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MICROFINANCIAMENTO DE NOTÍCIAS:
UMA ANÁLISE DO WEBSITE SPOT.US
Porto Alegre
2010
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MICROFINANCIAMENTO DE NOTÍCIAS:
UMA ANÁLISE DO WEBSITE SPOT.US
Porto Alegre
2010
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MICROFINANCIAMENTO DE NOTÍCIAS:
UMA ANÁLISE DO WEBSITE SPOT.US
BANCA EXAMINADORA:
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AGRADECIMENTO
Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, à minha família. O apoio de meus pais, Luiz
Fernando e Marli, e de minha irmã, Júlia, não só nesta etapa da minha vida, mas em todas as
anteriores, foi fundamental para esta e muitas outras conquistas. Eles sabem como eu os
valorizo.
Gostaria de agradecer também, e especialmente, à minha namorada, Ana Cecília, que
soube entender meus desafios e dificuldades, e dar todo o suporte necessário, tanto afetivo
quanto reflexivo. Ela tem sido especial em muitos momentos da minha vida, e eu não sei
como agradecer. Não poderia deixar de incluir também Neidi, Carlos Eduardo e Lívia,
pessoas que conheço há pouco tempo, mas cujo convívio e carinho me são valiosos. Muito
obrigado.
Gostaria de agradecer também aos meus amigos, pessoas maravilhosas que estão ao
meu lado há muito tempo e sempre souberam me ouvir e apoiar. Eles souberam entender
minhas ausências e me mostram como a vida pode ser mais divertida. Eu os amo muito.
Este trabalho não seria possível sem a dedicação e a paixão pelo ofício de ensinar que
tiveram inúmeros professores pelos quais passei nestes anos de aprendizado, tanto da época
do Colégio Americano quanto da Famecos. Não os cito aqui, pois correria o risco de deixar,
imperdoavelmente, algum nome de fora, mas eles sabem quem são e a importância que
sempre terão. Muito obrigado por saberem despertar e guiar a curiosidade que sempre tive.
Nunca se sabe até onde vai a influência de um professor. Espero que meus esforços estejam,
agora e sempre, à altura da dedicação que tiveram para comigo.
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RESUMO
ABSTRACT
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................10
5 CONCLUSÕES....................................................................................................................89
REFERÊNCIAS......................................................................................................................92
1 INTRODUÇÃO
Esta análise de duas faces nos é interessante para verificar não só os padrões contáveis
da produção do site, como, por exemplo, as editorias mais encontradas, mas também
conjunturas mais gerais, como quais consequências o site traz para o campo jornalístico.
Assim, é possível contemplar as duas perspectivas.
É necessário dar atenção à conjuntura em que se encontra a indústria jornalística
impressa neste momento, especialmente a norte-americana (local de nosso objeto de estudo).
O ramo enfrenta um período conturbado, como demonstram os dados colocados por Doctor
(2010): nos últimos dois anos, os jornais norte-americanos cortaram no total oito mil cargos
de jornalistas; em 2009, a arrecadação de anúncios em jornais foi de US$ 28 bilhões, em
comparação com US$ 49 bilhões no ano 2000; a última vez que a circulação dos jornais dos
Estados Unidos aumentou foi em 1984, sendo hoje cerca de 32% mais baixa do que naquele
ano; em 2009, trinta e dois jornais norte-americanos mantinham escritórios em Washington
D.C., metade do montante da década de 80. Estes números evidenciam um cenário de
mudanças rigorosas e necessidade de adaptação no campo do jornalismo. Ao discutir um novo
modelo de negócios dentro do jornalismo, pretendemos contribuir para a discussão sobre as
feições da atividade, em um universo em que o público é mais ativo na relação
comunicacional (GILLMOR, 2006) e a Internet é um meio que apresenta diversas
possibilidades e perspectivas e dinamiza o jornalismo (HALL, 2001).
Não pretendemos creditar as crescentes manifestações das audiências apenas ao
desenvolvimento tecnológico e à popularização de suportes adequados na Internet. De fato, a
nova perspectiva colaborativa e participativa do público pode ser relacionada à atuação de
diversos agentes, não possuindo um único e principal responsável:
1
Nota dos autores.
12
2
Nota dos autores.
13
Não se pode dizer que aqui se pretende atingir uma definição global, total e perfeita de
“jornalismo”. Trabalharemos a ideia, de modo a facilitar uma compreensão das suas várias
implicâncias. Como ressalta Traquina (2005a, p. 19), o jornalismo se constitui expressão de
praticamente tudo o que vivenciamos na sociedade:
oposição entre dois tipos de jornais, aqueles preferencialmente sensacionalistas, ou seja, com
notícias espetaculares, e aqueles mais voltados para análises e comentários, que já mostravam
compromisso com o conceito de objetividade.
Seguindo na conceituação de Traquina (2005a), se pensarmos no campo jornalístico
como um todo, pode-se admitir a existência de dois pólos neste campo, como dois extremos.
O primeiro deles (chamado pólo positivo, em referência ao magnetismo) é o pólo ideológico,
que envolve a ideologia da profissão, o pensamento de que a profissão é “um serviço público
que fornece cidadãos com a informação de que precisam para votar e participar na democracia
e age como guardião que defende os cidadãos dos eventuais abusos de poder” (TRAQUINA,
2005a, p. 27). Vê-se neste pólo a caracterização da atividade como modo de fiscalização e
observação dos poderes públicos. Além disso, também se divisa a função de informar para
poder melhor aproveitar o poder de voto, constituindo conexão forte com o regime
democrático, sendo, logo, uma ferramenta indispensável neste tipo de sociedade.
O outro pólo que o autor aborda é o pólo econômico. Nele, o jornalismo é encarado
como um produto, algo que deve gerar lucro: “associa o jornalismo ao cheiro do dinheiro e a
práticas como o sensacionalismo, em que o principal intuito é vender o jornal/telejornal como
um produto que agarra os leitores/os ouvintes/ à audiência” (TRAQUINA, 2005a, p. 27 e 28).
Este pólo é ponto oposto ao primeiro. É o caráter mercadológico da informação, em contraste
com o que os jornalistas procuram, ou deveriam idealmente procurar, exercer. O campo
jornalístico é tomado pela tensão entre os dois pólos, assim como da relação entre os
“jogadores” com os jornalistas. Os profissionais interagem com os agentes e buscam atingir
seus objetivos diários de notícias e acontecimentos.
Dentro deste campo jornalístico o autor (TRAQUINA, 2005a) definiu as interações
que os jornalistas experimentam em três níveis. Esses níveis são relações que ajudam a formar
o produto jornalístico, as notícias, que existem atualmente. Em um primeiro nível, a interação
acontece entre os próprios jornalistas, detentores do conhecimento técnico especializado, e
entre as fontes. A maioria delas age com intenção de promover acontecimentos, utilizar as
notícias de forma estratégica, o que causa tensão com os jornalistas, neste degrau do campo.
O segundo nível é a interação entre os próprios jornalistas, “como membros de uma
comunidade que partilha uma identidade profissional, valores e cultura comuns”
(TRAQUINA, 2005a, p.29). Eles têm um objetivo (colocar o jornal nas ruas, transmitir o
telejornal, publicar a notícia em um site, etc), e conhecimentos também em comum. Esta
relação entre os profissionais acontece ininterruptamente. Existe ainda o terceiro nível de
interação no campo jornalístico, que acontece de uma forma mais implícita, é a interação
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Jornalismo, de 1830 até por volta de 1930. Surge a ideia da imprensa de massa, e, além disso,
é a partir deste ponto que o jornal é visto como uma empresa, e precisa dar lucros. De certa
forma, é onde se começa a observar uma mercantilização da atividade jornalística. Atualidade
e neutralidade são valores que começam neste período. O Terceiro Jornalismo, de 1900 a
1960 (ambos aproximadamente) trouxe a presença de grupos monopolistas na imprensa. É
uma fortificação e extensão da época anterior, com o aumento da influência de publicitários e
relações públicas nas relações com as notícias. Por último, após o início da década de 70 até o
presente é o período do Quarto Jornalismo, que encontra na Internet e nas redes eletrônicas
um grande agente. A velocidade na publicação, bem como os impactos visuais, são questões
importantes. O jornalista tem suas funções alteradas e começa a ver a sociedade também
como produtora de informação, como se investigará mais detalhadamente no capítulo
seguinte. É neste período também que se desenha uma crise da imprensa escrita.
Ao lidar com a imagem e o conceito de jornalismo na sociedade, é inescapável passar
pela ideia de realidade, que nesta reflexão pode assumir diversas implicações. Traquina
(2005a) afirma que há a ideia de que o jornalismo é a realidade, principalmente entre os
próprios profissionais. Moraes (2001, p. 36 e 37) evidencia que, primeiramente, o jornalismo
envolve fatores técnicos (princípios, rotinas, práticas usuais) e teóricos (no que diz respeito a
teorias de comunicação e interpretação, sobre as características do produto jornalístico), e que
“os meios de comunicação (e aqui especificamente o jornal) constroem a realidade ou, pelo
menos, uma realidade que é aquela priorizada para ser noticiada em meio a tantas outras
opções”. Traquina (2005a) segue na mesma linha, evidenciando que também as decisões
individuais dos jornalistas ao fazerem uma reportagem, decidirem um entrevistado ou
planejarem um programa são fatores decisivos no produto jornalístico final. Ou seja, “os
jornalistas são participantes ativos na definição e na construção das notícias, e, por
consequência, na construção da realidade” (TRAQUINA, 2005a, p. 26). Daí a importância do
trabalho jornalístico organizado na sociedade democrática atual.
A ideia do jornalismo presente no espaço público de uma sociedade começou a se
desenvolver mais fortemente a partir do desenvolvimento pioneiro da imprensa no ocidente,
por Gutenberg, por volta de 1450, não levando em conta experiências na China, na Coréia e
no Japão em séculos anteriores (BRIGGS e BURKE, 2006). De fato, “apesar da razoável
difusão quantitativa das notícias manuscritas, a impressão é realmente a verdadeira revolução
da história do jornalismo” (PENA, 2005, p. 28), com a imprensa assumindo este espaço de
mediador no espaço público, e na construção da realidade. Como veremos também no
capítulo dois, não se trata de creditar todas as mudanças do jornalismo e da mídia em geral a
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Após a superação de fases mais iniciais com uma imprensa apenas política, com usos
políticos e essencialmente opinativos, como demonstra Marcondes Filho (2000), o conceito
de notícia começou a mudar. Os acontecimentos passaram a tomar espaço maior nos jornais,
ao invés de apenas opiniões. Deixando o paradigma da penny press, os jornais
sensacionalistas das décadas de 1830 e 1840, houve maior interesse em aproveitar o espaço
limitado dos jornais para notícias que pudessem agradar a um número maior de leitores
(TRAQUINA, 2005a). O aparecimento da figura do repórter, o profissional que deve sair em
busca de notícias e informações, para alimentar o veículo, data do século XIX, e foi com a
Guerra Civil norte-americana, em meados do mesmo século, que se configurou a atuação do
correspondente, repórter destacado e deslocado para cobrir algum evento de grande porte em
especial. A guerra da secessão foi um dos primeiros conflitos bélicos a ter uma cobertura
jornalística extensiva (TRAQUINA, 2005a).
Com esta modernização da prática jornalística, alternativa à publicação irrestrita de
opiniões, certos valores começaram a ser ligados intrinsecamente ao jornalismo profissional.
Pena (2005) estabelece quatro pontos principais que caracterizam o jornalismo atualmente.
São eles a periodicidade, a atualidade, a publicidade e a universalidade de assuntos.
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Seu verdadeiro significado está ligado à ideia de que os fatos são construídos de
forma tão complexa que não se pode cultuá-los como a expressão absoluta da
realidade. Pelo contrário, é preciso desconfiar desses fatos e criar um método que
assegure algum rigor científico ao reportá-los. (PENA, 2005, p. 50).
20
Devido às diversas pressões a que o jornalista está sujeito, ele sente que tem de ser
capaz de se proteger para o afirmar 'eu sou um profissional objectivo.' Ele tem de
desenvolver estratégias que lhe permitam afirmar: 'isto é uma notícia objectiva',
impessoal, imparcial.' De igual modo, os editores e a administração do jornal sentem
que têm de ser capazes de afirmar que o conteúdo do jornal é 'objectivo' e que a
política informativa e a política editorial são distintas uma da outra. (TUCHMAN,
1999, p. 88).
Esse conhecimento de saberes específicos por um grupo de profissionais, que, no caso, tem
ciência de como informar melhor o público, indica a formação de uma profissão.
Esta ideia de profissionalismo na área traz como consequência direta grandes questões
práticas na atividade. De acordo com Soloski (1999), existe um controle sobre o trabalho do
jornalista através do profissionalismo. Isto acontece de duas formas. A primeira é
estabelecendo normas e condutas para trabalho e atuação, e a outra é determinando o sistema
de recompensas ao jornalista. O profissionalismo se torna, então, elemento que ajuda a
compreender o espírito das notícias que vemos na mídia: “A natureza organizacional das
notícias é determinada pela interacção entre o mecanismo de controlo transorganizacional
representado pelo profissionalismo jornalístico e os mecanismos de controlo representados
pela política editorial” (SOLOSKI, 1999, p.100). Esta estrutura de interação permite espaço
para o profissional inovar e utilizar recursos diferentes em sua produção, mas ainda é muito
fechada, de modo que ele ainda age de acordo com os interesses da organização jornalística
(SOLOSKI, 1999).
No entanto, apesar do fato de os jornalistas passarem a trabalhar profissionalmente,
ainda existe o questionamento se o jornalismo é ou não uma profissão. Kunczik (2001, p. 38)
vê motivos para responder negativamente:
[...] não se pode definir claramente o jornalismo como profissão, porque não existe,
por exemplo, uma definição clara da clientela (o público) e há jornalistas (por
exemplo, de entretenimento) que só se interessam especificamente por sua ambição
pessoal e consideram e tratam o público como crédulos simplistas.
Com base na sociologia das profissões, Traquina (2005a, p. 122) defende que a
pergunta está mal formulada. A questão correta seria “se o jornalismo tem estado envolvido
num processo de profissionalização que visa a sua deslocação na direção do pólo representado
pelas profissões liberais, como os médicos e os advogados”. O autor leva em conta
principalmente as experiências nos Estados Unidos, Inglaterra e França para responder que,
indubitavelmente, o jornalismo, mesmo que possa gerar dúvidas se é ou não profissão, está
neste caminho: “Na linha contínua das profissões, o jornalismo afasta-se do pólo identificado
com um simples 'trabalhador por conta de outrem' e aproxima-se do pólo identificado com as
chamadas profissões liberais” (TRAQUINA, 2005a, p. 122 e 123). Com os seus
conhecimentos específicos, seus códigos de conduta, sua função específica e seu sentimento
de autoridade profissional, o jornalismo caminha para o âmbito das profissões liberais.
partilha de valores dos profissionais do campo jornalístico, e autor se refere aos jornalistas
como integrantes de uma comunidade interpretativa transnacional.
Conceito indispensável na ideia de comunidade dos jornalistas é o de valor-notícia.
Ele nos é importante para interpretarmos a cultura que os membros da comunidade carregam
em comum e, por conseguinte, os próprios produtos jornalísticos. “Ingrediente indispensável
da cultura jornalística é todo um sistema de valores que esboçam um retrato bem claro da
identidade profissional dos membros da tribo e todo um conjunto de critérios de
noticiabilidade que formam toda uma cultura noticiosa” (TRAQUINA, 2005b, p. 189).
A ideia de valores comuns no campo jornalístico é vista de forma crítica por Bourdieu
(1997), que afirma que esta função de filtro por parte dos profissionais acaba ignorando
expressões culturais e intelectuais que mereceriam conhecimento do público e espaço perante
ele.
Obviamente, os jornalistas não podem decidir a cada vez, desde o princípio, como
selecionar os fatos que aparecerão sob vestes de notícia: isso tornaria o seu trabalho
impraticável. A exigência primária é, portanto, a de fazer dessa incumbência uma
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Silva (2005, p. 96) defende a noticiabilidade como fruto da interação entre diversos
fatores:
A autora (SILVA, 2005) aponta ainda uma diferenciação pertinente entre diferentes
instâncias dos referidos critérios. A primeira é a origem dos fatos, quando eles acontecem. O
jornalista tem poder de seleção sobre eles, baseado em critérios próprios ou características
habituais. Após o acontecimento dos fatos e a tomada de conhecimento deles por parte do
jornalista existe a instância do tratamento dos fatos. Além dos critérios de noticiabilidade em
si, entram em questão também fatores como a qualidade da apuração, qual o tipo de material
foi obtido, prazo de fechamento em vista, etc. O terceiro nível envolve conceitos que acabam
influenciando os outros dois níveis, pois são fundamentos éticos e filosóficos, que englobam
“conceitos de verdade, objetividade, interesse público, imparcialidade” (SILVA, 2005, p. 96).
Deve-se notar que estes níveis de noticiabilidade não são estáticos, e não vem um após o
outro, de forma ordenada. Diversas vezes eles aparecem concomitantemente.
Wolf (2005) admite os critérios de noticiabilidade como advindos da cultura
profissional do jornalista, mas acrescenta como fator determinante perante o produto
jornalístico a estrutura do trabalho disponível nas organizações midiáticas. Assim, a notícia
vira notícia não só pela cultura da comunidade jornalística, mas também pelas restrições
impostas pela organização do trabalho, como será visto também mais adiante, na teoria do
newsmaking.
Traquina (2005b) proporciona um resgate histórico através do qual pode-se analisar
três épocas específicas da humanidade para comparar a que critérios as notícias respondiam.
Assim, é possível entender melhor o papel destas estruturas no jornalismo ao longo dos anos.
Inicialmente, analisa-se a produção do ano de 1616. Naquela época não existiam
jornais propriamente ditos, mas uma forma primitiva deles, as folhas volantes. Eram
impressos menores, com duas diferenças básicas dos jornais: eram geralmente dedicadas a um
só tema, e não possuíam periodicidade fixa. Normalmente, possuíam avisos morais ou
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a vida de muitas pessoas. Por conseguinte, o que afeta menos a vida na sociedade merece
menos destaque.
Como inclusive já abordado por Pena (2005), a novidade é outro valor muito
importante no jornalismo. Ao abordar um assunto, deve haver algo de novo naquilo, que vai
tornar o trabalho pertinente. Se algum fato já for de conhecimento geral, não merece ser
noticiado, a não ser que haja algo que traga novidade.
O valor tempo é fundamental, e de formas diferentes. Primeiramente, se levarmos em
conta a questão da atualidade, um acontecimento atual, que já é notícia, pode transformar em
notícia outro fato ligado a ele. O primeiro fato faz as vezes de “gancho” para o outro. Outra
forma que o tempo possui de valor-notícia é justificando a noticiabilidade de fatos antigos por
meio de aniversários. A cada ano, o aniversário dos atentados de 11 de setembro de 2001 vira
notícia, mesmo sem haver fato novo. Um terceiro entendimento do tempo como valor-notícia
é quando um acontecimento vira notícia e acaba obtendo valor-notícia por bastante tempo
após os acontecimentos iniciais. Por exemplo, no caso da epidemia mundial de gripe A o
assunto virou notícia por um tempo grande, e, após isso, continuou sendo notícia, em razão do
tempo que ficou exposto.
O valor-notícia da notabilidade demonstra um padrão constante no jornalismo. Possui
mais noticiabilidade aquilo que for mais tangível, visível aos olhos dos jornalistas. Ao
contrário, o que for menos visível, mais abstrato, tem mais dificuldade de ocupar espaço nas
notícias. Isto demonstra uma dificuldade no campo jornalístico: “O valor notícia da
notabilidade alerta-nos para a forma como o campo jornalístico está mais virado para a
cobertura de acontecimentos e não problemáticas” (TRAQUINA, 2005b, p. 82).
Outro valor-notícia descrito por Traquina é o inesperado. Ele representa aquele fato
que não é nada habitual e surpreende os jornalistas, sendo então alçado à qualidade de notícia.
É o diferente.
Há também o valor-notícia do conflito, ou da controvérsia. Quando há um conflito
com violência, principalmente na área da política, esse fato vira notícia. A violência pode ser
física ou simbólica, apesar de a física agregar mais noticiabilidade, uma vez que é mais
diferente da normalidade.
Esse valor está ligado ao próximo, o da infração. Em outras palavras, a quebra ou
transgressão das regras. Apesar de os crimes como um todo serem tratados muitas vezes
dentro da normalidade, pois acabam sendo comuns, se se agregarem outros valores-notícia a
um fato, ele pode se tornar mais noticiável. Por exemplo, uma infração com violência ocupará
mais espaço como notícia.
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Por fim, um último tipo de valor-notícia é o do escândalo. Ele diz respeito a um dos
papeis fundamentais do jornalismo, o de vigiar o poder político (TRAQUINA, 2005a), e se
relaciona com o valor da infração. Escândalos, principalmente os relativos à corrupção, em
governos, ou no poder em geral, são largamente noticiados.
Mesmo com a categorização destes valores, a seleção das notícias não deve ser
pensada como algo automático, sem mudanças. Os critérios são complementares, dialogam
entre si e, como vimos em alguns casos, um valor-notícia pode tornar o outro mais ou menos
forte, em determinada situação.
Quanto a estes valores, Traquina demonstra a importância deles enquanto fatores para
gerar consenso na sociedade. Através destes critérios, os jornalistas estabelecem o que é
consenso, e, mais do que isto, o que é consensualmente marginal à sociedade.
Esta visão nega quaisquer discrepâncias estruturais mais importantes entre grupos
diferentes, ou entre os próprios mapas diferentes do significado numa sociedade , e
ganha assim significado político. Grupos fora do consenso são vistos como
dissidentes e marginais, sejam eles ‘skinheads’ ou ‘pedófilos’. [...] O crime envolve
o lado negativo do consenso, visto que a lei define o que a sociedade pensa serem
tipos ilegítimos de ação. (TRAQUINA, 2005b, p. 86).
Quando todos se movem em grupo, atrás dos mesmos acontecimentos, toma lugar o efeito da
homogeneidade no campo jornalístico. É a concorrência como fator de equiparação.
O último valor-notícia de seleção, de acordo com os critérios contextuais, é o do dia
noticioso. Dependendo da quantidade e da importância dos outros acontecimentos em um dia,
determinado acontecimento tem mais ou menos chance de se tornar notícia, e, em se tornando,
mais ou menos destaque. Em épocas do ano nas quais menos acontecimentos tomam lugar,
fatos de menor expressão são alçados à notícia, sendo o oposto também verdadeiro.
Findos os valores-notícia de seleção, que, como vimos, dão conta da eleição e rejeição
dos fatos que virão a se tornar notícias, daremos atenção agora aos seis valores-notícia de
construção. Estes valores determinam, dentro do processo de elaboração das notícias, que
elementos terão ênfase, de que forma serão trabalhados, e também que pontos terão menos
destaque.
O primeiro destes valores é a simplificação. O trabalho dos jornalistas muitas vezes é
simplificar um fato, retirar seus fatores complexos e informá-lo de uma forma mais facilmente
digerível. Quanto mais simples for e menos elementos ambíguos e emaranhados houver, mais
fácil será a recepção da notícia.
O próximo valor-notícia é o da amplificação. Se um fato for amplificado, ele será
mais notado pelo público, fazendo com que mais pessoas se identifiquem com a notícia e se
sintam sujeitos dela.
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Quanto aos valores-notícia sistematizados pelo autor, estão sob o mesmo paradigma
daqueles abordados por Traquina (2005b), e são divididos em cinco categorias. São eles: os
critérios substantivos, aqueles relativos diretamente ao assunto dos acontecimentos em
questão; os critérios relativos ao produto, que dizem respeito às características do produto
jornalístico, bem como aos procedimentos de produção das notícias; os critérios relativos ao
meio, referentes às características, necessidades e deficiências do próprio meio de
comunicação, seja ele impresso, audiovisual, etc.; os critérios relativos ao público, que dizem
respeito à imagem que os jornalistas têm de seu público, o que eles definem que sua audiência
quer e precisa; por fim, os critérios relativos à concorrência, pois, como já foi abordado
(Bourdieu, 1997; Traquina, 2005b), os jornalistas formam uma tribo que luta pelo mesmo
objetivo, as notícias, e não cessa de competir e vigiar o trabalho concorrente, o que pode ser
determinante no momento de seleção dos fatos que se tornarão notícia.
Atenta-se, ainda, para a existência de uma distorção involuntária no processo de
construção das notícias. Esta seleção não é um processo cristalino, e reflete uma construção
social das notícias, ao contrário da ideia de apenas um espelho da realidade. O discurso
jornalístico tem base na realidade e ajuda a construí-la (PENA, 2005). Wolf (2005, p. 189) se
refere à inescapabilidade desta distorção, visto seu grau de vinculação ao trabalho do
jornalista:
Da mesma forma que tem o poder de salientar certos aspectos e tipos de conteúdo,
estas práticas e tendências também escondem e não mostram outros aspectos que também
podem ter importância. Tão intrincada como a forma de construir a realidade está a distorção
que ela própria causa. Pereira Jr (2005, p. 82) aborda a noticiabilidade como fator desta
distorção no produto jornalístico:
É a crítica que Bourdieu (1997) faz ao campo jornalístico. Ele representa o caminho
necessário a trilhar para se ter acesso ao debate público, mas não mostra muitas expressões
que seriam bem-vindas nesse debate.
As rotinas e estruturas de produção, assim como as exigências e características de cada
meio, influenciam o produto jornalístico desde o seu início até a sua apresentação, gerando até
mesmo critérios aplicados inconscientemente pelo público. As notícias têm graus de
semelhança entre si mesmo em lugares distantes, pois a representação da realidade social se
guia nestas estruturas.
Assim, o newsmaking tem uma lógica própria de atribuição de sentido ao produto
jornalístico. A natureza das notícias não se deve, sob esta perspectiva, apenas à decisão
pessoal do jornalista, mas muito mais ao contexto onde ele está inserido, e ao chamado “senso
comum” das redações, de que fala Pereira Jr. (2005, p. 83). É um paradigma que admite o
objeto como produção social, e dá atenção a este fator para investigá-lo.
Outra das teorias que se ocupa da descrição da natureza das notícias é a teoria do
gatekeeper. Ao contrário da teoria do newsmaking, aqui o crédito da seleção das notícias, e
seus consequentes padrões, são dados ao jornalista, de uma forma mais individual. Quando
naquela teoria a escolha e a natureza das notícias se devem à estrutura organizacional e do
trabalho, bem como à cultura profissional do jornalista, aqui o profissional é considerado um
“filtro”, que tem o poder de selecionar e decidir o que se tornará notícia (PENA, 2005). O
jornalista tem o controle dos “portões” por onde passa a notícia (de onde se origina a
expressão em inglês), e suas impressões e preferências pessoais seriam critérios fortes nesta
escolha (PENA, 2005). Traquina (2005a, p. 150, grifo do autor) resume como se dá esta
avaliação, de acordo com o gatekeeping:
editoriais da empresa, assim como a influência dos fatores econômicos sobre a empresa em si
(PEREIRA JR., 2005; PENA, 2005; TRAQUINA, 2005a).
Tanto a teoria do gatekeeper quanto a do newsmaking nos ajudam a compreender
melhor o campo jornalístico e seu principal produto, ou objetivo, para utilizar a expressão de
Bourdieu (1997), as notícias. A conceituação sobre as implicações do jornalismo de um modo
geral nos é de grande valia, para melhor compreendermos suas bases e pressupostos. O
jornalismo é uma atividade fundamental dentro de uma sociedade democrática, e tem sua
prática vinculada a ela. Sua crescente profissionalização, embora haja controvérsia se a
atividade constitui profissão ou não, gerou uma cultura profissional, de onde emergiu até
mesmo uma tribo (TRAQUINA, 2005b), que partilha valores e crenças. Assim, os valores e
as características da atividade e da tribo serão pertinentes para as considerações acerca dos
questionamentos trazidos pelo meio digital, que terão lugar no próximo capítulo. As
propriedades da Internet levam os jornalistas a novos paradigmas sobre seu trabalho, não sob
a forma de um determinismo tecnológico, mas constituindo recursos novos que devem ser
observados e sobre os quais se deve refletir. A objetividade, fator considerado caro pelos
jornalistas, é contraposta à perspectiva do conteúdo gerado pelo usuário, que, muitas vezes,
não possui compromisso com condutas básicas como esta, causando novos padrões sobre os
quais deve-se ponderar. Não se trata de encarar toda e qualquer manifestação do público como
solução ou futuro para o jornalismo, mas de admitir a realidade e pensar nas perspectivas
geradas por um público muitas vezes inquieto. Da mesma forma, os valores-notícia, frutos da
cultura jornalística, servirão para contraposição quando da investigação de nosso objeto de
estudo e os assuntos abordados nele, financiados pelos usuários.
38
Em 1989, o inglês Tim Berners-Lee 3 propôs a World Wide Web (WWW), uma rede
mundial de informações acessível via Internet, de uso simplificado e modificável. Tendo em
vista que, por vezes, os conceitos de World Wide Web e Internet são confundidos, Gillies e
Cailliau (2000, p. 1, tradução nossa) apontam suas diferenças:
3
Pesquisador do CERN, instituto europeu de pesquisas de física de partículas (BRIGGS e BURKE, 2006).
4
Hypertext Markup Language, na sigla em inglês.
5
Foi desenvolvido pelo NCSA (National Center for Supercomputing Applications), na Universidade de Illinois,
Estados Unidos.
40
mercadológicas que o setor jornalístico tinha na década de 80 (que serão tratadas a seguir),
mas acabou por transformar o mercado de forma mais profunda.
6
Nota dos autores.
41
Jornalismo online é tudo isso e mais. É também a indústria que está tendo
experiências com o total e desmediado impacto de formatos convergentes de mídia.
[...] Muitos dos acréscimos obsoletos da cultura tradicional das notícias estão sendo
rapidamente descartados de modo a criar novos formatos radicais para o século
XXI. Estas novas formas da informação afetarão cada aspecto de nossas vidas.
(HALL, 2001, p. 6, tradução nossa).
Logo, ler as notícias se configura mais ainda como um processo não-estático, em uma
sociedade mediada pela informação e pela Internet nos mais diversos âmbitos. Não só o
jornalismo online (e o meio digital como um todo) afeta as outras áreas da profissão
jornalística, como possui peculiaridades que devem receber atenção.
7
GOOGLE. Google Search Statistics from 9/11/01. Mountain View, [entre 2001 e 2010]. Disponível em:
<http://images.google.com/press/zeitgeist/9-11-search.html>. Acesso em: 30 ago. 2010.
43
tanto no fazer jornalístico quanto na forma como o público se informa pelas notícias.
Conforme Sousa ([2003]), os níveis onde o jornalismo é impactado são dois:
Para o usuário, isto significa que ele ou ela pode optar por uma reportagem concisa
ou em profundidade e, assim, minar a diferença tradicional entre tipos de notícias
(tele ou radiodifusão) e gêneros jornalísticos (reportagem e comentário).
(BARDOEL e DEUZE, 2001, p. 97, tradução nossa).
44
Esta disponibilidade de informações é possível tanto para o produtor das notícias quanto para
o próprio usuário.
Observa-se então que o jornalismo online é um terreno muito singular, se comparado
às outras áreas da profissão. Envolve, de forma inerente, a interatividade, seja no que
concerne à relação usuário-autor, quanto à possibilidade de interação usuário-usuário e
usuário máquina. A interatividade está presente também no hipertexto, estrutura básica do
texto na Web, que permite a existência de conexões com materiais e sites diversos em uma
reportagem, demonstrando o caráter de rede do meio, como ressaltam as próprias expressões
estrangeiras “World Wide Web” e “Internet”. É o próprio hipertexto que permite, logo, que o
jornalismo online informe de maneira mais global, levada em conta a multiplicidade de
mídias possível em qualquer site. Além disso, a ausência de limite de espaço e tempo permite
45
Utilizamos neste estudo o conceito de que aqueles webjornais onde existe intervenção
do público no conteúdo, seja gerando conteúdo editorial (através de vídeos, fotos ou mesmo
reportagens) ou por meio de comentários e discussões, são webjornais participativos, seja o
veículo em questão gerenciado por profissionais ou não (TRÄSEL, 2007). Da mesma forma,
Primo e Träsel (2006, p. 10) definem o webjornalismo participativo como “práticas
desenvolvidas em seções ou na totalidade de um periódico noticioso na Web, onde a fronteira
entre produção e leitura de notícias não pode ser claramente demarcada ou não existe”. Nota-
se que Bruns (2009, p. 28, tradução nossa), com a mesma preocupação, utiliza conceito
semelhante, relacionado à participação do público: são websites noticiosos colaborativos
aqueles que “utilizam em larga escala seus usuários como coletores de informação, editores
ou comentadores”. Observa-se que os comentários, mesmo não sendo a informação “central”
em um produto jornalístico, podem ser vistos como fruto de jornalismo participativo.
Enxerga-se aí, logo, sua importância do ponto de vista comunicativo.
46
O meio online é um terreno fértil e adequado para este tipo de manifestação, razão
pela qual falamos em webjornalismo participativo, visto que muitas vezes ele é feito com este
meio em mente. Procura-se deixar de lado um raciocínio que envolva um determinismo
tecnológico, que daria às ferramentas e tecnologias disponíveis o único crédito pelo
aparecimento do webjornalismo participativo. Nas palavras de Lévy (1999, p. 25),
E mesmo onde o jornalismo permanece participativo, não existe garantia que isso
levará a uma cobertura das notícias sob múltiplas perspectivas: essa cobertura
depende não só do fato que os usuários participam, como também na questão de
quais usuários fazem parte do processo – em outras palavras,
multiperspectivalidade acontece sob a condição de que os usuários participantes
representem variadas perspectivas.
8
“Multiperspectival news” (tradução nossa).
50
9
“Annotative reporting” (tradução nossa).
51
informações periféricas, adicionando outros ângulos e pontos de vista, que porventura possam
estar faltando), reportagem open-source e peer review (quando se permite aos leitores
avaliarem um artigo antes de sua publicação, podendo expandi-lo ou modificá-lo, em uma
prática colaborativa), transmissão de áudio e vídeo, compras, vendas e anúncios (se levarmos
em conta as comunidades criadas em torno ambientes comerciais, com fenômenos como
comentários e checagem de fatos de produtos) e, por fim, administração de conhecimento (a
utilização de blogs, ou de comunidades blogueiras, para reunir e compartilhar conhecimentos
e ideias, seja em um ambiente fechado, como uma corporação, ou não).
Uma outra forma de participação que os leitores podem ter é a de financiamento direto
das notícias, de forma parecida com a que acontece no Spot.Us, objeto deste estudo. Uma
experiência de arrecadação de fundos junto à audiência foi realizada pelo jornalista
Christopher Allbritton em dois weblogs. O primeiro, chamado Back To Iraq (“De volta ao
Iraque”, em tradução livre), foi criado em 2002. O jornalista norte-americano, com 20 anos de
experiência em veículos de comunicação, era totalmente financiado por seus leitores, e
utilizava o dinheiro arrecadado para se manter no Iraque e reportar de forma independente a
situação da guerra contra os Estados Unidos 10 . Estas seriam enviadas em primeira mão aos
doadores e mais tarde publicadas no blog. Atualmente o Back to Iraq já não recebe mais
atualizações, mas Allbritton possui outro projeto. De nome Insurgency Watch (algo como
“observatório de revoltas”, em tradução livre), a iniciativa tem como objetivo reportar
conflitos em países como Paquistão e Afeganistão, também financiado somente por doações
de leitores, além de anúncios no website 11 . É interessante notar que a proposta do jornalista,
não obstante uma infinidade de conteúdo disponível na mídia em geral sobre conflitos no
Oriente Médio, conseguiu se manter por vários anos, dando ensejo inclusive a uma segunda
ideia na mesma linha.
Observadas categorias descritas acima, podemos olhar alguns exemplos disponíveis de
webjornalismo participativo. Dentro da categoria dos sites onde o conteúdo é gerado quase
em sua totalidade por usuários existe o sul-coreano OhmyNews
(http://english.ohmynews.com/, versão em inglês), um dos maiores modelos internacionais de
jornalismo colaborativo. Com o lema “cada cidadão é um repórter”, o site funciona como uma
agência de notícias, mas que utiliza material comprado de repórteres amadores espalhados por
10
ALLBRITTON, Christopher. Back to Iraq!. Back to Iraq, [S.l.], 2 out. 2002. Disponível em:
<http://www.back-to-iraq.com/2002/10/back-to-iraq.php>. Acesso em: 9 out. 2002.
11
ALLBRITTON, Christopher. Welcome to InsurgencyWatch.com. Insurgency Watch, [S.l.], 26 fev. 2009.
Disponível em: <http://www.insurgencywatch.com/2009/02/26/welcome-to-jihadistan/>. Acesso em: 9 out.
2002.
52
todo o mundo. Cada reportagem enviada é remunerada com US$ 20, e a gama de assuntos
abordados é imensa.
O Independent Media Center, ou simplesmente Indymedia
(http://www.indymedia.org) é outro exemplo bem conhecido. Criado em 1999 para a
cobertura colaborativa e independente de manifestações contra a Associação Mundial do
Comércio em Seattle, é uma rede de veículos que busca trabalhar como alternativa à grande
mídia. Hoje existe em dezena de países e é publicado em oito línguas12 .
Ainda outro modelo é o Slashdot (http://slashdot.org), site voltado para tecnologia,
software livre e informática em geral. Todo o conteúdo de seus artigos é gerado por seus
usuários, que também realizam a checagem dos fatos e avaliação dos comentários (BRUNS,
2009). Existe, no entanto, um controle editorial de quais artigos vão para a capa do site. Com
o passar dos anos, se criou uma verdadeira comunidade em torno dele, que possui mais de 600
mil membros registrados (BRUNS, 2009).
Quanto aos veículos tradicionais que se utilizam do webjornalismo participativo em
seções distintas, existem vários. A CNN possui o CNN iReport (http://ireport.cnn.com/), uma
seção bem desenvolvida em seu website direcionada para captar as contribuições de
repórteres amadores ao redor do mundo, com presença inclusive em aplicativo para celular.
Alguns exemplos brasileiros são o VC Repórter 13 , do portal Terra, o VC no G1, do G1, portal
jornalístico da Rede Globo de Comunicação, e o Leitor-Repórter, de Zerohora.com, veículo
do Grupo RBS. Os quatro funcionam basicamente da mesma forma: convidam o internauta a
enviar fotos, vídeos áudios ou textos sobre algum fato que o leitor tenha presenciado. As
contribuições não são remuneradas e são publicadas com os devidos créditos na página
específica de cada projeto. Este tipo de iniciativa permite principalmente dois fatos: uma
aproximação por parte do veículo com a comunidade, e a transposição da voz dos sujeitos da
comunidade para a mídia, podendo assim revelar problemas e necessidades.
Por ser um elemento novo e que se desenvolve rapidamente, o webjornalismo
participativo suscita críticas, tanto do meio acadêmico quanto do próprio mercado. Sem
dúvida, os questionamentos mais habituais dão conta da questão ética em utilizar
contribuições de cidadãos que não possuem compromisso com nenhuma técnica jornalística
nem com nenhuma instituição. De fato, “duvida-se da postura ética dos ‘cidadãos-repórter’
12
INDYMEDIA. About Indymedia. Seattle, [1999?]. Disponível em:
<http://www.indymedia.org/pt/static/about.shtml>. Acesso em: 27 ago. 2010.
13
Respectivamente: http://noticias.terra.com.br/vcreporter, http://g1.globo.com/vc-no-g1/ e
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/home.jsp?localizador=Zero+Hora/Zero+Hora/Leitor-
Reporter&secao=lista§ion=Leitor-Rep%F3rter
53
sem conhecimento formal em jornalismo ou que não contem com o respaldo de uma
reconhecida instituição jornalística” (PRIMO e TRÄSEL, 2006, p. 6). Assim, por estarem
“soltos”, “agindo por conta própria”, de certa forma, é comum sua atuação não ser levada a
sério. Existe também a preocupação com a publicação excessiva de opiniões neste tipo de
comunicação, onde pode haver condutas mal-intencionadas em um ambiente tão desmediado.
Fonseca e Lindemann (2007, p. 92) falam de um retorno ao jornalismo essencialmente
opinativo do século XV:
Mas a dúvida permanece: como lidar com informações irresponsáveis e errôneas, sem
treinamento específico para a função, e sem corporações dando apoio e suporte? Brambilla
(2005) e Primo e Träsel (2006) ressaltam que, afinal, não é o jornalismo tradicional que está
livre de erros. Existem casos históricos de falhas, desinformações e imparcialidades que
acometeram grandes e bem estabelecidos veículos de comunicação. Uma diferença básica, e
bem-vinda, é uma maior facilidade de correção na mídia participativa:
Por mais que haja jornalistas atuando como moderadores, o trabalho é limitado à
revisão e edição do material que lhes é enviado, deixando de lado as tarefas
corriqueiras que envolvem a cultura profissional e enriquecem a produção
jornalística. Além disso, pode-se questionar: onde fica a relevância de critérios
como interesse público, veracidade, objetividade, clareza, exatidão, linguagem
adequada? Tem-se uma situação em que todos esses pressupostos parecem diluir-se
de tal forma que o jornalismo torna-se, pelo menos numa análise preliminar,
simplista, superficial, pouco sério. (FONSECA e LINDEMANN, 2007, p. 91).
14
“Gênero de pá” (tradução livre).
55
Ou seja, a participação do público e as alternativas que dão voz a ele de forma mais
global devem ser encaradas não só como frutos de uma nova sessão de publicação nos
webjornais, ou como novidades que interessam apenas a programadores, mas como
necessidades que acabaram encontrando vazão nos diversos recursos encontrados na Web.
Não só servir a este papel de voz alternativa, mas os exemplos encontrados de
colaboração do público também podem ser vistos como forma de ajudar a guiar o público no
meio da abundância de informações que existe hoje.
A natureza aberta e transparente de colaboração e adesão destes sites faz com que eles
“cativem” os usuários de forma rápida. Para atingir os mesmos níveis de “intimidade” e
relação com sua audiência, os canais de mídia tradicionais, como canais de televisão e jornais,
levaram vários anos, e o webjornalismo participativo, por possuir um caráter diferente, com
mais aproximação, fez em bem menos tempo (BOWMAN e WILLIS, 2003).
Outro ponto onde o fenômeno suscitou questionamentos é na questão da objetividade.
Como já visto no capítulo anterior, as ideias de objetividade e imparcialidade são fatores
presentes há tempo no jornalismo ocidental, e procuram propor alternativas à subjetividade
encontrada na doxa. São balizas que, supostamente, devem guiar a atuação tanto de um
veículo jornalístico quanto de um profissional em seu trabalho, e que os próprios profissionais
utilizam a seu favor para proteger seu trabalho das constantes pressões que sofrem. Por lidar
com membros da audiência sem qualquer formação técnica e que não possuem intenção de
responder aos pilares do jornalismo profissional, o webjornalismo participativo dá prioridade
a outros valores nas informações que publica, criando assim um novo padrão:
Os usuários que compõem esta audiência [o público ativo] 15 acabou com alguns
dos ideais mais mal-utilizados da profissão jornalística – ‘verdade’, ‘objetividade’,
‘ausência de interesse’ – e os substituiu por suas próprias alternativas: deliberação,
multiplicidade de perspectivas e paixão. (BRUNS, 2009, p. 316).
15
Nota dos autores.
56
Observa-se assim uma tendência que significaria que a realidade exposta nas notícias
precisa estar aberta à discussão, pois ela não está terminada, pronta (BRUNS, 2009).
Novamente, é uma alternativa ao jornalismo estabelecido. Neste novo fenômeno, o público
encontra (e ajuda a construir ele mesmo) alternativa à mídia que oferece um pacote pronto de
notícia onde não há debate nem um maior envolvimento com as notícias de interesse do
próprio usuário.
Um dos empregos frequentes e que ajuda o webjornalismo participativo a definir sua
identidade e crescer é a reportagem de crises. Em momentos de conflitos e catástrofes, a
atuação de repórteres amadores se faz perceber, e constitui uma grande alternativa aos
veículos de comunicação. Três grandes eventos nos quais isto ocorreu foram o tsunami que
atingiu o sul asiático em 2004, as explosões no metrô de Londres em 2005 e o furacão
Katrina, no mesmo ano (ALLAN, 2009). Em todas as situações, pessoas comuns envolvidas
diretamente nos fatos começaram a capturar imagens com celulares, câmeras digitais e
qualquer outro tipo de dispositivo móvel à mão. Todas estas imagens e relatos foram
publicados na Web, de forma muito rápida e de locais de difícil acesso. Nestes casos de
emergências, quando cidadãos comuns passam a dar seus relatos e contar o que vêem, cria-se
uma sensação de coletividade, uma maneira de um grupo reportar o que vê e sente para os
outros, ao invés de ter isso vindo de alguém de fora, distante (ALLAN, 2009).
Frente a este novo cenário para jornalistas e empresas jornalísticas, muitos são aqueles
que dizem que é o começo do fim do jornalismo. A organização de veículos de comunicação
como conhecemos estaria fadada a se extinguir e dar lugar ao trabalho exercido pelo público,
de forma mais barata, mas também menos especializada e compromissada. Um olhar mais
atento, entretanto, demonstra que ambos devem se relacionar, e que uma análise excludente
não é a correta. Gillmor (2006) reconhece a necessidade do trabalho jornalístico profissional e
dedicado. Sem este tipo de trabalho, quem daria continuidade, por exemplo, às reportagens
investigativas e coberturas de guerra, que demandam grande investimento, dedicação,
respaldo institucional e apuro técnico?
Se as companhias de mídia vão colaborar com sua audiência online, eles precisam
começar a considerar um website de notícias e informações como uma plataforma
que suporte interação social ao redor das notícias que publica. Estas interações são
tão ou mais importantes que a narrativa, por que são criadas por e pertencem à
audiência.
É mais do que apenas publicar notícias, ou simplesmente liberar uma área para
comentários, sem lhes dar atenção. Envolve tratar a relação com a audiência de outra forma. É
um raciocínio na mesma linha do de Gillmor (2006), quando este diz que o jornalismo deve
passar de palestra para conversa. Deuze (2009) coloca que a participação do usuário é uma
realidade que bate à porta, e que não há perspectivas de que isto cesse ou diminua. Todas as
comunidades de blogueiros, de pessoas com equipamentos caseiros que transmitem seus
relatos, de interessados nos mais diversos assuntos que debatem e fazem conteúdo
incansavelmente não parecem ver motivo para parar. Ao mesmo tempo, o jornalismo é um
campo profissional e tem sua função social bem definida. O autor traz bons questionamentos:
[..] parece claro que o jornalismo deve se engajar permanentemente com esta massa
de indivíduos de uma forma que faça sentido para suas identidades profissionais já
entranhadas e para a ideologia profissional de seus trabalhadores. Ainda assim, este
engajamento deve, além disso, fazer sentido para os seus marqueteiros e
anunciantes – para a indústria de notícias como um negócio. De forma similar, a
mercantilização de notícias não mostra sinais de recuo. Logo, por razões
comerciais, culturais e tecnológicas, é de interesse (da maior parte) do jornalismo se
tornar mais uma parte da comunidade à qual ele exige servir. (DEUZE, 2009, p.
263, tradução nossa).
Ou seja, o cenário do jornalismo deve não apenas mudar seu modo de ser, como esta
conduta deve corresponder ao que se espera da profissão e dos profissionais, bem como fazer
sentido do ponto de vista de negócio. Deuze (2009 p. 263, tradução nossa) propõe duas
58
O site Spot.Us foi criado em outubro de 2008, e é uma iniciativa do Center For Media
Change, uma organização sem fins lucrativos de Palo Alto, no estado norte-americano da
Califórnia, dedicada à novas experiências jornalísticas. De fato, o Center for Media Change se
define como uma organização
[...] que enriquece nossa cultura e fortalece nossa democracia ao facilitar a criação,
o desenvolvimento e o uso de novos modelos de negócio baseados na Internet para
preservar a viabilidade econômica e profissional do jornalismo. 16
16
CENTER FOR MEDIA CHANGE. About Center for Media Change. Palo Alto, 16 jun. 2009. Disponível
em: <http://centerformediachange.com/>. Acesso em: 29 maio 2010. (tradução nossa).
60
nós normalmente obtemos jornalismo. Mas é possível obter jornalismo sem jornais.
É possível obter jornalismo sem notícias da TV a cabo. Jornalismo é um processo,
uma série de atos. E outro aspecto como uma filosofia para nós é que jornalismo
deve ser participativo. É algo em que o público deve se engajar. 17
17
SPOT.US. What is Spot.Us About?. San Francisco, [2008?]. Disponível em:
<http://www.spot.us/pages/about>. Acesso em: 05 out. 2010. Tradução nossa.
18
5 Innovative Websites That Could Reshape the News. Mashable, San Francisco, [2010?]. Disponível em:
<http://mashable.com/2010/05/18/innovative-news-websites/>. Acesso em: 20 out. 2010.
19
SPOT.US. What is Spot.Us About?. San Francisco, [2008?]. Disponível em:
<http://www.spot.us/pages/about>. Acesso em: 05 out. 2010.
20
COHN, David. Doubt [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <fontoura_marcelo@hotmail.com> em 7
out. 2010.
61
Estas sugestões ficam expostas no site, em uma seção determinada 21 . Cabe, então, aos
repórteres cadastrados no Spot.Us construírem propostas mais específicas de reportagem
sobre estas ideias. Quando isto é feito, a tip original é substituída por uma “pitch”
(“proposta”). Este novo tipo de proposta já tem um repórter vinculado a ela. De fato, o
repórter específico encarregado de cumprir a pauta caso ela venha a ser totalmente financiada.
O jornalista que tomar para si a
responsabilidade de transformar
a dica numa proposta de pauta
deve dar mais detalhes de como
será sua atuação, que objetivos
pretende atingir, como sua
reportagem ajudará a sociedade
no que concerne ao assunto em
questão. Existe na página
Figura 2 – Página exemplo de pitch também uma breve descrição
Fonte: <http://spot.us/pitches/463-on-the-move-how-do-young-
people-experience-migration>. Acesso em: 05 out. 2010. das qualificações do repórter e
seu trabalho em geral. Neste
estágio as contribuições feitas pelos usuários são efetivamente recolhidas e discriminadas na
página. Consta na mesma área também uma barra que informa quanto dinheiro já foi
levantado e quanto ainda falta para atingir o nível necessário.
Finalmente, quando a quantia necessária é reunida, o jornalista cumpre a pauta. O
tempo destacado para que o repórter realize a pauta varia de duas semanas a dois meses,
dependendo da complexidade envolvida. A reportagem produzida neste processo é publicada
no Spot.Us, em uma seção específica. Em poucas palavras, e utilizando o jargão jornalístico, o
processo construído no Spot.Us envolve, primeiramente, uma sugestão de pauta, após, uma
pauta, culminando finalmente em uma reportagem. O conteúdo publicado é registrado sob
uma licença livre, que permite a qualquer pessoa possa republicá-lo, desde que seus autores e
o site Spot.Us sejam devidamente creditados. De outro modo, é possível que seja feita uma
parceria com alguma empresa jornalística. Assim, a empresa pode financiar 50% do valor da
produção da notícia, e, em troca, tem o direito de publicá-la em primeira-mão. Quando isto
acontece, o valor financiado pela comunidade volta a cada um dos indivíduos na forma de
créditos, que eles podem direcionar para outras pautas, se assim desejarem. Entre as
21
http://www.spot.us/stories/suggested.
62
organizações jornalísticas que trabalham com o Spot.Us estão os jornais The New York
Times, Oakland Tribune e Oakland Local, a emissora de rádio KALW etc.
Os repórteres cadastrados no website são jornalistas que trabalham de forma
freelancer, ou seja, sem um contrato pré-determinado com o Spot.Us. Suas qualificações
variam bastante, e os profissionais podem ser tanto iniciantes quanto já experientes, bastando
que utilizem sua verdadeira identidade e provem ser competentes o suficiente.
Existe outro tipo de interação com o usuário que o Spot.Us permite, e que reforça seu
caráter de colaboração (embora haja tarefas nas quais a colaboração não aparece). É a função
de “assignment”. O repórter encarregado de determinada pauta pode pedir durante sua
realização, se julgar necessário, que algum usuário do site ajude em determinado ponto da
reportagem. Esta ajuda pode ser tirar fotografias, explorar algum documento, conduzir
entrevistas, e pode envolver uma ou mais pessoas, tudo subordinado à vontade e à
necessidade do repórter. Os usuários então se candidatam para o assignment e o jornalista
aceita aquele que considerar mais adequado.
Quanto ao seu âmbito, a cobertura do site engloba o estado da Califórnia, na costa
oeste dos Estados Unidos, principalmente nas cidades de San Francisco, Oakland e Los
Angeles. Como verificaremos mais detalhadamente adiante, o fator local é fundamental nas
notícias e sugestões veiculadas.
Quando se entra no website, observa-se em destaque quatro ícones no topo da página.
Eles realçam os passos da
construção do produto jornalístico
no website. O primeiro, “start a
story” 22 , chama o público a se
cadastrar e dar sugestões de
pautas, dar início a alguma
reportagem. Ao lado, há o ícone
“fund a story”, que mostra as
pautas expostas à avaliação do
público, aguardando para serem
financiadas. Após, há o ícone
Figura 3 – Página principal do Spot.Us “read a story”, que é caminho
Fonte: <http://spot.us/>. Acesso em: 05 out. 2010.
para as reportagens já totalmente
22
Respectivamente, “comece uma reportagem”, “financie uma reportagem”, “leia uma reportagem” e “acumule
crédito” (traduções livres).
63
financiadas e publicadas no site. Por fim, o ícone “earn spot” apresenta uma pesquisa
desenvolvida por uma organização jornalística que, ao ser respondida por qualquer usuário,
permite o acúmulo de dólares em crédito para investir em qualquer sugestão de reportagem.
Mais abaixo, existem hiperlinks para reportagens em destaque que passam pelo processo de
financiamento pelo público, bem como para reportagens publicadas recentemente.
Tendo em vista as reflexões de Bruns (2009) explanadas no capítulo anterior, o tipo de
gatewatching presente no Spot.Us é o de entrada. Ou seja, é aquele presente na fase de
entrada de um veículo noticioso, acontece a reunião dos fatos que podem se tornar notícia.
Quando decidem quais assuntos devem virar reportagens, através das propostas iniciais, os
usuários desempenham a função de decidir o que é importante e o que deve constar na pauta
do Spot.Us. Muitas vezes, esta decisão acontece baseada em materiais publicados na mídia
tradicional. Notícias em geral, algum tema que não foi bem abordado, acabam despertando a
curiosidade e o senso de importância, e o assunto é sugerido. Algumas vezes, entretanto,
acontece o contrário: um tema não possui nenhum destaque na mídia tradicional, por
quaisquer razões, e o público quer se informar mais sobre ele. O gatewatching de entrada no
Spot.Us acontece novamente quando o público escolhe o que é mais relevante para ser
financiado e consequentemente publicado. No final das contas, é a sua escolha que determina
o que irá receber financiamento, não importa o quão detalhada for a proposta do repórter e o
quão boas sejam as qualificações dele, embora ambas as coisas tenham grande influência na
decisão.
Não é possível dizer que acontece gatewatching na etapa de saída do Spot.Us. Mesmo
com a efetiva escolha inicial de pautas por parte do público, quem parte para a coleta de
informações e as hierarquiza no produto jornalístico é um jornalista. Embora ele talvez não
possua um diploma universitário em jornalismo (esta não é uma exigência obrigatória nos
Estados Unidos) ele deve demonstrar experiência para trabalhar junto ao site. Assim, quem
dará forma e terá o poder de realçar ou não determinados pontos do assunto é um jornalista.
Se relembrarmos os critérios de noticiabilidade estabelecidos por Traquina (2005b) veremos
que os critérios de seleção (mais especificamente os substantivos) ficam a cargo do público,
enquanto os de construção, presentes já na fase de elaboração da notícia, são oriundos dos
jornalistas. É preciso ressaltar que o jornalista possui, sim, espaço para utilizar os critérios de
seleção dentro da sua proposta de reportagem, que fica exposta ao público. No entanto, a
proposta passa pela decisão dos usuários de apoiarem ou não aquela proposição. Além disso,
a proposição (pitch) acaba não sendo distante do que foi colocado anteriormente através da
proposta inicial por um usuário.
64
Cabe salientar ainda que a ideia de processo jornalístico defendida pelo fundador do
Spot.Us, David Cohn, também é partilhada por Traquina (2005b) e Wolf (2005), quando estes
falam do trabalho jornalístico surgido através de um processo, que envolve seleção,
elaboração e publicação da notícia, com vários membros e critérios envolvidos, ao invés de
apenas uma decisão estanque. É com este processo em mente que defendemos a definição de
nosso objeto como um webjornal participativo, uma vez que ele depende decisiva e
sistematicamente da atuação de seus usuários no nível de entrada dos temas que aborda.
Seguimos assim no mesmo raciocínio que Bruns (2009) utiliza para definir este tipo de
veículo jornalístico, também abordada no capítulo anterior. Sem os usuários, o processo não
se configura.
A técnica escolhida para melhor executar este estudo foi a análise de conteúdo. O
método é o mais adequado para interpretarmos e lidarmos com os dados coletados na análise
de nosso objeto de estudo, as reportagens e propostas do webjornal Spot.Us. Na conceituação
de Bardin, a análise de conteúdo é:
Neste estudo não serão levadas em conta as condições de recepção por parte do
público do material investigado, mas sim as suas condições de produção. A organização e a
sistematização dos dados servirão para este objetivo, a melhor observação de padrões e
lógicas, facilitando interpretações e deduções. Ou seja, observar o conteúdo, mas não
enxergar apenas ele, mas também sentidos e significados escondidos ou não realçados
(BARDIN, 1977). É desta forma que pretendemos dar atenção aos fenômenos e padrões vistos
no material jornalístico produzido pelo site Spot.Us.
Primeiramente, foi definido qual seria o corpus a ser analisado no estudo. Como já
descrito anteriormente, o Spot.Us possui três categorias de reportagens/propostas publicadas,
cada uma delas em seções diferentes e definidas. A sugestão mais primária, feita por qualquer
65
usuário, é a tip. Após, vem a pitch, evolução da tip, proposta por um repórter e disponível
para ser financiada ou não pelo público. Há ainda as reportagens publicadas, que foram
totalmente financiadas e, após, feitas pelos repórteres. Para esta análise, que leva em conta
principalmente as editorias privilegiadas pelo público em sua escolha, foram eleitas duas
categorias de material para estudo: as tips e as reportagens já publicadas, ignorando as
pitches. Isto foi determinado tendo em vista que as tips representam diretamente o que os
usuários sugerem individualmente e querem ver nas páginas do site. No entanto, elas não
foram levadas adiante, seguiram apenas como propostas iniciais, seja por que não houve
repórter interessado em cumprir a pauta, seja por que não houve interesse de outros membros
em “prometer” fundos (é mais vantajoso para um repórter se inscrever em uma proposta com
mais usuários interessados e, logo, com mais possibilidade de ser totalmente financiada). Uma
vez que uma tip é transformada em uma pitch por um repórter, sendo exposta para
arrecadação junto ao público, a tip original é extinta, não se tem mais acesso a ela. Assim, é
por este motivo que se infere que todo o material deste grupo que foi analisado acabou não
passando ao estágio posterior. Com exceção das tips mais recentes, que são mais visíveis e
relativas a temas atuais, é difícil que as propostas mais antigas evoluam deste estágio e se
tornem propostas feitas por repórteres.
As reportagens publicadas também são merecedoras de análise, pois representam as
preferências de financiamento do público. Não são todas as propostas que recebem toda a
ajuda necessária, e investigar quais receberam é de grande valia. Sendo assim, escolhemos
estas duas categorias, e optamos por não analisar as pitches (propostas expostas para
financiamento do público), pois consideramos que são inconclusivas. É possível que, no
momento da coleta, uma determinada pitch X tivesse um quarto do financiamento necessário
para ser publicada, mas, no dia seguinte, já tivesse a quantia quase toda arrecadada. Por esta
inconstância, optamos por deixá-las de lado.
Desta forma, a fim de obtermos um estudo mais sólido, escolhemos levar em conta
como amostra de análise todas as tips e stories disponíveis nos arquivos do Spot.Us. As
reportagens publicadas e todas as tips sugeridas por usuários. Assim, os resultados da análise
seriam mais relevantes e pertinentes. No total, foram coletadas para a análise, formando assim
a amostra de pesquisa, 141 sugestões de reportagem e 81 reportagens publicadas, somando
222 produções.
Partimos então para a coleta do material. A primeira categoria foi a das propostas de
pautas, a das tips. Elas foram copiadas das páginas do website, uma a uma, e dispostas em
arquivos de texto no computador, uma por página, com as seguintes informações:
66
Título da proposta;
Data de publicação no website;
Texto explicativo;
Quantia de dinheiro que já havia sido “prometida” pelos usuários e por quantos deles;
Quanto dessa quantia havia sido prometida pelo próprio autor, ou por alguma
organização, ou pelo próprio site Spot.Us.
A diferenciação na última informação foi feita por ser possível que, por exemplo, de US$
100 prometidos por três pessoas em uma pauta, US$ 50 sejam oriundos do próprio autor e
US$ 25 de uma organização, fazendo com que apenas os US$ 25 dólares restantes venham de
um usuário comum do site. Ressaltamos que quando o fundador do site, David Cohn, fez
promessas de financiamento a sugestões com seu próprio perfil não se tomou nenhum cuidado
específico, visto que utilizava seu perfil pessoal, e não do Spot.Us. Também foi anotado se as
sugestões possuíam algum outro tipo de mídia, como vídeo ou áudio, embora este dado não
tenha sido utilizado mais tarde. Esta separação das sugestões foi realizada integralmente no
dia 21 de agosto de 2010, das 14 às 19 horas, de modo que entraram na amostra todas as tips
publicadas desde o início do site até este horário. Optou-se por realizar esta tarefa no intervalo
de um dia, da forma mais rápida possível, tendo em vista que estas propostas são dinâmicas, e
a qualquer momento podem receber mais apoio de usuários ou ser extintas, dando lugar a uma
proposta de repórter. Destaca-se também que há certa desorganização quanto à alocação de
tips, pitches e reportagens publicadas no site. As tips (ou sugestões) foram obtidas no
endereço eletrônico <http://spot.us/stories/suggested> 23 .
Após, foi aplicada a mesma coleta, sobre as reportagens publicadas, nossa outra
categoria a ser investigada. Elas também foram coletadas do site uma a uma e dispostas em
arquivo de texto em computador. As informações coletadas foram:
Título da reportagem;
Data da publicação no site;
Texto integral da reportagem incluindo fotos e hiperlinks;
23
SPOT.US. Suggested Stories. San Francisco, [2008?]. Disponível em:
<http://www.spot.us/stories/suggested>. Acesso em: 21 ago. 2010.
67
Informação sobre quanto dinheiro foi necessário no total para financiar a pauta, e
doado por quantas pessoas;
Quantas e quais organizações haviam doado dinheiro para a pauta, e qual foi esta
quantia;
Quantos e quais grupos haviam doado dinheiro para a pauta, e qual foi esta quantia;
Lista de quais mídias o repórter utilizou para realizar a reportagem (se havia hiperlinks
para arquivos externos estes também eram contabilizados);
Se o repórter utilizou assignments (recrutamento do público para auxiliar na
reportagem).
Os “Grupos” referidos são entidades sem fins lucrativos que podem fazer doações, que
são contabilizadas fora do montante da pauta. As reportagens publicadas foram recolhidas
entre os dias 21 e 22 de agosto de 2010, no endereço eletrônico
24
<http://www.spot.us/stories/published> . Todas as reportagens publicadas no site até o final
deste dia entraram na amostra de análise. No momento da separação do material para os
arquivos de computador o tamanho das fotos e da fonte do texto foi modificado algumas
vezes, por motivos de praticidade no arquivo.
É necessário dar lugar a algumas decisões metodológicas feitas durante o processo de
coleta. Algumas reportagens publicadas não foram consideradas na amostra, por não
possuírem informações quanto à arrecadação de fundos junto aos usuários. De acordo com o
fundador, David Cohn, esta ausência se deve ao fato de que estas reportagens são anteriores
ao lançamento do site 25 , e o sistema funcionava em outro site, de uma forma mais simplória.
Para tornar a amostra mais pura, optamos por não contar este material. São elas: “Ethanol
Could be a Weak Link in State's Energy Network”, “SF Election Truthiness Campaign”, “Bay
Area Cement Plants and Global Warming”, “Agriculture poisons water for 1.3 million San
Joaquin Valley residents”, “The Impact of Violence On the Youth in Oakland” e “Sixth and
Market - Under the Microscope”.
Quando da separação entre financiamento do público e das organizações, foi seguida a
divisão do próprio site, que lista em uma parte o apoio público, de usuários, e em outra, à
parte, o apoio organizacional. Por vezes, foi observada a presença de perfis com nomes de
pessoas físicas na área de suporte organizacional, e perfis com nomes de organizações na área
24
SPOT.US. Published Stories. San Francisco, [2008?]. Disponível em: <http://www.spot.us/stories/published>.
Acesso em: 21 ago. 2010.
25
COHN, David. Doubt [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <fontoura_marcelo@hotmail.com> em
19 ago. 2010
68
de suporte geral, mas mesmo assim foi seguida a divisão do próprio site. Cabe lembrar que a
quantia de dinheiro do suporte organizacional está inclusa no montante geral da pauta. Em
outras palavras, em uma reportagem que precisou de U$ 700 para ser feita e há US$ 200
advindos de organizações, isto significa que US$ 500 vieram do público em geral e US$ 200
de organizações. Esta não é a mesma lógica do suporte advindo de grupos, que é contado fora
do montante geral da reportagem.
Algumas reportagens são feitas em série, com várias partes abordando cada uma um
aspecto de algum fato, assunto. Neste caso, a data preenchida foi a geral da publicação do
artigo, e não de alguma parte específica da série.
Na listagem de quais mídias foram utilizadas pelos repórteres, alguns cuidados foram
tomados. Quando existiam recursos de outra linguagem publicados fora do site, em um site
noticioso (geralmente, por este ter financiado 50% da reportagem), eles não foram
contabilizados. Entraram na lista apenas aqueles que eram publicados em sites de
armazenamento de áudios ou vídeos, mas não em outros veículos de comunicação, para levar
em conta apenas os recursos presentes no Spot.Us. A exceção é quando a maior ou grande
parte do texto da matéria estava publicada apenas em outro webjornal. Ainda na lista das
mídias, foram desconsideradas as fotos pequenas publicadas no início de cada matéria, no alto
da página. O motivo da decisão é o fato de que esta foto está presente em todas as
reportagens, e na maior parte das vezes é apenas ilustrativa, não traz nada de novo ao registro.
Quanto aos hiperlinks, também eram considerados como mídia, pois constituem “janelas”
para dar fundo e novos caminhos a uma reportagem. Todavia, estes eram contabilizados
apenas quando eram destinados a outros materiais, outros dados, não quando apontavam para
outro local onde a matéria havia sido publicada etc. Finalmente, quanto aos assignments, eram
computados apenas quando condiziam com o propósito do recurso. Alguns deles (como na
reportagem “Independent Coverage of the Johannes Mehserle Trial”) não entraram na
contagem pois recrutam usuários para serem revisores da reportagem, uma função constante
que não necessita de recrutamento. Os assignments foram levados em conta quando tentavam
angariar usuários para ajudar de forma mais efetiva.
Após a sistematização e separação da amostra das duas categorias foi iniciada a
organização do material em planilhas, para melhor identificação dos dados. Nesta planilha
foram também interpretados os materiais coletados, no que diz respeito aos temas valorizados
pelas reportagens e sugestões, como veremos mais detalhadamente a seguir.
De início, foi feito um estudo piloto, para identificar possíveis problemas na estrutura
de análise. Este piloto consistiu em preenchimento em tabela dos dados de 10% da amostra,
69
a) Título da proposta
b) Editoria
c) Assunto básico
d) Quanto dinheiro já foi "prometido"?
e) Doado por quantas pessoas?
f) Data da publicação
g) Quanto do dinheiro vem do próprio autor?
h) Tiveram apoio organizacional e/ou do Spot.Us?
i) Se sim, de quanto?
j) Por quantas empresas?
Da mesma forma, para as reportagens publicadas foi feita uma tabela com estas
categorias:
a) Título da reportagem
b) Data de publicação
c) Editoria
d) Assunto básico
e) Dinheiro necessário
f) Doado por quantas pessoas
g) Houve apoio organizacional?
h) Se sim, de quanto dinheiro?
i) Por quantas organizações?
j) Houve apoio de grupos?
k) Se sim, de quanto dinheiro?
l) Por quantos grupos?
m) A matéria teve assignments?
n) Que mídia o reporter utilizou?
70
a) Link
b) Título da proposta
c) Autor da proposta
d) Autor é repórter, usuário ou organização?
e) Editoria
f) Assunto Básico
g) Quanto dinheiro já foi "prometido"?
h) Doado por quantas pessoas?
i) Data da publicação
j) Quanto do dinheiro vem do próprio autor?
k) Tiveram apoio organizacional e/ou do Spot.Us?
l) Se sim, de quanto?
m) Por quantas empresas?
a) Link
71
b) Título da reportagem
c) Data de publicação
d) Repórter
e) Editoria
f) Assunto básico
g) Dinheiro necessário
h) Doado por quantas pessoas
i) Houve apoio organizacional?
j) Se sim, de quanto dinheiro?
k) Por quantas organizações?
l) Houve apoio de grupos?
m) Se sim, de quanto dinheiro?
n) Por quantos grupos?
o) A matéria teve assignments?
p) Que mídia o repórter utilizou?
foram unificadas da forma demonstrada acima, por afinidade temática e maior organização na
reunião e análise dos dados.
É importante ressaltar ainda que, durante a metade da coleta de dados do objeto, foi
disponibilizada no site uma divisão temática das reportagens, de forma parecida com a que se
faz neste estudo. No site, as reportagens publicadas podem ser visualizadas nas seguintes
categorias: Gov't + Politics, Local Science & Business, Race & Demographics, Education,
Consumer Protection, Employment Issues, Media Accountability, Criminal Justice, Wealth &
Poverty, Cultural Diversity, Public Health, Environment, City Infrastructure 26 , Los Angeles,
LA Vitamin Report (seção especial de propostas sobre qualidade de vida na cidade de Los
Angeles). Como a divisão pareceu confusa, pois as reportagens estavam incluídas em mais de
uma editoria, e a análise de dados já estava em andamento, optou-se por ignorar esta divisão.
26
Governo e política, Ciência e negócios locais, Assuntos raciais e demográficos, Educação, Proteção ao
consumidor, Assuntos de emprego, Mídia, Crimes e justiça, Riqueza e pobreza, Diversidade cultural, Saúde
pública, Meio ambiente e Infraestrutura da cidade (tradução livre).
74
Em outras palavras, o que pode ser inferido é que os usuários do site propõem com
frequência pautas relativas à Infraestrutura, Economia, Sustentabilidade/Meio ambiente e
Questões Sociais, mas as que acabam se tornando proposta de repórter e posterior
financiamento são, mais comumente, as duas últimas. De fato, Sustentabilidade/Meio
ambiente engloba quase um quarto de toda a produção noticiosa do site no período estudado.
Observa-se que em toda a produção do Spot.Us, mas principalmente nestas quatro
esferas temáticas, há um apelo prático e próximo junto à comunidade. Assim, se nos
lembrarmos dos critérios de noticiabilidade conforme Traquina (2005b), o critério mais
verificado no objeto é o da proximidade. De acordo com ele, mais interessa, jornalisticamente,
aquilo que for mais próximo geográfica e culturalmente do público. Outro critério de
Traquina (2005b) muito presente é o da relevância, segundo o qual um acontecimento tem
75
mais noticiabilidade quanto maior impacto direto tiver na vida do público. Pode-se identificar
ambos os critérios na produção do Spot.Us.
A produção relativa à área da sustentabilidade e do meio ambiente também é exemplo
deste cunho de proximidade e acessibilidade, como visto nas propostas “Hyperlocal
Gardening - where to start?” 27 e “The Green Life at San Quentin” 28 , ou nas reportagens
“Festival of Grassroots Economics asks: Where’s That New Economy? Offers powerful
answers”, “A Day in the Life of a Turd: Sludge and the Life-Cycle of Human Waste”. Os
temas giram em torno de medidas para tornar a economia mais comunitária, quais são os
prejuízos ao ambiente que o homem urbano causa diariamente sem perceber, transformação
de áreas da cidade em locais não prejudiciais ao meio ambiente, e melhor utilização dos
recursos naturais da cidade. Há um apelo local e prático tanto nas propostas quanto nas
reportagens publicadas.
Tais fatores podem ser verificados também na editoria de Questões Sociais. Uma das
áreas onde o Spot.Us possui mais usuários registrados é uma cidade vizinha de San Francisco,
chamada Oakland. É uma cidade com altos níveis de pobreza, desnutrição, violência e baixa
instrução. A cidade é constantemente tema de pautas, e seus baixos níveis de desenvolvimento
são motivo de investigações e busca por alternativas. Todos estes questionamentos figuram na
editoria de Questões Sociais. Ao mesmo tempo, todos os problemas estruturais da cidade,
como os buracos de rua, as obras de uma ponte que já excederam o prazo há tempo e
problemas em call centers do governo são altamente determinantes na vida dos cidadãos, e
são componentes da editoria de Infraestrutura.
Já quanto à Economia, muitas sugestões propõem analisar como a crise econômica de
2008 atinge determinado setor da sociedade (vide reportagens “How is the recession going to
effect local charities?”, “Californa Prisons and the Economic Downturn”, “High Fuel Prices
triggered the World Banking Meltdown”, e “Union Woes during the Economic Downturn”,
por exemplo). Também é visível a preocupação com o sistema tributário (são exemplos as tips
“Bush Tax Cuts Destroy Social Security”, “Community Benefit Districts; RoboCop or
Scam?”, “Where Development Funds Go” e “Reform Criminal Justice, Help Fix the State
Budget, and Save the Safety Net”). As sugestões da editoria de Economia trazem outra
questão, no entanto. Elas muitas vezes têm um caráter mais temporal. Justamente por
27
Respectivamente, <http://spot.us/tips/100-hyperlocal-gardening-where-to-start>, <http://spot.us/tips/256-the-
green-life-at-san-quentin>, <http://spot.us/stories/279-festival-of-grassroots-economics-asks-wheres-that-new-
economy-offers-powerful-answers> e <http://spot.us/stories/58-a-day-in-the-life-of-a-turd-sludge-and-the-life-
cycle-of-human-waste>.
76
objetivarem tratar dos efeitos da crise econômica, uma vez passado o impacto inicial da crise
elas não geram mais tanto apelo nem aos repórteres do site, que precisam transformar a
sugestão em pauta, nem ao público, que não demonstra interesse. Da mesma forma, a crise
econômica foi um assunto muito em pauta nos veículos tradicionais, o que diminui a
necessidade de financiar especialmente uma reportagem sobre ela.
A editoria de Cultura aparece em quinto lugar nas sugestões, com 8,51% na primeira
tabela. Mas entre as reportagens sua participação cai a 1,23%. Mesmo com muitas sugestões,
cultura não é um assunto que realmente chame a atenção dos usuários. A sugestão “Ethnic
Dance Festival” propõe análises de um festival de dança que acontece durante quatro finais de
semana em San Francisco. É improvável que o festival não recebesse atenção da mídia da
cidade, sendo assim desnecessário para o usuário realizar um financiamento específico para
mais uma cobertura. Além disso, o festival já havia começado quando da publicação desta
sugestão.
Quando unificados os dados relativos às reportagens publicadas e às sugestões, obtém-
se o Gráfico 3:
Este gráfico nos permite visualizar, de um modo geral, o que é abordado no site, em
ambas as categorias de conteúdo. Comprova-se que Sustentabilidade/Meio ambiente são
77
29
S.F. Chronicle to raise news stand price to $1. San Francisco Business Times, San Francisco, 15 jul. 2009.
Disponível em: <http://sanfrancisco.bizjournals.com/sanfrancisco/stories/2009/07/13/daily48.html>. Acesso em:
12 out. 2010.
30
ANNUAL Estimates of the Population of Metropolitan and Micropolitan Statistical Areas: April 1, 2000 to
July 1, 2007. U.S. Census Bureau, Population Division. Disponível em:
<http://www.census.gov/popest/metro/tables/2007/CBSA-EST2007-01.xls>. Acesso em: 12 out. 2010.
78
cultura), notícias internacionais e, por último, crimes e desastres. O mesmo padrão é visível
nas versões impressa e online dos veículos, embora as proporções se alterem.
As duas maiores ocorrências de editorias nas reportagens publicadas no Spot.Us não
são verificadas, conforme o estudo, em três dos maiores jornais do país (um inclusive da área
de atuação do site, Los Angeles): Sustentabilidade/Meio ambiente e Questões Sociais. São
temas sobre os quais os usuários querem se informar, e, portanto, acabam recorrendo a
alternativas aos veículos tradicionais. A reportagem “Proposition 13’s Country Club
Connection” constitui exemplo de trabalho de denúncia e investigação que dificilmente é
encontrado na mídia tradicional. Ela relata que os encargos tributários de country clubs em
Los Angeles são baixíssimos, fora de qualquer tabela. Aborda também um proposta que tenta
modificar a situação. Por perturbar a política e os lobbies, é uma reportagem que talvez não
fosse ser encontrada em veículos tradicionais, que têm nos frequentadores de country clubs
seus anunciantes e executivos.
Na mesma linha, ao analisar as tabelas, nota-se que a editoria de Esportes não tem
participação significativa. De fato, com apenas uma reportagem publicada e nenhuma nas
sugeridas, é das menores ocorrências de todas. Esporte é, tradicionalmente, uma editoria que
costuma ocupar bastante espaço na mídia.
Sem dúvida, uma das grandes paixões do século XX tem sido o esporte. [...] De
qualquer maneira, a história do esporte tem sido também em grande medida
dominada e documentada pela mídia de massa. Jornais, cinema, rádio e teledifusão
tiveram todos um efeito profundo na formação da cultura popular e política deste
século. […] Ele [o esporte] 31 tem se entrelaçado cada vez mais com os vários
agentes midiáticos e com a televisão em particular. (BOYLE e HAYNES, 2009, p.1,
tradução nossa).
A maior parte das reportagens é financiada, portanto, com valores entre US$ 1 e US$
499. A média aritmética entre os valores de todas as reportagens é de US$ 874,44 em cada
32
SPOT.US. Mandatory Reading for All Reporters. San Francisco, [2008?]. Disponível em:
<http://www.spot.us/pages/reporter_agreement>. Acesso em: 12 out. 2010.
80
uma. As editorias destas reportagens não revelam padrão, inclusive porque quem fixa a
remuneração é o próprio jornalista, conjuntamente com o Spot.Us.
Das 81 reportagens publicadas, 31 (ou 38,27%) não receberam apoio financeiro de
organizações, apenas de usuários habituais (para divisão seguida entre usuários habituais e
organizações, vide metodologia), e as outras 50 (ou 61,73%), receberam. Dessas 50, 19 (ou
38%) receberam auxílio de metade ou mais da metade do montante, o que é indício de que
receberam os direitos para publicar as matérias apoiadas em primeira mão. Há apenas um caso
em que todo o financiamento veio de apenas uma empresa, na reportagem “Earth-Saving
Lessons from an Ecological Success Story”, que necessitava de US$ 20 para ser realizada.
As reportagens foram classificadas também em grupos de acordo com a quantidade de
usuários que ajudou a financiá-las. A divisão ocorreu da seguinte maneira:
Das cinco reportagens que receberam fundos de mais de 91 pessoas três pertencem à
editoria Sustentabilidade/Meio ambiente (sustentando o padrão de preferência verificado
anteriormente), uma à de Infraestrutura e uma à de Crimes.
Quanto ao apoio de Grupos (entidades sem fins lucrativos cujo financiamento é
contabilizado fora do montante necessário para a pauta), foi verificado em sete reportagens.
Os valores não foram representativos se comparados com todo o financiamento da pauta.
Em duas das 81 reportagens foram verificados assignments (recrutamento de usuários
para auxiliar na reportagem). Em “Count Yourself In California”, o público era convidado a
contribuir com histórias relativas ao censo, para enriquecer a reportagem. Em “Treasure
Island: Can San Francisco realize its ecotopian dream?”, cinco jornalistas são incluídos para
ajudar a atualizar a reportagem. No caso da primeira reportagem, não há modo de verificar se
houve candidatos.
81
Não obstante ser o recurso multimídia mais utilizado, os hiperlinks não estiveram
presentes em aproximadamente 25% dos casos, o que é interessante se tivermos em mente que
a hipertextualidade é uma das características básicas da World Wide Web (BARDOEL e
DEUZE, 2001). Os hiperlinks são uma forma de aprofundar a notícia e propor novos
caminhos para o leitor, que agrega outras informações à original. Juntamente com texto
escrito e fotografias, foram os recursos mais utilizados. A multimidialidade também se fez
presente com o uso de relatos em áudio, vídeo e gráficos, embora com menor frequência.
Ressalta-se ainda na área das reportagens publicadas a presença de materiais
diferenciados da proposta inicial do Spot.Us. A reportagem “48 Hour Magazine: Issue 0 - The
Hustle”, por exemplo, propõe a edição de uma revista em 48 horas. As primeiras 24 horas são
dedicadas à reunião de material sobre um determinado tema, e as 24 horas seguintes à edição
e distribuição da revista. O Spot.Us foi utilizado apenas como suporte para dar transparência
ao sistema financeiro do projeto 34 .
33
Número de reportagens em que apareceu. Cabe lembrar que as mídias não são excludentes, os repórteres
utilizavam quase sempre mais de uma em suas produções.
34
LONGSHOT MAGAZINE. WYSIWIG Accounting through Spot.Us. San Francisco, 4 mai. 2010.
Disponível em: <http://48hrmag.com/blog/20-wysiwig-accounting-through-spotus>. Acesso em: 17 out. 2010.
82
sugestões), sempre de US$ 20 ou US$ 25, sem se fixar em alguma editoria específica. Sendo
assim, é habitual que as promessas de financiamento das sugestões sejam advindas de seus
próprios autores, muitas vezes sendo integralmente vinculadas a eles. Desta forma, estas
promessas não representam, muitas vezes, bom indicador da preferência do público, até
porque as sugestões de reportagem têm um caráter de recusa, por não terem se tornado pitches
ou sido publicadas.
Há sugestões que parecem não ter compreendido a proposta do site, pelo tipo de apelo
que fazem ao usuário. É exemplo disso a reportagem “Sponsor Talented Students”. Ela trata
de um projeto que patrocina jovens sem recursos a estudar, e convida os leitores a
participarem do projeto, sem falar em momento algum da realização de reportagem ou algo do
gênero.
Com relação a quem propõe as sugestões de pauta, foi apurado que a maioria é de
usuários com cadastro normal no Spot.Us. Ou seja, não possuem cadastro de repórter nem de
organização. Das 141 sugestões, 132 (ou 93,62%) foram postadas por usuários comuns. Em
seis casos (4,25%) as sugestões vieram de perfis de repórteres e em três casos (2,13%) de
perfis de organizações. Este dado é importante para verificarmos que, mesmo que muitas
vezes as organizações acabem financiando grande parte das reportagens, quem as propõe são
mesmo leitores do site. A presença de repórteres cadastrados também é pequena, tornando as
sugestões ainda mais próprias dos usuários habituais. Cabe ressaltar novamente que o critério
utilizado para verificar se o perfil era de repórter era o cadastro do próprio site. Muitos dos
usuários são jornalistas, ou mesmo editores de veículos, mas se possuíam perfis pessoais não
cadastrados como repórteres foram considerados usuários habituais. Destaca-se também que
existem diversos perfis falsos cadastrados. Um deles, por exemplo, se denomina “Parking
Avenger” 35 , e propôs reportagem sobre denúncia de que oficiais do Corpo de Bombeiros
estariam estacionando seus carros em áreas de parquímetros sem pagar, o que seria ilegal.
Provavelmente são utilizados perfis falsos para evitar represálias ao tentar reportar denúncias.
Com relação à repetição de usuários que propõem sugestões, ela não acontece em
demasia. As planilhas mostram que há na amostra muitas sugestões vindas de autores
diferentes. A exceção é por conta de uma usuária que propôs, sozinha, 17 pautas. Tal fato, no
entanto, não parece ferir a pluralidade da cobertura do Spot.Us.
35
“Vingador do estacionamento” (em tradução livre).
84
4.3.3 Síntese
Os dados obtidos junto à análise das tabelas dão margem a diversas interpretações. A
mais clara é a de que há tópicos e abordagens que estão ausentes da mídia tradicional, que o
usuário tende a buscar em outras fontes.
Em primeiro lugar, verifica-se que os usuário do site tem uma preferência definida por
assuntos ligados à editoria de Sustentabilidade/Meio ambiente. Entre os temas mais pautados
estão informações sobre como viver de uma forma mais sustentável, comunitária, como
causar menos impacto ao meio ambiente, mesmo em uma cidade de grande porte. Além disso,
muitas matérias procuram evidenciar quais os efeitos que a estrutura urbana gera no
ecossistema, muitas vezes involuntariamente. Tendo em vista que fazer contribuições para
uma pauta no Spot.Us gera mais trabalho e custo do que simplesmente obter notícias de um
meio tradicional, esta é uma escolha importante dos usuários. É sinal de ausência ou
superficialidade na abordagem do tema na mídia a que eles tem acesso. Também pode-se
enxergar aí uma resposta à ideia de que é possível encontrar tudo na Internet. O tipo de
material que foi financiado no Spot.Us não se encontrava na Web, de tal modo que os
membros do site se dispuseram a financiá-lo. Pode-se inferir que ainda há produção
jornalística qualificada cuja importância faz com que o público pague para ter acesso a, sem a
intenção de obter tudo gratuitamente.
A segunda editoria mais frequente no conteúdo reportado é a referente a Questões
Sociais, ou seja, reportagens relativas à pobreza, subdesenvolvimento, questões étnicas e
raciais etc. Através do material, pode-se observar um desejo de ter acesso a um conteúdo que
faça “radiografia” da situação dos moradores de rua, de uma comunidade pobre, dos
problemas raciais em uma região. É intenção obter na notícia não apenas a situação em si,
mas seus desdobramentos, suas origens, medidas para contorná-la. Ao mesmo tempo, são
valorizadas reportagens do entorno dos usuários, como, por exemplo, da cidade de Oakland,
que possui baixos níveis de desenvolvimento social.
O padrão de preferência nas escolhas do público se repete quando é dada atenção ao
número de usuários que contribuiu às reportagens. A quantidade de pessoas que financiam
uma pauta normalmente é entre seis e 25 (61,73% dos casos). Há cinco reportagens (6,17%)
que receberam apoio de mais de 91 pessoas, sendo três pertencentes à editoria de
Sustentabilidade/Meio ambiente. Quando mais pessoas do público se engajam para financiar
uma pauta, é sinal de que ela possui relevância no julgamento delas. Indica também que,
85
[...] apesar de todas as mudanças na velocidade, técnicas, e a natureza da difusão das notícias,
sempre existiram uma teoria e uma filosofia claras do jornalismo, que fluem da própria função
das notícias. A principal finalidade do jornalismo é fornecer aos cidadãos as informações de que
necessitam para serem livres e se autogovernar.
Tal conceituação vem ao encontro da ideia defendida por Traquina (2005a) quando da
explanação sobre o campo jornalístico. Estes deveres, de fornecer informações necessárias ao
cidadão dentro da democracia, pertencem ao pólo positivo do campo.
Admite-se, logo, que o jornalista deve encampar e utilizar este conhecimento. O
jornalista é o profissional encarregado de ter em mente quais informações são relevantes para
uma sociedade democrática, devendo coletá-las, hierarquizá-las e publicá-las da forma mais
adequada possível. Ora, se o público passa a exercer a função de decidir quais são as
informações que ele deve receber das notícias há uma mudança basilar nas implicâncias da
atividade. Para esta colocação, de importância indiscutível, é muito importante um
profissional com conhecimentos de base que subsidiarão escolhas responsáveis (pelo menos
em princípio) sobre quais são ou não as informações necessárias para viver dignamente em
87
uma sociedade democrática. Naturalmente, deve-se acrescentar que não é de hoje o costume
de dar atenção às sugestões da audiência sobre o que deve ser noticiado em um veículo
jornalístico, como um jornal ou radiojornal, ou em qualquer outro meio. Por vezes, este tipo
de manifestação é endossado e atendido. Mas o que se observa no objeto de estudo é um tipo
de interação mais profundo e prático. Não se pode exigir ou admitir também que os jornalistas
saibam e percebam tudo o que é necessário para a sociedade. Eles possuem discernimento
sobre a questão, mas, como coloca Bourdieu (1997), impõe também uma determinada censura
sobre questões que não são de seu interesse, mas seriam benéficas à sociedade.
Ao mesmo tempo, a crise para a indústria jornalística impressa dá ensejo a buscas por
alternativas. O Spot.Us foi criado em outubro de 2008, em uma conjuntura de forte crise
econômica nos Estados Unidos. Houve queda de 4,6% na circulação de jornais e declínio de
18% na renda de venda de anúncios 36 , causando restrições e prejuízos fortes para o meio
jornalístico impresso, sobretudo o norte-americano. A questão é, inclusive, tema de uma das
reportagens presentes na amostra de pesquisa, “The future of Bay Area newspapers in a
digital age and changing economy”. É indefinido o que deste período foi decorrência da crise
e o que adveio da concorrência com a Internet e da consequente dificuldade de adaptação de
muitos jornais, mas é em períodos como este em que o meio procura outras formas de se
sustentar, outras formas de ver seu negócio. Não podemos encarar nosso objeto de estudo
simplesmente como uma tentativa pragmática das organizações jornalísticas de voltar a lucrar
como em períodos anteriores, mas ele se enquadra neste espírito de inquietação e mudança
quanto ao modo de fazer e vender o produto jornalístico. A mesma tendência pôde ser
visualizada na segunda metade da década de 80, quando a viabilidade do jornal impresso foi
questionada pela diminuição de leitores, pelo aumento dos custos e pela mudança dos hábitos
de leitura da população, fazendo com que a indústria procurasse soluções em uma investida
rumo à digitalização de seu conteúdo (BOCZKOWSKI, 2005).
O modelo proposto pelo Spot.Us envolve mudanças mercadológicas válidas a nível de
experimentação. Ouvir os interesses do público de maneira clara permite visualizar muitas
preferências e padrões que devem ser digeridos. Há carências e preferências que o jornalista
deve estar atento a atender, mas, apesar disso, ele não pode se tornar refém destas escolhas do
público.
36
PEW PROJECT FOR EXCELENCE IN JOURNALISM. The State of the News Media. Overview.
Washington D.C., 2009. Disponível em:
<http://www.stateofthemedia.org/2009/narrative_newspapers_intro.php>. Acesso em: 19 out. 2010.
88
Pelo observado, entretanto, ele não se destina a ser a fonte primária ou mais usual de
notícias do leitor comum. Por possuir um sistema no mínimo diferenciado (e mais
dispendioso, como observado no capítulo anterior), ele se enquadra como uma fonte noticiosa
auxiliar, complementar às informações jornalísticas que um cidadão recebe cotidianamente.
No Spot.Us não há lugar para hard news (as informações ágeis e diretas do dia-a-dia), até pelo
tempo mais dilatado de financiamento. Neste sentido, não se julga que ele procure substituir
os veículos jornalísticos tradicionais. Mais sentido faz a sua posição como suporte
complementar de notícias, que traz ao público informações mais completas, analíticas e por
vezes reflexivas sobre determinado tema.
Ao mesmo tempo, o que a compreensão do site também demonstra é a importância e
necessidade da atividade jornalística. Deve observar-se que mesmo o usuário do Spot.Us
tendo nas mãos o poder de sugerir pautas e decidir quais devem efetivamente ser realizadas, a
tarefa de fazê-lo é de um jornalista. Não apenas um jornalista, mas aquele que prove que tem
a capacidade e a bagagem necessárias para atuar junto ao site. Desta forma, ele ratifica a
importância do trabalho jornalístico qualificado, mesmo em meio a diversas possibilidades de
conteúdo gerado pelos usuários, que são evidenciadas no segundo capítulo. Wolton (2010, p.
71, grifo do autor) reconhece a importância da legitimação do jornalista, ainda mais dentro da
atual conjuntura:
37
Nota dos autores.
89
5 CONCLUSÕES
mas que seja pertinente e útil à vida em democracia, é constante e necessária, além do auxílio
à interpretação de tantas informações.
Dentre as funções do jornalista está a de dar ao seu leitor não apenas o produto
noticioso que o interessa ativamente, mas também aquilo que lhe é importante. Existem tipos
de informações, ou temas, que, por mais que possam possuir valor e sejam até determinantes
na vida em sociedade, não são tão valorizados, sendo deixados em segundo plano pelo
público. Ora, tendo em vista o pólo econômico do campo jornalístico, seu caráter comercial,
muitas vezes se opta por dar ao público o que ele prefere, e assim assegurar índices de
audiência altos. Mas este não é o papel do jornalismo.
O Spot.Us é um “espelho” do que seus leitores escolhem. Eles propõem as pautas e
decidem quais se tornarão reportagens. De um modo geral, o material do Spot.Us é pertinente
e de boa qualidade jornalística, mas também é importante mostrar ao público temas e ângulos
que ele não escolheria normalmente. No fundo, está o debate entre informar o que é de
interesse público e o que é de interesse do público. No entanto, o site não parece ser a fonte
principal de notícias dos leitores, mas algo complementar às notícias que eles recebem
normalmente. Assim, não se pode dizer que este público só receba aquilo por aquilo que opta
em suas notícias.
O jornalismo também deve carregar a função de evitar as “câmaras de eco”, ou seja, o
padrão em que o público tende a procurar apenas as notícias de um ponto de vista que o
interesse, de forma unilateral. É função da atividade também gerar pluralidade e
multiplicidade de perspectivas, não apenas replicar pontos de vista. No entanto, não há razão
para este tipo de jornalismo não adotar também uma postura tolerante e agregadora do que o
público tem a dizer.
A experiência do Spot.Us também denota a importância do trabalho jornalístico
aprofundado e de qualidade. Existe material noticioso pelo qual o público está disposto a
pagar. A lógica das redações de redução de custos e prazos cada vez menores acaba tirando
espaço da reflexão e do aprofundamento nas notícias. A superficialidade é um inimigo que
bate à porta do jornalismo. Mostrar trabalho profundo, com um conteúdo elaborado, ainda é a
melhor forma de criar apelo junto ao público. Não ignoramos o fato de que os leitores do
Spot.Us são norte-americanos e possuem características socioculturais bem distintas das do
Brasil, inclusive no que diz respeito a uma maior propensão a desembolsar dinheiro para
contribuir com projetos como o Spot.Us. Mesmo assim, o que foi observado em nosso estudo
é relevante no cenário comunicacional como um todo. O conteúdo noticioso local e denso foi
bem avaliado e financiado pelo público.
91
O website Spot.Us é uma iniciativa que merece atenção acadêmica e reflexiva. Foi o
que procuramos proporcionar ao longo deste trabalho. Após um olhar atento e aproximado,
fica a confiança no trabalho jornalístico bem elaborado e competente. As crises de ordem
mercadológica trazem prejuízos e, logo, incertezas ao campo jornalístico. É momento, no
entanto, de experimentar e, acima de tudo, colocar sempre no centro as questões: qual é a
importância do jornalismo? O que a atividade jornalística procura trazer em sua formatação
atual, e qual o valor disso para a sociedade? Ao ter em mente estas perguntas, é possível
visualizar mais facilmente as implicâncias do jornalismo mesmo em meio a uma miríade de
afirmativas, proposições e ditas alternativas ao trabalho jornalístico qualificado e
estabelecido. Ao mesmo tempo, se o modelo de negócios atual do campo jornalístico está
desgastado, outro que o substitua não aparecerá automaticamente, e nada indica que este novo
“modelo” a ser seguido será um só e incontestável. A experimentação é valiosa, com
oportunidades muito relevantes dentro das redes de computador.
A Internet, e as possibilidades que ela traz, não devem ser ignoradas. Se é possível
ouvir com mais clareza que o público tem algo a dizer, e o que é esse algo, que assim se faça.
O jornalismo envolve uma relação com a audiência, e os usuários podem ter algo a contribuir
no trabalho jornalístico, que assim se qualifica e se aproxima daqueles a quem ele procura
informar. O jornalismo suaviza o ar definitivo e contundente de palestra e admite posições
onde o diálogo pode ser mais benéfico. É uma adequação constante, mas valiosa.
Acima de questões mercadológicas, embora elas sejam inevitavelmente importantes no
campo, o jornalismo ainda ostenta suas merecidas faculdades e deveres de legitimação e
construção da realidade. No fundo, a atividade ainda envolve, em síntese, praticamente tudo o
que está à volta, procurando transpor o medo do desconhecido, e é este papel que ele deve
carregar, mesmo que de uma forma mais colaborativa.
92
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