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Valencia Sayak
O limite não se livra de nenhum dos
lados da serpente metálica. O
primeiro e o terceiro mundo. A
fronteira. O inferno. A outra parte do
outro lado. O outro lado do outro lado.
O este lado do outro lado. O mundo
feliz do desengano. Isso é Tijuana.
Apresentação
Contexto espacial: na fronteira entre os Estados Unidos e o México, Tijuana é a última esquina da
América Latina, o laboratório da pós-modernidade (Canclini), a cidade da passagem e do vício.
Parte de uma crítica decolonial que situa os conhecimentos e saberes geopoliticamente: “Não
sabemos enfrentar outras dinâmicas porque as desconhecemos e porque nos agarramos aos
nossos esforços em legitimar o ocidente como única realidade e como única possibilidade”.
O termo gore provém do gênero cinematográfico splatter e do uso gráfico e extremo da violência.
Refere-se ao derramamento de sangue explícito e injustificado no uso predatório do corpo. Essa
violência explícita atua como ferramenta de necroempoderamento.
Definindo o conceito
O capitalismo gore põe em crise os pactos éticos ocidentais, assim como a aplicabilidade do
discurso filosófico ocidental e de conceitos como humanismo, justiça e lealdade.
O c a p i t a l i s m o g o r e p o d e s e r e nt e nd i d o c o m o u m a l u t a
intercontinental do pós-colonialismo extremo e recolonizado
através dos desejos de consumo, autoafirmação individual e
empoderamento.
São fenômenos ultraviolentos, exercício sistemáticos e repetidos da violência mais explícita para
produzir capital.
As práticas gore são executadas como algo lógico e legítimo (naturalizadas) já que são
enraizadas na educação consumista do desenvolvimento da sociedade de hiperconsumo.
Não somente a violência gore, essa do sangue explícito, mas também a da inviabilidade da
pobreza e de naturalizar sua condição, a violência da indústria farmacêutica e das
transnacionais.
No capitalismo gore a violência é utilizada, ao mesmo tempo, como uma tecnologia de controle
e como um gag que também é um instrumento político.
Sujeitos endriagos
Aperfeiçoamento com a caída da união soviética em 1989 onde o capitalismo se instaura como
único sistema possível: ”não há espaço para outras ideologias econômicas alternativas; tudo se
reduz a benefício, negócio e capital, nada mais”.
A lógica:
1) Quando parece que tudo cochila, a força do capital acelera os desejos;
2) Os meios de comunicação e sua propagação do desejo de consumo servem como catalizador;
3) A aceleração aumenta;
4) Práticas que se tornam mercadoria e se incrustam na gente;
5) Assim, pouco a pouco se dinamitam os acordos éticos;
6) Os corpos e sujeitos se transformam em mercadoria de troca;
7) Impregnasse o necroempoderamento.
Regime farmacopornográfico (Beatriz Preciado)
A droga é uma forma de controle sobre o corpo, que se transforma numa espécie de panóptipo
comestível que se integra à maneira do controle microprostético.
Neoliberalismo e sociedade de hiperconsumo
Ampliar a racionalidade econômica para outras esferas da vida, como a família e a natalidade.
O capitalismo neoliberal como sistema de produção e construção cultural. Ou seja, não somente
como economia mas como construção cultural biointegrada.
1990:
Consenso de Washington - conjunto de medidas e políticas econômicas liberais para os países em
desenvolvimento (disciplina fiscal, privatização e desregulamentação).
Fim do horizonte utópico com o fim do projeto socialista, perda do sentido e do vínculo social e a
impossibilidade de futuro.
O crime organizado não se organiza pela lei tampouco pelo estado, mas acumula capital.
O estado democrático de direito, tido como “neutro" perante ideologias ou ideias, é claramente o
reflexo de um sistema econômico regido por determinadas ideias e não outras. Isso quer dizer
que “a lei está regida pela lógica liberal que brinda a liberdade de ação para os economicamente
poderosos”.
Essa nova governamentalidade dá vida aos sistemas de controle e vigilância sem que estes
tenham que se ocultar, pondo sua existência como lógica, aceitável e demandada pela própria
sociedade, condicionando e transgredindo, desta maneira, as noções de privacidade e liberdade.
O crime introduz mudanças desde os setores ilegais (lavagem de dinheiro, prostituição, venda
ilegal de armas) como os setores legais (empresas de segurança privada, setor do ócio,
privatização de exércitos).
Narco-nação, tráfico e narcocultura
Quando os sujeitos endriagos e os cartéis cumprem a função do estado e bem estar social para o
povo:
1) Ajudar o campo a produzir (epicentro de produção de drogas);
2) Construção de infra-estruturas: estradas, hospitais, escolas, igrejas.
Dentro da lógica de mercado do consumo gore, o lado do provedor fica inviabilizado e o
consumidor, regularmente ocupado por sujeitos primeiromundistas, ganha a autorização
discursiva.
O narcotráfico surge como possibilidade tentadora e rentável, já que possui técnicas próprias,
postos de trabalho para sanar o desemprego e um sistema que pode lutar em peso de igualdade
com a figura do estado.
O que o estado oficial não consegue mais dar conta (o estado de bem estar social), as máfias e
organizações criminais, lidas em suas relações familiares e de lealdade, reivindicam e tomam
posse das carências de um estado falido e em colapso. O que o estado não dá, o narcotráfico provê,
criando um contra-estado ou estado alternativo (e de excessão).
La Familia Michoacana - carta aberta à sociedade acerca da dissolução do cartel (2011)
"A toda a sociedade em geral os comunicamos que desde o dia de hoje se dão por concluídos todos os
serviços que estávamos fornecendo à sociedade Michoacana desde o dia 1 de dezembro de 2010. Em
resposta a todas as atrocidades, abusos e violações que a polícia federal tem feito contra a sociedade civil de
Michoacán.
Em virtude de não querer continuar nos confrontando com o que a figura do presidente representa, A
Família Michoavana se dissolve por completo e se abrem as portas do estado, do governo e de projetos de
grupos que desejem continuar com a luta que nós iniciamos e existe a possibilidade de oferecer o apoio de
nossa parte.
Graças a nosso líder máximo Nazario Moreno El Más Loco, que Deus o tenha em sua santa glória”.
Diagnóstico da sociedade mexicana
Não se pode mais falar em classe pobre como organização social de um grupo. Não há
consciência de classe, solidariedade de grupo nem destino comum. São sujeitos desafiliados
(sem filiação social).
Outro tipo de sociabilidade, fora dos modelos éticos, e outro status: respeitabilidade.
A falta de ser herói pela educação, pela lei ou pela luta social. Herói do crime como
proximidade.
Receita para fazer de seu filho um narco
(Heriberto Yépez, escritor de Tijuana):
Trata-se do poder de decidir quem deve ou não morrer (o que gera um valor econômico). O
assassinato é uma transação, a violência extrema uma ferramenta de legitimidade.
A tortura, extermínio e destruição dos corpos como um exercício e uma implantação de poder
ultra rentável. O biopoder vira necropoder dentro de um estado de excessão.
A morte não é mais tabu e o governo é tanto efetivo quanto mais mata e massacra.
Necropoder: apropriação e aplicação das tecnologias governamentais da biopolítica para
subjugar os corpos e as populações que integram que integram como elemento fundamental a
sobreespecialização da violência e tem como fim comerciar com o processo de dar morte.
A ética é um discurso ocidental, discursos estes tomados como inquestionáveis e que não fazem sentido
em certas realidades.
"A paz e a prosperidade do ocidente “civilizado" foi conseguido através da sistemática exportação da
violência e destruição ao de fora “bárbaro" - desde a grande história da conquista do oeste até as
matanças do Congo”.
“Na carreira feroz do capitalismo que se torna gore, se subverter os acordo éticos que até o momento
haviam região o humanismo do ocidente”. A ética é um acessório dentro do mundo de hiperconsumo,
já que é entendida como “o limite do perdedor, a proteção do derrotado, a proteção moral para aquele
que não conseguiu jugar tudo e ganhar tudo”.
A morte está em moda: capitalismo gore nos cenários comunicacionais
Tersesa Margoles (México, 1963)
Dr. Lakra (México, 1972)
Pizza, Birra, Faso (Adrián Caetano e Bruno Stagnaro, 1998, Argentina)
Rodrigo D. No Futuro (Víctor Gaviria, 1990, Colômbia)