Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Tese de Doutorado
Belém, Pará
2018
i
Tese de Doutorado
Belém, Pará
2018
ii
Banca examinadora:
Agradecimentos
A tese resulta de 10 anos de militância no estado do Pará, tornou-se possível graças ao esforço
coletivo, pois a escrita envolveu diversos parentes que, comigo, se dedicaram e de alguma
forma contribuíram para a escrita de cada uma das linhas. A afirmação é possível pois a cada
trecho escrito procurava o feedback dos envolvidos diretamente, na tentativa de verificar a
adequação do texto às demandas dos povos indígenas. Tentarei, com grandes chances de
esquecer alguém, fazer os agradecimentos às pessoas que de alguma forma permitiram a
concretização desta etapa da minha vida.
Aos indígenas discentes na UFPA, aos egressos, aqueles que de alguma forma ficaram pelo
caminho e terminaram não concluindo o curso. Agradeço também às lideranças indígenas que
de alguma forma colaboraram, disponibilizando-se em me ouvir e dialogar para o propósito
deste trabalho.
À minha querida orientadora Jane Felipe Beltrão, nossa parente de pele de “macaxeira
descascada”, como afirmou nosso parente Tembé, guerreira que superou todas as
adversidades e não desistiu de mim. Tem sido parceira na luta pela garantia da presença
indígena em Instituições de Ensino Superior no Brasil, inspiração na luta pelos direitos dos
povos indígenas. Obrigado por tudo minha mãe da academia, espero realmente ter feito valer
à pena sua dedicação.
Aos indígenas discentes de Altamira e Santarém, em especial a minhas amigas Nélia Xipaya e
Luana Kumaruara pelo apoio incondicional durante a pesquisa.
Aos parentes Almir Vital da Silva, Izaque Txekewe Erayhe e Rodrigo Ederehe Karajá que,
pacientemente disponibilizaram seu tempo para juntos refletirmos sobre cada passo de suas
trajetórias, também por contribuírem na correção do texto escrito.
À Putira Sacuena, nossa guerreira Baré, “madre Putira” como costumo chamá-la, amiga,
companheira de lutas, incansável na briga pelos direitos dos povos indígenas, também é
v
conhecida no movimento indígena estudantil como “mãe” dos indígenas discentes, pela
dedicação e amor por cada um dos parentes que ingressa na UFPA. Sou grato pela atenção,
conselhos e pelas inúmeras contribuições ao meu trabalho.
Ao cacique Miguel Carvalho da Silva (In memoriam) pela confiança, pelo apoio e
companheirismo, foi importante para o meu ingresso na Pós-Graduação, estando presente
desde o mestrado até o doutorado, saudades de ouvir suas Histórias.
À minha mãe Nair Pecini Fernandes, minha irmã Rosani de Fátima Fernandes, minha irmã
Fabiani Maria Fernandes e meu irmão Ederson Fernandes. Cada um contribuiu à sua maneira,
apoiando nos momentos de maior necessidade e nas inúmeras decisões que a vida nos obriga
a tomar.
À Jaqueline Ramos da Silva, que fez parte desta trajetória, dando apoio incondicional em todos
os momentos. Foram muitas as dificuldades para concluir o doutorado, mas ela sempre esteve
ao meu lado, sempre dedicada e companheira.
À minha mãe aqui no estado do Pará, dona Esther Ramos da Silva e sua família, que me
acolheram de braços abertos e permitiram uma estada tranquila durante dois anos da minha
vida, apoiando e dando suporte para a continuidade dos meus estudos.
À minha irmã Rosani de Fatima Fernandes, que tem sido sempre fonte de inspiração, pela
pessoa que é, pela competência acadêmica, pelos conselhos e as inúmeras orientações para
escrita da tese. À sua família, José Ubiratan Sompré, Idjarrury Sompré e Tyihaneti Kamury
Sompré, os quais mesmo a distância sempre estiveram próximos de mim.
Ao meu sobrinho Idjarrury Sompré pelas conversas e apoio nos momentos em que precisei,
mesmo tão novo consegue compreender as inúmeras dificuldades que a vida proporciona e à
sua própria maneira contribuiu para a superação delas, obrigado por tudo.
Aos meus amigos Rodrigo Wanzeler, Fabrício Costa, José Luiz Franco, Amanda Gatinho e
Luciana Marinho, pelo companheirismo e amizade durante o doutorado.
vi
Ao meu amigo Rhuan Carlos dos Santos Lopes pelos diálogos e aprendizado, também pela
possibilidade de trabalharmos em diversos projetos, momentos importantes para minha
formação acadêmica.
À Profa. Dra. Denise Pahl Schaan (In memóriam) pela disponibilidade em contribuir com os
artigos escritos durante as disciplinas, foram importantes para compor a tese, pessoa de
coração enorme e compreensiva, precisamos de mais professores(as) assim.
Ao professor João Guerreiro pela confiança e amizade em mais de dois anos de trabalho em
parceria, sou realmente muito grato pelo aprendizado.
Aos nossos irmãos de luta, os quilombolas e os estrangeiros, que somam forças nesta luta por
direitos nesta selva de concreto, em especial à Carlos Diniz, Valdinei Gomes, Iuane dos Santos
Souza e Israël Sèwanou Hounsou pela possibilidade de aprendizado e trocas de experiência a
propósito da tese.
Aos povos Asurini e Araweté que me acolheram de braços abertos, permitindo que pudesse
lutar com eles pelos seus direitos, espero ter respondido à altura.
Ao meu amigo Hemerson da Silva, conhecido como Japa, pelas ideias e pelos mapas
elaborados a propósito da tese.
À minha prima Vanisse Domingues Kaingang e, em seu nome, ao povo Kaingang pela confiança
e respeito mesmo estando a distância.
Ao meu parente e amigo Mário Kaingang pela disponibilidade, mesmo à distância, de trazer
contribuições ao trabalho e, também ao parente Armindo Pinto, pela tradução em Kaingang.
A Antonio Carlos da Cruz Vilas pelo carinho e atenção nos encaminhamentos relacionados ao
PPGA.
À Osmarina Gato Barbosa pela atenção ao longo do tempo que estou na UFPA.
A todos aqueles que de alguma forma contribuíram para concretização deste importante
projeto na minha vida.
viii
Inicialmente, apresento o resumo em Kaingang, a língua do meu povo que pelo colonialismo
que se abate sobre os povos indígenas não tive a chance de aprender no cotidiano, apenas na
escola. Contei com a ajuda dos parentes para fazer o registro.
Puritica vẽ; ensino mág tỹ superior; Ẽg tỹ Kanhgág mỹ; kanhgág ti; Kỹ hãvẽ ser.
Resumo: A formação em nível superior é uma das possibilidades pensadas pelos povos indígenas como
superação das relações assimétricas e coloniais que se estabeleceram historicamente. Tal formação é
frequentemente requerida pelas lideranças tradicionais e políticas, que entendem a obtenção da
graduação como um dos caminhos para alcançar a autonomia das comunidades, uma vez que os
conhecimentos adquiridos, criam condições adequadas ao direcionamento dos projetos comunitários.
A demanda crescente por espaços no ensino superior traz consigo problemas relativos à formação
deste novo público, dentre eles, o ingresso, a permanência e o sucesso de indígenas. Tenta-se na tese
constatar a existência de protagonismo indígena verificando as formas como ele desponta entre os
indígenas estudantes que lutam para garantir a formação em nível superior na Universidade Federal
do Pará (UFPA). A proposta demanda a produção de texto alinhado às perspectivas dos povos
indígenas e à adequação das Políticas de Ações Afirmativas como requerido pelos movimentos
indígenas - a partir das aldeias – e, internamente, à Instituição que nos acolhe. Assim sendo, os
ix
Affirmative policies for Indigenous peoples: through the eyes of the protagonists
Résumé : L’accès à l’enseignement supérieur est considéré par les peuples indigènes comme
l’une des solutions pour surmonter les relations asymétriques et colonialistes historiquement
établies. Les demandes d’accès à une formation supérieure sont de plus en plus fréquentes
de la part des représentants traditionnels et politiques, qui considèrent l’obtention de la
licence comme l’une des voies possibles vers l’autonomisation des communautés.
L’acquisition de connaissances crée les conditions propices au développement de projets en
faveur de ces communautés. Cependant, la demande croissante pour une place dans
l’enseignement supérieur s’accompagne de problèmes liés à la formation de ce nouveau
public, plus précisément, à la question de l’admission, de la permanence et du succès
x
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Foto formatura no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena............................ 59
Figura 2 – Mapa indicando os campi das universidades federais no Pará ............................... 60
Figura 3 – Mapa dos municípios de origem dos indígenas do campus de Belém, até 2016 ... 70
Figura 4 – Gráfico indicando os estados de origem dos discentes indígenas do campus de
Belém ........................................................................................................................................ 71
Figura 5 – Gráfico referente ao ingresso de indígenas na UFPA via PSE por ano. ................. 100
Figura 6 – Etnias que ingressaram nos cursos de graduação em Belém................................ 105
Figura 7 – Cursos mais demandados por indígenas ............................................................... 118
Figura 8 – Indígenas aprovados na UFPA por campus ........................................................... 120
Figura 9 – Gráfico situação acadêmica dos discentes do campus de Belém/graduação ....... 123
Figura 10 – Defesa de TCC Jorge Tembé ................................................................................ 134
Figura 11 – Relato de experiência Namam Wai Wai .............................................................. 157
Figura 12 – Primeira Assembleia Geral da APYEUFPA ............................................................ 167
Figura 13 – Mobilização indígena estudantil .......................................................................... 172
Figura 14 – Reunião com vice-reitor em 2013 ....................................................................... 173
Figura 15 – Discentes, lideranças indígenas e vice-reitor da UFPA no hall da reitoria .......... 174
Figura 16 – Reunião Caravana do Vestibular Indígena na aldeia Areal.................................. 178
Figura 17 – Fala lideranças na aldeia Turé-Mariquita ............................................................ 179
Figura 18 – I Seminário de discussão do PSE/UFPA ............................................................... 191
Figura 19 – Solenidade de entrega da sala da APYEUFPA ...................................................... 193
Figura 20 – Mapa da trajetória de Putira Sacuena ................................................................. 198
xii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Conversas com finalidade envolvendo indígenas ................................................. 19
Quadro 2 – Documentos da APYEUFPA.................................................................................... 20
Quadro 3 – Entrevistas realizadas nos PSE ............................................................................... 25
Quadro 4 – Ações afirmativas na UFPA .................................................................................... 63
Quadro 5 – Categorias êmicas de dificuldades enfrentadas por Rodrigo Karajá ..................... 86
Quadro 6 – Categorias êmicas de dificuldade Izaque Txekewe ............................................... 89
Quadro 7 – Recomendações para adequação do PSE para povos indígenas ........................ 101
Quadro 8 – Dificuldades enfrentadas coletivamente ............................................................ 135
Quadro 9 – Comparativo entre editais específicos e edital unificado ................................... 141
Quadro 10 – Situação financeira Felipe.................................................................................. 146
Quadro 11 – Situação financeira Cauan ................................................................................. 147
Quadro 12 – Situação financeira Fernando ............................................................................ 148
Quadro 13 – Situação financeira Tadeu ................................................................................. 149
Quadro 14 – Situação financeira Lucas .................................................................................. 150
Quadro 15 – Primeira diretoria da APYEUFPA eleita em 2011 .............................................. 167
Quadro 16 – Segunda diretoria da APYEUFPA eleita em 2014 .............................................. 169
Quadro 17 – Terceira diretoria da APYEUFPA eleita em 2015 ............................................... 169
Quadro 18 – Etapas e atividades da Caravana do Vestibular Indígena.................................. 176
Quadro 19 – Aldeias alcançadas pela Caravana do Vestibular Indígena ............................... 180
LISTA DE TABELAS
Sumário
superior, ou seja, sou indígena pesquisador e partícipe das Políticas de Ação Afirmativa (PAA)
na Universidade Federal do Pará (UFPA).
A maioria dos trabalhos que discute ações afirmativas para povos indígenas em
instituições públicas de ensino superior foram elaborados por não indígenas, muitos destes
pesquisadores são comprometidos com luta indígena, se posicionando favoráveis às ações
afirmativas. Os resultados destas pesquisas mostram a realidade indígena no ensino superior
e problematizam os percalços para o acesso, permanência e sucesso deste público, também
foram significativos por contribuírem para as mudanças que ocorreram nas últimas décadas,
corroborando para o estabelecimento de um quadro favorável no Brasil. Porém, os trabalhos
de autoria de indígenas sobre a temática ainda são escassos, limitando assim a possibilidade
de compreender as Políticas criadas a partir do olhar dos próprios interessados, que acabam
“aparecendo” na maioria dos trabalhos apenas como informantes.
Portanto, a preocupação em atribuir a importância devida às narrativas dos parentes
é constante, a escrita do trabalho produz inquietações, dúvidas e desconfortos, não apenas
como pesquisador, mas de um Kaingang que deve estar atento aos protagonismos existentes,
que tem a oportunidade, ainda hoje, de acompanhar o processo de implantação das políticas
afirmativas cotidianamente, enquanto escreve.
Considero importante contextualizar que a escolha em pesquisar indígenas no ensino
superior toma corpo antes mesmo do meu ingresso no Programa de Pós-Graduação em
Antropologia (PPGA), pois a reflexão sobre a minha trajetória de vida e de estudante assume
o ponto de partida,1 considerando que, assim como os parentes com os quais mantive diálogos
para escrita da tese, enfrentei inúmeras dificuldades, contando com chances mínimas de
sucesso.
Oriundo de família pobre, filho de pai indígena e mãe não-indígena, sempre lidei com
o trânsito entre a aldeia e a cidade e conflitos familiares, de um lado a figura do colonizador
1
A primeira discussão sobre a minha trajetória pode ser encontrada em: Fernandes, E. A. 2010. Nas
trilhas da (in)visibilidade. Revista Tellus, Campo Grande, ano 10, n. 18, pp. 247-253, jan./jun. 2010.
Disponível em: http://www.gpec.ucdb.br/projetos/tellus/index.php/tellus/article/view/209. Acesso
em: 15 de mar. de 2016.
3
2
Para entender melhor a trajetória de Rosani de Fatima Fernandes, consultar: Fernandes, R. de F. Pós-
Graduação em Direitos Humanos: relato de uma experiência. Revista Tellus, Campo Grande – MS, ano
7, n. 13, pp. 149-154, out. 2007. Disponível em:
http://www.tellus.ucdb.br/index.php/tellus/article/view/145/150. Acesso em: 11 de out. de 2015.
4
3
As bases teóricas e práticas que garantiram diversas ações voltadas ao ensino superior para povos
indígenas no Brasil, podem ser consultadas em: SOUZA LIMA, Antonio Carlos de & BARROSO, Maria
Macedo (Orgs.). 2013. Povos Indígenas e Universidade no Brasil: Contextos e Perspectivas, 2004-2008.
Rio de Janeiro: E-papers. Disponível em: http://laced.etc.br/site/acervo/livros/povos-indigenas-e-
universidade-no-brasil-contextos-e-perspectivas-2004-2008. Acesso em: 07 de jan. de 2016.
5
4
A UNOESC integra cinco campi nos municípios de Joaçaba, Videira, Xanxerê, Chapecó e São Miguel
do Oeste. Para mais informações consultar: http://www.unoesc.edu.br/unoesc/historico.
6
era pago pela FUNAI passou a ser dividido com o discente, ou seja, 25% pago pelo discente e
25% pela FUNAI. As reuniões que deveriam ter por objetivo a negociação entre indígenas e o
órgão indigenista, tiveram como resultado a imposição da FUNAI e o corte parcial do apoio
aos discentes indígenas, mesmo diante das manifestações contrárias.
Quando iniciei o curso em Palmas, fui convidado pelas lideranças da TI Xapecó para
lecionar na Escola Indígena de Ensino Fundamental Pinhalzinho como professor de Educação
Física, escola localizada na aldeia Pinhalzinho na TI Xapecó, no município de Ipuaçu. O período
de quase três anos em que atuei como professor foi muito importante para minha formação
política e pessoal, pois pude compreender melhor, à época como professor, a realidade das
escolas indígenas, os problemas enfrentados com a falta de professores formados, com a falta
de estrutura adequada e de materiais básicos para o funcionamento da escola, além do
descaso do Estado com a Educação Escolar Indígena.
No segundo semestre de 2003 consegui a transferência para a UNOESC, campus de
Xanxerê, situada a uma distância de 40 km da aldeia. Com os cortes orçamentários da FUNAI
passei a pagar 25% do valor total das mensalidades, o que dificultou ainda mais a continuidade
dos estudos. O pequeno salário que recebia trabalhando como professor, com uma carga
horária de 30 horas semanais deixou de ser suficiente por conta das mensalidades, pois mal
conseguia pagar as despesas com transporte, materiais exigidos na universidade, alimentação
e demais despesas. Muitas vezes, fui obrigado a renegociar as dívidas no setor financeiro da
universidade, caso contrário ficaria impossibilitado de fazer a matrícula do semestre seguinte,
a renegociação acumulava dívidas e a bola de neve sempre aumentava. Foram nessas
condições que cursei a graduação, muitas vezes me senti desamparado e desanimado, se
tivesse desistido, hoje minha trajetória seria outra.
5
Os Tembé não são de Santa Maria do Pará, estão no hoje município de Santa Maria do Pará, pois são
anteriores a qualquer divisão territorial e criação de limites municipais e estaduais. Se identificam
como “de Santa Maria do Pará”, como uma forma de diferenciarem-se dos Tembé que estão em outros
municípios do estado, o próprio nome da Associação que os representa está escrito dessa maneira
para marcar a diferenciação.
9
O período do mestrado também foi importante para conhecer muitos povos indígenas
no estado e estabelecer parcerias, construindo relações de reciprocidade com as lideranças.
A minha presença na pós-graduação da UFPA garantiu o acompanhamento das políticas
afirmativas desde 2008, acompanhei e participei das discussões para criação do PSE para
povos indígenas e participo como avaliador nos PSEs, o que permite conhecer muitos
candidatos e as histórias relacionadas as suas comunidades, contadas por eles durante as
conversas com finalidade,6 assim como, acompanhar os primeiros passos desses indígenas na
Instituição, os dilemas e as dificuldades enfrentadas por eles por conta da ausência de políticas
que garantissem a permanência.
Na UFPA, fui um dos idealizadores e fundadores da Associação dos Povos Indígenas
Estudantes na Universidade Federal do Pará (APYEUFPA),7 Instituição criada em 2011 e
representa indígenas que estudam no campus da UFPA de Belém, a qual presidi por três anos
consecutivos.
Em face das habilidades como “aprendiz de pesquisador” passei a integrar o PAPIT,
inicialmente, como discente-colaborador, auxiliando na formulação e no teste dos
instrumentos utilizados em campo. Posteriormente, passei a colaborar com estagiários e
bolsistas de Iniciação Científica (IC), discentes de pós-graduação e docentes do projeto,
tornando-me colaborador de atividades e projetos, sempre disposto a aprender no campo do
Direito e da Antropologia.
Em decorrência da experiência adquirida com os trabalhos desenvolvidos na
APYEUFPA e no PAPIT, enquanto integrante do grupo de pesquisa coordenado pela Profa. Dra.
Jane Felipe Beltrão, minha orientadora desde o mestrado, pude contribuir com diversas
atividades desenvolvidas entre comunidades tradicionais no estado do Pará, dentre as quais,
pesquisas desenvolvidas entre os quilombolas no município de Salvaterra, no arquipélago do
Marajó, compus a equipe que realizou palestras e orientações sobre o ingresso no ensino
superior e outras temáticas, tais como: direito, educação, associativismo, entre outros.
Uma das propostas de trabalho foi a orientação e divulgação do PSE para quilombolas,
processo criado em 2012 na UFPA. As “conversas com finalidade” realizadas nos quilombos
6
Prefiro utilizar a categoria conversas com finalidade ao invés de entrevistas para referir aos momentos
em que tive a oportunidade de gravar as os diálogos com os parentes. Categoria foi proposta por Maria
Cecília de Souza Minayo (2010).
7
A discussão sobre a criação da Associação será realizada mais adiante. Ao longo dos capítulos serão
elencados pontos relacionados a organização da APYEUFPA que interessem à discussão.
10
de Bacabal, Bairro Alto e Pau Furado entre os quilombolas foi sugerida por mim aos
integrantes do projeto Indígenas e Quilombolas Mulheres em Situação de Violência:
diversidade sociocultural, direitos humanos e políticas públicas na Amazônia (Beltrão, 2012),
planejada e executada em parceria com colegas de projeto.8 Considero a experiência
relevante por contribuir significativamente para minha formação, proporcionando a
observação das dificuldades enfrentadas pelos quilombolas no que se refere ao ingresso e
permanência no ensino superior e como elas são semelhantes as enfrentadas pelos povos
indígenas.
Conclui o mestrado no final de 2013 e logo após fiz a seleção para o Doutorado em
Antropologia. Ressalto a importância do ingresso no PPGA da UFPA para a reflexão sobre o
fazer antropológico, considero que os textos lidos e as discussões desenvolvidas nas
disciplinas, assim como, as discussões empreendidas nas formações feitas a partir do Grupo
de Pesquisa Cidade, Aldeia & Patrimônio coordenado pela Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão
foram fundamentais para as discussões sobre as diversas formas de atuação nas comunidades
ou povos com os quais se realizam pesquisas acadêmicas. O atraente mundo da antropologia
é capaz de envolver de tal maneira, que abre novas possibilidades de ver e entender os
contextos de nossas pesquisas e da nossa vida. Acredito que utilizar o que foi aprendido no
trato da pesquisa e nas disciplinas que cursei são significativos para a luta diária que envolve
os povos indígenas e a minha atuação enquanto militante e futuro antropólogo.
A formação na área também pode ser considerada como possibilidade de criação de
espaços de diálogos entre culturas e realidades específicas, pois neste espaço os
conhecimentos existentes, os valores individuais, as percepções de mundo estão
constantemente sendo colocadas em xeque, sendo questionadas enquanto verdades
absolutas, dando espaço ao relativismo e compreender o outro a partir de suas
especificidades.
8
Participaram das atividades desta etapa: Camila Soares de Sousa, Camille Castelo Branco Barata,
Cristina Maria Arêda Oshai, Edimar Antônio Fernandes e Rhuan Carlos dos Santos Lopes. Os resultados
da etapa de campo compõem o “Relatório da 2ª etapa de campo nos quilombos do município de
Salvaterra, Marajó-PA. (Inédito)
11
algumas questões aqui problematizadas são fruto de vivência durante a formação que não
prescinde da compreensão acadêmica.
Na UFPA, trabalho desde 2010 com os parentes que ingressam na Instituição via ações
afirmativas, acompanhei muitas trajetórias acadêmicas e pude contribuir para permanência
de muitos na Instituição, além de atuar na seleção de pessoas indígenas e quilombolas em
cinco PSEs. Todavia, as dificuldades enfrentadas pelos parentes na UFPA e o alto índice de
desistência observados a partir do acompanhamento feito com os indígenas do campus de
Belém a partir da APYEUFPA, foram motivo de preocupação, os dados coletados pela
Associação referente a este campus oferecem um panorama parcial da situação dos indígenas
que ingressaram na UFPA, porém a necessidade de compreender e problematizar de forma
adequada a realidade dos indígenas que ingressaram via AA na Instituição requer uma
pesquisa mais ampla e estruturada, fornecendo assim respostas a muitos questionamentos
realizados, não apenas por mim, mas acima de tudo, pelas lideranças indígenas que
constantemente nos acionam.
Caminhos metodológicos
publicação de artigos. Foi neste contexto que iniciei algumas análises de materiais coletados,
documentos relacionados à escrita daqueles trabalhos eram selecionados e utilizados para as
discussões. Em 2015, iniciei a organização dos documentos da pesquisa a propósito da escrita
da tese, trabalho este que demandou tempo em decorrência da quantidade.
As pesquisas de campo realizadas podem ser classificadas basicamente de duas
formas: (1) àquelas realizadas com os parentes de diversas etnias, sejam eles discentes da
UFPA ou não, e; (2) as que foram realizadas no âmbito da UFPA, nos órgãos que trabalham
diretamente com o público indígena na Instituição. Classifico desta forma considerando que
são dois locais diferentes que produzem discursos frequentemente divergentes, mas que em
alguns momentos acabam convergindo diante dos diálogos que possam existir, geralmente a
depender da forma como as reivindicações dos movimentos indígenas são recebidas pelos
representantes da UFPA. A diferenciação feita entre os discursos não indica que o texto está
dividido desta forma, pois a medida que foi sendo construído, as distintas perspectivas são
utilizadas para compor as argumentações.
Elenco a seguir os avanços alcançados até o presente momento, neste tópico não
pretendo aprofundar a discussão sobre os materiais coletados, apenas indicar o que foi feito,
as análises e discussões mais aprofundadas são realizadas no decorrer dos capítulos.
entre os parentes por meio de conversa com finalidade gravadas a propósito da tese, todos
estes documentos permitem manter um banco de dados atualizado que oferece condições
para a mobilização indígena na Instituição, pois os dados da pesquisa também são utilizados
a partir da APYEUFPA para compor os argumentos na luta por direitos.
Por ser um trabalho desenvolvido por um indígena com outros parentes, não
considero adequado utilizar a categoria entrevista para as conversas que tive com outros
parentes, o termo faz emergir hierarquias desnecessárias, diferenças de status, entre
entrevistador e o entrevistado ou o pesquisador e o pesquisado, em uma relação assimétrica.
Considerando minha pertença e a forma como a pesquisa foi realizada, a melhor definição
encontrada seriam “conversas com finalidade”, configurando-se como diálogos e troca de
experiências entre parentes.
Diante da abrangência da Universidade e a necessidade de considerar como a presença
de indígenas tem impactado em diversos espaços, para além da realidade conhecida em
Belém, foi imprescindível a realização de pesquisas nos campi localizados no interior do estado
do Pará. Sendo assim, em Castanhal e Tomé-Açu conversei com parentes, porém, foi no
campus de Altamira que realizei pesquisas com maior fôlego, em decorrência da quantidade
de indígenas que ingressaram nos cursos regulares e no Curso de Licenciatura e Bacharelado
em Etnodesenvolvimento. Em Altamira a pesquisa foi realizada no período compreendido
entre dois e nove de agosto de 2015, tendo como principais objetivos: (1) Compreender como
está a situação dos indígenas que ingressaram na Instituição via PSE para povos indígenas e,
(2) Compreender como está a situação dos indígenas que ingressaram no Curso de
Etnodesenvolvimento nas turmas de 2010, 2013 e 2015.
Em se tratando dos indígenas que ingressaram nos cursos de graduação no campus de
Altamira via PSE, dos 29 aprovados até aquele momento, consegui conversar com 13
discentes, os quais tive a chance de me apresentar e indicar as motivações da minha pesquisa.
As dificuldades para realizar as conversas pessoalmente foram significativas, dos 13 discentes,
consegui realizar cinco conversas com finalidade, todas com indígenas mulheres. Quatro deles
solicitaram que as perguntas fossem enviadas por e-mail, sendo assim, elaborei um pequeno
questionário com 14 questões abertas, o qual encaminhei a eles. As razões indicadas por eles
pautaram-se em compromissos, tais como o trabalho e aulas, por exemplo, um deles informou
que não estaria no município naquela semana. A preferência pelo questionário ao invés da
conversa com finalidade, de acordo com eles, seria pela possibilidade de responder em outro
17
9
Categoria frequentemente utilizada por lideranças indígenas como forma de demonstrar os vínculos
e compromissos que existem em momentos de discussões, termo geralmente empregado por
indígenas que lutam por direitos em instâncias não indígenas. Da mesma forma, organizações de base
e lideranças de base são utilizadas para se referir às comunidades de origem ou coletivos dos quais
fazem parte. A base deve ser referência na luta de parentes inseridos no mundo não indígena, ponto
de partida para definição de estratégias, sem ela a luta não faz sentido.
18
oriundos de diversas regiões, tanto do estado do Pará, quanto de fora dele torna ainda mais
complicado a possibilidade de articulação, mobilização, registro e acompanhamento deste
público.
Além das conversas e pesquisas desenvolvidas com os indígenas que ingressaram nos
cursos de graduação, também concentrei a pesquisa com os professores e discentes do Curso
de Etnodesenvolvimento. Considero imprescindível compreender a dinâmica do curso por ser
voltado para povos indígenas e populações tradicionais, proporcionando uma formação
pensada na possibilidade de atender as demandas das comunidades de onde os discentes são
oriundos. O curso de graduação se diferencia de outros da Universidade, por oferecer
formação voltada para a própria comunidade, com orientações de professores que dialogam
com os discentes pensando em conjunto em uma proposta que atenda os anseios das
comunidades, metodologia que difere significativamente da maioria dos cursos regulares, que
oferecem uma formação mais voltada ao mercado de trabalho, com professores que em sua
esmagadora maioria está despreparada para dialogar e compreender a diversidade.
As reuniões organizadas pelos discentes naquele período foram importantes para a
pesquisa, envolveram discentes das turmas de 2010, 2013 e 2015, pois tive a chance de ouvi-
los e, na medida do possível, contribuir com as suas lutas. Além da reunião com estes
discentes, uma reunião com os indígenas do curso também foi realizada, nesta estavam
presentes indígenas das três turmas, inclusive indígenas egressos do curso. A articulação e
organização das reuniões foi intermediada pela parente Francinélia de Paula, pertencente a
etnia Xipaia e egressa do Etnodesenvolvimento. A contribuição da parente Xipaia foi
significativa, pois também auxiliou em diversas outras ocasiões, indicando os melhores
caminhos, inclusive enviando uma lista com o contato de indígenas que foram indicados para
o vestibular pela associação na qual faz parte.
Os trabalhos desenvolvidos durante o período em Altamira tiveram foco na
Universidade, os espaços físicos do campus foram utilizados para desenvolver todas as
atividades, incluindo as conversas com finalidade que, por sua vez, foram na maioria das vezes
realizadas em um espaço arborizado e muito ventilado dentro do campus, às margens do Rio
Xingu. Outros espaços utilizados para reuniões foram as salas de aula e auditório do Curso de
Etnodesenvolvimento, localizado na Faculdade de Etnodiversidade. No quadro 1 apresento as
conversas com finalidade realizadas.
19
Para o trabalho de tese ora pretendido, ouvir os parentes tanto na aldeia quanto na
Universidade apresenta-se como a possibilidade de comparar os discursos e identificar as
aproximações e distanciamentos, o que permite verificar se o projeto pensado pelas
lideranças indígenas, quando elaboram a proposta de criação de ações afirmativas na UFPA,
está em consonância com o que vem sendo pensado tanto pelos indígenas discentes, quanto
pela própria Universidade. Outra forma de verificar como estes discursos vem sendo
estruturados é a partir dos documentos produzidos pelas organizações indígenas. Na UFPA, a
APYEUFPA apresenta-se como representante dos discentes indígenas e o material elaborado
a partir da organização pode ser avaliado para definir a forma como a mobilização indígena
vem sendo feita.
Pensando assim, iniciei pesquisas nos documentos da Associação logo após o ingresso
no doutorado em 2014. Na época, os documentos da APYEUFPA estavam sob minha
responsabilidade. Atualmente todos os originais estão em posse da nova diretoria da
APYEUFPA, pois foram entregues por mim em 2014, a versão digitalizada dos mesmos fazem
parte dos arquivos da pesquisa. Todos os materiais da associação compõem um montante
significativo de informações reunidas durante cinco anos, estes materiais são resultado de
projetos desenvolvidos, reuniões realizadas, documentos expedidos, notícias em jornais da
região, entre muitos outros.
Considerei fundamental o diálogo com a nova diretoria (na qual ocupo cargo de
tesoureiro) para garantir o uso adequado dos materiais que disponho, sendo assim,
apresentei aos representantes os objetivos da pesquisa e a forma que pretendo utilizar as
informações, garantindo assim a anuência para continuidade da pesquisa. Por fazer parte do
10
Termo entrevista utilizado da forma como é utilizado no PSE para Povos Indígenas e Quilombolas.
20
movimento indígena e estar preocupado com o sucesso da organização, além de zelar pela
ética de pesquisador em antropologia, considero que muitas informações não devam ser
levadas a público, por serem de interesse apenas dos indígenas que compõem a organização.
Os documentos e materiais estão organizados e compreendem tudo que foi reunido
em seis anos de presença indígena nos cursos de graduação da UFPA, desde os dados
utilizados na conquista das vagas reservadas até a documentação emitida pela diretoria atual.
Disponho de documentos relacionados a criação (estatuto, ata de fundação, entre outros),
gravações das reuniões para criação da organização, realizadas com a anuência dos
participantes e, de atas das reuniões feitas depois da criação, as quais contém o registro das
muitas decisões tomadas coletivamente.
Entre os materiais disponíveis para pesquisa estão documentos encaminhados pela
APYEUFPA para a UFPA, tais como: ofícios, requerimentos, dossiês, documentos solicitando o
ajuste de conduta, convites para eventos, projetos, recursos de discentes utilizados pela
associação para fundamentar documentos coletivos, documentos solicitando apoio e
parcerias, entre outros. Documentos emitidos a FUNAI solicitando esclarecimentos sobre
diversos assuntos, convites para participação de eventos, ofícios, entre outros. Para o MPF
são documentos apresentando a situação vivida pelos indígenas na UFPA denunciando o
descaso da Universidade e a necessidade da intervenção do órgão em defesa de direitos
coletivos. Para lideranças indígenas foram documentos solicitando o apoio e participação nos
assuntos relacionados a presença indígena na Universidade, documentos denunciando a
forma como os editais para os processos seletivos vinham sendo elaborados na Universidade,
sem a participação indígena e rompendo com acordos estabelecidos com o movimento
indígena do estado do Pará ainda em 2009. Além destes documentos, foram encaminhados
diversos convites para participação de eventos na Instituição, de mobilizações, entre outros.
O quadro 2 faz menção aos principais documentos emitidos pela APYEUFPA.
Além dos documentos emitidos a partir da APYEUFPA, conto também com vídeos,
fotos e outros materiais referentes aos projetos e atividades executados a partir da
APYEUFPA. A metodologia utilizada pela diretoria na época compreendia a utilização do
recurso de gravação também para controle do que estava sendo discutido, ficando disponíveis
para os membros da associação. Os vídeos e fotos fazem parte dos registros das atividades da
Associação, geralmente identificadas com a respectiva autoria, porém são arquivos da
APYEUFPA e utilizados em documentos e argumentações sempre desta forma coletiva, são
resultados de eventos, palestras, participação em projetos, momentos que contavam com a
presença significativa de discentes e lideranças indígenas.
Também conto com documentos enviados por lideranças e organizações indígenas
manifestando o apoio a APYEUFPA ou mesmo apresentando problemas enfrentados nas
aldeias ou nos campi do interior que precisam de solução, tais documentos são resultado da
possibilidade de diálogo e parcerias que foram se estabelecendo ao longo do tempo.
11
A UFOPA está localizada na região oeste do estado do Pará, no município de Santarém, além dos
dois prédios conhecidos como Boulevard e Rondom, localizados no próprio município, conta com
outros campi nos municípios de Alenquer, Itaituba, Juruti, Monte Alegre, Óbidos e Oriximiná. A
Instituição foi criada em 2009 a partir da incorporação da UFPA e UFRA. Para mais informações
relacionadas a Instituição, consultar: http://www.ufopa.edu.br/institucional. Acesso em: 03 de jun. de
2016.
23
indígenas em outros espaços fora da UFOPA. Entre estes espaços, destaca-se a participação
no programa A hora do Xibé, que acontece na Rádio Rural de Santarém, projeto organizado e
executado com a presença efetiva de indígenas com parceria entre a UFOPA e a rádio. No
diálogo pude falar sobre o lançamento do livro Povos indígenas do Rio Tapajós e Arapiuns,
organizado por Jane Beltrão em 2015 e produzido tomando como referência as narrativas dos
indígenas daquela região, assim como, apresentar minha pesquisa e sobre outros projetos
realizados anteriormente em Santarém, foi a oportunidade de apresentar a proposta de
pesquisa de doutorado para indígenas da região do Baixo Tapajós e também falar sobre temas
que interessam o movimento indígena na região.
Outro momento relevante para a pesquisa aconteceu no espaço do Diretório
Acadêmico Indígena (DAIN) na UFOPA, campus Boulevard, quando uma conversa com
finalidade foi realizada envolvendo o coordenador do DAIN, Abmael Mundurucu, Luana
Cardoso, Maiky Mundurucu e outros indígenas que circulavam pelo local, contribuindo com
as discussões, a duração da conversa foi de três horas aproximadamente, durante a qual
foram discutidos muitos assuntos, tais como: protagonismo indígena, organização indígena,
luta por direitos, possibilidades de diálogos com a universidade, participação no movimento
indígena da região, processos seletivos, permanência indígena na Universidade, situações de
racismo e discriminação, entre diversos outros.
Em se tratando de pesquisas documentais, contei com grande ajuda de Luana Cardoso,
que buscou disponibilizou documentos, gravações, relatórios, artigos, atas, cartas,
documentários, fotografias, mapas, entre outros, que retratam a situação dos indígenas na
Universidade e fora dela. Os documentos disponibilizados por Luana agora fazem parte dos
arquivos da pesquisa para esta tese e, são fundamentais para compreender as lutas na região,
o protagonismo dos povos indígenas e a resistência dos parentes diante do descaso do poder
público.
proporcionam novos interpretações para a pesquisa. São espaços de discussão que permitem
o aprofundamento necessário para a discussão, pois envolvem a comunidade acadêmica,
pesquisadores e estudiosos da área, representantes da universidade, professores e colegas
que contribuem para os debates.
Durante a realização dos PSEs para povos indígenas diversos documentos e materiais
relacionados ao processo são disponibilizados ao público por meio do site do Centro de
Processos Seletivos (CEPS). Os documentos estão relacionados a divulgação do processo, as
regras estabelecidas, aos prazos definidos, ao resultado do concurso, entre outros. Estes
materiais ficam disponíveis em locais específicos destinados a cada concurso dentro de um
espaço destinado a processos seletivos que estão acontecendo e para os que foram
encerrados. Ou seja, a maior parte da documentação destes processos encontra-se no site e
está acessível ao público, todos os materiais disponibilizados neste espaço foram salvos e
organizados por mim nos arquivos da pesquisa, separados por ano e processo seletivo.
Para além destes materiais, existem outros que envolvem o PSE que são de uso
exclusivo das comissões avaliadoras, estes materiais, por serem sigilosos, não ficam
disponíveis ao público, sendo utilizados pela comissão responsável para avaliação dos
candidatos durante o período que precede o concurso, durante a realização e em momentos
posteriores a ele. Tais materiais são resultados de diversas reuniões e de momentos de
treinamento dos membros que participam das etapas do processo.
Toda esta organização é registrada e os resultados das reuniões e definições são
arquivados em forma de atas, relatórios, entre outros, como parte da documentação
necessária para validar o processo. Além dos documentos relacionados ao período que
antecede o processo, durante as etapas do processo outros documentos e materiais acabam
sendo gerados e compõem os arquivos do processo seletivo, tais como as gravações das
entrevistas realizadas com os candidatos, as fichas utilizadas durante a etapa, entre outros.
Posterior à realização do processo, a comissão avaliadora continua atuante, elaborando os
resultados do processo, recebendo e respondendo recursos impetrados pelos candidatos,
elaborando relatórios e organizando a documentação relacionada ao certame.
O material produzido pelas comissões avaliadoras durante os processos seletivos é
organizado e devolvido pelo CEPS, setor da UFPA responsável pela realização de todo o
processo. Geralmente uma cópia do material é feita e fica sob responsabilidade do PAPIT,
trata-se de documentos que podem ser utilizados como guia para melhoria dos processos
25
posteriores, também servem como suporte para avaliação das metodologias adotadas pelas
comissões.
Como participei das comissões avaliadoras dos PSE na Universidade, sou pesquisador
do PAPIT e atualmente trabalho com políticas afirmativas na UFPA, solicitei ao PAPIT o acesso
aos materiais produzidos, tive acesso aos documentos e materiais produzidos nos processos
seletivos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2015, os processos de 2014 e 2016 não foram
executados em parceria com o PAPIT, portanto não estão entre os arquivos do programa. O
quadro 3 apresenta o número de conversas com finalidade que compõem dos arquivos da
pesquisa realizadas pelas comissões avaliadoras durante os PSEs para povos indígenas.
este público, pesquisa imprescindível para a escrita do capítulo três, no qual apresento as
situações que envolvem a permanência de indígenas na UFPA. Ademais, além das pesquisas
realizadas entre os parentes, elegi discentes indígenas que ingressaram na Instituição via
ações afirmativas, com os quais pretendo dialogar e entender o percurso trilhado até a
chegada no ensino superior, identificando os percalços na trajetória e as superações dos
desafios impostos, estas trajetórias serão problematizadas com mais atenção no último
capítulo.
A propósito da tese
A formação em nível superior é uma das possibilidades pensadas pelos povos indígenas
para a superação das relações assimétricas e coloniais que se estabeleceram historicamente
tem sido demanda frequente das lideranças indígenas, que observam a oportunidade de
alcançar a autonomia e independência das comunidades a partir dos conhecimentos
adquiridos, possibilitando condições adequadas para direcionamento dos projetos
comunitários.
Com a demanda crescente dos povos indígenas por tais espaços, aumentam também
número de problemas e impedimentos para a formação deste novo público, considerando a
recorrência de inúmeras dificuldades relacionadas ao ingresso, permanência e sucesso de
povos indígenas na UFPA, estabeleço como proposta principal a possibilidade de verificar a
existência de protagonismo e as formas como ele desponta entre as pessoas indígenas que
lutam para garantir a formação em nível superior e entre aquelas que em algum momento
alcançam a Instituição.
A proposta demanda a produção de um texto alinhado aos preceitos dos povos
indígenas e a adequação dos objetivos a partir do que me é requerido, valoração necessária e
imprescindível para um trabalho que pretende discutir protagonismo. Diante do compromisso
com a coletividade requerido para elaboração do trabalho, faz-se necessário indicar algumas
metas a serem alcançadas para ajustar o tom das discussões pretendidas, são elas: (1) verificar
a forma como o protagonismo se apresenta entre as pessoas indígenas que ingressam no
ensino superior e se é possível ele estar presente mesmo em contextos adversos que
distanciam o discente da formação acadêmica; (2) indicar a partir do discurso das lideranças
e discentes indígenas a importância que a formação em nível superior adquire para a execução
27
projetos comunitários; (3) identificar as alterações que ocorreram no PSE para povos
indígenas na UFPA, os interesses e motivações que influenciam tais mudanças e a mobilização
dos indígenas discentes na luta pela garantia das conquistas protagonizadas em outros
momentos pelas lideranças indígenas; (4) discutir e problematizar a efetividade das ações de
permanência que são elaboradas e executadas a partir de órgãos da UFPA; (5) realizar
analogias dos indicadores acadêmicos fornecidos pelo órgão responsável e do levantamento
realizado a partir da APYEUFPA no sentido de observar as aproximações e distanciamentos
entre os dados coletados, assim como, para entender o fluxo dos indígenas discentes que
ingressaram na Instituição e; (6) identificar as formas como as dificuldades são apresentadas
nos depoimentos dos discentes indígenas, configurando-se como obstáculos e impedimentos
durante as trajetórias, assim como, problematizar até que medida tais dificuldades podem ser
entendidas como manifestação de racismo institucional.
Revelar uma realidade pouco conhecida, tanto no ambiente universitário quanto fora
dele, significa também proporcionar a reflexão sobre relações sociais que se estabelecem
nestes espaços a partir de três aspectos, sejam eles: (1) entre os próprios indígenas no sentido
de compreender as lutas, a mobilização, os diálogos, as possibilidades de luta coletiva, os
estranhamentos e os fracionamentos existentes; (2) envolvendo os indígenas e a comunidade
universitária, apresentando as relações sociais que são possíveis entre indígenas e não
indígenas na cotidianidade, compreendendo as situações de preconceito e discriminações
sofridas, as alianças individuais e coletivas estabelecidas com não indígenas e; (3) entre os
indígenas discentes e os representantes da Instituição, pensando de forma mais ampla nas
situações que envolvem os diálogos, ou as tentativas de, entre indivíduos que buscam os
direitos nos diversos setores da Instituição, ou mesmo, as reivindicações e parcerias
estabelecidas de forma coletiva, por intermédio de organizações representativas e
mobilizações coletivas.
Para contribuir com o direcionamento da pesquisa, estabeleci alguns
questionamentos, são eles: qual a participação do movimento indígena organizado para a
criação do PSE para povos indígenas da UFPA? O que tem sido feito pelos indígenas discentes
para garantia de direitos coletivos na Universidade? Como as lideranças indígenas podem
oferecer suporte ao ingresso, permanência e sucesso dos indígenas discentes? De que forma
estão sendo pensadas as políticas de permanência e sucesso dos discentes indígenas na
Instituição? Como a presença de indígenas é encarada pela Universidade? Quais as
28
perspectivas dos indígenas discentes e das comunidades em relação ao possível retorno? São
questões que requerem a compreensão adequada da realidade para que sejam respondidas
adequadamente, as respostas acabam estruturando dois discursos diferentes que por vezes
se alinham, momentos em que diálogos são possíveis ocasionando em avanços significativos
e em outros acabam distanciando-se.
Um dos discursos está relacionado a perspectiva dos indígenas discentes, os quais
atribuem sentido a ele e acabam dimensionando os problemas enfrentados, direcionando as
estratégias para cobranças realizadas e atribuindo valor às conquistas alcançadas e, o outro
da Instituição, que se apresenta nos documentos elaborados, na forma como as políticas
voltadas aos discentes indígenas são estruturadas, no comportamento dos profissionais que
trabalham com os discentes, entre outros. São perspectivas distintas e conflitantes que por
vezes convergem e dialogam, como o curso de um rio da Amazônia que segue seu caminho
até o mar, dividindo-se em determinados momentos na descida contínua, geralmente em
áreas geograficamente muito planas, formando outros braços e tomando rumos que parecem
ser muito diferentes, mas que voltam a se encontrar em algum momento. Estamos todos
nesse mesmo rio, a depender da geografia da região para nos reencontrarmos pelo caminho.
Portanto, a valorização dos trabalhos e discursos de indígenas é uma das bases do
trabalho, por isso é tão importante a escuta atenta dos indígenas discentes, das lideranças
tradicionais e políticas. Para tanto, o trabalho foi realizado utilizando-se principalmente de
uma das ferramentas metodológicas disponíveis na antropologia, a observação participante,
conforme proposto por Cardoso (1986) e Lima & Sarró (2006), permitindo a aproximação da
discussão sobre a temática a partir da nossa perspectiva, contribuindo para a realização do
trabalho na medida em que propicia a formação no campo etnográfico.
O percurso acadêmico na UFPA, além de proporcionar a formação acadêmica
necessária para atuar de forma qualificada com os povos indígenas, também foi significativo
para a inserção no movimento indígena do estado do Pará, permitindo estabelecer relações
de parceria com lideranças e comunidades indígenas, os trabalhos desenvolvidos na
Universidade e o fato de ser indígena foram minhas credenciais para os diálogos. Desta forma,
pude compreender o contexto das lutas e contribuir de maneira crucial para o
encaminhamento de diversas demandas de organizações indígenas, lideranças tradicionais e
políticas.
29
disciplina, Gersem dos Santos Luciano ao falar sobre o sentido de ser Baniwa antropólogo nos
indica que é “um sujeito histórico particular que se apropria das diversas e possíveis lentes da
antropologia para ler os diferentes mundos: indígena e não indígena” (Luciano, 2015: 234).
Em consonância com o parente, também considero fundamental utilizar as diversas lentes
oferecidas pela disciplina, pois nossa pertença nos permite enxergar de outras maneiras, olhar
que permitirá elaborar críticas, tanto ao contexto em que se está inserido, quanto a própria
antropologia. As duas posições requerem valorização adequada, uma deve complementar a
outra, diálogo imprescindível que permeia a escrita.
Se por um lado, o fato de ser indígena e ter ingressado por meio de AA na UFPA me
aproxima com a realidade dos demais discentes indígenas, permitindo a compreensão das
relações sociais, das articulações realizadas, das negociações internas e externas, informações
importantes para a construção do trabalho, por outro, escrever sobre o assunto apropriando-
se das contribuições da antropologia, realizar pesquisas a propósito da tese e disponibilizar os
resultados obtidos por meio dela, também são importantes para os discentes e lideranças
indígenas, estabelecendo assim uma via de mão dupla que torna possível a contribuição para
o fortalecimento das lutas e melhorias necessárias para o alcance da igualdade.
Pensando nesta perspectiva de uma via de mão dupla, a realização da pesquisa adquire
relevância tanto política, quanto acadêmica. Por um lado, política por fornecer aos povos
indígenas subsídios para fundamentar argumentações na luta por direitos, oferecendo às
lideranças e discentes indígenas condições de identificar os elementos que necessitam de
mudanças, permitindo que avaliações e cobranças sejam realizadas para o sucesso das PAA
na Instituição. Por outro lado, relevância acadêmica por apresentar informações concretas
sobre uma realidade que até então era pouco conhecida no estado, revelando que a
compreensão da diversidade é imprescindível num espaço que se pretende pluriétnico como
a universidade, onde o “outro” nunca esteve tão próximo.
Sendo assim, as possibilidades de contribuição a partir deste trabalho direcionam os
esforços no sentido de produzir uma ferramenta que possa ser utilizada não apenas pelo
movimento indígena nas reivindicações necessárias, mas também apropriada na
universidade, introduzindo a perspectiva indígena nas discussões acadêmicas. O
fortalecimento das lutas travadas no âmbito da UFPA requer um trabalho que esteja em
consonância com a perspectiva dos indígenas discentes que estão na Instituição, afinal a
descolonização do conhecimento exige que os saberes diversos sejam considerados tão
31
identificada como discurso recorrente nas narrativas feitas pelos parentes, precedendo o
ingresso, ocorrendo durante o processo de seleção e perpassando pelo período da formação
acadêmica, também acompanham os discentes após a conclusão, assumindo novas
características em cada fase. As dificuldades se manifestam a partir de categorias êmicas,
manifestando-se com frequência diante de contextos adversos. A problematização das
dificuldades é base para refletir o cuidado com as diretrizes do PSE, na UFPA, desde a
aprovação da proposta em 2009, inúmeras mudanças aconteceram no PSE, várias delas
significaram a exclusão de indígenas. Portanto, na sessão apresento as alterações em editais,
trago à baila o PSE de 2014 por ter sido marco de postura unilateral, que acabou resultando
no ingresso de apenas 8 indígenas em todos os campi da UFPA, processo que ficou conhecido
pelos indígenas como o “PSE da exclusão”.
Defendo que a manutenção da estrutura do PSE esteja pautada em diálogos com o
movimento indígena, seguindo pactuações feitas ainda em 2009, que previram a existência
de duas etapas no processo, uma delas a entrevista, a qual é importante para a manutenção
da cultura a partir da busca, pelos candidatos, de marcadores étnicos e conhecimentos
relacionados a própria história, afinal, é no encontro entre distintas culturas que a diferença
se manifesta, que as identidades são acionadas demarcando as relações de forma incisiva. As
dificuldades resultam de inúmeros fatores, mas a universidade pode ser responsável por criar
impedimentos para o acesso ao ensino superior, são múltiplas formas de exclusão que podem
se configurar em racismo institucional. Finalizo mostrando que o protagonismo é tomado
novamente no capítulo como principal estratégia de superação destas dificuldades, pois a
medida que os percalços vão sendo identificados, estratégias individuais e coletivas são
criadas para superação.
No quarto capítulo entre diversidade e igualdade: os desafios da presença indígena na
UFPA, procuro demonstrar que os problemas com a permanência indígena são recorrentes,
em alguns períodos se apresentam com mais intensidade que outros, situação agravada com
a falta de política Institucional de permanência. É possível verificar que apesar das
adversidades, o protagonismo indígena tem sido determinante para mudanças ocorridas na
estrutura da Instituição, são indígenas agentes de mudanças, lutando pelos direitos, fazendo
os enfrentamentos necessários para continuar a trajetória acadêmica e obter sucesso
acadêmico almejado por eles e esperado pelas comunidades indígenas. Para a universidade,
a possibilidade de dialogar com povos diversos para a criação de políticas de permanência,
33
pode servir como modelo para outras universidades no Brasil, elevando-a para a condição de
universidade realmente plural e multiétnica.
No quinto capítulo, carreiros indígenas: memórias e a afirmação identitária, procuro
analisar as mobilizações de discentes indígenas para “provocar” a criação de soluções para os
problemas existentes. Apresento a trajetória de alguns indígenas para mostrar a formação de
teias de relações interétnicas no ambiente universitário, local que proporciona o encontro de
pessoas diferentes, mas com objetivos e histórias comuns, que acabam norteando novas
formas de articulação, mobilização e sociabilidade. Indico que o protagonismo não se encerra
na academia, muito pelo contrário, novas articulações são possíveis a partir da formação
acadêmica, a qual deve ser apenas a base para atuação profissional e política.
34
2. “Tá na hora de focar numa coisa maior”: protagonismo indígena e acesso à universidade
base de sustentação, nesta empreitada, a ferramenta da escrita está sendo tomada como
empréstimo na luta pela defesa de direitos num processo de resistência, contudo, apesar dos
trabalhos escritos por nós terem aumentado nas últimas décadas, ainda não alcançou
representatividade adequada.
Deslocar-se de uma visão etnocêntrica significa mostrar como atores sociais
contornam situações desfavoráveis e criam condições para superá-las, significa também
atribuir visibilidade a sujeitos/coletivos que historicamente foram colocados em posições
marginais, como coadjuvantes. O que precisa ser destacado são as iniciativas para mudar as
convenções estabelecidas, as alterações no script, a criação de agência e a encenação em
novos papéis, são pequenas agências que contrariam imposições, redefinindo o “lugar” dos
indivíduos e demonstrando novas formas de agir diante de cada situação.
O protagonismo exige a superação da condição de dependente, para alcançar a
autonomia e controle, criando condições para falar por si mesmo, sem a necessidade de
intermediação de terceiros, realizando articulações no sentido de produzir enfrentamentos
aos projetos coloniais, constitui também a possibilidade de superar as representações criadas
em função de interesses da sociedade nacional.
Como parte desse processo, Luciano (2006) nos mostra como a mobilização dos povos
indígenas12 foi determinante para a origem do que atualmente se conhece como “movimento
indígena organizado”, o autor entende o movimento indígena como um conjunto de
estratégias desenvolvidas pelas comunidades e organizações indígenas para a defesa dos
interesses coletivos.13 Todavia, como aponta Luciano (2007), é importante mencionar que no
Brasil existem vários movimentos indígenas que representam organizações locais, aldeias,
lideranças, entre outros.
12
Povos indígenas é uma das categorias mais utilizadas na tese, é retomada em diversos momentos,
por vezes, fazendo referência à etnias de forma mais ampla, em outros momentos para se referir aos
grupos localizados em regiões mais específicas. É importante lembrar que não é uma categoria nativa,
foi utilizada em dispositivos legais, principalmente dispositivos internacionais, como a Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho e foi tomada pelos povos indígenas no Brasil como
empréstimo, se tornando importante para as argumentações realizadas, unificando diversas
demandas que interessam a grande coletividade em torno da luta por direitos.
13
Os povos indígenas têm se apropriado das organizações formais como maneira de dialogar com
epistemologias diferenciadas, o que nem sempre é fácil, mas que aos poucos vem se constituindo
importante espaço de debates e desafios para lideranças tradicionais e políticas que têm nas
associações a possibilidade de lidar com novas formas de organizações.
36
A formação do movimento indígena como uma unidade política maior que representa
todos os povos indígenas é mantida estrategicamente como forma de mostrar que estamos
organizados e articulados frente aos interesses da sociedade nacional. Pode-se afirmar que o
movimento indígena nacional contribui significativamente para o fortalecimento e o aumento
da visibilidade dos povos, organizações e lideranças indígenas. Conforme indica Sant’Ana:
14
Para saber mais sobre o movimento indígena no Brasil, consultar: Matos, Maria Helena Ortolan. 2006.
Rumos do movimento indígena contemporâneo: expectativas exemplares do vale do Javari. Campinas,
Tese Doutorado em Ciências Sociais, apresentada ao Departamento de Antropologia do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Disponível em:
http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000385919. Acesso em: 02 de fev. de 2015.
37
15
Rosani Fernandes foi a primeira mulher indígena a obter o título de mestre pelo PPGD da UFPA.
38
coletivo diante de ameaças internas e externas aos povos indígenas. O protagonismo está
intimamente relacionado à ação, resistência, enfrentamento, lutas e aliança, penso que
compreende a possibilidade de criação de condições adequadas para superar as relações de
poder e o próprio colonialismo, revendo nossas posições diante de outros povos indígenas, da
sociedade não indígena e do próprio Estado, no sentido de produzir novas realidades.
O protagonismo indígena no Brasil é uma categoria empregada por um grande
contingente de pesquisadores, que procuram mostrar como os povos indígenas têm ocupado
papéis de destaque em questões que interessam às coletividades, sejam elas nos âmbitos
local, regional, nacional e internacional, porém, são poucos os estudos específicos sobre o
tema. (Bicalho, 2011) Ainda mais raros são os trabalhos produzidos sobre o protagonismo
indígena na luta pelo acesso e permanência no ensino superior, movimento que dedica
esforços no contexto das discussões relacionadas ao ensino superior no Brasil.
São muitos os trabalhos escritos sobre ações afirmativas, a maioria deles mostrando a
importância das políticas, das universidades por criarem programas que garantam o acesso e
a permanência nestes espaços, aspectos legais relacionados a implantação de cotas nas
universidades, a perspectiva dos povos indígenas geralmente é abordada nestes trabalhos
tomando os relatos de indígenas que estão na universidade para demonstrar alguma
experiência que teve êxito, se referem a casos específicos ou discutem questões mais amplas.
São poucos os trabalhos com maior fôlego que procuram aprofundar a partir da perspectiva
indígena, que mostram as mobilizações para a conquista desses espaços e as articulações
possíveis nas instituições para garantia de permanência e sucesso.
Apesar da maioria deles não se deter na discussão das diferentes formas de
protagonismo possíveis e do próprio termo, os trabalhos são importantes por fazerem
referências a agentes sociais que sempre estiveram marginalizados, mostrando a atuação na
defesa de territórios, na interlocução com a sociedade não indígena, nas alianças realizadas
com outros povos ou com não indígenas para fortalecer a própria luta.
Muitos indígenas passaram a ocupar centralidade em assuntos mais específicos, se
destacando em temas relacionados à terra, aos direitos, à saúde, à educação, entre outros,
tornando-se referência para discussões mais pontuais, exigências da academia, da mídia, do
próprio Estado ao fazer valer o que preconiza a legislação, sujeitos acionados com frequência
tanto pela sociedade não indígena, quanto pelos próprios indígenas. A iniciativa dos povos
indígenas em assumir a “direção” do próprio futuro de forma mais aberta e expressiva
40
resultou em diversas conquistas legais e adquire corpo a partir desses marcos legais, devendo
ser valorizada por pesquisadores que pretendem discutir a temática indígena. O artigo 7º da
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os povos indígenas e
tribais em países independentes, ratificada pelo Brasil a partir do Decreto nº 5.051/04
determina que:
[o]s povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias prioridades no que
diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas,
crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de
alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento
econômico, social e cultural [...].
Pensando assim, retomo o título do capítulo para fazer uma reflexão acerca dos
projetos coletivos indígenas e das possibilidades de mobilização, mais especificamente trago
a experiência da luta pelo direito de ingressar em Instituições Federais de Ensino Superior
(IFES). Faço referência a fala do líder indígena Pepkrakte J. Ronore KonxartiI conhecido no
movimento por Zeca Gavião,16 em um contexto que reunia indígenas universitários e
lideranças indígenas da aldeia Kyikatêjê, o diálogo aconteceu na aldeia Kyikatêjê, na região
sudeste do Pará, a propósito da realização do projeto Caravana do Vestibular Indígena.17
Durante a fala, Zeca Gavião ressaltou a importância em “[...] focar numa coisa maior”, num
contexto que falava sobre a necessidade de contar com indígenas na universidade para
também permitir ocupar outros espaços estratégicos da sociedade nacional, indicava que
estava na hora de mudar o foco, de iniciar uma nova empreitada, referia-se a necessidade de
especialistas da cultura não indígena, para conquistar independência, num projeto mais
amplo que garanta da subsistência, a autonomia cultural, econômica, política e religiosa.
Neste projeto o protagonismo indígena, segundo Zeca Gavião é imprescindível, pois a
partir dele é que se torna possível chegar aonde o cacique almeja, a autonomia, compreende
que a formação superior se tornou parte integrante neste projeto, compondo o conjunto
16
Diferentemente das citações de textos acadêmicos, para as citações das lideranças indígenas
utilizarei os nomes da forma como são conhecidos no movimento indígena, neste caso, seguir o rigor
acadêmico invisibilizaria nossas lideranças, visto que boa parte delas não é conhecida pelo sobrenome.
Nos casos das narrativas feitas pelos indígenas discentes durante a realização dos PSEs, usarei nomes
fictícios para preservar a identidade dos interlocutores.
17
Muitas narrativas trazidas para discussão neste capítulo são resultado das ações desenvolvidas à
propósito da realização da Caravana do Vestibular Indígena, projeto resultante do protagonismo dos
discentes indígenas na UFPA, o qual dedico atenção especial em outra parte do trabalho, estas
narrativas estarão distribuídas em toda a tese, por tratarem de temas discutidos em todos os capítulos.
41
maior de espaços construídos a partir da luta. A fala do líder se torna ainda mais expressiva
quando analisada a luz das conquistas protagonizadas pela Associação coordenada por ele,
uma delas refere-se a proposta para criação de PAA para povos indígenas no âmbito da UFPA,
que garantiu vagas para indígenas na Instituição, lócus deste trabalho.18
O protagonismo do líder Kyikatêjê – com o apoio de várias outras lideranças de outros
povos no mesmo estado que apoiaram a proposta, com destaque também para lideranças de
outros estados como Rosani de Fatima Fernandes e José Carlos Gabriel, ambos lideranças
Kaingang, que à época atuavam como assessores da Associação Kyikatêjê Amtáti – resultou
em política que permite o ingresso de indígenas na UFPA e contribui para a autonomia de
muitos povos, pois de alguma forma a criação destas PAA específicas para povos indígenas
gerou novas possibilidades para uma coletividade bem mais ampla, uma vez que a
Universidade permite o ingresso discentes de todo o país.
De acordo com Poliene Soares dos Santos Bicalho o termo protagonismo pode se
estender “aos atores sociais e políticos atuantes em diversos setores da sociedade civil [...]
que surgiram com o desafio de evidenciar setores marginalizados em razão de sua condição
econômica, social, racial e cultural” (Bicalho, 2011: 4). A tese defendida pela autora é de que
antes da década de 70 do século passado o protagonismo indígena não poderia ser pensado
“sistemática e conscientemente”.
O que venho defendendo é que o protagonismo indígena se manifesta de múltiplas
formas e não pode ser entendido como um movimento único em torno de demandas comuns
a todos os povos, é necessário compreender as diferenças que existem entre os povos
indígenas e as possibilidades de mobilizações, alianças e articulações, não apenas, diante do
contato interétnico, mas presente também no contexto dos contatos intraétnicos, caso
contrário, povos em situação de isolamento voluntário não seriam protagonistas da própria
condição, de coletivamente e conscientemente permanecerem isolados.
18
As discussões no movimento indígena do estado do Pará sobre a inserção de indígenas no ensino
superior são muito anteriores à 2009, os relatos das lideranças indicam que as idas e vindas para
Brasília permitiram confirmar que indígenas estavam ingressando na Universidade de Brasília (UnB) de
forma diferenciada, a experiência daquela Instituição e, posteriormente de outras, serviram como
referência para as mobilizações no estado. Faço referência a Associação dos Povos Indígenas do
Tocantins (APITO) e a algumas lideranças em específico, por partir desta organização os documentos
que provocaram a universidade a pensar em formas de ingresso diferenciadas para povos indígenas.
42
instrumentalizados para somar às lutas cotidianas, para os Kyikatêjê, por exemplo, a escola
oferece esta possibilidade e se tornou uma das ações imprescindíveis para a formação de
lideranças políticas, pois a garantia dos direitos do povo depende do domínio dos “códigos da
sociedade não indígena.” (R. Fernandes, 2010: 14)
Antonio Carlos de Souza Lima (2013) atribui importância do domínio de
conhecimentos não indígenas sem abandonar os valores, tradições culturais e históricas
diferenciadas, destacando sempre a importância da presença indígena nas esferas públicas da
sociedade nacional, no sentido de contribuir para mudar o quadro de invisibilidade e
desconhecimento sobre os povos indígenas na atualidade. A introdução nesses novos espaços
expressa, sobretudo, a percepção da importância da intervenção qualificada das comunidades
indígenas na tentativa de resolver problemas relacionados à saúde, à educação e à gestão
territorial que constituem pauta comum dos movimentos indígenas e principal desafio.
Também representa a possibilidade de diálogo intercultural com os conhecimentos não
indígenas, possibilitando a contextualização, reflexão e problematização destes espaços pelos
próprios indígenas.
Kleber Gesteira Matos (2013) procurou demostrar que a Constituição proporcionou
mudanças nas políticas educacionais previstas para os povos indígenas, a educação em todos
os níveis passou a responsabilidade do Ministério da Educação (MEC) e as décadas que
seguiram a promulgação da Carta Magna significaram um crescimento exponencial das
escolas indígenas originando assim um “processo de intensa escolarização em terras
indígenas.” (Matos, 2013: 227) As garantias de direitos diferenciados em 1988, trazem consigo
a possibilidade de acesso à educação escolar diferenciada, que valorize a cultura, atribua
importância devida aos conhecimentos tradicionais e que contemple a utilização da língua
materna, assim como, dos processos próprios para o ensino e aprendizagem, conforme
preconiza o artigo 210 da Constituição. Neste sentido, muitos povos indígenas passaram a se
apropriar cada vez mais dos recursos disponíveis na sociedade não indígena como forma de
fortalecimento, legitimação para o acesso efetivo de direitos e fortalecimento da própria
cultura.
Neste leque de opções conquistadas, a universidade recebe atenção especial, sendo
idealizada pelos povos indígenas, Clemente Tembé, conhecido como Kelé Tembé, cacique da
aldeia Zahuaruhú, localizada na Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), no município de Santa
Luzia do Pará, região nordeste do estado do Pará, ao falar durante a reunião realizada na
44
Aldeia São Pedro, envolvendo discentes da UFPA e indígenas naquela TI, mostra a importância
dos estudos e apresenta algumas preocupações relacionadas às dificuldades para
compreender como a universidade está estruturada:
[a] questão por exemplo, a questão do estudo, como foi falado agora, a pessoa tem que
estudar mesmo, agora não é tão fácil assim por exemplo pensar numa universidade, a pessoa
que mora aqui no interior, já acostumado com uma coisa aqui, é outra coisa diferente de lá.
(Kelé Tembé, 2012)
Ao mesmo tempo que refere a importância dos estudos para os indígenas, menciona
que não é nada fácil “pensar numa universidade” por conta das diferenças entre o “aqui” e o
“lá”, para eles, até pouco tempo a formação em cursos de ensino superior, principalmente em
oferecidos por universidades públicas, não era uma realidade, a própria UFPA não estava
incorporada nos discursos, conheciam muito por ouvir falar, pois era apresentada por
profissionais que atuam nas comunidades e pesquisadores, entre outros.
O desconhecimento sobre a universidade, identificado na narrativa do parente, é
reflexo de uma política pensada por poucos e para poucos, ou seja, a universidade foi criada
no Brasil para atender a interesses da elite, ocupada predominantemente por esta pequena
parcela da população, pautada no racismo, contribuiu para a manutenção de quadros
históricos de exclusão racial, étnica e de classe. Conforme observamos, restaram poucas
alternativas para a grande maioria da população, pelas dificuldades relacionadas a alta
concorrência em instituições públicas ou mesmo pelo distanciamento causado pelo
desconhecimento, considerando que para os Tembé e para inúmeros outros povos indígenas
no Brasil, a universidade não esteve distante apenas geograficamente, também se distanciava
ideologicamente ao lançar mão de um projeto excludente.
A “coisa diferente lá”, conforme relata Kelé Tembé, não foi criada para atender grupos
etnicamente diferenciados e precisava ser desvendada, conhecida para então ser apropriada
para contribuir com os projetos comunitários e compor o arsenal numa batalha pela
continuidade. Almires Martins Machado, liderança Guarani e doutor pelo PPGA, faz um relato
sobre sua trajetória e menciona o sonho de sua mãe em vê-lo ingressar na universidade e sair
doutor:
[q]uando voltava das usinas e ia à cidade fazer o rancho, sempre passava de carroça com minha
mãe na frente da Universidade Federal e ficava olhando o entra e sai de estudantes, então ela
dizia: “um dia você vai entrar aí e sair doutor”, ria dos devaneios de minha mãe, pois era
45
impossível querer algo assim naquela época, estar em curso superior, era um sonho quase que
proibido para indígenas. (Machado, 2015: 18)
Para o autor, a profecia da mãe parecia algo absurdo, tão distante para indígenas que
mais pareciam “devaneios”, jamais imaginaria estar na universidade e, muito menos se tornar
um doutor guarani formado em uma universidade federal. Tratar sobre o acesso à
universidade, perpassa pela necessidade de refletir a forma pela qual as instituições foram
pensadas no país e, como o acesso a estes espaços de formação foram negados
historicamente para grupos étnico-raciais e à população pobre, requer pensar na necessidade
de adequação dos modelos de universidade para atender as demandas sociais cada vez mais
presentes. Silva (2001), ao refletir sobre o elitismo nas universidades públicas e a necessidade
de democratização destes espaços, afirma que:
[a] educação hoje ela tá acima de tudo, que sem educação não há conhecimento e sem
conhecimento não há como lutar pelo que é nosso de direito, como eu acabei de falar, direito
nós temos, mas se eu não tiver conhecimento dos meus direitos não vou lutar por eles,
simplesmente as coisas vão se passar e a gente vai perder a oportunidade. (Almir Tembé,
2012)
19
Acervo APYEUFPA, audiovisual Caravana do Vestibular Indígena, Aldeia Areal, filmagem no dia
11.10.2012.
46
Almir Tembé é liderança nas aldeias Jeju e Areal, pertence ao povo Tembé que está
situado, no hoje, município de Santa Maria do Pará, foi presidente por quatro anos (2008 –
2012) da AITESAMPA e atuou como Agente de Saúde (AS) na aldeia e em comunidades
vizinhas, no ano de 2017 defendeu o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no Curso de
Enfermagem da UFPA. A fala do parente foi feita na abertura da reunião que ocorreu na aldeia
Areal, a propósito da realização do projeto Caravana do Vestibular Indígena, fez parte do
projeto como palestrante e articulador. Na ocasião, representou às aldeias Jeju e Areal
resolvendo detalhes da viagem e das reuniões.
Nos primeiros diálogos com Almir, em 2010, ainda a propósito da realização das
pesquisas para a escrita da minha dissertação de mestrado, observei que a saúde era
apresentada por ele como prioritária, era percebida como a principal demanda do povo,
depois de muitas discussões na comunidade, entendeu a importância da educação e do acesso
a conhecimentos não indígenas, passando a ser considerada prioritária, o parente continua
sua fala:
[e]ntão a gente dá esse empenho, a gente fala assim para os parentes que vá mesmo a busca,
lute, porque o nosso direito está lá, mas nós só podemos conseguir o que é nosso de direito
se a gente lutar. Nós temos direito a educação, a saúde, ao nosso território, mas se a gente
não sai da nossa comunidade pra ir a busca a gente não vai conseguir o que é nosso de direito.
(Almir Tembé, 2012)
[a] gente pensa que esses estudos é que vão trazer a autonomia do nosso povo, então vocês
tão buscando através desses estudos, da universidade, isso é muito importante também,
médico, enfermeira, advogado formado pra que possa voltar pra nossa comunidade em defesa
do seu povo, então pra nós isso aí é muito significativo e muito importante. (Raimundo Tembé,
2012)
[o] conhecimento proporcionado pela formação superior traz benefícios para quem dele pode
dispor. Em contexto de transformações políticas e sociais não é coerente manter o ingresso à
universidade restrito a determinados grupos que, historicamente, tiveram maior
oportunidade de se preparar para enfrentar os processos de seleção às universidades,
supostamente, elaborados para aferir, de forma generalizada, o mérito dos candidatos.
(Beltrão, Brito Filho & Maués, 2013: 2)
Paladino e Almeida (2012) destacam duas vertentes nas demandas dos movimentos
indígenas, uma referente à formação de professores no ensino superior e, a segunda, refere-
se à necessidade de “formar quadros” no próprio movimento indígena em diversas áreas de
conhecimento capacitados para defender os direitos e interesses indígenas. Em consonância
20
Parente é um termo muito comum entre povos indígenas, é resultado das interações entre indígenas
de diferentes etnias e regiões, tem sido empregado com frequência cada vez maior nos movimentos
indígenas e pode ser entendido como uma forma de reconhecimento da pertença a algum povo
indígena.
48
com estes autores, Souza Lima e Maria Macedo Barroso (2013), indicam a importância da
presença de indígenas no ensino superior, tanto em cursos específicos para povos indígenas,
quanto nos demais cursos, é fundamental para construção da educação superior, ressaltam
que a necessidade da formação de profissionais indígenas graduados capazes de articularem
com os conhecimentos tradicionais e solucionar problemas relacionados à demarcação de
terras, acesso à saúde, educação, dentre outros.
No que se refere a primeira perspectiva, é possível afirmar que a Constituição de 1988
foi fundamental para a criação desta nova demanda por acesso ao ensino superior e, por sua
vez, para a criação de cursos específicos para a formação de professores indígenas, uma vez
que novos espaços para a atuação de professores indígenas bilíngues foram criados,
ampliando assim, a necessidade de formação universitária para este novo público, pois o
modelo de educação formal trouxe consigo a necessidade de profissionais qualificados para
atuarem na educação básica, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio e,
recentemente no ensino superior.
Em relação as demandas pelo acesso em cursos de graduação, Barroso Hoffmann
(2005) ressalta ainda que as iniciativas a princípio eram de caráter mais isolado, reivindicações
mais pontuais de indivíduos que concluíram o ensino médio e apresentavam interesse em
cursar o ensino superior, principalmente a partir da década de 70 do século passado. A autora
indica também que as demandas ganharam maior visibilidade quando passaram da esfera
individual para a coletiva, diante das necessidades de profissionais qualificados para atuarem
nas comunidades, sendo assim:
[...] embora se registrem demandas associadas ao desejo de ascensão social de indivíduos via
formação superior, algo que vem marcando as pautas das reivindicações de afro-descendentes
e de outros grupos marginalizados da população brasileira, o debate sobre ação afirmativa
para indígenas assume outros matizes por trazer à tona a temática do destino social de povos,
cuja continuidade só pode ser entrevista na medida em que forem formuladas ações que
garantam a manutenção de identidades coletivas, situadas em relação direta com a existência
de territórios e de sua manutenção. (Barroso Hoffmann, 2005: 3)
21
Fúlvia Rosemberg (2006) indica que o movimento negro, ao contrário do que se tinha dos anos 60,
quando as classes médias serviam como porta vozes nas reivindicações, quem assumiu a dianteira na
luta pelo acesso a universidades públicas foram os jovens negros.
22
A Constituição Federal de 1988 garante no seu Art. 207 a autonomia administrativa às universidades.
Bem como, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) no seu Art. 53 que define as atribuições da universidade
no exercício de sua autonomia.
23
Sobre a discussão das ações afirmativas, voltadas para mulheres e para regulação do mercado de
trabalho no que concerne à discussão da garantia do acesso a pessoas com necessidades especiais,
presentes na Constituição de 1988, consultar Flávia Piovesan (2005).
50
foram ações que resultaram do interesse de indígenas em ingressar no ensino superior e que
iniciaram na década de 90 do século XX, criadas a partir de parcerias firmadas entre FUNAI e
instituições de Ensino Superior públicas e privadas, a exemplo da Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (PUC-GO) que na década de 90 do século passado possibilitou o acesso de
indígenas. Souza Lima (2007) em artigo sobre a educação superior para indígenas no Brasil
fala sobre o protagonismo indígena na tentativa de mobilizar esforços para o enfrentamento
de questões relacionadas a formação de indígenas, destaca a importância do diálogo entre os
conhecimentos científicos ou “saberes ocidentais” com os conhecimentos tradicionais. Nesta
empreitada, o líder indígena Ailton Krenak foi um dos expoentes criando um Centro de
formação em Goiânia com o objetivo de:
As iniciativas do parente não contaram com apoio necessário para continuação, porém
foram fundamentais para a percepção da necessidade de programas bem estruturados e
voltados para a temática do indígena no ensino superior, assim como, para pensar sobre as
relações possíveis entre os diferentes tipos de conhecimento. Ademais, Souza Lima (2007) nos
mostra que o protagonismo na ação faz parte de um processo de “quebra do monopólio
tutelar”, momento em que passamos a assumir a responsabilidades que exigem
conhecimentos relacionados a aspectos da sociedade não indígena até então pouco
acessados.
A década de 90 do século XX foi crucial ao debate e a mobilização indígena relacionadas
a educação básica e problemas internos nas aldeias, poucos povos percebiam naquele
momento a necessidade de acessar o ensino superior como mecanismo de apropriação de
conhecimentos não indígenas para o enfrentamento dos problemas internos nas
comunidades, as próprias organizações representativas, as associações, as fundações, as
cooperativas, entre outras, foram criadas preponderantemente em função de demandas
locais, por outro lado, o público indígena que demandava o ingresso no ensino superior ainda
era pouco significativo. A percepção de que esta esfera de conhecimento poderia
51
24
Souza Lima & Barroso Hoffman (2013) discutem sobre formação política de pessoas indígenas em
instituições de nível superior com potencial de transformação de relações entre indígenas e não
indígenas, os quais buscam alinhar-se com as orientações das bases e coletividades de origem no
sentido de produzir concepções que levem em consideração os conhecimentos tradicionais.
52
[a]s ações afirmativas nas universidades públicas brasileiras estão inseridas num contexto
histórico de reivindicações políticas de grupos sociais, étnicos e raciais que convergiram, na
década de 1990 e, de forma mais intensa, no início do Século XXI, para uma postura pró ativa
do Estado brasileiro na busca pela reparação de injustiças históricas contra determinados
segmentos da população que produziram barreiras adicionais para o acesso às oportunidades
de qualificação educacionais em todos os níveis da educação, mas de maneira mais aguda no
âmbito universitário. (E. Fernandes, Beltrão & Oliveira, 2015: 1)
[o] desafio é como esta instituição superior formadora pode possibilitar a circulação e a
validação de outros saberes, pautados em outras bases cosmológicas, filosóficas e
epistemológicas. Os povos indígenas, por exemplo, não gostariam de ser enquadrados pelas
lógicas academicistas que alimentam e sustentam os processos de reprodução do capitalismo
individualista, que tem gerado uma sociedade cada vez mais em retorno à civilização da
25
Para entender melhor como a Lei de Cotas foi estruturada conferir:
http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/1032851/lei-12711-12. Acesso em: 02 de ago. de
2015.
54
26
Muitas contribuições apresentadas ao longo deste tópico e dos próximos capítulos foram discutidas
anteriormente no artigo FERNANDES, E. A.; BELTRÃO, J. F. & OLIVEIRA, A. da C. “Povos indígenas,
comunidades quilombolas & Ensino Superior: a experiência da Universidade Federal do Pará”. In:
56
nas diversas regiões, vivendo em contextos urbanos e rurais. De acordo com os censos
publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), a população indígena no
estado do Pará teve um crescimento significativo nas últimas décadas, passando de 16.132
em 1991, 37.681 no ano de 2000, para então alcançar o número de 31.081 em 2010.27
Alguns povos vivem em situação de isolamento voluntário, outros com breves contatos
com a sociedade não indígena e muitos com um histórico de contato mais antigo. Ao contrário
do se imaginava para a Amazônia até pouco tempo atrás, existem também aqueles povos que
passaram pelo processo de etnogênese,28 pois diante das políticas estatais em algum
momento da história acabaram deixando de se identificar como indígenas, retomando a luta
e a identidade, principalmente em função da mudança da postura do Estado brasileiro, estes
povos voltaram a assumir a identidade indígena.
O Pará é o segundo maior estado em extensão geográfica, com uma área de
aproximadamente 1.248.000km², perdendo apenas para o vizinho Amazonas. Estas distâncias
devem ser observadas e relativizadas para a criação de políticas públicas, ao contrário de
outras regiões do Brasil, na Amazônia as condições geográficas implicam significativamente a
possibilidade de acessar às políticas públicas, ademais, o tempo para percorrê-las pode ser
significativamente maior se comparar com a mesma distância em outros lugares no Brasil, o
acesso a muitas localidades acontece apenas pelos rios ou por meio de vicinais, tanto um
como o outro podem apresentar dificuldades significativas, a depender do período do ano. No
caso do Rio Xingu, por exemplo, nos períodos de seca o acesso as comunidades que vivem às
suas margens é prejudicado, considerando a quantidade de cachoeiras no percurso e as
pedras que formam um verdadeiro labirinto, águas navegáveis apenas por pessoas com
experiência na região. Sendo assim, as distâncias configuram-se em fatores significativos que
[a] nossa luta indígena foi muito tempo em cima disso, do direito que os nossos parentes
pudessem entrar na universidade. Então agora a gente tá vendo esse resultado, então a gente
agradece vocês parentes, que tão aí e que vieram trazer esse incentivo, esse fortalecimento
pra nós. Nós indígenas, nós lideranças, nós velhos, nós temos indo embora como nossos pais
já foram, mas temos nossos filhos pra que nós possa preparar para ele da futura geração que
vem aí. (Lúcio Tembé, 2012)
No estado, a luta pela criação de políticas afirmativas para povos indígenas teve como
alvo principal a UFPA, por ser a maior Instituição pública do norte do Brasil, oferecendo um
número considerável de cursos, dentre os quais se destacam os mais demandados pelos povos
indígenas (Medicina, Direito, Enfermagem, entre outros) e, também, por contar com diversos
campi espalhados por todas as regiões do estado.
As movimentações das associações indígenas no estado foram significativas,
resultaram em diversos documentos expedidos para as IFES, principalmente para a UFPA
solicitando a criação de políticas específicas para os povos indígenas, dentre as associações se
destacam a Associação dos Povos Indígenas do Tocantins (APITO) e a Associação Indígena
Kyikatêjê Amtati. A primeira representa vários povos na região sudeste do estado e a segunda
representa o povo Gavião Kyikatêjê. Beltrão, Brito Filho e Maués (2016) indicam que as
reivindicações geraram processos administrativos no âmbito da universidade, dentre esses
processos, destacam-se os N°. 022649/2007, N°. 006344/2008, N°. 006345/2008 e N°. 022656/2007.
O estado do Pará conta atualmente com cinco universidades públicas, são quatro
universidades federais, dentre elas uma é rural, sendo elas: a UFPA, a UFOPA, a UNIFESSPA e
58
a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), além destas universidades federais, conta
com a UEPA. Em se tratando das universidades federais, para efeito de comparação com a
UFPA, considero fundamental abordar com maior atenção à realidade da UFOPA e UNIFESSPA,
ambas recebem destaque na pesquisa por terem sido até recentemente campus da UFPA,
desmembradas para se tornarem universidades independentes, porém trago também para a
discussão as possibilidades de inclusão de indígenas na UFRA e UEPA.
Na UFRA nenhum tipo de PAA foi criada para atender a demanda dos povos indígenas,
somente em 2012, com o advento do cumprimento da Lei 12.711 (Lei de Cotas) é que a
universidade passou a oferecer cotas para indígenas, ademais a Instituição procura se adequar
a legislação. Nas pesquisas realizadas não foram encontrados registros de alguma demanda
pelas lideranças indígenas para a criação de PAA no âmbito desta Instituição, nem tão pouco
foi identificado nas narrativas das lideranças do estado o interesse em ingressar em algum
curso oferecido pela Instituição.
Em 2012, atendendo também a reivindicações feitas pelos povos indígenas do estado
do Pará, a UEPA em parceria com a Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), deu início ao
Curso de Licenciatura Intercultural para Povos Indígenas, que visa a formação de professores
indígenas e atende cinco etnias no Estado (Tembé, Gavião Parkatêjê, Gavião Kyikatêjê, Gavião
Akrãtikatêjê e Suruí Aikewara), sendo criado a partir da demanda dos povos Tembé e Gavião
por meio de ação no Tribunal Regional do Trabalho (TRT), 8ª da região.
O curso é ofertado dentro de um período de quatro anos, subdivididos em duas etapas
que contemplam dois modelos de formação, um geral e o outro mais específico dentro de
determinadas áreas.29 Até 2012, a Instituição não contava com programas específicos para o
ingresso de indígenas, o curso de formação intercultural foi o primeiro da Instituição a atender
este público. Em 2016, a primeira turma de indígenas formou-se a partir da Universidade, a
formatura foi realizada no dia 19 de abril no Hangar Centro de Convenções da Amazônia e
contou com a presença expressiva da mídia, que registrava o acontecimento. A Figura 1
apresenta a turma formada a partir da UEPA.
29
Para saber mais sobre o curso consultar: Alencar, Joelma Cristina Parente Monteiro. 2014. Educação
intercultural e a formação específica de professores indígenas no ensino superior. Itabaiana:
Gepiadde. 8 (16): 80-98. Disponível em:
seer.ufs.br/index.php/forumidentidades/article/download/4263/3540
59
30
Conforme apresentado anteriormente, além das pesquisas realizadas na UFPA, pesquisas foram
empreendidas na UFOPA. No caso da UNIFESSPA, conto com dados coletados durante a Caravana do
Vestibular Indígena com as lideranças da região no período que as discussões para a criação da
Instituição estavam acontecendo.
61
31
O Reuni foi criado pelo Decreto Presidencial 6069/2007 e sua adesão pelas IFES é voluntária. O
principal objetivo do programa é proporcionar condições para ampliação do “acesso e permanência
no ensino superior”. Uma das principais críticas ao Reuni está relacionada preocupação com a
qualidade do ensino que poderia não acompanhar, nas mesmas proporções, a expansão do ensino
superior e o aumento do número de vagas ofertadas. Para mais informações consultar:
http://reuni.mec.gov.br/o-que-e-o-reuni
32
A UFPA adotou o modelo de universidade multicampi em 1986, com o objetivo de alcançar o interior
e democratizar o acesso ao ensino superior, alcançando pessoas em diversas regiões do estado que
não tinham condições de acessar a universidade em decorrência da distância até a capital.
62
concentrarem os cursos mais requeridos pelas comunidades, são mais procurados por
fazerem parte dos projetos coletivos e, também, por oferecer melhores condições estruturais
aos discentes.33
[e]ssas informações pra mim, nós já batemos com o martelo várias vezes, na cabeça dos Karaí
lá, pra nós conseguir um projeto, uma vaga dum estudo, pra nós indígena hoje ter o
conhecimento, isso já era pra ter acontecido a muito tempo, mas nós não tinha ninguém pra
trazer essa informação pra nós. (Emídio Tembé, 2012)
O trabalho com o martelo exige destreza, não é um trabalho fácil e exige movimentos
repetitivos, as batidas devem ser precisas na “cabeça” do prego, com medida de força para
que o prego não entorte, a falta de precisão também pode ter resultados inesperados, como
um dedo roxo, por exemplo. Bater na cabeça de Karaí é a forma encontrada pelos Tembé para
se fazer entender, é pela insistência e repetição que muitas conquistas são alcançadas, as
batidas devem ser certeiras e na medida adequada para que os objetivos sejam alcançados,
muitas vezes os resultados são demorados, em outras é necessário que se substitua o “prego
torto” por outro e assim alcançar o que se deseja.
33
As diferenças que existem entre os diversos campi da Instituição serão analisadas no segundo
capítulo, momento em que pretendo abordar as dificuldades enfrentadas no interior do estado, desde
o acesso à informação até a estrutura física dos prédios da Instituição.
63
As AA implementadas pela UFPA receberam atenção especial nas discussões feitas por
Beltrão, Brito Filho e Maués (2016), trabalho que tive a oportunidade de contribuir com alguns
dados das pesquisas que venho desenvolvendo a propósito da tese, os quais foram
importantes para a construção do quadro 4 apresentado a seguir, que resume muito bem a
criação de PAA pela UFPA.
Quadro 4 – Ações afirmativas na UFPA (Fonte: Beltrão, Brito Filho e Maués, 2016: 82)
Ano de
aprovação Propostas aprovadas Implantação Resultados
da política
Cotas (50% das vagas ofertadas) Incorporação de candidatos
para pessoas oriundas de escolas oriundos de escolas públicas e
2005 2008
públicas, das quais 40% são de pessoas negras à UFPA.
destinadas aos negros.
Cotas para pessoas com Não houve demanda de povos
deficiência, pretos e povos indígenas em 2005 e nem em
2005 2005
indígenas no Programa de Pós- 2006.
Graduação em Direito (PPGD).
Sistema de cotas no Processo Em 2008 das 5.036 vagas
seletivo diferenciado para alunos ofertadas pela UFPA 4.494
2007 oriundos do sistema público de 2008 foram preenchidas, 2.192 por
ensino e negros – estudantes cotistas e 2.302 por
ingresso/vestibular. estudantes não-cotistas.
Vagas reservadas para povos Ingressaram cinco indígenas no
indígenas, por meio de Edital programa: em 2007 – 2; 2010 –
diferenciado, no Programa de 2; 2011 – 1.
2007 2007
Pós-Graduação em Direito As defesas de dissertação
(PPGD). ocorreram em dez/2009,
maio/2010 e out/2013.
Cotas para povos indígenas no Não houve demanda de povos
2008 Programa de Pós-Graduação em 2008 indígenas em 2005 e nem em
Ciências Sociais (PPGCS). 2006.
Programa Bolsa Permanência de Em 2009 a Bolsa Permanência
auxílio financeiro aos estudantes auxiliou mais de 1.300
da graduação da UFPA em estudantes. Em 2010 o número
2009 2009
situação de vulnerabilidade estimado é de 2.500 estudantes
socioeconômica em risco de beneficiados.
abandonar o curso.
Programa que reserva duas Em 2010 foram incorporados 63
vagas reservadas para povos indígenas; em 2011 – 45; em
2009 indígenas em todos os cursos de 2010 2012 – 24; em 2013 – 19; em
graduação da UFPA. 2014 – 8; em 2015 – 24 em 2016
– 26.
Programa de vagas reservadas Incorporação de pessoas com
para pessoas com deficiência em deficiência.
2009 2010
todos os cursos de graduação da
UFPA.
Aprovação do Curso de A seleção ocorre de dois em dois
Licenciatura e Bacharelado em anos. Em Altamira, em 2010
2009 Etnodesenvolvimento voltado 2010 foram incorporados 45
exclusivamente para povos discentes; em 2013 – 30; em
tradicionais e indígenas – 2015 – 45; em 2016 (Soure)
64
34
Para compreender melhor as Ações Afirmativas na UFPA, consultar: Beltrão, Jane Felipe; Brito Filho,
José Claudio Monteiro & maués, Antonio Gomes Moreira. 2013. Das Ações Afirmativas na
Universidade Federal do Pará. In Seminario 2, sobre: Acceso y permanencia de los grupos vulnerables
en la enseñanza superior oficinas de ddhh. Brasília-DF. Seminario 2, sobre: Acceso y permanencia de
los grupos vulnerables en la enseñanza superior oficinas de ddhh. Madrid: dhes. v. 1. p. 1. Disponível
em: http://www.upf.edu/dhes-alfa/oficinas/docs/UFPA.pdf Acesso em: 30 de jun. de 2015. Consultar
também: Beltrão, Jane Felipe & Cunha, Mainá Jaison Sampaio. 2011. Resposta a Diversidade: políticas
afirmativas para povos tradicionais, a experiência da Universidade Federal do Pará. Espaço Ameríndio,
Porto Alegre, 3 (5): 10-38. Disponível em:
http://seer.ufrgs.br/EspacoAmerindio/article/view/21822/14464. Acesso em: 27 de mar. de 2014.
66
que chamam de “terra sem mal”, que originou o deslocamento deste grupo desde a Argentina
até chegar no hoje município de Jacundá, no estado do Pará.
Neste ano de 2016, o PPGA ampliou o número de vagas oferecidas para indígenas,
passando de duas para quatro vagas, duas oferecidas no mestrado e duas no doutorado. O
processo seletivo para o ingresso de indígenas no PPGA difere de outros programas ativos na
pós-graduação, exige a entrega do documento de indicação de lideranças tradicionais ou
políticas e a apresentação de um pré-projeto, no caso do mestrado e, de um projeto no caso
do doutorado, ficando a cargo da comissão avaliadora a decisão de solicitar aos candidatos a
defesa das propostas apresentadas, sem outras etapas.
Ainda tratando da pós-graduação, depois de algum tempo de diálogo e elaboração de
propostas, o Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) passou a oferecer três vagas
no mestrado para indígenas. As discussões para criação de vagas para indígenas na educação
vinham acontecendo a algum tempo, tendo como principal articulador o Prof. Dr. Salomão
Antonio Mufarrej Hage, porém, no início do mês de setembro de 2016 deu um grande passo
rumo a democratização da pós-graduação, a proposta foi submetida ao colegiado do PPGED
e aprovada. A reunião contou com a participação especial do cacique Antonio Sarmento dos
Santos, conhecido como Piná Tembé, o cacique defendeu a necessidade da formação de
indígenas para atender as demandas educacionais das comunidades e não para preencher
vagas no mercado de trabalho.
Diferentemente do PPGA, que acresce vagas para indígenas, o PPGED disponibiliza
vagas especiais, dentro das vagas oferecidas, para indígenas, caso não sejam preenchidas
serão remanejadas para outros candidatos aprovados no processo. O processo também exige
uma comprovação da “condição de indígena”, que deve ser feita por meio de uma declaração
emitida pelo representante da sua comunidade, os indígenas devem cumprir com todas as
etapas do processo, sem diferenciação, com exceção de que concorrem com outros indígenas.
O processo está dividido em quatro fases, as três primeiras eliminatórias com nota de corte
de 7,0 (sete) e a última fase classificatória, são elas: (1) prova escrita; (2) análise do projeto de
pesquisa; (3) entrevista e entrega do currículo lattes comprovado e; (4) análise do currículo
lattes.35
35
Para mais informações consultar o edital do Processo Seletivo, disponível em:
http://www.ppged.com.br/arquivos/File/EDITAL_DO_PROCESSO_SELETIVO_2016_2017_02_09_16uv
.pdf
67
36
O processo encontra-se disponível em:
http://www.abant.org.br/conteudo/001DOCUMENTOS/beltrao_parecer_CEG_UFPA.pdf. Acesso em:
23 de mar. de 2014.
68
[e]u tentei quatro anos a faculdade, perdendo tempo. Fomos e criamos a associação da APITO
e aí foi colocado, como é que a gente faz pra encaixar o pessoal? Já estava se discutindo em
Brasília, como é que a gente faz pra se encaixar o pessoal lá dentro pra encaixar nosso povo,
pra não ter essa briga, concorrência. Quando eu fiz a quatro anos atrás era 18, 30, 50 por um
[número de candidatos por vaga na UFPA], não tinha condições, imagina filho de papaizinho
tá estudando 24 horas, então essa teve a ideia de criar, pra que a gente tenha esse espaço,
que é o direito indígena como indígena. Então essa foi a ideia de criar, pra que a gente tenha
nosso espaço que é um direito indígena, que é diferenciado. (Kiné Gavião, 2012)
Instituição. Para conquista das ações afirmativas na UFPA, vários professores se mobilizaram
para auxiliar na estruturação da proposta, da área do Direito destacam-se o prof. Dr. Antonio
Gomes Moreira Maués e o Prof. Dr. José Claudio Monteiro de Brito Filho e na Antropologia,
destaca-se a atuação da Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão, também coordenadora do PAPIT, são
parceiros que não mediram esforços para garantir o ingresso de indígenas nos cursos de
graduação e pós-graduação da UFPA.
A parceria na reivindicação resultou na criação do Processo Seletivo Especial (PSE) para
Povos Indígenas e contou com a reserva de duas vagas em cada curso de graduação em todos
os campi da Instituição, destinadas exclusivamente para povos indígenas, vagas que se
extinguem caso não haja demanda. A política para acesso de povos indígenas na Instituição
foi possível a partir da Resolução nº. 3.869/2009 do Conselho Superior de Ensino Pesquisa e
Extensão (CONSEPE) e teve início no ano de 2010.37 O processo contou com duas fases, a
primeira delas a elaboração de uma redação, inicialmente contando com um tema que
estivesse relacionado a realidade dos povos indígenas e, a segunda fase, uma análise do
histórico escolar.
Nesse ponto é importante destacar a relevância do processo para as demandas dos
povos indígenas, no sentido de que as etapas estabelecidas (redação e entrevista) exigem que
os candidatos conheçam a própria realidade. Como a redação e a entrevista são fases que
exigem o conhecimento relacionado a história do povo, a cultura, entre outros aspectos mais
específicos, os candidatos acabam se interessando ainda mais em aprender sobre as histórias
do seu povo, suas origens, aspectos estes que acabam estimulando a procura pelas lideranças
e contadores de histórias nas aldeias.
A apropriação da própria história e da história do povo são conhecimentos
importantes no espaço da Universidade, pois muitas situações podem surgir que exigem a
preparação do indígena. Para além dos aspectos de convivência com o outro, as aproximações
com as comunidades de origem ou mesmo com outras comunidades indígenas também
podem acontecer a partir da universidade, principalmente no âmbito da realização de
pesquisas para elaboração de trabalhos e para estruturação e elaboração do TCC, despertando
cada vez mais o interesse em conhecer a si mesmo e os problemas enfrentados na base.
37
O terceiro capítulo discute com mais profundidade as nuances relacionadas ao PSE, para povos
indígenas da UFPA a partir das dificuldades enfrentadas pelos candidatos e discentes indígenas.
70
A política que reservou vagas para povos indígenas na UFPA foi criada pensando nas
especificidades, valorizando os conhecimentos tradicionais e a oralidade dos povos indígenas,
portanto, a proposta inicial garantia ao processo um edital próprio, específico, diferente do
edital universal. Um processo estruturado nesses moldes difere significativamente dos
processos seletivos da Universidade, pois foi pensado juntamente com o público que seria
contemplado pelas ações. É uma grande conquista dos povos indígenas e um passo
significativo da Instituição no caminho da inclusão de grupos vulnerabilizados e
historicamente excluídos, ele se constitui em seleção diferenciada regulamentada por edital
específico executado pelo CEPS, juntamente com a Comissão Avaliadora que é designada pela
Pró-Reitoria de Ensino e Graduação (PROEG).
As ações implementadas na UFPA garantem o acesso de povos indígenas oriundos de
diferentes regiões no estado do Pará e do Brasil, a Figura 3, apresentada a seguir indica os
municípios de origem dos indígenas que optaram por realizar os respectivos cursos no campus
da UFPA em Belém, aprovados pelo PSE de 2010 até 2015.
Figura 3 – Mapa dos municípios de origem dos indígenas do campus de Belém, até 2018
71
Figura 4 – Gráfico indicando os estados onde se localizam as aldeias de origem dos discentes
indígenas do campus Belém.
Além dos indígenas oriundos do hoje estado do Pará, existem indígenas que
ingressaram na UFPA/Belém, nos cursos de graduação e pós-graduação de outros sete
estados, são eles: Alagoas, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais
e Santa Catarina. Não foi possível identificar a origem de dois indígenas que optaram por fazer
72
38
Utilizarei “Processo Seletivo Universal” para referir os certames realizados que objetivam o
preenchimento da maioria das vagas ofertadas na UFPA, em contraposição ao Processo Seletivo
Especial (PSE) para povos indígenas que oferece vagas para um grupo específico.
73
não podemos descartar, em nenhuma hipótese, o fato de que indígenas ingressaram nos
cursos de graduação da Instituição antes de 2010, porém, para efeito desta pesquisa
concentro as análises nos indígenas que foram aprovados pelo PSE a partir de 2010.
O PSE para povos indígenas também serviu como modelo utilizado por lideranças
quilombolas para criação de ações afirmativas para este público, o que demonstra a seriedade
com que o certame vinha sendo realizado e a necessidade de contemplar outros grupos a
partir de um modelo consagrado. No ano de 2012, os quilombolas garantiram a reserva de
duas vagas em todos os cursos da UFPA, resultado da Resolução nº. 4.309/2012, também
aprovada pelo CONSEPE. (E. Fernandes, Beltrão & Oliveira, 2015) Até presente momento
foram aprovados no PSE para Quilombolas 674 candidatos, destes, 48 em 2013, 106 em 2014,
214 em 2015 e 306 em 2016. A criação de vagas para quilombolas na UFPA demonstra, que o
PSE para povos indígenas é uma referência na própria Instituição, mas não apenas nela, passa
a ser referência também para outras IFES no estado, como a UNIFESSPA e a UFOPA, por
exemplo. Apesar das adequações locais, feitas para atender as exigências de cada Instituição,
o objetivo principal de incluir indígenas na Universidade se mantêm.
No caso da UFOPA, em 2010 ainda sob coordenação e apoio da UFPA, a Instituição
realizou o primeiro PSE para povos indígenas. No final de 2010, início de 2011 a parceria entre
as duas instituições ainda foi mantida para realização do PSE e, finalmente em 2011 a UFOPA
assume o processo seletivo e o realiza de forma independente da UFPA. A aprovação dos
candidatos no processo seletivo da Instituição não efetiva o ingresso no curso pretendido, mas
sim no programa que a Instituição chamou de “formação interdisciplinar”, a formação
interdisciplinar é o período no qual todos os candidatos são obrigados a cumprir disciplinas
consideradas comuns para todos os cursos, o rendimento do discente nesta etapa determina
quais cursos que poderia optar, para acessar os cursos mais concorridos o candidato deveria
ter um ótimo rendimento.
Uma das críticas ao processo apontada pelos discentes indígenas durante a conversa
com os membros do DAIN,39 foi a forma como estava ocorrendo o ingresso nos cursos até o
ano de 2013, pois a alta concorrência com não indígenas acabava dificultando o ingresso de
indígenas nos cursos mais concorridos na Instituição. Sendo assim, apesar da disponibilidade
39
A conversa foi realizada durante a viagem de pesquisa ao município de Santarém na UFOPA e
aconteceu no período de 08 e 14 de novembro de 2015.
74
das vagas, o acesso aos cursos de maior prestígio ficava dificultado pela concorrência elevada.
A partir de 2013, depois de diversas reivindicações dos indígenas discentes, foi garantido uma
porcentagem das vagas em cada curso da Instituição para os povos indígenas, ou seja, a
concorrência passou a acontecer entre os próprios indígenas.
Em Santarém, o período que antecede ao lançamento do edital para povos indígenas,
é realizado um seminário envolvendo representantes da Universidade e do movimento
indígena, o seminário é um espaço reservado para o estabelecimento de diálogos entre a
Instituição e as comunidades indígenas da região, nos seminários são discutidos os critérios
adotados no processo seletivo, as etapas a serem cumpridas pelos candidatos, além de
aspectos relacionados a própria permanência.
A UNIFESSPA, por sua vez, contou com o apoio do CEPS da UFPA nos PSEs de 2014 e
2015, passando a executar de forma autônoma a partir de 2016. No PSE de 2014, a Instituição
elaborou um edital para o provimento de vagas para indígenas, quilombolas e o Curso de
Educação do Campo, no qual previu a reserva de duas vagas em cada curso para indígenas,
totalizando 58 vagas ofertadas, o processo foi executado em três fases, sejam elas: (1) prova
Objetiva; (2) redação em Língua Portuguesa e; (3) entrevista Pessoal com análise da
declaração de pertencimento e histórico escolar. Para o PSE de 2015, algumas mudanças
aconteceram, o processo passou a contemplar apenas indígenas e quilombolas e realizado em
termos muito parecidos com os PSEs da UFPA, com duas fases: (1) prova de redação em língua
portuguesa e; (2) entrevista individual com análise do Histórico escolar, da declaração de
pertencimento da comunidade e autodeclaração étnica, apresentada no caso de o indígena
ser desaldeado. O último edital publicado pela Instituição trata do PSE 2016, que traz como
novidade a execução de todo o processo pela própria UNIFESSPA. Em relação a documentação
exigida, apresenta outra novidade, a possibilidade de entregar uma declaração de conclusão
do ensino médio no lugar do histórico escolar de ensino fundamental e médio.
Como podemos observar apesar das instituições tomarem o PSE da UFPA como
referência, diversas adequações foram realizadas, algumas para melhor e outras nem tanto.
A estruturação do processo depende muito de cada gestão, a sensibilidade dos gestores para
as especificidades dos povos indígenas é significativa para nossas reivindicações sejam
atendidas. Por outro lado, é possível observar a movimentação indígena e as reivindicações
para produzir alterações no processo que atendam nossas diferenças, na contramão do que
vem sendo pensado na Instituição. No caso de Santarém, as articulações dos indígenas tanto
75
relacionadas ao tema. Não são poucas as vezes que são chamadas de “pais e mães dos índios”,
pessoas que são cobradas tanto pelo movimento indígena, quanto pela própria Universidade,
que por se eximir de muitas responsabilidades acaba acionando estes indivíduos em diversos
momentos.
De maneira geral, as conquistas dos povos indígenas podem ser atribuídas também ao
empenho destes profissionais comprometidos, com destaque significativo para os
antropólogos, Luciano (2008), em trabalho apresentado a Associação Brasileira de
Antropologia (ABA), nos indica que os antropólogos se confundem com as “vozes indígenas”
no que se refere a implementação e orientação dos modos em que as relações entre os povos
indígenas e o Estado são estabelecidas, afirma ainda que a Antropologia tem uma
“responsabilidade” que pode ser considerada histórica com o indigenismo no Brasil,
contestando as situações de dominação e fazendo novas proposições para esta relação entre
“índios e brancos”. Neste sentido, o autor nos informa que:
[n]o campo maior do movimento indígena político, espaço por excelência de conflitos sócio-
políticos, a antropologia parece continuar mais presente e com papel relevante produzindo
subsídios argumentativos e materiais para fundamentar a luta indígena, mesmo quando
percebemos o uso ideológico da bagagem disciplinar, como o que presenciamos no órgão
indigenista. (Luciano, 2008: 5)
[a]o aceitar o desafio de percorrer o campo minado, o antropólogo se debate com “questões
impertinentes” às quais estaria habilitado a responder, mas a demanda não requer resposta
que facilmente se inscreve em texto após algum estudo, requer experiência e habilidade
política, que não se aprende nos bancos da escola. A demanda vem acompanhada de
perguntas que colocam sob suspeição o poder de argumentação do antropólogo. Quando
refiro que o campo é minado, não estou me voltando contra algo ou alguém, falo da polêmica
que o assunto suscita, como se minas explodissem em turbilhão! (Beltrão, 2007: 30)
77
... tem sido um dos principais aportes teóricos, metodológicos e práticos para o
desenvolvimento de atividades na universidade e nas comunidades, na medida em que
possibilita mudanças de postura no diálogo entre os conhecimentos da universidade e os
saberes das comunidades, representadas pelas pessoas que acessaram a política afirmativa,
com vistas à construção de conhecimentos que venham a contribuir na luta dos povos
indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais ... (2016: 35)
Como é possível observar, o percurso das lutas por ações afirmativas para povos
indígenas no estado do Pará é marcado pelo protagonismo, desde as proposições para as IFES
até as discussões para ajustes e adequações dos modelos existentes, esta participação tem se
tornado marca dos povos indígenas resultando em diversas conquistas, reflete o
40
As discussões dos problemas diversas situações enfrentadas por eles, no que se refere ao acesso e
permanência serão abordados nos capítulos terceiro e quarto respectivamente.
79
41
Rodrigo Ederehe Karajá, realizada no dia 14.08.2013.
80
[f]azendo uma comparação com meu povo que é do Tocantins, que antes já tinha lá no
Tocantins, eu sabia mas o curso que eu queria era só em Palmas e aí era muito longe pra mim,
tinha família já, tinha minha esposa e meus filhos já, aí era muito distante pra mim fazer, tinha
em Araguaína, só que não era os curso que eu me identificava né? Aí eu vi por esse lado as
dificuldade de entra na UFPA aqui né? porque não tinha sistema de cota pra índio né? No
Tocantins já tinha, só que era difícil pra mim ir pra lá, era muito longe, aí pra deixar a família.
(Rodrigo Karajá, 2013)
Rodrigo pertence à etnia Karajá, reside atualmente com o povo Kyikatêjê, no município
de Bom Jesus do Tocantins, é casado com uma parente Kyikatêjê e tem duas filhas, ingressou
na UFPA em 2010 com 25 anos. Rodrigo fez relatos sobre as dificuldades enfrentadas na
Universidade, o distanciamento da família, os problemas com o processo seletivo, a
organização indígena na UFPA, a participação indígena na criação do PSE, entre diversos
outros assuntos que considerou relevantes na época.
A comparação da UFPA com a Universidade Federal do Tocantins (UFT) é feita pelo
indígena para demonstrar os percalços que teve ao tentar ingressar em uma universidade
pública que não oferecia ações afirmativas específicas para povos indígenas, ao mesmo tempo
que faz a comparação, demonstra as impossibilidades de voltar para Tocantins para cursar na
UFT em decorrência da distância e da necessidade de ficar próximo da família. Em 2008, as
discussões sobre a criação de uma política específica para o ingresso nos cursos de graduação
da UFPA ainda estavam começando, apesar das demandas apresentadas lideranças indígenas
do estado do Pará antes disso, somente em 2009 se consolidam com a criação do PSE para
povos indígenas. Neste período, Rodrigo se aventurava no vestibular da UFPA, concorrendo
com não-indígenas, tentativa frustrada com a não aprovação. No relato do parente, as
dificuldades estão presentes e criam obstáculos que impedem o ingresso no ensino superior.
Os problemas para alcançar a universidade podem se tornar gigantescos dependendo
do apoio recebido, deixar o convívio em coletividade nas aldeias, na maioria dos casos a
família e filhos para enfrentar uma luta solitária, em lugares desconhecidos requer muita força
de vontade e sacrifício, Rodrigo em seu relato de experiência denuncia as inúmeras
dificuldades enfrentadas, para o discente, elas iniciam com o distanciamento da família e
81
42
Hoje, Rhuan Carlos dos Santos Lopes é docente da Universidade de Integração Internacional Luso
Afro-Brasileira (UNILAB).
43
O texto mais recente sobre a minha trajetória foi publicado na Revista Espaço Ameríndio, nele
apresento as dificuldades enfrentadas no percurso estudantil, além da atuação política no movimento
indígena estudantil no âmbito da UFPA, percurso importante para inserção no movimento indígena no
estado do Pará. O texto está disponível em:
http://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/64783/37894 Acesso em: 16 de jul. de
2016.
84
Antes das ações afirmativas especificas para povos indígenas na UFPA, ingressar na
Instituição ainda era uma realidade muito distante para indígenas, poucos se aventuravam
tentar o vestibular. Ao analisar os depoimentos dos indígenas que ingressaram no ensino
superior, é possível identificar as diversas reações diante destas dificuldades. No depoimento
de Rodrigo Ederehe Karajá o acesso ao ensino superior fazia parte dos planos, o problema é
que antes do PSE, ingressar na Instituição não era algo frequente para os povos indígenas.
Depois do ingresso por meio de ações afirmativas e de acompanhar a entrada de parentes
durante três anos na UFPA, observa que o “sistema de cotas”44 foi fundamental para
superação da barreira que impedia o ingresso.
No depoimento de Rodrigo Ederehe Karajá é possível verificar as inúmeras dificuldades
que precedem o ingresso, apresentando-se de diferentes formas para cada indígena, elas
aparecem também na escolha do curso:
[p]rimeiro eu me decidi nesse né [Administração], mas ficou distante assim pra mim, aí eu
escolhi o curso que era Educação Física, mas também não tinha em Marabá, aí ficou difícil
também pra mim, aí eu tive que escolher mesmo, tive que decidi mesmo a minha vida, tinha
que deixar minha família, aí acabei decidindo, que a gente tem que passar por dificuldade
mesmo pra gente conseguir as coisa né, foi desse modo que eu pensei e decidi, fazer
Administração em Belém, mas se fosse Educação Física eu não tinha vindo não pra Belém,
tinha feito algum outro curso em Marabá, teve um que me interessou, mas agora eu esqueci
o nome, acho que é Agronomia, se caso não desse certo aqui em Belém, ia escolher o curso
em Marabá mesmo, mas acabei escolhendo vir pra Belém mesmo, fazer o que eu gosto,
porque muitas pessoas, tenho amigos assim, até parentes mesmo que fizeram um curso que
não gostavam e se arrependeram de fazer por que não se identificava com ele. (Rodrigo Karajá,
2013)45
44
O sistema de reserva de vagas é chamado pelo público em geral como “sistema de cotas”.
45
Realizada em 14.08.2013.
86
46
Os recursos são oriundos dos impactos sofridos pelo povo com a passagem da estrada de ferro na
Reserva Indígena Mãe Maria (RIMM). A estrada de ferro é utilizada pela CVRD para escoar a produção
de minério da Serra de Carajás, causando sérios impactos para os povos daquela região (R. Fernandes
2010).
88
Neste caso, as opções foram analisadas pelo indígena e a reflexão a partir de inúmeras
variantes foi necessária para que a melhor decisão fosse tomada por ele, neste sentido,
dificuldade não significou a impossibilidade da escolha, não significou a estagnação ou a
desistência, muito pelo contrário, exigiu do candidato a iniciativa da análise, de “colocar na
balança” os interesses próprios, familiares e comunitários para que a escolha fosse realizada
de forma coerente.
O ingresso no ensino superior abre a expectativa de escolha e cria dúvidas diante de
tantas possibilidades, para definir a melhor opção faz-se necessário acessar informações
básicas acerca do curso desejado. Sobre as dificuldades para o ingresso em IES, faço referência
ao caso do parente Izaque Txekewe Erayhe, pertencente ao povo Hexkaryana, aldeia Kassawa
na Terra Indígena Nhamundá Mapuera,47 no estado do Amazonas. A narrativa de Izaque é
expressiva por apresentar a persistência e determinação. No trecho selecionado fica evidente
a afirmativa,
[a]í eu comecei a fazer vestibular, o primeiro vestibular que fez foi em Feira de Santana na
Bahia, eu tentei primeiro pra odontologia, tentei odontologia, aí não passei e voltei pra Minas
Gerais, aí lá tentei duas vezes, só que já mudei, lá na UFMG, tentei duas vezes pra medicina,
uma vez eu tentei pra, ano passado, tentei na UnB, pra medicina também, na UFSCar tentei
também em São Carlos, sempre medicina. Vestibular geral foi lá em Feira de Santana, só que
tinha igual cota indígena né, só que o vestibular, a prova é junto com os não indígena, a prova
é igual a prova do não indígena mesmo, normal. Eu não passei porque tinha muitos
concorrentes também, parentes também, maioria estuda lá é Tuxá. Não vi minha colocação,
não sei em quantos eu fiquei, tinha acho que 12 candidatos, só uma vaga lá pra odonto. Os
outros vestibulares era de cota também, lá em Belo Horizonte começou eu acho que no ano
2000, 2011 eu prestei lá e 2012 também e não consegui, tinha muitos candidatos indígenas
também prestando, quando prestei a primeira vez em Belo Horizonte tinha 71 candidatos
indígenas pra duas vagas, concorrendo pra duas vagas, aí no segundo diminuiu, tinha 26
candidatos, na UFSCAR tinha 21 candidatos, tinha vaga pra indígena, era cota, aí não passei
também, até lá em Belo Horizonte eu fiquei em boa colocação também, eu fiquei em décimo
lugar, tinham duas vagas. (Izaque, 2013)
47
A aldeia Kassawa conta atualmente com mais de 500 pessoas e fica a pelo menos dois dias e meio
de viagem de barco a motor até o município mais próximo (Nhamundá), para chegar à aldeia é
necessário enfrentar 23 cachoeiras rio acima.
89
superior, a principal delas foi com a quantidade de concorrentes sejam indígenas ou não,
tornando as chances de ingresso muito reduzidas. Foram diversas tentativas sem êxito em
universidades localizadas em várias regiões do Brasil (sudeste, nordeste, centro oeste e norte),
percorreu o Brasil fazendo vestibulares até chegar a UFPA, onde obteve êxito em 2013. O
quadro 6 faz referência as categorias utilizadas por Izaque.
Quadro 6 – Categorias êmicas de dificuldade Izaque Txekewe
Categoria que representa a Causas/Razões da
Etapa Consequências Enfrentamento
dificuldade dificuldade
Persistência para concluir
os estudos.
Esforço dobrado para
Língua materna
Ensino Dificuldades no aprender o português e
Hexkaryana.
Básico e aprendizado. acompanhar as turmas.
"Não sabia nada de português" Alfabetizado na
Ensino Reprovações. Trabalhou como tradutor
língua portuguesa
Superior Atraso nos estudos. na CASAI.
aos 16 anos.
Mudou-se para Minas
Gerais para aprender o
português e estudar.
Ausência de PAA em
algumas
instituições. Atraso do ingresso no Realizou o vestibular seis
"Não passei porque tinha muitos
Concorrência ensino superior. vezes em estados
concorrentes", "Prova igual a
elevada. Baixa autoestima. diferentes até ser
prova dos não indígenas".
Não adequação do Frustração. aprovado na UFPA.
PS às
especificidades.
Bolsas com valor Auxílio do pai.
Impossibilidade de
"Eu trabalhava lá [UFMG] como muito baixo. Morava com Antropólogo.
fazer cursos pré-
Acesso ao bolsista, ganhava pouco", “Aí eu Baixa remuneração Desenvolvia outras
vestibulares.
ensino já estava sem dinheiro”, “Entrei pelos trabalhos atividades braçais
Problemas com
superior num curso pré-vestibular, mas desenvolvidos. remuneradas.
deslocamento para
desisti, não tinha como pagar”. Deslocamentos por Tomava dinheiro
outras IES.
vários estados. emprestado de amigos.
Solicitação de assinatura
Quantidade de Insegurança por estar para outra liderança.
documentos fora da aldeia. Diálogo e
"Os outros não quiseram assinar
assinados pelo Desconfiança do comprometimento de
porque ficaram pensando que eu
cacique. cacique em relação retorno para a
não ia voltar pra aldeia".
Tempo do indígena ao retorno à comunidade.
fora da aldeia. comunidade. Mobilização da família e
parentes.
Em diversos momentos Izaque buscou o apoio de amigos e parentes, insiste que não
estaria na UFPA se não fossem estas contribuições. Porém, o parente não teria recebido todo
este apoio se os benfeitores não tivessem percebido o empenho e a insistência do indígena,
que tem objetivos bem definidos e iniciativa para alcança-los.
Tive a oportunidade de participar como avaliador na entrevista de Izaque, ouvi o relato
emocionado do parente sobre as diversas tentativas de ingressar no ensino superior e a
importância da formação em medicina para sua comunidade, a trajetória do candidato
demonstra a perseverança e a determinação. Na época, eu também atuava como
representante da APYEUFPA e acompanhava a maioria dos indígenas que ingressavam na
Instituição, contribuindo na organização da documentação, preenchimento dos cadastros,
auxiliando na localização destes indivíduos dentro da Universidade.
Depois da realização de todas as etapas do PSE da UFPA, Izaque retornou para a aldeia,
aguardou por duas semanas o resultado do PSE no município de Nhamundá, que é um dos
municípios do estado do Amazonas, localizado a leste da capital Manaus. Em relação a aldeia
Kassawá do povo Hexkaryana, é o município mais próximo, localizado a pelo menos dois dias
de voadeira, com acesso pelo próprio rio Nhamundá. Duas semanas apenas foi insuficiente,
considerando que a avaliação e divulgação do resultado do processo costuma demorar no
mínimo um mês, depois seguiu a viagem para a aldeia de origem sem muitas expectativas de
aprovação.
Na UFPA, logo após o período de avaliações e das respostas aos recursos impetrados,
divulgou-se o resultado com os nomes dos classificados na página da UFPA, o problema é que
na aldeia de Izaque não havia acesso à internet e nem mesmo telefone, a única forma de
comunicação acontecia via rádio transmissor.
Como acompanhava toda movimentação dos candidatos, observei que Izaque ainda
não havia feito a habilitação. A habilitação é o momento de entrega de documentação
necessária para se tornarem efetivamente discentes da UFPA. Nesta etapa, além da entrega
de documentos, é necessário o preenchimento de um cadastro que fica disponível online.
Perder o prazo da habilitação significa perder a chance de ingressar na Instituição. Geralmente
o tempo entre o resultado e a habilitação dos indígenas era relativamente pequeno,
considerando a localização das aldeias indígenas e as dificuldades com a informação.
Para o indígena restavam apenas cinco dias, caso ele não fizesse a habilitação perderia
a vaga e a chance de ingressar no curso que tanto almejava, além de impossibilitar o ingresso
91
de outro parente numa vaga que é tão concorrida. Na quinta feira, cinco dias antes do prazo
final da habilitação (terça feira), iniciei uma das tarefas mais complicadas enquanto presidi a
Associação, localizar Izaque e informar que precisava fazer a habilitação, além é claro de
auxiliá-lo em todo o processo.
Entrei em contato via telefone com a FUNAI de Manaus que, por sua vez, passou o
contato da Coordenação Técnica Local (CTL) de Nhamundá, falei diretamente com o
coordenador da CTL Jonas, primo de Izaque, informei sobre a aprovação e a necessidade de
Izaque se deslocar imediatamente para Belém, pois a habilitação é feita pessoalmente ou por
meio de procuração com todos os documentos originais do candidato. Jonas informou que
não seria possível, considerando o tempo de deslocamento da aldeia até Nhamundá e o
deslocamento de Nhamundá até o estado do Pará, que demandaria pelo menos uma semana,
sem contar as dificuldades que teria para contatar o parente na aldeia.
Solicitei que mesmo assim contatasse Izaque para que fosse até Nhamundá com toda
a documentação, na UFPA eu tentaria conversar com os responsáveis. Uma reunião foi
realizada com o responsável pelo CIAC, na época Aluízio Marinho Barros Filho, ao qual relatei
todo o caso, segundo ele, o prazo não poderia ser estendido para Izaque, no entanto,
permitiria que eu fizesse a habilitação em posse da cópia da procuração e de todos os
documentos solicitados, com o compromisso de apresentar os originais uma semana depois
do término do prazo.
Depois de contatado por Jonas, Izaque e seu pai iniciam uma corrida contra o tempo,
providenciando mantimentos para uma longa viagem, além do motor e a “voadeira”, o
combustível seria emprestado por parentes. No sábado logo cedo iniciaram a descida pelo rio
Nhamundá, no final do primeiro dia o motor apresentou problemas mecânicos e foi
substituído na aldeia de parentes onde passaram a noite. No segundo dia, em outra aldeia no
caminho, trocaram a “voadeira” por outra de menor porte para acelerar a viagem. Chegaram
em Nhamundá no domingo à tarde com “voadeira”, motor e combustível emprestados de
parentes. Na segunda começa o trabalho com as cópias dos documentos, enfrentaram
problemas com o acesso à internet e tantas outros que pareciam agigantar-se conforme
passava o tempo, o último documento, justamente a procuração, foi enviada por ele na terça
feira às 16h, uma hora antes de acabar o prazo da habilitação, com todos os documentos em
mãos consegui finalmente fazer a habilitação do parente.
92
48
Chamo de perda por considerar que o não ingresso de um parente por conta de trâmites
burocráticos gerados pela Instituição é um mal uso de uma política afirmativa, o que por sua vez gera
perdas, mas não apenas para o indígena e a comunidade deixar de acessar conhecimentos não
indígenas, como também para a universidade que perde a chance de dialogar com conhecimentos
diversos.
93
muito em função do choque cultural e da distância das aldeias. Porém, apesar destes fatores,
é possível elencar muitos outros no âmbito interno às instituições, são impedimentos criados
a partir de definições e regras que terminam impossibilitando o acesso ou criando barreiras
para tal.
No caso da UFPA, muitos desses impedimentos foram produzidos, principalmente
quando resolve fazer alterações nos processos seletivos à revelia dos interesses dos povos
indígenas ou então, quando a Instituição se exime da responsabilidade de proporcionar
condições dignas para a permanência.
Nos anos de 2010, 2011 e 2012 o processo contou com edital próprio, específico para
povos indígenas, seguindo critérios discutidos com as lideranças indígenas do estado. Estes
processos contaram com duas etapas: (1) realização de uma prova de língua portuguesa sob
forma de redação; e, (2) realização de análise do Histórico Escolar do Ensino Médio e da
declaração de pertencimento étnico.49 Os documentos requeridos nestes anos foram o
Histórico Escolar do Ensino Médio, Boleto de Pagamento (isento de taxa) e Declaração de
pertencimento étnico, esta última emitida por autoridade indígena (lideranças tradicionais e
políticas), caciques, representantes de organizações indígenas. (E. Fernandes, Beltrão &
Oliveira 2015)
De toda documentação entregue pelos candidatos, as lideranças indígenas que
participaram das discussões para criação do PSE consideram a declaração de pertencimento
a mais importante, pois é a garantia de que aquele candidato está vinculado a alguma
comunidade, contribuindo significativamente para a redução das fraudes no certame. Cunha
(2013), destaca que tal documento é analisado cuidadosamente pela banca avaliadora na
tentativa de identificar e evitar possíveis fraudes, para tanto, o autor considera imprescindível
participação de indígenas durante o PSE para auxiliar na identificação e validação das
declarações de pertencimento.50
A presença de indígenas neste espaço é fundamental, haja vista as inúmeras
possibilidades de representação e contribuição nos procedimentos relacionados à seleção,
“tornando-a mais adequada às especificidades culturais indígenas, sobretudo quanto à
inclusão da tradição oral como mecanismo de avaliação via adoção de entrevistas e redações,
além de auxiliar na proteção aos riscos de fraude.” (E. Fernandes, Beltrão & Oliveira, 2015:
256)
Sendo assim, os editais que regulamentaram tais processos foram analisados
criteriosamente por indígenas da graduação e pós-graduação, os quais mantinham diálogos
com as bases, apresentando a estrutura do processo e buscando fazer cumprir o direito a
49
Para maiores informações consultar: Edital PSS/2010, Edital PSE nº 2011/8 e Edital PSE 2012/1. Além
destes, os editais nº 2013/2, nº 2013/11 referente ao PSE para o ingresso em 2014, nº 2014/7 referente
ao PSE para ingresso em 2015, nº 2015/5 referente ao PSE para ingresso em 2016 e, nº 2016/2
referente ao PSE para ingresso em 2017, encontram-se disponíveis em: http://www.ceps.ufpa.br/.
50
Para entender melhor sobre as etapas do processo seletivo, assim como, as tentativas de fraude,
consultar: CUNHA, Mainá Jailson Sampaio. Povos Indígenas, Universidade e Programa de Reserva de
Vagas: implantação e tentativas de fraude. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Direito) - Universidade Federal do Pará.
95
consulta, conforme preconiza a Convenção Nº 169, da OIT. A consulta aos povos indígenas
deve ser considerada a etapa mais importante do PSE, pois boa parte dos problemas são
identificados e resolvidos antes mesmo do início do certame. Esta etapa também contribui
para tornar o processo menos suscetível a fraudes e mais transparente, considerando o
envolvimento das lideranças indígenas e a proximidade com a universidade.
Além disso, em quatro anos consecutivos (2010, 2011, 2012 e 2013) a coordenação da
Comissão de Avaliação do Processo Seletivo Especial, instituída pela COPERPS, considerou
imprescindível a participação de indígenas, convidando parentes da pós-graduação da
Universidade para compor as equipes. Para os integrantes da comissão, a presença de
indígenas neste espaço é fundamental para concretizar um projeto que confira aos povos
indígenas o protagonismo, a comissão até então composta por antropólogos, historiadores,
pedagogos, juristas, entre outros. Conforme afirmamos em artigo publicado em 2015, “no
plano da participação, caberia estabelecer mecanismos de participação permanente dos
sujeitos e coletivos interessados para cooperarem no processo de avaliação e valorização das
políticas afirmativas.” (Fernandes, Beltrão & Oliveira, 2015: 276)
No campo da divulgação do PSE, a participação indígena permite maior alcance das
notícias relacionadas ao PSE, considerando a proximidade do movimento indígena e de
integrantes de diferentes povos, as articulações possíveis para o repasse de informações
extrapolam os mecanismos adotados pela Universidade. No período discutido até aqui,
divulgação do PSE contava com notícias na página principal da Universidade, local que
proporciona maior destaque ao PSE, além deste local outros sítios também eram utilizados
como na página do CEPS por exemplo.
As inscrições eram realizadas pela internet, permanecendo abertas um período
geralmente maior do que 30 dias e homologadas apenas mediante a entrega da
documentação ao CEPS e análise pela comissão. O período de 30 dias, apesar de não ser o
ideal, é razoável para esta etapa, por considerar as dificuldades de deslocamentos necessários
de indígenas para os municípios mais próximos das aldeias, os problemas relacionados com o
acesso à internet e as dificuldades para reunir as documentações solicitadas.
De acordo com o relatório elaborado por R. Fernandes e Beltrão (2010), em 2010 o
CEPS registrou um total de 516 inscrições via internet, destas, apenas 194 candidatos
apresentaram toda a documentação, de acordo com as autoras, dentre as razões para o
grande número de inscrições não homologadas estão: a realização de inscrições duplicadas,
96
ou ainda, triplicadas, talvez pela não familiaridade com o instrumento; inscrições com o
objetivo de prejudicar ou “testar” a validade do processo, com nomes fictícios e outros; outra
razão identificada esteve relacionada ao fatos das escolas não indígenas não disponibilizarem
a documentação em tempo hábil à participação no processo.
Em dezembro de 2012 a estrutura do PSE sofreu a primeira alteração, definida a partir
da COPERPS a mudança estipulou a correção das redações por uma banca examinadora
constituída por professores da área de letras, em reunião deliberou-se que a Prova de Redação
dos Processos Seletivos Especiais deveria ser avaliada por Banca Examinadora constituída por
professores da área de Letras, argumentação tomou como base o exemplo dos demais
Processos Seletivos realizados pela UFPA, nos quais é exigida a Prova de Redação. Ao contrário
da forma como vinha sendo realizada, a equipe de correção não contou com antropólogos e
profissionais de outras áreas de formação que possuem extensas trajetórias de pesquisas com
os povos indígenas e experiência com o próprio PSE. A alteração criou duas comissões
avaliadoras separadas coordenadas por pessoas diferentes, a comissão responsável pelas
entrevistas e a comissão responsável pelas redações.
A Participação de professores da área de letras deve ser considerada como um aspecto
importante para os avanços necessários ao PSE, porém a forma como a determinação foi
imposta desconsiderou a experiência de antropólogos e professores que vinham realizando
as correções há pelo menos três anos na Universidade, não proporcionando a
interdisciplinaridade e a possibilidade de diálogos entre diferentes formas de interpretação
de textos escritos por indígenas.
Ressalto que a correção das redações produzidas em um processo específico para
povos indígenas não deve considerar apenas aspectos formais, como a fidelidade ao tema,
objetividade, coesão, coerência, progressão discursiva e aderência à norma culta, mas deve
levar em consideração principalmente aspectos relacionados à cultura, às diferentes formas
de expressão e oralidade comuns aos povos indígenas, que acabam se manifestando nos
textos produzidos.
A tradição oral marca a cultura dos povos indígenas, as novas gerações contam com a
possibilidade de ouvir os mais velhos relatando as experiências e contando histórias
importantes na educação das crianças e jovens. São momentos em que o antigo e o novo, o
passado e o presente, o mundo espiritual e o mundo material acabam se confundindo
resultando em ensinamentos e lições que contribuem significativamente para a formação da
97
identidade. Para nós, ouvir as histórias contadas pelos mais velhos tem um valor muito
expressivo, pois são ocasiões em que podemos acompanhar as gestualidades, as expressões,
os tons de voz utilizados para contar cada detalhe, são momentos de absorção de saberes
sobre lugares sagrados, sobre seres e criaturas que vigiam e regulam a ordem das coisas.
É ouvindo histórias contadas pelos mais velhos, que temos acesso a muitas
informações sobre o mundo indígena e o mundo não indígena, além dos cuidados necessários
para transitar por esses espaços. A tradição oral geralmente demanda plateia e habilidade
performática do orador, diferente da forma individual e solitária que é a escrita. Identificar o
interesse e o envolvimento da plateia é o termômetro para verificar a aceitação do que está
sendo dito. Contar uma história ou falar sobre assuntos do cotidiano é um processo dinâmico
que carrega consigo características dos narradores, na escrita estas características também
são presentes, apesar das técnicas serem diferentes, o resultado também apresenta traços do
escritor, são marcas da oralidade que podem ser encontradas também em textos escritos.
Quantas vezes ao ler textos de autores conhecidos temos a sensação de vê-los falando?
Sendo assim, a relativização na avaliação de textos escritos por indígenas é um
exercício que deve ser praticado, pois na maioria das vezes a escrita pode apresentar
características próprias da oralidade. Izaque revela que “[a] redação foi meio difícil pra mim,
não sei até o que eu estava querendo, não sabia como se cria a redação, aí eu fiquei pensando,
fiquei tempo pensando como ia escrever, acho que foi com três horas a prova.” (Izaque, 2013)
Considerando as diferenças identificadas a partir da análise de trajetórias como as de Izaque
que o PSE deve ser estruturado. Além de aspectos de caráter linguístico, no caso do parente,
outra dificuldade na redação está relacionada com a impossibilidade de fazer cursos pré-
vestibulares, “eu acho que estava mais difícil pra mim, nunca estudei na escola... nunca fiz
cursinho preparatório” (Izaque, 2013). Em um PSE específico e diferenciado as etapas da
redação e entrevista devem se complementar, a narrativa do candidato pode proporcionar ao
avaliador melhores condições para avaliar os textos escritos.
Neste período, indígenas discentes organizados em torno da APYEUFPA manifestavam
preocupações com as alterações no processo e com a forma como estas discussões vinham
sendo realizadas no âmbito da PROEG, por isso, na época a APYEUFPA encaminhou um
documento solicitando ao MPF o acompanhamento do andamento do PSE na UFPA, para que
intercedesse pelos povos indígenas, caso as decisões tomadas pela COPERPS fossem tomadas
de forma unilateral, de maneira a possibilitar que a voz do movimento indígena não fosse
98
sufocada. Mesmo diante das movimentações contrárias dos indígenas discentes a partir da
APYEUFPA, várias alterações começaram a ser pensadas para o edital de ingresso de 2014.
Tratando dessas alterações pensadas de forma unilateral, no final de 2013, discussões
feitas a portas fechadas resultaram na mudança mais significativa do PSE, trazidas ao público
a partir da publicação do edital nº 2013/11. Na verdade, muito antes disso, a forma como o
PSE estava sendo realizado até 2013 vinha sendo questionada por alguns servidores da UFPA,
principalmente ligados a PROEG, críticas que supostas deficiências geradas pela estrutura do
certame estariam comprometendo o nível dos discentes que ingressam na Universidade.
Dados sobre o índice elevado de desistências de indígenas que ocorreram em 2010 e 2011,
gerados por mim enquanto presidia APYEUFPA, foram utilizados por eles para justificar
mudanças feitas no edital nº 2013/11. Os principais argumentos utilizados por eles estavam
pautados na suposta “subjetividade” do processo, e pela “facilidade” estaria aprovando
“pessoas despreparadas” ou com um nível de conhecimento “muito baixo” para o nível geral
da UFPA, por isso não tinham condições de acompanhar a turma e desmotivados acabavam
desistindo. A argumentação é facilmente refutada a partir de dados levantados com os
indígenas que desistiram ou trancaram os cursos na UFPA, pois as questões são mais
complexas e relacionadas a inexistência de políticas de permanência, assunto que pretendo
abordar no terceiro capítulo. Em linhas gerais, as suposições desconsideram aspectos
importantes, identificados nas trajetórias e narrativas de indígenas que estavam na
Universidade e também que deixaram de frequentá-la, como a falta de apoio institucional que
se traduz, principalmente, na falta de bolsas para custear as inúmeras despesas com a
permanência fora das aldeias, entre inúmeros outros motivos que extrapolam a análise
simplista relacionada ao rendimento acadêmico.
Apesar dos processos anteriores cumprirem preceitos legais de consulta e
participação, valorizando aspectos culturais como a oralidade, por exemplo, atendendo às
demandas dos povos indígenas, as pressões contrárias tiveram como consequência a
eliminação da participação indígena nos processos de discussão e recomendações de
antropólogos foram desconsideradas em todas as etapas do processo.
Para os organizadores deste certame, a inserção de prova de “conhecimentos gerais”
e a substituição da entrevista por um formulário com questões eliminaria o que chamam de
“subjetividade” e melhoraria o desempenho dos indígenas nos cursos, pois consideram que a
99
Por não ter sido pensado com os povos indígenas, as dificuldades resultantes
impediram o acesso de muitos egressos do ensino médio, muitos nem ao menos tiveram
chance de fazer as inscrições em decorrência do período em que ficaram abertas. Quem
conseguiu cumprir esta etapa no prazo de 17 dias teve que realizar uma prova objetiva e uma
redação em apenas quatro horas. O “PSE da exclusão”, como ficou conhecido pelos indígenas,
resultou de imposições que contribuíram para o pior índice de ingresso de indígenas na UFPA
desde a criação das PAA para povos indígenas.
O quadro 7 apresenta as recomendações feitas a partir de análises das minutas de
edital,51 resulta da compilação de informações disponibilizadas em documentos enviados pela
APYEUFPA, relatórios e de documentos elaborados a partir do PAPIT com a perspectiva de
minimizar as dificuldades enfrentadas pelos candidatos indígenas.
51
Minuta de edital é o documento base com as diretrizes do processo seletivo, é um documento
elaborado pela PROEG para ser submetido para aprovação a pela COPERPS.
102
A Comissão Avaliadora deve ser interdisciplinar e composta por pessoas que tenham
atuação reconhecida na questão indígena.
As etapas de realização de redação e entrevista devem ser no mesmo período,
considerando as dificuldades, o tempo de deslocamento e os altos custos para saída
e retorno às aldeias.
Manutenção da Prova de Redação e Entrevista.
A entrevista deve ser classificatória e eliminatória.
A prova de redação deve ser realizada em, no mínimo, quatro horas de duração.
Etapas do PSE A correção das provas de redação deve contar com a participação de antropólogos
com experiência em etapas anteriores do PSE Indígena.
A realização das entrevistas deve ser organizada em horários pré-definidos para cada
candidato, com ampla divulgação, de forma que seja otimizado o tempo de espera
dos mesmos.
O Roteiro de Entrevistas deve ser revisto e reestruturado a partir das falhas
detectadas pela Comissão Avaliadora.
Participação Garantir a participação de indígenas em todas as etapas do PSE Indígena.
indígena Proporcionar a formação de um conselho indígena para consulta.
Portanto, até o ano de 2011, no caso da UFOPA, e até 2013, no caso da UNIFESSPA.
Para efeito desta pesquisa, os ingressos de indígenas não foram contabilizados nos números
da UFPA, pelas dificuldades que teria com o acompanhamento da situação acadêmica destes
discentes, mas enquanto a UFPA era responsável pelos Processos Seletivos, na UFOPA foram
classificados 14 em 2010 e 14 em 2011, somando 24. No caso da UNIFESSPA, foram 12 em
2010, 10 em 2011, oito em 2012 e seis em 2013, totalizando 36 indígenas.
52
A soma nas células (12+8), (3+1) e (2+12) na linha de Altamira, são referentes aos números do Curso
do Etnodesenvolvimento, que contou com o ingresso de indígenas nos anos de 2010, 2013 e 2015.
Apresento desta forma pela importância do curso na Universidade, o qual foi construído em diálogo
com os movimentos sociais.
104
53
Sobre o assunto, Boaventura de Souza Santos (2011) mostra que o século XX foi palco de produções
científicas descontextualizadas em relação ao cotidiano das comunidades pesquisadas, os problemas
de pesquisa eram definidos a partir do que os investigadores julgavam interessante. Nesta perspectiva,
as diferenças entre os conhecimentos científicos e quaisquer outras formas de conhecimentos que
poderiam existir eram marcadas pela superioridade do primeiro em relação ao segundo, estando
hierarquicamente organizados.
105
acadêmica em segundo plano. Entretanto, existem muitos que não estão preocupados com a
inserção nas lutas sociais a partir da academia, entendem a universidade como um espaço de
formação limitando-se a cumprir com as exigências da Instituição para alcançar êxito nos
estudos.
No caso dos povos indígenas, o movimento é muito semelhante, pertencer a algum
povo indígena não significa pré-requisito para atuação coletiva e inserção nas lutas do
movimento indígena estudantil. Se diferenças na postura se manifestam em indivíduos
pertencentes a mesma etnia/aldeia, quanto mais para indivíduos pertencentes a povos
diferentes, oriundos de diversos estados da federação. Esta é a realidade na UFPA, que
congrega grande diversidade de povos indígenas, são mais de 22 etnias que ocupam diversos
campi da Instituição. A figura 6 apresenta os números relacionados ao ingresso por etnia no
campus de Belém.
MANOKI-IRANTXE
DESSANO
KURUAYA
JERIPANCÓ
XIPAIA
PARKATÊJÊ
XERENTE
KYIKATÊJÊ
PIRATAPUIA
TUKANO
WAI WAI
TAPAJÓS
TEMBÉ
WAIANA
AMANAYE
BARÉ
GUAJAJARA
KARAJÁ
ANAMBÉ
JURUNA
ARAPASSO
HEXKARIANA
ARAPIUM
BANIWA
KARIPUNA
GUARANI
A diferença entre os indígenas é marcante, são diferenças culturais, que passa pelos
interesses, objetivos, aptidões, idade, posições ocupadas nas aldeias de origem, entre outras.
Geralmente os candidatos mais jovens ao terminarem o ensino médio logo prestam seleção e
ingressam em algum curso da UFPA, o que não era comum antes das PAA para povos indígenas
na UFPA. No caso dos indígenas que concluíram o ensino médio há algum tempo e possuem
responsabilidades políticas, profissionais e familiares nas aldeias, a situação é outra, pois exige
reflexão e muita cautela, considerando que as atribuições na universidade somam com as que
106
possuem nas aldeias e no movimento indígena, o ingresso não significa o abandono das outras
atividades que exerce.
No contexto de inserção de indígenas discentes na universidade, é possível afirmar que
os interesses em relação à formação são diversos, perpassando pela atribuição de importância
para a atuação pós-formação nas comunidades de origem e no movimento indígena, até a
atuação no mercado de trabalho não relacionado a questões indígenas. Na própria academia
a participação política destes indivíduos varia, são diversos personagens para diversos tipos
de atuação, tanto no movimento indígena estudantil quanto no apoio às mobilizações
indígenas que ocorrem nas proximidades dos campi em que estão.
Para as lideranças indígenas, observar a forma como estes indígenas se apresentam
fora da aldeia é um exercício frequente, pois para eles, a postura deve ser condizente com o
que se requer pelas comunidades e movimento. A preocupação em acompanhar estas
trajetórias, além de possibilitar a intervenção em caso de dificuldades, também pode estar
relacionada à necessidade de controle, fora da aldeia os discursos podem ser diferentes da
prática, podem não estar adequados a realidade vivida nas aldeias, contrariando as demandas
coletivas.
Neste sentido, procuro analisar as relações possíveis entre os discentes indígenas e a
comunidade de origem, identificadas a partir dos diálogos com lideranças indígenas, com os
próprios discentes, assim como, da análise de documentos de pertencimento fornecidos pelos
candidatos para realização do certame. Sendo assim, identifico três tipos de interlocutores:
(1) o interlocutor que é uma liderança indígena e é indicado por outras lideranças; (2) o
interlocutor que vive na aldeia, não é uma liderança, mas foi indicado pelas lideranças e; (3) o
interlocutor que não vive na aldeia, mas é indicado pelas lideranças.
Uma liderança indicada, pode ser entendida como alguém que exerce algum tipo de
cargo na aldeia, seja ele na esfera tradicional ou na esfera política, conforme a definição de
Luciano (2008), preenchem este perfil, geralmente pessoas com idade mais avançada, com
família constituída e com experiência em questões relacionadas aos direitos, atualmente
muitos jovens ocupam estes cargos nas aldeias, destacando-se entre os membros da
comunidade como protagonistas nas reivindicações.
No que se refere às lideranças que são indicadas pelas comunidades para ingressar no
ensino superior, este ambiente pode proporcionar um entendimento maior sobre a sua
própria realidade e contribuir para a formação política acerca das demandas que existem,
107
sempre redobrado, primeiro para compreender as demandas que existem nas aldeias e
segundo para alcançar a confiança necessária para atuar com povos indígenas.
Por outro lado, para os três grupos de interlocutores o ingresso via PSE na UFPA é
importante por instigar a busca por informações relacionadas ao povo que pertence,
movimento que contribui para a manutenção da identidade étnica. As exigências na seleção
vão ao encontro do que é requerido pelas lideranças e movimento indígena, pois exige dos
candidatos o conhecimento relacionado à cultura e os problemas enfrentados nas aldeias,
conhecimentos estes possíveis de serem adquiridos com propriedade a partir da convivência
e da participação. De acordo com Sineire Kuruaya,54 a própria entrevista é importante por
proporcionar ao candidato a possibilidade de “falar dos seus parentes e ancestrais”, contar a
história do povo e a pertença, para ela a entrevista é uma das etapas mais importantes do
PSE, pois é um momento de reflexão sobre a própria trajetória e trajetória do seu povo.
Neste sentido, muitos indígenas passam a buscar marcadores da sua identidade e
conhecimentos relacionados a própria história para ingressar na UFPA, refletindo sobre
marcadores étnicos que os diferenciem de não indígenas e de indígenas de outras etnias,
afinal, é no encontro entre distintas culturas que a nossa diferença se manifesta, que nossas
identidades indígenas são acionadas demarcando as relações de forma incisiva.
Um dos projetos que marcou presença indígena na Instituição foi o ciclo de oficinas
sobre Práticas Corporais Indígenas e teve como principal objetivo promover o
reconhecimento e valorização da cultura indígena entre os discentes, servidores e professores
na UFPA, realizado a partir da iniciativa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Cultura do Corpo,
Educação, Arte e Lazer (LACOR), em parceria com a APYEUFPA, no ano de 2012.
O projeto foi dividido em três etapas, a primeira aconteceu em maio de 2012 e teve
como foco oficinas relacionadas à pintura corporal que expressaram a diversidade de povos
indígenas existentes no Brasil. A segunda e a terceira etapa aconteceram em novembro e
dezembro do mesmo ano e tiveram como foco a exposição de “jogos indígenas” das etnias
Tembé, Karajá, Gavião-Parkatêjê e Kaingang, todas as oficinas foram ministradas pelos
indígenas discentes. Sobre as possibilidades de apresentar marcadores étnicos no espaço da
54
Sineire Maria Silva é da etnia Kuruaya, ingressou no curso de Engenharia Florestal em 2013, é
secretária em escola de Altamira e também participante da associação Kirinapan. Sineire Maria Silva
06 de ago. de 2015.
109
[a] visibilidade do ‘ser indígena’ nas atividades desenvolvidas na universidade contribui para
ampliar as relações cotidianas de convivência entre indígenas e não-indígenas no espaço
acadêmico, fazendo-os afrontar os estereótipos discriminatórios que persistem na instituição,
ao mesmo tempo em que revela as riquezas da diversidade cultural dos povos indígenas. Trata-
se de proporcionar oportunidades de intercâmbio de informações e experiências para que a
cidadania diferenciada dos indígenas estudantes possa ser melhor compreendida na UFPA e
consolide a pauta dos povos indígenas – e das políticas afirmativas que os abarcam – na agenda
de debate acadêmico. (2015: 262)
situações que por certo irão surgir, para muitos parentes é mais cômodo não referir a
identidade.
No caso da UFOPA, a presença indígena na Universidade é mais expressiva se
comparada a UFPA, com isso, as relações interétnicas são mais presentes e as situações de
discriminação e racismo acabam alcançando níveis preocupantes. Situação que se agrava no
caso dos indígenas do Baixo Tapajós, que sofrem por serem indígenas e por não apresentarem
os traços estereotipados presentes no imaginário de não indígenas e de alguns indígenas de
outras etnias, com isso, tem sua identidade étnica constantemente questionada.
O curso de Etnodesenvolvimento, por sua vez, faz um movimento contrário, de
valorização das diferenças, criando um ambiente favorável para a afirmação de identidades
coletivas. No curso se discute com mais afinco situações de preconceito e discriminação e
como as relações assimétricas e as desigualdades foram constituídas historicamente. Ainda
são problematizadas situações de violência contra grupos vulnerabilizados e discutidos
argumentos para combater os ataques aos movimentos sociais. Para os indígenas que estão
no curso, é a possibilidade de conhecer as ferramentas para lutar pelos direitos. A participação
em mobilizações no campus, ações via Ministério Público, discussões em seminários, palestras
e eventos acadêmicos demonstram que estão cada vez mais preparados para enfrentar as
adversidades, pois “baixar a cabeça nunca mais”, conforme ressalta Francinélia de Paula
Xipaia, indígena que ingressou no curso de Etnodesenvolvimento em 2010, formada em 2015.
O fato é que a nossa presença na universidade causa inquietações, provocando
reflexões e desconstruções de imagens “unitaristas” (Souza Lima, 2015) pautadas em
estereótipos e que desconsideram o dinamismo de nossas culturas. São tensões resultantes
do choque entre o imaginário e o real, que demandam a compreensão de que a cultura não é
estática. O distanciamento que existe entre a realidade dos povos indígenas e as
representações ainda é desconcertante, acabando por sobrepor quaisquer outras formas de
relacionamento. Tais estereótipos tem raízes históricas e vem sendo reproduzidos na mídia,
nas escolas, nos materiais utilizados em sala de aula, em muitos casos, o indígena é
apresentado como um ser imutável, parado numa época longínqua relacionada ainda à
chegada dos europeus, status este também requerido na universidade como possibilidade de
provar o pertencimento étnico.
111
Muitos estudiosos indígenas e não indígenas têm discutido sobre temas relacionados
às representações criadas e difundidas sobre os povos indígenas, a maioria destas
representações não compreendem a realidade de nossos povos, ademais, comprometem
reivindicações de povos que lutam pela garantia de direitos historicamente negados.
Relacionado ao acesso no ensino superior por meio de PAA, por exemplo, os estereótipos
podem significar a inclusão ou exclusão de candidatos, em termos práticos, como forma de
controle, algumas instituições criam mecanismos de verificação da pertença étnica que
consideram fenótipos, com avaliadores desqualificados para identificar o pertencimento
étnico e vinculações políticas. Sobre o assunto, Souza Lima afirma que,
[a] ampla reação contra mais esse movimento de instrumentalizar a administração pública
para excluir mais e mais indígenas de seus direitos e eximir-se de suas obrigações conseguiu
afastar o perigo imediato, mas não resolveu o problema que as cotas de certa forma estão
servindo para açular: iludimos cotidianamente e estudamos pouco – embora as
representações oficiais do país consagradas nos livros didáticos, o que hoje ficou
simploriamente reduzido a “bater” ou “salvar” a “ideologia da democracia racial” – o fato de
que não podemos desconhecer a realidade da mestiçagem biológica que no caso indígena foi
mesmo matéria de políticas da Coroa portuguesa, que estimulou-a inclusive pecuniariamente.
(Souza Lima, 2007: 22)
Os critérios de identificação dos povos indígenas com muita frequência fazem parte
dos debates relacionados a garantias de direitos, para fundamentar as argumentações é
recorrente verificar que questões relacionadas ao fenótipo são trazidas para a discussão,
como uma forma de qualificar ou desqualificar o outro pela ausência ou presença de traços
que remetam a uma ancestralidade indígena.
Neste contexto, grupos que sofreram com os impactos da colonização há mais tempo
mantêm contato com a sociedade não indígena, ou mesmo aqueles passaram ou estão
passando pelo processo de etnogênese podem ser ainda mais prejudicados, encontrando
resistências nas bancas examinadoras e em outros espaços em que a afirmação étnica é
requerida.55
55
Valorizando as produções locais sobre os silenciamentos étnicos produzidos em decorrência de
diferentes estratégias de colonização, reafirmação da identidade indígena, desconstrução de
estereótipos, não reconhecimento e não assistência a diversas esferas de direito, consultar os escritos
produzidos sobre os Tembé de Santa Maria do Pará, disponíveis em: E. Fernandes, Silva & Beltrão
112
Costumo dizer que os preconceitos podem ser ainda maiores para estes indivíduos, e
nesse aspecto me incluo, pois perpassam por dois tipos: (1) relacionado à pertença indígena,
momento em que toda carga negativa de estereótipos relacionados aos povos indígenas
afloram e acabam determinando relações conflituosas e; (2) por não apresentar traços físicos
que remetam aos povos indígenas da época de chegada dos europeus às américas, está última
pode ser identificada em comentários que parecem inocentes, tais como: “você nem parece
índio” ou então “você é índio civilizado” entre tantos outros que também podem estar
relacionados ao lugar que estamos, como se estar fora das aldeias nos faz menos indígenas.
O trabalho de desconstrução destes imaginários pode contar com fortes aliados, a
escola seria um deles, porém, em sala de aula, na maioria dos casos, os povos indígenas são
lembrados apenas no mês de abril. Boa parte dos professores que se propõe a levar a temática
para sala de aula não procura fazer um aprofundamento crítico sobre conteúdo repassado. A
situação fica ainda mais grave pelo fato de muitas dessas escolas estarem situadas em
municípios vizinhos a nossas terras indígenas, locais onde as possibilidades de trabalhar com
a diferença são inúmeras, pois contam em seus quadros de discentes os próprios indígenas,
porém, são nestes espaços que o preconceito e a discriminação acabam sendo mais intensos,
considerando as disputas territoriais e os interesses sobre as terras indígenas.
De acordo com Luciano (2006) a imagem do “índio” como um ser genérico e sem
diferenças permeia o imaginário não indígena, o autor define três perspectivas que
contribuem para estas representações. As duas primeiras são contrastantes, logo
identificáveis nas expressões utilizadas para fazer referência aos povos indígenas. Por um lado,
é possível observar os sentidos depreciativos relacionados à pertença, geralmente presente
em contextos locais, de disputas frequentes, onde os povos indígenas são desqualificados e
até mesmo considerados selvagens, bárbaros, incapazes e “sem alma”, entre muitos outros,
esta representação vem sendo construída desde a chegada dos europeus e, de acordo com o
autor “[...] é sustentada pela visão do índio cruel, bárbaro, canibal, animal selvagem,
preguiçoso, traiçoeiro e tantos outros adjetivos e denominações negativos”. (Luciano, 2006:
35)
(2011), Beltrão 2012, Lopes (2012), Aleixo (2013), E. Fernandes (2013), Barata & Beltrão (2014), Beltrão
& Lopes (2014a, 2014b), Garcia (2014) e R. Fernandes & Beltrão (2015).
113
Por outro lado, Luciano (2006) ainda apresenta a perspectiva que define o “índio” a
partir de uma visão mais romântica, que relaciona os povos indígenas com a natureza,
definindo como seres belos, inocentes e puros, desprovidos de maldade, ou seja,
[...] diz respeito à antiga visão romântica sobre os índios, presente desde a chegada dos
primeiros europeus ao Brasil. É a visão que concebe o índio como ligado à natureza, protetor
das florestas, ingênuo, pouco capaz ou incapaz de compreender o mundo branco com suas
regras e valores. (Luciano, 2006: 35)
Por fim, o autor faz menção a uma terceira visão, que confere cidadania povos
indígenas, teve a construção principalmente na década de 1980, culminando com a aprovação
de direitos significativos na Constituição Federal de 1988, para o autor,
[a] terceira perspectiva é sustentada por uma visão mais cidadã, que passou a ter maior
amplitude nos últimos vinte anos, o que coincide com o mais recente processo de
redemocratização do país, iniciado no início da década de 1980, cujo marco foi a promulgação
da Constituição de 1988. (Luciano, 2006: 36)
[o]s interesses de grupos economicos especificos sobre as terras indigenas, bem como de
outros segmentos tradicionais da sociedade dominante, estiveram presentes no Congresso
com a clara intenção de eliminar boa parte dos direitos conquistados pelos povos indigenas.
114
Souza Lima (2015), por sua vez, demonstra preocupações com o cenário político atual,
faz indicações sobre da convergência dos interesses de diversos grupos e alianças que
contribuem para a criação quadros pouco favoráveis para a discussão de questões indígenas,
na perspectiva do autor:
[n]o cenário legislativo democrático atual são defendidos os mais variados argumentos contra
os povos indígenas, somando-se a eles desde representantes do agronegócio e das empresas
de mineração até o vice-presidente, ministros de Estado e outros funcionários de alto escalão
do presente governo. Todos estes elementos demonstram a fragilidade das visões positivas
sobre os povos indígenas na sociedade brasileira contemporânea, vis-à-vis a ideologias
desenvolvimentistas sempre redivivas. (Souza Lima, 2015: 33)
de indígenas na região, pois ao negar a identidade indígena dos parentes, incentivou a revolta
de populações que vivem no entorno.56
O caso é importante por possibilitar outra leitura sobre o imaginário que vem sendo
construído sobre os povos indígenas, a decisão fomentou o ódio na população local contra os
indígenas Borari e Arapium, é claro que o papel da mídia e dos meios de comunicação
acabaram contribuindo significativamente para este quadro de negação de direitos. Permite
observar também as possíveis interpretações a dispositivos legais para que direitos sejam
negados, para atender aos interesses de elites locais numa perspectiva distorcida e parcial.
Neste contexto, os questionamentos relacionados à identidade indígena cada vez mais
adquirem forças no cenário de disputas legais, são produzidos em função de interesses
diversos, com frequência maior acabam encontrando guarida junto à legisladores, juristas e
antropólogos comprometidos com o modelo de desenvolvimento econômico que
desconsidera as minorias sociais.
A antropologia foi muito importante para o entendimento da diversidade dos povos
indígenas, permitiu verificar que não é possível definir um conjunto de características físicas
para definir o indígena, propõe ainda o exercício da relativização, afinal estereótipos e
generalizações distanciam ainda mais a sociedade da realidade dos povos indígenas,
contribuindo para desqualificar e interferir nas lutas pela garantia de direitos. Benites (2015)
entende como um desafio aos indígenas formados na Antropologia à descolonização de
imagens construídas de forma negativa e preconceituosa sobre os povos indígenas. O autor
ressalta,
[p]or isso, frente aos fatos relatados aqui, a minha posição e luta como indígena e antropólogo
são para descontruir e descolonizar esses “índios” idealizados e homogêneos nos livros
didáticos e na mídia. Somente assim a nova geração do povo brasileiro terá outra educação e
outros conhecimentos verídicos sobre as histórias e situações contemporâneos dos povos
indígenas no Brasil. (Benites, 2015: 247)
É importante para o sucesso deste projeto ações desenvolvidas pelos próprios povos
indígenas, assim como, as iniciativas individuais de lideranças indígenas no sentido de
desmistificar as representações criadas historicamente e cristalizadas como verdades únicas,
56
Para entender mais sobre o processo, acessar as informações disponíveis no site:
http://portal.trf1.jus.br/sjpa/comunicacao-social/imprensa/noticias/justica-federal-declara-
inexistente-terra-indigena-no-municipio-de-santarem.htm. Acesso em: 13 de maio de 2016.
116
é uma missão diária, cansativa e que parece infinda, pois os enfrentamentos ocorrem em
todos os espaços. Por outro lado, é um trabalho que deve envolver um conjunto muito maior
de atores sociais e do próprio Estado, pois demanda de esforço diante de mais de 500 anos
de construções estereotipadas, devendo ser empreendida em diversos espaços, por também
por professores não indígenas, profissionais que atuam com povos indígenas e parceiros que
de alguma forma trabalham com a temática, seja em sala de aula ou fora dela.
Mediante a diversidade de povos, culturas e formas de compreender o mundo, é
possível verificar que a realidade dos povos indígenas que estão na UFPA são distintas, porém,
essas diferenças precisam ser consideradas na Instituição, a garantia de direitos não pode ser
pautada em estereótipos e generalizações, afinal as fronteiras que demarcam as diferenças
são cada vez mais fluidas e borradas. (Barth, 2000)
Estas diferenças também definem a possibilidade de atuação, ao analisar as trajetórias
dos indígenas que ingressam na Instituição, além dos posicionamentos observados durante o
período da formação acadêmica, foi possível verificar que o retorno à comunidade é discurso
recorrente. Porém, nem todos apresentam este perfil, muitos não estão efetivamente
engajados nas lutas nas aldeias e nem mesmo em mobilizações dos povos indígenas fora delas,
desconhecem a realidade local, nacional e internacional e não procuram entender este
contexto de luta.
Pensando assim, existem indígenas discentes engajados nas lutas, dispostos a
trabalhar para proporcionar melhorias para suas bases e aldeias, temos outros pensando mais
individualmente, objetivando o bem-estar próprio e ascensão social. A vivência na aldeia ou
fora dela não é fator determinante para a definição do posicionamento ou comprometimento
político, porém, pode influenciar significativamente nas escolhas feitas.
O protagonismo pode significar a superação das dificuldades para o alcance de
objetivos individuais, mas representa, principalmente, a possibilidade de articulação e
mobilização coletiva em função de projetos comunitários que preveem a luta pela equidade e
garantia de futuro.
Os dados utilizados como base para as análises a seguir resultam de dez anos de
acompanhamento do PSE e podem diferir dos apresentados pelo CIAC. As principais
117
Até o momento o curso mais demandado pelos povos indígenas na UFPA tem sido
medicina, muitos parentes de diversas etnias do estado e de outros estados optam por ele,
elevando significativamente a concorrência. Apesar do número elevado de demanda para o
curso, nenhuma discussão sobre a possibilidade de aumentar o número destas vagas foi
realizada, algumas sugestões foram feitas, mas a alteração depende de uma decisão no
CONSEPE, considerando que a resolução aprovada em 2009 reserva duas vagas em cada curso.
Portanto, duas vagas foram garantidas em cada um dos PSE, totalizando até o momento 14
vagas oferecidas, em todos os anos as duas vagas foram preenchidas. O curso de medicina é
oferecido de forma integral somente no campus de Belém, não existe em nenhum outro
campus da UFPA e não é oferecido em outros regimes ou turnos.
LETRAS 14
ENGENHARIA FLORESTAL 15
ENFERMAGEM 16
PEDAGOGIA 20
MEDICINA 20
DIREITO 21
ODONTOLOGIA 23
0 5 10 15 20 25
57
A UFPA divide o ano em quatro períodos letivos. O 1º período letivo acontece em janeiro e fevereiro,
considerado como regime intensivo; o 2º período letivo acontece de março a junho, correspondendo
119
cursos com maior número de ingressos até 2018 (Figura 7), medicina aparece em terceiro
lugar, atrás de odontologia e direito, ocupa a posição em decorrência da limitação de apenas
duas vagas por ano. Odontologia e Direito também não são oferecidos em outros campi,
porém, por serem oferecidos em vários turnos, mais de duas vagas são geradas cada ano,
permitindo o ingresso de mais de dois indígenas em cada PSE. No caso da Odontologia o curso
é oferecido no turno matutino e vespertino e direito nos três turnos, criando assim quatro
vagas em odontologia e seis vagas no curso de direito. Se comparados a medicina, a demanda
em todos os anos é menor, porém a oferta de mais vagas possibilita o ingresso de mais
indígenas discentes.
Esta metodologia aumentou o número de vagas em cada curso que seja oferecido mais
de um turno. Configura-se como um grande avanço, pois considera as demandas dos povos
indígenas e a necessidade de formação de profissionais nestas áreas específicas, áreas com
maior procura. Tais alterações passaram a fazer parte dos editais lançados em 2015, 2016 e
agora para o ingresso em 2017, garantias que superaram as expectativas das próprias
lideranças indígenas que observaram o acréscimo como um bônus em relação ao acordo
firmado em 2009, que reservava duas vagas em cada curso em cada campus da Instituição.
A procura pela área jurídica, saúde e educação está relacionada aos problemas
enfrentados com mais frequência nas aldeias, áreas que dão suporte para conquistas
importantes. Raimundo Tembé,58 professor e liderança da aldeia Frasqueira do povo Tembé,
no atual município de Santa Luzia do Pará, relata que é “importante também ter médico,
enfermeira, advogado formado para que possa voltar para nossa comunidade e trabalhar em
defesa de seu povo”, os dados apresentados vão ao encontro da afirmativa do parente Tembé,
pois são áreas consideradas importantes para comunidades.
Desde o início do PSE para povos indígenas tenho observado um movimento grande
de candidatos indígenas em direção à capital, apesar de ter diminuído até 2014, foi
significativo para atribuir ao campus de Belém o título de mais requerido pelos indígenas. Uma
das explicações para a procura está relacionada a concentração dos cursos mais demandados
ao regime extensivo; o 3º período letivo ocorre em julho e agosto, em regime intensivo e; 4º período
letivo de agosto a dezembro. Seguindo esta lógica, oferta dos cursos pode seguir os regimes extensivo
e intensivo, com o mesmo curso oferecido em regimes diferentes.
58
Acervo APYEUFPA, audiovisual Caravana do Vestibular Indígena, Aldeia Frasqueira, filmagem no dia
12 de out. de 2012.
120
60,0 54,4
50,0
40,0
30,0
17,6
20,0
59
O povo Tembé está localizado na região nordeste do estado do Pará, nas proximidades dos rios
Guamá e Gurupi na Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG) e Terra Indígena Alto Turiaçu. Nas
proximidades do Rio Acará na Terra Indígena Turé-Mariquita no Município de Tomé-Açú e nas
121
proximidades dos rios Jeju e Maracanã no município de Santa Maria do Pará, esta última ainda não
conta com terra demarcada.
122
sete concluíram os cursos, com o tempo médio de cinco anos. Apesar dos nossos esforços no
sentido de garantir condições de permanência na UFPA, os índices de desistência,
trancamento e não habilitação são elevados, alcançando 28 indígenas desde 2010, conforme
a tabela 2.
Tabela 2 – Status dos indígenas que ingressaram no campus de Belém
PSE PARA POVOS INÍGENAS SITUAÇÃO BELÉM GRADUAÇÃO
ANO INGRESSO DESISTÊNCIA CURSANDO CONCLUINTE
2010 23 16 1 6
2011 15 7 3 5
2012 10 4 4 2
2013 9 1 5 3
2014 6 2 4
2015 17 3 14
2016 19 2 17
2017 23 4 19
2018 51 4 48
TOTAL 173 43 115 16
políticas tanto para o acesso, quanto para a permanência e revela o lugar marginalizado a que
os discentes indígenas foram submetidos. A figura 9 reflete bem as afirmativas.
60
No PSE de 2017, observou-se demanda significativa em Abaetetuba, porém, depois de analisar as
declarações de pertencimento, foi constatado que as mesmas não estavam adequadas, não atendendo
o edital, todas foram indeferidas. Hoje, tramitam processos administrativos relacionados aos ingressos
de pessoas deste município que passaram pelo PSE para povos indígenas.
125
superior, grande parte das informações de interesse dos discentes são disponibilizadas em
sites específicos na internet, tanto relacionadas ao acesso, quanto aos programas voltados a
permanência. A via democratiza o acesso à informação e gera facilidades para muitos, porém,
as dificuldades acabam se agigantando para quem não conta com habilidades específicas com
estas tecnologias. Jane Felipe Beltrão, Willian César Lopes Domingues e Assis da Costa Oliveira
(2015), lembram que,
[g]rande parte dos estudantes chegam à universidade vindos de comunidades que vivem em
considerável grau de isolamento com o mundo não indígena, sem contato diário com os vários
vieses do mundo dos brancos, sem dominar plenamente seus códigos e tecnologias, não
porque sejam povos “sem” condições para tal, mas porque foram moldados e se guiam por
outros códigos e tecnologias que não aqueles que se fazem hegemônicos da sociedade
ocidental a qual os indígenas não tinham/tem acesso, desde que seus antepassados, por um
motivo ou por outro. Apesar da agência indígena para superar a assimetria estabelecida desde
a invasão dos europeus. (Beltrão, Domingues & Oliveira, 2015: 100)
O uso de recursos tecnológicos é realidade recente para muitos povos indígenas, vem
sendo apropriados principalmente pelo público jovem. Mesmo para quem tem experiência
com o ciberespaço,61 acesso a determinados sítios pode ser tarefa difícil dependendo da
disposição dos conteúdos e da organização das páginas, o que requer tempo maior para
localização das áreas de interesse. A maioria destes locais apresentam inúmeras informações,
links, atalhos, propagandas que podem confundir o usuário. A habilidade para navegar nestes
sítios requer conhecimentos específicos que também dependem da prática cotidiana, o que
demanda certo tempo, fator que deve ser considerado mesmo no ritmo acelerado da
Universidade.
Na UFPA, a massificação das informações difundidas preponderantemente pela
internet não atende as especificidades dos povos indígenas, a metodologia apresenta
características etnocêntricas que desconsideram diferenças culturais e as dificuldades de
povos historicamente excluídos do mundo digital.
Além dos recursos tecnológicos, discentes são impactados pelo uso excessivo de siglas.
Na UFPA, assim como em outras organizações públicas e privadas, nomes extensos acabam
sendo transformados em siglas para facilitar a comunicação, conforme indica Maria Inez
61
Categoria criada pelo escritor de ficção científica Willian Gibson em 1984 para referir a um conjunto
de computadores conectados que permitem o fluxo de informações, um espaço não físico constituído
pelas redes digitais que permitem a comunicação.
126
Matoso Silveira (2008), “[n]ão raro, esses grupos nominais extensos se transformam em siglas
que aparecem em profusão e que infestam a burocracia no serviço público e, por extensão,
nas empresas e corporações privadas.” (Silveira, 2008: 237)
Siglas como CIAC, PROEX, PROEG, CEPS, SAEST, SIGAEST, SIGAA, DAIE, PBP, RU, BC,62
entre inúmeras outras, são desconhecidas para calouros e para muitos veteranos, porém,
muito utilizadas por profissionais e pelos próprios discentes em orientações relacionadas à
vida acadêmica. O uso de siglas na Instituição é fator preocupante, quando empregadas em
determinados contextos impedem a comunicação prejudicando o repasse de informações,
gerando quadros de exclusão conforme apresenta Silveira (2008). Nesta linha de pensamento
a autora defende que as siglas podem ser usadas para separar, os que dominam a informação
daqueles que não a dominam, para ela, “a sigla, ao tempo em que favorece a concisão,
impossibilita também a compreensão da mensagem pelas pessoas que desconhecem o
conteúdo abreviado”. (Silveira, 2008: 237)
Se por um lado, as especificidades linguísticas dos povos indígenas representam
obstáculos para a comunicação no mundo não indígena, por outro, na academia, o uso de
códigos, de linguagem técnica, de abreviaturas e siglas representam mais obstáculos para o
acesso a determinados serviços, pois induzem a interpretações diversas e/ou equivocadas
sobre as informações repassadas.
A não compreensão as siglas entre os povos indígenas e não indígenas deixa evidente
a necessidade da criação de momentos informativos, pensados para atender as
especificidades culturais e linguísticas, no sentido de proporcionar melhores condições para
que a comunicação realmente aconteça.
Para além da compreensão das siglas mais utilizadas, as noções relacionadas ao espaço
físico da Universidade, a localização dos institutos, das salas de aulas, os projetos e programas
oferecidos pela instituição, entre muitos outros, também fazem parte de um conjunto de
informações que devem ser repassadas para os indígenas discentes logo no ingresso, pois
permitem melhores condições para o acesso aos direitos garantidos, tais informações devem
62
Os significados das siglas indicadas são: Centro de Registro e Indicadores Acadêmicos (CIAC); Pró-
Reitoria de Extensão (PROEX); Pró-Reitoria de Ensino e graduação (PROEG); Centro de Processos
Seletivos (CEPS); Superintendência de Assistência Estudantil (SAEST); Diretoria de Assistência e
Integração Estudantil (DAIE); Sistema de Assistência Estudantil (SIGAEST); Sistema Integrado de Gestão
de Atividades Acadêmicas (SIGAA); Restaurante Universitário (RU); Biblioteca Central (BC) e; Programa
Bolsa Permanência (PBP), estas são apenas algumas das siglas mais utilizadas na UFPA.
127
63
Para saber mais sobre a Semana do Calouro 2010, acessar o site:
https://ww2.ufpa.br/imprensa/noticia.php?cod=3599. Outras notícias relacionadas às “calouradas”
estão disponíveis no site da Instituição, no setor de imprensa.
128
dos Araweté, por exemplo, que contam com apenas uma porta de acesso ao interior da casa,
estrategicamente a inexistência de janelas permite maior segurança para os habitantes, pois
diminui a possibilidade de acesso pelos inimigos e por animais.
Pensando assim, ingressar pela janela significa dizer que o indivíduo não terá a mesma
recepção que teria caso tivesse sido convidado a entrar pela porta, forma adequada de
ingresso. Quando convidada, todos os ritos de recepção serão realizados de forma apropriada,
proporcionando ao visitante conforto e tenha boas impressões, retornando em outros
momentos, quando desejar.
Não ser recebido de maneira apropriada parece significar para a Universidade que o
nosso ingresso é “feito pela janela” e não “pela porta”, nesta linha de pensamento, a questão
seria: por que não receber de maneira adequada quem ingressa por Ações Afirmativas? A
impressão que temos, quando a falta de apoio desencadeia índices significativos de
desistência, é que não somos desejados no espaço da academia, como se este não fosse nosso
lugar, o descaso exclui qualquer possibilidade de sucesso e impede projetos de vida coletivos.
Portanto, a permanência de indígenas discentes também depende de ações Institucionais de
Assistência Estudantil que minimizem impactos e permitam melhor “adaptação” com o tempo
e espaço da cidade e Universidade, contribuindo para a superação de lacunas e possíveis
dificuldades que possam surgir, preparando para o enfrentamento da discriminação e
racismo.
A Assistência estudantil para povos indígenas no ensino superior recebeu atenção
especial na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei nº 9.394 de 20 de
dezembro de 1996, a qual a partir de 09 de junho de 2011, ganhou parágrafo específico com
a criação da Lei 12.416/11. O novo texto traz alterações, garantindo no Artigo 79, § 3º apoio
aos povos indígenas que ingressam no ensino superior,
[n]o que se refere à educação superior, sem prejuízo de outras ações, o atendimento aos povos
indígenas efetivar-se-á, nas universidades públicas e privadas, mediante a oferta de ensino e
de assistência estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas
especiais. (LDB, 2017: 50)64
64
Para entender melhor como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, conferir:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529732/lei_de_diretrizes_e_bases_1ed.pdf.
Acesso em: 29 de mar. de 2018.
129
65
O decreto nº 7.234/10 que dispõe sobre Programa Nacional de Assistência Estudantil encontra-se
disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7234.htm.
Acesso em: 30 de mar. de 2018.
130
Refazendo a caminhada
A nova gestão da UFPA (2016 – 2020) assumiu compromisso com povos indígenas e
tem se mostrado sensível com o trato com as minorias sociais, apresentando propostas
concretas de apoio estudantil a grupos em situação de vulnerabilidade, mantendo-se acessível
a diversidade a demandas feitas desde que assumiu o compromisso com a inclusão social. O
trabalho tem sido pautado no aprimoramento de programas existentes e a criação de outros
com foco na garantia da permanência de discentes na UFPA, diminuindo assim, o abismo que
entre o projeto de Universidade e os projetos dos povos indígenas. A participação em
discussões e planejamentos de ações de interesse dos povos indígenas é marca da nova
gestão, o que garante a elaboração de políticas que contemplem realidades específicas e
culturalmente diferenciadas, atendendo assim o que diz na convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), quando fala em consulta prévia.
É possível afirmar que o compromisso assumido também é resultado da organização
do movimento indígena estudantil na UFPA, o qual desde 2011 tem buscado aproximação com
as diversas gestões na tentativa de garantir a permanência de discentes indígenas na
Instituição. Mas o quadro nem sempre foi favorável, aliás a trajetória indígena na UFPA é
marcada por enfrentamentos à inúmeras dificuldades. O relato de experiência feito por Almir
Tembé, em 2012, durante reunião realizada na aldeia Frasqueira expressa os problemas que
indígenas da etnia Tembé enfrentaram logo após o ingresso ainda em 2010, também deixa
evidente a possibilidade de mobilização coletiva para alcançar melhorias na qualidade de vida
e, neste caso, a garantia de um pequeno espaço (almoxarifado) para um grupo de discentes
na FUNAI em Belém:
[n]ós éramos 13 Tembé do Jeju e de Capitão Poço, a gente ficou na FUNAI, teve uns que
permaneceram mais tempo, no caso do Jorge que ficaram sete meses, eu tive a oportunidade
131
de passar dois meses lá junto com o Sandro, com o Ataíde e toda a galera, era rede pendurada
uma do lado da outra e colchonete espalhado pelo chão, era um espaço pequeno de somente
um quarto lá [almoxarifado] na FUNAI, tinha um banheiro. Então a dificuldade imensa, tinha
uns que ligavam o som e outros já queriam se acomodar, sei que não foi fácil. As parentes
também que eram a Keila, a Rita a Leidinha tinham que ficar lá na sala dos servidores da FUNAI,
então quando eles chegavam de manhã tinham que sair. Alguns iam para a UFPA estudar,
então elas iam lá pro quarto ficar até chegar o horário da aula, foram várias dificuldades que
nós encontramos. (Almir Tembé, 2012)
Após o ingresso, a falta de apoio agrava a situação na medida em que o tempo passa,
os poucos recursos reservados pelos discentes para as etapas iniciais não são suficientes para
garantir a permanência, fazendo com que busquem apoio com familiares, colegas, amigos,
entre outros. Aos que possuem algum conhecido na capital, é possível que a estadia esteja
garantida por algum tempo, mas ainda restam os gastos com alimentação, transporte,
materiais didáticos, entre outros.
Após a aprovação no PSE, a primeira dificuldade enfrentada é de encontrar um local
para morar, para quem não conhece a capital, essa etapa pode ser frustrante, ainda mais
quando não se tem dinheiro para pagar o aluguel; a segunda dificuldade é a falta de dinheiro
para se manter no local de estudos, pagar aluguel, ônibus, materiais, alimentação entre tantos
outros; a terceira é de se ambientar com a cidade e com a universidade, conhecer todos os
espaços, as turmas, o ritmo de estudos e para isso é necessário que exista acompanhamento
diferenciado.
As dificuldades relatadas por Almir foram enfrentadas em grupo, porém muitos
parentes de outras etnias não tiveram a mesma possibilidade de mobilização, tendo que
enfrentar uma nova realidade sem contar com o apoio de outros indígenas. No caso dos
Tembé, as aflições, problemas e angústias individuais acabavam sendo compartilhadas,
provocando mobilização coletiva para o enfrentamento. A disponibilização do almoxarifado
da FUNAI para servir como alojamento para o grupo Tembé aconteceu em resposta a
inúmeras reivindicações feitas por indígenas discentes e lideranças da base, os quais uniram
forças para garantir um direito. Os relatos dos parentes que iniciaram as discussões
envolvendo a FUNAI, como é o caso de Jorge Tembé, dão conta de que iniciativas individuais
também foram protagonizadas por vários parentes junto a coordenação da FUNAI com o
objetivo de solicitar apoio para os indígenas discentes da UFPA, porém, somente depois da
132
[a]quilo ali foi muita burocracia, a gente conversava muito entre nós, as lideranças daqui
também iam lá e a gente conversava com eles, mas eles sempre diziam que a gente tinha que
ter paciência que não era assim em cima da hora que era uma coisa demorada, aí custou.
(Kauê, 2015)
66
Neste caso utilizo um nome fictício para manter em sigilo a identidade de meu interlocutor. Realizada
em 21 de set. de 2015.
133
[e]u desisti porque, mais assim por falta de apoio, da Universidade, da FUNAI e da comunidade,
se tivessem me ajudado eu estaria terminando também. Naquele tempo nós tivemos o apoio
[Bolsas da universidade], mas custou muito, foi muito tarde o apoio que foi pra gente, daí a
gente sai assim da aldeia pra ir pra uma universidade é muito difícil as coisas né? Tinha dia que
ou eu ia pra universidade ou eu comia, se eu fosse pra universidade eu não comia, se eu
almoçasse eu não ia pra universidade e aí pensei, poxa tá difícil. Os outros tinham mais
condições, de vez em quando me ajudavam. (Kauê, 2015)
[a] gente saiu daqui tinha uma expectativa diferente, a Universidade vai ajudar a gente, a
FUNAI vai ajudar, quando a gente chega lá, não é como a gente pensa, quem tem família, quem
tem filhos e mesmo quem não tem né, vai pra lá com uma expectativa, acabou que a maioria
desistiu, porque não foi como a gente pensou. Foi justamente por isso, a gente chegou lá e
não tem nenhum amparo, não conhece ninguém, trata todo mundo igual. (Jorge Tembé, 2012)
134
Mesmo após oito anos, o caso da saga dos Tembé para garantir a continuidade dos
estudos tem sido lembrada entre os parentes, é símbolo de circunstâncias adversas
enfrentadas por indígenas que se propõem sair das aldeias para acessar o ensino superior e
acabam não encontrando apoio necessário. Estes parentes, quando ingressaram na UFPA, se
confrontaram com uma Universidade despreparada para receber a diversidade. Coube ao
discentes a luta pela permanência, aliás lutas, pois os problemas se apresentam diariamente,
além das preocupações com a alimentação, hospedagem, transporte, aquisição de materiais,
entre inúmeras outras, ainda é necessário tirar bons conceitos nas disciplinas, acompanhar as
turmas para não “desblocar”, enfim, cumprir todo o ritual acadêmico, uma vez que a
“Universidade não para”.
135
Em 2011 e 2012 havia edital específico para Criar editais específicos que
Povos Indígenas e Pessoas com Deficiência (PCD). contemplem povos
Edital específico
5 A partir de 2012 nenhum edital com este fim foi indígenas a exemplo dos
de bolsas
lançado, o fator étnico deixou de fazer parte de editais para Auxílio moradia
qualquer edital até 2017. e MOBAF.
O quadro faz referência a uma parcela das dificuldades enfrentadas por indígenas na
UFPA, como é possível observar, os problemas com a permanência indígena começaram a se
manifestar logo após o ingresso da primeira turma em 2010,67 muitos deles ainda alcançaram
discentes que ingressaram em anos seguintes, outros ainda são pauta de reivindicações até o
momento.
67
Turma é a forma como o movimento indígena estudantil na UFPA se refere aos grupos de indígenas
ingressaram via PSE desde 2010 até aqui, sendo a primeira turma de 63 indígenas em 2010, em 2011
foram 45 e, assim por diante.
138
e serviu como argumento para solicitação da saída do local, o qual não foi mais disponibilizado
mais este fim.
O termo de cooperação previu pagamento de 30 auxílios para indígenas que
ingressaram no ano de 2010, cujo valor foi de R$ 250,00, com o prazo de duração de cinco
anos, podendo ser “objeto de termo aditivo”. No documento atribuiu-se responsabilidades a
FUNAI, a UFPA e aos indígenas discentes. Poucos indígenas acessaram o recurso por falta de
informação e divulgação, do que estava previsto no termo de cooperação técnica, pouco se
fez. Muitos indígenas que ingressaram em 2010 nem mesmo sabiam da existência do termo
até 2012 deixando de exigir o direito ao apoio, quando passaram a receber ainda tiveram uma
surpresa na UFPA, pois tiveram os auxílios cortados.
Em fevereiro de 2014 a FUNAI Brasília enviou um memorando às coordenações
regionais determinando não autorizando qualquer inclusão de indígenas, exceto os casos em
que existisse documento jurídico. Como o termo de cooperação técnica estabelecido entre
FUNAI e UFPA previu apenas a inclusão dos indígenas que entraram em 2010, ficou definido
que os que entraram em anos subsequentes não teriam possibilidade nenhuma de receber. A
FUNAI não tem sido vista pelos indígenas discentes como uma entidade parceira na luta por
direitos, a morosidade e o tratamento chega a ser desrespeitoso e injusto com os acadêmicos,
negando direitos assegurados pela legislação.
68
A Pró-Reitoria de Extensão (PROEX) desenvolve políticas de extensão universitária enquanto projeto
social e da Universidade frente ao poder público. Mais informações consultar:
http://proex.ufpa.br/PRINCIPAL/index.php/apresentacao. Acesso em: 01 de mai. de 2018.
139
69
Os relatórios anuais da PROEX estão disponíveis em:
http://saest.ufpa.br/portal/index.php/relatorio-anual. Acesso em: 28 de abr. de 2018.
140
Estudantil Especial. O objetivo do programa foi atender os discentes que ingressaram via
“cotas especiais”, o edital ofereceu 106 auxílios permanência no valor de R$ 310,00 e 50
auxílios moradia no valor de R$ 300,00, com vigência de 12 meses a partir de julho. De acordo
com o Relatório de Gestão da PROEX, referente ao ano de 2011, foram 59 auxílios
permanência e moradia concedidos para indígenas e PCDs, destes 39 para indígenas que
ingressaram via PSE. Comparado ao ano anterior, o número de auxílios reduziu
significativamente.
Em 2012 foi lançado o edital 05/2012, o documento seguiu os mesmos moldes do
primeiro, com tímido aumento na oferta de auxílio permanência para 110 e 60 auxílios
moradia. O relatório anual da PROEX referente ao ano de 2012 indica que foram concedidos
88 auxílios permanência e moradia, destes, 48 foram para indígenas discentes.
A criação do Programa de Auxílio Permanência Estudantil Especial é resultado das
nossas reivindicações e mobilizações na UFPA, pois mesmo antes da criação da APYEUFPA em
dezembro de 2011, manifestávamos nosso descontentamento com o descaso em reuniões
com representantes da Instituição.
Portanto, ambos editais apresentaram avanços Institucionais relacionados a
permanência, porém, por serem pioneiros e terem sido lançados sem consulta aos povos
indígenas, conforme preceitua a Convenção nº. 169 da OIT, também acabaram também
apresentando algumas falhas, são elas: 1) relacionada ao valor dos auxílios, que mesmo
acumulados acabaram não sendo suficientes para suprir as necessidades dos indígenas; 2) não
garantia do acúmulo dos auxílios, após as análises por equipe de profissionais da DAIE/PROEX
e a publicação do resultado, alguns receberam apenas um dos auxílios ou nenhum deles; 3)
As bolsas continuaram sendo pagas meses depois do ingresso, situação agravada pela falta de
recursos financeiros nos meses iniciais.
Por outro lado, quando comparados ao edital de bolsa permanência universal, os
editais apresentaram avanços, valorizando o pertencimento étnico e o próprio PSE. A reserva
de um número determinado de bolsas é positiva, pois limita a concorrência para grupos
específicos. O programa também valoriza o PSE quando determina o número de documentos
para indígenas que ingressaram por esta via, sendo menor que o solicitado para candidatos
que não ingressaram pelo PSE.
Os editais de apoio a permanência de povos indígenas sinalizaram mudanças
Institucionais favoráveis naquele momento, no entanto, o Edital de Seleção Pública para
141
de Leidiane Ribeiro Tembé, elaborado depois da reunião para fazer parte do documento a ser
entregue para UFPA deixa evidente as dificuldades enfrentadas pelos indígenas.
[v]enho através deste, relatar as dificuldades que alguns calouros indígenas tiveram ao se
inscreverem no programa bolsa permanência. Uma das primeiras dificuldades foi a má
visualização do site do programa bolsa permanência; Dificuldade no ato da inscrição pois os
calouros indígenas não tinham o número de matricula, por não termos o número de matricula
nos repassaram um número de telefone fixo para ligarmos para PROEX, sendo que muitos não
tinham crédito para ligar de celular para telefone fixo, no caso de alguns que ligaram para
PROEX, os funcionários não sabiam tirar nossas dúvidas ou seja, estavam mal informados sobre
o referido edital da bolsa permanência. (Ribeiro Tembé, 2013)
[o]bserve-se que se em 2009 e 2010 as demandas dos povos indígenas foram tomadas de
forma razoável, a partir de 2011 o racismo institucional reafirma o poder das elites brancas e
a assimetria das forças envolvidas no embate, fazendo desaparecer a possibilidade de relação
intercultural. (Beltrão, Domingues & Oliveira, 2015: 99)
apresentado pela DAIE foi a impossibilidade legal de acúmulo de bolsas da mesma fonte
pagadora, com isso, cinco indígenas tiveram a bolsa permanência cortada.
Nenhum indígena foi chamado para discussão ou mesmo para esclarecimentos, as
bolsas simplesmente foram cortadas, o que gerou muito transtorno e preocupações com a
continuidade dos estudos. Os indígenas procuraram a diretoria da APYEUFPA na tentativa de
contornar a situação, não tiveram tempo de se programar financeiramente, para alguns, o não
pagamento da bolsa comprometeu o pagamento do aluguel e de outras despesas relacionadas
aos cursos, comprometendo até mesmo o rendimento em sala de aula.
Depois de acionada pelos discentes, na APYEUFPA, decidiu-se coletivamente que a
resposta a postura da Universidade seria um recurso administrativo que foi elaborado e
entregue à PROEX, naquele momento ainda tínhamos esperanças de reestabelecer o
pagamento. Cada caso dos cinco indígenas foi apresentado, com detalhamento de todas as
despesas para permanecer em Belém e o impacto que teriam com o corte da bolsa
permanência. O documento foi entregue para a DAIE duas semanas depois dos cortes das
bolsas, mas não obteve nenhuma resposta.
O silêncio da Instituição demonstrou o desinteresse no diálogo com a diversidade, em
atender uma demanda legítima e justa de indígenas que passavam dificuldades para
permanecer estudando. Depois de diálogos na APYEUFPA, chegou-se à conclusão que o
recurso deveria ser direcionado para o MPF, para que fizesse o acompanhamento do caso.
Apresento a seguir informações do documento feito por mim a partir da APYEUFPA e entregue
à UFPA e ao MPF, detalhando a situação dos cinco discentes.
Todos os indígenas discentes que tiveram a bolsa indeferida pertencem à etnia Tembé,
da região nordeste do estado do Pará, quatro deles casados com filhos, três trouxeram o
cônjuge e filhos para Belém e um mantinha a família na aldeia. Na sequência apresento os
casos para análise, substitui os nomes dos discentes para preservá-los.
Felipe
Morava no distrito de Icoaraci com esposa e dois filhos, a esposa produzia artesanatos
para auxiliar nas despesas da família, o mesmo precisava se deslocar para a aldeia em Capitão
Poço pelo menos duas vezes ao mês, considerando a distância da aldeia utilizava outro
146
transporte (moto taxi) para chegar a aldeia, no município de Santa Luzia do Pará. As viagens
eram necessárias uma vez que o mesmo é liderança e assessorava à época duas associações
e três aldeias (Frasqueira, Sede e São Pedro), como fazia contabilidade e estava no quinto
semestre, auxiliava os representantes das organizações nas prestações de contas, na
elaboração de documentos entre outros, além de repassar informações sobre o andamento
das demandas do povo na capital e os eventos que são realizados envolvendo os povos
indígenas. Recebia Bolsa moradia (R$ 300,00), Bolsa Permanência (R$ 310,00) conforme edital
especial e apoio da FUNAI (R$ 250,00) conforme o termo de cooperação técnica.
indígena, os R$ 310,00 da bolsa permanência foi uma perda significativa, obrigando o mesmo
a buscar outras fontes de renda.
Cauan
Morava em São Braz, tomava dois ônibus até a UFPA, dividia o aluguel com outro
indígena, os gastos eram significativos com os materiais didáticos do curso de direito. Era
presidente da Associação na aldeia e precisava se deslocar todos os finais de semana para
encaminhar as demandas da Associação e da comunidade, pois atuava em parceria com o
cacique, são duas aldeias e a Associação representa ambas, as idas e vindas requeriam
dedicação e esforço para encaminhar coisas importantes para o futuro da comunidade.
As bolsas da UFPA e o apoio da FUNAI não eram suficientes para o pagamento das
despesas, utilizava o limite da conta universitária para pagar o restante das despesas.
148
Fernando
Morava no bairro Guamá, próximo a UFPA e faz aulas práticas em diversos hospitais
de Belém, tendo que deslocar-se diariamente para esses locais, precisava comprar materiais
específicos exigidos pelo curso, é tesoureiro da Associação e precisava deslocar-se até a aldeia
no mínimo duas vezes por mês para assinar documentos e encaminhar as demandas da
associação, na época era o grande responsável pelas despesas da casa na aldeia, auxiliando o
pai nas tarefas do roçado. Tem uma filha, a qual precisava auxiliar na criação da mesma.
Recebia Bolsa moradia (R$ 300,00), Bolsa Permanência (R$ 310,00) conforme edital especial
e apoio da FUNAI (R$ 250,00) conforme o termo de cooperação técnica.
Apesar de dividir o aluguel com outro indígena, as despesas eram altas, sendo muito
exigido pelos professores do curso no que se refere a vestimentas, aparelhos, materiais
didáticos entre outros aumentando consideravelmente o custo de vida em Belém.
149
Tadeu
Morava no bairro Cabanagem, precisava tomar dois ônibus para ir a UFPA e mais dois
para retornar para casa, era casado e a esposa fazia crochê para auxiliar nas despesas da
família. Tinha gastos com a saúde da família e era o principal mantenedor. É liderança na
aldeia e precisava se deslocar pelo menos duas vezes por mês para participar de reuniões e
auxiliar as lideranças e cacique na aldeia no encaminhamento dos pleitos e demandas da
comunidade. Auxiliava a família (pai, mãe e irmãos) nos trabalhos do roçado, nas caçadas que
também envolvem a coleta de castanha, açaí, piquiá, uxi entre outros. Recebia Bolsa moradia
(R$ 300,00), Bolsa Permanência (R$ 310,00) conforme edital especial e apoio da FUNAI (R$
250,00) conforme o termo de cooperação técnica.
Lucas
Morava em São Braz com o marido e era responsável pelo aluguel, pois o conjugue não
trabalhava. Arcava com as despesas da casa e era liderança na aldeia, participava do grupo de
mulheres indígenas e auxiliava nas reuniões, festas e outras atividades envolvendo a
comunidade, cursava pedagogia e procurava se envolver nas atividades da escola para
adquirir experiência em sala de aula.
A partir das despesas dos indígenas acima, é possível verificar os gastos com viagens
para a aldeia, percurso necessário para lideranças que decidem acessar o ensino superior. O
termo de cooperação técnica entre a UFPA e FUNAI, indicava que uma das responsabilidades
da FUNAI seria de garantir os deslocamentos da aldeia até a Universidade e da Universidade
até a aldeia, no início e final do semestre respectivamente. Dos indígenas que fizeram parte
do programa, não houve relatos de acesso ao recurso para deslocamento. Sendo assim, o
151
apoio da FUNAI acabava sendo utilizado para os deslocamentos, com finalidade de atender as
demandas da comunidade. Portanto, seria imperativo que os discentes continuassem
recebendo o apoio da FUNAI, assim como, os dois auxílios da UFPA.
Sustentar a família, atender as demandas da comunidade e estudar não é tarefa
simples, considerando as responsabilidades coletivas, mesmo fora das aldeias as exigências e
cobranças permanecem, muitas vezes até aumentam, pelas expectativas criadas com o acesso
ao ensino superior.
A argumentação da APYEUFPA foi no sentido de mostrar que os indígenas não estavam
recebendo bolsas de outras fontes oficiais, mas sim apoio. No parágrafo primeiro do termo de
cooperação técnica, a FUNAI se responsabilizava por repassar aos indígenas apoio, em
momento algum o termo bolsa aparece no Termo de Cooperação Técnica. Ao fazer uma
análise entre bolsa e apoio, é possível afirmar neste caso, que a bolsa oferecida pela UFPA
poderia ser transferida de um estudante para outro, na medida em não se atenda mais aos
critérios estabelecidos, por outro lado, o apoio oferecido pela FUNAI não poderia ser
transferido, ao cabo do prazo para o discente o recurso se extinguia.
Ademais, cabe ressaltar que o termo de cooperação técnica difere de um “programa
oficial”, pois o termo não previa continuidade, tendo duração de, apenas, cinco anos e, muito
menos a inclusão de novos indígenas, o apoio era disponibilizado apenas aos indígenas que
ingressaram em 2010. Ao analisar a cláusula quarta, no Item I, na alínea a), do Termo de
Cooperação Técnica, que fala das responsabilidades da UFPA que compete ela “conceder
assistência estudantil (moradia, bolsa alimentação, bolsa atividade, assistência médica, e
odontológica básica) a todos os indígenas discentes da UFPA, ingressantes por reserva de
vagas, mediante processo seletivo próprio, nos termos das normas internas da UFPA”.
A justificativa para o corte da bolsa permanência foi o decreto 7.416/10 não foi
coerente, pois o apoio não tinha natureza de bolsa, servindo para auxiliar os indígenas em
suas atividades próprias, a decisão prejudicou indígenas discentes. Ao negar o pagamento das
bolsas, a Universidade cria barreira para o sucesso na vida acadêmica, portanto, negando o
direito a educação, ferindo o art. 205 da Constituição Federal do Brasil. As duas bolsas da
Universidade e o apoio dado pela FUNAI, somados ainda não permitiam estada digna na
capital paraense, mas amenizavam as dificuldades de ordem financeiras vividas pelos nossos
parentes.
152
Nos casos trazidos para análise é possível observar diversas situações envolvendo
racismo institucional, materializando-se com a criação de obstáculos ou pela omissão de
instituições que acabam gerando desigualdades e exclusões. São casos que marcam a
trajetória de indígenas e sinalizam para a necessidade de refletir sobre os mecanismos que
perpetuam posicionamentos racistas. O racismo institucional foi muito discutido e utilizado
entre o movimento negro, mas passou a fazer parte das discussões relacionadas aos povos
indígenas para denunciar as diversas situações envolvendo o Estado e os povos indígenas.
Passei a discutir com mais atenção o racismo institucional a partir de agosto de 2014,
quando na ocasião, tive a oportunidade de ler um texto produzido pelas professoras Jane
Felipe Beltrão e Zélia Amador de Deus, o qual compôs um dossiê produzido a várias mãos,
tendo a APYEUFPA como proponente. A época o documento foi produzido com o objetivo de
denunciar as constantes alterações no PSE, objetivando resguarda-lo conforme pactuação
realizada com as lideranças indígenas.
O texto produzido pelas nossas aliadas, além de fazer parte do dossiê, definiu o tom
das alterações que vinham sendo realizadas no PSE e das dificuldades com a permanência,
pois as mudanças pautadas em critérios universalizantes criaram barreiras para o ingresso na
UFPA, para as autoras este ir e vir entre o “dar com uma mão e retirar com a outra” configura-
se em racismo institucional. Para elas, “[o] racismo institucional é revelado por intermédio de
mecanismos e estratégias presentes nas instituições públicas, explícitos ou não, que dificultam
a presença dos negros e indígenas, entre os grupos discriminados, nestes espaços”. (Beltrão
& Deus, 2014: 2)
O racismo institucional é um fenômeno que necessita ser alimentado para continuar
existindo, para que seja eficaz na continuidade da hegemonia de determinados grupos em
detrimento de outros, ele atua perpetuando estruturas sociais de forma desigual em esferas
que extrapolam o indivíduo, está presente no interior das Instituições, sejam elas públicas ou
privadas, reproduzindo a desigualdade e a hierarquização a partir da racialização das ações.
Laura Cecilia Lopez (2012) indica que as primeiras referências sobre este tipo de racismo foram
feitas por dois militantes negros nos EUA, Stokely Carmichael e Charles V. Hamilton, no livro
Black Power: the politics of liberation, em que problematizam e diferenciam o racismo
153
apenas pelas ações explícitas e declaradas, pois age de forma silenciosa e sutil, muitas vezes
o próprio discurso da igualdade é utilizado para justificar a homogeneização e universalização
das políticas, no caso dos povos indígenas, esta justificativa é utilizada para dizer que os
discentes são iguais e alguns grupos “não merecem ter tratamento diferenciado” em relação
a outros.
Para a identificação da prática do racismo, faz-se necessário a vigilância constante, a
observação atenda dos detalhes que envolvem as relações entre as instituições e as pessoas,
um olhar que esteja treinado e atento, que seja capaz de perceber, para além das ações,
também as motivações destas ações.
Não foram poucas as vezes que os deparamos com a postura incompreensiva de
pessoas que atuam diretamente com indígenas na UFPA, agentes que negam as demandas de
indígenas baseados em políticas homogêneas, que minimizam a importância das demandas
específicas de indígenas. A resistência em tratar diferentes de forma diferenciada nega
direitos com pressuposto da igualdade, expressando-se pela não aprovação de propostas,
resoluções, editais, ou mesmo quando se exclui edital diferenciado, quando se unifica
processos seletivos que não devem ser unificados, quando se nega a possibilidade de acessar
bolsas com um valor maior, ou mesmo, quando em “portas fechadas” nosso destino é
decidido.
Em universidades que não fazem questão de problematizar a presença indígena no seu
interior, a probabilidade da criação de empecilhos para implantação de políticas específicas e
usurpação de conquistas alcançadas pelos povos indígenas é muito alta, pois as iniciativas,
tanto dos indígenas discentes, quanto dos apoiadores, tendem a ser esmagadas pelo rolo
compressor da homogeneização e universalização, que são o véu do racismo institucional,
este não permite a promoção da justiça social e a inclusão com dignidade de povos e grupos
vulnerabilizados.
No que se refere a UFPA, até o presente momento nenhum balanço sobre os avanços
e retrocessos nas políticas de ação afirmativa e políticas de permanência para povos indígenas
foi realizado, etapas importantes para a avaliação das ações relacionadas ao acesso e
Assistência Estudantil. A carência do momento impossibilita a compreensão das situações de
racismo institucional que se manifestam de forma silenciosa na Instituição, mas que atingem
os grupos étnicos-raciais, pois somos nós que sofremos com os efeitos sociais com a negação
155
Sendo assim, problematizo um caso que aconteceu na UFOPA e se insere nos casos
envolvendo grupos vulnerabilizados e a incompreensão de profissionais por conta da falta de
preparação para o trato com a diferença. O caso é emblemático no estado do Pará e envolveu
uma professora da UFOPA e um indígena discente do curso de Letras em Português daquela
Instituição, tomei conhecimento sobre o ocorrido durante a participação no evento “I
Encontro Diversidade em Foco & Simpósio Sociedades Amazônicas, Cultura e Ambiente”
ocorrido no período de 09 a 13 de novembro de 2015, na UFOPA, em Santarém. A
comunicação do parente foi realizada na língua Wai Wai, apesar de ser bilíngue, sendo
156
traduzida por outro indígena da mesma etnia, também discente da UFOPA, durante a mesa
redonda intitulada Indígenas e quilombolas na Universidade – superando a discriminação e o
racismo.
O parente relatou que ao apresentar um seminário em sala de aula foi duramente
criticado e desrespeitado pela professora da disciplina, a qual questionou a presença de
indígenas na Universidade, fazendo indicações que estariam trazendo “vergonha” para a
Instituição por não terem, na concepção dela, condições de acompanhar os outros colegas.
Em decorrência do fato, reclamações foram feitas na ouvidoria da Universidade, documentos
foram encaminhados e esclarecimentos foram solicitados, mas o processo não teve um
desfecho satisfatório para o indígena até 2015.
[a]í quando nós estávamos apresentando o nosso trabalho a professora falou pra mim e pro
Genésio, que está ali sentado: ‘O que vocês vieram fazer aqui na universidade? O que vocês
estão fazendo aqui na universidade?’ A professora disse ainda pra mim: ‘O que vocês vieram
fazer aqui na universidade? Vocês vieram fazer vergonha pra universidade? Vocês estão
fazendo que a universidade seja mal falada por causa de vocês, que vocês não tão
aprendendo!?’ Eu fiquei mais triste ainda, quando a professora, quando nós estávamos
apresentando o seminário, que nós estávamos na frente de todos os alunos presentes, ela
falou assim: ‘Por má apresentação do seminário de vocês eu vou dar nota por mim, aqui na
frente de todos, por má apresentação, que pegou nota trinta, porque vocês não sabem falar
muito bem’. Por isso eu fiquei muito triste com isso, com a situação que ocorreu dentro da
sala de aula. (Wai Wai, 2015)
É importante mencionar que a denúncia feita por Namam acabou sendo utilizada para
compor a argumentação em outras falas que o sucederam, contribuindo significativamente
para definir o tom das discussões realizadas durante a mesa e durante o evento,
posteriormente também tornou-se peça central, juntamente com o relato de Daniela Bentes,
que representou o Coletivo de Estudantes Quilombolas (CEQ), para delinear a Carta-memória
do I Encontro Diversidade em Foco & Simpósio Sociedades Amazônicas, Cultura e Ambiente,
documento que foi encaminhado para o MPF denunciando situações de discriminação e
racismo que acontecem na Instituição.
157
As escolhas feitas por ele para transmitir a mensagem ao público são resultantes de
um contexto adverso e da necessidade de apresentar os marcadores sociais da diferença que
melhor podem definir a presença indígena no âmbito da universidade. A escolha do parente
por fazer a comunicação na língua Wai Wai é significativa, em conversas com outros parentes,
muitos deles atuantes no movimento indígena estudantil em Santarém, é possível inferir que
escolha, também, foi política.
A fala do parente na língua Wai Wai poderia ser interpretada como resultado apenas
das dificuldades para falar a língua portuguesa, pois é mais cômodo falar na língua materna,
dependendo da habilidade do narrador com outras línguas. No entanto, destaco que também
foi uma escolha política, pois apesar de não se expressar conforme o que é definido pelos
cânones acadêmicos como a forma correta de falar o português, a língua é utilizada por ele
diariamente para se socializar com indígenas de outras etnias e com não-indígenas, portanto,
apesar das dificuldades a comunicação poderia sim ter sido feita língua portuguesa. Por outro
lado, a fala pode ser interpretada como protesto contra a situação que enfrentou em sala de
aula, marcando a presença indígena não apenas no evento, mas na própria Universidade. Falar
em Wai Wai é expressar um marcador social da diferença e estabelecer limites entre
diferentes, é mostrar que a língua pode ser uma barreira para o aprendizado e também revela
um universo que até pouco tempo não existia, pois instigou os presentes a refletir sobre a
presença de indígenas na Universidade e a analisarem a situação a partir da ótica do parente.
158
Portanto, a diferença manifestada a partir deste marcador não pode ser interpretada
como indicativo de inferioridade ou incapacidade, mas como uma possibilidade de
complementação da argumentação trazida, que acaba envolvendo o público no universo do
discente, remete a pensar que, assim como sente dificuldade em compreender línguas
indígenas, o contrário também acontece, sentimos dificuldades em compreender de forma
adequada o português.
A escolha do parente leva a reflexão do quanto esta presença pode significar a
necessidade de mudanças de postura para trabalhar adequadamente com as diferenças,
também demonstrou o despreparo e a falta de qualificação para trabalhar com a diversidade.
A falta deste preparo extrapola a sala de aula e a pertença indígena, atingindo em cheio grupos
historicamente vulnerabilizados, não está limitada a relação professor/discente, mas envolve
um número de pessoas muito maior do que se imagina e está presente muitos espaços.
O caso de Namam é um dos poucos que veio a público, quantos casos como esse se
repetem todos os dias nas salas de aula, nos corredores das instituições e fora dela e
continuam invisibilizados, e tantos outros que acabam passando despercebidos por estarem
disfarçados em brincadeiras que parecem inocentes aos ouvidos pouco treinados de nossos
parentes, mas que na verdade trazem consigo cargas pesadas de preconceito e racismo. É,
também, expressivo por mostrar o quanto a falta de entendimento relacionado ao outro pode
gerar situações constrangedoras para os discentes indígenas, também por trazer a público
casos que, na grande maioria das vezes, acabam sendo esquecidos ou “deixados para lá”,
como muitos indígenas costumam fazer temendo que as “reações” dos envolvidos.
Namam nos passa a mensagem de que requer no mínimo um pedido de desculpas por
parte da professora, que ela reconheça o grave erro que cometeu, o que exige é o respeito, e
para ele este respeito deve ser demonstrado, como reiterou várias vezes durante a fala, pelo
gesto da professora, que deve ir até ele e pedir desculpas, “só que eu não vou como ela, ela
tem que vir comigo, porque ela que errou, ela que tem que vir comigo e dizer desculpas pra
mim”.
Depois de dialogar com outros parentes que presenciaram o ocorrido, compreendeu
melhor a situação e resolveu ir até a ouvidoria da UFOPA para formalizar a denúncia, para ele
a Universidade deve garantir o bem-estar de todos os discentes, possibilitando o convívio no
mesmo espaço, levando em consideração as particularidades e as especificidades de cada um
para que o pluralismo realmente seja celebrado. Namam deixa um recado ao público ouvinte,
159
As ações promovidas por discentes indígenas em luta por direitos para alcance de
maior autonomia e visibilidade frente a adversidades é tema que recebe atenção especial nas
discussões relacionadas a presença de indígenas na UFPA. Portanto, em projeto de luta pela
autonomia, autodeterminação, superação da invisibilidade e garantia de direitos, a APYEUFPA
é organização indispensável.
Para contextualizar a criação da APYEUFPA, destaco que em meados de 2010, a
maioria dos indígenas discentes não conheciam uns aos outros, com exceção dos Tembé que
ingressaram na UFPA em número maior, muitos oriundos da mesma TI, de indígenas
pertencentes a mesma etnia, como é o caso dos Karajá, Kyikatêjê, Xerente, Xipaya e Kuruaya
e, de parentes que estavam inseridos no movimento indígena, os quais criam redes de
relações mais amplas, com indígenas de outros povos e regiões.
Como não houve um momento de acolhimento específico para este público,
importante para interação entre os discentes, cada um teve que elaborar estratégias próprias
para superar os desafios impostos a partir da aprovação no PSE, portanto, naquele momento
70
Termo usado pelo meu povo para se referir a um pequeno caminho aberto na mata para alcançar
locais de difícil acesso.
162
indígenas que tinham algum conhecimento de informática, como foi o caso de Jorge Tembé,
o qual contribuiu significativamente para o andamento das atividades.
A turma foi composta predominantemente por indígenas da etnia Tembé, além das
atividades da formação, discutimos aspectos políticos e problematizamos nossa presença na
UFPA, refletindo sobre a necessidade de melhorar as condições de acesso e permanência. Foi
quando coletivamente identificamos a necessidade de fortalecer nossa luta, buscar maior
visibilidade e mobilizar um grupo maior de indígenas discentes para lutar por direitos
etnicamente diferenciados em ambiente considerado hostil. A forma organizativa indicada
pela maioria foi a partir de uma Associação, pois permitiria alcance maior e o acesso a recursos
disponibilizados para este tipo de organização formal, a escolha também diferiu de formas de
organização estudantil existentes na UFPA, que acabavam não atendendo de forma adequada
nossas demandas específicas. Luciano (2006) nos indica que a organização indígena pode ser
entendida como uma forma na qual comunidades ou povos indígenas se organizam em
coletividade, seus trabalhos e lutas por direito e não simplesmente como uma instituição
jurídico administrativa.
A maioria dos indígenas que ingressaram no campus de Belém foi contatado, apesar
do esforço não foi possível criar a organização em 2010, as atividades acadêmicas foram se
agigantando e aos poucos a participação dos discentes em reuniões e mobilizações começou
a diminuir.
Com o ingresso de uma nova turma em 2011, as forças foram renovadas, ideias foram
surgindo e lideranças se estabelecendo no âmbito da UFPA. Neste ano as principais discussões
sobre a criação da Associação aconteceram. Diversas reuniões foram realizadas na UFPA e
fora dela, o espaço da FUNAI/Belém foi utilizado diversas vezes para a discussão do Estatuto
da Associação.
Até a criação da organização, muitas iniciativas foram protagonizadas pelos discentes
na tentativa de alcançar melhorias, necessárias para garantia da permanência na UFPA. Marisa
Revilla Blanco (2010) faz a distinção entre organizações coletivas, dando ênfase nas ações
coletivas como resultado da solidariedade de grupos.
[l]a acción colectiva es siempre un proceso interactivo y comunicativo: implica otros actores,
recursos, capacidades organizativas, habilidades de liderazgo, circunstancias coyunturales y
condiciones estructurales. Esos procesos configuran escenarios en los que se hace posible o
164
no la acción colectiva y em los que se condiciona la forma que adopta la acción, si es que
existen posibilidades de existencia. (Revilla Blanco, 2010: 301)
estudantes ficando Associação dos Indígenas Estudantes da UFPA (AIEUFPA). Elielson Tembé,
observando a composição dos presentes na sala, oriundos de diversos estados da federação
e de diversas etnias, fez mais uma observação, sugeriu que a associação fosse dos povos
indígenas para abranger a diversidade existente na UFPA, sem oposições a alteração o nome
ficou Associação dos Povos Indígenas Estudantes da UFPA (APIEUFPA).
Por fim, Almires Martins Machado, guarani estudante do doutorado em Antropologia
fez duas sugestões, a primeira atribuindo um significado político ao nome a partir da mudança
de “I” para “Y”, ficando APYEUFPA. De acordo com o parente, o significado de APY é eu venho
e “U” significa comer ou beber na língua Tupi, ou seja, “eu venho comer ou beber”, explicou
ainda que geralmente a expressão pode ser usada para se referir ao local em que se reúnem
os animais para beber água e que este lugar para nós seria a UFPA, “o lugar de comer e beber
do conhecimento não indígena”. A segunda sugestão do parente foi mudar o “da” UFPA para
“na” UFPA, pois nós indígenas não somos da UFPA, apenas estamos na UFPA, estada que faz
parte de projetos coletivos dos povos indígenas na luta pela autonomia e autodeterminação.
Pensando assim, criamos a APYEUFPA no final de 2011, a organização, como o próprio
nome diz, representa vários povos de diversas regiões do país, foi resultado do protagonismo
indígena e de vários debates nas aldeias e na Universidade, a ideia nasceu da discussão entre
alguns parentes e foi tomando maiores proporções na medida em que outros foram
ingressando na luta. O que era um projeto, um sonho para os indígenas discentes se tornou
realidade, por meio dela iniciamos uma nova caminhada de luta por direitos e alcançamos
resultados significativos, garantindo melhorias nas condições dos indígenas que estão na
Universidade e novas perspectivas para aqueles que ainda estão por vir.
A associação foi criada para ser interlocutora de nossas demandas, por intermédio dela
são estabelecidos espaços de diálogo com lideranças, comunidades indígenas, Universidade,
outras instituições e parceiros, no sentido de viabilizar as reivindicações feitas pelos discentes
e pela base social, trata-se de experiência integrada e importante na mobilização por direitos.
Nosso parente Baniwa, Luciano (2007) nos indica que “[n]a condição de mediadores das
relações interétnicas, as organizações indígenas assumem posições privilegiadas nos diálogos
interculturais estabelecidos entre povos indígenas e agentes não indígenas”. (Luciano
2010:29)
A categoria organização formal discutida por Luciano (2006), permite identificar o
contexto em que a APYEUFPA está inserida, de forma distinta a organização tradicional
166
indígena, as associações têm sido sistematicamente apropriadas pelos povos indígenas para
intermediar diálogos com epistemologias diferenciadas, contribuindo para a garantia de
espaços importantes na sociedade. Em outras palavras “as organizações são parte dos
projetos de autonomia dos povos indígenas e uma forma de colocar em prática as garantias
constitucionais proporcionando a participação política de lideranças e povos em diversas
áreas da sociedade”. (E. Fernandes, 2013: 99)
O tema do associativismo foi discutido na dissertação de mestrado, na qual, procurei
verificar a importância da AITESAMPA, organização que representa os Tembé situados no hoje
município de Santa Maria do Pará. A pesquisa de mestrado permitiu constatar a importância
das associações para a conquista de direitos pelos povos indígenas, influenciando
significativamente no amadurecimento da ideia da criação da APYEUFPA.
A APYEUFPA representa os interesses dos indígenas discentes que estudam na UFPA,
atualmente pertencentes a 22 etnias, são elas: Anambé, Arapasso, Baniwa, Baré, Guajajara,
Hexkaryana, Jeripancó, Juruna, Kaingang, Karajá, Karipuna, Kuruaya, Manoki-Irantxe,
Munduruku, Palikur, Parkatêjê, Piratapuia, Tapajós, Tembé, Tukano, Wai Wai, Xakryabá,
Xerente e Xipaia. Os indígenas membros da APYEUFPA estão distribuídos nos seguintes cursos:
Administração, Agronomia, Arquitetura e Urbanismo, Biomedicina, Ciências Contábeis,
Ciências Tecnológicas, Direito, Educação Física, Etnodesenvolvimento, Enfermagem,
Engenharia da Computação, Engenharia Civil, Engenharia Mecânica, Engenharia Elétrica,
Engenharia Florestal, Engenharia Industrial, Engenharia Sanitária e Ambiental, Farmácia,
Fisioterapia, Geografia, História, Letras (Língua Inglesa e língua portuguesa), Medicina,
Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Pedagogia, Psicologia, Serviço Social, Terapia
Ocupacional, mestrado e doutorado em Antropologia.
Na figura 12, indígenas discentes da graduação e pós-graduação aparecem reunidos
no dia da primeira Assembleia Geral da APYEUFPA, ainda em 2011. A reunião aconteceu na
sala de aula do PPGA, no prédio do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UFPA.
Dos 13 parentes reunidos naquele momento, nove concluíram seus cursos na Instituição.
167
71
Os documentos de criação de Associações não têm limitação de tamanho, porém, recomenda-se
que sejam elaborados de forma objetiva, pois o valor do registro em cartório depende da quantidade
de páginas dos documentos, quanto mais páginas, mais elevados são os custos com o registro.
169
interessante uma votação para cada cargo disputado, decidida pela maioria simples, chegou-
se ao consenso de que os candidatos menos votados seriam os vices dos cargos que estavam
concorrendo. Nesta Assembleia criou-se oficialmente o cargo de logística, que vinha sendo
ocupado por Putira Sacuena (Eliene dos Santos Rodrigues) durante a primeira gestão da
diretoria e, os cargos de suplentes de fiscais não foram ocupados.
[s]em Associação nós teríamos lutas individuais, ou então outras pessoas dentro da
Universidade ainda estariam decidindo pela gente. A APYEUFPA significa para mim um lugar,
uma maloca onde a gente fica forte, é algo sagrado, onde todos juntos lutam por objetivos
comuns. (Putira Sacuena, 2018)
72
A reitoria da UFPA está localizada no campus do Guamá, no município de Belém do Pará. Conta com
prédio de três andares e o gabinete do reitor localiza-se no último andar.
73
Local de recreação à beira do Rio Guamá, em frente a Reitoria da UFPA.
172
se chocarem com piso, sinalizando a seriedade da mobilização. A dianteira foi feita pelos
nossos convidados Tembé, oriundos das aldeias Itaputyr e Frasqueira, da TIARG, Jeju e Areal
de Santa Maria do Pará.
A subida até o gabinete do reitor foi feita pelas escadarias, o som dos cantos ecoou
por toda a reitoria, atraindo olhares de curiosos, a maioria temerosos. Durante a subida
observamos que curiosos abriam as salas para ver o que estava acontecendo, muitos deles as
fechavam logo em seguida, outros saíam para acompanhar a mobilização e registrar o
momento. É certo dizer que naquele momento ninguém sabia o que estava acontecendo,
apenas que “um bando de índios” estava prestes a ocupar o gabinete do reitor. A segurança
da UFPA foi chamada e acompanhou tudo, marcando presença com seus rádios de
comunicação e uniformes pretos, nada foi suficiente para intimidar ou impedir a
manifestação.
Ao chegar na antessala do gabinete do reitor, fomos informados que o Vice-Reitor
Prof. Dr. Horácio Schneider respondia naquele momento, o qual solicitou que formássemos
uma comissão para reunião no gabinete. Contrários à proposta, informamos que todos os
173
indígenas participariam da reunião, mesmo que tivessem que sentar no chão, com a negativa
do movimento indígena estudantil, o vice-reitor direcionou a reunião para o auditório da
Secretaria Geral dos Conselhos Superiores Deliberativos (SEGE), permitindo assim a
participação de todos os presentes. Como é possível observar na figura 14, os parentes
participaram da reunião atentos ao que estava sendo discutido, sempre prontos para o
embate caso necessário.
[q]uando a gente ocupou a reitoria em 2013, durante a segunda Semana do Calouro Indígena,
muitos olham aquela foto e não sabe o que significou pra gente, foi o momento em que
dissemos que estamos aqui dentro, a gente quer respeito, a gente quer ser ouvido, eu acho
174
que foi nossa primeira ação de resistência, foi preciso ocupar a reitoria e a sala do CONSEPE.
Foi nesse momento que a Universidade percebeu que precisava dialogar [...], esse foi um
marco que não deixou a gente desistir da Associação. (Putira Sacuena, 2018)
A “ação de resistência” conforme destacado por Putira teve alguns resultados, após
ouvir todas as manifestações, o representante da Universidade posicionou-se, mostrando
sensibilidade as demandas apresentadas e a necessidade de maior atenção em relação a
presença indígena naquele ambiente, comprometeu-se a encaminhar as reivindicações aos
órgãos responsáveis e solicitar a solução dos problemas.
A figura 15 marca a presença indígena UFPA, momento histórico registrado e
documentado.
na UFPA durante a II Semana do Calouro Indígena, marcaram presença na reunião com o Vice-
Reitor e, hoje, são discentes na Universidade, fazendo os cursos de Enfermagem, Direito e
Educação Física. A imagem é emblemática por marcar as possibilidades de articulação de
indígenas discentes que estão na UFPA, das lideranças indígenas no estado do Pará e os jovens
discentes do ensino médio. Na época desta reunião enfrentávamos sérios problemas com
tentativas de alteração no edital do PSE e muitos outros relacionados à permanência na UFPA,
as reivindicações feitas à reitoria cobrando medidas que garantissem melhores condições para
os discentes.
estabelecidas no edital diferenciado para povos indígenas; (3) expor os desafios que são
enfrentados tanto na Universidade quanto fora dela, caso o indígena seja aprovado.
Ao optar pelo ingresso no ensino superior, o indígena se depara com várias opções de
cursos que são oferecidos, chegando a ficar confuso diante de tantas opções. Antes de realizar
a inscrição no PSE é necessário que o candidato tenha as informações básicas relacionadas ao
curso pretendido, verificar quais são as habilidades e competências necessárias para atuar na
futura profissão. Purupramré Lima Gavião, do povo Parkatêjê, hoje Enfermeira pela UFPA,
quando falou sobre o assunto na abertura da reunião na aldeia Areal, enfatiza que “é
complicado né, a gente não conhece a faculdade, não conhece o curso, então tudo pra gente
é novo, tu pensa que vai fazer uma coisa e de repente é outra coisa”.74 (Purupramaré Gavião,
2012)
Portanto, a proposta do projeto foi auxiliar os indígenas nas escolhas, preparando-os
para a universidade, diminuindo o desconhecimento relacionado aos cursos oferecidos. O
projeto foi dividido em cinco etapas, todas elas foram realizadas com a participação ativa dos
membros da APYEUFPA, algumas delas tiveram a participação de alguns parceiros não
indígenas, sendo executado na seguinte ordem, conforme quadro 18:
74
Acervo APYEUFPA, audiovisual Caravana do Vestibular Indígena, Aldeia Areal, 11.10.2012.
177
Em Santa Luzia do Pará três reuniões foram realizadas na TIARG, nas aldeias
Frasqueira, São Pedro e Sede, em todas as reuniões o número de participantes foi significativo,
pois os indígenas das aldeias próximas se deslocavam para a aldeia que sediava a atividade.
Em Tomé-Açu, uma reunião foi realizada na aldeia Turé-Mariquita, mobilizando também
participantes das demais aldeias da TI.
179
Na figura acima, o discente Marcos Tembé, a esquerda, aparece falando sobre sua
experiência com o PSE e a Universidade, entre os membros da comunidade, da esquerda para
direita, Leidiane Tembé aparece sentada, atenta as explicações de seu parente, em 2012,
Leidiane demonstrava muito interesse em ingressar na UFPA, no PSE seguinte foi aprovada no
curso de Odontologia e passou a ser discente no ano de 2013, em fevereiro de 2018, cinco
anos depois do ingresso, defendeu o TCC e colou grau juntamente com a turma.
As iniciativas protagonizadas por discentes naquela época começam a apresentar
resultados significativos para as comunidades, a assertiva se justifica pelo fato de Leidiane ter
sido aprovada no processo seletivo promovido pela Associação Paulista para o
Desenvolvimento da Medicina (SPDM), que seleciona profissionais para atuar dos Distritos
Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), Leidiane foi aprovada como dentista no Polo-Base de
Tomé-açu e irá atuar com os indígenas da sua região, inclusive na aldeia de origem.
O projeto foi a possibilidade de contribuir com os povos indígenas do estado do Pará,
teve apoio das lideranças que destacaram a importância em ter indígenas inseridos no ensino
superior. Ressaltaram ainda que a iniciativa demonstra o comprometimento político dos
180
75
Na época haviam apenas cinco aldeias na Reserva Indígena, atualmente existem várias outras aldeias,
criadas a partir de cisões internas.
181
[e]ntão dá a entender pra nós, que é uma causa por amor a nossa raça, ao nosso povo, nossa
geração, porque não é fácil, quando eu vi ontem vocês chegarem aqui, andamos tudo esse
balão por aí, depois fizeram a comida e ainda dez horas ainda foram pro brejo toma banho e
agora cedo já de pé pra conversar e trazer essa informação, isso pra nós é importante, dos 23
né? Eu sei que lá dentro tem 10 que tem amor pela sua causa, que também se interessa por
nós, que tá olhando pra nós. (Lúcio Tembé, 2012)
[...] nós temos que se unir pra que nós consiga isso, esse objetivo maior pra nossas
comunidades indígenas, pros nossos alunos, nós que somos alunos, que vamos entrar pra lá,
nós tem que pegar força, tem que trocar experiência um com o outro, ver o que é que vai dar,
quais as opiniões de cada aldeia de cada liderança, por que cada aldeia que vão passando é
uma opinião, então agora é a primeira caravana que foi passada né? (Parate Tembé, 2012)
[n]ão podemos esquecer que estamos representando a nossa comunidade, não ir contra a
comunidade, de forma alguma, porque quem somos nós para discutir com os caciques? Com
as lideranças? ... O objetivo maior é a autonomia, a gente só vai conseguir a partir do momento
que todos tiverem formados, sim, nós vamos ter essas pessoas disponíveis pra falar por nós,
para falar pelas lideranças, pelos caciques, por todo mundo, tá na hora de começar a focar
numa coisa maior, por isso que a gente entrou nessa luta. (Zeca Gavião, 2012)
nós sabemos que tem um grupo lá que tá preocupado com nós, com esses jovens que estão aí
precisando de um incentivo, por que às vezes eu, eu ele aqui [se referindo ao irmão], nós já
temo nossos filhos, nós já temo nossos sobrinhos aí, mas tá faltando um empurrão parente,
então vocês tão trazendo isso. (Lúcio Tembé, 2012)
[e]u imaginaria, dentro desse projeto, poderia tá se criando uma equipe multidisciplinar, que
formaria uma câmara técnica de universitários, aonde poderia ser a referência ou o suporte
para outros que irão entrar ... Então dentro dessa metodologia, poderia tá implantando um
184
sistema nesse sentido, não adianta a gente criar uma organização indígena, somente focado
na bolsa de estudos, nós precisamos de informações mais adequadas, agora quem é essa
referência? Pra que comece a trabalhar com muito tempo. (Zeca Gavião, 2012)
A luta por direitos não deve ser entendida como solitária, é preciso reconhecer que
em muitos momentos precisamos de aliados para garantir direitos, estas alianças fortalecem
as mobilizações em decorrência da expertise em áreas estratégicas, bons aliados tornam a
luta menos espinhosa. A APYEUFPA sempre pode contar com parceiros, sejam eles indígenas
ou não indígenas, estas parcerias foram estabelecidas a partir do protagonismo de discentes
indígenas a partir da APYEUFPA, resultando em conquistas significativas.
relacionadas a presença indígena na UFPA, como é o caso de Piná Tembé que procura estar
presente em momentos decisivos, sobretudo relacionados a temáticas indígenas. Piná Tembé
tem se destacado nas discussões relacionadas à educação e se tornado uma referência para a
UFPA, em 2009 participou da reunião no CONSEPE que aprovou a criação de um Processo
Seletivo Especial para povos indígenas, outro momento importante foi a participação na
reunião no colegiado do PPGED, para discussão sobre o ingresso de indígenas naquele
programa, pouco tempo depois estava presente na reunião que definiu os critérios para o
edital do PSE de 2017.
Outra liderança que tem marcado presença na UFPA e no apoio às demandas de
indígenas discentes é o líder Welton Suruí, o qual passou a acompanhar de forma mais
aproximada as atividades da APYEUFPA, com destaque a participação na inauguração/entrega
da sala da APYEUFPA, em outubro de 2017.
Além destas lideranças, é importante destacar a participação de lideranças de base em
mobilizações na Universidade permite maior proximidade e a apropriação das pautas de luta
de quem hoje está na Universidade, por outro lado, participar das defesas dos trabalhos
apresentados por indígenas garante o acompanhamento dos egressos, conhecer as temáticas
discutidas nos trabalhos desenvolvidos, assim como, observar a qualidade da formação dos
profissionais que estão sendo formados, permitindo a absorção destes profissionais em áreas
importantes para os povos indígenas.
Em relação às defesas, uma alternativa proposta pelas lideranças contribuiria para a
solução do impasse, seria a realização destes eventos nas próprias comunidades, permitindo
uma aproximação maior da Universidade com a realidade indígena. Temos experiências
exitosas, o curso de Etnodesenvolvimento é referência neste aspecto, levando os membros
da banca para as comunidades dos discentes.
Recentemente tivemos a defesa do trabalho de TCC da discente quilombola Leila
Seabra, egressa do curso de Serviço Social, a defesa aconteceu no quilombo Abacatal em
agosto de 2018,76 o evento foi inédito em se tratando de quilombolas que ingressaram via
PSE. São experiências exitosas que devem ser replicadas, garantindo a participação das
comunidades e maior aproximação com a Universidade, o que demonstra a capacidade de
compreensão e respeito às diferenças.
76
O Quilombo Abacatal está situado na região metropolitana de Belém, em Ananindeua.
186
[o]s quilombolas, depois que souberam da nossa Associação, depois que viram como a gente
conseguia se organizar, começaram a se organizar também, eles se basearam pelo nosso
estatuto. Os estrangeiros também, eles também tiveram essa força, de quanto era importante
eles estarem no movimento, isso também foi uma contribuição nossa para eles terem essa
visão de movimento, de união, de ter uma diretoria para isso, porque não dá para ir todo
mundo o tempo todo. Eu acho que foi uma contribuição nossa, relacionada a essas
organizações, então você tem um grupo hoje muito forte, dos movimentos. (Putira Sacuena,
2018)
A parceria com os quilombolas tem tido muitos resultados positivos, a soma de forças
é estratégia que assegura direitos, afinal, juntos somos mais fortes. Carlos Diniz, do Quilombo
de Jambuaçu, que fica localizado no município de Mojú, estado do Pará, ex-coordenador da
ADQUFPA e discente do curso de Administração desde 2015, faz um relato importante sobre
a relação entre indígenas e quilombolas na UFPA,
[e]ssa parceria que começou de 2013 para 2014 foi de extrema importância, está sendo até
hoje uma parceria que deu certo. Hoje nós já temos frutos dessa parceria, logo mais teve a
ajuda dos amigos estrangeiros que também fazem parte desse círculo nosso, de Associações
dentro da Universidade. Mas a importância que se deu, os indígenas foram praticamente a
ponta do iceberg para que nós tivéssemos êxito na nossa conquista como associação. Os
indígenas nos forneceram como colaboração o próprio estatuto para que criássemos o nosso,
tiramos algumas coisas para adequar a nossas particularidades e desde então nós firmamos
um compromisso de lutarmos juntos, até porque nós temos um processo seletivo que nos une.
Então nós temos praticamente lutado com as mesmas armas dentro da Universidade, com
suas particularidades, sim claro, mas que o objetivo é um só, é a melhoria do nosso povo, são
as nossas conquistas enquanto povos tradicionais, nossas conquistas a enquanto quilombolas
e povos indígenas hoje podem ser vistas. Hoje nossas Associações pularam o muro da
Universidade e estão fora dela hoje, é uma realidade. (Carlos Diniz, 2018)
187
Carlos faz menção diversas vezes da colaboração dos indígenas para as discussões para
criação da ADQUFPA, relação de parceria que iniciou ainda em 2013, logo após o ingresso de
quilombolas pelo PSE, mas se fortaleceu em 2014, principalmente a partir da atuação de Putira
Sacuena como intermediária, lembro que Putira percebeu a importância de unir forças com
os quilombolas considerando as realidades que são muito parecidas. Desde então muitas
conquistas foram alcançadas em conjunto, tendo destaque para as discussões relacionadas ao
PSE, a bolsa do MEC e a conquista das salas para as Associações.
Outra aliança importante foi firmada com a organização que representa os discentes
estrangeiros, Israël Sèwanou Hounsou, presidente da Associação dos Estudantes Estrangeiros
(AEE) relata a experiência na UFPA e os pontos positivos referentes à aliança entre discentes
indígenas, quilombolas e estrangeiros.
[a] gente começou mesmo a se conhecer, a saber que um ou outro existe principalmente a
partir daquele momento da campanha do Reitor Emmanuel Zagury Tourinho, desde lá até
então a gente começou a fortalecer nossos laços, a gente se estabeleceu como entidade da
Universidade, como Associações que estão representando um grupo de indivíduos aqui na
Universidade. A gente começou a lutar junto, a trabalhar junto, participando dos eventos
juntos, afirmando e mostrando realmente nossa presença aqui na Universidade. Aí começou
a fortalecer mais nossos laços de amizade de irmandade dentro da Instituição. Outra coisa que
foi bem mais espetacular aqui, fortificou mais a obtenção desta sala, a sala das Associações,
que realmente aproximou uns aos outros. De lá então, falando de estrangeiro, falando de
quilombola ou falando de indígena, todo mundo já se encontra, já tá presente, acho que isso,
principalmente pra mim ficou muito, muito interessante, eu acho que em nenhuma
Universidade do Brasil você vai encontrar isso. Eu viajo bastante para visitar várias
Universidades, mas eu nunca encontrei esse, esse movimento, ou seja, esses laços entre a
diversidade presente numa Instituição como aqui na UFPA. Sinceramente acho que estamos
de parabéns, estamos batalhando juntos para conquistar nossos espaços, o que é nosso de
direito também, a gente não vai parar por aqui, a gente vai sempre continuando, buscando
por direito, o que é nosso. (Israël, 2018)77
77
Mantenho na citação o nome de Israël, pois é assim que ele é conhecido na Universidade e no
movimento discente.
188
cursos, que foi linguagem, informática e outros. Então, a gente teve uma sensibilidade do
próprio ICB com relação aos povos indígenas”. (Putira Sacuena, 2018)
Em se tratando de apoio a discentes indígenas e quilombolas, uma parceria foi firmada
com a Faculdade de Serviço Social (FASS), a partir do projeto de extensão “Ações interventivas
para a permanência com qualidade e equidade de estudantes indígenas e quilombolas no
curso de Serviço Social da UFPA”, criado a princípio para atender discentes do curso de Serviço
Social, teve que ampliar a atuação em decorrência das demandas existentes, abrangendo
também outros cursos do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA).
Outro Instituto que garantiu diálogo com povos indígenas e quilombolas, criando
espaços para discussão e disponibilização de serviços específicos para este público foi o ICJ,
concentrando as políticas para discentes do curso de Direito.
Em se tratando de alianças, o movimento indígena estudantil considera que a mais
significativa até o momento foi a firmada com a atual gestão da UFPA, eleita para exercer o
mandato de 2016 até 2020, contando com o Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho como Reitor
e o Prof. Dr. Gilmar Pereira como vice. Consideramos como parceiros pela possibilidade de
acompanhar todo o processo da campanha até a eleição, também pela oportunidade de
dialogar, ainda em campanha, para juntos planejar as ações necessárias para a inclusão
adequada de povos indígenas na UFPA, pois foi somente após diálogos sérios e demonstração
de comprometimento que a APYEUFPA manifestou apoio à candidatura.
A empatia com a proposta da chapa foi unânime entre os indígenas, pois apresentava
a inclusão social e a valorização da diversidade existente na Universidade como bandeira de
luta. Outro ponto importante foi a iniciativa em chamar os povos indígenas para o diálogo,
ouvir nossas propostas e estabelecer planos para a execução de cada uma delas, apresentadas
também em formato de documento, recebido pelos então candidatos.
Dois anos após a eleição, observamos a partir da APYEUFPA que cada uma das
propostas passou a ser discutida com mais afinco e colocadas em prática pela gestão. Em
nenhum momento foi necessário alguma mobilização ou cobrança, muito pelo contrário, as
organizações que representam a diversidade na Universidade passaram a ser chamadas para
o planejamento e decisões de assuntos que nos interessam, sendo cada vez mais respeitadas
não apenas pela reitoria, mas também pelos Pró-Reitores e representantes de diversos
setores da UFPA, tratamento que reflete o compromisso com a diversidade.
190
A primeira ação da nova gestão foi criar espaços de diálogo com as coletividades,
aproximando significativamente a reitoria dos discentes pertencentes a grupos
vulnerabilizados, hoje temos acesso direto ao reitor, sem burocracia e morosidade, o que tem
facilitado consideravelmente a resolução de problemas que antes pareciam impossíveis de
serem resolvidos.
Dentre as ações promovidas pela nova gestão, destaca-se a criação em outubro de
2017,78 da Assessoria da Diversidade e Inclusão Social (ADIS), a qual conta com pessoas
capacitadas e sensíveis na coordenação, a exemplo da Profª. Dr.ª Zélia Amador de Deus, que
é militante do movimento negro e profunda conhecedora das demandas sociais de povos
indígenas e quilombolas. A Assessoria responde a questões relacionadas às ações afirmativas,
está ligada ao gabinete do reitor respondendo somente a ele, é importante por acompanhar
e promover discussões sobre respeito e inclusão social, bem como, no acompanhamento de
casos de racismo que ocorrem na Universidade, fazendo formações com profissionais e
técnicos.
Por ter atuação com diversas unidades da UFPA, conforme prevista na resolução
nº759/17, possui outra característica importante, que está relacionada a possibilidade de
analisar documentos, resoluções, editais, entre outros, no sentido de identificar aspectos que
possam ter cunho racista, discriminatório ou excludente, enfim, quaisquer inciativas que
possam ir de encontro com a política de inclusão social da gestão atual. É importante ressaltar
que a Assessoria ainda em fase de estruturação, portanto ainda não possui um local
permanente para atuação dos profissionais vinculados. Sobre o assunto, a representante dos
indígenas na UFPA destaca, “a Assessoria ainda precisa de um local, se tivesse um local, uma
estrutura eu acredito que funcionaria até melhor, ela precisa de uma equipe de apoio
também, frequente com ela, ela tem uma equipe, mas ainda tá muito dispersa, ela precisa
mesmo é de um local” (Putira Sacuena, 2018)
A falta de um local realmente torna difícil o trabalho dos profissionais, não permitindo
a ampliação das atividades, os professores ainda desempenham as atividades a partir de seus
78
A Assessoria da Diversidade e Inclusão Social foi criada a partir da Resolução nº 759, de 20 de outubro
de 2017, disponível em:
http://www.ufpa.br/sege/boletim_interno/downloads/resolucoes/consun/2017/759_Aprova%20o%
20Regimento%20da%20Assessoria%20Especial%20de%20Diversidade.pdf Acesso em: 10 de jul. de
2018.
191
Uma das novidades apresentadas pela nova gestão durante o seminário, foi a oferta
da segunda opção de curso para os candidatos, ampliando significativamente o número de
classificados no processo, que neste ano de 2018 chegou a 74, maior índice desde a criação
do PSE em 2009. O Seminário vai ao encontro de nossas demandas, atendendo ao que
preconiza a Convenção nº. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no que se
refere a consulta aos povos indígenas em assuntos de interesse, também possibilidade
democrática de discutir e chegar a acordos que levem em consideração as especificidades de
indígenas e quilombolas, foi momento impar para o avanço das Políticas de Ações Afirmativas
na UFPA.
192
79
Para mais informações sobre a inauguração das salas, consultar:
https://www.portal.ufpa.br/index.php/ultimas-noticias2/7491-estudantes-indigenas-quilombolas-e-
estrangeiros-festejam-a-conquista-das-sedes-de-suas-associacoes-na-ufpa Acesso em: 15 de ago. de
2018.
193
estava previsto de ser iniciado com a fala de lideranças, reitor e vice-reitor. Na figura 19 o
cacique Welton Suruí na mesa de abertura.
Eliene dos Santos Rodrigues é pertencente a etnia Baré, do Médio Rio negro, seu nome
Baré é Putira Sacuena, que significa flor cheirosa. Putira nasceu em Santa Isabel do Rio
Negro,81 local que leva o nome indígena de Tapuruquara, que em português significa “buraco
do tapuru”, o nome que marca a presença indígena na região ainda é lembrado até os dias
atuais, mantêm-se na memória da maioria da população por ter sido utilizado para nomear o
aeroporto da cidade, o Aeroporto Tapuruquara.
Putira estudou até a oitava série na única escola que existia naquela época no
município, a escola Nossa Senhora Maria Auxiliadora, administrada por freiras. Seus pais
atuavam como professores, além deles, a maioria dos professores que lecionavam na escola
eram do próprio município. Apesar do número significativo de indígenas na escola e da
diversidade de culturas no mesmo ambiente, falar língua e reproduzir quaisquer práticas
culturais não eram permitidas no ambiente escolar, durante o relato, Putira fica emocionada
quando fala sobre o assunto: “A gente não falava a língua na escola porque elas precisavam
ter controle do que estávamos falando”. (Putira Sacuena 2018)
A realidade vivida por Putira naquela região não difere da vivida por outros parentes
do mesmo estado e de outros estados no norte do país. R. Fernandes (2017), ao tratar sobre
a metodologia utilizada por religiosos em espaços destinados a “educação” de indígenas no
estado do Pará, faz a reflexão a partir da categoria da pedagogia “repressora”, como
80
O texto é resultado de conversa com finalidade para o propósito da tese, realizada no dia 20 de jul.
de 2018, envolvendo Edimar Fernandes e Putira Sacuena, além da conversa gravada, as longas
conversas com Putira em diversos momentos contribuíram significativamente para elaboração da tese.
81
Santa Isabel do Rio Negro é município cuja população predominantemente é de origem indígena,
das etnias Baré, Tukano, Baniwa, Pira-Tapuya, Tariano, Dessana, Arapasso, Tuyuca, Cubeo e Curipaco,
está localizada na margem esquerda do Rio Negro, na região norte do estado do Amazonas.
195
82
Manaus é a capital do estado do Amazonas, distante aproximadamente 650 km em linha reta do
município de Santa Isabel do Rio negro. A locomoção entre estes dois locais é aérea ou fluvial.
196
área de formação técnica, dedicando-se a família e aos filhos em lugar distante de sua terra
natal.
O afastamento do local de origem, da família, dos parentes e as mudanças trazidas
com o novo modo de vida na cidade de Belém foram determinantes para um longo período
de silenciamento étnico e invisibilização da identidade Baré. Não se sentia confortável para
revelar a pertença indígena por conta das situações de racismo que enfrentou na infância e
que poderia voltar a enfrentar estando entre não indígenas, insegurança resultante das
relações de poder estabelecidas no período da escola, nas quais era obrigada a omitir a
identidade Baré, “Hoje eu percebo o quanto eu sofri, porque tenho o conhecimento do que é
o silenciamento, do que é o racismo. Na verdade, eu vivi tudo isso e não tinha me dado conta
do quanto isso era ruim”. (Putira Sacuena, 2018)
Hoje a parente compreende o que é silenciamento, principalmente pela proximidade
com a Antropologia, pela leitura de textos sobre o assunto e a participação em eventos, mas
também em decorrência do acompanhamento de casos de parentes que passaram por
situações semelhantes. A partir do protagonismo criou espaços no movimento indígena,
estabelecendo-se como liderança indígena, principalmente pela atuação na APYEUFPA, hoje
é respeitada e reconhecida no estado do Pará, no seu estado de origem e em outros estados.
Em 2009 regressa para o Amazonas, onde procura superar o silenciamento étnico e
retomar sua vida profissional atuando como técnica de laboratório em hospital de Santa Isabel
do Rio Negro, rompendo com relações de subordinação na qual foi submetida, reafirmando-
se como Baré. De acordo com Putira, a perda do pai em 2008, a fez refletir sobre a situação
em que estava, era o pai quem mais incentivava os estudos, a parente relembra do pai com
enorme tristeza e pesar “em 2008 quando eu perdi meu pai foi que eu comecei a perceber o
quanto eu tinha parado no tempo, pois meu pai era uma das referências em educação na
região, tanto em Barcelos, quanto em São Gabriel da Cachoeira, todos conheciam ele, foi uma
situação muito complicada, mas que me ajudou a despertar sobre o ensino superior”. (Putira
Sacuena, 2018)
No início de 2011, fez outro curso técnico em Manaus, agora em Hematologia e
Hemoterapia, foi quando percebeu a real necessidade de fazer um curso de ensino superior,
pois os cursos técnicos não permitiriam atuação com maior qualificação, teve incentivo
familiar, mas também recebeu críticas. Lembra das palavras do irmão mais jovem, que
chamou sua atenção com a seguinte frase “poxa, a gente sempre se espelhou em ti, mesmo
197
quando não tinha nenhuma oportunidade, tu buscava estudar e agora parou, parou no tempo,
não saiu do técnico, tu era nossa inspiração para estudar, aí a gente estudou e tu ficou”. (Putira
Sacuena, 2018)
Na região de origem da parente, os cursos de nível superior oferecidos estavam
voltados principalmente para a área da educação, situação que favoreceu a formação de
vários membros da família para atuarem como professores, permitindo inclusive a conclusão
de um segundo curso de nível superior pelo seu pai, porém, não haviam cursos de ensino
superior voltados a área da saúde.
Em 2011 ficou sabendo do PSE para povos indígenas da UFPA por intermédio de
conhecidos em Belém, percebeu ali a oportunidade de ingressar no Ensino Superior. Porém,
para voltar a Belém era necessário pensar em toda logística que a mudança geraria para a
família, pois estava estabelecida em Santa Isabel do Rio Negro com seus filhos. Em conversa
com a família do ex-marido, verificou que poderia contar com o apoio para o cuidado com os
filhos em Belém, foi quando optou pelo curso de Biomedicina.
Para fazer o PSE para povos indígenas enfrentou todas as dificuldades de ter que se
deslocar de um estado para o outro, tendo que fazer o translado de barco até Manaus e de
avião até Belém. Os custos da viagem são altos, mas foram pagos graças a economia que vinha
fazendo a algum tempo. Quando saiu o resultado do processo, verificou que havia passado
com a nota máxima nas duas etapas, redação e entrevista, lembra ainda da pergunta feita na
banca, sobre o que faria com os filhos caso fosse aprovada, mas naquele momento tudo
estava organizado para a vinda da família inteira para Belém. Na figura 20, apresento o mapa
da trajetória de Putira.
198
O mapa elaborado a partir das conversas com Putira mostra todo o trajeto percorrido
até se estabelecer em Belém em função da aprovação no PSE para povos indígenas, assim
como, os anos que fez os deslocamentos, é importante por mostrar a saga da primeira parente
Baré a ingressar na UFPA. Putira ingressou na UFPA no curso de Biomedicina no ano de 2012,
como a maioria dos parentes que chegam à Instituição enfrentou diversas dificuldades no PSE,
de adaptação em Belém e, acima de tudo, de adaptação na Universidade.
Putira lembra dos primeiros dias na Universidade, quando professores perguntavam
sobre as expectativas em relação ao curso e a possível atuação profissional a partir da
formação, como acabara de chegar à Universidade, precisava conhecer o ambiente e
compreender como pessoas etnicamente diferenciadas seriam recebidas, estrategicamente
preferiu não manifestar a pertença Baré, “mas eu não lembro como a faculdade de
Biomedicina ficou sabendo que tinha indígena, porque em uma das aulas a professora falou
que tinha indígena na turma, quando terminou a aula dela todo mundo se perguntava quem
era a indígena”. (Putira Sacuena, 2018)
De acordo com Putira, o espanto foi geral, todos se perguntavam quem seria. Não
fugindo da regra, orientados pelos estereótipos, os colegas logo voltaram os olhares para
199
outra colega, a qual levava até apelido pelo fenótipo, a chamavam de Pocahontas. Quando
interrogada sobre a pertença étnica, a colega manifestou desconforto, negando qualquer
relação com povos indígenas, “eu lembro que tinha uma colega nossa que tinha o cabelo
grande e liso [...] aí chegaram com ela e falaram, olha tu que é a indígena? Não, Deus me livre,
eu não sou indígena, não sou eu”, (Putira Sacuena, 2018) percebendo o desconforto e a
situação que a colega foi colocada, Putira resolve se manifestar a pertença étnica, revelando
publicamente que a indígena da turma era ela “no momento em que ela falou isso, eu percebi
o quanto ela ficou ofendida, aí eu falei, sou eu”. (Putira Sacuena, 2018)
A notícia causou espanto, para os colegas os traços físicos e o português bem falado
não condiziam com a pertença. Lembra das palavras do colega Roberto Magno em sua
defesa,83 “sim, vocês queriam que ela viesse pra cá nua? Que fizesse foguinho ali na frente do
ICB e ficasse cantando em volta da fogueira? Se não é assim digam porque a Eliene não pode
ser a indígena da turma?” (Putira Sacuena, 2018) A reação do amigo foi marcante para Putira,
o amigo tomou a dianteira e foi para embate em sua defesa.
O caso é marcante por mostrar o despreparo dos docentes e discentes para receber
grupos etnicamente diferenciados, a forma exótica que nossos povos são vistos pela
sociedade também acontece na academia. No caso da professora, não houve prudência na
forma como manifestou a presença de indígena em sala de aula, por mais que quisesse
destacar de forma positiva, acabou não respeitando a autonomia da parente, que se
apresentaria quando se sentisse confortável para tal, provavelmente quando percebesse um
ambiente mais favorável e receptivo às diferenças, com menores chances de enfrentar
situações de racismo e discriminação. A revelação “atravessada” obrigou a parente mudar de
estratégia, tendo que fazer enfrentamentos antes do previsto, o que envolveu também
colegas e amigos.
Naquele momento Putira passava por um momento de reafirmação identitária, ainda
não se sentia segura pelas situações de racismo que enfrentava, que foram previstas por sua
mãe, que alertava sobre o que enfrentaria longe da família e da comunidade:
[e]u ainda não tinha essa formação política sobre o racismo, não tínhamos uma discussão
sobre isso. Eu lembrava muito da minha mãe, que falava: ‘tu vai pra lá, eles vão saber que tu
é indígena, tu vai sofrer, eu não quero ver vocês sofrerem. Se não precisar falar, tu não fala’.
83
Putira fez questão que o nome do amigo fosse mencionado na tese, foram muitas situações que
juntos conseguiram enfrentar e superar.
200
Esses eram os ensinamentos da minha mãe, porque ela sofreu muito com o racismo. (Putira
Sacuena, 2018)
Como estava distante de terra natal, parentes, organizações de base, entre outros, a
proximidade com outros parentes discentes da UFPA, principalmente a partir da APYEUFPA,
foi importante para se fortalecer, buscou participar de eventos, debates, reuniões, formações,
entre inúmeros outros sobre a temática indígena. Foi atuante no Projeto Caravana do
Vestibular Indígena que aconteceu em 2012, participou de todo o planejamento e organização
da viagem e foi fundamental para as discussões nas aldeias, momento em que conheceu
diversas lideranças no estado do Pará.
Putira se tornou referência para a família e para os povos indígenas do Rio Negro,
apoiando candidatos indígenas daquela região que desejavam ingressar na Universidade,
foram 26 parentes ingressaram na UFPA e contaram com o auxílio de Putira em todas as
etapas do processo, destes, 12 são da etnia Baré, além deles, ingressaram também membros
dos povos Arapasso, Baniwa, Dessano, Piratapuia e Tukano, todos daquela região. Putira foi a
precursora, se fortaleceu com a presença de parentes e juntos são protagonistas nas lutas do
movimento indígena estudantil.
[e]m 2012 a gente fez a Caravana do Vestibular, onde eu pude ter contato com as outras etnias
e conhecer outros indígenas, seu modo de vida, tudo isso foi muito importante pra mim.
Depois da Caravana do vestibular, a gente começou um outro diálogo no sentido de expandir
o PSE, então em 2013 veio a Eliniete Fidelis, que aí já veio e ficou na minha casa. A gente
começou a perceber o quanto era importante também a gente estar ocupando essas vagas
aqui, porque o PSE não estava tão divulgado quanto ele está hoje. Em 2013 entrou também
de São Gabriel da Cachoeira, que se formou em Odontologia, que é a Jesusmery. Em 2014 de
novo veio mais indígenas de lá da minha região do médio Rio Negro, todo ano vem mais
indígenas do Amazonas. A gente dá todo o apoio, faz o diálogo com as lideranças da região,
hoje elas confiam e começam a ter outro tipo de postura, sabendo que eu estou aqui em
Belém, hoje meu primo Marivelton Baré que é liderança, coordenador da FOIRN, que é a
Federação das Organizações Indígenas do Rio negro, me liga pra saber como está, fortalecendo
o diálogo. (Putira Sacuena, 2018)
[a] partir dali eu comecei a perceber também que eu podia, de uma certa forma, recuperar o
que tinha perdido, o protagonismo [...] eu comecei e perceber que era importante
acompanhar isso [...] foi quando a gente conseguiu também o auxílio moradia, porque só tinha
o permanência da UFPA, aí já foram duas bolsas, em 2013 já veio a bolsa permanência do MEC.
(Putira Sacuena, 2018)
conhecimento algum sobre a Universidade e a Associação, como o próprio nome indica, acaba
sendo o “local” de encontro, para Putira não foi diferente, pois encontrou orientação e apoio
necessário para o início da trajetória estudantil, para ela,
[o] ingresso e a participação na Associação foi fundamental também para minha permanência,
você se sente mais seguro, você sabe que não está mais sozinho, isso é um fato muito
importante, porque imagina, chegar aqui você não conhece ninguém, mas não importa a etnia
que tu seja, tu é parente e esse parente tem uma relação que te abre portas, tu não tá mais
só, tem parente e aí fala parente é muito mais do que biológico, não é teu parente de sangue,
mas é teu parente como indígena e isso vale muito mais pra gente aqui na Universidade.
(Putira Sacuena, 2018)
Para alcançar determinados locais em meio a mata, sejam de caça, pesca, coleta de
alimentos, de roça, entre inúmeros outros, caminhos são abertos, podem ser mantidos
dependendo da importância do local, tarefa que pode caber a um único indivíduo, a família
ou a comunidade. Quanto maior a importância e quanto maior o número de pessoas que
dependem dele, melhores são as chances do caminho estar adequado para a passagem. Para
o meu povo, fazer a manutenção dos “carreiros” que levam até os Pinheirais é questão de
sobrevivência, pois além do consumo, a renda com a venda do pinhão garante a compra de
outros alimentos para muitas famílias, mesmo que os pinheirais não estejam produzindo, a
limpeza dos “carreiros” é necessária para que a tarefa não se torne complexa com o
crescimento da vegetação. No caso dos povos indígenas do estado do Pará, que contam com
203
a castanha tanto para alimentação, quanto para geração de renda, a manutenção dos
“carreiros” ou “piques de castanha” também deve ser realizada, sendo tarefa necessária e
contínua.
Abrir carreiros e piques em lugares de difícil acesso é sempre um desafio, maior ainda
quando este caminho não leva a mata, mas para fora de nossas terras, para locais que
integram nossos projetos coletivos, como a Universidade, por exemplo. “Abrir” e manter esse
caminho é desafiador, pois requer a apropriação de outros tipos de ferramentas, no caso da
UFPA, conquistas significativas foram alcançadas, o “carreiro” foi “aberto” graças à atuação e
esforços de lideranças indígenas e parceiros na Universidade, de indígenas discentes
mobilizados na Universidade, também com apoio de lideranças indígenas e parceiros, tem
sido mantido “limpo”, pois a “vegetação” nativa insiste em continuar se desenvolvendo para
impedir a passagem. Mantê-la aberta não tem sido tarefa fácil, exige muito esforço e
ferramentas certas para a tarefa, somados a rotina de trabalho e atenção para que pequenos
brotos não tornem-se árvores novamente.
Mas para além de “abrir carreiros” e mantê-los, é necessário acima de tudo amplia-los
para garantir a valorização de conhecedores e conhecimentos tradicionais, saberes locais,
outras formas de pensar e agir, que oriente para formações que atendam necessidades de
comunidades e povos no sentido de proporcionar a superação de problemas locais permitindo
a diminuição de desigualdades sociais. Este movimento requer, antes de mais nada, a
descolonização do saber/conhecimento, superando a forma como a produção do
conhecimento nas Universidades é delineado, pautado na formação de mão de obra para
atender ao mercado de trabalho e nutrir o capitalismo, valorizando o mérito e incentivando a
competitividade, modelo que hierarquiza o conhecimento tornando sujeitos em objetos do
sistema.
A movimentação indígena em direção ao ensino superior teve destaque nestas últimas
duas décadas, a construção de carreiros neste sentido constituiu estratégia para o
enfrentamento dos problemas recorrentes, principalmente dos causados pelo contato com a
sociedade não indígena. Tivemos avanços significativos neste sentido, principalmente com a
garantia de políticas afirmativas voltadas especificamente para povos indígenas em diversas
universidades públicas no país. Porém, estas ações não devem ser consideradas de forma
isolada, outras devem ser pensadas no sentido de garantir a permanência e o sucesso,
ampliando cada vez mais os carreiros. Sendo assim, é possível também observar um
204
movimento cada vez mais forte de indígenas discentes que estão nas universidades para
garantia de políticas que estejam adequadas às especificidades, são parentes mobilizados em
prol de objetivos em comum, que encontram na União a estratégia mais adequada para o
enfrentamento das dificuldades que muitas vezes se agigantam, são conquistas garantidas a
partir do protagonismo indígena.
No caso da UFPA, o protagonismo indígena existiu em todas as etapas de implantação
de Ações Afirmativas para povos indígenas, contribuindo para desconstrução da visão
preconceituosa do “índio tutelado”, dependente e sem condições de tomar decisões. As
iniciativas dos povos indígenas tiveram como base a atuação de lideranças indígenas, tendo
continuidade a partir da atuação de jovens guerreiros que pautaram a luta na necessidade de
melhorar as condições dos indígenas discentes, num movimento de luta pela permanência. O
protagonismo indígena não se encerrou com a garantia do acesso, também se manifesta no
âmbito da própria Instituição no embate às dificuldades relacionadas a permanência e
sucesso.
O parente Uwira Xakriabá (Willian César Lopes Domingues) conhecido no movimento
indígena no Brasil ao problematizar a própria trajetória na dissertação de mestrado, fala sobre
a necessidade de “amansar a universidade”, etapa vista pela comunidade como parte de um
projeto necessário para os povos indígenas, em que o parente faz parte ao ingressar no ensino
superior, daí a indicação da comunidade, “[e]sse processo de ir estudar na universidade foi
um processo negociado, partilhado com a comunidade como parte de um projeto maior de
segundo os mais sábios, ‘amansar’ a universidade e conhecendo-a torná-la conhecida dos
parentes e abrir suas portas para eles”. (Domingues, 2017: 4)
O movimento contrário, em que os povos indígenas procuram as “riquezas” oferecidas
pelos não indígenas, a busca pelo conhecimento dito científico se tornou parte importante da
luta de nossos povos. Para isso, faz-se necessário “docilizar” a Universidade, torná-la menos
arredia à presença da diversidade. A estratégia proposta pelas lideranças que enviaram Uwira
foi abraçada pelos indígenas discentes na UFPA e se tornou parte integrante no projeto da
APYEUFPA, a partir dela trabalhamos para superação das assimetrias, criando novos espaços
de diálogo e garantindo maior participação indígena nas decisões que nos interessam.
Amansar a Universidade também significa garantir que os conhecimentos indígenas
sejam valorizados na mesma proporção que os não indígenas, num movimento de
descolonização do conhecimento, é necessário que se reconheça a insuficiência dos
205
Acima de tudo, é necessário que as ações afirmativas para povos indígenas sejam
fortalecidas, permitindo o acesso crescente de povos indígenas ao ensino superior, garantindo
o empoderamento das comunidades indígenas e a criação de projetos que valorizem o
protagonismo e contribuam para a manutenção da autonomia. Não basta apenas cumprir o
que determina a lei, para que estas ações tenham resultados adequados, é necessário que as
universidades realmente assumam um compromisso com a inclusão social.
Na região Norte mesmo é possível verificar que as experiências com ações afirmativas
são muito distintas, algumas IES avançaram muito neste sentido, contando com políticas de
inclusão e permanência de larga data, como é o caso da UFRR, principalmente a partir do
Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena,84 outras que avançaram muito num curto
período de tempo, como é o caso da UFPA, também temos Universidades que, apesar de não
terem experiência alguma estão buscando informações para aperfeiçoar ou criar tais políticas
e, Instituições que criaram algum tipo de ação afirmativa por força de Lei.
Recentemente, em 07 de agosto de 2018, aconteceu na UFPA uma importante reunião
sobre as Ações Afirmativas implementadas pala UFPA, envolvendo o reitor da UFPA, o reitor
da Universidade Rural da Amazônia (UFRA), a reitora da Universidade Federal do Amapá
(UNIFAP), além de lideranças indígenas, quilombolas e professores da UFPA. O objetivo da
reunião foi apresentar aos representantes destas outras IES a experiência da Universidade
com ações afirmativas, com ênfase no PSE para povos indígenas e quilombolas, assim como,
nos programas e projetos de apoio, tais como: auxílio moradia, auxílio emergencial, os PETs,
a Assessoria da Diversidade e Inclusão Social, o MOBAF, entre outros.85
84
Para maiores informações, consultar: Freitas, Marcos Antonio Braga de. 2011. O instituto Insikiran
da Universidade Federal de Roraima: trajetória das políticas para educação superior indígena, in
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 92(232):599-615. Disponível em:
http://flacso.org.br/?publication=o-instituto-insikiran-da-universidade-federal-de-roraima-trajetoria-
das-politicas-para-a-educacao-superior-indigena. Acesso em: 20 de fev. de 2016.
85
Estiveram presentes na reunião: Universidade Federal do Pará (UFPA) – Prof. Dr. Emmanuel Zagury
Tourinho (Reitor), Prof. Dr. EdmarTavares da Costa (Pró-Reitor de Ensino de Graduação - PROEG),
Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão (Coordenadora do Programa de Ações Afirmativas para Povos Indígenas
e Populações Tradicionais (PAPIT) e Milene Maria Xavier Veloso (representante da Assessoria de
Diversidade e Inclusão Social); Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) – Reitora – Profª Drª Eliane
Superti; Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) – Reitor – Prof. Dr. Marcel do Nascimento
Botelho; Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
– José Carlos do Nascimento Galiza (Coordenador Executivo – Região Norte); Coordenação das
Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará – MALUNGU – Aurélio dos
Santos Borges (Coordenador Administrativo), Érica Nascimento Monteiro (Coordenadora Financeira)
207
Foi possível observar que a UFPA está se tornando uma referência para outras IES, no
sentido de incluir indígenas e quilombolas, o interesse da UNIFAP e UFRA em conhecerem a
experiência é indicativo da afirmação, motivando inclusive o deslocamento da reitora Prof.ª
Dr.ª Eliane Superti da UNIFAP, no Amapá, ao estado do Pará para conhecer in loco o que se
discutiu, anteriormente, pela Prof.ª Dr.ª Jane Felipe Beltrão e Putira Sacuena no estado do
Amapá, em evento realizado na UNIFAP.
Experiências exitosas devem ser difundidas para alcançarem outras Instituições de
Ensino Superior, a UFPA tem sido protagonista na promoção de diálogos nesta direção,
professores, profissionais, pesquisadores e indígenas discentes procuram participar de
eventos em outras Instituições sobre a temática, apresentando o caso da UFPA.
Em diversas palestras sobre ações afirmativas, artigos publicados e discussões
realizadas, falava muito da necessidade da UFPA criar políticas de acesso e permanência de
forma adequada, considerando as especificidades, a Instituição tornou-se modelo para outras
universidades na Amazônia e no Brasil, hoje posso dizer com convicção que estamos no rumo
certo, em meio a mata de incertezas parece que a Universidade se localizou no “carreiro”, mas
é preciso ampliá-lo, para alcançar novos “lugares”, com melhores condições e recursos, o que
se precisa é seguir em frente, não parar, não cansar e muito menos deixar os companheiros
desanimarem, o trabalho é duro, mas a recompensa vale o esforço!
Valéria de Jesus Almeida Carneiro (Coordenadora de Gênero) e Salomão da Costa Santos (Membro do
Conselho Diretor); Associação dos Discentes Quilombolas da Universidade Federal do Pará – ADQ-
UFPA – Analu Batista dos Santos (Coordenadora Administrativa), Claudio Marcio Lopes do Nascimento
(Coordenador de Articulação), Alaci de Souza Maciel (Coordenador de Cultura, Esporte e Lazer),
Manoel Raimundo Carvalho Moraes (Coordenador de Formação) e Carlos da Silva Diniz (Associado).
Associação dos Povos Indígenas Estudantes na UFPA – APYEUFPA – Eliene Rodrigues Putira Sacuena e
Edimar Antônio Fernandes (Edimar Kaingang).
208
Referências
Documentais
Acervo audiovisual e documental coletado durante a Caravana do Vestibular Indígena (Vídeos,
registros gravados, imagens, documentos)
Acervo de documentos do Programa de Políticas Afirmativas para Povos Indígenas e
Populações Tradicionais (PAPIT)
APYEUFPA - Documento s/n entregue a COPERPS. (Trata dos problemas encontrados na
minuta do Edital nº 06/2014)
APYEUFPA - Ofício no. 01/2014 (Trata da Minuta do Edital nº 06/2014)
APYEUFPA - Ofício no. 03/2014 (Dossiê: Inclusão Social & Políticas Afirmativas)
Processo nº. 006344/2008 (Demanda APITO para criação de vagas para indígenas)
Relato de experiência Leidiane Ribeiro Tembé (Documento escrito)
Relatos de experiências em reuniões com indígenas estudantes sobre os problemas
enfrentados no Processo Seletivo Especial.
Relatos reuniões da APYEUFPA durante a Caravana do Vestibular Indígena nas aldeias Areal,
Frasqueira, São Pedro, Sede, Turé-Mariquita, Kyikatêjê, Parkatêjê, Akrakaprekti.
Resolução nº. 3.869/2009 CONSEPE/UFPA. (Cria as vagas reservadas para povos indígenas)
Resolução nº. 4.309/2012 CONSEPE/UFPA. (Cria as vagas reservadas quilombolas)
Brasil. 2017. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Senado Federal,
Coordenação de Edições Técnicas. Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529732/lei_de_diretrizes_e_bases_1
ed.pdf. Acesso em: 29 de mar. 2018.
Universidade Federal do Pará (UFPA). 2010. Relatório de Gestão da PROEX: conhecimento para
desenvolvimento da sociedade. Belém. 100p. Disponível em:
http://saest.ufpa.br/portal/index.php/relatorio-anual. Acesso em: 28 de abr. de 2018.
_____. 2013. Relatório anual de atividades da PROEX: políticas públicas & desenvolvimento
local. Belém. 92p. Disponível em: http://saest.ufpa.br/portal/index.php/relatorio-anual.
Acesso em: 28 abr. de 2018.
209
_____. 2014. Relatório anual de atividades da PROEX: direitos humanos & tecnologia. Belém.
96p. Disponível em: http://saest.ufpa.br/portal/index.php/relatorio-anual. Acesso em: 28 abr.
de 2018.
_____. 2015. Relatório anual de atividades da PROEX - recursos naturais: ciência, Direito e
Realidade. Belém. 92p. Disponível em: http://saest.ufpa.br/portal/index.php/relatorio-anual.
Acesso em: 28 abr. de 2018.
_____. 2016. Relatório anual da SAEST: políticas públicas & desenvolvimento local. Belém.
38p. Disponível em: http://saest.ufpa.br/portal/index.php/relatorio-anual. Acesso em: 28 de
abr. de 2018.
_____. 2017. Relatório anual da SAEST: políticas públicas & desenvolvimento local. Belém.
52p. Disponível em: http://saest.ufpa.br/portal/index.php/relatorio-anual. Acesso em: 28 de
abr. de 2018.
Bibliográficas
Barata, Camille Gouveia Castelo Branco; Beltrão, Jane Felipe. 2014. Corporeidade e gênero em
revistas brasileiras de Ciências Humanas (2008-13): Limites e contribuições ao debate sobre
Povos Indígenas a partir do caso Tembé-Tenetehara, in Espaço Ameríndio 8 (2): 11-48.
Disponível em: http://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/46757. Acesso
em: 16 de set. 2016.
Barroso Hoffmann, Maria Macedo. 2005. Direitos culturais diferenciados, ações afirmativas e
etnodesenvolvimento: algumas questões em torno do debate sobre ensino superior para os
povos indígenas no Brasil. Argentina. Comunicação feita no Simpósio Antropologia Aplicada y
Políticas Públicas do 1º Congreso Latinoamericano de Antropologia (ALA). Disponível em:
http://laced.etc.br/site/arquivos/educacao_indigena_Barroso-Hofmann.pdf. Acesso em: 16
de set. 2016.
Barth, Frederik. 2000. O Guru, o Iniciador e Outras Variações Antropológicas. Rio de Janeiro:
Contra-Capa.
Beltrão, Jane Felipe. 2014. Pertenças ocultas e “etnogêneses” identitárias como faces de
etnocídio “cordial”. Antropologias & Histórias “em suspenso” entre os Tembé/Tenetehara no
Rio Guamá. (Proposta associada à bolsa de produtividade em pesquisa (nível 1C) do CNPq).
Processo: Nº. 303027/2013-4/CNPq. (Inédito)
Beltrão, Jane Felipe; Domingues, Willian César Lopes & Oliveira, Assis da Costa. 2015. Povos
Indígenas, Ações Afirmativas e Universidade: conquistas e dilemas da reserva de vagas na
Universidade Federal do Pará, in Revista História e Diversidade. (6): 93-106. Disponível em:
https://periodicos.unemat.br/index.php/historiaediversidade/article/view/869. Acesso em:
16 de fev. de 2017.
Beltrão, Jane Felipe & Deus, Zélia Amador. 2013. Racismo institucional, in Dossiê Inclusão
Social & Políticas Afirmativas. (Inédito)
211
Beltrão, Jane Felipe & Lopes, Rhuan Carlos Santos. 2014. Diásporas, homogeneidades e
pertenças entre os Tembé Tenetehara de Santa Maria, in Aceno 1 (1): 123-143. Disponível
em: http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/aceno/article/download/1610/pdf.
Acesso em: 20 de maio de 2015.
Beltrão, Jane Felipe; Brito Filho, José Cláudio Monteiro de; Maués, Antonio Gomes Moreira.
2013. Das Ações Afirmativas na Universidade Federal do Pará, in Seminario 2, sobre: Acceso y
permanencia de los grupos vulnerables en la enseñanza superior oficinas de DDHH, Brasília-
DF. Seminario 2, sobre: Acceso y permanencia de los grupos vulnerables en la enseñanza
superior oficinas de DDHH. Madrid: dhes 1 (1). Disponível em: http://www.upf.edu/dhes-
alfa/oficinas/docs/UFPA.pdf. Acesso em: 30 de jun. de 2015.
Beltrão, Jane Felipe; Brito Filho, José Cláudio Monteiro de; Maués, Antonio Gomes Moreira.
2016. Ações afirmativas na Universidade Federal do Pará, in Revista Inclusiones, (3): 78-101.
Disponível em: http://www.revistainclusiones.cl/articulos/vol-especial-luizz-alberto-
2016/oficial-presentacion-vol-3-num-3-jul-sep-2016-luis-alberto---homenaje.pdf Acesso em:
30 de ago. de 2016.
Beltrão, Jane Felipe; Oliveira, Assis da Costa & Oliveira, Leon da Costa. 2009. Outras faces do
ser indígena: entre pertencimentos e exclusões, in Espaço Ameríndio, Porto Alegre, 3 (2): 9-
41. Disponível em:
http://www.seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/10777/6988. Acesso em:
15 de maio de 2015.
Bevilaqua, Ciméa Barbato. 2004. O primeiro vestibular indígena da UFPR, in Campos – Revista
de Antropologia Social. Curitiba, PPGAS/UFPR, 5 (2): 181-185. Disponível em:
http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/campos/article/view/1627. Acesso em: 14 de out. de
2014.
Bicalho, Poliene dos Santos. 2011. Protagonismo Indígena no Brasil: Movimento, Cidadania e
Direitos (1970-2009), in Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo.
Disponível em:
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300054440_ARQUIVO_SIMPOSIONACI
ONALDEHISTORIAANPUH2011TEXTO.pdf. Acesso em: 28 de jul. de 2016.
Bondin, Renata Gérard. 2013. Educação superior indígena: de que estamos falando? in Povos
Indígenas e Universidade no Brasil: Contextos e Perspectivas, 2004-2008. Editado por Souza
Lima, Antonio Carlos de. & Barroso Hoffmann, Maria Macedo. Rio de Janeiro: E-papers, pp.
119-132. Disponível em: http://laced.etc.br/site/pdfs/LivroPovosIndigenas.pdf. Acesso em:
20 de jul. de 2014.
Cardoso de Oliveira, Roberto. 1976. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Livraria
Pioneira Editora.
212
Clifford, James. 1998. A experiência etnográfica: antropologia e literatura no século XX. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ.
Cunha, Mainá Jailson Sampaio. 2013. Povos Indígenas, Universidade e Programa de Reserva
de Vagas: implantação e tentativas de fraude. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de
Direito, Universidade Federal do Pará, Belém. Disponível em:
http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/1032851/lei-12711-12. Acesso em: 02 de
ago. de 2013.
Domingues, Willian Cesar Lópes. 2017. Cachaça, Concreto e Sangue! Saúde, Alcoolismo e
Violência Povos Indígenas no Contexto da Hidrelétrica de Belo Monte. Dissertação de
Mestrado. Programa de Pós‐Graduação em Direito, Universidade Federal do Pará, Belém.
Disponível em:
http://ppga.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/disserta%C3%A7%C3%B5es2017/Disserta%C3%A7
%C3%A3o.pdf Acesso em: 10 de ag. de 2018.
Feres Júnior, João & Zoninsein, Jonas. 2006. Ação afirmativa e universidade: experiências
nacionais comparadas. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
Fernandes, Edimar Antonio. 2009. Nas trilhas da (in)visibilidade, in Revista Tellus. 10 (18): 247–
253. Disponível em: file:///C:/Users/Edimar/Downloads/209-818-1-PB.pdf. Acesso em: 20 de
jul. de 2014.
_____. 2013. Luta por direitos: estudo sobre a Associação Indígena Tembé de Santa Maria do
Pará (AITESAMPA). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós‐Graduação em Direito,
Universidade Federal do Pará, Belém. Disponível em:
file:///C:/Users/Edimar/Downloads/Dissertacao_LutaDireitosEstudos%20(1).pdf. Acesso em:
13 de out. de 2015. (Inédita)
____. 2016. Novos atores em cena na antropologia, in Espaço Ameríndio. 10 (1): 254-269.
Disponível em: http://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/64783/37894.
Acesso em: 16 de jul. de 2016.
Fernandes, Edimar Antonio; Beltrão, Jane Felipe & Oliveira, Assis da Costa. 2015. Povos
Indígenas, Comunidades Quilombolas & Ensino Superior: a experiência da Universidade
Federal do Pará, in Oliveira, Assis da Costa e Beltrão, Jane Felipe. Etnodesenvolvimento
&Universidade: formação acadêmica para povos indígenas e comunidades tradicionais.
Belém: Santa Cruz, pp. 252–280.
Fernandes, Edimar. Antonio; Silva, Almir Vital da; Beltrão, Jane Felipe. 2011. Associação
Indígena Tembé de Santa Maria do Pará (AITESAMPA) em luta por direitos étnicos, in
Amazônica: Revista de Antropologia (2): 392-406. Disponível em:
http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/amazonica/article/view/774/1060. Acesso em: 20
mar. 2015.
213
Fernandes, Rosani de Fatima. 2010. Educação Escolar Kyikatêjê: novos caminhos para
aprender e ensinar. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós‐Graduação em Direito,
Universidade Federal do Pará, Belém. Disponível em:
http://www.programabolsa.org.br/pbolsa/pbolsaTeseFicha/arquivos/tese_rosani_de_fatima
_fernandes.pdf. Acesso em: 02 de ago. de 2013. (Inédita)
____. 2015b. Tembé Tenetehara de Santa Maria do Pará: formas de silenciamento étnico,
resistências e luta por direitos. Revista de Estudos Amazônicos. 8 (1): 1-19. Disponível em:
http://www.ufpa.br/pphist/estudosamazonicos/index.php?option=com_content&view=artic
le&id=140:2015-11-25-16-47-42&catid=6:noticias-pphist&Itemid=1 . Acesso em: 21 de abr.
de 2016.
Fialho, Maria Helena S. S.; Menezes, Gustavo Hamilton & Ramos, André R. F. 2013. O ensino
superior e os povos indígenas: a contribuição da Funai para constituição de políticas públicas,
in Povos Indígenas e Universidade no Brasil: Contextos e Perspectivas, 2004-2008. Editado por
Souza Lima, Antonio Carlos de & Barroso Hoffmann, Maria Macedo. Rio de Janeiro: E-papers,
pp. 109-118. Disponível em: http://laced.etc.br/site/pdfs/LivroPovosIndigenas.pdf. Acesso
em: 20 de jul. de 2014.
Freitas, Marcos Antonio Braga de. 2011. O instituto Insikiran da Universidade Federal de
Roraima: trajetória das políticas para educação superior indígena, in Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, 92 (232): 599-615. Disponível em: http://flacso.org.br/?publication=o-
instituto-insikiran-da-universidade-federal-de-roraima-trajetoria-das-politicas-para-a-
educacao-superior-indigena. Acesso em: 20 de fev. de 2016.
Garcia, Telma Eliane. 2015. Prazer e padecer: a alcoolização entre os Tembé Tenetehara de
Santa Maria do Pará. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia.
Universidade Federal do Pará. Belém. Disponível em:
http://ppga.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses/Garcia%20tese%20alcooliza%C3%A7%C3%A3
o%20Temb%C3%A9.pdf Acesso em: 21 de fev. de 2017. (Inédita)
Hofmann, Juan Carlos Martínez. 2017. Indigenizar las universidades canadienses (?) Sin
cambiar la vision euro-usa Centrica, in Barrera, Mabel García & Maniglio, Francesco. Los
territorios discursivos en América Latina: interculturalidad, comunicacion e identidad. Quito.
Quito, Equador: ediciones Ciespal, pp. 161-174.
Kalckmann, Suzana; Santos, Claudete Gomes dos; Batista, Luís Eduardo & Cruz, Vanessa
Martins da. Racismo Institucional: um desafio para equidade no SUS? in Saúde e Sociedade.
16 (02): 146-155. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902007000200014.
Acesso em: 07 de jun. de 2017.
214
Luciano, Gersem dos Santos. 2006. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos
indígenas no Brasil hoje. Vol. 1. Brasília: MEC/SECAD/LACED/Museu Nacional. Disponível em:
http://www.laced.mn.ufrj.br/trilhas/. Acesso em: 20 de jul. de 2014.
____. 2012. A lei de cotas e os povos indígenas: um desafio para a diversidade, In Revista
fórum. (34). Disponível em:
http://flacso.redelivre.org.br/files/2015/03/XXXVcadernopensamentocritico.pdf. Acesso em:
28 de set. de 2016.
Lopez, Laura Cecília. 2012. O conceito de racismo institucional: aplicações no campo da saúde,
in Interface – Comunicação, saúde, educação. 15 (40): 121-134. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832012000100010. Acesso
em: 17 de jul. de 2016.
Lopes, Rhuan Carlos dos Santos. 2015. Os Tembé/Tenetehara de Santa Maria do Pará: entre
representações e diálogos Antropológicos, in Iluminuras. 16 (38): 219-254. Disponível em:
http://seer.ufrgs.br/index.php/iluminuras/article/viewFile/57438/34494. Acesso em: 12 de
maio de 2016.
Machado, Almires Martins. 2015. Exá raú mboguatá guassú mohekauka yvy marãe‟y De
Sonhos ao Oguatá Guassú em Busca da (s) Terra (s) Isenta (s) de Mal. Tese de Doutorado.
Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal do Pará. Belém.
Disponível em:
http://repositorio.ufpa.br/jspui/bitstream/2011/7138/1/Tese_ExaRauMboguata.pdf. Acesso
em: Acesso em: 10 de jul. de 2017. (Inédita)
Matos, Kleber Gesteira. 2013. Ensino superior e Povos indígenas, in Povos Indígenas e
Universidade no Brasil: Contextos e Perspectivas, 2004-2008. Editado por Souza Lima, Antonio
Carlos de. & Barroso Hoffmann, Maria Macedo. Rio de Janeiro: E-papers, pp. 207-240.
Disponível em: http://laced.etc.br/site/pdfs/LivroPovosIndigenas.pdf. Acesso em: 20 de jul.
de 2014.
Oliveira, Assis da Costa & Beltrão, Jane Felipe. 2015. Etnodesenvolvimento &Universidade:
formação acadêmica para povos indígenas e comunidades tradicionais. Belém: Santa Cruz.
Oliveira, João Pacheco de (org.). 1999. A viagem da volta: etnicidade, política e reelaboração
cultural no nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contra Capa.
Paladino, Mariana. & Almeida, Nina Paiva. 2012. Entre a diversidade e a desigualdade: uma
análise das políticas públicas para educação escolar indígena no Brasil dos governos Lula. Rio
de Janeiro: Contra Capa Livraria; LACED/Museu Nacional/UFRJ. Disponível em:
http://laced.etc.br/site/arquivos/Laced_Entre%20a%20diversidade%20e%20a%20desiguald
ade.pdf. Acesso em: 13 de out. de 2013.
Parente, Francilene de Aguiar. 2016. “Eles são indígenas e nós também”: pertenças e
identidades étnicas entre Xipaia e Kuruaya em Altamira/PA. Tese de doutorado. Programa de
Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal do Pará. Belém. Disponível em:
http://ppga.propesp.ufpa.br/ARQUIVOS/teses2016/Tese%20final%20Francilene.pdf. Acesso
em: 18 de maio de 2018.
Revilla Blanco, Marisa. 2010. América Latina y los movimientos sociales: el presente de la
rebelión del coro, in: Nueva Sociedad, 227: 51-67. Disponível em:
http://eprints.ucm.es/42981/1/marisa%20revilla%20America_Latina_y_los_movimientos_so
ciale.pdf. Acesso em: 01 de fev. de 2018.
Rosemberg, Fúlvia. 2006. Ação Afirmativa no Ensino Superior Brasileiro: Pontos para Reflexão.
Programa de Ação Afirmativa em debate. São Carlos, UFSCAR. Disponível em:
http://www.geledes.org.br/wp-
content/uploads/2014/09/AcaoO_AFIRMATIVA_NO_ENSINO.pdf. Acesso em: 20 de abr. de
2016.
Sant’Ana, Graziella Reis de. 2010. História, espaços, ações e símbolos das associações
indígenas Terena. Tese de Doutorado. Departamento de Antropologia, Universidade Estadual
de Campinas. Campinas, SP. Disponível em:
http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/280437/1/Sant%27Ana_GraziellaReisde_
D.pdf. Acesso em: 07 de mar. de 2017.
____. 2011. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da
universidade. São Paulo, Cortez. Disponível em:
https://extensao.milharal.org/files/2013/03/BOAVENTURA-DE-SOUZA-SANTOS-A-
UNIVERSIDADE-NO-SEC-XXI.pdf. Acesso em: 20 de abr. de 2016.
216
Santos, Silvio Coelho dos. 1995. Os direitos dos indígenas no Brasil, in A temática indígena na
escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. Editado por Silva, Aracy Lopes da &
Grupioni, Luis Donizete Benzi. Brasília, MEC/Unesco/Grupo Mari. Disponível em:
http://www.pineb.ffch.ufba.br/downloads/1244392794A_Tematica_Indigena_na_Escola_Ar
acy.pdf. Acesso em: 10 de mar. de 2016.
Sarró, Ramon & Lima, Antónia P. de. 2006. Introdução – Já dizia Malinowski: sobre as
condições da possibilidade da produção etnográfica, in Terrenos metropolitanos. Ensaios
sobre a produção etnográfica. Lisboa: ICS, pp. 17-37.
Secchi, Darci. 2007. Autonomia e Protagonismo Indígena nas Políticas Públicas, in Januário,
Elias; Selleri, Fernando Silva & Karin, Taisir Mahmudo (Orgs.) Cadernos de Educação Escolar
Indígena - PROESI. Barra do Bugres: Ed. UNEMAT - Universidade do Estado do Mato Grosso, 5
(1): 11-20. Disponível em:
http://educampo.miriti.com.br/arquivos/File/CadernosDeEducacaoEscolarIndigena_V5.pdf.
Acesso em: 01 de ago. de 2016.
Silveira, Maria Inez Matoso. 2005. Análise de Gênero textual: concepção sócio-retórica.
Maceió: EDUFAL.
Souza Lima, Antonio Carlos de. 2007. Educação superior para indígenas no Brasil sobre cotas
e algo mais, in Cotas raciais no Brasil: a primeira avaliação. Editado por Brandão, André
Augusto. Rio de Janeiro: DP&A. Disponível em:
http://www.ufpa.br/juridico/documentos/textoAntonio.pdf. Acesso em: 20 de abr. de 2016.
____. 2015. Povos Indígenas, antropologias & Estado no Brasil, in Etnodesenvolvimento &
Universidade: formação acadêmica para povos indígenas e comunidades tradicionais. Editado
por Oliveira, Assis da Costa & Beltrão, Jane Felipe. Belém, Santa Cruz, pp. 28-53.
Souza Lima, Antonio Carlos de. & Barroso Hoffmann, Maria Macedo. 2013. Povos Indígenas e
Universidade no Brasil: Contextos e Perspectivas, 2004-2008. Rio de Janeiro: E-papers.
Disponível em: http://laced.etc.br/site/pdfs/LivroPovosIndigenas.pdf. Acesso em: 20 de jul.
de 2014.
Wai Wai, Namam. 2015. Mesa redonda: Indígenas e quilombolas na universidade: superando
a discriminação e o racismo, in I encontro diversidade em foco & I simpósio de sociedade
amazônica, cultura e ambiente. Santarém. Relato oral de experiência.
Ventura, Tiago Augusto da; Oliveira, Assis da Costa & Beltrão, Jane Felipe. 2008. Quem
trabalha ações afirmativas? in IV Encontro Nacional da ANDHEP. Vitória/ES. Anais do IV
Encontro Nacional da ANDHEP. Disponível em:
http://www.andhep.org.br/anais/arquivos/IVencontro/JaneBeltraoeTiagoVentura.pdf.
Acesso em: 20 de abr. de 2016.
217