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CAPÍTULOS

NIALL FERGUSON

O DECLÍNIO
DO OCIDENTE
COMO AS INSTITUIÇÕES
S E D E G R A DA M
E A ECONOMIA MORRE

Tradução de
José Mendonça da Cr uz

5
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

8
CAPÍTULOS

ÍNDICE

Lista de Imagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1. A Colmeia Humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2. A Economia Darwinista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
3. A Paisagem Jurídica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
4. Sociedade Civil e Sociedade sem Civismo . . . . . . . . . . 129
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155

Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187
Índice onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189

9
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

10
A COLMEIA HUMANA

1.
A COLMEIA HUMANA

Explicação da Grande Divergência

«A Natureza é coisa de grande fortaleza e efeito», escreveu


o humanista inglês Richard Taverner no seu Garden of Wysdo-
me, «mas por certo as instituições e a boa criação podem muito
mais, pois podem melhorar, reformar e fortalecer uma nature-
za mal concertada e vil e transformar a mesma numa natureza
boa.»1 As palavras de Taverner resumem aquilo que rapidamente
está a tornar-se consensual: que as instituições – na mais ampla
aceção do termo – determinam mais os resultados da história
moderna, do que as forças da natureza como o clima, a geo-
JUDÀDRXDWpDLQFLGrQFLDGHGRHQoDV
Por que terá sido que, aproximadamente desde os séc. XVI,
a civilização ocidental – tal como existia nos pequenos Esta-
dos belicosos da Eurásia Ocidental e nas respetivas colónias de
povoamento do Novo Mundo – progrediu tão melhor do que

35
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

Rácios do Produto Nacional Bruto per capita dos Estados


Unidos comparado com o da China, e do Reino Unido
comparado com o da Índia, desde 1500

Figura 1.1
Fonte: Angus Maddison, «Statistics on World Population, GDP and per capita
GDP, 1-2008 AD»: http://www.ggdc.net/MADDISON/Historical_Statistics/vertical-
ÀOHB[OV

DVRXWUDVFLYLOL]Do}HV"'HVGHRVpFXORXVIDWpÀQDLVGDGpFDGD
GHYHULÀFRXVHXPDH[WUDRUGLQiULDGLYHUJrQFLDGHQtYHLV
de vida globais, à medida que os ocidentais se tornaram muito
mais ricos do que o, por assim dizer, resto dos terrestres. Há
300 anos, o chinês médio ainda vivia provavelmente um pouco
melhor do que o norte-americano médio. Por volta de 1978,
o americano médio era pelo menos 22 vezes mais rico do que
o chinês médio (ver Figura 1.1).2 A grande divergência da His-
tória não foi meramente económica, foi também uma diver-

36
A COLMEIA HUMANA

gência em termos de longevidade e saúde. Ainda na década de


1960, a esperança média de vida na China estava nos quarenta
e poucos anos, enquanto nos Estados Unidos alcançara já os
70 anos.3 Os ocidentais dominaram o reino das ciências, bem
como o da cultura popular. Continuaram também a dominar
o mundo até a um grau surpreendente, mesmo após a queda
dos cerca de doze impérios formais, os quais, no seu apogeu,
cobriam cerca de 3/5 da área terrestre e da população mundial
e representavam pelo menos 3/4 da produção económica glo-
bal. Ficou-nos da Guerra Fria o conceito do Império Soviético
como «o Leste»; na verdade, a URSS foi o derradeiro império
europeu a administrar largas regiões da Ásia.
Como explicar isto, este extremo desequilíbrio mundial que
colocou uma minoria da humanidade (1/5 dela, no máximo)
em semelhante posição de superioridade material e política so-
EUHRUHVWR"1mRpSODXVtYHOTXHLVVRVHWHQKDGHYLGRDDOJXPD
superioridade inata dos europeus, como frequentemente argu-
mentavam os teóricos rácicos dos séculos XIX e XX. O património
genético não era seguramente tão diferente no ano de 500, altu-
ra em que o extremo ocidental da Eurásia entrava num período
de relativa estagnação, que duraria quase mil anos. Também o
FOLPDDWRSRJUDÀDHRVUHFXUVRVQDWXUDLVGD(XURSDHUDPHP
1500, aproximadamente os mesmos do ano 500. Ao longo de
toda a Idade das Trevas e do período medieval, a civilização
europeia não deu qualquer sinal evidente de ultrapassar o de-
sempenho dos grandes impérios orientais. Com o devido res-
SHLWRSRU-DUHG'LDPRQGDJHRJUDÀDHRVUHVSHWLYRVUHÁH[RV
na agricultura poderão explicar por que razão a Eurásia teve
melhor desempenho do que outras partes do mundo, mas não

37
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

por que razão o extremo ocidental da Eurásia teve um desem-


penho tão superior ao do extremo oriental após o séc. XVI.4
Da mesma forma, não é possível explicar a grande diver-
gência em termos de imperialismo: as outras civilizações dedi-
caram-se plenamente a ele antes de os europeus começarem a
atravessar os mares e a conquistar. Para o historiador Kenneth
Pomeranz, que cunhou a expressão «grande divergência», foi
tudo, na realidade, uma questão de sorte. Os europeus tive-
ram a sorte de tropeçar nas chamadas «terras-fantasma» das
Caraíbas, que depressa começavam a proporcionar aos po-
vos das metrópoles atlânticas grande abundância de açúcar,
uma fonte compacta de calorias inacessível para a maioria dos
asiáticos. Os europeus tiveram também a sorte de dispor de
depósitos de carvão mais fáceis de extrair.5 Todavia, esta ar-
gumentação deixa sem resposta a questão de saber por que
razão os chineses não foram tão assíduos como os europeus
na busca de terras-fantasma coloniais de além-mar; nem ex-
SOLFDSRUTXHUD]mRIRUDPLQFDSD]HVGHXOWUDSDVVDUDVGLÀ-
culdades técnicas da mineração de carvão que os britânicos
ultrapassaram.
Creio que as melhores respostas para a pergunta sobre as
causas da grande divergência são as que põem a tónica no papel
das instituições. Por exemplo, Douglass North, John Wallis e
Barry Weingast distinguem duas fases ou padrões da organiza-
ção humana.6 A primeira é aquilo a que chamam estado natural,
ou «padrão de acesso limitado», caracterizada por:

– baixo crescimento económico;


– raridade relativa de organizações não-estatais;

38
A COLMEIA HUMANA

– governo pequeno e bastante centralizado, agindo sem


o consentimento dos governados;
– relações sociais organizadas segundo linhas pessoais
e dinásticas.

A segunda fase é a de «padrão de acesso livre», caracteriza-


da por:

– economia com maior taxa de crescimento;


– sociedade civil rica e dinâmica, com muitas organiza-
ções;
– governo maior e mais descentralizado; e
– relações sociais governadas por forças impessoais, no-
meadamente a primazia da lei, o respeito do direito de
propriedade, a equidade e (em teoria, pelo menos) a
igualdade.

Por mérito próprio, os estados da Europa Ocidental, lide-


rados pela Inglaterra, foram os primeiros a fazer a transição
do «acesso limitado» para o «acesso livre». Para o conseguir,
um país tem de «desenvolver iniciativas institucionais que per-
mitam às elites criarem a possibilidade de relações impesso-
ais intra-elite», e, a seguir, «criar e sustentar novos incentivos
para que as elites tenham sucesso no estabelecimento do li-
vre acesso dentro da elite». Alcançado esse ponto, «as elites
transformam os seus privilégios pessoais em direitos impes-
soais. O direito de fundar organizações é concedido a todas
as elites (…) e, atingido esse momento, a lógica (…) mudou
da lógica do estado natural de criação de rendas assentes no

39
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

privilégio, para a lógica do acesso livre da erosão das rendas


assente no novo acesso».
Entre a Conquista Normanda e a Grande Revolução, a
Inglaterra passou de «frágil» Estado natural a Estado «bá-
sico», e, depois, a «Estado maduro», caracterizado por «um
amplo conjunto de instituições de governo, regulação e im-
plementação de direitos de propriedade sobre a terra, capa-
zes de alicerçar intercâmbios impessoais entre os membros
das elites». Para as elites, a primazia da lei era uma das três
«condições liminares» para a transição para um sistema de
livre acesso, sendo as outras o estabelecimento de «organiza-
ções perenes na esfera pública e privada» e a «consolidação
do controlo sobre as forças armadas». Para North, Wallis e
Weingast, o progresso decisivo rumo ao livre acesso deveu-
-se às revoluções Francesa e Americana, que trouxeram a
inserção em larga escala e legitimação da concorrência, tan-
to na esfera económica como na política. Em cada passo da
sua argumentação, a ênfase está, portanto, nas instituições, a
começar nas mudanças das leis inglesas sobre a terra, após o
século XI, e culminando nas mudanças no tratamento jurídi-
co das entidades empresariais, no século XIX.
No mesmo sentido, o livro Origins of Political Order (As Ori-
JHQVGD2UGHP3ROtWLFD GH)UDQFLV)XNX\DPDGHÀQH©RVWUrV
componentes de uma ordem política moderna como sendo
«um Estado forte e competente, a subordinação do Estado à
primazia da lei e a responsabilidade do governo perante todos
os cidadãos».7 Foi na Europa Ocidental que estes três compo-
nentes foram reunidos pela primeira vez, cabendo de novo à
Inglaterra o papel de pioneira (embora Fukuyama dê crédito

40
A COLMEIA HUMANA

à Holanda, Dinamarca e Suécia por não terem tardado). Por-


TXrD(XURSDHQmRDÉVLD"3RUTXHH[SOLFD)XNX\DPDRGH-
senvolvimento idiossincrático da cristandade ocidental tendia
a desvalorizar a importância das grandes famílias e dos clãs.
Também Daron Acemoglu e Jim Robinson estabelecem, no
seu livro Porque Falham as Nações, uma impressionante compa-
UDomRHQWUHR(JLWRGHKRMHHD,QJODWHUUDGHÀQDLVGRVpFXVII:

A razão por que a Grã-Bretanha é mais rica do que o


Egito é que, em 1688 (…) a Inglaterra (…) teve uma re-
volução que transformou a ordem política e, portanto,
a ordem económica da Nação. As pessoas lutaram por
mais direitos políticos, obtiveram-nos e exerceram-nos
para alargar as suas oportunidades económicas. O resul-
tado foi uma trajetória política e económica fundamental-
mente diferente que culminou na Revolução Industrial.8

Na expressão dos autores, a Inglaterra foi o primeiro país


a adotar instituições políticas «inclusivas» ou «pluralistas», em
vez de «extrativas». Note-se que outras sociedades europeias
não foram bem-sucedidas nesses esforços – a Espanha, no-
meadamente. Em consequência, os resultados da colonização
europeia do Norte e do Sul da América foram radicalmente di-
ferentes. Os ingleses exportaram instituições inclusivas; os es-
panhóis limitaram-se a sobrepor as suas instituições extrativas
às que herdaram de Aztecas e Incas.
O contexto imperial revela, também, as diferenças entre a
tese institucional e a antiga interpretação cultural – como foi
inicialmente formulada por Max Weber e mais tarde revista por

41
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

David Landes – de que haveria um vínculo entre o protestan-


tismo e o «espírito do capitalismo». Ao contrário do nazi da
peça de Hanns Johst, Schlageter, eu não saco da pistola quan-
do ouço a palavra cultura, mas articulo, isso sim, uma saudável
advertência. É muito tentador atribuir o processo histórico a
XPDDPiOJDPDGHLGHLDVHQRUPDV²DÀORVRÀDJUHJDRVPDQ-
damentos hebreus, o direito romano, a moral cristã, a doutrina
de Lutero e Calvino – batizadas com um nome como «cultura
judaico-cristã». Mas incorre-se no risco de fazer escolhas aleató-
rias. Por alguma razão misteriosa, nunca se menciona nenhuma
das realmente péssimas ideias ocidentais, como queimar bru-
xas ou o comunismo, embora elas pareçam produtos tão plau-
síveis da cultura judaico-cristã como o espírito do capitalismo.
Seja como for, enquanto a cultura pode instilar normas, as ins-
tituições criam incentivos. Britânicos criados praticamente na
mesma cultura comportaram-se, no entanto, de forma muito
diferente conforme tivessem emigrado para a Nova Inglaterra
ou trabalhado para a Companhia das Índias Orientais, em Ben-
gala. No primeiro caso, encontramos instituições inclusivas; no
segundo, instituições extrativas.

Gloriosas Instituições

O debate sobre as causas da grande divergência tem mais


do que uma relevância meramente histórica. A compreensão
do sucesso ocidental ajuda-nos a formular umas quantas ques-
tões bem mais prementes sobre o passado próximo, o presente
e os futuros possíveis. Uma das razões por que a tese institu-

42
A COLMEIA HUMANA

cional é tão convincente é que ela parece, igualmente, ofere-


cer uma boa explicação para o insucesso da maioria dos países
não-ocidentais na tentativa de conseguirem crescimento econó-
PLFRVXVWHQWiYHODWpÀQDLVGRVpFXX. Para ilustrarem o poder
GDVLQVWLWXLo}HVUHODWLYDPHQWHjJHRJUDÀDHFXOWXUD$FHPRJOX
e Robinson descrevem a cidade de Nogales, que é cortada ao
meio pela fronteira EUA-México. A diferença de padrões de
vida entre as duas metades é chocante.9 O mesmo se poderá
dizer das duas grandes experiências realizadas durante a Guer-
ra Fria. Basicamente, pegámos em dois povos – os Coreanos e
os Alemães – e dividimo-los em dois. Sul-coreanos e Alemães
ocidentais receberam fundamentalmente instituições capitalis-
tas; Norte-coreanos e Alemães orientais receberam instituições
comunistas. A divergência ocorrida no espaço de meras déca-
das foi enorme. A análise de Acemoglu e Robinson leva-os a
duvidar de que a China já tenha efetuado a transição decisiva
para o crescimento sustentável. Na opinião deles, as reformas
de mercado chinesas continuam a estar sujeitas às decisões de
uma elite exclusiva e extrativa, a qual continua a determinar a
atribuição dos recursos decisivos.
Há bastante tempo que os economistas do desenvolvimen-
to – nomeadamente Paul Collier – têm vindo a pensar nestes
mesmos termos.10 O caso do Botswana parece ilustrar a ideia
de que até uma economia africana subsaariana pode alcançar o
crescimento sustentável se o respetivo povo não for atormen-
tado por corrupção crónica e/ou guerra civil, como acontece,
por exemplo, na República Democrática do Congo. Ao contrá-
rio de tantos Estados pós-coloniais africanos, o Botswana con-
seguiu estabelecer instituições inclusivas e não extrativas depois

43
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

de obter a independência. O economista peruano Hernando de


Soto é outro dos defensores da tese de que o que importa são
as instituições.11 Depois de mourejarem nas favelas de Lima,
Port-au-Prince, Cairo e Manila, de Soto e os seus investigado-
res chegaram à conclusão de que, embora disponham de baixos
rendimentos, os pobres do mundo têm uma quantidade sur-
preendente de bens imóveis. O problema é que a propriedade
não é reconhecida como deles. Quase toda ela está em posse
©H[WUDMXUtGLFDª1mRSRUTXHRVSREUHVVHMDPWUDQVJUHVVRUHVÀV-
cais. Tal como de Soto sublinha, a economia paralela tem uma
HVSpFLHSUySULDGHWD[DV GDVPDÀDVGHSURWHomRHTXHMDQGDV 
que faz da legalidade algo de realmente apetecível. Acontece,
simplesmente, que a obtenção de um título válido para uma
FDVDRXXPDRÀFLQDpSUDWLFDPHQWHLPSRVVtYHO
A título de experiência, de Soto e a sua equipa tentaram es-
tabelecer-se legalmente numa pequena loja de vestuário nos
arredores de Lima. Foram necessários uns inconcebíveis 289
GLDV(TXDQGRWHQWDUDPREWHUDXWRUL]DomRRÀFLDOSDUDFRQV-
truir uma casa em terrenos públicos, ainda demorou mais: seis
anos e onze meses, durante os quais tiveram de contactar com
cinquenta e dois serviços governamentais diferentes. São insti-
tuições disfuncionais como estas, argumenta de Soto, que for-
çam os pobres a viver fora da lei. E não devemos supor que a
economia paralela é marginal. Uma das mais memoráveis con-
clusões do livro de de Soto, The Mystery of Capital (O Mistério
do Capital), é que o valor total dos imóveis na posse (mas sem
cobertura jurídica) dos pobres dos países em desenvolvimento
soma 9,3 biliões de dólares. Todavia, dada a ausência de título
jurídico e de um sistema funcional de direito de propriedade,

44
A COLMEIA HUMANA

essa quantia representa outro tanto de «capital morto»: «como


a água de um lago nas alturas dos Andes – uma fonte inexplo-
UDGDGHHQHUJLDSRWHQFLDOª1mRpSRVVtYHOXViODHÀFD]PHQWH
para gerar riqueza. Só com um sistema funcional de direito de
propriedade é que uma casa pode ser usada como garantia, só
assim o seu valor pode ser corretamente estabelecido pelo mer-
cado, só assim pode ser comprada e vendida.
Desde a publicação de O Mistério do Capital, de Hernando de
Soto, as revoluções de países como a Tunísia e o Egito têm pro-
porcionado fortes argumentos a favor da sua posição. De Soto
vê a «Primavera Árabe» em primeiro lugar como uma revolta
de potenciais, mas frustrados, empreendedores, contra regimes
corruptos e ávidos de rendas, parasitas dos seus esforços de
acumular capital. O exemplo mais claro é a história do jovem
Tarek Mohamed Bouazizi, que, em Dezembro de 2010, se imo-
lou pelo fogo em frente ao gabinete do governador da cidade
de Sidi Bouzid12. Bouazizi matou-se exatamente uma hora de-
pois de uma agente da Polícia, escoltada por dois funcionários
PXQLFLSDLVOKHWHUFRQÀVFDGRGXDVFDL[DVGHSHUDVXPDJUD-
de de bananas, três grades de maçãs e uma balança eletrónica
em segunda mão, avaliada em 179 dólares. Eram o seu único
capital. Bouazizi não tinha título jurídico da sua casa de famí-
lia, que, de outra forma, poderia ter servido de garantia para o
seu negócio. A sua existência económica dependia das «luvas»
que pagava a funcionários para que o deixassem explorar uma
banca de fruta em dois metros quadrados de terrenos públicos.
O ato arbitrário de expropriação custou a Mohamed Bouazizi
o sustento e a vida. Mas a sua imolação desencadeou uma re-
volução – embora esteja por saber se uma revolução gloriosa.

45
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

Tudo dependerá do ponto até ao qual as revisões constitucio-


nais em países como a Tunísia e o Egito consigam garantir a
transição de um Estado extrativo para um Estado inclusivo, do
poder arbitrário de elites ávidas de rendas para um Estado de
Direito para todos.
Se a tese de de Soto estiver certa, então faz todo o sentido
explicar o sucesso do Ocidente depois do séc. XVI em termos
de instituições, e, em particular, em termos de Estado de Di-
reito. Pois o que estava no cerne das batalhas pelo poder parla-
mentar da Inglaterra do séc. XVII não era mais do que a defesa
dos indivíduos perante a expropriação arbitrária por parte da
Coroa. É claro que, aos olhos dos historiadores especializados,
tudo isto são ressaibos suspeitos da velha interpretação Whig
GD+LVWyULDTXH+HUEHUW%XWWHUÀHOGFHUWDYH]S{VDULGtFXOR*
Ora, nenhum dos autores que venho citando adotou uma pers-
petiva ingenuamente determinista do processo histórico. Lon-
ge de serem histórias da inevitabilidade tecnológica, trata-se,
sim, de narrativas genuinamente evolucionárias, em que o aca-
so desempenha um papel importante. A Inglaterra não estava
predestinada pela Providência a tornar-se (nas palavras do li-
vro 1066 and All That) a «nação primeira». Foi por pouco que
foi evitado o triunfo do absolutismo no séc. XVII$ÀQDOKRXYH
revoltas em 1692, 1694, 1696, 1704, 1708 e 1722, e uma guerra
civil em 1715 – sem esquecer o levantamento jacobita de 1745.13

* O Partido Whig reunia as convicções liberais, e deu origem mais tarde aos atuais
Partido Liberal-Democrata e Partido Trabalhista. A visão liberal via o decurso históri-
co como uma marcha inexorável rumo ao progresso e à democracia. Herbert Butter-
ÀHOGKLVWRULDGRUGHIRUPDomRFULVWmTXHYLDDVDo}HVLQGLYLGXDLVFRPRPRWRUGRGH-
senvolvimento histórico, viria a atacar esta corrente no seu livro The Whig Interpretation
of History, 1931. (N.doT.)

46
A COLMEIA HUMANA

A verdadeira questão é a de saber até que ponto foi decisi-


va a rutura institucional que sucedeu em 1688. A maioria dos
historiadores diria que não muito. A Revolução Gloriosa foi,
argumentam eles, retrógrada, «conservacionista», tendo tido
consequências mínimas fora do estreito círculo do poder aris-
tocrático e do clientelismo.14 Esta visão parece-me demasiado
estreita. A Carta de Direitos de 1689 (Ato de Declaração dos Di-
reitos e Liberdades dos Súbditos) determina, entre outras coisas:

– que é ilegal a coleta de dinheiro para a Coroa ou para


seu uso, sob pretexto de prerrogativa, sem aprovação
do Parlamento, por maior período ou modo diferen-
te daqueles por que ela seja ou venha a ser concedida;
– que deve ser livre a eleição dos membros do Parla-
mento;
– que a liberdade de expressão e os debates ou proce-
dimentos do Parlamento não devem ser cassados ou
questionados em tribunal ou lugar algum fora do Par-
lamento;
– e que, a bem da reparação de todas as queixas, e da
emenda, fortalecimento e preservação das leis, os Par-
lamentos devem reunir-se com frequência.

Com o devido respeito pelos especialistas, julgo que isto me-


rece ser visto como um ponto de viragem histórica, ainda que
o preconceito religioso (anticatólico) pesasse na altura tanto
como o princípio constitucional.
É verdade que os «direitos e liberdades do súbdito» ins-
critos na Declaração de Direitos de 1869 foram apresenta-

47
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

dos ao tempo como antigos, e não como novidade. Mas as


consequências da Revolução Gloriosa eram verdadeiramente
novas, não menos pelo facto de os Parlamentos terem come-
çado após 1869 a produzir energicamente legislação sobre o
desenvolvimento económico e a proteção da indústria têxtil
nascente, encorajando o parcelamento das terras comuns e
promovendo a construção de estradas com portagem e canais.
Até a guerra se tornou uma atividade cada vez mais provei-
tosa com a aposta dos Whigs na supremacia comercial mun-
dial.15 A sequência é evidente: primeiro, a Revolução Gloriosa;
depois, o progresso agrícola; depois, a expansão do império;
depois, a revolução industrial.
A tese institucional torna-se ainda mais convincente quan-
do optamos por uma perspetiva comparativa. Nenhuma das
mudanças institucionais de que falo ocorreu na China das di-
nastias Ming ou Qing, onde o poder do Imperador e dos seus
funcionários se manteve incólume a atividades económicas se-
miautónomas ou assembleias representativas. A Ásia tinha co-
merciantes; não tinha empresas e muito menos parlamentos.16
As instituições, tal como evoluíram no Império Otomano, eram
WDPEpPVLJQLÀFDWLYDPHQWHGLIHUHQWHVHPDVSHWRVTXHSUHMXGL-
cavam a formação de capital e o desenvolvimento económico,
conforme defendeu Timur Kuran. Resultava isto de a lei islâ-
mica ter uma visão fundamentalmente diferente das socieda-
des, da herança, das questões de dívida e da personalidade das
empresas, da que era a perspetiva dos sistemas jurídicos que se
desenvolveram na Europa Ocidental. O islão tinha waqfs, alian-
ças informais entre indivíduos, mas não bancos.17

48
A COLMEIA HUMANA

A Revolução Sem Glória

Se a evolução institucional é a chave explicativa da ascen-


dência ocidental, bem como da pobreza persistente em Áfri-
ca e outras regiões, pergunto se deveremos explicar da mesma
forma aquela que certamente constitui a mais surpreendente
WHQGrQFLDGRVQRVVRVGLDVRÀPGDJUDQGHGLYHUJrQFLDHRDG-
vento de uma grande reconvergência entre Ocidente e Orien-
te. Penso que sim. O que teremos que fazer é aplicar ao nosso
tempo – e, aliás, às sociedades ocidentais – a perspetiva da es-
cola institucional de história económica.
Escrevendo nos anos de 1770, pareceu evidente a Adam
Smith que as razões para o intrigante «estado estacionário»
de estagnação económica da China advinham das suas «leis e
instituições». Dar-se-á o caso, segundo o mesmo raciocínio,
GHTXHDVGLÀFXOGDGHVHFRQyPLFDVVRFLDLVHSROtWLFDVDWXDLV
GRPXQGRRFLGHQWDOVHMDPUHÁH[RGDGHJHQHUDomRGDVQRV-
VDVLQVWLWXLo}HVRXWURUDLPEDWtYHLVjHVFDODPXQGLDO"3DUHFHP
restar poucas dúvidas de que o Ocidente está a experimentar
um declínio relativo, um declínio como nunca vimos nos úl-
timos 500 anos de história. Tendo sido vinte vezes mais rico
do que o chinês médio em 1978, o americano médio é-o hoje
apenas cinco vezes mais. Num grande leque de domínios,
o fosso entre o Ocidente e o Resto do Mundo estreitou-se
drasticamente. Em termos de esperança de vida e grau de es-
colaridade, por exemplo, alguns países da Ásia estão hoje à
frente da maior parte do Ocidente. Segundo o estudo PISA
de 2009, da OCDE, o fosso no desempenho a Matemática
entre os adolescentes do distrito chinês de Xangai e os dos

49
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

Estados Unidos é tão grande como o fosso entre os adoles-


centes americanos e os tunisinos.18
De certa forma, o sucesso dos países não-ocidentais é fá-
cil de explicar. A China copiou com algum atraso uma série de
outros países do Leste asiático (o primeiro foi o Japão) fazen-
do o «download» daquilo a que chamo «as aplicações de ponta»
da civilização ocidental: a concorrência económica, a revolu-
omRFLHQWtÀFDDPHGLFLQDPRGHUQDDVRFLHGDGHGHFRQVXPRH
a ética laboral.19 Copiar o modelo ocidental de industrialização
e urbanização costuma resultar se os empresários tiverem os
incentivos adequados, a mão-de-obra for geralmente saudável,
OHWUDGDHQXPHURVDHDEXURFUDFLDIRUUD]RDYHOPHQWHHÀFLHQWH
Pouco direi, portanto, nas linhas que se seguem sobre o que
correu bem no resto do mundo. O que mais me interessa é o
que correu mal no Ocidente.
A maior parte dos comentadores que abordam esta questão
tende a concentrar-se em fenómenos como a dívida excessi-
YDDGHÀFLHQWHJHVWmREDQFiULDHDFUHVFHQWHGHVLJXDOGDGH1D
minha opinião, porém, esses não são senão sintomas de uma
doença institucional subjacente: uma revolução Sem Glória, se
quiserem, que está a destruir o que foi alcançado em meio mi-
lénio de evolução institucional ocidental.

A Dívida e a Língua Inglesa

O título deste capítulo – «A Colmeia Humana» – é uma alu-


são ao poema de Mandeville, A Fábula das Abelhas. O argumento
principal de Mandeville era que as sociedades que dispõem das

50
A COLMEIA HUMANA

LQVWLWXLo}HVDGHTXDGDVFRQVHJXHPÁRUHVFHUPHVPRTXDQGRRV
indivíduos que as integram se comportam mal. O que tornou
a Inglaterra do séc. XVIII mais rica do que praticamente qual-
quer outra parte do mundo não foram as suas virtudes bíblicas,
mas antes os seus vícios bastante seculares. Acontece apenas
que tais vícios tinham aquilo a que os economistas gostam de
chamar «externalidades positivas de rede», precisamente por-
que as instituições da sociedade britânica do tempo favoreciam
a poupança, o investimento e a inovação.
Como vimos, após a Revolução Gloriosa de 1688, o mo-
QDUFD ÀFRX VXERUGLQDGR DR 3DUODPHQWR 1mR Vy RV :KLJV
que dominavam o novo regime, desencadearam uma nova era
de modernização agrícola, crescimento comercial e expansão
LPSHULDO FRPR WDPEpP DV LQVWLWXLo}HV ÀQDQFHLUDV VH GHVHQ-
volveram rapidamente: Guilherme de Orange trouxe consigo
da Holanda mais do que o protestantismo, trouxe também os
conhecimentos necessários para criar um banco central e um
mercado de capitais. Entretanto, numerosas associações, socie-
GDGHVHFOXEHVHQFRUDMDYDPDLQRYDomRFLHQWtÀFDHWHFQROyJLFD
&RPR5REHUW$OOHQGHPRQVWURXDFRPELQDomRHVSHFLÀFDPHQ-
te britânica de carvão barato e mão-de-obra cara incentivou a
inovação nas tecnologias potenciadoras da produtividade, em
especial na indústria têxtil.20 Mas foram as instituições que pro-
porcionaram o enquadramento indispensável a tudo isso. Eis a
versão de Mandeville:

Uma Espaçosa Colmeia bem nutrida de Abelhas,


Vivendo em Luxo e Abundância;
Porém tão celebrada por suas Leis e Armas,

51
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

Como por gerar grandes e precoces Enxames,


Foi tida na conta de grande Berço
Das Ciências e da Indústria.
Abelhas nenhumas tinham melhor Governo
Mais volubilidade ou menos Contentamento.
Não eram escravas da Tirania,
Nem governadas por desregrada Democracia,
Mas sim por Reis livres de erro, pois
Estava o seu Poder temperado pelas Leis.

Uma instituição houve, em particular, que alterou decisiva-


mente o rumo da história da Inglaterra. Num artigo pioneiro
publicado em 1989, North e Weingast defendem que o verda-
GHLURVLJQLÀFDGRGD5HYROXomR*ORULRVDUHVLGHQDFUHGLELOLGD-
de que deu ao Estado inglês como tomador de empréstimos
soberano. A partir de 1689, o Parlamento passou a controlar e
DDSHUIHLoRDURVLVWHPDÀVFDODDXGLWDUDVGHVSHVDVGD&RURD
DSURWHJHURGLUHLWRGHSURSULHGDGHSULYDGDHDLPSHGLUHÀFD]-
mente qualquer incumprimento da dívida. Este estado de coisas,
argumentavam eles, era «autoimposto», por maioria de razão,
porque os proprietários de terras eram uma classe esmagado-
ramente representada no Parlamento. Em consequência disto,
o Estado inglês conseguiu contrair empréstimos de montan-
tes que antes eram impossíveis devido ao hábito do monarca
de incumprir, lançar novos impostos ou expropriar de forma
arbitrária.212VÀQDLVGRVpF XVII e os princípios do séc. XVIII
trouxeram, assim, um período de rápida acumulação de dívida
pública sem qualquer aumento dos custos dos empréstimos,
muito pelo contrário.

52
A COLMEIA HUMANA

Esta mudança foi genuinamente benigna. Ela não só permi-


tiu à Inglaterra tornar-se Grã-Bretanha e, aliás, Império Britâ-
nico, mediante a abertura ao Estado inglês de acesso a recursos
ÀQDQFHLURVtPSDUHVSDUDWUDYDU HJDQKDU JXHUUDVFRPRWDP-
bém, através da habituação dos ricos a investimentos em obriga-
o}HVDEULXFDPLQKRDXPDUHYROXomRÀQDQFHLUDTXHFDQDOL]DULD
as poupanças inglesas para um sem número de atividades, des-
de a abertura de canais à construção de linhas férreas, desde o
comércio à colonização, desde as siderurgias às fábricas têxteis.
Embora a dívida nacional tenha crescido enormemente ao longo
das várias guerras da Inglaterra contra a França, atingindo um
pico de 260% do PIB na década posterior a 1815, esta alavan-
cagem gerou lucros simpáticos, já que no outro lado do balan-
cete estava um império mundial, conseguido em grande parte
com uma marinha construída a crédito. Acresce que, no século
subsequente a Waterloo, essa dívida foi competentemente re-
duzida mediante uma combinação de crescimento sustentado
e excedentes orçamentais primários. Nunca houve incumpri-
PHQWR1XQFDKRXYHLQÁDomR(D%ULWkQLDGRPLQRXRPXQGR

A Parceria entre Gerações

No resto do presente capítulo pretendo discutir o atual mo-


GHORGHJRYHUQRUHSUHVHQWDWLYR²HRVPDOHVTXHRDÁLJHP
O meu pressuposto inicial é o do costume: que é geralmente
melhor que o governo seja de alguma forma representativo dos
governados, do que o contrário. Isto é assim não apenas por a
democracia ser uma coisa boa em si mesma, como defendeu

53
O DECLÍNIO DO OCIDENTE

Amartya Sen, mas também porque há maior probabilidade de


que um governo representativo seja mais sensível do que um
governo autoritário às mutáveis preferências populares, tendo,
portanto, menor probabilidade de cometer os mesmos erros
terríveis que os governantes autoritários tantas vezes cometem.
2VTXHKRMHUHSXGLDPDGHPRFUDFLDGHWLSRRFLGHQWDOTXDOLÀ-
cando-a como «falida» – e são cada vez mais frequentes as suas
lamentações –, fazem mal em ansiar por algum tipo de modelo
de Pequim, com um Estado monopartidário no seio do qual
as decisões são tomadas por tecnocratas e baseadas em planos
quinquenais. O mesmo sistema deu à China as Zonas Econó-
micas Especiais e a Política do Filho Único: as primeiras foram
um sucesso; a última, um desastre cujas plenas consequências
ainda são incalculáveis.
Mas os críticos da democracia ocidental têm razão quando
apontam algumas falhas nas nossas instituições políticas. O sin-
toma mais evidente de mal-estar é a enorme dívida que con-
seguimos acumular ao longo das últimas décadas, dívida essa
cuja culpa não pode ser assacada, como no passado, a qualquer
guerra. Segundo o Fundo Monetário Internacional, a dívida
bruta da Grécia atingiu 153% do PIB em 2012. Para a Itália, o
cálculo é de 123%; para a Irlanda, 113%; para Portugal, 112%;
e para os Estados Unidos, 107%. A dívida britânica aproxima-
-se dos 88%. O Japão (um caso especial, como primeiro país
não-ocidental a adaptar instituições ocidentais) é o líder mun-
dial, com uma montanha de dívida pública próxima dos 236%
do PIB, mais do triplo do que era há vinte anos.* Ainda mais

* Note-se que não levo em consideração as enormes dívidas privadas contraídas


SRUIDPtOLDVHHPSUHVDVÀQDQFHLUDVHQmRÀQDQFHLUDV6HDGLFLRQDUPRVHVWDVjVGtYLGDV

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