Sunteți pe pagina 1din 64

1.

Identidade e diferença: uma


introdução teórica e conceituai
Kathryn Woodward

Introdução
O escritor e radialista Michael lgnatieff conta a seguinte
história, a qual se passa no contexto de um país dilacerado
pela guerra, a antiga Iugoslávia:
São quatro horas da manhã. Estou no posto de comando
da milícia sérvia local, em uma casa de fazenda abandona­
da, a 250 metros da linha de frente croata ... não na Bósnia,
mas nas zonas de guerra da Croácia central. O mundo não
está mais olhando, mas toda noite as milícias croatas e
sérvias trocam tiros e, às vezes, pesados ataques de bazuca.
Esta é uma guerra de cidade pequena. Todo mundo co­
nhece todo mundo: eles foram, todos, à escola juntos; antes
da guerra, alguns deles trabalhavam na mesma oficina;
namoravam as mesmas garotas. Toda noite, eles se comu­
nicam pelo rádio "faixa do cidadão" e trocam insultos -
tratando-se por seus respectivos nomes. Depois saem dali
para tentar se matar uns aos outros.
Estou falando com soldados sérvios - reservistas cansados,
de meia-idade, que preferiam estar em casa, na cama.
Estou tentando compreender por que vizinhos começam
a se matar uns aos outros. Digo, primeiramente, que não
consigo distinguir entre sérvios e croatas. "O que faz vocês
pensarem que são diferentes?"
O homem com quem estou falando pega um maço de cigar­
ros do bolso de sua jaqueta cáqui. "Vê isto? São cigmTos
sé1vios. Do outro lado, eles fumam cigarros croatas."
"Mas eles são, ambos, cigarros, certo?"

7
"Vocês estrangeiros não entendem nada" - ele dá de 0 homem está dizendo a Ignatieff que sua maior queixa contra
ombros e começa a limpar a metralhadora 'Zastovo.
seus inimigos é que os croatas se pensam como sendo melho­
Mas a pergunta que eu fiz incomoda-o, de forma que, res que os sérvios, embora, na verdade, "sejam os mesmos":
alguns minutos mais tarde, ele joga a arma no banco ao
lado e diz: "Olha, a coisa é assim. Aqueles croatas pensam segundo ele, não há nenhuma diferença enh·e os dois.
l) Essa história mostra que a identidade é relacional. A
·a
que são melhores que nós. Eles pensam que são europeus
finos e tudo o mais. Vou lhe dizer uma coisa. Somos todos identidade sérvia de ende, ara existir de al o
lixo dos Bálcãs" (Ignatieff, 1994, p. 1-2).
sa er, de outra identidade (croácia , de uma identidade ue ela
Trata-se de uma história sobre a guerra e o conflito, não é, que · ere da i entidade sérvia mas ue enh·etanto,
desenrolada em um cenário de turbulência social e política. omece as condições para que ela exista. A identidade sérvia
Trata-se também de uma história sobre identidades. Nesse se distingue por aquilo que ela não é. Ser um sérvio é ser um
cenário mosh·am-se duas identidades diferentes, depen­ "não-croatá'. A identidade é, assim, marcada pela diferença.
<
dentes de duas posições nacionais separadas, a dos sérvios Essa marcação da diferença não deixa de ter seus pro-
e a dos croatas, que são vistos, aqui, como dois povos claramen­ blemas. Por um lado, a asserção da diferença entre sérvios
te identificáveis, aos quais os homens envolvidos supostamente e croatas envolve a negação de que não existem quaisquer
pertencem - pelo menos é assim que eles se vêem. Essas similaridades entre os dois grupos. O sérvio nega aquilo que
identidades adquirem sentido por meio da linguagem e dos ele percebe como sendo a pretensa superioridade ou van­
sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas.
G
tagem dos croatas, os quais são, todos, reunidos sob o guar­
representação atua simbolica�te para classificar o da-chuva da identidade nacional croata, constituindo-os,
mundo e nossas relações no seu interiortHall, 1997a). Como assim, como estranhos e como "outros". A diferença é sus­
se poderia utilizar a idéia de represenfação para analisar a tentada pela exclusão: se você é sérvio, você não pode ser
forma como as identidades são conshuída;S.,Desse caso? Exami­ croata, e vice-versa. Por ouh·o lado, essa afirmação da dife­
nemos outra vez a histólia de Ignatieff.L9 que é visto como rença é problemática também para o soldado sérvio. No nível
sendo a mesma coisa e o que é visto como sendo diferente nasfÍí pessoal, ele está certo de que os croatas não são melhores que
duas identidades - a dos sérvios e a dos croatas? Quem é os sérvios; na verdade, ele diz que eles são a mesma coisa.
incluído e quem é excluído? Para quem está disponível a Ignatieff obse1va que essa "mesmidade" é o produto da expe-
identidade nacional sérvia enfatizada nessa história?J riência vivida e das coisas da vida cotidiana que os sé1vios e os
í)
Trata-se de povos que têm em comum cinqüenta anos croatas têm em comum. Essa disjunção entre a unidade da ,1
de unidade política e econômica, vividos sob o regime de identidade nacional (que enfatiza o coletivo "nós somos todos
Tito, na nação-estado da Iugoslávia. Eles partilham o local sérvios") e a vida cotidiana c1ia confusão para o soldado que
e diversos aspectos da cultura em suas vidas cotidianas. Mas parece se conh·adizer ao afirn1ar uma grande diferença entre
o argumento do miliciano sérvio é de que os sérvios e os os sé1vios e os croatas e, ao mesmo tempo, uma grande simila-
croatas são totalmente diferentes, até mesmo nos cigarros lidade - "somos todos lixo dos Bálcãs".
que fumam. A princípio, parece não existir qualquer coisa A identidade é marcada por meio de símbolos; por exem­
em comum entre sérvios e croatas, mas em poucos minutos plÓ, pelos próprios cigarros que são fumados em cada lado.

8 9
Existe uma associação entre a identidade da pessoa e as As mulheres são os significantes de uma identidade mascu­
coisas que uma pessoa usa. O cigarro funciona, assim, neste lina partilhada, mas agora fragmentada e reconstruída, for­
caso, como um significante importante da diferença e da mando identidades nacionais distintas, opostas. Neste mo­
identidade e, além disso, como um significante que é, com mento histórico específico, as diferenças entre os homens
freqüência, associado com a masculinidade (tal como na são maiores que quaisquer similaridades, uma vez que o
canção dos Rolling Stones, "Satisfaction": "Bem, ele não foco está colocado nas identidades nacionais em conflito. A
pode ser um homem porque não foma os mesmos ciaarros <lentidade é marcada pela diferença, mas parece que algti:
;C
que eu" [Well he can't be a m an 'cause he doesn't smoke the mas diferenças -neste caso entre grupos étnicos - são vistas<J-·
s�me cigarettes as me]). O homem da milícia sérvia é explí­ .-como mais importantes que outras, especialmente em luga-
cito quanto a essa referência, mas menos direto quanto a -res particulares e em momentos particulares.
outros significantes da identidade, tais como as associa­ Em outras palavras, a afirmação das identidades nacio­
�ões com a _sofi�,ticação da cultura européia (ele fala de nais é historicamente específica. Embora se possa remontar
euro peus finos ), da qual são, ambos, sérvios e croatas, as raízes das identidades nacionais em jogo na antiga Iugos­
,
�xcl �1 �os, e a inferioridade da cultura balcânica que é, lávia à história das comunidades que existiam no interior
1mphc1tamente, sugerida como sendo sua antítese. Isso daquele território, o conflito entre elas surge em um mo­
estabelece uma outra oposição, pela qual aquilo que a mento particular. Nesse sentido, a emergência dessas dife­
cultura balcânica tem em comum é colocado em contras­ rentes identidades é histórica; ela está localizada em um
te com a cultura de outras partes da Europa. Assim a ponto específico no tempo. Uma das formas pelas quais as
construção da identidade é tanto simbólica quanto soci�l identidades estabelecem suas reivindicações é por meio do
a ara a 1nnar as diferentes 1 e em causas apelo a antecedentes históricos. Os sérvios, os bósnios e os
e�nseqüências materiais: neste exemplo isso é visível 110 croatas tentam reafirmar suas identidades, supostamente
conflito entre os grupos em guerra e na turbulência e na perdidas, buscando-as no passado, embora, ao fazê-lo, eles
desgraça social e econômica que a guerra traz. possam estar realmente produzindo novas identidades. Por
Observe a freqüência com que a identidade nacional é exemplo, os sérvios ressuscitaram e redescobriram a cultura
marcada pelo gênero. No nosso exemplo, as identidades sérvia dos guerreiros e dos contadores de histórias - os
nacionais produzidas são masculinas e estão ligadas a con­ Guslars da Idade Média -como um elemento significativo
cepções militaristas de masculinidade. As mulheres não de sua história, reforçando, por esse meio, suas atuais afir­
fazem parte desse cenário, embora existam, obviamente, mações de identidade. Como escreve Ignatieff em outro
outras posições nacionais e étnicas que acomodam as mu­ local, "os senhores da guerra são importantíssimos nos Bál­
lheres. Os homens tendem a construir posições-de-sujeito cãs; diz-se aos estrangeiros: 'vocês têm que compreender
para as mulheres tomando a si próprios como ponto de nossa história .. .' e vinte minutos mais tarde ainda estamos
referência. A única menção a mulheres, neste caso é às ouvindo histórias sobre o rei Lazar, os turcos e a batalha de
Kosovo" (Ignatieff, 1993, p. 240). A reprodução desse pas­
::garotas" q�e eles "namoravam", ou melh01� que foram sado, nesse ponto, sugere, entretanto, um momento de crise
namoradas no passado, antes do surgimento do conflito.

10 11
e não, como se poderia pensar, que haja algo estabelecido e arece necessário não apenas colocá-la em oposição a uma
fixo na construção da identidade sérvia. Aquilo que parece �utra identidade que é, então, desvalorizada, mas também
ser simplesmente um argumento sobre o passado e a reafir­ reivindicar alguma identidade sérvia "verdadeira", autênti­
mação de uma verdade histórica pode nos dizer mais sobre ca, que teria permanecido igual ao longo do tempo. Mas
a nova po,sição-de-sujeito do guerreiro do século XX que é isso O que ocorre? A identidade é fixa? Podemos encon­
está tentando defender e afirmar o sentimento de separação trar uma "verdadeira" identidade? Seja invocando algo
e de distinção de sua identidade nacional no presente do que que seria inerente à pessoa, seja buscando sua "autênti­
sobre aquele suposto passado. Assim, essa redescoberta do ca" fonte na história, a afirmação da identidade envolve
passado é parte do processo de construg__ão da identid..Qde_ necessariamente o apelo a alguma qualidade essencial?
que está ocorrendo neste exatomomento e que, ao que Existem alternativas, quando se trata de identidade e de
parece, é caracterizado por conflito, contestação e uma diferença, à oposição binária "perspectivas essencialistas
possível crise. versus perspectivas não-essencialistas"?
Esta discussão da identidade nacional na antiga Iugos­ Para tratar dessas questões precisamos de explicações
lávia levanta questões que podem ser formuladas de forma que possam esclarecer os conceitos centrais envolvidos
mais ampla, para fundamentar uma discussão mais geral nessa discussão, bem como de um quadro teórico ue ossa
sobre a identidade e a diferença: nos dar uma compreensão mais amp a dos processos que
- Por que estamos examinando a questão da identidade estão envolvidos na construção da identidade. Embora es­
neste exato momento? Existe mesmo uma crise da ulenti­ teJ-;-centrada na questão da identidade nacional, a discussão
clade? Caso a resposta seja ann:nativa: por que isso ocorre? de Michael lgnatieff ilustra diversos dos principais aspec­
- Por que as pessoas investem em posições de identida­ tos da identidade e da diferença em geral e sugere como po­
de? Como se pode explicar esse investimento? demos tratar algumas das questões analisadas neste capítulo:
Na base da discussão sobre essas questões está a tensão 1. Precisamos de conceitualizações. Para compreender­
entre perspectivas essencialistas e perspectivas não-essen­ mos como a identidade funciona, precisamos conceitualizá­
cialistas sobre identidade. Uma definição essencialista da la e dividi-la em suas diferentes dimensões.
identidade "sérvia" sugeriria que existe um conjunto crista­ 2. Com freqüência, a identidade envolve reivindicações
lino, autêntico, de características que todos os sérvios par­ essencialistas sobre quem pertence e quem não pertence a
tilham e que não se altera ao longo do tempo. Uma definição um determinado grupo identitário, nas quais a identidade é
não-essencialista focalizaria as diferenças, assim como as vista como fixa e imutável.
características comuns ou partilhadas, tanto entre os pró­
3. Algumas vezes essas reivindicações estão baseadas na
prios sérvios quanto entre os sérvios e outros grupos étnicos.
natureza; por exemplo, em algumas versões da identidade
Uma definição não essencialista prestaria atenção também
às formas pelas quais a definição daquilo que significa ser étnica, na "raça" e nas relações de parentesco. Mais fre­
um "sérvio" têm mudado ao longo dos séculos. Ao afirmar a qüentemente, entretanto, essas reivindicações estão basea­
das em alguma versão essencialista da história e do passado,
primazia de uma identidade - por exemplo, a do sérvio -

12 13
na qual a história é construída ou representada como uma exemplo, o miliciano sérvio parece estar envolvido em uma
verdade imutável. difícil negociação ao dizer que os sérvios e os croatas são os
4. A identidade é, na verdade, relacional, e a diferença mesmos e, ao mesmo tempo, fundamentalmente diferentes.
é estabelecida por uma marcação simbólica relativamente a Pode haver discrepâncias entre o nível coletivo e o nível
outras identidades (na afirmação das identidades nacionais individual, tais como as que podem surgir entre as deman­
por exemplo, os sistemas representacionais que marcam � das coletivas da identidade nacional sérvia e as experiências
diferença podem incluir um uniforme, uma bandeira nacio­ cotidianas que os sérvios partilham com os croatas.
nal ou mesmo os cigarros que são fumados). 10. Precisamos, ainda, explicar por que as pessoas assu­
5. A identidade está vinculada também a ",.....,r1.�,..,.es mem suas posições de identidade e se identificam com elas.
sociais e materiais. .e um grupo é simbolicamente mar­ Por que as pessoas investem nas posições que os discursos
cado como o inimigo ou como tabu, isso terá efeitos reais da identidade lhes oferecem? O nível psíquico também deve
porque o grupo será socialmente excluído e terá desvan­ fazer parte da explicação; trata-se de uma dimensão que,
tagens materiais. Por exemplo, o cigarro marca distinções juntamente com a simbólica e a social, é necessária para
que estão presentes também nas relações sociais entre uma completa conceitualização da identidade. Todos esses
sérvios e croatas. elementos contribuem para explicar como as identidades
são formadas e mantidas.
6. O social e o simbólico referem-se a dois processos
diferentes, mas cada um deles é necessário para a constru­
ção e a manutenção das identidades. A marcação simbólica 1. Por que o conceito de identidade é importante?
é o meio pelo qual damos sentido a práticas e a relações Uma das discussões centrais sobre a identidade concen­
sociais, de�inindo, por exemplo, quem é excluído e quem é tra-se na tensão entre o essencialismo e o não-essencialis­
incluído. E por meio da diferenciação social que essas mo. O essencialismo pode fundamentar suas afirmações
classificações da diferença são "vividas" nas relações sociais. tanto na história quanto na biologia; por exemplo, certos
7. A conceitualização da identidade envolve o exame dos movimentos políticos podem buscar alguma certeza na afir­
sistemas classificatórios que mostram como as relações so­ mação da identidade apelando seja à "verdade" fixa de um
ciais são organizadas e divididas; por exemplo, ela é dividida passado partilhado seja a "verdades" biológicas. O corpo é
em ao menos dois grupos em oposição - "nós e eles", um dos locais envolvidos no estabelecimento das fronteiras
"sérvios e croatas". que definem quem nós somos, servindo de fundamento para
a identidade - por exemplo, para a identidade sexual. É
8. Algumas diferenças são marcadas, mas nesse processo necessário, entretanto, reivindicar uma base biológica para
algumas diferenças podem ser obscurecidas; por exemplo, a identidade sexual? A maternidade é outro exemplo no qual
a afirmação da identidade nacional pode omitir diferenças a identidade parece estar biologicamente fundamentada.
de classe e diferenças de gênero. Por ouh·o lado, os movimentos étnicos ou religiosos ou
9. As identidades não são unificadas. Pode haver contra­ nacionalistas freqüentemente reivindicam uma cultura ou
dições no seu interior que têm que ser negociadas; por uma história comum como o fundamento de sua identidade.

14 15
O essencialismo assume, assim, diferentes formas, como se
1.1. Identidade e representação
demonstrou na discussão sobre a antiga Iugoslávia. É pos­
sível afirmar a identidade étnica ou nacional sem reivindicar Por que estamos examinando a identidade e a diferença?
uma história que possa ser recuperada para servir de base Ao examinar sistemas de representação, é necessário anali:
sar a relação entre cultura e. significad o (Hall, 1997). So
para uma identidade fixa? Que alternativas existem à estra­ . .
tégia de basear a identidade na certeza essencialista? Será demos compreender os s1gmficados envo1v1'dos nesses ,.
que as identidades são fluidas e mutantes? Vê-las como s1sº temas se tivermos alguma idéia sobre quais posições-de-
P_
sujeito eles produzem e como nos, , como suJeI · ·tos, podemos'
fluidas e mutantes é compatível com a sustentação de um interior. Aqui, estaremos tratando
projeto político? Essas questões ilustram as tensões que ser posicionados em seu . .
existem entre as concepções construcionistas e as concep­ de um outro momento do " circmto da cu1tura,,:. aguele em
ue O foco se desloca dos sistemas de representa ã · as
ções essencialistas de identidade.
identidades pro uz1 as por a_que es s1s�
Para justificar por que estamos analisando o conceito de
�representação inclui �s práticas_ de si�ni��ação e �s
identidade, precisamos examinar a fmma como a identidade
· temas simbólicos por me10 dos quais os s1gmficados sao
se insere no "circuito da culturà' bem como a forma como a
1
produzidos, posicionando-nos como sujeito._E por meio dos
SIS

identidade e a diferença se relacionam com a discussão sobre


significados produzidos pelas representaçoes que damos
a representação (Hall, 1997). Para compreender o que faz da sentido à nossa experiência e àquilo que somos. Podemos
identidade um conceito tão central, precisamos examinar as inclusive sugerir que esses sistemas simbólicos tornam pos­
preocupações contemporâneas com questões de identidade sível aquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar.
em diferentes níveis. Na arena global, por exemplo, existem A representação, compreendida como um processo cultural,
preocupações com as identidades nacionais e com as identid-ª;, estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas
des étnicas; em um contexto mais "local", existem preocupa­ simbólicos nos quais ela se baseia fornecem possíveis res­
ções com a identidade pessoal como, por exemplo, com as postas às questões: Quem eu sou? O que eu poderia ser?
relações pessoais e com a política sexual. Há uma discussão que Quem eu quero ser? Os discursos e os sistemas de repre­
sugere que, nas últimas décadas, estão ocon-endo mudanças sentação consh·oem os lugares a partir dos quais os indiví­
no campo da identidade - mudanças que chegam ao ponto de duos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar.
produzir uma "crise da identidade". Em que medida o que está Por exemplo, a narrativa das telenovelas e a semiótica da
acontecendo hoje no mundo sustenta o argumento de que publicidade ajudam a construir certas identidades de gêne­
existe uma c1ise de identidade e o que significa fazer uma tal ro (Gledhill, 1997; Nixon, 1997). Em momentos particula­
afümação? Isso implica examinar a fonna como as identi�es res, as promoções de marketing podem construir novas
são formadas e os processos que estao aienvolvidos. Implica identidades como, por exemplo, o "novo homem" das déca­
também perguntar em que medida as identidades são fixas ou, das de 1980 e de 1990, identidades das quais podemos nos
de forma alternativa, fluidas e cambiantes. Começaremos a apropriar e que podemos reconstruir para nosso uso. A
discussão com o lugar da identidade no "circuito da cultura". mídia nos diz como devemos ocupar uma posição-de-sujeito
particular - o adolescente "esperto", o trabalhador em as-

16 17
censão ou a mãe sensível. Os anúncios só serão "eficazes"
no seu objetivo de nos vender coisas se tiverem apelo par ª
ti·d des poss1,veis· , poi·
um modo específico de subjetividade
e distante ou a da mascu-
os consumidores e se fornecerem imagens com os quai
a - tal como a da fieminilidade loira .
.
eles possam se identificar. É claro, pois, que a produç
s ª
. i·d de ativa at1·ati·va e sofistic
1m
, . s do 'u
-. ada dos anunc10
' u Gay, Hall et alii, 1997). Somos constran-
vvalk-
ão man da Sony (D
de significados e a produção das identidades que são 1 1 i ades
de poss1·b·I·d
posicionadas nos (e pelos) sistemas de representação gidos' entretanto, não apenas pe a gama .
isto é, pela vaneda de d e . .e-
iep1
estão estreitamente vinculadas. O deslocamento, aqu que a cultUI.a oferece' - . .
i, · bo'licas mas também pelas relaçoes sociais.
sentaço- es sim
para uma ênfase na identidade é um deslocamento de r0nathan Rutherford,
ênfase - um deslocamento que muda o foco: da repre­ Como ar 1enta J'
" marca o encontro de nosso passado com
... a 1·<lentidade
sentação para as identidades.
as relações sociais, cultmais e econom1cas nas q�ms v1Ve_m_os
, . . .

A ênfase na representação _e o papel-chave da cultura na agora... a identidade é a intersecção de nossas V1das cotidrn-
,. -
nas com as l·elações • .
econom1cas e pohticas de sub 01-d·maçao
produção dos significados gue permeiam todas as relações
sociais levam, ass · e dominação" (Rutherford, 1990, p. 19-20).
uma preocupação com a identificaçã;
Nixon, 1997).' sse conceito,·que escreve o processo pelo OS SIS· temas simbólicos fornecem
• novas formas de se dar
qua nos 1 entificamos com os outros, seja pela ausência de 1 oa
sent·d ' experiência das divisões e desigua ldades sociais
. . e
_ , .
uma consciência da diferença ou da separação, seja como · pelos quais alguns grupos sao exclmdos e estig-
aos me10s
resultado de supostas similaridades, tem sua origem na matizados. As identidades são contestadas. Este capitulo
psicanálise. A identificação é um conceito central na com­ começou com um exemplo de identidades fortemente c�n­
preensão que a criança tem, na fase edipiana, de sua próp1ia testadas. A discussão sobre identidades sugere a emer?en­
situação como um sujeito sexuado. O conceito de identificação cia de novas posições e de novas identidades, produzidas,
tem sido retomado, nos Esh1dos Culturais, mais especifica­ por exemplo, em circunstâncias econômi�as e sociais can�­
mente na temia do cinema, para explicar a f01te ativação de biantes. As mudanças mencionadas anteriormente e enfati­
desejos inconscientes relativamente a pessoas ou a imagens, zadas no exemplo da antiga Iugoslávia sugerem que pode

l
fazendo com que seja possível nos vem1os na imagem ou na haver uma crise de identidade? Que mudanças podem estar
personagem apresentada na tela. Diferentes significados são ocorrendo nos níveis global, local e pessoal, que possam
produzidos por diferentes sistemas simbólicos, mas esses justificar o uso da palavra "crise"?
significados são contestados e cambiantes.
Pode-se levantar questões sobre o poder da repre­ 2. Existe uma crise de identidade?
sentação e sobre como e por que alguns significados são Quase todo mundo fala agora sobre "iclentidac�e". �
tiçlade sá se torna um problema quando esta em cnse;
preferidos relativamente a outros Todas as práticas de sig­ ,
. quangg_algo que se supõe ser fixo, coerente e estavel e
nificação que produzem significados envolvem relações de cles'locado pela experiência da dúvida e da incerteza (Mer­
podei� incluindo o poder para definir quem é incluído e quem cer, 1990, p. 4).
é excluído. A cultura molda a identidade ao dar sentido à
"Identidade" e "crise de identidade" são palavras e

?
experiência e ao tornar possível optai� entre as várias iden-
idéias bastante utilizadas atualmente e parecem ser vistas

18 19
por sociólogos e teóricos como características das socieda­ . produz diferentes resultados
A g1Obalizaça- 0, entretanto,
des contemporâneas ou da modernidade tardia. Já mostra­ . A homogenei. dade cultural PIQ-
mos o exemplo de uma área no mundo, a antiga Iugoslávia, em termos de i·<lentidade . . t
a pel o mer ado globa, l pode l evar ao d 1stancrn no
na qual se observa o ressurgimento de identidades étnicas movi·d c
,
�.LJ__L-
munidade e a '-::� 1
dai enti. a e re ativamen e
u
c Lil.i.u<'�

e nacionais em conflito, fazendo com que as identidades ernativa, pode levar a uma resistencia que pode
. A •

e arm a . . .
�: existentes entrassem em colapso. Nesta seção? examinare­ fortalecer e 1.eafinnar algumas
identidades nac10na is e 1ocais
. � mo� uma série de....iliferentes coniextQs nos quais questõe� . .
s posições de identidade.
-,.-p; sobre identidade e crise de identidade se tornaram centrais. ou levar ao surgimento de nova
Examinaremos, assim, a globalização e os processos associa­ As mudanças na economia global têm produzido m�a
Isso ocone nao
dos com mudanças globais, incluindo questões sobre histó­ dispersa- o das demandas ao redor do mundo.
e
ria, mudança social e movimentos políticos. apenas em termos de bens e serviços, mas tamb,em d,
mercados de h·abalho ·g-;migração. dos traba lh a d ores nao
_ e,
Alguns autores recentes argumentam que as "crises de _ , .
· ente, nova, mas a globalizaçao esta estreitamente
obviam
identidade" são características da modernidade tardia e que
associada à aceleração da migração. Motivadas pela neces-
sua centralidade atual só faz. sentido quando vistas no con­
sidade econômica, as pessoas têm se espalhado pelo globo,
texto das transformações globais que têm sido definidas
de forma que "a migração inte�·nacional é parte de _urna
como características da vida contemporânea (Giddens,
volução transnacional que esta remodelando as socieda­
1990). Kevin Robins, por exemplo, argumenta que o fenô­
�:s e a política ao redor do globo" (Castles e Mille1� 1993,
meno da globalização envolve uma extraordinária transfor­
p. 5). A migração tem impactos tanto sobre o país de origem
mação. Segundo ele, as velhas estruturas dos estados e das
quanto sobre o país de destino. Por exemplo, como resultado
comunidades nacionais entraram em colapso, cedendo lu­
do processo de imigração, muitas cidades européias apre­
gar a uma crescente "transnacionalização da vida econômica
sentam exemplos de comunidades e culturas diversificadas.
e cultural" (Robins, 1997). A globalização envolve uma
Existem, na Grã-Bretanha, muitos desses exemplos, in­
interação entre fatores econômicos e culturais, causando
cluindo comunidades asiáticas em Bradford e Leicester, e
mudanças nos padrões de produção e consumo, as quais,
partes de Londres, tais como Brixton, ou em St. Paul' s, em
por sua vez, produzem identidades novas e globalizadas.
Bristol. A migração produz identidades plurais, mas tam­
Essas novas identidades, caricaturalmente simbolizadas,
bém identidades contestadas, em um processo que é carac­
às vezes, pelos jovens que c omem hambúrgueres do
terizado por grandes desigualdades. A migração é um
McDonald's e que andam pela rua de Walkman, formam
processo característico da desigualdade em termos de de­
um grupo de "consumidores globais" que podem ser en-,
senvolvimento. Nesse processo, o fator de "expulsão" dos
c entrados em qualquer lugar do mundo e que mal se distin­
países pobres é mais forte do que o fator de "atração" das
guem entre si. O desenvolvimento global do capitalismo não

>
sociedades pós-industriais e tecnologicamente avançadas.
é, obviamente, novo, mas o que caracteriza sua fase mais

(
O movimento global do capital é geralmente muito mais
recente é a convergência de culturas e estilos de vida nas
livre que a mobilidade do trabalho.
sociedades que, ao redor do mundo, são expostas ao seu
impacto (Robins, 1991).

20 21
/11 I q 1 /J-Ç4-0
/i::ssa dispersão das pessoas ao redor do globo produz
identidades que são moldadas e localizadas em diferentes . Uru·do, uma nostalgia por uma "inglesidade" mais. cultu-
Remo
a e nos Estados Uru·dos, um movimento
lugares e por diferentes lugares. Essas novas identidades ralmente hornogêne , . ,,
reto m O aos "velhos e bons valores da .e.
1ainíliaº amencana .
p�em ser desestabili�adas, mas também desest�bilizado­ por um . .
_
No Reino Unido, os movimentos na�10nahst�s_ten:1 lut�-
A

ra:J O conceito de diaspora (Paul G1lroy, 1997) e um dos


conceitos que nos permite compreender algumas dessas do para afiu.mai· sua identidad
e por me10 da re1vmd1caçao
identidades - identidades que não têm uma "pátria" e que de sua própria língua, como, por exemplo, no caso, do Pl�id
não podem ser simplesmente atribuídas a uma única fonte. Cymru, no País de Gales. Ao mesmo tempo que ha a reafn·-
, . ,, .
A noção de "identidade em crise" também serve para maçao- de uma nova__"identida,d.e europeia , por me10 do
analisar a desestabilização que se seguiu ao colapso da ex­ pertenc1·mento à Umao Europeia, travam-se . 1utas pe1o. 1e- .
conhecimento de identidades étnicas no interior dos antigos
União Soviética e do bloco comunista do Leste Europeu,
causando a afirmação de novas e renovadas identidades étnic� estados-nação, tais como a antiga Iugosl'avia. . para 1·d 1 ar com
fr gment ação do presente, algumas comunidades buscam
e a busca por identidades supostamente perdidas. O colapsq
do comunismo, em 1989, na Europa do Leste e na ex-l)nião :et:mar a um passado perdido, "ordenado.. : por len_d�s e
Soviética, teve importantes repercussões no campo das lutas e paisagens, por histórias de eras de ouro, antigas trad1çoes,
dos compromissos políticos. O comunismo simpksmente dei­ por fatos heróicos e destinos dramáticos localizados em
. . ,,
terras prometidas, cheias de paisagens e locais sagrados...
xava de existir como um ponto de referência na definição de
(Daniels, 1993, p. 5).
posições políticas. Para preencher esse vazio, têm ressurgido
na Europa Oriental e na ex-União Soviética formas antigas O passado e o presente exercem um importante papel
de identificação étnica, religiosa e nacional. nesses eventos. A contestação no presente busca justificação
para a criação de novas - e futuras - identidades nacionais,
,,. Já na Europa pós-colonial e nos Estados Unidos, tanto
evocando origens, mitologias e fronteiras do passado. Os
os povos que foram colonizados quanto aqueles que os
atuais conflitos estão, com freqüência, concentrados nessas
colonizaram têm respondido à diversidade do multicul­
fronteiras, nas quais a identidade nacional é questionada e
turalismo por meio de uma busca renovada de certezas
contestada. A desesperada produção de uma cultura sérvia
étnicas. Seja por meio de movimentos religiosos, seja por
unificada e homogênea, por exemplo, leva à busca de uma
meio do exclusivismo cultural, alguns grupos étnicos têm
identidade nacional que corresponda a um local que seja
reagido à sua marginalização no interior das sociedades
percebido como o território e a "terra natal" dos sérvios.
"hospedeiras" pelo apelo a uma enérgica reafirmação de
Mesmo que se possa argumentar que não existe nenhuma
suas identidades de origem. Essas contestações estão liga­
identidade fixa, sérvia ou croata, que remonte à Idade
das, em alguns países, a afiliações religiosas, tais como o
Média (Malcolm, 1994) e que poderia ser agora ressuscita­
islamismo na Europa e nos Estados Unidos e o catolicismo

(
da, as pessoas envolvidas nesse processo comportam-se
romano e o protestantismo na Irlanda do Norte. Por outro
como se ela existisse e expressam um desejo pela restaura­
lado, os grupos dominantes nessas sociedades também estão
ção da unidade dessa comunidade imaginada. Benedict
em busca de antigas certezas étnicas - há, por exemplo, no
Anderson (1983) titiliza essa expressão para desenvolver o
�� hAvm1AA,.·_ . .Y
22 -�
23
argumento de que a identidade nacional é inteiramente
� dades nacio nais .e étnicas. Mes-
dependente da idéia que fazemos dela. Uma vez que não çao e manutença�o das identi stroem
identidade s atuais recon
seria possível conhecer todas aquelas pessoas que partilham mo que o Passado que as . .
· ele proporc10na alguma
de nossa identidade nacional, devemos ter uma idéia parti­ seJa, sempi·e, apenas imagmado' .
a ça, fl�idez e �rescente
lhada sobre aquilo que a constitui. A diferença entre as di­ certeza em um clima que é de mud �
-
mcer teza· As identidades em conflit o estao localizadas no
versas identidades nacionais reside, portanto, nas diferentes , .
e omicas, mu-
interior de mudanças sociais, pohticas econ
A •

formas pelas quais elas são imaginadas. dades que


danças para as quais elas contribuem. As identi
s
No mundo contemporâneo, essas "comunidades imagi­ são construídas pela cultura são contestadas sob forma
nadas" estão sendo contestadas e reconstituídas. A idéia de articulares no mundo conte mpor âneo - num mund o que
uma identidade européia, por exemplo, defendida por par­ �e pode chamar de pós-colonial. _Este é umperíodo histórico
tidos políticos de extrema direita ' surgiu' recentemente' caracterizado, entretanto, pelo colapso das velhas çertezas
como uma reação à suposta ameaça do "Outro". Esse "Ou- e pela produção de novas formas de posicionamento. O que
tro" muito freqüentemente se refere a trabalhadores da éímportante para nossos propósitos aqui é reconhecer que
África do N arte (Marrocos, Tunísia e Argélia), os quais são a luta e a contestação estão concentradas na construÇ.ã.o
representados como uma ameaça cuja origem estaria no seu CUftural de identidades, tratando-s e de um fenômeno que�
suposto fundamentalismo islâmico. Essa atitude é, cada vez �endo em uma variedade d e diferentes contextos.
mais, encontrada nas políticas oficiais de imigração da Enquanto, nos anos 70 e 80, a luta política era descrita e
União Européia (King, 1995). Podemos vê-la como a proje­ teorizada em termos de ideologias em conflito, ela se carac­
ção de uma nova forma daquilo que Edward Said (1978) teriza agora, mais provavelmente, pela competição e pelo
chamou de "orientalismo" - a tendência da cultura ocidental conflito enh·e as diferentes identidades, o que tende a re­
a produzir um conjunto de pressupostos e representações forçar o argumento de que existe uma crise de identidade
sobre o "Oriente" que o constrói como uma fonte de no mundo contemporâneo.
fascinação e perigo, como exótico e, ao mesmo tempo, amea­
çador. Said argumenta que as representações sobre o Orien­ 2.1. Histórias
te produzem um saber ocidental sobre ele - um fato que
Os conflitos nacionais e étnicos parecem ser caracteri­
diz mais sobre os medos e as ansiedades ocidentais do que
zados por tentativas de recuperar e reescrever a história,
sobre a vida no Oriente e na África do Narte. As atuais
como vimos no exemplo da antiga Iugoslávia. A afirmação
construções do Oriente têm se concentr ado num suposto
política das identidades exige alguma forma de �ica-
fundamentalismo islâmico, o qual é consh·uído - "demoni­
çacC"Muito freqüentemente, essa autenticação , a_ pm:._..,
zado" seria o termo mais apropriado - como a principal e
· meio a reivin icação da história o grupo cultural em
nova ameaça às tradições liberais. ---: 7 -::-
_ _ _ _ -, ' _ d...... _ _ "
- - -
questão. Esta seç-=ão...::.estará concen tr a a nas quest
__, �
-:=--=,..,-::,---=ar=

As mudanças e transformações globais nas estruturas �esse processo. Pode-se perguntai� primeiramente:
políticas e econômicas no mundo contemporâneo colocam existe uma verdade histórica única que possa ser recupera­
em relevo as questões de identidade e as lutas pela afirma- da? Pensemos sobre o passado que a indústria que explora

24 25
uma suposta herança inglesa reproduz por meio da venda partilhados e signif�cados contestados, entre valores e
de mansões que representariam uma história passada au­ recursos materiais? E preciso afirmar nossas densas pecu­
liaridades, nossas diferenças vividas e imaginadas. Mas
tenticamente inglesa. Pensemos também nas representa­ podemos nos permitir deixar de examinar a questão de
ções que a mídia faz desse presumido e autêntico passado como nossas diferenças estão entrelaçadas e, na verdade,
como, por exemplo, nos filmes baseados nos romances de hierarquicamente organizadas? Podemos nós, em outras
Jane Austen. Há um passado inglês autêntico e único que palavras, realmente nos permitir ter histórias inteiramente
possa ser utilizado para sustentar e definir a "inglesidade" diferentes, podemos nos conceber como vivendo - e tendo
vivido - em espaços inteiramente heterogêneos e separa­
como sendo a identidade do final do século XX? A "indús­
dos? (Mohanty, 1989, p. 13).
tria" da herança parece apresentar apenas uma e única
versão. Em segundo lugai� qual é a história que pesa - a ,As histórias são realmente contestadas e isso ocorre,
história de quem? Pode haver diferentes histórias. Se exis­ sobretudo, na luta política pelo reconhecimento das identi­
tem diferentes versões do passado, como nós negociamos dades. Em seu ensaio "Identidade cultural e diáspora"
entre elas? Uma das versões do passado é aquela que mostra (1990), Stuart Hall examina diferentes concepções de iden­
a Grã-Bretanha como um poder imperial, como um poder tidade cultural, procurando analisar o processo pelo qual se
que exclui as experiências e as histórias daqueles povos que busca autenticar uma determinada identidade por meio da
a Grã-Bretanha colonizou. Uma história alternativa ques­ descoberta de um passado supostamente comum.
tionaria essa descrição, mostrando a diversidade desses Ao afirmar uma determinada identidade, podemos bus­
grupos étnicos e a pluralidade dessas culturas. Tendo em car legitimá-la por referência a um suposto e autêntico
vista essa pluralidade de posições, qual herança histórica passado-possivelmente um passado glorioso, mas, de qual­
teria validade? Ou seríamos levados a uma posição relativis­ quer forma, um passado que parece "real" - que poderia
ta, na qual todas as diferentes versões teriam uma validade validar a identidade que reivindicamos. Ao expressar de­
igual, mas separada? Ao celebrar a diferença, entretanto, mandas pela identidade no presente, os movimentos naciona­
não haveria o risco de obscurecer a comum opressão eco­ listas, seja na antiga União Soviética seja na Europa Oriental,
nômica na qual esses grupos estão profundamente envolvi­ ou ainda na Escócia ou no País de Gales, buscam a validação
dos? S.P. Mohanty utiliza a oposição entre "história" e do passado em teimas de tenitório, cultura e local. Stua1t Hall
"histórias" para argumentar que a celebração da diferença analisa o conceito de "identidade cultural", utilizando o exem­
poderia levar a ignorar a natureza estrutural da opressão: plo das identidades da diáspora negra, baseando-se, empi­
A pluralidade é, pois, um ideal político tanto quanto um ricamente, na representação cinematográfica.
slogan metodológico. Mas há uma questão incômoda que
Nesse ensaio, Hall toma como seu ponto de partida a
precisa ser resolvida. Corno podemos negociar entre mi­
nha história e a sua? Como seria possível para nós recupe­ questão de quem e o que nós representamos quando fala­
rar aquilo que ternos em comum, não o mito humanista mos. Ele argumenta que o sujeito fala, sempre, a partir de
dos atributos humanos que partilharíamos e que suposta­ uma posição histórica e cultural específica. Hall afirma que
mente nos distinguiriam dos animais, mas, de forma mais há duas formas diferentes de se pensar a identidade cultural.
imp01tm1te, a intersecção de nossos vários passados e nossos A primeira reflete a perspectiva já discutida neste capítulo,
vários presentes, as inevitáveis relações entre significados

26 27
na qual uma determinada comunidade busca recuperar a bais na economia como, por exemplo, as transfmmações nos
"verdade" sobre seu passado na "unicidade" de uma história adrões de produção e de consumo e o deslocamento do
e de uma cultura partilhadas que poderiam, então, ser re­ fnvestimento das indústrias de manufatura para o setor de
presentadas, por exemplo, em uma forma cultural como o serviços têm um impacto local. Mudanças na estrutura de
filme, para reforçar e reafirmar a identidade - no caso da classe social constituem uma característica dessas mudan­
indústria da herança, a "inglesidade"; no exemplo de Hall, ças globais e locais. d.J�J-"�.J4
a "caribenhidade". A segunda concepção de identidade
As crises globais da identidade têm a ver com aquilQ_gue
cultural é aquela que a vê como "uma questão tanto de
Ern�to Laclau chamou de deslocamento. As sociedades
'tornar-se' quanto de 'ser"'. Isso não significa negar que a
m�dernas, ele argumenta, nao tem qualquer núcleo ou cen­
identidade tenha um passado, mas reconhecer que, ao rei­
tro determinado que produza identidades fixas, mas, em vez
vindicá-la, nós a reconstruímos e que, além disso, o passado
disso, uma pluralidade de centros. Houve um deslocamertto
sofre uma constante transformação. Esse passado é parte de
dos centros. Pode-se argumentar que um dos centros que
uma "co- munidade imaginada", uma comunidade de sujei­
foi deslocado é o da classe social, não a classe como uma
tos que se apresentam como sendo "nós". Hall argumenta
simples função da organização econômica e dos proces�os
em favor do reconhecimento da identidade, mas não de uma
de produção, mas a classe como um determinante de todas
identidade que esteja fixada na rigidez da oposição binária,
as outras relações sociais: a classe como a categoria "mestra",
tal como as dicotomi� "nós/eles", ou "sérvios/croatas", no que é como ela é descrita nas análises marxistas da estrutura
_
exemplo de Ignatieff.lEJe sugere que, embora seja construí­ social. Laclau argumenta que não existe mais uma única
do por meio da diferença, o significado não é fixo, e utiliza, força, determinante e totalizante, tal como a classe no para­
para explicar isso, o conceito de, dijférance de Jacques digma marxista, que molde todas as relações sociais, mas,
Derrida. Segundo esse autor, o significaao é sempre diferido em vez disso, uma multiplicidade de centros. Ele sugere
ou adiado; ele não é completamente fixo ou completo, de não somente que a luta de classes não é inevitável, mas que
forma que sempre existe algum deslizamento. A posição de não é mais possível argumentar que a emancipação social
Hall enfatiza a fluidez da identidade. Ao ver a identidade esteja nas mãos de uma única classe. Laclau argumenta que
como uma questão de "tornar-se", aqueles que reivindicam isso tem implicações positivas porque esse deslocamento
a identidade não se limitariam a ser posicionados pela indica que há muitos e diferentes lugares a partir dos quais
identidade: eles seriam capazes de posicionar a si próprios novas identidades podem emergir e a partir dos quais novos
e de reconstruir e transformar as identidades históricas, sujeitos podem se expressar (Laclau, 1990, p. 40). As vanta­
�erdadas de um suposto passado comum. � � gens desse deslocamento da classe social podem ser ilustra­
das pela relativa diminuição da importância das afiliações
·G.2.
/
�anças saciai?;) baseadas na classe, tais como os sindicatos operários e o
Não estão ocorrendo mudanças apenas nas escalas glo­ surgimento de outras arenas de conflito social, tais como as
bal e nacional e na arena política. A formação da identidade baseadas no gênero, na "raça", na etnia ou na sexualidade.
ocorre também nos 1úveis "local" e pessoal. As mudanças glor

28 29
Os indivíduos vivem no interior de um grande número Existe, em suma, na vida moderna, uma diversidade de
de diferentes instituições, que constituem aquilo que Pierre osições que nos estão disponíveis - posições que podemos
Bourdieu chama de "campos sociais", tais como as famílias, �cupar ou não. Parece difícil separar algumas dessas iden­
os grupos de colegas, as instituições educacionais, os grupos tidades e estabelecer fronteiras entre elas. Algumas dessas
de h·abalho ou partidos políticos. Nós participamos dessas identidades podem, na verdade, ter mudado ao longo do
instituições ou "campos sociais", exercendo graus variados tempo. As formas como representamos a nós mesmos -
de escolha e autonomia, mas cada um deles tem um contexto como mulheres, como homens, como pais, como pessoas
material e, na verdade, um espaço e um lugar, bem como trabalhadoras - têm mudado radicalmente nos últimos anos.
um conjunto de recursos simbólicos. Por exemplo, a casa é Como indivíduos, podemos passar por experiências de frag­
o espaço no qual muitas pessoas vivem suas identidades mentação nas nossas relações pessoais e no nosso trabalho.
familiares. A casa é também um dos lugares nos quais somos Essas experiências são vividas no contexto de mudanças
espectadores das representações pelas quais a mídia produz sociais e históricas, tais como mudanças no mercado de
determinados tipos de identidades - por exemplo, por meio h·abalho e nos padrões de emprego. As identidades e as
da narrativa das telenovelas, dos anúncios e das técnicas de lealdades políticas também têm sofrido mudanças: lealda­
venda. Embora possamos nos ver, seguindo o senso comum, des tradicionais, baseadas na classe social, cedem lugar à
como sendo a "mesma pessoa" em todos os nossos diferentes concepção de escolha de "estilos de vida" e à emergência
encontros e interações, não é difícil perceber que somos da "política de identidade". A etnia e a '\aça", o gênero, a
diferentemente posicionados, em diferentes momentos e sexualidade, a idade, a incapacidade física, a justiça social e
em diferentes lugares, de acordo com os diferentes papéis as preocupações ecológicas produzem novas formas de
sociais que estamos exercendo (Hall, 1997). Diferentes con­ identificação. As relações familiàres também têm mudado,
textos sociais fazem com que nos envolvamos em diferentes especialmente com o impacto das mudanças na estrutura do
significados sociais. Consideremos as diferentes "identida­ emprego. Tem havido mudanças também nas práticas de
des" envolvidas em diferentes ocasiões, tais como participar trabalho e na produção e consumo de bens e serviços. É
de uma entrevista de emprego ou de uma reunião de pais igualmente notável a emergência de novos padrões de vida
na escola, ir a uma festa ou a um jogo de futebol, ou ir a um doméstica, o que é indicado pelo crescente número de lares
centro comercial. Em todas essas situações, podemos nos chefiados por pais solteiros ou por mães solteiras bem corno
sentir, literalmente, como sendo a mesma pessoa, mas nós pelas taxas elevadas de divórcio. As identidades sexuais
somos, na verdade, diferentemente posicionados pelas di­ também estão mudando, tornando-se mais questionadas e
ferentes expectativas e restrições sociais envolvidas em cada ambíguas, sugerindo mudanças e fragmentações que po­
uma dessas diferentes situações, representando-nos, diante dem ser descritas em termos de uma crise de identidade.
dos outros, de forma diferente em cada um desses contextos. A complexidade da vida moderna exige que assumamos
Em um certo sentido, somos posicionados - e também po­ diferentes identidades, mas essas diferentes identidades
sicionamos a nós mesmos - de acordo com os "campos so­ podem estar em conflito. Podemos vivei� em nossas vidas
ciais" nos quais estamos atuando. pessoais, tensões entre nossas diferentes identidades quan-

30 31
do aquilo que é exigido por uma identidade interfer troles e
as ex1gencrns de uma outra. U m exemp1o e, o conflit o.
ec m
o cont. exto ou campo cultural tem ,seus con
oe "·1magm
· ano· " ; 1s· to e', suas
ctat1vas, bem como seu
· A .

tente entre nossa identidade como pai ou mãe e nossa XIS-


ide zação. Como sugere Lorde, os
tidade como assalariado/a. As demandas de uma interfe n. ssas de prazer e reali
ade e os discursos racis-
com as demandas da outra e, com freqüência, se co
rem ostos sobi·e hete. rossexualid · .· ,, ·
. a, 1:0
ntradi. algumas famí lias o acesso a esse "1m�gin
zem.Para ser um "bom pai" ou uma "boa mãe", dev a
e mo
estar disponíveis para nossos filhos, satisfazendo suas ne s il stra
u m ªa relação entre O social e o simbólico. E poss1vel
da forma que Lorde descreve
sidades, mas nosso empregador também pode exigir
ces­ os soc1·almente excluídos .
diferentes.?
total comprometimento.A necessidade de ir a uma reu
nosso sennos Sl·mbolicamente marcados como .
I·da-
de pais na escola do filho ou da filha pode entrar em con
nião ráti. ca social é simbolicamente marcada.As 1dent ..
tanto nos contextos s��rnis
com a exigência de nosso empregador para que trabalh
flito são diversas e cambiantes,
e­ quai· s elas são vividas quanto nos sistem as simbohcos
mos até mais tarde. , . --
me10 . dos quais damos sentido a nossas propnas pos1çoes.
s
Outros conflitos surgem das tensões entre as expecta
ti­ ilustração disso é o surgimento dos chamados "novo
lutas
vas e as normas sociais. Por exemplo, espera-se que as mães · entos sociais", os quais têm se concentrado em
sejam heterossexuais. Identidades diferentes podem se tomo da identidade. Eles têm se caracte rizado por
r
construídas como "estranhas" ou "desviantes". Audre Lorde arem O apagamento das fronteiras entre o pessoal e o
escreve: "Como uma mãe - feminista socialista, lésbica, · co, para adaptar o slogan feminista.
negra, de 49 anos - de duas crianças, incluindo um menino
,
e como membro de um casal inter-racial, com muita fre- Os "novos movimentos sociais": o pessoal é político
qüência vejo-me como pertencendo a um grupo definido
como estranho, desviante ou inferior ou simplesmente er­ De acordo com Jeffrey Weeks, tem havido um
rado" (1992, p. 47). Pode parecer que algumas dessas iden­ ativo repensar da política, sob o impacto dos novos mo�i­
mentos sociais e da política de identidade da geraçao
tidades se refiram principalmente a aspectos pessoais da passada, com suas lutas em torno da raça e da etnia, do
vida, tal como a sexualidade. Entretanto, a fmma como gênero, da política lésbica e gay, do ambientalismo e da
vivemos nossas identidades sexuais é mediada pelos sig­ política do HIV e da AIDS (Weeks, 1994, p. 4).
nificados culturais sobre a sexualidade que são produzi­ Esses "novos movimentos sociais" emergiram no Oci­
dos por meio de sistemas dominantes de representação. e nos anos 60 e, especialmente, após 1968, com a
Independentemente de como Lorde decida afirmar sua lião estudantil, o ativismo pacifista e antibélico e as
identidade, por exemplo como mãe, sua escolha é cons­ pelos direitos civis.Eles desafiaram o establishrnent e
trangida pelos discursos dominantes sobre a heterossexua­ hierarquias burocráticas, questionando principalmen­
lidade e pela hostilidade freqüentemente vivida por mães políticas "revisionistas" e "estalinistas" do bloco sovié­
lésbicas.Lorde cita uma gama de diferentes contextos nos e as limitações da política liberal ocidental. As lealda­
quais sua identidade é construída ou negociada - seria políticas tradicionais, baseadas na classe social, foram
melhor dizer "suas identidades". estionadas por movimentos que atravessam as divisões

32 33
de classe e se dirigiam às identidades particulare
s de se s elas, como uma espécie de
sustentadores. Por exemplo, o feminismo se diri
gia espe igualmente a toda
eys, 1985).
ficamente às mulheres, o movimento dos direitos
civis d :trans-histórica (Jeffr . .
negros às pessoas negras e a política sexual às s essencI is
·al· tas da políti ca de identidade po­
pes ecto . 0- es de algumas das participantes
lésbicas e gays. A política de identidade era o que so il strados pelas vis
u
defi · to pela Paz, de Greenham .
2
esses movimentos sociais, marcados por uma p en tos d o Mov imen
reocupa Pam. . , ·
os misseis
ção profunda pela identidade: o que ela signific
a, com art ici pa ntes daquela campanha contra , .
P
ela é produzida e como é contestada. A política
de iden os afinnavam represe ntar as caractensticas essen-
. . o com o outro e do
tidade concentra-se em afirmar a identidade cultu
ral te femm m as da preocupaçã -
essa .
pos1ça o como um " confior-
pessoa s que pertencem a um determinado grupo
oprimi o · Outras cn··ti·caram -
. parte da construçao
corn O pnnc1,p1 0 maternal que faz
do ou marginalizado. Essa identidade torna-se, assi .
m, u .e . .
fator importante de mobilização política. Essa pol
íti ôo pape1 da mulher' um princípio que o 1emm1smo
envolve a celebração da singularidade cultural questio . nar ,, (Delmar, 1986' p. 12). . De _forma s1m1 . ·1ar,
de um as afirma çoes de que a
determinado grupo, bem como a análise de sua opre
ssão tentativa de questionar
específica. Pode-se apelar à identidade, entretanto, de
duas seXU al·d I ade é anormal ou imoral, tem-se apelado a
formas bastante diferentes. . ent'ficos que confirmariam que a ·d 1 ent1·dade gay
os c1 1
gicamente determinada.
Por um lado, a celebração da singularidade do grupo, . . ,,
que é a base da solidariedade política, pode se traduzir em outro lado, alguns dos "novos movimentos sociais ,
afirmações essencialistas. Por exemplo, tomando como base do o movimento das mulher�s, tê� adotado m�na _
a identidade e as qualidades singulares das mulheres, al guns não-essencialista com respeito a identidade. El�s te:11
grupos feministas têm argumentado em favor de um sepa­ 0 que as identidades são fluidas, que elas nao sao
_
ratismo relativamente aos homens. Existem, obviamente, fixas, que elas não estão presas a �erenças que
diferentes formas de compreender e definir essa "singula­ permanentes e valeliam para todas as epocas (�ee�s,
Alguns membros dos "novos movimentos soc1rus _
em
ridade". Ela pode envolver apelos a características biologi­
·cado O direito de conshuir e assumir a responsab1hda­ . �
camente dadas da identidade como, por exemplo, a afir­
mação de que o papel biológico das mulheres como mães as suas próprias identidades. Por exemplo, as mul�er�s
torna inerentemente mais altruístas e pacíficas. Ou pode se têm lutado pelo reconhecimento de sua propna
basear em apelos à história quando, por exemplo, as mulhe­ de luta no interior do movimento feminista, resistin­
res buscam estabelecer uma história exclusiva das mulhe­ sim, aos pressupostos de um movimento de mulheres
res, reivindicando, nos países de fala inglesa, uma "hers­ o na categoria unificada de "mulher" que, implicita-
e, inclui apenas as mulheres brancas (Aziz, 1992).
tory" (Daly, 1979), que os homens teriam reprimido. I sso
implicaria, segundo esse argumento, a existência de uma guns elementos desses movimentos têm questionado,
cultura exclusiva das mulheres - haveria, ao longo da histó­ cularmente, duas concepções que pressupõem o cará­
ria, algo fixo e imutável na posição das mulheres que se o da identidade. A primeira está baseada na classe
, constituindo o chamado "reducionismo de classe".

34 35
r
l) ,' .2 � f/lt)
C( � � -. -

Essa concepção baseia-se na análise que Marx fez da relação que têm sido mantidas "fora da história" (Rowbotham , 1973)
entre base e superestrutura, na qual as relações sociais são ou que têm ocupado espaços às margens da sociedade.
vistas como determinadas pela base material da sociedade
O segundo desafio de alguns dos "novos movimentos
argumentando-se, assim, que as posições de gênero pode�
sociais" tem consistido em questionar o essencialismo da iden­
ser "deduzidas" das posições de classe social. Embora essa
tidade e sua fixidez como algo "natural", isto é, como uma
análise tenha o apelo de uma relativa simplicidade e da
categoria biológica. A política de identidade não "é uma luta
ênfase na importância dos fatores econômicos materiais
entre sujeitos naturais; é uma luta em favor da própria expres­
como determinantes centrais das posições sociais, as mu­
são da identidade, na qual permanecem abe1ias as possibilida­
danças sociais recentes colocam essa visão em questão.
des para valores políticos que podem validar tanto a
Mudanças econômicas tais como o declínio das indústrias
diversidade quanto a solidariedade" (Weeks, 1994, p. 12).
de manufatura pesada e as transformações na estrutura do
.,, Weeks argumenta que uma das principais conhibuições da
mercado de trabalho abalam a própria definição de classe
política de identidade tem sido a de consh1.ür uma política da
operária, a qual, tradicionalmente, supõe operários mascu­
diferença que subve1ie a estabilidade das categmias biológicas
linos, industriais e de tempo integral. As identidades basea­
e a conshução de oposições bináiias. Ele argumenta que os
das na "raça", no gênero, na sexualidade e na incapacidade
"novos movimentos sociais" historicizaram a experiência,
física, por exemplo, atravessam o pertencimento de classe.
enfatizando as diferenças entre grupos marginalizados
O reconhecimento da complexidade das divisões sociais
como uma alternativa à "universalidade" da opressão.
pela política de identidade, na qual a "raça", a etnia e o gê-
nero são centrais, tem chamado a atenção para outras divi­ Isso ilustra duas versões do essencialismo identitário. A
sões sociais, sugerindo que não é mais suficiente argumen­ · primeira fundamenta a identidade na "verdade" da tradição
tar que as identidades podem ser deduzidas da posição de e nas raízes da história, fazendo um apelo à "realidade" de
classe (especialmente quando essa própria posição de classe um passado possivelmente reprimido e obscurecido, no
está mudando) ou que as fonnas pelas quais elas são repre­ qual a identidade proclamada no presente é revelada como
sentadas têm pouco impacto sobre sua definição. Como ar­ um produto da histó1:ia. A segunda está relacionada a uma
gumenta Kobena Mercer: "Em termos políticos, as identi­ categoria "natural", fixa, na qual a "verdade" está emaizada
dades estão em c1ise porque as eshuturas h-adicionais de per­ na biologia. Cada uma dessas versões envolve uma crença
tencimento, baseadas nas relações de classe, no partido e na na existência e na busca de uma identidade verdadeira. O
nação-estado têm sido questionadas" (Mercer, 1992, p. 424). essencialismo pode, assim, ser biológico e natural, ou histó­
A política de identidade tem a ver com o recrutamento de rico e cultural. De qualquer modo, o que eles têm em
sujeitos por meio do processo de formação de identidades. comum é uma concepção unificada de identidade.
Esse processo se dá tanto pelo apelo às identidades hege­
mónicas - o consumidor soberano, o cidadão patriótico - 2. 4. Swnário da seção 2
quanto pela resistência dos "novos movimentos sociais", ao Nossa discussão apresentou v1soes diferentes e fre­
colocar em jogo identidades que não têm sido reconhecidas, qüentemente contraditórias sobre a identidade. Por um lado,

36 37
a id , · ta como tendo algum núcleo essencial que
Argumentei, nesta seção, que a identidade importa por­

---
distinguiria um grupo e outro. Por outro, a identida e é
que existe uma crise da identidade, globalmente, localmen-
. .
'7ista como contingente; isto é, como� uto e uma in­
te , pessoalmente e politicamente. Os processos hist'oncos
te· es co�one ntes de discursos políticos - de certas i·den-
que, aparentemente, sustentavam a f·ixaçao
e culturais e .ck_histórias particulares. A identi a e contin- i entl·dades est-ao
l
tidades estão entrando em co apso e novas ·d
gente coloca problemas para os movimentos sociais em
sendo forjadas, muitas vezes por 1;1�io da l�ta e �a conte �­
termos de projetos políticos, especialmente ao afirmar a
tação política. As dimensões pohticas da identidade tais
solidariedade daqueles que pertencem àquele movimento
como se expressam, por exemplo, "
nos conflitos nacionais e
. . . ,,
específico. Para nos contrapor às negações sociais dominan­ étnicos e no crescimento dos novos movimentos sociais ,
tes de uma determinada identidade, podemos desejar re­ estão fortemente base adas na construção da diferença.
cuai� por exemplo, às aparentes ce rtezas do passado, a fim
de afirmar a força de uma identidade coerente e unificada. Como vimos no exemplo de Ignatieff, no início deste
Como vimos no caso das identidades nacionais e étnicas, é capítulo, as identidades são fortemente questio�adas. Tam­
tentador - em um mundo cada vez mais fragmentado e em bém vimos que, muito freqüentemente, elas estao baseadas
resposta ao colapso de um conjunto determinado de certe­ em uma dicotomia do tipo ':nós-=e eles". A marcação da
zas - afirmar novas verdades fundamentais e apelar a raízes diferença é crucial no rocesso de construção das posições
anteriorme nte negadas. Assim, em uma política de identi­ de identi ade . A diferença é reproduzida por meio de
dade, o projeto político deve certamente ser reforçado por sistemas simbólicos (envolvendo até mesmo os cigarros
algum apelo à solidariedade daqueles que "pertencem" a fumados pelos lados em conflito, no exemplo de Ignatie :ff).
um grupo oprimido ou marginalizado. A biologia forne ée A antropóloga Maiy Douglas argumenta que a marcaçã�da
uma das fontes dessa solidariedade; a busca universal, trans- diferença é a base da cultura porque as coisas - e as pessoas
_ ganham sentido por me io da atribuição de difefentes
l_Jstórica, de raízes e laços culturais fornece uma outra. posições em um sistema classificatório (Hall, 19976). Isso
As identidad são xoduzidas em momentos particula­ nos leva à próxima que stão deste capítulo: por meio de quais
res no tempo. Na discussão sobre mudanças globais, iden- processos os significados são produzidos e de que forma a
�ais e étnicas re ssurgentes e renegociadas e diferença é marcada em relação à identidade?
r
sobre os desafios dos "novos movimentos sociais" e das
novas definições das identidades pessoais e se xuais, sugeri 3. Como a diferença é marcada em relação à iden­
que as identidades são contingentes, emergindo em mo­ tidade?
mentos históricos particulares. Alguns elementos dos "no­
vos movimentos sociais" questionam algumas das ten­ 3.1. Sistemas classificatórios
dências à fixação das identidades da "raça", da classe, do
As identidades são fabricadas por meio da marcação da
gênero e da sexualidade, subvertendo certezas biológicas,
diferença. Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio
enquanto outros afirmam a primazia de certas caraéterísti­
de sistemas simbólicos de representação quanto por meio
cas conside radas esse nciais.
de formas de exclusão social. A identidade, pois, não é o

38 39
oposto da diferença: a identidade depende da diferença. Nas partido na mesa da comunhão, torna-se sagrado, podendo
relações sociais, essas formas de diferença -a simbólica e a simbolizar o corpo de Cristo. A vida social em geral, argu­
social - são estabelecidas, ao menos em parte, por meio mentava Durkheim, é estruturada por essas tensões entre o
de sistemas classificatórios. Um sistema classificatório sagrado e o profano e é por meio de rituais como, por
aplica um princípio de diferença a uma população de uma exemplo, as reuniões coletivas dos movimentos religiosos
forma tal que seja capaz de dividi-la (e a todas as suas ou as refeições em comum, que o sentido é produzido. É
características) em ao menos dois grupos opostos - nesses momentos que idéias e valores são cognitivamente
nós/eles (por exemplo, servos e croatas); eu/outro. Na apropriados pelos indivíduos:
argumentação do sociólogo francês Émile Durkheim, é A religião é algo eminentemente social. As representações
por meio da organização e ordenação das coisas de acordo religiosas são representações coletivas que expressam rea­
com sistemas classificatórios que o significado é produzido. lidades coletivas; os ritos são uma maneira de agir que
Os sistemas de classificação dão ordem à vida social, sendo ocorre quando os grupos se reúnem, sendo destinados a
estimulai; manter ou recriar ce1ios estados mentais nesses
afirmados nas falas e nos rituais. De acordo com o argumen­ grupos (Durkheim, citado em Bocock e Thompson, 1985,
to de Durkheim, em As formas elementares da vida religio­ p. 42).
sa, "sem símbolos, os sentimentos sociais teriam uma
O sagrado, aquilo que é "colocado à pmte", é definido e
existência apenas precária" (Durkheim, 1954/1912, citado
marcado como diferente em relação ao profçl.Ilo. Na verdade, o
em Alexander, 1990).
sagrado está em oposição ao profano, excluindo-o inteiramente.
Utilizando a religião como um modelo de como os �mmas pe� a cultura estabelece fronteiras e distinguê.._
processos simbólicos funcionam, ele mostrou que as relações . a diferença são crnciais para com reender as identidades. A_
sociais são produzidas e reproduzidas por meio de rituais e diferença é aquilo que separa uma identi ade da outra, esta­
símbolos, os quais classificam as coisas em dois grupos: as belecendo distinções, freqüentemente na fo1ma de oposições,
sagradas e as profanas. Não existe nada inerentemente ou como vimos no exemplo da Bósnia, no qual as identidades são
essencialmente "sagrado" nas coisas. Os artefatos e idéias consb1-1ídas por meiq de uma clara oposição enb·e "nós" e
são sagrados apenas porque são simbolizados e repre­ "eles". A marcação da diferença é, assim, o componente-chave
sentados como tais. Ele sugeriu que as representações que em qualquer sistema de classificação.
se encontram nas religiões "primitivas" - tais como os
Cada cultura tem suas próprias e distintivas formas de
fetiches, as máscaras, os objetos rituais e os totêmicos -eram
classificar o mundo. É pela construção de sistemas classifi­
considerados sagrados porque corporificavam as normas e
catórios que a cultura nos propicia os meios pelos quais
os valores da sociedade, contribuindo, assim, para unificá-la
podemos dar sentido ao mundo social e construir significa­
culturalmente. Segundo Durkheim, se quisermos com­
dos. Há, entre os membros de uma sociedade, um certo grau
preender os significados partilhados que caracterizam os de consenso sobre como classificar as coisas a fün de manter
diferentes aspectos da vida social, temos que examinar como
alguma ordem social. Esses sistemas partilhados de signifi­
eles são classificados simbolicamente. Assim, o pão que é cação são, na verdade, o que se entende por "cultura":
comido em casa é visto simplesmente corno um elemento
da vida cotidiana, mas, quando especialmente preparado e

40 41
... a cultura, no sentido dos valores públicos, padronizados, meio pelo qual as pessoas podem fazer afirmações sobre si
de uma comunidade, serve de intermediação para a expe­ próprias. Ela também pode sugerir mudanças ao longo do
riência dos indivíduos. Ela fornece, antecipadamente, al­ tempo bem como entre culturas. Podemos pensar na enor­
----tp.. gumas categorias básicas, um padrão positivo, pelo qual as
idéias e os valores são �igienicamente ordenados. E, so:
bretudo, ela tem autondade, uma vez que cada um e
me variedade de ingredientes que estão hoje disponíveis
nos supermercados e também na diversidade étnica dos
induzido a concordar por causa da concordância dos ou­ restaurantes nas grandes cidades do mundo e mesmo em
tros (Douglas, 1966, p. 38-9). pequenas cidades - bares que servem tapas espanholas e
O trabalho da antropóloga social Mary Douglas desen­ restaurantes tailandeses e indianos são apenas alguns dos
volve o argumento durkheimiano de que a cultura, na forma exemplos que podem ser citados. Para Lévi-Strauss, é tam­
do ritual, do símbolo e da classificação, é central à produção bém a forma como organizamos a comida que importa - o
do significado e da reprodução das relações sociais (Du gay, que conta como prato principal, como sobremesa etc.; o que
Hall et alii, 1997; Hall, 1997b). Para Douglas, esses rituais é cozido ou o que é cru. O consumo de alimentos pode
se estendem a todos os aspectos da vida cotidiana: a prepa­ indicar quão ricas ou cosmopolitas as pessoas são, bem como
ração de alimentos, a limpeza, o desfazer-se de coisas - tudo, sua posição religiosa e étnica. O consumo de alimentos tem
desde a fala até a comida. No restante desta seção, vamos uma dimensão política. As pessoas podem se recusar a
explorar um pouco mais a centralidade da classificação pa­ comer os produtos de países particulares, em um boicote
ra a cultura e a significação, utilizando o exemplo cotidia­ que expresse a desaprovação das políticas daquele país: os
no da comida. produtos da África do Sul antes do fim do apartheid; os
alimentos da França, em protesto pelos testes nucleares
O antropólogo social francês Claude Lévi-Strauss pro­
franceses no Pacífico. Certas identidades podem se definir
pôs-se a desenvolver esse aspecto do trabalho de Durkheim
apenas com base no fato de que as pessoas em questão
e utilizou o exemplo da comida para ilustrar esse processo. A
comem alimentos orgânicos ou de que são vegetarianas. As
cozinha estabelece uma identidade entre nós - como seres
fronteiras que estabelecem o que é comestível podem estar
humanos (isto é, nossa culhira) - e nossa comida (isto é, a
mudando e as práticas alimentares são, cada vez mais, cons­
natureza). A cozinha é o meio universal pelo qual a natureza é
truídas de acordo com critérios políticos, morais ou ecoló­
b·ansfo1mada em cultura. A cozinha é também uma linguagem
gicos. O consumo de alimentos tem também uma conexão
por meio da qual "falamos" sobre nós próp1ios e sobre nossos
material: as pessoas só podem comer aquilo que elasp;clen\
lugares no mundo. Talvez possan1os adaptar a frase de Descar­
comprar ou que está disponível em uma sociedade particu­
tes e dizer "como, logo existo". Como organismos biológicos,
lar. A análise das práticas de alimentação e dos rituais
precisamos de comida para sobreviver na natureza, mas nossa
associados com o consumo de alimentos sugere que, ao
sobrevivência como seres humanos depende do uso das cate­
menos em alguma medida, "nós somos o mos". Na
gorias sociais que surgem das classificações culturais que
verdade, se consideramos as coisas que, por uma razão ou
utilizamos para dar sentido à natureza.
outra, nós não comemos, talvez a afirmação mais exata seja
Aquilo que comemos pode nos dizer muito sobre quem a de que "nós somos o que não comemos". Existem proibi­
somos e sobre a cultura na qual vivemos. A comida é um ções culturais amentais contra o consumo de certos

42 43
alimentos. Existe t ambém uma divisão básica entre o co­
, 1- . S,__·auss argumenta que, da mesma f01ma que ne-
mestível e o não-comestível que vai além d as distinções Lev u.
entre o nutritivo e o venenoso. Isso pode assumir diferentes hum sa cie dade humana deixa de ter uma l'mgua, nenh u-
a
. .
n ana tampouco deixa de ter uma cozi·nh a
formas como, por exemplo, a proibição de bebidas alcoólicas ma soc1edade hum
. tO e, ' aiguns meios para se transformar a1·1mento c1.u em
(is
e de carne de porco pelos muçulmanos ou a proibição de ,
alimentos não-kosher pelos judeus. M as, em todos os casos, ª I"imento COZI·do). o alimento cozido e .aquele. alimenta cru
.
que r iOI transformado por meios culturais. O alimento podre
a proibição distingue as identidades d aqueles que estão . .
é O ai1m
. ento cru que foi transfoimado por me10s natm-ais.
incluídos em um sistema particular de crenças d aqueles que
estão fora dele. Constroem-se oposições entre vegetarianos Lévi-Strauss identifica os diferent�s processos de coz1-
e carnívoros, entre consumidores de alimentos integrais e mento que ilustram essas transformaçoes. ,
Assar - que en-
consumidores de alimentos considerados pouco saudáveis. vo1ve exposição direta às chamas (que e o agente ,
de conver-
sa- o), sem a medi ação de qu alquer a parato cultur a1 ou do a1- ou
Na análise de Lévi-Strauss, a comida é não apenas "boa ,
para comer", mas também "boa para pensar". Com isso, ele da a, gua _ é a posição neuh·a. Cozer envo1ve agua, ie . duz o
.
alimento cm a um estado que é simil a 1 ,
a d ecom o 1ça- o do
quer dizer que a comida é portadora de significados simbó­ : � �
apodrecimento natur al e exige algum tipo de rec1p1ente.
licos e pode atuar como significante. Para Lévi-Strauss, o
ato de cozinhar representa a típica transformação da natu­ A defumação não exige mediação cultural. Ela envolve
a adição prolongada de ai; m as não de água. O ahme to
_
reza em cultura . Com base nesse argumento, ele analisou _n
as estruturas subjacentes dos mitos e dos sistemas de cren­ assado é o alimento festivo preparado para celebraçoes,

ça, argumentando que eles se expressam por meio daquilo enquanto o alimento cozido é m ais utilizado no consumo
que ele chama de "triângulo culinário". Todo alimento, ar­ cotidiano e pode ser dado às crianças, aos doentes e aos
velhos. O esquema de Lévi-Strauss pode parecer complic _ a­
gumenta ele, pode ser dividido de acordo com este esquema
cl assificatório (Figura 1): do e até mesmo um pouco forçado. Entretanto, em ter os
n:i
gerais, as análises estruturalistas de Lévi Strauss têm sido
: , _
CRU extremamente influentes, e este exemplo e uhl para h mar
:, :
a atenção para a importância cultural do alime to : Sao as

/�
� _
convenções da sociedade que decretam o que e alm ento e
:
0 que não é, e que tipo de alimento , deve ser com do em

quais ocasiões" (Leach, 1974, p. 32). E p pel do alimento
COZIDO------- � :
PODRE na construção de identidades e a mediaçao da cult ra na
Figura l: O triângulo culinário de �
Lévi-Strauss (forma primária) (Fonte: ba­ transformação do natural que é importante nesse desv10 que
seado em Leach, 1974, p. 30).
fizemos pelos caminhos da cozinha.
Outro aspecto importante da teorização de Lévi-Strauss
é sua análise de como a cultura classifica os alimentos em
comestíveis e não-comestíveis. É por meio dessa distinção

44
45
e de outras diferenças que a ordem social é produzida e Os dias da semana, com sua seqüência regular, seus nomes
mantida. Como argumenta Mary Douglas: e sua singularidade, além de seu valor prático na identifi­
cação das divisões do tempo, têm, cada um deles, um
Separar, purificar, demarcar e punir transgressões têm significado que faz parte de um padrão. Cada dia tem seu
como sua principal função impor algum tipo de sistema próprio significado e se existem hábitos que marcam a
a uma experiência inerentemente desordenada. É ape­ identidade de um dia particular, essas observâncias regu­
nas exagerando a diferença entre o que está dentro e o lares têm o efeito do ritual. O domingo não é apenas um
que está fora, acima e abaixo, homem e mulher, a favor dia de descanso. É o dia que vem antes da segu nda-feira ...
e contra, qye se cria a aparência de algu ma ordem (Dou- Em um certo sentido, não podemos experimentar a terça­
-
glas, 1966, p. 4). feira se por alguma razão não tivermos formalmente nota­
Isso sugere que a ordem social é mantida por meio de do que passamos pela segunda-feira. Passar por uma parte
oposi ões binárias, tais como a divisão entre "locais" (insi­ do padrão é um ato necessário para se estar consciente da
próxima parte (Douglas, 1966, p. 64).
ders) e "forasteiros outsi ers . pro ução e ca egorias
pelas quais os indivíduos que transgridem são relegados ao Douglas utiliza o exemplo da poluição e, em particular,
status de "forasteiros", de acordo com o sistema social vi­ de nossa percepção sobre o que conta como "sujo". Segundo
gente, garante um certo controle social. A classificação ela, nossas concepções sobre "sujeira" são "compostas de
simbólica está, assim, intimamente relacionada à ordem duas coisas: cuidado com a higiene e respeito pelas conven­
social. Por exemplo, o criminoso é um "forasteiro" cuja ções" (ibid., p. 7). Ela argumenta que a sujeira ofende a
transgressão o exclui da sociedade convencional, produzin­ ordem, mas que não existe nada que se ·possa chamar de
do uma identidade que, por estar associada com a transgres­
são da lei, é vinculada ao perigo, sendo separada e
�-----------:- -
sujeira absoluta. A sujeira é "matéria fora de lugar".
vemos nada de errado com a terra que encontramos no
.,__ Não
marginalizada. A produção da identidade do "forasteiro" jardim, mas ela "não está no lugar certo" quando a encon­
tem como referência a identidade do "habitante C!õ1õCãl":­ tramos no tapete da sala. Nossos esforços para retirar a
Como foi sugerido no exemplo das identidades nacionais, sujeira não são movimentos simplesmente negativos, mas
uma identidade é sempre produzida em relação a uma outra. tentativas positivas P!lra organizar o ambiente - para excluir
Douglas sugere, utilizando o exemplo dos dias da sema­ a matéria que esteja fora de lugar e purificai; assim, o
na, que nós só podemos saber o significado de uma ambiente. Ela argumenta ainda que "uma reflexão sobre a
palavra por meio de sua relação com uma outra. Nossa sujeira envolve uma reflexão sobre a relação entre ordem e
compreensão dos conceitos depende de nossa capacida­ desordem, o ser e o não-ser, o formado e o in-formado, a vida
de de vê-los como fazendo parte de uma seqüência. e a morte" (ibid., p. 5). Assim, as categorias do limpo e do
Aplicar esses conceitos à vida social prática, ou organizar não-limpo, tal como as distinções entre "forasteiros" e "lo-
a vida cotidiana de acordo com esses princípios de clas­ J cais", s-ª9 produtos de si�as culturais de classificação
sificação e de diferença, envolve, muito freqüentemente, .cujo objetivo é a criação da ordem. o "? í--2:, é /-1 (
um comportamento social repetido ou ritualizado, isto é, um Poderíamos afirmar, talvez, que esses teóricos tendem a
conjunto de práticas simbólicas partilhadas: exagerar o papel do simbólico às custas do material. Afinal,
ao considerar os alimentos que as pessoas comem e aqueles

46 47
que elas evitam, é também importante tratar das restrições de acordo com a classe social. O peixe é percebido como
materiais. Há alimentos que você gostaria de comer, mas impróprio para os homens da classe operária, sendo visto
pode não ter o dinheiro para comprá-los. Historicamente, a como "comida leve", mais apropriada para as crianças e os
escolha dos alimentos tem se desenvolvido no contexto de inválidos. Recentes campanhas promocionais da indús­
sua escassez ou de sua superabundância relativas. Nossa tria de carne bovina britânica, planejadas para conter
escolha dos alimentos - quando temos alguma escolha - qualquer tendência ao vegetarianismo, parece confirmar
desenvolve-se também em contextos econômicos particula­ isso, ao sugerir que somente os fracos comem vegetais e
res. Embora essas restrições econômicas e mate1iais possam peixes ("Homens verdadeiros comem carne"; "Os ho­
ser muito importantes, elas não enfraquecem necessaria­ mens precisam de carne"). As ansiedades sobre os riscos
mente o argumento sobre a centralidade dos sistemas sim­ do consumo de carne bovina britânica, desde a crise da
bólicos ou classificatórios. O "gosto" não é simplesmente "vaca louca", podem, entretanto, prejudicar esse tipo de
determinado pela disponibilidade ou não de recursos mate­ campanha. Bourdieu argumenta que o corpo se desen­
riais. Os fatores econômicos sozinhos - sem a cultura - não volve por meio de uma inter-relação entre a localização-
são determinantes. Mary Douglas argument� no inte­ e c asse o indivíduo e o gos . o e e m1 o pelas
iiül de uma sõc"Íedade com as mesmas restrições econômi­ formas.-pelas quais os indivíduos se apropriam de esco as
cas, cada casa "desenvolve um padrão regular de horários e ��·ênçias que são o produto de restrições materiais;
de alimentação, de bebida e comida para as crianças, de daquilo que ele chama de habitus.
bebida e comida para os homens, de comida festiva e comida Esta seção analisou algumas das formas pelas quais as
cotidiana" (1982, p. 85). Seja lá qual for o nível relativo de culturas fornecem sistemas classificatórios, estabelecendo
pobreza ou riqueza, a bebida atua como um marcador de fronteiras simbólicas enh·e o que está incluído e o que está
gênero da "identidade pessoal e das fronteiras da inclusão excluído, definindo, assim, o que constih1i uma prática cultu­
e da exclusão" (ibid. ). Existem proibições que impedem que as ralmente aceita ou não. Essa classificação ocone, ·como vimos,
mulheres tomem "bebidas fortes", mas os homens da mesma por meio da marcação d_a diferença enh·e catego1ias. Examina­
classe e do mesmo grnpo de rendimento são julgados, em remos, na próxima seção, a imp01tância paiticular da diferença
contextos particulares (Douglas cita os homens que trabalham na construção de significados e, poitanto, de identidades.
nos portos, mas selia possível pensar em muitos outros exem­
plos), "de acordo com a maneira correta ou errada como eles
3.2. A diferença
carregam sua bebida" (Douglas, 1987, p. 8).
Ao analisa�no as identidades são construídah,_sugeri
Os sistemas de alimentação estão, assim, sujeitos às
queefas são formadas relativamente a outras identidade5.,_
classificações do processo de ordenação simbólica bem
rehttiVcrnleTite·ao ''forasteiro" ou ao 'outro'�elativa­
como às distinções de gênero, idade e classe. Existem, obvia­
-mente ao que não é. Essa construção aparece, mais comu-
mente, diferenças de classe social em nosso gosto pela co­
-mente, sob a forma de oposições binárias. A teoria lin-
mida. Como argumenta� Bo�u (1984), certos ali­
güística saussureana sustenta que as oposições binárias - a
mentos são associados com as rmillieres ou com os homens,
forma mais extrema de marcar a diferença - são essenciais

48 49
para a produção do significado (Hall, 1997a). Esta seçã o d1. vis � s sociais, especialmente daquela que existe entre
· oe
analisará a questão da diferença, especialmente a sua pro­ homens e mulheres:
dução por meio de oposições binárias. Essa concepção de O pensamento sempre
diferença é fundamental para se compreender o processo funcionou por oposição.
de construção cultural das identidades, tendo sido adotada fala/Escrita
por muitos dos ''novos movimentos sociais" anteriormente Alto/Baixo ...
Isso significa alguma coisa?
dis idos. IA. diferença pode ser construída negativamente
(Cixous, 1975, p. 90).
por meio da exclusão ou da marginalização daquelas
pessoas que são definidas como "outros" ou forasteiros. Por Cixous argumenta que não se trata apenas do fato de que
outro lado, ela pode ser celebrada como fonte de diversida­ o Pensamento é construído em termos de oposições biná-
de, heterogeneidade e hibridismo, sendo vista como enri­ · s, mas que nesses dualismos um dos termos e, sempre
na
quecedora: é o caso dos movimentos sociais que buscam valorizado mais que o outro: um é a norma e o outra e, 0
resgatar as identidades sexuais dos constrangimentos da "outro" -visto com?desviante ou de fora''. Se pensamos a
norma e celebrar a diferença (afirmando, por exemplo, que cu tura em termos de "alto" e "baixo"; que tipos e ativi ade
"sou feliz em ser gay"). associam�s com "alta cultura"? Ópera, balé, teatro? Que
atividades são identificadas, de forma estereotipada, como
Uma característica comum à maioria dos sistemas de sendo de "baixa cultura"? Telenovelas, .música popular?
pensamento parece ser, portanto, um compromisso com os Esse é um terreno polêmico e uma dicotomia bastante
dualismos pelos quais a diferença se expressa em termos de questionável nos E · · as o argu��n:o co�-
oposições cristalinas -natureza/cultura, corpo/mente, pai­ . siste em enfatizar que os dois membros dessas divisoes nao
xão/razão. As autoras e os autores que criticam a oposição recebem peso igual e, em particular, que essas divisões estão
binária argumentam, entretanto, que os termos em oposição relacionadas com o gênero.
recebem uma importância diferencial, de forma que um dos
elementos da dicotomia é sempre mais valorizado ou mais Cixous dá outros exemplos de oposições binárias, per­
forte que o outro. Assim, Derrida argumenta que a �o guntando de que forma elas estão relacionadas com o gê�ero
entre os dois. mimos de Úma oposição binária envolve um � e especialmente com a posição das mulheres no dualismo
.Q__esequilíbrio necessário de �r eutrn eles. em questão:
Onde está ela?
Uma das mais freqüentes e dominantes dicotomias é, Atividade/passividade,
como vimos no exemplo de Lévi-Strauss, a que existe entre Sol/Lua,
natureza e cultura. A escritora feminista francesa Hélene Cultura/Natureza,
Cixous adota o argumento de Derrida sobre a distribuição Dia/Noite,
desigual de poder entre os dois termos de uma oposição Pai/Mãe,
Cabeça/coração,
binária, mas concentra-se nas divisões de gênero e argu­ Inteligível/sensível,
menta que essa oposição de poder também é a base das Homem/Mulher
(ibicl., p. 90).

50 51
Cixous sugere que as mulher es estão associa -se argumentado que a desigualdade de
natureza e não com a cultura, com o "coração " e as
das com a
ri me iro l g , tem ndência a identificar as
emoçõ
P t�a li�gada à te mulhe res com
e não com a "cabeçá' e a racion alid
ad e. A tendên cia
es gênero. es os l1 mens com a cu1tura (a opos·1çao - fun damen-
e
p ara anatuieza .
0
classificar o mundo em uma opos ição entre princíp u t m c m b se d a v1"d a saci al ) .
ios mas­ al, aquela que Lévi-Str a ss o a o o a
culinos e femininos, identificada por Cixous, está t - a- 0 centra-se na s estruturas soc·iai·s: aqm· as
com as análises esh·uturalistas baseadas em Sau
de acordo A segun da pos1ç
_ ·dentific a das com a arena pnvada da casa e
quais vêem o contraste como um princípio da
ssure, as JllUIheres sao 1
ssoai · s e o s h omens com a aren a pu 'bl"1c a do
estrutura das re1 ções pe. . dencia
lingüística (Hall, 1997a). Mas, enq uanto para Saussur ,.i e�10 ' da piodtiç ão d p lítica. A ev ntr op ol o­
A • ,

e essas come
e a o i a
oposições binárias estão ligadas à ló ica subj acent . entI·etanto ' q ue a divisão entre natureza e
g e de toda gica m os_tra,, r ,
linguagem e de todo pensamento, para Cixous a univers al. O q uestion amento q ue Moore 1az a
força psí­ cultu.ra_ nao e . 1 -
quica dessa duradoura estrutura de pensamento
deriva de oposiçao bi· ária entre naturez a e cultura, em sua ie açao
uma red e histórica de determin
ações culturais. om a oposiç � a- o entre mulheres e h omens, possibilita anali-
e r as especificidades da d iferença.
Quão inevitávei s são essas op osições? São elas pa rte da sa

lógica de pensamento e da linguagem como Sau ssure e E sta seça-0 d·iscutiu a s op osições binárias, um el emento
.a-
estruturali stas tais como Lévi-Strauss parecem sug erir? Ou essenci·aI dª lingüí stica saussur ea , na adotada pelo estrntm
,
.
. evi-Strauss. El a tambem tratou das cnhc · as d esses
são elas impostas à cultura, como part e d o pro ce sso de hsmo de L'
.
excl usão? Estão essas dicotomias organizadas para desvalo­ dualismo s con1o, por exemplo' a. d_e De. rn ·da. O quest10n
, .
· a-
rizar um dos elementos? Tal como feministas como, por menta que Derrid a faz d a s o p osi ç oes bm a n as su e re que a
, n· a di. cotoinia é um d os m eios pelo s quais . g
.
prop o s1gm·f·icad o
exemplo, Simone d e B eauvoir e, mais recentemente, Luce .
e, fi' xadº.:..--E' p r m io d s dicotomia qu o pen samento,
Iiigaray, têm argumentado, é por meio desses dualismos que o e essa s e
- �__.p ens� gaiantJ·rio �
.
as mulheres são conshuídas como "ouh·as", de fo1ma que as especia ___ -
p.ermanenda das r_ elaçõe s de poder exi st entes. D ern·da
mulheres são apenas aquilo que os homens não são, como . nou as visões estruturahstas à:e -Sa:ussm:e...e L,ev1-
A

quest10 ·
ocorre na te01ia psicanalítica l acaniana. Podem as mulheres ser ,
S .
ha , u erind q · si nificad o es t a pre nte c m m
diferentes dos homens sem serem opostas a eles? liigaray
ue o se
.
uss s g o g o o u

"traço"; a relação entre significado e s1gm·f1c · ante nao _ e, algo


utiliza o exemplo da sexualidade para argumentar que as _
mulheres e os homens têm sexualidades diferentes mas não fi o significado é produzido por me10 de um processo de
;�rirnento ou adiamento, o qual Derrida chama de dif.[é-
opostas (Irigaray, 1985). Entretanto, a identificação das mu­
rance. 0 ql1e parece determinado é, pois, na verdade, flmdo
lheres com a natureza e dos home ns com a cultura tem um ·
e insegt1ro, sem nenhmn ponto de fechamento. O ,traba· Iho
lugar b em estab elecido na teoria antropológica.
de De1n º e uma alternativa ao .e1echamento e a n· g1d ez
. ·da suaer
Henrietta Moore sugere que a antropol ogia t em sido das Oposições binárias. Em vez, d� e fixidez, o qu e exi. ste e ,
importa nte para d esestabilizar categ orias unitárias tais contm e . A •
O sianificado esta suJ eito ao oesuzamento.
. .
como a d e "mulh er", especialmente por causa d e sua ênfase ixous desenvolve essa crítica, mas enfat�zando, d1f�rente-
na diversid ade intercultural. As desigualdades têm sido mente de Derrid a, as re lações de p oder ligadas ao genero.
tratadas, na antropologia, a partir de duas perspectivas. Em

52 53
3. 3. Sumário da seção 3 identidade, mas não explicamos por que as pessoas assumem
Os sistemas classificatórios por meio dos quais o signi­ essas identidades. Voltamo-nos agora para a última grande
ficado é produzido dependem de sistemas sociais e simbó­ questão deste capítulo.
licos. As percepções e a compreensão da mais material das
necessidades são construídas por meio de sistemas simbó­ 4. Por que investimos nas identidades?
licos, os quais distinguem o sagrado do profano, o limpo
do sujo e o cru do cozido. Os sistemas classificatórios são, 4.1. Identidade e subjetividade
assim, construídos, sempre, em torno da diferença e das Os termos "identidade" e "subjetividade" são, às vezes,
formas pelas quais as diferenças são marcadas . Nossa dis­ utilizados de forma intercambiável. Existe, na verdade, uma
cussão procurou teorizar as formas pelas quais os sistemas considerável sobreposição entre os dois. "Subjetividade"
simbólicos e sociais atuam para produzir identidades, isto sugere a compreensão que temos sabre anosso eu. {1termo
é, para produzir posições que podem ser assumidas, enfati­ e�ensamentos e as emoções conscientes e incons­
zando as dimensões sociais e simbólicas da identidade. Esta cientes que constituem nossas concepções sobre "quem nós
seção b�cou demonstrar que a diferença é marcada em somos". A subjetividade envolve nossos sentimentos e pen­
..@lação à identid"àêre. Analisamos também o pensamento samentos mais pessoais. Entretanto, nós vivemos nossa sub­
que se baseia em oposições binárias tais como natureza/cul­ jetividade em um contexto social no qual ll. linguagem e a
tura e sexo/gênero. Mostramos que os termos ue formam cultura dão significado à experiência que temos de nós
esse · smos recebem, na verda e esos desiguais es­ mesmos e no qual nós adotamos uma identidade. Quaisquer
t�itamente vinculados a relações de poder. Esta que sejam os conjuntos de significados construídos pelos
seção também buscou questionar a perspectiva de que discursos, eles só podem ser eficazes se eles nos recrutam
adotar uma posição política e defender ou reivindicar uma como sujeitos. Os s.ujri!:os são, assim, sujeitados ao discurso
posição de identidade necessariamente envolve um apelo à e devem, eles r' rios, assumi-lo como indivíduos u ,
autenticidade e à verdade enraizadas na biologia. Discuti­ dessa forma, se posicionam a si próprios. As posições que
mos também as possíveis alternativas a esse essencialismo, assumimos e com as quais nos identificamos constituem
argumentando em favor de um reconhecimento da posicio­ nossas identidades. A subjetividade inclui as dimensões
nalidade e de uma política de localização que, como argu­ inconscientes do eu, o que implica a existência de contradi­
menta Henrietta Moore, inclui diferenças de "raça", classe, ções, como vimos no exemplo das tentativas do soldado
sexualidade, etnia e religião entre as mulheres. sérvio para reconciliar sua experiência cotidiana com as
A diferença é marcada por representações simbólicas mudanças políticas. A subjetividade pode ser tanto racional
que atribuem significado às relações sociais, mas a explora­ quanto irracional. Podemos ser - ou gostaríamos de ser -
ção da diferença não nos diz por que as pessoas investem pessoas de cabeça fria, agentes racionais, mas estamos su­
nas posições que elas investem nem por que existe esse jeitos a forças que estão além de nosso controle. O conceito
investimento pessoal na identidade. Descrevemos alguns de subjetividade permite uma exploração dos sentimentos
dos processos envolvidos na construção das posições de que estão envolvidos no processo de produção da identida-

54 55

... . ..
de e do investimento pessoal que fazemos em posições o poema continua, descrevendo a visita que a institui-
específicas de identidade. Ele nos permite explicar as razões ão de adoção fez à casa da futura mãe adotiva e as prepa­
pelas quais nós nos apegamos a identidades particulares. ;ações que a mãe - branca - faz a fim de se apresentar - e
A fim de explorar um pouco mais algumas das idéias à sua casa - sob o ângulo mais favorável possível, conside­
sobre subjetividade e identidade, gostaria de analisar urn rando-se suas ansiedades sobre não ser vista como o tipo
poema que é parte de uma série sobre a questão da adoção certo de mãe:
de crianças. A poeta negra Jackie Kay, ela própria adotada Achei que tinha escondido tudo,
que não tinha deixado à vista
explora seus próprios sentimentos sobre a questão da ado�
nada que pudesse me denunciar.
ção, em uma série de poemas intitulada Documentos de
Botei Marx, Engels, Lenin (nenhum Trotsky )
adoção (1991), utilizando uma série de diferentes "vozes" no arrnário da cozinha - ela não ia
(por exemplo, a voz da mãe natural e a da mãe adotiva). Esse conferir os panos de prato, isso era certo.
poema está escrito na voz da primeira pessoa de uma Os exemplares do Diário Operário
mulher que quer adotar um bebê e expressa seus sentimen­ Eu botei embaixo da almofada do sofá,
tos relativamente aos discursos da maternidade, os quais são a pomba da paz eu tirei do banheiro.
aqui apresentados como parte de pressupostos culturais Tirei da cozinha
partilhados, em particular sobre o que se espera de uma Um pôster de Paul Robeson
que dizia: dêem-lhe seu passaporte.
"boa mãe". Inicialmente, Jackie Kay descreve sua experiên­
cia ao se inscrever em várias instituições de adoção, em Deixei uma pilha de Bum,
meus contos policiais
suas tentativas para adotar uma criança:
e as Obras Completas de Shelley.
A primeira instituição à que fui
Ela chegou às 11:30 exatamente.
não queria nos colocar na sua lista
Servi-lhe café nas minhas
não morávamos suficientemente próximos
novas xícaras de louça húngara
nem freqüentávamos qualquer igreja
e tolamente rezei pra ela
(mas nos calamos sobre o fato de que éramos comunistas).
não perguntar de onde vinham.
A segunda nos disse que nossa renda não era suficiente­
H-ancamente, esse bebê
mente alta.
está me subindo à cabeça.
A terceira gostou de nós
Ela cruza as pernas no sofá
mas tinham uma lista de espera de cinco anos.
Ouço na minha cabeça o ruído
Passei seis meses tentando não olhar
do Diário Operário embaixo dela
para balanços nem para carrinhos de bebê,
para não pensar que essa criança que eu queria Bem, diz ela, você tem uma casa interessante.
poderia ter agora cinco anos. Ela vê minhas sobrancelhas se erguerem.
A quarta instituição estava com as vagas esgotadas. É diferente, acrescenta ela.
A sexta disse sim, mas, de novo, não havia nenhum bebê. Droga, eu tinha gastado toda a manhã
Quando eu já estava na porta, tentando fazer com que parecesse uma casa comum,
Eu disse olha a gente não liga pra cor. uma casa adorável para o bebê.
E foi assim que, de repente, a espera acabou.

56 57
nesse
�la abotoa seu casaco toda son-isos. mente sua identidade política, associada,
des, especial ra
fico pensando: agora preferências políticas de esquerda. A futu
vamos para o tour da casa. caso, com suas feliz. O
conflito psíquico, mas há um final
mãe vivencia um
Mas assim que chegamos ao último canto afinal, ser algo aceitável nesse caso. Dar
pacifismo parece, ,
ma pode ser apenas uma licença poética
o olho dela cai em cima ao mesmo tempo que o
de uma fileira de vinte distintivos pela paz mun�� um final feliz ao poe
ontrar uma identidade pode ser
mas também sugere que enc
Claro como uma foice e um martelo na parede.
um conflito psíquico e uma expressão
_
Ah, diz ela, você é contra aimas nucleares? um meio de resolver
se é que essa resolução é possível.
de satisfação do desejo -
A�ar, seja º qu� Deus quiser. Com bebê ou sem bebê. as formas pelas quais as identida­
.
Sun, eu digo Sim. Sim, sim, sim. O poema também indica
Isso é mostrado por um
Gostaria que esse bebê vivesse em um mundo sem pengo des mudam ao longo do tempo.
ico, o jornal comunista O
nuclear. símbolo historicamente específ
resenta tudo que pode ser
Ah! Seus olhos se acendem. Diário Operário, que também rep
mães adotivos .
Também sou a favor da paz, diz ela, indesejável em possíveis pais e
e se senta pra mais uma xícara de café que os tempos
(Kay, 1991, p. 14-16). Entretanto, há também a sugestão de
que a identidade mater­
estão mudando, tornando aceitável
Em casos de adoção, tornamo-nos agudamente cons­ tica - neste caso, uma
. nal possa incluir uma posição polí
cientes sobr� o que constitui identidades maternais ou identidade maternal na
. posição pacifista. Trata-se de uma
p�ternais socialmente aceitáveis. Existe, aqui, um reconhe­ r um investimento e
qual o sujeito (a mãe/poeta) pode faze
cimento claro s�bre a existência de uma identidade mater­ er. Embora ela repre­
com a qual ela pode se compromet
n�J. Que sentimentos essa mãe/poeta traz para esses , um papel que ela vê
sente, perante a inspetora de adoção
discursos sobr� maternidade? Que posição de identidade uma identidade ma­
como necessário para a simulação de
ela �ue� ass�m1r? Que outras identidades estão envolvidas? por essa posição-de­
ternal aceitável, ela não é interpelada
�uais sao as ide�tidades que estão, aqui, em conflito? Como conforma com sua
sujeito, mas por uma posição que se
sao el�s negociadas? Quais são as contradições entre a termo utilizado por
. . posição política. "Interpelação" é o
sub1etiv1dade e a identidade, apresentadas no poema? a forma pela qual os
Louis Althusser (1971) para explicar
: "sim, esse sou eu"
O p�ema de Kay indica algumas das formas pelas quais sujeitos - ao se reconhecerem como tais
. posições-de-sujeito.
as identid ade� sociais são construídas bem como as formas - são recrutados para ocupar certas
_ iente e é uma forma
pelas q�ais �os as negociamos. Este poema ilustra as dife­ Esse processo se dá no nível do inconsc
am por adotar posi­
rent�s identidades, mas, de forma crucial, uma delas em de descrever como os indivíduos acab
a de incorporar a
p�rt:cuJai� que a mãe/po:ta i:�conhece como tendo predo-
_ , ções-de-sujeito particulares. É uma form
limita a descrever
mmancia cultural: a da boa mãe, da mae - "normaJ", tem dimensão psicanalítica, a qual não se
. � . licar por que posições
uma i es�onancia particularmente forte nesse caso. Trata-se sistemas de significado, mas tenta exp
sociais podem expli­
?e uma identidade que ela parece assumü� embora ela este­ particulares são assumidas. Os fatores
_ ernidade, especial-
Ja consciente de que está em conflito com outras identida- car uma construção particular de mat

58 59
mente a de "boa mãe", neste momento histórico, mas não práticas e processos simbólicos. Ocupar uma posição-de-su­
explicam qual o investimento que os indivíduos fazem em jeito dete1minada como, por exemplo, a de cidadão patrió­
posições particulares e os apegos que eles desenvolvem tico, não é uma questão simplesmente de escolha pessoal
por essas posições. consciente; somos, na verdade, recrutados para aquela po­
sição ao reconhecê-la por meio de um sistema de repre­
sentação. O investimento que nela fazemos é, igualmente,
4. 2. Dimensões psicanalíticas
um elemento central nesse processo.
Althusser desenvolveu sua teoria da subjetividade no A teoria marxista enfatiza o papel do substrato material
contexto de um paradigma marxista que buscava trazer das relações de produção e da ação coletiva, especialment�
algumas das contribuições da psicanálise e da lingüística da solidariedade de classe, na formação das identidades
estrutural para o materialismo marxista. O trabalho de Al­

-
sociais, em vez da autonomia individual ou da autodete1mi­
thusser foi extremamente importante para a revisão do nação. Os fatores materiais não podem, entretanto, explicar
modeh_marxista baseado nas noções e ase e de su r s­ totalmente o investimento que os sujeitos fazem em posições
trutura. Nesse�odelo, a base é definida como a fundação de identidade. Teorizações pós-marxistas como, por exem­
material, econômica, da sociedade. De acordo com essa plo, o ensaio de Althussei� enfatizam os sistemas simbólicos
perspectiva, essa base econômica determina as relações sugerindo que os sujeitos são também recrutados e produ�
sociais, as instituições políticas e as formações ideológicas. zidos não apenas no nível do consciente, mas também no
Althusser também reformulou o conceito de ideologia ini­ nível do inconsciente. Para desenvolver sua teoria da subje­
cialmente elaborado por Marx. Em seu ensaio sobre "a tividade, Althusser baseou-se na versão da psicanálise freu-
ideologia e os aparelhos ideológicos de Estado", Althusser
(1971) enfatiza o papel da ideologia na reproduçâõciâs �-
relações sociais, destacando os rituais e as práticas institu­ O que distingue a teoria da psicanálise de Freud e a
cionais envolvidos nesse processo. Ele concebe as ideolo­ �eorização posterior de Lacan de outras teorias psicológicas
gias como sistem as de repre sentaç ão, fazend o uma e o lugar que elas concedem ao conceito de inconsciente. O
complexa análise de como os processos ideológicos funcio­ inconsciente, de acordo com a psicanálise, é formado de
nam e de como os sujeitos são recrutados pelas ideologias, fortes desejos, freqüentemente insatisfeitos, que surgem da
mostrando que a subjetividade pode ser explicada em ter­ intervenção do pai na relação entre o filho ou a filha e sua
mos de estruturas e práticas sociais e simbólicas. Para Al­ mãe. Ele está enraizado em desejos insatisfeitos, em desejos
thusser, o sujeito não é a mesma coisa que a pessoa humana, que foram reprimidos, de forma que o conteúdo do incons­
mas uma categoria simbolicamente construída: ''A ideolo­ ciente torna-se censurado pela mente consciente, passando
gia ... 'recruta' sujeitos entre os indivíduos ... ou 'transforma' a ser-lhe inacessível. Entretanto, esses desejos reprimidos
os indivíduos em sujeitos ( ...) por esta operação muito pre­ acabam encontrando alguma forma de expressão como, por
cisa a chamei de interpelação" (1971, p. 146). Esse proce sso ex�mplo, por meio de sonhos e enganos (lapsos freudianos).
de inte11)elação nomeia e, ao mesmo tempo, posiciona o O inconsciente pode ser, assim, conhecido, embora não por
sujeito que é, assim, reconhecido e produzido por meio de um acesso direto. A tarefa do psicanalista consiste em des-

60 61
cobrir suas verdades e ler sua linguagem. O inconsciente é cessidades e desejos inconscientes. Em vez de um todo
o repositório dos desejos reprimidos, não obedecendo às leis unificado, a psique compreende o inconsciente (o id); o
da mente consciente: ele tem uma energia independente e supereu, que age como uma "consciência'', representando
segue uma lógica própria. Como argumenta Lacan (1977), as restrições sociais; e o ego, que tenta fazer alguma conci­
ele é estruturado como uma linguagem. Ao dar primazia a liação entre os dois primeiros. Ela está, assim, em um estado
essa concepção do inconsciente, Lacan caracteriza-se como constante de conflito e fluxo. A experiência que temos dela
um seguidor de Freud, mas faz uma radical reformulação pode ser vivida como dividida ou fragmentada.
das teorias freudianas, ao enfatizar o simbólico e a lingua­
A teoria psicanalítica lacaniana amplia a análise que
gem no desenvolvimento da identidade.
Freud fez dos conflitos inconscientes que atuam no interior
A "descoberta" do inconsciente, de uma dimensão psí­ do assim chamado sujeito soberano. A ênfase que Lacan
quica que funciona de acordo com suas próprias leis e com coloca na linguagem como um sistema de significação é,
uma lógica muito diferente da lógica do pensamento cons­ neste caso, um elemento central. Ele privilegia o significan­
ciente do sujeito racional, tem tido um considerável impac­ te como aquele elemento que determina o curso do desen­
to sobre as teorias da identidade e da subjetividade. A idéia volvimento do sujeito e a direção de seu desejo. A iden­
de um conflito entre os desejos da mente inconsciente e as tidade é moldada e orientada externamente, como um efeito
demandas das forças sociais, tais como elas se expressam do s1gmficante e da articulação do desejo. Para Lacan, o
naquilo que Freud chamou de supereu, tem sido utilizada �to humano unificado é sem re um mito. O sentimento
para explicar comportamentos aparentemente irracionais e de identi a e de uma criança surge da internalização das
o investimento que os sujeitos podem ter em ações que visões exteriores que ela tem de si própria. Isso ocorre,
podem ser vistas como inaceitáveis por outros, talvez até sobretudo, no período que Lacan chamou de "fase do espe­
mesmo pelo eu consciente do sujeito. Podemos estar muito lho". Essa fase vem depois da "fase imaginária", que é
bem informados sobre um determinado domínio da vida anterior à entrada na linguagem e na ordem simbólica,
social mas mesmo assim acabamos nos comportando contra quando a criança ainda não tem nenhuma consciência de si
nossos melhores interesses. Apaixonam - elas essoas própria como separada e distinta da mãe. Nessa fase inicial,
erradas, gastamos dinheiro que não temos, deixamos d os o infante é uma mistura de fantasias de amor e ódio, con­
� atar a empregos �ríamos conseguir e nos_ centrando-se no corpo da mãe. O início da formação da
· -
candidatamos para em re os r !­ identidade ocorre quando o infante se dá conta de que é
quer chance. Chegamos até mesmo ao ponto de realizar separado da mãe. A entrada na linguagem é, assim, o resul­
� podem ameaçar nossas vidas apenas para afirmar tado de uma divisão fundamental no sujeito (Lacan, 1977),
uma determinada identidade. Sentimos emoções ambiva­ quando a união primitiva da criança com a mãe é rompida.
lentes - raiva para com as pessoas que amamos e, alguma3 A criança reconhece sua imagem refletida, identifica-se com
vezes, desejo por pessoas ue nos opriment. A psicanálise ela e torna-se consciente de que é um ser separado de sua
freudiana ornece um meio e vincu ar comportamentos mãe. A criança, que nessa fase infantil é um conjunto mal­
aparentemente irracionais como esses à repressão e a ne- coordenado de impulsos, constrói um eu baseado no seu

62 63

l
reflexo em um verdadeiro espelho ou no espelho dos olhos inclui a si própria e a mãe, é rompido pela entrada do pai ou
de ouh·os. Quando olhamos para o espelho vemos uma daquilo que Lacan chama de "a lei do pai". O pai representa
ilusão de unidade. A fase do espelho de Lacan representa a uma intromissão externa; o pai representa o tabu contra o
primeira compreensão da subjetividade: é quando a criança incesto, o qual proíbe a fantasia que a criança tem de se casar
se torna consciente da mãe como um objeto distinto de si com a mãe bem como a vontade da mãe em ter a criança
mesma. De acordo com Lacan, o primeiro encontro com 0 como o objeto de seu desejo. O pai separa a criança de suas
processo de construção de um "eu", por meio da visão do fantasias, enquanto o desejo da mãe é reprimido para o
reflexo de um eu corporificado, de um eu que tem fronteiras, inconsciente. Esse é o momento em que o inconsciente é
prepara, assim, a cena para todas as identificações futuras. criado. À medida que a criança entra na linguagem e na lei
O infante chega a algum sentimento do "eu" apenas quando do pai, ela se torna capaz, ao mesmo tempo, de assumir uma
encontra o ''eu" refletido por algo fora de si pró r� elo identidade de gênero, já que este é o momento em que a
outro: a partir o u ou ro". Mas ele sente a si mesmo criança reconhece a diferença sexual. Assim que esse mun­
(CT)mo se o eu·, o sentimento do eu, fosse produzido -2or do do imaginário e do desejo pré-edipiano pela mãe é
u�ntidade unificada- a partir de seu próprio interi�r. deixado de lado, é a linguagem e o simbólico que passam a
fornecer alguma compensação, ao proporcionar pontos de
Dessa forma, argumenta Lacan, a subjetividade é divi--
apoios lingüísticos nos quais se torna possível ancorar a
dida e ilusória. P · depender · · ade de algo fora
identidade. O pai - ou o pai simbólico, simbolizado pelo
de si m�, a identi ade surge a partir de uma falta, isto
phallus - representa a diferença sexual. O phallus é, assim,
é, de um desejo elo retorno da unidade com a mãe ue era�
o significante primeiro porque é aquele que primeiro intro­
parte a primeira infância, mas que.só pode ser ilusória uma
duz a diferença (isto é, a diferença sexual) no universo
farítàsia, dado � a separação�al já ocorreu. 9 sajeito
simbólico da criança, o que lhe dá um poder que é, entre­
ainda anseia pelo eu unitário e pela unidade com a mãe da
tanto, "falso", porque, como argumenta Lacan, o phalliis
fase imaginária, e esse anseio, esse desejo, produz a tendên­
apenas parece ter poder e valor por causa do peso positivo
cia para se identificar com figuras poderosas e significativas
da masculinidade no dualismo masculino/feminino. Mesmo
fora de si próprio. Existe, assim, um contínuo processo de
que o poder do phalliis seja uma "piada", como afirma
identificação, no qual buscamos criar alguma compreensão
Lacan, a criança é obrigada a reconhecê-lo como um signi­
sobre nós próprios por meio de sistemas simbólicos e nos
ficante tanto do poder quanto da diferença. Outros tipos de
identificar com as formas pelas quais somos vistos por ou­
diferença são construídos de acordo com a analogia da di­
tros. Tendo, inicialmente, adotado uma identidade a partir
ferença sexual-isto é, um termo (o masculino) é privilegia­
do exterior do eu, continuam�s identificar com aquilo
do em relação a outro (o feminino). Isso também significa
que queremos sei� mas aquilo ue uere� está se a-
que, para Lacan, a entrada das garotas na linguagem se faz
rado eu, orma que o eu está
de forma muito diferente da dos garotos. As garotas são
dividido no seu próprio interior.
posicionadas negativamente-como "faltantes". Mesmo que
É nessa fase edipiana da entrada na linguagem e nos o poder do phallus seja ilusório, os garotos entram na ordem
sistemas simbólicos que o mundo de fantasia da criança, que simbólica positivamente valorizados e como sujeitos dese-

64 65
jantes. As garotas têm a posição negativa, passiva - são sim­ uma outra dimensão da identidade, sugerindo um outro
plesmente "desejadas". quadro teórico para se analisar algumas das razões pelas
O trabalho de Lacan é importante sobretudo por causa quais investimos em posições de identidade.
de sua ênfase no simbólico e nos sistemas representacionais,
p��estague d� à diferença e por sua teoriz�ção �o co�­ Conclusão
_
éeito do inconsciente. Ele enfatiza a construçao da identi­
Este capítulo apresentou alguns dos importantes con­
dade de gê�ito, ou seja, a construção simbólica
ceitos relacionados à questão da identidade e da diferença,
da diferença e da identidade sexuada. O "fracasso" desse
desenvolvendo, assim, um quadro de referência para sua
processo de construção da identidade e a fragmentação da
análise. Discutimos as razões pelas quais é importante tratar
subjetividade tornam possível a mudança pessoal. Como
dessa questão e analisamos de que forma ela surge nesse
conseqüência, a teoria lacaniana de formação da subjetivi­
ponto do "circuito" da produção cultural. Analisamos, além
dade pode ser incorporada ao conjunto de teorias que
disso, os processos envolvidos na produção de significados
questionam a idéia de que existe um sujeito fixo, unificado.
por meio de sistemas representacionais, em sua conexão
As teorias psicanalíticas de Freud e de Lacan têm sido com o posicionamento dos sujeitos e com a construção de
bastante questionadas, sobretudo por feministas que assi­ identidades no interior de sistemas simbólicos.
nalam as limitações de uma perspectiva sobre a produção
A identidade tem se destacado como uma questão cen­
da identidade de gênero que afirma o privilegiamento mas­
tral nas discussões contemporâneas, no contexto das recons­
culino no interior da ordem simbólica, na qual o pha llus é o
truções globais das identidades nacionais e étnicas e da
significante-chave do processo de significação. Apesar das
emergência dos "novos movimentos sociais", os quais estão
afirmações em contrário de Lacan, o pha llus corresponde
preocupados com a reafirmação das identidades pessoais e
ao pênis, na medida em que significa a "lei do pai" e não da
culturais. Esses processos colocam em questão uma série
mãe. Ele realmente argumenta que as mulheres entram na
de certezas tradicionais, dando força ao argumento de que
ordem simbólica de forma negativa - isto é, como "não-ho­
existe uma crise da identidade nas sociedades contemporâ­
mens" e não como "mulheres". Mesmo que o sujeito unifi­
neas[À discussão da extensão na qual as identidades são
cado tenha sido abalado pela teoria psicanalítica, parece
contestadas no mundo contemporâneo nos levou a urna
também verdade que as mulheres não são, nunca, plena­
análise da importância da diferença e das oposições na
mente aceitas ou incluídas corno sujeitos falantes. O que é
construção de posições de identidade.�
importante, aqui, é a subversão que as teorias psicanalíticas \

fazem do eu unificado, bem como a ênfase que colocam no A diferença é um elemento central dos sistemas classi-
papel dos sistemas culturais e r�presentacionais noyrocesso ficatórios por meio dos quais os significados são produzidos.
ele construção da identidade. E importante tambem a pos­ Examinamos as análises estruturalistas de Lévi-Strauss e de
sibilidade que elas oferecem de se analisar o papel tanto dos Mary Douglas, ao discutir os processos de marcação da
desejos conscientes quanto elos inconscientes nos processos diferença e da construção do "forasteiro" e do "outro", efe­
ele identificação. O conceito ele inconsciente aponta para tuados por meio de sistemas culturais. Os sistemas sociais e

66 67
-�
simbólicos produzem as estruturas classificatórias que dão
um certo sentido e uma certa ordem à vida social e as
distinções fundamentais - entre nós e eles, entre o fora e o
dentro, entre o sagrado e o profano, entre o masculino e o
,...., _p_or _d-uç-ão--,
feminino - que estão no centro dos sistemas de significação
da cultura. Entretanto, esses sistemas classificatórios não
podem explicai� sozinhos, o grau de investimento pessoal
que os indivíduos têm nas identidades que assumem. A
discussão das teorias psicanalíticas sugeriu que, embora as
consumo 1
dimensões sociais e simbólicas da identidade sejam impor­
tantes para compreender como as posições de identidade
são produzidas, é necessário estender essa análise, buscan­ Figura 2 - O circuito da cultura, segundo Paul de Gay et alii (1997).

K
do compreender aqueles processos que asseguram o inves­ 2. Refere-se ao grupo de mulheres que organizou, em agosto-setembro de 1981,
uma demonstração de protesto contra a decisão da OTAN (Organização do
timento do sujeito em uma identidade. Tratado do Atlântico Norte) de armazenar mísseis nucleares na base aérea
estadunidense de Greenham Common, na Inglaterra. Após ter canúnhado cerca
de 50 quilômetros, desde Cardiff, no País de Gales, até a base de Greenham
Notas Commom, situada em Bekshire, Inglaterra, o grupo de mulheres acampou
l. A autora refere-se ao esquema representado na Figura 2, desenvolvido por próximo ao po1ião principal da base (N. do T.).
Paul du Gay, Stuart Hall, Linda Janes, Hugh Mackay e Keith Negus (1997). De
acordo com as explicações da autora deste ensaio em sua introdução ao livro de
onde ele foi extraído, Iclentity and clifference, "no estudo cultural do Walkman Referências bibliográficas
como um artefato cultural, Paul du Gay e seus colegas argumentam que, para
se obter uma plena compreensão de um texto ou miefato cultural, é necessário ALEXANDER, J. (org.). Durkheimian Sociology: cultural studies.
analisar os processos de representação, identidade, produção, consumo e regu­ Camb1idge: Cambridge University Press, 1990.
lação. Como se trata de um circuito, é possível começar em qualquer ponto; não
ALTHUSSER, L. For Marx. Hannondswo1th: Penguin, 1969.
se trata de um processo linear; seqüencial. Cada momento do circuito está
também inextricavelmente ligado a cada um dos outros, mas, no esquema, eles -. Lenin and Philosophy, and other Essays. Londres: Left Books,
aparecem como separados para que possamos nos concentrar em momentos 1971.
específicos. A representação refere-se a sistemas simbólicos (textos ou imagens
visuais, por exemplo) tais como os envolvidos na publicidade de um produto ANDERSON, B. lmagined Communities: reflections on the od­
como o Walkman. Esses sistemas produzem significados sobre o tipo de pessoa gins spread of nationalis11i. Londres: Verso, 1983.
que utiliza um tal miefato, isto é, produzem identidades que lhe estão associa­
das. Essas identidades e o artefato com o qual elas são associadas são produzi­ AZIZ, R. F'eminism and the challenge of racism: deviance or
das, tanto técnica quanto culturalmente, para atingir os consumidores que difference, in: CROWLEY, H. & HIMMELWEIT, S. (orgs.).
comprarão o produto com o qual eles - é isso, ao menos, o que os produtos Knowing Women. Cambridge: Polity/fhe Open University,
esperain - se identificarão. Um a1tefato cultural, tal como o Walkman, tem um
1992.
efeito sobre a regulação da vida social, por meio das formas pelas quais ele é
representado, sobre as identidades com ele associadas e sobre a articulação de BOCOCK, R. & THOMPSON, K. (orgs.). Religion and ldeology.
sua produção e de seu consumo" (N. do T.). Manchester: Manchester University Press/The Open Univer­
sity, 1985.

68 69
BOURDIE U, p Distinction:
a social critique oifthe;·
taste. Cambn·dge: MA, udgement of
Harvard University Press, GLEDHILL, C. Genre and gender: the case of soap opera, in:
CASTLES, S. & MILLER,
1984. HALL, S. (org.). Representation: cultural representations and
M.J. The Age oJMigration signifying practices. Londres: Sage/fhe Open University, 1997.
Macnullan, 1993. · Londres:
CIX? US, H. Sorties, La HALL, S. Cultural identity anel diaspora, in: RUTHERFORD, J.
_ ]eune Née. Pm·is: Union G (org.). Identity: com,munity, culture, clifjerence. Londres: Law­
d1tions, 10/12, 1975 (traduç énérale d'E­
ão inglesa: in: MARKS, rence anel Wishait, 1990.
COURTI V RON (orgs.). New E. e D e
French Feminisms: an anth
Amherst' MA· Tl1e U mve · rsity ology. HALL, S. (org.). Representation: cultural representations anel signi­
· O f Massachusetts Pres
DA_N IE �S, S. Fields of Vis s, 1980). fying practices. Londres: Sage/fhe Open U1uversity, 1990.
ion: landscape, imagery an
_
identityin England and the d national -. The work of representation, in: HALL, S. (org.). Repre­
US. Camb1idge: Polity Pre
DALY, M. Gyn/Ecolo y: the ss, 1993. sentation: cultural representations anel signifying practices.
me taethics of rad ical feminism. Lon­ Londres: Sage/fhe Open University, 1997a.
dres: The Womenf!,s Press,
1979.
DEL AR, R. W 1at is en -. The spectacle of the Othe1� in: HALL, S. (org.). Representa­
� � � unism?, in: MITCHELL, J. & OA tion: cultural representations and signifying practices. Lon­
LEY, A. What is Feminism? K­
Oxford: Basil Blackwell, 19 dres: Sage/fhe Open Umversity, 1997b.
D E R R I D A , J. 86 .
?n G r am m a t o l o g y . Baltimore/Lon IGNATIEFF; M. The highway ofbrotherhood anel unity, Granta.
MD!Johns Hopkins Unive dres:
rsity Press, 1976. Vol. 45, p. 225-43, 1993.
DOUGLAS, M. P.urity an
el Danger: an analysis of po -. The Narcissism of Minar Differences. Pavis Centre Inaugural
taboo. Londres: Routledge llution and
, 1966. Lecture, Milton Keynes: The Open University, 1994.
-. ln the Active Voice. Lon
dres: Routledge, 1982_ IRIGARAY, L. This Sex Which Is Not One. Ithaca, Nova York:
-. Constructive Drinking
. Cambridge: Cambridge Cornell University Press, 1985.
Press, 1987. University
JEFFREYS, S. The Spinster anel her Enemies: fe1ninis1n and
D U GAY, p (org.) Producti
on of Cu lture/Cultures of Pro sexuality, 1880-1930. Londres: Pandora Press, 1985.
Londres: Sage/fhe Open Un duction.
iversity, 1997. KAY, J. The Adoption Papers. Newcastle: Bloodaxe, 1991.
-. H�LL, S.; JANES, L.;
MACKAY, H. & NEGUS, KING, R. l\tligrations, globalization anel place, in: MASSEY, D.
Doing Cu ltural Studies: the K. (orgs.).
story of the Sony V./alkm,an & J ESS, P (orgs.). A Place in the World. Oxford: Oxford
dres: Sage/fhe Open Unive . Lon­
rsity, 1997. University Press/The Open University, 1995.
DURKHEIM, E. The El
_
Londres: Allen &
�1nentary Forms of the Religious Life. LACAN, J. Écrits: a selection. Londres: Tavistock, 1977.
Unwm, 1954.
G IDDENS, A. The Conse -. New Reflect-ions on the Revolution of Our Tiine. Londres:
quences of Moclernity. Ca Verso, 1990.
Polity, 1990. mbridge·
GI OY, Paul. Diaspo -a an LEACH , E. Lévi-Strauss. Glasgow: Collins, 1974.
� el the cletours of identity, in:
ARD, Kath1yn (01�g.). Identt_ WOOD­ L ÉVI-STRAUSS, C. Le triangle culinaire, LArc, n. 26, p. 19-29,
ty anel difference. Lond
ges, 1997: 299-346. · res· Sa< - 1965 (tradução inglesa: New Society, 22 dez. 1966, p. 937-40).

70
71
LORDE, A. Sister Outsider. Trn
mansburg, Nova York: The Cro
sing Press, 1984. s­
MALCOLM, N. Bosnia: a short his
tory. Londres: Macmillan, 199
4.
2.
MERCER, K. Welcome to the
jungle, in: RUTHERFORD,
J.
A produção social da identidade
(org.). ldentity: community, cul
rence and Wishart, 1990.
ture, dif.ference. Londres: La
w­ e da diferença
-. "1968" pe1iodising postm
odern politics and identity, Tomaz Tadeu da Sílva
GROSSBERG, L.; NELSON, in:
C. & TREICHLER, P. (orgs.).
Cultural Studies. Londres: Ro
utledge, 1992.
MOHANTY, S.P. Us and them:
on the philosophical bases of As questões do multiculturalismo e da diferen?a t m -
political criticism, The Yale Jou
mal of CritiC'ism, vol. 21, p. �
ram-se, nos u,lt1·mos anos' centrais na teoria educac10na� cu-
.
. .
1-31, 1989.
MOORE, H. "Divided we stand tica e até mesmo nas pedagogias oficiais. Mesmo��� tia . ta_
": sex, gender and sexual díffe­
rence, Feminist Review, n. 47, p. das de forma marginal, como "temas tran�v_er�a1s , essas
78-95, 1994. questões são reconhecidas, inclusive pelo oficialismo, como
·
legítimas questões de conh ecimento. O que � causa esti_an he-
NIXON, S. Exhibiting mascu
linity, in: Hall, S. (org.). Repre
.

­
za nessas discussões é, entretanto, a ausencia de uma teoua
sentation: cultural represent
ations and signifying practic
Londres: Sage/fhe Open Unive es.
rsity, 1997. da identidade e da diferença.
ROBINS, K. Tradition and tran
slation: national culture in its �eralm o chamado "multiculturalismo" apói�-se e
um vago e be�evolente apelo à tolerância e ao respeito pai�a
global context, in: CORNER, J.
& HARVEY, S. (orgs.). Enter­
prise and Heritage: crosscurr
com a diver.s1ºdade e a diferença. E, particu. larmente proble-
ents of national culture. Londr
Routledge, 1991. es:
ROBINS, K. Global times: what ma't1·ca' nessas perspectivas, a idéia de divers1·dade. parece
in the world's going on? ln : DU 1 1c1·1 que uma perspectiva que se 1·nm·ta a proclamar a
d·f'
GAY, P. (org.). Production of Cultur
Londres: Sage/fhe Open Unive
e/Cultures of Pro ductfon. existência da diversidade possa servir . de ,b_ase para uma
peda ocria que coloque no seu centro a cnhc� pol'f � rca da
rsity, 1997.
RUTHERFORD, J (org.). ldentit
. y: conimunity, culture, differe
n­ identida � bde e da d11eren
·r çga · Na perspectiva da d1vers1 dade, a
ce. Londres: Law rence and Wishait, 1990. -:r
duerença e a I·dent·dade1 .
tendem a ser naturalizadas, cnsta-

lizadas, essencializadas. São tomadas como d.ªdos_ o_u f; t
ROWBOTHAM, S. Hidden from
History: 300 years of women's
da vida social diante dos quais se deve tomar ?os1çao. �:
oppression and the fight agains
t it. Londres: Pluto, 1973.
ge ·al a posição socialmente aceita e pedagog1carr�en�e- ie­
SAID, E. Orientalism. Londres:
Random House.
SAUSSURE, E de. Course in Ge
neral Linguístics. Londres: Co comenI ' dada e' de respeito e tolerância para com a d1vers1da­
lins, 1978. l­ de e a diferença. Mas será que as questoes - da 1 º denfi_dade e
WEEKS, J. The Lesser Evil and the
Greater Good: the theory and
da diferença se esgotam nessa posição liberal? E, sob1etudo..
politics of social diversity. Londr essa perspectiva é suficiente para ser�ir de ba:e para u 1a
pedagogia crítica e questionadora? Nao devenamos, an�es
es: Rivers Oram Press, 1994.

72
73
de mais_ nada, ter uma teoria sobre
a rod ã0 da I.d n h"d que estou fazendo referência a uma identida de que se es­
�e d a dife · . pli. c ações política
? Qua1·s a s im ade
s d e conc e1-
. gota em si mesma. "S ou brasileiro" - ponto. Entretanto, eu
to s como difere_nça, 1·den ti.da de .
, di ver sida de , alter ida só preciso fazer essa afirmação porque existem outros seres
O que esta, em J og o na iden tid de .?
ad e·? Co rn o se c onf· humanos que não são brasileiros. Em um mundo imaginário
uma : ed �gog1�· e urn c urríc ul 1gu a ria
o que esti vesse m c totalmente homogêneo, no qual todas as pessoas partilhas­
r
e ntra dos
não a divers1 dade , mas n a dif
eren ça ' c on ce bida
. co mo sem a mesma identidade, as afirmações de identidade não
pro cess o, um a ped agogi. a e um -
currículo q�e nª-2.. se 1_1m · 1..- fariam sentido. De certa forma, é exatamente isto que ocorre
tassem a lebrar a identI·da .
de e a dif erença, mas ue com nossa identidade de "humanos". É apenas em c ircuns­
uscassem problematizá-las ? E
pai.a questo- es como essas tâncias muito raras e especiais que precisamos a irmar que
quese volta o p resente ensa�o

ld_entidade e diferença: aquil


.
-
"somos humanos .
A afirmação "sou brasileiro", na verdade é arte de uma
o que é e aqu,·1 o que extensa cadeia de "negações , e expressões ne crativas de
nao é
identidade, de i erenças. Por trás da afirmação "sou brasi­
Em uma primeira a .o 1· a ç leiro" deve- ser ler: "n ão sou arg entino", "não sou chinês",
ao, parec e ser fácil d f
e inir
"identidade". A,, identid;�e �e � simples mente aquilo "n ão sou j aponês" e assim por diante, numa cadeia, neste
.
. o ' "so,, u negro
"sou, b1·as1 J· en que se é·
. ", "sou heterossexual", "sou caso, quase interminável. Admitamos: ficaria muito compli­
vem ,, "so u horn em j o-
. A identidade assi,,m concebid . a parece cado pronunciar todas essas frases negativas cada v ez que
ser uma positividad
e ("a 3 m1· O que so u
), uma característica eu quisesse fazer uma decl aração sobre minha identidade.
independente, um iato a utô
"r.

nomo N e�_:rsp�tiva, a A gramática nos permite a simplificação de simplesmente


identidad só tem como re:fiei dizer "sou brasileiro". Como ocorre em outros c asos, a gra­
�����crn si propna : ela é auto­
.A

-
• • •

e�a
a-::
conti�d: -sufi�-1c�1��
:u�to=�� ente
en
ª mática ajuda, mas também esconde.
N�-�1esma linha de raciocínio

, também a diferença é Da mesma forma, as afirm ações sobre diferença só fa­
co ce I a c omo um
a entidade independe� - zem sentido se compreendidas em sua relação com as afir­
te caso em o osição à identi . A, en�s, nes­
.
dade, a difei.ença e aqmlo que mações sobre a identidade. Dizer que "ela é chinesa'' significa
o out 10· e'.. "eJa e, 1t· a 1.ana � dizer que "ela não é argentina'', "ela não é japonesa'' etc.,
ca �, eia e n· on1osse-
xual", "ela e velhá', "e I a e,'n1uIh incluindo a afirn1ação de que "ela não é brasileira'', isto é, que
er · a 111 esma orma que
identidade, a d11 · e1.en ça e, , nesta p eI.specb.
r ela não é o que eu sou. As afü111ações sobre diferença também
va, conce bida
a

como auto-referenci ,
ada, como "algo que dependem de uma cadeia, em geral oculta, de declarações
remete a si p1o . p1.·1a.
Adu·rerença , tal como a identidad . negativas sobre (outras) identidades. Assim como a identidade
e, sm1 . pIesmente existe.
,
� compreender entre� depende da diferença, a diferença depende da identidade.
. que identidade e dif;e
i ença estao em uma relação de Identidade e diferença sao, p01s, mseparave1s.
est. ·
i e1 ta depenclênc.i.a. A E .
ma afiirmati va como expressam Em geral, consideramos a diferença como um produto
os a identidad1e te�,
de a em-
s-
";--
conder essa relação. Quando . derivado da identidade. N esta perspectiva, a identidade é a
digo "so u bI.as1· eir o parece
referência, é o ponto original relativamente ao qual se define
.

74 75
a diferença. Isto refl
ete a tendênci
mos como sen do a no a a tomar aquilo qu
rma pela qual descre e so­
a identid . ade e a diferença têm que ser nomeadas.� apenas
mos aquilo que não so vemos ou aval
mos. Por sua vez, na ia­ de atos �e fala q le instituímo s a id entidade e a
venho tentand o dese perspectiva qu Por meio � .
nvolvei� identidade
e diferença
e diferença con:o tais A defimça-o da identidade brasileira,
vistas co mo mutuam sã
ente determin
adas. Numa visão
o por exemplo, e o res�ltado da criação de variados e comple-
radical, entre tanto , s m a is
eria p ossível
dizer que, c ontraria xos atos lingüístico s qu� a d�fmem como sendo diferente de
à primeira perspect mente
iva, é a diferença qu
e vem em pr
outras I·<lentidades nac1ona1s.
lugar. Para iss o seria imeiro
preciso c onsiderar C omo ato lmgms� . o , a identidade e a diferença estao
sim plesmente co m a diferença não . .. , ic
Ç; o resultado d
e um process
o, � s
. - a certas propnedades que caracterizam a linguagem
uJeitas
--f\ processo mesmo pcl.Q__ , v
qual tanto a identid o
em gera1. Por exem lo , segundo o lingüista sm o rer d'man
rrJ chleren a c om ree ade quantQ_ a , .
ndida, aqui, como re de Saussur. é , a linguag em , n ent m nt u iste a
JJ zidas. Na origem esta sultado) são du-
e e e
ria a · erença-com ,
r enças. ós já haviamos e::ontrado esta idéia quan-
t(1 co �o ou ro cess preendida, agora, de di. ier .
o de diferenc . de e da diferença como e1ement os
2 noção ue e iação . É precisament do falamos da i�entid�
e essa , A
0- diferença, como v n eituação lingüístic
a de que so tem sentido n o mte110r
. .. ,
.· de uma cadeia de diferencia-
7�--...:...:________ eremos adiant
e. _ ção 1 mgms f 1ca ("s
" "não ser mais
e r ist
.
o ,, ·r·
.
s1gm
.
ica "não ser isto,, e "na- o se1.
·1
aqu1 0 e aqm10 ,, e assim por diante) .
Identidade e difere
nça: criaturas da lin De acordo co m Sauss_ ure; os elementos - os sign · os - que
guagem
Além de serem inte .
rdependentes, iden constituem uma língua nao tem qualquer valor absoluto, não
ça partilham uma im tidade e diferen­ . . .
portante característ
ica: elas são o resul­ fazem sentido se considerado s 1so1adamente · Se cons1dera-
tado de atos de criaçã .
o lingüística. Dizer qu mos apenas. o aspecto matena1 de um signo ' seu aspecto
ele atos de criação sig e sã o o resulta
nifica dizer que não do gráfico ou r . 1 g1a
io ne'fico (o sma -'f·1co "vaca'' , por exemplo, ou
ela natureza, que nã são "elementos" , .
o sã o essênci seu equivalente fonetlco) ' não há nele nada intrínseco que
�stejam simplesment as, que não são coisa
e aí, à espera
s que , e1a c01sa . que reconhecemos c om o sendo uma
de s r m remeta aqu
clescobertas, respeita e e r e veladas ou .
das ou toleradas A vaca - e1e podena, · de forma 1gua1mente arbitrária' remeter
�iferença têm � . identidade e a ,
r ativamente prod�� a um outro o bjeto como, pOI. exemplo uma faca. E le so
Ctiaturas do mundo E�o são
tal, mas do na tural ou de um mun adquire va1or - ou sentido _ numa ca<leia infinita de o utras
mundo cultural e s do tr anscenden­ , .
o cial. Som os
nó marcas gra'f·icas ou foneticas que sa-0 diferentes dele. O
bbcamos, no c onte s que as fa­ . . .
iclentidade xto de relações cultu mesmo ocorre se consideramos o sigm·ficado que constitui
e a diferença são cr ra is e sociais. A . ,
iações so ciais e cultu um determinado signo, is:? e s c nsideramos seu aspecto
Dizei� p or sua vez, rais. . , � �
qu id conceitua1. O coneeito de vaca so f:az sentido numa cadeia
r(:sultado d e e nt idade e diferença sã
e ato s de cria
ção lingüística signi o o infinita de concei·tos que na- o sao- " vaca" · ......= :;;;._-:----
Tal como oc orre
elas
são criadas p or meio fica dizer que 1 .
de atos de linguagem com o concei "·to "sou bras1· eiro ,, , a Palavra "vaca" é apenas
Utn.a obviedade. M . Isto parece .- . ,. ,
as como tendemos uma maneira conveniente e abreviada de dizer "isto nao e
da.s, como a tomá-las c omo da , ,
"fato s da vida", com ­ porco,, ' "nao- e árvo re, na- o e casa,, e assim por diante. Em
freqüência esquece , '
mos que Outras palavras, a lmgua nao - passa de um sistemae d --kf,
ui e-
76
77
para que o signo funcione
renças. ,-Reencontramos, aqm,· em contraste com a idéia de sença". E ssa "ilusão " é necessária
o e stá no lugar de alguma outra coisa.
dI·tie1enç
. a como produto' a noção de d·r
ue1.e-
nça como a 0 pe_:. como tal: afinal, o sign omessa da pre­
- nte realizada, a pr
raçao ou o proces so básica de fimçjonam
- ento da I'mgua e Embora nunca plename outras
- · . te da idéia de signo. Em
por extensao, de mshtuições culturais e sociais como a iden� sença é parte integran resença
com Derrida, que a plena p
f1dade, p01 exemplo. palavr as, podemos dizei; adiada.
o signo é indefinidament
(da "coisa", do conceito) n
e

sib ilid ade d essa presen


ça que obriga o
É ta mb ém im p
, de
processo de diferenciação
a os
Mas a linguagem vacila...
signo a depender de um centa
A identidade e a diferença não 0dem ser compreendi- teriormente . Derrida acres
. diferença, com.o vimos an
d · _ fiora os sistemas e significação nos quais a qui­ o , a idéia de traço
: o signo carrega s pre
em
� ::_::������ a isso, entretant
iem sentido. Nã - o!s�ãLro�;,.;: s a -;;:.::-:
seie. ::c:;::r;:;-- natu=:�
r eza, mas a cultura e o que ele substitu
i, mas também
. não apenas o traço daquil cisamente da
'"i"---..--dos sis temas simbólicos que a co mpoe m. ffizertrsnlião o é, ou seja, pre
. o traço daquilo que ele nã pode ser s im­
sigm ífüTIIica, e ntre tanto, �izer que elas sãoideterminadas de e ne nhum signo
difere nça. I sso significa qu
uma vez por todas pe 1os sist · emas di. scursiv os e simb oTi- red uz id o a si mesmo , ou
seja, à identidade. S e
' . pl m t ença
lo da identidade e da difer
e
cos que lhe s dão defi ni ção . Ocone . . que a Imguage m,
es en

. . . quisermos retomar o exemp u brasileiro ", ou seja,


ent e n di da aqm d e fo rm_ . a mais geraI como sis tema de ão de identidade "so
, , cu ltu l, a d cl raç , o
si_gnificaça- o, e , ela propna, uma es trutura i nstável· É ntém em si mesma
e a
p. sileira, car rega, co
ra

, � a identidade bra
cisa<mente isso que teo, nc · os pos-estruturalistas com J da dif er ença - "não sou
italiano ", "não ous
tra ç d ut , pre- o
(ou a identidade) porta sem
o o ro
ques Derri�a vêm tentando dizer nos últimos anos : 1::
o
chinês " etc. lD!)esmidade
guagem vacila. Ou '. nas �aIavras d� 1.mgüista Edward S apir diferença).
, tr aço da outridade (ou da
(1921) ' "t0das as giamahcas vazam'. o dicionário talv
ez ajude a
O exemplo da consulta a e da diferença
Essa i ndeterminação fatal da 1.mguagem decorre de uma estões da presença
, . compreender melhor as qu
caractens hca fundamental do . no. O sig
r sig
,
. no e um sinal ndo consultamos
uma palavra no dicioná­
' em Derrida. Qua
uma I arca, um traço que está no lugar de uma outra coisa for ne ce uma definição o
u um sinônimo
rio, o dic i ná i nos
. um dos casos, o dicionário
s
a quar pode ser um obj eto concreto (o o b�etO "gato ") , um
o r o no

daquela palavra. Em nenh esmo . A defi­


conceito ligado a um ob·�eto concreto (o conceito de "gato ") ou o "conceito " m
. - . . apresenta a "coisa" mesma te para outras
ou um conceito a bstrato ("amor ") . O si�no ��o comcid e com
nição do dicion ári
o simplesmente nos reme
esença da "coisa"
a coi sa ou o conceito Na li nguagem filosofica de Derrida
, u eja , pa ra outros signos. A pr
. pa lav ra adiada :
esmo " é indefinidamente
s o s
P ode1iam
., os d·izer que o sig. no na- o e, uma presença ou se3·a, mesma ou do conceito "m ca se
. - est-ao presentes no signo.' de uma presença que nun
a coisa ou o conceito nao
ela só existe como traço ça, um
impossibilidade da presen
Mas a natureza da linguagem é tal que na- o podemos concretiza. Além disso, na outro,
que é porque ele não é um
deixar de ter a ilusão de ',ei. o sig
. no como uma pr ese nça isto determinado signo só é o rcada
, u seja, sua existência é ma
. no a presença do re ferente (a " o .sa ") o'u do
e, de ver np sig nem aquele outro etc., o em cad signo
e a que sobrevive
unicamente pela diferenç
a
conceito. E a isso que Derrida hama de "meta f'is�ica da pre- podemos assim
e e assombração, se
como traço, como fantasma
79
78
�e1: Em suma, o signo é caracte
� rizado pelo diferimento
a iame� to (da pres
ença) e pela difer e
ou A identidade e a diferença: o poder de definir
outros signos), duas caracterís nça (relativame· nte a
ticas que Derrida si· Já sab emos que a identidade e a diferença são o resultado
ntetiza no
de um processo de produção simbólica e discursiv a. O pro­
C�
� r/.iff,5,,.n,,.�n
-�
Toda essa conversa sobre pr cesso de adiamento e diferenciação lingüísticos por meio do
es ença, adiamento
. nça serve para mostrar que e difie- � qual elas são produzidas está longe, entretanto, de ser
se é verdade que s
le
ce a forma governados p el simét rico. A identidade, tal como a diferença, é uma relação
� a estru tur a d a língu
e
po emos diz ei� por ou tro l
'. ;: \ � soci al. Isso si nifica ue sua definição - discursiva e li ms­
ado, qu e s e t rate
a

de um a e strutura muito segu ex atam�n�º


ra · Somos depen dentes n
e tica - está sujeita a vetores · a a rela ões de poder.
te cas o, d e uma e es Elas não são simp esmente definidas; elas são impostas. E as
s tru tur a qu e bal ança · O ad
deB�m·do do significado e su i·amen t'o m . -
-
a dep endência d �fuJ convivem harmoniosamente, lado a lado, em um càmpo
�:�ª? le iferenç significa que o processo
J
e _ un a m en� a�m ent
e ind ete rm in a do,
d: �;:i��=�
s empre inc erto
sem hierarquias; elas são disputadas.
-
Não se trata, entretanto, apenas do fato de que a defini-
resença do significado, ção da iden tidade e da diferença seja objeto de disputa entre
: ;:;�� (� �:;�:� �Ja1 : 1-mguagem- s
t
do
º
�:
l

e refere). M as na grupos sociais assimetricamente situados relativamente ao


e
medida em �ue na- o pode, nu
nca, nos fornecer essa <lese ·ad poder. Na disputa pel a identidade está envolvida uma dis­
p1.esen_ça, a l�n_guagem é car a
acterizada p el a ind puta mais ampla por outros recursos simbólicos e materiais
e pela mstabihdad et ermin�çã0
e.
da sociedade. afü unciação da
Essa característica da lingu .. diferença traduzem o desejo dos diferentes grupos sociais,
ag em tem consequ
importantes p ara a questão enc1as
da diferença e da identidad as-�imetricamente situados, de garantir o acesso privilegiado
A •

.
cuIturais. N a medida em qu
. e são defi·mi"das em aos b ens sociais. A identidade e a difer ença estao, pois, em
e
me10 da Iing �- - - - .
--..:...: =-- ::i. parte. nor
. uagem tidade e a diºfierenç ' estreita conexão com r elações de poder. O poder de definir
d. ix a na -o � adem
ai. de s .

.
instab·1 ·d d - Vio1 temos, uma '
ambém pe1 m ª . d .
eternunação e pe à 0 a identidade e de marcar a diferença não pode ser separ ado
vez mais, ao nosso exem o /'V das relações mais amplas de poder. A identidade e a dife­
identidade brasileira. A ide a
. ntidade "sei. b1.asi·1eu-o . € na-o rença não são, nunca, inocentes._
pode, como vm10s, ser compr . de um
eendid fima
ª
de produça- o sim .
· bo'I·ica e discursiva, em qu pro cesso . �demos dizer qu e onde existe diferenciação - ou sej a,
.1 o" na- o e o "ser brasilei- identidade e diferença - aí está presente o poder. A difer en­
tem nenhum referente natura
sol�to que e�ista anteriorme l ou fixo não é �ciação é o processo central pelo qual a identiaade e a di­
�-�a o _te n à linguag em � fora d:i: ferença são produzidas. Há, entretanto, uma série de outros
sentido em relação com uma
te

çao ;mm� cadei a de significa� processos que traduzem essa diferenciação ou que com ela
a a por outras ide
n ida d s n cionais que, poi. sua
vez, tampouco sa- o Eix · guardam uma estreita relação. São outras tantas m arcas da
t e a
as, naturais ou pr e
. .
su a,� identidade e a difer determinadas. .,Em. presença do poder: incluir/excluir ("estes pertencem, aque­
· � ença são tão indete
n eis quanto a ingua
rminadas e es não"); demarcar front eiras " , s e eles ; c ass1 1car
� gem a qual d ependem. "
-------------- ("bons e m aus ; puros e impuros ; "desenvolvidos e primi-

80
81
_!ivos"; "racionais e irracionais");
. nom1 alizar (" , s somo �n�liso� �e�alha�amente esse proces�o. Para �le, as
is ; eles sã an rm ais" .) -- -- ---..:...�
� , o p o s1ç o es bmanas nao
expre ssam uma s1111ples divisã o �
s

o sição·
1-

A afümação da identidade e a ma. . do mundo em duas classes simétricas: em uma op


o o

rcaç�� da - diferença endo


implicam, sempre, as operações
, de melun e de excluir. binária, um dos termos é s empre privilegiado , receb
Como vimos' d'izei. "o que so mos , carga
si ?m·fi
_ ica tambem , .
dizer um valor pos itivo, enquanto o outro recebe uma
.� "o que urna
não somos". A identidade e a difei
ença se traduzem' negativa. "Nós" e "eles", po r exemplo , constitui
é,
assim, em declaraço-es so b.1 e que
m pe tence e sob�e quem típica o posição binária: não é preciso dizer qual tenno
nça
não pertence, sobre quem está inc
luíd: e quem esta excluí­ aqui, privilegiado. As relações de identidade e difere
do. Afirmar a identidade :�gm . ·fiica d;.marcar fronteiras, sig­ ordenam-se, t odas, em torno
de o posições binárias: mas­
nifica fazer distinções en i e o �ue
uca dentro e o que fica culino/feminino, branco/negr o, heterossexual/hom osse-
fora. A ident'd 1 ade esta, sempre ligada a uma iro xual. uestionar a ider · · · como rela es -
rte separação Ef
entre "nós " e "eI es,,. Essa demarce
ação de fronteir . as, � er significa problematizar os binarismos em to rno dos
essa
separação e distinção' supo- em e a
me sm quais elas se organizam.
. te
, myo, �fiirmam
� e reafirm am relações de podei: ,:Nós" e "ele ,
s nao sao, neste Fixar uma determinada identidade como a norma é uma
o o

caso, simples distinções gra . i.s. dasformas privilegiadas de hierarquização das identidades
,, . matica Os pronomes "no, s ,, e
"e1es não são, aqui, simples cate - go11as .· gra . matica .
. mas
is, edas diferenças. A normalização é um dos rocessos mais
.
evidentes indicadoi·es de pos1ç oes-de _ SUJe · it r
· o 10rtemente sutis pelos quais o po er se mani esta no campo da identi­
marcadas p or relaço s -ede poder. dãcle e daâlierença. Normalizar significa eleger - �
� Dividir o mundo social entre . 1�idade específica como o arâme1i·o em
"nós" e "e1es" s1gn
classificar. O processo de I ass1'fi _ , ific� re ação ao gual as outras identidades são avaliadas e hierar­
icaçao e central na vida·
social. Ele p ode ser ent ndi�o c �orrnalizar significa atribuir a essa identidade
omo um ato de significa
pelo qual dividimos e o/denamos o mu ção todas as características positivas possíveis, em relação às
ndo s-oeia
em classes. A identidade e a difere
· 1 en� grupos, quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma
nça eStao estreitamente
relacionadas às foI.mas peIas qua . negativa. A identidade normal é "natural", desejável, única.
is a sociedade pi.oduz e
uti·11za
· classific . . ações . As elassrnc A força da identidade normal é tal que ela nem sequer é
·r.· aç_o_ es sã..__
pftrtlr. do ponto de vist · o sempI.e �
vista como uma identidade, mas simplesmente como a iden­
a d 1'denti'dade Isto é, as eI asses
quais o mundo social é d·1v1.dI.do na_ · . nas tidade. Paradoxalmente, são as outras identidades que são
ª
f,,;f-nn n

-.
. , o sa_ o s1m
tos s1metricos. -D·1v1·d·. . ar sianifica,
ples agr.upamen- marcadas como tais. Numa sociedade em que impera a su­
11 e e 1ass1fic. -:--
�, m hiera g · . b neste casQ... premacia branca, por exemplo, "ser branco" não é conside­
Dete1. o pnv11e'g·10 de eIass·f·
nifica também deter O pnv , . 1 1car sig- rado uma identidade étnica ou racial. Num mundo gover­
.· i. 1eg10 de atribuir dI·[ie1.
1ores aos grupos assü11 class·f·
entes va- nado pela hegemonia cultural estadunidense, "étnica" é a
1 1cados. música ou a comida dos outros países. É a sexualidade
A mais im Jortante forma de- clas
. sificaçao e ,-
a uela u homossexual que é "sexualizada", não a heterossexual. A
se estrutura em torno
de o os1 oes mar . ias is to e, , em torno força homogeneizadora da identidade normal é diretamente
de duas classes polarizadas . O fl , r
I oso10 r..
11ances Jacques Der-
A pro porcional à sua invisibilidade.

82 83
Na medida em que é uma ope ração d e dife renciação, de de gênero (quando se justifica a dominação masculina por
produção de diferença, o anormal é inteiramente constitu-" meio de argumentos biológicos, por exemplo), ele é menos
tivo do normal. Assim como a definição da identidade de ­ utilizado nas tentativas de estabelecimento das identidade s
pende da diferença, a definição do normal depende da de­ nacionais, onde são mais comuns e ssencialismos culturais.
finição do anormal. Aquilo que é deixado de fora é sempre
No caso das identidades nacionais, é extre mame nte co­
parte da definição e da constituição do "dentro". A definição
mum, por exemplo, o apelo a mitos fundadores. As identi­
daquilo que é considerado aceitável, desejável, natural é
dades nacionais funcionam, em grande parte, por meio
inteirame nte dependente da definição daquilo que é consi­
daquilo que Benedith Ande rsen chamou de "comunid��es
de rado abje to, rejeitável, antinatural. A identidade hegemô­
imaginadas". Na medida e m que não existe nenhuma co­
nica é pe 1mane nte mente assombrada pelo seu Outro, sem .
munidade natural" em torno da qual se possam re umr as
cuja existência ela não faria sentido. Como sabemos de sde
pessoas que constituem um determinado agru:pamento n�­
o início, a difere nça é parte ativa da fo1mação da iden.tidade. ,
cional, ela precisa ser inventada, imaginada. E necessano
criar laços imaginários que permitam "ligar" pessoas que,
Fixando a identidade sem ele s, se riam simplesmente indivíduos isolados, sem
O processo de produção da ide ntidade oscila entre dois nenhum "sentimento" de terem qualque r coisa e m comum.
movime ntos: de um lado, estão aqueles processos que ten­ A língua tem sido um dos elementos centrais de sse
dem a fixar e a estabilizar a identidade; d e outro, os proces­ processo - a história da imposição d: s naçõ�s mod:rnas
sos que te ndem a subvertê-la e a dese stabilizá-la. É um _ . _
coincide, e m grande parte , com a h1stona da 1mpos1çao de
processo semelhante ao que ocorre com os mecanismos uma língua nacional única e comum. Juntamente com a
discursivos e lingüísticos nos quais se sustenta a produção língua, é central a construção de símbolos nacionais: hinos,
da identidade. Tal como a linguagem, a tendência da ide n­ bandeiras, brasões. Entre e sses símbolos, destacam-se � s
tidade é para a fixação. Entretanto, tal como ocorre com a chamados "mitos fundadores". Fundamentalmente, um 1m­
linguagem, a ide ntidade está sempre escapando. A fixação to fundador re me te a. um mome nto crucial do passado e m
é uma tendência e, ao mesmo tempo, uma impossibilidade. que algum ge sto, algum acontecimento, em ge ral he rói­
A teoria cultural e social pós-e struturalista tem percor­ co, épico, monumental, em ge ral iniciado ou exe cutado
rido os dive rsos territórios da ide ntidade para tentar descre­ por alguma figura "provide ncial", inaugurou as base s de
ve r tanto os processos que tentam fixá-la quanto aqueles que uma suposta identidade nacional. Pouco importa se os
impedem sua fixação. 1êm sido analisadas, assim, as ide nti­ fatos assim narrados são "ve rdadeiros" ou não; o que im­
dades nacionais, as identidade s de gênero, as identidade s porta é que a narrativa fundadora funciona para dar à
sexuais, as identidades raciais e étnicas. Embora e stejam em identidade nacional a liga sentimental e afetiva que lhe
funcionamento, nessas diversas dimensões da identidade garante uma certa e stabilidade e fixação, sem as quais ela
cultural e social, ambos os tipos de processos, eles obede­ não te ria a mesma e necessária eficácia.
cem a dinâmicas diferente s. Assim, por exemplo, e nquanto Os mitos fundadore s que tendem a fixar as identidades
o recurso à biologia é evidente na dinâmica da identidade nacionais são, assim, um exe mplo importante de essencia-

84 85
lisrno cul�m�al: Embora aparentemente baseadas em argu­ mente teóricos; eles são parte integral da dinâmica da pro­
mentos b10log1cos, as tentativas de fixação da identidade que dução da identidade e da diferença.
apelam para a natureza não são menos culturais. Basear a
O hibridismo, por exemplo, tem sido analisado, sobre­
infe1i01ização das mulheres ou de celios grupos "raciais" ou
tudo, em relação com o processo de produção das identida­
. 1cos
e' tn " nalgurna suposta característica natural ou biológica n-ao
, · des nacionais, raciais e étnicas. Na perspectiva da temia cul­
1
� snn� �srnente um erro "científico", mas a demonsh·ação da
ttrral contemporânea, o hibridismo - a mistura, a conjunção, o
1mpos1çao de uma eloqüente grade cultural sobre uma nature­
intercurso enti·e diferentes nacionalidades, entre diferentes
za que, em si mesma, é - culturalmente falando - silenciosa.
etnias enti· iferentes raças - coloca em xeque aqueles pro­
As chamadas interpretações biológicas são, antes de seren
cessos que tendem a conceber as identidades como fundamen­
�iológ�c�s, interpretações, isto é, elas não são mais do que ;
talmente separadas, divididas, segregadas. O processo de bi­
1rnpos1çao de uma mahiz de significação sobre urna matéria
bddização confunde a suposta pureza e insolubilidade dos
que, sem elas, não tem qualquer significado. Todos os essen­
Mºs que se reúnem sob as diferentes identidades nacionais,
cialisrnos são, assim, culturais. Todos os essencialismos nas­
rãciais ou étnicas. A identidade que se forma por meio do
cem do movimento de fixação que caracteriza o processo de
hibridismo não é mais integralmente nenhuma das identi-
produção da identidade e da diferença.
dades originais, embora guarde traços delas.
Subvertendo e complicando a identidade Não se pode esquecer, entretanto, que a hibridização se
dá entre identidades situadas assimetricamente em relação
M�is interessantes, enh·etanto, são os movimentos que
ao poder. Os processos de hibridização analisados pela teo­
conspiram para complicar e subverter a identidade. A teoria
ria cultural contemporânea nascem de relações conflituosas
culhrral contemporânea tem destacado alguns desses movi­
entre diferentes grupos nacionais, raciais ou étnicos. Eles
mentos. Aliás, as metáforas utilizadas para descrevê-los
estão ligados a histórias de ocupação, colonização e destrui­
recorrem, quase todas, à própria idéia de movimento de
ção. Trata-se, na maioria dos casos, de uma hibridização
viagem, de deslocamento: diáspora, cruzamento de fro�tei­
forçada. O que a teoria cultural ressalta é que, ao confundir
ras nomadismo. A figura dôjlaneur, descrita por Baudelaire
..? a estabilidade e a fixação da identidade, a hibridização, de
e retomada por Benjamin, é constantemente citada corno
alguma forma, também afeta o poder. O "terceiro espaço"
exernp�ar de identidade móvel. Embora de forma i�a,
(Bhabha, 1996) que resulta da hibridização não @ deten+ú­
as metaforas da �bridização, da miscigenação, do sincretis­
n�nca, unilateralmente, pela identidade hegemónica:
mo e do travestismo também aludem a alguma esp�e

---
ele introduz uma diferença que constitui a possibilidade de
mobihdade entre os diferentes territórios da identi e. As
seu questionamento. _
meta oras que buscam en atizar os processos que compli­
cam e subvertem a identidade querem enfatizar - em con­ 0 hibridismo está ligado aos movimentos demográficos
traste com o processo que tenta fixá-las- aquilo que trabalha que permitem o contato entre diferentes identidades: as
para contrapor-se à tendência a essencializá-las. De acordo diásporas, os deslocamentos nômades, as viagens, os cruza­
com essas perspectivas, esses processos não são simples- mentos de fronteiras. Na perspectiva da teoria cultural con­
temporânea, esses movimentos podem ser literais, como na

86 87
1
J

diás ora forçada dos povo ··canos por meio da escraviza­ Se o movimento entre fronteiras coloca em evidência a
ção, por exemp o, ou podem ser simp esmen e meta oncos. instabilidade da identidade, é nas próprias linhas de fron­
"Cruzar fronteiras", por exemplo, pode significar simples­ teira, nos limiares, nos interstícios, que sua precariedade se
mente mover-se livremente enh·e os territórios simbólicos torna mais visível. Aqui, mais do que a partida ou a chegada,
de diferentes identidades. "Cruzar fronteiras" significa não é cruzar a fronteira, é estar ou permanecer na fronteira, que
respeitar os sinais que demarcam - "artificialmente" - os é o acontecimento crítico. Neste caso, é a teorização cultural
limites entre os tenitó1ios das diferentes identidades. · " contemporânea sobre gênero e sexualidade que ganha cen­
Mas é no movimento literal, concreto, de grupos em tralidade. Ao chamar a atenção para o caráter cultural e
movimento, por obrigação ou por opção, ocasionalmente ou construído do gênero e da sexualidade, a teoria feminista e
constantemente, que a teoria cultural contemporânea vai a teoria queer contribuem, de forma decisiva, para o ques­
buscar inspiração para teorizar sobre os processos que ten­ tionamento das oposições binárias - masculino/feminino,
dem a desestabilizar e a subverter a tendência da ídentidade heterossexual/homossexual - nas quais se baseia o processo

-----
à fixação. piásporas, como a dos negros africanos escraviza­ de fixação das identidades de gênero e das identidades sexuais.
dos, por exemplo, ao colocar em cõmato diferéÍÍtes culturas A possibilidade de "cruzar fronteiras" e de "estar na fronteira",
.._ de ter uma identidad�-ambígua, indefinida, é uma demonsh·a­
e ao favorecer processos de misdgeirução, colocam em mo-
vime�cessos de hibridi�, smcretismo ·· uliza- ção do caráter "aitificialmente" imposto das identidades fixas.
çã�ultural que, forçosamente, transformam, desestabili­ O "cruzamento de fronteiras" e o cultivo propositado de iden­
zam e deslocam as1âenndades originais. Da mesma forma, tidades ambíguas é, enh·etanto, ao mesmo tempo uma podero­
movimentos rmgratórios em gera[, como os que, nas últimas sa estratégia política de questionamento das operações de
décadas, por exemplo, deslocaram grandes contingentes fixação da identidade. A evidente artificialidade da identi­
populacionais das antigas colônias para as antigas metrópo dade das pessoas travestidas e das que se apresentam como
les, favorecem processos que afeta nto as identidades drag-queens, por exemplo, denuncia a - menos evidente -
subordinadas quanto as hegemônicas. inalmente, é a viagem artificialidade de todas as identidades.
em geral que é tomada como metáfora do caráter necessaiia­
mente móvel da identidade. Embora menos h·aumática que a Identidade e diferença: elas têm que ser
diáspora ou a migração forçada, a viagem ob1iga quem viaja a representadas
sentir-se "estrangeiro", posicionando-o, ainda que tempora1ia­ Já sabemos que a identidade e a diferença estão estrei­
mente, como o "ouh·o". A viagem proporciona a expe1iência do tamente ligadas a sistemas de significação. A identidade é
"não sentir-se em casa" que, na perspectiva da te01ia culhiral um significado - cultural e socialmente atribuído. A teoria
contemporânea, caracteiiza, na verdade, toda identidade cul­ cultural recente expressa essa mesma idéia por meio do
tural. Na viagem, podemos experimentar, ainda que de conceito de representação. Para a teoria culh1ral contempo­
forma limitada, as delícias - e as inseguranças - da instabi­ rânea, a identidade e a diferença estão estreitamente asso­
lidade e da precariedade da identidade. ciadas a sistemas de representação.

88 89
O conceito d e representação tem uma longa história, o
sentação mental ou interior. Alepresenta§âQ é, aqui, sempre
que lhe confere uma multiplicidade de significados. Na marca ou traço visível, exterior.
históiia da filosofia ocidental, a idéia de representação está
· Em segundo lugar, na perspectiva pós-estruturalista, o
ligada à busca de fonnas apropiiadas de tomar o "real" presen­
te - de apreendê-lo o mais fi elmente possível por meio de conceito de representação incorpora todas as características
de indeterminação, ambigüidade e instabilidade atribuídas
sistemas de significação. Nessa história, a representação tem-se

apresentado em suas duas dimensões - a representação exter­


à linguagem. Isto significa questionar quaisquer d:s pr�ten­
_
sões miméticas, esp eculares ou reflexivas atnbmda s a r ­
na, por meio de sistemas de signos como a pinhu-a, por exem­ �
plo, ou a própria linguagem; e a representação interna ou presentação pela perspec!iva ��ássica. A�ui � r eprese taç�o
'. �
não aloj a a presença do real ou do s1gmficado. A 1ep1e­
mental - a representação do "real" na consciência.
sentação não é simplesmente um meio transparente de
O pós- estruturalismo e a chamada "filosofia da diferen­ expressão de algum suposto referente. Em v�z ��sso a
ça" erguem-se , em parte, como uma reação à idéia clássica �
representação é, como qualquer sistema de s1gmficaçao,
de represent ação. É precis ame nte por conceb e r a lingua­ uma forma de atribuição de sentido. Como tal, a re�­
gem - e , por extensão, t odo siste ma d e significação - se� é um sistema lingüístico e cultur�l: arbitrário,
como uma estrutura instável e indeterminada que o pó s- es ­ indeterminado e estreitamente ligado a relaçoes de poder.
truturalismo questiona a noção clá ssica d e r eprese ntação.
É aqui que a repre sentação se liga à identidade e à
Isso não impediu, entretanto, que teóricos e teóricas ligados
diferença. A identidade e �-�ça são �streitameJlte
sobretudo aos Estudos Culturais como, por exemplo, S tl.!mJ
depende ntes da repres� ação. E p? r me 10 da repre­
Hall, " recuperassem" o conceito de representação, d esen- _
sentação, assim compree1; dida, que a identidad e e ª
�ndo-o em conexão com uma teorização sobre a identi­ _
rença adquirem p ·o a representaçao �u�,
dade e a diferença.
por assim dizer, a identidade e a diferen�� passam a ex1� tir.
Nesse contexto, a representação é concebida como um , _
Representar significa, n este caso, dizer: essa e a 1dentida- ;/
sistema de significação, mas descartam-se os pressupostos {!>-
de", "a identidade é isso".
realistas e miméticos associados com sua concepção filo
só­
fica clássica. Trata-se de uma representação pós-estrutura­ É também por meio da representação que a identidade
lista. Isto signi� prime�nente, q� se rej eitam,
�.:....-=-;,=-'-=----��-__:___-=------c---- ....:_,;-!----
bretudo, quaisquer conotações m entalistas ou qualqu e�
-::__.------
so- a diferença se ligam a sistemas de poder..Quem te�n o
poder de representar tem o poder de definir e de�
sociaçao con-l'Uma suposta interioridade psicológica. No a identidade. E por isso que a repr esentação ocupa um lugar
,, 0 central ná'teorização contemporânea sobre identidade
registro pós- estrutm;lista, a representação é concebida uni­
e nos movimentos sociais ligados à identidade. Questionar
camente em sua dimensão de significante, isto é, como
sistem a de signos, como pura marca material. A repre­ a identidade e a diferença significa, nesse contexto, questio­
sentaçao expressa-se por meio de uma pintura, de uma nã'r os sistemas derepresentação que lh e daoru orte e
fotografia, de um filrn.e, de um texto, de urna expressão oral. sustentação. No centro a cn 1ca a identidade e da di!e­
( A representação não é, nessa concepção, nunca, repre- rença está uma crítica das suas formas de repr esentaça .

Não é difícil perceber as implicações pedagógicas e curn-

90 91
culares dessas conexões entre �<lentidade e representação. posições fazem com que algo se efetive, se realize. Austin
A pedag ogia e o currículo d eve riam ser capazes de oferecer chama a essas proposições de "performativas". São exem­
oportuni dad e s para que as crianças e os/as jovens desen­ plos típicos de proposições performativas: "Eu vos declaro
volvessem capacidades de crítica e questionamento dos marido e mulher", "Prometo que te pagarei no fim do mês",
sistemas e das formas dominantes de representação da iden­ "Declaro inaugurado este monumento".
tidade e da diferença. Em seu sentido estrito, só podem ser consideradas per­
formativas aquelas proposições cuja enunciação é absoluta­
Identidad e e diferença como performatividade mente necessária para a consecução do resultado que anun­
Remeter a ide ntidade e a diferença aos processos dis­ ciam. Entretanto, muitas sentenças descritivas acabam
cursivos e lingüísticos que as produzem pode significai� funcionando como peiformativas. Assim, por exemplo, uma
en treta n to, o uh·a vez, simplesmente fixá-las, se nos limitar­ sentença como "João é pouco inteligente", embora pareça
mos a compreender a representação de uma forma pura­ ser simplesmente descritiva, pode funcionar - em um sen­
mente descritiva. Será o conceito de pe1formatividade, tido mais amplo - como performativa, na medida em que
desenvolv id o, neste context o , sobretudo pela teórica J\J.m!h. sua repetida enunciação pode acabar produzindo o "fato"
�e nos pem1itirá contornar esse problema. que supostamente apenas deveria descrevê-lo. ltm:._ecisa­
O conceit o de performatividade desloca a ênfase na identi­ mente a partir desse sentido ampliado d ·" rfmmativida­
dade com o descrição, como aquilo que é - uma ênfase que de" Butler analisa a produção a iden­
é, de certa f01ma, mantida pelo conceito de representação
- para a idé ia de "tornar-se", para uma concepção da iden­
___________
tidade como nma questão de per ormativ1 a e.
----,,.
Em geral, ao dizer algo sobre certas caract�ticas iden­
tidade com o movimento e transformação. titárias de algum grupo cultural, achamos que estamos sim­
A formulação inicial do conceito de "performatividade" plesmente descrevendo uma situação existente, um "fato"
deve-se a J.A. Austin (1998). Segundo Austin, contrariamen­ do mundo social. O que esquecemos é que aquilo que di­
te à visão que geralmente se tem, a linguagem não se limita zemos faz parte de uma rede mais ampla de atos lingüís­
a proposições que simple sme nte descrevem uma ação, uma ticos que, em seu conjunto, contribui para definir ou
situação ou um estado de coisas. Assim, se nos pedirem para reforçar a identidade que supostamente apenas estamos
dar um exemplo de uma proposição típica, provavelmente descrevendo. Assim, por exemplo, quando utilizamos
n o s sairíamos com algo como "O livro está sobre a mesa". uma palavra racista como "negrão" para nos referir a uma
Trata-se, tipicam e nte, de uma proposição que Austin chama pessoa negra do sexo masculino, não estamos simples­
de " co nstatativ a" ou "descritiva". Ela simplesmente descre­ mente fazendo uma descrição sobre a cor de uma pessoa.
ve uma situa ção. Mas a linguagem tem pelo menos uma Estamos, na verdade, inserindo-nos em um sistema lin­
outra categ oria de prop o siçõe s que não se ajustam a essa güístico mais amplo que contribui para reforçar a negativi­
de finição: são aquelas pr o posições que não se limitam a dade atribuída à identidade "negra".
descrever um estado de coisas, mas que fazem com que Esse exemplo serve também para ressaltar outro ele­
alguma coisa aconteça. Ao serem pronunciadas, essas pro- mento importante do aspecto perforrnativo da produção da

92 93
identidade. A eficácia produtiva dos enunciados perfonna­ .e i. et·n·ad a d e um determ
inado contexto e inserida em
se m p 1
rente.
tivos ligados à identidade depende de sua incessante repe­ um contexto dife
tição. E m t e rmos d a produção d a id e ntida de, a E, e,xata mente e:.:=--- ssa "citacionalidade " da linguagem que_
ocorrência de urn a única sente nça desse tipo não teTia . seu caráte r IJ erfonnativo • ara faz e-1 a tra-
A

se comb ma Com e
nenhum efeito importa nt e . É de sua repe tição e, sobre­ de produção da iden�1dade. Quando
balhar no processo ara m e refenr a um homem
tudo, da possibilidade de sua repetição, que ve m a força 1zo a e xpressão "negrão" p . - o
utl-1� nif est ando uma opmi-
que um ato lingüístico desse tipo tem no p rocesso de u sim pl sm ent ma a
neg1. 0, na-o esto
e
e
. h a mte . nça_ o, em
produção da id entidade. É a qui que e ntra outra noção exclusiva em mm
que te1n origem plena e a na- o e, a s1m · ples
semiótica importante, uma noção qu e foi esp ecia lmente . a con sciê nci a ou minha me nte. El .
re ssalta da por Jacque s Derrid a . Uma ca racterística es­
m m h
r úni c
.
a de mmha sober an a e ivi
1 e o1:_1-·
·
e ressã o sin gul a e
sencia l do signo é qu e ele s ej a rep etív e l. Isto quer dizer efetuando uma operaçao
�o. Em um certo sentido, estou
nia
que quando encontro um signo como "vaca", eu devo ser Recorte: retiro a expressa- o do
de "recorte e colagem". e zes
capaz de reconhecê-lo como se referindo, de forma relati­ em que ela foi tanta s v
contexto social m;üs amplo no con to tex
vamente estável, sempre, à mesma coisa, apesar de variações .
enunciad a · Colage
m: insiro-a no novo contexto, · ·
"acidentais" - diferenças de ca ligrafia, por exemplo. S e as l re p r ece sob o disfarc e de
m1�11a exclus1�a
em qu e e a a a
pa lavras ou os signos que utilizamos para nos referir às -- como o resultado de minha exclusiva operaçao
. iao,
opm
coisas ou aos conceitos tivessem que ser reinventados, a v rd d e, estou ap enas citand
" o " · E' essa c 1t· aç-ao
m e nt al. N a e a . oi_ça
cada vez e por cada indivíduo - isto é, se não fossem re­ m ção o nun ci ado performat1vo que ref
que recoloc a e a e
petíveis - já não seriam signos tais como os concebemos. à ide ntidade negra de nosso
o aspecto ne. gativo atribuído
se é ap enas mais um a ocorrencia d e uma
A •

D errida (1991) estende essa idéia para a escrita, em exemp1 o.Mmh a f1·a . ema �a.is amplo de
um sist
particula1� e, mais geralmente, p ara a linguagen1: Para Der­ citação que tem sua origem em
· matividade e, fmalmente, de
rida, o que caracteriza a escrita é precisamente o fato de operaço- es de citaç-a0, de p eifor
. - identidade cultural.
que, para funcionar como tal, um; mensagem escrita qual­ defm.1ça- o, p1·oduça0 e reforço da
mesma repetibilidade
quer precisa ser reconh ecível e legível na ausência de quem S egundo Judith Butler (1999), a
que garante J eficácia dos atos
a escreveu e, na verdade, até mesmo na ausência de seu p_erf�1�mativos �ue reforç_ai�1
. ficar tambem a poss1b�-
suposto d e stin a tá rio. M a is radicalme nt e, ela é ind e­ as 1<lentidades existentes pode s1gm
pendente até mesmo de quaisquer supostas intenções que ades hegemomcas. A i�epeti-
A .

lidade da interrupção das identid


ição pode ser questionada
a p essoa que a escreveu pud esse te r tido no momento em
- pode ser interrompida. A repet
çao a-
que o fez. Tudo isso é sintetizado na fórmula de que "a · - · idem as ossibilid
e contestada.É nessa . :
que não repres�ntem sim
escrita é repetível".Segundo Derrida, isso vale para a lin­ des de instauração de identidades
guagem em gera l. Ele cham a essa característica, essa repe- ções de poder exi�tentes. E
plesmente '0·eJrodu ão d� rela - 01!e _ e
cesso de iec
tibilidade da escrita e da linguagem, de "citacionalid " essa- poss1.b-1.1.1dade de interromper o pro . · ·
rocesso de "citac1ona1i-
N esses termos, o que distingue a linguagem como uma -�e efetuar un'la pãrada no p an-1
erformativos que reforç
extensão da escrita) é sua citacion a lidade : ela 'pod e ser
�ade " qt�e caracteriza os atos p

95
94
as diferenças instauradas, que toma possível pensar na pro­ identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsis­
dução de novas e renovadas identidades. tente, inacabada. A identidade está ligada a estruhu-as dis­
cursivas e narrativas. A identidade está ligada a sistemas de
Pedagogia como diferença representação. A identidade tem estreitas conexões com
relações de poder. j
Se prestarmos, pois, atenção à teorização cultural con­
temporânea sobre identidade e diferença, não poderemos Como tudo isso se traduziria em termos de currículo e
abordar o multiculturalismo em educação simplesmente pedagogia? O outro cultural é sem re um roblema is
como uma questão de tolerância e respeito para com a coloca permanen emen e em xe ue nossa ró ria identida-
diversidade cultural. Por mais edificantes e desejáveis que e. questão da identid e da diferença e do outro é um
possam parecer, esses nobres sentimentos impedem que pro ema social ao mesmo tempo que é um problema pe­
vejamos a identidade e a diferença como processos de dagógico e curricular. É3�_12.rnblema social porque, em um
produção social, como processos que envolvem relações de mundo heterogêneo, o encontro com o outro, com o estr_a­
poder. Ver a identidade e a diferença como uma questão de nho, com o diferente, éinevitável. É um problema pedagó­
produção significa tratar as relações entre as diferentes gicÔe curricular não apenas porque as crianças e os jovens,
culturas não como uma questão de consenso, de diálogo ou em uma sociedade atravessada pela diferença, forçosamente
comunicação, mas como uma questão que envolve, funda­ interagem com o outro no próprio espaço da escola, mas
mentalmente, relações de poder. A identidade e a diferença também porque a questão do outro e da diferença não pode
não são entidades preexistentes, que estão aí desde sempre deixar de ser matéria de preocupação pedagógica e curricu­
ou que passaram a estar a aí a partir de algum momento lar. Mesmo quando explicitamente ignorado e reprimido, a
fundador, elas não são elementos passivos da cultura, mas volta do outro, do diferente, é inevitável, explodindo em
têm que ser constantemente criadas e recriadas. A identi­ conflitos, confrontos, hostilidades e até mesmo violência. O
dade e a diferença têm a ver com a atribuição de sentido ao reprimido tende a voltar - reforçado e multiplicado�
mundo social e com disputa e luta em torno dessa atribuição. problema é que esse."outro", numa sociedade em que a
identidade torna-se, cada vez mais, difusa e descentrada,
Nessa perspectiva, podemos fazer uma síntese descre­
expressa-se por meio de muitas dimensões. O outro é o ou­
vendo o que a identidade - tudo isso vale, igu;lme�te, para
tro gênero, o outro é a cor diferente, o outro é a outra
a diferença - não é e o que a identidade é.
sexualidade, o outro é a outra raça, o outro é a outra nac10-
Primeiramente, a identidade não é uma essência· não é . nalidade, o outro é o corpo diferente.
�m d�do ou �m, fato - sej,a da natureza, seja da cul;ura.K Uma primeira estratégia pedagógica possível, que po­
identidade nao e fixa, estavel, coerente, unificada, perma­
deríamos classificar como "liberal", consistiria em estimular
nente. A identidade tampouco é homogênea, definitiva,
e cultivar os bons sentimentos e a boa vontade para com a
a�abada, idê�tica, transc�ndental. Por outro lado, J)ode1�s chamada "diversidade" cultural. Neste caso, o pressuposto
_
d1�r que a 1�entidade e uma c�nstrução, �m efei� básico é o de que a "natureza" humana tem uma variedade
('� _
,,, cesso de p1oduçao, uma relaçao, um ata per�o. A
� de formas legítimas de se expressar culturalmente e todas

96 97
deve m ser respeitadas ou toleradas - no exercício de uma grupO, exercícios corporais, dramatizações são estratégias
tolerância que pode variar desde um sentimento paternalis­ comuns nesse tipo de abordagem.
ta e superior até uma atitude de sofisticação cosmopolita de
Ern algum lugar intermediário entre essas duas aborda­
convivência para a qual nada que é humano lhe é " estranho".
Pedagogicamente, as crianças e os jovens, nas escolas, se­ gens, situa-se a estratégia
. talvez
. mais comumente adotada .
na rot·na pedagógica e curricular das e scolas, que consist e
riam estimula dos a entrar e m contato, sob as mais va ria­ s e às stu ant s uma visao
ern apresentar aos estudant
i . _

da s formas, com as mais d iversas e xpressõ es culturais dos


e e d e

difer e ntes grupos culturais. Para essa p e rsp ectiva, a di­


superficial e distante das diferentes cultur.as. Aqui, o outro
,
aparece sob a rubrica do curioso e do e�otico. Al'em d: nao-
v e rsida de cultural é boa e e xpre ssa, sob a superfíci e , nos­
estionar as relações de poder envolvidas na produçao da
sa natureza humana comum. O probl ema central, aqui, é
â1entidade e da diferença culturais, essa estr_atégia as r�for-
que esta abordagem simpl e sm e nte deixa de questionar
� a0 construir o outro por meio das categorias do exotismo
as re lações de poder e os processos de diferenciação que,
e da curiosidade. Em geral, a apresentação d o outro, nessas
antes que tudo, produzem a identid ade e a diferença. Em abor dagens, é sempre o suficientemente distante, tant� no
geral, o resultado é a produção de novas dicotomias, como espaço quanto no tempo, para não apresentar nenhum risco
a do dominante tolerante e do dominado tolerado ou a da
de confronto e dissonância.
identidade hegemônica mas benevolente e d a identid ade
subalterna mas "respeitada". Finalmente, gostaria de argumentar em favor de uma
estratégia p edagógica e curricular de abordagem da identi­
Uma segunda estratégia, que poderíamos chamar de dade e da difere nça que levasse em conta precisamente as
"terapêutica", também aceita, liberalmente, que a diversi­ contribuições da teoria cultural recente, sobretudo aquela
dade é "natural" e boa, mas atribui a rejeição da diferença
de inspiração pós-estruturalista. N essa abordagem, a p eda­
e do outro a distúrbios psicológicos. Para essa perspectiva,
gogia e o currículo tratariam a identidade e� diferen�a co11:o
a incapacidade de conviver com a diferença é fruto de questões de política. Em seu centro, estaria uma discussao
sentimentos de discriminação, de preconceitos, de crenças _
da identida de e da diferença como produçao. A p ergunta
distorcidas e de estereótipos, isto é, de image ns do outro
crucial a guiar o planejamento de um currículo e d_ e uma
que são fundamentalmente errôneas. A estratégia pedagó­ pedagogia da diferença seria: como a i�entidade � a �1f�r:n­
gica correspondente consistiria em "tratar" psicologicamen­ ça são produzidas? Quais são os mecam_sm� s e � ms�hnçoes
te essas atitudes inadequadas. Como o tratamento pre­ que estão ativamente envolvidos na cnaçao da identidade e
conc eituoso e discriminatório do outro é um desvio de
de sua fixação?
conduta, a pedagogia e o currículo deveriam proporcionar
atividades, e xercícios e processos de consci entização qu e
Para isso é crucial a adoção de uma teoria que descreva
e e xplique o processo 4,e produ�o da ide ntida�e e da di­
permitissem que as estudantes e os estudantes mudassem
suas atitudes. Para essa abordagem, a discriminação e o ferença. Uma e stratégia que simplesmente admita e reco­
preconceito são atitudes psicológicas inapropriadas e de­ nheça O fato da diversid ade torna-se incapaz de forne�er os
vem receb er um tratamento que as corrija. Dinâmica de instrumentos para questionar precisamente os meca�1srnos
e as instituições que fixam as pessoas em deternunadas

98 99
identidades culturais e que as separam por meio da diferen­ cidade estende e multiplica, prolifera, dissemina. A diversi­
�a cult�1ral. Ant�s de tolerar, respeitar e admitir a diferença, d� um dado - da natureza ou da cultura. A multiplicidade
e preciso explicar como ela e ativamente produzida. A é um movimento. A diversidade reafuma o idêntico. A multi­
diversidade biológica pode ser um produto da natureza·' o plicidade estimula a diferença que se recusa a se fundir com
mesmo não se pode dizer da diversidade cultural. A diver- o idêntico. Como diz José Luis Pardo:
sidade cultural não é, nunca, um ponto de origem: ela é, em Respeitar a diferença não pode significar "deixar que o
vez disso, o ponto final de um processo conduzido por outro seja como eu sou" ou "deixar que o oub·o seja diferente
operações de diferenciação. Uma política pedagógica e cur­ de mim tal como eu sou diferente (do outro)", mas deixar que
ricular da identidade e da diferença tem a obrigação de ir o outro seja como eu não sou, deixar que ele seja esse ouh·o
que não pode ser eu, que eu não posso ser, que não pode ser
além das benevolentes declarações de boa vontade para com um (oub·o) eu; significa deixar que o outro seja diferente,
a diferença. Ela tem que colocar no seu centro uma teoria deixar ser uma diferença que não seja, em absoluto, diferença
que permita não simplesmente reconhecer e celebrar a di­ entre duas identidades, mas diferença da identidade, deixar
ferença e a identidade, mas questioná-las. ser uma outridade que não é oub·a "relativamente a mim" ou
"relativamenté ao mesmo", mas que é absolutamente dife­
Por outro lado, os estudantes e as estudantes deveriam rente, sem relação alguma com a identidade ou com a
ser estimulados, nessa perspectiva, a explorar as possibili­ mesmidade (Pardo, 1996, p. 154).
dades de perturbação, transgressão e subversão das identi­
Essas poderiam ser as linhas gerais de um currículo e
dades existentes. De que modo se pode desestabilizá-las
denunciando seu caráter construído e sua artificialidade? uma pedagogia da diferença, de um currículo e de uma
Um currículo e uma pedagogia da diferença deveriam ser pedagogia que representassem algum questionamento não
capazes de abrir o campo da identidade para as estratégias apenas à identidade, mas também ao poder ao qual ela está
que tendem a colocar seu congelamento e sua estabilidade esh·eitamente associada, um currículo e uma pedagogia da
em xeque: hibridismo, nomadismo, travestismo, cruzamen­ diferença e da multiplicidade. Em certo sentido, "pedago­
to de fronteiras. Estimulai� em matéria de identidade o gia" significa precisamente "diferença": educar significa
impensado e o arriscado, o inexplorado e o ambíguo, em �ez introduzir a cunha da diferença em um mundo que sem ela
do consensual e do assegurado, do conhecido e do assenta­ se limitaria a reproduzir o mesmo e o idêntico, um mundo
do. Favorecer, enfim, toda experimentação que torne difícil parado, um mundo morto. É nessa possibilidade de abertura
o retorno do eu e do nós ao idêntico. para um outro mundo que podemos pensar na pedagogia
como diferença. Dessa forma, talvez possamos dizer sobre
Aproximar - aprendendo, aqui, uma lição da chamada
a pedagogia aquilo que Maurice Blanchot (1969, p. 115)
"filosofia da diferença" - a diferença do múltiplo e não do
disse sobre a fala e a palavra: fazer pedagogia significa
diverso. Tal como ocorre na aritmética, o múltiplo é sempre
"procurar acolher o outro como outro e o estrangeiro como
um processo, uma operação, uma ação. A diversidade é
estrangeiro; acolher outrem, pois, em sua irredutível dife­
estática, é um estado, é estéril. A multiplicidade é ativa, é
um fluxo, é produtiva. A multiplicidade é uma máquina de rença, em sua estrangeiridade infinita, uma estrangeiridade
produzir diferenças - diferenças que são irredutíveis à tal que apenas uma descontinuidade essencial pode conser­

--
identidade. A diversidade limita-se ao existente. A multipli- var a afirmação que lhe é própria".

100 101
Referências bibliográficas
AUSTIN, J.L. Corno hacer cosas con palabras. Barcelona: Pai­
dós, 1998.
3.
BHABHA, Homi. O terceiro espaço (entrevista conduzida por Quem precisa da identidade?
Jonathan Ruthe1ford), Revista do Patrünôn-io Histórico e Ar­
tístico Nacional, 24, 1996: 35-41. Stuart Hall
BLANCHOT, Maurice. Lentretien infini. Paris: Gallimard, 1969.
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos
Estamos observando, nos últimos anos, uma verdadeira
do "sexo", in: LOPES LOURO, Guacira (org.). O corpo edu­
explosão discursiva em tomo do conceito de "identidade". O
cado. Pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica,
1999: 151-172. conceito tem sido submetido, ao mesmo tempo, a uma severa
crítica. Como se pode explicar esse paradoxal fenômeno? Onde
DERRIDA, Jacques. Limited Inc. Campinas: Papiros, 1991.
nos situamos relativamente ao conceito de "identidade"? Está-se
PARDO, José Luis. El sujeto inevitable, in: CRUZ, Manuel (org.). efetuando uma completa desconshução das perspectivas iden­
Tiernpo de subjetividad. Barcelona: Paidós, 1996: 133-154. titárias em uma variedade de áreas disciplinares, todas as quais,
SAPIR, Edward. Language. Nova York: Harcomt Brace, 1921. de uma fo1ma ou ouh·a, c1iticam a idéia de uma identidade
integral, 01iginária e unificada. Na filosofia tem-se feito, por
exemplo, a crítica do sujeito auto-sustentável que está no
cenh·o da metafísica ocidental pós-ca1tesiana. No discurso da
c1itica feminista e da crítica cultural influenciadas pela psica­
nálise têm-se destacado os processos inconscientes de f01ma­
ção da subjetividade, colocando-se em questão, assim, as
concepções racionalistas de sujeito. As perspectivas que te01i­
zam o pós-modernismo têm celebrado, por sua vez, a existência
de um "eu" inevitavelmente pe1f01mativo. Tem-se delineado,
em suma, no contexto da crítica antiessencialista das concep­
ções étnicas, raciais e nacionais da identidade cultural e da
"política da localização", algumas das concepções teóricas .
mais imaginativas e radicais sobre a questão da subjetivida­
de e da identidade. Onde está, pois, a necessidade de mais
uma discussão sobre a "identidade"? Quem precisa dela?
Existem duas formas de se responder a essa questão. A
primeira consiste em observar a existência de algo que
distingue a crítica desconstrutiva à qual muitos destes con-

102 103
ceitos essencialistas têm sido submetidos. Diferentemente suas formas modernas - do significante "identidade" e de
daquelas formas de crítica que objetivam superar concei­ sua relação primordial com uma política da localização,
tos inadequados, substituindo-os por conceitos "mais quanto as evidentes dificuldades e instabilidades que
verdadeiros" ou que aspiram à produção de um conheci­ têm afetado todas as formas contemporâneas da chamada
mento positivo, a perspectiva desconstrutiva coloca certos "política de identidade". Ao falar em "agência", não quero
conceitos-chave "sob rasura". O sinal de "rasurá' (X) indica expressar nenhum desejo de retornar a uma noção não-me­
que eles não servem mais - não são mais "bons para pensar" diada e transparente do sujeito como o autor centrado da
- em sua forma original, não-reconstruída. Mas uma vez que prática social, nem tampouco pretendo adotar uma aborda­
eles não foram dialeticamente superados e que não existem gem que "coloque o ponto de vista do sujeito na origem de
outros conceitos, inteiramente diferentes, que possam subs­ toda historicidade - que, em suma, leve a uma consciência
tituí-los, não existe nada a fazer senão continuar a se pensar transcendental" (Foucault, 1970, p. XIV). ..-
com eles - embora agora em suas formas destotalizadas e Concordo com Foucault quando diz que o que nos falta,
desconstruídas, não se trabalhando mais no paradigma no neste caso, não é "uma teoria do sujeito cognoscente", mas
qual eles foram originalmente gerados (Hall, 1995). As duas "uma teoria da prática discursiva". Acredito, entretanto, que
linhas cruzadas (X) que sinalizam que eles estão cancelados o que este descentramento exige - como a evolução do
permitem, de forma paradoxal, que eles continuem a ser trabalho de Foucault claramente mostra - é não um aban­
lidos. Derrida descreve essa abordagem como "pensando dono ou abolição mas uma reconceptualização do "sujeito".
no limite", como "pensando no intervalo", como uma espé­ É preciso pensá-lo em sua nova posição - deslocada ou des­
cie de escrita dupla. "Por meio dessa escrita dupla, precisa­ centrada- no interior do paradigma. farece que é na tentativa
mente estratificada, deslocada e deslocadora, devemos de rearticular a re ·e su · eitos e ráticas discursivasque
também marcar o intervalo entre a inversão que torna baixo a questão da identidade-ou melho1� a questão a identi a.ção,
aquilo que era alto[... ] e a emergência repentina de um novo caso se prefira enfatizar o processo de subjetivação (em vez das
'conceito' que não se deixa mais - que jamais se deixou - práticas discursivas) e a política de exclusão que essa subjeti­
subsumir pelo regime anterior" (Derrida, 1981, p. 42). A vação parece implicar - volta a aparecei:
identidade é um desses conceitos que operam "sob rasura",
no intervalo entre a inversão e a emergência: uma idéia que O conceito de "identificação" acaba por ser um dos
não pode ser pensada da forma antiga, mas sem a qual certas conceitos menos bem desenvolvidos da teoria social e cul­
questões-chave não podem ser sequer pensadas. tural, quase tão ardiloso - embora preferível - quanto o de
"identidade". Ele não nos dá, certamente, nenhuma garan­
Um segundo tipo de resposta exige que observemos tia contra as dificuldades conceituais que têm assolado o
onde e em relação a qual conjunto de problemas emerge a último. Resta-nos buscar compreensões tanto no repertório
irredutibilidade do conceito de identidade. Penso que a discursivo quanto no psicanalítico, sem nos limitarmos a
resposta, neste caso, está em sua centralidade para a questão nenhum deles. 1l-ata-se de um campo semântico demasia­
1
da agência e da política. Por "políticá' entendo tanto a damente complexo para ser deslindado aqui, mas é útil es­
importância - no contexto dos movimentos políticos em tabelecei� pelo menos indicativamente, sua relevância para

104 105
a tarefa que temos à mão. Na linguagem do senso comum, O conceito de identificação herda, começando com seu
a identificação é construída a partir do reconhecimento de uso psicanalítico, um rico legado semântico. Freud chama-a
alguma origem comum, ou de características que são parti­ de "a mais remota expressão de um laço emocional com
lhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir de outra pessoa" (Freud, 1921/1991). No contexto do complexo
um mesmo ideal. É em cima dessa fundação que ocorre o de Édipo, o conceito toma, entretanto, as figuras do pai e da
natural fechamento que forma a base da solidariedade e da mãe tanto como objetos de amor quanto como objetos de
fidelidade do grupo em questão. competição, inserindo, assim, a ambivalência no centro
Em contraste com o "naturalismo" dessa definição, a mesmo do processo. 'A identificação, na verdade, é ambiva­
abordagem discursiva vê a identificação como uma constru­ lente desde o início" (Freud, 1921/1991: p. 134). Em Luto e
ção, como um processo nunca completado - como algo sem­ melancolia, ela não é aquilo que prende alguém a um objeto
pre "em processo". Ela não é, nunca, completamente deter­ que existe, mas aquilo que prende alguém à escolha de um
minada - no sentido de que se pode, sempre, "ganhá-la" ou objeto perdido. Trata-se, no primeiro caso, de uma "molda­
"perdê-la"; no sentido de que ela pode sei� sempre, susten­ gem de acordo com o outro", como uma compensação pela
tada ou abandonada. �mbora tenha suas condições deter­ perda dos prazeres libidinais do narcisismo primai. Ela está
minadas de existência, o que inclui os recursos materiais e fundada na fantasia, na projeção e na idealização. Seu objeto
simbólicos exigidos para sustentá-la, a identificação é, ao fim tanto pode ser aquele que é odiado quanto aquele que é
adorado. Com a mesma freqüência com que ela é transpor­
e ao cabo, condicional; ela está, ao fim e ao cabo, alojada na
tada de volta ao eu inconsciente, ela "empurra o eu para fora
contingência. Uma vez assegurada, ela não anulará a dife­
de si mesmo". Foi em relação à idéia de identificação que
rença. A fusão total entre o "mesmo" e o "outro" que ela
Freud desenvolveu a importante distinção entre "ser" e
sugere é, na verdade, uma fantasia de incorporação (Freud
"ter" o outro. Ela se comporta "como um derivado da
sempre falou dela em termos de "consumir o outro", como
primeira fase da organização da libido, da fase oral, em que
veremos em um momento).
o objeto que prezamos e pelo qual ansiamos é assimilado
A identificação é, pois, um processo de articulação, uma pela ingestão, sendo dessa maneira aniquilado como tal"
suturação, uma sobredeterminação, e não uma subsunção. (Freud, 1921/1991: p. 135). 'As identificações vistas como
Há sempre "demasiado" ou "muito pouco" - uma sobrede­ um todo", observam Laplanche e Pontalis (1985), "não são,
terminação ou uma falta, mas nunca um ajuste completo, de forma alguma, um sistema relacional coerente. Coexis­
uma totalidade. Como todas as práticas de significação, ela tem no interior de uma agência como o superego [supereu],
está sujeita ao "jogo" da différance. Ela obedece à lógica do por exemplo, demandas que são diversas, conflituosas e
mais-que-um. E uma vez que, como num processo, a iden­ desordenadas. De forma simila1� o ego ideal é composto de
tificação opera por meio da différance, ela envolve um identificações com ideais culturais que não são necessaria­
h·abalho discursivo, o fechamento e a marcação de fronteiras mente harmoniosos" (p. 208).
simbólicas, a produção de "efeitos de fronteiras". Para con­
Não estou sugerindo que todas essas conotações devam
solidar o processo, ela requer aquilo que é deixado de fora
ser importadas em bloco e sem tradução ao nosso pensa­
- o exterior que a constitui.
mento sobre a "identidade"; elas são citadas aqui para indi-

106 107
car os novos significados que o termo está agora recebendo. riam a manter uma certa correspondência. Elas têm a ver,
O conceito de identidade aqui desenvolvido não é, portanto, entretanto, com a questão da utilização dos recursos da
um conceito essencialista, mas um conceito estratégico e história, da linguagem e da cultura para a produção não
posicional. Isto é, de forma diretamente contrária àquilo daquilo que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos.
que parece ser sua carreira semântica oficial, esta concepção Tom a ver não tanto com as questões "quem nós somos" ou
de identidade não assinala aquele núcleo estável do eu que "de onde nós viemos", mas muito mais com as questões
passa, do início ao fim, sem qualquer mudança, por todas as "quem nós podemos nos tomar", "como nós temos sido
vicissitudes da história. Esta concepção não tem como refe­ representados" e "como essa representação afeta a forma
rência aquele segmento do eu que permanece, sempre e já, como nós podemos representar a nós próprios". Elas têm
"o mesmo", idêntico a si mesmo ao longo do tempo. Ela tanto a ver com a invenção da tradição quanto com a própria
tampouco se refere, se pensamos agora na questão da iden­ tradição, a qual elas nos obrigam a ler não como uma
tidade cultural, àquele "eu coletivo ou verdadeiro que se incessante reiteração mas como "o mesmo que se transfor­
esconde dentro de muitos outros eus - mais superficiais ou ma" (Gilroy, 1994): não o assim chamado "retorno às raízes",
mais artificialmente impostos - que um povo, com uma mas uma negociação com nossas "rotas". 2 Elas surgem da
história e uma ancestralidade partilhadas, mantém em co­ narrativização do eu, mas a natureza necessariamente fic­
mum" (Hall, 1990). Ou seja, um eu coletivo capaz de esta­ cional desse processo não diminui, de forma alguma, sua
bilizar, fixar ou garantir o pertencimento cultural ou uma eficácia discursiva, material ou política, mesmo que a sen­
"unidade" imutável que se sobrepõe a todas as outras dife­ sação de pertencimento, ou seja, a "suturação à história" por
renças - supostamente superficiais. Essa concepção aceita meio da qual as identidades surgem, esteja, em parte, no
que as identidades não são nunca unificadas; que elas são, imaginário (assim como no simbólico) e, portanto, sempre,
na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fra­ em parte, construída na fantasia ou, ao menos, no interior
turadas; que elas não não são, nunca, singulares, mas mul­ de um campo fantasmático.
tiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e É precisamente porque as identidades são constn![das
posições que podem se cruzer ou ser antagônicos. As iden­ de"Iitro e nao fora do discurso ue nós precisamos com-
tidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando idas em locais histoncos
preen ê- as
constantemente em processo de mudança e transformação. cionais específicos, no interio · de forma ões e praticas
Precisamos vincular as discussões sobre identidade a iscursivas específicas, por estratégias e iniciativas especi­
todos aqueles processos e práticas que têm perturbado o ficas. Além disso, elas emergem no interior do jogo de
caráter relativamente "estabelecido" de muitas populações modalidades específicas de poder e são, assim, mais o pro­
e culturas: os processos de globalização, os quais, eu argu­ duto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo
mentaria, coincidem com a modernidade (Hall, 1996), e os de uma unidade idêntica, naturalmente constituída, de uma
processos de migração f�ada (ou "livre") que têm se to.r/ "identidade" em seu significado tradicional - isto é, uma
nãao um fenôn:!§Da g)aha) do �sim chamado mundo pós-co­ mesmidade que tudo inclui, uma identidade sem costuras,
� identidades parecem invocar uma origem que inteiriça, sem diferenciação interna.
residiria em um passado histórico com o qual elas continua-

108 109
A cima de tudo, e de forma diretamente contrária àquela e da ex clusão; e las
são o r esultad o não de uma totalidade
pela qual elas são constantemente invocadas, a�dades n aturalinevitáv el ou primordial,
mas de um processo natu­
são construídas por meio da diferença e não fora dela . Isso ralizado, sobredetermina do, de "fe chamento" (Bhabha,
i mplica o reconhecimento radicalrrU;nte p erturbador de 1994; Hall, 1993).
que é apena s por meio da relação com o Outro, da ão S e as "identidades" só podem ser lidas a contrapelo, i sto
com aqui o que não é, com precisamente aquilo que falta,
é, não como aquilo que fixa o jogo da diferença em um ponto
com aqmlo que tem sido chamado de seu · có,;;,stitu-
de origem e estabilidade, mas como aquilo que é construído
. o, que o si nificado " ositivo" de · teimo.-· e,
na différance ou por meio dela, sendo consta ntemente de­
assim, sua "identidade" - pode se r construído (Derrida,
1981; Lacl au, 1990; Butle r, 1993). � identidades podem sestabilizadas por aquilo que deixam de fora, como pode­
funcionar, ao longo de toda a sua história, como pontos de mos, então, compreender seu signifi cado e como podemos
idenfifícaçao e apegÕ apenas or causa de su�apacidade
teorizar sua emergência ? Avtar Bra h (1992, p. 143), em seu
para exc uir, para eixar e fora ra transformar o diferente importante a rtigo "Difere nça, diversidade e diferenciação",

em ''. xter ior�- Toda identidade tem, à sua "ma r­ levanta uma série de importantes questõ es que esses novos

g�esso, a1go a mais. A unidade, a homogeneidade modos de conceber a identidade colocam:
interna, que o termo "identidade" assume como fundacional Apesar ele J.<ànon, é ainda necessário trabalhar muito sobre
não é uma forma n atural, mas uma fo1ma construída de a questão de como o "outro" racializado é constituído no
fechamento: toda identidade tem n ecessidade daquilo que domínio psíquico. Como se deve analisar a subj etividade
lhe "falta'' - mesmo que esse outro que lhe falta seja um pós-colonial em sua relação com o gênero e com a raça? O
privilegiamento ela "diferença sexual" e ela primeira infân­
outro silenciado e inarticulado. Laclau (1990) argumenta, cia na psicanálise limita seu valor explicativo para a
de forma persuasiva, que "a consíituição de uma identidade
--- compr eensão elas dimensões psíquicas ele fenômenos
-------:--- -------.,......-
socíaléum ato de poder",
pois s uma identidad consegu
e e e se afirmar é apenas por
sociais tais como o racismo? D e que forma a "diferença
s exual" e a ordem social se articulam no processo d e
meio da repressão daquilo que a ameaça. D errida mos­ formação do suj eito? Em outras palavras, de que forma se
trou como a constituição de uma identidade está sempre deve teorizar o vínculo entre a realidade social e a realida­
baseada no ato de excluir algo e de estabelecer uma de psíquica? (1992, p. 142)
violenta hierarquia entre os dois pólos resultantes - O que se segue é uma tentativa de começar a responder
homem/mulher etc. Aquilo que é peculiar ao segundo
termo é assim reduzido - em oposição à essencialidade
a este conjunto crítico mas perturbador de questõ es.
elo primeiro - à função de um acidente. Ocor re a m esma Em meus trabalhos recentes sobre este tópico, fiz uma
coisa com a relação n egro/branco, na qual o branco é, apropr iação do termo "identidade" que não é, certamente,
obviamente, equivalente a "ser humano". "Mulher" e
"negro" são, assim, "marcas" (isto é, termos marcados) em
partilhada por muitas pessoas e pode ser mal compreendida .
contraste com os termos não-marcados "homem" e "bran­ Utilizo o termo "identidade" para significar o ponto de en­
co" (Laclau, 1990: p. 33). contro, o ponto de sutura, entre, por um lado, os di scursos
e as práticas que tentam nos "i nterpelar", nos fala r ou nos
Assim, as "unidades" que as identidade s pro cl amam
convocar pa ra que assumamos nossos lugares como os su-
são, na verdade, construídas no interior do jogo do poder

llO lll
jeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado, os da ideologia na reprodução das relações sociais de produção
processos que produzem subjetividades, que nos constroem (marxismo) quanto a função simbólica da ideologia na cons­
como sujeitos aos quais se pode "falar". As identidades são tituição do sujeito (empréstimo feito a Lacan). Michele
pois, pontos de apego temporário às posições-de-sujeit� Barret deu, recentemente, uma importante contribuição
que as práticas discursivas constroem para nós (Hall, 1995). para essa discussão, ao demonstrar a "natureza profunda­
Elas são o resultado de uma bem-sucedida articulação ou mente dividida e contraditória do argumento que Althusser
"fixação" do sujeito ao fluxo do discurso - aquilo que Stephen estava desenvolvendo". Segundo ela, "havia, naquele en­
Heath, em seu pioneiro ensaio sobre "sutura", chamou de saio, duas soluções separadas, relativamente ao difícil pro­
"uma intersecção" (1981, p. 106). "Uma teoria da ideologia blema da ideologia, duas soluções que, desde então, têm
deve começar não pelo sujeito, mas por uma descrição dos sido atribuídas a dois diferentes pólos" (Barret, 1991, p. 96).
efeitos de sutura, por uma descrição da efetivação da junção Não obstante, mesmo que não tivesse sido bem-sucedido,
do sujeito às estruturas de significação". Isto é, as identida­ o ensaio sobre os aparelhos ideológicos de Estado assinalou
des são as posições que o sujeito é obrigado a assumir, um momento altamente importante dessa discussão. Jac­
embora "sabendo" (aqui, a linguagem da filosofia da cons­ queline Rose, por exemplo, argumenta no seu livro Sexua­
ciência acaba por nos trair), sempre, que elas são repre­ lity in thefield ofvision (1986) que "a questão da identidade
sentações, que a representação é sempre conshuída ao longo - a forma como ela é constituída e mantida - é, portanto, a
de uma "falta", ao longo de uma divisão, a paitir do lugar do questão central por meio da qual a psicanálise entra no
Outro e que, assim, elas não podem, nunca, ser ajustadas - campo político":
idênticas - aos processos de sujeito que são nelas investidos. Esta [a questão da identidade] é uma das razões pelas quais
Se uma suturação eficaz do sujeito a uma posição-de-sujeito a psicanálise lacaniana chegou - via o conceito de ideolo­
gia de Althusser e por meio de duas trajetórias: a do fe­
exige não apenas que o sujeito seja "convocado", mas que minismo e a da análise do cinema - à vida intelectual
o sujeito invista naquela posição, então a suturação tem que inglesa. O feminismo, porque a questão da forma como
ser pensada como uma articulação e não como um processo os indivíduos se reconhecem a si próprios como mascu­
unilateral. Isso, por sua vez, coloca, com toda a força, a linos ou femininos e a exigência de que eles assim o
identificação, se não as identidades, na pauta teórica. façam parece estar em uma relação extremamente fun­
damental com as estruturas de desigualdade e subordi­
As referências ao termo que descreve o "chamamento" nação que o feminismo se propõe a mudar. O cinema,
do sujeito pelo discurso - "interpelação" - nos fazem lem­ porque sua força como um aparelho ideológico reside
brar que essa discussão tem uma pré-história importante e nos mecanismos de identificação e fantasia sexual dos
incompleta nos argumentos que foram provocados pelo quais todos nós parecemos participar, mas que, fora do
cinema, são admitidos, na maioria das vezes , apenas no
ensaio de �: "Os aparelhos ideológicos de Estado" divã [do psicanalista]. Se a ideologia é eficaz é porque ela
(1971). Esse ensaio introduziu o conceito de interpelação e age nos níveis mais rudimentares da identidade e dos
a idéia de que a ideologia tem uma estrutura especulai� impulsos psíquicos (Rose, 1986, p. 5).
numa tentativa de evitar o economicismo e o reducionismo
das teorias marxistas clássicas sobre a ideologia, reunindo Entretanto, se não quisermos ser acusados de abando­
em um único quadro explicativo tanto a função materialista nar um reducionismo economicista para cair diretamente

112
113
mento3 (o sujeito é, assim a resentado como sendo a fonte
em um reducionismo psicanalítico, precisamos acrescentar dos si n · ·ca os os quais, na verdade ele é e·to .
que se a ideologia é eficaz é porque ela age tanto "nos níveis mterpelação nomeia o mecanismo dessa estrutura de falso
rudimentares da identidade e dos impulsos psíquicos" reconhecimento; nomeia, na verdade, o lugar do sujeito
quanto no nível da formação e das práticas discursivas que no discursivo e no ideológico - o ponto de sua correspon­
dência (1981, p. 101-2).
constituem o campo social; e que é na articulação desses
campos mutuamente constitutivos, mas não idênticos, Essa "conespondência", entretanto, continuava inco­
que se situam os problemas conceituais reais. O termo modamente não-resolvida. Embora continuasse a ser usado
"identidade" - que surge precisamente no ponto de in­ como uma forma geral de descrever o processo pelo qual o
tersecção entre eles - é, assim, o local da dificuldade. Vale sujeito é "chamado a ocupar seu lugar", o conceito de
a pena acrescentar que é improvável que consigamos, algum interpelação estava sujeito à famosa crítica de Hirst. A
dia, estabelecer esses dois constituintes [o psíquico e o interpelação dependia - argumentava Hirst - de um reco­
social] como equivalentes - o próprio inconsciente age nhecimento no qual, na verdade, se exigia que o "sujeito",
como a barra ou como o corte entre eles, o que faz do antes que tivesse sido constituído como tal pelo discursÕ,
inconsciente "um local de diferimento ou adiamento perpé­ tivesse a capacidade de agir como um sujeito. "Esse algo
tuo da equivalência'' (Hall, 1995), mas não é por essa razão que amda não é um sujeito deve já ter as faculdades neces­
que ele deve ser abandonado. sárias para realizar o reconhecimento que o constituirá
como um sujeito" (Hirst, 1979, p. 65). Este argumento
O ensaio de Heath (1981) nos faz lembrar que foi Michel
mostrou-se muito convincente a muitos dos leitores subse­
Pêcheux quem tentou desenvolver uma teoria do discurso
qüentes de Althusser, levando, na verdade, todo o campo de
de acordo com a perspectiva althusseriana e quem, na
investigaçãÓ a uma interrupção inesperada.
verdade, registrou o fosso intransponível entre a primeira e
a segunda metades do ensaio de Althusser, assinalando a Essa crítica era certamente impressionante, mas a inter­
"forte ausência de urna articulação conceitual entre a ideo­ rupção, nesse momento, de toda investigação, mostrou-se
logia e o inconsciente" (citado em Heath, 1981, p. 106). prematura. A crítica de Hirst foi importante, ao mostrar que
Pêcheux tentou "descrever o discurso em sua relação com todos os mecanismos que constituíam o sujeito pelo discur­
os mecanismos pelos quais os sujeitos são posicionados" so, por meio de uma interpelação e por meio da estrutura
(Heath, 1981, p. 101-2), utilizando o conceito foucaultia�o especular do falso reconhecimento, descrita de acordo com
de formação discursiva, definida como aquilo que "dete� a fase lacaniana do espelho, corriam o risco de pressupor
n�o que pode e deve ser dito". Na interpretação que Heath um sujeito já constituído. Entretanto, uma vez que ninguém
faz do argumento de Pêcheux: tinha proposto renunciar à idéia do sujeito como sendo
Os indivíduos são constituídos corno sujeitos pela forma­ constituído no discurso, como um efeito do discurso, ainda
ção discursiva, processo de sujeição no qual [aproveitando era necessário mostrar por meio de qual mecanismo - e de
a idéia do caráter especular da constituição da subjetivi­ um mecanismo que não fosse vulnerável à acusação de
dade que Althusser tomou emprestada de Lacan] o indi­ pressupor aquilo que queria explicar - essa constituição
víduo é identificado como sujeito para a formação
podia ser efetuada. O problema ficava adiado, mas não
discursiva por meio de urna esbLitura de falso reconheci-

115
114
resolvido. Pelo menos algumas das dificuldades pareciam que o "falso reconhecimento" é um atributo puramente
surgir do fato de se aceitar sem muita discussão a proposição cognitivo (ou, pior ainda, "filosófico") significa expressar
um tanto sensacionalista de Lacan de que tudo que é cons­ um pressuposto sem qualquer fundamento. Além disso, é
titutivo do sujeito não apenas ocorrepor meio desse �eca- · pouco provável que ele apareça na criança de um só golpe,
nismo de resolução da crise ediplana, mas ocorre num caracterizando um momento claramente marcado por um
mesmo momento. A "resolução" da crise edipiana, na lin­ "antes" e por um "depois".
guagem extremamente condensada dos evangelistas laca­ Parece que os termos da questão foram, aqui, inexplica­
niaríos, era idêntica - e o or �io de um mecanismo velmente, formulados de uma forma um tanto exagerada.
eqmva ente - à submissão à Lei do Pai, à conso 1 açao da Não precisamos atribuir ao "animalzinho" individual a pos­
diferenç3: sexual, a entrada na linguagem, à formação do se de um aparato filosófico completo para explicar a razão
inconsc1en e e apos t usser ao recrutamento as ideolo­ pela qual ele pode ter a capacidade para fazer um "reconhe­
gias pa narcais as sociedades ocidentais de capitalismo cimento falso" de si próprio no reflexo do olhar do outro,
tarmol A idéia mais complexa de um sujeito-em-processo que é tudo o de que precisamos para colocar em movimento
fiéava perdida nessas discutíveis condensações e nessas a passagem entre o Imaginário e o Simbólico, para utilizar
equivalências hipoteticamente alinhadas (será que o sujeito os termos de Lacan. Afinal, de acordo com Freud, para que
é racializado, nacionalizado ou constituído como um sujeito se possa estabelecer qualquer relação com um mundo ex­
empreendedor e liberal tardio também nesse momento [de terno, a catexia básica das zonas de atividade corporal e o
resolução da crise edipiana]?). aparato da sensação, do prazer e dá dor devem estar já "em
O próprio Hirst parecia pressupor aquilo que Michele ação", mesmo que em uma forma embrionária. Existe, já,
Barrett chamou de "Lacan de Althusser". Entretanto, como uma relação com uma fonte de prazer (a relação com a Mãe
diz ele, "o complexo e arriscado processo de forn1ação de no Imaginário), de forma que deve existir já algo que é capaz
um adulto humano a partir de um 'animalzinho' não corres­ de "reconhecer" o que é prazer. O próprio Lacan observou,
ponde necessariamente ao processo descrito pelo mecanis­ em seu ensaio sobre o estágio do espelho, que "o filhote do
mo da ideologia de Althusser (... )amenos que a Criança(... ) homem, numa idade em que, por um curto es�po,
permaneça na fase do espelho lacaniana, ou a menos que mas ainda assim por algum tempo, e superado em inteli ên-
nós forremos o berço da criança com pressupostos antropo­ a instrum c 1mpanzé, já reco ece não obstante
lógicos" (Hirst, 1979). Sua resposta a isso é um tanto per-· êOmo-tal süa imagem no espelho".
functória. "Não tenho nenhum problema com as Crianças, Além disso, a crítica parece estar formulada em uma
e não quero declará-las cegas, surdas ou idiotas, simples­ lógica binária: "antes/depois", "ou isto ou aquilo". A fase do
mente para negar que elas possuem as capacidades de espelho não é o começo de algo, mas a interrupção - a perda,
sujeitos filosóficos, que elas têm os atributos de sujeitos a falta, a divisão- que inicia o processo que "funda" o sujeito
cognoscentes, independentemente de sua formação e trei­ sexualmente diferenciado (e o inconsciente) e isso depende
namento como sujeitos sociais". O que está em questão, não apenas da formação instantânea de alguma capacidade
aqui, é a capacidade de auto-reconhecimento. Mas afirmar cognitiva interna, mas da ruptura e do deslocamento efetua-

116 117
dos pela imagem que é refletida pelo olhar do Outro. Para problemática relação entre o "indivíduo" e o sujeito (o que
Lacan, entretanto, isso é já uma fantasia - a própria imagem "é" o "animalzinho" individual que ainda não é um sujeito?).
que localiza a criança divide sua identidade em duas. Além
Pode-se acrescentar que a explicação de Lacan é apenas
disso, esse momento só tem sentido em relação com a pre­
uma dentre as muitas teorizações sobre a formação da
sença e o olhar confortadores da mãe, a qual garante sua
realidade para a criança. Peter Osborne (1995) observa que, subjetividade que levam em conta os processos psíquicos
em "O campo do Outro", Lacan (1977b) descreve "um dos inconscientes e a relação com o outro. Além disso, agora que
pais segurando a criança diante do espelho". A criança lança o "dilúvio lacaniano" de alguma forma retrocedeu e não
um olhar em direção à mãe, como que buscando confirma­ existe mais o forte impulso inicial naquela direção dado pelo
ção: "ao se agarrar à referência daquele ue o olha num texto de Althusse1� a discussão se apresenta de uma forma
espelh�r, nao seu ideal do eu, mas seu um tanto diferente. Em sua recente e interessante discussão
e�l" (p. 257 [242]). Esse argumento, sugere Osborne, sobre as origens hegelianas do conceito de "reconhecimen­
"explora a indeterminação que é inerente à discrepância to" antes referido, Peter Osborne critica Lacan pela "forma
entre, por um lado, a temporalidade da caracterização-feita pela qual, ao abstraí-la do contexto de suas relações com os
por Lacan - do encontro da criança com sua imagem corpo­ outros (particularmente, com a mãe), ele absolutiza a relação
ral no espelho como um 'estágio' e, por outro, o caráter da criança com sua imagem", tornando essa relação, ao
pontual da apresentação desse encontro como uma cena, me�mo tempo, constitutiva da "matriz simbólica de onde
cujo ponto dramático está restrito às relações entre apenas emerge um eu primordial". Ele discute, a partir dessa
dois 'personagens': a criança e sua imagem corporal". En­ crítica, as possibilidades de diversas outras variantes (Kris­
tretanto, como diz Osborne, das duas uma: ou isso repre­ teva, Jessica Benjamin, Laplanche), as quais não estão con­
senta um acréscimo crítico ao argumento do "estágio do finadas ao falso e alienado reconhecimento do drama
espelho" (mas, nesse caso, por que o argumento não é lacaniano. Esses são indicadores úteis para nos tirar do
desenvolvido?) ou isso introduz uma lógica diferente cujas impasse no qual, sob os efeitos do "Lacan de Althusser", essa
implicações não são absolutamente discutidas no trabalho discussão nos tinha deixado, quando víamos as meadas do
subseqüente de Lacan. psíquico e do discursivo escorregar de nossas mãos.
A idéia de que não existe, ali, nada do sujeito, antes do Eu argumentaria que Foucault também aborda o impas­
drama edipiano, constitui um� leitura exagerada de Lacan. se que nos foi deixado pela crítica que Hirst faz de Althusse1�
A afirmação de que a subJ�tividade não está plenamente mas a partir da direção oposta, por assim dizer. Atacando,
constituída até que a crise edipiana tenha sido "resolvida" de forma enérgica, o "grande mito da interioridade", e im­
não supõe uma tela em branco, uma tabula rasa, ou uma pulsionado por sua crítica tanto do hurr{anismo quanto da
concepção do tipo "antes e depois do sujeito", desencadeada filosofia da consciência e por sua leitura negativa da psica­
por alguma espécie de coup de théâtre, mesmo que - como nálise, Foucault também efetua uma radical historicização
Hirst corretamente observou - isso deixe sem solução a �catégoria de sujeito. O sujeito é produzido como um
c...
ef�discurso e no discurso, no interior de formações

118
{r-�119
discursivas es ecíficas, não tendo qualquer existência pró­ formação regulativa e regulada, a entrada no qual é "deter­
p� Não existe tampouco nenhuma continuidade de uma minada pelas (e constitutiva das) relações de poder que
posição-de-sujeito para outra ou qualquer identidade trans­ permeiam o domínio social" (McNay, 1994, p. 87), trazem a
cendental entre uma posição e outra. Na perspectiva de seu concepção que Foucault tem da formação discursiva para
trabalho "arqueológico" (A história da loucura, O nascimen­ mais perto de algumas das clássicas questões que Althusser
to da clínica, As palavras e as coisas, A arqueologia do saber), tentou discutir por meio do conceito de "ideologia" - sem,
os discursos constroem - por meio de suas regras de forma­ obviamente, seu reducionismo de classe, suas conotações
ção e de suas "modalidades de enunciação" - posições-de-su­ economicistas e seus vínculos com asserções de verdade.
jeito. Por mais convincentes e originais que sejam esses Persistem, entretanto, na área da teorização sobre o
trabalhos, a crítica que lhes é feita parece, a esse respeito, sujeito e a identidade, certos problemas. Uma das implica­
justificada. Eles dão uma descrição formal da construção de ções das novas concepções de poder desenvolvidas no tra­
posições-de-sujeito no interior do discurso, revelando mui­ balho de Foucault é a radical "desconstrução" do corpo - o
to pouco, em troca, sobreas razõespelas quais os indivíduo� último resíduo ou local de refúgio do "Homem" - e sua
ocupam certas posições-de-sujeito e não outras_ "reconsh·ução" em termos de formações históricas, genea­
Ao deixar de analisar como as posições sociais dos indi­ lógicas e discursivas. O · o é construído e
víduos interagem com a conshução de ceitas posições-de-su­ re�ldado pela intersecção de uma variedade de práticas
jeito discursivas "vazias", Foucault introduz uma anti­ discursivas disciplinares. A tarefa da genealogia, procl;;;­
nomia entre as posições-de-sujeito e os indivíduos que as F�lt, "é a de expor o corpo totalmente marcado pela
....,.
ocupam. Sua arqueologia dá, assim, uma descrição formal história, bem como a história que anuína o corpo (1984, p.
crítica, mas unidimensional, do sujeito do discurso. As po­ 6 . Em ora possames-aceita esse argumenío, com todas
sições-de-sujeito discursivas tornam-se categorias a priori, as suas implicações radicalmente "construcionistas" (o cor­
as quais os indivíduos parecem ocupar de forma não-pro­ po torna-se infinitamente maleável e contingente), não es­
blemática (McNay, 1994, p. 76-7). tou certo de que possamos ou devamos ir tão longe a ponto
de declarar como Foucault que "nada no homem- nem mes­
A importante mudança no trabalho de Foucault, de um
método arqueológico para um método genealógico, contri­ �u co�ic�teme�stável para servirde base
J2.__ara o auto-reconhecimento on para a comp.mensão de
buiu muitíssimo para tornar mais concreto o "formalismo" outros homens". Isso não porque a carpa se constitua em
um tanto "vazio" dos trabalhos iniciais. Em especial, o uin referente realmente estável e verdadeiro para o processo
poder, que estava ausente da descrição mais formalista do de autocompreensão, mas porque, embora possa se tratar
discurso, é agora introduzido, ocupando uma posição cen­ de um "falso reconhecimento", é precisamente sob essa
tral. São importantes, igualmente, as estimulantes possibi­ -=
formaque o corpo tem Juncionació como o significante da>
lidades abertas pela discussão que Foucault faz do duplo condensação das subjetividades no indivíduo e essa função -
caráter - sujeição/subjetivação (assujettisement) - do pro­ nãÕpode ser descartada apenas porque, como Foucault tãÜ
cesso de formação do sujeito. Além disso, a centralidade da
eem mostra, ela não é "verdadeira".
questão do poder e a idéia de que o próprio discurso é uma

120 121
Além disso, o meu próprio sentimento é o de que, apesar questionar a concepção do próprio Foucault de que os
das afirmações em contrário de Foucault, sua invocação do sujeitos assim construídos são "corpos dóceis" e todas as
corpo como o ponto de aplicação de uma variedade de prá­ implicações que isso acarreta. Não há nenhuma teorização
ticas disciplinares tende a emprestar à sua teoria da regula­ sobre as razões pelas quais os corpos deveriam, sempre e
ção disciplinar uma espécie de "concretude deslocada ou incessantemente, estar a postos, na hora exata- exatamente
mal colocada", uma materialidade residual, a qual acaba, o ponto do qual a teoria marxista clássica da ideologia co­
dessa forma, por agir discursivamente para "resolver" ou meçou a se desembaraçar e a própria dificuldade que Al­
aparentar resolver a relação, indeterminada, entre o sujeito, thusser reintroduziu quando ele, normativamente, definiu
o indivíduo e o corpo. Para dizê-lo de forma direta, essa a função da ideologia como sendo a de "reproduzir as
"materialidade" junta, por meio de uma costura, ou de uma relações sociais de produção".
"sutura'', aquelas coisas que a teoria da produção discursiva Além disso, não há nenhuma teorização sobre os meca­
de sujeitos, se levada a seus extremos, fraturaria e dispersa­ nismos psíquicos ou os processos interiores que podem
ria de forma irremediável. Penso que "o corpo" adquiriu, na fazer com que essas "interpelações" automáticas sejam pro­
investigação pós-foucaultiana, um valor totêmico, precisa­ duzidas ou, de forma mais importante, que podem fazer com
mente por causa dessa posição quase mágica. É praticamen­ que elas fracassem ou encontrem resistência ou sejam ne­
te o único traço que resta, no trabalho de Foucault, de um gociadas. Mesmo considerando o trabalho de Foucault, sem
"significante transcendental". dúvida, como estimulante e produtivo, podemos dizer que,
A crítica mais séria tem a vei� entretanto, com o proble­ nesse caso, ele "pula, muito facilmente, de uma descrição
ma que Foucault encontra ao teorizar a resistência na teoria do poder disciplinar como uma tendência das modernas
do poder desênvolvida em Vigiar e punir e em A história da formas de controle social para uma formulação do poder
sexualidade. Tem a ver também com a concepção do sujeito disciplinar como uma força monolítica plenamente instala­
inteiramente autopoliciado emer e das odalidades da- uma força que satura todas as relações sociais. Isso leva
disciplinares, con essionais e pastorais de poder discutidas a uma superestimação da eficácia do poder disciplinar e a
ne --rr:-abalhos, bemcomõcom a ausênc' ual uer uma compreensão empobrecida do indivíduo, o que impede
c�ração o re Q..que poderia, de algmntlorma, int�­ �e possa explicar as experiências que escapam ao terre-
"' -
romper, im edir ou erturbar a · "ila ·nser ão dos indi­ no do 'corpo dócil (McNay, 1994, p. 104).
ví uos nas posições-d�uieito construídas por esses dis­ Que isso se tornou óbvio para Foucault torna-se eviden­
cursos. Conceber o cor129 como submetido, por meio d� te na nítida e nova mudança em seu trabalho, representada
�a regimes de verdade n�·malizadores, �a ma­ pelos últimos (e incompletos) volumes da assim chamada
neira produtiva de se repensar a assim chamada "materiali­ "História da sexualidade" (O uso dos prazeres, 1987; O
dade" do corpo - uma tarefa ue tem sido rodutivamente cuidado de si, 1988, e, tanto quanto podemos deduzü� o
assumi a por i olas Rose e pela "escola da governamen­ volume inédito e importantíssimo - do ponto de vista da
talidade", bem como, de uma forma diferente, por Judith crítica que acabamos de revisar - sobre ''.As perversões").
Butler, em "/}adies that rnatter, 1993. Mas é difícil deixar de Pois, aqui, sem se afastar muito de seu inspirado trabalho

123
/

sobre o caráter produtivo do processo de regulação norma­ de verdade, do trabalho ético, dos regimes de auto-regula­
tiva (nenhum sujeito fora da Lei, como expressa Judith ção e automodelação e das "tecnologias do eu" envolvidas
Butler), ele tacitamente reconhece que não é suficiente que na constituição do sujeito desejante. Não existe, aqui, cer­
a Lei convoque, discipline, produza e regule, mas que deve tamente, nenhuma conversão, por parte de Foucault, que
haver também a correspondente produção de uma resposta re-instaure qualquer idéia de "agência", de intenção ou de
- e, portanto, a capacidade e o aparato da subjetividade - volição. Mas há, aqui.,_ sim, uma consideração das práticas
por parte do sujeito. Em sua introdução crítica ao livro O de libe ue odem impedir que esse sujeito se torne,
uso dos prazeres, Foucault faz uma lista daquelas coisas que, para sem re sim lesmente um cor o se
nesse momento, poderíamos esperar de seu trabalho ("a Há a produção do eu como um objeto do mundo, as
correlação entre campos de saber, tipos de normatividade e práticas de autoconstituição, o reconhecimento e a reflexão,
formas de subjetividade", em uma cultura particular), mas a relação com a regra, juntamente com a atenção escrupu­
agora criticamente acrescenta losa à regulação normativa e com os constrangimentos das
as práticas pelas quais os indivíduos foram levados a pres­ regras sem os quais nenhuma "subjetivação" é produzida.
tar atenção a eles próprios, a se decifnu; a se reconhecer e Trata-se de um avanço importante, uma vez que, sem es­
se confessar como sujeitos de desejo, estabelecendo de si
para consigo uma certa relação que lhes permite descobrir, quecer a existência da força objetivamente disciplinar, Fou­
no desejo, a verdade de seu ser, seja ele natural ou decaído. cault acena, pela primeira vez em sua grande obra, à
Em suma, a idéia era a de pesquisar, nessa genealogia, de existência de alguma paisagem interior do sujeito, de alguns
que maneira os indivíduos foram levados a exercei; sobre mecanismos interiores de assentimento à regra, o que livra
eles mesmos e sobre os outros, uma hermenêutica do essa teoriza ão do "behaviorismo" e do objetivismo que
desejo (foucault, 1987, p. 5 [11]).
ameaçam certas...partes e igiar e punir. A etica e as práticas
Foucault descreve isso - corretamente, em nossa opi­ do eu são, muitas vezes, mais plenamente desclitas por Fou­
nião - como uma "terceira mudança, uma mudança que cault, nas suas últimas obras, como uma "estética da existência",
permitiria analisar aquilo que se chama de "o sujeito". Pa­ como uma estilização deliberada da vida cotidiana. Além disso,
receu-lhe necessário examinar quais são as formas e as as tecnologias aí envolvidas aparecem mais sob a forma de
modalidades da relação com o eu pelas quais o indivíduo se práticas de autoprodução, de modos específicos de conduta,
constitui e se reconhece qua sujeito. Foucault, obviamente, constituindo aquilo que aprendemos a reconhecer, em in­
não faria realmente uma coisa tão vulgar como a de invocar vestigações posteriores, como a de Judith.}3utler, por exem­
o termo "identidade", mas com a "relação com o eu" e a plo, como uma espécie de pe1formativiclade.
constituição e o reconhecimento de "si mesmo" qua sujeito,
O que vemos aqui, pois, na minha opinião, é Foucault
estamos nos aproximando, penso eu, daquele território que,
sendo pressionado, pelo escrupuloso rigor de seu próprio
nos termos anteriormente estabelecidos, pertence, legiti­
pensamento e por meio de uma série de mudanças concei­
mamente, à problemática da identidade.
tuais, efetuadas em diferentes fases de seu trabalho, a se
Este não é o hrgar para explorar os muitos e produtivos mover em direção ao reconhecimento ,de !J_11e uma vez aue
insights que surgem da análise que Foucault faz dos jogos o descentramento do sujeito não significa a destruiçãod;

124 125
j� I I�
_p _,l-.yl/� 1
,,
-2,ujeito e uma vez quê_2 "centramento" na-E_:áqca discursiva ����-�
é impedido, obviamente, de recorrer a uma das pnnc1pa1s
. -=--��d_e funcionar sem a constituição de sujeitos -=-é
fontes de pensamento sobre esse negligenciado aspecto, isto
neces ·10 c mentar a teorizaçao a regu ação iscur­ é, a psicanálise; ele é impedido, pela sua própria crítica, de
siv disci inar com uma teorização as práticas de auto­
ir naquela direção, já que ele via a psicanálise como sendo
constitu� subjetiva. Nunca foi su iciente- em arx, em
simplesmente mais uma rede de relações disciplinares de
Althusse1� em Foucault - ter simplesmente uma teoria de
po der. O que ele produz, em vez disso, é um.d,_enomenologia
como os indivíduos são convocados a ocupar seus lugares
d�o (voltando, assim, talvez, a fontes e In­
por meio de estruturas discursivas. Foi, sempre, necessário
fluências iniciais, cuja influência sobre seu trabalho ele
ter também uma teorização de como os sujeitos são consti­ próprio, de alguma forma, subestimou) e uma genealogia
tuídos. Em seus últimos trabalhos, Foucault fez um avanço
das tecnologi(J,S do eu. Mas trata-se de uma fenomenologia
considerável, ao mostrar como isso se dá, em conexão com
que cone o risco de ser atropelada por uma ênfase exagera­
práticas discursivas historicamente específicas, com a auto­
da na intencionalida de - precisamente porque ela não pode
regulação normativa e com tecnologias do eu . A questão que
admitir o inconsciente. Para o bem ou para o mal, aquela
fica é se nós também precisamos, por assim dizei� diminuir
porta já estava, para ele, fechada.
o fosso entre os dois domínios, isto é, se precisamos de uma
teoria que descreva quais são os mecanismos pelos quais os Felizmente, ela não permaneceu fechada. Em Gender
indivíduos considerados como sujeitos se identificam (ou trouble (1990) e, mais especialmente, em Bodies that matter
não se identificam) com as "posições" para as quais são (1993), Judith Butler analisa, por meio de sua preocupação
convocados; que descreva de que fonna eles moldam, esti­ com "os limites discursivos do sexo" e com as políticas do
lizam, produzem e "exercem" essas posições; que explique feminismo, as complexas transações entre o sujeito, o corpo
por que eles não o fazem completamente, de uma só vez e e a identidade, ao reunü� em um único quadro analítico,
por to do o tempo, e por que alguns nunca o fazem, ou estão concepções foucaultianas e perspectivas psicanalíticas.
em um processo constante, agonística, de luta com as regras Adotando a posição de que o sujeito é discursivamente
·,,
normativas ou regulativas com as quais se confrontam e construído e de que não existe qualquer sujeito antes ou fora j

pelas quais regulam a si mesmos - fazendo-lhes resistência, · da Lei, Butler desenvolve o argumento de que
negocian do-as ou acomodando-as. Em suma, o que fica é a a categoria do "sexo" é, desde o início, normativa: ela é
exigência de se pensar essa relação do sujeito com as forma­ aquilo que Foucault chamou de "ideal regulatório". Nesse
sentido, pois, o sexo não apenas funciona como uma norma,
ções discursivas como uma articulação (todas as articulações
mas é pa1te de uma prática regulató1ia que produz os corpos
são, mais apropriadamente, relações "sem qualquer corres­ que governa, isto é, toda força regulató1ia manifesta-se com
pondência necessária", isto é, fundadas naquela contingên­ uma espécie de poder produtivo, o poder de produzir -
cia que "reativa o histórico" [Laclau, 1990, p. 35]). . demarcar, circulai; diferenciar - os corpos que controla. O
w'-"sexo" é um construto ideal que é forçosamente materia­
É, portanto, ainda mais fascinante observar que, quando lizado através do tempo (Butler, 1993, p. 1[153-4]).
Foucault, finalmente, não dá o passo decisivo nessa direção
(no trabalho que foi, então, tragicamente interrompido), ele A materialização é, aqui, repensada como um efeito de
poder. A visão de que o sujeito é pro duzido no curso de sua

126
127
,,,

materialização está fortemente fundamentada em uma teo­ A relevância do argumento de Butler é ainda mais
ria performativa da linguagem e do sujeito, mas a performa­ pertinente, entretanto, porque é desenvolvido no contexto
tividade é despojada de suas associações com a volição, com da discussão sobre o gênero e a sexualidade, feita no quadro
a escolha e com a intencionalidade, sendo relida (contra teórico do feminismo, remetendo, assim, diretamente, tanto
às questões sobre identidade e sobre política de identidade
��umas das interpretações equivocadas de Gendertrouble)
nao como o ato pelo qual um sujeito traz à existência aquilo quanto às questões sobre a função paradigmática da dife­
que ela ou ele nomeia, mas, ao invés disso, como aquele rença sexual relativamente aos outros eixos de exclusão ' tal
poder reiterativo do discurso para produzir os fenômenos como ressaltado no trabalho de Avtar Brah, anteriormente
que ele regula e constrange" (Butle1� 1993, p. 2 [155]). mencionado. Butler apresenta, aqui, o convincente argµ­
m�nto de que todas as identidades füncionam por meio da
A mudança decisiva, do ponto de vista do argumento exclusão, or meio da construção discursiva de um exterior
aqui desenvolvido, é, entretanto, a ligação que Butler faz do constitutivo e da produção e sujeitos abjetos e margina i­
ato de '"assumir' um sexo com a questão da identificação e zados, aparentemente fora do campo do simbólico, do re­
com os meios discursivos pelos quais o imperativo heteros­ present�el ("a produção de um 'exterior', de um domínio
sexual possibilita certas identificações sexuadas e impede de efeitos inteligíveis" [1993, p. 22]), o qual retorna, então,
ou nega outras identificações" (Butler, 1993, p. 5 [155]). Esse
para complicar e desestabilizar aquelas foraclusões que nós,
centramento da questão da identificação, juntamente com
prematuramente, chamamos de "identidades". Ela formula
a problemática do sujeito que "assume um sexo", abre, no
esse argumento, de forma eficaz, em relação à sexualização
trabalho de Butle1� um diálogo crítico e reflexivo entre Fou­
e à racialização do sujeito - um argumento que precisa ser
cault e a psicanálise que é extremamente produtivo. É
desenvolvido, para que a constituição dos sujeitos por meio
verdade que Butler não fornece, em seu texto, um meta-ar­
dos efeitos regulatórios do discurso racial adquira a impor­
gumento teórico plenamente desenvolvido que descreva
tância até aqui reservada para o gênero e a sexualidade
como as duas perspectivas, ou a relação entre o discursivo
(embora, obviamente, seu exemplo mais trabalhado seja o
e o psíquico, devem ser "pensadas" de forma conjunta, além
de uma sugestiva indicação: "Pode haver uma forma de da produção dessas formas de abjeção sexual geralmente
sujeitar a psicanálise a uma reelaboração foucaultiana, mes­ "normalizadas" como patológicas ou perversas).
m� que o próprio Foucault tenha recusado essa possibilida-� Como observou James Souter (1995), "a crítica interna
,
de--:-De guãlguer forma, que Butler faz da política de identidade feminista e de suas
este texto aceita como ponto de partida a idéia de Foucault premissas fundacionais questiona a adequação de uma po­
de que o poder regulatório produz os sujeitos que controla, lítica representacional cuja base é a universalidade e a
que o poder não é simplesmente imposto externamente, unidade presumíveis de seu sujeito - a categoria unificada
mas que funciona como o meio regulatório e normativo "'
sob o rótulo de 'mulheres . Paradoxalmente, tal como ocor­
pelo qual os sujeitos são formados. O retorno à psicanálise
é orientado, pois, pela questão de como certas norn1as re com todas as outras identidades, quando são tratadas,
regulatórias formam um sujeito "sexuado", sob condições politicamente, de uma maneira fundacional, essa identida­
que tornam impossível se distinguir entre a formação de "está baseada na exclusão das mulheres 'diferentes' e no
psíquica e a fonnação corporal (1993, p. 23).

128 129
privilegiamento normativo das relaç��s hete �·os�e xua!s sí uico e do discursivo em sua constituição, forem plen
, , a
como a base de uma política feminista . Essa umdade , e inequivocamente recon
argumenta Souter, é uma "unidade fictícia", produzida _e
constrangida pelas mesmas estruturas de poder por me10
das quais a emancipação é buscada". Signifi�ativa�ente, Notas
l. 'i\gência" é, aqui, a tradução do termo "agency",
entretanto, como Souter também argumenta, isso nao leva literatura de teoria social anglo-saxônica para designar
amplamente utilizado na
Butler a argumentar que todas as noções de identid�de o elemento ativo da ação
individual. Ver Tomaz Tadeu da Silva. Teoria cultural
e educação. Um vocabu­
deveriam, portanto, ser abandonadas, por serem teorica­ lário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000 (N. do
T.).
mente falhas. Na verdade, ela aceita a estrutura especular 2. Jogo de palavras, intraduzível, entre "roots" (raízes
) e "routes" (rotas, cami­
da identificação como sendo uma parte de seu argumento. nhos) (N. do T.).
Mas ela reconhece que um tal argumento sugere, de fato, 3. Em inglês, "rnisrecognition", equivalente ao francê
s "méconnaissance", tra­
"os limites necessários da política de identidade": duzidos, ambos, em geral, na literatura psicanalítica,
por "desconhecimento".
Por considerar que o pmtuguês "desconhecimento"
não expressa a idéia de
Neste sentido, as identificações pertencem ao imaginário; "conhecimento" ou "reconhecimento" ilusório ou falso
que está contida na
elas são esforços fantasmáticos de alinhamento, de lealda­ palavra inglesa e na francesa, preferi traduzir por "falso
reconhecimento".
de, de coabitações ambíguas e intercorporais. El:,ts ?�ses­
tabilizam o eu; elas são a sedimentação do nos na
constituição de qualquer eu; elas constituem a :strutura­ Referências bibliográficas
ção presente da alteridade, contida na formulaçao mesma ALTHUSSER, L. Lenin and Phílosophy and Other Essays. Lon­
do eu. As identificações não são, nunca, plenam�n�e e
dres: New Left Books, 1971.
finalmente feitas; elas são incessantemente reconshtmdas
e como tal estão sujeitas à lógica volátil da iterabilidade. BARRETI, M. The Politícs ofTruth. Cambridge:
Polity, 1991.
Elas sã ; uilo que é constantemente arre imentad�, BHABHA, H. The Other Question, The Locatíon
of Culture.
consolidado, re uz1 o, contesta o e, ocasionalmente, obn­ Londres: Routledge, 1994.
ga�apitular (1993, p. 105).
BRAH, A. Difference, diversity and differentiation, in: DO­
O esforço, agora, para se pensar a questão do :�ráter NALD, J. & RATTANSI, A. (orgs.). Race, Culture and Diffe­
distintivo da lógica pela qual o corpo racializado e etmcizad? rence. Londres: Sage, 1992: 126-45.
é constituído discursivamente - por meio do ideal normati­
BROWN, B. & COUSINS, M. The linguistic fault, Econorny and
vo regulatório de um "eurocentrismo compulsivo" (por falta Society, 9(3), 1980.
de uma outra palavra) - não pode ser simplesmente en_xer­
BUTLER, J. Gender Trouble. Londres: Routledge, 1990.
tado nos argumentos brevemente esquematizados acima.
Mas eles têm recebido um enorme e original impulso desse -. Bodies That Matter. Londres: Routledge, 1993 (o capítulo
enredado e inconcluso argumento, que demonstra, sem introdutó1io deste livro foi publicado, em po1tuguês, em Guacira
qual uer · de dúvida, que a questão e a teo�·izaç�� da Lopes Louro(org.). O corpo educado. Pedagogiasdasexualídade.
� Belo Hmizonte: Autêntica, 1999: p. 151-172, com o tfü1lo "Cor­
identidade é um tema de consi erável importancia pobhca
pos que pesam: sobre os limites discursivos do 'sexo ).
"'
que só po era avançar quan o tanto a necessida e quan:º­
a "impossibilidade" da identidade�suturaçao DERRIDA, J. Posítions, Chicago: University of Chicago Press, 1981.

130
131
FOUCAULT, M.The Order ofThings. Londres: Tavistock, 1970. LACLAU, E. New Reflections on the Revolution of Our Time.
Londres: Verso, 1990.
-. The Archaeology of Knowledge. Londres: Tavistock, 1972.
LACAN, J. Ecrits. Londres: Tavistock, 1977b (Escritos. Rio: Jorge
-. Discipline anel Punish. Hannondswmth: Penguin, 1977 (Vi-
Zahai� 1998). (Nas referências no corpo do texto, os números
giar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977).
entre colchetes referem-se ao número das páginas correspon­
-. The History of Sexuality. Volume 1. Hannondswo1th: Pen­ dentes da tradução brasileira).
guin, 1981.
-. The Four Fundamental Concepts of Psyclwanalysis. Londres:
-. The Uses of Pleasure. Hannondswoith: Penguin, 1987. (O uso Hogaith Press, 1977b (Os quatro conceitos fundamentais da
dos prazeres. Rio: Graal, 1985). (Nas referências no corpo do psicanálise. O Se1ninário. Livro 11. Rio: Jorge Zahar, 1988).
texto, os números entre colchetes referem-se ao número das (Nas referências no corpo do texto, os números entre col­
páginas correspondentes da tradução brasileira). chetes referem-se ao número das páginas correspondentes
-.The Gare of the Self. Ham1ondsw01th: Penguin, 1988. da tradução brasileira).
-. Nietzsche, genealogy, histmy, in: RABINOW, P. (org.). The LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J.-B. The Language of Psychoa­
Foucault Reader. Harmondswmth: Penguin, 1984. nalysis. Londres: Hogaith Press, 1985.
FREUD, S. Group psychology and the analysis of the ego, Civi­ McNAY, L. Foucault: A Crit·ical lntroeluction. Cambridge: Polity
lization, Society an Religion. Vol. 12 Selected Works. Har­ Press, 1994.
mondswotth: Penguin, 1921/1991. OSBORNE, P. The Politics ofTime. Londres: Verso, 1995.
GILROY, P. The Black Atlantic: Moclernity anel Double Cons­ ROSE, J. Sexuality in the Field of Vision. Londres: Verso, 1986.
ciousness. Londres: Verso, 1994.
SOUTER, J. "H·om Geneler Trouble to Bodies That Matter".
HALL, S. Signification, representation and ideology: Althusser Inédito, 1995.
and the poststructuralist debates, Critica[ Studies in Mass
Com1nunication, 2(2), 1985.
-. Cultural identity and diaspora, in: RUTHERFORD, J. (org.).
Identity. Londres: Lawrence & Wishmt, 1990.
-. Cultural identity in question, in: HALL, S.; HELD, D. &
McGREW, T (orgs.). Moelernity anel its Futures. Cambridge:
Polity, 1993.
-. fantasy, identity, politics, in: CARTER, E.; DONALD, J. &
SQUITES, J. (orgs.). Cultural Re1nix: Theories of Politics anel
the Popular. Londres: Lawrence & \iVishmt, 1995.
-. When was the post-colonial? ln: CURTI, L. & CHAMBERS, I.
(orgs.). The Post-Colonial in Question. Londres: Routledge, 1996.
HEATH, S. Questions of Cinema. Basingstoke: Macmillan, 1981.
HIRST, P On Law and Ideology. Basingstoke: Macmillan, 1979.

132 133

S-ar putea să vă placă și