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Edimar Antonio Fernandes

Políticas Afirmativas para Povos Indígenas – sob o olhar dos


protagonistas

Tese de Doutorado

Belém, Pará
2018
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Edimar Antonio Fernandes

Políticas Afirmativas para Povos Indígenas – sob o olhar dos protagonistas

Tese de Doutorado

Tese apresentada como requisito parcial para


obtenção de título de Doutor em Antropologia pelo
Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA)
da Universidade Federal do Pará (UFPA), sob
orientação Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão.

Belém, Pará
2018
ii

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD


Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Pará Gerada automaticamente pelo
módulo Ficat, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

F363 Fernandes, Edimar Antonio.


Políticas Afirmativas para Povos Indígenas – sob o olhar dos protagonistas / Edimar Antonio
Fernandes. — 2018.
216 f. : il. color.

Orientador(a): Prof. Dr. Jane Felipe Beltrão


Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal do Pará, Belém, 2018.

1. Políticas Afirmativas. 2. Ensino Superior. 3. Povos Indígenas. 4. Protagonismo


Indígena. I. Título.
CDD 215.72
by
iii

EDIMAR ANTONIO FERNANDES

Políticas Afirmativas para Povos Indígenas – sob o olhar dos protagonistas

Belém (PA), 14 de novembro de 2018.

Banca examinadora:

Prof. Dr. Jorge Eremites de Oliveira, UFPEL (examinador externo)

Profª. Drª. Zélia Amador de Deus, ICA/UFPA (examinadora externa)

Prof. Dr. Gilmar Pereira da Silva, NEB/UFPA (examinador externo)

Profª. Drª. Katiane Silva, PPGA/UFPA (examinadora interna)

Profª. Drª. Eliane Cantarino O’Dwyer, PPGA/UFPA (examinadora interna)

Profª. Drª. Cristina Donza Cancela, PPGA/UFPA (examinadora interna suplente)

Prof. Dr. Mauro César Coelho (examinador externo suplente)

Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão, PPGA/UFPA (orientadora e presidente da banca)


iv

Agradecimentos

A tese resulta de 10 anos de militância no estado do Pará, tornou-se possível graças ao esforço
coletivo, pois a escrita envolveu diversos parentes que, comigo, se dedicaram e de alguma
forma contribuíram para a escrita de cada uma das linhas. A afirmação é possível pois a cada
trecho escrito procurava o feedback dos envolvidos diretamente, na tentativa de verificar a
adequação do texto às demandas dos povos indígenas. Tentarei, com grandes chances de
esquecer alguém, fazer os agradecimentos às pessoas que de alguma forma permitiram a
concretização desta etapa da minha vida.

Aos indígenas discentes na UFPA, aos egressos, aqueles que de alguma forma ficaram pelo
caminho e terminaram não concluindo o curso. Agradeço também às lideranças indígenas que
de alguma forma colaboraram, disponibilizando-se em me ouvir e dialogar para o propósito
deste trabalho.

À minha querida orientadora Jane Felipe Beltrão, nossa parente de pele de “macaxeira
descascada”, como afirmou nosso parente Tembé, guerreira que superou todas as
adversidades e não desistiu de mim. Tem sido parceira na luta pela garantia da presença
indígena em Instituições de Ensino Superior no Brasil, inspiração na luta pelos direitos dos
povos indígenas. Obrigado por tudo minha mãe da academia, espero realmente ter feito valer
à pena sua dedicação.

Aos indígenas discentes de Altamira e Santarém, em especial a minhas amigas Nélia Xipaya e
Luana Kumaruara pelo apoio incondicional durante a pesquisa.

Aos parentes Almir Vital da Silva, Izaque Txekewe Erayhe e Rodrigo Ederehe Karajá que,
pacientemente disponibilizaram seu tempo para juntos refletirmos sobre cada passo de suas
trajetórias, também por contribuírem na correção do texto escrito.

À Putira Sacuena, nossa guerreira Baré, “madre Putira” como costumo chamá-la, amiga,
companheira de lutas, incansável na briga pelos direitos dos povos indígenas, também é
v

conhecida no movimento indígena estudantil como “mãe” dos indígenas discentes, pela
dedicação e amor por cada um dos parentes que ingressa na UFPA. Sou grato pela atenção,
conselhos e pelas inúmeras contribuições ao meu trabalho.

Ao cacique Miguel Carvalho da Silva (In memoriam) pela confiança, pelo apoio e
companheirismo, foi importante para o meu ingresso na Pós-Graduação, estando presente
desde o mestrado até o doutorado, saudades de ouvir suas Histórias.

À minha mãe Nair Pecini Fernandes, minha irmã Rosani de Fátima Fernandes, minha irmã
Fabiani Maria Fernandes e meu irmão Ederson Fernandes. Cada um contribuiu à sua maneira,
apoiando nos momentos de maior necessidade e nas inúmeras decisões que a vida nos obriga
a tomar.

À Jaqueline Ramos da Silva, que fez parte desta trajetória, dando apoio incondicional em todos
os momentos. Foram muitas as dificuldades para concluir o doutorado, mas ela sempre esteve
ao meu lado, sempre dedicada e companheira.

À minha mãe aqui no estado do Pará, dona Esther Ramos da Silva e sua família, que me
acolheram de braços abertos e permitiram uma estada tranquila durante dois anos da minha
vida, apoiando e dando suporte para a continuidade dos meus estudos.

À minha irmã Rosani de Fatima Fernandes, que tem sido sempre fonte de inspiração, pela
pessoa que é, pela competência acadêmica, pelos conselhos e as inúmeras orientações para
escrita da tese. À sua família, José Ubiratan Sompré, Idjarrury Sompré e Tyihaneti Kamury
Sompré, os quais mesmo a distância sempre estiveram próximos de mim.

Ao meu sobrinho Idjarrury Sompré pelas conversas e apoio nos momentos em que precisei,
mesmo tão novo consegue compreender as inúmeras dificuldades que a vida proporciona e à
sua própria maneira contribuiu para a superação delas, obrigado por tudo.

Aos meus amigos Rodrigo Wanzeler, Fabrício Costa, José Luiz Franco, Amanda Gatinho e
Luciana Marinho, pelo companheirismo e amizade durante o doutorado.
vi

Ao meu amigo Rhuan Carlos dos Santos Lopes pelos diálogos e aprendizado, também pela
possibilidade de trabalharmos em diversos projetos, momentos importantes para minha
formação acadêmica.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) pelos momentos de


aprendizado e por todo conhecimento que pudemos trocar durante a trajetória acadêmica.

À Profa. Dra. Denise Pahl Schaan (In memóriam) pela disponibilidade em contribuir com os
artigos escritos durante as disciplinas, foram importantes para compor a tese, pessoa de
coração enorme e compreensiva, precisamos de mais professores(as) assim.

Ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional da


Universidade Federal do Rio de Janeiro, na pessoa do Prof. Dr. Antonio Carlos de Souza Lima,
pela oportunidade de trocar experiências durante o intercâmbio no âmbito do Programa
Nacional de Cooperação Acadêmica (PROCAD).

Ao professor João Guerreiro pela confiança e amizade em mais de dois anos de trabalho em
parceria, sou realmente muito grato pelo aprendizado.

Aos nossos irmãos de luta, os quilombolas e os estrangeiros, que somam forças nesta luta por
direitos nesta selva de concreto, em especial à Carlos Diniz, Valdinei Gomes, Iuane dos Santos
Souza e Israël Sèwanou Hounsou pela possibilidade de aprendizado e trocas de experiência a
propósito da tese.

À equipe de profissionais da Fundação Ipiranga, em especial a Karina Menezes e Sueli Menezes


pela oportunidade de atuar em parceria, garantindo condições adequadas para o
desenvolvimento de trabalhos com os povos indígenas Asurini e Araweté.

Aos povos Asurini e Araweté que me acolheram de braços abertos, permitindo que pudesse
lutar com eles pelos seus direitos, espero ter respondido à altura.

Ao meu irmão de coração Raoní Beltrão pelas contribuições.


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Ao meu amigo Hemerson da Silva, conhecido como Japa, pelas ideias e pelos mapas
elaborados a propósito da tese.

À minha prima Vanisse Domingues Kaingang e, em seu nome, ao povo Kaingang pela confiança
e respeito mesmo estando a distância.

Ao meu parente e amigo Mário Kaingang pela disponibilidade, mesmo à distância, de trazer
contribuições ao trabalho e, também ao parente Armindo Pinto, pela tradução em Kaingang.

A Antonio Carlos da Cruz Vilas pelo carinho e atenção nos encaminhamentos relacionados ao
PPGA.

À Osmarina Gato Barbosa pela atenção ao longo do tempo que estou na UFPA.

A todos aqueles que de alguma forma contribuíram para concretização deste importante
projeto na minha vida.
viii

Edimar Antonio Fernandes

Inicialmente, apresento o resumo em Kaingang, a língua do meu povo que pelo colonialismo
que se abate sobre os povos indígenas não tive a chance de aprender no cotidiano, apenas na
escola. Contei com a ajuda dos parentes para fazer o registro.

Ẽg puritika ẽg tỹ Kanhgág mỹ - Eg tý ven Kãmi

Ẽg tỹ ẽg formação tỹ mág ge sór vẽ. Ẽg tỹ ẽg Kanhgág ag tá ẽg jamã ki nỹ tῖ to jy ãkrén vẽ ham


mẽ ti kãme tῖn jé ser kar kurã kar ki ẽg jamãn kã mi hãra ẽg pai ag tỹ tovῖ kãn tỹvin mũ kỹ tỹ e
tῖ kar puritika. Kar ki kanhrãn nỹ tῖn jé u tỹ graduação ke mũ tag ti ser mỹr ẽg tỹ ser tá krãg ke
kỹ tỹ ũn mág jẽn jé ser ẽg Kumũnῖ. Náné kar ẽg tỹ nenũ kinhratỹ tig ke tῖ ẽg jamã kãmi. Ẽg tỹ
vég mỹr nénu ti mág sér mũ eg esῖno tỹ superior ke mũ tag kãmi hãra tóg vẽnhmý ke sór mũ
ũ formação ẽg pumyiko tẽg to grῖn ke vẽ hã ra kar ag pi ẽg tỹ kãjẽn pẽn han tῖg gé ẽg tỹ Kanhgág
ti. Tese hãmi ag tỹ Kanhgãg ge sér tῖ hãra ag ẽg ve vén tῖ ẽg tỹ Kanhgág tỹ hẽre ke vén jé ẽg tỹ
estudante tỹ vãsãnsãn mág vỹ eg tỹ ãg formação mág ne niver superior kãn kãn sér vẽ fóg ag
Universidade tỹ feneral ki ham mẽ jamã tỹ Pará ke mũ tag kãg ki. Kar tóg ẽg mỹ proposta
hynhan mũ ẽg tỹ ẽg nénũ han jé ser ã tỹ Kanhgág ti puritika mré tó kỹ hara ẽg Kanhgág ag tỹ
tũvi kãn vẽ ham mẽ ẽg jamã kar ũ tỹ ẽg mré ãg mỹ ki gé. Kỹ ẽn gen kỹ ke vẽ ẽg tỹ Kanhagág vῖ
ti. Tãmi jamã ũn kã mi, kar ẽg pãi ũ tỹ puritika ag mré hã. Kar ẽg mẽj mũ ẽg rẽgre kemũ ag kỹ
ẽg tỹ véo mũ ser ag. Kar nénũ vẽn mỹ ti ag tỹ ẽg to vῖgvῖ kánán ge tág ti ẽg kãmi. Kar tỹ ser
kurso tag tu ãja o mỹ ke pi jé ke tῖg ge ser hã kỹ tỹ ser pipir ké kemũ ẽg tỹ Kanhgág ti to akrén
kỹ ẽg mré nỹ tinh mũ ẽg tỹ Nahró sῖn kỹ ẽg krónh kej mũ. To kura kar ki ẽg acadêmico ti,
vẽnhmỹ sỹ tỹ pãvãnh cã já nῖ Antropologia tỹ ke já fã n kusã tũg kar kãmῖ ẽg vẽ vem ge vẽ.

Puritica vẽ; ensino mág tỹ superior; Ẽg tỹ Kanhgág mỹ; kanhgág ti; Kỹ hãvẽ ser.

Políticas Afirmativas para Povos Indígenas – sob o olhar dos protagonistas

Resumo: A formação em nível superior é uma das possibilidades pensadas pelos povos indígenas como
superação das relações assimétricas e coloniais que se estabeleceram historicamente. Tal formação é
frequentemente requerida pelas lideranças tradicionais e políticas, que entendem a obtenção da
graduação como um dos caminhos para alcançar a autonomia das comunidades, uma vez que os
conhecimentos adquiridos, criam condições adequadas ao direcionamento dos projetos comunitários.
A demanda crescente por espaços no ensino superior traz consigo problemas relativos à formação
deste novo público, dentre eles, o ingresso, a permanência e o sucesso de indígenas. Tenta-se na tese
constatar a existência de protagonismo indígena verificando as formas como ele desponta entre os
indígenas estudantes que lutam para garantir a formação em nível superior na Universidade Federal
do Pará (UFPA). A proposta demanda a produção de texto alinhado às perspectivas dos povos
indígenas e à adequação das Políticas de Ações Afirmativas como requerido pelos movimentos
indígenas - a partir das aldeias – e, internamente, à Instituição que nos acolhe. Assim sendo, os
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depoimentos indígenas colhidos, em conversas com finalidade e em eventos diversos, é suporte do


trabalho, realizado por intermédio da escuta atenta dos indígenas discentes e das lideranças
tradicionais e políticas. Ouvir os “parentes” permitiu conhecer a realidade vivida por eles, os problemas
existentes, as discriminações sofridas, as (im)possibilidades de continuação dos cursos que os não
indígenas chamam de evasão escolar. A escuta favoreceu a compreensão das diferentes estratégias e
do protagonismo indígena no enfrentamento das dificuldades, ampliando e relativizando a minha
participação no cotidiano acadêmico. Nesse ambiente, fui um participante observador, representante
entre os que a Antropologia vem lidando nas últimas décadas. Afinal, estamos em cena.

Palavras–chave: Políticas Afirmativas; Ensino Superior; Povos Indígenas; Protagonismo Indígena.

Affirmative policies for Indigenous peoples: through the eyes of the protagonists

Summary: Higher education is one of the possibilities implemented by indigenous peoples to


overcome the asymmetrical and colonial relationships established throughout history. This education
is often required by traditional and political leadership, who consider a degree one of the paths to self-
determination and community autonomy, since the knowledge acquired creates conditions well-suited
for managing community projects. The growing demand for higher education slots brings with it
problems related to the education of this new group with regard to access, retention, and achievement
by indigenous people. This thesis attempts to document the existence of indigenous protagonists by
verifying the ways in which indigenous students struggle to obtain and complete their higher education
at the Federal University of Pará (UFPA). The proposal calls for a text aligned with the perspectives of
indigenous peoples as well as affirmative action policies, in line with demands from indigenous
movements, from people in the villages as well as in the institution. The indigenous testimonies
collected through directed conversations and at various events support the work accomplished
through attentive listening to indigenous students and traditional and political leadership. Listening to
"relatives" provided an understanding of their experiences with regard to problems, discrimination,
and the (im)possibilities of achieving educational goals (which non-indigenous people consider
“dropping out”). This listening also facilitated understanding of different strategies and the active role
taken by indigenous people in facing difficulties, which broadened and provided perspective on my
own involvement in daily academic life. In this environment I was a participant observer, one of many
in anthropology in recent decades. We are finally part of the educational scenario.

Keywords: Affirmative policies; Higher education; Indigenous peoples; Indigenous protagonists.

Politiques de discrimination positive en faveur des peuples indigènes –


le point de vue des protagonistes

Résumé : L’accès à l’enseignement supérieur est considéré par les peuples indigènes comme
l’une des solutions pour surmonter les relations asymétriques et colonialistes historiquement
établies. Les demandes d’accès à une formation supérieure sont de plus en plus fréquentes
de la part des représentants traditionnels et politiques, qui considèrent l’obtention de la
licence comme l’une des voies possibles vers l’autonomisation des communautés.
L’acquisition de connaissances crée les conditions propices au développement de projets en
faveur de ces communautés. Cependant, la demande croissante pour une place dans
l’enseignement supérieur s’accompagne de problèmes liés à la formation de ce nouveau
public, plus précisément, à la question de l’admission, de la permanence et du succès
x

académique des peuples indigènes. Cette thèse propose un constat de l’existence du


protagonisme indigène à travers les manières dont il émerge parmi les étudiants indigènes qui
luttent pour garantir un diplôme de l’enseignement supérieur à l’Université Fédérale du Pará.
Cette proposition requiert la production d’un texte en accord avec les attentes des peuples
indigènes et l’adéquation des politiques de discrimination positive aux exigences formulées
par les mouvements indigènes provenant des villages et de la part de l’institution qui nous
accueille. Ainsi, ce travail présente les témoignages indigènes rassemblés à partir de
conversations et d’évènements divers et il s’articule à partir de l’écoute attentive des
étudiants indigènes et des représentants traditionnels et politiques. Écouter la « famille » a
permit de connaître sa réalité, les problèmes existants, les discriminations subies et les
barrières à la poursuite des cours que les non-indigènes qualifient d’abandon scolaire.
L’écoute a favorisé la compréhension de différentes stratégies et du protagonisme indigène
quand il s’agit de surmonter des difficultés – permettant ainsi d’élargir et de relativiser ma
propre participation au sein du quotidien académique, en tant que participant-observateur –
auxquels l’anthropologie fait face depuis des décennies. Finalement, nous, indigènes, nous
trouvons sur le devant de la scène.

Mots-clés : Politiques de discrimination positive ; Enseignement supérieur ; Peuples


indigènes ; Protagonisme indigène
xi

LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Foto formatura no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena............................ 59
Figura 2 – Mapa indicando os campi das universidades federais no Pará ............................... 60
Figura 3 – Mapa dos municípios de origem dos indígenas do campus de Belém, até 2016 ... 70
Figura 4 – Gráfico indicando os estados de origem dos discentes indígenas do campus de
Belém ........................................................................................................................................ 71
Figura 5 – Gráfico referente ao ingresso de indígenas na UFPA via PSE por ano. ................. 100
Figura 6 – Etnias que ingressaram nos cursos de graduação em Belém................................ 105
Figura 7 – Cursos mais demandados por indígenas ............................................................... 118
Figura 8 – Indígenas aprovados na UFPA por campus ........................................................... 120
Figura 9 – Gráfico situação acadêmica dos discentes do campus de Belém/graduação ....... 123
Figura 10 – Defesa de TCC Jorge Tembé ................................................................................ 134
Figura 11 – Relato de experiência Namam Wai Wai .............................................................. 157
Figura 12 – Primeira Assembleia Geral da APYEUFPA ............................................................ 167
Figura 13 – Mobilização indígena estudantil .......................................................................... 172
Figura 14 – Reunião com vice-reitor em 2013 ....................................................................... 173
Figura 15 – Discentes, lideranças indígenas e vice-reitor da UFPA no hall da reitoria .......... 174
Figura 16 – Reunião Caravana do Vestibular Indígena na aldeia Areal.................................. 178
Figura 17 – Fala lideranças na aldeia Turé-Mariquita ............................................................ 179
Figura 18 – I Seminário de discussão do PSE/UFPA ............................................................... 191
Figura 19 – Solenidade de entrega da sala da APYEUFPA ...................................................... 193
Figura 20 – Mapa da trajetória de Putira Sacuena ................................................................. 198
xii

LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Conversas com finalidade envolvendo indígenas ................................................. 19
Quadro 2 – Documentos da APYEUFPA.................................................................................... 20
Quadro 3 – Entrevistas realizadas nos PSE ............................................................................... 25
Quadro 4 – Ações afirmativas na UFPA .................................................................................... 63
Quadro 5 – Categorias êmicas de dificuldades enfrentadas por Rodrigo Karajá ..................... 86
Quadro 6 – Categorias êmicas de dificuldade Izaque Txekewe ............................................... 89
Quadro 7 – Recomendações para adequação do PSE para povos indígenas ........................ 101
Quadro 8 – Dificuldades enfrentadas coletivamente ............................................................ 135
Quadro 9 – Comparativo entre editais específicos e edital unificado ................................... 141
Quadro 10 – Situação financeira Felipe.................................................................................. 146
Quadro 11 – Situação financeira Cauan ................................................................................. 147
Quadro 12 – Situação financeira Fernando ............................................................................ 148
Quadro 13 – Situação financeira Tadeu ................................................................................. 149
Quadro 14 – Situação financeira Lucas .................................................................................. 150
Quadro 15 – Primeira diretoria da APYEUFPA eleita em 2011 .............................................. 167
Quadro 16 – Segunda diretoria da APYEUFPA eleita em 2014 .............................................. 169
Quadro 17 – Terceira diretoria da APYEUFPA eleita em 2015 ............................................... 169
Quadro 18 – Etapas e atividades da Caravana do Vestibular Indígena.................................. 176
Quadro 19 – Aldeias alcançadas pela Caravana do Vestibular Indígena ............................... 180

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Ingresso por campus da UFPA .............................................................................. 103


Tabela 2 – Status dos indígenas que ingressaram no campus de Belém ............................... 122
xiii

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS


AA Ação Afirmativa
ABA Associação Brasileira de Antropologia
ADIS Assessoria da Diversidade e Inclusão Social
AEE Associação dos Estudantes Estrangeiros
AEQUFPA Associação dos Estudantes Quilombolas da UFPA
AITESAMPA Associação Indígena Tembé de Santa Maria do Pará
APITO Associação dos Povos Indígenas do Tocantins
APYEUFPA Associação dos Povos Indígenas Estudantes na Universidade Federal do
Pará
AS Agente de Saúde
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEPE Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão
CEPS Centro de Processos Seletivos
CEQ Coletivo de Estudantes Quilombolas
CGE Coordenação Geral de Educação
CIAC Centro de Registro e Indicadores Acadêmicos
CIMI Conselho Indigenista Missionário
CITA Conselho Indígena Tapajós Arapiuns
CONSEPE Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensão
COPERPS Comissão Permanente de Processos Seletivos
CTL Coordenação Técnica Local
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
DAIE Diretoria de Assistência e Integração Estudantil
DAIN Diretório Acadêmico Indígena
DCE Diretório Central de Estudantes
DSEI Distrito Sanitário Especial Indígena
EIEF Escola Indígena de Ensino Fundamental
FACIPAL Faculdade Integrada Católica de Palmas
FUNAI Fundação Nacional do Índio
FASS Faculdade de Serviço Social
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia Estatística
IC
ICB Instituto de Ciências Biológicas
ICED Instituto de Ciências da Educação
ICJ Instituto de Ciências Jurídicas
ICS Instituto de Ciências da Saúde
ICSA Instituto de Ciências Sociais Aplicadas
IES Instituições de Ensino Superior
IFES Instituição Federal de Ensino Superior
IFCH Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
xiv

ILC Instituto de Letras e Comunicação


LACED Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento
LACEN Laboratório Central de Saúde Pública
LACOR Grupo de Estudos e Pesquisas em Cultura do Corpo, Educação, Arte e
Lazer
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
MEC Ministério da Educação
MOBAF Mobilidade Acadêmica Afirmativa
MPF Ministério Público Federal
PAA Política de Ação Afirmativa
PAPIT Programa de Políticas Afirmativas para Povos Indígenas e Populações
Tradicionais
PNAES Programa Nacional de Assistência Estudantil
PPGA Programa de Pós-Graduação em Antropologia
PPGCS Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
PPGD Programa de Pós-Graduação em Direito
PPGED Programa de Pós-Graduação em Educação
PROEG Pró-Reitoria de Ensino e Graduação
PROEX Pró-Reitoria de Extensão
PSE Processo Seletivo Especial
OIT Organização Internacional do Trabalho
ONG Organização Não-Governamental
OS Processo Seletivo
PAA Política de Ação Afirmativa
PAPIT Programa de Políticas Afirmativas para Povos Indígenas e Populações
Tradicionais
PBP Programa Bolsa Permanência
PcD Pessoa com Deficiência
PETQI Programa de Educação Tutorial de Quilombolas e Indígenas
PNAES Programa Nacional de Assistência Estudantil
PPGA Programa de Pós-Graduação em Antropologia
PPGCS Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
PPGD Programa de Pós-Graduação em Direito
PPGED Programa de Pós-Graduação em Educação
PROEG Pró-Reitoria de Ensino e Graduação
PROEX Pró-Reitoria de Extensão
PS Processo Seletivo
PSE Processo Seletivo Especial
PSS Processo Seletivo Seriado
PUC-GO Pontifícia Universidade Católica de Goiás
xv

REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão de


Universidade Federais
RIMM Reserva Indígena Mãe Maria
SAEST Superintendência de Assistência Estudantil
SEDUC Secretaria de Estado de Educação
SEGE Secretaria Geral dos Conselhos Superiores Deliberativos
SESAI Secretaria Especial de Saúde Indígena
SIGAA Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas
SIGAEST Sistema de Assistência Estudantil
SPDM Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina
SPI Serviço de Proteção aos Índios
STF Supremo Tribunal Federal
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
TCT Termo de Cooperação Técnica
TI Terra Indígena
TIARG Terra Indígena Alto Rio Guamá
TRT Tribunal Regional do Trabalho
UCDB Universidade Católica Dom Bosco
UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina
UEA Universidade do Estado do Amazonas
UEPA Universidade do Estado do Pará
UFAM Universidade Federal do Amazonas
UFOPA Universidade Federal do Oeste do Pará
UFPA Universidade Federal do Pará
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRA Universidade Federal Rural da Amazônia
UFRR Universidade Federal de Roraima
UFT Universidade Federal do Tocantins
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UHE Usina Hidrelétrica
UnB Universidade de Brasília
UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso
UNICS Centro Universitário Católico do Sudoeste do Paraná
UNIFAP Universidade Federal do Amapá
UNIFESSPA Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
UNILAB Universidade de Integração Internacional Luso Afro-Brasileira
UNOESC Universidade do Oeste de Santa Catarina
URES Unidades Regionais de Educação
xvi

Sumário

1. Novos sujeitos em cena na Antropologia ............................................ 1


Entre a aldeia e a cidade .............................................................................. 2
Um militante acadêmico .............................................................................. 6
E agora na Antropologia ... ......................................................................... 11
Caminhos metodológicos ........................................................................... 13
Sobre diálogos entre parentes ................................................................... 14
Pesquisa de campo em Santarém: aproximações e distanciamentos ....................... 21

E relacionado à UFPA ................................................................................. 23


A propósito da tese .................................................................................... 26

2. “Tá na hora de focar numa coisa maior”: protagonismo indígena e


acesso à universidade................................................................................... 34
Conhecer para conquistar: apropriações e a luta por direitos .................... 42
Entre cocares e capelos: o estado do Pará e a inclusão em IES................... 55
Cor na Universidade: povos indígenas e a UFPA ........................................................ 62

De avanços a dificuldades: mudanças necessárias na postura da universidade


................................................................................................................... 78

3. Dos percalços do ensino superior às (im)possibilidades de percurso . 82


Alterações no PSE: as violações de um acordo ........................................... 93
Sobre identidade étnica, participação política e desconstrução de
estereótipos ............................................................................................. 104
Entre representações e estereótipos ....................................................................... 111
Traçando o perfil dos indígenas discentes na UFPA: das obrigações acadêmicas ao
comprometimento político ...................................................................................... 116

4. Entre diversidade e igualdade: os desafios da presença indígena na


UFPA ........................................................................................................124
Refazendo a caminhada ........................................................................... 130
Termo de cooperação Técnica ................................................................................. 137
Programas de Assistência Estudantil da UFPA ......................................................... 138
xvii

Recurso via MPF contra a Universidade................................................................... 144


Situação dos indígenas com a bolsa cortada ....................................................... 145
Felipe.................................................................................................................... 145
Cauan ................................................................................................................... 147
Fernando .............................................................................................................. 148
Tadeu ................................................................................................................... 149
Lucas .................................................................................................................... 150

De dificuldades ao racismo institucional: os percalços da presença indígena


no ensino superior ................................................................................... 152
O Caso de Namam Wai Wai ..................................................................................... 155

Alguns apontamentos sobre a permanência ............................................ 159

5. Carreiros indígenas: memórias e a afirmação identitária ................ 161


APYEUFPA: da mobilização à superação de dificuldades .......................... 161
Conquistas protagonizadas a partir da APYEUFPA................................................... 170
Semana do Calouro Indígena ............................................................................... 170
A Caravana do Vestibular Indígena...................................................................... 175

Parcerias e alianças: a conquista de novos espaços e canais de diálogo ... 184


Alianças com lideranças e organizações indígenas .................................................. 184
Parceiros não indígenas ........................................................................................... 186

Protagonismo de indígenas discentes ..................................................... 193


Protagonismo da indígena mulher: a trajetória de Putira Sacuena ......................... 194

Para ampliar o carreiro ............................................................................. 202

Referências ................................................................................................ 208


1

1. Novos sujeitos em cena na Antropologia

Nas lutas empreendidas pelos povos indígenas, a descolonização dos “espaços


acadêmicos” tem adquirido relevância para os movimentos indígenas e aliados nas últimas
décadas. No âmbito da academia, a luta pela descolonização implica na possibilidade do
diálogo entre diferentes saberes e na valorização da perspectiva do “outro”, na tentativa de
superação da sobreposição dos conhecimentos ocidentais e no questionamento de teorias
preconceituosas que se estabeleceram historicamente e reproduzem estereótipos. Sendo
assim, as inúmeras pesquisas, trabalhos e reflexões desenvolvidas por indígenas no âmbito da
academia constituem novas estratégias de enfrentamento.
Neste contexto, muitos povos indígenas lutam contra os efeitos nefastos causados
pela colonização, a qual adquire novos contornos, com padrões, práticas e estratégias que se
alteram e continuam a desconsiderar o outro enquanto sujeito de direitos. Partindo deste
pressuposto, o ingresso de representantes de povos indígenas em cursos de graduação e pós-
graduação são estratégias para a mudança de paradigma, quando grupos historicamente
vulnerabilizados e excluídos protagonizam mudanças, produzindo conhecimento sobre a
própria realidade. Pensando assim, os debates e as análises suscitadas pretendem fomentar
as discussões acerca do acesso de povos etnicamente diferenciados em instituições públicas
de ensino superior, que se constituem estratégias de descolonização do conhecimento
acadêmico trazendo à cena antropológica novos sujeitos que deixam de ser meros
“informantes” para protagonizarem as próprias histórias.
Tomando minha trajetória de vida e estudantil como ponto de partida, pretendo
mostrar os caminhos percorridos para alcançar o ensino superior, os desafios e dificuldades
enfrentadas em ambientes hostis à diversidade, a importância das ações afirmativas e, as
possibilidades de organizações políticas nestes espaços. Também problematizo a experiência
de dez anos de trabalho com povos indígenas e populações tradicionais no estado do Pará,
que produziram importantes contribuições para minha formação pessoal, política e
acadêmica. Em suma, nesta sessão, procuro demonstrar como a formação de indígenas em
nível superior pode proporcionar diálogos entre diferentes, além da vivência da
interculturalidade. A metodologia adotada para a escrita difere da maioria dos textos, nos
quais o autor pouco aparece, escrevo em primeira pessoa, considerando: (1) a pertença
Kaingang e (2) a participação nas políticas públicas de acesso de pessoas indígenas no ensino
2

superior, ou seja, sou indígena pesquisador e partícipe das Políticas de Ação Afirmativa (PAA)
na Universidade Federal do Pará (UFPA).
A maioria dos trabalhos que discute ações afirmativas para povos indígenas em
instituições públicas de ensino superior foram elaborados por não indígenas, muitos destes
pesquisadores são comprometidos com luta indígena, se posicionando favoráveis às ações
afirmativas. Os resultados destas pesquisas mostram a realidade indígena no ensino superior
e problematizam os percalços para o acesso, permanência e sucesso deste público, também
foram significativos por contribuírem para as mudanças que ocorreram nas últimas décadas,
corroborando para o estabelecimento de um quadro favorável no Brasil. Porém, os trabalhos
de autoria de indígenas sobre a temática ainda são escassos, limitando assim a possibilidade
de compreender as Políticas criadas a partir do olhar dos próprios interessados, que acabam
“aparecendo” na maioria dos trabalhos apenas como informantes.
Portanto, a preocupação em atribuir a importância devida às narrativas dos parentes
é constante, a escrita do trabalho produz inquietações, dúvidas e desconfortos, não apenas
como pesquisador, mas de um Kaingang que deve estar atento aos protagonismos existentes,
que tem a oportunidade, ainda hoje, de acompanhar o processo de implantação das políticas
afirmativas cotidianamente, enquanto escreve.
Considero importante contextualizar que a escolha em pesquisar indígenas no ensino
superior toma corpo antes mesmo do meu ingresso no Programa de Pós-Graduação em
Antropologia (PPGA), pois a reflexão sobre a minha trajetória de vida e de estudante assume
o ponto de partida,1 considerando que, assim como os parentes com os quais mantive diálogos
para escrita da tese, enfrentei inúmeras dificuldades, contando com chances mínimas de
sucesso.

Entre a aldeia e a cidade

Oriundo de família pobre, filho de pai indígena e mãe não-indígena, sempre lidei com
o trânsito entre a aldeia e a cidade e conflitos familiares, de um lado a figura do colonizador

1
A primeira discussão sobre a minha trajetória pode ser encontrada em: Fernandes, E. A. 2010. Nas
trilhas da (in)visibilidade. Revista Tellus, Campo Grande, ano 10, n. 18, pp. 247-253, jan./jun. 2010.
Disponível em: http://www.gpec.ucdb.br/projetos/tellus/index.php/tellus/article/view/209. Acesso
em: 15 de mar. de 2016.
3

representada pela família materna e, de outro, a do colonizado lutando pela retomada do


território, constituída pela família paterna.
Frequentei o ensino fundamental e médio na rede pública, em escolas indígenas e não
indígenas, conciliando a escola com as responsabilidades domésticas e comunitárias, além de
exercer algumas atividades remuneradas. Mesmo sendo o mais jovem de uma família de
quatro filhos, cedo fez-se necessário participar das tarefas da lavoura, capinando, trabalhando
no plantio e na colheita para diminuir o peso que recaiu sobre os ombros de minha mãe, após
o falecimento de meu pai.
A situação crítica enfrentada pela família exigiu que fizéssemos várias mudanças,
residindo em casas de parentes maternos em Santa Catarina e no Paraná, as idas e vindas
tornaram frequentes as trocas de escola. Cheguei a frequentar cinco escolas diferentes para
concluir o ensino fundamental e médio. Sempre ouvi falar sobre a importância da escola, fui
instruído, desde cedo, que a “única forma de ser alguém na vida” seria estudando, a afirmativa
era justificada pelas poucas alternativas que tínhamos.
Não criei muitas expectativas sobre o ensino superior, para mim era algo distante,
pouco ouvia falar sobre o assunto no círculo familiar, afinal não tínhamos parentes formados,
pensava em concluir o ensino médio e trabalhar. A primeira pessoa da família a ingressar e
concluir o ensino superior foi minha irmã Rosani de Fatima Fernandes2 a qual passou a ser
uma referência para mim, visto que foi a pioneira e com frequência relatava suas experiências
mostrando a importância do ingresso na universidade e as diversas perspectivas que a
formação poderia proporcionar.
Comecei a pensar com mais seriedade na possibilidade de ingressar no ensino superior
em 2001, enquanto concluía o ensino médio na Escola Indígena de Educação Básica Cacique
Vanhkré, localizada na Aldeia Sede na Terra Indígena (TI) Xapecó, município de Ipuaçu/SC.
Aquele foi um ano decisivo, os incentivos feitos por Rosani, pelos professores, as conversas
com colegas de turma, com as lideranças da aldeia que demonstravam a necessidade de
pessoas formadas para atuar na comunidade serviram como propulsores para continuidade
dos estudos.

2
Para entender melhor a trajetória de Rosani de Fatima Fernandes, consultar: Fernandes, R. de F. Pós-
Graduação em Direitos Humanos: relato de uma experiência. Revista Tellus, Campo Grande – MS, ano
7, n. 13, pp. 149-154, out. 2007. Disponível em:
http://www.tellus.ucdb.br/index.php/tellus/article/view/145/150. Acesso em: 11 de out. de 2015.
4

Para os discentes indígenas à época, universidades públicas constituíam-se realidades


distantes, as informações sobre estas instituições eram mínimas e, no entendimento da
maioria, eram lugares praticamente inacessíveis, sobretudo pela dificuldade relacionada aos
processos seletivos, mas também pela distância das aldeias. Entre os indígenas formandos da
minha turma, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) era a Instituição pública de
ensino superior mais conhecida, pouco se ouvia falar da Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC) ou de instituições públicas de outros estados.
No ano que concluí o ensino médio, as PAA para povos indígenas ainda não eram uma
realidade, o acesso de indígenas nos cursos de graduação de universidades públicas ainda não
era pauta de discussão em muitas regiões, neste período, os principais debates giravam em
torno da criação de Licenciaturas Interculturais.3
As alternativas mais acessíveis para nós eram as instituições particulares, as quais
ofereciam alguns cursos em municípios próximos das TIs. Inicialmente, a Fundação Nacional
do Índio (FUNAI), firmou um acordo com diversas instituições particulares na região, período
que assumiu o compromisso de pagar as despesas relacionadas à matrícula e mensalidades
dos discentes indígenas. Em razão da demanda crescente por acesso a estas instituições por
um lado e os cortes orçamentários no órgão indigenista de outro, uma nova política de
assistência aos universitários começou a ser discutida e negociada. Sobre o assunto, Fialho,
Menezes e Ramos (2013) mostram que o crescimento da demanda e os cortes orçamentários
da FUNAI, o órgão ficou impossibilitado de atender todos os discentes indígenas.
Para os autores, uma das importantes ações do órgão foi a criação da Coordenação
Geral de Educação (CGE), que estabeleceu parcerias e convênios com diversas instituições
públicas e particulares. O apoio financeiro pela CGE atendeu discentes das licenciaturas
interculturais e dos cursos universais, porém com as limitações financeiras, a maioria dos
discentes indígenas ficaram sem qualquer apoio. Como a demanda por apoio é maior que a
oferta de recursos, fez-se necessário criar instrumentos jurídicos reguladores, para tanto,
tomou-se como base os critérios contidos na Portaria da FUNAI de N o. 63/PRES/2006, que

3
As bases teóricas e práticas que garantiram diversas ações voltadas ao ensino superior para povos
indígenas no Brasil, podem ser consultadas em: SOUZA LIMA, Antonio Carlos de & BARROSO, Maria
Macedo (Orgs.). 2013. Povos Indígenas e Universidade no Brasil: Contextos e Perspectivas, 2004-2008.
Rio de Janeiro: E-papers. Disponível em: http://laced.etc.br/site/acervo/livros/povos-indigenas-e-
universidade-no-brasil-contextos-e-perspectivas-2004-2008. Acesso em: 07 de jan. de 2016.
5

determinava o atendimento aos discentes, pautado em princípios de igualdade de condições


para todos os indígenas.
No final de 2001 concorri para uma vaga no curso de Direito da Universidade do Oeste
de Santa Catarina (UNOESC),4 campus de Xanxerê, mas não obtive êxito no vestibular, como
os processos seletivos geralmente aconteciam no final do segundo semestre, fui obrigado a
aguardar por um ano. Durante o período de espera trabalhei no setor de reflorestamento da
Usina Hidrelétrica (UHE) Quebra Queixo, que estava sendo construída nos limites do município
de Ipuaçu. Assim como eu, muitos outros indígenas trabalhavam na obra, a grande maioria
ocupava cargos que exigiam baixa escolaridade e nenhuma experiência prévia, apenas alguns
trabalhavam em outras funções, como motorista, pintor, apontador, por exemplo.
Na segunda tentativa de ingressar no Ensino Superior, obtive êxito. Fui aprovado no
curso de Bacharelado em Administração de Empresas na Faculdade Integrada Católica de
Palmas (FACIPAL), atualmente, Centro Universitário Católico do Sudoeste do Paraná (UNICS),
situada no município de Palmas no estado do Paraná. Lembro, ainda hoje, da emoção que
senti quando soube da notícia da aprovação. Antes mesmo da prova avaliei as dificuldades
por estudar em outro estado, entre morar em Palmas e viajar todos os dias para estudar,
escolhi a segunda opção. Sair todos os dias de Santa Catarina para o estado do Paraná
demandou esforços significativos, pois precisava viajar 200 quilômetros da aldeia no percurso
de ida e volta, além das despesas com os materiais ainda teria que me preocupar com as
despesas relacionadas ao transporte. O primeiro semestre pude contar com o apoio da FUNAI,
que ainda mantinha o acordo com as Instituição de Ensino Superior (IES), minha matrícula e
mensalidades foram pagas integralmente.
Neste período, participei de diversas reuniões que envolveram lideranças da
comunidade, indígenas discentes e funcionários da FUNAI para tratar do apoio aos indígenas
que faziam algum curso de nível superior, até aquele momento, contávamos com o apoio
integral para o pagamento das mensalidades. Alegando cortes orçamentários e a
impossibilidade de atender a todos os discentes, a FUNAI diminuiu o apoio para cada discente,
no caso dos que frequentavam a UNOESC, o auxílio de 100% nas matrículas e mensalidades,
parte garantida pela Instituição (50%) e parte pela FUNAI (50%). Com a mudança, o valor que

4
A UNOESC integra cinco campi nos municípios de Joaçaba, Videira, Xanxerê, Chapecó e São Miguel
do Oeste. Para mais informações consultar: http://www.unoesc.edu.br/unoesc/historico.
6

era pago pela FUNAI passou a ser dividido com o discente, ou seja, 25% pago pelo discente e
25% pela FUNAI. As reuniões que deveriam ter por objetivo a negociação entre indígenas e o
órgão indigenista, tiveram como resultado a imposição da FUNAI e o corte parcial do apoio
aos discentes indígenas, mesmo diante das manifestações contrárias.
Quando iniciei o curso em Palmas, fui convidado pelas lideranças da TI Xapecó para
lecionar na Escola Indígena de Ensino Fundamental Pinhalzinho como professor de Educação
Física, escola localizada na aldeia Pinhalzinho na TI Xapecó, no município de Ipuaçu. O período
de quase três anos em que atuei como professor foi muito importante para minha formação
política e pessoal, pois pude compreender melhor, à época como professor, a realidade das
escolas indígenas, os problemas enfrentados com a falta de professores formados, com a falta
de estrutura adequada e de materiais básicos para o funcionamento da escola, além do
descaso do Estado com a Educação Escolar Indígena.
No segundo semestre de 2003 consegui a transferência para a UNOESC, campus de
Xanxerê, situada a uma distância de 40 km da aldeia. Com os cortes orçamentários da FUNAI
passei a pagar 25% do valor total das mensalidades, o que dificultou ainda mais a continuidade
dos estudos. O pequeno salário que recebia trabalhando como professor, com uma carga
horária de 30 horas semanais deixou de ser suficiente por conta das mensalidades, pois mal
conseguia pagar as despesas com transporte, materiais exigidos na universidade, alimentação
e demais despesas. Muitas vezes, fui obrigado a renegociar as dívidas no setor financeiro da
universidade, caso contrário ficaria impossibilitado de fazer a matrícula do semestre seguinte,
a renegociação acumulava dívidas e a bola de neve sempre aumentava. Foram nessas
condições que cursei a graduação, muitas vezes me senti desamparado e desanimado, se
tivesse desistido, hoje minha trajetória seria outra.

Um militante acadêmico ...

Superando as adversidades e as expectativas negativas de alguns colegas e


professores, conclui a graduação no ano de 2008, ano que conheci o edital diferenciado para
povos indígenas no Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da UFPA, por intermédio
de Rosani, foi a primeira vez que tive contato com Instituição pública de ensino superior.
Ouvira falar de ações afirmativas para povos indígenas em universidades no estado do Paraná,
também tinha amigos que frequentavam o Curso de Licenciatura Específico para formação de
7

professores indígenas na Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT), mas não


conhecia nenhuma universidade que oferecesse vagas para indígenas na Pós-Graduação. O
edital oferecia duas vagas específicas para indígenas que se propusessem a trabalhar a
temática dos Direitos Humanos atendendo assim a grupos que, historicamente, estão em
desvantagem.
A partir do curso de Pós-Graduação em Direito pude contribuir de forma mais
qualificada com as demandas do movimento indígena do estado do Pará. Ingressar via seleção
diferenciada para povos indígenas significava muito para mim, foi quando o interesse de
entender melhor a discussão sobre as PAA passou a fazer parte da minha vida. A transferência
para o estado do Pará para prestar seleção no PPGD exigiu mudanças significativas, a começar
pelo deslocamento geográfico e, posteriormente pelo ritmo de estudos, que diferia do que
estava acostumado.
Portanto, ao mesmo tempo que fazia o mestrado no PPGD, trabalhava com os
indígenas que ingressavam na UFPA, foi quando em 2010 tive o privilégio de conhecer e iniciar
minha pesquisa com o povo Tembé de Santa Maria do Pará, povo que durante um século
ocultou a identidade indígena, voltando a assumir a pertença Tembé em 1999. A dissertação
foi escrita a muitas mãos, pois contou com a participação ativa de membros da comunidade.
Uma das lideranças que contribuiu de forma significativa para a elaboração do texto foi Almir
Vital da Silva Tembé, conhecido no movimento indígena do estado por Almir Tembé, que
passou a morar comigo, em Belém, desde 2010, em função da aprovação no curso de
enfermagem da UFPA pelo Processo Seletivo Especial (PSE).
A proximidade com Almir permitiu que maioria dos aspectos relacionados a
dissertação fossem discutidos, muitas mudanças foram solicitadas por ele e pela comunidade
para que o resultado estivesse adequado. Na dissertação pretendia discutir os aspectos mais
relacionados a mobilização em torno da Associação Tembé de Santa Maria do Pará
(AITESAMPA) na luta por direitos, mas fui instigado por eles a também contar a história do
povo, portanto, em resposta às demandas da comunidade o primeiro capítulo foi destinado a
escrever a história nos termos do próprio povo.
Na condição de parente, fui convidado a participar de diversas reuniões, tanto na
comunidade, quanto fora dela, e neste caso na FUNAI, Secretaria Especial de Saúde Indígenas
(SESAI) e Ministério Público Federal (MPF). Uma delas, a que considerei mais expressiva das
que participei assessorando o povo fora da aldeia, foi realizada no ano de 2012, no prédio do
8

MPF em Belém, envolvendo o presidente da FUNAI, na época Marcio Meira, representantes


do MPF, lideranças Tembé de Santa Maria do Pará e de outras aldeias da região, dos
municípios Capitão Poço, Tomé-Açú e Paragominas, todos da região nordeste do estado do
Pará. Uma das pautas foi a discussão sobre o reconhecimento étnico dos “de Santa Maria do
Pará”,5 ao ser cobrado pelo cacique Miguel, o presidente da FUNAI, como poderia se esperar,
indicou que não caberia a FUNAI fazer o reconhecimento, mas sim aos próprios Tembé, o que
poderia ser feito ali mesmo a partir do reconhecimento das lideranças que estavam presentes
na reunião, aproximadamente 35 lideranças que representavam praticamente todas as
aldeias Tembé da região. Diante da situação, elaborei juntamente com algumas lideranças
indígenas presentes um documento de reconhecimento, que foi assinado por todos os
indígenas presentes e marcou a história do povo Tembé de Santa Maria do Pará.
Como é possível observar, as ações afirmativas criadas na UFPA além de garantir o
ingresso de diferentes povos indígenas na Instituição, permite também o encontro entre
parentes de diferentes etnias, momento em que histórias se cruzam fora das aldeias e
relações de parceria são estabelecidas. Digo isso em função de que conheci alguns membros
do povo Tembé de Santa Maria do Pará no dia em que foram realizar suas matrículas na
universidade, momento no qual fui solicitado a auxiliá-los em função da minha atuação no
Programa de Políticas Afirmativas para Povos Indígenas e Populações Tradicionais (PAPIT),
coordenado pela Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão, foi nesse contexto que iniciamos os diálogos
que resultaram na dissertação de mestrado.
Por outro lado, cursar as disciplinas no PPGD possibilitou conhecer mais sobre a
construção do Direito no Brasil e os direitos dos povos indígenas ao reconhecimento dos
sistemas próprios de Direito vivenciados nas aldeias. Fui brindado com instrumentos que
permitem conhecer novos espaços nas discussões acerca da dignidade humana (quilombos,
ribeirinhos, extrativistas, enfim, grupos tradicionais historicamente vulnerabilizados), na luta
por acesso à educação e saúde de qualidade, habitação, alimentação, enfim, direitos que nos
são assegurados como cidadãos brasileiros.

5
Os Tembé não são de Santa Maria do Pará, estão no hoje município de Santa Maria do Pará, pois são
anteriores a qualquer divisão territorial e criação de limites municipais e estaduais. Se identificam
como “de Santa Maria do Pará”, como uma forma de diferenciarem-se dos Tembé que estão em outros
municípios do estado, o próprio nome da Associação que os representa está escrito dessa maneira
para marcar a diferenciação.
9

O período do mestrado também foi importante para conhecer muitos povos indígenas
no estado e estabelecer parcerias, construindo relações de reciprocidade com as lideranças.
A minha presença na pós-graduação da UFPA garantiu o acompanhamento das políticas
afirmativas desde 2008, acompanhei e participei das discussões para criação do PSE para
povos indígenas e participo como avaliador nos PSEs, o que permite conhecer muitos
candidatos e as histórias relacionadas as suas comunidades, contadas por eles durante as
conversas com finalidade,6 assim como, acompanhar os primeiros passos desses indígenas na
Instituição, os dilemas e as dificuldades enfrentadas por eles por conta da ausência de políticas
que garantissem a permanência.
Na UFPA, fui um dos idealizadores e fundadores da Associação dos Povos Indígenas
Estudantes na Universidade Federal do Pará (APYEUFPA),7 Instituição criada em 2011 e
representa indígenas que estudam no campus da UFPA de Belém, a qual presidi por três anos
consecutivos.
Em face das habilidades como “aprendiz de pesquisador” passei a integrar o PAPIT,
inicialmente, como discente-colaborador, auxiliando na formulação e no teste dos
instrumentos utilizados em campo. Posteriormente, passei a colaborar com estagiários e
bolsistas de Iniciação Científica (IC), discentes de pós-graduação e docentes do projeto,
tornando-me colaborador de atividades e projetos, sempre disposto a aprender no campo do
Direito e da Antropologia.
Em decorrência da experiência adquirida com os trabalhos desenvolvidos na
APYEUFPA e no PAPIT, enquanto integrante do grupo de pesquisa coordenado pela Profa. Dra.
Jane Felipe Beltrão, minha orientadora desde o mestrado, pude contribuir com diversas
atividades desenvolvidas entre comunidades tradicionais no estado do Pará, dentre as quais,
pesquisas desenvolvidas entre os quilombolas no município de Salvaterra, no arquipélago do
Marajó, compus a equipe que realizou palestras e orientações sobre o ingresso no ensino
superior e outras temáticas, tais como: direito, educação, associativismo, entre outros.
Uma das propostas de trabalho foi a orientação e divulgação do PSE para quilombolas,
processo criado em 2012 na UFPA. As “conversas com finalidade” realizadas nos quilombos

6
Prefiro utilizar a categoria conversas com finalidade ao invés de entrevistas para referir aos momentos
em que tive a oportunidade de gravar as os diálogos com os parentes. Categoria foi proposta por Maria
Cecília de Souza Minayo (2010).
7
A discussão sobre a criação da Associação será realizada mais adiante. Ao longo dos capítulos serão
elencados pontos relacionados a organização da APYEUFPA que interessem à discussão.
10

de Bacabal, Bairro Alto e Pau Furado entre os quilombolas foi sugerida por mim aos
integrantes do projeto Indígenas e Quilombolas Mulheres em Situação de Violência:
diversidade sociocultural, direitos humanos e políticas públicas na Amazônia (Beltrão, 2012),
planejada e executada em parceria com colegas de projeto.8 Considero a experiência
relevante por contribuir significativamente para minha formação, proporcionando a
observação das dificuldades enfrentadas pelos quilombolas no que se refere ao ingresso e
permanência no ensino superior e como elas são semelhantes as enfrentadas pelos povos
indígenas.
Conclui o mestrado no final de 2013 e logo após fiz a seleção para o Doutorado em
Antropologia. Ressalto a importância do ingresso no PPGA da UFPA para a reflexão sobre o
fazer antropológico, considero que os textos lidos e as discussões desenvolvidas nas
disciplinas, assim como, as discussões empreendidas nas formações feitas a partir do Grupo
de Pesquisa Cidade, Aldeia & Patrimônio coordenado pela Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão
foram fundamentais para as discussões sobre as diversas formas de atuação nas comunidades
ou povos com os quais se realizam pesquisas acadêmicas. O atraente mundo da antropologia
é capaz de envolver de tal maneira, que abre novas possibilidades de ver e entender os
contextos de nossas pesquisas e da nossa vida. Acredito que utilizar o que foi aprendido no
trato da pesquisa e nas disciplinas que cursei são significativos para a luta diária que envolve
os povos indígenas e a minha atuação enquanto militante e futuro antropólogo.
A formação na área também pode ser considerada como possibilidade de criação de
espaços de diálogos entre culturas e realidades específicas, pois neste espaço os
conhecimentos existentes, os valores individuais, as percepções de mundo estão
constantemente sendo colocadas em xeque, sendo questionadas enquanto verdades
absolutas, dando espaço ao relativismo e compreender o outro a partir de suas
especificidades.

8
Participaram das atividades desta etapa: Camila Soares de Sousa, Camille Castelo Branco Barata,
Cristina Maria Arêda Oshai, Edimar Antônio Fernandes e Rhuan Carlos dos Santos Lopes. Os resultados
da etapa de campo compõem o “Relatório da 2ª etapa de campo nos quilombos do município de
Salvaterra, Marajó-PA. (Inédito)
11

E agora na Antropologia ...

As experiências de vida de antropólogos, colegas indígenas e não indígenas que estão


imersos na luta com os povos indígenas foram motivação para a escolha da Antropologia.
Penso que a Antropologia e os profissionais que atuam na área devem assumir o compromisso
de compreender a realidade vivida pelo outro, superando as fronteiras do saber e acessando
novas formas de compreender o mundo, ou seja, a Antropologia pode significar um novo
entendimento do que os pesquisadores não-indígenas discutiram acerca dos povos indígenas
no passado, e de como esse entendimento sofreu alterações no decorrer do desenvolvimento
da disciplina bem como, as possibilidades de perceber a atuação dos antropólogos e da
própria disciplina.
A minha proximidade com a Antropologia a partir da realização de diversas disciplinas
tanto no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS), quanto no PPGA, assim
como, o fato de pertencer a um povo indígena e ter tido experiências com antropólogos
anteriormente, serviram de lastro para a realização de diversas pesquisas empreendidas
durante os dez anos que estou entre os povos indígenas do estado do Pará e, também, para
atuar como presidente da APYEUFPA. A atuação enquanto representante de uma organização
de discentes e militante pelos direitos indígenas ultrapassam os muros da universidade e
tiveram respostas razoavelmente positivas até o momento.
Minha presença, na condição de Kaingang na Pós-Graduação em Antropologia parte,
principalmente da necessidade de compreender, numa perspectiva crítica, a realidade social
vivida pelos povos indígenas no Brasil. Para entender de forma adequada as nuances do
embate faz-se imperioso observar os processos históricos que resultaram na situação atual a
partir da utilização de instrumentos teóricos e metodológicos disponíveis na Antropologia.
Para se elaborar um bom trabalho, é necessário o ir e vir entre a teoria e a prática, conciliando
o que foi aprendido no campo teórico, conceitos e categorias estabelecidas na Antropologia,
com a prática da pesquisa de campo a partir do “olhar” de um Kaingang, possibilitando assim,
uma compreensão ampla da realidade estudada.
Fazer o projeto de tese para ingresso no doutorado em Antropologia foi tarefa difícil
que demandou empenho e dedicação, as preocupações começaram pela definição do campo
de pesquisa e do tema a ser abordado, que precede a seleção de ingresso no Programa. Ao
refletir sobre a possibilidade de contribuir a partir da discussão aqui empreendida muitas
12

inquietações surgiram, em sendo indígena, como poderia enriquecer a discussão do fazer


antropológico? Como poderia refletir sobre erros e acertos cometidos no passado e no
presente, na perspectiva de pensar melhorias? A preocupação em responder tais questões é
uma das motivações da escrita da tese, as respostas podem não ser fáceis, pois para um bom
desempenho urge compreender o contexto em que estou inserido, o lugar de onde falo e para
onde pretendo ir, na perspectiva de proporcionar diálogos igualitários entre os diferentes
saberes de forma que não se sobreponham uns aos outros. E, neste sentido, viver a
possibilidade da interculturalidade, vencendo resistências e barreiras instituídas
historicamente.
Para os povos indígenas, a apropriação das pesquisas realizadas na Antropologia se
constitui em possibilidade de verificar, contestar ou concordar com o que tem sido escrito,
assumindo a responsabilidade de conhecer o que está sendo dito para novas
problematizações. Neste sentido, o indígena antropólogo Tonico Benites expressa sua opinião
sobre os indígenas formados:

[o]bservo que alguns indígenas já formados e estudantes em Antropologia passam a assumir


a função de relator e porta voz de seu povo; tradutores das reivindicações e dos projetos dos
povos indígenas que são enviados aos órgãos do Estado e às organizações das sociedades
nacionais e internacionais. Além disso, um antropólogo indígena já começa a assumir a função
de consultor, perito e tradutor do governo e justiça federal. (Benites, 2015: 246)

Conhecer a própria realidade a partir de outras formas de olhar, assim como, a


realidade que envolve o mundo não indígena tem sido uma das principais demandas dos
povos indígenas, dominar conhecimentos são estratégias imprescindíveis para a
descolonização, assim como, para a garantia de que direitos conquistados se mantenham,
afinal “o Ocidente não pode mais se apresentar como o único provedor de conhecimento
antropológico sobre o outro.” (Clifford, 1998: 19).
A presença de pessoas indígenas no ensino superior é tema que me causa inquietação
desde a graduação, por ter ingressado, em 2003, em um curso de graduação, vivenciei
diversas situações que demonstraram o descaso do Estado em relação às políticas de acesso,
permanência e sucesso dos povos indígenas nestas IES. Muitas questões que apresento sobre
os indígenas na UFPA foram observadas em outros contextos e em várias regiões do estado
do Pará e em outros estados, também pude acompanhar as lutas de indígenas discentes em
universidades particulares durante minha trajetória acadêmica em Santa Catarina. Portanto,
13

algumas questões aqui problematizadas são fruto de vivência durante a formação que não
prescinde da compreensão acadêmica.
Na UFPA, trabalho desde 2010 com os parentes que ingressam na Instituição via ações
afirmativas, acompanhei muitas trajetórias acadêmicas e pude contribuir para permanência
de muitos na Instituição, além de atuar na seleção de pessoas indígenas e quilombolas em
cinco PSEs. Todavia, as dificuldades enfrentadas pelos parentes na UFPA e o alto índice de
desistência observados a partir do acompanhamento feito com os indígenas do campus de
Belém a partir da APYEUFPA, foram motivo de preocupação, os dados coletados pela
Associação referente a este campus oferecem um panorama parcial da situação dos indígenas
que ingressaram na UFPA, porém a necessidade de compreender e problematizar de forma
adequada a realidade dos indígenas que ingressaram via AA na Instituição requer uma
pesquisa mais ampla e estruturada, fornecendo assim respostas a muitos questionamentos
realizados, não apenas por mim, mas acima de tudo, pelas lideranças indígenas que
constantemente nos acionam.

Caminhos metodológicos

Para compreender o protagonismo dos indígenas no estado do Pará na luta pelo


acesso ao ensino superior foi necessário dialogar com as lideranças e organizações indígenas
que participaram do processo de criação das Ações Afirmativas para povos indígenas. A busca
por estas informações exigiu deslocamentos pelas diversas regiões do estado, momentos que
tornaram possível compreender o projeto pensado pelas lideranças indígenas, as expectativas
que foram geradas, as análises positivas ou frustrações que existem e as expectativas
relacionadas ao retorno dos egressos. Também procurei acompanhar os indígenas que
ingressaram via reserva de vagas nos cursos de graduação desde 2010, fazendo orientações,
formações políticas, procurando entender os problemas enfrentados e buscando soluções
práticas para o melhor desempenho destes acadêmicos.
O trabalho de pesquisa para a tese foi iniciado antes mesmo do ingresso no PPGA,
durante o mestrado eu pensava em trabalhar com o tema caso tivesse a oportunidade de
ingressar no doutorado, portanto, mantive um arquivo com documentos relacionados ao
tema. Muitos deles foram utilizados logo que ingressei no doutorado, diante da necessidade
de elaborar os trabalhos finais no período da realização das disciplinas e, também, para a
14

publicação de artigos. Foi neste contexto que iniciei algumas análises de materiais coletados,
documentos relacionados à escrita daqueles trabalhos eram selecionados e utilizados para as
discussões. Em 2015, iniciei a organização dos documentos da pesquisa a propósito da escrita
da tese, trabalho este que demandou tempo em decorrência da quantidade.
As pesquisas de campo realizadas podem ser classificadas basicamente de duas
formas: (1) àquelas realizadas com os parentes de diversas etnias, sejam eles discentes da
UFPA ou não, e; (2) as que foram realizadas no âmbito da UFPA, nos órgãos que trabalham
diretamente com o público indígena na Instituição. Classifico desta forma considerando que
são dois locais diferentes que produzem discursos frequentemente divergentes, mas que em
alguns momentos acabam convergindo diante dos diálogos que possam existir, geralmente a
depender da forma como as reivindicações dos movimentos indígenas são recebidas pelos
representantes da UFPA. A diferenciação feita entre os discursos não indica que o texto está
dividido desta forma, pois a medida que foi sendo construído, as distintas perspectivas são
utilizadas para compor as argumentações.
Elenco a seguir os avanços alcançados até o presente momento, neste tópico não
pretendo aprofundar a discussão sobre os materiais coletados, apenas indicar o que foi feito,
as análises e discussões mais aprofundadas são realizadas no decorrer dos capítulos.

Sobre diálogos entre parentes

Com os parentes, as pesquisas foram desenvolvidas tanto na Universidade quanto fora


dela, assim como, com organizações representativas nas duas esferas, imprescindíveis no
projeto de luta pela autonomia. No âmbito “interno” à Universidade, é composto pelas
narrativas dos indígenas discentes que ingressaram na Instituição por meio de Ações
Afirmativas nos cursos de graduação e pós-graduação, assim como, os discursos produzidos a
partir da APYEUFPA, por representar as demandas coletivas dos indígenas na Instituição.
Representam os que estão “fora” da UFPA, por sua vez, parentes que participaram e foram
protagonistas na luta pelo acesso de povos indígenas na UFPA, lideranças tradicionais e
políticas, pais, mães, professores, jovens, indígenas que ingressaram na Instituição, mas que
em algum momento desistiram, trancaram ou até mesmo são egressos, enfim, todos aqueles
que não estão na UFPA, mas que de alguma forma produzem discursos sobre ela. As narrativas
feitas pelos parentes variam de acordo com o “lugar” de onde se está falando.
15

A necessidade de mobilização dos indígenas discentes na UFPA para produzir


enfrentamentos aos problemas que começavam a surgir, motivaram os primeiros
levantamentos feitos por mim, o objetivo era identificar cada indígena que ingressou via PSE,
para então nos organizarmos coletivamente. Sendo assim, desde o ingresso da primeira turma
de indígenas em 2010, procurei manter organizadas as informações relacionadas aos
discentes. O arquivo “Contatos indígenas Belém”, como intitulei a princípio, foi elaborado em
planilha de Excel e contava com informações básicas que serviram para as primeiras
aproximações com os parentes, o arquivo continha dados do contato (nome, e-mail e
telefone) os cursos escolhidos, a etnia e o ano de ingresso. Com a criação de uma organização
representativa em 2011, surgiu a necessidade de maior controle das informações, foi quando
alterei a planilha, passando a chamá-la de “Levantamento de dados dos indígenas em Belém”,
na qual inseri mais informações contemplando, não apenas as pertinentes ao contato, mas
também relacionadas a situação acadêmica, tanto de indígenas da graduação quanto da pós-
graduação. Estes dados se referiam, apenas, aos indígenas que ingressavam no campus de
Belém, em decorrência da abrangência da Associação prevista em estatuto, a qual
representava apenas indígenas do campus de Belém.
Em 2014, com o ingresso no doutorado, percebi a necessidade de ampliar o
levantamento e inserir informações, foi então que elaborei a terceira planilha de controle de
informações, chamada “Indígenas que ingressaram na UFPA e situação acadêmica”. A
necessidade de dados completos para a pesquisa motivou a criação desta última planilha, que
conta com as seguintes informações relacionadas a cada indígena: campus, ano de ingresso,
estado de origem, município, aldeia, idade de ingresso, idade atual, curso, etnia, situação
acadêmica, ano de saída. A partir dos dados filtrados na planilha, é possível obter informações
quantitativas úteis para as análises qualitativas pretendidas, dados referentes a quantidade
total de indígenas, em cada campus da Universidade, a média da idade que os indígenas
ingressam na UFPA, o tempo que cada um levou para formação ou desistência, os cursos mais
procurados, dados relativos à etnia pertencente, entre outros.
Para além destes aspectos, a identificação dos indígenas permitiu que se iniciasse um
processo de organização e mobilização onde acabamos nos aproximando diante dos muitos
problemas enfrentados, neste percurso, muitos relatos de experiência foram realizados e
acabaram constituindo documentos encaminhados a diversos órgãos. Por outro lado, muitos
destes relatos fazem parte dos resultados desta pesquisa de doutorado, pois foram coletados
16

entre os parentes por meio de conversa com finalidade gravadas a propósito da tese, todos
estes documentos permitem manter um banco de dados atualizado que oferece condições
para a mobilização indígena na Instituição, pois os dados da pesquisa também são utilizados
a partir da APYEUFPA para compor os argumentos na luta por direitos.
Por ser um trabalho desenvolvido por um indígena com outros parentes, não
considero adequado utilizar a categoria entrevista para as conversas que tive com outros
parentes, o termo faz emergir hierarquias desnecessárias, diferenças de status, entre
entrevistador e o entrevistado ou o pesquisador e o pesquisado, em uma relação assimétrica.
Considerando minha pertença e a forma como a pesquisa foi realizada, a melhor definição
encontrada seriam “conversas com finalidade”, configurando-se como diálogos e troca de
experiências entre parentes.
Diante da abrangência da Universidade e a necessidade de considerar como a presença
de indígenas tem impactado em diversos espaços, para além da realidade conhecida em
Belém, foi imprescindível a realização de pesquisas nos campi localizados no interior do estado
do Pará. Sendo assim, em Castanhal e Tomé-Açu conversei com parentes, porém, foi no
campus de Altamira que realizei pesquisas com maior fôlego, em decorrência da quantidade
de indígenas que ingressaram nos cursos regulares e no Curso de Licenciatura e Bacharelado
em Etnodesenvolvimento. Em Altamira a pesquisa foi realizada no período compreendido
entre dois e nove de agosto de 2015, tendo como principais objetivos: (1) Compreender como
está a situação dos indígenas que ingressaram na Instituição via PSE para povos indígenas e,
(2) Compreender como está a situação dos indígenas que ingressaram no Curso de
Etnodesenvolvimento nas turmas de 2010, 2013 e 2015.
Em se tratando dos indígenas que ingressaram nos cursos de graduação no campus de
Altamira via PSE, dos 29 aprovados até aquele momento, consegui conversar com 13
discentes, os quais tive a chance de me apresentar e indicar as motivações da minha pesquisa.
As dificuldades para realizar as conversas pessoalmente foram significativas, dos 13 discentes,
consegui realizar cinco conversas com finalidade, todas com indígenas mulheres. Quatro deles
solicitaram que as perguntas fossem enviadas por e-mail, sendo assim, elaborei um pequeno
questionário com 14 questões abertas, o qual encaminhei a eles. As razões indicadas por eles
pautaram-se em compromissos, tais como o trabalho e aulas, por exemplo, um deles informou
que não estaria no município naquela semana. A preferência pelo questionário ao invés da
conversa com finalidade, de acordo com eles, seria pela possibilidade de responder em outro
17

momento, quando tivessem mais tempo. Quatro retornaram as mensagens, mas


posteriormente também cessaram a comunicação.
A elaboração do questionário com 14 questões abertas aconteceu em decorrência da
solicitação dos próprios indígenas, como pesquisador não posso descartar outras ferramentas
de pesquisa, porém, não costumo trabalhar com questionários por considerar que um diálogo
pessoal pode trazer resultados mais significativos, afinal, a observação das gestualidades só é
possível mediante uma conversa “olho no olho”, significativa para compreender o contexto
do que se fala. Diante da solicitação dos discentes e, com o objetivo de valorizar outras formas
de expressão, elaborei o questionário e enviei por e-mail, no entanto, os resultados das duas
metodologias utilizadas são significativamente diferentes, o contraste que existe é muito
aparente, as respostas no questionário, em linhas gerais foram sucintas, por vezes evasivas,
por outro lado, as conversas com finalidade tiveram melhores resultados, com diálogos bem
elaborados e objetivas.
Penso que a presença de um pesquisador tentando aproximação, procurando saber
sobre a vida dos parentes deixaria qualquer pessoa desconfiada e insegura. As dificuldades
para conversar com os parentes em Altamira começaram antes mesmo de ir à campo,
considerando a falta registros específicos com informações precisas da Universidade, que não
conta com um banco de dados adequado sobre coletivos que ingressaram na UFPA via PSE.
Pela experiência em pesquisa de campo, observo que é importante ter uma pessoa
fazendo a mediação, alguém que conheça a região e as pessoas, em Altamira, esta pessoa
possibilitaria outras relações com os discentes, superando as desconfianças e desencontros.
Em Altamira seriam necessários vários mediadores, considerando não haver alguém que
conheça todos os indígenas discentes que estão naquele campus, nem mesmo uma
organização que represente todos os discentes, eles estão vinculados às organizações de
base,9 mas ainda não estão organizados de forma coletiva na Instituição. O fato de
pertencerem a povos diferentes, sendo representados por organizações específicas, cada qual
com controles próprios e estratégias para manter o contato com estes discentes, por serem

9
Categoria frequentemente utilizada por lideranças indígenas como forma de demonstrar os vínculos
e compromissos que existem em momentos de discussões, termo geralmente empregado por
indígenas que lutam por direitos em instâncias não indígenas. Da mesma forma, organizações de base
e lideranças de base são utilizadas para se referir às comunidades de origem ou coletivos dos quais
fazem parte. A base deve ser referência na luta de parentes inseridos no mundo não indígena, ponto
de partida para definição de estratégias, sem ela a luta não faz sentido.
18

oriundos de diversas regiões, tanto do estado do Pará, quanto de fora dele torna ainda mais
complicado a possibilidade de articulação, mobilização, registro e acompanhamento deste
público.
Além das conversas e pesquisas desenvolvidas com os indígenas que ingressaram nos
cursos de graduação, também concentrei a pesquisa com os professores e discentes do Curso
de Etnodesenvolvimento. Considero imprescindível compreender a dinâmica do curso por ser
voltado para povos indígenas e populações tradicionais, proporcionando uma formação
pensada na possibilidade de atender as demandas das comunidades de onde os discentes são
oriundos. O curso de graduação se diferencia de outros da Universidade, por oferecer
formação voltada para a própria comunidade, com orientações de professores que dialogam
com os discentes pensando em conjunto em uma proposta que atenda os anseios das
comunidades, metodologia que difere significativamente da maioria dos cursos regulares, que
oferecem uma formação mais voltada ao mercado de trabalho, com professores que em sua
esmagadora maioria está despreparada para dialogar e compreender a diversidade.
As reuniões organizadas pelos discentes naquele período foram importantes para a
pesquisa, envolveram discentes das turmas de 2010, 2013 e 2015, pois tive a chance de ouvi-
los e, na medida do possível, contribuir com as suas lutas. Além da reunião com estes
discentes, uma reunião com os indígenas do curso também foi realizada, nesta estavam
presentes indígenas das três turmas, inclusive indígenas egressos do curso. A articulação e
organização das reuniões foi intermediada pela parente Francinélia de Paula, pertencente a
etnia Xipaia e egressa do Etnodesenvolvimento. A contribuição da parente Xipaia foi
significativa, pois também auxiliou em diversas outras ocasiões, indicando os melhores
caminhos, inclusive enviando uma lista com o contato de indígenas que foram indicados para
o vestibular pela associação na qual faz parte.
Os trabalhos desenvolvidos durante o período em Altamira tiveram foco na
Universidade, os espaços físicos do campus foram utilizados para desenvolver todas as
atividades, incluindo as conversas com finalidade que, por sua vez, foram na maioria das vezes
realizadas em um espaço arborizado e muito ventilado dentro do campus, às margens do Rio
Xingu. Outros espaços utilizados para reuniões foram as salas de aula e auditório do Curso de
Etnodesenvolvimento, localizado na Faculdade de Etnodiversidade. No quadro 1 apresento as
conversas com finalidade realizadas.
19

Quadro 1 – Conversas com finalidade envolvendo indígenas


LOCAL/EVENTO Nº DE CONVERSAS
Discentes Belém 10
Discentes Altamira 5
Discentes Castanhal 1
Lideranças indígenas 8
Desistentes 2
Egressos 2
Santarém (UFOPA) 3
10
Entrevistas realizadas por ocasião dos PSEs 123

Para o trabalho de tese ora pretendido, ouvir os parentes tanto na aldeia quanto na
Universidade apresenta-se como a possibilidade de comparar os discursos e identificar as
aproximações e distanciamentos, o que permite verificar se o projeto pensado pelas
lideranças indígenas, quando elaboram a proposta de criação de ações afirmativas na UFPA,
está em consonância com o que vem sendo pensado tanto pelos indígenas discentes, quanto
pela própria Universidade. Outra forma de verificar como estes discursos vem sendo
estruturados é a partir dos documentos produzidos pelas organizações indígenas. Na UFPA, a
APYEUFPA apresenta-se como representante dos discentes indígenas e o material elaborado
a partir da organização pode ser avaliado para definir a forma como a mobilização indígena
vem sendo feita.
Pensando assim, iniciei pesquisas nos documentos da Associação logo após o ingresso
no doutorado em 2014. Na época, os documentos da APYEUFPA estavam sob minha
responsabilidade. Atualmente todos os originais estão em posse da nova diretoria da
APYEUFPA, pois foram entregues por mim em 2014, a versão digitalizada dos mesmos fazem
parte dos arquivos da pesquisa. Todos os materiais da associação compõem um montante
significativo de informações reunidas durante cinco anos, estes materiais são resultado de
projetos desenvolvidos, reuniões realizadas, documentos expedidos, notícias em jornais da
região, entre muitos outros.
Considerei fundamental o diálogo com a nova diretoria (na qual ocupo cargo de
tesoureiro) para garantir o uso adequado dos materiais que disponho, sendo assim,
apresentei aos representantes os objetivos da pesquisa e a forma que pretendo utilizar as
informações, garantindo assim a anuência para continuidade da pesquisa. Por fazer parte do

10
Termo entrevista utilizado da forma como é utilizado no PSE para Povos Indígenas e Quilombolas.
20

movimento indígena e estar preocupado com o sucesso da organização, além de zelar pela
ética de pesquisador em antropologia, considero que muitas informações não devam ser
levadas a público, por serem de interesse apenas dos indígenas que compõem a organização.
Os documentos e materiais estão organizados e compreendem tudo que foi reunido
em seis anos de presença indígena nos cursos de graduação da UFPA, desde os dados
utilizados na conquista das vagas reservadas até a documentação emitida pela diretoria atual.
Disponho de documentos relacionados a criação (estatuto, ata de fundação, entre outros),
gravações das reuniões para criação da organização, realizadas com a anuência dos
participantes e, de atas das reuniões feitas depois da criação, as quais contém o registro das
muitas decisões tomadas coletivamente.
Entre os materiais disponíveis para pesquisa estão documentos encaminhados pela
APYEUFPA para a UFPA, tais como: ofícios, requerimentos, dossiês, documentos solicitando o
ajuste de conduta, convites para eventos, projetos, recursos de discentes utilizados pela
associação para fundamentar documentos coletivos, documentos solicitando apoio e
parcerias, entre outros. Documentos emitidos a FUNAI solicitando esclarecimentos sobre
diversos assuntos, convites para participação de eventos, ofícios, entre outros. Para o MPF
são documentos apresentando a situação vivida pelos indígenas na UFPA denunciando o
descaso da Universidade e a necessidade da intervenção do órgão em defesa de direitos
coletivos. Para lideranças indígenas foram documentos solicitando o apoio e participação nos
assuntos relacionados a presença indígena na Universidade, documentos denunciando a
forma como os editais para os processos seletivos vinham sendo elaborados na Universidade,
sem a participação indígena e rompendo com acordos estabelecidos com o movimento
indígena do estado do Pará ainda em 2009. Além destes documentos, foram encaminhados
diversos convites para participação de eventos na Instituição, de mobilizações, entre outros.
O quadro 2 faz menção aos principais documentos emitidos pela APYEUFPA.

Quadro 2 – Documentos da APYEUFPA


DOCUMENTO ASSUNTO
Ata de Fundação Documento de fundação da APYEUFPA
21

Contém as diretrizes para participação dos


Estatuto membros, estabelece os direitos e deveres
dos associados
Trata dos problemas encontrados na minuta
Documento s/n entregue a COPERPS
do Edital nº 06/2014
Apresenta várias denúncias dos discentes
Documento s/n entregue ao reitor em 2013
sobre o acesso e permanência
Solicitação de ajustamento de conduta da
Ofício No 03/2013
PROEG
Ofício No. 01/2014 Trata da Minuta do Edital nº 06/2014
Apresentando Dossiê Inclusão Social &
Ofício No. 02/2014
Políticas Afirmativas
Dossiê: Inclusão Social & Políticas
Ofício No. 03/2014
Afirmativas
Projeto submetido a PROEX com a proposta
Projeto Caravana do Vestibular Indígena de realização da divulgação do PSE para
povos indígenas nas aldeias indígenas.
Solicita o acompanhamento do MPF das
Representação junto ao MPF
atribuições da FUNAI estabelecidas no TCT

Além dos documentos emitidos a partir da APYEUFPA, conto também com vídeos,
fotos e outros materiais referentes aos projetos e atividades executados a partir da
APYEUFPA. A metodologia utilizada pela diretoria na época compreendia a utilização do
recurso de gravação também para controle do que estava sendo discutido, ficando disponíveis
para os membros da associação. Os vídeos e fotos fazem parte dos registros das atividades da
Associação, geralmente identificadas com a respectiva autoria, porém são arquivos da
APYEUFPA e utilizados em documentos e argumentações sempre desta forma coletiva, são
resultados de eventos, palestras, participação em projetos, momentos que contavam com a
presença significativa de discentes e lideranças indígenas.
Também conto com documentos enviados por lideranças e organizações indígenas
manifestando o apoio a APYEUFPA ou mesmo apresentando problemas enfrentados nas
aldeias ou nos campi do interior que precisam de solução, tais documentos são resultado da
possibilidade de diálogo e parcerias que foram se estabelecendo ao longo do tempo.

Pesquisa de campo em Santarém: aproximações e distanciamentos

A pesquisa em Santarém foi importante por permitir a compreensão da realidade dos


indígenas daquela região e por proporcionar outras análises, diferentes da realidade da UFPA,
em relação ao protagonismo dos povos indígenas e as situações vivenciadas no âmbito do
ensino superior. A comparação entre as instituições públicas do mesmo estado é relevante
22

por trazer à cena as aproximações e distanciamentos entre as duas instituições, pois


realidades que parecem muito semelhantes, podem apresentar contrastes significativos.
Importante destacar que a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)11 não é o lócus da
tese, porém, o fato de ter sido criada recentemente e ter sido anteriormente um dos campus
da UFPA, oferece condições para a avaliação dos avanços nas ações referentes ao acesso e
permanência de indígenas no ensino superior, os resultados das pesquisas sobre a Instituição
compõe a tese e serão utilizadas como parâmetro de comparação entre políticas afirmativas
adotadas nas instituições federais do estado e as mobilizações indígenas nestes espaços.
Um dos objetivos da viagem para Santarém foi a participação do I Encontro diversidade
em foco & I Simpósio de Sociedade Amazônica, Cultura e ambiente, que aconteceu na UFOPA
no período de 09 e 14 de novembro de 2015. O evento reuniu lideranças indígenas da região,
discentes indígenas, discentes quilombolas, professores, pesquisadores, representantes da
universidade, representantes de instituições, entre outros. Durante o encontro diversos
assuntos relevantes foram discutidos, como situações de racismo e racismo institucional,
situações de preconceito e discriminação envolvendo professores e discentes da Instituição,
mobilização dos indígenas na luta pelos direitos. As discussões contribuem significativamente
para compreensão das lutas naquela região e na Instituição, como registro do evento, realizei
anotações no diário de campo, gravações em áudio das oficinas, das mesas redondas, das
palestras, dos relatos de experiência, entre outros, além de registrar por meio de fotografias
e filmagens alguns momentos do evento.
Ainda tratando da pesquisa em Santarém, o aspecto que contribuiu significativamente
para que outros espaços de discussão fossem criados foi a possibilidade que tive de
acompanhar uma das lideranças indígenas expressivas daquela região, a parente Luana
Cardoso, pertencente a etnia Kumaruara, discente da UFOPA e, na época, secretaria do
Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA). Acompanhar a parente proporcionou diálogos
com inúmeras pessoas que atuam no movimento indígena da região, pois tive a oportunidade
de ouvir indígenas discentes, lideranças indígenas, professores, técnicos, discentes não

11
A UFOPA está localizada na região oeste do estado do Pará, no município de Santarém, além dos
dois prédios conhecidos como Boulevard e Rondom, localizados no próprio município, conta com
outros campi nos municípios de Alenquer, Itaituba, Juruti, Monte Alegre, Óbidos e Oriximiná. A
Instituição foi criada em 2009 a partir da incorporação da UFPA e UFRA. Para mais informações
relacionadas a Instituição, consultar: http://www.ufopa.edu.br/institucional. Acesso em: 03 de jun. de
2016.
23

indígenas em outros espaços fora da UFOPA. Entre estes espaços, destaca-se a participação
no programa A hora do Xibé, que acontece na Rádio Rural de Santarém, projeto organizado e
executado com a presença efetiva de indígenas com parceria entre a UFOPA e a rádio. No
diálogo pude falar sobre o lançamento do livro Povos indígenas do Rio Tapajós e Arapiuns,
organizado por Jane Beltrão em 2015 e produzido tomando como referência as narrativas dos
indígenas daquela região, assim como, apresentar minha pesquisa e sobre outros projetos
realizados anteriormente em Santarém, foi a oportunidade de apresentar a proposta de
pesquisa de doutorado para indígenas da região do Baixo Tapajós e também falar sobre temas
que interessam o movimento indígena na região.
Outro momento relevante para a pesquisa aconteceu no espaço do Diretório
Acadêmico Indígena (DAIN) na UFOPA, campus Boulevard, quando uma conversa com
finalidade foi realizada envolvendo o coordenador do DAIN, Abmael Mundurucu, Luana
Cardoso, Maiky Mundurucu e outros indígenas que circulavam pelo local, contribuindo com
as discussões, a duração da conversa foi de três horas aproximadamente, durante a qual
foram discutidos muitos assuntos, tais como: protagonismo indígena, organização indígena,
luta por direitos, possibilidades de diálogos com a universidade, participação no movimento
indígena da região, processos seletivos, permanência indígena na Universidade, situações de
racismo e discriminação, entre diversos outros.
Em se tratando de pesquisas documentais, contei com grande ajuda de Luana Cardoso,
que buscou disponibilizou documentos, gravações, relatórios, artigos, atas, cartas,
documentários, fotografias, mapas, entre outros, que retratam a situação dos indígenas na
Universidade e fora dela. Os documentos disponibilizados por Luana agora fazem parte dos
arquivos da pesquisa para esta tese e, são fundamentais para compreender as lutas na região,
o protagonismo dos povos indígenas e a resistência dos parentes diante do descaso do poder
público.

E relacionado à UFPA ...

No que se refere a Instituição, as pesquisas a partir de documentos e materiais


relacionados aos processos seletivos, aos programas de apoio a permanência fazem parte do
acervo documental da pesquisa. Nestes espaços destaco também a possibilidade de
participação em eventos, discussões, reuniões, palestras, projetos, entre outros, que
24

proporcionam novos interpretações para a pesquisa. São espaços de discussão que permitem
o aprofundamento necessário para a discussão, pois envolvem a comunidade acadêmica,
pesquisadores e estudiosos da área, representantes da universidade, professores e colegas
que contribuem para os debates.
Durante a realização dos PSEs para povos indígenas diversos documentos e materiais
relacionados ao processo são disponibilizados ao público por meio do site do Centro de
Processos Seletivos (CEPS). Os documentos estão relacionados a divulgação do processo, as
regras estabelecidas, aos prazos definidos, ao resultado do concurso, entre outros. Estes
materiais ficam disponíveis em locais específicos destinados a cada concurso dentro de um
espaço destinado a processos seletivos que estão acontecendo e para os que foram
encerrados. Ou seja, a maior parte da documentação destes processos encontra-se no site e
está acessível ao público, todos os materiais disponibilizados neste espaço foram salvos e
organizados por mim nos arquivos da pesquisa, separados por ano e processo seletivo.
Para além destes materiais, existem outros que envolvem o PSE que são de uso
exclusivo das comissões avaliadoras, estes materiais, por serem sigilosos, não ficam
disponíveis ao público, sendo utilizados pela comissão responsável para avaliação dos
candidatos durante o período que precede o concurso, durante a realização e em momentos
posteriores a ele. Tais materiais são resultados de diversas reuniões e de momentos de
treinamento dos membros que participam das etapas do processo.
Toda esta organização é registrada e os resultados das reuniões e definições são
arquivados em forma de atas, relatórios, entre outros, como parte da documentação
necessária para validar o processo. Além dos documentos relacionados ao período que
antecede o processo, durante as etapas do processo outros documentos e materiais acabam
sendo gerados e compõem os arquivos do processo seletivo, tais como as gravações das
entrevistas realizadas com os candidatos, as fichas utilizadas durante a etapa, entre outros.
Posterior à realização do processo, a comissão avaliadora continua atuante, elaborando os
resultados do processo, recebendo e respondendo recursos impetrados pelos candidatos,
elaborando relatórios e organizando a documentação relacionada ao certame.
O material produzido pelas comissões avaliadoras durante os processos seletivos é
organizado e devolvido pelo CEPS, setor da UFPA responsável pela realização de todo o
processo. Geralmente uma cópia do material é feita e fica sob responsabilidade do PAPIT,
trata-se de documentos que podem ser utilizados como guia para melhoria dos processos
25

posteriores, também servem como suporte para avaliação das metodologias adotadas pelas
comissões.
Como participei das comissões avaliadoras dos PSE na Universidade, sou pesquisador
do PAPIT e atualmente trabalho com políticas afirmativas na UFPA, solicitei ao PAPIT o acesso
aos materiais produzidos, tive acesso aos documentos e materiais produzidos nos processos
seletivos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2015, os processos de 2014 e 2016 não foram
executados em parceria com o PAPIT, portanto não estão entre os arquivos do programa. O
quadro 3 apresenta o número de conversas com finalidade que compõem dos arquivos da
pesquisa realizadas pelas comissões avaliadoras durante os PSEs para povos indígenas.

Quadro 3 – Entrevistas realizadas nos PSE


PROCESSO ANO Nº DE ENTREVISTAS
2010 25
2011 62
PSE indígena 2012 71
2013 68
2015 79
PSE Etnodesenvolvimento 2013 74

O material foi disponibilizado para pesquisa mediante o compromisso de não revelar


informações que identifiquem os candidatos que participaram do processo e devem ser
analisados com cuidado para melhor compreensão das etapas do processo.
Considero importante elaborar e manter atualizado um levantamento que ofereça
informações sobre o ingresso de indígenas, tendo em vista a não existência de dados
específicos relacionados aos indígenas que ingressaram via PSE para povos indígenas. Os
dados disponibilizados pelo Centro de Indicadores Acadêmicos (CIAC) até pouco tempo não
apresentavam informações específicas sobre os indígenas que ingressaram via PSE, pois
referem-se a todas as pessoas que se identificaram como indígenas na hora do cadastro no
sistema, representando assim, um número muito maior do que a realidade.
Neste aspecto consiste o problema de confiabilidade nos dados oferecidos pelo CIAC,
pois não condizem com a realidade indígena na Instituição, sendo assim, o trabalho de
levantamento de dados deve ser feito individualmente, considerando a lista de indígenas que
ingressaram via PSE. Identifico as ações desenvolvidas por setores como a PROEX e a PROEG,
os quais atuam de forma mais aproximada, contando com profissionais destinados a atender
26

este público, pesquisa imprescindível para a escrita do capítulo três, no qual apresento as
situações que envolvem a permanência de indígenas na UFPA. Ademais, além das pesquisas
realizadas entre os parentes, elegi discentes indígenas que ingressaram na Instituição via
ações afirmativas, com os quais pretendo dialogar e entender o percurso trilhado até a
chegada no ensino superior, identificando os percalços na trajetória e as superações dos
desafios impostos, estas trajetórias serão problematizadas com mais atenção no último
capítulo.

A propósito da tese

A formação em nível superior é uma das possibilidades pensadas pelos povos indígenas
para a superação das relações assimétricas e coloniais que se estabeleceram historicamente
tem sido demanda frequente das lideranças indígenas, que observam a oportunidade de
alcançar a autonomia e independência das comunidades a partir dos conhecimentos
adquiridos, possibilitando condições adequadas para direcionamento dos projetos
comunitários.
Com a demanda crescente dos povos indígenas por tais espaços, aumentam também
número de problemas e impedimentos para a formação deste novo público, considerando a
recorrência de inúmeras dificuldades relacionadas ao ingresso, permanência e sucesso de
povos indígenas na UFPA, estabeleço como proposta principal a possibilidade de verificar a
existência de protagonismo e as formas como ele desponta entre as pessoas indígenas que
lutam para garantir a formação em nível superior e entre aquelas que em algum momento
alcançam a Instituição.
A proposta demanda a produção de um texto alinhado aos preceitos dos povos
indígenas e a adequação dos objetivos a partir do que me é requerido, valoração necessária e
imprescindível para um trabalho que pretende discutir protagonismo. Diante do compromisso
com a coletividade requerido para elaboração do trabalho, faz-se necessário indicar algumas
metas a serem alcançadas para ajustar o tom das discussões pretendidas, são elas: (1) verificar
a forma como o protagonismo se apresenta entre as pessoas indígenas que ingressam no
ensino superior e se é possível ele estar presente mesmo em contextos adversos que
distanciam o discente da formação acadêmica; (2) indicar a partir do discurso das lideranças
e discentes indígenas a importância que a formação em nível superior adquire para a execução
27

projetos comunitários; (3) identificar as alterações que ocorreram no PSE para povos
indígenas na UFPA, os interesses e motivações que influenciam tais mudanças e a mobilização
dos indígenas discentes na luta pela garantia das conquistas protagonizadas em outros
momentos pelas lideranças indígenas; (4) discutir e problematizar a efetividade das ações de
permanência que são elaboradas e executadas a partir de órgãos da UFPA; (5) realizar
analogias dos indicadores acadêmicos fornecidos pelo órgão responsável e do levantamento
realizado a partir da APYEUFPA no sentido de observar as aproximações e distanciamentos
entre os dados coletados, assim como, para entender o fluxo dos indígenas discentes que
ingressaram na Instituição e; (6) identificar as formas como as dificuldades são apresentadas
nos depoimentos dos discentes indígenas, configurando-se como obstáculos e impedimentos
durante as trajetórias, assim como, problematizar até que medida tais dificuldades podem ser
entendidas como manifestação de racismo institucional.
Revelar uma realidade pouco conhecida, tanto no ambiente universitário quanto fora
dele, significa também proporcionar a reflexão sobre relações sociais que se estabelecem
nestes espaços a partir de três aspectos, sejam eles: (1) entre os próprios indígenas no sentido
de compreender as lutas, a mobilização, os diálogos, as possibilidades de luta coletiva, os
estranhamentos e os fracionamentos existentes; (2) envolvendo os indígenas e a comunidade
universitária, apresentando as relações sociais que são possíveis entre indígenas e não
indígenas na cotidianidade, compreendendo as situações de preconceito e discriminações
sofridas, as alianças individuais e coletivas estabelecidas com não indígenas e; (3) entre os
indígenas discentes e os representantes da Instituição, pensando de forma mais ampla nas
situações que envolvem os diálogos, ou as tentativas de, entre indivíduos que buscam os
direitos nos diversos setores da Instituição, ou mesmo, as reivindicações e parcerias
estabelecidas de forma coletiva, por intermédio de organizações representativas e
mobilizações coletivas.
Para contribuir com o direcionamento da pesquisa, estabeleci alguns
questionamentos, são eles: qual a participação do movimento indígena organizado para a
criação do PSE para povos indígenas da UFPA? O que tem sido feito pelos indígenas discentes
para garantia de direitos coletivos na Universidade? Como as lideranças indígenas podem
oferecer suporte ao ingresso, permanência e sucesso dos indígenas discentes? De que forma
estão sendo pensadas as políticas de permanência e sucesso dos discentes indígenas na
Instituição? Como a presença de indígenas é encarada pela Universidade? Quais as
28

perspectivas dos indígenas discentes e das comunidades em relação ao possível retorno? São
questões que requerem a compreensão adequada da realidade para que sejam respondidas
adequadamente, as respostas acabam estruturando dois discursos diferentes que por vezes
se alinham, momentos em que diálogos são possíveis ocasionando em avanços significativos
e em outros acabam distanciando-se.
Um dos discursos está relacionado a perspectiva dos indígenas discentes, os quais
atribuem sentido a ele e acabam dimensionando os problemas enfrentados, direcionando as
estratégias para cobranças realizadas e atribuindo valor às conquistas alcançadas e, o outro
da Instituição, que se apresenta nos documentos elaborados, na forma como as políticas
voltadas aos discentes indígenas são estruturadas, no comportamento dos profissionais que
trabalham com os discentes, entre outros. São perspectivas distintas e conflitantes que por
vezes convergem e dialogam, como o curso de um rio da Amazônia que segue seu caminho
até o mar, dividindo-se em determinados momentos na descida contínua, geralmente em
áreas geograficamente muito planas, formando outros braços e tomando rumos que parecem
ser muito diferentes, mas que voltam a se encontrar em algum momento. Estamos todos
nesse mesmo rio, a depender da geografia da região para nos reencontrarmos pelo caminho.
Portanto, a valorização dos trabalhos e discursos de indígenas é uma das bases do
trabalho, por isso é tão importante a escuta atenta dos indígenas discentes, das lideranças
tradicionais e políticas. Para tanto, o trabalho foi realizado utilizando-se principalmente de
uma das ferramentas metodológicas disponíveis na antropologia, a observação participante,
conforme proposto por Cardoso (1986) e Lima & Sarró (2006), permitindo a aproximação da
discussão sobre a temática a partir da nossa perspectiva, contribuindo para a realização do
trabalho na medida em que propicia a formação no campo etnográfico.
O percurso acadêmico na UFPA, além de proporcionar a formação acadêmica
necessária para atuar de forma qualificada com os povos indígenas, também foi significativo
para a inserção no movimento indígena do estado do Pará, permitindo estabelecer relações
de parceria com lideranças e comunidades indígenas, os trabalhos desenvolvidos na
Universidade e o fato de ser indígena foram minhas credenciais para os diálogos. Desta forma,
pude compreender o contexto das lutas e contribuir de maneira crucial para o
encaminhamento de diversas demandas de organizações indígenas, lideranças tradicionais e
políticas.
29

Alinhando-se com o que indica Luciano (2006), as lideranças indígenas estão


organizadas em “lideranças tradicionais” e “lideranças políticas”. As lideranças tradicionais
são agentes sociais que atuam internamente, na manutenção da cultura, organização das
atividades e tarefas individuais ou coletivas entre outras. As lideranças políticas, também
chamadas “novas lideranças”, são constituídas por pessoas da comunidade que dominam os
códigos interétnicos e o conhecimento dos não indígenas.
É importante lembrar que apesar dos vínculos de parentesco que possam existir entre
os povos indígenas, o que teoricamente contribuiria para o estabelecimento de relações de
confiança e reciprocidade, não significa que todas as informações são disponibilizadas e,
mesmo quando assim feito, que elas devam ser divulgadas ao público. As comunidades ou
organizações indígenas têm autonomia para decidir de forma coletiva pela autorização ou não
de informações requeridas por indígenas pesquisadores e dispor de tempo que considerar
adequado para estes, portanto, é importante procurar se adequar aos tempos e espaços
cedidos e respeitar as decisões internas, mesmo sendo parente da própria comunidade ou
etnia.
No âmbito das pesquisas acadêmicas desenvolvidas por indígenas, a pertença étnica
pode definir os rumos do trabalho, é responsabilidade do pesquisador identificar e procurar
atender aos anseios das bases, o que exige habilidade no direcionamento das ações para que
os resultados pretendidos possam ser alcançados em consonância com o que se espera. Ouvir
os pares, produzir textos que vão ao encontro do que é requerido pelas lideranças e
movimentos indígenas é fundamental para o estabelecimento de relações simétricas que
resultam em confiança e respeito.
Pensando dessa forma, para compreender adequadamente o contexto da presença de
indígenas na UFPA as narrativas dos discentes e lideranças indígenas são imprescindíveis,
direcionando o debate tornando-se centrais no texto, valorização necessária para a
compreensão do protagonismo indígena para enfrentamento de problemas relacionados ao
ensino superior. Escrever tomando a perspectiva de parentes como central, também requer a
problematização de minha trajetória e pertença étnica, “estar dentro” implica em ser membro
de um povo indígena, atuante nas mobilizações políticas dos movimentos indígenas e usuário
das AA, o que torna possível fazer reflexões que partem desse lugar e, ao mesmo tempo,
implica na necessidade de “estar fora”, posição requerida enquanto pesquisador indígena na
Antropologia, considerando a importância de refletir a partir dos instrumentos oferecidos pela
30

disciplina, Gersem dos Santos Luciano ao falar sobre o sentido de ser Baniwa antropólogo nos
indica que é “um sujeito histórico particular que se apropria das diversas e possíveis lentes da
antropologia para ler os diferentes mundos: indígena e não indígena” (Luciano, 2015: 234).
Em consonância com o parente, também considero fundamental utilizar as diversas lentes
oferecidas pela disciplina, pois nossa pertença nos permite enxergar de outras maneiras, olhar
que permitirá elaborar críticas, tanto ao contexto em que se está inserido, quanto a própria
antropologia. As duas posições requerem valorização adequada, uma deve complementar a
outra, diálogo imprescindível que permeia a escrita.
Se por um lado, o fato de ser indígena e ter ingressado por meio de AA na UFPA me
aproxima com a realidade dos demais discentes indígenas, permitindo a compreensão das
relações sociais, das articulações realizadas, das negociações internas e externas, informações
importantes para a construção do trabalho, por outro, escrever sobre o assunto apropriando-
se das contribuições da antropologia, realizar pesquisas a propósito da tese e disponibilizar os
resultados obtidos por meio dela, também são importantes para os discentes e lideranças
indígenas, estabelecendo assim uma via de mão dupla que torna possível a contribuição para
o fortalecimento das lutas e melhorias necessárias para o alcance da igualdade.
Pensando nesta perspectiva de uma via de mão dupla, a realização da pesquisa adquire
relevância tanto política, quanto acadêmica. Por um lado, política por fornecer aos povos
indígenas subsídios para fundamentar argumentações na luta por direitos, oferecendo às
lideranças e discentes indígenas condições de identificar os elementos que necessitam de
mudanças, permitindo que avaliações e cobranças sejam realizadas para o sucesso das PAA
na Instituição. Por outro lado, relevância acadêmica por apresentar informações concretas
sobre uma realidade que até então era pouco conhecida no estado, revelando que a
compreensão da diversidade é imprescindível num espaço que se pretende pluriétnico como
a universidade, onde o “outro” nunca esteve tão próximo.
Sendo assim, as possibilidades de contribuição a partir deste trabalho direcionam os
esforços no sentido de produzir uma ferramenta que possa ser utilizada não apenas pelo
movimento indígena nas reivindicações necessárias, mas também apropriada na
universidade, introduzindo a perspectiva indígena nas discussões acadêmicas. O
fortalecimento das lutas travadas no âmbito da UFPA requer um trabalho que esteja em
consonância com a perspectiva dos indígenas discentes que estão na Instituição, afinal a
descolonização do conhecimento exige que os saberes diversos sejam considerados tão
31

importantes quanto os conhecimentos científicos, porém, não pode em momento algum se


descuidar ou deixar de considerar o contraditório, ou “outro lado da moeda”, para que a
produção de análises que estejam de acordo com as exigências científicas de um trabalho
acadêmico. Isso torna a escrita da tese ainda mais desafiadora, considerando o fato de que a
atuação política diante da universidade exige um posicionamento crítico e comprometido com
a causa, neste sentido, o afastamento necessário para a produção da tese é um exercício novo
e necessário.
Além deste capítulo à guisa de introdução, o segundo capítulo “Tá na hora de focar
numa coisa maior”: protagonismo indígena e o acesso à universidade, traz a discussão sobre
o protagonismo indígena na luta pela garantia do direito de ingressar em universidades
públicas. Para tanto, procuro destacar as movimentações indígenas para superação das
assimetrias históricas, valorizando narrativas sobre a importância das ações afirmativas como
possibilidade de superação de desigualdades. Neste contexto, a apropriação de
conhecimentos não indígenas torna-se uma necessidade, partem da perspectiva de “focar
numa coisa maior”, que compreende a formação de parentes para ocupar lugares estratégicos
da sociedade e mediar relações interétnicas e produzir melhorias para as comunidades.
Relacionado ao estado do Pará, procuro problematizar as demandas dos povos
indígenas para melhorias na educação e acesso ao ensino superior, a apropriação de
organizações formais e a instrumentalização das mesmas para a luta por direitos. Faço
indicações de como as reivindicações do movimento indígena do estado do Pará, apoiadas por
fortes aliados, teve como resultado a garantia da criação de ações afirmativas na UFPA, assim
como, para a criação destas ações na UFOPA e Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
(UNIFESSPA), após a criação destas instituições em 2009 e 2013, respectivamente, assim
como, para a criação de cursos específicos para povos indígenas, como é o caso do Curso de
Licenciatura e Bacharelado em Etnodesenvolvimento na UFPA e o Curso de Licenciatura
Intercultural para povos indígenas na UEPA. Finalizo o capítulo ressaltando a necessidade de
as conquistas serem mantidas e a importância da mobilização indígena para a manutenção
das políticas de ação afirmativa. São lutas que requerem alianças para enfrentamentos
necessários diante de relações assimétricas.
O terceiro capítulo dos percalços do ensino superior às (im)possibilidades de percurso,
tem como centralidade a problematização das dificuldades enfrentadas pelos indígenas que
optam pela continuidade dos estudos ingressando na UFPA. A categoria dificuldade foi
32

identificada como discurso recorrente nas narrativas feitas pelos parentes, precedendo o
ingresso, ocorrendo durante o processo de seleção e perpassando pelo período da formação
acadêmica, também acompanham os discentes após a conclusão, assumindo novas
características em cada fase. As dificuldades se manifestam a partir de categorias êmicas,
manifestando-se com frequência diante de contextos adversos. A problematização das
dificuldades é base para refletir o cuidado com as diretrizes do PSE, na UFPA, desde a
aprovação da proposta em 2009, inúmeras mudanças aconteceram no PSE, várias delas
significaram a exclusão de indígenas. Portanto, na sessão apresento as alterações em editais,
trago à baila o PSE de 2014 por ter sido marco de postura unilateral, que acabou resultando
no ingresso de apenas 8 indígenas em todos os campi da UFPA, processo que ficou conhecido
pelos indígenas como o “PSE da exclusão”.
Defendo que a manutenção da estrutura do PSE esteja pautada em diálogos com o
movimento indígena, seguindo pactuações feitas ainda em 2009, que previram a existência
de duas etapas no processo, uma delas a entrevista, a qual é importante para a manutenção
da cultura a partir da busca, pelos candidatos, de marcadores étnicos e conhecimentos
relacionados a própria história, afinal, é no encontro entre distintas culturas que a diferença
se manifesta, que as identidades são acionadas demarcando as relações de forma incisiva. As
dificuldades resultam de inúmeros fatores, mas a universidade pode ser responsável por criar
impedimentos para o acesso ao ensino superior, são múltiplas formas de exclusão que podem
se configurar em racismo institucional. Finalizo mostrando que o protagonismo é tomado
novamente no capítulo como principal estratégia de superação destas dificuldades, pois a
medida que os percalços vão sendo identificados, estratégias individuais e coletivas são
criadas para superação.
No quarto capítulo entre diversidade e igualdade: os desafios da presença indígena na
UFPA, procuro demonstrar que os problemas com a permanência indígena são recorrentes,
em alguns períodos se apresentam com mais intensidade que outros, situação agravada com
a falta de política Institucional de permanência. É possível verificar que apesar das
adversidades, o protagonismo indígena tem sido determinante para mudanças ocorridas na
estrutura da Instituição, são indígenas agentes de mudanças, lutando pelos direitos, fazendo
os enfrentamentos necessários para continuar a trajetória acadêmica e obter sucesso
acadêmico almejado por eles e esperado pelas comunidades indígenas. Para a universidade,
a possibilidade de dialogar com povos diversos para a criação de políticas de permanência,
33

pode servir como modelo para outras universidades no Brasil, elevando-a para a condição de
universidade realmente plural e multiétnica.
No quinto capítulo, carreiros indígenas: memórias e a afirmação identitária, procuro
analisar as mobilizações de discentes indígenas para “provocar” a criação de soluções para os
problemas existentes. Apresento a trajetória de alguns indígenas para mostrar a formação de
teias de relações interétnicas no ambiente universitário, local que proporciona o encontro de
pessoas diferentes, mas com objetivos e histórias comuns, que acabam norteando novas
formas de articulação, mobilização e sociabilidade. Indico que o protagonismo não se encerra
na academia, muito pelo contrário, novas articulações são possíveis a partir da formação
acadêmica, a qual deve ser apenas a base para atuação profissional e política.
34

2. “Tá na hora de focar numa coisa maior”: protagonismo indígena e acesso à universidade

No presente capítulo o protagonismo indígena é tomado como base para as


argumentações, trago a categoria à baila por considerar que muitas conquistas alcançadas na
esfera dos direitos indígenas são resultado de nossas iniciativas, procuro valorizar os ditos e
não ditos nas narrativas das lideranças indígenas e discentes indígenas com os quais mantive
diálogo sobre as ações afirmativas. Procuro analisar as experiências de luta dos povos
indígenas no estado do Pará problematizando os percalços para garantia do direito de estudar
em universidades públicas, ao analisar as narrativas dos parentes, seleciono elementos para
demostrar a importância das ações afirmativas e como o protagonismo tem sido relevante
para a conquista desse direito, isso significa considerar discursos que historicamente foram
marginalizados, valorizando as categorias utilizadas num exercício de descolonização do
conhecimento.
A valorização da perspectiva indígena em relação às situações de contato interétnico
tem adquirido maior relevância, os resultados desta valorização contrariam as convenções
que se estruturaram a partir de perspectivas unilaterais e demonstram que, ao contrário do
que vem sendo construído ao longo da história, criamos alternativas, articulamos resistências,
estabelecemos alianças e parcerias para assumir a direção da nossa própria história. Neste
sentido, um movimento crescente de indígenas tem se apropriado da academia para “virar o
jogo”, na tentativa de superar concepções generalizantes, assumindo a responsabilidade em
atribuir a devida importância às diferentes formas de compreender o mundo, considerando o
saber local e as próprias experiências como referenciais para a produção acadêmica. Isso não
significa o abandono do que tem sido produzido por não indígenas, mas permite que se criem
alternativas e releituras sobre o passado e o presente, mostrando que a história pode ser
contada por outro ângulo, contemplando a diversidade, as possibilidades de agência e o
protagonismo que foram e são omitidos em função da ideologia dominante.
Considerar estes “olhares” é um exercício complexo, porém necessário para
pesquisadores que se propõem trabalhar com a temática, pois requer o deslocamento da
própria forma de enxergar o mundo. No caso da escrita desta tese, é possível ir além de apenas
se colocar no lugar do outro, considerando que também sou o “outro”, pois além de
pesquisador, sou Kaingang e faço parte do público alvo desta pesquisa. Escrever sobre a
própria realidade é parte do projeto de luta pela autonomia que tem o protagonismo como
35

base de sustentação, nesta empreitada, a ferramenta da escrita está sendo tomada como
empréstimo na luta pela defesa de direitos num processo de resistência, contudo, apesar dos
trabalhos escritos por nós terem aumentado nas últimas décadas, ainda não alcançou
representatividade adequada.
Deslocar-se de uma visão etnocêntrica significa mostrar como atores sociais
contornam situações desfavoráveis e criam condições para superá-las, significa também
atribuir visibilidade a sujeitos/coletivos que historicamente foram colocados em posições
marginais, como coadjuvantes. O que precisa ser destacado são as iniciativas para mudar as
convenções estabelecidas, as alterações no script, a criação de agência e a encenação em
novos papéis, são pequenas agências que contrariam imposições, redefinindo o “lugar” dos
indivíduos e demonstrando novas formas de agir diante de cada situação.
O protagonismo exige a superação da condição de dependente, para alcançar a
autonomia e controle, criando condições para falar por si mesmo, sem a necessidade de
intermediação de terceiros, realizando articulações no sentido de produzir enfrentamentos
aos projetos coloniais, constitui também a possibilidade de superar as representações criadas
em função de interesses da sociedade nacional.
Como parte desse processo, Luciano (2006) nos mostra como a mobilização dos povos
indígenas12 foi determinante para a origem do que atualmente se conhece como “movimento
indígena organizado”, o autor entende o movimento indígena como um conjunto de
estratégias desenvolvidas pelas comunidades e organizações indígenas para a defesa dos
interesses coletivos.13 Todavia, como aponta Luciano (2007), é importante mencionar que no
Brasil existem vários movimentos indígenas que representam organizações locais, aldeias,
lideranças, entre outros.

12
Povos indígenas é uma das categorias mais utilizadas na tese, é retomada em diversos momentos,
por vezes, fazendo referência à etnias de forma mais ampla, em outros momentos para se referir aos
grupos localizados em regiões mais específicas. É importante lembrar que não é uma categoria nativa,
foi utilizada em dispositivos legais, principalmente dispositivos internacionais, como a Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho e foi tomada pelos povos indígenas no Brasil como
empréstimo, se tornando importante para as argumentações realizadas, unificando diversas
demandas que interessam a grande coletividade em torno da luta por direitos.
13
Os povos indígenas têm se apropriado das organizações formais como maneira de dialogar com
epistemologias diferenciadas, o que nem sempre é fácil, mas que aos poucos vem se constituindo
importante espaço de debates e desafios para lideranças tradicionais e políticas que têm nas
associações a possibilidade de lidar com novas formas de organizações.
36

A formação do movimento indígena como uma unidade política maior que representa
todos os povos indígenas é mantida estrategicamente como forma de mostrar que estamos
organizados e articulados frente aos interesses da sociedade nacional. Pode-se afirmar que o
movimento indígena nacional contribui significativamente para o fortalecimento e o aumento
da visibilidade dos povos, organizações e lideranças indígenas. Conforme indica Sant’Ana:

[o] movimento indígena é um fenômeno que abarca uma multiplicidade de ações,


envolvimentos, articulações, objetivos e direcionamentos, locais, nacionais e internacionais,
dados, também, pelas especificidades de cada etnia, pelas relações particulares destas com o
Estado, com as agências de apoio, pela inserção maior ou menor no contexto da sociedade
nacional, entre tantas outras particularidades. (2010: 20)

Maria Helena Ortolan Matos (2006) caracteriza o percurso histórico do movimento


indígena como uma “trajetória espiral” em oposição ao movimento circular que retorna ao
ponto de partida, é espiral por retomar alguns pontos para alcançar outros. Sugere ainda a
revisão de algumas concepções que entendem o movimento indígena como um movimento
social popular ou como movimentos constituídos a partir de características humanas e sociais,
o que “impede explorar o potencial analítico das especificidades desses movimentos.” (Matos,
2006: 34) Esse entendimento distorcido e generalizado que despreza a diferença, colocando
todos os grupos sociais e minoritários no mesmo patamar, tende a pautar as ações do Estado,
em se tratando de políticas indigenistas, tais ações têm sido prejudiciais e desrespeitosas.14
O movimento indígena juntamente com os aliados não indígenas (organizações,
instituições, antropólogos, intelectuais, entre outros), começa a reivindicar o direito à
autonomia, à autodeterminação, ao reconhecimento dos sistemas sociocosmológicos,
linguísticos, territoriais, educacionais e, principalmente, o respeito à diversidade cultural.
Todas as estratégias e ações de enfrentamento, instituídas pelos movimentos
indígenas e aliados, culminaram em mudanças significativas no tratamento da questão
indígena no Brasil nas esferas de defesa dos direitos coletivos e direitos educacionais. A partir
da década de 1970 os movimentos indígenas ampliaram as reivindicações por direitos
diferenciados no Brasil, conquistas foram asseguradas nas diversas áreas, especialmente no

14
Para saber mais sobre o movimento indígena no Brasil, consultar: Matos, Maria Helena Ortolan. 2006.
Rumos do movimento indígena contemporâneo: expectativas exemplares do vale do Javari. Campinas,
Tese Doutorado em Ciências Sociais, apresentada ao Departamento de Antropologia do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Disponível em:
http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000385919. Acesso em: 02 de fev. de 2015.
37

período posterior à Constituição de 1988 e, por meio da ratificação de tratados internacionais


acerca dos direitos indígenas às identidades étnicas, acesso à terra, à educação, à saúde e à
autonomia política e cultural. Luciano enfatiza que “[f]oi esse movimento indígena articulado,
apoiado por seus aliados, que conseguiu convencer a sociedade brasileira e o Congresso
Nacional Constituinte a aprovar, em 1988, os avançados direitos indígenas na atual
Constituição Federal.” (Luciano, 2006: 59)
A constituição da República Federativa do Brasil promulgada no ano de 1988, também
conhecida como a constituição cidadã, foi instituída como parte de um processo de luta pela
democracia e reconhecimento de direitos sociais. O artigo 231 reconhece pela primeira vez
na História do Brasil os direitos coletivos, a identidade cultural própria e diferenciada, os
direitos originários sobre as terras e, por isso precede a qualquer outro tipo de direito ou
titulação. Abandona-se a ideia de incorporação e integração a sociedade hegemônica
nacional, tratada nas constituições anteriores e, prevista na Lei 6.001/1973 (Estatuto do
Índio), reconhecendo os direitos sobre os territórios tradicionais. Sendo assim, o Movimento
Indígena protagonizou, e continua protagonizando a luta pela materialização dos direitos dos
povos indígenas no Brasil.
Para Luciano (2006), o protagonismo indígena prescinde de que decisões sobre
quaisquer assuntos sejam tomadas pelas lideranças e comunidades indígenas, sendo
garantido pelo acesso a “informações qualificadas”, as quais contribuem para melhores
escolhas. O autor apresenta o protagonismo indígena de forma estratégica para justificar o
exercício da dupla cidadania, conceito que compreende o acesso a direitos diferenciados e
direitos universais. A dupla cidadania permite este ir e vir entre mundos distintos, garantindo
tanto o acesso a direitos previstos para cidadãos brasileiros, quanto a direitos específicos,
garantidos a indivíduos e coletivos pela pertença étnica, ou seja, uma cidadania diferenciada
ou uma etnocidadania. A atuação dos movimentos indígenas na luta por direitos torna-se
parte do exercício desta dupla cidadania que tem o protagonismo indígena como base das
conquistas.
Ao discutir a luta do povo Kyikatêjê Amtati por educação escolar indígena específica e
de qualidade, Rosani de Fatima Fernandes (2010)15 relembra os passos trilhados pelos
Kyikatêjê e a importância das iniciativas indígenas para conquista da escola, neste contexto,

15
Rosani Fernandes foi a primeira mulher indígena a obter o título de mestre pelo PPGD da UFPA.
38

faz alusão a importância do protagonismo indígena “[...] como instrumento de enfrentamento


e ação política necessária à mudança dos quadros de subordinação e descaso com as questões
relativas aos povos indígenas” (R. Fernandes, 2010: 5). Apesar dos avanços legais, o descaso e
o abandono tem sido marca profunda nas relações entre o Estado brasileiro e povos indígenas,
lutar por mudanças neste quadro tem sido uma forma de produzir os enfrentamentos
sugeridos pela autora, é um dos passos e frequentes na caminhada do povo Kyikatêjê e dos
povos indígenas do Brasil para superação das relações de poder e luta pela igualdade.
Um expoente na discussão sobre protagonismo, sobretudo protagonismo indígena é
Darci Secchi (2007), este autor nos indica que existem discrepâncias sobre a definição, mas
para além das discordâncias, é possível verificar que o protagonismo está relacionado ao papel
de destaque ocupado pelos atores sociais, em contraposição ao lugar secundário garantido
previamente. Para o autor, o protagonismo indígena pode ser entendido de duas formas, a
primeira voltada para superação das relações submissão e tutela e, a segunda, relacionada ao
alcance de “papel de destaque nas relações interculturais”. Secchi (2007) traça ainda um
panorama sobre as relações interétnicas para mostrar que o período atual tem se mostrado
favorável para o protagonismo indígena e a busca por autonomia, para ele o protagonismo
indígena tem origem no próprio movimento indígena com apoio de instituições e parceiros,
nesta perspectiva, não se pode entendê-lo de maneira fechada, pois protagonizar requer
também a possibilidade de estar aberto a diálogos, criando condições para intervir de forma
qualificada para mudanças necessárias nas políticas públicas destinadas a povos indígenas.
Apesar do autor apresentar de forma coerente a importância do protagonismo
indígena e as características atribuídas a categoria para dar visibilidade as iniciativas dos
povos indígenas para tomar a dianteira nas decisões que nos interessam, tenho que discordar
que o protagonismo indígena surgiu com o movimento indígena, defendo um terceiro
enfoque para o protagonismo indígena, que extrapola os dois enfoques abordados pelo autor,
os quais se restringem: (1) a relação com o Estado brasileiro e o rompimento das relações de
tutela e, (2) com o exercício de papeis de destaque nas relações interculturais.
A perspectiva defendida por mim compreende o protagonismo indígena como sendo
um movimento dos povos indígenas muito anterior ao próprio contato interétnico,
manifestando-se nas relações intraétnicas. Para um indígena, ser protagonista requer não
apenas pensar nas iniciativas individuais e coletivas que determinam as relações interétnicas,
pois protagonizar significa a construção de melhores caminhos para o próprio povo, grupo ou
39

coletivo diante de ameaças internas e externas aos povos indígenas. O protagonismo está
intimamente relacionado à ação, resistência, enfrentamento, lutas e aliança, penso que
compreende a possibilidade de criação de condições adequadas para superar as relações de
poder e o próprio colonialismo, revendo nossas posições diante de outros povos indígenas, da
sociedade não indígena e do próprio Estado, no sentido de produzir novas realidades.
O protagonismo indígena no Brasil é uma categoria empregada por um grande
contingente de pesquisadores, que procuram mostrar como os povos indígenas têm ocupado
papéis de destaque em questões que interessam às coletividades, sejam elas nos âmbitos
local, regional, nacional e internacional, porém, são poucos os estudos específicos sobre o
tema. (Bicalho, 2011) Ainda mais raros são os trabalhos produzidos sobre o protagonismo
indígena na luta pelo acesso e permanência no ensino superior, movimento que dedica
esforços no contexto das discussões relacionadas ao ensino superior no Brasil.
São muitos os trabalhos escritos sobre ações afirmativas, a maioria deles mostrando a
importância das políticas, das universidades por criarem programas que garantam o acesso e
a permanência nestes espaços, aspectos legais relacionados a implantação de cotas nas
universidades, a perspectiva dos povos indígenas geralmente é abordada nestes trabalhos
tomando os relatos de indígenas que estão na universidade para demonstrar alguma
experiência que teve êxito, se referem a casos específicos ou discutem questões mais amplas.
São poucos os trabalhos com maior fôlego que procuram aprofundar a partir da perspectiva
indígena, que mostram as mobilizações para a conquista desses espaços e as articulações
possíveis nas instituições para garantia de permanência e sucesso.
Apesar da maioria deles não se deter na discussão das diferentes formas de
protagonismo possíveis e do próprio termo, os trabalhos são importantes por fazerem
referências a agentes sociais que sempre estiveram marginalizados, mostrando a atuação na
defesa de territórios, na interlocução com a sociedade não indígena, nas alianças realizadas
com outros povos ou com não indígenas para fortalecer a própria luta.
Muitos indígenas passaram a ocupar centralidade em assuntos mais específicos, se
destacando em temas relacionados à terra, aos direitos, à saúde, à educação, entre outros,
tornando-se referência para discussões mais pontuais, exigências da academia, da mídia, do
próprio Estado ao fazer valer o que preconiza a legislação, sujeitos acionados com frequência
tanto pela sociedade não indígena, quanto pelos próprios indígenas. A iniciativa dos povos
indígenas em assumir a “direção” do próprio futuro de forma mais aberta e expressiva
40

resultou em diversas conquistas legais e adquire corpo a partir desses marcos legais, devendo
ser valorizada por pesquisadores que pretendem discutir a temática indígena. O artigo 7º da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os povos indígenas e
tribais em países independentes, ratificada pelo Brasil a partir do Decreto nº 5.051/04
determina que:

[o]s povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias prioridades no que
diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas,
crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de
alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento
econômico, social e cultural [...].

Pensando assim, retomo o título do capítulo para fazer uma reflexão acerca dos
projetos coletivos indígenas e das possibilidades de mobilização, mais especificamente trago
a experiência da luta pelo direito de ingressar em Instituições Federais de Ensino Superior
(IFES). Faço referência a fala do líder indígena Pepkrakte J. Ronore KonxartiI conhecido no
movimento por Zeca Gavião,16 em um contexto que reunia indígenas universitários e
lideranças indígenas da aldeia Kyikatêjê, o diálogo aconteceu na aldeia Kyikatêjê, na região
sudeste do Pará, a propósito da realização do projeto Caravana do Vestibular Indígena.17
Durante a fala, Zeca Gavião ressaltou a importância em “[...] focar numa coisa maior”, num
contexto que falava sobre a necessidade de contar com indígenas na universidade para
também permitir ocupar outros espaços estratégicos da sociedade nacional, indicava que
estava na hora de mudar o foco, de iniciar uma nova empreitada, referia-se a necessidade de
especialistas da cultura não indígena, para conquistar independência, num projeto mais
amplo que garanta da subsistência, a autonomia cultural, econômica, política e religiosa.
Neste projeto o protagonismo indígena, segundo Zeca Gavião é imprescindível, pois a
partir dele é que se torna possível chegar aonde o cacique almeja, a autonomia, compreende
que a formação superior se tornou parte integrante neste projeto, compondo o conjunto

16
Diferentemente das citações de textos acadêmicos, para as citações das lideranças indígenas
utilizarei os nomes da forma como são conhecidos no movimento indígena, neste caso, seguir o rigor
acadêmico invisibilizaria nossas lideranças, visto que boa parte delas não é conhecida pelo sobrenome.
Nos casos das narrativas feitas pelos indígenas discentes durante a realização dos PSEs, usarei nomes
fictícios para preservar a identidade dos interlocutores.
17
Muitas narrativas trazidas para discussão neste capítulo são resultado das ações desenvolvidas à
propósito da realização da Caravana do Vestibular Indígena, projeto resultante do protagonismo dos
discentes indígenas na UFPA, o qual dedico atenção especial em outra parte do trabalho, estas
narrativas estarão distribuídas em toda a tese, por tratarem de temas discutidos em todos os capítulos.
41

maior de espaços construídos a partir da luta. A fala do líder se torna ainda mais expressiva
quando analisada a luz das conquistas protagonizadas pela Associação coordenada por ele,
uma delas refere-se a proposta para criação de PAA para povos indígenas no âmbito da UFPA,
que garantiu vagas para indígenas na Instituição, lócus deste trabalho.18
O protagonismo do líder Kyikatêjê – com o apoio de várias outras lideranças de outros
povos no mesmo estado que apoiaram a proposta, com destaque também para lideranças de
outros estados como Rosani de Fatima Fernandes e José Carlos Gabriel, ambos lideranças
Kaingang, que à época atuavam como assessores da Associação Kyikatêjê Amtáti – resultou
em política que permite o ingresso de indígenas na UFPA e contribui para a autonomia de
muitos povos, pois de alguma forma a criação destas PAA específicas para povos indígenas
gerou novas possibilidades para uma coletividade bem mais ampla, uma vez que a
Universidade permite o ingresso discentes de todo o país.
De acordo com Poliene Soares dos Santos Bicalho o termo protagonismo pode se
estender “aos atores sociais e políticos atuantes em diversos setores da sociedade civil [...]
que surgiram com o desafio de evidenciar setores marginalizados em razão de sua condição
econômica, social, racial e cultural” (Bicalho, 2011: 4). A tese defendida pela autora é de que
antes da década de 70 do século passado o protagonismo indígena não poderia ser pensado
“sistemática e conscientemente”.
O que venho defendendo é que o protagonismo indígena se manifesta de múltiplas
formas e não pode ser entendido como um movimento único em torno de demandas comuns
a todos os povos, é necessário compreender as diferenças que existem entre os povos
indígenas e as possibilidades de mobilizações, alianças e articulações, não apenas, diante do
contato interétnico, mas presente também no contexto dos contatos intraétnicos, caso
contrário, povos em situação de isolamento voluntário não seriam protagonistas da própria
condição, de coletivamente e conscientemente permanecerem isolados.

18
As discussões no movimento indígena do estado do Pará sobre a inserção de indígenas no ensino
superior são muito anteriores à 2009, os relatos das lideranças indicam que as idas e vindas para
Brasília permitiram confirmar que indígenas estavam ingressando na Universidade de Brasília (UnB) de
forma diferenciada, a experiência daquela Instituição e, posteriormente de outras, serviram como
referência para as mobilizações no estado. Faço referência a Associação dos Povos Indígenas do
Tocantins (APITO) e a algumas lideranças em específico, por partir desta organização os documentos
que provocaram a universidade a pensar em formas de ingresso diferenciadas para povos indígenas.
42

Não é meu objetivo discutir o período histórico que marcou o surgimento do


protagonismo indígena “atuante e consciente”, o que posso afirmar com convicção tomando
como ponto de partida minha pertença Kaingang, é que sempre tivemos consciência de lutar
pelo direito de permanecer vivos, enquanto coletividade, resistindo aos ataques, tanto de
parentes de outros povos, quanto da sociedade não indígena, somos protagonistas por
criarmos inúmeras estratégias seculares que nos garante a continuidade. Se protagonizar
significa se tornar central em “acontecimentos, atos ou fatos” não consigo observar um limite
temporal para manifestação do protagonismo. No teatro da vida e no palco da luta pela
sobrevivência, temos buscado exercer papéis destaque desde sempre, adaptando nossas
estratégias e buscando novas formas de garantir nossos direitos, mesmo que estes direitos
ainda não estejam escritos.

Conhecer para conquistar: apropriações e a luta por direitos

A participação dos povos indígenas nos campos políticos, social e econômico da


sociedade nacional é parte do processo de redemocratização do país, em que a pluralidade
existente cada vez mais ocupa espaços nas esferas de decisão do Estado, o que é
imprescindível para a construção de um Estado democrático. Considerando a importância do
acesso a conhecimentos não indígenas, a educação em todos os níveis de ensino passa a ser
compreendida como possibilidade de “empoderamento”, permitindo que novos tipos de
interação com a sociedade não indígena sejam produzidos.
Entender outras sociedades, também, faz parte das estratégias utilizadas por nós para
estabelecer aproximações ou distanciamentos, quanto mais informações, maiores as
alternativas e possibilidades de produzir alianças e combater desigualdades e injustiças. O
acesso a estes conhecimentos torna-se importante na medida em que as relações interétnicas
são intensificadas, o que gera, por sua vez, novas necessidades e novas demandas. R.
Fernandes (2010), ao refletir sobre a própria trajetória e o acesso a Pós-Graduação em Direito
da UFPA, apresenta a importância da formação de indígenas, a autora indica que “[a]
qualificação dos quadros de lideranças indígenas a partir do diálogo com os referenciais da
sociedade não-indígena tem sido cada vez mais requerida pelas comunidades, que percebem
a apropriação dos conhecimentos como instrumento de luta e defesa de direitos
fundamentais.” (R. Fernandes, 2010: 2) Desta forma, conhecimentos não indígenas são
43

instrumentalizados para somar às lutas cotidianas, para os Kyikatêjê, por exemplo, a escola
oferece esta possibilidade e se tornou uma das ações imprescindíveis para a formação de
lideranças políticas, pois a garantia dos direitos do povo depende do domínio dos “códigos da
sociedade não indígena.” (R. Fernandes, 2010: 14)
Antonio Carlos de Souza Lima (2013) atribui importância do domínio de
conhecimentos não indígenas sem abandonar os valores, tradições culturais e históricas
diferenciadas, destacando sempre a importância da presença indígena nas esferas públicas da
sociedade nacional, no sentido de contribuir para mudar o quadro de invisibilidade e
desconhecimento sobre os povos indígenas na atualidade. A introdução nesses novos espaços
expressa, sobretudo, a percepção da importância da intervenção qualificada das comunidades
indígenas na tentativa de resolver problemas relacionados à saúde, à educação e à gestão
territorial que constituem pauta comum dos movimentos indígenas e principal desafio.
Também representa a possibilidade de diálogo intercultural com os conhecimentos não
indígenas, possibilitando a contextualização, reflexão e problematização destes espaços pelos
próprios indígenas.
Kleber Gesteira Matos (2013) procurou demostrar que a Constituição proporcionou
mudanças nas políticas educacionais previstas para os povos indígenas, a educação em todos
os níveis passou a responsabilidade do Ministério da Educação (MEC) e as décadas que
seguiram a promulgação da Carta Magna significaram um crescimento exponencial das
escolas indígenas originando assim um “processo de intensa escolarização em terras
indígenas.” (Matos, 2013: 227) As garantias de direitos diferenciados em 1988, trazem consigo
a possibilidade de acesso à educação escolar diferenciada, que valorize a cultura, atribua
importância devida aos conhecimentos tradicionais e que contemple a utilização da língua
materna, assim como, dos processos próprios para o ensino e aprendizagem, conforme
preconiza o artigo 210 da Constituição. Neste sentido, muitos povos indígenas passaram a se
apropriar cada vez mais dos recursos disponíveis na sociedade não indígena como forma de
fortalecimento, legitimação para o acesso efetivo de direitos e fortalecimento da própria
cultura.
Neste leque de opções conquistadas, a universidade recebe atenção especial, sendo
idealizada pelos povos indígenas, Clemente Tembé, conhecido como Kelé Tembé, cacique da
aldeia Zahuaruhú, localizada na Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), no município de Santa
Luzia do Pará, região nordeste do estado do Pará, ao falar durante a reunião realizada na
44

Aldeia São Pedro, envolvendo discentes da UFPA e indígenas naquela TI, mostra a importância
dos estudos e apresenta algumas preocupações relacionadas às dificuldades para
compreender como a universidade está estruturada:

[a] questão por exemplo, a questão do estudo, como foi falado agora, a pessoa tem que
estudar mesmo, agora não é tão fácil assim por exemplo pensar numa universidade, a pessoa
que mora aqui no interior, já acostumado com uma coisa aqui, é outra coisa diferente de lá.
(Kelé Tembé, 2012)

Ao mesmo tempo que refere a importância dos estudos para os indígenas, menciona
que não é nada fácil “pensar numa universidade” por conta das diferenças entre o “aqui” e o
“lá”, para eles, até pouco tempo a formação em cursos de ensino superior, principalmente em
oferecidos por universidades públicas, não era uma realidade, a própria UFPA não estava
incorporada nos discursos, conheciam muito por ouvir falar, pois era apresentada por
profissionais que atuam nas comunidades e pesquisadores, entre outros.
O desconhecimento sobre a universidade, identificado na narrativa do parente, é
reflexo de uma política pensada por poucos e para poucos, ou seja, a universidade foi criada
no Brasil para atender a interesses da elite, ocupada predominantemente por esta pequena
parcela da população, pautada no racismo, contribuiu para a manutenção de quadros
históricos de exclusão racial, étnica e de classe. Conforme observamos, restaram poucas
alternativas para a grande maioria da população, pelas dificuldades relacionadas a alta
concorrência em instituições públicas ou mesmo pelo distanciamento causado pelo
desconhecimento, considerando que para os Tembé e para inúmeros outros povos indígenas
no Brasil, a universidade não esteve distante apenas geograficamente, também se distanciava
ideologicamente ao lançar mão de um projeto excludente.
A “coisa diferente lá”, conforme relata Kelé Tembé, não foi criada para atender grupos
etnicamente diferenciados e precisava ser desvendada, conhecida para então ser apropriada
para contribuir com os projetos comunitários e compor o arsenal numa batalha pela
continuidade. Almires Martins Machado, liderança Guarani e doutor pelo PPGA, faz um relato
sobre sua trajetória e menciona o sonho de sua mãe em vê-lo ingressar na universidade e sair
doutor:

[q]uando voltava das usinas e ia à cidade fazer o rancho, sempre passava de carroça com minha
mãe na frente da Universidade Federal e ficava olhando o entra e sai de estudantes, então ela
dizia: “um dia você vai entrar aí e sair doutor”, ria dos devaneios de minha mãe, pois era
45

impossível querer algo assim naquela época, estar em curso superior, era um sonho quase que
proibido para indígenas. (Machado, 2015: 18)

Para o autor, a profecia da mãe parecia algo absurdo, tão distante para indígenas que
mais pareciam “devaneios”, jamais imaginaria estar na universidade e, muito menos se tornar
um doutor guarani formado em uma universidade federal. Tratar sobre o acesso à
universidade, perpassa pela necessidade de refletir a forma pela qual as instituições foram
pensadas no país e, como o acesso a estes espaços de formação foram negados
historicamente para grupos étnico-raciais e à população pobre, requer pensar na necessidade
de adequação dos modelos de universidade para atender as demandas sociais cada vez mais
presentes. Silva (2001), ao refletir sobre o elitismo nas universidades públicas e a necessidade
de democratização destes espaços, afirma que:

[d]emocratização significa, neste contexto, que o acesso à universidade não dependa de


condições sócio-econômicas e que os critérios de ingresso não favoreçam as pessoas que
detêm situação sócio-econômica privilegiada. O que se pode constatar, até mesmo
estatisticamente, é que a condição sócio-econômica parece representar papel decisivo no
ingresso em várias carreiras, principalmente nas universidades públicas mais bem
conceituadas. (2001: 297)

Pensando assim, é possível verificar que democratização da universidade é requerida


pelos povos indígenas, demanda que se apresenta a partir das reivindicações dos movimentos
indígenas pelo acesso ao ensino superior, passando a ter prioridade nas pautas de lutas,
principalmente nas duas últimas décadas. Conforme indicam Mariana Paladino e Nina Paiva
Almeida “[a]o longo desse período, a educação superior passou a ocupar um lugar importante
nas reivindicações do movimento indígena [...]”. (2012: 107) A narrativa de Almir Vital da Silva
Tembé, ou Almir Tembé,19 demonstra o grau de importância da educação para a luta por
direitos, na narrativa ressalta que:

[a] educação hoje ela tá acima de tudo, que sem educação não há conhecimento e sem
conhecimento não há como lutar pelo que é nosso de direito, como eu acabei de falar, direito
nós temos, mas se eu não tiver conhecimento dos meus direitos não vou lutar por eles,
simplesmente as coisas vão se passar e a gente vai perder a oportunidade. (Almir Tembé,
2012)

19
Acervo APYEUFPA, audiovisual Caravana do Vestibular Indígena, Aldeia Areal, filmagem no dia
11.10.2012.
46

Almir Tembé é liderança nas aldeias Jeju e Areal, pertence ao povo Tembé que está
situado, no hoje, município de Santa Maria do Pará, foi presidente por quatro anos (2008 –
2012) da AITESAMPA e atuou como Agente de Saúde (AS) na aldeia e em comunidades
vizinhas, no ano de 2017 defendeu o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no Curso de
Enfermagem da UFPA. A fala do parente foi feita na abertura da reunião que ocorreu na aldeia
Areal, a propósito da realização do projeto Caravana do Vestibular Indígena, fez parte do
projeto como palestrante e articulador. Na ocasião, representou às aldeias Jeju e Areal
resolvendo detalhes da viagem e das reuniões.
Nos primeiros diálogos com Almir, em 2010, ainda a propósito da realização das
pesquisas para a escrita da minha dissertação de mestrado, observei que a saúde era
apresentada por ele como prioritária, era percebida como a principal demanda do povo,
depois de muitas discussões na comunidade, entendeu a importância da educação e do acesso
a conhecimentos não indígenas, passando a ser considerada prioritária, o parente continua
sua fala:

[e]ntão a gente dá esse empenho, a gente fala assim para os parentes que vá mesmo a busca,
lute, porque o nosso direito está lá, mas nós só podemos conseguir o que é nosso de direito
se a gente lutar. Nós temos direito a educação, a saúde, ao nosso território, mas se a gente
não sai da nossa comunidade pra ir a busca a gente não vai conseguir o que é nosso de direito.
(Almir Tembé, 2012)

O conhecimento proporcionado pela educação formal pode significar melhores


condições e possibilidades de lutar de forma equilibrada pelos direitos coletivos, o direito
existe, ou seja, está garantido nas legislações vigentes, porém, conhecê-los é fundamental
para que a luta seja direcionada da maneira correta. A educação formal é considerada como
aquela oferecida por instituições não indígenas sejam elas públicas ou privadas. Em
contraposição a esta perspectiva considero a existência da educação indígena, que permite a
transmissão de saberes de geração a geração, principalmente pela oralidade, é importante
mencionar que os povos indígenas sempre tiveram formas próprias de ensinar e aprender, as
quais nas últimas décadas tem sido cada vez mais valorizadas na esfera da educação formal,
em que novos espaços e novas metodologias para ensinar e aprender são criadas.
Para o líder indígena apropriar-se de conhecimentos não indígenas é uma forma
encontrada para garantir direito a saúde e a terra, por exemplo. Fazendo coro com Almir,
Raimundo Nonato Soares Tembé, professor e liderança da aldeia Frasqueira define:
47

[a] gente pensa que esses estudos é que vão trazer a autonomia do nosso povo, então vocês
tão buscando através desses estudos, da universidade, isso é muito importante também,
médico, enfermeira, advogado formado pra que possa voltar pra nossa comunidade em defesa
do seu povo, então pra nós isso aí é muito significativo e muito importante. (Raimundo Tembé,
2012)

Na época desta fala, o parente20 Raimundo Tembé iniciava o Curso de Licenciatura


Intercultural Indígena oferecido pela Universidade Estadual do Pará (UEPA), curso criado
graças aos esforços do movimento indígena do estado Pará, juntamente com parceiros. Em
2012 a UEPA, em parceria com a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), deu início ao
Curso de Licenciatura Intercultural para Povos Indígenas, que visa a formação de professores
indígenas e atende cinco etnias no Estado (Tembé, Gavião Parkatêjê, Gavião Kyikatêjê, Gavião
Akrãtikatêjê e Suruí Aikewara), sendo criado por meio de ação no Tribunal Regional do
Trabalho (TRT), 8ª região.
Hoje, Raimundo é um dos egressos do Curso e continua atuando em sua aldeia como
professor. Para o parente, o acesso a estes conhecimentos também é compreendido como a
possibilidade de garantia da autonomia, apesar de ser egresso do Curso de Licenciatura,
considera importante a formação acadêmica em outras áreas. Nossos parceiros no
movimento indígena Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão, Prof. Dr. José Cláudio Monteiro de Brito
Filho e Prof. Dr. Antonio Gomes Moreira Maués afirmam em artigo escrito sobre as PAA da
UFPA que:

[o] conhecimento proporcionado pela formação superior traz benefícios para quem dele pode
dispor. Em contexto de transformações políticas e sociais não é coerente manter o ingresso à
universidade restrito a determinados grupos que, historicamente, tiveram maior
oportunidade de se preparar para enfrentar os processos de seleção às universidades,
supostamente, elaborados para aferir, de forma generalizada, o mérito dos candidatos.
(Beltrão, Brito Filho & Maués, 2013: 2)

Paladino e Almeida (2012) destacam duas vertentes nas demandas dos movimentos
indígenas, uma referente à formação de professores no ensino superior e, a segunda, refere-
se à necessidade de “formar quadros” no próprio movimento indígena em diversas áreas de
conhecimento capacitados para defender os direitos e interesses indígenas. Em consonância

20
Parente é um termo muito comum entre povos indígenas, é resultado das interações entre indígenas
de diferentes etnias e regiões, tem sido empregado com frequência cada vez maior nos movimentos
indígenas e pode ser entendido como uma forma de reconhecimento da pertença a algum povo
indígena.
48

com estes autores, Souza Lima e Maria Macedo Barroso (2013), indicam a importância da
presença de indígenas no ensino superior, tanto em cursos específicos para povos indígenas,
quanto nos demais cursos, é fundamental para construção da educação superior, ressaltam
que a necessidade da formação de profissionais indígenas graduados capazes de articularem
com os conhecimentos tradicionais e solucionar problemas relacionados à demarcação de
terras, acesso à saúde, educação, dentre outros.
No que se refere a primeira perspectiva, é possível afirmar que a Constituição de 1988
foi fundamental para a criação desta nova demanda por acesso ao ensino superior e, por sua
vez, para a criação de cursos específicos para a formação de professores indígenas, uma vez
que novos espaços para a atuação de professores indígenas bilíngues foram criados,
ampliando assim, a necessidade de formação universitária para este novo público, pois o
modelo de educação formal trouxe consigo a necessidade de profissionais qualificados para
atuarem na educação básica, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio e,
recentemente no ensino superior.
Em relação as demandas pelo acesso em cursos de graduação, Barroso Hoffmann
(2005) ressalta ainda que as iniciativas a princípio eram de caráter mais isolado, reivindicações
mais pontuais de indivíduos que concluíram o ensino médio e apresentavam interesse em
cursar o ensino superior, principalmente a partir da década de 70 do século passado. A autora
indica também que as demandas ganharam maior visibilidade quando passaram da esfera
individual para a coletiva, diante das necessidades de profissionais qualificados para atuarem
nas comunidades, sendo assim:

[...] embora se registrem demandas associadas ao desejo de ascensão social de indivíduos via
formação superior, algo que vem marcando as pautas das reivindicações de afro-descendentes
e de outros grupos marginalizados da população brasileira, o debate sobre ação afirmativa
para indígenas assume outros matizes por trazer à tona a temática do destino social de povos,
cuja continuidade só pode ser entrevista na medida em que forem formuladas ações que
garantam a manutenção de identidades coletivas, situadas em relação direta com a existência
de territórios e de sua manutenção. (Barroso Hoffmann, 2005: 3)

Portanto, as discussões sobre ações afirmativas para inclusão de povos indígenas em


instituições públicas de ensino superior foram iniciadas na virada do milênio e tomaram corpo
na primeira década deste século, significando a possibilidade de acesso à espaços políticos-
institucionais historicamente negados às minorias étnicas no Brasil.
49

Hoje no Brasil as PAA recebem um destaque considerável, porém o percurso de


garantia destas políticas é marcado por muita luta e pressão de movimentos sociais,
principalmente em decorrência das mobilizações protagonizadas pelo movimento negro, que
inaugurou esta discussão no Brasil.21 O protagonismo destes grupos tem como resultado a
pressão para a inserção de novas pautas de discussão, neste contexto, a pauta das ações
afirmativas tem adquirido maior relevância.
Até 2012 as ações afirmativas não contavam com regulamentação legal, cada
universidade tinha autonomia para implantar e escolher o tipo de ação que seria adotada,
Paladino e Almeida, destacam que “[a]s ações afirmativas no Brasil têm recebido diferentes
ênfases e visado determinados grupos segundo as características dos diversos governos e das
pressões dos movimentos sociais.” (2012: 23)22
Tiago Augusto da Silva Ventura, Assis da Costa Oliveira e Beltrão (2008) destacam a
importância da Constituição de 1988, além dos dispositivos internacionais que
proporcionaram o crescimento da implantação de políticas afirmativas. Parafraseando os
autores, no que diz respeito ao combate do preconceito e de quaisquer formas de
discriminação, é importante mencionar que a Constituição Federal de 1988 determina no Art.
3º os objetivos a serem cumpridos pela República Federativa do Brasil, o inciso IV deste artigo
define que um deles seria a promoção do bem de todos, sem preconceitos relacionados a cor,
origem, raça, sexo, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. Quando remete aos
princípios a serem alcançados, permite que instituições representativas deste Estado de
direito criem mecanismos próprios que garantam o que preconiza a carta magna, neste
sentido, as PAA passam a ser pensadas como possibilidades de combater das desigualdades
sociais.23
No que se refere ao acesso de povos indígenas em instituições públicas, Luciano (2006)
faz referência ao que identificou como primeiras experiências com ações afirmativas no Brasil,

21
Fúlvia Rosemberg (2006) indica que o movimento negro, ao contrário do que se tinha dos anos 60,
quando as classes médias serviam como porta vozes nas reivindicações, quem assumiu a dianteira na
luta pelo acesso a universidades públicas foram os jovens negros.
22
A Constituição Federal de 1988 garante no seu Art. 207 a autonomia administrativa às universidades.
Bem como, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) no seu Art. 53 que define as atribuições da universidade
no exercício de sua autonomia.
23
Sobre a discussão das ações afirmativas, voltadas para mulheres e para regulação do mercado de
trabalho no que concerne à discussão da garantia do acesso a pessoas com necessidades especiais,
presentes na Constituição de 1988, consultar Flávia Piovesan (2005).
50

foram ações que resultaram do interesse de indígenas em ingressar no ensino superior e que
iniciaram na década de 90 do século XX, criadas a partir de parcerias firmadas entre FUNAI e
instituições de Ensino Superior públicas e privadas, a exemplo da Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (PUC-GO) que na década de 90 do século passado possibilitou o acesso de
indígenas. Souza Lima (2007) em artigo sobre a educação superior para indígenas no Brasil
fala sobre o protagonismo indígena na tentativa de mobilizar esforços para o enfrentamento
de questões relacionadas a formação de indígenas, destaca a importância do diálogo entre os
conhecimentos científicos ou “saberes ocidentais” com os conhecimentos tradicionais. Nesta
empreitada, o líder indígena Ailton Krenak foi um dos expoentes criando um Centro de
formação em Goiânia com o objetivo de:

[...] enfrentar os desafios à formação de indígenas em áreas desde a agronomia até a


advocacia, pensando exatamente no cruzamento dos conhecimentos tradicionais indígenas e
dos saberes ocidentais e na necessidade de terem quadros indígenas que construíssem novos
relacionamentos com o Estado brasileiro e com redes sociais nos contextos locais, regionais,
nacional e internacional sem a mediação de profissionais técnicos não-indígenas. (Souza Lima,
2007: 16)

As iniciativas do parente não contaram com apoio necessário para continuação, porém
foram fundamentais para a percepção da necessidade de programas bem estruturados e
voltados para a temática do indígena no ensino superior, assim como, para pensar sobre as
relações possíveis entre os diferentes tipos de conhecimento. Ademais, Souza Lima (2007) nos
mostra que o protagonismo na ação faz parte de um processo de “quebra do monopólio
tutelar”, momento em que passamos a assumir a responsabilidades que exigem
conhecimentos relacionados a aspectos da sociedade não indígena até então pouco
acessados.
A década de 90 do século XX foi crucial ao debate e a mobilização indígena relacionadas
a educação básica e problemas internos nas aldeias, poucos povos percebiam naquele
momento a necessidade de acessar o ensino superior como mecanismo de apropriação de
conhecimentos não indígenas para o enfrentamento dos problemas internos nas
comunidades, as próprias organizações representativas, as associações, as fundações, as
cooperativas, entre outras, foram criadas preponderantemente em função de demandas
locais, por outro lado, o público indígena que demandava o ingresso no ensino superior ainda
era pouco significativo. A percepção de que esta esfera de conhecimento poderia
51

proporcionar novas estratégias de luta foi se estabelecendo aos poucos, também em


decorrência do aumento do número de indígenas egressos do ensino médio.
É importante mencionar o papel dos intelectuais indígenas24 nesse projeto de
construção de sentido para a formação no ensino superior, destaco a atuação destes
intelectuais a partir de dois aspectos, o primeiro que exige a participação direta no processo
de convencimento de outros indígenas e, a segunda de forma indireta, pois a influência
acontece mais pautada no “exemplo”, nesta perspectiva as ações desenvolvidas por este
indígena ou até mesmo a posição que ocupa na comunidade ou fora dela, servem como
motivação para outros indígenas.
No que se refere a primeira perspectiva, a participação de indígenas formados nas
discussões sobre o tema nas bases é expressiva, no tocante da conscientização sobre a
importância do acesso ao ensino superior, estes intelectuais podem ter significativa
participação, mobilizando as lideranças e os jovens para a importância de profissionais
formados e qualificados em diversas áreas. Por outro lado, a preferência das lideranças por
profissionais qualificados nas diversas áreas para atuar em funções estratégicas nas aldeias,
principalmente nas áreas de educação e saúde, também pode ser entendido como
formadores de opinião influenciando as decisões de jovens e egressos do ensino médio, por
serem vistos com admiração por ocuparem estes lugares de destaque na comunidade, além
de desenvolverem trabalhos que prescindem de formação qualificada.
Portanto, estes intelectuais ao saírem das aldeias acabam conhecendo as estruturas
universitárias e apropriando-se dos aspectos mais burocráticos e acabam se tornando
mediadores entre a universidade e a comunidade, orientando e indicando os melhores
caminhos e, na grande maioria das vezes, apoiando de onde estão, nos centros urbanos,
outros parentes que optam por seguir o mesmo caminho.
As motivações que levam um indígena a buscar conhecimentos não indígenas a partir
da formação acadêmica são inúmeras, o que é possível identificar é que estas demandas
aumentaram significativamente, levando as organizações e as lideranças indígenas a buscar
alternativas para inserir estes indígenas nestes novos espaços e, neste contexto, as PAA

24
Souza Lima & Barroso Hoffman (2013) discutem sobre formação política de pessoas indígenas em
instituições de nível superior com potencial de transformação de relações entre indígenas e não
indígenas, os quais buscam alinhar-se com as orientações das bases e coletividades de origem no
sentido de produzir concepções que levem em consideração os conhecimentos tradicionais.
52

passam a constituir as pautas de reivindicações. E. Fernandes, Beltrão & Oliveira (2015)


indicam que:

[a]s ações afirmativas nas universidades públicas brasileiras estão inseridas num contexto
histórico de reivindicações políticas de grupos sociais, étnicos e raciais que convergiram, na
década de 1990 e, de forma mais intensa, no início do Século XXI, para uma postura pró ativa
do Estado brasileiro na busca pela reparação de injustiças históricas contra determinados
segmentos da população que produziram barreiras adicionais para o acesso às oportunidades
de qualificação educacionais em todos os níveis da educação, mas de maneira mais aguda no
âmbito universitário. (E. Fernandes, Beltrão & Oliveira, 2015: 1)

Ciméa Barbato Bevilaqua (2004) ao discutir o ingresso de indígenas na Universidade


Federal do Paraná (UFPR), nos mostra que o ingresso de indígenas em instituições de ensino
superior públicas teve como pioneiras no estado do Paraná as universidades estaduais no ano
de 2002, cumprindo o que preconiza a Lei Estadual nº. 13.134. Ao passo que estas iniciativas
também ocorreram entre os anos de 2002 e 2003 em instituições estaduais dos estados da
Bahia e do Rio de Janeiro que passaram a adotar o sistema de cotas.
No que se refere as universidades públicas federais, destaca-se a Universidade de
Brasília (UnB) por criar um Plano de Metas e Integração Social, Étnica e Racial para inserir
negros e indígenas no quadro discente da Instituição, em 2004 passa então a oferecer reserva
de vagas para indígenas, um convênio entre a UnB e a FUNAI garantiu a oferta de 20 vagas
suplementares por ano em cursos definidos por comitê. Em 2013 o edital previu a reserva
dessas vagas nos cursos de Agronomia, Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Enfermagem,
Engenharia Florestal e Medicina. A UnB foi a pioneira das federais, depois dela, muitas outras
passaram a adotar algum tipo de política afirmativa para povos indígenas, utilizando-se
inclusive da proposta da UnB como modelo para criação de PAA. A UFRR foi a primeira
Universidade federal a criar curso específico para povos indígenas, o curso de Licenciatura
Intercultural Indígena é um curso destinado à formação em nível superior de professores de
escolas indígenas e foi criado em 2002 a partir da Resolução do Conselho de Ensino Pesquisa
e Extensão (CEPE) nº. 017, de 06 de dezembro de 2002. Trata-se de um curso que procura
valorizar os saberes indígenas e é criado e mantido com a participação dos povos indígenas.
(Freitas, 2011)
A Lei de Cotas foi criada em 2012 para normatizar e uniformizar as ações das
universidades públicas, a sua aprovação foi uma grande conquista e, a partir dela, todas as
universidades foram obrigadas a oferecer uma porcentagem das vagas para grupos
53

historicamente vulnerabilizados. A Lei estabelece que as universidades devem oferecer para


cada curso letivo de graduação e em cada turno no mínimo 50% das vagas para discentes
autodeclarados pretos, pardos e indígenas que tenham estudado integralmente o ensino
médio em escolas públicas; destas, 50% oferecidas para discentes cujo a renda seja igual ou
inferior a 1,5 salário per capita. As instituições de ensino superior têm quatro anos para se
adequar à Lei, sendo que, em cada ano deve destinar no mínimo 25% do que está previsto na
Lei. 25 Para Luciano (2012):

[t]rata-se de uma conquista histórica digna de comemoração como um passo importante no


processo de democratização do direito à educação superior no Brasil e na promoção da
igualdade de oportunidade para todos os brasileiros, na sua grande diversidade sociocultural,
econômica e trajetória escolar. (2012: 18)

Nesse sentido, os grupos vulnerabilizados passam a se apropriar da universidade como


forma de fortalecer as lutas pela garantia e efetividade de direitos, como alternativa de
“empoderamento” com o objetivo de superar as dificuldades existentes e estabelecendo
novas formas de lutar pelos direitos. Pensando de outra forma, o ingresso de grupos étnicos
na universidade por meio de ações afirmativas, garantidas posteriormente com a Lei de cotas,
cria canais de diálogo entre diferentes saberes e amplia a possibilidade de reflexão sobre as
próprias bases que fundamentam as estruturas universitárias, possibilitando o
redirecionamento da produção de conhecimento, tornando-a mais diversa e plural, passando
a atender também a outros interesses para além daqueles da pequena parte da população
privilegiada. O grande desafio para as universidades que contam com povos indígenas nos
quadros de discentes é de proporcionar uma formação que atenda as especificidades dos
povos indígenas, que atenda as demandas internas das comunidades, uma formação que seja
mais direcionada e dialógica, que extrapole as convenções e que seja uma via de mão dupla,
para Luciano:

[o] desafio é como esta instituição superior formadora pode possibilitar a circulação e a
validação de outros saberes, pautados em outras bases cosmológicas, filosóficas e
epistemológicas. Os povos indígenas, por exemplo, não gostariam de ser enquadrados pelas
lógicas academicistas que alimentam e sustentam os processos de reprodução do capitalismo
individualista, que tem gerado uma sociedade cada vez mais em retorno à civilização da

25
Para entender melhor como a Lei de Cotas foi estruturada conferir:
http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/1032851/lei-12711-12. Acesso em: 02 de ago. de
2015.
54

barbárie e da selvageria, por meio da violência, da exploração econômica desumana, do


império da lei do mais rico e dos que têm poder político à base de democracias das elites
econômicas e políticas. (2012: 19)

O próprio ingresso destes grupos na universidade adquire um sentido político quando


analisado em comparação as políticas de homogeneização da sociedade brasileira, indo ao
encontro do que preceitua a Constituição ao reconhecer e valorizar as pertenças
diferenciadas, as identidades e a igualdade social. Cabe a universidade criar condições e
metodologias que proporcionem a troca de saberes, que valorizem outras perspectivas.
Nas últimas décadas o número de indígenas discentes nas universidades particulares
e públicas aumentou significativamente e as ações afirmativas foram determinantes para este
crescimento. Souza Lima e Barroso (2013) ressaltam que o debate sobre a presença indígena
no ensino superior deve ser visto como um espaço de reflexão para os imensos problemas
que atingem os povos indígenas, a formação de uma intelectualidade indígena é a
possibilidade de construção de caminhos para a legitimação das lutas e para soluções de
dilemas existentes.
Em se tratando do ingresso de indígenas na Pós-Graduação, é possível observar que as
demandas indígenas por estes espaços vêm aumentando significativamente nos últimos anos,
o crescimento do número de indígenas egressos dos cursos oferecidos nas IES em função das
políticas de cotas e programa governamentais de incentivo a inclusão social, tem sido um dos
principais fatores do incremento. No entanto, a inexistência de ações afirmativas para acesso
nestes espaços tem impedido que muitos indígenas continuem os estudos. Por outro lado, é
possível verificar também iniciativas pontuais de programas comprometidos com a
democratização destes espaços na criação de editais que contemplem o acesso de grupos
vulnerabilizados, são programas que absorveram as demandas dos povos indígenas e vão ao
encontro das discussões relacionadas ao tema das ações afirmativas.
Sobre a pós-graduação ainda, em maio de 2016, foi publicado no Diário Oficial da
União e noticiado em diversos meios de comunicação a Portaria Nº. 13, de 11 de maio de
2016, a qual dispõe sobre a indução de Ações Afirmativas na Pós-Graduação. A portaria
considera como precedente para a decisão, diversos dispositivos legais relacionados às ações
afirmativas, além de utilizar como referência a adoção destas ações por diversos programas
de Pós-Graduação no país. A Portaria estabelece o prazo de 90 dias para as IFES apresentarem
propostas de inclusão de negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência nos
55

programas de Pós-Graduação. Para além da determinação às instituições públicas, estabelece


Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) a responsabilidade de
coordenar a elaboração do censo discente da Pós-Graduação e avaliar as ações nos
programas.
A portaria é indicativa de que a discussão sobre as ações afirmativas no Brasil tem
ganhado corpo, principalmente depois da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no que
se refere a constitucionalidade das Ações Afirmativas (AA). A importância atribuída ao tema é
reflexo das lutas protagonizadas pelos movimentos sociais que, insatisfeitos com situação de
exclusão, mobilizaram-se em torno desta pauta comum. O acesso no ensino superior para
estes grupos está relacionado aos projetos de futuro e a necessidade de acabar com as
desigualdades sociais. Para os povos indígenas, a garantia de acesso nos cursos de pós-
graduação pode significar a continuação dos estudos nas áreas preferencialmente escolhidas,
condizentes também com o que é requerido pelas coletividades às quais representam.
Apesar dos avanços significativos, as políticas de ação afirmativa não devem ser
entendidas de forma individualizada como solução para as desigualdades relacionadas ao
acesso à educação, pois são medidas temporárias para equacionar as discrepâncias existentes.
Luciano ressalta que tais medidas devem ser “um ponto de partida para se pensar o
enfrentamento mais pragmático das desigualdades associadas a exclusão e discriminação
racial, sociocultural, econômica e étnica.” (2012: 18) Para o autor, o sistema de cotas não é
suficiente se não existirem programas de apoio e acompanhamento dos discentes indígenas,
é imprescindível o compromisso do Estado, das IES e da sociedade para que as diretrizes
estabelecidas em Lei sejam colocadas em prática, caso contrário, as ações afirmativas correm
o risco de não surtirem o efeito esperado. Não é apenas o ingresso que deve ser garantido, a
permanência e o sucesso devem integrar as discussões nas universidades e a sociedade tem
o dever de acompanhar e fazer as cobranças necessárias para o êxito destas políticas.

Entre cocares e capelos: o estado do Pará e a inclusão em IES26

O Pará é um dos Estados brasileiros que conta com concentração significativa de


diversidade étnico cultural/linguística, são mais de 55 povos indígenas que estão localizados

26
Muitas contribuições apresentadas ao longo deste tópico e dos próximos capítulos foram discutidas
anteriormente no artigo FERNANDES, E. A.; BELTRÃO, J. F. & OLIVEIRA, A. da C. “Povos indígenas,
comunidades quilombolas & Ensino Superior: a experiência da Universidade Federal do Pará”. In:
56

nas diversas regiões, vivendo em contextos urbanos e rurais. De acordo com os censos
publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), a população indígena no
estado do Pará teve um crescimento significativo nas últimas décadas, passando de 16.132
em 1991, 37.681 no ano de 2000, para então alcançar o número de 31.081 em 2010.27
Alguns povos vivem em situação de isolamento voluntário, outros com breves contatos
com a sociedade não indígena e muitos com um histórico de contato mais antigo. Ao contrário
do se imaginava para a Amazônia até pouco tempo atrás, existem também aqueles povos que
passaram pelo processo de etnogênese,28 pois diante das políticas estatais em algum
momento da história acabaram deixando de se identificar como indígenas, retomando a luta
e a identidade, principalmente em função da mudança da postura do Estado brasileiro, estes
povos voltaram a assumir a identidade indígena.
O Pará é o segundo maior estado em extensão geográfica, com uma área de
aproximadamente 1.248.000km², perdendo apenas para o vizinho Amazonas. Estas distâncias
devem ser observadas e relativizadas para a criação de políticas públicas, ao contrário de
outras regiões do Brasil, na Amazônia as condições geográficas implicam significativamente a
possibilidade de acessar às políticas públicas, ademais, o tempo para percorrê-las pode ser
significativamente maior se comparar com a mesma distância em outros lugares no Brasil, o
acesso a muitas localidades acontece apenas pelos rios ou por meio de vicinais, tanto um
como o outro podem apresentar dificuldades significativas, a depender do período do ano. No
caso do Rio Xingu, por exemplo, nos períodos de seca o acesso as comunidades que vivem às
suas margens é prejudicado, considerando a quantidade de cachoeiras no percurso e as
pedras que formam um verdadeiro labirinto, águas navegáveis apenas por pessoas com
experiência na região. Sendo assim, as distâncias configuram-se em fatores significativos que

OLIVEIRA, A. da C. & BELTRÃO, J. F. Etnodesenvolvimento & Universidade: formação acadêmica para


povos indígenas e comunidades tradicionais. Belém: Santa Cruz, 2015.
27
Para além do crescimento populacional dos povos indígenas nas últimas décadas, estes dados devem
ser considerados a luz das alterações metodológicas nos censos, que tiveram mudanças significativas
de 1991 para 2010. Outro fator importante foi a afirmação étnica de muitos grupos neste período, que
também contribui para este crescimento. Ademais, o censo de 2010 alcançou muitos povos que ainda
não faziam parte do censo. Para mais informações consultar: http://indigenas.ibge.gov.br/
28
A etnogênese é muito presente na região nordeste do país, para muitos, estaria restrito apenas
aquela região, porém, estudos mais recentes demonstram que ele é muito comum, inclusive na
Amazônia brasileira. Sobre a etnogênese, consultar: Oliveira, João Pacheco de (org.). 1999. A viagem
da volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contracapa.
57

podem dificultar o acesso de muitos povos indígenas e populações tradicionais à educação


básica e ao ensino superior.
Além das reivindicações dos povos indígenas para garantir o acesso à educação básica,
de longa data eles têm procurado estabelecer diálogos com as IFES no sentido de garantir
políticas específicas de acesso, estratégia pensada para superar a desigualdade histórica que
exclui dos cursos de graduação e pós-graduação. A análise das iniciativas dos povos indígenas
no estado do Pará para criação de ações afirmativas no âmbito das IFES é importante para
compreender e contextualizar a realidade da presença de indígenas no ensino superior. Na
fala do cacique Lúcio Gusmão Tembé, conhecido no movimento como Lúcio Tembé, da aldeia
Turé-Mariquita no nordeste paraense, fica evidente a luta no estado do Pará pelo acesso à
universidade, o líder ressalta que:

[a] nossa luta indígena foi muito tempo em cima disso, do direito que os nossos parentes
pudessem entrar na universidade. Então agora a gente tá vendo esse resultado, então a gente
agradece vocês parentes, que tão aí e que vieram trazer esse incentivo, esse fortalecimento
pra nós. Nós indígenas, nós lideranças, nós velhos, nós temos indo embora como nossos pais
já foram, mas temos nossos filhos pra que nós possa preparar para ele da futura geração que
vem aí. (Lúcio Tembé, 2012)

No estado, a luta pela criação de políticas afirmativas para povos indígenas teve como
alvo principal a UFPA, por ser a maior Instituição pública do norte do Brasil, oferecendo um
número considerável de cursos, dentre os quais se destacam os mais demandados pelos povos
indígenas (Medicina, Direito, Enfermagem, entre outros) e, também, por contar com diversos
campi espalhados por todas as regiões do estado.
As movimentações das associações indígenas no estado foram significativas,
resultaram em diversos documentos expedidos para as IFES, principalmente para a UFPA
solicitando a criação de políticas específicas para os povos indígenas, dentre as associações se
destacam a Associação dos Povos Indígenas do Tocantins (APITO) e a Associação Indígena
Kyikatêjê Amtati. A primeira representa vários povos na região sudeste do estado e a segunda
representa o povo Gavião Kyikatêjê. Beltrão, Brito Filho e Maués (2016) indicam que as
reivindicações geraram processos administrativos no âmbito da universidade, dentre esses
processos, destacam-se os N°. 022649/2007, N°. 006344/2008, N°. 006345/2008 e N°. 022656/2007.
O estado do Pará conta atualmente com cinco universidades públicas, são quatro
universidades federais, dentre elas uma é rural, sendo elas: a UFPA, a UFOPA, a UNIFESSPA e
58

a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), além destas universidades federais, conta
com a UEPA. Em se tratando das universidades federais, para efeito de comparação com a
UFPA, considero fundamental abordar com maior atenção à realidade da UFOPA e UNIFESSPA,
ambas recebem destaque na pesquisa por terem sido até recentemente campus da UFPA,
desmembradas para se tornarem universidades independentes, porém trago também para a
discussão as possibilidades de inclusão de indígenas na UFRA e UEPA.
Na UFRA nenhum tipo de PAA foi criada para atender a demanda dos povos indígenas,
somente em 2012, com o advento do cumprimento da Lei 12.711 (Lei de Cotas) é que a
universidade passou a oferecer cotas para indígenas, ademais a Instituição procura se adequar
a legislação. Nas pesquisas realizadas não foram encontrados registros de alguma demanda
pelas lideranças indígenas para a criação de PAA no âmbito desta Instituição, nem tão pouco
foi identificado nas narrativas das lideranças do estado o interesse em ingressar em algum
curso oferecido pela Instituição.
Em 2012, atendendo também a reivindicações feitas pelos povos indígenas do estado
do Pará, a UEPA em parceria com a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), deu início ao
Curso de Licenciatura Intercultural para Povos Indígenas, que visa a formação de professores
indígenas e atende cinco etnias no Estado (Tembé, Gavião Parkatêjê, Gavião Kyikatêjê, Gavião
Akrãtikatêjê e Suruí Aikewara), sendo criado a partir da demanda dos povos Tembé e Gavião
por meio de ação no Tribunal Regional do Trabalho (TRT), 8ª da região.
O curso é ofertado dentro de um período de quatro anos, subdivididos em duas etapas
que contemplam dois modelos de formação, um geral e o outro mais específico dentro de
determinadas áreas.29 Até 2012, a Instituição não contava com programas específicos para o
ingresso de indígenas, o curso de formação intercultural foi o primeiro da Instituição a atender
este público. Em 2016, a primeira turma de indígenas formou-se a partir da Universidade, a
formatura foi realizada no dia 19 de abril no Hangar Centro de Convenções da Amazônia e
contou com a presença expressiva da mídia, que registrava o acontecimento. A Figura 1
apresenta a turma formada a partir da UEPA.

29
Para saber mais sobre o curso consultar: Alencar, Joelma Cristina Parente Monteiro. 2014. Educação
intercultural e a formação específica de professores indígenas no ensino superior. Itabaiana:
Gepiadde. 8 (16): 80-98. Disponível em:
seer.ufs.br/index.php/forumidentidades/article/download/4263/3540
59

Foto: Edimar Fernandes


Figura 1 – Foto formatura no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena

Apesar de todas as formalidades, a formatura contou com momentos marcantes


protagonizados pelos indígenas. O primeiro deles foi logo no início quando cada um dos três
grupos formados por indígenas das etnias Tembé, Suruí Aikewara e “Gavião” (Parkatêjê,
Kyikatêjê e Akratikatêjê), entram um coletivo por vez, entoando canções do seu respectivo
povo. As canções ecoaram pelo Centro de Convenções, o entusiasmo dos parentes foi tanto
que antes mesmo de serem chamados começavam a cantar, contrariando aos pedidos dos
organizadores para que ficassem calados aguardando a vez.
O segundo momento protagonizado por eles não estava na programação, foi pensado
durante a solenidade e até confundiu o orador ao anunciá-lo. Para contextualizá-lo relembro
uma parte da formatura, durante a outorga de grau, quando os indígenas tiveram que retirar
o cocar para o reitor colocar o capelo, gesto que simboliza transmissão de poder, de
conhecimento, representa a passagem de discente para “profissional qualificado”. A surpresa
reservada pelos indígenas foi revelada ao final desta cerimônia, quando solicitam um
momento para presentear o Reitor, durante a homenagem o representante indígena subiu à
tribuna e retirou o capelo do reitor, colocando em seu lugar um cocar.
O momento é expressivo por marcar a presença indígena na Universidade, simboliza
novas possibilidades de transmissão do conhecimento, com origem em lugares
frequentemente não reconhecidos pelas instituições, indica que a presença indígena naquela
Instituição não muda apenas indígenas, por terem absorvido conhecimentos considerados
60

como científicos, mas também modifica as estruturas universitárias e formalismos existentes,


proporciona a oportunidade de dialogar com outros conhecimentos.
Comparar a forma como estas instituições tem lidado com a presença de indígenas
permite verificar os avanços e retrocessos da própria UFPA e o quanto o comprometimento
político de representantes das instituições, técnicos e docentes pode ser decisivo para o
sucesso ou fracasso das ações afirmativas, por outro lado, permite avaliar a forma como o
movimento indígena estudantil tem realizado articulações e mobilizações para garantia do
acesso, permanência e sucesso nas instituições.30 A figura 2 indica a disposição dos os campi
da UFPA, UFOPA e UNIFESSPA depois dos desmembramentos.

Figura 2 – Mapa indicando os campi das universidades federais no Pará

Considerei importante a elaboração deste mapa para demostrar os avanços do ensino


superior no estado do Pará e a abrangência das IES a partir da distribuição dos campi. Até
2009 a UFPA ocupava todas as regiões do estado do Pará, com o desmembramento desta

30
Conforme apresentado anteriormente, além das pesquisas realizadas na UFPA, pesquisas foram
empreendidas na UFOPA. No caso da UNIFESSPA, conto com dados coletados durante a Caravana do
Vestibular Indígena com as lideranças da região no período que as discussões para a criação da
Instituição estavam acontecendo.
61

Instituição e a criação de outras duas, a UFOPA em 2009 e da UNIFESSPA em 2012, a oferta


de vagas ampliou significativamente, além de permitir o atendimento de especificidades de
cada região.
O crescimento do ensino superior público não é uma exclusividade apenas do Pará,
pode ser observado na última década graças a políticas governamentais implementadas que
corroboram para a expansão, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão de
Universidade Federais (Reuni) foi fundamental para estes avanços.31 No caso do Pará, o
desmembramento da UFPA também acontece em decorrência do fortalecimento dos campi
localizados no interior do estado, principalmente em Marabá e Santarém, resultado da
estrutura universitária multicampi que permitiu a ampliação do alcance da IFES e maior
proximidade com populações distantes da capital.32
Como pode ser observado a partir do mapa, a distribuição destas instituições seguiu
as divisões regionais no estado, no caso da UFOPA, os campi ficaram mais localizados na região
oeste, no baixo amazonas, contando atualmente com sete campi localizados nos municípios
identificados na parte esquerda do mapa representada pela cor verde. A UFPA, por sua vez
conta com campi distribuídos principalmente na região nordeste do estado, além de Altamira
que está situada na região sudoeste. A UNIFESSPA conta com os campi distribuídos
principalmente na região sul e sudeste do Pará.
É importante também registrar que o mapa apresenta a localização dos municípios que
contam com algum campus das diversas universidades mencionadas, além dos campi, existem
polos localizados em outros municípios, o que amplia ainda mais a área de atuação destas
instituições. O relevante neste contexto é que a expansão das universidade para o interior,
criou uma possibilidade maior de acesso para os diversos grupos localizados nas regiões mais
afastadas da capital Belém, no entanto, para os povos indígenas, as maiores demandas
continuam sendo pelos cursos oferecidos nos campi sedes destas instituições, por

31
O Reuni foi criado pelo Decreto Presidencial 6069/2007 e sua adesão pelas IFES é voluntária. O
principal objetivo do programa é proporcionar condições para ampliação do “acesso e permanência
no ensino superior”. Uma das principais críticas ao Reuni está relacionada preocupação com a
qualidade do ensino que poderia não acompanhar, nas mesmas proporções, a expansão do ensino
superior e o aumento do número de vagas ofertadas. Para mais informações consultar:
http://reuni.mec.gov.br/o-que-e-o-reuni
32
A UFPA adotou o modelo de universidade multicampi em 1986, com o objetivo de alcançar o interior
e democratizar o acesso ao ensino superior, alcançando pessoas em diversas regiões do estado que
não tinham condições de acessar a universidade em decorrência da distância até a capital.
62

concentrarem os cursos mais requeridos pelas comunidades, são mais procurados por
fazerem parte dos projetos coletivos e, também, por oferecer melhores condições estruturais
aos discentes.33

Cor na Universidade: povos indígenas e a UFPA

A presença de indivíduos pertencentes a grupos vulnerabilizados no quadro discente


da UFPA faz parte de um processo de inclusão social e marca a nova postura da UFPA nos
últimos anos, é resultado de discussões acaloradas que tiveram seu desfecho na década
passada e culminaram com a criação de PAA que atendem várias demandas sociais (Beltrão,
Brito Filho & Maués, 2016). Tal mudança ocorre muito em função das cobranças dos
movimentos sociais que reivindicam o ingresso no ensino superior e a criação de políticas que
contribuam para saldar a dívida histórica do Estado brasileiro com estes coletivos. Quando
trata das pressões dos povos indígenas no Pará para criação de vagas na UFPA, Emídio Gusmão
Tembé, cacique da aldeia Tekenay no município de Tomé-Açú usa trocadilhos para se referir
as tentativas de convencer os Karaí (brancos):

[e]ssas informações pra mim, nós já batemos com o martelo várias vezes, na cabeça dos Karaí
lá, pra nós conseguir um projeto, uma vaga dum estudo, pra nós indígena hoje ter o
conhecimento, isso já era pra ter acontecido a muito tempo, mas nós não tinha ninguém pra
trazer essa informação pra nós. (Emídio Tembé, 2012)

O trabalho com o martelo exige destreza, não é um trabalho fácil e exige movimentos
repetitivos, as batidas devem ser precisas na “cabeça” do prego, com medida de força para
que o prego não entorte, a falta de precisão também pode ter resultados inesperados, como
um dedo roxo, por exemplo. Bater na cabeça de Karaí é a forma encontrada pelos Tembé para
se fazer entender, é pela insistência e repetição que muitas conquistas são alcançadas, as
batidas devem ser certeiras e na medida adequada para que os objetivos sejam alcançados,
muitas vezes os resultados são demorados, em outras é necessário que se substitua o “prego
torto” por outro e assim alcançar o que se deseja.

33
As diferenças que existem entre os diversos campi da Instituição serão analisadas no segundo
capítulo, momento em que pretendo abordar as dificuldades enfrentadas no interior do estado, desde
o acesso à informação até a estrutura física dos prédios da Instituição.
63

As AA implementadas pela UFPA receberam atenção especial nas discussões feitas por
Beltrão, Brito Filho e Maués (2016), trabalho que tive a oportunidade de contribuir com alguns
dados das pesquisas que venho desenvolvendo a propósito da tese, os quais foram
importantes para a construção do quadro 4 apresentado a seguir, que resume muito bem a
criação de PAA pela UFPA.

Quadro 4 – Ações afirmativas na UFPA (Fonte: Beltrão, Brito Filho e Maués, 2016: 82)
Ano de
aprovação Propostas aprovadas Implantação Resultados
da política
Cotas (50% das vagas ofertadas) Incorporação de candidatos
para pessoas oriundas de escolas oriundos de escolas públicas e
2005 2008
públicas, das quais 40% são de pessoas negras à UFPA.
destinadas aos negros.
Cotas para pessoas com Não houve demanda de povos
deficiência, pretos e povos indígenas em 2005 e nem em
2005 2005
indígenas no Programa de Pós- 2006.
Graduação em Direito (PPGD).
Sistema de cotas no Processo Em 2008 das 5.036 vagas
seletivo diferenciado para alunos ofertadas pela UFPA 4.494
2007 oriundos do sistema público de 2008 foram preenchidas, 2.192 por
ensino e negros – estudantes cotistas e 2.302 por
ingresso/vestibular. estudantes não-cotistas.
Vagas reservadas para povos Ingressaram cinco indígenas no
indígenas, por meio de Edital programa: em 2007 – 2; 2010 –
diferenciado, no Programa de 2; 2011 – 1.
2007 2007
Pós-Graduação em Direito As defesas de dissertação
(PPGD). ocorreram em dez/2009,
maio/2010 e out/2013.
Cotas para povos indígenas no Não houve demanda de povos
2008 Programa de Pós-Graduação em 2008 indígenas em 2005 e nem em
Ciências Sociais (PPGCS). 2006.
Programa Bolsa Permanência de Em 2009 a Bolsa Permanência
auxílio financeiro aos estudantes auxiliou mais de 1.300
da graduação da UFPA em estudantes. Em 2010 o número
2009 2009
situação de vulnerabilidade estimado é de 2.500 estudantes
socioeconômica em risco de beneficiados.
abandonar o curso.
Programa que reserva duas Em 2010 foram incorporados 63
vagas reservadas para povos indígenas; em 2011 – 45; em
2009 indígenas em todos os cursos de 2010 2012 – 24; em 2013 – 19; em
graduação da UFPA. 2014 – 8; em 2015 – 24 em 2016
– 26.
Programa de vagas reservadas Incorporação de pessoas com
para pessoas com deficiência em deficiência.
2009 2010
todos os cursos de graduação da
UFPA.
Aprovação do Curso de A seleção ocorre de dois em dois
Licenciatura e Bacharelado em anos. Em Altamira, em 2010
2009 Etnodesenvolvimento voltado 2010 foram incorporados 45
exclusivamente para povos discentes; em 2013 – 30; em
tradicionais e indígenas – 2015 – 45; em 2016 (Soure)
64

Campus de Altamira, a partir de foram selecionados 45


2016, o Curso foi implantado no candidatos.
Campus de Soure.
Vagas reservadas para povos Na primeira seleção realizada
indígenas no Programa de Pós- em junho de 2010 não houve
graduação em Antropologia candidatos, até 2016
2010 2010
(PPGA). incorporados cinco discentes.
2011 – 1; 2013 – 1; em 2014 – 1;
em 2015 – 1; e em 2016 – 1.
Vagas reservadas para Em 2013 foram incorporados 48
2012 quilombolas, duas em todos os 2013 quilombolas; em 2014 – 106; em
cursos da UFPA. 2015 – 214; em 2016 – 305.
65

No que se refere a PAA criadas na Instituição para o ingresso de indígenas, é possível


afirmar que elas iniciaram pela Pós-Graduação, contrariando a tendência da maioria das
instituições públicas de ensino superior, que iniciaram suas ações a partir da graduação. O
PPGD criou em 2005 a política que reserva duas vagas para indígenas nos cursos de mestrado
e doutorado, a iniciativa ocorre em função das exigências da Fundação Ford para apoio ao
programa, mas somente em 2007 duas vagas do mestrado foram ocupadas, em 2010 mais
dois indígenas ingressaram no programa, também no mestrado e em 2011 outra indígena
acessou o programa por ações afirmativas. Até o momento três indígenas concluíram o
mestrado pelo programa, em 2009, 2010 e 2013, no momento as AA para povos indígenas
estão em fase de discussão e avaliação no programa e os editais específicos para povos
indígenas não tem sido lançados. A formação a partir do PPGD, permite que os egressos
também atuem de forma qualificada no movimento indígena e contribuam para que os
direitos conquistados sejam efetivados.
Além do PPGD, o PPGCS também criou cotas para povos indígenas no ano de 2008,
mas não houve demanda e as vagas não foram preenchidas.34 Outro programa de Pós-
Graduação que reservou vagas para indígenas na UFPA foi o PPGA, o qual as oferece vagas
desde 2010, das disponíveis, duas são para indígenas, uma no mestrado e outra no doutorado.
Até o presente momento, contou com o ingresso de cinco indígenas. Em 2011, 2013 e 2014
ingressaram três indígenas no doutorado, dois Kaingang e um Guarani e, em 2015 e 2016 mais
dois parentes entraram para somar com o “time de indígenas” que compõem o quadro de
discentes do programa, um Xakriabá e uma Baré. Dos cinco indígenas que ingressaram até o
presente momento no PPGA, quatro continuam no programa, no ano de 2015 tivemos a
defesa da tese do primeiro indígena que obteve o título de doutor pelo PPGA, Almires Martins
Machado pertence a etnia Guarani e defendeu a tese intitulada “De Sonhos ao Oguatá Guassú
em busca da(s) Terra(s) Isenta(s) de Mal”, no trabalho abordou a busca do povo Guarani pelo

34
Para compreender melhor as Ações Afirmativas na UFPA, consultar: Beltrão, Jane Felipe; Brito Filho,
José Claudio Monteiro & maués, Antonio Gomes Moreira. 2013. Das Ações Afirmativas na
Universidade Federal do Pará. In Seminario 2, sobre: Acceso y permanencia de los grupos vulnerables
en la enseñanza superior oficinas de ddhh. Brasília-DF. Seminario 2, sobre: Acceso y permanencia de
los grupos vulnerables en la enseñanza superior oficinas de ddhh. Madrid: dhes. v. 1. p. 1. Disponível
em: http://www.upf.edu/dhes-alfa/oficinas/docs/UFPA.pdf Acesso em: 30 de jun. de 2015. Consultar
também: Beltrão, Jane Felipe & Cunha, Mainá Jaison Sampaio. 2011. Resposta a Diversidade: políticas
afirmativas para povos tradicionais, a experiência da Universidade Federal do Pará. Espaço Ameríndio,
Porto Alegre, 3 (5): 10-38. Disponível em:
http://seer.ufrgs.br/EspacoAmerindio/article/view/21822/14464. Acesso em: 27 de mar. de 2014.
66

que chamam de “terra sem mal”, que originou o deslocamento deste grupo desde a Argentina
até chegar no hoje município de Jacundá, no estado do Pará.
Neste ano de 2016, o PPGA ampliou o número de vagas oferecidas para indígenas,
passando de duas para quatro vagas, duas oferecidas no mestrado e duas no doutorado. O
processo seletivo para o ingresso de indígenas no PPGA difere de outros programas ativos na
pós-graduação, exige a entrega do documento de indicação de lideranças tradicionais ou
políticas e a apresentação de um pré-projeto, no caso do mestrado e, de um projeto no caso
do doutorado, ficando a cargo da comissão avaliadora a decisão de solicitar aos candidatos a
defesa das propostas apresentadas, sem outras etapas.
Ainda tratando da pós-graduação, depois de algum tempo de diálogo e elaboração de
propostas, o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) passou a oferecer três vagas
no mestrado para indígenas. As discussões para criação de vagas para indígenas na educação
vinham acontecendo a algum tempo, tendo como principal articulador o Prof. Dr. Salomão
Antonio Mufarrej Hage, porém, no início do mês de setembro de 2016 deu um grande passo
rumo a democratização da pós-graduação, a proposta foi submetida ao colegiado do PPGED
e aprovada. A reunião contou com a participação especial do cacique Antonio Sarmento dos
Santos, conhecido como Piná Tembé, o cacique defendeu a necessidade da formação de
indígenas para atender as demandas educacionais das comunidades e não para preencher
vagas no mercado de trabalho.
Diferentemente do PPGA, que acresce vagas para indígenas, o PPGED disponibiliza
vagas especiais, dentro das vagas oferecidas, para indígenas, caso não sejam preenchidas
serão remanejadas para outros candidatos aprovados no processo. O processo também exige
uma comprovação da “condição de indígena”, que deve ser feita por meio de uma declaração
emitida pelo representante da sua comunidade, os indígenas devem cumprir com todas as
etapas do processo, sem diferenciação, com exceção de que concorrem com outros indígenas.
O processo está dividido em quatro fases, as três primeiras eliminatórias com nota de corte
de 7,0 (sete) e a última fase classificatória, são elas: (1) prova escrita; (2) análise do projeto de
pesquisa; (3) entrevista e entrega do currículo lattes comprovado e; (4) análise do currículo
lattes.35

35
Para mais informações consultar o edital do Processo Seletivo, disponível em:
http://www.ppged.com.br/arquivos/File/EDITAL_DO_PROCESSO_SELETIVO_2016_2017_02_09_16uv
.pdf
67

As ações desenvolvidas no âmbito da pós-graduação por enquanto estão atendendo


às demandas indígenas, o aumento do número de vagas no PPGA atende nossas demandas e
leva em consideração o aumento do número de egressos nos cursos de graduação da própria
UFPA. Apesar dos avanços neste programa, é necessário criar ações como essas em outros
programas de pós-graduação, para atender indígenas que pretendem ingressar em outras
áreas, para além da Antropologia, Direito e Educação, ampliando assim o leque de
possibilidades para indígenas que estão se formando em diversas áreas. No PPGD, é
necessário que a pauta das ações afirmativas seja retomada e vagas sejam disponibilizadas
para indígenas novamente. No caso do PPGED, apesar do avanço do programa para inserir aos
indígenas e democratizar este espaço, penso ser necessário a adequação do processo seletivo
para atender as especificidades dos povos indígenas, o modelo do PPGA pode ser utilizado
como referência pois tem atendido de forma adequada as demandas dos povos indígenas.
No contexto do protagonismo dos povos indígenas na luta pela garantia de acesso aos
cursos de graduação da UFPA, é importante considerar a relevância das alianças firmadas pela
APITO com profissionais indígenas e não indígenas, assim como, com instituições e
organizações. A APITO foi criada no ano de 2000 com o objetivo de representar e articular
políticas com diversas comunidades indígenas, contando com sede em Marabá, na região
sudeste do Pará representa os povos Amanaé, Aikewára, Atikun, Guarani, Kyikatêjê, Parkatêjê,
Guajajara e Xikrin, estendendo as ações de apoio a reivindicações e luta por direitos de outros
povos.
As demandas da APITO pela criação de PAA na UFPA geraram vários processos, porém,
foi o Processo nº. 006344/2008,36 que juntou demandas de outros processos que trataram
sobre a inclusão de indígenas na UFPA, contou com diversos documentos que
complementaram a argumentação feita na época, além da solicitação da APITO. Documentos
e resultados de pesquisas elaborados a partir do PAPIT mostraram a pertinência da criação de
um programa que contemple o ingresso de indígenas nos cursos de graduação da Instituição.
Além dos documentos citados acima, um estudo feito pelo Departamento de Apoio
Didático e Científico, assim como a minuta de Resolução que dispôs sobre o processo seletivo
fizeram parte das laudas do processo. Outro documento importante para a conquista é a

36
O processo encontra-se disponível em:
http://www.abant.org.br/conteudo/001DOCUMENTOS/beltrao_parecer_CEG_UFPA.pdf. Acesso em:
23 de mar. de 2014.
68

Recomendação PR/PA/3ª oficio 03/09 encaminhado pelo MPF, na pessoa do procurador


Felício Pontes, para a UFPA, recomendando a criação PAA para povos indígenas que
reservasse vagas em todos os cursos de formação superior da Instituição, assim como, a
criação de licenciaturas interculturais.
Os membros da APITO tiveram participação ativa no processo de discussão e criação
das PAA para povos indígenas na UFPA, ficou registrada principalmente a partir do documento
“Proposta de ação afirmativa da APITO à Universidade Federal do Pará”, escrito por três
lideranças indígenas, Zeca Gavião, Rosani Fernandes e José Carlos Gabriel, entregue a UFPA.
A fala de Kiné Gavião, um dos membros da APITO, reflete bem a importância da Associação
na conquista desse direito, liderança indígena da aldeia Parkatêjê no município de Bom Jesus
do Tocantins é enfático em dizer:

[e]u tentei quatro anos a faculdade, perdendo tempo. Fomos e criamos a associação da APITO
e aí foi colocado, como é que a gente faz pra encaixar o pessoal? Já estava se discutindo em
Brasília, como é que a gente faz pra se encaixar o pessoal lá dentro pra encaixar nosso povo,
pra não ter essa briga, concorrência. Quando eu fiz a quatro anos atrás era 18, 30, 50 por um
[número de candidatos por vaga na UFPA], não tinha condições, imagina filho de papaizinho
tá estudando 24 horas, então essa teve a ideia de criar, pra que a gente tenha esse espaço,
que é o direito indígena como indígena. Então essa foi a ideia de criar, pra que a gente tenha
nosso espaço que é um direito indígena, que é diferenciado. (Kiné Gavião, 2012)

As lideranças Tembé também se destacaram tanto nas discussões com outras


lideranças do estado, quanto no âmbito da própria Universidade, acompanhando as votações
e se fazendo presente em momentos decisivos. Foi na efervescência desse debate sobre AA
para povos indígenas nos cursos de graduação na UFPA que me deparei ao chegar no Pará,
período em que tive a oportunidade de acompanhar essas discussões, tanto na aldeia
Kyikatêjê, escutando as lideranças, quanto na Universidade, acompanhando as reuniões
juntamente com Rosani e Almires, na época discentes da pós-graduação. A proposta de
criação de AA foi pensada pelas lideranças para garantir a possibilidade de ingressar na UFPA
e teve o apoio dos docentes da pós-graduação, a ideia ensejada por eles ao proporem a
criação de vagas para povos indígenas partiu da necessidade de pessoas formadas em
determinadas áreas, consideradas fundamentais para a melhoria das condições nas aldeias.
Na Universidade a APITO contou com o apoio do PAPIT, programa criado em 2007 com
o objetivo de contribuir para formação em nível superior de povos indígenas e populações
tradicionais e vem contribuindo com as discussões relacionadas as políticas de A.A na
69

Instituição. Para conquista das ações afirmativas na UFPA, vários professores se mobilizaram
para auxiliar na estruturação da proposta, da área do Direito destacam-se o prof. Dr. Antonio
Gomes Moreira Maués e o Prof. Dr. José Claudio Monteiro de Brito Filho e na Antropologia,
destaca-se a atuação da Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão, também coordenadora do PAPIT, são
parceiros que não mediram esforços para garantir o ingresso de indígenas nos cursos de
graduação e pós-graduação da UFPA.
A parceria na reivindicação resultou na criação do Processo Seletivo Especial (PSE) para
Povos Indígenas e contou com a reserva de duas vagas em cada curso de graduação em todos
os campi da Instituição, destinadas exclusivamente para povos indígenas, vagas que se
extinguem caso não haja demanda. A política para acesso de povos indígenas na Instituição
foi possível a partir da Resolução nº. 3.869/2009 do Conselho Superior de Ensino Pesquisa e
Extensão (CONSEPE) e teve início no ano de 2010.37 O processo contou com duas fases, a
primeira delas a elaboração de uma redação, inicialmente contando com um tema que
estivesse relacionado a realidade dos povos indígenas e, a segunda fase, uma análise do
histórico escolar.
Nesse ponto é importante destacar a relevância do processo para as demandas dos
povos indígenas, no sentido de que as etapas estabelecidas (redação e entrevista) exigem que
os candidatos conheçam a própria realidade. Como a redação e a entrevista são fases que
exigem o conhecimento relacionado a história do povo, a cultura, entre outros aspectos mais
específicos, os candidatos acabam se interessando ainda mais em aprender sobre as histórias
do seu povo, suas origens, aspectos estes que acabam estimulando a procura pelas lideranças
e contadores de histórias nas aldeias.
A apropriação da própria história e da história do povo são conhecimentos
importantes no espaço da Universidade, pois muitas situações podem surgir que exigem a
preparação do indígena. Para além dos aspectos de convivência com o outro, as aproximações
com as comunidades de origem ou mesmo com outras comunidades indígenas também
podem acontecer a partir da universidade, principalmente no âmbito da realização de
pesquisas para elaboração de trabalhos e para estruturação e elaboração do TCC, despertando
cada vez mais o interesse em conhecer a si mesmo e os problemas enfrentados na base.

37
O terceiro capítulo discute com mais profundidade as nuances relacionadas ao PSE, para povos
indígenas da UFPA a partir das dificuldades enfrentadas pelos candidatos e discentes indígenas.
70

A política que reservou vagas para povos indígenas na UFPA foi criada pensando nas
especificidades, valorizando os conhecimentos tradicionais e a oralidade dos povos indígenas,
portanto, a proposta inicial garantia ao processo um edital próprio, específico, diferente do
edital universal. Um processo estruturado nesses moldes difere significativamente dos
processos seletivos da Universidade, pois foi pensado juntamente com o público que seria
contemplado pelas ações. É uma grande conquista dos povos indígenas e um passo
significativo da Instituição no caminho da inclusão de grupos vulnerabilizados e
historicamente excluídos, ele se constitui em seleção diferenciada regulamentada por edital
específico executado pelo CEPS, juntamente com a Comissão Avaliadora que é designada pela
Pró-Reitoria de Ensino e Graduação (PROEG).
As ações implementadas na UFPA garantem o acesso de povos indígenas oriundos de
diferentes regiões no estado do Pará e do Brasil, a Figura 3, apresentada a seguir indica os
municípios de origem dos indígenas que optaram por realizar os respectivos cursos no campus
da UFPA em Belém, aprovados pelo PSE de 2010 até 2015.

Figura 3 – Mapa dos municípios de origem dos indígenas do campus de Belém, até 2018
71

Os dados usados para construção do mapa tiveram origem no levantamento realizado


com as informações dos indígenas que ingressaram em Belém, principalmente a partir dos
documentos de pertencimento entregues por eles em função da realização do PSE. Um dos
problemas que encontrei para fazer o mapa compreendendo todos os indígenas que estão na
UFPA, incluindo os que estão no interior do estado, foi a falta de informações referentes as
aldeias de origem. Todavia, pensei em elaborar contando com os dados dos indígenas que
ingressaram no campus de Belém e, para tanto, atualizei a planilha com as informações que
busquei nos arquivos do PAPIT, assim como, na minha base de dados.
O mapa indica que 100% dos indígenas que estão em Belém são oriundos de outros
municípios, além é claro, de outros estados. Sendo assim, a figura auxilia a pensar na
necessidade da Universidade criar políticas que contemplem estas especificidades, políticas
que sejam pensadas nestas distâncias e que realmente possibilitem ao indígena uma estada
adequada na Universidade. A figura 4 indica a origem dos discentes indígenas que ingressaram
na UFPA via PAA específicas para povos indígenas nos cursos de graduação e de pós-
graduação.

Origem dos indígenas discentes graduação e pós-


graduação campus de Belém (%)
80
70
70
60
50
40
30
15
20
6 4
10 1 1 1 1
0
PARÁ AMAZONAS AMAPÁ MARANHÃO ALAGOAS MATO SANTA MINAS
GROSSO CATARINA GERAIS

Figura 4 – Gráfico indicando os estados onde se localizam as aldeias de origem dos discentes
indígenas do campus Belém.

Além dos indígenas oriundos do hoje estado do Pará, existem indígenas que
ingressaram na UFPA/Belém, nos cursos de graduação e pós-graduação de outros sete
estados, são eles: Alagoas, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais
e Santa Catarina. Não foi possível identificar a origem de dois indígenas que optaram por fazer
72

o curso de graduação no campus de Belém, os dirigentes da APYEUFPA tentaram estabelecer


contato com estes parentes, mas ainda não foi possível conversar com eles.
Apesar do estado do Pará predominar nas aprovações, é possível identificar que os
números relacionados aos outros estados têm crescido significativamente, principalmente
dos estados do Amazonas e Amapá. O movimento acontece em função da presença de
parentes desses estados na UFPA, que acabam se tornando referências e mediadores entre
seus povos e a Universidade. Além dos trabalhos de acompanhamento e instrução relacionado
aos PSEs, estes indígenas acabam apoiando de forma significativa com a hospedagem,
alimentação, entre outros, proporcionando maior segurança para os parentes saírem dos
estados de origem para se aventurarem no estado do Pará.
Para um pesquisador que deseja realizar o estudo sobre as ações afirmativas para
povos indígenas, na UFPA, os dados relativos de ingresso desses discentes são importantes
para as análises pretendidas, identificar o contingente indígena que está, ou que passou pela
Instituição é fundamental. Ao fazer a verificação da existência de indígenas na UFPA a partir
do CIAC, órgão responsável pelos indicadores acadêmicos, é possível constatar que até o
presente momento muitos indígenas passaram pela Instituição, porém, os dados precisam ser
analisados com muito cuidado, considerando que foram gerados sem considerar critérios de
verificação da pertença previstos em dispositivos legais. Os dados se referem a discentes que
se autodeclararam indígenas ao preencherem as inscrições para o Processo Seletivo Seriado
(PSS) ou pelo Processo Seletivo (PS).38
Na pesquisa realizada por Beltrão, A. Oliveira & L. Oliveira (2009), com discentes
autodeclarados indígenas verificou-se a lógica da “ins/constituição identitária” além da
percepção sobre as AA dos discentes autodeclarados indígenas. Constatou-se que o
pertencimento étnico, que prescinde a garantia de direitos, estava baseado em aspectos
muito variados, que desconsideram as definições oficiais em que o reconhecimento como
indígena perpassa pelo menos por duas dimensões: (1) se reconhecer e; (2) ser reconhecido
pelo povo indígena ao qual diz fazer parte. Os autores observam que a partir das “falas dos
entrevistados, o ser indígena passa a ser reconhecido como representação simbólica”
(Beltrão, A. Oliveira & L. Oliveira, 2009: 35). Como não é possível verificar todas as situações,

38
Utilizarei “Processo Seletivo Universal” para referir os certames realizados que objetivam o
preenchimento da maioria das vagas ofertadas na UFPA, em contraposição ao Processo Seletivo
Especial (PSE) para povos indígenas que oferece vagas para um grupo específico.
73

não podemos descartar, em nenhuma hipótese, o fato de que indígenas ingressaram nos
cursos de graduação da Instituição antes de 2010, porém, para efeito desta pesquisa
concentro as análises nos indígenas que foram aprovados pelo PSE a partir de 2010.
O PSE para povos indígenas também serviu como modelo utilizado por lideranças
quilombolas para criação de ações afirmativas para este público, o que demonstra a seriedade
com que o certame vinha sendo realizado e a necessidade de contemplar outros grupos a
partir de um modelo consagrado. No ano de 2012, os quilombolas garantiram a reserva de
duas vagas em todos os cursos da UFPA, resultado da Resolução nº. 4.309/2012, também
aprovada pelo CONSEPE. (E. Fernandes, Beltrão & Oliveira, 2015) Até presente momento
foram aprovados no PSE para Quilombolas 674 candidatos, destes, 48 em 2013, 106 em 2014,
214 em 2015 e 306 em 2016. A criação de vagas para quilombolas na UFPA demonstra, que o
PSE para povos indígenas é uma referência na própria Instituição, mas não apenas nela, passa
a ser referência também para outras IFES no estado, como a UNIFESSPA e a UFOPA, por
exemplo. Apesar das adequações locais, feitas para atender as exigências de cada Instituição,
o objetivo principal de incluir indígenas na Universidade se mantêm.
No caso da UFOPA, em 2010 ainda sob coordenação e apoio da UFPA, a Instituição
realizou o primeiro PSE para povos indígenas. No final de 2010, início de 2011 a parceria entre
as duas instituições ainda foi mantida para realização do PSE e, finalmente em 2011 a UFOPA
assume o processo seletivo e o realiza de forma independente da UFPA. A aprovação dos
candidatos no processo seletivo da Instituição não efetiva o ingresso no curso pretendido, mas
sim no programa que a Instituição chamou de “formação interdisciplinar”, a formação
interdisciplinar é o período no qual todos os candidatos são obrigados a cumprir disciplinas
consideradas comuns para todos os cursos, o rendimento do discente nesta etapa determina
quais cursos que poderia optar, para acessar os cursos mais concorridos o candidato deveria
ter um ótimo rendimento.
Uma das críticas ao processo apontada pelos discentes indígenas durante a conversa
com os membros do DAIN,39 foi a forma como estava ocorrendo o ingresso nos cursos até o
ano de 2013, pois a alta concorrência com não indígenas acabava dificultando o ingresso de
indígenas nos cursos mais concorridos na Instituição. Sendo assim, apesar da disponibilidade

39
A conversa foi realizada durante a viagem de pesquisa ao município de Santarém na UFOPA e
aconteceu no período de 08 e 14 de novembro de 2015.
74

das vagas, o acesso aos cursos de maior prestígio ficava dificultado pela concorrência elevada.
A partir de 2013, depois de diversas reivindicações dos indígenas discentes, foi garantido uma
porcentagem das vagas em cada curso da Instituição para os povos indígenas, ou seja, a
concorrência passou a acontecer entre os próprios indígenas.
Em Santarém, o período que antecede ao lançamento do edital para povos indígenas,
é realizado um seminário envolvendo representantes da Universidade e do movimento
indígena, o seminário é um espaço reservado para o estabelecimento de diálogos entre a
Instituição e as comunidades indígenas da região, nos seminários são discutidos os critérios
adotados no processo seletivo, as etapas a serem cumpridas pelos candidatos, além de
aspectos relacionados a própria permanência.
A UNIFESSPA, por sua vez, contou com o apoio do CEPS da UFPA nos PSEs de 2014 e
2015, passando a executar de forma autônoma a partir de 2016. No PSE de 2014, a Instituição
elaborou um edital para o provimento de vagas para indígenas, quilombolas e o Curso de
Educação do Campo, no qual previu a reserva de duas vagas em cada curso para indígenas,
totalizando 58 vagas ofertadas, o processo foi executado em três fases, sejam elas: (1) prova
Objetiva; (2) redação em Língua Portuguesa e; (3) entrevista Pessoal com análise da
declaração de pertencimento e histórico escolar. Para o PSE de 2015, algumas mudanças
aconteceram, o processo passou a contemplar apenas indígenas e quilombolas e realizado em
termos muito parecidos com os PSEs da UFPA, com duas fases: (1) prova de redação em língua
portuguesa e; (2) entrevista individual com análise do Histórico escolar, da declaração de
pertencimento da comunidade e autodeclaração étnica, apresentada no caso de o indígena
ser desaldeado. O último edital publicado pela Instituição trata do PSE 2016, que traz como
novidade a execução de todo o processo pela própria UNIFESSPA. Em relação a documentação
exigida, apresenta outra novidade, a possibilidade de entregar uma declaração de conclusão
do ensino médio no lugar do histórico escolar de ensino fundamental e médio.
Como podemos observar apesar das instituições tomarem o PSE da UFPA como
referência, diversas adequações foram realizadas, algumas para melhor e outras nem tanto.
A estruturação do processo depende muito de cada gestão, a sensibilidade dos gestores para
as especificidades dos povos indígenas é significativa para nossas reivindicações sejam
atendidas. Por outro lado, é possível observar a movimentação indígena e as reivindicações
para produzir alterações no processo que atendam nossas diferenças, na contramão do que
vem sendo pensado na Instituição. No caso de Santarém, as articulações dos indígenas tanto
75

no âmbito da Universidade quanto fora dela, tiveram como resultado a adequação do


processo e a criação de percentuais das vagas específicos para indígenas, tornando a
concorrência mais justa. No caso da UNIFESSPA, a inserção de uma prova objetiva causou
muito estranhamento entre os povos indígenas da região, que se mobilizaram e conseguiram
adequar o edital às especificidades dos povos indígenas.
Dentro de cada uma dessas instituições, também contamos com parceiros que
abraçam nossas demandas e defendem nossos direitos nos Conselhos Superiores, garantindo
que nossas reivindicações sejam atendidas. São mobilizações e parcerias que garantem o
acesso de forma realmente diferenciada, que constroem um entendimento e sensibilização
em relação ao outro. São estas experiências que nos ensinam a não mais nadar contra a
correnteza, mas a favor dela, utilizando dos próprios recursos do “grande rio” para chegar
onde queremos gastando menos energia possível.
É importante mencionar a participação de não indígenas que atuam na esfera das
próprias universidades como interlocutores entre as demandas sociais, traduzindo as
reivindicações e sensibilizando o corpo universitário para o atendimento destas lutas. São
procurados pelas lideranças por desenvolverem trabalhos com estes grupos e por
demonstrarem comprometimento político e abertura para dialogar com a diversidade. A
própria criação das PAA são reflexo desse comprometimento, são pessoas que acabam
tomando as lutas indígenas como suas, inserindo a pauta nas discussões dos colegiados,
fazendo articulações, convencimentos para que o multiculturalismo se torne uma realidade
nestes espaços.
São parceiros com posicionamentos que vão ao encontro do que requerido no
movimento indígena, com frequência o apoio destes profissionais é solicitado, pois as muitas
demandas por direitos requerem, mais do que nunca, o apoio de profissionais que estejam
dispostos a “pegar no arco e flecha” e somar aos povos indígenas nas diversas batalhas. São
lutas contínuas e intermináveis, considerando que nossos direitos são constantemente
ameaçados, esses personagens destacam-se pela atuação incansável em diversos espaços na
universidade e fora dela, tem realizado trabalhos sérios e conquistado lugar de respeito e
prestígio em meio ao movimento indígena do estado.
Na UFPA, por exemplo, é possível identificar estas pessoas com facilidade, muitas
vezes são referidas por colegas docentes e técnicos como os principais responsáveis pela
garantia do ingresso destes grupos na Instituição, tornando-se referenciais em discussões
76

relacionadas ao tema. Não são poucas as vezes que são chamadas de “pais e mães dos índios”,
pessoas que são cobradas tanto pelo movimento indígena, quanto pela própria Universidade,
que por se eximir de muitas responsabilidades acaba acionando estes indivíduos em diversos
momentos.
De maneira geral, as conquistas dos povos indígenas podem ser atribuídas também ao
empenho destes profissionais comprometidos, com destaque significativo para os
antropólogos, Luciano (2008), em trabalho apresentado a Associação Brasileira de
Antropologia (ABA), nos indica que os antropólogos se confundem com as “vozes indígenas”
no que se refere a implementação e orientação dos modos em que as relações entre os povos
indígenas e o Estado são estabelecidas, afirma ainda que a Antropologia tem uma
“responsabilidade” que pode ser considerada histórica com o indigenismo no Brasil,
contestando as situações de dominação e fazendo novas proposições para esta relação entre
“índios e brancos”. Neste sentido, o autor nos informa que:

[n]o campo maior do movimento indígena político, espaço por excelência de conflitos sócio-
políticos, a antropologia parece continuar mais presente e com papel relevante produzindo
subsídios argumentativos e materiais para fundamentar a luta indígena, mesmo quando
percebemos o uso ideológico da bagagem disciplinar, como o que presenciamos no órgão
indigenista. (Luciano, 2008: 5)

Estas relações demonstram o quanto os antropólogos e os instrumentos utilizados pela


Antropologia são importantes para as conquistas dos povos indígenas reforçando a
necessidade de que esta parceria se fortaleça. Quando trata das contribuições de
antropólogos, Beltrão (2007) nos mostra as possibilidades que antropólogos têm de se
tornarem “aliados ou opositores” nas lutas, defende que o lugar do antropólogo é importante
para a colaboração com os interessados, como o trabalho desenvolvido pela autora discute
ações afirmativas, afirma que a atuação do antropólogo seria um exercício de “cocidadania”,
uma tarefa árdua que demanda habilidade política para produzir o que ela chama de um
“cessar fogo”. A autora demonstra que:

[a]o aceitar o desafio de percorrer o campo minado, o antropólogo se debate com “questões
impertinentes” às quais estaria habilitado a responder, mas a demanda não requer resposta
que facilmente se inscreve em texto após algum estudo, requer experiência e habilidade
política, que não se aprende nos bancos da escola. A demanda vem acompanhada de
perguntas que colocam sob suspeição o poder de argumentação do antropólogo. Quando
refiro que o campo é minado, não estou me voltando contra algo ou alguém, falo da polêmica
que o assunto suscita, como se minas explodissem em turbilhão! (Beltrão, 2007: 30)
77

Os trabalhos desenvolvidos a partir por antropólogos são fundamentais para as


conquistas alcançadas, a “experiência e habilidade política” realmente não se aprende na
escola, se aprendem com a vivência, com a participação sendo construções árduas na grande
maioria das vezes, pois prescindem de comprometimento e dedicação, requisitos cruciais para
auxiliar na estruturação e organização em torno de lutas por direitos. Na UFPA, ao falar em
política afirmativa para povos indígenas remete a pensar nas articulações de algumas pessoas
para que passos sejam dados em uma longa caminhada rumo a inclusão social e ao
reconhecimento da diversidade no estado do Pará.
Como resultado de toda essa articulação, em 2009, cria-se o Curso de Licenciatura e
Bacharelado em Etnodesenvolvimento, primeiro curso criado especificamente para povos
indígenas e populações tradicionais no estado do Pará. Teve início efetivo em 2010 com o
ingresso da primeira turma, ele funciona no campus da UFPA em Altamira, região sudoeste do
Estado. Até o presente momento quatro turmas foram criadas (2010, 2013, 2015 e 2016),
contando com o ingresso de 195 discentes, neste ano de 2016 o curso passou a ser ofertado
também no município de Soure no Marajó e contou com a classificação de 45 candidatos,
pertencentes a povos indígenas e populações tradicionais. A criação em Soure ocorreu muito
em função da demanda das populações daquela região, que compõe diversas pertenças e
encontravam muitas dificuldades para se deslocarem ao município de Altamira.
A proposta do Curso foi construída com a participação de muitas pessoas, com
contribuições relacionadas a suas áreas de atuação, sendo fundamentais nas discussões
realizadas e na elaboração dos materiais que seriam utilizados, dentre estes indivíduos
também fizeram parte alguns indígenas que desenvolveram algumas “tarefas” para
estruturação da proposta. Francilene de Aguiar Parente (2016), que desenvolveu sua tese de
doutorado tomando como ponto de partida a própria atuação como professora no Curso de
Etnodesenvolvimento, nos mostra que a construção do curso mobilizou pessoas de diversos
campi da UFPA juntamente com os próprios interessados, os povos indígenas e populações
tradicionais.
Minha relação com o Curso é de longa data, pois contribuí para as pesquisas
bibliográficas para sua criação em 2009, também fiz parte de bancas de avaliação nas quais
tive a oportunidade de conversar com os candidatos as vagas oferecidas pelo curso. Além das
intervenções para criação e as ações relacionadas ao acesso, também participei de eventos
no campus de Altamira, nos quais ministrei cursos e palestras.
78

O curso foi estruturado compreendendo a necessidade da atuação dos discentes nas


próprias comunidades, conciliando a formação superior com as experiências práticas e a
realidade vivida nas comunidades. Portando a metodologia adotada foi a pedagogia da
alternância, conforme nos indica Parente, este método:

... tem sido um dos principais aportes teóricos, metodológicos e práticos para o
desenvolvimento de atividades na universidade e nas comunidades, na medida em que
possibilita mudanças de postura no diálogo entre os conhecimentos da universidade e os
saberes das comunidades, representadas pelas pessoas que acessaram a política afirmativa,
com vistas à construção de conhecimentos que venham a contribuir na luta dos povos
indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais ... (2016: 35)

O curso também se diferencia de outros específicos por proporcionar o diálogo entre


atores sociais de diversas pertenças, por congregar na mesma turma pessoas indígenas,
quilombolas, pescadores, agricultores familiares, extrativistas, representantes do movimento
negro e do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB). Indivíduos com formações
diversas, com trajetórias de lutas consolidadas e anos de atuação militante fazem parte do
quadro discente.
Os discentes são muito exigentes quanto à postura dos docentes, pois ao sinal de
qualquer problema se mobilizam enquanto grupo para reivindicar mudanças. Tal postura
também pode ser observada nas mobilizações em torno das lutas comuns aos grupos, como
as demandas relacionadas a permanência, por exemplo, quando se reúnem para fazer
protestos e reivindicar direitos na Universidade e outros órgãos. Portanto, apesar das muitas
diferenças que existem, conseguem encontrar um ponto de equilíbrio para solução de
problemas, pois encaram as dificuldades enfrentadas, na maioria das vezes de forma
coletiva.40

De avanços a dificuldades: mudanças necessárias na postura da universidade

Como é possível observar, o percurso das lutas por ações afirmativas para povos
indígenas no estado do Pará é marcado pelo protagonismo, desde as proposições para as IFES
até as discussões para ajustes e adequações dos modelos existentes, esta participação tem se
tornado marca dos povos indígenas resultando em diversas conquistas, reflete o

40
As discussões dos problemas diversas situações enfrentadas por eles, no que se refere ao acesso e
permanência serão abordados nos capítulos terceiro e quarto respectivamente.
79

comprometimento do movimento indígena na luta para mudanças necessárias à inclusão


social. São lutas que requerem muita persistência para o enfrentamento em relações que se
estruturam de forma assimétrica.
As PAA específicas para povos indígenas, pensadas a partir das propostas dos
movimentos indígenas se mantêm a duras penas, o grande problema é que precisamos criar
nossos espaços, pois na maioria das vezes nossa forma de pensar e de se posicionar não tem
sido considerada na universidade. Com frequência nos deparamos com posicionamentos
irredutíveis e etnocêntricos que acabam atrapalhando o avanço das discussões,
preponderando durante as tomadas de decisões, à revelia dos anseios dos nossos povos.
São relações de poder que se mantêm historicamente e acabam não permitindo
diálogos igualitários numa estrutura que hierarquiza o conhecimento desvalorizando outras
formas de compreender o mundo. A colonização acaba assumindo outras faces, apresentando
novas características, com novos agentes colonizadores e em novos espaços. Apesar dos
avanços significativos da Universidade rumo a inclusão social, muito ainda precisa ser feito
para que esta realidade seja transformada e as AA tenham resultados satisfatórios, a começar
pela inclusão política de sujeitos etnicamente diferenciados, que considerem as diferentes
reivindicações como orientações para melhor estruturação das políticas afirmativas. (E.
Fernandes, Beltrão & Oliveira, 2015)
Na UFPA, apesar da criação de alternativas para o ingresso, muitos problemas
persistem e a cada ano acabam “ressuscitando”, instigando mobilizações e articulações
indígenas na tentativa de solucioná-los. Infelizmente a universidade ainda se constitui num
campo de incertezas, em que diferenças tendem a ser homogeneizadas, massacradas para
facilitar a implantação das políticas de acesso e assistência. O que se observa é a tentativa de
transformar os diferentes em iguais, grupos distintos para um único corpo, o “corpo discente”.
Infelizmente as metodologias utilizadas na universidade tendem a trilhar os caminhos mais
fáceis, mais rápidos e mais baratos, nesta linha de pensamento, quanto menos diferenças,
melhores são as condições para implantação destas políticas. Mesmo após nove anos de
presença indígena, a UFPA ainda não está preparada para nos receber de forma digna.
No relato de Rodrigo Ederehe Karajá,41 pertencente à etnia Karajá do estado do
Tocantins, graduando do curso de Bacharelado em Administração na UFPA, é possível

41
Rodrigo Ederehe Karajá, realizada no dia 14.08.2013.
80

identificar as situações que enfrentadas para chegar à Universidade em 2010, relatando as


primeiras dificuldades relacionadas ao ingresso no ensino superior e, tratando
especificamente dos percalços que teve para se inserir na UFPA, faz relações com outras
realidades para se expressar:

[f]azendo uma comparação com meu povo que é do Tocantins, que antes já tinha lá no
Tocantins, eu sabia mas o curso que eu queria era só em Palmas e aí era muito longe pra mim,
tinha família já, tinha minha esposa e meus filhos já, aí era muito distante pra mim fazer, tinha
em Araguaína, só que não era os curso que eu me identificava né? Aí eu vi por esse lado as
dificuldade de entra na UFPA aqui né? porque não tinha sistema de cota pra índio né? No
Tocantins já tinha, só que era difícil pra mim ir pra lá, era muito longe, aí pra deixar a família.
(Rodrigo Karajá, 2013)

Rodrigo pertence à etnia Karajá, reside atualmente com o povo Kyikatêjê, no município
de Bom Jesus do Tocantins, é casado com uma parente Kyikatêjê e tem duas filhas, ingressou
na UFPA em 2010 com 25 anos. Rodrigo fez relatos sobre as dificuldades enfrentadas na
Universidade, o distanciamento da família, os problemas com o processo seletivo, a
organização indígena na UFPA, a participação indígena na criação do PSE, entre diversos
outros assuntos que considerou relevantes na época.
A comparação da UFPA com a Universidade Federal do Tocantins (UFT) é feita pelo
indígena para demonstrar os percalços que teve ao tentar ingressar em uma universidade
pública que não oferecia ações afirmativas específicas para povos indígenas, ao mesmo tempo
que faz a comparação, demonstra as impossibilidades de voltar para Tocantins para cursar na
UFT em decorrência da distância e da necessidade de ficar próximo da família. Em 2008, as
discussões sobre a criação de uma política específica para o ingresso nos cursos de graduação
da UFPA ainda estavam começando, apesar das demandas apresentadas lideranças indígenas
do estado do Pará antes disso, somente em 2009 se consolidam com a criação do PSE para
povos indígenas. Neste período, Rodrigo se aventurava no vestibular da UFPA, concorrendo
com não-indígenas, tentativa frustrada com a não aprovação. No relato do parente, as
dificuldades estão presentes e criam obstáculos que impedem o ingresso no ensino superior.
Os problemas para alcançar a universidade podem se tornar gigantescos dependendo
do apoio recebido, deixar o convívio em coletividade nas aldeias, na maioria dos casos a
família e filhos para enfrentar uma luta solitária, em lugares desconhecidos requer muita força
de vontade e sacrifício, Rodrigo em seu relato de experiência denuncia as inúmeras
dificuldades enfrentadas, para o discente, elas iniciam com o distanciamento da família e
81

aldeia e a própria adaptação em Belém, acabam sendo multiplicadas pelo descaso da


Universidade em diversos aspectos relacionados tanto ao acesso, quanto à permanência. Em
artigo escrito juntamente com Beltrão e Oliveira em 2015, refletimos sobre a necessidade da
valorização das diferenças na Universidade, indicamos que:

[a] construção de uma política étnica no campo acadêmico-administrativo da universidade


exige a internalização de preceitos básicos dos direitos étnicos de povos e comunidades
tradicionais, como o direito à autonomia e à participação. No caso da autonomia, reforça-se a
importância da auto-organização dos estudantes para tencionarem o reconhecimento
identitário como fator de reordenação da estrutura universitária, assim como a primazia das
lideranças e organizações representativas na promoção de ações sociais que exigem inovações
ou correções institucionais para melhor acolher seus membros na universidade. (E. Fernandes,
Beltrão & Oliveira, 2015: 276)

Internalizar os preceitos básicos de nossos direitos étnicos requer um esforço


significativo da Universidade, a começar por criar condições para que a autonomia e
participação sejam realmente direitos assegurados, condição necessária para que sejamos
agentes de mudança, pois estamos em um novo ambiente e fazemos parte do processo de
melhoria que a Universidade está passando, são nossas iniciativas e cobranças que irão
garantir o sucesso das políticas afirmativas, daí a importância do fortalecimento da nossas
formas de organização, de conceber o “discente” como um agente político envolto em
relações de poder no cotidiano universitário e o “ser indígena na universidade” enquanto
possibilidade de promover movimentações que fortaleçam as reivindicações por políticas
educacionais adequadas e a valorização da etnicidade nos espaços político-acadêmicos
universitários.
82

3. Dos percalços do ensino superior às (im)possibilidades de percurso

O ingresso em instituições públicas de ensino superior tem sido demanda frequente


dos povos indígenas, a última década foi marcada pelo crescimento do número de discentes
etnicamente diferenciados nestes espaços e foi significativa para a ampliação das discussões
relacionadas as políticas de acesso, porém, as cotas são insuficientes se pensadas
desvinculadas de ações mais concretas, existe a necessidade de discutir de forma mais ampla
as estruturas universitárias, criando espaços de apoio e interlocução levando sempre em
consideração as diferenças étnicas. Sobre esse aspecto, Souza Lima e Barroso Hoffmann
(2013) verificaram que muitas práticas das universidades relacionadas às políticas de acesso
acabam perpetuando tratamento tutelar, com exigências que não levam em consideração as
diferenças culturais e especificidades dos povos indígenas, para eles, "mais que criar cotas é
importante criar uma política de interiorização das universidades orientada para perceber e
dialogar com a realidade dos povos indígenas." (Souza Lima & Barroso Hoffmann, 2013: 71)
Embora as universidades tenham adotado as ações afirmativas para povos indígenas,
as especificidades com frequência não são consideradas, as políticas de acesso e permanência
tendem a seguir diretrizes universalistas e generalizantes, as quais se traduzem em
dificuldades, que por sua vez requerem discussões detidas para criação de políticas que
realmente levem em consideração os projetos coletivos dos povos indígenas, proposta
possível mediante a participação dos grupos interessados.
Marcos Moreira Paulino (2013) fala sobre a necessidade de capacitar os quadros
universitários para que compreendam quem são os indígenas no Brasil, esta seria a ação
fundamental para superar as discriminações sofridas e as exclusões do ensino superior,
garantindo direitos a povos que sempre estiveram à margem na sociedade brasileira. Nesta
mesma linha, Renata de Gérard Bondin (2013) destaca que é necessário pensar em uma
educação superior indígena pautada em políticas públicas estruturadas que garantam e
promovam condições programáticas, políticas orçamentárias para atender de forma
adequada e comprometida com os valores e necessidades dos povos indígenas, levando em
consideração especificidades de cada povo.
O presente capítulo tem como centralidade a problematização das dificuldades
enfrentadas pelos indígenas que optam pela continuidade dos estudos ingressando na UFPA,
a categoria dificuldade foi identificada como discurso recorrente nas narrativas feitas pelos
83

parentes, precedendo o ingresso, ocorrendo durante o processo de seleção e perpassando


pelo período da formação acadêmica, também acompanham os discentes após a conclusão,
assumindo novas características em cada uma dessas fases.
A importância da problematização desta categoria foi indicada à época pelo então
doutorando Rhuan Carlos dos Santos Lopes,42 durante minha pré-qualificação, momento em
que apresentei a estrutura da tese para o grupo de pesquisa Cidade, Aldeia & Patrimônio. A
categoria também recebeu atenção especial na disciplina Antropologia & História: análise de
discursos e imagens, ministrada pela Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão, na qual tive uma de
minhas conversas com finalidade analisadas durante uma das sessões, momento muito rico
para a problematização da categoria. Tornando-se crucial para percepção da necessidade de
discutir os pormenores da categoria a partir da análise de discurso, indicando quais são formas
que se apresentam nas narrativas.
Pensando assim, seleciono narrativas produzidas por discentes indígenas como base
para a construção da argumentação para demonstrar como as dificuldades se manifestam a
partir de categorias êmicas, apresentando-se em diversos momentos da trajetória estudantil
e agravando-se ainda mais quando não existe preocupação em adequar as estruturas das IES
para receber a diversidade, o que gera, por sua vez, quadros preocupantes de exclusão,
discriminação e marginalização dentro da academia.
A categoria dificuldade vinha sendo utilizada sem a devida problematização, ela
aparece com muita frequência nos textos produzidos por mim, como na trajetória, por
exemplo, na qual faço indicações das que enfrentei para o ingresso no ensino superior. 43 Ela
também está presente nas narrativas feitas pelos parentes com quem mantive diálogo, os
quais relatam problemas que se materializam em diversos momentos.
Em alguns trechos dos depoimentos a palavra “dificuldade” não aparece, porém, pode
ser identificada pela forma como o depoimento foi estruturado, as categorias êmicas
utilizadas pelos discentes estão diretamente relacionadas, manifestando-se a partir de

42
Hoje, Rhuan Carlos dos Santos Lopes é docente da Universidade de Integração Internacional Luso
Afro-Brasileira (UNILAB).
43
O texto mais recente sobre a minha trajetória foi publicado na Revista Espaço Ameríndio, nele
apresento as dificuldades enfrentadas no percurso estudantil, além da atuação política no movimento
indígena estudantil no âmbito da UFPA, percurso importante para inserção no movimento indígena no
estado do Pará. O texto está disponível em:
http://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/64783/37894 Acesso em: 16 de jul. de
2016.
84

problemas, obstáculos, inconvenientes, impedimentos, confusões, atrapalhos, bloqueios,


entre tantas outras formas que podem atrasar ou interromper a trajetória estudantil.
As dificuldades podem se manifestar de forma muito heterogênea, elas podem
resultar de problemas relacionados ao próprio indivíduo, assim como, ao ambiente no qual
está inserido, são obstáculos criados ou mantidos. Elas podem ser identificadas nos elementos
que não estão presentes nos depoimentos, expressadas pelos não ditos, portanto,
compreender o contexto em que estão inseridas estas narrativas é imprescindível para esta
tarefa, neste caso, os “elementos ocultos” podem estar relacionados à pertença étnica, às
diferenças culturais, à localização geográfica do povo de origem destes discentes e, tantos
outros, que acabam direcionando as trajetórias, definindo também a forma como se moldam
as relações sociais para o enfrentamento.
É importante ressaltar que, apesar das discussões que envolveram a categoria, as
análises aqui apresentadas partem da tentativa de compreender de forma adequada a
realidade dos interlocutores, além de estarem direcionadas aos objetivos propostos pela tese,
também estão vinculadas a um “olhar”, com conclusões que consideram também minha
própria pertença étnica, a presença na Universidade e atuação política com os discentes
indígenas por um período de dez anos na UFPA. Reconheço que muitas outras análises podem
ser realizadas a partir dos depoimentos aqui apresentados, que dependem de cada
pesquisador, suas vinculações, os objetivos a serem alcançados, entre tantos outros.
No âmbito da academia, as dificuldades apresentadas pelos discentes indígenas,
podem resultar em enfrentamento ou esmorecimento. A primeira, envolve iniciativas e
elaboração de estratégias que podem ser pensadas de forma individual ou mesmo coletiva,
tendo como base a perspectiva de continuação na academia, esta perspectiva pode envolver
o povo indígena no qual o indivíduo pertence, à família, à comunidade universitária, entre
outros, que se mobilizam para superar os problemas.
Na segunda forma, indica que as dificuldades tomam outras proporções, se
estabelecendo como impedimento para a continuação dos estudos e alcance dos objetivos,
também pode ser encarada de forma coletiva, como uma decisão comunitária ou familiar, por
exemplo, em que as diversas opções são analisadas para determinar o futuro do discente,
neste caso, a decisão de retornar a aldeia não significa que as dificuldades neutralizaram o
indígena, pois não deixam de ser protagonistas ao fazer a escolha que consideram mais
adequada para aquele momento.
85

Antes das ações afirmativas especificas para povos indígenas na UFPA, ingressar na
Instituição ainda era uma realidade muito distante para indígenas, poucos se aventuravam
tentar o vestibular. Ao analisar os depoimentos dos indígenas que ingressaram no ensino
superior, é possível identificar as diversas reações diante destas dificuldades. No depoimento
de Rodrigo Ederehe Karajá o acesso ao ensino superior fazia parte dos planos, o problema é
que antes do PSE, ingressar na Instituição não era algo frequente para os povos indígenas.
Depois do ingresso por meio de ações afirmativas e de acompanhar a entrada de parentes
durante três anos na UFPA, observa que o “sistema de cotas”44 foi fundamental para
superação da barreira que impedia o ingresso.
No depoimento de Rodrigo Ederehe Karajá é possível verificar as inúmeras dificuldades
que precedem o ingresso, apresentando-se de diferentes formas para cada indígena, elas
aparecem também na escolha do curso:

[p]rimeiro eu me decidi nesse né [Administração], mas ficou distante assim pra mim, aí eu
escolhi o curso que era Educação Física, mas também não tinha em Marabá, aí ficou difícil
também pra mim, aí eu tive que escolher mesmo, tive que decidi mesmo a minha vida, tinha
que deixar minha família, aí acabei decidindo, que a gente tem que passar por dificuldade
mesmo pra gente conseguir as coisa né, foi desse modo que eu pensei e decidi, fazer
Administração em Belém, mas se fosse Educação Física eu não tinha vindo não pra Belém,
tinha feito algum outro curso em Marabá, teve um que me interessou, mas agora eu esqueci
o nome, acho que é Agronomia, se caso não desse certo aqui em Belém, ia escolher o curso
em Marabá mesmo, mas acabei escolhendo vir pra Belém mesmo, fazer o que eu gosto,
porque muitas pessoas, tenho amigos assim, até parentes mesmo que fizeram um curso que
não gostavam e se arrependeram de fazer por que não se identificava com ele. (Rodrigo Karajá,
2013)45

O relato do parente é emblemático por mostrar como o indivíduo pode encontrar


obstáculos na hora de escolher a profissão, para ele tais complicações se apresentaram tanto
a partir da escolha do curso quando da localização da universidade. No quadro 5 elenco as
principais dificuldades enfrentadas por Rodrigo Karajá, elas estão relacionadas principalmente
ao acesso e a permanência na UFPA.

44
O sistema de reserva de vagas é chamado pelo público em geral como “sistema de cotas”.
45
Realizada em 14.08.2013.
86

Quadro 5 – Categorias êmicas de dificuldades enfrentadas por Rodrigo Karajá


Categoria que representa Causas/Razões da
Etapa Consequências Enfrentamento
a dificuldade dificuldade
Falta de PAA para
"Prestei o vestibular uma indígenas na UFPA. Atraso no ingresso.
Ingressou pelo PSE.
vez e não passei". Sem PAA ocorre uma Gastos com o PSS.
elevada Concorrência.
Solicitação de apoio da
Problemas para acessar Dificuldades com a escola.
"Na época não tinha
a internet. inscrição do PSE. Acionou professores
internet na aldeia e nem
Pouca habilidade com Deslocamentos para a para auxiliar.
sabia como usar".
computadores. cidade. Participação de reuniões
e formações.
Acesso à UFPA
Dificuldades para
Falta de informações. Buscou informações
"Tive mesmo que decidir escolher.
Variedade de cursos. sobre cursos oferecidos.
o curso". Escolha provoca
Localização do campus. Enfrentou as distâncias.
distanciamento.
Necessidade de suprir as Apoio da comunidade e
deficiências com a escola.
Pouca habilidade com a
"A redação foi mais difícil formação. Concentrou esforços na
escrita.
que a entrevista". Demora para fazer a redação.
Língua materna Karajá.
redação no PSE. Cursos de redação
Falta de segurança. oferecidos na escola.
Afastamento da família e Voltava com frequência
comunidade. para casa.
Curso escolhido em
Desânimo. Procurou se envolver
Belém.
Deslocamentos com outras atividades e
"Difícil foi a decisão que Falta de condições para
Permanência frequentes entre Belém estudo.
tomei de deixar minha manter a família em
na UFPA e Marabá. Fez amizades com
família a vir pra Belém" Belém.
Perdia aulas para ficar colegas de turma.
Problemas com a
com a família. Recebeu apoio de
adaptação.
Custos elevados com outros indígenas e da
transporte. APYEUFPA.

Ouvir os indígenas permite identificar as decisões tomadas no percurso, adotando


como referência os problemas existentes, as discriminações sofridas, as (im)possibilidades de
continuação e, principalmente, as diferentes estratégias elaboradas e protagonizadas para o
enfrentamento das dificuldades. Nesta perspectiva, o protagonismo é tomado como principal
estratégia de superação, pois a medida em que os percalços vão sendo identificados, as
possíveis soluções para superação também são buscadas individualmente e coletivamente.
Neste sentido, o quadro 5, além de indicar as dificuldades enfrentadas pelo discente para o
acesso, procura apresentar as causas, as consequências e as ações que foram determinantes
para o enfrentamento.
No que se refere ao acesso à UFPA e a escolha do curso, para o indígena a dúvida se
traduz em dificuldade na medida em que as informações necessárias para a escolha não são
disponibilizadas de forma apropriada, neste caso a dúvida ficou entre Administração e
Educação Física, cursos distintos e que levam a direções diferentes. A primeira opção para
Rodrigo é Administração, pois além de atender aos anseios do candidato, estaria relacionada
87

à falta de profissionais na aldeia para administrar as organizações indígenas formais. A


segunda opção, Educação Física, vai ao encontro das necessidades existentes na escola e está
relacionada ao envolvimento de Rodrigo nas atividades esportivas na aldeia.
As duas opções compõem áreas em que profissionais indígenas são importantes na
aldeia Kyikatêjê, na época da escolha, contavam com a Associação Indígena Kyikatêjê Amtati
como entidade representativa, porém, no início da década passada, a comunidade enfrentou
sérios problemas com não indígenas administrando os recursos repassados pela Companhia
Vale do Rio Doce (CVRD).46 De acordo com R. Fernandes (2010), a Organização Não-
Governamental (ONG) Extensão Amazônica não estava preparada para atuar com os
Kyikatêjê, interferindo na organização social e causando sérios desentendimentos entre as
lideranças indígenas. De acordo com a autora:

[n]o início de 2004, as lideranças Kyikatêjê então reassumem a administração da associação e


transferem a sede da mesma do município de Marabá para o interior da aldeia, apostando
agora na qualificação dos próprios Kyikatêjê e de profissionais indígenas de outras etnias para
o gerenciamento das atividades. (R. Fernandes, 2010: 13)

A contratação de profissionais indígenas com qualificação para determinadas áreas


tem sido prioridade para os povos indígenas, resultado da valorização e necessidade de
empoderamento das comunidades, segundo R. Fernandes (2010), as primeiras ações da
Associação Kyikatêjê ao retomar o controle sobre os recursos, foi a contratação de
profissionais indígenas, com experiência, nas diversas áreas (saúde, educação, gestão do
território e de projetos sustentáveis).
Apesar da afinidade com os dois cursos, a escolha do curso de Administração é
determinante para Rodrigo, pois Educação Física não era oferecida no campus de Marabá,
entre as duas opções, em Belém, decidiria pela primeira. Outro fator que condicionou a
escolha foi o local onde o curso era oferecido, Marabá fica a uma distância de
aproximadamente 25 km da aldeia, enquanto Belém está situada a aproximadamente 800 km,
como podemos observar optaria por Educação Física, sua segunda opção, caso o curso fosse
oferecido no município de Marabá.

46
Os recursos são oriundos dos impactos sofridos pelo povo com a passagem da estrada de ferro na
Reserva Indígena Mãe Maria (RIMM). A estrada de ferro é utilizada pela CVRD para escoar a produção
de minério da Serra de Carajás, causando sérios impactos para os povos daquela região (R. Fernandes
2010).
88

Neste caso, as opções foram analisadas pelo indígena e a reflexão a partir de inúmeras
variantes foi necessária para que a melhor decisão fosse tomada por ele, neste sentido,
dificuldade não significou a impossibilidade da escolha, não significou a estagnação ou a
desistência, muito pelo contrário, exigiu do candidato a iniciativa da análise, de “colocar na
balança” os interesses próprios, familiares e comunitários para que a escolha fosse realizada
de forma coerente.
O ingresso no ensino superior abre a expectativa de escolha e cria dúvidas diante de
tantas possibilidades, para definir a melhor opção faz-se necessário acessar informações
básicas acerca do curso desejado. Sobre as dificuldades para o ingresso em IES, faço referência
ao caso do parente Izaque Txekewe Erayhe, pertencente ao povo Hexkaryana, aldeia Kassawa
na Terra Indígena Nhamundá Mapuera,47 no estado do Amazonas. A narrativa de Izaque é
expressiva por apresentar a persistência e determinação. No trecho selecionado fica evidente
a afirmativa,

[a]í eu comecei a fazer vestibular, o primeiro vestibular que fez foi em Feira de Santana na
Bahia, eu tentei primeiro pra odontologia, tentei odontologia, aí não passei e voltei pra Minas
Gerais, aí lá tentei duas vezes, só que já mudei, lá na UFMG, tentei duas vezes pra medicina,
uma vez eu tentei pra, ano passado, tentei na UnB, pra medicina também, na UFSCar tentei
também em São Carlos, sempre medicina. Vestibular geral foi lá em Feira de Santana, só que
tinha igual cota indígena né, só que o vestibular, a prova é junto com os não indígena, a prova
é igual a prova do não indígena mesmo, normal. Eu não passei porque tinha muitos
concorrentes também, parentes também, maioria estuda lá é Tuxá. Não vi minha colocação,
não sei em quantos eu fiquei, tinha acho que 12 candidatos, só uma vaga lá pra odonto. Os
outros vestibulares era de cota também, lá em Belo Horizonte começou eu acho que no ano
2000, 2011 eu prestei lá e 2012 também e não consegui, tinha muitos candidatos indígenas
também prestando, quando prestei a primeira vez em Belo Horizonte tinha 71 candidatos
indígenas pra duas vagas, concorrendo pra duas vagas, aí no segundo diminuiu, tinha 26
candidatos, na UFSCAR tinha 21 candidatos, tinha vaga pra indígena, era cota, aí não passei
também, até lá em Belo Horizonte eu fiquei em boa colocação também, eu fiquei em décimo
lugar, tinham duas vagas. (Izaque, 2013)

Para o discente do curso de Medicina os problemas enfrentados também foram


significativos, a distância da aldeia, assim como, o fato de não ter domínio completo da língua
portuguesa e dos recursos tecnológicos dificultaram a vida do indígena. O depoimento deixa
evidente as dificuldades que enfrentou com os vestibulares em diversas instituições de ensino

47
A aldeia Kassawa conta atualmente com mais de 500 pessoas e fica a pelo menos dois dias e meio
de viagem de barco a motor até o município mais próximo (Nhamundá), para chegar à aldeia é
necessário enfrentar 23 cachoeiras rio acima.
89

superior, a principal delas foi com a quantidade de concorrentes sejam indígenas ou não,
tornando as chances de ingresso muito reduzidas. Foram diversas tentativas sem êxito em
universidades localizadas em várias regiões do Brasil (sudeste, nordeste, centro oeste e norte),
percorreu o Brasil fazendo vestibulares até chegar a UFPA, onde obteve êxito em 2013. O
quadro 6 faz referência as categorias utilizadas por Izaque.
Quadro 6 – Categorias êmicas de dificuldade Izaque Txekewe
Categoria que representa a Causas/Razões da
Etapa Consequências Enfrentamento
dificuldade dificuldade
Persistência para concluir
os estudos.
Esforço dobrado para
Língua materna
Ensino Dificuldades no aprender o português e
Hexkaryana.
Básico e aprendizado. acompanhar as turmas.
"Não sabia nada de português" Alfabetizado na
Ensino Reprovações. Trabalhou como tradutor
língua portuguesa
Superior Atraso nos estudos. na CASAI.
aos 16 anos.
Mudou-se para Minas
Gerais para aprender o
português e estudar.
Ausência de PAA em
algumas
instituições. Atraso do ingresso no Realizou o vestibular seis
"Não passei porque tinha muitos
Concorrência ensino superior. vezes em estados
concorrentes", "Prova igual a
elevada. Baixa autoestima. diferentes até ser
prova dos não indígenas".
Não adequação do Frustração. aprovado na UFPA.
PS às
especificidades.
Bolsas com valor Auxílio do pai.
Impossibilidade de
"Eu trabalhava lá [UFMG] como muito baixo. Morava com Antropólogo.
fazer cursos pré-
Acesso ao bolsista, ganhava pouco", “Aí eu Baixa remuneração Desenvolvia outras
vestibulares.
ensino já estava sem dinheiro”, “Entrei pelos trabalhos atividades braçais
Problemas com
superior num curso pré-vestibular, mas desenvolvidos. remuneradas.
deslocamento para
desisti, não tinha como pagar”. Deslocamentos por Tomava dinheiro
outras IES.
vários estados. emprestado de amigos.
Solicitação de assinatura
Quantidade de Insegurança por estar para outra liderança.
documentos fora da aldeia. Diálogo e
"Os outros não quiseram assinar
assinados pelo Desconfiança do comprometimento de
porque ficaram pensando que eu
cacique. cacique em relação retorno para a
não ia voltar pra aldeia".
Tempo do indígena ao retorno à comunidade.
fora da aldeia. comunidade. Mobilização da família e
parentes.

A trajetória de Izaque é singular e marcada pelas dificuldades, mas também pela


superação e protagonismo, pois mesmo sem condições para tantos deslocamentos não
desistiu, além das atividades remuneradas desenvolvidas fora da aldeia, também contou com
o apoio e confiança da família e amigos. Contrariando as recomendações para tentar outro
curso insistiu, afinal “eu não queria mudar, queria continuar fazendo medicina”, o sonho se
manteve e hoje, apesar das dificuldades, se mantêm na UFPA.
90

Em diversos momentos Izaque buscou o apoio de amigos e parentes, insiste que não
estaria na UFPA se não fossem estas contribuições. Porém, o parente não teria recebido todo
este apoio se os benfeitores não tivessem percebido o empenho e a insistência do indígena,
que tem objetivos bem definidos e iniciativa para alcança-los.
Tive a oportunidade de participar como avaliador na entrevista de Izaque, ouvi o relato
emocionado do parente sobre as diversas tentativas de ingressar no ensino superior e a
importância da formação em medicina para sua comunidade, a trajetória do candidato
demonstra a perseverança e a determinação. Na época, eu também atuava como
representante da APYEUFPA e acompanhava a maioria dos indígenas que ingressavam na
Instituição, contribuindo na organização da documentação, preenchimento dos cadastros,
auxiliando na localização destes indivíduos dentro da Universidade.
Depois da realização de todas as etapas do PSE da UFPA, Izaque retornou para a aldeia,
aguardou por duas semanas o resultado do PSE no município de Nhamundá, que é um dos
municípios do estado do Amazonas, localizado a leste da capital Manaus. Em relação a aldeia
Kassawá do povo Hexkaryana, é o município mais próximo, localizado a pelo menos dois dias
de voadeira, com acesso pelo próprio rio Nhamundá. Duas semanas apenas foi insuficiente,
considerando que a avaliação e divulgação do resultado do processo costuma demorar no
mínimo um mês, depois seguiu a viagem para a aldeia de origem sem muitas expectativas de
aprovação.
Na UFPA, logo após o período de avaliações e das respostas aos recursos impetrados,
divulgou-se o resultado com os nomes dos classificados na página da UFPA, o problema é que
na aldeia de Izaque não havia acesso à internet e nem mesmo telefone, a única forma de
comunicação acontecia via rádio transmissor.
Como acompanhava toda movimentação dos candidatos, observei que Izaque ainda
não havia feito a habilitação. A habilitação é o momento de entrega de documentação
necessária para se tornarem efetivamente discentes da UFPA. Nesta etapa, além da entrega
de documentos, é necessário o preenchimento de um cadastro que fica disponível online.
Perder o prazo da habilitação significa perder a chance de ingressar na Instituição. Geralmente
o tempo entre o resultado e a habilitação dos indígenas era relativamente pequeno,
considerando a localização das aldeias indígenas e as dificuldades com a informação.
Para o indígena restavam apenas cinco dias, caso ele não fizesse a habilitação perderia
a vaga e a chance de ingressar no curso que tanto almejava, além de impossibilitar o ingresso
91

de outro parente numa vaga que é tão concorrida. Na quinta feira, cinco dias antes do prazo
final da habilitação (terça feira), iniciei uma das tarefas mais complicadas enquanto presidi a
Associação, localizar Izaque e informar que precisava fazer a habilitação, além é claro de
auxiliá-lo em todo o processo.
Entrei em contato via telefone com a FUNAI de Manaus que, por sua vez, passou o
contato da Coordenação Técnica Local (CTL) de Nhamundá, falei diretamente com o
coordenador da CTL Jonas, primo de Izaque, informei sobre a aprovação e a necessidade de
Izaque se deslocar imediatamente para Belém, pois a habilitação é feita pessoalmente ou por
meio de procuração com todos os documentos originais do candidato. Jonas informou que
não seria possível, considerando o tempo de deslocamento da aldeia até Nhamundá e o
deslocamento de Nhamundá até o estado do Pará, que demandaria pelo menos uma semana,
sem contar as dificuldades que teria para contatar o parente na aldeia.
Solicitei que mesmo assim contatasse Izaque para que fosse até Nhamundá com toda
a documentação, na UFPA eu tentaria conversar com os responsáveis. Uma reunião foi
realizada com o responsável pelo CIAC, na época Aluízio Marinho Barros Filho, ao qual relatei
todo o caso, segundo ele, o prazo não poderia ser estendido para Izaque, no entanto,
permitiria que eu fizesse a habilitação em posse da cópia da procuração e de todos os
documentos solicitados, com o compromisso de apresentar os originais uma semana depois
do término do prazo.
Depois de contatado por Jonas, Izaque e seu pai iniciam uma corrida contra o tempo,
providenciando mantimentos para uma longa viagem, além do motor e a “voadeira”, o
combustível seria emprestado por parentes. No sábado logo cedo iniciaram a descida pelo rio
Nhamundá, no final do primeiro dia o motor apresentou problemas mecânicos e foi
substituído na aldeia de parentes onde passaram a noite. No segundo dia, em outra aldeia no
caminho, trocaram a “voadeira” por outra de menor porte para acelerar a viagem. Chegaram
em Nhamundá no domingo à tarde com “voadeira”, motor e combustível emprestados de
parentes. Na segunda começa o trabalho com as cópias dos documentos, enfrentaram
problemas com o acesso à internet e tantas outros que pareciam agigantar-se conforme
passava o tempo, o último documento, justamente a procuração, foi enviada por ele na terça
feira às 16h, uma hora antes de acabar o prazo da habilitação, com todos os documentos em
mãos consegui finalmente fazer a habilitação do parente.
92

Os casos de Rodrigo e Izaque são relevantes para a discussão por apresentarem os


entraves que podem surgir antes mesmo do ingresso na UFPA, tanto o caso de Rodrigo,
quanto de Izaque são importantes por revelar a necessidade de refletir com cuidado sobre as
diretrizes dos PSE, também de pensar mecanismos que contemplem diferenças, que
considerem as distâncias mencionadas no primeiro capítulo, afinal de contas, a realidade
indígena é significativamente diferente da realidade não indígena.
Ficou claro que o período destinado à habilitação não foi suficiente, problema
contornado graças a nossa presença na Universidade, que permite a identificação das falhas
no processo, mobilizações e tentativas de diálogo dentro dos prazos estabelecidos para
diminuir assim as perdas.48 Em nenhum momento Izaque pensou em desistir de tornar-se
médico, apesar das várias decepções com os vestibulares que realizou, dos deslocamentos,
dos obstáculos, da distância da família, da incompreensão de representantes da Instituição
que negaram a possibilidade de acesso a muitos direitos, e inúmeras outras dificuldades, se
mantêm firme pois precisa quitar a dívida que diz ter com a família e com a comunidade.
Pensando assim, é necessário refletir sobre a postura das instituições que estão
recebendo grupos vulnerabilizados, identificando as ações tomadas para garantir não apenas
o ingresso, mas também todos os aspectos relacionados a formação destes indivíduos, além
do sucesso no âmbito da academia. Refletir sobre postura da Universidade, requer, antes de
mais nada, que se identifique a existência de planejamento e políticas consistentes,
determinantes para compreender se realmente as instituições estão preocupadas com a
presença e formação de qualidade destes coletivos.
A mudança na UFPA pode proporcionar a oportunidade de criar programas
consolidados que preveem o apoio aos indígenas antes mesmo do ingresso, pode se tornar
uma experiência exitosa no trato com a diversidade, tornando-se referência para o Norte e
para o Brasil na formação dos povos indígenas.
A dura realidade dos discentes reflete as situações vivenciadas por muitos outros
indígenas que decidem ingressar no ensino superior, como é possível observar, a maioria das
dificuldades elencadas estão relacionadas a fatores externos à Instituição de ensino superior,

48
Chamo de perda por considerar que o não ingresso de um parente por conta de trâmites
burocráticos gerados pela Instituição é um mal uso de uma política afirmativa, o que por sua vez gera
perdas, mas não apenas para o indígena e a comunidade deixar de acessar conhecimentos não
indígenas, como também para a universidade que perde a chance de dialogar com conhecimentos
diversos.
93

muito em função do choque cultural e da distância das aldeias. Porém, apesar destes fatores,
é possível elencar muitos outros no âmbito interno às instituições, são impedimentos criados
a partir de definições e regras que terminam impossibilitando o acesso ou criando barreiras
para tal.
No caso da UFPA, muitos desses impedimentos foram produzidos, principalmente
quando resolve fazer alterações nos processos seletivos à revelia dos interesses dos povos
indígenas ou então, quando a Instituição se exime da responsabilidade de proporcionar
condições dignas para a permanência.

Alterações no PSE: as violações de um acordo

Apesar da conquista garantida pelos povos indígenas, a não institucionalização do PSE


torna-o frágil e suscetível a modificações, comprometendo a PAA e o próprio ingresso de
indígenas na UFPA. Estas mudanças passam pelo planejamento e estruturação do edital, a
forma como a divulgação é realizada, a maneira como o processo é implementado até a
formação da comissão de docentes responsáveis pelas entrevistas e avaliação das redações.
Desde 2009, ano da aprovação da proposta, até o presente momento, muitas das
mudanças realizadas significaram a exclusão de indígenas dos quadros discentes da UFPA,
indo de encontro à proposta do movimento indígena no estado, pois não contaram com
discussões e consultas prévias. Acabaram sendo estruturadas a partir de pressupostos
universalizantes e generalizantes espelhados em processos anteriores considerados
“confiáveis” e objetivos. A não consideração das especificidades dos povos indígenas também
está relacionada com a redução dos custos financeiros e trabalho com as etapas do processo.
A proposta inicial que se estabeleceu a partir dos movimentos indígenas do estado do
Pará em 2009, discutida e aprovada, apresenta muitas semelhanças com a estrutura atual do
PSE, porém, são semelhanças mantidas graças aos esforços contínuos de lideranças, discentes
indígenas, professores e parceiros. Foram diversas discussões, principalmente envolvendo a
PROEG, CEPS e COPERPS para garantir um processo realmente específico. Para rechaçar os
constantes ataques a mobilização indígena na Universidade recebe destaque, participando
dos momentos de embate e acionando o MPF em momentos críticos. Para compreender
melhor a discussão, é necessário apresentar as principais alterações realizadas nos editais
aprovados pela COPERPS, assim como, as consequências relacionadas.
94

Nos anos de 2010, 2011 e 2012 o processo contou com edital próprio, específico para
povos indígenas, seguindo critérios discutidos com as lideranças indígenas do estado. Estes
processos contaram com duas etapas: (1) realização de uma prova de língua portuguesa sob
forma de redação; e, (2) realização de análise do Histórico Escolar do Ensino Médio e da
declaração de pertencimento étnico.49 Os documentos requeridos nestes anos foram o
Histórico Escolar do Ensino Médio, Boleto de Pagamento (isento de taxa) e Declaração de
pertencimento étnico, esta última emitida por autoridade indígena (lideranças tradicionais e
políticas), caciques, representantes de organizações indígenas. (E. Fernandes, Beltrão &
Oliveira 2015)
De toda documentação entregue pelos candidatos, as lideranças indígenas que
participaram das discussões para criação do PSE consideram a declaração de pertencimento
a mais importante, pois é a garantia de que aquele candidato está vinculado a alguma
comunidade, contribuindo significativamente para a redução das fraudes no certame. Cunha
(2013), destaca que tal documento é analisado cuidadosamente pela banca avaliadora na
tentativa de identificar e evitar possíveis fraudes, para tanto, o autor considera imprescindível
participação de indígenas durante o PSE para auxiliar na identificação e validação das
declarações de pertencimento.50
A presença de indígenas neste espaço é fundamental, haja vista as inúmeras
possibilidades de representação e contribuição nos procedimentos relacionados à seleção,
“tornando-a mais adequada às especificidades culturais indígenas, sobretudo quanto à
inclusão da tradição oral como mecanismo de avaliação via adoção de entrevistas e redações,
além de auxiliar na proteção aos riscos de fraude.” (E. Fernandes, Beltrão & Oliveira, 2015:
256)
Sendo assim, os editais que regulamentaram tais processos foram analisados
criteriosamente por indígenas da graduação e pós-graduação, os quais mantinham diálogos
com as bases, apresentando a estrutura do processo e buscando fazer cumprir o direito a

49
Para maiores informações consultar: Edital PSS/2010, Edital PSE nº 2011/8 e Edital PSE 2012/1. Além
destes, os editais nº 2013/2, nº 2013/11 referente ao PSE para o ingresso em 2014, nº 2014/7 referente
ao PSE para ingresso em 2015, nº 2015/5 referente ao PSE para ingresso em 2016 e, nº 2016/2
referente ao PSE para ingresso em 2017, encontram-se disponíveis em: http://www.ceps.ufpa.br/.
50
Para entender melhor sobre as etapas do processo seletivo, assim como, as tentativas de fraude,
consultar: CUNHA, Mainá Jailson Sampaio. Povos Indígenas, Universidade e Programa de Reserva de
Vagas: implantação e tentativas de fraude. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Direito) - Universidade Federal do Pará.
95

consulta, conforme preconiza a Convenção Nº 169, da OIT. A consulta aos povos indígenas
deve ser considerada a etapa mais importante do PSE, pois boa parte dos problemas são
identificados e resolvidos antes mesmo do início do certame. Esta etapa também contribui
para tornar o processo menos suscetível a fraudes e mais transparente, considerando o
envolvimento das lideranças indígenas e a proximidade com a universidade.
Além disso, em quatro anos consecutivos (2010, 2011, 2012 e 2013) a coordenação da
Comissão de Avaliação do Processo Seletivo Especial, instituída pela COPERPS, considerou
imprescindível a participação de indígenas, convidando parentes da pós-graduação da
Universidade para compor as equipes. Para os integrantes da comissão, a presença de
indígenas neste espaço é fundamental para concretizar um projeto que confira aos povos
indígenas o protagonismo, a comissão até então composta por antropólogos, historiadores,
pedagogos, juristas, entre outros. Conforme afirmamos em artigo publicado em 2015, “no
plano da participação, caberia estabelecer mecanismos de participação permanente dos
sujeitos e coletivos interessados para cooperarem no processo de avaliação e valorização das
políticas afirmativas.” (Fernandes, Beltrão & Oliveira, 2015: 276)
No campo da divulgação do PSE, a participação indígena permite maior alcance das
notícias relacionadas ao PSE, considerando a proximidade do movimento indígena e de
integrantes de diferentes povos, as articulações possíveis para o repasse de informações
extrapolam os mecanismos adotados pela Universidade. No período discutido até aqui,
divulgação do PSE contava com notícias na página principal da Universidade, local que
proporciona maior destaque ao PSE, além deste local outros sítios também eram utilizados
como na página do CEPS por exemplo.
As inscrições eram realizadas pela internet, permanecendo abertas um período
geralmente maior do que 30 dias e homologadas apenas mediante a entrega da
documentação ao CEPS e análise pela comissão. O período de 30 dias, apesar de não ser o
ideal, é razoável para esta etapa, por considerar as dificuldades de deslocamentos necessários
de indígenas para os municípios mais próximos das aldeias, os problemas relacionados com o
acesso à internet e as dificuldades para reunir as documentações solicitadas.
De acordo com o relatório elaborado por R. Fernandes e Beltrão (2010), em 2010 o
CEPS registrou um total de 516 inscrições via internet, destas, apenas 194 candidatos
apresentaram toda a documentação, de acordo com as autoras, dentre as razões para o
grande número de inscrições não homologadas estão: a realização de inscrições duplicadas,
96

ou ainda, triplicadas, talvez pela não familiaridade com o instrumento; inscrições com o
objetivo de prejudicar ou “testar” a validade do processo, com nomes fictícios e outros; outra
razão identificada esteve relacionada ao fatos das escolas não indígenas não disponibilizarem
a documentação em tempo hábil à participação no processo.
Em dezembro de 2012 a estrutura do PSE sofreu a primeira alteração, definida a partir
da COPERPS a mudança estipulou a correção das redações por uma banca examinadora
constituída por professores da área de letras, em reunião deliberou-se que a Prova de Redação
dos Processos Seletivos Especiais deveria ser avaliada por Banca Examinadora constituída por
professores da área de Letras, argumentação tomou como base o exemplo dos demais
Processos Seletivos realizados pela UFPA, nos quais é exigida a Prova de Redação. Ao contrário
da forma como vinha sendo realizada, a equipe de correção não contou com antropólogos e
profissionais de outras áreas de formação que possuem extensas trajetórias de pesquisas com
os povos indígenas e experiência com o próprio PSE. A alteração criou duas comissões
avaliadoras separadas coordenadas por pessoas diferentes, a comissão responsável pelas
entrevistas e a comissão responsável pelas redações.
A Participação de professores da área de letras deve ser considerada como um aspecto
importante para os avanços necessários ao PSE, porém a forma como a determinação foi
imposta desconsiderou a experiência de antropólogos e professores que vinham realizando
as correções há pelo menos três anos na Universidade, não proporcionando a
interdisciplinaridade e a possibilidade de diálogos entre diferentes formas de interpretação
de textos escritos por indígenas.
Ressalto que a correção das redações produzidas em um processo específico para
povos indígenas não deve considerar apenas aspectos formais, como a fidelidade ao tema,
objetividade, coesão, coerência, progressão discursiva e aderência à norma culta, mas deve
levar em consideração principalmente aspectos relacionados à cultura, às diferentes formas
de expressão e oralidade comuns aos povos indígenas, que acabam se manifestando nos
textos produzidos.
A tradição oral marca a cultura dos povos indígenas, as novas gerações contam com a
possibilidade de ouvir os mais velhos relatando as experiências e contando histórias
importantes na educação das crianças e jovens. São momentos em que o antigo e o novo, o
passado e o presente, o mundo espiritual e o mundo material acabam se confundindo
resultando em ensinamentos e lições que contribuem significativamente para a formação da
97

identidade. Para nós, ouvir as histórias contadas pelos mais velhos tem um valor muito
expressivo, pois são ocasiões em que podemos acompanhar as gestualidades, as expressões,
os tons de voz utilizados para contar cada detalhe, são momentos de absorção de saberes
sobre lugares sagrados, sobre seres e criaturas que vigiam e regulam a ordem das coisas.
É ouvindo histórias contadas pelos mais velhos, que temos acesso a muitas
informações sobre o mundo indígena e o mundo não indígena, além dos cuidados necessários
para transitar por esses espaços. A tradição oral geralmente demanda plateia e habilidade
performática do orador, diferente da forma individual e solitária que é a escrita. Identificar o
interesse e o envolvimento da plateia é o termômetro para verificar a aceitação do que está
sendo dito. Contar uma história ou falar sobre assuntos do cotidiano é um processo dinâmico
que carrega consigo características dos narradores, na escrita estas características também
são presentes, apesar das técnicas serem diferentes, o resultado também apresenta traços do
escritor, são marcas da oralidade que podem ser encontradas também em textos escritos.
Quantas vezes ao ler textos de autores conhecidos temos a sensação de vê-los falando?
Sendo assim, a relativização na avaliação de textos escritos por indígenas é um
exercício que deve ser praticado, pois na maioria das vezes a escrita pode apresentar
características próprias da oralidade. Izaque revela que “[a] redação foi meio difícil pra mim,
não sei até o que eu estava querendo, não sabia como se cria a redação, aí eu fiquei pensando,
fiquei tempo pensando como ia escrever, acho que foi com três horas a prova.” (Izaque, 2013)
Considerando as diferenças identificadas a partir da análise de trajetórias como as de Izaque
que o PSE deve ser estruturado. Além de aspectos de caráter linguístico, no caso do parente,
outra dificuldade na redação está relacionada com a impossibilidade de fazer cursos pré-
vestibulares, “eu acho que estava mais difícil pra mim, nunca estudei na escola... nunca fiz
cursinho preparatório” (Izaque, 2013). Em um PSE específico e diferenciado as etapas da
redação e entrevista devem se complementar, a narrativa do candidato pode proporcionar ao
avaliador melhores condições para avaliar os textos escritos.
Neste período, indígenas discentes organizados em torno da APYEUFPA manifestavam
preocupações com as alterações no processo e com a forma como estas discussões vinham
sendo realizadas no âmbito da PROEG, por isso, na época a APYEUFPA encaminhou um
documento solicitando ao MPF o acompanhamento do andamento do PSE na UFPA, para que
intercedesse pelos povos indígenas, caso as decisões tomadas pela COPERPS fossem tomadas
de forma unilateral, de maneira a possibilitar que a voz do movimento indígena não fosse
98

sufocada. Mesmo diante das movimentações contrárias dos indígenas discentes a partir da
APYEUFPA, várias alterações começaram a ser pensadas para o edital de ingresso de 2014.
Tratando dessas alterações pensadas de forma unilateral, no final de 2013, discussões
feitas a portas fechadas resultaram na mudança mais significativa do PSE, trazidas ao público
a partir da publicação do edital nº 2013/11. Na verdade, muito antes disso, a forma como o
PSE estava sendo realizado até 2013 vinha sendo questionada por alguns servidores da UFPA,
principalmente ligados a PROEG, críticas que supostas deficiências geradas pela estrutura do
certame estariam comprometendo o nível dos discentes que ingressam na Universidade.
Dados sobre o índice elevado de desistências de indígenas que ocorreram em 2010 e 2011,
gerados por mim enquanto presidia APYEUFPA, foram utilizados por eles para justificar
mudanças feitas no edital nº 2013/11. Os principais argumentos utilizados por eles estavam
pautados na suposta “subjetividade” do processo, e pela “facilidade” estaria aprovando
“pessoas despreparadas” ou com um nível de conhecimento “muito baixo” para o nível geral
da UFPA, por isso não tinham condições de acompanhar a turma e desmotivados acabavam
desistindo. A argumentação é facilmente refutada a partir de dados levantados com os
indígenas que desistiram ou trancaram os cursos na UFPA, pois as questões são mais
complexas e relacionadas a inexistência de políticas de permanência, assunto que pretendo
abordar no terceiro capítulo. Em linhas gerais, as suposições desconsideram aspectos
importantes, identificados nas trajetórias e narrativas de indígenas que estavam na
Universidade e também que deixaram de frequentá-la, como a falta de apoio institucional que
se traduz, principalmente, na falta de bolsas para custear as inúmeras despesas com a
permanência fora das aldeias, entre inúmeros outros motivos que extrapolam a análise
simplista relacionada ao rendimento acadêmico.
Apesar dos processos anteriores cumprirem preceitos legais de consulta e
participação, valorizando aspectos culturais como a oralidade, por exemplo, atendendo às
demandas dos povos indígenas, as pressões contrárias tiveram como consequência a
eliminação da participação indígena nos processos de discussão e recomendações de
antropólogos foram desconsideradas em todas as etapas do processo.
Para os organizadores deste certame, a inserção de prova de “conhecimentos gerais”
e a substituição da entrevista por um formulário com questões eliminaria o que chamam de
“subjetividade” e melhoraria o desempenho dos indígenas nos cursos, pois consideram que a
99

prova de conhecimentos gerais faria a seleção de candidatos com melhores níveis de


formação.
A alteração desconsiderou preceitos legais que preveem a participação indígena em
assuntos de interesse e foi de encontro com o posicionamento dos povos indígenas do estado,
significando a extinção da principal característica do processo, a especificidade. Sem estudos
aprofundados sobre os reais motivos as desistências dos indígenas, os propositores das
mudanças utilizaram números relacionados à desistência de indígenas das turmas de 2010 e
2011 como justificativa para indicar que elas teriam relação com deficiências causadas pela
forma de acesso à Universidade, resultando na falta de condições acadêmicas para
acompanhar os cursos.
A prova de conhecimentos gerais não deve ser entendida como a solução para
problemas relacionados a permanência, os quais devem ser solucionados com políticas
concretas que prevejam programas que contemplem as diversas necessidades dos discentes
indígenas. Os problemas com a formação no ensino básico também não devem ser tomados
como determinantes para criação de empecilhos para o ingresso, a Universidade precisa criar
alternativas para garantir a formação adequada, que considere estas diferenças na formação,
proporcionando, caso necessário, períodos de ambientação que supram as carências, pois não
deve se eximir da responsabilidade de formar adequadamente os discentes que estão na
universidade e de preparar os que estão entrando.
A proposta do edital foi aprovada pela COPERPS. Não houve participação indígena nas
discussões para elaboração do documento e nem mesmo na reunião para aprovação, não
tivemos tempo hábil e nem chances de manifestar nosso posicionamento contrário. A
proposta unilateral alterou substancialmente o modelo adotado nos anos anteriores, foi o PSE
mais preocupante para os povos indígenas no estado. Apresento a seguir a figura 5 com os
dados referentes ao ingresso na Instituição.
100

INGRESSO DE INDÍGENAS NA UFPA/ANO


80 73
70
63
60
50 45
40 36
30 24 24 26
19
20
8
10
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Figura 5 – Gráfico referente ao ingresso de indígenas na UFPA via PSE por ano.

No gráfico é possível observar a redução significativa de discentes indígenas que


ingressaram na UFPA desde o primeiro PSE até a quinta edição que aprovou apenas oito
discentes na turma de 2014. Até 2018 ingressaram na UFPA 318 indígenas nos cursos de
graduação via PSE, no gráfico é possível verificar o insucesso do PSE de 2014, o número de
indígenas que ingressou naquele ano tornou-se símbolo dos retrocessos ocorridos no PSE e
na UFPA, mesmo diante das manifestações do movimento indígena estudantil.
O edital do PSE 2013/11 foi analisado cuidadosamente por mim, juntamente com a
equipe do PAPIT, apresentando diversos problemas, também foi comparado aos editais
anteriores, o que permitiu identificar as principais mudanças ocorridas, são elas: (1) não
participação indígena: as lideranças e o movimento indígena estudantil não foram chamados
para participar em nenhuma das fases do processo; (2) unificação do edital: a alteração fez
com que o processo deixasse de ser específico para povos indígenas, passando a contemplar
também quilombolas, o Curso de Licenciatura e Bacharelado em Etnodesenvolvimento e o
Curso de Licenciatura em Educação do Campo; (3) prova de conhecimentos gerais: incluiu-se
nas etapas a realização de uma prova objetiva de conhecimentos gerais; (4) tempo das
inscrições reduzido: o período para realização das inscrições via internet foi reduzido para
apenas 17 dias e; (5) tempo para realização das etapas reduzido: a prova objetiva e a redação
foram concentradas no mesmo horário, mas acrescendo apenas uma hora na duração,
passando de três horas, que eram destinadas apenas para fazer a redação, para quatro horas,
destinadas para fazer a redação e prova objetiva.
101

Por não ter sido pensado com os povos indígenas, as dificuldades resultantes
impediram o acesso de muitos egressos do ensino médio, muitos nem ao menos tiveram
chance de fazer as inscrições em decorrência do período em que ficaram abertas. Quem
conseguiu cumprir esta etapa no prazo de 17 dias teve que realizar uma prova objetiva e uma
redação em apenas quatro horas. O “PSE da exclusão”, como ficou conhecido pelos indígenas,
resultou de imposições que contribuíram para o pior índice de ingresso de indígenas na UFPA
desde a criação das PAA para povos indígenas.
O quadro 7 apresenta as recomendações feitas a partir de análises das minutas de
edital,51 resulta da compilação de informações disponibilizadas em documentos enviados pela
APYEUFPA, relatórios e de documentos elaborados a partir do PAPIT com a perspectiva de
minimizar as dificuldades enfrentadas pelos candidatos indígenas.

Quadro 7 – Recomendações para adequação do PSE para povos indígenas


FASE DO PSE RECOMENDAÇÃO
Realização de seminários para consulta e balanço das PAA na UFPA.
Institucionalização do PSE.
Deve ser específico para povos indígenas.
A minuta do edital deve ser disponibilizada com pelo menos 15 dias de antecedência
para avaliação e sugestões das bases.
Aspectos gerais Ampliação do número de vagas para os cursos com maior concorrência.
Deve restringir a participação de pessoas que possuam ensino superior, o que pode
ser realizado via cruzamento de informações de outras universidades.
Oferecer modelo de declaração de pertencimento como anexo ao edital.
Elaboração de um Manual Prático com informações úteis para realização de inscrição
no PSE Indígena.
Deve ser realizada com no mínimo dois meses de antecedência e de forma mais
ampla e variada possível (jornais, programas de rádio, sites, buscando parcerias com
FUNAI, Unidades Regionais de Educação (UREs), Secretaria Especial de Saúde
Divulgação do
Indígena (SESAI) e Secretarias de Educação dos Municípios), considerando as
PSE
dificuldades de acesso à internet nas aldeias e fora delas.
Realização da Caravana do Vestibular para divulgação do Processo Seletivo para o
maior número de povos e comunidades possível.
O período para realização de inscrição no PSE Indígena deve ser de, no mínimo um
mês.
Os documentos requeridos para inscrição devem ser entregues com antecedência
para que haja tempo hábil de avaliação pela Comissão Avaliadora antes da realização
Inscrições
das entrevistas.
A UFPA deve disponibilizar profissionais para auxiliar os candidatos indígenas no ato
da inscrição, principalmente nos campi onde há maior concentração de indígenas.
Manutenção da isenção de cobrança de taxa de inscrição.
Os membros que compõe a Comissão devem ser devidamente treinados por
Comissão
Antropólogos com experiência comprovada na realização das etapas anteriores do
avaliadora
PSE.

51
Minuta de edital é o documento base com as diretrizes do processo seletivo, é um documento
elaborado pela PROEG para ser submetido para aprovação a pela COPERPS.
102

A Comissão Avaliadora deve ser interdisciplinar e composta por pessoas que tenham
atuação reconhecida na questão indígena.
As etapas de realização de redação e entrevista devem ser no mesmo período,
considerando as dificuldades, o tempo de deslocamento e os altos custos para saída
e retorno às aldeias.
Manutenção da Prova de Redação e Entrevista.
A entrevista deve ser classificatória e eliminatória.
A prova de redação deve ser realizada em, no mínimo, quatro horas de duração.
Etapas do PSE A correção das provas de redação deve contar com a participação de antropólogos
com experiência em etapas anteriores do PSE Indígena.
A realização das entrevistas deve ser organizada em horários pré-definidos para cada
candidato, com ampla divulgação, de forma que seja otimizado o tempo de espera
dos mesmos.
O Roteiro de Entrevistas deve ser revisto e reestruturado a partir das falhas
detectadas pela Comissão Avaliadora.
Participação Garantir a participação de indígenas em todas as etapas do PSE Indígena.
indígena Proporcionar a formação de um conselho indígena para consulta.

O quadro 7 reúne as principais recomendações feitas até o momento, além destas,


que apresentam aspectos mais gerais para todos os editais, os documentos encaminhados
contam ainda com diversas outras de caráter mais específico, destinadas ao apoio das
discussões para mudanças pontuais para cada um dos certames. Estas sugestões resultam da
experiência com problemas enfrentados em PSEs anteriores, também identificados em editais
e minutas dos editais analisados, são observações que servem como base para dimensionar a
quantidade de problemas que surgiram. Cada item com frequência é discutido no âmbito do
movimento indígena estudantil e do PAPIT, para então ser apresentado como proposição de
mudança para a PROEG e COPERPS para superação das dificuldades identificadas. Procuro
manter os registros de tudo o que foi discutido nos PSEs desde 2010, importantes por servirem
como base para reivindicações, também faz parte da atuação política que desenvolvo.
Além das alterações no PSE, elenco outros fatores que contribuíram significativamente
para a redução do número de indígenas que ingressaram na Instituição naquele ano. É
importante considerar que Santarém e Marabá deixaram de ser campus da UFPA para se
tornarem universidades autônomas, UFOPA e UNIFESSPA respectivamente. No caso da
UFOPA, a Universidade foi criada em 2009, mas até 2012 ainda contava com a estrutura da
UFPA em algumas áreas, o processo seletivo era uma delas, em 2012 passou a adotar um
processo seletivo próprio com critérios que diferem dos critérios adotados na UFPA. Em
Marabá a UNIFESSPA, por sua vez, foi criada em 2013, e passou a assumir a responsabilidade
pela elaboração e planejamento dos processos seletivos em 2014.
103

Portanto, até o ano de 2011, no caso da UFOPA, e até 2013, no caso da UNIFESSPA.
Para efeito desta pesquisa, os ingressos de indígenas não foram contabilizados nos números
da UFPA, pelas dificuldades que teria com o acompanhamento da situação acadêmica destes
discentes, mas enquanto a UFPA era responsável pelos Processos Seletivos, na UFOPA foram
classificados 14 em 2010 e 14 em 2011, somando 24. No caso da UNIFESSPA, foram 12 em
2010, 10 em 2011, oito em 2012 e seis em 2013, totalizando 36 indígenas.

Tabela 1 – Ingresso por campus da UFPA52


CAMPUS 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 TOTAL TOTAL
(%)
ABAETETUBA 1 2 3 1 7 2,1
ALTAMIRA 12+8 6 5 3+1 1 2+12 3 10 14 77 22,7
BELÉM 23 15 10 9 6 17 19 23 51 173 51
BRAGANÇA 1 1 0,3
CASTANHAL 1 1 1 2 2 7 2,1
MÃE DO RIO 2 2 0,6
SALINÓPOLIS 1 1 0,3
TOMÉ-AÇÚ 1 1 2 4 1,2
TUCURUÍ 1 1 1 3 0,9
TOTAL 45 21 16 14 8 36 26 36 73 339 100,00

A falta de comunicação, a não divulgação do processo seletivo diferenciado para povos


indígenas, a distância que existe entre a universidade e as comunidades indígenas e o difícil
acesso a esses locais são fatores que influenciam significativamente, contribuindo para a
diminuição do ingresso de indígenas na Instituição.
É necessário repensar as estruturas universitárias e superar a ideia da meritocracia de
uma vez por todas, buscando refletir de forma crítica a função da universidade e o seu papel
social, assim como, a necessidade da adaptação destas instituições para atender a um público
diferente do que vinha atendendo. Atender não apenas no sentido de absorver as novas
demandas étnico-raciais, que se estabeleceram de forma mais incisiva no apagar das luzes do
século XX pleiteando o direito ao acesso a estas instituições, mas também, a forma como o

52
A soma nas células (12+8), (3+1) e (2+12) na linha de Altamira, são referentes aos números do Curso
do Etnodesenvolvimento, que contou com o ingresso de indígenas nos anos de 2010, 2013 e 2015.
Apresento desta forma pela importância do curso na Universidade, o qual foi construído em diálogo
com os movimentos sociais.
104

próprio conhecimento universitário vem sendo produzido, de forma unilateral e desvinculada


das necessidades reais da sociedade.53

Sobre identidade étnica, participação política e desconstrução de estereótipos

A universidade agrega uma diversidade de pessoas e coletivos considerável, são


formas distintas de compreender o mundo e a própria presença no contexto de uma IES. As
ações afirmativas contribuem significativamente para esta multiculturalidade, tornando a
universidade um espaço de convívio entre diferentes. Porém, esta diversidade nem sempre é
pensada, na maioria dos casos, acaba sendo entendida como empecilho para a universalização
das políticas criadas nestas instituições. O fato é que a universidade apresenta sérios
problemas para compreender e atender de forma adequada as diferenças e, com isso, perde
a oportunidade de dialogar com saberes diversos.
Trabalhar com a diversidade requer a sensibilidade para compreender a necessidade
de adequar as ações e políticas pensando nas especificidades de cada grupo ou indivíduo para
proporcionar condições dignas para o ingresso e permanência, diminuindo assim os quadros
de exclusão, afinal, para o alcance a igualdade, as diferenças devem ser consideradas. (Santos,
2003) A falta de políticas específicas adequadas para atender às diferenças torna a
universidade uma arena de disputa, com lutas individuais e coletivas, são atores sociais que
acionam suas diferenças para reivindicar a criação de políticas específicas. Na maioria dos
casos, a formação política nas bases define também a atuação política na academia,
influenciando na inserção de indivíduos nos movimentos que lutam pela garantia de direitos
sociais, em contextos de discussão política e luta para transformação dos espaços em que está
inserido.
No entanto, destaco também indivíduos que passam a participar das lutas sociais ao
inserirem-se na universidade, participando de mobilizações e lutas mesmo não tendo
formação na base. São indivíduos que procuram protagonizar mudanças na própria realidade
e, em muitos casos, com a participação nos movimentos acabam deixando a própria formação

53
Sobre o assunto, Boaventura de Souza Santos (2011) mostra que o século XX foi palco de produções
científicas descontextualizadas em relação ao cotidiano das comunidades pesquisadas, os problemas
de pesquisa eram definidos a partir do que os investigadores julgavam interessante. Nesta perspectiva,
as diferenças entre os conhecimentos científicos e quaisquer outras formas de conhecimentos que
poderiam existir eram marcadas pela superioridade do primeiro em relação ao segundo, estando
hierarquicamente organizados.
105

acadêmica em segundo plano. Entretanto, existem muitos que não estão preocupados com a
inserção nas lutas sociais a partir da academia, entendem a universidade como um espaço de
formação limitando-se a cumprir com as exigências da Instituição para alcançar êxito nos
estudos.
No caso dos povos indígenas, o movimento é muito semelhante, pertencer a algum
povo indígena não significa pré-requisito para atuação coletiva e inserção nas lutas do
movimento indígena estudantil. Se diferenças na postura se manifestam em indivíduos
pertencentes a mesma etnia/aldeia, quanto mais para indivíduos pertencentes a povos
diferentes, oriundos de diversos estados da federação. Esta é a realidade na UFPA, que
congrega grande diversidade de povos indígenas, são mais de 22 etnias que ocupam diversos
campi da Instituição. A figura 6 apresenta os números relacionados ao ingresso por etnia no
campus de Belém.

Etnias UFPA Belém


80
70
60
50
40
30
20
10
0
NÃO IDENTIFICADO

MANOKI-IRANTXE
DESSANO
KURUAYA

JERIPANCÓ
XIPAIA

PARKATÊJÊ

XERENTE
KYIKATÊJÊ
PIRATAPUIA
TUKANO
WAI WAI

TAPAJÓS
TEMBÉ

WAIANA
AMANAYE
BARÉ

GUAJAJARA

KARAJÁ

ANAMBÉ

JURUNA
ARAPASSO
HEXKARIANA

ARAPIUM
BANIWA
KARIPUNA

GUARANI

Figura 6 – Etnias que ingressaram nos cursos de graduação em Belém

A diferença entre os indígenas é marcante, são diferenças culturais, que passa pelos
interesses, objetivos, aptidões, idade, posições ocupadas nas aldeias de origem, entre outras.
Geralmente os candidatos mais jovens ao terminarem o ensino médio logo prestam seleção e
ingressam em algum curso da UFPA, o que não era comum antes das PAA para povos indígenas
na UFPA. No caso dos indígenas que concluíram o ensino médio há algum tempo e possuem
responsabilidades políticas, profissionais e familiares nas aldeias, a situação é outra, pois exige
reflexão e muita cautela, considerando que as atribuições na universidade somam com as que
106

possuem nas aldeias e no movimento indígena, o ingresso não significa o abandono das outras
atividades que exerce.
No contexto de inserção de indígenas discentes na universidade, é possível afirmar que
os interesses em relação à formação são diversos, perpassando pela atribuição de importância
para a atuação pós-formação nas comunidades de origem e no movimento indígena, até a
atuação no mercado de trabalho não relacionado a questões indígenas. Na própria academia
a participação política destes indivíduos varia, são diversos personagens para diversos tipos
de atuação, tanto no movimento indígena estudantil quanto no apoio às mobilizações
indígenas que ocorrem nas proximidades dos campi em que estão.
Para as lideranças indígenas, observar a forma como estes indígenas se apresentam
fora da aldeia é um exercício frequente, pois para eles, a postura deve ser condizente com o
que se requer pelas comunidades e movimento. A preocupação em acompanhar estas
trajetórias, além de possibilitar a intervenção em caso de dificuldades, também pode estar
relacionada à necessidade de controle, fora da aldeia os discursos podem ser diferentes da
prática, podem não estar adequados a realidade vivida nas aldeias, contrariando as demandas
coletivas.
Neste sentido, procuro analisar as relações possíveis entre os discentes indígenas e a
comunidade de origem, identificadas a partir dos diálogos com lideranças indígenas, com os
próprios discentes, assim como, da análise de documentos de pertencimento fornecidos pelos
candidatos para realização do certame. Sendo assim, identifico três tipos de interlocutores:
(1) o interlocutor que é uma liderança indígena e é indicado por outras lideranças; (2) o
interlocutor que vive na aldeia, não é uma liderança, mas foi indicado pelas lideranças e; (3) o
interlocutor que não vive na aldeia, mas é indicado pelas lideranças.
Uma liderança indicada, pode ser entendida como alguém que exerce algum tipo de
cargo na aldeia, seja ele na esfera tradicional ou na esfera política, conforme a definição de
Luciano (2008), preenchem este perfil, geralmente pessoas com idade mais avançada, com
família constituída e com experiência em questões relacionadas aos direitos, atualmente
muitos jovens ocupam estes cargos nas aldeias, destacando-se entre os membros da
comunidade como protagonistas nas reivindicações.
No que se refere às lideranças que são indicadas pelas comunidades para ingressar no
ensino superior, este ambiente pode proporcionar um entendimento maior sobre a sua
própria realidade e contribuir para a formação política acerca das demandas que existem,
107

fortalecendo ainda mais a possibilidade de uma atuação qualificada. Pensando assim, a


formação universitária serviria apenas como um suporte para a compreensão mais ampla dos
problemas enfrentados localmente.
Os indígenas que não são lideranças, mas acompanharam as lutas e conhecem os
problemas nas comunidades por terem crescido e vivido a maior parte da vida na aldeia
compõem um segundo grupo a ocupar as vagas nos cursos de graduação da UFPA. Estes
apresentam um perfil diferente dos primeiros por não serem tão expressivos e não terem
influência política na comunidade e fora dela, porém, alcançaram o ensino superior a partir
de indicações das lideranças e comunidades. Este grupo é composto preponderantemente por
pessoas indígenas mais jovens que estão saindo recentemente do ensino médio e que seguem
suas trajetórias estudantis.
Para estes dois grupos, o ingresso no ensino superior pode significar, além da
possibilidade de atuação profissional qualificada com os povos e comunidades de pertença, o
distanciamento das aldeias de origem, considerando as dificuldades para o profissional
adequar os conhecimentos científicos com a realidade indígena, além de que, fora das aldeias
o mercado de trabalho, por ser muito amplo, pode absorver estes profissionais recém-
formados. Para muitos, a formação universitária e o acesso a conhecimentos não indígenas
pode ser entendido de outra forma, distanciando o indivíduo ainda mais da comunidade, se
levarmos em consideração que as demandas da academia e do mundo não indígena, a
tendência é a formação de pessoas que pensam de forma mais individualizada.
Apesar de um dos objetivos da PAA estar relacionado ao retorno qualificado aos povos
indígenas, as escolhas individuais não desmerecem ou desacreditam tais políticas e não
devem ser entendidas como prejudiciais aos povos indígenas, pois mesmo fora das aldeias,
estes profissionais podem continuar atuando com os povos indígenas, em áreas específicas
nos centros urbanos.
No caso dos indígenas que compõe o terceiro grupo de interlocutores, as dificuldades
em possibilitar um retorno para os povos indígenas podem ser ainda maiores, o que não
significa que não aconteça com frequência. Para estes indivíduos, a falta do convívio em
coletividade e vivência em aldeia pode significar o distanciamento das reais necessidades nas
comunidades, o próprio posicionamento político em questões relacionadas aos povos
indígenas pode ficar comprometido em função destas ausências. Para este grupo, o esforço é
108

sempre redobrado, primeiro para compreender as demandas que existem nas aldeias e
segundo para alcançar a confiança necessária para atuar com povos indígenas.
Por outro lado, para os três grupos de interlocutores o ingresso via PSE na UFPA é
importante por instigar a busca por informações relacionadas ao povo que pertence,
movimento que contribui para a manutenção da identidade étnica. As exigências na seleção
vão ao encontro do que é requerido pelas lideranças e movimento indígena, pois exige dos
candidatos o conhecimento relacionado à cultura e os problemas enfrentados nas aldeias,
conhecimentos estes possíveis de serem adquiridos com propriedade a partir da convivência
e da participação. De acordo com Sineire Kuruaya,54 a própria entrevista é importante por
proporcionar ao candidato a possibilidade de “falar dos seus parentes e ancestrais”, contar a
história do povo e a pertença, para ela a entrevista é uma das etapas mais importantes do
PSE, pois é um momento de reflexão sobre a própria trajetória e trajetória do seu povo.
Neste sentido, muitos indígenas passam a buscar marcadores da sua identidade e
conhecimentos relacionados a própria história para ingressar na UFPA, refletindo sobre
marcadores étnicos que os diferenciem de não indígenas e de indígenas de outras etnias,
afinal, é no encontro entre distintas culturas que a nossa diferença se manifesta, que nossas
identidades indígenas são acionadas demarcando as relações de forma incisiva.
Um dos projetos que marcou presença indígena na Instituição foi o ciclo de oficinas
sobre Práticas Corporais Indígenas e teve como principal objetivo promover o
reconhecimento e valorização da cultura indígena entre os discentes, servidores e professores
na UFPA, realizado a partir da iniciativa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Cultura do Corpo,
Educação, Arte e Lazer (LACOR), em parceria com a APYEUFPA, no ano de 2012.
O projeto foi dividido em três etapas, a primeira aconteceu em maio de 2012 e teve
como foco oficinas relacionadas à pintura corporal que expressaram a diversidade de povos
indígenas existentes no Brasil. A segunda e a terceira etapa aconteceram em novembro e
dezembro do mesmo ano e tiveram como foco a exposição de “jogos indígenas” das etnias
Tembé, Karajá, Gavião-Parkatêjê e Kaingang, todas as oficinas foram ministradas pelos
indígenas discentes. Sobre as possibilidades de apresentar marcadores étnicos no espaço da

54
Sineire Maria Silva é da etnia Kuruaya, ingressou no curso de Engenharia Florestal em 2013, é
secretária em escola de Altamira e também participante da associação Kirinapan. Sineire Maria Silva
06 de ago. de 2015.
109

Universidade, assim como as possibilidades de combater estereótipos, E. Fernandes, Beltrão


& Oliveira (2015), indicam:

[a] visibilidade do ‘ser indígena’ nas atividades desenvolvidas na universidade contribui para
ampliar as relações cotidianas de convivência entre indígenas e não-indígenas no espaço
acadêmico, fazendo-os afrontar os estereótipos discriminatórios que persistem na instituição,
ao mesmo tempo em que revela as riquezas da diversidade cultural dos povos indígenas. Trata-
se de proporcionar oportunidades de intercâmbio de informações e experiências para que a
cidadania diferenciada dos indígenas estudantes possa ser melhor compreendida na UFPA e
consolide a pauta dos povos indígenas – e das políticas afirmativas que os abarcam – na agenda
de debate acadêmico. (2015: 262)

O percurso acadêmico na UFPA, além de proporcionar aos indígenas o aprendizado


relacionado a conhecimentos não indígenas, também é a oportunidade de conhecer a
realidade de outros povos a partir das experiências dos próprios indígenas discentes, neste
contexto de interação diversas parcerias são estabelecidas gerando cooperação mútua entre
integrantes da Associação. Apesar das possibilidades de afirmação étnica, no âmbito da
universidade a auto identificação pode não ser tão simples, principalmente para aqueles que
não possuem experiência com militância ou não participam com frequência de discussões
relacionadas ao enfrentamento de situações de preconceito e discriminação. Para estes
indígenas a timidez e a insegurança pode interferir na hora de revelar a identidade diante de
colegas, amigos e professores. Esta insegurança é minimizada entre os parentes que
participam de alguma forma nas lutas e mobilizações indígenas, o que se revela importante
na preparação para os enfrentamentos situações que possam surgir.
Outra questão que deve ser considerada é que a afirmação da identidade em muitos
destes espaços, pode ser comprometedora, considerando as relações conflituosas que
possam existir, prejudicando até mesmo o rendimento nas disciplinas, dependendo da
postura dos professores. Em Altamira, por exemplo, os relatos dos parentes são contundentes
ao revelarem que os povos indígenas não têm boa receptividade por parte da população local,
por serem vistos como baderneiros, entraves ao “progresso e desenvolvimento” da cidade.
Muitos moradores ao serem instigados a falarem sobre os povos indígenas da região,
ressaltam aspectos negativos, reclamam do “excesso” de mobilizações, paralisações,
trancamentos de rodovias, fechamento dos canteiros de obras da UHE Belo Monte. Em meio
ao preconceito e a ignorância, a afirmação étnica para um indígena que ingressa em cursos de
graduação da UFPA, demanda coragem e formação política para o enfrentamento das diversas
110

situações que por certo irão surgir, para muitos parentes é mais cômodo não referir a
identidade.
No caso da UFOPA, a presença indígena na Universidade é mais expressiva se
comparada a UFPA, com isso, as relações interétnicas são mais presentes e as situações de
discriminação e racismo acabam alcançando níveis preocupantes. Situação que se agrava no
caso dos indígenas do Baixo Tapajós, que sofrem por serem indígenas e por não apresentarem
os traços estereotipados presentes no imaginário de não indígenas e de alguns indígenas de
outras etnias, com isso, tem sua identidade étnica constantemente questionada.
O curso de Etnodesenvolvimento, por sua vez, faz um movimento contrário, de
valorização das diferenças, criando um ambiente favorável para a afirmação de identidades
coletivas. No curso se discute com mais afinco situações de preconceito e discriminação e
como as relações assimétricas e as desigualdades foram constituídas historicamente. Ainda
são problematizadas situações de violência contra grupos vulnerabilizados e discutidos
argumentos para combater os ataques aos movimentos sociais. Para os indígenas que estão
no curso, é a possibilidade de conhecer as ferramentas para lutar pelos direitos. A participação
em mobilizações no campus, ações via Ministério Público, discussões em seminários, palestras
e eventos acadêmicos demonstram que estão cada vez mais preparados para enfrentar as
adversidades, pois “baixar a cabeça nunca mais”, conforme ressalta Francinélia de Paula
Xipaia, indígena que ingressou no curso de Etnodesenvolvimento em 2010, formada em 2015.
O fato é que a nossa presença na universidade causa inquietações, provocando
reflexões e desconstruções de imagens “unitaristas” (Souza Lima, 2015) pautadas em
estereótipos e que desconsideram o dinamismo de nossas culturas. São tensões resultantes
do choque entre o imaginário e o real, que demandam a compreensão de que a cultura não é
estática. O distanciamento que existe entre a realidade dos povos indígenas e as
representações ainda é desconcertante, acabando por sobrepor quaisquer outras formas de
relacionamento. Tais estereótipos tem raízes históricas e vem sendo reproduzidos na mídia,
nas escolas, nos materiais utilizados em sala de aula, em muitos casos, o indígena é
apresentado como um ser imutável, parado numa época longínqua relacionada ainda à
chegada dos europeus, status este também requerido na universidade como possibilidade de
provar o pertencimento étnico.
111

Entre representações e estereótipos

Muitos estudiosos indígenas e não indígenas têm discutido sobre temas relacionados
às representações criadas e difundidas sobre os povos indígenas, a maioria destas
representações não compreendem a realidade de nossos povos, ademais, comprometem
reivindicações de povos que lutam pela garantia de direitos historicamente negados.
Relacionado ao acesso no ensino superior por meio de PAA, por exemplo, os estereótipos
podem significar a inclusão ou exclusão de candidatos, em termos práticos, como forma de
controle, algumas instituições criam mecanismos de verificação da pertença étnica que
consideram fenótipos, com avaliadores desqualificados para identificar o pertencimento
étnico e vinculações políticas. Sobre o assunto, Souza Lima afirma que,

[a] ampla reação contra mais esse movimento de instrumentalizar a administração pública
para excluir mais e mais indígenas de seus direitos e eximir-se de suas obrigações conseguiu
afastar o perigo imediato, mas não resolveu o problema que as cotas de certa forma estão
servindo para açular: iludimos cotidianamente e estudamos pouco – embora as
representações oficiais do país consagradas nos livros didáticos, o que hoje ficou
simploriamente reduzido a “bater” ou “salvar” a “ideologia da democracia racial” – o fato de
que não podemos desconhecer a realidade da mestiçagem biológica que no caso indígena foi
mesmo matéria de políticas da Coroa portuguesa, que estimulou-a inclusive pecuniariamente.
(Souza Lima, 2007: 22)

Os critérios de identificação dos povos indígenas com muita frequência fazem parte
dos debates relacionados a garantias de direitos, para fundamentar as argumentações é
recorrente verificar que questões relacionadas ao fenótipo são trazidas para a discussão,
como uma forma de qualificar ou desqualificar o outro pela ausência ou presença de traços
que remetam a uma ancestralidade indígena.
Neste contexto, grupos que sofreram com os impactos da colonização há mais tempo
mantêm contato com a sociedade não indígena, ou mesmo aqueles passaram ou estão
passando pelo processo de etnogênese podem ser ainda mais prejudicados, encontrando
resistências nas bancas examinadoras e em outros espaços em que a afirmação étnica é
requerida.55

55
Valorizando as produções locais sobre os silenciamentos étnicos produzidos em decorrência de
diferentes estratégias de colonização, reafirmação da identidade indígena, desconstrução de
estereótipos, não reconhecimento e não assistência a diversas esferas de direito, consultar os escritos
produzidos sobre os Tembé de Santa Maria do Pará, disponíveis em: E. Fernandes, Silva & Beltrão
112

Costumo dizer que os preconceitos podem ser ainda maiores para estes indivíduos, e
nesse aspecto me incluo, pois perpassam por dois tipos: (1) relacionado à pertença indígena,
momento em que toda carga negativa de estereótipos relacionados aos povos indígenas
afloram e acabam determinando relações conflituosas e; (2) por não apresentar traços físicos
que remetam aos povos indígenas da época de chegada dos europeus às américas, está última
pode ser identificada em comentários que parecem inocentes, tais como: “você nem parece
índio” ou então “você é índio civilizado” entre tantos outros que também podem estar
relacionados ao lugar que estamos, como se estar fora das aldeias nos faz menos indígenas.
O trabalho de desconstrução destes imaginários pode contar com fortes aliados, a
escola seria um deles, porém, em sala de aula, na maioria dos casos, os povos indígenas são
lembrados apenas no mês de abril. Boa parte dos professores que se propõe a levar a temática
para sala de aula não procura fazer um aprofundamento crítico sobre conteúdo repassado. A
situação fica ainda mais grave pelo fato de muitas dessas escolas estarem situadas em
municípios vizinhos a nossas terras indígenas, locais onde as possibilidades de trabalhar com
a diferença são inúmeras, pois contam em seus quadros de discentes os próprios indígenas,
porém, são nestes espaços que o preconceito e a discriminação acabam sendo mais intensos,
considerando as disputas territoriais e os interesses sobre as terras indígenas.
De acordo com Luciano (2006) a imagem do “índio” como um ser genérico e sem
diferenças permeia o imaginário não indígena, o autor define três perspectivas que
contribuem para estas representações. As duas primeiras são contrastantes, logo
identificáveis nas expressões utilizadas para fazer referência aos povos indígenas. Por um lado,
é possível observar os sentidos depreciativos relacionados à pertença, geralmente presente
em contextos locais, de disputas frequentes, onde os povos indígenas são desqualificados e
até mesmo considerados selvagens, bárbaros, incapazes e “sem alma”, entre muitos outros,
esta representação vem sendo construída desde a chegada dos europeus e, de acordo com o
autor “[...] é sustentada pela visão do índio cruel, bárbaro, canibal, animal selvagem,
preguiçoso, traiçoeiro e tantos outros adjetivos e denominações negativos”. (Luciano, 2006:
35)

(2011), Beltrão 2012, Lopes (2012), Aleixo (2013), E. Fernandes (2013), Barata & Beltrão (2014), Beltrão
& Lopes (2014a, 2014b), Garcia (2014) e R. Fernandes & Beltrão (2015).
113

Por outro lado, Luciano (2006) ainda apresenta a perspectiva que define o “índio” a
partir de uma visão mais romântica, que relaciona os povos indígenas com a natureza,
definindo como seres belos, inocentes e puros, desprovidos de maldade, ou seja,

[...] diz respeito à antiga visão romântica sobre os índios, presente desde a chegada dos
primeiros europeus ao Brasil. É a visão que concebe o índio como ligado à natureza, protetor
das florestas, ingênuo, pouco capaz ou incapaz de compreender o mundo branco com suas
regras e valores. (Luciano, 2006: 35)

Por fim, o autor faz menção a uma terceira visão, que confere cidadania povos
indígenas, teve a construção principalmente na década de 1980, culminando com a aprovação
de direitos significativos na Constituição Federal de 1988, para o autor,

[a] terceira perspectiva é sustentada por uma visão mais cidadã, que passou a ter maior
amplitude nos últimos vinte anos, o que coincide com o mais recente processo de
redemocratização do país, iniciado no início da década de 1980, cujo marco foi a promulgação
da Constituição de 1988. (Luciano, 2006: 36)

Considerar as três perspectivas trazidas pelo autor indígena é imprescindível para a


compreensão das relações interétnicas, assim como, para entender as políticas indigenistas
criadas desde o Brasil colônia. No entanto, apesar dos avanços a partir da década de 80 do
século passado, logo após a promulgação da Constituição é possível observar diversas
iniciativas com o objetivo de limitar os direitos conquistados pelos povos indígenas.
A última década tem sido palco para o fortalecimento do movimento anti-indígena, o
que permite afirmar que a perspectiva cidadã defendida pelo autor tem sido cada vez mais
ameaçada. O movimento de “usurpação aos direitos indígenas”, é fomentado por atores
sociais que ocupam diversos espaços na sociedade, adquirindo expressão cada vez maior nos
poderes legislativo e judiciário. Não é um movimento recente, porém, tem adquirido mais
forças por contar com a presença cada vez maior de integrantes de grupos econômicos nas
esferas de poder estatal, com grandes interesses nas terras indígenas e nas riquezas nelas
existentes. Sobre presença no Congresso Nacional, de grupos interessados nas terras
indígenas logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, Silvio Coelho dos Santos
(1995) demonstrou que,

[o]s interesses de grupos economicos especificos sobre as terras indigenas, bem como de
outros segmentos tradicionais da sociedade dominante, estiveram presentes no Congresso
com a clara intenção de eliminar boa parte dos direitos conquistados pelos povos indigenas.
114

Mais de duzentas emendas foram encaminhadas ao Congresso revisor, a maioria ameaçando


as conquistas dos indigenas. Qualquer alteração dos dispositivos constitucionais que tratam
do reconhecimento das especificidades culturais e sociais dos diferentes povos indigenas, bem
como relativos ao reconhecimento de suas terras tradicionalmente ocupadas, significariam um
retrocesso na ordem institucional do Estado brasileiro. Ordem que foi centrada na
consagração de principios como o reconhecimento da cidadania e da dignidade da pessoa
humana. (Coelho dos Santos, 1995: 90)

Souza Lima (2015), por sua vez, demonstra preocupações com o cenário político atual,
faz indicações sobre da convergência dos interesses de diversos grupos e alianças que
contribuem para a criação quadros pouco favoráveis para a discussão de questões indígenas,
na perspectiva do autor:

[n]o cenário legislativo democrático atual são defendidos os mais variados argumentos contra
os povos indígenas, somando-se a eles desde representantes do agronegócio e das empresas
de mineração até o vice-presidente, ministros de Estado e outros funcionários de alto escalão
do presente governo. Todos estes elementos demonstram a fragilidade das visões positivas
sobre os povos indígenas na sociedade brasileira contemporânea, vis-à-vis a ideologias
desenvolvimentistas sempre redivivas. (Souza Lima, 2015: 33)

Se no âmbito federal, é possível observar um crescimento do movimento anti-indígena


em todas as esferas de poder, localmente as pressões sobre as terras indígenas também
ganham forças com o crescimento do apoio popular, resultando em situações de conflito e
violação de direitos humanos. Muitos destes conflitos resultaram em decisões judiciais que
desconsideram os preceitos Constitucionais e as legislações internacionais ratificadas pelo
Brasil.
Um dos exemplos que discuto é a decisão da Justiça Federal do Pará em dezembro de
2014, que declarou inexistente a Terra Indígena Maró, na região Oeste do estado do Pará,
decisão truculenta que afirma não haver “índios” naquela região, apenas populações
tradicionais e ribeirinhos, violentando povos indígenas que há tempos vivem naquela região.
A decisão foi fundamentada no Relatório Técnico de Identificação feito pela FUNAI sob o
argumento de que os povos Borari e Arapium não preenchem critérios de tradicionalidade,
originalidade e permanência exigidos pela Constituição Federal, indo ao encontro dos
interesses de madeireiros da região. A decisão também colocou em risco a integridade física
115

de indígenas na região, pois ao negar a identidade indígena dos parentes, incentivou a revolta
de populações que vivem no entorno.56
O caso é importante por possibilitar outra leitura sobre o imaginário que vem sendo
construído sobre os povos indígenas, a decisão fomentou o ódio na população local contra os
indígenas Borari e Arapium, é claro que o papel da mídia e dos meios de comunicação
acabaram contribuindo significativamente para este quadro de negação de direitos. Permite
observar também as possíveis interpretações a dispositivos legais para que direitos sejam
negados, para atender aos interesses de elites locais numa perspectiva distorcida e parcial.
Neste contexto, os questionamentos relacionados à identidade indígena cada vez mais
adquirem forças no cenário de disputas legais, são produzidos em função de interesses
diversos, com frequência maior acabam encontrando guarida junto à legisladores, juristas e
antropólogos comprometidos com o modelo de desenvolvimento econômico que
desconsidera as minorias sociais.
A antropologia foi muito importante para o entendimento da diversidade dos povos
indígenas, permitiu verificar que não é possível definir um conjunto de características físicas
para definir o indígena, propõe ainda o exercício da relativização, afinal estereótipos e
generalizações distanciam ainda mais a sociedade da realidade dos povos indígenas,
contribuindo para desqualificar e interferir nas lutas pela garantia de direitos. Benites (2015)
entende como um desafio aos indígenas formados na Antropologia à descolonização de
imagens construídas de forma negativa e preconceituosa sobre os povos indígenas. O autor
ressalta,

[p]or isso, frente aos fatos relatados aqui, a minha posição e luta como indígena e antropólogo
são para descontruir e descolonizar esses “índios” idealizados e homogêneos nos livros
didáticos e na mídia. Somente assim a nova geração do povo brasileiro terá outra educação e
outros conhecimentos verídicos sobre as histórias e situações contemporâneos dos povos
indígenas no Brasil. (Benites, 2015: 247)

É importante para o sucesso deste projeto ações desenvolvidas pelos próprios povos
indígenas, assim como, as iniciativas individuais de lideranças indígenas no sentido de
desmistificar as representações criadas historicamente e cristalizadas como verdades únicas,

56
Para entender mais sobre o processo, acessar as informações disponíveis no site:
http://portal.trf1.jus.br/sjpa/comunicacao-social/imprensa/noticias/justica-federal-declara-
inexistente-terra-indigena-no-municipio-de-santarem.htm. Acesso em: 13 de maio de 2016.
116

é uma missão diária, cansativa e que parece infinda, pois os enfrentamentos ocorrem em
todos os espaços. Por outro lado, é um trabalho que deve envolver um conjunto muito maior
de atores sociais e do próprio Estado, pois demanda de esforço diante de mais de 500 anos
de construções estereotipadas, devendo ser empreendida em diversos espaços, por também
por professores não indígenas, profissionais que atuam com povos indígenas e parceiros que
de alguma forma trabalham com a temática, seja em sala de aula ou fora dela.
Mediante a diversidade de povos, culturas e formas de compreender o mundo, é
possível verificar que a realidade dos povos indígenas que estão na UFPA são distintas, porém,
essas diferenças precisam ser consideradas na Instituição, a garantia de direitos não pode ser
pautada em estereótipos e generalizações, afinal as fronteiras que demarcam as diferenças
são cada vez mais fluidas e borradas. (Barth, 2000)
Estas diferenças também definem a possibilidade de atuação, ao analisar as trajetórias
dos indígenas que ingressam na Instituição, além dos posicionamentos observados durante o
período da formação acadêmica, foi possível verificar que o retorno à comunidade é discurso
recorrente. Porém, nem todos apresentam este perfil, muitos não estão efetivamente
engajados nas lutas nas aldeias e nem mesmo em mobilizações dos povos indígenas fora delas,
desconhecem a realidade local, nacional e internacional e não procuram entender este
contexto de luta.
Pensando assim, existem indígenas discentes engajados nas lutas, dispostos a
trabalhar para proporcionar melhorias para suas bases e aldeias, temos outros pensando mais
individualmente, objetivando o bem-estar próprio e ascensão social. A vivência na aldeia ou
fora dela não é fator determinante para a definição do posicionamento ou comprometimento
político, porém, pode influenciar significativamente nas escolhas feitas.
O protagonismo pode significar a superação das dificuldades para o alcance de
objetivos individuais, mas representa, principalmente, a possibilidade de articulação e
mobilização coletiva em função de projetos comunitários que preveem a luta pela equidade e
garantia de futuro.

Traçando o perfil dos indígenas discentes na UFPA: das obrigações acadêmicas ao


comprometimento político

Os dados utilizados como base para as análises a seguir resultam de dez anos de
acompanhamento do PSE e podem diferir dos apresentados pelo CIAC. As principais
117

diferenças estão relacionadas: 1) número de ingressos e; 2) situação acadêmica. Em relação a


primeira, foi possível verificar até o ano de 2018 a falta de 21 indígenas discentes nos dados
do CIAC. A primeira hipótese para a discrepância nos dados seria pelo fato dos dados da minha
pesquisa considerarem todos os classificados em cada PSE, independente de terem realizado
a habilitação ou não, para o CIAC, passa a contabilizar a partir do momento da habilitação,
pois é nesse momento que é gerado o vínculo com a Universidade, portanto os classificados
e não habilitados não entram nas estatísticas do órgão. Porém, apesar disso, constatei ainda
que muitos indígenas classificados pelo PSE, habilitados, cursando e até mesmo formados pela
UFPA não aparecem nos registros do órgão, o que gera preocupação com a autenticidade dos
dados apresentados pela Instituição. Em relação ao segundo ponto, a situação acadêmica, o
principal problema ocorre com as desistências, trancamentos e cancelamentos de matrícula.
Muitos indígenas ao desistirem, não seguem os tramites burocráticos da Universidade, que
requer que se faça o trancamento da matrícula ou o cancelamento, apenas retornam para as
aldeias de origem, o que acaba mantendo sua matrícula ativa por muito tempo, não
permitindo que o CIAC tenha números precisos sobre a desistência de indígenas.
A análise dos dados relacionados aos povos indígenas na UFPA é importante para a
identificação dos problemas relacionados ao PSE, à permanência e permite estabelecer
estratégias para garantir o sucesso de indígenas no Ensino Superior, permitindo avaliar e
decidir sobre as áreas em que se deve tomar medidas para alcançar melhorias. Os dados
possibilitam o planejamento de ações pela APYEUFPA, garantindo o apoio necessário aos
parentes na base para a escolha adequada do curso e campus em que será realizado o curso.
Para um não indígena o processo de escolha da área profissional não é simples, pode
exigir a avaliação de fatores relacionados às aptidões e anseios do próprio indivíduo,
relacionados ao mercado de trabalho e também a própria concorrência dos cursos requeridos,
aliado a isso, o candidato também deve levar em consideração as diferenças existentes entre
as próprias instituições, condicionantes estas relacionadas à gratuidade do curso, localização
geográfica e reconhecimento desta Instituição em termos avaliativos. No caso dos povos
indígenas, além das condicionantes relacionadas ao indivíduo e ao ambiente, outro fator deve
ser levado em consideração, são as necessidades existentes nas comunidades que levam as
lideranças indígenas a realizar sugestões, nestes casos tanto elas, quanto a comunidade e
família, podem auxiliar na escolha do curso de ensino superior.
118

Até o momento o curso mais demandado pelos povos indígenas na UFPA tem sido
medicina, muitos parentes de diversas etnias do estado e de outros estados optam por ele,
elevando significativamente a concorrência. Apesar do número elevado de demanda para o
curso, nenhuma discussão sobre a possibilidade de aumentar o número destas vagas foi
realizada, algumas sugestões foram feitas, mas a alteração depende de uma decisão no
CONSEPE, considerando que a resolução aprovada em 2009 reserva duas vagas em cada curso.
Portanto, duas vagas foram garantidas em cada um dos PSE, totalizando até o momento 14
vagas oferecidas, em todos os anos as duas vagas foram preenchidas. O curso de medicina é
oferecido de forma integral somente no campus de Belém, não existe em nenhum outro
campus da UFPA e não é oferecido em outros regimes ou turnos.

Cursos mais demandados UFPA (2010 até 2018)

CIENCIAS BIOLOGICAS - LIC 11

LETRAS 14

ENGENHARIA FLORESTAL 15

ENFERMAGEM 16

PEDAGOGIA 20

MEDICINA 20

DIREITO 21

ODONTOLOGIA 23

0 5 10 15 20 25

Figura 7 – Cursos mais demandados por indígenas

Ao contrário de outros cursos, como pedagogia por exemplo, que é oferecido em


vários campi, tornando a oferta de vagas muito maior do que a procura. No edital para o
ingresso em 2017, 30 vagas foram oferecidas para povos indígenas no curso de pedagogia,
considerando que o curso é oferecido nos campi de Abaetetuba, Altamira, Belém, Bragança,
Breves, Cametá, Capanema, Castanhal, e Tomé-Açu, só em Belém existem quatro códigos para
o curso, oferecidos em vários turnos e nos regimes extensivo e intensivo. 57 Na relação dos

57
A UFPA divide o ano em quatro períodos letivos. O 1º período letivo acontece em janeiro e fevereiro,
considerado como regime intensivo; o 2º período letivo acontece de março a junho, correspondendo
119

cursos com maior número de ingressos até 2018 (Figura 7), medicina aparece em terceiro
lugar, atrás de odontologia e direito, ocupa a posição em decorrência da limitação de apenas
duas vagas por ano. Odontologia e Direito também não são oferecidos em outros campi,
porém, por serem oferecidos em vários turnos, mais de duas vagas são geradas cada ano,
permitindo o ingresso de mais de dois indígenas em cada PSE. No caso da Odontologia o curso
é oferecido no turno matutino e vespertino e direito nos três turnos, criando assim quatro
vagas em odontologia e seis vagas no curso de direito. Se comparados a medicina, a demanda
em todos os anos é menor, porém a oferta de mais vagas possibilita o ingresso de mais
indígenas discentes.
Esta metodologia aumentou o número de vagas em cada curso que seja oferecido mais
de um turno. Configura-se como um grande avanço, pois considera as demandas dos povos
indígenas e a necessidade de formação de profissionais nestas áreas específicas, áreas com
maior procura. Tais alterações passaram a fazer parte dos editais lançados em 2015, 2016 e
agora para o ingresso em 2017, garantias que superaram as expectativas das próprias
lideranças indígenas que observaram o acréscimo como um bônus em relação ao acordo
firmado em 2009, que reservava duas vagas em cada curso em cada campus da Instituição.
A procura pela área jurídica, saúde e educação está relacionada aos problemas
enfrentados com mais frequência nas aldeias, áreas que dão suporte para conquistas
importantes. Raimundo Tembé,58 professor e liderança da aldeia Frasqueira do povo Tembé,
no atual município de Santa Luzia do Pará, relata que é “importante também ter médico,
enfermeira, advogado formado para que possa voltar para nossa comunidade e trabalhar em
defesa de seu povo”, os dados apresentados vão ao encontro da afirmativa do parente Tembé,
pois são áreas consideradas importantes para comunidades.
Desde o início do PSE para povos indígenas tenho observado um movimento grande
de candidatos indígenas em direção à capital, apesar de ter diminuído até 2014, foi
significativo para atribuir ao campus de Belém o título de mais requerido pelos indígenas. Uma
das explicações para a procura está relacionada a concentração dos cursos mais demandados

ao regime extensivo; o 3º período letivo ocorre em julho e agosto, em regime intensivo e; 4º período
letivo de agosto a dezembro. Seguindo esta lógica, oferta dos cursos pode seguir os regimes extensivo
e intensivo, com o mesmo curso oferecido em regimes diferentes.
58
Acervo APYEUFPA, audiovisual Caravana do Vestibular Indígena, Aldeia Frasqueira, filmagem no dia
12 de out. de 2012.
120

na capital. A figura 8 apresenta, em números percentuais, a procura dos candidatos pelos


campi da UFPA.

INDÍGENAS APROVADOS/CAMPUS PSE/UFPA


(%)

60,0 54,4

50,0

40,0

30,0
17,6
20,0

10,0 2,2 2,2


0,3 0,6 0,3 1,3 0,9
0,0

Figura 8 – Indígenas aprovados na UFPA por campus

Considerando os índices relacionados a Belém, concentro a maior parte das análises


neste campus, o qual é utilizado como base de comparação com outros campi e outras
instituições. Totalizaram 174 indígenas os que ingressaram no campus de Belém via PSE para
povos indígenas nos cursos de graduação, além destes discentes, alguns indígenas ingressam
pelo PS universal e outros nos cursos de Pós-Graduação, os números relacionados ao PSE e
Pós-Graduação servem como referência para as análises realizadas sobre este campus. Ao
comparar o número de ingressos nos diversos campi da UFPA, é possível observar que o
campus de Belém concentra o maior índice de procura pelos indígenas, 54% dos indígenas que
ingressaram na Universidade nos cursos de graduação optaram por fazê-los na capital do
estado.
A quantidade de indígenas que ingressaram neste campus está intimamente
relacionada com a proximidade da capital dos municípios de Santa Luzia do Pará, Tomé-Açú e
Santa Maria do Pará, municípios onde estão localizados as aldeias do povo indígena Tembé,59

59
O povo Tembé está localizado na região nordeste do estado do Pará, nas proximidades dos rios
Guamá e Gurupi na Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG) e Terra Indígena Alto Turiaçu. Nas
proximidades do Rio Acará na Terra Indígena Turé-Mariquita no Município de Tomé-Açú e nas
121

etnia com maior representatividade na Instituição. O povo Tembé é conhecido no estado do


Pará por ser incisivo nas lutas pela garantia dos direitos, costumam estar à frente das
principais reivindicações que acontecem na capital paraense e não medem esforços para se
fazerem representar em discussões nacionais. A postura proativa garante lugares de destaque
e posições importantes nas articulações entre os povos indígenas o Estado brasileiro e
sociedade civil.
A maioria das decisões sobre assuntos de interesse comum são tomadas de forma
coletiva e perpassam por longas discussões, considerando a quantidade de pessoas e o
número de aldeias que existem. Os Tembé tiveram participação ativa nas discussões
relacionadas à criação de vagas reservadas para povos indígenas nos cursos de graduação da
UFPA e procuram manter a proximidade com a Instituição para fazer o acompanhamento e
controle sobre as mudanças ocorridas. Tal proximidade garante ao povo a possibilidade de
maior compreensão sobre os tramites burocráticos e sobre a estrutura do próprio PSE.
Todos os anos são realizadas reuniões nas comunidades para discutir aspectos
relacionados ao ingresso de indígenas no ensino superior, especificamente na UFPA. Nestas
reuniões, lideranças e candidatos Tembé afinam os discursos sobre as escolhas feitas, os
caminhos que devem ser trilhados pelos candidatos, as possibilidades de retorno para a
comunidade e o comprometimento político com as comunidades, são discussões que tomam
como base lutas enfrentadas por eles e acabam sendo importantes na preparação para provas
realizadas na UFPA, contribuindo significativamente para formação da identidade Tembé.
Até o presente momento, o campus de Belém contou com ingresso de indígenas
pertencentes a 28 etnias diferentes, sem dúvidas os Tembé são mais representativos, porém
não deixo de destacar o número de indígenas oriundos de outros estados, assim como do
Amazonas e Amapá, das etnias Baré e Karipuna, respectivamente, os quais procuram com
mais frequência a UFPA por causa das PAA específicas para povos indígenas.
A procura pela universidade não acontece tão cedo para os povos indígenas,
considerando os problemas enfrentados na educação básica, de acordo com os dados
levantados no campus de Belém, a média de idade para o ingresso no campus da UFPA em
todos os anos ficou em 25 anos. Dos 174 indígenas que ingressaram, até o presente momento

proximidades dos rios Jeju e Maracanã no município de Santa Maria do Pará, esta última ainda não
conta com terra demarcada.
122

sete concluíram os cursos, com o tempo médio de cinco anos. Apesar dos nossos esforços no
sentido de garantir condições de permanência na UFPA, os índices de desistência,
trancamento e não habilitação são elevados, alcançando 28 indígenas desde 2010, conforme
a tabela 2.
Tabela 2 – Status dos indígenas que ingressaram no campus de Belém
PSE PARA POVOS INÍGENAS SITUAÇÃO BELÉM GRADUAÇÃO
ANO INGRESSO DESISTÊNCIA CURSANDO CONCLUINTE
2010 23 16 1 6
2011 15 7 3 5
2012 10 4 4 2
2013 9 1 5 3
2014 6 2 4
2015 17 3 14
2016 19 2 17
2017 23 4 19
2018 51 4 48
TOTAL 173 43 115 16

Os anos de 2010, 2011 e 2012 são alarmantes, atingindo a média de 52% de


desistências de indígenas que ingressaram via PSE na Instituição, diminuindo gradativamente
a partir de 2015. O ano de 2010 pode ser considerado o pior para a permanência de indígenas
na UFPA, em que as dificuldades foram expressivas e determinaram a desistência de muitos
parentes. Se por um lado, a Universidade atendeu as demandas dos povos indígenas criando
as PAA, por outro, não criou nenhum tipo de política pensada na permanência destes
coletivos. Tive a oportunidade de acompanhar todo o percurso, com frequência ouvia relatos
das desistências, não foram poucas as vezes que procurava conversar com os indígenas nas
aldeias na tentativa de trazê-los de volta a Universidade.
O ingresso desse novo público na UFPA deveria ter sido encarado com mais seriedade
pelos representantes da Instituição. Ao analisar os debates empreendidos na UFPA sobre a
temática das vagas reservadas para povos indígenas, é possível verificar que o avanço foi
pouco significativo, em sete anos de PSE para povos indígenas foram promovidos apenas
alguns eventos, sempre motivados pela pressão do movimento indígena estudantil com o
apoio das lideranças indígenas. A incipiência da discussão sobre a temática é resultado do
descaso dos representantes da Universidade na elaboração/discussão e implementação de
123

políticas tanto para o acesso, quanto para a permanência e revela o lugar marginalizado a que
os discentes indígenas foram submetidos. A figura 9 reflete bem as afirmativas.

Situação acadêmica dos discentes indígenas


Belém/graduação (%)
100 89 92
90 82 83
80 70 67
70
60 56
47
50 40 40
40 33 33 33
26
30 20 20 18 17
20 11 11
4 8
10 0 0 0 0 0
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

DESISTIRAM CURSANDO CONCLUÍRAM


(%) (%) (%)

Figura 9 – Gráfico situação acadêmica dos discentes do campus de Belém/graduação

O descaso da Instituição relacionado à permanência não significou apenas a exclusão


da possibilidade de continuar em um curso de ensino superior, mas também fez incidir sobre
os indígenas o estigma do fracasso, a vergonha e a humilhação de ter que voltar para a
comunidade e explicar para as lideranças e familiares as razões da desistência. Para os Tembé,
os impactos foram significativos, além de serem o povo com maior número de indígenas
aprovados no PSE, também lideram o ranking de desistências, os impactos sofridos por eles,
ao ingressarem em uma Instituição despreparada para recebê-los, refletiu significativamente
nos números.
124

4. Entre diversidade e igualdade: os desafios da presença indígena na UFPA

Neste capítulo, problematizo a saga indígena na UFPA em luta pela permanência,


procuro apresentar as dificuldades que impactaram de forma coletiva os indígenas discentes,
muitas delas provocadas pela própria Universidade em ações diretas ou simplesmente pela
omissão, muitas são entendidas como manifestação do racismo institucional, situação
agravada com a falta de política Institucional de permanência para povos indígenas. Procuro
fazer uma reflexão cronológica dos acontecimentos, valorizando as ações protagonizadas a
partir da APYEUFPA no sentido de identificar as dificuldades e buscar apoio para a solução. A
sessão é importante por mostrar o protagonismo de indígenas discentes para provocar
mudanças nas “regras do jogo” da UFPA. São agências que se manifestam em luta por direitos
coletivos, enfrentamentos necessários para superar a invisibilização e o racismo institucional
presente na UFPA.
A presença indígena na Instituição não está restrita apenas à capital paraense, as vagas
reservadas para povos indígenas são disponibilizadas em todos os campi do interior. Nos
processos seletivos até 2018, indígenas ingressaram em nove campus da Instituição, Belém é
o campus com maior número de classificados no processo, seguido por Altamira que também
conta com número expressivo nos cursos de graduação e no Curso de Licenciatura e
Bacharelado em Etnodesenvolvimento. Nos outros campi os números não são expressivos,
totalizando 25 classificados desde 2010, os quais ingressaram em Abaetetuba, Bragança,
Castanhal, Mãe do Rio, Salinópolis, Tomé-Açu e Tucuruí, destes ainda, Abaetetuba lidera
contando com seis classificados.60
A realidade no interior do estado difere significativamente da capital, na maioria dos
casos, a coordenação dos campi, os professores e colegas não sabem da existência de
indígenas e as iniciativas para garantir a permanência na Universidade dependem do
indivíduo, uma vez que, a quantidade de indígenas desfavorece a mobilização e a criação de
organizações representativas.
Somado a isso, as dificuldades para acesso a informações relacionadas ao apoio
acadêmico podem ser consideradas obstáculos para a permanência. Em instituições de ensino

60
No PSE de 2017, observou-se demanda significativa em Abaetetuba, porém, depois de analisar as
declarações de pertencimento, foi constatado que as mesmas não estavam adequadas, não atendendo
o edital, todas foram indeferidas. Hoje, tramitam processos administrativos relacionados aos ingressos
de pessoas deste município que passaram pelo PSE para povos indígenas.
125

superior, grande parte das informações de interesse dos discentes são disponibilizadas em
sites específicos na internet, tanto relacionadas ao acesso, quanto aos programas voltados a
permanência. A via democratiza o acesso à informação e gera facilidades para muitos, porém,
as dificuldades acabam se agigantando para quem não conta com habilidades específicas com
estas tecnologias. Jane Felipe Beltrão, Willian César Lopes Domingues e Assis da Costa Oliveira
(2015), lembram que,

[g]rande parte dos estudantes chegam à universidade vindos de comunidades que vivem em
considerável grau de isolamento com o mundo não indígena, sem contato diário com os vários
vieses do mundo dos brancos, sem dominar plenamente seus códigos e tecnologias, não
porque sejam povos “sem” condições para tal, mas porque foram moldados e se guiam por
outros códigos e tecnologias que não aqueles que se fazem hegemônicos da sociedade
ocidental a qual os indígenas não tinham/tem acesso, desde que seus antepassados, por um
motivo ou por outro. Apesar da agência indígena para superar a assimetria estabelecida desde
a invasão dos europeus. (Beltrão, Domingues & Oliveira, 2015: 100)

O uso de recursos tecnológicos é realidade recente para muitos povos indígenas, vem
sendo apropriados principalmente pelo público jovem. Mesmo para quem tem experiência
com o ciberespaço,61 acesso a determinados sítios pode ser tarefa difícil dependendo da
disposição dos conteúdos e da organização das páginas, o que requer tempo maior para
localização das áreas de interesse. A maioria destes locais apresentam inúmeras informações,
links, atalhos, propagandas que podem confundir o usuário. A habilidade para navegar nestes
sítios requer conhecimentos específicos que também dependem da prática cotidiana, o que
demanda certo tempo, fator que deve ser considerado mesmo no ritmo acelerado da
Universidade.
Na UFPA, a massificação das informações difundidas preponderantemente pela
internet não atende as especificidades dos povos indígenas, a metodologia apresenta
características etnocêntricas que desconsideram diferenças culturais e as dificuldades de
povos historicamente excluídos do mundo digital.
Além dos recursos tecnológicos, discentes são impactados pelo uso excessivo de siglas.
Na UFPA, assim como em outras organizações públicas e privadas, nomes extensos acabam
sendo transformados em siglas para facilitar a comunicação, conforme indica Maria Inez

61
Categoria criada pelo escritor de ficção científica Willian Gibson em 1984 para referir a um conjunto
de computadores conectados que permitem o fluxo de informações, um espaço não físico constituído
pelas redes digitais que permitem a comunicação.
126

Matoso Silveira (2008), “[n]ão raro, esses grupos nominais extensos se transformam em siglas
que aparecem em profusão e que infestam a burocracia no serviço público e, por extensão,
nas empresas e corporações privadas.” (Silveira, 2008: 237)
Siglas como CIAC, PROEX, PROEG, CEPS, SAEST, SIGAEST, SIGAA, DAIE, PBP, RU, BC,62
entre inúmeras outras, são desconhecidas para calouros e para muitos veteranos, porém,
muito utilizadas por profissionais e pelos próprios discentes em orientações relacionadas à
vida acadêmica. O uso de siglas na Instituição é fator preocupante, quando empregadas em
determinados contextos impedem a comunicação prejudicando o repasse de informações,
gerando quadros de exclusão conforme apresenta Silveira (2008). Nesta linha de pensamento
a autora defende que as siglas podem ser usadas para separar, os que dominam a informação
daqueles que não a dominam, para ela, “a sigla, ao tempo em que favorece a concisão,
impossibilita também a compreensão da mensagem pelas pessoas que desconhecem o
conteúdo abreviado”. (Silveira, 2008: 237)
Se por um lado, as especificidades linguísticas dos povos indígenas representam
obstáculos para a comunicação no mundo não indígena, por outro, na academia, o uso de
códigos, de linguagem técnica, de abreviaturas e siglas representam mais obstáculos para o
acesso a determinados serviços, pois induzem a interpretações diversas e/ou equivocadas
sobre as informações repassadas.
A não compreensão as siglas entre os povos indígenas e não indígenas deixa evidente
a necessidade da criação de momentos informativos, pensados para atender as
especificidades culturais e linguísticas, no sentido de proporcionar melhores condições para
que a comunicação realmente aconteça.
Para além da compreensão das siglas mais utilizadas, as noções relacionadas ao espaço
físico da Universidade, a localização dos institutos, das salas de aulas, os projetos e programas
oferecidos pela instituição, entre muitos outros, também fazem parte de um conjunto de
informações que devem ser repassadas para os indígenas discentes logo no ingresso, pois
permitem melhores condições para o acesso aos direitos garantidos, tais informações devem

62
Os significados das siglas indicadas são: Centro de Registro e Indicadores Acadêmicos (CIAC); Pró-
Reitoria de Extensão (PROEX); Pró-Reitoria de Ensino e graduação (PROEG); Centro de Processos
Seletivos (CEPS); Superintendência de Assistência Estudantil (SAEST); Diretoria de Assistência e
Integração Estudantil (DAIE); Sistema de Assistência Estudantil (SIGAEST); Sistema Integrado de Gestão
de Atividades Acadêmicas (SIGAA); Restaurante Universitário (RU); Biblioteca Central (BC) e; Programa
Bolsa Permanência (PBP), estas são apenas algumas das siglas mais utilizadas na UFPA.
127

ser democratizadas de forma que atendam a especificidades linguísticas, culturais e físicas, se


considerarmos as Pessoas com Deficiência (PcD) que cada vez mais ocupam seus espaços no
âmbito da academia.
Nos primeiros anos de PSE para povos indígenas não houve momentos de
acolhimento, uma alternativa para os parentes seria a participação na Semana do Calouro,
ritual acadêmico importante na vida dos calouros, pois proporciona melhor compreensão da
realidade universitária e conta com significativos debates sobre temas específicos, em 2010 a
Semana do Calouro foi promovida pelo Diretório Central de Estudantes da UFPA
(DCE/UFPA).63
Apesar do evento ser bastante difundido na comunidade universitária, entre os
indígenas não tem o mesmo alcance, devido principalmente à impossibilidade do acesso à
informação nos locais de origem. Outro fator relevante para a baixa adesão indígena é o
período de realização, que geralmente acontece na semana que precede o início das aulas. A
participação na atividade seria possível se o período de permanência dos indígenas no local
de estudo fosse maior antes do início das aulas, mas a limitação de recursos financeiros é
condicionante, o período de uma semana que precede o início das aulas é importante para a
organização e encaminhamentos necessários no município em que irão residir.
A falta de um momento específico para receber os parentes reflete o despreparo da
Instituição para a inclusão e a invisibilização a grupos etnicamente diferenciados. As palavras
de parentes em reuniões feitas à época são indicadores do que se afirma, para eles o ingresso
na Instituição parece ter sido feito “pela janela”. A expressão na academia é utilizada para
desqualificar pessoas que ingressaram por outras vias de acesso, como se a forma de ingresso
universal fosse a única “aceitável” e todas as outras tivessem menor valor, é mais uma forma
de diminuir ou deslegitimar quaisquer outras formas de acesso e as próprias Ações
Afirmativas.
Para os povos indígenas, o ingresso pela janela é feito por pessoas indesejadas na casa,
geralmente por quem deseja fazer algum mal à família, quando o acesso é feito por esta via,
a presença do indivíduo não é bem-vinda, desencadeando conflitos. Muitos povos indígenas
nem mesmo contam com janelas em casa, o acesso é restrito apenas a porta, como é o caso

63
Para saber mais sobre a Semana do Calouro 2010, acessar o site:
https://ww2.ufpa.br/imprensa/noticia.php?cod=3599. Outras notícias relacionadas às “calouradas”
estão disponíveis no site da Instituição, no setor de imprensa.
128

dos Araweté, por exemplo, que contam com apenas uma porta de acesso ao interior da casa,
estrategicamente a inexistência de janelas permite maior segurança para os habitantes, pois
diminui a possibilidade de acesso pelos inimigos e por animais.
Pensando assim, ingressar pela janela significa dizer que o indivíduo não terá a mesma
recepção que teria caso tivesse sido convidado a entrar pela porta, forma adequada de
ingresso. Quando convidada, todos os ritos de recepção serão realizados de forma apropriada,
proporcionando ao visitante conforto e tenha boas impressões, retornando em outros
momentos, quando desejar.
Não ser recebido de maneira apropriada parece significar para a Universidade que o
nosso ingresso é “feito pela janela” e não “pela porta”, nesta linha de pensamento, a questão
seria: por que não receber de maneira adequada quem ingressa por Ações Afirmativas? A
impressão que temos, quando a falta de apoio desencadeia índices significativos de
desistência, é que não somos desejados no espaço da academia, como se este não fosse nosso
lugar, o descaso exclui qualquer possibilidade de sucesso e impede projetos de vida coletivos.
Portanto, a permanência de indígenas discentes também depende de ações Institucionais de
Assistência Estudantil que minimizem impactos e permitam melhor “adaptação” com o tempo
e espaço da cidade e Universidade, contribuindo para a superação de lacunas e possíveis
dificuldades que possam surgir, preparando para o enfrentamento da discriminação e
racismo.
A Assistência estudantil para povos indígenas no ensino superior recebeu atenção
especial na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei nº 9.394 de 20 de
dezembro de 1996, a qual a partir de 09 de junho de 2011, ganhou parágrafo específico com
a criação da Lei 12.416/11. O novo texto traz alterações, garantindo no Artigo 79, § 3º apoio
aos povos indígenas que ingressam no ensino superior,

[n]o que se refere à educação superior, sem prejuízo de outras ações, o atendimento aos povos
indígenas efetivar-se-á, nas universidades públicas e privadas, mediante a oferta de ensino e
de assistência estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas
especiais. (LDB, 2017: 50)64

64
Para entender melhor como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, conferir:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529732/lei_de_diretrizes_e_bases_1ed.pdf.
Acesso em: 29 de mar. de 2018.
129

A LDB é importante dispositivo para orientação da educação brasileira em diversos


níveis, o fator étnico é presente na legislação, com orientações relacionadas a inclusão da
temática indígena no ensino de história, assegurando a possibilidade da utilização da língua
materna no ensino fundamental e médio, assim como, a oferta de educação que seja
intercultural e bilingue, respeitando e valorizando práticas culturais e linguísticas.
O apoio a partir da Assistência Estudantil em instituições de ensino superior aparece
uma única vez na LDB, apenas para fazer referência à necessidade de apoio aos povos
indígenas que ingressam no ensino superior, abrindo para o estímulo da pesquisa e
desenvolvimento de “programas especiais” para este público. O marco legal favorece a criação
de programas e políticas pelo governo federal, sendo orientadora das ações das IES. A Lei
também é instrumentalizada pelos povos indígenas na luta por direitos, sendo referencial na
elaboração de argumentações para cobranças relacionadas ao aperfeiçoamento de ações de
Assistência estudantil, ampliando assim a possibilidade de continuidade.
Com a principal finalidade de ampliar as condições de permanência em instituições
públicas de âmbito federal, o governo federal criou em julho de 2010 o decreto nº 7.234/10,
o qual dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), este programa
define a implementação de forma articulada com o ensino, pesquisa e extensão,
determinando áreas de para as ações de assistência estudantil, portanto, as ações de
assistência estudantil para garantir o apoio a indígenas discentes mencionadas na LDB, são
definidas pelo PNAES, sendo elas: 1) moradia estudantil; 2) alimentação; 3) transporte; 4)
atenção à saúde; 5) inclusão digital; 6) cultura; 7) esporte; 8) creche; 9) apoio pedagógico e;
10) acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação.65
A partir deste programa, recursos são repassados para Instituições federais de ensino
superior para implementarem as ações de assistência estudantil, desde que, pensadas para
promover a igualdade de oportunidades, a inclusão social e contribuam para melhorias no
rendimento acadêmico com intuito de prevenir a retenção e evasão acadêmica.
O PNAES traça as linhas gerais para o atendimento aos povos indígenas, a LDB, por sua
vez, informa sobre a necessidade de contemplar indígenas discentes em programas de

65
O decreto nº 7.234/10 que dispõe sobre Programa Nacional de Assistência Estudantil encontra-se
disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7234.htm.
Acesso em: 30 de mar. de 2018.
130

assistência estudantil de forma que a especificidade do fator étnico seja considerada,


garantindo desta forma um conjunto de ações voltadas a permanência deste público. Sendo
assim, cabe a UFPA garantir estes direitos, criando e institucionalizando programas específicos
para povos indígenas em cada uma das áreas previstas no PNAES. Somente assim uma Política
de Permanência para povos indígenas teria condições de tornar-se realidade, contribuindo
para a superação da sensação do ingresso “pela janela”.

Refazendo a caminhada

A nova gestão da UFPA (2016 – 2020) assumiu compromisso com povos indígenas e
tem se mostrado sensível com o trato com as minorias sociais, apresentando propostas
concretas de apoio estudantil a grupos em situação de vulnerabilidade, mantendo-se acessível
a diversidade a demandas feitas desde que assumiu o compromisso com a inclusão social. O
trabalho tem sido pautado no aprimoramento de programas existentes e a criação de outros
com foco na garantia da permanência de discentes na UFPA, diminuindo assim, o abismo que
entre o projeto de Universidade e os projetos dos povos indígenas. A participação em
discussões e planejamentos de ações de interesse dos povos indígenas é marca da nova
gestão, o que garante a elaboração de políticas que contemplem realidades específicas e
culturalmente diferenciadas, atendendo assim o que diz na convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), quando fala em consulta prévia.
É possível afirmar que o compromisso assumido também é resultado da organização
do movimento indígena estudantil na UFPA, o qual desde 2011 tem buscado aproximação com
as diversas gestões na tentativa de garantir a permanência de discentes indígenas na
Instituição. Mas o quadro nem sempre foi favorável, aliás a trajetória indígena na UFPA é
marcada por enfrentamentos à inúmeras dificuldades. O relato de experiência feito por Almir
Tembé, em 2012, durante reunião realizada na aldeia Frasqueira expressa os problemas que
indígenas da etnia Tembé enfrentaram logo após o ingresso ainda em 2010, também deixa
evidente a possibilidade de mobilização coletiva para alcançar melhorias na qualidade de vida
e, neste caso, a garantia de um pequeno espaço (almoxarifado) para um grupo de discentes
na FUNAI em Belém:

[n]ós éramos 13 Tembé do Jeju e de Capitão Poço, a gente ficou na FUNAI, teve uns que
permaneceram mais tempo, no caso do Jorge que ficaram sete meses, eu tive a oportunidade
131

de passar dois meses lá junto com o Sandro, com o Ataíde e toda a galera, era rede pendurada
uma do lado da outra e colchonete espalhado pelo chão, era um espaço pequeno de somente
um quarto lá [almoxarifado] na FUNAI, tinha um banheiro. Então a dificuldade imensa, tinha
uns que ligavam o som e outros já queriam se acomodar, sei que não foi fácil. As parentes
também que eram a Keila, a Rita a Leidinha tinham que ficar lá na sala dos servidores da FUNAI,
então quando eles chegavam de manhã tinham que sair. Alguns iam para a UFPA estudar,
então elas iam lá pro quarto ficar até chegar o horário da aula, foram várias dificuldades que
nós encontramos. (Almir Tembé, 2012)

Após o ingresso, a falta de apoio agrava a situação na medida em que o tempo passa,
os poucos recursos reservados pelos discentes para as etapas iniciais não são suficientes para
garantir a permanência, fazendo com que busquem apoio com familiares, colegas, amigos,
entre outros. Aos que possuem algum conhecido na capital, é possível que a estadia esteja
garantida por algum tempo, mas ainda restam os gastos com alimentação, transporte,
materiais didáticos, entre outros.
Após a aprovação no PSE, a primeira dificuldade enfrentada é de encontrar um local
para morar, para quem não conhece a capital, essa etapa pode ser frustrante, ainda mais
quando não se tem dinheiro para pagar o aluguel; a segunda dificuldade é a falta de dinheiro
para se manter no local de estudos, pagar aluguel, ônibus, materiais, alimentação entre tantos
outros; a terceira é de se ambientar com a cidade e com a universidade, conhecer todos os
espaços, as turmas, o ritmo de estudos e para isso é necessário que exista acompanhamento
diferenciado.
As dificuldades relatadas por Almir foram enfrentadas em grupo, porém muitos
parentes de outras etnias não tiveram a mesma possibilidade de mobilização, tendo que
enfrentar uma nova realidade sem contar com o apoio de outros indígenas. No caso dos
Tembé, as aflições, problemas e angústias individuais acabavam sendo compartilhadas,
provocando mobilização coletiva para o enfrentamento. A disponibilização do almoxarifado
da FUNAI para servir como alojamento para o grupo Tembé aconteceu em resposta a
inúmeras reivindicações feitas por indígenas discentes e lideranças da base, os quais uniram
forças para garantir um direito. Os relatos dos parentes que iniciaram as discussões
envolvendo a FUNAI, como é o caso de Jorge Tembé, dão conta de que iniciativas individuais
também foram protagonizadas por vários parentes junto a coordenação da FUNAI com o
objetivo de solicitar apoio para os indígenas discentes da UFPA, porém, somente depois da
132

organização coletiva e muitas reuniões é que providências foram tomadas. Sobre as


dificuldades que enfrentaram para conseguir um espaço na FUNAI, Kauê ressalta:66

[a]quilo ali foi muita burocracia, a gente conversava muito entre nós, as lideranças daqui
também iam lá e a gente conversava com eles, mas eles sempre diziam que a gente tinha que
ter paciência que não era assim em cima da hora que era uma coisa demorada, aí custou.
(Kauê, 2015)

Pedidos de paciência e calma tornaram-se rotineiros nos discursos de funcionários da


FUNAI, as tentativas eram de acalmar os ânimos e adiar a situação por mais algum tempo,
diziam que não haviam sido chamados para a discussão sobre a criação do PSE na
Universidade e a não participação não permitiu a elaboração de planos e estratégias prevendo
a chegada desse público à capital paraense, restando apenas o ônus com as diversas
demandas de indígenas discentes às portas, o qual não poderia ser arcado com a escassez de
recursos naquele momento. Na tentativa de solucionar o “problema”, a coordenação de
Belém encaminhou para Brasília documentos solicitando providências, agendou reuniões e
expôs o caso ao presidente da FUNAI, à época Marcio Augusto Freitas de Meira.
Portanto, o espaço foi disponibilizado para responder solicitações e amenizar as
cobranças feitas, contribuiu paliativamente para dirimir as dificuldades relacionadas à
habitação, enquanto se aguardava uma resposta da FUNAI Brasília. Foram mais de sete meses
morando no almoxarifado da FUNAI, o local não oferecia condições adequadas para alojar os
indígenas, não havia estrutura que permitisse privacidade tanto para os estudos quanto
relacionados a convivência, as redes e colchões foram posicionados por todos os espaços no
local.
Mesmo tendo os indígenas como hospedes, as atividades profissionais na FUNAI
tiveram continuidade, porém a rotina foi alterada por conta da presença do grupo, que
acabava transitando em diversos espaços, utilizando banheiros, sala de informática, cozinha,
salas de reuniões, entre outros. A maioria das pessoas não gosta de ter a rotina alterada, ainda
mais desta forma, portanto, depois de algum tempo o clima foi ficando tenso, a presença
indígena passou a causar desconforto para os funcionários, situação agravada pelo não

66
Neste caso utilizo um nome fictício para manter em sigilo a identidade de meu interlocutor. Realizada
em 21 de set. de 2015.
133

cumprimento de regras por alguns parentes, naquele momento aguardava-se ansiosamente


a resposta vinda de Brasília.
Com a falta de condições mínimas para se manter na capital, aos poucos foram
desistindo e voltando para as aldeias, o relato de experiência feito pelo parente Kauê é
marcante por indicar que as dificuldades enfrentadas tomaram proporções tão grandes que
não puderam ser superadas por ele, afinal teve que escolher entre comer ou estudar:

[e]u desisti porque, mais assim por falta de apoio, da Universidade, da FUNAI e da comunidade,
se tivessem me ajudado eu estaria terminando também. Naquele tempo nós tivemos o apoio
[Bolsas da universidade], mas custou muito, foi muito tarde o apoio que foi pra gente, daí a
gente sai assim da aldeia pra ir pra uma universidade é muito difícil as coisas né? Tinha dia que
ou eu ia pra universidade ou eu comia, se eu fosse pra universidade eu não comia, se eu
almoçasse eu não ia pra universidade e aí pensei, poxa tá difícil. Os outros tinham mais
condições, de vez em quando me ajudavam. (Kauê, 2015)

Almir e Kauê fazem parte de um pequeno grupo que enfrentou as adversidades na


Universidade, ficaram hospedados juntos no almoxarifado da FUNAI e receberam bolsa
apenas sete meses após o ingresso. Kauê não contou com o apoio financeiro da família ou
mesmo da comunidade, teve que enfrentar as agruras de viver fora da aldeia contando apenas
com o apoio e a solidariedade dos amigos, os quais emprestavam dinheiro e dividiam a
alimentação no período em que não recebeu bolsa.
No caso de Kauê, a falta de apoio teve como consequência a impossibilidade de
continuação do curso escolhido, Almir por sua vez, apesar das dificuldades, conseguiu finalizar
o curso e defender o TCC no ano de 2016, além dele, outros parentes que estiveram nas
mesmas circunstâncias que Almir na FUNAI estão formados, dentre eles Jorge Alberto
Sarmento dos Santos, conhecido no movimento indígena do estado como Jorge Tembé e
Antonio Elielson Tembé, nos cursos de Contabilidade e Administração, respectivamente. De
todos os indígenas que ingressaram na UFPA via PSE, Jorge Tembé foi o primeiro a obter o
título na graduação, mesmo com uma trajetória exitosa na Universidade, para o parente a
realidade não foi diferente dos demais, muitas dificuldades tiveram que ser superadas, de
acordo com ele:

[a] gente saiu daqui tinha uma expectativa diferente, a Universidade vai ajudar a gente, a
FUNAI vai ajudar, quando a gente chega lá, não é como a gente pensa, quem tem família, quem
tem filhos e mesmo quem não tem né, vai pra lá com uma expectativa, acabou que a maioria
desistiu, porque não foi como a gente pensou. Foi justamente por isso, a gente chegou lá e
não tem nenhum amparo, não conhece ninguém, trata todo mundo igual. (Jorge Tembé, 2012)
134

A narrativa de Jorge Tembé foi realizada durante a Caravana do Vestibular Indígena


em 2012, em reuniões na TIARG, especificamente na aldeia Sede, o parente, além de ser um
dos expositores na ocasião, ainda foi o responsável pela articulação com as lideranças da
aldeia da qual faz parte.

Foto: Edimar Fernandes

Figura 10 – Defesa de TCC Jorge Tembé

Mesmo após oito anos, o caso da saga dos Tembé para garantir a continuidade dos
estudos tem sido lembrada entre os parentes, é símbolo de circunstâncias adversas
enfrentadas por indígenas que se propõem sair das aldeias para acessar o ensino superior e
acabam não encontrando apoio necessário. Estes parentes, quando ingressaram na UFPA, se
confrontaram com uma Universidade despreparada para receber a diversidade. Coube ao
discentes a luta pela permanência, aliás lutas, pois os problemas se apresentam diariamente,
além das preocupações com a alimentação, hospedagem, transporte, aquisição de materiais,
entre inúmeras outras, ainda é necessário tirar bons conceitos nas disciplinas, acompanhar as
turmas para não “desblocar”, enfim, cumprir todo o ritual acadêmico, uma vez que a
“Universidade não para”.
135

A FUNAI, por sua vez, procurou se eximir de qualquer responsabilidade, fazendo o


mínimo possível para auxiliar os discentes alegando que não haviam sido chamados para a
discussão. Beltrão, Domingues & Oliveira (2015) definem o tom da discussão afirmando que,

[n]a atualidade, ao chegar à Universidade, os indígenas estudantes logo se apercebem que a


política afirmativa de inclusão “terminou” e que a partir dali terão que se virar como qualquer
outro estudante que, diferentemente deles, fala e entende a língua da universidade, seus
códigos e suas tecnologias, porque são falantes nativos de português, não nasceram e não
vivem em comunidades indígenas e, desde cedo, tiveram acesso à educação básica, aos
códigos de sua sociedade e as suas tecnologias, em que se pesem as desigualdades sociais
dentro da própria sociedade brasileira. (Beltrão, Domingues & Oliveira, 2015: 100-101)

Se as dificuldades se agigantaram para os indígenas na capital paraense, onde a


administração está concentrada, no interior, a situação foi ainda mais preocupante. Os
indígenas que optaram por realizar o curso nestes campi foram invisibilizados, até pouco
tempo atrás não se tinha notícias sobre a presença de indígenas nestes campi, quaisquer
diferenças acabavam sendo esmagadas no rolo compressor que é a academia. Relaciono no
quadro 8 apresentado a seguir, as principais dificuldades enfrentadas pelos indígenas que
ingressaram na UFPA.

Quadro 8 – Dificuldades enfrentadas coletivamente


DIFICULDADE SITUAÇÃO PROPOSTA PARA
SUPERAÇÃO DA
DIFICULDADE
Estruturar uma Política de
A maioria das dificuldades relacionadas a
Permanência que tenha
Falta de uma permanência são decorrentes da falta de uma
condições físicas e
1 Política de política de permanência, que seja ampla e capaz
financeiras para atuar em
Permanência de oferecer apoio em diversas áreas
diversas frentes ao mesmo
concomitantemente.
tempo.

Nenhuma em 2010, 2011, 2014, 2015 e 2016, os


Criar um momento
anos de 2012, 2013 e 2017 contaram com a
Falta de recepção específico para recepcionar
semana do calouro indígena, organizada pelos
adequada povos indígenas, com
2 próprios indígenas com apoio da UFPA. Alguns
(Semana do planejamento antecipado e
cursos têm tomado a iniciativa de promover
Calouro Indígena). recursos específicos
momentos para receber grupos vulnerabilizados,
garantidos para este fim
como é o caso do Serviço Social.
136

Bolsas para auxílio moradia e permanência são


oferecidas a partir de editais. Demora no
lançamento dos editais e nas análises dos O programa de Auxílio
processos devido grande demanda. Período de Emergencial tem suprido
Falta de auxílio
espera geralmente supera quatro meses. Auxílios parcialmente a lacuna, é
3 financeiro após o
emergenciais foram disponibilizados em alguns necessário garantir apoio
ingresso
anos para discentes. A partir de 2017, todos os aos indígenas discentes
discentes indígenas que fizeram o pedido logo após o ingresso.
passaram a receber o auxílio até a bolsa do MEC
ser paga.

As iniciativas para promover formação em


Inexistência de algumas áreas específicas (Informática, produção
programas de e interpretação de textos, entre outros) tem sido Garantir a oferta de cursos
4
acompanhamento tomada de forma isolada, a partir de projetos em áreas específicas.
pedagógico coordenados por professores sensíveis a luta dos
povos indígenas.

Em 2011 e 2012 havia edital específico para Criar editais específicos que
Povos Indígenas e Pessoas com Deficiência (PCD). contemplem povos
Edital específico
5 A partir de 2012 nenhum edital com este fim foi indígenas a exemplo dos
de bolsas
lançado, o fator étnico deixou de fazer parte de editais para Auxílio moradia
qualquer edital até 2017. e MOBAF.

A maioria das informações relacionadas a bolsas,


Problemas com o É necessário proporcionar
auxílios encontra-se em sites na internet, apesar
6 acesso a mais momentos para
de profissionais estarem disponíveis para
informações orientações coletivas.
esclarecimento de dúvidas individuais.
Conscientização dos
A compreensão das informações repassadas para
profissionais que atuam
Uso excessivo de calouros pode ficar comprometida com o uso
7 com povos indígenas para a
siglas excessivo de siglas, é necessário adaptar a
diminuição do uso de siglas
linguagem de facilitar o entendimento.
em orientações e diálogos.
Garantir o apoio aos
indígenas para
Distância do local
O distanciamento resulta em falta de apoio deslocamento a partir da
8 de origem e
adequado da família e comunidade. discussão do Termo de
comunidade
Cooperação Técnica entre
UFPA e FUNAI.
Situações de racismo institucional, a tentativas de
homogeneização o corpo discente e
Capacitação de técnicos e
invisibilização da diversidade no planejamento de
Racismo e professores para trabalhar
9 programas. Diversas tentativas do movimento de
discriminação adequadamente com a
indígenas discentes requerendo tratamento
diversidade.
diferenciado, que respeitem preceitos
constitucionais e infraconstitucionais.
Gestão deve atuar de
Muitas reivindicações foram levadas a reitores da forma aproximada com os
Falta de UFPA, mas resultados concretos foram poucos povos indígenas, facilitando
10 compromisso da até 2016. A partir de 2016, avanços significativos assim, o planejamento de
gestão passaram a acontecer em função da nova gestão ações que levem em
ter assumido. consideração as
necessidades dos discentes
137

indígenas, atendendo assim


o que diz na convenção 169
da Organização
Internacional do Trabalho
(OIT), quando fala em
consulta prévia.
O auxílio moradia é oferecido desde 2017, fomos
consultados para o lançamento do edital, porém,
não atentamos para o número de documentos
Documentação
solicitados, discussão que seria feita próximo
excessiva para Rediscutir o edital com os
11 edital, porém no ano de 2018 o edital foi lançado
acesso a bolsa indígenas discentes.
novamente, só que desta vez sem consulta aos
moradia
povos indígenas e quilombolas. É necessário
diminuição significativa da documentação
solicitada no processo.
A Universidade deve atuar
em parceria com os povos
As causas são diversas, mas o atraso é frequente.
indígenas no sentido de
Inicialmente a abertura do sistema era realizada
cobrar o MEC e o governo
Problema com as mensalmente, permitindo o recebimento da
federal para que o
12 bolsas oferecidas bolsa num intervalo curto de tempo. Em 2017
programa Bolsa
pelo MEC passou a abrir apenas no início de cada semestre.
Permanência tenha
Em ano de 2018, até maio ainda não há nenhum
continuidade e volte a
sinal da abertura.
seguir os parâmetros de
quando foi lançado.

O quadro faz referência a uma parcela das dificuldades enfrentadas por indígenas na
UFPA, como é possível observar, os problemas com a permanência indígena começaram a se
manifestar logo após o ingresso da primeira turma em 2010,67 muitos deles ainda alcançaram
discentes que ingressaram em anos seguintes, outros ainda são pauta de reivindicações até o
momento.

Termo de cooperação Técnica

Em resposta as inúmeras reivindicações de indígenas discentes e lideranças, assim


como, das demandas da própria FUNAI/Belém, em abril 2011 foi firmado um Termo de
Cooperação Técnica (TCT) entre FUNAI e UFPA, com o objetivo de garantir a permanência de
indígenas durante a realização dos cursos. O termo também foi a solução para o impasse e
tensão na FUNAI, provocadas pela presença indígena como moradores temporários da FUNAI

67
Turma é a forma como o movimento indígena estudantil na UFPA se refere aos grupos de indígenas
ingressaram via PSE desde 2010 até aqui, sendo a primeira turma de 63 indígenas em 2010, em 2011
foram 45 e, assim por diante.
138

e serviu como argumento para solicitação da saída do local, o qual não foi mais disponibilizado
mais este fim.
O termo de cooperação previu pagamento de 30 auxílios para indígenas que
ingressaram no ano de 2010, cujo valor foi de R$ 250,00, com o prazo de duração de cinco
anos, podendo ser “objeto de termo aditivo”. No documento atribuiu-se responsabilidades a
FUNAI, a UFPA e aos indígenas discentes. Poucos indígenas acessaram o recurso por falta de
informação e divulgação, do que estava previsto no termo de cooperação técnica, pouco se
fez. Muitos indígenas que ingressaram em 2010 nem mesmo sabiam da existência do termo
até 2012 deixando de exigir o direito ao apoio, quando passaram a receber ainda tiveram uma
surpresa na UFPA, pois tiveram os auxílios cortados.
Em fevereiro de 2014 a FUNAI Brasília enviou um memorando às coordenações
regionais determinando não autorizando qualquer inclusão de indígenas, exceto os casos em
que existisse documento jurídico. Como o termo de cooperação técnica estabelecido entre
FUNAI e UFPA previu apenas a inclusão dos indígenas que entraram em 2010, ficou definido
que os que entraram em anos subsequentes não teriam possibilidade nenhuma de receber. A
FUNAI não tem sido vista pelos indígenas discentes como uma entidade parceira na luta por
direitos, a morosidade e o tratamento chega a ser desrespeitoso e injusto com os acadêmicos,
negando direitos assegurados pela legislação.

Programas de Assistência Estudantil da UFPA

Os programas e projetos voltados a Assistência Estudantil da UFPA, até 2017 eram


planejados e executados no âmbito da Diretoria de Integração e Assistência Estudantil (DAIE),
por sua vez vinculada a PROEX.68 A diretoria foi transformada em Superintendência de
Assistência Estudantil (SAEST) ainda em outubro de 2017, por meio da resolução nº 762,
alteração realizada pela nova gestão, a qual atrelou a superintendência diretamente ao
gabinete do reitor, auxiliando na administração superior, atualmente as atribuições de
assistência estudantil são de responsabilidade da Superintendência.
Em 2010, primeiro ano de ingresso em massa de indígenas na UFPA, não existia um
edital de bolsas diferenciado para indígenas, obrigando os discentes a solicitarem bolsas

68
A Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) desenvolve políticas de extensão universitária enquanto projeto
social e da Universidade frente ao poder público. Mais informações consultar:
http://proex.ufpa.br/PRINCIPAL/index.php/apresentacao. Acesso em: 01 de mai. de 2018.
139

oferecidas em edital universal. O edital previa a disponibilização de bolsa permanência,


subdividida em cinco modalidades, são elas: alimentação (R$ 100,00); atividade acadêmica
(R$ 300,00); didático pedagógica (R$ 110,00); moradia (R$ 300,00) e; transporte (R$ 100,00),
bolsa teve vigência de 12 meses e foi destinada a estudantes da graduação em situação de
vulnerabilidade social regularmente matriculados. De acordo com o Relatório Anual da PROEX,
relacionado a gestão de 2010,69 foram disponibilizadas 67 bolsas para indígenas a partir de
modalidade específica para este público. O relatório não faz menção se as bolsas oferecidas
foram destinadas a discentes que ingressaram via ações afirmativas em cursos universais, ou
mesmo se contemplaram também os indígenas que ingressaram no Curso de
Etnodesenvolvimento, presumo que tenha sido para estes dois grupos, considerando que em
2010 ingressaram em cursos universais apenas 63 indígenas, destes, nem todos solicitaram a
bolsa.
A maioria dos indígenas recebeu apenas uma das bolsas e a primeira parcela foi paga
somente em agosto, foram aproximadamente cinco meses de espera. O fato é que o edital
não trouxe nenhum tratamento diferenciado para povos indígenas, as regras foram aplicadas
de forma homogênea sem considerar diferenças culturais. Ademais, não houve diferenciação
no atendimento às outras modalidades de apoio previstas pelo PNAES e oferecidas pela UFPA,
o que justifica as afirmativas dos parentes que ingressaram em 2010 e as cobranças feitas pela
APYEUFPA em anos seguintes, relacionadas a necessidade de criação e ampliação de
programas e projetos voltados para povos indígenas que extrapolem a oferta de recursos
financeiros por meio de bolsas.
Beltrão, Domingues e Oliveira (2015), ao analisarem os editais de bolsas para apoio a
discentes lançados no período de 2010 a 2015, constataram que o “fator étnico” aparece
apenas em dois editais de Auxílio Permanência Especial, lançados em 2011 e 2012, destacam
ainda um campo político-ideológico que está em formulação na UFPA, o que permite aferir os
limites para elaboração de política de permanência capaz de atender integralmente indígenas
discentes.
Em 2011, foi criado o primeiro edital destinado a povos indígenas e Pessoas com
Deficiência (PCD), o edital nº 11/2011 PROEX instituiu o Programa de Auxílio Permanência

69
Os relatórios anuais da PROEX estão disponíveis em:
http://saest.ufpa.br/portal/index.php/relatorio-anual. Acesso em: 28 de abr. de 2018.
140

Estudantil Especial. O objetivo do programa foi atender os discentes que ingressaram via
“cotas especiais”, o edital ofereceu 106 auxílios permanência no valor de R$ 310,00 e 50
auxílios moradia no valor de R$ 300,00, com vigência de 12 meses a partir de julho. De acordo
com o Relatório de Gestão da PROEX, referente ao ano de 2011, foram 59 auxílios
permanência e moradia concedidos para indígenas e PCDs, destes 39 para indígenas que
ingressaram via PSE. Comparado ao ano anterior, o número de auxílios reduziu
significativamente.
Em 2012 foi lançado o edital 05/2012, o documento seguiu os mesmos moldes do
primeiro, com tímido aumento na oferta de auxílio permanência para 110 e 60 auxílios
moradia. O relatório anual da PROEX referente ao ano de 2012 indica que foram concedidos
88 auxílios permanência e moradia, destes, 48 foram para indígenas discentes.
A criação do Programa de Auxílio Permanência Estudantil Especial é resultado das
nossas reivindicações e mobilizações na UFPA, pois mesmo antes da criação da APYEUFPA em
dezembro de 2011, manifestávamos nosso descontentamento com o descaso em reuniões
com representantes da Instituição.
Portanto, ambos editais apresentaram avanços Institucionais relacionados a
permanência, porém, por serem pioneiros e terem sido lançados sem consulta aos povos
indígenas, conforme preceitua a Convenção nº. 169 da OIT, também acabaram também
apresentando algumas falhas, são elas: 1) relacionada ao valor dos auxílios, que mesmo
acumulados acabaram não sendo suficientes para suprir as necessidades dos indígenas; 2) não
garantia do acúmulo dos auxílios, após as análises por equipe de profissionais da DAIE/PROEX
e a publicação do resultado, alguns receberam apenas um dos auxílios ou nenhum deles; 3)
As bolsas continuaram sendo pagas meses depois do ingresso, situação agravada pela falta de
recursos financeiros nos meses iniciais.
Por outro lado, quando comparados ao edital de bolsa permanência universal, os
editais apresentaram avanços, valorizando o pertencimento étnico e o próprio PSE. A reserva
de um número determinado de bolsas é positiva, pois limita a concorrência para grupos
específicos. O programa também valoriza o PSE quando determina o número de documentos
para indígenas que ingressaram por esta via, sendo menor que o solicitado para candidatos
que não ingressaram pelo PSE.
Os editais de apoio a permanência de povos indígenas sinalizaram mudanças
Institucionais favoráveis naquele momento, no entanto, o Edital de Seleção Pública para
141

Concessão de Auxílio Permanência de nº 04/2013, extinguiu qualquer diferenciação. A


unificação do Auxílio Permanência (ampla concorrência) com o Auxílio Permanência Especial
foi avassaladora. Apesar da reserva de um número de auxílios igual ao disponibilizado em
2012, indígenas e PCDs passaram a concorrer também com quilombolas, ou seja, a
concorrência aumentou significativamente, mas quantidade de auxílios permaneceu a
mesma.
Além destes aspectos, as regras do edital aplicaram-se a todos sem distinção, um dos
aspectos mais relevantes foi a quantidade de documentos exigida, impactando negativamente
na possibilidade de acesso aos recursos pelos indígenas. No quadro 9, faço uma comparação
entre os editais de auxílios publicados em três anos, 2011, 2012 e 2013.

Quadro 9 – Comparativo entre editais específicos e edital unificado


DOCUMENTOS EXIGIDOS EM DOIS DOCUMENTOS EXIGIDOS EM EDITAL
QTDE QTDE
EDITAIS ESPECÍFICOS 2011 E 2012 UNIFICADO DE 2013
1 Preencher formulário de inscrição 1 Preencher formulário de inscrição
Comprovante de Inscrição online no
2 Questionário Socioeconômico 2
SIGAEXT (cópia)
Comprovante ou declaração de matrícula
3 Comprovante de matrícula 3
(cópia) ou habilitação para os calouros (as)
4 RG e CPF 4 RG e CPF
Comprovante das três (03) últimas faturas
5 Comprovante de renda do grupo familiar 5 do consumo de energia elétrica da
residência de origem
Declaração em caso de impossibilidade de
6 Comprovante de residência 6 apresentar alguma fatura de energia
(registrada em cartório)
Justificativa em modelo de declaração
7 Assinatura Termo de Compromisso 7 para candidatos não atendidos pelo
sistema de energia.
Histórico acadêmico (em caso de Comprovante (s) de renda familiar
8 8
renovação) atualizado
Comprovante de pagamento de aluguel Situação de renda do (a) próprio (a)
9 9
(em caso de renovação) candidato (a)
Declaração de bolsas acadêmicas (PIBIC,
10 PIBEX, PIBIN, CNPQ, CAPES, PET) como
estágios, monitorias, entre outros.
Declaração de contribuições financeiras de
11 familiares feita pelo (a) doador (a),
registrada em cartório.
Se casado: declarada pelo (a) doador (a),
12
registrada em cartório.
Filhos e dependentes: cópia certidão de
13
nascimento
Agregado: Cópia da certidão de adoção ou
14 tutela expedida pelo Juizado da Infância e
Adolescência
142

PCD na família: Cópia do laudo ou


atestado médico comprobatório de sua
15
condição física ou de saúde expedida pelo
Sistema Único de Saúde (SUS).
16 Pais falecidos: Cópia da certidão de óbito
Beneficiários de programas
governamentais: Cópia do comprovante
do último extrato bancário do Bolsa
17
Trabalho, Bolsa Família e demais bolsas,
seguido de cópia do cartão do benefício,
constando o nome do (a) beneficiário (a).
Comprovante ou declaração de matrícula
18 elencando as disciplinas que se encontra
cursando (Renovação)
Histórico Escolar atualizado ou declaração
19 da faculdade assinada e carimbada
(Renovação)

Analisando as informações no quadro, é possível verificar que toda documentação


exigida em dois editais específicos não chega nem próximo da quantidade de documentos
exigidas a partir da unificação. Ademais, os discursos difundidos pelos profissionais da Pró-
Reitoria de Extensão à época, traziam a alteração como positiva para a Universidade e para os
discentes. A matéria publicada em fevereiro de 2013 no site da PROEX deixa a impressão de
que as “novidades” foram positivas. Se um dos princípios do programa é proporcionar aos
discentes condições necessárias para permanência, para os indígenas as alterações foram
excludentes, indo de encontro com qualquer princípio do programa, pois criou barreiras que
dificultaram ainda mais o acesso aos recursos.
Ainda em 2013, promovi reunião com os indígenas que foram diretamente impactados
pelos problemas causados pela unificação, participaram da reunião discentes calouros dos
cursos de graduação que relataram as diversas situações ocorridas. O objetivo da reunião foi
de juntar informações para compor documento sobre a necessidade de o fator étnico ser
valorizado para a elaboração dos editais na Universidade, intensão principal do documento
era de apontar os problemas ocorridos na tentativa de recuperar o edital específico para
povos indígenas.
Para os presentes na reunião, os problemas iniciaram na primeira etapa de inscrição
no programa, no ato do preenchimento do formulário eletrônico, pois além dos problemas
técnicos, um dos campos da inscrição requeria a inserção do número de matrícula do discente,
problema sério pois ainda não havia sido criado pela própria Instituição. O relato manuscrito
143

de Leidiane Ribeiro Tembé, elaborado depois da reunião para fazer parte do documento a ser
entregue para UFPA deixa evidente as dificuldades enfrentadas pelos indígenas.

[v]enho através deste, relatar as dificuldades que alguns calouros indígenas tiveram ao se
inscreverem no programa bolsa permanência. Uma das primeiras dificuldades foi a má
visualização do site do programa bolsa permanência; Dificuldade no ato da inscrição pois os
calouros indígenas não tinham o número de matricula, por não termos o número de matricula
nos repassaram um número de telefone fixo para ligarmos para PROEX, sendo que muitos não
tinham crédito para ligar de celular para telefone fixo, no caso de alguns que ligaram para
PROEX, os funcionários não sabiam tirar nossas dúvidas ou seja, estavam mal informados sobre
o referido edital da bolsa permanência. (Ribeiro Tembé, 2013)

Observe quantas dificuldades se manifestaram em apenas um parágrafo do


manuscrito. A primeira relacionada à disposição das informações no site da UFPA, tema
discutido anteriormente que deve ser atacado para garantia do acesso a informações em
tempo adequado. A segunda relacionada ao número de matrícula solicitada no ato da
inscrição, este tem sido recorrente na vida dos parentes, geralmente ocasionado pelo atraso
na realização do PSE, que resulta na divulgação tardia do resultado final com a lista dos
classificados. A terceira dificuldade está relacionada a falta de recursos financeiros, o que
dificulta no acesso à informação, considerando que a falta de créditos no telefone celular
impede a realização de chamadas para telefones fixos e, por fim, a relacionada ao despreparo
de profissionais que atuam diretamente com este público, o que requer maior atenção da
instituição em ações de capacitação e formação.
Portanto, coletivamente consideramos que as conquistas que tiveram indígenas
discentes como protagonistas foram usurpadas, as exigências do novo edital não permitiram
a continuidade de muitos parentes. A inexistência de diálogo com os interessados
impossibilita a elaboração de políticas que realmente atendam povos com epistemologias
diversas, a tendência é a homogeneização e a invisibilização das diferenças. Ademais, é
imperativo que toda e qualquer alteração em editais, resoluções, entre outros, que tratem de
temas de interesse de povos indígenas, sejam discutidas com os afetados, garantindo
preceitos legais referentes ao direito a consulta prévia, livre e informada.
Beltrão, Domingues & Oliveira (2015) chegam à conclusão que a política de
permanência da UFPA se restringe a oferta de bolsas, vão além, problematizando os
retrocessos como manifestações do racismo institucional,
144

[o]bserve-se que se em 2009 e 2010 as demandas dos povos indígenas foram tomadas de
forma razoável, a partir de 2011 o racismo institucional reafirma o poder das elites brancas e
a assimetria das forças envolvidas no embate, fazendo desaparecer a possibilidade de relação
intercultural. (Beltrão, Domingues & Oliveira, 2015: 99)

Os autores compararam os editais de auxílio permanência e concluíram que a partir de


2014, o fator étnico deixa de fazer parte das políticas de Assistência Estudantil, fazendo parte
de um processo de homogeneização das ações de permanência que ignora quaisquer marcas
culturais, contribuindo para os índices de desistência. Dando continuidade à análise feita pelos
autores em editais até 2018, é possível concluir que o fator étnico foi invisibilizado por mais
de três anos, voltando a integrar os editais apenas no ano de 2017, por ocasião da criação do
edital 05/2017 e 03/2018, que regulamentam Seleção Pública para Concessão de Auxílio
Moradia para Discentes Indígenas, Quilombolas e de Populações Tradicionais, a política foi
criada e implantada como parte do programa de inclusão social promovido pela nova gestão
da UFPA em resposta às demandas da APYEUFPA.

Recurso via MPF contra a Universidade

Em meio a tantas turbulências causadas pelas constantes mudanças na oferta de


Assistência Estudantil, ainda tivemos que lidar com o corte pela UFPA de cinco auxílios
permanência de indígenas da etnia Tembé, o problema é que só tivemos acesso à informação
no mês seguinte ao corte, quando os parentes foram ao banco e verificaram a falta de
dinheiro.
Na FUNAI, tivemos acesso ao ofício 886-DAIE/PROEX, expedido em 04 de maio de
2012, cujo assunto foi a “Solicitação de dados de alunos contemplados com o auxílio da
FUNAI”, o mesmo foi assinado pelo diretor da DAIE José Maia Bezerra Neto e solicitava a
relação dos alunos que recebiam a “bolsa” da FUNAI. No ofício, o art. 3°, inciso IV, do Decreto
7.416/10 é citado, o qual não permite que discentes recebam bolsa de qualquer outro
programa oficial. Ademais, o oficio termina dizendo “[a] intenção não é cortar os auxílios, mas
priorizar aqueles que não estão sendo atendidos pela FUNAI”.
Sendo assim, na PROEX identificou-se que alguns indígenas estavam recebendo o
apoio da FUNAI, depois de discussões internas, análises documentais, chegou-se à conclusão
de que os indígenas não poderiam receber duas bolsas a da Universidade e mais o apoio da
FUNAI. Depois de cortar o auxílio moradia ainda em 2012, sem sequer aviso prévio, argumento
145

apresentado pela DAIE foi a impossibilidade legal de acúmulo de bolsas da mesma fonte
pagadora, com isso, cinco indígenas tiveram a bolsa permanência cortada.
Nenhum indígena foi chamado para discussão ou mesmo para esclarecimentos, as
bolsas simplesmente foram cortadas, o que gerou muito transtorno e preocupações com a
continuidade dos estudos. Os indígenas procuraram a diretoria da APYEUFPA na tentativa de
contornar a situação, não tiveram tempo de se programar financeiramente, para alguns, o não
pagamento da bolsa comprometeu o pagamento do aluguel e de outras despesas relacionadas
aos cursos, comprometendo até mesmo o rendimento em sala de aula.
Depois de acionada pelos discentes, na APYEUFPA, decidiu-se coletivamente que a
resposta a postura da Universidade seria um recurso administrativo que foi elaborado e
entregue à PROEX, naquele momento ainda tínhamos esperanças de reestabelecer o
pagamento. Cada caso dos cinco indígenas foi apresentado, com detalhamento de todas as
despesas para permanecer em Belém e o impacto que teriam com o corte da bolsa
permanência. O documento foi entregue para a DAIE duas semanas depois dos cortes das
bolsas, mas não obteve nenhuma resposta.
O silêncio da Instituição demonstrou o desinteresse no diálogo com a diversidade, em
atender uma demanda legítima e justa de indígenas que passavam dificuldades para
permanecer estudando. Depois de diálogos na APYEUFPA, chegou-se à conclusão que o
recurso deveria ser direcionado para o MPF, para que fizesse o acompanhamento do caso.
Apresento a seguir informações do documento feito por mim a partir da APYEUFPA e entregue
à UFPA e ao MPF, detalhando a situação dos cinco discentes.

Situação dos indígenas com a bolsa cortada

Todos os indígenas discentes que tiveram a bolsa indeferida pertencem à etnia Tembé,
da região nordeste do estado do Pará, quatro deles casados com filhos, três trouxeram o
cônjuge e filhos para Belém e um mantinha a família na aldeia. Na sequência apresento os
casos para análise, substitui os nomes dos discentes para preservá-los.

Felipe

Morava no distrito de Icoaraci com esposa e dois filhos, a esposa produzia artesanatos
para auxiliar nas despesas da família, o mesmo precisava se deslocar para a aldeia em Capitão
Poço pelo menos duas vezes ao mês, considerando a distância da aldeia utilizava outro
146

transporte (moto taxi) para chegar a aldeia, no município de Santa Luzia do Pará. As viagens
eram necessárias uma vez que o mesmo é liderança e assessorava à época duas associações
e três aldeias (Frasqueira, Sede e São Pedro), como fazia contabilidade e estava no quinto
semestre, auxiliava os representantes das organizações nas prestações de contas, na
elaboração de documentos entre outros, além de repassar informações sobre o andamento
das demandas do povo na capital e os eventos que são realizados envolvendo os povos
indígenas. Recebia Bolsa moradia (R$ 300,00), Bolsa Permanência (R$ 310,00) conforme edital
especial e apoio da FUNAI (R$ 250,00) conforme o termo de cooperação técnica.

Quadro 10 – Situação financeira Felipe


ENTRADAS
DESCRIÇÃO VALOR (R$)
Bolsa permanência 310,00
Bolsa moradia 300,00
Apoio da FUNAI 250,00
TOTAL 860,00
SAÍDAS
ALUGUEL 350,00
ALIMENTAÇÃO 400,00
TRANSPORTE COLETIVO 80,00
TRANSPORTE BELÉM/CAPITÃO POÇO E CAPITÃO POÇO/BELÉM 80,00
TRANSPORTE CAPITÃO POÇO/ALDEIA E ALDEIA/CAPITÃO POÇO 50,00
MATERIAL DIDÁTICO 25,00
LIVROS 30,00
GÁS 2 EM DOIS MESES R$ 22,50 POR MÊS 22,50
ENERGIA ELÉTRICA 70,00
TOTAL 1.107,50

TOTAL GERAL (ENTRADAS – SAÍDAS) - 247,50

SITUAÇÃO SEM A BOLSA PERMANÊNCIA


ENTRADAS 550,00
SAÍDAS 1.107,00
TOTAL - 557,00

De acordo com os dados apresentados, mesmo recebendo todas as bolsas o indígena


ainda precisava de R$ 247,00 para saldar todas as despesas, para compor a renda vendia
artesanatos e mel de abelha. A esposa dedicava-se ao cuidado dos filhos e da casa, não tinha
renda fixa e procurava auxiliar nas despesas com a venda de artesanato. Para o discente
147

indígena, os R$ 310,00 da bolsa permanência foi uma perda significativa, obrigando o mesmo
a buscar outras fontes de renda.

Cauan

Morava em São Braz, tomava dois ônibus até a UFPA, dividia o aluguel com outro
indígena, os gastos eram significativos com os materiais didáticos do curso de direito. Era
presidente da Associação na aldeia e precisava se deslocar todos os finais de semana para
encaminhar as demandas da Associação e da comunidade, pois atuava em parceria com o
cacique, são duas aldeias e a Associação representa ambas, as idas e vindas requeriam
dedicação e esforço para encaminhar coisas importantes para o futuro da comunidade.

Quadro 11 – Situação financeira Cauan


ENTRADAS
DESCRIÇÃO VALOR (R$)
Bolsa permanência 310,00
Bolsa moradia 300,00
Apoio da FUNAI 250,00
TOTAL 860,00
SAÍDAS
ALUGUEL 175,00
ALIMENTAÇÃO 300,00
TRANSPORTE COLETIVO 40,00
TRANSPORTE BELÉM/STA MARIA E STA MARIA/BELÉM 104,00
APYEUFPA MENSALIDADE 10,00
MATERIAL DIDÁTICO (LIVROS, CÓPIAS, IMPRESSÕES, OUTROS) 200,00
ENERGIA ELÉTRICA 25,00
GÁS 2 EM DOIS MESES R$ 22,50 POR MÊS 22,50
MEDICAMENTOS 25,00
TOTAL 901,50

TOTAL GERAL (ENTRADAS – SAÍDAS) - 41,50

SITUAÇÃO SEM A BOLSA PERMANÊNCIA


ENTRADAS 550,00
SAÍDAS 901,50
TOTAL - 351,50

As bolsas da UFPA e o apoio da FUNAI não eram suficientes para o pagamento das
despesas, utilizava o limite da conta universitária para pagar o restante das despesas.
148

Fernando

Morava no bairro Guamá, próximo a UFPA e faz aulas práticas em diversos hospitais
de Belém, tendo que deslocar-se diariamente para esses locais, precisava comprar materiais
específicos exigidos pelo curso, é tesoureiro da Associação e precisava deslocar-se até a aldeia
no mínimo duas vezes por mês para assinar documentos e encaminhar as demandas da
associação, na época era o grande responsável pelas despesas da casa na aldeia, auxiliando o
pai nas tarefas do roçado. Tem uma filha, a qual precisava auxiliar na criação da mesma.
Recebia Bolsa moradia (R$ 300,00), Bolsa Permanência (R$ 310,00) conforme edital especial
e apoio da FUNAI (R$ 250,00) conforme o termo de cooperação técnica.

Quadro 12 – Situação financeira Fernando


ENTRADAS
DESCRIÇÃO VALOR (R$)
Bolsa permanência 310,00
Bolsa moradia 300,00
Apoio da FUNAI 250,00
TOTAL 860,00
SAÍDAS
ALUGUEL 225,00
CAIXA ECONÔMICA (PARCELA DE LIVROS 89,00
PENSÃO PARA FILHA 100,00
TRANSPORTE BELÉM/STA MARIA E STA MARIA/BELÉM/ 2 VEZES 56,00
TRANSPORTE COLETIVO 60,00
ALIMENTAÇÃO 340,00
GÁS 2 EM DOIS MESES R$ 12,50 POR MÊS 12,25
MATERIAL DIDÁTICO (LIVROS, CÓPIAS, IMPRESSÕES, OUTROS) 40,00
MEDICAMENTOS 20,00
APYEUFPA MENSALIDADE 10,00
MATERIAIS DE VESTUÁRIO PARA CURSO 70,00
TOTAL 1.022,25

TOTAL GERAL (ENTRADAS – SAÍDAS) - 162,25

SITUAÇÃO SEM A BOLSA PERMANÊNCIA


ENTRADAS 550,00
SAÍDAS 1.022,25
TOTAL - 472,25

Apesar de dividir o aluguel com outro indígena, as despesas eram altas, sendo muito
exigido pelos professores do curso no que se refere a vestimentas, aparelhos, materiais
didáticos entre outros aumentando consideravelmente o custo de vida em Belém.
149

Tadeu

Morava no bairro Cabanagem, precisava tomar dois ônibus para ir a UFPA e mais dois
para retornar para casa, era casado e a esposa fazia crochê para auxiliar nas despesas da
família. Tinha gastos com a saúde da família e era o principal mantenedor. É liderança na
aldeia e precisava se deslocar pelo menos duas vezes por mês para participar de reuniões e
auxiliar as lideranças e cacique na aldeia no encaminhamento dos pleitos e demandas da
comunidade. Auxiliava a família (pai, mãe e irmãos) nos trabalhos do roçado, nas caçadas que
também envolvem a coleta de castanha, açaí, piquiá, uxi entre outros. Recebia Bolsa moradia
(R$ 300,00), Bolsa Permanência (R$ 310,00) conforme edital especial e apoio da FUNAI (R$
250,00) conforme o termo de cooperação técnica.

Quadro 13 – Situação financeira Tadeu


ENTRADAS
DESCRIÇÃO VALOR (R$)
Bolsa permanência 310,00
Bolsa moradia 300,00
Apoio da FUNAI 250,00
TOTAL 860,00
SAÍDAS
ALUGUEL 220,00
ALIMENTAÇÃO 380,00
TRANSPORTE COLETIVO 96,00
TRANSPORTE BELÉM/CAPITÃO POÇO E CAPITÃO POÇO/BELÉM 100,00
TRANSPORTE CAPITÃO POÇO/ALDEIA E ALDEIA/CAPITÃO POÇO 100,00
MATERIAL DIDÁTICO (LIVROS, CÓPIAS, IMPRESSÕES, OUTROS) 35,00
INTERNET 30,00
GÁS 2 EM DOIS MESES R$ 12,50 POR MÊS 22,50
MEDICAMENTOS 40,00
TOTAL 1.023,50

TOTAL GERAL (ENTRADAS – SAÍDAS) - 163,50

SITUAÇÃO SEM A BOLSA PERMANÊNCIA


ENTRADAS 550,00
SAÍDAS 1.023,50
TOTAL - 473,50
150

Lucas

Morava em São Braz com o marido e era responsável pelo aluguel, pois o conjugue não
trabalhava. Arcava com as despesas da casa e era liderança na aldeia, participava do grupo de
mulheres indígenas e auxiliava nas reuniões, festas e outras atividades envolvendo a
comunidade, cursava pedagogia e procurava se envolver nas atividades da escola para
adquirir experiência em sala de aula.

Quadro 14 – Situação financeira Lucas


ENTRADAS
DESCRIÇÃO VALOR (R$)
Bolsa permanência 310,00
Bolsa moradia 300,00
Apoio da FUNAI 250,00
TOTAL 860,00
SAÍDAS
ALUGUEL 300,00
ALIMENTAÇÃO 350,00
TRANSPORTE COLETIVO 40,00
TRANSPORTE BELÉM/CAPITÃO POÇO E CAPITÃO POÇO/BELÉM 100,00
TRANSPORTE CAPITÃO POÇO/ALDEIA E ALDEIA/CAPITÃO POÇO 100,00
MATERIAL DIDÁTICO (LIVROS, CÓPIAS, IMPRESSÕES, OUTROS) 100,00
ENERGIA ELÉTRICA 10,00
GÁS 2 EM DOIS MESES R$ 22,50 POR MÊS 22,50
MEDICAMENTOS 20,00
TOTAL 1.042,50

TOTAL GERAL (ENTRADAS – SAÍDAS) - 182,50

SITUAÇÃO SEM A BOLSA PERMANÊNCIA


ENTRADAS 550,00
SAÍDAS 1.042,50
TOTAL - 492,50

A partir das despesas dos indígenas acima, é possível verificar os gastos com viagens
para a aldeia, percurso necessário para lideranças que decidem acessar o ensino superior. O
termo de cooperação técnica entre a UFPA e FUNAI, indicava que uma das responsabilidades
da FUNAI seria de garantir os deslocamentos da aldeia até a Universidade e da Universidade
até a aldeia, no início e final do semestre respectivamente. Dos indígenas que fizeram parte
do programa, não houve relatos de acesso ao recurso para deslocamento. Sendo assim, o
151

apoio da FUNAI acabava sendo utilizado para os deslocamentos, com finalidade de atender as
demandas da comunidade. Portanto, seria imperativo que os discentes continuassem
recebendo o apoio da FUNAI, assim como, os dois auxílios da UFPA.
Sustentar a família, atender as demandas da comunidade e estudar não é tarefa
simples, considerando as responsabilidades coletivas, mesmo fora das aldeias as exigências e
cobranças permanecem, muitas vezes até aumentam, pelas expectativas criadas com o acesso
ao ensino superior.
A argumentação da APYEUFPA foi no sentido de mostrar que os indígenas não estavam
recebendo bolsas de outras fontes oficiais, mas sim apoio. No parágrafo primeiro do termo de
cooperação técnica, a FUNAI se responsabilizava por repassar aos indígenas apoio, em
momento algum o termo bolsa aparece no Termo de Cooperação Técnica. Ao fazer uma
análise entre bolsa e apoio, é possível afirmar neste caso, que a bolsa oferecida pela UFPA
poderia ser transferida de um estudante para outro, na medida em não se atenda mais aos
critérios estabelecidos, por outro lado, o apoio oferecido pela FUNAI não poderia ser
transferido, ao cabo do prazo para o discente o recurso se extinguia.
Ademais, cabe ressaltar que o termo de cooperação técnica difere de um “programa
oficial”, pois o termo não previa continuidade, tendo duração de, apenas, cinco anos e, muito
menos a inclusão de novos indígenas, o apoio era disponibilizado apenas aos indígenas que
ingressaram em 2010. Ao analisar a cláusula quarta, no Item I, na alínea a), do Termo de
Cooperação Técnica, que fala das responsabilidades da UFPA que compete ela “conceder
assistência estudantil (moradia, bolsa alimentação, bolsa atividade, assistência médica, e
odontológica básica) a todos os indígenas discentes da UFPA, ingressantes por reserva de
vagas, mediante processo seletivo próprio, nos termos das normas internas da UFPA”.
A justificativa para o corte da bolsa permanência foi o decreto 7.416/10 não foi
coerente, pois o apoio não tinha natureza de bolsa, servindo para auxiliar os indígenas em
suas atividades próprias, a decisão prejudicou indígenas discentes. Ao negar o pagamento das
bolsas, a Universidade cria barreira para o sucesso na vida acadêmica, portanto, negando o
direito a educação, ferindo o art. 205 da Constituição Federal do Brasil. As duas bolsas da
Universidade e o apoio dado pela FUNAI, somados ainda não permitiam estada digna na
capital paraense, mas amenizavam as dificuldades de ordem financeiras vividas pelos nossos
parentes.
152

De dificuldades ao racismo institucional: os percalços da presença indígena no


ensino superior

Nos casos trazidos para análise é possível observar diversas situações envolvendo
racismo institucional, materializando-se com a criação de obstáculos ou pela omissão de
instituições que acabam gerando desigualdades e exclusões. São casos que marcam a
trajetória de indígenas e sinalizam para a necessidade de refletir sobre os mecanismos que
perpetuam posicionamentos racistas. O racismo institucional foi muito discutido e utilizado
entre o movimento negro, mas passou a fazer parte das discussões relacionadas aos povos
indígenas para denunciar as diversas situações envolvendo o Estado e os povos indígenas.
Passei a discutir com mais atenção o racismo institucional a partir de agosto de 2014,
quando na ocasião, tive a oportunidade de ler um texto produzido pelas professoras Jane
Felipe Beltrão e Zélia Amador de Deus, o qual compôs um dossiê produzido a várias mãos,
tendo a APYEUFPA como proponente. A época o documento foi produzido com o objetivo de
denunciar as constantes alterações no PSE, objetivando resguarda-lo conforme pactuação
realizada com as lideranças indígenas.
O texto produzido pelas nossas aliadas, além de fazer parte do dossiê, definiu o tom
das alterações que vinham sendo realizadas no PSE e das dificuldades com a permanência,
pois as mudanças pautadas em critérios universalizantes criaram barreiras para o ingresso na
UFPA, para as autoras este ir e vir entre o “dar com uma mão e retirar com a outra” configura-
se em racismo institucional. Para elas, “[o] racismo institucional é revelado por intermédio de
mecanismos e estratégias presentes nas instituições públicas, explícitos ou não, que dificultam
a presença dos negros e indígenas, entre os grupos discriminados, nestes espaços”. (Beltrão
& Deus, 2014: 2)
O racismo institucional é um fenômeno que necessita ser alimentado para continuar
existindo, para que seja eficaz na continuidade da hegemonia de determinados grupos em
detrimento de outros, ele atua perpetuando estruturas sociais de forma desigual em esferas
que extrapolam o indivíduo, está presente no interior das Instituições, sejam elas públicas ou
privadas, reproduzindo a desigualdade e a hierarquização a partir da racialização das ações.
Laura Cecilia Lopez (2012) indica que as primeiras referências sobre este tipo de racismo foram
feitas por dois militantes negros nos EUA, Stokely Carmichael e Charles V. Hamilton, no livro
Black Power: the politics of liberation, em que problematizam e diferenciam o racismo
153

individual e o racismo estrutural. Nesta segunda perspectiva, as expressões do racismo são


sutis ao circularem no interior das instituições, na maioria das vezes não são percebidas pela
grande maioria das pessoas, mas sentidos por indivíduos pertencentes a grupos que sofrem
os efeitos sociais. Para Lopez (2012) o racismo institucional não se apresenta de forma direta,
explícita ou declarada,

[a]o contrário, atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e


organizações, que operam de forma diferenciada na distribuição de serviços, benefícios e
oportunidades aos diferentes segmentos da população do ponto de vista racial. Ele extrapola
as relações interpessoais e instaura-se no cotidiano institucional, inclusive na implementação
efetiva de políticas públicas, gerando, de forma ampla, desigualdades e iniquidades. (2012:
127)

Mudanças Institucionais são necessárias para evitar a manifestação deste tipo de


racismo, partindo da preparação dos profissionais para receber grupos diversos até a criação
de mecanismos internos para o combate do racismo. A negligência das instituições
governamentais contribui para a ocorrência de casos de racismo institucional, de acordo com
Suzana Kalckmann, Claudene Gomes dos Santos, Luís Eduardo Batista e Vanessa Martins da
Cruz “[o] governo, ao não dar a devida visibilidade às desigualdades raciais existentes na
sociedade, ao não ter uma política explícita de combate ao racismo, colabora para sua
institucionalização” (Kalckmann et al, 2007: 149). Sendo assim, o racismo institucional não se
manifesta apenas a partir de ações das instituições, mas também está presente falta de
iniciativas combativas.
Discutir racismo institucional, significa refletir acerca das políticas institucionalizadas
que reproduzem o racismo, também requer que se avaliem as atitudes das pessoas que
representam as instituições, pois são elas as responsáveis pelas políticas criadas, compondo
estruturas sociais, tecendo a teia de obstáculos e impedimentos que se configuram em
dificuldades impostas para o alcance da justiça social. Os efeitos do racismo institucional
precisam ser discutidos e trazidos ao público, para que “as instituições adotem medidas para
a sua desconstrução, se não na sociedade como um todo, pelo menos nas suas dependências”
(Kalckmann et al, 2007: 153).
A proposta do racismo institucional perpassa por estas estruturas e materializa-se a
partir de mecanismos que parecem naturalizados, mas que acabam excluindo de forma
sistemática pessoas e grupos. A manifestação do racismo institucional não pode ser entendida
154

apenas pelas ações explícitas e declaradas, pois age de forma silenciosa e sutil, muitas vezes
o próprio discurso da igualdade é utilizado para justificar a homogeneização e universalização
das políticas, no caso dos povos indígenas, esta justificativa é utilizada para dizer que os
discentes são iguais e alguns grupos “não merecem ter tratamento diferenciado” em relação
a outros.
Para a identificação da prática do racismo, faz-se necessário a vigilância constante, a
observação atenda dos detalhes que envolvem as relações entre as instituições e as pessoas,
um olhar que esteja treinado e atento, que seja capaz de perceber, para além das ações,
também as motivações destas ações.
Não foram poucas as vezes que os deparamos com a postura incompreensiva de
pessoas que atuam diretamente com indígenas na UFPA, agentes que negam as demandas de
indígenas baseados em políticas homogêneas, que minimizam a importância das demandas
específicas de indígenas. A resistência em tratar diferentes de forma diferenciada nega
direitos com pressuposto da igualdade, expressando-se pela não aprovação de propostas,
resoluções, editais, ou mesmo quando se exclui edital diferenciado, quando se unifica
processos seletivos que não devem ser unificados, quando se nega a possibilidade de acessar
bolsas com um valor maior, ou mesmo, quando em “portas fechadas” nosso destino é
decidido.
Em universidades que não fazem questão de problematizar a presença indígena no seu
interior, a probabilidade da criação de empecilhos para implantação de políticas específicas e
usurpação de conquistas alcançadas pelos povos indígenas é muito alta, pois as iniciativas,
tanto dos indígenas discentes, quanto dos apoiadores, tendem a ser esmagadas pelo rolo
compressor da homogeneização e universalização, que são o véu do racismo institucional,
este não permite a promoção da justiça social e a inclusão com dignidade de povos e grupos
vulnerabilizados.
No que se refere a UFPA, até o presente momento nenhum balanço sobre os avanços
e retrocessos nas políticas de ação afirmativa e políticas de permanência para povos indígenas
foi realizado, etapas importantes para a avaliação das ações relacionadas ao acesso e
Assistência Estudantil. A carência do momento impossibilita a compreensão das situações de
racismo institucional que se manifestam de forma silenciosa na Instituição, mas que atingem
os grupos étnicos-raciais, pois somos nós que sofremos com os efeitos sociais com a negação
155

dos direitos garantidos legalmente, ocasionando a composição de um quadro de exclusão e


desrespeito às diferenças.
O cenário adverso da Universidade requer ações concretas para superação das
dificuldades, não é mais aceitável que a maior instituição do Norte evite o enfrentamento de
problemas tão presentes no cotidiano acadêmico, afinal o sucesso acadêmico dos povos
indígenas é possível, desde que existam ações conjuntas e a dita “vontade política” dos
gestores para cumprir a LDB e colocar em prática o PNAES. As inúmeras dificuldades
identificadas precisam ser problematizadas e as ações de profissionais da Instituição precisam
ser repensadas para que o trato com a diversidade seja trabalhado de maneira adequada,
contribuindo para a superação das desigualdades sociais. É preciso estar atento e
frequentemente questionar: até que ponto tais dificuldades configuram-se como
manifestação do racismo institucional?
Conforme indica Lopez (2012) o primeiro passo para mudança no quadro atual, seria o
reconhecimento de que o racismo institucional existe, manifestando-se de diferentes formas
e estabelecendo-se como barreiras para o alcance da igualdade, para a autora a discussão
relacionada aos mecanismos do racismo institucional ainda não encontrou muito espaço,
indica também que esta ausência pode estar relacionada “às dificuldades de as instituições
reconhecerem esses mecanismos e se auto examinarem como (re)produtoras de racismo”
(Lopez, 2012: 122). O reconhecimento da existência deste tipo de racismo permite a
identificação e, consequentemente, a elaboração de estratégias para combatê-lo. Por outro
lado, o não reconhecimento contribui para perpetuação de desigualdades.

O Caso de Namam Wai Wai

Sendo assim, problematizo um caso que aconteceu na UFOPA e se insere nos casos
envolvendo grupos vulnerabilizados e a incompreensão de profissionais por conta da falta de
preparação para o trato com a diferença. O caso é emblemático no estado do Pará e envolveu
uma professora da UFOPA e um indígena discente do curso de Letras em Português daquela
Instituição, tomei conhecimento sobre o ocorrido durante a participação no evento “I
Encontro Diversidade em Foco & Simpósio Sociedades Amazônicas, Cultura e Ambiente”
ocorrido no período de 09 a 13 de novembro de 2015, na UFOPA, em Santarém. A
comunicação do parente foi realizada na língua Wai Wai, apesar de ser bilíngue, sendo
156

traduzida por outro indígena da mesma etnia, também discente da UFOPA, durante a mesa
redonda intitulada Indígenas e quilombolas na Universidade – superando a discriminação e o
racismo.
O parente relatou que ao apresentar um seminário em sala de aula foi duramente
criticado e desrespeitado pela professora da disciplina, a qual questionou a presença de
indígenas na Universidade, fazendo indicações que estariam trazendo “vergonha” para a
Instituição por não terem, na concepção dela, condições de acompanhar os outros colegas.
Em decorrência do fato, reclamações foram feitas na ouvidoria da Universidade, documentos
foram encaminhados e esclarecimentos foram solicitados, mas o processo não teve um
desfecho satisfatório para o indígena até 2015.

[a]í quando nós estávamos apresentando o nosso trabalho a professora falou pra mim e pro
Genésio, que está ali sentado: ‘O que vocês vieram fazer aqui na universidade? O que vocês
estão fazendo aqui na universidade?’ A professora disse ainda pra mim: ‘O que vocês vieram
fazer aqui na universidade? Vocês vieram fazer vergonha pra universidade? Vocês estão
fazendo que a universidade seja mal falada por causa de vocês, que vocês não tão
aprendendo!?’ Eu fiquei mais triste ainda, quando a professora, quando nós estávamos
apresentando o seminário, que nós estávamos na frente de todos os alunos presentes, ela
falou assim: ‘Por má apresentação do seminário de vocês eu vou dar nota por mim, aqui na
frente de todos, por má apresentação, que pegou nota trinta, porque vocês não sabem falar
muito bem’. Por isso eu fiquei muito triste com isso, com a situação que ocorreu dentro da
sala de aula. (Wai Wai, 2015)

É importante mencionar que a denúncia feita por Namam acabou sendo utilizada para
compor a argumentação em outras falas que o sucederam, contribuindo significativamente
para definir o tom das discussões realizadas durante a mesa e durante o evento,
posteriormente também tornou-se peça central, juntamente com o relato de Daniela Bentes,
que representou o Coletivo de Estudantes Quilombolas (CEQ), para delinear a Carta-memória
do I Encontro Diversidade em Foco & Simpósio Sociedades Amazônicas, Cultura e Ambiente,
documento que foi encaminhado para o MPF denunciando situações de discriminação e
racismo que acontecem na Instituição.
157

Foto: Edimar Fernandes


Figura 11 – Relato de experiência Namam Wai Wai

As escolhas feitas por ele para transmitir a mensagem ao público são resultantes de
um contexto adverso e da necessidade de apresentar os marcadores sociais da diferença que
melhor podem definir a presença indígena no âmbito da universidade. A escolha do parente
por fazer a comunicação na língua Wai Wai é significativa, em conversas com outros parentes,
muitos deles atuantes no movimento indígena estudantil em Santarém, é possível inferir que
escolha, também, foi política.
A fala do parente na língua Wai Wai poderia ser interpretada como resultado apenas
das dificuldades para falar a língua portuguesa, pois é mais cômodo falar na língua materna,
dependendo da habilidade do narrador com outras línguas. No entanto, destaco que também
foi uma escolha política, pois apesar de não se expressar conforme o que é definido pelos
cânones acadêmicos como a forma correta de falar o português, a língua é utilizada por ele
diariamente para se socializar com indígenas de outras etnias e com não-indígenas, portanto,
apesar das dificuldades a comunicação poderia sim ter sido feita língua portuguesa. Por outro
lado, a fala pode ser interpretada como protesto contra a situação que enfrentou em sala de
aula, marcando a presença indígena não apenas no evento, mas na própria Universidade. Falar
em Wai Wai é expressar um marcador social da diferença e estabelecer limites entre
diferentes, é mostrar que a língua pode ser uma barreira para o aprendizado e também revela
um universo que até pouco tempo não existia, pois instigou os presentes a refletir sobre a
presença de indígenas na Universidade e a analisarem a situação a partir da ótica do parente.
158

Portanto, a diferença manifestada a partir deste marcador não pode ser interpretada
como indicativo de inferioridade ou incapacidade, mas como uma possibilidade de
complementação da argumentação trazida, que acaba envolvendo o público no universo do
discente, remete a pensar que, assim como sente dificuldade em compreender línguas
indígenas, o contrário também acontece, sentimos dificuldades em compreender de forma
adequada o português.
A escolha do parente leva a reflexão do quanto esta presença pode significar a
necessidade de mudanças de postura para trabalhar adequadamente com as diferenças,
também demonstrou o despreparo e a falta de qualificação para trabalhar com a diversidade.
A falta deste preparo extrapola a sala de aula e a pertença indígena, atingindo em cheio grupos
historicamente vulnerabilizados, não está limitada a relação professor/discente, mas envolve
um número de pessoas muito maior do que se imagina e está presente muitos espaços.
O caso de Namam é um dos poucos que veio a público, quantos casos como esse se
repetem todos os dias nas salas de aula, nos corredores das instituições e fora dela e
continuam invisibilizados, e tantos outros que acabam passando despercebidos por estarem
disfarçados em brincadeiras que parecem inocentes aos ouvidos pouco treinados de nossos
parentes, mas que na verdade trazem consigo cargas pesadas de preconceito e racismo. É,
também, expressivo por mostrar o quanto a falta de entendimento relacionado ao outro pode
gerar situações constrangedoras para os discentes indígenas, também por trazer a público
casos que, na grande maioria das vezes, acabam sendo esquecidos ou “deixados para lá”,
como muitos indígenas costumam fazer temendo que as “reações” dos envolvidos.
Namam nos passa a mensagem de que requer no mínimo um pedido de desculpas por
parte da professora, que ela reconheça o grave erro que cometeu, o que exige é o respeito, e
para ele este respeito deve ser demonstrado, como reiterou várias vezes durante a fala, pelo
gesto da professora, que deve ir até ele e pedir desculpas, “só que eu não vou como ela, ela
tem que vir comigo, porque ela que errou, ela que tem que vir comigo e dizer desculpas pra
mim”.
Depois de dialogar com outros parentes que presenciaram o ocorrido, compreendeu
melhor a situação e resolveu ir até a ouvidoria da UFOPA para formalizar a denúncia, para ele
a Universidade deve garantir o bem-estar de todos os discentes, possibilitando o convívio no
mesmo espaço, levando em consideração as particularidades e as especificidades de cada um
para que o pluralismo realmente seja celebrado. Namam deixa um recado ao público ouvinte,
159

“está na Universidade para estudar”, mas também para reivindicar e participar de


mobilizações que tenham como objetivo a luta contra o preconceito, o racismo e a
discriminação para alcançar o respeito mútuo.
É resultado da omissão da Instituição, tanto na preparação dos profissionais que
trabalham diretamente com indígenas, quanto do próprio corpo universitário para receber
públicos diversos, por outro lado, manifesta-se na falta de postura para resolver o problema
depois do ocorrido, pois para Namam, a história, pelo menos até o final de 2015, não alcançou
um desfecho satisfatório, pois considera que a ouvidoria deveria ter feito a mediação
adequada, garantindo assim sua integridade moral.

Alguns apontamentos sobre a permanência

Até o momento ainda não é realidade uma política de permanência abrangente,


voltada a solução de problemas em diversas frentes de forma concomitante. Atualmente
contamos com gestão sensível e inclusiva, projetos neste sentido estão sendo pensados e
colocados em prática, os quais contam com apoiadores e os próprios indígenas discentes para
o planejamento e execução. A criação da Assessoria de Diversidade é grande passo para
inclusão de grupos etnicamente diferenciados na UFPA, além de se preocupar com o ingresso
destes grupos, tem dado ênfase no combate à evasão melhorando as condições de
permanência de indígenas discentes, atua também no combate a qualquer tipo de racismo,
principalmente o racismo institucional. Apesar de todas as adversidades enfrentadas por
indígenas discentes até o momento, hoje, é possível vislumbrar um futuro melhor na
Instituição, resultado de lutas e agência indígena.
Apesar dos avanços, é necessário um balanço das políticas de permanência para povos
indígenas, o que permite a compreensão ampla da situação contribuindo para a elaboração
estratégias de enfrentamento dos problemas existentes. Compreender a situação atual dos
povos indígenas que ingressaram na Universidade é o primeiro passo para proposição de
mudanças, sendo assim, seria imprescindível que a UFPA criasse mecanismos para verificar o
andamento das políticas voltadas para povos indígenas. A alínea “c” do artigo 5º da Convenção
nº 169 da OIT, define a necessidade de serem adotadas medidas para aliviar as dificuldades
experimentadas pelos povos em novas condições de vida.
160

O documento internacional prevê também a participação dos povos interessados para


que estas medidas tenham efeito adequado, indo ao encontro de reivindicações feitas desde
2010, dentre elas, a realização de seminários na UFPA para que todas as ações sejam
discutidas e avaliadas, ou seja, uma proposta de discussão que envolva lideranças, indígenas
discentes, representantes da Universidade e outros órgãos, para tratar de assuntos
relacionados à educação superior para povos indígenas, objetivando expor a opinião das
lideranças indígenas e elaborar propostas e soluções para os problemas existentes (E.
Fernandes, Beltrão & Oliveira, 2015). As cobranças feitas pelas lideranças aos membros da
APYEUFPA durante a Caravana do Vestibular Indígena em 2012 ecoam, a sensação é de
estarmos em dívida com as bases sociais, pois requerem atuação conjunta que permita
qualidade da formação.
161

5. Carreiros70 indígenas: memórias e a afirmação identitária

Em cenário conflituoso, negociações e enfrentamentos são necessários para o alcance


de mudanças, a mobilização coletiva é capaz de garantir maiores chances de conquistas e
novas possibilidades para elaboração de estratégias, pensando assim, criamos a APYEUFPA
em 2011, organização que contribuiu para o alcance de mudanças significativas. Nesta sessão
procuro apresentar a Associação, as discussões sobre a criação e a importância da organização
representativa, as lutas empreendidas que resultaram na solução de muitos problemas.
Também apresento a trajetória de indígenas para mostrar a formação de teias de
relações interétnicas no ambiente universitário, local que proporciona o encontro de
diferentes, mas com objetivos e histórias comuns, que acabam norteando novas formas de
articulação, mobilização e sociabilidade. A partir das trajetórias, pretendo indicar que o
protagonismo indígena não se encerra com a formação, muito pelo contrário, novas
articulações são possíveis, contribuindo para atuação profissional e política.

APYEUFPA: da mobilização à superação de dificuldades

As ações promovidas por discentes indígenas em luta por direitos para alcance de
maior autonomia e visibilidade frente a adversidades é tema que recebe atenção especial nas
discussões relacionadas a presença de indígenas na UFPA. Portanto, em projeto de luta pela
autonomia, autodeterminação, superação da invisibilidade e garantia de direitos, a APYEUFPA
é organização indispensável.
Para contextualizar a criação da APYEUFPA, destaco que em meados de 2010, a
maioria dos indígenas discentes não conheciam uns aos outros, com exceção dos Tembé que
ingressaram na UFPA em número maior, muitos oriundos da mesma TI, de indígenas
pertencentes a mesma etnia, como é o caso dos Karajá, Kyikatêjê, Xerente, Xipaya e Kuruaya
e, de parentes que estavam inseridos no movimento indígena, os quais criam redes de
relações mais amplas, com indígenas de outros povos e regiões.
Como não houve um momento de acolhimento específico para este público,
importante para interação entre os discentes, cada um teve que elaborar estratégias próprias
para superar os desafios impostos a partir da aprovação no PSE, portanto, naquele momento

70
Termo usado pelo meu povo para se referir a um pequeno caminho aberto na mata para alcançar
locais de difícil acesso.
162

era possível vislumbrar a necessidade de mobilização. Dois fatores contribuíram


significativamente para as primeiras iniciativas neste rumo, o primeiro, estava relacionado a
negligência da UFPA em recepcionar de forma adequada este público, proporcionando
condições para a permanência e, a segunda, reflexo da primeira, se refere as inúmeras
dificuldades enfrentadas pelos indígenas discentes logo após o ingresso.
Para os recém-chegados em 2010, indígenas discentes dos cursos de Pós-Graduação
acabaram se tornando referenciais por estarem a mais tempo na Instituição, portanto a
procura por apoio se intensificou nos primeiros meses de 2010. Naquele momento éramos
apenas três parentes na pós-graduação, atender esta nova demanda se tornou um desafio,
pois requeria conhecimentos relacionados aos programas de apoio ao discente, das estruturas
dos cursos e da própria Universidade.
Apesar das obrigações acadêmicas do mestrado, resolvi tomar a dianteira nesta luta,
a primeira ação foi localizar os demais indígenas da graduação, tarefa possível graças à
atuação na comissão organizadora do PSE, pela possibilidade de ter acesso as listas de
aprovação e contatos dos parentes. O foco inicial foi encontrar no campus de Belém, os Tembé
e Kyikatêjê foram os primeiros contatados, facilitadas pelas relações de parceria e luta que
precediam nosso ingresso na Instituição.
Após as primeiras reuniões entre indígenas, relatos sobre os problemas enfrentados
motivaram a estruturação, ainda em 2010, de um curso de informática básica. O curso teve
proposta discutida e aprovada no âmbito do PAPIT, tendo todo o apoio deste programa,
respondendo as demandas indígenas.
O objetivo principal foi proporcionar melhor preparação para desenvolverem
atividades acadêmicas utilizando tecnologias de informação, recursos imprescindíveis na
trajetória acadêmica. Os temas que tiveram ênfase no planejamento foram principalmente o
uso de editores de texto, planilhas eletrônicas, softwares utilizados para a apresentação de
trabalhos acadêmicos e demais programas que poderiam utilizar, porém, logo na primeira
sessão, identifiquei que as dificuldades da maioria dos participantes eram significativas,
muitos nunca haviam tido contato com o computador, o que requeria a apresentação desde
o básico, pelos componentes físicos do computador e suas funcionalidades para então
navegar pelo Windows e apresentar os programas que possivelmente seriam utilizados por
eles. O curso teve duração de um mês, com sessões semanais, contando com o apoio
163

indígenas que tinham algum conhecimento de informática, como foi o caso de Jorge Tembé,
o qual contribuiu significativamente para o andamento das atividades.
A turma foi composta predominantemente por indígenas da etnia Tembé, além das
atividades da formação, discutimos aspectos políticos e problematizamos nossa presença na
UFPA, refletindo sobre a necessidade de melhorar as condições de acesso e permanência. Foi
quando coletivamente identificamos a necessidade de fortalecer nossa luta, buscar maior
visibilidade e mobilizar um grupo maior de indígenas discentes para lutar por direitos
etnicamente diferenciados em ambiente considerado hostil. A forma organizativa indicada
pela maioria foi a partir de uma Associação, pois permitiria alcance maior e o acesso a recursos
disponibilizados para este tipo de organização formal, a escolha também diferiu de formas de
organização estudantil existentes na UFPA, que acabavam não atendendo de forma adequada
nossas demandas específicas. Luciano (2006) nos indica que a organização indígena pode ser
entendida como uma forma na qual comunidades ou povos indígenas se organizam em
coletividade, seus trabalhos e lutas por direito e não simplesmente como uma instituição
jurídico administrativa.
A maioria dos indígenas que ingressaram no campus de Belém foi contatado, apesar
do esforço não foi possível criar a organização em 2010, as atividades acadêmicas foram se
agigantando e aos poucos a participação dos discentes em reuniões e mobilizações começou
a diminuir.
Com o ingresso de uma nova turma em 2011, as forças foram renovadas, ideias foram
surgindo e lideranças se estabelecendo no âmbito da UFPA. Neste ano as principais discussões
sobre a criação da Associação aconteceram. Diversas reuniões foram realizadas na UFPA e
fora dela, o espaço da FUNAI/Belém foi utilizado diversas vezes para a discussão do Estatuto
da Associação.
Até a criação da organização, muitas iniciativas foram protagonizadas pelos discentes
na tentativa de alcançar melhorias, necessárias para garantia da permanência na UFPA. Marisa
Revilla Blanco (2010) faz a distinção entre organizações coletivas, dando ênfase nas ações
coletivas como resultado da solidariedade de grupos.

[l]a acción colectiva es siempre un proceso interactivo y comunicativo: implica otros actores,
recursos, capacidades organizativas, habilidades de liderazgo, circunstancias coyunturales y
condiciones estructurales. Esos procesos configuran escenarios en los que se hace posible o
164

no la acción colectiva y em los que se condiciona la forma que adopta la acción, si es que
existen posibilidades de existencia. (Revilla Blanco, 2010: 301)

Em consonância com a autora, ações coletivas são formas de interação entre


indivíduos em torno de objetivos comuns que podem resultar em mudanças institucionais. A
autora indica que ações coletivas não prescindem de organização social, são distintas de ações
individuais, mas nem por isso deixam de estar vinculadas, sendo que a primeira depende da
segunda na medida em que significados são atribuídos a ações de sujeitos, colocando em
prática ações intencionais.
O ano de 2011 foi intenso para as discussões relacionadas a criação da Associação, as
reuniões só eram viáveis aos finais de semana, principalmente aos domingos, por conta das
atividades acadêmicas, porém, a Universidade não funcionava neste dia, dificultando ainda
mais as reuniões. Naquele momento tínhamos outras duas alternativas, a FUNAI e o Conselho
Indigenista Missionário (CIMI), na FUNAI, depois de muito diálogo, uma comissão formada por
Tembé, os quais tinham maior proximidade com os coordenadores, conseguiram o espaço da
biblioteca para realização das reuniões no período da manhã de domingo.
Para viabilização da reunião solicitei equipamentos e materiais ao PAPIT, que
emprestava computadores, impressora, Datashow e outros materiais que seriam utilizados,
considerando que a FUNAI não dispunha destes recursos. Sendo assim, nos domingos em que
houveram reuniões, tudo era levado para a o órgão indigenista com apoio de parentes, o
deslocamento era realizado de ônibus. Dentre os documentos elaborados, o estatuto foi o que
demandou maior atenção, para a elaboração, estatutos de outras associações de indígenas
estudantes foram utilizados, cada parágrafo foi estruturado coletivamente atendendo a
demanda específica dos indígenas na UFPA, todos lidos em voz alta para então, depois das
alterações sugeridas, ser aprovado, quando divergia-se em algum aspecto, uma votação era
realizada e a maioria decidia pelo texto final. As reuniões se estenderam por quatro finais de
semana, em alguns momentos realizamos “coletas” entre os participantes para comprar o
almoço e continuar os trabalhos no período da tarde, muitos parentes contavam com a
solidariedade de colegas por não terem dinheiro.
Para finalizar o Estatuto era necessário definir o nome da organização, várias sugestões
foram feitas, a primeira delas foi Associação dos Estudantes Indígenas da UFPA (AEIUFPA),
porém, depois de diversas discussões e reflexões dos presentes chegou-se à conclusão que o
“indígena” deveria vir antes de “estudante”, pois primeiro somos indígenas e depois
165

estudantes ficando Associação dos Indígenas Estudantes da UFPA (AIEUFPA). Elielson Tembé,
observando a composição dos presentes na sala, oriundos de diversos estados da federação
e de diversas etnias, fez mais uma observação, sugeriu que a associação fosse dos povos
indígenas para abranger a diversidade existente na UFPA, sem oposições a alteração o nome
ficou Associação dos Povos Indígenas Estudantes da UFPA (APIEUFPA).
Por fim, Almires Martins Machado, guarani estudante do doutorado em Antropologia
fez duas sugestões, a primeira atribuindo um significado político ao nome a partir da mudança
de “I” para “Y”, ficando APYEUFPA. De acordo com o parente, o significado de APY é eu venho
e “U” significa comer ou beber na língua Tupi, ou seja, “eu venho comer ou beber”, explicou
ainda que geralmente a expressão pode ser usada para se referir ao local em que se reúnem
os animais para beber água e que este lugar para nós seria a UFPA, “o lugar de comer e beber
do conhecimento não indígena”. A segunda sugestão do parente foi mudar o “da” UFPA para
“na” UFPA, pois nós indígenas não somos da UFPA, apenas estamos na UFPA, estada que faz
parte de projetos coletivos dos povos indígenas na luta pela autonomia e autodeterminação.
Pensando assim, criamos a APYEUFPA no final de 2011, a organização, como o próprio
nome diz, representa vários povos de diversas regiões do país, foi resultado do protagonismo
indígena e de vários debates nas aldeias e na Universidade, a ideia nasceu da discussão entre
alguns parentes e foi tomando maiores proporções na medida em que outros foram
ingressando na luta. O que era um projeto, um sonho para os indígenas discentes se tornou
realidade, por meio dela iniciamos uma nova caminhada de luta por direitos e alcançamos
resultados significativos, garantindo melhorias nas condições dos indígenas que estão na
Universidade e novas perspectivas para aqueles que ainda estão por vir.
A associação foi criada para ser interlocutora de nossas demandas, por intermédio dela
são estabelecidos espaços de diálogo com lideranças, comunidades indígenas, Universidade,
outras instituições e parceiros, no sentido de viabilizar as reivindicações feitas pelos discentes
e pela base social, trata-se de experiência integrada e importante na mobilização por direitos.
Nosso parente Baniwa, Luciano (2007) nos indica que “[n]a condição de mediadores das
relações interétnicas, as organizações indígenas assumem posições privilegiadas nos diálogos
interculturais estabelecidos entre povos indígenas e agentes não indígenas”. (Luciano
2010:29)
A categoria organização formal discutida por Luciano (2006), permite identificar o
contexto em que a APYEUFPA está inserida, de forma distinta a organização tradicional
166

indígena, as associações têm sido sistematicamente apropriadas pelos povos indígenas para
intermediar diálogos com epistemologias diferenciadas, contribuindo para a garantia de
espaços importantes na sociedade. Em outras palavras “as organizações são parte dos
projetos de autonomia dos povos indígenas e uma forma de colocar em prática as garantias
constitucionais proporcionando a participação política de lideranças e povos em diversas
áreas da sociedade”. (E. Fernandes, 2013: 99)
O tema do associativismo foi discutido na dissertação de mestrado, na qual, procurei
verificar a importância da AITESAMPA, organização que representa os Tembé situados no hoje
município de Santa Maria do Pará. A pesquisa de mestrado permitiu constatar a importância
das associações para a conquista de direitos pelos povos indígenas, influenciando
significativamente no amadurecimento da ideia da criação da APYEUFPA.
A APYEUFPA representa os interesses dos indígenas discentes que estudam na UFPA,
atualmente pertencentes a 22 etnias, são elas: Anambé, Arapasso, Baniwa, Baré, Guajajara,
Hexkaryana, Jeripancó, Juruna, Kaingang, Karajá, Karipuna, Kuruaya, Manoki-Irantxe,
Munduruku, Palikur, Parkatêjê, Piratapuia, Tapajós, Tembé, Tukano, Wai Wai, Xakryabá,
Xerente e Xipaia. Os indígenas membros da APYEUFPA estão distribuídos nos seguintes cursos:
Administração, Agronomia, Arquitetura e Urbanismo, Biomedicina, Ciências Contábeis,
Ciências Tecnológicas, Direito, Educação Física, Etnodesenvolvimento, Enfermagem,
Engenharia da Computação, Engenharia Civil, Engenharia Mecânica, Engenharia Elétrica,
Engenharia Florestal, Engenharia Industrial, Engenharia Sanitária e Ambiental, Farmácia,
Fisioterapia, Geografia, História, Letras (Língua Inglesa e língua portuguesa), Medicina,
Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Pedagogia, Psicologia, Serviço Social, Terapia
Ocupacional, mestrado e doutorado em Antropologia.
Na figura 12, indígenas discentes da graduação e pós-graduação aparecem reunidos
no dia da primeira Assembleia Geral da APYEUFPA, ainda em 2011. A reunião aconteceu na
sala de aula do PPGA, no prédio do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UFPA.
Dos 13 parentes reunidos naquele momento, nove concluíram seus cursos na Instituição.
167

Foto: Alexandre Moraes


Figura 12 – Primeira Assembleia Geral da APYEUFPA

Esta data marcou a criação da APYEUFPA, durante a Assembleia realizou-se a eleição


da primeira diretoria e do conselho fiscal, aprovou-se a versão final do Estatuto, tudo foi
registrado na ata de criação da Associação. Foram 13 indígenas discentes que participaram da
Assembleia, são eles: 1- Antonio Elielson Tembé; 2- Almir Vital da Silva; Marla Thainã Reis
Sompré; 4- Alan Batista Silva; 5- Marcos Oliveira Sousa Tembé; 6- Hélio Monzilar Filho; 7-
Maria das Graças Tapajós Mota; 8- Jorge Alberto dos Santos Sarmento; 9- Jacqueline Alves dos
Santos Tembé; 10- Rodrigo Ederehe Karajá; 11- Roromakore Akukare Parkatêjê; 12- Roberta
do Nascimento Cabá e; 13- Almires Martins Machado. A primeira diretoria e conselho fiscal
ficou definida conforme indica o quadro 15 apresentado a seguir.

Quadro 15 – Primeira diretoria da APYEUFPA eleita em 2011


PRIMEIRA DIRETORIA E CONSELHO FISCAL DA APYEUFPA
DIRETORIA Presidente Edimar Antonio Fernandes
Vice-presidente Jacqueline Alves dos Santos Tembé
Secretária Purupramare Lima Gavião
Vice-secretária Roberta do Nascimento Cabá
Tesoureiro Jorge Alberto dos Santos Sarmento
Vice-tesoureira Roromakore Akukare Parkatêjê
CONSELHO 1º Conselheiro Antonio Elielson Tembé
FISCAL 2º Conselheiro Graça Tapajós
168

(TITULARES) 3º Conselheiro Almir Vital da Silva Tembé


CONSELHO 1º Conselheiro Marcos Oliveira Sousa
FISCAL 2º Conselheiro Marla Thainã Reis Sompré
(SUPLENTES) 3º Conselheiro Hélio Monzilar Filho

A ata de criação da criação da Associação, apesar de estar bastante sucinta e objetiva,71


é importante para compreender os debates iniciais. Relembrando a reunião a partir da análise
do documento, é possível verificar que além de questões burocráticas relacionadas a criação,
a Assembleia Geral foi momento importante para discussão política sobre a importância da
criação de uma organização representativa, da necessidade de maior união e parceria para
lutar pela garantia de direitos no âmbito da Instituição e fora dela, um dos aspectos mais
relevantes das discussões relacionadas a Universidade foi a falta de comprometimento e de
apoio, gerando altos índices de desistência. Graça Tapajós ressaltou ainda que “a associação
é a melhor saída para resolver nossos problemas”, fala complementada nas palavras de Almir
Tembé, que indicou que a “Associação é muito importante, temos que nos unir cada vez mais
para lutar juntos”.
Para os sócios fundadores, não bastava apenas criar uma Associação, era necessário a
regularização da mesma para que passasse a existir como pessoa jurídica, permitindo assim o
acesso a determinados recursos e bens disponíveis para estes tipos de organizações sem fins
lucrativos, portanto, a existência da Associação dependia da nossa habilidade com a
documentação, para cumprir com todas as exigências legais, as dificuldades e entraves no
processo. A ata de fundação e o estatuto foram registrados em cartório, os documentos são
exigências legais, mas para além disso, são importantes para definir a forma de atuação,
direitos e deveres dos membros.
Após três anos de atividades, uma nova assembleia foi realizada em 21 de novembro
de 2014, contou com a participação de 14 membros e teve como objetivo principal a votação
de uma nova diretoria. Nesta eleição, ao contrário da anterior, houve disputa para os cargos
de presidente(a), secretário(a) e tesoureiro(a), cada um dos cargos teve dois candidatos
interessados. Para a disputa não foram formadas chapas, os participantes consideraram mais

71
Os documentos de criação de Associações não têm limitação de tamanho, porém, recomenda-se
que sejam elaborados de forma objetiva, pois o valor do registro em cartório depende da quantidade
de páginas dos documentos, quanto mais páginas, mais elevados são os custos com o registro.
169

interessante uma votação para cada cargo disputado, decidida pela maioria simples, chegou-
se ao consenso de que os candidatos menos votados seriam os vices dos cargos que estavam
concorrendo. Nesta Assembleia criou-se oficialmente o cargo de logística, que vinha sendo
ocupado por Putira Sacuena (Eliene dos Santos Rodrigues) durante a primeira gestão da
diretoria e, os cargos de suplentes de fiscais não foram ocupados.

Quadro 16 – Segunda diretoria da APYEUFPA eleita em 2014


SEGUNDA DIRETORIA E CONSELHO FISCAL DA APYEUFPA
Presidente Juma Xipaia
Vice-presidente Purupramare Lima Gavião
Secretária Yara dos Santos
DIRETORIA
Vice-secretário Aguimon Karajá
Tesoureira Evellyn Xipaia
Vice-tesoureira Jesusmery Machado
CONSELHO 1º Conselheiro Alan Batista Tembé
FISCAL 2º Conselheiro Poti-si Gabriel
3º Conselheiro Izaque Txekewe Erayhe
LOGÍSTICA Eliene dos Santos Rodrigues

Quadro 17 – Terceira diretoria da APYEUFPA eleita em 2015


TERCEIRA DIRETORIA E CONSELHO FISCAL DA APYEUFPA
DIRETORIA Presidente Eliene dos Santo Rodrigues
Vice-presidente Aguimon Junior Karajá
Secretária Evelyn Suzana Oliveira de Abreu
Vice-secretário Itapytire Farias dos Reis Tembé
Tesoureiro Edimar Fernandes
Vice-tesoureira Thiara Yasmin Tobias dos Santos
CONSELHO 1º Conselheiro Rodrigo da Conceição
FISCAL 2º Conselheiro Izaque Txekewe Erayhe
3º Conselheiro Miriam Dantas

Os relatos dos indígenas discentes, egressos, lideranças indígenas e parceiros revelam


a importância da APYEUFPA no apoio a indígenas oriundos de diversas regiões do país, a
organização o se tornou referência na Universidade e fora dela, atuando na superação das
assimetrias e invisibilidade. A partir da Associação encontramos uma forma de expor nossas
demandas com base naquilo que consideramos que seja adequado para indígenas discentes,
sem depender exclusivamente de outras formas organizativas dentro da UFPA. Para a atual
presidenta da Associação,
170

[s]em Associação nós teríamos lutas individuais, ou então outras pessoas dentro da
Universidade ainda estariam decidindo pela gente. A APYEUFPA significa para mim um lugar,
uma maloca onde a gente fica forte, é algo sagrado, onde todos juntos lutam por objetivos
comuns. (Putira Sacuena, 2018)

Criar uma organização não governamental de representação estudantil no âmbito da


academia não significa dizer que a organização estudantil, mobilizada a partir do DCE, não nos
representa, muito pelo contrário, ela permite melhor representatividade dentro do próprio
DCE, permitindo que as demandas do nosso coletivo sejam respeitadas, fomentando a
necessidade de pensar em estratégias que garantam nossos direitos também nas pautas do
próprio Diretório Estudantil.
São novas formas de organização de povos indígenas na Universidade que permitem
maior autonomia em negociações diversas, pois além da possibilidade de ser representado
pelo DCE, também temos uma organização representativa que nos permite fazer outras
articulações políticas nas quais o Diretório não teria condições de representar.

Conquistas protagonizadas a partir da APYEUFPA

A criação da APYEUFPA é muito importante para a visibilidade étnica na UFPA, pois


tem possibilitado maior articulação e envolvimento político interno e externo à Universidade,
garante a participação em discussões de interesse e tem fortalecido a luta por políticas
específicas para indígenas, por espaço físico e participação em projetos de pesquisa.
Dentre os projetos planejados e executados pela Associação, dois são os principais, o
primeiro é a recepção dos calouros que acontece por meio da Semana do Calouro Indígena e
o segundo é o projeto da Caravana do Vestibular Indígena. São duas iniciativas protagonizadas
pelos discentes indígenas que requerem apoio da Universidade. A presença indígena na
Universidade (e fora dela) vem sendo marcada com a participação de membros da APYEUFPA
em debates, seminários, mobilizações, palestras, oficinas, entre outros.

Semana do Calouro Indígena

A Semana do Calouro Indígena está na terceira edição, a primeira e segunda


aconteceram nos anos de 2012 e 2013, respectivamente, a terceira edição aconteceu no ano
de 2017. Estes eventos contam com programações culturais, mesas de debates sobre temas
relacionados às ações afirmativas para o ingresso de povos indígenas no ensino superior,
171

políticas de permanência, sucesso e retorno qualificado às comunidades. Eles contam com a


participação dos indígenas calouros, de lideranças indígenas convidadas, de docentes da
Instituição, de representantes de órgãos oficiais e de acadêmicos de diversas instituições
particulares e públicas. Durante o evento, os indígenas estudantes procuram relatar as
experiências acadêmicas indicando propostas de melhoria das políticas universitárias.
Também são convidados técnicos da FUNAI, do CIMI e da UFPA para expor o que vem sendo
realizado (ou não) nas esferas institucionais para garantir a permanência dos indígenas.
Um dos momentos mais emblemáticos nestes projetos protagonizados por indígenas
discentes foi a ocupação da reitoria da UFPA que aconteceu ainda no ano de 2013, foi a última
atividade da II Semana do Calouro Indígena e pautou-se numa mobilização coletiva
envolvendo indígenas discentes, lideranças indígenas oriundas das bases do estado do Pará,
professores, parceiros na luta, entre outros. A mobilização foi resultado das discussões
durante a II Semana do Calouro Indígena, a partir dos relatos de experiências vividas por
indígenas discentes, principalmente sobre aspectos relacionados as dificuldades enfrentadas
na Instituição. Apesar da importância do evento, sentimos falta de representantes da
Universidade, que pudessem responder as questões que estavam sendo postas e contribuir
para os encaminhamentos necessários. Levando em conta tal ausência, organizamos um
documento para ser protocolado e encaminhado a reitoria, com a relação de problemas que
envolvendo vários setores internos da UFPA.
Depois de discussões em plenária, chegou-se à conclusão que apenas protocolar o
documento não surtiria o efeito esperado, foi então que coletivamente decidimos entregar
pessoalmente o documento ao reitor. Cientes dos trâmites burocráticos para alcançar o
objetivo e da provável falta de agenda do reitor para aquele momento, concluiu-se que a
melhor alternativa seria mobilizar os participantes do evento e ocupar a reitoria.72
A concentração para ocupação aconteceu no espaço do “vadião”,73 momento em que
as últimas decisões sobre a manifestação foram tomadas. Na figura 13, todos os participantes
aparecem reunidos, os cantores tocavam maracá, encorajando os participantes para o
enfrentamento. Durante todo o deslocamento para o terceiro andar da reitoria, cantos de
guerra foram entoados ao som de maracá, acompanhados do som das bordunas e dos pés ao

72
A reitoria da UFPA está localizada no campus do Guamá, no município de Belém do Pará. Conta com
prédio de três andares e o gabinete do reitor localiza-se no último andar.
73
Local de recreação à beira do Rio Guamá, em frente a Reitoria da UFPA.
172

se chocarem com piso, sinalizando a seriedade da mobilização. A dianteira foi feita pelos
nossos convidados Tembé, oriundos das aldeias Itaputyr e Frasqueira, da TIARG, Jeju e Areal
de Santa Maria do Pará.

Foto: Acervo APYEUFPA. Autor desconhecido.


Figura 13 – Mobilização indígena estudantil

A subida até o gabinete do reitor foi feita pelas escadarias, o som dos cantos ecoou
por toda a reitoria, atraindo olhares de curiosos, a maioria temerosos. Durante a subida
observamos que curiosos abriam as salas para ver o que estava acontecendo, muitos deles as
fechavam logo em seguida, outros saíam para acompanhar a mobilização e registrar o
momento. É certo dizer que naquele momento ninguém sabia o que estava acontecendo,
apenas que “um bando de índios” estava prestes a ocupar o gabinete do reitor. A segurança
da UFPA foi chamada e acompanhou tudo, marcando presença com seus rádios de
comunicação e uniformes pretos, nada foi suficiente para intimidar ou impedir a
manifestação.
Ao chegar na antessala do gabinete do reitor, fomos informados que o Vice-Reitor
Prof. Dr. Horácio Schneider respondia naquele momento, o qual solicitou que formássemos
uma comissão para reunião no gabinete. Contrários à proposta, informamos que todos os
173

indígenas participariam da reunião, mesmo que tivessem que sentar no chão, com a negativa
do movimento indígena estudantil, o vice-reitor direcionou a reunião para o auditório da
Secretaria Geral dos Conselhos Superiores Deliberativos (SEGE), permitindo assim a
participação de todos os presentes. Como é possível observar na figura 14, os parentes
participaram da reunião atentos ao que estava sendo discutido, sempre prontos para o
embate caso necessário.

Foto: Acervo APYEUFPA. Autor desconhecido.

Figura 14 – Reunião com vice-reitor Horácio Schneider em 2013

Durante a reunião, os representantes dos indígenas discentes apresentaram a pauta


de reivindicações ao representante da UFPA naquele momento, as lideranças indígenas se
posicionaram solidários às dificuldades de quem estava na Universidade falando sobre a
necessidade de melhor acolhimento, os discentes, por sua vez, fizeram breves relatos de
experiência para mostrar a dimensão do se enfrentava naquele momento. Putira relembra da
importância do momento,

[q]uando a gente ocupou a reitoria em 2013, durante a segunda Semana do Calouro Indígena,
muitos olham aquela foto e não sabe o que significou pra gente, foi o momento em que
dissemos que estamos aqui dentro, a gente quer respeito, a gente quer ser ouvido, eu acho
174

que foi nossa primeira ação de resistência, foi preciso ocupar a reitoria e a sala do CONSEPE.
Foi nesse momento que a Universidade percebeu que precisava dialogar [...], esse foi um
marco que não deixou a gente desistir da Associação. (Putira Sacuena, 2018)

A “ação de resistência” conforme destacado por Putira teve alguns resultados, após
ouvir todas as manifestações, o representante da Universidade posicionou-se, mostrando
sensibilidade as demandas apresentadas e a necessidade de maior atenção em relação a
presença indígena naquele ambiente, comprometeu-se a encaminhar as reivindicações aos
órgãos responsáveis e solicitar a solução dos problemas.
A figura 15 marca a presença indígena UFPA, momento histórico registrado e
documentado.

Foto: Acervo APYEUFPA. Autor desconhecido.

Figura 15 – Discentes, lideranças indígenas e vice-reitor da UFPA no hall da reitoria

Além do registro desse momento histórico, a imagem também é importante por


permitir fazer um acompanhamento dos jovens que nela aparecem, naquele momento
conheciam a Instituição e hoje são discentes nela. Como é o caso de três jovens Tembé que
aparecem sentados na escadaria, na época estavam no ensino médio, eles tiveram a
oportunidade de participar das discussões sobre as dificuldades enfrentadas pelos indígenas
175

na UFPA durante a II Semana do Calouro Indígena, marcaram presença na reunião com o Vice-
Reitor e, hoje, são discentes na Universidade, fazendo os cursos de Enfermagem, Direito e
Educação Física. A imagem é emblemática por marcar as possibilidades de articulação de
indígenas discentes que estão na UFPA, das lideranças indígenas no estado do Pará e os jovens
discentes do ensino médio. Na época desta reunião enfrentávamos sérios problemas com
tentativas de alteração no edital do PSE e muitos outros relacionados à permanência na UFPA,
as reivindicações feitas à reitoria cobrando medidas que garantissem melhores condições para
os discentes.

A Caravana do Vestibular Indígena

O projeto foi pensado por indígenas e executado em aldeias na região Nordeste e


Sudeste do estado do Pará, foi criado a partir de conversas entre indígenas discentes, nossas
experiências foram ponto de partida para estabelecer estratégias e minimizar os problemas
enfrentados por aqueles que pretendem ingressar no ensino superior. Além de compartilhar
experiências, a proposta consistia em dirimir dúvidas acerca dos cursos oferecidos na
Instituição e possibilitar um entendimento acerca do processo.
Almir Vital da Silva, do povo Tembé, estudante do curso de Enfermagem, membro da
equipe de indígenas universitários, ao falar na abertura da reunião em sua própria aldeia,
ressaltou a importância do projeto para a comunidade educação para o futuro da
comunidade, “nós viemos hoje aqui com esse objetivo né, de incentivar a comunidade, apesar
das dificuldades, mas que nós possamos tá buscando esse conhecimento, pra somar essas
forças”. (Almir Tembé, 2012)
O principal objetivo do projeto foi divulgar o PSE para povos indígenas e orientar os
parentes nas aldeias, minimizando o desconhecimento e o distanciamento entre o indígena e
a Universidade, procurando situar os candidatos e a comunidade dos possíveis desafios
enfrentados no ensino superior. O projeto consistiu em trabalho idealizado e executado por
indígenas proporcionando informações para as comunidades, pois contou com reuniões e
conversas com às lideranças tradicionais e políticas, pais, professores, entre outros.
No projeto da Caravana do Vestibular Indígena, foram estabelecidos alguns objetivos
específicos, são eles: (1) instruir os interessados sobre como localizar o edital e as informações
necessárias para realização das inscrições no site da UFPA; (2) orientar sobre as regras
176

estabelecidas no edital diferenciado para povos indígenas; (3) expor os desafios que são
enfrentados tanto na Universidade quanto fora dela, caso o indígena seja aprovado.
Ao optar pelo ingresso no ensino superior, o indígena se depara com várias opções de
cursos que são oferecidos, chegando a ficar confuso diante de tantas opções. Antes de realizar
a inscrição no PSE é necessário que o candidato tenha as informações básicas relacionadas ao
curso pretendido, verificar quais são as habilidades e competências necessárias para atuar na
futura profissão. Purupramré Lima Gavião, do povo Parkatêjê, hoje Enfermeira pela UFPA,
quando falou sobre o assunto na abertura da reunião na aldeia Areal, enfatiza que “é
complicado né, a gente não conhece a faculdade, não conhece o curso, então tudo pra gente
é novo, tu pensa que vai fazer uma coisa e de repente é outra coisa”.74 (Purupramaré Gavião,
2012)
Portanto, a proposta do projeto foi auxiliar os indígenas nas escolhas, preparando-os
para a universidade, diminuindo o desconhecimento relacionado aos cursos oferecidos. O
projeto foi dividido em cinco etapas, todas elas foram realizadas com a participação ativa dos
membros da APYEUFPA, algumas delas tiveram a participação de alguns parceiros não
indígenas, sendo executado na seguinte ordem, conforme quadro 18:

Quadro 18 – Etapas e atividades da Caravana do Vestibular Indígena


ETAPA ATIVIDADE
Realizou-se um levantamento na Universidade
sobre os cursos oferecidos, as áreas que estes
cursos estão inseridos, os respectivos percursos
curriculares e os campos de atuação; o
levantamento foi realizado nos institutos e na
PROEG. Os dados serviram para elaboração de
Etapa 01
manuais, cartilhas e materiais necessários para
o trabalho e para facilitar o entendimento dos
candidatos. Realizou-se também a coletas de
livros, cartilhas, panfletos, DVDs, e outros, em
diversos setores da Universidade, materiais que
foram distribuídos nas aldeias.
Realizou-se o treinamento e orientação dos
membros da equipe, momento em que foram
Etapa 02 organizadas e estruturadas as reuniões e
atividades que seriam desenvolvidas nas
aldeias.
Contato com as lideranças e associações
Etapa 03 indígenas envolvidas para agendar as reuniões e
atividades nos territórios étnicos.

74
Acervo APYEUFPA, audiovisual Caravana do Vestibular Indígena, Aldeia Areal, 11.10.2012.
177

Trabalho de campo na qual a equipe divulgou o


PSE nas aldeias, sobretudo por meio de
Etapa 04
reuniões, geralmente num local de fácil acesso
para aldeias próximas.
Análise das atividades realizadas em campo e a
formulação de novas propostas para a
Etapa 05
Universidade a partir das sugestões das
lideranças.

A equipe do projeto contou com a participação de discentes da graduação, da pós-


graduação, de colaboradores da APYEUFPA, de voluntários e representantes da UFPA
divididos de acordo com as atividades realizadas em cada etapa. A equipe foi composta por
10 indígenas inicialmente, pertencentes às etnias: Baré, Jeripancó, Kaingang, Karajá, Karipuna,
Parkatêjê, Tembé e Xipaya, selecionados de acordo com o interesse individual e a
disponibilidade de participação nas datas previstas – quando algum dos participantes
selecionado para a viagem não estava disponível, outro membro da APYEUFPA se
disponibilizava para participar.
A APYEUFPA contou com o apoio da Universidade por meio da PROEX, do PAPIT e da
PROEG que contribuíram significativamente para realização do projeto, dando apoio
financeiro e orientações necessárias para o desenvolvimento das atividades. Nas TIs, as
lideranças e os membros das comunidades foram nossos parceiros, abrigando a equipe e
oferecendo condições adequadas para o bom andamento das atividades. A parceria com as
aldeias e organizações indígenas se mantém e as contribuições dos parentes serviram para
elaboração de propostas.
O projeto Caravana do Vestibular Indígena aconteceu em dois momentos, o primeiro
na região nordeste do estado do Pará, e o segundo na região sudeste, sempre aos finais de
semana, ante o imperativo das atividades acadêmicas do grupo e a disponibilidade das
lideranças. O primeiro momento abarcou as aldeias do povo Tembé localizadas em três
municípios: Santa Maria do Pará, Santa Luzia do Pará e Tomé-Açu.
Em Santa Maria do Pará, a atividade aconteceu na aldeia Areal e envolveu também a
indígenas da aldeia Jeju, tendo como participantes as duas comunidades. O ônibus
disponibilizado pela Universidade foi utilizado para fazer o transporte de uma comunidade
para a outra, considerando a necessidade de alcançar as duas comunidades e a participação
do máximo de pessoas possível. Na figura a seguir, os indígenas discentes aparecem à
esquerda, aguardando a finalização das falas de lideranças para iniciar as apresentações.
178

Foto: Marcos Oliveira Tembé. Acervo APYEUFPA.


Figura 16 – Reunião Caravana do Vestibular Indígena na aldeia Areal

Em Santa Luzia do Pará três reuniões foram realizadas na TIARG, nas aldeias
Frasqueira, São Pedro e Sede, em todas as reuniões o número de participantes foi significativo,
pois os indígenas das aldeias próximas se deslocavam para a aldeia que sediava a atividade.
Em Tomé-Açu, uma reunião foi realizada na aldeia Turé-Mariquita, mobilizando também
participantes das demais aldeias da TI.
179

Foto: Marcos Edimar Fernandes. Acervo APYEUFPA.


Figura 17 – Fala lideranças na aldeia Turé-Mariquita

Na figura acima, o discente Marcos Tembé, a esquerda, aparece falando sobre sua
experiência com o PSE e a Universidade, entre os membros da comunidade, da esquerda para
direita, Leidiane Tembé aparece sentada, atenta as explicações de seu parente, em 2012,
Leidiane demonstrava muito interesse em ingressar na UFPA, no PSE seguinte foi aprovada no
curso de Odontologia e passou a ser discente no ano de 2013, em fevereiro de 2018, cinco
anos depois do ingresso, defendeu o TCC e colou grau juntamente com a turma.
As iniciativas protagonizadas por discentes naquela época começam a apresentar
resultados significativos para as comunidades, a assertiva se justifica pelo fato de Leidiane ter
sido aprovada no processo seletivo promovido pela Associação Paulista para o
Desenvolvimento da Medicina (SPDM), que seleciona profissionais para atuar dos Distritos
Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), Leidiane foi aprovada como dentista no Polo-Base de
Tomé-açu e irá atuar com os indígenas da sua região, inclusive na aldeia de origem.
O projeto foi a possibilidade de contribuir com os povos indígenas do estado do Pará,
teve apoio das lideranças que destacaram a importância em ter indígenas inseridos no ensino
superior. Ressaltaram ainda que a iniciativa demonstra o comprometimento político dos
180

discentes, as palavras do cacique da aldeia de origem de Leidiane, Lúcio Tembé, reforçam a


argumentação: “[e]ntão isso que vocês, no meio dos 23, nós sabemos que tem um grupo lá,
que tá preocupado com nós, com esses jovens que estão aí precisando de um incentivo.”
(Lucio Tembé, 2012)
Naquele momento, Lúcio Tembé ainda não tinha dimensão de quais seriam os
resultados daquela iniciativa, mas sabia da importância das informações para os jovens da
aldeia. Além de Leidiane, vários outros indígenas ingressaram na UFPA, principalmente no
campus de Tomé-açu, próximo da Terra Indígena a qual fazem parte, em cursos oferecidos
naquele no município.
O segundo momento da Caravana aconteceu na Reserva Indígena Mãe Maria (RIMM),
no município de Bom Jesus do Tocantins, onde residem os povos Kyikatêjê, Parkatêjê e
Akratikatêjê que se dividiam na época em cinco aldeias.75 Duas reuniões foram realizadas,
uma na aldeia Parkatêjê, em local conhecido por eles como “Projeto Negão”, e a segunda na
aldeia Kyikatêjê. O quadro 19 mostra as aldeias envolvidas no projeto.
Quadro 19 – Aldeias alcançadas pela Caravana do Vestibular Indígena
CARAVANA DO VESTIBULAR INDÍGENA
ETAPA REGIÃO MUNICÍPIO ALDEIA
Santa Maria do Pará Jeju
Santa Maria do Pará Areal (reunião)
Santa Luzia do Pará Itaputyr
Santa Luzia do Pará Frasqueira (reunião)
Santa Luzia do Pará São Pedro (reunião)
PRIMEIRA NORDESTE Santa Luzia do Pará Sede (reunião)
ETAPA
Santa Luzia do Pará Ituaçu
Turé-Mariquita
Tomé-Açu
(reunião)
Tomé-Açu Tekenay
Tomé-Açu Aldeia Nova
Bom Jesus do
Kyikatêjê (reunião)
Tocantins
Bom Jesus do
Parkatêjê
Tocantins
SEGUNDA SUDESTE Bom Jesus do
Akrakaprekti
ETAPA Tocantins
Bom Jesus do Projeto Negão
Tocantins (reunião)
Bom Jesus do
Akratikatêjê
Tocantins

75
Na época haviam apenas cinco aldeias na Reserva Indígena, atualmente existem várias outras aldeias,
criadas a partir de cisões internas.
181

Considerando o interesse da comunidade Turé-Mariquita em apoiar o projeto na


primeira etapa, os indígenas discentes convidaram o líder indígena Parate Tembé para compor
a equipe durante a segunda etapa que aconteceu na RIMM, a proposta foi aceita pela
comunidade de Parate e, algumas semanas depois, ele compôs o grupo, contribuindo nas
atividades da segunda etapa.
Inicialmente, estava previsto a participação de representantes das Pró-Reitorias que
apoiaram o projeto, pois considera-se importante a participação não indígena, porém, nas
datas previstas os convidados não estavam disponíveis. Considerou-se importante a
participação de não indígenas, principalmente de profissionais que trabalham com programas
de apoio estudantil, a expectativa era de que a experiência nas aldeias contribuiria para a
construção de um olhar diferenciado relacionado as demandas indígenas.
Com a falta de representantes da Universidade, a participação foi predominantemente
indígena, protagonizada por indígenas discentes que permitiram o diálogo intraétnico e a
apresentação da Universidade para outros indígenas. Certamente, o diálogo é diferente
quando envolve apenas indígenas e essa diferença pode ser percebida na fala das lideranças,

[e]ntão dá a entender pra nós, que é uma causa por amor a nossa raça, ao nosso povo, nossa
geração, porque não é fácil, quando eu vi ontem vocês chegarem aqui, andamos tudo esse
balão por aí, depois fizeram a comida e ainda dez horas ainda foram pro brejo toma banho e
agora cedo já de pé pra conversar e trazer essa informação, isso pra nós é importante, dos 23
né? Eu sei que lá dentro tem 10 que tem amor pela sua causa, que também se interessa por
nós, que tá olhando pra nós. (Lúcio Tembé, 2012)

Na fala de Lúcio Tembé, cacique da aldeia Turé-Mariquita, município de Tomé-Açu,


percebe-se que toda equipe de indígenas discentes estava sendo observada e avaliada pela
comunidade, para as lideranças, não basta apenas ter boas intenções, é necessário
demonstrá-las, a aceitação pela comunidade refletiu o bom trabalho realizado.
A Caravana do Vestibular foi a possibilidade não apenas de falar sobre o PSE, mas
também de ouvir as lideranças indígenas do estado do Pará, as opiniões e sugestões
relacionadas ao PSE, as políticas de permanência, as dificuldades enfrentadas pelas
comunidades para inserir os membros na UFPA. Sobre o assunto Parate Tembé, ao intervir
durante a reunião na aldeia Kyikatêjê, destaca que:
182

[...] nós temos que se unir pra que nós consiga isso, esse objetivo maior pra nossas
comunidades indígenas, pros nossos alunos, nós que somos alunos, que vamos entrar pra lá,
nós tem que pegar força, tem que trocar experiência um com o outro, ver o que é que vai dar,
quais as opiniões de cada aldeia de cada liderança, por que cada aldeia que vão passando é
uma opinião, então agora é a primeira caravana que foi passada né? (Parate Tembé, 2012)

Em cada aldeia o andamento das atividades aconteceu de acordo com a


disponibilidade da comunidade, respeitando sempre as dinâmicas culturais. Antes da reunião
principal a equipe procurava as lideranças de cada aldeia para informar sobre os trabalhos.
Para evitar surpresas, contatos prévios foram realizados com as lideranças indígenas de cada
aldeia.
Em algumas aldeias aconteceram palestras informativas mostrando a realidade da
Universidade e, em outras, foram rodas de conversa. As reuniões contaram com participação
expressiva da comunidade, foram exibidos vídeos, fotos, documentários, ações e projetos
realizados a partir da APYEUFPA.
As lideranças demonstram muita preocupação com educação, formação e qualificação
profissional de indígenas, quando demonstram que a educação deve considerar a tradição,
para os indígenas não esquecerem de suas origens após a formação. Zeca Gavião, quando fala
da importância do respeito pelas lideranças tradicionais, destaca:

[n]ão podemos esquecer que estamos representando a nossa comunidade, não ir contra a
comunidade, de forma alguma, porque quem somos nós para discutir com os caciques? Com
as lideranças? ... O objetivo maior é a autonomia, a gente só vai conseguir a partir do momento
que todos tiverem formados, sim, nós vamos ter essas pessoas disponíveis pra falar por nós,
para falar pelas lideranças, pelos caciques, por todo mundo, tá na hora de começar a focar
numa coisa maior, por isso que a gente entrou nessa luta. (Zeca Gavião, 2012)

Lúcio Tembé, mesmo a quilômetros de distância do parente Zeca Gavião, ressalta a


importância de respeitar as lideranças e os conhecimentos tradicionais e, com alguns
trocadilhos, demonstra a preocupação: “[t]em o educado, tem o estudado, tem gente que
estuda pra ser educado, inteligente, ... agora, tem gente que estuda pra ser mais burro, mais
burro do que é, ignorante”. As palavras do cacique demonstram a diferença que existe entre
os que estudam e respeitam os conhecimentos tradicionais, as lideranças e os mais velhos,
estes seriam os educados e inteligentes, em oposição àqueles que estudam e pensam que
sabem tudo, desconsiderando tudo que aprenderam na comunidade. Para ele, estes são os
burros e ignorantes.
183

As lideranças destacaram que a existência de uma associação de indígenas discentes é


um grande avanço, sentem-se mais tranquilas sabendo que existem outros parentes
preocupados com o bem-estar e com a garantia de direitos dos indígenas que saem de suas
aldeias para estudar na UFPA:

nós sabemos que tem um grupo lá que tá preocupado com nós, com esses jovens que estão aí
precisando de um incentivo, por que às vezes eu, eu ele aqui [se referindo ao irmão], nós já
temo nossos filhos, nós já temo nossos sobrinhos aí, mas tá faltando um empurrão parente,
então vocês tão trazendo isso. (Lúcio Tembé, 2012)

Muitas cobranças foram feitas aos discentes indígenas e representantes da


APYEUFPA, para as lideranças a organização deveria ser ativa na preparação de indígenas para
o ingresso na Universidade. As lideranças sugeriram a criação de um banco de dados
produzido por indígenas, para permitir a análise mais detalhadas sobre a presença de
indígenas na Universidade, possibilitando identificar os motivos que levam à desistência.
As lideranças também destacaram que os projetos devem ser pensados em parceria
com as comunidades, permitindo o trabalho conjunto entre indígenas, criando um sistema de
parceria para proporcionar melhores condições para o acesso, permanência, sucesso e
retorno qualificado. Caberia à APYEUFPA fazer o acompanhamento, auxiliando os indígenas
na elaboração de projetos aplicados nas comunidades, somando esforços entre o
conhecimento ocidental e o conhecimento tradicional.
Na perspectiva das lideranças, os conhecimentos proporcionados pela formação
superior devem ser utilizados para solucionar os problemas nas aldeias. Um acompanhamento
deve acontecer de forma qualificada nos intervalos do calendário acadêmico, em que o
estudante retorna à comunidade, devendo este aproveitar o tempo para compreender e
comparar o que aprendeu na Universidade ao contextualizar com a realidade existente em
sua comunidade. Ou seja, a associação deve criar metodologias para monitorar e orientar esse
indígena no sentido de fornecer subsídios para realizar o trabalho acadêmico-profissional, tais
ações integradas contribuiriam para uma formação qualificada do estudante, além de
proporcionar a aplicação de conhecimentos em sincronia com a cultura. Neste sentido, Zeca
Gavião ressalta:

[e]u imaginaria, dentro desse projeto, poderia tá se criando uma equipe multidisciplinar, que
formaria uma câmara técnica de universitários, aonde poderia ser a referência ou o suporte
para outros que irão entrar ... Então dentro dessa metodologia, poderia tá implantando um
184

sistema nesse sentido, não adianta a gente criar uma organização indígena, somente focado
na bolsa de estudos, nós precisamos de informações mais adequadas, agora quem é essa
referência? Pra que comece a trabalhar com muito tempo. (Zeca Gavião, 2012)

As lideranças cobraram da APYEUFPA atuação conjunta, enfatizando que as ações não


podem estar direcionadas, apenas, à permanência no ensino superior, deve preocupar-se com
a qualidade da formação do indígena e manter-se relacionada aos problemas enfrentados
pelas comunidades. Ao mesmo tempo, destacam que o papel da Associação seria o de indicar
os caminhos que devem ser percorridos pelo indígena universitário para que o retorno
qualificado à comunidade possa acontecer da melhor forma possível.
As lideranças sugeriram a criação de um momento (em forma de seminário) para que
todas as ações da Universidade fossem discutidas e avaliadas, uma proposta de discussão mais
abrangente que envolva lideranças, indígenas universitários, representantes da Universidade
e outros órgãos, para tratar de assuntos relacionados à educação superior para povos
indígenas, objetivando expor a opinião das lideranças indígenas e elaborar propostas e
soluções para os problemas existentes.

Parcerias e alianças: a conquista de novos espaços e canais de diálogo

A luta por direitos não deve ser entendida como solitária, é preciso reconhecer que
em muitos momentos precisamos de aliados para garantir direitos, estas alianças fortalecem
as mobilizações em decorrência da expertise em áreas estratégicas, bons aliados tornam a
luta menos espinhosa. A APYEUFPA sempre pode contar com parceiros, sejam eles indígenas
ou não indígenas, estas parcerias foram estabelecidas a partir do protagonismo de discentes
indígenas a partir da APYEUFPA, resultando em conquistas significativas.

Alianças com lideranças e organizações indígenas

Em se tratando de povos indígenas, cabe lembrar do apoio de lideranças de base e


suas organizações, com destaque a FEPIPA, que tem atuado em parceria na luta pela garantia
da continuidade das Ações Afirmativas em Instituições Públicas de ensino superior. Além de
organizações locais, que representam povos ou aldeias que apoiaram projetos da APYEUFPA.
Neste sentido, alianças foram estabelecidas e é possível contar com o apoio e
participação de várias lideranças, com destaque para aquelas que acompanham as discussões
185

relacionadas a presença indígena na UFPA, como é o caso de Piná Tembé que procura estar
presente em momentos decisivos, sobretudo relacionados a temáticas indígenas. Piná Tembé
tem se destacado nas discussões relacionadas à educação e se tornado uma referência para a
UFPA, em 2009 participou da reunião no CONSEPE que aprovou a criação de um Processo
Seletivo Especial para povos indígenas, outro momento importante foi a participação na
reunião no colegiado do PPGED, para discussão sobre o ingresso de indígenas naquele
programa, pouco tempo depois estava presente na reunião que definiu os critérios para o
edital do PSE de 2017.
Outra liderança que tem marcado presença na UFPA e no apoio às demandas de
indígenas discentes é o líder Welton Suruí, o qual passou a acompanhar de forma mais
aproximada as atividades da APYEUFPA, com destaque a participação na inauguração/entrega
da sala da APYEUFPA, em outubro de 2017.
Além destas lideranças, é importante destacar a participação de lideranças de base em
mobilizações na Universidade permite maior proximidade e a apropriação das pautas de luta
de quem hoje está na Universidade, por outro lado, participar das defesas dos trabalhos
apresentados por indígenas garante o acompanhamento dos egressos, conhecer as temáticas
discutidas nos trabalhos desenvolvidos, assim como, observar a qualidade da formação dos
profissionais que estão sendo formados, permitindo a absorção destes profissionais em áreas
importantes para os povos indígenas.
Em relação às defesas, uma alternativa proposta pelas lideranças contribuiria para a
solução do impasse, seria a realização destes eventos nas próprias comunidades, permitindo
uma aproximação maior da Universidade com a realidade indígena. Temos experiências
exitosas, o curso de Etnodesenvolvimento é referência neste aspecto, levando os membros
da banca para as comunidades dos discentes.
Recentemente tivemos a defesa do trabalho de TCC da discente quilombola Leila
Seabra, egressa do curso de Serviço Social, a defesa aconteceu no quilombo Abacatal em
agosto de 2018,76 o evento foi inédito em se tratando de quilombolas que ingressaram via
PSE. São experiências exitosas que devem ser replicadas, garantindo a participação das
comunidades e maior aproximação com a Universidade, o que demonstra a capacidade de
compreensão e respeito às diferenças.

76
O Quilombo Abacatal está situado na região metropolitana de Belém, em Ananindeua.
186

Parceiros não indígenas

A Associação foi criada inicialmente pela necessidade de superar os problemas


relacionados à permanência na UFPA, porém, tem ampliado a área de atuação. A visibilidade
da APYEUFPA tem influenciado significativamente na mobilização de outros coletivos,
tornando-se modelo de experiência exitosa replicada por eles. A exemplo da Associação
Quilombola, que foi pensada tomando a experiência da APYEUFPA. Para criação da ADQUFPA
foram realizadas algumas conversas envolvendo indígenas e quilombolas, momento em que
indígenas fizeram relatos de experiência sobre a organização indígena na UFPA. Sobre o
assunto Putira destaca,

[o]s quilombolas, depois que souberam da nossa Associação, depois que viram como a gente
conseguia se organizar, começaram a se organizar também, eles se basearam pelo nosso
estatuto. Os estrangeiros também, eles também tiveram essa força, de quanto era importante
eles estarem no movimento, isso também foi uma contribuição nossa para eles terem essa
visão de movimento, de união, de ter uma diretoria para isso, porque não dá para ir todo
mundo o tempo todo. Eu acho que foi uma contribuição nossa, relacionada a essas
organizações, então você tem um grupo hoje muito forte, dos movimentos. (Putira Sacuena,
2018)

A parceria com os quilombolas tem tido muitos resultados positivos, a soma de forças
é estratégia que assegura direitos, afinal, juntos somos mais fortes. Carlos Diniz, do Quilombo
de Jambuaçu, que fica localizado no município de Mojú, estado do Pará, ex-coordenador da
ADQUFPA e discente do curso de Administração desde 2015, faz um relato importante sobre
a relação entre indígenas e quilombolas na UFPA,

[e]ssa parceria que começou de 2013 para 2014 foi de extrema importância, está sendo até
hoje uma parceria que deu certo. Hoje nós já temos frutos dessa parceria, logo mais teve a
ajuda dos amigos estrangeiros que também fazem parte desse círculo nosso, de Associações
dentro da Universidade. Mas a importância que se deu, os indígenas foram praticamente a
ponta do iceberg para que nós tivéssemos êxito na nossa conquista como associação. Os
indígenas nos forneceram como colaboração o próprio estatuto para que criássemos o nosso,
tiramos algumas coisas para adequar a nossas particularidades e desde então nós firmamos
um compromisso de lutarmos juntos, até porque nós temos um processo seletivo que nos une.
Então nós temos praticamente lutado com as mesmas armas dentro da Universidade, com
suas particularidades, sim claro, mas que o objetivo é um só, é a melhoria do nosso povo, são
as nossas conquistas enquanto povos tradicionais, nossas conquistas a enquanto quilombolas
e povos indígenas hoje podem ser vistas. Hoje nossas Associações pularam o muro da
Universidade e estão fora dela hoje, é uma realidade. (Carlos Diniz, 2018)
187

Carlos faz menção diversas vezes da colaboração dos indígenas para as discussões para
criação da ADQUFPA, relação de parceria que iniciou ainda em 2013, logo após o ingresso de
quilombolas pelo PSE, mas se fortaleceu em 2014, principalmente a partir da atuação de Putira
Sacuena como intermediária, lembro que Putira percebeu a importância de unir forças com
os quilombolas considerando as realidades que são muito parecidas. Desde então muitas
conquistas foram alcançadas em conjunto, tendo destaque para as discussões relacionadas ao
PSE, a bolsa do MEC e a conquista das salas para as Associações.
Outra aliança importante foi firmada com a organização que representa os discentes
estrangeiros, Israël Sèwanou Hounsou, presidente da Associação dos Estudantes Estrangeiros
(AEE) relata a experiência na UFPA e os pontos positivos referentes à aliança entre discentes
indígenas, quilombolas e estrangeiros.

[a] gente começou mesmo a se conhecer, a saber que um ou outro existe principalmente a
partir daquele momento da campanha do Reitor Emmanuel Zagury Tourinho, desde lá até
então a gente começou a fortalecer nossos laços, a gente se estabeleceu como entidade da
Universidade, como Associações que estão representando um grupo de indivíduos aqui na
Universidade. A gente começou a lutar junto, a trabalhar junto, participando dos eventos
juntos, afirmando e mostrando realmente nossa presença aqui na Universidade. Aí começou
a fortalecer mais nossos laços de amizade de irmandade dentro da Instituição. Outra coisa que
foi bem mais espetacular aqui, fortificou mais a obtenção desta sala, a sala das Associações,
que realmente aproximou uns aos outros. De lá então, falando de estrangeiro, falando de
quilombola ou falando de indígena, todo mundo já se encontra, já tá presente, acho que isso,
principalmente pra mim ficou muito, muito interessante, eu acho que em nenhuma
Universidade do Brasil você vai encontrar isso. Eu viajo bastante para visitar várias
Universidades, mas eu nunca encontrei esse, esse movimento, ou seja, esses laços entre a
diversidade presente numa Instituição como aqui na UFPA. Sinceramente acho que estamos
de parabéns, estamos batalhando juntos para conquistar nossos espaços, o que é nosso de
direito também, a gente não vai parar por aqui, a gente vai sempre continuando, buscando
por direito, o que é nosso. (Israël, 2018)77

Israël é de Lokossa, Benin na África, ingressou em 2015 no curso de Ciência da


Computação, hoje é representante a AEE, tem sido importante na luta pela permanência de
discentes estrangeiros, estreitou a relação com as lideranças estudantis, assim como, com a
reitoria da UFPA. A aproximação de indígenas discentes com os discentes estrangeiros tem
sido muito proveitosa, são experiências trazidas de diferentes países que acabam
contribuindo para nossa formação. Hoje é possível dizer que os estrangeiros têm

77
Mantenho na citação o nome de Israël, pois é assim que ele é conhecido na Universidade e no
movimento discente.
188

representatividade na UFPA e que estão se fortalecendo a cada dia, conquistando novos


espaços, como o próprio Israël menciona. Uma das conquistas mais comemoradas pelos
estrangeiros foi a garantia de um espaço de socialização, a sala da AEE, local equipado com
computadores e mesas para estudo, entregue no mesmo dia que as salas da APYEUFPA e da
ADQUFPA.
A aproximação entre nossos coletivos é estratégia e eficaz, é claro que nem sempre os
objetivos estão alinhados, pois apesar das semelhanças na luta, as realidades são distintas, a
começar pelo quantitativo de cada grupo na Instituição, neste aspecto os quilombolas
superam significativamente, tornando as decisões mais complexas e difíceis, obrigando-os por
vezes a tomarem outras direções.
Na UFPA também pudemos contar com parcerias de professores, técnicos e discentes
não indígenas, bem como, de institutos, faculdades, programas, entre outros, a maioria
mencionados em alguma parte do trabalho. Dentre os institutos, vale destacar o Instituto de
Ciências Jurídicas (ICJ), o Instituto de Letras e Comunicação (ILC), o Instituto de Ciências
Biológicas (ICB), o Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) e o Instituto de Ciências da
Educação (ICED), que abrigam faculdades, laboratórios, programas, entre outros, que em
algum momento planejaram e implantaram algum tipo de projeto ou ação voltadas a povos
indígenas e quilombolas.
Dentre os programas, cabe ressaltar a atuação incondicional do PAPIT, que desde o
início apoiou em todos diversos aspectos, não apenas para garantir nosso acesso a Instituição,
mas também a permanência, buscando o diálogo com a reitoria, com os institutos e
faculdades, no sentido de aproximar a Universidade da realidade dos povos indígenas.
Uma importante parceria foi firmada com o Programa de Educação Tutorial de
Quilombolas e Indígenas (PETQI) do ICB, que conta com a participação de professoras e
bolsistas dos institutos de Letras e Comunicação (ILC), do Instituto de Ciências da Saúde (ICS)
e Instituto de Ciências Biológicas (ICB). O Programa foi criado para garantir a permanência
quilombolas e indígenas, promovendo a oferta de cursos voltados a interpretação e produção
de textos, a inclusão digital, assim como, a partir da oferta de tutoria.
O PETQI é um projeto que tem adquirido força na Universidade, outras áreas estão
tomando a experiência com objetivo de implantar em outros institutos. Putira Sacuena, sobre
a iniciativa a partir do ICB, ressalta que “esse PET foi pensado com os alunos do ICB, da área
da saúde e depois a gente foi pensando nos outros cursos para levar para discentes de outros
189

cursos, que foi linguagem, informática e outros. Então, a gente teve uma sensibilidade do
próprio ICB com relação aos povos indígenas”. (Putira Sacuena, 2018)
Em se tratando de apoio a discentes indígenas e quilombolas, uma parceria foi firmada
com a Faculdade de Serviço Social (FASS), a partir do projeto de extensão “Ações interventivas
para a permanência com qualidade e equidade de estudantes indígenas e quilombolas no
curso de Serviço Social da UFPA”, criado a princípio para atender discentes do curso de Serviço
Social, teve que ampliar a atuação em decorrência das demandas existentes, abrangendo
também outros cursos do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA).
Outro Instituto que garantiu diálogo com povos indígenas e quilombolas, criando
espaços para discussão e disponibilização de serviços específicos para este público foi o ICJ,
concentrando as políticas para discentes do curso de Direito.
Em se tratando de alianças, o movimento indígena estudantil considera que a mais
significativa até o momento foi a firmada com a atual gestão da UFPA, eleita para exercer o
mandato de 2016 até 2020, contando com o Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho como Reitor
e o Prof. Dr. Gilmar Pereira como vice. Consideramos como parceiros pela possibilidade de
acompanhar todo o processo da campanha até a eleição, também pela oportunidade de
dialogar, ainda em campanha, para juntos planejar as ações necessárias para a inclusão
adequada de povos indígenas na UFPA, pois foi somente após diálogos sérios e demonstração
de comprometimento que a APYEUFPA manifestou apoio à candidatura.
A empatia com a proposta da chapa foi unânime entre os indígenas, pois apresentava
a inclusão social e a valorização da diversidade existente na Universidade como bandeira de
luta. Outro ponto importante foi a iniciativa em chamar os povos indígenas para o diálogo,
ouvir nossas propostas e estabelecer planos para a execução de cada uma delas, apresentadas
também em formato de documento, recebido pelos então candidatos.
Dois anos após a eleição, observamos a partir da APYEUFPA que cada uma das
propostas passou a ser discutida com mais afinco e colocadas em prática pela gestão. Em
nenhum momento foi necessário alguma mobilização ou cobrança, muito pelo contrário, as
organizações que representam a diversidade na Universidade passaram a ser chamadas para
o planejamento e decisões de assuntos que nos interessam, sendo cada vez mais respeitadas
não apenas pela reitoria, mas também pelos Pró-Reitores e representantes de diversos
setores da UFPA, tratamento que reflete o compromisso com a diversidade.
190

A primeira ação da nova gestão foi criar espaços de diálogo com as coletividades,
aproximando significativamente a reitoria dos discentes pertencentes a grupos
vulnerabilizados, hoje temos acesso direto ao reitor, sem burocracia e morosidade, o que tem
facilitado consideravelmente a resolução de problemas que antes pareciam impossíveis de
serem resolvidos.
Dentre as ações promovidas pela nova gestão, destaca-se a criação em outubro de
2017,78 da Assessoria da Diversidade e Inclusão Social (ADIS), a qual conta com pessoas
capacitadas e sensíveis na coordenação, a exemplo da Profª. Dr.ª Zélia Amador de Deus, que
é militante do movimento negro e profunda conhecedora das demandas sociais de povos
indígenas e quilombolas. A Assessoria responde a questões relacionadas às ações afirmativas,
está ligada ao gabinete do reitor respondendo somente a ele, é importante por acompanhar
e promover discussões sobre respeito e inclusão social, bem como, no acompanhamento de
casos de racismo que ocorrem na Universidade, fazendo formações com profissionais e
técnicos.
Por ter atuação com diversas unidades da UFPA, conforme prevista na resolução
nº759/17, possui outra característica importante, que está relacionada a possibilidade de
analisar documentos, resoluções, editais, entre outros, no sentido de identificar aspectos que
possam ter cunho racista, discriminatório ou excludente, enfim, quaisquer inciativas que
possam ir de encontro com a política de inclusão social da gestão atual. É importante ressaltar
que a Assessoria ainda em fase de estruturação, portanto ainda não possui um local
permanente para atuação dos profissionais vinculados. Sobre o assunto, a representante dos
indígenas na UFPA destaca, “a Assessoria ainda precisa de um local, se tivesse um local, uma
estrutura eu acredito que funcionaria até melhor, ela precisa de uma equipe de apoio
também, frequente com ela, ela tem uma equipe, mas ainda tá muito dispersa, ela precisa
mesmo é de um local” (Putira Sacuena, 2018)
A falta de um local realmente torna difícil o trabalho dos profissionais, não permitindo
a ampliação das atividades, os professores ainda desempenham as atividades a partir de seus

78
A Assessoria da Diversidade e Inclusão Social foi criada a partir da Resolução nº 759, de 20 de outubro
de 2017, disponível em:
http://www.ufpa.br/sege/boletim_interno/downloads/resolucoes/consun/2017/759_Aprova%20o%
20Regimento%20da%20Assessoria%20Especial%20de%20Diversidade.pdf Acesso em: 10 de jul. de
2018.
191

locais de trabalho na UFPA, reunindo-se em algum local da Universidade para estabelecer


estratégias de atuação.
Em agosto de 2017 aconteceu também o I Seminário para a discussão do Processo
Seletivo Especial-PSE, atendendo a demanda de longa data do movimento indígena estudantil
e do próprio movimento indígena do estado do Pará. O Seminário foi importante por
promover o debate sobre as Políticas de Ações Afirmativas promovidas pela UFPA, durante o
evento tivemos a oportunidade de manifestar as dificuldades enfrentadas principalmente no
acesso, permitindo uma ampla discussão sobre os problemas enfrentados por indígenas e
quilombolas durante o PSE e a mudança de diversos pontos no edital. A figura 18 é o registro
das discussões realizadas na abertura do Seminário.

Foto: Edimar Fernandes

Figura 18 – I Seminário de discussão do PSE/UFPA

Uma das novidades apresentadas pela nova gestão durante o seminário, foi a oferta
da segunda opção de curso para os candidatos, ampliando significativamente o número de
classificados no processo, que neste ano de 2018 chegou a 74, maior índice desde a criação
do PSE em 2009. O Seminário vai ao encontro de nossas demandas, atendendo ao que
preconiza a Convenção nº. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no que se
refere a consulta aos povos indígenas em assuntos de interesse, também possibilidade
democrática de discutir e chegar a acordos que levem em consideração as especificidades de
indígenas e quilombolas, foi momento impar para o avanço das Políticas de Ações Afirmativas
na UFPA.
192

Durante o Seminário ainda, o reitor anunciou a criação da mobilidade interna para


discentes indígenas e quilombolas, naquele momento a proposta ainda estava sendo
estruturada, pouco tempo depois recebemos diretamente do reitor a minuta do edital de
Mobilidade Acadêmica Afirmativa (MOBAF), modalidade que permite que indígenas e
quilombolas que tenham ingressado na UFPA, via PSE, troquem o curso. Nossos coletivos
avaliaram a minuta proposta e devolveram com propostas de alterações, as quais em sua
grande maioria foram discutidas e acatadas. A mobilidade acadêmica também foi uma
demanda do movimento indígena estudantil atendida pela gestão, um grande passo para a
garantia da permanência na UFPA, pois o discente que por algum motivo não tenha se
adaptado ao curso escolhido, tem a chance de fazer a mudança, diminuindo assim os índices
de desistência.
Um dos momentos mais emblemáticos e emocionante vivido por indígenas,
quilombolas e estrangeiros aconteceu em 19 de outubro de 2017. Foi a cerimônia de
inauguração das salas sedes das nossas Associações, as três salas para convivência dos
discentes indígenas, quilombolas e estrangeiros foram entregues pessoalmente pelo reitor.
As salas contam com computadores, mesas, cadeiras, central de ar e estão localizadas no
bloco “D” do setor básico da UFPA, bloco que foi batizado pelo reitor de bloco da inclusão
social, para nós também é o bloco “D” de diversidade. A sala da APYEUFPA resulta de mais de
sete anos de luta e inúmeras solicitações a gestões anteriores, foi uma das conquistas mais
significativas da Associação, pois representa a concretização de um sonho, de ter um espaço
dentro da Universidade para estudos, o convívio entre indígenas, troca de experiências,
reuniões, entre muitas outras possibilidades.
A celebração contou com a participação da comunidade Universitária além de
representantes do movimento indígena, lideranças quilombolas, entre outros. Teve início com
um ritual de comemoração dos povos indígenas, conduzido por uma forte liderança indígena
no estado do Pará, o cacique da aldeia Itahy Welton Suruí.79 Foi um momento de forte emoção
para todos nós, o que motivou a quebrar o protocolo e mudar a programação do evento, que

79
Para mais informações sobre a inauguração das salas, consultar:
https://www.portal.ufpa.br/index.php/ultimas-noticias2/7491-estudantes-indigenas-quilombolas-e-
estrangeiros-festejam-a-conquista-das-sedes-de-suas-associacoes-na-ufpa Acesso em: 15 de ago. de
2018.
193

estava previsto de ser iniciado com a fala de lideranças, reitor e vice-reitor. Na figura 19 o
cacique Welton Suruí na mesa de abertura.

Foto: Edimar Fernandes


Figura 19 – Solenidade de entrega da sala da APYEUFPA

A figura 19 registra um momento muito especial, em que lideranças de vários coletivos


compartilham da mesma tribuna que o reitor e vice-reitor da UFPA, é símbolo da forma como
a gestão da UFPA tem trabalhado, valorizando a diversidade. Na imagem, da direita para
esquerda temos Israël Hounsou, representante da AEE, Putira Sacuena, representante da
APYEUFPA, Gabriela Nascimento, representante do DCE, o Vice-reitor, Prof. Dr. Gilmar Pereira,
o Reitor, Prof. Dr. Emmanuel Tourinho, o cacique Welton Suruí e, por fim, Valdinei Gomes, a
esquerda, um dos representantes da ADQUFPA.

Protagonismo de indígenas discentes

Apresento a trajetória de indígenas para mostrar a formação de teias de relações


interétnicas no ambiente universitário, proporcionando encontro de pessoas diferentes, mas
com objetivos e histórias comuns, que acabam norteando novas formas de articulação,
mobilização e sociabilidade. As trajetórias são importantes por indicar que o protagonismo é
presente e não se restringe à academia, muito pelo contrário, novas articulações são possíveis
a partir da formação acadêmica, a qual deve ser apenas a base para atuação profissional e
política. Problematizo a trajetória de Eliene dos Santos Rodrigues, liderança conhecida no
194

movimento indígena como Putira Sacuena, a trajetória de Putira é importante para


problematizar superação de dificuldades e o protagonismo da mulher indígena.
Putira foi aprovada no PSE em 2012, oriunda do estado do Amazonas, foi aprovada no
curso de Biomedicina, concluiu com êxito a trajetória acadêmica em 2016 e logo após foi
aprovada no Mestrado em Antropologia do Programa de Pós-Graduação em Antropologia
(PPGA), com ênfase em Bioantropologia.

Protagonismo da indígena mulher: a trajetória de Putira Sacuena80

Eliene dos Santos Rodrigues é pertencente a etnia Baré, do Médio Rio negro, seu nome
Baré é Putira Sacuena, que significa flor cheirosa. Putira nasceu em Santa Isabel do Rio
Negro,81 local que leva o nome indígena de Tapuruquara, que em português significa “buraco
do tapuru”, o nome que marca a presença indígena na região ainda é lembrado até os dias
atuais, mantêm-se na memória da maioria da população por ter sido utilizado para nomear o
aeroporto da cidade, o Aeroporto Tapuruquara.
Putira estudou até a oitava série na única escola que existia naquela época no
município, a escola Nossa Senhora Maria Auxiliadora, administrada por freiras. Seus pais
atuavam como professores, além deles, a maioria dos professores que lecionavam na escola
eram do próprio município. Apesar do número significativo de indígenas na escola e da
diversidade de culturas no mesmo ambiente, falar língua e reproduzir quaisquer práticas
culturais não eram permitidas no ambiente escolar, durante o relato, Putira fica emocionada
quando fala sobre o assunto: “A gente não falava a língua na escola porque elas precisavam
ter controle do que estávamos falando”. (Putira Sacuena 2018)
A realidade vivida por Putira naquela região não difere da vivida por outros parentes
do mesmo estado e de outros estados no norte do país. R. Fernandes (2017), ao tratar sobre
a metodologia utilizada por religiosos em espaços destinados a “educação” de indígenas no
estado do Pará, faz a reflexão a partir da categoria da pedagogia “repressora”, como

80
O texto é resultado de conversa com finalidade para o propósito da tese, realizada no dia 20 de jul.
de 2018, envolvendo Edimar Fernandes e Putira Sacuena, além da conversa gravada, as longas
conversas com Putira em diversos momentos contribuíram significativamente para elaboração da tese.
81
Santa Isabel do Rio Negro é município cuja população predominantemente é de origem indígena,
das etnias Baré, Tukano, Baniwa, Pira-Tapuya, Tariano, Dessana, Arapasso, Tuyuca, Cubeo e Curipaco,
está localizada na margem esquerda do Rio Negro, na região norte do estado do Amazonas.
195

metodologia controladora de corpos, no sentido de invisibilizar culturas, num processo de


“higienização e civilização”.
Em espaços como estes, Putira foi obrigada desde muito cedo a omitir a identidade
Baré, a pertença indígena não era entendida como positiva, trazendo consigo a exclusão,
situações de discriminação e racismo, as quais marcaram a trajetória estudantil e política
desta guerreira Baré.
Pela falta de condições financeiras não teve a oportunidade de estudar o ensino médio
em Manaus,82 município que contava com inúmeras opções de formação na época, teve que
ingressar na Escola Estadual Padre José Schneider, criada em Santa Isabel do Rio Negro
enquanto ainda fazia o ensino fundamental. Pela falta de opções no ensino fundamental,
Putira foi obrigada a estudar em escola com princípios religiosos, mas apesar das tentativas
de homogeneização, Putira não esqueceu as origens, manteve contato com as aldeias de seus
pais como é o caso das comunidades as margens do rio Enuixi, onde seu tio é cacique, nas
comunidades de Boa Vista, Mofubé e Cartucho. O parentesco com membros de diversas
comunidades se dá pela pertença étnica de seus avós maternos, que são pertencentes a etnia
Baniwa e Nadeb e paternos pertencentes a etnia Baré.
Após finalizar o ensino médio, iniciou curso técnico em microscopia, foram os
primeiros passos na área da saúde, os quais permitiram a compreensão da necessidade de
avançar nos estudos relacionados a área. Enquanto atuava como microscopista pela Fundação
Nacional da Saúde (FNS), trabalhando em comunidades indígenas daquela região, percebeu a
carência que existe entre os povos indígenas e a necessidade de indígenas formados na área
da saúde, foi quando decidiu fazer o curso de técnica de laboratório, oferecido apenas em
Manaus, no Laboratório Central (LACEN). Portanto, em 1996 saiu pela primeira vez da
comunidade de origem para dar sequência nos estudos.
Quando retornou a Santa Isabel do Rio Negro, continuou atuando como microscopista,
momento em que conheceu o pai de seus filhos, psicólogo paraense que atuava naquela
região. Em 1999 resolve mudar-se para o local de origem do esposo, Belém do Pará. Por um
longo período não teve perspectiva nenhuma de continuar os estudos ou mesmo trabalhar na

82
Manaus é a capital do estado do Amazonas, distante aproximadamente 650 km em linha reta do
município de Santa Isabel do Rio negro. A locomoção entre estes dois locais é aérea ou fluvial.
196

área de formação técnica, dedicando-se a família e aos filhos em lugar distante de sua terra
natal.
O afastamento do local de origem, da família, dos parentes e as mudanças trazidas
com o novo modo de vida na cidade de Belém foram determinantes para um longo período
de silenciamento étnico e invisibilização da identidade Baré. Não se sentia confortável para
revelar a pertença indígena por conta das situações de racismo que enfrentou na infância e
que poderia voltar a enfrentar estando entre não indígenas, insegurança resultante das
relações de poder estabelecidas no período da escola, nas quais era obrigada a omitir a
identidade Baré, “Hoje eu percebo o quanto eu sofri, porque tenho o conhecimento do que é
o silenciamento, do que é o racismo. Na verdade, eu vivi tudo isso e não tinha me dado conta
do quanto isso era ruim”. (Putira Sacuena, 2018)
Hoje a parente compreende o que é silenciamento, principalmente pela proximidade
com a Antropologia, pela leitura de textos sobre o assunto e a participação em eventos, mas
também em decorrência do acompanhamento de casos de parentes que passaram por
situações semelhantes. A partir do protagonismo criou espaços no movimento indígena,
estabelecendo-se como liderança indígena, principalmente pela atuação na APYEUFPA, hoje
é respeitada e reconhecida no estado do Pará, no seu estado de origem e em outros estados.
Em 2009 regressa para o Amazonas, onde procura superar o silenciamento étnico e
retomar sua vida profissional atuando como técnica de laboratório em hospital de Santa Isabel
do Rio Negro, rompendo com relações de subordinação na qual foi submetida, reafirmando-
se como Baré. De acordo com Putira, a perda do pai em 2008, a fez refletir sobre a situação
em que estava, era o pai quem mais incentivava os estudos, a parente relembra do pai com
enorme tristeza e pesar “em 2008 quando eu perdi meu pai foi que eu comecei a perceber o
quanto eu tinha parado no tempo, pois meu pai era uma das referências em educação na
região, tanto em Barcelos, quanto em São Gabriel da Cachoeira, todos conheciam ele, foi uma
situação muito complicada, mas que me ajudou a despertar sobre o ensino superior”. (Putira
Sacuena, 2018)
No início de 2011, fez outro curso técnico em Manaus, agora em Hematologia e
Hemoterapia, foi quando percebeu a real necessidade de fazer um curso de ensino superior,
pois os cursos técnicos não permitiriam atuação com maior qualificação, teve incentivo
familiar, mas também recebeu críticas. Lembra das palavras do irmão mais jovem, que
chamou sua atenção com a seguinte frase “poxa, a gente sempre se espelhou em ti, mesmo
197

quando não tinha nenhuma oportunidade, tu buscava estudar e agora parou, parou no tempo,
não saiu do técnico, tu era nossa inspiração para estudar, aí a gente estudou e tu ficou”. (Putira
Sacuena, 2018)
Na região de origem da parente, os cursos de nível superior oferecidos estavam
voltados principalmente para a área da educação, situação que favoreceu a formação de
vários membros da família para atuarem como professores, permitindo inclusive a conclusão
de um segundo curso de nível superior pelo seu pai, porém, não haviam cursos de ensino
superior voltados a área da saúde.
Em 2011 ficou sabendo do PSE para povos indígenas da UFPA por intermédio de
conhecidos em Belém, percebeu ali a oportunidade de ingressar no Ensino Superior. Porém,
para voltar a Belém era necessário pensar em toda logística que a mudança geraria para a
família, pois estava estabelecida em Santa Isabel do Rio Negro com seus filhos. Em conversa
com a família do ex-marido, verificou que poderia contar com o apoio para o cuidado com os
filhos em Belém, foi quando optou pelo curso de Biomedicina.
Para fazer o PSE para povos indígenas enfrentou todas as dificuldades de ter que se
deslocar de um estado para o outro, tendo que fazer o translado de barco até Manaus e de
avião até Belém. Os custos da viagem são altos, mas foram pagos graças a economia que vinha
fazendo a algum tempo. Quando saiu o resultado do processo, verificou que havia passado
com a nota máxima nas duas etapas, redação e entrevista, lembra ainda da pergunta feita na
banca, sobre o que faria com os filhos caso fosse aprovada, mas naquele momento tudo
estava organizado para a vinda da família inteira para Belém. Na figura 20, apresento o mapa
da trajetória de Putira.
198

Figura 20 – Mapa da trajetória de Putira Sacuena

O mapa elaborado a partir das conversas com Putira mostra todo o trajeto percorrido
até se estabelecer em Belém em função da aprovação no PSE para povos indígenas, assim
como, os anos que fez os deslocamentos, é importante por mostrar a saga da primeira parente
Baré a ingressar na UFPA. Putira ingressou na UFPA no curso de Biomedicina no ano de 2012,
como a maioria dos parentes que chegam à Instituição enfrentou diversas dificuldades no PSE,
de adaptação em Belém e, acima de tudo, de adaptação na Universidade.
Putira lembra dos primeiros dias na Universidade, quando professores perguntavam
sobre as expectativas em relação ao curso e a possível atuação profissional a partir da
formação, como acabara de chegar à Universidade, precisava conhecer o ambiente e
compreender como pessoas etnicamente diferenciadas seriam recebidas, estrategicamente
preferiu não manifestar a pertença Baré, “mas eu não lembro como a faculdade de
Biomedicina ficou sabendo que tinha indígena, porque em uma das aulas a professora falou
que tinha indígena na turma, quando terminou a aula dela todo mundo se perguntava quem
era a indígena”. (Putira Sacuena, 2018)
De acordo com Putira, o espanto foi geral, todos se perguntavam quem seria. Não
fugindo da regra, orientados pelos estereótipos, os colegas logo voltaram os olhares para
199

outra colega, a qual levava até apelido pelo fenótipo, a chamavam de Pocahontas. Quando
interrogada sobre a pertença étnica, a colega manifestou desconforto, negando qualquer
relação com povos indígenas, “eu lembro que tinha uma colega nossa que tinha o cabelo
grande e liso [...] aí chegaram com ela e falaram, olha tu que é a indígena? Não, Deus me livre,
eu não sou indígena, não sou eu”, (Putira Sacuena, 2018) percebendo o desconforto e a
situação que a colega foi colocada, Putira resolve se manifestar a pertença étnica, revelando
publicamente que a indígena da turma era ela “no momento em que ela falou isso, eu percebi
o quanto ela ficou ofendida, aí eu falei, sou eu”. (Putira Sacuena, 2018)
A notícia causou espanto, para os colegas os traços físicos e o português bem falado
não condiziam com a pertença. Lembra das palavras do colega Roberto Magno em sua
defesa,83 “sim, vocês queriam que ela viesse pra cá nua? Que fizesse foguinho ali na frente do
ICB e ficasse cantando em volta da fogueira? Se não é assim digam porque a Eliene não pode
ser a indígena da turma?” (Putira Sacuena, 2018) A reação do amigo foi marcante para Putira,
o amigo tomou a dianteira e foi para embate em sua defesa.
O caso é marcante por mostrar o despreparo dos docentes e discentes para receber
grupos etnicamente diferenciados, a forma exótica que nossos povos são vistos pela
sociedade também acontece na academia. No caso da professora, não houve prudência na
forma como manifestou a presença de indígena em sala de aula, por mais que quisesse
destacar de forma positiva, acabou não respeitando a autonomia da parente, que se
apresentaria quando se sentisse confortável para tal, provavelmente quando percebesse um
ambiente mais favorável e receptivo às diferenças, com menores chances de enfrentar
situações de racismo e discriminação. A revelação “atravessada” obrigou a parente mudar de
estratégia, tendo que fazer enfrentamentos antes do previsto, o que envolveu também
colegas e amigos.
Naquele momento Putira passava por um momento de reafirmação identitária, ainda
não se sentia segura pelas situações de racismo que enfrentava, que foram previstas por sua
mãe, que alertava sobre o que enfrentaria longe da família e da comunidade:

[e]u ainda não tinha essa formação política sobre o racismo, não tínhamos uma discussão
sobre isso. Eu lembrava muito da minha mãe, que falava: ‘tu vai pra lá, eles vão saber que tu
é indígena, tu vai sofrer, eu não quero ver vocês sofrerem. Se não precisar falar, tu não fala’.

83
Putira fez questão que o nome do amigo fosse mencionado na tese, foram muitas situações que
juntos conseguiram enfrentar e superar.
200

Esses eram os ensinamentos da minha mãe, porque ela sofreu muito com o racismo. (Putira
Sacuena, 2018)

Como estava distante de terra natal, parentes, organizações de base, entre outros, a
proximidade com outros parentes discentes da UFPA, principalmente a partir da APYEUFPA,
foi importante para se fortalecer, buscou participar de eventos, debates, reuniões, formações,
entre inúmeros outros sobre a temática indígena. Foi atuante no Projeto Caravana do
Vestibular Indígena que aconteceu em 2012, participou de todo o planejamento e organização
da viagem e foi fundamental para as discussões nas aldeias, momento em que conheceu
diversas lideranças no estado do Pará.
Putira se tornou referência para a família e para os povos indígenas do Rio Negro,
apoiando candidatos indígenas daquela região que desejavam ingressar na Universidade,
foram 26 parentes ingressaram na UFPA e contaram com o auxílio de Putira em todas as
etapas do processo, destes, 12 são da etnia Baré, além deles, ingressaram também membros
dos povos Arapasso, Baniwa, Dessano, Piratapuia e Tukano, todos daquela região. Putira foi a
precursora, se fortaleceu com a presença de parentes e juntos são protagonistas nas lutas do
movimento indígena estudantil.

[e]m 2012 a gente fez a Caravana do Vestibular, onde eu pude ter contato com as outras etnias
e conhecer outros indígenas, seu modo de vida, tudo isso foi muito importante pra mim.
Depois da Caravana do vestibular, a gente começou um outro diálogo no sentido de expandir
o PSE, então em 2013 veio a Eliniete Fidelis, que aí já veio e ficou na minha casa. A gente
começou a perceber o quanto era importante também a gente estar ocupando essas vagas
aqui, porque o PSE não estava tão divulgado quanto ele está hoje. Em 2013 entrou também
de São Gabriel da Cachoeira, que se formou em Odontologia, que é a Jesusmery. Em 2014 de
novo veio mais indígenas de lá da minha região do médio Rio Negro, todo ano vem mais
indígenas do Amazonas. A gente dá todo o apoio, faz o diálogo com as lideranças da região,
hoje elas confiam e começam a ter outro tipo de postura, sabendo que eu estou aqui em
Belém, hoje meu primo Marivelton Baré que é liderança, coordenador da FOIRN, que é a
Federação das Organizações Indígenas do Rio negro, me liga pra saber como está, fortalecendo
o diálogo. (Putira Sacuena, 2018)

Desde o início da graduação Putira sempre atuou no movimento indígena estudantil,


dando apoio em diversas áreas da APYEUFPA, assumiu cargos importantes na associação até
assumir a presidência em 2015, sempre lutou pelos direitos dos discentes indígenas, além da
atuação política, também faz orientações aos discentes da graduação, principalmente aos que
estão inseridos na área da saúde.
201

[a] partir dali eu comecei a perceber também que eu podia, de uma certa forma, recuperar o
que tinha perdido, o protagonismo [...] eu comecei e perceber que era importante
acompanhar isso [...] foi quando a gente conseguiu também o auxílio moradia, porque só tinha
o permanência da UFPA, aí já foram duas bolsas, em 2013 já veio a bolsa permanência do MEC.
(Putira Sacuena, 2018)

Graças a Putira, parcerias foram firmadas com discentes quilombolas na UFPA e os


laços com indígenas dos campi do interior foram fortalecidos, ampliando ainda mais a atuação
da Associação. Putira foi muito importante na orientação e apoio aos quilombolas para criação
de organização própria, a Associação dos Estudantes Quilombolas da UFPA (AEQUFPA),
organização que posteriormente tornou-se parceira de luta.
Além das atribuições no movimento indígena estudantil, também foi atuante em
outras áreas na Universidade, no curso de Biomedicina, foi vice-presidente e posteriormente
a presidente do centro acadêmico de Biomedicina posição em que percebeu a importância de
indígenas ocuparem estes locais. A presença de Putira na área da saúde foi significativa para
a mudança na postura de professores, técnicos e discentes.
Putira nunca mais teve receio de assumir a identidade étnica, não mais teme o racismo
e a discriminação, está preparada para fazer qualquer enfrentamento tanto na Universidade
quanto fora dela, quando fala sobre o ingresso de indígenas na Universidade, reforça que o
acesso por Ações Afirmativas não é sinônimo de inferioridade em relação aos colegas que
ingressam por processo seletivo universal, pois todos encontram dificuldades.
A atuação política da guerreira Baré tem destaque, protagonizou na construção de
teias de relações com parentes de outras etnias, se tornou referência no apoio em questões
relacionadas ao acesso e permanência, tem sido procurada por lideranças indígenas do estado
e fora dele, por profissionais da FUNAI que procuram informações sobre os programas
universitários voltados a povos indígenas. Passo a passo tem se projetado no movimento
indígena do estado do Pará, entre os indígenas discentes é conhecida como a “Madre Putira”,
por auxiliar na solução de problemas em diversas áreas, não apenas relacionados a academia,
mas também, emocionais, familiares, financeiros, entre diversos outros. São inúmeras
responsabilidades que a presidência da APYEUFPA traz consigo, neste projeto, muitas vezes
tem que suportar o ônus de se distanciar da família e não conseguir reservar tempo para as
atividades do mestrado, das quais é muito cobrada.
Na Universidade as histórias se cruzam, indígenas de locais e etnias diferentes se
encontram, compartilhando experiências fortalecendo os laços, muitos chegam sem
202

conhecimento algum sobre a Universidade e a Associação, como o próprio nome indica, acaba
sendo o “local” de encontro, para Putira não foi diferente, pois encontrou orientação e apoio
necessário para o início da trajetória estudantil, para ela,

[o] ingresso e a participação na Associação foi fundamental também para minha permanência,
você se sente mais seguro, você sabe que não está mais sozinho, isso é um fato muito
importante, porque imagina, chegar aqui você não conhece ninguém, mas não importa a etnia
que tu seja, tu é parente e esse parente tem uma relação que te abre portas, tu não tá mais
só, tem parente e aí fala parente é muito mais do que biológico, não é teu parente de sangue,
mas é teu parente como indígena e isso vale muito mais pra gente aqui na Universidade.
(Putira Sacuena, 2018)

Nos momentos iniciais de um curso de graduação, conhecer pessoas que


compartilham dos mesmos ideais, que passaram por adversidades semelhantes é significativo,
nesta hora o “ser parente” torna-se o diferencial, é o que aproxima, que une, que permite
juntar forças para lutar. Putira encontrou o que precisava para protagonizar sua própria
história e se estabelecer como liderança indígena, assumiu responsabilidades e o
compromisso com parentes que nem mesmo conhecia. Desta forma as teias de relações
interétnicas e intraétnicas vão sendo construídas no âmbito da academia, são lutas comuns
que unem pessoas indígenas de etnias diferentes, ampliando as possibilidades de garantia de
direitos e sucesso de projetos coletivos. Por outro lado, são atitudes como as de Putira que
fazem a diferença, para estes não é apenas estar na Universidade, mas ser protagonista na
construção destas teias.

Para ampliar o carreiro

Para alcançar determinados locais em meio a mata, sejam de caça, pesca, coleta de
alimentos, de roça, entre inúmeros outros, caminhos são abertos, podem ser mantidos
dependendo da importância do local, tarefa que pode caber a um único indivíduo, a família
ou a comunidade. Quanto maior a importância e quanto maior o número de pessoas que
dependem dele, melhores são as chances do caminho estar adequado para a passagem. Para
o meu povo, fazer a manutenção dos “carreiros” que levam até os Pinheirais é questão de
sobrevivência, pois além do consumo, a renda com a venda do pinhão garante a compra de
outros alimentos para muitas famílias, mesmo que os pinheirais não estejam produzindo, a
limpeza dos “carreiros” é necessária para que a tarefa não se torne complexa com o
crescimento da vegetação. No caso dos povos indígenas do estado do Pará, que contam com
203

a castanha tanto para alimentação, quanto para geração de renda, a manutenção dos
“carreiros” ou “piques de castanha” também deve ser realizada, sendo tarefa necessária e
contínua.
Abrir carreiros e piques em lugares de difícil acesso é sempre um desafio, maior ainda
quando este caminho não leva a mata, mas para fora de nossas terras, para locais que
integram nossos projetos coletivos, como a Universidade, por exemplo. “Abrir” e manter esse
caminho é desafiador, pois requer a apropriação de outros tipos de ferramentas, no caso da
UFPA, conquistas significativas foram alcançadas, o “carreiro” foi “aberto” graças à atuação e
esforços de lideranças indígenas e parceiros na Universidade, de indígenas discentes
mobilizados na Universidade, também com apoio de lideranças indígenas e parceiros, tem
sido mantido “limpo”, pois a “vegetação” nativa insiste em continuar se desenvolvendo para
impedir a passagem. Mantê-la aberta não tem sido tarefa fácil, exige muito esforço e
ferramentas certas para a tarefa, somados a rotina de trabalho e atenção para que pequenos
brotos não tornem-se árvores novamente.
Mas para além de “abrir carreiros” e mantê-los, é necessário acima de tudo amplia-los
para garantir a valorização de conhecedores e conhecimentos tradicionais, saberes locais,
outras formas de pensar e agir, que oriente para formações que atendam necessidades de
comunidades e povos no sentido de proporcionar a superação de problemas locais permitindo
a diminuição de desigualdades sociais. Este movimento requer, antes de mais nada, a
descolonização do saber/conhecimento, superando a forma como a produção do
conhecimento nas Universidades é delineado, pautado na formação de mão de obra para
atender ao mercado de trabalho e nutrir o capitalismo, valorizando o mérito e incentivando a
competitividade, modelo que hierarquiza o conhecimento tornando sujeitos em objetos do
sistema.
A movimentação indígena em direção ao ensino superior teve destaque nestas últimas
duas décadas, a construção de carreiros neste sentido constituiu estratégia para o
enfrentamento dos problemas recorrentes, principalmente dos causados pelo contato com a
sociedade não indígena. Tivemos avanços significativos neste sentido, principalmente com a
garantia de políticas afirmativas voltadas especificamente para povos indígenas em diversas
universidades públicas no país. Porém, estas ações não devem ser consideradas de forma
isolada, outras devem ser pensadas no sentido de garantir a permanência e o sucesso,
ampliando cada vez mais os carreiros. Sendo assim, é possível também observar um
204

movimento cada vez mais forte de indígenas discentes que estão nas universidades para
garantia de políticas que estejam adequadas às especificidades, são parentes mobilizados em
prol de objetivos em comum, que encontram na União a estratégia mais adequada para o
enfrentamento das dificuldades que muitas vezes se agigantam, são conquistas garantidas a
partir do protagonismo indígena.
No caso da UFPA, o protagonismo indígena existiu em todas as etapas de implantação
de Ações Afirmativas para povos indígenas, contribuindo para desconstrução da visão
preconceituosa do “índio tutelado”, dependente e sem condições de tomar decisões. As
iniciativas dos povos indígenas tiveram como base a atuação de lideranças indígenas, tendo
continuidade a partir da atuação de jovens guerreiros que pautaram a luta na necessidade de
melhorar as condições dos indígenas discentes, num movimento de luta pela permanência. O
protagonismo indígena não se encerrou com a garantia do acesso, também se manifesta no
âmbito da própria Instituição no embate às dificuldades relacionadas a permanência e
sucesso.
O parente Uwira Xakriabá (Willian César Lopes Domingues) conhecido no movimento
indígena no Brasil ao problematizar a própria trajetória na dissertação de mestrado, fala sobre
a necessidade de “amansar a universidade”, etapa vista pela comunidade como parte de um
projeto necessário para os povos indígenas, em que o parente faz parte ao ingressar no ensino
superior, daí a indicação da comunidade, “[e]sse processo de ir estudar na universidade foi
um processo negociado, partilhado com a comunidade como parte de um projeto maior de
segundo os mais sábios, ‘amansar’ a universidade e conhecendo-a torná-la conhecida dos
parentes e abrir suas portas para eles”. (Domingues, 2017: 4)
O movimento contrário, em que os povos indígenas procuram as “riquezas” oferecidas
pelos não indígenas, a busca pelo conhecimento dito científico se tornou parte importante da
luta de nossos povos. Para isso, faz-se necessário “docilizar” a Universidade, torná-la menos
arredia à presença da diversidade. A estratégia proposta pelas lideranças que enviaram Uwira
foi abraçada pelos indígenas discentes na UFPA e se tornou parte integrante no projeto da
APYEUFPA, a partir dela trabalhamos para superação das assimetrias, criando novos espaços
de diálogo e garantindo maior participação indígena nas decisões que nos interessam.
Amansar a Universidade também significa garantir que os conhecimentos indígenas
sejam valorizados na mesma proporção que os não indígenas, num movimento de
descolonização do conhecimento, é necessário que se reconheça a insuficiência dos
205

parâmetros ocidentais dominantes e universalistas, que considere que o multiculturalismo é


importante para a produção do conhecimento, devendo acontecer de forma participativa e
coletiva, permitindo maior visibilidade para estas epistemologias. Portanto, se a Universidade
é um espaço pluriétnico e multicultural, é necessário que se garantam espaços para a
manifestação das expressões étnico/raciais, permitindo diálogos entre culturas diversas, são
formas diferentes de ver e entender o mundo, perspectivas estas que até pouco tempo
presentes apenas a partir dos relatos e pesquisas desenvolvidas por estudiosos não indígenas.
Neste sentido, nossa presença na academia, além de fazer parte de projetos coletivos dos
povos indígenas, também permite o enriquecimento dos conhecimentos produzidos nestes
espaços, pois cria a necessidade da mudança na postura Institucional e fomenta o debate
sobre a necessidade do exercício da interculturalidade, tema pouco debatido na academia,
mas muito caro para a formação adequada e grupos etnicamente diferenciados.
Juan Carlos Martínez Hofmann (2017) ao tratar sobre a necessidade de indianizar as
universidades canadenses e a necessidade de “descolonizar o saber”, indica que, “[l]a
decolonización proviene de la valoración auténtica de otros conocimientos, del diálogo
respetuoso entre epistemologías. Las diferentes sapiências adquieren sentido de acuerdo a
las necesidades y problemáticas del momento.” (Hofmann, 2017: 167) Para o autor, é
necessário que exista diálogos contrários a opressão no processo educativo, sem
posicionamentos autoritários e discriminatórios, em que o educador conheça o contexto
cultural em que vive o educando. (Hofmann, 2017: 168).
O grande desafio é criar políticas que estejam adequadas as realidades específicas, que
atendam as diferenças dos povos indígenas e que garantam condições adequadas para
indígenas discentes concluírem os cursos. O sucesso de tais políticas é possível apenas com a
participação dos interessados em todas as etapas, desde o planejamento até a avaliação dos
resultados, perpassando por todo o processo de implantação. A participação garante a
identificação dos pontos fracos e pontos fortes, permitindo a criação de estratégias para
combater as dificuldades antes mesmo que elas se apresentem. A garantia da participação
indígena requer esforço significativo da Universidade, que deve internalizar os preceitos
básicos de nossos direitos étnicos, valorizando nossa forma de pensar e compreender o
mundo, estas são estratégias importantes para o combate às injustiças e do racismo
institucional.
206

Acima de tudo, é necessário que as ações afirmativas para povos indígenas sejam
fortalecidas, permitindo o acesso crescente de povos indígenas ao ensino superior, garantindo
o empoderamento das comunidades indígenas e a criação de projetos que valorizem o
protagonismo e contribuam para a manutenção da autonomia. Não basta apenas cumprir o
que determina a lei, para que estas ações tenham resultados adequados, é necessário que as
universidades realmente assumam um compromisso com a inclusão social.
Na região Norte mesmo é possível verificar que as experiências com ações afirmativas
são muito distintas, algumas IES avançaram muito neste sentido, contando com políticas de
inclusão e permanência de larga data, como é o caso da UFRR, principalmente a partir do
Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena,84 outras que avançaram muito num curto
período de tempo, como é o caso da UFPA, também temos Universidades que, apesar de não
terem experiência alguma estão buscando informações para aperfeiçoar ou criar tais políticas
e, Instituições que criaram algum tipo de ação afirmativa por força de Lei.
Recentemente, em 07 de agosto de 2018, aconteceu na UFPA uma importante reunião
sobre as Ações Afirmativas implementadas pala UFPA, envolvendo o reitor da UFPA, o reitor
da Universidade Rural da Amazônia (UFRA), a reitora da Universidade Federal do Amapá
(UNIFAP), além de lideranças indígenas, quilombolas e professores da UFPA. O objetivo da
reunião foi apresentar aos representantes destas outras IES a experiência da Universidade
com ações afirmativas, com ênfase no PSE para povos indígenas e quilombolas, assim como,
nos programas e projetos de apoio, tais como: auxílio moradia, auxílio emergencial, os PETs,
a Assessoria da Diversidade e Inclusão Social, o MOBAF, entre outros.85

84
Para maiores informações, consultar: Freitas, Marcos Antonio Braga de. 2011. O instituto Insikiran
da Universidade Federal de Roraima: trajetória das políticas para educação superior indígena, in
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 92(232):599-615. Disponível em:
http://flacso.org.br/?publication=o-instituto-insikiran-da-universidade-federal-de-roraima-trajetoria-
das-politicas-para-a-educacao-superior-indigena. Acesso em: 20 de fev. de 2016.

85
Estiveram presentes na reunião: Universidade Federal do Pará (UFPA) – Prof. Dr. Emmanuel Zagury
Tourinho (Reitor), Prof. Dr. EdmarTavares da Costa (Pró-Reitor de Ensino de Graduação - PROEG),
Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão (Coordenadora do Programa de Ações Afirmativas para Povos Indígenas
e Populações Tradicionais (PAPIT) e Milene Maria Xavier Veloso (representante da Assessoria de
Diversidade e Inclusão Social); Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) – Reitora – Profª Drª Eliane
Superti; Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) – Reitor – Prof. Dr. Marcel do Nascimento
Botelho; Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
– José Carlos do Nascimento Galiza (Coordenador Executivo – Região Norte); Coordenação das
Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará – MALUNGU – Aurélio dos
Santos Borges (Coordenador Administrativo), Érica Nascimento Monteiro (Coordenadora Financeira)
207

Foi possível observar que a UFPA está se tornando uma referência para outras IES, no
sentido de incluir indígenas e quilombolas, o interesse da UNIFAP e UFRA em conhecerem a
experiência é indicativo da afirmação, motivando inclusive o deslocamento da reitora Prof.ª
Dr.ª Eliane Superti da UNIFAP, no Amapá, ao estado do Pará para conhecer in loco o que se
discutiu, anteriormente, pela Prof.ª Dr.ª Jane Felipe Beltrão e Putira Sacuena no estado do
Amapá, em evento realizado na UNIFAP.
Experiências exitosas devem ser difundidas para alcançarem outras Instituições de
Ensino Superior, a UFPA tem sido protagonista na promoção de diálogos nesta direção,
professores, profissionais, pesquisadores e indígenas discentes procuram participar de
eventos em outras Instituições sobre a temática, apresentando o caso da UFPA.
Em diversas palestras sobre ações afirmativas, artigos publicados e discussões
realizadas, falava muito da necessidade da UFPA criar políticas de acesso e permanência de
forma adequada, considerando as especificidades, a Instituição tornou-se modelo para outras
universidades na Amazônia e no Brasil, hoje posso dizer com convicção que estamos no rumo
certo, em meio a mata de incertezas parece que a Universidade se localizou no “carreiro”, mas
é preciso ampliá-lo, para alcançar novos “lugares”, com melhores condições e recursos, o que
se precisa é seguir em frente, não parar, não cansar e muito menos deixar os companheiros
desanimarem, o trabalho é duro, mas a recompensa vale o esforço!

Valéria de Jesus Almeida Carneiro (Coordenadora de Gênero) e Salomão da Costa Santos (Membro do
Conselho Diretor); Associação dos Discentes Quilombolas da Universidade Federal do Pará – ADQ-
UFPA – Analu Batista dos Santos (Coordenadora Administrativa), Claudio Marcio Lopes do Nascimento
(Coordenador de Articulação), Alaci de Souza Maciel (Coordenador de Cultura, Esporte e Lazer),
Manoel Raimundo Carvalho Moraes (Coordenador de Formação) e Carlos da Silva Diniz (Associado).
Associação dos Povos Indígenas Estudantes na UFPA – APYEUFPA – Eliene Rodrigues Putira Sacuena e
Edimar Antônio Fernandes (Edimar Kaingang).
208

Referências

Documentais
Acervo audiovisual e documental coletado durante a Caravana do Vestibular Indígena (Vídeos,
registros gravados, imagens, documentos)
Acervo de documentos do Programa de Políticas Afirmativas para Povos Indígenas e
Populações Tradicionais (PAPIT)
APYEUFPA - Documento s/n entregue a COPERPS. (Trata dos problemas encontrados na
minuta do Edital nº 06/2014)
APYEUFPA - Ofício no. 01/2014 (Trata da Minuta do Edital nº 06/2014)
APYEUFPA - Ofício no. 03/2014 (Dossiê: Inclusão Social & Políticas Afirmativas)
Processo nº. 006344/2008 (Demanda APITO para criação de vagas para indígenas)
Relato de experiência Leidiane Ribeiro Tembé (Documento escrito)
Relatos de experiências em reuniões com indígenas estudantes sobre os problemas
enfrentados no Processo Seletivo Especial.
Relatos reuniões da APYEUFPA durante a Caravana do Vestibular Indígena nas aldeias Areal,
Frasqueira, São Pedro, Sede, Turé-Mariquita, Kyikatêjê, Parkatêjê, Akrakaprekti.
Resolução nº. 3.869/2009 CONSEPE/UFPA. (Cria as vagas reservadas para povos indígenas)
Resolução nº. 4.309/2012 CONSEPE/UFPA. (Cria as vagas reservadas quilombolas)

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Acesso em: 28 abr. de 2018.
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_____. 2015. Relatório anual de atividades da PROEX - recursos naturais: ciência, Direito e
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38p. Disponível em: http://saest.ufpa.br/portal/index.php/relatorio-anual. Acesso em: 28 de
abr. de 2018.

_____. 2017. Relatório anual da SAEST: políticas públicas & desenvolvimento local. Belém.
52p. Disponível em: http://saest.ufpa.br/portal/index.php/relatorio-anual. Acesso em: 28 de
abr. de 2018.

Conversas com finalidade


Aguimon Junior Karajá (Egresso)
Almir Vital da Silva (Egresso Belém)
Ataíde Vital da Silva (Discente Castanhal)
Cacique Kamirão Tembé (Aldeia São Pedro)
Cacique Miguel Carvalho da Silva (Aldeia Areal)
Claudiomar Tapajós (Discente de Belém)
Diônia Siracusa de Souza Juruna (Discente de Altamira)
Edmilson Tembé (Aldeia Jeju)
Enivaldo Tembé (Discente desistiu curso em Belém)
Idjarrury Sompré (Discente de Belém)
Izaque Txekewê Erayhe (Discente Belém)
Jorge Sarmento dos Santos Tembé (Concluiu contabilidade Belém)
Josimar Tembé (Discente desistiu do curso em Belém)
Luci Aranha da Silva (Discente de Altamira)
Marcos Tembé (Discente Belém)
Nagila Vital da Silva (Liderança Aldeia Jeju)
Nélia Xipaya (Discente do Curso de Etnodesenvolvimento em Altamira)
Parate Tembé (Liderança Aldeia Turé-Mariquita)
Putira Sacuena (Egressa do Mestrado em Antropologia da UFPA)
Raimundo Tembé (Liderança e professor na Aldeia Frasqueira)
Raimundo Tembé (Mundico, aldeia Turé-Mariquita)
Rodrigo Ederehe Karajá (Discente Belém)
Rosiane Pinho Tembé (Aldeia Areal)
Sheyla Yakarepi Juruna (Discente de Altamira)
Sildielen Duarte Dias (Discente de Altamira)
210

Sineire Maria Silva Araújo (Discente de Altamira)


Totoré Parkatêjê (Discente desistiu do curso em Belém)

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