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O estudo das teorias filosóficas da educação brasileira não pode se deter ao elenco e descrição de correntes e
doutrinas da filosofia ligadas à dinâmica educacional nesse país, mas sim, analisar a conjuntura que
privilegiou cada proposta educacional, hegemônica ou não, a partir de seu embasamento filosófico e de sua
organicidade com as políticas educacionais estatais e com as propostas de reforma e de antítese revolucionária
. Isso remete ao estudo da política e da economia, áreas que são consideradas transversalmente entre os
fundamentos da educação em cursos de formação docente.
Este artigo se dedica ao estudo da Escola Nova, cujas defesas foram formalmente apresentadas, no Brasil, em
1932, por um grupo de intelectuais de orientação liberal através do Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova. Esse documento defendeu a importância da educação para o progresso nacional brasileiro em bases
democráticas e urbano-industriais em um período caracterizado pela implantação de um novo projeto nacional
de desenvolvimento, o qual incluiu estratégias econômicas para a substituição de importações, e radicalização
política. Foram bases liberal e pragmatista que caracterizaram a Escola Nova como a proposta pedagógica
ideal para o novo projeto nacional de desenvolvimento brasileiro.
A Escola Nova propôs maior atenção aos processos de aprendizagem do que aos produtos/conteúdos até então
valorizados, fazendo assim clara oposição e crítica ao tradicionalismo pedagógico, que até então era
hegemônico e marcado por uma cultura educacional que os escolanovistas acusaram de verbalista e
enciclopédica. O escolanovismo foi animado por experiências e descobertas na área de educação ocorridas
nos Estados Unidos da América, sobretudo graças ao trabalho do filósofo John Dewey, que entendia que o
processo educativo formal precisava ter finalidade prática, preparando os indivíduos para agirem
concretamente na sociedade.
Serão considerados, neste trabalho, aspectos relacionados à matriz ideológica liberal do escolanovismo, ao
nascedouro europeu e estadunidense da Escola Nova, ao contexto brasileiro da década de 1930 e aos maiores
teóricos da Escola Nova desde o norte-americano John Dewey até os brasileiros Anísio Teixeira, Fernando de
Azevedo e Lourenço Filho. Receberá especial atenção o documento emblemático Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova.
Entre outras referências para esse estudo conjuntural, estão as contribuições de Celso Furtado, Luiz Carlos
Bresser Pereira, Dermeval Saviani .....
É preciso considerar que o liberalismo e o capitalismo são intimamente relacionados, pois sem a liberdade de
mercado o capitalismo seria impossível. A primeira defesa de liberdade em favor do capitalismo se relaciona a
uma suposta disposição natural para as trocas comerciais (SMITH, 1983). Advogando que os homens
precisam ser livres para a prática natural do comércio, Adam Smith ataca o Estado como instituição cuja ação
pode frustrar essa liberdade e até mesmo impedir o progresso coletivo:
Sem qualquer intervenção da lei, os interesses e os sentimentos privados das pessoas naturalmente as levam a
dividir e distribuir o capital de cada sociedade entre todas as diversas aplicações nela efetuadas, na medida do
possível, na proporção mais condizente com o interesse de toda a sociedade. (SMITH, 1983, p. 104)
Em 1789, Bentham teria descrito os mecanismos de concorrência e as benesses que pode proporcionar
aos que se sobressaem em sua dinâmica:
A livre concorrência equivale a uma recompensa que se concede àqueles que fornecem as melhores
mercadorias pelos preços mais baixos. Ela oferece uma recompensa imediata e natural, que uma multidão de
rivais alimenta a esperança de conseguir, e atua com maior eficácia que um castigo distante, do qual cada um
talvez espere escapar. (apud MORAES, 2000, p. 8)
Ao tratar do engajamento de nações inteiras à ordem liberal, David Ricardo (1772 – 1823) substitui os sujeitos
(presentes no pensamento de Smith) pelos países e amplia a defesa do livre comércio para o âmbito
internacional. Segundo ele,
Num sistema comercial totalmente livre, cada país naturalmente dedica seu capital e seu trabalho à atividade
que lhe seja mais benéfica. Essa busca de vantagem individual está admiravelmente associada ao bem
universal do conjunto dos países. Estimulando a dedicação ao trabalho, recompensando a engenhosidade e
propiciando o uso mais eficaz das potencialidades proporcionadas pela natureza, distribui-se o trabalho de
modo mais eficiente e mais econômico, enquanto pelo aumento geral de volume de produtos difunde-se o
benefício de modo geral e une-se a sociedade universal de todas as nações do mundo civilizado por laços
comuns de interesse e de intercâmbio. Este é o princípio que determina que o vinho seja produzido na França
e em Portugal, que o trigo seja cultivado na América e na Polônia, e que as ferramentas e outros bens sejam
manufaturados na Inglaterra. (RICARDO, 1982, p. 104)
Ao tratarem de Liberalismo e educação em Dewey, Vanessa Jaqueline da Silva e José Carlos Araújo
consideram expressões do pensador estadunidense que apresentam as mudanças conceituais do liberalismo
desde a liberdade de pensamento defendida por John Locke até a restrição dessa liberdade ao universo
comercial com base em Adam Smith. Contudo, o foco se estabelece nas contribuições de Bentham, para quem
o liberalismo deveria ser uma base jurídica para liberdades individuais; com base nesse aspecto, Dewey
defende que a liberdade individual de sujeitos bem politizados evitariam irresponsabilidades e prejuízos
sociais, apresentando, assim, o liberalismo coletivista em oposição ao liberalismo individualista até então
predominante. SILVA e ARAÚJO afirmam que os adeptos do liberalismo coletivista “defendiam que o
Estado era o responsável pela criação de instituições onde os indivíduos pudessem desenvolver plenamente
suas potencialidades” (2005, p. 8), o que se apresenta como justificativa da base liberal coletivista para a
Escola Nova de Dewey.
O liberalismo coletivista é ético; contrariamente, o liberalismo individualista é utilitarista. O liberalismo
coletivista trouxe respostas que o liberalismo individualista (de base economicista) não conseguiu apresentar,
sobretudo as vinculadas ao problema da liberdade e da democracia: segundo Dewey, ao contrário do que se
pensava antes a liberdade não é absolutamente individual, e muito menos redutível a ações econômicas, mas
sim, a base coletiva para desenvolvimentos individuais com conjugação entre racionalidade e emoção.
Diante de tais mudanças Dewey entendeu que a educação escolar deveria proporcionar às crianças uma
capacidade de ação mental e instrumental suficiente para apreenderem a realidade dinâmica da primeira
metade do século XX e para intervirem nela. Caberia também à escola socializar as crianças, salvaguardando-
as, assim, de prejuízos ligados ao individualismo característico da cultura industrial.
A proposta pedagógica de Dewey se assentava no pragmatismo e no liberalismo; no caso do pragmatismo,
Dewey percebia nessa corrente filosófica um fundamento para uma educação capacitadora para ações
condizentes tanto com a industrialização quanto com as estratégias de racionalização e práticas de
recuperação econômica pós-1929; o liberalismo proporcionaria uma liberdade individual para aprender por
meio de experiências e interesses pessoais, bem ao contrário do que previam os currículos uniformes e
impositivos da educação tradicional.
Incluir citações de DEWEY
Diante desse relato, se percebe o quanto o capital internacional se beneficiava das ações comerciais brasileiras
já no período anterior à década de 1930, comprando matérias-primas a preços módicos e vendendo produtos
industrializados com grande valor agregado.
A crise econômica de 1929, causada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque, contribuiu para a alteração dessa
conjuntura. Como os produtos importados se tornaram mais caros, criou-se no Brasil um ambiente mais
favorável para a industrialização do país:
o Govêrno Vargas, que já contava em seu seio com representantes dos industriais brasileiros de então, baixa
um decreto proibindo as importações de maquinarias para todas as indústrias consideradas em estado de
superprodução. Visava com isso proteger especialmente a indústria têxtil, de há muito instalada no Brasil.
Novos investimentos, em novos setores, foram instalados. AS fábricas geralmente começavam como oficinas.
O pequeno capital necessário era na maioria das vêzes levantado entre os membros da própria família. Com o
reinvestimento dos lucros, porém, logo se expandiam. Dedicando-se inicialmente a indústrias de bens de
consumo que exigiam equipamentos simples (indústria alimentícia, indústria de artigos de higiene e limpeza,
perfumaria, indústria farmacêutica, indústria metalúrgica ligeira,etc.) muitos dêsses equipamentos já podiam
ser fabricados no Brasil. Dessa forma, em 35 a produção industrial brasileira já era 27 por cento maior do que
a de 1929 e 90 por cento maior do que a e 1925. Entre 20 e 29 foram criados 4.697 estabelecimentos
industriais contra 12.232 no decênio seguinte. Estava lançado o desenvolvimento industrial brasileiro.
(PEREIRA, 1970, p. 39, seguindo normas ortográficas de então)
A estratégia de substituição de importações foi adotada como ação-chave para evitar esse quadro desfavorável
à economia nacional e deflagrar, assim, um novo e revolucionário projeto nacional de desenvolvimento.
Pereira apresenta os novos sujeitos do cenário econômico nacional teorizando que geralmente
o desenvolvimento será iniciado no momento em que o poder político estiver predominantemente ou
exclusivamente nas mãos de um grupo de classe média constituído seja de empresários burgueses, seja de
políticos ou militares nacionalistas, seja de políticos e intelectuais comunistas. No primeiro caso enquadram-
se todos os países industriais da área capitalista, além de países que estão ainda em nos primeiros passos do
seu desenvolvimento, como o Brasil. (PEREIRA, 1970, p. 24-25, seguindo normas ortográficas de então)
Fica evidente a mudança de atores nesse cenário econômico: as oligarquias agrárias tradicionais deram lugar à
classe média burguesa e industrial. Mas é importante considerar que toda essa mudança não ocorreu
imediatamente, em apenas um ano (ou pouco mais do que isso). O período em que se deu a instalação da
Escola Nova no Brasil se caracteriza como a conclusão da longa transição de uma sociedade tradicional para
um modelo urbano-industrial. De acordo com Pereira, esse processo de transição se estendeu desde meados do
século XIX até 1930. Dermeval Saviani observa que “a burguesia industrial assimilara, na década de 1920, a
orientação taylorista-fordista” que deu suporte ao desenvolvimento industrial brasileiro. (SAVIANI, 2007, p.
191) Importa destacar que esse longo processo se caracterizou como um desenvolvimento político e
econômico. Segundo Bresser Pereira, esse tipo de desenvolvimento só começa quando
a sociedade tradicional entra em crise, quando os critérios racionais começam a superar os tradicionais,
quando o capital passa a ter mais importância do que a terra, quando a competência começa a sobrepor-se ao
sangue, quando a lei se impõe aos costumes, quando as relações impessoais e burocráticas começam a
substituir as de caráter pessoal e patrimonial, quando a sociedade bivalente de senhores e servos, de
aristocratas e plebeus, começa a dar lugar a uma sociedade plural, quando o poder político deixa de ser o
privilégio de uma oligarquia claramente definida e começa a se tornar cada vez mais difuso, quando a
economia de base agrícola tradicional começa a dar lugar a uma economia industrial e moderna, quando a
unidade de produção básica não é mais a família, mas a emprêsa, e depois não é mais a emprêsa familiar, mas
a emprêsa burocrática, quando os métodos de trabalho tradicionais cedem lugar aos racionais, quando a
produtividade e a eficiência se transformam em objetivos básicos das unidades de produção, e quando o
desenvolvimento econômico se torna o objetivo das sociedades, quando o reinvestimento se torna uma
condição de sobrevivência para a emprêsas, quando, enfim, o padrão de vida começa a aumentar de forma
automática, autônoma e necessária. (PEREIRA, 1970, p. 24, seguindo normas ortográficas de então)
Ainda para Saviani, o resultado político de toda essa conjuntura foi a instalação de um Estado que “se pôs
como agente, no plano governamental, da hegemonia da burguesia industrial”. (SAVIANI, 2007, p. 193)
O modelo pedagógico combatido pela Escola Nova era identificado como resquício medieval na educação,
“educação adaptada a uma sociedade estática, que formava indivíduos unicamente capazes de reproduzir o já
existente, indivíduos sem iniciativa própria, indivíduos todos iguais. Como tal, os seus métodos consistiriam
sobretudo na decoração e memorização, na repetição. O seu objetivo seria apenas a padronização”. (DI
GIORGIO, 1989, p. 16, com grifo do original)
Uma das análises mais lúcidas da Escola Tradicional foi feita por George Snyders. Segundo ele, trata-se de
uma proposta pedagógica que tem uma proposta de apresentação de modelos que representam as mais
elevadas realizações científicas e artísticas de toda a humanidade. Contudo, segundo Snyders, a Escola
Tradicional peca quando esvazia o cotidiano das crianças de valor pedagógico, e mais, quando considera as
próprias crianças como suspeitas de distorcerem a verdade que, via de regra, seria alcançada e sintetizada
apenas pelos adultos.
Ao final desse artigo serão consideradas também as críticas à Escola Nova; por ora, convém conhecer um
pouco mais sobre os fundamentos e sujeitos do escolanovismo.
À maneira liberal, a valorização do indivíduo pela Educação Nova “que, certamente pragmática, se propõe ao
fim de servir não aos interesses das classes, mas aos interesses do indivíduo”, é apresentado como preferível à
consideração do indivíduo tradicional, pois “a escola tradicional, installada para uma concepção burgueza,
vinha mantendo o individuo na sua autonomia isolada e estéril, resultante da doutrina do individualismo
libertario”. Isto porque
a escola socializada, reconstituída sobre a base da actividade e da produção (...) se organizou para remontar a
corrente e restabelecer, entre os homens, o espirito de disciplina, solidariedade e cooperação, por uma
profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro estreito dos interesses de classe.
A superação das abstrações tradicionais levaria à utilidade da aprendizagem escolar para a vida, afinal,
a escola socializada não se organizou como um meio essencialmente social senão para transferir do plano da
abstracção ao da vida escolar em todas as suas manifestações, vivendo-as intensamente, essas virtudes e
verdades moraes, que contribuem para harmonizar os interesses individuaes e os interesses collectivos.
O papel do Estado contido no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova é de zelar pela educação como uma
função essencialmente pública, pois a educação “rompeu os quadros do communismo familial e dos grupos
especificos (instituições privadas), para se incorporar definitivamente entre as funcções essenciaes e
primordiaes do Estado”. A família passa a ser parceira do Estado, que providencia à maneira keynesiana a
educação necessária ao desenvolvimento do país e que seja “uma educação commum, egual para todos”. Não
se defende, contudo, uma igualdade formal, e sim, democrática. Como a unidade nacional admite uma
descentralização, ela “não implica um centralismo esteril e odioso, ao qual se oppõem as condições
geographicas do paiz e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interesses e ás exigencias
regionaes”.
Um intento de reforma com tal envergadura deveria contar com a segurança estatal para o seu financiamento,
pois considera-se que os meios materiais para a manutenção da educação pública
não podem reduzir-se ás verbas que, nos orçamentos, são consignadas a esse serviço publico e, por isto,
sujeitas ás crises dos erarios do Estado ou ás oscillações do interesse dos governos pela educação. A
autonomia econômica não se poderá realizar, a não ser pela instituição de um “fundo especial ou escolar”,
que, constituido de patrimonios, impostos e rendas proprias, seja administrado e applicado exclusivamente no
desenvolvimento da obra educacional, pelos proprios orgãos do ensino, incumbidos de sua direcção.
O processo educativo se assenta em bases científicas e democráticas, como se percebe na afirmação de que “o
estudo scientifico e experimental da educação, a libertaram do empirismo, dando-lhe um caracter e um
espirito nitidamente scientifico e organizado (...) numa serie fecunda de pesquizas e experiencias”, e ainda, de
que a Escola Nova não considera a educação como “uma funcção de superposição ou de accrescimo, segundo
a qual o educando é 'modelado exteriormente' (escola tradicional), mas uma funcção complexa de acções e
reacções em que o espirito cresce “de dentro para fora”.A Escola Nova, portanto, “substitue o mecanismo pela
vida (actividade funccional) e transfere para a creança e para o respeito de sua personalidade o eixo da escola
e o centro de gravidade do problema da educação”.
A importância da individualidade do aluno fica ainda mais clara quando se diz que “é uma reacção contra as
tendencias exclusivamente passivas intellectualistas e verbalistas da escola tradicional, a actividade que está
na base de todos os seus trabalhos, é a actividade espontanea, alegre e fecunda, dirigida á satisfacção das
necessidades do proprio individuo”.
Em linhas gerais, defende-se no Manifesto um plano de reconstrução educacional marcado pela articulação
entre os graus de ensino e entre as racionalidades técnica e humanística, a fim de se superar a dualidade na
formação escolar e, desta forma, colaborar para o fim da estratificação social. Didaticamente, valoriza-se a
observação, a pesquisa e a experiência como ações para a aprendizagem.
A reconstrução educacional contida no Manifesto alcança o nível universitário, que estivera até então a
serviço exclusivamente das chamadas profissões liberais, que seriam engenharia, medicina e direito. Os
Pioneiros defenderam que
Ao lado das faculdades profissionaes existentes, reorganizadas em novas bases, impõe-se a creação
simultanea ou successiva, em cada quadro universitario, de faculdades de sciencias sociaes e economicas; de
sciencias mathematicas, physicas e naturaes, e de philosophia e letras que, attendendo á variedade de typos
mentaes e das necessidades sociaes, deverão abrir ás universidades que se crearem ou se reorganizarem, um
campo cada vez mais vasto de investigações scientificas.
No que diz respeito à educação superior, defende-se no Manifesto que as universidades precisam ser livres
para poderem “desempenhar a triplice funcção que lhe cabe de elaboraradora ou creadora de sciencia
(investigação), docente ou transmissora de conhecimentos (sciencia feita) e de vulgarizadora ou
popularizadora, pelas instituições de extensão universitaria, das sciencias e das artes”.
À universidade caberia a função de formar as elites através da seleção dos melhores, substituindo os critérios
econômicos pelo das aptidões naturais que poderiam ser desenvolvidas pela escolarização superior. A
universidade, “elevando ao maximo o desenvolvimento dos individuos dentro de suas aptidões naturaes e
seleccionando os mais capazes, lhes dá bastante força para exercer influencia effectiva na sociedade e affectar,
dessa forma, a consciencia social”.
O pragmatismo universitário característico das instituições de ensino superior estadunidenses, válido também
para escolas de outros níveis, fica claro na defesa de que
a consciencia do verdadeiro papel da escola na sociedade impõe o dever de concentrar a offensiva educacional
sobre os nucleos sociaes, como a familia, os agrupamentos profissionaes e a imprensa, para que o esforço da
escola se possa realizar em convergencia, numa obra solidária, com as outras instituições da communidade.
À maneira de conclusão, destacam-se dois aspectos interessantes do Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova, sendo o primeiro relativo a nomenclatura, portanto ligado inicialmente a forma textual e depois às
entrelinhas, e o segundo, de ordem ideológica, logo, referente antes às entrelinhas e somente depois ao
formato textual.
Observa-se que no documento usa-se a expressão “espírito” para designar o que hoje se chama de habilidade.
Assim, lê-se “espírito de synthese”, “espírito fácil de substituir os princípios”. Da mesma forma, é
freqüentemente reivindicado um “direito biológico”, uma finalidade biológica da educação em um processo
que com naturalidade biológica deve ser levado a termo. Identifica-se uma base positivista a animar tais
defesas, considerando-se pelo contexto o termo “biológico” como correspondente a natural e organicamente
inexorável.
Sobre o segundo aspecto supra referido, o documento não é homogêneo, como não o é o grupo dos seus 26
signatários. Segundo GHIRALDELLI Jr. (1996), os liberais elitistas liderados pelo relator do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, Fernando de Azevedo, e os liberais igualitaristas representados por Anísio
Teixeira, guardavam diferenças basilares de projeto social e educacional. De acordo com GHIRALDELLI Jr.,
“para Fernando de Azevedo a escola deveria ter um papel de formadora das elites, sendo que a educação
apenas rearranjaria os indivíduos na sociedade de acordo com suas aptidões”. (p. 43)
Já Anísio Teixeira, de acordo com o mesmo autor, defendia que “a escola deveria ser democrática, única,
capaz de servir como contraponto aos males e desigualdades sociais provocados pelo sistema capitalista”. (p.
42)
Considerando, com orientação histórico-crítica, que a defesa de direitos de pertença a uma elite com base em
critérios econômicos ou naturais é um dos “males e desigualdades sociais provocados pelo sistema capitalista”
a que se refere Guiraldelli Jr., depreende-se que Fernando de Azevedo aproximava-se mais da corrente liberal
da direita, enquanto Anísio Teixeira tinha a admiração dos socialistas (fato que lhe custou perseguição política
e exílio). O primeiro defendia uma democracia representativa pelas elites; o segundo, uma democracia
participativa. Prevaleceu, no Manifesto, a posição do seu relator.
Críticas ao escolanovismo
As teorias pedagógicas de orientação liberal foram alvo de pensadores marxistas, os quais viam na
escola um aparelho institucional cuja ação alienadora se colocava a serviço do ideário capitalista. Essas
teorias foram concebidas no campo da sociologia por teóricos europeus. Descrevem mecanismos sociais de
segregação, de alienação e de dominação, afirmando que a escola reproduz a segregação verificada no âmbito
da sociedade de classes. Essas diferenças de classe reproduzidas pela escola são caracterizadas pela posse dos
meios de produção pela burguesia dominante e da força de trabalho pelo proletariado dominado. Sem
apresentarem projetos político-pedagógicos, defendem que a superação do modelo educacional/escolar
segregador depende da superação da sociedade e classes. Nestas teorias, que privilegiam o enfoque político, a
escola não é isenta da sociedade, mas fruto dela.
No livro Escola e Democracia Dermeval Saviani apresenta as principais teorias que fazem a crítica da
educação liberal, que são as seguintes: o sistema de ensino como violência simbólica, de Pierre Bourdieu e
Jean-Claude Passeron_; a escola como aparelho ideológico do estado, de Louis Althusser_; e a escola dualista,
de Baudelot e Stablet_.
Uma das mais contundentes críticas à Escola Nova é feita pelo brasileiro Dermeval Saviani, em seu livro
Escola e Democracia. Para ele o ideário escolanovista “ao mesmo tempo que procurava evidenciar as
‘deficiências’ da escola tradicional, dava força à idéia segundo a qual é melhor uma boa escola para poucos do
que uma escola deficiente para muitos”. (SAVIANI, 1997, p.22) O escolanovismo é classificado como uma
das teorias não-críticas da educação, ao lado da Educação Tradicional, contra a qual a Escola Nova se
levantou, e da Pedagogia Tecnicista que se instalou após a Escola Nova; a pretexto de combater diferentes
formas de marginalização_, tais teorias apresentam propostas político-pedagógicas fundamentadas apenas em
princípios técnico-científicos, em que a escola figura como instituição independente da sociedade; a
sociedade, aliás, funciona como um relógio (concepção positivista e liberal), cabendo à escola intervir para
fazer os ajustes necessários e, depois, retornar ao seu encastelamento tendo contribuído para a perpetuação das
diferenças de classes.
Na Escola Nova a marginalidade é caracterizada como sinônimo de diferença, no mesmo tempo em
que pretende explica-la pelo desajustamento e pela inadaptalidade de todas as formas (biopsicosociais); assim,
defende que cabe à escola ajustar os indivíduos à sociedade incutindo neles o sentimento de aceitação dos
demais e pelos demais. A abordagem é antes biopsicológica e depois, pretensamente, social. A respeito do
modelo de marginalidade que a Escola Nova apresenta como seu alvo de combate, Saviani ironiza:
Forja-se, então, uma pedagogia que advoga um tratamento diferencial a partir da “descoberta” das diferenças
individuais. Eis a “grande descoberta”: os homens são essencialmente diferentes; não se repetem; cada
indivíduo é único. Portanto, a marginalidade não pode ser explicada pelas diferenças entre os homens,
quaisquer que elas sejam: não apenas diferenças de cor, de raça, de credo ou de classe, o que já era defendido
pela pedagogia tradicional; mas também diferenças no domínio do conhecimento, na participação do saber, no
desempenho cognitivo. Marginalizados são os “anormais”, isto é, os desajustados e desadaptados de todos os
matizes. Mas a “anormalidade” não é algo, em si, negativo; ela é, simplesmente, uma diferença. Portanto,
podemos concluir, ainda que isto soe paradoxal, que a anormalidade é um fenômeno normal. Não é, pois,
suficiente para caracterizar a marginalidade. (SAVIANI, 1997, p. 20)
A Escola Nova negou a Tradicional e substituiu a ênfase nos conteúdos pela valorização dos processos de
aprendizagem. O efeito foi a implantação do escolanovismo em algumas poucas unidades escolares que
dispunham de condições materiais para abrigar a teoria. Na grande maioria das escolas brasileiras, de clientela
pobre, o escolanovismo não se implantou por falta de condições físicas e instrumentais; ademais perdeu-se o
que ainda se tinha como conteúdos:
Resultou disso e da parca compreensão dos pressupostos da Escola Nova uma espécie de prática compassiva a
pretexto de uma inclusão escolar que logo causava uma exclusão social. Saviani denuncia que
paradoxalmente, em lugar de resolver o problema da marginalidade, a “Escola Nova” o agravou. Com efeito,
ao enfatizar a “qualidade do ensino” ela dslocou o eixo de preocupação do âmbito político (relativo à
sociedade em seu conjunto) para o âmbito técnico-pedagógico (relativo ao interior da escola), cumprindo ao
mesmo tempo uma dupla função: manter a expansão da escola em limites suportáveis pelos interesses
dominantes e desenvolver um tipo de ensino adequado a esses interesses. (SAVIANI, 1997, p. 22)
Em conjunto com as demais correntes liberais da educação, a Escola Nova concorreu para o
aprimoramento e continuidade
Referências bibliográficas:
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SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: investigação sobre a natureza e suas causas. São Paulo: Abril
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_ Este artigo resulta de um trabalho apresentado no crédito Tendências Teóricas da Educação Brasileira,
do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), em maio de
2004. Também contém elementos de outro artigo, em elaboração conjunta com a Professora Luciane Neuvald,
do Departamento de Pedagogia (DEPED) da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO,
Campus Santa Cruz (Guarapuava, PR).
_ CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TEÓRIOS E SUA OBRA
_ CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TEÓRIOS E SUA OBRA
_ CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TEÓRIOS E SUA OBRA
_ Segundo Saviani, na Educação Tradicional a marginalidade é identificada com a ignorância, logo,
marginalizado é o ignorante e a escola surge como antídoto à ignorância oferecendo à maneira de repasse
conteúdos factuais e procedimentais simples. O conteúdo é enciclopédico e tratado quantitativamente. Já para
a Pedagogia Tecnicista, marginalizado é o tecnicamente incompetente, o ineficiente e improdutivo; nesse caso
cabe à escola tornar os sujeitos tecnicamente eficientes para o sistema produtivo, em abordagem de flagrante
orientação econômica.