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2ª Reimpressão
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
Marcelo Crivella
Secretaria Municipal de Cultura
Nilcemar Nogueira
Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro
Anderson Simões
Diretoria de Astronomia
Alexandre Cherman
Assessoria de Comunicação
Isabela Vidal
Projeto Gráfico
Lucas Cunha
Revisão
Luís Guilherme Haun
Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro
Av. Padre Leonel Franca, 240 - Gávea
Rio de Janeiro, RJ, Brasil - 22451-000
tel. (21) 2088-0536
Cherman, Alexandre.
ISBN 85-61338-01-6
CDD 523.1
Todos os direitos reservados e protegidos pela Leinº 5.988 de 14/12/73. Nenhuma parte deste livro,
sem autorização prévia por escrito da Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro, poderá ser
reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados: eletrônico, mecânico, fotográfico,
gravação ou quaisquer outros. Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro, 2018.
Para meus pais e para Angélica.
QUEM SABE?
Diz a mecânica quântica
que as partículas atômicas
se comportam de um jeito
quando são observadas
e de outro quando estão sós
(como aliás, todos nós).
E quem nos assegura
que o Universo que está aí
não é como aí está
quando ninguém está olhando?
E que quando os astrônomos
se viram do telescópio
para a prancheta
o Universo não faz
uma careta?
(Luis Fernando Veríssimo,
O Globo, 8 de outubro de 2000)
SUMÁRIO
Introdução 11
Capítulo 1: Cosmogonia 13
1.1. Cosmo-o-quê? 13
1.2. Mitos de Criação 14
1.3. Os Gregos 19
1.4. Cosmogonizando 21
Capítulo 2: Nascimento da Cosmologia 24
2.1. A Teoria da Relatividade 24
2.2. Hubble e as Galáxias 26
2.3. Gamow x Hoyle 27
2.4. Outros Pioneiros 30
Capítulo 3: Mapeando o Universo 33
3.1. Galaxias Kuklos 33
3.2. Universos-Ilha 36
3.3. Uma Régua Cósmica 40
3.4. O Território 43
Capítulo 4: O Princípio do Início do Começo 47
4.1. O Big Bang 47
4.2. A Inflação 49
4.3. Antes do Antes 51
4.4. De Volta ao Presente 53
Capítulo 5: O Fim de Todas as Coisas 57
5.1. Um Universo Efêmero 57
5.2. O Big Crunch 60
5.3. O Big Chill 62
5.4. A Morte e a Morte do Universo 65
Capítulo 6: Uma Forma para o Universo 69
6.1. O Hiperuniversoide 69
6.2. Uma Nova Geometria 71
6.3. Aberto ou Fechado? 75
6.4. A Quarta Dimensão 77
Capítulo 7: Enfim... 81
Apêndices 83
Bibliografia 124
INTRODUÇÃO
Timothy Ferris
Cosmologia é a ciência que estuda o Universo como um todo. Para que estejamos
aptos a exercê-la, ou ao menos de certa forma compreendê-la, precisamos antes de mais
nada saber o que é o Universo. É bastante possível que qualquer um que tenha interesse
suficiente sobre o assunto — interesse refletido na leitura do presente trabalho — saiba
o que é o Universo. Com o intuito de homogeneizarmos nosso discurso, vamos iniciar
nossos estudos por sua definição: Universo é tudo o que existe.
Esta é uma definição a princípio semântica, isto é, estamos definindo o termo
sem nos preocuparmos com o objeto que ele representa. Enquanto estamos na
questão linguística, gostaríamos de estabelecer uma notação: quando grafada em
letra maiúscula, a palavra se reporta à nossa definição inicial. Quando escrito com
letra minúscula, o termo pode adquirir uma variedade de significados, geralmente
usuais ao leitor. Algo como a diferença entre terra e Terra.
Voltemos à Cosmologia, então. Sabemos já o que exatamente ela se propõe a
estudar. Vemos que não é uma meta pouco ambiciosa: queremos estudar e entender
simplesmente tudo o que existe.
A Cosmologia moderna pode ser dividida em três grandes áreas, que se
encaixam nas três divisões temporais: presente, passado e futuro. A Cosmologia
que se ocupa do presente pretende explicar como é o Universo hoje. Sua forma
e seus constituintes serão aqui investigados e tentaremos entender como estes
componentes se relacionam através do espaço e do tempo. Iremos nos aprofundar
no que é exatamente este “tudo” que compõe o Universo. Nossa ferramenta será
uma teoria de gravitação, conhecida como Relatividade Geral.
Em direção ao passado, a Cosmologia tenta explicar como surgiu o Universo,
se é que ele algum dia teve um início. Neste estudo, a moderna Cosmologia casa-se
com a teoria quântica, adentrando o mundo do muito pequeno. Rumo ao futuro,
investigaremos se o Universo é eterno ou se um dia encontrará seu derradeiro fim.
Logo veremos que todas estas perguntas estão relacionadas entre si.
11
Introdução
12
CAPÍTULO 1
COSMOGONIA
Albert Einstein
1.1. COSMO-O-QUÊ?
Antes da Cosmologia, existia apenas a Cosmogonia. Na verdade, podemos
classificar de teoria cosmogônica qualquer tese que pretenda explicar o surgimento
do mundo e de tudo o que o cerca. Quando o termo foi criado, possivelmente na alta
Idade Média, o Universo confundia-se com o que hoje conhecemos por Sistema Solar.
Explicar a origem de todas as coisas, do Universo portanto, resumia-se a explicar a
origem do Sistema Solar. Aqui o termo “resumia-se” é enganador, pois a tarefa proposta
é exatamente a mesma: explicar tudo o que existe. Apenas acreditava-se que as estrelas
e nebulosas eram corpos menores que faziam parte do nosso sistema planetário.
Sabemos hoje que isso não é verdade.
O termo em si, uma vez mais tomando um exacerbado cuidado semântico,
denomina uma ciência que pretende explicar a origem do Sistema Solar. Porém,
é comum ligarmos esta palavra, Cosmogonia, à parte histórica da Cosmologia
(pelos motivos já explicados). Neste trabalho, trataremos a Cosmogonia como uma
Cosmologia revestida por Teologia e Filosofia, uma tentativa da espécie humana de
conferir ao Universo ordem e significado, ainda que se mantendo distante de sua
linguagem matemática natural. Algumas teorias cosmogônicas são gritantemente
disparatadas; outras encontram forte ressonância em conceitos modernos.
Qualquer tentativa de explicar o Universo sem a utilização das leis físicas que o
regem será, aqui, denominada de teoria cosmogônica.
Todas as grandes religiões praticadas hoje em dia, com a notável exceção
do Budismo, tentam explicar o surgimento de todas as coisas. Também a grande
maioria dos povos antigos tentavam responder pelo menos uma das três questões
cosmológicas modernas: o que compõe o Universo, como ele surgiu e como
morrerá. Mas imaginem o tipo de resposta que advinha dessas indagações…
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Cosmogonia
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Cosmogonia
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Cosmogonia
Vishnu.
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Cosmogonia
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Cosmogonia
Quetzacoalt. Viracocha.
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Assim, ao redor do mundo, vimos que cada povo construía sua origem universal
a partir do que lhe era familiar. Os animais da floresta davam partida ao mundo
dos indígenas, enquanto os escandinavos viam o nascimento de tudo através do
gelo. Ainda assim, podemos perceber uma certa tipologia nestes muitos mitos que
abordamos aqui. Basicamente, temos o modelo biológico, com a alegoria de uma
semente (por exemplo, o Atum egípcio), o modelo de ruptura, separando o céu e a
Terra (o deus Pan-ku dos chineses), e o modelo mecanicista, que pressupõe algum
tipo de mecanismo criador (Odin esculpindo o Cosmos a partir do corpo inerte de
Ymir, por exemplo).
Talvez nesta última categoria se encaixe a mais conhecida história de criação
ocidental: o Gênesis. O mecanismo criador é o próprio Deus onipotente, que está
além do Universo e o contém. “No princípio era o Nada e Deus disse ‘Faça-se a luz!’ e
fez-se a luz.” Esta ideia tem sua primeira semente no zoroastrismo (talvez a primeira
religião a adorar um deus único) e sua figura de Aúra-Mazda, o sábio senhor.
Mahavira, contemporâneo e conterrâneo do Buda, fundador do jainismo, refuta
esta noção traçando argumentos lógicos que destroem a existência de um deus
todo-poderoso e de sua criação do Universo. Diferente de Buda, que simplesmente
não quis abordar o assunto por achar que a existência humana deveria ser o centro
de sua doutrina, Mahavira afirmava que não era possível o Universo ter sido criado,
sendo, portanto, eterno.
Vimos que as culturas antigas tinham várias maneiras para explicar a existência
do Universo. Desprovidos de conceitos físicos e equações matemáticas, faziam
conjecturas sobre o surgimento de todas as coisas. Será que somos capazes de
seguir seus passos?
1.3. OS GREGOS
Nenhuma cultura contribuiu mais para as teorias cosmogônicas do que a
da península do Peloponeso. Os gregos, ainda que afeitos às suas divindades,
inauguraram um novo jeito de pensar o Universo. É verdade que ainda cantavam
os feitos de Zeus (que seria Júpiter para os romanos), filho de Cronos, o titã que
representava o tempo, neto de Uranus, a própria abóbada celeste, mas já ensaiavam
um pensamento crítico que lhes permitia examinar a natureza com olhos de cientista.
A palavra “física” vem do grego, significando “ciência da natureza”. Este mesmo
povo que nos deu a Filosofia começou a fazer considerações sobre o mundo, ensaiando
um método científico que seria de fato estabelecido por Galileu. Alguns pensadores se
destacam nesta empreitada.
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Cosmogonia
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1.4. COSMOGONIZANDO
Se quisermos explicar o Universo, devemos ter bem clara sua definição: tudo
o que existe. Assim, percebemos logo que é inútil especularmos sobre a existência
de um (ou inúmeros) Universo paralelo. Se muito, o nosso universo é apenas um
de vários universos, compondo o Universo, que é tudo o que existe. Vale frisar
que esta é uma notação particular deste trabalho, não se estendendo à literatura
generalizada sobre o assunto. Ainda assim, é boa para mantermos claras as ideias
a respeito do Universo.
O Universo, sendo tudo o que existe, pode ter limites? Parece evidente que não.
Algo que seja limitado pressupõe uma estrutura maior, exterior, que lhe imponha
os limites. O Universo não pode ter algo que lhe seja exterior, pois é tudo.
Logo, o Universo é ilimitado.
Percebam que não falamos infinito, mas ilimitado. Há uma diferença, embora
sutil. Ilimitado é algo sem limites; infinito, sem fim. Uma reta que contenha todos
os números inteiros, positivos e negativos, não tem limite, e também não tem fim.
Já um anel, um anel qualquer que usamos nos dedos, não tem limite. Uma formiguinha
que decida caminhar em cima de um anel jamais encontrará um limite, uma barreira
ou abismo. O anel não tem limite, mas é obviamente finito. Outro exemplo de
espaço ilimitado e finito seria a superfície da Terra. É claro que o oposto também
pode acontecer, algo infinito e limitado, mas esses casos se restringem ao mundo
matemático e não são importantes para este nosso estudo inicial.
Em poucos parágrafos, construímos um modelo de Universo, seguramente
ilimitado, possivelmente infinito. Os exemplos que usamos para ilustrar este
conceito (a esfera e o anel) obedecem a uma geometria não usual, conhecida como
geometria não-euclidiana. Nesta geometria, por exemplo, os ângulos de um triângulo
não somam 180 graus! Esta geometria surgiu em meados do século XIX, demorando
muito tempo para ser aceita como algo além de uma mera curiosidade matemática.
Falaremos mais sobre ela quando abordarmos a Teoria da Relatividade e, também,
as possíveis formas do Universo.
Voltemos à nossa cosmogonia. Vamos nos imaginar em uma agradável noite
de inverno. O céu está claro e, por sorte, é noite de Lua Nova. Quantas estrelas
veríamos? Com sorte, algo em torno de 6.000 (não que eu já tenha tido a paciência
de contá-las). Vemos, então, o escuro céu noturno polvilhado com estrelas.
Sendo o Universo ilimitado, a luz das estrelas não encontra uma barreira
intransponível, estando livre para atravessá-lo sem maiores problemas. Mas se
o Universo sempre existiu, por mais distante que as mais distantes estrelas se
encontrem, sua luz chegaria até nós. Estrelas há muito extintas, muito mais velhas
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Cosmogonia
que a mais velha das estrelas conhecidas, nos brindariam com sua luz ainda hoje.
E, portanto, estaríamos recebendo luz de todos os pontos de nosso céu. A noite seria
clara como o dia. Mas isso não acontece.
Talvez a primeira pessoa a ponderar sobre
isso tenha sido Johannes Kepler, no século
XVII. Cem anos depois, o astrônomo inglês
Edmond Halley expôs este argumento perante
seus pares, na Real Sociedade Astronômica.
Esta ideia foi popularizada, em 1823, pelo
médico alemão Heinrich Olbers, sendo até
hoje conhecida como paradoxo de Olbers.
Olbers, antes do surgimento das
geometrias não-euclidianas, resolve seu
paradoxo afirmando que o Universo não é
eterno. O simples fato de o céu noturno ser
escuro nos leva a cogitar que o Universo teve
um início, não existiu desde sempre.
Por fim, podemos tentar entender qual a
força que age no Universo. A Física do ensino
Retrato de Johannes Kepler (1610).
médio nos revela duas forças capazes de agir à
distância: a força da gravidade e a força eletromagnética. Este é um dos raros casos
em que a ciência ensinada nas escolas não omite a verdade.
Sabemos que a força gravitacional tem origem na massa, na matéria. A força
eletromagnética é provocada pela presença de cargas elétricas. O Universo,
evidentemente, possui matéria, na forma de estrelas, galáxias e nebulosas (ainda que
neste estágio de nosso raciocínio não precisemos nos preocupar em explicar o que
são, de fato, estes constituintes do Universo). Será que o Universo tem carga?
Muitos já devem ter feito esta experiência em casa ou na escola: esfrega-se um
pente de plástico em uma flanela, aproximando-o, depois, de um punhado de papéis
picados. Os papéis são atraídos pela eletricidade estática que se formou no pente,
aderindo a ele como pregos a um ímã. De fato, podemos erguer o pente e os pedacinhos
de papel virão juntos, unidos pela força eletromagnética. Isto nos mostra claramente
que um simples pente de bolso é capaz de gerar uma força eletromagnética forte o
suficiente para contrabalançar a força gravitacional de um planeta inteiro! Ou seja, a
força eletromagnética é muitíssimo mais intensa do que a força gravitacional. Isso quer
dizer que o Universo é essencialmente desprovido de uma carga elétrica global, pois não
experimentamos esta força eletromagnética em nosso dia a dia. O Universo é neutro.
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Cosmogonia
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CAPÍTULO 2
NASCIMENTO DA COSMOLOGIA
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Nascimento da Cosmologia
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Nascimento da Cosmologia
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Nascimento da Cosmologia
Veremos mais sobre Hubble e suas descobertas no próximo capítulo. Por ora,
vamos investigar uma consequência menor que um Universo em expansão apresenta.
Aparentemente, todas as galáxias estão se afastando, segundo observações
feitas da Terra. Poderíamos dizer que todas as galáxias se afastam da Terra e que por
isso a Terra, ou o Sol, está no centro do Universo?
Sim e não. Sim, todas as galáxias se afastam da Terra (na verdade, da nossa
galáxia). Não, isso não quer dizer que a Via Láctea ocupe o centro do Universo.
Existe, desde o nascimento da Cosmologia, uma linha mestra para sua condução
que é conhecida como princípio cosmológico. Este princípio afirma que o Universo
é homogêneo (igual em todos os pontos) e isotrópico (igual em todas as direções).
É bom lembrar que este “homogêneo” refere-se à grande escala. Claro está que
um Universo homogêneo e isotrópico não pode ter um centro, que seria um ponto
privilegiado e conferiria uma assimetria a este Universo. Assim, da mesma forma que
nosso Universo não pode ter limites, ele também não pode ter um centro.
Isso por si só exclui a possibilidade de estarmos no centro do Universo, pois não
há um centro. Devemos visualizar a expansão do Universo como um balão de gás
sendo inflado: qualquer ponto na superfície do balão verá todos os outros pontos
se afastando dele. Reforçando a nossa analogia, a superfície do balão não tem limite
nem centro (o centro está fora da superfície, dentro do balão).
Se Hubble tivesse feito sua observação de qualquer outro ponto do Universo,
de qualquer outra galáxia, teria chegado à mesma conclusão.
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Nascimento da Cosmologia
1 Em 1993, a revista Sky & Telescopepromoveu um concurso mundial para a criação de um novo nome,
um nome “sério” para este modelo que é aceito até hoje. Mais de 13 mil sugestões foram apreciadas pela
comissão julgadora, composta pelo repórter televisivo Hugh Downs, pelo professor de Berkeley Timothy
Ferris e pelo astrônomo Carl Sagan. Depois de muito deliberar, o comitê decidiu manter o termo BigBang.
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Nascimento da Cosmologia
Universo Estacionário (talvez até mais…). Ainda hoje existem detalhes inexplicados
nesta teoria, mas à medida que avançam os conhecimentos teóricos e os métodos
experimentais, mais e mais fatos novos vão se incorporando ao modelo existente.
Veremos mais sobre isto quando falarmos do Universo jovem.
Gamow e Hoyle se enfrentaram também em outra arena teórica, a da
nucleossíntese. O primeiro tentava explicar que os elementos haviam se formado
durante o Big Bang, enquanto Hoyle — tentando desesperadamente explicar de
onde vinha a matéria em seu Universo estacionário — defendia a formação dos
átomos no interior das estrelas. Ambos estavam certos, até certo ponto. De fato, o
Big Bang é responsável pela criação do hidrogênio e parte do hélio, mas todo o resto
é cunhado nos núcleos estelares.
Inconformado por haver perdido esta batalha específica, Gamow ironiza em sua
autobiografia, reescrevendo o Gênesis bíblico:
EDeusdisse:“Faça-seHoyle.”EHoylesefez.EDeusolhouparaHoyleeordenou-lhe que
fizesse oselementosmais pesados como melhor lhe aprouvesse.
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Nascimento da Cosmologia
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CAPÍTULO 3
MAPEANDO O UNIVERSO
Margaret Geller
2 A Via Láctea era muito importante no sistema de crenças dos sumérios e acadianos. No céu, eles
reconheciam também outra faixa, “o sulco celeste” (Pidnu-sha-Shame), que hoje chamamos de Zodíaco.
No sulco celeste caminhavam os deuses (Sol, Lua e planetas). Em duas regiões específicas — nas proximidades
do Touro e de Sagitário —, estas duas faixas, Zodíaco e Via Láctea, se encontram. Os que nasciam e morriam
quando o Sol (Shamash) estivesse nesta intercessão teriam vidas (ou pós-vidas) afortunadas.
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Mapeando o Universo
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Mapeando o Universo
3 Veremos no próximo capítulo como a teoria do Universo inflacionário resgata esta ideia, mais de
200 anos depois.
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Mapeando o Universo
3.2. UNIVERSOS-ILHA
A versão dos escritos de Wright que chegou às mãos de Kant acolhia a
possibilidade de inúmeras esferas de estrela, cada uma com seu próprio “centro
divino”. Kant não estava confortável com esta ideia, visto que se este centro era
realmente divino deveria ser único. Kant o posicionou em uma região remota,
excluindo-o, assim, da discussão cosmológica.
Um erro de interpretação por parte do filósofo alemão, em relação ao modelo
do anel proposto por Wright, levou-o a preenchê-lo com estrelas. O que era um
halo estelar na concepção original transformou-se em um disco contínuo povoado
por estrelas. Mas havia o outro modelo, a casca esférica, e Kant não tinha subsídios
teóricos para decidir entre um ou outro.
Ao redor daquela época, o matemático francês Pierre de Maupertuis havia
concluído uma série de observações de objetos nebulosos encontrados no céu.
Alguns deles apresentavam claramente um formato elíptico. Após travar contato
com esta informação, Kant optou pela hipótese do disco de estrelas, visto que um
disco, dependendo de sua inclinação relativa, pode parecer elíptico, mas uma esfera
sempre será uma esfera. Assim começava a surgir o primeiro modelo correto da
nossa galáxia: um disco de estrelas.
Paralelamente, o matemático alemão Johann Lambert (que entraria para a história
da Matemática como o autor da prova da irracionalidade do número pi, ) especulava
que o Universo deveria possuir uma hierarquia, cada objeto sendo composto por
um conjunto de objetos menores. Assim, o Sistema Solar era composto por planetas
orbitando o Sol (assim como os planetas gigantes conhecidos na época mostravam
que poderiam ser vistos como sistemas solares em miniatura, com suas luas fazendo
o papel de planetas). Lambert acreditava que as estrelas deveriam se agrupar em
uma espécie de super sistema solar, orbitando ao redor de um centro.
Indo mais além, este super sistema solar, pela própria concepção original de
Lambert, não poderia ser único. Deveria haver muitos deles, organizando-se em mais
um degrau hierárquico. Lambert foi o primeiro cientista a considerar a hipótese da
4 O leitor atento não corre o risco de confundir estes dois objetos astronômicos, apesar de terem
o mesmo nome. Ficará claro no texto quando estivermos nos referindo à Via Láctea, faixa do céu visível a
olho nu, ou à Via Láctea, conjunto de bilhões de estrelas que contém o Sol.
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Mapeando o Universo
5 O único critério de Messier, e de todos os outros astrônomos da época, era puramente visual. Eles
não sabiam nada sobre as nebulosas, apenas que tinham aparência de nuvem (por isso o nome). A galáxia de
Andrômeda, por exemplo, era conhecida como nebulosa de Andrômeda, ou M31 (no catálogo de Messier).
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Mapeando o Universo
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Mapeando o Universo
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Mapeando o Universo
8 O parsec é uma unidade de distância usada em Astronomia e definida pelo próprio método da
paralaxe. Parsec vem de paralaxe de um segundo, originalmente em inglês. A altura de um triângulo cujo
ângulo oposto é de 1 segundo de arco (um grau dividido 3.600 vezes) equivale a um parsec (3,26 anos-luz).
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Mapeando o Universo
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Mapeando o Universo
3.4. O TERRITÓRIO
A correta medida do Universo pode ser encarada como mais uma fase da
revolução copernicana, que havia, no século XVII, transformado a Terra em um planeta
como outro qualquer ao posicionar o Sol no centro de nosso sistema planetário.
Não só a Terra não era o centro do Universo, como víamos agora que o Sol ocupava
um lugar de pouca importância em nossa galáxia, e que esta nem era tão especial
assim, sendo superada por uma vizinha próxima, a imponente galáxia de Andrômeda.
Vimos, também, que a Cosmologia soube aproveitar as oportunidades que lhe
foram apresentadas por uma tecnologia emergente, acelerando o passo com que novas
descobertas eram feitas. Este impulso tecnológico continua nos dias de hoje, podendo
ser citados os telescópios espaciais Hubble e Chandra (este último um instrumento
de observação em raios X, cujo nome é uma homenagem ao astrônomo indiano
Subrahmanyan Chandrasekhar). Podemos citar também a câmera CCD (que substituiu
as placas fotográficas) e as técnicas de ótica ativa e adaptativa que têm contribuído
significativamente para melhorar as observações feitas da superfície terrestre.
A possibilidade de se observar cada vez mais longe permitiu novas descobertas.
No início da década de 60, por exemplo, uma observação cuidadosa de uma fonte
de emissão de ondas de rádio, durante a sua ocultação pela Lua, mostrou a Alan
Sandage que ele poderia estar observando algo completamente novo.
O astrônomo holandês Maarten Schmidt abraçou o problema e, em 1963,
conseguiu relacionar aquele espectro ao de uma estrela. Suas linhas de emissão,
porém, estavam violentamente deslocadas para o vermelho, indicando uma
velocidade de afastamento nunca antes observada. E a lei de Hubble, como já vimos,
dizia (e ainda diz!) que a velocidade de recessão é diretamente proporcional ao
afastamento da fonte. Quanto maior o redshift, maior a distância. Isso implicava
uma distância assombrosa para a estrela em questão!
Sim, pois se aquilo que havia sido captado fosse uma estrela, ela teria que ser
mais brilhante do que uma galáxia inteira (mais até do que centenas de galáxias!)
para que sua radiação pudesse ser captada com tal intensidade aqui da Terra.
E estrelas, nem durante as explosões Supernovas, simplesmente não brilham tanto
assim. A este astro que parecia uma estrela mas brilhava mais do que uma galáxia,
chamou-se objeto quase estelar, ou simplesmente quasar.
A natureza dos quasares ainda não é um mistério completamente resolvido pela
Cosmologia atual. Estudos indicam que eles podem ser comparados ao núcleo de
uma galáxia ativa (ou a um buraco negro de grande massa que esteja engolindo
matéria a taxas espantosas). De qualquer modo, a existência de quasares (muitos
deles distando mais de 10 bilhões de anos-luz de nós) indica que no Universo jovem
já havia a formação de certas estruturas complexas.
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Mapeando o Universo
11 Para ilustrar este aparente paradoxo (como um grupo, que é formado por galáxias, pode ser mais
denso do que as galáxias em si?), podemos recorrer a um exemplo prático. A estrela mais próxima do
Sol é Rigel Kent (alfa do Centauro), distando de nós cerca de 4 anos-luz. A galáxia de grande porte mais
próxima de nós é Andrômeda, a 2,2 bilhões de anos-luz. Pois bem, imaginemos que o Sol fosse uma bola
de futebol, localizada no Rio de Janeiro; Rigel Kent seria outra bola de futebol, localizada em Nova Iorque.
Toda a distância entre estas duas bolas estaria vazia. Mas se fizermos a mesma coisa com a Via Láctea,
um reescalonamento para que seus 100.000 anos-luz de diâmetro se tornem uns 50cm, o que teríamos?
Se a Via Láctea fosse uma bola de futebol, Andrômeda seria outra, a apenas 5,5m de distância! O Grupo
Local, e todos os grupos, é mais denso do que as galáxias que o formam.
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Mapeando o Universo
12 Esta frase pode não ser totalmente correta, a julgar pelas pesquisas recentes sobre o grande
atrator. Aparentemente, os grupos que formam o superaglomerado de Virgem apresentam um
movimento muito rápido (cerca de 600km/s), causado por uma aglomeração de matéria que até hoje não
foi observada. Este misterioso corpo celeste recebeu o nome de grande atrator, dado por Alan Dressler,
em 1987. A desconfiança original de que esta atração estivesse sendo exercida pelo superaglomerado de
Hidra-Centauro-Pavão não foi confirmada, e desconfia-se que o atrator se situe na direção do disco de
nossa galáxia — o que dificulta as observações — a uns 200 milhões de anos-luz de distância.
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Mapeando o Universo
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CAPÍTULO 4
O PRINCÍPIO DO INÍCIO DO COMEÇO
George Gamow
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O Princípio do Início do Começo
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O Princípio do Início do Começo
ANTIPARTÍCULA
RADIAÇÃO RADIAÇÃO
PARTÍCULA
Mas o Universo não começou aqui. Se voltarmos no tempo ainda mais, poderemos
vislumbrar fenômenos ainda mais peculiares. (Lembre-se: estamos trilhando o
caminho que fizeram os cosmólogos, partindo do Universo atual e voltando no tempo.
A compressão e o decorrente aumento de temperatura já resultou em um caldo de
matéria-energia. É natural que uma maior compressão resulte em fenômenos ainda
mais estranhos, só obtidos teoricamente através de respostas a equações matemáticas
— nunca de experimentos de laboratório.) Antes do Big Bang, mas agora já estamos
no limiar do início de todas as coisas — menos de um microssegundo após a origem
do próprio espaço-tempo —, houve um período importantíssimo, ainda que muito
breve, para a formação do Universo como o conhecemos.
4.2. A INFLAÇÃO
Nós, brasileiros, revestimos o termo “inflação” de um valor negativo, tendo em
vista a recente história econômica do país. Mas em seu sentido literal, este termo
denota apenas um crescimento exponencial. O que vem a ser, então, um crescimento
exponencial?
Pegue uma folha de papel qualquer (pode ser a página de um jornal) e tente
dobrá-la ao meio seguidas vezes. Qual o máximo de dobras que se consegue realizar?
Não muitas. Sete, talvez oito. E só. Dobrar um pedaço de papel faz com que sua
espessura dobre, é óbvio. Se uma folha típica possui uma espessura de 0,5mm,
dobrada este valor sobe para 1mm. E esta mesma folha dobrada quatro vezes terá
uma espessura de 8mm, mais do que dez vezes a espessura original! Independente
do tamanho do papel, rapidamente se atinge um ponto que a força de uma pessoa
não consegue mais dobrá-lo. Incrivelmente, bastaria dobrarmos esta nossa folha de
papel original 40 vezes para que sua espessura equivalesse à distância entre a Terra
e a Lua! Isto é o crescimento exponencial ou, ainda, crescimento inflacionário.
Durante um tempo menor do que a décima parte de um bilionésimo de um
trilionésimo de um trilionésimo de segundo (10-34s), o Universo cresceu de maneira
exponencial. Seria como se um ponto, o ponto final desta frase, por exemplo (.),
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O Princípio do Início do Começo
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O Princípio do Início do Começo
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52
O Princípio do Início do Começo
não podemos dividi-lo ao meio, por exemplo. Este bloquinho de tempo é o quantum
temporal, que eu gosto de chamar de crônon, um nome que não é de forma alguma
considerado padrão e tampouco é de conhecimento geral da comunidade científica.
O conceito de quantização do tempo, e também do espaço, pode nos parecer
estrangeiro, especialmente devido aos valores microscópicos destes pequenos
blocos formadores. Contudo, o filósofo grego Zenão já apontava nesta direção
por volta de 500a.C. Seus paradoxos mais famosos (e falaremos mais sobre eles
no apêndice A) já mostravam que espaço e tempo deveriam apresentar um limite
inferior em sua divisão.
Este limite inferior foi finalmente quantificado através da escala de Planck.
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O Princípio do Início do Começo
Algum processo até hoje desconhecido fez com que uma bolha de tais flutuações
“congelasse”, vivendo mais do que o tempo virtual de costume. Isto provocou um
inchamento violento daquela região microscópica, resultando em um crescimento
exponencial. Entre 10-43s e 10-34s, houve o que hoje chamamos de Era Inflacionária.
Como já dissemos, esta inflação espacial permitiu que algumas inomogeneidades
sobrevivessem à tendência de homogeneização.
Aqui, podemos comparar o Universo jovem com um tonel de gás, inicialmente
dividido em diversos compartimentos, com diferentes temperaturas. Retiradas
as divisões, o gás irá atingir uma temperatura média de equilíbrio, ainda que o
tonel esteja crescendo em tamanho. Mas se este crescimento for muito rápido,
exponencial, algumas porções do gás perderão para sempre o contato com outras,
impossibilitando o equilíbrio térmico e permitindo o aparecimento de regiões com
temperaturas diferenciadas.
A inflação no Universo permitiu o surgimento de flutuações microscópicas em
sua densidade de matéria-energia que dariam origem aos aglomerados de galáxias.
A inflação termina em um processo geralmente conhecido como transição
de fase. É análogo ao que ocorre com um líquido que se congela, por exemplo.
Esta transição de fase transforma o crescimento exponencial em crescimento linear
(como foi observado por Hubble e perdura até hoje), inaugurando o que chamamos
de Era da Radiação.
Durante esta era, a matéria ea antimatéria apresentaram a ligeira falta de equilíbrio
que resultou na abundância atual de uma e na ausência aparente da outra. Para cada
um milhão de antiquarks, calcula-se que houvesse um milhão e um quarks, valendo
a mesma ordem de grandeza para os pares elétron-pósitron. O Universo continuou
a crescer, causando uma queda gradativa em sua densidade e, consequentemente,
em sua temperatura. Todas as antipartículas aniquilaram-se com suas respectivas
partículas, dando origem a uma quantidade absurda de fótons (partículas de energia).
Estes fótons são o que hoje conhecemos por Radiação Cósmica de Fundo.
Logo (cerca de 0,00001s de idade), os quarks começaram a se aglutinar,
formando prótons e nêutrons. Os elétrons, partículas elementares, estavam livres e,
por isso mesmo, absorviam uma grande quantidade de fótons, ganhando velocidade
no processo. E o Universo continua a crescer.
Na tenra idade de cerca de três minutos, a sopa primordial já tinha esfriado
o suficiente para que alguns prótons e nêutrons se unissem. Esta união formou
núcleos de deutério (hidrogênio pesado) e hélio. A maioria dos prótons, no entanto,
permaneceu só, no que seriam núcleos de hidrogênio16. A densidade de energia
54
O Princípio do Início do Começo
DEUTÉRIO
NÊUTRON
Com isso entramos na Era da Matéria. Alguns autores chamam este período
(que perdura até hoje) de Era das Estrelas, ou Era Estelífera. Como veremos, em
seu início ainda não existiam estrelas. Por isso optamos por outra nomenclatura.
O Universo tinha cerca de 10.000 anos de idade quando entrou na Era da Matéria.
Ao atingir seus 300.000 anos, o tamanho do Cosmos já era grande o suficiente
para que sua temperatura tivesse baixado a ponto de permitir que os elétrons
se unissem aos núcleos atômicos17. Da mesma forma como os quarks haviam se
aglutinado formando prótons e nêutrons, e estes formaram núcleos, os elétrons
juntavam-se aos núcleos para formar os primeiros átomos.
17 A este momento costuma-se dar o nome de recombinação, uma nomenclatura muito pouco
apropriada, visto que elétrons e núcleos atômicos jamais haviam se combinado antes deste instante.
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O Princípio do Início do Começo
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CAPÍTULO 5
O FIM DE TODAS AS COISAS
“Somesaytheworldwillendinfire.
Some say in ice.
From what I´ve tasted of desire, I
hold with those who favor fire.
But if I had to perish twice,
IthinkIknowenoughofhatetosay That,
for destruction, ice is also great and
would suffice.” 18
Robert Frost
18 Alguns dizem que o mundo acabará em fogo. / Alguns dizem em gelo. / Do que eu conheço do desejo,
/ Eu fico com aqueles que preferem fogo. / Mas se eu tivesse que morrer duas vezes, / Acho que conheço o
ódio suficientemente para dizer / Que, para destruição, gelo também é muito bom / E seria o bastante.
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O Fim de Todas as Coisas
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O Fim de Todas as Coisas
19 Vimos no capítulo anterior que as novas teorias inflacionárias permitem que =1, respeitando
o que as observações têm indicado, independente da forma real do Universo. Sobre isso, falaremos no
próximo capítulo. Por ora podemos nos contentar em saber que a inflação, de certa forma, proíbe o
recolapso do Universo, tal o seu tamanho.
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O Fim de Todas as Coisas
20 Esta última afirmação talvez seja melhor entendida após uma leitura do próximo capítulo.
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O Fim de Todas as Coisas
21 Esta pergunta é um tanto injusta, visto que poderíamos dizer que a Cosmologia, como um todo,
nos afeta muito pouco.
22 Muitos cosmólogos têm ideias específicas a este respeito, mas entendem que não estão
navegando em mares conhecidos e preferem guardar tais ideias para si ou para poucos.
23 O físico brasileiro Mário Novello, em seus cursos de Cosmologia no Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas, CBPF, costuma comparar o Princípio Antrópico às portas automáticas de aeroportos,
shopping centers, etc. Por que a porta abre? Porque estamos lá.
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O Fim de Todas as Coisas
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O Fim de Todas as Coisas
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O Fim de Todas as Coisas
(especialmente sob a luz dos fatos novos de que a expansão é acelerada) povoado
por corpos frios (restos de planetas, nuvens de gás e anãs negras), pulsares e
buracos negros. Tomando emprestado um termo da Mecânica Quântica, esta é a
Era da Degenerescência. (A matéria existente está toda em um mesmo estado — o
estado de mínima energia — e por isso é dita degenerada.)
Nesta era, o Universo será frio e escuro, com virtualmente nenhuma radiação
sendo produzida. A temperatura da radiação cósmica de fundo, que é hoje cerca de
3K, estará a apenas alguns centésimos do zero absoluto.
Ainda assim, é possível que colisões de corpos frios gerem energia suficiente para
acender uma fornalha nuclear onde antes havia apenas anãs negras e marrons (objetos
que nunca chegaram a ser estrelas por não possuírem massa suficiente). Estudos
estatísticos mostram que em um instante qualquer desta era, cerca de dez a cem estrelas
deste tipo estariam brilhando na Via Láctea (hoje são 200 bilhões!). Elas confeririam à
galáxia, como um todo, uma luminosidade equivalente à do nosso Sol. Haverá, ainda,
ocasionais Supernovas, caso o choque se dê entre corpos de massa um pouco maior.
Outro tipo de estrela que surgirá nesta época é a estrela de WIMPs. Veremos
no apêndice H que WIMPs são Weakly Interactive Massive Particles (partículas com
massa e fraca interação), que podem ser uma solução para o problema da matéria
escura. Após tempo suficiente, a emanação de ondas gravitacionais fará com que a
maioria das órbitas decaia. Por exemplo, acredita-se que a órbita da Terra, cujo raio
médio vale 150 milhões de quilômetros, diminua em 0,000001 milímetro por ano,
devido à perda de energia gravitacional causada por tais ondas. Como o tempo de
vida do Sol, antes de se tornar uma Gigante Vermelha, é de 5 bilhões de anos, vemos
que a órbita da Terra pouco seria afetada (5m).
Mas agora estamos tratando de intervalos de tempo absurdamente longos.
Esta emanação gravitacional, com o tempo, fará com que sistemas em órbita colidam,
atraindo essas WIMPs para o centro das estrelas frias. A aniquilação dessas partículas
liberará energia, e teríamos estrelas com temperatura superficial em torno de 64K (mais
frias que o hidrogênio líquido!). Ainda assim, as WIMPs acabarão um dia, e ficaremos
com um Universo povoado por cadáveres estelares, pulsares e buracos negros.
Depois disso, entramos no terreno das especulações. A maioria das teorias de
cordas prevê uma instabilidade para o próton. Sua vida média pode ser de 1030 a 10100
anos, variando segundo diferentes teorias. Em um Universo que viva uns 100 bilhões
de anos (108), uma porcentagem pequena de prótons vai decair. No Big Crunch, não
precisamos nos preocupar com isso.
Mas estamos falando do Big Chill. Passado o tempo necessário, os prótons
decairão. Esta transformação lenta e espontânea transformará os nêutrons em
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O Fim de Todas as Coisas
65
O Fim de Todas as Coisas
idade do Universo (uns 15 bilhões de anos), sendo apenas uma fase momentânea da
vida real do Universo.
A “morte” do Universo seria apenas o fim de uma fase. Após o devido ritual de
passagem (o estágio singular de densidade e temperatura elevadíssimas), o Universo
renasceria de suas próprias cinzas, dando origem a uma nova fase expansiva.
Este modelo é conhecido como Universo Eterno. Não há criação ou destruição,
e sim sucessivos ciclos de expansão e contração. Cada novo ciclo inaugura uma
nova fase do Universo; um novo “universo”, por assim dizer. As leis da Física nem
precisariam ser exatamente as mesmas!26
Persiste o problema da entropia, no entanto. Esta grandeza física define
indubitavelmente uma “seta do tempo”, diferenciando passado e futuro. Assim, a
singularidade existente no Big Bang não é exatamente idêntica à do Big Crunch. A
entropia desta última é maior do que a da primeira, e uma fase de Universo que já
começasse com alta entropia poderia não abrigar qualquer processo físico.
Algumas teorias tentam escapar deste problema afirmando que o tempo,
durante a contração, corre no sentido inverso. As equações de Einstein dizem isso
já que sempre fazem referência ao tempo elevado ao quadrado. E um número ao
quadrado é igual a seu oposto ao quadrado (2 2 = -22 = 4). É claro que a Teoria da
Relatividade Geral não pode ignorar os outros ramos da Física, devendo concordar
com a Termodinâmica e sua “seta do tempo”. Faz-se isso admitindo-se que as
próprias leis da Física se invertam, caso o tempo se inverta.
Neste cenário, pessoas nascem velhas e morrem bebês, achando que isso é
a ordem natural das coisas. A gravidade é repulsiva e ainda assim há a contração.
Quente é frio e frio é quente. A entropia decresce27.
Esta hipótese é consistente, mas ainda assim soa como uma tentativa
desesperada de refutar uma origem e permitir que o Universo seja eterno, fugindo do
instante de criação e de qualquer possível associação com a Teologia, que fez tanto
mal à Cosmologia no passado. De qualquer jeito, pode ser um pouco reconfortante
saber que o Universo moribundo pode gerar a si mesmo ad infinitum.
Independente disso, vimos que a mais provável morte para o Universo é a morte
fria, o Big Chill. Como esta morte fria poderia gerar novos universos?
26 Stephen Hawking diz que gostaria de entender a mente de Deus. Einstein afirmava que
gostaria de saber se Deus teve qualquer opção ao criar o Universo. Ambos estão revestindo a questão
do surgimento das leis da Física de uma religiosidade própria. De qualquer modo, a pergunta seria:
poderíamos ter um conjunto diferente de leis físicas?
27 Esta situação lembra um pouco o Mundo Bizarro das histórias clássicas do Super-Homem.
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O Fim de Todas as Coisas
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O Fim de Todas as Coisas
Sendo o espaço quântico, podemos pensar nele como uma série de azulejos
tridimensionais. Cada azulejo seria um cubo de espaço, com lado 10-35m. A expansão
do espaço seria, na verdade, a criação de novos cubos. As galáxias estão paradas em
relação ao espaço circunvizinho, mas como novos azulejos são criados entre elas, a
distância aumenta. É como se elas estivessem se afastando!
De onde vem a energia para a criação destes novos cubos de espaço? Ela pode
acabar? O que aconteceria se ela acabasse?
Estamos em terreno especulativo (e muito pouco ortodoxo, é bom frisar). De
qualquer jeito, seestaenergiaseesgotar, chegaráaumpontonaexpansãodo Universo
que novos cubos de espaço não serão criados, restando aos cubos existentes se
afastarem entre si. Haverá falhas no espaço como o conhecemos. Enquanto estas
falhas forem do tamanho de fendas no asfalto, ou rachaduras na parede, não há
problema. Se estas falhas atingirem o tamanho de um Grande Cânion...
Estas lacunas deixam à mostra uma região onde não há espaço e, por
consequencia, não há tempo. Esta é a região ideal para o surgimento de um “universo”.
Do mesmo jeito que o Big Crunch pode dar origem a um “outro universo”,
o Big Chill também pode ser responsável pelo nascimento de um “novo cosmos”.
A morte do Universo não precisa significar seu fim.
Parafraseando os monarquistas, “o Universo está morto. Longa vida ao Universo!”
68
CAPÍTULO 6
UMA FORMA PARA O UNIVERSO
Farkas Bolyai
6.1. O HIPERUNIVERSOIDE
Qual é a forma do nosso planeta? Uma esfera? Algo mais parecido com uma
laranja? Ou seria semelhante a uma pera? Nada disso! A forma da Terra é um geoide.
E o que vem a ser um geoide? Segundo um grande dicionário da nossa língua, geoide
nada mais é do que a forma da Terra.28 Andamos em círculos…
Seria justo, então, encerrarmos nossa
discussão antes mesmo de começá-la, afirmando
que a forma do Universo é um “universoide”?
O leitor sabe que não. Além do mais, há grandes
diferenças intrínsecas entre a Terra e o Universo.
Vamos a elas.
O Universo não pode ter limite. A definição
do termo “universo”, o Princípio Cosmológico e
a própria Teoria do Big Bang já nos mostraram
isso. Sendo assim, é mais justo compararmos o
Universo à superfície da Terra do que à Terra
propriamente dita. A superfície do nosso planeta claramente não tem um limite (os
navegadores de outrora que o digam, jamais tendo encontrado o “grande abismo”
que habitava seus pesadelos).
28 Se quisermos ser extremamente rigorosos, geoide é a forma que a Terra teria se o espelho
d’água de seus oceanos se solidificasse (só então nosso planeta seria, de fato, um sólido).
69
Uma forma para o Universo
Há, porém, uma sutil diferença. Na superfície da Terra, temos apenas dois graus
de liberdade. Atingimos qualquer ponto se combinarmos sucessivos movimentos do
tipo “norte-sul” e “leste-oeste”. Ou, ainda, qualquer ponto nela será inequivocamente
caracterizado através de duas grandezas, duas quantidades, dois valores: latitude e
longitude. Dizemos que a superfície da Terra tem duas dimensões.
(Em nossa linguagem coloquial, uma superfície sempre tem duas dimensões.
É isso que a define como tal, diferenciando-a de uma linha, uma dimensão, ou sólido,
três dimensões. Em Cosmologia, este conceito é mais amplo.)
Mas o Universo, sabemos, tem três dimensões. Um ponto no espaço precisa de
três números para ser localizado (para definir a posição de um satélite, por exemplo,
usa-se a latitude, a longitude e a altura da órbita). Como saltar, em nossa analogia,
de uma superfície planetária bidimensional para a vastidão cósmica tridimensional?
Poderíamos seguir os passos de Newton e admitir um Universo infinito.
Claramente um Universo deste tipo não tem limites, respeitando todas as nossas
considerações anteriores. Em sua concepção mais básica, tal Universo não tem
forma (ou, pelo menos, não tem forma no sentido estrito do termo; sua forma é um
espaço tridimensional infinito).
Mas poderíamos, dotados de outras ferramentas matemáticas, trilhar outro
curso. Nada impede que o Universo seja finito. Nem sua falta de limites!
O Universo pode ser finito e ilimitado. Não é uma contradição? Não. Voltemos à
superfície da Terra como exemplo. Ela é ilimitada, já sabemos. Mas é também finita.
Se considerarmos um raio médio de 6.400km para o nosso planeta, sua superfície
teria 515.000.000km2 ignorando-se as inomogeneidades de morros, montanhas,
vales e depressões. Tem um tamanho mensurável. É finita. E ilimitada. Assim como
pode ser o Universo.
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Uma forma para o Universo
71
Uma forma para o Universo
geometria euclidiana deixam de ser retas. Se esta afirmação soa por demais estranha aos
ouvidos do leitor, seria bom lembrarmos que é esta geometria não euclidiana que vigora
na superfície do nosso planeta. Por exemplo, para irmos do Rio a Tóquio, precisamos
traçar um arco sobre a superfície terrestre; este arco é uma reta não euclidiana.
Mas antes de deixarmos de lado a geometria usual a qual estamos acostumados
(a única que se ensina na escola), convém enfatizarmos sua importância e continuada
sobrevivência. Euclides, que viveu na Grécia no final do século IV a.C. e talvez tenha
sido aluno de ninguém menos do que Platão, publicou sua obra maior sob o título
de Elementos, um compêndio de 13 livros.
Entre muitas das metas alcançadas pelo matemático grego em sua obra estava
a construção formal do que hoje conhecemos como Geometria. Euclides definiu os
conceitos básicos da Geometria (ponto, reta e plano), escrevendo também seus famosos
postulados.30 Por mais de dois mil anos, a geometria de Euclides foi a única disponível.
Os pensamentos de Euclides reinaram absolutos até o final da década de 20,
no século XIX. Com os trabalhos de Nicolai Lobachevski e Janos Bolyai, nascia a
geometria não euclidiana. O nascimento oficial deste novo ramo da Matemática é
geralmente ligado à publicação do artigo “Sobre os Princípios da Geometria”, de
Lobachevski, em 1829.
Nicolai Lobachevski havia sido um aluno brilhante da Universidade de Kazan, na
Rússia, tendo a oportunidade de estudar com Bartels, que já havia sido professor de
Gauss. Em uma carreira meteórica, Lobachevski tornou-se professor aos 21 anos e
assumiu o cargo de reitor aos 34!
Sua grande obsessão, que o levou à criação de uma nova geometria, era elevar
o quinto postulado de Euclides à categoria de um teorema. É uma diferença sutil,
especialmente para os que não são matemáticos, mas o importante é saber que um
postulado, ao contrário de um teorema, não exige uma prova formal, baseando sua
validade na ausência de um contraexemplo.
Após muito estudar o problema, convencido de que o quinto postulado não
poderia ser provado tendo como base apenas os outros quatro, Lobachevski
decidiu abandoná-lo. Tornou-se o primeiro matemático a publicar uma geometria
especificamente construída sobre uma hipótese em conflito direto com o postulado
das retas paralelas.
30 Resumidamente, são estes os cinco postulados de Euclides: (1) Ligando dois pontos, existe uma
única reta. (2) Qualquer linha reta pode ser estendida indefinidamente. (3) É sempre possível desenhar
um círculo, quaisquer que sejam o centro e o raio. (4) Todos os ângulos retos são idênticos entre si.
(5)Por um ponto passa uma, e apenas uma, reta paralela à outra reta existente.
72
Uma forma para o Universo
Admitindo que por um dado ponto pudessem passar mais de uma reta que
nunca tocassem outra reta dada (ou seja, retas paralelas), o matemático russo feria
o senso comum de tal modo que decidiu ele mesmo chamar sua nova geometria de
“geometria imaginária”.
Alheio a isso, um certo oficial do exército húngaro abandonara a carreira militar
para se dedicar à Matemática. Mais precisamente, o jovem pretendia provar o quinto
postulado. Seu nome era Janos Bolyai. Ao receber tal notícia, seu pai, também
matemático, fez-lhe um apelo desesperado (que abre este capítulo), em vão.
Na mesma época em que o artigo original de Lobachevski estava sendo
publicado, Bolyai tomou uma decisão semelhante à de seu precursor: abandonar o
postulado das paralelas e construir uma nova geometria. Sua “ciência absoluta do
espaço” foi publicada em 1832.
Karl Friedrich Gauss, pioneiro de várias áreas da Matemática e um dos mais
completos matemáticos de todos os tempos, apoiou em silêncio ambos os
trabalhos inovadores. Ele mesmo chegou a ter várias ideias sobre o assunto, mas
aparentemente não reconheceu a importância que a geometria não euclidiana teria
no futuro. O crédito de sua invenção deve ser dado a Lobachevski e Bolyai, ainda que
a história reconheça o primeiro como o legítimo pai da geometria não euclidiana.31
Anos depois, em 1854, em uma palestra intitulada “A Respeito das Hipóteses que
Mantêm a Geometria”, Georg Bernhard Riemann inseria a geometria não euclidiana
definitivamente no rol dos legítimos ramos da Matemática a serem estudados.
Até então, estas geometrias haviam sofrido um certo descaso por parte da academia.
Em sua apresentação, Riemann apresentava uma visão ampla e profunda da geometria.
Riemann propunha uma abordagem global, onde a geometria deixava de se preocupar
com pontos, retas e planos para se concentrar no espaço que os continha. Estes espaços,
em Matemática, chamam-se variedades. As variedades, no trabalho de Riemann, podiam
ter um número qualquer de dimensões. Suas geometrias eram não euclidianas em um
sentido muito mais geral do que a de Lobachevski (para quem a questão principal era
“quantas paralelas a uma reta podem passar por um ponto fora dela?”).
Em sua apresentação, Riemann ressaltava que a verdadeira preocupação de
qualquer geometria deve ser medir distâncias entre dois pontos. Tal foi o impacto
de sua palestra que pela primeira vez Gauss demonstrou entusiasmo por um
trabalho alheio (e, em particular, um trabalho sobre geometrias não euclidianas)!
Infelizmente, Gauss morreu no ano seguinte. 32
31 Esta injustiça com Janos Bolyai aconteceu em seu próprio tempo de vida, o que lhe causou uma
profunda depressão e o consequente abandono de suas pesquisas.
32 Curiosamente, os quatro fundadores da geometria não euclidiana morreram todos entre 1855 e 1866.
73
Uma forma para o Universo
Einstein era um físico genial, mas não tinha muita intimidade com a Geometria
Diferencial, o ramo da Matemática que estuda estas questões. Angustiado, pediu
ajuda a seu amigo Besso. Este apresentou-lhe os trabalhos de Riemann. Tudo ficou
mais fácil para o criador da Teoria da Relatividade.
74
Uma forma para o Universo
33 Odesvioderaiosdeluzcausadoporumcampogravitacionalfoicomprovadoobservacionalmente
em 1919, na cidade de Sobral, CE, por uma equipe de astrônomos ingleses (Sir Eddington, entre eles) que
conduziu minuciosos experimentos durante um eclipse total do Sol.
75
Uma forma para o Universo
Se não houver matéria suficiente no Universo (<1), algo que nos levará
inexoravelmente ao Big Chill, sua curvatura é negativa. Esta é a geometria
originalmente pensada por Lobachevski e Bolyai, análoga a uma sela de cavalo.
Neste caso o Universo é infinito espacialmente (respeitando todas as nossas
considerações iniciais sobre a necessária falta de limites). Este Universo é conhecido
como Universo aberto.
O caso oposto, >1, nos diz que o Universo morrerá sob fogo (o Big Crunch).
A gravidade exercida pela matéria, globalmente, é suficiente para transformar a
curvatura negativa inicial em uma curvatura positiva. Este Universo, conhecido como
Universo fechado, é espacialmente finito e se assemelha à superfície tridimensional
de uma hiperesfera (como já vimos, esta hipersuperfície tem nome: triesfera).
O caso limítrofe, =1, prevê um Universo plano, onde a geometria global seria
verdadeiramente euclidiana. Neste caso, o Universo também seria infinito espacialmente.
Alguns estudos indicam que este é o caso em nosso Universo. Para isso, a
teoria inflacionária tem uma resposta muito interessante: durante a era da inflação,
o Universo inchou tão rapidamente que seu tamanho tornou-se inimaginável.
O que vemos do Universo é uma parcela muito pequena do todo. Esta parcela
obrigatoriamente nos parecerá plana, assim como o chão de uma casa é plano,
apesar de estar sobre uma superfície esférica. Valendo esta teoria, o Universo
observável é plano, independente da forma real do Universo como um todo.
Se as observações que nos levaram a favorecer a hipótese do Big Chill
mencionadas no capítulo anterior forem comprovadas, poderíamos, então, dizer
que a forma do Universo é análoga a uma sela de cavalo em três dimensões, ainda
que esta hipersela seja tão imensa que sua curvatura nos pareça nula em nossa
vizinhança de cerca de 15 bilhões de anos-luz.
34 Esta pergunta é equivalente à outra, que já fizemos no capítulo anterior: a força da gravidade
global é capaz de frear a expansão?
76
Uma forma para o Universo
Claro está que esta forma só pode ser por nós entendida através de equações
matemáticas. Não podemos ter uma visão clara do que ela seja, visto que somos
seres tridimensionais habitando um Universo de três dimensões. Se quiséssemos
ver o Universo precisaríamos sair dele, assim como para vermos a forma global da
superfície da Terra precisamos sair dela. Mas, ainda que custe milhões de dólares,
sair da superfície da Terra é relativamente fácil: basta viajar em direção à terceira
dimensão (a altura).
Será que poderíamos sair do Universo viajando rumo a uma quarta dimensão?35
35 Aqui, a referência a “sair do Universo” deve ser entendida no contexto que já estabelecemos.
Se isso for possível, significa que o Universo era mais amplo do que primeiramente imaginávamos e que
nosso pedaço do Cosmos (ilimitado, tridimensional, etc.) é um subuniverso de algo muito maior.
77
Uma forma para o Universo
dimensões precisa de uma terceira para existir, assim como uma de três precisa de
uma quarta). Esta quarta dimensão pode ser apenas um artifício topológico.36
O que é um artifício topológico? Imagine uma daquelas telas de computador (ou
televisão ou um daqueles telões publicitários), onde vemos uma mensagem constante
atravessando-a transversalmente. “Viva a vida”, digamos. O primeiro “V” aparece à
direita do monitor, vão aparecendo as outras letras, a frase passeia por toda a tela
e começa a morrer na extremidade oposta. Quando o último “a” já se está indo,
vemos novamente o “V” surgir do lado direito. A tela tem duas dimensões, e a frase
só reaparece do lado direito porque um programa interno identifica as extremidades.
Uma pessoa que nunca tivesse visto uma televisão poderia imaginar que
ali dentro estava um cilindro com a inscrição “Viva a vida”. Ao girar, este cilindro
faria a frase sumir de um lado da tela e reaparecer, logo depois, do lado oposto.
Sendo o lado de um cilindro uma superfície bidimensional fechada, já sabemos que
ele só pode existir em três dimensões. Assim, podemos explicar o que acontece
em nossa tela admitindo a existência, de fato, de uma dimensão mais elevada, no
caso, a terceira (o cilindro). Ou podemos utilizar um artifício topológico (a terceira
dimensão não existe, na tela, mas suas extremidades estão identificadas entre si, de
modo que o que desaparece de um lado aparecerá do outro).
Agora podemos entender porque a quarta dimensão não precisa existir, apesar
de ser fundamental para a compreensão de um Universo finito e ilimitado. E podemos
entender, também, para onde se dá a expansão do Universo. Pois se a lei de Hubble
nos garante que todas as galáxias estão se afastando, sempre poderíamos atribuir este
movimento a uma velocidade intrínseca a cada uma delas. “Elas se afastam porque estão
vagando pelo Universo, e o fato de que nossa galáxia parece ser o ponto do qual todas
fogem, o centro, apenas prova nossa importância no Universo.” Quanta presunção…
Imagine um balão de gás com pequenos botões costurados à sua superfície.
Esta superfície é o Universo em questão e os botões nela contidos são as galáxias. Ao
inflarmos o balão, o Universo se expande. Os botões, apesar de imóveis, ficam cada
vez mais longe entre si. E cada botão vê todos os outros se afastando, julgando-se o
centro deste Universo. Mas para nós, criaturas de três dimensões, é muito simples
perceber verdades obscuras deste universo bidimensional. Seu centro se encontra
dentro do balão (fora do Universo, então, que é só a superfície). E sua expansão se dá
rumo à terceira dimensão. Assim, no Universo, todas as galáxias se veem afastando-se
umas das outras, quando na verdade todas estão imóveis (há um movimento próprio e
individual, é verdade, mas ele não ofusca este afastamento geral).
36 Topologia é a ciência que estuda a forma dos espaços matemáticos, as variedades que já
citamos. Por não se preocupar com a medida de distâncias, ela pode ser vista como uma pré-geometria.
78
Uma forma para o Universo
Nos dois casos que citamos (tela do computador e balão de gás), duas soluções
diferentes se apresentaram. No primeiro, podemos ficar tranquilos e saber que existem
apenas duas dimensões e tudo não passa de um artifício topológico, uma equação
matemática. No segundo, o balão, a existência de uma dimensão superior (a terceira)
é evidente, e explica e simplifica a Cosmologia local. E quanto ao nosso Universo? E
quanto à quarta dimensão? Artifício topológico ou uma dimensão superior?
A grande maioria dos cosmólogos
trata a quarta dimensão como um
artifício topológico. Na verdade,
este não é um problema atacado
por muitos. Vimos, ao longo deste
trabalho, que há muitas questões
ainda a serem respondidas e os
esforços têm se concentrado nas
áreas do Universo recém-nascido e da
morte do Universo. A notável exceção
são as teorias de Kaluza-Klein.
Theodor Kaluza, em 1921,
acrescentou uma quinta dimensão
ao espaço-tempo de Einstein (esta
dimensão extra é puramente espacial e aqui a estamos chamando de quarta
dimensão). Isto permitia obter as equações da gravitação (Relatividade Geral), bem
como as equações de Maxwell (eletromagnetismo). A existência de uma dimensão
extra unificava o eletromagnetismo e a gravitação!37
Nada em qualquer ramo da Física indicava a existência desta outra dimensão
e por isso mesmo esta ideia original não foi levada a sério. Einstein e os outros
grandes cientistas da época achavam-na inteligente, elegante e consistente, mas
distante da realidade. Apesar de brilhante (palavras do próprio Einstein), a teoria de
Kaluza falhava no quesito simplicidade, introduzindo um novo complicador (a quarta
dimensão) que jamais fora experimentado, medido ou observado.
Em 1926, Oskar Klein compactou esta dimensão extra. Vamos imaginar uma
formiga que more na superfície de um tubo de PVC (um cano qualquer). Ela conhece
duas dimensões, sendo que uma delas é cíclica (ela pode dar a volta no tubo). Pois bem,
se este tubo começar a ficar mais fino, chegará uma hora em que seu diâmetro será
insignificante (um fio de cabelo, por exemplo) e o nosso pobre habitante deste mundo
37 Os que acompanham as conquistas da Física sabem que o grande sonho dos cientistas é uma
teoria que unifique as forças elementares da Natureza, como já comentamos no capítulo 4.
79
Uma forma para o Universo
bidimensional terá um dos seus graus de liberdade cassados: ele só poderá ir para frente
e para trás, não mais podendo dar a volta no tubo. A segunda dimensão foi compactada!
Klein calculou que uma das dimensões da variedade pentadimensional (espaço-
tempo mais a dimensão extra de Kaluza) havia se tornado compacta, com uma
dimensão típica da escala de Planck (embora ainda não houvesse o conceito de
escala de Planck naquela época). Isto explicava porque esta outra dimensão não era
sentida por nós, nem contribuía para os fenômenos físicos. Mas era também um
fator complicador a mais: o que poderia causar a compacidade de uma dimensão?
Kaluza e Klein não sabiam explicar. Todos os esforços em busca de teorias de
unificação tomaram outros rumos.
Este abandono às teorias de Kaluza-Klein durou cerca de 50 anos. Na década
de 70 começou a surgir a Teoria das Cordas, sobre a qual falaremos no apêndice F.
Nesta teoria, que tenta explicar a natureza da matéria, a quarta dimensão volta com
toda força e traz consigo a família inteira!38
Mas não podemos perder nosso objetivo de vista. Falávamos sobre a forma do
Universo. As teorias de Kaluza-Klein (modernas ou clássicas) nos mostram que ainda
é possível que a quarta dimensão exista, afinal de contas. Quem sabe um dia não
conseguiremos visualizar verdadeiramente a forma do Universo?
Por ora, devemos nos contentar com a noção abstrata de uma superfície
tridimensional delimitando um hiperuniversoide. Já é alguma coisa…
38 As primeiras teorias de cordas exigiam que o Universo existisse em nada menos do que 26
dimensões.
80
CAPÍTULO 7
ENFIM...
“QuantomaiscompreensívelpareceseroUniverso, mais
desprovido de sentido ele também parece ser.”
Steven Weinberg
81
Conclusão
39 Stephen Hawking, o cientista britânico considerado por muitos (desde os meios de comunicação
até os seus próprios pares) como o físico mais brilhante desde Albert Einstein, encerra seu Abriefhistory
of time com um parágrafo solene e, quem sabe, profético:
No entanto, se descobrirmos uma teoria completa, ela deveria ser entendida em seus princípios
mais amplos por todos, e não apenas por alguns cientistas. Então, poderíamos todos, filósofos, cientistas e
as pessoas em geral, tomar parte na discussão a respeito da pergunta sobre por que nós e o Universo
existimos. Se acharmos uma resposta para isso, este seria o derradeiro triunfo da razão — pois então
conheceríamos a mente de Deus.
No entanto, devemos ressaltar uma vez mais que, em Cosmologia, o importante são os “comos”, e
nem tanto os “porquês”.
82
APÊNDICES
A. OS PARADOXOS DE ZENÃO
Dois foram os filósofos que entraram para a história do pensamento ocidental
sob o nome de Zenão. Um, o segundo, nasceu em Cício, na ilha de Chipre, por volta
do ano 330 a.C. Juntamente com Cleantes de Asso e Crisipo de Solunte, fundou o
estoicismo40, corrente de ideias que pregava uma eterna repetição dos eventos,
ceticamente afirmando que não havia, nem nunca haveria, nada de novo no Universo.
O primeiro Zenão, que viveu por volta de 450 a.C., nasceu no povoado de Eléia,
ao sul da Itália, e foi o mais famoso discípulo do filósofo Parmênides. Este, em visita
a Atenas, de tal modo impressionou Platão que o impeliu a escrever um de seus
diálogos, aptamente intitulado Parmênides, onde podemos ver um jovem Sócrates
maravilhado com as ideias do pensador estrangeiro.
Parmênides, considerado por muitos o primeiro filósofo a seguir única e
exclusivamente os caminhos da razão, por mais estranhos que fossem os destinos
alcançados, acreditava em um conceito que chamava de “Um” (ou “Uno”, em
algumas traduções). Para ele, o movimento, a mudança e a multiplicidade eram
apenas ilusões. Em sua filosofia, Parmênides pregava que o mundo dos sentidos era
apenas uma ilusão, mas acreditava que a razão (ou o pensamento racional) poderia
revelar a verdadeira face da Natureza, o “Um”.
Muitos estudiosos acreditam que os paradoxos de Zenão nasceram para
defender as ideias de Parmênides, o que não está errado. Seus mais famosos
paradoxos realmente lidam com a ideia de movimento, mostrando-a impossível sob
o ponto de vista lógico e consistente. Mas é bastante evidente que o movimento
é possível (algo que Zenão, é claro, sabia). Para que serviam (e servem), então, os
paradoxos de Zenão?
Recentemente tem-se desviado o objetivo principal de Zenão em direção
à natureza do espaço e do tempo. Acredita-se, hoje, que Zenão queria mostrar a
impossibilidade do movimento em um espaço e um tempo contínuos. Caso espaço
40 Este nome tem sua origem na palavra grega stoá, significando “pórtico”. Zenão de Cício
costumava pregar suas ideias sob um pórtico pintado.
83
Apêndices
e tempo fossem feitos de quantidades discretas (ou quanta, apesar de Zenão jamais
ter usado este termo), os blocos formadores do “Um” parmenídico, a possibilidade
do movimento estaria restaurada.
Evitaremos a discussão filosófica aprofundada, concentrando-nos apenas na
exposição dos mais famosos paradoxos. Eram quatro, e todos se relacionavam, de
uma forma ou outra, ao movimento.
A.2. A DICOTOMIA
Zenão agora convida seu interlocutor a vencer a distância que o separa de uma
parede. Mas para isso, deve-se primeiro percorrer a metade desta distância. E, antes
disso, metade desta metade e assim sucessivamente. A divisão progressiva do paradoxo
anterior torna-se regressiva, mostrando que é impossível sequer começar o movimento!
A.3. A FLECHA
Zenão imagina uma flecha no ar, isolando-a em um instante de tempo. A
fotografia mental contém uma flecha imóvel, que ocupa o espaço correspondente
a exatamente uma flecha. A trajetória total da flecha é composta por sucessivos
“instantâneos”. Como pode a flecha se mover de um instantâneo para outro, se a
cada instante ela está imóvel?
A.4. O ESTÁDIO
Temos agora três fileiras de soldados, ocupando o pátio de um estádio. Cada
homem está exatamente atrás de outro, as três fileiras estendendo-se para ambos
os lados. A fileira de frente, quando comandada, andará para sua direita, o suficiente
(um passo) para que novamente tenhamos sempre um homem a frente do outro. A
fileira de trás fará o mesmo, andando para a esquerda. A fileira do meio permanecerá
imóvel. A cada novo comando, a operação se repete. Zenão pede que imaginemos,
agora, que cada soldado representa uma unidade indivisível de espaço e cada passo,
uma unidade indivisível de tempo. Feito isso, em que momento um soldado qualquer
84
Apêndices
da primeira fila, antes do primeiro passo, estará em frente ao soldado da terceira fila
que estivesse ocupando a posição imediatamente a sua direita? A resposta, óbvia
(no meio da passada), contradiz a presunção inicial de que um passo é indivisível!
O quarto paradoxo nega os três anteriores, mostrando que a existência de
quanta temporal e espacial conduzem a inconsistências. Talvez seja este o verdadeiro
paradoxo de Zenão, angustiado em tentar mostrar que o espaço e o tempo seriam
formados por blocos mínimos e indivisíveis, mas desprovido das ferramentas para
dissolver qualquer dúvida posteriormente levantada. Mas Zenão estava no caminho
certo, e mostra isso com um quinto paradoxo41, mais abstrato que os anteriores e
afastado da ideia de movimento.
A.5. A PLURARIDADE
Como um número infinito de distâncias sem extensão pode totalizar uma
distância finita? Com esta simples pergunta, Zenão destrói o conceito de ponto
adimensional formador de uma reta (ou de um segmento). Se o tamanho de um
ponto é zero, como posso somar infinitos zeros e obter um valor diferente de zero?
Zenão estendia sua pergunta ao campo material, indagando como podia um corpo
dotado de extensão ser composto por infinitas partes. Para ele, era evidente que
deveríamos aceitar que as partes constitutivas (de um corpo ou de uma reta) tivessem
um tamanho finito, por menor que fosse. Assim, representar o espaço (algo imediato,
pois naquela época o espaço era sinônimo de extensão) ou o tempo através de retas
deixava claro que tanto um quanto outro eram formados por blocos indivisíveis.
Os paradoxos de Zenão intrigam os matemáticos até hoje, sendo comumente
considerados como os precursores do conceito de infinitesimal, que levaria Newton
e Leibniz a criarem o Cálculo no século XVII.
B. A TEORIA DA INVARIÂNCIA
Albert Einstein queria entender o que veria um observador que viajasse com
a velocidade da luz. Em sua cabeça, um raio de luz não poderia alcançar um par de
olhos que também viajasse na velocidade da luz. Para este observador, o raio de
41 É preciso abordar este quinto paradoxo com um certo ceticismo, visto que ele é encontrado
principalmente nos trabalhos de Simplício, c. 500 d.C., que o atribui a Zenão. Mas considerando que
Zenão precede Euclides, que definiu o ponto como sendo adimensional, algo não parece não estar
correto no ordenamento temporal desta história. De qualquer modo, é lícito acreditar que Zenão tenha
privilegiado três de seus paradoxos em detrimento a um único (“o estádio”), conferindo um caráter
discreto ao espaço e ao tempo.
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Apêndices
luz tinha velocidade relativa igual a zero. Mas a onda de luz, conforme descrita pelo
eletromagnetismo de Maxwell desde meados do século XIX, deslocava-se com sua
velocidade típica. Negar-lhe a velocidade era negar-lhe sua natureza. Afirmar que
para tal e tal observador a luz possuía velocidade nula era dizer que a luz não existia.
Einstein havia encontrado um paradoxo.
Em 1905, o físico alemão formulou dois postulados. O primeiro dizia que todos
os referenciais inerciais são equivalentes entre si. Traduzindo, qualquer observador
que não sofra a influência de forças externas deve obter resultados iguais tendo
realizado experiências idênticas. O segundo postulado ia de encontro ao senso
comum, dizendo que a velocidade da luz era constante, independente da velocidade
da fonte e do receptor. Fez isso para desfazer seu paradoxo. A velocidade da luz,
prescrita pelas equações de Maxwell, estava preservada.
Mas como explicar que dois raios de luz, cruzando-se a 300.000km/s cada um,
medissem como velocidade relativa os mesmos 300.000km/s? O natural seria que
registrassem 600.000km/s… Para isso, Einstein alterou a fórmula da adição das
velocidades. A velocidade da luz era, agora, realmente constante.
Este passo trouxe problemas para a Física. Se uma velocidade, que é um dado
espaço percorrido em um certo tempo, era sempre constante, independente da
velocidade relativa do observador, então espaço e tempo deveriam ser relativos!
Dependendo da velocidade de um observador, sua régua pode encolher e seu
relógio ficar mais lento. No limite (a própria velocidade da luz) o comprimento da
régua é zero e os intervalos de tempo são infinitos.
Vale lembrar que a contração do espaço e a dilatação do tempo (e também o
aumento da massa e a célebre equação E=mc2) são consequências da constância da
velocidade da luz. O que a História consagrou sob o nome de Teoria da Relatividade
Restrita, Einstein preferia chamar de Teoria da Invariância da Velocidade da Luz (ou
simplesmente Teoria da Invariância), enaltecendo a causa e não os efeitos.
86
Apêndices
Em 1842, um médico chamado Julius Robert Mayer postulou que talvez a energia
do Sol, seu calor, fosse devido a continuados choques com meteoritos. Calculando-se
a taxa de impactos necessários para resultar a potência medida, ele percebeu que a
cada 100 anos o Sol deveria receber impactos equivalentes à massa total da Terra.
Isso certamente causaria efeitos mensuráveis em seu campo gravitacional e essa
hipótese foi descartada.
Em 1854, o físico alemão Hermann von Helmholtz aprimorou a ideia original de
Mayer, acrescentando-lhe um detalhe importante: não era a massa externa, sob a forma
de meteoritos, e sim a própria massa do Sol que causava seu brilho. Nesta nova hipótese,
a lenta contração devido à sua própria força de gravidade causava um aquecimento e
o consequente brilho. A diminuição, em seu raio de 650.000km, de cerca de 40m por
ano seria suficiente para causar a potência solar medida na Terra. Infelizmente esse
mecanismo seria eficiente durante um período de 22 milhões de anos, apenas. Os
paleontólogos da época já sabiam que a Terra tinha, pelo menos, 250 milhões de anos.43
Qual é, então, a fonte de energia do Sol e das estrelas?
Esta pergunta começou a ser respondida com a Teoria da Relatividade Restrita
e sua famosa equação E=mc2. Como “c” representa a velocidade da luz, um número
muito grande (300.000.000m/s), uma massa muito pequena pode gerar energia em
quantidade considerável. Por exemplo, 1g de matéria (qualquer matéria — água, ouro,
lixo), se completamente convertida em energia, fornece 90 quatrilhões de Joules, o
equivalente à combustão de 2,5 milhões de litros de gasolina, aproximadamente! Enfim
a Física havia encontrado um mecanismo que pudesse responder pela potência do Sol.
Em 1926, Sir Arthur Eddington formalizou o conceito de equilíbrio energético-
gravitacional na constituição das estrelas. Isso nada mais é do que um embate entre a
força da gravidade, que quer que toda a massa existente em uma estrela concentre-
se em seu centro, e a pressão interna de um núcleo muito quente, que quer explodir
a estrela pelo espaço sem fim. O equilíbrio destas duas forças permite que uma
estrela seja estável. Eddington calculou que, para o Sol ser estável (como sabemos
que é) sua temperatura interna deveria ser da ordem de uns 40 milhões de graus.44
Esta temperatura permitia imaginar algum processo violento que transformasse
matéria em energia, espontaneamente. Em 1932, James Chadwick mostrou que
quatro núcleos de hidrogênio poderiam se trasformar em um núcleo de hélio,
gerando energia. Este processo é conhecido como ciclo próton-próton45. Em 1938,
Hans Bethe mostrou que outro ciclo, o ciclo do carbono, também podia gerar
43 Hoje sabemos que a Terra tem pouco mais de 4,5 bilhões de anos.
44 Hoje sabemos que esta temperatura gira em torno de 15 milhões de graus.
45 Esta ideia já havia sido sugerida por Eddington em 1926.
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Apêndices
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Apêndices
em suas idades. Ou seja, o diagrama H-R podia ser visto como o caminho que uma
estrela percorre durante sua evolução.47 Russell errou, porém, ao prever a direção
seguida pelas estrelas em seu diagrama.
Diagrama H-R.
Faltava entender como as estrelas nasciam. No final dos anos 30, o astrônomo
holandês Bart Bok observou, na faixa esbranquiçada que cruza o céu noturno que
chamamos de Via Láctea, certas regiões escuras. Em vez de creditar a ausência de luz
à falta de estrelas, Bok postulou a existência de nuvens opacas de gás e poeira, hoje
conhecidas como glóbulos de Bok. Estas nuvens, desde a década de 50, são consideradas
como berçários de estrelas, sendo compostas primordialmente por hidrogênio.
Assim, hoje podemos dizer que as estrelas nascem a partir de gigantescas
nuvens de gás e poeira que existem nas galáxias. Estas nuvens podem começar
a se condensar, causando o surgimento de regiões de maior densidade em seu
interior. Estas regiões, por concentrarem uma maior quantidade de matéria do que
suas vizinhanças, começam a atrair mais massa, devido à força da gravidade. Aqui
começa um círculo virtuoso: mais massa provoca uma maior atração gravitacional,
que provoca um acúmulo maior de matéria. Em determinado momento, este corpo
47 Esta conclusão, brilhante e corajosa, pode ser comparada com o exame de uma foto tirada
ao acaso de uma multidão. Um ser alienígena que visse tantas pessoas de idades diferentes poderia
supor que nascemos cada um com seu tamanho e características específicas. Mas podia concluir que os
humanos pequenos evoluem para humanos maiores e estes para humanos idosos.
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Apêndices
celeste estará grande o suficiente para que o seu peso provoque uma pressão
interna muito grande, aumentando sua temperatura no núcleo e a consequente
transformação de hidrogênio em hélio, um processo que é chamado de fusão.
Neste momento, a estrela nasce, passando a gerar energia.
Enquanto o cabo de guerra entre a força da gravidade e a pressão de radiação
estiver empatado, a estrela está em equilíbrio. Este é o caso do Sol. Quando acaba o
hidrogênio, a estrela colapsa sobre si mesma; é um triunfo momentâneo da gravidade.
A pressão no núcleo aumenta e aumenta também a temperatura. Este aumento de
temperatura permite o início da fusão do hélio. A estrela entra em um novo equilíbrio.
Antes, porém, ela incha (a súbita “queima” de hélio causa essa expansão) e torna-se
avermelhada. Ela está, agora, em seu estágio de gigante vermelha.
E quando acaba o hélio?
Dois caminhos podem ser
tomados, agora, dependendo
da massa total da estrela. Uma
estrela de pouca massa, como
o Sol, não vai conseguir, através
de seu próprio peso, aumentar
sua temperatura central a ponto
de forçar a fusão de outro
elemento (o carbono). Desta
forma, suas camadas externas
Representação de um sistema binário. O buraco são expelidas, formando algo
negro está sugando matéria de sua companheira, chamado nebulosa planetária.
uma estrela gigante vermelha. O núcleo central passa a
queimar resquícios de hidrogênio e hélio; estando muito pequena, esta estrela é
conhecida como anã branca.
Quando a estrela tem muita massa48, ela consegue forçar a fusão do carbono e
de vários elementos sucessivos. Na Natureza, o ferro é o limite. Não importa quanta
massa possui uma estrela; ao chegar na fusão do ferro, ela explode em um fenômeno
conhecido como supernova. O núcleo central remanescente pode se tornar uma
estrela de nêutrons (também chamada pulsar) ou colapsar ainda mais, totalmente,
sobre si mesma, tornado-se um buraco negro.
48 O limite físico, em quantidade matéria, que separa estes doisraos da evolução estelar foi calculado
primeiramente pelo astrofísico indiano Subrahmayan Chandrasekhar (e é por isso conhecido como limite
de Chandrasekhar). Qualquer estrela que tenha menos do 1,4 vezes a massa do Sol evoluirá para se
tornar uma anã branca. Alguns autores reconhecem a colaboração do físico brasileiro Mário Schömberg,
que trabalhou com Chandrasekhar, e denominam este limite de limite de Schömberg-Chandrasekhar.
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Apêndices
49 É bom lembrar que não é essa a velocidade com que decolam os foguetes dos diversos
programas espaciais. Estes foguetes possuem motores e aceleram à medida que sobem.
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Apêndices
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Apêndices
para o caso do Sol. Mas estrelas com maior massa colapsariam mais violentamente,
provocando explosões monumentais (as Supernovas). Estas explosões deixariam o
núcleo da estrela exposto, um núcleo muito pequeno e denso, onde toda a matéria
se havia degenerado, existindo na forma predominante de nêutrons.
Diferentemente da matéria que conhecemos, que é basicamente espaço vazio
dadas as distâncias relativamente enormes entre os núcleos atômicos e os elétrons,
as partículas que formam uma Estrela de Nêutrons estão em contato direto umas
com as outras, não restando espaço vazio. Este contato exerce uma força que
impede o colapso total, do mesmo jeito que o contato dos pés com o chão impedem
uma queda rumo ao centro da Terra.
Mas e se a força da gravidade de uma estrela, devido a sua enorme massa, fosse
grande o suficiente para subjugar também esta força de contato entre os nêutrons?
E se a estrela colapsasse totalmente? A densidade nas vizinhanças deste estranho
corpo celeste seria tão grande que nem a luz conseguiria escapar-lhe.
A Mecânica Clássica, a Teoria da Relatividade e a Astrofísica apontavam na
mesma direção: a existência de objetos celestes cuja força da gravidade era tão
grande que nem a luz conseguia escapar de suas vizinhanças. Nas proximidades
destes corpos, o tempo para. Por isso mesmo, o primeiro nome sugerido para eles
foi o de estrelas congeladas.
Este nome não agradou
SINGULARIDADE a comunidade, e por um bom
tempo tais objetos misteriosos
continuaram atendendo pelo
pomposo (e verborrágico nome
que dá título a esta seção:
objeto totalmente colapsado
gravitacionalmente. Em 1969, o
físico americano John Wheeler
cunhou o termo buraco negro.
Este termo, bastante famoso
fora dos círculos científicos,
HORIZONTE DE EVENTOS pode levar a uma interpretação
errônea. O buraco negro não
Representação de um buraconegrode Schwarzschild.
é um buraco! O buraco negro
consiste em um conjunto formado pelo núcleo da estrela morta (a singularidade)
e seu horizonte de eventos (uma esfera imaginária ao redor da singularidade,
definida pelo raio de Schwarzschild).
93
Apêndices
Antes disso, em 1963, o físico neozelandês Roy Kerr apresentou uma solução
mais realista para o buraco negro. Como as estrelas têm rotação, seria natural que
os buracos negros também a tivessem. Devido ao seu tamanho muito pequeno em
relação às estrelas, esta rotação teria que ser muito rápida, sendo capaz de deformar
o buraco negro. Esta solução, o buraco negro de Kerr, representa uma estrela
colapsada com rotação. A forma do objeto final não seria mais um ponto, e sim
um anel de matéria. Alguns físicos usam este formato para explicar as pontes de
Einstein-Rosen, ou buracos de minhoca, que ligariam pontos distintos do Universo
através de uma curvatura exagerada.
Existe ainda uma outra solução, o buraco negro de Nordström-Reissner,
onde o campo eletromagnético do remanescente estelar também é levado em
conta. Esta solução pode levar situações estranhas, dependendo da intensidade do
campo eletromagnético em questão: uma partícula carregada poderia ser repelida
(e não atraída) pelo buraco negro!
Hoje sabemos que os buracos negros não são exatamente negros. O princípio
de incerteza de Heisenberg prevê a criação espontânea de pares de partículas e
antipartículas, espontaneamente, no vácuo. Estes pares vivem pouco mais do que
10-43s e se aniquilam, preservando o “vazio” do vácuo. Mas se um par deste tipo
surgir nas imediações de um buraco negro, um de seus componentes pode ser
atraído, impedindo a aniquilação mútua. (Se ambos caírem ou ambos escaparem, a
aniquilação se dá sem problemas.) Caso seja a partícula que caia no buraco negro,
nada de muito diferente acontece: a antipartícula solitária logo será aniquilada por
uma partícula qualquer do nosso Universo.
Mas se for a antipartícula a cair rumo ao buraco negro, teremos o que hoje é
conhecido por radiação de Hawking, em homenagem ao seu descobridor, o físico
inglês Stephen Hawking. A partícula escapa da aniquilação e a antipartícula aniquila
uma partícula dentro do buraco negro — ou seja, o buraco negro vai ficar com uma
partícula a menos. Para um observador de fora, e para todo e qualquer efeito físico,
é como se o buraco negro tivesse emitido uma partícula (surge uma partícula do
lado de fora, some uma do lado de dentro). Este fenômeno também é conhecido
como evaporação e provoca a lenta e inexorável morte dos buracos negros.
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Apêndices
composta por átomos. Sabemos, também, que esses corpúsculos não são indivisíveis.
O átomo moderno nasceu a partir da Química, com as especulações originais de
John Dalton, no início do século XIX. A interpretação atômica da matéria explicava
vários fatos constatados em laboratório, das reações químicas em si até as leis
básicas (conservação da massa, proporções definidas etc.). Boltzmann utilizou-se
deste modelo — considerando partículas muito pequenas que obedecessem as leis
da mecânica newtoniana — para inaugurar a Teoria Cinética dos Gases, que daria
origem à Termodinâmica.
Com o surgimento do eletromagnetismo, em 1865, vários cientistas correram
para os laboratórios na esperança de realizar novas descobertas. Em 1891, da mente
do físico irlandês George Stoney, surgiu o termo “elétron”, batizando partículas de
carga elétrica negativa, presentes nos raios catódicos (estas partículas foram de fato
descobertas por Sir Joseph Thomson, em 1897). Três anos depois, o físico holandês
Hendrik Lorentz desenvolveu uma teoria clássica para os elétrons.50
Já era evidente, para os muitos envolvidos nessa questão, que o elétron
deveria provir dos átomos. Mas a existência do elétron, com sua carga negativa,
pressupunha a existência de uma outra partícula, positiva, para formar um átomo
neutro. Thomson queria acreditar que o átomo fosse uma esfera de carga positiva
recheada com elétrons negativos (o famoso modelo do “pudim de passas” 51). Um
físico japonês, Hantaro Nagaoka, apresentou, em 1904, um modelo alternativo; para
ele, o átomo consistia em uma pequena esfera positiva cercada por elétrons.
O modelo de Nagaoka, infelizmente, era instável. Uma década depois, coube a
Ernest Rutherford e Niels Bohr reconstruírem a ideia original do cientista japonês.
A contribuição principal do primeiro foi mostrar que o núcleo atômico era cerca de
dez mil vezes menor do que o átomo em si!52 Mas o passo mais importante foi dado
por Bohr. Ele admitiu, para que o átomo fosse estável, que a energia trocada entre o
elétron e o núcleo atômico era quantizada, isto é, só existia em quantidades discretas.
50 Um subproduto desta onda de experimentos foi a descoberta acidental de que a massa do
elétron parecia aumentar quando este era acelerado. Isto foi depois explicado teoricamente por Einstein
e sua Teoria da Relatividade Restrita.
51 O mesmo Thomson, em 1914, postulou a existência de partículas positivamente carregadas, que
chamou prótons (do grego, “primeiro”). Esta ideia reforçava seu modelo, pois os prótons, se reunidos
em um núcleo muito pequeno, tenderiam a se repelir, pois são todos positivos. Hoje sabemos que não se
repelem devido à atuação de outra força, a força nuclear forte.
52 Aumentando um átomo de hidrogênio até que seu próton ficasse do tamanho de uma bola de
futebol, e colocando-o na linha do meio de campo do Maracanã, o elétron seria menor que uma bola de tênis
de mesa e estaria no anel externo do estádio.
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Apêndices
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Apêndices
não deixa dúvidas de que a luz é um conjunto de partículas. Este aparente absurdo
levou os cientistas da época à desesperada conclusão de que toda descrição desses
fenômenos pela teoria clássica era, por princípio, incorreta, funcionando apenas
como uma boa aproximação.
Pouco depois de Compton, Louis de Broglie mostrou que também os elétrons
podiam ser vistos ora como partículas, ora como ondas! A dualidade onda-partícula
estendia seus tentáculos…
Isto levou o físico austríaco Erwin Schrödinger a descobrir uma equação —
aptamente conhecida como equação de Schrödinger — que relacionava as
partículas materiais a uma “função de onda”. Esta função era associada a uma
probabilidade, equivalendo dizer que quanto mais intensa fosse a função de onda de
determinada partícula, maior seria a probabilidade de encontrá-la naquela região.54
A Mecânica Quântica mostrava-se probabilística, apenas, em oposição à Física
Clássica, uma ciência determinística.
Outro caminho que levou à Mecânica Quântica foi trilhado pelo físico alemão
Werner Heisenberg. Para entender o raciocínio original de Heisenberg, basta
compararmos as partículas — elétrons, digamos — a bolas de bilhar. Se quisermos
saber onde estão as bolas de bilhar em uma mesa, basta iluminarmos a mesa
e procedermos às medições. Os fótons de nossa luminária não afetam em nada
nossos objetos de estudo. Mas se trocarmos as bolas de bilhar por elétrons, os
fótons agora serão absorvidos, concedendo energia às partículas, que se traduz em
uma velocidade. A tentativa de medir um sistema quântico altera sua configuração.
Heisenberg, é claro, escreveu isso em uma linguagem matemática, inaugurando
a mecânica de matrizes. Postulou seu famoso Princípio de Incerteza, que dizia
que determinados pares de propriedades físicas jamais poderiam ser conhecidos
simultaneamente. Por exemplo, a posição e a velocidade de uma partícula. Se queremos
saber a posição exata de um elétron, devemos desistir de obter qualquer informação
a respeito de sua velocidade (ou seja, não saberemos sua posição um microssegundo
depois, pois não sabemos para onde ele irá!). Se quisermos saber a velocidade, não
podemos saber a posição. Ou então pode-se chegar a um compromisso, sabendo a
posição com alguma certeza, e também a velocidade com outra margem de erro. O
princípio de incerteza de Heisenberg também apontava para uma ciência probabilística.
54 Em princípio, a função de onda de qualquer partícula se estende por todo o Universo. O fato de
o leitor estar em casa e não na galáxia de Andrômeda reflete o valor de sua função de onda (99,99999…%
concentrada aqui e virtualmente zero nos demais lugares). Para assombro geral, algumas partículas
podem ter sua função de onda dividida ao meio. Um elétron que esteja 50% em uma sala e 50% fora dela
pode espontaneamente aparecer em um ou outro lugar!
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Apêndices
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Apêndices
CONSTITUINTES DA MATÉRIA
Geração Partícula Símbolo Carga Massa (eV)
Up u +2/3 5 x 106
Quarks
Down d -1/3 9 x 106
1ª
Elétron e -1 5 x 105
Léptons
Neutrino do Elétron e 0 ~3
Charm C +2/3 1,35 x 109
Quarks
Strange S -1/3 1,7 x 108
2ª
Múon -1 1,05 x 108
Léptons
Neutrino do Múon 0 0?
Top t +2/3 1,74 x 1011
Quarks
Bottom b -1/3 4,4 x 109
3ª
Tau -1 1,8 x 109
Léptons
Neutrino do Tau 0 0?
100
Apêndices
101
Apêndices
de equilíbrio. Com isso em mente, Nambu teorizou a existência de uma corda que
unisse os quarks. Esta corda, no modelo padrão, é substituída pelos glúons.
Pouco depois, Nambu deu um passo ainda mais audacioso, dizendo que os quarks
não eram partículas per se, e sim as extremidades desta corda infinitesimal. A Teoria das
Cordas começava a tomar forma. Simultaneamente, o físico americano John Schwarz
começou a contemplar algumas ideias a respeito da simetria de certas partículas.
Em Física, este conceito pode ser resumido pela possibilidade de se introduzir
alterações em um sistema sem modificá-lo de verdade. Por exemplo, uma bola de
bilhar possui simetria esférica, pois podemos girá-la em torno de qualquer eixo sem
alterar sua concepção fundamental (é claro que se houver um número pintado em
sua superfície, a simetria foi, de certa forma, quebrada).
Schwarz chegou a pensar uma teoria, dentro do modelo padrão, onde férmions
e bósons fossem intercambiáveis. A isso chamou-se supersimetria. Sem ter obtido
sucesso em sua primeira investida, Schwarz desviou-se para as cordas, incorporando
suas ideias originais às de Nambu e criando a Teoria de Supercordas.
Esta teoria apresentava alguns problemas graves. Primeiramente, criada para
explicar a interação nuclear forte entre os quarks, apresentava como subprodutos
partículas de massa zero que se pareciam muito com os fótons (já muito bem
explicados pela QED) e com os supostos grávitons (a gravidade sendo um domínio
da Teoria da Relatividade Geral). Outro problema grave era a previsão de partículas
que violavam a causalidade, viajando com velocidades maiores do que a da luz
(esta partículas foram batizadas como táquions). Por fim, devido a coeficientes
matemáticos das funções que a definiam (as funções Beta, descobertas por Euler
no século XIX), as supercordas necessitavam de 26 dimensões para poderem existir!
Schwarz e seus colaboradores do CalTech conseguiram, posteriormente,
eliminar os táquions da Teoria das Supercordas. Conseguiram também diminuir o
número de dimensões necessárias para dez. Ainda assim, eram seis dimensões a
mais do que o Universo nos mostra! Em 1975, esta nova teoria chamou a atenção de
um jovem físico americano: Edward Witten.
Witten formou-se em História e, após uma breve carreira jornalística, decidiu
fazer pós-graduação em Física. Talvez por sua postura cética quanto à ciência ou
pelo fato de ser um outsider, Witten foi capaz de levar as supercordas a níveis de
aceitação sequer sonhados por Nambu ou Schwarz.
Witten percebeu, no que costuma chamar de “a maior emoção intelectual
de minha vida”, que as supercordas não explicavam somente a interação forte, e
sim todas as forças elementares da Natureza. Neste contexto, o que alguns viam
como entulho a ser descartado (o “fóton” e o “gráviton”) eram realmente partículas
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não passam de uma curiosidade matemática, uma ferramenta útil que de forma
alguma retrata a realidade.60 O maior destes céticos é Sheldon Glashow, um dos pais
do modelo padrão. Tentando trazer um pouco de humor à discussão, como Gamow
já havia feito ao enfrentar as ideias de Hoyle, Glashow escreveu um pequeno poema:
TheTheoryofEverything,ifyoudaretobebold, Might
be something more than a string orbifold. Whilesome
ofyourleadershavegotoldandsclerotic, Not tobe
trusted alone withthings heterotic, Pleaseheedour
advicethatyouarenotsmitten— TheBookisnotfinished,
thelastwordisnotWitten.61
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G. A VIA LÁCTEA
Via Láctea, é sempre bom frisar, é o nome que damos para duas coisas distintas:
a faixa esbranquiçada que enfeita o céu noturno (da qual tratamos em detalhe na
primeira seção do capítulo 3) e a nossa galáxia, um conjunto de aproximadamente
200 bilhões de estrelas ligadas gravitacionalmente. É desta segunda acepção do
termo que queremos tratar neste apêndice.
Sua forma é de um disco
espiralado, com diâmetro de cerca de
100.000 anos-luz. Pode ser dividida,
basicamente, em três partes: núcleo,
disco e halo. O Sol encontra-se a
26.000 anos-luz de distância do
centro galáctico, ligeiramente fora do
plano do disco, na periferia de um dos
braços da espiral (conhecido como
braço de Órion, por ser observado, da
Terra, na direção desta constelação).
Devido à rotação deste braço, o Sol
Representação da Via Láctea, (com os planetas a reboque) dá uma
vista de cima (head on) volta completa ao redor da Galáxia a
cada 200 milhões de anos.
O halo da Via Láctea é uma
casca esférica que a recobre, sendo
formado por aglomerados globulares,
conjuntos aproximadamente esféricos
de cerca de um milhão de estrelas. As
estimativas apontam para cerca de
200 destes aglomerados. Suas órbitas
não respeitam o plano da Galáxia,
Representação da Via Láctea, possibilitando que um ou outro (ou
vista de lado (edge on)
todos, até) cruzem esta região ao
longo dos bilhões de anos. As estrelas do halo são velhas e pobres em elementos
pesados.63 Elas formam o que costuma se chamar de população II.
As estrelas do disco, população I, são bem mais novas e ricas em elementos
pesados. É no disco que se encontram a maioria das nuvens que servem como
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negro (cuja massa estimada deve ser em torno de 2 milhões de vezes a massa do
Sol!), um aglomerado de estrelas já bem desenvolvidas, um complexo de estrelas
jovens, nuvens (moleculares e ionizadas) e o remanescente de uma supernova.
Recentes observações indicam que a Via Láctea pode ter se formado pela
agregação de gás e estrelas vindos de pequenas galáxias pré-existentes na vizinhança.
Este processo deve ter começado há mais de 12 bilhões de anos, com os materiais
em questão possuindo velocidades angulares distintas entre si, o que pode explicar
as diferentes rotações do halo (lenta e aparentemente desordenada) e do disco
(rápida e extremamente coordenada). Os estudos sobre a formação da Galáxia (e
das galáxias em geral) avançam cada vez mais.
Seu fim, ao contrário, já é bem conhecido: a Via Láctea se chocará com a galáxia
de Andrômeda daqui a uns cinco bilhões de anos. Como as galáxias em geral são pouco
densas, estes choques (bastante comuns no Universo) não devem ser entendidos como
uma batida de verdade, como um acidente de trânsito, por exemplo. O choque entre
as galáxias, e em particular entre a nossa e a de Andrômeda, é na verdade uma violenta
interação gravitacional, que pode ou não resultar na união das duas galáxias originais (esta
união é, tecnicamente, chamada de merge, um termo em inglês que significa junção).
Andrômeda e a Via Láctea, unidas em um abraço gravitacional, se tornarão uma
gigantesca galáxia, preservando muito mais as características da primeira do que da
segunda. Um violento efeito de maré provocado por Andrômeda será responsável pela
desorganização sistemática das estrelas da Via Láctea. Elas (o Sol inclusive65 ) se tornaram
uma “minoria étnica” forçada a viver em uma nova cidade. É o fim da Via Láctea.
Mas é o início de uma gigantesca nova galáxia, que lentamente se estabilizará em
um formato, possivelmente, elíptico.
H. A MATÉRIA ESCURA
O Icon critical dictionary of the new Cosmology define a matéria escura como
sendo um “material cuja existência é inferida por argumentos astrofísicos, mas que
não produz radiação suficiente para ser observada”. Alguns a chamam de massa
ausente, um nome bastante inapropriado, pois ela não está de forma alguma ausente.
Vários argumentos independentes apontam para a existência deste tipo de matéria.
65 Algumas poucas estrelas podem escapar deste turbilhão gravitacional, sendo lançadas ao espaço
intergaláctico. Se isso acontecesse com o Sol (e se este ainda não tivesse virado uma Gigante Vermelha,
destruindo a Terra no processo), nossos descendentes seriam brindados com um curioso céu noturno:
nenhuma estrela isolada e uma gigantesca mancha nebulosa. Caso o Sol fosse arremessado em direção
às regiões centrais, as estrelas no céu seriam muito mais numerosas, e estariam sendo bombardeadas por
material planetário, proporcionando violentos espetáculos na forma de explosões.
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estelar). Até há pouco tempo, acreditava-se que os neutrinos não tinham massa,
mas esta massa foi medida no final da década de 90. Os neutrinos são chamados de
“partículas fantasmagóricas”, uma vez que interagem muito pouco com a matéria.
Porém, a massa medida para o neutrino, multiplicada pela quantidade de neutrinos
estimada para o Universo, levaria a quantidade de matéria dos 10% visíveis para
menos de 50% do total necessário para que fosse plano. Ainda é muito pouco.
Ao falarmos de matéria escura fria, entramos no ramo da especulação. Os
cosmólogos e físicos de partículas especulam a existência de vários candidatos, nenhum
dos quais é encontrado na Natureza. As partículas que compõem a matéria escura não-
bariônica (fria ou quente) são coletivamente conhecidas como WIMPs (sigla em inglês
para partículas com massa de fraca interação, weaklyinteractivemassiveparticles). Se
estão corretas as observações a respeito do futuro do Universo, como vimos
no capítulo 5, os WIMPs (quentes ou frios) são a regra no Universo, e não a
exceção. Os estranhos somos nós (e os bárions em geral). Um conceito que surgiu
no contexto galáctico pode se transformar no derradeiro prego que selará de uma
vez por todas o caixão que encerra o antropocentrismo.
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não deveria estar vindo sinal algum e, assim, testar os limites de recepçao de seu
aparelho. Para a infelicidade de Penzias e Wilson, havia um ruído constante sendo
captado pela antena. Eles tentaram filtrar este ruído por diversos métodos, mudaram
o direcionamento da antena, apontando para outras regiões, até espantaram um
casal de pombos que havia se instalado por lá, mas nada. O ruído constante persistia.
Não havia nada que eles pudessem fazer para tornar aquela antena melhor (e não
poderia haver mesmo. A antena era excelente e o ruído estava vindo do céu).
Por puro acaso, os frustrados engenheiros constantemente se queixando da falta de
sorte que haviam encontrado em seu trabalho, a história chegou aos ouvidos da equipe
de Dicke (em um episódio apócrifo, diz-se que um dos técnicos da equipe do laboratório
Bell estava reclamando de seus chefes, Penzias e Wilson, em um bar que também era
frequentado por um dos alunos de Dicke. Este, ouvindo o motivo da reclamação,
resolveu relatar a seu professor que dois engenheiros do Bell haviam encontrado um
ruído constante no céu, algo que Dicke desesperadamente queria medir).
As duas equipes se encontraram e perceberam que, no fundo, estavam
trabalhando na mesma coisa: um radiação cósmica de fundo. Penzias e Wilson
ficaram felizes em saber que sua antena era realmente tão boa como esperavam,
e a equipe de Princeton gostou de ter a comprovação prática de suas previsões
teóricas. Talvez um pouco injustamente, Penzias e Wilson receberam o prêmio
Nobel de Física, em 1978, por terem descoberto a radiação cósmica de fundo.
A radiação encontrada por Penzias e Wilson era homogênea e isotrópica,
algo que corroborava o Princípio Cosmológico e que era previsto pela teoria
original de Gamow e recalculada por Dicke. E isso não era bom! É bastante
evidente que existem estruturas no Universo, como descrevemos no capítulo 3.
A radiação cósmica de fundo deveria refletir estas estruturas, apresentando certo
grau de complexidade mostrando que no passado houve uma certa concentração
de matéria em certas regiões (que evoluíram para as grandes muralhas). Apesar de
ser uma comprovação prática da teoria do Big Bang, a radiação cósmica de fundo
trazia consigo um outro problema: sua isotropia.
Quase trinta anos se passaram desde sua descoberta até o lançamento do satélite
COBE. Neste tempo, muitas medições refinadas foram feitas — nenhuma encontrando
estruturas na distribuição desta radiação pelo céu. O comprimento de onda (e,
consequentemente, a frequência) destes fótons remanescentes da formação do Universo
foi exaustivamente calculado, resultando em uma temperatura de 2,73K (-270oC). Mas em
1992, a agência espacial americana lançou seu CosmicBackgroundExplorer(COBE).
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J. UNIVERSOS IMAGINÁRIOS
Em nossas exposições sobre o Universo, em particular sobre sua forma,
tivemos o cuidado de nos ater aos fatos, como convém à Ciência desde a época de
Galileu Galilei. Em Cosmologia, faz-se isso respeitando as leis da Física, construindo
hipóteses que evoluem em uma ou outra teoria, cuja validade é comprovada ou não
por sua abrangência e seu poder preditivo.
Não podemos nos espelhar nos filósofos gregos que, na maioria das vezes,
tinham ideias a respeito do mundo e direcionavam suas “observações” para que elas
lhes fornecessem os dados que corroborassem seus pressupostos originais.
A forma do Universo, abordada no capítulo 6, foi intimamente ligada à força da
gravidade. É a quantidade de matéria no Universo que definirá se ele é fechado ou
aberto. Mas e se esse não fosse o caso?
A superfície da Terra, em nossa analogia tão comum, pode ser comparada
ao Universo fechado (com a importante diferença de que a primeira tem duas
dimensões e o segundo, três). A sua forma, porém, é definida por uma força que
seus supostos habitantes bidimensionais poderiam considerar misteriosa: a força
da gravidade em direção ao centro (fora da superfície, rumo à terceira dimensão).
E se a forma do Universo pudesse ser creditada não à gravidade, mas a uma força
desconhecida que atuasse rumo a uma quarta dimensão espacial? Assim, estaríamos
desvinculando a forma do Cosmos de sua gravidade intrínseca, esvaziando o tema
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do capítulo 6. Esta abordagem não seria científica, mas queremos aproveitá-la para
apresentar ao leitor três modelos muito pouco ortodoxos de Universo.
Primeiramente vamos a uma ideia do matemático francês Jules Poincaré.
Poincaré era professor titular da Universidade de Paris quando Einstein ainda estava
começando seus estudos. Sozinho, ele foi capaz de chegar às mesmas conclusões que
o genial físico alemão mas, assustado com os estranhos resultados que sua matemática
mostrava (contração do espaço, dilatação do tempo, etc.), preferiu não divulgá-los para
a comunidade acadêmica. Poincaré tinha uma reputação a zelar. Einstein, confinado
em seu emprego em um escritório de patentes na Suíça, deu-se ao luxo de ousar.
Antes da Relatividade Geral, a teoria de gravitação usada em Cosmologia,
Poincaré propôs um Universo excêntrico que poderia muito bem existir dentro de
uma bola de bilhar, para demonstrar a futilidade sobre os debates quanto à forma do
Universo. Poincaré acreditava que não havia sentido em considerar uma determinada
geometria como correta sem que se considerasse também as leis físicas. Para ele,
não se podia falar na geometria certa e sim na mais conveniente.
Este estranho Universo imaginário estava contido em uma esfera comum onde
valiam certas leis muito peculiares. Em primeiro lugar, a temperatura de qualquer
ponto dentro da esfera era inversamente proporcional à sua distância ao centro.69
Exatamente no centro, a temperatura é máxima e na sua superfície, é zero.
Em seguida, Poincaré exige que as dimensões lineares de qualquer corpo
material variem diretamente com a temperatura. Quanto mais quente, maior. Por
fim, a terceira lei: todos os corpos materiais assumem imediatamente a temperatura
do ponto que ocupam.
A primeira e a segunda lei fazem com que os habitantes deste Universo encolham
à medida que se afastem do centro. Como seus instrumentos de medição também
encolhem, eles não se dão conta disso. Aterceira lei faz com que seja impossível perceber
a mudança de temperatura — os corpos estão sempre à temperatura ambiente.
Os habitantes deste Universo, que é obviamente limitado, o tomam por infinito,
visto que jamais conseguem atingir a superfície. Quanto mais longe estiverem do
centro, menor ficam e menor é o passo que são capazes de dar. Cada passo, em
direção à fronteira, torna-se menor, de modo que nunca chegam ao destino.70
Se, como em nosso próprio Universo, admitirmos que os raios de luz trilham
geodesicas, estas terão um aspecto reto (no sentido euclidiano do termo) para
os habitantes desta esfera. Somente a negação do quinto postulado de Euclides
permitirá a eles deduzir que seu Universo é não euclidiano.71
69 Matematicamente, temos T=k(R2-r2), onde T é a temperatura do ponto, k é uma constante
maior do que zero, que dá o fator de escala, R é o raio da esfera e r é a distância do ponto ao centro.
70 Isto nada mais é do que uma reconstrução do paradoxo da dicotomia, de Zenão.
71 Para os que se recordam da extensa discussão do cap. 7, este Universo possui curvatura negativa.
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K. O CALENDÁRIO CÓSMICO
A ideia não é original, reconheço, mas é boa demais para não ser propagada.
E se a idade do Universo, em vez de 15 bilhões de anos, fosse de apenas um ano? E se
vivêssemos agora, o presente, no limiar de um ano novo? Teríamos que reescalonar
todo o nosso conhecimento temporal acerca do Universo, reposicionando neste
ano cósmico os acontecimentos que estudamos em nossa leitura.
Com vocês, o ano cósmico:
ANO CÓSMICO
Evento Ano Cósmico
Big Bang 1º/01, 0h
Surgem os Átomos 1º/01, 0h10min30s
Surgem as Primeiras Galáxias 24/01, 8h
Surge a Via Láctea 2/05, 16h
Surge o Sistema Solar 13/09, 12h
A Terra se solidifica 30/09, 12h
Surge a vida na Terra
15/10, 3h
(células microscópicas anaeróbias)
Surgem as plantas 25/11, 12h
Começa a reprodução sexuada 10/12, 2h24min
Surgem os animais 14/12, 23h12min
Surgem os vertebrados 19/12, 20h
A vida transfere-se para terra seca 21 /12, 15h48min
Surgem os primeiros mamíferos 27 /12, 3h12min
As Américas se separam da África 27/12, 14h53min
Surgem os primatas 30/12, 7h7min
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L. AS ÚLTIMAS
Quanto tempo há entre o momento em que um livro — este livro — fica
pronto e o momento em que ele é lido? Impossível precisar... Incluir as “últimas
notícias” sobre determinado assunto em um livro é, por isso mesmo, uma tarefa
ingrata. Ainda assim, sempre tive vontade de fazê-lo e, na medida do possível, espero
alcançar meus objetivos com esta leitura complementar.
Os textos que se seguem fazem parte de um outro projeto da Fundação
Planetário, que pode ou não estar funcionando no momento em que você lê este
livro. Chama-se “Deixa que eu leio” (este nome é provisório...), e pretende que os
astrônomos do Planetário leiam artigos sobre as últimas conquistas e descobertas
científicas e, traduzindo-os e resumindo-os, os tornem acessíveis a uma maior
camada da população.
Estes textos têm forte identificação com o tema deste livro (as referências
completas podem ser encontradas na Bibliografia).
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Sua mente inquisitiva chega a especular que, se as duas dimensões que ele conhecia
são na verdade três, também Spaceland pode ser apenas um subespaço de algo
maior, com mais do que três dimensões.
Este é exatamente o caminho que alguns resultados teóricos têm indicado
para a Física. Nosso mundo, que conhecemos tão bem e se apresenta com quatro
dimensões (três espaciais e uma temporal), pode ser uma parte de algo muito mais
abrangente! Veremos como a seguir.
Um dos grandes problemas da Física Teórica atual é a unificação das
forças fundamentais. Sabemos hoje que essas forças são quatro: gravitacional,
eletromagnética, nuclear fraca e nuclear forte. Três delas já são muito bem entendidas
do ponto de vista quântico (isto é, obedecem às leis da Física Quântica, que melhor
explica os fenômenos microscópicos e pode ser entendida como uma extensão ao
mundo microscópico da Física Clássica criada por Isaac Newton). Falta-nos uma
teoria de gravitação quântica.
Esta falta é muito grave, pois apesar de a força da gravidade ser a mais fraca de
todas as quatro, é ela que atua no Universo como um todo (isto porque o Universo é
neutro — logo não há força eletromagnética globalmente — e as forças nucleares só
são sentidas no interior dos átomos). Uma teoria que unifique a força da gravidade
às demais é uma espécie de “cálice sagrado” para os físicos atuais.
As teorias atuais mais ortodoxas nos dizem que a gravidade se torna comparável
às outras forças quando a distância entre as partículas for absurdamente pequena
(1o-35m ou um milímetro dividido em um quatrilhão de pedaços, e um desses pedaços
dividido em mais cem quatrilhões de vezes!). Os aceleradores de partículas mais
modernos nos revelam acontecimentos confinados em distâncias muito pequenas
(10-19m), mas não pequenas o suficiente para podermos comprovar as teorias de
unificação das quatro forças.
Talvez não precisemos vencer esta lacuna de 16 ordens de magnitude para
unificarmos todas as forças...
Uma ideia recente (de 1998) envolve a utilização de dimensões superiores.
A gravidade, sabemos, é uma força cujo valor é proporcional ao inverso do quadrado
da distância (a gravitação de Newton e a Relatividade Geral de Einstein concordam
com isso). Isso quer dizer que, ao aproximarmos nossas partículas de teste, cada vez
que a distância for reduzida à metade, a força quadruplica. Seguindo esta regra, ao
atingirmos aquela distância absurdamente pequena (conhecida como distância de
Planck, em homenagem ao físico alemão Max Planck), a gravidade vai ter atingido
um valor grande o suficiente para ser comparada às outras três forças fundamentais.
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o LIGO pudesse detectar estas ondas, e foi isso que ele fez em setembro de 2015, foi
necessário um choque colossal entre dois buracos negros, que aconteceu há cerca de
um bilhão de anos, muito, mas muito longe daqui!
As ondas gravitacionais foram previstas por Einstein em 1915, mas só agora
foram finalmente detectadas pelo LIGO. Estamos abrindo uma nova janela de
observação do Universo! Nas palavras dos cientistas do LIGO, é como se Galileu
estivesse usando seu telescópio para ver os céus pela primeira vez novamente!
É a história da Ciência sendo construída bem em frente de nós…
123
BIBLIOGRAFIA
Aqui estão os livros que foram consultados ou lidos durante a confecção deste
trabalho. Logo em seguida, listamos algumas referências mais específicas que foram
utilizadas em cada capítulo.
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