litoral
paulista e fluminense.
O Deputado Pedro Irno Tonelli (PT-PR) faz o primeiro pronunciamen-
to do pequeno expediente: “Sr. Presidente, Srªs e Srs. Deputados, a primeira ses-
são desta semana, uma semana de recuperação da ressaca das eleições, da ressaca
positiva do afastamento do Presidente da República, que descumpriu a lei e a ordem e
foi afastado pela Câmara dos Deputados, inicia com uma notícia triste: o desapareci-
mento do ilustre Deputado Ulysses Guimarães. Isso nos causa tristeza, porque a vida de
S. Exª. é marcada por uma história de luta. As poucas conquistas da Nação contaram
com a ativa participação do ilustre colega Ulysses Guimarães. Estou torcendo para que
o encontrem com vida, com boa saúde, porque o País precisa de S. Exª. neste momento
de incerteza, neste momento em que buscamos traçar um caminho melhor para todos e
não só para alguns, como aconteceu até agora”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Maurício Calixto da Cruz (PTB-RO) dá o seu depoimento:
Sr. Presidente, Srªs e Srºs Deputados, aos assomar a esta tribuna para também externar
os meus sentimentos diante do já praticamente confirmado passamento do eminente
líder e estadista Ulysses Guimarães, não posso me furtar de registrar sentimentos que
são experimentados por mim, parlamentar de primeiro mandato, vindo dos mais recôn-
ditos rincões do País para a Câmara dos Deputados e para o Congresso Nacional em
busca de luzes, de experiência, de conhecimento e da inspiração que sempre há de fazer
com que a democracia caminhe a passos largos e vigorosos rumo ao aperfeiçoamento de
nossas instituições.
Ouvi, em muitas oportunidades nesta Casa, a expressão segundo a qual a única
unanimidade do Congresso Nacional era o Deputado Ulysses Guimarães.

Sem título-4 628 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 629

Era fácil, sempre foi fácil, ao longo da participação de Ulysses Guimarães em


mais de meio século de vida institucional do Brasil, discordar, no melhor campo das
idéias e no melhor padrão de democracia, de S. Exª. Na última oportunidade em que o
vi na tribuna da Câmara dos Deputados, S. Exª. discutia um projeto de lei de autoria
do Deputado Nelson Jobim que buscava inibir a máquina geradora de medidas provi-
sórias do Poder Executivo. Pela primeira vez, com a Casa cheia, com o plenário da
Câmara dos Deputados superlotado, tive o privilégio e a honra histórica de assistir a
esse pronunciamento do Deputado Ulysses Guimarães. Não havia burburinho ou ala-
rido. Uma mosca que voasse seria ouvida, tal o silêncio e a atenção com que eram
ouvidas as palavras, a oração do estadista Ulysses Guimarães.
Naquela oportunidade, S. Exª. nos lembrava que os fantasmas da história da
nossa democracia, em todas as circunstâncias graves da vida nacional, nos vigiam.
Citava Gustavo Capanema e outros grandes vultos da história institucional e legislativa
do nosso País.
Hoje, sentimos o passamento de Ulysses Guimarães. Daqui por diante, teremos
certeza de que também o vulto histórico, a legenda viva, o cidadão-democracia, o cam-
peão da democracia do nosso País, Ulysses Guimarães, também estará sempre a nos
vigiar. A ele, histórica e permanentemente, deveremos prestar contas com as nossas
consciências, sabedores que somos de que a sua marca nesta Casa é indelével e jamais
será apagada.
Por isso, mesmo nesta hora em que deixa a vida e que continua permanentemente
presente na História, temos certeza de que naquela mesa está faltando ele. Nossas
saudades do grande Parlamentar, do grande estadista, do homem-democracia Ulysses
Guimarães!”. Grifado pelo compilador.

14 de outubro de 1992. Câmara dos Deputados. Plenário. O Deputado


Nilson Alfredo Gibson Duarte Rodrigues (PMDB-PE) dá o seu depoimento a
respeito do Deputado Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP): “Sr. Presidente,
Srªs. e Srs. Deputados, o Brasil perdeu tragicamente, nesta segunda-feira, o maior de
seus parlamentares. Durante 42 anos, o Dr. Ulyssses, como todos nós o chamávamos,
exerceu com exemplar dignidade seus mandatos legislativos.
O tempo o fez nosso mestre, nosso orientador, e os mais jovens que aqui chega-
vam, na saudável renovação do Parlamento, sempre encontraram no Dr. Ulysses o
conselheiro amigo e alegre que os guiava nos primeiros passos, independentemente de
filiação partidária: PDS, PTB, PDC, UDN, etc.
O ‘Sr. Diretas Já’, como também era chamado, marcou sua trajetória luminosa
com eventos inesquecíveis. Ninguém poderá esquecer o anticanditado de 1974, quando,
junto com o jornalista pernambucano Barbosa Lima Sobrinho, enfrentou o Gen. Ernesto
Geisel, somente para marcar uma posição na escalada da democracia nacional.
O retorno do País à vida democrática teve no Dr. Ulysses o seu maior condutor.
Na oportunidade do falecimento do Presidente Tancredo Neves, demonstrou uma
invulgar desambição, já que poderia, como muitos ansiavam, ter assumido a Presidên-
cia da República: no gabinete da Presidência da Câmara dos Deputados, abriu mão de
assumir a Presidência da República.

Sem título-4 629 7/5/2004, 10:22


630 Casimiro Neto

Sua candidatura à Presidência, em 1989, foi um exemplo de dignidade. Sua


participação na eleição, por si só, já elevou o nível dos discursos.
Tribuno respeitável, a sua voz no Parlamento tinha o dom de silenciar os corre-
dores, as salas buliçosas do Congresso. Todos paravam para ouví-lo: o barbeiro passa-
va a cortar devagar; os bóis paravam para escutar; os chefes de gabinetes ficavam
atentos, enfim, a voz do Dr. Ulysses ecoava límpida, sua mensagem chegava a todos.
Daqui desta tribuna fez o melhor discurso dos últimos tempos: ‘A Travessia’.
Nos trabalhos da Constituinte, como Presidente, sua fortaleza e sua invejável
saúde física e mental foram fundamentais e serviram de exemplos a todos. Seu extraor-
dinário e lindo discurso no encerramento dos trabalhos fez aflorar lágrimas nos olhos
dos mais céticos desta Casa.
Engajado na campanha do ‘impeachment’, vivia o Dr. Ulysses momentos de
euforia por mais uma vitória colhida.
Dona Léa Klabin, que lhe ofereceu um almoço neste Domingo último, relatou
que ele parecia uma criança de tão alegre ao contar os projetos que queria apresentar
ao Presidente Itamar Franco, para que o País pudesse entrar nos eixos.
(...) Carlos Chagas, em fecundo artigo, nos idos de 1989, falava: ‘Ele tem o
perfil do PMDB que ajudou a fundar e do PMDB que ajudou a transformar em
gigantesca máquina de fazer votos’.
(...) Nós, órfãos de sua presença, vamos tocar o barco pra frente. O rastro de luz
de sua trajetória luminosa, em seus 42 anos de Parlamento, nos guiará, sem dúvida”.
Grifado pelo compilador.
O Deputado José Genoíno Neto (PT-SP) fala em seguida: “Sr. Presidente,
Srªs e Srs. Deputados, o poeta já dizia: ‘É doce morrer no mar, nas ondas verdes do
mar’.
(...) O Dr. Ulysses , que tentou acelerar sua vinda para Brasília, atravessando
uma região perigosa, morreu na imensidão do mar, na grandeza e no infinito do mar,
com seus mistérios e enigmas.
Nós, que convivemos com o Dr. Ulysses, na Câmara dos Deputados, aprendemos
a admirá-lo. Eu, deste microfone, fazia permanentes questões de ordem. Quando S. Exª.
presidia a Assembléia Nacional Constituinte, estabelecemos uma relação de amizade e
admiração no conflito, na polêmica e na disputa franca, leal e sincera. Convivi tam-
bém com Dr. Ulysses Guimarães quando S. Exª. era o Tripresidente. Por onde andava,
muita gente o procurava, muita gente o seguia. Eu convivi com o Dr. Ulysses quando
andava, muitas vezes, por esses corredores, sozinho, articulando, conversando, pois ele
sabia nascer das cinzas. Ele não era um jogador de um campeonato comum, mas parti-
cipante do primeiro e segundo turnos. Era um jogador das olímpiadas. E entrava na
final para decidir a parada. Foi assim que ele entrou na Assembléia Nacional Consti-
tuinte. Era um homem capaz de emergir das crises como uma grande figura.
Lembro-me de que ele encerrou a Constituinte sob vaias de muitos Parlamenta-
res. Naquele fim-de-semana, declarou que a Junta Militar era de três patetas e voltou
para a Câmara aplaudido por aqueles que o vaiaram. Ele teve a coragem de homena-
gear Rubens Paiva dessa mesa, o que irritou os militares presentes àquela sessão de
promulgação da nova Constituição.

Sem título-4 630 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 631

(...) Ele navegava na política com competência e maestria, porque tinha um


objetivo, que era o poder. Mas se relacionava com o poder não da maneira promíscua e
clientelista, como boa parte das elites brasileiras se relacionam, através do privilégio,
do enriquecimento, do poder pelo poder. Ele se relacionava com o poder com prazer, com
alegria, porque política para ele, era um instrumento, uma maneira de chegar ao
poder, e o fazia através de valores democráticos e éticos.
(...) A Câmara dos Deputados está menor. Existe um grande vazio nesta Casa”.
Grifado pelo compilador.

9 de setembro de 1993. Plenário. É apresentado o Projeto de Lei nº


4.146, de iniciativa do Poder Executivo – co-autoria de iniciativa popular –,
denominado de “Daniela Perez ou Glória Perez”, que “dá nova redação ao artigo
primeiro da Lei 8072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos,
nos termos do artigo quinto, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras
providências”. Transforma-se na Lei nº 8.930, publicada no Diário Oficial de 7
de setembro de 1994.

14 de setembro de 1993. É promulgada a Emenda Constitucional nº 4,


que “dá nova redação ao art. 16 da Constituição Federal” Esta emenda constitu-
cional estabelece que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data
de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua
vigência”. Com isto os legisladores tentam evitar os casuísmos eleitorais. Emen-
da constitucional que teve origem na PEC 45/91, de autoria do Deputado
Genebaldo de Souza Correia (PMDB-BA).

30 de setembro de 1993. O Congresso Nacional decreta e o Presidente


da República, Itamar Augusto Cautiero Franco (MG), sanciona a Lei nº 8.713,
que “estabelece normas para as eleições de 3 de outubro de 1994”.
Após a CPI que levou ao “Impeachment” do Presidente da República Fer-
nando Affonso Collor de Mello (AL), havia necessidade de mudanças na le-
gislação sobre finanças partidárias. As doações ilegais e o tráfico de influên-
cia viciavam as eleições. São criados, então, mecanismos visando possibilitar
maior fiscalização dos gastos, bem como definir melhor as penalidades, sen-
do, também, estabelecidos limites para as doações. Doar ou gastar recursos
acima do definido em lei passam a ser considerados crimes eleitorais, com
penas de detenção e multa.

7 de outubro de 1993. 21 horas. Congresso Nacional. Plenário. Sessão


Solene destinada à instalação dos trabalhos de revisão da Constituição Fe-
deral, de acordo com o art. 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Tran-
sitórias, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
O Deputado Inocêncio Gomes de Oliveira (PFL-PE), Presidente da Câ-
mara dos Deputados pronuncia: “(...) Em 1987 e 1988, os representantes do povo
brasileiro, reunidos em Assembléia Constituinte, definiram um novo pacto que, como se
afirmou, era destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a

Sem título-4 631 7/5/2004, 10:22


632 Casimiro Neto

liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, e a justiça, como


valores supremos de uma sociedade fraterna e pluralista.
Pretendeu-se, então, sob tantas esperanças, a construção de uma comunidade
fundada na justiça social, com a reafirmação dos valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa, da dignidade da pessoa humana, e buscando erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Passados, cinco anos, obedecendo a uma determinação daqueles Constituintes,
reunimo-nos aqui, em outro instante excepcional da vida brasileira, para amoldar
nossa Constituição às exigências do momento nacional e às peculiaridades deste mundo
em transformação.
Um rico e por vezes tormentoso debate precedeu este nosso encontro. Discutiu-se
a natureza, o papel e a extensão desta revisão. Ouviram-se vozes contrárias a esta
reunião, recriminações que, afinal, se dirigiam à letra clara, peremptória, do texto
constitucional que fazia imperiosa esta reforma.
Triumfou, afinal, o entendimento de que, obrigados a essa tarefa pelo comando
expresso, límpido, do art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os
Congressistas brasileiros poderiam entregar-se ao esforço revisor com a confiança neles
depositada pela maioria do nosso corpo social.
Foi peculiar o modo como, no Brasil, se impôs uma revisão de sua Carta Magna.
Rara a vez, segundo os estudiosos, em que, na história constitucional do passado,
o Constituinte de 1987/1988 cuidou de precaver-se quanto às inovações que introdu-
ziu em nosso texto maior.
Ao determinar uma revisão, imperiosa, a se fazer depois de decorrido certo prazo
da promulgação do texto constitucional, desejou ele ver confirmados, ou não, no tempo,
suas idéias e propósitos. Esperou ele que a evolução do País e o concerto internacional
pudessem ratificar, ou desautorizar, certos enfoques novos que permearam sua obra.
(...) A revisão não deve ser feita por um grupo, mas por todos nós, com o apoio e
a assessoria dos melhores quadros da Nação. Nesse sentido, lanço aqui um chamamen-
to à universidade, aos pesquisadores e aos pensadores deste País, para que abram suas
gavetas e os seus laboratórios e tragam para a revisão constitucional o seu contributo
indispensável e lúcido para o bom assessoramento aos Congressistas revisores.
(...) A revisão é a ocasião para que todas as forças da sociedade organizada,
trabalhadores, empresários, profissionais liberais, todos, enfim, elaboremos um novo
pacto que permita a retomada dos investimentos, a ampliação das oportunidades de
emprego e aumento da renda. Um pacto que propicie condições para a estabilização da
economia e leve à queda contínua e permanente dos índices de inflação.
(...) Mas, em verdade, nunca se encontrou melhor alternativa para a canaliza-
ção das aspirações tão múltiplas, da alma das nações, que a mobilização, que a ativida-
de, que o calor das discussões das casas dos Congressos.
Orgulho-me, então, como Congressista revisor, em dar início, ao lado de tão
valorosos companheiros da Câmara e do Senado Federal, a este esforço, que se vincula
tão estreitamente aos destinos do País, que toca tão fundo a vontade nacional, e que, sob
a proteção de Deus, estou certo, haveremos de completar com êxito. Muito obrigado.
(Palmas.)”. Grifado pelo compilador.

Sem título-4 632 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 633

Reunidos em sessão unicameral, no dia 18 de novembro é aprovada a


Resolução nº 1, de 1993-RCF, que “dispõe sobre o funcionamento dos trabalhos
de revisão constitucional e estabelece normas complementares específicas”. Esta re-
solução foi alterada em 7 de dezembro pela Resolução nº 2, de 1993-RCF,
que “prorroga prazos previstos nos arts. 4º, caput, e 6º da Resolução nº 1, de 1993-
RCF”.
São apresentadas 17.246 propostas revisionais de autoria dos deputados,
dos senadores, do Poder Executivo, dos partidos políticos e da sociedade civil.
No dia 21 de dezembro de 1993 é encerrada a fase de discussão preli-
minar das 17. 246 propostas revisionais apresentadas. No dia 22 começa a
contagem de prazo para apresentação de emendas às proposta revisionais.
São oferecidas 12.614 emendas às propostas revisionais nesta segunda etapa
dos trabalhos da Revisão Constitucional.
Qualquer cidadão pode ter acesso e localizar estas propostas, emendas,
pareceres e redação final. Para isso basta pesquisar no “Sistema Prodasen” ou
no “Sistema Sicon” – Internet – página do Senado Federal, através dos bancos
de dados “REVI” e “PARE”, desenvolvidos para utilização sob o “AQUA” que
contém informações sobre o processo de Revisão da Constituição Federal.
O banco de dados “REVI” armazena os documentos produzidos em to-
das as fases da Revisão, sendo composto, internamente, por vários bancos de
dados lógicos, a saber; “PREV”, de propostas revisionais; “EMDA”, de emen-
das às propostas revisionais; “PRIS”, primeiro substitutivo do relator e que
foi submetido à votação em primeiro turno; “PARA”, parecer do relator após
votação em primeiro turno; “EMPA”, emendas de segundo turno; “PARB”,
parecer do relator às emendas de segundo turno e que foi levado à votação
em segundo turno; “PARC”, parecer do relator após votação em segundo
turno e que foi submetido à votação da redação final; “REFI”, redação final
aprovada ou texto aprovado em segundo turno, se dispensada a votação da
redação final; “PROM”, texto promulgado.
Para aqueles que desejem pesquisar informações relativas apenas às fa-
ses de apreciação dos pareceres, está disponível o banco de dados “PARE” que
contém um subconjunto dos documentos do banco de dados “REVI”, confor-
me descrito no parágrafo anterior. Foram produzidos 81 pareceres pelo relator.
Na sessão do dia 12 de janeiro de 1994, o Relator, Deputado Nelson
Azevedo Jobim (PMDB-RS), presta esclarecimentos sobre a metodologia ado-
tada para a elaboração do relatório sobre as propostas apresentadas e diz:
“(...) A técnica que a Relatoria irá utilizar no sentido da elaboração dos seus pareceres
leva em conta as regras regimentais. Nessas regras regimentais, Sr. Presidente, está
posto que não estamos elaborando uma nova Constituição, apenas revisando a já exis-
tente. Tendo em vista essa premissa, é absolutamente impossível e insuscetível que a
Relatoria venha a apresentar proposta de nova Constituição.
Não haverá, Sr. Presidente, Srs. Congressistas, portanto, um parecer abrangente
de todos os temas constitucionais. Os temas serão tratados nas suas universidades
temáticas, como determina o Regimento Interno.

Sem título-4 633 7/5/2004, 10:22


634 Casimiro Neto

(...) estamos aqui exclusivamente para votar alterações, retificações, correções a


uma Constituição que já temos. Esse é o universo que vai conduzir os nossos trabalhos”.
São produzidos 81 pareceres pelo relator Deputado Nelson Azevedo
Jobim (PMDB-RS). Estes pareceres podem ser encontrados, também, na pu-
blicação da Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, com o títu-
lo “Relatoria da Revisão Constitucional – Pareceres Produzidos (Histórico) – Tomos I,
II, e III”.
30 de dezembro de 1993. O Presidente da República, Itamar Augusto
Cautiero Franco (MG), sanciona a Lei Complementar nº 78, que “disciplina a
fixação do número de deputados, nos termos do art. 45, § 1º , da Constituição Fe-
deral”.
23 de fevereiro de 1994. Plénário da Câmara dos Deputados. Lideran-
ças do Brasil inteiro de trabalhadores rurais, de sindicalistas e cidadãos com-
parecem à Casa para acompanhar o processo de votação de projetos e a dis-
cussão sobre a revisão constitucional. Os corredores e os acessos às
dependências da Casa estão lotados de pessoas. O Deputado Sergio Arouca
(PPS-RJ) alerta: (...) Ao mesmo tempo, também apelo à consciência de V. Exª. Os
ânimos estão realmente exaltados. Figuras que respeito estão nesta Casa, estão nervo-
sas, e qualquer ato de maior violência só pioraria a situação. Entendemos que a Presi-
dência da Mesa deve encaminhar o entendimento para que seja assegurado a livre
circulação dos Deputados, a fim de que possamos votar, e a fim de que esta Casa conti-
nue sendo símbolo da defesa da democracia. E ninguém pode – ninguém, nem movi-
mento da direita, nem de esquerda! – impedir o funcionamento desta Câmara dos
Deputados, porque o que qualquer um faz, os tanques também o farão, e a democracia
se extinguirá nesta País”.
O Presidente da Câmara, Deputado Inocêncio Gomes de Oliveira (PFL-
PE) informa “que a situação chegou a um ponto insuportável. Essas pessoas estão
armadas de foice, facões e cacetes dentro da instituição. Se não houver solução, a
Presidência vai adotar uma atitude drástica. (Palmas. Muito bem!
Não admito o que está ocorrendo. Se houver alguém que queira formar uma
comissão para conversar com as pessoas para que se retirem ordeiramente, não precisa-
remos adotar nenhuma medida drástica. (Palmas)”.
O Deputado Paulo Gabriel Godinho Delgado (PT-MG) alerta: “Sr. Presi-
dente, Sras. e Srs. Deputados, este é o momento em que aparece a diferença entre a
autoridade e o arbítrio. Este é o momento em que a democracia se exerce. Não é no
momento da tranqüilidade, é no momento do conflito que se sabe se o País é dirigido
democraticamente ou não.
Chamar a Polícia Militar e autorizar a sua entrada no Congresso Nacional,
como o Senador Humberto Lucena acaba de autorizar – espero que V. Exa. não o
acompanhe – pode ser um risco para as relações democráticas e respeitosas que devemos
ter aqui no Congresso Nacional”. Grifado pelo compilador.
O Presidente da Câmara, Deputado Inocêncio Gomes de Oliveira (PFL-
PE) esclarece que “ainda não assinou o ato permitindo acesso dos quinhentos poli-

Sem título-4 634 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 635

ciais militares a esta Casa. A Presidência está acompanhando os fatos com muita sere-
nidade e tranqüilidade, levando em conta vários fatores: primeiro, a defesa do nome
desta Casa; segundo, a preservação do direito de os Srs. Parlamentares exercitarem o
seu mais sagrado direito, que é o de votar, usar a palavra, ter opinião etc; terceiro, as
manifestações devem ser feitas no local adequado. A comissão está negociando uma
solução. O que a Presidência não vai permitir é que o livre acesso dos Srs. Parlamen-
tares a este plenário seja cerceado sob qualquer hipótese. Então, podem ficar tranqüi-
los. A Presidência zelará pelo nome desta Instituição e pela segurança dos nobres
pares”.
O Jornal “O Globo”, do dia 24, destaca na página quatro: “Trabalhadores
xingam deputados – Brasília – A tropa de choque da Polícia Militar do Distrito Federal
foi acionada ontem para impedir que parlamentares fossem agredidos por cerca de 400
trabalhadores do campo e sindicalistas ligados à CUT, principalmente petroleiros e
metalúrgicos, que invadiram as dependências da Câmara dos Deputados para protes-
tar contra a revisão constitucional.
(...) Um dos agentes de segurança relatou ao presidente da Câmara, Inocêncio
de Oliveira (PFL-PE), ter filmado alguns trabalhadores sem terra que portavam foi-
ces, facões e porretes. Depois de receber essa informação, Inocêncio assinou a autoriza-
ção para que policiais militares ocupassem as dependências do Congresso.
(...) As tropas cercaram o Congresso e ficaram de prontidão, mas não entraram
nas dependências da Câmara e do Senado.
(...) No final de muita discussão, a Presidência da Câmara aceitou que cerca de
150 petroleiros e metalúrgicos permanecessem, cercados pela segurança do Congresso,
no Salão Verde próximo ao plenário. No auditório Nereu Ramos, outros 200 trabalha-
dores sem terra ficaram cercados por seguranças”. Grifado pelo compilador.
A este respeito o Ofício nº 158, de 23 de fevereiro de 1994, sem assina-
tura, depositado na Coordenação de Arquivo desta Casa, endereçado pelo
Presidente da Câmara, Deputado Inocêncio Gomes de Oliveira (PFL-PE), a
S. Exa. o Sr. Dr. Joaquim Domingos Roriz, Governador do Distrito Federal,
traz o texto da referida autorização a que o Jornal “O Globo” teve acesso.
Os trabalhos revisionais são encerrados no dia 31 de maio de 1994, às
vinte horas e quarenta e cinco minutos. Em 1º de março de 1994 é promulga-
da a Emenda Constitucional de Revisão nº 1 e mais cinco emendas revisionais
aprovadas são promulgadas no dia 7 de junho de 1994, em sessão solene do
Congresso Nacional. A Emenda Constitucional de Revisão nº 4 “trata de prote-
ger a moralidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato parla-
mentar”, a de nº 5 “reduz para quatro anos o mandato presidencial”, e a de nº 6
“trata da suspensão da renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou
possa levar à perda do mandato”.
15 de agosto de 1995. É promulgada a Emenda Constitucional nº 6 que
“altera o inciso IX do art. 170, o art. 171 e o § 1º do art. 176 da Constituição Federal
e dispõe sobre a adoção de Medidas Provisórias”. Emenda constitucional que teve
origem na PEC 5/95, de autoria do Poder Executivo.

Sem título-4 635 7/5/2004, 10:22


636 Casimiro Neto

Neste mesmo dia é promulgada, também, a Emenda Constitucional nº


7, que “altera o art. 178 da Constituição Federal e dispõe sobre a adoção de Medidas
Provisórias”. Emenda constitucional que teve origem na PEC 07/95, de auto-
ria do Poder Executivo.
Com a promulgação destas duas emendas fica vedada a adoção de me-
didas provisórias na regulamentação de artigo da Constituição Federal cuja
redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de
1995.
19 de setembro de 1995. O Vice-Presidente da República, no exercício
do cargo de Presidente da República, Marco Antônio de Oliveira Maciel (PE),
sanciona a Lei nº 9.096, que “dispõe sobre Partidos Políticos, regulamenta os arts.
17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal”. É mantida a permissão de doa-
ções de empresas aos partidos com as vedações anteriores, aperfeiçoa meca-
nismos de fiscalização sobre as finanças por parte da Justiça Eleitoral, e o
Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Parti-
dário) é reformulado mudando os critérios de distribuição de recursos.

21 de novembro de 1995. Plenário. O Deputado Paulo Renato Paim


(PT-RS) apresenta o Projeto de Lei nº 1.240, que “define os crimes resultantes
de preconceito de raça ou cor e dá outras providências”. Esta proposição vem a se
transformar na Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997. Em sua origem assim
está escrito: “Na elaboração deste projeto foi de extrema utilidade e responsabilida-
de a parceria dos cidadãos Dr. Antônio Bento Maia da Silva (RS), Dr. Luiz Alberto
da Silva (RS), do Fórum de Entidades Negras do Rio Grande do Sul e Setorial Anti-
Racismo do Partido dos Trabalhadores”. Em sua justificativa o autor assim se
manifesta: “(...) concordamos plenamente com a opinião do deputado Plinio Barreto,
relator da Comissão de Constituição e Justiça por ocasião de tramitação do projeto
que deu origem à lei nº 1.390, quando aquele parlamentar, referindo-se ao abomi-
nável preconceito, assim se manifestou: “Nunca haverá lei que os destruam, nunca
houve lei alguma que pudesse desarraigar sentimentos profundos e trocar a mentali-
dade de um povo. Mas isto não impede que, por meio de leis adequadas, se eliminem
algumas das manifestaçõs públicas desse preconceito”. Queremos eliminar, de todas
as formas, a manifestação pública do odioso preconceito. Este é o objetivo do nosso
projeto.
Concluindo, gostaríamos de registrar, que a melhor forma do Congresso Nacio-
nal homenagear a raça negra neste tricentenário em que lembramos a vida e morte de
Zumbi dos Palmares é aprovar este projeto. Seria o primeiro passo que este país daria
para começar a reparar a enorme dívida política, social e econômica que o mesmo tem
com o povo negro”.
29 de agosto de 1996. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da
República, Fernando Henrique Cardoso (RJ), sanciona a Lei nº 9.301, que
“dispensa o eleitor de apresentar documento de identificação com fotografia, na ocasião
da votação nas eleições municipais de 3 de outubro de 1996”.

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A Construção da Democracia 637

13 de maio de 1997. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da


República, Fernando Henrique Cardoso (RJ), sanciona a Lei nº 9.459 que
“define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor e dá outras providências”.
Origem do Projeto de Lei nº 1.240, de 21 de novembro de 1995, de autoria
do Deputado Paulo Renato Paim (PT-RS).
4 de junho de 1997. É promulgada a Emenda Constitucional nº 16, que
“dá nova redação ao § 5º do art. 14, ao caput do art. 77 e ao art. 82 da Constituição
Federal”. Com esta emenda constitucional “o Presidente da República, os Gover-
nadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou
substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subse-
qüente”. Emenda constitucional que teve origem na PEC 01/95, de autoria do
Deputado José Mendonça Bezerra Filho (PFL-PE) e outros.

30 de setembro de 1997. O Vice-Presidente da República no exercício


do cargo de Presidente da República, Marco Antônio de Oliveira Maciel (PE),
sanciona a Lei nº 9.504 que “estabelece normas para as eleições”.
Com esta lei o legislador pretende dar início a uma nova fase em que a
normatização das eleições seja duradoura, e com isso fica definida a impor-
tância da Justiça Eleitoral na fiscalização dos gastos de campanha. Mas as
doações ou gastos acima do permitido em lei deixam de ser crimes, ficando
as penalidades restritas a multas ou proibições de contrato com o Poder Pú-
blico. Trata, também, das pesquisas e testes pré-eleitorais e da propaganda
eleitoral em geral.
28 de abril de 1998. Plenário. Sessão solene dedicada à homenagem
póstuma ao Deputado Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), Líder do Governo
na Câmara dos Deputados, falecido no dia 21 de abril de 1998, à noite, em
Brasília, na UTI do Hospital Santa Lúcia, com 43 anos de idade, algumas
horas depois de ter sofrido enfarte do miocárdio. Era reconhecido por todos
como uma liderança em ascenção no cenário político brasileiro por direito de
herança e por virtudes próprias. Era filho do Presidente do Senado Federal,
Antonio Carlos Magalhães, que ao ser informado do acontecido, disse: “Perdi
minha vida. Por que ele e não eu?”. Comentava-se que o Deputado Luís Eduardo
Magalhães se gabava de, em sua carreira no Poder Legislativo, nunca ter
precisado votar olhando para o eleitor; só olhava para a consciência. O Presi-
dente da Câmara dos Deputados Michel Miguel Elias Temer Lulia (PMDB-
SP) pronuncia: “(...) Srs. Deputados, Srs. Senadores, familiares do Deputado Luís
Eduardo e demais convidados, como acabei de registrar, esta é uma sessão requerida
pela Mesa Diretora da Câmara para homenagear o Deputado Luís Eduardo. Não há
um autor individualizado, como costuma ocontecer em todas as sessões de homenagem.
A Mesa Diretora, traduzindo o natural sentimento de toda a Casa e de toda a Nação
brasileira, deliberou realizar esta sessão.
(...) Por isso, eu representando a Mesa Diretora desta Casa, também não poderia
deixar de anotar as virtudes extraordinárias do nosso querido Deputado Luís Eduardo.

Sem título-4 637 7/5/2004, 10:22


638 Casimiro Neto

A retidão de caráter, a extraordinária atividade política e a resplandecente atividade


cívica eram conseqüência da sua conduta pessoal e de sua formação familiar. Luís
Eduardo era um homem extremamente cortês, delicado, atencioso. Era respeitado pelos
colegas porque, embora jovem e moderno, tinha a capacidade extraordinária de man-
ter a palavra dada, o que revelava, a luzes claras, sua dignidade pessoal”.
O Deputado Inocêncio Gomes de Oliveria (PFL-PE), falando em segui-
da, destaca que “o País inteiro reconheceu a perda, mas nós, que privávamos do seu
companheirismo, sentimo-la ainda mais profundamente na carne. A Câmara dos Depu-
tados é formada por pedaços de cada um de nós. Perdemos um pedaço raro”.
O Deputado Geddel Quadros Vieira Lima (Bloco/PMDB-BA) expõe:
“(...) Leio desta tribuna sagrada carta que escrevi a Luís Eduardo, quando, entre
incrédulo e desesperado, dei-me conta da realidade de sua perda. Ei-la: ‘Caro Luís, em
meio a tantas confidências que partilhamos, sou surpreendido, ironicamente, no Dia
da Inconfidência, por uma brutal e pungente inconfidência tua: partir sem o meu mais
verdadeiro abraço, sem me permitir exteriorizar incisivamente a mais pura das amiza-
des por mim cultivada. Temia, por ser político, pelo histórico da relação dos nossos pais,
assim como pela destacada posição por ti ocupada nos cenários estadual e nacional,
que minhas palavras de amizade desmedida fossem pelos outros assimiladas como inte-
resseiras e oportunistas. Hoje, estou a sofrer por essa minha omissão e ignorância. Por
isso, senti necessidade de, agora com liberdade, ‘liberdade ainda que tardia’, te dizer da
tua importância para mim, e, certamente, para todos”.
O Deputado Aécio Neves da Cunha (PSDB-MG) enfatiza: “Lembro-me de
que meu avô, o ex-Presidente Tancredo Neves, também membro por muitos anos desta
Casa, dizia que para que alguém seja na sua plenitude feliz tinha de fazer o que
gostava. E Luís gostava do que fazia. Esta era a sua Casa, esta era a sua vida. Aqui ele
se revigorava, aqui ele buscava inspiração para viver sua vida pessoal, e para cá,
certamente, também trazia inspirações”.
O Deputado Odelmo Leão Carneiro Sobrinho (PPB-MG) relembra: “(...)
gostaria de relembrar apenas duas outras de suas inúmeras virtudes: a de ser verdadei-
ro amigo dos seus amigos e a de ser leal e respeitoso na interlocução com seus adversá-
rios, aos quais dedicava igual atenção”
O Deputado José Genoíno Neto (PT-SP) ressalta: “(...) Muitas vezes nós,
da bancada do Partido dos Trabalhadores, o enfrentávamos duramente. Isso, porém,
nunca impediu que nos olhássemos no olho, que nos abraçássemos com verdadeira
emoção, porque algo superior pode unir os homens no sentido político: a liberdade do
fazer, do construir, do agir. Aprendendo isso, aprendemos a negociar, disputar, perder e
ganhar com lealdade e transparência.
(...) Quem faz política no sentido da poesia, da paixão, do encantamento, tem na
surpresa e no acaso algo que não amedronta, não apavora, porque enriquece a dimen-
são humana do fazer política”.
O Deputado Fernando Paulo Nagle Gabeira (PV-RJ) relembra: “O Luís
Eduardo de que me lembro realmente, sentado onde está agora o Deputado Michel
Temer, era o Presidente que dizia: ‘Deputado Fernando Gabeira’, – sabendo que eu era

Sem título-4 638 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 639

o único Deputado do Partido Verde, ‘venha orientar sua bancada, porque ela está
esperando ansiosa’.
O Deputado Nilson Alfredo Gibson Duarte Rodrigues (PSB-PE) regis-
tra que “(...) no dia 22 de novembro de 1995, o então Presidente da Câmara dos
Deputados, Deputado Luís Eduardo, às 18h45min, durante a Ordem do Dia, disse:
‘Que falta faz o Deputado Nilson Gibson!’ – eu me encontrava no exterior – e pediu
que a Taquigrafia fizesse constar nos Anais esse registro.
(...) O seu segredo estava em não temer os problemas, mas enfrentá-los e resolvê-
los por mais difíceis que fossem, com o entusiasmo que não lhe era meramente retórico,
mas empreendedor. Ele mesmo disse que tinha um espírito combativo afeito à luta”.
Falam outros deputados de vários partidos políticos destacando a figura
do homenageado.
4 de junho de 1998. É promulgada a Emenda Constitucional nº 19, que
“modifica o regime e dispõe sobre principíos e normas de Administração Pública, servi-
dores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades
a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências”. É a primeira reforma admi-
nistrativa, com grandes mudanças em seu bojo, após a promulgação da Cons-
tituição Federal. Teve origem na PEC 173/95, de autoria do Poder Executivo.
15 de dezembro de 1988. É promulgada a Emenda Constitucional nº
20, que “modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá
outras providências”. É a primeira reforma previdenciária, com grandes mu-
danças em seu bojo, após a promulgação da Constituição Federal. Teve ori-
gem na PEC 21/95, de autoria do Poder Executivo. Na Câmara dos Depu-
tados esta proposta de emenda constitucional, através de parecer do Deputado
Roberto Magalhães Melo (PFL-PE), Presidente da Comissão de Constituição,
Justiça e Redação, publicado no Diário da Casa do dia 11 de abril de 1995, foi
desmembrada em três novas emendas constitucionais. A que tratou do assun-
to em pauta é a PEC 33/95.
18 de agosto de 1999. Plenário. O Deputado Albérico Cordeiro da Silva
(PTB-AL) e outros parlamentares apresentam o Projeto de Lei nº 1.517 – co-
autoria de iniciativa popular, que “modifica a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997,
e altera dispositivos da Lei 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, incluindo
a possibilidade de cassação do registro do candidato que doar, oferecer ou prometer bem ou
vantagem pessoal em troca de voto”. Em 21 de setembro de 1999, no Plenário e sob
a presidência do Deputado Michel Miguel Elias Temer Lulia (PMDB-SP) é
aprovado, por aclamação, este projeto de lei que “caracteriza a compra de votos
como crime eleitoral, prevendo a cassação do registro eleitoral ou do diploma do candida-
to que for flagrado abusando do poder econômico para se eleger”. Fica ampliado o
conceito de compra de voto, proibindo também o oferecimento de emprego
público para obter votos; aumenta a multa e define a pena de perda do registro
da candidatura ou do diploma para os que infringirem a legislação. Este proje-
to é transformado na Lei nº 9.840, de 28 de setembro de 1999.

Sem título-4 639 7/5/2004, 10:22


640 Casimiro Neto

Fato inédito é a aprovação do segundo projeto de iniciativa popular,


consagrado na Contituição de 1988. O referido projeto nasceu de uma
mobilização que envolveu 60 entidades da sociedade civil, tendo à frente a
Comissão Brasileira de Justiça e Paz e a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil, que recolheram mais de 1 milhão de assinaturas em todo o Brasil. A
nova lei passa a valer a partir das eleições municipais do ano 2000. Estas leis
mostram que a consolidação da democracia no Brasil é uma realidade.

18 de fevereiro de 2000. É promulgada a Emenda Constitucional nº 26,


que “altera a redação do art. 6º da Constituição Federal”. Os direitos sociais são
ampliados incluindo a moradia. Com isto a nova redação abrange a educação,
a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados. Emen-
da constitucional que teve origem na PEC 28/96 – SF = PEC 601/98 – CD.

7 de junho de 2000. Plenário. O Deputado Paulo Renato Paim (PT-RS)


apresenta o Projeto de Lei nº 3.198, que “institui o estatuto da igualdade racial,
em defesa dos que sofrem preconceito ou discriminação em função de sua etnia, raça e/
ou cor, e dá outras providências”. De acordo com o autor do projeto “o estatuto
prevê benefícios para a comunidade negra, dentre os quais a inclusão da história do
negro nos currículos escolares; a presença do negro nos meios de comunicação; cotas
para afro-descendentes nas universidades públicas e nos serviços públicos e privados; e
a regulamentação das terras remanescentes de quilombos”. Diz ainda que “a
historiografia oficial sempre foi omissa a respeito da saga do povo negro em nosso país,
a escravidão e o racismo sempre jogaram o povo negro numa situação marginal da
sociedade, quadro que não seria tão profundo se, com a abolição da escravatura, o
governo tivesse implantado políticas públicas para essa população. Para piorar, o capi-
talismo brasileiro substituiu a mão-de-obra negra pela branca assalariada, jogando a
comunidade negra nos bolsões de miséria das grandes cidades”. A luta para que os
afro-descendentes sejam reconhecidos como cidadãos e tenham seus direitos
assegurados necessita do apoio de todos nós e de uma verdadeira corrente
para que este projeto seja transformado em lei.

14 de dezembro de 2000. É promulgada a Emenda Constitucional nº


31, que “altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, introduzindo arti-
gos que criam o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza”. É instituído, para
vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal. Tem como
objetivo viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência,
cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habita-
ção, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de rele-
vante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida. Emenda
constitucional que teve origem na PEC 67/99 – SF = PEC 249/2000 – CD.

14 de fevereiro de 2001. Plenário. 15 horas e 17 minutos. Eleição da


Mesa Diretora da Câmara dos Deputados para o biênio 2001/2002. É eleito,

Sem título-4 640 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 641

com 283 votos, o Deputado Aécio Neves da Cunha (PSDB-MG) para o cargo
de Presidente da Casa. Antes, em sua fala como candidato ao cargo, deixou
claro as suas diretrizes de ação: “(...) Chego ao final desta campanha, companhei-
ros do Congresso Nacional, da mesma forma que a iniciei, defendendo princípios e
respeitando esta instituição.
(...) Inúmeras matérias necessitarão do nosso trato no campo legislativo e regi-
mental, cuja revisão precisa ser feita urgentemente. Devemos elaborar propostas que
visem a mostrar à sociedade brasileira que esta é efetivamente a sua Casa. Porque
acredito – e como acredito – que o Congresso é o grande e fundamental instrumento da
democracia no Brasil, formado por homens de bem, de cada uma das partes deste País,
que aqui estão a buscar o desenvolvimento do Brasil e melhores condições de vida para
sua gente.
Temos todos nós, independentemente de vencermos ou perdermos esta eleição, de
assumir o compromisso de nos engajar em causa acima de qualquer interesse partidário
ou disputa eleitoral: buscaremos o respeito a esta Casa, repito, a mais importante insti-
tuição e instrumento da democracia no Brasil.
Temos, portanto, de mostrar à sociedade ações concretas, compromissos claros na
votação de matérias que não sejam exclusivamente aquelas que nos vêm do Poder
Executivo, mas, sobretudo, de buscar em cada quadrante deste País as que representem
efetivas urgências, reais demandas, para transformarmos novamente este plenário no
grande cenário dos debates nacionais. (Palmas.)
Aqui estarão representantes de toda a sociedade brasileira, que trarão mensal-
mente sua palavra, sua contribuição, a fim de que cada cidadão brasileiro, desde o
mais bem informado até o que repousa no mais distante e longínquo rincão deste País,
possa sentir-se partícipe desta Casa e, como cada um de nós, comprometido com o
avanço da democracia, sobretudo com os avanços sociais.
(...) Não tenham dúvidas de que – e percebi isso ao viajar por todo o País – o
cidadão brasileiro quer efetivamente saber da importância da Câmara dos Deputado,
de que forma ela influencia sua vida, como ela conduz as reformas e de que forma ela
proporcionará avanços sociais para cada brasileiro. Nesta hora em que avançamos
quanto aos indicadores macroeconômicos que nos garantem a estabilidade da econo-
mia, a Câmara dos Deputados, por meio dos representantes de cada um dos partidos
que aqui estão, é que haverá de apontar o caminho para fazer com que a estabilidade
seja uma conquista efetiva, palpável, visível para cada cidadão. (Palmas.) Distribuir
renda neste País não é responsabilidade apenas do Poder Executivo, mas, sobretudo,
desta Casa. (Palmas.)
Não tenham dúvidas, Srªs e Srs. Parlamentares, de que algumas questões fun-
damentais e emblemáticas haverão de ter o nosso apoio e a nossa prioridade, se viermos
vencer estas eleições. Poderia citar inúmeras matérias que, a meu ver, são prioridades,
mas vou exemplificar o nosso compromisso de resgatar a autonomia e a respeitabilidade
desta Casa. E vou exemplificar com uma matéria que já era compromisso para tantos
com os quais conversei ao longo das últimas semanas, mas quero que neste instante seja
um compromisso com este Plenário e com o País: colocarei em votação, Srªs e Srs.
Parlamentares, projeto que restringe o uso de medidas provisórias. (Palmas.) Não como

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642 Casimiro Neto

um ato de virulência ou de oposição a este Governo, mas como um claro gesto de resgate
daquilo que é a essência da nossa atividade parlamentar, que é o dever da iniciativa
para legislar.
Portanto, Srªs e Srs. Parlamentares, tenho plena consciência de que este momen-
to que vivo agora é único na carreira de um Parlamentar. Nesta Casa me criei. Apren-
di a respeitar esta Casa com exemplos que me são tão caros, como de meu avô Tancredo
Neves, de meu avô Tristão da Cunha e de meu pai Aécio Cunha, dignos parlamenta-
res, homens que fizeram, desde o início de sua vida, a opção pelo exercício parlamentar.
Inspirado em exemplos deles, com o apoio e a solidariedade que jamais me faltaram de
cada um dos companheiros que estão nesta Casa, hoje enfrentarei perante a opinião
pública, uma avaliação.
Serei firme e exigente no cumprimento da ética e do decoro parlamentar, com a
criação da nossa Comissão de Ética. Da mesma forma, serei firme e corajoso para
defender esta instituição e cada um dos Parlamentares contra os ataques vis e as infâ-
mias que cotidianamente lhes são dirigidas. (Palmas.)
Esta é a instituição do povo brasileiro. Não é no Poder Executivo, mas aqui que
a sociedade, com toda a sua estratificação, faz-se representar. De origem das mais dis-
tintas, de formações culturais ou sociais diferenciadas, aqui está o Brasil. Por isso,
nossa responsabilidade em defender a instituição nem de longe me parece uma ação
corporativa; ao contrário, ao defender a Casa contra ataques irresponsáveis que sobre
ela vêm quase diariamente, estarei defendendo a democracia no Brasil e o sagrado
cenário onde se dão e haverão de se dar cada dia mais os debates das questões que
efetiva e fundamentalmente interessam à sociedade brasileira. (Palmas.)
Vamos ser ousados, sim, Sr. Presidente!
Presidente Michel Temer, V. Exª inaugurou o processo de comunicação nesta
Casa. Quero que cada cidadão, de qualquer parte deste País, saiba o que o seu
coestaduano faz. Vamos diversificar, dar oportunidade a que cada companheiro possa
mostrar também o que faz nesta Casa à sua região, à sua base.
Falar em condições de trabalho para os Parlamentares é falar em respeito a esta
instituição. Quero dizer mais uma vez à opinião pública que o exercício do trabalho
parlamentar precisa ter a dignidade necessária para ser feito em consonância com os
reais interesses da sociedade brasileira.
(...) Ao mesmo tempo em que deixo registrado agradecimento a cada um dos meus
companheiros, quero neste instante dizer do meu respeito e admiração pelo Presidente
Michel Temer, pela absoluta correção, isenção e capacidade com que conduziu esta
Casa, dignificando-a ao longo desses últimos quatro anos. (Palmas.)
Aquele que vier a sucedê-lo, Presidente Michel Temer, não importa quem seja,
terá uma grave responsabilidade, pois não será fácil dar continuidade ao seu trabalho
com a mesma elegância e correção e sobretudo com o mesmo espírito público que V. Exª
demonstrou em cada gesto, dos pequenos aos grandes.
(...) Finalizo este pronunciamento recordando uma passagem do meu conterrâneo
Guimarães Rosa, que me lembrou o grande Parlamentar e homem público Waldir
Pires: ‘O mais importante na vida – e na política não é diferente – não é a largada e
tampouco a chegada; o importante é a caminhada’. Nossa caminhada foi digna e, por

Sem título-4 642 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 643

isso, espero e peço o apoio dos Deputados para, a cada dia e a cada instante, dignificar-
mos nossa Casa, a Casa do povo, a Câmara dos Deputados do Brasil.
Muito obrigado e até a vitória! (Palmas prolongadas.)”. Grifado pelo compilador.
5 de maio de 2001. A Mesa da Câmara dos Deputados envia à Comis-
são de Constituição, Justiça e Redação o Projeto de Resolução nº 151, que
“cria a Comissão Permanente de Legislação Participativa”. Em regime de urgência
é aprovado no dia 30 de maio de 2001 e transformado na Resolução nº 21/
01. Esta resolução transforma em realidade o sonho dos constituintes de 1988,
abrindo espaço para que a sociedade organizada também possa contribuir
com propostas de leis e emendas constitucionais, sem a necessidade das assi-
naturas de um por cento do eleitorado.
No ato de instalação da Comissão Permanente de Legislação Participa-
tiva, o Presidente da Câmara dos Deputados Aécio Neves da Cunha (PSDB-
MG) deixa claro a importância da criação desse órgão técnico, afirmando que
“(...) talvez seja a mais vigorosa e importante janela que a Câmara dos Deputados
tenha aberto para que a sociedade possa trazer sua contribuição ao processo legislati-
vo”. Ressalta ainda, em outra ocasião, quando da apresentação da Cartilha da
Comissão que “a Comissão de Legislação Participativa, criada com o apoio de todos
os partidos com representação na Câmara dos Deputados, já instalada e em pleno
funcionamento, é o instrumento inovador com que a engenharia parlamentar busca
responder a um dos mais preocupantes desafios da democracia contemporânea: como
superar o perigoso abismo que vem sendo criado, nas sociedades de massa, entre os
representantes e os representados.
Por meio desta Comissão, a Câmara dos Deputados abre à sociedade civil um
portal de acesso ao sistema de produção das normas que integram o ordenamento jurí-
dico do País, chamando o cidadão comum, os homens e mulheres representados pelos
Deputados Federais, a levar diretamente ao Parlamento sua percepção dos problemas,
demandas e necessidades da vida real e cotidiana.
Quando assumi o compromisso de criá-la, ainda como candidato à Presidência
da Câmara, guiava-me por um mandamento não-escrito e só ignorado pelos autori-
tários: o de que, muitas vezes, os representados estão à frente de seus representantes.
Inspirava-me, também, a lição histórica de que, aprisionada em suas rotinas e divor-
ciada da vontade popular, a representação parlamentar serve ao esvaziamento da
política, à descrença em seus atores e, por decorrência, ao enfraquecimento da demo-
cracia.
Agora que a Comissão está instalada e em pleno funcionamento, sob a presidên-
cia da diligente Deputada Luiza Erundina, Parlamentar credenciada ao desafio de
implantá-la por sua biografia e por sua atuação na Câmara, é necessário um esforço
de divulgação de sua existência e de suas regras de funcionamento para que venha a
cumprir satisfatoriamente o papel que lhe está reservado na modernização política.
A Resolução nº 21, de 2001, que a criou, definiu a composição da Comissão,
atendendo à necessidade de absoluto pluralismo do colegiado que apreciará as propos-
tas vindas diretamente da sociedade, e estabeleceu que as sugestões de iniciativa legislativa

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644 Casimiro Neto

– ou seja, projetos de lei, ordinárias e complementares, de decreto legislativo e de reso-


luções – poderão ser apresentadas por associações e órgãos de classe, sindicatos e demais
entidades organizadas da sociedade civil, exceto partidos políticos, pela razão óbvia de
que estes já têm seus repesentantes no Congresso Nacional. Garante ainda às entidades
científicas e culturais a oportunidade de apresentar pareceres técnicos, moções e exposi-
ções que possam ser traduzidas em proposição legislativa. Todas estas iniciativas pode-
rão ser encaminhadas diretamente à comissão, inclusive por correio, fax ou e-mail,
sempre com o intuito de reduzir a distância física e social, entre representantes e repre-
sentados.
As propostas aprovadas pela Comissão serão encaminhadas à Mesa e tramitarão
como projetos de sua autoria, sujeitos às mesmas regras regimentais dos chamados
projetos de comissão. As que forem consideradas inadmissíveis, por serem incompatíveis
com a Constituição ou por estarem em desacordo com normas regimentais, serão arqui-
vadas, depois de esgotado o esforço técnico para adequá-las às exigências legais.
A experiência que estamos iniciando agora tem antecedentes em Parlamentos das
democracias mais consolidadas do mundo e uma referência especial na Comissão de
Petições do Parlamento Europeu, órgão resultante da inventividade européia em sua
busca da integração, como resposta aos desafios do mundo globalizado. A partir destes
referenciais, chegamos ao formato que nos parece o mais adequado às nossas peculiari-
dades políticas e culturais, sujeito, ainda, naturalmente, a contribuições que possam
torná-lo mais eficaz e funcional, se for o caso.
É imprescindível, para o sucesso da iniciativa, que a sociedade civil, espaço fun-
damental da liberdade e da cidadania, exercite a prerrogativa que lhe é assegurada,
fazendo frutificar a idéia da legislação participativa. É relevante, ainda, que as ins-
tâncias intermediárias da representação política, como as Assembléias Legislativas e as
Câmaras de Vereadores, sejam também parte deste esforço, criando unidades de legisla-
ção participativa e remetendo à Comissão as proposições que lhes venham da realidade
imediata e que transcendam suas competências. Por fim, é necessário, também, que as
universidades, os órgãos de comunicação de massa, os núcleos de vanguarda do pensa-
mento político, inclusive os partidos políticos, considerem a existência deste novo ins-
trumento em suas ações e formulações. Nesta linha, a cartilha que agora será ampla-
mente distribuída é o segundo passo deste esforço de radicalização democrática, no qual
estarei sempre engajado, independentemente da condição de Presidente da Câmara dos
Deputados.
Quero por fim ressaltar que a legislação participativa não alimenta o falso anta-
gonismo entre sociedade civil e Parlamento, nem a utopia ingênua de que a revolução
tecnológica e a sociedade midiática ressuscitarão uma espécie de democracia direta
informatizada. Um sistema que troque o voto popular e a representação política por
outras formas de participação merecerá qualquer outro nome, não o de democracia. A
Legislação Participativa deve significar, pelo contrário, a atualização da democracia
representativa pela maior sintonia com seu tempo”. Grifado pelo compilador.
A Deputada Luiza Erundina de Sousa (PT-SP), primeira Presidente da
Comissão de Legislação Participativa, quando da divulgação da Cartilha do
órgão, fala sobre a referida comissão: “Acreditamos que, somente no futuro, quan-

Sem título-4 644 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 645

do este fato for analisado à luz da história, se terá plena consciência do seu significado
para a consolidação da democracia em nosso País.
Entendemos, ainda, que a Comissão, além de contribuir para mobilizar a parti-
cipação da sociedade civil, connstitui-se em instrumento de educação política e de for-
talecimento da democracia representativa.
Ao contrário do que se poderia supor, a divisão do poder com o povo, fonte e
origem do poder, contribuirá, certamente, para que a representação se legitime e se
fortaleça ainda mais, pois democracia representativa e democracia direta são dois pila-
res que sustentam o edifício da Democracia e da Cidadania.
Chegou a hora, portanto, de colocar em prática o que dispõe a Constituição
Federal de 1988, que consagra, em seu artigo 1º, parágrafo único, o princípio da
soberania popular pelo qual ‘todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente’, e que, também, estabelece mecanismos de partici-
pação popular, como, por exemplo, a ‘Iniciativa Popular Legislativa’.
Não obstante essa importante conquista incorporada ao texto constitucional, muitas
são ainda as barreiras que impedem sua plena e total concretização.
Daí o extraordinário significado da recém-criada Comissão Permanente de Le-
gislação Participativa, que possibilita que associações e órgãos de classe, sindicatos e
entidades da sociedade civil apresentem Sugestões de Iniciativa Legislativa”. Grifado
pelo compilador.

15 de maio de 2001. O Congresso Nacional decreta e o Presidente da


República, Fernando Henrique Cardoso (RJ), sanciona a Lei nº 10.226, que
“determina a expedição de instruções sobre a escolha dos locais de votação de mais fácil
acesso para o eleitor deficiente físico”. Tem como objetivo estimular a participa-
ção dos deficientes físicos no processo eleitoral .Os tribunais regionais eleito-
rais deverão, a cada eleição, expedir instruções aos juízes eleitorais para
orientá-los na escolha dos locais de votação mais adequados aos deficientes
físicos.

11 de setembro de 2001. É promulgada a Emenda Constitucional nº


32, que “altera dispositivos dos arts. 48, 57, 61, 62, 64, 66, 84, 88 e 246 da Cons-
tituição Federal, e dá outras providências”. Entre outros assuntos, estabelece cri-
térios para edição de medidas provisórias, vedando a reedição, na mesma
sessão legislativa, de medida que tenha sido objeto de rejeição ou que tenha
perdido sua eficácia por decurso de prazo. Perderão sua eficácia, desde a
edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogá-
vel, uma vez por igual período. Emenda constitucional que teve origem na
PEC 01-B/95 – SF = PEC 472/97 – CD.
É a quinta emenda constitucional a tratar de medidas provisórias após a
promulgação da Constituição Federal de 1988.
A edição de milhares de medidas provisórias, que de forma abusiva eram
reeditadas em flagrante usurpação da atividade legislativa, promovia a insta-
bilidade da ordem jurídica, tornando insegura a atividade política, econômica,

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646 Casimiro Neto

social e sindical, além do desrespeito aos direitos adquiridos. O Deputado


Ulysses Silveira Guimarães (PMDB-SP) bem retrata esta situação: “Os cida-
dãos não podem ser surpreendidos e alarmados por decisões imaturas, muito menos
instantâneas.
Povo quer dizer participação. Inclusive pelo direito natural de defesa de seu
patrimônio, de sua saúde, de sua educação, até de sua sobrevivência.
Portanto, a instantaneidade da vigência da medida provisória, quando
antidemocraticamente aviltada em ‘desmedida’ provisória, é um monstro jurídico, polí-
tico, social, econômico e sindical.
Não pairam dúvidas. Somos a favor do uso da medida provisória como delega-
ção admitida também nos países democráticos, mas somos indignadamente contra o
abuso das medidas provisórias, prática revogatória dos fundamentos democráticos”.
20 de dezembro de 2001. É promulgada a Emenda Constitucional nº 35,
que “dá nova redação ao art. 53 da Constituição Federal”. Trata de alterações no
instituto da imunidade parlamentar, tornando seu processo mais transparente.
Emenda constitucional que teve origem na PEC 02/95 – SF e PEC 610/98 – CD.
Desde o momento que assumiu a Presidência da Câmara dos Depu-
tados, em 14 de fevereiro de 2001, o Deputado Aécio Neves da Cunha (PSDB-
MG) colocou em prática vários itens de seus compromissos assumidos por
ocasião da apresentação de sua plataforma de trabalho ao concorrer ao cargo
de presidente. O trabalho desevonvido resultou em maior agilidade do pro-
cesso legislativo e modernização da Casa, com reflexo para a vida dos brasi-
leiros e dos servidores da Câmara dos Deputados.
Com o apoio de todos os partidos, foram aprovadas matérias de impor-
tância histórica na atividade legislativa, entre as quais se destacam a discussão,
votação e promulgação da Emenda Constitucional nº 32, que “estabelece crité-
rios para edição de medidas provisórias”; da Emenda Constitucional nº 35, que
“trata da imunidade Parlamentar”; da Resolução nº 19, de 14 de março de 2001,
que “cria a Ouvidoria Parlamentar e dá outras providências”; da Resolução nº 21,
de 30 de maio de 2001, que “cria a Comissão Permanente de Legislação Participa-
tiva – CLP”; da Resolução nº 25, de 10 de outubro de 2001, que “institui o
Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados” e com outras
importantes medidas administrativas tomadas durante a sua gestão, princi-
palmente com a democratizando o acesso do cidadão aos atos do Poder Le-
gislativo através da total disseminação da informação parlamentar na internet
– página: www.camara.gov.br.
11 de fevereiro de 2002. O Congresso Nacional decreta e o Presidente
da República, Fernando Henrique Cardoso (RJ), sanciona a Lei nº 10.408,
que “estabelece normas para as eleições, ampliando a segurança e a fiscalização do
voto eletrônico”.
Dispõe que, no ato da votação eletrônica, a urna imprima o voto do
eleitor para conferência visual e depósito automático, sem contato manual, e
em local previamente lacrado, após conferência pelo eleitor. Se, ao conferir o

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A Construção da Democracia 647

voto impresso, o eleitor não concordar com os dados registrados, poderá


cancelá-lo e repetir a votação pelo sistema eletrônico. Com esse sistema o
Brasil passa a ser o primeiro país do mundo a abolir radicalmente o sistema
convencional de votação. O processo fica totalmente informatizado, desde o
cadastro de eleitores até a contagem dos votos.
Realizadas as eleições em primeiro e segundo turnos nos dias 6 e 27 de
outubro de 2002 é eleito para Presidente da República o ex-Deputado e ex-
Constituinte Luiz Inácio Lula da Silva (PE) – primeiro representante da classe
trabalhadora do país –, após 181 anos da independência e 114 anos da Repú-
blica, trazendo promessas de grandes transformações sociais.
1º de janeiro de 2003. Brasília. Aproximadamente 150 mil pessoas to-
mam o espaço da Esplanada dos Ministérios para assistir à posse do 36º Pre-
sidente da República. O Presidente da Câmara dos Deputados, Efraim de
Araújo Morais (PFL-PB) e o Presidente do Congresso Nacional, Senador
Ramez Tebet (MS), recebem o Presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula
da Silva (PE) e o Vice-Presidente José Alencar Gomes da Silva (MG). Muito
aplaudidos, chegam ao Plenário da Câmara dos Deputados às 15 horas e 4
minutos. Após a cerimônica de posse, perante o Congresso Nacional – com a
prestação do compromisso constitucional, leitura do termo de posse e assina-
tura respectiva –, o Presidente da República faz seu pronunciamento onde
destaca: “Mudança. Esta é a palavra-chave. Essa foi a grande mensagem da socieda-
de brasileira nas eleições de outubro. A esperança finalmente venceu o medo (palmas)
e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos.
(...) E eu estou aqui, neste dia sonhado por tantas gerações de lutadores que
vieram antes de nós, para reafirmar os meus compromissos mais profundos e essenciais.
Para reiterar, a todo cidadão e cidadã do meu País, o significado de cada palavra dita
na campanha. Para imprimir, à mudança, um caráter de intensidade prática.
Para dizer que chegou a hora de transformar o Brasil naquela nação com a qual
a gente sempre sonhou. Uma nação soberana, digna, consciente da própria importân-
cia no cenário internacional e, ao mesmo tempo, capaz de abrigar, acolher e tratar com
justiça todos os seus filhos.
Vamos mudar, sim. Mudar com coragem e com cuidado. Com humildade e ousa-
dia. Mudar tendo consciência de que a mudança é um processo gradativo e continua-
do, não um simples ato de vontade, não um arroubo voluntarista. Mudança por meio
do diálogo e da negociação. Sem atropelos ou precipitações. Para que o resultado seja
consistente e duradouro.
(...) E eu desejo, antes de qualquer outra coisa, convocar o meu povo, justamen-
te, para um grande mutirão cívico. Para o mutirão nacional contra a fome. (Palmas
prolongadas.)
Num país que conta com tantas terras férteis e com tanta gente que quer traba-
lhar, não deveria haver razão alguma para se falar de fome. No entanto, milhões de
brasileiros, no campo e na cidade, nas zonas rurais mais desamparadas e nas periferias
urbanas, estão, neste momento, sem ter o que comer.

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648 Casimiro Neto

(...) Isso não pode continuar assim. (Palmas.) Enquanto houver um irmão bra-
sileiro, ou uma irmã brasileira, passando fome, teremos motivos de sobra para nos
cobrir de vergonha. (Palmas.)
Por isso, defini, entre as prioridades de meu Governo, o programa de segurança
alimentar, que leva o nome de Fome Zero. Como disse em meu primeiro pronunciamen-
to após a eleição, se, ao final do meu mandato, todos os brasileiros tiverem a possibilida-
de de tomar o café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão de minha vida.
(Palmas.)
(...) Sob a minha liderança, o Poder Executivo manterá uma relação construtiva
e fraterna com os outros Poderes da República, respeitando exemplarmente a sua inde-
pendência e o exercício de suas altas funções constitucionais. (Palmas.)
Eu, que tive a honra de ser Parlamentar desta Casa, espero contar com a contri-
buição do Congresso Nacional no debate criterioso e na viabilização das reformas es-
truturais que o País demanda de todos nós.
(...) Esta é uma nação que fala a mesma língua. (Palmas prolongadas.) Que
partilha os mesmos valores fundamentais. Que se sente e é brasileira. Onde a mestiçagem
e o sincretismo se impuseram, dando uma contribuição original ao mundo. Onde ju-
deus e árabes conversam sem medo. Onde toda migração é bemvinda, porque sabemos
que em pouco tempo, pela nossa própria capacidade de assimilação e de bem-querer,
cada migrante se transforma em mais um brasileiro. (Palmas prolongadas.)
Esta nação, que se criou sob o céu tropical, tem que dizer a que veio. Internamen-
te, fazendo justiça à luta pela sobrevivência em que seus filhos se acham engajados. E
externamente, afirmando a sua presença soberana e criativa no mundo.
(...) Sim: temos uma mensagem a dar ao mundo. Temos que colocar nosso projeto
nacional, democraticamente, em diálogo aberto como as demais nações do planeta.
Porque nós somos o novo. Nós somos a novidade de uma civilização que se desenhou
sem temor – porque se desenhou no corpo, na alma e no coração do povo, muitas vezes
à revelia das elites, das instituições e até mesmo do Estado. (Palmas.)
(...) Cada um de nós, brasileiros, sabe que o que fizemos até hoje não foi pouco.
Mas sabe, também, que podemos fazer muito mais.
Quando olho para a minha vida de retirante nordestino, de menino que vendia
amendoim e laranja no cais de Santos, que se tornou torneiro mecânico e líder sindical,
que um dia fundou o Partido dos Trabalhadores e acreditou no que estava fazendo, que
agora assume o posto de Supremo Mandatário da Nação, eu vejo e eu sei, com toda a
clareza e com toda a convicção, que nós podemos muito mais. (Palmas.) E que, para
isso, basta acreditar em nós mesmos. Em nossa força, em nossa capacidade de criar, em
nossa disposição para fazer.
(...) O que nós estamos vivendo hoje, neste momento, meus companheiros e mi-
nhas companheiras, meus irmãos e minhas irmãs de todo o Brasil, pode ser resumido
em poucas palavras. Hoje é o dia do reencontro do Brasil consigo mesmo. (Palmas.)
Agradeço a Deus por chegar até onde cheguei: sou agora o servidor público
número um do meu País. (Palmas.)
Peço a Deus sabedoria para governar, discernimento para julgar, serenidade
para administrar, coragem para decidir e um coração do tamanho do Brasil para me

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A Construção da Democracia 649

sentir unido a cada cidadão e cidadã deste País no dia-a-dia dos próximos quatro anos.
Viva o Povo brasileiro! (Palmas prolongadas.)”. Grifado pelo compilador.
O Presidente do Congresso Nacional, Senador Ramez Tebet (MS), fala
em seguida e afirma que: “(...) Em primeiro lugar, a transparência desta eleição e o
admirável processo de transição de governo, inédito em nossa história republicana,
comprovam que vivemos a plenitude da vida democrática em nosso País.
(...) Em segundo lugar, Sr. Presidente, V. Exª, ao alcançar o mais alto posto da
política nacional, oriundo de um passado de lutas em defesa da classe trabalhadora, é
a prova firme da vontade da Nação brasileira de enfrentar, de uma vez por todas, com
determinação e coragem, a terrível herança de desigualdades que nos envergonha e que
tem sido o grande desafio, até agora não superado, de tantas gerações de brasileiros.
O Brasil escreve, sem dúvida, um novo capítulo na sua história, ao empossar na
Presidência da República um brasileiro que conhece o Brasil por vivência própria.
Conhece o Brasil por dentro, conhece o Brasil por sua vida ‘severina’.
Minhas senhoras e meus senhores, Ulysses Guimarães, o inesquecível timoneiro
da travessia democrática, ao apresentar a nova Constituição, que V. Exªs acabam de
jurar, alertava que a mudança fundamental é ‘mudar o homem em cidadão’. E comple-
tava: ‘Só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem
hospital e remédio, lazer quando descansa’.
Superar esse desafio, Sr. Presidente, é a enorme tarefa que a vontade soberana do
povo depositou sobre seus ombros. As esperanças de todos os brasileiros encontram-se
hoje sob os cuidados de V. Exª.
A Nação brasileira sabe que o Congresso Nacional é o parceiro imprescindível
para o cumprimento dessa árdua missão. O Poder Legislativo é o espelho da sociedade,
o oxigênio da democracia, e nenhum processo de mudanças, tal qual a Nação deseja e
V. Exª promete, coerente e profundo, poderá ser levado a bom termo sem a sua ativa
participação.
Na condição de Presidente do Congresso Nacional, reafirmo: sem servilismos
impróprios e sem enfrentamentos inconseqüentes, mantendo sempre sua independên-
cia, o Poder Legislativo será o legítimo co-autor do processo de mudanças que é hoje o
maior anseio de todos.
(...) Ao falar de seu trabalho, justamente louvado em todo o mundo, nosso arqui-
teto Oscar Niemeyer costuma dizer que sua obra não importa, o que importa é combater
a miséria.
(...) Lembro ainda outro extraordinário compatriota, o patrono do combate à
fome, o imortal Betinho, que nos advertiu: ‘Com a miséria, a democracia é uma men-
tira. E sem democracia não existe vida civilizada’.
Reafirmo que, no cumprimento desses compromissos éticos, Sr. Presidente, O
Congresso Nacional não lhe faltará. Nas reformas previdenciária, tributária e fiscal,
nas reformas que V. Exª quer implantar, esteja certo: O Congresso Nacional é o seu
parceiro efetivo. (Palmas.)
Sr. Presidente, que Deus ilumine V. Exª e todos nós, para construirmos uma
Pátria mais justa e mais humana.
Viva o Brasil! (Palmas prolongadas.)”. Grifado pelo compilador.

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650 Casimiro Neto

Encerra-se a sessão às 16 horas e 14 minutos.


Após a cerimônica de posse e compromisso constitucional, o Presidente
da República Luiz Inácio Lula da Silva (PE), na condição de chefe supremo
das Forças Armadas, passa em revista as tropas da Marinha, Exército e Aero-
náutica. Em seguida segue em direção ao Palácio do Planalto, onde ocorre a
cerimônia de transmissão da faixa presidencial e a nomeação dos novos mi-
nistros de Estado.
1º de fevereiro de 2003. 15 horas e 6 minutos. Plenário. Primeira Ses-
são Preparatória da 52ª Legislatura 2003/2007. Compromisso regimental de
posse dos senhores deputados. Presidência do Deputado Henrique Eduardo
Alves (PMDB-RN). Este, em sua saudação ao parlamentares, diz: “(...) Vive o
País talvez o momento mais intenso de sôfrega busca por progresso e justiça, marcados
os tempos atuais pelo signo da esperança, uma ardente esperança tecida nas almas e
nos corações dos brasileiros como confiança e rebeldia, consciência do significado do
Brasil no contexto das nações e cada vez mais intensa revolta pelas infames marcas de
injustiça social, com a qual temos sido constrangidos a conviver.
Ao assumir com V. Exas. o mandato que o povo nos outorgou, dá-me o Regimento
a grata e grave oportunidade de poder testemunhar a imensa importância deste Parla-
mento no processo político nacional.
Testemunho, Sras. e Srs. Deputados, a grandeza desta Casa, pois aqui cheguei
em 1971, em plena vigência dos instrumentos de arbítrio, pesadas trevas encobrindo o
futuro, a cujo encontro caminhávamos trôpega e tormentosamente.
A Câmara dos Deputados foi luz naquelas noites, atraindo, como indomável
força de natural ordem política, as expectativas reprimidas dos brasileiros. Luz e voz,
como a de Ulysses Guimarães, a clamar: ‘Navegar é preciso!’, eco legítimo da voz dos
que, excluídos injustamente da prosperidade nacional, se agarravam à esperança como
arma da liberdade.
Esta Casa conviveu com esses tempos difíceis, acolhendo neste plenário os que
protestaram e também os que apoiaram, mas todos por convicção íntima de estarem no
melhor caminho.
E assim foi por ser este Poder o fiel espelho da sociedade, uma sociedade forte que
supera aqui as idéias mais retrógradas, e as posições mais acomodadas são vencidas e se
convencem, guiadas pelo estímulo irresistível dos anseios populares, cada vez mais
presentes, sensíveis e atuantes aqui.
A Câmara dos Deputados é mesmo o grande encontro das contradições, aparente
paradoxo, uma realidade política que a torna instituição ímpar da República.
Neste Plenário, nas Comissões, nas reuniões dos Líderes, em nossos gabinetes e
até nos corredores, Sras. e Srs. Deputados, o debate nunca é esteril. O calor da discus-
são jamais se amorna na inutilidade, nem a divergência impede que se espalhem se-
mentes de novas idéias no solo fértil da convivência patriótica e da convergência de
espírito público, como de nós espera o povo brasileiro.
Foi assim que vi. Foi com isso que convivi nesses 32 anos de exercício do mandato
parlamentar nesta Casa. Se alguns poucos desertaram do dever, outros, muitos outros,

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A Construção da Democracia 651

foram heróis e até mártires, quer persistindo, quer convertendo o próprio pensamento
para render-se não à indiferença, mas aos reais sentimentos populares.
Agora, quando o novo nome da liberdade é esperança, talvez mais agudamente
áspero seja o desafio que temos de enfrentar. Em momentos históricos já vividos, o
embate dividia brasileiros, alguns iludidos pelas vãs promessas do autoritarismo faná-
tico, outros convictos de que o desenvolvimento e a paz têm uma só trilha para um só
destino: a democracia.
A Câmara dos Deputados irmanou a todos com seus acertos, erros, virtudes e
carências, e as crônicas registraram ter sido aqui o esperançoso berço das Diretas Já, da
Anistia, da superação política do Colégio Eleitoral, da convocação da Assembléia Na-
cional Constituinte.
Nos dias que correm, Sras. e Srs. Parlamentares, a luta é entre a ordem interna-
cional perversa, que esgarça fronteiras, escarnece das soberanias com a força volátil do
dinheiro e não constrange sequer a repugnante ameaça militar à paz do mundo.
Esta Casa sabe que a esperança, embora nascida em sonhos, pode morrer em
frustrações. E esse processo de perda só tem passos de recuo, de fuga para o medo, de
subserviência, de perda da independência, de submissão e de fim da nacionalidade.
É grave, portanto, este momento histórico. Por isso, ao nos prepararmos para
prestar o compromisso regimental, façamos todos nós profissão pública de que a Câma-
ra dos Deputados não foge ao novo repto, mas entrega-se como coobrigada na defesa
das expectativas do povo, alia-se a ele, e não vai assistir a seus anseios passarem em
vão, pois é avalista de suas esperanças. Que Deus abençoe o nosso trabalho. Muito
obrigado. (Palmas.)”. Grifado pelo compilador.
Após o compromisso regimental de posse a sessão é encerrada ás 15
horas e 59 minutos.
2 de fevereiro de 2003. 15 horas e 12 minutos. Plenário. Segunda Ses-
são Preparatória da 52ª Legislatura 2003/2007. Eleição da Mesa Diretora da
Câmara dos Deputados para o biênio 2003/2004. Realizada a eleição para o
cargo de Presidente da Casa, o Deputado João Paulo Cunha (PT-SP) é eleito
com 434 votos. Candidatura nascida de um acordo de líderes que reuniu todos
os partidos em torno de uma única proposta, deixa o Governo mais tranqüilo
quanto ao encaminhamento das propostas de reformas da previdência, tribu-
tária, política e trabalhista, consideradas urgentes e necessárias ao País.
O novo Presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-
SP) faz seu pronunciamento e destaca: “(...) Eu não poderia prosseguir este pri-
meiro discurso como Presidente da Câmara dos Deputados – e como primeiro Presiden-
te desta Casa egresso de legenda marcadamente de esquerda no espectro ideológico –
sem saudar e sem homenagear o ex-Deputado José Genoíno. Presidente de meu parti-
do, José Genoíno despediu-se ontem do Parlamento Brasileiro, depois de vinte anos de
vitorioso trajetória nesta Casa.
Sinônimo de tolerância, de maturidade democrática e de diálogo, José Genoíno
constituiu-se em peça fundamental para que pudéssemos viver o presente estado da arte
em que se encontra a política brasileira. (Palmas.)

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652 Casimiro Neto

(...) ao contemplar este plenário cheio e ansioso para começar a debater e a dar
contornos legais à grande transformação social que os brasileiros nos confiaram na
histórica eleição de 2002, é imperativo lembrar e homenagear o político cuja trajetória
se confunde com os ideais republicanos: Ulysses Guimarães, o grande timoneiro. (Pal-
mas.) Ele morreu. Além de navegar, sonhava com a plena normalidade institucional
com que hoje nos regozijamos.
(...) Fomos eleitos para mudar este País e o faremos. (Palmas.)
Não temos compromisso com a quantidade de mudanças, mas, sim com a quali-
dade das novas leis que surgirão no horizonte dos brasileiros para governar-lhes a
rotina. É preciso asseverar: o nosso compromisso é com os resultados, e eles têm de vir
com celeridade.
Esta Câmara dos Deputados, sabemos, está preparada para iniciar os grandes
debates que tais reformas exigem. Nosso Parlamento, certamente, voltará a ser o centro
produtor de inteligência e de teses que pautarão as acaloradas discussões latentes na
sociedade. Vamos resgatar os saudosos tempos em que se travavam apaixonados debates
nas tribunas do Congresso! O Senado Federal, nossa Casa irmã, que, desde ontem, está
sob o comando seguro e experiente do Senador José Sarney, certamente não está menos
equipado nem menos ávido por ver se iniciarem os trabalhos de reconstrução e de
resgate do Brasil.
Companheiros, no momento em que começamos um novo ciclo nesta Casa, é
oportuno refletir sobre a trajetória do Legislativo. O Congresso Nacional tem vivido
um histórico de permanente evolução. Durante a Ditadura Militar, foi fechado, cala-
do, amordaçado, impedido de funcionar em sua plenitude e minimizado em sua atua-
ção.
Se compararmos essa situação com aquela vivida durante o período da Assem-
bléia Nacional Constituinte, será forçoso reconhecermos a evolução que se atingiu quan-
do, por seus próprios méritos e por seu próprio esforço, o Congresso ouviu o clamor das
ruas e seguiu a vontade popular. A evolução institucional que menciono, Sras. e Srs.
Deputados, não parou com o processo constituinte. Continuou, ora lentamente, ora
com ousadia, mas sempre com coragem.
Nos últimos anos, a Câmara dos Deputados recuperou muito de sua força e
importância. Desde 1995, quando cheguei aqui, tenho acompanhado o aperfeiçoa-
mento dos ritos legislativos patrocinados pelos ex-Presidentes Luís Eduardo Magalhães
– de saudosa memória –, Michel Temer e Aécio Neves. (Palmas.) Mudanças como a das
regras de tramitação das medidas provisórias, por exemplo, valorizaram a função do
Parlamentar. O rigor e a seriedade aplicados à investigação de irregularidades cometi-
das por membros da Casa fizeram ver à sociedade brasileira que esta instituição não
acoberta os erros de seus membros. E isso não mudará! Ao contrário, tal processo tende
a ser cada vez mais célere e mais agudo. Cortar na própria carne dói e exige serenida-
de, mas não podemos deixar todo o Parlamento sob suspeição só por causa do mau
comportamento de um de nós. (Palmas.)
(...) Quero contribuir para devolver ao Parlamento o lugar que lhe cabe na
arquitetura institucional brasileira. Somos a coluna central da defesa, do fortalecimen-
to e da consolidação de nossa democracia. É preciso edificar uma Câmara dos Depu-

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A Construção da Democracia 653

tados ativa, independente, autônoma, livre e soberana. Uma Câmara que, fortalecida
em suas prerrogativas constitucionais, oriente seu olhar para o povo brasileiro, buscan-
do resgatar a enorme dívida social que tanto aflige o cotidiano nacional. Uma institui-
ção que, em harmonia com os Poderes Executivo e Judiciário, esteja plenamente capa-
citada para, além de promover os grandes debates nacionais, ser farol a orientar a
difícil travessia em busca de um porto seguro para este grande e promissor Brasil.
Serei ardoroso defensor dos interesses de todos os membros desta Casa, de sua
imagem, de seu ofício, de suas atividades e tudo farei para que as desempenhem com
mais eficiência e comodidade. (Palmas.) Estarei sempre atento para que o trabalho aqui
desenvolvido seja devidamente compreendido tanto pelos outros Poderes, quanto pela
mídia e ainda pela população, para que a Câmara dos Deputados esteja cada vez mais
próxima de todos os brasileiros. É preciso cuidar disso, pois, não raro, a incompreensão
tem feito deste Poder o alvo fácil da crítica, muitas vezes inconseqüente e injusta.
(...) Obrigado, companheiros. Que façamos um bom trabalho. (Palmas prolon-
gadas.)”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Geddel Quadros Vieira Lima (PMDB-BA) destaca a im-
portância do compromisso político: “Sr. Presidente, Sras, e Srs. Deputados, ainda
que não de forma oficial, V. Exa. acaba de declarar que a contagem de votos assegura
ao indicado pela bancada do PMDB o exercício da 1ª Secretaria da Mesa da Câmara
dos Deputados do Brasil no próximo biênio.
Não me sinto vitorioso. Nesta noite, quando V. Exa. proclamar o resultado, fica-
rá patente, de forma inquestionável, que o vitorioso foi o Parlamento brasileiro, foi a
Câmara dos Deputados do Brasil. Isto porque os Srs. Parlamentares, os Líderes parti-
dários com assento nesta Casa fizeram com que se tornasse ainda mais vivo um dos
preceitos primordiais na sustentação dos parlamentos livres e democráticos: o cumpri-
mento da palavra empenhada nos acordos firmados.
O gesto dos Líderes deixa hoje registrado, de forma indiscutível, para aqueles que de
alguma forma supunham poder haver traição ao acordo, felonia, desentendimentos, que-
bra de palavra, que o povo brasileiro tem a cara de Tiradentes e não a de Joaquim Silvério
dos Reis. Quem quer que olhe para este Plenário verá nele representado o povo brasileiro.
(...) Minha gratidão permanente e perene a todos os Parlamentares e aos Líderes
com assento nesta Casa por mais uma vez me darem a convicção de que fiz certo quan-
do ainda muito jovem abracei a vocação que, tenho certeza, permanecerá, na lingua-
gem de Mangabeira, até o fim dos meus dias: servir à Bahia e ao Brasil por meio da
vida pública.
Muito obrigado, sucesso e que Deus ilumine a todos. (Palmas.)”. Grifado pelo
compilador.
O Deputado Francisco Rodrigues de Alencar Filho – Chico Alencar (PT-
RJ), em seu segundo pronunciamento na Câmara dos Deputados, destaca a
importância do Parlamento brasileiro: “Sr. Presidente, informo a V. Exa. e aos
demais membros da Mesa Diretora que todos estamos assumindo no 180º ano de exis-
tência do Parlamento no Brasil.
Essa Assembléia tem uma história sinuosa. O primeiro Parlamento constituído
no Brasil, em 1823, foi fechado pelo absolutismo do Imperador Dom Pedro I. Apesar

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654 Casimiro Neto

disso, esta Instituição, ao longo do tempo e dos séculos, foi-se superando na necessária
representação do povo, seja como assembléia geral do Império, seja como Câmara dos
Deputados e Congresso Nacional.
Realço de seu pronunciamento a importância de resgatarmos este espaço como
uma usina de produção de idéias para o avanço do País e como o lugar de realizações
de discussões sobre os grandes temas históricos da nossa Pátria. Coloco à disposição
minha modesta formação profissional a serviço desse projeto.
É preciso lembrar também que a Câmara é reconhecida pelo seu corpo técnico,
por todos os que aqui trabalham, inclusive pelos modestos servidores da copa. É impor-
tante termos consciência de que a grandeza e o funcionamento do Parlamento não
dependem apenas dos Parlamentares que foram eleitos pelo voto popular, mas de cada
pessoa que contribui para o funcionamento desta Casa.
Sr. Presidente, iniciemos a Legislatura sob a Presidência de V. Exa., consideran-
do sua história de vida, que tem similaridade com a do Presidente da República. Essa
gestão certamente marcará época e fará com que consolidemos a democracia no País.
Digo isso porque a democracia brasileira ainda está a caminho, ainda é uma
democracia de participação limitada, muito restrita, e o Parlamento não é inimigo das
organizações populares, não é o adversário da autonomia do nosso povo, que tem de se
organizar, sim, em associações, sindicatos e centrais sindicais.
Sr. Presidente, à frente da Câmara, certamente V. Exa. será um parceiro nessa
trajetória fundamental. Parabéns pela sua eleição e que a Mesa Diretora opere sempre
com austeridade, transparência, equilíbrio e justiça”. Grifado pelo compilador.
Falam inúmeros parlamentares. Encerra-se a sessão às 21 horas e 16
minutos.
17 de fevereiro de 2003. 16 horas e 12 minutos. Plenário do Congresso
Nacional. Sessão Solene destinada à inauguração da 1ª Sessão Legislativa Ordiná-
ria da 52ª Legislatura do Congresso Nacional. Presença do Presidente da Repú-
blica, Luiz Inácio Lula da Silva (PE),. Histórica homenagem presidencial.
Pela primeira vez na história republicana um presidente eleito diretamentre
pelo povo comparece à “Sessão Solene de Abertura de Legislatura” para fazer a
entrega e leitura da mensagem presidencial que, na forma da Constituição
Federal, a cada ano é enviada ao Congresso Nacional, e que é de praxe ser
feita pelo Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República.
Após a execução do Hino Nacional, o Presidente do Congresso Nacio-
nal, Senador José Sarney Costa (MA) passa a palavra para o Presidente da
República Luiz Inácio Lula da Silva (PE) que ressalta: “(...) Somos representantes
de Poderes distintos, mas igualmente legítimos e fundamentais para o bom funciona-
mento da democracia.
Prestigiar esta Casa é dever de todo cidadão. Mas, no meu caso, é bem mais do
que um dever – é um tributo pessoal ao papel insubstituível do Parlamento na vida
democrática.
Todos nós, que experimentamos na carne as conseqüências do regime autoritário,
sabemos a falta que faz e a importância que tem um Parlamento livre e atuante.

Sem título-4 654 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 655

Pela sua diversidade e pluralidade, o Parlamento é o fórum, por excelência, dos


debates sobre os desafios imediatos e históricos do País e da construção negociada das
soluções que permitam o nosso avanço no rumo da prosperidade e da justiça.
Venho ao Congresso Nacional com o mais nobre dos sentimentos que aprendi em
toda a minha trajetória de vida e de luta: o sentimento de que, não importa quantas
pedras a gente tenha pelo caminho, é preciso sempre manter o olhar no futuro e na
esperança; o sentimento de que é preciso acreditar no ser humano e na sua capacidade
de realização, em qualquer circunstância, com o vento a favor ou com o vento contra;
o sentimento de que a busca da justiça social, da solidariedade e da paz é fundamental
para cada um de nós e para toda a humanidade.
Como nordestino curtido na escola da vida, sou um homem acostumado a falar
com a franqueza e de coração aberto. Sou um homem que prefere a verdade, mesmo
quando ela dói.
Se não me tranco em palácio e se abraço as pessoas sempre que posso é porque o
meu sentimento de esperança brota da certeza de que a vida só vale a pena se a relação
entre os seres humanos estiver baseada na verdade. Acredito que a relação com o povo
tem que ser sempre verdadeira e de confiança mútua.
Fui eleito para mudar o Brasil, para fazer nosso País retomar o caminho do
crescimento econômico, com geração de emprego, distribuição de renda e inclusão soci-
al. Mas tenho plena consciência de que só iremos mudar o Brasil, juntos, fazendo
convergir democraticamente a vontade dos Poderes da República com a participação
efetiva do conjunto da sociedade.
(...) O País atravessa um momento político muito especial. Poucas vezes na histó-
ria encontramos tanta esperança, harmonia e disposição da população, de ricos e de
pobres para ajudar a resolver nossos problemas fundamentais.
Esse é um enorme capital político que generosamente o País nos oferece. Cabe a
todos nós fazermos com que essa grande oportunidade histórica resulte nos melhores
benefícios para o Brasil e para o nosso povo.
(...) Está na hora de buscarmos a máxima austeridade e eficiência em nossas
decisões que envolvem os gastos públicos e também os procedimentos administrativos.
(...) O meu Governo tem entre os seus principais compromissos o de realizar,
juntamente com este Congresso e com a sociedade, reformas que promovam soluções
estruturais e duradouras para o nosso País.
(...) Tenho certeza de que esta Legislatura fará do Congresso Nacional o palco
dos grandes debates e decisões sobre as reformas tributária, previdenciária, política,
trabalhista, agrária e do sistema financeiro, bem como das mudanças destinadas a
baratear o crédito e a melhorar o desempenho econômico do nosso País.
(...) É com esse sentimento de mão estendida, de co-responsabilidade entre os
Poderes e, acima de tudo, de entendimento nacional que eu trago minha Mensagem a
esta Casa.
Não existe o Brasil do Executivo, o Brasil do Legislativo ou o Brasil do Judiciá-
rio. O que existe é um só Brasil, de 175 milhões de seres humanos que têm urgência em
conquistar sua cidadania. (Palmas.)

Sem título-4 655 7/5/2004, 10:22


656 Casimiro Neto

(...) A responsabilidade de fazer as mudanças que o Brasil necessita é de todos


nós – Executivo, Legislativo, Judiciário, e da própria sociedade.
Sras. e Srs. Parlamentares do Congresso Nacional, na viagem que fiz ao exterior,
reafirmei alguns compromissos do nosso País. Em primeiro lugar, o de defesa da paz e
de uma ordem social mais justa entre as nações ricas e pobres do planeta. (Palmas
prolongadas.) Em segundo lugar, o de buscar a reconstrução do MERCOSUL e a
união dos países do nosso Continente, para obtermos uma inserção soberana no mundo
globalizado. (Palmas.)
Em todo lugar aonde tenho ido ouço palavras de sincera admiração por nosso
País. Tenho colhido elogios e manifestações de profundo respeito pela democracia bra-
sileira.
Sras. e Srs. Parlamentares, como se vê, os desafios e as expectativas que pesam
sobre nós são enormes. Por isso, não vim aqui para pedir subserviência ou submissão.
Venho aqui propor uma parceria para construirmos juntos o Brasil dos nossos so-
nhos.
Muito Obrigado! (Palmas prolongadas.)”. Grifado pelo compilador.
O Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney Costa (MA),
falando em seguida faz as devidas considerações sobre o momento político:
“(...) Ao Deputado João Paulo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados, cuja
trajetória política honra esta Casa, quero dizer o quanto estou feliz de trabalharmos
juntos, sintonizados e irmanados pelo desejo comum de prestar um grande serviço ao
Legislativo e ao Brasil.
Ao Sr. Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, expresso, em nome
do Congresso Nacional, a nossa homenagem por ter vindo trazer pessoalmente a
Mensagem sobre o estado geral da Nação, sendo portador de um patriótico convite de
união de vontades e esforços na tarefa de engrandecer o debate democrático, colocan-
do-o em patamar que possa absorver todas as nossas energias, formatando as neces-
sárias reformas, principalmente as dos setores prividenciário, tributário, judiciário e
político.
A eleição de V. Exa, Sr. Presidente, representa sem dúvida um momento histórico
na vida do Brasil. Ela não é somente uma mudança de pessoas, mas o fim de um ciclo
republicano.
A República nasceu, como tantas vezes se tem dito, sem jacobinos e sem povo.
Liberal nas concepções e nas leis, tornou-se uma peça de ficção entre o país legal e o
país real.
Com a Revolução de 1930, ampliou-se o pacto republicano para incorporar,
numa ampla reforma, grandes mudanças nas estruturas políticas do País, tais como a
conquista do voto feminino, a moralidade do processo eleitoral, a participação de seg-
mentos afastados das decisões nacionais, principalmente, trabalhadores e amplos seto-
res do capitalismo representado no setor industrial e financeiro. Mas em breve malo-
gravam-se esses objetivos no fascismo do Estado Novo e no corporativismo de um
trabalhismo tutelado pelo Estado.
A questão social, num e noutro momento, não foi equacionada e permaneceu
responsável ao longo do tempo por grandes e insuperáveis injustiças.

Sem título-4 656 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 657

Com a Constituição de 1946, mais uma vez amplia-se esse pacto republicano
com a participação de setores ideológicos, principalmente os segmentos de esquerda
incorporados ao pacto político depois da 2ª Guerra Mundial.
Vivemos algumas décadas submetidos a crises institucionais profundas,
marcadamente influenciadas pela Guerra Fria, que trouxe para o nosso País a con-
frontação ideológica e hiatos de autoritarismo.
Com a redemocratização, estabelecemos um novo pacto com a Constituição de
1988, cheia de defeitos, mas que na área dos direitos sociais foi responsável por notável
avanço.
Com a vitória de V. Exa, Sr. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, amplia-se o
pacto republicano de inclusão do povo, dos trabalhadores da cidade e do campo. Enfim,
o Brasil tem um Presidente representativo das camadas e reivindicações de setores até
agora não incorporados ao processo de decisão nacional. É essa a grande mudança!
(Palmas.)
(...) A mensagem de V. Exa. tem o peso de sua vida e o idealismo de suas respon-
sabilidades. É recebido pelo Congresso, sem dúvida, como um grande documento para
reflexão e exame.
Sob a invocação de Deus e o idealismo das grandes causas, posso, em nome de
todos, das Sras. e Srs. Deputados, das Sras. e Srs. Senadores, assegurar á Nação
brasileira que o Congresso não falhará ao País. (Palmas prolongadas.)”. Grifado pelo
compilador. A sessão é encerrada às 17 horas.
Vale o registro histórico de que antes do Presidente da República Luiz
Inácio Lula da Silva (PE) vir ao Congresso Nacional para abertura desta
legislatura, Getúlio Dornelles Vargas (RS) havia comparecido a uma sessão
solene, não como presidente eleito, mas como Chefe do Governo Provisório,
na abertura dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, no dia 15 de
novembro de 1933, quando fez a entrega e a leitura de sua mensagem, pres-
tou contas de seus atos após a deposição do Presidente da República e a
implantação de um novo regime de governo. Também, o Presidente da Re-
pública José Sarney Costa (MA), no dia 15 de fevereiro de 1990, compareceu
pessoalmente à “Sessão Solene destinada à instalação dos trabalhos da 4ª Sessão
Legislativa Ordinária da Quadragésima Oitava Legislatura”, ocasião em que leu a
última mensagem do seu mandato e com esse gesto prestou homenagem aos
parlamentares e constituintes que participaram dos grandes debates na ela-
boração da nova Carta Constitucional.
Durante o Império, no dia 3 de maio, entre meio dia e 13 horas, na
abertura anual dos trabalhos legislativos, na denominada “Sessão Imperial da
Abertura da Assembléia Geral Legislativa”, o monarca, na denominada “Fala do
Trono” (existia um trono reservado para ele), logo que tomava assento e man-
dava que se assentassem também os Srs. Deputados e Senadores, lia pessoal-
mente a sua mensagem perante os Representantes da Nação (Câmara e Se-
nado) expondo a situação do País, os planos de governo e as sugestões aos
parlamentares de proposituras que poderiam ser adotadas durante a sessão
legislativa. Ao final do ano legislativo, o Imperador comparecia novamente

Sem título-4 657 7/5/2004, 10:22


658 Casimiro Neto

na denominada “Sessão Imperial do Encerramento da Assembléia Geral Legislati-


va”. Quanto a isso, de acordo com o Deputado Constituinte Martim Francis-
co Ribeiro de Andrada (RJ) na sessão do dia 12 de junho de 1823 “(...) entre os
actos publicos do governo representativo, nenhum ha mais solemne do que aquelle em
que o monarcha, como chefe da nação, abre a Assembléa, e aquelle em que termina os
seus trabalhos”.
Merece registro também de que uma das mais extensas mensagens en-
viadas até hoje ao Congresso Nacional, 150 páginas do Diário do Congresso
Nacional, foi a expedida pelo Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira
(MG), e lida no dia 15 de março de 1956, às 15 horas, estando o Congresso
Nacional sob a presidência do Senador João Belchior Marques Goulart (PTB-
RS). Neste texto, além de outros, o programa de governo previa diversas
metas para a execução do plano de desenvolvimento, a política de industria-
lização, a necessidade de reformas urgentes na Previdência Social e na admi-
nistração, e as providências relativas à interiorização da nova capital da Re-
pública.
18 de fevereiro de 2003. 14 horas. Plenário. Primeira Sessão Ordinária
da Primeira Sessão Legislativa da 52ª Legislatura. O Deputado João Paulo
Cunha (PT-SP), Presidente da Câmara dos Deputados, durante o seu pro-
nunciamento conclama os Parlamentares: “(...) Chegou a hora de mudar, é o
momento de responder aos anseios da sociedade. As urnas de 2002 fizeram emergir um
novo País.
Ontem, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, homem de aguda sensibilidade
social, curtida na própria experiência de uma trajetória de vida até certo ponto tão
semelhante a de milhões de brasileiros, veio aqui e desta tribuna anunciou quais serão
os rumos e os objetivos do seu mandato.
Sras. Deputadas e Srs. Deputados, a sociedade exige mudanças e a Câmara dos
Deputados não pode se abster de fazê-las. Não iremos esperar. Esta Casa é fiel deposi-
tária da enorme diversidade de sonhos que habitam nosso território, da verdadeira
colcha de retalhos ideológicos que formam nosso caráter nacional. Cabe-nos, em para-
lelo aos demais Poderes da República, fomentar o debate sobre as reformas fundamen-
tais que se fazem necessárias para transformar o País socialmente injusto e moralmente
deprimido dessas últimas e longas décadas na grande Nação em que todos os brasileiros
sonham habitar.
Convergência é a palavra de ordem. A intenção nobre, visionária e irreparável
de banir a fome e a injustiça social dos quatro cantos deste País, das ruas das grandes
metrópoles e das vergonhosas senzalas, onde ainda estão escondidos resquícios de tra-
balho escravo, não pode ser projeto de Governo de apenas um dos Poderes da Repúbli-
ca. Esta missão também é nossa. Essa deve ser a agenda de todos os brasileiros, inde-
pendentemente de gênero, cor, ideologia e condição social. Mudar a face desfigurada
pela abissal diferença de renda do nosso povo, companheiras e companheiros, é o desa-
fio dos três Poderes que na praça lá fora se encontram em harmonia na visão imaginá-
ria, mas perfeita do arquiteto e do urbanista que traçou Brasília.

Sem título-4 658 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 659

A Câmara dos Deputados não ficará inerte. Quem sabe faz a hora, e a hora é
essa. Nós, Parlamentares, conhecemos as necessidades do Brasil. Juntos, unidos no
ideal de reconstruir a Nação, podemos dar início a amplo debate sobre as reformas que
se fazem necessárias. Acabou o tempo de se falar muito e de se fazer pouco. Não pode-
mos deixar que os saudosos períodos recentes de nossa história, em que a Nação parecia
ser levada por projetos nascidos da vaidade de seus mandatários. Não, o trabalho
consciente e precoce de análise das propostas de reforma ora em pauta constituem,
acima de tudo, uma demonstração altiva do próprio exercício de independência do
Poder Legislativo.
Afinal, o Congresso Nacional é o legítimo desaguadouro de todas as reformas,
porque é aqui onde a sociedade se sente representada. O nosso mister é propor, debater,
consensuar quando possível e votar sempre para decidir quais serão os contornos da
nossa República.
(...) Sras. e Srs. Deputados, antes de encerrar, quero chamá-los mais uma vez
para uma reflexão urgente e muito presente. Acabo de assinar abaixo-assinado a mim
apresentado pela Deputada Janete Capibaribe que condena a guerra que se desenha no
Oriente Médio. Nenhuma guerra é justa, nenhuma causa vale a vida de civis inocen-
tes, de crianças que morrem vítimas de bombardeios.
A Câmara dos Deputados tem tido posição ativa nessa questão. Aliás, quatro
companheiros nossos já estiveram no Iraque para constatar in loco a grave situação
vivida por aquele país.
Apoio os esforços das Nações Unidas para evitar a guerra e também a declaração
comum da Rússia, da França e da Alemanha que alerta para os riscos que corre o
sistema internacional de direitos caso ocorra ação unilateral contra o Iraque.
Conclamo todos os Parlamentares do mundo, especialmente da América Latina,
a se manifestarem a favor da paz.
Que sina da humanidade essa de chegar ao século XXI tendo de lidar com ques-
tões ancestrais, como a arrogância de homens que não se curvam à diplomacia e à
civilidade, que ainda crêem na tirania, no obscurantismo e no poder de fogo.
Esta Casa e a Nação têm de repudiar de todas as formas que se configurarem
possíveis o conflito que tisna o mundo e põe em transe as economias e as instituições
internacionais.
Sras. e Srs. Deputados, vamos iniciar mais uma Sessão Legislativa e escrever
mais uma página da História do Brasil. (Palmas.)
Simbolicamente, assino o Ato da Presidência que cria as quatro Comissões por
mim anunciadas. (Palmas.)”. Grifado pelo compilador.
São criadas comissões especiais para tratar da reforma previdenciária,
da reforma tributária, da reforma política, e da reforma trabalhista. A sessão
encerra-se às 20 horas e 38 minutos.
12 de junho de 2003. 11 horas e 23 minutos. Plenário do Congresso
Nacional. Sessão Conjunta Solene “destinada a dar início às comemorações dos
180 anos de criação do Poder Legislativo no Brasil”. Primeira Sessão Legislativa
Ordinária da 52ª Legislatura. O Presidente do Congresso Nacional, Senador

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660 Casimiro Neto

José Sarney Costa (MA), faz seu pronunciamento onde destaca que “(...) Uma
nação não se faz sem historiadores, sem políticos e sem poetas. Os historiadores para
falarem do passado, os políticos para tratarem do presente, e os poetas para sonharem
com o futuro.
Estamos hoje recordando um momento inaugural e importante da História do
Brasil, a instalação do Poder Legislativo. No dia 3 de maio de 1823, instalou-se,
depois das reuniões preparatórias de 17, 18 e 30 de abril, 1º e 2 de maio, a Assembléia
Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil. No dia 2, a deputação nomeada
para anunciar ‘o dia da instalação solene da mesma Assembléia dirigiu-se, em três
coches que Sua Majestade Imperial tinha mandado por à disposição’, ao Paço, e ali
Sua Majestade ‘declarou que com extremo prazer viria abrir no dia aprazado seus
augustos trabalhos’.
Pediu Dom Pedro aos parlamentares que fizessem ‘uma Constituição sábia, justa,
adequada e executável, ditada pela razão, e não pelo capricho, que tenha em vista tão-
somente a felicidade geral...’ – e sempre seguindo o texto preparado por José Bonifácio
–, ‘uma Constituição que pondo barreiras inacessíveis ao despotismo, quer real, quer
aristocrático, quer democrático, afugente a anarquia e plante a árvore daquela liber-
dade a cuja sombra deve crescer a união, tranqüilidade e independência deste Império,
que será o assombro do mundo novo e velho’.
Com essas idéias e sonhos, instalava-se a nossa Assembléia Constituinte.
Da aliança entre o ministro e o jovem príncipe, o Brasil surgira independente.
Penso que não erro se afirmar que as origens deste nosso Parlamento antecedem mesmo
a Independência do Brasil; o ideal parlamentar já estava na cabeça de todos aqueles
que a promoveram. A independência do País foi proclamada aos Povos do Brasil no
Manifesto de 10 de agosto de 1822: ‘Acordemos, pois, generosos habitantes deste vasto
e poderoso Império, está dado o grande passo da vossa Independência...Já sois um
Povo Soberano...’. Foi proclamada também aos Governos e Nações amigas: ‘...a vonta-
de geral do Brasil, que proclama à face do Universo a sua Independência...’
(...) A abertura do Parlamento brasileiro fez-se com pompa e circunstância.
(...) Devemos ressaltar que, naquele momento, homens que começavam a cons-
truir o País começavam também a construir as instituições nacionais aqui, no Parla-
mento. Discutia-se liberdade individual; liberdade religiosa; liberdade de indústria;
liberdade de imprensa, num País em que não existia ainda imprensa nem prelos; juízo
por jurados; igualdade perante a lei, igualdade de acesso a cargos públicos;
inviolabilidade da propriedade; direito e dever da resistência à opressão e até mesmo a
restrição à conduta dos Parlamentares de não poder acumular cargos, quando o Parla-
mento ainda não existia e eles começavam a se reunir naquele momento.
Hoje, estamos comemorando 180 anos da instalação do Poder Legislativo e, na
consciência de todo o povo brasileiro, deve estar o fato de que a História do Brasil
passou por aqui. Aqui construímos as instituições nacionais. Este País foi uma obra da
constituição do Parlamento. Aqueles que fizeram a independência foram os homens que
instalaram o Poder Legislativo no Brasil, foram os homens que discutiram as idéias
fundamentais que, dia a dia, ao longo do tempo, foram aprimoradas. Na longa e
sofrida História brasileira, esses homens fizeram deste País um país de idéias liberais,

Sem título-4 660 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 661

um país de amor à liberdade, um país da convivência, um país de decisões consensuais,


como eles inauguraram naquele tempo.
É com essa emoção que, neste momento, estamos relembrando os 180 anos do
Poder Legislativo. E, com muito orgulho, todos nós, que participamos do Poder Legis-
lativo, podemos dizer que somos herdeiros e continuadores dessa obra. Isso, ao invés de
dar a cada um de nós vaidade, dá-nos responsabilidade de construir este País com
dever moral, ético e político, com o dever de, cada vez mais, ser fiel à destinação do
Brasil e do povo brasileiro. (Palmas.)”. Grifado pelo compilador.
O Deputado Francisco Rodrigues de Alencar Filho – Chico Alencar
(PT-RJ) –, destaca que “(...) a história do Parlamento brasileiro é uma história de
luta, de sístole e diástole, de abertura e fechamento, de conflito e acocoramento. Por
isso, devemos nos orgulhar do fato acontecido em novembro desse mesmo distante 1823,
que foi o fechamento da Assembléia Geral Constituinte. Não nos orgulhamos do fecha-
mento da Assembléia, mas isso só aconteceu porque ali se gestavam idéias que iam
contra o absolutismo de fato, o qual ainda poderia viger neste País tão novo. Onde há
opressão, há resistência. A resistência que alguns tribunos, que alguns constitucionalis-
tas exemplares daquele tempo, evidentemente condicionados pelas idéias dominantes
da sua época, opunham a toda forma de autoritarismo e de recolonização levou a esse
desfecho absolutamente trágico, mas que foi símbolo de um processo que não pararia aí.
De lá para cá, o que temos visto na história do Parlamento é exatamente isto:
quando se democratiza, quando se alarga, o Parlamento expressa o próprio processo de
democratização da sociedade. E forças conservadoras, setores das classes dominantes,
que têm no autoritarismo um elemento da sua própria cultura, da sua própria ontologia,
tentam limitar o Parlamento. E há várias formas de se limitar o Parlamento. Nem
sempre é o canhão, nem sempre é o cerco, nem sempre é o fechamento total. Às vezes,
como no malfadado período de 1964 a 1984, havia a cassação, a restrição, a tentativa
de silenciamento dos Parlamentares. Esta é uma forma também muito comum: o
emasculamento, a castração do Legislativo. Às vezes, um ou outro Parlamentar acabou
cedendo a esse imperativo do arbítrio, despojando seu mandato da grandeza democrá-
tica de representação que ele tem.
(...) Esse é o nosso desafio. Comemorar é lembrar, juntos, mas é também traçar
perspectivas de futuro. Esse é o sentido do nosso trabalho, e isso nos irmana. Creio que
é uma tarefa histórica também fazer com que o Parlamento brasileiro jamais volte a ser
fechado, como aconteceu em 1823, e jamais volte a ficar apequenado, como ainda tem
acontecido, de forma sutil, para resgatarmos o nosso papel de construtores de um Brasil
fraterno, igualitário e justo para os nossos filhos. Muito obrigado, Sr. Presidente.
(Palmas.)”. Grifado pelo compilador.
Em pronunciamento recente sobre o proceso político brasileiro nestes
180 anos, afirmou o Deputado Bonifácio José Tamm de Andrada (PSDB-
MG) o seguinte: “A construção da Democracia no Brasil, como em vários países, vem
sendo resultado do pensamento político que vai se concretizar nos esforços de homens
públicos, engajados com as idéias liberais e sociais, mas também acrescidos das lutas
populares em que muitas vezes o sangue é derramado em prol dos ideais de liberdade.
No Brasil, conquistou-se a Independência sob a bandeira das idéias liberais mas com

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662 Casimiro Neto

sangue, no solo baiano, por brasileiros heróicos. Também a Revolução Pernambucana


de 1824, o Movimento Revolucionário Mineiro/Paulista de 1842, a Guerra dos Far-
rapos iniciada em 1835, e outras lutas no Rio Grande do Sul, a Revolução brasileira
de 1930, e a Constitucionalista de São Paulo, em 1932, são um conjunto de apelos às
armas em que as elites políticas e as camadas populares se unem em busca do triunfo
democrático.
Estas manifestações e outras, antes da Independência Nacional, como a Incon-
fidência Mineira e a Revolução Pernambucana de 1817, produzirão de um modo
geral, efeitos jurídicos constitucionais, que resultam no Parlamentarismo do Império,
na edificação republicana em 1891 e na reformulação constitucional depois de 1930,
o que se estende às Assembléias Legislativas, e às Câmaras Municipais, parceiras destes
eventos históricos, nas formulações das Constituições de 1891, 1934, 1946, 1967 e
1988.
Tais acontecimentos e alguns outros, nestes últimos 50 anos, edificam e recons-
troem, apesar de intervalos autoritários, a estruturação democrática do Estado brasi-
leiro, resultado fecundo destes anos de lutas democráticas.
O Parlamento brasileiro é assim, a peça central da nossa História e a oficina
eficiente da construção da nossa Democracia”. Grifado pelo compilador.
Os sonhos, as esperanças e as expectativas para um Brasil melhor, para
um mundo melhor, estão colocados. Os Anais parlamentares registram e a
história está sendo escrita para os nossos filhos e netos, para as gerações
futuras. Que Deus em sua infinita bondade, ilumine a todos nós e nos mostre,
sempre, o melhor caminho. Que os alicerces da democracia firmemente
construídos com o suor e sangue de nossos antepassados, reconstruídos nas
últimas décadas, sejam constantemente reforçados pelas mãos hábeis dos ci-
dadãos democratas e pelos ideais perenes da liberdade e da solidariedade.
Que a Bíblia e a Carta Constitucional, em destaque nas mesas do plená-
rio das duas Casas do Congresso Nacional, sejam folheadas diariamente pe-
los bons ventos da democracia.

Sem título-4 662 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 663

Quadro/Ilustração nº 30
O Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e o Vice-Presidente
José Alencar Gomes da Silva. Deslocamento para cerimônia de posse e prestação do
compromisso constitucional no Congresso Nacional no dia 1º de janeiro de 2003.

Sem título-4 663 7/5/2004, 10:22


664 Casimiro Neto

Quadro/Ilustração nº 31
A diversidade partidária

Sem título-4 664 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 665

GALERIA DOS PRESIDENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – REPÚBLICA

Pela ordem – da esquerda para a direita: João da Mata Machado (1891), Bernardino José
de Campos Júnior (1892), João Lopes Ferreira Filho (1893) e Francisco de Assis Rosa
e Silva (1894-1895).

Sem título-4 665 7/5/2004, 10:22


666 Casimiro Neto

GALERIA DOS PRESIDENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – REPÚBLICA

Pela ordem – da esquerda para a direita: Artur César Rios (1896-1897-1898), Carlos Vaz
de Melo (1899-1900-1901-1902), Francisco de Paula Oliveira Guimarães (1903-1904-
1905-1906) e Carlos Peixoto de Melo Filho (1907-1908-1909).

Sem título-4 666 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 667

GALERIA DOS PRESIDENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – REPÚBLICA

Pela ordem – da esquerda para a direita: Sabino Alves Barroso Júnior (1909-1910-1911-
1912-1913-1914-1917-1918-1919), Astolfo Dutra Nicácio (1915-1916-1917-1919-
1920), Júlio Bueno Brandão (1920) e Arnolfo Rodrigues de Azevedo (1921-1922-
1923-1924-1925-1926).

Sem título-4 667 7/5/2004, 10:22


668 Casimiro Neto

GALERIA DOS PRESIDENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – REPÚBLICA

Pela ordem – da esquerda para a direita: Sebastião do Rego Barros (1927-1928-1929-


1930), Antonio Carlos Ribeiro de Andrada (1934-1935-1936), Pedro Aleixo (1937) e
Honório Fernandes Monteiro (1946).

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A Construção da Democracia 669

GALERIA DOS PRESIDENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – REPÚBLICA

Pela ordem – da esquerda para a direita: Samuel Vital Duarte (1947-1948), Carlos Cirilo
Júnior (1949-1950), Nereu de Oliveira Ramos (1951-1952-1953-1954) e Carlos
Coimbra da Luz (1955).

Sem título-4 669 7/5/2004, 10:22


670 Casimiro Neto

GALERIA DOS PRESIDENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – REPÚBLICA

Pela ordem – da esquerda para a direita: José Antônio Flores da Cunha (1955),Ulysses
Silveira Guimarães (1956-1957-1985-1986-1987-1988), Paschoal Ranieri Mazzilli
(1958-1959-1960-1961-1962-1963-1964) e Olavo Bilac Pereira Pinto (1965).

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A Construção da Democracia 671

GALERIA DOS PRESIDENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – REPÚBLICA

Pela ordem – da esquerda para a direita: Adauto Lúcio Cardoso (1966), João Batista Ra-
mos (1967), José Bonifácio Lafayette de Andrada (1968-1969) e Geraldo Freire da
Silva (1970).

Sem título-4 671 7/5/2004, 10:22


672 Casimiro Neto

GALERIA DOS PRESIDENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – REPÚBLICA

Pela ordem – da esquerda para a direita: Ernesto Pereira Lopes (1971-1972), Flávio Portela
Marcílio (1973-1974-1979-1980-1983-1984), Célio de Oliveira Borja (1975-1976) e
Marco Antônio de Oliveira Maciel (1977-1978).

Sem título-4 672 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 673

GALERIA DOS PRESIDENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – REPÚBLICA

Pela ordem – da esquerda para a direita: Nelson Marchezan (1981-1982), Antônio Paes
de Andrade (1989-1990), Ibsen Valls Pinheiro (1991-1992) e Inocêncio Gomes de
Oliveira (1993-1994).

Sem título-4 673 7/5/2004, 10:22


674 Casimiro Neto

GALERIA DOS PRESIDENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – REPÚBLICA

Pela ordem – da esquerda para a direita: Luís Eduardo Maron de Magalhães (1995-1996),
Michel Miguel Elias Temer Lulia (1997-1998-1999-2000), Aécio Neves da Cunha (2001-
2002) e Efraim de Araújo Morais (2002).

Sem título-4 674 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 675

GALERIA DOS PRESIDENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – REPÚBLICA

João Paulo Cunha (2003-....).

Sem título-4 675 7/5/2004, 10:22


676 Casimiro Neto

Quadro nº 32
Capa do Diário da Câmara dos Deputados do dia 17 de abril de 2003 (180 anos
da Primeira Sessão Preparatória da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa
do Império do Brasil, realizada no dia 17 de abril de 1823)

Sem título-4 676 7/5/2004, 10:22


A Construção da Democracia 677

Síntese Histórica dos Diários


da Câmara dos Deputados

(PUBLICAÇÃO DOS PRONUNCIAMENTOS, DEBATES, DISCUSSÕES,


ATOS LEGISLATIVOS E ADMINISTRATIVOS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS)

“No systema representativo a publicidade de todos os actos dos pode-


res supremos não é simplesmente um preceito saudavel, deve ser antes um
dogma invariavel do regimen, porque é nessa publicicade que os mesmos
poderes vão buscar as forças vivazes de sua consolidação e os elementos
indispensáveis para guiarem a opinião na estrada das grandes reformas.”
Deputado ANTÔNIO PEREIRA PINTO (ES)
Mandato parlamentar – 1857/1864.

DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

DIÁRIO

Verbete: diário. Do latim diariu. Adj. 1. Que se faz ou sucede todos os


dias; cotidiano, dial, diurnal.
S.m. 2. Relação do que se faz ou sucede em cada dia. 3. Obra em que se
registram, diária ou quase diariamente, acontecimentos, impressões, confis-
sões. 4. Jornal que se publica todos os dias.
(AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA. Novo Aurélio, Século XXI. O
Dicionário da Língua Portuguesa).

13 de maio de 1808. É expedido decreto com a rubrica do Príncipe


Regente D. João que cria a “Impressão Regia”. Tem como objetivo a publicação
de todos os atos normativos e administrativos da Corte portuguesa instalada
em terras brasileiras.
10 de setembro de 1808. Começa a circular o primeiro jornal editado
no Brasil, a “Gazeta do Rio de Janeiro”, sendo publicada até 31 de dezembro de
1822. De caráter oficioso, limitando-se à publicação de atos oficiais e à trans-
crição de notícias estrangeiras. Não encontram eco em suas páginas as
efervescências democráticas e os agravos da sociedade, visto que estavam sob

Sem título-5 677 7/5/2004, 10:23


678 Casimiro Neto

a censura imediata das autoridades govenamentais. Nesse dia é comemora-


do, no Brasil, o “Dia da Imprensa”.
Deixando de aparecer em 1823, a “Gazeta do Rio de Janeiro” cedia o seu
lugar ao “Diario do Governo”. Afirmando o caráter oficioso do periódico,
uma portaria de 2 de janeiro de 1823, referendada por José Bonifácio de
Andrada e Silva (SP), ordenava a expedição de circulares às repartições pú-
blicas, para que remetessem regularmente à redação daquela folha “todo o
expediente” que tivesse cabimento no Diário. Pouco antes se havia afirmado a
utilidade, para o público, de passar a Gazeta “a um bem organizado Diário do
Governo”. Na concessão de favores definiam-se, porém, obrigações. Ficava a
redação do “Diario do Governo” debaixo da imediata inspeção do ministro e
secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, que nomearia pessoa hábil
para rever as matérias que os redatores, oportunamente, lhe submetessem,
a fim de serem examinadas e aprovadas, “como convém ao crédito de uma folha
desta natureza”.
7 de setembro de 1821. Paço do Rio de Janeiro. É expedida a Decisão
do Governo nº 57 pelo Ministro e Secretário de Estado da Fazenda D. Diogo
de Menezes, Conde da Louzã, “determinando que a Régia Officina Typographica
se denomine Typographia Nacional”.

2 de janeiro de 1823. É expedida a Decisão do Governo nº 1 pelo Mi-


nistro e Secretário de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros José
Bonifácio de Andrada e Silva (SP), que “manda publicar no Diario do Governo,
todo o expediente das diversas repartições”.
A “Assembléa Geral, Constituinte e Legislativa, do Império do Brazil” têm o
“Diario da Assembléa” (em formato de folha) impresso, à época, pela “Typographia
Nacional”, por ordem do Imperador D. Pedro I.
O apanhamento dos pronunciamentos, dos debates, das discussões e
dos atos legislativos e administrativos da sessão são realizados por taquígrafos
contratados, desde o primeiro momento de abertura da “Assembléa Geral, Cons-
tituinte e Legislativa, do Império do Brazil”. São os alunos do Professor Isidoro da
Costa e Oliveira Junior, Oficial da Secretaria de Estado dos Negócios Estran-
geiros.
7 de maio de 1823. Plenário. O Deputado José Ricardo da Costa Aguiar
de Andrada (SP) faz o seguinte pronunciamento: “Peço licença para lembrar a
V. Ex. a nomeação das commissões, porque sem ellas não pódem os negocios progredir
em ordem; e apontarei como muito necessaria a de policia para o governo interno da
assemblea, a da redacção do Diario, porque os tachygraphos escrevem, e o publico nada
sabe das sessões, e a da fazenda porque até já temos um officio, creio que da Junta da
Fazenda das Alagôas, sobre o qual a dita commissão deve dar o seu parecer”. Grifado
pelo compilador.
Na mesma sessão, do dia 7 de maio, são nomeados os Deputados Cân-
dido José de Araújo Vianna (MG), depois Marquês de Sapucaí, Antônio Gon-

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A Construção da Democracia 679

çalves Gomide (MG), e João Antônio Rodrigues de Carvalho (CE), para a


“Commissão de Redacção do Diario”.
Ainda, em 7 de maio de 1823, a Mesa envia ofício ao Ministro e Secretá-
rio de Estado dos Negócios da Fazenda Martim Francisco Ribeiro de Andrada
(SP), com o seguinte teor: “Ilm. E Exm. Sr. – A assembléa geral constituinte e
legislativa do império do Brazil, tomando em consideração a necessidade da mais prompta
expedição em se imprimirem os escriptos, que manda remetter a typographia nacional,
ordena que a junta da directoria da mesma typographia tome as medidas necessarias
para que se consiga na impressão dos ditos papeis a maior brevidade possivel, e se evite
desde já o desleixo com que se tem trabalhado no projeto do regimento provisorio, tão
necessario para o desempenho regular das augustas funcções da mesma assembléa. O
que V. Ex. levará ao conhecimento de Sua Magestade Imperial. Deus guarde a V. Ex.
Paço da assembléa, em 7 de maio de 1823. – José Joaquim Carneiro de Campos”.
Grifado pelo compilador.
No dia 9 é lido, em Plenário, ofício do Ministro e Secretário de Estado
dos Negócios da Fazenda Martim Francisco Ribeiro de Andrada (SP), com o
seguinte teor: “Ilm. e Exm. Sr. – Sua Magestade o Imperador pelo officio de V. Ex. de
7 do corrente mez que lhe foi presente, fica inteirado de que a assemblea geral consti-
tuinte e legislativa do imperio do Brazil acaba de ordenar á junta directora da
typographia nacional a prompta impressão do projeto de regimento provisorio, e mais
escriptos necessarios ao regular desempenho das suas funções. O que V. Ex. levará ao
conhecimento da mesma assembléa. Deus guarde a V. Ex. Paço, em 8 de Maio de 1823.
– Martim Francisco Ribeiro de Andrada”. Grifado pelo compilador.

16 de maio de 1823. Plenário. O Deputado Cândido José de Araújo


Vianna (MG), depois Marquês de Sapucaí, como relator da “Commissão de
Redação do Diário”, apresenta a Indicação de nº 1, com o seguinte teor: “A
Commissão da redacção do Diario, não tem podido apresentar ao publico os trabalhos
da assembléa por falta de um redactor, e como deseja que a nação quanto antes se
instrúa dos negocios da mesma: propõe que o official-maior da secretaria, Theodoro
José Biancardi, seja interinamente encarregado da redacção, pois se offerece para esse
fim, sem que, por ora, se entre na designação do ordenado, que deva merecer pelo seu
trabalho.
Paço da assembléa, 14 de Maio de 1823. – Candido José de Araujo Vianna. –
Antonio Gonçalves Gomide”. Grifado pelo compilador.
É recebido com agrado o oferecimento do Oficial-Maior, interino, da
Secretaria da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa, Theodoro José
Biancardi, para redigir, interinamente, o diário da mesma assembléia.
O Deputado Cândido José de Araújo Vianna (MG), depois Marquês de
Sapucaí, apresenta, também, a seguir, a Indicação de nº 2, oferecendo o “Pro-
jeto de Regulamento Para a Redacção do Diario da Assembléa”. Solicita urgência
em sua tramitação com a seguinte justificação: “A commissão da redacção do
Diario, desejando ligar a prompta publicação delle com a fiel exposição dos negocios da
assembléa para que a nação convenientemente se instrúa dos trabalhos dos seus repre-

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680 Casimiro Neto

sentantes e julgue do fervor com que estes sustentão os interesses publicos na árdua e
difficil tarefa da organisação de lei fundamental, e das mais leis e reformas urgentes
que a seus desvelos se achão confiadas: propõe o seguinte plano de regulamento provisorio
para o estabelecimento da redacção:
CAPÍTULO I
DO ESTABELECIMENTO E SEUS EMPREGADOS
Art. 1º Haverá um redactor com um ordenado annual de 1:000$000;
Tres tachygraphos maiores com o ordenado de 600$000.
Seis ditos menores com o ordenado entre 100$ e 300$000, conforme os seus
merecimentos.
Dous escripturarios com o ordenado de 200$000.
Um servente com 300 rs. por dia.
Um administrador encarregado da venda do Diario, com o ordenado de 400$000.
Art. 2º Estes empregados serão providos pela assembléa á proposta da commissão,
precedendo exame de capacidade e costumes dos pretendentes. A cada um dos emprega-
dos se dará titulo da sua nomeação ficando-lhe prohibido occupar-se em qualquer outro
periodico, ou dar a alguem apontamentos para elle.
Art.3º A commissão terá inspecção sobre todos os empregados, os quaes lhe ficão
responsaveis pelos abusos ou faltas no exercicio de seus cargos.
CAPÍTULO II
DO REDACTOR
Art. 4º O redactor receberá dos tachigraphos o manuscripto das notas decifra-
das, e da secretaria as cópias das actas e os mais papeis que devão entrar no Diario por
inteiro ou por extracto. Incumbe-lhe fazer estes extractos com fidelidade e concisão.
Art. 5º É mais attribuição do redactor corrigir os manuscriptos apurados das
notas dos tachygraphos. Esta correcção estende-se:
1º riscar repetições viciosas de palavras ou de proposições;
2º Polir a linguagem;
3º Substituir termos proprios, que na rapidez da falla não acudirão ao pensa-
mento, a outros de menor propriedade;
4º Supprir lacunas e atar o fio do discurso;
5º A’s concordancias grammaticaes; e
6º A’ orthographia pelo systema etymologico, porém jámais se extenderá a subs-
tituir ás fallas recolhidas pelos tachygraphos outras mais longas e diversas dellas, salvo
se tendo sido primeiro trabalhadas de espaço, fossem de memoria expostas á assembléa.
Em caso de total obscuridade ou duvidosa intelligencia consultará os autores das fallas.
Art. 6º Corrigido o Diario manuscripto, e assignado pelo redactor, ficará por 24
horas sobre a mesa no gabinete da redacção para os Srs. deputados irem (querendo)
retocar as suas fallas, ou verem os toques que lhes fez o redactor.
Art. 7º O Diario será depois remettido para a impressão, e as provas voltarão ao
redactor para as rever e emendar.
Art.8º Impresso o Diario, o redactor fará a tabella dos erros ou faltas que esca-
passem á sua attenção, para sahir no seguinte numero.

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A Construção da Democracia 681

CAPÍTULO III
DOS TACHYGRAPHOS E ESCRIPTURARIOS
Art. 9º Os tachygraphos serão distribuidos pela commissão em tres turnos para
se alternarem nos dias de sessão; a cada um se designará assento na sala.
Art. 10. Comprehenderão nas suas notas tudo o que os senhores deputados dis-
serem, e elles puderem abranger, apontando os lugares em que aquelles lerem papeis.
Art. 11. Decifrarão depois as suas notas sem demora, juntando-se para esse fim
todos os que trabalhárão na sessão, dirigindo a operação o mais qualificado; ahi será
escripta a versão por um delles, ou por um escripturario, o que feito passará o manuscripto
ao redactor.
Art. 12. Os escripturarios serão applicados pela commissão já em passar a limpo
as notas dos tachygraphos, já em copiar os trabalhos do redactor, ou em outro qualquer
escripto que convenha ao Diario e sua redacção.
CAPÍTULO IV
DA COMMISSÃO DO DIARIO
Art. 13. A commissão fará as propostas para os empregos do estabelecimento do
Diario, conforme o art. 2º.
Art. 14. Regulará as condições das assignaturas do Diario, procurando sempre
facilitar ao publico a sua leitura.
Art. 15. Examinará as contas dadas mensalmente pela impressão, e pelo admi-
nistrador, e a folha dos ordenados das pessoas do estabelecimento, para tudo ser pago
com a sua approvação.
Art. 16. Proporá as reformas necessarias no systema do estabelecimento e no da
impressão, quando convenha mudar de officina ou methodo.
Paço da assembléa, 12 de Maio de 1823. – Candido José de Araujo Vianna. –
Antonio Gonçalves Gomide. – João Antonio Rodrigues de Carvalho”. Grifado pelo com-
pilador.
O “Projeto de Regulamento Para a Redacção do Diario da Assembléa” é dis-
cutido nos dias 22 e 23 de maio de 1823. É aprovado, com alterações, na
sessão posterior, ou seja, no dia 24 de maio, prevendo, entre outros atos, a
venda do diário através de assinatura, a sua distribuição às províncias e aos
deputados constituintes, a contratação de um redator, dois taquígrafos maio-
res, seis taquígrafos menores, um escriturário e um servente do diário, e de-
finindo, também, as respectivas atribuições desses contratados.
Quando se discute o “Regulamento Para a Redacção do Diario da Assembléa”,
em 22 de maio de 1823, suscita-se a questão do número e do ordenado dos
taquígrafos encarregados dos debates. O Deputado José Bonifácio de Andrada
e Silva (SP), aproveitando a oportunidade, faz os esclarecimentos sobre as
medidas tomadas por ele, para que a Assembléia, desde a sua inauguração,
pudesse contar com esses profissionais, e diz: “Eu quero sómente fazer uma expli-
cação para illustrar a materia. Logo que se convocou esta assembléa vio Sua Magestade
a necessidade de haver tachygraphos; eu fui encarregado de dar as precisas providen-
cias. Um official da secretaria de estado dos negocios estrangeiros se incumbio de abrir

Sem título-5 681 7/5/2004, 10:23


682 Casimiro Neto

uma aula de tachygraphia; e alumnos matriculados trabalharão nessa aula. Para que
fossem mais assiduos Sua Magestade lhes mandou dar uma diaria de duas patacas,
obrigando-se elles a aprender esta arte de que devião fazer uso em serviço da assembléa.
Eis aqui o que tenho que dizer para que sirva de regulamento na deliberação”. Grifado
pelo compilador.

31 de maio de 1823. Plenário. O Deputado Cândido José de Araújo


Vianna (MG), depois Marquês de Sapucaí, como relator da comissão da reda-
ção do Diário, lê o Parecer de nº 2 que diz: “A commissão da redacção do Diario,
querendo conduzir-se com acerto na qualificação do merecimento dos tachygraphos
para assignar-lhes os ordenados na fórma do regimento, julga indispensavel proceder
á um exame, ao qual sejão admittidos não só os tachygraphos que têm trabalhado nas
sessões, mas também todos os que de fóra quizerem concorrer. Para esse fim propõe: 1º O
exame terá lugar no dia domingo 8 de junho, as 11 horas da manhã, na sala das
sessões. 2º Os membros da commissão presidirão ao exame; ao qual assistirá tambem o
official da secretaria dos negocios estrangeiros, Isidoro da Costa e Oliveira Junior,
mestre dos tachygraphos. 3º Os pretendentes se apresentaráo á hora indicada; e antes
de tudo se formará uma relação dos seus nomes, filiações, naturalidades, e residencias,
notando-se os estudos que tiverem. Depois tomarão assento; então o mestre de
tachygraphia lerá em voz alta e intelligivel, um capitulo de qualquer classico portuguez,
á eleição da commissão, e os candidatos tomarão as notas tachygraphicas. 4º Alli mes-
mo decifrarão as notas respectivas sem se communicarem, e as passarão a limpo,
assignando cada um no fim o seu nome, e entregando-as depois á commissão; a qual
comparando-as com o original, e attendendo ás circumstancias fará a proposta como
lhe parecer justo. Paço da assembléa, 31 de maio de 1823. – Candido José de Araujo
Vianna. – Antonio Gonçalves Gomide. – João Antonio Rodrigues de Carvalho”. Grifa-
do pelo compilador. É considerado o primeiro concurso público do Parlamento.
Colocado em discussão e votação, o parecer é aprovado, marcando-se, po-
rém, o dia 05 de junho para se proceder ao exame, e resolvendo-se que, para
esse efeito, se levantaria a sessão às treze horas. No dia 5 de junho de 1823, o
Presidente da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa encerra a sessão
às treze horas, para assim ter lugar o exame supracitado. No dia 9 do mesmo
mês e ano, em Plenário, após a leitura do Parecer de nº 3, são arbitrados
vencimentos para os primeiros servidores contratados, através de concurso
público, pelo Parlamento, e a distribuição dos mesmos por turnos de traba-
lho. São eles: Possidônio Antônio Alves, João Caetano de Almeida e Silva,
Pedro Afonso de Carvalho, Manuel José Pereira da Silva, João Estevão da
Cruz, José Gonçalves da Silva, Vitorino Ribeiro de Oliveira e Silva e Justiniano
Maria dos Santos.
11 de junho de 1823. É expedida a Decisão do Governo nº 92 pelo
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda Martim Francisco
Ribeiro de Andrada (SP), que “manda que seja franco o porte dos diarios da Assembléa
Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brazil remetidos aos assinantes das
provincias”. Em 25 de maio de 1829 é expedida a Decisão de Governo nº 96

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A Construção da Democracia 683

pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império José Clemente


Pereira (RJ), declarando que “os diarios da Assembléa Geral continuam isentos do
porte do correio”. No dia 27 de junho de 1833 é expedido Decreto, com a
rubrica da Regência Trina Permanente, sobre “a numeração das leis, resoluções e
decretos”. Em 1º de janeiro de 1838 é expedido o Decreto nº 1, com a rubrica
do Regente Interino, Pedro de Araújo Lima (PE), Marquês de Olinda que
“estabelece a maneira pela qual os atos, tanto do Poder Legislativo Geral, como do
Executivo devem ser numerados, impressos e distribuidos”. No dia 6 de setembro de
1859 é expedido o Decreto nº 2.458, com a rubrica do Imperador D. Pedro
II, que “regulariza o serviço de distribuição dos exemplares impressos dos atos do Poder
Legislativo Geral, e do Governo Geral, conforme foi ordenado pelo Decreto nº 1 de 1º
de janeiro de 1838”.
Final de junho de 1823. Com o aumento dos trabalhos legislativos, os
taquígrafos, insuficientes para a demanda, ficam impossibilitados de aten-
der, prontamente, a todas as tarefas para a impressão do “Diario da Assembléa”,
ocasionando, inclusive, atraso na sua publicação. Sobre esse fato encontra-
mos uma nota do redator, no final da sessão do dia 30 de junho, do mesmo
ano, com o seguinte teor: “Tendo S. M. determinado que eu continúe com a publi-
cação deste Diario, para que os povos não fiquem privados das luzes que podem minis-
trar-lhes os trabalhos dos seus representantes, e vendo-me actualmente, pela ausencia
de muitos nobres deputados, sem o auxilio de recorrer aos autores dos discursos, auxilio
quasi sempre indispensavel para dar com a intelligencia das notas, mais ou menos,
enigmaticas dos tachigraphos, cumpre-me declarar que, apezar dos meus disvelos, não
posso afiançar constante exactidão; mas que serei prompto em publicar qualquer emen-
da, que os mesmos illustres autores queirão communicar-me, quando acharem que me
arredei do genuino sentido das suas expressões”. Grifado pelo compilador.
Devido ao constante atraso na publicação dos pronunciamentos, dos
debates, das discussões, dos atos legislativos e administrativos da Assem-
bléia Geral, Constituinte e Legislativa, a “Commissão de Redacção do Diario”,
propõe, através do Parecer nº 7, lido na sessão de 23 de agosto de 1823, a
formação de um novo turno de trabalho para os taquígrafos, com a
contratação de mais três servidores. A matéria é aprovada, mas o problema
não é solucionado. Como conseqüência é nomeado mais um redator na
sessão de 26 de setembro de 1823, para tentar colocar em dia as matérias a
serem publicadas.
24 de setembro de 1823. Plenário. O Deputado Cândido José de Araújo
Vianna (MG), depois Marquês de Sapucaí, Relator da “Commissão de Redacção
do Diario”, faz o seguinte pronunciamento: “Sr. Presidente, tudo conspira para o
atrasamento do Diario da Assembléa. Além dos embaraços inseparaveis da imperfeição
da tachigraphia; além da mingoa de letra na imprensa nacional, occorre uma
difficuldade nova e é a falta de officiaes que ajudem ao encarregado da composição do
mesmo Diário. Acha-se, há dias, na imprensa o manuscripto da sessão de 15 do corren-
te, a de 16 está prompta da parte do redactor; mas tarde se fará a publicação, se não

Sem título-5 683 7/5/2004, 10:23


684 Casimiro Neto

removermos este obstaculo. Para isso offereço a seguinte: Indicação – Proponho que se
diga ao governo haja de dar pela competente repartição as providencias convenientes
para que se facilite ao compositor da imprensa nacional, encarregado do Diário da
Assembléa, o numero de collaboradores que elle disser necessarios para a expedição do
seu trabalho, afim de haver regularidade na publicação do mesmo Diario”. Grifado pelo
compilador. Em seguida o Deputado Antônio Ferreira França (BA) pronuncia:
“Acho que se deveria fazer a mesma advertencia a respeito das actas; devem andar em
dia, e andão extraordinariamente atrasadas, o que traz consigo o grave inconveniente
de não poderem os Srs. Deputados estar ao facto do que se tem passado nas sessões
anteriores. É o motivo porque faço á indicação do Sr. Araujo Vianna o seguinte:
Additamento – E que se dêm as ordens necessárias á mesma impressão nacional para
que sem perda de tempo se fação imprimir as actas da Assembléa logo que pela secreta-
ria desta lhe fôr remettido o competente manuscripto”. Grifado pelo compilador. Após a
discussão da matéria, é aprovada a indicação e o aditamento.
No dia 25 de setembro de 1823, é enviado ofício ao Ministro e Secretá-
rio de Estado dos Negócios da Fazenda Manoel Jacinto Nogueira da Gama
(MG), depois primeiro Visconde, Conde e Marquês de Baependi, com o se-
guinte teor: “Ilm. E Exm. Sr.: – A assembléa geral constituinte e legislativa do Imperio
do Brazil, manda participar ao governo que é indispensavel que a junta directora da
typographia nacional passe as ordens necessarias tanto para ser auxiliado o compositor
encarregado do Diario da assembléa com os officiaes que forem precisos para a expedi-
ção do seu trabalho, e regularidade da publicação, como tambem para a prompta im-
pressão das actas da assembléa á medida que forem remettidas a mesma typographia. O
que V. Ex. levará ao conhecimento de S. M. Imperial. Deus guarde a V. Ex. Paço da
assembléa, em 25 de setembro de 1823. João Severianno Maciel da Costa”. Grifado
pelo compilador. No dia 7 de outubro é lido, em Plenário, ofício do Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, Manoel Jacinto Nogueira da
Gama (MG), depois primeiro Visconde, Conde e Marquês de Baependi, com
o seguinte teor: “Ilm. e Exm. Sr. – Em conformidade do officio que V. Ex. de ordem da
assembléa geral constituinte e legislativa deste imperio, me dirigio em data de 25 de
setembro ultimo, para o fazer presente a S. M. o Imperador: Mandou o mesmo augusto
Senhor, que se expedisse portaria á junta directoria da officina typographica para ser
auxiliado o compositor dos Diarios da mesma assembléa, tanto neste trabalho, como na
prompta impressão de suas actas á medida, que fossem remettidas á dita typographia, o
que effectivamente se cumprio em 30 do indicado mez: e respondendo aquella junta a
este negocio em officio do 1º do corrente: determinou S. M. o Imperador que eu passas-
se ás mãos de V. Ex. o dito officio para ser presente a mesma assembléa o zeloso modo,
porque a junta se propõe executar as ordens que recebera ao dito respeito. Deus guarde
a V. Ex. Paço, em 4 de Outubro de 1823. – Manoel Jacintho Nogueira da Gama”.
Grifado pelo compilador.
O“Diario do Governo” – periódico da iniciativa privada, onde eram pu-
blicados portarias, decretos, e extratos dos trabalhos da Assembléia Geral,
Constituinte e Legislativa –, e que para completá-lo eram inseridos outros
artigos escolhidos pelo redator ou pelos donos da folha, suscitavam vivas

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A Construção da Democracia 685

reclamações de diversos deputados, que viam nas matérias divulgadas, mani-


festações de sentimentos absolutistas.
11 de maio de 1826. Plenário da Câmara dos Deputados. O Deputado
Manoel Odorico Mendes (MA), Relator da “Commissão de Redacção do Diario”,
envia à Mesa a seguinte proposta:
“A commissão encarregada da redacção do Diario desta camara, achando na
pessoa do Dr. Francisco Gomes de Campos, as qualidades precisas para ser o redactor
do mesmo Diario, propõe-o á camara para esse fim; vencendo elle o ordenado de cem
mil réis mensaes na fórma do antigo regimento.
E desejando a brevidade da impressão dos nossos trabalhos, até para satisfazer ao
público, que por elles espera ancioso, lembra que se officie ao governo, a fim de que dê
providencias para a prompta impressão do Diario.
Paço da camara dos deputados, 10 de maio de 1826. – Manoel Odorico Mendes.
– Candido José de Araujo Vianna”. Grifado pelo compilador.
A matéria oferecida a discussão e votação é, em seguida, aprovada.
8 de maio de 1826. Plenário da Câmara dos Deputados. Primeira Ses-
são Ordinária. Presidência do Deputado Luiz Pereira da Nóbrega de Souza
Coutinho (RJ). São nomeados os Deputados Cândido José de Araújo Vianna
(MG), depois Marquês de Sapucaí, Manoel Odorico Mendes (MA), e Januário
da Cunha Barbosa (RJ), e, também, os Drs. Francisco Gomes de Campos e
Custódio Alves Serrão para a “Commissão de Redacção do Diario”.

17 de maio de 1826. Plenário da Câmara dos Deputados. O Deputado


Manoel José de Souza França (RJ) apresenta uma indicação “propondo que a
camara me autorise para officiar ao governo pela repartição dos negocios da fazenda,
afim de providenciar com urgencia respeito á impressão do expediente da camara, que
depende de ser impresso, como são projectos de lei, regimento interno e actas da camara,
etc. Rio, 17 de Maio de 1826. – França”. É apoiada e em seguida aprovada.
18 de maio de 1826. Plenário da Câmara dos Deputados. O Deputado
Manoel Odorico Mendes (MA), Relator da “Commissão de Redacção do Diario
da Camara”, pede a palavra e lê o seguinte parecer: “Na commissão da redacção
do Diario foi visto o requerimento dos proprietarios do Diario Fluminense, que desejan-
do obter extractos dos trabalhos desta camara para os inserirem na sua folha, pedem se
dê á pessoa encarregada daquella tarefa o mesmo lugar, que lhes fôra concedido pela
assembléa geral constituinte em caso identico.
Á commissão, considerando que convém vulgarisar, quanto fôr possivel, os deba-
tes da camara, para que a nação ajuize do fervor, com que são defendidos os seus
direitos, e promovida a sua felicidade: é de parecer, que a commissão de polícia assigne
o lugar, que deve ocupar a pessoa encarregada de fazer os ditos extractos; indo assim
deferido o requerimento dos supplicantes
Paço da camara dos deputados, 18 de maio de 1826. – Manoel Odorico Mendes.
– Candido José de Araujo Vianna”. Grifado pelo compilador.

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686 Casimiro Neto

O parecer é oferecido à discussão e o Deputado Nicolau Pereira de Cam-


pos Vergueiro (SP) assim se pronuncia: “O argumento, de que se servem os
proprietarios do Diario Fluminense não é procedente. No outro tempo havia um Diario
do governo, e foi ao redactor delle, que a assembléa constituinte concedeu essa regalia.
Por ventura o que se concedeu ao redactor do Diario do governo, há de tambem conce-
der-se ao redactor do Diario Fluminense? Parece, que a camara então deve conceder o
mesmo aos demais redactores; todos estão em identicas circunstancias. O que houve em
outro tempo foi Diario do governo; mas hoje é Diario Fluminense, que é o mesmo, que
qualquer outro periodico, como o Espectador, o Diario Mercantil, etc.”. Grifado pelo
compilador.
Os parlamentares, desejando divulgar os seus debates, inclusive em
outros jornais, autorizam a permanência dos jornalistas nas dependências da
Casa, em lugares designados pela Comissão de Polícia.
19 de maio de 1826. É encaminhado oficio assinado pelo Presidente da
Câmara dos Deputados, Luiz Pereira da Nóbrega de Souza Coutinho (RJ), ao
Imperador D. Pedro I, solicitando a impressão na “Typographia Nacional”, das
cópias das atas, projetos de leis, diários e demais papéis do expediente da
Casa. No dia 20 de maio, é autorizado o serviço solicitado, através de porta-
ria expedida pelo Governo Imperial. Essa autorização é reforçada pela Deci-
são do Governo nº 160, expedida pelo Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios da Fazenda, Marianno José Pereira da Fonseca, em 24 de julho de
1824, e, também, pela Decisão do Governo nº 139, expedida pelo Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, Manuel Jacinto Nogueira da
Gama, primeiro Visconde, Conde e Marquês de Baependi, em 5 de outubro de
1826. O Decreto nº 2.491, de 30 de setembro de 1859, com a rubrica do Impe-
rador D. Pedro II, “estabelece as medidas e o privilégio da Typographia Nacional para
a impressão e publicação das leis, decretos e resoluções da Assembléa Geral Legislativa”.

20 de maio de 1826. A “Commissão de Redacção do Diario”, ouvido o Ple-


nário, “adota, provisoriamente, para os seus trabalhos, o mesmo regulamento usado
durante a Assembléa Constituinte, de 1823”, e contrata, também, provisoriamen-
te, três taquígrafos e um escriturário.
26 de maio de 1826. Plenário da Câmara dos Deputados. A “Commissão
de Redacção do Diario”, observando o vagar da Imprensa Nacional, propõe “que seja
autorizada a tratar com qualquer impressor a edição do Diario da Câmara dos Depu-
tados, inclusive com o Sr. Pedro Plancher, o qual apresentou a melhor proposta, e a
ajustar, quando fôr conveniente, a bem do andamento do referido diário, sem embargo
da decisão tomada acerca da preferência dada à Typographia Nacional”. Grifado pelo
compilador.
A proposta é discutida e aprovada na mesma sessão. É aprovada, tam-
bém, a contratação de mais dois taquígrafos.
A despeito dos incessantes esforços empregados pelos primeiros legis-
ladores do Império com a intenção de divulgar os pronunciamentos, os deba-

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A Construção da Democracia 687

tes, as discussões, os atos legislativos e administrativos da Câmara dos Depu-


tados, foi esse empenho anulado, em parte, pela pequena quantidade de
bons taquígrafos e de hábeis revisores. Esses poucos profissionais já existiam
e se faziam presentes desde as primeiras sessões da Constituinte de 1823,
inclusive, sendo contratados, após serem examinados e aprovados pela
“Commissão de Redacção do Diario”. Esse empenho foi, também, anulado pelos
defeitos próprios do sistema gráfico adotado, o qual oferecia à decifração
imensos obstáculos; pela proibição da entrada de taquígrafos no interior do
plenário, o que deixava esses profissionais a grande distância dos oradores;
além das deficientes tipografias montadas para executar a impressão dos
diários.
Nessa época não havia seções e nem órgãos oficiais encarregados da
divulgação dos pronunciamentos, debates e atos do Parlamento. o “Diário da
Câmara”, que havia sido instituido com vistas a dar conta da citada tarefa, era
impresso com grande atraso, irregularmente, e inçado de lacunas em sua
publicação. Testemunham esse asserto as repetidas queixas dos deputados
por esses fatos e, também, pela intenção de suprimir a verba destinada à
referida despesa.
A Imprensa Nacional, que atende a todos os órgãos do Governo, teve
origem com a vinda da Família Real para o Brasil, em 1808. Na ocasião o
Sr. Antônio de Araújo, depois Conde da Barca, manda acondicionar no po-
rão da “Nau Meduza”, integrante da frota real, os prelos que haviam sido
comprados da Inglaterra para implantação de uma gráfica na Secretaria de
Estado dos Negócios Estrangeiros, e da Guerra, em Lisboa. Mais tarde esse
parque gráfico passou a denominar-se “Typographia Nacional”, tendo como
objetivo a impressão e publicação das leis, decretos e resoluções da Assem-
bléia Geral Legislativa, e dos atos oficiais e despachos do Governo Imperial.
Existiu, também, o “Correio Official”, para divulgação dos atos governamen-
tais, o qual foi muito criticado pelos parlamentares na primeira década de
atividades legislativas. Em 13 de maio de 1808 é expedido decreto do Prínci-
pe Regente D. João, criando a “Impressão Regia”, com o objetivo de publicar
todos e quaisquer papéis que viessem da Corte.
O noticiário oficial da câmara temporária e da câmara vitalícia (Sena-
do) eram divulgados em jornais particulares, por interesse dos impressores
desses periódicos e, às vezes, por contrato.
O Decreto nº 2.492, de 30 de setembro de 1859, regulamentou a
“Typographia Nacional”, e definiu as competências e atribuições de seus cargos
e funcionários. Em 1º de outubro de 1862, começou a ser publicado o “Diário
Official, Império do Brazil”, para divulgação dos atos oficiais. Encerram-se, a
partir desta data, todas as assinaturas que a administração pública – Poder
Executivo –, tinha com o “Jornal do Commercio”. Em 24 de abril de 1879, a
Decisão de Governo nº 231 do Ministro e Secretario de Estado dos Negócios
da Fazenda Deputado Afonso Celso de Assis Figueiredo (MG), depois Viscon-
de de Ouro Preto, regulariza o serviço do “Diário Official” e dá competência

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688 Casimiro Neto

ao administrador da “Typographia Nacional” para a publicação dos debates do


Poder Legislativo, firmando-se, então, contrato à parte, para o apanhamento
taquigráfico. Em 30 de abril de 1879, é expedida a Decisão de Governo
nº 244, que, visando atender solicitação do administrador da “Typographia
Nacional”, autoriza a venda e o aumento da tiragem dos exemplares dos Anais
das duas Câmaras. Passa, então, a circular junto com o “Diário Official”, os
trabalhos legislativos da Câmara dos Deputados e os da Câmara dos Senado-
res, com a denominação de “Diario do Parlamento Brazileiro”, até 17 de junho
de 1889. A Carta de Lei nº 2.940, de 31 de outubro de 1879, define que
“pertence exclusivamente à Typographia Nacional a impressão das leis, a impressão do
Diário Official, os relatórios ministeriais e quaisquer outros trabalhos que tenham ca-
ráter oficial”. O Decreto nº 9.381, de 21 de fevereiro de 1885, reorganiza a
“Typographia Nacional” e o “Diário Official”, órgão de publicidade do Governo,
e especifica que o mesmo deve inserir em suas páginas, entre outros, os atos
do Poder Legislativo e, por extenso, as atas e debates de ambas as Câmaras
Legislativas. O art. 30, do Decreto nº 10.269, de 20 de julho de 1889, define
que a publicação dos debates de uma ou de ambas as Câmaras, quando for
confiada à “Typographia Nacional”, far-se-á em folha distinta, com o título de
“Diario do Parlamento”, sendo distribuída anexa ao “Diário Official”, e separa-
damente, às autoridades e funcionários que o Ministro da Fazenda determi-
nar. Especifica também que todas as despesas com a publicação da folha e dos
“Annaes”, em avulsos, correrão por conta das consignações convencionadas
com as Mesas das respectivas Câmaras. Com a Câmara dos Deputados em
recesso, e a proclamação da República, no dia 15 de novembro de 1889,
esta série denominada “Diario do Parlamento” não chegou a ser impressa e
distribuída.

12 de setembro de 1826. É expedido decreto, com a rubrica do Impe-


rador D. Pedro I, que “ordena que se continuem a pagar aos empregados da secreta-
ria da Camara dos Deputados, aos taquígrafos e aos redactores do diario os vencimen-
tos ou gratificações que lhes foram arbitrados”.

7 de junho de 1828. Plenário da Câmara dos Deputados. O Deputado


Januário da Cunha Barbosa (RJ) apresenta as seguintes indicações: “Proponho
para que se dispense a impressão das actas desta sessão, e das mais que se seguirem,
ficando unicamente registradas no competente livro, dando-se das mesmas cópia ao
redactor desta camara. – S. R. – Barbosa.” “Requeiro que se recommende ao governo
a remessa dos diarios desta camara para todas as camaras municipaes do imperio na
conformidade do nosso regimento. – Barbosa”.
9 de junho de 1828. Plenário da Câmara dos Deputados. O Deputado
Januário da Cunha Barbosa (RJ) apresenta o seguinte requerimento: “Requei-
ro que se officie ao governo para que mande dar pressa á impressão dos diarios, e outros
papéis da camara deste anno, que são muito retardados em sua publicidade, e outro
sim, para que mande abrir subscripção dos mesmos diarios e venda nas lojas em que se

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A Construção da Democracia 689

vendem as folhas publicas, recommendando-se as de João Pedro da Veiga e Evaristo


Ferreira da Veiga, como de maior concurso a tal venda. – Barbosa.”
10 de junho de 1828. Plenário da Câmara dos Deputados. É publicada
Resolução da Câmara dos Deputados com o seguinte teor: “Ilm. e Exm. Sr. –
Cumprindo dar a mais prompta publicação e vulgarisação dos diarios e mais papeis
que desta camara são remettidos a typographia nacional, entendeu a mesma camara
dever recommendar ao governo de S. M. o Imperador pelo intermedio de V. Ex., não só
a maior actividade possivel na sua impressão mas tambem a remessa de certo numero
de exemplares ás camaras municipaes do imperio, podendo contribuir muito ao fim
desejado a admissão de assignaturas nas lojas em que se vendem folhas publicas destas
e nas de maior conceito e concurso, como sejão nesta côrte as de João Pedro da Veiga e
Evaristo Ferreira da Veiga. (...) – Deos guarde a V. Ex. – Paço da camara dos depu-
tados, em 10 de junho de 1828. – José Antonio da Silva Maia.”
Nas sessões dos dias 13, 22 e 23 de abril de 1829, é discutido e aprovado
o “Regimento dos Taquigraphos”.

24 de abril de 1829. Plenário da Câmara dos Deputados. É aprovado,


de acordo com o “Regimento dos Taquigraphos”, a nomeação desses profissio-
nais para os serviços nas sessões da Câmara dos Deputados. No dia 23 de
maio, do mesmo ano, são publicados no “Diario da Câmara”, os nomes dos
que foram aprovados, os quais recebem como tarefa, regular a publicação dos
pronunciamentos, debates e atos dos parlamentares da Casa.
Ainda assim, não desaparecem de todo as dificuldades, e o serviço não
atinge o grau de perfeição pretendido, ressentindo-se as publicações de gra-
ves omissões, com repetidas queixas dos deputados, por erros e supressão de
suas opiniões. De qualquer forma, no desempenho do apanhamento
taquigráfico, há um vício que finalmente se tornou injustificável: a demora
na tradução das notas taquigráficas, às vezes de trinta dias, e de sua publica-
ção no “Diario da Camara”, cujo atraso chegou a ser de um ano.
Por todos os motivos até agora citados e, também, porque os jornais da
época já divulgavam os trabalhos legislativos – em suplemento –, por meio de
resumos mais ou menos desenvolvidos, aproveitando para isso os melhores
taquígrafos sem despesas para o Parlamento, a Câmara dos Deputados, du-
rante o mês de setembro de 1831, na votação do orçamento para o ano de
1832, após intenso debate, suspende a verba destinada à publicação dos diá-
rios e aos serviços de taquigrafia.
Resumindo: os pronunciamentos, debates, discussões, os atos legislativos
e administrativos da Câmara dos Deputados foram, inicialmente, impressos
pela “Typographia Nacional” e publicados no “Diario da Assembléa”, em 1823, no
“Diario da Câmara”, de 1826 a 1831, e, em vários jornais da época. A Câmara
dos Deputados contratava os redatores e os taquígrafos para esse trabalho.
3 de maio de 1832. Sessão Imperial de Abertura da 3ª Sessão Legislati-
va da 2ª Legislatura. Os pronunciamentos, os debates, as discussões, os atos

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690 Casimiro Neto

legislativos e administrativos da Câmara dos Deputados desta sessão legisla-


tiva passam a ser divulgados, precariamente, no periódico o “Echo da Camara
dos Deputados”, no “Jornal do Commercio”, no “Diario Fluminense” e, em outros
jornais da época, por interesse de seus proprietários e sem contrato com a
referida Câmara.
A esse respeito, na página 5, volume I, “Annaes do Parlamento Brazileiro”,
ano de 1832, existe a seguinte nota do compilador, Sr. Antônio Pereira Pinto:
“ADVERTENCIA – O “Echo da Camara dos Deputados” impresso na typographia de
Gueffier e Comp. á rua da Quitanda n. 79, foi o jornal que no anno de 1832 publicou
os debates da camara temporaria. Além da irregularidade, falta de methodo, e notaveis
lacunas com que executou aquelle trabalho, accresce que o fez terminar a 3 de setembro,
periodo da sessão ordinaria, quando a mesma sessão foi até o dia 20 de Outubro, e
neste intervallo tratarão-se questões de summa importancia.
Sem outras fontes a que auxiliar-nos, pois nem o “Jornal do Commercio”, nem o
“Diario Fluminense” derão sequer ligeiros extractos das sessões, forçoso foi circumscrever-
nos aos limites traçados na publicação feita pelo “Echo da Camara”, annexando-lhe
alguns discursos avulsos pronunciados por esclarecidos oradores, e concernentes á
materias de ponderação, que encontramos na “Aurora”, e no referido “Diario Flumi-
nense”. Do Compilador”. Grifado pelo compilador.
Foi nesse período que o “Jornal do Commercio”, compreendendo o que
havia de interesse próprio e geral na amplitude das notícias legislativas, dá às
suas páginas maior extensão. Para ser uma publicação integral das atas, falta
apenas a lista nominal dos deputados presentes, que vinham indicados so-
mente pelo número dos que compareciam. Os pronunciamentos são transcri-
tos, quase todos, em terceira pessoa ou em extratos minuciosos, dando per-
feita idéia do debate travado. O jornal, entretanto, de vez em quando, ameaça
suspender a publicação, alegando a grande despesa dela resultante.
Todos os anos os deputados levantam a questão da publicação oficial
dos pronunciamentos, debates, discussões, atos legislativos e administrativos
da Câmara dos Deputados, sendo sempre observado que não é preciso gastar
verbas quando se têm o serviço sem ônus para os cofres públicos.
2 de maio de 1834. Plenário da Câmara dos Deputados. O Deputado
Evaristo Ferreira da Veiga (MG), Relator da comissão nomeada para apresen-
tar o melhor método sobre a redação do Diário, lê o parecer da mesma co-
missão, que, em seguida, envia à Mesa. “A commissão incumbida de dar o parecer
sobre o melhor méthodo para a redacção do Diário da Camara, na presente sessão
ordinaria, passou a examinar a representação de Manoel Cypriano de Freitas, e outros
tachygraphos, bem como, as proposições dos impressores Paula Gueffier e Ren´Ogier. A
commissão, tendo em lembrança as difficuldades com que sempre se lutou nas legislaturas
antecedentes, para se obter sem grande demora a publicação dos Diarios devidas em
grande parte ao systema de ter a sua administração e a tachigraphia, por conta e sob a
direcção da casa, entende que a representação de Manoel Cypriano de Freitas e outros
tachigraphos, não póde ter lugar, por estar baseada nesse fundamento. A commissão é

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A Construção da Democracia 691

de parecer que se adopte o meio da empreza geral, abrangendo tachygraphia, redacção


e impressão dos Diarios por conta de qualquer emprezario que a isso se offereça, me-
diante as cautelas e condições convenientes. E havendo lido as proposições dos dous
impressores supramencionados, sem desenvolver agora as clausulas com que um e ou-
tro se propõe á empreza referida, porquanto muitas dellas carecem de ser modificadas:
a comissão propõe que ella, ou outra commissão seja autorisada para tratar com os seus
autores, ou com qualquer que se apresente á concurrencia, ficando tudo sujeito ao voto
desta augusta camara. Paço da camara dos deputados, 2 de Maio de 1834. – Evaristo
Ferreira da Veiga. – Ferreira de Mello. – Souza e Oliveira”. Solicitada a sua urgên-
cia e, sendo apoiada, é em seguida colocado em discussão e votação. O pare-
cer é aprovado.
No dia 12 de maio de 1834, o parecer da comissão sobre as propostas
dos empresários para impressão dos “Diários da Camara” é colocado em vota-
ção, e em seguida é rejeitado. Continua a Câmara dos Deputados sem a auto-
rização oficial para a impressão dos seus trabalhos legislativos.
Nos volumes de “Annaes”, referentes ao ano de 1834, encontramos a
seguinte advertência: “Para organizar os Annaes Parlamentares do anno de 1834,
recorremos ao Jornal do Commercio, ao Correio Official e ao Jornal da Camara dos
Deputados, este impresso na Typographia de Thomaz B. Hunt & C. á rua da Cadêa
(hoje da Assembléa) n. 100. As duas primeiras gazetas derão á luz resumidos extractos
das sessões, só a ultima fez uma publicação mais desenvolvida e regular, mórmente
durante a discussão das reformas constitucionaes. Foi-nos tambem de subsidio as actas
da camara dos deputados e senadores, e o jornal politico a Aurora Fluminense, redigi-
do pelo deputado Evaristo Ferreira da Veiga. Do Compilador”.

11 de setembro de 1837. Plenário da Câmara dos Deputados. Ordem


do Dia. Entra em discussão o seguinte Parecer da Mesa: “A mesa examinou o
requerimento de J. Villeneuve & C., editores e proprietarios do Jornal do Commercio, os
quaes pedem á camara uma indemnisação pelo trabalho e despezas que tem feito na
publicação dos debates della; e attendendo a que esta empreza é difficultosa, e que em
geral tem sido desempenhada, como nunca o foi, a mesa se persuade que se deve com
effeito dar uma indemnisação. E, examinando as despezas que se fazião quando a
camara mandava publicar os seus diarios (os quaes nunca se pôde obter que andassem
em dia, ou com um atrazo menor que o de oito dias), achou que elllas subião annualmente
a perto de 8:000$: e é de advertir que o maior trabalho, e o que mais despeza causa em
taes emprezas, é por certo a promptidão, que seguramente foi conseguida pelos editores
e proprietários do Jornal do Commercio. Por isso a mesa é de parecer que se lhes dê como
indemnisação a quantia de 4:000$, por todo o trabalho desta sessão. Paço da camara
dos deputados, 28 de Agosto de 1837”. Grifado pelo compilador. O parecer é colocado
em discussão e votação nas sessões de 11 e 12 de setembro de 1837. Após
intenso debate, é rejeitado pelo Plenário da Câmara dos Deputados.
Há, também, nessa época, propostas para que a Câmara dos Deputados
subscreva tantos exemplares do “Jornal do Commercio” quantos são os mem-
bros da Casa, visto ser esse jornal o que melhor cobertura oferece sobre os

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692 Casimiro Neto

trabalhos legislativos, assim como há iniciativas no sentido de indenizá-los


por essas publicações. Sem sucesso.
22 de setembro de 1837. Plenário da Câmara dos Deputados. O Depu-
tado Honório Hermeto Carneiro Leão (MG), Marquês do Paraná, apresenta
a seguinte indicação: “Indico que esta camara faça publico, que dará um premio de
quatro contos de réis ao jornal que publicar os debates da sessão ordinaria em 1838. Caso
sejão publicados por mais de um, se dará esta quantia ao que melhor o fizer. Havendo
prorrogação, se augmentará este premio na proporção”. Grifado pelo compilador.
26 de setembro de 1837. Plenário da Câmara dos Deputados. O Depu-
tado Antônio Pereira Barreto Pedroso (RN) propõe a seguinte indicação: “Fica
a mesa autorisada a dar durante a presente sessão uma gratificação diaria de 50$ a
quem fizer publicar nos dias subsequentes aos das sessões, os discursos e trabalhos que
nella tiverem lugar. Caso este trabalho seja emprehendido por mais de um redactor, será
dada a gratificação a quem o melhor o fizer”’. Grifado pelo compilador.
Na sessão posterior, dia 27 de setembro, antes do início da discussão e
votação da indicação do Deputado Antônio Pereira Barreto Pedroso (RN), o
Primeiro-Secretário informa que acaba de receber uma participação dos pro-
prietários do “Jornal do Commercio”, que julga conveniente ler antes de se en-
trar na discussão: “Ilmm. e Exm. Sr. – Quando no principio desta sessão
emprehendêmos a publicação dos debates desta augusta camara, quizemos primeiro que
tudo, mostrar o como podiamos desempenhar a espinhosa tarefa de que nos incumbiamos,
persuadidos de que a camara dos Srs. deputados, que outr’ora dispendeu avultadas
quantias (para obter talvez um trabalho mais imperfeito), concorreria da sua parte com
alguma ajuda de custo.
Alguma razão tinhamos para pensar assim, por isso que essa era a opinião cor-
rente entre os Srs. deputados que nos honrão com a sua amizade, os quaes louvando-
nos todos os dias o nosso trabalho, promettião-nos uma indemnisação no fim da sessão.
A augusta camara, porém, entendeu em sua sabedoria que o nosso trabalho não
precisava ser remunerado, e regeitou o parecer da mesa que tinha fixado um quantita-
tivo para indemnisação das nossas despezas. Suspendemos então uma publicação que
não era do nosso interesse material continuar, pois que já haviamos gasto perto de cinco
contos de réis, tendo tido apenas um augmento de cem assignantes.
O acolhimento favoravel com que foi hontem recebida a proposição do honrado
membro, o Sr. Barreto Pedroso, parece indicar que a camara dos Srs. deputados está
hoje propensa a remunerar por alguns dias o mesmo trabalho que, tendo durado qua-
tro mezes e meio, ella julgou nada merecer. Como estamos comprehendidos na expressão
geral de redactor de que falla o illustre deputado na sua indicação, e para de outro lado
respondermos tacitamente aos sentimentos mesquinhos que algumas pessoas nos possão
attribuir, vimos com todo o respeito declarar a V. Ex. que renunciaremos da nossa parte
ao que nesta indicação nos possa dizer respeito, e que publicaremos os debates do resto
desta sessão sem aceitarmos remuneração alguma”. Grifado pelo compilador.
A vista desta declaração, o Primeiro-Secretário assenta que se deve agra-
decer aos proprietários do “Jornal do Commercio” a oferta que fazem.

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A Construção da Democracia 693

A indicação é objeto de debates e, após ser consultado, o Plenário deci-


de que se receba, com agrado, a oferta do redator do referido jornal.
28 de setembro de 1837. Plenário da Câmara dos Deputados. Ordem
do Dia. “Continua a discussão do parecer da mesa sobre a indicação do Sr. Carneiro
Leão; para que se dê, na proxima futura sessão, um premio de 4:000$ ao jornalista
que publicar os debates dessa sessão; e caso sejão publicados por mais de um, se dará
esta quantia ao que melhor fizer; havendo prorrogação, se augmentará este preço na
proporção. A mesa reconhecendo a grande utilidade de tal publicação e que o meio
proposto é o menos dispendioso, e o mais proprio para o desempenho della: é de parecer
que se approve esta indicação, accrescendo que o jornal dará o trabalho impresso no dia
seguinte ao da respectiva sessão.
É apoiada a seguinte emenda offerecida pelo Sr. Hollanda Cavalcanti:
O jornalista, ou emprezario, que publicar os trabalhos da camara dos deputados,
inclusive os discursos de seus oradores, no dia immediato ás sessões, será remunerado
pela folha da camara pela fórma seguinte:
Se o numero dos jornaes ou diarios não exceder de dous, será a remuneração na
razão de 20$ por dia de publicação, a cada um dos jornaes ou diarios: se esse numero
fôr maior de dous, e menor de quatro, será a mesma remuneração na razão de 12$,
como acima: se exceder de quatro, será a remuneração de 10$ somente.
Os publicadores de taes trabalhos e discursos não poderão ter entrada na casa
dos deputados, nem ser-lhes facilitada a publicação dos trabalhos, sem haver prestado
uma fiança de 400$, em moeda corrente, na secretaria da camara.
Se, por voto da maioria da mesma camara, fôr decidido que nas publicações de
taes trabalhos e discursos são a camara ou qualquer de seus membros insultados, serão
os encarregados de taes publicações expulsos da casa, e a quantia afiançada applicada
para as despezas da camara”. Grifado pelo compilador.
Dá-se por discutida a matéria, e são rejeitados, tanto o Parecer da Mesa
como a emenda do Deputado Antônio Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti
de Albuquerque (PE), Visconde de Albuquerque.

22 de agosto de 1838. Plenário da Câmara dos Deputados. É remetido


à Mesa o requerimento de José Marcelino da Rocha Cabral, diretor do diário
denominado “Despertador”, pedindo “a concessão para publicar, nesse informati-
vo, os trabalhos da Camara dos Deputados, da mesma forma que havia contratado com
o Senado, para a futura sessão de 1839, pela quantia de 1:600$ (um conto e seiscentos
mil réis) mensais”.
5 e 10 de setembro de 1838. Plenário da Câmara dos Deputados. São
discutidas as seguintes indicações: “Indico que se addicionem ao regimento interno
os artigos seguintes:
1º A mesa contratará, desde já, quantos tachygraphos fôrem necessarios para
tomarem notas das discussões da camara, afim de serem publicadas com a maior exactidão
possivel.
Este contracto será submettido á approvação da mesma camara.

Sem título-5 693 7/5/2004, 10:23


694 Casimiro Neto

2º Os trabalhos dos tachygraphos, antes de se imprimirem, serão revistos e con-


certados por uma commissão especial da camara, composta de tres membros, um dos
quaes será nomeado por escrutinio secreto, e os outros dous por meio da sorte.
Também ficará salvo aos oradores o direito de rever os seus discursos antes que se
imprimão, bem como o de fazer inserir na folha official quaesquer explicações, ou recla-
mações, quando taes discursos não forem publicados com a devida exactidão.
3º A publicação será feita no Correio Official, e quando isto não se possa conse-
guir desde já, e de sorte que não se demore mais de tres dias, imprimir-se-ha na
typographia nacional uma folha especialmente destinada a esse fim.
4º O official-maior da secretaria da camara ficará incumbido de fazer vender
esta folha, tanto na côrte como nas provincias, pelos preços que a mesa taxar, recolhen-
do-se o seu producto aos cofres públicos; mas ás assembléas e governos provinciaes, ás
thesourarias da fazenda e ás camaras municipais será remettida gratuitamente. S. A. R.
Paço da camara dos deputados, 28 de Julho de 1838. – H. Ferreira Penna”.
Grifado pelo compilador.
E a segunda indicação assinada pelo Deputado Joaquim Nunes Macha-
do (PE) com o seguinte teor: “Que seja autorisada a mesa a contractar com José
Marcellino da Rocha Cabral, director do diario denominado Despertador, a publicação
dos trabalhos da camara dos deputados, conforme o plano do contracto feito com o
senado sobre o mesmo objecto. Salva a redacção”. Grifado pelo compilador.
Ao final da sessão legislativa do ano de 1838, fica adiada a votação das
duas matérias.
18 de maio de 1839. Plenário da Câmara dos Deputados. O Deputado
Herculano Ferreira Penna (MG) requer que “de andamento a sua indicação apre-
sentada no ano de 1838 para a publicação dos trabalhos da Camara dos Deputados”.
Solicitada a urgência, em seguida é aprovado o requerimento. É, então, lido
e aprovado o seguinte Parecer da Mesa da Câmara dos Deputados: “A mesa,
examinando o requerimento de J. Villeneuve & C., pedindo um subsidio de 1:600$
mensaes para publicar as discussões desta camara, conforme o modelo que offerece das
sessões de 8 e 10 do corrente, é de parecer que o dito requerimento fique sobre a mesa,
para ser tomado em consideração quando se tratar da indicação do Sr. Ferreira Penna,
cuja discussão já teve começo no anno passado. Paço da camara dos deputados, 18 de
maio de 1839. – C. J. de Araujo Vianna, presidente. – João José de Moura Magalhães.
– Joaquim Nunes Machado. – A. J. Alvares do Amaral. – J. M. de Brito”. Grifado pelo
compilador.

22 de maio de 1839. Plenário da Câmara dos Deputados. Entra em


discussão a indicação do Deputado Herculano Ferreira Penna (MG), apresen-
tada durante o ano de 1838, para que “a Câmara dos Deputados tenha o seu
jornal, assim como a emenda que propõe que se contrate a publicação dos seus traba-
lhos legislativos com o periódico “Despertador”, e o parecer da mesa sobre o requeri-
mento do “Jornal do Commercio”. São apresentadas várias emendas de Plenário
e, ao final, dando-se a matéria por discutida, é aprovada a emenda apresen-
tada pelos Deputados Jerônimo Francisco Coelho (SC), Joaquim José Pacheco

Sem título-5 694 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 695

(SP), e Francisco Ge Acayaba de Montezuma (BA), Visconde de Jequitinho-


nha, com o seguinte teor: “A mesa fica autorisada a contractar a publicação dos
trabalhos da camara com o Jornal do Commercio, podendo offerecer até a quantia de
1:600$ mensaes, estipulando as condições com que deverá ter lugar essa publicação, e
sujeitando tudo á approvação da casa, podendo desde logo, provisoriamente executar-
se o contracto, enquanto não tiver lugar a dita approvação”. Grifado pelo compilador.
É aprovada, também, a seguinte sub-emenda supressiva do Deputado
Antônio Paulino Limpo de Abreu (MG), Visconde de Abaeté: “Supprimão-se as
palavras – com o Jornal do Commercio – na emenda assignada pelos Srs. Coelho,
Montezuma e Pacheco”.

5 de junho de 1839. Plenário da Câmara dos Deputados. Presidência


de Cândido José de Araújo Vianna (MG), Marquês de Sapucaí. É lido e colo-
cado em discussão o Parecer da Mesa concebido nos seguintes termos: “A
Mesa submette á aprovação da Camara o contracto feito com ‘J. Villeneuve & Compa-
nhia’, para a publicação dos seus trabalhos, como lhe fora ordenado. Paço da camara
dos deputados, 3 de junho de 1839.
A mesa aprova o contracto da publicação dos seus trabalhos com as condições
juntas, assignadas por J. Villeneuve & Companhia. Paço da camara dos deputados,
em 1º de junho de 1839. – Candido José de Araujo Vianna, presidente. – João José de
Moura Magalhães, 2º secretario. – Joaquim Nunes Machado, 3º secretario. – A. J.
Alvares do Amaral, 4º secretario. – Joaquim Marcellino de Brito, secretario suplente.
José Villeneuve & Companhia, editores do Jornal do Commercio, se compromettem
a dar nesta folha a publicação de todos os trabalhos da camara dos Srs. deputados,
sobre as condições seguintes:
1ª. Receberão por esta publicação a quantia de um conto e seiscentos mil réis
mensalmente.
2ª. Publicarão todas as materias de cada sessão por sua ordem, e bem assim os
discursos de cada um dos Srs. deputados, com toda a imparcialidade e maior extensão
possivel, como tem feito depois da deliberação da camara para se contractar a publica-
ção dos seus trabalhos.
3ª. Aceitarão, para publicar immediatamente, qualquer rectificação que algum
Sr. deputado queira fazer.
4ª. Se lhes franquearão todos os papeis de que precisem para desempenho de sua
tarefa.
5ª. Entregarão na secretaria da camara dos Srs. deputados todos os dias de
sessão até a hora da abertura della, cento e cincoenta exemplares da dita folha.
6ª. A mesa fiscalisará a execução destas condições, para o que empregará todos
os meios que julgar convenientes, podendo a camara invalidar o contracto
immediatamente que se não observe qualquer das mesmas condições.
7ª. Este contracto se porá em execução, desde já, ficando sujeito á approvação
da camara. E por assim nos obrigarmos á dita publicação, com as condições acima
expressadas, assignamos este. Rio de Janeiro, 1º de Junho de 1839. – José Villeneuve
& Companhia”. Grifado pelo compilador.

Sem título-5 695 7/5/2004, 10:23


696 Casimiro Neto

Sem debates, são aprovados o Parecer da Mesa e o contrato com os


proprietários do “Jornal do Commercio”.
Nota-se que, a partir da assinatura desse contrato, houve sensível me-
lhora na transcrição das falas dos deputados, sendo, então, renovado sucessi-
vamente com o “Jornal do Commercio” até 1847. Em 1848, a Câmara dos Depu-
tados contrata taquígrafos para realização dos trabalhos. Os trabalhos
legislativos ficam suspensos de 05 de outubro de 1848 a 14 de dezembro de
1849. Em 1850, a Câmara volta a contratar com o “Jornal do Commercio”, e
depois com este novamente e com o “Correio Mercantil”, até 1856. A partir do
ano de 1857 passam a ser publicados pelo “Jornal do Commercio”, por contra-
to, em forma de “Annaes Parlamentares”. Em 24 de abril de 1879 a Decisão de
Governo nº 231, do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda
Afonso Celso de Assis Figueiredo (MG), Visconde de Ouro Preto, regulariza o
serviço do “Diario Official” e dá competência ao administrador da “Typographia
Nacional” para a publicação dos pronunciamentos, debates, discussões, atos
legislativos e administrativos do Parlamento, firmando-se, então, contrato à
parte para o apanhamento taquigráfico.
3 de janeiro de 1850. Plenário da Câmara dos Deputados. É lida pro-
posta de “J. Villeneuve & C. offerecendo-se para publicar no Jornal do Commercio os
trabalhos desta camara pela quantia de 3:000$ mensaes, preço pelo qual fôra contra-
tada a publicação na sessão próxima passada”. Na sessão do dia 4, o Herculano
Ferreira Penna (MG), apresenta o seguinte requerimento: “Proponho que a
mesa seja autorisada a contractar como lher parecer mais conveniente a publicação dos
trabalhos da camara, submettendo o contracto á sua approvação”. Durante a dis-
cussão do requerimento, o Deputado José Martins da Cruz Jobim (RS), apre-
senta a seguinte emenda: “Que á vista de quaesquer condições do contracto seja
consultado o governo sobre a possibilidade da typographia hacional para desempenhar
a mesma obrigação”. No dia 25 de janeiro é lido o seguinte expediente: “Respos-
ta da typographia nacional ponderando não estar habilitada para fazer a publicação
dos trabalhos da camara dos Srs. deputados”. Em 26 de janeiro é lido e fica
adiado o seguinte: “Por pedir a palavra o Sr. Jobim, o parecer da mesa approvando
a proposta de J.Villeneuve & Comp., editores do Jornal do Commercio, para a publi-
cação dos trabalhos da camara dos Srs. deputados”. O parecer é discutido nos
dias 29 e 30 de janeiro. Julgada a matéria discutida, o parecer é posto a
votos e aprovado.
A partir da década de 1850, esforços são feitos para restaurar os pro-
nunciamentos, os debates, as discussões, os atos legislativos e administrativos
da Câmara dos Deputados ocorridos entre 1823 a 1857, recorrendo-se às
“Atas impressas e manuscritas da Câmara, a diferentes registros do Arquivo da mesma
Casa; às atas do Senado; ao Correio Official, publicação do Governo Imperial, e aos
jornais da época, que publicavam as sessões”. Eram estes: o “Diário Fluminense”
(oficial) e que substituiu a antiga “Gazeta da Côrte”, de propriedade da Secre-
taria de Estado dos Negócios Estrangeiros; o “Correio da Câmara dos Depu-

Sem título-5 696 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 697

tados”; o “Astréa”, à frente de cuja redação esteve constantemente o Deputado


José Joaquim Vieira Souto; o “Aurora Fluminense”, redigido pelo Deputado
Evaristo Ferreira da Veiga; o “Echo da Câmara”; o “Analysta” (gazeta que se
dizia confidencial); o “Jornal do Comércio”; o “Correio Mercantil”; o “Desperta-
dor”; o “Universal”; o “Espectador”; o “Astro de Minas”; o “Pharol Paulistano”; a
“Revista Semanaria”; o “Correio da Bahia”; o “Diário de Pernambuco”; e o “Pharol
Maranhense”, jornais estes das Províncias de Minas, São Paulo, Rio de Janeiro,
Bahia, Pernambuco, e Maranhão, e ainda outros que se ocupavam com os
negócios políticos e parlamentares, e que constituiam, sem controvérsia, abun-
dantes fontes de esclarecimentos para a história do País.
Não se pouparam meios para levar essa tarefa à maior perfeição, como
o revela a posterior publicação em volumes separados dos “Annaes Parlamen-
tares”. Esclarecida idéia levantada na sessão de 20 de julho de 1855 pelo ilus-
tre representante da Província de Pernambuco, o Deputado Augusto Frederico
de Oliveira, através de uma indicação com o seguinte teor: “Indico que a mesa
no contracto que deverá celebrar para a publicação dos trabalhos desta camara attenta
a necessidade que essa publicação deve ser feita por tal fórma, que no fim de cada sessão
os trabalhos legislativos possão ser reunidos separadamente de outros assumptos em um
ou mais volumes, distribuindo-se um exemplar a cada membro do corpo legislativo; e
podendo ao mesmo tempo mandar publicar pela mesma maneira os trabalhos a princi-
piar do primeiro dia de sessão da actual legislatura”. Grifado pelo compilador.
Essa indicação e uma representação assinada pelo cidadão Manoel An-
tônio de Almeida foram acolhidas pelo Parecer da Comissão de Polícia de 31
de agosto de 1855, que diz: “Suscita-se na indicação a idéa de contractar a publi-
cação dos trabalhos desta augusta camara de modo que seja attendida a necessidade de
serem no fim de cada sessão os trabalhos legislativos reunidos, independentemente de
outros assumptos, em um ou mais volumes, de que se distribua um exemplar a cada
membro do corpo legislativo, comprehendendo logo nessa publicação os trabalhos havi-
dos desde o primeiro dia de sessão da actual legislatura. Na representação mencionada
contem-se a proposta da creação de uma folha com o título de Boletim, Monitor, Annaes
Parlamentares ou outros que melhor convenha, na qual se publiquem os trabalhos da
camara debaixo do plano e garantias, que a mesa julgue acertadas, tomando-se por
base que essa publicação seja feita em formato de livro, que se dêm os exemplares preci-
sos para serem diariamente distribuidos pelos membros do corpo legislativo, e mais
funccionarios á respeito de quem o mesmo se determine, que além disso seja distribuida
no fim das sessões a cada membro do corpo legislativo uma segunda collecção completa
da folha, com indices e brochada em fórma de livro, e que a redacção desta folha espe-
cial publique no fim das sessões uma synopse dos trabalhos das camaras, um indice
alphabetico das materias discutidas, com as remissões necessarias. Propõe mais o
peticionario incumbir-se de publicar integralmente todo o expediente, projectos de lei,
pareceres de commissões, etc., e finalmente, que o 1º anno seja considerado de experiencia
para a realisação da idéa, e verificação do orçamento da despeza, não sendo a camara
obrigada a manter a folha, se, no fim da experiencia, reconhecer que a empreza não é
proveitosa.

Sem título-5 697 7/5/2004, 10:23


698 Casimiro Neto

Parece evidente á mesa a conveniencia, se não a necessidade de providenciar em


ordem a que a publicação de todos os seus trabalhos seja feita não só prompta e segui-
damente, como ainda de modo que torne uma tarefa igualmente prompta e mais facil
possivel, a de serem suas discussões e actas consultadas em qualquer tempo, conciliando
esse desideratum com o menor dispendio possivel.
Attendendo-se pois á manifesta utilidade de ser feito esse serviço pelo methodo
indicado; e para que melhor se conheção e adoptem quaesquer planos, que mais vanta-
josos possão ainda ser na execução desse pensamento; entende a mesa, e propõe á
camara que seja a mesma mesa encarregada de:
1º Notificar ou prevenir desde logo á empreza actualmente incumbida da publi-
cação dos trabalhos da camara, que o respectivo contracto termina com a sessão do
presente anno, e sómente poderá continuar no caso de não realisar-se o contracto, que
se tem em vista no paragrapho seguinte.
2º Convidar os concurrentes a contractar a publicação dos trabalhos da mesma
camara a contar do principio da sessão do anno vindouro, debaixo das bases já referi-
das, accrescendo (para que continue a mais completa circulação) que essa folha, ou
publicação dos trabalhos da camara dos deputados, acompanhe a qualquer dos jornaes
da côrte, ou seja a elle annexa de modo a poder integral e distinctivamente separar-se,
e formar livro, e de effectivamente contractar com aquelle dos concurrentes que melhor
e com melhores garantias aceite e execute esse trabalho.
Paço da camara dos deputados, em 31 de Agosto de 1855. – Visconde de Baependy.
– Francisco de Paula Candido. – Antonio José Machado. – Lindolfo José Corrêa das
Neves. – Silverio Fernandes de Araujo Jorge”. Grifado pelo compilador.
14 de maio de 1857. Plenário da Câmara dos Deputados. Leitura do
requerimento de “J. Villeneuve e C.”, proprietários do “Jornal do Commercio”,
propondo publicar os trabalhos da Câmara dos Deputados no respectivo jor-
nal a partir do ano de 1857, em volumes separados, sob o título de “Annaes do
Parlamento Brazileiro”. No dia 15 de maio é colocado, em discussão, o Parecer
da Mesa sobre a publicação dos trabalhos da Câmara dos Deputados. O Depu-
tado Augusto Frederico de Oliveira (PE) apresenta a seguinte emenda: “Que
fique a mesa autorisada a innovar, pelo modo que lhe parecer mais conveniente, o
contrato para a publicação do debates da câmara, tendo em vista o pensamento da indi-
cação”. Não havendo quem peça a palavra para discutir a emenda, é em segui-
da colocada em votação, sendo aprovada, e ficando prejudicado o Parecer da
Mesa. No dia 23 de maio, o Primeiro-Secretário comunica ao Plenário que, “em
virtude da autorização que lhe foi concedida, a Mesa inovou o contracto que havia com
os proprietários do Jornal do Commercio para a publicação dos trabalhos legislativos, e
que o referido contracto esta disponivel, sobre a mesa, para o exame dos interessados”.
Na ocasião em que foi proposto este contrato, a Câmara dos Deputados
editava somente uma publicação periódica intitulada “Actas das sessões da Câ-
mara dos Deputados do Imperio do Brazil” iniciada em 1826, data da instalação
do Parlamento, e suspensa em 1869. Estas reproduziam sumariamente o ex-
pediente lido nas sessões, incluindo projetos, emendas, pareceres das comis-

Sem título-5 698 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 699

sões, indicações e requerimentos. Para cada sessão legislativa eram publica-


dos de 2 a 10 volumes.
Após a assinatura do respectivo contrato com o “Jornal do Comércio”,
começa a publicação dos pronunciamentos, debates e atos da Câmara dos
Deputados, em volumes anuais e distintos, sob o título de “Annaes do Parla-
mento Brasileiro”.
A Mesa da Câmara dos Deputados que tomou esta decisão era compos-
ta pelos Deputados Brás Carneiro Nogueira da Costa Gama, segundo Viscon-
de e Conde de Baependi (RJ), Presidente; João Pedro Dias Vieira (MA), Vice-
Presidente; Francisco Xavier Paes Barreto (PE), Primeiro-Secretário; Jesuíno
Marcondes de Oliveira e Sá (PR), Segundo-Secretário; Antônio Pereira Pinto
(ES), Terceiro-Secretário; Salathiel de Andrade Braga (MG), Quarto-Secretário;
e os suplentes Manuel Pinto de Sousa Dantas (BA) e João Lustoza da Cunha
Paranaguá (PI).
30 de setembro de 1859. É expedido o Decreto nº 2.492, com a rubrica
do Imperador D. Pedro II, que “manda observar o novo regulamento para a
Typographia Nacional”.
28 de julho de 1864. Plenário da Câmara dos Deputados. Lê-se, e é
aprovado sem debate, o parecer com a seguinte redação: “Fixar-se o numero
dos empregados desta camara, augmentar-se-lhes os vencimentos razoavelmente, e or-
ganizar melhor o serviço que lhes incumbe, tem sido o objecto de varias indicações
apresentadas no decurso das ultimas legislaturas.
A mesa, tomando-as em attenção, pensa que há possibilidade de reduzir-se o
pessoal que ora se emprega, e de consultar-se melhor as necessidades do respectivo
serviço.
Ate hoje não tem a camara dos deputados um archivo regular, nem possue uma
bibliotheca. É sabido que os membros das commissões não podem conferenciar na sala
de seus trabalhos por falta até mesmo de documentos officiaes já publicados, e muitas
vezes os deputados têm necessidade de trazerem de casa para as discussões volumes de
leis e de obras rudimentares.
Entretanto para crear-se o archivo e a biblioteca não há necessidade de augmentar-
se o pessoal existente. A despeza a fazer-se é natureza transitória. Porquanto a mesa,
tendo estudado o serviço da secretaria, chegou a convencer-se, sob informação do zeloso
e digno official-maior, que esse serviço póde ser feito por quatro officiaes, comtanto que
sejão sempre habilitados os individuos que nesses lugares forem providos.
Há presentemente oito officiaes. A nova organização deve conservar seis, sendo
um no archivo e biblioteca, um empregado no trabalho das actas, um no da contabili-
dade e correspondencia official e tres no expediente restante.
Assim, pois, creando-se mesmo um archivo regular e uma bibliotheca, podem
extinguir-se os dous lugares de officiaes.
Afim de que para o futuro os empregos da secretaria sejão providos com a possivel
garantia de habilidades litterarias e especial, a mesa propõe medidas e regras para o
preenchimento das vagas da mesma secretaria.

Sem título-5 699 7/5/2004, 10:23


700 Casimiro Neto

Quanto aos outros empregados da casa, vê-se pela sua natureza que não reque-
rem habilitação litteraria. Devem ser homens de bem e zelosos no cumprimento das
ordens de seus superiores. Seu provimento, conseguintemente, deve depender sómente
do gráo de confiança que inspirão.
(...) A mesa fica autorisa a dar as providencias necessarias para se organizar
regularmente o archivo da secretaria e fundar-se uma bibliotheca.
Paço da camara dos deputados, 25 de julho de 1864. – Francisco José Furtado,
presidente. – Tito Franco de Almeida, 1º secretario. – Pedro Luiz Pereira de Souza,
2º secretario. – Henrique Limpo de Abreu, 3º secretario. – José Angelo Marcio da
Silva, 4º secretario”. Grifado pelo compilador.
O Parecer de 5 de julho de 1865 criou dois lugares de ajudantes de
arquivistas, um dos quais, ulteriormente, foi tranformado no de amanuense
(servidor público que copiava, registrava documentos e expedia a correspon-
dência) da Secretaria.
Ainda no Parecer de 20 de abril de 1866, assinalava-se que o trabalho
dos empregados da Secretaria da Câmara dos Deputados tinha de aumentar
com o estabelecimento da Biblioteca e do Arquivo, que se tratavam de criar;
e ainda o art. 8º do Regulamento da Secretaria, de 30 de junho do mesmo
ano, determinava que a Mesa mandaria “inventariar pelo Official Archivista to-
dos os livros pertencentes á bibliotheca, assim como pelo Porteiro da Secretaria os moveis
e o mais que pertencesse á camara, sendo esses inventarios assignados pelos dois empre-
gados acima referidos, os quaes ficariam responsaveis pela conservação e guarda do
que se tivesse inventariado”.
No mesmo ano, em data de 1º de junho, houve parecer entregando a
um oficial da Secretaria as funções de arquivista, e outro parecer, de 26 de
julho de 1871, mantinha essa situação e conservava a um segundo oficial o
encargo de ajudante de arquivista. Com a expansão, cada vez maior, desses
dois serviços, tornou-se imprescindível que eles passassem a ser autonômos,
nomeando-se um arquivista e um bibliotecário, como ficou exposto no pri-
meiro parecer que se devia “Organizar regularmente o archivo da secretaria e
fundar-se uma bibliotheca”.
Os pronunciamentos, debates, discussões, atos legislativos e adminis-
trativos da Câmara dos Deputados anteriores ao ano de 1857 continuavam
esparsos, em raros livros de atas impressas da Assembléia Geral, Constituinte
e Legislativa de 1823, e da Câmara dos Deputados, a partir de 1826. São
encontrados em poucas bibliotecas da Corte e em jornais, que as transcre-
viam, de rara e difícil aquisição e incômodo exame. Por esses motivos, a idéia
inicial de publicação desses debates ficava incompleta. Inspirando-se em tais
sentimentos, a Comissão de Polícia da sessão legislativa do ano de 1870, e
constituída pelos Deputados Brás Carneiro Nogueira da Costa Gama (RJ),
segundo Visconde e Conde de Baependi, presidente; Joaquim Pires de Ma-
chado Portella (PE), Primeiro-Secretário; José Maria da Silva Paranhos Júnior,
Barão do Rio Branco (MT), Segundo-Secretário; Francisco Pinto Pessoa (PB),
Terceiro-secretário; e Manoel José de Menezes Prado (SE), Quarto-Secretário,

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A Construção da Democracia 701

insere na Lei do Orçamento daquele ano a necessária verba para a “organiza-


ção dos referidos Annaes” – Lei nº 1.836, de 27 de setembro de 1870, art. 2º e §
15, e Decreto nº 2.035, de 23 de setembro de 1871, consignando fundos para
a impressão dos “Annaes Parlamentares” anteriores ao ano de 1857, sendo a
mesma verba conservada nas posteriores leis de despesa pública.
Nota-se, destas providências, o quanto a Câmara dos Deputados estava
convencida da importância de coligir e de constituir, em um só corpo, os
pronunciamentos, debates, discussões, atos legislativos e administrativos da
Casa, desde o ano de 1823. São documentos preciosos, de extrema importân-
cia ao estudo da história parlamentar e política do Brasil. De acordo com o
Deputado Antônio Pereira Pinto (ES) “é um deposito de honrosas tradições que nos
legaram os primeiros legisladores do Imperio e onde encontramos uteis lições do mais
desinteressado civismo, e do perseverante esforço de dotar o pais de leis fundamentais,
de accordo com as justas aspirações de um povo livre e independente do jugo colonial”.
O Dr. Antônio Pereira Pinto, advogado, promotor, juiz, membro do Ins-
tituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Diretor do Arquivo Público do Impé-
rio e Diretor da Secretaria da Câmara dos Deputados, fez parte do Conselho
de Sua Majestade o Imperador, exerceu o mandato parlamentar da 10ª à 13ª
legislatura (1857 a 1864), representando a Província do Espírito Santo. Fez
parte, também, da Mesa como Primeiro, Segundo e Terceiro-Secretário, nes-
sas legislaturas. Publicou várias obras de Política e Direito Internacional, Es-
tudos de Questões Internacionais, Reforma Eleitoral, Anais do Parlamento,
Relatório, e Sinopse dos trabalhos da Câmara dos Deputados. Recebeu, in-
clusive, abono pecuniário para as despesas de publicação destas obras, conce-
dido por resolução da Assembléia Geral Legislativa. Como ex-parlamentar,
preocupado com a memória legislativa, esparsa em jornais da época, biblio-
tecas e atas impressas e, ciente do sério risco de perda deste importante acer-
vo, propôs, em 2 de Janeiro de 1873, organizar em “Annaes Parlamentares”, os
trabalhos legislativos ocorridos desde a Assembléia Geral, Constituinte e Le-
gislativa, de 1823, até o ano de 1857. Para tanto apresentou um “Memmorial”
com o seguinte teor:
“Augustos e Dignissimos Srs. Representantes da Nação
Antonio Pereira Pinto, propõe-se a colligir em Annaes, do formato dos que
actualmente inserem os trabalhos legislativos, os debates da Camara temporaria desde
a Constituinte até o anno de 1857, data em que começou a publicação dos actos, e
discussões do parlamento em volumes annuaes, e distinctos.
A idéa deste importante melhoramento aventada na sessão de 20 de Julho de
1855 pelo honrado representante o Sr. Augusto de Oliveira, acolhida pelo parecer da
Commissão de policia de 31 de Agosto daquelle anno, e definitivamente adoptada pela
Mesa da Camara dos Sr. deputados, em 1857, da qual o suplicante tivera a honra de
fazer parte, tem sido fecunda em uteis resultados, e trouxe grande luz ao conhecimento
da história parlamentar do paiz.
Essa idéa porém está hoje incompleta, desde que as discussões anteriores ao anno
de 1857 continuam esparsas em jornaes de difficil acquisição, e incomodo exame,

Sem título-5 701 7/5/2004, 10:23


702 Casimiro Neto

entretanto que taes discussões são de maxima importancia politica, porque referem-se
ao tempo da fundação do Imperio, ou ao da sua reorganisação depois da revolução de
Abril; phases essas que se desenham nos debates parlamentares, ou na promulgação das
leis por typos differentes, por tendencias de certa côr local.
Do valor e importancia dos actos legislativos elaborados no longo periodo a que
alludimos, dão pleno testemunho sua simples enunciação.
Na Constituinte, illustrado congresso de tão eminentes varões, dos mais distinctos
caracteres pelo seu saber e virtudes publicas, nessa illustre assembléa, a cuja sabedoria,
e patriotismo a historia um dia pagará amplo e justo tributo, discutiram-se grandes
medidas politicas, e administrativas, quaes o projecto da Constituição, e da creação dos
governos provinciaes, da liberdade de imprensa, da fundação de universidades, e ou-
tras de somenos valia, mas que directamente interessavam á causa publica; entretanto
onde a fonte em que se possa com facilidade compulsar essas discussões? Os proprios
livros das actas impressas da Constituinte são hoje raros, e sómente encontram-se em
algumas das poucas Bibliotecas desta Côrte, os jornaes que as inscreviam esses mais
raros ainda, e apenas possuidos por algum infatigavel cultor das cousas patrias. Assim
é que os actos legislativos desse congresso, cuja existencia constituiu a pedra angular
da independencia da nação escapam á critica, e apreciação do povo brazileiro, e têm
sido apreciados por prismas de notavel contradicção e manifesta divergencia, pela falta
dos necessarios elementos para uma recta aferição.
Depois da Constituinte, da legislatura de 1826 em diante, o corpo legislativo
occupou-se igualmente de importantissimos pontos da nossa legislação.
Os códigos do processo, e criminal, o acto addicional, a lei de interpretação, a do
regimen das municipalidades, da reforma judiciária em 1841, da colonisação e terras
públicas, da guarda nacional, da reforma hypothecaria, das que estatuiram providen-
cias para a repressão do tráfego de escravos, da reforma eleitoral, a do codigo commercial,
das reformas administrativas, e da instrucção pública, e tantas outras que attestam
altos monumentos de sabedoria de nossas camaras, e que abonam a proficiencia de
nossos legisladores, proficiencia exuberantemente provada nas longas, e esclarecidas
discussões dessas leis, jazem escriptas em truncadas gazetas da época, e se a tempo não
forem devidamente colleccionadas soffrerão o inexoravel destino de todas as cousas
humanas, a ruina, e o desapparecimento. Entretanto, que opulento cabedal de sciencia
legislativa e politica perderá o estadista, o advogado, o jurisconsulto, o professor de
nossas faculdades, o historiador, o juiz, os vindouros deputados e senadores, se a acção
do tempo, ou a poeira dos archivos destruirem esses copiosos mananciaes, onde possam
obter as consultas, onde aprofundar o estudo das leis, de seus motivos, e a opportunidade
de sua decretação!
No systema representativo a publicidade de todos os actos dos poderes supremos
não é simplesmente um preceito saudavel, deve ser antes um dogma invariavel do
regimen, porque é nessa publicicade que os mesmos poderes vão buscar as forças vivazes
de sua consolidação e os elementos indispensáveis para guiarem a opinião na estrada
das grandes reformas.
Escusa-se o supplicante de asseverar a esta Augusta Camara que no empenho
proposto não é estimulado pelo movel do mesquinho interesse pecuniario, mais nobre

Sem título-5 702 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 703

incentivo o excita a este commettimento, qual o desejo de ligar seu obscuro nome ao
livro que tem de memorar aos vindouros os grandes feitos parlamentares da geração
que fundou o Imperio, e que o organisou após a revolução de Abril, e ainda pelos
tempos que correm.
Nestes termos, e havendo a lei n. 1836 de 27 de Setembro de 1870 art. 2º e § 15,
e o decreto n. 2035 de 23 de Setembro de 1871 consignado fundos para a impressão
dos Annaes Parlamentares anteriores ao anno de 1857, propõe-se o supplicante a
proceder á organisação dos referidos Annaes na fórma como fôr estipulada pela
Commissão de policia; e assim
Pede respeitosamente á Augusta Camara dos Srs. deputados que se digne deferir-
lhe como requer. E. R. M. Rio, 2 de Janeiro de 1873. Antonio Pereira Pinto”. Grifado
pelo compilador.

28 de janeiro de 1873. Sala das Comissões. A Comissão de Polícia, após


apreciar o requerimento do ex-Deputado Dr. Antônio Pereira Pinto, emite o
seguinte parecer: “A Commissão de Polícia, tendo examinado o requerimento em que
o Dr. Antonio Pereira Pinto propõe a esta Camara ser por ella encarregado de colligir
em Annaes os trabalhos legislativos do ramo temporario desde a Assembléa Constituinte
até o anno de 1857, para serem coordenados no formato dos que actualmente se publi-
cam; e
Considerando que as vantagens expostas pelo proponente em seu requerimento,
sobre serem obvias e incontestaveis, já foram reconhecidas por esta Camara, não só
mandando publicar os sobreditos Annaes do anno de 1857 em diante, senão também
autorisando essa publicação quanto aos annos anteriores, como se vê da lei n. 1836 de
27 de Setembro de 1870, art. 2º § 15, cuja disposição não pôde ser executada por ser
minimamente escassa a verba votada para esse serviço;
Considerando que o Dr. Antonio Pereira Pinto é pessoa competente para desem-
penhar satisfactoriamente o trabalho que se propõe a fazer:
É de parecer que a Camara dos Deputados a autorise a aceitar a proposta, e a
contractar com o proponente Dr. Antonio Pereira Pinto a publicação dos trabalhos
legislativos da Camara temporaria, desde a Assembléa Constituinte até o anno de 1857,
em Annaes semelhantes aos que actualmente se imprimem, com as condições que forem
mais convenientes.”
Sala das commissões, em 28 de Janeiro de 1873. – J. J. Teixeira Junior, presidente.
– Dr. Joaquim José de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, 1º secretario. –
Martinho de Freitas Vieira Mello, 2º secretario interino. – Luiz Eugenio Horta Barboza,
3º secretario interino”. Grifado pelo compilador.

21 de fevereiro de 1873. Plenário da Câmara dos Deputados. É votado


e aprovado, sem debates, o Parecer da Mesa sobre o contrato para a publica-
ção dos trabalhos legislativos da Câmara dos Deputados, desde a Assembléia
Geral, Constituinte e Legislativa de 1823 até o ano de 1857, em “Annaes Par-
lamentares”, e nos moldes descritos no memorial do ex-deputado Dr. Antônio
Pereira Pinto.

Sem título-5 703 7/5/2004, 10:23


704 Casimiro Neto

A Mesa da Câmara dos Deputados, nesta época, era composta pelos


Deputados Jerônimo José Teixeira Júnior (RJ), Presidente; Innocêncio Mar-
ques de Araújo Góes (BA), Barão de Araújo Góes, Antônio José Henriques
(PB), e Joaquim Pires Machado Portella (PE), como Vice-Presidentes; Joa-
quim José de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque (MA), Primeiro-
Secretário; Joaquim Lopes Chaves (SP), Segundo-Secretário; Martinho de
Freitas Vieira de Melo (SE), Terceiro-Secretário; Luís Eugênio Horta Barbosa
(MG), Quarto-Secretário e os Suplentes Manuel José de Menezes Prado (SE)
e Antônio da Rocha Fernandes Leão (MG).
16 de dezembro de 1874. A Mesa da Câmara dos Deputados contrata,
finalmente, com o Conselheiro Dr. Antônio Pereira Pinto a compilação dos
“Annaes Parlamentares” anteriores a 1857, devendo ficar concluído o trabalho
dentro do prazo de 10 anos.
Este conselheiro, contratado para fazer a compilação dos “Annaes Parla-
mentares” anteriores a 1857, vem a falecer a 5 de junho de 1880. Por isso, os
anais de 1823, 1826 a 1832, 1834, 1846 a 1856 só foram publicados em 21 de
dezembro de 1880.
O contrato é transferido ao Sr. Antônio Henock dos Reis e prorrogado
o prazo por mais dois anos. Por ato de 30 de agosto de 1884, este prazo foi
dilatado até 1º de janeiro de 1887.
Durante o período de 1º de janeiro de 1881 até 18 de dezembro de
1886, dia em que faleceu o Sr. Antônio Henock Reis, foram publicados os
anais de 1838 a 1845 ou nove sessões.

21 de fevereiro de 1885. É expedido o Decreto nº 9.381, com a rubrica


do Imperador D. Pedro II, que “dá regulamento e reorganiza a Tipographia Na-
cional e o Diário Official”.
7 de maio de 1887. Sala das Comissões. A Mesa da Câmara dos Depu-
tados, atendendo a conveniência de se completar a publicação dos “Annaes
Parlamentares”, anteriores a 1857, apresenta parecer com o seguinte teor: “A
Commissão de Polícia attendendo á conveniencia de completar-se a publicação dos
Annaes anteriores a 1857 e considerando que faltam apenas a de poucos annos, resol-
ve aceitar o offerecimento expontaneo e desinteressado do Sr. Conselheiro Jorge João
Dodsworth para continuar a mesma compilação sem gratificação alguma. Sala das
commissões em 7 de Maio de 1887. Rodrigo Silva. – A Coelho Rodrigues. – J. Wallace
da Gama Cockrane. – José Luiz Coelho e Campos. – Manoel Ambrosio da Silveira
Torres Portugal”.
Em virtude destes fatos, o Conselheiro Jorge João Dodsworth, 2º Barão
de Javari, do Conselho de S. M. o Imperador D. Pedro II, bacharel em Direito
pela Faculdade de São Paulo e em Belas Letras pelo Imperial Colégio D.Pedro
II, e Diretor da Secretaria da Câmara dos Deputados, apresenta uma petição
inicial à Mesa, assim se expressando: “Côrte, 10 de Fevereiro de 1887. – Illm. Exm.
Sr. Dr. Domingos de Andrade Figueira, Presidente da Camara dos Srs. Deputados.

Sem título-5 704 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 705

Desejando concorrer com o meu trabalho para que se termine a publicação dos
Annaes anteriores a 1857, a qual está bastante adiantada, faltando apenas os annos
de 1833, 1835, 1836 e 1837, offereço os meus serviços gratuitamente, tanto para
rever o 2º volume do anno de 1838, que está no prelo e não póde ser publicado sem a
necessaria revisão, como para colligir e fazer imprimir os poucos annos que faltão,
correndo sómente a despeza com a impressão, de conformidade com o contracto em
vigor e dentro da verba votada no orçamento vigente, a qual me parece sufficiente para
a conclusão de todo o trabalho.
A vista da difficuldade de acquisição de originaes, não posso contrahir compro-
misso algum, mas garanto a V. Ex. envidar todos os esforços para que não pare tão
importante publicação.
Se V. Ex. e os dignos membros da Meza da Camara dos Srs. Deputados entende-
rem que devem aceitar o meu offerecimento, dar-me-hei por bem remunerado, não só
por merecer a confiança de V. Ex. e dos seus illustrados collegas, como tambem por ter
a gloria de concorrer para que não fiquem esquecidas com o caminhar dos tempos as
mais brilhantes paginas da vida parlamentar de nossa patria.
Sou com a maior consideração e respeito
De V. Ex. attento, venerador, criado e obrigado
Jorge João Dodsworth”. Grifado pelo compilador.
Na introdução dos livros compilados pelo Conselheiro Jorge João
Dodsworth encontramos, também, a seguinte observação: “Comprehendo bem
a difficuldade da empreza a que me arrisquei, mas esforçar-me-hei para leval-a ao fim,
procurando imitar os meus dignos e illustrados antecessores, de saudosa memoria e
tendo em vista unicamente ligar tambem o meu obscuro nome a um trabalho de tanta
valia”.
O trabalho de recuperação dos Anais e Diários da Câmara dos Depu-
tados, sua posterior publicação e, também, a preocupação constante com o
inteiro teor dos trabalhos legislativos, nos dá uma visão geral das dificulda-
des e dos acontecimentos da época em que estão inseridos.

17 de fevereiro de 1889. É expedido o Decreto nº 10.189, que promul-


ga a Convenção firmada em Bruxelas, em 25 de março de 1886, entre o
Brasil, a Bélgica, a Espanha, os Estados Unidos da América, a Itália, Portugal
e a Sérvia para “a troca do jornal oficial e dos anais e documentos parlamentares dos
respectivos países”.
A partir do ano de 1879 até junho de 1889, passam a circular junto com
o “Diário Official”, os pronunciamentos, debates, discussões, atos legislativos e
administrativos da Câmara dos Deputados e da Câmara dos Senadores, com
a denominação de “Diario do Parlamento Brazileiro”, editado pela “Typographia
Nacional”.
Após a Proclamação da República, os pronunciamentos, debates, dis-
cussões, atos legislativos e administrativos do Parlamento passam a circular
no “Diário do Congresso Nacional – Estados Unidos do Brazil”. Incluem sessões da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, circulando com esse título de

Sem título-5 705 7/5/2004, 10:23


706 Casimiro Neto

16 de novembro de 1890, data de sua primeira publicação, até o dia 1º de


junho de 1917.
2 de junho de 1917. Os pronunciamentos, debates, discussões, atos le-
gislativos e administrativos do Parlamento passam a circular no “Diário do
Congresso Nacional – Estados Unidos do Brasil”, incluindo sessões da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal, até o dia 10 de dezembro de 1930,
aparecendo, então, pela primeira vez, a palavra “Brasil” grafada com “s”.

11 de novembro de 1933. Os pronunciamentos, debates, discussões,


atos legislativos e administrativos do Parlamento passam a circular no “Diário
da Assembléia Nacional – República dos Estados Unidos do Brasil” até o dia 21de
julho de 1934.

22 de julho de 1934. Os pronunciamentos, debates, discussões, atos


legislativos e administrativos do Parlamento passam a circular no “Diário da
Câmara dos Deputados – Estados Unidos do Brasil” até o dia 12 de agosto de
1934.
14 de agosto de 1934. Os pronunciamentos, debates, discussões, atos
legislativos e administrativos do Parlamento passam a circular no “Diario do
Poder Legislativo, Estados Unidos do Brasil”, incluindo sessões da Câmara dos
Deputados – “Função Ordinária da Assembléia Nacional Constituinte – Câmara dos
Deputados”, a qual exerceu cumulativamente as funções do Senado Federal
até o dia 27 de abril de 1935.

28 de agosto de 1934. Os pronunciamentos, debates, discussões, atos


legislativos e administrativos do Parlamento passam a circular no “Diário do
Poder Legislativo, Estados Unidos do Brasil”, incluindo sessões da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, até o dia 9 de novembro de 1937 e de 2 de
fevereiro de 1946 a 13 de março de 1946.
3 de janeiro de 1935. Plenário. A preocupação com o alto preço do
papel de impressão e dos trabalhos gráficos para a publicação dos “Avulsos do
Diário do Poder Legislativo e dos Annaes da Assembléa Constituinte” leva o Depu-
tado Waldemar de Araújo Motta (DF) a apresentar emenda ao Projeto de
Resolução nº 4-A, de 1934, que “modifica artigos do Regimento Interno da Camara
dos Deputados; com parecer favorável da Commissão Executiva” com o seguinte
teor:
“Accrescente-se onde convier:
Artigo. Nenhum documento será publicado no Diario Legislativo, desde que se
não trate de publicações incluidas pelas commissões como elucidativas ou justificativas
dos seus trabalhos, – sem parecer da Commissão Executiva, que pedirá informações á
Imprensa Nacional sobre o montante da despesa. Essa informação acompanhará o
parecer emittido pela referida commissão e submettido á deliberação do plenario depois
de discussão unica.

Sem título-5 706 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 707

Justificação: A publicação no Diario Legislativo, de documentos de toda nature-


za, artigos de jornaes, etc., constitue um abuso que traz onus pesadissimos aos cofres
publicos, tornando impossivel o calculo das despesas dos debates e trabalhos legislati-
vos. Os Annaes da Assembléa Constituinte, devido á publicação de documentos estra-
nhos aos seus trabalhos, custarão, talvez mais de 30% do que custariam se contivessem
unicamente os seus proprios documentos.
Comumumente, além da publicação, são tirados avulsos, de que se apoderam os
interessados para distribuir a amigos e conhecidos. Com o preço a que attingiram os
trabalhos graphicos e o papel de impressão, o abuso attinge na actualidade a sommas
importantes, tornando-se um “encargo” para o qual não foi attribuido o constitucional
recurso, conforme exige o artigo 183 da lei basica.
A despesa com a impressão do Diario do Poder Legislativo obedece a um calculo
em que não entram e não podem entrar taes publicações, contra as quaes reclama com
razão a Imprensa Nacional.
Urge, pois, uma energica providencia a respeito. E’ o que pretende a emenda.”
Sala das Sessões, 20 de dezembro de 1934. – Waldemar Motta”.
14 de março de 1946. Os pronunciamentos, debates, discussões, atos
legislativos e administrativos do Parlamento passam a circular no “Diário da
Assembléia – Estados Unidos do Brasil” até o dia 21 de setembro de 1946.
24 de setembro de 1946. Os pronunciamentos, debates, discussões, atos
legislativos e administrativos do Parlamento passam a circular no diário com
a mesma denominação de 1917, na sua primeira publicação, e de 1934, ou
seja, “Diário do Congresso Nacional – Estados Unidos do Brasil”, com sessões da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal até o dia 31 de julho de 1953.
1º de agosto de 1953. Os pronunciamentos, debates, discussões, atos
legislativos e administrativos do Parlamento passam a circular nos diários,
editados em dois tomos, com paginação distinta até o dia 31 de dezembro de
1958 como: “Diário do Congresso Nacional – Seção I – Câmara dos Deputados”, e
a “Seção II, referente às sessões conjuntas do Congresso Nacional, e às do Senado
Federal”.
1º de janeiro de 1959. Os pronunciamentos, debates, discussões, atos
legislativos e administrativos do Parlamento passam a circular nos diários,
editados em três tomos, com paginação distinta: “Diário do Congresso Nacional
– Seção I – Câmara dos Deputados”; “Diário do Congresso Nacional – Seção II –
Senado Federal” e “Diário do Congresso Nacional – Sessão Conjunta” até o dia 30
de setembro de 1995.
2 de fevereiro de 1987. Os pronunciamentos, debates, discussões, atos
legislativos e administrativos do Parlamento passam a circular, também, no
“Diário da Assembléia Nacional Constituinte” até o dia 5 de outubro de 1988.
8 de outubro de 1993. Os pronunciamentos, debates, discussões, atos
legislativos e administrativos do Parlamento passam a circular, também, no

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708 Casimiro Neto

“Diário do Congresso Nacional Revisor” e no “Diário dos Trabalhos Revisionais” até


o dia 1º de junho de 1994.
2 de outubro de 1995. “Ato dos presidentes das Mesas das duas casas do
Congresso Nacional” – Deputado Luís Eduardo Magalhães e Senador José
Sarney –, altera a denominação “Diário do Congresso Nacional, Seções I e II”, e
o lay out a elas correspondente e, ainda, o do exemplar específico, no qual são
publicadas as atas das sessões conjuntas. Em 03 de outubro de 1995, os Diários
do Parlamento passam a circular em três partes distintas: “Diário da Câmara dos
Deputados”, “Diário do Senado Federal” e “Diário do Congresso Nacional”.
Esta nova edição veio aperfeiçoar o sistema de publicação dos “Anais e
Diários do Parlamento”, imprimindo-lhes nova programação visual, aperfeiço-
ando a classificação de matérias legislativas e facilitando a recuperação das
informações neles publicadas, com vistas, ainda, à informatização de dados.
O Diário da Câmara dos Deputados, desde a sua criação, já foi impresso
na Tipografia Nacional; em tipografias de jornais da época do Primeiro e
Segundo Impérios; em tipografias contratadas; e no Departamento da Im-
prensa Nacional, passando sua impressão, a partir de 16 de junho de 1973,
para o Centro Gráfico do Senado Federal, atualmente, Secretaria Especial de
Editoração e Publicações.
O “Diário do Congresso Nacional, Sessão I”, e o “Diário da Câmara dos Depu-
tados”, por dispositivo regimental, publicam a ata plena da sessão ou sessões
do dia anterior; as atas das reuniões de comissões e distribuição de projetos;
atas e atos da Mesa, líderes e vice-líderes, atos do Presidente da Câmara dos
Deputados, atos do Diretor-Geral, avisos, editais, CPIs, composição da Mesa
e das comissões.
É de se notar que o “Diário da Câmara dos Deputados” apresenta nas pági-
nas iniciais o sumário da matéria relativa à sessão que divulga.
A partir de 1975, por decisão da Mesa, o texto dos “Anais” passou a ser
o mesmo do “Diário do Congresso Nacional – Sessão I”, mantendo-se deste, a
paginação e o formato. Utilizando-se a mesma composição tipográfica, faz-se
uma tiragem em papel de melhor qualidade. Os volumes deste ano tiveram
seus índices também publicados em separatas. A partir de 1976, os índices
não mais aparecem no final do respectivo número.
A decisão de se considerar o “Diário da Câmara dos Deputados” como os
próprios “Anais” representa significativa economia de trabalho editorial. Fa-
cilita a pesquisa e divulgação dos trabalhos legislativos e, além disso, o pre-
paro dos índices e sumários cumulativos constituiu excelente atividade do-
cumental e instrumento de dinamização destas coleções de informações
legislativas.

Sem título-5 708 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 709

Quadro nº 33
Capa do primeiro volume de Anais da Assembléia Geral
Constituinte e Legislativa de 1823.
Neste volume registra-se, dentre outras, a Primeira Sessão
Preparatória da Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa
do Império do Brasil, realizada a 17 de abril de 1823.

Sem título-5 709 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 711

Síntese Histórica dos Anais


da Câmara dos Deputados

(PUBLICAÇÃO DOS PRONUNCIAMENTOS, DEBATES, DISCUSSÕES,


E ATOS LEGISLATIVOS DO PLENÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS)

“Os Anais do Poder Legislativo constituem, para todos os efeitos his-


tóricos, a mais perfeita das fontes e contribuições informativas da evolução
política de um povo, e que jamais um país organizado, ciente e consciente
da importância das suas tradições e da influência do seu passado, na efi-
cácia do seu presente e no desdobrar do seu futuro, não pode prescindir dos
arquivos parlamentares”.
Deputado JOÃO FERNANDES CAMPOS CAFÉ FILHO (PSP-RN)
11 de março de 1946

ANAIS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

ANAIS

Verbete: anais. Do latim. Annales. S. m. pl.


1. História ou narração organizada ano por ano.
2. Publicação periódica de ciências, letras ou artes.
3. P. ext. Registro de fatos históricos ou pessoais.
(AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA. Novo Aurélio, Século XXI. O
Dicionário da Língua Portuguesa).

31 de agosto de 1855. É aprovado pela Comissão de Polícia a publica-


ção diária dos trabalhos legislativos da Câmara dos Deputados com índice e
brochura em forma de livro. Esclarecida idéia levantada na sessão de 20 de
julho de 1855 pelo ilustre representante da Província de Pernambuco, Depu-
tado Augusto Frederico de Oliveira, através de uma indicação com o seguinte
teor: “Indico que a mesa no contracto que deverá celebrar para a publicação dos
trabalhos desta camara attenta a necessidade que essa publicação deve ser feita por tal
fórma, que no fim de cada sessão os trabalhos legislativos possão ser reunidos separada-
mente de outros assumptos em um ou mais volumes, distribuindo-se um exemplar a

Sem título-5 711 7/5/2004, 10:23


712 Casimiro Neto

cada membro do corpo legislativo; e podendo ao mesmo tempo mandar publicar pela
mesma maneira os trabalhos a principiar do primeiro dia de sessão da actual legislatura”.
Grifado pelo compilador.
Esta indicação e uma representação assinada pelo Sr. Manoel Antônio
de Almeida foram acolhidas pelo Parecer da Comissão de Polícia de 31 de
agosto de 1855, que diz: “Suscita-se na indicação a idéa de contractar a publicação
dos trabalhos desta augusta camara de modo que seja attendida a necessidade de serem
no fim de cada sessão os trabalhos legislativos reunidos, independentemente de outros
assumptos, em um ou mais volumes, de que se distribua um exemplar a cada membro
do corpo legislativo, comprehendendo logo nessa publicação os trabalhos havidos desde
o primeiro dia de sessão da actual legislatura. Na representação mencionada contem-se
a proposta da creação de uma folha com o título de Boletim, Monitor, Annaes Parla-
mentares ou outros que melhor convenha, na qual se publiquem os trabalhos da camara
debaixo do plano e garantias, que a mesa julgue acertadas, tomando-se por base que
essa publicação seja feita em formato de livro, que se dêm os exemplares precisos para
serem diariamente distribuidos pelos membros do corpo legislativo, e mais funccionarios
á respeito de quem o mesmo se determine, que além disso seja distribuida no fim das
sessões a cada membro do corpo legislativo uma segunda collecção completa da folha,
com indices e brochada em fórma de livro, e que a redacção desta folha especial publi-
que no fim das sessões uma synopse dos trabalhos das camaras, um indice alphabetico
das materias discutidas, com as remissões necessarias. Propõe mais o peticionario
incumbir-se de publicar integralmente todo o expediente, projectos de lei, pareceres de
commissões, etc., e finalmente, que o 1º anno seja considerado de experiencia para a
realisação da idéa, e verificação do orçamento da despeza, não sendo a camara obri-
gada a manter a folha, se, no fim da experiencia, reconhecer que a empreza não é
proveitosa.
Parece evidente á mesa a conveniencia, se não a necessidade de providenciar em
ordem a que a publicação de todos os seus trabalhos seja feita não só prompta e segui-
damente, como ainda de modo que torne uma tarefa igualmente prompta e mais facil
possivel, a de serem suas discussões e actas consultadas em qualquer tempo, conciliando
esse desideratum com o menor dispendio possivel.
Attendendo-se pois á manifesta utilidade de ser feito esse serviço pelo methodo
indicado; e para que melhor se conheção e adoptem quaesquer planos, que mais vanta-
josos possão ainda ser na execução desse pensamento; entende a mesa, e propõe á
camara que seja a mesma mesa encarregada de:
1º Notificar ou prevenir desde logo á empreza actualmente incumbida da publi-
cação dos trabalhos da camara, que o respectivo contracto termina com a sessão do
presente anno, e sómente poderá continuar no caso de não realisar-se o contracto, que
se tem em vista no paragrapho seguinte.
2º Convidar os concurrentes a contractar a publicação dos trabalhos da mesma
camara a contar do principio da sessão do anno vindouro, debaixo das bases já referi-
das, accrescendo (para que continue a mais completa circulação) que essa folha, ou
publicação dos trabalhos da camara dos deputados, acompanhe a qualquer dos jornaes
da côrte, ou seja a elle annexa de modo a poder integral e distinctivamente separar-se,

Sem título-5 712 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 713

e formar livro, e de effectivamente contractar com aquelle dos concurrentes que melhor
e com melhores garantias aceite e execute esse trabalho.
Paço da camara dos deputados, em 31 de Agosto de 1855. – Visconde de Baependy.
– Francisco de Paula Candido. – Antonio José Machado. – Lindolfo José Corrêa das
Neves. – Silverio Fernandes de Araujo Jorge”. Grifado pelo compilador.
14 de maio de 1857. Plenário da Câmara dos Deputados. Leitura do
requerimento de “J. Villeneuve e C.”, proprietários do “Jornal do Commercio”,
propondo publicar os trabalhos da Câmara dos Deputados no respectivo jor-
nal a partir do ano de 1857, em volumes separados, sob o título de “Annaes do
Parlamento Brazileiro”. No dia 15 de maio é colocado em discussão o Parecer
da Mesa sobre a publicação dos trabalhos da Câmara dos Deputados. O Depu-
tado Augusto Frederico de Oliveira (PE) apresenta a seguinte emenda: “Que
fique a mesa autorisada a innovar, pelo modo que lhe parecer mais conveniente, o
contrato para a publicação do debates da camara, tendo em vista o pensamento da
indicação”. Não havendo quem peça a palavra para discutir a emenda, em
seguida é colocada em votação, sendo aprovada e ficando prejudicado o Pa-
recer da Mesa. No dia 23 de maio o Primeiro-Secretário comunica ao Plená-
rio que, “em virtude da autorização que lhe foi concedida, a Mesa renovou o contracto
que havia com os proprietarios do ‘Jornal do Commercio’ para a publicação dos traba-
lhos legislativos e que o referido contracto está disponível, sobre a mesa, para o exame
dos interessados”.
Com a assinatura do contrato com o “Jornal do Commercio” inicia-se a
publicação dos pronunciamentos, debates, e atos da Câmara dos Deputados
em volumes anuais e distintos, sob o título de “Annaes do Parlamento Brazileiro”.
16 de dezembro de 1874. A Mesa da Câmara dos Deputados contrata
com o Conselheiro Antônio Pereira Pinto a compilação dos “Annaes Parlamen-
tares” anteriores a 1857, devendo ficar concluido o trabalho dentro do prazo
de 10 anos. Têm início a publicação dos Anais com o título de “Annaes do
Parlamento Brazileiro, Assembléia Constituinte, 1823”, e, também, a publicação
dos “Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados”.
O Conselheiro Antônio Pereira Pinto, contratado para fazer a compila-
ção dos “Annaes Parlamentares” anteriores a 1857, vem a falecer no dia 5 de
junho de 1880, tendo feito publicar os Anais de 1823, 1826 a 1832, 1834,
1846 a 1856.
21 de dezembro de 1880. É transferido o contrato ao Sr. Antônio Henock
dos Reis e prorrogado o prazo por mais dois anos, sendo ainda, por ato de 30
de agosto de 1884, prorrogado até 1º de janeiro de 1887.
Durante o período de 1º de janeiro de 1881 a 18 de dezembro de 1886,
dia em que veio a falecer o Sr. Antônio Henock Reis, foram publicados os
anais de 1838 a 1845.
7 de maio de 1887. A Mesa da Câmara dos Deputados, atendendo a
conveniência de se completar a publicação dos “Annaes Parlamentares” ante-

Sem título-5 713 7/5/2004, 10:23


714 Casimiro Neto

riores a 1857 e considerando que faltam apenas poucos anos, ou sejam, os de


1833, 1835, 1836 e 1837, resolve aceitar o oferecimento expontâneo e desin-
teressado do Conselheiro Jorge João Dodsworth, do Conselho de S.M. o Im-
perador, Bacharel em Direito pela Faculdade de São Paulo e em Belas Letras
pelo Imperial Colégio D.Pedro II, e Diretor da Secretaria da Câmara dos
Deputados, para continuar a mesma compilação sem gratificação alguma.
Com essas decisões, ao final, são publicados os “Annaes do Parlamento
Brazileiro, Assembléa Constituinte, 1823”, com as sessões de 03 de maio de 1823
até 12 de novembro de 1823, seis volumes, editados pela “Typographia do Impe-
rial Instituto Artístico” no Rio de Janeiro e os “Annaes do Parlamento Brazileiro.
Camara dos Srs. Deputados. 1º ano da 1ª legislatura, sessão de 1826 à 4ª sessão legis-
lativa da 20ª legislatura(1889)”, com sessões de 29 de abril de 1826 a 17 de
junho de 1889, 253 volumes, editados pela Imprensa Nacional no Rio de Ja-
neiro e publicados entre os anos de 1874 a 1889, reunindo toda a documenta-
ção que se encontrava esparsa em arquivos e jornais da época, registrando os
primeiros trabalhos da Câmara dos Deputados do Brasil independente até a
última sessão legislativa da 20ª legislatura, dissolvida no dia 15 de junho de
1889, meses antes da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889.

A partir do ano de 1890 passam a ser editados os seguintes volumes


de Anais:
1) Annaes do Congresso Nacional – Constituinte, com sessões de 4 de
novembro de 1890 a 26 de fevereiro de 1891. Editados, em 1891, pela Im-
prensa Nacional.
2) Annaes do Congresso Constituinte da República, 2ª edição, com ses-
sões de 4 de novembro de 1890 a 26 de fevereiro de 1891. Editados, com
correções, de 1924 a 1926 pela Imprensa Nacional.
9 de setembro de 1921. Plenário da Câmara dos Deputados. É votado e
aprovado o Projeto de Resolução nº 2, de 1921, da Câmara dos Deputados,
com o seguinte teor: “Fica a Mesa da Câmara autorizada a mandar tirar uma nova
edição de mil exemplares, pela verba de publicação de debates, dos Annaes do Congres-
so Constituinte Republicano, a que serão acrescentados os discursos que nelle foram
pronunciados, mas não foram officialmente publicados, constando, entretanto, dos jornaes
da época, ou encontrando-se em poder dos seus autores.
A nova edição dos Annaes da Constituinte será destinada à venda, calculado o
preço de cada exemplar pelo do seu custo.
Sala das Commissões, 8 de setembro de 1921. – Arnolfo Azevedo, Presidente. –
José Augusto, 1º Secretario. – Costa Rego, 2º Secretario”. Grifado pelo compilador.
Ao determinar a reedição destes Anais, o Presidente da Câmara, Depu-
tado Arnolfo Rodrigues de Azevedo (SP) declara que satisfaz a necessidade
criada por ter-se esgotado a primeira edição, de 1891; fazer as correções
necessárias, inclusive dos índices e com acréscimo de informações não
publicadas na época, mas que deseja, especialmente, que essa nova publica-

Sem título-5 714 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 715

ção represente a Casa nas comemorações do Centenário da Independência do


Brasil. Esta reedição dos “Annaes do Congresso Constituinte da República” é elabo-
rada de 1924 a 1926, pela Imprensa Nacional.
3) Annaes da Câmara dos Deputados, com sessões de 10 de junho de
1891 a 11 de novembro de 1930. Apresentam falhas em sua edição durante a
década de 1920. Editados pela Imprensa Nacional.
4) Annaes da Assembléia Nacional Constituinte, com sessões de 10 de
novembro de 1933 a 20 de julho de 1934. Editados pela Imprensa Nacional.
5) Anexos dos Annaes da Assembléia Nacional Constituinte de 1933, edi-
tados durante os anos de 1935 e 1936 pela Typografia do Jornal do
Commercio.
6) Annaes da Camara dos Deputados – Função Ordinária da Assembléia
Nacional Constituinte, com sessões de 21 de julho de 1934 a 28 de outubro
de 1934. Editados durante os anos de 1935 e 1936 pela Imprensa Nacional.
7) Annaes da Camara dos Deputados, com sessões de 28 de abril de
1935 a 10 de novembro de 1937. Apresentam falhas na sua edição. Editados
pela Imprensa Nacional.
8) Anais da Assembléia Constituinte, com sessões de 1º de fevereiro de
1946 a 20 de setembro de 1946. Editados pelo Departamento de Imprensa
Nacional durante os anos de 1946 a 1951.
9) Anais da Comissão da Constituição, Constituinte – 1946. Editados no
ano de 1948 pela Imprensa Nacional.
10) Pareceres e Relatórios das Subcomissões, Constituinte – 1946. Edita-
dos no ano de 1948 pela Imprensa Nacional.
11) Anais da Câmara dos Deputados, com sessões de 23 de setembro de
1946 até os dias atuais, apresentam lacunas, em sua publicação, nas décadas
de 1940 e 1950. Editados pelo Departamento de Imprensa Nacional até 16
de junho de 1973 e, a partir desta data, pelo Centro Gráfico do Senado Fe-
deral.
12) Anais da Constituição do Brasil de 1967, com sessões de 12 de de-
zembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967. Editados pelo Serviço Gráfico da
Fundação IBGE, em 1969, e pelo Serviço Gráfico do Senado Federal, de 1967
a 1970.
13) Anais da Assembléia Nacional Constituinte, com sessões de 1º de
fevereiro de 1987 a 5 de outubro de 1988. Editados pelo Centro Gráfico do
Senado Federal.
Não foram publicados os “Anais Parlamentares” correspondentes aos anos
de 1925, 1929, 1930, 1937, 1948, 1949, 1950, 1953 e 1955, e estão incom-
pletas as coleções correspondentes aos anos de 1927, 1928, 1934, 1935, 1936,
1946, 1947, 1951, 1952, 1954 e 1974 (18 de junho de 1974 a 5 de dezembro
de 1974).

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716 Casimiro Neto

Não existem os “Anais Parlamentares” correspondentes aos períodos: de


12/11/1823 a 28 de abril de 1826; de 1º/05/1842 a 23/12/1842; de 24/05/1844
a 23/12/1844; de 5/10/1848 a 14/12/1849; de 12/05/1863 a 13/12/1863; de
8/07/1865 a 3/03/1866; de 20/07/1868 a 14/04/1869; de 22/05/1872 a
13/11/1872; de 11/04/1878 a 26/12/1878; de 13/11/1879 a 14/04/1880; de
12/03/1881 a 12/12/1881; de 3/09/1884 a 10/02/1885; de 26/09/1885 a
14/04/1886; de 17/06/1889 a 1º/11/1889; de 16/11/1889 a 3/11/1890; de
3/11/1891 a 11/12/1891; de 3 a 11/09/1914; de 18 a 26/07/1922; de 5/10/1930
a 9/11/1933; de 10/11/1937 a 31/01/1946; de 20/10/1966 a 22/11/1966;
13/12/1968 a 21/10/1969; e de 1º a 14/04/1977, devido a suspensão dos tra-
balhos da Câmara dos Deputados nesses períodos por motivo de decretos do
monarca no Primeiro e Segundo Impérios e na República, por resoluções da
própria Casa, por atos ditatoriais ou institucionais.
Não foi publicada nos “Anais e Diários” a Sessão Extraordinária do dia 30
de junho de 1987, convocada para ouvir o Ministro da Fazenda, o Sr. Bresser
Pereira.
A não publicação dos “Anais Parlamentares” correspondentes às décadas
de 1920 e 1930 foi, inclusive, objeto do Requerimento nº 33, datado de 7 de
março de 1946, de autoria do Deputado João Fernandes Campos Café Filho
(PSP-RN), e apresentado durante a 22ª Sessão da Assembléia Constituinte,
em 11 de março de 1946, que “solicita à Mesa da Assembléia Constituinte informa-
ções sôbre a data exata em que foram suspensas as publicações dos Anais do Senado
Federal e da Câmara dos Deputados, anteriores à Revolução de outubro de 1930;
sobre os responsáveis por essa medida, e o lugar onde se encontram os respectivos origi-
nais; informações idênticas sobre os Anais do Poder Legislativo de 1934 a 1937; e
sugere rigoroso inquérito administrativo para apurar as responsabilidades” e embasa
esse requerimento com a seguinte justificativa: “Considerando que os Anais do
Poder Legislativo constituem, para todos os efeitos históricos, a mais perfeita das fontes
e contribuições informativas da evolução política de um povo, e que jamais um país
organizado, ciente e consciente da importância das suas tradições e da influência do
seu passado, na eficácia do seu presente e no desdobrar do seu futuro, não pode prescin-
dir dos arquivos parlamentares, e que deverão ser devidamente punidos os responsáveis
ou co-responsáveis pela suspensão parcial ou total das respectivas publicações, formu-
lamos à Mesa da Assembléia Constituinte o seguinte requerimento de informações:
1) Até que data foram publicados os Anais do Senado e da Câmara dos Deputados
anteriores à Revolução de 24 de outubro de 1930, e os que deixaram de ser, por ordem e
responsabilidade de quem, tal falta foi cometida, e onde estão os respectivos originais?
2) Até que data foram publicados os Anais do Poder Legislativo, de 1934 a
1937; quem determinou a sua suspensão, por ela se responsabilizou, e onde se encon-
tram os respectivos originais?
Da informação prestada, urgentemente pela Mesa, a Assembléia Constituinte
deverá tomar imediato conhecimento, a fim de ser devidamente apurada, se houver
mister, em rigoroso inquérito administrativo, a responsabilidade dos que tenham por si
próprios ou ordem de outrem ou outros, privado a História dêsses elementos indispen-

Sem título-5 716 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 717

sáveis e substanciais ao apuro da nossa atividade mental e política, determinando-se a


seguir a publicação dos originais em ordem sucessiva, de maneira que não haja solução
de continuidade na impressão dos Anais Parlamentares do Brasil.
Sala da Sessões, em 7 de março de 1946. – Café Filho”. Grifado pelo compilador.
Não foram publicadas em “Anais e Diários” as sessões preparatórias refe-
rentes ao período de 2 a 15 de novembro de 1889, que antecede à Proclama-
ção da República; a 13ª sessão ordinária da convocação extraordinária em 12
de dezembro de 1968, na qual os deputados, em um ato de grandeza históri-
ca, derrubaram, em pleno regime militar, por 216 votos contra 141 e 12 em
branco, o pedido de licença do Supremo Tribunal Federal para processar o
Deputado Márcio Moreira Alves por suas críticas às Forças Armadas; a ata da
14ª sessão extraordinária noturna da convocação extraordinária, do mesmo
dia; e também, a ata da 15ª sessão ordinária da convocação extraordinária,
do dia 13 de dezembro de 1968.
Sobre esse assunto, no dia 16 de setembro de 1999, o servidor Casimiro
Pedro da Silva Neto, Chefe da Seção de Documentação Parlamentar, envia
ofício à Diretora da Coordenação de Estudos Legislativos/CEDI com o se-
guinte teor: “Solicito a Vossa Senhoria a possibilidade de verificar junto á Coordena-
ção de Arquivo se há condições de se publicar, em tempo, as atas das sessões preparató-
rias referentes ao período de 2 a 15 de novembro de 1889 – últimas sessões dos trabalhos
legislativos do Império –, e, também, a ata da sessão de 12 de dezembro de 1968 –
discussão e votação do pedido de cassação do Deputado Márcio Moreira Alves e as das
sessões posteriores.
Outrossim, informo que a publicação destas sessões virá preencher a lacuna exis-
tente em nosso acervo, preservar a memória documental, subsidiar as pesquisas que
tratam do assunto e fazer parte do ‘projeto de digitalização’ que está sendo objeto de
estudos por este Centro de Documentação e Informação.
São matérias de extrema importância da história legislativa e que se encontram
em documentos que não podem ser manuseados. Os mesmos podem ser extraviados ou
danificados durante manuseio ou até mesmo ocorrer a perda do papel manuscrito”.
Ao dar andamento à petição, é informado que só existiam as atas sucin-
tas das referidas sessões. Não existiam as atas originais com as notas
taquigráficas e que a Coordenação de Arquivo já estava realizando um traba-
lho de levantamento para localizar as referidas sessões. Mesmo assim foi feita
microfilmagem das atas sucintas, copiadas em papel e encadernadas, para
subsidiar futuras pesquisas.
Mas, em relação à sessão do dia 12 de dezembro de 1968, verificamos
que no ano de 1983 foi publicado o livro “Imunidades Parlamentares no Poder
Legislativo do Brasil”, de autoria da servidora da Câmara dos Deputados, Ma-
ria Emília Régis da Silva, com todas as vinte e cinco súmulas de pronuncia-
mentos das referidas sessões – páginas 554 a 558 –, com a seguinte observa-
ção: “Texto ainda não publicado”. Então as atas com as notas taquigráficas
existiam. A Coordenação de Arquivo dá continuidade ao trabalho de levanta-
mento para localização dos referidos documentos.

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718 Casimiro Neto

12 de maio de 2000. A Diretora da Coordenação de Arquivo, Gracinda


Assucena Vasconcellos, recebe a ata original com as notas taquigráficas da
histórica sessão ordinária do dia 12 de dezembro de 1968. O segredo do
sumiço da ata, que ficou desaparecida por quase 32 anos, fica desvendado.
Foram devolvidas pela jornalista mineira e servidora aposentada da Câmara
dos Deputados Anna Lúcia Brandão. Por dezesseis anos as atas ficaram cen-
suradas no Arquivo da Câmara e, no início do ano de 1984, a mesma servidora
obteve autorização do ex-presidente da Casa, Deputado José Bonifácio de
Andrada, para retirada das notas taquigráficas do Centro de Documentação
e Informação, com o objetivo de subsidiar um trabalho que pretendia inscre-
ver em um concurso sobre os 150 anos do Poder Legislativo. Foi elaborado
um livro, publicado no mesmo ano com o título: “A Resistência Parlamentar
após 1964”, onde é acrescentada a referida sessão. A jornalista justifica a guar-
da dos documentos por tanto tempo: “(...) Tinha medo que confiscassem esses
documentos. Estava esperando todos os ditadores morrerem, pois temia que os documentos
nunca chegassem a ser publicados. O último era o Figueiredo”. O ideal e o correto
teria sido a retirada de uma cópia dos originais das notas taquigráficas do
Arquivo da Câmara para subsidiar os trabalhos da jornalista. A retirada de
toda a documentação não se justifica sob nenhuma hipótese. Pesquisadores,
historiadores e interessados no assunto foram impedidos de acesso à documen-
tação e a conseqüente formação de opinião sobre o período da história legis-
lativa em questão. E aqui vem a pergunta: onde estão as notas taquigráficas
das outras sessões realizadas no mesmo dia?
O Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Miguel Elias Temer
Lulia (PMDB-SP), decide dar o máximo de publicidade ao material. Por or-
dem, a íntegra das notas taquigráficas referentes à Sessão Matutina do dia 12
de dezembro de 1968 é publicada em suplemento ao Diário da Câmara dos
Deputados do dia 1º de junho de 2000.
Sobre esse fato diz o ex-Deputado Márcio Moreira Alves: “Os caminhos
da História são surpreendentes. Por mais que se tente censurar, as coisas aparecem”.
Sob o título “Anais da Câmara dos Deputados, Notícia Histórico-Bibliográfica”,
publicou-se uma separata, em 1963, com levantamento dos “Anais Parlamen-
tares” em forma de tabelas, nas quais se registram, entre outras informações,
os volumes publicados, períodos que abrangem, número de páginas, data da
publicação, ocorrências verificadas quanto a dissoluções e convocações, e notas
de conteúdo especial. Nesse levantamento a servidora Nilza Teixeira Soares
recorreu “às coleções existentes nas Bibliotecas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, ao Arquivo Nacional, à Biblioteca Nacional e ao Instituto Histórico e Geográ-
fico Brasileiro, considerando-se uma lista preparada pelo livreiro A. J. Leite”.
Os volumes de “Anais Parlamentares” apresentam sistematicamente a re-
lação dos deputados, por província ou estado, sumário das sessões, com indi-
cação da página em que ocorre a matéria, índices onomásticos e de assuntos.
Em decorrência do Ato da Mesa nº 1, de 14 de junho de 1966, que
“dispõe sobre as publicações da Câmara dos Deputados”, os Anais passaram a publi-

Sem título-5 718 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 719

car toda matéria contida no “Diário do Congresso Nacional, sessão Câmara”, no


que diz respeito aos trabalhos de plenário e das comissões, inclusive as pro-
posições apresentadas, e a incluir notas marginais indicativas dos assuntos
tratados, índices dos temas para facilitar a consulta, além dos índices ono-
másticos já usados, adotando-se a legenda bibliográfica e outras normas apro-
vadas pela ABNT. Por isso, nos “Diários da Câmara dos Deputados” estão inclu-
sos os trabalhos de Plenário, ou seja, os pronunciamentos, discussões, votações,
apresentação de proposições, pareceres, reuniões de comissões e mais os “Atos
Legislativos” e os “Atos Administrativos”. Nos “Anais” somente encontramos os
trabalhos de Plenário. Não constam os “Atos Administrativos”.
A partir de 1975, por decisão da Mesa, “o texto dos Anais passou a ser o
mesmo do Diário do Congresso Nacional – Sessão I, mantendo-se deste a paginação e
o formato. Antecedendo, porém, a matéria de cada volume de Anais, haverá um sumá-
rio correspondente às sessões nele incluídas”.
Quinzenalmente, coincidindo com a matéria de um volume de Anais, serão im-
pressos ao fim desse volume os índices onomástico e de assunto, indispensáveis ao traba-
lho do pesquisador dos Anais da Câmara dos Deputados. Esses mesmos índices serão
mais tarde impressos cumulativamente: ao termo de cada Sessão Legislativa e, final-
mente, no encerramento da Legislatura”.
Utilizando-se a mesma composição tipográfica, passa a ter uma tiragem
em papel de melhor qualidade, o que representa significativa economia de
trabalho editorial, facilitando a pesquisa e a divulgação dos trabalhos legisla-
tivos.
Atualmente, para composição dos Anais, os números dos diários são
reunidos em volumes quinzenais ou menos. Completam os volumes os índi-
ces onomástico e de assunto que podem ser acessados no “Sistema Prodasen –
Banco Mate” ou no “Sistema Pesquisa” da Seção de Sinopse/CEDI para as pro-
posições. Para pronunciamentos podemos acessar o “Sistema Prodasen – Banco
Disc” ou também o “Sistema módulo de pesquisa – Dircursos Parlamentares”, siste-
ma próprio da Seção de Histórico de Debates/Detaq, disponível pela Internet.
A consulta atual possibilita o acesso direto ao texto integral dos discursos.
A idéia inicial da criação dos “Anais” – do latim “annales” –, história,
narração, registro de fatos históricos ou pessoais organizada ano por ano –,
em que fossem reunidas a íntegra dos pronunciamentos e as ocorrências no
plenário da Câmara, foi levantada na sessão de 20 de julho de 1855 pelo
ilustre representante da Província de Pernambuco, Deputado Augusto
Frederico de Oliveira. Esta indicação e uma representação assinada pelo Sr.
Manoel Antônio de Almeida foram acolhidas pelo Parecer da Comissão de
Polícia de 31 de agosto de 1855. Pela idéia inicial ao final da sessão legislativa
cada parlamentar receberia uma coleção do apanhamento taquigráfico reali-
zado, em plenário, durante o ano legislativo.
Na ocasião em que foi proposta a publicação histórica dos Anais, a Câ-
mara dos Deputados editava tão somente uma publicação periódica intitulada
“Actas das sessões da Câmara dos Deputados do Imperio do Brazil” iniciada em 1826,

Sem título-5 719 7/5/2004, 10:23


720 Casimiro Neto

data da instalação do Parlamento, e suspensa em 1869. Estas reproduziam


sumariamente o expediente lido nas sessões, incluindo projetos, emendas,
pareceres das comissões, indicações e requerimentos. Para cada sessão legis-
lativa eram publicados de 2 a 10 volumes.
Nos dias atuais a condensação do noticiário, prática jornalística decor-
rente da quantidade de informações que chega à imprensa, vem obrigando a
destinação de um espaço cada vez mais restrito à divulgação dos pronuncia-
mentos, dos debates, dos atos e decisões do Parlamento, e do intenso traba-
lho desenvolvido nas várias comissões das duas Casas do Congresso Nacio-
nal, em contraste com o que ocorria no século passado, quando os trabalhos
legislativos eram reproduzidos na íntegra, diariamente, por vários jornais.
Foi em virtude desse uso que o “Jornal do Commercio” veio a se transformar em
um repositório documental parlamentar, de valor inestimável, do século XIX.
Graças à iniciativa dos redatores dos jornais da época, foi possível recuperar
grande parte da nossa memória legislativa.
Pelos motivos acima destacados, é necessário dar maior publicidade a
uma das fontes da produção legislativa. O “Diário da Câmara dos Deputados” já
disponível, também, na Intranet e Internet – site: www.camara.gov.br, “link:
Diários”, é o que melhor se adeqúa aos dias de hoje, além de ser a mais antiga
publicação legislativa, desde 1823, quando se criou o “Diário da Assembléia” e
depois, em 1826, quando foi criado o “Diário da Câmara”.
Em relação à tramitação de proposições é importante lembrar que a
Secretaria da Câmara dos Deputados editou nos anos de 1869 a 1889, 18
volumes, sob o título “Relatório e synopse dos trabalhos da Câmara dos Srs. Depu-
tados” e nos anos de 1891 a 1930, 40 volumes sob o título de “Sinopse dos
trabalhos da Câmara dos Srs. Deputados”. São publicações que apresentam, em
forma de tabelas, o histórico das proposições e índices de autores e de assun-
tos. Além da matéria legislativa e administrativa inclui informações de cará-
ter permanente como, em 1877, um quadro dos diversos ministérios desde o
ano de 1822 e outro dos presidentes das províncias. Dos anos de 1871, 1885
e 1888 traz o “Andamento de todos os projetos, pareceres, etc. sobre o elemento servil”.
Do ano de 1889 traz os “Projetos que pendem de solução da Câmara dos Srs. Depu-
tados, desde 1826 até junho de 1889, ano em que foi dissolvida a referida Câmara”,
com indicação do assunto e situação.
Depois de 1946 houve a publicação de um número também intitulado
“Sinópse – 1946 a 1947 – até a prorrogação em 31 de janeiro de 1948”. Material
preparado pela Diretoria do Serviço Legislativo da Câmara dos Deputados,
em 1948, com 209 páginas. Essa publicação foi interrompida e só em 1963
reapareceu com o nome de “Resenha Legislativa”, com conteúdo idêntico às
informações fornecidas pela Seção de Sinopse da Câmara dos Deputados.
O Serviço de Sinopse iniciou seu trabalho de indexação das proposições
a partir de 1947 e continua atualmente a manter seus registros atualizados
e rigorosamente em ordem, disponibilizando essas informações em banco
de dados, além de realizar um excelente trabalho de informação. Seu traba-

Sem título-5 720 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 721

lho se processa através de fichas numéricas onde são registrados a tramita-


ção completa das proposições e todas as ocorrências, inclusive publicações
do Diário da Câmara dos Deputados nas várias fases da tramitação dos
projetos.
O Seção de Histórico de Debates iniciou seu trabalho de indexação dos
pronunciamentos a partir de 1946, prestando preciosa colaboração ao servi-
ço de documentação e informação da Câmara dos Deputados, quer pela pres-
teza, quer pela qualidade da informação. A Seção recebia cópias do apanha-
mento taquigráfico tão logo eram traduzidos os pronunciamentos feitos em
plenário e em seguida eram elaboradas súmulas ou resumos dos discursos e
pronunciamentos. As informações eram registradas mesmo antes de
divulgadas no Diário da Câmara dos Deputados. Esses lançamentos eram
feitos em fichas individuais dos Senhores Deputados, inclusive caracterizados
como pronunciamentos feitos durante o Pequeno Expediente, no Grande
Expediente, na Ordem do Dia, e nas Explicações Pessoais. Uma vez impresso
o Diário correspondente a uma ou várias sessões, anotava-se a data, página e
coluna em que ocorriam os pronunciamentos, dados esses que iriam comple-
tar os registros feitos nas fichas individuais. Com isto a súmula de pronuncia-
mentos funcionava como um índice nominal no Diário.
O original das súmulas dos pronunciamentos eram utilizados para com-
por a publicação “Súmulas de Discursos” até o ano de 1975. Esta publicação, de
junho de 1951 a junho de 1960, se intitulou “Relação de oradores (deputados,
ministros e visitantes)” que ocuparam a tribuna da Câmara dos Deputados. Anual
até 1955, semestral de 1956 a 1957 e bimestral a partir de 1968.
Hoje a Coordenação de Histórico de Debates, do Departamento de
Taquigrafia, Revisão e Redação está com esse procedimento completamente
informatizado e com as redações finais automaticamente disponibilizadas no
módulo de tratamento de discursos onde são indexados, havendo uma com-
plementação de dados referentes a tipos de intervenção e páginas de publica-
ção. Esses dados são exportados para o módulo de pesquisa “Discursos Parla-
mentares” e disponíveis pela “Internet” e “Intranet”. A consulta atual possibilita
o acesso direto ao texto integral dos pronunciamentos.

Sem título-5 721 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 723

Considerações Finais

N a leitura dos Diários e Anais da Câmara dos Deputados, das As-


sembléias Nacionais Constituintes e do Congresso Nacional, ao longo de 180
anos, desde a primeira sessão preparatória da primeira assembléia constitu-
inte, em 17 de abril de 1823, até os dias atuais, nota-se o valor inestimável
destas fontes de pesquisa e a importância do registro histórico que ali encon-
tramos. Documentos estes que, quando consultados, deixam de ser meros
objetos guardados em prateleiras, para se tornarem, diante de nossos olhos,
em fatos legislativos que falam por si mesmos dos grandes debates nacionais,
resgatando a nossa memória pátria, as nossas conquistas e a consolidação do
vasto território brasileiro.
Nos pronunciamentos, debates, e atos legislativos ali reproduzidos, ve-
rificamos a cada momento a preocupação com a nossa soberania e com a
preservação da integridade nacional. A história está presente, viva, em cada
página que se abre. Não se aprendem nelas somente lições de proficiência
parlamentar – admira-se também o critério, o bom senso e a madureza das
deliberações. É com tristeza que nos deparamos com a falta da publicação
referente a determinados períodos de nossa história, quando o Parlamento
esteve ao sabor dos ditadores de plantão.
Notamos, então, que esse grande vazio se refere aos períodos que a
assembléia dos representantes do povo brasileiro ficou muda. Quando a
prepotência ditatorial de uma minoria salvadora cala a voz da nossa gente,
cala a voz dos seus representantes e tenta falar pela democracia dos homens,
pela democracia das idéias, pelo livre-arbítrio, pela escolha do nosso verda-
deiro caminho: da felicidade individual e coletiva e da liberdade com respon-
sabilidade. Caminhos esses, esquecem os “salvadores da pátria”, não são ensi-
nados por ditadores com sua propaganda libertadora. A verdadeira democracia
só se consegue com erros, acertos, reflexão e amadurecimento. É necessário
respeito à Constituição, aos poderes constituídos da Nação, aos deveres e
direitos individuais e coletivos, e aos direitos sociais e políticos. O Deputado
Bernardo Pereira de Vasconcelos (MG) já dizia em suas memórias “(...) que os
povos precisam, é de que se lhes guardem as garantias constitucionais; que as
autoriadades os não vexem, que os não espoliem”. Longevidade constitucional é
um exemplo a ser seguido e a Primeira Constituição Política do Império do
Brasil nos dá a base para reflexão.

Sem título-5 723 7/5/2004, 10:23


724 Casimiro Neto

Já dizia o Presidente da Câmara dos Deputados, Célio de Oliveira Borja


(ARENA-GB), no dia 6 de março de 1976, por ocasião da sessão solene de
comemoração do Sesquicentenário da Câmara dos Deputados: “Aqui, discipli-
naram-se as relações políticas e civis de nossa Pátria. Aqui, fez-se a ordem jurídica da
Nação. Aqui, o Brasil deu a si mesmo a unidade “na comunhão da língua, da lei e da
liberdade” e, em seguida, o Deputado Brígido Fernandes Tinoco (MDB-RJ)
enfatiza: “Não há governo respeitado pela história, sem Parlamento; Não há Governo
compatível com a liberdade humana, fora da democracia. (...) Creio no Parlamento, no
valor permanente de sua mensagem, no fermento de sua verdadeira objetividade. (...)
Negar o Parlamento é denegrir conquistas autênticas da civilização humana.
Toda ditadura, por circunstâncias tangíveis, restringe liberdades fundamentais.
Pode ter motivos de fazê-lo e é capaz de colher, preliminarmente, bons frutos. Mas, além
de efêmera e contraditória, deixa marcas de opressão em todos os séculos, enquanto a
democracia e seus instrumentos, perdidos na voragem, ressuscitam com vigor progres-
sista”.
A memória do Parlamento é a sua história. Este, quando esquece dos
seus erros e acertos, de suas lutas e glórias, dos grandes debates nacionais, de
suas tradições e origens perde o direito de ser independente. Um parlamen-
to, no sentido exato e extremo da palavra, para reagir unânime na sustenta-
ção dos seus direitos e prerrogativas, precisa ter personalidade, memória e
antes de tudo precisa ter orgulho de suas responsabilidades na construção da
democracia, na construção de uma nação.
É, principalmente, pelo Parlamento que a democracia respira, e esta é o
único regime político digno do homem. O Parlamento é o povo. É reconheci-
mento universal: não existe democracia sem Congresso. As grandes demo-
cracias do mundo têm parlamentos fortes, prestigiados, operantes, sempre
presentes nos atos decisivos da Nação e da vida dos seus cidadãos. O Con-
gresso é a marca distintiva da democracia. Em tempos de liberdade, ele refle-
te a alma, o caráter, a inteligência e a vontade da Nação. Espelha as virtudes
e as imperfeições do povo que representa, reflete a sociedade em que está
inserido. O Poder Legislativo guarda, em sua essência, uma unidade
indestrutível, pois integra, sistematiza e orienta as diversas tendências da
população.
A Câmara dos Deputados (os cidadãos em sua generalidade, em sua
condição nacional) e o Senado Federal (os cidadãos em sua regionalidade,
em suas condições locais de vida), juntos constituindo o Congresso Nacional,
se completam em uma destinação comum, pois é nestas duas Casas que en-
contramos efetivas oportunidades de participação no governo do País. O nosso
Parlamento espelha o nosso País. Seja bom ou ruim, é a população brasileira
ali representada. e que, nas palavras do Deputado Mário Covas Júnior (MDB-
SP) no dia 12 de dezembro de 1968, destaca-se o seguinte: “Creio no povo,
anônimo e coletivo, com todos os seus contrastes, desde a febre criadora à mansidão
paciente. Creio ser dêsse amálgama, dessa fusão de almas e emoções, que emana não
apenas o Poder, mas a própria sabedoria. E nêle crendo, não posso desacreditar de seus

Sem título-5 724 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 725

delegados. Creio na palavra ainda quando viril ou injusta, por que acredito na fôrça
das idéias e no diálogo que é seu livre embate. Creio no regime democrático, que não se
confunde com a anarquia, mas que em instante algum possa rotular ou mascarar a
tirania. Creio no Parlamento, ainda que com suas demasias e fraquezas, que só desapa-
recerão se o sustentarmos livre, soberano e independente”. É a força da tribuna e a
sensibilidade patriótica dos homens e mulheres que escrevem a nossa histó-
ria democrática.
Em certos momentos, no calor do debate, dizemos até que os parla-
mentares não trabalham, pois só olhamos para o plenário vazio – registrado
por um ou outro veículo de comunicação –, de uma modorrenta tarde de
sexta-feira, quando todos se ausentaram da capital do País para as suas bases
políticas, em busca do apoio de seus eleitores aos atos legislativos promulga-
dos ou em discussão, apoio este essencial para o amadurecimento, a crítica e
o acerto em suas decisões.
Quando se trata deste assunto devemos relembrar dos trabalhos parla-
mentares nas inúmeras comissões do Congresso Nacional. E aqui vale regis-
trar a máxima do presidente norte-americano Woodrow Wilson (1913-1921):
“Não está longe da verdade o dizer-se que o Congresso em sessão é o Congresso em
exibição pública, enquanto que o Congresso nas salas de suas comissões é o Congresso
que trabalha”. E como se trabalha.
O Deputado Samuel Vital Duarte (PB), Presidente da Câmara dos De-
putados nos anos de 1947 e 1948 tinha especial predileção pelo trabalho das
comissões “que é o mais importante na elaboração legislativa, embora seja menos
ostensivo que o da sala de sessões. No Plenário ainda se admite o debate acadêmico e as
exibições de eloqüência verbalista, nos órgãos técnicos, porém, não há lugar para tais
exibições. Nelas o que vale é a análise e a crítica dos problemas e suas soluções a frio”
e o Deputado Antônio Geraldo de Azevedo Guedes (PE), ao referir-se da
tribuna ao valor das comissões, no processo de elaboração legislativa, disse
que é “a oficina, o laboratório, o lugar silencioso e anônimo, onde os projetos se dis-
cutem, travando-se os debates esclarecedores nos desvãos da hierarquia interna. É lá
que se têm revelado as grandes vocações e justificado os valôres mais altos da vida
pública brasileira”.
Tudo bem, falar mal dos nossos parlamentares é um esporte nacional,
mas o silêncio da história legislativa nos períodos ditatoriais ou impositivos
pela minoria grita sem parar a ausência da liberdade e da cidadania. Denun-
cia as arbitrariedades para o País e para o mundo. Prejudica a imagem do
Governo, desgasta o regime implantado e constrange a todos os brasileiros.
Já dizia o Deputado José Bonifácio Lafayette de Andrada (MG): “Críti-
cos e detratores dos corpos legislativos sempre os houve, sempre os haverá, no Brasil e
no mundo. Corporação moral, por excelência, sem muralhas que a preserve dos assal-
tos inimigos, o Legislativo sempre terá pessoas físicas nos seus calcanhares, mas nem
por isso decairá de seus méritos ou se tornará, dentro da democracia e da liberdade,
substituível por qualquer outra instituição!” e Lima Barreto enfatizava: “Todos nós
falamos mal dos nossos senadores e deputados; todos nós os apelidamos atrozmente; mas

Sem título-5 725 7/5/2004, 10:23


726 Casimiro Neto

quando o Congresso se fecha, há um vazio na nossa vida comum e nos enchemos de


pavor.”
Tomara que isto jamais volte a acontecer. Só depende de nós. De braços
dados, nos campos, nas fábricas, nas ruas, em todos os lugares, fazendo pre-
valecer a vontade das urnas, a vontade de um povo que renasce todos os dias
na busca incansável de paz, prosperidade e de um Parlamento forte fazendo
valer suas prerrogativas constitucionais.
Tancredo de Almeida Neves (MG), no dia 15 de janeiro de 1985, por
ocasião de sua eleição à Presidência da República conclamava: “Não vamos nos
dispersar. Continuaremos reunidos, como nas praças públicas, com a mesma emoção, a
mesma dignidade e a mesma decisão. Se todos quisermos, dizia-nos, há quase duzentos
anos, Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança, poderemos fazer deste País
uma grande Nação. Vamos fazê-la!”.
A Comissão de Estudos Constitucionais, presidida pelo Professor Afon-
so Arinos de Mello Franco, no Anteprojeto da Comissão de 18 de setembro
de 1985, deixou escrito que “o povo quer que a Nação se erga, orgulhosa, sobre os
alicerces e pilares da honra. (...) A Nação, fatigada dos desencontros, deseja a paz
que se assente na Liberdade e na Justiça, e seja garantida por instituições fortes e
duradouras”.
Ao longo deste trabalho repassei a “História Legislativa do Brasil” desde
os destemidos representantes das províncias brasileiras que tão tenazmente
se opuseram às medidas recolonizadoras das Côrtes de Lisboa, nos idos de
1822, daos que fizeram o Primeiro e Segundo Império, a libertação dos es-
cravos, a República, a Revolução Liberal de 1930, os anos conturbados desta
década até 1945, a Constituinte de 1946, os grandes debates nacionalistas, o
Governo Militar, os anos de chumbo, o caminhar lento e gradual para a rede-
mocratização do País, o renascimento democrático com a “Constituição
Cidadã” de 1988, o ciclo das reformas constitucionais e a esperança do novo
Brasil que se desponta com a eleição e posse do primeiro Presidente da Re-
pública de origem humilde e de lideranças oposicionistas. Carrega, o novo
presidente, a responsabilidade e a esperança de milhões de brasileiros para
as grandes mudanças necessárias, urgentes e inadiáveis.
No caminhar da História – implacável com os erros e orgulhosa com os
acertos –, alguns nomes foram marcando os grandes momentos desta Casa,
José Bonifácio e os Andradas ao longo do Império e da República, Francisco
Gê Acayaba de Montezuma (Visconde de Jequitinhonha), José Joaquim da
Rocha, Belchior Pinheiro de Oliveira (Padre), Francisco Muniz Tavares (Pa-
dre), Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, Venâncio Henriques de Rezende
(Padre), Joaquim Manoel Carneiro da Cunha, José Martiniano de Alencar
(Padre), José Martiniano de Alencar (Filho), Inácio de Almeida Fortuna (Pa-
dre), José da Cruz Gouvêa, Augusto Xavier de Carvalho, Luís Inácio de
Andrade Lima (Padre), Luís Pereira da Nóbrega de Souza Coutinho, Francis-
co de Paula Souza e Melo, Dom Romualdo Antônio de Seixas (Arcebispo da
Bahia, Conde e Marquês de Santa Cruz), Bernardo Pereira de Vasconcelos,

Sem título-5 726 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 727

José Ribeiro Soares da Rocha, José Clemente Pereira, Joaquim Nunes Ma-
chado, Manoel Alves Branco (segundo Visconde de Caravelas), Miguel Calmon
du Pin e Almeida (Marquês de Abrantes), Paulino Soares de Souza, Pedro de
Araújo Lima (Visconde e Marquês de Olinda), José da Costa Carvalho (Ba-
rão, Visconde e Marquês de Monte Alegre), José Antonio Saraiva, Antônio
Paulino Limpo de Abreu (Visconde de Abaeté), Bento de Oliveira Braga,
Antônio Maria de Moura (Bispo), Cândido José de Araújo Viana (Visconde e
Marquês de Sapucaí), Joaquim Marcelino de Brito, Manuel Inácio Cavalcanti
de Lacerda (Barão de Pirapama), José Joaquim Fernandes Torres, Francisco
Muniz Tavares (Padre), José Pedro Dias de Carvalho, Antônio Pinto Chichorro
da Gama, Gabriel Mendes dos Santos, José Ildefonso de Sousa Ramos (Barão
de Três Barras e segundo Visconde de Jaguari), Antônio Peregrino Maciel
Monteiro (segundo Barão de Itamaracá), Teófilo Benedito Otoni, Brás Car-
neiro Nogueira da Costa e Gama (Visconde e Conde de Baependi), Pedro
Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque (Barão e Visconde de
Camaragibe), Francisco José Furtado, José Maria da Silva Paranhos (Viscon-
de do Rio Branco), Camilo Maria Ferreira Armond (Barão, Visconde e Conde
de Prados), Joaquim Saldanha Marinho, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de
Araújo, Zacarias de Góes e Vasconcelos, João Maurício Wanderley (Barão de
Cotegipe), Francisco de Paula da Silveira Lobo, Joaquim Otávio Nébias,
Jerônimo José Teixeira Júnior (Visconde do Cruzeiro), Inocêncio Marques de
Araújo Góes (Barão de Araújo Góes), Manuel Francisco Correia, Paulino José
Soares de Souza, Martinho Álvares da Silva Campos, Honório Hermeto Car-
neiro Leão (Marquês do Paraná), João Ferreira de Moura, José Rodrigues de
Lima Duarte (Visconde de Lima Duarte), Adolpho Cavalcanti Bezerra de
Menezes, Antônio Moreira de Barros, Manoel Alves de Araújo, Franklin
Américo de Menezes Dória (Barão de Loreto), André Augusto de Pádua Fleuy,
Domingos de Andrade Figueira, Augusto Olímpio Gomes de Castro, Henrique
Pereira de Lucena (Barão de Lucena), Afonso Celso de Assis Figueiredo (Vis-
conde de Ouro Preto), Rui Barbosa de Oliveira, Epitácio da Silva Pessoa,
Leopoldo José de Bulhões, Carlos Peixoto Filho, Gaspar da Silveira Martins,
João da Matta Machado, Bernardino José de Campos Júnior, João Lopes
Ferreira Filho, Francisco de Assis Rosa e Silva, Arthur César Rios, Carlos Vaz
de Melo, Francisco de Paula Oliveira Guimarães, Francisco Glicério, José Jo-
aquim Seabra, Prudente José de Moraes e Barros, Francisco de Paula Rodrigues
Alves, Franciso Luís da Silva Campos, Sabino Alves Barroso Júnior, Astolfo
Dutra Nicácio, Nilo Procópio Peçanha, João Pereira de Castro Pinto, Manoel
Ferraz de Campos Salles, Quintino Bocaiúva, Epitácio da Silva Pessoa, Arthur
da Silva Bernardes, João Batista Luzardo, Sebastião do Rego Barros, Fausto
de Aguiar Cardoso, Gilberto Amado, João Neves da Fontoura, Carlos Peixoto
de Melo Filho, Horácio Lafer, Pedro Moacir, Afrânio de Melo Franco, José
Antônio Flores da Cunha, Raul Fernandes, Lindolfo Leopoldo Boecker Collor,
Arnolfo Rodrigues de Azevedo, Getúlio Dornelles Vargas, Carlota Pereira de
Queiróz, Bertha Maria Júlia Lutz, Gastão Vidigal, Otávio Mangabeira, Aliomar

Sem título-5 727 7/5/2004, 10:23


728 Casimiro Neto

de Andrade Baleeiro, Bento Munhoz da Rocha Neto, Gilberto Freyre, Pedro


Aleixo, Honório Fernandes Monteiro, Samuel Vital Duarte, José Eduardo do
Prado Kelly, Raul Pilla, Nereu de Oliveira Ramos, Agamennon Sérgio de Godoy
Magalhães, Osvaldo Aranha, Euclides de Oliveira Figueiredo, João Amazo-
nas de Sousa Pedroso, Maurício Grabois, Milton Caires de Brito, Carlos
Marighela, Jorge Amado, José Aparecido de Oliveira, Pedro Ventura Felipe
de Araújo Pomar, Natalício Tenório Cavalcanti Albuquerque, Carlos Frederico
Werneck de Lacerda, Carlos Cirilo Júnior, Carlos Coimbra da Luz, Ruy Vitorino
Ramos, Juarez do Nascimento Fernandes Távora, José Martins Rodrigues,
Plínio Salgado, Israel Pinheiro da Silva, Nereu de Oliveira Ramos, José Augusto
Meira, Roberto Morena, Luís Viana Filho, Josué Apolônio de Castro, Tancredo
de Almeida Neves, Ulysses Silveira Guimarães, César Prieto, Francisco Julião
Arruda de Paula, Nelson de Sousa Carneiro, Djalma Aranha Marinho, Afon-
so Arinos de Mello Franco, Tarcílio Vieira de Melo, Francisco Clementino de
San Thiago Dantas, Leonel de Moura Brizzola, Cantídio Nogueira Sampaio,
Paschoal Ranieri Mazzilli, Olavo Bilac Pereira Pinto, João Batista Ramos, José
Sarney Costa, Mário Covas Júnior, Márcio Moreira Alves, Rubens Beyrodt
Paiva, José Maria Alkmim, Adauto Lúcio Cardoso, Paulo Brossard de Sousa
Pinto, Ernani Ayres Sátiro e Souza, Flávio Portela Marcilio, Alfredo Arruda
Câmara, João Batista Miranda, Fidelis dos Santos Amaral Netto, Almino
Monteiro Alvares Affonso, José Freitas Nobre, Célio de Oliveira Borja, Antô-
nio Carlos Magalhães, José Alberto Fogaça de Medeiros, Geraldo Freire da
Silva, Ernesto Pereira Lopes, Francisco Waldir Pires de Sousa, Virgílio de
Moraes Fernandes Távora, André Franco Montoro, Marco Antonio de Olivei-
ra Maciel, Nelson Marchezan, Inocêncio Gomes de Oliveira, João Pimenta
da Veiga Filho, Roberto de Oliveira Campos, Antonio Paes de Andrade, Ibsen
Valls Pinheiro, Nilson Alfredo Gibson Duarte Rodrigues, José Wilson Siqueira
Campos, Dante Martins de Oliveira, José Alencar Furtado, Nelson de Carva-
lho Seixas, Lysâneas Dias Maciel, Florestan Fernandes, Maria Cristina de Lima
Tavares Correia, Maria da Conceição de Almeida Tavares, Roberto Saturnino
Braga, Roberto João Pereira Freire, Sandra Martins Cavalcanti, Roberto
Pompeu de Sousa Brasil, José Bernardo Cabral, Nelson Azevedo Jobim, Pau-
lo Alberto Artur da Távola M. M. de Barros, Nelson Marquezelli, Luiz Eduar-
do Magalhães, Luiz Inácio Lula da Silva, Aloysio Nunes Ferreira Filho, Alceu
de Deus Collares, José Genoíno Neto, Paulo Renato Paim, Severino José
Cavalcanti Ferreira, Ubiratan Diniz de Aguiar, Irma Rosseto Passoni, Vanessa
Grazziotin, Édson Edinho Coelho Araújo, Michel Miguel Elias Temer Lulia,
Sandra Meira Starling, Aécio Neves da Cunha, João Paulo Cunha, Pedro Cel-
so, Agnelo Santos Queiroz Filho, Fernando Paulo Nagle Gabeira, Francisco
Oswaldo Neves Dornelles, Aloizio Mercadante Oliva, Arnaldo de Abreu Ma-
deira, Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto, Hélio Pereira Bicudo, Wellington
Moreira Franco, Geraldo Magela Pereira, Luiza Erundina de Sousa, Benedita
Souza da Silva, Efraim de Araújo Morais, José de Abreu, Yeda Rorato Crusius,
Zulaiê Cobra Ribeiro, Francisca das Chagas da Trindade, Jackson Barreto de

Sem título-5 728 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 729

Lima, Jandira Feghali, Jofran Frejat, todos os parlamentares cassados e bani-


dos ao longo de nossa história legislativa, outros que, sob a mais intensa pres-
são e ameaças, continuam fiéis na defesa de seus princípios, ideais políticos e
respeito aos seus representados, todos os outros citados ou não, ao longo da
obra, que dignificaram e dignificam o Parlamento, a democracia, o nosso
País. Por isso, prestando uma justa homenagem a todos os representantes da
Nação que passaram e que estão passando por esta Casa, não posso deixar de
citar o pensamento do educador Rubem Alves quando diz: “O fato é que todos
aqueles que ainda tem a ousadia de falar e escrever, acreditam, ainda que de forma
tênue, que seu falar faz uma enorme diferença”.

“O orador perfeito devia reunir, em si, não só as qualidades do


filósofo, mas também, as do poeta e as do ator. Poeta, filósofo, ator.
Eis aí, realmente, do que se compõe a personalidade do homem elo-
qüente. Poeta, para deleitar e comover, falando ao coração e ao sen-
timento. Filósofo, para instruir e convencer, falando à razão e ao
entendimento. E ator, para dar vida e vigor às suas palavras, sejam
elas dirigidas ao cérebro ou ao coração. As virtudes do ator são in-
dispensáveis. Observando bem, – a eloqüência é um espetáculo, a
tribuna um palco e o orador um ator. O orador empolga, mas não só
pela lucidez mental como pelo dinamismo pessoal. Falar e agir se
convertem, no reino dos valores da eloqüência, em uma mesma coisa.
Victor Hugo, gênio verbal, assim refere o orador: – o tribuno
representa o semeador – sua palavra caída da tribuna cria sempre
raízes em alguma parte.”
HERMES FERNANDES – in “A vitória sorri apenas
para aqueles que desenvolvem suficiente caráter”.

Sem título-5 729 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 731

Posfácio

“N ão levo o intento de relatar todas as propostas feitas no Senado, mas


apenas as que se tornaram notáveis por decorosas ou vis, e isto penso ser o principal
dever de quem escreve a história, para que não sejam esquecidas as virtudes e se desper-
te o medo da infâmia, do desprezo dos pósteros para os maus ditos e feitos”. Estas
eruditas palavras escritas na Roma Antiga por Tácito, em seu tratado intitulado
“Anais”, uma das obras-primas da historiografia romana, poderiam ser para-
fraseadas hoje, muitos séculos mais tarde, sem perder a atualidade e verdade
que carregam, pelo autor deste trabalho minuciosamente elaborado que re-
lata a história da Câmara dos Deputados e do Parlamento brasileiro, por
meio de profundo estudo e criteriosa seleção dos pronunciamentos e propo-
sições publicadas nos Anais e Diários da Câmara dos Deputados e do Con-
gresso Nacional.
Casimiro Neto é um apaixonado pelo que faz. Ao conversarmos a res-
peito do seu trabalho, percebemos o seu enlevo, ingresso imediato em um
mundo mágico e extático que contagia os seus ouvintes e encharca as suas
retinas de um indescritível brilho. Retinas estas infatigáveis, ao debruçar-se,
diligente e pacientemente, sobre velhos documentos e publicações legislati-
vas à cata do inusitado, do notável, do admirável, do polêmico, do interessan-
te, ou até mesmo do ignóbil, indo ao encalço do contraponto valorativo de
Tácito.
Enxergamos no Casimiro pesquisador e historiador, pelo seu perfil, com-
portamento e hábitos, uma diversidade de figuras históricas: ora apresenta-
se como um destemido bandeirante a desbravar sertões em busca de precio-
sidades; ora como um monge medieval, enclausurado em castelos eclesiásticos,
voltado para uma vida austera e contemplativa, cujo maior prazer repousa na
elaboração zelosa e sábia dos seus manuscritos, a partir de longas leituras e
do vagar dos pensamentos de um anacoreta, perseguindo a luz da Idade das
Trevas. O Casimiro poeta, como um escafandrista, mergulha, de corpo e alma,
com a sensibilidade exposta, sob os fatos e processos históricos, consignados
em orações parlamentares e registros oficiais empoeirados, que são meticulo-
samente por ele examinados e seletos em razão dos interesses, questiona-
mentos e curiosidades dos cidadãos, captados com grande desvelo por horas
a fio de vivência e conhecimento de pesquisa parlamentar. É o Casimiro pro-
fessor que encerra o escopo maior desta obra: transmitir o seu amplo conhe-

Sem título-5 731 7/5/2004, 10:23


732 Casimiro Neto

cimento acerca do fecundo curso da história brasileira mediante a transcri-


ção de proposições e discursos na linguagem e grafia original dos assenta-
mentos taquigráficos à época; estimular a pesquisa e o debate; divulgar as
atividades e trabalhos dos deputados; revivescer a história parlamentar, so-
bretudo no contexto do processo político nacional, ressaltando e valorizando
a participação do Legislativo durante momentos significativos, decisivos, e,
muitas vezes dramáticos, na construção e fortalecimento da democracia bra-
sileira.
Neste ano de 2003, quando a Câmara dos Deputados completa 180
anos de vida, a publicação de tal obra não poderia ser mais oportuna. Como
aprendemos com o Mestre Casimiro, no recinto da “Cadeia Velha”, prédio
edificado em meados do século XVI para acolher a Câmara Municipal e ser-
vir de prisão, instalou-se a primeira sede da Câmara dos Deputados, a 17 de
abril de 1823, quando ocorreu a primeira sessão preparatória da primeira
Assembléia Constituinte, aberta às nove horas, marco exordial da história
legislativa do Brasil independente, com a presença de cinqüenta e dois depu-
tados constituintes.
Descontente com o longo período coberto por este documentário, do
início dos trabalhos da Câmara dos Deputados do Brasil até praticamente o
término da qüinquagésima primeira legislatura e início da qüinquagésima
segunda legislatura (2003), o perfeccionismo do autor submergiu ainda mais
no tempo, recorrendo aos antecedentes da nossa história legislativa: a cons-
piração da Inconfidência Mineira, culminando com o enforcamento do “herói
sem medo de todo um povo”, Tiradentes, em 21 de abril de 1792, episódio que
simboliza a latência dos sentimentos de liberdade dos brasileiros e anseios de
independência da coroa lusitana; a chegada da família real ao Brasil (l808); a
elevação do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves (1815); a
Revolução Pernambucana, de caráter republicano e liberal, cujo objetivo era
criar no Nordeste uma república livre do domínio português (1817); a Revo-
lução Constitucionalista do Porto, que exigia a elaboração de uma Constitui-
ção que pusesse freios à Monarquia absolutista portuguesa (1820).
No dia 29 de agosto de 1821, tomam assento nas “Côrtes Geraes, Extraor-
dinárias e Constituintes da Nação Portugueza”, em Lisboa, os deputados consti-
tuintes da Província de Pernambuco, os primeiros dos 97 deputados, procu-
radores e delegados brasileiros eleitos com o propósito de firmar as bases e
fundamentos constitucionais da Monarquia portuguesa e por fim ao absolu-
tismo em território lusitano, do qual fazíamos parte. Comemoraremos, por-
tanto, ainda este ano, 182 anos de representação parlamentar.
Nesta longa viagem por dois séculos de história do nosso País, tendo
como termo a construção e consolidação de uma sociedade democrática e
livre, acompanhamos todo o processo de libertação individual, social e naci-
onal. Com a nossa Independência, em 7 de setembro de l822, e a aclamação
de D. Pedro I, tem início o Primeiro Império do período monárquico brasilei-
ro. No Segundo Império, após o Período Regencial, em 13 de maio de 1888,

Sem título-5 732 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 733

é oficialmente reconhecida a igualdade civil de todos os brasileiros, quando a


Princesa Isabel assina a Lei n° 3.353, que declara extinta a escravidão no
Brasil. A tão sonhada República é proclamada em 15 de novembro de 1889,
pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que assume a chefia do Governo Provisó-
rio, deixando de ser o País o único império das Américas, voltado para a
Europa e esquecido do seu interior.
Entre avanços e retrocessos, conquistas e derrotas, o discorrer e a com-
preensão dos grandes momentos da Câmara dos Deputados e das Assembléi-
as Nacionais Constituintes prosseguem, atravessando suspensões dos traba-
lhos legislativos, edições de atos institucionais, campanha das “Diretas Já”,
eleição presidencial via Colégio Eleitoral, até a conquista de uma democracia
plena. Seguramente, saímos desta leitura mais cidadãos, conscientes do ár-
duo e relevante trabalho realizado pelo Poder Legislativo e seus membros, e
orgulhosos de uma democracia edificada e sedimentada a duras penas, com
o sacrifício e participação de muitos brasileiros, sobretudo do nosso Parla-
mento, altivo e digno, diferentemente da imagem desvirtuada e falsa por
alguns forjada, sem conhecimento de causa. E é por isso que precisamos de
mais “Casimiros”, lentes corretoras para aqueles que dirigem suas visões tor-
tuosas para o Palácio do Congresso Nacional.

Dr. Afrísio de Souza Vieira Lima Filho. Diretor Legislativo da Câmara dos
Deputados, Advogado e Bacharel em administração de Empresas e Administração
Pública.

Sem título-5 733 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 735

Comentários

POR GARDEL AMARAL

A contribuição que o colega Casimiro nos oferece é de valor inesti-


mável. Isso, eu afirmo como colega de trabalho – servidores que somos, de-
fensores da grandeza da nossa Instituição; como autor de obra literária – que
conhece os severos obstáculos que se nos impõem; e como cidadão – que
reconhece o valor da nossa democracia e tudo que tivemos de viver para
alcançá-la.
Destaque-se inicialmente o esforço empreendido por Casimiro no que
se refere ao trabalho de pesquisa histórica. A história do Brasil, afinal, está
registrada de forma fragmentada, dispersa em documentos, periódicos, anais,
e outras fontes primárias. Localizar cada um desses fragmentos, selecionar
aqueles mais relevantes entre tantos contemporâneos, processá-los, ordená-
los e inseri-los na contextualização proposta, me pareceu uma tarefa tão exaus-
tiva que só poderia ser empreendida por um entusiasmado amante da cultu-
ra, da história e do Brasil.
Em seguida, cabe destacar a riqueza do conteúdo. A história da nossa
democracia contada em discursos, transcrições fidedignas e documentos as-
sinados, com a linguagem original, enaltece as circunstâncias e permite uma
compreensão real das nuanças. Como, por exemplo, foi tomada a decisão de
Dom Pedro de Alcântara? Quais as verdadeiras circunstâncias que o levaram
a proclamar É tempo! Independência ou morte. Estamos separados de Portugal, ar-
rancando, ato contínuo, o laço português que trazia no chapéu e ordenando
à sua guarda que fizesse o mesmo em seus uniformes? Qual a conformação
política predominante no período que antecedeu ao movimento revolucio-
nário de 1930? Quais as principais discussões políticas que estabeleceram os
contornos da Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã?
Entre os antecedentes que deram ensejo ao impeachment do Presidente Fer-
nando Affonso Collor de Mello, como exemplo característico da riqueza do
trabalho de Casimiro, está uma citação de Rui Barbosa feita pelo Doutor
Evandro Lins e Silva, advogado de acusação: A honra é ainda mais obrigatória
nos que representam nações (o chefe de governo) do que nos que só se representam a si
mesmos. A turpitude, que nos particulares inspira desprezo e enjôo, no órgão de uma
soberania nacional provoca escândalo e revolta. Num caso, é um sujeito que se desmo-
raliza. No outro, é uma nacionalidade que se desacredita.

Sem título-5 735 7/5/2004, 10:23


736 Casimiro Neto

Merece, finalmente, enaltecer o profissionalismo que permeia todo o


trabalho do colega Casimiro. Como chefe da Seção de Documentação Parla-
mentar da Coordenação de Estudos Legislativos, do Centro de Documenta-
ção e Informação da Câmara dos Deputados, mantém sob sua guarda todo o
acervo de discursos, anais, atas, entre outros documentos fundamentais para
a preservação da nossa história. Casimiro soube aliar o fácil acesso a todo esse
manancial de informações à sua competência acadêmico-literária.
Trata-se, enfim, de uma obra-prima da literatura histórica brasileira.
Por meio desta feliz iniciativa, Casimiro oferece à sociedade a oportunidade
de conhecer o Parlamento, de refinar a compreensão da democracia e de
conhecer e compreender o nosso Brasil.

Gardel Amaral. Bacharel em Administração de Empresas, Especialista em Aná-


lise de Sistemas e em Políticas Públicas e Governo, Mestre em Ciência da Informação,
Chefe de Gabinete do Diretor-Geral da Câmara dos Deputados.

Sem título-5 736 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 737

POR JOÃO RICARDO CARVALHO DE SOUZA

C omo afirmava o célebre filósofo de Estagira, Aristóteles, “graças à


memória se forma nos homens o que se chama experiência”.
Esta obra, do emérito pesquisador Casimiro Neto, se insere com perfei-
ção dentro do pensamento apresentado pelo sábio grego, há mais de dois mil
anos atrás.
A partir de um sonho, de um ideal, durante quase dois anos de traba-
lho, Casimiro e sua equipe, da Seção de Documentação Parlamentar do Cen-
tro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, em um traba-
lho incansável de pesquisa, recuperação, digitalização e informatização do
acervo de Diários e Anais da Câmara dos Deputados, resgataram não apenas
a história dessa Casa Legislativa, mas a própria história política do Brasil.
A partir da transcrição do conteúdo de documentos produzidos no
âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo – Editais, Decretos, Resoluções,
Leis, Falas do Trono, Discursos, Comunicações Parlamentares, Atos Institu-
cionais e outros – e da análise de fatos relevantes é desenhada a história do
Brasil, sob uma nova perspectiva, a perspectiva política, recuperando-se, des-
sa forma, a memória legislativa brasileira, a fim de que os ensinamentos pas-
sados possam servir de “conselheiros” e de fonte de experiência para as gera-
ções futuras.
Além de se constituir em material de inestimável valia para aqueles que
se dedicam à pesquisa e ao estudo da história política brasileira, a obra possui
a característica ímpar de atrair o leitor, prendendo-o, pela qualidade na esco-
lha dos textos e dos fatos narrados, à leitura.
Assim, inicia-se a “viagem” pela história brasileira desde a chegada da
Corte portuguesa ao Brasil. Toma-se conhecimento de fatos relevantes como
a criação da Imprensa Régia, a Revolução Pernambucana, a eleição e a atua-
ção de brasileiros como deputados nas “Cortes Geraes, Extraordinárias e Consti-
tuintes da Nação Portuguesa”, o retorno de João VI a Portugal e a primeira crise
da economia brasileira.
Adentrando-se ao tempo do Império, acompanha-se, pelos documen-
tos apresentados, a proclamação da independência, a atuação dos irmãos
Andrada, em especial na elaboração da primeira Constituição brasileira, a
abdicação de D. Pedro I em favor de seu filho, o período das Regências, as
revoluções separatistas, a maioridade de D. Pedro II, a Guerra do Paraguai, a
abolição da escravatura e a proclamação da República.
Com extrema riqueza de detalhes, mostra-se o período republicano.
Apoiada em documentos de imensurável valor histórico, tem-se a narrativa
dos fatos mais relevantes da vida sócio política brasileira. São reproduzidos os

Sem título-5 737 7/5/2004, 10:23


738 Casimiro Neto

conteúdos de documentos relativos à instalação da República; à elaboração


da primeira Constituição republicana; à Revolução dos Canudos e à Guerra
do Contestado; à Coluna Prestes; à extensão do sufrágio às mulheres; à que-
da da República Velha; ao governo Vargas; à Revolução Constitucionalista de
1932; à Constituição outorgada de 1937; ao retorno à democracia e aos tra-
balhos da Constituinte de 1946. Em minúcias, apresentam-se os momentos
de crise da democracia brasileira, vividos a partir do movimento militar revo-
lucionário de 31 de março de 1964, com a edição de Atos Institucionais,
cassação de parlamentares, fechamento e suspensão dos trabalhos do Con-
gresso Nacional.
Por fim, documenta-se o retorno à democracia, com a eleição de Tancredo
Neves, o julgamento do ex-Presidente Fernando Collor, o período de gover-
no do ex-Presidente Fernando Henrique e a eleição e posse do Presidente
Luís Inácio Lula da Silva.
A par da qualidade técnica da obra, é possível, ainda, perceber-se o
extremo respeito pelos trabalhos legislativos que impulsiona o Autor, respei-
to que decorre do reconhecimento da importância de um Legislativo forte
para a garantia da liberdade civil e política em nosso País.
A percepção desse sentimento, que permeia cada página, cada texto,
cada observação, não se constitui em surpresa para aqueles que tem a honra
e o privilégio de conhecerem pessoalmente a Casimiro Neto. A extrema dedi-
cação e o profissionalismo que marcam sua vida funcional, aliados ao amor
que nutre pela Câmara dos Deputados, são qualidades pessoais marcantes
que, independentemente da intenção consciente do Autor, se fariam presen-
tes nessa obra.
Ao completarem-se cento e oitenta anos da primeira sessão preparató-
ria da primeira assembléia constituinte brasileira, cento e oitenta e dois anos
de representação parlamentar e quinze anos da promulgação da Constitui-
ção Federal de 1988 não poderia a Câmara dos Deputados esperar um me-
lhor presente do que esta obra, um verdadeiro preito de gratidão e reconhe-
cimento à importância dessa Casa Legislativa para a consolidação da
democracia brasileira.

João Ricardo Carvalho de Souza é mestre em Direito e Estado, pela Univer-


sidade de Brasília, professor de Direito Constitucional e Consultor Legislativo na Câmara
dos Deputados.

Sem título-5 738 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 739

POR MIGUEL GERÔNIMO DA NÓBREGA NETTO

A nalisar criteriosamente as publicações oficiais do Parlamento bra-


sileiro desde os primórdios de sua existência é trabalho de gigante. Casimiro
Neto é assim, um obstinado pela cultura e história nacionais, em especial a
política, que faz do Poder Legislativo o melhor meio para viabilizar a conso-
lidação da democracia de nosso País.
As passagens narradas e comentadas pelo autor foram escolhidas de
modo sistemático para que o leitor possa bem situar-se na evolução do pen-
samento político e parlamentar do Brasil. Por isso mesmo, o início desta
viagem histórica remonta a tempos anteriores às primeiras palavras profe-
ridas nas tribunas legislativas, ao trazer notícias valorosas do início do sé-
culo XIX.
Se não fosse assim, como saberíamos que, em 13 de maio de 1808, D.
João VI criou, mediante decreto, o meio próprio para a publicação dos atos
normativos e administrativos da Corte, a Imprensa Régia, ou que o primeiro
jornal editado no Brasil intitulou-se “Gazeta do Rio de Janeiro”, ao fazer circu-
lar sua primeira edição em 10 de setembro do mesmo ano.
É interessante tomar conhecimento de que as “Ordenações do Reino” são
consideradas o primeiro Código Eleitoral a viger no Brasil – 7 de março de
1821 –, antes mesmo de o País cortar, definitivamente, o cordão político de
dependência com Portugal. Também é meritório receber a informação de
que a primeira sede da Câmara dos Deputados localizou-se na Cadeia Velha,
edificada no século XIX, abrigando os parlamentares até o início do século
XX. Lá ocorreu, em 17 de abril de 1823, a primeira sessão preparatória com
a presença de 52 deputados constituintes. A riqueza do livro enfoca detalhes
da instalação da nossa primeira Assembléia Geral Constituinte, ao levar o
leitor a conhecer o enredo de algumas passagens históricas, até a outorga de
nossa primeira Carta Magna, a de 1824.
O livro avança no século XX, mas antes Casimiro traz ao nosso conheci-
mento os pormenores dos fatos que levaram à promulgação da primeira Cons-
tituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891. É nessa linha evolutiva e
histórica que o autor nos traz, com tanto critério, organização e qualidade, os
fatos, até chegarmos aos momentos contemporâneos.
Os trabalhos legislativos resistem. Momentos de fechamento do Con-
gresso e imposição da ditadura não são suficientes para calar os democratas
na busca dos ideais populares. Este livro segue a linha democrática, na medi-
da em que narra e comenta as passagens histórico-políticas para que o leitor
possa conhecer os prós e contras do processo de amadurecimento político do
Parlamento brasileiro e tirar as suas próprias conclusões.

Sem título-5 739 7/5/2004, 10:23


740 Casimiro Neto

Para os menos jovens, que verteram lágrimas com a morte inesperada


do Presidente da República, vale relembrar, em detalhes, a data de 15 de
janeiro de 1985, quando em eleição indireta, esgotadas todas as tentativas de
implementar o sufrágio livre, foi eleito Tancredo de Almeida Neves, apesar
de não ter tomado posse por ter contraído uma fatal enfermidade.
Em 5 de outubro de 1988, o então Presidente da Assembléia Nacional
Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães, em marcante discurso, declara
promulgada a Constituição Cidadã. As páginas deste livro nos fazem reviver
estas e outras passagens da rica história do Parlamento brasileiro, tão bem
escritas por Casimiro Neto.
Parabenizo o autor também pela qualidade do trabalho de recuperação
e sistematização da história legislativa brasileira que vem realizando junto ao
Centro de Documentação e Informação, da Câmara dos Deputados. Afinal,
são cerca de 182 anos de história do Parlamento que precisam ser recupera-
dos e sistematicamente organizados. Destaque-se o processo de informatiza-
ção, que, por meio da digitalização do acervo e gerenciamento eletrônico,
tem viabilizado democratizar a informação, possibilitando ao cidadão conta-
to estreito com a memória legislativa nacional, mediante acesso à homepage
da Câmara dos Deputados na Internet.
Aproveito para destacar o apoio que os dirigentes da Câmara têm ofe-
recido ao profissional Casimiro Neto, bem como à competente equipe que
com ele labuta. São ações deste porte que permitem a transparência dos tra-
balhos legislativos em prol do verdadeiro titular do poder: o povo.
Parabéns Casimiro Neto, pela excelência desta obra literária. Parabéns
aos sonhadores, que, como o autor, oferecem aos leitores um trabalho sério e
competente.

Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto. Economista, servidor da Câmara dos


Deputados há 15 anos, exerce a função de Assessor da Diretoria Legislativa e atua
também como professor de Processo Legislativo junto do Centro de Formação, Treina-
mento e Aperfeiçoamento da Câmara, bem como em outras instituições de ensino.

Sem título-5 740 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 741

POR ALDEMIR LUNA SOUSA

“A qui, o Brasil deu a si mesmo a unidade, na comunhão da língua, da lei


e da liberdade”. Célio Borja – 6/3/1976. Sessão Solene de comemoração do
Sesquicentenário da Câmara dos Deputados.
Que aproveite o leitor para chegar à concepção da idéia desta obra,
antes mesmo de a ler, ou lhe sirva para mais facilmente a reter na memória,
depois de a ter lido. Toda obra é sempre um caminho apontado, uma estrada
que se abre; se não é novo, é sempre um jeito novo de mostrar, de falar, e,
naturalmente, sempre se aprende e sempre se ensina. O gênio é o trabalho, e
todo trabalho é uma oferenda aos altares da sabedoria.
Eis aí um bom livro para bons usos, digno de consideração. Não bastas-
se a honestidade de propósito do professor e pesquisador Casimiro Neto –
paulista de Gastão Vidigal, cidadão turiubense –, o autor não comete o erro,
recorrente e comum, de opinar. Sua pesquisa aborda a natureza dos contratos
e constrastes políticos-sociais do País, desde sua formação, enquanto nação,
até sua participação e inserção no contexto mundial. Assim, é possível encon-
trar registros como a rubrica do Príncipe Regente, em 13 de maio de 1808,
criando a “Impressão Régia”, o que vai possibilitar a confecção e circulação
do primeiro jornal editado no Brasil, chamado de “Gazeta do Rio de Janeiro”.
São marcos da cultura, passos iniciais na formação da própria História do
Brasil.
Os serviços de arquivo da Câmara dos Deputados mantêm sob sua guarda
preciosos documentos na forma de discursos, projetos e debates sobre todos
os temas relevantes da vida nacional. Coube ao autor a coragem do empreen-
dimento, pois, bem se sabe, nem sempre existe apoio institucional, como
requer qualquer trabalho de pesquisa; vale aí o esforço e sacrifício pessoal.
Nos entremeios de discursos, anotações e debates, sopra o vento da
literatura, o vento poético da boa escrita e memoráveis citações. A história
deu um passo à frente, memória da memórias, todo gesto é heróico, o
espondaico poema do fazer.
Outros virão.

Aldemir Luna Sousa. Jornalista, Professor de História, Poeta e Ensaísta.

Sem título-5 741 7/5/2004, 10:23


742 Casimiro Neto

POR IVANIR GERALDO VIANNA

N o tempo em que a roda foi inventada e o modo de produzir fogo


foi descoberto, não havia alfabeto. Mas do sentir a emoção do medo
conscientizado diante de um tigre de dente de sabre, quando o grito emocio-
nal resultou em uma experiência de terror, aprendemos que a cultura sempre
serviu à inteligência e que hoje, pelo tempo, é atribuída ao organizar da civi-
lização humana.
Do pensar ao agir, lanço-me ao exercício do dizer! Recolho-me ao ár-
duo trabalho do comunicar e, sinto a impotência do saber tão pouco ante o
trabalho de colaborar com o autor, heróico guardião que, em inenarrável
esforço, absorveu uma cultura histórica. Sua certeza policromada serve para
a nossa memória fragilizada pelo “educare” não executado pelos nossos ante-
passados.
Ao completar os 180 anos da Câmara dos Deputados, é com gáudio que
o meu espírito vê que o conhecimento de Casimiro Neto renova o interesse
na descoberta de uma memória no curso de uma história brasileira.
Vultos enevoados nas lembranças polvilhadas de respeitoso apreço, fa-
zem canção e ilustram a primeira sede da Câmara dos Deputados em 17 de
abril de 1823, fato este que propiciou a primeira sessão preparatória da As-
sembléia Constituinte, isto às nove horas daquele dia, iniciando-se a história
legislativa do Brasil independente, e que contou com a presença de 52 depu-
tados constituintes. Da exegese do espírito que norteou o profícuo trabalho
de Casimiro, toda uma imagem de lembranças é inaugurada na obra que nos
oferece.
O trabalho realizado por este técnico desperta o respeito devido ao exer-
cício da sua inteligência sensível. Técnico que se transforma em humanista,
Casimiro nos transporta ao heróico exercício de nossa convivência sócio-polí-
tica. Esta “Síntese Histórica dos Grandes Momentos da Câmara dos Deputados, das
Assembléias Nacionais Constituinte, e do Congresso Nacional – 180 anos (1823-2003)
–, de Representação Parlamentar – 182 anos (1821-2003) –, e de 15 anos da promul-
gação da Constituição Federal de 1988” é um marco que resgata para nosso povo
o respeito de nossa civilização.
O trabalho representa toda experiência acumulada em muitos anos de
pesquisa fundamental, dando-nos condição de não confundir o essencial com
o que é necessário para a nossa memória do passado. O livro é um estudo
que, em profundidade, demonstra um relato histórico que nos remete às
vivências e demonstra que o campo da teoria política também o é sociológi-

Sem título-5 742 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 743

co, através do pensamento dos pioneiros que foram os consolidadores, lan-


çando raízes para a formação destes 182 anos de nossa história parlamen-
tar, realçados nesta síntese histórica dos grandes momentos da Câmara dos
Deputados.
Excelente instrumento de pesquisa para uma abordagem histórica, po-
derá servir a todos que se interessam em conhecer a grande memória que
representa toda a experiência acumulada em muitos anos de formação e es-
trutura da Câmara dos Deputados. A vivência sociológica deste longo perío-
do nos oferece fundamentos do comportamento social no início da nossa
sociedade, primordial em sua dinâmica em formação; das suas bases essenci-
ais como processo estruturado ainda das relações humanas; bem como das
diversas formas nos propósitos de articulação que se moldam e lançam raízes
em sua vivência societária e nas suas diversas formas de escrever a história
brasileira.
Entendo que, como o foi dito no século de Péricles, o homem deve
voltar a ser medida de todas as coisas, e, nas asas da cultura, uno-me ao
esforço de uma lúcida inteligência. Pesquisador exímio, seu trabalho repre-
senta toda a experiência acumulada no trato e muitos anos de sociológico
conviver, em que sua cultura foi preocupação fundamental para que o leitor
não confunda o essencial com o acessório. Ao adquirir o conhecimento da
obra, revejo por força de minha memória histórica os casarões apenumbrados
e, no rosto da mocinha oitocentista, encontro o Brasil que renascia com a
chegada da Família Real. Fatos novos que iriam fazer estórias na História de
nossa terra e de nossa gente.
Penso no heróico passado e elevo meus pensamentos nas asas da cultu-
ra que a lúcida inteligência de um jovem pesquisador ofereceu-me ao mergu-
lhar meu espírito sedento de conhecimento no trabalho organizacional de
uma mente dedicada ao exercício de uma batalha de divulgar seus conheci-
mentos.
O bloqueio continental decretado por Napoleão e que, sob pressão do
exército francês, a 27 de novembro de 1807, determinou o embarque da Fa-
mília Real para o Brasil, escoltada pela esquadra inglesa sob o comando do
Almirante Sidney Smith, que fez a proteção do comboio real – transformação
histórica para Portugal que o é, também, para o Brasil. São desta época vários
episódios, pitorescos alguns deles, conferidos e de notórios relatos nos acon-
tecimentos de fatos históricos relativos a estas mudanças. Um deles, o célebre
“PR”, de Príncipe-Regente, que foi colocado nas casas requisitadas pelo Go-
verno do Rio de Janeiro para os membros da comitiva real e que o povo
carioca logo denominou “ponha-se na rua”.
A política estrangeira de Portugal, que era nessa época essencialmente
européia, torna-se repentinamente americana. Pelo relato histórico do nosso
Casimiro, aprendemos a rever por força do heróico esforço de um trabalho
honesto e fidedigno que restaura a memória deslumbrada de nosso saber, tão

Sem título-5 743 7/5/2004, 10:23


744 Casimiro Neto

descaracterizado pela falta de fontes onde mergulhar a nossa sede de conhe-


cimentos.
Atual e própria ao período em que vivemos, a obra “A Construção da
Democracia” que hoje tenho em mãos, leva-me, como educador, a entender e
celebrar os subsídios que os grandes momentos da Câmara dos Deputados,
das Assembléias Nacionais Constituintes, e do Congresso Nacional em 180
anos (1823-2003), de representação parlamentar em 182 anos (1821-2003) e
de 15 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, me propicia e
concede-me a oportunidade do conhecer e aprender. A verdade é que o co-
nhecimento é o suporte para um envolvimento profissional mais sistemático
com nossa mudança de atitudes. A obra em apreço nos leva a construir novos
parâmetros, a fim de facilitar a aprendizagem da habilidade e conhecimento
para o processo do saber. O autor leva-nos a uma atitude de racionalidade e
com benevolência ao auto-aperfeiçoar.
A história vivencial dos que nos antecederam obriga-nos a esperar do
nosso próprio comportamento novas atitudes de tolerância para as manifes-
tações futuras em um agora cheio de cobranças. As forças sociais e culturais
que operam na comunidade deixam claro as diversas manifestações da per-
sonalidade específica atual dentro do ambiente que pode influenciar as ques-
tões de interesse público, o que nos leva a conhecer situações vivenciais do
passado, aprendendo que, como está desenvolvido no trabalho de Bartlett
(1932) F.C. Remembering Cambridge University Press (1932) a memória não era
uma questão de reaver cópias em carbono da aprendizagem passada de um
depósito mental imaginário. Em vez disso era um processo de reconstruir
ativamente a experiência – uma reconstrução em que se realizaram todos os
tipos de transformações (apud H.s. Moe Farland).
Serve a presente obra para uma total pesquisa sociológica autêntica,
que utilizando um encadeamento histórico, reveste-se de uma seqüência
explanativa, dentro de uma força de penetração a nível de um aprendizado
didático com fatos encadeados, e de resgate de nossa memória-histórica.
Desnecessário é repetir trechos já perfeitamente compilados e, dentro do
aspecto histórico perfeitamente narrados, os quais nos transportam à vivência
desta Casa, que faz com que o respeitoso cerimonial de que nos vestimos ao
parabenizá-la pela feliz iniciativa de um de seus servidores, que, como fiel
escudeiro, lega-nos uma oportuna chance de compartilhar com o espírito de
sua obra.
Casimiro Neto em sua “Síntese Histórica dos Grandes Momentos da Câmara
dos Deputados, das Assembléias Nacionais Constituintes, e do Congresso Nacional –
180 anos (1823-2003) –, de Representação Parlamentar – 182 anos (1821-2003) –
, e de 15 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988”, há de ocupar
lugar de destaque nas estantes de todo homem público que, com sua inteli-
gência, quiser reciclar seu conhecimento e trazer ao agir subsídios que se
encontram nesta obra respeitável.

Sem título-5 744 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 745

Em uma exposição lúcida, há o vigor do autor que oferece ao leitor


oportunidade para meditar e atualizar-se com os problemas nacionais,
correlacionando este registro com os textos atuais das leituras complementa-
res. No objetivo comum para todo espírito sedento de cultura, Casimiro ofe-
rece ao leitor a consideração de uma exposição lógica e vigorosa para um
acréscimo ao respeito devido à histórica memória da Câmara dos Deputados.

Ivanir Geraldo Vianna. Bacharel em Cîencias Jurídicas e Sociais pela Uni-


versidade do Brasil-Faculdade Nacional de Direito/RJ, Psicólogo pela Sociedade Bra-
sileira de Parassímbolo, Pós-graduado em Planejamento do Ensino Superior pelo Cen-
tro de Ensino Unificado do Distrito Federal, professor, conferencista, poeta, crítico literário
e artista plástico. Procurador Federal aposentado, exerce atualmente cargo de confian-
ça na Câmara dos Deputados.

Sem título-5 745 7/5/2004, 10:23


746 Casimiro Neto

POR EZEQUIEL SOUSA DO NASCIMENTO

D ificilmente a história que se lê nestas páginas encontraria um ou-


tro narrador tão aplicado, disciplinado e apaixonado pelo seu trabalho quan-
to Casimiro Neto. O esforço reunido neste livro demonstra por si só a paixão
com que o Chefe da Seção de Documentação Parlamentar da Câmara dos
Deputados idealizou a obra.
Fruto de 4 anos de intenso e heróico trabalho, “A Construção da Democra-
cia – Síntese Histórica dos Grandes Momentos da Câmara dos Deputados, das Assem-
bléias Nacionais Constituintes e do Congresso Nacional” é uma grande contribui-
ção historiográfica à memória nacional.
A inteligência do livro já se destaca logo no seu título e na defesa conse-
qüente que faz do Parlamento, espaço da democracia e da representação po-
pular. A democracia encontra no Parlamento o canal da realização nacional.
Nada ocorrido ao longo destes anos no Brasil passou ao largo da Câmara dos
Deputados. A sua vocação de escoadouro das causas nacionais fica bastante
evidenciada nesta síntese memorável realizada pelo autor.
É importante destacar este aspecto da compreensão política amadurecida
de Casimiro Neto porque, mesmo que vivamos um dos momentos mais dura-
douros de vida democrática, não podemos esquecer as raízes históricas do
autoritarismo presentes na vida nacional, constitutivas mesmo da nossa for-
mação política. O autoritarismo brasileiro tem raízes profundas na vida naci-
onal. Da colônia à monarquia, insinuando-se abertamente no positivismo que
originou a nossa República, ele é uma fonte que, infelizmente, não se pode
dizer que esteja esgotada.
O esclarecimento da importância do parlamento como espaço destaca-
do da democracia é uma exigência de toda hora numa América Latina que
não está conseguindo aliar a excelência dos valores democráticos ao cumpri-
mento da sua promessa de distribuir para todos as riquezas acumuladas pelo
esforço coletivo da sociedade. Ante os insucessos tão inerentes à democracia,
ninguém pode assegurar tranqüilamente que este encontro democrático da
Nação com o Parlamento não mereça cuidado e zelo.
A iniciativa do autor vem ao encontro deste esforço. Parece lugar co-
mum, mas o conhecimento da história, da trajetória da ação parlamentar, é
condição indispensável para a consolidação dos valores democráticos.
O trabalho de Casimiro Neto deve ser louvado como uma das grandes
realizações editoriais do ano. Além do prazer da leitura, esta obra representa
um acontecimento editorial de relevância, coisa que seria compreendida e
destacada em qualquer grande democracia do mundo. Que assim seja no
Brasil. Que este livro mereça todo o reconhecimento de que ele é merecedor.

Sem título-5 746 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 747

A figura do autor, nosso colega, representa muito bem o espírito e a


competência que caracteriza os servidores do parlamento brasileiro. Seu es-
forço demonstra o perfil do servidor público brasileiro: zelo com a história,
com os documentos do País e sobretudo, com a democracia.

Ezequiel Sousa do Nascimento. Servidor da Câmara dos Deputados, Presi-


dente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas
da União e economista.

Sem título-5 747 7/5/2004, 10:23


748 Casimiro Neto

Referências

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BARATA, Carlos Almeida; BUENO, Antônio Henrique Cunha. Dicionário das famílias
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diovisuais, da Coordenação de Arquivo, com pesquisa de Teresa de Jesus
Teixeira. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 1992.
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Sem título-5 748 7/5/2004, 10:23


A Construção da Democracia 749

BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Deputados Brasileiros, 1826-1976. Brasília:


Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 1976. 236 p.
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2002). Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 1890-.
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analítico da Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, 1823:
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A Construção da Democracia 751

VIRGILIO. P.v.b. virgillii maronis bucolicorum, eclogaex., georgicorum, libri iii., aeneidos,
libri xii. Et in ea, mauri servii honorati: grammatici comentarii, ex antiquiss: exemplaribus
longe meliores et auctiores: ex bibliotheca petri danielis i.c.: accessit fabij planciadis fulgentij
liber de continentia virgiliana, auctior e mss. Codd. Item iunij philargyrij commentariolus
in bucolica & georgica virgilij.: cum certissimo et copiosissimo indice. S. L.: Parisiis
apud S. Nivellium, 1600. 708 p., il.

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* * *

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ERRATA
Esta página deve substituir a página 74, por ter saído
com a ilustração no 4 incorreta

Quadro/Ilustração no 4 e 4/A
O Palácio e Capela das Necessidades – litografia de Martins Lopes, Lisboa. (Sec. XIX).
Pintura da luneta colocada sobre a mesa da Presidência da Sala das Sessões da Assembléia
da República Portuguesa. Foi pintada por Veloso Salgado e representa os Constituintes
de 1821, em sessão plenária no Palácio das Necessidades, na Sala da Livraria do
Convento. As figuras são retratos de 50 constituintes, focando a tela o
momento em que usa da palavra o Deputado Fernandes Tomás.

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