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132-150
O passado do
futuro: uma análise
ARAÚJO ADRIANO, Paulo Ângelo de.
diacrônica do ir O passado do futuro: uma análise
diacrônica do ir + infinitivo no
+ infinitivo no português europeu. Entrepalavras,
Fortaleza, v. 7, p. 132-150, ago./dez.
português europeu 2017.
Abstract: The present work is a diachronic analysis of the future indicative’s expression
in European Portuguese (EP). Specifically it analyzes 3 variants of the future Tense,
namely: (i) vou + infinitive (vou comer), (ii) haver/ter + de + infinitive (hei de comer),
and (iii) simple future (comerei, poderei comer). Previous studies about EP (HRICSINA,
2001) certify a cyclic process for the future Tense evolution, whose expression with
the periphrasis ir + infinitive has been existed since the XIII century (LIMA, 2001).
The study aims to observe the course of the future tense realization in centuries XVIII
– XIX in EP, from the hypothesis that initially the structure ir + infinitive was used
when the expressed proposition by the main verb would concretize immediately after
the enunciation and, after that, the same structure has transitioned to denote future
Tense, in other words, a posterior event in relation to the moment of speech. For
that, the corpus was based on EP dramas from 1783-1877, available in the collection at
Laboratory of Portuguese History (LaborHistórico).
Introdução
essa forma, entrou no sistema o verbo ir, que passou a ser reanalisado
como a estrutura para o Tempo futuro, fato já atestado na literatura (cf.
FLEISCHMAN, 1982; ROBERTS; ROUSSOU, 2003). Os mesmos autores
mostram que ir sofreu gramaticalização, deixando o seu sentido de
movimento no espaço físico, para também atribuir movimento no
espaço do tempo.
A partir de um corpus do português europeu, o que o presente
trabalho traz de novidade é dar uma maior atenção ao verbo ir, em
estruturas de ir + infinitivo, com o objetivo de observar quais foram
as mudanças ao longo do tempo que fizeram com que o verbo ir viesse
a ser “promovido” a auxiliar de Tempo futuro, no que se refere ao
seu deslocamento temporal, no PE2. Em uma primeira observação dos
dados, observou-se que o verbo ir era frequentemente usado, nas peças
1
Neste texto, diferencia-se tempo, minúsculo, de Tempo, maiúsculo. Ao primeiro
atribui-se as noções de tempo físico, cujos eventos são organizados numa linha
temporal. Já o segundo é usado para a categoria gramatical, que é marcada pela flexão
verbal expressando quando, no tempo, um evento ocorreu.
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A escolha por trabalhar com dados do PE é motivada pela intenção de se trabalhar
com o PB, num outro momento, e verificar, a partir do mapeamento feito aqui, se
existe alguma influência do PE no PB, ou se as mesmas mudanças ocorreram de forma
semelhante nas duas línguas, no que se refere às estruturas de futuro.
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ago/dez analisadas, para expressar uma ação que acontecia já no momento da
2017 fala, no presente. Ou seja, a promoção do verbo ir como auxiliar poderia
ter sido favorecida pela gradação da sua temporalidade – inicialmente
expressando um evento [- distante], para depois expressar um [+
distante], ambos em relação à fala. Dessa maneira, o trabalho é norteado
pela hipótese de que, num primeiro momento, o verbo ir significava
uma ação imediatamente após, ou até durante, a enunciação e, mais
tarde, uma ação mais distante em relação ao momento da fala, já com
sentido de futuro.
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Não se sabe se a estrutura formada pelos modais “poder” e “dever” + infinitivo são
variantes para a expressão de futuro em PE. Drzazgowska (2012, p. 110-111) considera
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tais estruturas como perifrásticas, porém atribui-lhes outro significado, não deixando
claro se expressam ou não futuro:
(i) dever + infinitivo, que exprime obrigação moral, material, lógica e também exprime
probabilidade;
(ii) poder + infinitivo, que exprime possibilidade lógica, física ou moral.
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ago/dez infinitivo; e o presente, respectivamente, exemplificados (HRICSINA,
2017 2011, p. 176-177):
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ago/dez formas inovadoras fossem produzidas, isto é
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quando as formas linguísticas novas de fato aparecem no
ambiente linguístico, ainda que em taxas menos elevadas do
que as formas antigas. Ao longo do tempo, em decorrência do
processo de competição de gramáticas, apenas uma das formas
em variação é que permanecerá no repertório linguístico dos
falantes (ANTONELLI, 2011, p. 18).
Metodologia
Corpus
Os traços
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ago/dez (10) Agora veja o que faz, cuidado, e mais cuidado, estude-
2017 me sem descuido, depois verei como vai. V. (P1786) [+
futuridade]
(11) Pobre Velha, ha de ficar xupando no dedo, confesso a
verdade. (P1790) [-futuridade]
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Segundo Camara Jr. (1970; 1976), os verbos irregulares são 17: caber, dar, dizer,
estar, haver, fazer, ir, poder, pôr, prazer, querer, saber, ser, ter, trazer, ver, vir. Tal
classificação ocorreu a partir da diferença do radical na forma de perfeito (presente,
pretérito imperfeito, futuro do presente, futuro do pretérito, no modo indicativo, e
presente do subjuntivo) e imperfeito (pretérito perfeito, pretérito mais-que-perfeito,
no modo indicativo e pretérito imperfeito e futuro no modo subjuntivo). Como
exemplo, o verbo “ver” tem sua conjugação em “vês”, “vi”, “vejo”, apresentando
mais de um radical para a forma de perfeito e imperfeito.
Paulo Ângelo de ARAÚJO ADRIANO
As variantes
Resultados e Discussões
Das peças
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Como o objetivo do trabalho é mostrar a reanálise da estrutura ir + infinitivo,
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ago/dez sintética e a forma com haver permanece, respectivamente 59% e 35%;
2017 há pouca ocorrência de ir + infinitivo, 6%. Em 1808, o uso de haver +
infinitivo caiu, atingindo 25%, enquanto a forma sintética permanece
como a mais usada, 67%. Uma “mudança” parece ficar evidente em
1877, quando a forma haver/ter de + infinitivo cai bruscamente, 15%,
dando espaço para a forma ir + infinitivo, 49%, sobrepondo até mesmo
a forma sintética, com 36%.
Ao total, no corpus das peças, percebe-se uma preferência pela
forma sintética, com 51% dos casos. Com 30%, está a forma haver/ter de
+ infinitivo e, por último, a forma ir + infinitivo, 19%. Embora o número
de ocorrências de ir + infinitivo seja pequeno em relação aos demais,
é possível observar a preferência, já no fim do séc. XIX, por tal forma.
Além disso, pode-se também observar a queda, ao longo do tempo, do
uso do haver/ter de + infinitivo. O Gráfico 1 ilustra esses dados:
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ago/dez Em relação ao Futuro Simples, 91% dos casos ocorreram em traço
2017 [+ distante] (19), o que já era esperado, uma vez que tal estrutura denota
um futuro canônico, isto é, [+ distante] em relação ao momento da fala.
Somente 9% foi em contexto [- distante], como em (20). O mesmo ocorreu
com haver/ter de + infinitivo, com que 92% dos casos foi [+ distante] (21),
restando somente 8% para o outro traço, com em (22).
Esses dois dados levam a pensar que não é necessária a presença de uma
partícula temporal para que o Futuro Simples e Haver/ter de + infinitivo
denotem futuro, uma vez que isso já é expresso por si só.
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ago/dez (25) O Santo Ceo favoreça nossos, constantes extremos, pois
2017 por ro rotegidos sempre seremos felices. (P1790) [+
futuridade]
(26) Naõ me faças tambem lagrimijar, por se continuas no
choro; posso berrar tanto, que poderei vir a ser soldado;
mas dize-me a causa disso? (P1794) [- futuridade]
(27) Vou ver a minha adorada Lesbia, para alliviar este coraçaõ
das saudades que padece. (P1790) [- futuridade]
(28) Descanço um instantinho, e depois vou pôr-me ao
brazeiro. (P1877) [+futuridade]
A partir do exemplo (28), fica muito claro que (i) uma ação
ocorre no presente (em relação ao momento da fala): “descanso um
instantinho”; e que (ii) em seguida (depois) outra ação acontecerá
(pôr-me ao braseiro). Assim, (28) traz um exemplo quanto à projeção
de futuro do ir + infinitivo [+ distante] acompanhado de uma partícula
temporal [+ futuridade].
Pelos resultados das Tabelas 5 e 6, decidiu-se por cruzar os traços
[± distante] e [± futuridade] na Tabela 7, a fim de observar se para o
ir + infinitivo trazer uma ideia de futuro, [+ distante], é necessária a
presença de uma partícula temporal de futuro, uma vez que tal estrutura
é formada por um verbo no presente, vou + infinitivo.
Paulo Ângelo de ARAÚJO ADRIANO
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ago/dez Porém, é no fim desse mesmo século que haver/ter de + infinitivo, [+
2017 distante], perdeu força no sistema, possibilitando, assim, a entrada de
ir + infinitivo [+ distante], [+ futuro].
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Considerações Finais
Referências
LOPES, C. R. S. Vossa mercê > você e Vuestra merced > usted: o percurso
evolutivo ibérico. Revista de Lingüística da ALFAL, São Paulo, v. 14, p. 173-
190, 2004.
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ago/dez ______. A expressão do futuro verbal na escrita jornalística baiana.
2017 Linguística (Rio de Janeiro), v. 8, p. 191-209, n, 2012.
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