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Qual é o sinal clínico

clássico da coarctação de
aorta?

1.1 CIRCULAÇÃO FETAL


Para compreender a dinâmica das cardiopatias congênitas, é
importante recordar alguns aspectos da circulação fetal (Figura 1.1).
O sangue oxigenado retorna da placenta pela veia umbilical. Cerca de
metade do sangue proveniente da placenta passa através dos
sinusoides hepáticos, enquanto o restante é desviado do fígado e
segue pelo ducto venoso para a veia cava inferior. Fluindo por esta
veia, o sangue entra no átrio direito do coração. A maior parte do
sangue que penetra no átrio direito é dirigida pela crista dividens
para o orifício forame oval, chegando, então, ao átrio esquerdo. Do
átrio esquerdo, o sangue passa ao ventrículo esquerdo através da
válvula mitral e a partir dessa cavidade é ejetado através da aorta
ascendente. O coração, a cabeça e o membro superior direito
recebem sangue com maior teor de oxigênio do que o restante do
corpo. Cerca de 40 a 50% do sangue da aorta descendente passam
pelas artérias umbilicais e retornam à placenta para reoxigenação. O
restante suprirá as vísceras e a metade inferior do corpo. Como os
pulmões do feto não são responsáveis pela oxigenação do sangue
fetal e pelo fato de as artérias pulmonares serem extremamente
sensíveis à hipóxia do ambiente intrauterino reagindo com
vasoconstrição, existe grande resistência à circulação proveniente
do ventrículo direito. Assim, as paredes deste ventrículo são
hipertrofiadas na vida fetal.
O sangue que chega ao átrio direito pela veia cava superior é
proveniente da cabeça e membros superiores, além de pouco
oxigenado. Esse volume de sangue passa preferencialmente através
da válvula tricúspide, chegando ao ventrículo direito. Deste, é
ejetado na artéria pulmonar. Em função da extrema vasoconstrição a
que a artéria pulmonar e seus principais ramos estão submetidas,
esse volume de sangue será desviado em cerca de 90%, por meio do
canal arterial para a aorta, antes da saída da artéria subclávia
esquerda. Isto levará a uma mistura de sangue a partir deste ponto
da aorta, o que torna este sangue menos oxigenado.
Dessa forma, o sangue com maior oxigenação do feto é o que irriga o
próprio coração e o cérebro. Tal fato e a própria dinâmica da
circulação fetal dependem das 3 estruturas próprias da circulação
fetal: ducto venoso, forame oval e canal arterial – ducto arterioso.
Figura 1.1 - Circulação fetal
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

Figura 1.2 - (A) Circulação pré-natal e (B) circulação pós-natal


Figura 1.3 - Circulação fetal
Com o nascimento, após o clampeamento do cordão umbilical e a
ventilação pulmonar, ocorrem alterações importantes na circulação
descrita. Ao ser ventilado – e insuflado – o pulmão, a sua resistência
vascular cai expressivamente, e a circulação no ducto arterial é
reduzida quase completamente.
O ducto arterioso geralmente deixa de ser funcional nas primeiras 10
a 15 horas pós-parto, exceto em prematuros e naqueles com hipóxia
persistente, situações em que pode permanecer aberto por mais
tempo.
O oxigênio constitui o fator mais importante do controle do
fechamento do ducto arterioso. Durante a vida fetal, a abertura deste
é controlada pelo baixo nível de oxigênio no sangue, já que o feto
vive em ambiente com baixo teor de oxigênio, mantendo, então, o
ducto pérvio. O ducto arterial também é mantido pérvio por meio da
produção de prostaglandinas durante a vida intrauterina, assim,
alguns inibidores da síntese de prostaglandinas, como a
indometacina, são usados para promover o fechamento do ducto
arterioso que persiste pérvio após o nascimento. Em algumas
semanas ou meses processa-se o fechamento anatômico, e o ducto
arterial se oblitera e passa a constituir o ligamento arterioso fibroso.
A oclusão da circulação placentária provoca queda imediata da
pressão sanguínea na veia cava inferior e no átrio direito. Devido ao
fluxo sanguíneo pulmonar aumentado, a pressão no interior do átrio
esquerdo fica maior que a do átrio direito, e essa pressão acarreta
fechamento funcional do orifício do forame oval. Já o fechamento
anatômico acontece mais tardiamente.
Entendendo a circulação fetal, pode-se observar que o coração fetal
funciona praticamente como bomba única, pois a oxigenação
sanguínea se apresenta na placenta, e os pulmões fetais não são
funcionantes, ocorrendo um shunt direito-esquerdo por meio do
forame oval e do ducto arterial. Com o nascimento, ocorrem as
alterações descritas e fundamentais para o acoplamento cardíaco à
necessidade de oxigenação sanguínea nos alvéolos pulmonares.
A grande maioria das malformações cardíacas é bem tolerada
durante a vida intrauterina, produzindo sinais após o nascimento.
1.2 APRESENTAÇÃO CLÍNICA
A incidência da cardiopatia congênita na população geral é de 1 a
2:1.000 nascidos vivos, distribuída de acordo com o exposto no
Quadro 1.1. Trinta por cento dos casos recebem alta da maternidade
sem esse diagnóstico.
Durante as primeiras horas após o nascimento, o Recém-Nascido
(RN) deve permanecer em observação quanto a qualquer sinal ou
sintoma que possa gerar suspeita, embora, com a utilização rotineira
da ultrassonografia obstétrica, especialmente a morfológica, cada
vez menos cardiopatas têm nascido sem um diagnóstico durante a
vida intrauterina. De qualquer forma, deve-se suspeitar de
cardiopatia congênita sempre que o RN apresente quaisquer dos
sinais que seguem:
a) Taquipneia, cansaço ou cianose às mamadas;
b) Qualquer tipo de sopro cardíaco ou alteração de bulhas cardíacas;
c) Alteração de pulsos e/ou, hipertensão arterial sistêmica ou, ainda,
diferença sensível da pressão arterial sistêmica entre os membros
superiores e os inferiores;
d) Arritmias – tais manifestações chamam atenção em qualquer RN.

Com o passar dos dias, após o nascimento, é possível observar


manifestações nos recém-nascidos cardiopatas, como impulsão
torácica, precórdio hiperdinâmico e dificuldade de ganhar peso,
hiperfluxo pulmonar ou, ainda, sinais de hipertensão pulmonar.
Quadro 1.1 - Distribuição da incidência na população
Em função dos tipos de repercussões presentes nas malformações
congênitas cardíacas, classificam-se tais repercussões considerando
ou não a presença de cianose. A cianose da criança com cardiopatia
congênita é do tipo central, quase sempre generalizada; entretanto,
em alguns casos, pode ser evidente no dimídio inferior (MMII) e
ausente no dimídio superior (MMSS) e mucosas, ou vice-versa, a
qual é denominada de cianose diferencial. A título de recordação, a
cianose não se refere diretamente à oxigenação sanguínea, mas à
relação de hemoglobina oxidada em comparação à reduzida. É
observada quando a hemoglobina reduzida no sangue circulante é
igual ou superior a 5 g/dL. Casos em que há déficit de oxigenação
podem produzir cianose; contudo, em casos de anemia associada a
má oxigenação, pode não haver. Casos em que a circulação e a
perfusão estão diminuídas em uma parte do corpo e a oxigenação
sanguínea não está prejudicada podem, igualmente, apresentar
ausência de cianose, à medida que o pouco sangue que chega àquela
área tem relação favorável de hemoglobina oxidada com relação à
reduzida.
1.3 AVALIAÇÃO DA CRIANÇA COM
CARDIOPATIA CONGÊNITA
A avaliação inicial tem 3 aspectos: cianóticas versus acianóticas,
radiografia de tórax e eletrocardiograma (ECG), e diagnóstico
realizado por meio de ecocardiograma (ECO).
Os defeitos cardíacos congênitos podem ser divididos em 2 grandes
grupos, com base na presença ou ausência de cianose. Em seguida,
podem, ainda, ser subdivididos conforme o fluxo pulmonar (normal,
aumentado ou diminuído) observado na radiografia de tórax. O ECG
pode ser usado para determinar a existência de hipertrofia das
câmaras cardíacas. As características dos sons cardíacos e de sopros
ajudam a estreitar o diagnóstico diferencial, e o diagnóstico final é
confirmado por ECO, cateterismo cardíaco ou ambos.
O teste de oximetria de pulso – “teste do coraçãozinho” – é um
método de triagem de cardiopatias consideradas críticas no período
neonatal. Deve-se realizar aferição da oximetria de pulso em todo
RN aparentemente saudável com idade gestacional maior que 34
semanas, antes da alta da unidade neonatal. Deve-se realizar
aferição no membro superior direito e em um dos membros
inferiores, entre 24 e 48 horas de vida. O resultado normal evidencia
saturação periférica maior que 95% em ambas as medidas, membro
superior direito e membro inferior, e diferença menor do que 3%
entre as medidas do membro superior direito e membro inferior.
Quanto ao resultado anormal, caso qualquer medida da SpO2 seja
menor do que 95% ou haja diferença igual ou superior a 3% entre as
medidas do membro superior direito e membro inferior, uma nova
aferição deverá ser realizada após 1 hora. Caso o resultado se
confirme, um ECO deverá ser feito dentro das 24 horas seguintes.
1.3.1 Teste do coraçãozinho
Figura 1.4 - Teste do coraçãozinho

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2012.

A oximetria de pulso é uma ferramenta de triagem neonatal.


Figura 1.5 - Triagem neonatal de cardiopatia congênita crítica
Fonte: elaborado pelos autores.

1.4 CARDIOPATIAS CONGÊNITAS


ACIANÓTICAS
As lesões mais comuns são as que produzem carga excessiva de
volume. Entre elas, as mais frequentes são lesões com shunt
esquerdo-direito: CIV, CIA e PCA.
A segunda maior classe de lesões acianóticas corresponde às que
provocam aumento da carga pressórica, secundárias à obstrução do
fluxo de saída ventricular – estenose pulmonar, estenose aórtica –
ou ao estreitamento de grandes vasos Coarctação da Aorta (CoAo).
No caso de lesões com sobrecarga de volume – CIV, CIA, PCA –, a
fisiopatologia comum é a comunicação entre as circulações
sistêmica e pulmonar, resultando num shunt de sangue rico em
oxigênio de volta para os pulmões. Esse shunt pode ser quantificado
por meio do cálculo da razão do fluxo sanguíneo pulmonar pelo fluxo
sistêmico (Qp:Qs). Um shunt 2:1 significa que o fluxo pulmonar está
2 vezes maior do que o normal. O remodelamento do coração ocorre
com predomínio de dilatação e, em menor grau, hipertrofia. Caso a
doença não seja tratada, há, progressivamente, aumento da
resistência vascular pulmonar que pode reduzir o shunt ou mesmo
inverter o seu sentido, passando a ser direito-esquerdo (fisiologia ou
síndrome de Eisenmenger).
Na síndrome de Eisenmenger, a resistência vascular pulmonar após
o nascimento permanece alta ou aumenta depois de ter diminuído
durante a lactância. Os principais fatores que levam a essa síndrome
são pressão pulmonar aumentada, fluxo pulmonar aumentado,
hipóxia e hipercapnia.
No caso de lesões com sobrecarga de pressão, como: estenose
pulmonar, estenose aórtica, CoAo; a fisiopatologia nessas lesões é
uma obstrução do fluxo normal do sangue. As mais comuns são as
obstruções do fluxo de saída dos ventrículos. Mecanismos de
compensação levam a hipertrofia ventricular e dilatação em estágios
mais avançados.
1.4.1 Comunicação interventricular (CIV)
A CIV é a cardiopatia congênita mais comum. Nessa malformação
congênita, há passagem de sangue do ventrículo esquerdo para o
direito por intermédio de uma abertura no septo interventricular,
em alguns casos, todo o septo interventricular está ausente. O shunt
esquerdo-direito ocorre por diferença de pressão; como a pressão
sistêmica, (pós-carga) é maior do que a encontrada na circulação
pulmonar, o sangue dirige-se do local de maior pressão para o de
menor pressão. Como resultado, parte do sangue já oxigenado e que
está no ventrículo esquerdo é devolvida ao ventrículo direito e
novamente impulsionada aos pulmões, determinando sobrecarga
ventricular direita e aumento do trabalho cardíaco.
Figura 1.6 - Comunicação interventricular

Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

1.4.1.1 Diagnóstico

O shunt é menor no período neonatal.


Eventualmente, as manifestações de insuficiência cardíaca,
sobrecarga de volume, decorrentes da CIV só se manifestam de 2 a 3
meses após o nascimento, quando os níveis de pressão na circulação
pulmonar declinam. Nesse momento, como a diferença das pressões
entre os 2 ventrículos é grande, o fluxo esquerdo-direito pela CIV é
máximo, exigindo trabalho cardíaco acima das suas capacidades.
As manifestações clínicas iniciais podem restringir-se a apenas 1
sopro holossistólico na borda paraesternal esquerda, acompanhado
ou não de frêmito. De acordo com a dimensão da CIV e/ou, em razão
da queda da pressão pulmonar, podem advir as manifestações da
insuficiência cardíaca, como dispneia, taquicardia e sudorese,
dificuldade para mamar, infecções respiratórias, hipertensão
pulmonar e sibilância.
A radiografia de tórax pode evidenciar área cardíaca aumentada,
principalmente o ventrículo esquerdo, além do aumento da trama
vascular e da artéria pulmonar. O ECG pode mostrar alterações
elétricas indicativas de sobrecarga de ventrículo esquerdo ou
biventricular, onda T invertida em V-1 ou onda T ascendente.
O ecocardiograma, o exame mais importante para a definição
diagnóstica de comunicação interventricular e para a conduta
clínica, evidencia o defeito anatômico, bem como o fluxo, se
associado ao Doppler. Este também faz uma estimativa da
hipertensão pulmonar caso ela esteja presente.
Figura 1.7 - Radiografia de tórax com área cardíaca aumentada
1.4.1.2 Tratamento

Com exceção das CIVs muito pequenas, que podem regredir


espontaneamente, todas as demais devem ser operadas, de
preferência durante os 2 primeiros anos de vida. Quanto a crianças
com repercussões hemodinâmicas precoces, a correção deve ser feita
precocemente, a fim de evitar lesão da vasculatura com consequente
hipertensão pulmonar.
Nos casos em que a conduta é expectante, há insuficiência cardíaca
ou a cirurgia não pode ser realizada prontamente, são realizados
restrição hídrica, uso de digital, diuréticos e vasodilatadores.
Figura 1.8 - Melhora radiológica após cirurgia
Fonte: Anesthetic management of children with congenital heart diseases presented for non
cardiac surgery, 2009.

1.4.2 Comunicação interatrial (CIA)


Nesse tipo de defeito, também não ocorre cianose, pois, à medida
que a pressão atrial esquerda é maior do que a direita, há shunt
esquerdo-direito. Novamente, aqui há recirculação de sangue já
oxigenado. O fechamento inicial do forame oval é de natureza
funcional, como se a valva fosse empurrada contra o “batente”,
impedindo fluxo da esquerda para a direita. O fechamento anatômico
do forame oval ocorre até o primeiro ano de vida. Defeitos na valva
ou no próprio forame oval podem originar a CIA após o nascimento
(Figura 1.9). Lembrando que, durante a vida intrauterina, há
comunicação fisiológica entre os 2 átrios, embora o fluxo durante a
vida fetal seja da direita para a esquerda.
Figura 1.9 - Defeito do septo atrial
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

1.4.2.1 Diagnóstico

A sintomatologia depende do grau de shunt esquerdo-direito.


As manifestações da comunicação interatrial são mais comuns por
volta dos 3 ou 4 anos de vida, época em que as pressões
intracavitárias cardíacas estão sujeitas a algumas alterações e
resultam em maior shunt esquerdo-direito, aumento do átrio e
ventrículo direitos, podendo chegar à dilatação da artéria pulmonar.
Os sintomas mais frequentes, quando ocorrem, são dispneia,
palpitações e fadiga. Infecções respiratórias e déficit ponderal
podem acontecer, e a insuficiência cardíaca é um evento tardio. Ao
exame físico cardíaco, podem ser auscultados desdobramento fixo
de B2, que é típico dessa anomalia e ocorre pelo retardo no
esvaziamento do ventrículo direito, o qual apresenta volume
sanguíneo aumentado, sopro sistólico e, algumas vezes, sopro
diastólico. À radiografia de tórax, pode-se observar aumento da área
cardíaca, do tronco da artéria pulmonar e da trama vascular
pulmonar. O ECG pode apresentar alterações de condução
decorrentes da remodelação cardíaca, como QRS aumentado, e, em
50% dos pacientes, observa-se mudança na onda P, sugerindo
aumento atrial direito. O cateterismo cardíaco aponta aumento da
saturação do oxigênio nas amostras de sangue do átrio direito,
ventrículo direito e artérias pulmonares em relação às saturações de
veias cavas superiores e inferiores.
Figura 1.10 - Ressonância magnética cardíaca que evidencia a comunicação interatrial
Fonte: Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular.

1.4.2.2 Tratamento

A correção cirúrgica da CIA é indicada a sintomáticos e àqueles com


relação fluxo pulmonar-sistêmico maior que 1,5:1. A correção
cirúrgica deve ser realizada eletivamente por volta dos 2 anos, para
evitar aumento crônico do átrio e do ventrículo direitos. O
procedimento é simples e praticamente sem mortalidade.
1.4.3 Persistência do canal arterial
O canal arterial (Figura 1.11) desempenha função primordial durante
a vida intrauterina, com fluxo da artéria pulmonar para a artéria
aorta. Com a aeração e a expansão pulmonares, há queda da
resistência vascular pulmonar, de forma que, quando há fluxo
residual pelo canal arterial, ele ocorre no sentido aorta-artéria
pulmonar, desde que não exista associação a hipertensão pulmonar.
Dessa forma, outra vez há “circulação fútil”, ou seja, parte do
sangue já oxigenado retorna à circulação pulmonar. O fechamento
funcional do canal arterial acontece fisiologicamente por volta das
primeiras 10 a 15 horas de vida no RN a termo e, mais tardiamente,
no pré-termo, entre o décimo quarto e o vigésimo dia de vida.
Figura 1.11 - Persistência do canal arterial
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

Caso não haja sorologia materna conhecida


para rubéola, aquela deve ser pesquisada na
confirmação desse tipo de cardiopatia, embora
a PCA seja relativamente mais prevalente em
prematuros, independentemente da presença
de outro tipo de doença.

1.4.3.1 Diagnóstico

Os achados de exame físico são sopro contínuo, tipo maquinaria, no


foco pulmonar e pressão arterial divergente (“fuga” da aorta →
pulmonar).
Vale lembrar que o RN prematuro responde mais satisfatoriamente
às medidas farmacológicas para fechamento de um canal arterial
persistente do que o nascido a termo. No entanto, no pré-termo, a
descompensação cardíaca pode ser muito mais precoce quando
comparada ao RN a termo. Na ausculta cardíaca, pode-se encontrar
um sopro sistólico clássico em região infraclavicular e esquerda,
descrito como sopro “em maquinaria” ou “em trovoada”. Também
podem ser encontrados pulsos periféricos amplos e ampla pressão
de pulso.
Em casos de PCA de pequeno fluxo, normalmente não há
repercussões nas pressões do átrio direito e do ventrículo direito, ao
passo que PCA de fluxo mais expressivo acaba gerando aumento
considerável nas pressões dessas 2 câmaras, bem como na artéria
pulmonar. Nesse caso, a PCA pode levar a doença vascular pulmonar
caso a doença de base não seja corrigida.
Com o aumento da pressão na artéria pulmonar e as alterações
anatômicas no leito arterial (muscularização), há elevação da
pressão no leito, podendo levar a inversão do fluxo no ducto arterial
e, consequentemente, cianose.
Na radiografia de tórax, pode-se observar aumento (hipertrofia) das
câmaras cardíacas esquerdas (Figura 1.12), o coração bombeia mais
sangue do que o volume circulante pelo hiperfluxo, embora ocorra
também aumento do ventrículo direito, da trama vasobrônquica e da
aorta ascendente.
Figura 1.12 - Radiografia de tórax que mostra aumento das câmaras cardíacas esquerdas

Fonte: Conexão anômala parcial de veias pulmonares em átrio direito com ausência de
comunicação interatrial, 2007.

O ECG pode evidenciar alterações compatíveis com sobrecarga


biventricular ou predomínio do ventrículo direito, uma vez que ela é
mais precoce. O ECO com Doppler é o exame padrão-ouro, pois
evidencia a própria persistência do canal e é possível que também
evidencie o fluxo sanguíneo local. Pode, ainda, estimar a hipertensão
pulmonar, quando ela está presente. As complicações são
insuficiência cardíaca congestiva, endarterite e doença vascular
pulmonar – Eisenmenger.
1.4.3.2 Tratamento

A abordagem inicial da PCA baseia-se em restrição hídrica,


diuréticos, visando diminuir o trabalho cardíaco, e ventilação
mecânica, quando necessário. Tal abordagem visa promover o
fechamento da PCA, tanto por medidas farmacológicas –
indometacina, ibuprofeno; esperam-se de 48 a 72 horas, com
fechamento em 80% dos casos – como por procedimentos cirúrgicos
(toracotomia ou cateterismo).
O tratamento é feito com drogas
(indometacina), cirurgia e cateterismo (“coils”).
Figura 1.13 - Cateterismo com “coil”
São contraindicações do uso do inibidor da prostaglandina E:
a) Sepse;
b) Plaquetopenia – menor que 80.000;
c) Hemorragia intracraniana;
d) Hiperbilirrubinemia;
e) Sangramento renal ou enteral;
f) Creatinina maior que 1,8 ou débito urinário menor que 1 mL/kg/h.

1.4.4 Retorno venoso anômalo parcial das veias


pulmonares
A síndrome da cimitarra é uma anomalia parcial da drenagem
venosa do pulmão direito para a veia cava inferior. À radiografia de
tórax, vê-se sombra de densidade vascular na silhueta cardíaca
direita.
Figura 1.14 - Cimitarra
Fonte: Worldantiques, 2014.

Figura 1.15 - Síndrome da cimitarra

Fonte: JVinocur, 2010.

1.4.5 Estenose pulmonar


Figura 1.16 - “Fácies de elfo”
Tal cardiopatia diz respeito a defeitos na valva pulmonar e em seu
anel, na região infundibular ou acima do anel pulmonar.
A estenose pulmonar está associada à rubéola congênita. Ocorre a
síndrome de Williams quando há associação a estenose aórtica
supravalvar, hipercalcemia idiopática, “fácies de elfo” e retardo
mental.
1.4.5.1 Diagnóstico

Classicamente, está qualificada entre as cardiopatias acianóticas, no


entanto, quando o grau de estenose é importante, pode apresentar-
se com cianose, dispneia e fadiga, que pioram ao esforço físico.
Outros achados ao exame físico incluem primeira bulha acentuada
na área tricúspide e segunda bulha na área pulmonar, estalido
protossistólico pulmonar e sopro sistólico em ejeção no segundo
espaço intercostal esquerdo irradiado para a região infraclavicular
esquerda e, algumas vezes, o pescoço. Eventualmente, o sopro pode
ser de tal intensidade que encobre as bulhas. O ventrículo direito
trabalha contra um obstáculo: a pressão em seu interior apresenta-
se aumentada, podendo haver hipertrofia concêntrica, ou seja,
aumento da espessura de suas paredes maior do que o aumento do
volume de seu interior. Essa hipertrofia pode ser observada por
radiografia de tórax, ECO ou ECG. Este pode evidenciá-la de forma
indireta, por meio das alterações elétricas que gera desvio do eixo
para a direita, ondas T positivas em derivações direitas e onda Q em
V1 associada a sobrecarga atrial direita. O ECO demonstra,
morfologicamente, estenose, mobilidade e espessura dos folhetos
valvares, tamanho do anel valvar, dilatação pós-estenótica e
gradiente transvalvar.
Figura 1.17 - Radiografia de tórax mostrando trama vascular pulmonar diminuída na
presença de aumento das cavidades direitas

Nota: o arco médio retificado orienta para a presença de obstrução da via de saída do
ventrículo direito.
Fonte: Caso 1/2007 – Criança de três anos com Estenose Pulmonar Infundibular, 2007.

1.4.5.2 Tratamento
O objetivo do tratamento é a correção da estenose por meio de
valvoplastia com cateter e balão cirúrgico precoce seguido de
profilaxia para endocardite. Quando há estenose pulmonar com
cianose, o uso de prostaglandina E-1 pode proporcionar melhora do
quadro.
1.4.6 Estenose aórtica
Somente obstruções mais graves causam sintomas na infância. No
quadro clínico, o aumento da obstrução resulta em aumento da área
cardíaca, hipertrofia do ventrículo esquerdo, e diminuição do pulso.
1.4.6.1 Diagnóstico

Evolui com aparecimento súbito de insuficiência cardíaca


congestiva, edema pulmonar e, algumas vezes, colapso periférico.
Além disso, ocorre aparecimento de frêmito sistêmico sobre a área
aórtica, fúrcula e cervical, com estalido protossistólico aórtico e
mitral e sopro rude em ejeção de máxima intensidade sobre o
rebordo esternal direito. A radiografia revela área cardíaca normal
nas estenoses discretas e dilatação aórtica e hipertrofia de ventrículo
esquerdo nas estenoses graves. No ECG, há desvio de eixo para a
esquerda, aparecimento de onda R em V5 e V6, profunda em V1 e V2,
com padrão de “strain”, e alteração de repolarização ventricular. O
ECO serve para análise da válvula, mobilidade, espessura, tamanho
do anel, dilatação pós-estenótica, gradiente transvalvar, hipertrofia
do ventrículo esquerdo e obstruções subvalvares e supravalvares.
Figura 1.18 - Radiografia de tórax que salienta a dilatação do arco superior à direita
correspondente a aorta ascendente dilatada
Fonte: Caso 7/2003 - Instituto do coração do hospital das Clínicas da FMUSP, 2003.

1.4.6.2 Tratamento

Compreende seguimento do paciente assintomático e profilaxia de


endocardite. Nos casos críticos, trata-se primeiramente a
insuficiência cardíaca congestiva e prepara-se para a cirurgia.
1.4.7 Coarctação da aorta
Em 98% dos casos a coarctação é justaductal.
Figura 1.19 - Coarctação da aorta
Fonte: Nelson Textbook of Pediatrics.

Associada à síndrome de Turner e à válvula bicúspide em mais de


70% dos casos, trata-se de um estreitamento ou de obstrução do
arco aórtico que pode ocorrer antes da emergência do canal arterial,
na própria junção da aorta com este ou mesmo após a emergência
deste, porém, ainda no arco. Pode, também, ser classificada em
relação à emergência da artéria subclávia esquerda, 98% dos casos
ocorrem abaixo dela, na posição justaductal ou mesmo pré-ductal.
Figura 1.20 - Coarctação da aorta
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

Lembrando da circulação fetal e da posição do ducto arterial, note-se


que o ducto arterial se insere na aorta após a emergência das artérias
subclávias. Por isso, em casos de CoAo em que o estreitamento
acontece antes do ducto arterial, a circulação para os órgãos
abdominais e para os membros inferiores ocorre por intermédio da
manutenção da permeabilidade desse ducto. O sangue proveniente
do ventrículo direito é desviado para a aorta descendente por
intermédio do ducto arterial, e, dessa forma, é garantida a circulação
abaixo da coarctação, embora com baixa concentração de oxigênio.
1.4.7.1 Diagnóstico

Ao quadro clínico estará presente o sinal clássico, que é a diferença


de pulso e pressão de membros superiores e inferiores. Por meio da
palpação simultânea de pulsos, será verificado o atraso radial-
femoral.
Figura 1.21 - Cianose diferencial

Fonte: Nelson Textbook of Pediatrics.

O quadro clínico pode variar desde totalmente assintomático até com


manifestação clara de insuficiência cardíaca.
O sinal clínico de maior expressão de coarctação da aorta é a
diferença de pulsos e de pressão arterial entre os membros inferiores
e superiores. Os pulsos femorais, poplíteos, tibiais posteriores e
pediosos são mais fracos quando comparados aos braquiais, radiais e
carotídeos. Tal diferença varia na dependência da circulação pelas
artérias mamárias internas e intercostais oriundas das subclávias
ou, até mesmo, das artérias frênicas e vertebrais. A diferença nas
pressões sistólicas pode variar entre 145 mais ou menos 12mmHg
nos membros superiores e 70 mais ou menos 10 mmHg nos
membros inferiores. Precórdio pulsátil ou hiperdinâmico não é raro,
bem como a presença de frêmitos. À ausculta, verifica-se sopro
sistólico na borda esternal esquerda entre o terceiro e o quarto
espaços intercostais, que se irradiam para o dorso e o pescoço. Em
alguns casos, pode haver sopro sistólico audível na região
interescapular, na altura correspondente à coarctação.
Atualmente, o diagnóstico é obtido, em especial, por meio de ECO.
Entretanto, outros exames podem contribuir, como o ECG, que pode
mostrar alterações importantes no seguimento ST e ondas T
negativas em V5 e V6. As alterações na radiografia de tórax
dependem da idade do paciente, dos efeitos da hipertensão arterial e
da circulação colateral. Entre os lactentes, verificam-se aumento de
área cardíaca e congestão pulmonar e, nas crianças maiores,
aumento acentuado do ventrículo esquerdo. A partir da primeira
década, acentua-se tal aumento, e a artéria subclávia aumentada é
visualizada com uma sombra no mediastino superior.
Eventualmente, verifica-se imagem de dilatação da aorta
descendente. Utilizando-se de radiografia de esôfago contrastado,
pode-se encontrar uma imagem de “3 invertido”, com
espessamento das bordas inferiores das costelas com erosão central
– sinal de Röesler.
Figura 1.22 - Sinal de Röesler (setas)
Fonte: Medical Pictures Info.

1.4.7.2 Tratamento
No tratamento inicial do RN em estado grave, administra-se
prostaglandina até a avaliação do grau de comprometimento da
circulação e, se necessário, manutenção da medicação até correção
cirúrgica. Em alguns casos, pode-se fazer correção eletiva, desde que
o RN se encontre assintomático. Em casos de RN com sinais de
insuficiência cardíaca, esta deve ser primeiramente compensada
para, em seguida, ser realizado procedimento cirúrgico. Entretanto,
um ótimo momento para a correção cirúrgica está entre o segundo e
o quarto ano. As complicações aumentam com a idade, podendo
ocorrer, nos adultos não tratados, hipertensão arterial,
encefalopatia hipertensiva, coronariopatia, além de endarterite e
endocardite.
1.4.8 Defeito do septo atrioventricular
É uma anormalidade do desenvolvimento dos coxins endocárdicos
que resulta em uma CIA tipo ostium primum, uma CIV e uma única
valva atrioventricular.
Comporta-se mecanicamente como uma grande CIV. O shunt ocorre
da esquerda para a direita, e pode ocorrer aumento da resistência
pulmonar. É a anomalia cardíaca mais frequente nos pacientes com
síndrome de Down.
Clinicamente se manifesta por dispneia, baixo desenvolvimento
ponderoestatural e infecções respiratórias de repetição.
Ao exame, o sopro pode ser discreto pois as pressões nos átrios e
ventrículos é equilibrada. A segunda bulha é hiperfonética e pode ser
desdobrada.
Quando a hipertensão pulmonar se desenvolve com hiper-
resistência vascular pulmonar aparece a cianose generalizada, que é
mais precoce nos pacientes com síndrome de Down.
O exame padrão ouro para seu diagnóstico é o ecocardiograma com
Doppler.
O tratamento é sempre cirúrgico.
1.5 PROLAPSO MITRAL
Anormalidade valvar mais comum, ocorre geralmente por
degeneração mixomatosa na valva e nas cordoalhas. A valva fica
espessada e alargada, e quando o ventrículo esquerdo se contrai, os
folhetos da valva se projetam para dentro do ventrículo, permitindo
refluxo do sangue para dentro do átrio esquerdo. Quando o prolapso
é significativo pode levar à insuficiência cardíaca e arritmia.
A causa da degeneração mixomatosa é desconhecida, mas tem um
forte componente hereditário. É especialmente frequente na
síndrome de Marfan.
A maioria dos pacientes são assintomáticos, porém quando há
queixa o cansaço e a palpitação são as queixas mais frequentes.
Quando intenso, o prolapso se manifesta com sinais de insuficiência
cardíaca.
Ao exame físico ocorre estalido mitral característico seguido por um
ruído ou sopro.
O exame padrão-ouro é o ecocardiograma com Doppler.
O tratamento não é necessário na maioria dos pacientes. Pacientes
com regurgitação mitral ou evidência de degeneração mixomatosa
devem receber profilaxia com antibiótico antes de qualquer
procedimento que possa causar bacteriemia.
Qual é o sinal clínico
clássico da coarctação de
aorta?
O sinal clínico clássico da coarctação de aorta é a diferença
de pulso e pressão de membros superiores e inferiores. Por
meio da palpação simultânea de pulsos, será verificado o
atraso radial-femoral.
Quais alterações
caracterizam a tetralogia de
Fallot?

2.1 INTRODUÇÃO
As cardiopatias congênitas podem ser divididas de acordo com a
fisiopatologia, com fluxo pulmonar diminuído – por exemplo:
tetralogia de Fallot, anomalia de Ebstein e outras – ou aumentado –
transposição dos grandes vasos, truncus arteriosus e outros. A
radiografia de tórax é útil para a diferenciação inicial entre essas 2
categorias.
As lesões cianóticas com fluxo pulmonar diminuído incluem
obstrução do fluxo sanguíneo pulmonar em associação a existência
de um caminho pelo qual o sangue venoso sistêmico possa ser
desviado da direita para a esquerda e entrar na circulação sistêmica.
O grau de cianose depende da gravidade da obstrução do fluxo
pulmonar. Caso a obstrução seja leve, o paciente pode ser acianótico
em repouso, além da hipótese de crises hipercianóticas em condições
de estresse. Nos casos de obstrução muito grave, o fluxo pulmonar
pode depender da patência do ducto arterial. Quando o ducto se fecha
nos primeiros dias de vida, o neonato passa por profunda hipoxemia
e choque.
As lesões cianóticas com fluxo pulmonar aumentado apresentam a
cianose causada por conexões ventriculoarteriais anormais –
transposição dos grandes vasos – ou por mistura total do sangue
venoso sistêmico e pulmonar no coração – truncus arteriosus.
2.2 TETRALOGIA DE FALLOT
Tal cardiopatia consiste em 4 alterações interligadas, que produzem
cianose exatamente devido à concomitância de algumas destas
(Figura 2.1).
A tetralogia de Fallot envolve comunicação
interventricular, estenose pulmonar,
dextroposição da aorta e hipertrofia do
ventrículo direto.
Figura 2.1 - Tetralogia de Fallot
Legenda: (A) Tetralogia de Fallot – a) estenose da válvula pulmonar; b) hipertrofia do
ventrículo direito; c) dextroposição da aorta; d) comunicação intraventricular; (B) radiografia
de tetralogia de Fallot “em tamanco holandês”.

A obstrução na via de saída do ventrículo direito leva a aumento da


pressão durante a sístole. Dessa forma, na dependência do grau da
obstrução, há shunt direito-esquerdo entre os ventrículos. A aorta
dextroposta situa-se, parcialmente, sobre a comunicação
interventricular (CIV), por consequência, uma parte do sangue
lançado na circulação sistêmica é constituída de hemoglobina
reduzida. Quando a obstrução é discreta, o fluxo entre os ventrículos
acontece da esquerda para a direita. Portanto, o grau de obstrução na
via de saída do ventrículo direito determina o grau de cianose e da
sintomatologia do paciente. A cianose pode não ser inicialmente
observada na dependência da permeabilidade do canal arterial, ou
seja, o sangue é desviado do ventrículo direito para o esquerdo e
lançado na artéria aorta. Na dependência do valor de pressão da
artéria pulmonar, pode haver fluxo da aorta para a artéria pulmonar
e daí para os pulmões, sendo então oxigenado. Caso essa situação se
perpetue, as manifestações de insuficiência cardíaca podem preceder
a cianose. Em outros casos, esta pode surgir gradativamente à
medida que se fecha o canal arterial.
2.2.1 Diagnóstico
O quadro clínico pode variar de discreta cianose em mucosa, lábios e
leitos ungueais, eventualmente visíveis apenas ao choro ou à
mamada, e apresentar-se com baqueteamento de dedos e
hipodesenvolvimento físico em casos mais expressivos. O exame
físico pode evidenciar sopro sistólico ejetivo, segunda bulha única e
frêmito. Também é comum haver policitemia, um mecanismo de
compensação da cianose. Crises hipercianóticas ou hipoxêmicas
ocorrem com lactentes e crianças até 2 anos, são paroxísticas e
caracterizam-se por hiperpneia, irritabilidade e choro prolongado –
que aumenta a cianose –, podendo levar o lactente a síncope,
convulsões e, esporadicamente, morte. Tais crises podem ocorrer
quando há aumento da resistência ao fluxo de saída do ventrículo
direito ou diminuição da resistência sistêmica, pelo aumento do
shunt direito-esquerdo e queda na oxigenação ainda maior do que a
existente de base. No momento da crise, deve-se colocar o paciente
em posição genupeitoral – cócoras – por diminuir a circulação nos
membros inferiores e consequente redução do shunt direito-
esquerdo, administrar oxigênio e morfina.
O diagnóstico, na maioria das vezes, é obtido intraútero por
ultrassonografia, porém a doença não tem repercussão nesse
período. Após o nascimento, o ecocardiograma (ECO) continua a ser
o exame de eleição, em virtude da sua facilidade e acurácia. A
radiografia de tórax mostra área cardíaca normal ou discretamente
aumentada, botão aórtico saliente e ápice cardíaco elevado acima do
diafragma. O coração apresenta-se com imagem semelhante a um
tamanco holandês, sendo assim chamada. Em 25% dos casos, ocorre
arco aórtico para a direita: coração em sabot. O eletrocardiograma
(ECG) mostra alterações elétricas compatíveis com hipertrofia
ventricular direita, onda T ascendente em V1 com onda R pura e sem
onda S.
Figura 2.2 - Radiografia de tórax – diagnóstico da tetralogia de Fallot
Fonte: Caso 6/2004 – lactente de 14 meses com tetralogia de Fallot e com discreto
hiperfluxo pulmonar. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP, 2004.

2.2.2 Tratamento
O tratamento para as crises hipercianóticas de hipóxia é composto
por:
a) Oxigênio;
b) Morfina para suprimir o centro respiratório e abolir a taquipneia;
c) Posição genupeitoral para aumentar a resistência vascular
periférica;
d) Vasoconstritores para aumentar a resistência vascular sistêmica:
epinefrina 0,01 mg/kg;
e) Bicarbonato de sódio – 1 mEq/kg – intravenoso;
f) Betabloqueadores para relaxar a musculatura infundibular –
propranolol via IV;
g) Cetamina – 1 a 3 mg/kg – para sedar e aumentar a resistência
vascular periférica;
h) Tetralogia de Fallot – o tratamento para RNs com obstrução
importante compreende, inicialmente, a manutenção de prostaglandina
em infusão contínua até ser realizada a cirurgia paliativa – shunt
Blalock-Taussig –. Esta é indicada para crianças abaixo de 6 meses,
com más condições clínicas ou com anatomia desfavorável. Consiste
em um conduto que liga a artéria subclávia ao ramo homolateral da
artéria pulmonar. A cirurgia corretiva deve ser feita entre 3 meses e 1
ano, e consiste em alívio da obstrução do trato de saída de ventrículo
direito, removendo as faixas de músculo ali localizadas e promovendo
o fechamento da CIV com um patch. Por vezes pode ser necessária
uma valvotomia – valva pulmonar estenótica.

2.2.3 Complicações
a) Trombose cerebral – policitemia, desidratação – menor que 2 anos;
b) Abscesso cerebral – maior que 2 anos;
c) Endocardite.

2.3 ANOMALIA DE EBSTEIN DA


VÁLVULA TRICÚSPIDE
Na anomalia de Ebstein da válvula tricúspide, temos, como
alterações, aumento no tamanho do átrio direito, válvula tricúspide
regurgitante, obstrução ao fluxo de saída do ventrículo direito –
tricúspide “em vela de barco” – e excesso de volume do átrio direito
pelo forame oval para o átrio esquerdo: shunt que gera cianose.
Figura 2.3 - Radiografia de tórax de paciente com anomalia de Ebstein e esquema com as
correspondências anatômicas
Trata-se de uma doença rara, que representa 0,04% das cardiopatias
congênitas e consiste no deslocamento para baixo de válvula
tricúspide anormal, entrando no ventrículo direito e dividindo-o em
2 partes: a primeira, que é uma continuidade do átrio direito, e a
segunda, menor, que funciona como ventrículo. O átrio direito é
muito grande, e a válvula tricúspide, em geral, regurgitante (Figura
2.4).
Figura 2.4 - Anomalia de Ebstein
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

O débito do ventrículo direito é baixo. Já o aumento de volume do


átrio direito leva a desvio do sangue deste, por meio do forame oval,
para o átrio esquerdo, provocando a cianose. Quanto ao quadro
clínico, neonatos com formas graves de anomalia de Ebstein
apresentam cianose intensa, cardiomegalia gigante e sopro sistólico;
também são comuns o ritmo de galope e a presença de estalidos. O
fluxo pulmonar costuma depender do canal arterial.
2.3.1 Diagnóstico
O diagnóstico é feito com o ECG, que indica bloqueio do ramo direito;
pode ocorrer taquicardia supraventricular – síndrome Wol -
Parkinson-White –; a radiografia revela cardiomegalia, e o ECO ou o
cateterismo confirma o diagnóstico.
Figura 2.5 - Radiografia de tórax com grande aumento de área cardíaca à custa das
câmaras direitas
Fonte: Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular.

2.3.2 Tratamento
O tratamento em neonatos com hipóxia grave deve ser feito com
prostaglandina. Algumas vezes é indicado shunt aortopulmonar –
procedimento de Starnes –, ao passo que o tratamento cirúrgico está
indicado para os pacientes com insuficiência cardíaca, cardiomegalia
progressiva, arritmia cardíaca e cianose.
2.4 TRANSPOSIÇÃO DE GRANDES
ARTÉRIAS
A Transposição de Grandes Artérias (TGA) é uma malformação
cardíaca congênita em que a relação atrioventricular está mantida,
de forma que parte ou todo o sangue que chega ao átrio direito passa
ao ventrículo direito. O sangue proveniente da circulação chega ao
átrio direito por meio das veias cavas. Do ventrículo direito emerge a
artéria aorta, devolvendo o sangue à circulação sistêmica (Figura
2.6).
O sangue proveniente dos pulmões chega ao átrio esquerdo, de onde
parte, ou todo o sangue chega ao ventrículo esquerdo. Deste emerge
ao tronco pulmonar, retornando aos pulmões. Como se pode notar,
caso não haja mistura desse sangue em algum ponto, têm-se 2
circulações “fechadas” não comunicantes e os tecidos jamais
receberiam sangue oxigenado.
Figura 2.6 - Fluxo invertido
Legenda: (A) coração normal – circulação normal; (B) coração com malformação –
circulação em coração com transposição dos grandes vasos.

Por isso, é impossível haver sobrevivência. Caso contrário,


certamente o sangue da circulação sistêmica se misturaria ao da
circulação pulmonar. Na maioria das vezes, isso acontece por meio
de CIA, CIV e/ou PCA. A TGA pode apresentar-se com septo
interventricular íntegro ou com CIV. No caso de septo
interventricular íntegro, a comunicação entre as 2 circulações
acontece por meio da CIA e do canal arterial. Com seu o fechamento,
há aumento da cianose e insuficiência cardiorrespiratória gradativa.
A transposição de grandes artérias apresenta maior incidência em
filhos de diabéticas e em homens (3:1).
2.4.1 Diagnóstico
A ausculta cardíaca apresenta sopro sistólico em ejeção e de
intensidade variável na área pulmonar, segunda bulha única e, no
caso de PCA, sopro contínuo. O ECG apresenta alterações elétricas
que indicam desvio de eixo para a direita, sobrecarga ventricular
direita e V1 com morfologia Rs e R’ com onda T positiva em V1 e V2.
Quando há CIV, a comunicação entre as 2 circulações está garantida;
mesmo com o fechamento do canal arterial, a cianose
eventualmente pode não ser vista e, quando presente, não revela
grande piora com o seu fechamento. No entanto, após a terceira
semana de vida, o RN já pode apresentar algum sinal de insuficiência
cardíaca, com taquicardia e taquipneia. A ausculta pode apresentar-
se com sopro contínuo de alta frequência e de localização
paraesternal esquerda baixa, com segunda bulha hiperfonética em
área pulmonar e tricúspide. O ECG mostra alterações elétricas
sugestivas de sobrecarga de câmaras esquerdas e ventrículo direito.
Figura 2.7 - Radiografia de tórax com situs solitus visceral
Nota: segundo arco escavado com afilamento de estruturas mediastinais e proeminência
vascular pulmonar com discreta oligoemia periférica, típica de portador de transposição de
grandes artérias.
Fonte: Portadora de transposição das grandes artérias operada em idade pré-escolar,
2007.

2.4.2 Tratamento
As opções de tratamento são:
a) Prostaglandina E1;
b) Atriosseptostomia de Rashkind;
Em se tratando de cirurgia:
a) Troca arterial (cirurgia de Jatene), a qual deve ser feita nas
primeiras 2 semanas de vida, porque o ventrículo esquerdo pode
hipotrofiar e não aguentar a pressão;
b) TGA com CIV, a qual pode ser feita após 2 semanas de vida, uma
vez que a CIV equaliza as pressões entre os ventrículos.

O tratamento baseia-se, sempre, no uso de prostaglandina E-1, na


forma intravenosa e contínua, oxigênio, correção de qualquer
distúrbio acidobásico e/ou hidroeletrolítico, atriosseptostomia com
cateter balão ou lâmina e, no caso de insuficiência cardíaca, uso de
digoxina e diuréticos. E o tratamento cirúrgico, sempre indicado,
pode ser a cirurgia de Jatene, de Senning ou, ainda, de Rastelli, de
preferência até a segunda semana de vida.
2.5 RETORNO VENOSO PULMONAR
ANÔMALO TOTAL
Nessa condição, as veias pulmonares podem drenar acima ou abaixo
do diafragma. O diagnóstico é feito por meio de radiografia de tórax,
e é patognomônica em crianças maiores a imagem “em boneco de
neve”.
Figura 2.8 - Imagem “em boneco de neve”
2.6 SÍNDROME DO CORAÇÃO
ESQUERDO HIPOPLÁSICO
Nessa síndrome, não há o desenvolvimento do lado esquerdo do
coração (atresia aórtica, atresia mitral). Dentre as alterações, estão a
hipoplasia da aorta ascendente e o ventrículo esquerdo não
funcional. O ventrículo direito mantém as circulações sistêmica e
pulmonar.
Figura 2.9 - Fisiologia da síndrome do coração esquerdo hipoplásico
Legenda: os números dentro dos círculos representam os valores de saturação de
oxigênio.
Fonte: Nelson Textbook of Pediatrics.

Figura 2.10 - Fisiologia da síndrome do coração esquerdo hipoplásico


Nota: o sangue com pouca oxigenação, oriundo da circulação sistêmica, retorna ao átrio
direito normalmente. A maior parte do sangue oxigenado que retorna dos pulmões para o
átrio esquerdo atravessa um defeito do septo atrial para se unir ao sangue pouco
oxigenado no átrio direito. Esse sangue misto é, então, ejetado pelo ventrículo direito para
a artéria pulmonar. O sangue na artéria pulmonar é direcionado aos pulmões e à aorta
através de um canal arterial patente.
Fonte: adaptado de Comparison of Shunt Types in the Norwood Procedure for Single-
Ventricle Lesions, 2010.

2.6.1 Tratamento
A cirurgia de Norwood possui 3 estágios (respectivamente, Figuras
2.11, 2.12 e 2.13).
Figura 2.11 - Primeiro estágio

Legenda: (A) o tronco da artéria pulmonar é transectado, e é criada uma (B) “neoaorta”,
formada com a cirurgia de Norwood e o shunt de Blalock-Taussig modificado.

Figura 2.12 - Segundo estágio: anastomose de Glenn


Figura 2.13 - Terceiro estágio: procedimento de Fontan com a utilização de um conduto
extracardíaco para conectar o fluxo sanguíneo da veia cava inferior com a artéria pulmonar
Figura 2.14 - Procedimento de Fontan
2.7 TRUNCUS ARTERIOSUS
Um tronco arterial único sai do coração e supre as circulações
sistêmica e pulmonar. Uma CIV está sempre presente com o tronco
arterial, ficando logo acima da CIV, recebendo sangue tanto do
ventrículo direito quanto do esquerdo. O tronco arterial origina a
aorta ascendente e a artéria pulmonar (Figura 2.15).
A saturação de oxigênio na aorta é a mesma que a observada na
artéria pulmonar, definição de lesão com mistura total.
2.7.1 Diagnóstico
O quadro clínico apresenta-se de modo que, como o fluxo pulmonar
é grande, há pouca cianose. O hiperfluxo pulmonar também leva a
insuficiência cardíaca. O truncus arteriosus pode estar associado à
síndrome de DiGeorge.
A síndrome de DiGeorge envolve orelhas de baixa implantação, boca
pequena, fenda palatina, ausência de timo e das paratireoides,
anomalias cardíacas, atraso mental, déficit de crescimento,
convulsões e problemas cognitivo-comportamentais.
Figura 2.15 - Radiografia de tórax de paciente jovem com truncus arteriosus
Nota: área cardíaca aumentada e mediastino estreito; percebe-se, ainda, pletora pulmonar.

2.7.2 Tratamento
O tratamento é cirúrgico e compreende o fechamento da CIV, a
separação da artéria pulmonar do tronco arterial e o estabelecimento
de um circuito entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar (reparo
de Rastelli).
Figura 2.16 - (A) Coração normal e (B) coração com truncus arteriosus
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.
Quais alterações
caracterizam a tetralogia de
Fallot?
A tetralogia de Fallot é caracterizada pela presença de
comunicação interventricular, dextroposição da aorta,
estenose pulmonar e hipertrofia de ventrículo direito.
Como deve ser aferida a
pressão arterial nas
crianças e adolescentes e
como é definida e
classificada a hipertensão
arterial?

3.1 INTRODUÇÃO
A Hipertensão Arterial (HA) é conceituada pela 7ª Diretriz Brasileira
de Hipertensão Arterial, publicada em 2016, como uma condição
clínica multifatorial caracterizada pela elevação sustentada dos
níveis pressóricos.
A porcentagem de crianças e adolescentes com HA dobrou nas
últimas décadas, com prevalência estimada de 3,5%, e esse aumento
é atribuído ao aumento da prevalência de sobrepeso e obesidade na
população pediátrica.
A etiologia da HA pediátrica depende muito da idade, sendo que nas
crianças menores é mais frequente a HA secundária a nefropatias e,
em adolescentes, a HA primária associada a causas genéricas e
obesidade.
A HA nas crianças costuma ser assintomática, porém 40% já podem
apresentar hipertrofia de ventrículo esquerdo, fator preditor
importante de arritmias e de insuficiência cardíaca na idade adulta,
além da lesão de outros órgãos-alvo como retina e carótidas. Além
disso, a Pressão Arterial (PA) elevada durante a infância se
correlaciona com aumento da PA na idade adulta e presença de HA. Já
a presença de valores normais de PA durante a infância se
correlaciona com a ausência de HA na idade adulta.
O diagnóstico precoce e tratamento da PA elevada na infância se
associa ao menor risco de comorbidades na vida adulta, como HA e
síndrome metabólica, e por isso se recomenda a aferição anual da PA
em consultas de rotina a partir dos 3 anos de idade para todas as
crianças. As crianças menores de 3 anos devem ter sua PA avaliada
em situações de risco específicas, como nefropatias, uso de drogas
que elevam a PA e cardiopatias congênitas.
A aferição da PA deve ser feita respeitando-se as padronizações de
medição, que serão abordadas no decorrer deste capítulo.
3.2 DEFINIÇÕES
Em 2004, com a publicação do National High Blood Pressure
Education Program (NHBPEP), foi unificada e normatizada a
classificação da PA na população pediátrica. Em Pediatria,
diferentemente da população adulta, os valores pressóricos normais
são definidos de acordo com dados obtidos a partir da aferição da PA
de crianças sadias e distribuídos em uma tabela normativa com base
na idade cronológica, sexo e percentil de estatura.
A publicação de 2004 foi atualizada em 2017 pela American Academy
of Pediatrics com os novos valores e classificação de PA que serão
abordados ao longo do capítulo. A grande mudança foi a retirada das
crianças com sobrepeso e obesidade das tabelas, o que causou uma
diminuição nos valores considerados normais de PA, e
consequentemente, um aumento no número de hipertensos.
A 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial
foi publicada em 2016 e, portanto, utiliza a
classificação adotada em 2004. A Sociedade
Brasileira de Pediatria já recomenda a adoção
dos novos valores e termos publicados pela
American Academy of Pediatrics em 2017.

É considerada PA normal qualquer valor de Pressão Arterial Sistólica


(PAS) e Pressão Arterial Diastólica (PAD) que esteja abaixo do
percentil 90 – p90 – para idade, sexo e estatura. Isso não mudou
com a atualização das tabelas dos valores de PA.
De acordo com a classificação abordada na 7ª Diretriz Brasileira de
Hipertensão Arterial, crianças e adolescentes que apresentam PAS
e/ou PAD ≥ p95 em 3 aferições diferentes são considerados
hipertensas. Crianças com valores de PAS e/ou PAD ≥ p90 e < p95 e
adolescentes com PAD/PAS ≥ 120x80 mmHg e < p95 são
considerados pré-hipertensos.
A hipertensão estágio 1 (HA 1) era considerada quando os valores
pressóricos estavam entre o percentil 95 – p95 – e 5mmHg acima do
percentil 99 – p99 –. A hipertensão estágio 2 (HA 2) era considerada
quando os valores pressóricos estivessem mais que 5 mmHg acima
do p99.
A nova classificação não considera mais o p99 e muda o termo “pré-
hipertensão” para “pressão arterial elevada”, além de dividir as
crianças e os adolescentes de 13 anos ou mais, conforme as Tabelas a
seguir.
Tabela 3.1 - Para crianças entre 1 e 13 anos de idade
Fonte: American Academy of Pediatrics, 2017.

Tabela 3.2 - Para crianças de 13 anos ou mais

Fonte: American Academy of Pediatrics, 2017.

3.3 ETIOLOGIA
A HA pode ser primária, sem causa identificável, ou secundária, com
causa identificável. A HA primária é a mais prevalente em
adolescentes, principalmente naqueles com sobrepeso e obesidade.
No entanto, é um diagnóstico de exclusão, e as causas secundárias
devem ser investigadas sempre que possível. A obesidade, sexo
masculino, etnias hispânica e africana, histórico familiar de HA,
ausência de aleitamento materno e agravos no período perinatal e
pós-natal são fatores de risco para a HA primária.
Considerar como mais frequente a hipertensão
secundária em crianças menores e hipertensão
primária em crianças maiores de 6 anos e
adolescentes.

A HA secundária é mais frequente em crianças mais jovens, menores


de 6 anos, mas pode acometer todas as faixas etárias. As doenças
renais correspondem à principal etiologia – 60% a 90%– e incluem
nefropatias parenquimatosas, renovasculares e obstrutivas. As
doenças endócrinas, como excesso de mineralocorticoides e doenças
da tireoide, correspondem a 5% dos casos, e a coarctação de aorta, a
2%. A HA secundária também pode ser secundária a
neurofibromatose, ser causada por medicamentos— corticoides,
anticoncepcionais orais, estimulantes do sistema nervoso central –
por exposição ambiental – substâncias como mercúrio, cádmio,
ftalatos e chumbo – ou por HA monogênica.
3.4 DIAGNÓSTICO
3.4.1 Aferição da pressão arterial
A aferição da PA deve ser feita em crianças saudáveis pelo menos
uma vez ao ano a partir dos 3 anos de idade. Crianças com 3 anos ou
mais, com fatores de risco para HA, devem ter sua PA aferida em
cada visita ao serviço de saúde. Crianças menores que 3 anos, em
situações de risco para HA, devem ter sua PA aferida em toda
consulta de rotina ou conforme necessário.
São fatores de risco para aferição de PA em menores que 3 anos:
a) Nefropatias, ITU de repetição;
b) Cardiopatias congênitas corrigidas ou não;
c) Em uso de drogas que elevam a PA;
d) Prematuro menores que 32 semanas, muito baixo peso ao nascer,
com antecedente de cateterização umbilical ou outras complicações
com necessidade de internação em UTI no período neonatal;
e) Submetidos a transplantes de órgãos sólidos ou medula óssea;
f) Neoplasias;
g) Evidências de aumento da pressão intracraniana;
h) Outras doenças associadas à hipertensão – neurofibromatose,
anemia falciforme.

Aferir a PA pelo menos 1 vez ao ano em crianças


saudáveis ≥ 3 anos. Nas crianças ≥ 3 anos com
fator de risco para HA, aferir a PA em toda visita
médica. Aferir a PA em crianças < 3 anos com
fatores de risco para HA conforme necessário.

Para aferir a PA, a criança deve estar calma por pelo menos 5
minutos, preferencialmente sentada, com os pés e as costas
apoiados. Alimentos ou bebidas estimulantes não devem ser
oferecidos antes da aferição. O braço escolhido deve ser o direito –
pacientes com coarctação de aorta têm uma PA falsamente baixa no
braço esquerdo – e ele deve estar apoiado no nível do coração. O
método preferencial é o auscultatório e, na sua ausência, indica-se o
método oscilométrico. Caso ocorra alteração no valor da PA pelo
método oscilométrico, esta deve ser confirmada com o método
auscultatório.
Deve-se sempre usar um manguito adequado para cada criança. A
escolha do manguito é feita através da medida da circunferência do
braço no ponto médio entre o acrômio e o olecrânio. O comprimento
da bolsa inflável deve ser de 80 a 100% da circunferência do braço, e
a largura deve equivaler a 40% da circunferência do braço.
O comprimento do manguito deve ser de 80 a
100% da circunferência do braço, e a largura
deve equivaler a 40% da circunferência do
braço. Os manguitos menores que os ideais
superestimam a PA, e os maiores mostram
valores mais baixos.
Figura 3.1 - Técnica de medida da pressão arterial

Fonte: adaptado de Hipertensão arterial na infância, 2003.

Aferir a PA pelo menos 2 vezes, no mesmo braço, com um intervalo


de tempo de 1 a 2 minutos. Se o valor da segunda medida for > 5
mmHg, afere-se novamente até que se chegue a um valor estável.
Caso a medida da PA no membro superior direito esteja elevada,
outra aferição deve ser feita no membro superior esquerdo e em um
dos membros inferiores. Essa medida deve ser feita com o paciente
deitado e o manguito deve ser colocado na panturrilha de modo a
cobrir pelo menos 2 terços da distância entre o tornozelo e o joelho.
O diagnóstico de HA só deverá ser feito se as medidas de PAS e/ou
PAD estiverem ≥ p95 ou ≥ 130x80 mmHg em pelo menos 3 visitas
diferentes ao serviço de saúde.
O diagnóstico de HA só deve ser feito quando as
medidas de PAS e, ou PAD estiverem maior que
p95 ou maior que 130x80 mmHg em pelo menos
3 visitas diferentes ao serviço de saúde.

Muitas vezes, as crianças que apresentam aumento de PA na


primeira visita têm redução importante nos valores de PA na visita
subsequente. É o chamado efeito de acomodação, que resulta da
diminuição da ansiedade da primeira medida, responsável pela
Hipertensão do Avental Branco (HAB). A HAB é uma situação clínica
na qual o paciente apresenta valores elevados de PA quando aferida
no consultório, porém apresenta valores normais de PA quando
aferidas por Medida Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) ou
Medida Residencial da Pressão Arterial (MRPA). A prevalência
descrita de HAB nas crianças é de 22 a 32%.
A realização de MAPA em crianças e adolescentes é indicada na
investigação da HAB, na hipertensão mascarada e no seguimento de
pacientes com PA elevada ou HA.
3.4.2 Anamnese
Detalhar as informações sobre o nascimento, crescimento e
desenvolvimento, antecedentes de doenças renais e urológicas,
endócrinas, cardíacas e neurológicas. Avaliar o histórico nutricional
e se há consumo aumentado de sódio, alimentos com muita gordura
e bebidas açucaradas em detrimento de vegetais, frutas e alimentos
com pouca gordura.
Avaliar o histórico de atividade física e sedentarismo, histórico
psicossocial – depressão, bullying, ansiedade, maus-tratos, uso de
álcool e tabaco – e história familiar de hipertensão.
3.4.3 Exame físico
Sempre avaliar peso, estatura e índice de massa corpórea nas curvas
padronizadas. Um exame físico detalhado pode mostrar indícios de
que a HA é secundária ou evidenciar lesão de órgão-alvo e
complicações associadas a HA. Atraso no crescimento pode ser
indício de doença crônica, aumento da frequência cardíaca pode
indicar hipertireoidismo ou fenilcetonúria, hipertrofia das adenoides
está associada a distúrbios do sono, e acantose nigricans sugere
resistência a insulina e diabetes.
Sempre avaliar a PA nas crianças que já têm diagnóstico de HA ou de
PA elevada nos 2 braços e em 1 das penas. A PA normalmente é cerca
de 10 a 20 mmHg mais elevada nos membros inferiores do que nos
superiores. Uma inversão nesses valores pode indicar coarctação de
aorta.
3.4.4 Exames complementares
Os exames subsidiários têm como objetivo definir a etiologia da HA,
identificar lesão de órgão-alvo e fatores de risco cardiovascular.
De acordo com a 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial, todas
as crianças e adolescentes com HA 1 e 2 devem ser avaliadas para
buscar lesão de órgão-alvo. Polissonografia ou poligrafia residencial
está indicada para crianças e adolescentes com distúrbio de sono.
Exames específicos para investigar HA secundária estão listados a
seguir:
a) Hemograma completo;
b) Função renal e eletrólitos (incluindo cálcio e magnésio);
c) Perfil lipídico;
d) Ácido úrico sérico;
e) Glicemia de jejum;
f) Exame de urina I e urocultura;
g) Radiografia de tórax;
h) Eletrocardiograma – ecodopplercardiograma;
i) Ultrassonografia renal com Doppler de artérias renais;
j) Fundoscopia.

São exames para confirmação de hipertensão arterial secundária:


a) Dosagem de eletrólitos na urina, proteinúria, creatinina urinária;
b) Nível sérico de renina (ou atividade de renina plasmática),
aldosterona, cortisol salivar, PTH, TSH, T4 livre e T3 livre;
c) Eletroforese de hemoglobina;
d) Autoanticorpos específicos: FAN, anti-DNA, p-ANCA, c-ANCA;
e) Catecolaminas e metanefrinas na urina (ou metanefrina plasmática)
e cintilografia com metaiodobenzilguanidina.

A American Academy of Pediatrics recomenda, além dos exames


citados anteriormente, também solicitar aos pacientes obesos
hemoglobina glicada, transaminases – pesquisa de esteato-hepatite
– e perfil lipídico em jejum.
3.5 MANEJO INICIAL DO PACIENTE ATÉ
O DIAGNÓSTICO
3.5.1 Pacientes com pressão arterial elevada
A American Academy of Pediatrics recomenda que, após a primeira
consulta, o paciente com PA elevada seja orientado quanto a
mudanças do estilo de vida, como perda de peso, reeducação
alimentar e atividade física, e que seja reavaliado em 6 meses. Se a
PA persistir > p90, (checar a PA sempre nos 2 braços e em 1 das
pernas), reforçar as orientações de mudança no estilo de vida e
reavaliar o paciente após mais 6 meses. Se após os 12 meses, e 3
medidas, o paciente persistir com PA elevada, solicitar MAPA e todos
os exames da investigação inicial. Considerar encaminhar ao
cardiologista ou nefrologista pediátrico para acompanhamento
específico.
3.5.2 Pacientes com valores de pressão arterial
estágio HA 1
Para os pacientes que estão assintomáticos, a American Academy of
Pediatrics recomenda, inicialmente, a terapia não farmacológica
com mudança do estilo de vida e reavaliação em 1 a 2 semanas. Se
após esse período a PA persistir > p95 na aferição auscultatória (2
braços e 1 perna), as orientações nutricionais e de atividade física
devem ser reforçadas e a PA deve ser reavaliada em 3 meses. Se após
as 3 visitas o paciente continuar com HA 1 e assintomático, solicitar
MAPA, exames iniciais de triagem e encaminhar para o especialista.
3.5.3 Pacientes com valores de pressão arterial
estágio HA 2
A American Academy of Pediatrics recomenda que o paciente com
HA 2 (PA > p95 + 12 mmHg) assintomático receba as recomendações
de mudança de estilo de vida e que seja reavaliado dentro de 1
semana. A qualquer momento pode ser encaminhado para um centro
de referência. Se após 1 semana a PA persistir com níveis de HA 2,
pode-se ou solicitar MAPA, exames iniciais de triagem e iniciar o
tratamento, ou encaminhar o paciente dentro de 1 semana para
avaliação com especialista. Se em qualquer momento o paciente com
HA 2 estiver sintomático e/ou com valores de PA > 30 mmHg acima
do p95 – ou > 180x120 nos adolescentes –, encaminhar com
urgência ao serviço de emergência.
#IMPORTANTE
A MAPA serve para fazer diagnóstico de HA,
afastar a hipertensão do “avental branco” e
avaliar o controle do tratamento dos pacientes
com HA.
Quadro 3.1 - Comparação da classificação da pressão arterial entre as Diretrizes de 2004 e
2017
3.6 TRATAMENTO
Anteriormente, considerava-se como alvo do tratamento atingir
valores pressóricos < p95. Sabe-se atualmente que crianças e
adolescentes com a PA entre p90 e p95 têm risco aumentado de
desenvolver doença cardiovascular e hipertrofia de ventrículo
esquerdo no início da vida adulta. Portanto, o objetivo atual do
tratamento farmacológico e não farmacológico é manter níveis
pressóricos < p90 ou < 130x80mmHg em adolescentes.
#IMPORTANTE
O objetivo do tratamento da HA é atingir
valores de PA < p90 em crianças ou < 130x80
mmHg em adolescentes.

3.6.1 Medidas não farmacológicas


Inicialmente, recomenda-se mudança no estilo de vida. A redução de
peso mostra bons resultados na criança obesa, e a prática de
atividade física tem um bom efeito sobre os valores da PAS. A 7ª
Diretriz Brasileira de Pressão Arterial recomenda a prática de
exercício aeróbico moderado por 30 a 60 minutos e, se possível,
diariamente. Pode-se realizar treinamento resistido ou localizado
com supervisão, exceto levantamento de peso. Não há
contraindicação a esportes competitivos, exceto para pacientes com
HA 2 ainda não controlada. A dieta deve ser mais saudável e pode
incluir restrição de sódio com suplementação de potássio e cálcio.
A American Academy of Pediatrics recomenda a dieta chamada
Dietary Approaches to Stop Hypertension (DASH), rica em frutas,
vegetais, laticínios com baixo teor de gordura, grãos integrais,
peixes, aves, castanhas, carne vermelha magra e com consumo
restrito de açúcares e sódio (Quadro 3.2). Quanto à atividade física, a
recomendação do novo guideline é de atividade aeróbica vigorosa
por 30 a 60 minutos, de 3 a 5 vezes por semana.
Quadro 3.2 - Dieta DASH
Fonte: American Academy of Pediatrics, 2017.

3.6.2 Medidas farmacológicas


O tratamento medicamentoso deve ser iniciado em toda criança ou
adolescente com HA sintomática, HA secundária, HA persistente não
responsiva às medidas não farmacológicas, presença de lesão de
órgão-alvo, diabetes tipo 1 e 2 e doença renal crônica.
A recomendação é iniciar com uma só droga de primeira linha em
baixa dose e ajustar a cada 2 a 4 semanas conforme a resposta. Se a
PA não atingir os valores desejados, um segundo medicamento deve
ser introduzido, associando-o à terapia inicial. A utilização de todas
as classes de anti-hipertensivos parece segura no grupo pediátrico. A
American Academy of Pediatrics não recomenda iniciar o tratamento
isolado com betabloqueadores. Opta-se por iniciar com inibidor da
enzima conversora de angiotensina, bloqueador do receptor de
angiotensina, bloqueador dos canais de cálcio ou diurético tiazídico.
O tratamento da HA secundária deve ser realizado em consonância
com o processo fisiopatológico de base, levando em consideração as
comorbidades de cada caso.
O Quadro 3.3 apresenta as drogas mais utilizadas na HA pediátrica.
Quadro 3.3 - Anti-hipertensivos orais mais utilizados na hipertensão arterial pediátrica

Fonte: 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial.

3.6.3 Crise hipertensiva


A Emergência Hipertensiva (EH), caracterizada por aumento abrupto
da PA associada a lesão de órgão-alvo que pode incluir
acometimento neurológico, renal, ocular, hepático ou insuficiência
miocárdica, manifesta-se como encefalopatia, convulsões,
alterações visuais, alterações no eletrocardiograma ou
ecocardiograma, insuficiência renal ou hepática. A redução da PA
deve ocorrer de maneira lenta e progressiva. No Brasil, a medicação
mais utilizada no tratamento da EH é o nitroprussiato de sódio. Vale
lembrar que seu metabólito é o cianeto e, se a medicação for
utilizada por mais de 24 horas, o paciente deve ter controle do nível
sérico. Após estabilização da PA, pode-se iniciar anti-hipertensivo
por via oral.
A urgência hipertensiva é caracterizada por elevação aguda da PA
associada a sintomas menos graves em um paciente com risco de
lesão de órgão-alvo sem evidência de acometimento recente. Seu
manejo pode ser feito com medicações via oral, com redução da PA
em 24 a 48 horas.
Pacientes com tumores produtores de catecolamina podem ser inicialmente
alfabloqueados com fenoxibenzamina, seguida de adição cuidadosa de um
betabloqueador.

Na crise hipertensiva causada por sobrecarga de volume, por


exemplo, nos pacientes com glomerulonefrite aguda, a furosemida é
a droga inicial de escolha. Em caso de oligúria ou anúria, outros
anti-hipertensivos podem ser utilizados concomitantemente,
podendo haver necessidade de diálise para controle volêmico.
No Quadro 3.4 estão os anti-hipertensivos mais usados na crise
hipertensiva.
Quadro 3.4 - Anti-hipertensivos mais usados em pediatria para emergência hipertensiva
Fonte: 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial.

3.7 CONCLUSÃO
A HA na infância está associada a eventos desfavoráveis e
comorbidades no futuro. Sua incidência vem aumentando
progressivamente, principalmente associada a obesidade. O
diagnóstico precoce e o tratamento da HA na infância associam-se a
menor risco de HA e de aumento da ateromatose carotídea na vida
adulta.
Como deve ser aferida a
pressão arterial nas
crianças e adolescentes e
como é definida e
classificada a hipertensão
arterial?
A medida da PA é feita preferencialmente com a criança
calma, em ambiente agradável, em repouso de pelo menos
5 minutos, sentada, com o braço direito estendido na altura
do coração. O manguito deve possuir uma câmara interna
com largura correspondente a 40% da circunferência do
braço (medida no ponto médio entre o olécrano e o
acrômio) e o comprimento equivalente a 80 a 100% da
mesma, sem superposição.
Ela é classificada em primária e secundária, e em relação
aos percentis tem a seguinte classificação:
1. PA normal: PAS e PAD < p90;
2. PA elevada (antigo pré-hipertensão): PAS e/ou PAD ≥ p
90 e < p 95 ou entre 120x80 mmHg e < p95;
3. Hipertensão estágio 1: PAS e/ou PAD ≥ p95 e < 12 mmHg
acima do p95 ou entre 130x80 mmHg a 139x89 mmHg;
4. Hipertensão estágio 2: PAS e/ou PAD ≥ 12 mmHg acima
do p95 ou ≥ 140x90 mmHg.
Como abordar inicialmente
uma criança em parada
cardiorrespiratória?

4.1 INTRODUÇÃO
A parada cardíaca, ou parada cardiorrespiratória (PCR) – cessação da
atividade mecânica do coração –, cursa com inconsciência, apneia e
ausência de pulso central palpável. Entre lactentes e crianças, em
geral, não acontece por causas cardíacas primárias, mas por falência
respiratória progressiva ou choque. Em geral, situações de hipóxia,
hipercapnia e acidose prolongadas progridem para bradicardia e
hipotensão e podem culminar em uma PCR.
Dentre as causas cardíacas que levam a essa condição, a fibrilação
ventricular e a taquicardia ventricular sem pulso são os ritmos
cardíacos iniciais em apenas 5 a 15% das crianças que evoluem para
PCR, e a incidência de ambas aumenta com a idade. Entre as crianças
com doenças cardíacas de base – cardiopatias congênitas,
miocardiopatias –, a PCR causada por arritmias deve ser
considerada, assim como os casos de intoxicação por drogas –
digitálicos.
No ambiente pré-hospitalar, os eventos mais associados à parada
cardíaca são trauma, Síndrome da Morte Súbita do Lactente (SMSL),
afogamento por submersão, envenenamento, engasgo, asma grave e
pneumonia. A SMSL, por sua vez, acomete crianças menores de 1 ano
e constitui um quadro multifatorial em que a asfixia por reinalação e
diminuição dos despertares leva ao entorpecimento – hipóxia,
hipercapnia. Em resumo, é o óbito no lactente de até 1 ano sem causa
aparente e definida, e é mais comum quanto mais jovem a criança.
Estudos recentes têm revelado que tanto a SMSL quanto a morte
súbita em crianças maiores e em adultos jovens podem estar
relacionadas a mutações genéticas que causariam alterações nos
canais iônicos cardíacos, o desbalanço eletrolítico dentro e fora de
células cardíacas poderia predispor a arritmia.
Os fatores de risco e protetores para a síndrome de morte súbita do
lactente são recorrentemente abordados nas provas; fatores de risco
são dormir na região prona (“de barriga para baixo”), pais e/ou
cuidadores tabagistas, uso de protetores de berço e cobertas e
hipotermia ou hipertermia no recém-nascido. O principal fator
protetor é dormir na posição supina (“de barriga para cima”), e a
vacinação. O aleitamento materno ainda não teve seu efeito protetor
comprovado em relação à prevenção para a síndrome da morte
súbita.
A ressuscitação cardiopulmonar (RCP) é um conjunto de medidas
que tem como objetivo a manutenção dos sinais vitais por meio da
ventilação, da circulação e do estabelecimento de via aérea pérvia.
Diversas ações, como as compressões torácicas, a desfibrilação e o
uso de drogas fazem parte de sequências padronizadas pela
American Heart Association (AHA) e divididas em suporte básico e
avançado de vida em pediatria. As diretrizes da AHA nada mais são
do que formas de sistematizar o atendimento, a fim de avaliar,
identificar e intervir sobre o agravo, de forma protocolar, com o
objetivo de fornecer um atendimento mais rápido, preciso e com
melhores resultados a condições de alta mortalidade.
A sobrevida durante a RCP é de 7 a 11%, porém, quando a parada é
apenas respiratória, sem assistolia, é de 75 a 90%, números que
justificam a importância da prevenção da PCR, por meio do
reconhecimento precoce dos sinais de insuficiência respiratória e
circulatória, que podem culminar com a ocorrência. Em se tratando
de sobrevida e prevenção, vale lembrar que os traumas são a
principal causa de morte na faixa etária de 1 ano até a adolescência.
Figura 4.1 - Cadeias de sobrevivência para o atendimento do Suporte Avançado de Vida
em Pediatria (PALS), pela American Heart Association

Fonte: Manual do Profissional, PALS, 2015.

Os elos da cadeia de sobrevivência proposta pela AHA têm como


finalidade aumentar a sobrevida e a qualidade de vida. A cadeia atual
inclui o elo “prevenção”, uma vez que, as principais causas de
mortalidade na faixa etária pediátrica são causas externas ou
trauma.
4.2 SUPORTE BÁSICO DE VIDA
As ações incluídas no suporte básico de vida objetivam aumentar a
sobrevivência e melhorar a qualidade de vida, uma vez que fazem
parte de sua cadeia de sobrevivência os seguintes elos e/ou itens:
prevenção do trauma, início precoce e eficiente da RCP, conexão a
um sistema de emergência, transporte e suporte avançado.
Em 2010, foram publicadas pela AHA novas recomendações para a
sequência de RCP, que incluem a mudança do ABC (vias aéreas –
Airway; ventilação – Breathing; compressões torácicas – Circulação)
para o CAB (compressões torácicas, via aérea e respiração),
priorizando as compressões torácicas, já que a vasta maioria das
vítimas que necessitam de RCP compreende adultos com fibrilação
ventricular, cujo prognóstico depende de compressões torácicas
iniciadas prontamente e com o mínimo de interrupções possível.
Outra justificativa para a mudança em crianças seria a simplificação
da sequência de treinamento para que fosse contemplado maior
número de vítimas de falência cardíaca, inclusive pelo público leigo.
Entretanto, é preciso certificar-se da necessidade da RCP, checando
a responsividade da vítima e a sua respiração, para então iniciar as
compressões torácicas e as demais ações descritas na Figura 4.2.
Vale lembrar que as diretrizes da Academia Americana de Pediatria
para o Suporte Básico e Avançado de Vida (BLS e PALS) são indicadas
a partir da alta do serviço de Neonatologia – maternidade— até a
adolescência, marcada para este fim pelo aparecimento do broto
mamário nas meninas e pilificação nos meninos.
Figura 4.2 - Suporte básico de vida
Nota: atualização da diretriz de ressuscitação cardiopulmonar da American Heart
Association de 2015 para Pediatria.
Fonte: American Heart Association, 2015.
4.2.1 Avaliação da segurança do ambiente
Em primeiro lugar deve ser avaliada a segurança do socorrista, a fim
de não gerar nova vítima. O atendimento só deverá ocorrer se o
ambiente for seguro para isso.
4.2.2 Responsividade
A responsividade é testada segurando firmemente a vítima nos 2
ombros, e chamando pelo seu nome. Nos lactentes menores de 1 ano
deve-se bater nas solas dos pés, também chamando pelo seu nome.
No caso de não responsividade, deve ser chamada ajuda
imediatamente, para desfibrilador automático – DEA – e serviço de
remoção avançado. Se houver 2 socorristas, um inicia as manobras
de ressuscitação enquanto o outro chama pela ajuda. Se o socorrista
estiver sozinho, ou aciona o serviço médico de emergência pelo
telefone celular ou abandona a vítima para fazê-lo, antes de iniciar
os procedimentos.
4.2.3 Respiração e circulação
Deve-se observar a elevação do tórax e sentir o fluxo de ar pelas vias
aéreas da criança e checar o pulso, simultaneamente. Nos menores
de 1 ano, checa-se o pulso braquial e/ou femoral e, nos maiores de 1
ano, carotídeo ou femoral. A avaliação de respiração e circulação não
deve durar mais do que 10 segundos, e caso não seja identificado
movimento ventilatório regular e pulso as manobras de
ressuscitação devem ser iniciadas.
Se não houver evidência de trauma, a criança poderá ficar em
posição de recuperação, decúbito lateral, que mantém a via aérea
patente. Na suspeita de trauma craniano ou raquimedular, o pescoço
e a cabeça devem estar alinhados e, quando necessário, ser
movimentados em bloco. Recomenda-se a manobra de tração da
mandíbula com estabilização da coluna vertebral.
4.2.3.1 Compressões torácicas

Devem ter a frequência de compressões ritmadas entre 100 e 120


compressões por minuto, bem como profundidade de 1 terço do
diâmetro anteroposterior do tórax da criança, cerca de 4 cm no
lactente, 5 cm em crianças maiores e até 6 cm, no máximo, em
adolescentes. É importante permitir a reexpansão do tórax após cada
compressão, pois isso melhora o retorno do fluxo sanguíneo ao
coração. Em lactentes, um único socorrista pode realizá-la por meio
da técnica dos 2 dedos sobre o esterno abaixo da linha intermamilar.
Em crianças maiores, o socorrista deve comprimir a metade inferior
do esterno com 1 ou 2 mãos, com 1 sobre a outra.
4.2.3.2 Abertura das vias aéreas e ventilação

A manobra de elevação da mandíbula com leve extensão do pescoço


deve ser realizada para iniciar a ventilação. Se houver bolsa-valva-
máscara disponível, esta deve ser utilizada. A máscara deve cobrir
boca e nariz, sem escape de ar, e o reservatório ser de dimensão
adequada de forma que permita expansão torácica eficaz, sem
barotrauma. Entretanto, no caso de não haver material, no lactente,
poderá ser utilizada a técnica boca a boca e nariz, a boca do
socorrista deve englobar a boca e o nariz do lactente, e em crianças
maiores, o boca a boca, técnica em que é importante pinçar o nariz
da vítima durante a ventilação. Se a RCP for realizada em apenas 1
socorrista são indicadas 30 compressões por 2 ventilações. Em 2
socorristas 15 compressões por 2 ventilações. A cada 2 minutos, ou 5
ciclos, as manobras devem ser interrompidas de forma breve,
checado pulso, e caso o paciente mantenha a condição de parada
cardiorrespiratória continuar a RCP, invertendo as funções
ventilação e compressão.
Se houver possibilidade de intubação orotraqueal as compressões e
ventilações passam a ser realizadas de forma independente: 100 a
120 compressões por minuto e 12 a 20 ventilações por minuto. A
vantagem é a redução de interrupções nas compressões, a cada
interrupção há grande redução de fluxo cerebral e coronariano, e são
necessárias algumas compressões para retomar o fluxo; a redução de
interrupções garante fluxo contínuo e melhor prognóstico de
reversão e morbidade pós-PCR.
A escolha do tamanho da lâmina do laringoscópio é a distância do
mento ao lóbulo da orelha. A lâmina reta é mais adequada para
crianças pequenas, por pinçar a epiglote, que é maior nessa faixa
etária. O tamanho da cânula é calculado pela fórmula idade/4 + 3,5
naquelas com cu , ou idade/4 + 4, naquelas sem cu . O uso de
cânula com ou sem cu depende da patologia de base e dificuldade
ventilatória. A cânula deve ser fixada na altura de 3 vezes o número
da cânula, no lábio superior.
Figura 4.3 - Abertura de vias aéreas
Legenda: (A) sem trauma; (B) com trauma.

Figura 4.4 - Ventilação boca a boca

Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

#IMPORTANTE
Na etapa de ventilação do suporte básico de
vida, o reconhecimento da existência de algum
corpo estranho nas vias aéreas é importante, já
que há elevada taxa de mortalidade por
aspiração de corpo estranho na faixa etária
pediátrica.

4.2.3.3 Engasgo
As obstruções leves e moderadas são resolvidas solicitando-se à
criança que continue a tossir, e as severas – a criança não consegue
tossir ou emitir sons – requerem intervenção imediata. Lactentes até
1 ano de idade devem ser posicionados com a cabeça em um nível
inferior ao do tórax e receber 5 golpes na região interescapular. Caso
não ocorra a desobstrução, o socorrista deve realizar 5 compressões
torácicas e repetir o ciclo até eliminar o objeto. Nunca deve ser
realizada manobra de varredura às cegas na boca do lactente, mas
caso seja visto o objeto causador da obstrução este deve ser retirado,
com movimento em forma de pinça. Crianças maiores, acima de 1
ano de idade, e conscientes devem ser submetidas à manobra de
Heimlich: 5 compressões abdominais subdiafragmáticas até a
desobstrução ou a perda da consciência; quanto às inconscientes e
em apneia, o socorrista deve iniciar as compressões torácicas, 30
vezes, e se ao abrir as vias aéreas for possível a visualização do
objeto, deve tentar retirá-lo. Caso não seja possível a retirada, o
socorrista deve fazer 2 ventilações, manter a RCP – 30
compressões:2 ventilações ou 15:2, a depender se 1 ou 2 socorristas –
e ativar o serviço de emergência.
Vale lembrar que a manobra de Heimlich não deve ser realizada nos
menores de 1 ano pelo risco de lesão hepática, pelo grande tamanho
relativo do fígado nos lactentes, quando comparado aos pacientes
maiores, além de dificuldade técnica pelo tamanho e tônus da vítima.
Figura 4.5 - Desobstrução em lactentes
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

Figura 4.6 - Desobstrução em crianças maiores e adolescentes – manobra de Heimlich


Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

4.2.3.4 Desfibrilador (DEA)

Assim que o desfibrilador estiver disponível deve ser utilizado


imediatamente, sem aguardar finalização do ciclo de RCP em
andamento. As pás devem ser fixadas de acordo com as imagens
impressas nelas e, caso não caibam no tórax sem se tocar ou se
sobrepor, devem ser alocadas uma no tórax e outra no dorso do
paciente. O tórax deve estar seco. O DEA deve ser utilizado nas
crianças maiores de 1 ano de idade; as pás pediátricas devem ser
usadas nos pacientes menores de 8 anos ou de 25 kg, mas caso não
estejam disponíveis pode-se usar as pás de adulto.
O DEA informa todos os comandos, e deve ser mantido no tórax do
paciente durante todo o atendimento pré-hospitalar. É o aparelho
que informa os passos da reanimação, quando pausar para reavaliar
ritmo, a cada 2 minutos, se é necessário checar pulso, e nesse
momento deve inverter o socorrista que está na compressão e na
ventilação.
4.2.4 Cuidados pós-PCR
As manobras de RCP devem ser mantidas até a chegada do serviço
médico avançado ou retorno da circulação espontânea do paciente.
No caso de retorno da circulação o paciente deve ser mantido em
decúbito lateral, supervisionado, mantida normotermia, até chegada
do serviço médico avançado.
Como abordar inicialmente
uma criança em parada
cardiorrespiratória?
Inicialmente deve-se checar se o ambiente é seguro para o
socorrista. Checar responsividade, pulso e respiração (por
até 10 segundos), pedir por ajuda, e iniciar compressão e
ventilação. Ao chegar desfibrilador, instalá-lo e seguir suas
instruções imediatamente.
Como são classificados os
choques na Pediatria?

5.1 INTRODUÇÃO
O suporte avançado de vida é composto basicamente pelo
reconhecimento das condições clínicas potencialmente fatais e o
tratamento da parada cardiorrespiratória em ambiente hospitalar.
As condições potencialmente fatais são a insuficiência respiratória e
o choque.
O socorrista deve avaliar, identificar e tratar precocemente a
condição do paciente, sempre se antecipando em relação às
complicações e condições seguintes.
Quando houver parada cardiorrespiratória é necessário reconhecer o
ritmo de parada, e identificar se é chocável – fibrilação ventricular e
taquicardia ventricular sem pulso – ou não chocável – assistolia ou
Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP) – para alocá-lo no algoritmo de
tratamento correspondente.
5.2 RESSUSCITAÇÃO
CARDIOPULMONAR
As ações simultâneas realizadas pela equipe de socorristas tanto no
ambiente pré-hospitalar como na sala de emergência são
importantes para o sucesso das manobras de reanimação.
Segundo as últimas diretrizes publicadas em 2015 pela American
Heart Association, deve ser obedecida a sequência C-A-B
(Compressões – Abertura de vias aéreas – Ventilação). As
compressões torácicas devem ser iniciadas sem delongas pelo
primeiro socorrista, enquanto outro realiza ventilações com o
auxílio da bolsa-máscara. Se por algum motivo houver apenas 1
socorrista, a primeira ação é de chamar por ajuda, antes de iniciar
qualquer manobra.
Após avaliação da responsividade da vítima e checagem de pulso e
movimentos respiratórios por até 10 segundos deve ser iniciada a
ressuscitação cardiopulmonar (RCP). Vale lembrar que em lactentes
menores de 1 ano deve-se checar pulsos braquial ou femoral, e nos
maiores de 1 ano pulso carotídeo ou femoral.
A RCP bem executada deve ter frequência de compressões torácicas
de 100 a 120 vezes por minuto, e profundidade de 1 terço do diâmetro
anteroposterior do tórax, cerca de 4 cm nos lactentes, 5 cm em
crianças maiores e até 6 cm em adolescentes) e ser realizada, -
preferencialmente, sobre uma superfície firme. Se o atendimento é
realizado por 2 socorristas deve ser feitas 15 compressões por 2
ventilações. Em apenas 1 socorrista, 30 compressões por 1 ventilação.
O objetivo é reduzir ao máximo as interrupções das compressões,
para garantir melhor fluxo sanguíneo possível ao tecido cerebral,
coração, rins e demais órgãos.
Um terceiro socorrista deve providenciar a monitorização,
estabelecer um acesso vascular, intravenoso (IV) ou intraósseo (IO),
além de preparar as medicações que poderão ser utilizadas. O acesso
venoso central não é uma opção na emergência pediátrica.
Assim que houver um desfibrilador automático (DEA) ou um
desfibrilador manual, este deve ser posicionado imediatamente, e
analisado o ritmo cardíaco, já que nos ritmos chocáveis – com
fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso – a
principal conduta é a desfibrilação. As pás devem ser colocadas na
pele seca, e caso não seja possível posicionar ambas no tórax, por se
tocarem, deve-se colocar uma anterior e outra no dorso do paciente.
1. Atenção: o uso dos desfibriladores, tanto manual quanto automático,
está indicado a partir de 1 ano de idade. No desfibrilador manual a
carga é definida manualmente, e as pás pediátricas devem ser
utilizadas até 1 ano ou 10 kg. No DEA a carga é pré-estabelecida, e as
pás pediátricas devem ser utilizadas até 8 anos ou 25 kg. No caso de
indisponibilidade das pás pediátricas, deve-se prosseguir o
procedimento com pás de adultos.

O socorrista experiente se antecipa à deterioração clínica de seu


paciente. Sendo assim, é importante estar atento a crianças em
falência respiratória e, ou em choque, sempre com base na tríade
avaliar – identificar – intervir. Vale lembrar que as principais causas
de parada cardiorrespiratória na faixa etária pediátrica são hipóxia e
choque, além de traumas e infecções, na maior parte das vezes
contemplados nas causas anteriores.
5.3 FALÊNCIA RESPIRATÓRIA
A criança apresenta maior risco de evolução para insuficiência
respiratória, por ter maior taxa metabólica basal, maior frequência
respiratória basal, vias aéreas de menor calibre, caixa torácica mais
complacente, com maior risco de atelectasia e maior tamanho
proporcional da língua.
As principais causas de insuficiência respiratória na faixa etária
pediátrica são obstrução de vias aéreas superiores, crupe e epiglotite;
vias aéreas inferiores, asma e bronquiolite; aspiração de corpo
estranho; doença do parênquima pulmonar, pneumonia e Síndrome
da Angústia Respiratória Aguda (SARA) e doenças neurológicas, com
falha no drive respiratório.
São sinais que antecipam a falência respiratória, ventilação
inadequada, oxigenação insuficiente ou ambos:
a) Alta frequência respiratória, maior que 60irpm, com sinais de
desconforto, retração da fúrcula, batimento de asa de nariz, respiração
“em balancim”, estridor, gasping;
b) Cianose com desconforto respiratório sob a suplementação de O2;
c) Rebaixamento do nível de consciência.

Frente a essas condições é fundamental o reconhecimento e


intervenção precoce, com o intuito de evitar quadro de parada
cardiorrespiratória.
5.4 CHOQUE
Trata-se da situação em que há inadequado fluxo de sangue e
oxigênio para suprir a demanda metabólica. O choque pode evoluir
em gravidade, passando de um estado compensado para um
descompensado. Fazem parte dos mecanismos compensatórios a
taquicardia e o aumento da resistência vascular sistêmica,
provocando vasoconstrição. Com isso, é possível manter o débito
cardíaco e a pressão de perfusão. O choque torna-se descompensado
quando esses mecanismos falham. Os sinais clínicos de choque
compensado e descompensado estão destacados:
1. Sinais de choque compensado: taquicardia; extremidades frias e
pálidas; enchimento capilar menor do que 2 segundos; pulsos
periféricos fracos; pressão sistólica normal;
2. Sinais de choque descompensado: baixo nível de consciência; baixa
diurese; acidose metabólica; pulsos centrais fracos; taquipneia;
hipotensão, baseando os valores que variam de acordo com a idade.

Quadro 5.1 - Hipotensão sistólica (menor percentil 5)


Os choques são divididos em 3 grandes grupos: hipovolêmico,
cardiogênico e distributivo. Sendo que dentro do distributivo temos
os choques anafilático, séptico e neurogênico.
O choque hipovolêmico é o mais comum na Pediatria, geralmente
relacionado a perdas, diarreia e vômito, mas também, pode ser
atribuído à desidratação por dificuldade de acesso ou solicitação de
fluidos, por exemplo: recém-nascidos e neuropatas, e grandes
queimados ou cetoacidose diabética. Há redução do volume
intravascular, com vasoconstrição para manter a pressão arterial. O
tratamento é realizado por meio de expansões volêmicas e
tratamento da causa base.
O choque cardiogênico ocorre devido à falha da bomba cardíaca, por
infecção, cardiopatia prévia ou tratamento cardiotóxico, por
exemplo, quimioterapia. No início pode ser confundido com choque
séptico, mas há pouca tolerância à administração de volume. O
paciente apresenta sinais de congestão: estertores bilaterais
simétricos e desconforto respiratório, taquicardia com
desdobramento de bulhas e ritmo de galope, edema, estase jugular e
hepatomegalia, e no choque descompensado há hipotensão
associada. O tratamento deve ser realizado com pouca reposição
fluídica, em pequenas alíquotas (5 a 10 mL/kg/alíquota), e
introdução precoce de drogas vasoativas se necessário. O excesso de
fluido leva à piora do quadro.
O choque séptico também é muito comum na Pediatria. Vale
ressaltar que é o único choque categorizado em quente e frio. O
choque frio se apresenta com o paciente vasodilatador, com tempo
de enchimento capilar menor que 1 segundo, extremidades quentes e
pulsos amplos; no choque frio as extremidades são frias, pegajosas,
com tempo de enchimento capilar lentificado e pulsos finos. Em
ambos pode haver hipotensão, nos quadros descompensados. O
tratamento é baseado na golden hour, ou primeira hora de ouro, com
administração de soro fisiológico ou Ringer lactato 20
mL/kg/alíquota por até 3 vezes, introdução precoce de antibiótico de
amplo espectro e, se necessário, introdução de droga vasoativa:
adrenalina no choque frio e noradrenalina no choque quente. É
preciso ter atenção às mudanças de 2015 sobre a reposição volêmica
no choque séptico: deve ser evitado excesso de volume, por piora de
morbidade e dificuldade ventilatória do paciente.
O choque anafilático é uma reação alérgica grave, caracterizada pelo
acometimento de 2 ou mais sistemas: cutâneo – prurido, exantema,
urticária –, respiratório – tosse, dispneia, taquipneia, sibilância,
rouquidão –, gastrintestinal – dores abdominal, vômito, diarreia –
ou circulatório – taquicardia, hipotensão –; única exceção é feita no
caso de hipotensão após exposição à alérgeno conhecido, que por si
só já define anafilaxia. O tratamento principal consiste em
administração de adrenalina pura (1:1.000) 0,1 mL/kg via IM no
vasto lateral da coxa. Além disso é realizada ressuscitação fluídica
com bolus de 10 mL/kg, corticoide, anti-histamínico e
broncodilatador se necessário, além de suporte ventilatório. É
caracterizado por vasodilatação, broncoconstrição e aumento da
permeabilidade vascular.
Por último, o choque neurogênico é caracterizado por vasoplegia,
decorrente de falha no controle central. Há vasodilatação,
bradicardia e hipotensão, a bradicardia é o que chama atenção para
esse tipo de quadro, pois o mecanismo reflexo compensatório seria a
taquicardia. Não há tratamento específico; é uma condição muito
grave, e deve ser oferecido suporte ao paciente, e droga vasoativa,
com pouca resposta.
5.5 VIAS AÉREAS
Anatomicamente, as vias aéreas da criança e do lactente diferem das
do adulto por serem de menores diâmetro e extensão. Assim,
pequena obstrução ou edema de mucosa têm grande impacto na
ventilação da criança.
O paciente pediátrico tem a língua maior em
relação à orofaringe do que o adulto, de modo
que, em uma criança inconsciente, o
deslocamento posterior da língua causa grave
obstrução da via aérea.

A laringe de lactentes e crianças é mais cefálica, e a epiglote, mais


longa, flexível, estreita e angulada, tornando a intubação mais difícil
do que nos adultos. Para minimizar as diferenças anatômicas,
recomendam-se lâminas retas no laringoscópio. Diversos são os
sistemas para ofertar oxigênio ao paciente pediátrico:
a) Máscara não reinalante, que oferece oxigênio a 100%;
b) Máscara de O2, exemplo: Venturi, sistema de alto fluxo que provê
concentrações controladas de oxigênio inspirado de 25 a 60%;
c) Tenda facial;
d) Cateter nasal;
e) Cânula nasal de alto fluxo;
f) CPAP.

Para o paciente que apresenta drive respiratório preservado, durante


o tratamento na Emergência, é indicada a utilização de máscara não
reinalante, por oferecer a maior FiO2. Se o paciente apresenta falha
no controle ventilatório, rebaixamento do nível de consciência
(Glasgow < 8) está indicada a ventilação com pressão positiva, com
bolsa valva máscara e, se necessário, intubação posterior.
Porém, tratando-se de suporte avançado das vias aéreas, em muitos
casos, é necessário obter via aérea definitiva. A intubação não deve
interferir na eficácia da RCP, portanto não será prioridade se a
ventilação com bomba-valva-máscara for eficaz.
5.5.1 Cânula orofaríngea (Guedel)
Cânula rígida, com saliência circular, que deve ser posicionada no
canto da boca, permite conduto de ar através desta. Não se deve usá-
la em pacientes conscientes ou semiconscientes, pelo risco de
provocar vômitos. Se o paciente tem reflexo de tosse ou vômito, não
é indicado seu uso.
Figura 5.1 - Cânula orofaríngea

Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

5.5.2 Cânula nasofaríngea


Tubo de plástico ou de borracha que permite o fluxo de ar entre as
fossas nasais e a faringe. Pode ser usada em pacientes com reflexo de
tosse preservado, em conscientes ou semiconscientes.
Figura 5.2 - Cânula nasofaríngea
Fonte: acervo Medcel.

5.5.3 Máscara laríngea ou tubo laríngeo


Utilizada quando a ventilação com bolsa-máscara é realizada sem
sucesso e a intubação endotraqueal não é possível. Também são
contraindicados a paciente consciente e com reflexo de vômito
presente. O tamanho é escolhido de acordo com o peso do paciente.
5.5.4 Dispositivo bolsa-valva-máscara
Neste modo, a máscara deve envolver a boca e o nariz da criança,
posição em C – E das mãos, sem comprimir os olhos e ao mesmo
tempo sem permitir o escape de ar. A FiO2 obtida pode ser próxima a
100% em dispositivos com máscara não reinalante e reservatório de
oxigênio, com fluxo de 10 a 15 L/min.
Se a criança não estiver intubada, o socorrista, sozinho, deverá
realizar 30 compressões torácicas e 2 ventilações, cada ventilação
deve durar 1 segundo, ou deverá haver uma dupla com 15
compressões e 2 ventilações (15:2).
Se a criança estiver intubada, o socorrista não interromperá a
compressão torácica para ventilar. A frequência deverá ser de 1
ventilação a cada 6 segundos, 10 por minuto, ou, simplificando, usar
a regra mnemônica “aperta-solta-solta”.
Apesar das técnicas descritas, a via preferencial na emergência é a
endotraqueal.
Figura 5.3 - Ventilação com máscara e balão
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

5.5.5 Tubo traqueal


São indicações de intubação orotraqueal parada cardiorrespiratória,
insuficiência respiratória aguda sem melhora com as outras fontes
de oxigênio, risco de fadiga respiratória, rebaixamento do nível de
consciência e queimadura de vias aéreas.
Durante as tentativas de intubação, o paciente deve permanecer
monitorizado, e, caso o tempo exceda 30 segundos, o socorrista deve
ventilar a criança.
As cânulas endotraqueais podem ter ou não cu . Quando
selecionadas no tamanho adequado ao paciente, cânulas com cu
possuem menor chance de reintubação, e cânulas sem cu têm
maior chance de aspiração. A pressão adequada do cu não deve
ultrapassar 25 cmH2O. O tamanho do laringoscópio é definido pela
distância do mento ao lóbulo da orelha.
Antes de prosseguir para a intubação propriamente dita, é necessário
separar e testar todos os materiais para o procedimento, a fim de
reduzir o risco de complicações: monitor, capnógrafo, estetoscópio,
cânula, laringoscópio, aspirador, medicações, carrinho de RCP,
material para fixação da cânula.
Quadro 5.2 - Tamanho da cânula de acordo com a faixa etária

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria.

A cânula deve ser fixada na altura de 3 vezes o número da cânula, no


lábio superior do paciente.
Verificam-se a localização do tubo traqueal, a presença de vapor
d’água na cânula, movimento bilateral da caixa torácica, murmúrio
vesicular simétrico, ausência de ruído de insuflação gástrica,
radiografia de tórax e, de forma mais precisa, capnografia, que
avalia, além da posição da cânula, a qualidade da RCP, quando
aplicável.
Se o paciente apresenta piora súbita do padrão
respiratório ou cardiocirculatório após
intubação traqueal, deve-se checar o “DOPE” (D
– Deslocamento da cânula; O – Obstrução; P –
Pneumotórax; E – Equipamento).
1. Deslocamento: checar a posição de fixação da cânula, ausculta,
capnografia e, ou laringoscopia direta. De presença de
deslocamento, intubar novamente o paciente;
2. Obstrução: aspirar a cânula;
3. Pneumotórax (hipertensivo): expansibilidade e ausculta
assimétrica, reduzidas do lado acometido, hipertimpanismo. O
tratamento é realizado pela punção no segundo espaço intercostal,
na linha hemiclavicular;
4. Equipamento: desconectar o paciente do ventilador, realizar
ventilação com bolsa-valva-máscara, e checar equipamento.
5.5.6 Sequência rápida de intubação
A sequência rápida de intubação é utilizada para sedação, analgesia e
bloqueio neuromuscular para a intubação do paciente. Facilita o
procedimento e reduz morbimortalidade. Não deve ser realizada em
caso de parada cardiorrespiratória.
1. Midazolam: sedativo, muito utilizado, porém importante efeito
cardiodepressor. Evitar se grande instabilidade hemodinâmica.
Antídoto: flumazenil;
2. Fentanil: analgésico, depressor respiratório se altas doses.
Antídoto: naloxona;
3. Cetamina: sedativo e analgésico, tem propriedades
cardioestimulatórias e anti-inflamatória, e por isso é indicado em
choque séptico. Lembrar do seu efeito alucinatório, se possível
associar com benzodiazepínico;
4. Etomidato: sedativo, reduz a liberação de catecolaminas pelas
adrenais, então é contraindicado em choque séptico;
5. Tiopental: sedativo e analgésico, reduz pressão intracraniana, por
isso, indicado para HIC;
6. Propofol: sedativo e analgésico, é seguro, pouca ação sob ponto de
vista hemodinâmico;
7. Rocurônio: bloqueador neuromuscular de longa meia vida.
Antídoto: sugamadex;
8. Succinilcolina: bloqueador neuromuscular com menor meia-vida,
mais barato e mais disponível. Não tem antídoto.
5.6 ACESSO VASCULAR
5.6.1 Intraósseo
Caso, durante a reanimação, houver demora para obter um acesso
vascular, classicamente: 3 tentativas ou até 90 segundos, deve-se
buscar a via intraóssea. A obtenção do acesso intraósseo acontece,
geralmente, em menos de 60 segundos. O acesso intraósseo é um
acesso periférico. Para se certificar de que o acesso foi efetivo, deve-
se infundir soro fisiológico sem que haja extravasamento para o
tecido subcutâneo subjacente. A aspiração de medula óssea ou
sangue após a inserção da agulha não é o método mais fidedigno
para a confirmação do acesso. São vantagens o fato de ser rápido,
seguro e efetivo e todas as drogas intravenosas poderem ser
administradas pela via intraóssea. Podem ser colhidos todos os
exames por essa via, exceto hemograma.
São contraindicações à obtenção de acesso intraósseo: fratura no
osso em questão, lesão ou infecção de pele no local da punção,
queimados ou tentativa prévia de acesso naquele osso.
Por ser um procedimento asséptico em local não contaminado, não é
necessário antibiótico profilático. Pode ser mantido pelo tempo
necessário até estabilização do paciente e obtenção de acesso
venoso, em geral até 12 horas.
Figura 5.4 - Inserção de acesso intraósseo
Os locais de punção indicados são:
1. Menores de 4 anos: tíbia proximal na região anteromedial, a 1 cm
abaixo da tuberosidade da tíbia, perpendicular ao eixo longo do osso
ou ligeiramente caudal (Figura 5.4); maléolo medial ou lateral da
tíbia, 1 cm acima do maléolo; fêmur distal, na região anteromedial 3
cm acima do côndilo externo;
2. Maiores de 4 anos: punção de crista ilíaca ou externo.
5.6.2 Acesso venoso
É a primeira escolha de acesso periférico, por ser fácil e rápido, fossa
antecubital, safenas. O acesso central, mesmo em mãos experientes,
consome muito tempo, e não é uma opção como medida de urgência.
Deve ser passado após estabilização inicial do paciente.
5.6.3 Endotraqueal
Pode ser utilizado como via de administração de drogas lipossolúveis
Atropina, Naloxona, Epinefrina e Lidocaína (ANEL). Entretanto, a
absorção por essa via é muito errática, e são necessárias doses
maiores do que pela via endovenosa.
Durante a RCP, é necessário cessar as compressões rapidamente e
administrar o fármaco e, na sequência, um flush de solução salina de
5 mL e posterior ventilação com pressão positiva.
5.7 ALGORITMOS DE REANIMAÇÃO
Os algoritmos são importantes para padronizar o atendimento,
acelerar a intervenção e melhorar o desfecho em relação a
morbimortalidade. Sempre inicia com o reconhecimento da parada
cardiopulmonar e a RCP de alta qualidade. A intervenção com
medicamentos e descarga elétrica varia de acordo com o ritmo
cardíaco.
5.7.1 Ritmos não chocáveis
São os ritmos de parada cardiorrespiratória mais comuns na
pediatria – Assistolia e Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP). Deve ser
realizada adrenalina diluída 1:10.000 0,1 mL/kg a cada 3 minutos, na
prática, ciclo sim, ciclo não. Realizar sempre no início do ciclo, e
durante as compressões, para favorecer a circulação da droga.
Figura 5.5 - Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP)
Fonte: Keetapong Pongtipakorn.

Figura 5.6 - Assistolia

Fonte: adaptado de Katsiuba Volha.

5.7.2 Ritmos chocáveis


São mais raros na pediatria, e ocorrem em geral naqueles que já
apresentam alguma doença de base, sobretudo cardiopatia. São a
fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso. Assim que
identificados deve ser realizada a desfibrilação com 2 J/kg, e o
choque é repetido a cada 2 minutos, ou a cada ciclo, com doses
progressivas (2; 4; 6; 8; 10 J/kg). A adrenalina deve ser administrada
após o segundo choque, na forma diluída 1:10.000, 0,1 mL/kg. A
partir de então alterna-se a cada ciclo adrenalina e amiodarona,
doses máximas de amiodarona: 3; adrenalina não tem doses
máximas.
A adrenalina só deve ser administrada após o segundo choque,
porque na maior parte das vezes o quadro é revertido apenas com
desfibrilação, e a adrenalina causaria vasoconstrição coronariana,
piorando o prognóstico do quadro.
Figura 5.7 - Taquicardia ventricular

Fonte: adaptado de Steve Allen.

Figura 5.8 - Fibrilação ventricular

Fonte: adaptado de Steve Allen.

Figura 5.9 - Parada cardiorrespiratória sem pulso


Fonte: elaborado pelos autores.

5.7.3 Identificação das causas da parada


cardiorrespiratória
É necessário que durante toda a reanimação a equipe pondere sobre a
causa que levou o paciente à parada cardiorrespiratória, a fim de
revertê-la. Quando pensamos nas causas reversíveis de parada
cardiorrespiratória pensamos nos 6 Hs e 5 Ts:
a) Hipovolemia;
b) Hipóxia;
c) Hidrogênio – distúrbios do H+, mais comum é acidose;
d) Hipoglicemia;
e) Hipopotassemia ou hiperpotassemia;
f) Hipotermia;
g) Tamponamento cardíaco;
h) Tensão no tórax – pneumotórax;
i) Tóxicos – intoxicações em geral;
j) Trombose pulmonar;
k) Trombose coronariana.

5.8 MEDICAÇÕES DA REANIMAÇÃO


CARDIOPULMONAR
5.8.1 Atropina
Droga parassimpatolítica que acelera o nó sinoatrial ou marca-passo
atrial e que aumenta a condução atrioventricular, utilizada somente
para tratar bradicardia sintomática com bloqueio atrioventricular ou
decorrente de reflexo vagal nas tentativas de intubação. Desde 2015,
não é mais usada como pré-medicação obrigatória em intubação de
urgência de lactentes.
1. Dose: 0,02 mg/kg IV ou IO máximo de 0,5 mg/dose. Na via
endotraqueal, a dose é de 2 a 3 vezes maior;
2. Atenção: dose menor que 0,1 mg pode causar bradicardia
paradoxal.

5.8.2 Epinefrina
A catecolamina, cujo efeito alfa-adrenérgico leva a vasoconstrição,
aumenta a pressão diastólica na aorta, melhorando a perfusão
coronariana. A ação beta-adrenérgica diminui a resistência vascular
sistêmica, com doses menores do que as utilizadas na RCP.
1. Dose: 0,01 mg/kg (0,1 mL/kg 1:10.000) IV ou IO e 0,1 mg/kg (0,1
mL/kg 1:1.000) ET. Máximo de 1 mg IV/IO e 2,5 mg ET. Pode ser
repetida a cada 3 a 5 minutos;
2. Atenção: não administrar com soluções alcalinas, bicarbonato, pois
inativam as catecolaminas.

5.8.3 Lidocaína
Droga antiarrítmica que bloqueia canais de sódio. Indicada na
taquicardia ventricular sem pulso (TV) e fibrilação ventricular (FV)
refratária ao choque, não é tão eficaz quanto a amiodarona.
1. Dose: 1 mg/kg IV ou IO – pela via endotraqueal, deve ser feita de 2
a 3 vezes;
2. Atenção: toxicidade miocárdica.

5.8.4 Amiodarona
Droga antiarrítmica que diminui a velocidade de condução
atrioventricular, prolonga o intervalo QT e diminui a condução
ventricular, aumentando o QRS.
1. Dose: 5 mg/kg IV ou IO, podendo ser repetida até o total de 15
mg/kg/d. Máximo de 300 mg;
2. Atenção: pode causar hipotensão pelo efeito vasodilatador,
bradicardia e torsades de pointes. É importante monitorizar
eletrocardiograma e pressão arterial.
5.8.5 Bicarbonato de sódio
O uso rotineiro não é recomendado na RCP, apenas nos casos
refratários e em pacientes com a ventilação já estabelecida. São
indicações hipercalemia sintomática, acidose metabólica grave,
hipermagnesemia, intoxicação por antidepressivos tricíclicos ou
bloqueadores dos canais de cálcio.
1. Dose: 1 mEq/kg IV ou IO;
2. Atenção: o excesso de bicarbonato pode impedir a oxigenação
tecidual e causar hipocalemia, hipocalcemia, hipernatremia e
hiperosmolaridade.

5.8.6 Glicose
Checar glicemia na RCP e tratar hipoglicemia imediatamente.
1. Dose: 0,5 a 1g /kg IV/IO, glicose a 25%.

5.8.7 Magnésio
Indicado para hipomagnesemia documentada e torsades de pointes.
1. Atenção: para a hipotensão quando administrado rapidamente;
2. Dose: 25 a 50 mg/kg IV/IO; sulfato de magnésio, máximo de 2 g.

5.8.8 Cálcio
Seu uso está indicado nas hipocalcemias documentadas, mas na
administração rotineira na parada cardiorrespiratória não é
recomendado.
1. Dose: 20 mg/kg; cloreto de cálcio a 10% (0,2 mL/kg), máximo de 2
g.
Como são classificados os
choques na Pediatria?
Os choques são divididos em hipovolêmico, cardiogênico e
distributivo, que por sua vez se subdivide em séptico e
anafilático.
Como reconhecer e tratar a
taquicardia
supraventricular na
infância?

6.1 INTRODUÇÃO
Os distúrbios de ritmo em Pediatria são resultados de outras
enfermidades em curso no paciente, como insuficiência respiratória,
trauma ou diarreia, levando ao choque.
A maioria das crianças em parada cardiorrespiratória (PCR)
apresenta assistolia ou Atividade Elétrica Sem Pulso (AESP),
entretanto, entre crianças que apresentam perda de consciência
súbita e testemunhada, há grande chance de a arritmia ser de causa
primária. Outras enfermidades também se associam a arritmias
cardíacas, como miocardite, cardiopatias congênitas, síndrome de
QT prolongado, anormalidades eletrolíticas graves e intoxicações.
Logo após o nascimento, as arritmias mais comuns estão
relacionadas ao nó sinusal, arritmia sinusal fásica, pausas sinusais
seguidas de escapes juncionais. Crianças com menos de 1 ano
costumam ter elevada resposta ventricular às arritmias atriais, pelo
desenvolvimento incompleto do nó atrioventricular.
Por isso, em se tratando de arritmias, principalmente quando há
suspeita de que o ritmo de parada é assistolia ou AESP, é preciso
identificar e tratar as causas reversíveis, hipóxia, hipovolemia –
hipotermia, hipocalemia e/ou hipercalemia, acidose, hipoglicemia,
tamponamento cardíaco, tromboembolismo pulmonar, trombose
coronariana, pneumotórax e intoxicações.
Este capítulo destina-se a descrever as categorias de arritmias
potencialmente fatais e como tratá-las na emergência, relatando as
ações de suporte avançado em Pediatria.
6.2 ELETROCARDIOGRAMA
Cada ciclo cardíaco normal deve constar de:
1. Onda P: despolarização atrial (duração 0,08 a 0,1 s);
2. Complexo QRS: despolarização ventricular (duração 0,06 a 0,1 s);
3. Onda T: repolarização ventricular;
4. Intervalo PR: início da despolarização atrial ao início da
despolarização ventricular (duração 0,12 a 0,2 s).

O eletrocardiograma de 12 derivações é a
representação gráfica da despolarização e
repolarização miocárdicas (Figura 6.1).
Figura 6.1 - Despolarização e repolarização miocárdicas
Fonte: adaptado de Home ECG System: Signal Processing and Remote Transmission,
2015.

Quadro 6.1 - Classificação das arritmias de acordo com a frequência cardíaca


Convém lembrar que a frequência cardíaca na
criança varia com a faixa etária, a atividade e as
condições patológicas – vigência de dor, febre,
desidratação.
Quadro 6.2 - Classificações da frequência cardíaca na criança

Onda P antecedendo complexo QRS significa que a origem do


impulso é o nó sinoatrial, portanto, se trata de um ritmo sinusal.
6.2.1 Bradiarritmias
A bradicardia clinicamente significativa é definida como frequência
cardíaca menor do que o normal para a idade (Quadro 6.2), associada
a uma perfusão sistêmica inadequada. São os ritmos que mais
frequentemente antecedem a PCR e habitualmente estão
relacionados a hipóxia, hipotensão e acidose.
Os sinais clínicos associados à bradiarritmia podem ser choque com
hipotensão, perfusão ineficiente de órgão-alvo, alteração do nível de
consciência ou colapso súbito.
Ao ECG, podem ocorrer ou não ondas P, e o QRS pode ser estreito ou
largo, quando a deficiência da condução acontece no ventrículo.
6.2.1.1 Bradicardia sinusal

Pode ocorrer em indivíduos saudáveis, atletas bem condicionados,


durante o sono, sob hipotermia, porém, a causa mais comum de
bradicardia sinusal patológica é a hipoxemia, seguida de
intoxicações, distúrbios eletrolíticos e infecção.
Figura 6.2 - Bradicardia sinusal

Fonte: James Heilman, 2010.

6.2.1.2 Parada do nó sinusal

Ocorre na ausência de atividade do nó sinusal, e entram em ação


marca-passos “acessórios”, átrio, ventrículo ou junção
atrioventricular (AV):
1. Escape atrial: a onda P é tardia e de morfologia diferente, pois o
impulso sai do marca-passo atrial não sinusal;
Figura 6.3 - Escape atrial

2. Escape juncional: a onda P pode ser ausente, invertida ou após o


QRS. O impulso sai do nó AV e tem capacidade intrínseca de iniciar a
despolarização do miocárdio.

6.2.1.3 Bloqueio atrioventricular

Distúrbio da condução elétrica pelo nó AV:


1. Primeiro grau: o intervalo PR é prolongado e pode ser assintomático
e ocorrer em pessoas saudáveis ou com doença do nó AV, no Infarto
Agudo do Miocárdio (IAM), na miocardite;

Figura 6.4 - Bloqueio atrioventricular de primeiro grau

2. Segundo grau: alguns impulsos são atriais e outros se originam no


ventrículo, podendo ser secundários a síndrome coronariana aguda,
miocardite e BAV congênito. São divididos em:
a) Mobitz I ou fenômeno de Wenckebach: o impulso parte do nó
AV, o PR aumenta progressivamente até que o impulso não chega
mais ao ventrículo e a onda P é bloqueada. Raramente causa
tonturas e pode ser decorrente de intoxicações por bloqueadores
dos canais de cálcio, digoxina, IAM, ou até mesmo ocorrer em
pessoas saudáveis.
b) Mobitz II: ocorrem falhas de condução AV de forma anárquica
(ausência de despolarização ventricular esporádica) ou regular
(por exemplo: BAV 3:1, com 2 ondas P para cada QRS). É
bastante sintomático, causando sensação de pré-síncope;

Figura 6.5 - Bloqueio atrioventricular de segundo grau Mobitz I ou fenômeno de


Wenckebach

Figura 6.6 - Bloqueio atrioventricular de segundo grau Mobitz II

3. Terceiro grau: o impulso atrial não é conduzido ao ventrículo, ou


seja, não há nenhuma relação entre as ondas P e os complexos QRS.
Pode ser congênito ou resultar de intoxicação, IAM, miocardite. A
sensação é de fadiga, pré-síncope e síncope.

Figura 6.7 - Bloqueio atrioventricular de terceiro grau


No BAV total no recém-nascido, devemos pensar em lúpus neonatal,
e o tratamento consiste na colocação de um marca-passo.
Deve-se ter atenção com os algoritmos de
conduta, pois eles norteiam o tratamento das
arritmias de forma simplificada e eficiente.

6.2.1.4 Tratamento

A bradicardia sintomática em crianças e adolescentes – FC < 60 bpm


com repercussão hemodinâmica – deve ser tratada da mesma forma
que a parada cardiorrespiratória em ritmo não chocável, exceto que é
iniciada com 2 ventilações de resgate. Essa mudança no protocolo se
deve ao fato de que a maior parte das bradicardias sintomáticas se
deve à hipoxemia, podendo ser corrigida com a ventilação com
pressão positiva, bolsa-valva-máscara.
Dessa forma, a partir do momento em que o paciente é diagnosticado
com bradicardia sintomática, iniciam-se as ventilações, e em
seguida as compressões, em superfície rígida, respeitando a relação
compressão por ventilação de 15 por 2 se 2 profissionais ou 30 por 2
se 1 profissional estiver em atendimento, e administração de
adrenalina (1:10.000 0,1 mL/kg a cada 3 a 5 minutos).
Concomitante a isso deve-se pesquisar as causas possíveis para a
bradicardia e corrigi-la. No caso de bloqueio do nó, pode ser
necessária a implantação de marcapasso externo.
Vale lembrar que são sinais de repercussão hemodinâmica, ou má
perfusão: alteração do nível de consciência, que pode ser
irritabilidade ou sonolência, extremidades frias, tempo de
enchimento capilar prolongado, hipotensão e oligúria.
Figura 6.8 - Tratamento das bradiarritmias

Fonte: elaborado pelos autores.


6.2.2 Taquiarritmias
São os ritmos anormais rápidos, cujos impulsos se originam no átrio
ou no ventrículo. Os sinais clínicos associados podem ser bastante
inespecíficos – palpitações, tontura, fadiga – e variar conforme a
idade, lactentes apresentam sintomas mais exuberantes apenas
quando o débito cardíaco começa a ser comprometido. Assim, são
frequentes os sinais clínicos de insuficiência respiratória, choque
com hipotensão, queda do nível de consciência ou colapso súbito.
Subclassificação das taquiarritmias conforme a duração do
complexo QRS:
1. QRS estreito (< 0,09 s): taquicardia sinusal; taquicardia
supraventricular; flutter atrial;
2. QRS largo (> 0,09 s): taquicardia ventricular; taquicardia
supraventricular em 10% dos casos.

6.2.2.1 Taquicardia sinusal

O impulso elétrico origina-se do nó sinusal, porém com frequência


aumentada, geralmente por uma necessidade do organismo de
aumento de débito cardíaco ou de oferta de oxigênio.
A taquicardia sinusal pode ser causada por hipóxia, hipovolemia,
febre, dor, ansiedade, intoxicação e anemia.
O eletrocardiograma (ECG) evidencia a onda P de morfologia normal,
precedendo o QRS estreito, intervalos PR constante e RR variável. A
frequência cardíaca é inferior a 220 bpm em lactentes e a 180 bpm
em crianças maiores.
Figura 6.9 - Taquicardia sinusal
6.2.2.2 Taquicardia supraventricular

O impulso elétrico se origina logo acima do ventrículo, com


reentrada por uma via de condução acessória, é a taquiarritmia mais
comum na infância.
A taquicardia supraventricular tem início
geralmente abrupto, exceto em lactentes, que
apresentam irritabilidade, inapetência e
dispneia enquanto evoluem para insuficiência
cardíaca congestiva. Crianças mais velhas
podem apresentar desconforto respiratório, dor
torácica e até desmaio.

O ECG não mostra onda P, mas ela pode estar presente e com
morfologia anormal, assim, nem sempre é possível determinar o
intervalo PR. O intervalo RR é constante e o QRS estreito. A
frequência cardíaca é superior a 220 bpm em lactentes e a 180 bpm
em crianças maiores.
Figura 6.10 - Taquicardia supraventricular
6.2.2.3 Flutter atrial

O impulso elétrico percorre um circuito reentrante no átrio à


proporção de 3, impulsos provenientes do átrio, por 1,
despolarização do ventrículo. É um ritmo pouco comum na criança,
pois resulta de cicatriz de atriotomia. O padrão da onda P ao ECG tem
aspecto de dente de serra.
Figura 6.11 - Flutter atrial

6.2.2.4 Taquicardia ventricular

Trata-se de taquicardia de complexo QRS largo, pois o impulso


elétrico é gerado no ventrículo. O ritmo é incomum em crianças e,
quando ocorre, em geral é decorrente de cardiopatia de base ou pós-
intervenção cirúrgica para correção de cardiopatia. Causas menos
comuns em crianças são distúrbios eletrolíticos e intoxicação –
antidepressivos tricíclicos, cocaína.
O ECG não evidencia ondas P, mas as ondas T têm polaridade oposta
ao QRS. A frequência cardíaca é maior do que 120 bpm.
O traçado de aspecto polimórfico na taquicardia ventricular pode
incluir torsades de pointes, ou torção das pontas, em que ocorrem
alteração da polaridade e amplitude dos complexos QRS. Tal
condição é possível em surtos não sustentados e pode estar
relacionada a síndromes do QT longo, hipomagnesemia,
hipocalemia, intoxicação por antiarrítmicos ou outras drogas.
É importante ressaltar que a taquicardia ventricular pode evoluir
para fibrilação ventricular e ritmo de colapso em que diversas áreas
ventriculares despolarizam e repolarizam, não sendo possível
identificar o P-QRS-T.
Figura 6.12 - Taquicardia ventricular

Figura 6.13 - Torsades de pointes

Figura 6.14 - Tratamento das taquiarritmias


Fonte: elaborado pelos autores.

6.2.2.5 Tratamento
O tratamento da taquicardia sinusal é o tratamento da causa de base.
Em geral a taquicardia sinusal cursa sem repercussão.
A taquicardia supraventricular dividiremos em estável ou instável. A
instável é definida pela presença de sinais e má perfusão, como
extremidades frias, tempo de enchimento capilar prolongado,
hipotensão, alteração do nível de consciência, como sonolência ou
irritabilidade, e redução da diurese.
No quadro da taquicardia supraventricular estável, pode-se fazer
manobra vagal até que os passos seguintes do tratamento estejam
prontos, desde que a manobra não atrase o restante da conduta. A
manobra vagal é realizada por meio de gelo na face e, nos pacientes
maiores e colaborativos, manobra de Valsalva. A droga de escolha é a
adenosina, a adenosina tem meia vida curta, então deve ser
administrada em flush, com soro fisiológico imediatamente após.
Podem ser realizadas até 2 doses da medicação. Vale lembrar que há
sensação ruim, de morte iminente, durante a administração, e o
paciente e pais devem ser avisados. Além disso é fundamental que o
carrinho de PCR esteja perto do atendimento, pelo risco de evolução
para PCR em fibrilação ventricular ou assistolia.
Caso não haja reversão e o paciente continue estável pode ser
realizada a cardioversão elétrica sincronizada, ou outros
antiarrítmicos, como amiodarona e lidocaína, sob a orientação de
um cardiologista pediátrico. A cardioversão deve ser realizada sob
sedação.
O paciente com taquicardia supraventricular instável deve ser
submetido diretamente à cardioversão elétrica sincronizada ou à
cardioversão química com adenosina, o que for mais rápido na
situação. A manobra vagal não faz parte do protocolo, e a sedação
para cardioversão reservada aos pacientes com estabilidade
suficiente para isso.
Em relação às taquiarritmias mais raras, vale salientar apenas o
tratamento de torsades de pointes, que envolve a reposição de
magnésio.
6.3 SÍNCOPE NA INFÂNCIA
A síncope na infância e adolescência é uma queixa muito comum no
pronto-socorro pediátrico. As causas de síncope nessa faixa etária
podem ser divididas em cardíacas, neurocardiogênicas e outras. As
causas cardíacas são as que impõe risco de morte aos pacientes com
síncope, seriam os distúrbios elétricos primários, taquicardia
supraventricular, síndrome de QT longo ou curto, as doenças
cardíacas estruturais, correção cirúrgica de comunicação interatrial
e interventricular, manipulação do nó AV, cardiomiopatias ou
tamponamento cardíaco, e outras, como anomalias de coronárias,
cardiomiopatia dilatada e displasia arritmogênica familiar. As causas
neurocardiogênicas seriam síndrome vasovagal, crise de perda de
fôlego e hipotensão postural, que são quadros de evolução benigna, e
outras possível causas de síncope são neuropsiquiátricas,
metabólicas e intoxicação.
6.3.1 Avaliação
O paciente que dá entrada no pronto-socorro com história de perda
de consciência deve ter uma anamnese ampla e completa, exame
físico minucioso e obrigatoriamente realizada eletrocardiograma. O
ecocardiograma é reservado para os pacientes com alta suspeita de
doença cardíaca, e o eletroencefalograma para os pacientes com
perda de consciência prolongada, atividade convulsiva e período
pós-ictal prolongado. Ecocardiograma e eletroencefalograma não
devem ser realizados rotineiramente.
Exames laboratoriais podem ser realizados em casos selecionados,
de acordo com a avaliação médica: glicemia, hemograma, teste de
gravidez, screening toxicológico e perfil eletrolítico. Outros exames
disponíveis, para casos selecionados, são o tilt test, na suspeita de
hipotensão postural ou reflexo vasovagal, holter para os pacientes
com palpitação ou síncopes de repetição, teste de esforço naqueles
com episódios de desmaios durante esforço físico e neuroimagem de
alterações neurológicas associadas.
6.3.2 Tratamento
Na maioria das vezes o paciente apresenta quadro benigno, que não
requer tratamento, apenas orientações e seguimento. Quando é
definida etiologia a mesma deve ser tratada ou acompanhada de
forma específica, pelo especialista.
Como reconhecer e tratar a
taquicardia
supraventricular na
infância?
A taquicardia supraventricular é definida como frequência
cardíaca maior do que 220 bpm no lactente e maior do que
180 bpm nas crianças maiores, com complexo QRS estreito
e ausência de onda P.
No quadro estável (sem sinais de má perfusão), pode-se
fazer manobra vagal até que os passos seguintes do
tratamento estejam prontos, desde que a manobra não
atrase o restante da conduta. A cardioversão química é feita
com adenosina 0,1 mg/kg (máximo 6 mg), e pode ser
repetida com dose dobrada. Caso não haja reversão e o
paciente continue estável pode ser realizada a cardioversão
elétrica sincronizada, ou outros antiarrítmicos, como
amiodarona e lidocaína, sob a orientação de um
cardiologista pediátrico. A cardioversão deve ser realizada
sob sedação.
O paciente com taquicardia supraventricular instável deve
ser submetido diretamente à cardioversão elétrica
sincronizada ou à cardioversão química com adenosina, o
que for mais rápido na situação. A manobra vagal não faz
parte do protocolo, e a sedação para cardioversão é
reservada aos pacientes com estabilidade suficiente para
isso.
Como abordar a golden
hour do choque séptico?

7.1. CHOQUE
Choque é um estado de falência de energia em que não há produção
de adenosina trifosfato (ATP). Trata-se de uma condição crítica,
resultante de má distribuição de oxigênio e nutrientes aos tecidos.
Diversos fatores influenciam essa distribuição, como a concentração
de hemoglobina no sangue, pois determina a saturação de oxigênio
sanguíneo, e o fluxo sanguíneo adequado. Este, por sua vez, é
determinado pelo Débito Cardíaco (DC) – volume de sangue que flui
para os tecidos em 1 minuto, cuja fórmula é: DC = volume sistólico
vezes frequência cardíaca.
O volume sistólico é o volume de sangue ejetado após cada contração
cardíaca. Depende de 3 fatores:
a) Pré-carga – volume de sangue presente no ventrículo antes da
contração;
b) Contratilidade – força com que o coração se contrai;
c) Pós-carga – resistência contra a qual o ventrículo está se
contraindo.

Diante de um quadro de choque em que o índice cardíaco está


diminuído (hipovolêmico, cardiogênico e distributivo), existem
mecanismos compensatórios que tentam manter a distribuição de
oxigênio aos tecidos: taquicardia, aumento da resistência vascular
sistêmica, aumento da contratilidade, aumento do tônus venoso.
Com a progressão do choque, a pressão arterial, determinada pelo
DC e pela resistência vascular sistêmica, pode começar a cair,
caracterizando condição mais grave. Assim, o termo “choque
compensado” se destina a crianças com sinais de má distribuição,
mas em que a taquicardia e o aumento de resistência vascular
mantém a perfusão parcialmente adequada, e os níveis pressóricos
normais.
O choque hipotensivo ocorre quando a criança tem sinais
inadequados de perfusão tecidual e pressão sistólica baixa.
Geralmente, cursa com alteração do nível de consciência devido à
piora da perfusão cerebral, e oligúria, decorrente da má perfusão
renal. A hipotensão é um sinal tardio e pode sinalizar parada
cardíaca iminente.
7.1.1 Tipos de choque
Podem ser caracterizados 4 tipos básicos de choque: hipovolêmico,
distributivo, cardiogênico e obstrutivo.
7.1.1.1 Choque hipovolêmico

Nesse tipo de choque, a pré-carga está diminuída, a contratilidade


cardíaca está normal ou aumentada e a pós-carga aumentada. O
choque é sempre frio, com extremidades frias e pálidas, além de
perfusão periférica lentificada. Tais alterações podem ser traduzidas
nestes sintomas: taquipneia sem dispneia, taquicardia, pulsos
centrais normais ou fracos e periféricos ausentes ou fracos, tempo
de enchimento capilar prolongado, oligúria, palidez e alteração do
nível de consciência.
A hipovolemia é a causa mais comum de choque em crianças, sendo
diarreia e desidratação as causas mais comuns de hipovolemia
dentre as demais: vômitos, hemorragias, diurese osmótica, como na
cetoacidose diabética, e queimaduras.
Sinais clínicos compatíveis com choque hipovolêmico:
a) Taquipneia – com ou sem esforço respiratório;
b) Taquicardia;
c) Pressão arterial normal ou hipotensão;
d) Pulsos periféricos fracos ou ausentes;
e) Pulsos centrais normais ou fracos;
f) Enchimento capilar lentificado;
g) Pele pálida e fria;
h) Alteração do nível de consciência;
i) Oligúria.

7.1.1.2 Choque distributivo

A distribuição do volume sanguíneo está inadequada, isto é, alguns


tecidos têm perfusão adequada – pele, músculo esquelético –
enquanto outros, circulação esplâncnica, têm perfusão ruim.
Exemplos desse choque ocorrem na sepse, na anafilaxia e no choque
neurogênico.
O choque séptico é a forma mais comum de choque distributivo, e as
infecções respiratórias e a bacteremia primária são as causas
principais de infecções entre pacientes pediátricos com sepse e
choque séptico.
São sinais clínicos compatíveis com choque distributivo:
1. Sinais do choque distributivo por anafilaxia: agitação; náuseas e
vômitos, dor abdominal; urticária; angioedema; desconforto respiratório
com estridor ou sibilos; hipotensão; taquicardia;
2. Sinais de choque distributivo de origem neurogênica: hipotensão
com alargamento de pulso, sem taquicardia compensatória,
vasodilatação.

Quando falamos de sepse pediátrica, é preciso


explicar determinados conceitos, como sepse e
choque séptico, de acordo com o Instituto
Latino-Americano de Sepse (ILAS).
a) Sepse

A sepse deve ser considerada como uma disfunção orgânica


potencialmente fatal causada por uma resposta inadequada a uma
infecção. Entre os recém-nascidos, tem sinais inespecíficos como
instabilidade térmica, desconforto respiratório, intolerância
alimentar, alterações cutâneas – palidez, eritema, má perfusão –
letargia, irritabilidade, convulsões, tremores, hiperglicemia ou
hipoglicemia.
7.1.1.3 Choque séptico

Sepse e disfunção cardiovascular, na qual, apesar da administração


de fluido intravenoso em bolus ≥ 40 mL/kg em 1 hora, há a
persistência de:
a) Hipotensão arterial – PAS < percentil 5 para idade, ou < 2 desvios-
padrão;
b) Necessidade de droga vasoativa para manter a PAS normal;
c) 2 dos seguintes parâmetros de perfusão inadequada:
Acidose metabólica inexplicável;
Lactato acima de 2 vezes o valor de referência;
Oligúria, débito urinário < 0,5 mL/kg/h;
Tempo de enchimento capilar > 5 segundos;
Diferença entre temperatura central e periférica > 3 °C.

É o único tipo de choque que é diferenciado entre quente e frio;


clinicamente, o choque quente caracteriza-se por extremidades
aquecidas, pulsos amplos e rápidos e enchimento capilar rápido,
sinais de resistência vascular sistêmica diminuída. O choque frio, por
sua vez, caracteriza-se por extremidades frias, pulsos finos e de
difícil palpação e tempo de enchimento capilar > 2 segundos – sinais
de redução do índice cardíaco por hipovolemia ou disfunção
miocárdica.
7.1.1.4 Choque anafilático
Este tipo de choque distributivo é resultado de reação exuberante a
droga, vacina, alimento, toxina ou outro antígeno. A resposta
alérgica aguda e multissistêmica leva a vasodilatação sistêmica,
aumento da permeabilidade capilar e vasoconstrição pulmonar. São
sinais clínicos compatíveis: agitação, náusea ou vômitos, urticária,
angioedema –inchaço de face, lábios e língua – desconforto
respiratório, com estridor e/ou sibilos, taquicardia e hipotensão.
Seu diagnóstico é dado quando há pelo menos 2 dos sistemas
acometidos: pele, urticária, prurido, exantema; respiratório
sibilância, tosse, desconforto respiratório, estridor, taquidispneia;
gastrintestinal, dor abdominal, vômitos, diarreia; ou cardiovascular,
taquicardia, hipotensão. A única exceção é a hipotensão, que se é
sinal único associado à exposição de alérgeno conhecido também
fecha o diagnóstico de choque anafilático.
7.1.1.5 Choque neurogênico

Este tipo resulta de lesão cranioencefálica ou vertebral que rompe a


inervação do sistema nervoso simpático dos vasos sanguíneos e do
coração – inclui o choque medular. Ocorre perda súbita de sinais do
sistema nervoso simpático para a musculatura lisa da parede dos
vasos que leva a vasodilatação descontrolada. Os sinais iniciais são
hipotensão com pressão de pulso ampla e frequência cardíaca
normal ou bradicardia.
Nesse tipo de choque, a hipotensão ocorre devido à perda da
inervação simpática, levando a vasodilatação; ao contrário do que
acontece no choque hipovolêmico, não há taquicardia nem
vasoconstrição periférica.
A bradicardia e a vasodilatação, associadas à hipotensão, chamam
atenção para esse diagnóstico.
São sinais clínicos compatíveis com choque séptico:
a) Taquipneia sem esforço respiratório, exceto se há pneumonia ou
edema pulmonar;
b) Taquicardia;
c) Hipotensão com pressão de pulso ampla, choque quente, pressão
de pulso estreita, choque frio, ou normotensão;
d) Pulso periférico fraco;
e) Enchimento capilar lentificado, choque frio, e rápido, choque quente;
f) Pele quente ou avermelhada, extremidades, ou pálida com
vasoconstrição. Presença de púrpuras ou petéquias, no choque
séptico;
g) Alteração do nível de consciência;
h) Oligúria;
i) Variação de temperatura.

7.1.1.6 Choque cardiogênico

Nesse tipo de choque, a perfusão tecidual está inadequada por


consequência de disfunção miocárdica.
Os sinais clínicos são decorrentes de redução do índice cardíaco.
Assim, é comum evidenciar sinais de hipoperfusão tecidual, como
oligúria, cianose, diminuição do nível de consciência, extremidades
frias e pulso periférico fino. Pode ocorrer hipotensão, seja pela
redução do índice cardíaco, seja pelo acúmulo de metabólitos
vasoativos nos tecidos que levam a dilatação arteriolar capilar. Pode
haver, também, elevação da pressão capilar pulmonar e,
consequentemente, sinais clínicos de edema pulmonar –
desconforto respiratório e cianose secundária a hipoxemia.
São causas comuns de choque cardiogênico: cardiopatia congênita,
miocardite, arritmias, sepse e intoxicação.
São sinais para choque cardiogênico:
1. Sinais compatíveis: taquipneia e esforço respiratório decorrente do
edema pulmonar; taquicardia; pressão arterial normal ou baixa com
pressão de pulso estreita; pulsos periféricos fracos ou ausentes; pulsos
centrais fortes que na evolução se enfraquecem; enchimento capilar
lento e extremidades frias;
2. Sinais de congestão cardíaca – estase jugular, hepatomegalia,
edema pulmonar: cianose – cardiopatia congênita ou por edema
pulmonar; pele fria e pálida; alteração do nível de consciência; oligúria.
7.1.1.7 Choque obstrutivo

O comprometimento do DC acontece por obstrução física ao fluxo


sanguíneo, como no tamponamento cardíaco, no pneumotórax
hipertensivo, nas lesões cardíacas dependentes de ducto arterial e na
embolia pulmonar maciça.
Inicialmente, esse tipo de choque pode ser indistinguível do choque
hipovolêmico.
a) Sinais compatíveis com tamponamento cardíaco: na criança,
geralmente ocorre por trauma penetrante, cirurgia cardíaca, desordens
inflamatórias que levem a efusão pericárdica importante;
b) Diminuição ou abafamento de bulhas;
c) Pulso paradoxal, diminuição de pressão sistólica em mais de 10
mmHg durante a inspiração;
d) Estase jugular, poderá não ocorrer se houver hipotensão severa na
criança.

7.1.2 Tratamento
O principal fator de sucesso no tratamento é a identificação precoce
do paciente em risco para desenvolver o choque e seu
encaminhamento para um serviço especializado.
A abordagem global do paciente em choque inclui suporte geral –
respiratório, conforto térmico, monitorização, nutrição, correção de
distúrbios metabólicos – controle da causa-base que levou ao
choque, suporte cardiovascular, correção da pré-carga, da função
cardíaca e da pós-carga, uso de drogas e tratamento das
complicações.
O fundamental no tratamento é a rapidez com que as intervenções
são feitas. Reconhecer o choque precocemente e tratar de forma
adequada podem melhorar o prognóstico do paciente em choque.
O alvo do tratamento é restabelecer a perfusão e oxigenação
teciduais adequadamente. Os sinais de restabelecimento da perfusão
e oxigenação tecidual são:
a) Tempo de enchimento capilar ≤ 2 segundos;
b) Pulsos normais;
c) Extremidades aquecidas;
d) Diurese > 1 mL/kg/h;
e) Nível de consciência sem alterações;
f) Pressão arterial adequada para a idade;
g) Saturação venosa central de oxigênio ≥ 70%.

O início do tratamento do choque deve ter como objetivo a


manutenção das vias aéreas e garantir ventilação e oxigenação
adequadas.
A intubação orotraqueal reduz o consumo de oxigênio pelos
músculos respiratórios e deve ser instituída nas seguintes situações:
a) Aumento do trabalho respiratório;
b) Hipoventilação;
c) Diminuição do nível de consciência;
d) Instabilidade hemodinâmica grave.

Outra medida fundamental no tratamento do choque é a obtenção de


acesso vascular. Preferencialmente, deve-se obter acesso venoso em
2 veias periféricas calibrosas. Caso não seja possível obter o acesso
periférico rapidamente, a via intraóssea torna-se uma opção.
Com o acesso vascular garantido, a ressuscitação hídrica pode ser
iniciada com a administração de cristaloide, soro fisiológico a 0,9%,
20 mL/kg em 5 a 20 minutos nos casos de choque hipovolêmico,
distributivo ou séptico. A expansão de volume deve ser feita até que a
volemia esteja adequada, com pressão venosa central ≥ 8 a 12
mmHg, caso não haja sinais de sobrecarga hídrica. O acesso venoso
central, para monitorização da pressão venosa central e
administração de drogas vasoativas, caso seja necessário, deve ser
providenciado enquanto ocorre a expansão hídrica. É fundamental
que o paciente seja continuamente avaliado, observando com
atenção os seguintes sinais:
a) Frequência cardíaca;
b) Pressão arterial;
c) Pulsos;
d) Tempo de enchimento capilar;
e) Estado mental;
f) Débito urinário;
g) Saturação de oxigênio com oximetria de pulso;
h) Sinais de sobrecarga de volume: estertores pulmonares, ritmo de
galope e hepatomegalia.

Nos casos de cetoacidose diabética que cursam com choque


hipovolêmico, a reposição deve ser realizada de forma mais lenta,
pois há risco de edema cerebral. Essa reposição pode ser feita com 10
a 20 mL/kg de soro fisiológico 0,9% em 1 hora.
1. Choque hipovolêmico: o tratamento consiste em reconstituir o
volume intravascular, com reposição de soro fisiológico ou ringer
lactato em alíquotas de 20%. Pode ser oferecido o volume que for
necessário, desde que não haja sinais de congestão. Nos casos
refratários à volume, que são bastante raros, está indicada a
introdução de drogas vasoativas – em geral adrenalina. Não há
volume máximo de líquido que pode ser administrado;
2. Choque séptico: o tratamento é baseado na golden hour, ou
primeira hora de ouro, com administração de soro fisiológico ou
Ringer lactato 20 mL/kg/alíquota por até 3 vezes, introdução precoce
de antibiótico de amplo espectro e, se necessário, introdução de
droga vasoativa: adrenalina no choque frio e noradrenalina no
choque quente. É preciso ter atenção às mudanças de 2015 sobre a
reposição volêmica no choque séptico: deve ser evitado excesso de
volume, por piora de morbidade e dificuldade ventilatória do
paciente. Se possível devem ser colhidos exames durante a primeira
hora de tratamento: hemograma, hemocultura, PCR, função renal e
perfil hepático, coagulograma, gasometria – arterial ou venosa – e
lactato – também pode ser arterial ou venoso. A glicemia e cálcio
iônico devem ser corrigidos na primeira hora, o que leva à melhora
no prognóstico. Sobre a escolha do antibiótico, para pacientes
previamente hígidos provenientes da comunidade, quadro
domiciliar, a escolha é ceftriaxona. Mas nos pacientes com patologia
de base ou nos casos de infecção hospitalar a escolha do antibiótico
depende da condição clínica e sinais que o paciente apresenta, por
exemplo, cefepima ou meropeném, vancomicina. Pacientes com
risco de insuficiência adrenal, uso crônico de corticosteroides,
púrpura fulminante e doença do sistema nervoso central, e choque
refratário às catecolaminas devem receber corticosteroides;
3. Choque anafilático: o tratamento principal consiste em
administração de adrenalina pura (1:1.000) 0,1 mL/kg via IM no
vasto lateral da coxa. Além disso é realizada ressuscitação fluídica
com bolus de 20 mL/kg, corticoide, anti-histamínico e
broncodilatador se necessário, além de suporte ventilatório;
4. Choque cardiogênico: o tratamento deve ser realizado com pouca
reposição fluídica, em pequenas alíquotas, 5 a 10 mL/kg/alíquota, e
introdução precoce de drogas vasoativas se necessário. O excesso de
fluido leva à piora do quadro. As drogas vasoativas de escolha
costumam ser adrenalina, dopamina ou dobutamina e/ou milrinona;
5. Choque neurogênico: não há tratamento específico; é uma
condição muito grave, e deve ser oferecido suporte ao paciente, e
droga vasoativa, com pouca resposta;
6. Choque obstrutivo: devem ser oferecidas medidas de suporte
ventilatório e monitorização, como nos outros choques; a reversão
do quadro se deve ao tratamento específico para a etiologia, como
descompressão do pneumotórax, com punção no segundo espaço
intercostal na linha hemiclavicular e drenagem no quinto espaço
intercostal na linha axilar média, ou drenagem pericárdica – punção
de Marfan.
Figura 7.1 - Choque séptico segundo o American College of Critical Care Medicine
Legenda: Pediatric Advanced Life Support® (PALS®); Pressão Arterial Média (PAM);
Pressão Venosa Central (PVC); Veia Cava Superior (VCS); Saturação Venosa Central
(SVC); Índice Cardíaco (IC); oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO).
Fonte: elaborado pelos autores.

7.1.2.1 Tratamento na Emergência

O tratamento na emergência visa estabilização inicial do paciente,


com suporte ventilatório, obtenção de acesso venoso periférico ou
intraósseo, administração de fluidos – conforme descrito acima,
introdução precoce de antibiótico de amplo espectro no caso de
choque séptico e, se necessário, introdução de droga vasoativa. A
introdução das drogas vasoativas não deve ser retardada pelo
demora de transferência do paciente à Unidade de Terapia Intensiva
(UTI).
7.1.2.2 Tratamento na UTI

O tratamento na UTI visa a manutenção da estabilização do paciente,


investigação das causas de choque e introdução e manejo da
ventilação e drogas vasoativas, conforme descrito a seguir:
a) As drogas vasoativas são divididas em inotrópicas, vasopressoras,
vasodilatadoras e inodilatadoras, a depender de sua ação;
b) As inotrópicas aumentam a força de contração miocárdica e, às
vezes, a frequência cardíaca. São exemplos desse grupo a adrenalina,
dopamina e dobutamina. São as drogas mais utilizadas, e estão
indicadas no tratamento do choque séptico frio, choque hipovolêmico
refratário à reposição fluídica, choque anafilático refratário, choque
cardiogênico e choque neurogênico;
c) As vasopressoras aumentam a resistência vascular sistêmica e
pulmonar, levando ao aumento da pressão arterial sistêmica em
pacientes com função miocárdica normal. São a adrenalina,
noradrenalina, dopamina e vasopressina. A noradrenalina é a droga
indicada nos casos de choque séptico quente. As demais são
utilizadas nos demais tipos de choque;
d) As vasodilatadoras diminuem a resistência vascular sistêmica e
pulmonar, levando a redução da pós carga e consequente aumento do
débito cardíaco. Não atuam diretamente na contratilidade miocárdica.
O exemplo de medicação deste grupo é o nitroprussiato de sódio,
indicado no tratamento de urgência e emergência hipertensiva. Não é
utilizado no tratamento dos choques;
e) As inodilatadoras melhoram contratilidade miocárdica e diminuem
resistência vascular sistêmica. O exemplo é o milrinona, que é
bastante utilizado nos quadros de choque cardiogênico, associado a
drogas inotrópicas, e de hipertensão pulmonar, como em hérnia
diafragmática nos recém nascidos, por exemplo.

O importante efeito colateral das drogas vasodilatadoras e


inodilatadoras é a queda da pressão arterial sistêmica, que pode ser
um fator limitante ao seu uso durante o quadro de choque.
É importante observar os itens a seguir:
a) Algumas drogas têm mais de uma ação, por isso fazem parte de
mais de um grupo, por exemplo, as inotrópicas e vasopressoras têm
várias em comum;
b) A dopamina tem diferentes ações, a depender da dose utilizada –
pois sua ação varia nos receptores, a depender da dose. Doses baixas
(3 a 5 µg/kg/min) têm ação nos receptores dopaminérgicos, com
aumento da perfusão renal e esplâncnica. Doses intermediárias (5 a 10
µg/kg/min) têm ação nos receptores beta-1, com aumento da
frequência cardíaca e da contratilidade miocárdica. E doses altas (> 10
µg/kg/min) têm ação nos receptores alfa, com vasoconstrição e
aumento da resistência vascular periférica;
c) Todas as drogas vasoativas devem ser administradas em acesso
venoso central, em bomba de infusão contínua. Exceção é feita ao uso
inicial da adrenalina, que quando há necessidade na emergência pode
ser iniciada em acesso venoso periférico, até que seja obtido um
acesso central.
Como abordar a golden
hour do choque séptico?
O choque séptico deve ser prontamente reconhecido. O
paciente deve ser levado à sala de emergência, ter acesso
venoso calibroso ou intraósseo, realizar coleta de exames
(hemograma, hemocultura, PCR, transaminases,
coagulograma, função renal, eletrólitos, gasometria
arterial ou venosa, lactato), além dos exames pertinentes
para o quadro clínico do paciente. Administrar até 3
expansões com soro fisiológico ou Ringer lactato 20
mL/kg, sendo reavaliado após cada alíquota. Introdução
precoce de antibiótico de amplo espectro ou voltado para
agente etiológico conhecido ou foco infeccioso. Se
manutenção do choque, introdução de droga vasoativa
ainda na primeira hora de tratamento: adrenalina para
choque frio, noradrenalina para choque quente.
Como fazer o seguimento
por imagens após quadro de
ITU, conforme
recomendação da
American Academy of
Pediatrics?

8.1 INTRODUÇÃO
A Infecção do Trato Urinário (ITU), doença importante e bastante
comum na infância, caracteriza-se pela multiplicação bacteriana em
qualquer segmento do aparelho urinário, incluindo próstata e
epidídimo, que resulte em sintomas. A ITU alta, pielonefrite, pode
levar a cicatrizes renais, hipertensão e doença renal crônica. Embora
crianças com pielonefrite geralmente se apresentem com febre, é
sempre difícil distinguir clinicamente entre cistite e pielonefrite,
particularmente nas crianças com menos de 2 anos.
Com exceção daquela que ocorre no período neonatal, a maioria das
ITUs são infecções ascendentes, em que as bactérias penetram pela
uretra, chegam à bexiga e, eventualmente, ascendem pelo ureter,
atingindo os rins.
8.2 EPIDEMIOLOGIA
A prevalência geral em crianças menores de 2 anos e febris é de
aproximadamente 7%, mas pode variar de acordo com a idade, a
raça, o sexo e a presença ou não de circuncisão nos meninos.
Lactentes do sexo feminino têm 2 a 4 vezes mais ITUs do que
meninos circuncidados. De maneira geral, predominam no sexo
feminino (exceto nos primeiros 6 meses de vida, quando ocorre mais
no sexo masculino), à proporção de 4:1 a partir do sexto mês de vida.
Seu pico de incidência acontece ao redor de 3 a 4 anos.
No primeiro ano de vida, a infecção de urina febril pode
corresponder a pielonefrite aguda na maioria dos casos (90%).
Os recém-nascidos de mães que apresentaram, na gestação, ITU de
repetição têm risco maior, até 4 vezes, de ter ITU no período
neonatal.
8.3 ETIOLOGIA

Escherichia coli é o agente bacteriano mais


comum da ITU, responsável por,
aproximadamente, 80% a 90% dos casos na
infância.

Outras bactérias Gram negativas incluem Klebsiella, Proteus e


Enterobacter. Patógenos bacterianos Gram positivos incluem
Staphylococcus saprophyticus, Enterococcus e, raramente,
Staphylococcus aureus.
As ITUs causadas por bactérias que não a E. coli estão mais
associadas a anomalias do trato urinário, ITU materna no período
neonatal e tratamento prévio com antibióticos. Vírus e fungos
também são causas menos comuns de ITUs em crianças.
A patogênese das ITUs, principalmente as relacionadas com a E. coli,
deve-se à contaminação pela flora fecal da região periuretral, que
chega à bexiga ou às vias urinárias altas pela via ascendente. Proteus
é responsável por cerca de 30% das cistites e apresenta maior
incidência em meninos não circuncisados, pois nestes as bactérias
que ascendem pela uretra são provenientes do prepúcio. Porém, a
presença de bactérias na mucosa periuretral não é suficiente para a
ocorrência de ITU. A ligação das bactérias com as células
uroepiteliais constitui um processo ativo mediado por adesinas
bacterianas e receptores específicos dessas células (pilli).
Em recém-nascidos, como a infecção pode ocorrer pela via
hematogênica, o agente etiológico fica na dependência do foco
original da infecção. Muitas vezes, a ITU no recém-nascido é oriunda
da disseminação transplacentária da infecção urinária materna. Já
em adolescentes, 20% a 30% das ITUs são causadas pelo
Staphylococcus saprophyticus.
1. Klebsiella sp.: mais frequentes em recém-nascidos;
2. Proteus sp.: 30 a 40% dos meninos;
3. Staphylococcus saprophyticus: 30% dos adolescentes de ambos os
sexos;
4. Enterococcus, Pseudomonas, Staphylococcus aureus ou
epidermidis: crianças com malformação ou disfunção do trato urinário.

8.4 FATORES DE RISCO


8.4.1 Idade
A prevalência é bem maior nos meninos com menos de 1 ano e nas
meninas com menos de 4 anos.
8.4.2 Meninos não circuncisados
Meninos não circuncidados com febre de origem desconhecida têm
até 20 vezes mais chances de estarem com ITU do que meninos
circuncidados da mesma idade. Além de a mucosa do prepúcio ser
mais suscetível à colonização de uropatógenos do que a pele
queratinizada, a obstrução parcial do meato uretral também está
relacionada com maior facilidade a essa colonização e consequente
desenvolvimento de ITU.
8.4.3 Disfunção miccional temporária
Durante o treinamento ao uso do banheiro, em meninas, há uma
disfunção miccional temporária, pois a criança pode reter a urina
para permanecer seca, ao mesmo tempo em que há contração da
musculatura vesical. Assim, há tendência a retenção urinária e ITU.
Muitas vezes, as disfunções miccionais estão associadas a disfunções
intestinais, como constipação e incontinência fecal. Essas 2
alterações da função intestinal também estão relacionadas como
fatores de risco para ITU.
8.4.4 Uropatia obstrutiva
Crianças com esta condição podem apresentar esvaziamento
incompleto da bexiga, sendo a urina estagnada um excelente meio de
cultura para a maioria dos patógenos relacionados. A predisposição
às anormalidades obstrutivas pode ser anatômica (válvula de uretra
posterior, estenose de junção ureteropélvica e estenose de junção
ureterovesical, neurológica (mielomeningocele com bexiga
neurogênica) ou funcional; alterações que podem cursar
simultaneamente com refluxo vesicoureteral e, em alguns casos,
levar a hidronefrose e lesões parenquimatosas renais. Essas lesões
serão mais graves se estiverem associadas à ITU.
Em meninos, a válvula da uretra posterior é a
principal causa obstrutiva primária de uropatia.

A obstrução pode ocorrer em qualquer nível do trato urinário, do


meato uretral aos infundíbulos dos cálices renais. Pode ser causada
por processos traumáticos, neoplasia (tumor de Wilms,
neuroblastoma), cálculos, processos inflamatórios (tuberculose) ou
mesmo procedimentos cirúrgicos.
8.4.5 Refluxo vesicoureteral
O refluxo vesicoureteral é a anomalia urológica mais comum nas
crianças e compreende a passagem retrógrada da urina da bexiga
para o trato urinário alto.
Crianças com refluxo vesicoureteral apresentam risco aumentado
para o desenvolvimento de ITUs recorrentes e pielonefrite clínica à
medida que a urina presente na bexiga retorna em direção ao ureter,
podendo chegar até os cálices renais, na dependência da gravidade
do refluxo.
8.5 QUADRO CLÍNICO
A ITU pode apresentar-se com sinais e sintomas inespecíficos,
particularmente nos lactentes jovens. O quadro clínico varia
conforme a faixa etária e o segmento do trato urinário acometido.
8.5.1 Faixa etária
8.5.1.1 Recém-nascidos e lactentes

Os sintomas são pouco específicos, principalmente nos recém-


nascidos (apresentam-se geralmente com um quadro séptico) e nos
lactentes jovens (nos quais a febre é o principal sinal clínico).
Caracterizam-se por febre ou hipotermia, vômitos, anorexia,
irritabilidade, icterícia, distensão abdominal e baixo ganho ponderal.
Nos casos mais graves, apresentam-se sob a forma de bacteriemia
ou sepse. Até os 2 anos, raramente se identificam sintomas
urinários. É importante lembrar que os menores de 1 ano apresentam
risco elevado para pielonefrite e, consequentemente, cicatriz renal.
Lactentes jovens com quadros febris sem sinais localizatórios do
processo infeccioso devem ser sempre investigados para ITU.
8.5.1.2 Acima de 2 anos
A partir dessa idade surgem os sintomas urinários típicos, como
disúria, polaciúria, urgência miccional, incontinência urinária,
enurese secundária e sintomas sistêmicos com febre e dor
abdominal, mais predominantemente hipogástrica. A presença de
febre, tremores e dor lombar é altamente sugestiva de pielonefrite
em crianças mais velhas.
8.5.1.3 Adolescência

Em adolescentes e jovens, é uma importante causa de morbidade no


sexo feminino. Nas adolescentes, as alterações hormonais
favorecem a colonização vaginal por bactérias nefrogênicas, que,
migrando para a área periuretral, podem ascender pelo trato
urinário, causando ITU. As infecções baixas são as mais frequentes.
Com exceção dos abscessos perirrenais e renais decorrentes de
bacteriemia, as infecções urinárias altas são secundárias a cistites. A
disseminação ascendente envolve diversos fatores: urodinâmicos, de
virulência, de suscetibilidade da medula renal e obstrução ou refluxo
vesicoureteral (RVU).
8.5.2 Segmento acometido
8.5.2.1 Pielonefrite aguda

Há o comprometimento do parênquima renal, que pode resultar em


cicatriz pielonefrítica, ou seja, lesão renal sequelar localizada ou
global. Apresenta-se com comprometimento do estado geral, dor
abdominal, febre e mal-estar. O exame do sedimento urinário pode
demonstrar cilindros leucocitários.
8.5.2.2 Cistite

O comprometimento ocorre na bexiga urinária ou desta em direção


ao meato uretral, já que a localização precisa pode ser difícil.
Apresenta sintomas característicos, como disúria, polaciúria, dor
suprapúbica, incontinência urinária, alteração do cheiro da urina e,
eventualmente, febre.
8.5.2.3 Bacteriúria assintomática

Há urocultura positiva para bactérias sem existirem sintomas


indicativos de infecção. No entanto, pode evoluir para ITU
sintomática.
Vale lembrar que essa divisão é didática, sendo muito difícil a
diferenciação clínica, principalmente em menores de 2 anos.
8.6 DIAGNÓSTICO
A anamnese detalhada e o exame físico podem direcionar o quadro
para o diagnóstico de ITU, mas a sua confirmação deve ser feita pela
cultura de urina, que evidencia a proliferação de micro-organismos
no trato urinário. A avaliação laboratorial da criança com suspeita de
ITU inclui a obtenção de urina para avaliação bioquímica ou de
celularidade e para cultura.
A cateterização vesical ou punção suprapúbica são os métodos de
escolha para a coleta de urina para cultura em lactentes e crianças
sem controle esfincteriano.
Para crianças já treinadas, a urina de jato médio é o método
preferencial.
As urinas coletadas por meio de sacos coletores estéreis não são
recomendadas devido aos altos índices de falsos positivos.
Resultados de culturas de urina coletadas desta forma só terão valor
caso sejam negativos.
A urina coletada deve ser analisada o mais rápido possível para
diminuir a chance de resultados falsos positivos ou falsos negativos.
8.6.1 Diagnóstico laboratorial
8.6.1.1 Urina tipo I
1. Leucocitúria: em 80% dos casos, nos primeiros surtos de ITU há
leucocitúria. Entretanto, isso não é suficiente para o diagnóstico,
pois em outras patologias se pode encontrar leucocitúria estéril,
como na leucorreia, balanopostite, glomerulonefrite,
gastroenterocolite, litíase e mesmo processos febris de etiologia
viral. Leucocitúria é definida como mais de 10 leucócitos/mm3;
2. Hematúria: hematúria microscópica e, ou cilindros leucocitários
podem estar presentes;
3. Teste de nitrito: quando positivo, é sugestivo de infecção urinária,
pois é altamente específico, com poucos falsos positivos, porém é
necessário que a urina esteja na bexiga por pelo menos 4 horas para
os nitritos serem detectados;
4. Bacterioscopia: é definida pela presença de qualquer bactéria por
intermédio da coloração de Gram.
8.6.1.2 Urocultura

O diagnóstico de certeza só pode ser feito na presença de urocultura


positiva, e o seu resultado depende diretamente da técnica de coleta.
A urocultura deve ser solicitada juntamente com a avaliação de
antibiograma.
1. Critérios de Kass: quando a amostra de urina utilizada para a
cultura é colhida por jato médio, são necessárias mais de 100.000
Unidades Formadoras de Colônia (UFCs) do mesmo patógeno ou >
50.000 UFC associada a exame de urina I com piúria para que se
possa diagnosticar ITU. Uroculturas com menor número de colônias
devem ser consideradas como possível contaminação. Quando a
amostra de urina é coletada por cateterismo vesical sob condições
adequadas de assepsia, qualquer valor > 1.000 UFC é diagnóstico,
alguns serviços consideram 5.000 UFC; quando a amostra é coletada
por punção suprapúbica, qualquer crescimento bacteriano é
considerado positivo (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2016);
2. Uso do saco coletor: a coleta por meio do saco coletor não é
considerada adequada pela maioria dos autores. Terá valor se
mostrar urinoculturas negativas, haja vista o grande risco de
contaminação com resultados falsos positivos.
Figura 8.1 - Punção suprapúbica

8.6.2 Exames de imagem


8.6.2.1 Ultrassonografia

Poderá revelar aumento do volume renal, alterações da


ecogenicidade do parênquima, perda da visualização normal das
pirâmides e dilatação pielocalicial. É um exame não invasivo e não
expõem o paciente à radiação, mas é examinador dependente. Deve
ser realizado em todas as crianças com ITU febril menores de 3 anos,
no primeiro episódio; entre 3 e 7 anos de idade a realização da
ultrassonografia no primeiro episódio de ITU febril é discutível. É
também indicado a partir do segundo episódio de ITU,
independentemente da idade do paciente, para pesquisa de
malformações e presença de lesão renal.
8.6.2.2 Cintilografia

Utiliza-se o ácido dimercaptossuccínico (DMSA). Observam-se


hipocaptação do radioisótopo focal ou difusamente e aumento do
volume renal. Está indicada em casos selecionados onde o
diagnóstico de pielonefrite aguda é necessário e não pode ser
realizado por meio dos exames de urina, uso de antibiótico prévio,
por exemplo. Entretanto, seu uso na fase aguda tem sua dificuldade
por captação anômala, limitando essa função. É indicada nos casos
de ITUs de repetição, complicadas, por agentes que não E. coli ou
com refluxo vesicoureteral associado, além das ITUs febris nos
lactentes e pielonefrites em menores de 6 anos de idade. Deve ser
realizado cerca de 5 a 6 meses após o episódio de ITU para a detecção
de cicatrizes pielonefríticas, é exame padrão-ouro para identificar
cicatrizes.
8.6.2.3 Uretrocistografia miccional (UCM)

Exame realizado com administração de contraste iodado


intravesical. Nele podemos visualizar alterações da coluna,
visualizar uretra, RVU e alterações da bexiga. Deve ser realizado em
pacientes que apresentam USG de rins e vias urinárias e, ou
cintilografia com DMSA alterada e, ou quadros repetitivos de
infecção urinária associados à disfunção miccional.
8.7 TRATAMENTO
Os objetivos incluem:
a) Eliminação da infecção e prevenção de sepse – e tratamento da
sepse quando houver;
b) Prevenção da recorrência e de complicações em longo prazo,
incluindo hipertensão, cicatrizes renais e alterações da função renal;
c) Alívio dos sintomas agudos.

8.7.1 Antibioticoterapia
O tratamento com antibióticos deve ser instituído imediatamente
quando há suspeita de ITU em crianças sintomáticas (febre ou
sintomas locais), mesmo antes do resultado da urocultura e do
antibiograma. A instituição da terapêutica imediata visa evitar o
aumento da gravidade da infecção e a possibilidade de lesão renal.
8.7.1.1 Crianças com mais de 2 meses

A maioria pode ser tratada ambulatorialmente, desde que estejam


garantidos as reavaliações e o acompanhamento.
8.7.1.2 Recém-nascido e lactentes com menos de 2 meses

Quando a infecção ocorre em recém-nascidos, lactentes jovens com


estado comprometido, imunodeprimidos ou crianças de qualquer
idade com suspeita de pielonefrite, deve-se proceder a internação e
antibioticoterapia intravenosa com cefalosporinas de terceira
geração ou aminoglicosídeos.
8.7.1.3 Conforme resultado da bacterioscopia e da urocultura

Quando a urocultura estiver disponível com o antibiograma


correspondente, o antibiótico deverá ser adequado à sensibilidade do
agente etiológico. Em lactentes ou outras faixas etárias sem suspeita
de pielonefrite, o tratamento pode ser iniciado empiricamente por
via oral, até o resultado da urocultura e do antibiograma.
A bacterioscopia pela coloração de Gram já pode orientar a escolha
do antibiótico. Como a maioria das ITUs é causada pela E. coli, a
orientação é optar por uma droga que a elimine, e a escolha deve ser
determinada pelo padrão de resistência local.
8.7.1.4 Antibióticos

Desse grupo fazem parte as cefalosporinas de primeira, segunda e


terceira gerações, sulfametoxazol-trimetoprima e amoxicilina-
clavulanato. As fluoroquinolonas são eficazes contra E. coli e podem
ser utilizadas em casos selecionados e complicados de ITU e
pielonefrite, embora sua segurança em crianças ainda não tenha sido
totalmente determinada. Também podem ser utilizadas nas ITUs por
Pseudomonas aeruginosa ou outras bactérias multirresistentes.
A duração do tratamento nunca deve ser inferior a 7 dias, dando
preferência aos tratamentos por 10 dias, e, no caso de pielonefrites,
deve-se estender por 14 dias. As drogas de escolha estão
relacionadas no Quadro 8.1.
Quadro 8.1 - Medicamentos para tratamento da infecção do trato urinário por via parenteral

Quadro 8.2 - Medicamentos para tratamento da infecção do trato urinário por via oral
8.7.2 Conduta cirúrgica
Crianças com abscesso renal ou perirrenal e aquelas com ITU
obstruído devem ser submetidas a procedimento cirúrgico para a
drenagem do abscesso e medidas que visem à liberação do fluxo
urinário, além da introdução de antibióticos.
8.8 REFLUXO VESICOURETERAL
O refluxo vesicoureteral é classificado segundo a aparência do trato
urinário na UCM.
Classificação:
1. Grau I: refluxo para 1 ureter não dilatado;
2. Grau II: sistema coletor superior sem dilatação;
3. Grau III: ureter dilatado e, ou presença de apagamento dos fórnices
cabeceais;
4. Grau IV: ureter dilatado grosseiramente;
5. Grau V: refluxo maciço, com dilatação ureteral significativa com
tortuosidade e perda da impressão papilar.

Figura 8.2 - Diferentes graus de evolução do refluxo vesicoureteral


No refluxo vesicoureteral primário, há deformidade anatômica da
junção ureterovesical. Quando produzido por pressão intravesical
aumentada, por processos inflamatórios ou como resultado de
procedimentos cirúrgicos envolvendo a junção ureterovesical, o
refluxo é chamado secundário.
O momento mais apropriado para a realização da UCM ainda é
controverso; alguns autores sugerem que seja adiada em 2 a 6
semanas após a resolução da ITU, para permitir a resolução do
processo inflamatório na bexiga. É importante ressaltar que esse
exame não deve ser realizado sob anestesia geral, por invalidar uma
parte do exame (esvaziamento vesical ou fase miccional). Alguns
autores recomendam que crianças com menos de 2 anos recebam
antibioticoterapia profilática até a realização da UCM.
No caso de a USG das vias urinárias apresentar alteração, a criança
deve ser submetida a cintilografia com DMSA ou urografia excretora,
em caso de refluxo vesicoureteral. Já quando a UCM apresenta
alteração, deve-se realizar cintilografia com DTPA ou urografia
excretora, em caso de obstrução ao fluxo urinário.
Quando as recorrências se tornam frequentes, mesmo na ausência de
alterações evidenciadas por meio de USG de vias urinárias e, ou UCM,
deve-se pesquisar a presença de fatores predisponentes.
Eventualmente, pode-se encontrar constipação acentuada. Por isso,
informações sobre o hábito intestinal sempre devem ser colhidas no
acompanhamento da criança com ITU, e quadros de obstipação
intestinal devem ser tratados de forma assertiva.
8.9 PREVENÇÃO
Alguns grupos de crianças necessitam de profilaxia das ITUs com
antibióticos administrados diariamente. Os casos em que deve ser
considerado esse tipo de profilaxia com o objetivo de prevenir
recidivas e, ou dano renal são:
a) Pacientes com achados ultrassonográficos do pré-natal sugerindo
uropatias;
b) Crianças em curso de investigação ultrassonográfica de alterações
do trato urinário;
c) Dilatação grave no trato urinário;
d) Refluxo vesicoureteral graus 3, 4 e 5.

ITUs de repetição, mesmo na ausência de malformação de trato


genitourinário, têm sua indicação de antibioticoterapia profilática
discutível, e varia a cada serviço. Não há recomendação específica
para essa situação, e o uso de antimicrobiano aumenta o risco de
seleção de cepas resistentes.
Os antimicrobianos de escolha são nitrofurantoína, sulfametoxazol-
trimetoprima e cefalosporina de primeira geração.
As doses são apresentadas no Quadro 8.3.
Quadro 8.3 - Doses dos antimicrobianos
Convém ressaltar que não se recomenda nitrofurantoína antes de 2
meses de vida. Algumas recomendações básicas de higiene e hábitos
devem ser realizadas em todas as crianças, mesmo as que não
apresentam malformações do trato urinário. Em meninas, deve ser
orientada a higiene anal sempre de frente para trás, visando evitar
levar bactérias da flora intestinal em direção à vagina. Além disso, o
hábito de ingerir grandes quantidades de líquidos para aumentar a
diurese também é eficaz para a prevenção de ITU, já que a urina
eliminada serve como limpeza mecânica do urotélio, eliminando as
bactérias da região uretral. Dieta rica em fibras, atividade física e
prevenção da obesidade são outros fatores protetores do trato
urinário, principalmente em meninas, uma vez que a constipação
intestinal é um grande fator de risco para ITU.
Como fazer o seguimento
por imagens após quadro de
ITU, conforme
recomendação da
American Academy of
Pediatrics?
1. Ultrassonografia de rins e vias urinárias: deve ser
realizada em todas as crianças menores de 3 anos com ITU
febril, no primeiro episódio; entre 3 e 7 anos de idade a
realização da ultrassonografia no primeiro episódio de ITU
febril é discutível. É também indicada a partir do segundo
episódio de ITU, independentemente da idade do paciente,
para pesquisa de malformações e presença de lesão renal;
2. Cintilografia: indicada nos casos de ITUs de repetição,
complicadas, por agentes que não E. coli ou com refluxo
vesicoureteral associado, além das ITUs febris nos
lactentes e pielonefrites em menores de 6 anos de idade.
Deve ser realizada cerca de 5 a 6 meses após o episódio de
ITU para a detecção de cicatrizes pielonefríticas (é exame
padrão-ouro para identificar cicatrizes);
3. Uretrocistografia miccional: deve ser realizada em
pacientes que apresentam ultrassonografia de rins e vias
urinárias e/ou cintilografia com DMSA alterada e/ou
quadros repetitivos de infecção urinária associados a
disfunção miccional.
Quais recém-nascidos
devem ser investigados
para sífilis congênita e
como devem ser tratados?

9.1 INTRODUÇÃO
Uma variabilidade de agentes pode infectar a mãe durante a
gestação, o trabalho de parto e o parto, podendo causar infecção do
feto ou do neonato e levando de disfunções orgânicas a óbito fetal ou
aborto.
Essas infecções congênitas contam com diversas etiologias com
manifestações clínicas semelhantes, representadas principalmente
pelos clássicos agentes que compõem o acrônimo TORCH
(toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes-simples e sífilis).
9.2 TOXOPLASMOSE CONGÊNITA
(AGENTE TOXOPLASMA GONDII)
A toxoplasmose congênita é uma doença infecciosa que resulta da
transferência transplacentária do Toxoplasma gondii, parasita
intracelular para o concepto, decorrente de infecção primária da mãe
durante a gestação ou por reagudização de infecção prévia em mães
imunodeprimidas. A severidade da doença fetal depende da idade do
feto no momento da transmissão, sendo mais grave a apresentação
durante os primeiros 2 trimestres da gestação. A gravidade da
doença no neonato é inversamente proporcional à idade gestacional;
no primeiro trimestre da gestação, a taxa de transmissão é de 17%
com repercussões graves, como óbito fetal ou neonatal; no segundo
trimestre, o risco sobe para 25%, e o Recém-Nascido (RN) pode
apresentar manifestações subclínicas. No terceiro trimestre, o risco
chega a 65%, com manifestações subclínicas – repercussões leves –
e, mais raramente, um quadro de parasitemia.
9.2.1 Quadro clínico
Na grande maioria das vezes, a doença é subclínica, dificultando o
diagnóstico. A maioria das crianças acometidas são assintomáticas
ao nascimento. Os sintomas, quando presentes, são inespecíficos,
podendo simular qualquer outra infecção, tornando fundamental o
diagnóstico sorológico.
A tríade clássica de sinais é composta por coriorretinite, hidrocefalia
e calcificações cerebrais.
Outros quadros clínicos são:
a) Natimortalidade e morte neonatal, 5% dos casos;
b) Formas subclínicas, 70%;
c) Formas leves, 20% – o paciente é aparentemente normal, com
algum sintoma semanas ou meses;
d) Algumas vezes aparecem calcificações cerebrais e coriorretinite,
sem comprometimento do Sistema Nervoso Central (SNC).

Formas graves manifestam-se como:


1. Neurológica (encefalítica): coriorretinite, alteração do líquido
cerebrospinal (LCE), anemia, convulsões, calcificações cerebrais,
hidrocefalia, microcefalia;
2. Generalizada (formas neurológica e visceral): icterícia,
hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, febre, alterações liquóricas,
coriorretinite, anemia, petéquias, eosinofilia, trombocitopenia, surdez
neurossensorial. Suas sequelas incluem alterações da acuidade visual
– praticamente 100% das crianças não tratadas terão lesões oculares
ao longo da vida – convulsões, retardo mental.

Quadros graves de toxoplasmose congênita apresentam a tétrade de


Sabin: hidro ou microcefalia, retinocoroidite bilateral macular ou
perimacular, calcificações cerebrais intraparenquimatosas
grosseiras e retardo mental.
Figura 9.1 - (A) Hidrocefalia e (B) calcificações intracerebrais
Figura 9.2 - Lesão macular por toxoplasmose congênita

9.2.2 Diagnóstico
A suspeita clínica deve ser feita com base nos antecedentes
epidemiológicos e obstétricos, bem como na presença de sinais e
sintomas sugestivos de infecção congênita, como anemia, icterícia,
hepatomegalia, baixo peso de nascimento etc.
O diagnóstico pode ser feito por meio de métodos sorológicos,
dentre eles o Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (ELISA), com
captura de IgA para o diagnóstico de infecções recentes, pois seus
anticorpos desaparecem de circulação mais rapidamente do que os
da classe IgM, e reação em cadeia da polimerase no líquido
amniótico. Outras avaliações devem ser realizadas, como a
oftalmológica, a neurológica e a auditiva, e outros exames, como
ultrassonografia (USG) transfontanela, hemograma completo e
análise do LCE para avaliar o comprometimento do paciente.
Durante a gravidez, com a presença de anticorpos IgG na gestante,
pode ser feito o teste de avidez para avaliar se a infecção é recente ou
antiga. O teste de avidez de IgG ≤ 30% indica infecção nos últimos 60
dias; ≥ 60%, infecção há mais de 60 dias; entre 31 e 59%, não se
permite determinar o tempo de infecção e o teste deve ser repetido.
O diagnóstico de toxoplasmose fetal pode ser sugerido por alterações
na USG fetal como hidrocefalia, calcificações cerebrais e hepáticas
ascite, cardiomegalia e alterações placentárias. Pode-se investigar a
presença do Toxoplasma por meio da amplificação do seu DNA por
meio da proteína C reativa (PCR) específica no líquido amniótico
obtido por amniocentese.
9.2.3 Tratamento
O tratamento materno deve ser iniciado logo que há comprovação
laboratorial da infecção por toxoplasmose na gestação. O tratamento
pós-natal de neonatos infectados melhora o prognóstico em longo
prazo. Todos devem ser tratados.
Aos sintomáticos, sulfadiazina, 100 mg/kg/d VO, a cada 12 horas nos
6 primeiros meses e, após esse período, 1 vez ao dia; pirimetamina, 2
mg/kg/d VO, a cada 12 horas, por 2 dias e, posteriormente, 1
mg/kg/d, por 6 meses; após esse período, 3 vezes sem – às
segundas, quartas e sextas-feiras. Quanto ao ácido folínico, para
combater a ação antifólica da pirimetamina, com supressão
medular, preconizam-se 5 a 10 mg, 3x/sem, mantendo-se por 1
semana após a retirada da pirimetamina. Indica-se prednisona
quando a proteína no LCE é igual ou superior a 1 g/dL e na
coriorretinite em atividade. A dose preconizada é de 0,5 mg/kg VO, a
cada 12 horas, por 4 semanas— segundo a Sociedade Brasileira de
Pediatria – ou até a melhora dos níveis de proteína (< 1 g/dL) ou da
coriorretinite.
9.2.4 Prevenção
Sua prevenção durante a gestação consiste em evitar o contato com
animais infectados, principalmente gatos, não consumir carnes
cruas ou malcozidas, lavar bem as mãos antes das refeições, lavar
bem as frutas e as verduras, evitar jardinagem e repetir a sorologia a
cada trimestre.
9.3 RUBÉOLA CONGÊNITA
A Síndrome da Rubéola Congênita (SRC) decorre da infecção fetal por
via transplacentária durante a viremia materna, diminuindo a sua
taxa de transmissão quanto mais avançada a gestação. As infecções
placentária e fetal podem ocasionar abortos, óbito fetal, anomalias
congênitas, doença multissistêmica e restrição do crescimento
intrauterino.
9.3.1 Quadro clínico
As manifestações clínicas são várias e consequentes à infecção do
feto pelo vírus da rubéola. Cerca de 70% têm manifestação ao nascer.
Os RNs podem apresentar desde um quadro assintomático até SRC:
catarata, cegueira, surdez neurossensorial, microcefalia, retardo
mental e malformações cardíacas, persistência do canal arterial,
estenose da artéria pulmonar e defeitos de septos atrial e ventricular.
A principal característica da rubéola congênita é a sua cronicidade, e
as manifestações existentes podem progredir ou novas alterações
aparecer ao longo da vida. O paciente com rubéola congênita pode
apresentar como manifestações tardias: dificuldade de
aprendizagem, distúrbios de comportamento e autismo.
9.3.2 Diagnóstico
É obtido por testes sorológicos maternos ou fetais com aumento da
titulação ou soroconversão, além de isolamento viral no sangue,
urina ou LCE e reação em cadeia da polimerase no sangue ou nas
secreções da orofaringe. A suspeita clínica deve ser feita em todo RN
cuja mãe teve rubéola na gestação, suspeita ou confirmada, e para
aqueles com restrição de crescimento intrauterino associada a
qualquer estigma da rubéola congênita.
9.3.3 Tratamento
Compreende suporte clínico. Não há tratamento específico, e o
acompanhamento por uma equipe multiprofissional deve ser
prolongado, sobretudo no primeiro ano de vida, para a detecção de
sintomas de início tardio e oferecimento de maior suporte às
possíveis sequelas.
9.3.4 Profilaxia
Compreende vacinação para rubéola em mulheres em período fértil;
não pode ser aplicada a mulheres grávidas.
Após a vacinação o ideal é que se espere 1 mês antes de tentar
engravidar.
A criança com rubéola congênita deve ficar
isolada durante a fase aguda, e os familiares
devem ser esclarecidos sobre a possibilidade de
eliminação do vírus até 1 ano depois do
nascimento. Ressaltando que essa medida não
é necessária caso as culturas de nasofaringe e
urina sejam repetidamente negativas – pelo
menos 2 resultados, com intervalo de 1 mês –
após 3 meses de vida.

9.4 INFECÇÃO CONGÊNITA POR


CITOMEGALOVÍRUS
Trata-se da infecção congênita mais comum, vírus da família do
Herpes. Das infecções, 90% são assintomáticos e cerca de 10%
desenvolvem complicações como perda da audição, coriorretinite,
atrofia óptica, microcefalia e distúrbios da fala e da aprendizagem. O
maior risco para o feto ocorre durante a primeira metade da
gestação, podendo a infecção materna ser assintomática. Estima-se
que cerca de 0,5 a 2,2% dos neonatos sejam infectados pelo
citomegalovírus (CMV) no período do nascimento e cerca de 10%
sejam sintomáticos ao nascimento. Alguns destes podem ter
sintomas extremamente graves, podendo evoluir para óbito,
geralmente por coagulação intravascular disseminada (CIVD),
falência de múltiplos órgãos e infecção bacteriana secundária. Nos
adultos, pode causar a síndrome mononucleose-like.
9.4.1 Modos de transmissão
A transmissão vertical pode ocorrer por 3 vias: intraparto, secreção
cervicovaginal; aleitamento materno, perinatal; e transplacentária,
congênita. Esta última é a mais importante, pois pode resultar em
infecção congênita e sequela neurológica. Nos casos em que a
primoinfecção materna é durante a gravidez, o risco fetal será maior.
9.4.2 Fatores de risco
a) Mãe adolescente;
b) Atividade sexual com múltiplos parceiros;
c) Multiparidade;
d) Baixa condição socioeconômica.

9.4.3 Quadro clínico


Cerca de 90% das crianças infectadas apresentam a forma subclínica
ou assintomática, enquanto 10% ou menos apresentam a doença de
inclusão citomegálica grave. Esta se caracteriza por hepatomegalia,
esplenomegalia, icterícia, petéquias e púrpura (a trombocitopenia
pode persistir por meses a anos), microcefalia (perímetro cefálico
abaixo do percentil 50), calcificações cerebrais (sobretudo
periventriculares) e hidrocefalia, defeitos oculares, coriorretinite,
microftalmia e catarata), retardo do crescimento intrauterino,
prematuridade, pneumonites, defeitos dentários, perda auditiva
neurossensorial (alteração mais comum causada pelo CMV, que
envolve 60% das crianças sintomáticas e 5% das assintomáticas). A
coriorretinite apresenta-se com áreas de necrose retiniana branco-
amareladas extensas. Há graus variáveis de hemorragias e vasculite
com um aspecto chamado “pizza com ketchup”.
Figura 9.3 - Infecção congênita por citomegalovírus

9.4.4 Diagnóstico
O diagnóstico é feito pela pesquisa de vírus em secreções urina,
salina, secreção respiratória, sangue, e fragmentos de órgãos com
isolamento nas primeiras 2 a 3 semanas indicam infecção congênita.
Em caso de positivação da pesquisa, anteriormente negativa, ocorrer
após 2 semanas de vida, a infecção terá sido perinatal. O IgM positivo
após 3 a 4 semanas de nascimento sugere infecção pós-natal.
9.4.5 Tratamento
Atualmente, nenhum tratamento materno é recomendável. Para o
tratamento sistêmico da infecção pelo CMV, temos drogas
licenciadas: ganciclovir, valganciclovir, cidofovir e foscarnete.
Destas, apenas 2 são utilizadas no período neonatal, o ganciclovir e o
valganciclovir. Em geral, a infecção congênita sintomática tem sido
tratada com ganciclovir, 6 a 12 mg/kg IV, a cada 12 horas, por 6
semanas, com diminuição da excreção viral e de deficiência auditiva.
9.5 INFECÇÃO CONGÊNITA POR
HERPES-SIMPLES – TIPOS 1 (FACE E
TRONCO) E 2 (GENITÁLIA)
Ocorre, geralmente, por infecção genital materna, e é mais comum
sua transmissão durante o trabalho de parto ou pós-natal, chega a
50% no parto vaginal. As mulheres com primo-infecção geralmente
são assintomáticas, enquanto aquelas com infecção recidivante têm
a transmissão intraparto diminuída para uma taxa de 3 a 5% pela
presença de anticorpos preexistentes.
O Herpes-Vírus Simples-1 (HSV-1) infecta a pele e a mucosa acima
da cintura, e o Herpes-Vírus Simples-2 (HSV-2) infecta a genitália
materna e o neonato – transmissão perinatal.
9.5.1 Quadro clínico
O período de incubação da infecção varia entre 2 e 20 dias, com
média de 16 dias, portanto os RNs que apresentam lesões ao
nascimento provavelmente foram infectados antes do nascimento.
As manifestações clínicas se apresentam em 3 categorias: infecção
de pele, olho e boca, de 5 a 6 dias após o parto; infecção do SNC (de 8
a 12 dias após o parto); infecção disseminada (de 5 a 6 dias após o
parto.
Apresenta-se com lesões cerebrais que incluem microcefalia,
hidrocefalia e meningoencefalite; na região ocular, conjuntivite,
ceratite, coriorretinite e cegueira. Outras sequelas incluem
anencefalia, microcefalia, pneumonite, hepatomegalia, anemia
hemolítica, espasticidade e retardo mental. Na pele, as lesões podem
se apresentar na forma de vesículas agrupadas.
A meningoencefalite herpética ocorre geralmente entre a segunda e
a terceira semana de vida e é caracterizada por instabilidade térmica,
letargia, má aceitação alimentar, irritabilidade, tremores,
convulsões e fontanela anterior ampla. Pode ou não ser
acompanhada das lesões vesiculares nos olhos, pele e boca.
Figura 9.4 - Herpes-simples
Fonte: Red Book, American Academy of Pediatrics, 2015.

Figura 9.5 - Herpes-simples neonatal


Fonte: Red Book, American Academy of Pediatrics, 2015.

9.5.2 Diagnóstico
É realizado por meio de cultura e exame citológico das lesões e
liquor. Para sorologia, realiza-se o teste de imunofluorescência para
anticorpos IgG e IgM, além do ELISA. Em caso de meningoencefalite
herpética, o diagnóstico é feito por reação em cadeira da polimerase
e análise do liquor (hemácias, pleocitose, aumento de proteínas, sem
alteração da glicose), além de eletroencefalograma e ressonância
nuclear magnética com lesões destrutivas no lobo temporal
(anormalidade clássica), edema e hemorragia parenquimatosa.
9.5.3 Tratamento
Deve ser realizado com aciclovir, medicamento inibidor seletivo da
replicação viral na dose de 60 mg/kg/d IV, a cada 8 horas, por 14
dias, prolongando-se para 21 dias quando há o envolvimento do SNC.
Em gestantes com HSV genital, lesões primárias ou recorrentes,
deve-se optar por parto cesárea.
9.6 SÍFILIS CONGÊNITA

Convém atentar-se para a sífilis congênita, pois


as últimas estatísticas apontam para o aumento
do número de casos.

Ocorre em qualquer fase da gestação e qualquer estágio da sífilis


materna, sendo o agente etiológico uma bactéria Gram negativa, o
Treponema pallidum. Os fatores determinantes são tempo de
exposição, carga treponêmica, virulência, tratamento e
imunodeficiências. Quanto mais tarde na gestação e mais precoce a
sífilis, maior o risco de infecção fetal. A transmissão é feita pela
disseminação hematogênica do Treponema pallidum da gestante
para o feto. A transmissão da sífilis não ocorre por meio do leite
materno. Durante o aleitamento materno, é possível que aconteça a
transmissão se há lesão mamária por sífilis, mas essa é uma situação
rara. Em gestantes com sífilis precoce não tratada, estima-se perda
fetal em 40% de aborto espontâneo ou natimorto. A notificação de
sífilis adquirida, sífilis em gestante e sífilis congênita é obrigatória.
Taxa de transmissão vertical da sífilis:
1. Fases primária e secundária da doença materna: de 70 a 100%;
2. Fases terciária e latente tardia: 30%.

9.6.1 Prevenção e controle da sífilis congênita


a) Triagem diagnóstica antes da gravidez em mulheres em idade
reprodutiva e em seu parceiro;
b) Assistência pré-natal adequada, com VDRL no primeiro trimestre e
em torno da vigésima oitava semana da gestação;
c) Tratamento de acordo com a fase da doença.
9.7 SÍFILIS CONGÊNITA PRECOCE
A sífilis congênita é classificada como precoce, nos primeiros 2 anos
de vida, e tardia, após os 2 anos de idade.
Mais de 50% das crianças afetadas são assintomáticas ao
nascimento, com sintomas surgindo ao redor dos 3 meses.
As manifestações clínicas e alterações laboratoriais estão
relacionadas a seguir.
9.7.1 Alterações cutâneo-mucosas – de 15 a 60%
a) Pênfigo palmoplantar;
b) Exantema maculopapular;
c) Coriza;
d) Condiloma plano;
e) Placas na mucosa oral;
f) Fissuras nos lábios, nas narinas e no ânus;
g) Alterações ectodérmicas – perda de cílios e cabelos, esfoliação das
unhas.

Figura 9.6 - Pênfigo palmar


9.7.2 Alterações viscerais – laboratoriais
a) Hepatomegalia – 75% a 100%;
b) Esplenomegalia;
c) Hepatite;
d) Síndromes nefrítica e/ou nefrótica;
e) Paralisia das cordas vocais;
f) Pneumonia intersticial;
g) Meningite, convulsões;
h) Hidrocefalia progressiva;
i) Uveíte, coriorretinite “em sal e pimenta”;
j) Rinite serossanguinolenta;
k) Anemia – hemolítica e Coombs negativo;
l) Trombocitopenia, púrpura;
m) Leucopenia – leucocitose com reação leucemoide;
n) CIVD.

9.7.3 Alterações osteoarticulares


Osteocondrite (pseudoparalisia de Parrot) e periostite.
Figura 9.7 - Periostite ou osteocondrite
9.7.4 Outras
a) Febre;
b) Adenomegalia;
c) Retardo de crescimento;
d) Prematuridade;
e) Pequeno para Idade Gestacional (PIG).

9.8 SÍFILIS CONGÊNITA TARDIA


Cerca de 40% das crianças não tratadas apresentam sequelas de
doença sistêmica precoce nas fases pré-escolar e escolar. As
principais características são gomas do véu palatino (ulcerações e
perfuração), rágades (cicatrizes periorificiais), hidrocefalia, ceratite
intersticial, surdez neurológica (lesão do VIII par), dentes de
Hutchinson (incisivos centrais superiores), molar “de amora”
(primeiro molar inferior), nariz “em sela”, encurtamento da maxila;
articulações de Clutton, tíbias “em lâmina de sabre”, bossa frontal e
fronte olímpica.
Figura 9.8 - Sífilis tardia
9.8.1 Diagnóstico
Devemos iniciar investigação de sífilis congênita em todos os RNs de
mães com sífilis e evidência clínica e, ou laboratorial, e em todas as
crianças com menos de 13 anos com suspeita clínica e, ou
epidemiológica de sífilis congênita. Nesses casos, devemos realizar,
além de exame físico minucioso, radiografia de ossos longos,
dosagem de Venereal Disease Research Laboratory (VDRL) – teste
não treponêmico – em amostra de sangue periférico do RN, coleta de
liquor e hemograma completo.
Se o VDRL da criança for maior do que o da mãe, suspeita-se de
sífilis congênita; se a criança não estiver infectada pelo Treponema,
espera-se que os títulos de anticorpos comecem a declinar com 3
meses de idade e negativem aos 6 meses. Caso permaneça reagente,
aumenta a suspeita de sífilis congênita, com necessidade de maior
investigação. Na radiografia de ossos longos, podem-se encontrar
periostite e osteocondrite, lesões que sugerem quadro sifilítico.
Outros achados importantes incluem VDRL positivo no liquor, FTA-
ABS/IgM reagente em material fetal ou títulos sorológicos (VDRL) do
RN maiores do que os títulos maternos.
9.8.2 Tratamento
O tratamento adequado durante a gestação reduz o desenvolvimento
de doença fetal, importante causa de prematuridade. O tratamento
de escolha envolve a penicilina, em qualquer fase da doença.
Em recém-nascido com sífilis e congênita alergia a penicilina,
podem-se empregar eritromicina ou cefalosporinas. Possuem
menor eficácia em relação ao tratamento-padrão.
Tratamento e seguimento da sífilis congênita:
1. RN de mãe não tratada ou com tratamento incompleto:
a) É considerada mãe com tratamento incompleto nas seguintes
situações:
Uso de tratamento não penicilínico ou por tempo inadequado;
Tratamento iniciado a menos de 30 dias do nascimento, é
considerado tratamento incompleto para sífilis todo tratamento
não finalizado até 30 dias antes do parto;
Parceiro não tratado durante a gestação;
Tratamento não documentado;
Acompanhamento sorológico não documentado.
b) Se VDRL positivo e/ou alterações clínicas ou radiológicas, porém
sem acometimento neurológico:
Penicilina G cristalina, na dose de 50.000 UI/kg IV, a cada 12
horas na primeira semana de vida e a cada 8 horas após a
primeira semana de vida, por 10 dias, ou penicilina G procaína
50.000 UI/kg IM a cada 24 horas, por 10 dias.
c) Se VDRL positivo e/ou alterações clínicas ou radiológicas, porém
sem acometimento neurológico:
Penicilina G cristalina, na dose de 50.000 UI/kg IV, a cada 12
horas na primeira semana de vida e a cada 8 horas após a
primeira semana de vida, por 10 dias, ou penicilina G procaína
50.000 UI/kg IM a cada 24 horas, por 10 dias.
d) Se houver qualquer alteração no liquor ou mesmo impossibilidade
de colhê-lo:
Penicilina G cristalina, na dose de 50.000 UI/kg IV, a cada 12
horas na 1ª semana de vida e a cada 8 horas após a primeira
semana, por 10 dias, sem a opção de penicilina procaína.
e) Se o RN for VDRL negativo, sem alterações clínicas, liquóricas ou
radiológicas:
Penicilina G benzatina, na dose única de 50.000 UI/kg IM.
Devem-se acompanhar os pacientes com VDRL sérico seriado.
Caso não seja possível, trata-se com penicilina cristalina ou
procaína nas doses já citadas, por 10 dias.

2. RN de mãe com tratamento completo:


a) Se sinais clínicos ou radiológicos presentes – tratamento por 10
dias, como referido;
b) Se alteração liquórica – tratar como já citado, com penicilina
cristalina e sem a opção de procaína;
c) Se assintomático e sorologia do neonato negativa – se o
acompanhamento ambulatorial não é garantido, tratar com dose única
de penicilina G benzatina, 50.000 UI/kg IM.

3. Acompanhamento laboratorial:
a) É obrigatório, com seguimento sorológico dos casos. Deve-se
realizar VDRL com 1, 3, 6, 12, 18 e 24 meses, interrompendo quando
há negativação. Diante de elevações de títulos sorológicos ou não
negativação desses até os 18 meses, recomenda-se reinvestigação.

9.9 HIV
A transmissão vertical é a forma predominante de na aquisição de
HIV por essa população. A taxa de transmissão gira ao redor de 15% a
40%, sendo mais alta nos países em desenvolvimento e na ausência
de medidas profiláticas. A transmissão pode ocorrer durante todo o
pré-natal, parto ou pela amamentação. O maior risco ocorre no
momento do parto, pela exposição da pele e mucosa do concepto ao
sangue e secreções maternas, além da transfusão materno fetal.
9.9.1 Diagnóstico
Como a transmissão costuma ser periparto, as crianças são
assintomáticas ao nascimento. Deve ser realizada intervenção
profilática de acordo com a sorologia e carga viral materna, e
seguimento sorológico do lactente.
9.9.2 Tratamento
O tratamento é, na verdade, a profilaxia da infecção pelo vírus. Com
relação à via de parto, se a mãe tem carga viral maior do que mil
cópias ou essa avaliação foi realizada antes das 34 semanas de
gestação, está indicada a via cirúrgica (cesariana). Caso contrário,
especialmente se a carga viral for indetectável, a via de parto é por
indicação obstétrica, podendo ser vaginal. Entretanto deve-se evitar
o uso de fórcipe, evitar a episiotomia sempre que possível e outros
procedimentos que traumatizem mucosa. Se houver possibilidade de
o bebê nascer empelicado, sem rotura da membrana amniótica, é
ainda melhor, para evitar a infecção. A ligadura do cordão deve ser
imediata. Além disso, está indicada a administração de AZT IV para
todas as parturientes, pelo menos 4 horas antes do parto, sempre
que possível, independentemente da carga viral e de resistência
prévia a essa medicação.
Imediatamente após o nascimento a criança deve ser higienizada
com compressas macias e lavada com água e sabão. Aspirar vias
aéreas apenas se for necessário, e de forma delicada, a fim de evitar
traumatismos na mucosa.
O RN deve começar a receber AZT nas primeiras 8 horas de vida, e
deve-se mantê-lo durante as primeiras 6 semanas de vida. A
profilaxia para Pneumocystis jiroveci, com sulfametoxazol-
trimetoprima iniciado entre 4 e 6 semanas de vida.
O aleitamento materno é contraindicado; na alta da maternidade o
paciente deve ser encaminhado para serviço de referência, para
seguimento.
9.10 HEPATITE B
Em geral a transmissão desse vírus ocorre no momento do parto, e
as crianças costumam apresentar sintomas entre 1 e 3 meses de
idade – uma vez que o período de incubação do vírus é de 45 a 180
dias. São fatores de risco para transmissão vertical infecção materna
no terceiro trimestre da gestação, títulos de AgHBs maternos,
positividade do HbE materno e AgHBs positivo no sangue do cordão
umbilical. Não há contraindicação para parto vaginal nem para o
aleitamento materno, mas essas crianças devem receber
imunoprofilaxia adequada. O risco de cronicidade é de 90 a 95% nos
casos de transmissão vertical da hepatite B.
9.10.1 Diagnóstico
A maioria das crianças são assintomáticas no período perinatal, e
pode haver discreta ascensão de transaminases. O diagnóstico
costuma ser feito pela sorologia materna, e posterior manutenção
desta no lactente.
9.10.2 Tratamento
O tratamento na realidade visa em evitar o contágio do RN; deve-se
fazer a triagem universal de todas as gestantes com sorologia para
hepatite B, vacinação universal de todos os RNs logo após o
nascimento (profilaxia pré-exposição); RNs filhos de mãos AgHBs+
devem receber imunoglobulina humana nas primeiras 12 horas de
vida, (profilaxia pós-exposição), além da vacina. Deve ser realizado
seguimento de sorologia do RN. Por hora não há tratamento para a
forma crônica de hepatite B.
9.11 VARICELA
A transmissão em geral ocorre no período pós-natal, com riso de
varicela disseminada. Portanto, é mais grave se ocorre ao final da
gestação.
9.11.1 Diagnóstico
O diagnóstico é clínico, pelo quadro materno de doença aguda.
9.11.2 Tratamento
Os RNs de mães que desenvolveram o quadro de varicela entre 5 dias
antes e o 2 dias após o parto devem receber imunoglobulina
específica para varicela-zóster; o aleitamento não é contraindicado,
mas a mãe deve utilizar máscara cirúrgica como isolamento do RN,
bem como não deve haver o contato do bebê com lesões maternas. O
RN deve ser mantido em isolamento por 28 dias, por ser um
potencial transmissor da doença.
Quais recém-nascidos
devem ser investigados
para sífilis congênita e
como devem ser tratados?
1. RN de mãe não tratada ou com tratamento incompleto:
a) É considerada mãe com tratamento incompleto nas
seguintes situações:
▪ Uso de tratamento não penicilínico ou por tempo
inadequado;
▪ Tratamento iniciado há menos de 30 dias do nascimento
(é considerado tratamento incompleto para sífilis todo
tratamento não finalizado até 30 dias antes do parto);
▪ Parceiro não tratado durante a gestação;

▪ Tratamento não documentado;

▪ Acompanhamento sorológico não documentado.

b) Se VDRL positivo e/ou alterações clínicas ou


radiológicas, porém sem acometimento neurológico:
▪ Penicilina G cristalina, na dose de 50.000 UI/kg IV, a cada
12 horas na primeira semana de vida e a cada 8 horas após a
primeira semana de vida, por 10 dias, ou penicilina G
procaína 50.000UI/kg IM a cada 24 horas, por 10 dias.
c) Se houver qualquer alteração no liquor ou mesmo
impossibilidade de colhê-lo:
▪ Penicilina G cristalina, na dose de 50.000 UI/kg IV, a cada
12 horas na primeira semana de vida e a cada 8 horas após a
primeira semana, por 10 dias, sem a opção de penicilina
procaína.
d) Se o RN for VDRL negativo, sem alterações
clínicas/liquóricas ou radiológicas:
▪ Penicilina G benzatina, na dose única de 50.000 UI/kg IM.
Devem-se acompanhar os pacientes com VDRL sérico
seriado. Caso não seja possível, trata-se com penicilina
cristalina ou procaína nas doses já citadas, por 10 dias.
2. RN de mãe com tratamento completo:
a) Se sinais clínicos ou radiológicos presentes: tratamento
por 10 dias, como referido;
b) Se alteração liquórica: tratar como já citado, com
penicilina cristalina e sem a opção de procaína;
c) Se assintomático e sorologia do neonato negativa: se o
acompanhamento ambulatorial não é garantido, tratar
com dose única de penicilina G benzatina, 50.000 UI/kg IM.
3. Acompanhamento laboratorial: é obrigatório, com
seguimento sorológico dos casos. Deve-se realizar VDRL
com 1, 3, 6, 12, 18 e 24 meses, interrompendo quando há
negativação. Diante de elevações de títulos sorológicos ou
não negativação desses até os 18 meses, recomenda-se
reinvestigação.
Qual é o quadro clínico da
bronquiolite e como tratá-
la?

10.1 DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA


Bronquiolite é uma infecção viral que ocorre nos primeiros 2 anos de
vida, mas predominantemente nos lactentes menores de 1 ano de
vida. Aproximadamente 1 a cada 3 lactentes desenvolvem
bronquiolite no primeiro ano de vida, e 2 a 3% deles necessitam de
internação hospitalar.
A incidência é maior nos meses de outono e inverno, e a gravidade da
doença é maior em pacientes mais jovens, prematuros ou com
doenças congênitas, como sibilância recorrente, cardiopatias ou
imunodeficiências congênitas ou adquiridas.
Para fins acadêmicos, a bronquiolite é definida como o primeiro
episódio de sibilância nos lactentes menores de 2 anos de idade.
Entretanto, sabe-se que a criança pode ter vários episódios de
bronquiolite nos primeiros 2 anos de vida.
10.2 FISIOPATOLOGIA
A bronquiolite se enquadra no grupo das obstruções agudas de vias
aéreas inferiores.
Geralmente o quadro inicia com uma infecção de vias aéreas
superiores, ou resfriado comum, com obstrução nasal, rinorreia e
tosse progressiva. Em 3 a 4 dias há progressão de acometimento em
bronquíolos, com aparecimento de dispneia, sinais de esforço
respiratório, dificuldade de alimentação ou amamentação e, nos
mais novos, apneia.
O vírus causa inflamação em bronquíolos, com aumento da produção
de secreção em vias aéreas, diminuição da sua drenagem e disfunção
dos movimentos ciliares. Isso leva à obstrução das vias aéreas de
pequeno calibre, hiperinsuflação pulmonar e atelectasias em
lactentes menores de 2 anos.
Figura 10.1 - Fisiopatologia da infecção pelo vírus sincicial respiratório

Fonte: elaborado pelos autores.

10.3 ETIOLOGIA
A bronquiolite, como já abordado, é uma doença viral das vias aéreas
de pequeno calibre. O vírus sincicial respiratório (VSR) é o principal
agente etiológico, seguido por rinovírus, adenovírus,
metapneumovírus, parainfluenza, influenza, coronavírus e outros.
Agentes etiológicos:
a) VSR (50% a 80%);
b) Rinovírus (20%);
c) Influenza (10% a 20%);
d) Parainfluenza (10% a 30%);
e) Adenovírus (5% a 10%);
f) Metapneumovírus (10%).

10.4 QUADRO CLÍNICO


Em geral o quadro clínico da bronquiolite se instala após 3 a 4 dias do
início do resfriado comum. A criança passa a apresentar taquipneia,
tosse paroxística, sibilos difusos (principalmente expiratórios, mas
que em casos de maior gravidade podem também ser inspiratórios,
associado à redução de murmúrios vesiculares globalmente) e
estertores subcrepitantes, além de retrações intercostais, subcostais,
retração de fúrcula e batimento de asa de nariz. A criança, além de
dispneia, pode apresentar-se com irritabilidade e dificuldade de
aceitação da dieta. A hipoxemia é comum, mas a cianose é rara.
Os sinais de insuficiência respiratória são ascendentes: nos casos
mais leves há tiragem subdiafragmática e intercostal, nos
moderados associa-se tiragem de fúrcula, e nos casos mais graves
batimento de asa de nariz e respiração paradoxal, “balancim”, em
que há movimentos assíncronos de tórax e abdome. Além disso
gemência e alteração do nível de consciência, sonolência ou -
irritabilidade, também são sinais de gravidade do quadro
respiratório.
Vale lembrar do conceito de insuficiência respiratória: é o
desconforto respiratório grave que coloca em risco, de forma
imediata, a vida do paciente, com necessidade de intervenção
imediata e, por vezes, invasiva.
Em lactentes muito jovens, com menos de 3 meses, pode ser
observada, ainda, apneia, em decorrência da insuficiência
respiratória e imaturidade do centro respiratório. A febre, quando
presente, pode chegar a cerca de 38,5 a 39 °C.
O quadro é autolimitado, com resolução em 5 a 7 dias. A tosse após o
episódio agudo de bronquiolite, entretanto, pode durar por até 2
semanas. Algumas crianças apresentam episódios recorrentes de
sibilância e desconforto respiratório nos quadros virais
subsequentes, por até 6 meses – sendo denominada síndrome pós
bronquiolite. Isso ocorre devido alteração de mobilidade ciliar
temporária após o quadro respiratório agudo inicial.
Há evidências de que infecções precoces pelo vírus sincicial
respiratório e pelo adenovírus aumentem o risco de que a criança
desenvolva quadro asmático durante seu desenvolvimento, mas
ainda são necessários mais estudos a respeito.
10.4.1 Complicações agudas da bronquiolite
As principais complicações da bronquiolite são infecções bacterianas
secundárias. Em geral o paciente apresenta uma melhora parcial do
quadro clínico e/ou resolução da febre, e na evolução do quadro
passa a apresentar novamente piora da tosse e do desconforto
respiratório, febre, má aceitação alimentar ou dificuldade nas
mamadas e irritabilidade.
As principais infecções bacterianas envolvidas nas complicações da
bronquiolite são otite média aguda e pneumonia, ambas com
diagnóstico clínico e tratamento específico com antimicrobiano
(betalactâmicos), sintomáticos e suporte.
Outras complicações, não infecciosas, são desidratação, pneumonia
aspirativa e insuficiência respiratória.
10.4.2 Fatores de risco para bronquiolite grave ou
complicada
Há fatores intrínsecos e extrínsecos que favorecem um curso mais
grave e maior ocorrência de complicações, sendo eles:
a) Prematuridade (menor ou igual a 36 semanas);
b) Baixo peso ao nascer;
c) Idade menor de 3 meses;
d) Doença pulmonar crônica (principalmente broncodisplasia);
e) Defeito anatômico de via aérea;
f) Cardiopatia congênita;
g) Imunodeficiência;
h) Doença neurológica;
i) Fatores externos/sociais – pais tabagistas, frequentador de berçário,
gemelar, presença de irmão mais velho (que frequenta a escola).

10.5 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da bronquiolite é clínico:
1. Anamnese: paciente menor de 2 anos de idade, com histórico de
infecção de vias aéreas superiores, e após terceiro ao quarto dia de
histórico de evolução com sinais de desconforto respiratório –
taquipneia, tiragens – hipoxemia, má aceitação alimentar e/ou
dificuldade na amamentação;
2. Exame físico: sibilos e estertores, taquipneia, tiragens, hipoxemia.

Não é necessária realização de exames laboratoriais ou radiológicos


de rotina, sendo indicados apenas se suspeita de complicações, como
pneumonia ou atelectasia. A realização de pesquisa viral na secreção
de nasofaringe – pesquisa de vírus respiratório – é útil para
confirmação diagnóstica. Pode ser realizada por proteína C reativa
(PCR), biologia molecular e, ou imunofluorescência. A grande
vantagem na identificação do vírus como agente etiológico é a
redução da introdução de antibióticos nesses casos.
Achados comuns na radiografia de tórax nas bronquiolites:
a) Hiperinsuflação pulmonar – aumento do espaço retroesternal,
horizontalização dos arcos costais;
b) Infiltrado intersticial peribrônquico;
c) Atelectasias;
d) Condensações, ocorrência rara.

O hemograma é normal nos casos de bronquiolite, e o PCR costuma


ser baixo. Pode haver leucocitose com desvio à esquerda e aumento
de PCR nos casos de infecção bacteriana secundária.
10.5.1 Diagnósticos diferenciais
1. Doenças agudas: asma e, ou broncoespasmo, coqueluche,
pneumonia viral e, ou bacteriana, aspiração de corpo estranho e, ou
broncoaspiração, pneumocistose, sepse, insuficiência cardíaca
congestiva e pneumotórax;
2. Doenças crônicas: fibrose cística, cardiopatias congênitas,
malformações das vias aéreas – por cistos, por malformações
vasculares – anel vascular e, ou hemangioma, por fístulas
traqueobrônquicas, discinesia ciliar primária,
traqueobroncomalácia, tumores.
10.6 TRATAMENTO
A bronquiolite é uma doença autolimitada, e as únicas condutas que
comprovadamente têm utilidade no tratamento são lavagem nasal e
inalação com soro fisiológico 0,9%, além de suporte ventilatório e
hidratação se necessário.
O suporte ventilatório de escolha depende do grau de hipoxemia do
paciente e de sua resposta à oferta de oxigênio, bem como à presença
de desconforto respiratório e a necessidade de ventilação invasiva ou
não invasiva.
A hidratação pode ser indicada por via oral, se disponível, ou
intravenosa, nos casos em que o paciente apresenta má aceitação por
via oral, vômitos ou desconforto respiratório que impeça a ingesta
líquida. Vale lembrar que na bronquiolite o paciente se apresenta
taquipneico, com aumento das perdas insensíveis e maior risco de
desidratação.
A utilização de beta-2-agonista de curta ação – inalação ou pu –
brometo de ipratrópio e inalação com adrenalina não estão indicados
de forma rotineira para o tratamento da bronquiolite, assim como
corticoide não deve ser utilizado em casos de bronquiolite – os
estudos não mostraram benefícios ao uso dessas medicações,
prevalecendo apenas seus efeitos colaterais. Entretanto pode ser
realizada prova terapêutica com beta-2-agonista de curta ação, e
nos casos em que há resposta à medicação a mesma pode ser
mantida. Em geral pacientes mais velhos – maiores de 1 ano –
apresentam melhor resposta aos broncodilatadores, já que têm
maior quantidade de musculatura lisa peribrônquica.
A inalação hipertônica – com cloreto de sódio a 3% – parecia
promissora há um certo tempo, mas estudos recentes mostraram
que não tem eficácia superior à inalação com soro fisiológico, e
acarreta maior risco de broncoespasmo reflexo – por esse motivo
não pode ser utilizada em ambiente domiciliar. Seu uso está sendo
cada vez menor.
A fisioterapia respiratória é amplamente utilizada nestes casos, mas
estudos demonstram que não mudam o curso da doença, e reduzem
o tempo de internação em poucas horas, quando comparado aos
pacientes que não foram submetidos a esse procedimento.
10.6.1 Tratamento domiciliar versus hospitalar
Pacientes com frequência respiratória < 60 irpm, sem tiragens ou
com tiragens leves, sem hipoxemia, em bom estado geral e boa
aceitação hídrica, e pertencentes a famílias que compreendem o
tratamento, sinais de gravidade e têm condições de acesso ao serviço
de saúde podem ser tratados em ambiente domiciliar, com lavagem
nasal e inalação com soro fisiológico. Manter hidratação e
alimentação habitual da criança, respeitando aceitação e, se
necessário, oferecendo em intervalos mais curtos.
Os pacientes que não se enquadram nestes critérios (taquipneia > 60
irpm, desconforto respiratório, má aceitação via oral, sinais de
desidratação ou piora do estado geral), ou em que a condição social
não permite tratamento domiciliar adequado ou retorno breve ao
serviço de saúde, devem ser tratados em regime hospitalar.
Neste caso, além da lavagem nasal e inalação, há a manutenção de
hidratação via oral ou intravenosa, monitorização e suporte
ventilatório conforme necessidade do paciente, possibilidade de
realização de teste de resposta com broncodilatador e fisioterapia
respiratória, ainda que bastante discutível. A saturação deve ser
mantida acima de 92%. Paciente com desconforto respiratório
importante ou taquipneia > 60 a 70 irpm devem ser mantidos em
pausa alimentar via oral, por risco de broncoaspiração, e
alimentação por sonda nasogástrica e/ou hidratação intravenosa até
melhora do quadro.
Os pacientes em tratamento hospitalar devem ser mantidos em
isolamento de contato e gotículas, a fim de reduzir o risco de
transmissão entre os pacientes. A higiene das mãos dos profissionais
de saúde e acompanhantes tem papel fundamental nessa prevenção.
Vale salientar, neste momento, que a principal causa de parada
cardiorrespiratória na infância é a hipoxemia. Dessa forma, os sinais
de insuficiência respiratória devem ser tratados de forma rápida e
assertiva.
10.6.1.1 Critérios de admissão hospitalar

De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, estes são os


critérios para recomendar a internação hospitalar do paciente com
bronquiolite:
a) Sinais de toxemia, baixa ingesta alimentar, letargia e desidratação;
b) Desconforto respiratório moderado e/ou severo com pelo menos 1
destes sinais:
Batimento de asa nasal;
Retração intercostal;
Subcostal ou supraesternal;
FR > 60 irpm;
Dispneia;
Cianose e SatO2 < 91% em ar ambiente.
c) Apneia;
d) Hipoxemia (SatO2 < 95%) com ou sem hipercapnia;
e) Incapacidade de tratamento domiciliar – indicação social;
f) Idade menor que 12 semanas;
g) Presença de comorbidades – cardiopatia, fibrose cística etc.

10.6.1.2 Critérios de admissão em unidade de terapia intensiva

De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, estes são os


critérios para recomendar a internação do paciente com bronquiolite
em unidade de terapia intensiva:
a) Crianças que, apesar de estarem recebendo oxigênio a 50%, têm
paO2 < 60 mmHg, paCO2 > 50 mmHg e pH < 7,25;
b) Crianças que, mesmo em uso de oxigênio a 50%, apresentam
apneias associadas a SatO2 < 90%;
c) Crianças com episódios muito frequentes e rápidos de apneia –
especialmente se menores de 6 meses.

10.7 PREVENÇÃO
A principal forma de prevenção é evitar o contato com os vírus
causadores da bronquiolite. Isso é feito evitando o contato da criança
com outras pessoas doentes, não frequentando locais fechados e
aglomerados e creche nos primeiros meses de vida, e mantendo
adequada higiene ambiental e das mãos. Além disso, evitar o
tabagismo passivo também reduz o riso e a gravidade dos episódios
de bronquiolite. O aleitamento materno é um importante fator
protetor, pela passagem de anticorpos para o lactente.
Além disso, um grupo restrito de lactentes têm a indicação do uso de
palivizumabe, um anticorpo monoclonal, recombinante, contra a
glicoproteína de superfície do VSR. É uma forma de imunização
passiva contra o vírus. Ele é administrado via intramuscular, mensal,
por até 5 meses, durante o período de sazonalidade, que varia de
acordo com a região, mas no Brasil é entre fevereiro e junho ou
março e julho. O palivizumabe é fornecido gratuitamente pelo
governo para os grupos de risco, a saber:
a) Lactentes nascidos com 28 semanas de idade gestacional ou
menos, até 28 semanas e 6 dias, durante a primeira sazonalidade do
VSR, quando esta ocorre durante os primeiros 12 meses de vida;
b) Lactentes menores de 2 anos, até 1 ano, 11 meses e 29 dias, com
doença pulmonar crônica da prematuridade – displasia
broncopulmonar – ou doença cardíaca congênita com repercussão
hemodinâmica;
c) Lactentes no primeiro ano de vida portadores de anormalidades
pulmonares ou neuromusculares que alterem a capacidade de
clareamento das secreções das vias aéreas superiores.
d) Menores de 24 meses que estão ou estarão com imunossupressão
e/ou imunodeficiência profunda durante a sazonalidade do VSR.

O palivizumabe é capaz de reduzir a frequência de hospitalização e


admissão à unidade de terapia intensiva nos grupos de risco,
principalmente de prematuros e portadores de pneumopatias
crônicas, mas sua utilização ampla é limitada pelo alto custo. As
indicações precisas do Ministério da Saúde garantem o fornecimento
da medicação aos grupos de risco específicos.
Apesar de diversas pesquisas, até o momento não há vacina para
imunização ativa contra o VSR em estudos clínicos.
Qual é o quadro clínico da
bronquiolite e como tratá-
la?
A bronquiolite ocorre em menores de 2 anos e, em geral, é
iniciada após 3 a 4 dias de um quadro de resfriado comum.
A criança apresenta tosse, sibilos e estertores e sinais de
desconforto respiratório; pode ainda apresentar
hipoxemia, irritabilidade ou letargia. O diagnóstico é
clínico, e o tratamento é realizado com lavagem nasal e
inalação com soro fisiológico. Deve ser oferecida
hidratação, de acordo com a via disponível para o paciente,
oxigenoterapia se necessário, e é autorizado o teste de
reposta com broncodilatador (mas não seu uso rotineiro).
Como conduzir um
paciente pediátrico em
crise asmática grave?

11.1 DEFINIÇÃO
A asma é definida como uma doença inflamatória crônica,
caracterizada por hiper-responsividade das vias aéreas inferiores e
limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou
com tratamento, manifestando-se clinicamente por episódios
recorrentes de sibilância, dispneia, aperto no peito e tosse,
particularmente à noite e pela manhã, ao despertar.
Costuma-se definir o quadro asmático a partir dos 2 anos de idade.
Isso porque é difícil diferenciar, até essa idade, um quadro de
bronquiolite de um quadro asmático. Porém é sabido que filhos de
pais asmáticos ou atópicos, sibilância recorrente, início dos quadros
ainda muito jovem e presença de chiado/sibilância na ausência de
quadro viral, nos primeiros 2 anos de vida, aumentam o risco de que
o paciente venha a ser asmático. Além disso, muitos pacientes
asmáticos têm resolução dos quadros após 5 anos de idade.
11.2 EPIDEMIOLOGIA
Na faixa etária pediátrica, o estudo International Study of Asthma
and Allergies in Childhood, realizado em algumas cidades
brasileiras, revela a prevalência da asma entre 4,7 e 20,7% nas
idades entre 6 e 7 anos e 4,8 e 21,9% entre 13 e 14 anos, ou seja, os
índices permanecem ao redor de 20% para ambas as faixas etárias.
Segundo dados obtidos no DATASUS, ocorrem, em média, 350 mil
internações anuais por asma, constituindo-se a quarta causa de
hospitalização no Sistema Único de Saúde e a terceira causa entre
crianças e adolescentes; representa aproximadamente 7% das
internações em UTI. É a doença crônica mais frequente na infância
em todo o mundo.
11.3 FISIOPATOLOGIA
A fisiopatologia é bastante complexa, mas a asma resulta da
interação de fatores genéticos e ambientais que contribuem para o
desenvolvimento de hiper-responsividade brônquica e edema das
vias aéreas.
As alterações genéticas, ainda não totalmente esclarecidas,
contribuem para o desequilíbrio do sistema imunológico e
predomínio de resposta direcionada a linfócitos T do tipo Th2, que
sintetizam e liberam citocinas como IL-4, IL-5 e IL-13, cujas ações
estão relacionadas ao aumento da síntese de imunoglobulina E
sérica, à proliferação e à maturação de eosinófilos. Deste modo, a
pesquisa do lavado broncoalveolar de pacientes com asma pode
revelar infiltrado celular com elevado conteúdo eosinofílico e
linfocitário. Há evidências de alterações genéticas que levam ao
comprometimento da musculatura brônquica e da organização
histológica dos brônquios, especialmente as fibras elásticas.
Existem, ainda, outros componentes envolvidos que fazem que as
alterações fisiopatológicas desencadeadas por fatores genéticos
sejam complexas e variadas na asma. Atualmente, assume-se que a
asma compreenda um conjunto de diferentes doenças com fenótipos
diferentes.
Somados à genética, e não menos importantes, são os fatores
ambientais, que podem facilitar o desencadeamento de uma crise e
agravar o quadro. Dentre esses fatores, destacam-se os relatados de
fatores ambientais:
1. Alérgenos, em especial os aeroalérgenos: com ênfase nos ácaros
da poeira domiciliar, Dermatophagoides pteronyssinus e Blomia
tropicalis, nos epitélios de animeis e gato e nos insetos como a barata;
2. Agentes infecciosos: principalmente os vírus, importantes
desencadeadores de crises nos primeiros anos de vida, com destaque
para opara o vírus sincicial respiratório e o rinovírus, além do vírus
influenza, adenovírus e parainfluenza;
3. Irritantes: especialmente os poluentes externos, resultantes da
queima de combustíveis em automóveis e indústrias;
4. Fumo: um dos agentes mais deletérios ao pulmão, cujas inúmeras
substâncias tóxicas contribuem para lesão pulmonar direta, piora de
hiper-responsividade brônquica e aumento de secreção.
5. Exercício físico/estresse;
6. Doença do refluxo gastroesofágico;
7. Baixa aderência ao tratamento.

11.4 QUADRO CLÍNICO


As manifestações clássicas de asma incluem episódios paroxísticos
de sibilância associados ou não a dispneia. Entretanto, muitas vezes
a queixa consiste na presença de episódios recorrentes de tosse,
cansaço aos esforços e dificuldade de atividades físicas habituais. Em
geral nos quadros mais leves há apenas sibilos expiratórios. Nos
quadros mais graves os murmúrios estão diminuídos globalmente,
pode haver sibilos inspiratórios ou expiratórios, ou ausência de
sibilos – pela pouca entrada de ar nos pulmões.
Os sintomas podem piorar à noite e interferir na qualidade do sono.
Pode-se notar apatia ou desconforto diante de exercício físico ou
crises recorrentes de tosse. Em razão do estreitamento dos
brônquios e da presença constante de muco, o uso da musculatura
acessória na respiração faz-se necessário, com retrações
intercostais e da fúrcula esternal.
Figura 11.1 - Utilização de musculatura acessória
11.4.1 Gravidade
Devem-se determinar o número de crises ao ano e sua intensidade,
necessidade de visitas ao pronto-socorro, medicação necessária,
número de internações e necessidade de terapia intensiva. O período
entre as crises – intercrítico – deve ser avaliado quanto à presença
de despertares noturnos pela asma e comprometimento do esforço,
quer em atividades físicas específicas, quer no dia a dia. É necessário
indagar o número de exacerbações e a necessidade de medicação
broncodilatadora.
11.4.2 Fatores desencadeadores
Detectar fatores de piora como alérgenos, agentes infecciosos e
irritantes, bem como investigar sobre ambiente familiar, escola e
trabalho.
11.4.3 Doenças associadas
Deve-se questionar a presença de outras comorbidades bastante
comuns, como rinite alérgica, sinusites e outros episódios
infecciosos, como pneumonias, além de dermatite atópica.
11.4.4 Antecedentes familiares
Presença de pais ou irmão com asma, rinite alérgica ou dermatite
também aumentam as chances de o paciente ter asma.
11.5 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de asma deve-se basear na anamnese, no exame físico
e, sempre que possível, nas provas de função pulmonar e na
avaliação da alergia.
Os exames subsidiários ajudam na definição da doença,
principalmente quando existe dúvida entre mais de 1 causa envolvida
nos sintomas definidos pelo paciente. Essa dúvida, muitas vezes,
está entre confirmar a asma e algum outro diagnóstico que se
superponha e some sintomas à principal suspeita.
O Global Initiative for Asthma (GINA) 2019 prevê a utilização
rotineira do peak flow, aparelho que avalia fluxo expiratório, de fácil
manejo e portátil.
11.5.1 Diagnóstico clínico
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, para o
diagnóstico de asma em crianças, é necessário:
a) História clínica de crises de insuficiência respiratória aguda que
melhoram com o uso de broncodilatadores.
b) Aumento dos níveis de IgE e positividade para testes cutâneos a
aeroalérgenos.
c) Avaliação da função pulmonar com espirometria pré e pós-
broncodilatador e medida de hiper-reatividade brônquica, metacolina,
por exemplo.

O diagnóstico é feito com a + b + c, a + b ou a + c.


11.5.2 Exames laboratoriais
Os exames complementares auxiliam na avaliação do paciente. São
citados:
a) Hemograma;
b) Dosagem de imunoglobulina E sérica (IgE) em maiores de 1 ano;
c) Protoparasitológico seriado – 3 amostras;
d) Provas de função pulmonar;
e) Radiografia de tórax anteroposterior e, ou perfil – obrigatório em
toda primeira crise de sibilância;
f) Radioallergosorbent test (RAST) para leite de vaca e pesquisa de
refluxo gastroesofágico nas crianças com sintomas sugestivos de mais
de 1 fator para sibilar;
g) Teste cutâneo ou IgE específico para aeroalérgenos;
h) Na impossibilidade de realizar tais exames, é muito válido o teste
terapêutico.

11.5.3 Diagnóstico funcional


O diagnóstico de asma é fundamentado pela presença de sintomas
característicos, confirmado pela demonstração de limitação variável
ao fluxo de ar. As medidas da função pulmonar fornecem avaliação
da gravidade da limitação ao fluxo aéreo, sua reversibilidade e
variabilidade.
11.5.3.1 Espirometria
Método de escolha na determinação da limitação ao fluxo de ar e no
estabelecimento do diagnóstico de asma, a espirometria deve ser
rotina em todo paciente com suspeita de asma brônquica. É um
exame mais detalhado da função pulmonar, definido mais
precisamente se o distúrbio ventilatório é obstrutivo, restritivo ou
misto.
Só é possível realizar a espirometria em adultos com compreensão
adequada e em crianças com mais de 5 anos e boa compreensão. Em
lactentes, essa prova só é realizada em alguns centros de pesquisa,
que dispõem dos espirômetros específicos e cujos exames são
realizados visando a estudos e aprimoramentos científicos.
Qualquer nível de gravidade da asma pode cursar com VEF1 normal
quando o quadro se encontra estável. O exame é feito com o auxílio
de broncodilatadores. O aumento do VEF1 > 12% depois da
administração de broncodilatadores indica limitação reversível do
fluxo aéreo compatível com asma. Vale ressaltar que, quando a
história clínica é característica, mas a espirometria é normal, o
paciente deve ser considerado asmático e, quando necessário, deve
ser tratado.
11.5.3.2 Pico do fluxo expiratório

O Pico do Fluxo Expiratório (PFE) não é um exame útil para o


diagnóstico de asma em Pediatria por si só. Suas medidas são muito
variáveis e dependem de esforço, além de seus valores terem notável
variabilidade. Pode ser usado como medidor de resposta ao
tratamento farmacológico, mas, mesmo para esse fim, o uso da
espirometria é mais indicado. Mas é bastante útil para o seguimento
de resposta durante a crise.
11.5.4 Diagnóstico da alergia
A anamnese cuidadosa é extremamente importante para ajudar na
identificação da exposição a alérgenos relacionados com a asma. A
sensibilização alérgica pode ser confirmada por meio de provas in
vivo – testes cutâneos – ou in vitro – determinação de concentração
sanguínea de IgE específica. Em nosso meio, predomina a
sensibilização a antígenos inaláveis, sendo os mais frequentes os
ácaros Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae
e Blomia tropicalis.
Outros alérgenos inaláveis, como pólen, baratas, epitélio de gatos e
cães, são importantes, mas sensibilizam menor número de
pacientes. Os alimentos raramente induzem asma, mas os poluentes
ambientais ou ocupacionais são desencadeantes ou agravantes dela.
A determinação de IgE específica confirma e complementa os
resultados dos testes cutâneos.
11.5.5 Diagnóstico diferencial
Algumas doenças podem ser confundidas com a asma e precisam ter
o seu diagnóstico estabelecido ou afastado. A seguir, resumimos
essas condições, nas diferentes faixas etárias, com base nas
Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o
Manejo da Asma de 2012.
Diagnóstico diferencial:
1. Crianças menores que 5 anos:
a) Rinossinusite;
b) Doença pulmonar crônica da prematuridade e malformações
congênitas;
c) Fibrose cística, bronquiectasias, bronquiolite obliterante pós-
infecciosa e discinesia ciliar;
d) Síndromes aspirativas – refluxo gastroesofágico, distúrbios de
deglutição, fístula traqueoesofágica e aspiração de corpo estranho;
e) Laringotraqueobroncomalácia, doenças congênitas da laringe –
estenose e hemangioma – e anel vascular;
f) Tuberculose;
g) Cardiopatias;
h) Imunodeficiências.

2. Crianças maiores de 5 anos e adultos:


a) Rinossinusite;
b) Síndrome de hiperventilação alveolar e síndrome do pânico;
c) Obstrução das vias aéreas superiores (neoplasias e aspiração de
corpo estranho);
d) Disfunção das cordas vocais;
e) Doença pulmonar obstrutiva crônica e outras condições obstrutivas
das vias aéreas inferiores (bronquiolites, bronquiectasias e fibrose
cística;
f) Doenças difusas do parênquima pulmonar;
g) Insuficiência cardíaca diastólica e sistólica;
h) Doenças da circulação pulmonar (hipertensão e embolia);
i) Síndrome de Loeffler (doença parasitária).

11.6 CLASSIFICAÇÃO DE GRAVIDADE


DA ASMA
O objetivo do tratamento é o controle da doença, o qual compreende
2 domínios: o controle das limitações clínicas atuais e a redução dos
riscos futuros. O primeiro deve ser preferencialmente avaliado em
relação às últimas 4 semanas e inclui sintomas como necessidade de
medicação de alívio, limitação de atividades físicas e intensidade da
limitação ao fluxo aéreo. Com base nesses parâmetros, a asma pode
ser classificada em 3 grupos: controlada, parcialmente controlada e
não controlada. A prevenção de riscos futuros inclui reduzir a
instabilidade da doença, as suas exacerbações, a perda acelerada da
função pulmonar e os efeitos adversos do tratamento. Com relação à
gravidade, podemos classificar a asma em intermitente e persistente
leve, moderada e grave.
Quadro 11.1 - Níveis de controle
Nota: avaliação dos riscos futuros: exacerbações, instabilidade, declínio acelerado da
função pulmonar e efeitos adversos. Características associadas ao aumento dos riscos de
eventos adversos no futuro: mau controle clínico, exacerbações frequentes no último ano,
admissão prévia em unidade de terapia intensiva, baixo VEF1, exposição a fumaça de
tabaco e necessidade de medicação em altas dosagens.
1 Por definição, exacerbação em qualquer semana é um indicativo de asma não
controlada. Qualquer exacerbação é indicativa da necessidade de revisão do tratamento de
manutenção.
2 Valores pré-broncodilatador sob o uso da medicação controladora atual. Não aplicável na
avaliação do controle da asma em crianças com menos de 5 anos.
Fonte: Global Initiative for Asthma (GINA), 2019.

11.7 ABORDAGEM TERAPÊUTICA


Os principais objetivos do tratamento são:
a) Controle dos sintomas;
b) Prevenção da limitação crônica ao fluxo aéreo;
c) Permissão da realização de atividades do cotidiano;
d) Manutenção da função pulmonar normal ou a melhor possível,
prevenindo ou atenuando o remodelamento das vias aéreas;
e) Diminuição nas ocorrências de crises, idas à Emergência e
hospitalizações;
f) Redução da necessidade de broncodilatadores para alívio;
g) Prevenção da morte por asma aguda.

11.7.1 Medicamentos que controlam os sintomas


agudos
As medicações prescritas por via inalatória podem ser administradas
por meio de nebulização ou com espaçador ou a administração do
jato diretamente na cavidade oral, dependendo da idade e do nível de
compreensão do paciente.
Figura 11.2 - Uso de medicação inalatória
Legenda: (A) com espaçador; (B) sem espaçador.

11.7.1.1 Broncodilatadores beta-2-agonistas de curta duração

São os medicamentos de escolha para alívio dos sintomas de


obstrução brônquica nas exacerbações agudas de asma e como pré-
tratamento da obstrução brônquica induzida por exercício físico. O
aumento da necessidade de beta-2-agonistas de curta duração é um
sinal de descontrole da asma.
A dificuldade na obtenção de broncodilatação sustentada após a
utilização dos beta-2-agonistas de curta duração indica a
necessidade de cursos de corticosteroides orais. O GINA 2019 prevê
que adolescentes e adultos com asma moderada e grave não sejam
mais tratados apenas com beta-2-agonista de curta duração; deve
ser associado corticoide inalatório ou beta-2-agonista de longa ação
desde o início do tratamento, para evitar crises graves e mortes.
Estão disponíveis salbutamol, fenoterol e terbutalina. O início de
ação é rápido, em média de 1 minuto, e a duração de seu efeito, de 4 a
6 horas. Os principais efeitos colaterais são tremores de
extremidades, arritmias cardíacas e hipocalemia.
11.7.1.2 Anticolinérgicos

O brometo de ipratrópio (Atrovent®) tem início de ação lento, com


efeito inferior ao dos beta-2-agonistas. É o tratamento de escolha
para a obstrução brônquica causada por beta-2-bloqueadores. Nas
exacerbações graves de asma, pode ser usado associado ao beta-2-
agonista de curta duração. Nos efeitos adversos dos anticolinérgicos,
incluem-se secura da mucosa oral, náuseas, glaucoma e retenção
urinária.
11.7.1.3 Xantinas

Teofilina e aminofilina têm sido cada vez menos utilizadas. São


broncodilatadores de baixa potência com vários efeitos colaterais,
principalmente em idosos e lactentes, pois a dose tóxica é muito
próxima da terapêutica.
11.7.1.4 Corticosteroides sistêmicos

Dentre os corticosteroides de uso sistêmico, prednisona ou


prednisolona são os que apresentam meia-vida intermediária e
menos efeitos colaterais. Estão indicados nas exacerbações agudas
sem resposta satisfatória e imediata aos broncodilatadores e devem
ser administrados ainda na primeira hora de atendimento. Para
prednisona, utilizam-se comprimidos de 5 e 20 mg, 1x/d, e, para
prednisolona, 1 a 2 mg/kg (solução oral 3 mg/mL), ambas devendo
ser utilizadas precocemente na menor dose necessária (entre 1 e 2
mg/kg/d, máximo de 60 mg/d), para o controle da crise. Os
principais efeitos adversos surgem após o uso prolongado, menor do
que 10 dias e, ou doses elevadas, com destaque para alterações no
metabolismo da glicose, retenção de líquidos, osteoporose, ganho de
peso, hipertensão arterial e necrose asséptica da cabeça do fêmur.
11.7.1.5 Macrolídeos

No GINA 2019 foi aprovado, de forma o label, o uso de azitromicina


para crises severas, a fim de promover imunomodulação. Ainda é
discutível, deve-se pesar riscos e efeitos colaterais (principalmente
seleção bacteriana), mas já está sendo utilizado.
11.7.1.6 Tratamento de manutenção

O corticosteroide inalatório é o principal


medicamento utilizado no tratamento de
manutenção, profilático e anti-inflamatório em
adultos e crianças com asma, de forma
associada ao formoterol, beta-2-agonista de
longa ação.
O tratamento de manutenção é feito com Corticosteroide Inalatório
(CI). O uso correto reduz a frequência e a gravidade das
exacerbações, melhora a qualidade de vida, a função pulmonar e a
hiper-responsividade brônquica, além de diminuir os episódios de
asma induzida por exercício físico. O controle dos sintomas ocorre
após 1 a 2 semanas de tratamento. A reversão da hiper-
responsividade brônquica pode necessitar de meses ou anos de
utilização do CI.
11.7.1.7 Efeitos colaterais

O CI, quando bem indicado e controlado, apresenta efeitos colaterais


previsíveis: candidíase oral, rouquidão, tosse e irritação na garganta,
osteoporose, catarata e glaucoma, adelgaçamento da pele e
equimose ou desaceleração do crescimento em crianças.
11.7.2 Equivalência dos corticoides inalatórios
utilizados no Brasil
Os Quadros a seguir mostram a equipotência estimada para maiores
de 12 anos no Quadro 11.2, crianças de 6 a 11 anos no Quadro 11.3 e as
doses recomendadas para menores de 5 anos no Quadro 11.4.
Quadro 11.2 - Equivalência dos principais corticoides inalatórios utilizados no Brasil – para
adultos e adolescentes acima de 12 anos
Fonte: adaptado de Global Initiative for Asthma (GINA), 2019.

Quadro 11.3 - Equivalência dos principais corticoides inalatórios utilizados no Brasil – para
crianças de 6 a 11 anos
Fonte: adaptado de Global Initiative for Asthma (GINA), 2019.

Quadro 11.4 - Dose de corticosteroides recomendada para menores de 5 anos


Nota: com a atualização do GINA 2019, para maiores de 6 anos, a indicação é o
tratamento com corticoide inalatório associado ao beta-2-agonista inalatório de longa
duração, desde o início do tratamento. Os menores de 6 anos mantêm o uso de corticoide
inalatório, nos casos leves a moderados. Associação de broncodilatador de longa duração
apenas se houver sinais de mau controle.
Fonte: adaptado de Global Initiative for Asthma (GINA), 2019.

11.7.2.1 Beta-2-agonistas de ação prolongada


São beta-2-agonistas de ação prolongada (LABAs) o formoterol e o
salmeterol, medicações utilizadas em associação aos CIs em
pacientes com mais de 4 anos, quando há necessidade para controle
da asma. A monoterapia com LABA deve ser evitada. Efeitos adversos
são incomuns: estímulo cardiovascular, tremores de extremidades e
hipocalemia.
11.7.2.2 Antagonistas de receptores de leucotrienos

Os utilizados são o montelucaste e zafirlucaste, cujo efeito


broncodilatador é lento e modesto. São indicados a partir de 6 meses.
No Brasil, só está disponível o montelucaste. Têm efeito anti-
inflamatório, que, em longo prazo, reduz a hiper-reatividade
brônquica. Para alguns indivíduos com asma persistente, podem ser
úteis como substituição aos LABAs e adição à associação entre LABA
e CI. Também são indicados para asma induzida ao exercício, sem
efeitos adversos graves.
11.7.2.3 Cromonas

Cromoglicato e nedocromila são drogas com resposta modesta.


Somente o cromoglicato é disponível em nosso meio. Têm efeito
anti-inflamatório fraco e menor do que doses baixas de CIs.
11.7.3 Outros medicamentos e terapias
11.7.3.1 Omalizumabe (anti-IgE)

Trata-se de um anticorpo monoclonal recombinante humanizado


específico, inibindo a ligação da IgE com seu receptor de alta
afinidade. Está indicado para maiores de 6 anos com asma alérgica
de difícil controle. Para indivíduos com peso > 150 kg ou IgE < 30 ou
> 700 UI/mL, não se recomenda sua utilização.
11.7.3.2 Imunoterapia específica com alérgenos
A administração de doses progressivamente maiores de alérgenos
específicos em pacientes sensibilizados, não exacerbados, com o
objetivo de induzir tolerância, não está indicada para os que
respondem bem à profilaxia ambiental e ao tratamento
farmacológico. Quando ela é indicada, o tratamento tem duração de
2 anos por via subcutânea ou sublingual e deve ser acompanhado por
um alergologista.
11.7.4 Etapas do tratamento de manutenção

O tratamento é dividido em 5 etapas, e cada paciente deve ser


alocado para alguma dessas etapas de acordo com o tratamento atual
e o seu nível de controle, devendo ser ajustado conforme as
mudanças que vão ocorrendo de forma dinâmica. Esse ciclo engloba
acessar, tratar para obter o controle e monitorizar para manter o
controle. A seguir, apresenta-se o manejo da asma (Diretrizes da
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da
Asma, 2012/GINA 2019).
11.7.4.1 Etapa 1: medicação de resgate para o alívio dos sintomas

Nessa etapa, além de promover a educação do asmático e o controle


ambiental, utiliza-se apenas medicação de alívio para pacientes que
têm sintomas ocasionais (tosse, sibilos ou dispneia ocorrendo 2
vezes ou menos por mês) de curta duração. Entre esses episódios, o
indivíduo está assintomático, com função pulmonar normal e sem
despertar noturno. Para a maioria dos pacientes nessa etapa, utiliza-
se um beta-2-agonista de curta duração. As alternativas são
anticolinérgico inalatório, beta-2-agonista oral ou teofilina oral,
mas estes têm início de ação mais lento e maior risco de efeitos
adversos.
11.7.4.2 Etapa 2: medicação de alívio mais 1 único medicamento de
controle

Os corticosteroides inalatórios em doses baixas deixaram de ser a


primeira escolha. Atualmente a recomendação é sempre a associação
de corticoides inalatórios com beta-2-agonista de longa ação.
11.7.4.3 Etapa 3: medicação de alívio mais 1 ou 2 medicamentos de
controle

A associação de CI em doses baixas com LABA é a primeira escolha.


Um beta-2-agonista de rápido início de ação é utilizado para alívio
de sintomas conforme necessário. Como alternativa, em vez de
associar beta-2-agonista de longa ação, pode-se aumentar a dose do
CI. Outras opções são a adição de antileucotrieno ao CI em doses
baixas ou a adição de teofilina, nesta ordem.
11.7.4.4 Etapa 4: medicação de alívio mais 2 ou mais medicamentos
de controle

Nessa etapa, sempre que possível, o tratamento deve ser conduzido


por médico especialista no tratamento da asma. A escolha preferida
consiste na combinação de CI em doses médias ou altas com LABA.
Como alternativa, pode-se adicionar antileucotrieno ou teofilina à
associação descrita.
11.7.4.5 Etapa 5: medicação de alívio mais medicação de controle
adicional

Adiciona-se corticosteroide oral às outras medicações de controle já


referidas, mas devem-se sempre considerar os efeitos adversos
potencialmente graves. Esse esquema só deve ser empregado para
indivíduos com asma não controlada na etapa 4, que tenham
limitação de suas atividades diárias e frequentes exacerbações e que
tenham sido exaustivamente questionados sobre a adesão ao
tratamento. Os pacientes devem ser esclarecidos sobre os potenciais
efeitos adversos, e a dose do corticosteroide oral deve ser a menor
possível para manter o controle. A adição de anti-IgE é uma
alternativa na etapa 5 para indivíduos atópicos, pois sua utilização
pode melhorar o controle da asma e reduzir o risco de exacerbações.
O Quadro 11.5 resume o manejo da asma, e o Quadro 11.6 mostra as
etapas do tratamento.
Quadro 11.5 - Níveis de controle da asma e ação a ser realizada
Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da
Asma, 2012.

Pelo GINA 2019, a orientação é iniciar na etapa 3 (para os maiores de


6 anos), e reduzir as medicações caso haja bom controle. Os menores
de 6 anos iniciam na etapa 2, e incrementam medicações caso seja
necessário.
Quadro 11.6 - Etapas do tratamento da asma
Nota: em negrito e itálico estão as escolhas preferenciais para as etapas 2, 3 e 4.
Legenda: Corticoide Inalatório (CI); Beta-2-Agonista de Ação Prolongada (LABA).
Fonte: Global Initiative for Asthma (GINA), 2019.

Com a revisão do GINA 2019, o início do tratamento da asma deve ser


realizado na etapa 3 para todos os pacientes que apresentarem
sintomas mais do que 2 vezes ao mês. Para as crianças menores do 6
anos, mantém-se a recomendação de iniciar o tratamento na etapa
2, com corticoide inalatório, inicialmente sem associação com B2 de
longa.
Após 3 meses de asma bem controlada pode-se reduzir 1 etapa do
tratamento, a fim de manter o paciente no menor “degrau” possível,
com o mínimo de tratamento possível.
11.7.5 Tratamento da crise aguda de asma
11.7.5.1 Crise leve a moderada

a) Inalação com beta-2-agonista (1 gota/3 kg; máximo 10 gotas) +


brometo de ipratrópio (250 a 500 µg ou 20 a 40 gotas) na crise
moderada e somente na terceira inalação; a inalação com beta-2-
agonista por ser substituída por puff (inalação oral);
b) Reavaliação em 20 minutos e repetição das inalações até 3 vezes
na primeira hora, se necessário;
c) O efeito do beta-2-agonista de curta duração administrado por
aerossol dosimetrado acoplado ao espaçador é semelhante ao obtido
por nebulizador de jato, sendo eficaz mesmo em casos de crises
graves. Salbutamol spray oral com espaçador 100 µg/jato, 50 µg/kg, ou
1 jato/2 kg, no máximo 10 jatos a cada 20 minutos;
d) Se a resposta ao broncodilatador não for adequada, haverá
indicação de corticosteroide sistêmico ainda na primeira hora de
atendimento –intravenoso ou preferencialmente por via oral –
prednisona na dose de 1 a 2 mg/kg/d e máximo de 60 mg/d, por 7 a 10
dias (no adulto), ou prednisolona na dose de 1 a 2 mg/kg/d, por 5 dias
(em crianças). O efeito do corticosteroide por via oral ou intravenosa é
equivalente quanto ao início de ação e à meia-vida plasmática. Não há
evidências suficientes que indiquem a utilização dos CIs na crise em
substituição aos corticosteroides sistêmicos.

11.7.5.2 Crise grave

a) Monitorização, oxigenoterapia,
b) Administração de corticosteroide – 2 mg/kg de metilprednisolona
(máximo de 125 mg) ou hidrocortisona 4 mg/kg intravenosa em dose
de ataque;
c) Hidratação intravenosa (fase rápida);
d) Inalação com beta-2-agonista + brometo de ipratrópio a cada 20
minutos durante 1 hora;
e) Encaminhamento para a Urgência;
f) Se persistência do quadro grave, está indicado sulfato de magnésio
e/ou terbutalina IV (broncodilatador venoso).

Vale salientar que a criança asmática é difícil de ser ventilada na


ventilação mecânica, pelos diferentes mecanismos de insuficiência
respiratória: broncoconstrição, distúrbio ventilação/perfusão,
atelectasias e risco de barotrauma. Por esse motivo é interessante
reservar a intubação para casos estritamente necessários. Para os
demais, tratamento precoce e outras fontes de oxigênio, como
máscara não reinalante ou cateter nasal de alto fluxo são
importantes ferramentas de tratamento.
Figura 11.3 - Tratamento da exacerbação da asma em crianças no pronto-socorro
Nota: caso não seja possível o uso de oxímetro de pulso ou medidas de função pulmonar,
os critérios clínicos são adequados para avaliação da crise.
Fonte: Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da
Asma, 2012.
11.8 PREVENÇÃO E CONTROLE DOS
RISCOS FUTUROS
O controle da asma implica o controle das limitações atuais e a
prevenção dos riscos futuros. O reconhecimento e a prevenção
desses riscos são obrigatórios na avaliação e no manejo dos
pacientes com asma. Os riscos futuros incluem desfechos que
possam levar a mudanças irreversíveis na história natural da asma.
Atualmente, 4 parâmetros são reconhecidos e utilizados:
a) Prevenir instabilidade clínico-funcional: manter a asma controlada
por longos períodos;
b) Prevenir exacerbações da asma;
c) Evitar a perda acelerada da função pulmonar ao longo dos anos;
d) Minimizar os efeitos colaterais dos tratamentos utilizados.

É fundamental a avaliação da adesão do paciente ao tratamento


profilático, já que a principal causa de quadros com falha de controle
é a baixa adesão ao tratamento.
11.9 FATORES DE GRAVIDADE NA
CRISE DE ASMA
Como a principal causa de parada cardiorrespiratória na Pediatria é a
hipóxia, a crise asmática grave deve ser tratada de forma assertiva e
rápida. A asfixia é a causa de morte entre os indivíduos com asma,
portanto é mandatória a identificação dos riscos da gravidade das
crises. Alguns aspectos já estão estabelecidos como fundamentais:
a) 3 ou mais visitas à Emergência ou 2 ou mais hospitalizações por
asma no último ano;
b) Uso frequente de corticosteroide sistêmico;
c) Crise grave prévia com necessidade de intubação e ventilação
mecânica em UTI;
d) Problemas psicossociais (depressão, baixo nível socioeconômico);
e) Comorbidades associadas;
f) Uso de 2 ou mais tubos de aerossol dosimetrados de broncodilatador
por mês;
g) Asma lábil com variações de função pulmonar (> 30% do PFE ou do
VEF1 previsto);
h) Má percepção do grau de obstrução.

11.10 CLASSIFICAÇÃO DE GRAVIDADE


DA CRISE AGUDA DE ASMA EM
ADULTOS E CRIANÇAS
O tratamento da crise deve iniciar-se imediatamente após a
verificação da gravidade.
Quadro 11.7 - Gravidade da crise aguda
1 A presença de vários parâmetros, mas não necessariamente todos, indicam a
classificação geral da crise.
2 Em crianças normais – < 2 meses: < 60 irpm; 2 a 11 meses: < 50 irpm; 1 a 5 anos: < 40
irpm; 6 a 8 anos: < 30 irpm; > 8 anos: adulto.
Fontes: Global Initiative for Asthma (GINA), 2019; Diretrizes da Sociedade Brasileira de
Pneumologia e Tisiologia para o Manejo da Asma; Turner, 2012.
Como conduzir um
paciente pediátrico em
crise asmática grave?
O paciente deve ser monitorizado, receber oxigenoterapia;
administração de corticosteroide 2 mg/kg de
metilprednisolona (máximo de 125 mg) ou hidrocortisona
4 mg/kg intravenosa em dose de ataque, hidratação
intravenosa (fase rápida), inalação com beta-2-agonista +
brometo de ipratrópio a cada 20 minutos durante 1 hora.
Deve ser encaminhado para a Urgência e posteriormente
para unidade de terapia intensiva.
Se persistência do quadro grave, está indicado sulfato de
magnésio e/ou terbutalina IV (broncodilatador venoso).
Como tratar rinite alérgica
na infância?

12.1 RINITE ALÉRGICA


12.1.1 Definição
A Rinite Alérgica, ou Rinossinusite Alérgica (RA), é um problema
muito frequente na infância e adolescência. É definida por
inflamação da mucosa nasal e seios paranasais com 1 ou mais dos
seguintes sintomas: congestão nasal, rinorreia, prurido nasal,
espirros e hiposmia. Trata-se de uma doença alérgica mediada por
IgE específica para determinados alérgenos.
12.1.2 Epidemiologia
Dados epidemiológicos apontam que a prevalência no Brasil é de
25,7% dos escolares e de 29,6% dos adolescentes. Os sintomas
apresentam certa perenidade em nosso meio, com 1 pico sazonal em
abril e outro em agosto, configurando as seguintes tendências:
crescente, de janeiro a julho, e decrescente, de agosto a dezembro
(Figura 12.1).
Figura 12.1 - Distribuição dos sintomas mês a mês
Fonte: adaptado de Prevalência de sintomas de rinite em adolescentes de 13 e 14 anos
avaliada pelo método ISAAC, na cidade de Fortaleza, 2009.

12.1.3 Fisiopatologia
Trata-se de uma doença crônica nasal, caracterizada por processo
inflamatório com mastócitos, eosinófilos e linfócitos que liberam
citocinas e mediadores inflamatórios que levarão a vasodilatação,
estímulo de nervos sensoriais e edema local. Os alérgenos
apresentam papel importante no desencadeamento dos sintomas,
pois indivíduos sensibilizados produzem imunoglobulinas E séricas
específicas a cada uma das proteínas alergênicas. Os ácaros da poeira
domiciliar (Dermatophagoides pteronyssinus e Blomia tropicalis),
epitélios de cães e gatos, baratas e fungos são os principais
aeroalérgenos relacionados à etiopatogenia da RA, destacando-se
que alérgenos alimentares raramente estão envolvidos nesses
quadros.
12.1.4 Manifestações clínicas
A RA é caracterizada por espirros em salva, prurido, coriza hialina,
congestão nasal e, algumas vezes, gotejamento pós-natal. Outros
sintomas menos evidentes podem estar relacionados, como
epistaxes recorrentes e hiposmia. Tais sintomas contribuem para um
processo respiratório inadequado.
Aspectos fundamentais são o comprometimento da qualidade de
vida e a facilitação de comorbidades, com destaque para as sinusites
recorrentes, os distúrbios do sono, as conjuntivites alérgicas, as
otites serosas e, especialmente, a asma. A correlação direta com esta,
relacionada a fatores anatômicos e fisiopatológicos, permite que
intervenções terapêuticas na mucosa nasal causem impacto positivo
na melhora dessa doença.
A respiração bucal pode estar presente no paciente com RA e
determinar, em longo prazo, alterações diversas, como perda de
volume e elasticidade das narinas pelo desuso, mucosa nasal pálida,
proliferação de adenoides por falta de ventilação, falta de filtração e
aquecimento do ar à respiração. Pode causar, ainda, alterações no
maxilar e na mandíbula (hipodesenvolvimento e menor espaço para
erupção dentária adequada), alterações do metabolismo basal,
obstrução da tuba auditiva (secreção e falta de aeração das vias
respiratórias), sorriso gengival e aerofagia. As alterações posturais
(maior extensão da cabeça em relação à coluna cervical), sono
agitado e irregular, alteração ocasional no traçado encefalográfico e
síndrome da apneia obstrutiva do sono também podem ser
consequentes à respiração bucal.
Exame físico:
a) “Saudação alérgica”, quando a criança empurra a ponta do nariz
para cima com a mão, formando uma prega nasal horizontal;
b) Palidez facial associada a olheiras;
c) Dupla linha de Dennie-Morgan – dupla linha que aparece sob os
olhos;
d) Achatamento dos malares e palato arqueado;
e) Epistaxe;
f) Prurido e lacrimejamento ocular;
g) Prurido do conduto auditivo externo, no palato e na faringe;
h) Congestão nasal;
i) Cefaleia ou otalgia;
j) Diminuição da acuidade auditiva, sensação de ouvido tampado ou de
estalidos durante a deglutição;
k) Congestão nasal crônica – respiração oral, roncos voz nasalada a
alterações no olfato;
l) Irritação e secura na garganta – respiração oral;
m) Má oclusão dentária;
n) Tosse possivelmente presente.

São características a serem observadas na rinoscopia anterior:


a) Aspecto da mucosa da fossa nasal – coloração pálida, trofismo,
vascularização e hidratação;
b) Grau de obstrução;
c) Presença de rinorreia e suas características;
d) Forma e tamanho das conchas nasais.

12.1.5 Classificação
Com relação ao tempo de duração, a RA pode ser classificada em:
a) Persistente – quando os sintomas ocorrem por mais de 4 dias por
semana e por mais de 4 semanas consecutivas;
b) Intermitente – quando os sintomas ocorrem por menos de 4 dias por
semana ou menos de 4 semanas.

Com relação à gravidade, a RA pode ser classificada em:


a) Leve – quando os sintomas não prejudicam a vida do paciente e
nenhum dos itens a seguir está presente;
b) Moderado ou grave – pelo menos 1 destes itens deve estar presente
– comprometimento do sono, limitação das atividades diárias, lazer
e/ou esporte, prejuízo no desempenho escolar ou no trabalho e
sintomas que incomodam.
12.1.6 Diagnóstico
Anamnese e exame físico, incluindo a observação da mucosa nasal,
são essenciais para estabelecer o diagnóstico de RA. Os exames
complementares que podem auxiliar no diagnóstico são os testes
cutâneos e a dosagem de imunoglobulina E (IgE) específica sérica. O
teste cutâneo de leitura imediata, também conhecido como prick
test, ou teste de puntura, indica se o paciente está sensibilizado para
o agente testado. Incluem um controle positivo, a histamina, e um
controle negativo, uma solução salina. Em nosso meio, os alérgenos
presentes no ar que apresentam maior prevalência de positividade
são os ácaros (Blomia tropicalis e Dermatophagoides
pteronyssinus), as baratas (Blatella germanica e Periplaneta
americana) e os fungos (Alternaria spp. e outros). Em crianças
menores, a reatividade cutânea costuma ser baixa, podendo gerar
falsos negativos.
A dosagem de IgE específica in vitro pode ser realizada por método
imunoenzimático ou imunofluorométrico e, mais recentemente,
pelo microarray (ISAC) e expressa resultados quantitativos
alérgenos específicos. A desvantagem é que pode sofrer influências
do aumento policlonal da IgE total, fato que pode ocorrer nas
helmintíases. A eosinofilia pode estar presente no hemograma,
contudo as alergias não são a única causa dessa alteração, que
também pode estar presente nas helmintíases, artrite reumatoide,
nefrite intersticial e outras condições. Todos esses métodos têm
especificidade e sensibilidade. A citologia nasal requer maior
padronização para o valor diagnóstico. Quando há mais de 10% de
eosinófilos associados a história clínica de alergia e sensibilização a
aeroalérgenos, realiza-se o diagnóstico de RA.
A Figura 12.2 mostra as etapas do diagnóstico da RA.

Figura 12.2 - Diagnóstico


Fonte: elaborado pelos autores.

12.1.6.1 Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial é feito com pólipos, fatores mecânicos,


tumores, granulomatoses, alterações ciliares, rinorreia
cerebrospinal, rinite infecciosa, rinite idiopática, rinite eosinofílica
não alérgica, rinite hormonal, rinite induzida por drogas, rinite por
irritantes, rinite na alimentação, rinite atrófica e rinite
desencadeada por exercício.
12.1.7 Tratamento
Os pilares do tratamento da RA incluem orientação quanto à
cronicidade da doença, medidas de controle ambiental, tratamento
medicamentoso e imunoterapia alérgeno-específica.
12.1.7.1 Controle ambiental
Quando feito isoladamente, a eficácia do controle ambiental é muito
baixa. Entretanto, é sabido que um ambiente repleto de ácaros,
alérgenos de animais, fungos e fumaça de cigarro pode levar ao
desencadeamento dos sintomas. De modo geral, recomenda-se que:
a) A moradia fique longe de fábricas e oficinas, com atenção em áreas
rurais a plantações e proliferações de fungos. Opta-se por casa
ensolarada, principalmente o quarto do paciente;
b) O fumo seja evitado, assim como a domesticação de animais;
c) Haja eliminação de focos de baratas.

No quarto do paciente, é importante:


a) Forrar colchões com capas apropriadas e laváveis e, sempre que
possível, expô-los ao sol. Evitar colchões de penas;
b) Forrar travesseiros com capas apropriadas e laváveis, além de lavá-
los quinzenalmente. Evitar travesseiros de penas, ervas ou cortiça;
c) Roupas de cama não devem permanecer expostas durante o dia.
Deve-se cobri-las com uma colcha. Não usar cobertor, apenas
edredom;
d) Não manter, no dormitório, objetos que facilitem o acúmulo de pó –
bichos de pelúcia, livros, brinquedos em excesso.

A irrigação nasal com solução salina fisiológica visa diminuir a


viscosidade do muco e restabelecer o batimento ciliar.
12.1.7.2 Tratamento medicamentoso

Com relação ao tratamento farmacológico, há uma série de classes


medicamentosas disponíveis para o tratamento de RA. A escolha da
farmacoterapia adequada dependerá da intensidade e das
características do quadro clínico (Quadro 12.1). Portanto, quadros
leves e intermitentes demandam uso de medicação apenas durante
os sintomas, e quadros mais graves necessitam de tratamento
profilático e associações medicamentosas.
Quadro 12.1 - Tratamento segundo a gravidade
Notas: considerar medidas de controle ambiental; nos casos persistentes, imunoterapia.

De acordo com a classificação de gravidade, são utilizadas as


seguintes classes medicamentosas:
a) Anti-histamínicos tópicos os sistêmicos;
b) Corticosteroides tópicos os sistêmicos;
c) Antileucotrienos;
d) Cromoglicato dissódico;
e) Descongestionantes tópicos ou sistêmicos;
f) Anticolinérgicos.

Em todos os pacientes, devem-se considerar higiene ambiental e


possibilidade de imunoterapia nos casos persistentes.
a) Anti-histamínicos

Os anti-histamínicos atuam como antagonistas competitivos


reversíveis dos receptores de histamina, e sua utilização é
fundamental para o controle da RA, já que a histamina é o principal
mediador inflamatório da fase aguda da resposta alérgica. O bloqueio
dos receptores H1 interfere em sua liberação, contribuindo para a
diminuição da vasodilatação, da permeabilidade dos vasos e do
estímulo a terminações nervosas. Assim, há diminuição dos espirros,
rinorreia e prurido. Atualmente, os anti-histamínicos são
classificados em 2 categorias: primeira e segunda geração.
Os anti-histamínicos de primeira geração apresentam estrutura
molecular de tamanho reduzido e atravessam a barreira
hematoencefálica. Dessa maneira, causam efeitos colaterais, como
sedação, dificuldade de concentração e tonturas. Em lactentes,
podem produzir, como efeito paradoxal, a hiperexcitação; em
crianças mais velhas, pode haver fadiga e déficit de concentração;
em adultos, podem levar a retardo de ações ao volante, gerando risco
de acidentes nos trabalhadores que atuam em máquinas de precisão.
É importante destacar que os anti-histamínicos dessa classe se
ligam a receptores muscarínicos, apresentando efeitos
anticolinérgicos como boca seca, alterações visuais e agitação.
Os anti-histamínicos de segunda geração apresentam estrutura
molecular maior que a de seus antecessores e não atravessam a
barreira hematoencefálica, minimizando os efeitos sedativos. Têm
se mostrado mais seguros; entretanto, por suas características de
metabolização hepática, alguns de seus representantes – já
excluídos do mercado – apresentavam interação medicamentosa
com antifúngicos e alguns macrolídeos, aumentando o risco de
intoxicação e arritmias.
#IMPORTANTE
Os consensos atuais preconizam o uso de anti-
histamínicos não sedativos (segunda geração)
como primeira escolha para o tratamento das
doenças alérgicas, inclusive em crianças.
Quadro 12.2 - Classificação dos anti-histamínicos
Fonte: IV Consenso Brasileiro Sobre Rinites, 2017

b) Corticoterapia

A corticoterapia nasal é o tratamento de escolha nos casos de RA


persistente, sendo a principal medicação utilizada. Atualmente,
encontram-se disponíveis dipropionato de beclometasona (DPB),
budesonida (BUD), Propionato de Fluticasona (PF), Furoato de
Mometasona (FM), Furoato de Fluticasona (FF) e ciclesonida (CIC).
FM e FF estão liberados para o uso em maiores de 2 anos. Os
produtos liberados em bula para crianças acima dos 4 anos são a
BUD e o PF, acima dos 6 anos estão DPB e CIC. Atuam ligando-se a
receptores localizados no citoplasma e agem impedindo a síntese de
citocinas, como interleucinas 3, 4 e 5 (IL-3, IL-4 e IL-5). Têm ação
em diversos setores da resposta inflamatória, destacando-se
diminuição da captação e processamento de antígenos pelas células
de Langerhans; diminuição do infiltrado de basófilos, mastócitos,
eosinófilos e linfócitos; diminuição da síntese de algumas
interleucinas.
Clinicamente, os pacientes que utilizam corticosteroides
regularmente referem melhora da obstrução nasal, coriza e prurido
nasal, tornando-se drogas fundamentais para o tratamento da RA,
com algumas vantagens sobre os anti-histamínicos, especialmente
na congestão nasal. Porém, corticoides tópicos não são usados como
sintomáticos, e sim como anti-inflamatórios, por isso, de forma
preventiva. O tempo de tratamento depende da gravidade da rinite e
da resposta de cada criança.
A maior parte tolera bem a utilização dos corticosteroides tópicos,
porém alguns efeitos colaterais locais podem ser observados, como a
formação de crostas, pequenas epistaxes, ardência e secura, em
geral, transitórios. Efeitos colaterais sistêmicos são raros nos
pacientes que utilizam apenas corticoterapia nasal. Contudo, é
importante a avaliação ocular em indivíduos com história de
glaucoma. A utilização de corticosteroides sistêmicos por curto
período – 5 a 7 dias – pode ser apropriada no controle de sintomas
nasais graves.
Quadro 12.3 - Corticosteroides de uso tópico nasal
c) Antileucotrienos

A síntese de leucotrienos durante o processo inflamatório da RA é


um dos principais fatores que justificam a utilização de antagonistas
de leucotrienos, como o montelucaste. Estudos revelam melhora dos
escores clínicos de sintomas. É indicado quando existe asma
concomitante.
d) Cromoglicato dissódico

Medicamento que pode ser usado em lactentes, de eficácia bastante


reduzida quando comparado a corticosteroides nasais ou anti-
histamínicos. Deve ser utilizado cerca de 4 a 6 vezes ao dia.
e) Descongestionantes tópicos ou sistêmicos

Atuam, exclusivamente, no sintoma obstrutivo, em nada


interferindo no processo inflamatório. Podem ser indicados aos
casos graves de obstrução, mas devem ser evitados em crianças.
Convém lembrar os efeitos adversos, como a rinite vasomotora com
descongestionantes tópicos e quadros de agitação e palpitação com
descongestionantes sistêmicos, além da possibilidade de retenção
urinária. A intoxicação por nafazolina é grave e requer tratamento e
suporte imediatos.
f) Anticolinérgicos

São medicações com uso restrito para rinites com componente


vasomotor, para controle da rinorreia.
g) Imunoterapia

Deve fazer parte do plano de tratamento, especialmente em crianças


com mais de 5 anos. Os melhores resultados são nos indivíduos
sensibilizados por um único alérgeno e nas rinites sazonais. Pode ser
feita por via subcutânea ou sublingual; esta última, no entanto, por
um tempo mais prolongado.
12.1.7.3 Abordagem cirúrgica

A abordagem cirúrgica ocorre, principalmente, por conta das


complicações associadas, como desvio de septo, esporões ósseos ou
outras alterações anatômicas. Ocasionalmente, pode-se realizar a
redução das conchas nasais. Entretanto, tais procedimentos não
interferem no processo alérgico.
12.1.8 Rinite alérgica e asma
Em 2001, foi publicado um extenso documento, a partir de uma
grande reunião de experts avaliando o impacto da RA na asma,
iniciativa denominada Allergic Rhinitis and its Impact on Asthma
(ARIA). A correlação entre asma e RA pode ser evidenciada por
estudos epidemiológicos que apontam a concomitância dessas
doenças e a semelhança entre as 2 fisiopatologias. As principais
razões para que a rinite possa facilitar o surgimento ou a
permanência da asma incluem:
a) A liberação de mediadores inflamatórios que atingem o pulmão por
contiguidade ou por via hematogênica;
b) O comprometimento da qualidade do processo respiratório nos
pacientes que, pela rinite, desenvolvem respiração oral, fazendo que o
ar que chega aos pulmões não seja adequadamente filtrado, aquecido
e umidificado;
c) A presença de inervação comum entre nariz e pulmão, que faz que
estímulos nasais facilitem a broncoconstrição.

Dessa maneira, recomenda-se que pacientes com asma sejam


sistematicamente investigados e tratados com relação à RA e vice-
versa.
12.2 DERMATITE ATÓPICA
12.2.1 Definição
A Dermatite Atópica (DA), ou eczema atópico, é uma doença de
caráter inflamatório, crônico e recidivante, clinicamente
caracterizada por eczema associado a prurido intenso, de
distribuição peculiar e variável com a idade do paciente.
As pessoas afetadas têm história pessoal ou familiar de atopia. A DA
acarreta transtornos em toda a estrutura familiar, comprometendo o
desempenho escolar e as atividades de trabalho e de lazer.
12.2.2 Epidemiologia
A incidência vem aumentando, como tem ocorrido nos demais
processos alérgicos. Sessenta por cento dos casos de DA se
manifestam no primeiro ano de vida. Dados epidemiológicos do
último consenso de DA mostram que, no Brasil, a prevalência entre
adolescentes foi de 4,7% e entre os escolares foi de 6,8%. Em
adultos, estudos recentes estimam prevalência ao redor de 10%.
Além da sua importância clínica, a DA é
considerada fator predisponente ao
aparecimento de asma. Segundo diversos
relatos da literatura, a prevalência de alergias
respiratórias nos pacientes que têm ou tiveram
DA gira em torno de 45%. Essa evolução dos
diagnósticos de DA, rinite alérgica e asma é
chamada “marcha atópica”.

12.2.3 Fisiopatologia
À semelhança de outras doenças alérgicas, a DA resulta da interação
entre fatores genéticos e ambientais que culminam em intenso
processo inflamatório cutâneo e comprometimento da barreira
epidérmica. Dentre os fatores ambientais, podemos citar irritantes
que causam prurido, mudanças climáticas, estresse materno durante
a gravidez, tabagismo passivo e alguns alimentos. Ao perder sua
integridade, a epiderme apresenta aumento da perda de água e
desestruturação de suas camadas lamelares, resultando em pele
xerótica com maior facilidade de descamação.
Entre as alterações genéticas que levam ao comprometimento da
barreira cutânea, incluem-se alterações qualitativas e quantitativas
na síntese de ceramidas, defeitos na produção de ácidos graxos e
comprometimento dos queratinócitos. Dentre as alterações
imunológicas, destacam-se aumento da síntese de imunoglobulina E
(IgE), maior produção de citocinas – interleucina 4 (IL-4),
interleucina 13 (IL-13), interleucina (IL-22) e interleucina (IL-31) –
diminuição da resposta imunológica celular e diminuição da
imunidade inata. Os fatores ambientais que podem contribuir para a
piora do quadro de DA são agentes infecciosos (principalmente
Staphylococcus aureus), aeroalérgenos (como o ácaro da poeira
domiciliar), alérgenos alimentares (os mais implicados são clara de
ovo, leite de vaca e trigo) e fatores irritativos e emocionais.
A infecção por S. aureus é a principal complicação da doença. A
bactéria coloniza cerca de 10% da pele da população normal. Já nos
pacientes com DA, a incidência aumenta para mais de 90%. Os
fungos também são fatores desencadeantes de DA, principalmente
os do gênero Malassezia. São encontrados principalmente nas lesões
do pescoço e da face e nos adolescentes.
12.2.4 Quadro clínico
As manifestações clínicas iniciam-se, em 90% dos casos, antes dos 5
anos e antes dos 12 meses de vida em 60% dos casos.
As características clínicas comuns a todos os atópicos são prurido
intenso e xerose cutânea.
O eczema é definido como uma lesão inflamatória não contagiosa da
derme e da epiderme. Em lactentes jovens, os sintomas podem ser
inquietação, irritabilidade e dificuldade de dormir. Além das lesões
clássicas, existem outros sinais importantes e frequentes na DA:
prega infraorbital de Dennie-Morgan, sinal de Hertog (diminuição
dos cílios superiores na porção lateral), xerose, pitiríase alba,
hiperlinearidade palmoplantar, ceratose pilar, dermografismo
branco, descamação das pontas dos dedos, eczema palpebral, entre
outros.
Entretanto, o espectro clínico é bastante variado, muitas vezes
dificultando o diagnóstico da enfermidade. Hanifin e Rajka, em 1980,
estabeleceram critérios para o diagnóstico da doença, dividindo-os
em 2 categorias: maiores e menores; de acordo com tal classificação,
para diagnóstico, são necessários 3 ou mais critérios maiores e, ao
menos, 3 critérios menores.
São critérios para diagnóstico:
1. Critérios clínicos maiores ou absolutos (3 ou mais):
a) Prurido;
b) Morfologia e distribuição típica das lesões – envolvimento
extensor e facial em crianças e liquenificação e linearidade
flexural em adultos;
c) Dermatite crônica recidivante;
d) História pessoal ou familiar atopia.
2. Critérios clínicos menores ou relativos (3 ou mais):
a) Exame dermatológico:
Asteatose;
Hiperlinearidade palmar;
Queratose pilar;
Ictiose vulgar;
Prega infraorbitária de Dennie-Morgan;
Pitiríase alba;
Dermografismo branco;
Palidez ou eritema facial;
Queilite;
Eczema de mamilo;
Pregas anteriores no pescoço;
Acentuação perifolicular;
Escurecimento periorbital;
Alopecia areata;
Sinal de Hertog – rarefação nas sobrancelhas.
b) História clínica:
Início precoce de doença;
Tendência a infecções cutâneas;
Conjuntivites recorrentes;
Tendência a dermatites inespecíficas de mãos e pés;
Curso influenciado por fatores ambientais;
Curso formado por fatores emocionais;
Hipersensibilidade alimentar;
Prurido com sudorese;
Urticária colinérgica;
Enxaqueca;
Hipersensibilidade ao níquel;
Elevação da lgE sérica;
Hipersensibilidade cutânea do tipo 1;
Catarata;
Ceratocone.

Tais critérios foram publicados de maneira mais simplificada no


Reino Unido, em 1994. Atualmente, considera-se para o diagnóstico,
como característica essencial, a presença de prurido nos últimos 12
meses – ou relato pelos pais – associado a 3 ou mais dos seguintes
critérios:
a) Envolvimento pregresso de pregas flexurais – cotovelos, joelhos e
tornozelos – pescoço ou ao redor dos olhos;
b) Dermatite flexural visível (em menores de 4 anos, incluir região
malar, fronte e superfície extensora de membros);
c) História pessoal de asma ou rinite alérgica (ou familiar em pais ou
irmãos se criança <4 anos).
d) História de pele ressecada nos últimos 2 meses;
e) Início antes dos 2 anos (também considerado antes dos 4 anos).

A distribuição das lesões varia, em geral, conforme a faixa etária:


a) Fase infantil: No lactente até 6 a 8 meses, as áreas mais afetadas
são face (poupando o maciço centrofacial), couro cabeludo, pescoço,
tronco e superfícies extensoras dos membros. A partir dos 8 a 10
meses, a topografia típica inclui as áreas flexurais – especialmente, os
cavos antecubitais e poplíteos – as nádegas e a raiz posterior das
coxas;
b) Fase pré-puberal: a partir dos 2 anos até a puberdade. As lesões
localizam-se nas regiões flexurais dos joelhos e cotovelos, pescoço,
punho e tornozelos. Gradativamente, as lesões são substituídas por
liquenificação (espessamento da pele com escurecimento e
acentuação dos sulcos). Nessa fase, cerca de 60% dos pacientes
apresentam melhora importante ou desaparecimento das lesões de
DA; c) Fase adulta: em adolescentes e adultos, predominam as lesões
mais liquenificadas em flexuras, face e mãos. O aspecto é bastante
semelhante ao da fase pré-puberal.

Figura 12.3 - Fase infantil


Fonte: adaptado de Lole.

Figura 12.4 - Fase pré-puberal


Fonte: adaptado de Lole.

Figura 12.5 - Adultos e adolescentes


Fonte: adaptado de Lole.

Figura 12.6 - Criança com placas em base eritematosa e crostas na região da panturrilha
direita

Figura 12.7 - Lesões de dermatite atópica: (A) face poplítea e (B) fossa cubital

12.2.5 Diagnóstico
O diagnóstico da é clínico. Exames laboratoriais podem ser úteis para
a determinação dos fatores desencadeadores.
A presença de eosinofilia no sangue periférico e de níveis elevados de
IgE sérica comumente é vista em pacientes com DA. Entretanto,
cerca de 20% não apresentam alterações nos níveis de IgE.
Os testes do tipo radioallergosorbent (RAST) são métodos in vitro
para a detecção de IgEs séricas específicas. São indicados a pacientes
com DA cuja área de pele envolvida seja extensa e grave, embora
apresentem, em geral, menor valor preditivo para a maioria dos
alérgenos do que os testes epicutâneos.
Testes epicutâneos (prick tests) e para determinação de IgEs
específicas no soro podem ser úteis para apontar possíveis fatores
desencadeadores da DA, sendo muitas vezes necessários outros
testes para confirmação diagnóstica.
O teste de contato para atopia – Atopy Patch Test (APT) é um exame
novo para a identificação de alérgenos provocadores de eczema nos
pacientes com DA. A resposta positiva ao APT representa a reação
imunológica mediada por linfócitos T ou uma reação de fase tardia
mediada por IgE. Trata-se de um recurso usado no diagnóstico de
alergia alimentar associada a DA.
Se refratária a tratamento, a cultura da pele afetada pode fornecer
informações a respeito de superinfecção por bactérias e fungo.
12.2.5.1 Diagnóstico diferencial

1. Outras dermatites:
a) Dermatite seborreica;
b) Dermatite de contato;
c) Eczema numular;
d) Dermatite de fraldas.
2. Doenças infecciosas:
a) Foliculites por Staphylococcus;
b) Herpes-simples;
c) Escabiose.
3. Imunodeficiências:
a) Síndrome de Wiskott-Aldrich;
b) Síndrome de hiper-IgE;
c) Síndrome de DiGeorge;
d) Síndrome de Sézary;
e) Imunodeficiência combinada grave.
4. Doenças neoplásicas:
a) Linfoma cutâneo de células T;
b) Histiocitose de células de Langerhans.
5. Doenças metabólicas:
a) Fenilcetonúria;
b) Tirosinemia;
c) Deficiência de ácidos graxos essenciais;
d) Acrodermatite enteropática;
e) Psoríase;
f) Ictioses.
6. Dermatite de fralda: dentre os diagnósticos diferenciais, a dermatite
de fraldas se destaca pela frequência com que ocorre. A apresentação
clínica é lesão eritematosa, brilhante, com variação na intensidade
conforme a evolução. Acomete primordialmente as regiões onde há
maior contato com a fralda: superfícies convexas das nádegas, coxas,
parte inferior do abdome, pube, grandes lábios e escroto. É comum a
infecção concomitante por Candida. A dermatite de fraldas também é
conhecida como dermatite “em W”, como ilustra a Figura 12.8.

Figura 12.8 - Regiões de maior acometimento da dermatite de fraldas, também chamada


dermatite “em W”
Fonte: acervo Medcel.

12.2.6 Tratamento
O tratamento da DA envolve abordagem ampla que visa à diminuição
dos sintomas e à restauração da barreira cutânea.
Após orientação aos pais e pacientes, o tratamento deve ser
planejado com perspectivas em longo prazo, por se tratar de uma
doença crônica. Deve ser preconizado:
1. Afastar fatores irritantes:
a) Vestuário inapropriado;
b) Sabonetes agressivos;
c) Banhos quentes e demorados;
d) Unhas grandes.
.
2. Afastar alérgenos: se houver alergia alimentar, realizar dieta de
exclusão; na maioria das crianças, os alérgenos alimentares
envolvidos são ovo, leite e trigo.

As medidas de controle ambiental para a redução de ácaros da poeira


domiciliar (Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides
farinae e Blomia tropicalis) são recomendadas para o controle da
doença.
São recomendações para o controle da doença:
1. Controle do processo infeccioso: uma estratégia para diminuir os
episódios de infecção bacteriana são os banhos de imersão por 10
minutos com hipoclorito de sódio a 6% diluído em 100 litros de água,
em 3 aplicações semanais, durante 3 meses. Ao mesmo tempo, a
erradicação do S. aureus pode ser realizada com aplicação nasal, nas
pregas axilares e inguinais e cicatriz umbilical com mupirocina 2 vezes
ao dia, durante os primeiros 5 dias do mês, para toda a família e o
paciente;
2. Restauração da barreira: após o banho, proceder à aplicação de
hidratantes que impeçam ou minimizem a perda transepidérmica de
água. Esse processo deve ser repetido quantas vezes for necessário,
principalmente após o banho e ao deitar-se;
3. Controle da inflamação: corticosteroides tópicos de média ou de
baixa potência são utilizados como droga anti-inflamatória de primeira
escolha nas exacerbações da DA, conforme a faixa etária e a
localização das lesões (região escrotal e face, sempre de baixa
potência). Inibidores da calcineurina (pimecrolimo a partir de 3 meses e
tacrolimo) são alternativas no controle da inflamação. A corticoterapia
sistêmica é reservada para casos mais graves e refratários ao
tratamento tópico. Na retirada do corticoide sistêmico há que se ter
cuidado, pois é comum um efeito rebote com piora do quadro;
4. Controle do prurido: embora todos esses passos possam culminar
com diminuição do prurido, podem-se utilizar anti-histamínicos.
Entretanto, as revisões sistemáticas não apontam evidências que
justifiquem seu uso. Dessa forma, são usados os de primeira geração
pelo efeito de indução de sonolência.

Na ausência de resposta adequada ao tratamento (sempre verificar a


adesão e a dificuldade de eliminação dos fatores desencadeantes),
têm sido usados ciclosporina, azatioprina, micofenolato de mofetila
e fototerapia.
Grupo de apoio e acompanhamento psicológico são necessários a
esses pacientes, dado que as lesões de pele e o prurido podem levar a
desconforto no convívio social e escolar, com grande perda da
qualidade de vida.
Como tratar rinite alérgica
na infância?
O tratamento varia conforme a gravidade. Para todos está
indicado o controle ambiental: tirar carpete, tapetes,
cortinas e bichos de pelúcia, tomar medidas de higiene,
evitar perfumes. Para os casos leves está indicado anti-
histamínico e antileucotrienos e, nos quadros moderados e
graves, corticoide nasal.
Como diagnosticar alergia à
proteína do leite de vaca no
lactente?

13.1 ALERGIA ALIMENTAR


13.1.1 Definição
A Alergia Alimentar (AA) é definida como o grupo de reações
adversas a alimentos que apresenta envolvimento do sistema
imunológico, mediado pela imunoglobulina E (IgE) ou relacionado a
outros mecanismos desse sistema. Tais reações são classificadas
como não tóxicas, em contraposição aos quadros desencadeados por
toxinas presentes em alimentos, ou mesmo quadros de reação
adversa decorrentes de efeitos farmacológicos, relacionados a
substâncias presentes na alimentação.
13.1.2 Epidemiologia
a) A prevalência de AA é bastante variável e parece estar crescendo;
b) É mais comum em crianças;
c) Cerca de 2% são adultos;
d) De 6 a 8% correspondem a crianças menores de 2 anos;
e) Entre crianças, os fatores que mais causam alergia são leite de
vaca, ovo, soja, amendoim, trigo, milho, arroz, peixes e frutos do mar;
f) Uma das frações proteicas do leite de vaca, a betalactoglobulina está
ausente no leite humano, mas, com o consumo de leite de vaca, passa
a estar presente e é a que mais frequentemente induz à sensibilização;
g) O ovomucoide representa quase 10% do conteúdo proteico da clara
de ovo e é considerado o alérgeno mais importante deste alimento.
Quem é sensibilizado para ovomucoide tem uma alergia mais
persistente ao ovo;
h) Em adultos alérgicos, 85% das reações devem-se a amendoim,
castanha, peixes e frutos do mar, em especial o camarão.

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, a AA é responsável por


50% das reações anafiláticas que resultam em hospitalização. No seu
desenvolvimento, podem-se encontrar todos os tipos de reações de
hipersensibilidade descritos por Gell e Coombs.
Reações de hipersensibilidade (Gell e Coombs):
1. Tipo I: mediado por IgE – anafilaxia, urticária, asma e alguns tipos
de manifestações gastrintestinais. É o tipo mais comum;
2. Tipo II: citotoxicidade mediada por anticorpos – rara na AA. Já foi
descrita plaquetopenia dependente de anticorpos, secundária à alergia
ao leite de vaca;
3. Tipo III: é mediada por imunocomplexos – artralgias e lesões
cutâneas purpúricas;
4. Tipo IV: mediadas por células – doença celíaca, hemossiderose
pulmonar secundária à alergia ao leite de vaca. As manifestações
clínicas são mais tardias, várias horas após o contato.

13.1.3 Patogenia
O desenvolvimento de AA é resultado da interação de alguns fatores,
como a suscetibilidade do paciente, determinada por fatores
genéticos, as características do alimento, que o tornem alergênico,
fatores locais, que levam ao comprometimento da barreira do trato
gastrintestinal, a microbiota intestinal e a maturidade do sistema
imunológico do trato gastrintestinal.
A modulação da microbiota intestinal, importante fator de regulação
da barreira gastrintestinal, também pode sofrer influência da
herança genética e de fatores que ainda necessitam ser mais bem
determinados, como o tipo de parto, o uso de antiácidos e
antibióticos ou o contato precoce com o tabaco. As características
dos alimentos para que se tornem alergênicos incluem sua
capacidade de manutenção da atividade alergênica após cozimento e
todo o processo digestivo.
A fisiopatologia das alterações relacionadas à AA é complexa.
Inúmeros mecanismos imunológicos podem estar envolvidos. Vale
ressaltar que as reações adversas a alimentos se subdividem, por
critérios fisiopatológicos, em:
1. Intolerância alimentar: hipersensibilidade não alérgica a alimentos –
que compreende as reações não imunológicas, agentes tóxicos,
farmacológicos, deficiências enzimáticas, idiossincrasias ou reações
psicogênicas;
2. AA: envolve reações imunológicas.

Classicamente, as manifestações clínicas dividem-se em mediadas


por IgE, não mediadas por IgE e mistas. 13.1.3.1 Não mediadas por IgE
As manifestações ocorrem de forma mais tardia, horas ou até dias
após a ingestão, e têm a participação de células e citocinas,
originando processos imunológicos distintos.
1. Pele: dermatite herpetiforme;
2. Trato gastrintestinal: proctocolite, enterocolite, síndrome da
enterocolite induzida por proteína alimentar (FPIES);
3. Sistema respiratório: casos de hemossiderose pulmonar.

A FPIES é a enterocolite/proctocolite perdedora de proteínas; em


geral suas manifestações clínicas são de baixo ganho ponderal
(failure to thrive) e quadros de diarreia e obstipação intestinal. O
diagnóstico é feito pela biópsia intestinal na colonoscopia, com
perda das vilosidades intestinais. Com a exclusão do alérgeno e a
repetição do exame, há normalização das vilosidades.
13.1.3.2 IgE mediadas

São as manifestações mais comuns de AA, que surgem


imediatamente após a ingestão do alimento, entre minutos e horas
depois, e envolvem poucos alimentos, 1 ou 2. O volume de alimento
capaz de desencadear uma reação depende do grau de sensibilização
do paciente.
1. Pele: urticária aguda, angioedema, urticária de contato;
2. Trato gastrintestinal: síndrome da alergia oral, edema e prurido, e
quadros gastrintestinais de início súbito – vômitos, diarreia e cólicas;
3. Sistema respiratório: broncoespasmo, rinite e edema de laringe;
4. Sistêmico: anafilaxia, anafilaxia induzida por exercício dependente
de alimentos.

Figura 13.1 - Urticária e angioedema


Fonte: Anaphylaxis, Urticaria, and Angioedema, 2013.
13.1.3.3 Mistas

1. Pele: dermatite atópica;


2. Trato gastrintestinal: doenças eosinofílicas;
3. Aparelho respiratório: asma.

Quadro 13.1 - Principais manifestações clínicas relacionadas à alergia alimentar

13.1.4 Diagnóstico
A anamnese é o principal elemento no diagnóstico. A descrição dos
sintomas é fundamental para avaliar a real possibilidade de AA, pois,
ocasionalmente, o paciente ou os familiares podem atribuir à
ingestão do alimento sintomas não relacionados ao quadro. Os
episódios mais recentes devem ser descritos de maneira detalhada,
pois são os que reproduzem de forma mais fidedigna a sequência de
eventos após o contato com o alimento suspeito. Por meio de
adequada história clínica, é possível determinar o alimento suspeito,
avaliando a idade de sua introdução e a época de aparecimento dos
sintomas, sendo importante pesquisar se houve mais de 1 exposição
ao alimento e se o sintoma se repetiu em todas as ocasiões.
A quantidade ingerida pode auxiliar no diagnóstico do mecanismo
envolvido, pois manifestações mediadas por IgE podem ocorrer com
quantidades mínimas do alérgeno. Como exemplo: respirar em um
ambiente em que houve manipulação recente do alimento pode ser
suficiente para deflagrar o sintoma clínico. O conhecimento dos
hábitos familiares e a confecção de um recordatório alimentar
podem ser úteis para resgatar preparações que contenham o
alérgeno oculto, como nos derivados ou nos alimentos
industrializados.
Agravos relacionados ao trato gastrintestinal devem ser
pesquisados, pois processos inflamatórios intestinais podem
facilitar a sensibilização a alimentos. No caso de alergia à proteína
do leite de vaca, é importante questionar se houve, já no berçário,
administração de leite por mamadeira. Outros dados, como tempo de
aleitamento materno, presença de outras alergias e atividade física
após refeição são informações úteis ao diagnóstico.
#IMPORTANTE
Após anamnese cuidadosa, é possível
determinar, na maior parte das vezes, o
mecanismo fisiopatológico envolvido na AA, se
IgE mediado ou não, e os alimentos suspeitos.

O exame físico pode ser normal se o paciente está fora de crise,


entretanto, é importante avaliar se há o comprometimento do estado
nutricional ou sinais de atopia.
13.1.4.1 Exames complementares

A avaliação laboratorial é complementar à anamnese. É importante


ressaltar que os exames acessíveis ao diagnóstico estão, em sua
maioria, direcionados à avaliação de manifestações mediadas por
IgE. A pesquisa de IgE específica pode ser realizada de 2 maneiras:
por meio de teste in vivo, denominado teste de puntura ou teste
prick – prick positivo é igual ao valor preditivo positivo 50%,
sensibilização prick negativo igual ao valor preditivo positivo 95%,
exclusão de AA IgE mediada – ou teste in vitro de dosagem de IgE
específica por meio de diversas técnicas, sendo o
radioallergosorbent test (RAST) a mais comum. É importante
ressaltar que testes com resultados positivos indicam sensibilização,
e a relação causal entre alimento e sintoma só poderá ser
estabelecida à luz da anamnese. Ocasionalmente, podem ser feitos
testes de provocação com diferentes metodologias.
a) Provocação aberta

O médico e o paciente conhecem o momento em que o alimento que


está sendo testado será ingerido. É indicado especialmente quando a
AA está praticamente descartada.
b) Teste simples-cego

Apenas o paciente desconhece o momento em que o alimento será


ingerido. É indicado aos casos em que os sintomas são bastante
objetivos – urticária, angioedema.
c) Teste de provocação duplo-cego placebo controlado

O momento em que o alimento será ingerido não é conhecido pelo


médico nem pelo paciente, sendo necessária uma fase placebo. Tido
como padrão-ouro, é indicado quando os sintomas relatados são
subjetivos. Para a realização desse teste, recomenda-se ambiente
hospitalar.
13.1.5 Alergia a proteína do leite de vaca
Quadro 13.2 - Principais diferenças
13.1.6 Tratamento
O tratamento de AA envolve a exclusão total do alérgeno. A
orientação adequada demanda tempo, mas é essencial para
assegurar adesão ao tratamento, prevenir a desnutrição e melhorar a
qualidade de vida do paciente e dos familiares.
O tratamento deve ser individualizado, considerando os alérgenos a
serem excluídos, as necessidades nutricionais e os alimentos mais
aceitos pela criança. São fundamentais a leitura cuidadosa de todos
os rótulos, alimentos, cosméticos e medicamentos, e o
conhecimento de termos sinônimos, para garantir a completa
exclusão do alérgeno. Uma lista de alimentos permitidos e proibidos
pode ser útil para auxiliar na aquisição de produtos industrializados.
O leite de vaca é um dos principais alérgenos na faixa etária
pediátrica. Quando confirmada a alergia, a orientação inclui a sua
eliminação e a de todos os seus derivados. Com isso, a criança perde
um importante alimento, rico em proteínas e especialmente em
cálcio, razão pela qual é fundamental a escolha do substituto. É
importante saber que bebidas à base de leite de cabra ou outros
animais estão totalmente contraindicadas e que fórmulas de soja não
devem ser utilizadas nos primeiros 6 meses de vida. As fórmulas
parcialmente hidrolisadas e fórmulas sem lactose também não são
indicadas.
As fórmulas mais adequadas são os hidrolisados proteicos,
extensamente hidrolisados, ou as de aminoácidos livres. Caso a
criança esteja em aleitamento materno, é indicado à mãe realizar
dieta isenta de leite de vaca e derivados.
Há muita discussão sobre a melhor fórmula infantil para iniciar o
tratamento de pacientes com Alergia a Proteína do Leite de Vaca
(APLV), se seria a fórmula extensamente hidrolisada ou a fórmula de
aminoácidos. Atualmente, de acordo com os protocolos
internacionais e da Sociedade Brasileira de Pediatria, a fórmula
inicial de escolha para o tratamento da APLV é a extensamente
hidrolisada. Alguns pacientes com formas graves de APLV, no
entanto, terão reação alérgica com as extensamente hidrolisadas,
cerca de 10%. Para esse grupo, a fórmula inicial mais adequada é a
fórmula de aminoácidos livres.
O tempo de exclusão da proteína depende do tipo de alergia. Nos
casos IgE mediados com altos títulos ou reações alérgicas severas, a
exclusão deve ser feita por, pelo menos, 12 meses, e a provocação
deve ser norteada pelos níveis de IgE específica, postergada se os
títulos permanecem elevados. Nesses pacientes, o teste de
provocação deve ser realizado em ambiente hospitalar. Para aqueles
com APLV não IgE mediada, o tempo de exclusão recomendado é de
cerca de 6 meses para fazer, então, o teste de provocação.
13.2 ANAFILAXIA
13.2.1 Definição
A anafilaxia é sempre uma emergência médica que se caracteriza por
imprevisibilidade, rápida instalação e risco real de morte. É uma
reação multissistêmica grave, de início agudo e potencialmente
fatal, em que alguns ou todos os sintomas a seguir podem estar
presentes: urticária, angioedema, comprometimentos respiratório e
gastrintestinal e, ou hipotensão. Não se trata de um evento de fácil
definição, mas consensos recentes estabeleceram critérios para o
diagnóstico.
A reação anafilática é basicamente desencadeada pela grande
liberação de mediadores produzidos por basófilos e mastócitos. Na
maioria das vezes, os mecanismos imunológicos mediados por IgE
estão envolvidos na gênese do processo. No entanto, a anafilaxia
pode ser idiopática e, também, do tipo não alérgica, como a causada
por agentes físicos, frio, exercício físico, e drogas anti-inflamatórios
não esteroides, opioides, radiocontrastes.
13.2.2 Quadro clínico
Os quadros de anafilaxia têm início, em geral, muito rapidamente
após o contato com a substância desencadeadora. Nos casos
relacionados a medicamentos ou contrastes radiológicos, os
sintomas começam em 5 minutos; nas alergias a insetos, em cerca de
15 minutos; a alimentos, em média, 30 minutos.
O processo anafilático é intenso e autolimitado, mas, em cerca de
20% dos casos, pode haver reação bifásica, especialmente em
anafilaxias a alimentos. Embora as causas que justifiquem o padrão
bifásico ainda não estejam adequadamente esclarecidas, podem
estar envolvidos fatores como retardo na administração de
adrenalina ou doses inadequadas. O quadro clínico pode ser bastante
variado, apesar de as manifestações cutâneas estarem presentes em
70 a 90% dos pacientes com anafilaxia, sendo sempre importante
estar atento à evolução de reações alérgicas que se iniciam com
urticárias e angioedema. Outras manifestações cutâneas incluem
rubor, rash morbiliforme, prurido palmoplantar, periorbital ou no
couro cabeludo. As mucosas podem estar envolvidas com prurido
nos lábios, na língua e no palato.
As manifestações respiratórias, embora nem sempre presentes,
conferem maior gravidade ao quadro, e a presença de
broncoespasmo e o edema de laringe são indicativos de risco de
morte. O paciente pode referir prurido ou aperto na garganta,
rouquidão ou disfonia e apresentar estridor, sintomas que indicam
comprometimento laríngeo.
Quadros gastrintestinais de diarreia súbita e vômitos podem ser
sinais da anafilaxia se acompanhados de manifestações em outros
sítios. Dentre as alterações cardiovasculares, destacam-se
hipotensão, taquicardia, vertigem, síncope, dor no peito e arritmias.
Outros sintomas já descritos em situações de anafilaxia são
contrações uterinas, alterações visuais, zumbido, alteração
esfincteriana e sensação de morte iminente.
É importante ressaltar que as manifestações
clínicas de anafilaxia podem aparecer
novamente de 1 a 72 horas após o evento inicial,
mesmo sem reexposição ao desencadeante.
Esse evento é conhecido como anafilaxia
bifásica.

13.2.3 Diagnóstico

O diagnóstico de anafilaxia é essencialmente clínico, com anamnese


minuciosa. Devem constar do questionamento o agente suspeito, a
via de contato, a dose, a sequência de sintomas, o tempo de início,
tratamentos anteriores, fatores associados e uso de medicamentos.
Embora seja pouco utilizada na prática clínica, a dosagem de triptase
plasmática pode auxiliar na confirmação do diagnóstico de
anafilaxia. Outro exame auxiliar no diagnóstico da etiologia da
anafilaxia é a dosagem de IgE específica, que não deve ser feita na
fase aguda, pois pode ser negativa.
Atualmente, o diagnóstico de anafilaxia é estabelecido quando são
preenchidos quaisquer dos critérios relacionados na a seguir, de
acordo com a World Allergy Organization:
a) Doença de início agudo, minutos a várias horas, com envolvimento
da pele, do tecido mucoso ou de ambos (urticária generalizada, prurido
ou rubor facial, edema de lábios, língua e úvula, por exemplo, e no
mínimo, 1 dos seguintes:
Comprometimento respiratório (dispneia, sibilos, broncoespasmo,
estridor, redução do pico de fluxo expiratório, hipoxemia);
Redução da pressão arterial ou sintomas associados à disfunção
terminal de órgão, hipotonia, colapso, síncope, incontinência.
b) 2 ou mais dos seguintes que ocorrem rapidamente após a
exposição a provável alérgeno, minutos ou várias horas:
Envolvimento de pele e mucosa: urticária generalizada, prurido e
rubor, edema de lábios, língua e úvula;
Comprometimento respiratório: dispneia, sibilos, broncoespasmo,
estridor, redução do pico de fluxo expiratório, hipoxemia;
Redução da pressão sanguínea ou sintomas associados:
hipotonia, colapso, síncope, incontinência;
Sintomas gastrintestinais persistentes: cólicas abdominais,
diarreia, vômitos.
c) Redução da pressão sanguínea após exposição a alérgeno
conhecido para determinado paciente, minutos ou várias horas:
Lactentes e crianças: pressão sistólica baixa, idade específica ou
> 30% de queda na pressão sistólica. Na criança, pressão
sistólica baixa é definida como < 70 mmHg para a idade de 1 mês
a 1 ano, < 70 mmHg mais 2 vezes a idade para aquelas entre 1 e
10 anos e abaixo de 90 mmHg para adolescentes e adultos.

13.2.4 Diagnóstico diferencial


Dentre os diagnósticos diferenciais, destaca-se a reação
vasodepressora, que leva à palidez e à síncope. Em geral, os
pacientes apresentam bradicardia de maneira contrária àqueles com
anafilaxia, que desenvolvem taquicardia. Outros diagnósticos
incluem os relacionados a seguir:
a) Liberação de substâncias carcinoides, álcool e quadros relacionados
à menopausa, que levam a rubor e desconforto;
b) Síndrome “de restaurante chinês”, sintomas relacionados à
liberação de glutamato monossódico;
c) Mastocitose sistêmica;
d) Angioedema hereditário;
e) Feocromocitoma;
f) Transtorno do pânico;
g) Disfunção de pregas vocais;
h) Síndrome de Münchhausen, sintomas fictícios produzidos pelo
paciente ou responsável.

13.2.5 Tratamento
O tratamento tem 2 grandes objetivos: controle da crise e prevenção
de novos eventos. Durante a crise, a rapidez na elucidação do
diagnóstico e na instalação de medidas terapêuticas será
fundamental para o êxito do tratamento. São importantes as
medidas de suporte básico e avançado de vida.
Três aspectos são fundamentais no manejo da anafilaxia:
administração rápida de adrenalina, decúbito dorsal com membros
inferiores elevados e manutenção adequada da volemia.
A adrenalina é a droga-chave na anafilaxia, e a sua rápida
administração garante diminuição da mortalidade. Deve ser sempre
administrada por via intramuscular, na região do vasto lateral da
coxa, na dose de 0,2 a 0,5 mL – 0,01mg/kg em crianças, máximo de
0,3 mg – e pode ser repetida a cada 5 ou 15 minutos, dependendo da
evolução do quadro.
A adrenalina é a droga-chave na anafilaxia e sua
via de administração é intramuscular (vasto
lateral da coxa).
Na sequência, outros fármacos são administrados, incluindo-se
beta-2-agonistas para reversão de broncoespasmo (salbutamol por
aerossol dosimetrado na dose de 1 jato/2kg, no máximo 10 jatos),
anti-histamínicos (difenidramina por via intravenosa, na dose de
1mg/kg, dose máxima de 50mg) e corticosteroides, os últimos
atuantes somente na fase tardia do processo.
A fluidoterapia com solução fisiológica ou Ringer lactato é
fundamental nos casos com hipotensão, e drogas como glucagon (5 a
15 µg/min) podem ser indicadas a pacientes que utilizam
betabloqueadores normalmente, impedindo o adequado efeito
farmacológico da adrenalina. Também são necessárias doses mais
elevadas de adrenalina nesses casos. Pacientes com asma mal
controlada têm maior risco de complicações e reações fatais.
Os pacientes devem ficar em observação por, no mínimo, 6 a 8 horas
nos casos leves e 24 a 48 horas nos casos graves. Na alta, devemos
orientar sobre a possibilidade de recorrência dos sintomas em 12
horas após o episódio. Para evitar a recorrência, prescreve-se
corticoide oral (1 a 2 mg/kg/d em dose única) por 5 a 7 dias. Além
disso, anti-histamínicos (anti-H1) de segunda geração, como
desloratadina ou fexofenadina, devem ser usados por 7 dias.
A estratégia de prevenção é tão importante quanto o tratamento da
crise. O paciente deve ser encaminhado ao especialista para ser
detectado o agente desencadeador e receber orientações sobre como
evitá-lo. Deve ser delineado um plano de ação para o paciente, que
utilizará um dispositivo de identificação e, de preferência, portará
um dispositivo de adrenalina auto injetável com dose fixa (0,3 ou
0,15 mg para crianças), o que torna seu uso limitado a crianças com
menos de 15 kg.
Como diagnosticar alergia à
proteína do leite de vaca no
lactente?
Deve-se suspeitar de Alergia a Proteína do Leite de Vaca
(APLV) no paciente com baixo ganho ponderal,
irritabilidade, cólica/refluxo de difícil controle, diarreia,
vômito, sangramento nas fezes, e ainda em quadros de
sibilância recorrente sem outra causa aparente e dermatite
de difícil controle.
Quando suspeitado, deve-se excluir da proteína do leite de
vaca da dieta do paciente (e, em caso de aleitamento
materno, exclusão da proteína do leite de vaca da dieta
materna), e reexposição em 14 dias. Se há melhora com a
retirada e exacerbação com a exposição, o diagnóstico de
APLV está firmado.
Quando suspeitar de
complicação bacteriana
sobreposta a um quadro
respiratório viral na criança
e adolescente?

14.1 INTRODUÇÃO
A incidência das doenças respiratórias na criança vem aumentando
nas últimas décadas por inúmeros fatores, dentre os quais podemos
citar as alterações do meio ambiente, em decorrência da progressiva
urbanização da população infantil, com piora da qualidade do ar
inalado intra e extradomiciliar, associada a tabagismo e mudança do
estilo de vida familiar.
A inclusão da mão de obra feminina no mercado de trabalho
determinou a inserção cada vez mais cedo da criança em creches e
escolinhas, fato que também propiciou o desmame precoce, com
consequente introdução do leite de vaca e de alimentos
industrializados, possibilitando a ocorrência de infecções virais mais
precoces principalmente das vias aéreas superiores e do trato
gastrintestinal e o aparecimento de alergia alimentar.
As Infecções Respiratórias Agudas (IRAs) incluem um extenso grupo
de doenças respiratórias, de grande importância na faixa pediátrica,
uma vez que correspondem ao principal motivo de atendimento nos
serviços de Unidade Básica de Saúde e nos serviços de urgência e
emergência em Pediatria. As IRAs subdividem-se, do ponto de vista
anatomoclínico, em doenças das vias aéreas superiores e doenças
das vias aéreas inferiores. O ponto anatômico de divisão entre as vias
superiores e as vias inferiores encontra-se na carina, no limite de
bifurcação da traqueia. Os agentes etiológicos mais frequentes são os
virais, seguidos pelos bacterianos.
Na faixa pediátrica, vários fatores de risco concorrem para predispor
a criança a desenvolver IRAs, com elevação da gravidade e da
mortalidade.
Fatores de gravidade e mortalidade:
a) Prematuridade;
b) Baixo peso ao nascer;
c) Baixo nível socioeconômico;
d) Desmame precoce;
e) Desnutrição energético-proteica;
f) Baixa cobertura vacinal;
g) Aglomerações de pessoas – creches, escolas;
h) Tabagismo familiar e/ou domiciliar;
i) Número elevado de crianças menores de 5 anos;
j) Dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

Neste capítulo, trataremos das Infecções das Vias Aéreas Superiores


(IVASs), que englobam uma diversidade de patologias. As IVASs
compreendem de 40% a 60% do total de atendimentos na faixa
pediátrica, nos serviços médicos de urgência e emergência e nas
intercorrências ambulatoriais. As IVASs compreendem doenças
muito frequentes na faixa pediátrica, de curso benigno e
autolimitado, em sua maioria. As doenças respiratórias que
correspondem às IVASs incluem a rinofaringite aguda – resfriado
comum –, a faringite, a laringotraqueobronquite, a rinossinusite
aguda e as otites agudas. Uma criança tem, em média, de 8 a 10
quadros de IVASs por ano, com morbidade especialmente alta devido
às seguintes razões: primeiro contato com o agente agressor; falta
de imunidade que faz com que transmitam o agente em grande
quantidade por mais tempo; vias aéreas de menor calibre, que
podem complicar com desconforto respiratório e insuficiência
respiratória; maior contato social e contatos mais íntimos, fazendo a
taxa de ataque ser mais alta.
Fatores de risco na infância:
a) Idade entre 6 e 24 meses;
b) Sexo masculino;
c) Baixo peso;
d) Atopia;
e) Deficiência imunológica;
f) Anomalias craniofaciais e do palato;
g) Aglomerações de pessoas – creches, escolas;
h) Irmãos mais velhos – que frequentam escolas;
i) Tabagismo familiar e/ou domiciliar;
j) Uso de chupeta;
k) Aleitamento artificial – desmame precoce.

14.1.1 Agentes etiológicos


Os agentes etiológicos incluem os vírus e as bactérias, além de
agentes atípicos. Os vírus são os agentes predominantes. Entre estes,
podemos relacionar rinovírus, adenovírus, influenza, parainfluenza,
Vírus Sincicial Respiratório (VSR) e Coxsackievirus. Entre todos os
vírus, os rinovírus são os mais frequentes, participando de 30 a 40%
dos casos.
Entre os agentes bacterianos mais frequentes, podemos citar
Streptococcus pyogenes (Streptococcus beta-hemolítico do grupo
A), Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae não tipável,
Staphylococcus aureus e Moraxella catarrhalis.
14.2 RINOFARINGITE AGUDA –
RESFRIADO COMUM
14.2.1 Introdução
A rinofaringite aguda – ou resfriado comum – é a mais comum das
IVASs. Da mesma forma, é um dos problemas mais comuns nos
serviços de atendimento médico pediátricos, o qual resulta em
morbidade significativa em todo o mundo.
14.2.2 Definição

Trata-se de uma síndrome clínica benigna e autolimitada, causada


pela inflamação aguda da mucosa do nariz, dos seios paranasais e da
faringe, provocada principalmente por um amplo grupo de vírus.
14.2.3 Epidemiologia
Acomete com mais frequência a faixa etária pediátrica,
especialmente crianças menores de 5 anos. Sua incidência é
inversamente proporcional à idade. As crianças são os principais
reservatórios dos vírus. Ocorre a disseminação em ambiente
domiciliar ou, principalmente, em creches e escolinhas, onde
passam a maior parte do dia. Portanto, as crianças que frequentam
esses locais têm maior risco de contrair a doença. Fatores genéticos
podem afetar ou alterar a suscetibilidade individual ao resfriado
comum, mas seus mecanismos são desconhecidos. O estresse
psicológico e o exercício físico intenso podem aumentar o risco de
doença.
Em países em desenvolvimento, crianças menores de 5 anos
apresentam média de 4 a 8 episódios por ano, predominando entre
os 6 e 24 meses. Aquelas com fatores de risco para IVAS,
principalmente as crianças que frequentam creche. podem
apresentar cerca de 10 quadros de rinofaringite aguda por ano.
14.2.4 Sazonalidade
Resfriado comum mostra clara sazonalidade. Embora possa
acontecer durante todo o ano, a incidência maior é no outono e no
inverno. Nos países tropicais, como o Brasil, a maioria ocorre
durante as estações das chuvas e nos meses frios, quando é maior a
permanência de pessoas em ambientes fechados. A sazonalidade
depende também do agente envolvido: rinovírus – início de outono e
final de primavera; influenza e VSR – inverno; parainfluenza – final
de outono; Coxsackievirus – no verão (“resfriado do verão”).
14.2.5 Transmissão
A rinofaringite aguda é uma doença altamente transmissível. As vias
de transmissão dos vírus respiratórios são bastante semelhantes,
destacando-se o contato direto, especialmente mãos contaminadas
ou partículas virais aerossolizadas, que se transmitem pessoa a
pessoa ou podem permanecer em suspensão.
No caso do rinovírus e do VSR, um importante mecanismo de
contaminação é a autoinoculação por meio do contato da mão
contaminada com a mucosa nasal ou ocular; ou seja, o indivíduo
entra em contato com as partículas virais da secreção nasal contidas
nas mãos de outra pessoa ou objetos contaminados e, ao carregá-las
aos seus olhos ou nariz, adquire a infecção. Por outro lado, a via
inalatória é a mais importante no caso do vírus influenza, que se
dissemina principalmente por meio de pequenas partículas de
aerossol.
14.2.6 Etiologia
No grupo amplo de vírus, o rinovírus é o mais frequente (com mais
de 100 sorotipos), responsável por pelos menos 50% dos casos de
rinofaringite.
Outros vírus ocasionais seriam o coronavírus, o VSR, o
metapneumovírus, o vírus influenza, o parainfluenza (os tipos 3 e 4
são mais comuns), o adenovírus e os enterovírus (Coxsackievirus e
echovírus).
Em alguns estudos de corte realizados com avaliação por meio de
cultura e polymerase chain reaction (PCR) (reação em cadeia da
polimerase), observou-se que o rinovírus estava presente em 20%
das crianças até os 6 meses e em 79% delas aos 2 anos.
14.2.7 Fisiopatologia
A fisiopatologia envolve a invasão do epitélio da nasofaringe, dos
seios paranasais e do trato respiratório superior, com lesão celular
subsequente. Em decorrência da estimulação colinérgica, aumenta a
produção de muco, com o surgimento de coriza e tosse. Há, ainda,
secundariamente à invasão do epitélio, liberação de mediadores
inflamatórios nas secreções nasais, aumento de permeabilidade
vascular, edema de mucosa e congestão nasal.
14.2.8 Quadro clínico
A coriza é um dos sintomas mais precoces de rinofaringite e pode ser
acompanhada de espirros, obstrução nasal e febre baixa nos
primeiros 3 dias.
O período de incubação varia de 2 a 5 dias; o de contágio, de algumas
horas antes a 2 dias após o início dos sintomas; e o pico dos
sintomas, entre o segundo e o quarto dia. Os sintomas iniciais são
irritação nasal e, eventualmente, dor de garganta. Sintomas
inespecíficos como dor muscular, cefaleia, mal-estar e inapetência
também podem estar presentes, principalmente nas crianças
maiores. Em lactentes jovens, poderão ser observados ainda -
inquietação, choro fácil, recusa alimentar, vômitos, alteração do
sono e dificuldade respiratória por obstrução nasal. A febre, quando
presente, tende a resolver-se nos primeiros dias, e sua persistência
ou retorno pode indicar infecção bacteriana.
Em geral, não há sinais de desconforto respiratório, uma vez que os
rinovírus não costumam atingir as vias aéreas inferiores. Com a
evolução do quadro, a secreção nasal pode tornar-se amarelada,
esverdeada – pela presença de leucócitos – ou até mesmo purulenta,
pela destruição de células epiteliais da mucosa, sem significar
necessariamente infecção bacteriana secundária. Ao exame físico,
percebem-se a congestão e a hiperemia das mucosas nasal e
faríngea, das membranas timpânicas e da conjuntiva ocular,
associadas habitualmente ao bom estado geral da criança.
Os sintomas tendem a se resolver dentro de 5 a 7 dias.
Eventualmente, pode persistir tosse seca. Em lactentes e crianças
pequenas, e em alérgicos os sintomas podem durar até 14 dias.
Naquelas suscetíveis, a rinofaringite poderá desencadear crises de
rinite e/ou broncoespasmo.
14.2.9 Diagnóstico
O diagnóstico é essencialmente clínico e baseado nos sintomas
citados. O aspecto temporal é importante. Devem-se avaliar
cuidadosamente início, cronologia e duração dos sintomas. É comum
as mães “valorizarem” apenas o dia em que a criança apresenta
febre e piora clínica. A doença viral tem curso clínico em torno de 1 a
2 semanas. Sintomas persistentes ou recorrentes podem ser
sugestivos de complicação bacteriana ou alergia. Deve-se avaliar
história de contato domiciliar, institucional ou epidemia na
comunidade.
A identificação do vírus é desnecessária. Em algumas situações de
importância epidêmica, pode ser conveniente a pesquisa de vírus
respiratórios para melhor controle, ou prevenção, por parte da
autoridade sanitária.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com manifestações iniciais
de várias doenças: sarampo, coqueluche, infecção meningocócica,
faringite estreptocócica, hepatite A e mononucleose infecciosa.
14.2.9.1 Diagnóstico diferencial

O surgimento de um quadro de IVASs de repetição, com sintomas


quase permanentes nos períodos de inverno e primavera, deve levar
à suspeita da existência de rinite.
14.2.10 Tratamento
O tratamento do resfriado comum é feito com medicamentos para
melhora dos sintomas e medidas de suporte: lavagem nasal, inalação
com soro fisiológico e antitérmicos/analgésicos. O mel tem boa
indicação para melhora da tosse, com comprovação em estudos
científicos. O uso de xaropes, expectorantes e descongestionantes
nasais são contraindicados, por efeito questionável e risco de
intoxicação exógena.
Medidas gerais:
a) Repouso no período febril;
b) Hidratação e dieta conforme aceitação: deve-se orientar hidratação
oral com oferta abundante e frequente de líquidos habituais da criança;
oferecer o devido cuidado à alimentação, oferecendo pequenos
volumes fracionados em curtos períodos, respeitando a aceitação;
c) Higiene e desobstrução nasal: instilação de solução salina isotônica
nas narinas, seguida algum tempo depois de aspiração delicada das
fossas nasais com aspiradores manuais apropriados. O lactente menor
de 6 meses pode apresentar muito desconforto com a obstrução nasal
causada pela rinofaringite. Portanto, esse cuidado é especialmente
importante antes das mamadas e de dormir;
d) Umidificação do ambiente;
e) Antitérmicos e analgésicos: antitérmicos nas crianças devem ser
instituídos quando de temperatura maior que 37,8 °C. Ingestão de
líquidos frios, roupas leves e banhos mornos são medidas físicas que
podem ser orientadas;
f) Os antitérmicos recomendados são: paracetamol (10 a
15mg/kg/dose), dipirona(1 gota/kg) e ibuprofeno(10mg/kg/dose). O
ácido acetilsalicílico deve ser evitado pela associação à síndrome de
Reye e pelo uso de Aspirina® em pacientes com influenza (A e B) e
varicela. O uso excessivo de antitérmicos, analgésicos e anti-
inflamatórios tem sido relacionado com supressão da resposta de
anticorpos neutralizantes e aumento dos sintomas. Estão
recomendados somente em função da intensidade da febre e do mal-
estar, quando necessários;
g) Descongestionante nasal tópico: devem ser evitados, pelo risco de
toxicidade e rinite medicamentosa;
h) Antitussígenos e anti-histamínicos pela via oral – o uso é
desaconselhável devido à ineficácia e à presença de efeitos adversos.
Os anti-histamínicos (dexclorfeniramina, loratadina, cetirizina) são
recomendados aos portadores de rinite alérgica;
i) Antimicrobianos: não são indicados por não prevenirem infecções
bacterianas secundárias nas IVASs e poderem causar efeitos
adversos, incluindo o aumento de cepas bacterianas resistentes na
orofaringe;
j) Antivirais: para a maioria dos vírus, não existe nenhum tratamento
específico. Entretanto, no caso da gripe causada pelo vírus da
influenza, o oseltamivir deve ser iniciado nas primeiras 48 horas;
k) Deve-se ter observação cuidadosa: para detecção das
complicações, sendo importante orientar os pais a retornar ao pronto-
socorro em caso de desconforto respiratório, febre por mais de 72
horas ou queda do estado geral da criança, pois esses são sinais de
alerta que exigem reavaliação médica.

14.2.11 Complicações
A complicação mais comum é a Otite Média Aguda (OMA), em razão
da disfunção tubária concomitante. A OMA após rinofaringite aguda
ocorre em até 30% dos casos. Outras complicações possíveis são as
rinossinusites, bronquites, laringotraqueítes e pneumonias. As
viroses respiratórias são também apontadas como desencadeantes
de sibilância, especialmente em lactentes.
14.2.12 Prevenção
As principais medidas preventivas para o resfriado comum se
referem aos cuidados na transmissão viral, como a lavagem das
mãos, o uso de lenços e máscaras descartáveis. Outras medidas
também podem ser muito úteis e são recomendadas:
a) Evitar contato com pessoas infectadas, principalmente lactentes até
3 meses e imunodeprimidos;
b) Em épocas de surtos de infecções virais, evitar aglomerações;
c) Ventilação – manter arejados os ambientes em que a criança
permanece (domiciliar, escola e creche).
Em caso de crianças frequentadoras de creche com infecções virais
recorrentes, avaliar os benefícios da permanência na creche.
Crianças resfriadas que necessitem de cirurgia com anestesia geral
devem ter esse procedimento adiado por 6 semanas.
14.3 INFLUENZA – SÍNDROME GRIPAL
14.3.1 Definição
A gripe é uma síndrome clínica – doença infecciosa epidêmica aguda
– causada pelo vírus influenza tipos A e B, que se diferencia do
resfriado comum (nasofaringites virais) pela sua maior repercussão
sistêmica – febre, mialgia, cefaleia, mal-estar e prostração – e pelo
acometimento mais extenso da árvore respiratória (trato
respiratório superior – faringe e laringe – e inferior – bronquíolos
ou parênquima pulmonar), não se limitando à mucosa da
nasofaringe.
14.3.2 Etiologia
É causada apenas pelo vírus influenza, um vírus RNA grande, da
família ortomixovírus e do gênero influenza. Diferentemente dos
demais, o influenza tem uma característica própria: incrível
capacidade mutagênica. Suas inúmeras mutações sucessivas ao
longo do tempo e do espaço produziram diversos subtipos e uma
infinidade de variantes ou cepas. Existem 3 grandes tipos
sorológicos: os vírus influenza A, B e C; essa subdivisão baseia-se
nas diferenças antigênicas da nucleoproteína e da proteína de
matriz.
Nos tipos A e B, os principais determinantes antigênicos são as
glicoproteínas de superfície, hemaglutininas e neuraminidase. O tipo
C não tem grande importância para o ser humano.
1. Vírus influenza A: parece ser o sorotipo mais importante para o ser
humano, por ser o mais mutagênico e mais virulento. Os vírus
influenza A são divididos em subtipos de acordo com as 2
glicoproteínas do envelope viral: hemaglutinina e neuraminidase.
Atualmente, são reconhecidos 16 tipos da primeira (H1 a H16) e 9 da
segunda (N1 a N9), entre seres humanos e várias espécies animais.
Os vírus influenza adaptados ao homem circularam nos últimos 100
anos. Até 1999, somente 3 diferentes hemaglutininas (H1, H2 e H3) e
2 neuraminidases (N1 e N2) estavam presentes nos vírus humanos;
2. Vírus influenza B: é menos mutagênico e virulento. Apresenta
menos sorotipos e menor variedade de reservatórios animais.

14.3.3 Epidemias
As epidemias sistemáticas de gripe a cada 1 a 3 anos são decorrentes
das chamadas mutações menores (drifts) na estrutura glicoproteica
do vírus, criando novas cepas, enquanto as famosas pandemias –
gripe espanhola de 1918, gripe asiática de 1957 – dependem de
mutações maiores (shifts), modificando o subtipo, e têm ocorrido,
em média, a cada 30 anos.
Em 1947, a Organização Mundial da Saúde (OMS) começou a
desenvolver uma estratégia de controle da gripe no mundo,
habilitando diversos “laboratórios de influenza” em vários países.
Atualmente, dispõe-se de 100 laboratórios, distribuídos por 80
países. O objetivo é monitorizar os subtipos e as cepas de influenzas
A e B que estão circulando no planeta. No Brasil, existem 3
laboratórios especializados – em São Paulo, no Rio de Janeiro e em
Belém. Desde 1995, com a criação do Grupo Regional de Observação
da Gripe, reforçado em 2000 com o projeto VigiGripe, as equipes
brasileiras monitorizam os nossos vírus influenza e as nossas
epidemias. A grande importância da monitorização, pela OMS, de
seus sorotipos, subtipos e cepas no mundo é que o conhecimento das
cepas mais prevalentes influi diretamente sobre a composição da
vacina anti-influenza, revista todo ano. Se não for feito esse
exaustivo trabalho, a vacina perderá o seu efeito protetor.
14.3.4 Epidemiologia
A gripe, ou influenza, é uma das infecções das vias aéreas mais
frequentes, e os dados de incidência são impressionantes. Segundo o
Centers for Disease Control and Prevention (CDC), em 1 ano regular
nos Estados Unidos, cerca de 60 milhões de pessoas são infectadas e
mais de 25 milhões procuram serviços médicos, acarretando, em
média, 226 mil internações e 34 mil mortes, estas últimas
principalmente entre adultos com mais de 65 anos. Em crianças, o
vírus influenza acomete principalmente pré-escolares e escolares,
mas lactentes também apresentam infecção pelo vírus,
especialmente influenza A, sendo maiores as taxas de hospitalização
e mortalidade nesse grupo de pacientes. Embora existam grupos de
maior risco para complicações por influenza, as crianças saudáveis
compõem a maior parte dos quadros de internação.
As crianças também representam papel relevante na propagação do
vírus, uma vez que podem transmiti-lo por período mais longo que
os adultos, sendo uma importante fonte de contaminação para toda
a população, inclusive em creches, nas quais a taxa de infecção pode
exceder 50%.
A infecção pelo vírus influenza tem distribuição global e
transmissibilidade elevada. É único na habilidade de causar
epidemias anuais recorrentes e, menos frequentemente, pandemias,
atingindo quase todas as faixas etárias em curto espaço de tempo. Os
tipos A e B causam epidemias graves a cada 10 a 15 anos e a cada 4 a 7
anos, respectivamente, resultando de desvios antigênicos
profundos.
Na epidemiologia das doenças, podemos considerar a influenza um
problema permanente; a pandemia, um problema iminente e
incerto.
Não há restrições geográficas. Em áreas de clima temperado, a
incidência da doença apresenta padrão sazonal, com picos bem
demarcados durante o inverno. No Brasil, sua epidemiologia é bem
conhecida nas regiões Sul e Sudeste, onde a sazonalidade está bem
caracterizada, ocorrendo nos meses de outono e inverno.
A mortalidade varia de 1% a 8% e está associada a idade,
comorbidades e estado vacinal da população.
14.3.5 Transmissão
Além de ser altamente mutagênico, o vírus influenza possui poder de
transmissão interpessoal muito grande, e, pelo curto período de
incubação – 1 a 3 dias –, os surtos e as epidemias se alastram
rapidamente por comunidades imunologicamente suscetíveis.
O vírus é altamente contagioso, transmitido de pessoa a pessoa por
meio de gotículas ou contato direto com objetos contaminados
recentemente por secreções nasofaríngeas. O paciente é mais
infectante durante as 24 horas anteriores ao início dos sintomas e o
período mais sintomático.
A doença dissemina-se pelas pessoas, atingindo o seu pico em 2 a 3
semanas e dissipando-se em 1 a 2 meses. Uma pessoa pode ter
inúmeras gripes durante a vida, pois cada epidemia é causada por
nova cepa viral, não reconhecida pela sua memória imunológica. O
mecanismo de transmissão principal acontece por via inalatória: o
vírus infecta as células epiteliais ciliadas da árvore respiratória,
sendo eliminado em grande quantidade na fala, na tosse e no espirro.
O vírus influenza destrói o epitélio escamoso e leva a perda da função
ciliar, facilitando a superinfecção bacteriana.
14.3.6 Fatores de risco
Geralmente, é uma doença benigna, autolimitada e de bom
prognóstico, mas pode produzir marcada morbidade na presença dos
fatores de risco listados:
a) Doenças pulmonares:
Broncodisplasia da prematuridade;
Asma;
Fibrose cística.
b) Doenças neurológicas;
c) Doenças cardíacas;
d) Imunodeficiências;
e) Nefropatias;
f) Doenças metabólicas;
g) Doenças que requerem o uso crônico de ácido acetilsalicílico, como
doença de Kawasaki.

14.3.7 Período de incubação


O período de incubação é geralmente de 1 a 3 dias, sendo
característico o adoecimento de várias pessoas ao mesmo tempo,
especialmente em famílias nas quais há crianças em idade escolar.
Os adultos transmitem o vírus 24 horas antes do início dos sintomas
a até 7 dias após. As crianças são mais contagiosas e transmitem
desde vários dias antes até 10 dias após o início dos sintomas.
14.3.8 Patogênese
O vírus influenza tem tropismo pelas células ciliadas do epitélio
respiratório, acometendo, indiscriminadamente, desde a mucosa
nasal até os alvéolos. Isso significa que, do ponto de vista anatômico,
a gripe pode se localizar nas vias aéreas superiores e, ou inferiores,
acarretando combinações variadas de nasofaringite, faringite,
laringite, laringotraqueíte, bronquite e pneumonia. O que determina
a extensão da infecção pela árvore respiratória, bem como a
gravidade da doença, é a relação entre a virulência da cepa e a
resposta do hospedeiro.
14.3.9 Quadro clínico
Uma característica peculiar da gripe, diferindo das demais viroses
respiratórias, é o predomínio das manifestações sistêmicas sobre as
respiratórias.
Em crianças menores, geralmente o quadro se apresenta com febre
alta, sintomas nas vias aéreas superiores, como coriza hialina,
obstrução nasal e tosse, associados a sintomas gastrintestinais,
como anorexia, náuseas e vômitos. Já as crianças maiores relatam
cefaleia, mal-estar, mialgia, adinamia e fadiga. A intensidade dos
sintomas respiratórios é variável, e, às vezes, eles podem estar
ausentes. A presença de sintomas das vias aéreas superiores é grande
referência para a suspeição de gripe na criança com síndrome febril
aguda, especialmente na época de inverno e quando outras pessoas
ficaram “resfriadas” ou “gripadas”.
A gripe é uma doença autolimitada. Os principais sintomas
melhoram ao longo de 3 a 7 dias, mas podem acontecer complicações
severas mesmo em indivíduos saudáveis.
14.3.10 Diagnóstico
O diagnóstico da gripe é presuntivo, feito por critérios clínicos e
epidemiológicos.
Existem métodos laboratoriais para detecção do vírus, que incluem:
a) A cultura de swab nasal ou aspirado de secreções, cujos resultados
são obtidos entre 2 e 5 dias.
b) Os testes de detecção rápida para identificação dos antígenos virais
por meio de ensaios imunoenzimático.
c) Pesquisa direta de vírus por meio de técnicas de biologia molecular
(PCR).

Quadro 14.1 - Diferenças entre síndrome gripal e rinofaringite aguda


14.3.11 Tratamento
A síndrome gripal geralmente é benigna e autolimitada. O
tratamento é semelhante ao da rinofaringite aguda. Consiste,
fundamentalmente, em diminuir o desconforto decorrente da febre,
rinorreia, obstrução nasal ou tosse persistente. O tratamento, em
geral, é apenas sintomático, como estabelecer repouso, controle de
coriza, hidratação oral, antitérmico e analgésico.
Atualmente, existem 2 classes de antivirais. A primeira classe de
drogas inclui o oseltamivir e zanamivir, cujo mecanismo de ação é a
inibição da neuraminidase – uma proteína do envelope viral. O
zanamivir existe na forma inalada e está liberado para uso em
crianças a partir de 7 anos para tratamento e 5 anos para profilaxia,
enquanto o oseltamivir (Tamiflu®) pode ser administrado por via
oral e está liberado para crianças a partir de 1 ano. Ambos têm igual
ação sobre os influenzas A e B.
Na segunda classe de drogas, têm-se amantadina e rimantadina,
ambas ineficazes contra o tipo B e não liberadas para menores de 1
ano. Ambas as classes de medicação deverão ser administradas
dentro das primeiras 48 horas dos sintomas, a fim de reduzir a
magnitude da gripe. No entanto, estudos recentes mostram que
pacientes com doença muito grave se beneficiam da terapia mesmo
quando iniciada após as 48 horas iniciais.
O protocolo do Ministério da Saúde orienta o tratamento àqueles
com síndrome respiratória aguda grave e fatores de risco:
a) Crianças menores que 5 anos – sendo mais importante nos
menores de 2 anos.
b) Adultos maiores de 60 anos, grávidas em qualquer idade
gestacional, puérperas até 2 semanas após o parto.
c) Indivíduos com doença crônica:
d) Pneumopatias (incluindo asma);
e) Cardiovasculopatias (exceto hipertensão arterial sistêmica);
f) Nefropatias;
g) Hepatopatias;
h) Doenças hematológicas (incluindo anemia falciforme);
i) Distúrbios metabólicos (incluindo diabetes mellitus);
j) Transtornos neurológicos que podem comprometer a função
respiratória ou aumentar o risco de aspiração;
k) Disfunção cognitiva;
l) Lesões medulares;
m) Epilepsia;
n) Paralisia cerebral;
o) Síndrome de Down;
p) Atraso de desenvolvimento;
q) Acidente vascular cerebral ou doenças neuromusculares;
r) Imunossupressão;
s) Menores de 19 anos em uso prolongado com ácido acetilsalicílico
(risco de síndrome de Reye);
t) Indígenas.
u) Obesidade mórbida (IMC ≥ 40 kg/m2).

Porém, a critério clínico, qualquer indivíduo saudável com suspeita


de síndrome gripal pode receber o tratamento medicamentoso desde
que iniciado nas primeiras 48 horas do quadro. Estudos clínicos
recentes mostram que em pacientes com quadro grave, progressivo
ou complicado, o tratamento ainda traz benefícios mesmo que
instituído após 48 horas do início dos sintomas.
Existem 2 classes de agentes antivirais disponíveis para tratamento
e profilaxia da influenza, porém, no Brasil, apenas o oseltamivir é
aprovado para tratamento e profilaxia em crianças maiores de 1 ano.
Trata-se de um potente inibidor da molécula de neuraminidase
presente na superfície dos vírus influenza A e B, indispensável para a
liberação dos vírus recém-formados das células infectadas. Embora
a composição genética do vírus sofra mudança constante, a
sequência de aminoácidos do sítio ativo da enzima é altamente
conservada, sendo o local ideal para terapia antiviral.
A terapia antiviral com oseltamivir reduz a duração da doença em
cerca de 1 ou 2 dias, quando usado dentro de 48 horas desde seu o
início. O começo precoce do tratamento é decisivo para a sua eficácia.
Alguns estudos também demonstram diminuição de complicações
do uso de antibióticos e de hospitalizações tanto em crianças e em
adultos saudáveis como em grupos de risco. Há redução de otites,
pneumonias e exacerbação de asma.
A única apresentação do oseltamivir é em cápsula; deve ser diluída
em água para administração em crianças, sempre por via oral, ou
gástrica.
Após a ampla campanha vacinal de 2010, os casos de gripe pelo H1N1
foram reduzidos, juntamente com outras variantes no ano de 2011.
No caso de suspeita ou confirmação do diagnóstico, principalmente
em pacientes com comorbidades ou menos de 5 anos, a Organização
Mundial da Saúde mantém a orientação de tratamento com o
oseltamivir por 5 dias – sendo obrigatório abaixo dos 2 anos, e
discutível dos 2 aos 5 anos.
Quadro 14.2 - Doses do oseltamivir no tratamento e na profilaxia da gripe em pacientes de
1 a 12 anos

14.3.12 Complicações
As complicações secundárias à influenza são responsáveis pelo
aumento da morbidade do quadro, sendo as mais frequentes a OMA,
a pneumonia bacteriana, a miosite e as síndromes neurológicas.
A miosite e a rabdomiólise são causadas principalmente pelo vírus
influenza B. É possível que possa acometer todos os músculos.
Manifesta-se, em geral, com dor e fraqueza nas pernas e
panturrilhas. Os exames laboratoriais ajudam a esclarecer o
diagnóstico. Níveis séricos de creatinoquinase e mioglobina na urina
estão elevados. A duração média é de 5 a 7 dias, com resolução
habitualmente espontânea.
Dentre as síndromes neurológicas que podem se manifestar pós-
gripe, podemos citar doença de Guillain-Barré, meningite asséptica,
mielite transversa e encefalite pós-infecciosa.
14.3.13 Prevenção – vacina anti-influenza
A imunização anual contra influenza tem sido a principal medida
para a profilaxia da doença e a redução da morbimortalidade. As
vacinas são alteradas anualmente, com base nas recomendações da
OMS, de acordo com a mudança dos principais subtipos circulantes.
No Brasil, está disponível a vacina trivalente inativada no serviço
público, que contém 2 subtipos do vírus da influenza A (H1N1 e
H3N2) e 1 subtipo do vírus da influenza B, representando os mais
prováveis no Hemisfério Sul durante o inverno subsequente. Nos
serviços particulares pode ser encontrada a vacina quadrivalente.
Pelo fato de ser inativada não há risco de que a vacina provoque a
doença, mesmo em imunodeprimidos.
Deve ser aplicada anualmente, sempre nos meses de outono, antes
do período epidêmico do vírus. A vacina pode ser aplicada a partir
dos 6 meses de vida, e sua eficácia está diretamente relacionada à
taxa de circulação das cepas vacinais. No primeiro ano devem ser
administradas 2 doses, com intervalo de 1 mês entre elas, e depois
passa a ser anual.
Os estudos demonstraram eficácia de 90% de proteção antigripal e
importante redução da morbimortalidade em idosos e pacientes
debilitados, com comorbidades.
Na rede pública, a vacina está disponível nos Centros de Referência
de Imunobiológicos. Segundo o Ministério da Saúde, as principais
indicações da imunização anual pela vacina anti-influenza estão.
Principais indicações de vacina anti-influenza:
a) Idosos maiores de 60 anos;
b) Crianças de 6 meses a 5 anos;
c) Portadores de HIV e/ou AIDS, incluindo filhos de mães portadoras
de HIV;
d) Transplantados de órgãos sólidos e medula óssea;
e) Doadores de órgãos sólidos e medula óssea devidamente
cadastrados nos programas de doação;
f) Imunodeficiências congênitas;
g) Imunodepressão por câncer ou imunossupressão terapêutica;
h) Comunicantes domiciliares de imunodeprimidos;
i) Profissionais de saúde;
j) Cardiopatias crônicas;
k) Asplenia anatômica ou funcional e doenças relacionadas;
l) Diabetes mellitus;
m) Portadores de doenças pulmonares crônicas, inclusive asma
moderada à grave e fibrose cística;
n) Trissomias, como a síndrome de Down;
o) Implantes de cóclea;
p) Doenças neurológicas crônicas incapacitantes;
q) Doenças de depósito;
r) Usuários crônicos de ácido acetilsalicílico;
s) Portadores de nefropatia crônica, submetidos a hemodiálise e
síndrome nefrótica;
t) Asma;
u) Hepatopatias crônicas.

14.4 FARINGOAMIGDALITES AGUDAS


14.4.1 Definições
As infecções faringoamigdalianas são um grupo de enfermidades
que desenvolvem processos inflamatórios nas vias respiratórias
superiores, acometendo a faringe, as amígdalas e os tecidos
adjacentes. As causas são variadas, mas o quadro clínico geralmente
é similar, o que torna difícil ao clínico definir se há ou não a
necessidade de tratamento antimicrobiano.
14.4.2 Etiologia
Os vírus são a causa mais comum de faringites e amigdalites em
todas as faixas etárias. Os patógenos mais comuns são os vírus
respiratórios como influenza, parainfluenza, adenovírus, rinovírus,
bem como vírus Coxsackievirus, echovírus e o vírus Epstein-Barr
(VEB) – mononucleose. O Streptococcus beta-hemolítico do grupo A
(S. pyogenes) é a causa bacteriana mais comum (rara em crianças
menores de 2 anos), mas outras bactérias também podem estar
implicadas na etiologia (Mycoplasma, Chlamydia, gonococo).
O Streptococcus do grupo A está relacionado a complicações
supurativas das faringoamigdalites, abscessos peritonsilares e
retrofaríngeos e sequelas não supurativas, como febre reumática e
glomerulonefrite difusa aguda.
14.4.3 Quadro clínico
A abordagem clínica baseia-se nos aspectos inflamatórios
apresentados no exame físico, visando à distinção presuntiva dos
agentes etiológicos. Outra abordagem, considerando o mencionado,
baseia-se no principal desafio no diagnóstico em distinguir as
infecções entre estreptocócicas e não estreptocócicas, visando ao
tratamento.
14.4.3.1 De acordo com a apresentação clínica

1. Faringoamigdalite estreptocócica: sintomas clínicos sugestivos


incluem: início agudo de dor de garganta; febre; cefaleia; odinofagia;
dor abdominal; náusea; vômitos; rash cutâneo; petéquias no palato;
exsudato purulento; adenomegalia cervical. A criança apresenta
maior acometimento do estado geral e, na maioria das vezes, sem
coriza, tosse e conjuntivite;
2. Faringoamigdalite não estreptocócica: sintomas mais sugestivos
incluem sintomas concomitantes de infecção viral respiratória e, ou
gastrintestinal, com associação de tosse, coriza, conjuntivite e
diarreia. Há algumas particularidades para alguns vírus, como
Epstein-Barr da mononucleose, em que há típico exsudato com falsa
membrana. Na herpangina, causada por vírus Coxsackievirus A,
podem ser vistas pequenas vesículas no palato mole, na úvula e nos
pilares amigdalianos, acompanhadas de febre elevada e lesões
papulovesiculares presentes nas mãos e nos pés, constituindo a
síndrome “mão-pé-boca”. As lesões do herpes-simples ocorrem
entre imunossuprimidos.
Figura 14.1 - Herpangina

Fonte: kris4to.

14.4.3.2 De acordo com aspectos inflamatórios

1. Faringoamigdalites eritematosas: observam-se hiperemia e


congestão da superfície da faringe e das amígdalas. Os principais
agentes são virais;
Figura 14.2 - Faringoamigdalite viral

2. Faringoamigdalites eritematopultáceas: observam-se hiperemia e


edema associados a exsudato amarelado não aderente nas criptas e
na superfície das amígdalas. Entre os agentes causais, são apontados
Streptococcus beta-hemolítico do grupo A e vírus Epstein-Barr;
3. Faringoamigdalites pseudomembranosas: há formação de placas
esbranquiçadas aderentes ao tecido amigdaliano, que pode invadir
faringe, palato e úvula. Dentre os agentes causais, está
Corynebacterium diphtheriae;
4. Faringoamigdalites ulcerosas: há formação de úlceras, que podem
ser superficiais, com muitas vesículas, como no caso do vírus
Coxsackievirus e do Herpesvirus hominis, ou profundas, com
ulcerações profundas, no caso da angina de Plaut-Vincent, lesão por
tuberculose, sífilis e imunodeficiências.
Figura 14.3 - Faringoamigdalite bacteriana
Figura 14.4 - Faringoamigdalite pseudomembranosa em paciente com suspeita de difteria

Figura 14.5 - Pequenas ulcerações em palato mole e úvula


Quadro 14.3 - Diferenças clínicas entre faringoamigdalite estreptocócica e não
estreptocócica
14.4.4 Diagnóstico
Testes diagnósticos para a detecção do Streptococcus do grupo A
incluem a pesquisa rápida do antígeno em material colhido da
orofaringe e cultura da secreção faríngea em placas de ágar. A
pesquisa rápida do antígeno possui especificidade de 98% a 99%.
Entretanto, a sensibilidade é de cerca de 70%. O uso desse método
nos casos suspeitos apresenta a vantagem de o resultado ser rápido,
o que leva a tratamento precoce, redução do risco de disseminação,
rápido retorno à escola ou ao trabalho e redução da morbidade. Além
disso, um resultado negativo pode acarretar a espera do resultado da
cultura, levando a adiar a introdução do antibiótico, considerando
que a maioria dos casos é de etiologia viral. Exames laboratoriais,
como PCR, contagem de leucócitos no hemograma e velocidade de
hemossedimentação, contribuem pouco para a diferenciação entre
quadros virais e bacterianos.
Quadro 14.4 - Principais métodos laboratoriais para a identificação do Streptococcus
pyogenes

Na mononucleose, o aumento da contagem de leucócitos no sangue,


mais linfocitose e com 20% a 40% de atipia linfocitária pode apontar
para essa causa. Outro teste é a detecção rápida de anticorpos
heterófilos (monoteste ou teste de Ho -Bauer) para crianças com
mais de 4 anos. Em adolescentes, esse teste chega a detectar 90%
dos casos de mononucleose.
Um diagnóstico diferencial importante de faringoamigdalite quando
há membrana exsudativa nas amígdalas, de coloração acinzentada,
de difícil remoção e acompanhada de intensa toxemia,
principalmente em crianças não adequadamente vacinadas, é a
difteria, uma doença de notificação compulsória.
Na faringoamigdalite estreptocócica, a febre pode ser alta e persistir
por até 4 dias. O achado de eritema difuso das tonsilas e de seus
pilares e, ou a presença de pontilhado difuso petequial no palato
mole sugerem etiologia bacteriana, mais especificamente,
estreptocócica.
A Periodic Fever, Aphthous Stomatitis, Pharyngitis and Adenitis
(PFAFA) é caracterizada por febre periódica, aftas, faringite
bacteriana e adenite – linfonodomegalia cervical – ocorre
esporadicamente, em crianças de 2 a 6 anos. Os sintomas são febre,
cansaço e amigdalite purulenta com culturas negativas. A etiologia é
desconhecida, o diagnóstico inclui leucocitose e aumento dos
reagentes na fase aguda, e o quadro costuma se repetir (8 a 12 vezes
por ano). A periodicidade e a intensidade diminuem com o tempo. Os
episódios duram de 4 a 6 dias, mesmo com sintomáticos e
antibióticos. A diferença para os demais quadros de faringite é que
respondem muito bem a prednisona (1 a 2 mg/kg) ou betametasona,
com resolução dos sintomas em 24 horas. Há resolução completa em
4 a 8 anos, e a amigdalectomia é uma alternativa.
14.4.5 Tratamento
Caso se suspeite de faringoamigdalite de causa viral, o tratamento
será basicamente sintomático, com analgésicos e antitérmicos, para
alívio, principalmente, da dor faríngea, que pode dificultar a
ingestão de alimentos.
O tratamento com antibióticos deve ser instituído assim que é
realizado o diagnóstico de etiologia bacteriana ou, quando não for
possível esse diagnóstico de certeza, nos casos em que o exame físico
e a epidemiologia assim sugerirem.
1. Penicilina: apesar de a maioria dos antibióticos se mostrar efetiva
contra Streptococcus do grupo A, a penicilina ainda é a droga de
escolha, principalmente a penicilina benzatina (na dose única de
600.000 UI IM, para crianças de até 25 kg e de 1.200.000 UI IM, para
peso maior que 25 kg). A vantagem da penicilina oral inclui sua
eficácia, segurança, seu baixo custo e uso, dividindo a dose em 2 ou 3
tomadas diárias por 10 dias. Em nosso meio, utiliza-se, mais
comumente, a amoxicilina (50 mg/kg/d, a cada 8 ou 12 horas para
crianças de até 30 kg, e 500 mg, a cada 8 horas maior que 30 kg, por
10 dias);
2. Outros antibióticos: também podem ser utilizados macrolídeos,
cefalosporinas de segunda geração e clindamicina – principalmente
nos portadores crônicos do Streptococcus na orofaringe. Nos casos
de alergia a penicilina, pode-se usar eritromicina ou azitromicina.
Quadro 14.5 - Antibióticos mais usados nas faringoamigdalites bacterianas
Com o uso adequado da antibioticoterapia na faringoamigdalite
estreptocócica, são observados os seguintes benefícios:
a) Redução da duração dos sintomas em 12 a 24 horas;
b) Redução na transmissão da doença depois de cerca de 24 a 48
horas após uso de antibiótico;
c) Prevenção das complicações supurativas, como abscessos
amigdalianos;
d) Prevenção das complicações não supurativas, como febre
reumática.

A amigdalectomia é opção quando há 7 faringites de repetição no


período de 12 meses ou 5 vezes nos últimos 2 anos ou 3 vezes nos
últimos 3 anos.
O tratamento adequado e precoce das faringoamigdalites
estreptocócicas não previne a glomerulonefrite difusa aguda,
embora possa prevenir a febre reumática.
14.4.6 Complicações
As complicações da faringoamigdalite estreptocócica podem ser
divididas em supurativas e não supurativas.
1. Complicações supurativas:
a) Abscesso retrofaríngeo: complicação muito rara, predominante em
crianças entre 3 e 4 anos. Acomete principalmente meninos. Os
principais sintomas são febre, irritabilidade, dificuldade de engolir,
rigidez cervical ou até torcicolo por contratura da musculatura
paravertebral. Voz abafada, estridor e dificuldade respiratória também
podem estar presentes. Ao exame físico, pode ser observado
abaulamento local. O agente causal, em geral, é polimicrobiano, como
Streptococcus pyogenes, associado a anaeróbios da boca e mais
Staphylococcus. O diagnóstico pode ser sugerido pela radiografia
lateral do pescoço, com observação do aumento do espaço
retrofaríngeo. A tomografia computadorizada cervical é confirmatória. A
conduta consiste em internação imediata, antibioticoterapia venosa
com amoxicilina associada a clavulanato ou clindamicina e drenagem
de urgência;
b) Abscesso periamigdaliano: é pouco comum, embora ocorra mais
que o abscesso retrofaríngeo. Mais frequente em crianças maiores e
adolescentes, manifesta-se clinicamente com intensificação da dor
faríngea, com disfagia, associada a trismo de intensidade variável. Ao
exame físico, observa-se abaulamento inflamatório unilateral,
rechaçando a amígdala e a úvula para o lado oposto. A conduta
consiste em internação imediata, antibiótico venoso (amoxicilina +
clavulanato ou clindamicina) e drenagem cirúrgica. Para evitar a
reincidência, deve-se realizar amigdalectomia eletiva.

2. Complicações não supurativas:


a) Glomerulonefrite difusa aguda pós-estreptocócica;
b) Febre reumática.

Figura 14.6 - Abscesso retrofaríngeo após 24 horas de drenagem


Figura 14.7 - Abscesso periamigdaliano
14.5 OTITE MÉDIA AGUDA
14.5.1 Definição
Trata-se da inflamação do ouvido médio e de seus anexos, associada
à presença de líquido na orelha média, com sinais e sintomas de
início agudo, como dor e febre. Na grande maioria das vezes, é
secundária a processo infeccioso bacteriano.
14.5.2 Epidemiologia
Após as infecções do trato respiratório superior, é a enfermidade
mais prevalente na infância, sendo a causa principal de prescrições
de antibióticos. Cerca de 60% a 80% dos lactentes têm pelo menos 1
episódio de OMA até o primeiro ano de vida e até 90% o terão até os 5
anos. O pico de incidência ocorre entre 6 e 24 meses de vida, com
declínio após essa idade e novo aumento entre 5 e 6 anos, quando as
crianças começam a vida escolar. Mais de 1 terço pode apresentar 6
ou mais episódios antes dos 7 anos. São comuns nos meses de
inverno, em função de serem associadas a infecção do trato
respiratório superior.
As tubas auditivas se abrem no espaço anterior do ouvido médio e o
conectam à nasofaringe. Os episódios de OMA estão intimamente
relacionados à obstrução anatômica ou funcional (disfunção parcial
ou total) da(s) tuba(s) auditiva(s). Pelas características anatômicas,
os processos que interferem na mucosa nasal, por edema, tumor ou
pressão negativa intratimpânica (disfunção tubária), facilitam
diretamente a extensão do processo infeccioso da nasofaringe para o
ouvido médio, causando a OMA (Figura 14.8).
Figura 14.8 - Ligação da tuba auditiva com cavidade nasal

14.5.3 Fatores de risco


Alguns fatores de risco estão relacionados a maior chance de OMA. A
maior incidência nos primeiros anos de vida possivelmente está
relacionada à imaturidade do sistema imunológico, a alterações
anatômicas em relação à tuba auditiva – mais curta e
horizontalizada – hipertrofia de adenoide e à permanência dessas
crianças na posição horizontal. Também está mais associada ao sexo
masculino, tabagismo passivo, doença do refluxo gastroesofágico
(DRGE) e à baixa condição socioeconômica, superpopulação no
mesmo ambiente, más condições de higiene, desnutrição,
assistência médica precária e falta de medicamentos. O uso de
mamadeira na posição horizontal e a rinite alérgica também são
fatores de risco. O aleitamento materno tem sido descrito como fator
protetor, pela presença de IgA, enquanto a exposição ao tabaco e o
contato com outras crianças – nas creches – tem se relacionado ao
aumento da chance de desenvolvimento da doença. Crianças com
anomalias craniofaciais e síndrome de Down também têm
prevalência aumentada. Lactentes com fenda palatina não corrigida
apresentam, universalmente, o risco de OMA.
14.5.4 Patogênese
A OMA está relacionada principalmente à obstrução da tuba auditiva.
Essa estrutura exerce 3 funções quanto ao ouvido médio: ventilação
– a mais importante –, proteção e limpeza. Dentre as causas de
obstrução da tuba auditiva, podem-se citar IVAS (principal causa),
hipertrofia de adenoide e tumor.
Com a resposta inflamatória, há um comprometimento do
transporte mucociliar, levando a efusão líquida na cavidade
timpânica, propiciando a infecção bacteriana. Os lactentes têm a
tuba auditiva menor e em posição mais horizontal, contribuindo
para o refluxo de secreção da nasofaringe.
É bastante comum a OMA como complicação do quadro viral agudo –
resfriado comum: há disfunção e obstrução tuba auditiva com
prejuízo na ventilação do ouvido médio. As bactérias colonizadoras
da nasofaringe se acumulam no ouvido médio, e a partir disso há
formação de secreção purulenta, abaulamento da membrana
timpânica e otalgia.
Se ocorre perfuração da membrana timpânica, há otorreia e melhora
imediata da dor, por redução da pressão intra-auricular.
14.5.5 Quadro clínico
O quadro clínico pode ser muito variável, principalmente nos
lactentes e nos pré-escolares, e, algumas vezes, é frusto, a depender
da idade da criança. O quadro típico pode apresentar OMA com início
abrupto de otalgia, irritabilidade, otorreia e febre. A presença de
abaulamento da membrana timpânica tem alto valor preditivo de
líquido na orelha média, seguida por ausência de mobilidade da
membrana e níveis hidroaéreos vistos à otoscopia (Figura 14.9). A
membrana timpânica apresenta-se eritematosa ou opacificada.
Sintomas inespecíficos, como vômitos e inapetência, podem estar
presentes. Meningite bolhosa é sinal de otite média – tímpano com
bolhas. A mobilidade timpânica durante o exame otoscópico é
fundamental para determinar efusão líquida no ouvido médio. No
caso de conjuntivite purulenta associada ao quadro de OMA
ipsilateral, o agente é Haemophilus não tipável, sendo necessária a
antibioticoterapia oral.
Figura 14.9 - Membrana timpânica abaulada e com aumento de vascularização
De acordo com o manual da American Academy of Pediatrics de 2013,
o diagnóstico de OMA é feito com base nos seguintes critérios:
a) Membrana timpânica de moderada a intensamente abaulada ou
otorreia de início recente;
b) Membrana timpânica levemente abaulada e otalgia de início recente
(< 48 horas);
c) Membrana timpânica levemente abaulada e com hiperemia intensa.
Assim, a American Academy of Pediatrics especifica, ainda, que, para
o diagnóstico de otite média aguda, sejam identificados os seguintes
fatores: início rápido; presença de líquido na orelha média; e
presença de sinais e sintomas de inflamação do ouvido médio. Essas
recomendações visam ocasionar a indicação mais precisa da
antibioticoterapia, em vista da crescente resistência aos antibióticos
e de, muitas vezes, não haver a necessidade de tratamento das otites
médias agudas não complicadas.
14.5.6 Etiologia
Os agentes bacterianos mais comuns são Streptococcus pneumoniae
(de 30% a 50%), Haemophilus influenzae não tipável (de 20% a
30%) e Moraxella catarrhalis (de 10% a 15%). Outras bactérias, como
S. aureus, Streptococcus do grupo A e Gram negativos, também
podem ser responsáveis, em menor porcentagem e em casos
isolados. Apesar de os vírus terem sido isolados dos exsudatos da
orelha média, ainda não se sabe se podem causar OMA sem a
associação a copatógeno bacteriano.
O agente viral mais comum é o VSR, seguido de adenovírus,
rinovírus, enterovírus, parainfluenza e influenza A e B. A presença de
infecção viral das vias respiratórias altas pode levar ao
desenvolvimento de OMA secundária à disfunção tubária, associação
à colonização bacteriana da nasofaringe e dano ao epitélio do trato
respiratório, com subsequente alteração do clearance bacteriano
pelos batimentos mucociliares.
Sua etiologia pode ser viral ou bacteriana; na prática clínica, é difícil
a sua diferenciação.
A epidemiologia e a microbiologia das OMAs têm-se modificado nos
últimos anos em decorrência do uso mais abrangente da vacina
heptavalente contra o pneumococo, da publicação de guidelines
específicos com orientação de critérios diagnósticos e tratamento,
além de campanhas educacionais (para os públicos leigo e médico)
quanto ao uso indevido de antibióticos em casos duvidosos de OMA.
Agentes etiológicos:
1. OMA com etiologia viral:
a) VSR;
b) Adenovírus;
c) Rinovírus;
d) Enterovírus;
e) Parainfluenza;
f) Influenza A e B;
2. OMA com etiologia bacteriana:
a) Streptococcus pneumoniae;
b) Haemophilus influenzae (não tipável);
c) Moraxella catarrhalis;
d) S. aureus;
e) Gram negativos.

É importante ressaltar que a vacina contra Haemophilus influenzae


tipo B não protege de todas as otites causadas por essa bactéria, pois,
na maioria das otites médias agudas causadas por Haemophilus, este
é não tipável, e a imunização é específica contra o tipo B.
14.5.7 Tratamento
1. Sintomático (antitérmicos e analgésicos): toda criança com
diagnóstico de OMA deve receber analgesia, geralmente
paracetamol, dipirona ou ibuprofeno; os pacientes maiores de 2
anos, com otite unilateral, febre menor que 39°C e bom estado geral
devem ser tratados inicialmente com anti-inflamatório por 3 dias,
sem necessidade de antibiótico, desde que haja segurança na
compreensão da família e possibilidade de retorno ao serviço em
caso de necessidade. A maioria dos pacientes têm sua doença
resolvida dessa forma;
2. Antibioticoterapia: é a base do tratamento, visando tratar os 3
principais agentes: S. pneumoniae, H. influenzae não tipável e M.
catarrhalis. Caso sejam necessários antibióticos, a droga de escolha
para a OMA não complicada é a amoxicilina. A dose pode variar de 50
a 80 mg/kg/d, a depender do padrão de resistência local do
pneumococo, dividida em 2 a 3 tomadas diárias, durante 10 a 14 dias.
Deve-se usar, preferencialmente, a dose dobrada de 80 a 90
mg/kg/d, em 2 a 3 doses, em vez da dose convencional de 40 a 50
mg/kg para ampliar a cobertura para cepas de pneumococo com
resistência moderada. A amoxicilina apresenta excelente ação
quando o agente etiológico é o Streptococcus pneumoniae,
responsável por 40% a 50% das ocorrências. Nos casos em que a
criança recebeu tratamento antibiótico nos últimos 3 meses, deve-se
dobrar a dose da amoxicilina ou iniciar tratamento diretamente com
amoxicilina-clavulanato ou axetilcefuroxima. A associação
amoxicilina-clavulanato também está indicada nos casos de falha do
tratamento com amoxicilina, para ampliar a cobertura na suspeita
de bactérias produtoras de betalactamase. Nos casos de alergia a
penicilina, pode-se optar por macrolídeo (azitromicina ou
claritromicina) ou, em casos de alergia não mediada por
imunoglobulina E, por cefalosporinas de segunda geração. Os
menores de 2 anos, portadores de otite bilateral em qualquer idade,
febre com temperaturas maiores que 39°C e/ou piora do estado geral
devem ser tratados imediatamente com antibiótico.
Entende-se como falha terapêutica a permanência dos sintomas de
otite média aguda por mais de 48 a 72 horas, seja em uso de
amoxicilina em dose convencional, seja com macrolídeos, nos
alérgicos. O seu motivo principal é a resistência bacteriana.
14.5.8 Evolução
Com o tratamento adequado, espera-se diminuição dos sintomas, da
febre, da otalgia ou da otorreia dentro das primeiras 48 a 72 horas.
Evolutivamente, a otoscopia pode estar alterada até 3 meses após o
episódio agudo. Dessa forma, a permanência de febre é fator
importante a ser observado quando é instituído o tratamento
medicamentoso. Outro critério a ser considerado é a piora do aspecto
da membrana timpânica, efusão ou perfuração com drenagem de
material purulento.
14.5.9 Timpanocentese
A timpanocentese com retirada de material para cultura tem
diminuído consideravelmente nos últimos anos, principalmente em
decorrência da eficácia dos antibióticos no tratamento da OMA.
Entretanto, em algumas ocasiões pode ser indicada, como:
a) OMA refratária ao tratamento clínico adequado, provocando quadro
de toxemia, especialmente em crianças com menos de 12 meses e em
imunocomprometidos;
b) OMA acompanhada de complicações (mastoidite, abscessos no
Sistema Nervoso Central (SNC), meningite e paralisia facial). Nesses
casos, a paracentese tem função diagnóstica (isolamento do patógeno)
e função terapêutica;
c) Alívio da dor, principalmente quando a membrana timpânica está
muito abaulada (indicação rara).

14.6 OTITE MÉDIA AGUDA


RECORRENTE
14.6.1 Definição
A OMA recorrente é definida por 3 ou mais episódios em 6 meses, ou
4 ou mais episódios de OMA nos últimos 12 meses, sendo que o
último episódio ocorreu nos últimos 6 meses, com resolução dos
sintomas entre cada uma das infecções.
Fatores de risco:
a) Sexo masculino;
b) Falta do aleitamento materno;
c) Pais tabagistas;
d) Creches;
e) Baixo nível socioeconômico;
f) Uso de chupetas;
g) Primeiro episódio de OMA antes dos 6 meses de vida;
h) Anomalias congênitas (fenda palatina);
i) Imunodeficiências.

14.6.2 Epidemiologia
A OMA tem probabilidade razoável de recidiva, especialmente na
faixa etária entre 6 meses e 2 anos e que frequenta creche. Quanto
antes ocorre o primeiro episódio, maior é o risco de recorrência ou
doença crônica.
14.6.3 Diagnóstico
Deve-se fazer um estudo imunológico inicial dessas crianças, para a
procura de deficiência de anticorpos da classe imunoglobulina G ou
A, bem como avaliação da presença de fatores de risco, como
exposição à fumaça de cigarro em ambiente doméstico, frequentar
creche, presença de doença do refluxo gastroesofágico e uso de
mamadeira em posição horizontal ou, ainda, de chupeta.
14.6.4 Prevenção
As principais medidas recomendadas para prevenção das otites são:
a) Estimular o aleitamento materno, retardar o ingresso em creches,
evitar fumaça de cigarro, evitar o uso de chupeta e realizar imunização;
b) Vacina anti-influenza – indicada anualmente a partir dos 6 meses,
durante epidemia de influenza;
c) Vacina heptavalente antipneumococos: deve ser considerada em
crianças menores de 2 anos.

As crianças que apresentam OMA recorrente têm maior risco de


complicações supurativas e sequelas. A OMA recorrente é causa
predominante e prevenível de surdez.
14.6.5 Procedimentos cirúrgicos
A cirurgia consiste na inserção do tubo de timpanostomia, um
pequeno dispositivo inserido após o procedimento que mantém o
ouvido médio ventilado durante a fase da disfunção tubária. Pode ser
realizada a adenoidectomia na falha das demais medidas. Esses
procedimentos são indicados especialmente a crianças que não
respondem ao tratamento clínico e devem ser encaminhadas ao
otorrinolaringologista para avaliação especializada.
14.6.6 Complicações
Dentre as complicações, podemos citar as mais frequentes e
importantes: perfuração timpânica, otite média secretora (efusão
persistente), Otite Média Crônica (OMC), mastoidite e infecção do
SNC.
14.6.6.1 Perfuração timpânica

Trata-se de evolução comum nos casos de OMA não tratada, quando


ocorre a autodrenagem da supuração do ouvido médio. Em geral, a
perfuração é pequena e está localizada na porção inferoanterior da
membrana timpânica – parte densa –, permitindo a regeneração
espontânea na maioria dos casos.
Figura 14.10 - Perfuração timpânica
14.6.6.2 Otite média secretora (efusão persistente)

Caracteriza-se pela presença de efusão no ouvido médio, sem os


sintomas e os sinais de infecção aguda. Não há dor nem febre, e o
principal sintoma é a perda auditiva.
Na maioria das vezes, decorre de OMA tratada e se resolve em 3
meses em 90% dos casos. Quando a efusão ocorre por até 3 semanas,
é chamada de aguda; de 3 semanas a 3 meses, de subaguda; acima de
3 meses, de crônica. A efusão pode ser fluida (serosa), espessa
(mucoide), purulenta ou mista, e essa diferenciação é feita pelo
otorrinolaringologista.
Os sintomas da otite média secretora podem ser perda auditiva,
zumbidos e diminuição do equilíbrio. A otoscopia pneumática pode
evidenciar membrana timpânica retraída com ossículos salientes ou,
quando a quantidade de líquido é maior, abaulamento da membrana
com apagamento da imagem dos ossículos sob a mesma. Nesses
casos, a audiometria revela perda auditiva do tipo condutiva em
graus.
Geralmente, o líquido é reabsorvido em até 3 meses, e a conduta é
expectante, com reavaliações periódicas. No entanto, caso a efusão
persista por mais de 3 meses, ou seja, bilateral e associada a perda
auditiva, pode haver indicação de tratamento, que se baseia na
administração de antibióticos e em avaliações frequentes. Porém,
em casos selecionados, podem ser necessárias miringotomia com
aspiração da efusão do ouvido médio e colocação de tubos de
ventilação.
14.6.6.3 Otite média crônica

Caracteriza-se pela persistência dos sinais de otite média por mais


de 3 meses. Pode ser do tipo OMC secretora, OMC supurativa e OMA
colesteatomatosa.
Figura 14.11 - Otite média crônica simples com vários graus de perfuração da membrana
timpânica
1. OMC secretora: algumas vezes compromete a audição (hipoacusia).
Quando bilateral, pode atrapalhar o desenvolvimento cognitivo da criança
de até 18 meses;
2. OMC supurativa: cursa com perfuração timpânica e otorreia crônica.
Os principais agentes são Staphylococcus aureus e Pseudomonas
aeruginosa. O risco de surdez e supuração do osso temporal (mastoidite) e
infecção do SNC (meningite, abscesso) é relativamente alto;
3. OMA colesteatomatosa: cursa com perfuração timpânica e otorreia
crônica. Também tem risco de surdez e de supuração do osso temporal
(mastoidite) e infecção do SNC (meningite, abscesso). O colesteatoma é
uma reação de metaplasia do epitélio por queratinócitos e contendo debris
celulares e plugs de queratina. Essa “massa polipoide” envolve a cadeia
ossicular, inflama e infecta, provocando otorreia fétida e sanguinolenta e
perda rápida da audição.
Figura 14.12 - Otite média crônica (colesteatoma)
Fonte: Welleschik, 2006.

14.6.6.4 Mastoidite

A OMA pode cursar com algum grau de mastoidite, por contiguidade


entre a mucosa da orelha média e a mucosa das células da mastoide.
Esse envolvimento é subclínico. Os principais agentes são
pneumococo, Haemophilus não tipável e Pseudomonas aeruginosa.
Manifesta-se por dor retroauricular com calor, edema e hiperemia
local, desviando o pavilhão retroauricular para fora. O processo se
reverte, exceções, após a antibioticoterapia para OMA. Em uma
minoria, no entanto, o processo inflamatório se estende para o
periósteo da mastoide no osso temporal, provocando sintomas de
edema, vermelhidão e dor atrás da orelha na topografia do processo
mastoide. O tratamento é feito com antibioticoterapia venosa com
ceftriaxona associada a oxacilina ou clindamicina e miringotomia.
Figura 14.13 - Mastoidite aguda – complicação de otite média aguda
Fonte: Welleschik, 2006.

Em casos mais graves, pode haver evolução para osteomielite da


parte pedrosa do osso temporal, levando à destruição do osso
trabecular. É visível à tomografia computadorizada como
desaparecimento dos septos ósseos nas células da mastoide. Na
petrosite aguda, pode aparecer a síndrome de Gradenigo,
caracterizada pela tríade composta por otorreia purulenta, paralisia
de nervo abducente (VI par) e dor orbitária ipsilateral, por
comprometimento do ramo oftálmico no nervo trigêmeo. A conduta
é sempre internação, com tomografia computadorizada e
mastoidectomia e administração de antibioticoterapia venosa:
ceftriaxona, amoxicilina-clavulanato ou cefuroxima.
14.6.6.5 Infecção do SNC

Complicações supurativas são bastante graves e exigem tratamento


sem demora. Existe pequeno risco de complicação para o SNC:
meningite, abscesso cerebral (epidural, subdural ou
parenquimatoso) e tromboflebite do seio lateral.
14.6.6.6 Outras sequelas

Timpanoesclerose, atelectasia e perfuração crônica, levando a


surdez de condução.
14.7 RINOSSINUSITE AGUDA
14.7.1 Definição
Trata-se de uma doença que resulta da infecção de 1 ou mais seios
paranasais, causada por agentes virais ou bacterianos.
Figura 14.14 - Cavidades paranasais na criança
14.7.2 Cavidades paranasais
As cavidades paranasais etmoidais estão presentes ao nascimento,
embora as dimensões sejam reduzidas. Já as cavidades frontal e
esfenoidal começam a desenvolver-se após os 3 anos e são visíveis à
radiografia após 6 a 7 anos, quando estão completamente formadas.
Essas cavidades ósseas têm comunicação com o nariz, de onde
recebem o ar inspirado, para aquecimento e filtração.
Os anticorpos da classe imunoglobulina A representam 2 quartos das
imunoglobulinas locais. O sistema mucociliar agrega e transporta
partículas e micro-organismos em direção à cavidade nasal,
drenando as secreções por meio de orifícios localizados junto aos
cornetos. A drenagem dos seios acontece por intermédio dos óstios
em comunicação com a fossa nasal. Quando há obstrução de
drenagem e acúmulo das secreções intrassinusais, os micro-
organismos comensais da cavidade nasal, particularmente as
bactérias, multiplicam-se na coleção líquida e promovem a
inflamação da parede sinusal. Dos métodos de obtenção de secreções
para cultura, o único realmente confiável é a aspiração direta do seio
paranasal, mas esse procedimento está indicado apenas em casos
selecionados, como em imunocomprometidos ou doença refratária
ao tratamento.
14.7.3 Etiologia
A maioria das rinossinusites é de etiologia viral – rinovírus,
adenovírus, vírus sincicial respiratório, parainfluenza –,
consequência direta das rinofaringites virais (cerca de 6% das
rinossinusites são complicações bacterianas).
Requer apenas tratamento sintomático. Nas rinossinusites
bacterianas agudas, os principais agentes envolvidos são os micro-
organismos aeróbios que habitualmente colonizam a cavidade nasal
e os mesmos agentes da OMA: Streptococcus pneumoniae (30%),
Haemophilus influenzae não tipável (20%) e Moraxella catarrhalis
(10% a 20%).
Nos casos de obstrução ostial prolongada, levando a sinusite crônica,
outros micro-organismos, como o Staphylococcus aureus e diversas
bactérias anaeróbias, podem desenvolver-se. Em imunodeficientes e
diabéticos, algumas vezes ocorrem infecções por fungos, como
Aspergillus sp. e Nocardia sp.
14.7.4 Classificação
De acordo com os Consensos Europeu e Americano, pode-se dividir a
sinusite, de acordo com o tempo de doença, em:
a) Sinusite aguda: inflamação das cavidades paranasais de até 4
semanas;
b) Subaguda: de 4 até 12 semanas;
c) Crônica: além de 12 semanas;
d) Recorrente: mais de 4 episódios agudos por ano.

14.7.5 Patogênese
A partir da rinossinusite viral, iniciam-se edema e inflamação local,
causando o bloqueio da drenagem dos seios da face, acumulando
líquidos e secreções, favorecendo a proliferação de bactérias,
levando a sinusite bacteriana.
14.7.6 Fatores de risco e prevenção
Vários fatores sistêmicos e locais referentes à criança devem ser
considerados na patogênese da sinusite, como os listados a seguir:
a) IVASs de repetição por permanência em creches;
b) Obstrução anatômica – hipertrofia de adenoides, defeitos do septo
nasal;
c) Rinite alérgica não tratada;
d) Deficiências de anticorpos;
e) Diabetes;
f) Exposição a agentes irritantes – tabaco, poluição, ar seco, água
clorada;
g) Discinesia ciliar primária.

A vacinação decavalente contra pneumococos tem influência


positiva na redução da incidência da rinossinusite por esse agente. Já
a vacina contra Haemophilus influenzae tipo B não é eficaz contra a
sinusite, apesar de ter diminuído a incidência de várias doenças.
14.7.7 Diagnóstico
É eminentemente clínico, na maioria das vezes dispensando exames
de imagem. Sintomas nasais persistentes – coriza, obstrução,
congestão – , acompanhados de tosse, que geralmente pioram à
noite, são característicos, diferenciando-se do resfriado comum pela
persistência e história de IVAS acima de 14 dias ou com quadro de
febre alta e descarga nasal purulenta por 3 a 4 dias. Em crianças
maiores, pode-se ter queixa de cefaleia, dor facial em peso e dor à
palpação e, ou percussão de seios paranasais. Quando se trata de
pré-escolares ou crianças mais novas, tais sintomas são mais
difíceis de serem identificados. A tosse e o corrimento nasal, embora
não sejam específicos, podem estar presentes e se acentuar ao
decúbito dorsal. Ao exame físico, podem-se encontrar mucosa nasal
eritematosa e, ou edemaciada e, também, a secreção mucopurulenta
em nasofaringe posterior, sinal “da vela” – ou sinal da gota pós-
nasal. A cultura de aspirado do seio da face é recomendada a
imunodeprimidos ou em sinusites refratárias.
A radiografia de seios paranasais pode mostrar imagem de
velamento assimétrico de seios ou edema de mucosa, sinais
inespecíficos que podem aparecer também em uma simples
rinofaringite, portanto sem valor diagnóstico. Esse exame não deve
ser solicitado para o diagnóstico de rinossinusite.
A tomografia computadorizada de seios da face é mais fiel para fins
de diagnóstico. No entanto, apresenta alguma limitação em função
da assimetria dos seios paranasais, algumas vezes encontrada em
algumas crianças, devido ao desenvolvimento parcial dessas
estruturas. Além disso, o custo-benefício de expor o paciente à alta
radiação de tomografia para o diagnóstico de patologia simples
descarta seu uso rotineiro.
Figura 14.15 - Radiografias dos seios da face
Legenda: (A) Waters; (B) Caldwell; (C) Waters.

Figura 14.16 - Nível líquido em seio maxilar

Não é necessário solicitar nenhum exame de imagem para o


diagnóstico de rinossinusite aguda. O diagnóstico é clínico.
Figura 14.17 - Tomografia computadorizada coronal
Nota: velamento dos seios maxilares.

Figura 14.18 - Obstrução em seio maxilar na radiografia e nível líquido na tomografia


computadorizada (padrão-ouro)
14.7.8 Tratamento
Nas rinossinusites virais, o tratamento é de suporte, como orientado
para a rinofaringite aguda. No caso de etiologia bacteriana, consiste
na administração de antibióticos direcionados aos patógenos mais
comuns. A escolha do antimicrobiano, especialmente na criança,
deve ainda considerar a segurança e os fatores de adesão ao
tratamento – apresentação, posologia, via de administração, sabor e
efeitos colaterais. Geralmente, os pais preferem as drogas
administradas 1 ou 2 vezes ao dia.
Quando não há ingestão de antimicrobianos nos últimos 3 meses, a
amoxicilina é a droga de escolha (de 50 a 80 mg/kg/d, a cada 8 horas
ou a cada 12 horas, pelo período de 14 dias). No entanto, ao suspeitar
de H. influenzae ou M. catarrhalis, esse antibiótico não produz os
efeitos desejados devido à produção de betalactamase que destrói a
camada produzida pelo antibiótico, devendo-se optar por
amoxicilina associada ao ácido clavulânico, macrolídeos
(azitromicina, claritromicina) ou cefalosporinas de segunda
(cefuroxima) ou terceira geração. Tais opções também devem ser
realizadas nos casos em que houve falha terapêutica com
amoxicilina.
Alguns autores preconizam a manutenção do tratamento antibiótico
até que a criança esteja assintomática por 7 dias. Eritromicina,
tetraciclina e cefalexina não devem ser utilizadas em razão do seu
espectro inadequado e de efeitos colaterais.
1. Soluções salinas hipertônicas: não se deve esquecer de manter a
permeabilidade das vias áreas superiores. A irrigação da mucosa nasal
com soluções salinas hipertônicas aumenta a frequência do batimento
ciliar e reduz o edema da mucosa, diminuindo a obstrução nasal.
Podem ser usadas como terapêutica adjuvante, sem os riscos
potenciais e as inconveniências das drogas, além da comodidade e do
baixo custo. As irrigações podem ser realizadas 2 vezes ao dia,
inicialmente com soluções isotônicas e, após 2 semanas, com
soluções hipertônicas;
2. Anti-histamínicos: não devem ser usados na rotina do tratamento da
rinossinusite bacteriana, pois ressecam a mucosa e limitam a
drenagem de secreções, além da possibilidade de intoxicação entre
crianças pequenas;
3. Cirurgia: eventualmente o tratamento cirúrgico é necessário,
principalmente quando a sinusite é secundária a fatores obstrutivos ou
malformação de seios paranasais.

14.7.9 Complicações
As complicações secundárias à sinusite, como celulite periorbital,
abscessos, trombose de seio cavernoso, meningite e osteomielite,
são sempre graves. Dessa forma, o exame físico de casos suspeitos de
sinusite sempre deve buscar sinais de tais complicações.
Figura 14.19 - Celulite periorbitária
Quando suspeitar de
complicação bacteriana
sobreposta a um quadro
respiratório viral na criança
e adolescente?
Complicação bacteriana deve ser suspeitada com paciente
que, durante o curso viral, apresenta febre alta, piora do
estado geral, aumento da quantidade da secreção, presença
de secreção mais esverdeada e espessa. Além disso, sinais
de otite média aguda e abcesso amigdaliano ou
retrofaríngeo também são sinais de complicação
bacteriana.
Quando suspeitar de
laringite e como tratar?

15.1 INTRODUÇÃO
A laringite, a laringotraqueobronquite e a epiglotite formam o grupo
das obstruções agudas inflamatórias das vias aéreas superiores, e
apresentam como sinal clínico comum o estridor. Essas doenças se
manifestam clinicamente por graus variados de obstrução e
inflamação das vias aéreas superiores. Também em conjunto
correspondem à síndrome clínica conhecida como “crupe”, cujos
sintomas em comum são tosse metálica, rouquidão, estridor e
variáveis graus de desconforto respiratório. Quando a etiologia dessa
síndrome é viral, denomina-se crupe viral. Outras etiologias para
síndrome do crupe incluem traqueíte bacteriana e difteria.
A epiglotite é uma patologia supraglótica, enquanto a laringite, a
laringotraqueíte e a laringotraqueobronquite são infraglóticas. O
grupo de doenças virais infraglóticas é denominado crupe viral.
15.2 EPIDEMIOLOGIA
A laringite e a laringotraqueobronquite são mais frequentes nos 2
primeiros anos de vida, sendo também bastante incidentes na faixa
etária que se estende dos 6 meses aos 6 anos. Isso ocorre porque, até
o 2 anos de idade, o calibre das vias aéreas é menor, e qualquer
inflamação ou secreção diminui de forma significativa a luz da via
aérea, com repercussão clínica exuberante.
É um pouco mais comum em meninos, e costuma ocorrer associado
a quadros gripais ou em períodos de mudança abrupta de
temperatura.
A epiglotite é uma doença bacteriana, de curso mais grave e
fulminante, mais comum em criança de 2 a 5 anos de idade.
15.3 FISIOPATOLOGIA
A inflamação aguda das vias aéreas, decorrente de infecção viral ou
bacteriana, no caso da epiglotite, acarreta edema e espasmos
laríngeos, com redução do calibre das vias aéreas.
15.4 ETIOLOGIA
O crupe geralmente é causado por vírus, embora possa ocorrer
infecção bacteriana secundária. Os vírus parainfluenza tipos 1 e 3 são
os mais associados ao crupe em todas as idades, em cerca de 75% dos
casos. Outros vírus envolvidos na etiologia são o sincicial
respiratório, o influenza, o adenovírus e o vírus do sarampo.
A laringotraqueíte bacteriana é uma complicação da laringite viral, e
os principais agentes são S. aureus, M. catarrhalis e H. influenza não
tipável. O Mycoplasma pneumoniae é um agente menos comum
nesses casos, e pode causar casos mais leves.
Já a epiglotite é sempre bacteriana. No período pré-vacinal seu
principal agente etiológico era o H. influenza tipo B. Entretanto, com
a disseminação dessa vacina, houve uma redução significativa no
número de casos e a mudança no perfil de patógenos. Atualmente os
agentes responsáveis por essa condição são o S. pyogenes, S. aureus
e S. pneumoniae.
15.5 QUADRO CLÍNICO
As afecções subglóticas (crupe) iniciam-se com rinorreia clara,
faringite, tosse leve e pode haver febre baixa. Após 12 a 48 horas,
iniciam-se os sintomas de obstrução das vias aéreas superiores,
característicos da síndrome do crupe.
Os achados clínicos caracterizam-se por rouquidão, estridor
inspiratório, tosse ladrante e sinais de desconforto respiratório,
taquipneia e tiragens, que tendem a ser piores à noite. A gravidade
dos sintomas está relacionada ao grau de estreitamento da laringe
ou da traqueia, resultante do processo inflamatório e do edema de
mucosa. Casos mais graves apresentam-se com estridor, mesmo ao
repouso, e estão associados ao desconforto respiratório evidenciado
por batimento de asas de nariz e retrações intercostais. Os sintomas
geralmente se resolvem em 3 a 7 dias, podendo durar até 24 dias nos
casos mais graves.
A epiglotite é um quadro mais grave e agudo, com evolução precoce
para insuficiência respiratória. O paciente apresenta febre alta,
prostração, dor de garganta, rouquidão ou afonia, sialorreia, estridor
inspiratório e dispneia rapidamente progressiva. A criança em geral
se coloca na posição de tripé: sentada para frente, com pescoço
estendido, apoiando-se sobre os braços, com o objetivo de manter
pérvia a coluna aérea. Na laringoscopia é visualizada a epiglote
grande, edematosa, vermelho cereja. Evitar o uso de abaixadores de
língua na suspeita de epiglotite: seu uso pode ocasionar
laringoespasmo, com piora do quadro. A avaliação da epiglote é
realizada no momento da laringoscopia.
15.6 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico das patologias obstrutivas inflamatórias das vias
aéreas superiores é clínico, pela história e exame físico.
Exames de imagem não são necessários, mas caso seja realizado
radiografia de pescoço em perfil é evidenciado o sinal “da torre” ou
sinal “do campanário”: área de dilatação a montante da traqueia,
estreitamento subglótico, distensão da hipofaringe e irregularidade
das pregas vocais. Na epiglotite a radiografia de pescoço apresenta o
sinal “do polegar”: edema da epiglote.
Exames laboratoriais não estão indicados nos quadros virais, e se
colhidos hemograma e exame de PCR não apresentam alterações
significativas. Já na epiglotite há leucocitose com neutrofilia e desvio
à esquerda, e aumento de PCR.
Figura 15.1 - Sinal “do campanário”

Quadro 15.1 - Características das infecções respiratórias agudas das vias aéreas médias
15.6.1 Diagnósticos diferenciais
O crupe diftérico é um importante diagnóstico diferencial das
patologias apresentadas, em que há corrimento nasal seroso ou
serossanguinolento, presença de membrana branco acinzentada
sobre as amígdalas, disfagia importante e ausência de febre. Se há
tentativa de remoção da membrana que recobre a amígdala, com o
abaixador de língua, por exemplo, há sangramento local. A
prevalência do crupe diftérico hoje é baixa, devido à ampla
distribuição da vacina pelo serviço público de saúde.
Outro diferencial é a aspiração de corpo estranho, mas nestes casos o
quadro é súbito, sem antecedente de infecção de vias aéreas
superiores ou resfriado comum.
15.7 TRATAMENTO
O crupe viral é autolimitado, com duração de 3 a 7 dias. O tratamento
é direcionado primariamente ao alívio do desconforto respiratório. O
principal objetivo do tratamento é a manutenção das vias aéreas
patentes.
Nos casos leves – taquipneia e desconforto respiratório ausentes ou
leves, sem hipoxemia e sem piora do estado geral – o tratamento é
feito em ambiente domiciliar, com inalação com soro fisiológico e
sintomáticos.
Nos casos em que há taquipneia ou desconforto respiratório
importante, hipoxemia (SatO2 < 92%) ou acometimento do estado
geral, o tratamento é realizado com corticoide sistêmico e inalação
com adrenalina pura. Hoje já é reconhecida também a ação de
corticoide inalatório no tratamento das laringites (budesonida). A
inalação com adrenalina pode ser realizada apenas em ambiente
hospitalar, e após sua realização é necessário período mínimo de
observação por 6 horas, pelo risco de efeito rebote. A criança deve ser
mantida na forma mais tranquila e confortável possível, muitas
vezes no colo dos pais, para evitar a piora do desconforto
respiratório.
Os pacientes que mantém sinais de gravidade após tratamento
inicial com corticoide e inalação com adrenalina, pacientes que não
tem condições sociais para receber o tratamento domiciliar ou que
não têm condições de retorno breve ao serviço médico devem ser
internados para tratamento hospitalar.
Os pacientes que apresentam desconforto respiratório ou hipoxemia
devem receber suporte ventilatório de acordo com sua necessidade.
Critérios de internação no crupe:
a) Suspeita de epiglotite;
b) Estridor progressivo;
c) Estridor intenso em repouso;
d) Dificuldade respiratória;
e) Hipóxia;
f) Inquietude;
g) Cianose e/ou palidez;
h) Alteração do nível de consciência;
i) Febre alta e sinais de toxemia;

Já o crupe é um quadro agudo e potencialmente fatal. Deve ser


realizada a estabilização imediata das vias aéreas, por meio da
intubação por um médico experiente, coletado hemograma,
hemocultura, PCR e culturas das secreções e realizada sempre
internação em ambiente de terapia intensiva. A introdução de
antibiótico deve ser a mais breve possível: amoxicilina + clavulanato,
ceftriaxona.
O uso de corticoide e a inalação com adrenalina são ineficazes nos
quadros de epiglotite.
15.8 PROFILAXIA PARA OS
CONTACTANTES DE EPIGLOTITE
Se há suspeita de epiglotite causada por hemófilos, crianças menores
de 2 anos com vacinação incompleta e crianças contactantes
domiciliares imunossuprimidas devem receber profilaxia com
rifampicina 20 mg/kg 1x/d por 4 dias, dose máxima: 600 mg/d.
Quando suspeitar de
laringite e como tratar?
A laringite é um quadro agudo, pode iniciar de forma
espontânea ou como consequência de resfriado comum, e
cursa com tosse seca, estridor inspiratório e desconforto
respiratório. Pode cursar também com hipoxemia.
Para os casos leves o tratamento consiste em inalação com
soro fisiológico. Nos casos moderados e graves, corticoide
oral ou inalatório, inalação com adrenalina, suporte de
oxigênio conforme necessidade.
Quando suspeitar de
coqueluche na faixa etária
pediátrica?

16.1 INTRODUÇÃO
A coqueluche é uma infecção bacteriana do epitélio ciliar do trato
respiratório causada pela Bordetella pertussis, cocobacilo aeróbio
encapsulado isolado somente em humanos. É uma doença altamente
contagiosa, que se transmite durante os acessos de tosse e
eliminação de gotículas. Cursa com tosse prolongada,
tradicionalmente acompanhada por um “guincho” inspiratório e
diferentes graus de desconforto respiratório. Pode ser muito grave
entre as crianças menores de 1 ano, sendo uma das 10 causas mais
comuns de óbito nessa faixa etária. A maioria dos casos acontece em
menores de 12 meses de vida.
16.2 EPIDEMIOLOGIA
Apesar da ampla imunização contra pertussis, a incidência de
coqueluche vem aumentando desde a década de 1990,
principalmente, entre os adultos e adolescentes, mas o predomínio
das notificações permanece entre menores de 1 ano. Dados do
Ministério da Saúde mostram que, no período de 2007 a 2012, de
todos os casos notificados em menores de 6 meses, 51% não haviam
recebido a vacina, 37% haviam recebido 1 dose e 12% haviam
recebido 2 ou mais doses. A principal fonte de contaminação nos
surtos intradomiciliares são os adultos e adolescentes.
A coqueluche é uma doença de notificação compulsória.
16.3 TRANSMISSÃO
A transmissão é feita por eliminação de gotículas durante a tosse. O
período de transmissão se inicia 5 dias após o contato e dura até 3
semanas após o início da tosse paroxística, pode chegar em até 6
semanas nos pacientes com menos de 6 meses. O período de
incubação é de 7 a 21 dias.
16.4 PATOGENIA
A B. pertussis, ao entrar em contato com a mucosa respiratória do
hospedeiro, adere ao epitélio ciliado. A seguir, a bactéria elimina
toxinas e enzimas que irão deflagrar a resposta imunológica do
hospedeiro e provocar os sintomas. Essas enzimas paralisam os
cílios do epitélio respiratório, causando diminuição na eliminação
das secreções. Ocorre lesão do epitélio respiratório com destruição
celular, hemorragias focais, edema e infiltrado peribrônquico.
16.5 QUADRO CLÍNICO
Os sintomas podem variar com a idade do indivíduo, imunidade, o
uso de antibióticos e comorbidades. A doença é classicamente
dividida em 3 fases:
1. Fase catarral: com o período de incubação, inicia-se um quadro de
resfriado comum, com coriza e secreção nasal, tosse, mal-estar e
febre baixa a moderada. A duração vai de 1 a 2 semanas;
2. Fase paroxística: depois de 7 a 10 dias do quadro catarral, inicia-se
o quadro clássico com tosse paroxística característica da coqueluche.
Ocorrem acessos súbitos de tosses curtas, rápidas, sem intervalo para
inspiração entre elas, seguidos por uma inspiração profunda com o
“guincho” característico. Pode ser acompanhada, também, de vômito
após o acesso de tosse. Nas crianças menores de 1 ano e
principalmente nas menores de 6 meses, durante os episódios de
tosse é possível observar pletora facial, cianose, apneia, petéquias na
face e no pescoço pelo esforço e convulsão. A fase de tosse
paroxística pode durar várias semanas;
3. Fase de convalescença: as crises de tosse, o guincho, os vômitos e
os engasgos diminuem progressivamente. A tosse é a última a
desaparecer por completo, e pode levar alguns meses para isso.
Nessa fase, pode ocorrer exacerbação do quadro com novos
paroxismos caso o paciente adquira alguma infecção respiratória
concomitante. A fase dura de 1 a 3 semanas. Crianças vacinadas e
adultos, em geral, apresentam quadro menos exuberante, e o
diagnóstico fica pouco lembrado. Nesse grupo etário, a presença de B.
pertussis pode ser identificada em 5 a 25% dos pacientes com tosse
há mais de 14 dias sem outra causa aparente.

16.6 DIAGNÓSTICO
O Ministério da Saúde lançou recentemente um guia de
recomendações para o diagnóstico e o combate à coqueluche. Nele,
para facilitar o diagnóstico correto, foram definidos critérios para
casos suspeitos e casos confirmados. Existem critérios clínicos,
clínico-epidemiológicos e laboratoriais para confirmar o
diagnóstico.
16.6.1 Casos suspeitos
1. Menores que 6 meses: independentemente do estado vacinal,
qualquer criança que apresente tosse há mais de 10 dias associada a
pelo menos 1 dos demais: tosse paroxística – de 5 a 10 tosses curtas
numa mesma expiração –, “guincho” inspiratório, engasgos, cianose,
apneia e vômitos pós-tosse;
2. Maior que ou com 6 meses: independentemente do estado vacinal,
qualquer indivíduo com tosse de qualquer tipo há mais de 14 dias
associada a pelo menos 1 dos demais: tosse paroxística – de 5 a 10
tosses curtas numa mesma expiração –, “guincho” inspiratório e
vômitos pós-tosse;
3. Todo indivíduo: que apresente tosse por qualquer período com
história de contato face a face com um caso confirmado pelo critério
laboratorial.

16.6.2 Casos confirmados


1. Critérios clínicos:
a) Menores que 6 meses: independentemente do estado vacinal,
qualquer criança que apresente tosse há mais de 10 dias
associada a pelo menos 1 dos demais: tosse paroxística,
“guincho” inspiratório, engasgos, cianose, apneia e vômitos pós-
tosse;
b) Maiores que ou com 6 meses: independentemente do estado
vacinal, qualquer indivíduo com tosse de qualquer tipo há mais de
14 dias associada a pelo menos 1 dos demais: tosse paroxística,
“guincho” inspiratório e vômitos pós-tosse.
2. Critérios clínico-epidemiológicos:
a) Contato de um caso confirmado por cultura ou PCR no período
de transmissibilidade.
3. Critérios laboratoriais:
a) Isolamento da B. pertussis por cultura da secreção da
nasofaringe ou identificação por PCR em tempo real.

A detecção do B. pertussis pela cultura da secreção nasofaríngea tem


maior sensibilidade quando é colhida durante a fase catarral e até 2
semanas da fase paroxística.
O hemograma pode auxiliar na suspeita diagnóstica, pois a
leucocitose com linfocitose é um achado inespecífico importante nos
pacientes com coqueluche. Linfocitose absoluta, > 10.000
linfócitos/mm3, em geral está associada à positividade da cultura de
secreção de nasofaringe para B. pertussis e leucocitose acentuada;
quando > 60.000/mm3, em geral se associa a maior gravidade. A
radiografia de tórax nos casos não complicados pode ser normal ou
apresentar espessamento peribrônquico, infiltrado peri-hilar ou
atelectasias, mas esses achados são inespecíficos.
Leucocitose com linfocitose é a alteração do hemograma mais
sugestiva de coqueluche, mas não é critério diagnóstico.
16.6.3 Diagnósticos diferenciais
A “tosse coqueluchoide”, com característica paroxística, pode estar
presente em diversas infecções respiratórias. Os principais agentes
são Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia trachomatis, Chlamydia
pneumoniae e adenovírus.
16.7 COMPLICAÇÕES
A principal complicação é a pneumonia, que pode ser causada pela B.
pertussis ou por outros agentes bacterianos. A convulsão é uma
complicação neurológica frequente, sobretudo, nos menores de 1
ano. Atelectasias podem ocorrer com frequência, enfisema e
pneumotórax são complicações mais raras.
Cerca de 90% das mortes por coqueluche ocorrem nos pacientes
menores de 6 meses de vida, por insuficiência respiratória. O
aumento de leucócitos circulantes em alguns casos pode alterar a
viscosidade sanguínea, levando à formação de trombos nas veias
pulmonares.
16.8 TRATAMENTO
As crianças maiores de 1 ano, como apresentam menor risco de
complicação, podem ser tratadas em domicílio. Menores de 1 ano e
principalmente menores de 6 meses apresentam um risco maior de
evoluir com insuficiência respiratória e apneia, portanto, devem ser
tratadas em ambiente hospitalar, de acordo com o bom julgamento
clínico. Deve-se oferecer suporte com oxigenoterapia, hidratação e
fisioterapia respiratória.
A terapia medicamentosa de escolha para erradicar B. pertussis da
nasofaringe é antibioticoterapia. O quanto antes for iniciada a
terapia, maior será a redução da transmissibilidade do patógeno. O
Ministério da Saúde, o Centers for Disease Control and Prevention
dos Estados Unidos e a agência inglesa de saúde Health Promotion
Program preconizam, como droga de escolha para o tratamento, a
azitromicina. Como segunda opção, podem-se usar a claritromicina
e, na sua ausência, a eritromicina. Sulfametoxazol-trimetoprima
deve ser usado na intolerância aos macrolídeos. A dose atual
preconizada e o tempo de tratamento dos antibióticos estão
relacionados nos Quadros 16.1, 16.2 e 16.3.
Quadro 16.1 - Primeira escolha: azitromicina

Fonte: Ministério da Saúde.

Quadro 16.2 - Segunda escolha: claritromicina


Fonte: Ministério da Saúde.

Quadro 16.3 - Sulfametoxazol-trimetoprima


Fonte: Ministério da Saúde.

Salbutamol por via oral, solução, não nebulização, nas 2 primeiras


semanas do paroxismo e prednisolona durante 7 dias podem reduzir
a intensidade dos acessos de tosse. Mulheres no último mês de
gravidez, puérperas e recém-nascidos que tiveram contato com caso
suspeito ou confirmado de coqueluche e que tiveram tosse por mais
de 5 dias devem ser tratados independentemente da situação vacinal.
16.9 PREVENÇÃO
A principal estratégia para o controle é a imunização, que deve ser
feita aos 2, 4 e 6 meses de vida, com primeiro reforço entre 6 e 12
meses após a última dose e segundo reforço entre os 4 e 6 anos de
vida. Classicamente há as vacinas combinadas para difteria, tétano e
pertussis, que podem ser de células inteiras (DTP), acelular tipo
infantil (DTPa) e acelular tipo adulto (dTpa). O Ministério da Saúde
disponibiliza a vacina DTP, no entanto a Sociedade Brasileira de
Pediatria recomenda DTPa pela menor reatogenicidade, embora esta
última só esteja disponível na rede privada.
A vacina contra coqueluche de células inteiras está contraindicada a
crianças com quadro neurológico em atividade; reação anafilática a
doses anteriores; hipersensibilidade aos componentes da vacina;
encefalopatia nos primeiros 7 dias após a aplicação de uma dose
anterior desse produto ou outro componente pertussis; convulsões
até 72 horas após a administração da vacina; colapso circulatório,
com choque ou episódio hipotônico-hiporresponsivo até 48 horas
após a administração da vacina.
Todas as gestantes devem receber a vacina DTPa. Essa vacina deverá
ser administrada a cada gestação, a partir da vigésima semana de
gestação. A depender da situação vacinal encontrada, deve-se
administrar uma dose da vacina DTPa para iniciar e completar o
esquema vacinal ou como dose de reforço. Em gestantes que não
foram vacinadas durante a gestação, aplicar uma dose de DTPa no
puerpério o mais precocemente possível.
A quimioprofilaxia dos comunicantes deve ser feita como o
tratamento da coqueluche com o uso de antibiótico. Está indicada
para:
a) Crianças com menos de 1 ano, independentemente do estado
vacinal e do período de tosse;
b) Crianças com mais de 1 ano e menos de 7 anos com esquema
vacinal incompleto ou desconhecido – completar o esquema vacinal
após;
c) Crianças com mais de 7 anos que tiveram contato próximo com um
caso suspeito no período de até 21 dias ou que convivem com
comunicante vulnerável no mesmo domicílio;
d) Pessoas que trabalham em serviços de saúde ou diretamente com
crianças.

São considerados comunicantes vulneráveis:


a) Recém-nascidos de mãe com sintomas respiratórios;
b) Crianças com menos de 1 ano, com menos de 3 doses de vacina
penta, tetravalente ou DTP;
c) Crianças com menos de 10 anos, não imunizadas ou com
imunização incompleta – menos de 3 doses de vacina penta, tetra ou
DTP;
d) Mulheres no último trimestre da gestação;
e) Indivíduos com comprometimento imunológico;
f) Indivíduos com doenças crônicas graves.
Quando suspeitar de
coqueluche na faixa etária
pediátrica?
1. Menor de 6 meses: independentemente do estado
vacinal, qualquer criança que apresente tosse há mais de 10
dias associada a pelo menos 1 dos demais: tosse paroxística
(de 5 a 10 tosses curtas numa mesma expiração),
“guincho” inspiratório, engasgos, cianose, apneia e
vômitos pós-tosse;
2. Seis meses ou mais: independentemente do estado
vacinal, qualquer indivíduo com tosse de qualquer tipo há
mais de 14 dias associada a pelo menos 1 dos demais: tosse
paroxística (de 5 a 10 tosses curtas numa mesma
expiração), “guincho” inspiratório e vômitos pós-tosse;
3. Todo indivíduo que apresente tosse por qualquer período
com história de contato face a face com um caso
confirmado pelo critério laboratorial.
Quais são os principais
agentes causadores de
pneumonias na faixa etária
pediátrica e seus respectivos
tratamentos?

17.1 INTRODUÇÃO
A pneumonia aguda constitui uma das principais causas de
morbimortalidade, principalmente em crianças com menos de 5
anos, nos países em desenvolvimento. Estimativa da Organização
Mundial da Saúde prevê 4 milhões de mortes por infecções
respiratórias agudas, 2 terços em crianças menores de 1 ano. No
Brasil, os fatores de risco associados à mortalidade em menores de 1
ano estão fortemente ligados a idade do desmame, peso ao nascer,
número de moradores da casa, aplicação da vacina BCG e condições
sociais da família, em particular da mãe.
17.2 EPIDEMIOLOGIA
As pneumonias são doenças frequentes, com incidência de 3% a 4%
ao ano, em crianças abaixo de 4 anos, e de 1% a 2%, em pré-
escolares e escolares. A maioria dos casos é leve e pode ser tratada
ambulatorialmente. Entretanto, os casos graves não são raros, e a
pneumonia bacteriana é causa de 10% a 25% de morte em crianças
nos países subdesenvolvidos e de 1 a 3% nos desenvolvidos. Essa
diferença ocorre porque a desnutrição aumenta a incidência, a
gravidade e a mortalidade pela doença. A qualidade da assistência
médica é essencial na redução da mortalidade. Faz parte do
calendário do Programa Nacional de Imunizações (PNI) a vacina
contra pneumococo 10-valente, administrada aos 2, 4 e 6 meses,
com reforço aos 15 meses.
Fatores de risco para pneumonias:
1. Maternos: grau de instrução, desmame precoce, efetividade do pré-
natal;
2. Sistema de saúde: diagnóstico precoce, tratamento adequado;
3. Ambientais: poluição, tabagismo, sazonalidade, contato com
paciente com infecção das vias aéreas superiores;
4. Paciente: prematuridade, baixo peso ao nascer, calendário vacinal
incompleto, doenças prévias –cardiopatias, anemia falciforme,
imunodeficiências primárias, corticoterapia e outras doenças que
levam ao comprometimento imunológico, doenças pulmonares que
induzem a pneumonias de repetição, como fibrose cística.

17.3 DEFINIÇÃO
O termo “pneumonia” descreve uma inflamação dos alvéolos e
espaços aéreos terminais, bronquíolos e espaço intersticial, em
resposta à invasão por agente infeccioso introduzido no pulmão,
principalmente em decorrência da aspiração de material de
secreções infectadas das vias aéreas superiores ou disseminação
hematogênica. A maioria dos casos é de natureza infecciosa, porém,
há pneumonias de natureza não infecciosa, secundárias à aspiração
de corpos estranhos, substâncias irritantes e pneumonite induzida
por droga ou radiação. Vários estudos apontam que a principal
etiologia de pneumonias em crianças menores de 5 anos é viral.
17.4 CLASSIFICAÇÃO
Pode ser classificada por critérios anatômicos, ou seja, a área
pulmonar afetada, podendo ser lobar, envolvendo 1 lobo ou
segmento, lobular, alveolar ou intersticial. A classificação pelo
agente etiológico nem sempre é possível e, quando determinada pela
cultura, direciona melhor o tratamento.
17.5 ETIOLOGIA
Do ponto de vista etiológico, as pneumonias são classificadas em:
1. Bacterianas: Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenza tipo
B, Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes;
2. Virais: especialmente vírus sincicial respiratório, influenza,
parainfluenza, adenovírus e rinovírus;
3. Atípicas: Mycoplasma pneumoniae e Chlamydia pneumoniae.

Mais raramente, a pneumonia é causada por processos autoimunes,


hipersensibilidade, fungos, drogas, radiação, inalação ou aspiração
– líquidos, poeiras, gases ou poluentes.
Quadro 17.1 - Principais agentes etiológicos de pneumonias comunitárias, de acordo com a
faixa etária

Fonte: Diretrizes brasileiras em pneumonia adquirida na comunidade em Pediatria, 2018.


17.5.1 Pneumonias bacterianas

Os agentes etiológicos das pneumonias


bacterianas variam de acordo com a faixa etária.

17.5.1.1 Recém-nascidos com menos de 7 dias

Os agentes Gram negativos (E. coli e Klebsiella pneumoniae),


Streptococcus B (agalactiae) e Listeria monocytogenes são as causas
comuns, por estarem presentes no canal de parto. Nesse período, a
infecção pode ser intrauterina, por meio da aspiração no canal de
parto ou contato pós-natal com outra pessoa ou equipamento
contaminado. Configura uma das formas da sepse neonatal precoce.
17.5.1.2 Recém-nascidos de 7 dias a 1 mês de vida
Após esse período e até o fim do primeiro mês de vida, os agentes
mais prevalentes são semelhantes aos anteriores, porém o S. aureus
e o S. pneumoniae já podem ser responsáveis por alguns casos.
Configura uma das formas de sepse neonatal tardia.
17.5.1.3 Lactentes de 1 a 3 meses

Após o primeiro mês de vida e até o final do terceiro mês, os agentes


variam de acordo com a presença ou a ausência de febre. Nesta
última, as bactérias mais prevalentes são Chlamydia trachomatis,
Ureaplasma urealyticum e P. jirovecii, encontradas na pneumonia
afebril do lactente, que se caracteriza por tosse “em staccato”, seca e
bem marcada; paroxística, taquipneia e ocasionalmente hipóxia. Na
pneumonia febril, os agentes mais comuns identificados são S.
pneumoniae, H. influenzae e S. aureus; são também os mais
prevalentes em pneumonias de crianças até 6 ou 7 anos.
17.5.1.4 Escolares e adolescentes
Em escolares e adolescentes, os agentes mais prevalentes são S.
pneumoniae, Mycoplasma pneumoniae e Chlamydophila
pneumoniae, antes chamada Chlamydia pneumoniae.
A infecção geralmente decorre da aspiração de secreções infectadas
das vias aéreas superiores. A infecção pelo Mycoplasma causa
sintomas graduais de mal-estar, febre baixa, cefaleia e muita tosse,
principalmente, na segunda semana da doença.
Em nosso meio, deve-se sempre pensar, como diagnóstico
diferencial das pneumonias, em tuberculose, especialmente, nas
situações com dissociação clínico-radiológica, não respondendo
bem ao tratamento proposto de maneira correta e naquelas com
importante epidemiologia familiar.
17.5.2 Pneumonias virais
Os vírus que mais comumente causam pneumonia incluem o vírus
humano sincicial respiratório, parainfluenza 1, 2 e 3, influenza A ou
B e, com menor frequência, o adenovírus, e o rinovírus.
Quadro 17.2 - Pneumonias: orientação etiológica
17.6 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A pneumonia afebril não é frequente e é mais encontrada em
crianças até os 3 meses. A intensidade da febre e o comportamento
do quadro febril podem ajudar na distinção clínica. Nas etiologias
virais, apesar de ser possível febre acima de 39°C, há grande melhora
do estado geral com a redução da temperatura, enquanto na
pneumonia bacteriana a toxemia, em geral, é mantida.
17.6.1 Pneumonias bacterianas
O quadro característico é composto por tosse, febre, taquipneia,
presença de retrações do tórax, tiragens subcostais; estertores finos,
crepitações; dor torácica, hipoxemia e sintomas sistêmicos
associados. A presença de tosse, febre e taquipneia e/ou dispneia
fecham o diagnóstico de pneumonia pela Atenção Integrada às
Doenças Prevalentes da Infância (AIDPI), sem a necessidade de
exames adicionais, por exemplo, radiografia de tórax, e com
indicação de intervenção imediata, antibioticoterapia.
Sibilos são raros na pneumonia bacteriana.
Ao exame físico, além de estertores, podem-se notar diminuição do
murmúrio vesicular, aumento do frêmito toracovocal e broncofonia.
Submacicez ou macicez à percussão podem estar presentes quando
há derrame pleural, mas também podem estar ausentes quando o
derrame pleural é pequeno (locular) ou laminar. Algumas crianças
podem apresentar dor abdominal, principalmente, quando há
envolvimento dos lobos inferiores.
Toxemia, palidez e cianose acompanham a prostração e mostram
relação com a gravidade do caso. A taquipneia com ou sem dispneia é
mais encontrada nos casos de Pneumonia Adquirida na Comunidade
(PAC), sendo esse o sintoma mais importante no seu diagnóstico.
Quanto menor for a criança, mais perceptível será a dificuldade
ventilatória.
17.6.2 Pneumonias virais
As manifestações clínicas das pneumonias virais incluem sintomas
respiratórios leves, como tosse e coriza, e evoluem com taquipneia e
retrações intercostais, subcostais e supraesternais. A febre pode
estar presente desde o início do quadro ou quando os sintomas se
tornam mais intensos.
Os quadros virais podem apresentar febre maior do que 39 °C, mas,
após a diminuição da temperatura com antitérmicos ou banhos
térmicos, apresenta uma grande melhora do estado geral, ao passo
que, nas infecções bacterianas, a prostração se mantém.
É importante salientar que a taquipneia, vista nos casos de
pneumonia, persiste mesmo quando a temperatura está abaixo de
36,5°C, devido a alterações de ventilação e/ou perfusão, e não apenas
ao estado hiperdinâmico causado pela febre.
A ausculta torácica pode evidenciar murmúrios vesiculares
diminuídos unilateralmente e estertores e/ou sibilos difusos,
podendo ser muito semelhante à ausculta pulmonar do quadro
bacteriano. Os sibilos são mais comuns nos quadros virais do que
bacterianos.
17.7 DIAGNÓSTICO
Pela elevada frequência das pneumonias e suas associações a outros
fatores de risco, que contribuem com o aumento da
morbimortalidade, é importante realizar precocemente o
diagnóstico correto, reconhecer as complicações e iniciar o
tratamento adequado.
Para o diagnóstico de pneumonias, podem-se utilizar dados clínicos
ou clínico-radiológicos. Embora, as manifestações clínicas sejam
comuns a várias doenças pulmonares. Na prática tal dificuldade é
contornada com um número de sinais de boa acurácia, facilmente
identificáveis, possibilitando estabelecer o diagnóstico de
pneumonia de forma simplificada. Portanto, o objetivo inicial
norteia, em primeiro lugar, a identificação de crianças com
pneumonia e, em seguida, a distinção dos casos graves dos não
graves e a proposta da forma do tratamento, hospitalar ou
ambulatorial.
O Ministério da Saúde tem adotado uma medida, como norma geral
para tratamento, de que o diagnóstico de pneumonia seja feito por
síndromes clínicas, tendo como parâmetros os sinais e os sintomas
clínicos. Os sinais de gravidade do quadro infeccioso de acordo com a
faixa etária podem ser vistos nos Quadros 17.3, 17.4 e 17.5.
Quadro 17.3 - Diagnóstico clínico das insuficiências respiratórias agudas
Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria. Programa de Atualização em Terapêutica
Pediátrica, 2016.

Quadro 17.4 - Frequência respiratória normal para a idade


Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria. Programa de Atualização em Terapêutica
Pediátrica, 2016.

A tosse e/ou, a dispneia são os principais sinais para suspeitar do


diagnóstico de pneumonias. Em seguida, deve-se classificá-la
segundo a gravidade, sendo importante parâmetro a taquipneia, a
Organização Mundial da Saúde a aponta como o sinal de maior
sensibilidade, 77%, e maior especificidade, 58%. A ausência de
taquipneia tem um alto valor preditivo negativo, isto é, na ausência
de taquipneia dificilmente teremos diagnóstico de pneumonia.
A elevação da FR pode ocorrer precocemente, mesmo antes dos
sinais auscultatórios ou da presença de imagem radiológica, e deve
ser aferida no período de 1 minuto, de preferência com a criança em
posição confortável.
Outros sinais que expressam a gravidade da pneumonia são o esforço
respiratório e a presença de tiragens ou retrações subcostais. Para
crianças menores de 2 meses, a presença de convulsões, sonolência,
batimentos “de asas de nariz”, gemido respiratório, cianose central,
hipotermia e impossibilidade de beber ou mamar determinam maior
gravidade.
Quadro 17.5 - Classificação clínica da gravidade de pneumonias em crianças de 2 meses a
5 anos
Fonte: Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, 2007.

17.7.1 Exames de imagem


Classicamente, a radiografia de tórax pode evidenciar infiltrado
alveolar ou intersticial na pneumonia. O primeiro está associado à
etiologia bacteriana, e o segundo, à viral, mas tal afirmativa tem sido
muito questionada atualmente, não existindo padrão radiológico
típico que permita fazer diagnóstico etiológico de certeza.
A radiografia de tórax pode mostrar infiltrados bilaterais difusos,
infiltrados lobares, hiperinsuflação, broncogramas aéreos que
chegam à periferia, consolidações. Diferenças de penetração entre
cada hemitórax, também podem ser achados de pneumonia
incipiente. Podem ser observados “borramento” da silhueta cardíaca
na dependência da extensão do acometimento e complicações como
a atelectasia. Tais achados não são suficientes para predizer o
agente, se viral ou bacteriano, tendo em vista que mesmo uma
pneumonia bacteriana pode se apresentar, inicialmente, com os
mesmos achados. A ausência de sinais radiológicos como
consolidação, derrame pleural e pneumatocele, cavidade no
parênquima pulmonar preenchida com ar, não significa que a
etiologia não seja bacteriana.
A radiografia de tórax não deve ser feita de
rotina para o diagnóstico de pneumonia, mas
deve ser realizada em crianças com sinais de
gravidade que necessitam de tratamento
hospitalar.

Realizar radiografia nas seguintes situações:


a) Dúvida no diagnóstico;
b) Presença de hipoxemia, desconforto respiratório e outros sinais de
gravidade;
c) Falha na resposta após 48 a 72 horas de tratamento ou em caso de
piora progressiva;
d) Pacientes hospitalizados.

Figura 17.1 - Evidência de pneumonia lobar no ápice direito


Figura 17.2 - Radiografia de tórax, incidência anteroposterior, com imagem de pneumonia
bilateral
Figura 17.3 - Radiografia de tórax com imagem de pneumonia bilateral e derrame pleural
Figura 17.4 - Radiografia de tórax com imagem de pneumonia unilateral que evoluiu com
derrame pleural
É importante observar a presença dos sinais de
complicações da pneumonia, como derrame
pleural ou atelectasias. Quando há dúvida se a
imagem na radiografia é realmente de derrame
pleural, pode-se fazer outra incidência: lateral
com raios horizontais, paciente deitado do lado
em que se desconfia haver o derrame pleural –
radiografia em Laurel.
Figura 17.5 - Radiografia em Laurel com derrame pleural
Em caso de suspeita de derrame pleural, em que a radiografia com
incidência em Laurel deixa dúvida, pode ser realizada
ultrassonografia torácica, para melhor elucidação e quantificação do
derrame. A radiografia de tórax não deve ser solicitada para o
controle de cura de PAC.
17.7.2 Exames de laboratório
O hemograma de crianças com pneumonia de etiologia viral tende a
ser normal ou mostrar discreta leucocitose (< 12.000/mm3), com
predomínio de linfócitos associados aos marcadores da fase aguda
da inflamação – Proteína C Reativa (PCR) e velocidade de
hemossedimentação (VHS).
Leucopenia (< 5.000/mm3) e anemia são marcadores de mau
prognóstico.
A presença de eosinofilia nos casos de
pneumonia afebril pode sugerir infecção por
Chlamydia trachomatis.

O diagnóstico laboratorial para a identificação do agente pode ser


difícil, pela dificuldade da coleta do material de um local que
represente o verdadeiro foco infeccioso; conhecer os principais
patógenos envolvidos em cada faixa etária determina a melhor
decisão para o uso de antibióticos. Para os casos adquiridos na
comunidade, em crianças sem doença de base, a pneumonia por S.
pneumoniae deve ser o primeiro agente a ser considerado. O
isolamento das bactérias piogênicas com a capacidade de invadir a
corrente sanguínea pode ser feito pela hemocultura. Muito embora
seja um exame de fácil coleta e execução, a identificação do agente
causal não chega a 5% dos internados. Quando a cultura é realizada
no líquido pleural, o isolamento do agente pode chegar a 20%.
Entretanto, para o pneumococo, a hemocultura é positiva em 20% a
30%, chegando a 50% quando realizada no líquido pleural, antes da
introdução dos antibióticos.
Assim, é de suma importância sempre questionar a necessidade de
realizar a punção pleural, com amostra para cultura, na presença do
derrame pleural. A decisão de puncionar pode ser facilitada com a
ultrassonografia de tórax para avaliação da quantidade de líquido
pleural e se o derrame está loculado. Até algum tempo atrás
praticamente todos os derrames pleurais eram puncionados, para
que fossem diferenciados de empiema. No ano de 2019, a decisão
sobre punção é baseada em sinais de desconforto respiratório.
Se houver necessidade de puncionar, devido o desconforto, deve ser
analisado o aspecto do líquido, purulento, por exemplo, e enviado
para as seguintes análises laboratoriais:
a) Identificação etiológica – bacterioscopia, cultura e
contraimunoeletroforese;
b) Bioquímica pleural e/ou plasmática – proteínas, desidrogenase
láctica, glicose;
c) Análise do pH, se menor do que 7,2, avaliar a indicação de
drenagem pleural;
d) Citologia, principalmente no diferencial com exsudatos serosos;
e) Adenosina deaminase para tuberculose.

A drenagem não é mais obrigatória, mesmo em caso de empiema, o


tratamento pode ser conservador, com antibioticoterapia em
ambiente hospitalar. A indicação de drenagem deve-se à
persistência ou recidiva do desconforto respiratório, falha no
tratamento conservador e sinais de complicações.
Quadro 17.6 - Principais características das pneumonias de acordo com o agente etiológico
A determinação dos patógenos virais é demonstrada pela detecção
dos antígenos virais em células da nasofaringe pela técnica da
imunofluorescência direta, como o vírus humano sincicial
respiratório, parainfluenza, influenza e adenovírus. Muitas das
pneumonias tratadas com antibióticos são, na verdade, virais, que
cursariam com remissão espontânea sem necessidade de
antibioticoterapia. O tratamento se baseia em medidas de suporte
para a manutenção da função respiratória. Para alguns casos, são
necessários internação, hidratação intravenosa, oxigênio ou até
mesmo ventilação assistida.
17.8 TRATAMENTO
O ideal, sempre que possível, seria identificar o agente, mas, por
dificuldades muitas vezes técnico-operacionais, o tratamento
instituído é empírico, orientado pelos agentes mais prováveis da
faixa etária e o estado imunológico. Estudos recentes confirmam o
Streptococcus pneumoniae como o agente bacteriano mais frequente
em crianças e adolescentes. O Mycoplasma pneumoniae, em alguns
países, em maiores de 5 anos, apresenta-se como o primeiro ou
segundo patógeno associado à PAC.
A primeira etapa após o diagnóstico de pneumonia é decidir o tipo de
tratamento: ambulatorial ou hospitalar em regime de internação. Os
critérios de internação utilizados encontram-se a seguir:
a) Lactentes menores de 2 meses;
b) Presença de hipoxemia (SatO2 < 92% em ar ambiente);
c) Desconforto respiratório, dispneia, batimento de asa nasal, uso de
musculatura acessória, FR ≥ 60 irpm em menores de 2 meses e ≥ 50
irpm nos demais;
d) Sinais de toxemia;
e) Presença de derrame pleural, pneumatoceles, abscessos
pulmonares;
f) Desidratação moderada;
g) Doenças crônicas de base, doença falciforme, cardiopatia, fibrose
cística, síndrome nefrótica, desnutridos graves e imunodeficiências
primárias;
h) Falha da terapêutica ambulatorial;
i) Incapacidade da família de continuar adequadamente o tratamento;
j) Crises de apneia, convulsões, alteração do nível de consciência,
vômitos;
k) Sinais clínicos gerais de gravidade.

Recomendações dietético-nutricionais:
a) Fracionar em pequenas quantidades;
b) Oferecer na posição semissentada, risco de aspiração;
c) Preferir alimentos pastosos ou líquidos;
d) Oferecer alimentos costumeiros para a criança;
e) Fornecer quantidades generosas de líquidos, prevenção de
desidratação;
f) Fluidificar secreções, água é melhor do que xarope.

Como base geral do tratamento das pneumonias, tanto ambulatorial


como hospitalar, devem-se adotar cuidados gerais:
a) Orientar a dieta respeitando a anorexia que ocorre durante o curso
da doença;
b) Antitérmicos somente se a temperatura for superior a 37,8°C, salvo
outra indicação, convulsão febril;
c) Manter permeáveis as vias aéreas superiores com aspiração e
limpeza cuidadosas da secreção nasal por meio de soro fisiológico;
d) Orientar a família sobre o esquema de tratamento adotado e sinais
de piora da doença – respiração rápida ou difícil, piora do estado geral
e dificuldade em ingerir líquidos ou alimentar-se;
e) Se a decisão for tratamento ambulatorial, devem-se ter como regra
geral reavaliar em 48 horas e assegurar boa resposta à terapêutica.

Crianças menores de 2 meses devem ser internadas sempre. As


demais devem ser avaliadas e classificadas quanto à gravidade,
dando início ao tratamento, em nível ambulatorial, dirigido para S.
pneumoniae e H. influenzae B, com indicação de amoxicilina oral. Na
reavaliação que deve ser feita em 48 horas, se observadas diminuição
da FR e da temperatura e melhora do estado geral, mantém-se o
antibiótico por um total de 7 a 10 dias. Caso apareçam sinais de
gravidade, indica-se internação. Vale relembrar os sinais de
gravidade: piora da FR e do padrão respiratório anterior,
impossibilidade de ingestão de líquidos e piora do estado geral.
O algoritmo do tratamento hospitalar da pneumonia será norteado
pela presença ou não do derrame pleural e da toxemia. Para os casos
graves, a duração da antibioticoterapia será variável e dependerá do
tipo de patógeno isolado, da resposta inicial à terapêutica, da
presença de outros focos infecciosos – meningite, pericardite,
diarreia ou sepse – e das condições imunológicas do paciente.
Figura 17.6 - Algoritmo para abordagem de criança menor de 2 meses com pneumonia
Fonte: elaborado pelos autores.

Figura 17.7 - Algoritmo para abordagem de criança maior de 2 meses com pneumonia

Nota: Em maiores de 5 anos, se houver quadro clínico insidioso, considerar M. pneumoniae


e prescrever amoxicilina para os casos tratados no ambulatório. Se necessitar de
intervenção, proceder como descrito. Se o paciente apresentar derrame pleural associado,
puncionar. Se o líquido for turvo ou purulento, fazer Gram e cultura e colocar em drenagem
fechada. Se o líquido for citrino, fazer os estudos citológicos, bioquímicos (DHL, glicose,
PH) e microbiológicos para a decisão terapêutica.
Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, 2017.

17.8.1 Tratamento ambulatorial


O tratamento é feito de forma empírica, e a amoxicilina é o
antibiótico de primeira escolha, já que o Streptococcus pneumoniae
é o agente mais frequente em todas as idades.
Quadro 17.7 - Tratamento ambulatorial
Fonte: Ministério da Saúde, 2012.

No caso de falha terapêutica após 48 a 72 horas, devemos considerar


a possibilidade de:
a) Diagnóstico alternativo ou concomitante, como aspiração de corpo
estranho;
b) Presença de complicações;
c) Cobertura antibiótica ineficaz.

Pacientes com piora clínica devem ser hospitalizados e investigados


para etiologia microbiológica e presença de complicações.
17.8.2 Tratamento hospitalar
Os sinais de perigo apontados pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) para a recomendação de internação imediata são critério que
facilitam a decisão de internação para o profissional da saúde, e
devem ser respeitados. Crianças de dois meses a cinco anos com
tiragem subcostal são classificadas como tendo pneumonia grave e
aquelas com outros sinais sistêmicos de gravidade como pneumonia
muito grave. Em menores de dois meses, são considerados sinais de
doença muito grave: FR ≥ 60 irpm, tiragem subcostal, febre alta ou
hipotermia, recusa do seio materno por mais de três mamadas,
sibilância, estridor em repouso, sensório alterado com letargia,
sonolência anormal ou irritabilidade excessiva. Entre as maiores de
dois meses de vida, os sinais são: tiragem subcostal, estridor em
repouso, recusa de líquidos, convulsão, alteração do sensório e
vômito incoercível.
Pacientes com indicação de internação devem receber tratamento de
suporte: analgésicos, antitérmicos, suporte ventilatório, hidratação,
naqueles com incapacidade de ingesta hídrica adequada por via oral.
O início imediato de antibioticoterapia é crucial, geralmente de
forma empírica. De acordo com a Diretriz Brasileira de Pneumonia
Adquirida na Comunidade em Pediatria de 2007, a terapia de escolha
em crianças com idade inferior a 2 meses é penicilina cristalina ou
ampicilina associada a amicacina ou a gentamicina. Naqueles com
idade inferior a 5 anos e presença de pneumonia extensa, de
evolução rápida e com comprometimento do estado geral, opta-se
pela introdução de oxacilina associada a cloranfenicol ou
cefalosporina de terceira geração, em virtude da possibilidade de S.
aureus ou H. influenzae.
Quadro 17.8 - Tratamento de paciente internado
Fonte: Diretriz Brasileira em Pneumonia Adquirida na Comunidade em Pediatria, 2007.

17.8.2.1 Pneumonia com derrame pleural purulento extenso e/ou


toxemia

Avaliar a necessidade de drenagem pleural efetiva quando aspecto do


líquido purulento; bacterioscopia e cultura positiva, pH < 7,2 ou
síndrome restritiva.
1. Lactente com menos de 3 meses: introduzir oxacilina (200 mg/kg/d
IV, a cada 6 horas) ou ceftriaxona (100 a 150 mg/kg/d) + amicacina (15
mg/kg/d);
2. Crianças entre 3 meses e 5 anos: sem sinais evidentes de toxemia,
usar penicilina cristalina (200.000 a 250.000 UI/kg/d IV, a cada 4 horas)
por 14 dias; com sinais evidentes de toxemia, usar oxacilina (200
mg/kg/d IV, a cada 6 horas) + ceftriaxona (100 mg/kg/d IV, a cada 12
horas);
3. Crianças maiores de 5 anos: realizar drenagem pleural efetiva
associando penicilina cristalina (200.000 a 250.000 UI/kg/d IV, a cada 4
horas) ou uso de macrolídeo na suspeita de Mycoplasma por 14 dias
de tratamento. Se não ocorrer melhora clínica em 4 a 5 dias ou piora
clínica e radiológica a qualquer momento, oxacilina (200 mg/kg/d IV, a
cada 6 horas) + ceftriaxona (100 a 150 mg/kg/d IV, a cada 12 horas);
em casos de pneumonia em crianças infectadas pelo HIV, exceto nos
casos graves, deve-se indicar o mesmo tratamento para aquelas não
infectadas, pois os agentes etiológicos são os mesmos nas diferentes
faixas etárias.

17.8.2.2 Internação em unidade de terapia intensiva

O tratamento em UTI está indicado àqueles que apresentem


necessidade de suporte ventilatório que não pode ser oferecido em
outras unidades, sinais de falência respiratória iminente, apneia
recorrente, comprometimento cardiovascular com taquicardia
progressiva ou hipotensão. Além disso, indica-se terapia intensiva
àqueles que apresentem 2 ou mais das indicações relacionadas a
seguir. Indicações de terapia intensiva:
a) FR > 70 irpm em menores de 12 meses e > 50 irpm para crianças
mais velhas;
b) Apneia;
c) Esforço respiratório aumentado – tiragem intercostal, batimento de
asa de nariz, gemência;
d) PaO2/FiO2 < 250;
e) Infiltrados multilobares;
f) Alteração do estado mental;
g) Hipotensão;
h) Derrame pleural;
i) Comorbidades importantes;
j) Acidose metabólica inexplicada;
k) Pediatric Early Warning Score > 6.

17.9 COMPLICAÇÕES
As principais complicações são:
a) Abscesso;
b) Atelectasia;
c) Pneumatocele;
d) Pneumonia necrosante;
e) Derrame pleural;
f) Pneumotórax;
g) Fístula broncopleural;
h) Hemoptise;
i) Septicemia;
j) Bronquiectasia;
k) Infecções associadas – otite, sinusite, conjuntivite, meningite,
osteomielite.

17.9.1 Derrame pleural


As pneumonias por Staphylococcus são as que mais cursam com
derrame pleural, porém, como existem muito mais casos de
pneumonia por Streptococcus, esse acaba sendo o principal causador
de derrame pleural.
Em crianças, o derrame pleural é a complicação mais frequente da
pneumonia bacteriana, em torno de 40% daquelas hospitalizadas
por pneumonias. Os principais agentes etiológicos são os mesmos
encontrados em pneumonias não complicadas: Streptococcus
pneumoniae (64%), Haemophilus influenzae (7%) e Staphylococcus
aureus (15%). Convém ressaltar que o Staphylococcus aureus é o
principal agente que causa pneumonia com derrame pleural.
Contudo, a prevalência de pneumonia por esse agente é maior,
fazendo que este se torne o que mais causa essa complicação da
pneumonia. Ao exame físico, podem-se observar murmúrio
vesicular diminuído, macicez à percussão e postura antálgica,
pseudoescoliose.
A punção do derrame pleural, toracocentese, está indicada apenas se
sinais de desconforto respiratório importante ou sinais de
complicação da doença. Atualmente, mesmo o empiema não tem sua
drenagem obrigatória, podendo ser tratado de forma conservadora.
A drenagem torácica está indicada no caso de empiemas ou derrames
pleurais volumosos, com sinais de desconforto respiratório, ou
sinais de complicação da doença.
Figura 17.8 - Derrame pleural parapneumônico

17.9.2 Atelectasia
É considerada quando não há expansão pulmonar perfeita, ou seja,
parte do pulmão não está aerada, mas o parênquima está normal.
Geralmente desaparece em até 8 semanas. Após esse período, se não
há resolução da atelectasia, é indicada a broncoscopia. A
complicação evolutiva das atelectasias crônicas é a fibrose pulmonar
com colapso não funcional do segmento do lobo pulmonar
comprometido.
Figura 17.9 - Atelectasia do lobo médio do pulmão direito
Fonte: Evaluación De La Radiología Torácica, 2016.

17.9.3 Pneumatocele
Trata-se de uma lesão cística de paredes finas, que decorre
especialmente de pneumonias bacterianas, mas, também, possível
pós-traumas ou aspiração. A maioria se resolve espontaneamente.
Pneumatocele simples é aquela que ocupa menos de 50% de um
hemitórax e não causa sintomas clínicos de desconforto respiratório.
Já a pneumatocele complicada é aquela com tamanho superior a 50%
de 1 hemitórax, persistência de atelectasias, abscessos recidivantes,
fístula broncopleural. A esses casos de pneumatocele complicada é
indicada a drenagem.
Figura 17.10 - Pneumatocel

17.9.4 Abscesso pulmonar


Trata-se de complicação rara, sendo o agente mais frequente o
Streptococcus pneumoniae. A maioria se resolve com tratamento
clínico, sendo a cirurgia indicada quando há hemoptise recidivante e
para casos refratários. A antibioticoterapia de escolha é a penicilina
cristalina 200.000 UI/kg/d ou clindamicina 25 a 40 mg/kg/d, 4x/d.
Os casos refratários ao tratamento clínico evoluem para cirurgia.
Figura 17.11 - Abscesso pulmonar

17.9.5 Pneumocystis carinii


A pneumonia por Pneumocystis carinii ou Pneumocystis jirovecii é a
infecção oportunista mais comum em crianças infectadas pelo HIV.
A faixa de maior risco está entre os 3 e os 6 meses, e essa é
considerada uma doença que define a AIDS. Chama atenção para esse
tipo de pneumonia a taquipneia com queda da saturação de oxigênio,
mas a confirmação se dá pela demonstração de P. carinii (P. jirovecii)
nas secreções ou no tecido pulmonar.
Figura 17.12 - Radiografia de pneumonia por Pneumocystis jirovecii
17.10 DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS
São diagnósticos diferenciais das pneumonias adquiridas na
comunidade: asma, bronquiolite, tuberculose pulmonar, aspiração
de corpo estranho, malformação pulmonar, fibrose cística e
neoplasias, em geral com metástases pulmonares ou aquelas que
cursam com alargamento mediastinal, como linfomas, dentre
outras.
Quais são os principais
agentes causadores de
pneumonias na faixa etária
pediátrica e seus respectivos
tratamentos?
Os principais agentes são os vírus, cujo tratamento é
baseado em medidas de suporte: hidratação,
oxigenoterapia, fisioterapia respiratória e sintomáticos.
Com relação às pneumonias bacterianas, o principal agente
é o Streptococcus pneumoniae (pneumococo), cujo
tratamento deve ser realizado com penicilina ou
amoxicilina. Vale lembrar que mesmo em relação às
pneumonias complicadas, como aquelas com derrames, o
agente mais comum se mantém o pneumococo.
Como funciona o sistema de
pontos para o diagnóstico
de tuberculose?

18.1 INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é um grave problema de saúde pública no Brasil e
no mundo, e cerca de 10% dos pacientes infectados são crianças ou
adolescentes. Esse grupo apresenta algumas peculiaridades,
principalmente em relação ao seu diagnóstico, para um paciente ser
considerado doente e receber adequado tratamento. Muitas vezes, as
crianças com doenças pulmonares crônicas são tratadas
desnecessariamente para TB, ou então o diagnóstico é tão tardio que
esses pacientes morrem ou permanecem com sérios danos
pulmonares.
No adulto e no adolescente, o encontro do agente etiológico
Mycobacterium tuberculosis ou Bacilo de Koch (BK) na baciloscopia
do escarro encerra, em si, o diagnóstico. Na infância, porém, nem
sempre isso ocorre. A TB, na maioria das crianças menores de 12
anos, geralmente não é contagiosa, pois se eliminam poucos bacilos
pela tosse e as lesões pulmonares geralmente são pequenas. As
crianças são consideradas paucibacilíferas, o que dificulta o
diagnóstico bacteriológico de certeza, levando o médico a lançar
mão de outras ferramentas para o diagnóstico.
Dentre os parâmetros, destacam-se os clínicos e/ou radiológicos,
epidemiológicos (contato com adultos com TB), teste tuberculínico e
a prova terapêutica. Ressaltam-se os casos de pneumonias de
evolução arrastada que não respondem bem à terapêutica habitual
para os patógenos mais comuns, sem evidência de melhora clínica-
radiológica após 2 semanas. A anamnese é fundamental, pois pode
fornecer elementos da história natural da doença e do diagnóstico
epidemiológico.
Denomina-se “caso de tuberculose” todo indivíduo com diagnóstico
confirmado por baciloscopia ou cultura e aquele em que o médico,
com base nos dados clínico-epidemiológicos e no resultado de
exames complementares, firma o diagnóstico de TB. “Caso novo” é o
indivíduo com TB que nunca usou ou usou por menos de 1 mês as
drogas antituberculosas.
A TB é agravo de notificação compulsória.
18.2 EPIDEMIOLOGIA
No Brasil, em 2013, ocorreram aproximadamente 92 mil casos novos
da doença, com uma letalidade de 3,1%, o que mantém o país em
décimo sexto lugar em incidência entre os 22 países priorizados pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), por apresentarem 80% da
carga mundial da TB.
A OMS estima que, a cada ano, ocorram mais de 8 milhões de novos
casos de TB com, aproximadamente, 2 milhões de mortes pela
doença. Atualmente, existem em torno de 2 bilhões de indivíduos
infectados de forma latente, a maioria em países subdesenvolvidos
ou em desenvolvimento.
Esses dados não traduzem nossa realidade devido a subnotificação,
dificuldade diagnóstica e exclusão social, dentre outros fatores. A
maioria das crianças infectadas encontra-se assintomática quando
há a positividade da reação tuberculínica – Purified Protein
Derivative (PPD). O complexo primário da TB pode não aparecer à
radiografia de tórax, e, na maioria das crianças imunologicamente
sãs com TB primária, a infecção não progride imediatamente até a
enfermidade.
As primeiras manifestações clínicas se apresentam de 1 a 6 meses
após a infecção inicial e incluem linfadenopatias de gânglios hilares,
mediastínicos, cervicais ou de outros gânglios, comprometimento de
1 segmento ou lobo pulmonar, com consolidação, atelectasias,
derrame pleural, TB miliar e meningite tuberculosa. Outras
apresentações clínicas que podem aparecer tardiamente à infecção
primária incluem TB da orelha média e mastoidite, TB óssea,
articular e da pele. A doença extrapulmonar – miliar, meníngea,
renal, óssea ou articular – se apresenta em 25% das crianças
menores de 15 anos com TB. A TB renal e a TB por reativação ou
pulmonar tipo adulto são raras em crianças pequenas, mas podem se
apresentar em adolescentes.
18.3 PATOGÊNESE

A transmissão direta do bacilo de Koch é feita


por via respiratória – transmissão aerógena.

Adultos e adolescentes bacilíferos, ao tossir, disseminam, por meio


de aerossol, as partículas infectantes. Após a inalação do BK,
eliminado em gotículas respiratórias (Flügge), ocorre rápida
evaporação que origina os núcleos secos (núcleo de Wells contendo 3
bacilos em suspensão). Estes são levados pela árvore brônquica,
podendo ou não ser implantados no bronquíolo respiratório ou
alvéolo. Após a chegada dos bacilos, podem-se ter 4 situações:
a) Eliminação do bacilo por meio da fagocitose e das atividades
microbicidas do organismo;
b) Quando o bacilo é hábil em vencer as defesas naturais, pode haver
proliferação no interior dos macrófagos alveolares com o
desenvolvimento de infecção latente (primoinfecção);
c) TB primária – 5% não detêm o processo infeccioso e se
desenvolvem dentro de 5 anos após a primoinfecção;
d) TB pós-primária – reinfecção endógena – infecção antiga – ou
reinfecção exógena – contágio atual.

Dessa forma, podem-se dividir os pacientes em 3 principais


categorias, descritas a seguir.
18.3.1 Exposto
Trata-se de um paciente que teve contato recente com indivíduo
com TB pulmonar. Não há alteração dos exames físico e de imagem e
do teste tuberculínico. O contato relevante com paciente com TB
ocorre quando há 200 horas de exposição a focos com Bacilo Álcool-
Ácido-Resistente (BAAR) positivo ou 400 horas de exposição a focos
com cultura positiva. Em crianças, o fator que mais interfere é a
exposição no mesmo espaço físico.
18.3.2 Infecção tuberculosa latente
(primoinfecção)
Termo usado para descrever indivíduo assintomático com PPD
positivo, exame físico e radiografia de tórax normais.
18.3.3 TB-doença
O indivíduo apresenta sinais e sintomas de TB, com imagem
radiológica normal ou alterada, PPD positivo e/ou se enquadra no
sistema de pontuação do Ministério da Saúde para TB pulmonar, em
nível ambulatorial. A eliminação do bacilo depende da sua virulência,
da viabilidade de chegar ao alvéolo e da capacidade de fagocitose dos
macrófagos. A formação da lesão tuberculosa pode ser explicada pela
fórmula de Rich, desenvolvida na década de 1940.
1. Lesão tuberculosa:
a) Números de bacilos versus virulência versus
hipersensibilidade;
b) Imunidade natural versus imunidade adquirida.
A infecção latente à reação inflamatória é do tipo não específica
granulomatosa, limitando o crescimento e a disseminação do
bacilo, que se divide a cada 25 a 32 horas dentro dos macrófagos.
O crescimento do organismo é lento e ocorre a cada 2 a 12
semanas, até alcançar o número de bacilos suficiente para
produzir resposta imunológica celular – detectável pelo PPD.
Antes do surgimento da imunidade celular, o bacilo pode se
disseminar por via linfática aos linfonodos hilares pulmonares
ou por via hematogênica para locais mais distantes. Muito
embora certos órgãos (fígado, medula óssea e baço) sejam
frequentemente acometidos pela disseminação, apresentam
maior resistência.
A maioria das infecções latentes da TB é assintomática, embora
possa haver imagens à radiografia. De um modo geral, as
infecções latentes ocorrem em assintomáticos, não
transmissores, geralmente sem resposta ao PPD e radiologia e
baciloscopia normais.
Estima-se que, em cerca de 10% dos pacientes, a resposta
imunológica não impede a proliferação do BK e a TB primária
pode se desenvolver nos primeiros 5 anos após a infecção
latente, instalando-se a TB-doença. Entretanto, o risco é maior
nos 2 primeiros anos após a infecção, quando metade dos casos
pode ocorrer.
As formas extrapulmonares de TB ocorrem após a disseminação
hematogênica do foco primário. Quando a disseminação
hematogênica é maciça, tem-se a TB miliar, que pode acometer
outros órgãos, além do pulmão. Algumas localizações
extrapulmonares da TB são mais frequentes na infância, como
gânglios periféricos, pleura, ossos e meninges.
A TB do aparelho digestivo (peritonite e intestinal), a
pericardite, a geniturinária e a cutânea são mais raras.
A TB ganglionar periférica acomete com frequência as cadeias
cervicais e é geralmente unilateral, com adenomegalias de
evolução lenta, superior a 3 semanas. Os gânglios têm
consistência endurecida e podem fistulizar.
Crianças desnutridas, recém-saídas de infecções graves como
sarampo, em uso de drogas imunossupressoras ou outras
condições que baixem a resistência às infecções podem
desenvolver tanto a TB pulmonar primária quanto à forma
extrapulmonar. Pessoas infectadas pelo HIV, especialmente
aquelas com contagem baixa de CD4+, desenvolvem TB mais
rapidamente (50%) após a infecção pelo BK que os indivíduos
que tenham primoinfecção e adquirem infecção pelo HIV. Estes
podem desenvolver doença em 5 a 10% ao ano.
A TB endógena – reativação endógena – resulta na reativação
lenta e progressiva dos bacilos que se encontravam quiescentes,
e, em qualquer época da vida, um indivíduo infectado pelo BK
pode adoecer por nova infecção – reinfecção endógena – ou por
ativação de focos antigos – reativação exógena.
18.4 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico na infância constitui um desafio pela dificuldade
em demonstrar o bacilo Mycobacterium tuberculosis e se baseia
em aspectos clínicos, radiológicos e epidemiológicos associados
à interpretação do teste tuberculínico. Sabe-se que 75% dos
casos acometem o pulmão.
Ainda hoje, o que se dispõe é da valorização dos dados indiretos,
como o quadro clínico-radiológico, o teste tuberculínico e a
história de fonte de contágio com adulto portador de TB
pulmonar ou laríngea. Com base na combinação de pelo menos 2
desses elementos, estabelece-se o diagnóstico de TB e pode-se
iniciar o tratamento.
As manifestações clínicas podem ser variadas, sem padrão
típico. Entretanto, são comumente observados sintomas como
febre moderada, persistente por mais de 15 dias e, geralmente,
vespertina, tosse prolongada por mais de 2 semanas,
irritabilidade, perda de peso, sudorese noturna e hemoptise,
rara em crianças. Muitas vezes, a suspeita de TB é feita nas
crianças com quadros de pneumonia sem melhora com
antimicrobianos para germes comuns.
18.4.1 Exame de imagem
Os achados radiológicos mais sugestivos da TB pulmonar são
opacidades parenquimatosas (especialmente no lobo superior
direito), adenomegalias hilares e/ou paratraqueais, pneumonias
com qualquer aspecto radiológico, de evolução lenta, e
infiltrado micronodular difuso – padrão miliar.
O binômio clínico-radiológico costuma levar à suspeita da
doença na maioria das vezes. Deve-se sempre pensar em TB no
caso de infecção pulmonar de evolução lenta, mal localizada e
tratada como pneumonia sem melhora após antibioticoterapia
empírica. Essa associação clínico-radiológica deve ser sempre
valorizada.
Podem-se observar, nas Figuras 18.1 a 18.7, alguns exemplos
radiológicos de apresentação da doença.
Figura 18.1 - Alargamento hilar com infiltração pulmonar
Fonte: Diagnostic atlas of intrathoracic tuberculosis in children, 2003.
Figura 18.2 - Nódulo de Ghon calcificado (seta), alargamento mediastinal e infiltrado
pulmonar
Figura 18.3 - Cavitação no lobo médio direito resultante da disseminação da
tuberculose com imagem de broncopneumonia no restante
Figura 18.4 - Acometimento do lobo superior direito e acometimento hilar
Fonte: Imaging lung manifestations of HIV/AIDS, 2010.

Figura 18.5 - Adenopatia


Figura 18.6 - Tuberculose difusa miliar
Figura 18.7 - Tomografia computadorizada com tuberculose difusa miliar
18.4.2 Exame de laboratório
18.4.2.1 Teste tuberculínico (PPD)

O teste tuberculínico identifica crianças infectadas com TB, mas


não necessariamente aquelas com doença ativa. O teste é
realizado por meio da reação de Mantoux, utilizando 2 unidades
de PPD RT 23, em injeção intradérmica com leitura tardia,
dentro de 48 a 72 horas. A leitura é realizada com régua
milimetrada no diâmetro transverso da enduração encontrada
na pele do antebraço. O teste tuberculínico inicia a positividade
em 2 a 12 semanas após a exposição à micobactéria, por vacina
ou exposição interpessoal.
Hoje a prova tuberculínica pode ser interpretada como positiva e
sugestiva de infecção pelo M. tuberculosis quando ≥ 5 mm nas
crianças não vacinadas com Bacilo Calmette-Guérin (BCG), nas
vacinadas há mais de 2 anos ou naquelas com qualquer condição
imunossupressora. Em crianças vacinadas há menos de 2 anos,
considera-se sugestiva de infecção prova tuberculínica ≥ 10 mm.
Quadro 18.1 - Categorias de resposta ao PPD sugestivo de infecção pelo M.
tuberculosis

O teste tuberculínico pode ser falso negativo nas situações


anergizantes, como desnutrição grave, imunodeficiência
congênita ou adquirida, após sarampo ou outras doenças
severas, incluindo HIV, neoplasias e TB miliar.
O teste é de baixo custo e apresenta sensibilidade entre 70 e 80%
nos imunocompetentes. Na ausência da prova tuberculínica,
pode ser usado o Interferon-Gamma Release Assay (IGRA), um
teste in vitro de alto custo ainda pouco validado em países de
alta incidência de TB.
Figura 18.8 - Teste tuberculínico com reação flictenular; enduração formada na pele
do antebraço após a realização do teste tuberculínico
Fonte: Centers for Disease Control and Prevention, 2004.

A cultura positiva para o bacilo de Koch é o padrão-ouro de


diagnóstico de TB, mas a positividade em crianças não chega a
40%.
A positividade bacteriológica deve ser sempre buscada, embora
haja dificuldade natural de obter secreções pela expectoração
que permitam o exame de escarro, pois, além de serem
paucibacilíferos, a pesquisa direta do BK no escarro fica limitada
às crianças que sabem expectorar, ou seja, maiores de 5 anos. É
importante lembrar que descarga nasofaríngea e saliva não são
escarros. Uma série de pelo menos 3 amostras em dias
diferentes é desejável em crianças e adolescentes produtores de
escarro.
O fato de a doença ser paucibacilar em crianças limita a
possibilidade de confirmar o diagnóstico na maioria dos casos.
Dependendo do quadro clínico-radiológico, pode-se tentar
estimular a expectoração espontânea por inalação com 5 mL de
cloreto de sódio a 20% para obter o material necessário. Deve-
se ter cuidado para a criança não ingerir alimento por pelo
menos 2 horas antes do exame, pelo risco de vômitos e possível
aspiração. Essa técnica é usada para maiores de 5 anos, e, nos
menores, deve-se realizar a cultura de M. tuberculosis no lavado
gástrico, de preferência internado.
Alguns estudos têm demonstrado que a cultura do BK em
amostras coletadas no ambulatório tem positividade
semelhante à da coleta hospitalar, o que facilita o diagnóstico.
Outros métodos, como broncoscopia, lavado broncoalveolar e
biópsia podem ser necessários, mas encontram limitações de
seu uso na prática clínica.
Em crianças, o M. tuberculosis pode ser identificado em cerca de
40% dos aspirados gástricos de pacientes com evidência
radiológica significativa de TB pulmonar. Os meios utilizados
para a cultura do Mycobacterium são os de Löwenstein-Jensen
– bile bovina glicerinada – ou Middlebrook 7H11. Lembrando
que o M. tuberculosis é um aeróbio estrito, com crescimento e
duplicação lentos, não forma esporos ou toxinas e o resultado da
cultura é lento, em 3 a 6 semanas. Existe um método rápido para
a identificação do crescimento desse aeróbio, chamado de
Bactec®. Esse método utiliza material para líquidos em geral,
como pleural, liquor, sinovial, mas não para o escarro. A grande
vantagem é a rapidez do diagnóstico, em 5 a 10 dias, quando
comparado com o método tradicional – 50 a 60 dias –. Porém,
há o inconveniente de ser um método caro, pois envolve
pesquisa de carbono radioativo proveniente do crescimento
bacilar.
As perspectivas de diagnóstico rápido da TB por meio de testes
imunológicos que pesquisam antígenos e anticorpos, assim
como da biologia molecular – sondas de DNA –, ainda são
questionáveis pelo número de casos falsos positivos.
18.4.3 Sistema de pontuação
O diagnóstico de TB na infância, com ênfase na forma
pulmonar, pode ser feito em nível ambulatorial, tomando-se
por base o sistema de pontuação contido nas recentes Normas
de Tuberculose do Ministério da Saúde (Quadro 18.2).
Quadro 18.2 - Sistema de pontuação para o diagnóstico de tuberculose pulmonar em
crianças e adolescentes não bacilíferos

Notas: esta interpretação não se aplica a revacinados com BCG.


Legenda: ≥ 40 pontos – diagnóstico muito provável; 30 a 35 pontos – diagnóstico
possível, ≤ 25 pontos – diagnóstico pouco provável.
Fonte: Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil;
Ministério da Saúde, 2012.
18.5 TRATAMENTO
Trata-se de uma doença grave, porém curável em praticamente
100% dos casos novos, desde que se obedeça aos princípios da
moderna quimioterapia. A associação medicamentosa adequada
e seu uso regular, por tempo suficiente, são os meios
necessários para evitar a resistência e a persistência bacteriana.
18.5.1 Regime de tratamento
O tratamento será desenvolvido em regime ambulatorial,
supervisionado, com pelo menos 3 observações semanais da
tomada dos medicamentos nos primeiros 2 meses e 1
observação por semana até o seu final. A hospitalização é
admitida somente em casos especiais, de acordo com
prioridades, como pode ser visto a seguir. Levando-se em conta
o comportamento metabólico e a localização do bacilo, o
esquema terapêutico anti-TB deve atingir 3 grandes objetivos:
atividade bactericida precoce, capacidade de prevenir a
emergência de bacilos resistentes e atividade esterilizante.
Indicações de internação em pacientes com tuberculose:
a) Meningite tuberculosa;
b) Indicações cirúrgicas em decorrência da TB;
c) Complicações graves da TB;
d) Intolerância medicamentosa incontrolável em ambulatório;
e) Estado geral que não permita tratamento em ambulatório;
f) Casos sociais.

18.5.2 Tratamento antimicrobiano


No Brasil, os esquemas terapêuticos antimicrobianos para TB
seguem as recomendações do Ministério da Saúde.
As drogas de escolha para o esquema básico de tratamento da
TB são rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol, este
último não indicado a menores de 10 anos, pois tem, como
efeito colateral, induzir neurite óptica de diagnóstico tardio em
crianças.
18.5.2.1 Esquema básico – 2 RHZ/4 RH para crianças menores de
10 anos

Está indicado aos casos novos de todas as formas de TB


pulmonar e extrapulmonar a infectados ou não pelo HIV, exceto
meningoencefalite.
Quadro 18.3 - Doses recomendadas de acordo com o peso

Legenda: Rifampicina (R); isoniazida (H); pirazinamida (Z).

A medicação deve ser administrada diariamente, em apenas 1


ingestão, de preferência em jejum e, em caso de intolerância
digestiva, junto com a refeição. Em menores de 5 anos, com
dificuldades para ingerir os comprimidos, recomendam-se
drogas em forma de xarope ou suspensão. O tratamento das
formas extrapulmonares (exceto a meningoencefálica) tem a
duração de 6 meses. Em casos individualizados, cuja evolução
clínica inicial não tenha sido satisfatória, com a colaboração de
especialistas das áreas, o tempo de tratamento pode ser
prolongado, na sua segunda fase, por mais 3 meses
(2RHZ/7RH). E, no tratamento da associação TB e HIV,
independentemente da fase de evolução da infecção viral, o
tratamento tem a duração de 6 meses, podendo ser prolongado
por mais 3 meses, caso a evolução clínica não seja satisfatória.
18.5.2.2 Esquema para crianças com a forma
meningoencefálica de TB

Está indicado o uso do esquema básico nas mesmas dosagens,


somente aumentando a fase de manutenção. Para adolescentes,
utilizamos o esquema 2 RHZE/7 RH.
Quadro 18.4 - Tratamento da forma meningoencefálica para adolescentes

Fonte: Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil.

18.5.3 Tuberculose e infecção por HIV


Adultos com infecção por HIV têm incidência mais elevada de
TB. As manifestações clínicas podem ser iniciais e incluir o
comprometimento extrapulmonar de múltiplos órgãos.
As manifestações clínicas e radiológicas em crianças com
infecção por HIV são similares às observadas em
imunodeprimidas por outras causas e podem apresentar reação
tuberculínica negativa causada pela imunossupressão
relacionada a esse vírus. Nos casos suspeitos, devem-se colher
amostras para cultura, incluindo secreções respiratórias,
aspirado gástrico, sangue, urina, fezes, medula óssea, fígado,
gânglios ou outro tecido, segundo indicação clínica. O
tratamento deve incluir as 3 drogas – rifampicina, isoniazida e
pirazinamida – e continuar por 9 meses.
18.5.4 Tuberculose na gravidez e na
amamentação
Quando é diagnosticada doença ativa durante a gravidez, o
esquema com RHZE pode ser administrado nas doses habituais,
sendo recomendado o uso de piridoxina (50mg/d) durante a
gestação, pelo risco de toxicidade neurológica – pela isoniazida
– no recém-nascido. A prevenção da TB congênita é realizada
pelo diagnóstico precoce e pela administração oportuna do
tratamento de TB na mãe grávida, para diminuir o risco de
transmissão ao feto e ao recém-nascido. A mãe bacilífera poderá
amamentar utilizando máscara durante o tratamento do recém-
nascido.
18.5.5 Reações indesejáveis
Alguns pacientes podem, eventualmente, apresentar reações
indesejáveis, o que raramente determina a suspensão definitiva
das drogas.
Efeitos adversos das drogas usadas no tratamento da
tuberculose
1. Isoniazida:
a) Neuropatia periférica – vitamina B6 para tratar;
b) Hipersensibilidade;
c) Hepatotoxicidade – acetiladores:
Hepatite;
Náuseas/vômitos.
d) Artrite;
e) Febre;
f) Alterações hematológicas.
2. Rifampicina:
a) Coloração alaranjada nas fezes, na urina, no suor, nas
lágrimas;
b) Asma, urticária;
c) Náuseas/vômitos;
d) Colestase, reações hematológicas (plaquetopenia – uso
irregular –, eosinofilia, anemia);
e) Nefrite intersticial;
f) Febre.
3. Pirazinamida:
a) Artralgia (adolescentes);
b) Rash cutâneo;
c) Hepatite – rara e/ou lesão hepática;
d) Náuseas e/ou vômitos;
e) Rabdomiólise.
4. Etambutol:
a) Náusea e/ou vômito;
b) Dor abdominal;
c) Hiperuricemia com artralgia;
d) Neuropatia periférica – rara.

18.6 CONTROLE DOS COMUNICANTES


Definimos como contato toda pessoa que convive no mesmo
ambiente com o caso-índice, no momento do diagnóstico da TB.
Esse convívio pode ocorrer em casa e/ou em ambiente de trabalho,
instituições de longa permanência, escola ou pré-escola. A avaliação
do grau de exposição do contato deve ser individualizada,
considerando-se a forma da doença, o ambiente e o tempo de
exposição.
Todos os comunicantes dos pacientes de TB devem comparecer à
unidade de saúde para exame. Quando apresentam sintomas
respiratórios, aplica-se a rotina prevista para o diagnóstico de TB.
Prossegue-se à investigação dos comunicantes assintomáticos com
radiografia de tórax, se disponível.
Crianças assintomáticas devem realizar prova tuberculínica e
radiografia de tórax na primeira consulta. Se prova ≥ 5 mm em
crianças não vacinadas com BCG, vacinadas há mais de 2 anos ou
portadoras de qualquer condição imunossupressora, ou ≥ 10 mm em
crianças vacinadas com BCG há menos de 2 anos, tratar infecção
latente por TB. Se a prova não preencher os critérios mencionados,
devemos repeti-la em 8 semanas; nos casos controversos, trata-se
infecção latente.
Figura 18.9 - Avaliação de contatos crianças (maiores de 10 anos)

Legenda: Infecção Latente da Tuberculose (ILTB); Prova Tuberculínica (PT).


Fonte: Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil.
Figura 18.10 - Avaliação de contatos crianças (menores de 10 anos)

1 Empregar o quadro de pontuação.


2 PT ≥5mm (em crianças não vacinadas com BCG, vacinadas há mais de 2 anos ou
portadoras de condição imunossupressora); ou ≥10mm em crianças vacinadas com BCG
há menos de 2 anos.
Legenda: Infecção Latente da Tuberculose (ILTB); Prova Tuberculínica (PT).
Fonte: Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil.

18.7 VACINAÇÃO BCG


A vacinação BCG em crianças diminui a incidência de formas graves
de TB, como a meníngea e a miliar. Deve-se lembrar que a segunda
dose da BCG foi suspensa do calendário de vacinação pela Nota
Técnica/MS 66 (maio de 2006). Trata-se de uma vacina atenuada,
administrada pela via intradérmica, no braço direito, na altura da
inserção do músculo deltoide. Essa localização permite fácil
verificação da existência de cicatriz para efeito de avaliação do
programa e limita as reações ganglionares à região axilar. A vacina
BCG pode ser simultaneamente administrada com outras vacinas,
mesmo com as de vírus vivos.
#IMPORTANTE
A BCG exerce notável poder protetor contra as
manifestações graves da TB, como as
disseminações hematogênicas e a
meningoencefalite, mas não evita a infecção
tuberculosa.

São contraindicações da BCG:


1. Relativas: nesses casos, a vacinação será adiada até a resolução
das situações apontadas:
a) Recém-nascidos com peso menor que 2 kg – dificuldade
técnica na aplicação;
b) Afecções dermatológicas no local da vacinação ou
generalizadas;
c) Uso de imunossupressores.
2. Absolutas:
a) Adultos HIV positivo (independentemente dos sintomas) e
crianças sintomáticas;
b) Imunodeficiência congênita.

18.8 TRATAMENTO DA TUBERCULOSE


LATENTE
A quimioprofilaxia consiste na administração de isoniazida em
pessoas infectadas pelo bacilo – quimioprofilaxia secundária – ou
não – quimioprofilaxia primária –, na dosagem de 10 mg/kg (até
300 mg), diariamente, durante 6 meses.
Figura 18.11 - Quimioprofilaxia primária em recém-nascidos
Legenda: Quimioprofilaxia (QP).
Fonte: Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil.
1. Realiza-se quimioprofilaxia em:
a) Em recém-nascidos coabitantes de foco tuberculoso ativo, a
isoniazida é administrada por 3 meses, e, após esse período,
realiza-se a prova tuberculínica. Se a criança for reatora, a -
quimioprofilaxia deverá ser mantida até o sexto mês; caso não
seja, interrompe-se o uso da isoniazida e vacina-se com BCG;
b) Menores de 15 anos, sem sinais compatíveis com TB ativa,
contatos de tuberculosos bacilíferos, não vacinados com BCG e
reatores à tuberculina de 10 mm ou mais, e crianças vacinadas
com BCG, mas com resposta à tuberculina ≥ 15 mm;
c) Crianças e adolescentes com viragem tuberculínica recente –
até 12 meses –, isto é, que tiveram aumento na resposta
tuberculínica de, no mínimo, 10 mm;
d) População indígena – a quimioprofilaxia está indicada a todo
contato de tuberculoso bacilífero, reator forte ao PPD,
independentemente da idade e do estado vacinal, após a
avaliação clínica e afastada a possibilidade de TB-doença, por
meio da pesquisa dos bacilos e do exame radiológico;
e) Imunodeprimidos por uso de drogas ou doenças
imunossupressoras e contatos intradomiciliares de tuberculosos,
sob criteriosa decisão médica;
f) Coinfectados por HIV e M. tuberculosis devem ser submetidos à
prova tuberculínica. O limite da reação ao PPD é de 5 mm.
2. Em indivíduos sem sinais ou sintomas de TB, as indicações são:
a) Com radiografia de tórax normal e reação ao PPD ≥ 5 mm:
contatos intradomiciliares ou institucionais de TB bacilífera, prova
tuberculínica < 5 mm com registro documental de ≥ 5 mm e não
ter sido submetido a tratamento ou quimioprofilaxia na ocasião;
b) Com radiografia de tórax anormal: presença de cicatriz
radiológica de TB sem tratamento anterior, afastada a
possibilidade de TB ativa, independentemente do resultado do
PPD.
Como funciona o sistema de
pontos para o diagnóstico
de tuberculose?
Sistema de pontuação para diagnóstico de TB pulmonar em
crianças e adolescentes
Nota: ≥ 40 pontos: TB muito provável, permite iniciar o
tratamento do paciente; 30 a 35 pontos: TB possível, iniciar
o tratamento da criança a critério clínico; ≤ 25 pontos: TB
pouco provável, a criança deve continuar a ser investigada.
Deverá ser feito diagnóstico diferencial com outras
doenças pulmonares, podendo ser empregados métodos
complementares de diagnóstico nesse sentido, como
lavado gástrico, broncoscopia, escarro induzido, punções e
métodos rápidos.
Como orientar a vacinação
do calendário básico para a
mãe de um paciente em
atendimento?

19.1 INTRODUÇÃO
Desde que Edward Jenner, em 1796, fez a primeira tentativa de
imunização sistemática contra a varíola, a imunização tem feito
notáveis progressos. No Brasil, o Programa Nacional de Imunizações
(PNI) completou 40 anos em 2013 com grande sucesso, pois
conseguiu diminuir as desigualdades nacionais das doenças
imunopreveníveis.
A imunização pode ser dividida em ativa (vacinação) e passiva
(anticorpos prontos). É um dos meios pelos quais um organismo
pode se tornar imune a determinada doença infecciosa, patógeno ou
toxina produzida por ele. Os mecanismos de imunidade ativa
adquirida após a vacinação são análogos aos que o organismo utiliza
contra as infecções virais ou microbianas.
A imunização ativa é a administração de qualquer vacina ou toxoide
(toxina inativada) para a prevenção de doenças. Na prática, deve
contemplar a situação epidemiológica, os recursos de cada região do
país, bem como a disponibilidade de vacinas, assim o calendário
vacinal não deve ser utilizado de forma rígida. Na imunização
passiva, a proteção é temporária e acontece por meio da
administração de anticorpos pré-formados, conferindo proteção
imediata, porém transitória, da qual a administração de
imunoglobulinas (Igs) é um exemplo, assim como a que ocorre da
mãe para o feto na vida intraútero ou para o Recém-Nascido (RN)
pela amamentação.
O feto é incapaz de sintetizar por si os anticorpos, imunoglobulina A
(IgA), imunoglobulina D (IgD) e imunoglobulina E (IgE), mas na
gestação, a partir da décima semana, aparecem seletivamente as Igs
da classe imunoglobulina G( IgG) que o feto recebe passivamente por
meio da placenta – a única que realiza transmissão transplacentária
– , as quais a atravessam ativamente de forma modesta no primeiro
trimestre da gravidez e muito acentuada posteriormente, como pode
ser visto na Figura 19.1. A síntese de Igs no feto inicia-se,
precocemente, com certas classes de anticorpos, podendo-se
verificar vestígios de imunoglobulina M (IgM) – primeira Ig a ser
produzida pelo feto – desde a décima semana de vida fetal e de IgG a
partir da décima segunda semana.
Figura 19.1 - Transmissão transplacentária das imunoglobulinas da classe IgG e IgM
As imunoglobulinas presentes na circulação ao
nascimento são, essencialmente, de origem
materna, e em geral suas concentrações se
mantêm maiores no recém-nascido do que na
mãe. As funções protetoras antibacterianas e
antivirais das Igs são vistas principalmente no
primeiro trimestre de vida, pois, após esse
período, há declínio dos anticorpos.

Outro ponto importante é a inibição da imunização pelas Igs de


origem materna. Como exemplo, pode-se observar a resposta parcial
à imunização do sarampo quando administrada antes de 1 ano pela
interferência dos anticorpos maternos. Entretanto, a imunidade
celular está perfeitamente apta no RN para responder à vacinação. A
vacina Bacilo de Calmette-Guérin (BCG) desde o nascimento
apresenta excelentes resultados. O sistema imunitário do RN normal
é completo, qualitativamente necessitando de estimulação
antigênica. Pelo colostro e pelo leite materno, também há passagem
de Igs maternas protetoras para o RN.
19.1.1 Conceitos
Alguns conceitos em imunização serão abordados para melhor
compreensão sobre o assunto.
19.1.1.1 Toxoide

Trata-se da toxina bacteriana modificada, que se tornou atóxica e


reteve a capacidade de estimular a formação de antitoxina no
organismo.
19.1.1.2 Vacina
Compreende a preparação de proteínas, polissacarídeos ou ácidos
nucleicos de patógenos administrados ao sistema imune como
entidades únicas, como parte de partículas complexas, ou por
agentes ou vetores vivos atenuados, para induzir a respostas
específicas que inativam, destroem ou suprimem o patógeno.
19.1.1.3 Imunoglobulina

É a solução que contém anticorpos derivados do plasma de pool de


doadores adultos por meio do fracionamento do etanol, cuja
composição contém 95% de IgG e traços de IgA e IgM. Está indicada
aos casos de imunodeficiência congênita ou adquirida, exposição de
indivíduos suscetíveis, pessoas com elevado risco de complicações –
leucemia, varicela – quando não há tempo adequado para a
imunização ativa, pós-exposição ao sarampo, ou mesmo
terapeuticamente para suprimir uma resposta inflamatória
(síndrome de Kawasaki) ou toxina – difteria, tétano ou botulismo.
19.1.1.4 Antitoxina

Derivada de anticorpos do soro de seres humanos ou de animais após


estimulação com antígenos específicos, é usada para fornecer
imunidade passiva – difteria, tétano ou botulismo.
Nesta obra, o termo vacina será utilizado como qualquer entidade
capaz de provocar resposta imunológica duradoura no organismo
inoculado, sem diferir se a resposta imunológica se destina ao
patógeno ou à toxina produzida por ele.
19.2 BASES IMUNOLÓGICAS PARA AS
VACINAÇÕES
A introdução de um antígeno no organismo desencadeia uma
resposta imunitária que pode ser de ordem humoral ou celular ou
ambas. Na vacinação, o organismo é levado a produzir anticorpos e a
deflagrar respostas imunes celulares mediadas por linfócitos T,
como a produção de células de memória, ou seja, provocar
imunidade artificialmente induzida. A resposta imunológica inicial
deve-se aos macrófagos e aos linfócitos. Os primeiros desempenham
importante função no desencadeamento das respostas imunológicas
pela digestão do antígeno, podendo transformá-los para serem
reconhecidos pelos linfócitos B ou intervirem como moderadores de
cooperação entre os linfócitos T e B. Os linfócitos T, estimulados por
antígenos, desencadeiam certas reações metabólicas e a produção de
mediadores biologicamente ativos (linfocinas). Os linfócitos B (“B”
de bone marrow), por sua vez, sob estímulos antigênicos, se
diferenciam em plasmócitos, células altamente especializadas na
síntese e na liberação de Igs, essencialmente a IgM, bem como IgG,
IgA, IgD e IgE. Isso ocorre quando se vacina pela primeira vez, ou
seja, a resposta imune primária.
Na resposta imune primária, o sistema imune entra em contato com
um antígeno, detecta-o como não próprio ao organismo (Figura
19.2), e em seguida apresenta-o aos fagócitos mononucleares ou
células dendríticas (no caso do sistema nervoso central). Essas
células secretam citocinas, as quais estimulam a proliferação e a
maturação de linfócitos T auxiliares e a comunicação entre linfócitos
por meio de interleucinas. Essa cadeia de ativação resulta na
produção de anticorpos específicos contra o antígeno inicialmente
identificado. A partir do contato inicial do antígeno com as células
apresentadoras (fagócitos e células dendríticas), os linfócitos T, com
receptores também específicos para aquele antígeno, aparecem no
prazo de 24 horas a 2 semanas, dependendo do poder antigênico
deste e da função do desenvolvimento do sistema imunológico da
pessoa. Decorrido esse período de latência, há o período de
crescimento, com aumento exponencial da taxa de anticorpos
séricos devido à produção inicial de anticorpos da classe IgM e, em
seguida – dependendo do poder antigênico do antígeno – , da classe
IgG.
Ressalte-se que a IgM é a primeira Ig produzida diante de uma
infecção, apresentando meia-vida curta, mas é a Ig que predomina
na resposta primária.
Figura 19.2 - Resposta imunológica

Parte dos linfócitos T que entraram em contato com o antígeno se


diferenciará em células de memória e será responsável pela maior
rapidez e intensidade da resposta quando um novo contato ocorrer
com o mesmo antígeno, ou seja, um rápido surgimento de
anticorpos específicos da classe IgG, sem existir período de latência.
Essa resposta mais rápida e intensa é chamada resposta imune
secundária, específica, amnésica ou simplesmente booster.
Quando o organismo entra em contato com determinado antígeno,
após a vacinação, apresenta resposta imune humoral – produção de
anticorpos por linfócitos B – e celular – proliferação de linfócitos T
efetores – sem aquele tempo de latência, de modo que o patógeno
não tem tempo de produzir doença; caso o faça, será de forma menos
intensa. Um exemplo de booster é a vacina contra o tétano, que deve
ser realizada a cada 10 anos. Quando a resposta primária não produz
quantidade suficiente de anticorpos e células de memória, é
necessária a aplicação de dose(s) subsequente(s). Também há casos
em que o tempo produz decaimento na quantidade de anticorpos e
células de memória direcionadas a um antígeno específico; nessas
situações, são usadas as doses de reforço.
19.3 FATORES QUE PODEM
INTERFERIR NA RESPOSTA
IMUNOLÓGICA DA VACINAÇÃO
A eficácia da vacina depende de vários fatores, a saber:
a) Presença de anticorpos maternos – Igs presentes na circulação do
RN são essencialmente de origem materna, constituídas, sobretudo,
de anticorpos antivirais e antibacterianos, e desempenham papéis
protetores nos primeiros meses de vida, desaparecendo por volta do
quinto ou do sexto mês. A idade ótima para introduzir uma nova vacina
leva em conta o desaparecimento desses anticorpos;
b) Natureza e doses do antígeno aplicado – a primeira qualidade de
uma vacina é ser fortemente antigênica e pouco reatogênica. A
quantidade do antígeno pode variar conforme a idade. Exemplos são a
vacina tríplice bacteriana (DTP) infantil e a dupla bacteriana (dT)
adulto;
c) Modo de administração da vacina – devem ser considerados o
volume a ser aplicado, a idade do paciente, a massa muscular e a
espessura do subcutâneo. As vacinas utilizadas por via oral – contra
poliomielite oral (VOP) , também chamada de Sabin –, contra cólera e
rotavírus – são capazes de estimular também a produção de IgA
secretória da mucosa contra aquele antígeno, o que não ocorre com
vacinas de uso subcutâneo, intramuscular ou intradérmico. Outro
exemplo de via de administração é a aplicação da vacina contra
hepatite B, que, quando aplicada nas nádegas, em adultos, e não no
deltoide, apresenta menores taxas de soroconversão. Em crianças
menores de 12 meses, a American Academy of Pediatrics preconiza o
músculo vasto lateral da coxa e não recomenda a região dorsoglútea
para imunização de rotina;
d) Utilização de coadjuvante – os coadjuvantes têm atividade
imunoestimulante, sem ser imunogênica, permitindo a redução do
número de doses e a obtenção de títulos mais elevados de anticorpos;
e) Estado nutricional – a desnutrição energético-proteica determina
alterações morfológicas no sistema imunitário, como involução tímica,
diminuição da imunidade mediada por células, redução das
concentrações de complemento, entre outras. Entretanto, as
concentrações de IgG e IgM são normais, favorecendo uma resposta
adequada de proteção, não se observando, inclusive, aumento nos
efeitos adversos das vacinas, mesmo as de micro-organismos
atenuados. Deve-se priorizar a vacinação dos desnutridos, mesmo nas
formas graves.

19.4 TIPOS DE VACINAS


19.4.1 Virais
19.4.1.1 De vírus vivos atenuados

Tais vacinas produzem a resposta imunológica mais semelhante –


celular e humoral, portanto, duradoura – àquela conferida pela
infecção natural. Isso se deve à multiplicação do micro-organismo
no indivíduo vacinado. Porém, tal multiplicação também é
responsável por efeitos adversos, algumas vezes após a vacinação.
Nas crianças cujas mães entraram em contato com esses patógenos,
por vacina ou naturalmente – doença – , o poder antigênico desse
tipo de vacina (contra sarampo, caxumba e rubéola) pode ser
inativado pelas elevadas concentrações de anticorpos (IgG)
recebidos pela via transplacentária e, por essa razão, sua eficácia
pode ser comprometida quando a vacina é aplicada durante os 6
primeiros meses de vida. São exemplos poliomielite oral (Sabin),
rubéola, sarampo, caxumba, varicela e febre amarela.
19.4.1.2 De vírus mortos ou inativados completos

Podem também ser utilizados micro-organismos mortos na


confecção da vacina, como é o caso da vacina contra poliomielite tipo
Salk, influenza (vírus) e hepatite A.
19.4.2 Bacterianas
19.4.2.1 Vivas atenuadas

BCG.
19.4.2.2 Mortas

Provocam o surgimento de anticorpos com provável atividade de


opsonização. São exemplos coqueluche e cólera.
19.4.2.3 Anatoxinas

Vacinam, exclusivamente, contra as exotoxinas. Como exemplos,


temos a difteria e o tétano.
19.4.2.4 Polissacarídeos

Meningococo A + C, pneumococo 23 e Haemophilus influenzae tipo B.


Todas as vacinas que não usam micro-organismos vivos atenuados
apresentam poder imunogênico menor por não produzirem
multiplicação do agente no organismo e, na maioria das vezes,
necessitam de mais de 1 dose para produzir níveis de anticorpos
protetores quando administradas no período neonatal. Assim,
podem produzir o fenômeno da tolerância, devendo ser
administradas fora desse período – primeira dose aos 2 meses de
vida.
As vacinas conjugadas são vacinas semissintéticas constituídas de
antígenos polissacarídicos – de micro-organismos – ligados a
moléculas transportadoras proteicas. A proteína carregadora é
reconhecida pelos macrófagos e células T, aumentando a imunidade.
Entre pessoas que não respondem apenas aos polissacarídeos, as
vacinas conjugadas induzem a formação de níveis (sanguíneos)
aumentados de anticorpos, levando a resposta booster (reforço) após
injeções repetidas.
Quadro 19.1 - Diferenças entre vacinas de agentes vivos e não vivos
1 Excluídas as vacinas polissacarídicas não conjugadas.
Fonte: adaptado de Immunology, 2002.

19.5 CONTRAINDICAÇÕES À
VACINAÇÃO
As vacinas aplicadas no Brasil podem apresentar contraindicações.
No entanto, existem tanto as falsas como as verdadeiras
contraindicações, motivo pelo qual serão especificadas cada uma das
situações, para evitar dúvidas e erros na hora de responder a
perguntas das mães ansiosas e às questões da prova.
19.5.1 Falsas
a) Doenças leves com febre baixa do trato respiratório ou digestivo;
b) Prematuridade e baixo peso ao nascer – as vacinas devem ser
administradas na idade cronológica da criança, exceto para os
prematuros com peso menor que 2 kg, para a vacinação de BCG;
c) Antecedente pessoal de reação local à vacina ou história familiar de
evento adverso à vacinação;
d) Uso de antimicrobiano profilático ou terapêutico – não interfere na
resposta imune às vacinas;
e) Desnutrição – a resposta às vacinas é adequada, sem aumento dos
eventos adversos;
f) Convalescença de doenças agudas – especialmente para as
doenças do trato respiratório superior, quando ainda há tosse e/ou
coriza;
g) Diagnóstico clínico prévio da doença –não há qualquer impedimento
de realizar a vacina, especialmente quando o diagnóstico não foi
confirmado. Não há aumento das reações adversas;
h) História de alergia inespecífica, pessoal ou familiar – exceto se há
história de alergia grave a algum componente da vacina (antecedente
de alergia a penicilina não procede, pois, nenhuma vacina a contém);
i) Doença neurológica estável;
j) História familiar de convulsão;
k) História familiar de morte súbita;
l) Tratamento com corticosteroides em doses não imunodepressoras –
geralmente quando o tempo de tratamento é inferior a 2 semanas ou
tratamento em dose baixa;
m) Uso de corticosteroide por via inalatória ou tópica em tendões ou
intra-articular;
n) Vacinação contra a raiva: não há interferência de outras vacinas;
o) Contato domiciliar com gestantes – os vacinados não transmitem os
vírus vacinais de sarampo, caxumba ou rubéola;
p) Internação hospitalar – é uma excelente oportunidade para
vacinação, desde que não haja outras contraindicações. O único
cuidado especial é com a vacina oral para a pólio em caso de
comunicantes imunodeprimidos;
q) Aleitamento – as vacinas utilizadas atualmente não são
contraindicadas para as mulheres que estão amamentando.

19.5.2 Verdadeiras
19.5.2.1 Reação de hipersensibilidade imediata

Anafilaxia ou angioedema, urticária, choque, broncoespasmo ou


edema de glote, imediatamente após a aplicação de 1 dose da vacina
ou a um constituinte desta, diluente ou preservativo, como proteínas
do ovo, gelatina ou antibiótico. A administração de uma nova dose
posterior pode colocar a pessoa em risco de vida. Quanto aos
comprovadamente alérgicos a proteínas do ovo, deve-se ressaltar
que as vacinas contra influenza e febre amarela são produzidas em
cultura do ovo embrionado, contendo traços de proteínas. Já as
vacinas contra o sarampo e a caxumba não contêm proteínas do ovo
e podem ser aplicadas aos alérgicos a elas.
19.5.2.2 Encefalopatia verdadeira e encefalites sem causa
identificável, nos primeiros 7 dias da vacinação DPT e tríplice
bacteriana acelular (DTPa), com o componente pertussis

Coma, convulsões prolongadas e outras manifestações neurológicas


constituem contraindicação absoluta posterior a qualquer tipo de
vacina que contenha o componente pertussis. Em se tratando de crise
convulsiva ou síndrome hipotônico-hiporresponsiva até 72 horas
após a vacina tríplice convencional, embora não haja consenso
absoluto, a maioria dos autores recomenda a aplicação em doses
subsequentes da vacina tríplice acelular.
19.5.2.3 Imunossupressão para vacinas de bactérias atenuadas ou
vírus atenuados

Em caso de imunossupressão – doenças congênitas – ou uso de


corticoide por tempo maior que 14 dias e dose maior ou igual a 2
mg/kg/d de prednisona para crianças com peso menor que 10 kg, ou
acima de 20 mg/d para crianças com peso acima de 10 kg e, adultos,
recomenda-se aguardar 1 mês após o término da corticoterapia para
vacinar. Entretanto, tratamentos inferiores a 2 semanas, em dias
alternados ou em doses baixas, não são contraindicação. Outra
situação de imunodepressão é o uso de quimioterapia ou
radioterapia. Às crianças infectadas pelo vírus HIV, a única
contraindicação absoluta é o uso da BCG quando sintomáticas.
19.5.2.4 Gravidez
Pelo risco teórico de infecção fetal com as vacinas com vírus vivo
atenuado ou bactéria viva atenuada, por exemplo, vacina contra a
rubéola.
19.5.2.5 Enfermidade aguda, moderada ou grave, acompanhada ou
não de febre

Trata-se de precaução genérica, sobretudo para que os seus sinais e


sintomas não sejam atribuídos ou confundidos com possíveis efeitos
adversos, devendo-se, assim, adiar a vacinação.
19.6 VACINAS
19.6.1 Tuberculose
A vacina contra a tuberculose (BCG) é elaborada a partir de uma
bactéria viva atenuada de origem bovina (Mycobacterium bovis),
semelhante ao micro-organismo causador da doença
(Mycobacterium tuberculosis). Deve ser aplicada por via intradérmica,
na altura da inserção inferior do músculo deltoide direito –
recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Antes da
sua utilização, deve ser diluída em solução salina, homogeneizada
suavemente e sem agitação, e ser conservada à temperatura de 2 a
8°C, sob proteção da luz solar.
19.6.1.1 Eficácia

Há um consenso de que a primeira dose da vacina BCG protege as


crianças contra as formas graves e disseminadas de tuberculose
(tuberculose miliar e meningite tuberculosa). Um estudo de meta-
análise demonstrou resultados homogêneos no efeito protetor da
vacina BCG para a meningite tuberculosa e a tuberculose miliar,
variando entre 72 e 100%, com média de 86%. Entretanto, o efeito
protetor da BCG contra tuberculose pulmonar foi bastante
heterogêneo, pois mesmo os diversos ensaios clínicos randomizados
apresentaram resultados que variaram de 79% a 88%. O tempo de
duração da proteção da BCG neonatal demonstrado em pesquisa
nacional foi de 15 a 20 anos.
A vacina contra a tuberculose não impede a
infecção, o desenvolvimento da tuberculose
pulmonar ou a primoinfecção, mas confere
proteção contra formas graves da tuberculose,
como a forma miliar, a meningite tuberculosa e
as formas disseminadas da doença.

19.6.1.2 Aplicação

O Ministério da Saúde recomenda que a idade-limite para aplicação


da primeira dose seja de 4 anos, 11 meses e 29 dias. Crianças maiores,
adolescentes e adultos até 60 anos que são contatos de pacientes
com hanseníase e não receberam a vacina devem ser vacinados. A
OMS recomenda apenas 1 dose de BCG na proteção contra
tuberculose, pois não há evidências que sustentem a utilização da
segunda dose de BCG. O Ministério da Saúde retirou a segunda dose
do calendário oficial brasileiro em 2006, seguindo recomendação da
OMS.
19.6.1.3 Evolução vacinal

Após 2 semanas da vacinação, deve surgir mácula avermelhada de 5


a 15 mm de diâmetro, no local da aplicação, a qual evolui para
pápula, vesícula, pústula, úlcera, crosta e, finalmente, cicatriz, ao
fim de, aproximadamente, 10 a 12 semanas. Durante esse processo, o
local da vacina não deve ser coberto, nem deve ser utilizado qualquer
medicamento tópico sobre ele. Deve-se lembrar que a presença de
cicatriz vacinal representa passado de vacina com BCG, mas não há
evidências de proteção ou imunidade contra a tuberculose. Crianças
que não formam a cicatriz após 6 meses da vacina dever ser
revacinadas uma única vez.
Caso a cicatrização da vacina BCG não apareça
até 6 meses ou mais, ou seja, não haja cicatriz
no local de inserção do músculo deltoide,
recomenda-se revacinar a criança, sem a
necessidade de teste tuberculínico (PPD)
prévio, pela possibilidade teórica de que
unidades não viáveis da vacina tenham sido
aplicadas. Caso novamente não se forme
cicatriz, a criança não receberá uma terceira
dose da vacina.

19.6.1.4 Contraindicações

As contraindicações absolutas específicas para a vacina contra a


tuberculose são imunodeficiência congênita e adquirida. As crianças
menores de 5 anos infectadas pelo HIV ou com evidência clínica de
AIDS não devem ser imunizadas. Já as contraindicações relativas são
reações dermatológicas graves no local da aplicação; no caso de
terapia imunossupressora, recomenda-se adiar a vacina até, no
mínimo, 3 meses após o término do tratamento. Os RNs devem ser
vacinados desde que tenham peso maior que 2 kg (em função da
dificuldade técnica em crianças menores) e boas condições clínicas.
Figura 19.3 - Pápula após 2 a 4 semanas da aplicação da vacina BCG
19.6.1.5 Situações especiais

A mãe bacilífera – radiografia de tórax com imagem sugestiva, ou


cultura de escarro positiva para Bacilo Álcool-Ácido Resistente
(BAAR) – deve usar máscara durante a amamentação, e o RN não
recebe a vacina; em vez disso, deve receber profilaxia primária com
isoniazida durante 3 meses. No fim desse período, aplica-se o teste
tuberculínico, e, caso a criança seja não reatora, aplica-se a vacina;
sendo reatora, deve-se prosseguir com isoniazida – agora,
profilaxia secundária – por mais 3 meses, desde que a criança não
seja sintomática e, ou não apresente indícios de doença. Nesse
último caso, ela deve receber o tratamento que consiste,
inicialmente, de isoniazida e rifampicina por 6 meses e, durante os 2
primeiros meses de tratamento, pirazinamida (esquema tríplice).
Em crianças HIV positivo, a vacina BCG deve ser administrada no
nascimento ou o mais precocemente possível. Para as crianças que
chegam aos serviços ainda não vacinadas, a vacina está
contraindicada se existirem sintomas ou sinais de imunodeficiência
ou se a criança tiver mais de 5 anos. A revacinação é contraindicada.
19.6.1.6 Reações adversas

A vacina BCG é bastante segura e, entre as utilizadas de rotina, a que


provoca menos efeitos adversos graves. Complicações mais comuns
decorrentes dela são as locais, advindas do tipo de cepa utilizada, da
quantidade de bacilos administrada, da técnica de administração e
da presença de imunodeficiência. Linfadenopatia regional supurada
pode aparecer cerca de 3 meses após a administração. A adenite
axilar acontece em 10% das crianças vacinadas e é geralmente
homolateral, na axila direita, devendo ser acompanhada até a
regressão natural dentro de 2 a 3 meses, sem necessidade de
tratamento. Se houver supuração ou aumento acentuado do gânglio,
úlceras profundas com diâmetro maior que 1 cm, que não cicatrizam
em 6 meses, deverão ser notificadas como efeito adverso, e indica-se
quimioprofilaxia com isoniazida, na dose de 10 mg/kg/d, até a
regressão da lesão.
Outra manifestação mais rara é a reação lupoide, que pode surgir
após o aparecimento da cicatriz, formando placas com
características lupoides. Indica-se o tratamento com isoniazida na
dose de 10 mg/kg/d, rifampicina na dose de 10 mg/kg/d e etambutol
na dose de 25 mg/kg/d por 2 meses e mais 4 meses de isoniazida e
rifampicina.
As reações resultantes de disseminação podem acontecer em
indivíduos com comprometimento da imunidade celular que
requerem tratamento antituberculoso por 6 meses.
19.6.1.7 Observações

Apesar de a vacina BCG ter sido inicialmente desenvolvida visando


ao seu efeito protetor contra as formas graves da tuberculose, essa
proteção também tem sido observada para a hanseníase. Estudos
indicam que uma dose adicional de BCG acrescenta proteção
adicional, justificando a recomendação do Ministério da Saúde em
aplicar uma segunda dose de BCG para contactantes de hanseníase.
No Brasil, o Ministério da Saúde recomenda a vacinação de todo
profissional que presta assistência a pacientes com tuberculose e
hanseníase e seja, inicialmente, não reator ao teste tuberculínico,
com ou sem cicatriz vacinal.
19.6.2 Hepatite B
Doença infecciosa viral, contagiosa, causada pelo vírus da hepatite B
(HBV). O agente etiológico é um vírus DNA, hepatovírus da família
Hepadnaviridae, podendo apresentar-se como infecção
assintomática ou sintomática. O período de incubação do vírus varia
de 30 a 180 dias, com uma média de 70 dias.
Desde o início da década de 1990, a OMS recomenda a vacinação
universal de todas as crianças contra a hepatite B, além dos
pertencentes aos grupos de risco.
As principais finalidades da vacinação contra o
vírus da hepatite B são prevenir a doença aguda
(Figura 19.4), impedir a cronificação da
hepatopatia e sua evolução para cirrose e, ou
hepatocarcinoma e, ainda, contribuir para
minimizar a transmissão viral.
Uma proporção de pessoas infectadas com o HBV – de 5% a 10% dos
adultos – progride para cronicidade, sendo essa taxa maior entre
neonatos e crianças, em quem a idade de aquisição faz aumentar o
risco para hepatocarcinoma e cirrose. Sabe-se que o risco de
desenvolver a infecção crônica é inversamente relacionado com a
idade, ou seja, se uma criança adquire hepatite B antes de 1 ano, tem
chance de 70% a 90% de se tornar portadora crônica, contra 6% a
10% da que adquire após os 7 anos.
A vacina atualmente utilizada contra a hepatite B contém antígeno
HBsAg recombinante, produzido pela inserção de um plasmídeo,
contendo o gene do antígeno de superfície, em células de um fungo,
resultando na presença de 95% de proteínas HBsAg, menos de 5% de
proteínas derivadas do fungo e nenhum DNA do fungo detectável, o
que torna a vacina bastante segura, sem o risco de infecção e baixa
reatogenicidade.
Figura 19.4 - Curso sorológico da hepatite B aguda

Fonte: Ministério da Saúde, 2005.


Quadro 19.2 - Marcadores sorológicos da hepatite B e seus significados clínicos
Fonte: Ministério da Saúde, 2005.

19.6.2.1 Esquema vacinal

O esquema básico de vacinação proposto pelo Ministério da Saúde é


composto por 4 doses: 0, 2, 4 e 6 meses. Ao RN, o ideal é que a
primeira dose seja aplicada na maternidade, nas primeiras 12 horas
de vida, e administrada isolada. A segunda, terceira e a quarta doses
estão contempladas na pentavalente (DPT + Hib + hepatite B).
O atraso de qualquer dose da vacina contra
hepatite B não indica necessidade de reiniciar o
esquema, que deve ser prosseguido do ponto
em que houve a interrupção. Em adolescentes
de 11 a 19 anos, sem comprovação de vacina
anterior, esta deve ser iniciada.

Há um esquema alternativo, de 4 doses, de rápida proteção,


administrando vacina nos momentos de 0, 1, 2 e 12 meses, mais
recomendado para RNs de mães portadoras de HBsAg. A esses RNs –
de mãe soropositiva –, além da vacina, é fundamental a Ig específica
(HBIg a 0,5mL IM), em diferentes locais, até 12 horas após o
nascimento, independentemente do peso.
Para RNs abaixo de 2 kg, em especial prematuros, com idade
gestacional inferior a 33 semanas, os níveis de anticorpos são mais
baixos, e as taxas de soroconversão, menores, aconselhando-se
aguardar o momento em que apresentem peso ou completem 1 mês.
A resposta à vacina, nessa circunstância, é comparável à resposta de
crianças a termo, independentemente do peso no nascimento e da
idade gestacional. Porém, em casos de risco aumentado (mãe
HBsAg), o RN deve receber 1 dose logo após o nascimento – e Ig
específica – , e, quando atinge 2 kg, deve ser iniciado o esquema de 3
doses, conforme descrito. Os RNs que recebem a primeira dose no
primeiro mês de vida, com menos de 2 kg, devem receber uma quarta
dose cerca de 6 meses após a terceira, o que torna o esquema tão
imunogênico quanto o de 3 doses em crianças de peso superior a 2
kg.
Nas crianças portadoras de HIV, o esquema vacinal ideal para a
hepatite B é indefinido, pela baixa imunogenicidade e por inúmeras
variáveis imunológicas. Nesses casos, recomenda-se uma quarta
dose da vacina. Quanto aos pacientes em hemodiálise, a vacina
contra HBV é recomendada em doses mais altas.
19.6.2.2 Aplicação

A vacina deve ser aplicada por via intramuscular, no músculo


deltoide ou no vasto lateral da coxa; a aplicação em outros locais
compromete a sua eficácia. A proteção da vacina contra HBV
aumenta com o número de doses. As taxas de proteção variam de
80% a 100% quando utilizado o esquema completo de vacinação.
19.6.2.3 Imunogenicidade

Os fatores que diminuem a imunogenicidade da vacina da hepatite B,


além dos cuidados inadequados com o material, incluem idade acima
de 40 anos, sexo masculino, tabagismo, obesidade e deficiência
imunológica.
19.6.2.4 Efeitos adversos

Pode haver eventos adversos, como reações locais em 3 a 20% dos


vacinados e febre em menos de 1%. Reações agudas de caráter
alérgico e reações ao conservante timerosal (urticária e
broncoespasmo) são raras. Não há contraindicações formais à
aplicação da vacina.
19.6.2.5 Avaliação pós-vacinação

Em termos de saúde pública, não é preconizada a avaliação rotineira,


pré e pós-vacinação, dos marcadores sorológicos da infecção para
receber a vacina, tanto para crianças como para adultos. O teste
sorológico (anti-HBsAg) pós-vacinação é aconselhável em
determinadas situações:
a) Crianças nascidas de mães infectadas – devem ser avaliadas entre
9 e 15 meses;
b) Profissionais de saúde em contato com sangue e, ou derivados;
c) Pacientes hemodialisados – testar 1 a 2 meses após a última dose
da vacina;
d) Parceiros sexuais de portadores do HBV – testar 1 a 2 meses após
a última dose da vacina.
Recentemente, o Programa Nacional de Hepatites Virais tem
indicado a triagem sorológica a gestantes no terceiro trimestre.
Caso a gestante apresente resultado negativo, recomenda-se vacinar
se ela está na faixa etária de até 19 anos. Considera-se proteção se os
títulos de anti-HBs são superiores a 10 UI/mL.
19.6.2.6 Vítimas de abuso sexual

Se a vítima não é vacinada ou se está com a vacinação incompleta


contra hepatite B, deve-se vacinar ou completar a vacinação. Não se
recomenda o uso rotineiro de Ig Humana Anti-Hepatite B (IgHAHB)
, exceto se a vítima é suscetível e o agressor HBsAg positivo ou
pertencente a um grupo de risco – usuários de droga, por exemplo.
Quando indicada, a IgHAHB deve ser aplicada o mais rapidamente
possível, até, no máximo, 14 dias após a exposição.
19.6.3 Poliomielite
No Brasil, a poliomielite está erradicada, e o registro dos últimos
casos confirmados foi em 1989, nos estados do Rio Grande do Norte
e da Paraíba, mas o número no mundo aumentou de 784 (2003) para
1.266 (2004). A Nigéria contribui com 63% dos casos, justificando,
assim, a continuidade da vacina para evitar o risco de importação
dos vírus selvagens. A introdução da Vacina Inativada contra
Poliomielite (VIP) no calendário básico de vacinação pelo Ministério
da Saúde no segundo semestre de 2012, com vírus inativado, segue a
tendência de países que já eliminaram a doença. A Organização Pan-
Americana da Saúde, no entanto, recomenda que os países das
Américas continuem a utilizar a vacina oral, com vírus atenuado, até
a erradicação mundial da poliomielite, o que garante proteção de
grupo.
No Brasil, existem 2 tipos de vacina contra a poliomielite: a VOP ou
Sabin, e a VIP, também chamada Salk.
19.6.3.1 Composição
A VOP continha suspensão trivalente de poliovírus atenuados (tipos
1, 2 e 3), no entanto, a partir de 2016, o tipo 2 foi retirado devido à
maior chance de poliomielite pós-vacinal. A VIP, injetável, é
constituída por cepas inativadas (mortas) dos 3 tipos (1, 2 e 3) de
poliovírus; contém vestígios de estreptomicina, neomicina e
polimixina B, com risco teórico de reações alérgicas em pessoas
sensíveis a esses antibióticos.
19.6.3.2 Esquema vacinal

O esquema vacinal é sequencial (VIP/VOP) de 3 doses para crianças


menores de 1 ano que estiverem iniciando o esquema vacinal. A VIP
deverá ser administrada aos 2 (primeira dose), 4 (segunda dose) e 6
meses (terceira dose), e a VOP, aos 15 meses e 4 anos de idade
(reforço). A preferência para a administração da VIP aos 2, 4 e 6
meses visa a evitar o risco, que é raríssimo, de evento adverso pós-
vacinação.
O intervalo entre as doses é de 60 dias, podendo ser de 30 dias, sendo
que, nos primeiros 6 meses, o intervalo mínimo de 30 dias é
recomendado apenas se o indivíduo está sob risco iminente de
exposição a circulação viral, como pessoas que se deslocam a regiões
endêmicas ou em situações de surto da doença.
1. A VIP só deve ser administrada em crianças de 2 meses a menores
de 1 ano que estão iniciando esquema vacinal;
2. Se a criança tiver recebido a VOP como primeira dose, na rotina de
vacinação, o esquema será completado com VOP;
3. Se a criança tiver recebido a primeira dose e, ou a segunda dose de
VIP, deverá seguir esquema sequencial;
4. Se a criança receber VIP aos 2 meses e, por algum motivo, receber
VOP aos 4, o esquema será completado com VOP.

Há recomendação a crianças menores de5 anos que estejam


iniciando esquema de vacinação contra poliomielite.
O esquema vacinal compreende 3 doses, com intervalo mínimo de 30
dias entre elas, e reforço aos 15 meses:
a) Primeira dose com VIP;
b) Segunda dose com VIP;
c) Terceira dose com VIP;
d) Reforço com VOP.

A campanha anual da VOP (“Zé Gotinha”) é feita para crianças entre


6 meses e 5 anos, e todas devem ser vacinadas, independentemente
do status vacinal.
19.6.3.3 Risco associado à vacina

De 1995 a 2001, foram registrados 10 casos de pólio associada ao


vírus vacinal no Brasil. Quatro casos foram associados à primeira
dose, 4 casos à segunda dose e 2 casos atribuídos a contato. A média
de idade foi de 4 a 7 meses. O risco observado para a poliomielite
associada ao vírus vacinal durante o período foi de 1:5,11 milhões de
primeiras doses e de 1:10,67 milhões para o total de doses (Teixeira-
Rocha; Carmo; Tavares-Neto, 2005).
19.6.3.4 Contraindicações

Há contraindicações específicas para a vacina da pólio nos casos de


imunodeficiência congênita ou adquirida –imunodeficiência
combinada, hipogamaglobulinemia e agamaglobulinemia. Nessas
situações, tanto o paciente como os seus familiares contactantes
devem receber a vacina inativada. Com a VOP, há excreção do vírus
vacinal durante 4 a 6 semanas após a vacinação. Indivíduos
infectados pelo vírus da AIDS podem receber a vacina oral caso não
apresentem sintomas da doença. Para pacientes que os apresentam,
prefere-se a vacina inativada.
Como a VOP contém traços de neomicina, bacitracina e
estreptomicina, indivíduos com reação anafilática a tais antibióticos
apresentam contraindicação a seu uso. Recomenda-se não vacinar
mulheres grávidas, exceto em situações de alto risco. Aleitamento
materno e diarreia não são contraindicações à vacinação.
Ela deve ser administrada novamente caso a criança cuspa ou
vomite.
19.6.3.5 Vacina inativada contra a poliomielite (Salk)

A vacina Salk foi desenvolvida por Jonas Salk em 1954 e desde 2000 é
a única contra poliomielite utilizada nos Estados Unidos. É composta
por vírus inativados e aplicada em doses de 0,5mL por via
intramuscular ou subcutânea – na forma isolada) – Está disponível
nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs) e,
desde 2012, na rede básica, na apresentação isolada para situações
especiais e apresentações combinadas nas clínicas privadas.
Algumas particularidades são:
a) Ser iniciada aos 2 meses;
b) Conferir níveis de anticorpos protetores com apenas 2 doses;
c) A imunidade desenvolvida ser essencialmente do tipo humoral,
diferentemente da pólio oral (Sabin), em que há desenvolvimento da
imunidade tanto local, em nível de mucosa, quanto humoral;
d) A vacina não competir com o vírus selvagem da pólio em nível
intestinal, diferentemente do que ocorre com a Sabin;
e) Haver produção discreta de IgA secretora na nasofaringe.

Por conter vírus mortos, tal vacina torna imune, exclusivamente, o


indivíduo vacinado, sem imunização secundária entre contatos, uma
das vantagens da pólio oral. Entretanto, com a Salk, não há risco de
gerar cepas virais mutantes, capazes de produzir eventuais casos de
paralisia associada à vacina oral.
19.6.3.6 Indicações da Salk

a) Primeiras doses do esquema vacinal (2, 4 e 6 meses);


b) Imunossuprimidos em geral – imunodeficiências primárias;
c) Infecção pelo HIV (sintomática);
d) Neoplasias, imunossupressão por medicamentos, quimioterapia ou
radioterapia, transplante de medula;
e) Contatos domiciliares de imunossuprimidos.
19.6.4 Rotavírus humano
O rotavírus (RV) é um vírus da família Reoviridae, principal agente de
gastrenterite grave com desidratação no período inicial da infância.
Estima-se que seja responsável, anualmente, por 25 milhões de
consultas clínicas, 2 milhões de internações e mais de 600 mil
mortes entre crianças menores de 5 anos. Entretanto, a infecção
ocorre, na maioria das crianças, nos primeiros anos de vida, sendo
os casos mais graves em crianças de até 2 anos. Em estudos
realizados no estado de São Paulo, o RV contribui com a maioria dos
casos de diarreia.
O quadro clínico do RV humano é muito exuberante, com breve
período de incubação (de 24 a 48 horas), início abrupto pela fase
gástrica, vômitos em mais de 50% dos casos, febre alta e diarreia
profusa, com possível evolução com desidratação.
19.6.4.1 Composição

A primeira vacina contra o RV foi a RotaShield®, oral atenuada,


tetravalente, utilizada com rearranjo símio e humano, aplicada no
esquema de 3 doses (2, 4 e 6 meses de idade). Foi suspensa em 1999,
devido ao aumento de invaginação intestinal.
Atualmente, há alguns tipos de vacinas disponíveis no mundo,
entretanto a escolhida para fazer parte do calendário vacinal do
Brasil, em março de 2006, foi a vacina oral atenuada monovalente,
G1P1A, cepa RIX4414, de origem humana (Rotarix®,
GlaxoSmithKline Biologicals), por suas elevadas imunogenicidade,
eficácia e segurança. Há, também, estudos publicados utilizando-se
uma vacina oral atenuada pentavalente, com rearranjo humano-
bovino, G1, G2, G3, G4 e P1[8] (RotaTeq®, Merck), também com
elevada proteção para as formas graves de diarreia.
19.6.4.2 Esquema vacinal
O esquema vacinal recomendado é de 2 doses, aos 2 e 4 meses,
simultaneamente com as vacinas tetravalente (DTP/Hib) e Salk. O
intervalo mínimo entre as doses é de 4 semanas. Para tal vacina, são
recomendadas algumas restrições:
1. Para a aplicação da primeira dose:
a) Aos 2 meses;
b) Idade mínima; 1 mês e 15 dias de vida (6 semanas);
c) Idade máxima; 3 meses e 15 dias de vida (14 semanas).
2. Para a aplicação da segunda dose:
a) Aos 4 meses;
b) Idade mínima; 3 meses e 15 dias de vida (14 semanas);
c) Idade máxima; 7 meses e 29 dias de vida (aproximadamente
32 semanas).

Convém observar rigorosamente as datas para


aplicação da vacina contra o rotavírus, pois, se
aplicada fora da faixa preconizada, há aumento
do risco de invaginação intestinal, com
correlação direta entre idade e intussuscepção
intestinal.

As datas para aplicação da vacina contra o RV devem ser


rigorosamente observadas, pois há aumento do risco de invaginação
intestinal se aplicada fora da faixa preconizada.
Convém lembrar que invaginação é uma forma de obstrução
intestinal em que um segmento do intestino invagina sobre o outro,
localizado mais distalmente, causando obstrução intestinal e
compressão vascular da alça invaginada. Tem maior ocorrência em
crianças entre 4 e 9 meses e representa uma das causas mais
frequentes de abdome agudo nessa faixa etária. O lactente apresenta
náuseas, vômitos, dores abdominais e, algumas vezes, pode ter fezes
com muco e sangue – fezes “em geleia de morango”. O tratamento
pode ser conservador, mas, em algumas situações, é indicado o
tratamento cirúrgico.
19.6.4.3 Efeitos adversos

Após receber a vacina, a criança pode apresentar reação alérgica


sistêmica grave até 2 horas da administração, sangue em fezes e
internação por abdome agudo obstrutivo até 42 dias após a
aplicação. Deve-se ponderar a possibilidade de invaginação
intestinal, necessitando de tratamento conservador e, algumas
vezes, cirúrgico. Além disso, deve-se lembrar sempre de preencher a
Ficha de Notificação de Procedimento Inadequado para efeitos
adversos.
19.6.4.4 Contraindicações

a) Imunodeficiência congênita ou adquirida;


b) Uso de corticosteroide em doses elevadas – equivalente a 2
mg/kg/d ou mais, por mais de 2 semanas – ou crianças submetidas a
outras terapêuticas imunossupressoras – quimioterapia e/ou -
radioterapia;
c) Reação alérgica grave a 1 dos componentes da vacina ou em dose
anterior (urticária disseminada, broncoespasmo, laringoespasmo,
choque anafilático), até 2 horas após a aplicação da vacina;
d) História de doença gastrintestinal crônica;
e) Malformação congênita do trato digestivo;
f) História prévia de invaginação intestinal.

19.6.4.5 Vacinação simultânea

A vacina oral contra RV pode ser aplicada simultaneamente com as


vacinas DTP, DTPa (acelular), Hib, hepatite B, pneumococo
heptavalente e Salk, sem prejuízo das respostas das vacinas
aplicadas. Até o momento, não há experiência acumulada com a
aplicação simultânea de vacina contra o meningococo.
Uma recomendação especial deve ser dada com relação à vacina
Sabin. Esta, quando não aplicada no mesmo dia da vacina contra RV,
é a única para a qual se deve aguardar intervalo de 15 dias. Em
estudos realizados com a aplicação simultânea da vacina contra RV e
Sabin, observou-se discreta redução na resposta da primeira dose da
vacina contra RV. Com relação à VOP administrada com 2 semanas de
intervalo em relação à RIX4414, estudos recentes na África do Sul,
onde ambas as vacinas foram administradas em conjunto,
mostraram que as 2 doses da RIX4414 não influenciaram a
soroproteção induzida por quaisquer dos 3 sorotipos de poliovírus.
Após a aplicação da segunda dose, não foi observado prejuízo na
resposta. Por precaução, se a criança vomita ou regurgita, a dose não
deve ser repetida.
19.6.5 Difteria, coqueluche e tétano (DTP)
19.6.5.1 Composição

1. DTP (vacina celular): de células inteiras, composta dos toxoides


tetânico (de 10 a 20UI) e diftérico (30UI – toxinas inativadas) e
suspensão de células de Bordetella pertussis mortas, hidróxido de
alumínio, timerosal e solução salina;
2. DTPa (tríplice acelular): cada dose contém, no mínimo, 30UI de
toxoide diftérico purificado, 40UI de toxoide tetânico e fração de
pertussis com 2, 3 ou 5 componentes, dependendo da apresentação
comercial;
3. DT infantil (DT): a vacina contém 10Lf de toxoide tetânico e de 10 a
12Lf de toxoide diftérico a cada 0,5mL, precipitados pelo alúmen, e
contém timerosal como conservante de resíduos de formaldeído;
4. Tetravalente bacteriana (TETRA): contém a tríplice celular (DTP),
cujo componente contra coqueluche é de bactérias inteiras, associada
à Hib;
5. Tríplice bacteriana acelular tipo adulto (dTpa): contra difteria,
tétano e coqueluche acelular, para uso em adultos e adolescentes.
Cada dose contém, no mínimo, 2UI de toxoide diftérico purificado, 20UI
de toxoide tetânico e fração pertussis com 3 componentes purificados
(hemaglutinina filamentosa), a pertactina (uma proteína da parede
celular), aglutinogênios (proteínas das fímbrias), formaldeído e solução
salina;
6. Dupla bacteriana tipo adulto (dT): cada dose contém, no mínimo,
2UI de toxoide diftérico purificado, 20UI de toxoide tetânico, hidróxido
de alumínio, timerosal e solução salina;
7. Pentavalente (DTP + Hib + hepatite B): segundo a proposta de
calendário vacinal 2012/2013 pelo Ministério da Saúde, deve-se
substituir o esquema DPT, mantendo-se os intervalos aos 2, 4 e 6
meses. Aos 15 meses, devem ser feitos os reforços de DPT.

19.6.5.2 Esquema vacinal

Deve ser administrada em 3 doses (aos 2, 4 e 6 meses), atualmente


feito pela pentavalente (DPT + Hib + hepatite B), com 1 dose de
reforço aos 15 meses e outra entre os 4 e os 6 anos. A partir dessa
idade, o indivíduo deve receber reforços do toxoide tetânico e
diftérico a cada 10 anos (vacina dupla adulto). Em caso de acidente
com solução de continuidade importante e vacinação há mais de 5
anos, deve-se repeti-la. A administração é intramuscular, e deve-se
dar preferência ao músculo vasto lateral da coxa em crianças
menores de 2 anos. Crianças de baixo peso e prematuros podem ser
vacinados ao completarem 2 meses de vida. Gestantes a partir da
vigésima semana de gestação devem receber 1 dose da vacina dTpa,
de acordo com o Ministério da Saúde. Essa medida visa proteger os
RNs contra coqueluche, por receberem anticorpos transmitidos pela
mãe.
19.6.5.3 Contraindicações específicas

a) Crianças maiores de 7 anos, crianças com quadro neurológico em


atividade e aquelas que após a primeira aplicação apresentam
convulsão dentro de 72 horas;
b) Síndrome hipotônica hiporresponsiva até 48 horas após aplicação
da vacina;
c) Encefalopatia nos primeiros 7 dias após vacinação;
d) Reação anafilática.

19.6.5.4 Efeitos adversos

1. Locais: dor, eritema, edema, enduração ou adenopatia;


2. Sistêmicos: febre, mal-estar e irritabilidade podem ocorrer nas
primeiras 24 a 48 horas.

São pouco frequentes choro prolongado e incontrolável e febre


acima de 40,5°C. A síndrome de Guillain-Barré, extremamente rara,
pode ocorrer até 6 semanas após a vacina ser administrada. Outros
eventos neurológicos possíveis estão associados sobretudo ao
componente pertussis, podendo manifestar-se por irritabilidade,
sonolência, vômitos, choro inconsolável, convulsões (sem sequelas e
geralmente associadas a febre) e a encefalopatia com sequela,
possível em até 7 dias após a vacinação. É um evento raro –
1:1.000.000 –, e ainda não está comprovada relação causal entre a
vacina e a encefalopatia com sequelas neurológicas. A vacina DPT
não é responsável por morte súbita em crianças ou encefalopatias
com lesões permanentes.
Todas as reações adversas devem ser notificadas.
19.6.5.5 Indicações da DTPa

Segundo a indicação dos CRIEs, a DTPa é indicada após os seguintes


eventos adversos graves com a aplicação da vacina DTP celular ou
tetravalente:
a) Convulsão febril ou afebril nas primeiras 72 horas após vacinação;
b) Síndrome hipotônica hiporresponsiva nas primeiras 48 horas após
vacinação.

Crianças que apresentam risco aumentado de eventos graves à


vacina DTP ou tetravalente:
a) Doença convulsiva crônica;
b) Cardiopatias ou pneumopatias crônicas em menores de 2 anos com
risco de descompensação em vigência de febre;
c) Doenças neurológicas crônicas incapacitantes;
d) RN que permaneça internado na unidade neonatal por ocasião da
idade de vacinação;
e) RN prematuro extremo (com menos de 1.000g ou 31 semanas).

19.6.5.6 Contraindicações da DTPa

a) Choque anafilático provocado por aplicação da vacina tetravalente


ou da DTP, ou da DTPa, das vacinas antitetânico-diftéricas duplas (DT
e dT) e da vacina antitetânica;
b) Encefalopatia instalada no período de até 7 dias depois da aplicação
da vacina tetravalente ou da vacina DTP celular ou da DTP acelular,
devendo o esquema, nesses casos, ser completado com vacina dupla
(DT ou dT);
c) O uso de antitérmico profilático (paracetamol, 15mg/kg VO), no
momento da vacinação, com intervalos regulares por 24 a 48 horas
após a vacinação, é indicado para crianças com história pessoal ou
familiar de convulsão (com febre) ou que tenham apresentado febre
superior a 39,5°C após vacinação;
d) Pelo calendário vacinal do Ministério da Saúde, para crianças
maiores de 7 anos, deve ser utilizada somente vacina dupla adulto
(dT), pois, após essa idade, a gravidade da coqueluche é muito menor.

19.6.5.7 Vacinação de adolescente

Ao adolescente que já recebeu 3 doses ou mais das vacinas DTP, DT


ou dT, deve-se aplicar dose de reforço a cada 10 anos e, em caso de
ferimentos graves, antecipar a mesma dose para 5 anos após a
última dose. O intervalo mínimo entre elas é de 30 dias.
O Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP), em
janeiro de 2006, passou a recomendar a DTPa para adolescentes
entre 11 e 12 anos com esquema completo de vacinação da infância
contra difteria, tétano e coqueluche, e para aqueles que não
receberam a dose de booster contra tétano e difteria. Os adolescentes
entre 13 e 18 anos não vacinados com dT ou DTPa entre 11 e 12 anos
também devem receber uma única dose da DTPa, caso seus
esquemas de vacinação da infância estejam completos. Para os
reforços subsequentes a cada 10 anos, o ACIP mantém a indicação da
vacina dT.
19.6.5.8 Profilaxia de acidentes

Em casos de acidentes, quando a criança não recebeu nenhuma dose


da vacina contra o tétano, deve-se iniciar o esquema vacinal. Se ela
recebeu apenas 1 dose, deve ser dada 1 dose no momento e, depois, a
terceira. Se a criança já recebeu, pelo menos, 2 doses, recomenda-se
aplicar 1 dose de reforço.
A Ig humana antitetânica (IgHAT) ou a antitoxina heteróloga – soro
antitetânico (SAT) – é indicada sempre que há o risco de
contaminação ou tratar-se de ferimentos maiores e a criança não
tiver recebido, pelo menos, 2 doses da vacina. Outras indicações são
quanto às crianças que devem receber IgG antitetânica
profilaticamente, para aquelas cujo teste de sensibilidade ao SAT foi
positivo, ou para quem já teve reação de hipersensibilidade após ter
recebido qualquer soro heterólogo.
Para ferimentos pequenos e limpos, não são necessários reforços se
a última dose foi aplicada há menos de 10 anos. Em todos esses casos
de acidentes, o Quadro 19.3 refere-se à dT.
Quadro 19.3 - Condutas profiláticas de acordo com o tipo de ferimento e a situação vacinal
1 Ferimentos superficiais, limpos, sem corpos estranhos ou tecidos desvitalizados.
2 Ferimentos profundos ou superficiais sujos, com corpos estranhos ou tecidos
desvitalizados; queimaduras; feridas puntiformes ou por armas brancas e de fogo;
mordeduras; politraumatismos e fraturas expostas.
3 Vacinar e aprazar as próximas doses, para complementar o esquema básico. Essa
vacinação visa proteger contra o risco de tétano por outros ferimentos futuros. Se o
profissional que presta o atendimento suspeita que os cuidados posteriores com o
ferimento não serão adequados, deve considerar a indicação de imunização passiva com
SAT ou IgHAT. Quando indicado o uso de vacina e SAT ou IgHAT concomitantemente,
devem ser aplicados em locais diferentes.
4 Para paciente imunodeprimido, desnutrido grave ou idoso, além do reforço com a vacina,
está indicada IgHAT ou SAT.
5 Se o profissional que presta o atendimento suspeita que os cuidados posteriores com o
ferimento não serão adequados, deve considerar a indicação de imunização passiva com
SAT ou IgHAT. Quando indicado o uso da vacina e SAT ou IgHAT concomitantemente,
devem ser aplicados em locais diferentes.
Fonte: Guia de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, 2016.

19.6.6 Vacina pentavalente


O Ministério da Saúde adquiriu a vacina DTP + hepatite B + Hib. As
vacinas adquiridas são compostas por toxoides de difteria e tétano,
suspensão celular inativada de Bordetella pertussis, antígeno de
superfície de hepatite B (HBsAg) e oligossacarídeos conjugados de
Hib. A vacinação básica consiste na aplicação de 3 doses, com
intervalo de 60 dias (mínimo de 30 dias), a partir de 2 meses.
Os 2 reforços necessários serão realizados com a vacina DTP
(difteria, tétano e pertussis); o primeiro reforço deverá ser aos 15
meses, e o segundo, aos 4 anos. A idade máxima para aplicação da
DTP é de 6 anos, 11 meses e 29 dias.
Ressalte-se que fará parte desse esquema, para os RNs, a primeira
dose nas primeiras 24 horas, preferencialmente nas primeiras 12
horas, com a vacina hepatite B (recombinante).
19.6.7 Haemophilus influenzae tipo B
O Haemophilus influenzae tipo B (Hib) é um bacilo Gram negativo
com 2 tipos de cepas:
a) Não tipáveis (não capsuladas): colonizam as vias respiratórias e
são causa frequente de otite média, sinusite e infecção das mucosas
respiratórias;
b) Tipáveis (cepas capsuladas): particularmente do sorotipo B,
responsáveis por 95% dos casos de doença invasiva por essa
bactéria, como meningite, bacteriemia, epiglotite, pioartrite e
pneumonia graves e outras infecções das vias respiratórias, na maioria
das vezes atingindo crianças de até 5 anos (a faixa de maior risco vai
de 3 a 24 meses).

Obviamente, outros patógenos podem ser responsáveis por essas


mesmas afecções, inclusive o Haemophilus influenzae não tipável
(não capsulado). Porém, na maioria das vezes, produzem infecção de
menor gravidade e, dificilmente, epiglotite. As vacinas contra o Hib
não são eficazes na proteção contra infecções do trato respiratório
superior, pois a maioria das otites e sinusites é causada por
Streptococcus pneumoniae e Haemophilus não capsulados. Lembrando
que tal vacina oferece ótima proteção contra pneumonia e empiema
causados por essa bactéria, com redução de 80 a 100% das
pneumonias.
19.6.7.1 Composição

Há várias vacinas no mercado, com o polissacarídeo da cápsula da


bactéria (PRP), sendo conjugado a diferentes proteínas, como o
toxoide tetânico (PRP-T), o mutante não tóxico da toxina diftérica
(CRM-197) e as proteínas da membrana externa do meningococo do
grupo B (HbOC), e podem conter timerosal como conservante. São
semelhantes quanto à capacidade imunogênica e podem ser
substituídas entre elas em qualquer uma das doses.
A vacina contra Hib é produzida com partes da cápsula
polissacarídica da bactéria. Atualmente, têm sido usadas apenas as
vacinas conjugadas, ou seja, o antígeno da cápsula do H. influenzae é
conjugado a diferentes tipos de proteínas, o que a torna imunogênica
mesmo para lactentes jovens.
19.6.7.2 Esquema vacinal

A vacina é indicada a todas as crianças a partir de 2 meses até 5 anos,


com esquema de 3 doses (ministradas aos 2, 4 e 6 meses de vida),
utilizando a vacina Hib + DPT + hepatite B (pentavalente). Caso a
criança já tenha 15 meses ou mais, é necessária apenas 1 dose.
Somente nos casos com indicações dos CRIEs o Ministério da Saúde
indica dose de reforço aos 15 meses:
a) Substituição de tetravalente (DPT + Hib) por DTP acelular + Hib;
b) Transplantados de medula óssea e órgãos sólidos.

Menores de 19 anos e não vacinados, nas seguintes situações:


a) HIV/AIDS;
b) Imunodeficiência congênita isolada de tipo humoral ou deficiência de
complemento;
c) Imunodepressão terapêutica ou devida ao câncer;
d) Asplenia anatômica ou funcional e doenças relacionadas;
e) Diabetes mellitus;
f) Nefropatia crônica, hemodiálise, síndrome nefrótica;
g) Trissomias;
h) Cardiopatia crônica;
i) Pneumopatia crônica;
j) Asma persistente moderada ou grave;
k) Fibrose cística;
l) Fístula liquórica;
m) Doenças de depósito.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) indica a dose de reforço de


12 a 15 meses. Caso a criança já tenha 15 meses ou mais, é necessária
uma dose.
19.6.7.3 Eficácia

A vacina confere elevada proteção contra doenças invasivas por Hib,


diminui o número de assintomáticos (estado de portador) por
inibição da colonização e protege as crianças não vacinadas
(imunidade de rebanho). A eficácia é de 93 a 100%.
19.6.7.4 Efeitos adversos

Eventualmente, podem ser observados eritema local e, ou febre


baixa nas 24 horas seguintes à administração, que deve ser feita por
via intramuscular. A vacina é indicada inclusive a maiores de 5 anos,
em crianças com asplenia, anemia falciforme ou qualquer outra
condição que produza imunodeficiência, incluindo os HIV positivo
assintomáticos ou não. A criança que teve a doença invasiva antes
dos 2 anos não é considerada imune e deve ser vacinada. Já a
vacinada que desenvolve a doença deve ser avaliada em busca de
imunodeficiência.
19.6.8 Febre amarela
A febre amarela é causada por um vírus de RNA do gênero Flavivirus,
que usa como vetor os insetos Haemagogus e Aedes aegypti (Figura
19.5), o último presente em todos os estados do país.
Figura 19.5 - Aedes aegypti
Fonte: Khlungcenter.

19.6.8.1 Indicações

A vacina é indicada para residentes ou viajantes para as áreas com


recomendação de vacinação a partir do surto de febre amarela em
2017 (todos os estados do Norte e Centro-Oeste; Minas Gerais;
Maranhão; alguns municípios do Piauí, Bahia, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul; em janeiro de 2018 a OMS colocou todo
o estado de São Paulo como área de risco para transmissão de febre
amarela). No caso de viagem para áreas de risco, a vacina deve ser
administrada pelo menos 10 dias antes. Pessoas que se deslocam
para países endêmicos, conforme recomendações do Regulamento
Sanitário Internacional (RSI), devem receber a vacina.
O esquema vacinal foi modificado a partir de 2017 e atualmente
consiste em uma única dose a partir dos 9 meses de vida, por via
subcutânea. Em situações de surto, a vacina pode ser feita a partir do
sexto mês de vida, no entanto ela não é considerada válida, e uma
nova dose deverá ser feita aos 9 meses de idade.
A vacina não deve ser administrada simultaneamente com a vacina
tríplice viral ou tetra viral, devendo-se respeitar um intervalo de 30
dias entre as aplicações. Em situações de surto, esse intervalo pode
ser de 15 dias.
19.6.8.2 Composição

A vacina usada no Brasil é produzida pela Fundação Oswaldo Cruz e


consiste em vírus vivo atenuado da subcepa 17DD, cultivada em
embriões de galinha.
19.6.8.3 Soroconversão

A taxa de soroconversão varia de 90% a 98% após o sétimo dia, mas


se deve esperar até o décimo dia para ser válido o certificado de
vacinação.
19.6.8.4 Reações adversas

Eritema, dor local, cefaleia intensa, mialgia e febre alta podem ser
observados nas primeiras 24 horas após a administração da vacina.
Doença viscerotrópica aguda e doença neurológica aguda associadas
à vacina de febre amarela são considerados eventos adversos graves.
19.6.8.5 Contraindicações

Idade inferior a 6 meses, com risco aumentado de encefalite, história


de reação anafilática à proteína do ovo, imunossupressão congênita
ou adquirida e gravidez, exceto se há risco grave de transmissão.
19.6.9 Tríplice viral – Sarampo, Caxumba e Rubéola
(SCR)
19.6.9.1 Composição

A vacina tríplice viral é cultivada em células de embrião de galinha e


contém vírus vivos atenuados das cepas: sarampo (Schwarz ou
Edmonston), caxumba (RIT 4385 cepa Jeryl Lynn, Urabe AM9) e
rubéola (RA Wistar 27/3). Além de estabilizadores, contém neomicina
ou canamicina. É importante lembrar que a vacina também é
conhecida pelo seu acrônimo em inglês – MMR (Measles, Mumps and
Rubella).
19.6.9.2 Esquema vacinal

Tal vacina reúne vírus atenuados do sarampo, da caxumba e da


rubéola. Segundo o calendário básico de vacinação, deve ser aplicada
aos 12 meses de vida e, aos 15 meses, deve ser reforçada com a tetra
viral (vacina contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela). A vacina
da varicela deve ser feita até os 4 anos de idade, e uma segunda dose
de tríplice viral foi incluída no calendário para os adolescentes até
indivíduos de 29 anos de idade para aumentar a imunidade contra
caxumba. Adultos de 30 a 49 anos de idade também devem receber
uma dose da tríplice viral. A aplicação deve ser feita por via
subcutânea, de preferência no braço esquerdo.
Frente ao surto atual, vem acontecendo diversas modificações em
relação à SCR. Em agosto de 2019, a orientação é 1 dose de SCR dos 6
aos 12 meses de idade, que não contarão para as doses finais. 2 doses
após 1 ano de idade (12 e 15 meses de vida). Aqueles com esquema
vacinal completo não devem receber doses extras da vacina, nem
vacinação de bloqueio em caso de contato com caso suspeito ou
confirmado de sarampo.
19.6.9.3 Eficácia

A eficácia acontece quando são aplicadas as 2 doses preconizadas,


após 1 ano, sendo superior a 99% para as 3 doenças.
19.6.9.4 Indicações

a) Rubéola
Embora seja uma doença exantemática considerada benigna, a
vacinação visa prevenir a Síndrome de Rubéola Congênita (SRC), e,
caso ocorra infecção materna assintomática no primeiro trimestre
da gravidez, há alto risco de aborto, malformações congênitas e
natimortos. Em função do componente contra a rubéola,
recomenda-se evitar gravidez nos 30 dias seguintes à administração
da vacina tríplice viral, muito embora, entre as mulheres que
engravidaram inadvertidamente após vacinação, nunca tenha sido
confirmado caso de SRC ou demonstrado que tal vacina seja
teratogênica.
Deve-se lembrar que essa síndrome geralmente é grave e pode
acometer de 40% a 60% dos RNs cujas mães foram infectadas
durante os 2 primeiros meses de gestação, de 30% a 35% dos RNs
com mães infectadas no terceiro mês de gestação e 10% dos RNs
quando a infecção ocorre durante o quarto mês da gestação, sendo
mais raro o acometimento após a vigésima semana. Os principais
sinais e sintomas da infecção intrauterina são aborto espontâneo e
malformação congênita de grandes órgãos e sistemas: oculares
(microftalmia, retinopatia, glaucoma e catarata), cardíaca
(persistência de ducto arterial, defeitos dos septos interatrial e
interventricular, estenose da artéria pulmonar), deficiência auditiva,
alterações neurológicas (meningoencefalite, retardo mental),
púrpura, esplenomegalia, osteopatia radiolúcida. É possível a
ocorrência de formas leves, com surdez parcial ou pequenas
deficiências cardíacas, só diagnosticadas muitos anos após o
nascimento. A infecção é tanto mais grave quanto mais precoce é a
contaminação do feto, pois o vírus tem tropismo por tecidos jovens,
sendo importante causa de restrição de crescimento intrauterino.
Para ser possível controlar ou erradicar a rubéola, é necessário
manter elevadas taxas de cobertura vacinal para evitar deslocamento
da curva de suscetíveis. Como exemplo, cita-se a campanha de
vacinação contra a rubéola em 1998, que não foi suficiente para
prevenir um surto entre adultos jovens em 2.000, com uma alta
incidência de SRC em 2001. Entre 2002 e 2005, as incidências de
rubéola e de SRC diminuíram, entretanto, a alta cobertura da vacina
e a vigilância de alta qualidade são importantes para atingir a
erradicação da síndrome.
b) Caxumba

A doença é caracterizada pelo aumento agudo e doloroso das


glândulas salivares, especialmente as parótidas; embora também
seja infecção benigna na maioria das vezes, apresenta risco de
complicações graves, como orquite, epididimite e
meningomieloencefalite, esta última considerada a complicação
mais frequente.
c) Sarampo

Trata-se de uma doença exantemática altamente contagiosa,


podendo apresentar quadro clínico bastante grave. Em epidemias, a
vacina só pode ser aplicada a partir de 6 meses. Nessas situações,
devem ser vacinados todos os indivíduos não imunes. As
contraindicações e precauções são as mesmas apresentadas a seguir
com relação à tríplice viral. No caso de exposição ao sarampo, a
vacina previne a doença em não imunes quando administrada em
indivíduos com idade superior a 9 meses até 72 horas após o contato.
Após esse período e até, no máximo, 6 dias da exposição, os expostos
devem receber Ig humana (0,25 mL/kg, máximo de 15 mL ou o
dobro, quando imunodeprimidos), especialmente menores de 1 ano,
gestantes e imunocomprometidos. As crianças não imunizadas que
receberam Ig para prevenção pós-exposição devem receber a vacina
contra sarampo, devendo aguardar 5 meses, se dose de 0,25 mg, ou 6
meses, se esta foi dobrada (0,5mg).
d) Casos especiais

A vacina SCR deve ser administrada mesmo em casos de


imunodepressão congênita ou adquirida. Nos casos de HIV positivo,
prefere-se que seja anterior à manifestação da AIDS. Caso já haja
manifestação, só recebe a vacina quem não se encontra com
imunodepressão grave e não esteja recebendo Ig em doses elevadas.
19.6.9.5 Situações de adiamento

No caso de uso recente de sangue total ou plasma, deve haver


intervalo de, pelo menos, 3 meses entre o uso e a aplicação da vacina.
Tal recomendação se deve ao risco de diminuição da resposta à
vacina. Nas crianças que fizeram uso de Ig humana ou Igs, o prazo
para o uso da vacina depende da dose de IgG utilizada, por exemplo,
3 meses na profilaxia contra o tétano e a hepatite A e 11 meses no
caso de Kawasaki. Essa recomendação não se aplica às mulheres em
pós-parto imediato, e deve ser solicitado teste sorológico para
verificar se houve soroconversão para rubéola após 3 meses da
aplicação. Caso o indivíduo vacinado necessite de sangue ou dos
derivados antes indicados no período de até 2 semanas após a
aplicação da vacina, recomenda-se que seja repetida a dose 3 meses
após o uso dos produtos biológicos.
19.6.9.6 Efeitos adversos

Pode haver febre, de 5 a 12 dias após a vacinação, artralgia e, ou


artrite de 7 a 21 dias, exantema de 7 a 10 dias que pode durar de 1 a 2
dias, parotidite de 14 a 21 dias e púrpura trombocitopênica até 2
meses após a vacinação. Manifestações neurológicas, como
encefalite, são extremamente raras. Pode haver choque anafilático
em indivíduos sensíveis ao ovo (proteína ovoalbumina), mas é
extremamente raro, pois é muito baixa a sua concentração na vacina.
Alergia a gelatina pode estar associada à vacina, contraindicando-a
em caso de reação anafilática grave. Não constitui contraindicação à
vacina SCR alergia ao ovo de galinha. Múltiplos estudos não
demonstraram relação da vacina SCR com autismo.
19.6.9.7 Falsas contraindicações

Compreendem alergia a neomicina – existem traços na vacina –


causando alergia de contato, tuberculose, HIV assintomático, alergia
ou intolerância que não tenha sido de natureza anafilática sistêmica
à ingestão de ovo ou gelatina.
19.6.10 Varicela
A varicela –“catapora” – e o herpes-zóster – popularmente
conhecido como “cobreiro” – são aceitos, hoje, como a mesma
doença, causada pelo mesmo agente etiológico, o vírus varicela-
zóster, mas com manifestações clínicas diversas. A vacina contra a
varicela faz parte do calendário básico de vacinações oferecido pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2013.
A recomendação é de 1 dose aos 15 meses – tetra viral –. Desde 2017,
o PNI aumentou a idade máxima para a vacinação contra varicela de
2 anos para 4 anos, 11 meses e 29 dias.
Em 2018, foi incluída uma segunda dose da vacina atenuada contra
varicela, que deverá ser feita a partir dos 4 anos de idade até os 6
anos, 11 meses e 29 dias. Portanto, seguindo as orientações da
Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), as crianças agora
recebem, pelo PNI, 2 doses de vacina contra varicela – tetra viral
com 15 meses e varicela atenuada aos 4 anos.
19.6.10.1 Composição

A vacina contra o vírus varicela-zóster faz parte do calendário do


PNI desde 2013. Composta por vírus vivos atenuados, contém traços
de gelatina e neomicina na sua preparação.
19.6.10.2 Esquema vacinal

Para crianças de 15 meses a 4 anos, 11 meses e 29 dias, é utilizada


apenas 1 dose (PNI), por via subcutânea. Em 2018, o Ministério da
Saúde passou a disponibilizar a segunda dose da vacina varicela
(atenuada) para crianças de 4 até 6 anos de idade (6 anos, 11 meses e
29 dias). A vacinação nesta faixa etária visa corrigir possíveis falhas
vacinais da primeira dose, além de aumentar a proteção deste grupo
alvo contra varicela, prevenindo ainda a ocorrência de surtos de
varicela, especialmente em creches e escolas. A SBP e a SBIm
recomendam 2 doses da vacina varicela: a primeira aos 12 meses e a
seguinte, entre 15 e 24 meses de idade. Essas doses coincidem com o
esquema de vacinação da vacina SCR e, portanto, o uso da vacina
SCR-V pode ser adotado. Para crianças mais velhas – maiores de 13
anos –, adolescentes e adultos suscetíveis, são indicadas duas doses,
com intervalo de 1 a 2 meses.
A eficácia da vacina é de 80% contra as formas graves da doença. A
partir dos 4 anos e até 6 anos, 11 meses e 29 dias é realizada a
segunda dose da vacina atenuada contra varicela.
19.6.10.3 Efeitos adversos

Após a vacinação, podem ser observadas reações locais, como dor,


edema ou vermelhidão; mais raramente, pode surgir exantema no
local da vacinação – de 8 a 20 dias após a vacinação – ou, ainda,
exantema maculopapular não localizado com vesículas em pequeno
número (de 5 a 26 dias após a vacinação).
19.6.10.4 Contraindicações

Contraindicações à vacina:
a) Imunodeficiência congênita ou adquirida;
b) Neoplasia maligna – pacientes com leucemia linfoide aguda, quando
a remissão ocorreu há mais de 1 ano, com linfócitos > 70/mm3 e
contagem de plaquetas > 100.000/mm3, poderão ser vacinados;
c) Corticoterapia atual em altas doses: equivalente a prednisona em
dose ≥ 2mg/kg/d, para crianças, ou de 20mg/d ou mais, para adultos,
por mais de 2 semanas, ou submetidos a terapêuticas
imunossupressoras; doses de prednisona < 2mg/kg/d ou equivalente,
provavelmente, não acarretam maiores problemas para a criança,
porém sua resposta à vacina pode ser diminuída; dessa forma, mesmo
nesses casos, o corticoide deve ser suspenso (quando possível) por 1
ou 2 semanas antes e de 2 a 3 semanas após a vacinação;
d) Grávidas – pelo risco de varicela congênita. Os efeitos da vacina em
grávidas e no feto ainda não foram claramente estudados. Assim, não
devem ser vacinadas, e aquelas em idade fértil devem evitar a
gravidez por, pelo menos, 1 mês após a vacinação;
e) Ocorrência de reação anafilática em dose anterior: a segunda dose
está contraindicada;
f) Crianças menores de 1 ano: ainda não há dados publicados na
literatura sobre segurança e eficácia nessa faixa etária.

Deve-se lembrar que crianças imunocompetentes que apresentem


lesões cutâneas devem evitar contato apenas com pacientes de risco,
como os RNs, as gestantes e os imunodeprimidos.
A vacina contra a varicela pode ser administrada simultaneamente
com qualquer vacina do PNI. Porém, caso não seja administrada no
mesmo dia com as vacinas contra sarampo, caxumba, rubéola e febre
amarela, recomenda-se aguardar um intervalo de 1 mês.
Crianças que receberam sangue, plasma ou Ig devem aguardar 5
meses para serem vacinadas. Após a vacina, recomenda-se aguardar,
quando possível, 3 meses para o uso de sangue, plasma, Igs e
Varicela-Zóster Ig (VZIg). Ainda não há total comprovação dos
efeitos desses derivados sobre a soroconversão, e tais medidas são
tomadas de forma preventiva.
Devido à associação entre crianças com varicela e síndrome de Reye,
recomenda-se evitar o uso de salicilatos por até 6 semanas após a
vacinação.
19.6.10.5 Indicações

1. Pré-exposição: indicações válidas para as pessoas suscetíveis a


varicela – segundo o Manual dos Centros de Referência para
Imunobiológicos Especiais, 2014:
a) Pessoas imunocompetentes de grupos especiais de risco –
profissionais de saúde, cuidadores e familiares – suscetíveis à
doença que estejam em convívio domiciliar ou hospitalar com
pacientes imunodeprimidos;
b) Maiores de 1 ano de idade imunocompetentes e suscetíveis à
doença, no momento da internação onde haja caso de varicela;
c) Candidatos a transplante de órgãos, suscetíveis à doença, até
pelo menos 3 semanas antes do procedimento, desde que não
estejam imunodeprimidos;
d) Nefropatias crônicas;
e) Síndrome nefrótica;
f) Doadores de órgãos sólidos e de células-tronco hematopoéticas
–medula óssea;
g) Receptores de transplante de células-tronco hematopoéticas
(medula óssea) transplantados há 24 meses ou mais, sendo
contraindicada quando houver doença enxerto versus hospedeiro;
h) Crianças e adolescentes infectados pelo HIV suscetíveis à
varicela nas categorias clínicas de acordo com o Centro de
Controle e prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) N,
A e B, com CD4 > 15%. Recomenda-se a vacinação de crianças
expostas, mesmo já excluída a infecção pelo HIV, para prevenir a
transmissão da varicela em contato domiciliar com
imunodeprimidos;
i) Pacientes com deficiência isolada de imunidade humoral – com
imunidade celular preservada;
j) Doenças dermatológicas graves, tais como ictiose, epidermólise
bolhosa, psoríase, dermatite atópica grave e outras
assemelhadas;
k) Uso crônico de ácido acetilsalicílico – suspender uso por 6
semanas após a vacinação;
l) Asplenia anatômica e funcional e doenças relacionadas;
m) Trissomias;
n) Pessoas em uso de corticoide sistêmico podem ser imunizadas
se estiverem usando doses baixas de prednisona (2 mg/kg até, no
máximo, 20 mg/d) ou se o corticoide, em doses superiores às
citadas anteriormente, tiver sido suspenso há mais de 1 mês.
2. Pós-exposição: é indicada para controle de surto em ambiente
hospitalar, nos comunicantes imunocompetentes suscetíveis com mais
de 9 meses de idade, até 120 horas após o contato com o caso-índice.

19.6.10.6 Imunização passiva contra a varicela

Essa Ig deve ser administrada até 96 horas do contato com o caso-


índice para os seguintes comunicantes de varicela ou erpes-zóster
disseminados (acometimento de mais de 1 dermátomo):
a) Imunocomprometidos;
b) Gestantes suscetíveis, devido ao risco de complicação materna;
c) RNs de mães com varicela nos últimos 5 dias antes e até 48 horas
após o parto;
d) RNs prematuros de 28 semanas de gestação, cuja mãe não teve
varicela;
e) RNs menores que 28 semanas de gestação, independentemente de
história materna de varicela.

19.6.10.7 Precauções

Mesmo com a vacinação, como precaução, deve-se:


a) Manter os pacientes em isolamento até o vigésimo primeiro dia após
o contato com o caso-índice – limite máximo do período de incubação;
b) Havendo a necessidade de internar suscetíveis, vacinar os
admitidos no local, durante o período –21 dias;
c) Quando qualquer vacinado apresentar a doença, reiniciar a
contagem do novo período de 21 dias para isolamento e, ou vacinação
de novos pacientes;
d) Em profissionais de saúde suscetíveis, comunicantes e vacinados,
que precisam manter as atividades em local com pacientes de risco e,
ou em enfermaria de pacientes que ainda não tiveram varicela, usar
máscara do oitavo ao vigésimo primeiro dia.

19.6.11 Hepatite A
Tal vacina está inclusa no calendário básico de vacinação utilizado no Brasil
desde 2015, quando foi introduzida uma dose da vacina aos 12 meses. Em
2016, houve mudança para 1 dose aos 15 meses e, em 2017, a idade-limite
para vacinar as crianças passou de 2 anos para 4 anos, 11 meses e 29
dias.

19.6.11.1 Esquema vacinal

Se isolada, tanto na apresentação adulta como na infantil, a vacina


contra hepatite A deve ser administrada em 2 doses, de 0,5 mL,
aplicadas com intervalo de 6 meses, e é recomendada para crianças
com idade acima de 1 ano. Se combinada com vacina contra hepatite
B, deve ser administrada em 3 doses, de 1 mL, aplicadas no esquema
0, 1 e 6 meses. Pode ser aplicada simultaneamente com as demais
vacinas do PNI com qualquer intervalo. Por enquanto, no calendário
básico de vacinação do Ministério da Saúde, apenas uma dose da
vacina é recomendada.
19.6.11.2 Eficácia

As vacinas contra hepatite A são altamente eficazes para crianças,


adolescentes e adultos imunocompetentes. Anticorpos contra o vírus
em níveis protetores são detectados em 95 a 97% após a 1ª dose e em
100% dos vacinados após a segunda dose. A vacina tem sido utilizada
em algumas situações, como na pós-exposição ao vírus da hepatite
A, com eficácia de 79% em prevenir infecção quando administrada
até 8 dias após exposição.
19.6.11.3 Indicações

Desde 2014, todas as crianças entre 1 e 2 anos podiam receber a


vacina contra hepatite A pelo SUS, já que esta foi incluída no
calendário básico de vacinação. Em 2017, a faixa etária mudou para
15 meses até 4 anos, 11 meses e 29 dias.
Quadro 19.4 - Orientações técnicas para a aplicação da vacina contra hepatite A
Fonte: Ministério da Saúde, 2017.

19.6.11.4 Efeitos adversos

Como são feitas com partículas de vírus mortos, as vacinas


apresentam pouco potencial para reações, que, quando ocorrem, são
dor, enduração e vermelhidão em pequeno número de vacinados. Em
casos raros, pode haver febre e mal-estar, apenas quando há história
de reação anafilática a algum dos componentes da vacina.
19.6.11.5 Contraindicações

Não é recomendada durante a gestação, apesar de o risco teórico


(para o feto) ser baixo, e a vacina, inativada. Contraindicada em
casos de hipersensibilidade a componentes da vacina.
19.6.12 Doença meningocócica
Meningococo é o nome popular da bactéria Neisseria meningitidis,
Gram negativo que pode causar bacteriemia, meningite e
meningococcemia. Tem importância epidemiológica relevante em
algumas regiões, sendo os surtos frequentes, com alta letalidade. Há,
pelo menos, 13 sorogrupos dessa bactéria, em que os principais são
A, B, C, W-135, X e Y; os sorogrupos, por sua vez, subdividem-se em
sorotipos.
É importante saber que não há uma única vacina para todas as suas
variantes. Dessa forma, não há como adquirir proteção contra todas
as formas de doença meningocócica por meio de uma única vacina
ou se tornar protegido contra todas as formas de meningite, uma vez
que a infecção pode ser causada pelas variantes do meningococo, por
outras bactérias e, ainda, por vírus. No Brasil, a partir de agosto de
2010, a vacina conjugada contra meningococo C foi introduzida no
calendário oficial da rede pública pelo Ministério da Saúde. Deve-se
considerar que no Brasil a frequência do sorotipo C é de 70%, o que
difere de outros países da América do Sul, onde predomina o
sorogrupo B, segundo a SBP. Em maio de 2015, chegou ao país a
vacina meningocócica B recombinante, que protege contra o
sorotipo B do meningococo. Essa vacina está disponível apenas nas
clínicas particulares e está no calendário da SBP desde 2015.
19.6.12.1 Esquema vacinal

A vacina pode ser administrada em crianças a partir de 2 meses até a


vida adulta. Para menores de 1 ano, são necessárias de 2 a 3 doses
com intervalos de pelo menos 2 meses e, para maiores de 1 ano,
adolescentes e adultos, dose única.
O esquema do calendário vacinal, pela SBP e pelo Ministério da
Saúde, é composto por duas doses, aos 3 e 5 meses, e 1 reforço aos 12
meses, com idade-limite máxima de 4 anos. Essa vacina é
desenvolvida com uma tecnologia mais moderna: contém um
oligossacarídeo meningocócico do sorogrupo C conjugado à proteína
CRM-197 do Corynebacterium diphtheriae, que confere elevado
espectro de proteção, com máxima segurança e maior tempo de
imunidade, quando comparada à vacina polissacarídica. Além disso,
gera imunização dentro de uma faixa etária de maior risco para
doença meningocócica, ou seja, menores de 2 anos, sendo
extremamente segura e eficaz (97%), pela memória imunológica.
Em 2017, o Ministério da Saúde iniciou ampliação do esquema
vacinal com a inclusão de uma dose na adolescência. Até 2020, a
faixa etária será ampliada para adolescentes entre 9 e 13 anos de
idade, conforme o esquema a seguir:
a) 2018: faixa etária de 11 a 12 anos, um reforço ou dose única,
conforme situação vacinal;
b) 2019: faixa etária de 10 a 11 anos, um reforço ou dose única,
conforme situação vacinal;
c) 2020: faixa etária de 9 a 10 anos, um reforço ou dose única,
conforme situação vacinal.

Na rede privada, também pode ser encontrada a vacina


polissacarídica contra o meningococo C (meningococo A-C), sem
nenhum valor de proteção em menores de 2 anos, pois não
determina o fenômeno de memória imunológica, devido à
imunidade T-dependente. Quanto a maiores de 2 anos e a casos de
surtos ou epidemias, e em viajantes de área de risco, deve ser
repetida a cada 3 a 5 anos. Sempre que a situação de risco envolve o
meningococo do grupo C, a vacina de escolha deve ser a conjugada.
A SBP recomenda o uso da vacina meningocócica B recombinante a
lactentes a partir de 2 meses, crianças e adolescentes. No ano de
2019 houve mudança da indicação do número de doses: atualmente
todos devem receber 2 doses, independentemente da idade de
aplicação, com intervalo mínimo de 2 meses, além de reforço de uma
dose 12 meses após o final do esquema inicial.
Para crianças, a vacinação deve se iniciar aos 3 meses, com 3 doses
no primeiro ano de vida e reforços aos 12 meses, 5 anos e 11 anos de
idade. Para adolescentes que nunca receberam a vacina
meningocócica conjugada quadrivalente (ACWY), são recomendadas
2 doses com intervalo de 5 anos. Para adultos, dose única.
19.6.12.2 Efeitos adversos

As reações adversas registradas com maior frequência são reação no


local da injeção – vermelhidão, dor, inchaço –, dor de cabeça, choro
e irritabilidade em bebês. Em alérgicos, a anafilaxia é rara.
19.6.12.3 Contraindicações

É contraindicada a pacientes com hipersensibilidade a qualquer um


dos componentes da vacina.
19.6.13 Pneumococo
O Streptococcus pneumoniae, ou pneumococo, é uma bactéria que
causa várias doenças, algumas simples – otite e sinusite – e outras
graves – pneumonia, meningite e septicemia. Há mais de 90
sorotipos, apenas alguns cobertos pelas vacinas disponíveis.
Durante 5 décadas, a penicilina foi efetiva contra o pneumococo,
porém cepas resistentes a ela se disseminaram progressivamente
pelo mundo entre 1970 e 1990, aumentando a importância da
prevenção contra o pneumococo, sobretudo em relação a essas
cepas.
19.6.13.1 Composição

1. Vacina pneumocócica 23-valente: contém 23 tipos capsulares de


pneumococos –1, 2, 3, 4, 5, 6B, 7F, 8, 9N, 9V, 10A, 11A, 12F, 14, 15B,
17F, 18C, 19A, 19F, 20, 22F, 23F, 33F;
2. Vacina pneumocócica conjugada 10-valente: contém 10 sorotipos
de pneumococos –1, 4, 5, 6B, 7F, 9V, 14, 18C, 19F, 23F –, sendo 8
sorotipos conjugados com a proteína D do Haemophilus influenzae NT,
o sorotipo 19F conjugado ao toxoide diftérico (DT), e o sorotipo 18C,
ao toxoide tetânico (TT). É a vacina disponibilizada pelo PNI;
3. Vacina pneumocócica conjugada 13-valente: contém 13 sorotipos
de pneumococos –4, 6B, 9V, 14, 18C, 19F e 23F, 1, 3, 5, 6A, 7F e 19A.

19.6.13.2 Esquema vacinal


Em 2010, a vacina pneumocócica 10-valente foi introduzida no
calendário oficial do Ministério da Saúde e houve alteração no
calendário de 2016. As crianças recebem 2 doses, aos 2 e 4 meses,
com reforço aos 12 meses e idade máxima para completar o esquema
de 5 anos. Na rede particular, a vacina continua disponível, tendo
sido disponibilizada a partir de agosto de 2010 a pneumocócica 13-
valente, que é a vacina recomendada pela SBIm.
19.6.13.3 Eficácia

A vacina pneumocócica 23-valente induz anticorpos a aumentarem a


opsonização, a fagocitose e a destruição dos pneumococos. A
resposta é fornecida por mecanismos T-independentes e não
proporciona boa proteção a menores de 2 anos. A resposta aos vários
sorotipos é heterogênea, em média de 80%, com queda dos níveis
protetores de anticorpos após 5 a 10 anos. Como não há resposta
anamnésica com a revacinação, como nos antígenos T-dependentes,
não se indica a revacinação mais de 1 vez.
19.6.13.4 Indicações

A vacina conjugada 13-valente é indicada pela SBP a todas as


crianças entre 2 meses e 2 anos, e para aquelas fora dessa faixa etária
(maiores de 2 anos) que apresentam risco de doença pneumocócica
está indicada a 23-valente mediante orientação médica.
As indicações da vacina contra pneumococo 23-valente pelos CRIEs
em crianças maiores que 2 anos e adolescentes são:
a) Doenças pulmonares ou cardiovasculares crônicas;
b) Insuficiência renal crônica e síndrome nefrótica;
c) Fibrose cística;
d) Doenças de depósito;
e) Trissomias;
f) Asma persistente moderada ou grave;
g) Implante coclear;
h) Doenças neurológicas incapacitantes;
i) Diabetes mellitus;
j) Hepatopatias crônicas;
k) Fístula liquórica;
l) Asplenia anatômica ou funcional, esplenectomia eletiva,
hemoglobinopatias;
m) Transplante de medula óssea;
n) Imunodeficiência congênita ou adquirida, inclusive HIV.

No caso de esplenectomia eletiva, a vacina


contra pneumococo deve ser aplicada, pelo
menos, 2 semanas antes da cirurgia. Da mesma
forma, o intervalo entre a vacinação e o início da
quimioterapia deve ser de, no mínimo, 2
semanas. A revacinação de asplênicos e
daqueles com síndrome nefrótica deve ser após
3 anos para crianças entre 3 e 10 anos e, para
maiores de 10 anos, 1 vez a cada 5 anos.

19.6.13.5 Contraindicações para vacina pneumocócica 23-valente

São contraindicações crianças menores de 2 anos, doença febril


aguda e alergia aos componentes da vacina. A vacina 23-valente deve
ser aplicada aos 2 anos e necessita de reforço a cada 5 anos. Em
indivíduos HIV positivo, além da 1ª dose aos 2 anos, deve ser
aplicada nova dose aos 5. Deve-se notar, novamente, que essas
vacinas não protegem contra todos os sorotipos de pneumococos.
19.6.13.6 Efeitos adversos

1. 23-valente:
a) Locais – eritema, enduração e dor;
b) Sistêmicos – podem ocorrer febre baixa, astenia, cefaleia e
mialgia, mais intensos e mais comuns na revacinação;
c) Alérgicos – é rara a anafilaxia.
2. Pnc10:
a) Locais – rubor no local da injeção;
b) Sistêmicas – irritabilidade, sonolência, perda de apetite e febre.

19.6.14 Antirrábica
A raiva é uma encefalite grave causada por um vírus do gênero
Lyssavirus, caracterizada por sintomatologia nervosa que acomete
animais e seres humanos. É transmitida por mamíferos – os únicos
animais suscetíveis ao vírus e capazes de transmiti-lo, como cão,
gato, rato e outros, por meio da mordedura ou lambedura de animais
raivosos sobre mucosa ou pele lesionada.
Os animais silvestres são reservatórios primários para a raiva na
maior parte do mundo, mas os domésticos de estimação são as
principais fontes de transmissão para os seres humanos. O homem
recebe o vírus da raiva, ao ser mordido, pelo contato com a saliva do
animal enfermo, bastando que o líquido encontre uma porta de
entrada (corte, ferida ou arranhão). Após penetrar, o vírus dirige-se
sempre ao sistema nervoso central, produzindo as principais
alterações inicialmente vistas no infectado, como diversas formas de
encefalite (espasticidade, demência ou paralisia), que quase sempre
levam à morte.
Raramente o enfermo sobrevive à doença, e a única conduta eficaz é
a profilaxia, a ser iniciada o mais rapidamente possível, ao menor
risco de contaminação.
O tratamento da raiva deve ser adaptado à natureza da exposição e ao
estado do animal. Na dependência dos fatores, estão o uso de soro
antirrábico e a aplicação de quatro doses da vacina. Esse esquema foi
modificado em 2017, a partir de quando foram indicadas 4 doses da
vacina, e não mais cinco como era feito antigamente.
19.6.14.1 Composição

A vacina humana usada de rotina no Brasil é a denominada cultivo


celular – vírus cultivados e depois inativados. Não há
contraindicação para o uso da vacina antirrábica. Sempre que
possível, recomenda-se interromper o uso de corticoides e
imunossupressores.
19.6.14.2 Efeitos adversos

As reações adversas após a vacinação podem ser locais – dor,


vermelhidão, edema e prurido – e, em geral, são de intensidade leve
e tendem a desaparecer espontaneamente em 48 horas. Raramente
pode haver reações sistêmicas, como febre moderada, cefaleia,
mialgia, astenia, desconforto generalizado ou aumento de gânglios
após a vacinação.
19.6.14.3 Indicações

Na profilaxia pós-exposição, além da vacina, pode ser necessária a


Ig antirrábica. É usada a Ig humana ou a equina, esta comumente
chamada SAR, um produto seguro, mas que pode causar eventos
adversos. Os principais, apesar de raros, são o choque anafilático –
até 2 horas após a administração – e a doença do soro – entre 5 e 14
dias após. A Ig humana antirrábica (IgHR), por sua vez, é mais
segura, sem maiores riscos, mas de produção limitada e custo muito
alto.
Indicações da imunoglobulina humana antirrábica pelos Centros de
Referência para Imunobiológicos Especiais:
a) Indivíduos com algum tipo de hipersensibilidade ao uso de soro
heterólogo (antitetânico, antirrábico, antidiftérico);
b) Indivíduos que não completaram esquema antirrábico por eventos
adversos à vacina;
c) Indivíduos imunodeprimidos: na situação de pós-exposição, sempre
que há indicação de vacinação antirrábica.

19.6.14.4 Profilaxia

A profilaxia pós-exposição é feita, basicamente, de 2 formas, na


dependência do tipo de exposição – vacinação, apenas vacina, e
sorovacinação, usando Igs e vacina. Independentemente da forma,
devem ser seguidas algumas orientações básicas:
a) O tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível. Em
caso de interrupção do tratamento, ao reiniciá-lo, devem-se completar
as doses prescritas e não iniciar nova série;
b) Entre as pessoas com história de tratamento anterior, nunca se
indica SAR;
c) No tratamento profilático humano, não se considera o estado vacinal
do animal agressor;
d) Indica-se o tratamento de acordo com a gravidade do acidente –
vacinação em acidentes leves e sorovacinação em acidentes graves;
e) Independentemente da classificação quanto à gravidade do
acidente, o animal deve ser mantido em observação por 10 dias.

O critério de gravidade do acidente considera a extensão e a


profundidade da lesão e a procedência do animal. Quando utilizada a
vacina de cultivo celular, deve ser feita a correspondência conforme
indicado a seguir.
19.6.14.5 Esquema vacinal

1. Vacinação: vacinas de cultivo celular (4 doses) – aplicar 1 dose nos


dias zero, 3, 7 e 14.
2. Sorovacinação:
a) Vacinas de cultivo celular (4 doses): dias zero, 3, 7 e 14;
b) Soro ou Ig antirrábica: aplicar toda a dose no primeiro dia de
tratamento, dia zero.

19.6.14.6 Reexposição

Deve ser revacinado quem recebeu tratamento completo e foi


submetido outra vez ao risco de exposição ao vírus. São usadas
vacinas de cultivo celular em 2 doses, devendo-se aplicar 1 dose nos
dias zero e 3.
Quadro 19.5 - Indicações gerais, com a vacina de cultivo celular, de acordo com o
Ministério da Saúde
Nota: todo acidente com morcego é considerado grave, mesmo que seja apenas contato
com saliva, dada a alta carga de vírus nesse animal.

19.6.15 HPV
Duas vacinas contra o papilomavírus humano (HPV) foram
recentemente aprovadas no mundo para a prevenção do câncer de
colo uterino: a bivalente Cervarix®, que cobre os sorotipos virais 16
e 18, e a quadrivalente Gardasil®, que cobre os tipos 6, 11, 16 e 18.
Ambas contêm a proteína L1 do capsídeo viral, produzida por
tecnologia recombinante para a obtenção de partículas análogas às
virais dos tipos oncogênicos mais comuns de HPV. As 2 vacinas
contêm um sistema adjuvante específico dos seus fabricantes para
aumentar a resposta imunológica: a Cervarix® contém sal de
alumínio e agonista do receptor; a Gardasil® contém só o sal de
alumínio. É por isso que a primeira ocasiona resposta inicial de
anticorpos significativamente maior que a obtida pela última,
resposta que dura por pelo menos 4 anos. Os HPVs tipos 6 e 11 são
responsáveis por 90% das verrugas genitais, enquanto os tipos 16 e
18 são responsáveis por 70% dos casos de câncer cervical.
19.6.15.1 Esquema vacinal e indicações (PNI)

Em 2016, por meio da nota informativa 311 do Ministério da Saúde, a


ampliação do público-alvo da vacina quadrivalente para o HPV seria
feita até 2020 no esquema a seguir:
1. 2018:
a) Sexo feminino – faixa etária de 9 a 14 anos, esquema de duas
doses com intervalo de 6 meses entre elas;
b) Sexo masculino – faixa etária de 11 a 12 anos, esquema de
duas doses com intervalo de 6 meses entre elas;
c) Mulheres e homens vivendo com HIV/AIDS de 9 a 26 anos –
esquema de 3 doses com intervalo de 0, 2 e 6 meses.
2. 2019:
a) Sexo feminino – faixa etária de 9 a 14 anos, esquema de duas
doses com intervalo de 6 meses entre elas;
b) Sexo masculino – faixa etária de 10 a 11 anos, esquema de
duas doses com intervalo de 6 meses entre elas;
c) Mulheres e homens vivendo com HIV/AIDS de 9 a 26 anos –
esquema de 3 doses com intervalo de 0, 2 e 6 meses.
3. 2020:
a) Sexo feminino – faixa etária de 9 a 14 anos, esquema de 2
doses com intervalo de 6 meses entre elas;
b) Sexo masculino – faixa etária de 9 a 10 anos, esquema de 2
doses com intervalo de 6 meses entre elas;
c) Mulheres e homens vivendo com HIV/AIDS de 9 a 26 anos –
esquema de 3 doses com intervalo de 0, 2 e 6 meses.

Em 2019 o Ministério da Saúde anunciou mudança de faixa etária


para 2020, passando a ser dos 9 aos 14 anos para meninos e meninas.
19.7 CALENDÁRIO VACINAL
a) BCG – contra a tuberculose;
b) Poliomielite: contra a poliomielite 1, 2 e 3 – VOP (atenuada e sem o
tipo 2) e VIP (inativada);
c) Hepatite B – contra a hepatite B (recombinante);
d) Hepatite A – contra a hepatite A (inativa);
e) DTP-Hib – adsorvida contra difteria, tétano, pertussis e Hib
(conjugada);
f) Pentavalente (DPT + Hib + hepatite B) – adsorvida contra difteria,
tétano, pertussis, Hib (conjugada) e hepatite recombinante;
g) RV – contra RV humano G1P1[8] (atenuada);
h) Pneumocócica 10-valente – pneumocócica 10-valente (conjugada);
i) Meningocócica C – meningocócica C (conjugada);
j) Febre amarela – contra a febre amarela (atenuada);
k) Sarampo, caxumba e rubéola – contra sarampo, caxumba e rubéola;
l) Sarampo, caxumba, rubéola e varicela (TETRA viral) – contra
sarampo, caxumba, rubéola e varicela;
m) DTP – adsorvida contra difteria, tétano e pertussis;
n) dT – adsorvida contra difteria e tétano tipo adulto;
o) HPV – contra HPV sorotipos 6, 11, 16 e 18 (recombinante).

Quadro 19.6 - Calendário proposto pelo Ministério da Saúde, 2019


Fonte: Ministério da Saúde, 2019.

19.7.1 Vacinas em atraso


A administração simultânea de vacinas não compromete a eficácia
nem a segurança delas – quando possível, prefere-se a aplicação em
diferentes locais. Essa informação é importante, sobretudo em
crianças com vacinação incompleta. No caso em que o esquema de
vacinação para determinada doença já tenha sido iniciado e esteja
atrasado, não é necessário o reinício de todo o esquema, apenas a
continuidade da programação, respeitando os intervalos mínimos
entre as doses de cada produto.
Algumas vacinas já têm sido produzidas em associação a outras, com
o objetivo de facilitar a administração de múltiplas vacinas em uma
mesma época, utilizando-se menor número de injeções. É o caso da
tríplice bacteriana, que, atualmente, tem sido associada a vacina
contra Haemophilus influenzae e contra hepatite B, originando a
vacina pentavalente.
19.7.2 Vacinação do adolescente (10 a 19 anos)
Recomendações pelo PNI:
a) Tríplice viral – é considerado protegido o adolescente que recebeu 2
doses após 12 meses de vida com intervalo de pelo menos 1 mês
entre elas. Caso não tenha recebido, administrar 2 doses;
b) Hepatite B – administrar 3 doses (esquema 0, 1 e 6 meses) caso o
adolescente não tenha recebido ou desconheça;
c) HPV – menores de 15 anos, esquema em 2 doses com intervalo de
6 meses;
d) dT – reforço a cada 10 anos. Caso não tenha sido vacinado ou
tenha esquema incompleto, vacinar com dT no esquema 0, 2 e 4 a 8
meses;
e) Influenza – para grupo de risco, dose única anual;
f) Meningocócica C – entre 11 e 12 anos (esquema para 2018);
g) Febre amarela – para adolescentes não vacinados em áreas de
risco ou que farão viagens para áreas de risco, dose única.

19.7.3 Imunização do recém-nascido prematuro


a) BCG – somente quando peso maior que 2.000 g, dose única;
b) Palivizumabe – anticorpo monoclonal contra VSR. Deve ser aplicado
nos prematuros com até 28 semanas gestacionais, no primeiro ano de
vida. Nos bebês com doença pulmonar crônica da prematuridade e, ou
cardiopatia congênita, aplicar até o segundo ano de vida, desde que
esteja em tratamento dessas patologias pelos últimos 6 meses. Utilizar
inclusive em RNs hospitalizados;
c) Hepatite B – obrigatoriamente, quatro doses (esquema 0, 2, 4 e 6
meses ou 0, 1, 2 e 6 meses) em RNs nascidos com peso menor que
2.000 g ou idade gestacional menor que 33 semanas, sendo a primeira
dose nas primeiras 12 horas de vida;
d) Tríplice bacteriana – utilizar preferencialmente a DTPa;
e) Outras vacinas – devem ser feitas nas idades cronológicas
habituais.

O uso simultâneo de múltiplas doses injetáveis em RNs pré-termos


pode associar-se à apneia, devendo-se dar preferência à
administração de menor número de injeções em cada imunização.
Qualquer dose não administrada na idade recomendada deve ser
aplicada na visita subsequente.
19.7.4 Crianças infectadas com o HIV –
recomendações da Sociedade Brasileira de
Imunizações
A programação vacinal para tais crianças não difere muito da
programação básica, desde que não estejam gravemente doentes,
pois não deverão receber as vacinas atenuadas.
a) BCG – ao nascer, independentemente da exposição ao HIV;
b) Tríplice viral – não é recomendada para crianças com evidência de
imunossupressão grave. Nas assintomáticas, pode ser usada;
c) VOP –contraindicada, deve ser usada a VIP sempre;
d) RV – indicada, esquema habitual;
e) Varicela – contraindicada em imunossupressão grave; em crianças
assintomáticas, vacinar com 2 doses com intervalo de 3 meses a partir
dos 12 meses de vida;
f) Febre amarela – não deve ser administrada de rotina, a não ser que
os benefícios superem muito os riscos;
g) DTPa ou DTP, hepatite A, meningocócica C – indicadas
independentemente da imunossupressão;
h) Hepatite B – esquema em 4 doses, realizar sorologia 30 a 60 dias
após a última dose;
i) Influenza – vacina anual;
j) HPV quadrivalente – deve ser feita para todos os pacientes com HIV
dos 9 aos 26 anos, no esquema de 3 doses (0, 2 e 6 meses);
k) Pneumocócica conjugada 10 ou 13-valente – com 2, 4 e 6 meses, e
um reforço aos 12 meses. Devem receber, também, a 23-valente com
24 meses e reforço com 5 anos. Disponível nos CRIEs.

19.7.5 Gestantes
Não tem sido demonstrado que as vacinas utilizadas atualmente,
inclusive as de vírus vivo, possam acarretar problemas ao feto,
muito embora não haja recomendação por parte dos fabricantes
devido ao risco teórico. As vacinas contra tétano e difteria são
administradas de rotina, devendo ser administradas precocemente
e, no máximo, 20 dias antes da data provável do parto. As gestantes
suscetíveis expostas à varicela ou com contato físico com herpes-
zóster devem receber Ig antivaricela-zóster a qualquer momento da
gravidez. Já as gestantes suscetíveis expostas à hepatite B devem ser
tratadas com os esquemas habituais de exposição à hepatite,
incluindo vacina e Ig, se necessário. Atualmente, o Ministério da
Saúde recomenda uma dose de dTpa a todas as gestantes a partir da
vigésima semana de gestação, mesmo quando o esquema vacinal
está completo. Essa vacina visa reduzir os quadros de coqueluche
nessa população e nos lactentes.
Mães que amamentam exclusivamente ao seio não devem receber a
vacina contra febre amarela até que seu filho complete 6 meses. Caso
a mãe resida em área de surto da doença, poderá ser vacinada, porém
deverá suspender o aleitamento materno por 10 dias após a vacina.
Se o filho tiver mais que 6 meses, a mãe pode ser vacinada sem
interrupção das mamadas.
Como orientar a vacinação
do calendário básico para a
mãe de um paciente em
atendimento?
1. BCG: contra a tuberculose;
2. Poliomielite: contra a poliomielite 1, 2 e 3 – VOP
(atenuada e sem o tipo 2) e VIP (inativada);
3. Hepatite B: contra a hepatite B (recombinante);
4. Hepatite A: contra a hepatite A (inativa);
5. DTP-Hib: adsorvida contra difteria, tétano, pertussis e
Hib (conjugada);
6. Pentavalente (DPT + Hib + hepatite B): adsorvida contra
difteria, tétano, pertussis, Hib (conjugada) e hepatite
recombinante;
7. RV: contra RV humano G1P1[8] (atenuada);
8. Pneumocócica 10-valente: pneumocócica 10-valente
(conjugada);
9. Meningocócica C: meningocócica C (conjugada);
10. Febre amarela: contra a febre amarela (atenuada);
11. Sarampo, caxumba e rubéola: contra sarampo,
caxumba e rubéola;
12. Sarampo, caxumba, rubéola e varicela (TETRA viral):
contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela;
13. DTP: adsorvida contra difteria, tétano e pertussis;
14. dT: adsorvida contra difteria e tétano tipo adulto;
15. HPV: contra HPV sorotipos 6, 11, 16 e 18
(recombinante).

#FALA AÍ
Por que algumas vacinas não devem ser administradas junto com
outras especificamente?
De uma forma geral, as vacinas que estão programadas no
calendário de vacinação podem ser administradas simultaneamente
sem maiores problemas, pois além de não prejudicar o efeito,
também poupa o trabalho de ir mais de uma vez ao posto de saúde.
Ainda existem vacinas que podem ser preparadas juntas, como a
vacina tríplice bacteriana e a vacina contra a poliomielite.
Já quando duas preparações diferentes são aplicadas juntas, é
recomendado apenas manter uma distância de 2,5 centímetros entre
as aplicações. Porém, vacinas como a da febre amarela e a tríplice
viral devem ser administradas com 30 dias de intervalo, pois estudos
mostram que, se aplicadas juntas, perdem até 20% de sua eficácia.
As vacinas de doses múltiplas contra a mesma doença também
devem ser aplicadas com intervalo de 30 dias para que possam
desencadear uma resposta significativa. Se o período mínimo não for
respeitado não se deve considerar a primeira dose, pois o corpo
humano não consegue responder em um período mais curto que
esse.
#FALA AÍ
Caso uma criança chegue ao posto de saúde com idade menor que 1
anos sem ter recebido vacina alguma. Como proceder?
Deve-se vacinar com todas as vacinas em atraso, e as próprias para a
idade. Rotavírus não deverá ser feita, e deve-se respeitar os
intervalos das aplicações normalmente.
Quais são os critérios
obrigatórios para definição
de convulsão febril, e como
abordá-la?

20.1 CONVULSÃO NA CRIANÇA


20.1.1 Definição
As crises epilépticas correspondem a uma manifestação clínica em
que a atividade neuronal do córtex cerebral apresenta uma descarga
excessiva e de maneira sincrônica. Algumas crises refletem a
presença de anormalidade cerebral subjacente, enquanto outras
correspondem a uma atividade cerebral normal a eventos externos,
como febre, distúrbios hidroeletrolíticos ou intoxicação exógena.
Seguem os conceitos:
1. Convulsões: disfunção transitória de uma parte ou de todo o
cérebro com descarga excessiva de uma população de neurônios
hiperexcitáveis que leva a manifestações de natureza motora,
sensorial, psíquica ou autonômica; quem apresenta uma crise
epiléptica não necessariamente é portador de epilepsia;
2. Epilepsia: é um distúrbio cerebral caracterizado pela predisposição
do cérebro para gerar crises epilépticas e pelas consequências
neurológicas, cognitivas, psicológicas e sociais dessa condição;
3. Estado de mal epiléptico: crise única ou repetitiva, sem retorno do
nível de consciência no período de 30 minutos.
Crises epilépticas são muito frequentes em Pediatria –
correspondem a cerca de 1 a 5% dos atendimentos em serviços de
urgência.
20.1.2 Fisiopatologia
20.1.2.1 Fenômeno epiléptico

Existe uma polaridade na membrana neuronal com uma diferença de


potencial de 80mV no seu interior que está negativo em relação ao
exterior, com predomínio do sódio no meio extracelular e potássio e
cloro no meio intracelular. Quando uma célula nervosa recebe um
estímulo, ocorre uma alteração da polarização da membrana
neuronal, com passagem de íons sódio para o meio intracelular,
ocorrendo o fenômeno denominado despolarização. Posteriormente
verificamos uma alteração da situação da célula para a situação
anterior, denominada repolarização.
O fenômeno epiléptico ocorre devido a uma alteração no
funcionamento cerebral, caracterizada por uma descarga excessiva e
síncrona de um agrupamento neuronal.
Essa alteração pode ocorrer por excesso de estímulos excitatórios –
mediados pelos neurotransmissores glutamato e aspartato – ou
ainda mais comumente por deficiência nos mecanismos inibitórios
– mediados principalmente pelo ácido gama-aminobutírico.
20.1.2.2 Crise epiléptica prolongada e lesão neuronal

Nos casos de crises epilépticas prolongadas, ocorre um excesso na


penetração do cálcio para o interior da célula, acarretando a ativação
de uma série de enzimas intracelulares que podem determinar a
lesão neuronal. O neurônio que apresentou a lesão libera mais
glutamato para o extracelular, facilitando a lesão dos neurônios
vizinhos.
20.1.2.3 Alterações sistêmicas
Nos primeiros 20 a 30 minutos de atividade epiléptica, os
mecanismos compensatórios se desenvolvem, com elevação da
pressão arterial sistêmica e pulmonar, causando um aumento de até
900% do fluxo sanguíneo cerebral. Esta elevação da pressão arterial
sistêmica deve-se ao aumento das catecolaminas circulantes, além
da contração muscular que ocorre durante a crise epiléptica. Nessa
fase, o consumo de oxigênio cerebral pode estar aumentado em até
300%. Podemos observar nesses indivíduos o aumento da atividade
muscular excessiva, evoluindo com hipertermia, complicações
renais, hipotensão arterial, bradicardia, hipoxemia e hipotermia.
Em muitos indivíduos com excessiva atividade muscular, podemos
observar leucocitose e leve pleocitose.
20.1.3 Classificação das crises
1. Crises generalizada: atividade epiléptica simultânea nos 2
hemisférios, perda de consciência depois.
a) Subtipos:
Tônico-clônica generalizada (grande mal) – perda súbita de
consciência seguida de contração tônico-clônica
generalizada. Pode apresentar grito epiléptico, liberação
esfincteriana e estado pós-ictal;
Ausência (pequeno mal): perda de consciência súbita, com
duração menor que 30 segundos. Pode ocorrer várias vezes
ao dia, e estar acompanhada de automatismos, como piscar
os olhos e movimentos orais. É um fator que prejudica o
desempenho escolar da criança;
Clônica, tônica, mioclônica, atônica.
2. Crise parcial: a atividade epiléptica se inicia em um hemisfério
cerebral, podendo ser simples ou complexa (com perda de
consciência). Pode evoluir com generalização secundária.

Figura 20.1 - Fases da convulsão


Fonte: Uso do canabidiol no tratamento da epilepsia, 2017.

É fundamental reconhecer, pela descrição do


caso clínico, se a crise é generalizada ou focal.
Lembrando que, em quadros sistêmicos, as
convulsões são tônico-clônicas generalizadas, e
o objetivo é tratar a etiologia do processo.

20.1.4 Etiologia das crises epilépticas


A epilepsia pode ter origem em praticamente todas as doenças e
distúrbios graves, como anomalias congênitas, infecções, tumores,
doenças vasculares, doenças degenerativas ou de lesões estruturais.
A seguir traz um resumo das possíveis etiologias, segundo a idade de
apresentação.
Principais causas reconhecíveis de crises por idade:
1. 0 a 2 anos:
a) Injúria neonatal;
b) Infecção;
c) Metabólicas;
d) Congênitas.
2. 2 a 10 anos:
a) Idiopática;
b) Infecção;
c) Trauma;
d) Malformação arteriovenosa.
3. Adolescentes:
a) Idiopática;
b) Trauma;
c) Drogas;
d) Malformação arteriovenosa.

As crises também são classificadas como:


1. Sintomáticas agudas: ocorrem pouco tempo após o insulto
neurológico, como Acidente Vascular Cerebral (AVC), traumatismo
cranioencefálico (TCE) e infecção do Sistema Nervoso Central (SNC),
ou concomitantes a distúrbio metabólico sistêmico agudo (uremia,
hiponatremia, hipoglicemia). Convulsões febris são incluídas nesta
categoria;
2. Sintomáticas remotas: ocorrem nos pacientes que sofreram algum
insulto prévio ao SNC, que se sabe estar associado a aumento do
risco de epilepsia subsequente, como AVC, TCE ou infecções do SNC.
Como o próprio nome sugere, as crises remotas ocorrem após
bastante tempo do insulto desencadeador;
3. Idiopáticas: acontecem na ausência de insulto agudo ao SNC,
disfunções metabólicas sistêmicas, ou uma história pregressa de
insulto neurológico. Padrões eletroencefalográficos ou achados
neurológicos localizados isolados não são pretexto para a exclusão
dessa categoria.
Convém observar as descrições dos casos
clínicos e a faixa etária, lembrando que o
tratamento visa proteger o sistema nervoso
central e tratar a etiologia do processo.

20.1.5 Abordagem diagnóstica


Deve-se atuar com prontidão, evitando iatrogenias, e realizar
cuidadosa anamnese com o objetivo de identificar o tipo de crise e a
etiologia dela.
20.1.5.1 Exame físico

É necessário avaliar a presença de uma doença sistêmica subjacente.


O fundo de olho deve ser realizado pesquisando-se a presença de
papiledema ou hemorragia sub-hialoide.
20.1.5.2 Exames subsidiários

Após os primeiros 6 a 18 meses de vida em um paciente com


meningite bacteriana, além da febre, raramente a crise epiléptica é
manifestação isolada.
Já as crianças com menos de 6 meses que apresentem convulsões na
presença de febre devem ser submetidas a coleta de líquido
cerebrospinal.
Sempre que se opta pela não coleta de líquido cerebrospinal, o
paciente deve ser observado de modo atento nas primeiras 12 horas.
A presença de sinais de localização deve alertar para processos
expansivos e a tomografia de crânio seria mandatória nesses casos.
Assim, a realização da tomografia de crânio antes da punção
liquórica é muito importante para prevenção de uma eventual
herniação cerebral nos casos em que há presença de sinal focal,
rebaixamento importante do nível de consciência ou dados na
anamnese que levantem a hipótese de presença de edema, tumor ou
sangramento em sistema nervoso central.
O eletroencefalograma (EEG) colabora na definição da epilepsia, na
localização da zona epileptogênica e na monitorização do
tratamento.
20.1.6 Epilepsia benigna parcial da infância
(rolândica)
Trata-se de uma das mais frequentes epilepsias parciais na infância,
sendo a síndrome epiléptica parcial mais bem estudada em termos
de seus aspectos clínicos e eletroencefalográficos.
20.1.6.1 Critérios clínicos

a) História familiar positiva para epilepsia;


b) Início das crises após 2 anos de idade;
c) Crises parciais geralmente fugazes;
d) Remissão espontânea na adolescência;
e) Ausência de déficit neurológico e/ou psicológico.

20.1.6.2 Principais critérios do eletroencefalograma

a) Atividade elétrica cerebral de base normal;


b) Complexos de pontas bifásicas seguidos por onda lenta de
localização rolândica (centroparietotemporal), com aumento da
frequência ou difusão das descargas paroxísticas durante o registro do
EEG em sono.

20.1.7 Crises de ausência – pequeno mal


Caracterizam-se pela perda de consciência súbita, com duração
inferior a 30 segundos. Podem ocorrer várias vezes ao dia e estar
acompanhadas de automatismos, como piscar os olhos.
Componentes motor e autonômico também podem estar presentes,
como alteração de tônus muscular, palidez e dilatação pupilar.
Têm como fatores desencadeantes hiperventilação, hipoglicemia e
causas estressantes. Uma parcela considerável desses pacientes pode
evoluir para crise tônico-clônica.
Trata-se de um fator importante que prejudica no desempenho
escolar de crianças. No EEG, são característicos complexos ponta-
onda na frequência de 3 ciclos por segundo.
20.1.8 Outras crises de relevância na Pediatria
20.1.8.1 Síndrome de West

Caracterizada por apresentar-se principalmente nos lactentes,


acompanhada de quadro de espasmos, que podem ser em extensão
ou em flexão, com apresentação em salvas. No registro de EEG,
observa-se hipsarritmia – ritmo caótico –, caracterizada pela
presença de ondas lentas de alta voltagem, mescladas por descargas
de onda aguda e espículas, também de elevada amplitude, sem
concordância de fase, que variam em topografia e duração. A maior
parte dessas crianças evolui com regressão ou estagnação do
desenvolvimento neuropsicomotor. A tríade característica é
espasmos infantis, retardo mental e hipsarritmia no EEG.
20.1.8.2 Síndrome de Lennox-Gastaut

A Síndrome de Lennox-Gastaut (SLG) caracteriza-se por crises


convulsivas frequentes que não melhoram completamente com o
uso de medicações anticonvulsivantes. Não é um quadro frequente
em Pediatria, ocorrendo nos primeiros anos de vida, acompanhada
de alterações cognitivas e atraso no desenvolvimento neurológico. A
SLG representa cerca de 1 a 4% das epilepsias da infância.
As principais causas são prematuridade, asfixia neonatal, baixo peso
extremo ao nascimento, infecções perinatais, como encefalites,
meningites ou rubéola, e ocorrência de anomalias do
desenvolvimento do cérebro. Entretanto, cerca de 30 a 35% dos
casos de SLG não têm causa diagnosticada.
A realização de exames subsidiários é importante para o diagnóstico.
O EEG mostra os achados característicos da SLG: descargas do tipo
ponta-onda lentas generalizadas.
20.1.9 Tratamento da crise convulsiva na fase
aguda
Deve ser realizado de maneira rápida e efetiva, a fim de determinar
um tempo extremamente curto da crise. As drogas
anticonvulsivantes devem ser administradas no momento adequado
e em doses adequadas, de maneira a evitar complicações, como
apneia, hipoventilação e outras anormalidades metabólicas.
Figura 20.2 - Suporte avançado de vida no paciente com crise epiléptica

Fonte: elaborado pelos autores.

A seguir, apresentamos o esquema terapêutico, relatando as


principais drogas utilizadas no tratamento da crise epiléptica
prolongada (Figura 20.3).
Figura 20.3 - Abordagem terapêutica das crises epilépticas prolongadas

Fonte: elaborado pelos autores.


20.1.10 Princípios do tratamento farmacológico
ambulatorial
A escolha do medicamento anticonvulsivante depende
principalmente do tipo de crise epiléptica. É recomendado que se
inicie com uma droga de primeira linha como monoterapia e
aumentar essa medicação até o controle efetivo das crises, ou o
aparecimento de efeitos colaterais, ou ainda atingir os limites
máximos de dose para a droga escolhida.
A manutenção de medicação anticonvulsivante para a profilaxia de
novas crises por febre tem sido restrita a situações muito específicas.
Existem 2 possibilidades na terapêutica ambulatorial do paciente
com convulsão febril:
a) Introdução de benzodiazepínicos por via oral ou retal em dias de
febre;
b) Tranquilizar os pais, orientando-os com relação aos casos de
recidiva de convulsão.

As convulsões febris sem a presença de fatores considerados


complicadores não necessitam de manutenção de
anticonvulsivantes. Pacientes com convulsões febris complicadas ou
aqueles com problemas neurológicos prévios devem ser submetidos
a medicação profilática após um segundo episódio de convulsão.
As principais drogas utilizadas para cada tipo de crise estão descritas
a seguir:
1. Crises parciais:
a) Carbamazepina;
b) Fenobarbital;
c) Primidona;
d) Fenitoína;
e) Valproato;
f) Benzodiazepínico.
2. Crises generalizadas:
a) Tônico-clônica:
Valproato;
Fenobarbital;
Carbamazepina;
Primidona.
b) Tônica:
Fenobarbital;
Fenitoína;
Benzodiazepínico.
3. Ausência:
a) Valproato;
b) Etossuximida;
c) Clonazepam.
4. Mioclônica:
a) Valproato;
b) Benzodiazepínico.

O valproato pode ser utilizado em quase todos


os tipos de crise.

20.2 CONVULSÃO FEBRIL


20.2.1 Definição
A Convulsão Febril (CF) é uma crise epiléptica que ocorre na infância
entre os 6 meses e 6 anos de idade – de acordo com a Sociedade
Brasileira de Pediatria (SBP) –, associada a episódios de febre e na
ausência de infecção do Sistema Nervoso Central (SNC) ou outra
doença neurológica de base que curse com episódios de crise
convulsiva.
É o problema neurológico mais frequente em Pediatria. Ocorre
geralmente associado a infecções virais do trato respiratório e
gastrintestinal ou por infecções urinárias e febre pós-vacinação.
As CFs são classificadas em:
1. Simples: crise generalizada (geralmente tônico-clônica) que dura
menos de 15 minutos e não se repete em um período de 24 horas. O
exame neurológico pós-ictal é normal;
2. Complexas: crises que duram mais de 15 minutos e/ou recorrem
nas primeiras 24 horas. As crises podem começar como focais e/ou
apresentam exame neurológico pós-ictal alterado. Geralmente se
associam com maior recorrência de crises febris e incidência
discretamente aumentada de convulsões sem febre no futuro.

A incidência varia entre 1 e 14%, dependendo do estudo, e em 90%


dos casos o primeiro episódio de CF ocorre entre 6 meses e 3 anos de
idade.
O cérebro imaturo das crianças é mais suscetível a convulsões.
Estudos clínicos mostram que ocorre uma combinação entre a
excitabilidade aumentada e a inibição diminuída no córtex imaturo
de algumas crianças, deflagrando o quadro convulsivo. A maioria das
CFs é do tipo simples.
As crises mioclônicas e os espasmos infantis
não são considerados manifestações das CFs,
portanto necessitam de investigação
aprofundada.

As CFs ocorrem geralmente nas primeiras 24 horas após o início dos


quadros febris e se correlacionam mais com a rápida velocidade de
ascensão da temperatura do que com os valores propriamente ditos.
20.2.2 Avaliação diagnóstica
O diagnóstico da CF é clínico. Uma história detalhada e um bom
exame físico descartam outras causas de convulsão, como
intoxicações, traumas e doença neurológica pregressa. É importante
obter uma boa descrição da crise convulsiva pelos acompanhantes.
No exame físico, deve-se buscar o foco infeccioso e afastar infecções
do SNC. Não é necessário realizar a punção lombar de rotina diante
de um primeiro episódio de CF.
Na suspeita de convulsão febril não está indicada a realização de
nenhum exame complementar nem a necessidade de observação do
paciente no serviço de urgência; deve-se pesquisas apenas a causa
do quadro febril, independente da convulsão.
Critérios diagnósticos da crise convulsiva febril – é obrigatório
preencher todos os critérios:
a) Paciente entre 6 meses e 5 anos de idade;
b) Crise única – sem recorrência no mesmo episódio febril;
c) Duração máxima de 15 minutos;
d) Tônico clônica generalizada;
e) Sem déficits focais;
f) Período pós-ictal curto ou ausente;
g) Ausência de doença neurológica de base ou outras condições que
justifiquem a crise convulsiva.

Muitos quadros de crise convulsiva febril têm componente familiar


– predisposição genética –, e um episódio aumenta o risco de
recorrência futura em aproximadamente 30%. Entretanto os pais
devem ser orientados quando à benignidade do quadro, e deve ser
explicado que o uso precoce de antitérmicos não reduz o risco de
nova crise – a crise é desencadeada pela velocidade de ascensão da
temperatura, e não da temperatura propriamente dita.
O exame do líquido cerebrospinal está indicado
nas seguintes situações: crianças menores de 6
meses de idade, sinais e sintomas sugestivos de
infecção do sistema nervoso central (meningite,
encefalite), persistência de alterações
neurológicas no período pós-ictal ou
recuperação lenta do estado neurológico;
crianças que estão em uso de antibiótico (pode
mascarar os sintomas da meningite) crises
complexas em criança sem diagnóstico prévio.
O eletroencefalograma pode mostrar anormalidades, principalmente
nas crianças com CFs prolongadas ou repetidas, mas não tem valor
prático, pois a presença de anormalidades não define o diagnóstico e
não modifica a conduta. Exames de neuroimagem também não
auxiliam no diagnóstico das CFs.
20.2.2.1 Coleta do liquor

Os critérios para coleta do liquor, conforme a Sociedade Brasileira de


Pediatria, estão descritos a seguir.
1. Crise convulsiva febril simples:
a) Menores de 6 meses: coletar sempre;
b) Entre 6 e 18 meses: a coleta depende da habilidade do
médico em suspeitar de infecção do sistema nervoso. Coletar em
crianças que não foram vacinadas ou tem esquema incompleto
para Haemophilus influenzae tipo B e/ou S. pneumoniae;
c) Maiores de 18 meses: a coleta deve ser feita se há
meningismo, sinais de infecção sistêmica, irritabilidade e
sonolência acentuada;
d) Considerar a coleta: em crianças que estão fazendo uso de
antibiótico – pode mascarar os sinais e sintomas de meningite.
2. Crise convulsiva febril complexa:
a) Caso não se tenha diagnóstico anterior de CF, é prudente a
coleta do liquor;
b) Tomografia de crânio e eletroencefalograma não são indicados
nas CFs, exceto em caso de evolução atípica.

20.2.3 Evolução
A CF tem caráter benigno. De modo geral, 70% das crianças
apresentam apenas 1 episódio durante a vida; 30% terão 2 CFs;
apenas 10% terão chance de várias CFs. A chance de evolução para
epilepsia é pequena.
Fatores de risco para recorrência:
a) Idade precoce da primeira crise (< 12 meses);
b) Sexo masculino;
c) Antecedente familiar de CF ou epilepsia;
d) Atraso do desenvolvimento neuropsicomotor;
e) Menor grau e duração de febre no evento;
f) Crises focais;
g) Duração de crise prévia prolongada.

20.2.4 Tratamento
Quando uma criança em crise convulsiva dá entrada em um serviço
de emergência, devem ser tomadas as seguintes providências:
a) Acalmar os pais;
b) Avaliação e estabilização de vias aéreas, oxigenação, acesso
venoso, avaliação e estabilização da função cardiovascular;
c) Investigação de distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos;
d) Tratar a causa da febre;
e) Antitérmicos – não reduzem o risco de nova crise;
f) Benzodiazepínicos – drogas de primeira escolha nas crises, sendo o
diazepam o mais utilizado por ter início rápido (de 1 a 3 minutos), mas
curta duração (5 a 15 minutos). Portanto, é útil apenas para a
suspensão da crise. Pode ser repetido a cada 10 a 15 minutos por 3
vezes; 0,3 mg/kg IV, máximo de 10 mg. Na ausência de acesso
venoso, 0,5 mg/kg por via retal, ou midazolam 0,2 a 0,7 mg/kg SL, IM
ou IN, na dose máxima de 5 mg.

O tratamento da CF deve ser iniciado com oxigenoterapia, acesso


venoso periférico, estabilização do quadro clínico e antitérmico. A
droga de primeira escolha nas crises é o benzodiazepínico.
As CFs simples não necessitam de manutenção de anticonvulsivante.
Ao mesmo tempo, deve ser feita rápida história clínica para tentar se
aproximar da etiologia.
A terapêutica profilática com anticonvulsivantes pode ser
considerada nos casos de CF complexa e/ou com recidivas
frequentes. Além disso, deve-se tratar a infecção que causou a febre.
Convém lembrar-se de tranquilizar os pais ou
responsáveis de que a crise convulsiva febril
simples tem caráter benigno.

Abordagem durante a crise:


a) Desobstrução das vias aéreas superiores;
b) Oxigenoterapia;
c) Antitérmicos – de preferência por via intravenosa ou intramuscular;
d) Benzodiazepínicos nas crises prolongadas – aquelas que duram
mais de 10 minutos.
Quais são os critérios
obrigatórios para definição
de convulsão febril, e como
abordá-la?
Os critérios obrigatórios para definição de convulsão febril
simples são idade entre 6 meses e 5 anos de idade, crise
única (sem recorrência no mesmo episódio febril), duração
máxima de 15 minutos, tônico-clônica generalizada, sem
déficits focais, período pós-ictal curto ou ausente e
ausência de doença neurológica de base ou outras
condições que justifiquem a crise convulsiva.
Frente a esse quadro não são necessários exames
subsidiários. Deve ser realizada anamnese completa, a fim
de investigar causa da febre, medidas de suporte,
benzodiazepínico se vigência de crise convulsiva e
tranquilizar os pais quanto benignidade e quadro
autolimitado.
Como diferenciar as
características do liquor
frente às diferentes
etiologias da meningite?

21.1 MENINGITE
21.1.1 Definição
A meningite pode ser definida como um processo inflamatório das
leptomeninges, que pode se estender para estruturas adjacentes. Na
maioria das vezes é de natureza infecciosa, embora, também possa
ser causada por agentes irritantes introduzidos no espaço
subaracnóideo, o que se denomina meningite química. A
meningoencefalite é a inflamação que se estende além das
meninges, acometendo também o encéfalo. A suspeita de meningite
bacteriana é uma urgência médica. Os procedimentos para
estabelecer um diagnóstico rápido da causa específica devem ser
estabelecidos prontamente, para que o tratamento seja iniciado de
maneira precoce. A mortalidade da meningite bacteriana não tratada
é próxima de 100% e mesmo nos casos tratados há alta
morbimortalidade, com sequelas neurológicas aos sobreviventes.
21.1.2 Etiologia
Associação de Gram com a etiologia:
1. Diplococos Gram positivos: Streptococcus pneumoniae;
2. Diplococos Gram negativos: Neisseria meningitidis;
3. Cocobacilos pleomórficos Gram negativos: Haemophilus
influenzae;
4. Cocos ou cocobacilos Gram positivos: Streptococcus do grupo B;
5. Cocobacilos e bastões Gram positivos: Listeria monocytogenes.

A meningite pode ter, como agentes etiológicos, inúmeros


patógenos, no entanto, serão destacadas as 2 formas mais comuns:
bacterianas e virais.
As meningites virais representam a maior parte
dos processos infecciosos meníngeos.

Dentre os vírus que comprometem o Sistema Nervoso Central (SNC),


destacam-se enterovírus, varicela-zóster, herpes-vírus humano 1 e
2, arbovírus, vírus da caxumba e do sarampo. Além disso, são mais
frequentes em crianças maiores de 1 ano, adolescentes e adultos
jovens.
Nas meningites bacterianas, os agentes etiológicos variam com a
faixa etária e as condições de base do hospedeiro. A frequência
relativa dos diferentes agentes causadores de meningite tem
mudado nos últimos anos em decorrência da utilização universal de
novas vacinas, como as vacinas contra Haemophilus influenzae tipo B
e Streptococcus pneumoniae.
Do período neonatal aos 2 meses de vida, as bactérias mais
prevalentes são as encontradas no canal de parto, principalmente
Streptococcus do grupo B, bacilos entéricos Gram negativos
(Escherichia coli e Klebsiella sp.), Listeria monocytogenes e,
eventualmente, H. influenzae tipo B e cepas não tipáveis. O
Streptococcus do grupo B pode colonizar o trato genital da gestante e,
posteriormente, ser causa de infecções graves ao recém-nascido,
entre elas a meningite neonatal. Nesse sentido, preconizam-se
pesquisa do patógeno no canal de parto e profilaxia com penicilina
cristalina intraparto, o que reduz significativamente sua incidência.
Entre lactentes de 2 a 24 meses de vida, as mais prevalentes são S.
pneumoniae 45% correspondem aos sorotipos 2, 4, 6, 12 e 15, e
Neisseria meningitidis, 30%, aos sorotipos A, B, C e Y. Antes da
cobertura vacinal, o H. influenzae tipo B era responsável pela maioria
dos casos de meningite, quase 70%, após o segundo mês de vida. Os
Streptococcus do grupo B ainda são responsáveis por alguns casos de
meningite nessa faixa etária, porém, a maioria ocorre até os 3 meses.
Dos 2 aos 18 anos, a N. meningitidis é a causa mais comum, quase
60% dos casos, seguida pelo S. pneumoniae, 25%, e o H. influenzae
tipo B, 8%. No Brasil, o sorotipo da N. meningitidis que apresenta
maior incidência é o C, seguido pelo sorotipo B. Esta epidemiologia
pode mudar, visto que a vacina disponível e aplicada nos lactentes na
rede pública é contra o meningococo C. O último boletim
epidemiológico da doença meningocócica no Brasil foi publicado em
2016 e compreende os anos de 2007 a 2013. Nele, o sorotipo C é
predominante em todas as regiões, exceto a Sul, onde 50% dos casos
foram notificados como do sorotipo B.
A meningite tuberculosa ainda tem incidência elevada em nosso
meio, acometendo todas as faixas etárias, mesmo crianças que
receberam a vacina BCG.
Vale lembrar do riso de meningite fúngica nos pacientes
imunodeprimidos e com traumatismos ou manipulações extensas de
sistema nervoso central.
21.1.3 Patogenia
Nas meningites virais, os vírus podem penetrar no organismo
humano pela via inalatória (vírus do sarampo), pelo trato
gastrintestinal (enterovírus) ou pelo contato com as mucosas
(herpes-vírus 1 e 2). A partir do sítio de entrada, disseminam-se pela
via hematogênica até o SNC, local em que há instalação em diversos
segmentos, de acordo com a sua predileção. O vírus varicela-zóster,
por exemplo, apresenta tropismo pelo cerebelo; o herpes-vírus 1,
pelos lobos frontal e temporal, e assim por diante. Dessa forma, as
manifestações neurológicas das infecções são bastante variáveis.
Nas meningites bacterianas, geralmente, há colonização da
rinofaringe e da orofaringe e disseminação da bactéria por via
hematogênica, alcançando as meninges. A bacteriemia pode
originar-se, também, de um foco infeccioso em outro segmento do
organismo. A infecção pode também ocorrer por contiguidade, como
após uma celulite orbitária pós-septal. As bactérias penetram no
líquido cerebrospinal (LCE) por intermédio do plexo coroide dos
ventrículos laterais e ganham o LCE extracerebral e aracnoide.
Fatores quimiotáticos iniciam uma reação inflamatória local com a
presença de polimorfonucleares. Alguns componentes,
especificamente, estimulam resposta inflamatória acentuada:
lipopolissacarídeos da parede de células bacterianas, endotoxinas
dos Gram negativos (N. meningitidis e H. influenzae) e ácido teicoico e
peptidoglicano do S. pneumoniae. Há liberação de mediadores –
interleucinas, fator de necrose tumoral (TNF) – pelos leucócitos do
liquor, micróglia e astrócitos, que potencializam o processo
inflamatório. Esses mediadores levam a um aumento da
permeabilidade capilar, alterando as propriedades da barreira
hematoencefálica. Sequelas neurológicas, como surdez e déficit
visual, são consequências da reação de defesa exacerbada. Ao chegar
ao espaço subaracnoide, a bactéria é capaz de gerar vasculite
preferencial na base do crânio, o que leva à hipertensão
intracraniana, podendo levar ao óbito em 12 a 36 horas.
Frente aos mecanismos fisiopatológicos, os fatores de risco para
meningite e meningoencefalite são infecções de vias aéreas,
pneumonia, OMA, diabetes mellitus, esplenectomia,
hipogamaglobulinemia, deficiência de complemento, TCE com
fratura de base de crânio e fístula liquórica, rinorreia de líquor, e
anemia falciforme – lembrando que a esplenectomia e a anemia
falciforme aumentam o risco de infecções por encapsulados, em
geral.
Figura 21.1 - Patogênese das meningites
Fonte: adaptado de New England Journal of Medicine.

21.1.4 Quadro clínico


Alguns sinais e sintomas são comuns às meningites,
independentemente da sua etiologia. No entanto, o quadro clínico
pode variar de acordo com a faixa etária, em razão da reação imune
que cada organismo é capaz de estabelecer.
21.1.4.1 Meningites virais
As meningites virais, geralmente, apresentam-se com menor
intensidade e gravidade de sinais e sintomas do que as bacterianas. O
pródromo é composto por cefaleia, náuseas, vômitos, fotofobia e
sinais de irritação meníngea, além de febre ou hipotermia. Além
disso, podem-se encontrar outras manifestações peculiares ao
agente desencadeante, como exantema, parotidite e diarreia.
#IMPORTANTE
Quando o quadro de meningite está associado a
alteração do nível de consciência, em qualquer
grau, considera-se o diagnóstico de
meningoencefalite, acometimento do
parênquima cerebral.

Nos casos de meningoencefalite, verificam-se desde prostração e


irritabilidade até coma, além de sinais localizatórios, como
acometimento de pares cranianos, paresias, plegias ou crises
convulsivas.
21.1.4.2 Meningites bacterianas

As meningites bacterianas podem apresentar-se de forma


semelhante às virais, porém, com maior intensidade e gravidade. Em
geral, apresentam 2 padrões clínicos:
a) Evolução progressiva em 1 ou mais dias, precedida ou não por
febre;
b) De curso agudo e fulminante, cujas manifestações de sepse e
meningite se desenvolvem rapidamente, em horas. A forma
rapidamente progressiva está associada ao edema cerebral.

Dividem-se os achados clínicos por faixa etária, pois, em cada uma


ocorrem peculiaridades de grande importância para o diagnóstico.
21.1.4.3 Recém-nascidos e lactentes jovens
No período neonatal e nos lactentes jovens, as manifestações gerais
são inespecíficas, como febre ou hipotermia, hipoatividade, sucção
débil, gemência e irritabilidade, sinais comuns a vários outros
processos infecciosos da faixa etária, podendo evoluir com
abaulamento de fontanela, crises convulsivas e opistótono. Eles não
apresentam rigidez de nuca ou sinais de hipertensão intracraniana
pelo fato de a fontanela estar aberta. Por este motivo a coleta de
liquor faz parte do rastreamento infeccioso dos lactentes com febre
sem sinal localizatório até os 3 meses de idade.
21.1.4.4 Lactentes maiores e pré-escolares

Nos lactentes com mais de 3 meses e nos pré-escolares, as


manifestações já se tornam mais específicas, como febre elevada,
vômitos, abaulamento de fontanela, alterações sensoriais e
manifestações neurológicas, crises convulsivas e alteração de pares
cranianos. Sinais de hipertensão intracraniana grave,
hiperventilação e bradicardia, ou de herniação de amígdalas,
descerebração e decorticação, acontecem nos casos em que há
demora na instituição do tratamento.
21.1.4.5 Escolares e adolescentes

Nos escolares e adolescentes, as manifestações não diferem das


encontradas nos adultos, surgindo a tríade clássica de febre, vômitos
e cefaleia. Outros sintomas também são comuns, como fotofobia,
letargia, irritabilidade e alteração do nível de consciência.
Os sinais meníngeos, como rigidez de nuca, Kernig, extensão
dolorosa da perna com membro inferior fletido em 90 graus,
Lasègue – dorsiflexão dolorosa do pé com o joelho em extensão – e
Brudzinski, dor e flexão involuntária da perna após manobra de
flexão do pescoço, são característicos da meningite, mas podem não
ser encontrados em crianças até por volta dos 18 meses. Mesmo em
crianças mais velhas e em adultos, podem estar presentes em apenas
metade dos casos. Por isso, a ausência desses achados ao exame
físico não exclui o diagnóstico de meningite.
Figura 21.2 - (A) Sinal de Kernig; (B) sinal de Lasègue; (C) sinal de Brudzinski
Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.

#IMPORTANTE
A meningite deve ser incluída em todo
diagnóstico diferencial de qualquer alteração
de estado de consciência, como letargia ou
irritabilidade, principalmente, quando há
história de febre sem outras patologias que
justifiquem o quadro clínico.

A instalação da meningite pode ser tanto abrupta e fulminante, caso


da doença meningocócica, quanto de forma mais lenta, demorando
alguns dias para evidenciar-se, como na meningite pneumocócica.
As manifestações clínicas da doença meningocócica são bastante
amplas. A partir da colonização do trato respiratório superior,
inicia-se quadro de infecção das vias aéreas superiores que se
assemelha às de etiologia viral. De acordo com o hospedeiro, a
infecção pode se restringir a um segmento ou evoluir para infecção
sistêmica. Em alguns casos, verifica-se rash do tipo maculopapular
horas antes do quadro séptico.
O quadro clássico de meningococcemia caracteriza-se por febre,
hipotensão, mialgia intensa, toxemia acentuada, petéquias e
sufusões hemorrágicas, além de rápida evolução para choque e
coagulação intravascular disseminada.
Uma parcela considerável dos casos não responde ao tratamento
instituído, evoluindo para óbito. Isso se deve, em parte, à
hemorragia adrenal, que reduz a capacidade do organismo de reagir
ao estresse infeccioso.
A ausência de meningite na infecção meningocócica é um fator de
mau prognóstico. Observam-se maiores índices de mortalidade na
meningococcemia sem meningite, do que na doença meningocócica
com acometimento do SNC. Além do SNC, podem ser acometidos
coração, com manifestações de endocardite, pericardite e
miocardite, adrenal e articulações. Portanto, ao primeiro sinal de
meningococcemia, o paciente deve ser tratado como emergência
médica e levado à sala de emergência, iniciando-se tratamento o
quanto antes.
A síndrome de Waterhouse-Friderichsen corresponde a um quadro
extremamente grave, associado, principalmente, à N. meningitidis
altamente virulenta, que cursa com hemorragia maciça na camada
medular de uma ou ambas suprarrenais, seguida por necrose da
camada cortical. Ocorre insuficiência suprarrenal aguda e
necessidade de reposição de glicocorticoides. O paciente evolui
rapidamente com sufusões hemorrágicas na pele, coagulação
intravascular disseminada e choque séptico pouco responsivo às
catecolaminas.
Figura 21.3 - Meningococcemia
21.1.5 Diagnóstico
A suspeita de meningite é uma urgência médica. O diagnóstico deve
ser estabelecido prontamente. O ideal é que, antes da
antibioticoterapia, sejam realizados história clínica minuciosa,
exame físico, testes sanguíneos e punção lombar para coleta de LCE.
Em casos fulminantes, com hipotensão e falência de órgãos, a rápida
intervenção é necessária: a administração de antibióticos pode
preceder a história completa, o exame físico e a punção lombar.
Nesses casos, a hemocultura deve ser colhida antes da administração
de antibióticos, e a punção lombar, realizada assim que possível. A
coleta de liquor nunca deve atrasar a instituição de terapêutica
adequada para o paciente.
Na suspeita clínica de meningite, a coleta de
LCE é obrigatória, mesmo que, pela gravidade, a
antibioticoterapia tenha sido instituída
precocemente.

21.1.5.1 Líquido cerebrospinal

A coleta do LCE é um procedimento relativamente simples, porém,


extremamente delicado, pelo risco de contaminação do paciente, do
coletor e da amostra. Deve ser realizada rigorosamente por
profissional médico que deverá estar completamente paramentado,
com lavagem de mãos típica de técnica cirúrgica, usando todo o
material estéril. O paciente deve ser posicionado de forma a abrir o
espaço intervertebral para facilitar e permitir a coleta da amostra.
São 2 as possibilidades: sentado com as pernas preferencialmente
dobradas e com o queixo apoiado no peito, ou deitado em decúbito
lateral esquerdo com as pernas fletidas sobre o abdome e o pescoço
fletido sobre o peito. Faz-se então assepsia do local da coleta de
forma a não contaminar o coletor e prepara-se um campo estéril
cobrindo a área com campo fenestrado. Localiza-se o espaço a ser
puncionado, tomando-se como referência a crista ilíaca. Palpa-se a
crista ilíaca e traça-se uma linha imaginária ligando a crista ilíaca e a
coluna vertebral. O espaço que está nessa direção é o espaço a ser
puncionado, que oferece mais segurança para o procedimento, pois
há menor risco de lesão iatrogênica. Faz-se então a punção com
agulha adequada e específica para tal procedimento e aguarda-se
que o liquor flua naturalmente sem necessidade de aspirá-lo. O
material deve ser coletado em frascos estéreis e encaminhado para
bioquímica, bacterioscopia e cultura.
O espaço intervertebral para coleta do LCE
poderá variar entre L2 e L4. Na coleta, o ponto
de referência são as cristas ilíacas, então, o
ponto da linha que une os pontos mais altos das
cristas ilíacas.
Figura 21.4 - Punção liquórica em decúbito lateral direito

Fonte: ilustração Claudio Van Erven Ripinskas.


O diagnóstico inicial é feito a partir da análise do material, que deve
incluir bacterioscopia com coloração para Gram, dosagem de glicose
e proteínas, quimiocitológico com diferencial de celularidade e,
finalmente, cultura. Pode-se também, quando disponível, realizar
testes específicos para alguns patógenos, utilizando a técnica de
aglutinação de partículas de látex ou contraimunoeletroforese.
A coleta do LCE deve ser feita com punção lombar, desde que esta
não esteja contraindicada pela presença de algum dos achados
relacionados a seguir:
a) Evidência de hipertensão intracraniana e/ou papiledema, que não
tenha a fontanela abaulada;
b) Comprometimento cardiopulmonar que impeça o posicionamento
para coleta;
c) Infecção da pele sobre o local da punção;
d) Alteração da coagulação;
e) Sinais neurológicos focais.

Sempre que há suspeita de hipertensão intracraniana, pode-se


realizar tomografia computadorizada de crânio com o objetivo de
excluir o risco de herniação iminente. No entanto, a realização desse
exame não deve retardar, em hipótese alguma, o início do
tratamento.
A trombocitopenia é uma contraindicação relativa à punção lombar.
Habitualmente, considera-se possível a realização de coleta de LCE
se o número de plaquetas é menor que 60.000/mm3. Outros
distúrbios de coagulação podem ser corrigidos de forma a tornar a
coleta viável.
Em casos de forte suspeita clínica de meningite com qualquer fator
que impeça a coleta de LCE, o tratamento deve ser instituído e a
coleta, realizada assim que possível. O LCE nas meningites
bacterianas pode apresentar bactérias na coloração para Gram,
celularidade elevada com predomínio de polimorfonucleares,
geralmente, acima de 1.000 células, elevação da proteinorraquia,
geralmente, ≥ 10 mg/dL, e redução da concentração de glicose ≤ 40
mg/dL. A presença de LCE com aspecto turvo no momento da punção
também sugere fortemente essa etiologia. O Quadro 21.1 apresenta os
parâmetros liquóricos normais, enquanto o Quadro 21.2 resume as
alterações liquóricas dos principais tipos de meningite na infância.
Quadro 21.1 - Valores normais do líquido cerebrospinal nas diferentes faixas etárias

Quadro 21.2 - Achados no líquido cerebrospinal das principais meningites na infância


Dentre os exames iniciais, também é recomendado hemograma
completo com contagem de plaquetas e hemoculturas. Eletrólitos,
glicemia, ureia e creatinina também são importantes para o
planejamento da terapia de reposição volêmica. O coagulograma está
indicado aos pacientes em quem são notadas petéquias ou lesões
purpúricas ao exame físico.
21.1.5.2 Diagnóstico diferencial

Deve incluir meningites por outros agentes, como Mycobacterium


tuberculosis, Nocardia, Treponema pallidum e Borrelia burgdorferi,
fungos e outros responsáveis por infecções em
imunocomprometidos.
Abscesso cerebral e parameníngeo, tumores, intoxicação exógena,
maus-tratos e hipervitaminose A devem também ser considerados
no diagnóstico diferencial.
A meningite tuberculosa tem início insidioso, e evolui em 3 estágios:
1. Primeiro estágio: febre, apatia, irritabilidade, cefaleia, anorexia,
mialgia, sonolência, vômitos, dor abdominal – duração: 1 a 2 semanas;
2. Segundo estágio: sinais de lesão de nervos cranianos: paresia,
plegia, estrabismo, irritação meníngea, sinais de hipertensão
intracraniana, ptose palpebral;
3. Terceiro estágio: déficit neurológico focal, rigidez de nuca,
opistótono, alteração do nível de consciência.

Quadro 21.3 - Achados do líquido cerebrospinal dos diagnósticos diferenciais: meningite


tuberculosa, neurossífilis e abscesso cerebral por fungos

21.1.6 Exames de imagem


Exames de imagem não estão indicados rotineiramente na avaliação
e diagnóstico dos quadros de meningite, mas devem ser realizados
se presença de sinal focal, sinais de hipertensão intracraniana,
alteração do nível de consciência ou suspeita de encefalite.
A tomografia é um exame mais disponível e mais rápido do que a
ressonância magnética, mas com mais radiação e menor
sensibilidade e especificidade. A decisão entre os exames depende da
urgência, disponibilidade do método e estabilidade do paciente.
Na suspeita de complicação durante o tratamento exame de imagem
também deve ser realizado.
21.1.7 Tratamento
21.1.7.1 Meningite neonatal

Esta é uma meningite bastante temida, tanto pelos danos que pode
produzir quanto pela dificuldade de suspeita baseada em sinais
clínicos. Por isso, o LCE deve ser sempre colhido em casos de sepse,
febre, e de risco infeccioso.
O tratamento da meningite neonatal baseia-se no uso de
antibióticos que apresentam boa penetração no SNC. Uma boa
escolha é a ampicilina e a cefotaxima por tempo prolongado, ou seja,
de 14 a 21 dias.
É necessária uma nova coleta de LCE nas primeiras 48 a 72 horas da
instituição da antibioticoterapia.
O objetivo da segunda punção é verificar a eficácia do tratamento e a
eventual necessidade de modificação. No período neonatal, os
parâmetros clínicos são insuficientes para avaliar a evolução do
tratamento. A ceftriaxona também é opção, mas deve ser evitada no
período neonatal, pois, aumenta o risco de hiperbilirrubinemia.
Deve-se também manter atenção especial quanto à presença de
complicações como edema cerebral, hipertensão intracraniana,
convulsões, ventriculite, abscessos cerebrais e empiema subdural.
Por esse motivo, realiza-se ultrassonografia de crânio no início do
quadro e semanalmente até a conclusão do tratamento. A tomografia
computadorizada de crânio deve ser feita em casos de suspeita de
complicações ou naqueles em que a evolução se mostra desfavorável.
Quando há crises convulsivas, implementam-se ao tratamento
fenobarbital, primeira escolha, dose de ataque e manutenção. Já em
quadros convulsivos não controlados, usa-se a difenil-hidantoína
ou o midazolam. Em algumas situações, há a necessidade de análise
eletroencefalográfica para controle mais adequado.
Quadro 21.4 - Antibióticos de escolha no tratamento das meningites bacterianas

21.1.7.2 Meningite após 2 meses de vida

As bactérias responsáveis por quadros de meningite que ocorrem em


crianças com mais de 2 meses diferem daquelas que acometem
lactentes jovens e neonatos. Dessa forma, o tratamento deve ser
dirigido empiricamente às bactérias mais prevalentes dessa faixa
etária, já que o resultado da cultura e do antibiograma do LCE leva
algum tempo para ser obtido. Os outros testes de identificação
bacteriana já descritos também podem nortear a escolha do
antibiótico inicialmente administrado.
O tratamento empírico deve ser instituído imediatamente após o
resultado do liquor ou, assim que for realizada a punção lombar.
Deve-se lembrar que, nos casos em que há contraindicações para a
realização imediata da punção lombar, a instituição da
antibioticoterapia não deve ser retardada. A demora no início do
antibiótico está associada ao aumento da mortalidade e da
morbidade, complicações e sequelas.
21.1.7.3 Tratamento da meningite bacteriana

O esquema antibiótico proposto para tratamento da meningite após


2 meses de vida deve ser bactericida para o patógeno em questão e
atingir níveis considerados satisfatórios no LCE, boa penetração na
barreira hematoencefálica. Leva-se em consideração, também, a
prevalência de bactérias resistentes a determinadas drogas.
No estado de São Paulo, entre os anos de 2000 e 2003, de todas as
cepas de pneumococos isoladas de doença meníngea, 24%
apresentaram resistência intermediária e 7% resistência plena a
penicilina. A resistência às cefalosporinas de terceira geração foi
menor que 5% e esteve relacionada, com maior frequência, ao
sorotipo 14. Por isso, a orientação do Ministério da Saúde do Brasil
para antibioticoterapia inicial empírica é de cefalosporina de terceira
geração, ceftriaxona ou cefotaxima. Nas crianças
imunocomprometidas, em que há suspeita de meningite bacteriana
por Gram negativos, deve-se utilizar, inicialmente, a associação de
ceftazidima e aminoglicosídeo. No instante em que se tem o
resultado do antibiograma proveniente da cultura do LCE, deve-se
adaptar a antibioticoterapia à bactéria isolada.
A duração do tratamento das meningites não complicadas deve ser
de 5 a 7 dias para a meningite meningocócica, de 7 a 10 dias para a
meningite por H. influenzae B, de 10 a 14 dias para a meningite
pneumocócica. Nas meningites de etiologia indeterminada e para L.
monocytogenes, a duração do tratamento é de 14 a 21 dias.
No Quadro 21.5, estão relacionadas as principais drogas e doses
utilizadas no tratamento das meningites.
Quadro 21.5 - Antibióticos nas meningites bacterianas após o período neonatal
De rotina, não se recomenda a coleta de LCE de controle durante ou
após o tratamento. No entanto, esse procedimento deve sempre ser
realizado em casos de meningite complicada ou em caso de
meningite pneumocócica, em que o liquor controle está indicado.
Além disso, deve-se garantir a hidratação e controle dos sintomas do
paciente, tratamento de crises convulsivas se necessário e
tratamento precoce da hipoglicemia caso ocorra.
21.1.7.4 Tratamento da meningite tuberculosa

O tratamento da meningite tuberculosa é feito com rifampicina,


isoniazida e pirazinamida, sem necessidade de quimioprofilaxia para
contactantes.
21.1.7.5 Tratamento da meningite viral

O tratamento das meningites virais é de suporte, como o controle da


temperatura e dos vômitos, hidratação e analgesia. Evoluem sem
sequelas na maioria das vezes e nas crianças hígidas não tendem a
recidivar.
21.1.7.6 Corticoterapia

Alguns estudos demonstraram benefício na utilização de


dexametasona em crianças maiores que 2 meses, antes ou até 1 hora
do início da antibioticoterapia, reduzindo a intensidade da resposta
inflamatória durante os primeiros dias de tratamento, que é a
principal responsável pelas sequelas neurológicas. A liberação de
produtos celulares presentes na parede bacteriana já após a primeira
dose de antibiótico estimula a produção de interleucinas,
prostaglandinas e TNF e outras alterações inflamatórias
decorrentes.
Assim, o corticoide introduzido de 20 a 30 minutos antes da primeira
dose de antibiótico reduz a intensidade da resposta inflamatória
local sem interferir no controle da infecção. Os principais benefícios
da corticoterapia foram verificados nas meningites por H. influenzae
tipo B antes do advento da vacina conjugada.
Estudos ainda estão sendo desenvolvidos a fim de verificar sua
eficácia na meningite pneumocócica, porém os resultados ainda são
controversos em razão de relatos de diminuição dos níveis de
antibióticos no LCE quando se administram corticoides. Até o
momento, parece que a corticoterapia não apresenta benefícios
adicionais no tratamento da meningite meningocócica. De forma
geral, quando indicada, deve ser utilizada antes da primeira dose de
antibioticoterapia e no máximo 1 hora depois. Utilizamos a
dexametasona na dose de 0,15 mg/kg, a cada 6 horas (0,6 mg/kg/d)
por 2 dias.
21.1.7.7 Complicações

Crianças com meningite podem apresentar quadro de choque


séptico, principalmente quando se trata de doença meningocócica. O
choque deve ser tratado inicialmente com utilização de volume e,
quando necessário, com drogas vasoativas de infusão contínua.
As eventuais complicações devem ser adequadamente tratadas,
como a hipertensão intracraniana com ou sem herniação
subsequente, convulsões, trombose dos seios venosos durais e
efusões subdurais. As crises convulsivas iniciadas após 48 a 72 horas
de tratamento podem decorrer de complicações, como vasculites ou
coleções subdurais. A formação de coleções de líquido no espaço
subdural também deve ser investigada em casos em que há
manutenção do abaulamento de fontanela. Exemplos disso são
abscesso cerebral e empiema subdural.
A secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIADH) também
é uma complicação possível. No entanto, a manipulação de volume
nesse caso deve ser cuidadosa, considerando que a perfusão cerebral
deve ser mantida e é decorrente da diferença entre pressão sistólica e
pressão intracraniana.
O tratamento do choque com fluidoterapia e drogas vasoativas, a
correção da hipoglicemia e distúrbios acidobásicos ou metabólicos e
das desordens da coagulação, também são mandatórios no manejo
dos casos de meningite bacteriana. Outras complicações possíveis
são ventriculite, hidrocefalia e alterações de pares cranianos. Já as
sequelas mais comuns são surdez, retardo mental, espasticidades,
paresias e convulsões.
O pneumococo é a bactéria mais associada a sequelas pós-
meningite.
São sinais de mau prognóstico: rebaixamento do nível de
consciência, extremos de idade, hipertensão intracraniana, choque
ou necessidade de ventilação mecânica, atraso no tratamento da
infeção e instituição de antibioticoterapia adequada e liquor com
glicose menor que 40 mg/dL e/ou proteínas maior que 300 mg/dL.
Não há drogas específicas para a maioria dos vírus que acometem o
SNC, exceto para o herpes-vírus simples, agente causador de
meningoencefalite, que pode levar a quadro grave e necessitar de
cuidados intensivos. Preconiza-se, nessas infecções, aciclovir na
dose de 750 mg/m2/d para os imunocompetentes e de 1.500
mg/m2/d para os imunodeprimidos, em 3 doses intravenosas.
21.1.8 Profilaxia
Quadro 21.6 - Indicações de quimioprofilaxia para comunicantes de meningite por H.
influenzae B e meningococo
Não se deve esquecer que cabe à Vigilância Sanitária estabelecer e
providenciar a profilaxia aos comunicantes, exceção feita ao
acompanhante hospitalar, que deve ser medicado no local.
21.1.8.1 Vacinação

De acordo com os principais agentes de meningite na infância, há


diversas vacinas para profilaxia: HiB – 2, 4, 6 meses; 1 ano; 4 a 6
anos –, pneumocócica – 2, 4, 6, 12 meses –, meningocócica C – 3, 5,
12 meses, 10 anos – ou ACWY – 3, 5, 7, 12 meses, 5 anos, 11 anos – e
meningocócica B – 3, 5, e 18 meses.
21.2 NORMAS PARA COMUNICANTES
DE DOENÇAS INFECCIOSAS
21.2.1 Introdução
Algumas doenças infecciosas encontram-se erradicadas em nosso
meio, como varíola e poliomielite, e outras eliminadas, como
sarampo, porém, há aquelas que podem persistir, como rubéola
congênita e hepatite B, apesar da existência de medidas eficazes de
prevenção, como a vacinação.
Recentemente, novas medidas de controle para as doenças
infecciosas foram adotadas no país, como a introdução das vacinas
contra o pneumococo e o meningococo C, além da vacinação contra a
influenza A H1N1. Assim, o objetivo é reduzir o número de casos e
controlar essas doenças transmissíveis. A avaliação do impacto dessa
nova medida no controle começará a ser verificada com informações
técnicas, fundamentadas em dados válidos e confiáveis, garantindo
uma decisão adequada e ajustada à nossa realidade para a
programação de ações em saúde.
Desde o início da década de 1980, algumas doenças infecciosas
passaram a ser registradas – doenças infecciosas emergentes – ou
foram reintroduzidas no Brasil, destacando-se o HIV/AIDS (1980), a
dengue hemorrágica (1982), a cólera (1991) e a hantavirose (1993).
Dentre estas, somente a cólera apresentou redução significativa na
última década.
Três etapas são necessárias para a transmissão de agentes
infecciosos para pessoas não infectadas. Na primeira etapa, o
patógeno precisa ser excretado de um sítio de infecção, como o
gastrintestinal, por vírus, bactérias e parasitas; na segunda etapa, a
transmissão ocorre de pessoa a pessoa. Finalmente, a inoculação
precisa ser em indivíduo suscetível ao agente infectante. Um
exemplo é a doença diarreica aguda, rotavírus, que tem início com a
excreção dos vírus pela diarreia da criança doente. A transferência
para outra criança pode ser feita por mãos contaminadas por fezes
da própria criança ou de seu protetor. A etapa final é a inoculação em
sítios suscetíveis, como levar as mãos contaminadas à boca. Após
essa etapa, há início ou não de infecção gastrintestinal, uma vez que
vários fatores podem permear o início da doença: imunização prévia
pela vacina contra o rotavírus, infecção em lactente jovem –
menores que 3 meses – ou imunossuprimidos.
Conhecer as medidas de controle das doenças infecciosas é
importante para a proteção individual e para fornecer subsídios à
saúde pública, na medida em que podem interferir nas etapas de
transmissão e controle das doenças infecciosas.
Na dependência do potencial de transmissão para determinada
doença, devem ser tomadas medidas de controle, a saber:
a) Medidas de higiene;
b) Tratamento de contactuantes;
c) Medidas de controle e de prevenção;
d) Notificações;
e) Discussão de normas de controle de algumas doenças infecciosas
de maior prevalência em nosso meio.

21.2.2 Doença meningocócica


As manifestações mais comuns das doenças causadas pela Neisseria
meningitidis são a meningite, a sepse e a artrite, que podem ocorrer
de forma isolada ou combinada. As crianças com meningite
desenvolvem febre, mal-estar, cefaleia intensa, náuseas, vômitos e
prostração. Nos casos de crianças, a instalação da doença é súbita.
Quando ocorre sob a forma de sepse meningocócica, com ou sem
meningite, pode estar presente rash característico no tronco e nas
extremidades e, ocasionalmente, evoluir para uma forma
fulminante, como púrpura fulminans. As complicações podem ser
necrose profunda com perda de tecidos, paralisias, abscesso
cerebral, hidrocefalia sequelar e choque séptico.
O reservatório da Neisseria meningitidis é o indivíduo doente ou
portador, de 5 a 10%. Entretanto, quando uma criança frequenta a
creche e adquire infecção meningocócica, a colonização aumenta e
pode chegar a 50% ou mais em adultos e crianças.
A população de risco para doença
meningocócica são crianças com deficiência de
anticorpos ou complemento, ou asplenia
anatômica ou funcional, com destaque, em
nosso meio, para os falcêmicos.
O contato íntimo e direto é o modo de transmissão possível.
Enquanto o patógeno estiver presente na nasofaringe, apresentará
período de incubação de 2 dias ou semanas a partir do contágio; a
maioria das crianças com formas invasivas o faz na primeira
semana. O período infeccioso é de 24 horas, mas é importante
lembrar que em creches a bactéria pode disseminar-se muito -
rapidamente.
O tipo de precaução recomendada para meningite por meningococo é
do tipo particulado, droplet, devendo-se usar isolamento e máscaras
sempre que estiver a menos de 1,5 m do paciente, avental descartável
e luvas nas primeiras horas, para evitar contato com pele não intacta
ou mucosa meningococcemia. O uso de antibióticos, terapêutico ou
profilático, erradica o patógeno em 24 horas, tempo de isolamento
do paciente.
O diagnóstico é, usualmente, feito com a recuperação da bactéria no
líquido cerebrospinal (LCE) ou no sangue, hemocultura. A cultura de
orofaringe não é utilizada para estabelecer o diagnóstico. O
tratamento hospitalar é realizado com penicilina em doses elevadas,
cefotaxima ou, ainda, ceftriaxona intravenosas.
A quimioprofilaxia da doença meningocócica, segundo o Ministério
da Saúde, realizada pela Vigilância Sanitária, deve ser feita em todos
os contatos próximos de um caso de doença meningocócica,
independentemente do estado vacinal, devendo ser iniciada o mais
precocemente possível, de preferência nas primeiras 48 horas –
contatos familiares, quartéis, orfanatos, creches, pré-escolas,
pessoas expostas diretamente a secreções de retrofaringe. A droga de
escolha é a rifampicina. Na impossibilidade de usá-la, pode-se usar
ceftriaxona intramuscular em dose única ou ciprofloxacino em dose
única por via oral.
Quadro 21.7 - Esquema quimioprofilático para contatos próximos de caso exposto de
doença meningocócica
Contatos próximos são os moradores do mesmo domicílio,
indivíduos que compartilham o mesmo dormitório, em alojamentos,
quartéis, entre outros, comunicantes de creches e escolas, e pessoas
diretamente expostas às secreções do paciente.
De rotina, não é recomendada aos profissionais da saúde, desde que
tenham tomado precauções respiratórias no atendimento ao
paciente – máscara, óculos, luvas e avental – na intubação
orotraqueal ou na aspiração de secreções.
O caso-índice precisa receber a quimioprofilaxia antes da alta, a
menos que seu tratamento tenha sido realizado com ceftriaxona, que
também é um potente erradicador de meningococo da orofaringe.
Antibióticos como o cloranfenicol ou as penicilinas não atingem
níveis suficientes em lágrimas ou saliva para tal finalidade.
O paciente pode ser retirado do isolamento respiratório após 24
horas do início da antibioticoterapia, porém, é aconselhável que seja
mantido o isolamento de secreções. Contudo, após a suspensão de
tais antibióticos, o meningococo volta a recolonizar a orofaringe em
27% dos casos. Trata-se de uma doença de notificação compulsória.
21.2.3 Meningite por Haemophilus influenzae
Antes da introdução da vacina contra o Haemophilus influenzae,
cepas tipo B dessa bactéria Gram negativa eram responsáveis por
97% das infecções invasivas em crianças. Os sinais e os sintomas
desse tipo de meningite são semelhantes aos de todos os tipos de
doença: início súbito, piora rápida da condição clínica da criança,
febre, calafrios, irritação meníngea – vista em crianças maiores. A
suspeita diagnóstica baseia-se na história e no exame físico, e são
coletados os exames laboratoriais, que devem incluir LCE e culturas.
A cultura do LCE é o padrão-ouro para o diagnóstico de meningite
por H. influenzae. O resultado dessa cultura leva algum tempo para
apresentar resultados, motivo pelo qual deve ser notificado o caso
suspeito.
A infecção com H. influenzae, na ausência de doença, é chamada de
colonização ou estado de portador. O reservatório é o homem, e o
modo de transmissão é de pessoa a pessoa, saliva e secreções,
principalmente nasais, com porta de entrada pela nasofaringe. O
período de incubação é de 2 a 4 dias, e a transmissão ocorre,
enquanto, o patógeno está na nasofaringe.
A antibioticoterapia adequada erradica o patógeno em 24 horas, por
isso, durante esse período, o paciente deve ser isolado. As
complicações são paralisias, abscesso cerebral, hidrocefalia, entre
outras. O tratamento é feito com cloranfenicol ou ceftriaxona,
entretanto, caso seja usada a primeira das drogas, deve-se associar
outro antibiótico com cobertura para Streptococcus e Neisseria até que
se tenha o resultado da cultura do LCE.
A quimioprofilaxia da meningite por Haemophilus influenzae está
indicada para os contatos domiciliares de qualquer idade que tenham
pelo menos um contato com criança menor de 5 anos não vacinada
ou parcialmente vacinada ou, ainda, contato com criança
imunocomprometida. No caso de creches e pré-escolas, somente
realizar a profilaxia quando 2 ou mais casos de doença invasiva
ocorrerem num intervalo de até 60 dias. Deve ser feita para todas as
crianças, independentemente, da idade e do status vacinal e nos
cuidadores. A droga de escolha é a rifampicina.
Quadro 21.8 - Esquema quimioprofilático para comunicantes de caso exposto de meningite
por Haemophilus influenzae
Como diferenciar as
características do liquor
frente às diferentes
etiologias da meningite?
Quando suspeitar que um
quadro de refluxo não é
fisiológico, e sim uma
doença do refluxo
gastroesofágico?

22.1 INTRODUÇÃO
É conhecido que todos os lactentes apresentam alguma imaturidade
do esfíncter esofágico inferior, o que favorece a ocorrência de refluxo
do conteúdo gástrico para o esôfago, de forma passiva, não raro
chegando à boca na forma de regurgitação ou golfo.
22.2 REFLUXO FISIOLÓGICO
O refluxo gastroesofágico (RGE) fisiológico caracteriza-se pelo
retorno de conteúdo gástrico em direção ao esôfago. Não traz
repercussões clínicas ao lactente e é breve, limitado ao terço distal
do esôfago. Manifesta-se clinicamente por meio de regurgitações
pós-prandiais e, menos comumente, vômitos. Pode ocorrer em
indivíduos sadios de qualquer idade, mas, em crianças, apresenta
início antes dos 2 meses de vida, com pico de ocorrência aos 4 meses,
e se resolve espontaneamente entre 12 e 24 meses de vida, sem
qualquer prejuízo sistêmico.
22.3 DOENÇA DO REFLUXO
GASTROESOFÁGICO
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) nos lactentes é definida
quando esses episódios de regurgitação se tornam frequentes e
intensos, com vômitos intensos, dificuldade para mamar,
irritabilidade, choro, alteração na posição cervical, sintomas
respiratórios: pneumonia, estridor laríngeo, esofágicos – esofagite
– ou déficit ponderal.
Em crianças maiores e adolescentes, as manifestações principais da
DRGE são epigastralgia, dor retroesternal e azia.
Figura 22.1 - Anatomia esofágica normal e com refluxo gastroesofágico

Fonte: ilustração Claudio van Erven Ripinskas.

22.4 FISIOPATOLOGIA
A patogênese da DRGE é multifatorial e complexa, envolvendo
frequência aumentada dos relaxamentos transitórios do esfíncter
esofágico inferior, esvaziamento gástrico retardado, clearance
esofágico deficiente, alterações na barreira antirrefluxo, diminuição
do tônus do esfíncter esofágico inferior, hipersensibilidade visceral e
hiper-reatividade brônquica. Além disso, a exposição ao pH ácido
lesa o esfíncter esofágico inferior, diminuindo ainda mais seu tônus,
gerando um círculo vicioso. Podem estar associados fatores
ambientais, como obesidade, alergia alimentar e respiratória, hérnia
de hiato, drogas e exposição ao cigarro. O óxido nítrico e a
prostaglandina também podem produzir efeito nocivo sobre o
esôfago.
22.5 QUADRO CLÍNICO

As manifestações clínicas de DRGE variam com


a faixa etária acometida.

22.5.1 Lactentes
a) Regurgitações e vômitos constantes, pós-prandiais;
b) Choro, recusa alimentar, engasgos frequentes e retenção baixa de
caloria que levam à deficiência do crescimento, com perda de peso;
c) Síndrome de Sandifer, caracterizada pela associação de esofagite,
anemia e posturas anômalas da cabeça, com hiperextensão em
resposta ao refluxo e torção do pescoço;
d) Irritabilidade, sono agitado e fome constantes, que podem indicar
esofagite;
e) Baixo ganho ponderoestatural – failure do thrive;
f) Sibilância recorrente.

22.5.2 Crianças maiores


a) Sintomas de esofagite, com dor retroesternal que melhora
temporariamente com comida ou antiácidos e piora com alimentos
gordurosos e cafeína, entre outros;
b) Sintomas associados, como náuseas ao acordar, halitose e crises
de sibilância recorrentes;
c) Erosão dentária;
d) Outras manifestações respiratórias possíveis são laringite, traqueíte
e pneumonias de repetição, por microaspiração. Alterações funcionais
do trato respiratório podem influenciar direta ou indiretamente o
aparelho gastrintestinal, favorecendo a ocorrência de RGE. O aumento
do gradiente de pressão toracoabdominal, por tosse ou taquipneia,
pode favorecer o retorno de conteúdo gástrico para a luz esofágica.

22.6 DIAGNÓSTICO
Nos casos em que não há sinais agravantes, o diagnóstico é
essencialmente clínico e nenhum exame deve ser solicitado. No
entanto, em lactentes e crianças a investigação com exames se faz
necessária quando apresentam sinais de complicação. A anamnese
detalhada com exame físico completo é essencial para avaliar o
diagnóstico de RGE. Os exames podem detectar e quantificar o RGE
em lactentes e crianças. Habitualmente o exame físico é normal.
Quando alterado, pode haver emagrecimento, raramente, ou
hiperemia posterior em orofaringe, associado ou não a lesões
aftoides. Nas crianças maiores e adolescentes pode haver sinais de
erosão dentária.
22.6.1 Exames de imagem
22.6.1.1 Radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno

O estudo contrastado com bário do trato gastrintestinal é útil para


examinar a anatomia do esôfago, do estômago e do duodeno.
O exame de Esôfago-Estômago-Duodenografia
(EED) não auxilia no diagnóstico de DRGE
devido à baixa especificidade, mas é importante
para descartar malformação do trato
gastrintestinal, como hérnias, duplicidades e
atresias, cujo tratamento deve ser cirúrgico,
principalmente entre os lactentes abaixo de 6
meses.

As causas mais comuns de resultado falso positivo incluem choro


durante o exame e enchimento gástrico insuficiente. Lembrar que
aspiração de bário para o pulmão é diagnóstico de DRGE.
Figura 22.2 - Estudo radiológico de esôfago, estômago e duodeno

Nota: há aspiração do contraste para a traqueia e o brônquio principal esquerdo.

22.6.1.2 Cintilografia
A cintilografia utiliza um marcador radioativo (tecnécio-99)
administrado juntamente com o alimento da criança. O exame é
indicado para avaliar tempo de esvaziamento gástrico e útil para
avaliar aspiração pulmonar em pacientes com sintomas
respiratórios crônicos e refratários. Tem baixa sensibilidade e
especificidade e não é recomendado como método de rotina para
diagnóstico e seguimento de lactentes com DRGE.
Figura 22.3 - Estudo cintilográfico com tecnécio

Nota: os tempos de 1 a 4 mostram estômago repleto com a solução contendo o


radioisótopo e, nas demais imagens, a evidência de refluxo gastroesofágico até o terço
médio do esôfago
Fonte: Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição, 2019.
22.6.1.3 Endoscopia digestiva alta

A endoscopia com biópsia é indicada em alguns casos e pode


demonstrar as complicações da DRGE, além de evidenciar a
intensidade da esofagite, a presença de estenose esofágica, esôfago
de Barrett, esofagite eosinofílica e esofagite infecciosa e, também,
afecções associadas, como hérnia de hiato. A ausência de
anormalidades endoscópicas não exclui o diagnóstico histológico de
esofagite, assim como a presença de eritema na mucosa esofágica
pode ocorrer sem esse processo inflamatório. O RGE que causa
esofagite certamente é patológico.
22.6.1.4 pHmetria esofágica

A pHmetria é utilizada para avaliar a exposição do esôfago à acidez


do conteúdo gástrico, por meio da medida da frequência e da duração
dos episódios de refluxos ácidos ocorridos durante 24 horas. O
principal índice avaliado é a porcentagem do tempo em que o pH
esofágico é superior a 4, também chamado índice de refluxo. A
pHmetria esofágica era considerada o padrão-ouro para o
diagnóstico de RGE, mas estudos têm demonstrado várias
limitações, incluindo problemas com sensibilidade, especificidade e
tolerabilidade do método, assim, como sua incapacidade para
registrar refluxos não ácidos.
Figura 22.4 - Traçado do estudo da pHmetria
Nota: traçado do estudo da pHmetria de 24 horas correlacionando os valores do pH
obtidos com a posição do paciente (supina), as refeições e os respectivos horários do dia.
Fonte: Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição, 2019.

22.6.1.5 Impedanciometria intraluminal acoplada a sensor de


pHmetria

A impedanciometria intraluminal esofágica acoplada ao sensor de


pH (Figura 22.5) é o método mais recente e promissor para o
diagnóstico de DRGE, pois detecta todo o fluxo do conteúdo
intraesofágico, seja gasoso, líquido ou sólido, identificando refluxos
ácidos e não ácidos, além do tempo e extensão do refluxo. Ainda não
é amplamente usada, porém, estudos mostram excelente correlação
clínica.
A associação de impedanciometria a pHmetria esofágica,
impedâncio-pHmetria, tem sido a técnica preferencial para medir os
RGEs ácidos, fracamente ácidos e não ácidos, além de identificar a
natureza física: líquido, gasoso, misto.
Figura 22.5 - Cateter de impedâncio-pHmetria esofágica
Nota: há 6 campos de medida de impedância, que caracterizam a ascensão do refluxo, e 1
sensor distal de pH, que aponta se o material refluído é ácido ou não ácido.

22.7 TRATAMENTO
O tratamento de DRGE visa ao alívio dos sintomas, ao ganho
ponderoestatural adequado, à cura da esofagite e à prevenção de
complicações respiratórias ou outras complicações que possam estar
associadas ao quadro.
22.7.1 Refluxo fisiológico do lactente
O primeiro passo é conscientizar a família de que esse quadro é
benigno e, apesar de ter pico de piora por volta dos 4 meses de vida,
tende a diminuir em frequência e intensidade aos 6 meses, até se
resolver por volta de 1 ano de vida. Deve-se enfatizar que o uso de
medicamentos é desnecessário.
Com relação a orientações posturais, após as mamadas o lactente
deve ser mantido por cerca de 30 minutos em posição vertical para
facilitar o esvaziamento gástrico e permitir a eructação. Durante o
sono, o lactente deve ficar em decúbito dorsal com a cabeceira
elevada de 30 a 40 graus. Lembrar que a posição prona ou decúbito
lateral esquerdo não são recomendadas por maior risco de morte
súbita.
Recomenda-se corrigir as técnicas de mamada para os lactentes em
aleitamento materno exclusivo, mantendo a livre demanda, porém
reduzindo o tempo de sucção não nutritiva.
Para os lactentes que recebem fórmula infantil, a melhor medida é o
espessamento das fórmulas e fracionamento da dieta. O uso de
fórmulas antirregurgitação reduz o número de episódios e o volume
dos refluxos, no entanto, não tem efeito na DRGE.
22.7.2 Doença do refluxo gastroesofágico nos
lactentes
Quando há uma forte suspeita clínica de DRGE, após realizar todas as
orientações já citadas no refluxo fisiológico, a medida terapêutica
preconizada é a exclusão da proteína do leite de vaca da dieta por 2 a
4 semanas, preferencialmente, por exclusão da proteína do leite da
dieta materna, ou introdução de fórmula extensamente hidrolisada
ou de aminoácidos livres. Essa conduta se justifica, pois os sintomas
de alergia se sobrepõem aos de DRGE em lactentes jovens. Em geral,
com a exclusão da proteína do leite de vaca, há melhora dos
sintomas em 24 horas; deve-se manter a dieta por 14 dias, e realizar
a reexposição, para confirmação diagnóstica. Se novamente houver
piora, o diagnóstico é confirmado, e a criança deve permanecer sem
exposição à proteína do leite de vaca até pelo menos 1 ano de idade,
média etária de quando os pacientes desenvolvem boa tolerância a
ela.
A tentativa de uso de dieta hipoalergênica serve, por um curto
período, para excluir ou confirmar o diagnóstico de alergia à
proteína do leite de vaca, antes de passarmos à farmacoterapia.
A combinação de volume de dieta modificado, fórmula extensamente
hidrolisadas para lactentes, medidas posturais e não exposição ao
fumo pode melhorar os sintomas em cerca de 24% a 59% dos
lactentes com a doença.
O tratamento medicamentoso é reservado para os casos em que não
há resposta às medidas posturais e dietéticas, e naqueles em que os
sintomas são mais graves, com dificuldade alimentar, desaceleração
do ganho ponderal e, ou comprovação de esofagite no exame
endoscópico com biópsia. A esofagite erosiva em lactentes nos
primeiros meses de vida é mais rara, exceto nos casos
acompanhados de comorbidades, tais como atrésia de esôfago,
doenças neuromusculares, fibrose cística ou doença respiratória
crônica. Os medicamentos usados são:
1. Inibidores da bomba de prótons: atuam na esofagite, mas não no
refluxo propriamente dito. Incluem omeprazol, esomeprazol,
lansoprazol, pantoprazol, rabeprazol e dexlansoprazol. Omeprazol e
esomeprazol são aprovados pela Food and Drug Administration para
uso a partir de 1 mês de vida. Estão indicados nos pacientes com
esofagite erosiva, estenose péptica ou esôfago de Barrett. São a
medicação de escolha para realizar bloqueio ácido. A melhor
apresentação para a Pediatria são os comprimidos dispersíveis
(MUPS);
2. Antagonistas do receptor H2 de histaminas: incluem cimetidina,
ranitidina e famotidina. A dose inicial preconizada é de 5 mg/kg/dose a
cada 12 horas, com bom efeito nas primeiras semanas de tratamento,
porém, com perda da ação ao longo do tempo (taquifilaxia), e são
menos eficazes do que os bloqueadores de bomba de prótons. Não
tem boas taxas de cicatrização quando usados em monoterapia nas
esofagites erosivas. Indicados nas DRGEs leves que não se
resolveram com o tratamento conservador ou em lactentes com
esofagite leve;
3. Antiácidos algínicos: promovem proteção momentânea, com alívio
dos sintomas por curto tempo. Não tratam esofagite e podem causar
intoxicação por alumínio, constipação e distúrbios hidroeletrolíticos;
devem ser usados por até 3 dias, no quadro agudo;
4. Procinéticos: aumentam o tônus do esfíncter esofágico inferior,
aceleram o esvaziamento gástrico e melhoram o clearance esofágico.
Alguns pacientes apresentam melhora nos episódios de vômitos e
regurgitação, porém sem redução do número e da duração dos
refluxos ácidos confirmados em pHmetria. A metoclopramida já teve
seu uso suspenso pelo grande número de efeitos colaterais. A
bromoprida, substância muito similar à metoclopramida, possui a
mesma toxicidade e efeitos colaterais, e deve ter seu uso muito
limitado e supervisionado. A domperidona, droga com efeito
procinético moderado, deve ser reservada para pacientes com
gastroparesia por intervalo curto e supervisionado. Seus efeitos
colaterais incluem irritabilidade excessiva, cólica e aumento do
intervalo QT. Não há estudos suficientes na faixa etária pediátrica que
comprovem seu benefício e corroborem o uso.

22.7.3 Doença do refluxo gastroesofágico em


crianças e adolescentes
As medidas não farmacológicas incluem redução do peso, elevação
do decúbito durante o sono, fracionamento da alimentação e não se
alimentar imediatamente antes de deitar. Também deve-se diminuir
a ingestão de chocolates, refrigerantes, pimenta, cafeína, alimentos
gordurosos, bebidas alcoólicas e tabagismo, mesmo que passivo.
Com relação ao tratamento medicamentoso, a escolha é o inibidor da
bomba de prótons. Quando os sintomas são muito característicos,
deve ser iniciado empiricamente por 4 a 8 semanas. Sempre
recomendar o uso pela manhã em jejum, com alimentação 30
minutos após a ingestão da medicação. Em pacientes que persistem
com sintomas noturnos, a dose pode ser fracionada ou um
bloqueador H2 pode ser adicionado à noite. Procinéticos são
somente indicados em pacientes com gastroparesia comprovada.
Caso haja piora dos sintomas, sinais de alarme ou não resposta ao
tratamento medicamentoso, é necessária a realização do exame
endoscópico ou de pHmetria.
22.7.4 Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico deve ser considerado em pacientes cuja
sintomatologia persiste a despeito do tratamento medicamentoso,
especialmente nos portadores de esofagite grave refratária ao uso de
doses maiores de inibidores da bomba de prótons, nos indivíduos
com quadros respiratórios graves e aspirações pulmonares, nas
crianças com encefalopatia e nas crianças que não toleram as drogas
rotineiramente utilizadas para o tratamento da DRGE. A
fundoplicatura de Nissen é o procedimento cirúrgico mais utilizado,
especialmente por videolaparoscopia.
22.8 CONCLUSÃO
Na maioria das vezes, o RGE na infância é uma condição benigna e
deve ser conduzido por meio de orientações dietético-posturais. O
uso de medicamentos deve ser restrito àqueles pacientes
comprovadamente com doença péptica. O uso rotineiro de
medicação em crianças sem necessidade implica sérios efeitos
colaterais.
Quando suspeitar que um
quadro de refluxo não é
fisiológico, e sim uma
doença do refluxo
gastroesofágico?
A doença do refluxo gastroesofágico acontece quando o
refluxo esofágico fisiológico se torna intenso e
sintomático. Há episódios de regurgitação e vômitos
frequentes e intensos, provocando choro, irritabilidade,
recusa alimentar, sintomas respiratórios (pneumonia,
estridor laríngeo), esofágicos (esofagite) ou déficit
ponderal.
Quando suspeitar de
paciente com sarampo e
como conduzir o caso?

23.1 INTRODUÇÃO
As doenças exantemáticas constituem um desafio para o médico,
pois, apesar de haver bastante similaridade entre elas, um erro, ou
mesmo um atraso no diagnóstico, pode trazer sérias consequências
tanto para o paciente, por exemplo, meningococcemia ou gestante
exposta à rubéola, quanto para a comunidade, creches e escolas
infantis. O que se observa de semelhante nessas doenças são os
exantemas ou rashes. As erupções muitas vezes são clinicamente
indistinguíveis, e a identificação do agente etiológico só pode ser
determinado por métodos laboratoriais.
23.2 CONCEITO
Exantema é uma erupção cutânea generalizada aguda, de curta
duração, associada a infecção sistêmica primária. Varia na sua
distribuição, na sua progressão e em algumas características
morfológicas.
23.3 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO
23.3.1 Tipos de exantemas
Podem ser classificados em 2 tipos principais:
1. Rubeoliforme: quando há áreas de eritema entremeadas com
áreas de pele sã. São pequenas maculopápulas eritematosas – 3 a 10
mm;
2. Escarlatiniforme: eritema difuso, puntiforme, uniforme, sem áreas
de pele sã – pele áspera ou também denominada pele anserina.
Normalmente, os exantemas desaparecem à vitropressão.

Figura 23.1 - Exantema rubeoliforme ou morbiliforme

Fonte: Reações cutâneas graves adversas a drogas – aspectos relevantes ao diagnóstico


e ao tratamento - Parte I -anafilaxia e reações anafilactóides, eritrodermias e o espectro
clínico da síndrome de Stevens-Johnson & necrólise epidérmica tóxica (Doença de Lyell),
2004.

Figura 23.2 - Exantema escarlatiniforme


23.3.2 Formato dos exantemas
O formato da lesão pode ser:
1. Pápula: lesão sólida, circunscrita, elevada, menor que 1cm de
diâmetro, causada por processo dérmico, epidérmico ou misto;
2. Mácula: alterações da cor da pele sem relevo ou depressão. Podem
ser divididas em vasculossanguíneas, devido a congestão, dilatação
ou constrição de vasos, ou pigmentares, devido ao extravasamento de
hemácias ou acúmulo de melanina;
3. Vesícula: elevação circunscrita, contendo líquido claro, seroso, que
pode se tornar amarelo, pustuloso, ou rubro, hemorrágico;
4. Bolhas: vesículas maiores;
5. Petéquia: mancha vermelha que não desaparece à vitropressão,
causada pelo extravasamento de hemácias na derme, com até 1cm de
diâmetro. Na sua evolução, torna-se arroxeada e verde-amarelada.

Para facilitar a compreensão, podem-se agrupar as principais


afecções segundo o tipo de exantema ou rash, em infecciosas e não
infecciosas, e tratáveis e não tratáveis, conforme o Quadro 23.1.
Quadro 23.1 - Exantemas

Entre as mais importantes, encontram-se sarampo, escarlatina,


rubéola, eritema infeccioso, exantema súbito, varicela,
mononucleose infecciosa, toxoplasmose, doença de Kawasaki,
síndrome do choque tóxico e meningococcemia.
23.4 SARAMPO
O sarampo é uma condição infecciosa aguda, de natureza viral,
transmissível e extremamente contagiosa, além de caracterizar-se
por ser um exantema maculopapular.
23.4.1 Etiologia
É causado pelo vírus Paramyxovirus, subgrupo Morbillivirus, vírus
RNA não muito resistente fora do organismo. As imunoglobulinas
IgG e IgM estimuladas pela infecção ou vacina aparecem em torno do
décimo segundo ao décimo quinto dia após o surgimento do rash e
atingem o nível máximo do vigésimo primeiro ao vigésimo oitavo
dia. Assim, IgM indica infecção ou vacinação recente, enquanto IgG
indica infecção anterior.
23.4.2 Epidemiologia
O sarampo é uma doença extremamente contagiosa. O vírus
dissemina-se com elevada frequência entre os suscetíveis por
contato direto ou fômites. O contágio se faz por gotículas
contaminadas que entram em contato com as vias aéreas desde 2
dias antes do início dos pródromos até 4 dias após o aparecimento do
exantema. Os reservatórios naturais são o ser humano e os macacos.
Em razão de a vacinação específica ser utilizada de forma rotineira
no calendário básico vacinal, o sarampo manifesta-se, na maioria
das vezes, em crianças ou adultos não vacinados. Raramente
acomete lactentes menores de 6 meses que ainda não receberam a
vacina.
Em 2019, estamos vivenciando aumento significativo no número de
casos de sarampo ao redor do mundo, com caracterização de surtos
em diversas cidades do Brasil. A principal causa atribuída para isso
foi a baixa adesão à vacinação e ao movimento mundial antivacina,
mas há outros fatores que contribuem, como maior deslocamento de
pessoas pelo mundo, e fluxos em aviões, por exemplo. Além disso,
há ainda dúvida quanto a mudanças nas características dos vírus,
visto que há casos em pessoas vacinadas e o curso da doença está
sendo diferente do que no passado, com menor gravidade em grande
parte dos casos. Mas esses aspectos ainda estão em discussão, sem
nenhuma comprovação.
23.4.3 Patogenia
Após a penetração do vírus no organismo, pelas vias aéreas
superiores ou mucosas, ocorre a viremia com proliferação em
tecidos linfáticos, denominada de viremia primária, período de
maior disseminação, período prodrômico, ou seja, antes da
manifestação do exantema. Após 7 a 11 dias, pela progressão da
viremia, instala-se a viremia secundária, acometendo
principalmente pele, conjuntiva e mucosa do trato respiratório. O
achado patológico característico é representado pelas células
gigantes disseminadas.
23.4.4 Quadro clínico
Durante o período de incubação, o vírus provoca viremia primária
que, posteriormente, resulta no aparecimento de febre baixa a
moderada, tosse seca, coriza e conjuntivite. Finalmente, surgem as
manchas de Köplik: pontos branco-acinzentados pequenos e com
discreta hiperemia periférica que surgem à altura dos molares na
mucosa jugal, com duração efêmera, desaparecendo em até 48 horas
após seu surgimento. Aparecem de 1 a 4 dias antes do exantema. A
febre ainda se mantém até 3 ou 4 dias após o surgimento do
exantema, com pico máximo no início do período exantemático
(38,5 a 40,5 °C), com curva térmica bifásica, elevação inicial,
declínio após 24 horas e posterior exacerbação. Sua queda ocorre em
crise ou lise, a partir do terceiro dia do exantema. Febre persistente
após o quarto dia do exantema, o que impõe minucioso exame
clínico à procura de infecção bacteriana secundária.
O quadro clínico é mais exuberante nos 2 dias após o aparecimento
do exantema: febre elevada, exantema difuso, manchas de Köplik
possivelmente presentes, conjuntiva congesta, fotofobia,
lacrimejamento, coriza abundante e tosse produtiva, constituindo a
“fácies sarampenta”.
O exantema é do tipo eritematoso, maculopapular e morbiliforme,
com progressão craniocaudal, iniciando-se na região retroauricular
e no pescoço, evoluindo para região torácica e dorso e, finalmente,
para os membros. Do momento em que o exantema alcança os
membros inferiores e os pés até a remissão dos sintomas, decorrem
em média 2 ou 3 dias, iniciando o esvaecimento pela face, nos casos
em que não há complicações. As lesões exantemáticas evoluem para
descamação furfurácea que, no entanto, poupa pés e mãos.
Figura 23.3 - Exantema eritematoso, maculopapular e morbiliforme do sarampo
Fonte: adaptado de Centers for Disease Control and Prevention.

Figura 23.4 - Manchas de Köplik

Fonte: Centers for Disease Control and Prevention, 1975.

Nas crianças imunossuprimidas, o exantema pode ser petequial ou


purpúrico e são possíveis complicações graves sem associação a
erupção: hepatite, pneumonia e encefalite. Existem outras formas de
apresentação do sarampo com base no seu estado imunológico:
1. Sarampo modificado: Ocorre em pessoas que receberam
gamaglobulina, em lactentes que contam com anticorpos maternos,
imunidade adquirida passivamente, ou naqueles vacinados,
especialmente nos casos de vacinação recente. É mais frequente entre
crianças parcialmente imunes, adolescentes e adultos. Clinicamente,
apresenta pródromos reduzidos ou ausentes com tosse, coriza e febre
discreta. Exantema é mais atenuado, não confluente. Os sinais
característicos, como o sinal de Köplik, são mais discretos ou
ausentes. O contágio é mínimo, e não surgem complicações;
2. Sarampo atípico: É mais comum entre adultos. Há história prévia
de vacinação com vírus morto e infecção pelo vírus selvagem,
exposição ao sarampo natural. Clinicamente os pródromos ocorrem
com 2 a 3 dias de febre elevada, cefaleia e mialgia, sem ou com raras
manchas de Köplik. O exantema evolui no sentido contrário, da
periferia para a direção cefálica. Observa-se, ainda, edema de
extremidades. A pneumonia nodular e a adenopatia hilar podem ser
complicações frequentes. A duração é arrastada, de 2 a 3 semanas;
3. Sarampo vacinal: É reação vacinal à vacina do sarampo, com
aparecimento de febre e rash discreto entre o sexto a décimo segundo
dia após exposição à vacina. Pode ser acompanhado por sintomas
respiratórios. O quadro clínico pode ser indistinguível do sarampo
selvagem, e sua diferenciação seria feita apenas pelo exame de
Proteína C Reativa (PCR), já que a sorologia também não faria
diferenciação, ambos os casos se apresentariam com IgM positivo. É
de curso benigno, não transmissível, sem necessidade de isolamento;

O quadro clínico do sarampo é marcado por


febre, rash, sintomas gripais, conjuntivite,
fotofobia e manchas de Köplik – as manchas de
Köplik muitas vezes estão ausentes, pois seu
período de aparecimento é muito curto.

23.4.5 Diagnóstico
Para o sarampo clássico, o diagnóstico inicial é essencialmente
clínico, do qual se deve suspeitar em todo paciente que apresenta
febre e exantema maculopapular, acompanhado dos seguintes sinais
e sintomas: tosse e, ou coriza, conjuntivite com ou sem fotofobia,
independentemente da idade e da situação vacinal.
A simples suspeita clínica de sarampo é importante para notificação
obrigatória imediata, dentro das primeiras 24 horas, início das
medidas de proteção e bloqueio de surto, definido como 2 ou mais
casos da doença, e isolamento do caso índice
Figura 23.5 - Evolução dos sintomas do sarampo
23.4.5.1 Exames laboratoriais

A confirmação do caso será feita por testes laboratoriais: sorológicos


e isolamento viral em 2 amostras de sangue coletadas com intervalo
de 28 dias.
IgM se torna positivo no 3 terceiro dia após o aparecimento do rash, e
negativa após 30 dias. IgG se torna positivo ao redor do sétimo dia
após o aparecimento do rash, e tem seu pico no décimo quarto dia da
doença. O PCR viral também pode ser detectado ao redor do terceiro
dia após o aparecimento do rash, e tende a negativar entre o sétimo e
o décimo dia da doença.
23.4.5.2 Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial deve incluir todas as doenças


exantemáticas, principalmente rubéola, exantema súbito, infecções
enterovirais ou adenovirais, mononucleose infecciosa e
toxoplasmose. A meningococcemia deve ser diagnóstico diferencial
em algumas formas de apresentação. No entanto, o exantema dessa
doença se caracteriza por seu aspecto petequial e purpúrico.
Para os casos de sarampo que acometem crianças gravemente
desnutridas, deve-se lembrar de comprometimento da imunidade
celular, pois está deprimida nesses pacientes, facilitando as
complicações bacterianas.
23.4.6 Tratamento
O tratamento do sarampo, na ausência de complicações, consiste
basicamente em medidas de apoio clínico e sintomático,
principalmente antitérmicos, repouso ao leito e hidratação
adequada, respeitando a inapetência natural.
23.4.6.1 Vitamina A

A administração de vitamina A mostrou benefício em alguns casos,


com redução da morbimortalidade, sendo indicada pela American
Academy of Pediatrics. A vitamina deve ser utilizada em:
1. Pacientes com idade entre 6 e 24 meses hospitalizados com
complicações: diarreia, pneumonias e outras;
2. Fatores de risco e comorbidade: imunodeficiência, evidências de
hipovitaminose A, cegueira noturna, manchas de Bitot ou xeroftalmia,
doença intestinal, má absorção e desnutrição moderada;
3. Dose: de 6 a 12 meses, 100.000 UI VO em dose única, e maiores
de 12 meses, 200.000 UI também em dose única.

23.4.7 Prevenção
23.4.7.1 Imunização

A vacina tríplice viral – sarampo, caxumba e rubéola (SCR) – é


oferecida pelo Programa Nacional de Imunizações para crianças com
12 meses de vida, seguida de uma dose da vacina tetra viral aos 15
meses, SCR + varicela.
Durante o período de surto as recomendações são revistas e
modificadas com muita frequência. Em agosto de 2019 a
recomendação adotada é:
a) Crianças entre 6 e 12 meses devem receber 1 dose da vacina SCR,
que não contará para o calendário vacinal – devem receber 1 dose
antes de 1 ano de idade mais as doses habituais com 12 e 15 meses.
b) Todos os indivíduos entre 1 e 29 anos de idade devem ter 2 doses
da vacina, com intervalo de 3 meses entre as doses.
c) Todos os indivíduos entre 30 e 49 anos de idade devem ter 1 dose
da vacina, profissionais da saúde com esquema vacinal completo não
devem receber doses extras da vacina.

23.4.7.2 Profilaxia pós-exposição


Situação em que houver contato com caso suspeito ou confirmação
de sarampo, a vacinação de bloqueio deve ser feita em até 72 horas
da exposição, apenas em indivíduos sem esquema vacinal completo.
Os que apresentam esquema completo não devem receber vacinação
de bloqueio. A vacinação de bloqueio é a dose habitual da própria
vacina SCR, e conta como dose no calendário vacinal.
A gamaglobulina pode ser feita até 6 dias após a exposição na dose
de 0,25 mL/kg IM em pacientes de risco com contraindicação à
vacinação, menores de 6 meses, imunodeprimidos e grávidas,
dobrando a dose nos imunodeprimidos.
23.4.8 Complicações
Quando a febre e os sintomas respiratórios do
sarampo não cedem após o quarto dia de
exantema, ou se ocorrer agravamento, deve-se
suspeitar de complicações bacterianas, uma vez
que a mucosa lesada pelo vírus está suscetível à
invasão bacteriana secundária.

As principais complicações do sarampo são otite média, encefalite e


pneumonia viral ou bacteriana.. A pneumonia intersticial de células
gigantes é quase sempre fatal. Otite média aguda, mastoidite,
sinusite e laringite estridulosa podem ser complicações bacterianas
que respondem bem aos antimicrobianos habituais. Outras lesões
das vias respiratórias superiores também podem se fazer presentes
pela própria atividade viral no local.
A miocardite eventualmente pode ser evidenciada por alterações
eletrocardiográficas transitórias. Entre as complicações
neurológicas, a encefalomielite pode ser tanto aguda quanto tardia.
A panencefalite esclerosante subaguda (PEES) é uma encefalite
crônica causada pela infecção persistente do vírus do sarampo no
sistema nervoso central. É absolutamente rara, 1 caso por 100 mil, e,
quando ocorre, atinge crianças que apresentaram curso típico do
sarampo com recuperação completa alguns anos antes das primeiras
manifestações da PEES. O intervalo médio entre a manifestação do
sarampo e da PEES é de 7 a 12 anos, e o quadro típico é progressivo,
inicialmente com alterações de comportamento, chegando à
demência franca. Alterações motoras também podem ser
observadas, bem como convulsões, evoluindo para coma e óbito.
23.5 RUBÉOLA
23.5.1 Etiologia
A rubéola é causada por um vírus de RNA do gênero Rubivirus,
incluído na família Togaviridae. Pode apresentar-se de 2 formas:
rubéola congênita ou pré-natal, quando a transmissão ocorre de
forma vertical durante a gravidez, e rubéola adquirida ou pós-natal,
quando a transmissão acontece horizontalmente.
23.5.1.1 Rubéola congênita ou pré-natal

Embora a maioria dos recém-nascidos (RNs) infectados apresente


forma assintomática, em alguns casos a infecção pode ser grave,
com morte intrauterina ou apresentar a sua forma congênita.
A síndrome da rubéola congênita é uma extensão das sequelas e
depende da época gestacional em que surge a infecção primária
materna. Se a transmissão materno-fetal ocorre nas primeiras 12
semanas de gestação, há 90% de chance de complicações, como
malformações. Essa taxa diminui entre a décima segunda e a
vigésima oitava semana de gravidez. Desse momento até o fim da
gravidez, volta a aumentar, podendo chegar a 100% de transmissão
para o feto.
Quanto antes ocorre a infecção fetal, maiores e mais graves podem
ser as sequelas. Entre elas, a tríade clássica formada por catarata,
surdez neurossensorial e cardiopatia congênita, persistência do
canal arterial, comunicação interventricular, estenose pulmonar. No
entanto, retinopatia, glaucoma congênito, microcefalia,
meningoencefalite e retardo mental também podem ser observados.
O recém-nascido pode manifestar sinais e
sintomas de infecção ativa de rubéola –
plaquetopenia, hepatite ou pleocitose no
líquido cerebrospinal – por manter o vírus no
organismo e, finalmente, transmitir a doença
por excretá-lo durante quase 1 ano em suas
secreções.
Vale lembrar que a rubéola congênita é uma doença crônica e
progressiva, frequentemente silenciosa na sua evolução.
A infecção congênita será discutida em capítulo específico (Infecções
congênitas).
23.5.1.2 Rubéola adquirida

Apresenta período de incubação de 14 a 21 dias após surgir a fase


prodrômica, sendo subclínica em 25 a 40% dos casos.
23.5.2 Quadro clínico
Após o período de incubação, podem surgir sintomas gripais, como
secreção nasal. Logo em seguida, ocorre linfadenopatia
retroauricular, cervical posterior e pós-occipital, dolorosa como em
nenhuma outra doença, que pode perdurar por até 1 semana ou mais
e sempre precede o surgimento do exantema em pelo menos 24
horas.
O exantema tem evolução rápida, bem como sua duração. Inicia-se
na face, progredindo rapidamente para tronco e membros. Muitas
vezes, ao atingir o tronco, já apresenta sinais de esvaecimento na
face e se denomina do tipo segmentar. O tipo mais comum de
exantema é o maculopapular, mas pode se apresentar
escarlatiniforme ou rendilhado como o do eritema infeccioso,
parvovírus B19. A erupção como um todo costuma se esvaecer em até
3 dias do seu início. Quando há descamação, é discreta, e,
eventualmente, ocorre rubéola sem haver o exantema.
Figura 23.6 - Adenopatia cervical na rubéola adquirida em adolescente
Algumas vezes, pode surgir o enantema logo antes do exantema,
cerca de 20% dos casos. O enantema caracteriza-se por manchas
róseas distintas no palato mole, manchas de Forchheimer, que
podem coalescer em 1 única mancha vermelha.
A mucosa faríngea e as conjuntivas podem apresentar-se
discretamente inflamadas, porém, diferentemente do sarampo, não
há fotofobia.
Poliartrite com artralgia, observada em 30% dos adultos, tumefação,
dor à palpação e derrame articular podem acometer qualquer
articulação, no entanto, as pequenas articulações são mais afetadas,
com duração de alguns dias a 2 semanas, não apresentando resíduos
do processo após esse período, na grande maioria das vezes. Essa
manifestação é mais comum em adolescentes e em mulheres
adultas.
A característica mais importante da doença é o aumento do número e
tamanho dos linfonodos, linfadenopatia generalizada.
A transmissão ocorre por meio da inalação de gotículas respiratórias
em suspensão no ar ou pelo contato direto com o caso-índice.
Durante a doença aguda, o vírus está presente nas secreções
nasofaríngeas, no sangue, nas fezes e na urina. O ser humano é o
único hospedeiro natural do vírus e, com a utilização rotineira da
vacina, tríplice viral, a maior incidência tem ocorrido em
adolescentes e adultos suscetíveis.
Figura 23.7 - Evolução dos sintomas
23.5.3 Diagnóstico
Os principais elementos do diagnóstico clínico da rubéola são:
erupção maculopapulosa craniocaudal, duração inferior a 3 dias,
febre baixa ou inexistente e linfadenopatia precedendo o exantema.
Porém, o diagnóstico clínico pode ser difícil por não haver sinais
patognomônicos. Os testes laboratoriais são reservados para grupos
de risco ou pacientes com quadro clínico fora do habitual.
23.5.3.1 Exames laboratoriais

A detecção do agente causal é realizada pela cultura viral e pelos


testes sorológicos para confirmar o aparecimento ou a persistência
dos anticorpos. Deve-se obter soro na fase aguda o mais cedo
possível, após o exantema, e outro em 21 dias.
A dosagem de IgM sérica é um bom critério diagnóstico, pois essa
imunoglobulina M é detectável entre o quinto e o décimo dia após o
exantema, atingindo seu pico entre 20 e 30 dias, quando começa a
decair, desaparecendo aproximadamente após 35 dias, quando
coincide com a subida dos títulos de IgG. Como a IgM não atravessa a
placenta, sua dosagem também é de importância no diagnóstico da
síndrome de rubéola congênita. Ela pode ser detectada durante o
quarto e o quinto mês da gestação e ser produzida durante o terceiro
e o quinto mês após o nascimento, período de replicação viral e,
portanto, de infectividade. Na ausência da IgM, o encontro de títulos
de IgG, 4 vezes maiores no soro do RN em relação ao materno,
também é forte indício de infecção congênita, sendo válida a mesma
regra do aumento de 4 vezes o título para o diagnóstico da forma
adquirida.
A contagem leucocitária sanguínea costuma ser normal ou
levemente reduzida, dificilmente se encontra plaquetopenia, mesmo
nos casos com púrpura.
23.5.3.2 Diagnóstico diferencial

Inclui todas as doenças exantemáticas, quadros alérgicos, inclusive


de origem medicamentosa, e enteroviroses.
23.5.4 Tratamento
Baseia-se no uso de sintomáticos, como antitérmicos e analgésicos,
sem terapia antiviral específica.
23.5.5 Prognóstico
O prognóstico da rubéola na infância, no caso da adquirida, é
excelente, conferindo imunidade permanente. No entanto, já se
descreveram casos de reinfecção, em sua maioria, em indivíduos já
vacinados, sendo raros naqueles que tiveram infecção natural.
23.5.6 Complicações
Complicações são raras, principalmente na infância. Pode ocorrer
encefalite, 1 a cada 6 mil casos, com mortalidade de 20%. Entre os
sobreviventes, sequelas são incomuns. Púrpura trombocitopênica, 1
a cada 3 mil casos, é outra complicação possível.
Há descrição de panencefalite, infecção persistente e progressiva
devido ao vírus da rubéola, contudo, essa doença é raríssima. A
complicação mais temida e mais grave da rubéola é a síndrome da
rubéola congênita.
23.5.7 Prevenção
A medida de prevenção mais eficaz e de baixo custo é o uso da
vacina, que deve ser aplicada aos 12 meses de vida, com reforço aos
15 meses. Em adultos, a segunda dose pode ser realizada até 29 anos
ou 1 dose de 30 a 49 anos.
Gestantes não devem receber a vacina com
vírus da rubéola vivo atenuado (cepa RA 27/3).
Por precaução, mulheres não grávidas
vacinadas contra a rubéola deverão evitar a
gravidez pelo prazo mínimo de 1 mês após sua
administração. Gestantes e suscetíveis devem
receber a vacina logo após o parto, no puerpério
imediato.

Após a vacinação, podem ocorrer sintomas como febre, exantema,


linfadenopatia e artralgia, o que não é de estranhar, já que se trata de
vacina com vírus vivos, ou seja, há replicação viral no indivíduo
vacinado.
23.6 EXANTEMA SÚBITO OU ROSÉOLA
INFANTIL
23.6.1 Etiologia
O exantema súbito, ou roséola infantil, ou sexta doença é causado
pelo herpes-vírus humano tipos 6 (HHV-6) e 7 (HHV-7), um vírus
de DNA de duplo filamento, que compartilha características em
comum com o citomegalovírus humano.
É uma doença típica da fase mais precoce da infância, com pico de
prevalência de 6 a 15 meses, sendo mais comum em menores de 11
meses.
23.6.2 Epidemiologia
A transmissão ocorre a partir de indivíduos portadores e sadios por
meio de saliva ou secreções e penetra no organismo hospedeiro pela
mucosa oral, nasal ou conjuntival. Posteriormente, há replicação do
vírus e subsequente viremia.
23.6.3 Quadro clínico
O quadro clínico mais habitual é a febre sem sinais localizatórios e
sem nenhum outro sintoma, em geral sem piora do estado geral,
com duração de 3 a 5 dias, e após 12 a 24 horas do último pico febril
há aparecimento de exantema maculopapular difuso, com
progressão crânio caudal, com duração de 3 a 7 dias, sem novos picos
febris no período. Pelas altas temperaturas pode cursar com crise
convulsiva febril.
Alguns casos, menos habituais, apresentam período prodrômico
com sintomas respiratórios e alguns picos febril durante a fase
exantemática, mas não é a história típica.
Elementos para o diagnóstico (Passos, 2004):
a) Bom estado geral está presente em 92,7%;
b) Febre presente (> 38°C), de curta duração (< 2 dias);
c) Rash maculopapular em pele sã (77,5%);
d) Início tronco-crânio-extremidades;
e) Frequência respiratória normal (93,1%);
f) Adenopatia (17,8%);
g) Vômitos ausentes (85,2%).

O exantema é tipicamente maculopapular, iniciando-se no tronco


(Figura 23.8) e estendendo-se ao pescoço e à face, e ainda para os
membros, de curta duração, 24 a 72 horas, sem descamação ou com
discreta pigmentação residual. Não costuma ser pruriginoso e não
ocorre nas formas de vesículas ou pústulas. Eventualmente, as lesões
se confluem, mas esse não é o quadro mais frequente.
Figura 23.8 - Exantema súbito
23.6.4 Diagnóstico
O diagnóstico de exantema súbito é clínico, levando-se em conta os
elementos clínicos e principalmente a faixa etária. Pode-se observar
leucocitose inespecífica durante os primeiros dias de febre, mas há
queda no número de leucócitos com o surgimento do exantema.
23.6.4.1 Exames laboratoriais

Testes específicos para a infecção podem ser realizados com


métodos laboratoriais, como a sorologia, imunofluorescência,
cultura viral, detecção de antígenos e PCR, reservado para grupos de
risco ou pacientes com quadro clínico fora do habitual.
23.6.4.2 Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial deve considerar as outras doenças


exantemáticas, principalmente o sarampo e a rubéola, em que pese a
característica de diminuição da febre ao surgimento do exantema.
Não se deve esquecer, também, que algumas drogas podem provocar
reação de hipersensibilidade, cuja manifestação cutânea se confunde
com exantema. Muitas vezes, algum antibiótico é prescrito
indevidamente durante a fase febril do exantema súbito, e, ao surgir
o exantema, atribui-se o quadro à natureza alérgica.
23.6.5 Tratamento
A doença, rotineiramente, tem curso benigno e autolimitado, de
forma que não há indicação de nenhuma terapia antiviral em
crianças sem doença de base. Nesse caso, é indicada a utilização de
antitérmicos.
O ganciclovir tem ação sobre o HHV-6, inibindo sua replicação. Essa
droga pode ser utilizada em casos incomuns de exantema súbito ou
nos casos em que há morbidade significativa, tanto em crianças que
apresentam complicações neurológicas como nas
imunocomprometidas.
O vírus responsável pelo exantema súbito, a exemplo do que ocorre
com outros herpes-vírus, é neurotrópico e, por isso, responsável por
cerca de 1 terço das convulsões febris em lactentes, mesmo quando
não ocorre o exantema durante a evolução da doença.
23.6.6 Complicações
Complicações possíveis, porém, incomuns, são meningoencefalite,
síndrome mononucleose-like e hepatite. Em imunocomprometidos,
podem ocorrer encefalite e pneumonite.
23.7 ERITEMA INFECCIOSO
23.7.1 Etiologia
O eritema infeccioso, ou quinta doença é causado pelo parvovírus
B19, membro da família Parvoviridae, vírus de DNA resistente ao
calor e a solventes. Também é denominado eritrovírus. É
antigenicamente distinto de outros parvovírus que infectam outros
mamíferos, como cães, e, no ser humano, só se propaga em células
derivadas da medula óssea humana, sangue do cordão umbilical ou
em cultura hepática fetal primária. Isso porque necessita de fatores
das células hospedeiras que estão presentes somente em células
estimuladas por eritropoetina.
O parvovírus B19 produz infecção clinicamente expressa por
exantema e crises aplásicas, afeta principalmente crianças de 5 a 15
anos e é transmitido por meio de gotículas grandes, provenientes da
via respiratória, e por excreção viral nasofaríngea. Também pode ser
transmitido em transfusões de sangue e hemoderivados.
23.7.2 Quadro clínico
O eritema infeccioso apresenta período de incubação que varia de 7 a
11 dias, podendo ser de até 28 dias, após o qual há viremia e excreção
viral nasofaríngea. Nesse momento, inicia-se a fase prodrômica com
febre, mal-estar e rinorreia. Em seguida, cerca de 6 a 10 dias após a
inoculação, pode haver manifestação do exantema e de outros
sintomas. É elevada a taxa de ataque em crianças suscetíveis, cerca
de 60%.
Crianças com algum tipo de deficiência da imunidade humoral
apresentam risco aumentado para manifestar aplasia eritroide
crônica, crianças que recebem quimioterapia para leucemia ou
aquelas com imunodeficiência, neutropenia, trombocitopenia e
insuficiência da medula óssea.
O parvovírus B19 pode atravessar a placenta e
causar infecção fetal a partir da sexta semana
de gravidez, causando anemia fetal profunda,
insuficiência cardíaca de alto débito, hidropisia
fetal, aborto e óbito fetal. Nem todas as
infecções são sintomáticas. Pode haver,
também, formas assintomáticas.

A manifestação mais comum da infecção pelo parvovírus B19 é o


eritema infeccioso, clinicamente observável por meio do exantema
autolimitado e benigno. Inicia-se com rubor facial eritematoso, face
“esbofeteada” (Figura 23.9), que se estende ao tronco e partes
proximais dos membros sob a forma de eritema maculoso, ao
mesmo tempo em que há empalidecimento central das lesões
recém-formadas, que passam a apresentar aspecto rendilhado,
forma de “samambaia”. O exantema apresenta períodos de
esvaecimento e de acentuação durante 1 a 3 semanas, após este
período tende a desaparecer sem ocorrer descamação.
Figura 23.9 - Rubor facial eritematoso (face “esbofeteada”)
Em adultos e adolescentes, pode ocorrer artropatia de intensidade
variável, desde discreta rigidez matinal a artrite franca, que se
resolve dentro de 2 a 4 semanas.
Devido ao tropismo por células que recebem estimulação
eritropoética, a infecção pelo parvovírus B19 pode produzir crise
aplásica por parada transitória na produção de hemácias com
contagem de reticulócitos próximo a zero e queda brusca da
hemoglobina sérica. Essa manifestação ocorre durante a viremia. Por
esse motivo, possui período de incubação menor do que o do eritema
infeccioso.
Esse tipo de crise é mais comum em indivíduos que apresentam
anemia hemolítica crônica, como portadores de deficiência de G6PD,
talassemia ou anemia falciforme. Nesses últimos, pode desencadear
crises álgicas e fenômenos vaso-oclusivos.
Figura 23.10 - Eventos virológicos, imunológicos e clínicos após infecção por parvovírus
B19
Fonte: adaptado de Human Parvovirus B19, 2002.

23.7.3 Diagnóstico
O diagnóstico é clínico e pode ser confirmado por exame sorológico,
reservado para grupos de risco ou pacientes com quadro clínico fora
do habitual.
Para o diagnóstico de eritema infeccioso, utilizam-se os seguintes
exames sorológicos: dosagem de IgM anti-B19, melhor marcador de
infecção aguda ou recente. Outras formas de diagnóstico laboratorial
são PCR e hibridização do ácido nucleico. A cultura não é indicada
para detecção viral.
Alterações no hemograma podem ser vistas, como diminuição da
contagem de hemoglobinas e leucócitos e, principalmente, de
reticulócitos (reticulopenia), que podem chegar a níveis não
detectáveis.
Elementos para o diagnóstico:
1. Faixa etária: qualquer idade, com predomínio dos 5 aos 12 anos;
2. Período de incubação: 4 a 14 dias;
3. Pródromos: geralmente ausentes;
4. Manifestações clínicas – ausentes ou inespecíficas: febre,
cefaleia, náuseas e dores articulares;
5. Exantema maculopapular: recorrente, podendo envolver mãos e
pés;
6. Sinal característico: face “esbofeteada” ou fácies “de palhaço”.

23.7.3.1 Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial inclui todas as outras doenças


exantemáticas, principalmente a rubéola e o sarampo, mas deve
também considerar condições como artrite reumatoide juvenil e
lúpus eritematoso sistêmico, bem como outras doenças do tecido
conjuntivo.
23.7.4 Tratamento
O eritema infeccioso é autolimitado, devendo ser usados somente
sintomáticos, inclusive anti-histamínicos quando há prurido
importante. O exantema advém quando a criança é exposta à ação de
estímulos não específicos como estresse e fontes de calor, sol,
banhos quentes, entre outros, ocasionando importante preocupação
para os pais.
Pode ser necessário suporte e eventuais transfusões de hemácias
para pacientes com crise aplástica – em geral pacientes portadores
de anemia falciforme, oncológicos em tratamento quimioterápico e
outras doenças hematológicas.
23.7.5 Prevenção
As medidas de prevenção devem ser direcionadas aos grupos de risco
para evitar o desenvolvimento das formas graves da doença,
gestantes e portadores de anemias hemolíticas crônicas. Nos
pacientes imunocomprometidos, pode-se utilizar imunoglobulina
intravenosa (IgIV), na dose de 2g /kg por 5 dias, havendo
necessidade, em alguns casos, de 2 cursos de IgIV.
A transmissão ocorre durante a viremia. Dessa forma, quando há
manifestação do exantema, a transmissão já deixou de ocorrer,
diferentemente do que acontece no caso da aplasia, na qual o período
de transmissibilidade é simultâneo. Por isso, o isolamento deve
ocorrer só para crianças em crise aplásica, principalmente àquelas
internadas.
23.8 MONONUCLEOSE INFECCIOSA
23.8.1 Etiologia
A mononucleose infecciosa é uma síndrome clínica causada pelo
vírus Epstein-Barr (EBV), um vírus DNA responsável por 80% dos
casos de mononucleose infecciosa. É transmitido principalmente em
secreções orais, como saliva, frequentemente ocorre em creches, nas
quais as crianças rotineiramente põem seus brinquedos na boca.
Também pode ser transmitido por beijo e contato sexual.
O vírus Epstein-Barr é excretado nas secreções
orais por mais de 6 meses após a infecção
aguda.

23.8.2 Patogenia
O primeiro contato com esse vírus normalmente ocorre durante a
primeira infância e muitas vezes a infecção primária é
assintomática, subclínica, ou indistinguível de outras infecções
infantis que cursam com febre. Um terço dos casos ocorre entre
adolescentes ou adultos jovens. Neles, mais de 50% se caracterizam
pela tríade de Hoagland.
#IMPORTANTE
A tríade de Hoagland é composta por faringite
exsudativa, linfadenopatia e esplenomegalia,
que é típica, mas não patognomônica de
mononucleose infecciosa.

Após chegar à mucosa oral do hospedeiro, o vírus infecta células


epiteliais orais, apresentando replicação nestas e lise delas. Com a
liberação de novas unidades virais, há infecção de estruturas
adjacentes como glândulas salivares e viremia concomitante, na qual
os linfócitos B no sangue periférico e de todo o sistema
reticuloendotelial são atingidos. Após a infecção primária, o EBV
permanece latente em células epiteliais orofaríngeas e linfócitos B.
Quando há reativação do vírus, ela é assintomática. Contudo, há
excreção viral intermitente nas secreções orofaríngeas dos
indivíduos infectados.
O EBV está associado a alguns tipos de tumores da orofaringe, como
carcinoma nasofaríngeo, linfoma de Burkitt e doença de Hodgkin,
porém não é considerado o causador desses tumores, pelo menos
diretamente. Pacientes com imunodeficiências adquiridas
secundárias à quimioterapia, imunossupressão ou infecção por HIV
apresentam maior risco de doenças linfoproliferativas associadas ao
EBV.
23.8.3 Quadro clínico
O período de incubação varia de 4 a 6 semanas após a exposição. A
doença pode começar de maneira abrupta ou insidiosa, com cefaleia,
mal-estar, febre, calafrios e dor de garganta intensa. Dor abdominal
pode estar presente nesse período, talvez pelo aumento do baço de
forma rápida. Esses sintomas podem perdurar por 1 a 2 semanas e
constituem o período prodrômico, ao que se seguem as
manifestações típicas da síndrome, que são linfadenopatia
generalizada, esplenomegalia e, de forma menos típica,
hepatomegalia. Os gânglios cervicais anteriores, posteriores e
submandibulares são os mais comumente acometidos, todavia os
inguinais e axilares também podem se apresentar aumentados.
A faringite pode ser observada nesse período após queixa de dor de
garganta e, não muitas vezes, podem-se observar petéquias entre o
palato mole e o duro, assemelhando-se à apresentação da amigdalite
estreptocócica.
#IMPORTANTE
Quando ocorre, o exantema é do tipo
maculopapular. Sabe-se que 80% dos pacientes
com mononucleose que receberam ampicilina
ou amoxicilina apresentarão exantema no curso
da doença, embora não se tenha conhecimento
do motivo de tal apresentação.

Edema periorbitário pode ser observado em 30 a 40% dos casos, o


que se denomina sinal de Hoagland.
O quadro perdura por curto período, de 5 a 7 dias, e se resolve
gradativamente durante as 2 ou 3 semanas seguintes, não resultando
em sequelas na maioria das vezes. O exantema é o primeiro sinal a
desaparecer, em torno de 1 semana após seu surgimento.
Quadro 23.2 - Elementos para o diagnóstico clínico
Figura 23.11 - (A) Exantema maculopapular e (B) orofaringoscopia
Nota: orofaringoscopia mostrando aspecto eritematoso das tonsilas palatinas e edema de
úvula.

23.8.4 Diagnóstico
O diagnóstico é clínico, podendo ser complementado com
hemograma e sorologia para mononucleose (EBV).
23.8.4.1 Testes laboratoriais inespecíficos

1. Hemograma: para o diagnóstico é claramente sugerido pelo quadro


clínico associado à linfocitose atípica, observada no hemograma com
diferencial de celularidade. Na maioria das vezes, há leucocitose de
10.000 a 20.000 células/mm3, sendo que, no mínimo, 2 terços são
linfócitos e, destes, mais de 10% são atípicos. Trombocitopenia de
20.000 a 50.000 plaquetas/mm3 pode ser encontrada em 50% dos
casos;
2. Bioquímica: transaminases e bilirrubinas discretamente
aumentadas.

23.8.4.2 Testes sorológicos específicos

1. Imunofluorescência indireta e ensaio de imunoabsorção ligado


a enzima (ELISA): anticorpos IgM e IgG anticapsídeo viral (anti-VCA),
IgG antiantígenos precoces (anti-EA) e IgG antiantígenos nucleares
(anti-EBNA) são os anticorpos pesquisados para diagnóstico ou
confirmação diagnóstica de casos suspeitos em que o teste de
anticorpos heterófilos foi inconclusivo;
2. Anticorpos anti-VCA: são produzidos na fase aguda em todos os
casos de mononucleose infecciosa com resposta tipo IgM precoce e
transitória, porém detectável laboratorialmente por no mínimo 4
semanas, e IgG detectável do fim da fase aguda em diante, ou seja,
pelo resto da vida. Dos 3 anticorpos descritos, o anti-VCA é o teste
sorológico mais importante e específico para a confirmação
diagnóstica e, na maioria das vezes, suficiente;
3. Anticorpos anti-EA: são produzidos na maioria dos casos, no
entanto podem ou não ser detectados de forma intermitente. Os
anticorpos anti-EBNA são de produção tardia, ou seja, após cerca de 3
a 4 meses após a fase aguda, mantendo-se detectáveis pelo resto da
vida;
4. PCR EBV: pode ser detectado na fase aguda da infecção, e
desaparece ao redor do 10º dia. Pode ser realizado qualitativamente
ou quantitativamente.

23.8.5 Tratamento
A mononucleose infecciosa é uma doença autolimitada, e o
tratamento, como em outras doenças exantemáticas, baseia-se no
uso de sintomáticos. Aos casos de febre, desconforto e dor de
garganta, recomenda-se o uso de paracetamol ou dipirona. Deve-se
hidratar e nutrir bem o paciente.
Deve-se evitar a administração de antibióticos, pois, além de mão
contribuírem para a melhora da doença, penicilina – amoxicilina –
em contato com o vírus EBV dá origem a um exantema
maculopapular eritematoso e disseminado.
23.8.5.1 Sintomas de gravidade

Estridor laríngeo por faringite grave ou obstrução por grandes


adenopatias, desconforto respiratório alto e, eventualmente,
insuficiência respiratória, devem ser tratados com corticoides, dose
única intramuscular e medidas de suporte. Essa apresentação é rara,
e o uso de corticoide não está indicado de forma rotineira no
tratamento da mononucleose.
23.8.5.2 Antiviral

Em casos complicados ou de imunodepressão pode ser utilizado


aciclovir, cuja ação se limita à diminuição da replicação viral e
excreção orofaríngea. Entretanto, não diminui a intensidade ou a
duração dos sintomas.
23.8.6 Complicações
23.8.6.1 Acometimento esplênico
A ruptura do baço é uma complicação grave e temida. Quando ocorre,
manifesta-se por volta da segunda semana da doença e em
associação a traumatismo abdominal, mesmo leve.
23.8.6.2 Acometimento neurológico

Envolvimento neurológico, como ataxia, convulsões, paralisia do


nervo facial, mielite transversa, alteração da percepção de espaço e
tamanho, metamorfopsia ou “Alice no país das maravilhas”, e
síndrome de Guillain-Barré são descritos. Meningite com presença
de células mononucleares no líquido cerebrospinal e encefalite
também podem ser observadas durante a evolução da doença.
23.8.6.3 Acometimento hematológico

Anemia hemolítica e anemia aplásica são complicações raras, porém


descritas.
23.9 VARICELA-ZÓSTER
23.9.1 Etiologia
A varicela ou, como é chamada popularmente, “catapora”, é causada
pela infecção primária do vírus varicela-zóster (VZV). Trata-se de
um herpes-vírus, cujo reservatório é o homem e apresenta
neurotropismo. Por esse motivo, a infecção primária resulta em
infecção latente nas células dos gânglios sensitivos em todos os
indivíduos que apresentam, ou apresentaram, a infecção primária.
A reativação subsequente do vírus latente da
varicela causa herpes-zóster, um exantema
vesiculoso que geralmente exibe distribuição
em dermátomos. O dermátomo acometido
mostra-se extremamente dolorido.
A reativação do VZV latente em crianças sadias e previamente
hígidas não é comum, principalmente nas menores de 10 anos. No
entanto, é possível essa reativação, mesmo que não exista doença de
base ou comprometimento do sistema imunológico.
A transmissão ocorre por meio de secreções respiratórias, líquido
das lesões cutâneas ou por propagação aérea, microgotículas. O
período de incubação é de 10 a 21 dias, tempo em que o vírus se
replica no trato respiratório e, em função disso, ocorre viremia
subclínica breve.
As lesões cutâneas são decorrentes de uma segundo fase virêmica.
Durante o final do período de incubação, há transporte do vírus para
mucosa respiratória e a consequente transmissão antes do
exantema.
23.9.2 Quadro clínico
Ao final do período de incubação, podem ser observados sintomas
inespecíficos, principalmente, entre 24 e 48 horas antes da erupção
das lesões cutâneas, como febre baixa, mal-estar, anorexia e
cefaleia. Logo em seguida, surge exantema, podendo ocorrer
persistência da febre durante os primeiros 3 ou 4 dias de sua
ocorrência. O período de transmissão inicia-se de 24 a 48 horas
antes do surgimento das lesões cutâneas e se estende até que todas
as vesículas tenham desenvolvido crostas, geralmente, de 7 a 9 dias.
As lesões cutâneas começam na face e no couro cabeludo e,
inicialmente, constituem-se de máculas eritematosas intensamente
pruriginosas. A seguir, transformam-se em vesículas com paredes
muito finas que se rompem com facilidade, repletas de um líquido
claro, semelhante à gota de orvalho, ao mesmo tempo em que as
máculas continuam a surgir em sentido craniocaudal. As vesículas
passam a apresentar umbilicação central e turvação após 24 a 48
horas de seu surgimento; segue-se, então, a formação de crosta após
o rompimento das vesículas. A distribuição da lesão é tipicamente
central, com maior concentração no tronco e na face.
#IMPORTANTE
Devido à progressão do tipo da lesão, assim
como ao seu número aumentar de forma rápida
e progressiva, é possível observá-la em
diferentes estágios de evolução em uma mesma
área, muito próximas umas das outras, marca
registrada da varicela, que se denomina
polimorfismo regional – mácula, pápula,
vesícula e crosta (Figura 23.12).

Nos casos secundários, por exemplo, irmãos, em um domicílio, o


exantema, em geral, é mais intenso do que no caso primário.
Figura 23.12 - Pequenas lesões em diferentes estágios de evolução – polimorfismo
regional
23.9.3 Diagnóstico
É meramente clínico, principalmente pela identificação do
polimorfismo regional observado nas lesões cutâneas. Os elementos
para o diagnóstico clínico estão relacionados. Elementos para o
diagnóstico clínico:
a) Erupção papulovesiculosa pruriginosa concentrada no tronco e na
face;
b) Rápida progressão de maculopápula em vesícula e crosta;
c) Lesões em grupos;
d) Presença de úlceras brancas rasas na mucosa da boca;
e) Formação de crostas nas lesões cutâneas.

23.9.3.1 Exames laboratoriais

O hemograma mostra leucopenia típica nas primeiras 72 horas do


exantema, entretanto, hemogramas coletados após esse período
mostram linfocitose relativa ou absoluta. Enzimas hepáticas
também se apresentam elevadas em 75% dos casos.
O diagnóstico laboratorial da presença do vírus é feito por meio da
reação em cadeia da polimerase (PCR) ou mesmo por coloração
imuno-histoquímica direta. Esse diagnóstico pode ser importante a
pacientes de alto risco, como imunodeprimidos. Outros testes, como
cultura e sorologia, não são utilizados para diagnóstico rápido. A
cultura necessita de aproximadamente 7 dias.
23.9.3.2 Diagnóstico diferencial

No caso do impetigo, no início, as lesões cutâneas são vesiculares,


mas evoluem para crosta cor de mel, não aparecem em grupos e não
acometem a mucosa oral. No estrófulo, lesões papulopruriginosas,
sem aspecto vesiculoso, estão relacionadas à picada de insetos. Na
escabiose, as lesões são semelhantes às do estrófulo, mas se
observam túneis entre os dedos pela presença do Sarcoptes scabiei.
23.9.4 Tratamento
23.9.4.1 Sintomático

Em crianças previamente hígidas, o tratamento é sintomático,


devendo ser utilizados antitérmicos, não salicilatos, anti-
histamínicos para prurido e medidas para reduzir as infecções
cutâneas secundárias, como unhas das mãos mantidas curtas e
limpas. Deve-se monitorizar e tratar prontamente qualquer
complicação.
23.9.4.2 Antiviral

O aciclovir é geralmente indicado por via intravenosa a pacientes


com risco de disseminação visceral do VZV. De acordo com a
American Academy of Pediatrics, a terapia com aciclovir:
a) Não é recomendada rotineiramente a crianças saudáveis;
b) Deve ser considerada em adolescentes maiores de 13 anos que não
estejam grávidas;
c) Deve ser considerada em crianças com doenças crônicas cutâneas
ou pulmonares e em uso prolongado de salicilatos ou terapia esteroide;
d) É recomendada em crianças imunocomprometidas, via intravenosa,
nas primeiras 72 horas do aparecimento do exantema;
e) Não é recomendada como profilaxia pós-exposição, pois não
previne nem cura VZV latente.

O tratamento deve ser estendido por 7 dias ou até que decorram 48


horas do surgimento de novas lesões.
A utilização de aciclovir também está indicada no tratamento do
herpes-zóster, ou seja, quando há a reativação do vírus latente. Essa
utilização pode correr pela via oral ou intravenosa, dependendo da
presença de complicações ou não. Em crianças imunodeprimidas, o
herpes-zóster pode se apresentar de forma disseminada e oferecer
ameaça à vida. Nesse caso, recomenda-se o aciclovir intravenoso.
Os possíveis efeitos colaterais do aciclovir incluem náuseas,
vômitos, cefaleia e flebites no local da infusão. Os antibióticos são
indicados nos casos em que há infecção bacteriana secundária na
pele ou outro local, na maioria das vezes por Streptococcus pyogenes
ou Staphylococcus aureus. Nesses casos, pode-se utilizar
cefalosporina de primeira geração, preferencialmente, administrada
por via intravenosa. O reaparecimento de febre também deve chamar
a atenção quanto à infecção.
23.9.5 Complicações
A varicela geralmente tem curso benigno, porém pode apresentar
complicações e ser até fatal, principalmente nos
imunocomprometidos. Algumas complicações podem ser
observadas, como estão discutidas a seguir:
a) Superinfecção bacteriana (Staphylococcus aureus);
b) Fasciite necrosante (Streptococcus beta-hemolítico do grupo A);
c) Síndrome de Reye;
d) Pneumonia;
e) Encefalite ou cerebelite;
f) Hepatite;
g) Ataxia cerebelar aguda;
h) Herpes-zóster;
i) Infecção durante a gravidez: efeito teratogênico e infecção grave no
neonato.

23.9.5.1 Varicela progressiva

Na varicela progressiva, em que há o envolvimento de órgãos


viscerais, coagulopatia, hemorragia grave e manutenção do
surgimento das lesões, pode haver complicações. Além dos sintomas
de sangramento, deve chamar atenção a presença de dor abdominal,
que não ocorre normalmente nos casos de varicela comum. Essa
variante é muito mais comum nos imunossuprimidos de qualquer
motivo.
23.9.5.2 Varicela neonatal

A varicela neonatal é outra complicação da varicela, quando ocorre


em gestantes no intervalo de 1 semana antes ou depois do parto. Os
neonatos em que a varicela materna se manifestou 5 dias antes ou 2
dias após o parto devem receber imunoglobulina contra varicela-
zóster (VZIg). Os prematuros, cuja mãe apresentava varicela ativa
durante o parto, mesmo presente há mais de 5 dias, também devem
receber VZIg. Os casos de varicela neonatal devem ser tratados com
aciclovir intravenoso.
23.9.5.3 Síndrome da varicela congênita

A síndrome da varicela congênita rara ocorre nos casos em que


houve infecção materna pelo VZV durante a gravidez, e o período de
maior risco para lesões no feto acontece entre a oitava e a vigésima
semana. Os estigmas apresentados pelo RN com a síndrome
congênita devem-se ao acometimento do sistema nervoso e de
órgãos que estavam em desenvolvimento no momento da infecção.
Cicatrix é o nome dado a uma espécie de cicatriz em zigue-zague que
tipicamente respeita os limites dos dermátomos. Outras lesões
típicas são a malformação e, ou o encurtamento dos membros.
Catarata e aplasia extensa do cérebro também são descritas.
Figura 23.13 - Natimorto com síndrome da varicela congênita
Nota: observar deformidades importantes nas extremidades.

23.9.5.4 Acometimento do sistema nervoso central

Encefalite e ataxia cerebelar podem ocorrer como complicações


agudas da varicela, podendo se apresentar isoladamente ou de forma
associada, e se caracterizam por sinais de irritação meníngea,
alterações de consciência, ataxia cerebelar, nistagmo e fala
arrastada, entre outras manifestações.
23.9.5.5 Acometimento pulmonar

Pneumonia devido ao vírus da varicela é muito rara em crianças


normais, podendo ocorrer em lactentes com varicela neonatal.
23.9.6 Prevenção

A varicela e suas complicações podem ser


evitadas por meio da vacina, administrada em
todas as crianças a partir dos 12 meses.

Em setembro de 2013, toda a rede pública de saúde passou a receber a


vacina contra varicela incluída na tetra viral, que também protege
contra sarampo, caxumba e rubéola. A vacina é ofertada para
crianças de 15 meses, podendo ser administrada até a idade de 4
anos, 11 meses e 29 dias.
A vacina também pode ser utilizada como bloqueio nos casos em que
o contato ocorreu até 72 horas e está indicada para contatos
intradomiciliares, comunidades fechadas, colégios internos,
creches, enfermarias, entre outros. Crianças de 1 a 12 anos devem
receber apenas 1 dose; já aquelas com 13 anos ou mais devem receber
2 doses com intervalo de 4 a 8 semanas.
Crianças imunocomprometidas, como os transplantados ou
portadores de tumores, além de contactantes domiciliares dessas
crianças e daquelas com HIV, também devem receber vacinação de
bloqueio o quanto antes em caso de risco de infecção.
Em caso de varicela em enfermaria, esta deve permanecer fechada a
novas internações até que decorram 21 dias do caso-índice.
23.9.6.1 Imunoglobulina específica

As medidas preventivas, além da vacinação, incluem imunoglobulina


específica (VZIg), se administrada dentro de 96 horas após
exposição, podendo atenuar ou prevenir a doença. As indicações são:
a) Indivíduos imunocomprometidos sem história prévia de varicela;
b) RN de mãe que apresentou varicela 5 dias antes ou 48 horas após o
parto;
c) Prematuros maior que 28 semanas de gestação ou menor ou igual a
1.000 g, cuja mãe não tem história de varicela, com exposição pós-
natal;
d) Prematuros menores que 28 semanas de gestação, seja qual for a
história materna, com exposição pós-natal;
e) Gestantes suscetíveis de contato domiciliar contínuo ou contato
hospitalar no mesmo quarto.

23.10 DOENÇA “MÃO-PÉ-BOCA”


A doença “mão-pé-boca” é causada pelo Coxsackievirus e é uma
doença benigna, autolimitada, altamente transmissível e sem
tratamento específico.
23.10.1 Etiologia
A doença é causada pelo vírus Coxsackie, da família dos enterovírus.
Esse vírus tem tropismo pelo trato gastrintestinal, e causa
estomatite, lesões aftoides em cavidade oral, herpangina e a própria
síndrome “mão-pé-boca”.
23.10.2 Quadro clínico
A síndrome “mão-pé-boca” é uma doença contagiosa, mais comum
em lactentes e pré-escolares. Há uma fase prodrômica com febre alta
no início do quadro. Após 3 a 5 dias há aparecimento de manchas
vermelhas com vesículas branco acinzentadas centrais que podem
evoluir para ulcerações, dolorosas, em amígdalas, palato e mucosa
jugal. O paciente tem dificuldade para se alimentar e muita
irritabilidade.
Além disso, há o aparecimento de pequenas lesões vesicobolhosas
em palmas das mãos e plantas dos pés. Podem aparecer ainda na
região genital e em nádegas, e pode haver exantema claro e
inespecífico, maculopapular difuso.
Há outros sintomas inespecíficos associados: inapetência, mal-
estar, diarreia.
A doença é autolimitada, com duração de 5 a 7 dias. A manifestação
nem sempre é completa, pode haver apenas lesões orais,
denominada estomatite, ou apenas lesões amigdalianas,
denominada herpangina.
23.10.3 Diagnóstico
O diagnóstico é clínico, sem a indicação de exames laboratoriais.
23.10.4 Tratamento
Não há tratamento específico. Devem ser administrados
sintomáticos, além de isolamento de contato e adequada higiene das
mãos. Oferecer alimentos pastosos e frios é uma medida útil para
facilitar a aceitação oral.
É necessário considerar necessidade de internação nos pacientes
sem aceitação oral, com sinais de desidratação.
23.10.5 Prevenção
Não há vacina nem medidas de bloqueio. A prevenção é feita com
medidas de higiene e isolamento dos pacientes infectados.
23.11 ESCARLATINA
23.11.1 Etiologia
A escarlatina é resultante da infecção bacteriana causada por
estreptococo beta-hemolítico do grupo A –Streptococcus pyogenes –
que produz toxinas eritrogênicas. Existem 3 toxinas eritrogênicas, A,
B e C, e o indivíduo desenvolve anticorpos em relação a cada uma.
Geralmente, os lactentes são menos afetados em função da
existência de anticorpos maternos circulantes, bem como à falta de
receptores faríngeos para fixação estreptocócica. Por esse motivo, a
escarlatina é incomum em menores de 3 anos. Destaca-se,
entretanto, que uma infecção invasiva grave por estreptococo do
grupo A pode ocorrer em qualquer idade.
23.11.2 Patogenia
A transmissão ocorre de pessoa a pessoa, por meio de gotículas de
portadores sadios ou infectados, durante a doença aguda, mais
comumente durante os meses frios e em locais com alguma
aglomeração, como escolas e creches.
Após o contato, o Streptococcus pyogenes adere às células epiteliais
respiratórias e, pela ação das enzimas digestivas extracelulares, há a
propagação da infecção e formação de exsudato com intenso
processo inflamatório local.
23.11.3 Quadro clínico
A escarlatina está mais associada à faringite estreptocócica,
podendo, em raras exceções, acompanhar lesões infectadas de pele.
Os sintomas de escarlatina são de odinofagia, anorexia e má
aceitação alimentar. A febre rotineiramente é elevada e
acompanhada ou não de calafrios, vômitos e cefaleia. Dor abdominal
pode ser encontrada, devido à adenite mesentérica que resulta em
ingurgitamento de gânglios e dor. Adenomegalia cervical e
submandibular também podem ser achados ao exame físico.
O exame das tonsilas revela edema importante, hiperemia e
exsudato purulento. Hiperemia pode estender-se às adjacências,
como úvula e pilares amigdalianos. Petéquias no palato podem ser
vistas em alguns casos. É comum que o paciente se encontre
prostrado, em mau estado geral. Outros sinais característicos:
1. Língua saburrosa: inicialmente, a língua se apresenta
esbranquiçada, evoluindo em 1 ou 2 dias para a língua “em framboesa”
(Figura 23.14);
2. Língua “em framboesa”: a camada esbranquiçada se desprende
após o terceiro ou quarto dia de doença, surgindo hipertrofia e
hiperemia das papilas linguais. Assemelha-se ao aspecto da
framboesa, daí o nome;
3. Exantema escarlatiniforme: o exantema surge de 12 a 24 horas
após o início do quadro e se caracteriza pelo seu aspecto típico,
micropapular, confluente e que confere à pele textura áspera, iniciando
no pescoço e pregas cutâneas e se estendendo ao restante do corpo
em cerca de 24 horas, poupando regiões palmares e plantares;
4. Sinal de Filatov: a palidez perioral contrasta com bochechas
vermelhas e testa hiperemiada;
5. Sinal de Pastia: há petéquias e linhas hiperpigmentadas na
superfície flexora dos braços e nas raízes das coxas;
6. Descamação: após cerca de 5 a 7 dias, inicia-se a descamação,
que pode durar até 3 a 8 semanas, do tipo laminar nas extremidades.

Figura 23.14 - (A) Língua “em framboesa” e (B) exantema micropapular


23.11.4 Diagnóstico
É normalmente clínico, no entanto é possível realizar a cultura de
swab de orofaringe. Porém, como o Streptococcus do grupo A pode ser
habitante comum da orofaringe, o crescimento dessa bactéria na
cultura não significa necessariamente que a infecção se deva a ele.
A faringite pode dever-se a outras bactérias ou mesmo a agentes
virais. Contudo, a apresentação da escarlatina, como descrito, não
deixa muitas dúvidas quanto ao agente etiológico, sendo de rotina o
tratamento com antibiótico.
A recomendação é que seja instituído o tratamento de todas as
crianças com faringite que apresentam resultado positivo de cultura
faríngea ou teste de antígeno rápido para estreptococo do grupo A,
independentemente da apresentação ou não do quadro clássico de
escarlatina.
Figura 23.15 - Caso típico de escarlatina não complicada e não tratada

Notas: o exantema geralmente surge 24 horas após o início da febre e da dor de garganta.
23.11.5 Tratamento
Baseia-se na administração de antibiótico e antitérmico.
23.11.5.1 Antibioticoterapia

O antibiótico de escolha para o tratamento da escarlatina é a


penicilina benzatina. Esta deve ser aplicada na dose de 600.000 UI
para crianças com peso menor que 25 kg e 1.200.000 UI àquelas
acima disso. A penicilina benzatina é capaz de, em 1 única dose,
manter o nível sérico prolongado o suficiente para a eficácia do
tratamento.
Em caso de impossibilidade da utilização de penicilina benzatina,
podem-se usar eritromicina, clindamicina ou até mesmo
cefalosporina de primeira geração. Nesse caso, o tratamento deve se
estender por um período de 10 dias.
Ainda com relação à infecção pelo estreptococo beta-hemolítico do
grupo A, deve-se destacar o risco de desenvolvimento de febre
reumática, muito diminuído por meio do adequado tratamento.
23.11.5.2 Prevenção

Não há vacina ou medidas de bloqueio. A prevenção é feita com o


isolamento do paciente doente até 24 horas após a primeira dose do
antibiótico. Após esse período a doença não é mais transmissível.
23.12 DOENÇA DE KAWASAKI
23.12.1 Introdução
Trata-se de uma vasculite sistêmica aguda em crianças, de origem
desconhecida, envolvendo múltiplos órgãos, incluindo coração, pele,
mucosa, trato gastrintestinal, sistema nervoso central, articulações
e leito vascular periférico.
É uma doença identificável no mundo todo, sendo a principal causa
de doença cardíaca adquirida em crianças nos Estados Unidos. É
infrequente em lactentes com menos de 4 meses de vida,
provavelmente pela existência de anticorpos maternos circulantes,
ocorrendo, em sua maioria, em crianças com até 5 anos. Predomina
em meninas, sendo mais comum em crianças de etnia asiática.
A doença pode cursar com exantema, enantema, congestão
conjuntival e adenopatia cervical.
Os vasos sanguíneos podem ser afetados pela
doença de Kawasaki, com maior frequência os
de médio calibre e, entre estes, a artéria
coronária, principalmente, entre os não tratados
no tempo adequado com imunoglobulinas.

Cerca de 20% desses casos apresentam anormalidades das artérias


coronárias sob forma de aneurismas, trombose coronariana,
estenose, infarto do miocárdio e morte súbita.
23.12.2 Quadro clínico
A febre pode ser elevada e refratária a antibióticos e costuma se
estender por mais de 10 dias, chegando a 2 semanas ou até mais em
casos sem tratamento adequado. Sabe-se que a persistência da febre
está associada a maior risco de coronariopatia.
A congestão conjuntival, os eritemas de mucosas oral e faríngea com
língua “em framboesa”, o eritema e a tumefação de mãos e pés, o
exantema – maculopapuloso, eritema polimorfo ou escarlatiniforme
– que afeta mais intensamente a região inguinal e a linfadenopatia
cervical não supurativa são alguns achados que sugerem fortemente
a doença de Kawasaki. A descamação dos dedos das mãos e dos pés
começa após 1 a 3 semanas depois do início da doença e não poupa
plantas e palmas.
O envolvimento cardíaco é o aspecto mais importante da doença de
Kawasaki e pode se apresentar sob a forma de miocardite, redução da
função ventricular e taquicardia em, no mínimo, 50% dos pacientes.
A pericardite tem maior probabilidade de se desenvolver durante a
fase aguda e os aneurismas das artérias coronárias, por volta da
segunda ou terceira semana, podendo ser observados por intermédio
do ecocardiograma bidimensional.
Dos aneurismas, aqueles com diâmetro interno ≥ 8 mm são os que
apresentam maior risco de trombose, estenose, infarto do miocárdio
e, ou ruptura.
Figura 23.16 - Mucosite da doença de Kawasaki

Figura 23.17 - Principais alterações na doença de Kawasaki


23.12.3 Diagnóstico
23.12.3.1 Critérios diagnósticos

Febre maior que 38,9 °C, por 5 dias ou mais, critério essencial, e, dos
critérios a seguir, a presença de pelo menos 4 dos 5 em associação à
febre confirma o diagnóstico:
1. Conjuntivite bilateral: com injeção bulbar, sem exsudato ou
secreção purulenta;
2. Alterações na mucosa da orofaringe: incluindo hiperemia da
faringe, lábios congestos e, ou secos e fissurados, língua “em
framboesa”;
3. Alterações: nas partes periféricas dos membros, extremidades:
a) Precoce, 7 a 10 dias de doença, como edema e, ou eritema
das mãos ou dos pés na fase aguda;
b) Tardia, 7 a 10 dias, após início da febre, descamação
periungueal na fase subaguda ou extremidades.
4. Exantema: principalmente no tronco, polimorfo, mas não vesiculoso;
5. Adenopatia cervical ≥ 1,5 cm: em geral, linfadenopatia unilateral,
sem supuração.
23.12.3.2 Exames laboratoriais

Nenhum teste laboratorial é patognomônico para a doença de


Kawasaki. Alguns testes não específicos incluem:
1. Fase aguda: aumento da velocidade de hemossedimentação e
PCR;
2. Fase subaguda: aumento das plaquetas e diminuição da
velocidade de hemossedimentação e PCR;
3. Fase de convalescença: normalização dos exames dentro de 6 a 8
semanas.

23.12.3.3 Diagnóstico diferencial

Entre o diagnóstico diferencial da doença de Kawasaki, além das


doenças exantemáticas e da artrite reumatoide juvenil, devem ser
lembradas as reações medicamentosas de hipersensibilidade, que
podem se apresentar como síndrome de Stevens-Johnson.
23.12.4 Acompanhamento
A monitorização quanto ao aparecimento de anormalidades das
artérias coronárias deve ser feita por meio de ecocardiografia
bidimensional, realizada na primeira semana do diagnóstico e
repetida após 2 ou 3 semanas da apresentação clínica da doença.
23.12.5 Tratamento
Durante a doença aguda, os pacientes devem ser tratados com IgIV, 2
g/kg, dose única em infusão contínua por 10 a 12 horas e ácido
acetilsalicílico, em altas doses, o mais cedo possível, de preferência 7
a 10 dias do início da febre, para reduzir as chances de aneurisma
coronariano. O uso do ácido acetilsalicílico na fase aguda deve ser
feito em dose anti-inflamatória, 80 a 100 mg/kg/d, até que a criança
esteja afebril. Posteriormente, deve ser reduzido na fase subaguda
para a dose de antiagregante plaquetário, 3 a 5mg /kg/d, e deve ser
mantido nessa dose enquanto a criança apresentar plaquetose e, ou
alterações coronarianas.
Os pacientes que apresentarem alterações ao ecocardiograma
deverão receber ácido acetilsalicílico indefinidamente e, quando
indicado, essas alterações devem ser abordadas, com a utilização de
bypass ou outra abordagem cirúrgica.
Deve-se considerar a instituição do tratamento
mesmo após o décimo dia da doença de
Kawasaki, em casos nos quais se mantenha a
febre.

23.12.6 Complicações
As principais complicações possíveis referem-se às alterações
cardíacas, como coronariopatia: 50% dos aneurismas das artérias
coronárias regridem espontaneamente em 1 a 2 anos após a doença,
mas podem permanecer alterações funcionais desses vasos.
Aneurismas também foram descritos em outros vasos, e outras
complicações, como alterações oftalmológicas e gastrintestinais,
também podem ocorrer.
Quando suspeitar de
paciente com sarampo e
como conduzir o caso?
O quadro típico de sarampo é caracterizado por febre,
sintomas gripais, exantema maculopapular morbiliforme,
conjuntivite e fotofobia. A maioria dos pacientes não
requer tratamento específico, apenas sintomáticos.
Aqueles com comorbidades ou sinais de gravidade devem
receber vitamina A em altas doses. Deve ser realizada
notificação compulsória frente à suspeita de sarampo, em
até 24 horas, e a vacinação de bloqueio dos contactantes
(ou administração de gamaglobulina para aqueles que não
podem ser vacinados, como menores de 6 anos, gestantes
ou imunocomprometidos). Os que tem cartão vacinal
completo não necessitam de nenhuma medida de bloqueio.
Como classificar a
gravidade da dengue, e
como tratar cada um dos
grupos?

24.1 DENGUE
Dengue é uma doença sistêmica e dinâmica, que tem um amplo
espectro de gravidade, desde quadros oligossintomáticos até
potencialmente fatais. É uma infecção viral, e o vírus é transmitido a
partir da picada do mosquito Aedes aegypti contaminado. O Aedes se
prolifera em água limpa e parada, e por isso a importância de
campanhas de conscientização para higiene ambiental contra o
vírus.
É uma doença exantemática e hemorrágica febril. A gravidade dos
casos se deve principalmente ao extravasamento do líquido para o
meio extravascular e sangramento e, por esse motivo é fundamental
que os casos potencialmente graves sejam reconhecidos de forma
imediata e tratados de forma antecipada e correta.
24.1.1 Quadro clínico
A doença pode ser assintomática, e nesses casos muitas vezes passa
despercebida. Quando sintomática, pode apresentar 3 fases clínicas:
febril, crítica e de recuperação.
A fase febril tem como manifestação febre alta, com duração de 2 a 7
dias, de início abrupto, associado a adinamia, cefaleia, mialgia,
artralgia e dor retro-orbitária. Há exantema em 50% dos casos,
maculopapular, disseminado, que não poupa palpas e plantas. Pode
ou não ser pruriginoso. Pode haver anorexia, náuseas e vômitos
associado.
A fase crítica se inicia com a defervescência da febre, em geral do
terceiro ao sétimo dia da doença, e é neste momento que há
definição se o paciente vai evoluir ou não para a forma grave. Devem
ser pesquisados ativamente os sinais de alarme, que se devem ao
extravasamento plasmático. Os sinais de alarme são:
a) Dor abdominal intensa e contínua;
b) Vômitos persistentes;
c) Acúmulo de líquidos – ascite, derrame pleural ou pericárdico,
edema;
d) Hipotensão postural ou lipotimia;
e) Hepatomegalia – maior que 2 cm do rebordo costal;
f) Sangramento de mucosa;
g) Letargia ou irritabilidade;
h) Aumento progressivo do hematócrito – hemoconcentração – e
plaquetopenia.

A dengue grave é caracterizada pela presença destes sinais,


associado em fases mais tardias ao choque – compensado ou
descompensado. A instalação do choque na dengue é rápida e de
curta duração, podendo levar ao óbito em 12 a 24 horas. O choque
prolongado leva à disfunção de múltiplos órgãos, acidose metabólica
e coagulação intravascular disseminada, podendo levar a
hemorragias e piorando ainda mais o quadro de choque. O
sangramento pode ainda ser decorrente da plaquetopenia decorrente
da própria doença infecciosa, sem correlação com o choque.
Sangramentos podem ser macicços, e os mais graves costumam ser
os de trato gastrointestinal.
Quadro 24.1 - Avaliação hemodinâmica: sequência de alterações hemodinâmicas
Nota: considera-se hipotensão: pressão arterial < 90 mmHg ou pressão arterial média < 70
mmHg em adultos, ou uma diminuição da pressão arterial sistólica > 40 mmHg ou < que 2
desvios-padrão abaixo do intervalo normal para a idade. Pressão de pulso ≤ 20 mmHg.
Fonte: adaptado de Ministério da Saúde, 2016.

Na fase de recuperação há reabsorção gradual do líquido


extravasado, com melhora clínica progressiva. Há normalização do
débito urinário e pode ocorrer rash cutâneo pruriginoso ou não.
24.1.2 Classificação dos grupos de risco
Os pacientes com dengue são classificados em grupos de risco, para
orientação de conduta e redução do tempo de espera no serviço de
saúde.
Classificação de risco de acordo os sinais e sintomas:
1. Azul – Grupo A: atendimento de acordo com o horário de chegada;
2. Verde – Grupo B: prioridade não urgente;
3. Amarelo – Grupo C: urgência, atendimento o mais rápido possível;
4. Vermelho – Grupo D: emergência, paciente com necessidade de
atendimento imediato.

24.1.3 Tratamento
24.1.3.1 Grupo A

Caso suspeito de dengue, ausência de sinais de alarme, sem


comorbidades, grupo de risco ou condições clínicas especiais. São
solicitados exames laboratoriais a critério médico, hidratação via
oral e sintomáticos – não utilizar anti-inflamatórios. O volume de
líquido a ser oferecido varia conforme a idade, e 1 terço deve ser
oferecido em forma de terapia de reidratação oral, e o restante em
água, suco, leite e demais líquidos. A conduta deve ser mantida até
48 horas do paciente afebril. Orientar retorno se houver sinais de
alerta e no dia de defervescência da febre – ou no quinto dia, caso
mantenha o quadro febril.
24.1.3.2 Grupo B

Caso suspeito de dengue, sem sinais de alarme, com sangramento


espontâneo (petéquias) ou prova do laço positiva, menores de 2 anos
ou portadores de doença de base. Devem ser colhidos exames para
avaliação da hemoconcentração e aguardar resultado no serviço de
saúde – em até 2 a 4 horas. Hidratação e sintomáticos como no
grupo A até resultados de exames. Se hematócrito normal, alta com
retorno diário para reavaliação no serviço de saúde. Se o paciente
apresenta sinais de alarme e/ou aumento de hematócrito, é
conduzido como os pacientes do grupo C.
24.1.3.3 Grupo C

Casos suspeitos de dengue com presença de sinais de alarme. Devem


receber hidratação de 10 mL/kg IV na primeira hora do atendimento,
colher hemograma, albumina e transaminases, radiografia de tórax
e ultrassonografia de abdome para avaliar derrames cavitários,
coleta de demais exames conforme necessidade – glicemia, função
renal, eletrólitos. Manter hidratação de 10 mL/kg/h até normalização
do hematócrito (desejável em até 2 horas), e manter hidratação em
leito de observação por pelo menos 48 horas. Se não houver melhora
clínica e laboratorial, o paciente é transferido para o grupo D.
Os exames confirmatórios para dengue são obrigatórios para esse
grupo, mas a conduta independe dos resultados.
24.1.3.4 Grupo D

Caso suspeito de dengue com sinais de choque, sangramento grave


ou disfunção grave de órgãos. São sinais de choque – taquicardia,
extremidades distais frias, pulso fraco e filiforme, tempo de
enchimento capilar lentificado, pressão arterial convergente,
taquipneia, oligúria, hipotensão arterial nas fases tardias.
Deve ser realização expansão volêmica com soro fisiológico 20
mL/kg até 3 vezes, com o objetivo de melhora clínica e do
hematócrito em até 2 horas, internação em leito de UTI por no
mínimo 48 horas e leito de internação até normalização do quadro.
Obrigatória a dosagem de hemograma, transaminases e albumina, e
outros exames de acordo com a clínica do paciente. Devem ser
realizados os exames confirmatórios para dengue, sem necessidade
desses resultados para prosseguir tratamento. Avaliar necessidade
de administração de albumina – se refratariedade do choque ou
hemoconcentração – e transfusões de hemocomponentes. Os
pacientes devem ser reavaliados de forma contínua em relação à
sobrecarga volêmica e necessidade de administração de drogas
vasoativas.
24.1.4 Exames laboratoriais
Os exames confirmatórios para dengue estão indicados apenas nos
grupos C e D – e a conduta independe dos resultados. O Polymerase
Chain Reaction (PCR) viral deve ser solicitado até o quinto dia da
doença, e a sorologia após o quinto dia da doença.
24.1.5 Critérios de alta hospitalar
O paciente precisa preencher todos os critérios a seguir, para que
receba alta hospitalar: estabilização hemodinâmica por 48 horas,
afebril por 48 horas, com melhora clínica evidente, hematócrito
normal e estável por 24 horas e plaquetas maior que 50.000, em
elevação.
Vale lembrar que a dengue é doença de notificação compulsória,
tanto para os casos que requerem internação quanto nos de
tratamento ambulatorial, sob suspeita.
24.1.6 Diagnósticos diferenciais
Há inúmeros diagnósticos diferenciais para a dengue, especialmente
de outras doenças infecciosas. Vale salientar enteroviroses, outras
arboviroses – chikungunya, zika –, doenças exantemáticas –
sarampo, escarlatina, mononucleose, eritema infeccioso, exantema
súbito –, síndromes hemorrágicas febris –leptospirose, febre
amarela, púrpuras –, outras dores abdominais – apendicite, abdome
agudo obstrutivo, pneumonia, meningococcemia.
24.2 ZIKA E MICROCEFALIA
A infecção pelo zika vírus é uma arbovirose, em geral assintomática
ou oligossintomática, que tem como principal repercussão a
microcefalia dos recém-nascidos de mãe que contraíram a doença
durante a gestação. É transmitida pela picada pelo mosquito Aedes
aegypti contaminado. O Aedes se prolifera em água limpa e parada, e
por isso a importância de campanhas de conscientização para
higiene ambiental contra o vírus.
24.2.1 Quadro clínico
Em geral é assintomática, mas quando apresenta quadro clínico
costuma cursar com febre baixa, exantema, artralgia discreta e
hiperemia ocular.
24.2.2 Diagnóstico
Como a doença costuma ser assintomática, o diagnóstico é realizado
por meio de sorologia materna não – está contemplada nas
sorologias de rotina, apenas em caso de sintomas ou epidemiologia.
24.2.3 Tratamento
Não há tratamento para zika; deve ser realizada a prevenção,
especialmente nas gestantes, porque a microcefalia é irreversível. A
prevenção é feita com controle ambiental ao Aedes aegypti, uso de
roupas fechadas, calças compridas e repelente e, se possível, evitar
as áreas de maior risco infeccioso.
24.2.4 Microcefalia
Sabe-se que as malformações congênitas, dentre elas a microcefalia,
têm etiologia complexa e multifatorial, podendo ocorrer devido a
processos infecciosos durante a gestação. As evidências disponíveis
até o momento indicam fortemente que o vírus zika está relacionado
à ocorrência de microcefalias; no entanto, não há como afirmar que
a presença do vírus durante a gestação leva, inevitavelmente, ao
desenvolvimento de microcefalia no feto. A exemplo de outras
infecções congênitas, o desenvolvimento dessas anomalias depende
de diferentes fatores, que podem estar relacionados à carga viral,
fatores do hospedeiro, momento da infecção ou presença de outros
fatores e condições desconhecidos até o momento. Por isso, é
fundamental continuar os estudos para descrever melhor a história
natural dessa doença.
Com base nessas conclusões, desde 13 de março de 2016, passaram a
ser adotadas novas definições, recomendadas pelas Sociedades
Científicas Médicas e por especialistas consultados. Essas definições
foram atualizadas em 4 de março de 2016, pela Organização Mundial
da Saúde (OMS), no documento Assessment of infants with
microcephaly in the context of zika vírus - Interim guidance. Os
novos valores de corte são:
a) RN com menos de 37 semanas de idade gestacional – pré-termo –
apresentando medida do perímetro cefálico menor que – 2 desvios-
padrão, segundo a tabela do Intergrowth, para idade gestacional e
sexo;
b) RN com 37 semanas ou mais de idade gestacional, apresentando
medida do perímetro cefálico menor que 31,5cm para meninas e 31,9
para meninos, equivalente a menos de 2 desvios-padrão para a idade
do RN e sexo, segundo a tabela da Organização Mundial da Saúde;
c) Recém-nascidos microcefálicos devem ter seu acompanhamento de
desenvolvimento neuropsicomotor acompanhado de perto, e devem
ser estimulados com terapias específicas para potencializar ao máximo
seu desenvolvimento –como fisioterapia, fonoaudiologia e terapia
ocupacional.

Quadro 24.2 - Quando notificar?


Fonte: Ministério da Saúde, 2016.

Quadro 24.3 - Diagnóstico diferencial: dengue versus zika


Fonte: adaptado de Ministério da Saúde, 2016.
Como classificar a
gravidade da dengue, e
como tratar cada um dos
grupos?
1. Grupo A: caso suspeito de dengue, ausência de sinais de
alarme, sem comorbidades, grupo de risco ou condições
clínicas especiais. São solicitados exames laboratoriais a
critério médico, hidratação via oral e sintomáticos – não
utilizar anti-inflamatórios. O volume de líquido a ser
oferecido varia conforme a idade, e 1 terço deve ser
oferecido em forma de terapia de reidratação oral, e o
restante em água, suco, leite e demais líquidos. A conduta
deve ser mantida até 48 horas do paciente afebril. Orientar
retorno se houver sinais de alerta e no dia de
defervescência da febre – ou no quinto dia, caso mantenha
o quadro febril;
2. Grupo B: caso suspeito de dengue, sem sinais de alarme,
com sangramento espontâneo (petéquias) ou prova do laço
positiva, menores de 2 anos ou portadores de doença de
base. Devem ser colhidos exames para avaliação da
hemoconcentração e aguardar resultado no serviço de
saúde – em até 2 a 4 horas. Hidratação e sintomáticos
como no grupo A até resultados de exames. Se hematócrito
normal, alta com retorno diário para reavaliação no serviço
de saúde. Se o paciente apresenta sinais de alarme e/ou
aumento de hematócrito, é conduzido como os pacientes
do grupo C;
3. Grupo C: casos suspeitos de dengue com presença de
sinais de alarme. Devem receber hidratação de 10 mL/kg IV
na primeira hora do atendimento, colher hemograma,
albumina e transaminases, radiografia de tórax e
ultrassonografia de abdome para avaliar derrames
cavitários, coleta de demais exames conforme necessidade
– glicemia, função renal, eletrólitos. Manter hidratação de
10 mL/kg/h até normalização do hematócrito (desejável em
até 2 horas), e manter hidratação em leito de observação
por pelo menos 48 horas. Se não houver melhora clínica e
laboratorial, o paciente é transferido para o grupo D. Os
exames confirmatórios para dengue são obrigatórios para
esse grupo, mas a conduta independe dos resultados;
4. Grupo D: caso suspeito de dengue com sinais de choque,
sangramento grave ou disfunção grave de órgãos. São
sinais de choque – taquicardia, extremidades distais frias,
pulso fraco e filiforme, tempo de enchimento capilar
lentificado, pressão arterial convergente, taquipneia,
oligúria, hipotensão arterial nas fases tardias.
Deve ser realização expansão volêmica com soro fisiológico
20 mL/kg até 3 vezes, com o objetivo de melhora clínica e
do hematócrito em até 2 horas, internação em leito de UTI
por no mínimo 48 horas e leito de internação até
normalização do quadro. Obrigatória a dosagem de
hemograma, transaminases e albumina, e outros exames
de acordo com a clínica do paciente. Devem ser realizados
os exames confirmatórios para dengue, sem necessidade
desses resultados para prosseguir tratamento. Avaliar
necessidade de administração de albumina – se
refratariedade do choque ou hemoconcentração – e
transfusões de hemocomponentes. Os pacientes devem ser
reavaliados de forma contínua em relação à sobrecarga
volêmica e necessidade de administração de drogas
vasoativas.
Qual é a conduta inicial
frente a um quadro de
neutropenia febril?

25.1 INTRODUÇÃO
Nas últimas 4 décadas, foram realizados avanços significativos no
tratamento do câncer na infância e na adolescência. Com o
diagnóstico precoce e o tratamento adequado, cerca de 70% dos
acometidos podem ser curados, e a maioria pode alcançar boa
qualidade de vida após o tratamento.
Os cânceres pediátricos diferem dos adultos em relação à célula
progenitora envolvida e os mecanismos de transformação maligna.
Geralmente são as células do sistema sanguíneo e os tecidos de
sustentação que são afetados. Costumam ter crescimento muito
rápido, são mais invasivos, com menor período de latência e melhor
resposta a quimioterapia que os cânceres em adultos. Os tumores
mais frequentes em pediatria são as leucemias, os tumores de
sistema nervoso central e os linfomas.
O câncer corresponde à segunda causa de morte por doença em
crianças e adolescentes de 1 a 19 anos em todas as regiões do Brasil,
perdendo apenas para as causas externas e traumas. As faixas etárias
mais acometidas são as crianças até 5 anos de idade e os
adolescentes, com predomínio no sexo masculino.
Diante da importância do diagnóstico precoce e da morbidade e
mortalidade relacionadas à doença, é fundamental o conhecimento
do assunto.
25.2 LEUCEMIAS
As leucemias são o tipo de câncer mais frequente na infância,
definidas como o grupo de doenças malignas em que anormalidades
genéticas na célula hematopoética originam uma proliferação clonal
desregulada. Com essa proliferação anormal, a medula óssea deixa
de funcionar adequadamente, levando a insuficiência medular –
hemácias, leucócitos e plaquetas. As leucemias linfoides agudas são
as mais comuns na faixa etária pediátrica (75 a 80%), seguidas pelas
leucemias mieloides agudas (15 a 20%). As leucemias mieloides
crônicas são incomuns (2 a 5%).
25.2.1 Leucemia linfoide aguda
25.2.1.1 Manifestações clínicas

Os sintomas iniciais geralmente são inespecíficos. Principais


sintomas iniciais da leucemia linfoblástica aguda:
a) Anorexia;
b) Fadiga;
c) Irritabilidade;
d) Febre baixa intermitente;
e) Dor óssea, principalmente nos membros inferiores – mas pode
ocorrer em qualquer localização – que pode ser intensa e despertar o
paciente durante o sono;
f) Dor nas articulações.

25.2.1.2 Exame físico

Os sinais clínicos ao exame físico estão relacionados à insuficiência


medular e à natureza proliferativa da doença. Principais alterações
no exame físico:
a) Palidez;
b) Apatia;
c) Púrpura ou petéquias;
d) Hemorragia membranomucosa;
e) Linfadenopatia;
f) Esplenomegalia;
g) Hepatomegalia;
h) Sensibilidade excessiva sobre o osso no caso de pacientes com dor
óssea ou articular.

25.2.1.3 Diagnóstico

No sangue periférico, as alterações mais comuns são a anemia e a


trombocitopenia. O número total de leucócitos pode estar normal,
aumentado ou diminuído, e as células leucêmicas, blastos ou
linfoblastos, podem ser inicialmente descritas como linfócitos
atípicos. Após a suspeita inicial, é fundamental examinar a medula
óssea por meio de aspirado – mielograma.
Os achados clássicos no hemograma na
leucemia linfoide aguda são anemia
normonormo, trombocitopenia, leucocitose
com neutropenia e presença de blastos na‐
periferia.

O diagnóstico é, então, definido pela presença, na medula óssea, de


mais de 25% de linfoblastos – avaliado no mielograma. A
imunofenotipagem permite confirmar o diagnóstico e detectar lesão
residual mínima. Após a confirmação da Leucemia Linfoide Aguda
(LLA), é necessário examinar o liquor. Caso sejam encontrados
linfoblastos e a leucometria esteja elevada, trata-se de um quadro de
leucemia meníngea, refletindo um estágio pior da doença. Além do
Sistema Nervoso Central (SNC), outros sítios extramedulares
comuns da doença são os testículos, fígado, rins, linfonodos e baço.
Os tumores derivados de precursores de linfócitos T têm pior
prognóstico.
É importante a realização de radiografia de tórax, para avaliação da
presença de massa mediastinal – mais comum nas leucemias
linfoblásticas T (LLA-T). Este diagnóstico é importante pelo risco de
síndrome de veia cava superior e risco aumentado de síndrome de
lise tumoral.
25.2.1.4 Tratamento

Sem o tratamento efetivo, a doença é fatal. A escolha da terapia


baseia-se no risco clínico calculado de recidiva e varia de acordo com
o tipo de LLA. Os fatores prognósticos mais importantes são idade do
paciente na ocasião do diagnóstico, contagem inicial de leucócitos e
resposta inicial ao tratamento.
Quadro 25.1 - Fatores prognósticos

Ao suspeitar de LLA, o médico não deve prescrever corticosteroides,


pois, eles diminuem a quantidade de blastos. Isso pode atrasar a
confirmação do diagnóstico e o início do tratamento específico. As
crianças com LLA que receberam corticoide antes do diagnóstico são
consideradas de alto risco e recebem tratamentos mais agressivos.
O tratamento específico da LLA é a quimioterapia, que é ajustada ao
grupo risco, e os pacientes têm taxas de sobrevida livre de doença
que variam entre 79 e 82%. O transplante de medula óssea é indicado
em poucas situações, como na recidiva precoce.
25.2.2 Leucemia mieloide aguda
Fatores de risco para o desenvolvimento de leucemia mieloide
aguda:
a) Exposição à radiação ionizante;
b) Agentes quimioterápicos;
c) Solventes orgânicos;
d) Hemoglobinúria paroxística noturna;
e) Síndrome de Down;
f) Anemia de Fanconi;
g) Síndrome de Bloom;
h) Síndrome de Kostman;
i) Síndrome de Shwachman-Diamond;
j) Síndrome de Diamond-Blackfan;
k) Síndrome de Li-Fraumeni;
l) Neurofibromatose tipo 1.

A síndrome de Down está relacionada a risco 20


vezes maior de desenvolvimento de leucemias
agudas em relação à população geral. Leucemia
mieloide aguda megacarioblástica e leucemia
linfoblástica aguda são as leucemias mais
frequentes.

25.2.2.1 Quadro clínico

Os sinais e sintomas estão relacionados, principalmente, à


substituição da medula óssea por células malignas, levando a um
quadro de insuficiência medular secundária. Os sintomas de
deficiência no funcionamento da medula óssea presentes na LLA
também podem fazer parte do quadro clínico da Leucemia Mieloide
Aguda (LMA). O quadro clínico é bastante semelhante à leucemia
linfoide aguda, mas há alguns sinais característicos, listados a
seguir:
a) Nódulos subcutâneos ou “blueberry muffin”;
b) Infiltração da gengiva;
c) Massas - cloromas ou sarcomas granulocíticos.

Figura 25.1 - Nódulos subcutâneos ou “blueberry muffin”

Fonte:: adaptado de Blueberry muffin baby: A pictoral differential diagnosis, 2008.

Figura 25.2 - Cloroma


25.2.2.2 Diagnóstico

O hemograma evidencia anemia normonormo, plaquetopenia,


leucopenia ou, mais frequentemente, leucocitose com mieloblastos
na periferia. Diante da suspeita clínica, o diagnóstico pode ser
confirmado por meio de análise do aspirado da medula óssea
(mielograma). A principal característica é a presença de mais de 25%
das células da medula óssea formada por uma população bastante
homogênea de células blásticas, com características típicas dos
estágios iniciais de diferenciação. Com análises específicas, é
possível identificar a morfologia, anomalias cromossômicas e
mutações genéticas para classificar a doença, determinar o
prognóstico e auxiliar na escolha terapêutica.
25.2.2.3 Tratamento
A quimioterapia agressiva com a combinação de vários agentes
apresenta os melhores resultados, no entanto, as taxas de sobrevida
livre de eventos variam de 25 a 50%. Cerca de 5% dos pacientes têm
infecção ou sangramento que levam a óbito antes que seja atingida a
remissão. O transplante de medula óssea ou de células-tronco
apresenta boa resposta ao tratamento para pacientes com recidiva
ou com doença desfavorável.
25.3 TUMORES DO SISTEMA NERVOSO
CENTRAL
Os tumores de SNC são os 2 tumores em maior frequência na faixa
etária pediátrica, perdendo apenas para as leucemias, ou seja, são os
tumores sólidos mais comuns na faixa etária pediátrica. Sua
etiologia ainda não está totalmente esclarecida. Sabe-se que a
exposição craniana à radiação ionizante aumenta o risco de
desenvolvimento de tumores cerebrais, além dos distúrbios
genéticos, mas a imensa maioria é idiopática. Os sinais e sintomas
variam com a localização, o tipo do tumor e a idade da criança.
Nos primeiros 2 anos de vida, predominam os tumores
supratentoriais. Entre 2 e 10 anos, os infratentoriais são mais
prevalentes. Após os 10 anos, os supratentoriais tornam a ser o tipo
mais frequente. Os tumores da via óptica, da região do hipotálamo,
tronco cerebral e região do mesencéfalo e pineal são mais comuns
em crianças e adolescentes do que em adultos.
Os tumores do SNC podem provocar hidrocefalia consequente à
obstrução do fluxo de liquor. Os sintomas que alertam para a
presença de hidrocefalia são a cefaleia matinal, associada a vômitos,
de início recente ou com mudança nas características, de forte
intensidade, com presença de sinais focais ou outras alterações
neurológicas. No caso de queixa de cefaleia com presença destes
sinais de alerta é indicada a realização de exame de imagem –
tomografia ou ressonância magnética de encéfalo.
25.3.1 Quadro clínico
25.3.1.1 Tumores da região infratentorial

Os tumores localizados nessa região podem cursar com os sinais e


sintomas clássicos: cefaleia, papiledema, náuseas e vômitos.
Torcicolo pode estar associado a herniação da amígdala cerebelar.
Outros sintomas relacionados a tumores nessa região são
borramento visual, diplopia e nistagmo.
Quando localizados no tronco cerebral, os principais sintomas são
paralisia do olhar, paralisias dos nervos cranianos, que podem ser
múltiplas, e déficits do neurônio motor superior, podendo causar
hemiparesia, hiper-reflexia e clônus.
Os principais tumores nessas localizações são os meduloblastomas –
em região de cerebelo – e os gliomas de tronco cerebral.
25.3.1.2 Tumores da região supratentorial

Os tumores localizados nessa região apresentam-se, em geral, com


alterações em apenas um dos lados do corpo. Alterações focais
podem estar presentes, sendo as principais alterações na fala,
fraqueza muscular, convulsões e assimetria nos reflexos. Lactentes
podem manifestar como sintoma a preferência manual.
Os principais tumores deste grupo são os astrocitomas e os
ependimomas.
25.3.1.3 Tumores da região suprasselar

Os tumores com origem nessa região podem se apresentar com


sinais e sintomas relacionados a déficits neuroendócrinos, com
diabetes insipidus, galactorreia, puberdade precoce, atraso na
puberdade e hipotireoidismo. Os principais tumores desse grupo são
os adenomas de hipófise, craniofaringiomas e tumores de células
germinativas.
25.3.2 Diagnóstico
Diante de um paciente com suspeita de tumor cerebral, devem-se
fazer anamnese e exame físico completos, incluindo exame
oftalmológico. O exame de imagem geralmente é a tomografia,
porém, o exame preferencial é a ressonância magnética com
contraste – gadolínio. Dosar os níveis séricos de betagonadotrofina
coriônica humana (beta-HCG) e alfafetoproteína pode ser útil para
diagnosticar tumores de linhagem germinativa.
A análise do liquor é especialmente útil na avaliação de tumores que
podem disseminar-se para as leptomeninges, como é o caso dos
meduloblastomas, ependimoma e tumores de linhagem germinativa.
Porém, caso haja hidrocefalia secundária à obstrução do fluxo
liquórico ou nos casos de tumores infratentoriais, a punção lombar
pode levar a herniação cerebral, o que pode acarretar dano
neurológico importante e até mesmo levar a óbito.
Apesar de a análise do liquor ser importante na
avaliação dos tumores do sistema nervoso
central, a punção lombar não deve ser realizada
em caso de hidrocefalia. Nunca realizar punção
liquórica em suspeita de neoplasia antes de
realizar exame de imagem.

25.3.3 Tratamento
O tratamento, geralmente, inclui cirurgia com ressecção completa
do tumor, quando possível. Associam-se ao tratamento cirúrgico a
quimioterapia e a radioterapia, de acordo com a idade do paciente, o
tipo do tumor e outros fatores.
25.4 LINFOMAS
Os linfomas são o terceiro tipo de câncer mais comum em menores
de 14 anos. Os linfomas de Hodgkin e não Hodgkin apresentam
quadro clínico e tratamento diferentes.
25.4.1 Doença de Hodgkin
A doença de Hodgkin apresenta 2 picos de incidência: o primeiro ao
redor dos 20 anos, e o segundo, após os 50 anos. Raramente é
observada antes dos 5 anos de idade. Além disso, pode ser
influenciada por agentes infecciosos:
a) Herpes-vírus humano tipo 6;
b) Citomegalovírus;
c) Vírus Epstein-Barr.

A célula de Reed-Sternberg é um marcador da doença de Hodgkin,


embora possa estar presente na mononucleose, no linfoma não
Hodgkin e em outras condições. É uma célula grande, com múltiplos
núcleos ou núcleos multilobulados.
Figura 25.3 - Célula de Reed-Sternberg
25.4.1.1 Quadro clínico

O principal sintoma é a linfadenopatia periférica nas regiões cervical


ou supraclavicular com as seguintes características: indolor, firme e
elástica. Na maioria dos casos, há comprometimento do mediastino.
A doença é classificada de acordo com os subtipos histológicos em
predomínio linfocitário, celularidade mista, depleção linfocitária e
esclerose nodular. Os sintomas sistêmicos são classificados como
sintomas B e são importantes no estadiamento. Sintomas B na
doença de Hodgkin:
a) Febre diária inexplicável acima de 38 °C;
b) Perda de peso de mais de 10% do peso corpóreo em 6 meses;
c) Sudorese noturna profusa.

Outros sintomas que aparecem com menor frequência e não


apresentam significado prognóstico são: prurido, letargia, anorexia
e dor que piora com a ingestão de álcool. Alterações no sistema
imune também podem estar presentes e permanecer mesmo após o
tratamento.
25.4.1.2 Diagnóstico

As causas mais comuns de adenopatia são infecciosas ou reacionais.


Os linfonodos que chamam a atenção para quadro potencialmente
maligno, e que devem ser biopsiados para diagnóstico são aqueles
grandes – maiores de 1,5 cm – persistentes mesmo após tratamento
adequado, que mantém crescimento após 4 semanas ou que não
regridem após 8 semanas, e que têm como características firmes,
endurecidos, indolores, aderidos a planos profundos linfonodos em
cadeias supraclaviculares, também são suspeitos de malignidade, e
devem ser submetidos à análise. Linfonodos dolorosos e com sinais
flogísticos são mais sugestivos de quadro infeccioso.
É fundamental que qualquer paciente com linfadenopatia suspeita,
com as características acima, seja submetido à biópsia. É importante
a realização de radiografia de tórax para identificação de massa
mediastinal, pelo risco de presença de massa, causando síndrome de
veia cava superior.
Figura 25.4 - Massa mediastinal anterior em paciente com doença de Hodgkin

Legenda: (A) antes do tratamento e (B) após 2 meses de quimioterapia, em que se nota o
desaparecimento da massa.
Fonte:: Nelson Textbook of Pediatrics, 2019.

Ao realizar a biópsia, para garantir a obtenção de tecido adequado, é


preferível que seja feita a excisão em vez de biópsia com agulha. O
material pode ser analisado por meio de microscopia óptica,
imunohistoquímica, estudos moleculares e análise citogenética.
Após a confirmação do diagnóstico de doença de Hodgkin, devem-se
fazer o estadiamento e a escolha do tratamento. A avaliação do
paciente deve incluir anamnese e exame físico completos, além de
exames de imagem, incluindo radiografia de tórax. Os exames
complementares laboratoriais mais importantes na avaliação inicial
são hemograma completo, velocidade de hemossedimentação e nível
sérico de ferritina, que apresenta significado prognóstico.
25.4.1.3 Tratamento

O tratamento é feito com quimioterapia, que pode ser associada a


radioterapia. Os fatores que influenciam o tratamento são o estágio
da doença, a idade na ocasião do diagnóstico, a presença ou ausência
de sintomas B e a presença de linfadenopatia hilar ou doença nodal
volumosa.
25.4.1.4 Prognóstico e recidivas

O principal fator prognóstico não é o subtipo histológico, e sim o


estadiamento da doença. Pacientes com doença em estágio inicial
apresentam sobrevida livre de doença de 85% a 90% e sobrevida em
5 anos de 95%. A presença de sintomas B confere pior prognóstico.
As recidivas são possíveis, e a maioria acontece nos primeiros 3 anos
após o diagnóstico, mas já foram relatadas até 10 anos após a doença
ter sido diagnosticada. O prognóstico após a recidiva depende do
tempo entre o fim do tratamento e a sua ocorrência, o local,
linfonodo ou extranodal, e a presença de sintomas B na recidiva.
25.4.2 Linfoma não Hodgkin
O Linfoma Não Hodgkin (LNH) corresponde a 60% dos linfomas em
crianças e é a segunda neoplasia mais comum em pacientes de 15 a
35 anos. Na maioria dos casos, não há uma etiologia identificada,
porém, uma menor parte dos casos está relacionada a
imunodeficiências hereditárias ou adquiridas ou síndromes
genéticas. Os LNHs na Pediatria são quase sempre de alto grau de
malignidade. De acordo com a sua origem celular, são hoje
classificados, conforme a Organização Mundial da Saúde, em 3
subgrupos:
a) Linfomas de células B – Burkitt e difuso de grandes células;
b) Linfomas linfoblásticos T e pré-B;
c) Linfomas de grandes células anaplásicos.

25.4.2.1 Quadro clínico

Os sinais e sintomas dependem do subtipo de LNH e das regiões


comprometidas.
Quadro 25.2 - Principais características clínicas de cada subtipo
As 3 manifestações clínicas que requerem intervenção especial são:
1. Síndrome da veia cava superior: pode ser secundária a massa
torácica volumosa e levar à obstrução do fluxo sanguíneo ou das vias
respiratórias;
2. Paraplegia aguda: pode ser consequente à compressão da medula
ou do SNC pelo LNH;
3. Síndrome da lise tumoral: decorrente de lise maciça das células
tumorais. Pode cursar com graves alterações metabólicas, incluindo
hiperuricemia, hiperfosfatemia, hipercalemia e hipocalcemia.

25.4.2.2 Diagnóstico

A biópsia do tecido tumoral é fundamental para o diagnóstico. O


material deve ser examinado com citometria de fluxo, que determina
a origem imunofenotípica – células T, B ou nulas – e com
citogenética. Os demais exames que auxiliam no diagnóstico são
hemograma completo, análise bioquímica, funções renal e hepática,
punção lombar, radiografia de tórax e tomografia computadorizada
da região cervical, tórax, abdome e pelve.
25.4.2.3 Tratamento e prognóstico

A base do tratamento é a quimioterapia. A cirurgia é feita


principalmente para diagnóstico, pois, a doença é sistêmica. Na
maioria dos casos de LNH na infância e na adolescência, o
prognóstico é bom. Pacientes com doença localizada e diagnóstico
precoce apresentam de 90 a 100% de chances de sobrevivência.
25.5 MASSAS ABDOMINAIS (TUMOR
DE WILMS, NEUROBLASTOMA)
25.5.1 Neuroblastoma
O neuroblastoma (NB) é um câncer com apresentação clínica
variada, originado nas células embrionárias do sistema nervoso
periférico. No curso da doença, o tumor pode regredir
espontaneamente, ou pode haver casos em que não há resposta ao
tratamento.
Dentre os tumores sólidos de localização fora do crânio, o NB é o
mais comum. É também a malignidade mais comum nos lactentes,
com uma idade média de diagnóstico de 2 anos, além de ser o tumor
mais frequente no período neonatal. Cerca de 90% dos casos são
diagnosticados antes dos 5 anos.
O neuroblastoma acomete principalmente os
lactentes.

O fator genético que desencadeia o NB é desconhecido.


25.5.1.1 Quadro clínico

O diagnóstico pode ser um desafio, pois o quadro clínico pode ser


similar ao de diversas doenças. Qualquer local onde houver sistema
nervoso simpático pode ser sítio de desenvolvimento do NB, e os
sinais e sintomas serão reflexos da localização e da extensão da
doença. Os principais locais onde o NB surge são abdome, glândula
adrenal (40%) e gânglios retroperitoneais simpáticos (25%).
Em geral, pode ser palpada uma massa sólida e nodular no flanco ou
na linha média. Ao fazer radiografia simples ou tomografia
computadorizada, podem ser notadas calcificações e hemorragias,
fato que não ocorre no tumor de Wilms, o qual também cursa com
massa abdominal.
A doença metastática ao diagnóstico ocorre em 75% dos casos e pode
provocar os seguintes sinais e sintomas: febre, irritabilidade,
comprometimento do estado geral, dor óssea, nódulos cianóticos
subcutâneos, proptose orbital, equimoses periorbitais – “raccoon
eyes” ou “olhos de guaxinim”.
Figura 25.5 - Equimose e proptose causadas por metástases periorbitais do
neuroblastoma

Fonte:: Nelson Textbook of Pediatrics, 2019.

A disseminação de metástases é mais comum para ossos longos e


crânio, medula óssea, fígado, linfonodos e pele.
Em menores de 1 ano, pode haver uma forma da doença, classificada
como “4S”, que se manifesta com nódulos tumorais subcutâneos,
envolvimento extenso do fígado e tumor primário pequeno e sem
envolvimento ósseo.
Os primeiros sinais e sintomas podem ser neurológicos em uma
minoria dos casos. Quando localizado no gânglio cervical superior,
pode resultar em síndrome de Horner, que cursa com ptose, miose,
enoftalmia e anidrose facial.
A síndrome de Horner em crianças pode ser
secundária a neuroblastoma.

Caso o tumor seja de localização paraespinal, pode invadir o forame


neural e causar sintomas de compressão da medula espinal e da raiz
nervosa. Essa é uma situação que pode constituir uma emergência, e
o tratamento é feito com cirurgia, laminectomia, radioterapia e
quimioterapia.
O NB também pode apresentar-se, inicialmente, com uma síndrome
paraneoplásica de origem autoimune, a opsoclonia-mioclonia-
ataxia, ou síndrome de Kinsbourne, manifestando-se com
opsoclonia, ataxia cerebelar axial e apendicular e mioclonia, com
abalos musculares. A opsoclonia diz respeito a movimentos oculares
rápidos, multidirecionais e anárquicos. Outra síndrome
paraneoplásica deste tipo de tumor é diarreia aquosa intensa e
volumosa, pela secreção de peptídeo vasoativo intestinal (VIP).
Em alguns casos, o tumor pode produzir catecolaminas, e os
sintomas que podem aparecer são sudorese e hipertensão – mas é
raro, o sintoma mais comum em feocromocitoma.
Em todas as crianças com suspeita de NB, devem ser dosados os
produtos da degradação das catecolaminas, a dopamina, o ácido
vanil mandélico e o ácido homovanílico, na urina e, ou no sangue.
Funcionam como marcadores biológicos, normalizando com o
controle da doença e voltando a ficar alterados quando em atividade.
A ultrassonografia, a tomografia e a ressonância são necessárias
para localizar e estadiar o tumor.
25.5.1.2 Tratamento

As estratégias de tratamento mudaram bastante nos últimos 20


anos. O tipo de tratamento é determinado pela idade do paciente,
estágio do tumor e fatores citogenéticos e moleculares.
O tratamento envolve cirurgia, quimioterapia, radioterapia e
modificadores de resposta biológica.
25.5.2 Tumor de Wilms
O Tumor de Wilms (TW), também chamado nefroblastoma, é o
tumor renal mais comum da infância e o segundo tumor do
retroperitônio. Os locais de metástase mais frequentes são pulmões,
linfonodos regionais e fígado.
A maioria dos casos ocorre antes dos 5 anos, e o pico de incidência,
entre 3 e 4 anos. Pode acometer apenas 1 ou ambos os rins, e a
incidência do tumor bilateral é de 7%. A história familiar está
presente em apenas 1% dos casos, a maior parte de ocorrência
esporádica.
As principais anomalias congênitas que podem estar associadas são
hemihipertrofia, aniridia e malformações do trato urinário. As
síndromes raras de Beckwith-Wiedemann (11 p15.5), síndrome
WAGR (TW, aniridia, anomalia geniturinária, retardo mental) e
Denys-Drash (esclerose mesangial difusa, pseudo-hermafroditismo
e TW) também estão relacionadas à maior incidência de TW.
25.5.2.1 Quadro clínico

Geralmente é assintomático, e a massa abdominal é o principal


achado clínico. Se houver presença de sintomas, a tríade clássica é
composta por massa abdominal, hipertensão e hematúria. Em geral,
a mãe nota a massa ao dar banho na criança, ou é percebida durante
a palpação abdominal no exame físico rotineiro. As massas renais
podem se apresentar em diversos tamanhos, em geral são lisas e
duras e podem ultrapassar a linha média.
25.5.2.2 Diagnóstico

Os exames de imagem que auxiliam no diagnóstico são a radiografia


simples, tomografia computadorizada e ressonância magnética, que
podem evidenciar 1 massa ou várias. O diagnóstico patológico é
estabelecido pela obtenção de uma parte do tecido tumoral por meio
de biópsia.
#IMPORTANTE
O tumor de Wilms apresenta-se com uma
massa abdominal que pode ser observada pelo
cuidador da criança durante o banho.
25.5.2.3 Diagnóstico e tratamento

Massa abdominal em criança deve ser considerada maligna até ser


comprovada a origem. Biópsia ou excisão com análise histológica
pode confirmar o diagnóstico. Cirurgia e quimioterapia fazem parte
do tratamento.
25.5.2.4 Prognóstico

A maioria dos casos apresenta prognóstico favorável, com até 90%


de sobrevivência após o tratamento.
Quadro 25.3 - Diagnóstico diferencial: neuroblastoma versus tumor de Wilms

Fonte:: elaborado pelos autores.

25.5.3 Tumores ósseos


O osteossarcoma é o tumor maligno primário ósseo mais comum,
correspondendo a 60% dos casos, seguido pelo sarcoma de Ewing.
25.6 OSTEOSSARCOMA
A fase de maior risco de desenvolvimento de osteossarcoma é o
estirão de crescimento na adolescência. Observa-se que pacientes
com osteossarcoma atingem estatura mais elevada do que o
esperado para a idade. Compromete a porção metafisária dos ossos
longos, principalmente, o fêmur.
25.6.1 Quadro clínico
Inicialmente, os sintomas mais comuns são dor, claudicação e
edema. É comum que eles sejam atribuídos a traumas ocorridos
durante atividades desportivas ou de lazer. É importante que
qualquer dor óssea ou articular com demora em responder às
terapias conservadoras seja investigada.
Ao exame físico, podem-se notar limitação dos movimentos,
derrame articular, sensibilidade e aumento da temperatura local.
Hemograma completo e bioquímica podem estar com resultados
normais, enquanto fosfatase alcalina e desidrogenase láctica podem
apresentar valores elevados.
25.6.2 Diagnóstico
A suspeita de tumor ósseo é forte diante de dor óssea profunda
prolongada que não resolve com analgésicos habituais, podendo
causar despertar noturno, massa palpável e radiografia que
evidencia lesão associada a febre e perda de peso.
#IMPORTANTE
A dor óssea que provoca despertar noturno
pode ser sintoma de osteossarcoma.
Na radiografia, o principal achado é o padrão “em raios de sol”.
Figura 25.6 - Radiografia do fêmur com osteossarcoma com a formação do osso com
aspecto “em raios de sol”
Fonte:: Nelson Textbook of Pediatrics, 2019.

Diante da forte suspeita, o paciente deve ser conduzido a um local de


referência para tratamento de tumores ósseos para realização de
biópsia. Os principais diagnósticos diferenciais são histiocitose,
sarcoma de Ewing, linfoma e cisto ósseo.
25.6.3 Tratamento e prognóstico
A ressecção cirúrgica completa do tumor associada a quimioterapia e
controle da dor são fundamentais para a cura. Nos pacientes com
doença não metastática, a quimioterapia associada a cirurgia tem
boa resposta com taxa de sobrevida livre de eventos em 65 a 75% dos
casos. Já nos pacientes com metástase óssea ou pulmonar, a taxa de
sobrevida cai para 25 a 50% em 5 anos.
25.6.3.1 Sarcoma de Ewing

O sarcoma de Ewing é um sarcoma não diferenciado do osso, que


também pode se originar no tecido mole. Os principais sintomas são
dor, edema, limitação do movimento e sensibilidade sobre o osso ou
o tecido mole acometido. As manifestações sistêmicas são comuns e
incluem febre e perda de peso. O achado radiológico característico é a
lesão óssea primariamente lítica com reação periosteal, chamada
“em casca de cebola”. Pode acometer ossos longos, planos e chatos
com maior frequência nos membros inferiores. A ressonância é o
exame mais indicado para complementar a radiografia.
Figura 25.7 - Radiografia de tíbia em que há elevação periosteal ou lesão “em casca de
cebola”
Fonte:: Nelson Textbook of Pediatrics, 2016.
25.7 RETINOBLASTOMA
Dos tumores intraoculares, é o mais comum na infância e pode
progredir para doença metastática e levar a óbito em até 50% dos
casos, correspondendo a 4% dos tumores malignos na infância. A
idade média de diagnóstico é de 2 anos, e mais de 90% dos casos são
diagnosticados antes dos 5 anos. A maioria dos casos é unilateral.
Pode ser esporádico ou hereditário.
25.7.1 Quadro clínico
O principal sinal é a leucocoria, que é o reflexo pupilar branco. Pode
ser detectada com o auxílio do oftalmoscópio pela ausência do
reflexo vermelho no exame rotineiro do recém-nascido, também
chamado de “teste do olhinho” ou em crianças de qualquer idade.
Outra forma de suspeitar de leucocoria consiste em observar se o
reflexo vermelho não aparece quando a criança é fotografada com
uso de flash.
Figura 25.8 - Leucocoria

Fonte:: J Morley-Smith, 2008.

O estrabismo pode estar presente no início do quadro. Com o avanço


da doença, os sintomas que podem aparecer são déficit visual,
inflamação da órbita, hifema e irregularidade na pupila. A dor,
quando presente, em geral é decorrente de glaucoma secundário.
25.7.2 Diagnóstico
O diagnóstico definitivo é determinado pelos achados oftalmológicos
próprios da doença com retina friável e branco-acinzentada e
calcificação intratumoral. Uma avaliação completa em geral é feita
sob anestesia geral.
Os diagnósticos diferenciais são outras condições que cursam com
leucocoria: persistência hiperplásica do vítreo primitivo, doença de
Coats (telangiectasia retiniana), catarata, granuloma por Toxocara
canis, coloboma coroidal e retinopatia da prematuridade.
25.7.3 Tratamento e prognóstico
O tratamento depende do tamanho e da localização do tumor. A
prioridade é a cura, e preservar a visão é o objetivo secundário. Em
casos em que não há potencial útil para a visão, considera-se a
enucleação, que também pode ser realizada quando não há resposta
ao tratamento ou nos casos recorrentes. Terapia focal, com
fotocoagulação com laser ou crioterapia, radioterapia externa e
quimioterapia são avaliadas para tratamento em cada caso.
É importante que todos os parentes de primeiro grau de crianças
afetadas tenham as retinas examinadas para identificar retinomas
ou cicatrizes retinianas, que podem sugerir uma predisposição ao
desenvolvimento do retinoblastoma.
Quando não há acometimento extraocular e o diagnóstico é feito em
um estágio inicial, as chances de cura podem chegar a 90%. Quando
há metástases, o prognóstico é ruim.
25.8 TERATOMA SACROCOCCÍGEO
Teratomas são um tipo de tumor de células germinativas possível em
diversas localizações, sendo a região sacrococcígea a mais comum, e
acometem mais as meninas. A apresentação ocorre em forma de
massa. Além disso, é mais comum em lactentes e pode ser
diagnosticado no pré-natal.
O índice de malignidade varia de menos de 10% nos menores de 2
meses a mais de 50% nos pacientes com mais de 4 meses de vida.
25.9 EMERGÊNCIAS ONCOLÓGICAS
25.9.1 Infecções
Pacientes em tratamento quimioterápico apresentam maior risco
infeccioso, tanto de acometimento quando de gravidade. Isso ocorre
devido a mielotoxicidade causada pelos quimioterápicos,
neutropenia, e pela mucosite e aumento do risco de translocação das
bactérias intestinais para a circulação. Além disso, são comumente
invadidos por cateteres e sondas, e fazem visitas frequentes ao
serviço hospitalar, o que também aumenta esse risco.
Pacientes oncológicos com quadro febril devem ser orientados a
procurar o serviço médico imediatamente. Devem ser coletados
hemograma, hemocultura central – de todas as vias – e periférica,
PCR, urina 1, urocultura, radiografia de tórax se quadro respiratório
e pesquisa de sítios específicos de acordo com queixa do paciente,
ultrassonografia de abdome se suspeita de tiflite, pesquisa de vírus
respiratórios se quadro gripal, por exemplo.
Os pacientes neutropênicos graves – neutrófilos menores do que 500
ou menor que 1.000 em queda – devem ser internados e devem
receber antibiótico de amplo espectro, com cobertura para Gram
negativos, em especial pseudomonas. A escolha do antibiótico
depende da disponibilidade e da flora hospitalar do serviço. Aqueles
com infecção pulmonar, de pele, relacionada a cateter, diagnosticada
ou presumida, ou com isolamento de agente Gram positivo devem
ter associação dessa cobertura, com vancomicina ou teicoplanina. No
caso de sintomas gastrointestinais, como tiflite ou fissura perianal, a
cobertura antimicrobiana deve contemplar agentes Gram negativos,
Gram positivos e anaeróbios. Em casos de diarreia, recomenda-se a
coleta de pesquisas virais – adenovírus e rotavírus – e da toxina do
Clostridium di cile, e a administração de metronidazol via oral até
resultado deste exame. Atenção: tiflite é a colite no paciente
neutropênico grave.
Nos quadros febris prolongados, com duração maior do que 4 a 7
dias, com neutropenia prolongada, em vigência de antibioticoterapia
de amplo espectro, deve ser pesquisada e tratada infecção fúngica.
Os pacientes que apresentam síndrome gripal – febre em associação
com sintomas respiratórios – devem receber cobertura precoce para
influenza, com oseltamivir. No caso de isolamento de vírus ou
bactérias o tratamento específico deve ser direcionado para eles.
Os pacientes febris não neutropênicos, em bom estado geral, com
cuidadores que compreendem o plano de tratamento e têm
condições sociais de retorno ao serviço de origem em caso de
urgência e reavaliação, após consulta, podem ser tratados com
antibioticoterapia oral, domiciliar, desde que sejam extensamente
orientados quanto aos sinais de alerta para retorno imediato.
25.9.2 Síndrome de lise tumoral
A síndrome de lise tumoral é decorrente da destruição de células
tumorais, com liberação do seu conteúdo intracelular para o meio
intravascular, extracelular. Em geral ocorre no início do tratamento
quimioterápico, em tumores com grandes massas, de rápido
crescimento, alta leucometria e alto turnover celular. Os tumores
que imprimem maior risco à essa síndrome são leucemias agudas
com alta leucometria (> 100.000 leucócitos), linfomas,
principalmente o linfoma de Burkitt e os linfoblásticos com massas
mediastinais.
Nos exames laboratoriais há hiperuricemia, hiperfosfatemia,
hipercalemia, hipocalcemia – devido a formação de fosfato de cálcio
– e piora da função renal.
O tratamento consiste em hiper-hidratação sem potássio,
administração de alopurinol ou rasburicase, hidróxido de alumínio
ou sevelâmer (quelantes de fósforo), garantir boa diurese e balanço
hídrico rigoroso. Em caso de hipervolemia refratária, hipercalemia,
hiperuricemia ou hiperfosfatemia refratárias ou piora progressiva da
função renal a diálise deve ser indicada precocemente. A profilaxia
com hidratação sem potássio e alopurinol deve ser instituída em
qualquer quadro com risco de lise tumoral, mesmo que a síndrome
não esteja instalada.
25.9.3 Hiperleucocitose e leucostase
A hiperleucocitose é definida por leucemias com leucometria >
100.000. Os grandes riscos da hiperleucocitose são a síndrome de lise
tumoral, descrita anteriormente, e a leucostase. A leucostase é a
dificuldade circulatória por aumento da viscosidade sanguínea, e
apesar de poder ocorrer em qualquer leucemia com alta leucometria
é mais comum na LMA. Sua tríade característica é cefaleia,
“borramento” visual e crise convulsiva, mas pode dar uma imensa
gama de sinais e sintomas, a depender do órgão acometido:
alteração de comportamento, infarto agudo do miocárdio,
tromboembolismo pulmonar, insuficiência renal aguda.
O tratamento consiste em medidas de suporte, profilaxia para
síndrome de lise tumoral e início do tratamento quimioterápico, com
objetivo de reduzir celularidade.
25.9.4 Síndrome da veia cava superior
A síndrome da veia cava superior ocorre pela obstrução de retorno
venoso do sangue para o átrio direito, devido à presença de massa
mediastinal. É mais comum em linfomas linfoblásticos T, LLA-T
com massa mediastinal, timoma, teratoma e tumores tireoidianos.
O quadro clínico característico é dispneia com ortopneia, edema e
pletora facial – pior pela manhã, ao levantar-se –, estase jugular e
hepatomegalia. O tratamento consiste em medidas de suporte,
manter o paciente em decúbito elevado, não realizar sedação para o
paciente, profilaxia para lise tumoral e início precoce de
quimioterapia ou radioterapia para redução da massa.
25.9.5 Síndrome de compressão medular
A síndrome de compressão medular ocorre pela presença de massa
paravertebral, com invasão ou não do canal vertebral, que leva à
hipoxemia das terminações nervosas. O quadro clínico varia de
acordo com a altura da compressão, mas classicamente é
caracterizado pelos eventos progressivos, da seguinte maneira: dor e
parestesia em membros → paresia → plegia ou radioterapia precoce.
Entretanto é sabido que a descompressão é uma urgência, já que
quanto maior o intervalo de resolução maior o risco de sequelas
tardias. Para isso, a laminectomia cirúrgica é uma boa opção de
tratamento.
25.9.6 Sangramento
Os pacientes oncológicos, principalmente nos quadros iniciais,
apresentam plaquetopenia e discrasias sanguíneas, inclusive com
risco de sangramento em sistema nervoso central. Todos devem ter
coagulograma e fibrinogênio colhidos, e transfusão de plaquetas,
plasma e crioprecipitado conforme necessidade laboratorial e
clínica.
Qual é a conduta inicial
frente a um quadro de
neutropenia febril?
O paciente deve ser submetido à coleta imediata de
hemograma, hemocultura central e periférica (se houver
cateter venoso central), PCR, urina I, urocultura e demais
exames guiados a partir da clínica. Internação e introdução
imediata de antibiótico de amplo espectro, com cobertura
para Gram negativos (especialmente pseudomonas), de
acordo com a sensibilidade específica da flora hospitalar.
Se sinais de gravidade, suspeita de pneumonia grave,
infecção relacionada a cateter, infecção abdominal ou
perianal associar cobertura para Gram positivo (e, no caso
de infecção abdominal ou perianal, também para
anaeróbio). Se houver síndrome gripal, introduzir de
oseltamivir. Demais antibióticos, antivirais ou antifúngicos
a depender de história e exame físico.
Quando suspeitar de maus-
tratos a crianças e
adolescentes?

26.1 INTRODUÇÃO
A violência constitui atualmente um dos mais graves problemas de
saúde pública. As diversas formas de causas externas são as
principais responsáveis pelas mortes de crianças a partir de 5 anos,
estendendo à adolescência. As mortes violentas estão entre as de
maior peso social, principalmente porque poderiam ser evitadas.
O perfil de mortalidade por violência no Brasil segue a tendência
mundial, em termos de maior concentração nas regiões
metropolitanas e de maior incidência sobre o sexo masculino e no
grupo de adolescentes e jovens. Levando em conta a distribuição das
causas externas segundo o sexo, observou-se que a
sobremortalidade masculina já é evidente na faixa etária de 10 a 14
anos: morreram 2,2 adolescentes do sexo masculino para 1
adolescente do sexo feminino em 2.000. Para a faixa etária de 15 a 19
anos, essa sobremortalidade é bem maior: morrem 6,4 rapazes para
cada moça da mesma idade.
Existe outra importante forma de vitimização, a violência doméstica
ou intrafamiliar que, por ser na maioria das vezes oculta, torna-se
institucionalizada. O médico deve estar atento, pois, muitas vezes,
os maus-tratos vêm acobertados como “medidas educativo-
disciplinares”. A violência doméstica é definida como qualquer tipo
de abuso físico, sexual ou emocional perpetrado por um parceiro
contra o outro em um relacionamento íntimo, passado ou atual, sem
consentimento da vítima. Em um sentido mais amplo, a violência
doméstica refere-se, também, ao abuso de crianças e de idosos no
ambiente doméstico.
Nos Estados Unidos, a televisão tem sido vista como fonte universal
de violência, e esta tem importante impacto sobre a saúde, no
desenvolvimento das crianças e nos aspectos psicológicos, na
medida em que influencia sua visão do mundo e seu lugar nele.
Entretanto, muitas crianças que passaram por maus-tratos
conseguem adaptações diante das dificuldades, possibilitando,
assim, a construção de novos caminhos de vida.
O enfrentamento de situações estressantes e/ou traumáticas de
adaptação afetiva, interpessoal e sexual, por meio do
desenvolvimento de comportamentos adaptativos e adequados,
chama-se resiliência. Podemos resumir esse conceito como a
“capacidade do indivíduo de emergir intacto de experiências
negativas durante a vida” e tem trazido contribuição importante
para a violência contra crianças e adolescentes, particularmente no
que se refere ao abuso sexual.
No Brasil, os maus-tratos recebem atenção pela problemática ao
envolver a criança, a família e a sociedade, causando enormes
transtornos para o país. Um grande passo na garantia de proteção à
infância e à adolescência foi dado em 1988, no texto da atual
Constituição Brasileira que reconheceu, em seu artigo 227, esse
grupo societário como sujeito de direitos, modificando toda a
legislação anterior, que considerava meninos e meninas
propriedades dos pais. Em 1990, o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) regulamentou a Constituição e passou a ter força
de lei, criando as pré-condições para que meninos e meninas fossem
criados de forma mais saudável e respeitosa.
O setor de saúde recebeu um mandato social especial, que consta do
ECA, para atuar nos diagnósticos de maus-tratos: cabe a ele a
obrigação legal de notificação. Os casos de suspeita ou de
confirmação de maus-tratos devem ser obrigatoriamente
comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sendo
considerada infração administrativa, sujeita a multa de 3 a 20
salários de referência, a não comunicação a autoridade competente,
pelo médico ou responsável pelo estabelecimento de atenção à
saúde, dos casos de que tenha conhecimento.
A obrigatoriedade da notificação está assegurada, também, pelo
Conselho Federal de Medicina e por alguns conselhos regionais, a
despeito do receio de muitos médicos que se omitem, alegando
segredo profissional. Não é obrigatória a certeza do diagnóstico de
abuso para a notificação. Deve-se sempre notificar a simples
suspeita.
26.2 MAUS-TRATOS COMO PARTE DA
VIOLÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA
O termo “maus-tratos” é usado como sinônimo da violência social
contra meninos e meninas no interior das famílias ou fora delas. É
definido pela ação ou omissão praticadas pelo indivíduo responsável
pela criança, adulto ou adolescente mais velho que esteja em posição
superior, com o objetivo de causar dor, física ou emocional. As
violências e os acidentes, juntos, constituem a segunda causa de
óbitos no quadro da mortalidade geral brasileira. Inclusive, na idade
de 1 a 9 anos, 25% das mortes são devidas a essas causas. Na faixa
etária de 5 a 19 anos é a primeira causa entre todas as mortes
ocorridas. Ou seja, a gravidade desse problema atinge toda a infância
e a adolescência.
Além disso, as lesões e os traumas físicos, sexuais e emocionais,
embora nem sempre sejam fatais, deixam sequelas em corpos e
mentes por toda a vida. Apesar da enorme complexidade de fatores,
alguns aspectos devem ser lembrados nas causas dos maus-tratos.
Os maus-tratos, quando ocasionam morte, entram na categoria de
morte violenta. Mas na maioria dos casos, apesar de não
ocasionarem óbitos, geram inúmeras sequelas biopsicossociais para
o paciente.
Nem sempre os agressores têm o perfil de doentes mentais. O
estigma de famílias desajustadas e desestruturadas, aplicado àquelas
não organizadas de forma nuclear, com alternância dos parceiros da
mãe, também não é suficiente para justificar todos os casos. O uso de
substâncias psicoativas – pelo perpetrador, pela vítima ou por
ambos – está envolvido em até 92% dos episódios notificados de
violência doméstica. O álcool frequentemente atua como
desinibidor, facilitando a violência – envolvidos em 50% dos casos
de violência sexual –, pelo aumento da agressividade de quem
pratica atos violentos, principalmente, quando está associado a
fatores psicológicos.
A violência doméstica é a forma mais comum de maus-tratos contra
a criança ou adolescente. Geralmente é aplicada dentro do próprio
lar ou no meio do convívio familiar e, por ser infligida por membros
da família, costuma ser acobertada – adultos são cúmplices e não
denunciam – ou silenciada – a vítima não denuncia por medo –, e
dessa forma a violência pode se prolongar por muito tempo.
São fatores de risco para a ocorrência de violência doméstica:
dependência química, antecedente de abuso por parte do agressor,
transtornos psiquiátricos, criança não desejada, desigualdade social,
marginalização, analfabetismo, pais jovens e aceitação da violência
dentro do conceito social.
26.2.1 Diagnóstico
Alguns sinais no exame físico e na anamnese das crianças ou dos
adolescentes abusados podem nos mostrar indícios de violência. São
eles:
a) Lesões que não condizem com o mecanismo de trauma relatado
pelos acompanhantes ou incompatíveis de terem sido acidentais de
acordo com a idade e o desenvolvimento neuropsicomotor da criança,
por exemplo, queda em crianças menores de 1 ano ou queimaduras no
dorso;
b) Atraso entre o momento do “trauma” e a procura por serviço médico;
c) Marcas de lesões em estágios diferentes de cicatrização, que
correspondem a lesões repetidas em tempos diferentes;
d) Lesões em áreas incomuns e em partes do corpo geralmente
cobertas, como genitália, mamas, dorso e pescoço;
e) Mordeduras, queimaduras, lesões bilaterais ou em várias partes do
corpo;
f) Higiene precária e vestuário inapropriado;
g) Hemorragia retiniana, que sugere trauma craniano;
h) Áreas de alopecia do couro cabeludo – podem sugerir puxões de
cabelo, estando os fios adjacentes em vários comprimentos. Ressaltar
lesões de alopecia em occipício, que podem ser causadas por
negligência materna em deixar a criança deitada por muitas horas;
i) Impetigo como lesão única – com menos de 1 cm, pode ser
queimadura de ponta de cigarro;
j) Queimadura nas mãos e nos pés com distinção do nível da lesão por
submersão em água quente – lesão “em bota e luva”;
k) Rodízio de serviços médicos na busca de tratamento após a lesão
corpórea, na tentativa de evitar a suspeição de maus-tratos por um
mesmo serviço médico;
l) Comportamento sexual precoce mostrado em brincadeiras ou
conversas;
m) Infecções sexualmente transmissíveis, como gonorreia, sífilis,
condiloma e AIDS.

26.2.2 Tipos
26.2.2.1 Negligência e abandono

A negligência pode ocorrer por 2 motivos. O primeiro seria por


razões socioeconômicas, quando existe ausência de condições
sociais e culturais mínimas para realizar os cuidados necessários ao
bom desenvolvimento e bem-estar da criança. O segundo motivo
seria a negligência intencional, que pode acontecer em todos os
níveis socioeconômicos e se correlaciona com a desvinculação entre
pais e filhos. Pode ser negligência física – descaso com doenças,
presença de parasitoses, não acompanhamento médico, não realizar
as vacinações – negligência educacional – não efetuar a matrícula
da criança na escola, falta de estímulo e interesse ao aprendizado – e
negligência emocional – não oferecer carinho e afeto, impedir a
socialização e atividades prazerosas, rejeição.
26.2.2.2 Abusos físicos

São intencionais e têm objetivo de lesar a vítima.


Nas injúrias não intencionais, a parte do corpo mais atingida é
sempre a parte frontal do corpo, como a face, áreas extensoras,
palma das mãos e porção anterior dos membros inferiores. Nas
injúrias provocadas intencionalmente, a área acometida pode variar,
e o mecanismo de trauma relatado pelos acompanhantes acaba por
não condizer com as lesões observadas no exame físico. A pele é o
local mais atingido e pode exibir marcas de arranhões, lacerações,
equimoses, marcas de mãos ou objetos, por exemplo: fivela de cinto,
ferro de passar roupa, hematomas e queimaduras. Lesão “em luva”
ou “em bota” é altamente sugestiva de trauma por submersão em
água quente.
Há 2 síndromes principais:
1. Síndrome “do bebê sacudido”: lesões cerebrais;
2. Síndrome “da criança espancada”: diagnóstico clínico e
radiológico.

A síndrome “do bebê sacudido” (“shaken baby”) é uma das formas


mais graves de lesão do sistema nervoso central por violência nas
crianças menores de 2 anos de idade. O cérebro da criança é
submetido a movimentos rotacionais e a forças de aceleração e
desaceleração. Isso faz que a massa encefálica se movimente dentro
do crânio e se choque com a calota craniana, provocando vários tipos
de lesões vasculares e teciduais. São encontradas macro-
hemorragias e micro-hemorragias, rompimento de fibras nervosas,
edema do sistema nervoso central e hemorragia retiniana. Os
sintomas são alteração de nível de consciência, déficits motores,
sonolência e coma, podendo levar, em alguns casos, à morte.
Hemorragia retiniana é sinal indicativo de lesão
encefálica na síndrome “do bebê sacudido”.

Na síndrome “da criança espancada” encontram-se, por exemplo,


fraturas em ossos diversos com diferentes estágios de consolidação,
evidenciando um processo no qual a criança vem sendo
cronicamente espancada.
26.2.2.3 Abuso sexual

Violência sexual ocorre quando há exposição da criança ou do


adolescente a estímulos impróprios para a idade, e o agressor está
em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado.
A violência sexual na infância e na adolescência constitui um
problema mundial e tem a sua incidência estimada na faixa de 6 a
36% em meninas e de 1 a 15% em meninos.
O risco de aquisição do HIV em uma relação sexual com parceiro
infectado está estimado na faixa de 0,1 a 0,3%. Contudo, esse risco
pode ser agravado pela presença de traumatismos e/ou Infecções
Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Além disso, o risco de aquisição
do HIV na infância e na adolescência é considerado potencialmente
maior devido à menor espessura do epitélio vaginal nas meninas e à
ectopia cervical das adolescentes.
Em toda criança ou adolescente vítima de abuso sexual, com suspeita
de intercurso sexual, deve ser realizado o atendimento médico de
urgência, que inclui:
a) Exame físico geral;
b) Coleta e guarda de material biológico encontrado nos genitais ou em
outra parte do corpo;
c) Coleta de sangue periférico para sorologias de sífilis, HIV e
hepatites B e C;
d) Para adolescentes em idade fértil, deve-se realizar anticoncepção
de emergência (Quadro 26.1).
Muitas vezes aquele que pratica o abuso sexual é parte da família ou
do círculo social do menor. Nestes casos considera-se abuso sexual
crônico, e não está indicada a profilaxia para DST. Sorologias e
anticoncepção devem ser realizadas. No caso de abuso por
desconhecido ou forma não crônica está indicada a profilaxia para
DST – drogas antirretrovirais para HIV.
Quadro 26.1 - Drogas utilizadas para anticoncepção

1 A eficácia é sempre maior quanto mais próximos à relação for utilizada a anticoncepção
de emergência.
Fonte:: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pós-exposição (PEP) de
risco à infecção pelo HIV, IST e hepatites virais, 2017.

A profilaxia para hepatite B é feita com imunoglobulina, sendo


indicada nas seguintes situações (Quadro 26.2):
Quadro 26.2 - Indicações do uso de imunoglobulina para profilaxia de hepatite B
Fonte:: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pós-exposição (PEP) de
risco à infecção pelo HIV, IST e hepatites virais, 2017.
A prevenção da transmissão do HIV deve ser feita com uso de
antirretrovirais por 4 semanas em todas as crianças (Quadro 26.3) e
adolescentes (Quadro 26.4) atendidos até 72 horas seguintes à
agressão em que há suspeita de intercurso sexual ou sexo oral com
ejaculação na cavidade oral.
Quadro 26.3 - Profilaxia pós-exposição ao HIV de escolha para crianças vítimas de abuso
sexual

Nota: acima de 12 anos, seguir as recomendações para adultos.


Legenda: 1 Consultar também “Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da
Infecção pelo HIV em Criança e Adolescentes”.
Fonte:: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pós-exposição (PEP) de
risco à infecção pelo HIV, IST e hepatites virais, 2017.

Quadro 26.4 - Profilaxia pós-exposição ao HIV de escolha para adolescentes vítimas de


abuso sexual
1 não indicado para pessoa exposta com insuficiência renal aguda.
Fonte:: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pós-exposição (PEP) de
risco à infecção pelo HIV, IST e hepatites virais, 2017.

Deve também ser realizada profilaxia para ISTs, como gonorreia,


sífilis, infecção por clamídia e tricomoníase (Quadro 26.5).
Quadro 26.5 - Profilaxia de escolha para infecções sexualmente transmissíveis
1 Como profilaxia e em caso de sífilis primária, deve ser prescrita em dose única.
2 Não deve ser prescrito no primeiro semestre de gestação e deverá ser postergado em
caso de uso de contracepção de emergência ou antirretroviral.
Fonte:: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pós-exposição (PEP) de
risco à infecção pelo HIV, IST e hepatites virais, 2017.

Deve-se orientar sobre o uso de preservativo durante 6 meses. As


consultas médicas e os exames laboratoriais são realizados no
seguimento para confirmar ou afastar as ISTs dos pacientes com 6
semanas, 3 meses e 6 meses, bem como monitorização hepática.
Qualquer exame com fins judiciais deve ser feito pelo perito do
Instituto Médico-Legal. Porém, isso só acontece quando a criança ou
o adolescente é trazido pelo próprio Conselho Tutelar ou pela
autoridade policial após denúncia. O fundamental é que o
profissional médico esteja atento à conduta no atendimento de
urgência e emergência, ou mesmo no atendimento ambulatorial,
quando se levanta a suspeita de maus-tratos, em que a avaliação
médica pode ser a primeira chance de proteger o menor e quando a
conduta anterior é preconizada, e a notificação, obrigação legal.
26.2.2.4 Abuso psicológico

O agressor usa ameaças, exigências e humilhações, trata a criança


com desrespeito e indiferença. As crianças abusadas manifestam
sentimento de culpa e regressão, que pode ser manifestado por
enurese e encoprese, autoagressão, atraso de linguagem e distúrbios
alimentares. Quando essas crianças são violentadas cronicamente,
podemos encontrar transtornos comportamentais mais severos,
como psicose e ideação suicida.
26.2.2.5 Síndrome de Münchhausen por procuração

Forma complexa de violência contra crianças que tem componentes


físicos, químicos, psicológicos e de negligência. O médico deve estar
muito atento para não ser manipulado pelo cuidador e realizar
exames, tratamentos e avaliações desnecessárias. Ocorre simulação
de sintomas de várias doenças, que muitas vezes não fazem sentido
para o médico, e este acaba solicitando cada vez mais exames e
tratamentos. No entanto, o paciente quase sempre está em bom
estado geral, e os exames têm resultados conflitantes com a queixa
do cuidador.
A história típica é de múltiplas visitas aos serviços de saúde, com
histórias ricas, com descrição de muitos sintomas diferentes que não
se confirmam na avaliação médica, em muitas ocasiões. Em geral a
criança já foi submetida a muitos exames laboratoriais e de imagem,
sem nenhuma alteração. É bastante difícil fazer este diagnóstico,
porque, em geral, os cuidadores têm bastante conhecimento da área
médica, parecem sempre muito preocupados e angustiados, não
sendo comum o levantamento dessa hipótese.
26.3 NOTIFICAÇÃO COMO
INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO AOS
MAUS-TRATOS E PROMOÇÃO DE
PROTEÇÃO
A notificação deve ser realizada frente a qualquer suspeita de maus
tratos, sem a necessidade de comprovação da hipótese. Deve ser
realizada de forma imediata, e pode der feita por qualquer
profissional que prestou assistência ao menor, e não
necessariamente o médico.
O ato de notificar inicia um processo que visa interromper as
atitudes e os comportamentos violentos no âmbito da família e por
parte de qualquer agressor. A notificação não é, nem vale como,
denúncia policial. O profissional de saúde ou qualquer outra pessoa
que informa uma situação de maus-tratos está dizendo ao Conselho
Tutelar: “Esta criança ou este adolescente e sua família precisam de
ajuda!”. Ao registrar que houve maus-tratos, esse profissional atua
em 2 sentidos: reconhece as demandas especiais e urgentes da
vítima e chama o poder público à sua responsabilidade.
A notificação dos maus-tratos praticados é obrigatória por lei
federal, portanto essa obrigatoriedade se estende a todo o território
nacional. A Portaria 1.968/2001 (Ministério da Saúde) torna
obrigatórios, para todas as instituições de saúde pública e/ou
conveniadas ao Sistema Único de Saúde em todo o território
nacional, o preenchimento da ficha de Notificação Compulsória e o
seu encaminhamento aos órgãos competentes. Nesses casos, o
médico não infringiria o Artigo 102 do Código de Ética Médica, sobre
quebra de sigilo, uma vez que agiria por dever legal.
Espera-se garantir, com o Sistema de Notificação Compulsória:
a) Que a violência constituirá um evento a ser pesquisado e levado em
conta no atendimento à saúde da criança e do adolescente;
b) Que a criança, o adolescente e sua família – ou se for o caso, o
menino ou a menina com o agente institucional – serão atendidos e
encaminhados ao Conselho Tutelar que, por sua vez, será
impulsionado a desencadear os outros procedimentos cabíveis;
c) Que a equipe de saúde compartilhará responsabilidades com o
Conselho Tutelar em cada caso encaminhado, devendo acompanhar
todo o seu desenrolar, até o fim do atendimento.

26.4 SOBRE O CONSELHO TUTELAR


O Conselho Tutelar é uma instituição criada pelo ECA nos Artigos 131
a 140, com a importantíssima missão de zelar pelo cumprimento de
todos os direitos garantidos a esses indivíduos em formação. É um
“órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado de
zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente
definidos nesta lei” (Artigo 131). Deve ser criado por Lei Municipal
por tratar-se da criação de um órgão público.
A metodologia de atendimento tem as seguintes etapas: notificação
ou denúncia, constatação, aplicação de medida em caráter
emergencial, estudo de caso, aplicação de medida principal,
acompanhamento e arquivamento. A intervenção acontece a partir
de denúncia ou notificação de que os direitos de uma criança ou um
adolescente estão sendo violados ou ameaçados. Isso significa que, a
partir de então, inicia-se um procedimento para restabelecer o
estado de direito da criança ou do adolescente, mas também, uma
atuação preventiva para que essa transgressão não se repita. O
Conselho Tutelar não precisa de provas evidentes para a apuração de
uma denúncia, que pode ser feita anonimamente.
26.5 PROPOSTA DE FICHA DE
NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA
A ficha de Notificação Compulsória tem como objetivo construir um
relato claro e compreensivo sobre o problema, fornecendo
informações e, até mesmo, sugestões aos conselheiros tutelares e
demais autoridades de saúde. Ela contém os quesitos necessários
para a identificação e a caracterização da criança ou do adolescente,
da sua família, da instituição maltratante – se for o caso –, do
agressor e da violência sofrida. Contém também espaço para a
identificação do profissional e da unidade de saúde que notificaram.
A ficha de notificação funciona como um importante instrumento de
comunicação entre a Secretaria de Saúde, o Conselho Tutelar e o
profissional ou a equipe de saúde que tiveram contato próximo com
a criança ou o adolescente e sua família e diagnosticaram o ato de
violência.
O seu preenchimento deve ser feito, se possível, após a discussão do
caso pela equipe. Sugere-se que esse documento seja preenchido
pelo menos em 2 vias, ficando uma cópia na unidade de atendimento
e a outra enviada para o Conselho Tutelar. Posteriormente, a unidade
deve enviar à Secretaria Municipal da Saúde – ou ao órgão
correspondente nos locais em que não haja estrutura de secretaria –
uma cópia para fim de consolidação das estatísticas municipais, para
viabilização de estudos epidemiológicos e outras providências
técnico-políticas. As Figuras 26.1, 26.2 e 26.3 apresentam os 3 tipos
de fluxos propostos, de acordo com a gravidade dos casos: leves,
moderados ou graves. Essa gravidade não é apenas medida pela
presença ou ausência de lesões físicas, mas, sim, pelas
características da agressão sofrida pela vítima, suas características
físicas e comportamentais e pelas de sua família.
26.6 AFASTAMENTO DA VÍTIMA DO
AGRESSOR
Sempre que houver suspeita de maus tratos contra criança ou
adolescente, a vítima deve ser afastada do agressor, além da
notificação compulsória e acionamento do conselho tutelar, como
descritos anteriormente. Se o paciente não correr risco de morte, e
for possível o afastamento do agressor no ambiente domiciliar, de
forma segura, o seguimento pode ser feito dessa forma. Entretanto,
na maioria dos casos, o agressor é parte da família, e os maus tratos
ocorrem muitas vezes no ambiente domiciliar. Nessas condições o
menor deve ser mantido internado, em regime hospitalar, até haja
segurança de retorno ao lar e garantia de não contato com o
agressor.
Figura 26.1 - Notificação de casos leves de violência

Fonte:: elaborado pelos autores.

Figura 26.2 - Notificação de casos moderados de violência


Fonte:: elaborado pelos autores.

Figura 26.3 - Notificação de casos graves de violência

Fonte:: elaborado pelos autores.


Quando suspeitar de maus-
tratos a crianças e
adolescentes?
Deve-se suspeitar de maus-tratos quando a anamnese
tiver muitas “falhas” ou não for condizente com o exame
físico, quando a criança ou o adolescente parecerem
demasiadamente tímidos, desconcentrados, mal cuidados,
com postura defensiva, chorosos, agressivos ou
assustados.
Além disso, lesões que não estão de acordo com história e
mecanismos de trauma, fraturas e hematomas em
diferentes graus de consolidação ou reabsorção,
queimaduras em luvas ou botas, hemorragia retiniana.
Lembrar ainda das queixas sexuais como formas de abuso
dessa natureza.

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