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INDIcE
Título I
O OBJETO DO DIREITO TRIBUTARIO INTERNACIONAL
Título 11
CONTEÚDO E NATUREZA DO DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL
Título 111
As FONTES DO DIREITO TRlBUTÁRIO INTERNACIONAL
b) A jurisprudência....................................................................................................... 83
§ 4° A superioridade hierárquica dos tratados em relação à lei em face da Constituição de 1988... 84
A) Adoção do sistema mouista pelo § 2° do art. 5° ............................................................ 85
B) A expressa superioridade hierárquica dos tratados em matéria de direitos e garantias..... 86
C) Apreciação direta dos tratados pelos tribunais............................................................... 89
D) Impossibilidade de revogação por ato do Poder Legislativo de ato da competência
conjunta do Chefe do Estado e do Congresso Nacional................................................ 89
E) O art. 98 do Código Tributário Nacional e a superada classificação dos tratados em
tratados de natureza contratual e de natureza normativa ............................................... 91
a) A supremacia hierárquica.......................................................................................... 91
b) A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça baseada na distinção entre tratados
normativos e tratados-contratos: crítica.................................................................... 92
F) Natureza não transformatória do referendo do Congresso Nacional e da promulgação
pelo Chefe do Estado........................................................................... ........................ 96
G) A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal............................................................. 101
a) A tese da paridade hierárquica.................................................................................. 10 1
b) Os novos rumos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria de
hierarquia de tratados de direitos humanos............................................................... 104
H) As nossas conclusões .................................................................................................... 107
§ 5° Os tratados internacionais e os tributos estaduais e municipais ........................................... 108
§ 6° O princípio do "efeito negativo" dos tratados.................................................................... III
§ 7° Âmbito de aplicação .......................................................................................................... ll2
A) Quanto às pessoas......................................................................................................... 112
a) O princípio da relatividade dos tratados.................................................................... ll2
b) Situações triangulares: o princípio da relatividade dos tratados e os estabelecimentos
permanentes em matéria de juros ............................................................................. ll3
c) Entes sem personalidade jurídica .............................................................................. ll5
d) A cláusula "sujeito a imposto" .................................................................................. ll9
e) Cláusula do beneficiário efetivo................................................................................ 120
f) Exclusão de certas pessoas......................................................................................... 121
B) Quanto aos impostos.................................................................................................... 121
a) Considerações gerais ................................................................................................ 121
b) A questão da contribuição social sobre o lucro (CSL)............................................... 123
C) Quanto ao território ..................................................................................................... 127
D) Quanto à sucessão de Estados....................................................................................... 129
E) Quanto ao tempo ......................................................................................................... 130
a) Vigência e denúncia.................................................................................................. 130
b) A competência para a denúncia. ............... ..... ........ ..... ..... ............. ...... ................ ...... 131
§ 8° Interpretação. O problema das qualificações......... ........... ............. ............. ..................... .... 134
A) Interpretação dos tratados contra a dupla tributação e o § 2° do artigo 3° do
Modelo OCDE ............................................................................................................ 134
B) Natureza dos "Comentários" da OCDE ........................................................................ 136
C) Definições .................................................................................................................... 137
D) O problema das qualificações.............................................. ................................. ... ..... 140
a) A qualificação como problema autônomo do da interpretação ... ..... ....... ................... 140
b) A teoria da competência qualificatória cumulativa ....... .................... ......................... 146
c) A nossa teoria........................................................................................................... 148
(i) Competência qualificatória exclusiva do Estado da fonte quanto ao
conceito-quadro ............................... ...... ..... ......................................... ............... 148
-nili Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Título IV
Os ELEMENTOS DE CONEXÃO
Capítulo I - Os elementos de conexão em geral........................................................................... 187
§ 1° Conceito e espécies ............................................................................................................ 187
§ 2° Os elementos de conexão nos impostos sobre a renda e o capital........................................ 189
A) Os princípios da fonte e da residência ........................................................................... 189
B) Os princípios da universalidade e da territorialidade; obrigação tributária limitada e
ilimitada.. ..................................................................................................................... 192
§ 3° Os elementos de conexão nos impostos sobre transmissões a título gratuito ....................... 193
§ 4° Os elementos de conexão nos impostos sobre o consumo .................................................. 197
A) Os princípios de origem e de destino ............................................................................ 197
B) Impostos sobre produtos industrializados e sobre circulação de mercadorias.................. 201
C) Impostos sobre serviços ................................................................................................ 203
~~ ........................................................................................................................... ~
b) ICMS sobre serviços de transporte e de comunicação ............................................... 207
Título V
REGIME INTERNO EM MATÉRIA DE IMpOSTO
SOBRE A RENDA
Título VI
REGIME CONVENCIONAL EM MATÉRIA
DE L\1POSTO SOBRE A RENDA
Título VII
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL E
RELEVÂNCIA DE ATOS PÚBLICOS ESTRANGEIROS
LIVROS
a) Publicados no Brasil
· Do procedimento administrativo, São Paulo 1976.
· Do lançamento no Direito tributário brasileiro, São Paulo 1977 (3 a ed., Rio de Janeiro 2005).
· Direito Tributário Internacional do Brasil, São Paulo 1977.
· IncorporaçiW de sociedades e imposto de renda, São Paulo 1978.
· Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributaçiW, São Paulo 1978.
· Estatuto jurídico dos portugueses no Brasil, Rio de Janeiro 1979.
· Administradores de sociedades (regime tributário da remuneraçiW - prestaçiW e aprovaçiW das contas),
São Paulo 1979.
· Direito tributário e empresarial - Pareceres, Rio de Janeiro 1982.
· Pareceres de Direito tributário, São Paulo 1986.
· Estudos sobre o imposto de renda, Belém 1988.
· Temas de Direito tributário, Rio de Janeiro 1991.
· Do Lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, Rio de Janeiro 1997.
· Direito Tributário Internacional do Brasil (6a ed), Rio de Janeiro 2004.
· Tipicidade da tributaçiW, simulaçiW e norma antielisiva, São Paulo 2001.
· Princípios do processo administrativo e judicial tributário, Rio de Janeiro 2005
b) Publicados em Portugal
· Beneficios fiscais à exportaçiW: limites e perspectivas, Lisboa 1969.
· Portugal e a integraçiW econômica europeia, Coimbra 1970.
· Política orçamental e economia de mercado: a experiência americana do apósguerra, Lisboa 1970.
· Subsídios para uma lei de defisa da concorrência, Lisboa 1970.
· Aspectos fondamentais do contencioso tributário, Lisboa 1972.
· Conceito e natureza do acto tributário (dissertação de doutoramento), Coimbra 1972.
· Economia de mercado e justiça social, Lisboa 1973.
· Manual de Direito Fiscal I, Lisboa 1974 (reimpressão em 1981).
· Direito Tributário Internacional, Coimbra 1993, 2a edição, 2005 (com a colaboração de Clotilde
Celorico Palma e Leonor Xavier), Coimbra 2007.
c) Publicados no estrangeiro
· The Taxation ofForeign Investment in Brazil, Deventer (Kluwer) 1980.
· Ilimposition des investissements étrangers au Brésil, Paris 1983.
· Derecho Tributário Internacional: conceptos fondamentales, Buenos Aires 2005.
d) Em co-autoria
· Estatuto dos beneficios fiscais (esboço de um projeto), Lisboa 1969.
e) Como organizador
· ALBERTO XAVIER!lVES GANDRA DA SILVA MARTINS (org.), Estudos jurídicos sobre Investimento
Internacional, São Paulo 1980.
PRINCIPAIS ESTUDOS E ARTIGOS
a) Publicados no Brasil:
· Notas sobre o problema das nulidades no Direito Tributário, Revista de Direito Tributário 2 (1977),
226.
· Validade das cláusulas em moeda estrangeira nos eontratos internos e internacionais in XAVIER/MARTINs,
Estudos jurídicos sobre investimento internacional, São Paulo 1980, I.
· Liberdade fiscal, simulaçik e fraude no Direito Tributário Brasileiro, Revista de Direito Tributário
11/12 (1980),284.
· A distinçik entre sociedades nacionais e estrangeiras para efeitos societários, fiscais e cambiais, Boletim de
Estudos Jurídicos do Investimento Internacional 7 (1980), 13.
· Problemas jurídicos de filiais de sociedades estrangeiras no Brasil e de sociedades brasileiras no exterior,
Boletim de Estudos Jurídicos do Investimento Internacional 16 (1980), 12; e Revista de Direito
Mercantil 9 (1980), 76.
· A natureza jurídica do processo tributário, Resenha Tributária 1982,239.
· A distinçik entre fornecimentos a curto e longo prazo para efeitos do imposto de renda, Revista de Direito
Tributário 23/24 (1983),104.
· Vícios do balanço - sua rectiftcaçik e consequências, Revista dos Tribunais 72 (1983),43.
· Imposto de renda - arbitramento de lucros - pressupostos e limites, Revista de Direito Tributário 27/28
(1984),76.
· A dupla inconstitucionalidade do art. 18" do Decreto-Lei 2323/87. Vwlaçik dosprincípios da anterioridade
e da nik retroactividade, Revista de Direito Tributário 40 (1987), 54.
· Consequências fiscais da locaçik de equipamentos eprestaçik de serviços no Brasil por sociedade estrangeira,
Revista de Direito Tributário 42 (1987), 32.
· IOC - Princípio da legalidade - Diseriminaçik arbitrária, Revista de Direito Tributário 46 (1988), 63.
· IR - Cômputo do ganho de capital na alienaçik de participações societárias por residentes no exterior em
caso de investimento "misto", Revista de Direito Tributário 49 (1989), 18.
· IOF -Inconstitucionalidade das novas incidências do IOF em geral e sobre o ouro em especial, Revista de
Direito Tributário 52 (1990), 97.
· Contribuinte e responsável no imposto de renda sobre juros pagos a residentes no exterior, Revista de
Direito Tributário 55 (1991),82.
· A contagem dos prazos no lançamento por homologaçik, RDDT 27 (1997), 7.
· A execuçik fiscal nos tributos de lançamento por honwlogaçik, RDDT 25 (1997),7.
· Aspectos fiscais de "cost-sharing agreement", RDDT 23 (1997), 7;
· Natureza jurídico-tributária dos "juros sobre capital próprio" face à lei interna e aos tratados
internacionais, RDDT 21 (1997), 7.
· Natureza jurídica e âmbito de incidência da compensaçik financeira por exploraçik de recursos minerais,
RDDT 29 (1998), 10.
· Os métodos de tributaçik da renda externa das pessoas jurídicas no Direito Comparado e o artigo 25 da
Lei 9249/95, in Estudos de Direito Tributário em homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa
Canto, Rio de Janeiro 1998, 21-26.
I tzID I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
· Regime tributário das remunerações pela aquisição ou exploração de obras audiovisuais pagas a produtores
ou distribuidores residentes no exterior, RDDT 37 (1998), 7-16.
· O imposto de renda na fonte e os serviços internaeionais - análise de um caso de equivocada interpretação
dos arts. 7" e 21 dos tratados, RDDT 49 (1999), 7.
· Inexistência jurídica e inconstitucionalidade da denúncia do tratado contra a dupla tributação entre o
Brasil e Portugal, RDDT 48 (1999), 7.
· As entidades fechadas de previdência privada como instituições de assistência social, RDDT, 52 (2000),
19-45.
· Consórcio: natureza jurídica e regime tributário, RDDT, 64 (2001), 7-26.
· Do prazo de decadencia em matéria de "draw-back" suspensão, in LUIZ EDUARDO SCHOUERI (coord.),
Direito Tributário, vol. I, São Paulo 2003, 527-54l.
· Da inconstitucionalidade da exigência de garantia como condição de admissibilidade de recursos no processo
administrativo em geral e no processo administrativo fiscal em particular, RDDT, 10 1 (2004), 7-35.
· A questão da apreciação da inconstitucionalidade das leis pelos ót;gãos judicantes da Administração
Fazendária, RDDT, 103 (2004), 17-44.
· Dupla não tributação, RTFp' 58 (2004),269-275.
· Prazos de decadência: âmbito de aplicação dos arts. 150, § 4°, e 173, I, do CTN, Revista Tributária e de
Finanças Públicas, 55 (2004), 105-114.
· A tributação do IPI sobre cigarros, RDDT, 118 (2005),9-28.
· Do direito ao crédito de IPI nas aquisições de insumos sujeitos a alíquota zero, RDDT, 120 (2005), 11-25.
· Regime constitucional das isenções e incentivos fiscais às exportações: o caso do ICMS. Do direito à
utilização integral de saldo aeumulado de créditos de ICMS como corolário da imunidade das exportações,
in HELENO TAVEIRA TÔRRES (coord.), Tratado de direito constitucional tributário, estudos em
homenagem a PAULO DE BARROS CARVALHO, São Paulo 2005,597-623.
· Pressupostos e limites de aplicação dos métodos de apuração dos preços de transferência da Lei nO 9.430/96
face ao art. 9" dos Tratados contra a dupla tributação, RDTI, 1 (2005), 17-36.
· Incorporação de ações - natureza jurídica e regime tributário, in RODRIGO R. M. DE CASTRO/LEANDRO
S. DE ARAGÃO (org.), Sociedade Anônima, São Paulo 2006.
· A alienação de aplicações financeiras face ao tratado Brasil-Japão, RDDT, 139 (2007), 7-12.
· O conceito de autolançamento e a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in Luís
EDUARDO SCHOUERI (coord.), Direito Tributário, homenagem a PAULO DE BARROS CARVALHO, São
Paulo 2008, 561-573.
· O princípio da não discriminação no MERCOSUL, in HELENO TAVEIRA TÔRRES (coord.), Direito
Tributário InternacionalAplicado, São Paulo 2008, v.5, 1017-103l.
· Responsabilidade tributária de sucessores na alienação de estabelecimento, RDDT, 167 (2009), 7-17,
· Troca internacional de informações: as novas tendências, in VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (coord.),
Grandes questões atuais do direito tributário, São Paulo 2009, v. 13,9-25
· Unconstitutionality ofthe taxation ofthe individual rural employer, in BURANELLO et alia (coord.),
Agribusiness Law, São Paulo, 2010, 995 ss.
b) Em co-autoria: :
· O ISS das sociedades de serviços profissionais e a Lei Complementar nO 116/03, in VALDIR DE OLIVEIRA
ROCHA, O ISS e aLC 166, Dialética, São Paulo 2003, 9-18 (em col. com Roberto Duque Estrada).
· Alcance da não incidência da contribuição para ofondo de universalização dos serviços de telecomunicações
prevista no parágrafo único do art. 6° da Lei nO 9.998/00, 495, in HELENO TAVElRA TÔRRES (coord.),
Serviços públicos e direito tributário, São Paulo 2005, 496-533 (em col. com Helena A.L. Xavier).
· Países com tributação favorecida e regimesfiscaisprivilegiados, RDDT 168 (2009),7-17. (em col. com
Roberto Duque Estrada e Renata Emery)
· A exoneração do ICMS nos serviços de transporte de mercadorias exportadas e oprincípio do país do destino,
in ANTONIO PEREIRA DE CARVALHO/GERMAN SAN MARTÍN FERNANDEZ, Estudos em homenagem a
JosÉ EDUARDO MONTEIRO DE BARROS - Direito Tributário, São Paulo, 2010, 71 ss (em col. com
Renata Emery).
· Subcapitalização, RDDT, nO 176 (2010), 7 ss. (em colaboração com Renata Emery).
Principais Estudos e Artigos I tZDD I
c) Publicados em Portugal:
· O processo administrativo gracioso, O Direito 99 (1967), 16 (Separata).
· As desigualdades internacionais e a integraftW econômica. IntroduftW ao estudo das relações entre comércio
internacional e desenvolvimento econômico, Revista da Faculdade de Direito de Lisboa XXII (1970)
(Separata) .
· A natureza jurídica da associaçtW à Comunidade Econômica Europeia, Coimbra 1970.
· O negôcio indirecto em Direito Fiscal, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal 1971 (Separata).
· IntroduftW ao Direito Tributário Internacional, Boletim do Ministério da Justiça 320 (1982)
(Separata) .
· As sucursais de sociedades estrangeiras no direito brasileiro (aspectos tributários e cambiais), in Estudos
- XX Aniversário do Centro de Estudos Fiscais, Lisboa 1983 (Separata).
· O problema das qualificações no Direito Tributário Internacional, in Estudos - Comemoração do XXX
Aniversário do Centro de Estudos Fiscais, Lisboa 1993, 69 (Separata).
d) Publicados no estrangeiro:
· n fenomeno deU' astrattezza nell'atto di accertamento tributaria, Rivista di Diritto Finanziario e
Scienza delle Finanze XXXIV (1975), 225 (Separata).
· Tipicidad y legalidad en el derecho tributaria, Revista de Derecho Financiero y de Hacienda Publica,
Madrid 120 (1975).
· Régime fiscal des emprunts concédés par des banques étrangers, Intertax 1978, 440.
· Aspectsgénéraux des investissements directs au Brésil, Fiscalité Européenne 4 (1978), 49.
· The compensation oflosses in internationalgroups (IFA Congress Copenhagen) , Cahiers de Droit Fiscal
International LXIV (1979), 195.
· Transfert de bénéfices provenant d'operations financiêres, Fiscalité Européenlle 5 (1981), 28.
· Problemi di Diritto Costituzionale nell'ordinamento tributaria brasiliano, Rivista di diritto e pratica
tributaria LIII (1982),417 (Separata).
· O principio da legalidade no Brasil, in El Principio de Legalidad en el Derecho Tributario. Simpósio,
Montevideo 1986, 227.
· li problema delle qualificazioni nel diritto tributaria, Rivista di Diritto Tributario 5 (1994), 523 ss.
· EI problema de las calificaciones en derecho tributaria internacional, Revista de Derecho y Hacienda
Publica (1994),663 ss.
· The taxation in Portugal of non-residents without permanent establishment, in Corso di Diritto
Tributario Internaziollale (coord. VICTOR UCKMAR), Milão 1999, 147 ss.
PREFÁCIO
Passadas duas décadas da chegada de Alberto Xavier ao Brasil, não é difícil ver as razões de seu su-
cesso. Jurista consagrado, advogado prestigioso, conferencista aplaudido, escritor respeitado, dotado de
qualidades humanas admiráveis e excepcional sociabilidade. Quem ostenta sobejamente - embora sem
jactância - tais predicados só poderia obter a singular posição hoje desfrutada por esse amigo, colega,
companheiro e, sempre, mestre.
O:mviveu - despertando sua admiração e amizade, além de espírito de coleguismo - com Rubens
Gomes de Sousa, Aliomar Baleeiro, Ulhôa Canto, Souto Borges, Paulo Barros Carvalho, A. R. Sampaio
Dória, Roque Carrazza e demais mestres do nosso direito tributário.
Com rígida formação europeia, adaptou-se ao Brasil e seu clima cultural e científico com surpre-
endente facilidade e rapidez. Em brevíssimo tempo, passou a exercer a advocacia, familiarizando-se com
o nosso estilo de desempenho profissional de modo a tornar-se exemplo de advogado sóbrio, arguto e
eficiente, situando-se entre os melhores dos nossos melhores.
Enquanto viveu em São Paulo, foi professor do curso de Pós-Graduação em Direito Tributário da
Faculdade de Direito da Universidade Católica, por nós dirigido. Deixou entre seus colegas docentes e
seus alunos a mais excelente imagem do professor correto, exato, sério, exigente, eficiente. Tanto contri-
buiu para o prestígio da Faculdade de Direito da Universidade Católica - lecionando também nos seus
memoráveis cursos de especialização e examinando em concursos de mestrado e doutorado - que seu
nome continua a figurar como integrante do seu quadro docente, a despeito de, domiciliado no Rio, já
não poder prosseguir enriquecendo nossas atividades docentes. Certamente, tal deliberada decisão dos
professores da área de direito público da Universidade Católica de São Paulo deve-se - como é o meu caso
- à consciência da honra que para nós significa ostentar o nome de Alberto Xavier nos nossos quadros.
Alberto Xavier é exemplo típico - no mais alto nÍvel- da continuidade ou comunidade cultural Bra-
sil-Portugal. Vive, trabalha, leciona, escreve entre nós como um dos nossos, ao mesmo tempo que, sem
esforço, sem necessidade de nenhuma alteração de comportamento, atua como profissional em Portugal.
De sua contribuição - vasta e ampla - para a nossa doutrina e evolução do nosso pensamento cien-
tífico, no setor tributário, devem ser salientadas duas pérolas, notáveis pelo conteúdo e pela influência que
aqui tiveram: o livro Princípws de legalidade e tipicidade da tributaçiW e este Direito tributárW internacional.
Seu preciso, conciso, sintético, equilibrado e paradigmático livro sobre a legalidade estrita veio su-
prir uma deficiência nossa, até então grave. Não tínhamos uma monografia cuidando do tema, embora
ele não fosse ausente em artigos, pareceres ou capítulos de alguns livros brasileiros. Foi Alberto Xavier
quem sintetiwu, com objetividade, clareza e rigor científico, as bases fundamentais do tema, nesse tra-
tamento monográfico que, por si só, já justificaria - por sua excelência, precisão, concisão e objetividade
- o renome e o altíssimo conceito de que o insigne professor justamente desfruta.
r á este Direito tributárW internacwnal, primeiro livro jurídico sobre o assunto, no Brasil, com
lastro doutrinário e adequado tratamento dogmático, foi original aporte à nossa doutrina e às nossas
elaborações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais. O livro tornou-se obrigatório. Não se pode
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
cogitar do tema, academicamente, nem pretender estudar nenhuma questão tópica de direito tributário
internacional sem referir-se ao livro de Alberto Xavier, suas teses e colocações.
A internacionalização da economia - tornada realidade que se não pode ignorar - bem como a
crescente e inexorável abertura do mercado brasileiro para o exterior fazem cada dia mais importante o
direito internacional tributário. Já não se pode pensar em dialogar com importadores e exportadores ou
negociar em nenhum ramo do comércio negligenciando os aspectos tributários internacionais.
Aí a importância também prática do livro de Alberto Xavier, que cuida, como na primeira edição,
das categorias universais da colocação geral dos temas, em função dos princípios e das normas pertinentes
e que, agora, amplia o campo material de abrangência de sua atenção também para o direito da Comuni-
dade Econômica Europeia e demais realidades que se impõem no hodierno cenário jurídico mundial.
Esta edição é muito mais que o aperfeiçoamento e a atualização da primeira. É, verdadeiramente,
uma obra inteiramente repensada, sistematizada e redigida de novo. É, sobretudo, um trabalho magis-
tral de um cientista maduro, expandindo seus invejáveis dotes científicos, servidos por generosa cultura
geral e especial, esplêndida inteligência e apurado senso jurídico.
GERALDO ATALIBA
NOTA DO AUTOR À 2a EDIÇÃO
O livro que ora se publica é simultaneamente a 2" edição do Direito Tributário Internacional
do Brasil, publicado em 1977, e um livro novo. Segunda edição, pois a obra mantém identidade de
objeto, de propósito e de estrutura; livro novo, pois raros foram os capítulos que não foram reescritos
por inteiro, seja pela necessidade de considerar a evolução do direito positivo e novas contribuições da
doutrina, seja pela necessidade de revisão de pontos de vista do autor, seja ainda pela maior ênfase posta
na construção dogmática deste ramo do Direito, deliberadamente inspirada no Direito Internacional
Privado e que conduziu, entre outros pontos, ao aprofundamento do estudo da natureza das respectivas
normas e à reelaboração da teoria da qualificação, da aplicação da lei estrangeira e da fraude à lei.
A reformulação quase integral deste livro deve-se, na verdade, à profunda evolução do Direito Tri-
butário Internacional, tanto em geral quanto no Brasil em particular, nos dezesseis anos que medeiam
entre a primeira e a atual edição.
No plano da doutrina, correspondendo aliás a um excepcional surto de interesse que se revela nos
nossos dias por este ramo do Direito, foram entretanto produzidas, além de monografias de qualidade,
obras gerais de grande relevo, de que é justo sublinhar, na Alemanha, o Doppelbesteuerungsabkommen
- Kommentar, de KLAus VOGEL, e o Steuerrecht internatWnal tiitiger Unternehmen, obra coletiva coor-
denada por MóssNER; nos Estados Unidos, a U.S. International TaxatWn, de KUNZ e PERONI; no Reino
Unido, a Double TaxatWn de BAKER; na França, Les impôts dans les affaires internationales, de GOUTHIERE,
o Droit Fiscal International, de PLAGNET, e o Droit Fiscal International, de GEST e TIXIER; na Suíça, o
Droit Fiscal International, de RIVIER; na Itália, La tassazione dei reddito transnazionalle, de GARBARINO, e
a Doppia imposizione internazionale, de ANNA MlRAULO; e, em Portugal, a dissertação de doutoramento
de MANUEL PIRES, Da dupla tributação jurídica internacWnal sobre o rendimento.
Acresce que o Modelo de Convenção para eliminar a dupla tributação sobre o rendimento e o
capital da OCDE e respectivos Comentários foram objeto de profundas revisões em 1977 e 1992, que
incorporam as tendências mais recentes da fiscalidade internacional.
No plano do direito interno brasileiro, a legislação do imposto de renda relativa a transações in-
ternacionais - embora não tenha sofrido revisão sistemática e abrangente - foi objeto de modificações
significativas, entre as quais se salienta a eliminação do imposto suplementar de renda, a introdução e pos-
terior extinção do imposto sobre o lucro líquido, a eliminação do regime de indedutibilidade de royalties e
despesas de assistência técnica, a suspensão do beneficio pecuniário sobre juros de empréstimos externos.
Também se multiplicou o número das convenções contra a dupla tributação assinadas pelo Brasil,
que hoje perfazem vinte e duas, das quais apenas onze consideradas na 1" edição.
Todos estes pontos se conjugaram para que o presente livro não pudesse ser uma simples atualiza-
ção ou um mero aperfeiçoamento do anterior, tendo-se transformado em obra integralmente repensada,
sistematizada e redigida.
A obra refere-se à legislação em vigor em julho de 1993.
ALBERTO XAVIER
PREFÁCIO À la EDIÇÃO
Aí por 1972, apareceu nas livrarias brasileiras e foi parar às mãos dos interessados no Direito
Financeiro um conspícuo volume de 650 páginas sob o título de Conceito e Natureza do Ato Tributário,
da autoria de ALBERTo PINHEIRO XAVIER, cujos títulos não conhecíamos, mas compreendemos que era
um estudioso de Portugal, a julgar pelo fato de haver sido lançado por uma editora da veneranda Coim-
bra. As obras anteriores do Autor formavam um rol de 12 títulos a partir de 1967, sinal de que deveria
tratar-se provavelmente dum moço.
"Ato Tributário" era a nova designação do Código de Processo das Contribuições e Impostos, de
Portugal, para o nosso vetusto e ainda atual "lançamento", da consagrada linguagem legal e adminis-
trativa luso-brasileira. O importante é que a leitura da alentada monografia revelava um tributarista de
prol, amadurecido sob a influência da literatura especializada alemã e suíça. Tínhamos, em Portugal,
uma competência já lucidamente afirmada por um livro opulento e sério. Lembro-me de que,no ano
imediato, incluí essa obra na bibliografia da reedição dum livro didático meu, que é intencionalmente
discreto na utilização das obras estrangeiras pelo notório contraste com o nosso Direito Positivo.
Eis senão quando, irrompida em 1974 a revolução que encerrou o longo reinado salazarista, então
esmagado não só por seu anacronismo em relação aos ventos políticos do mundo após a 2 a Grande
Guerra, mas também pelos problemas coloniais da África, devoradores de sangue e de dinheiro, muitos
intelectuais da nação-mãe buscaram asilo no Brasil como defesa contra a intolerância, quase sempre
sombra inevitável das grandes convulsões institucionais.
Dentre eles figurava ALBERTO XAVIER, que se fixou em S. Paulo, como professor e consultor fis-
cal, integrando-se rapidamente no círculo dos tributaristas brasileiros, que o acolheram fraternalmente
com simpatia e apreço intelectual. Isso lhe valeu de carta de naturalização pelo menos como cidadão da
cultura brasileira.
Um fato surpreendeu a todos: - a juventude do prof. XAVIER, um rapaz de 30 e poucos anos, em
contraste com a profundidade de sua obra.
Terá pela frente toda uma vida para, com o espírito sazonado, produzir tudo de útil e de elevado
que se deve esperar e exigir de sua capacidade promissora e fecunda.
E ALBERTO XAVIER acaba de confirmar essa responsabilidade - savoir oblige - com o novo livro
que redigiu no Brasil e que a Ed. Resenha Tributária acaba de pôr nas vitrines das livrarias - Direito
Tributário Internacional do Brasil-, aliás com ótima apresentação gráfica.
O leitor à antiga talvez estranhe o título - " ... Internacional do Brasil". Não se excluirão as pala-
vras do cabeçalho? Se é do Brasil, não pode ser internacional- dirá.
O Autor solidamente prova o contrário.
Há um Direito Tributário Internacional, mas para quem não se limitar às generalidades meramen-
te expositivas e acadêmicas ele há de ser analisado do ângulo do Direito Nacional de determinado país.
A legislação positiva deste ou seus tratados e convenções internacionais marcam os limites e a posição
das normas de Direito Internacional realmente em vigor. O Direito que vale e obriga como tal.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
o prof. ALBERTO XAVJER parte do princípio geral da aplicação da lei tributária no espaço, enfim,
da territorialidade dela.
Mas desse "óbvio" distingue três critérios de estudo da territorialidade: a) em sentido positivo e
negativo; b) em sentido real e pessoal; e c) em sentido material e formal.
Depois de examinar as fontes, a começar pelas convenções contra a bitributação ou pluritributa-
ção internacionais, salienta que o Brasil, numa política nacionalista, protecionista e algo isolacionista,
se alheou do movimento mundial desde as duas Grandes Guerras, em prol dos acordos para conciliação
de interesses do comércio externo, sobretudo em relação aos países limítrofes e aos investidores e toma-
dores de capitais. E registra o recente impulso nacional em busca de convenções, muito embora nosso
país não adote a cláusula de "transformação" ou de "ordem de execução" das normas internacionais em
Direito Interno.
Prosseguindo, estuda a pluritributação e a evasão fiscal internacional, dissecando as várias com-
plicações desse problema, inclusive os chamados "paraísos fiscais", como Luxemburgo, Liechtenstein,
Panamá etc., c as medidas para combatê-los.
A segunda parte da obra é dedicada à "hipótese das normas de conflitos", demorando-se no exa-
me dos elementos de conexão, domicílio, inclusive o estatuto de residente no Direito brasileiro, fontes
dos rendimentos (produção e pagamento) etc. etc.
Na terceira parte, cuida do mandamento das normas de conflitos.
Em estilo transparente e agradável de ler-se, o douto tributarista não se esquece nunca de co-
locar os problemas à luz da legislação positiva do Brasil, penetrando nas controvérsias do período
pós-revolucionário quando não só se multiplicaram diplomas relativos ao comércio internacional e
convenções, mas também litígios que agitaram o Supremo Tribunal, como os das remessas de juros e
vários outros.
A obra de ALBERTO XAVJER é de alto quilate, preencheu um vácuo em nossa literatura fiscal e chega
em momento oportuno, porque, embora riquíssima em bibliografia e em base científica, fornece sub-
sídios à solução de inúmeros problemas práticos suscitados pelo desenvolvimento do país nos últimos
quinze anos com inevitáveis fricções de caráter internacional ou multi nacional.
A produção do professor ilustre de S. Paulo em nosso clima honra o Direito brasileiro e, graças
a Deus, não ficará nesse grande livro. Outro já tem em preparo como um dos volumes dum tratado
coletivo do Direito Tributário de nosso país.
Temos certeza de que essa obra futura (talvez para ser lançada em 1977) será da mesma lavra
primorosa do Ato TributárW e do Direito TributárW Internacional do Brasil. Os bons artistas excedem-se
a si mesmos.
Os brasileiros iniciaram-se em Finanças, há 140 anos, com a Sintelologia do velho e luminoso
FERREIRA BORGES. Pouco depois, viram aparecer em modesta editora do Rio, em 1814, o Compêndio de
Direito Financeiro, de J. J. DA SILVA MAiA, que, embora deputado à Constituinte de 1824 e ministro de
Pedro I, era nascido em Portugal. ALBERTO XAVIER tem bons antecedentes nessa honrosa colaboração
luso-brasileira.
AUOMAR BALEEIRO
NOTA DE APRESENTAÇÃO À 1a EDIÇÃO
O livro que agora se publica tem uma dupla raiz: a vida universitária e a experiência do autor no
campo da advocacia internacional de negócios.
A regência de Cursos de Pós-Graduação em Direito Tributário na Pontifícia Universidade Católi-
ca de São Paulo propiciou estreito contato com uma dinâmica equipe renovadora dos estudos desta dis-
ciplina jurídica. Aos debates quase diários com Geraldo Ataliba e Paulo de Barros Carvalho se deveu a
ideia de conceber este livro sob a perspectiva de uma teoria geral das normas tributárias internacionais;
e nesses mesmos debates se me radicou a ideia de que tais normas são normas de conflitos, de natureza
análoga às de Direito Internacional Privado, cujo instrumental técnico-dogmático poderia rasgar pers-
pectivas fortemente inovadoras no estudo deste capítulo do Direito.
A feição pragmática que o livro apresenta, em certas passagens, resulta do propósito deliberado
de pôr à prova os conceitos teóricos em face das realidades concretas que se me foram deparando ao
longo da minba experiência de assessoria jurídica de investimentos estrangeiros. Propósito que exprime
a convicção de que as construções teóricas devem ser indutivamente elaboradas a partir dos regimes
jurídicos, e só são válidas na medida em que os permitem explicar.
Não escondo que foram muitas as dificuldades encontradas para a elaboração deste livro, já ad-
venientes do acesso a fontes de informação bibliográfica, já resultantes da complexibilidade própria
da matéria, em relação à qual um esforço de construção jurídica global ainda se não encontrava feito,
inobstante contribuições valiosas em capítulos isolados.
Deixo aqui consignados os meus agradecimentos ao Dr. Brandão Machado que, com a gene-
rosidade que é seu timbre, me facultou preciosos elementos de informação bibliográfica. E registro a
gentileza do Dr. Ormezindo Ribeiro de Paiva pela revisão crítica do original a que acedeu proceder.
ALBERTO XAVIER
ABREVIATURAS MAIS USADAS
o OBJETO DO DIREITO
TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL
CAPÍTULO I
LIMITES DAS LEIS
1 Alguns autores denominam estas situações, no Direito Internacional Privado, como relativa-
mente internacionais (por oposição às absolutamente internacionais). É que, embora monolocali-
zadas num Estado estrangeiro, podem ser objeto de valoração por outro Estado para efeitos de
reconhecimento de direitos adquiridos. Cfr. BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional
PrivacW (4a ed.), Coimbra 1990, 10-12. Como, porém, este último problema não se coloca no
Direito Tributário Internacional, preferimos usar a expressão situaçtfu interna estrangeira.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
cia para Portugal, mas que continua a auferir rendimentos de imóveis que possui no
Brasil. Ou na tributação de dividendos auferidos por holding com sede no Luxem-
burgo, pagos por subsidiária com sede na Austrália e que exerce a sua atividade de
mineração na Nova Zelândia, através de estabelecimento estável neste país.
Em todos estes casos, a situação da vida se encontra plurilocalizada, pois que
vinculada ao ordenamento de mais do que um país por elementos de conexão que
tendem a referi-la a mais do que um Estado - a sede da empresa de navegação, a
nacionalidade ou domicílio do maestro, o lugar do exercício da atividade, o lugar da
situação dos imóveis, o lugar da fonte pagadora dos dividendos.
Ora, o Direito Tributário Internacional surge precisamente porque uma ou alguma
das características ou aspectos da situação internacional pode funcionar como conexão
suscetível de desencadear a incidência e a aplicação das leis tributárias internas de mais
do que um Estado. Assim, pode a lei fiscal da Nova Zelândia aplicar-se aos rendimentos
obtidos por não residentes se a atividade produtiva for realizada no seu território; mas
pode também a lei australiana entender que as suas leis tributárias se aplicam às socie-
dades nela domiciliadas, abrangendo os lucros realizados quer no seu território, quer no
exterior (v.g. na Nova Zelândia); e pode a lei do Luxemburgo adotar idêntica solução,
abrangendo no campo de incidência das suas leis fiscais os lucros das suas subsidiárias
no exterior (v. g. na Austrália). Pode a lei portuguesa considerar tributáveis os rendi-
mentos de todas as pessoas físicas residentes em Portugal (v.g. do cidadão brasileiro),
incluindo os auferidos no exterior; e pode a lei brasileira aplicar-se aos rendimentos
de imóveis localizados no Brasil. Pode a lei fiscal alemã pretender tributar os seus na-
cionais, ainda que residentes no exterior (v. g. na Áustria), como pode a lei austríaca
aplicar-se aos rendimentos mundiais das pessoas físicas residentes na Áustria, ainda que
estrangeiros, como pode a lei do país onde o maestro executou o concerto considerar
tributáveis os rendimentos auferidos em função de a atividade ter sido realizada no seu
território. Pode a lei inglesa aplicar-se a todas as empresas de navegação que tenham
direção efetiva no Reino Unido, embora a sede estatutária noutro país, como pode a lei
do Panamá tributar todas as sociedades que nele tenham sede estatutária, ainda que por
atividades realizadas no exterior, como pode a lei fiscal grega tributar o lucro de ativida-
des exercidas no território da Grécia, ainda que por estrangeiros não residentes.
Em todos os exemplos acima apresentados, como vários ordenamentos tributá-
rios se consideram com vocação para se aplicar a uma mesma situação da vida inter-
nacional, por esta se encontrar "plurilocalizada" no espaço, em função dos diversos
elementos de conexão adotados por cada um desses ordenamentos, ocorre uma dupla
ou plúrima tributação.
2 Cfr. GUGGENHEIM, Lehrbuch des Vollkerrechts, I, Basel1948, 331; ID., Traité de Droit Inter-
national Public, I, Geneve 1953, 369. "Extensão da lei", por oposição à "eficácia da lei" no
espaço, na terminologia de BERLIRI, Corso istituzionale di Diritto Tributario, Milão 1980, 103;
GARBARINO, La tassazione deI reddito transnazionale, Pádua 1990, 107.
3 Cfr. AMERICAN LAW lNSTITUTE, Restatement. Second, Foreign Relations Law ofthe United States,
1964 (revisto em 1988); MARTHA, The Jurisdiction to Tax in International Tax Law, Deventerj
Boston 1989, 59 sS.; F. A. MANN, The doctrine ofjurisdiction in International Law, in ID.,
Stndies in International Law, Oxford 1973, 1 (6 ss.); lo., The doctrine ofinternational jurisdic-
tion revised after twenty years, Récueil des Cours 186 (1984 - Ill), 20 (20 e 55).
4 Cfr. Geltungsbereich und Anwendungsbereich der Gesetze, in Festgabe der Juristischen
Fakultiit for KarlBet;IJbohm, Bonn 1929, 219.
5 Cfr. infra, 157.
6 Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, I, Coimbra
1989 (reimpressão), 127-128; JORGE MlRANDA,ManualdeDireito Constitucional, In, Coim-
bra 1983, 183 sS.
Miii Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
7 Cfr. BAPTISTA MACHADO, Âmbito de eficácia e âmbito de competência das leis, Coimbra 1970,
passim; ANTÔNIO DE MOURA BORGES, Convenções sobre dupla tributaç/ÚJ internacional, Teresina/
São Paulo 1992,44.
8 Cfr. ALESSI/STAMMATI, Istituzioni di Diritto Tributario, Turim s.d., 29 ss.
9 Sobre esta distinção, efr. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, I, Coimbra 1981 (reim-
pressão), 19-20.
10 A doutrina italiana refere-se, por vezes, a um "princípio de efetividade": cfr. SACCHETTO,
Tutela all'estero dei crediti tributari dello Stato, Pádua 1978, 101; GARBARINO, La tassazione,
cit., 139 e nota; G. A. MICHEL!, Corso di Diritto Tributario (8 a ed.), Turim 1992, 71.
Título I I Capo I I Limites das Leis _
A diferença de soluções dadas pelos dois ramos do Direito deve ser, porém, ma-
tizada. Por um lado, não só existem diversos setores do Direito Internacional Privado
cobertos por normas unilaterais, como fortes correntes do pensamento contemporâ-
neo advogam a generalização do método unilateralista para a solução dos conflitos
privadosl 3 . Por outro lado, o dogma de que no Direito Tributário Internacional (ao
contrário do Direito Privado Internacional) nunca se aplicam leis tributárias estran-
geiras não resiste, por exemplo, à constatação de que, para aplicação das convenções
contra a dupla tributação, pelo país do foro, torna-se necessário aplicar leis estrangeiras
(até tributárias) que regulam os pressupostos de aplicação da norma convencional:
é o que sucede quando, para saber se um membro do conselho de administração de
uma sociedade alemã, residente na Alemanha, é tributável no Brasil pelos honorários
que aqui lhe foram pagos, se aplica a lei alemã para decidir sobre a residência alemã
da pessoa ou sobre a sua qualidade de membro do conselho de administração. É certo
que a aplicação da lei estrangeira não vai ao ponto de fundamentar, no país do foro, a
exigência de uma pretensão tributária estrangeira; mas ainda que neste fenômeno se
descortine uma simples "tomada em consideração" (prise en considération) Berücksichti-
gung) ou aplicação "indireta", ou "em sentido fraco", certo é que ele revela não ser tão
radical a distância dentre os tipos de soluções dadas pelos dois ramos do Direito l4 .
Acresce que a integração progressiva das economias tem revelado, recentemente,
a existência de esforços integrados, que configuram embriões de uma Rcchtsgemeins-
chaft, mesmo no campo do Direito Público, designadamente o Tributário, e de que é
exemplo paradigmático a Comunidade Europeia. E daí que tendam a aceitar-se, cada
vez com maior liberalismo, trocas de informações automáticas entre autoridades fis-
cais, bem como a cooperação das autoridades de um Estado para a execução coerciva
de créditos tributários estrangeiros. Até a presença física de autoridades estrangeiras
em território nacional, para a realização de investigações, fiscalizações e outras exi-
gências instrutórias em matéria tributária já é aceite pelos países signatários da Con-
venção Nórdica. E não custa prever que cedo ruirá o princípio de que os órgãos pú-
blicos nacionais não podem executar créditos tributários de Estados estrangeirosl 5 •
Não é também logicamente impossível admitir que, em certa comunidade de
Estados, os conflitos tributários internacionais sejam resolvidos por normas que es-
colham uma lei estrangeira competente para disciplinar o crédito tributário e atribuí-
13 Cfr. FERRER CoRRETA, Considerações sobre o método do Direito Internacional Privado, Coimbra 1982;
ID., Direito Internacional Privado - alguns problemas, Coimbra 1991 (2a reimpres5ão), 129 55.
14 Cfr. infra, 156 55.; BÜHLER, Principios de Derecho Internacional Tributario (trad.), Madrid
1968,100.
15 Cfr. infra, 67455.
Título I I Capo I I Limites das Leis e·h
A) Limites heterônomos
16 efr. GAETANO MORELLl, Derecho Procesal Civil Internacional (trad.), Buenos Aires 1953, 1 sS.
17 efr. KNECHTLE, Basic Problems ofInternational Tax Law, Deventer 1979, 34.
18 efr. J. S. MARTHA, The Jurisdiction to Tax, passim. A limitação da soberania fiscal em função
dos fins do Estado já fora bem sublinhada por PEDRO SOARES MARTINEZ, Manual de Direito
Fiscal, Coimbra 1983, 78.
. . . . Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
as leis nacionais dos Estados soberanos se podem aplicar J9 • Uma vez efetuada pelo
Direito Internacional esta atribuição de furisdictions, as leis nacionais são livres de
definir o seu âmbito de incidência. A soberania é uma pré-condição da furisdiction,
de tal modo que esta existe até onde a primeira existir e, inversamente, perde o seu
título onde aquela cessar20 •
Da mesma forma que o Estado tem, como elementos, a população e o territó-
rio, assim também a soberania se distingue numa soberania pessoal (Personalhoheit)
e numa soberania territorial (Gebietshoheit); a soberania pessoal é o poder de legislar
sobre as pessoas que, pela nacionalidade, se integram no Estado, seja qual for o ter-
ritório em que se encontrem; a soberania territorial é o poder do Estado de legislar
sobre pessoas, coisas ou fatos que se localizam no seu território.
Sendo estas as duas facetas da soberania, o Direito Internacional Público reco-
nhece automaticamente aos Estados o poder de tributar até aos limites onde ela se
estende, mas recusa-lhes tal poder na medida em que esses limites forem ultrapas-
sados, de tal modo que, se um Estado tributar estrangeiros em função de situações
que não tenham qualquer conexão com o seu território, estará violando o Direito
Internacional, com todas as consequências que daí advêm, desde a invalidade da lei à
responsabilidade internacional21 •
Há casos em que a violação da soberania ocorre de modo direto e frontal. As-
sim, por exemplo, um Estado não pode retroativamente exigir tributos durante um
período em que não exercia efetivamente a soberania num certo território, como
pretendeu a Venezuela em relação ao território do Orinoco, ocupado por governo
revolucionário de 1902 a 1903 (caso Santa Clara Estates Company). Como não pode
exigir tributos fundados na nacionalidade em relação a pessoas que perderam a cida-
dania por casamento ou naturalização (caso Lucienne d)Hotel) 22.
Mas na grande generalidade das hipóteses, a violação da soberania não surge de
modo ostensivo, mas em virtude da escolha arbitrária ou artificiosa de um elemento
de conexão, pessoal ou real.
O problema delicado que se coloca para traçar os limites em causa está precisa-
mente em identificar qual a conexão relevante com o Estado para definir a nacionali-
19 "Das Volkerrecht ist die Ordnung, welche die Machtkreise der verschiedenen Staaten gege-
neinander abgrenzt"; cfr. ZITTELMANN, Geltungsbereich undAnwendungsbereich, 225; MANN,
The doctrine ofjurisdiction, 8.
20 Cfr. MANN, The doctrine ofinternationaljurisdiction, 20; ID., The doctrine ofjurisdiction, 9:
"Jurisdiction is coextensive with sovereignty, that it reaches as far as, but no further, than
sovereignty" .
21 Cfr. PEDRO SOARES MARTINEZ, Manual de Direito Fiscal, 79; ISABEL JALLES, Extraterritori-
alidade e comércio internacional, 217. Esta violação, porém, não ocorreria na emanação de
normas de Direito Internacional Privado, atenta a competência concorrente dos Estados e
a vocação universal das suas normas. Cfr. PIERRE MAYER, Droit International Privé et Droit
International Public sous I'angle de la notion de compétence, in Rcvue Critique de Droit In-
ternationalPrivé 68 (1979), L
22 Cfr. MARTHA, The Jurisdiction to Tax, 14 e 72.
Título I I Capo I I Limites das leis
dade (sobretudo das pessoas jurídicas) ou a localização de uma dada situação da vida
no território. Por outras palavras: qual a liberdade da própria lei interna para traçar
os contornos do elemento de conexão que fundamenta o seu poder de tributar23 .
É, por exemplo, pacífico que a residência da pessoa no território de um Estado
legitima o poder tributário deste. Pode, porém, o Estado considerar uma pessoa resi-
dente sem que esta tenha uma presença física relevante no seu território? O Honey affair
ilustra bem este ponto. Honey era um cidadão norte-americano cuja mulher e fIlha
passavam uma temporada em Frankfurt (então Prússia) e às quais remetia mensalmen-
te uma certa quantia. Honey nunca saíra dos Estados Unidos nem tinha bens na Prús-
sia. As autoridades fiscais de Frankfurt tentaram construir a situação de Honey como
de residente na Prússia, em função das remessas financeiras que para ali efetuava24 •
Também não oferece dúvidas que a localização da fonte de produção ou pagamen-
to no território de um Estado legitima o poder de tributar desse mesmo Estado. Mas
o que é exatamente a fonte? O caso Frank W Ross ajuda a esclarecer a questão. Frank
Ross era um cidadão residente no Canadá que nunca residiu, teve negócios ou possuiu
bens nos Estados Unidos. Ross era acionista de uma sociedade estrangeira (Ross Corpo-
ration) - da qual recebia dividendos - a qual, por sua vez, participava no capital de uma
empresa norte-americana. O Fisco norte-americano pretendeu tributar os dividendos
recebidos por Ross dessa sociedade estrangeira (Ross Corporation) - com o fundamento
de que, indiretamente, a fonte donde provinham os dividendos se situava nos Estados
Unidos. Situação similar ocorreu no caso Lord Forres) inglês, também titular de ações
em sociedade estrangeira, por sua vez acionista de sociedade norte-americana: neste
caso, o U. S. Board ofTax Appeals reconheceu a falta de jurisdiction to tax dos Estados
Unidos porque (Çneither the question ofdomicile ofthe recipient nor the situs ofthe property,
or income therefrom) is here involved) for these petitioners are residents ofEngland) the stocks
are kept there) and the dividends there paid and receivedJJ25 •
Outro exemplo. É aceite sem discussão o poder de tributar do Estado onde se
realizou o lucro numa transação comercial. Mas o que significa lugar de realização do
lucro? No caso Chas. J. T#bb) uma pessoa jurídica norte-americana, fabricante de tape-
tes, comprava lã na Índia, através de um agente. Toda a operação de fabricação e ven-
23 Cfr. sobre este tema W ALTER RUDOLF, Über territoriale Grenzen der Steuergesetze, in
Recht und Wirtschaft in Geschichte und Gegenwart. Festschrift for Johannes Biirmann zum 70.
Geburtstag, 1975, 769; MANN, The doctrine ofjurisdiction, 40, baseando ajurisdiction na
"closeness of connection".
24 Cfr. MARTHA, The Jurisdiction to Tax, 90. É interessante notar que, precisamente para coibir
este tipo de abusos, o Modelo OCDE define "residente" como a pessoa sujeita a imposto em
razão do domicílio, residência, sede da administração ou outro critério de natureza similar,
mas não inclui uma pessoa sujeita a imposto exlusivamente em função de rendimentos de
fontes ou de capital situados num Estado (art. 31).
25 Cfr. MARTHA, op. cit., 157. Foi também para impedir este tipo de abuso de conexões que o
Modelo OCDE [art. 10 (5)] proibiu a tributação extraterritorial dos dividendos em hipóte-
ses similares aos casos citados no texto.
MtM Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
B) Limites autônomos
São de duas ordens os limites autônomos ao âmbito de incidência das leis tribu-
tárias internas: as limitações unilaterais, autoestabelecidas pelo próprio legislador, e
as limitações decorrentes de convenção ou tratado internacional.
Exemplo das primeiras é a norma de direito interno brasileiro que limita a tri-
butação das pessoas jurídicas domiciliadas no país aos lucros realizados em território
nacional.
26 Cfr. MARTHA, op. cit., 163; MANN, The doctrine ofJurisdiction, 102. Determina o § 5° do art.
7 do Modelo OCDE que não serão atribuídos lucros a um estabelecimento permanente em
razão da simples compra de bens ou mercadorias.
27 Cfr. MARTHA, op. cit., 175 ss.
28 Cfr. BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 54. ..
29 Cfr. MbsSNER, Der Begriff des internationalen Steuerrechts in der neueren Literatur, Osterrei-
chische Zeitschrift fur Ciffentliches Recht 25 (1974),259; MANN, The doctrine ofjurisdiction
in International Law, 5. Outra ordem de limites heterônomos é constituída pelo Direito
Comunitário, de natureza supranacional, na parte em que as fontes de direito das Comuni-
dades Europeias estabelecem restrições ao poder legislativo dos Estados-membros em maté-
ria tributária. Cfr., sobre este ponto, infra) 171 S5.
Título I I Capo I I Limites das Leis ••
O que se afirmou em relação aos limites do âmbito de incidência das leis (juris-
diction to prescribe) vale também no que respeita aos limites do âmbito de eficácia das
leis Ú'urisdiction to enforce) .
Todos estão de acordo em que as autoridades públicas de um Estado não podem
exercer as suas prerrogativas de autoridade noutro Estado: não podem aí realizar
diligências instrutórias (exames à escrita, vistorias, avaliações); não podem aí fazer
intimações ou exigências tributárias; não podem aí promover a execução de créditos
tributários do Estado a que pertencem30 •
Mas uma coisa é a prática de atos no território de Estado estrangeiro - clara-
mente vedada pelo Direito Internacional Público -, outra é a produçiW de efeitos nesse
Estado de atos de autoridades públicas praticados no próprio Estado em que tais au-
toridades se integram31 . Por isso se coloca a questão de saber em que medida e até que
ponto esta produção de efeitos viola os limites da soberania territorial dos Estados.
Esta questão coloca-se essencialmente em relação aos atos que se traduzem em
ordens) emitidas por autoridades administrativas ou jurisdicionais, tendo por obje-
to a prestação de informações ou a apresentação de documentos relevantes para a
instrução de procedimento administrativo ou de processo judicial em matéria de
impostos. Nos Estados Unidos - onde a questão tem sido particularmente discutida,
dada a fundamentação do poder tributário no princípio da nacionalidade e o grau
elevado de internacionalização da sua economia-, trata-se dos summons editados por
autoridades administrativas (o InternaI Revenue Service) e das subpoena editadas por
autoridades judiciais, e que, por sua vez, se distinguem em subpoena ad testificandum
e em subpoena duces tecum 32 .
30 efr. WALTER RUDOLF, Über territoriale Grenzen, 784 ss.; MANN, The doctrine ofjurisdiction,
lU.
31 efr. HANS-JÜRGEN SCHLOCHAUER, Die extraterritoriale Wirkung von Hoheitsakten, Frankfurt-
am-Main 1962. Sobre estes pontos, em matéria de direito antitrust) ver ISABEL JALLES, Ex-
traterritorialidade e comércio internacional, 242 ss.
32 efr. LEVINE, La lutte contre fJévasion fiscale de caractere international en rabsence et en présence
des conventions internationales) Paris 1988, 145 SS.; MANN, The doctrine ofjurisdiction, 117.
-'8 Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Quanto a este tipo de atos, há que distinguir o âmbito pessoal de eficácia, ou seja,
as pessoas que podem ser deles destinatários e o âmbito objetivo de eficácia, ou seja, os
elementos de informação ou prova que podem ser exigidos.
No que concerne ao âmbito pessoal de eficácia, tem-se entendido que a sobera-
nia pessoal legitima ordens dadas em território nacional a nacionais de um país, ainda
que residentes em território estrangeiro. É esta, aliás, a regra vigente nos Estados
Unidos, após a Lei Walsh de 1964 (hoje codificada nos arts. 1.783 e 1.784 do Título
28 do Código Judiciário dos Estados Unidos).
No que concerne a estrangeiros, o âmbito de eficácia tem que delimitar-se em
função da soberania territorial, exigindo-se assim uma conexão relevante com o terri-
tório. Se se tratar de um residente, não se colocam dúvidas quanto à legitimidade da
ordem, em face do Direito Internacional Público. Se, porém, se tratar de não residen-
te, a validade da ordem pressupõe uma conexão relevante com o território. Assim,
por exemplo, foi considerada legítima subpoena notificada por tribunal americano à
sucursal de Nova York do Banco de Tóquio, pois apesar de este ser pessoa jurídica
estrangeira domiciliada no Japão, tinha nos Estados Unidos um estabelecimento
permanente através do qual exercia a sua atividade bancária. Mas já extravasaria os
limites da soberania territorial ordem que tivesse por destinatário subsidiária inde-
pendente domiciliada no exterior, ainda que a ordem fosse dada à sociedade-mãe
residente no país; ou ordem que tivesse por destinatário a sociedade controladora
domiciliada no exterior, ainda que fosse dada à subsidiária residente no país 33 •
A questão do âmbito de eficácia objetiva coloca-se na hipótese inversa, ou seja,
de pessoas nacionais ou residentes de um Estado e em que o objeto da ordem res-
peita a meios probatórios localizados em território estrangeiro. É exatamente o que
ocorreu com subpoena dirigida ao First National City Bank para apresentar documen-
tos da sua sucursal na Alemanha; com a ordem dirigida à agência de Miami do Bank
ofNova Scotia para que a agência de Nassau apresentasse elementos de prova em seu
poder; ou com a ordem dada ao First National Bank of Chicago para que exibisse do-
cumentos relativos a contas bancárias abertas por residentes na Grécia na sua agência
de Atenas. Em todos estes casos, os destinatários das ordens reagiram alegando vio-
lação dos limites da soberania territorial do Estado, violação essa tanto mais grave
quanto envolveria violação de leis estrangeiras referentes ao sigilo bancári034 •
Os exemplos atrás referidos mostram bem os conflitos de interesses entre os Es-
tados envolvidos: o Estado interessado na plena investigação fiscal de pessoas sobre
as quais tem o poder de tributar ou que dispõem no exterior de meios de informação,
diretamente ou através de outras pessoas jurídicas sobre as quais têm controle; e o
Estado em que se localizam as sucursais ou subsidiárias de sociedades estrangeiras, ou
em que se localizam os documentos ou demais meios de prova. Os conflitos podem
agudizar-se quando a produção desses meios de prova respeite a matérias sensíveis,
comum e tradicional deste princípio; as leis tributárias apenas se aplicariam aos fatos
ocorridos no território da ordem jurídica a que pertencem, independentemente de
outras características que eventualmente pudessem concorrer na situação em causa,
como a nacionalidade, o domicílio ou a residência do sujeito passivo.
Todavia, como agudamente observou ALFREDO AUGUSTO BECKER39, a doutrina
tradicional tem aceitado como fundamento "óbvio" a tese da territorialidade, sem que
se tenha realizado um necessário aprofundamento da análise dos fenômenos da inci-
dência e da eficácia da lei tributária no espaço, fenômenos que se encontram ainda
isuficientemente estudados no plano jurídico, como também já o reconheceram A. D.
GIANNINI 40 e NIBOYEy41.
A análise do correto significado do princípio da territorialidade das leis fiscais
pressupõe a necessária distinção de três critérios, à luz dos quais pode ser formulado
o mencionado princípio, a saber: (a) territorialidade em sentido positivo e em senti-
do negativo; (b) territorialidade em sentido real e em sentido pessoal; (c) territoria-
lidade em sentido material e em sentido formal.
303; HERZFELD, Probleme des internationalen Steuerrechts unter besonderer Berücksichtigung des
Territorialproblems und des QJtalifikationsproblems (diss.), Heidelberg 1932 [também em Viertel-
jahresschrift for Steuer-und Finanzrecht VI (1932) vol. 2, 43J; KLAUS VOGEL, Der rdumliche
Anwendungsbereich, passim; AKruR K. MORDHORST, Der latein-amerikanische Grundsatz der Ter-
ritorialitdt der Besteuerung und seine Gestaltung in den Deutsch-Brasilianischen Beziehungen, Ham-
burg 1983; ENGELSCHALKjFucKjet al., Steuern aufausliindische Einkünfte, Munique 1985.
39 Cfr. A. A. BECKER, Teoria Geral do Direito Tributário (3" ed.), São Paulo 1998, 282.
40 Cfr. A. D. GIANNINI,I concetti fondamentali dei diritto tributario, Turim 1956, 51.
41 Cfr. NlBOYET, TraitédeDroitInternationalPrivé, IV, Paris 1947,7 e 118.
42 Cfr. M. CHRÉTIEN, A la recherche du Droit International Fiscal Commun, Paris 1955, 68.
43 Neste sentido o utiliza ERNST BLUMENSTEIN, Sistema di Diritto delle Imposte (trad. it.), Milão
1954, 101. É esta também a formulação de JOSEPH STORY, apud MANN, The doctrine ofjuris-
diction, 20.
. -
Título I I Capo I I Limites das Leis MiM
No que respeita ao sentido negativo, a afirmação tem de ser recebida com sérias
reservas pois, como adiante se verá44 , a lei estrangeira pode aplicar-se para integrar
os pressupostos de aplicação da lei interna, ou seja, a questões prévias (por exemplo, a
residência, a nacionalidade, a condição de diplomata), embora nunca os órgãos na-
cionais de aplicação do Direito possam atribuir às leis fiscais estrangeiras o seu efeito
típico de constituir crédito tributário estrangeiro.
Por sua vez, entendido em sentido positivo, o princípio da territorialidade de-
sempenha apenas a função de excluir que a nacionalidade constitua, por si só, um
elemento capaz de fundamentar ou de afastar a tributação, mas já não oferece um
critério positivo de determinação das situações da vida que, estando conexas por
qualquer dos seus elementos com mais de uma ordem jurídica, possam reentrar no
âmbito de aplicação das leis tributárias internas.
O referido critério não pode, pois, deixar de traduzir-se na exigência de um
"mínimo de conexão" das situações em causa com o território nacional, isto é, não
pode deixar de proceder a uma delimitação objetiva das situações que, mercê dessa
conexão, podem ser disciplinadas pelas leis tributárias internas.
bereich, 115; G. BISCOTIINI, I profili tributari delta circolazione degli uomini e delle cose, in ID.,
DirittoAmministrativo Internazionale, Tomo II, Pádua 1966, 361; PEREZ DE AYALA/EuSEBIO
GONZALEZ, Curso de Derecho Tributario (6a ed.), I, Madrid 1991, 87-88.
46 A distinção, que foi formulada por HERZFELD, Probleme des internationalen Steuerrechts, 427,
e posteriormente inmída por M. CHRÉTIEN,A la recherche, cit., 21-22 (referindo-se à criação
e aplicação das decisões), foi objeto de formulação mais rigorosa por STEVE, Sulta tutela
internazionale delta pretesa tributaria; M. UDINA, Il Diritto Internazionale Tributario, Pádua
1949, 84; e KLAus VOGEL, art. Gebietshoheit no Evangelischcs Staatslexikon, 783. Cfr. tam-
bém KNECHTLE, Basic Problems, 40 ss.; SACCHETTO, Territorialità, 305 ss.; R. M. DE MOURA
RAMos, Da lei aplicável ao contrato de trabalho internacional, Coimbra 1990, 277.
47 Isto também já tinha sido bem sublinhado por A. A. BECKER, Teoria Geral, 257.
48 Cfr. K. VOGEL, Der raumliche Anwendungsbereich, 123. Ver também ISABEL JALLES, Extrater-
ritorialidade e comércio internacional, 43.
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.•. ·
. .· Título I I Capo I I Limites das Leis
~.
SEÇÃO I
DUPLA TRIBUTAÇÃO
1 Cfr. ARMIN SPITALER, Das Dappelbesteuerungsprablem bei den direkten Steuern, Reichenberg
1936,132.
2 É vasta a literatura sobre dupla tributação internacional. Dos clássicos destacamos: PAUL
GUGGENHEIM, Ilimpasitian des successians en Drait Internatianal et le prableme de la dauble impa-
sitian, Genêve 1928; SPITALER, Das Dappelbesteuerungsprablem, cit.; J. P. NIBOYET, Les daubles
impasitians au paint de vue juridique, Reueil des Cours 31 (1930), 5; EDWIN SELIGMAN, La
dauble impasitian et la caapératian fiscale internatianale, Reueil des Cours 20 (1927),463; UGO
BAssANo, Appunti sulla doppia imposizione internazionale, Rivista Italiana di Diritta Finan-
ziaria I (1937), 227; H. DORN, Diritto finanziario e questioni fondamentali sulla doppia
imposizione, Rivista di Diritta Finanziaria e Scienza del/e Finanze I (1938), 115; HOORN JR.,
Bitributação - uma tentativa de definição, in BRANDÃO MACHADO (org.), Direita Tributária:
estudas em hamenagem aa Praf Ruy Barbasa Nagueira, São Paulo 1984, 305; MARCO VITALE,
Doppia imposizione (dir. int.), Enc. deI Dir. XIII (1964),1007; GABRIELE SALVIOLI, La dap-
pia impasiziane nel diritta internazianale, Nápoles 1914; DAMERVALLE, La solution théorique
du problême des doubles impositions, Revue de Science et de Législatian Financiere 1937;
WILHELM WENGLER, Beitriige zum Prablem der internatianalen Dappelbesteuerung, Berlim/
Leipzig 1935; R. BRUNET, Les doubles impositions, Revue de Science et de Législatian Fi-
nanciere 1913, 361; ALFONSO COLARUSSO, Le dappie impasiziani nei rapparti internazianali,
Pádua 1930; GIOVANNI FASOLIS, Le dappie impasiziani, Città di Castello 1914; MARIo PUG-
LIESE, Ilimpasiziani del/e imprese di carattere internazianale, Pádua 1930; PHILIPPE LAVAGNE,
La questian des daubles impasitians, Paris 1930; G. KORN-DIETZ, Dappelbesteuerung, Stuttgatt/
Berlim 1954. Mais recentemente, o tema tem sido abordado com especial profundidade pe-
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
§ 10 IDENTIDADE DO FATO
Como se disse, para haver concurso de normas (e portanto dupla tributação) é in-
dispensável que se verifique a identidade do fato. Quando se não está perante o "mesmo
fato", quando normas distintas recaem sobre fatos diversos, não há dupla tributação.
Mas o que é a identidade do fato? De que critérios se deve socorrer o intérprete
para individualizar juridicamente um fato no mundo naturalístico é questão que tem
feito correr rios de tinta na teoria geral do Direito, embora não tenha sido ainda ob-
jeto de análise aprofundada no Direito dos Impostos.
3 Cfr. GERALDO ATALIBA, Hipótese de incidência tributária, São Paulo 1973, 106 ss.; PAULO DE
BARROS CARVALHO, Teoria da norma tributária (2 a ed.), São Paulo 1981, 113 ss.; ALBERTO
XAVIER, Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa 1981 (reimpressão), 247 ss.; HELENO TORRES,
Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, São Paulo 2001, 402.
4 LENT, Die Gesetzkonkurrenz im bürgerlichen Recht und Zivilprozess, 1912.
5 Cfr. SPITALER, Das Doppelbesteuerungsproblem, passimj GUGENHEIM, Ilimposition des successions,
passimj HÓHN, Doppelbesteuerungsrecht, 30 ss.; HARALD SCHAUMBURG, Internationales Steuer-
Título I I Capo 11 I Concurso de Leis -IM
hipóteses de incidência das normas tributárias em concurso, considerando todos os
critérios, aspectos ou elementos em que os tipos legais se podem decompor.
Não cabe nos limites deste estudo uma análise dos inúmeros problemas que
suscita a verificação da efetiva identidade do objeto, do sujeito, do período ou do
imposto, os quais aliás foram objeto de importante estudo de HANs FLICK6 • Inte-
ressa, isso sim, ressaltar que a averiguação da identidade pressupõe, por vezes, um
problema de "adaptação" (Anpassung, Angleichung) , entendido este conceito com o
significado específico que assume na Teoria Geral do Direito de Conflitos? E isto
é assim porque as normas em concurso provêm de ordenamentos distintos, inspi-
rados por princípios porventura diversos, utilizando técnicas e conceitos diferentes
também, de tal sorte que a comparação não pode ater-se a critérios formais rígidos.
Assim, por exemplo, a questão de saber se as normas concorrentes respeitam a "idên-
tico tributo" deve ser cuidadosamente examinada, não bastando a denominação das
espécies em causa, antes sendo imprescindível a análise e comparação dos respectivos
aspectos materiais e bases de cálculo ou demais características que contribuam para a
definição da sua verdadeira natureza substancial8 •
Note-se ainda que o requisito da identidade do período só é exigível nos im-
postos periódicos por natureza, como o imposto sobre a renda e o capital, não se
aplicando aos impostos sobre a transmissão de bens a título gratuito ou sobre o
consumo, em que - como bem salienta RUPPE - sobreleva o critério da identidade do
objeto, ou seja, a identidade da transmissão do bem ou da mercadoria9 •
§ 20 PLURALIDADE DE NORMAS
13 Sobre o trabalho do tribunal federal suíço com vista à elaboração de normas de conflitos
intercantonais, ver KNECHTLE, Basic Problems, 28; WALTER RYSER, Introduction au Droit Fis-
cal International de la Suisse, Berna 1980, 26 SS.; IRENE BLUMENSTEIN, Die interne Regelung
des internationalen Steuerrechts in der Steuergesetzgebung des Bundes und der Kantone,
Archives de droit fiscal suisse I -9, 1 e 65; R. VON SALIS, Die Schweiz und die internationale
Doppelbesteuerung, Schweizerisches Jahrbuch for Internationales Recht IV (1948); HANS
HUBER, Das interkantonale Doppelbesteuerungsrecht als Richterrecht, in Festschrift for Irene
Blumenstein, Bern 1966,43.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
concurso real de normas, pois o seu âmbito espacial de incidência fica definitivamente
circundado por estas regras especiais de conflitos, em termos de excluir o concurso l4 .
No Brasil, os diversos impostos estaduais e municipais são dotados de conexões
com o território destes entes políticos, pelo que dificilmente se gerarão fenômenos
de dupla tributação interterritoriaF5. Todavia, o art. 102 do Código Tributário Na-
cional admite a vigência da legislação tributária do Estado, do Distrito Federal e dos
Municípios "fora do respectivo território, nos limites em que lhe reconheçam extra-
territorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras
leis de normas gerais expendidas pela União". E não deve esquecer-se, neste contex-
to, que uma das funções próprias das leis complementares consiste precisamente na
solução dos conflitos tributários entre os diversos entes políticosl 6 •
uma, fala-se então em dupla tributação virtual ou in thesi, para a distinguir da dupla
tributação efotiva ou in praxi. Na dupla tributação efetiva ocorre um concurso real de
normas; na dupla tributação virtual, o concurso é meramente aparente.
O conceito de dupla tributação virtual reconduz-se juridicamente a um caso de
"concurso aparente de normas". Tal como no concurso real, um mesmo fato recai
na previsão de duas normas tributárias pertencentes a ordenamentos distintos. Só
que, por força de determinadas regras existentes à época da ocorrência dos fatos, a
aplicabilidade de uma delas é excluída por força da exclusiva aplicabilidade da outra.
E daí que, ao contrário do que sucede na dupla tributação efetiva, em que ocorre um
concurso real de normas, dada a inexistência de mecanismos que paralisem a eficácia
de uma delas, na dupla tributação virtual o concurso é meramente aparente, porque
não chegou sequer originariamente a formar-se I9 •
No concurso aparente em que a dupla tributação virtual consiste, a aplicabilida-
de exclusiva de uma das normas em concurso resulta de regras especiais inseridas em
ordenamentos plurilegislativos ou em tratados contra a dupla tributação.
Nos primeiros, o sistema central de normas de conflitos pode proibir - e via de regra
proíbe - a própria dupla tributação virtual, só por si geradora de insegurança jurídica20 •
Mas também nas relações entre Estados soberanos ligados entre si por conven-
ções contra a dupla tributação, a dupla tributação virtual que existiria, caso ambos
ordenamentos fossem aplicados isoladamente, não se converte em efetiva nos casos
em que as normas convencionais reconheçam apenas a um deles competência exclusi-
va, criando assim um obstáculo ao concurso real de normas. Este, porém, formar-se-
á se as convenções consagrarem a competência cumulativa de ambos os Estados.
Um outro traço tem sido apontado para caracterizar a dupla tributação relevante
ou efetiva: é o resultado do concurso de pretensões traduzir-se numa sobreca'l'lJa tribu-
tária, isto é, dar origem à formação de um encargo fiscal mais elevado do que aquele
que resultaria da aplicação exclusiva da mais elevada das pretensões em concurs02 1 •
D) Duplicação de pretensões
Não pode confundir-se o fenômeno consistente na aplicação de duas normas
distintas com outro, bem diverso, e que se cinge ao âmbito do direito interno - o
da pluralidade de aplicações da mesma norma (Doppelvorschreibung). Ao contrário do
que se passa na dupla tributação, não há concurso de pretensões, mas sim uma só
22 LARENz,Allgemeiner Teil des deutschen bürgerlichen Rechts, Munique 1967, 271 sS.
23 Cfr. GAETANO ARDIZZONE, li principio dei "ne bis in idem JJ neWimposizione diretta, Rivista di
Diritto Finanziario e Seienza delle Finanze 1972, 116 e 275. Sobre o "ne bis in idem JJ , efr.
BERLIRl, La legge dei registro, 1960, 221; GE~TILLI, La doppia imposizione: alcune conside-
razione di diritto interno, in UCKMAR/et aI., Il reddito di impresa nel nuovo testo unico, Milão
1988,293. Sobre esta distinção, ver entre nós A. R. SAMPAIO DÔRlA, Princípios constitucionais
tributários e a cláusula "due process oflaw JJ , cit.) 125; PÉRSIO OLIVEIRA LIMA, Bitributação na
doutrina do Direito Tributário, RDP 25 (1973), 129 (130 ss.).
24 Discordamos, assim, de BERNARDO RrnEIRO DE MORAES, que reserva o conceito de "bis in
idem" para esta última modalidade: cfr. Sistema constitucional tributário na Constituição de
1969) São Paulo 1973, 511 sS. M. PIRES, Da dupla tributação, 93. Cfr. ainda PIETRO AoONNI-
NO, Doppia imposizione (diritto interno), Enc. delDir. xm (1964),1015 SS.; VITOR FAVEI-
RO, Noções fondamentais de Direito Fiscal Portugu~s) I, Coimbra 1984, 641, nota; FRANCISCO
R. PARDAL, Duplicação de colecta: algumas notas, Revista de Direito Administrativo 2 (1960),
81 SS.; ANTÔNIO MANUEL CARDOSO MOTA, A eliminação da dupla tributação internacional,
CTF 157/158 (1972), 58.
25 Cfr. LARENz, op. e loco cit., e a excelente monografia de ANTÔNIO BAIÃO DO NASCIMENTO, Do
concurso de normas, cit.) passim.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier ..====-
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SEÇÃO II
EVASÃO FISCAL INTERNACIONAL, CONFLITO NEGATIVO
E DUPLA NÃo TRIBUTAÇÃO
expressa convergente dos dois Estados, como sucederá quando ambos estabelecem
que nenhum dos dois tributará certo tipo de rendimento ou capital: é, por exemplo,
o que ocorre no caso do tratado entre o Brasil e a Holanda, segundo o qual as boni-
ficações (bonus shares) não são tributáveis nem pelo Estado da fonte nem pelo Estado
da residência (Protocolo, item 3)27.
O segundo tipo de disposições convencionais que pode dar origem ao fenôme-
no da dupla não tributação resulta da existência de normas de repartição de compe-
tência tributária entre os Estados em presença que conduzam ao reconhecimento da
competência exclusiva de um deles para tributar certo rendimento, seja ele o Estado
da residência ou o Estado da fonte. Consequência automática do reconhecimento da
competência exclusiva de um Estado é a exclusão da competência do outro Estado, a
qual é vulgarmente denominada, ainda que erroneamente, de isençã028 •
Exemplos desta última hiI;ótese é, por exemplo, o caso do art. 11, parágrafo 3 b)
do Tratado entre o Brasil e a Austria, segundo o qual "os juros da dívida pública, de
títulos ou debêntures emitidos pelo governo de um Estado contratante ou qualquer
agência (inclusive uma instituição fmanceira) de propriedade daquele governo e pagos
a um residente do outro Estado contratante só são tributáveis no primeiro Estado". Sucede
que a lei interna austríaca isenta de imposto de renda na fonte os juros em causa.
Quando uma norma convencional atribui a um Estado a competência exclusiva
para tributar uma certa situação, proibindo ipso iure que o outro exerça os seus pode-
res tributários, o fenômeno da dupla não tributação pode ocorrer em razão de duas
causas distintas:
(i) ambos os Estados estão de acordo em reconhecer que apenas um deles
tem competência exclusiva, mas este Estado não a exerce efetivamente em
razão de disposição de sua lei interna (dupla não tributação por razões de lei
interna);
(ii) o Estado de residência interpreta as disposições do tratado como conce-
dendo competência exclusiva ao Estado da fonte, mas este último inter-
preta as mesmas disposições do tratado no sentido de que esta não lhe
atribui a referida competência exclusiva (dupla não tributação por conflito de
interpretação) .
No que concerne à dupla não tributação por razões de lei interna ainda há que
distinguir consoante o fundamento da não aplicação da lei interna, a qual pode de-
rivar de: (i) imunidade constitucional, vedando a taxação de certas pessoas ou bens;
(ii) não incidência, no sentido da inexistência de disposição expressa que especifica-
27 Dispõe referido item do Protocolo o seguinte: "3. Com referência aos artigos 10 e 23: fica
entendido que o valor das ações emitidas por uma companhia de um Estado Contratante, e
recebidas por um residente no outro Estado Contratante, não está sujeito a imposto de renda
em qualquer dos Estados."
28 Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacúmal do Brasil (5" ed.), São Paulo, 54, 541, 665.
la I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
mente tribute uma certa situação; (iii) isenção, a qual por sua vez se pode dividir em:
a) objetiva, se subtrair da tributação normal um bem ou rendimento; b) subjetiva,
se exclui certas pessoas de tributação em função da natureza delas, de uma forma
temporária ou permanente, sendo que em certos casos a isenção de certas pessoas
não exclui a imposição da tributação a outras que com ela estão ligadas (caso das
(1Jartnerships» transparentes).
No que concerne à dupla não tributação em razão de conflitos de interpretação,
importa observar que tais conflitos respeitam, via de regra, não tanto à interpretação
das regras dos tratados em si mesmas consideradas, mas à qualificação, em face dessas
regras, de certas figuras jurídicas do direito interno dos Estados em presença. Um
bom exemplo deste conflito é dado pelos próprios Comentários da OCDE aos arts.
23-A e 23-B, parágrafos 32.6 e 32.7, quando comentam o conflito de qualificação
a respeito da alienação da participação numa partnership, que tanto pode ser vista
como alienação de ações tributável apenas no Estado da residência como ser qualifi-
cada como transmissão de bens móveis integrantes de estabelecimento permanente,
tributável no Estado da fonte.
Em 1999, ano da publicação do chamado Partnership Report, o objetivo de evitar
a dupla não tributação foi pela primeira vez afirmado pelo Comitê fical da OCDE.
Na sequência desta afirmação foi introduzido um novo § 4° ao art. 23-A da
Convenção Modelo da OCDE que assegura ao Estado da residência o direito de não
aplicar o método de isenção se o Estado da fonte interpreta o tratado no sentido de
não se considerar tributariamente competente.
Pode afirmar-se que para o Brasil a dupla não tributação não é considerada um
objetivo a alcançar através das convenções tributárias. Com efeito, não só tal obje-
tivo não consta do título ou de qualquer outra passagem dos textos convencionais,
mesmo os celebrados a partir de 1999 (que se referem apenas à dupla tributação e à
evasão fiscal), como também o Brasil favoreceu ativamente a adoção de cláusulas de
matching credit e de tax sparing, as quais privilegiam o efeito de incentivo econômico
ao investimento estrangeiro e não o objetivo de contrariar a dupla não tributação29 •
29 N as Convenções destinadas a evitar a dupla tributação da renda, a serem firmadas pelo Brasil
com países integrantes do Mercado Comum do Sul (Mercosul), será incluída cláusula pre-
vendo a concessão de crédito do imposto de renda sobre lucros e dividendos recebidos por
pessoa jurídica domiciliada no Brasil que deveria ser pago no outro país signatário, mas que
não haja sido em decorrência de lei de vigência temporária de incentivo ao desenvolvimento
econômico, nacional, regional ou setorial (Lei nO 10.637/02, art. 55, e IN 244/02, art. 2°).
Este crédito, observadas as demais condições gerais de concessão e outras que vierem a
ser estabelecidas em legislação específica, somente será admitido quando os lucros ou divi-
dendos disribuídos provenham, diretamente, de atividade desenvolvida no país estrangeiro
signatário, relativa aos setores: (i) industrial, exceto da indústria de cigarro e bebidas em
geral, inclusive os concentrados destas; (ii) agrícola, de florestamento ou pesqueira (Lei nO
10.637/02, art. 55, e IN 244/02, art. 2°, §).
Título I I Capo 11 I Concurso de Leis ..
Outro argumento que revela não ser a dupla não tributação objetivo relevante
dos tratados brasileiros está na expressa ressalva que o Brasil (embora na sua con-
dição de Estado não membro) estabeleceu ao novo § 4° do art. 23-A do Modelo
OCDE, parágrafo esse que, como se viu, consagra na sua máxima extensão possível
uma política em prol da prevenção da dupla não tributação 3o •
30 Dispõe referido § 4° do art. 23-A o seguinte. «The prllVisions ofparagrapb I sball not apply to
income derived or capitalawned by a resident of a Contracting State wbere tbe otber Contracting
State applies tbe prllVisions of tbe Convention to exempt sucb income or capital from tax or applies
tbe provisions ofparagrapb 2 ofArticle 10 or 11 to sucb incame. JY
I
TITULO II
§ 10 ESPÉcIES DE NORMAS
Trata-se de normas que definem o âmbito de incidência das leis tributárias inter-
nas dos Estados, delimitando-o unilateral ou bilateralmente, mas sem que determi-
nem, por si sós, o modo como a simação da vida em causa será tributada.
Ao invés, as normas de regulação direta ou material pressupõem resolvido o
problema do seu âmbito de incidência e ditam diretamente a disciplina substancial
de uma simação da vida com elementos de estraneidade.
Exemplos de normas materiais internas são as que estabelecem que os rendi-
mentos e ganhos de capital pagos a residentes no exterior estão sujeitos a um impos-
to de 15% retido na fonte e calculado sobre o rendimento bruto; as que determinam
que as filiais de empresas estrangeiras são tributáveis do mesmo modo que as pessoas
jurídicas domiciliadas no país; as que permitem, no cálculo do imposto de renda das
pessoas físicas, a dedução dos impostos pagos no exterior.
Exemplos de normas materiais internacionais são as disposições das convenções
contra a dupla tributação que, após resolvido o problema da atribuição de competên-
cia (cumulativa ou exclusiva) a um Estado, por normas de conflitos delas constantes,
determinam de modo direto como a tributação se deve operar: assim, por exemplo, a
que estabelece que na determinação do lucro de um estabelecimento permanente de-
vem ser considerados os que este obteria se se tratasse de empresa independente; as
que estabelecem limites ao poder de tributar do Estado da fonte, fixando desde logo
a alíquota máxima aplicável; as que estabelecem limites ao poder de tributar do Es-
tado da residência, regulando as condições em que este deve reconhecer isenção do
rendimento estrangeiro, ou conceder um crédito por imposto pago no estrangeiro!.
Da mesma forma como no Direito Internacional Privado coexistem, a par das
normas de conflitos em sentido técnico, normas materiais 2 - e isto tanto provenien-
tes de fontes internas como de fontes internacionais -, assim também o Direito Tri-
butário Internacional compreende normas de conflitos e normas materiais, tanto de
origem interna como de origem internacional.
Como toda a norma jurídica, também a norma de conflitos do Direito Tributá-
rio, tanto de fonte interna quanto de fonte internacional, se decompõe numa previsão
e numa estatuição. Mas ela comporta algumas peculiaridades que interessa assinalar3 •
A previsão da norma de conflitos do Direito Tributário Internacional - o seu
Tatbestand ou facti-species - abrange dois elementos logicamente distintos: o conceito-
quadro e o elemento de conexãé.
1 Cfr. MóssNER, Der Brgriffdes Internationalen Steuerrechts in der neueren Literatur, Osterreichische
Zeitschrifr fur óffentliches Recht 25 (1974),255 (271, nota 103, e 277), admitindo a coexistên-
cia dos dois tipos de normas e sugerindo, para as normas materiais, a expressão steuerrechtliches
Fremderecht; KWGE, Das deutsche Internationale Steuerrecht (3" ed.), Munique 1992, 5.
2 Cfr. FERNÁNDEz ROZAS/SÁNCHEZ LORENZO, Curso de Derecho Internacional Privado, Madrid
1991,88 ss.
3 Cfr. ARNOLD KNECHTLE, Grundfragen des Internationalen Steuerrechts, Base! 1976, 68; ID.,
Basic Problems in lnternational Fiscal Law (trad.), Deventer 1979, 62.
4 Cfr. BAPTISTA MACHADO, Âmbito de eficácia e âmbito de competência das leis, Coimbra 1970,
191 ss. e 376 ss. A nossa análise inspira-se, porém, na construção de BETTI, Problematica
Título 11 I Capo I I Espécies e Tipos de Normas
dei Diritto Internazionale, Milão 1956, 165 ss. Naquilo que designamos genericamente por
"conceito-quadro", VOGEL ainda distingue o Objekttatbestand (o objeto a que se aplica a
regra, tal como rendimento, lucro, capital etc.) e o Metatatbestand (as características do ob-
jeto relevantes para a aplicação da lei, designadamente a indicação da fonte de que provêm:
rendimentos de propriedade imobiliária, lucros de empresas etc.). Destes se distingue ainda
o elemento de conexiW, seja referido a características do sujeito passivo (nacionalidade, residên-
cia) ou da transação ou evento (lugar do imóvel etc.). Cfr. OnDouble Taxation Conventions
(trad.), Deventer 1997 (cit. Double Taxation), 29. Sobre o elemento de conexão na estrutura
da norma, ver KNECHTLE, Basic Problems, 62. M. PIRES, Da dupla tributaçiW jurídica inter-
nacional sobre o rendimento, Lisboa 1984,472, distingue o objeto da conexiW do elemento de
conexiW. Na terminologia de FERRER CORREIA, o objeto da conexão é precisamente defmido
pelo conceito-quadro: cfr. Direito Internacional Privado - alguns problemas, Coimbra 1991
(2 a reimp.), 140.
5 Que a hipótese das normas de conflito é distinta da hipótese das normas materiais está muito
bem salientado em IRINEU STRENGER, Teoria Geral do Direito Internacional Privado, São Paulo
1973,270 sS.
6 Cfr. K. VOGEL, Der raumliche Anwendungsbereich der Verwaltungsrechtsnorm, Frankfurt/Ber-
lim 1965, 275.
4lD I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
9 Como muito bem observa A. MARQUES DOS SANTOS, "a diferença entre os dois tipos de regras
continua a subsistir, ainda que um tratado entre os Estados interessados estabeleça uma dis-
ciplina comum convencional para certas situações jurídicas, sob uma forma aparentemente
bilateral ( ... ); se há aqui um aspecto comum relativamente ao DIP - que é o de saber qual
dos dois direitos estaduais é aplicável, em função do elemento de conexão constante da regra
pactuada entre os dois Estados -, toda a semelhança cessa aí ( ... ), de modo que os órgãos de
aplicação do direito dos dois Estados apenas aplicam a sua própria lei e nunca recorrem à lei
estrangeira": cfr. As normas de aplicação imediata no Direito Internacional Privado, II, Coim-
bra 1991, 780. No mesmo sentido, TILLMANNS, in MóssNER/et ai., Steuerrecht international
tdtiger Unternehmen, Colônia 1992, 123 (163).
10 Empregamos assim esta expressão no seu sentido estrito, tal como ARNO SCHULZE-BRACH-
MANN, K1Jllisionsnorm) Handwijrterbuch des Steuerrechts und der Steuerwissenschaft I, 670, em-
bora reconheçamos que ela é, via de regra, usada para caracterizar a norma de conflitos em
geral, na tradição de KAHN e NIEMAYER. Cfr. MAGALHÃES COLLAÇO, Da qualificação, 13.
11 Cfr. K. VOGEL, Double Taxation, 27; MóssNER, Der Begriff, 274-275.
Título 11 I Capo I I Espécies e Tipos de Normas
12 Cfr. K. VOGEL, Double Taxation, 30. SCHAUMBURG também adota a distinção entre vollstan-
dige e unvollstandige Vérteilungsnormen, in Internationales Steuerrecht, Colônia 1993, 524. A
terminologia faz lembrar a distinção de WOLFF entre volkommene e unvolkommene Konflik-
tsnorm; cfr. BÜHLER, Internationales Steuerrecht (IStR) und Internationales Privatrecht (IPR) ,
Amsterdam 1960,24, nota.
13 No âmbito das normas internas (Auflensteuerrecht), KNECHTLE também distingue as normas
de delimitação das normas de atenuação, denominando as primeiras de normas externas
em sentido amplo e as segundas de normas externas em sentido estrito: cfr. Basic Problems,
149-150. As normas de limitação de competência seriam, na terminologia de SCHAUMBURG,
kollisionsauflOsende Normen, por oposição às kollisionsbegrnndende Normen. Cfr.lnternationales
Steuerrecht, 4 sS.
~ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier . .-=__________......1
Normas de
delimitação (internas)
Normas de conflitos
• Normas de repartição
ou de reconhecimento de
Normas de colisão competência exclusiva
(internacionais) • Normas de cumulação
Normas substanciais ou de reconhecimento de
competência cumulativa
§ 10 DELIMITAÇAo DO PROBLEMA
teriam sequer autonomia no que toca às normas internas que definem os tipos legais
dos diversos tributos 2 •
De harmonia com esta orientação, tais normas disciplinam os pressupostos tri-
butários, ou seja, o conjunto de fatos cuja verificação dá origem ao nascimento da
obrigação de imposto, de tal modo que todos os preceitos que por uma ou outra
forma concorrem para a delimitação ou caracterização desses fatos se integrariam
substancialmente nas hipóteses ou tipos legais que os preveem.
Ainda segundo aqueles autores - em especial BERLIRI e SAINZ DE BUJANDA -,
o fato tributário é uma realidade complexa, constituída por elementos objetivos e
subjetivos, cuja delimitação jurídica compete à lei efetuar. Ora, o elemento objetivo
do fato tributário é suscetível de ser encarado sob vários aspectos: um aspecto mate-
rial, em que se traduz o fato objetivamente considerado; um aspecto temporal, que
respeita ao tempo juridicamente relevante para a própria individualização do fato;
um aspecto quantitativo, que se traduz nos critérios de medição do objeto material
do tributo; e, finalmente, um aspecto espacial, que se reporta à definição do espaço ou
território em que o fato se verificou.
Sendo assim, a delimitação da esfera de incidência da norma tributária, isto é,
a definição genérica de quais os fatos a que ela se aplicará em função da sua localiza-
ção, integrar-se-ia substancialmente na própria norma tributária material, do mesmo
modo que nela se incluem as normas reguladoras do aspecto temporal, como as que
definem o período do imposto. A delimitação da esfera de incidência espacial da
norma tributária não passaria, pois, de uma delimitação do próprio fato eleito pela
norma como pressuposto tributário ou hipótese de incidência. Tal delimitação teria,
é certo, a função específica de determinar a incidência das normas tributárias no
território e, por essa via, a extensão territorial do poder tributário do Estado; mas
essa função em nada contenderia com a sua integração substancial na própria norma
definidora do fato tributário.
Para KIAus VOGEL, as normas em causa nem sequer como puras normas de
delimitação do ordenamento interno se poderiam construir, integrando um sistema,
ao contrário do que sucede no Direito Internacional Privado. É que, enquanto este
XLIV (1992), 303 (318); ID., Tutela all'estero dei crediti tributari dello Stato, Pádua 1978,
143 ss.; CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, Curso de Direito Fiscal, I, Lisboa 1982, 149-150.
pode ser considerado um metadireito, uma metalinguagem jurídica, uma vez que as
suas normas, ao decidirem a aplicabilidade das normas materiais, apareceriam estru-
turalmente superiores às regras cujo âmbito de aplicação determinam, as regras de
delimitação do direito tributário (e do direito administrativo em geral) não revelam
entre si a existência de qualquer unidade sistemática, apresentando-se completamente
dependentes das regras materiais cujo campo de aplicação tratam. Faltar-lhes-ia, pois,
a "incomunicabilidade" com as normas de direito material que seria timbre do direi-
to internacional privado e que permitiria erigi-Ias num sistema que se apresentasse
dotado de autonomia em face do sistema das regras de direito material respectivo
Destas considerações decorreria que a delimitação do âmbito de aplicação es-
pacial das normas administrativas (entre as quais as tributárias) não pode constituir
objeto de uma disciplina científica autônoma - o direito administrativo internacional
- na medida em que faltariam àquelas os pressupostos mínimos da sua existência
teórica: um método próprio e um objeto de conhecimento indisputáveP.
Do pensamento dos citados autores decorre que o aspecto ou conexão espacial
previsto pela norma é uma condição, entre outras, para que às situações em causa se
aplique a estatuição contida na norma interna, não tendo por fim indicar um critério
para identificar a ordem jurídica que há de fornecer a norma material destinada a
regular, na ordem do foro, aquele tipo de situação.
Uma variante desta corrente foi formulada recentemente por CARLO GARBARINO,
que parte da distinção entre "normas formais", cuja função consiste na localização do
rendimento com elementos de estraneidade (sourcing ruIes) e "normas substanciais",
que ditam diretamente a respectiva disciplina material (taxing ruIes). O autor adver-
te, todavia, que as primeiras não são "formais" no sentido que esta expressão ganhou
no Direito Internacional Privado, como sinônimo de normas de conflitos, ou seja,
normas com base nas quais é operada a escolha entre dois ou mais ordenamentos
para efeito de determinar a lei aplicável ao caso concreto. A designação de "normas
formais" deve ser entendida no sentido de que elas não respeitam à tributação do
rendimento, mas tão somente à sua localização. Elas não são, por conseguinte, regras
de conflitos bilaterais perfeitas, nos termos do princípio da paridade entre a Iex flri
e o ordenamento estrangeiro; antes fazem parte do ordenamento tributário interno
relativo às relações internacionais, o qual é composto por normas complexas que
contêm, além das normas formais localizadoras, também normas substanciais ou
materiais. Tais normas complexas, conclui GARBARINO, são similares às chamadas
"normas unilaterais introversas" ou "normas de aplicação necessária", no sentido de
que a norma formallocalizadora torna aplicável a norma substancial impositiva. Em
suma, o que caracterizaria tais normas complexas é a ausência de reenvio ao direito
estrangeiro e a operação combinada dos dois tipos de normas4 •
§ 3° A NOSSA POSIÇÃO
5 Cfr., sobre esta distinção, a exaustiva monografia de ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS, As nor-
mas de aplicação imediata no Direito Internacional Privado, 2 vols., Coimbra 1991; N USSBAUM,
Principies of Private International Law, Oxford 1943, 70-73; DE NOVA, I conflitti di legge
e Ic norme con apposite delimitazione della sfera di efficacia, Diritto Internazionale 1959,
13; FERNÁNDEZ ROZASjSANCHEZ LORENZO, Curso de Derecho Internacional Privado, Madrid
1991,406 ss.; FERRER CoRREIA, Direito Internacional Privado - alguns problemas, Coimbra
1991 (2 a reimp.), 60 ss.; R. M. MOURA RAMos, Da lei aplicável, 665 e a ampla bibliografia aí
citada. Na mesma tendência de assemelhar as normas que delimitam o âmbito de aplicação
no espaço das leis penais às normas de aplicação necessária, integra-se T. TREVES, Lagiuris-
dizione nel diritto penale internazionale, Pádua 1973, 93-94.
6 Cfr. GERALDO ATALIBA, Hipótese de incidência tributária, São Paulo 1973, 108 ss.
7 Cir. PAULO DE BARROS CARVALHO, Teoria da norma tributária (la ed.), São Paulo 1974, 118 ss.
......_ _ _ _ _ _Título 11 I Capo 11 I Natureza do Direito Tributário Internacional MA-
a qualidade de delinear os limites dentro dos quais se faz cogente a norma jurídica.
Seria, por assim dizer, o âmbito territorial de aplicação das leis. Esta visão, sobre-
modo simplista, parece reduzir injustamente a dimensão desse critério, tornando-o
singelo indicador, quase sempre implícito, do campo de validade da proposição jurí-
dico-normativa, o que implica indisfarçável empobrecimento daquela realidade 8".
Linha de orientação semelhante parece ter sido seguida por ALFREDO AUGUSTO
BECKER, ao distinguir os elementos da hipótese de incidência - núcleo e elementos
adjetivos - das "coordenadas de tempo e lugar" que condicionam a sua realizaçã09 •
Apesar dos matizes que separam estas teses, a elas é comum a ideia de que uma
coisa é a determinação do local onde um fato juridicamente ocorreu, outra coisa - bem
distinta - é a determinação da ordem jurídica competente para a sua disciplina. A
posição teórica assumida quanto às normas que regem o primeiro problema (as nor-
mas formais localizadoras ou "sourcing rules", na terminologia de GARBARINO) não
envolve, por si só, igual tomada de posição quanto às normas que regem o segundo.
Por isso, o fato de se reconhecer natureza material às primeiras - enquanto aspectos
da hipótese de incidência - não envolve atribuição de igual natureza às segundas,
sobre as quais aliás não se pronunciaram explicitamente os citados autores, deixando
a questão em aberto.
8 Op. cit., 119. PAULO DE BARROS CARVALHO reconhece - e bem - que "o critério espacial das
hipóteses tributárias é fértil repositório de dados importantes, estando, pois, por merecer
exame mais aprofundado de parte dos estudiosos". Cfr. também HELENO TORRES, Pluritri-
butaçiW internacional sobre as rendas de empresas, São Paulo 1997,92.
9 Cfr. BECKER, Teoria Geral do Direito Tributário (3 a ed.), São Paulo 1998, 328 sS.
!i!!> I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
da obrigação tributária. Assim, quando a lei elege a sede de uma sociedade comercial
como elemento de conexão bastante para legitimar o Estado onde ela se localiza a
tributar os lucros por ela auferidos, ainda que no estrangeiro, designa como ponto de
conexão um elemento estranho ao tipo legal tributário, mesmo que neste se pretenda
incluir - o que aliás é teoricamente discutível- o aspecto subjetivo. Dizer-se que, por
esta forma, se está delimitando a hipótese de incidência subjetiva do tributo, para o
caso específico das sociedades comerciais, é não só atribuir a esta hipótese um sentido
que se afasta largamente do seu sentido originário, como sobrecarregar inutilmente
o tratamento dogmático da tipicidade tributária. Mais: quando a lei determina, por
exemplo, que em certo país estão sujeitos ao imposto de renda os tripulantes de navios
e aeronaves com registro ou matrícula nesse mesmo país, está decididamente a desig-
nar como elemento de conexão um fato - o local do registro ou matrícula da aeronave
- que é de todo em todo estranho ao tipo legal do imposto de renda 14 • E o fato de a lei
presumir juris et de jure que este local é o da sua residência não pode levar a esquecer
que é o fato indiciante e não o indiciado que funciona como o real ponto de conexão.
Ora, se existem casos em que os elementos de conexão não se integram em ne-
nhum dos aspectos do tipo legal, é quanto basta para afirmar que as normas que os
designam não procedem a uma delimitação espacial desse mesmo tipo, integrando-se
neste, antes desempenham uma diversa e autônoma função.
No sentido da autonomia destas normas frente aos preceitos que integram a
hipótese de incidência dos tributos, aponta o art. 101 do Código Tributário Nacio-
nal, ao estabelecer que "a vigência, no espaço e no tempo, da legislação tributária
rege-se pelas disposições legais aplicáveis às normas jurídicas em geral, ressalvado o
previsto neste Capítulo". Tais normas integram-se, pois, nos dois grandes sub-ramos
do Direito de Conflitos, respectivamente o Direito Intertemporal e o Direito Interespa-
cial Comum - por sua vez integrados no campo geral e introdutório do direito, no
capítulo das fontes -, cujos princípios fundamentais se aplicam, salvo na existência
de derrogações especiais em razão da matéria a disciplinar.
Temos para nós - na esteira do caminho rasgado, vai já quase um século, por
SAVIGNY - que o Direito Interespacial e o Direito Transitório se apresentam como
duas manifestações do mesmo grande problema: o problema dos limites das leis. Tais
unidade e autonomia - consagrada no volume VIII do System des heutigen romischen
Rechts - vieram a ser sucessivamente reforçadas nas obras de LASSALLE, BATIlFOLL,
QUADRI e muitos outros, de que importa salientar, em Portugal, BAPTISTA MACHADO,
e, no Brasil, HAROLDO V ALLADÃO e IRINEU STRENGER.
Para esta corrente, à qual aderimos, o Direito Interespacial e o Direito Tran-
sitório são direitos de conexão, direitos sobre o direito, ius supra iura, Recht über Recht,
cujas normas pertencem à categoria das normas de aplicação do direito (Rechtsanwen-
dungsnormen), as quais têm por função determinar as leis aplicáveis a certas relações
jurídicas, definindo a sua localização temporal ou espacial, através de adequados
elementos de conexão, mas não ditar uma disciplina material 15 •
Desta sorte, os Direitos de Conflitos integram um sistema de segundo grau,
cuja autonomia se alicerça, já em razões axiológicas - os valores que os norteiam
colocam-se num plano diverso dos que inspiram as soluções de direito material-, já
em razões de índole semântica, posto tais Direitos utilizarem uma metalinguagem,
empregando conceitos de segundo grau.
Nesta visão das coisas, o espaço e o tempo não são aspectos integrantes das
hipóteses normativas ou, pelo menos, não o são necessariamente: ressalvamos os
casos - que configuram verdadeiras normas materiais autolimitadas - em que as cir-
cunstâncias de tempo e de lugar tenham sido expressamente reclamadas pela hipótese
normativa, que as fez abranger no seu querer material. Em geral, porém, a questão
do âmbito de aplicação espacial e temporal de uma dada norma jurídica é questão
que se coloca em horizonte de indagação bem distinto do da concretização da hipó-
tese normativa. Nesta última, tem-se em vista localizar um certo fato; naquela outra,
tem-se em mente circunscrever o campo de aplicação de uma lei. No primeiro caso,
versa-se da localização dos fatos; no segundo, da definição dos limites das leis.
Como muito bem observa MIGUEL GALVÃO TELLES, "a delimitação temporal e
espacial da vigência (se é que a delimitação espacial tem alcance equivalente ao da deli-
mitação temporal) - o tempo que as normas "duram" e o espaço em que o fazem - re-
presenta um prius relativamente à definição da sua aplicabilidade aos fatos, que se apura
através de uma qualquer relação destes com o tempo e com o espaço de vigência I6".
Na verdade, a fundamentação da autonomia lógica do Direito de Conflitos, de-
pois de ter sido tentada na teoria gradualista da escola de Viena, de KELSEN e MERKL
(Stufenbau der Rcchtsordnung), tem sido mais recentemente alicerçada na teoria dos
graus semânticos (Theorie der semantischen Stufen) de STANISLAW LÉSNIEWSKI, AURED
TARSKI e RUDOLF CARNAP.
À primeira corrente aderiram E. ISAY e NEUMEYER, reconhecendo às normas de
conflitos caráter "supraordenado" em relação às normas materiais]7. A segunda, por
sua vez, inspirou BAPTISTA MACHADO, em Portugal, e KLAUS VOGEL, na Alemanha,
18 Cfr. K. VOGEL, Der riiumliche Anwendungsbereich, 24655., sem que, porém, tenha extraído a
conclusão que se impunha quanto ao Direito Tributário Internacional. Como diz BAPTISTA
MACHADO, "nos termos da regra do sentido semântico toda a proposição que fala de si mesma,
porque pertence simultaneamente a dois graus semânticos, carece de sentido (figurativamente:
ninguém se tira da água puxando pelos próprios cabelos; ou ainda: ninguém pode saltar por
cima da própria sombra)": dT. Âmbito de eficácia e âmbito de competência das leis, 261.
19 Cfr. BAPTISTA MACHADO, Lições, 44-46.
20 Cfr. BAPTISTA MACHADO, Lições, 157.
-iN Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
As nonnas de delimitação do Direito Tributário Internacional são verdadeiras nor-
mas de conflitos, pois, apesar da sua natureza unilateral, têm por função resolver um
conflito entre sistemas jurídicos, ou seja, dispor sobre a competência de um sistema
jurídico em bloco, ainda que tão só sobre o sistema do foro. Ao invés, as normas de
aplicação necessária e imediata são regras materiais que prescrevem o seu âmbito de
aplicação no espaço, independentemente e à margem das nonnas de conflitos do sistema
em que se inserem. Como observa RUI MOURA RAMos, "o sistema conflitual, que repar-
te as competências normativas (ou melhor, que reconhece aos vários sistemas uma área
de atuação própria, um âmbito de competência), é assim colocado entre parênteses, ou
seja, ultrapassado, por critérios normativos a que o legislador reconhece esse caráter de
essencialidade. Daí que se possa dizer que eles prevalecem sobre o mecanismo conflitual,
no sentido de que a sua atuação, a verificar-se, é independente da competência do siste-
ma, resultando apenas deles próprios e do que determinem, expressa ou implicitamente,
sobre o seu âmbito de aplicação. É essa mesma indiferença e prioridade em relação ao
sistema conflitual que contribui para que sejam aplicados independentemente deste pro-
cesso da regulamentação (típico e comum) das relações privadas plurilocalizadas. O que
significa (como também se reconheceu) que tais leis são aplicadas de imediato, isto é,
que a sua aplicação dispensa o passo intennédio que é dado pela regra de conflitos que
em primeiro lugar designa como aplicável um determinado ordenamento jurídico2I ".
Ora, as normas de delimitação do Direito Tributário Internacional não operam à
margem, com indiferença ou independentemente do sistema de conflitos, subtraindo-
se à sua esfera de influência, antes constituem o cerne deste mesmo sistema, no domí-
nio do seu objeto, traçando o âmbito de incidência espacial das normas materiais des-
se sistema, que só podem considerar-se aplicáveis uma vez dado o "passo intermédio",
consistente em saber se as regras de conflitos do sistema assim o permitem.
Concluímos assim que as normas internas que respeitam ao âmbito de inci-
dência no espaço das normas de Direito Tributário (Grenznonnen) são verdadeiras
normas de conflitos, filiando-nos a uma corrente que conta com a autoridade de
KARL NEUMEYER, ERNST ISAY e NIBOYET 22 , além de estar subjacente às construções
21 Cfr. MOURA RAMos, Da lei aplicável, 665-666; ver também A. MARQUES DOS SANTOS, As
normas de aplicação imediata, lI, 697 ss.
22 Cfr. KARL NEUMEYER,Internationales Verwaltungsrecht, IV; Zurique/Leipzig 1936, 133 S.; ERNST
ISAY, Internationales Finanzrecht, StuttgartfBerlim 1934, 16 sS.; ID., Zwischenprivatrecht und
Zwischenverwaltungsrecht, 289; NrnOYET, Les doubles impositions au point de vue juridique, Recuei!
des Cours 31 (1930),5 (44 ss.); ID., Traité de DroitInternationalPrivé, VI, vol.l, Paris 1949,9.
Mas isto não significa aceitarmos o seu enquadramento no Direito Internacional Privado, como
pretende boa parte da doutrina latino-americana, pois entendemos que o DIP é apenas um dos
capítulos do Direito de Conflitos, de objeto mais amplo. Cfr. ROMERO DEL PRADO, Manual de
Derecho Internacional PrivatW, Buenos Aires 1944, I, 93 ss., e lI, 1.047 ss.; ENNIS, Derecho Inter-
nacionalPrivatW, Buenos Aires 1953,571 ss.; VALENZUELA,Manual de Derecho Internacional, I,
Santiago 1950, 311 ss.; entre nós, OSCAR TENÓRIO, Direito Internacional PrivatW (4a ed.), Rio
de Janeiro 1955,471 ss. Foi com base neste conceito amplo (mas só com base nele) que NI-
BOYET afirmou a inserção do Direito Tributário Internacional no Direito Internacional Privado.
Título 11 I Capo 11 I Natureza do Direito Tributário Internacional
C) Unilateralidade
23 Justo é salientar que coube à doutrina suíça o mérito de haver sublinhado a namreza de nor-
mas de conflitos (Knllisionsrecht) que revestem as regras elaboradas pelo Tribunal Federal, as
quais, como direito supraestadual, tendem a eliminar a dupla tributação intercantonal. Reco-
nhecer identidade de namreza às normas - internas ou internacionais - que tendem ao mesmo
escopo nas relações internacionais da Confederação representava apenas dar um simples passo
adiante, aliás imposto pela mais elementar lógica jurídica. Cfr. ERNST BLUMENSTEIN, Sistema di
Diritto delle Imposte (trad.), Milão 1954, 74 SS.; HANS HUBER, Das interkantonale Doppelbes-
teuerungsrecht als Richterrecht, in Festschrift for Irene Blumenstein zum 70. Geburtstag, Bern
1966, 43; W ALTER RYSER, Dix leçons introductives au Droit Fiscal, Bern 1974; ERNST HÓHN,
Doppelbesteuerungsrecht, BernjSmttgart 1973, 197 SS.; ARNOLD KNECHfLE, Grundfragen des
internationalen Steuerrechts, Basel1976, 67 SS.; JOSEPH HENGGELLER, Das internationale Steu-
errecht der Schweiz, Basileia 1938; MAX IMBODEN, Internationales Steuerrecht, Schweizerisches
J ahrbuch fur Internationales Recht VII (1950), 299; JEAN MARC RNIER, Droit Fiscal suisse. Le
Droit Fiscal International, Neuchatel 1983; R. VON SALIS, Die Schweiz und die internationale
Doppelbesteuerung, Schweizerisches Jal1rbuch fur Internationales Recht IV (1948).
24 Cfr. VOLKER KLUGE, Das deutsche Internationale Steuerrecht (3' ed.), Munique 1992, 5; ARNo
SCHULZE-BRACHMANN, J(nllisionsnorm, Handworterbuch des Steuerrechts und der Steuerwis-
senschaften 1,670 (reservando, porém, este conceito para as normas de fonte internacional).
Em Portugal, aderem à qualificação como normas de conflitos ViTOR FAVEIRO, Noções fim-
damentais de Direito Fiscal Português, vol. I, Coimbra 1984, 639 SS.; NUNo SÁ GOMES, Curso
de Direito Fiscal, Lisboa 1980 (lições policopiadas), 469 ss. Expressamente contra, CARLOS
PAMPLONA CORTE-REAL, Curso de Direito Fiscal, 149 sS. Contra, também, HELENO TORRES,
Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas (2' ed.), São Paulo 2001, lIO sS.
25 Cfr. ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, Da qualificação em Direito Internacional Privado, Lisboa
1964,16 sS.; JosÉ DE OLIVEIRA AsCENSÃO, O Direito. Introdução e teoriageral (6" ed.), Coim-
bra 1991, 500, qualificando as normas de conflitos como regras formais de remissão.
26 Entendida esta expressão na sua acepção restrita de direito de conflitos próprio da vida
privada. Na acepção ampla - em que o DIP é usado em sinonímia com "direito de confli-
tos" - também engloba as normas tributárias de conflitos. Sobre a comparação entre DTI e
DIP, a obra de síntese é o ensaio magistral de BÜHLER, Internationales Steuerrecht (IStR) und
!im I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier _:_ _ _ _ _ _ _ _.......
Internationales Privatrecht (IPR) , cit., cujas conclusões, porém, nem sempre podemos acom-
panhar. Veja também KNECHTLE, Basic Problems in International Fiscal Law (trad.), Deventer
1979,67 ss.
o equívoco desta observação reside, porém, em entender que o objeto das nor-
mas de conflitos consiste na resolução de um "conflito internacional de competên-
cias", orientação hoje superada pela doutrina e em face da qual nem sequer as normas
do Direito Internacional Privado revestiriam aquela natureza. O Direito Público In-
ternacional (e dentro dele o Direito Tributário Internacional) respeita a um conflito
de leis precisamente nos mesmos termos que o Direito Internacional Privado, con-
flito este que constitui o pressuposto e fundamento das respectivas regras. Como
ensina ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, "a norma de Direito Internacional Privado
(tal como a de Direito Tributário Internacional, acrescentamos nós) pressupõe a
existência de ordenamentos jurídicos autônomos, dotados de vigência própria, para
além do ordenamento em que ela mesma se insere; pressupõe, como afirma BETTI,
senão um 'conflito' de leis num sentido jurídico preciso, ao menos um 'concurso' de
ordenamentos. A norma de conflitos não pode realmente conceber-se num mundo
dominado em exclusivo pela ordem jurídica estadual a que pertence ... "31.
A pluralidade de ordenamentos estaduais autônomos, bem como o seu poten-
cial concurso, é o pressuposto de toda e qualquer norma de conflitos, seja de direito
público ou privado. E daí a admissibilidade de um verdadeiro "direito público de
conflitos" (o offentliches KJlllisionsrecht de NIEDERER) ao lado do direito de conflitos
em matéria privada. Uma coisa, porém, é reconhecer a existência de um verdadeiro
conflito ou concurso de leis; outra - bem distinta - é reconhecer a admissibilidade de
um de entre os vários processos teoricamente admissíveis de solução de tais conflitos,
consistente na remissão para ordenamentos estrangeiros.
Precisamente porque a aplicabilidade da norma tributária tem por consequência
necessária a criação de um direito subjetivo público para o Estado da ordem jurídica a
que essa lei pertence, a norma de conflitos nunca elege uma lei estrangeira para regu-
lar a questão na ordem interna. Não - repita-se - porque a aplicação da lei estrangeira
ofenda, em si mesma, a soberania do Estado, mas porque esta fica inegavelmente
afetada pelo exercício no seu território da pretensão patrimonial de direito público
que daquela lei inexoravelmente decorre 32 . E daí o caráter exclusivamente unilateral
das normas tributárias de conflitos (einseitige Kollisionsnormen).
Como ressalta MOURA RAMos, "o esforço mais consequente de fundamentação
desta posição fica a dever-se a KARL NEUMEYER. O ponto de partida da tese deste
Autor é o reconhecimento da necessidade dos Estados de estabelecer limites à apli-
cabilidade das ordens jurídicas respectivas, o que resultaria da existência de ordens
jurídicas criadas pelos Estados para vigorar no seu território. Só que, enquanto no
domínio do direito civil, o Estado, para além de delimitar a competência do sistema
respectivo, designa qual a ordem jurídica a que se hão-de ir buscar as soluções ma-
31 Cfr. Direito Internacional Privado, lI, 71 e 72. Sobre a possibilidade de conflitos em matéria
de Direito Público, cfr. PÉREz-BEVIÁ, La aplicación dei Derecho Publico extranjero, Madrid
1989,52 ss.; JosÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito. Introdução e Teoria Geral, SOL
32 Cfr. KWGE, Das deutsche Infernationale Steuerrecht, 3.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
teriais de regulamentação nos casos em que ele próprio não pretenda aplicar a sua
ordenação, já no domínio do direito público uma tal dupla função dos comandos de-
limitadores se revelaria impossível, e isto porque os comandos deste sector do direito
conteriam necessariamente a relacionação com um Estado determinado, não poden-
do pois um outro Estado pretender interferir com o respectivo domínio de aplicação,
pois isso contraria regras elementares do Direito Internacional Público. Por isso as
regras delimitadoras do âmbito de aplicação espacial do direito público seriam uni-
laterais, ao passo que, no domínio do direito privado, elas já seriam bilaterais, por
desempenharem a dupla função referida: para além de circunscreverem o âmbito do
próprio sistema, determinam o campo de aplicação dos demais"33.
A unilateralidade essencial à norma tributária de conflitos resulta, assim, direta-
mente do princípio da territorialidade entendido em sentido formal 34 .
Mas, como com todo o rigor observou NIBOYET, o caráter exclusivamente uni-
lateral da norma tributária de conflitos não prejudica a sua natureza de verdadeira
norma de conflitos, pois nela se verifica o seu elemento mais característico: a regula-
mentação da questão internacional por um processo indireto e que, no caso, se traduz
em definir as condições de aplicabilidade das normas materiais tributárias internas,
ou seja, delimitando o seu âmbito de incidência no espaç035.
Como diz ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, em observações que igualmente se
ajustam ao Direito Tributário Internacional, "o que há de verdadeiramente caracterís-
tico na norma de conflitos e a distingue dos restantes processos de regular as relações
privadas internacionais consiste em ela ser uma norma de regulamentação indirecta,
uma norma que regula relações interindividuais através da designação de dada ordem
local, de entre aquelas com que a questão está conexa, como competente para fornecer
a respectiva regulamentação material. O que caracteriza a norma de conflitos de leis
é assim o facto de ela lançar uma ponte entre certo tipo de questão e dada ordem de-
signada competente (Pontifex, chamou RAAPE ao legislador do Direito Internacional
Privado). Mas há mais. A norma de conflitos, sendo uma norma indirecta, caracteriza-
se ainda, dentro desta classe de normas, por operar uma remissão - como quer que se
construa teoricamente este fenômeno - para dada ordem jurídica local, seja ela sempre
uma ordem estrangeira, ou também eventualmente a própria ordem estadual interna36".
D) Caráter internacional
A discussão que se trava quanto à questão de saber se as normas de Direito Tri-
butário Internacional têm verdadeira natureza internacional circunscreve-se, obvia-
mente, às normas tributárias de fonte interna (de conflitos, materiais ou instrumen-
tais), pois a natureza internacional das fontes externas, como as convenções contra a
dupla tributação, jamais foi contestada. E, dentro das fontes internas, concentraram
a atenção dos autores as normas de delimitação, pela afinidade que têm com as regras
de conflitos do Direito Internacional Privado.
Para a corrente de pensamento segundo a qual a função da norma tributária de
conflitos, embora se traduza imediatamente na disciplina indireta das relações tribu-
tárias entre um Estado e um ou mais sujeitos, em virtude de uma situação jurídica
conexa por qualquer dos seus elementos com mais do que uma ordem tributária,
resolve-se mediatamente na disciplina de um conflito de soberanias ou, se se preferir,
dos interesses públicos decorrentes dos poderes soberanos dos Estados - então pare-
ce inegável a sua natureza internacional41 •
A natureza internacional do direito de conflitos, em matéria tributária, decor-
reria, pois, com toda a clareza da sua função mediata) uma vez que a delimitação de
competências legislativas, a disciplina de conflitos de soberania ou de interesses pú-
blicos estaduais, inscreve-se por certo no domínio das relações entre Estados (Zwis-
chensteuerrecht) domínio em que todos estão de acordo em reconhecer natureza in-
ternacional, seja qual for a orientação - monista ou dualista - perfilhada.
Mas, se inegavelmente internacional quanto ao objeto e à função mediata, já
maiores dúvidas se podem suscitar quanto à sua função imediata, precisamente aque-
la que mais incisivamente determinará a sua natureza.
Traduzindo-se esta função na disciplina indireta de relações tributárias entre Es-
tados e indivíduos originadas em situações da vida conexas com mais do que uma
ordem tributária, a natureza das normas de delimitação será declaradamente interna)
para todos quantos perfIlhem uma concepção dualista das relações entre direito inter-
nacional e direito interno42 • Com efeito, para todos quantos entendem que o Direito
Internacional, por natureza, é o direito regulador das relações entre Estados, o Estado,
ao definir pela norma tributária de conflitos as situações a que pretende aplicar as suas
leis materiais, está a desempenhar uma função que lhe é própria e que imprime caráter
interno às normas por que essa função se exerce43 • Na lógica desta orientação, não
poderia, pois, falar-se em questões tributárias internacionais ou em Direito Tributário
Internacional, mas tão só em questões tributárias com "elementos de estraneidade" ou
em Direito Tributário externo - o Auflensteuerrecht de que fala BÜHLER44- , reservando
41 Cfr. ISAY, Internatíonales Finanzrecht) passim; HERZFELD, Probleme des Internatíonalen Steuer-
rechts unter besonderer Berücksichtigung des Territorialitiitsprinzips und des Qualifikatwnsprob-
lems, Heidelberg 1932, passim; LIPPERT, Handbuch des Internatwnalen Finanzrechts) Viena
1929; E. FRITSCH, Das Internationale Steuerrecht, Viena 1964; UDINA, II Diritto Internazi-
onale Tributario, Pádua 1949; GARELLI, Diritto Internazwnale Tributaria, Turim 1899. Cfr.
sobre este tema, ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, Lições, I, 290 ss. e II, 62.
42 Cfr. HEINZ WAGNER, Monimus und Dualismus: eine methodenkritische Betrachtung zum
Theorienstreit, Archiv des offintlichen Rechts 89 (1964), 212 (212 ss.); ISABEL DE MAGALHÁEs
COLLAÇO, Lições, I, 297 ss.
43 Cfr. D. ANZlLOTI1, Corso di Diritto Internazwnale, voi. III, Roma 1928, 50 ss.
44 Cfr. BÜHLER, Internatwnales Steuerrecht (IStR) und Internatwnales Privatrecht (IPR), 17 ss.
Veja-se também Armo SCHULZE-BRACHMAN,Auflensteuerrecht, Handworterbuch des Steuer-
-=====_ Título" I Capo " I Natureza do Direito Tributário Internacional
45 Cfr. SCHAUMBURG, Internationa/.es Steuerrecht, Colônia 1993, 3 e 423, o qual, porém, consi-
dera ambos os domínios fazendo parte do Direito Tributário Internacional.
46 Que se encontra formulada, em termos de raro equilíbrio, no ensaio de VICENTE MAROTTA
RANGEL, Os conflitos entre o Direito Interno e os Tratados Internacionais, Revista da Facul-
dade de Direito da Universidade de São Paulo LXII (1967), fasc. 11 (separata).
47 "Leis de objeto internacional" chama-lhes M. CHRÉTIEN,A la recherche, 67. Cfr. KLAus Vo-
GEL, Der rdumliche Anwendungsbereich, 155. Aderem a esta qualificação, além de HERZFELD
e LIPPERT, GUGGENHEIM, Ilimposition des successions en Droit International et /.e prob/.eme de la
double imposition, Geneve 1928, 12; VAN HOORN, Unilaterale Maflnahmen gegen die Doppel-
besteuerung, 1956, 105 SS.; KNECIITLE, Basic Problems, 11; RIVIER, Droit Fiscal suisse (Le Droit
Fiscal International), Neuchatel1983, 32.
48 Cfr. LIPPERT, Handbuch des Internationalen Finanzrechts, 11-12; MbsSNER, Der BegrijJ, 277.
49 Nessa perspectiva mais ampla, o fenômeno foi encarado nas monografias de HERZFELD,
ISAY E VOGEL. Veja-se, sobre os dois conceitos (amplo e restrito) de "internacional", KLUGE,
Das deutsche Internationa/.e Steuerrecht, 1-2; A. KNECIITLE, Grundfragen, 12 SS.; SCHULZE-
BRACHMANN, Internationales Steuerrecht, Handw6rterbuch des Steuerrechts und der Steuer-
wissenschaften I, 604; ARNDT RAuPAcH, Internationales Steuerrecht in der Rechtsprechung des
Bundesfinanzhoft, Deutsche Steuer-Zeitung 1975, 388; BÜHLER, Internationa/.es Steuerrecht,
34; MbsSNER, Der BegrijJ, 275 sS.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
§ 4° CONCLUSÕES
55 Cir. Droit Fiscal Internacional français,]uris Classeur de Droit International, fase. 302 (1955).
I
TlTULOIII
SEÇÃO I
As CONVENÇÕES INTERNACIONAIS
CONTRA A DUPLA TRIBUTAÇÃO
§ 10 CONCEITO E EVOLUÇÃO
A) Evolução histórica
Dentro das fontes internacionais do Direito Tributário, os tratados ocupam lugar de
primordial relevo. De há muito, com efeito, se celebram convenções internacionais que,
versando embora essencialmente matérias de outra natureza, contemplam, acidental ou
acessoriamente, disposições tributárias: basta pensar nos acordos de comércio, nos que
visam à formação de uniões aduaneiras ou wnas de comércio livre, nos que regulam
os portos marítimos, os aeroportos, a viação rodoviária, a navegação aérea, o trânsito
e baldeação, o serviço postal, a emigração, a proteção de investimentos, a cooperação
cultural, científica ou militar, ou as convenções relativas às imunidades diplomáticas e
consulares ou ao regime fiscal das organizações internacionais e seus empregados!.
Ao lado destes, porém, surgiram tratados de conteúdo especificamente tributário,
visando a eliminar ou atenuar a dupla tributação e a evasão fiscal, ou ainda procuran-
do disciplinar a colaboração administrativa entre Estados em matéria de impostos 2 •
Estes tratados são, via de regra, tratados bilaterais. Os tratados coletivos ocu-
pam no Direito Tributário Internacional um lugar decididamente secundári03 .
Polônia, Romênia e Iugoslávia), que não chegou a ter aplicação prática; (ii) Convenção de
Brazaville, de 15 de outubro de 1957 (Chade, Gabão, República do Congo e República
Centro-Mricana); (iii) Convenção geral de cooperação fiscal entre os Estados-membros da
Organização Comum Mricana, Malgache e das Maurícias (Fort Lamy), de 29 de janeiro de
1971, extinta em 1985; (iv) Convenção do Grupo Andino, de 16 de novembro de 1971
(Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela); (v) Convenção entre os Estados do Con-
selho da União Econômica Árabe, Cairo, 3 de dezembro de 1973 (Jordânia, Sudão, Síria,
Iraque, Koweit, Egito e Iémene); (vi) Convenção da Comunidade Econômica dos Países do
Oeste da África (ECOWAS, Benin, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné Bissau, Costa do Marfim,
Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Togo e Burkina Fasso; (vii)
Convenção de Miskolade, 27 de maio de 1977 (Hungria, República Democrática Alemã,
Mongólia, Romênia, Tchecoslováquia, União Soviética, Polônia); (viii) Convenção de Ulan-
Bator, de 19 de maio de 1978, entre os signatários da precedente. Pela importância das
economias envolvidas, merece referência especial o tratado multilateral em matéria de im-
posto sobre a renda entre a Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Islândia - Convenção
Nórdica - (celebrado em 1984 e revisto em 1987 e 1989): cfr. N. MATISON, Is the Multi-
lateral Convention a Solution for the Future? Comments with Reflections on the Nordic Experi-
ence, Intertax 1985, 212. Sobre convenções multilaterais, ver M. PIRES, Da dupla tributação
jurídica internacional sobre o rendimento, Lisboa 1984, 480 S5.
fiscale. Vingt ans de progres sous les auspices de la Societé des Nations, Genêve 1939; COLARUSSO,
Le doppic imposizioni nei rapporti internazionali, Pádua 1930,47.
7 Cfr. a exposição detalhada desta evolução em ALEGRIA BoRRAs, La doble imposición: problemas
juridico-internacionales, Madrid 1974, 109 e 163; M. PIRES, Da dupla tributaçÍÚJ, 183 ss.; FRAN-
CISCO NEVES DORNELLES, A dupla tributaçÍÚJ internacional da renda, Rio de Janeiro 1979,27
ss.; JEAN-CLAUDE MARTINEZ, Les conventions de double imposition, Paris 1986; VITOR FAVEIRO,
Noções fondamentais de Direito Fiscal português, I, Coimbra 1984, 645 ss.; GARBARlNO, La tas-
sazione dei reddito tranmazionale, Pádua 1990, 16 SS.; AmÔNIO DE MOURA BORGES, Convenções
sobre dupla tributaçÍÚJ internacional, Teresina/São Paulo 1992, 111 55. Para uma apreciação geral
desta evolução, ver JAN CHRISTIAANSE, Recentes progressos no Direito Tributário Internacio-
nal, in Estudos em homenagem a G. DE ULHÔA CANTO, São Paulo 1988,428 (428 ss.).
8 Cfr. ONU, Convenções fiscais entre países desenvolvidos e países em via de desenvolvimento (trad.
port.) , Lisboa 1970; ID., Manual for the Negotiation ofBilateral Tax Treaties between Deveioped
and Deveioping Countrics, Nova York 1979,
f.ID I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
9 Cfr. JosÉ DANIEL DINIZ, Acordos para evitar a dupla tributação entre países desenvolvidos e
países em desenvolvimento, Projeção 1-8 (1976), 38 (38 ss.); International Tax Review (se-
tembro de 1990), 31 ss.; FRANCISCO NEVES DORNELLES, O modelo da ONU para eliminar
a dupla tributação da renda e os países em desenvolvimento, in Estudos em homenagem a G.
DE ULH6A CANTO, São Paulo 1988, 195 (195 ss.); A,'lTÔNIO DE MOURA BORGES, Convenções
sobre dupla tributação internacional entre estados desenvolvidos e estados em desenvolvi-
mento, RDDT 8 (1996), 21; K. VOGEL, Importância do Direito Tributário Internacional
para os países em desenvolvimento, in Estudos em homenagem a G. DE ULH6A CANTO, São
Paulo 1988,470; MOURA BORGES, Convenções, cit., 143 ss.; ALFREDO ESCRIBANO MARTÍNEZ,
Los trabajos de la ONU y de la OCDE en materia fiscal, in XX Semana de Estudios de Derecho
Financiero, Madrid 1973,285; ROQUE GARCIA MULLL'l, Tratados impositivos entre países desar-
rollados y países en desarrollo, RDT 23/24 (1983), 26.
10 Cfr. Fiscal Harmonization in theAndean Countries, Amsterdam 1975, pubI. pelo International
Buteau ofFiscal Documentation, com estudos de ATCHABAHIAN, V ALDÉS CoSTA, PIEDRABUENA
RrCHARD, FRANÇOIS GENDRE, HANSMAN e SIRn.LE, e a bibliografia especializada citada naque-
le volume, 117; V ALDÉS COSTA, La experiencia latinoamericana en la imposición internacio-
nal, in ID., Estudios de derecho tributario latinoamericano, Montevideo 1982, 283; ID., Estudios
de derecho tributario internacional, Montevideo 1978, 13 ss.; DORNELLES, A dupla tributação,
69 ss.; CARMEN AnELA LÓI'EZ DE LA ROCHA, Territorialidad y e!usión de impuestos, RDT
5 (1978), 35; CARLOS ARAuz y ARAuz DE ROBLES, La empresa multinacional a la luz del
pacto andino, in XXI Semana de Estudios de Derecho Financiero, Madrid 1974, 591; CARLOS
L. DENTONE, Consideraciones sobre el problema planteado por la asistencia técnica en el
seno de los países integrantes de la ALALC,DRT 3 (1978),245. J. V. TROYA JARAMILLO, La
fiscalidad internacional en la comunidad anclina, in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto
Tributaria Internazionale, Pádua 1999, 805.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
11 K. VAN R.AAD, 1963 and 1977 OECD Model Income Tax Treaties and Commentaries (2 a ed.),
Deventer/Boston 1990; ID., The Netherlands Model Income Tax Treaty, Intertax 1988, 241;
ROBERT J. PATRICK JR., A Comparison ofthe United States and OECD Model Income Tax
Conventions, Law and Policy in International Business 10-2 (1978), 613; R. DOERNBERG/K.
VAN RAAD, The 1996 U. S. Model Tax Income Convention, Haia 1997; HARRY A. SHANNON,
Die Doppelbesteuerungsabkommen der USA, Munique 1987; A. MIRAuLO, Doppia imposizione
internazionale, Milão 1990, 151 ss.; STANLEY KATz,Interpretation ofDouble Taxation Conven-
tions, CDFI LXXVlll-a (1993), 615 (619). Cfr. HELENO TÓRRES, Pluritributaçtfu internacio-
nal sobre as rendas de empresas, São Paulo 2001, 498.
12 O título da Convenção Modelo, a partir de 1992 - Model Tax Convention on Income and
Capital - não contém, como nos Modelos anteriores (1963 e 1977), nenhuma referência
específica à dupla tributação, por se ter reconhecido que a sua amplitude era maior, abran-
gendo o fenômeno da evasão fiscal, da assistência administrativa, da não discriminação, e até
(como mais recentemente) a prevenção da dupla não tributação. Cfr. supra, 30 ss. Cfr. JosÉ
MARÍA TOVILLAS MORÁN, Estudio de/Modelo de Convenio sobre Renta y Patrimonio de la OCDE
de 1992, Madrid 1996; Cfr. MICHAEL LANG, Avoidance ofdouble non-taxation, Viena 2003.
flJ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
13 Ver a descrição da posição do Brasil nas negociações para evitar a dupla tributação, em
FRANCISCO DORNELLES, Acordos para eliminar a dupla tributação da renda, RDT 3 (1978),
251; JosÉ DANLEL DINIZ, Acordos para evitar a dupla tributação da renda: a posição do Brasil,
Projeção 1-2 (1975), 8.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
14 Junho de 2010.
15 efr. K. VOGEL, Double Tax Treaties and their Interpretation, International Tax & Business
Lawyer 4 (1986), 17 e 29 (separata). •
16 Os tratados especiais sobre a matéria celebrados com a Africa do Sul, a Argentina, a Itália,
a Alemanha e a França foram revogados e substituídos pelos tratados gerais contra a dupla
tributação celebrados com estes países.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
17 Veja-se, JosÉ FRANCISCO REZEK, Direito Internacional Público (2 a ed.), São Paulo 1991, 37 sS.,
40 sS., 44 S.
18 Cfr. J. F. REZEK, op. cit., 43.
19 Cfr. J. F. REZEK, ibidem.
20 À exceção, bem entendido, como observa J. F. REZEK, op. cit., 72-73, da possibilidade de
aditar ou suprimir reservas. Esta possibilidade não se traduz, porém, numa possibilidade de
interferir autonomamente no conteúdo do tratado, mas apenas num modo de condicionar a
eficácia do próprio referendo do Congresso. Com efeito, como todo ato jurídico, este pode
ser dado em termos absolutos ou condicionais - por exemplo, sujeito à condição suspensiva
de o Governo opor como reservas as restrições constantes do referendo ou de desabonar
reservas antes por ele formuladas, conforme for o caso.
21 Cfr. J. F. REZEK, op. cit., 70.
22 Cfr. J. F. REZEK, op. cit., 54.
23 Cfr. J. F. REZEK, op. cit., 55, 69. Cfr. no mesmo sentido FRANCISCO DE AsSIS MACIEL TAVARES,
Ratificação de tratados internacionais, Rio de Janeiro 2003, 44 e 79.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
de ratificação deve ser expresso e tem caráter formal, tomando a forma externa de
instrumento de ratificaçéÚJ, assinado pelo Presidente da República e referendado pelo
Ministro das Relações Exteriores.
A troca dos instrumentos de ratificaçiÚJ fixa o momento da entrada em vigor do
tratado na ordem jurídica internacional, pois é precisamente nesse momento que se
consuma o consensus 24 •
A terceira e última fase do procedimento de celebração dos tratados é a fase in-
tegrativa da eficácia, que abrange a promulgação e a publicação.
A promulgaçéÚJ, por decreto do Presidente da República, é o ato jurídico de na-
tureza meramente interna, pelo qual o Governo torna pública a existência de um
tratado por ele celebrado e constata o preenchimento das formalidades exigidas para
a sua conclusão. A promulgaçéÚJ está sujeita a publicaçéÚJ no Diário Oficial, produzindo
efeitos ex tunc com relação às datas previstas no tratado para a vigência deste (Parecer
Normativo CST nO 3/79)25.
Note-se, por fim, que, em matéria tributária, só o tratado é forma adequada
de vinculação externa do Estado brasileiro. Os meros acordos) acordos executivos ou
de forma simplificada ("agreements in simplified flrm") , não sujeitos a ratificação do
Presidente da República, só poderão atuar, quando muito, em matéria subtraída ao
princípio da legalidade, ou seja, em matéria estritamente regulamentar26 •
A) O problema em geral
24 Sobre o procedimento de celebração de tratados cfr. J. F. REZEK, op. cit., 53; ARAMINTA DE
AZEVEDO MERCADANTE, Alguns aspectos do Direito Internacional Público na Constituição
Brasileira, Notícia de Direito Brasileiro 1975, 49; CELSO DE ALBUQUERQUE MELLO, Direito
Constitucional Internacional (2 a ed.), Rio de Janeiro 2003,26955.; A. P. CACHAPUZ DE ME-
DEIROS, O poder de celebrar tratados, Porto Alegre 1995, 45755.; MARIÀNGELA AruOSI, Confli-
tos entre tratados internacionais e leis internas, Rio de Janeiro/São Paulo 2000,passim; MOURA
BORGES, Convenções sobre dupla tributação internacional) Teresina/São Paulo 1992) 118 ss.;
GARBARlNO, La tassazione dei reddito transnazionale, Pádua 1990,48755.; DURANTE, Trattato
(dir. vig.), Enc. delDir. XLIV (1992),1.368 (1.375 55.).
25 Sobre a eficácia da publicação, ver MANUEL DIEZ DE VELASCO, Instituciones de Derecho Inter-
nacional Publico (9a ed.), Madrid 1991, 194.
26 Cfr. CHAYET, Les accortis en jimnc simplifiée, Annuaire Français de Droit Internationall957, 4 ss.
27 Este § foi baseado no artigo em coautoria com HELENA DE ARAÚJO LOPES XAVIER, Superiori-
dade hierárquica em relação à lei face à Constituição Federal de 1988, RDT 66 (1996), 30
ss. O texto foi alterado, em vários pontos, na atual edição deste livro, para atender a elemen-
tos doutrinários e jurisprudenciais supervenientes.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
28 Cfr. ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, Direito Internacional Privado, I, Lisboa 1966, 317.
29 Cfr. neste sentido JosÉ SOUTO MAIOR BORGES, Isenções em tratados internacionais de impostos
dos Estados-membros e municípios, in CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (org.), Direito Tri-
butário. Estudos em homenagem a GeraldoAtaliba, São Paulo 1997, 176. Discordamos assim da
opinião de MARCIANO SEABRA DE GODO! quando afirma ser admissível o monismo com paridade
hierárquica entre tratado e lei. Cfr. Os tratados ou convenções internacionais para evitar a dupla
tributação e sua hierarquia normativa no Direito Brasileiro, in Luís EDUARDO SCHOUERI (org.),
Direito Tributário. Homenagem aAlcidesJm;ge Costa, vaI. ll, São Paulo 2003, 989, nota 31. Se o
tratado é recebido "como tal", apenas também como tal pode ser revogado ou modificado, ou
seja, pelo mecanismo próprio do Direito dos Tratados e não pela superveniência de lei interna.
30 O depósito do instrumento de ratificação da Convenção de Viena foi efetuado pelo Brasil
junto ao Secretário-Geral da ONU em Nova York em 25 de setembro de 2009. Como o
art. 84 da Convenção estabelece sua entrada em vigor para o Estado ratificante no trigésimo
dia após a ratificação, o Brasil está obrigado no plano internacional desde 25 de outubro de
2009. No plano interno a referida Convenção foi referendada pelo Congresso Nacional pelo
Decreto Legislativo nO 496/2009 e promulgada pelo Decreto nO 7.030, de 14 de dezembro
de 2009, pelo Presidente da República. Esta Convenção foi assinada pelo Brasil, em 23 de
maio de 1969, e submetida ao Congresso em 22 de abril de 1992.
tU$iJ Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
amenteJ mas em termos diversos, por uma norma interna e por uma norma interna-
cional. Poderá a eventual antinomia ser resolvida por um critério hierárquico?
Este problema consiste afinal em saber se entre a ordem jurídica nacional e in-
ternacional há ou não relações sistemáticas e, em caso afirmativo, de que tipo.
A rejeição de uma necessidade de "convivência" entre ordem jurídica nacional
e internacional conduziria à cisão da personalidade jurídica do Estado, que poderia
apresentar uma "caraJJ no exterior e outra no domínio interno, como uma bifronte
cabeça de Jano, conforme melhor lhe conviesse. Esta situação constituiria não só um
absurdo jurídico rejeitado pela consagração constitucional do Estado como ente uno,
ainda que diferenciado nas suas estruturas internas de atuação - cfr. arts. 1°, 2°, 3° e
4° da Constituição -, como possibilitaria, por exemplo, que a República Federativa do
Brasil, no plano externo, sustentasse rigorosa defesa dos direitos humanos e repudiasse
o terrorismo e o racismo - cfr. o art. 4°, incisos II e VIII, da Constituição - e, no plano
interno, violasse sistematicamente os direitos fundamentais dos seus cidadãos decor-
rentes de tratados internacionais - cfr. os §§ 2° e 3°33 do art. 5° da Constituição.
Uma tal situação é, porém, hoje, objeto de firme rejeição, a qual tem por base
não só a solidez e a maturidade secular de uma cultura de direito constitucional
assente no aperfeiçoamento e desenvolvimento dos sistemas de autovinculação do
Estado e de que o princípio da proibição do venire contra factum proprium é um mero
corolário, mas também a vocação internacionalista da República Federativa do Brasil,
proclamada no art. 4° da Constituição, em que sobrelevam os princípios da igualdade
entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos e da cooperação entre os povos.
Vejamos, pois, como à luz da nossa ordem jurídica se coloca a querela entre as
teses que, classicamente e na ausência de normas constitucionais expressas, eram co-
locadas em abstrato: a tese dualista e a tese monista. Para a tese dualista, a diversidade
absoluta quanto às fontes, entre direito internacional e direito interno, impedia que
a norma internacional vigorasse na ordem interna, antes de ser transformada em lei
interna34 . Para a construção monista, o direito constitui uma unidade de que a ordem
interna, como a ordem internacional, constituem meras manifestações. Esta constru-
ção comportava duas variantes, consoante, em caso de conflito entre as ordens inter-
na e internacional, se desse prevalência à norma interna ou à norma internacional.
hierárquico do respectivo ato interno que operasse tal transformação, muito embora,
como se disse, seja possível conceber em tese sistemas que, apesar de exigirem uma
transformação prévia e individualizada, atribuam maior força hierárquica à norma
internacional transformada42 •
Já, porém, para a corrente monista que aceita a vigência do direito internacional
convencional, como tal, na ordem interna, seja automática, seja através de prévio
procedimento de incorporação ou transposição, a superioridade hierárquica dos tra-
tados impõe-se logicamente. É que, só podendo estes ser modificados, denunciados
ou revogados pelos mecanismos próprios do Direito dos Tratados, não são atingíveis
por leis internas supervenientes, em relação às quais opõem uma "força de resistência
passiva", que é da essência da primazia de aplicação.
a) A doutrina
42 Note-se ainda que, em matéria tributária, só o tratado é forma adequada de vinculação exter-
na do Estado brasileiro. Os meros acordos, de forma simplificada (agreements in simplified flrm),
não sujeitos a ratificação do Presidente da República, só poderão atuar, quando muito, em
matéria subtraída ao princípio da legalidade, ou seja, em matéria estritamente regulamentar:
Cfr. CHAYET, Les accords en forme simplifiée, Annuaire Français de Droit International1957,
4 ss.
43 Cfr. LUIS DA GAMA E SILVA, A Ordem Pública em Direito Internacional Privado, São Paulo
1944. No Direito Tributário, sustentaram a equivalência entre tratado e lei, admitindo a
revogabilidade do primeiro pela segunda, GERALDO ATALIBA, Apontamentos de Ciência das
Finanças, Direito Financeiro e Tributário, São Paulo 1969, 110; SAMPAIO DÓRIA, Da lei tribu-
tária no tempo, São Paulo 1968,41 ss.; BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, Sistema constitucional
tributário na ConstituiçiW de 1969, São Paulo 1973, 157; VLADIMIR ROSSI LOURENÇO, Trata-
dos, convenções internacionais e tributação, RDT 37 (1986), 167, considerando o decreto
legislativo (instrumento de transformação) do mesmo nível hierárquico que a lei ordinária;
JosÉ ALFREDO BORGES, Tratado internacional em matéria tributária como fonte de direito,
RDT 27/28 (1984), 162, onde o autor, baseado numa concepção monista, com primado
do Direito Interno, chega a afirmar a inconstitucionalidade do art. 98 do Código Tributário
Nacional; JosÉ FRANCISCO REZEK, Direito dos Tratados, Rio de Janeiro 1984,464 ss.
44 Cfr. FlI.ADELFO AzEVEDO, Os tratados e os interesses privados em face do Direito Brasileiro, Bo-
letim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional 1, 12-29; OSCAR TENORIO, Lei de IntroduçiW
ao Código Civil Brasileiro (2 a ed.), Rio de Janeiro 1955, citando CAMPOS BOTELHO P. ROCHA;
H. V ALLADÃo, Fontes de Direito Internacional Privado e conflitos entre as fontes internacio-
nais e as internas, Rcv. da Fac. de Dir. de Pelotas 1962, 46-47; Parecer da Procuradoria Geral
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
b) A Jurisprudência
da Fazenda, Revista de Direito Administrativo 55, 337; ALIOMAR BALEEIRO, Direito Tributário
Brasileiro (lO' ed.), Rio de Janeiro 1981, 411; HILDEBRANDO ACCIOLY, Manual de Direito
Internacional Público (3' ed.), São Paulo 1956,22-23; MAROTIA RANGEL, Os conflitos entre
o Direito Interno e os tratados internacionais, Revista da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo LXII (1967), que refere ainda outros autores no mesmo sentido, como PEDRO
LESSA, FILADELFO AzEVEDO, VICENTE RÁo e CARLOS MAxIMILIANO; JOSÉ CARLOS FALEIRO, A
supremacia dos acordos internacionais sobre a legislação interna, in Comentários ao Código
Tributário Nacional, vaI. lII, São Paulo 1977, 71 SS. e a jurisprudência aí citada (84).
como atrás se viu, a título não autônomo - enquanto mero elemento do processo de
formação de uma vontade alheia e mais ampla que é a do próprio Estado e, por isso,
em articulação com a do Executivo - e em termos formais e externos.
Por outras palavras, enquanto na lei a vontade do Legislativo, enquanto órgão
do Estado, vale como parâmetro em relação aos atos do Executivo e do Judiciário, no
tratado é a vontade da União, do Estado no seu conjunto, que vale como parâmetro
da ação do conjunto dos seus órgãos legislativo, executivo e judiciário. A vontade
manifestada nos tratados não é a vontade do Legislativo, mas a vontade da própria
União enquanto tal e por isso nela participam conjuntamente Legislativo e Executi-
vo, qualquer que seja a matéria.
Assim, a par de acórdãos que reconhecem claramente a supremacia dos tratados
em relação à lei interna50 , subsistem setores da jurisprudência que continuam de cos-
tas viradas para a nova Constituiçã051 .
52 Observa - e bem - HAMILTON DIAS DE SOUSA que "a interpretação que resulta na conclusão
pela paridade normativa das normas dos tratados com as leis ordinárias tem por causa, a
meu ver, o fato de tais intérpretes não terem se detido na análise dos dispositivos sobre
tratados como contidos na Carta Constitucional de 1988". Cfr. Tratados internacionais -
OMC e Mercosul, RDDT 27 (1997), 34. Muito bem observa PATRÍCIA HENRIQUES RIBEIRO,
referindo-se ao § 2° do art. 5°, que "este dispositivo parece ter sido esquecido pela prática
nacional". Cfr. As relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno) cit., 210.
r:m I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decor-
rentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacio-
nais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Este preceito reconhece, assim, a emergência de direitos subjetivos e garantias
individuais para os brasileiros e estrangeiros residentes no país, diretamente dos tra-
tados internacionais em que a República Federativa seja parte.
Ora, se os tratados (pelo menos os relativos a direitos e garantias) são recebidos
na ordem interna como tratados e não como leis internas, isso significa que só podem
ser celebrados, revogados ou denunciados pelos mecanismos que lhes são próprios e
não pelos mecanismos que valem para as leis internas. É precisamente nesta impossi-
bilidade de a lei ordinária interna revogar ou denunciar um tratado internacional que
consiste a "resistência" inerente à supremacia hierárquica deste último.
Tendo reconhecido a validade dos tratados, como tal, e a necessária obediência
das suas disposições por leis ordinárias, o direito brasileiro rejeitou a figura da "trans-
formação", expressa ou implícita, mediante lei que tivesse paridade hierárquica com
as demais leis ordinárias 53 •
Como já se viu, o ato de referendo do Congresso Nacional não tem a natureza
jurídica de lei de transformação ou ordem de execução. Com efeito, a fase interna do
processo de celebração do tratado, ou seja, a fase da consulta ao parlamento como
preliminar da ratificação, e a própria ratificação são anteriores à consumação do con-
sensus, e só esta assinala o nascimento do novo direito internacional convencional.
O direito brasileiro consagra, pois, a visão monista, pela qual o direito interna-
cional convencional vigora na ordem interna brasileira, na sua qualidade de direito
internacional.
Mas o § 2° do art. 5° tem ainda um alcance mais amplo do que a simples decla-
ração de que os tratados relativos a direitos e garantias são recebidos "como tal" na
ordem nacional e não como leis internas. Com efeito, ao estabelecer que os direitos
e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte, revela claramente que as normas constantes dos trata-
dos internacionais prevalecem sobre as normas internas nas matérias em causa.
Na verdade, se o Estado brasileiro assegura, em nível constitucional, a vigência
de direitos e garantias decorrentes dos tratados internacionais, isso significa que ele
próprio tem o dever de conformar a sua ordem interna com o direito convencional, não
podendo, assim, emitir leis infraconstitucionais contrárias às normas daquele.
53 CELSO RIBEIRO BASTOS reconhece, e bem, a superação da tese dualista. Cfr. Comentários à
Constituição do Brasil, 2° vaI., São Paulo 1989, 396.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais M:tM
Após a referida Emenda ficou claro que apenas as normas convencionais inter-
nacionais que obedeçam cumulativamente ao requisito material de versarem sobre
"direitos humanos" e ao requisito formal de obedecerem a procedimento legislativo
e a quórum especial passam a revestir a força hierárquica de norma constitucional
derivada.
Assim, nos termos dos §§ 2° e 3° do art. 5° as normas convencionais sobre
"direitos humanos" que não obedeçam aos referidos requisitos (inclusive as que já
haviam sido incorporadas ao direito brasileiro antes da Emenda nO 45/04) e as nor-
mas sobre "direitos e garantias" que eventualmente se não caracterizem como "direi-
tos humanos" não revestem status constitucional, por expressa opção da própria lei
constitucional derivada, mas nem por isso deixam de dever ter força supralegislativa.
Este o pensamento de Ministros do Supremo Tribunal Federal, como SEPÚLVEDA
PERTENCE, GILMAR MENDES e MENEZES DIREITO.
Ora, esta força supralegislativa que não se alça aos cumes da constitucionalidade
outra coisa não é que a superioridade hierárquica dos tratados de onde promanam
tais direitos e garantias, situados em degrau intermédio entre a lei ordinária e a lei
constitucional.
Esta superioridade hierárquica não deve ser interpretada literal e limitativamen-
te como privilégio circunscrito ao referido grupo de normas, pois a expressão "não
excluem" do § 2° tem um significado declaratório, pretendendo sublinhar que os
tratados internacionais são, em geral, fontes de direitos que devam ser observados
pelas leis ordinárias inclusive em matéria de direitos e garantias.
E não faria sentido que fosse de outro modo, pois a matéria de direitos e ga-
rantias, especialmente delicada e sensível, poderia prestar-se a que a Constituição,
originária e derivada, se reservasse o monopólio de sua outorga e reconhecimento.
Seria, na verdade, um contrassenso atribuir-se superioridade hierárquica a um trata-
do versando sobre direitos e garantias e reconhecer-se um mero status paritário aos
tratados tendo por objeto as demais matérias.
A especificidade dos tratados que versam sobre "direitos e garantias" não está
na sua superioridade hierárquica, comum a todos os tratados, mas na existência de
uma cláusula geral de recepção automática plena, enquanto os demais necessitam de
um procedimento especial de incorporação ao direito interno. É o que decorre do
próprio § lOdo art. 5°, segundo o qual as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais (internas ou internacionais) têm aplicação imediata.
Apesar de expresso apenas no que concerne a "direitos e garantias", não vemos,
pois, razão para restringir a superioridade hierárquica dos tratados a este terreno,
já que ela decorre de outros elementos do sistema, como são a própria concepção
internacionalista da ordem jurídica brasileira consagrada no preâmbulo e no art. 4°,
as disposições expressas do art. 178, que conduz ao dever de observância do tratado
pela lei interna, as disposições que aludem à validade dos tratados "como tal", por
contraposição à "lei", a necessária participação do Chefe do Poder Executivo na sua
celebração e a determinação expressa do art. 98 do Código Tributário Nacional.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
55 Com ressalva dos tratados sobre direitos humanos que obedeçam ao § 3° do art. 5°.
56 Cfr. também neste sentido SACHA CALMON NAVARRO CoÊLHO, que adere à teoria monista
com primado do direito internacional: As contribuições para a seguridade e os tratados inter-
nacionais, RDDT 26 (1997), 80 ss.; HELENa TÔRRES,A pluritributação internacional, 577.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
a) A supremacia hierárquica
A conclusão de que os tratados têm supremacia hierárquica sobre a lei interna é
confirmada, em matéria tributária, pelo art. 98 do Código Tributário Nacional, que, em
preceito declaratório, dispõe que "os tratados e as convenções internacionais revogam ou
modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha".
Observe-se, em homenagem à exatidão, que é incorreta a redação deste preceito
quando se refere à "revogação" da lei interna pelos tratados tributários. Com efeito,
não se está aqui perante um fenômeno ab-rogativo, já que a lei interna mantém a
sua eficácia plena fora dos casos subtraídos à sua aplicação pelo tratado. Trata-se,
isso sim, de limitação da eficácia da lei que se toma relativamente inaplicável a certo
círculo de pessoas e situações, limitação esta que caracteriza precisamente o instituto
da derrogação e decorre da relação de especialidade entre tratados e leis 61 •
Observe-se, enfim, que o art. 98 do Código Tributário Nacional, tendo natu-
reza de lei complementa'l; contém um comando adicional ao legislador ordinário, que
veda a este qualquer desobediência ao tratad06 2 •
jamento fiscal através de acordos de bitributação - Treaty Shopping, 103; NATANAEL MARTINS,
Tratados internacionais e matéria tributária, RDT 54 (1990), 105,passim; MARIA DO CARMO
PUCCli'lI CAMINHA, Os tratados internacionais tributários e a eficácia de suas normas no or-
denamento jurídico brasileiro, RTFP 41 (2001),41 SS.; HUGO BRITO MACHADO, Tratados e
convenções internacionais, cit., 27 SS.; MARCIANO SEABRA DE GaDO!, Os tratados..., 999 ss.
63 Cfr. (i) Acórdão do Superior Tribunal de Justiça, de 3 de novembro de 1993, Recurso especial na
25.363-2 - Rio de Janeiro, Relator Ministro HÉLIO MOSIMANN; (ii) Acórdão do Superior Tri-
bunal de Justiça, de 15 de dezembro de 1993, Recurso especial na 37.065-5jR, Relator Ministro
DEMÓCRITO REINALDO; (iii) Acórdão do Superior Tribunal de Justiça, de 23 de fevereiro de 1994,
Recurso especial n" 41.147 -5jPR, Relator Ministro DEMÓCRITO REINALDO; (iv) Acórdão do Su-
perior Tribunal de Justiça, de 29 de novembro de 1993, Recurso especial na 34.025-5-PR, Relator
Ministro CESAR ASFOR ROCHA; (v) Acórdão do Superior Tribunal de Justiça, de 29 de novembro de
1993, Recurso especial na 35.774-8-RS, Relator Ministro CESAR AsFOR ROCHA; (vi) Acórdão
da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, de 15 de dezembro de 1993, Recurso especial
na 37.065-5-PR, Relator Ministro DEMÓCRITO REINALDO; (vi) Acórdão da Primeira Turma do
Superior Tribunal de Justiça, de 23 de fevereiro de 1994, Recurso especial nO 41 147-5-PR (93
003 3045-4), Relator Ministro DEMÓCRITO REINALDO; (viii) Acórdão da Primeira Turma do
Superior Tribunal de Justiça, de 18 de março de 1999, Recurso Especial nO 196.560(RJ, Rela-
tor Ministro DEMÓCRITO REINALDO; e (ix) Acórdão da Primeira Turma do Superior Tribunal de
Justiça, de 12 de mao de 2005, Relator Ministro JOÃo ÜTÁVIO DE NORONHA.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais I (fi)
64 Cir. DOLINGER, AB soluções da Suprema Corte brasileira para os conflitos entre o Direito
Interno e o Direito Internacional... , Revista Forense 334 (1986), 7l sS.
65 Cfr. J. F. REZEK, op. cit., 15-16.
66 Veja-se também NATANAEL MARTINS, Tratados internacionais em matéria tributária, RDT
54 (1990), 105,passim. No mesmo sentido, veja-se, por último, SACHA CALMON NAVARRo
COÊLHO, Tratados internacionais em matéria tributária (perante a Constituição Federal do
Brasil de 1988), RDT 59 (1992), 180 (186).
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
76 Ao contrário do que sucede no direito italiano, em que o mesmo ato - a autorização parla-
mentar - desempenha a dupla função de autorização de ratificação e ordem de execução: cfr.
R. MONACO, Manuale di Diritto Internazionale Pubblico, 234 SS.; ENZO CANNIZARO, Tratatto
internazionale (adattamento al), Enc. deI Dir. XLIV (1992), 1394; GARllARINO, La tassazione
deI reddito transnazionale, Pádua 1990, 508. E ao contrário também do que sucede no direi-
to britânico, como consequência direta de aí o treaty-making power constimir prerrogativa
exclusiva da Coroa.
77 Neste sentido, veja-se J. E REZEK, op. cit., 53.
78 Op. cit., 55.
79 Cfr. Isenções em tratados internacionais..., 167 sS.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
se. Não se trata, pois, de requisito de eficácia, mas de requisito de validade. Tratado
ratificado sem o prévio referendo do Congresso é ato nulo e não ato ineficaz80 .
Também não pode vislumbrar-se na promulgação do tratado, por decreto do
Presidente da República, uma transformação ou ordem de execução.
A promulgação do tratado (ou da lei) não se insere na fase constitutiva do
procedimento, atinente à validade da fonte de produção do direito, mas sim na fase
integrativa da eficácia, para usar a terminologia de SANDULU81 • A promulgação é um
ato de controle jurídico ou formal, de competência do Presidente da República, no
que concerne à regularidade do procedimento adotado, ato de controle este que é
necessário à eficácia da norma promulgada, mas não à sua existência e validadeB 2 .
Não pode vislumbrar-se na promulgação um ato de transformação, introdução
ou ordem de execução, pois trata-se de requisito que é também exigido quanto às leis
internas emanadas do Congresso Nacional, competindo privativamente ao Presiden-
te da República "sancionar, promulgar e fazer publicar as leis ... " (art. 84, inciso IV),
promulgação essa que não altera ou transforma a natureza originária dessa mesma
lei 83 • Acresce que a promulgação do tratado não é objeto de expressa exigência cons-
titucional, mas simples prática reiterada das instituições políticas.
Também a publicação, no jornal oficial, é requisito de eficácia do tratado (con-
ditio iuris). Mas a promulgação publicada não é ato discricionário que o Presidente
da República possa livremente praticar ou deixar de praticar - como seria se tives-
80 Assim afirma a ementa da decisão proferida nos autos da Medida Cautelar na Ação Direta
de Inconstihlcionalidade nO 1.480 (relator Ministro CELSO DE MELLO): "O exame da vigente
Constihlição Federal permite constatar que a execuçíW dos tratados internacionais e a sua in-
corporaçíW à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato sub-
jetivamente complexo, resultante da conjugaçíW de duas vontades homogêneas: a do Congresso
Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou
atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar
esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Cheft de
Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto". Cfr. RT] (179), 495.
81 Cfr. também SOUTO MAIOR BORGES, op. cit., 166 ss.
82 Cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, Coimbra 1992, 741 e 960; JosÉ AFONSO DA
SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo (10 a ed.), São Paulo 1995, 500. A ementa da
decisão proferida nos autos da Medida Cautelar na ADIN nO 1480 afirma: "o iter procedi-
mental de incorporação dos tratados internacionais - superadas as fases prévias da celebraçíW
da convenção internacional, de sua apruvaçíW congressional e da ratificaçíW pelo Chefe de
Estado - conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição
derivam três eftitos básicos que lhe são inerentes: (a) apromulgaçíW do tratado internacional;
(b) a publicaçíW oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa,
então, e somente entíW, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno".
83 LUIS EDUARDO SCHOUERI sustenta que a promulgação não tem o condão de transformar o
tratado em Direito Interno, pois este manteria a sua nahlreza própria, aderindo à chamada
teoria da execução (Vollzugstheorie) , de VOGEL, de MENZEL e IpSER, segundo a qual teria o al-
cance de "ordem de aplicação" (Anwendungsbefthl), ou seja, de liberar a aplicação, no interior
do Estado, da norma de Direito Internacional, sem por isso modificar seu fundamento de
validade, seus destinatários e seu contexto sistemático. Cfr. Planejamento fiscal ... , cit., 35.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
nece válida e eficaz no plano das relações entre os Estados signatários é desaplicada
pelos tribunais de um deles.
A simples potencialidade deste conflito - geradora de manifesta distorção jurí-
dica - não nos parece compatível nem com as proclamações de princípios internacio-
nalistas da nossa Constituição nem com um Estado democrático, aberto e internacio-
nal, sobretudo após ter ratificado e referendado a Convenção de Viena sobre Direito
dos Tratados, aceita com o valor de direito consuetudinário, que proclama que "uma
parte não pode invocar as disposições do seu direito interno como justificativa para
o inadimplemento de um tratado 95 ".
95 O voto do Ministro LEITÃO DE ABREU, no infelizmente célebre RE 80.004, sustentou que a lei
posterior, não podendo revogar o tratado, "afasta-lhe a aplicação". O eufemismo é evidente.
96 Retomando tese já aventada pelo Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE no RHC 79785-7-RJ, rela-
tivo ao princípio do duplo grau de jurisdição em face da Convenção Americana de Direitos
Humanos. Cfr. ainda GILMAR MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO, PAULO GUSTAVO Go-
NET BRANCO, Curso de Direito Constitucional, São Paulo 2007, 670.
-
~
...'.•......
.' Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais .'I~.
97 Cfr. o Acórdão do STJ de 7 de outubro de 2008, REsp. nO 755.479, relatora Ministra DE-
NISE ARRUDA, com ampla discussão deste tema.
98 Esta Convenção já foi, porém, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 2009 e referen-
dada pelo Decreto nO 7.030, de 14 de dezembro de 2009.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
H) As nossas conclusões
99 Note-se que mesmo esta jurisprudência salvaguarda sempre a prevalência de aplicação dos
tratados contra a dupla tributação, quer pelo seu caráter "contratual", quer pelo caráter "es-
pecial". Não se conhece, com efeito, nenhum caso em que o Poder Judiciário tenha recusado
a aplicação de tratado desta natureza por revogação de lei posterior.
fImJ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
100 Cfr. ALCIDES JORGE CoSTA, O ICMS na Constituição, RDT 46, 170; ESTEVÃO HORVATH/
NELSON FERREIRA DE CARVALHO, Tratado internacional, em matéria tributária, pode exonerar
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais -"P'
Esta argumentação não se apercebe, porém, da dupla qualidade que a União
reveste neste contexto, ou seja, o seu "caráter bifronte", para usar a imagem suges-
tiva de SOUTO MAIOR BORGES lOl • A União é pessoa jurídica de direito público interno,
mas não pessoa jurídica de direito internacional público. A personalidade internacional
cabe, isso sim, à República Federativa do Brasil, "formada pela União indissolúvel
dos Estados e municípios e do Distrito Federal" (art. 10 da Constituição).
Ora, é essa unidade indissolúvel (o Estado federal) que é representada organi-
camente, nas relações com os Estados estrangeiros e as organizações internacionais,
por um dos seus elementos constitutivos (a União) em virtude de uma competência
exclusiva expressamente atribuída pelo art. 21, inciso I, da Constituição Federal.
Nas relações internacionais, a União atua, não nas suas vestes de pessoa de di-
reito público interno, autônoma em relação aos Estados e aos Municípios, mas nas
vestes de órgão da República Federativa do Brasil- pessoa jurídica de direito interna-
cional público - e, por conseguinte, de todos os seus elementos componentes, entre
os quais os Estados e os Municípios.
A voz da União, nas relações internacionais, não é a voz de uma entidade com
interesses próprios e específicos, potencialmente conflitantes com os dos Estados e
dos Municípios, mas a voz de uma entidade que a todos eles engloba - a República
Federativa do Brasil. E é assim porque, por razões de unidade do sistema federativo,
a Constituição vedou aos Estados e Municípios, privados de personalidade jurídica
de Direito Internacional, a possibilidade de manterem relações com Estados sobera-
nos e organizações internacionais, atribuindo a representação dos seus interesses, no
tributos estaduais?, RDT 64, 262 ss. Na jurisprudência ver o Acórdão do STJ, Ia Turma,
REsp. nO 90.871-PE, ReI. Min. JosÉ DELGADO, DJU de 20.10.97,52.977.
101 Cfr. JosÉ SOUTO MAIOR BORGES, Isenções em tratados internacionais, cit., 171; JosÉ AFONSO DA
SILVA, Curso de Direito Constitucional Positivo (6 a ed.), 426; SACHA CALMON NAVARRO CoÉLHO,
As contribuições para a seguridade e os tratados internacionais, RDDT 26 (1997), 72; LUCIA-
NO AMARo, Direito Tributário brasileiro, São Paulo 1997, 174 ss.; VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA,
Tratados internacionais e vigência das isenções por eles concedidos, em face da Constituição
de 1988, Repertório 1GB de Jurisprudência nO 5, 83-84; MAluA DO CARMO PUCCINI CAMINHA,
Os tratados internacionais tributários e a eficácia de suas normas no ordenamento jurídico
brasileiro, RTFP 41 (2001),45 ss.; EMERSON DRIGO DA SILVA, O relacionamento entre tratados
internacionais e lei interna no Brasil: a problemática de tratados internacionais que versam
sobre tributos estaduais ou municipais, RTFP 49 (2003), 9 SS.; HELENO TÔRREs, Tratados e
convenções internacionais em matéria tributária e o federalismo fiscal brasileiro, RDDT 86
(2002),46 SS.; HUGO DE BRITO MACHADO, Tratados e convenções internacionais em matéria trio
butária, cit., 32 SS.; MARCELO MARQUES RONCAGLIA, As isenções "heterônomas" em face do
Tratado do Gasoduto Brasil-Bolívia, in HELENO TÔRREs (org.), Direito Tributário Internacional
Aplicado, São Paulo 2003, 501. OSWALDO ÜTHON DE PONTES SARAIVA FILHO, Afmal, trata-
do internacional pode ou não isentar tributos estaduais, distritais e municipais?, RFDT 18
(nov.-dez,f2005), 67; SERGIO ANDRÉ R. G. DA SILVA, Possibilidade jurídica da concessão de
isenções de tributos estaduais e municipais por intermédio de tratado internacional, RDDT
113 (2005), 116; CARMEN TIBURCIO, Tratados internacionais e isenções a tributos estaduais e
municipais, RDE 11 (jul.-set./2008), 407.
.,nM Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
plano internacional, à União. Com toda a coerência, o art. 5°, § 2°, da Constituição,
reconhece a qualidade de parte dos tratados internacionais à República Federativa do
Brasil e não à União, revelando que esta atua como mero órgão da pessoa jurídica de
direito internacional público, que é a República Federativa do Brasil.
Quando o Presidente da República, ao abrigo dos incisos VII e VIII do art. 84
da Constituição, mantém relações com Estados estrangeiros, acredita seus represen-
tantes diplomáticos e celebra tratados, convenções e atos internacionais, não atua
como Chefe do Poder Executivo de uma pessoa de direito público interno (Chefe do
Governo Federal), mas como órgão de uma pessoa jurídica de direito internacional
público, competente para disciplinar qualquer dos seus interesses, sejam eles do con-
junto ou de cada um dos elementos que compõem a Federação (Chefe do Estado).
As limitações ao poder de tributar e de isentar, como as do art. 151, TIl, só
devem, por conseguinte, operar no âmbito das relações internas entre os elementos
componentes da Federação, por via da lei federal, mas não assim no âmbito das rela-
ções internacionais, por via de tratado.
Bem observa SOUTO MAIOR BORGES que as isenções de impostos estaduais e
municipais eventualmente previstas em tratado internacional não são verdadeiras
isenções hererônomas, mas autônomas, cuja única característica é a plurilateralidade
da sua instituição 102 .
A doutrina que acabamos de expor foi consagrada pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nO 229.096-0 (Dl de 11.4.08) em que
se discutia isenção de tributo estadual pelo tratado do GATT103.
102 Cfr. Isenções em tratados internacionais, cit., cujo pensamento acompanhamos. Consideramos
perfeito o Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFNjCAj863j93) quando
afirma: '~sim não se pode confundir as limitações da União como pessoa jurídica de direito
público interno, e enquanto representante da Federação, com sua atuação no concerto das
N ações na qualidade de legítima representante da República Federativa. ( ... ). O previsto
no art. 151, In, CFj88, é vedação explícita às isenções heterônomas no âmbito das compe-
tências das pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios), não estabelecendo conflitos no aspecto do Direito Internacional, pois ali todos
os entes da Federação respondem juntos pelo ato emanado; (... ). Não há se falar em invasão
de competência nos casos de isenções estaduais ou municipais concedidas através de trata·
dos internacionais, vez que a República Federativa do Brasil, indubitavelmente, é também
composta por Estados e Municípios. ( ... ). Alguns doutrinadores sustentam a tese de que a
concessão de isenções de impostos estaduais ou municipais em tratados é inconstitucional
em virtude do art. 151, III, CFj88. Na verdade, estes caem num enleio jurídico quando
tratam de duas situações diferentes como se uma só fossem, abstraindo o princípio basilar da
Federação e baseando-se na mera interpretação literal de um dispositivo isolado da Consti-
tuição Federal."
103 Cfr. Os comentários de SÉRGIO ANDRÉ ROCHA a este acórdão, in Isenção de tributos estadu·
ais e municipais via tratado internacional e efeitos do art. 98 do CTN: Análise da Decisão do
RE nO 229.096·0, inRDDT, 160, janeiro 2009,84 ss.; HUGO DE BRlTO MACHADO, Tratados
internacionais e isenções de tributos estaduais e municipais, RDDT (2009) 164, 66 ss.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
104 Cfr. KNECHTLE, Basic Problems in International Fiscal Law (trad.), Deventer 1979, 175;
BAKER, Double Taxation, 7 sS.
105 Cfr. KNECHTLE, Basic Problems, 174 e 65.
106 Cfr. VOGEL, Double Taxation, 27.
107 Cfr. BAKER, Double Taxation, 9.
108 Cfr. WIDMER, Die neueren schweizerischen Doppelbesteuerungsabkommen, apud KNECHTLE, Ba-
sic Problems, 184; DEBATIN, l*sen undAnwendung der Doppelbesteuerungsabkommen, Alillen-
wirtschaftsdienst des Betriebs-Beraters 1962, 61 (61 e 67); KNECHTLE, Basic Problems, 184,
referindo-se a "two-stage examination"; BÜHLER, Principios, 82; RrVIER, Droit Fiscal suisse. Le
Droit Fiscal International, Neuchatel 1983, 106. Na França, fala-se num "princípio de não
agravação": cfr. GOUTInERE, Les impôts dans les affaires internationales, Paris 1991, 138-139.
O Conselho de Estado francês chegou mesmo a considerá-lo princípio consuetudinário do
direito internacional: cfr. J. C. MARTINEZ, Les conventions, 70 ss., que se refere a um princípio
de "subsidiariedade"; CARTOU, Droit Fiscallnternational et Européen (2 a ed.), Paris 1986,29;
GUY GESTjGILBERT TIXIER, Droit Fiscal International (2 a ed.), Paris 1990,65 sS.; M. PIRES,
Da dupla tributaçíW, 45 e 460 SS.; FANTOZZI, Diritto Tributario, Turim 1991, 168.
I iI6 I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
§ 7° ÂMBITO DE APLICAÇÃO
A) Quanto às pessoas
109 Cfr. JosÉ MARIA DE LA VILLA GIL, Ambito de los convenios de doble imposicion, in ID. (org.),
Relacionesfiscales internacionales) Madrid 1987, 101; &'IDRÉ DE SOUZA CARVALHO, O escopo
subjetivo de aplicação dos acordos para evitar a dupla tributação: a residência, in HELENO
TAVEIRA TÔRREs (org.), Direito Tributário InternacionalAplicado, vol. V, São Paulo 2008, 155.
110 Exceção a esta regra são os preceitos relativos à não discriminação (art. 24° do Modelo) que
se aplicam a "nacionais" dos Estados contratantes, e as regras sobre troca de informações
(art. 26°) que não estão limitadas pelo art. 1°: cfr. VOGEL, Double Taxation) 87.
111 VOGEL refere que os tratados celebrados nos anos vinte adotavam sempre o princípio da
nacionalidade e que o então chefe das negociações alemãs, DORN, não conseguiu fazer preva·
lecer a sua opinião de que o tratado entre a Alemanba e a Itália deveria aplicar-se a todos os
residentes, ainda que não nacionais. Também o Modelo OCDE·ISD restringe o âmbito de
aplicação das Convenções às sucessões e doações das pessoas domiciliadas, à data da morte
ou da doação, num dos Estados contratantes (art. 1°).
112 Exceção a esta regra é a representada pela Convenção entre o Brasil e as Filipinas, país que,
tal como os Estados Unidos, adota o princípio da nacionalidade. Nos termos do Protocolo
(item 1), as Filipinas reservam-se o direito de tributar os seus cidadãos, ainda que não resi-
dentes, mas o Brasil não estará obrigado a conceder crédito por este imposto.
113 Sobre o princípio da relatividade dos tratados e sua não aplicação a estabelecimentos perma-
nentes, cfr. BAKER, Double Taxation) 76 ss.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
114 Cfr. J. VAN HOORN, Diffirences in Tax Treatment between Local and Foreign Industries and Ef
fects oflnternational Treaties (relatório geral), CDFI LXIII-b (1978), 15.
115 Cfr. VOGEL, Double Taxation, 88; J. M. RIVlER, Le Droit Fiscal International, 27-28.
116 Cfr. BAKER, op. cit., 396; SCHAUMBURG, Internationales Steuerrecht, Colônia 1993, 613;
OCDE, Comentários, art. 24, § 51-54; OCDE, Triangular Cases (Report Adopted by OECD
Council on 23 July 1992); IRENE J. J. BURGERS, Commentary onArticle 70fthe OECDModel
Treaty, in The Taxation ofPermanent Establishements, IBFD 1994,41; Roy ROHATGI, Basic
International Taxation, London(fhe HaguejNew York 2002,545 ss.; &'lA PAULA DOURADO,
Do case "Saint-Gobain" ao caso "Mettalgesellschaft": o âmbito do princípio da não discrimi-
nação do estabelecimento estável no tratado da Comunidade Europeia e a cláusula da Nação
mais favorecida, RDT 86 (2003), 7 ss.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
117 Vejam-se, por exemplo, disp?sições idênticas no art. 11, nO 6, das Convenções com a Suécia,
Tchecoslováquia, Noruega, India e França.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais .,~.
uma primeira, segundo a qual "aos juros pagos a agência de banco japonês,
situada em terceiro Estado, aplica-se a Convenção entre os Estados Unidos
do Brasil, atualmente República Federativa do Brasil, e o Japão, destinada
a evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre rendimentos";
uma segunda, segundo a qual "como corolário, esta não se aplica aos juros
pagos aos estabelecimentos permanentes, situados no Japão, de pessoas
jurídicas com sede em terceiros países".
A primeira proposição é consequência direta e lógica do princípio da relativi-
dade dos tratados, pois o que releva é a residência do banco credor (Japão) e não o
Estado em que se localiza uma sua agência a quem os juros sejam atribuiveis.
A segunda proposição é também consequência direta e lógica do princípio
de relatividade dos tratados, pois que a localização no Japão de agência do banco
domiciliado em terceiro país não é elemento de conexão relevante para o âmbito
subjetivo de aplicação do tratado, elemento esse que é exclusivamente a residência
das partes 118.
O caráter aparentemente excepcional do regime descrito no Ato Declaratório
(Normativo) CST nO 2/80 resulta de, na generalidade das convenções brasileiras,
se ter aberto, em matéria de juros, uma derrogação ao princípio da relatividade dos
tratados. Mas, encarado à luz deste princípio e do Modelo da OCDE, que o adota,
longe de ser excepcional, confirma-o e reitera-o.
A generalidade das convenções assinadas pelo Brasil (com a única exceção da
Convenção com o Japão), conquanto não siga a pureza do Modelo da OCDE no
que concerne à cláusula de redução da alíquota sobre os juros, mantém intocado o
princípio da relatividade dos tratados em todos os outros aspectos, reconhecendo a
aplicabilidade das demais disposições do tratado às relações entre uma pessoa domi-
ciliada num Estado e um estabelecimento permanente localizado em terceiro Estado
pertencente a pessoa jurídica domiciliada no outro Estado contratante.
Segundo o art. lOdo Modelo OCDE, para que alguém esteja sujeito ao tratado
é necessário que seja uma pessoa residente de um ou de ambos os Estados contratan-
tes, definindo o art. 3°, § 1°, alínea "a", como "pessoa" um indivíduo, uma sociedade
ou outra entidade coletiva (body ofpersons). Daí terem surgido discussões a respeito
da aplicação dos tratados a certas figuras - como as sociedades de pessoas ou partner-
ships - que, embora em certos direitos (como o francês, o suíço e o espanhol) tenham
personalidade jurídica própria, noutros ordenamentos (como o alemão, o austríaco e
118 ''Firstly, the permanent establishment in State A Df an enterprise may not take advantage Df State
A treatiesj this is an appiication Df the principie Df the reiative effict Dftreaties". cfr. PHILIP BAKER,
op. cit., 395.
I 1m I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
o holandês) são "transparentes" (jlow-through), isto é, não são tratadas como entida-
des separadas, sendo os seus lucros tributados diretamente junto dos sóciosll 9 •
E o caso das Limited Liability Companies dos Estados Unidos (US LLC), de que
se tornaram especialmente conhecidas as formadas em Delaware, as Limited Liability
Partnerships do Canadá (LP) e do Reino Unido (LLP) e certas cooperativas holan-
desas (CV).
O Brasil considera as convenções aplicáveis às partnerships, por entender que
elas são dotadas de personalidade jurídica no Direito brasileiro I2°.
Outras "organizações" têm suscitado controvérsia na doutrina quanto à sua confi-
guração como "pessoa" para efeitos dos tratados: é o caso, por exemplo, das joint-ven-
tures, "clubes" ou "fundos de capital" (fundações, trusts) , onde a posição de membros
ou beneficiários corresponde à dos sócios. O mesmo se diga dosgroupements dJintérêt
économique previstos no regulamento da CE nO 2.137/85, de 25 de julho de 1985 121 •
Dois outros tipos de entes não personificados suscitam delicados problemas
quanto à aplicação das convenções de dupla tributação.
Um primeiro é constituído por entidades de investimento coletivo (como os nossos
fundos de investimento em participações (FIP), fundos de condomínio de capital
estrangeiro, carteiras de valores mobiliários, clubes de investimento, os Fonds Com-
muns de Placement - FCP - franceses, as Regulated Investment Companies - RIC - dos
Estados Unidos, os OPCVM luxemburgueses - os Real Estate Investment Trusts -
119 Cfr. KLAUS MANKE, Personengesellschaften und DBA - Abkommensberechtigung und Ab-
kommenschutz, in K. VOGEL (org.), Grundfragen des Internationalen Steuerrechts, Colônia
1985, 195; EGON SCHLÜTIER, Personengesellschaft oder Korperschaft - Aktuelle Qualifika-
tionsfragen, in K. VOGEL (org.), Grundfragen, 215 ss.; BRIGITIE KNOBBE-KwK, "Qualifika-
tionskonflikte" im internationalen Steurrecht der Personengesellschaften, Recht der internationalen
Wirtschaft 1991, 306; A. H. M. DANIELs,Issuesin InternationalPartnership Taxation, Deventer
1992; OCDE, TheApplication ofthe OECD Moelel Tax Convention to Partnerships, Paris 1999;
OCDE, Comentários, art. P, §§ 2 a 6.7; GILES DALIMIER, Les sociétés des personnes et les
coentreprises en droit fiscal international, CDFI LVIII (1973), lI/I 72; SANFORD H. GOLDBERG,
The N ature of a Partnership, in Essays on lnternational Taxation, 15, Deventer/Boston 1993,
155; JÜRGEN KILLIUS, Common Law Trusts: New Developments affecting the German Tax
- Status of Grantors and Beneficiaries, in Essays on International Taxation, 15, Deventer/
Boston 1993, 239; CELSO CLÁUDIO DE HILDEBRANDO GRISI FILHO/RoDRIGO MAITIO DA SIL-
VEIRA, O uso de Partneships no planejamento tributário internacional, RDTI 6 (2007),9;
RODRIGO MAITIO DA SILVEIRA, Aplicação de tratados internacionais contra a bitributação: quali-
ficação ele Partnership Joint Véntures, vol. I, São Paulo 2006.
120 Cfr. OCDE, art. I", NMCP, § 2°. Cfr. sobre a matéria o Partnership Report da OCDE, de
1999, hoje incluído nos Comentários à Convenção Modelo. Cfr. a Convenção com o México
(Protocolo, item 1 a) e a Convenção com a Bélgica.
121 Cfr. K. VOGEL, Double Taxation, 89 ss.; GOUTHIERE, Les impôts, 345; DUCCINI, Approche fiscale
eles contrats internationaux, Paris 1985, 111; RIVIER, Le Droit Fiscal International, 118; BAKER,
Double Taxation, 78 ss. Sobre o problema da "qualificação" em matéria de partnerships, cfr.
VOGEL, Double Taxation, 96 ss. e 181 ss.; G. SASS, Les aspects fiscaux du Groupement Européen
d'Intêrét Economique (G.E.I.E.), Fiscalité Européenne 1986-4,43; A. MIRAuLO, Doppia impo-
sizione, 319; Euo BLASIO, Pianificazione fiscale internazionale, Milão 1992, 149 ss.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais .".
122 Cfr. IFA, The Taxation of Investment Funds, CDFI LXXXII-b (1997), 910; The Taxation
ofInvestment Funds, CDFI LXXXII-b (1997), 910; OCDE, Comentários, art. 10, §§ 67.1
a 67.7 e art. 13, §§ 28.9 a 28.11 (versão de 2008), considerando em especial o caso dos
REIT; OCDE, Report on the Taxation ofCollective Investment Vehicles, 2009; JOÃo FRANCISCO
BIANCO, Os fundos de investimento no exterior e os tratados internacionais, in ROBERTO
QUIROGA MOSQUERA (coord.), O Direito Tributário e o Mercado Financeiro e de Capitais) Di-
alética, São Paulo 2009, 247 sS.; JOÃo VICTOR GUEDES SANTOS, Fundos de investimento e
tratados contra a dupla tributação: tratamento dos ganhos e rendimentos de não residentes)
in ROBERTO QUIROGA MOSQUERA, ibidem, 255 sS.
123 Cfr. em sentido diverso JOÃo FRANCISCO BIANCO, Os fondos de investimento no exterior e os
tratados internacionais) cit., 247 sS.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
b) title to the trust assets stands in the name ofthe trustee or in the name ofanother
person on behalfofthe trusteej
c) the trustee has the plJWer and the duty, in respect of which he is accountable, to
manage, employ or dispose of the assets in accordance with the terms of the trust
and the special duties imposed upon him by law. "
O trust tem, pois, como características essenciais: (i) os bens objeto do trust
formam um patrimônio específico que, apesar de transferidos para a propriedade do
trustee, formam um massa separada do resto do seu patrimônio; (ii) o trustee assume
a obrigação de gerir e dispor os bens transferidos pelo settlor, segundo as condições
impostas pelo trust e pela lei.
A dificuldade existente para a introdução do instituto do trust no direito brasileiro
encontra-se na inexistência de um conceito de dualidade da propriedade, ao contrário dos
sistemas de onde o trust se origina. No trust, coexistem direitos paralelos de propriedade,
concebendo-se da parte do trustee um direito de propriedade meramente formal, uma
vez que os bens objeto do trust não se confundem com o restante de seu patrimônio. Po-
rém, no direito brasileiro, em que os direitos reais são considerados taxativos, por força
de um princípio de tipicidade, não existe semelhante direito limitado de propriedade 124•
Ainda que certos países não admitam esta figura no seu direito interno, podem, po-
rém, reconhecer a validade dos efeitos de um trust estrangeiro l25 • Como, porém, o trust é
destituído de personalidade jurídica, não pode qualificar-se como "pessoa residente" para
efeitos de aplicação das convenções contra a dupla tributação. Uma complicação adicio-
nal resulta de o "beneficiário" (cestui que trust) não ser, à luz da generalidade dos países, o
verdadeiro "proprietário" ou "titular" dos rendimentos em causa, pelo que a aplicação da
convenção lhe pode ser recusada, na ausência de disposição específica que o preveja.
Algumas convenções recentes contra a dupla tributação resolvem expressamente
alguns problemas suscitados pelo hibridismo do trust, ou equiparando o trust a pes-
soa residente (no Estado em que está domiciliado o trustee) , ou aplicando o tratado
em função da residência de cada um dos beneficiários de um trust simples 12ó .
124 Cfr. VERÔNICA FREIRE E ALMEIDA, A tributação dos trusts, Coimbra 2009; ARNOLDO WALD, Al-
gumas considerações a respeito da utilização do "Trust" no Direito brasileiro. Revista de Direito
Mercantil 99 (jul.-set.), RT (1995), 109; MELHlM NAIMER CHALHUB, Trust: Breves Conside-
rações sobre sua adaptação aos sistemas jurídicos de tradição romana, RI 790 (ago./2001),
79-113; ID., Trust: Perspectivas do Direito Contemporâneo na Transmissão da Propriedade paraAd-
ministração de Investimentos e Garantia, Rio de Janeiro 2001; RODRlGO MAIrro DA SILVEIRA, O
tratamento fiscal do trust em situações internacionais, RDTI 2 (2006), 151; CARLOS EDUARDO
COSTA M. A. TORO, Reflexos fiscais do uso do trust e os limites ao planejamento tributário,
RDIJ7 (2007), 9.
125 Veja-se a Convenção Internacional da Haia, de 1 de julho de 1985, tendo por objeto ore·
conhecimento de trusts por países de direito civil. Note·se que vários Estados de direito civil
conhecem a figura do trust: é o caso da Venezuela, Québec, Mônaco, Suíça e Panamá.
126 É o que sucede, respectivamente, nas convenções entre a França e o Canadá e entre a Fran-
ça e os Estados Unidos. Cfr. FRANS SONNEVELDT/HARRlE L. VAN MENS, The Trust. Bridge
or Abyss between Common and Civil Law Jurisdiction, Amsterdam 1992; FRANÇorS TRlPET,
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
Trusts patrimoniaux anglo-saxons et Droit Fiscal français, Paris 1989; AVERY JONEs/et al., The
Treatment ofTrusts under the OECD Model Convention, British Tax Review 1990, 41; JÜRGEN
KILLlUS, Common Law Trusts: New Developments affecting the German Tax - Status of
Grantors and Beneficiaries, in Essays on Intemational Taxation, 15, Deventer/Boston 1993,
239; ANDREW J. BAKER, Use ofTrusts in International Tax Strategies, in DENNIS CAMPBELL
(org.), Intemational Tax Planning, 1995, 241; MAURlZIO LUPOI, Introduzione ai Trusts, Milão
1994. GIUSEPPE CORASANITI, li modello OCSE di convenzione bilaterale contro la doppia
imposizione e i trusts, in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tributaria Internazionale,
Pádua 1999, 445, LORENZO DE ANGELIS, Trust e fiducia nell'ordinamento italiano, in VICTOR
UCKMAR (org.), ibidem, 459; TULIO ROSEMBUJ, Derecho Fiscal Internacional, Barcelona 2001,
160 sS. Note-se que a constituição do trust envolve sérios problemas nos países em que
existem impostos sobre doações ou sobre o patrimônio, notadamente quanto à questão de
saber qual é o transmitente e a transmissão relevante, se a transferência inicial de bens para
o trustee ou se a transferência de bens do trust para os beneficiários. Cfr. Modelo OCDE-
ISD, Comentários, art. 1°, §§ 15 e ss. OECD, International TaxAvoidance and Evasion - Four
Related Studies, Paris 1987; BAKER, Double Tàxation, 90 sS.; RrvIER, Le Droit Fiscal Interna-
tional, 118; SCHAUMBURG, Internationales Steuerrecht, Colônia 1993, 598 sS.; Luís EDUARDO
SCHOUERl, Planejamento fiscal através de acordos de bitributaçáa - Treaty Shopping, São Paulo
1995,156.
128 Cfr. CHARL DU TOIT, Beneficiai Ownership ofRoyalties in Bilateral Tax Treaties, Amsterdam 1999;
HELMUT BECKER, Erschleichung der Abkommensberechtigung durch Zwischenpersonen, in
K. VOGEL (org.), Grundfragen, 171.
129 OECD, International Tax Avoidance and Evasion - Fonr Related Studies) Paris 1987; OCDE,
Comentários, art. 10°, § 12.1, art. 11, § 8.1; art. 12, § 4.1. BAKER, Double Taxation) 90 ss.;
RIVIER, Le Droit Fiscal International) 118; SCHAUMBURG, Internationales Steuerrecht) Colônia
1993, 598 ss.; Luís EDUARDO SCHOUERl, Planejamento fiscal através de acordos de bitributação -
Treaty Shopping, São Paulo 1995, 156; HELENO TÔRRES, Direito Tributário Internacional, 372.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais I D I
a) Considerações gerais
De harmonia com o art. 2°, § 1°, da Convenção Modelo da OCDE, as con-
venções contra a dupla tributação em matéria de impostos sobre a renda e a fortuna
130 Cfr. DELVAUX/REIFFERS, Les societés holding au Luxembourg, Paris 1964. Anota LUÍS EDUARDO
SCHOUERI que os tratados celebrados pelo Brasil não excluíram do seu âmbito de aplicação os
"centres de coordination" belgas nem as "non resident (JfIJned investment companies" do Canadá.
Cfr. Luís EDUARDO SCHOUERI, Planejamento fiscal através de acordos de bitributaçiW - TreaPy
Shopping, São Paulo 1995, cit., 144.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
aplicam-se, em princípio, aos tributos que revestem aquela natureza substancial, in-
dependentemente da sua denominação (nomen iuris), da pessoa de direito público
que é seu titular ou do método adotado para a sua cobrança.
Assim, as convenções abrangem, em princípio, os impostos sobre o rendimento
total, sobre a fortuna total, ou sobre parcelas do rendimento ou da fortuna, incluindo
os impostos sobre os ganhos derivados da alienação de bens mobiliários ou imobi-
liários, os impostos sobre o volume dos salários pagos pelas empresas (payroll taxes)
Lohnsummensteuer) bem como os impostos sobre as mais-valias J31 .
A natureza da pessoa de direito público titular do imposto também não influi
no âmbito de aplicação dos tratados, os quais abrangem tributos cobrados pelos Es-
tados federais, Estados federados, subdivisões políticas, cantões etc J32 .
Enfim, a técnica de cobrança do tributo também não releva para efeitos da sua
subordinação às convenções, que tanto se aplicam aos tributos lançados como adi-
cionais como aos tributos retidos na fonte.
À luz destes critérios gerais - indicados pelo art. 2° do Modelo OCDE -, os
Estados contratantes elaboram, via de regra, uma lista dos impostos atuais a que
a Convenção se aplica, lista que se reveste de caráter meramente declaratório, não
tendo alcance limitativo. Por parte do Brasil, todas as convenções definem a regra
de que se aplicam ao imposto federal sobre a renda, com exclusão das incidências
sobre remessas excedentes e atividades de menor importância. A expressa exclusão
do imposto suplementar de renda, bem como da tributação agravada prevista no
art. 44 da Lei nO 4.131/62, resulta do seu caráter extrafiscal, com objetivos cam-
biais, que não se adapta à filosofia dos acordos de dupla tributação, os quais têm
em vista atenuar os efeitos do cúmulo da fiscalidade ordinária, normal, dos Estados
em concurso J33 •
Em ordem a evitar que a modificação da legislação interna pudesse afetar o hm-
cionamento normal dos acordos, as convenções preveem a sua aplicação a impostos
foturos de natureza idêntica ou análoga (a Ver;gleichbarkeit der Steuer, a que se refere
TILLMANNS 134 ) que venham a acrescer aos atuais ou substituí-los.
131 Mas já não abrangem impostos indiretos, impostos sobre sucessões e doações, contribuições
de segurança social, royalties pela extração de recursos naturais. Cfr. BAKER, Double Taxation)
114 ss. Por sua vez, de harmonia com o Modelo OCDE-ISD (art. 20 ) , as convenções rela-
tivas aos impostos sobre sucessões e doações abrangem os impostos incidentes, por morte,
sobre a massa da herança, sobre as quotas hereditárias, direitos de transmissão ou os impos-
tos sobre doações mortis causa. São considerados impostos sobre as doações os impostos
incidentes sobre as transmissões inter vivos em virtude da gratuitidade total ou parcial da
transmissão.
132 O Brasil formulou reserva a esta abrangência e pretende adotar definição de imposto de
renda compatível com a sua Constituição, cfr. OCDE, art. 10, NMC Positions, §§ 2 0 e 6 0.
133 Cfr. a 1 a edição deste livro (São Paulo 1977), 206-207. Referidos impostos foram extintos
pela Lei na 8.383, de 31 de dezembro de 1991.
134 Cfr. TILLMANNS, in MbssNER/et al., Steuerrecht, 123 (130). Cfr. também o art. 20 , na 4, do
Modelo OCDE-ISD.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
DALIMIER135 propõe os seguintes critérios de aplicação desta regra: "Se uma lei
interna suprime um imposto incluído no convênio e o substitui por um imposto
novo, que tenha outra denominação, mas que seja da mesma natureza que o an-
tigo, o convênio se aplicará a este novo imposto; se se cria um imposto novo ou
um imposto que acresce aos já existentes, mas formando o prolongamento daqueles
(sobretaxas, taxa adicional), o novo instrumento fiscal segue o destino do imposto a
que está anexo; se a lei interna cria um novo imposto não relacionado com nenhum
outro, convém analisar os caracteres próprios deste imposto, para ver se sim ou não
é 'imposto idêntico ou análogo"'.
135 Cfr. G. D ALIMIER, Conventions intemationales en matiêre fiscale (relatives aux doubles impositions),
Juris Classeur de Droit International353 (1955), 11; M. PIRES, Da dupla tributação, 448; J. C.
MARTINEZ, Les conventions de double imposition, 46 ss.; MOURA BORGES, Convenções, cit., 131 ss.
136 Atualmente Medida Provisória nO 2.158-35/01.
I p I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
137 Que a CSL tem idêntica natureza à do imposto de renda foi reconhecido pelo Acórdão (unâ-
nime) n° lUI-Y5.1102 da 1" Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, no qual se lê a
seguinte passagem: "Essa conclusão se aplica, inclusive, à CSLL, uma vez que o § 4° do art.
2° da Convenção determina sua aplicação a quaisquer impostos substancialmente semelhantes
que forem criados, seja por adição aos impostos já existentes, seja em sua substituição. E este é
exatamente o caso da Contribuição Social sobre o lucro líquido, substancialmente semelhante ao
imposto de renda, tendo ambos como ponto de partida o lucro líquido do exercício." (grifos nossos)
138 Cfr. LUCIANO AMARo, Os tratados internacionais e a contribuição social sobre o lucro, in V AL-
DIR DE O. ROCHA (org.), Grandes questões atuais de Direito Tributário, São Paulo 1997, 155 ss.;
veja-se, ainda, HELENILSON CUNHA PONTES, A contribuição social sobre o lucro e os tratados para
evitar a dupla tributação sobre a renda, ibidem, 41 ss.; SACHA CAlMON NAVARRO CoÉLHO, As
contribuições para a seguridade e os tratados internacionais, RDDT 26, 72; HELENO TÔRRES,
A pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, São Paulo 2001, 615.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais Iç I
139 Idêntica disposição constava do art. IOdo Protocolo ao Tratado com o Paraguai (Decreto Le-
gislativo nO 972, de 16.12.03). Esta convenção, porém, foi rejeitada pelo Senado do Paraguai.
140 O item "a" do Protocolo ao Tratado com Trinidad e Tobago estabeleceu dispositivo análogo,
segundo o qual: "Para fins do § IOdo art. 2°, a expressão 'Impostos Brasileiros' compreende
também a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSL), instituída pela Lei nO 7.689,
M.1M Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
As citadas disposições contidas nos protocolos anexos aos tratados com Portu-
gal e a Bélgica têm caráter meramente declaratório interpretativo, visando apenas a es-
clarecer a real extensão do art. 2° e não a ampliar o âmbito de aplicação do tratado.
E tanto isto é verdade que o texto dos referidos protocolos dispõe que ''fica
entendido que nos impostos visados no art. 2°, nO 1, alínea a) está compreendida a
contribuição social sobre o líquido". Fosse a intenção do tratado acrescer ou esten-
der a sua aplicação à CSL teria previsto que "as disposições do art. 2°, nO 1, alínea
a) aplicam-se também à CS"C', em lugar de utilizar-se do termo «está compreendida a
contribuição social sobre o lucro líquido".
Aliás, as disposições dos protocolos têm via de regra caráter interpretativo, ex-
teriorizando o entendimento dos países contratantes sobre a aplicação de regras da
convenção, e não o condão de modificar as disposições da própria convenção para
ampliar ou restringir o seu conteúdo.
Neste sentido é importante observar que as citadas convenções poderiam ter opta-
do por incluir a CSL no art. 2° do tratado que trata dos impostos visados. Porém, apenas
se referiram ao "imposto federal sobre a renda", termo genérico adotado pelo tratado
para designar o tributo (ou tributos) incidente(s) sobre a renda de competência federal,
meramente esclarecendo no protocolo que o mesmo inclui (compreende) a CSL.
Por tal razão, ainda que as demais convenções celebradas a partir de 1999 não
contenham esclarecimento similar, as mesmas conclusões são aplicáveis, pois o Go-
verno brasileiro, em ato de natureza interpretativo, já afirmou que o imposto federal
sobre a renda "compreende" não só o imposto de renda como a contribuição social
sobre o lucro, de natureza idêntica, sendo inimaginável que uma "interpretação"
oficial possa ser válida para um país (por exemplo, a Bélgica ou Portugal) e descon-
siderada para outro.
Aliás, no caso da Bélgica, a convenção original foi celebrada antes da instituição
da CSL, tendo o Governo brasileiro declarado perante um Estado sua interpretação
oficial no sentido de que a CSL está por ela abrangida.
As conclusões acima ainda mais se reforçam nos casos específicos dos tratados
com o Chile, Portugal, África do Sul e Peru, que contêm uma cláusula (art. 2°, § 2°)
segundo a qual "consideram-se impostos sobre a renda os que gravam a totalidade
da renda ou qualquer parte da mesma 141 ".
Ora este é precisamente o caso da CSL, que incide sobre a totalidade da renda das
pessoas jurídicas, assim entendido o lucro líquido auferido no Brasil e no exterior.
C) Quanto ao território
142 Diversos Estados - como os Estados Unidos e a França - não hesitaram em considerar as
plataformas continentais como elemento do território para efeitos fiscais; e isto em nome de
uma soberania que, não sendo pessoal nem territorial (em sentido técnico), MARTHA propõe
seja denominada de soberania funcional. Cfr. MARTHA, The Jurisdiction to Tax in International
Law: Theory and Practice of Legislative Fiscal Jurisdiction, Deventer/Boston 1989, no ss.;
JosÉ LUIS DE AZCÁRRAGA, El concepto de plataforma continental ante el derecho tributario,
in XX Semana de Estudios de Derecho Financiero, Madrid 1973, 777; J. C. MARTINEZ, Les con-
ventions, 48 ss.; A. MlRAULO, Doppia imposizione, 230. Entre nós veja-se o excelente estudo
de ANDRÉ DE SOUZA CARVALHO, Do conceito de estabelecimento permanente e as atividades
negociais móveis realizadas na plataforma continental, in HELENO TORRES (coord.), Direita
Tributário InternacionalAplicada, lI, 539 ss.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais I Im I
143 Assim, por exemplo, a Convenção entre os Estados Unidos e o Canadá, no artigo V, referen-
te ao estabelecimento permanente, inclui um § 4°, segundo o qual "the use ofan instal-lation
or drilling rig or ship in a Contracting State to explore for or exploit natural resources constitutes a
permanent establishment if, but oniy if, such use is for more than three months in any twelve-month
period".
144 MARTHA, op. cit.) 138-139, cita o casoPanAmerican WorldAiryways Inc. V. the Queen) em que
se contestou a cobrança de fees pelo Canadá, nesta hipótese.
145 Art. 7°, § 4.
146 Cfr. ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, Da sucessão dos Estados quanto aos tratados, Lisboa 1962.
••1.+ Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
E) Quanto ao tempo
a) Vigência e denúncia
No que concerne ao âmbito de aplicação temporal dos tratados contra a dupla
tributação, importa distinguir a vigência da eficácia. De harmonia com o art. 29 do
Modelo OCDE (que inspira a generalidade das convenções assinadas pelo Brasil), a
entrada em vigor ou início da vigência ocorre no momento em que se verifica a troca
dos instrumentos de ratificação 148 • O início da eficácia pode ser, porém, diferido para
momento posterior, o qual pode ser diverso em cada um dos Estados e em função da
natureza dos impostos em causa ou da técnica da sua arrecadação.
Assim, por exemplo, o art. XXVIII, § 2°, da Convenção com a Argentina, deter-
mina que "a Convenção entrará em vigor na data dos instrumentos de ratificação e as
suas disposições serão aplicadas: I - no que concerne aos impostos retidos na fonte,
às importâncias pagas no ou depois do l° dia de janeiro do ano-calendário imedia-
tamente seguinte àquele em que a Convenção entrar em vigor; II - no que concerne
aos outros impostos de que trata a presente Convenção, ao período-base que comece
no ou depois do 1° dia de janeiro do ano-calendário imediatamente seguinte àquele
em que a Convenção entrar em vigor".
A vigência dos tratados, que são celebrados por prazo indeterminado, extingue-
se pela denúncia por qualquer dos Estados contratantes, a qual deverá ocorrer por
via diplomática e com um período de antecedência ftxado no próprio tratado (via de
regra seis meses), a contar do término de um ano-calendário.
Os tratados preveem, porém, um período mínimo de vigência, dentro do qual a
denúncia não é admitida.
Em função do princípio da segurança jurídica, especialmente relevante em ma-
téria tributária, os tratados consagram uma vacatio legis especial, determinando o di-
ferimento da cessação de vigência destas normas para o ano civil subsequente, desde
que o pré-aviso ocorresse seis meses antes desse mesmo mês.
Trata-se, em matéria de tratados internacionais, de manifestação do mesmo prin-
cípio que, no que toca às leis internas, conduz à formulação do princípio da anteriori-
dade, constante do art. 150, li, b) da CF, que veda a cobrança de tributos no mesmo
exercício ftnanceiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, ou
à formulação do princípio da vacatio legis especial, em matéria de contribuições sociais,
constante do art. 195, § 6°, da CF, segundo o qual estas só poderão ser exigidas após de-
corridos 90 dias da data de publicação da lei que as houver instituído ou aumentado.
Que a vacatio legis prevista nos tratados constitui manifestação do mesmo princí-
pio de segurança jurídica que os referidos princípios constitucionais (aliás reconhecidos
como "direitos e garantias individuais" pelo Supremo Tribunal Federal) resulta de,
como já foi mencionado, a denúncia de um tratado, pela extinção de normas especiais
mais favoráveis, ter signiftcado idêntico ao de uma instituição ou aumento de tributo.
Como os destinatários das normas convencionais são os cidadãos particulares
residentes em ambos os Estados contratantes, a eles (e não apenas ao outro Estado
contratante) se dirige em primeira linha a garantia do pré-aviso.
A garantia do pré-aviso pressupõe a publicação do ato de cessação de vigência da
norma (a denúncia), publicação esta que funciona como prazo a quo do pré-aviso,
para efeito da contagem de vacatio legis de seis meses.
149 O único caso de denúncia de tratado contra a dupla tributação, de iniciativa do Brasil, foi o
Tratado celebrado com Portugal em 1971, aliás o primeiro tratado daquela natureza celebra-
do pelo Brasil, razão pela qual merece análise aprofundada Veja-se sobre a matéria ALBERTO
XAVIER, Inexistência jurídica e inconstitucionalidade da denúncia do tratado contra a dupla
tributação entre o Brasil e Portugal,RDDT 48 (1999), 7 ss.; PAULO BORBA CASELLA e RALPH
SAPOZVIK, A revogação do Decreto 69.393/71 e os tratados no Direito Tributário brasileiro,
in VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (org.), Grandes questões atuais do Direito Tributário, 3° vaI.,
I!J I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
São Paulo 1999, 257 ss. No que concerne à denúncia, pela Alemanha, do Tratado com o
Brasil cfr. GERD W ROTHMANN, A denúncia do acordo de bitributação Brasil-Alemanha e suas
consequências, in Grandes questões atuais do Direito Tributário, 9° vol., São Paulo 2005, 146.
150 É o que afirma expressamente o art. 95, 2, da Constituição espanhola: "Para a denúncia dos
tratados e convênios internacionais se utilizará o mesmo procedimento previsto para a sua apro-
vação no artigo 94." É esta também a solução consagrada na Constituição argentina de 1994.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais I tI8 I
tratado internacional, a destruição dos seus efeitos apenas por ato de um dos Poderes
equivaleria a verdadeiro "golpe de Estado" inconstitucional 151 •
No que diz respeito especificamente a tratados que versem sobre matéria tri-
butária, a necessária intervenção do Congresso Nacional, por via de referendum, é
corolário do princípio da legalidade da tributação, que exige, no domínio tributário,
lei emanada do Poder Legislativo (art. 150, I, da CF).
A exigência de referendum, no que concerne à denúncia de tratado tributário, é
tanto ou mais relevante do que para a sua própria celebração. É que, tendo a denúncia
um efeito extintivo de normas especiais limitadoras do poder tributário de cada Estado
contratante, a cessação de vigência destas normas mais favoráveis tem o alcance de "ins-
tituição ou aumento" de tributo, para os quais o art. 150, I, da CF, exige lei formal.
Aliás, não se vislumbra situação que mais requeira a necessária intervenção do
Congresso do que a denúncia de um tratado tributário, que é a "Magna Carta" das
relações econômicas entre dois Estados soberanos. Ora, sendo a denúncia um ato de
ruptura unilateral, praticado ultima ratio, em caso de impasse de negociação, é estri-
tamente indispensável que o Congresso exerça a competência exclusiva que lhe é atri-
buída pelo art. 41, I, da CF, de "resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais", dando a última palavra no sentido de autorizar ou não a denúncia.
Denúncia unilateral pelo Poder Executivo, não precedida de autorização refe-
rendária do Congresso, é ato de rebelião contra o princípio da interdependência dos
Poderes e, por isso, "golpe de Estado" inconstitucional152.
Em função do princípio da segurança jurídica, especialmente relevante em ma-
téria tributária, o próprio Tratado consagrou uma vaeatio legis especial, determinan-
do o diferimento da cessação de vigência destas normas para o ano civil subsequente,
desde que o pré-aviso ocorresse seis meses antes desse mesmo mês.
Trata-se, em matéria de tratados internacionais, de manifestação do mesmo
princípio que, no que toca às leis internas, conduz à formulação do princípio da
anterioridade, constante do art. 150, III, b) da CF, que veda a cobrança de tributos
no mesmo exercício frnanceiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou, ou à formulação do princípio da vacatio legis especial, em matéria de con-
tribuições sociais, constante do art. 195, § 6°, da CF, segundo o qual estas só poderão
151 A questão da competência para a denúncia de tratado foi objeto da ADI/1625 (relativa à
denúncia, pelo Brasil, da Convenção da OIT nO 158) que ainda se encontra em julgamento,
sendo que já votaram no sentido do necessário referendo do Congresso os Ministros MAURÍ-
CIO CORRÊA, CARLOS BRTITO e JOAQUIM BARBOSA e, em sentido contrário, NELSON JOBIM.
152 No caso da denúncia do Tratado com Portugal, esta não foi precedida de manifestação pú-
blica da vontade dos órgãos competentes para exprimir, no plano interno e internacional,
a vontade do Estado brasileiro: a do Presidente da República, na forma de decreto de pro-
mulgação pública da denúncia; e a do Congresso Nacional, na forma de decreto legislativo
devidamente publicado. A denúncia é nula ou até mesmo juridicamente inexistente, tanto
no plano internacional quanto no plano interno, pois .o ato jurídico em que se traduz não foi
praticado pelos órgã.os competentes para exprimir a vontade do Estado brasileiro.
MUM Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
ser exigidas após decorridos 90 dias da data de publicação da lei que as houver ins-
tituído ou aumentado.
Que a vacatio legis do art. XXIX do Tratado constitui manifestação do mesmo prin-
cípio de segurança jurídica que os referidos princípios constitucionais (aliás reconheci-
dos como "direitos e garantias individuais" pelo Supremo Tribunal Federal) resulta de,
como já foi mencionado, a denúncia de um Tratado, pela extinção de normas especiais
mais favoráveis, ter significado idêntico ao de uma instituição ou aumento de tributo.
Como os destinatários das normas convencionais são os cidadãos particulares
residentes em ambos os Estados contratantes, a eles (e não apenas ao outro Estado
contratante) se dirige em primeira linha a garantia do pré-aviso.
A garantia do pré-aviso pressupõe a publicação do ato de cessação de vigência da
norma (a denúncia), publicação esta que funciona como praw a quo do pré-aviso,
para efeito da contagem de vacatio legis de seis meses.
153 Cfr. M. CHRÉTIEN, Application et inrerprération des clauses fiscales des conventions internatio-
nales, Revue de Science et de Législation Hnanciêre 1948; J. MICHEL, Interprétation judiciaire des
conventions de double imposition et necessité ou opportunité d'une jurisdiction ftscale internationale,
CDFI XII (1958); VAN HourE, Principies of Interpretation in Internai and International Tax
Law, Amsterdam 1968; SAINZ DE BUJANDA, La interpretación, en Derecho espanol, de los tra-
tados internacionales para evitar la doble imposición, in ID., Hacienda y Derecho, II, Madrid
1962, 179; FEDERICO MARIA GIULIANI, La interpretazione delle convenzioni internazionali
contra le doppie imposizioni sui redditi, in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tributaria
Internazionale, Pádua 1999, 289; HANs FLICK, Zur Auslegung von Normen des Internatio-
nalen Steuerrechts, in Um der Auslegung und Anwendung der Steuergesetze. FestschriJt aus
Anlafl des 60. Geburtstages von Pro! Armin Spitaler, Stutrgart 1958, 151; LENz, li interprétation
des traités de double imposition (relatório geral), CDFI XII, 15; A. RAUPACH, Internationales
Steuerrecht in der Rechtsprechung des Bundesftnanzhoft, Deutsche Steuer-Zeitung 1975, 388
(390); VOGEL, Double tax treaties and their interpretation, International Tax & Business La-
wyer 4 (1986), separata, passim; RAINER PROKISCH, A interpretação dos tratados de dupla
tributação, Fisco 68 (1994),21; M. PIRES, Da dupla tributação, 454 ss.; FRANK ENGELEN, In-
terpretation ofTax Treaties under International Law, Amsterdam 2004; DANIEL VITOR BELLAN,
Interpretação dos tratados internacionais em matéria tributária, in HELENO TAVEIRA TÔRRES
(org.), Direito Tributária Internacional Aplicado, vol. III, São Paulo 2005, 605.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
154 Cfr. GOUTHIERE, Les impôts, 135, dando conta de jurisprudência recente que enfraquece esta
regra; J. C. MARTINEZ, Les conventions, 54 SS.; GEST(TIXlER, Droit Fiscal International, 97;
BAKER, Double Taxation, 25.
155 Cfr. BAKER, Double Taxation, 22.
156 HUGH J. AULT, The role of the OECD commentaries in the interpretation of tax treaties,
in Essays on International Taxation, 15, Deventer/Boston 1993, 69; BAKER, Double Taxation,
29; VOGEL, Double 1àxation, 43, GOUTHIERE, Les impôts, 134-135; RrVIER, Le Droit Fiscal
International, 101; M. PlRES, Da dupla tributaçiW, 456; KWGE, Das deutsche Internationale
Steuerrecht (3 a ed.), Munique 1992, 224.
157 Cfr. LUIS BARBOSA RODRIGUES, InterpretaçiW de tratados, Lisboa 1990, 98; GARBARINO, La
tassazione, 527 e 538 55.; HELENO TORRES, PluritributaçiW internacional sobre as rendas de
empresas, São Paulo 2001, 649.
• •',,:1 Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
158 Cfr. SJOURD DOUMA(FRANK ENGELEN (eds), The legal status of the OECD Commentaries,
IBFD, Amsterdam, 2008; DAVID A. WARD(et al, The Interpretation of Income Tax Treaties
with Particular Reforence to the Commentaries on the OECD Modcl, IBFD (2006); HUGH J.
AULT, The role of the OECD commentaries in the interpretation of tax treaties, in Essays on
International Taxation, 15, Deventer(Boston 1993,69; BAKER, Double Taxation, 29; VOGEL,
Double Taxation, 43, AURORA RIRES RIBES, Convenios ... , cit., 161 ss.; E ENGELEN, Interpreta-
tion ... , 455; IGOR M. SANTIAGO, Direito Tributário Internacional ... , cit., 85 ss.; HANS PIJL, Os
Comentários da OCDE como fonte do Direito Internacional e o papel do Poder Judiciário,
RDTI (2006), 203.; MICHAEL Lfu'-'G(FwRIAN BRUGGER, O Papel dos comentários da OCDE
na interpretação dos acordos de bitributação, RDT19 (2008),203.
159 Cfr. OCDE, Comentários, Introdução, § 29.3.
160 Cfr. SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra 2006, 404.
161 Cfr. OCDE, Comentários, Introdução, §§ 33 a 36.1.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
C) Definições
162 Cfr. MARrA MARGARIDA C. MESQUITA, Convenções sobre dupla tributaçiÚJ, Lisboa 1998, 23, nota.
163 A versão dada pela revisão de 1995 é a seguinte: "As regards the application ofthe Convention
at any time by a Contracting State, any term not defined therein shall, unless the context otherwise
requires, have the meaning that it has at that time under the law of that State for the purposes of
the taxes to which the Convention applies, any meaning under the applicable tax laws of that State
prevailing over a meaning given to the term under other laws of that State". A mesma regra está
consagrada no § 2° do art. 30 do Modelo OCDE-ISD. Este preceito radica as suas origens no
Tratado entre os Estados Unidos e o Reino Unido de 1945, onde foi pela primeira vez ado-
tado. Cfr. AVERY JONES, Interpretation ofdouble taxation conventions, CDFI LXXVIII-a (1993),
Im I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
597 (607). Sobre a recente discussão em torno do próprio conceito de "aplicação" da con-
venção (aliás irrelevante para a tese que sustentamos), cfr. VOGELjPROKISCH, Interpretation of
double taxation conventions, 55 (78); AVERY JONES, Interpretation, cit., 597 (609). A remissão
para o direito interno foi recentemente criticada por ALBERT RADLER, no relatório RUDlNG, o
qual propõe, em caso de divergência de interpretação, o recurso a um conselho de consultores
da Comunidade Europeia. Cfr. MARIA CELESTE CARDONA, O papel dos acordos sobre dupla
tributação na internacionalização da economia, inA InternacionalizaçiUJ da Economia e a Fiscali-
dade - XXX Aniversário do Centro de Estudos Fiscais, Lisboa 1993, 226, e o número especial
dedicado a este relatório pela EC Tax Review 1 (1992).
164 "This paragraph provides a general rule ofinterpretation in respect of terms used in the Convention
but not defined therein": OCDE, Comentários, art. 30, § 20, § 11.
165 "Not otherwise defined" (63), "not defined therein" (77 e 92).
166 Significaúva a este respeito é a posição dos Comentários da OCDE ao art. 11 do Modelo que
introduz uma definição exausúva de juros, sem fazer referência ao direito interno: "in the Model
Convention references to domestic /aws should as for as possible be avoided" (cfr. § 30, § 21).
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais .".
fiscais e, dentro destas, das leis especificamente reguladoras do imposto sobre a renda
e o capital l67 .
Em quarto e último lugar, o recurso subsidiário ao direito interno é excluído
quando o "contexto" impuser interpretação diferente.
A expressão "contexto", utilizada nas convenções, tem um significado mais amplo
que a mesma expressão na Convenção de Viena: esta última abrange apenas o "contexto
interno", enquanto nos tratados contra a dupla tributação o contexto é constituído em
particular pela intenção das partes contratantes quando assinaram o tratado, bem como
pelo significado dado aos conceitos pela legislação do outro Estado - o que, de harmonia
com os Crnnentários da OCDE, representa uma "referência implícita ao princípio da reci-
procidade em que as Convenções se baseiam"i68. Mas já nos parece que - apesar do seu
relevo interpretativo - os Crnnentários da OCDE não possam ser invocados como "con-
texto", especialmente quanto aos Estados que não fazem parte desta Organização169 •
Seja, porém, como for, o certo é que o controle exercido pela cláusula "except the
context otherwise requires", virtualmente exclui a aplicação do direito interno, tornan-
do-o um fenômeno marginal, de último recurso l70 .
De tudo isto resulta que o § 2° do art. 3° não reveste o alcance de uma cláusula ge-
ral de reenvio para o direito interno, como regra subsidiária de interpretação e aplicação
do tratado, como pretende VOGEL171, antes estabelece o círculo excepcional de hipóteses
restritas, em que o direito fiscal interno pode ser utilizado para defmir expressões não
definidas no tratado, como, por exemplo, "lucro" ou "controle direto ou indireto"172.
Envolvendo o § 2° do art. 3° uma remissão subsidiária para o direito fiscal in-
terno, duas questões se podem logo colocar.
Uma primeira respeita a de saber se essa remissão abrange as demais convenções
contra a dupla tributação assinadas por esse Estado e que fazem igualmente parte da
sua ordem jurídica. A resposta afirmativa afigura-se-nos mais correta, sempre, po-
rém, com a ressalva de o contexto poder apontar num sentido diferente l73 .
167 A nova redação do art. 3° (2) do Modelo, dada na versão de 1995, esclarece que "any mean-
ing under the applicable tax laws of that state prevailing over a meaning given to the term under
other laws ofthat state". Veja-se também o art. 30, nO 2, da Convenção com Portugal: "preva-
lecendo a interpretação resultante desta legislação fiscal, na definição dos respectivos efeitos
tributários, sobre a que decorra de outra legislação deste Estado".
168 Cfr. OCDE, Comentários, art. 30, § 12.
169 Cfr., sobre estes pontos, AVERY JONES, Ilinterprétation des traités fiscaux: un exemple spécifique,
l'article 3 (2) duModele OCDE (I), Fiscalité Européenne 1985-3, 2I.
170 Cfr. BAKER, Double Taxation, 34.
171 Cfr. VOGEL, Double Taxation, 54, segundo o qual este preceito representa urna solução parcial
para o problema da qualificação.
172 Como opina a volkerrechtsfreundliche These representada por GLORIA e KNOBBE- KEUK, apud
KLUGE, Das deutsche Internationale Steuerrecht, 227.
173 Um protocolo ao tratado belga-holandês (1970) prevê que a residência deve ser determinada
em função do direito interno completado pelos tratados. Cfr. AVERY JONES, Ilinterprétation,
Fiscalité Européenne 1985-3,21 (73, nota 21).
Dm) I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Uma segunda questão respeita a saber se o direito interno aplicável é o direito vigen-
te à data da celebração do tratado, como pretende a concepção estática) ou se é o direito
vigente à data em que este se aplica, como sustenta a concepção dinâmica ou evolutiva.
O ponto é bem ilustrado no caso The Queen Melford Developments Inc.) em que
se discutiu, no Canadá, se despesas de garantia bancária deveriam ser qualificadas
como juros, como admitia a legislação posterior, mas não a vigente à data da cele-
bração do tratado. A Corte Suprema do Canadá adotou a concepção estática, com
o fundamento de que o resultado da interpretação evolutiva pode ser similar a um
poder de modificar o tratado 174 • Este argumento - "superficially attractive", no dizer
de BAKER 175 - confunde o fenômeno do "treaty overriding" através de disposições
internas conflitantes com as de um tratado, com a alteração do significado de certas
expressões operada pela lei interna, caso em que não se configura conflito. Por outro
lado, o próprio § 2° do art. 3° não estabelece qualquer restrição à escolha das leis
internas aplicáveis, pelo que se nos afigura abrir as portas para uma interpretação
evolutiva, aliás mais conforme com a teoria geral da interpretação das leis. Enfim, é
esta a concepção que melhor harmoniza direito interno e convenção contra a dupla
tributação, correspondendo mais de perto ao escopo e propósito dos mesmos. Este
tem sido também o entendimento da jurisprudência norte-americana e alemã176 , re-
centemente consagrado na versão dada em 1995 ao § 2° do art. 3°177.
174 Cfr. BAKER, Double Taxation, 36 ss. Como reação a esta decisão, o Congresso do Canadá
publicou o Income Tax Conventions InterpretationAct, em 1984, que consagra expressamente
a teoria da interpretação "ambulatória": cfr. DÉRYfWARD, Interpretation of double taxation
conventions, CDFI LXXVIII-a (1993), 259 (284); HELENO TORRES, PluritributaçM interna-
cional sobre as rendas de empresas, São Paulo 2001, 657.
175 Cfr. BAKER, op. cit., 37.
176 Cfr. BAKER,Op. cit., 28-39; AVERY JONES, Ilinterprétation, Fiscalité Européenne 1985-3,21 (51
ss.); GARBARlNo, La tassazione, 550 e ss. Sobre a posição da Courde Cassation da Bélgica, tam-
bém favorável à interpretação ambulatória, cfr. PEETERS, Interpretation ofdouble taxation conven-
tions, CDFI LXXVIII-a (1993), 221 (241); SCHAUMBURG,Internationales Steuerrecht, 575.
177 OCDE, Comentários, art. 3°, § 2°, § ll.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais .".
178 BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado (4a ed.), Coimbra 1990, 111-
112. Alguns autores anglo-saxônicos entendem que a expressão "qualification", de inspiração
francesa, não se ajusta bem à língua inglesa, preferindo as expressões "characterization" ou
"categorization": cfr. DÉRYjWARD, Interpretation of double taxation conventions, CDFI LXX-
VIII-a (1993), 259 (279, nota); AVERY JONES, Interpretation of double taxation conventions,
loco cit., 597 (608); DANIEL VITOR BELLAN, O instituto da qualificação no Direito Tributário
Internacional, RDDT 120 (2005), 43; PAULO CALIENDO, Do conflito de qualificações no
Direito Internacional Tributário, in HELENO TAVElRA TÔRREs (org.), Direito Tributário In-
ternacionalAplicado, vol. V, São Paulo 2008,33.; SÉRGIO ANDRÉ ROCHA, A qualificação no
Direito Tributário Internacional, RDTI 8 (2008), 129.
179 Cfr. ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, Da qualificação em Direito Internacional Privado, Lisboa
1964, 142-143; também 30 e 218.
180 W ARENDT, Zum Qualifikationsproblem im deutschen internationalen Steuerrecht, Steuer und
Wirtschaft I (1959), 381; VON POSERjGRoss-NAEDLITZ, Der Qualiftcationskonflikt bei DBA,
Munique 1972; SPITALER, Das Doppelbesteuerungsproblem bei den direkten Steuern, Reichen-
berg 1936, 561 sS.
181 Cfr. ISABEL DE MAGALHÃES CoLLAÇO, Da qualificação, ll.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
utilizado pela fonte qualificadora. E por isso entendemos (ao contrário de opinião
tradicionalmente aceita) que não respeita ao problema da qualificação a regra, atrás
examinada, constante das convenções contra a dupla tributação, e inspirada no § 2°
do art. 3° do Modelo OCDE, segundo a qual, "para a aplicação do presente acordo
por um Estado contratante, qualquer expressão, que nele não se encontre definida,
terá o significado que lhe é atribuído pela legislação desse Estado contratante relativa
aos impostos que são objeto do presente acordo, a não ser que o contexto imponha
interpretação diferente". Esta regra coloca-se ainda na fase interpretativa do concei-
to aplicável, ou seja, no que concerne à determinação do seu significado e alcance,
permitindo o recurso subsidiário a conceitos da lei fiscal interna com o propósito
exclusivo e bem delimitado de definir expressões não definidas no tratado.
Ora, o problema da qualificação suscita-se num momento logicamente poste-
rior: o de saber se uma determinada situação concreta da vida tributária internacional
é subsumível num conceito constante da previsão normativa, conceito este que já
se encontra previamente interpretado. Respeita, pois, ao momento da subsunção ou
aplicação do direito e não ao momento da sua interpretação.
Se a situação da vida é questão definida por conceitos fáticos, descritivos, o
problema da qualificação não chega sequer a suscitar-se. Assim, por exemplo, deter-
minar o lugar onde se situa um imóvel, onde é faticamente exercida uma atividade, se
uma pessoa é atleta ou estudante não envolve, via de regra, o recurso a uma operação
intermédia, adicional, no processo de aplicação do conceito ao caso concreto l82 .
Também entendemos que a questão da qualificação não se distingue da mera
subsunção quando o conceito a aplicar ao caso concreto - embora seja um conceito
jurídico - é fornecido pela própria lei (ou por grupo ou sistema de leis da mesma
natureza), como sucede, por exemplo, quando se aplica certa lei fiscal interna a uma
reserva ou provisão que ela própria define.
A questão da qualificação só surge com verdadeira autonomia no processo sub-
suntivo, quando o conceito jurídico utilizado por certa lei seja objeto de defmição po-
tencialmente distinta por outra lei ou complexo de leis de natureza heterogênea, quer
se integrem no mesmo ordenamento jurídico ou pertençam a ordenamento distinto.
A primeira hipótese é a que ocorre no clássico problema da relevância dos "con-
ceitos de direito civil" utilizados pelas leis fiscais, caso em que uma mesma situação
da vida pode ser objeto de uma dupla valoração - a valoração dada pelas leis civis
182 Não ignoramos a fluidez da distinção entre questões de fato e questões de direito, peJo que o
que acima se afirmou tem um caráter meramente tendencial. Assim, por exemplo, a regra se-
gundo a qual não são tributáveis peJo país da fonte os rendimentos do trabalho dependente
se o trabalhador nele não permanecer por mais de 183 dias parece conter um conceito fático,
descritivo. Mas na realidade não é assim, pois ele pode ser objeto de regras jurídicas distintas
aplicáveis pelos diversos países, notadamente quanto ao caráter contínuo ou interpolado,
quanto ao cômputo dos períodos de férias etc. Ver, sobre este problema, BAKER, Double
Taxation, 304 ss. Sobre a distinção entre conceitos descritivos e conceitos técnico-jurídicos,
cfr. ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, Da qualificação, 59.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
Como observa ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, "o que importa em todo o caso
deixar bem firmado é que a qualificação, em sentido rigoroso, sob o conceito que
na norma de conflitos de tipo ITI designa o objecto da conexão, é necessariamente o
resultado de um processo complexo, repartido por fases diversas, uma vez que a re-
condução duma situação concreta da vida a esse conceito supõe que tal situação foi já
individualizada, caracterizada ou 'qualificada' por recurso a dada norma material I84".
Tem, pois, razão BAPTISTA MACHAD0 185 quando (com considerações válidas tam-
bém para o Direito Tributário Internacional) critica ROBERTO AGO, que concebe o
problema da qualificação como simples subsunção de situações de fato a conceitos
jurídicos. É que, embora esta concepção explique bem a primeira fase do proces-
so qualificatório (qualificação primária), já não resolve a segunda fase (qualificação
secundária), em que se qualificam, já não situações fáticas, mas conceitos jurídicos
de direito interno em conceitos de direito convencional. No Direito Internacional
Privado, a qualificação põe em contato normas de conflitos internas com normas
materiais estrangeiras; no Direito Tributário Internacional, a qualificação põe frente
a frente a regra de colisão convencional com um dos dois direitos materiais internos
dos Estados a que o tratado se aplica. Da mesma maneira que alguém já afirmou que
o problema da qualificação em Direito Internacional Privado consiste em "meter o
material jurídico estrangeiro nas gavetas do sistema nacional"186, poderá simetrica-
mente dizer-se que o mesmo problema no Direito Tributário Internacional está em
"colocar o material jurídico interno nas gavetas dos tratados"187.
A qualificação primária tem por objeto situações fáticas; a qualificação secundá-
ria tem por objeto "regras de direito" ou "conceitos jurídicos".
A especificidade do problema das qualificações em matéria de tratados contra a
dupla tributação não está na questão (comum às normas unilaterais) de C011W qualifi-
car; mas sim na determinação de quem deve qualificar. É que, visando os tratados uma
delimitação da competência para tributar, não poderiam deixar de resolver, de uma
ou de outra forma, o problema de determinar qual dos Estados (ordenamentos) tem
competência para qualificar.
Mais precisamente, o problema central da qualificação consiste em determinar
a quem o tratado atribuiu competência qualificatória) se a ambos os Estados em pre-
sença, cumulativamente) atribuindo a cada um competência autônoma para qualificar
184 efr. Da qualificação, 108: "Na verdade, uma coisa será pretender que entre A e B se estabele-
ceu, por exemplo, uma relação jurídica de arrendamento, à face dos preceitos materiais desta
ou daquela ordem jurídica, e outra coisa será sustentar que essa concreta relação jurídica de
arrendamento deve ter-se por uma relação creditória, para o efeito de poder ser subsumida
na norma de conflitos que se reporta a relações de crédito. Do ponto de vista do direito de
conflitos só a respeito desta última operação pode em rigor falar-se de qualificação."
185 efr. BAPTISTA MACHADO, Lições) 117.
186 efr. MELCHIOR, apud BAPTISTA MACHADO, op. cit.) 127.
187 SIGF1UED WIDMANN refere-se a "Subsumtion eines Abstralctums unter ein anderes Abstrak-
tum": cfr. Zurechnungsanderungen und Umqualifikationen durch das nationale Recht in
ihrem Verhaltnis zum DBA-Recht, in K. VOGEL (org.), Grundfragen, 236 sS.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
uma mesma situação em face das respectivas leis internas, ou se apenas a um deles, ex-
clusivamente, de modo tal que o outro Estado deveria acatar automaticamente a qua-
lificação dada pelo primeiro em face da sua lei interna e de harmonia com o tratado.
A doutrina tradicional coloca o problema da qualificação nos seguintes temos: na
medida em que o tratado, por si mesmo, não resolva o problema, oferecendo uma defini-
ção expressa, existem três soluções possíveis: (i) cada Estado, aplicando o tratado, quali-
fica os termos do tratado de acordo com as exigências da lei doméstica: qualificação pela
!exJari; (ii) ambos os Estados qualificam os termos do tratado consistentemente de acordo
com a lei do Estado de que deriva o rendimento: qualificação pelo Estado da flnte 188 ; (iii)
ambos os Estados tentam estabelecer uma qualificação consistente através do contexto do
tratado: qualificação autônoma. Ainda não previamente discutida, mas igualmente plausí-
vel' é (iv) uma qualificação consistente de acordo com a lei do Estado da residência 189 •
Discordamos, em vários pontos, desta formulação.
Desde logo, porque o tratado nunca pode, por si só, resolver o problema da
qualificação, pois este - já se afirmou - não respeita ao momento interpretativo, mas
ao momento subsuntivo de uma situação concreta (objeto da qualificação), valorada
à luz de um ordenamento interno (fonte de qualificação).
Em segundo lugar, porque a qualificação autônoma, nada mais sendo que uma
"interpretação comum" de conceitos formulados diversamente pelas ordens nacio-
nais, à luz do contexto do tratado, não é uma solução para o problema da qualifica-
ção, que lhe é logicamente posterior.
Em terceiro lugar, porque a solução da competência qualificatória cumulativa, pres-
suposta pela corrente da !exfori, é sempre inadmissível, como a seguir se demonstrará.
Em quarto e último lugar, porque a questão de saber se a competência qualifica-
tória pertence ao Estado da fonte ou ao Estado da residência não pode ser colocada
como se de duas soluções alternativas se tratasse. A essência da nossa tese reside
precisamente em reconhecer que só existem competências qualificatórias exclusivas e que
estas variam consoante a natureza das questões que são o seu objeto.
188 VOGEL observa que esta solução é, por vezes, erroneamente referida como lex causae; todavia,
de acordo com a terminologia do DIP, lex causae é o sistema legal aplicável a um caso par-
ticular, pelo que em Direito Tributário Internacionallex causae é idêntica à lex firi: cfr. Double
Taxation, 54. Embora terminologicamente concordemos que a dicotomia lex firi e lex causae
não se enquadra bem na sistemática do DTI, a identificação necessária, afirmada por VOGEL,
entre a lei aplicável e a do órgão de aplicação do direito, revela bem o pensamento do autor,
segundo o qual não é admissível a atribuição de competência qualificatória ad aliud ius.
189 efr. VOGEL, Double Taxation, 54.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais M'fl!!
do tratado de acordo com a sua lei interna (lex flri) - e isto quer no que se refere
ao conceito-quadro, quer no que concerne aos demais pressupostos de aplicação da
norma convencional. É esta a posição defendida, em última análise, por V OGEL e pela
jurisprudência do Bundesfinanzhofi citada por esse autor l90 .
Tome-se o seguinte exemplo: tem-se em vista qualificar o pagamento de uma
quantia em dinheiro por um Estado (da fonte) a um residente no outro Estado, como
sendo uma remuneração do trabalho ou uma pensão. O Estado da fonte qualificou o
pagamento como remuneração do trabalho nele exercido e tributou-o. Por sua vez, o
Estado da residência qualificou autonomamente o mesmo rendimento como pensão
e tributou-o de novo. Outro exemplo é dado pelo célebre caso Pierre Boulez - com-
positor e chefe de orquestra residente na Alemanha, que efetuou concertos nos Es-
tados Unidos. O Fisco alemão qualificou a remuneração como royalty tributável na
Alemanha e não tributável nos Estados Unidos; o Fisco norte-americano qualificou
a mesma remuneração como pagamento de serviços de trabalho independente, tribu-
tável nos Estados Unidos. Se, ao invés, a Alemanha qualificasse a remuneração como
pagamento de serviço independente e os Estados Unidos como royalty, não teria havi-
do qualquer tributação, pois na Convenção Estados Unidos-Alemanha os royalties são
apenas tributáveis no Estado da residência e os serviços independentes são tributáveis
no país onde foram prestados. Donde se vê que um sistema de qualificação cumu-
lativa conduz a conflitos de qualificação, positivos ou negativos, os quais conduzem,
respectivamente, à dupla tributação (cúmulo) ou à ausência de tributação (vácuo).
Tentaremos demonstrar que, ao contrário, a correta interpretação dos tratados
contra a dupla tributação conduz sempre à atribuição de uma competência exclusiva a
um dos Estados, única solução que está de harmonia com o "objeto e o propósito"
desses tratados, que é o de evitar a dupla tributação e a evasão fiscal, fenômenos estes
aos quais um sistema de dupla qualificação cumulativa pode abrir as portas. Ora,
nos termos do art. 31 da Convenção de Viena, o object and purpose do tratado é um
dos pilares em que assenta a sua interpretação, pelo que deverá dar-se preferência à
solução que a eles melhor se adequar l91 .
190 VOGEL, Double Taxation, cit., 51 ss. Ver também EGON SCHLÜITER, Personengesellschaft oder
Kórperschaft? Aktuelle QualifIkationsfragen, in K. Vogel (org.), Grundfragen, 215 (231
ss.); FANTOZZI, Diritto Tributario, 169.
191 Esta é a posição defendida no estudo de AVERY JONES, li interprétation, várias vezes citado,
estudo no qual colaboraram juristas do peso de PIERRE FONTANEAU, RAOUL LENZ, MARTIN
ELLlS e outros. Cfr. ainda AVERY JONES, lnterpretation of double taxation conventions, CDFI
LXXVIII-a (1993), 597 (607 ss.). Esta é também a posição defendida no Canadá por DÉRY/
WIUill,Interpretation ofdouble taxation conventions, CDFI LXXVIII-a (1993), 259 (281 ss.);
e parece ser também a posição adotada na Dinamarca pelo "Assessment Council" como in-
forma MICHELSEN, lnterpretation of double taxation conventions, CDFI LXXVIII-a (1993),
295 (309) e na Bélgica, pela Corte de Cessação, que aplicou a lei francesa para qualifIcar uma
permuta de ações por títulos da dívida pública, como informa BAKER, Double Taxation, 35.
Por sua vez, as recomendações do AMERlCAN LAW INSTlTUTE sobre interpretação dos trata-
dos sugerem que, quando os demais elementos interpretativos se revelam insufIcientes, "the
I d I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
c) A nossa teoria
term will generally begiven the meaning aecorded by the dmnestic law of the source country": cfr. The
American Law Institute Federal Tax Project. International Aspects or United States Incame Taxa-
tion II; Proposals on United States Incame Tax Treaties (ALI Report), 1992, recomendação nO 9.
Temos para nós que o objetivo dos tratados, evitar a dupla tributação e a evasão fiscal, assume
no Direito Tributário Internacional a mesma força e relevância que o princípio da harmonia
jurídica internacional no Direito Internacional Privado: cfr. FERRER CORREIA, Direito Interna-
cional Privado - alguns problemas, Coimbra 1991 (2a reimp.), 111 ss.; BÜHLER, Princípios, 222.
192 Não aceitamos a posição de BAPTISTA MACHADO, segundo a qual o problema da qualificação
respeita apenas ao conceito-quadro e não aos demais pressupostos. Esta ideia está subjacente
também em VOGEL, quando afirma que a caracterização do status de uma pessoa à qual o
tratado se aplica é um problema de estrutura lógica distinta, que propõe seja designado por
"substituição", na terminologia de LEWALD, ou "classificação" (Einordnung) , como sugere o
Bundesfinanzhof cfr. VOGEL, Double Taxation, 52-53 e 90.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais I 0!0 I
196 Cfr., neste sentido, os Comentários da OCDE ao art. 3°, § 1°, § 3°: "In adition the term (com-
pany) covers any other taxable unit which is treated as a body corporate according to the laws of the
contracting State in which it is O1;ganised.)) Foi suscitada na Bélgica a questão de saber como
deveria ser qualificada uma partnership holandesa, tendo em vista que, segundo a lei belga,
a partnership tem personalidade jurídica e é autonomamente tributável, mas não assim se-
gtmdo a lei holandesa, que a considera transparente, tributando diretamente os seus sócios.
O Cour d' Appel de Bruxelas decidiu que a Administração fiscal belga deveria reconhecer o
estauuo fiscal de entidades estrangeiras, de harmonia com a legislação do país em que se
constimíram: cfr. decisão nO 1780, de 30 de janeiro de 1967, in European Taxation 8 (1968),
30. Esta é também, na doutrina alemã, a posição de KNOBBE-KEUK, ''Qualifikationskonflikte))
im internationalen Steuerrecht der Personengesellschaften, Recht der internationalen Wirtschaft
1991,306-316, apud GREIF, in MbssNERjet aI., Steuerrecht, 419.
197 Segundo os Comentários da OCDE (art. 3°, § 8): "Obvious/y, in determining what is meant
by «the nationals ofa Contracting State», in relation to individuais, reforence must be made to the
sense in which the term is usually employed and each State's particular rules on the acquisition or
loss ofnationality." No caso Oppenheimer v. Cattermole, discutia -se uma exoneração do tratado
para pensões pagas por fundos públicos alemães em função da nacionalidade da pessoa. O
Tribunal inglês declarou aplicável a lei alemã para defmir a nacionalidade: cfr. AVERY JONES,
Ilintélprétation, cit., 21 (51).
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
198 Não se nos afigura correta a afirmação dos Comentários, OCDE, art. 23°, § 1° A, § 39: "The
amount ofincome to be exempted from tax by the State ofresidence is the amount which, but for the
Convention, would be subjected to domestic income tax according to the domestic /aws goveming
such taxo It may, therefore, differ from the amount of income subjected to tax by the State ofsource
according to its domestic laws. JJ
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais Ip I
199 Cfr. OCDE, Comentários, art. 23°, § 1° A, § 34: "The State ofresidence must accordingly give
exemption whether or not the right to tax is in effect exercised by the other State. This method is
regarded as the mostpractical one since it relieves the State ofresidence from undertaking investiga-
tions of the actual taxation position in the other State. »
200 É certo que uma dupla não incidência também ocorreria na hipótese de o Estado da fonte se
reconhecer competente e não tributar efetivamente o rendimento, em função de disposição
isencional do seu regime interno. Mas a situação não é comparável àquela em que o próprio
Estado da fonte não se reconhece competente. Na primeira situação, a isenção outorgada
I Dir3 I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Vejamos agora o que sucede em face da norma do art. 23-B do Modelo OCDE
que consagra o método de imputação: "Quando um residente de um Estado contra-
tante aufere rendimento ou possui capital que, de acordo com as disposições desta
Convenção, possa ser tributado no outro Estado Contratante, o Estado primeira-
mente mencionado concederá: (a) como dedução do imposto sobre o rendimento
desse residente, um montante igual ao imposto de renda pago no outro Estado; (b)
como dedução do imposto sobre o capital desse residente, um montante igual ao
imposto sobre o capital pago no outro Estado."
Tal como em relação ao método de isenção, a qualificação da situação da vida,
necessária para determinar se o rendimento em causa "pode ser tributado" no Estado
da fonte, deve ser decidida à luz dos critérios internos desse Estado.
Uma vez resolvida esta questão, duas outras devem ainda ser decididas: a de
saber se o imposto em causa é um imposto de renda ou sobre o capital e, em caso
afirmativo, se tal imposto foi "pago".
No que concerne à primeira questão, entendemos que a competência qualifica-
tória exclusiva da natureza do imposto pago ao Estado da fonte pertence ao Estado
da residência, pois tal imposto representa uma dedução do seu próprio imposto.
Embora, via de regra, os impostos aos quais a convenção se aplica estejam listados
taxativamente na própria convenção, estas preveem também a sua aplicação a im-
postos idênticos ou substancialmente similares, vigentes após a data da assinatura da
convenção. Suscita-se, pois, o problema de saber se o tributo cobrado pelo Estado da
fonte se pode qualificar como "imposto sobre a renda" ou "imposto sobre o capital";
ou, ainda, de saber se os juros moratórios, os juros compensatórios e as penalidades
se integram no conceito de imposto201 •
A segunda questão a que se aludiu - a de saber se o imposto de renda foi
"pago" - parece, à primeira vista, uma simples questão de fato, que não suscita um
verdadeiro problema de qualificação. Um exemplo revela que não é assim. No caso
Continental Illinois Corporation) Citizens and Southern Corporation, discutiu-se no Tax
Court dos Estados Unidos o efeito no "tax credit" norte-americano do regime de be-
nefício pecuniário instituído pelo Decreto-Lei nO 1.411, de 31 de julho de 1975 202 •
De harmonia com este diploma, o Governo do Brasil atribuía aos tomadores de
pelo Estado da residência, mesmo no caso de não exercício efetivo do poder de tributar pelo
Estado da fonte, tem em vista não neutralizar a isenção concedida por este último.
201 Cfr., sobre a qualificação dos impostos suscetíveis de serem creditados nos Estados Unidos,
PAUL McDill'-'IELjHUGH AULT, Introduction to United States International Taxation, Deventer
1977, 71; ELlZABETIl OWENS, The Foreign Tax Credit, Harvard 1961. Cfr. GARBARlNO, La
tassazione, 453, segundo o qual a prestação compulsória estrangeira é qualificada mediante a
aplicação das categorias dogmáticas internas do Estado da residência, mas tendo em consi-
deração também os critérios do outro ordenamento.
202 Este benefício peamiário, revogado pela Lei na 9.430/96, foi objeto de amplo exame na Ia
edição deste livro: cfr. Direito Tributário Internacional do Brasil (Ia ed.), São Paulo 1977, 171 ss.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
203 A sentença foi publicada na RDT 52 (1990), 165. Nesta sentença, foi também discutida,
como questão prévia, se, em face do direito brasileiro, os credores estrangeiros de juros são
legalmente obrigados para com o Fisco brasileiro, pois só no caso de essa obrigação existir
a lei norte-americana concede o "tax credit". Também para a administração italiana, por
imposto "pago" no estrangeiro deve entender-se aquele que, uma vez pago, não é suscetível
de repetição. A definitividade respeita ao pagamento e não ao lançamento. Neste sentido, as
retenções por conta não teriam caráter "definitivo". efr. M. lNGROSSO, 11 credito d>imposta,
Milão 1984, 221; GARBARlNO, La tassazione, 458; A. PISTONE, La normativa interna, in PIS-
TONE (org.), Diritto Tributariolnternazionale, 79 (35).
m I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
(iv) Síntese
205 Cfr. La aplicación deI Derecho Público extranfero, Madrid 1989, 75. Na terminologia anglo-
saxônica, distingue-se a recognition (ou application) do enforcement da lei estrangeira, para
distinguir a aplicação coercitiva da não coercitiva (PÉREz-BEvIÁ, op. cit., 8 e 74). WENGLER
alude à distinção entre &chtsfors01;ge durch Ví:rweisung e Rcchtsfors01;ge durch Berechtigung,
apud MOURA RAMos, Da lei aplicável ao contrato de trabalho internacional, Coimbra 1990,
94, nota; ver também op. cit., 301; A. MARQUES DOS SANTOS,As normas de aplicação imediata
no Direito Internacional Privado, II, Coimbra 1991, 801. Tenha-se ainda presente que, em
certos ordenamentos, é admissível a aplicação das leis penais estrangeiras, como tal. Cfr.
PÉREz-BEvIÁ, op. cit., 85 ss.; MOURA RAMos, op. cit., 301, e sobretudo TULLlo TREvEs, La
giurisdizione nelDiritto Penale Internazionale, Pádua 1973,passim.
206 Cfr. Da lei aplicável, 305.
207 Cfr. BAPTISTA MACHADO, Lições, cit., 75 ss. e 287 ss.
Título 111 I Capo I I Tratados Internacionais
208 Note-se que a norma de lei estrangeira competente para qualificar certo conceito jurídico
pode remeter para outra norma do mesmo ordenamento, caso o conceito jurídico que tem
por objeto envolva a qualificação de outro conceito jurídico. É, por exemplo, o que ocorrerá
com a lei norte-americana de 1975 que autorizou um estrangeiro não residente, casado com
um cidadão ou residente americano, a optar por ser tributado como residente nos Estados
Unidos. Neste caso, a qualificação como "residente" pressupõe uma qualificação prévia rela-
tiva ao status de casado da pessoa em causa. Podemos falar, nestes casos, numa qualificação
de segundo grau.
209 Cfr. supra, 4, 7.
210 Enfim, não deixaremos de sublinhar que também no domínio do reconhecimento de efeitos
de atos de autoridade pública estrangeira - objeto de normas instrumentais concernentes
à eficácia das leis tributárias no espaço - pode ocorrer o fenômeno da aplicação de lei es-
trangeira, como precursoramente observou ISAY. Com efeito, para que a decisão estrangeira
- judicial ou administrativa - produza efeitos num certo país, é necessária a verificação de
certas condições, como a "competência" do órgão que a emitiu, a regularidade formal do ato
e o seu caráter "definitivo", condições estas cuja ocorrência só pode ser aferida por aplicação
do direito estrangeiro. Cfr. ISAY, Zwischen privatrecht und Zwischenverwaltungsrecht, in FG
ZITIELMANN 1923,289 (345); BÜHLER, Internationales Steuerrecht (IStR) und Internationales
Privatrecht (IPR) , BIFD XI (separata XIII), Amsterdam 1960, 46-47.
211 Cfr. Rêgles genérales de conflits de !ois, Recueil des Cours 1939-III, 132. Sobre esta figura,
pode ver-se ainda ANTONIO MARQUES DOS SANTOS, Breves considerações sobre a adaptaçiW em
Direito Internacional Privado, Lisboa 1989, 530.
MI#.M Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
SEÇÃO II
TRATADOS DE OUTRA NATUREZA SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA
§ l° COSTUME
1 M. VAN DEN VEN, Diplomatic tax pririleges. Past, present, future, International Tax Review
1988, 306; DE NOVA, ~agente diplomatico e l'immunitá tributaria, Rivista di Diritto Finan-
ziario e Scienza delle Finanze II (1942), 1; P. MICHAUD, Rigime fiscal des étrangers en France et
des français à l'étranger - Imposition des membres des corps diplomatiques ou consulaires. Conven-
tions de Vienne, Paris 1973; FLORENCIO GÓMEZ TARRAGONA, Tributación de los funcionarias
de los organismos internacionales, in XX Semana de Estudios de Derecho Financiero, Madrid
1973,831; FERNANDO DE LEMUS CHÁVARRI, Régimen fiscal de las misiones y de los agentes
diplomáticos acreditados en Espafía, in XX Semana de Estudios de Derecho Financiero, Ma-
drid 1973, 793. Todavia, para KNECHILE, nem esta regra teria esse caráter, pois o costume
não seria fonte de direito internacional tributário, por força do princípio da legalidade: cfr.
Grundfragen des Internationalen Steuerrechts, Basel 1976, 156; BÜHLER, Principios de Derecho
Internacional Tributario (trad.), Madrid 1968, 52. Quanto aos agentes consulares, ver a Con-
venção de Viena sobre relações consulares, promulgada pelo Decreto nO 61.078, de 26.7.67.
Veja-se ainda o art. 27 (renumerado para art. 28 após 2002) do Modelo OCDE.
2 Cfr. MAxrME CHRÉTIEN, A la rechcrche du Droit Intcrnational Fiscal Commun, Paris 1955, 224 ss.
p I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
A) O procedimento amigável
3 Conhecem-se quatro decisões do Tribunal da Haia sobre matéria fiscal: a primeira respeitou
à isenção fiscal de um imóvel, alegada por súditos da Alemanha, França e Grã-Bretanha
contra o Japão (sentença de 20 de maio de 1905); a segunda referiu-se à licitude da união
aduaneira entre a Alemanha e a Áustria, impugnada pela Sociedade das Nações (5 de setem-
bro de 1931); a terceira reportou-se ao diferendo entre a França e a Suíça sobre a Zona de
Genebra, quanto aos limites da soberania estadual em matéria tributária e aduaneira (7 de
junho de 1932); a quarta teve por objeto o litígio entre os Estados Unidos e a França sobre
a isenção fiscal de súditos americanos residentes em Marrocos (1952). Ver MAXIME CHRÉ-
TIEN, Le probleme des reglements jurisdictionnels des litiges internationaux d'ordre fiscal,
Journal de Droit International Privé et de la Jurisprudence Comparée 1951, 30 e 508; BÜHLER,
Principios, 56; J. MICHEL, Interprétation judiciaire des conventions de double imposicion et neces-
sité ou opportunité d'une jurisdiction fiscale internationale, CDFI XII (1958); REMO DOMINICI,
Le regole per la risoluzione dei confliui in materia di doppia imposizione internazionale, in
VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tributaria Internazionale, Pádua 1999, 921.
4 TrrrEL, Das Verstandigungsveifahren nach dem Doppelbesteuerungsabkommen, Berlim 1964;
MÜLHAUSEN, Das Verstandigungsveifahren im deutschen Internationalen Steuerrecht, 1976; GLO-
RIA, Das steuerliche Verstandigungsveifahren und das Rccht aufdipWmatischen Schutz, 1988; AVERY
JONES, Mutual agreement - procedure and practice, CDFI 1981,66; ID., The legal nature ofthe
mutual agreement procedure under the OECD Model Convention, British Tax Review (1979),
333 (334 ss.); CARLOS P ALAO T ABOADA, El procedimiento amistoso en los convenios internacionales
para evitar la doble imposición, Hacienda Publica Espaííola 16 (1977), 309; GARBARlNO, La
tassazione dei reddito transnazionale, Pádua 1990, 569; ADAMIjLEITA, La procedura amichevole
nelle convenzioni bilaterali contro la doppia imposizioni, Rivista di Diritto Tributaria I (1992),
349; IGOR MAULER SANTIAGO, Métodos de solução dos conflitos fundados em convenção con-
tra a dupla tributação internacional, in Direito Tributária InternacionalAplicada (coord. HELENO
TÔRRES), IIl, 2005, 672 SS.; JOACHIM ENGLISCH, German experience on alternative modalities
of tax conflits solution and the application of mutual tax agreements, in HELENO TAVEIRA
TÔRRES (org.), Direito Tributária InternacionalAplicada, vaI. V, São Paulo 2008,561.
5 E ainda, em termos similares, no art. 11 do Modelo OCDE-ISD.
Título 11/ I Capo 1/ I Outras Fontes Internacionais
6 E por isso não previsto em numerosos tratados celebrados pelo Brasil antes dessa data.
7 Cfr. BAKER, Double Taxation Agreements and International Tax Law, Londres 1994) 414 sS.
8 Cfr. MENCK, in MÓssNER/et a!., Steuerrecht international tdtiger Unternehmen, Colônia
1992,382.
9 Cfr. VOGEL, On Double Taxation Conventions, Deventer 1998 (cit. Double Taxation) 1368;
GOUTHrERE, Les impôts dans les affaires internationales, Paris 1991, 798; GUY GEST/GILBERT
TIXIER, Droit Fiscal International (2 a ed.), Paris 1990, 107 SS.; RrvIER, Droit Fiscal suisse. Le
Droit Fiscal International, Neuchatell983, 301; BAKER, Double Taxation, cit., 419. Todavia,
certos países, como os Estados Unidos e a Bélgica, exigem a exaustão dos remédios internos.
Sobre as dificuldades decorrentes da coexistência destas ordens dos processos, cfr. OCDE,
Comentários, art. 25, parágrafo 28 (2008).
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
no caso de se revelarem inadequadas soluções unilaterais, a solução do caso deve ser ob-
tida por acordo amigável com a autoridade competente do outro Estado contratante.
A bilateralidade do procedimento amigável respeita apenas à sua segunda fase,
já que a primeira (fase interna) - aberta pela reclamação do contribuinte - se situa no
plano das relações entre este e a autoridade competente do Estado da residência. Só
no caso de este Estado, por sua iniciativa, não poder, unilateralmente, dar satisfação
à pretensão do reclamante, se abre a via à segunda fase do procedimento (fase inter-
nacional), que é o processo amigável propriamente dito.
Este procedimento não exprime o exercício de uma função jurisdicional dos Es-
tados, pois estes não se encontram obrigados a concluir por uma decisão que repre-
sente a solução do conflito no caso concreto, mas apenas a negociar, com diligência,
uma solução amigável, podendo, porém, não chegar a um acordo. Trata-se de uma
obrigação de meios e não de resultados 10, de um pactum de contrahendo que obriga as
partes a negociar mas não a atingir um acordo l l .
Enfim, o procedimento amigável tem caráter informal. As autoridades compe-
tentes podem comunicar-se diretamente entre si, sem necessidade de recurso à via di-
plomática. Não existem prazos nem formalidades preestabelecidos 12 e fica exclusiva-
mente reservado ao livre critério das autoridades a vantagem de se criar uma comissão
composta por representantes das autoridades competentes dos Estados contratantes,
a fim de permitir trocas de impressões orais 13 •
Seja como for, o certo é que o informalismo do procedimento amigável não
pode dispensar, em caso algum, as garantias essenciais dos contribuintes, como o
direito de ser ouvido (diretamente ou por representante, oralmente ou por escrito),
o direito de ser assistido por conselho técnico e o direito de acesso ao dossier.
B) Afase arbitral
Na revisão da Convenção Modelo de 2008 foi introduzido um novo § 5° ao
art. 25 que prevê a possibilidade de recurso à arbitragem na hipótese de, no âmbito
14 Cfr. Comentários, art. 25, parágrafo 5. Não cabe, pois, o recurso à arbitragem na hipótese de
ter sido concluído um acordo mútuo, uma vez que ela pressupõe "questões não resolvidas".
15 Cfr. RIVIER, Le Droit Fiscal International, 308.; HELENO TORRES, Pluritributaçáo interna-
cional sobre as rendas de empresas, São Paulo 2001, 693; SÉRGIO ANDRÉ ROCHA, Solução de
divergências hermenêuticas nos tratados internacionais tributários, RDTI, nO 10, 2008, 187
ss., espec. 207 sS.
16 Todavia, certos países, como a Suécia, a Suíça, o Japão, a Holanda, a Bélgica, a Alemanha
e a Grécia, permitem a execução de acordo posterior, contrário à sentença transitada em
julgado. Cfr. AVERY JONES, The legal nature ofthe mutual agreement, 341.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
17 Esta é a posição adotada pelo Supremo Tribunal Administrativo sueco, pelo Conseil d'État
francês e pelos tribunais ingleses. Veja BAKER, Double Taxation, 421 ss., e os comentários à
decisão do caso IRC v. Commerzbank e IRC v. Banco do Brasil SA. O Conselho de Estado
francês (em arrêt de 13 de maio de 1983) não se considerou vinculado por acordo amigável
franco-americano sobre o lugar de residência de um contribuinte que o declarava residente
na França, quando o tribunal entendeu que o critério do centro de interesses vitais conduzia
a considerá-lo residente nos Estados Unidos. O tribunal não se declarou competente para
"anular" o acordo, mas julgou independentemente dele. Cfr. GOUTHIÉRE, Les impóts, 806;
GEST(TlXIER, Droit Fiscal Intemational, lll-ll2; VOGEL/PROKI5CH, Interpretation of double
taxation conventions (relatório geral), CDFI LXXVIII-a (1993), 55 (70 ss.), referindo o caso
especial da Noruega, país em que os acordos são vinculantes para os tribunais.
18 Cfr. neste sentido a posição do Brasil. OCDE, art. 25, NMC Positions, parágrafo 3.
19 Cfr. LENZ, L'interprétation des traités de double imposition (relatório geral), CDFI XII, 15
(28); WIDMER, Die Auslegung der Doppelbesteuernngsabkommen, CDFI XLII, 268. Contra,
porém, RIVIER, Le Droit Fiscal Intemational, 313.
20 Cfr. VOGEL, Double Taxation, 1383; KNECHTLE, Basic Problems in Intemational Fiscal Law
(trad.), Deventer 1979,140, vê nestes acordos uma expressão da equidade no Direiro Inter-
nacional Público.
21 Cfr. GOUTHIÉRE, Les impóts, 806; ADAMI/LEITA, La procedura amichevole, 408 S5.
Título 111 I Capo 11 I Outras Fontes Internacionais .,&+
Referidos acordos - que do ponto de vista do Direito Internacional Público são
"meros acordos de forma simplicada" (agreements in simplified form, accords en forme
simpZifiée 22 ) - não necessitariam, entre nós, de obedecer ao formalismo do procedi-
mento de celebração dos tratados. Mas por isso mesmo não podem atuar na zona
submetida constitucionalmente ao princípio da legalidade ou reserva de lei. Caso o
façam - como seria a integração de casos não previstos no tratado -, não terão efeito
vinculante para os contribuintes nem para os tribunais 23 .
A OCDE tem preconizado a maior exploração do procedimento dos acordos
mútuos (MAP) para a celebração de acordos prévios em matéria de preços de trans-
ferência (Advance Pricing Agreements - APA), de caráter bilateral ou até multilateral,
envolvendo não apenas o contribuinte e a respectiva Administração fiscal, mas as
diversas Administrações fiscais com jurisdição sobre a empresa multinacional: são os
chamados "MAP APAS"24.
D) Arbitragem
Não faltam vozes que proclamam a vantagem de uma mais acentuada juris-
dicionalização do procedimento amigável, cujo julgamento deveria ser confiado a
comissões mistas paritárias, constituídas por representantes designados por ambas
as administrações fiscais, podendo ouvir os contribuintes interessados e com a facul-
dade de consultar um organismo internacional: foi o que preconizou a IFA na reso-
lução de Basileia de 1960. Ou até a institucionalização de um procedimento solene
de arbitragem ou procedimento judicial internacional, de que resultariam decisões
obrigatórias para os dois Estados em conflito, conforme sugeriu - anos após - a
mesma IFA (Congresso de Rotterdam, 1969)25.
Dentro desta linha de orientação, merece especial menção a recente Convenção
contra a dupla tributação entre a Alemanha e a Suécia, que prevê a aplicação da
Convenção Europeia para a Solução Pacífica de Conflitos, de 29 de abril de 1957, e,
22 C. CHAYET, Les accords en fonne simplijiée, Annuaire Français de Droit Internationall957, 4 ss.
23 Cfr. GARBARlNO, La tassazione, 597.
24 Cfr. OCDE, Transftr Pricing Cuide/ines..., IV - 41 ss. Veja-se o anexo introduzido a estes
Cuidelines, em 1999, AN - 19 e ss.
25 Veja-se a avaliação crítica do sistema de procedimento amigável, com sugestões para o seu
aperfeiçoamento, em OCDE, Transftr Pricing and Multinational Enterprises, 27 ss.; STROUD/
MASTERS, Transftr Pricing, 86; BAKER, Double Taxation, 427; DUCCINI, Approche fiscale des con-
trats internationaux, Paris 1985, 65. Sobre arbitragem, ver AGOSTINHO TOFFOLI TAVOLARO,
A solução dos conflitos de dupla tributação jurídica internacional, in Estudos em homenagem
a G. DE ULH6A CANTO, 1988, 1; G. LINDENCRONA!N. ArrsoN, Arbitration in Taxation, De-
venter 1981; MANUEL PIRES, Procedimento arbitral- CEE, CTF 357 (1990), 8; DAVID R.
TILLINGHAST, The Choices ofIssues to be submitted to Arbitration, in Essays on International
Taxation, 15, Deventer/Boston 1993, 349; MARIO ZÜGER, Arbitration under Tax Treaties.
Improving Legal Protection in International Tax Law, Amsterdam 2001.
Mri.M Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
26 Cfr. GUTIENTAGjMI5BACK, Resolving Tax Treaty Issues: a Novel Solution, BIFD 1986, 350.
27 Cfr. GOUTIliERE, Les impôts, 811 e 812. Veja International Taxation, maio de 1992, 32.
28 Cfr. SA55, Effectiveness of Current Competent Authority procedures for Relief of International
Double Taxation, Intertax 1988, 111; OCDE, Transftr Pricing andMultinational Enterprises,
20 55.; STROUDjMAsTERS, Transftr Pricing, 85; LICCARDI, La normativa convenzionale, in
PI5TONE (org.), Diritto Tributaria Internazionale, 191 (260 ss.).
29 Cfr. GOUIHIERE, Les impôts, 811 SS.; MANUEL PIRES, Procedimento arbitral - CEE, CTF 357
(1990),8.
30 Cfr. GOUTHIERE, Les impôts, 815.
31 Cfr. OCDE, Transftr Pricing Guidelines..., IV - 55.
-===. Título 111 I Capo 11 I Outras Fontes Internacionais
§ 30 DIREITO COMUNITÁRIO
32 É hoje imensa a bibliografia sobre o Direito Comunitário ou Direito Europeu. Para uma
visão de conjunto, veja-se a monografia de FAUSTO DE QUADROS, Direito das Comunidades
Europeias e Direito Internaeional Público, Lisboa 1991; JOÃo MOTA DE CAMPOS, Direito Comu-
nitário, 2 vols., Lisboa 1983; ID.,A Ordem Constitucional Portuguesa e o Direito Comunitária,
Braga 1981; THOMAS OPPERMANN, Europarecht, Munique 1991; FRANCO ROCCATAGLIATA, 11
diritto tributario comunitario, in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tributaria Inter-
nazionale, Pádua 1999; 657. Entre nós veja-se MARIA TERESA DE CÁRCOMO LOBo, Manual de
Direito Comunitário, Curitiba 200 L
33 Apesar da existência de três entidades jurídicas distintas, utiliza-se hoje a expressão UniíW
Europeia (EU), no singular, por determinação do Tratado de Maastricht.
34 Instituída pelo Tratado de Paris, de 18 de abril de 1951 (extinto em 23 de julho de 2002).
35 Instituídas pelos Tratados de Roma, de 25 de março de 1957, subscrito pela Alemanha,
Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos. Em 22 de janeiro de 1972, firmaram-se
em Bruxelas os instrumentos relativos à adesão do Reino Unido, Holanda, Dinamarca e No-
ruega (não ratificado por este último país). Em 10 de janeiro de 1981, efetuou-se a adesão da
Grécia, e em 12 de junho de 1985, a adesão de Portugal e Espanha. Em 25 de junho de 1994
foi assinado o tratado de adesão da Áustria, Finlândia e Suécia. Em 16 de abril de 2003 foi
assinado o tratado de adesão de dez novos membros: Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Estô-
nia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia e República Tcheca. Os Tratados institutivos
das Comunidades Europeias foram objeto das seguintes alterações: (i) O Tratado de fusão,
assinado em Bruxelas em 8 de abril de 1965, que institui um Conselho único e uma Comis-
são única das três Comunidades Europeias; (ii) O Ato Único Europeu (AUE), assinado no
Luxemburgo e em Haia, que entrou em vigor em 10 de julho de 1987 e prevê as adaptações
a introduzir para completar o Mercado Interno; (iii) O Tratado da União Europeia (UE),
assinado em Maastricht em 7 de fevereiro de 1992. O Tratado de Maastricht não eliminou
as Comunidades existentes, contudo alterou a designação da Comunidade Econômica Euro-
peia (CEE) para Comunidade Europeia (CE) que, em conjunto com as outras comunidades
(CECA e EURATOM), constituem o 10 pilar da União Europeia (pilar comunitário). Os 2 0
e 30 pilares, Política Externa e Segurança Comum (PESC) e Cooperação Policial e Judiciária
em matéria penal, respectivamente, em conjunto com o pilar comunitário, constituem a base
em que assenta a União Europeia (UE). Dessa forma o Tratado de Maastricht passou a de-
signar a comunidade, em todos os seus aspectos e de forma integrada, por União Europeia
(UE); (iv) O Tratado de Amsterdam, assinado em 2 de outubro de 1997, alterou os Trata-
dos da UE, CE, CECA e EURATOM, atribuindo números (em vez de letras) aos artigos
do Tratado da UE; (v) O Tratado de Nice, assinado em 26 de fevereiro de 2001, introduziu
novas alterações nos Tratados da UE e CE, modificando o modo de funcionamento das
instituições e tornando a votação por maioria qualificada a regra (em vez da unanimidade)
em muitas áreas de decisão da UE; (vi) Novas alterações serão provavelmente introduzidas
nos Tratados na sequência da Convenção sobre o Futuro da Europa e do Tratado de Adesão
dos dez novos Estados-membros, cuja assinatura foi efetuada em 16 de abril de 2003, com
entrada em vigor em 10 de maio de 2004.
I q I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
36 Na CECA, as decisões gerais, prescritas nos arts. 14 e 15 do respectivo tratado, têm natureza
equivalente à dos regulamentos da CEE. Entre elas merecem especial relevo as que fIxam a
alíquota, lançamento e cobrança do tributo CECA. Cfr. FRITZ OSSENBÜHL, Die Quellen des
Verwaltungsrechts, in HAi'\lS-UWE ERlCHSENfWoLFGANG MARTENS (org.),Allgemeines lkrwal-
tungsrecht (8 a ed.), BerlimfNova York 1988,63 (124); A. AMATUCCI, La normativa comu-
nitaria quale fonte per l'ordinamento tributaria interno, in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di
Diritto Tributario Internazionale, Pádua 1999, 717.
37 Sobre a aplicabilidade e efIcácia diretas, ver FAUSTO DE QUADROS, op. cit., 410 ss.; SACCHETTO,
Contenuto ed efficacia imediata negli orginamenti degli Stati membri delle disposizioni fIs-
cali del tratatro C.E.E., Rivista di Diritto Finanziario e Scienza deUe Finanze 1969, 329.
38 Cfr. AZEVEDO SOARES, Lições de Direito Internacional Público, 76 e 91, 102. Veja-se a aprofun-
dada análise crítica do nO 3 do art. 8° em ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA/FAUSTO DE QUADROS,
Manual de Direito Internacional Público, (3 a ed.), Coimbra, 1993, 124 S5.
Título 111 I Capo 11 I Outras Fontes Internacionais
39 Cfr. A. A. BECKER, Teoria Geral do Direito Tributária (3 a ed.), São Paulo 1998, 282.
40 Sobre Direito Tributário Comunitário, cfr. DOMINIQUE BERLIN, Droit Fiscal Communautaire,
Paris 1988; RAMÓN FALCON Y TELLA, Introduccion ai Derecho Financiero y Tributaria de las
Comunidades Europeas, Madrid 1988; ver também LOUIS CARTOU, Droit Fiscal International
et Europeén (2 a ed.), Paris 1986; DIONISIO MARTINEZ, Las fuentes del Derecho Tributaria de
las Comunidades Economicas Europeas, in XIX Semana de Estudios de Derecho Financiero,
Madrid 1972, 749.
41 Cfr. DEcLEvA, La contribuzione internazionale, Annali della R. Università di Trieste 1936.
42 Sobre os poderes tributários de entes supranacionais, cfr. BÜHLER, Principios, 29 a 39. Um
caso recente de poderes tributários próprios é o da Intcrnational Seabed Authority, prevista
na Convenção de Montego Bay de 1987 e que pode lançar imposto de produção sobre ativi-
dades no leito marítimo e no solo e subsolo oceânico. Cfr. MARTHA, The Jurisdiction to Tax in
International Law, DeventerjBoston 1989, 133.
43 Decisão de 21 de abril de 1970, substimída pela Decisão de 7 de maio de 1985; Decisão de
17 de março de 1988.
44 Cfr. o art. 3° do Protocolo sobre Imunidades e Privilégios, anexo ao Tratado de Bruxelas,
de 8 de abril de 1965. Algo de muito semelhante se passa na ONU, cuja Assembleia, nas
Resoluções nO 239, de 18 de novembro de 1948, e nO 359, de 10 de dezembro de 1948, es-
tabeleceu uma contribuição sobre os salários dos próprios funcionários em substimição dos
impostos devidos nos países de origem. Cfr. UDINA, Il trattamento tributaria dei funzionari
internazionali, FS RUDoLF LAuN 1953,279.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
tratamento fiscal entre os produtos nacionais e os outros produtos similares dos Es-
tados-membros (art. 90) e é corolário do princípio mais amplo que proíbe qualquer
discriminação em função de nacionalidade (art. 12); e oprincipio da liberdade de esta-
belecimento (art. 43), donde resultam as proibições de restrições fiscais à liberdade de
circulação de mercadorias e à livre circulação de pessoas49 •
Observa CASALTA NABAIS que as proibições decorrentes dos referidos princípios
têm dado origem a uma harmonização fiscal das legislações fiscais tanto pela via po-
sitiva, isto é, de adoção de regulamentos e diretivas, como pela via negativa, através
de jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), sendo
de salientar que, enquanto em matéria de tributação do consumo operou sobretudo
a primeira, no que respeita à tributação direta tem operado sobretudo a segunda. O
TJCE tem protagonizado, assim, uma "harmonização fiscal pela negativa", desempe-
nhando papel "demolidor" dos aspectos dos sistemas fiscais nacionais incompatíveis
com o direito comunitárioS°.
Dentro do grupo de normas que integram o Direito Tributário Interestatal, en-
quanto umas versam sobre situações tributárias puramente internas - como é o caso
da harmonização do regime dos impostos sobre o valor acrescentado (Diretiva de
11 de abril de 1967 e 6 a Diretiva nO 77/338, de 17 de maio de 1977); da harmoni-
zação dos impostos indiretos sobre a reunião de capitais; dos direitos de aporte em
sociedades de capitais (Diretiva de 16 de julho de 1969, Diretiva de 9 de abril de
1973, Diretiva de 7 de novembro de 1974 e Diretiva de 10 de junho de 1985); da
harmonização da estrutura das alíquotas do NA e da harmonização dos impostos
especiais de consumo (tabaco, álcool e produtos derivados de petróleo) -, outras têm
especificamente como objeto situações tributárias internacionais. São precisamente es-
tas últimas que constituem objeto do Direito Tributário Internacional Comunitário,
designação na qual a expressão "internacional" respeita ao objeto da norma - uma
situação conexa com mais do que uma ordem jurídica - e a expressão "comunitário"
à respectiva fonte de produção de origem comunitária.
51 ALBERT RAnLER, Comment on the Interest Directive Proposal, in VICTOR UCKMAR (org.),
Corso di Diritto Tributaria Intemazionale, Pádua 1995, 743.
52 Cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e teoria da ConstituiçiÚJ (7a ed.), 2003, 822 55.
Título 111 I Capo 11 I Outras Fontes Internacionais I (f.f) I
de corrigir o conflito (art. 5°), podendo no entanto o Estado terceiro, não vinculado
pelo Direito Comunitário, aplicá-ld 3 .
Às relações entre tratados e fontes secundárias, aplicam-se mutatis mutandis as
mesmas considerações.
Observa MARrA CELESTE CARDONA que a expansão progressiva dos mecanis-
mos comunitários de harmonização das leis fiscais internas - Diretivas e Convenções
multilaterais - conduz naturalmente a que os tratados bilaterais percam o seu peso
relativo como instmmentos de eliminação das duplas tributações nas relações en-
tre os Estados-membros da Comunidade. E cita como exemplos a Diretiva relativa
às relações entre sociedades-mãe e sociedades afiliadas domiciliadas noutro Estado-
membro ("Parent Subsidiary") , bem como a Convenção Multilateral de Arbitragem,
as quais se sobrepõem, respectivamente, aos regimes convencionais bilaterais refe-
rentes a dividendos e ao procedimento amigável.
Por outro lado, nas relações entre cada Estado-membro da Comunidade e ter-
ceiros Estados, a negociação de tratados bilaterais contra a dupla tributação tende a
ser objeto de estreita coordenação pela Comissão, como forma de definir previamen-
te uma política comum nessa matéria, que evite distorções e discriminações 54.
§ 4° MERCOSUL
58 Cfr. FAUSTO DE QUADROS, Direito das Comunidades Europeias e Direito Internacional Público,
Lisboa 1984, 158 ss.
59 Anglicismo deplorável, mas de uso generalizado. "Organizações interestatais" é melhor
português.
60 Sobre a distinção entre organizações intergovernamentais e supranacionais, cfr. A"lDRÉ GON-
ÇALVES PEREIRA/FAUSTO DE QUADRos,Manual de Direito Internacional Público (3 a ed.), Coim-
bra 1993,421.
-----
~
..•.'..• '.' -- Título 111 I Capo 11 I Outras Fontes Internacionais
do Mercosul, Belo Horizonte 2001; MARcus RECTOR TOLEDO SILVA, Mercosul e personalidade
jurídica internacional, Rio de Janeiro 1999; CARLOS EDUARDO CAPUTO BASTOS, O processo
de integração do Mercosul e a questão da hierarquia constitucional dos tratados, in Estu-
dos da Integraçlfu, vaI. 12, Brasília 1997; MARrA TERESA CÁRCOMO LOBO, Ordenamento ju-
rídico comunitário, Belo Horizonte 1997; fuRODO PABST, Mercosul. Direito da Integraçlfu,
Rio de Janeiro 1997; ARMANDO ALVARES GARCIA JÚNIOR, Conflito entre normas do Mercosul
e Direito Interno: como resolver o problema?: o caso brasileiro, São Paulo 1997; IVES GANDRA DA
SILVA MARTINS (org.), Tributaçlfu no Mercosul (2 a ed.) (Pesquisas Tributárias, Nova Série, 3),
São Paulo 2002; SAULO JOSÉ CASALI BAHIA, A supranacional idade no Mercosul, in CELSO
BASTOS/C. FINKELSTEIN (org.), Mercosul: lições do período da transitoriedade, São Paulo 1998,
195 SS.; ARMANDO GARCIA ALVAREZ, Conflito entre normas do Mercosul e Direito Interno, in
CELSO BASTOS/C. FINKELSTEIN (org.), Mercosul: lições do periodo da transitoriedade, São Paulo
1998, 31 sS.; LUIZ OLAVO BAPTISTA, Inserção das normas do Mercosul no Direito brasileiro,
in LUIZ OLAVO BAPTISTA/I. R. FRANCO DA FONSECA (org.), O Direito Internacional no terceiro
milênio, São Paulo 1998, 390 SS.; OTÁVIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, A incorporação das
normas do Mercosul ao direito brasileiro e a segurança jurídica regional, in C. A. MENEZES
DIREITO / O. A. CANÇADO TRINDADE / A. C. ALVES PEREIRa (Coord.), Novas perspectivas do
direito internacional contemporâneo, Estudos em homenagem ao Professor CELSO DEALBUQUER-
QUE MELLO, Rio de Janeiro 2008, 229.
CAPÍTULO III
FONTES INTERNAS
1 efr. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, Lisboa 1981 (reimpressão), 105 ss.; ID., Os
princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, São Paulo 1977,passim.
I
TITULO IV
OS ELEMENTOS DE CONEXÃO
CAPÍTULO I
Os ELEMENTOS DE CONEXÃO EM GERAL
§ 10 CONCEITO E ESPÉCIES
5 Isto corresponde à distinção formulada por KAHN entre os conflitos patentes ou expressos
das normas de conflitos (ausdrückliche Gesetzkollisionen) e os conflitos dos conceitos de cone-
xão (Kollisionen der Auknüpfongsbegriffe): apud ISABEL DE MAGALHÃES CoLLAÇO, Da qualifica-
çífu, 35, nota.
_P!.i Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
15 Por vezes com a ressalva de bens imóveis situados no estrangeiro (Dinamarca, Bélgica, Lu-
xemburgo). Raros países (Estados Unidos e Turquia) consagram o direito de tributar os seus
nacionais, ainda que domiciliados no exterior.
p I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
A verdade, porém, é que na época atual a generalidade dos Estados adota com-
plexos sistemas em que se incorporam regras inspiradas em ambos os princípios.
Assim, a generalidade dos países consagra o regime de tributar os não residentes em
relação aos bens e direitos localizados no seu território. Mas esses mesmos países
consagram a regra de tributar a totalidade das transmissões efetuadas por transmi-
tentes nele domiciliados, incluindo as de bens localizados no exterior l6 . Outros países
- como a Áustria, a Alemanha e o Japão - dão igualmente relevância ao domicílio
do beneficiário para consagrar o princípio da universalidade, caso em que também
se abrangem bens localizados no exterior transferidos por transmitente também do-
miciliado no exterior.
O modelo de Convenção de dupla tributação relativo às sucessões e doações,
elaborado pela OCDE em 1982, adotou como regra geral o principio do domicílio do
de cujus ou do doado't; ao qual fazem exceção os bens imobiliários e os bens mobiliários
pertencentes a um estabelecimento estável ou a uma instalação fixa, cuja tributação é
da competência exclusiva do Estado do locus rei sitae 17 •
No Brasil- onde o imposto sucessório causa mortis atingia apenas os imóveis,
revestindo assim caráter estritamente real e territorial I8-, a própria Constituição de
1969 se encarregara de dissipar quaisquer dúvidas, determinando que o tributo com-
pete ao Estado onde está situado o imóvel, ainda que a transmissão resulte de suces-
são aberta no estrangeiro (art. 23, § 2°). Esta posição, a um tempo simples e radical,
esteve na origem de o Brasil - ao contrário de tantos outros países - não ter ainda
assinado qualquer convenção internacional tendente à eliminação da dupla tributa-
ção neste domínio.
22 A questão da necessidade de uma lei complementar prévia para dirimir conflitos de com·
petência foi amplamente debatida no Supremo Tribunal Federal em matéria do adicional
estadual do imposto sobre a renda (AIR), tendo o Tribunal afirmado a impossibilidade da
cobrança sem prévia lei complementar, por se tratar de lei materialmente indispensável à
dirimência de conflitos de competência entre os Estados da Federação, não bastando, para
dispensar sua edição, os permissivos inscritos no art. 24, § 3°, da Constituição, e no art. 34,
e seus pará~fos, do ADCT (RE nO 136.215-4jRJ).
23 O parecer do Relator Deputado Luiz Antônio Fleury afirma, em conclusão: "A análise crite-
riosa do Projeto de Lei Complementar nO 23, de 1991, demonstra que a proposição, além de
Título IV I Capo I I Os Elementos de Conexão em Geral .i.
Não obstante, a generalidade das legislações estaduais tem, ainda que inconsti-
tucionalmente, disciplinado a matéria, como sucede, por exemplo, na lei paulista24,
na lei fluminense2 5 e na lei gaúcha 26 •
conter falhas de redação, não observou a boa técnica legislativa e, quanto ao mérito, falhou
ao tentar regular a competência tributária em apreço. A esses vícios, acrescenta-se o vício
supremo da inconstitucionalidade."
tionales en matiere de taxes sur le chijfre d'affaires, CDFI XXVIII, 170; M. GUERRA/G. TOM-
MASIN, Ilimposta sul valore aggiunto nei rapporti economici internazionali, Milão 1974; J. R.
KAUFFMANN, Le régime fiscal de l'importation et de l'exportation de marchandises, CDFI XLVII
(1962),122; MURATORI, Nuovo indirizzo giurisprudenziale in tema d'eguaglianza tributaria
fra prodotti nazionali e prodotti provenienti di paesi aderenti ai GATT, Diritto e Pratica
Tributaria II (1972); M. PROUZET, I;application territoriale du systeme commun del'IVA,
Rcvue du Marché Commun 1971, 294; WERNER SCHUBERT, Internationale Doppelbesteuerung
bei der Umsatzteuer, CDFI XVII, 191; GAETANO STAMMATI, Les doubles impositions interna-
tionales en matiere de taxes sur le chijfre d'affaires, CDFI XXVIII, 222; PlERA FILIPPI, I;imposta
sul valore aggiunto nei rapporti internazionali, in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto
Tributario Internazionale, Pádua 1999, 157; MAURÍCIO A. PLAZAS VEGAS, La territorialidad
dei IVA. Aspectos internacionales, in VICTOR UCKMAR/ALEjANDRO C. ALTAMlRANOjHELENO
TAVEIRA TÔRRES (org.), Impuestos sobre el comercio internacional, Buenos Aires, 2003, 353;
PIERA FILIPPI, La territorialidad en el impuesto al valor agregado, in ibidem, 377; GUILHERMO
O. TEIJEIRO, Estudios sobre la aplicación espacial de la ley tributaria, cit., 113 ss.; FABIO LUIZ
GOMES, Manual sobre o IVA nas comunidades europeias: os impostos sobre o consumo no Mercosul,
Curitiba 2006.
28 Nestes impostos, são totalmente irrelevantes elementos de conexão como o lugar da assi-
namra dos contratos, o lugar onde o pagamento é efemado, a namreza da moeda utilizada
para o pagamento, a nacionalidade ou domicílio das partes. Cfr. GOUTHIioRE, Les impóts,
358; GAETANO AADIZZONE, In tema di principio di paritá di trattamento tributario rispetto a
prodotti provenienti da Stati aderenti al Gatt, Rivista di Diritto Finanziario e Scienza delle Fi-
nanze 1973-4; 1975-lI; SACCHETTO, Non-discrimination rules in international taxation, CDFI
LXXVIII-b (1993),489 (506).
Título IV I Capo I I Os Elementos de Conexão em Geral -p,'
nal. Discriminando-se na tributação indireta interna contra a mercadoria estrangeira
e beneficiando-se a exportação nacional, criam-se fatores que influenciam as trocas
comerciais, diversos dos custos comparados, das vantagens relativas ou das dotações
de fatores produtivos, que estão na base de um puro sistema de livre câmbio.
Por isso - e tal como sucedera com os impostos aduaneiros - os acordos inter-
nacionais relativos à liberalização do comércio têm procurado naturalmente evitar
as distorções que os sistemas tributários internos possam provocar nos circuitos "es-
pontâneos" das mercadorias.
O Acordo Geral sobre as Tarifas e o Comércio (GATT) (Lei nO 313, de 30 de
julho de 1948, e Decreto Legislativo nO 43, de 20 de junho de 1950) proíbe qual-
quer forma de subsídio ou subvenção às exportações que tenham como resultado
situar o preço de venda à exportação do produto, abaixo do preço comparável pedido
aos compradores do mercado interno para produto similar (art. XVI, § 4°); e entre
tais formas foi entendido que se incluía a restituição, no que respeita à exportação,
de somas superiores às efetivamente cobradas num ou em vários estádios, sobre esses
produtos, sob a forma de impostos indiretos ou de imposições na importaçã029 .
A Organização Mundial do Comércio (OMC), que veio substituir o GATI, dis-
tingue três tipos de subvenções: as que são proibidas, que integram a red box, aquelas
que, em princípio, são permitidas, ou seja, as que integram agreen box, e aquelas que
são suscetíveis de contestação, mas que eventualmente poderão ser permitidas e que
integram ayelluw box. As subvenções que são absolutamente proibidas são as subven-
ções às exportações e às medidas que privilegiem os produtos internos em relação
aos produtos provindos de concorrência externa. Ultimamente têm sido proferidas
diversas decisões que interferem com a área fiscal, notadamente decisões relativas a
subvenções às exportações, a direitos de importação, a taxas ou impostos sobre bebi-
das, a impostos sobre a produção de fIlmes estrangeiros num determinado país etc30 •
Importa distinguir os casos em que, em matéria de tributação indireta das tran-
sações internacionais, os Estados praticam o chamado "método do reembolso" da-
queles em que adotam o "sistema da isenção", cumprindo salientar desde já que a
opção por um ou outro destes sistemas depende do tipo de imposto sobre o valor das
transações vigente em cada país.
Com efeito, nos países onde exista um imposto sobre o valor das transações
de tipo polifásico, quer se trate de um imposto cumulativo ou em cascata, quer se
trate de um imposto sobre o valor acrescentado, a mercadoria em causa, antes de ser
29 ANTONIO UCKMAR, Aspetti fiscali nelle regole della organizzazione mondiale dei commercio
(OMC;wTO), in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tributario Internazionale, Pádua
1999,843; WASHINGTON JUAREZ DE BRITO FILHO, O Gatt como norma de Direito Interna-
cional Tributário, in HELENO TAVEIRA TÔRRES (org.), Direito Tributário Internacional Apli-
cado, vaI. Iv, São Paulo 2007, 63l.
30 Sobre as limitações em sede de tributação direta decorrentes da OMC, cfr. RICARDO DA
PALMA BORGES/PEDRO INFANTE MOTA, National Report Portugal, in MICHAEL LANG (org.),
WTO and Direct Taxation, Linde, 2005, 563 a 610.
_1.1._ Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
31 Cfr., sobre este ponto, a 6a Diretiva da CEE sobre o IVA, bem como F. KAISER, La taxe sur
la valeur ajoutée et les prestations de services internationaux, Deventer 1983; H. G. RUPPE, In-
ternationale Probleme, cit.) 79.
32 Sobre esta matéria vide TERESA LEMOS, Linhasgerais do novo sistema comum do IVA, CTF, 382
(1996); ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS/MÁRIO ALBERTO ALEXANDRE, O IVA comunitário na
encruzilhada: Rumo a um novo sistema comum?, CTF, 397 (2000).
Título IV I Capo I I Os Elementos de Conexão em Geral
35 A Lei Complementar nO 87, de 13 de setembro de 1996, veio determinar que a não incidên-
cia do ICMS abrange "produtos primários e produtos industrializados semielaborados ou
serviços". (art. 30, lI).
36 Bem observou FRANCISCO CALDERARO que "o ressarcimento ou manutenção do crédito na ex-
portação nada tem a ver com a 'não cumulatividade', sendo apenas mais uma expressão do
'princípio da tributação apenas no país do destino', ativamente utilizado como suporte de toda
política brasileira de exportação. Com efeito, só cabe falar em direito a crédito para não tornar o
imposto cumulativo, quando a saída do produto seja tributada, o que não ocorre na exportação,
Título IV I Capo I I Os Elementos de Conexão em Geral I mil
a) ISS
onde o problema não é de cwnulação mas sim ressarcimento através da manutenção do crédi-
to". Cfr. ICM - imunidade na exportação de produtos industrializados, RDT 9/10 (1979), 155
(169); cfr., no mesmo sentido, FABIO FANUCCHI, Curso de Direito Tributário Brasileiro (3 a ed. ), ll,
São Paulo 1975, 138 a 167; RUY BARBOSA NOGUEIRA!PAULO ROBERTO NOGUEIRA, Direito Tribu-
tárioAplicado e Comparado, Rio de Janeiro 1977, 260; ALCIDES JORGE O:lSTA,ICM -Estrutura
na Constituiçífu e na lei complementar, São Paulo 1977, 119; A. R. SAMPAIO DÓRIA, Imunidades
tributárias e impostos de incidência plurifásica, não cwnulativa, RDT 5 (1978),67.
39 Cfr. HELENO TAVElRA TàRRES, Prestações de serviços provenientes do exterior ou cuja presta-
ção se tenha iniciado no exterior, in O ISS na Lei Complementar nO 116/2003 e na Constituição,
cit., 280 ss.
Título IV I Capo I I Os Elementos de Conexão em Geral
dos chegam ao país do destino livres de todo imposto. Seria agressivo à regra da livre
concorrência e aos interesses nacionais pôr em posição desfavorável a prestação
de serviços nacionais, que sofrem a incidência do ISS"40.
Comparando o sistema da Lei Complementar nO 116/03 com o da lei anterior
- Decreto-Lei nO 406, de 31 de dezembro de 1968 -, verifica-se que esse último
diploma não continha normas que dispusessem especificamente acerca da tributação
das prestações de serviços internacionais, pelo que seu regime tributário decorria
diretamente das regras gerais de incidência do ISS.
Estas regras - previstas no art. 12 do Decreto-Lei nO 406/68 - estabeleciam nor-
mas de definição da competência tributária, segundo as quais o ISS seria devido ao
município onde se situasse o estabelecimento prestador e, na falta deste, ao do domi-
cilio do prestador de serviços. A única exceção eram os serviços de construção civil,
em relação aos quais o ISS era recolhido ao município onde se efetuasse a obra de
engenharia.
Assim, segundo as normas da lei anterior: (i) o ISS não incidia nas importações
de serviços, uma vez que os estabelecimentos prestadores de serviços estão no exte-
rior; e (ii) o ISS incidia sobre as exportações, pois abrangia os serviços realizados por
prestadores domiciliados no Brasil, ainda que os beneficiários residam no exterior4 1 •
Postas estas considerações preliminares, importa examinar os elementos adota-
dos pela Lei Complementar nO 116/03 para a definição de "exportação", não sujeita
à incidência do imposto.
É da essência do conceito de exportação tratar-se de um negócio jurídico relati-
vo a bens ou serviços celebrado entre pessoas domiciliadas ou residentes em territó-
rios sujeitos a um ordenamento jurídico-fiscal distinto.
Muito embora não tenha definido pela via positiva o conceito de exportação de
serviços, a lei complementar limitou-se nesta matéria a uma proposição negativa, con-
sistente em recusar tal natureza às operações que, tendo sido desenvolvidas no Brasil,
tenham o seu resultado produzido também no território deste país.
Configurará, em princípio, exportação toda e qualquer prestação de serviços de
que o tomador seja residente ou domiciliado no exterior, independente do local de
seu desenvolvimento ou execução.
Assim, tanto configura exportação a hipótese em que o prestador tenha executa-
do integralmente os serviços no Brasil como a hipótese em que esta tenha se limitado
no país a dar início à prestação de serviços, completando-os no exterior, como, ainda,
a de tê-los executado integralmente em território estrangeiro.
40 Cfr. MISABEL ABREU MACHADO DERZI, O aspecto especial do Imposto Municipal sobre Ser-
viços de Qualquer Narureza, 67-68, in O ISS na Lei Complementar nO 116/2003 e na Consti-
tuição, Coleção de Direito Tributário, Série Barão de Ramalho, IASp' voI. 2 (Coord. HELENO
TAVEIRA TÔRRES).
41 Para maiores desenvolvimentos, cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional do Bra-
sil (5 a ed.), Rio de Janeiro 1998, 236-237.
p I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Só não configura exportação, nos termos e para os efeitos do art. 2°, I, da Lei
Complementar nO 116/03, a prestação de serviços pactuada entre um residente e um
não residente, cuJo resultado se verifique no Brasil.
O alcance desta expressão deve ser interpretado no sentido de dar eficácia ao
comando constitucional (art. 156, lI, § 3°) que conferiu à lei complementar a atri-
buição de consagrar, em matéria de tributação pelo ISS da exportação de serviços
(à semelhança do que já sucedia em matéria de IPI e ICMS), o principio do país de
destino, segundo o qual o bem ou serviço devem submeter-se à tributação no local
onde ele é consumido e não no local onde é produzido.
Interpretada à luz deste princípio, a expressão "cujo resultado aqui se verifique"
só pode ser entendida como se referindo ao local onde se verifica o respectivo consumo ou uti-
lização do bem imaterial em que o serviço se traduz 42 •
E tal local é precisamente o local onde é satisfeita a necessidade que levou o toma-
dor do serviço a proceder à respectiva contratação.
Interpretação distinta, no sentido de considerar que resultado do serviço respeita
à "conclusão" de sua execuçã04 3, conduziria ao absurdo de só poder haver exportação
de serviços se houvesse a concomitante "exportação do exportador".
Com efeito, segundo tal interpretação, apenas serviços "concluídos" no exterior
- o que envolveria, necessariamente, a deslocação do prestador dos serviços para o
exterior - dariam lugar à aplicação da regra de não incidência de que trata o art. 2°,
I, da Lei Complementar nO 116/03.
42 Neste exato sentido, veja-se JOÃo LUIZ COELHO DA ROCHA: ''Nesse critério da LC 116,
a utilidade do serviço deve ser desfrutada no exterior do Brasil, para que sua receita seja
dispensada do ISSQN, não bastando para qualificar a exportação isenta o fato de ser pago
com valores remetidos para o Brasil." Cfr. O novo trato legal do imposto sobre serviços e
os problemas que permanecem, in Revista Dialética de Direito Tributário 99, 81. Parece-nos
chegarem à conclusão análoga, embora em termos não inteiramente coincidentes, e utili-
zando uma terminologia diferente, relacionada à produção de "efeitos", GABRIEL LACERDA
TROIANELLI e JULIANA GUEIROS, quando afirmam que, "para que haja efetiva exportação do
serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter consequências ou produzir efeitos.
A contrário senso, os efeitos decorrentes dos serviços exportados devem ser produzir em
qualquer outro país que não o Brasil". Cfr. O ISS e a exportação e importação de serviços,
in ISS - Lei Complementar 116/2003, MARCELO MAGALHÃES PEIXOTO c IVEs Gfu'lDRA DA SILVA
MARTINS (org.), Curitiba 2004,201; SERGIO ANDRÉ ROCHA, O resultado do serviço como
elemento da regra de incidência do PIS/Cofins-importação e da regra exonerativa do ISS
sobre exportações, RDDT 155 (2008), 110; GERMAN SAN MARTÍN FERNÃNDEZ, O ISSQN
(Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) incidente sobre importação de serviços e
o alcance da expressão "cujo resultado se verifique no país" e a isenção (heterônoma) na
exportação prevista na LC nO 116/2003, RDTI 6 (2007), 37. Cfr. Luís EDUARDO SCHOUERI,
ISS sobre a Importação de Serviços do Exterior, RDDT nO 100, São Paulo 2004, 47; ROQUE
ANTONIO CARRAZA, ISS - Serviços de Reparação de Turbinas de Aeronaves para Destinatá-
rios no Exterior, Não Incidência - Exegese do art. 2°, I e seu parágrafo único da Lei Com-
plementar nO 116/03, RDT nO 93, 2005, 24 ss.
43 Este foi o entendimento do STJ no REsp. nO 831.124.
Título IV I Capo I I Os Elementos de Conexão em Geral I mf)
44 A essa consequência parecem chegar MARrA DE FÁTIMA RIBEIRO e AFONSO HENRIQUE PREWTO
CASTELANO, Tendências internacionais sobre a prestação de serviços e as inovações da Lei
Complementar 116/03, in MAGALHÃES PEIXOTO, MARCELO/MARTINS, IVES GANDRA, ISS-Lei
Complementar 116/2003, Curitiba 2004, 480, nota 3.
45 Cfr. HELENO TÔRRES, Prestações de serviços provenientes do exterior ou cuja prestação se tenha
iniciado no exterior, in O ISS na Lei Complementar nO 116/2003 e na Constituição... , 280 ss.
•.m:M Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Federal, art. 155, II). Assim, o imposto incide sobre serviços prestados no exterior
ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior (Lei Complementar nO 87/96, art. 2°,
§ 1°, II), cabendo este ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário
do serviço (art. 155, IX, "a"). Por sua vez, excluem-se os serviços da incidência do
imposto nas exportações para o exterior (art. 155, XII, § 2°, "e", e art. 3°, II, in fine,
da Lei Complementar nO 87/96), bem como preveem-se casos de manutenção de
crédito (art. 155, XII, § 2°, "f", e art. 20, § 3°, da Lei Complementar nO 87/96). Em
suma: cobra-se imposto na importação dos serviços e exonera-se sua exportação, de
acordo com o princípio do destino.
CAPÍTULO II
Os ELEMENTOS DE CONEXÃO SUBJETIVOS
SEÇÃO I
NACIONALIDADE
1 Cfr. P. MICHAUD, Regime fiscal des étrangers en France et des français à l'étranger, Paris 1973; S.
DAIRAINEs, Les étrangers et les sociétés étrangêres en France, Paris 1957; MICHEL, Les étrangers
en France et l'impôt, Paris 1927; ALLIX, La condition des étrangers au point de vue fiscal, Recueil
des Cours In (1937), 545 (560); V. UCKMAR, La tassazione degli stranieri in Italia, Pádua
1955, 59; GRIZIOTTI, Ilimposition fiscale des étrangers, Recueil des Cours IV (1926), 5 (26
ss. ); REHDANS-SELLE, Die Besteuerung der Ausliinder im deutschen Reich, Berlim 1927; A.
HEINING, Besteuerung der Ausliinder, Colônia s.d.; ALBRECHT, The Taxation of Aliens - under
International Law, in British Tear Book ofInternational Law, 1952, 145 (148); COLARUSSO, Le
doppie imposizioni nei rapporti internazionali, Pádua 1930, 14.
2 Para BALDO, sendo o tributo uma expressão da soberania e respeitando esta exclusivamente
aos súditos, afastava-se liminarmente a tributação dos estrangeiros, ainda que residentes no
território estadual: "et ideo si forensis possiderit in territorio unius civitatis, sibi non posset imponi
collectas quia pro rebus persona non est subieta".
3 Cfr. VANONI, Operi Giuridiche, I, Milão 1961, 73 ss. A verdade, porém, é que foi nesta con-
cepção que se baseou a lei do imposto de renda (EinkommensteuellJesetz) prussiana de 1891,
ao declarar, logo no seu art. 1°, que contribuintes pelo imposto sobre a renda são os súditos
prussianos, e quanto aos quais a obrigação fiscal no país de origem subsistia inclusivamente
nos dois anos seguintes ao abandono de domicílio.
iIID I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier ....~
residentes no estrangeiro, não poderia deixar de estar presente no espírito dos autores.
Com efeito, ou se resignavam a admitir que a tributação dos estrangeiros constituía
uma derrogação ao princípio da nacionalidade (derrogação de amplitude suficiente
para fazer duvidar da validade do princípio), ou procuravam justificar aquela tributa-
ção noutro princípio - o "do ut des"4, a vinculação econômica, a participação na vida
estadual, a supremacia de fato - e com isto se quebrava a unidade do princípio.
Em face das concepções hoje dominantes (com a ressalva dos Estados Unidos
e das Filipinas, em matéria de impostos sobre o rendimento e dos Estados Unidos e
da Turquia, em matéria de impostos sobre as sucessões e doações), a nacionalidade
é irrelevante para efeitos de delimitação do poder tributário dos Estados, vigorando
antes conexões subjetivas ou objetivas, relacionadas com a soberania territorial do
Estado. O princípio da igualdade entre cidadãos e estrangeiros quanto aos fatos veri-
ficados no território de um dado Estado decorre, na verdade, dos princípios da igual-
dade e da capacidade contributiva, que apenas consideram como fundamento legítimo
de um desigual tratamento tributário a desigualdade de capacidade econômica, com
total abstração de outros critérios pessoais, considerados arbitrários. Devem, pois,
à luz destes princípios, consagrados pelas Constituições na generalidade dos países,
considerar-se inconstitucionais quaisquer leis que prevejam um tratamento fiscal dis-
criminatório atendendo à nacionalidade dos contribuintess.
A história e o direito comparado revelam, porém, diversos casos de discriminação
contra estrangeiros: assim, as leis de certos Estados americanos (Yowa, Washington) e
da Bulgária apenas tributavam a sucessão de estrangeiros. Também na França e na Bél-
gica se submeteram a tributos agravados os nacionais de Estados de moeda revalorizada
e que podiam adquirir mercadorias em condições mais vantajosas: o caso aqui é, porém,
mais complexo, posto a discriminação se não fundar em razões puramente pessoais.
4 Era assim que MANCINI harmonizava esta derrogação com o princípio da nacionalidade, na
construção que expôs na Câmara dos Deputados, ao discutir a lei que instimía o imposto
sobre a riqueza mobiliária: para os nacionais, a obrigação de imposto é uma obrigação nam-
ral, para os estrangeiros, simplesmente acidental, enquanto contrapartida de serviços que o
Estado não é obrigado a prestar sem compensação. Cfr. V ANONI, op. cit., 76. Cfr. também M.
PIRES, Da dupla tributação jurídica internacional sobre o rendimento, Lisboa 1984, 255.
5 Cfr., à luz da Constimição de 1946, A. R. SAMPAIO DÓRIA, Princípios constitucionais tributários
e a cláusula "due process oflaw JJ , São Paulo 1964, 217 ss., onde se ressalva a simação dos es-
trangeiros não residentes.
Título IV I Capo 11 I Os Elementos de Conexão Subjetivos IO
acordo com a legislação em vigor num Estado contratante (art. 24, nO 2, do Modelo
OCDE, na versão de 1963, e 1977 e art. 3°, nO 1, alínea "b", na versão de 1992; art.
10, nO 2, do Modelo OCDE-ISD).
A determinação da nacionalidade das pessoas físicas deve fazer-se à luz da lei do
Estado cuja nacionalidade se invoca.
Quanto às pessoas jurídicas, importa sublinhar que a sua nacionalidade resulta
da lei da respectiva constituição, não sendo por isso relevantes os outros critérios fre-
quentemente adotados pelas legislações internas, como o da sede social, da direção
efetiva, da origem dos capitais ou da nacionalidade das pessoas que detêm o controle
da sociedade6 •
Significa isto que, em matéria de nacionalidade das pessoas jurídicas, as Con-
venções optaram pela teoria da incorporação, predominante nos países de common law.
De harmonia com esta orientação, a nacionalidade da pessoa jurídica é dada pela law
ofincorporation; e esta não é necessariamente a lei do lugar onde se procedeu à consti-
tuição da sociedade, mas sim a lei de acordo com a qual (underwhich) a constituição
se efetuou. E isto por influência da full faith and credit clause que, nos direitos anglo-
saxônicos, impõe reconhecer a manifestação do poder publicístico de outros Estados,
entre os quais se inclui - ainda de harmonia com os mencionados direitos - o poder
de criação de entes jurídicos.
Importa, pois, ter presente que, em face das Convenções - e ao invés do que no
direito interno sucede -, são realidades juridicamente distintas sociedades estrangeiras e
sociedades residentes no exterior: as primeiras são as constituídas de acordo com as leis em
vigor num país estrangeiro, seja qual for o seu domicílio; as segundas são as domici-
liadas no exterior, independentemente da respectiva "lei de incorporação". Assim, por
exemplo, uma sociedade incorporada segundo as leis holandesas, com sede estatutária
na França e com direção efetiva no Reino Unido, será considerada, para efeitos da Con-
venção, como de nacionalidade holandesa; mas a conexão holandesa já não poderia ser
invocada para os efeitos de determinar a aplicação subjetiva de um tratado em função
da residência ou domiCi1io, caso em que prevaleceria a conexão francesa ou inglesa 7•
Do conceito de sociedade estrangeira deve distinguir-se o de sociedade off-shore,
que designa as sociedades que, tendo embora a sua sede num país, exercem a sua
atividade própria exclusivamente no estrangeiro, como sucede com as foreign business
corporations do Canadá, as sociétés de domicile suíças, as overseas trade corporations in-
glesas e as foreing personal holding corporations dos Estados Unidos 8 • Com o conceito
de sociedade estrangeira, tal como deftnido nas convenções entre a dupla tributação,
não deve, também, confundir-se o conceito de sociedade de capital estrangeiro, que
designa as sociedades cujo capital social é detido majoritariamente por residentes no
exterior, nem o conceito de sociedade estrangeira de capital nacional, que se refere a
subsidiárias de sociedades brasileiras9 •
A) Elemento objetivo
o princípio da não discriminação ou da igualdade de tratamento tem a sua
fonte no art. 24 do Modelo OCDE, o qual foi reproduzido em todas as Convenções
assinadas pelo Brasil lO •
JAMES G. O'BRIEN, The Non-discriminationArticle in Tax Treaties, Law and Policy in Internatio-
nal Business 1978, 545; ADONINO, Non-discrimination Bules in Intemational Taxation (relatório
geral), CDFI LXXVIII-b (1993), 19; CLAUDIO SACCHETTO, Non-discrimination Bules in Inter-
national Taxation, CDFI LXXVIII-b (1993),489; FABRlZIO AMATUCCI, La discriminazione di
tratramento nel modello OCSE (art. 24), in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tributario
Intemazionale, Pádua 1999,403; KLUGE, Das deutsche Intemationale Steuerrecht (3 a ed.), Mu-
nique 1992, 284; SCHAUMBURG, Intemationales Steuerrecht, Colônia 1993, 36 ss.; JESÚS SANTA-
BÁRBARA RUPÉREZ, La no discriminacion fiscal, Madrid 2001; ALESSANDRA OKUMA, Princípio da
não discriminação e a tributação das rendas de não residentes no Brasil, in HELENO TÓRREs
(org.), Direito Tributário IntemacionalAplicado, São Paulo 2003, 255.
11 Veja-se, por exemplo, a bem fundada decisão do New Zealand Court oiAppeal, no caso CIK
vs. UnitedDominions Trust, interpretando a expressão "in the same circunstances", apud BAKER,
Double Taxation Agreements and Intemational Tax Law, Londres 1994, 388.
12 Cfr. A. R. SAMPAIO DÓRIA, Princípios constitucionais tributários e a cláusula «due process oi
law", 133.
13 Cfr. OCDE, Comentários, art. 24, parágrafos 3, 9,17 e os exemplos constantes dos parágra-
fos 20 e ss (2008). Todavia, os Estados Unidos reservam-se o direito de tratar diferenciada-
mente os cidadãos não residentes dos demais não residentes, já que tributam os primeiros
segundo o princípio da universalidade (cfr. op. cit., parágrafo 62). Veja-se, quanto a este
ponto, a posição reticente do Brasil: OCDE, NMC Positions, 1 e 3.
I ÃD9 I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
incidente sobre sucursais de empresas não residentes, mas não sobre sucursais de empre-
sas alemãs l4 . Mas já violou o referido princípio a lei francesa que isentava de imposto o
ganho de capital na alienação de imóvel residencial por cidadãos franceses, residentes ou
não residentes, não reconhecendo, porém, a isenção para estrangeiros não residentes 15 .
Também entendemos que não violava o princípio da não discriminação l6 a apli-
cação de alíquota de 15%, anteriormente vigente, a dividendos pagos a não residen-
tes, nacionais de Estados que celebraram convenções contra a dupla tributação com
o Brasil, pois, apesar de este imposto não atingir os residentes no Brasil, a discrimi-
nação não se baseia na nacionalidade do contribuinte, mas apenas na sua residência.
Ora, a verdade é que um residente e um não residente - seja qual for a sua naciona-
lidade - não se encontram na "mesma situação"l?
A razão de ser da formulação do princípio por uma via negativa (não discrimi-
nação), em vez de por uma via positiva (igualdade de tratamento), reside apenas em
não fechar as portas a que um determinado Estado, por razões de diversa índole, polí-
ticas, econômicas ou sociais, designadamente de atração de investimento estrangeiro,
outorgue um tratamento mais favorável a pessoas de nacionalidade estrangeira l8 .
B) Elemento subjetivo
No que concerne ao elemento subjetivo, importa salientar que o mencionado
princípio tanto se aplica a pessoas ftsicas como a pessoas jurídicas l9 • Quanto a estas
últimas, o art. 24 tanto se aplica às pessoas jurídicas constituídas em conformidade
20 Note-se que, também diferentemente do que sucede com as demais disposições dos tratados,
o princípio da não discriminação abrange tributos de qualquer espécie e natureza e não apenas
os abrangidos pelo tratado (Modelo, art. 24, § 6°): cfr. VOGEL, Double Taxation, 1.335 SS.;
GOIJTl-IlÍRE, Les impóts, 747 e 751.
21 efr. SCHAUMBURG, Internationales Steuerrecht, 39.
I Q I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
da nação mais favorecida, RDT 86 (2003), 7 SS.; AUGUSTO FANTOZZI, li principio comuni-
tario di nondicriminazione nell'imposizione sul reddito, RDT 86 (2003), 27 sS.
SEÇÃO II
RESIDÊNCIA E DOMICÍLIO
28 Cfr. J. D. KUNTzjR. J. PERONI, U.S. International Taxation, vol. I, BostonjNova York 1992,
AI-21 e BI-02; RALPH WINGER, US Income Taxation ofNon-resident Alien Individuais: A
Search for Principies, in Essays on International Taxation, 15, DeventerjBoston 1993,423;
RICHARD L. WINSTON, Doing business in the United States, Miami 2009,151 ss. A tributação
em função da nacionalidade é também adotada pelas Filipinas.
29 Cfr. art. 7° da Lei de Introdução ao Código Civil e art. 70 do Código Civil de 2002, segundo o
qual "o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo de-
fmitivo". Cfr. IRINEU STRENGER, Teoria Geral do Direito Internacional Privado, São Paulo 1973,
276 ss.; ALIOMAR BALEEIRo,Direito Tributário Brasileiro (6 a ed.), Rio de Janeiro 1976, 42l.
30 Cfr. GAZZERRO, Il domicilio e le notificazioni fiscali, Milão 1971.
Título IV I Capo 11 I Os Elementos de Conexão Subjetivos te,
Certos ordenamentos tributários distinguem os conceitos de domicílio e de re-
sidência, imprimindo-lhes regimes jurídicos distintos. Muito embora um exame do
direito comparado revele existirem tantas definições quantas as legislações em pre-
sença, a todas elas é comum a ideia de que o domicílio é um elemento de conexão
mais forte que a residência, dando origem a obrigações tributárias mais extensas,
distinguindo-se desta por exigir uma presença duradoura num dado território, acom-
panhada da efetiva intenção de aí permanecer (animus manendi) 31.
Assim, por exemplo, o direito inglês - que atribui um relevo todo especial à
noção de domicile of origin, dificultando o acesso ao domicile of choice - distingue os
seus residentes domiciliados e os seus residentes não domiciliados, aplicando aos
primeiros o princípio do world-wide-income, e tributando os segundos apenas pelos
rendimentos externos remetidos para o seu território (remittance basis) 32.
O conceito de domicílio no direito inglês constrói-se a partir das noções de domi-
cile oforigin e de domicile ofchoice: a primeira respeita a todos os nacionais britânicos,
nascidos no Reino Unido; a segunda, ao país com o qual a pessoa estabeleceu os laços
mais estreitos, tornando-o sua "pátria de adoção". Quem tem domicile oforigin no Rei-
no Unido conserva-o mesmo se desloca a sua residência para o exterior, enquanto não
cortar seus laços com o Reino Unido e estabelecer ligação mais estreita com outro país.
Mas, inversamente, um estrangeiro, mesmo residente no Reino Unido, não adquire aí
o seu domicílio, enquanto mantém ligações pessoais com o seu país de origem.
Também o direito francês distingue a simples residência habitual do domicílio,
que se adquire tendo na França, alternativamente, o foyer ou lugar de permanência ha-
bitual, o local de exercício de atividade profissional não acessória, ou o centro dos inte-
resses econômicos. Também aqui o alcance da distinção está em restringir aos residen-
tes domiciliados o âmbito de aplicação do princípio da universalidade, sujeitando os
residentes não domiciliados à tributação apenas dos rendimentos de fonte francesa 33 .
31 BULHÓES PEDREIRA, Imposto de Renda, 1969 (l.03 e l.U), distingue vários graus da pre-
sença física de uma pessoa num território: a pousada, lugar onde se encontra em trânsito, a
morada, onde habita com maior estabilidade, a residência, caracterizada pela permanência e
o domicílio, que resulta do caráter deftnitivo da residência. O autor reconhece, porém, que,
para efeitos ftscais, foi adotada a residência como critério relevante. Sobre o conceito de
domicílio ftscal no direito comparado, ver PIERRE FONTANEAu/et aI., La notion de résident,
Fiscalité Européenne na esp. 1977, 3, e Diritto e Pratica Tributaria 3 (1978), 878; GruSEPPE
MAruNO, La residenza, in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tributaria Internazionale,
Pádua 1999, 207 sS.
32 Finance Act 1974. Ver European Taxation, vol. 14, na 10, 1974, e a decisão da Court ofAp-
peals, Civil Division, Buswell vs. Inland Revenue Commissioners (1974), STC 266, a respeito do
conceito de "domicile of choice". Ver ainda European Taxation, vol. 14, na 12, 1974, e o caso
da Duquesa de Portland [CIR Duchess ofPortland, 54; Tax cases, 648, (650), 1981]; N. D.
BOOTH, Residence, Domicile and UKTaxation, Londres 1987.
33 Cfr. GOUTHrilRE, Les impôts, 377, referindo-se à reforma introduzida pela lei de 29 de dezem-
bro de 1976 (art. 4° B do CGI); BERNARD PLAGNET, Droit Fiscal International, Paris 1986,
87; GUY GESTjGILBERT TIX1ER, Droit Fiscallnternational (2 a cd.), Paris 1990, 179 sS.
tl4D I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier -=::
Outro grupo de sistemas jurídicos não separa as noções de domicílio e residên-
cia, usando-as em sinonímia e empregando mais frequentemente o último termo.
Mas ainda dentro dele ocorre separar as legislações que acolhem uma concepção
subjetivista das que optaram por uma concepção objetivista da residência.
As noções subjetivistas de residência não se limitam a exigir a permanência
física num dado local (corpus); vão mais além, reclamando a intenção de o sujeito se
tornar residente de um certo país (animus). A aquisição da residência resulta, pois,
da conjugação do corpus e do animus, da union ofact and intent34 • Esta conjugação é
objeto de uma apreciação (teste de residência) por parte das autoridades fiscais, que
se socorrem de diversos critérios e presunções, cumulativas ou alternativas, que
as habilitem a decidir. Assim, por exemplo, a distinção entre um residente e uma
pessoa em trânsito (transient) depende da conexão entre o seu comportamento e as
suas intenções, reveladas em atos tais como estabelecer um negócio, deslocar bens
pessoais e família, participar na vida social e religiosa local ou matricular os filhos
nas escolas locais 35 .
Ao invés, as noções objetivistas contentam-se com a presença física de uma
dada pessoa num certo território, fixando a duração necessária para que a estadia se
converta em residência.
Certos ordenamentos jurídicos (mas não o brasileiro) consagram ainda concei-
tos especiais de residência, como o de residência de dependência - pelo qual os mem-
bros de um agregado familiar se reputam, por ficção, terem a sua residência no país
em que reside qualquer das pessoas a quem cabe a sua direção, independentemente
da sua residência efetiva; e o de residência alat;gada, mais frequente nos impostos
sobre sucessões ou doações, pelo qual, também por ficção, uma pessoa pode ser con-
siderada domiciliada no país em que residiu durante certo número de anos anteriores
à sua morte, caso seja nacional desse país 36 •
Note-se que o conceito de domicílio 37 , em matéria de impostos sobre suces-
sões e doações, reveste-se de algumas peculiariedades decorrentes sobretudo de tal
conexão se reportar, não a um período de tempo, como no imposto de renda, mas
a um momento preciso - a data da morte do de cujus ou do doador ou a data da
doação.
A) Pessoas físicas
a) Aquisição da residência
A distinção entre pessoas residentes e não residentes no território nacional é de
importância decisiva para defInir a extensão das respectivas obrigações tributárias. Com
efeito, enquanto os não residentes, sejam pessoas físicas ou jurídicas, estão apenas sujeitos
a imposto quanto aos rendimentos provenientes de fontes simadas no Brasil, estando
assim sujeitos ao regime da "tributabilidade limitada" (beschrankte Steuerpflicht), os re-
sidentes são tributáveis em função do seu rendimento mundial, quer se trate de pessoas
físicas ou jurídicas - regime da "tributabilidade ilimitada" (unbeschrankte Steuerpflicht).
A lei brasileira não contém uma defInição expressa do conceito de residência, no
que concerne às pessoas físicas, resultando este conceito da interpretação conjugada
dos arts. 16 e seguintes do RIR com o art. 682 do mesmo diploma38 . De harmonia
com os referidos preceitos, o direito brasileiro acolheu uma noção de residência que
se sima a meio caminho entre a noção meramente objetiva, que se contenta com o
simples corpus, e a noção subjetiva, que exige a presença cumulativa dos dois requi-
sitos, o corpus e o animus.
O estamto de residente adquire-se, alternativamente, pela permanência dura-
doura no território nacional com visto temporário, sejam quais forem as intenções
do sujeito (elemento material), ou pela intenção de residência no Brasil, expressa pela
posse do visto permanente (elemento formal).
De harmonia com o art. 12 da Lei nO 9.718, de 27 de novembro de 1998 (art.
18 do RIR), as pessoas físicas que transferem residência para o território nacional
com visto permanente adquirem o estamto de residente a partir da data da chegada,
que a Instrução Normativa SRF nO 208, de 27 de setembro de 2002, identifIca com
a consignada no passaporte pela autoridade local competente (art. 19).
Também se considera residente no Brasil a pessoa física proveniente do exterior
que ingressar no país, com visto temporário para permanência duradoura ou estável,
38 Note-se que nos referimos exclusivamente à noção de residência para efeitos fiscais que, em
si mesma, é independente da noção de residência para fins administrativos genéricos e cuja
aquisição, conservação e perda obedece a regulamentação autônoma, constante da legislação
de estrangeiros. Assim, uma pessoa pode ser considerada fiscalmente residente no exterior,
em virtude dos critérios da Convenção contra a dupla tributação, sem que isso importe a
extinção do status de residente no Brasil, notadamente do visto de residência permanente,
podendo por exemplo exercer as funções (como as de administrador de sociedade comercial)
que exijam tal requisiro. Cfr. ALBERTO XAVIER, Tributação da remuneração de administra-
dores com dupla residência, in ID., Direito Tributário e Empresarial- Pareceres, Rio de Janeiro
1982, 173. Cfr. por último MARY ELBE QUEIROZ, Imposto sobre a renda e proventos de qualquer
natureza, Barueri 2003; Sobre a noção de residência para efeitos de controle de câmbios, ver
CLAUDIO BISCARETTI Dl RUFFlA, Alcune osservazioni in tema di "residenza" ai frni valutari,
Diritto e Pratica Tributaria 1981-II, 1007.
I 6 I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
(i) para trabalhar, com vínculo empregatício ou (ii) por qualquer outro motivo aqui
permanecer por período superior a cento e oitenta e três dias, consecutivos ou não,
contado, dentro de um intervalo de doze meses, da data de qualquer chegada.
Caso, porém, antes do decurso dos 183 dias, a pessoa física portadora de visto
temporário passe a trabalhar com vínculo empregatício ou obtenha visto permanen-
te, adquirirá, nas respectivas datas, o status de residente fiscal (IN nO 208/02, art. 2°,
lII, "b", 3).
No que concerne ao cômputo do prazo de 183 dias deve observar-se que se
"( ... ) dentro de um período de doze meses, a pessoa física não completar 184 dias
consecutivos ou não, de permanência ao Brasil, novo período de até doze meses será
contado da data do ingresso seguinte àquele em que se iniciou a contagem anterior"
(IN nO 208/02, art. 2°, parágrafo único).
Ao declarar a irrelevância das "saídas temporárias" para efeitos de interrupção
do prazo de 183 dias, a Lei nO 9.718/98 modificou não só o prazo da legislação
anterior - doze meses - mas também a orientação anterior da Administração fiscal,
consignada no Parecer Normativo CST nO 182/71, segundo o qual "o cidadão por-
tador de visto temporário que entra e sai e torna a entrar no território nacional com
novo visto, desde que qualquer um dos estágios isoladamente não alcance o período
de doze meses, deverá ser considerado como não residente no Brasil (... )"39.
As pessoas que adquirem residência no Brasil, por qualquer das modalidades
acima referidas, passam a ser imediatamente tributadas no Brasil em relação aos fatos
geradores ocorridos a partir da data da aquisição da residência, devendo comunicar
essa nova condição a suas fontes pagadoras.
Todavia, para os que adquiriram (ou readquiriram) o status de residente no
Brasil a lei contempla (generosamente) a isenção de imposto de renda sobre o ganho
de capital auferido na alienação, liquidação ou resgate de bens localizados no exte-
rior ou representativos de direitos no exterior, bem assim de aplicações financeiras,
adquiridos a qualquer título, na condição de não residente (art. 24, § 6°, da Medida
Provisória nO 2.158-35, de 24 de agosto de 2001).
b) Perda da residência
39 Era esta também a posição da Câmara Superior dos Recursos Fiscais: "É claro que os doze
meses eleitos pela lei brasileira para caracterizar ou descaracterizar o estatuto de residente
no Brasil hão·de ser ininterruptos. Se interrompidos por viagem, recomeça-se a contagem
a partir da data da retirada ou do reingresso no País". Acórdão CSRF/01.0.153, de 23 de
abril de 1991. Cfr. Câmara Superior de Recursos Fiscais. Imposto de Renda. Jurisprudência,
1.2-10, Resenha Tributária 1982, 2618.
Título IV I Capo 11 I Os Elementos de Conexão Subjetivos
40 Sobre a natureza desta declaração e da certidão de quitação de tributos federais, cfr. HELENa
TÔRRES, A pluritributaçéúJ internacional..., 136 sS.
41 Regime introduzido pela Medida Provisória nO 472, de 15 de dezembro de 2009.
42 efr. infra.
_}$_ Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
43 Cfr. infra.
44 Cfr. MARY ELBE QUEIROZ, Imposto sobre a venda, cit., 212 55.
Título IV I Capo 11 I Os Elementos de Conexão Subjetivos
gozem de isenção quanto aos rendimentos do trabalho, são considerados como resi-
dentes no exterior quanto a outros rendimentos produzidos no país (art. 22 do RIR;
Instrução Normativa nO 208/02, art. 23)45.
B) Pessoas Jurídicas
O art. 124, inciso I, do RIR, dispõe que consideram-se pessoas jurídicas para
efeitos de tributação pelo imposto de renda, além de outras entidades, "as pessoas
jurídicas de direito privado domiciliadas no país, sejam quais forem seus fms, nacio-
nalidade ou participantes no capital".
Ao contrário do que sucede com as pessoas físicas, a lei fiscal não definiu expres-
samente o conceito de domicílio das pessoas jurídicas relevante para efeitos tributários,
pelo que este coincide com o conceito de direito privado que o identifica com o lugar
onde funcionam a diretoria e administração, ou onde elegem domicílio especial no seu
estamto ou ato constimtivo (statutory seat) - art. 75, Iv, do Código Civil de 200246 .
O conceito de sociedade domiciliada no Brasil não deve confundir-se com o
de sociedade brasileira, pois a nacionalidade brasileira das sociedades depende da
obediência ao duplo requisito de se terem organizado na conformidade da lei brasi-
leira e terem sua sede no país (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 11, Decreto
nO 2.627, de 26 de oumbro de 1940, art. 60 do Código Civil de 2002, art. 1.126).
Assim, uma sociedade domiciliada no Brasil, por aqui ter a sua sede, pode ser consi-
derada estrangeira se constituída à sombra de lei estrangeira47 •
48 Regime idêntico é adotado pelo Modelo OCDE-ISD que também exclui a possibilidade de
alguém ser considerado residente num Estado pelo fato de a sucessão ou doação estar sujeita
a imposto, nesse Estado, apenas relativamente aos bens aí situados. Cfr. GOUTHIÊRE, Les im-
pôts, 458. Ver ainda OCDE, Comentários, art. 4°, § l°, parágrafo 8 (introduzido em 1992).
49 A análise da residência deve ser feita pessoa por pessoa, ainda que casadas, pelo que é frequente
a existência de "casais mistos", sendo um dos membros considerado residente num país e o
outro, noutro. Cfr. GOUTHIERE, Les impôts, 382. As Convenções sobrepõem-se portanto aos
regimes internos que eventualmente consagrem, por ficção, a residência por dependência de
uma pessoa no país de residência de qualquer dos outros membros do agregado familiar.
50 Cfr. JOHN AVERY JONEs/et al.) La double résidence des persOlmes physiques. ~interprétation
de cetre notion dans la Convention Modele de l'OCDE, Fiscalité Européenne 1981-4, 3, e
1982-1,3.
51 Cfr. GOUTHIÊRE, Les impôts, 389.
Título IV I Capo 11 I Os Elementos de Conexão Subjetivos -ii-
de imposto no Estado de residência "preterida", ficando sujeita ao sistema de tribu-
tação, por retenção na fonte, incidente sobre não residentes.
O segundo corolário consiste em que a determinação da residência prevalente esgo-
ta os seus efeitos em matéria tributária, de tal modo que o país de "residência preterida"
deve considerar a pessoa em causa residente para a generalidade dos demais efeitos, sem-
pre que a residência seja considerada requisito de goro de direitos civis ou políticos52 .
Tenha-se, enfim, presente que a determinação da única residência fiscalmente
relevante reveste a natureza de uma questtúJ prévia na sistemática da aplicação dos
tratados de dupla tributação. Com efeito, sendo o âmbito de aplicação pessoal destes
definido em função do estatuto de residente de um dos Estados contratantes, torna-
se necessário, em caso de dúvida ou conflito, decidir preliminarmente a qual dos
Estados em presença uma cena pessoa está ligada pelo vínculo de residência.
Precisamente porque a competência para a definição da residência pertence aos di-
versos direitos internos, as convenções contra a dupla tributação organizaram um siste-
ma de conexões subsidiárias para escolher a única residência fiscalmente relevante no caso
de a mesma pessoa ser considerada residente por ambos os Estados contratantes53 .
Assim, quando uma pessoa física for considerada residente em ambos os Estados
contratantes, será tida por residente naquele em que possua "habitação permanente".
Se possuir habitação permanente em ambos os Estados, será considerada residen-
te naquele em que mantiver "mais estreitas relações pessoais e econômicas (centro
de interesses vitais)". Se não puder ser determinado este último Estado ou se não
possuir habitação permanente em nenhum deles, será considerada residente naquele
onde tenha "permanência habitual". Se permanecer habitualmente em ambos ou não
permanecer habitualmente em nenhum deles, a residência corresponde ao Estado da
sua "nacionalidade". Enfim, se essa mesma pessoa for nacional de ambos os Estados,
ou se não for nacional de nenhum deles, caberá às autoridades competentes solucio-
nar a questão por comum acordo.
Os conceitos de "habitação permanente", de "centro de interesses vitais" e de
"permanência habitual", pela imprecisão dos seus contornos, não se prestam a uma
definição, pelo que a sua aplicação a um caso concreto depende das circunstâncias
específicas que lhes sejam peculiares 54.
52 Cfr. ALBERTO XAVIER, Tributação da remuneração de administradores com dupla residência, cit.,
173 (181 ss.).
53 Note-se que a Convenção Brasil-Japão não contém um regime de conexões subsidiárias,
estipulando que, no caso de dupla residência, a questão será resolvida por comum acordo. O
Modelo OCDE-ISD consagra no art. 4° conexões subsidiárias idênticas.
54 Cfr. os comentários e exemplos de jurisprudência em GOU1HIÊRE,Lesimpóts, 391 sS.; OCDE,
Comentários ao art. 4° (§ 2°), parágrafos 9 SS.; HÓHN, Doppelbesteuerungsrecht, BernjStut-
tgart 1973, 128 sS.; A. BoRRÁs, La doble imposicwn: problemas juridico-internacionales, Madrid
1974,41; VOGEL, Double taxation, 245; ID., Supl. 94, 12 SS.; GESTfTIXIER, Droit Fiscal In-
ternational, 187 sS.; M. PIRES, Da dupla tributação, 230; RIVIER, Droit Fiscal suisse. Le Droit
Fiscal International, Neuchatell983, 124-125.
@ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Trata-se de um conjunto de "testes" que deve ser aplicado em ordem serial, se-
gundo a precedência constante do art. 4° do Modelo OCDE, de tal modo que é,
por exemplo, ilegítimo o recurso ao mútuo acordo quando a questão já podia ser
resolvida pelo critério do centro de interesses vitais 55 •
O caráter exaustivo destes critérios de conexão subsidiária e sua vocação para
decidir as situações mais complexas levou alguns autores a designarem-nos como um
verdadeiro sistema de "quebra-laços" (tie breakerj56.
55 Cfr. BAKER, Double Taxation, 129, citando decisão do Conseil d'État francês. Sobre a "ordem
de precedência", cfr. VOGEL, Double Taxation, 246.
56 Cfr. VOGEL, Double Taxation, 224.
57 Cfr. OCDE, ControlledForeign Company Legislation, Paris 1996, 13.
58 O caráter exclusivo da residência prevalente foi claramente explicitado na nova redação do § 3°
do art. 4° do Modelo, na versão de 1995. Ver Comentários ao art. 4° (§ 3°), parágrafos 22 e ss.
59 J. H. SCHIPPER, The Liability to Tax ofNon-resident Companies: a Comparative Study in Fiscal
Law, Haia 1958; ROBERT COUSIN, Corporate Residence and International Taxation, Amster·
dam 2002; G. MARINI, Residenza, in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto tributario
Internazionale, cit., 220 SS.; ARNOLD KNECHTLE, Grundfragen des Internationalen Steuer-
rechts, Basel 1976, 115 SS.; SCHAUMBURG, Internationales Steuerrecht, Colônia 1993, 846;
JEAN,PIERRE LEU, Les revenus ftscalement privilegiés des sociétés de base, Genêve 1968; BAKER,
Double Taxation, 131; Roy SAUNDERS, Principles ofTax Planning, Londres 1978, 15; ROBERT
COUZIN, Corporate Residence and International Taxation, Amsterdam 2002.
Título IV I Capo 11 I Os Elementos de Conexão Subjetivos
60 Cfr. OCDE, The Impact Df the Communications Revolution on the Application of "Place of Ef
fective Manegement" as a Tie-Breaker Rule, junho de 2001. Cfr. Materiais on International
& EC Tax Law (ed. KEES VAN RAAD), vol. 1,2003,626 ss. V. OCDE, Comentários, art. 4°,
parágrafo 24.1 (2008). Ver a reserva do Brasil in NMCP, art. 4°, parágrafo 12. Entre nós,
a Convenção com o Peru estabelece que, em caso de conflito de residências e não sendo
possível o acordo mútuo, a pessoa em causa não terá direito a nenhum dos benefícios ou
isenções tributárias contemplados na Convenção (art. 4°, par. 3°).
CAPÍTULO III
Os ELEMENTOS DE CONEXÃO OBJETIVOS
1 Cfr. GARBARlNO, La tassazione dei reddito transnazionale, Pádua 1990, 231. Sobre o conceito
de "fonte efetiva", cfr. HELENO TORRES, Pluritributaç/ÚJ sobre as rendas de empresas, São Paulo
2001,120.
.i. Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
numa acepção idêntica à que se utiliza em matéria de retenção do imposto pela fonte
pagadora, através do mecanismo da substituição tributária.
A fonte objetiva do rendimento, propriamente dita, é um conceito econômico
que respeita à sua produção; a fonte subjetiva de pagamento é um conceito financeiro
que respeita à sua realização 2 •
Esta ambiguidade no uso da expressão fonte foi bem observada por BULHÕES
PEDREIRA, que alertou para a necessidade de distinguir com clareza as noções de fonte
da renda, no sentido de origem da renda - que é a atividade de produção - e de fonte
de pagamento - que é a pessoa que paga o rendimentd.
Antes da vigência da Lei nO 9.249/95, que adotou o princípio da universalida-
de, a lei brasileira formulava o princípio da territorialidade relativamente às pessoas
jurídicas, em função do local da "produção do lucro", e identificava este local como
o local do "exercício das atividades" das quais aquele decorre. Assim, a regra básica
é de que se consideravam produzidos no país os lucros derivados de atividades no
território nacional4 • Estabeleceu-se assim uma conexão entre os conceitos de "ativi-
dade" e de "fonte de produção" do lucro.
Não há dúvida que os conceitos básicos da antiga legislação brasileira em ma-
téria de imposto de renda das pessoas jurídicas - local de produção do lucro e local
do exercício da atividade produtora - aludiam ao critério da fonte da renda e não
da fonte de pagamento. Concordamos com BULHÕES PEDREIRA quando afirma que
as expressões "rendimento produzido no país", "rendimento derivado de atividade
exercida no país", "rendimento derivado de fonte nacional" e "rendimento que pro-
mana de fonte nacional" são sinônimass.
Todavia, em matéria de imposto de renda na fonte sobre residentes no exterior, a
lei (art. 682 e 685 do RIR) usou os conceitos de rendimentos "provenientes de fon-
tes situadas no país" e de rendimentos "pagos por fontes situadas no país" na acep-
ção, respectivamente, de fonte de produção e de fonte de pagamento, como adiante
melhor se verá6 • Assim, ressalvados certos casos, como os ganhos de capital, os ren-
dimentos auferidos por não residentes têm a sua fonte no Brasil se cumulativamente
como transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis (art.
156, incisos I e II).
O elemento de conexão locus rei sitae tem relevância não só nos tributos em que
as coisas são elemento constitutivo do próprio tipo legal, mas também naqueles em
que - embora não constituam o cerne da hipótese de incidência - podem com ele
encontrar-se intimamente conexos: é o caso dos impostos sobre a renda e o capital,
de vez que a renda pode ser imputada a coisas móveis ou imóveis, assim como o
capital pode estar nelas corporizado.
A expressão elisão fiscaP internacional (tax avoidance) não pode ser assimilada ao
conceito de evasão fiscal (tax evasion), pois não está em causa, necessariamente, um
ato ilícito pelo qual o contribuinte viola a sua obrigação tributária (conexa com mais
do que uma ordem jurídica), prestando falsas declarações ou recusando-se ao seu
cumprimento, mas sim a prática de atos (em princípio) lícitos, praticados no âmbito
da esfera de liberdade de organização mais racional dos interesses do contribuinte,
em face de uma pluralidade de regimes fiscais de ordenamentos distintos. Trata-se,
em suma, de evitar a aplicação de certa norma ou conjuntos de normas através de
atos ou conjuntos de atos que visem a impedir a ocorrência do fato gerador da obri-
gação tributária em certa ordem jurídica (menos favorável) ou produzam a ocorrên-
cia desse fato noutra ordem jurídica (mais favorável).
O caráter mais favorável da ordem jurídica escolhida não se traduz necessaria-
mente numa ausência de tributação, podendo os objetivos do contribuinte satisfazer-
se com uma tributação mais moderada. E daí que o fenômeno não se restrinja à hipó-
tese de um conflito negativo de ordenamentos tributários que, em virtude da definição
ou conteúdo dos elementos de conexão acolhidos pelas suas regras de conflitos, se
não reconhecem com vocação para submeter a tributo uma certa situação da vida
com elementos de estraneidade.
O fenômeno da elisão fiscal internacional assenta, assim, num duplo pressupos-
to: a existência de dois ou mais ordenamentos tributários, dos quais um ou mais se
apresentam, em face de uma dada situação concreta, como mais favoráveis que o
outro ou outros; a faculdade de opção ou escolha voluntária pelo contribuinte do
ordenamento tributário aplicável, pela influência voluntária na produção do fato ou
fatos geradores em termos de atrair a respectiva aplicaçã0 2 •
Boa expressão portuguesa, do latim elidere, eliminar, suprimir, também utilizada na gramática.
2 Cfr., sobre evasão e elisão fiscal internacional, em geral, ALFONSO SCHMID, Die internationale
Steuerjlucht-Maglichkeiten und Bekdmpfungsmethoden, St. Gallen 1961; PIERRE LEVINE, La
lutte contre l'évasion ftscale de caractêre international en l'absence et en présence de conventions
MJiM Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
4 Cfr. ALBERTO XAVIER, O negócio indireto em Direito Fiscal, Lisboa 1971, 27.
5 Cfr. ALBERTO XAVIER, Tipicidade da tributaçiW, simulaçiW e norma antielisiva, São Paulo 2001;
ID., Liberdade fiscal, simulação e fraude no Direito Tributário Brasileiro, in ID., Direito
Tributário e Empresarial - Pareceres, Rio de Janeiro 1982, 3.
6 Cfr. Frode alia legge, Enc. dei Dir. xvm (1969), 73; ver também ANTÓNIO MENEZES COR-
DEIRO, Nota breve sobre a fraude à lei, in Estudos - XXX Aniversário do Centro de Estudos
Fiscais, Lisboa 1993, 123 ss.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
7 Cfr. ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, Lições de Direito Internacional Privado, 11, Lisboa 1959,
277; JUAN OTERO CASTELLÓ, El fraude de ley fiscal internacional, in XXII Semana de Estudios
de Derecho Financiero, Madrid 1974, 620.
8 Cfr. ISABEL JALLES, A plurilocalização e a deslocalização espacial, cit., passim.
9 Cfr. BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado (4a ed.), Coimbra 1990, 273-
274.
10 Cfr. BAPTISTA MACHADO, op. cit., 275.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
caso o elemento de conexão não tivesse sido (do ponto de vista desse ordenamento)
"artificialmente manipulado".
a) Considerações preliminares
Os ordenamentos fiscais que isentam certos fatos que deveriam "normalmente"
tributar, de harmonia com os princípios gerais comumente aceitos em países mais
desenvolvidos, ou os tributam a alíquota "anormalmente" baixal l- via de regra para
atrair capitais estrangeiros -, são considerados refugios, oásis ou paraísos fiscais J2 •
XXII Semana de Estudos de Derecho Financiero, Madrid 1974, 313; BORlS GOMBAC, Les Zones
Franches en Europe, Bruxelas 1991; ROBERT EFFROS (org.), Emet;ging Financiai Centers - Le-
gal and Institucional Framework, Washington 1982; JosÉ SANTACANA, El mundo de los paraisos
fiscales (2 a ed.), Barcelona 1992; FEDER1CO G. SCARLATA, Global Tax Planning and Offihore
Opportunities, Helsingborg 1995; SOL PICCIOTTO, International Business Taxation, Londres
1982, 117; RICARDO E. RlVEIRO, Paraísos fiscales: Aspectos tributários y societários, Buenos
Aires, 2003; MAluA TERESA BARBOT VEIGA DE FARIA, Paraísos fiscais: formas de utilização e
medidas de combate à evasão fiscal, CTF, 409/410 (2003), 87.
aos sócios, com o benefício da redução das alíquotas quanto aos rendimentos que lhes
forem pagos por residentes em países signatários dos tratados em causa16 •
A qualificação genérica de refugio fiscal pode hoje atribuir-se a um número ainda
vasto de países e territórios, na sua grande maioria qualificados como regimes fiscais
prejudiciais na União Europeia ou como regimes fiscais preferenciais ou paraísos fis-
cais pela OCDE, por exemplo: na Europa, as Ilhas Anglo-Normandas (Jersey, Guern-
sey, Man), Andorra, Gibraltar, Luxemburgo, Liechtenstein, Mônaco, Suíça, Chipre,
Malta; na América do Norte e América Central, as Antilhas Holandesas, Bermudas,
Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas (BVI), Panamá; na América do Sul, Uruguai;
na África, Libéria; na Ásia e Oceania, Hong-Kong, Novas Hébridas, Nauru.
Relativamente à identificação deste tipo de regimes, conclui-se de uma análise
de direito comparado que, para efeitos de aplicação de medidas de controle da con-
corrência fiscal prejudicial, existem três tipos de soluções: uma definição em termos
comparativos de países e territórios que poderão ser considerados como paraísos
fiscais, uma definição absoluta e uma enumeração casuisticamente por listas ("listas
negras" e "listas cinzas").
A matéria relativa aos chamados "paraísos fiscais" tem sido nos últimos anos ob-
jeto da atenção de organizações internacionais com vistas a restringir as suas conse-
quências negativas no que concerne à alegada "erosão" das receitas fiscais dos países
mais industrializados.
Esta atenção não se tem restringido, porém, aos territórios classicamente consi-
derados de nula ou baixa tributação, abrangendo também "regimes fiscais preferen-
ciais" concedidos por países ou territórios de elevados níveis de tributação, mas que
têm igualmente por efeito a referida "erosão" das receitas fiscais de outro ou outros
Estados, em termos de estes poderem considerar que tais regras, analogamente aos
paraísos fiscais, têm por consequência uma "concorrência fiscal prejudicial".
Como já se observou, em certos países de tributação normal, em razão de uma
"fiscalidade de geometria variável"l?, existem zonas do seu território sujeitas a re-
gimes fiscais privilegiados: é o que sucede (ou sucedia recentemente) com os "cen-
tros de coordenação" na Bélgica; com o Intemational Financiai Services Centre de
Dublin, na Irlanda; com o Centro Financeiro Internacional de Trieste, na Itália; com
a Zona Especial Canária, na Espanha; com o Centro Internacional de Negócios ou
Zona Franca da Ilha da Madeira, em Portugal l8 .
Referidas práticas têm sido consideradas, por alguns, como modalidades de "eli-
são" ou "evasão", já não praticados pelos contribuintes, mas pelos próprios Estados
nas suas relações recíprocas, práticas essas que legitimariam medidas de retorsão dos
outros Estados com fundamento na autotutela dos seus interesses fiscais19.
Foi sobretudo a partir dos anos 1980 que se registrou uma tendência generaliza-
da de introdução de regimes fiscais preferenciais ou privilegiados, essencialmente no
tocante à constituição de centros fmanceiros, sociedades holding, centros de coorde-
nação, de serviços, atividades de resseguros etc. 20 A generalização deste tipo de regi-
mes traduziu-se numa resposta dos países a uma crescente integração, acompanhada
de uma ausência de coordenação.
Com efeito, muitos desses regimes foram abolidos ou alterados, em sequência
dos trabalhos sobre a concorrência fiscal prejudicial, levados a efeitos na União Eu-
ropeia e na OCDE.
Assim sucedeu com o Internacional Financial Services Centre de Dublin, na Ir-
landa, com o Centro Financeiro Internacional de Trieste, na Itália, e com o Centro
Internacional de Negócios ou Zona Franca da Ilha da Madeira, em Portugal, profun-
damente modificados pelos mesmos motivos.
Importa, no entanto, ter em consideração que alguns destes regimes foram au-
torizados pela Comissão das Comunidades Europeias, como auxílios de Estado sob
a forma fiscal compatíveis com a política de concorrência, visando temporariamente
objetivos de desenvolvimento regional. 21
19 Na expressão de Tuuo ROSEMBUJ, Derecho Fiscal Internacional, cit., 224 ss.; Roy ROHATGI,
Basic International TtlXation, 569.
20 Estes regimes fiscais caracterizaram·se, no essencial, pela redução da alíquota do imposto so-
bre as sociedades, tendo em vista a atração de investimento estrangeiro. Sobre este aspecto,
veja-se SÍLVIA GIANNINI, Mercado interno e fiscalidade: aspectos económicos, CTF, 401 (2001).
Relativamente à tributação das sociedades na União Europeia, vide ANA PAULA DOURADO,
A tributação dos rendimentos de capitais: A harmonização na Comunidade Europeia, CCTF,
176 (1996); PAULA PEREIRA, A tributação das sociedades na União Europeia. Entraves fiscais ao
mercado interno e estratégias de atuação comunitária, Coimbra, 2004; GABRIELA PINHEIRO, A
fiscalidade direta na União Europeia, Porto, 1998.
21 Cfr. BORIS GOMBAC, Les Zones Franches en Europe, passim; GOUTHIERE, Les impôts, 653; GEOR·
GE MARTÍN LOPEz, Competencia fiscal prejudicial y ayudas de Estado en la Union Europea, Valên-
cia, 2006. Cfr. ANTÔNIO DE MOURA BORGES, Considerações sobre o combate à concorrência
tributária internacional prejudicial, RFDT 12 (2004), 53; CLOTILDE CELORICO PALMA, O
controle da concorrência fiscal prejudicial na União Europeia - Ponto de situação dos tra·
balhos do Grupo do Código de Conduta, in J. L. SALDANHA SANCHES/ANTÓNIO MARTINS
(org.), Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra 2006, 127; ID., O controlo
da concorrência fiscal prejudicial. Principais medidas conjuntas e unilaterais adoptadas por
Portugal, RFDT 26 (2007), 143; Luz MARiA RUIBAL PEREIRA, La compatibilidad de los re-
gímenes fiscales privilegiados en la Unión Europea con los criterios contenidos en el Código
de Conducta y las normas sobre ayudas de Estado, in MARíA TERESA SOLER ROCH/FERNANDO
SERRANO ANTóN (org.), Las medidas antiabuso en la normativa interna espanola y en los conve-
nios para evitar la doble imposiciôn internacional y su compatibilidad con el Derecho Comunitario,
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão I• I
Madrid 2002, 207. Cfr. também, sobretudo sobre os trabalhos da OCDE, JACQUES MALHERBE,
Harmfol Tax Competition and the Future ofFinancial Centres in the European Union, Intertax,
30 (2002).
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
(ii) Regimes ring fencing, ou seja, parcial ou totalmente isolados dos mercados
domésticos do país em causa. O ring fencing pode assumir diversas formas,
como, vg., o fato de, implícita ou explicitamente, excluir os residentes dos
benefícios concedidos ou proibir as empresas que beneficiam do regime de
operar no mercado nacional;
(iii) Falta de transparência, quer em nível da concepção do regime, quer em nível da
respectiva aplicação prática (aspectos legislativos e práticas administrativas);
(iv) Falta de uma troca efetiva de informações quanto aos contribuintes que
beneficiam do regime.
Relativamente aos regimes fiscais preferenciais, o Relatório indica ainda outros
fatores a ter em consideração para efeitos da respectiva qualificação enquanto tal,
como, por exemplo, a definição artificial da base tributável; o não acolhimento dos
princípios internacionais de fixação dos preços de transferência, concretamente das
Diretrizes da OCDE de 1995 22 ; a isenção do pagamento de imposto no país de resi-
dência, relativamente aos rendimentos estrangeiros; a existência de níveis de alíquotas
ou de bases tributáveis negociáveis; a existência de regras sobre confidencialidade; o
fato de a medida fiscal ser o motivo principal para a decisão do exercício da atividade;
o rácio entre as atividades desenvolvidas e o volume do investimento e do rendimento
obtido; e a falta de uma rede ampla de convenções para evitar a dupla tributação.
Note-se que o Relatório prevê que na avaliação de um regime como pre-
ferencial se tenham em consideração os respectivos efeitos econômicos, dado se
considerar existirem motivos extrafiscais que poderão justificar a existência e ma-
nutenção de certos regimes. É neste sentido, aliás, que deverão ser interpretados os
respectivos §§ 27° e 80° a 84°.
Quanto aos paraísos fiscais, o Relatório prevê a elaboração de uma lista para o
efeito, bem como a existência de contramedidas, firmes e adequadas, suscetíveis de
constituírem uma relevante fonte dissuasória do desenvolvimento de novos paraísos
fiscais. Neste contexto, as recomendações preveem já algumas sanções aplicáveis,
como, por exemplo, a denúncia, pelos países-membros, das convenções celebradas
com tais jurisdições, equacionando-se igualmente a possibilidade de restrição das
deduções de pagamentos efetuados a entidades domiciliadas em paraísos fiscais, a
aplicabilidade de regras específicas em matéria de preços de transferência e de subca-
pitalização e a eventualidade de aplicação de medidas extrafiscais.
O leque das contramedidas ou medidas defensivas, aplicáveis aos paraísos fiscais
constantes da lista, tem sido uma problemática analisada na OCDE, tendo-se enten-
dido que deverão ser aplicadas de forma coordenada.
Os paraísos fiscais foram classificados em cooperantes e não cooperantes. São coo-
perantes os que se comprometem com a OCDE a adotar os princípios do Relatório,
em especial a trocar informações, de acordo com o modelo OCDE de troca de infor-
23 As listas dos paraísos fiscais consta dos Relatórios de progresso dos trabalhos do Fórum da
OCDE para as Práticas da Concorrência Fiscal Prejudicial, disponíveis no site da OCDE
24 Julho de 2009.
25 Cfr. infra, 661 ss.
26 Este documento (também conhecido por Código Monti) bem como o relatório do grupo
"Código de Conduta" de 1999 encontram-se publicados nos Cadernos de Ciência e Técnica
Fiscal nO 185, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa 2000.
r~.;\1 Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
27 O Código de Conduta não se aplica a medidas de caráter geral, em que a alíquota geral de
tributação em matéria de imposto sobre as sociedades de um país, como o caso da Estônia,
seja de 0%, ou da Irlanda, em que a alíquota geral é de 12,5%.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
31 Sobre esta matéria cfr. ANTóNIO CARLOS DOS SANTOS, Auxz7ios de Estado e fiscalidade, Coim-
bra, 2003; MANUEL MARTINS, Auxílios de Estado no Direito Comunitário, Lisboa, 2002; FER-
NANDO AURÉLIO ZILVETl, Subsídios fiscais no Direito Tributário Internacional, RDTI, nO 6
(2007),23 ss.
32 Comunicação 98/C 384/03, de 10 de dezembro de 1998.
33 Tal vantagem pode ser concedida através de uma redução da carga fiscal da empresa sob
diversas formas, designadamente uma redução da base de cálculo (deduções derrogatórias,
amortizações extraordinárias ou aceleradas, inscrição de reservas no balanço etc.), uma re-
dução total ou parcial do montante do imposto (isenção, crédito de imposto etc.) e um
adiamento, uma anulação ou um reescalonamento excepcional da dívida fiscal.
34 Importa, a este propósito, distinguir os auxílios fiscais das medidas fiscais de caráter geral. A
aplicação pela Irlanda da alíquota geral de imposto sobre as sociedades de 12,5% é considerada
pela Comissão como uma medida de política fiscal geral e não como um aux:ílio de Estado, pois
não tem carácter seletivo: não se destina diretamente a um setor, nem a uma região, a uma em-
presa ou a certas empresas, sendo aplicável a todo o território irlandês. Pode, se produzir fortes
distorções de concorrência, ser questionada, mas com base nas normas do Tratado relativas à
harmonização das legislações, nomeadamente, nos artigos 96 e 97 do Tratado. Contudo estas
normas nunca foram utilizadas para este efeito, sendo duvidoso que o venham a ser.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
36 efr. ALBERTO XAVIER, ROBERTO DUQUE ESTRADA, RENATA EMERY, Países com tributação fa-
vorecida e regimes fiscais privilegiados, in RDDT 168, 2009, 7 sS.; HELENa TORRES, Ope-
rações com países de tributação favorecida - Algumas reflexões, in VALDIR DE O. ROCHA
(coord.), Grandes questões atuais do direito tributário, 13° vol., São Paulo 2009, 153 sS.
37 A Instrução Normativa nO 243/02 esclarece, no seu art. 39, § 3°, que, "na aplicação do dis-
posto neste item, a alíquota efetiva de tributação, no país de residência da pessoa física ou
jurídica, será determinada comparando-se a soma do imposto pago sobre o lucro, na pessoa
jurídica e na sua distribuição, com o lucro apurado de conformidade com a legislação brasi-
leira, antes dessas incidências".
38 A lei afirma que o nível de tributação do país em causa seja determinado conforme a legisla-
ção aplicável à "natureza do ente" com o qual tiver sido praticada a operação. Entendemos
I ~ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier <I
que esta consideração apenas se aplica se o regime tributário mais favorável do país estran-
geiro for definido em função de características subjetivas da entidade em causa (por exemplo,
uma isenção que atinja todos os rendimentos de uma certa pessoa, em função do seu objeto),
mas não em função de características objetivas, dependendo da narureza dos rendimentos
auferidos, como é o caso das holdings (como as brasileiras), isentas ou menos tributadas em
relação aos dividendos, ou o caso de sociedades tributadas em relação à generalidade dos
rendimentos, mas não assim em relação aos rendimentos de origem externa (como sucedia
no Brasil antes da abolição do princípio da territorialidade).
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
L - Santa Lúcia; LI - Federação de São Cristóvão e Nevis; LII - Uha de São Pedro e
Miguelão; LIII - São Vicente e Granadinas; LIV - Seychelles; LV - Uhas Solomon;
LVI - St. Kitts e Nevis; LVII - Suazilândia; LVIII - Suíça; LIX - Sultanato de Omã;
LX - Tonga; LXI - Tristão da Cunha; LXII - Ilhas Turks e Caicos; LXIII - Vanuatu;
LXIV - Uhas Virgens Americanas; LXV - Uhas Virgens Britânicas.
Referida lista reveste natureza taxativa, como aliás é a praxe internacionalmente
adotada pela grande generalidade dos países que consagram esta metodologia.
Já se defendeu a natureza meramente exemplificativa dessa lista, em homena-
gem ao princípio da legalidade, arvorado em valor supremo, que conduziria à pree-
minência incondicional da lei sobre os atos normativos da Administraçã0 39 •
Porém, nesta matéria o princípio da legalidade tem de ser temperado, através de
um processo de ponderação de valores, de modo a que as soluções adotadas atendam
também a outros valores relevantes do ordenamento constitucional.
Um deles reside nos princípios da proteção da confiança e da boa-fé, manifesta-
ções da segurança jurídica igualmente inerente ao Estado de Direito e que conduz ao
caráter aut(J)Jinculante dos atos normativos da Administração Pública, pois é com a in-
terpretação da lei a que deram publicidade, com fms de padronização e uniformização,
que os particulares contam para formar as suas expectativas e fundar as suas condutas.
Outro valor que aponta na mesma solução é o princípio hierárquico da Admi-
nistração Pública, pelo qual os órgãos administrativos de aplicação da lei (em ma-
téria tributária, os órgãos de lançamento) estão vinculandos aos atos normativos da
própria Administração, não podendo deles desvincular-se recorrendo ''per saltum" à
própria lei, de modo a "reinterpretar" o que as autoridades administrativas compe-
tentes já tinham interpretado por atos normativos internos.
Desta dupla fonte de autovinculação não decorre a irrevogabilidade ou imuta-
bilidade das "fontes internas" infralegais (respeitadas, porém, a proteção das expec-
tativas), mas sim a proibição do venire contra factum proprium, isto é, de os órgãos de
aplicação do direito, através de atos primários, agirem em desrespeito à interpretação
normatizada da Administração, ainda que com fundamento na preeminência da lei40 •
Uma outra ordem de princípios conduz também à necessidade de uma lista
taxativa no caso peculiar de qualificação de regimes jurídicos de lei estrangeira. Ofen-
deria, na verdade, os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da proteção
de confiança colocar sobre os ombros do contribuinte o fardo da prova de leis estran-
39 Cfr. ANA CLÁUDIA UTUMI, Países com tributação favorecida no Direito brasileiro, in HELENO
TORRES (coord.), Direito Tributário Internacional Aplicado, São Paulo 2003, espec. 236 ss.
Trata-se, porém, de posição minoritária na doutrina. A Administração fiscal já se pronunciou
no sentido da taxatividade; Cfr. as Decisões sobre consulta da 7a RF 49/00 e 8a RF 143/00.
Ver ainda as Soluções de Consulta nO 19/01, nO 85/01, nO 136/02 e nO 37/03.
40 Sobre o complexo problema doutrinário da solução das antinomias normativas pelo critério
hierárquico, veja-se a monografia exaustiva de PAULO OTERO, Legalidade e administração
pública: o sentido da vinculação pública à juridicidade, Coimbra 2007, espec. 690 sS.
-fi- Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
geiras, estendendo a estas a presunção de pleno conhecimento que os ordenamentos
jurídicos estabelecem em relação às leis nacionais.
41 Na OCDE os critérios que conduzem à qualificação como regime fiscal privilegiado são (i) a
taxa de tributação efetiva nula ou mínima, (ii) a adoção dos chamados regimes "ring fencing)),
pelo qual os benefícios são apenas aplicáveis a não residentes e a operações realizadas fora
do mercado nacional; (iii) a falta de transparência no que concerne aos aspectos legislativos e
às práticas administrativas; (iv) a falta de uma troca efetiva de informações relativamente aos
contribuintes que beneficiam do regime. No Código de Conduta da União Europeia a ca-
racterização de uma medida como potencialmente prejudicial depende de avaliação efemada
de harmonia com cinco critérios não cumulativos, nem taxativos, constantes do ponto B, a
saber: (i) se as vantagens são concedidas exclusivamente a não residentes ou para transações
realizadas com não residentes; ou (ii) se as vantagens são total ou parcialmente isoladas da
economia interna, sem incidência na base fiscal nacional: ou (iii) se as vantagens são con-
cedidas mesmo que não exista qualquer atividade econômica real nem qualquer presença
econômica substancial no Estado-membro que proporciona essas vantagens fiscais; ou (iv)
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
A primeira modalidade é a nula ou baixa tributação: coincide ela com o núcleo origi-
nal do conceito de país com tributação favorecida, só que agora o grau de tributação não
visa qualificar a jurisdição tributante, mas o regime aplicável à operação objetivamente tri-
butável, ainda que por país que não possa ser considerado como de tributação favorecida.
A segunda modalidade é o ring fencing, assim denominados os regimes que con-
cedem tratamento fiscal preferencial a não residentes (qualquer "vantagem", note-se,
e não necessariamente uma nula ou baixa tributação), isolando as operações benefi-
ciadas do mercado interno, protegido como que por um "anel". A vantagem pode
ser concedida seja considerando irrelevante o fato de ser exercida ou não no país em
causa atividade econômica substantiva (alínea a), seja condicionada ao não exercício
nesse país dessa mesma atividade econômica substantiva (alínea b).
A terceira modalidade é a territorialidade, assim entendido o regime pelo qual os
rendimentos (ou certos rendimentos) não são tributados ou o são em alíquota máxima
inferior a 20% por terem sido auferidos fora do território de um dado país (territoria-
lidade plena e territorialidade mitigada ou tributação favorecida da renda externa).
Quanto a esta modalidade convém observar que ela apenas pode ser considera-
da como regime fiscal privilegiado se o fundamento da não tributação (ou da tributa-
ção reduzida) é a origem externa do rendimento, não sendo possível considerar como
de regime fiscal privilegiado os casos em que as leis internas de determinados países
isentam (ou tributam menos gravosamente) certas categorias de rendimentos, inde-
pendentemente da sua origem (p. ex., dividendos isentos, sejam de origem interna,
sejam de origem externa).
A quarta e última modalidade é a opacidade, consistente no fato de não ser permi-
tido o acesso a informações relativas à composição societária, titularidade de bens ou
direitos ou às operações econômicas realizadas. A opacidade, que a lei já considerava
característica dos países com tributação favorecida, surge agora como modalidade au-
tônoma de regime fiscal privilegiado, alargado à "opacidade objetiva" (relativa à pró-
pria operação), por contraposição à "opacidade subjetiva" (relativa aos sujeitos).
Uma comparação entre os conceitos de país com tributação favorecida e de
regimes fiscais privilegiados revela, desde logo, que enquanto o primeiro qualifica
subJetivamente as entidades tributantes, o segundo qualifica obJetivamente as operações
tributáveis, seja qual for a natureza do ente tributante.
Note-se também que das quatro modalidades de regime fiscal privilegiado duas
referem-se a atributos que também caracterizam os países com tributação favorecida
(o baixo nível da tributação e a opacidade), enquanto que outras duas (ring fencing e
territorialidade) não são critérios adequados para definir uma entidade política como
dispondo de uma "tributação favorecida".
42 Cfr. respectivamente supra, 222 (transferência de residência), infra, 297 (preços de transfe-
rência) e infra, 346 (subcapitalização).
-li:- Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Veremos agora que a introdução do art. 24-A não afetou quaisquer das hipóte-
ses de aplicação de alíquota agravada do imposto de renda na fonte de residentes no
exterior, por quatro razões, que a seguir se expõem.
A primeira razão consiste em que o art. 24-A não modificou o texto do art. 24
da Lei nO 9.430/96, mas estabeleceu regra nova, a par da já existente. Isto mesmo
se conclui pela própria leitura do seu caput, em que é introduzido o conceito novo
de regime fiscal privilegiado para fins (inicialmente) exclusivos de aplicação das regras
de preços de transferência, tanto que faz remissão apenas aos arts. 18 a 22 da Lei nO
9.430/96, sem se referir ao art. 24.
E tanto se trata de um dispositivo legal autônomo em relação ao art. 24 que tal
artigo foi introduzido como art. 24-A. Ora, segundo a técnica legislativa, a repetição
do número de um artigo acrescido de uma letra maiúscula representa precisamente a
introdução de novo dispositivo legal, sem implicar a renumeração dos artigos subse-
quentes, pela razão lógica de que eventual renumeração conduziria a distorções caso
outras leis fizessem remissão ao artigo renumerado.
É o que decorre da Lei Complementar nO 95, de 26 de fevereiro de 1998, com
as alterações introduzidas pela Lei Complementar nO 107, de 26 de abril de 2001,
que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis e cujo
art. 12, UI, "b", dispõe:
''A alteração da lei será feita:
I -mediante reprodução integral em novo texto, quando se tratar de alteração
considerável;
U - mediante revogação parcial;
UI - nos demais casos, por meio de substituição, no próprio texto, do dispositivo
alterado, ou acréscimo de dispositivo novo, observadas as seguintes regras:
a) revogado;
b) é vedada) mesmo quando recomendável) qualquer renumeraçtfu de artigos
e de unidades superiores ao artigo) referidas no inciso V do art. 10) devendo
ser utilizado o mesmo número do artigo ou unidade imediatamente anterior,
seguido de letras maiúsculas) em ordem alfabética) tantas quantas forem su-
ficientes para identificar os acréscimos; ( .... )"
A segunda razão pela qual entendemos que o art. 24-A não teve o alcance de
modificar o conceito de país de tributação favorecida, contido no art. 24 da Lei nO
9.430/96, de modo a conduzir à aplicação da alíquota agravada de retenção na fonte
(25%) também a países com regime fiscal privilegiado, reside no elemento histórico
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
aos rendimentos a eles pagos por determinada sociedade e não aos rendimentos por
esta recebidos, potencialmente sujeitos a tributação plena; no que concerne à terri-
torialidade, plena ou mitigada, porque se trata de medidas de política econômica de
livre opção de Estado soberano, que por si sós não devem ser invocadas pelo Estado
da fonte como um fator de discriminação da tributação na fonte.
Esta a razão de fundo que ilumina os demais motivos pelos quais o conceito
de regime fiscal privilegiado não é aplicável para efeitos de determinar a alíquota
agravada de retenção na fonte de residentes no exterior ou para afastar a aplicação do
regime especial de tributação dispensado aos investidores estrangeiros sob o abrigo
da Resolução CMN nO 2.689/00.
A Instrução Normativa nO 1.037, de 4 de junho de 2010, modificada pela Ins-
trução Normativa nO 1.045, de 23 de junho de 2010, procedeu, no seu art. 2°, a uma
enumeração taxativa de quais os regimes que reputa abrangidos no conceito de "regi-
me fiscal privilegiado" (cfr. ainda o Ato Declaratório Executivo nO 10, de 24 de junho
de 2010, tal como o fez, no art. 1°, em relação ao conceito de "país com tributação
favorecida". Ofenderia, na verdade, os princípios da proporcionalidade, da razoabili-
dade e da proteção de confiança colocar sobre os ombros do contribuinte o fardo da
prova de leis estrangeiras, estendendo a estas a presunção de pleno conhecimento que
os ordenamentos jurídicos estabelecem em relação às leis nacionais.
a) Sociedades-base
45 Cfr. ANNAMARIA RArAKKO, Base Company Taxation, Deventer/Boston 1989; H. DEBATIN, Die
internationalen Basisgesellschaften, DStZ, 52 (1964-1), 9; BERNHARD GROSSFELD, Basisgesell-
schaften im internationalen Steuerrecht, Tübingen 1974; PETER STADLER, Die Besteuerung der
Basisgesellschaften in der Schweiz unter besonderer Beriicksichtigung der Domizil- und Hilftgesell-
schaften, Sr. GaIlen 1970; PENNERA, Basisgesellschaften im franziisischen Recht, Frankfurt 1976.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão I $jlj): I
tributários distintos (dos quais uns mais favoráveis ao contribuinte), de tal sorte que
a tributação global do conjunto será inferior à que resultaria se a mesma atividade
se desenvolvesse integralmente dentro das fronteiras de um só Estado46 • Esse des-
dobramento pode efetuar-se através da criação de simples filiais (branches), ou por
intermédio de subsidiárias dotadas de personalidade jurídica própria.
Essas sociedades (sociedades-base) ou desenvolvem um aspecto parcial do pro-
cesso produtivo global- subjetivando uma parte do fato tributário complexo -, ou
centralizam os resultados obtidos por outra ou outras, pertencentes ao mesmo gru-
po. Tais atividades parciais podem ser parte do processo de fabricação (sociedades de
montagem nas Bahamas e ilhas do Canal), a comercialização de produtos, a presta-
ção de serviços, o controle de marcas e patentes, a emissão de empréstimos (Luxem-
burgo), o seguro das empresas do grupo (captive offshore insurance company]47, ou o
transporte marítimo (sociedades de navegação da Libéria ou das Bermudas).
Costumam distinguir-se as sociedades-base típicas das atípicas. As primeiras são
aquelas cujo domicílio se fIxa em país de baixa tributação, diverso dos países onde se en-
contram domiciliadas a sociedade-mãe e a sociedade-operadora. As segundas são aque-
las cuja empresa-operadora funciona no Estado da sociedade-mãe a que pertence.
A tributação mais moderada no país de instalação, por vezes aliada à dedutibilida-
de das despesas, pagas a tais sociedades (a título de juro, frete, remuneração de serviço)
ou à tributação mais suave dos lucros a elas atribuídos (como é o caso das collapsible
corporations que acumulam receitas a título de juros, rendas, lucros, durante vários anos,
e depois se extinguem, sendo os seus acionistas tributados à taxa mais moderada, que
grava os ganhos de capital), permite a obtenção de fortes economias de imposto.
b) Sociedades holding
(i) Natureza
Muito se tem discutido a respeito do conceito de sociedade holding. Enquanto
uns (como as doutrinas norte-americana, francesa e italiana), fiéis à terminologia
internacional dos negócios e à raiz etimológica da expressão anglo-saxônica, a carac-
terizam como a sociedade que é titular, que detém (do inglês, to hold) participações
no capital de outra sociedade, ainda que não relevantes ou duradouras, outros (na
esteira da Companies Act inglesa de 1948) preferem reservar esta expressão para as
hipóteses em que, através dessa participação, a sociedade participante controla a so-
ciedade ou sociedades investidas, enquanto outros ainda (como as leis suíça e luxem-
burguesa) preferem reservá-la para os casos em que a holding seja pura, isto é, tenha
por objeto exclusivo participações noutras sociedades (por oposição às holding mistas
que exercem paralelamente atividades operacionais, de natureza agrícola, industrial
ou de serviços)48.
A participação de sociedades no capital social de outra ou outras ("sociedades
operacionais" - operating companies - que exercem diretamente uma atividade empre-
sarial) não é fenômeno que tenha surgido sem resistências, como recordam ALFREDO
LAMY FILHO e BULHÕES PEDREIRA49 •
A esta ambiguidade conceitual alia-se a diversidade terminológica, proveniente
das tradições e leis de diversos países que se referem - por vezes tendo apenas em
vista certos tipos especiais de holding - a "sociedades de participação", "sociedades
financeiras", "sociedades de investimento", "sociedades controladoras", "sociedades
de administração de participações sociais", "holdings de controle"50.
A especificidade da figura da holding decorre do fato de ser uma "sociedade-sócia",
ou seja, uma sociedade cujo patrimônio se encontra investido, no todo ou em parte, em
participações noutras sociedades - e isto independentemente de através da holding se
exercer ou não o controle das sociedades investidas ou participadas. Com efeito, os pro-
blemas fundamentais relativos ao exercício do poder de controle não dependem necessa-
riamente da natureza jurídica do controlador, que pode ser uma pessoa singular ou um
grupo de pessoas singulares, enquanto os que constituem o cerne do problema relativo
48 O poder do controle nas sociedades anônimas Holding e Investment Trust Società collegate e con-
trollate, I grandi problemi della società per azioni nelle legislazioni vigenti, GOUTHIERE/A. CHAR-
VERlAT/PH. JANIN, Les holdings, Paris 1995; IBFD, The International Cuide to the Taxation of
Holding Companies, IBFD, Amsterdam; Roy ROHATGI, Basic International Taxation, 238.
49 "A participação de wna companhia como acionista de outra surgiu nos Estados Unidos. Na
primeira metade do século XIX nenhuma lei geral reconhecia às companhias capacidade ju-
rídica para possuir ações, o que era então considerado impróprio e perigoso. A aquisição de
ações dependia de autorização de lei estadual especial, que em regra somente era concedida em
caráter excepcional e de modo restrito - para determinadas espécies e quantidades de ações.
Posteriormente, o privilégio de possuir quaisquer ações foi concedido a algwnas companhias,
como as constituídas, entre 1868 e 1872, por charters do Estado da Pensilvânia, inclusive a
Pennsylvania Company - o exemplo mais antigo de holding pura (cujo ativo é constituído ap-
enas de ações e não explora atividade produtiva). O Estado de Nova Jersey promulgou - em
1888 - a primeira lei autorizando qualquer companhia registrada no seu território a incluir
no objeto social a propriedade de ações e foi imitado - entre 1892 e 1899 - pelos Estados de
Nova York, Connecticut, Pennsylvania e Delaware - e até 1929 por mais 33 Estados (cfr. BON-
BRIGHT e MEANS, 1954, v. 7,403-4). Na Europa Continental as sociedades comerciais eram
tradicionalmente concebidas como associações de comerciantes individuais (nas sociedades em
nome coletivo) ou desses comerciantes com aplicadores de capital financeiro (nas sociedades
em comandita), e não se conhecia a participação de wna sociedade comercial em outra, que
somente veio a ser admitida na França a partir de decisão jurisprudencial em 1878 (GÉGOUT,
1929, p. 22)": cfr. A lei das SA., Rio de Janeiro 1992, 77.
50 Cfr. VALENTINO VULPETTI, Società finanziaria, Enc. dei Dir. XLII (1990), 1.113 ss.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão &.i+
51 Cfr. BERARDINO LlBONATTI, Holding e Investment Trust, Milão 1959, 17-18; ASCARELLl, Saggi
di Diritto Commerciale, Milão 1955, 268; FÁBIO KONDER COMPARATO, O poder de controle nas
sociedacle anônimas, São Paulo 1977, 124.
52 Sobre a visão instrumental da personalidade jurídica, especialmente em matéria de socie-
dades, e a crítica à concepção clássica, ver ASCARELLl, Saggi di diritto comerciale, Milão 1955,
168 sS., 151; LrnONKIT!, Holding e Investment Trust, cit., 220 SS.; BERLE e MEANs, TheModern
Corporation and Private Property, Nova Iorque 1984; FÁBIO KONDER COMPARATO, O poder de
controle nas sociedades anônimas, São Paulo 1977, 248 SS.; JVAN M. DOBSON, El abuso de la
personalidadjurídica (en el derechoprivado), Buenos Aires 1991, 1 sS.
53 A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, "disregard of the corporate entity",
"lifting the veil of the corporate entity" ou do "Durchgriff' é criação jurisprudencial que, em
certos casos concretos, atribui diretamente à sociedade-mãe controladora as consequências
jurídicas de atos praticados pelas sociedades controladas, designadamente em matérias de
responsabilidade por dívidas. Veja-se PEDRO CoRDEIRO, A desconsideração da personalidade
mI Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
jurídica das sociedades comerciais, in FDL, Nl!Vas perspectivas do Direito Comercial, Coimbra
1988,289 ss. Veja-se ainda JUAN M. DOBSON, EI abuso de la personaiidad jurídica, cit., passim.
54 Cfr. VIVANTE, Le società finanziarie (holding) e le laro responsabilità, Rivista di Diritto Com-
merciaie 1(1935),185.
55 Cfr. LIBONATTI, Holding e Investment Trust, cit., 39.
56 Cfr. LIBONATTI, Holding e Investment Trust, cit., 49.
57 Reconhecer a unicidade patrimonial (a wirtschaftliche Einheitjuristiche Einheit da doutrina
alemã) não significa necessariamente reconhecer juristiche Einheit, conduzindo apenas a
atenuações do seu rigor. Cfr. o clássico SERICK, Rechtsform und Realitiit juristischer Personen,
Tübingen 1955; JUAN M. DOBSON, Ei abuso de ia personaiidad jurídica (en ei derecho privado),
Buenos Aires 1991,419 ss.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
58 Cfr. AsCARELLI, Riflessioni in tema di titoli azionari, personalità giuridica e società fra soci-
età, Banca, Borsa e Titoli di Credito I (1952),425 ss. (expressão que depois foi adotada pela
Corte de Cassação italiana); ID., Saggi di Diritto Commerciale, Milão 1955, 239.
59 Apud LIBONATTI, Holding e Investiment Trust, cit., 74.
60 Cfr., sobre estes pontos, JosÉ A. ENGRÁCIA AN11JNES, Osgrupos de sociedades, Coimbra 1993,
163 sS.; ANTONIO LOVISOLO, Gruppo di imprese e imposizione tributaria, Pádua 1985; FEDERlCO
PEPE, Holdings,gruppi e bilanci consolidati, Milão 1974,passim. DAVID MÜLCHI PANÍCO, ALFONSO
GARRIDO PICóN, Régimen fiscal de las sociedades holding, in JosÉ A. RODRlGUEZ lNDARZAjÁN-
GEL FERNÁNDEZ PRIETO (org.), Fiscalidad y planificación fiscal internacional, Madrid 2003, 265.
_ ••M Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
61 Merece especial referência como pioneiro nesses regimes a Holanda, cfr. M. J. ELLISjD. JUDCH,
The Participation Exemption in the Netherlands, Deventer 1979; GouTHIl;RE, Les impôts, 296; P.
G. M. ADRIAANSEN, New Dutch Participation Exemption Regime, RDTI 5 (2007), 155; DA-
VIDE M. PARRILLI, La Riforma della Participation Exemption Olandese alla Luce, in HELENO
TAVElRA TÔRRES (org.), Direito Tributário InternacionalAplicado, voI. V, São Paulo 2008, 824.
62 Cfr. KNECHTLE, Basic Problems in International Fiscal Law, Deventer 1979, 105; SCHAUMBURG,
Internationafes Steuerrecht, Colônia 1993,228 sS.; Roy ROHATGI, Basic International Taxa-
tion, 488 SS.; WIN EYNATTEN, Regimes de sociedades holdings europeias: estudo comparado,
RDTI8 (abr.-/2008), 185; TIAGO CASSIANO NEVES, Estratégia de internacionalização e so-
ciedades holding na Europa: aspectos práticos e comparativos, RDTI 2 (2006), 281.
63 No Luxemburgo, em virtude de uma lei de 1929, as sociedades holding estão isentas de
imposto sobre o lucro decorrente de dividendos recebidos das sociedades em cujo capital
participam, de imposto sobre ganhos de capital na alienação das participações societárias e
de imposto retido na fonte sobre dividendos distribuídos aos seus sócios. Dentre essas socie-
dades incluem-se as holdings bilionárias, que se caracterizam por poder também exercer ativi-
dades de holding no setor financeiro. Todavia, tendo em vista a benevolência deste regime,
numerosos países (entre os quais o Brasil) têm recusado abranger tais holdings (chamadas
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
da legislação geral sobre participation exemption nos países 'Jue não têm legislação
especial privativa de holdings) como é o caso da Holanda, da Austria, da Bélgica e do
Luxemburgo (no que concerne às "sociétés de participation financiere" - SOPARFI)64.
No que concerne ao requisito do período mínimo de detenção, ele é dispensado
na Holanda e na Bélgica e fIxado, no que toca a dividendos6 S, em um ano, na Dina-
marca, no Luxemburgo, na Espanha, na Suíça, na Áustria.
No que respeita ao requisito do percentual de particir,ação, ele vai de 5% na Bélgica,
na Holanda e na Espanha até 10% no Luxemburgo e na Austria e na Dinamarca, sendo
que certos países, como a Bélgica e o Luxemburgo, dispensam referido requisito desde
que o investimento exceda um certo valor (p. ex.: no Luxemburgo 1.200.000 euros para
a isenção de dividendos e 6.200.000 euros para a isenção do ganho de capital).
Quanto ao requisito da sujeição da subsidiária a imposto, a Suíça o dispensa,
sendo certo, porém, que é muito distinto o nível de tributação mínimo exigido. Com
efeito, enquanto alguns países, como a Holanda, se contentam com um mínimo de
tributação efetiva (p. ex.: 0,1%), outros, como a Espanha, exigem a sujeição a um
imposto sobre as pessoas jurídicas a alíquota comparável à do país em causa, excluin-
do, consequentemente, subsidiárias localizadas em paraísos fIscais.
No que concerne ao requisito da natureza da renda obtida pela sociedade par-
ticipada, certos países excluem da isenção dividendos cuja origem é lucro de certa
natureza: assim, por exemplo, a Holanda recusa a isenção a rendimentos de portfolio
investments; a Áustria sujeita a imposto os rendimentos de natureza passiva (pro-
venientes de juros, locação de bens móveis ou venda de participações); a Espanha
também tributa os rendimentos de natureza passiva se forem preponderantes (85%
ou mais); e a Dinamarca tributa os dividendos de certas financiai companies.
Um regime muito importante de exoneração da dupla tributação econômica
dos dividendos foi consagrado no âmbito da União Europeia pela Parent Subsidiary
holdings de 1929) no campo de aplicação dos tratados contra a dupla tributação por eles cele-
brados com o Luxemburgo. Por esta razão (e para se conformar com as diretrizes da Comu-
nidade Europeia em matéria de retenções na fonte), este país adotou um novo regime para
as sociedades de participações financeiras (SOPARFI), que faz depender o regime isencional
de certos requisitos, como a participação no capital da sociedade investida não ser inferior a
10% do seu capital e esta participação ser detida por um período mínimo de 12 meses con-
tados da data do encerramento do balanço. Sobre o regime das SOPARFI luxemburgucsas,
adotado por regulamento grão-ducal de 24 de dezembro de 1990, cfr. WARNER, Luxembou'flJ
in International Tax Planning, Amsterdam 1996.
66 Cfr. LOYENS LEFÉBVRE RADLER, The Parent-Subsidiary Directive and Intemational Tax Plan-
ning, Amsterdam 1992.
67 Cfr. infra, 596 ss.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão MiN
dos centros de coordenação (Bélgica, Luxemburgo, País Basco e Navarra), dos centros
de distribuição e dos centros de serviços da Bélgica, bem como das sociedades financeiras
intragrupo da Holanda68 • A particularidade destes regimes está em que a base de cál-
culo é definida em termos presumidos ou estimados, o que tem por vezes levado à
sua consideração como medidas de concorrência fiscal potencialmente lesivas.
Quando dentro de um grupo de sociedades uma determinada entidade exerce
funções em caráter privativo e exclusivo para empresas desse mesmo grupo, usa-se
normalmente a expressão sociedades cativas, das quais são exemplos, em matéria de
crédito, os captive banks, e, em matéria de seguros, as captive off-shore insurance com-
panies. As sociedades de seguros cativas são usadas para contornar certas legislações
que proíbem o "autosseguro". Tais sociedades localizam-se em territórios que as
permitem (Guernsey; Bahamas e Gibraltar), assegurando assim a dedutibilidade dos
prêmios pagos pelos residentes em países de fiscalidade elevada, bem como a isenção
dos lucros da sociedade receptora.
Dentro das sociedades de serviços, merecem menção especial as sociedades de
faturação (invoicing companies) - que intervêm na venda ou compra de produtos por
conta da sociedade-mãe, não raro manipulando os preços com vista a transferir lu-
cros para territórios de fiscalidade privilegiada; e ainda as sociedades de artistas (rent-
a-star company) utilizadas por titulares de rendimentos não comerciais (artistas, des-
portistas, escritores), tendo por objeto deslocar a receita proveniente da atividade
de prestação de serviços para países de baixa fiscalidade, evitando a sua transferência
para o país da residência69 •
Uma figura jurídica frequentemente utilizada como instrumento de planeja-
mento fiscal é o Anstalt previsto pela legislação do Liechtenstein e que - embora
dotado de personalidade jurídica - não é uma sociedade, antes se aparenta ao trust
do direito anglo-saxã0 70 • O Anstalt é constituído por um fundador (cuja identidade
não é revelada, garantindo-se o pleno anonimato), o qual designa os beneficiários do
capital ou do rendimento, que tanto pode ser ele próprio como terceiros. Além da
isenção do imposto sobre o rendimento, o mecanismo de designação de beneficiá-
rios pode ser utilizado para elidir as regras das leis civis que estabelecem ordens de
precedência sucessória7 ] •
d) A questão da substância
International Tax Planning, 1995, 103. Sobre outras modalidades de sociedades-base, quan-
to ao objeto, como ftnance companies, intangible property holding companies, trading companies,
cfr. ANNAMARIA RArAKKO, Base Company Taxation, 20 ss.; ROY ROHATGI, Basic International
Taxation, 242 ss.
72 efr. ALBERTO XAVIER, Tipicidade da tributaçiÜJ, simulaçiÜJ e norma antielisiva, São Paulo 2001,
52 ss.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão I@ I
entre homens, disciplina que se traduz na sua unificação e na sua imputação a uma
entidade abstrata, dada a necessidade de imaginar um titular de direitos e deveres
distinto das pessoas físicas. A noção de pessoa jurídica é por isso e por natureza uma
noção funcional e relativa: funcional, porque a referida disciplina normativa de rela-
ções entre homens é ditada para que estes prossigam determinados fins de um modo
mais conveniente e racional; relativa, porque, sendo funcional, ela pode valer para
determinados fins ou efeitos, mas não valer quanto a outros 73 .
Ora, é precisamente à luz do caráter instrumental, funcional ou relativo da per-
sonalidade jurídica que deve ser examinada a questão da substância.
Substância é conceito que exprime a relação de adequação da estrutura da em-
presa às funções que constituem seu objeto social.
É evidente que os meios humanos e materiais adequados ao exercício, por uma
pessoa jurídica, de uma função de pura holding não são comparáveis aos necessários
ao exercício de uma atividade industrial: enquanto a holding é um puro centro abstra-
to de imputação de direitos, a atividade industrial requer um estabelecimento, isto é,
um complexo de pessoas e bens organizado para o exercício da empresa (art. 1.142
do Código Civil), que é a atividade econômica de produção ou circulação de bens ou
serviços (art. 966 do Código Civil).
A adequação dos meios em relação à função deve, pois, ser examinada, não de uma
forma genérica, mas sempre caso a caso, em função da natureza da empresa em causa.
A sua ausência poderá ser invocada como indício, prova indireta, de simulação
por interposição fictícia de pessoas.
Também a jurisprudência e a doutrina internacionais têm revelado forte tendên-
cia no sentido de exigir o requisito de substância como prova do exercício de uma
dada atividade econômica.
Caso paradigmático nesse sentido foi o célebre caso Cadbury Schweppes, submetido
à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, no qual este decidiu que a insta-
lação pelo Grupo Cadbury de duas subsidiárias na Irlanda, embora com o objetivo de se
beneficiarem de um regime fiscal mais favorável, não podia ter um tratamento fiscal dis-
criminatório (leis CFC) sob pena de violar o direito ou liberdade de estabelecimento.
Tal liberdade só cessaria onde houvesse aquilo que o Tribunal definiu como um
"wholly artificial arrangement".
Esta última expressão tem sido interpretada e desenvolvida em vários países
membros da União Europeia no sentido de significar que uma genuína atividade
econômica é exercida através de um estabelecimento englobador de recursos mate-
riais e humanos (substância organizacionalj74.
75 OCDE, Comentários, Comentário ao Artigo to, § 13; e OCDE Double taxation conventions
and the use of conduit companies.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
o Acórdão não considerou que cada um dos alegados indícios fosse, por si só,
suficiente para comprovar a simulação, mas que a comprovação da existência desta
resultaria da sua apreciação em conjunto.
O Acórdão concluiu pela simulação de intermediação de terceiras empresas com o
intuito de encobrir uma venda direta da empresa brasileira para os seus clientes no
exterior.
A elisão fiscal subjetiva opera, como se viu, através dos elementos de conexão
subjetivos, tais como a residência ou domicílio do sujeito passivo.
76 Cfr. IFA, The Tax Treatment ofTransftr ofResidence by Individuais, CDFI LXXXVII-b (2002),
643; I.-I. NEUER, Fraude fiscale internationale et répréssion, Paris 1986, 202; WALTER RY5ER,
Introduction au Droit Fiscal International de la Suisse, Bem 1980, 64 5S.
77 Cfr. supra, 222 ss.
I @ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
responsabilidade fiscal ilimitada pelo menos em cinco dos dez anos anteriores à emi-
gração; (c) tenha tido a cidadania alemã ao longo desses cinco anos; e (d) mantenha
interesses econômicos substanciais na Alemanha. Ocorrendo todos estes requisitos,
verifica-se a extended limited tax liability (erweiterte beschriinkte Steuerpflicht) pelos dez
anos seguintes à emigração, no que concerne aos rendimentos não considerados de
fonte estrangeira, os quais entram no cômputo do rendimento mundial para efeito
de tributação progressiva. É a figura da "responsabilidade fiscal alargada"78.
O direito comparado revela também que a rigidez da fronteira conceitual que
separa os residentes dos não residentes se tem atenuado pela adoção de regimes fis-
cais contemplando situações intermediárias, como as dos não residentes temporários ou
dos residentes não habituais.
Referidas situações respeitam a sujeitos residentes de um certo Estado que, du-
rante certo período, se tornam residentes noutro Estado, regressando depois ao país
onde eram inicialmente residentes. O segundo Estado pode autorizar aos "residentes
não habituais" um tratamento tributário mais favorável do que dos puros residentes,
consistente em o primeiro poder arrogar-se o direito de tributar certos rendimentos e
ganhos de capital pelos "não residentes temporários" durante o período de expatria-
ção, após o retorno, de modo a evitar deslocalizações de domicílio com finalidades
meramente elisivas 79 .
Também no Brasil se consagrou um regime de domicílio "alargado" para as pes-
soas físicas residentes no Brasil que transferirem sua residência para país ou dependência
de tributação favorecida ou com regime fiscal privilegiado (art. 27 da Lei nO 12.249, de
11 de junho de 2010). Tal regime consiste na manutenção da residência brasileira salvo
se ocorridos certos requisitos cuja prova incumbe ao interessad080 .
Outra modalidade de tributação no sentido de contrariar "abusos" na trans-
ferência de residência, por parte de pessoas físicas, está num exit tax aplicável aos
ganhos de capital "latentes" nas participações societárias possuídas por pessoas físicas
que transferem definitivamente a sua residência para fora do país. Esta é a solução
adotada pela Holanda, pela Áustria e pela Dinamarca81 •
Também o domicílio das pessoas jurídicas (a sua sede estatutária, direção efetiva
ou país de incorporação) pode ser escolhido ou deslocalizado com o propósito exclu-
sivo de evitar a sujeição a um certo ordenamento tributário ou atrair a aplicação de
regime tributário mais favorável.
a) Imposto de saída
o chamado "imposto de saída" (exit tax), previsto em algumas legislações eu-
ropeias, visa a restringir a liberdade de deslocação das empresas, e que envolve a livre
escolha quer do local para o início da atividade, quer do local mais conveniente para
continuá-la.
Os obstáculos respeitam à deslocalização das mais-valias não realizadas da socie-
dade de uma para outra jurisdição.
O exit tax é uma medida interna destinada a proteger as receitas fiscais do Es-
tado de residência de uma sociedade, penalizando a mudança de sede ou fenômeno
análogo, pela ereção de uma "muralha fiscal" apenas transponível pelo pagamento
prévio do imposto sobre os ganhos de capital potenciais (diferença entre valores de
mercado e contábeis) que se consideram ficticiamente realizados pelo próprio ato de
deslocalizaçã0 82 •
Via de regra, idêntico regime se aplica à cessação de atividade em certo territó-
rio de um estabelecimento permanente de entidade não residente, ou à transferência,
por qualquer título material ou jurídico, para fora desse território, de elementos
patrimoniais que se encontrem afetos ao estabelecimento estável.
A "realização presumida" dos ativos não desencadeia apenas os seus efeitos ao
nível da pessoa jurídica, podendo ainda conduzir à tributação dos sócios pela diferen-
ça entre o valor do patrimônio líquido avaliado a valor de mercado (marketvalue) da
sociedade a essa data e o preço de aquisição das respectivas partes sociais.
b) Treaty shopping
Tendo presente que os tratados contra a dupla tributação se aplicam às pessoas
que sejam residentes dos Estados contratantes, a residência num desses Estados pode
ser obtida com o propósito exclusivo de aproveitar o regime mais favorável de um
82 Ver o esrudo aprofundado dos exit tax em GruSEPPE MELIs, ProfIli sistematici de! "tranferi-
menta" della residenza fiscale delle socità, in HELENa T ÔRRES (coord.), Direito Tributário In-
ternacionalAplicado, vaI. II, 2004, 438 ss. Sobre a compatibilidade desta medida antiabuso
específica com as liberdades comunitárias, ver o caso Lasteyrie du Saillant, comentado por
SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, 321.
B I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
tratado que, de outro modo, não abrangeria a entidade em causa. Fala-se em tal caso
da treaty shopping, de uso impróprio ou de abuso das convenções83 •
Pense-se, por exemplo, numa pessoa física residente em Mônaco e que detém
investimentos em sociedade alemã. Mônaco e a Alemanha não têm entre si tratado
de dupla tributação. Tal pessoa constitui uma holding na Suíça com o propósito ex-
clusivo de se beneficiar da aplicação do tratado entre a Alemanha e a Suíça, que prevê
uma redução da alíquota de retenção na fonte sobre os dividendos.
A reação contra as práticas de treaty shopping tem-se manifestado, em nível inter-
nacional, pela inclusão, em certos tratados, dos muitos variados tipos de cláusulas.
Dentre elas a mais comum é a que limita a sua aplicação do Tratado à hipó-
tese de a pessoa residente ser necessariamente o beneficiário efttivo do rendimento,
excluindo assim do seu âmbito nominees, agentes ou conduit companies ("empresas
condutoras" ou "empresas-canal"), isto é, entidades que sejam meros canais de re-
transmissão de rendimentos, sem outro objeto real. Alguns dos tratados celebrados
mais recentemente pelo Brasil já contemplam esta ressalva no que tange a dividen-
dos, juros e royalties.
Os Comentários da OCDE - na versão revista em 1992 - sugerem aos Estados-
membros uma pluralidade de cláusulas alternativas tendentes a contrariar as práticas de
83 Cfr. BECKERjWURM (org.), Treaty Shopping, Devcnter, 1988; Luís EDUARDO SCHOUERI, Pla-
nejamento fiscal através de acordos de bitributaçÍÜJ - Treaty Shopping, São Paulo, 1995, passim;
HELENO TÔRRES, Direito Tributário Internacional, cit., 320 ss.; OCDE, Double Taxation
Conventions and the Use ofConduit Companies ("Conduit Company Rcport"), in OCDE,
International Tax Avoidance and Evasion - Four Related Studies, Paris, 1987; ver também o
Base Companies Report, de 1986; Tax Treaty Override, de 1989; e o Harmfol Tax Competition,
de 1998. SCHAUMBURG, Internationales Steuerrecht, 594 ss.; P. PISTONE, I:abuso delle conven-
zioni internazionali in materia fiscale, in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Dirittto Tributario
Internazionale, Pádua, 1999, 483; TULIO ROSEMIlUJ, Treaty Shopping: e! abuso de tratado,
in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tributario Internazionale, Pádua, 1999, 543;
STEF VAN WEEGHELjSTTBIlE DUHOT, The Improper Use ofTax Treaties (Kluwer), 1998; P. H.
J. ESSERSjG. BONTjE. KEMMEREN, The Compatibility ofAnti-Abuse Provisions in Tax Treaties
with EC Law (Kluwer), 1998; PETER CUS SONS, Harmonization and Treaty Shopping in the
OECD, in DENNIS CAMPIlELL (org.), International Tax Planning, 1995, 225; SOL PICCIOTrO,
International Business Taxation, Londres, 1992, 160; Roy ROHATGI, Basic International Taxa-
tion, 362 ss.; ADOLFO ATCHABAHIAN, Derecho Tributario Internacional, cit., 557; GIUSEPPE
MEUS, Profili sistematici de! "trasferimento" della residenza fiscale delle società, in HELENO
T AVElRA T ÔRRES (org.), Direito Tributário Internacional Aplicado, vol. II, São Paulo, 2004,
437. Vejam-se interessantes exemplos de treaty shopping, em GESTjTIXIER, Droit Fiscal Inter-
national, 547 ss. e MENEZES LEITÃO, EvasÍÜJ e fraude fiscal internacional, 322 ss. Pode, porém,
a tentativa de localização de domicílio ser contrariada se um exame cuidadoso dos fatos e
circunstâncias revela que a direção efetiva da subsidiária não se encontra no seu país de resi-
dência, mas no Estado de residência da sociedade-mãe, podendo até chegar-se ao ponto de
dizer que esta constimi ruTI estabelecimento permanente da subsidiária do (local de direção)
do qual sejam atribuíveis os lucros. Cfr. OCDE, Comentários, art. l.0, §§ 10.1 e 10.2. Com
o fenômeno do treaty shopping não se confunde o chamado rule shopping, ou seja, os casos em
que, no âmbito de um tratado que "normalmente" lhes seria aplicável, as partes se utilizam
"artificialmente" de certa ou certas regras objetivas em função de critérios de qualificação.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
uso impróprio dos tratados através de conduit companies. Tais cláusulas podem consis-
tir em reservar a aplicação dos tratados às sociedades que sejam controladas direta ou
indiretamente por residentes do Estado em causa (look-through approach) 8\ em excluir
expressamente do âmbito de aplicação dos tratados certos tipos de sociedades que, de
acordo com as leis internas, gozem de estatuto similar ao dos não residentes (exclusion
approach); em condicionar a aplicação das cláusulas do tratado que concedem isenções
ou reduções de imposto num dos Estados ao fato de o rendimento em causa estar efe-
tivamente sujeito a tributação no outro Estado (subject-to-tax approach) 85; em excluir
a aplicação de cláusulas do tratado que concedam isenção ou redução de imposto a
sociedades residentes nesse Estado, mas controladas por não residentes, nos casos em
que mais de 50% do rendimento sejam utilizados para pagar créditos de tais pessoas,
inclusive juros, royalties, publicidade, despesas de viagem etc (channel approach).
Os mesmos Comentários sugerem, no entanto, a atenuação do rigor das cláu-
sulas atrás referidas de modo a não penalizar casos de boa-fé, notadamente nas hipó-
teses em que as operações forem motivadas preponderantemente por razões econô-
micas substanciais e não para obter benefícios do tratado (general bona fide provision);
em que as empresas exercem no outro Estado negócios com substância real (activity
provision); em que a redução de imposto pretendida não é maior do que o imposto
efetivamente exigido pelo Estado contratante de que a sociedade é residente (amount
of tax provision); em que as ações da sociedade estão cotadas em bolsas de valores
(stock-exchange provision). Os mesmos Comentários sugerem, finalmente, excluir das
restrições estabelecidas para os não residentes os residentes de outros países com
quem o Estado em causa tenha celebrado tratados contra a dupla tributação (alter-
native reliefprovision) 86.
Grande parte destas cláusulas parciais podem integrar-se numa cláusula ampla
de limitação de beneficios, cujo objetivo é evitar que pessoas, que não são residentes
dos dois Estados contratantes, tenham acesso aos benefícios de um tratado pela uti-
lização de uma entidade que de outro modo se qualificaria como residente de um
desses Estados. O acesso ao Tratado seria, assim, reservado a "pessoas qualificadas".
A OCDE sugere um modelo de cláusula deste tipo, inspirado no art. 22 do
Modelo norte-americano de 1996. Seriam consideradas pessoas qualificadas as pessoas
físicas; as entidades governamentais; as sociedades cotadas na bolsa; e as sociedades
controladas direta ou indiretamente pelo menos em 50% por pessoas que tenham
direito à aplicação ao Tratado. Preveem-se, porém, cláusulas de salvaguarda relativas
84 Cfr. o art. 25 da Convenção em Israel e o art. 28, § 2°, da Convenção na África do Sul.
85 Cfr. art. I", § 2°, da Convenção com o México.
86 Cfr. OCDE, Comentários, art. 1°, parágrafos 12 a 29; Luís EDUARDO SCHOUERl, Planejamen-
to fiscal através de acordos de bitributaçéW - Treaty Shopping, São Paulo 1995, 140 SS.; HELENO
TÔRRES, Direito Tributário Internacional, cit., 362. Cfr. também FER<'1ANDO SERRANO ANTÔN,
Las medidas anti abuso en los convenios para evitar la doble imposición internacional y su
compatibilidad con las medidas anti abuso de carácter interno y el derecho comunitario, in
HELENO TÔRRES (org.), Direito Tributário InternacionalAplicado, São Paulo 2003, 157.
mp I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
87 Cfr. OCDE, Comentários, art. 1°, § 20; P. PISTONE, I.:abuso delle convenzione internazionale
in materia fiscale, in V UCKMAR, Corso di Diritto Tributario lnternazionale, cit., 53; T. ROSEN-
EU), Treaty shopping: el abuso de tratado, in V UCKMAR, ibidem, 557 ss.
88 Cfr. OCDE, Comentários, art. 1°, § 21.2.
89 Cfr. OCD E, Comentários art. 10, § 21. 3. Cfr. art. 28, § 10, da Convenção com a África do
Sul, e o art. 27, § 2°, da Convenção com o Peru.
90 Cfr. OCDE, Comentários, art. I", § 21.4. Veja as repercussões desta cláusula nos métodos
de eliminação da dupla tributação. OCDE, Comentários, art. 23-A e 23-B, § 31.3.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
91 Quelques réfléxions sur les mesures unilatérales prises par la Suisse contre I'utilisation abusive
des traités préventift de la double imposition. Some Rejlections on the Unilateral Measures taken
by Switzerland against the Abuse of Treaties for the Avoidance of Double Taxation, Intertax 2
(1975),60; ID., Measures taken by Switzerland against the Improper Use ofDouble Taxa-
tion Treaties, Publication ofthe International Bulletin ofFiscal Documentation 19 (1963),21;
ID.,Introduction au Droit FiscalInternational de la Suisse, Berne 1980, 184 ss.; MAx WIDMER,
Die schweizerischen Maflnahmen gegen den Miflbrauch von Doppelbesteuerungsabkommen, Steu-
er und Wirtschaft XL (1963), 381; A. KNECHTLE, Grundfragen des Internationalen Steuerre-
chts, Basel1976, 128 ss. Ao abrigo da legislação suíça de 1962, quatro indivíduos alemães
eram sócios de uma partnership suíça que detinha todas as ações de uma sociedade suíça. Esta
última detinha ações em sociedade domiciliada em Portugal. A companhia suíça pretendeu a
restituição do imposto retido em excesso sobre os dividendos, invocando o tratado Portugal-
Suíça. Esta restituição foi recusada porque pessoas não abrangidas no Tratado tinham inte-
resse relevante, negando-se assim a aplicação do Tratado à partnership. Cfr. BAKER, Double
TaxationAgreements and International Tax Law, Londres 1991,62.
92 É o que sucede nos casos em que uma Convenção fiscal exija a presença de um estabelecimento
permanente como requisito de tributação e o contribuinte impede que este se exteriorize. Assim,
por exemplo, uma sociedade com sede na Suíça e que pretende distribuir um produto na
França, em vez de instalar neste país um estabelecimento estável, organiza uma rede de agen-
tes ou representantes dependentes, apoiada por centros de serviços auxiliares e preparatórios
(marketing, publicidade). A respeito desta montagem, já se falou num estabelecimento estável
"estilhaçado" (éclaté) ou "submarino". Cfr. I.-I. NEUER, Fraude fiscale internationale, 209.
93 Cfr. ANNAMARlA RAPAKKO, Base Company Taxation, 16-17.
I p I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
A divisão do rendimento opera-se através da prática pela qual se procura criar ele-
mentos de conexão que permitam a sua imputação a diversos territórios, elementos
de conexão sem os quais os rendimentos seriam imputados a um único ordenamen-
to. É o que sucede, por exemplo, quando um artista que realiza espetáculos em vários
países, neles auferindo rendimentos, em vez de os submeter à tributação no seu país
de residência, constitui uma ou mais sociedades (rent-a-star company) que auferem
os rendimentos de fonte estrangeira. É também o que sucede no chamado sistema de
split-payroll, pelo qual os salários dos quadros dirigentes de um grupo de empresas,
em vez de serem pagos pela matriz, para a qual prestam efetivamente serviço, são pa-
gos pelas subsidiárias e sucursais instaladas noutros países, com o objetivo de reduzir
o impacto da progressividade ao nível das pessoas físicas e de aumentar as despesas
dedutíveis em países em que tal se revele vantajoso.
A acumulação de rendimentos opera-se pela via da constituição de uma sociedade-
base em países de fiscalidade privilegiada, com o objetivo de nela concentrar os lucros
do grupo, de modo a diferir a tributação no país de domicílio dos sócios (pessoas
físicas ou jurídicas), para o momento em que os lucros lhes forem distribuídos. Tal
diferimento (tax deferral) apresenta a vantagem da flexibilidade quanto ao momento
mais oportuno para a distribuição tributável, que pode ser, por exemplo, o período
em que o sócio - pessoa jurídica - apresentar prejuíws fiscais compensáveis 94 •
94 Cfr. ANNAMARIA RAPAKKO, Base Company Taxation, 53 ss.; MAGNIN, IJimputation des bénéfices
accumulés, nouvelle arme contre l'évasion fiscale internationale, Genebra 1971; LANG/ArGNER/
SCHEUERLE/STEFANER (eds.), CFC Legislation, Tax Treaties and EC Law, Kluwer, 2004.
95 Cfr. MARSHALL J. LANGER, Tax Haven5 and Tax Policies in the European Community, Tax
Haven Review 1976, 1 55. C. PENNERA, La lutte contre l'évasion fiscale il1tcrnationale en Ré-
publique Fédérale d'Allemagne, ReJlue des Sociétés 3 (1976).
96 Sobre a Auflensteue1lfesetz, ver HAl'lS FLlCKjWASSERMEYER/BECKER, KfJmmentar zum Auflens-
teuergesetz, Colônia 1973; G. WÓHRLE,Auflensteue1lfesetzI&mmentar, Smttgart 1973; KLAus
BREZING/HELMUT KRABBE/GERHARD LEMPENAU/JÓRG MÓSSNER/BERNDT RUNGE, Auflens-
teuerrecht - KDmmentar, Herne/Berlim 1991; WOLFGANG LIPPS, Auflensteuerrecht, Berlim
1986; ID., Auflensteuerrecht (Grundrifl for Studium und Praxis) , Baden-Baden 1987.
L-_ _ _ _ _ _ _ _ _ _:: Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão IB I
97 E daí as legislações que nela se inspiraram passarem a ser denominadas de "Subpart F" ou do
tipo "CFC".
98 USo International TaxationBase Company TaxationInternational Business Taxation111; PHlLIP
A. STOFFREGENjSTEWART R. LIPELES, United States Antiavoidance Measures affecting Multi-
national Corporations, in DENNIS CAMPBELL (org.), International Tax Planning, 1995,251;
ALEXANDER, Foreign Personal Holding Companies and Foreign Corporations that are Personal
Holding Companies, Yale Law Journal1958, 1173; A. RADo, United States Taxation ofForeign
Investment: the New Approach, Amsterdam 1963, 32; BÜHLER, Principios, 186; SCHAUMBURG,
Internationales Steuerrecht, 288; E. SAc'1Z GADEA, Transparencia fiscal internacional, Madrid
1996; TULIO ROSEMBUJ, Derecho Fiscal Internacional, Barcelona 2001, 174 sS.
99 Veja o § 15 da Atillensteuergesetz. Cfr. BREZING/KRABBE, Auflensteuerrecht - Kommentar,
663; SCHAUMBURG, Internationales Steuerrecht, 244 sS.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
100 Cfr. O. WILSER, Der Durchgriffbei Kapitalgesellschaften in Steuerrecht, Heidelberg 1960, 134;
BELLSTEDT, Beteiligungen an ausldndischen Zwischengesellschafen nach dem Auflensteuer;gesetz,
Frankfurr-am-Main 1972, 242; VON BECKERATH, Der Durchgriff im deutschen Auflensteuer-
recht, 1978; H. DEBATlN, Die Basisgesellschaft in der Wértung, Steuer und Wirtschaft 1967,
313; MAGNIN, Ilimputation des bénéftces accumulés, nouvelle arme contre l'évasion fiscale inter-
nationale, Genêve 1971. Sobre o § 14 da Auflensteuer;gesetz, ver BREZING/KRABBE, Auflens-
teuer;gesetz - Knmmentar, 621 ss.
101 Cfr. SCHAUMBURG, Internationales Steuerrecht, Colônia 1993, 315 ss.; WILKE, Lerhbuch des
internationalen Steuerrechts, 164 ss.; ANNAMARIA RAPAKKO, Base Company, 136 ss. A lei
alemã introduziu o conceito de companhia de investimento estrangeiro passivo (Lei de 14 de
fevereiro de 1992), que prevê também a presunção automática de distribuição de rendi-
mentos e a eliminação da isenção relativa a intercompany dividends, quanto a sociedades
instaladas em país de baixa tributação, ainda que não controladas por residentes na Ale-
manha, bastando que estes sejam titulares de 10% ou mais das ações: cfr. International
Taxation (maio 1992),17.
102 Cfr. OCDE, ControlledForeign Company Legislation, PaSis 1996. Entre eles Estados Unidos,
Espanha e Suécia. Não têm legislação do tipo CFC a Austria, a Bélgica, a Holanda, o Lu-
xemburgo e a Suíça. Muito embora de natureza diferente, a reavaliação obrigatória a valores
de mercado previsto na lei holandesa tem consequências similares às de um regime CFC.
Veja-se o exame destas legislações em TAÍSA MACIEL, TributaçÍÚJ de lucros das controladas e coli-
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
gadas estrangeiras, Rio de Janeiro 2007,38 ss.; JOÃo FRANCISCO BrANCO, Transparência fiscal
internacional, São Paulo 2007, 28 ss.
resultados. Semelhante sistema é apenas adotado, além do Brasil, pela Nova Zelân-
dia I06. A total inexistência de um elemento "abusivo" relacionado ou com o território
de domicílio ou com a natureza do rendimento leva mesmo a afirmar que não se trata
de uma lei "CFC".
Nesta sistemática o instituto perde as suas características antielisivas para se
tornar num instrumento antidiferimento, destinado a assegurar a neutralidade da
exportação de capitais até às suas últimas consequências 107 •
Os regimes de tributação em causa têm sido explicados na doutrina de diversos
modos: (i) ou como desconsideração da personalidade jurídica das controladas ou
coligadas estrangeiras, que permitiria ao Fisco nacional "levantar o véu" da perso-
nalidade jurídica destas sociedades para atingir diretamente os seus lucros (piercing
the veil approach) teoria da desconsideração ou do Durchgrijf); (ii) ou como uma pre-
sunção legal de distribuição da totalidade do lucro auferido por aquelas sociedades
(fictive ou deemed dividend approach ou teoria do dividendo ficto); (iii) ou como uma
desconsideração do seu próprio domicílio estrangeiro, presumindo-as domiciliadas
no país da sociedade controladora ou coligada; (iv) ou ainda - como nos parece cien-
tificamente mais correto - recorrendo à ideia de "transparência fiscal internacional"
(pass-through entity) das sociedades controladas e coligadas estrangeiras, segundo a
qual o lucro destas não lhes é imputado para efeitos fiscais, devendo apenas tributar-
se os sócios na proporção em que estes participam naquele lucro J08 .
Tanto a teoria de desconsideração da personalidade jurídica quanto a da trans-
parência fiscal internacional têm de comum permitir à lei ignorar o intermediário
formal representado pela pessoa jurídica estrangeira "aparente" (disregarding, pier-
cing the veil ou lifting the veil of the corporate entity - na terminologia anglo-saxônica
- ou penetrando - Durchgriff- na personalidade jurídica da sociedade - na expressão
alemã), para atingir diretamente os seus sócios. Na verdade, sendo a personalidade
jurídica uma criação do direito, um simples instrumento de prossecução coletiva dos
interesses dos sócios, como agudamente o revelou ASCARELLI, tal criação só deve ser
consagrada e respeitada na medida em que ela não se revelar, em si mesma, antijurídi-
ca. E sendo a personalidade jurídica realidade meramente instrumental não repugna
que ela seja considerada para certos fins e desconsiderada para outro ou outros.
A nuança entre uma e outra concepção está em que, enquanto o regime de
transparência fiscal é obra da lei, a técnica da desconsideração aUla casuisticamente
106 Cfr. OCDE, ControlledForeing Corporations) cit.) 12,31. A Nova Zelândia não aplica, porém,
a sua legislação a poucos países taxativamente incluídos numa "lista cinza". T AÍSA MACIEL, op.
cit., 56 ss.
107 J. M. ALVlUDÍ CID, El régimen juridico de transparencia fiscal internacional ... ) cit.) 117.
108 Cfr. FALCON Y TELLA, Analisis de la transparencia tributaria) Madrid, 1984, 186 ss.; TULlo
ROSEMBUJ, Transparcncia fiscal internacional. Aspectos críticos (separata da Revista de la EC01W-
mia Social y de la Empresa, 27/28); ID., De1·echo Fiscal Internacional, Barcelona, 2001, 174 ss.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
109 Cfr. neste sentido FALCON y TELLA,Analisis de la transparencia tributaria, Madrid, 1984, 186
sS.; J. M. ALMUDÍ CID, El régimen juridico de transparencia fiscal internacional) cit.) 145; J. F.
BIANCO, Transparência fiscal internacional) cit., 23.
110 Cfr. TULIO ROSEMBUJ, Derecho Fiscal Internacional, Barcelona 2001, 203; ID., Transparência
fiscal, 21 refere-se a wna ultraterritorialidade ofonsiva.
III ALAN STROUP/COLIN MAsTERs, Transfer Pricing, Londres 1991; SOL PICCIOITO, International
Business Taxation) Londres 1992, 171 SS.; MAISTo, 11 "transfer price)) nel diritto tributaria ita-
liano e comparato, Pádua 1985; ID., Transfer Pricing in the Absence of Comparable Market
Prias (relatório geral), CDFI LXXVII-a (1992),19; SERGIO CARBONE, Pressuposti soggetivi
e profili contrattuali della disciplina del "prezzo dei trasferimenti internazionali di ricchezza"
nei recenti sviluppi dell'ordinamento italiano, Diritto e Pratica Tributaria 1981-1, 421; MA-
RIA TERESA BARBoT VEIGA DE FARIA, Preços de transferência. Problemática geral) inA Inter-
nacionalizaçífu da Economia e a Fiscalidade - XXX Aniversário do Centro de Estudos Fiscais,
Lisboa 1993, 397; JILL PAGAN/SCOIT WILKIE, Transfer Pricing Strategy in a Global Economy,
Amsterdam 1992; FELIPE JESÚS CARRION HERRERO, El problema de la transferencia de bene-
tiO Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
ficios, in XXII Semana de Estudios de Derecho Financiero, Madrid 1974, 373 sS.; rnTER.<'-'ATIO-
NAL CHAMBER OF COMMERCE, Multinational Enterprise: International Tax Consequences ofIn-
ternaI Pricing Policies, BIFD 6 (1975); WOLFGANG RITTER, Allocation of Expenses in
InternationalArm)s Transactions ofRelated Companies (relatório geral), CDFI LX-b (1975),
1; FRANCESCA BALZANI, Il transfer pricing, in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tribu-
tário Internazionale) Pádua 1999, 589; BELLSTEDT, Die Besteuerung international verflochtener
Gesellschaften, Colônia 1973; BAUMHOFF, in MÓssNER/et al., Steuerrecht, 259; H. E. BACH-
MANN, Ilaspect fiscal des ventes internationales entre sociétés affiliées, Berna 1950. É amplíssima
a bibliografia brasileira em matéria de preços de transferência. Além dos estudos citados ao
longo do texto, merece especial referência a monografia pioneira de Luís EDUARDO SCHOU-
ERI, Preços de transftrência no direito tributário brasileiro) São Paulo 1999 (2' ed. 2006), bem
como a de PAULO AYRES BARRETO, Imposto sobre a renda e preços de transftrência, São Paulo
2001. Quanto a artigos de revista, cfr. ANTONIO CARLOS RODRIGUES DO AMARAL, Bases glo-
bais do imposto de renda e Transfer Pricing no Brasil, RT (CDTFP) 17 (1996), 109; ID., O
preço de transferência e critérios de comparabilidade, in Luís EDUARDO SCHOUERI!VALDIR
DE OLIVEIRA ROCHA (org.), Tributos e preços de transftrência, 2° voi., São Paulo 1999, 61; ID.,
O preço de transferência (transfer pricing) no Mercosul- II Jornada Tributária do Mercosul,
RT (CDTFP) 22 (1998),206; ID., O preço de transferência no Brasil e a experiência inter-
nacional, in Tributos e preços de transftrência, São Paulo 1997, 9; ALEXANDRE SICILIANO BOR-
GES, Preços de transferência e E-Commerce, in Luís EDUARDO SCHOUERI (org.), Internet. O
Direito na era virtual, São Paulo 2000, 211; FÁBIO JUNQUEIRA DE CARVALHO/MARIA INÊS
MURGEL, Preços de transferência - presunção de evasão fiscal e inexistência de indicação do
método para determinação dos preços, in Tributos e preços de transftrência, cit., 2° voi., São
Paulo 1999, 143; GERD W ROTHMANN, O método do preço de revenda e a produção local,
in ibidem, 155; PAULO BORBA CASELLA!THELMA PEREZ SOARES CORREA/RALPH SAPOZNIK,
Preço de transferência: "Interface" entre direito interno e direito internacional, in ibidem,
277; EDISON CARLOS FERNANDES, Tratamento convencional entre Brasil e Argentina sobre
preço de transferência, in DEJALMA DE CAMPOS (org.), O sistema tributário e o Mercosul, São
Paulo 1998, 124; ID., Preço de transferência no Mercado Comum do Sul, in Tributos e preços
de transftrência, cit., 2° voi., São Paulo 1999, 85; LUCIANA ROSANOVA GALHARDO, Preços de
transferência - limites à fiscalização, in ibidem, 243; JosÉ ARTUR LIMA GONÇALVES, Certos
aspectos da disciplina dos preços de transferência em face do Ordenamento Constitucional
Brasileiro, in ibidem, 217; MIGUEL HIW NETO, Preços de transferência e valor aduaneiro - a
questão da vinculação à luz dos princípios tributários, in ibidem, 257; RICARDO MARIZ DE
OLIVEIRA, Preço de transferência - o método do custo mais lucro - o conceito de custo - o
método do custo mais lucro e as indústrias de alta tecnologia - como conciliar dispêndios
intensivos, em pesquisas e desenvolvimento, com esse método, in ibidem, 293; ELEN PEIXOTO
ORSINI, O princípio "Arm's Length" e a Legislação Interna Brasileira, in ibidem, 117; ID.,
Acordos internacionais e preço de transferência, RDT 79 (2001), 279; ADILSON RODRIGUES
PIRES, Controle do preço de transferência e as operações de comércio exterior, in ibidem, 9;
JOÃo DÁCIO ROLlM, A adoção pelo direito brasileiro da análise econômica dos preços de
transferência e (des) vantagens dos acordos antecipados de preços, in ibidem, 209; ID., As
presunções da Lei 9.430/96 e os casos especiais nos preços de transferência, in Tributos e
preços de transftrência, São Paulo 1997, 39; ORDÉLIO AZEVEDO SETTE!JOÃO RUGGERO LOPEz,
Preço de transferência, in O sistema tributário e o Mercosul, cit., São Paulo 1998, 131; AGOS-
TINHO TOFFOLI TAVOLARO, Tributos e preços de transferência, in ibidem, 23; HELENO TAVEIRA
TORRES/ANA CLAUDIA AKJE UTUMI, O controle fiscal dos preços de transferência e os meios
de prova admitidos para a definição de preços e custos médios, in ibidem, 165; RICARDO
LOBO TORRES, O princípio arm's length, os preços de transferência e a teoria da interpretação
do Direito Tributário, RDDT 48 (1999), 122; ALMIR ROGÉRIO GONÇALVES, Conceitos, re-
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão .i'
gras e situação atual do transfer price no Brasil, RTFP 34 (2000), 129; PLÍNIO JOSÉ MARA-
FON, Preços de transferência, ibidem, 71; IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, Preços de transfe-
rência, ibidem, 29; ROBERTO QUIROGA MOSQUERA, O regime jurídico-tributário dos preços
de transferência e a Lei nO 9.430/96, in ibidem, 87; EDUARDO FELIPE OHANA, Preço-transfe-
rência - Alguns problemas para países da América Latina, Tributação em revista (1996), 47;
RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA, Tributos e preços de transferência, in Tributos e preços de trans-
ferência, São Paulo 1997, 77; Luís EDUARDO SCHOUERI, Preços de transferência e acordos de
bitributação, in Tributos e preços de transforência, São Paulo 1997, 53; ANA CLÁUDIA AKIE
UTUMI, Precios de transferencia: principios de la OCDE y la realidad de la aplicación en
Brasil, in VICTOR UCKMAR/ALEjANDRO C. ALTAMIRANOjHELENO TAVEIRA TÔRRES (org.),Im-
puestos sobre el comercio internacional, Buenos Aires 2003,715; ANTONIO CARIDS RODRIGUES
DO AMARAL, Transfer Pricing, in EDVALDO BRITO/ROBERTO ROSAS (org.), Dimensão jurídica
do tributo: homenagem ao Professor Dejalma de Campos, São Paulo 2003, ANTONIO AMENDOLA,
Breves comentários sobre os acordos prévios de preços de transferência, in HELENO TAVEIRA
TÔRRES (org.), Direito Tributário InternacionalAplicado, vol. Iv, São Paulo 2007, 459; JULIO
CESAR DE BARROS ASSIS, Preços de transferência: fecha-se o cerco. O CFC impõe responsa-
bilidade ao administrador e aos auditores, Revista de Direito Tributário daAPET 1 (2004),
143; FRANCESCA BALZANI, El concepto "Transfer Pricing", in VICTOR UCKMAR/ALEjANDRO C.
ALTAMIRANOjHELENO TAVEIRA TÔRRES (org. ),Impuestos sobre el comercio internacional, Buenos
Aires 2003, 645; ELIDIE PALMA BIFANO/CASSIUS VINICIUS DE CARVALHO, Preços de transfe-
rência: estudo de caso, in EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI/FERNANDO AURELIO ZILVETI
(org.), Direito Tributário: tributação empresarial, São Paulo 2009, 177; JosÉ LUIZ BORDIG-
NON, A legislação sobre preços de transferência no Brasil frente ao ordenamento jurídico
pátrio e o modelo da OCDE, RFDT 31 (2008), 165; MAURICIO BRAGA CHAPINOTI, Preços
de transferência: o princípio arm's length aplicado a bens intangíveis, RDTI 3 (2006), 125;
JosÉ GUILHERME FERRAZ DA COSTA, Distribuição disfarçada de lucros e preços de transferên-
cia: uma análise comparativa e evolutiva, RTFP 63 (2005), 192; NAPOLEÃO DAGNESE/DIEGO
ALEjANDRO COSTA MARCHANT, Precos de transferência e sua harmonização no Direito Comu-
nitário europeu e mercosulino, RDTI 3 (2006), 157; EDISON CARLOS FERNANDES, Acordos
multilaterais do comércio, não discriminação tributária e controle fiscal dos preços de trans-
ferência, RDTI 4 (2006), 67; DIOGO FERRAZ, O possível conflito entre os preços de transfe-
rência e a legislação CFC, RDDT 121 (2005),22; LUCIANA ROSANOVA GALHARDO, Preços de
transferência e as reorganizações societárias, in Grandes questões atuais do Direito Tributário,
vol. 8, São Paulo 2004, 322; FRANCISCO ALFREDO GARcÍA PRATS, Los precios de transferen-
cia: su tratamiento tributario desde una perspectiva europea, in HELENO TAVEIRA TÔRRES
(org.), Direito Tributário Internacional Aplicado, vol. III, São Paulo 2005, 255; RICARDO
MAROZZI GREGORIO, Preços de transferência: uma avaliação da sistemática do método PRL,
in Luís EDUARDO SCHOUERI (org.), Tributos e preços de transforência, 3° vol., São Paulo 2009,
170; VASCO BRANCO GUIMARÃES, Natureza jurídica e função dos Advance Pricing Agree-
ments, RDTI 6 (2006), 134; JosÉ GOMES JARDIM NETO, A interpretação da legislação de
preços de transferência por parte do Fisco no Brasil: podemos aprender com os erros?, RDTI
4 (2006), 109; RAFAEL MACEDO MALHEIRO, Limites à atuação dos agentes fiscais na eleição
de um parâmetro de preço de transferência nos casos de inércia do contribuinte, RDTI 3
(2006), 205; ATAÍDE MARCELINO JÚNIOR, Perspectivas ao acordo sobre medidas de investi-
mentos relativas ao comércio (TRIMS) perante a OMC: investimentos e transfer pricing,
RTFP 62 (2005), 11; LIONEL BONNER NOBRE, Refletindo sobre o controle de transferência
de preços no Brasil, in MARCELO MAGALHÃES PEIXOTO (org.), Planejamento tributário, São
Paulo 2004,593; RAQUEL NOVAIS/MARCO ANTÔNIO BEHRNDT, A interpretação das regras de
preços de transferência pelo Conselho de Contribuintes, RDTI 6 (2007), 61; PAULA ROSADO
PEREIRA, A introdução dos acordos prévios sobre preços de transferência em Portugal, RFDT
Pi.A Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
(2006), 185 SS.; RAFAEL M. MALHEIRO, Limites à atuação dos agentes fiscais na eleição de
um parâmetro de preço de transferência nos casos de inércia do contribuinte, RDTI, na 3
(2006), 205 SS.; RAFAEL MACEDO MALHEIRO, Controle de preços de transferência sobre
operações financeira e registro do contrato no BACEN, RDTI, ano 3, nO 8 (2008), 211
sS.; LUIS EDUARDO SCHOUERI, Considerações sobre o princípio arm)s length e os secret compa-
rables, Homenagem a PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito Tributário, São Paulo 2008,
834 SS.; RAFAELLE Russo, The Application of the Arm's Length Principie Intra-Company
Dealings: Back to the Origins, RDTI, 2005, 133 sS.
., I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
112 Cfr. A. SHORT, Le projet américain de réglements concernant fIxation de prix entre sociétés
imbrinquées, La Fiscalité du Marché Commun 1957, 534; H. DAVID ROSENRLOOM, O regi-
me americano sobre preços de transferência: Benchmarks e Hallmarks, in HELENO TAVElRA
TÔRRES (org.), Direito Tributário InternacionalAplicado, vol. UI, São Paulo 2005, 327.
113 RefIra-se também, pelo seu grau de detalhe e rigor, a disciplina alemã de transferência de
preços, constante da carta do Ministro das Finanças, de 13 de fevereiro de 1983, e que
contém os princípios administrativos para o exame da alocação do rendimento, em casos de
empresas internacionalmente ligadas (Vérwaltungsgrundsdtze for der Prüfong der Einkunftsa-
bgrenzung bei international verbundene Unternehmen). Cfr. BELLSTEDT, International Transac-
tions 1l:tx Act and Administration, Principies on Income Allocation (trad. do original alemão
Auflensteue':!fesetz und Verwaltungsgrundsdtze zu Verrechnungspreisen) , Colônia 1987.
114 São fundamentais os três relatórios do Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE: Transftr Pric-
ing and Multinational Entreprises, Paris 1979; Transftr Pricing and Multinational Entreprises:
three Taxation Issues, Paris 1984 e Transftr Pricing Cuidelines for Multinational Enterprises and
TaxAdministrations, Paris 1996.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
115 JosÉ GUILHERME FERRAZ DA COSTA, Distribuição disfarçada de lucros e preços de transferên-
cia: uma análise comparativa e evolutiva, RTFP 63 (2005), 192.
116 Cfr. PAULO ROBERTO ANDRADE, Valoração aduaneira e preços de transferência no Brasil -
uma comparação objetiva, RDTI, nO 1, São Paulo 2005, 121 SS.; MIGUEL HILÚ NETO, O elo
jurídico entre a valoração aduaneira e os preços de transftrência, in EDISON CARLOS FERNANDES
(coord.), Preços de transftrência, São Paulo 2007, 63 sS.
117 Cfr. supra.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
118 Cfr. Luís EDUARDO SCHOUERI, Preços de transferência no Direito Tributário brasileiro (2 a ed.),
São Paulo 2006, 3755.; PAULO MARCELO DE OLIVEIRA BENTO, As regras brasileiras de preços
de transferência e o princípio arm's length - Uma análise multidisciplinar, RDTI, nO 2, ano
1, São Paulo 2006,10355.; RAFAELLE Russo, The Application ofthe Arm's Length Principle
Intra-Company Dealings: Back to the Origins, RDTI, 2005, 133 55.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
119 Para efeito do inciso V considera-se que a empresa domiciliada no Brasil e a domiciliada no
exterior estão sob controle societário comum quando uma mesma pessoa física ou jurídica,
independentemente da localidade de sua residência ou domicílio, seja titular de direitos de
sócio em cada uma das referidas empresas, que lhe assegurem, de modo permanente, pre-
ponderância nas deliberações sociais daquelas e o poder de eleger a maioria dos seus admi-
nistradores (Instrução Normativa nO 243/02, art. 2°, § 1°, I). Considera-se que a empresa
domiciliada no Brasil e a domiciliada no exterior estão sob controle administrativo comum
quando: (a) o cargo de presidente do conselho de administração ou de diretor-presidente
de ambas tenha por titular a mesma pessoa; (b) o cargo de presidente do conselho de admi-
nistração de uma e o de diretor-presidente de outra sejam exercidos pela mesma pessoa; (c)
uma mesma pessoa exercer cargo de direção com poder de decisão, em ambas as empresas
(Instrução Normativa nO 243/02, art. 2°, § 1°, II).
I p I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
120 Na hipótese do inciso VII as empresas serão consideradas vinculadas somente durante o
período de duração do consórcio ou condomínio no qual ocorrer a associação (Instrução
Normativa nO 243/02, art. 2°, § 2°).
121 Para efeito do inciso VIII considera-se companheira de diretor, sócio ou acionista contro-
lador da empresa domiciliada no Brasil, a pessoa que com ele conviva em caráter conjugal,
conforme o disposto na Lei nO 9.278/96 (Instrução Normativa n° 243/02, art. 2°, § 30).
122 Nas hipóteses dos incisos IX e X (I) a vinculação somente se aplica em relação às operações
com os bens, serviços ou direitos para os quais se constatar a exclusividade; (11) será conside-
rado clistribuidor ou concessionário exclusivo a pessoa física ou jurídica titular desse direito
relativamente a uma parte ou a todo o território do País, inclusive do Brasil; (iii) a exclusi-
vidade será constatada por meio de contrato escrito ou, na inexistência deste, pela prática de
operações comerciais, relacionadas a um tipo de bem, serviço ou clireito, efetuadas exclusi-
vamente entre as duas empresas ou exclusivamente por interméclio de uma delas (Instrução
Normativa nO 243/02, art. 2°, § 4°).
123 Sobre o conceito de interposta pessoa, cfr. UCKMAR/GIULIANI, Interposition in Italian Taxa-
tion on Internal and International Transactions, in Essays in International Taxation, Deven-
ter/Boston 1993, 387, espec. 394.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
124 Cfr., sobre este conceito, PIERO VILLANI, Preço de transferência de bens entre empresas afi-
liadas e seu controle no Direito italiano, RDT 51 (1990),32 sS.
M.I.I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
dos preços de transferência, mas de uma inversão do ônus da prova, de modo que
a dedutibilidade das despesas só é aceita se o contribuinte provar o caráter real das
operações em causa e que as remunerações não apresentem um caráter anormal ou
exagerado 11S •
A matéria relativa aos conceitos de países com tributação favorecida e regimes
fiscais privilegiados na legislação brasileira já foi tratada, de modo amplo, noutra
passagem deste livro, em que se examinaram os instrumentos da elisão fiscal interna-
cional, para o qual se remete o leitor l26 .
Correndo embora o risco de repetição, não pode deixar neste lugar de se desta-
car os aspectos mais relevantes daqueles conceitos para efeitos específicos de preços
de transferência, para os quais aliás foram entre nós formulados.
O conceito de país com tributação favorecida comporta duas espécies:
- os países que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota máxima infe-
rior a vinte por cento (art. 24 da Lei nO 9.430/96 e §§ 1° e 3° introduzida pela Lei
nO 10.451, de 10.05.02).
- os países com sigilo societário, assim considerados aqueles "cuja legislação in-
terna oponha sigilo relativo à composição societária das pessoas ou à sua titularieda-
de (art. 4° da Lei nO 10.451, de 10.05.02) ou "à identificação do beneficiário efetivo
de rendimentos atribuídos a não residentes" (§ 4° do art. 24 da Lei nO 9.430/96,
introduzido pela Lei nO 11.727/08).
A baixa tributação e a opacidade passaram, pois, a ser duas modalidades equi-
valentes de tributação favorecida para a generalidade dos efeitos, notadamente do
regime de preços e transferência127.
Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, que
preveem como métodos clássicos de apuração dos preços de transferência o dos pre-
ços independentes comparados (Comparable Uncontrolled Price Method) , o do preço
de revenda (Resale Price method) e o do custo mais margem (Cost Plus Method). Tais
métodos, como se verá, foram aqueles acolhidos pela lei, com a particularidade de
que no Brasil as margens aplicadas nesses métodos foram prefIxadas pelo legislador,
enquanto que nos países que seguem a metodologia proposta pela OCDE essas mar-
gens são defInidas caso a caso, considerando as práticas de mercado em função do
ramo de atividade e do produto individualmente considerado.
A prefIxação legal de margens tem sido objeto de severas críticas por parte
da doutrina, devido à possibilidade de que se verifIque em certos casos verdadeira
incompatibilidade com a margem de mercado real e efetivamente utilizada em de-
terminados ramos de atividade, o que resultaria indiretamente numa tributação do
patrimônio da pessoa jurídica, vedada pelo art. 43 do CTN.
Reconhecendo esta realidade, a Medida Provisória nO 478/09, que entretanto
perdeu efIcácia, trouxe uma importante inovação ao introduzir um art. 19-A à Lei
nO 9.430/96, no qual autoriza o "Ministro de Estado da Fazenda a fIxar margens de
lucro diferentes por setor ou ramo de atividade econômica para fIns de apuração dos
preços parâmetros relativos aos métodos de que tratam os arts. 18 e 19".
Tal autorização não se confunde com aquela estabelecida no art. 20 da mesma
Lei, que permite que o Ministro da Fazenda, em circunstâncias especiais, altere as
margens prefIxadas na legislação, a qual permaneceu em vigor, muito embora tal
dispositivo jamais tenha sido aplicado,
Para além dos métodos clássicos ou tradicionais apontados pela OCDE em seu
relatório e que foram adotados pela legislação brasileira, aquela Organização tam-
bém enumera em suas ''guidelines'' o método de divisão de lucros (profit split me-
thod), que consiste na repartição dos lucros da operação entre as partes envolvidas,
considerando as funções por elas desempenhadas; e o método da margem líquida
operacional (transactional net mat;gin method) que consiste em comparar a margem
líquida da operação com aquela normalmente adotada em operações com partes não
relacionadas ou por terceiros negociando em condições de mercado.
O relatório da OCDE também se refere em tese ao método de alocação de lu-
cros globais (global flrmulary apportionment) que consiste na consolidação dos lucros
de todas as empresas pertencentes a um mesmo grupo multinacional para poste-
rior alocação dos lucros por entidade, conforme fórmula previamente estabelecida
pelas administrações fIscais. Este método é o único que não se baseia no princípio
arm)s length, e, apesar de certos doutrinadores o consideraram como mais próximo
da realidade econômica, tem sido expressamente rejeitado pelos países membros da
OCDEI30.
130 efr. Tranfer Pricing Guidelines for Multinatwnal Enterprises and Tax Administratwns, cit., IH-
24, item 3.74.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier _:_:_ _ _ _--"
Tais métodos não foram também acolhidos pela legislação brasileira, que, dis-
tanciando-se da experiência internacional, preferiu reconhecer um rol taxativo de
métodos para a aferição do preço parâmetro, vedando ao contribuinte o recurso à
eleição de outros métodos, ainda que mais compatíveis com as suas atividades ou
com certas operações em virtude de suas características singulares.
O estudo das legislações estrangeiras sobre preços de transferência, no entanto,
tem demonstrado que os métodos tradicionais não são aplicáveis ou adequados a
certas realidades ou operações, quer seja pela impossibilidade de se estabelecer um
parâmetro válido de comparação com operações com partes independentes, pela ine-
xistência de dados e informações confiáveis disponíveis, quer seja pelo alto grau de
integração das partes vinculadas, quer ainda porque tais métodos não consideram as
funções desempenhadas por cada parte e os objetivos visados pela operação submeti-
da às regras de preços de transferência, o que pode conduzir a resultados artificiais.
É o que se verifica quando a empresa controladora concentra as aquisições mun-
diais de certos insumos que são por ela revendidos às suas subsidiárias nos mais di-
versos países. A função desempenhada pela controladora nestes casos pode visar, por
exemplo, à obtenção de vantagens comerciais e à redução de custos pela compra em
escala dos insumos utilizados por suas subsidiárias locais. Toda a vantagem esperada
nesta estrutura poderá ser eliminada se, ao aplicar os métodos tradicionais, as vendas
realizadas pela controladora às suas subsidiárias tiverem o tratamento idêntico de
operações realizadas no mercado, retirando assim a verdadeira essência econômica da
estrutura para artificialmente criar um resultado ao nível da controladora.
Tais situações têm levado parte da doutrina a suscitar discussões quanto à pró-
pria adequação e conveniência de se adotarem regras de preços de transferência, pois
em lugar de coibir transferências artificiais de lucros entre empresas pertencentes ao
mesmo grupo essas regras têm, em determinados casos, resultado na produção de
lucros artificiais, distanciando-se da realidade econômica dos negócios.
(i) Os métodos
No que concerne às operações comerciais ativas, a Lei determina, no seu art.
19, que haverá arbitramento das receitas quando o preço médio da venda dos bens,
serviços e direitos, nas exportações, for inferior a 90% do preço médio praticado na
venda dos mesmos bens, serviços ou direitos, no mercado brasileiro, durante o mes-
mo período, em condições de pagamento semelhantes l3l .
131 Exceção importante é representada pelos casos de "conquista de novos mercados", em re-
lação aos quais a Instrução Normativa nO 243/02 estabeleceu, no seu art. 30, o seguinte
regime: "As exportações para empresa vinculada, com o objetivo de conquistar mercado, em
outro país, para os bens, serviços ou direitos de produção no território brasileiro, poderão
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
ser efetuadas a preços médios inferiores a 90% dos preços médios praticados no Brasil, in-
dependentemente de arbitramento das respectivas receitas, desde que: (i) os bens, serviços
ou direitos, objeto da exportação, não tenham sido comercializados no país de destino, pela
própria empresa exportadora ou por qualquer outra a ela vinculada, localizada em qualquer
parte do mundo; (ii) os bens, serviços ou direitos sejam revendidos aos consumidores, por
preço inferior ao de qualquer bem, serviço ou direito, idêntico ou similar, comercializado no
país de destino; (iii) efetuadas com observãncia das condições fixadas em plano específico de
exportação, previamente aprovado pela Coordenação Geral do Sistema de Tributação - CO-
SIT; (iv) fique demonstrado, no plano de exportação, que a empresa vinculada, domiciliada
no país de destino, não terá lucro com as operações e, se houver previsão de prejuízos para
a empresa no Brasil, em virtude do preço a ser praticado, o prazo previsto para sua recupe-
ração. A IN 243/02 determina que este regime não se aplica às exportações que tiverem por
destino país com tributação favorecida ou cuja legislação interna oponha sigilo (art. 30, §
4°). Cfr. GILBERTO DE CASTRO MOREIRA JUNIOR, Controle fiscal dos preços de transferência
na exportação e conquista de novos mercados, 197, in EDISON CARLOS FERNfu'JDES (coord.),
Preços de transftrência, São Paulo 2007, 497 S5.
_ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
132 "Para efeito desta Instrução Normativa, dois ou mais bens, em condições de uso na finalidade a
que se destinam, serão considerados similares quando, simultaneamente: I - tiverem a mesma
natureza e a mesma função; Il - puderem substituir-se mutuamente, na função a que se desti-
nem; III - tiverem especificações equivalentes (art. 28 da Instrução Normativa na 243/02)."
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
133 Assim julgou o Ac CC 105-09551 de 5.3.09: "Inaplicável o método PIC, por unilateralidade
de dados disponíveis somente ao Fisco, com grave desrespeito ao princípio do contraditório
e fundamentação em dados subjetivos, sem aferição em consistência objetiva de similaridade
de produtos, de acordo com a legislação aplicável."
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier ......._:_ ........_ _......
134 É notadamente o curso de grande parte dos ajustes previstos nos arts. 9° a 11 da Instrução
Normativa nO 243/02, essencialmente concebidos para bens tangíveis, mercadorias.
iJli) I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Se estas discussões são de grande relevância nos sistemas que permitem uma
ampla e livre investigação do preço at arm)s length, eles não têm aplicação em face da
lei brasileira, uma vez que as regras de preços de transferência estabelecem critérios
objetivos segundo um princípio de tipicidade, não sendo possível adotar-se outro
que não aqueles taxativamente previstos em lei.
Assim, por exemplo, no que respeita ao método do PRL a sua inaplicabilidade
pode resultar objetivamente do fato de que eventual intangível tenha sido adquirido
para uso ou exploração pela própria empresa adquirente e não para sua revenda ou
utilização na produção de bens, direitos ou serviços por ela comercializáveis. Já no
que concerne ao método CPL, a sua inaplicabilidade pode decorrer do fato de que
certos intangíveis não possuem custo unitário que lhes seja atribuível.
Da incompatibilidade dos métodos previstos na legislação em vigor com as
características específicas de certos intangíveis resulta, pois, automaticamente, uma
delimitação negativa do âmbito de aplicação do regime, dada a impossibilidade de o
Fisco proceder ao arbitramento 135 .
135 ELIDIE PALMA BIFANO, Apuração de preços de transferência em intangíveis, contratos de pres-
tação de serviços, intragrupo e cost sharing agreements, in Luís EDUARDO SCHOUERI (org.),
Tributos e preços de transferência, 3° vo1., São Paulo 2009, 28 ss.; ELlETE DE LIMA RIBEIRO
MALHEIRO, Preços de transferência - intangíveis, serviços e cost-sharing, in ibidem, 48 ss.;
GABRIEL LACERDA TROIANELLl, Preço de transferência: intangíveis, acordos de repartição de
custos e serviços de grupo, in ibidem, 75; YARIV BRAUNER, O valor segundo o espectador: a
avaliação de intangíveis para fms de preços de transferência, in ibidem, 267; Luís EDUARDO
SCHOUERI, Considerações sobre o princípio Arm's Length e os Secret Comparables, Home-
nagem a Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário, São Paulo 2008, 834 ss.
136 A Instrução Normativa nO 243/02 estabelece safo harbour ao considerar satisfatória a com-
provação, nas operações com empresas vinculadas, quando o preço ajustado, a ser utilizado
como parâmetro, divirja, em até cinco por cento, para mais ou para menos, daquele constan-
te dos documentos de importação ou exportação, caso em que nenhum ajuste será exigido
da empresa na apuração do imposto de renda, e na base de cálculo da CSLL (art. 35). Outro
safo harbour consta do art. 36 daquela Instrução Normativa ao estabelecer que a pessoa
jurídica, cuja receita líquida de exportações, no ano-calendário, não exceder a 5% do total
da receita líquida no mesmo período, poderá comprovar a adequação dos preços praticados
nessas exportações exclusivamente com os documentos relacionados com a própria opera-
ção. Nenhum dos safo havens se aplica, porém, às operações com paraísos fiscais (art. 37).
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
do preço arbitrado, pois neste caso terá ele de fato apurado um lucro com base nos
valores efetivamente praticados na operação.
Trata-se de uma solução ponderada que visa a mitigar o risco de eventual injus-
tiça provocada pela predeterminação dos critérios, conducente à fIxação de preço de
exportação superior ao realista no caso concreto e assim a uma tributação descon-
forme com a capacidade contributiva e com o próprio conceito de renda, tal como
defInido no art. 43 do CTN.
Referido princípio baseia-se numa equivalência jurídica dos métodos facultados
pela lei, cada um dos quais considerado tecnicamente idôneo para a determinação de
um preço parâmetro, de tal modo que a prevalência do método mais favorável miti-
ga, em defesa do contribuinte, as áleas do recurso a um método porventura menos
adequado ao caso concreto.
Se existe sempre um elemento de risco de afastamento da verdade no uso de
critérios legais, a verdade é que a oferta por lei de uma pluralidade de métodos e
a prevalência do mais favorável, se não atinge na perfeição o princípio da verdade
material, na pureza da sua fIsionomia original, pelo menos assegura o que a doutrina
alemã denomina de "maior verossimilhança" (die grosste "Wahrscheinlichkeij) ou um
princípio da" verdade material aproximada" (anniihernde materielle "Wahrheit) 137.
137 Cfr. ALBERTO XAVIER,Do lançamento no Direito Tributário brasileiro (3 a ed.), São Paulo, 135;
SPITALERjPAULICK, H. H. S., Prel § 160, nota 17 d; § 240, nota 5. FELIX, Ermessensaussübung
im Steuerrecht, Düsseldorf, 1955, 24-25.
I • I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
140 Da mesma forma dispunha a Instrução Normativa nO 32/01, art. 14, § 30.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão .~.
(i) Os métodos
("PIC"); (ii) O método do custo de produção mais lucros ("CP~'); e (iii) o método
do preço de revenda menos lucro ("PRr;').
Dispõe, na verdade, o art. 18 da Lei nO 9.430/96 que:
"Os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes
dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com
pessoa vinculada, somente serão dedutíveis na determinação do lucro real até o
valor que não exceda ao preço determinado por um dos seguintes métodos:
I - Método dos Preços Independentes Comparados - PIC: definido como a
média aritmética dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares,
apurados no mercado brasileiro ou de outros países, em operações de compra e
venda, em condições de pagamento semelhantes;
II - Método do Preço de Revenda menos Lucro - PRL: definido como a média
aritmética dos preços de revenda dos bens ou direitos, diminuídos:
a) dos descontos incondicionais concedidos;
b) dos impostos e contribuições incidentes sobre as vendas;
c) das comissões e corretagens pagas;
d) da margem de lucro de:
1. sessenta por cento, calculada sobre o preço de revenda após deduzidos
os valores referidos nas alíneas anteriores e do valor agregado no País,
na hipótese de bens importados aplicados à produção;
2. vinte por cento, calculada sobre o preço de revenda, nas demais hi-
póteses.
III - Método do Custo de Produção mais Lucro - CPL: definido como o custo
médio de produção de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, no país
onde tiverem sido originariamente produzidos, acrescido dos impostos e taxas
cobrados pelo referido país na exportação e de margem de lucro de vinte por
cento, calculada sobre o custo apurado."
Tal como em relação aos métodos de preços de transferência nas operações ativas,
também os métodos aplicáveis às operações passivas podem ser subdivididos entre aque-
les que têm por base o valor de mercado dos bcns importados (PIC) e aqueles que têm
por base o valor de custo dos mesmos, acrescido de uma margem presumida (CPL).
Valem aqui também as considerações atrás expendidas a respeito dos conceitos
de "identidade" e "similaridade" e a respeito do caráter porventura artificial e irrea-
lista de margens de lucro predeterminadas genericamente.
No que concerne ao método do preço de revenda menos lucro (PRL) a seguir
serão comentadas as relevantes alterações legislativas a que foi submetido em virtude
da sucessão no tempo de medidas provisórias que o tinham como objeto.
Com efeito, a Medida Provisória nO 478, de 29 de dezembro de 2009, em nova
redação ao art. 18 da Lei nO 9.430/96, atrás citado, nos seguintes termos:
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão ••
141 Cfr. GILBERTO DE CASTRO MOREIRA JUNIOR, Preço de transferência: método PRL e a IN
SRF 243/2002, RDT-APET 5 (2005), 187; MARCOS VINICIUS NEDER, A aplicação do
método PRL (20) de preços de transferência nas importações promovidas pela indústria
de medicamentos, in HELENO TAVElRA TÔRRES (org.), Direito Tributário InternacionalApli-
cado, vol. V, São Paulo 2008,315; VICTOR BORGES POLIZELLI, Parâmetros para a definição
de valor agregado e interpretações possíveis da Lei nO 9.959/2000 quanto ao Método PRL
de preços de transferência, RDTI 2 (2006),203; MARCO ANTÔNIO BEHRNDT, O reconhe-
cimento (tácito) da inconstitucionalidade da regra de apuração do PRL 60% prevista na
IN 243/02 pela Administração, RDTI 9 (2008), 161; FERNANDO NEITO BOITEUX/ ELZA
ANTONIA BOITEUX, Preços de transferência na importação de bens: a exclusão do método
preço de revenda menos lucro - PRL, em casos determinados, in Grandes questões atuais do
Direito Tributário, vol. 8, São Paulo 2004, lU; ROBERTO MOREIRA DIAS/SANDRA MÔKICA
BENEDEITI DE MELO, Preços de transferência na importação. Formas possíveis e planeja-
mento tributário. Inconstitucionalidade do parágrafo 5° do art. 18 da Lei nO 9.430/96,
RDDT 139 (2007), U9; RICARDO KRAKOWIAK, Preços de transferência: o método PRL e
as despesas com frete, seguro e imposto de importação, in Luís EDUARDO SCHOUERI (org.),
Tributos e preços de transferência, 3° vol., São Paulo 2009, 148 ss.; GILBERTO DE CASTRO
MOREIRA JUNIOR, Método do preço de revenda menos lucro no caso de agregação de valor
no país. Confronto entre a Lei nO 9.430/1996 e a Instrução Normativa nO 243/2002, in
ibidem, 93 ss.; RICARDO MAROZZI GREGORJO, Preços de transferência: urna avaliação da
sistemática do método PRL, in ibidem, 170 ss.; DANIEL PERIN, Comentários sobre a aplica-
ção do método PRL-60%, in EDISON CARLOS FERNANDES (coord.), Preços de transferência,
São Paulo 2007, 141 ss.; GUILHERME KWCK, A possibilidade de alteração dos percentuais
do método PRL, in ibidem, 309 ss.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
142 Trata-se das mesmas deduções que a legislação já autorizava ao abrigo do método do PRL.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
143 Nos pagamentos de juros em que a pessoa física ou jurídica remetente assuma o ônus do
imposto, o valor deste não será considerado para efeito do limite de dedutibilidade (cfr. IN
243/02, art. 27, 5").
144 Trata-se de limite presuntivo cuja revisão se impõe, tendo em vista a crise financeira interna-
cional de 2008/2009 que provocou uma drástica redução das taxas de juros internacionais.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
145 Cfr. ELIDIE PALMA BIFfu'lO, Anotações sobre regras de preços de transferência em contratos
de mútuos, RDTI 9 (2008), 107; ROBERTO FRANÇA DE VASCONCELLOS, Reflexos financeiros
e cambiais dos preços de transferência, in Luís Eduardo Schoueri (org.), Tributos e preços de
transferência, 3° vol., São Paulo 2009, 196 SS.; ROBERTO QUIROGA MOSQUERA / RODRlGO
DE FREITAS, Reflexos financeiros dos preços de transferência: conceito de registro no Banco
Central nas operações de mútuo "Inbound" e Outbound", in ibidem, 228 ss.; RAFAEL MACE-
DO MALHEIRO, Controle de preços de transferência sobre operações financeira e registro do
contrato no BACEN, RDTI, ano 3, nO 8 (2008),211 ss.; ARTHUR RIDOLFO, Controle fiscal
das transações financeiras, in EDISON CARLOS FERNfu'lDES (coord.), Preços de transferência,
São Paulo 2007, 211 sS.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
a noventa por cento da receita que seria obtida pela aplicação às mesmas operações
do preço médio de venda no mercado interno.
Os métodos de determinação dos "preços parâmetro" constam de regras de
natureza substantiva e não procedimental ou probatória, eis que se referem à prede-
terminação da base de cálculo em abstrato e não a uma reconstituição casuística de
base de cálculo em concreto l46 .
No caso não se verifica o arbitramento administrativo como meio de prova
(indiciário ou não) mas sim a substituição da prova, por força da própria lei, me-
diante a adoção de bases de cálculo substitutivas que, por normas dispositivas
de direito material - por ficção legal - colocam as novas bases de cálculo (os
"preços parâmetro") no lugar e nas vezes das bases reais e efetivas (os "preços
efetivos") .
Com efeito, não está em causa a veracidade da escrituração das receitas de ex-
portação efetiva, como sucederia no caso de arbitramento por imprestabilidade da
escrituração. O que está em causa é apenas a escolha pela lei de uma base de cálculo
diferente do preço efetivo quanto a uma determinada categoria de operações: as
realizadas com pessoas vinculadas ou domiciliadas em territórios de tributação favo-
recida ou em regime fiscal privilegiado.
Certos métodos de determinação de preços paramétricos envolvem a considera-
ção de "margens de lucro" predeterminados por lei.
É certo que o § 2° do art. 21 da Lei nO 9.430/96 - respeitante à apuração dos
preços médios tanto em matéria de importações como de exportações - estabelece
uma presunção legal relativa ao dispor que "admitir-se-ão margens de lucro diversas
das estabelecidas nos arts. 18 e 19, desde que o contribuinte as comprove, com base
em publicações, pesquisas ou relatórios elaborados de conformidade com o disposto
neste artigo"147.
Todavia, o direito à prova pelo contribuinte não deveria restringir-se a esse ele-
mento componente do preço (margem de lucro), mas abranger todos os elementos
relevantes para demonstrar a legitimidade da prevalência do preço efetivo sobre o
preço paramétrico, bem como as provas idôneas, sem quaisquer restrições legais l4s .
146 Cfr. ALBERTO XAVIER, Do lançamento no Direito Tributário (3" ed.), São Paulo 2005,136 sS.
147 A Portaria nO 95, de 30 de abril de 1997, no seu art. JO estabelece que "as alterações de
percentuais de que tratam o artigo 18, II e 1I1, e o artigo 19, caput, e incisos lI, 11I e IV
de seu § 3°, todos da Lei nO 9.430, de 1996, serão efetuadas em caráter geral, setorial ou
específico, de ofício ou em atendimento à solicitação de entidade de classe representativa de
setor da economia, em relação aos bens, serviços ou direitos objeto de operações por parte
das empresas representadas, ou, ainda, em atendimentos à solicitação da própria empresa
interessada. Cfr. ainda o art. 32 da Instrução Normativa nO 243/02. Veja-se ainda HELENO
TÔRRES, Direito Tributário Internacional, cit., 292 sS.
148 No que concerne às restrições em matéria de provas, cfr. HELENO TÔRRES/A.,"A CLAUDIA AKIE
UTUMI, O controle fiscal dos preços de transferência e os meios de prova admitidos para a
definição de preços e custos médios, in Tributos e preços de transferência, 2° vol., São Paulo
1989,167 SS.; IGOR MAULER SANTIAGOjVALTER LOBATo, Margens predeterminadas: um caso
I mi.I I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
149 efr. PLÍNIO J. MARAFON, Preços de transferência, in VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (org.),
Tributos e preços de transferência, cit., 74; IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, Preços de trans-
ferência, ibidem, 36; RICARDO MARIZ DE OLlVElRA, Tributos e preços de transferência,
ibidem, 85 sS.; JosÉ ROBERTO PISANI/LuCIANA ROSANOVA GALHARDO, Preços de transferên-
cia - presunções tributárias - acordos internacionais - valorização aduaneira, RDDT 21
(1997),66ss.
~., Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão ••
ISO Cfr. HELENa TÓRRES, op. cit., 312 SS.; FRANCESCA BALZANI, IJ transfer pricing, in V UCKMAR,
Corso... ) cit., 636.
F4:1 Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
que haja uma "comunidade de interesses" com caráter duradouro l51 . A interdepen-
dência desdobra-se, na verdade, em duas realidades: a estrutura da ligação entre as
empresas e a natureza dessa ligação, a qual deve ser consequência da primeira.
Quanto à estrutura, exige-se a participação de uma empresa na direção, controle
ou capital de outra (transferências verticais entre sociedades controladas ou coligadas),
ou que as duas empresas se encontrem, no que tange à sua direção, controle ou ca-
pital, submetidas à participação comum de outra ou outras (participação indireta,
transferências horizontais entre empresas interligadas, sociedades irmãs). Note-se
que as convenções não se limitam a definir a estrutura de interdependência pela
participação no capital, podendo esta exercer-se por via da direção ou do controle.
E ainda que através do reconhecimento do controle indireto se disciplinam situações
triangulares, que envolvam operações entre pessoas que não dependem uma da ou-
tra, mas que dependem ambas de uma terceira ou de um mesmo grupo ("sociedades-
irmãs" ou "interligadas") 152.
Não se chegou, porém, ao extremo de adotar a chamada "teoria do triângulo"
(Dreieckstheorie) da jurisprudência alemã, segundo a qual se presume, por ficção, que
as vantagens beneficiam igualmente a sociedade-mãe, que posteriormente as redistri-
bui à outra subsidiária.
Importa, ainda, salientar que no conceito do Modelo se não abrangem as hi-
póteses de interdependência decorrentes do controle exercido sobre duas ou mais
empresas pelos membros de uma mesma família.
Não basta, porém, a existência de uma estrutura deste tipo. É necessário que
dela decorram vínculos de cuja natureza resulte uma interdependência real. Que vín-
culos são esses 1 As próprias convenções respondem: as duas empresas devem estar li-
gadas, nas suas relações comerciais ou financeiras, por condições aceitas ou impostas
que difiram das que seriam estabelecidas entre empresas independentes.
O traço decisivo do conceito de distribuição indireta de lucro radica na obtenção
de uma vantagem anormal. Essa obtenção pressupõe, em primeiro lugar, a prática de
uma operação de que decorra uma vantagem e, em segundo lugar, que essa vantagem
se possa considerar anormal.
As operações em causa não se traduzem, como já se viu, numa distribuição dire-
ta, visível, aparente, de lucros, mas sim em operações que concorrem para a formação
do lucro da sociedade localizada em país de menos onerosa tributação, quer se trate
de venda de mercadorias, de prestação de serviços, de realização de empréstimos, da
cessão ou concessão de direitos incorpóreos.
Ao contrário do que sucede com a figura da distribuição disfarçada de lucros,
definida pelo nosso direito interno, a vantagem tanto pode ser atribuída pela so-
ciedade subsidiária a outra que participe nos seus lucros, caso em que ocorre uma
151 Sobre a noção de communauté d'intérêts, ver B. JADAUD, Ilimpôt et les groupes de sociétés, Paris
1970,29055.
152 Cfr. RIVIER, Droit Fiscal suisse. Le Droit FiscalInternational, N euchatel 1983, 210.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão Mj'
157 Cfr. BAKER, Double Taxation, 218 55.; RIVIER, Le Droit Fiscal International, 209; J. J. NEuER,
Fraude fiscale international, 89 55.
158 Cfr. HELENO TÔRREs, Pluritributaçifu internacional sobre as rendas de empresa, 416.
159 O Brasil reserva-se o direito de não inserir este parágrafo nas suas Convenções. Cfr.OCDE,
NMCJs Positions, parágrafo 1.
160 Sobre o efeito negativo dos tratados, cfr. supra, 154. Este efeito foi reconhecido na Ale-
manha em matéria de ajustamento de lucros, por decisões do Bundesfinanzhof de março de
1980 e janeiro de 1981. Cfr. BAKER, Double Taxation, 213; A. MIRAULO, Doppia imposizione
internazionale, Milão 1990, 332 ss.; A. PISTONE, La normativa interna, in PISTONE (org.),
Diritto Tributariolnternazionale, 19 (109 ss.).
161 Cfr. YVES NOEL, La dmtble imposition internationale résultant des redressements comptables entre soci-
étés apparentées et son élimination. Étude de droit américain et de droit suisse, Lausanne 1990, 16 ss.
162 Cfr. Luís EDUARDO SCHOUERI, Preços de transferência e acordos de bitributaçifu, 68 SS.; PAULO
BORBA CASELLA/et aI., Preços de transferência, Interface entre Direito Interno e Direito In-
ternacional, in VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (org.), Tributos e preços de transferência, São Paulo
1997, 283 SS.; ORDÉLIO AzEVEDO SErrE e JOÃO RUGGERO LOPEZ, A Legislação Brasileira
sobre Preços de Transferência e os Acordos Internacionais para evitar a bitributação, in MARIA
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
a) Preliminares
Uma das razões das dúvidas e perplexidades que se têm suscitado a respeito dos
"cost sharing agreements" resulta de nos países anglo-saxônicos onde o fenômeno se
desenvolveu a realidade ter sido objeto de estudos predominantemente descritivos e
práticos que não consideram as peculiaridades e sutilezas das categorias dogmáticas
dos direitos de raíz latina continental.
E daí que, sob a denominação abrangente de "cost sharing", fossem examinados
fenômenos que, conquanto similares em vários de seus aspectos, apresentam confi-
guração jurídica pluriforme, que revela ser impossível atribuir um tratamento jurí-
163 Sobre a distinção entre relações internas e externas, cfr. VOGEL, op. cito (3 a ed.), 1997, 530. O
Conselho de Contribuintes tem se manifestado, porém, em sentido desfavorável à existência
de conflito. Cfr., por exemplo, Acórdão nO 108-09763, de 13.11.08.
-======- Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
dico-tributário único aos diversos esquemas contratuais elaborados pela vontade das
partes para proceder à divisão, entre elas, de certos dispêndios de interesse comum.
Nesta nova edição tivemos a preocupação de sistematizar, corrigir e clarificar
o que já vinha de edições anteriores e que deixou de corresponder com precisão às
reflexões sobre a matéria que a experiência dos últimos anos amadureceu.
164 Sobre estes acordos, além das obras citadas no texto, cfr. ELIDIE PALMA BIFANO, Apuração de
preços de transferência em intangíveis, contratos de prestação de serviços, intragrupo e cost
sharing agreements, in Luís EDUARDO SCHOUERI (org.), Tributos e preços de transferência, 3°
vol., São Paulo 2009, 28 SS.; ELIETE DE LIMA RrnEIRO MALHEIRO, Preços de transferência-
intangíveis, serviços e cost-sharing, in ibidem, 48 SS.; GABRIEL LACERDA TROIANELLI, Preço de
transferência: intangíveis, acordos de repartição de custos e serviços de grupo, in ibidem, 75;
LÍVIA DE CARLI GERMANO, Regime tributário dos contratos de compartilhamento de custos e
despesas, in HELENO TAVEIRA TÔRRES (coord.), Direito Tributário Internacional Aplicado, Vol.
III, São Paulo 2005, 792 sS.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Como o próprio Relatório de 1979 reconhece l6 5, com exceção dos Estados Uni-
dos, é recente a experiência da generalidade dos países em matéria de acordos de re-
partição de custos, em termos de sentirem a necessidade de elaborar normas específi-
cas no concernente à dedução dos referidos pagamentos a título de despesas, nem ao
regime aplicável às receitas de um centro de pesquisas situado no seu território l66 .
No Brasil, embora exista alguma jurisprudência administrativa sobre rateio de
despesas no âmbito de relações puramente internas, não existem disposições legais
específicas, decisões jurisprudenciais no tocante às relações internacionais.
Com efeito, entre nós, o Ato Normativo nO 116/93 do INPI limitou-se a prever
a suscetibilidade de averbação no INPI de "contrato de participação nos custos de
pesquisa e desenvolvimento tecnológico que estabeleçam fluxo de tecnologia entre em-
presas domiciliadas no País, adiante denominadas receptoras, e centros de pesquisa, ou
empresa com capacidade de geração de tecnologia, no País ou no exterior, adiante de-
nominadas fornecedoras, inclusive entre empresas com vinculação societária entre si".
O Ato Normativo nO 120/93 do mesmo INPI reiterou que o INPI averbará, além dos
atos ou contratos que impliquem ou contenham dispositivos relativos a licenciamento
de propriedade industrial e transferência de tecnologia, também os atos ou contratos
"de compartilhamento de custos e/ou cooperação em programas de pesquisa e desen-
volvimento, franquia, serviços de assistência técnica, científica e semelhantes".
Todavia, referidos Atos Normativos foram revogados expressamente pelo Ato
Normativo nO 135/97, o qual, porém, deixou de prever expressamente a necessidade
de averbação dos cost-sharing agreements.
São as seguintes as características dos "acordos de repartição de custos"167:
(i) têm por objeto serviços prestados em caráter individual, mas através de
estrutura que serve de forma comum ao grupo ou serviços que atribuem
aos seus destinatários um benefício ou vantagem coletivo ouglobal, de forma
que a despesa ou custo para manutenção da estrutura coletiva ou para a
prestação do serviço coletivo visa o interesse de todos, indistintamente, em
conjunto l68 ;
(ii) a retribuição dos serviços pode ser objeto de contrato bilateral ou plurilate-
ralJ caso em que intervêm o prestador e os diversos beneficiários;
(iii) por se tratar de uma estrutura que presta serviços à coletividade do gru-
po, normalmente os contratos de repartição de custos não têm por objeto
um serviço isolado, mas serviços variados em caráter duradouro, prestados
numa base continuativa, e não instantâneos ou limitados no tempo, como
os serviços isolados ou individualizados;
165 § llO.
166 Sobre a posição de algumas administrações fiscais, como a alemã e a italiana, cfr. MAISTO, Il
"transfer price» nel diritto tributario italiano e comparato, Pádua 1985, 250 ss.
167 Cfr. MArSTO, op. cit., 231 ss.
168 Cfr. BAUMFHOFF, in MÓ55NER, Steuerrechtinternational tiitiger Unternehmen, Kbln 1992, 354 S5.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão .i~.
(iv) a remuneração dos serviços normalmente não pressupõe o seu uso efetivo,
mas a simples colocação à disposição da estrutura comum ou do serviço cole-
tivo, ou seja, a atribuição de um benefício ou vantagem potencial, remune-
rada num sistema de "partido" ou "avença" (on call);
(v) a determinação da vantagem individual e a consequente medida de repar-
tição dos custos é feita, na maior parte dos casos, por métodos indiretos, por
estimativa baseada em certos critérios, e não por uma determinação direta
da vantagem auferida, como sucede nos serviços individualizados.
No que concerne à estrutura jurídica dos acordos plurilaterais, tanto podem
existir acordos em que todos os participantes contratam em conjunto o serviço em be-
nefício de todos, determinando a quota-parte de cada um na despesa global, quanto
acordos em que a despesa é incorrida ou contratada por um só participante em nome
próprio, mas no interesse dos demais, que se obrigam a reembolsá-lo posteriormente.
A ambas as modalidades é comum o elemento de o critério da divisão do custo
ser fIxado "forfetariamente", diferenciando-se apenas por no primeiro caso haver
descentralização do pagamento e no segundo uma centralização do pagamento.
170 § 52.
171 Cfr. SCHAUMBURG, op. cit., 828.
172 Sobre a questão de saber se o método indireto do Kostenumlage tem caráter subsidiário ou pa-
ritário em relação ao método direto, cfr. BAUMFHOFF, in MÓSSNER, Steuerrecht... , cit., 379 ss.
173 Cfr. RaATÓRlO DE 1984, § 45.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
c) Espécies
174 efr. SCHAUMBURG, Intemationales Steuerrecht, cit., 829; BAUMHOFF, op. cit., 359.
175 Mas também de móveis, computadores, propagandas contratadas, marcas, processos etc.
I gm I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
É apenas nos casos que o compartilhamento tem por objeto os custos de uma
estrutura funcional de serviços em que o Centro de Custos se refere a atividades-meio,
de caráter instrumental, que se torna necessária a distinção dos contratos a que res-
peita em relação aos contratos de prestação de serviços "intragrupo".
No contrato de compartilhamento de custos importa separar com toda a clareza
as relações externas que se estabelecem exclusivamente entre o Centro de Custos e as
pessoas físicas ou jurídicas beneficiárias dos pagamentos por ela realizados (p. ex.
despesas com pessoal ao abrigo de contratos de trabalho) e as relações internas> emer-
gentes dos próprios contratos de compartilhamento de custos, pelas quais se estabe-
lece a comunidade do ônus econômico da estrutura funcional, mediante a assunção,
por cada uma das partes, da obrigação de contribuir, na proporção que lhe compete,
para a realização da despesa comum.
N a lógica deste modelo contratual, os recursos fmanceiros entregues à parte
que deve realizar a totalidade das despesas no âmbito das relações externas revestem
uma natureza contributiva> no sentido de que são entregues ao Centro de Custos os
fundos necessários para o cumprimento da obrigação própria de cada parte de compar-
ticipar na despesa comum.
O fenômeno tem certas analogias com o instituto do mandato sem represen-
tação, de que é exemplo paradigmático o contrato de comissão, e que se traduz em
alguém agir em nome próprio, mas por conta e ordem de terceirosl 76 . Neste instituto
o mandante (comitente) deve fornecer os fundos necessários para que o mandatário
possa cumprir as ordens, bem como ressarci-lo das despesas que este fez por adian-
tamento 177, dispondo o art. 706 do Código Civil que "o comitente e o comissário
são obrigados a pagar juros um ao outro; o primeiro pelo que o comissário haver
adiantando para cumprimento de suas ordens; e o segundo pela mora na entrega dos
fundos que pertencerem ao comitente"178.
Fenômemo similar ao de uma conta corrente de débitos e créditos ocorre no
contrato de compartilhamento de custos. Num como noutro instituto os recursos
são adiantados ou ressarcidos nas relações internas (pelos comparticipantes ou pelo
mandante) a título de cumprimento da obrigação própria da assunção de parte do
ônus econômico do negócio jurídico praticado pelo único sujeito que figura nas rela-
ções externas (o Centro de Custos ou o mandatário sem representação).
Todavia, no caso da figura de compartilhamento de custos a dissociação das
relações externas e internas não resulta de um mandato propriamente dito, com ou
sem representação, mas do próprio contrato de compartilhamento, que tem como
finalidade uma simples divisão de custos e não a atribuição de um encargo ou tarefa
a terceiro.
179 Sobre o Pool-gedanke, efr. SCHAUMBURG, lnternationales Steuerrech, Colônia, 1993, 826; BAU-
MHOFF, in MÓSSNER, Steurrecht international tdtiger Unternehmen, Colônia, 1992, 355.
180 Sobre a separate accounting theory e a economic entity theory, efr. MAISTO, 11 "tranftr pricing)) nel
diritto tributario italiano e comparato, Pádua 1985, 25 sS.
M'._ Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
181 Cfr., no mesmo sentido, LUCIANA ROSANoVA GALHARDO, Rateio de despesas no Direito Tribu-
tário, São Paulo 2004; NATANAEL MARTINS, Rateio de custos/despesas entre empresas sob
controle comum - tratamento tributário aplicável, in Planejamento Fiscal - Teoria e Prática
(coord. VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA), São Paulo 1995, 141; ELÍDIE P. BIFANO, Apuração
de preços de transfen~ncia em intangíveis, contratos de prestação de serviços intragrupos -
cost sharing agreements, in Tributos e Preços de Transftrência, 3° vol., São Paulo, 2009 (coord.
SCHOUERl) 44.
182 Cfr. NATANAEL MARTINS, O contrato de rateio de despesas e suas implicações tributárias,
Direito 1Jibutário) homenagem a ALCIDES JORGE COsDI, 11, São Paulo 2003,739.
183 Cfr. ELÍDIE BIFANO, op. cit., 47.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão .iM
184 Também por vezes denominados acordos de fmanciamento de despesas (cost-fonding agree-
ments).
I • I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
188 Transfir Pricing Cuidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, Paris 1996.
189 Observam os Cuidelines da OCDE no seu item 8.7 que os CCA podem também abranger
a produção ou aquisição de serviços, não estando limitada ao desenvolvimento comum de
bens de propriedade intangível, e acrescenta no item 8.8 que "o que distingue as contribui-
ções para um CCA de um serviço intragrupo é que as contribuições têm como finalidade
serem retribuídas pelos lucros esperados pela colocação em comum (pooling) dos recursos.
-ss- Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
o certo é, porém, que nos casos em que se esteja diante de um verdadeiro con-
trato de prestação de serviços intragrupo com pessoa vinculada residente no exterior
(ou domiciliada em território de tributação favorecida ou beneficiária de regime fis-
cal privilegiado), o preço deve ser fixado em termos objetivos (at arm/s lenght) pela
utilização de qualquer dos métodos previstos no art. 19 da Lei nO 9.430/96 19°.
190 Cfr. VICTOR BORGES POLIZELLI, Tratamento dos serviços na legislação brasileira de preços de
transferência, in Tributos e Preços de Transferência, 3° vol., EDUARDO SCHOUEIU (coord.), São
Paulo 2009, 257 5S.
191 São exemplos desta jurisprudência os acórdãos nO' 103-21911, 101-92565, 101-95958, 107-
0396, 101-95777, 101-85.030, 203-09723, 103-08.605. Cfr. NATANAEL MARTINS, Rateio
de custos/despesas entre empresas sob controle comum - tratamento tributário aplicável, in
Planejanunto Fiscal. Teoria e Prática, coord. WALDIR DE OLIVEIRA ROCHA, ed. Dialética, 1995,
141 55.
-===:=-' ,- Título IV I Cap, IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
E) Subcapitalização
a) Considerações preliminares
No exercício da sua liberdade quanto à escolha da melhor estrutura de finan-
ciamento de uma empresa, se o recurso a capitais próprios dos sócios, mediante ca-
pitalização, ou se o recurso a capitais de terceiros, mediante endividamento, podem
os empresários tomar em consideração uma pluralidade de fatores relevantes para
o caso concreto, como a natureza da atividade, a fase em que o empreendimento se
encontra e o custo comparativo dos capitais 195 •
Entre referidos fatores podem também influenciar a decisão os ônus fiscais in-
cidentes sobre as modalidades alternativas de financiamento, especialmente em sis-
temas jurídicos em que os juros têm um tratamento tributário menos oneroso do
que os dividendos, considerado o efeito combinado da dedução do imposto sobre o
lucro da pessoa pagadora (existente nos juros e não nos dividendos) com os tributos
incidentes na fonte e na pessoa jurídica receptora.
São diversas as técnicas pelas quais podem ser evitadas práticas tendentes a am-
pliar artificialmente as despesas relativas a juros, de modo que estcs sc bcneficiem
de tratamento fiscal eventualmente mais favorecido quando comparado com o dos
lucros distribuídos.
Uma primeira consiste na verificação da "razoabilidade" do montante dos juros,
em face do valor de mercado, no quadro dos preços de transferência, recusando-se a
195 efr. HELENO TÔRRES, Direito Tributário Internacional - Planejamento tributário e operações
transnacionais, São Paulo 2001,511 55.; IVENS HENRIQUE HÜBERT, Subcapitalização de em-
presas: delineamento e tratamento nos âmbitos societário e tributário, in HELENO TAVEIRA
TÔRRES (org.), Direito Tributário Internacional Aplicado, vaI. II, São Paulo 2004,56355.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão I iiEllt1
196 Cfr. IFA, International aspects ofthin capitalization, CDFI, LXXXI-b (1996), 831; OCDE,
Thin Capitalization (Report), 1986.
197 Enquanto os juros pagos a residentes no exterior são dedutíveis e tributados por retenção na
fonte a uma alíquota de 15%, os dividendos "exportados" não são dedutíveis e são isentos
de retenção na fonte.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
contribuição social sobre o lucro, substituindo a tributação sobre a renda das pessoas
jurídicas por uma tributação na fonte substancialmente inferior.
Esta é a razão pela qual os arts. 24 e 25 da Lei nO 12.249, de 11 de junho de
2010, pretenderam evitar a utilização do endividamento junto de entidades "vincu-
ladas não residentes" ou entidades residentes "em países de tributação favorecida"
ou beneficiárias de "regime fiscal privilegiado" como meio de redução artificial do
lucro tributável das empresas para efeitos do imposto de renda das pessoas jurídicas
(e da CSL). Recorre-se à definição de um coeficiente de endividamento, tido como
normal para a generalidade das empresas, o qual, uma vez ultrapassado, faz com que
os juros correspondentes às dívidas "em excesso" sejam qualificados como despesas
não necessárias, logo indedutíveis.
b) Requisitos
São três os requisitos fundamentais da figura da subcapitalização: (i) o elemento
de estraneidade, consistente na necessária residência do credor no exterior; (ii) a qua-
lificação do credor, alternativamente consoante a sua relação com o devedor (pessoa
vinculada) ou ao regime tributário a que está submetido, quer seja em razão do seu
domicílio em país ou dependência de tributação favorecida, quer seja por gozar de
um regime fiscal privilegiado; e (iii) a existência de um "endividamento excessivo".
198 Na União Europeia a aplicação do regime de subcapitalização a empresas não residentes foi
julgada em desconformidade com as regras comunitárias, concretamente com os princípio da
não discriminação e do direito de estabelecimento, tal como o TJCE decidiu, em 12 de dezem-
bro de 2002, relativamente a disposições similares existentes na Alemanha, no caso "Lankhost-
Hohorst GmbH" (Processo C-324jOO). Com esta decisão os países europeus passaram a de-
terminar que o regime de subcapitalização não é aplicável no caso de endividamento perante
entidades residentes nos próprios países ou em outro Estado-membro da União Europeia. Cfr.
SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra, 2006, 302 ss.
~. Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão
199 Cfr., neste sentido ALBERTO XAVIER/RENATA EMERY, Subcapitalização, RDDT nO 176 (2010),
755.
@ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Tal conceito foi regulado pela Instrução Normativa na 1.037/2010 que veiculou
a lista dos países ou dependências, que, no entendimento das autoridades fiscais,
recaem no âmbito do art. 24 e seu § 4 0 da Lei na 9.430/96.
O conceito de regime fiscal privilegiado encontra-se previsto no parágrafo
único do art. 24-A da Lei na 9.430/96, segundo o qual:
"( ... ) Para os efeitos deste artigo, considera-se regime fiscal privilegiado aquele
que apresentar uma ou mais das seguintes características:
I - não tribute a renda ou a tribute à alíquota máxima inferior a 20% (vinte
por cento);
U - conceda vantagem de natureza fiscal à pessoa física ou jurídica não
residente:
a) sem exigência de realização de atividade econômica substantiva no país
ou dependência;
b) condicionada ao não exercício de atividade econômica substantiva no
país ou dependência;
UI - não tribute, ou o faça em alíquota máxima inferior a 20% (vinte por
cento), os rendimentos auferidos fora de seu território;
IV - não permita o acesso a informações relativas à composição societária, ti-
tularidade de bens ou direitos ou às operações econômicas realizadas."
Sobre estes conceitos não nos deteremos, pois já foram por nós objeto de exame
aprofundad0 20o •
Apenas duas observações.
A primeira diz respeito à distinção fundamental que se deve traçar entre o con-
ceito de regime fiscal privilegiado e o de país de tributação favorecida. É que, em re-
lação a este último, a lei estabeleceu como critério um patamar mínimo de tributação
dos lucros abaixo do qual o país ou "dependência" de residência da pessoa jurídica se
qualificaria como de tributação favorecida. O primeiro conceito, porém, respeita ao
regime tributação aplicável à pessoa não residente ou à operação praticada, conside-
rados de forma individualizada.
Assim, uma pessoa jurídica pode ser domiciliada em país que não se qualifique
como de tributação favorecida, por o imposto de renda incidir à alíquota superior a
20%, mas ainda assim a operação individualmente considerada poderá ter sido pra-
ticada por regime fiscal privilegiado caso: (i) tenha sido tributada à alíquota máxima
inferior a 20% (vinte por cento); (ii) a pessoa não residente goze de vantagem de na-
tureza fiscal sem a exigência de realização de atividade econômica substantiva no país
ou dependência ou condicionada ao não exercício desta atividade; (iii) não tribute, ou
o faça em alíquota máxima inferior a 20% (vinte por cento), os rendimentos auferidos
fora de seu território; ou (iv) não permita o acesso a informações relativas à composi-
ção societária, titularidade de bens ou direitos ou às operações econômicas realizadas.
ações em tesouraria e prejuízos acumulados (art. 178, § 2°, inciso III, e art. 182 da
Lei das S.A., alterados pelas Leis nOS 11.638/2007 e 11.941/2009).
De acordo com o § lOdos arts. 24 e 25, "para efeito do cálculo total de endi-
vidamento a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas todas as formas
e prazos de financiamento, independentemente de registro do contrato no Banco
Central do Brasil", dispondo por sua vez o § 2° dos mesmos artigos que "aplica-se
o disposto neste artigo às operações de endividamento de pessoa jurídica residente
ou domiciliada no Brasil, em que o avalista, fiador, procurador ou qualquer interve-
niente for pessoa vinculada" (nos casos do art. 24) ou "for residente ou constituída
em país de dependência com tributação favorecida ou sob regime fiscal privilegiado"
(nos casos do art. 25).
Este preceito como que imputa presuntivamente a concessão de empréstimo à
entidade garantidora, conduzindo assim a aplicar o rácio de endividamento em rela-
ção à sua participação no patrimônio líquido. Trata-se de medida destinada a coibir
o expediente clássico do "back to back loan".
Afigura-se-nos, porém, que ultrapassa os limites da proporcionalidade e da ra-
zoabilidade aplicar cega e mecanicamente esta presunção, que chega até a ser absurda
quando nelas abrange um mero "procurador" ou "qualquer interveniente".
Também afigura-se-nos criticável que os rácios do dobro ou de 30% sejam fixa-
dos por lei para toda e qualquer empresa por ficção legal e presunção legal absoluta
uniforme, não se prevendo coeficientes diferenciados consoante o tipo de atividade,
como sucede em várias legislações estrangeiras, em que multiplicador substancial-
mente mais elevado é adotado, por exemplo, para as instituições financeiras.
Por outro lado, numerosas legislações estrangeiras mitigam a rigidez do siste-
ma de presunções, admitindo que o contribuinte possa comprovar que o eventual
excesso apurado presuntivamente podia ter sido obtido com o mesmo nível de endi-
vidamento em condições análogas a uma entidade independente, tendo em conta o
tipo de atividade, o setor em que se insere, a dimensão e outros critérios pertinentes
e tomando em conta um perfil de risco da operação que não pressuponha o envolvi-
mento das entidades com as quais tem relações especiais 20l •
c) Consequências
Como se disse, a não verificação dos requisitos exigidos para que a despesa com
juros seja considerada necessária conduz à apuração de um "excedente", de tal modo
que os juros a ele relativos serão considerados despesa não necessária e, consequen-
temente, indedutíveis para fins de imposto de renda e da CSL.
O caput dos arts. 24 e 25 ressalvam expressamente que os preceitos em causa
se aplicam "sem prejuízo do disposto no art. 22 da Lei nO 9.430, de 1996", o qual,
201 Cfr., por exemplo, o art. 67 do Código do IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Coletivas) em Portugal.
Título IV I Capo IV I Elisão Fiscal e Elementos de Conexão '41tH
em matéria de preços de transferência, estabelece um limite quantitativo para a de-
dutibilidade de juros pagos a pessoas vinculadas quando decorrentes de contrato não
registrado no Banco Central do Brasil. Significa isto que, no domínio específico a
que respeitam, as disciplinas dos preços de transferência e da subcapitalização são de
aplicação cumulativa, ficando assim os juros em causa sujeitos a uma dupla ordem de
limitações à sua dedutibilidade.
Significará isto que a lei atribui aos juros indedutíveis, por ficção ou presun-
ção legal, a naUlreza de lucros distribuídos (constructive dividends» como sucede em
certas legislações estrangeiras? A lei apenas determina a indedutibilidade, pelo que a
assimilação a lucro distribuído restringe-se apenas a esse efeito, junto ao devedor, e a
mais nenhum outro, junto ao credor. A lei recusou a dedutibilidade de uma despesa,
mas não mudou a naUlreza do rendimento. Os "juros excessivos" devem continuar
a ser qualificados como juros para todos os efeitos, designadamente a incidência de
retenção na fonte.
A recusa de dedutibilidade da despesa, por um lado, combinada com a tributa-
ção na fonte dos juros, por outro, acabaria por criar injustificada dupla tributação da
renda, além de resultar em exceção injustificada ao princípio do emparelhamento de
receitas e despesas aplicável em matéria de imposto de renda e CSL.
202 Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional (6a ed.), Rio de Janeiro, 2003, 396 55.
203 Cfr. OCDE, Comentários, art. 9°, par. 3°.
MitrA Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
de outros rendimentos) pagos por uma empresa residente num Estado contratante a
uma pessoa residente no outro Estado contratante.
Importa neste sentido referir o comentário do parágrafo 74 ao art. 24, § 4°, do
Modelo OCDE, segundo o qual "o § 4° não impede o país do mutuário de aplicar
as suas regras internas sobre subcapitalização, na medida em que sejam compatíveis
com o § IOdo art. 9° ou com o § 6° do art. 11", acrescentando-se que, "todavia,
se tal regime resultar de regras que não são compatíveis com os artigos referidos e
aplicáveis apenas a credores não residentes (com exclusão dos credores residentes), a
aplicação deste regime é interdita nos termos do § 4°".
Tenha-se presente que o regime de indedutibilidade de juros tem como conse-
quência uma tributação mais onerosa da empresa brasileira (e não dos seus sócios)
em função da residência do credor. Os §§ 4° e 5° do art. 24 da Convenção Modelo
apresentam-se, pois, como um simples corolário do princípio geral contido no § 1°.
Das convenções brasileiras, apenas contêm disposições idênticas ao referido §
4° as Convenções com a África do Sul, Bélgica, Chile, China, Coreia, Israel, México,
Peru, Portugal e Ucrânia.
A verdade, porém, é que as Convenções com a África do Sul, o Chile, Israel,
Peru e Portugal consagram em Protocolos declaração de que as convenções não im-
pedem os Estados contratantes de aplicar as disposições das respectivas leis internas
sobre subcapitalização.
Mora esses casos em que foi estabelecida uma ressalva expressa (tanto as Conven-
ções que não contemplam o corolário expresso do § 4° quanto as que o contêm e não
formularam ressalvas) deve entender-se que a incompatibilidade pode ser invocada.
205 Temos as mais sérias reservas doutrinárias ao conceito de norma antielisiva, apenas definível
em função da sua frnalidade, no plano pré-jurídico, pois a impropriamente designada "eli-
são" mais não é que uma esfera de liberdade que pressupõe a ausência de norma tipificadora,
um espaço livre de lei. Ver ALBERTO XAVIER, Tipicidade da tributação) simulação e norma an-
tielisiva) São Paulo 2001,passim.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
buso) em que a conduta que se pretende evitar é tipificada de modo expresso, quer
nas leis internas) quer nos tratados internacionais.
Tivemos já, no lugar próprio, ocasião de estudar algumas destas normas, de
que são exemplo, no Direito interno, as que, pela técnica das presunções ou ficções,
consideram alguém como sendo ainda residente num país quando já transferiu o seu
domicílio para um território de baixa tributação ("responsabilidade fiscal alargada"
para combater um "abuso de domicílio"); as que determinam a inversão do ônus da
prova quanto à existência e razoabilidade de despesas feitas em favor de residentes
em paraísos fiscais; as que determinam a desconsideração da personalidade jurídica
ou a transparência fiscal internacional de sociedades-base domiciliadas em paraísos
fiscais, como forma de prevenir o diferimento da tributação; as que consagram pre-
sunções legais em matéria de subcapitalização ou de preços de transferência, a fim de
evitar a criação artificial de despesas financeiras ou a manipulação também artificial
de preços entre pessoas que entre si mantêm relações especiais de influência.
Também nos dedicamos ao estudo de normas convencionais que têm marcado
caráter antielisivo, destinadas a prevenir o chamado "abuso" ou "uso impróprio dos
tratados", de que constituem exemplos as cláusulas tendentes a cercear a prática do
treaty shopping, restringindo os requisitos de aplicação dos tratados apenas a certas
categorias de residentes num certo país (cláusulas do beneficiário efetivo, cláusulas
de exclusão, cláusulas de limitação de benefícios etc. )206 ou contrariando as práticas
do chamado rule shopping, pela recusa de aplicação do tratado a certos tipos de ren-
dimentos quando a criação ou transmissão dos direitos e eles relativos obedeça ao
propósito exclusivo de se beneficiar do regime convencional mais favorável 207 .
208 Cfr. ALBERTO XAVIEr, Tipicidade da tributaçíW, simulaçíW e norma antielisiJ'a, cito Sobre o estudo
das GAAR (General Anti Avoidance Rules), no Direito Comparado ver GRAEME S. COOPER
(org.), Tax Avoidance and the Rule ofLaw, Amsterdam 1997; PASQUALE PrsToNE, Abuso dei
diritto e e/usione fiscale, Pádua 1995; IFA, Form and Substance in Tax Law, CD.FI LXXXVII-a
(2002),669.
209 OCDE, Comentários, artigo 1°, par. 9.1 e 22 55.; I.FA - How dome5tic antiavoidance rules
effect double taxation convention5, in Proceedings of a Seminar held in Toronto, Canada, in
1994 during the 48'h Congress of the lnternational Fiscal Association, vol. 19c., The Hague 1995.
I p I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
213 São numerosos os casos de Estados que salvaguardam expressamente nos Protocolos anexos
aos tratados a aplicação de cláusulas gerais antiabuso (ver os Tratados da Alemanha com a
Bélgica, Finlândia e Nova Zelândia; o Tratado da Itália com os Emirados Árabes etc.).
214 Cfr. FRANK ENGELEN, Interpretation ofTax Treaties under International Law, IBFD (2004),
124 sS.; 133 ss.; e 461 sS.
215 Cfr. supra.
q I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
a dupla tributação e também prevenir a evasão fiscal (os quais figuram no título dos
próprios convênios), sendo que a expressão tax evasiony usada na versão inglesa do
Modelo OCDE refere-se a figura distinta da elisão fiscal (tax avoidancey abus de droit) ,
caracterizada pela violação direta e frontal das normas tributárias. Também não pode
invocar-se o fenômemo da dupla não tributação, distinto da figura da elisão fiscal e
em relação à qual não existe consenso de que seja um dos objetivos dos tratados 2 16 .
Que não pode admitir-se (ao menos na atual fase da evolução do Direito Inter-
nacional Público) a existência de uma cláusula geral antielisiva implícita nos tratados
contra a dupla tributação é bem demonstrado pela própria prática dos Estados e de
organizações internacionais, como a própria OCDE, que vêm generalizando e aper-
feiçoando, de modo sistemático, a utilização de cláusulas antielisivas específicas 217 •
Seja, porém, como for, uma cláusula deste tipo, explícita ou implícita, é incons-
titucional em face do ordenamento jurídico brasileiro.
SEÇÃO I
PESSOAS FÍSICAS. O PRINCíPIO DA UNIVERSALIDADE
1 Todavia, era o regime territorial que vigorava até o Decreto-Lei nO 1.168, de 22.3.39. Cfr.
BULHÕES PEDREIRA, Imposto de Renda, Rio de Janeiro 1969, 283; MARY ELBE QUEIROZ, Im-
posto sobre a renda, cit., 178 SS.
2 Cfr. OITMAR BÜHLER, Principios de Derecho Internacional Tributaria (trad.), Madrid 1968,
220-221.
3 Cfr. HENRY TILBERY, O novo imposto de renda no Brasil, São Paulo 1989, 39.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
SEÇÃO II
PESSOAS JURÍDICAS. Do PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE AO
PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE
4 Cfr. INSRF na 208/02, art. 16, aludindo a rendimentos "transferidos ou não para o País".
5 efr. INSRF na 208/02, art. 16 § 6 0 •
Título V I Capo I I Residentes no País
6 Na sua acepção mais restrita, relacionada com a conexão ao país da fonte, no sentido em
que KI..AUS VOGEL fala num ursprüngliche Bedeutung des Territorialprinzips: cfr. Der raumliche
Anwendungsbereich der Verwaltungsrechtsnorm, Frankfurt/Berlim 1965, 12l.
7 Cfr. S. N. FRoMMEL, Imposición de Filiales, Sucursales y Subsidiarias (tradução espanhola),
Madrid 1981,passim.
8 Sobre o sistema do domicílio, ver o estudo de Direito Comparado de CARLO DEGLI ABBATI,
La tassazione dei reddito delte società di capitali negli Stati membri delta Comunità Economica
Europea, Pádua 1973. A França permanece com um regime de em matéria de pessoas ju-
rídicas, pelo qual só são tributáveis em França os lucros das empresas exploradas em Franca.
Lucros e perdas, tanto de subsidiárias quanto de estabelecimentos, não são considerados. Foi,
porém, introduzido um regime pelo qual, mediante autorização do Governo, as sociedades
domiciliadas podem ter em consideração os resultados das suas empresas no exterior, con-
troladas direta ou indiretamente. Podem optar por dois regimes: o do lucro mundial e o do
lucro consolidado. No regime do lucro mundial, os lucros e as perdas obtidos através dos
estabelecimentos estáveis adicionam-se, compensando-se, com os lucros e as perdas registra-
das na matriz, no território do domicílio desta. O regime do lucro consolidado vai ainda mais
longe, posto permitir o adicionamento e compensação das subsidiárias controladas (expÚJita-
tions indirectes), mesmo que por 50%, promovendo assim o reconhecimento fiscal da uni-
dade do grupo de empresas e não apenas da pessoa jurídica, como sucede no primeiro caso.
Cfr. GUY GEST/GILBERT TIXIER, Droit FiscalInternational (2 a ed.), Paris 1990, 344 ss.; GOUT-
HIERE, Les impôts dans les affaires internationales, Paris 1991, 89-90; B. PLAGNET, Droit Fiscal
International, Paris 1986, 116 ss.; DUCCINI,Approche ftscale des contrats internationaux, Paris
1985,23; GERHARD LAULE, The Effict ofLosses in one Country on the Income Tax Treatment in
other Countries of an Enterprise or ofAssociated Enterprises engaged in International Activities
(relatório geral), CDFI LXIV-b (1979), 15; GUGLIELMO MAISTO, Imposizione dei redditi
prodotti all'estero e competitività internazionale, Diritto e Pratica Tributaria 1981-I, 1135;
AVERY JONES, Does the UK give Credit for Tax on a Permanent Establishment abroad?, in
Essays on International Taxation, 15, Deventer/Boston 1993, 69. Outros países concedem
a I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
12 efr.GOUTHIERE, Les impóts, 273 sS.; B. PLAGNET, Droit Fiscal International, 148 sS.
13 O art. 11 acrescentava ainda que "a tributação dos resultados das atividades de navegação
marítima, aérea, de outros transportes e meios de comunicação em países estrangeiros con-
tinuará regida pelas disposições do art. 63 da Lei nO 4.506, de 30 de novembro de 1964".
Sobre a discussão a respeito de saber se a revogação dos citados diplomas teria ou não o
alcance de restabelecer o princípio de territorialidade, cfr. a 4 a edição desta obra, 309 sS.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
14 Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional do Brasil (4a ed.), 313 ss.
a
15 Cfr. ALBERTO XAVIER, op. cit., (4 ed.), 31l.
a
16 Cfr. ALBERTO XAVIER, op. cit., (4 ed.), 315 ss.
Título V I Capo I I Residentes no País -"i
computados na determinação do lucro real as contrapartidas de ajuste do
valor do investimento ou de amortização do ágio ou deságio na aquisição,
nem os ganhos ou perdas de capital derivados de investimentos em socieda-
des estrangeiras coligadas ou controladas que não funcionem no país"17.
§ 3° O PRINCÍl'IO DA UNIVERSALIDADE
A) Atividade direta
19 efr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional do Brasil (6a ed.), Rio de Janeiro 2004,
639 ss.
Título V I Capo I I Residentes no País .'1'
na apuração do lucro real mediante adição ao respectivo lucro líquido, na proporção
da participação da pessoa jurídica no capital da controlada ou da coligada.
E o § 6° do mesmo artigo determinava que "os resultados da avaliação dos investi-
mentos no exterior, pelo método da equivalência patrimonial, continuarão a ter o trata-
mento previsto na legislação vigente, sem prejuízo do disposto nos §§ 1°, 2° e 3°", dis-
posição esta corretamente interpretada pelo art. 11 da Instrução Normativa nO 38/96 no
sentido de que "a contrapartida do ajuste de investimento no exterior, avaliado pelo mé-
todo da equivalência patrimonial, não será computada na determinação do lucro real".
Trata-se de disposição que visa a esclarecer que, se os lucros das controladas e
coligadas estrangeiras são diretamente adicionados ao lucro líquido da controladora
brasileira, estes mesmos lucros não podem ser novamente considerados como ele-
mentos da equivalência patrimonial que os reflete, sob pena de dupla tributaçã020 .
É importante salientar que este sistema de tributação vai mais longe que o prin-
cípio da universalidade, na pureza dos seus contornos, pois manda adicionar ao lucro
da sociedade domiciliada no Brasil a totalidade do lucro obtido pelas controladas ou
coligadas no exterior, na proporção da participação no capital social destas, ainda que
tais lucros tenham sido integralmente retidos e não distribuídos. Assim sendo, o im-
posto brasileiro atingiria renda que não é da própria sociedade brasileira, mas renda
de titularidade jurídica de sociedades estrangeiras independentes. Trata-se, portanto,
de um sistema de "universalidade ampliada" de tributação extraterritorial ou ultrater-
riorial de ultraterriorialidade ofensiva, no dizer de ROSEMBU]21.
O sistema de transparência fiscal internacional consagrado na Lei nO 9.249/95
era, porém, aplicável a todas e quaisquer sociedades estrangeiras controladas ou coli-
gadas, sem as ressalvas e limitações restritivas das leis estrangeiras "antiabuso", nota-
damente as de tais sociedades se localizarem em países de baixa tributação e de a sua
renda ser essencialmente "passiva", ou seja, não produtiva ou não operacional, pelo
que não revestia a natureza de um "regime CFC" propriamente dito, de aplicação
excepcional, mas de uma modalidade técnica de tributação de alcance geraJ22.
E daí que JOÃo FRANCISCO BIANCO e Luís EDUARDO SCHOUERI afirmem que ela
ofende o princípio da proporcionalidade, dada a inadequação e a desnecessidade dos
meios adequados (legislação contendo regra genérica e não restrita a certos territó-
rios e rendimentos) para atingir os fins antielisivos em vista23 .
20 Trata-se de norma de não incidência, de alcance declaratório, e não de isenção, como susten-
ta (aliás na lógica da sua tese) ANDRÉ MARTINS DE ANDRADE, op. cit., 159. Cfr. também J. F.
BrANCO, Transparência fiscal internacional, cit., 62.
21 TULlo ROSEMBUJ, Transparencia fiscal internacional. Aspectos críticos (separata da Revista de la
Economia Social y de la Empresa 27/28); ID., Derecho Fiscal Internacional, Barcelona 2001, 174 sS.
22 Cfr. ANDRÉ MARTINS DE ANDRADE, A tributação universal de renda empresarial, op. cit., 136.
Sobre as CFC em geral já nos debruçamos no capítulo deste livro dedicado à elisão fiscal
internacional (cfr. supra) para o qual remetemos.
23 Cfr. J. F. BJANCO, Transparência fiscal internacional, cit., 80 sS.; L. E. SCHOUERI, Transparência
fiscal, proporcionalidade e disponibilidade, RDDT, nO 142, 2007, 39 sS.
I @ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
b) Os obstáculos
24 efr. neste sentido Luís EDUARDO SCHOUERl/MIGUEL HlLU NETO, op. cit., 128.
Título V I Capo I I Residentes no País IB I
o legislador ordinário incluir na definição dos elementos que irão constituir a renda
do contribuinte para compor a base de cálculo do imposto qualquer situação que
contrarie aquela regra, isto é, que não se caracterize como renda disponível, econô-
mica ou juridicamente25 •
Ora, é inequívoco que os lucros auferidos pelas pessoas jurídicas, enquanto não
forem objeto de atos que formalizem a sua retirada do respectivo patrimônio, con-
tinuam a pertencer a esta pessoa jurídica e não a seus acionistas ou sócios. Estes
têm, é certo, uma expectativa de direito sobre aqueles lucros, os quais porém não se
transferem para os respectivos patrimônios enquanto não praticados os atos jurídicos
adequados à deslocação jurídica dos lucros do patrimônio das sociedades estrangeiras
para o patrimônio da sociedade brasileira.
Não se verificando qualquer ato jurídico da pessoa jurídica estrangeira que de-
termine a transferência dos lucros da sociedade para os seus sócios ou acionistas, es-
tes não terão adquirido o direito de dispor daqueles valores, pelo que não podem os
mesmos ser tributados, por não configurarem renda disponível, mas renda potencial,
ou seja, uma mera expectativa.
Questão similar foi objeto de manifestação do Supremo Tribunal Federal, o
qual, ao julgar parcialmente inconstitucional a incidência do imposto sobre o lucro
líquido instituído pela Lei nO 7.713/88, reconheceu a indisponibilidade dos lucros
ainda não distribuídos e, por conseguinte, a impossibilidade da incidência do impos-
to de renda sobre aqueles resultados como uma antecipação do imposto dos acionis-
tas de pessoas jurídicas domiciliadas no País 26 •
o art. 35 daquela lei criou uma nova incidência sobre o lucro produzido pela
pessoa jurídica, quer distribuído, quer não, considerando que tal nova incidência é de
conta do sócio - verdadeiro contribuinte - e não da sociedade - mera fonte pagadora
responsável, e considerando ainda que tal nova incidência é devida exclusivamente
na fonte, não se incluindo portanto no rendimento bruto tributável junto às pessoas
físicas. Considerou, assim, como rendimento do sócio não só o lucro distribuído pela
sociedade, mas também os lucros não distribuídos que permanecem na titularidade
da pessoa jurídica e que podem nunca vir a ser distribuídos 27 •
Rigorosamente o mesmo que sucede com o regime de transparência fiscal inter-
nacional, que incide sobre o sócio e recai sobre lucros cuja destinação ainda é incerta.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do
art. 35 da Lei nO 7.713/88, no que concerne às sociedades anônimas, por enten-
der que a destinação do lucro depende sempre de deliberação de Assembleia Geral,
não configurando disponibilidade jurídica e econômica a simples apuração do lucro
liquido, pela sociedade, na data do encerramento do balanço. Todavia, referido pre-
ceito não padeceria de inconstitucionalidade quando aplicado ao titular da empresa
individual e ao sócio quotista, mas neste último caso somente quando o contrato
social previsse, por si só, a disponibilidade imediata, quer econômica, quer jurídica,
do lucro líquido apurado.
É evidente a aplicação do mesmo raciocínio desenvolvido pelo Supremo Tribu-
nal Federal à obrigatoriedade contida na Lei nO 9.249/95 de se incluir no lucro tri-
butável de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil os lucros apurados em sociedades
controladas ou coligadas domiciliadas no exterior. É que, num como noutro caso,
está-se diante de tributação de lucros ainda não tornados disponíveis aos contribuin-
tes em face da ausência de um requisito essencial: o ato formal da sociedade geradora
dos lucros, por intermédio de seu órgão competente, tendo por objeto atribuir, me-
diante deliberação social, os lucros a seus sócios ou acionistas 28 .
27 Para maiores desenvolvimentos sobre o 1LL, veja-se a 4 a edição deste livro, 1998, 389 ss.
28 Cfr. JOÃo DODSWORTH CORDEIRO GUERRA, A sujeição tuJ imposto sobre a renda, no Brasil, do
lucro auferido no exterior por pessoas jurídicas brasileiras e suas filiais, coligadas e controladas,
ABDF (1996), 57 sS.; Luís EDUARDO SCHOUERJ/MIGUEL HIW NETO, Sobre a tributação dos
"lucros disponibilizados" do exterior, in VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (org.), Imposto de Ren-
da - alterações fodamentais, vol. 2, São Paulo 1998, 122. Não vislumbramos que a diferença
~
......•...•..... Título V I Capo I I Residentes no País
~
o
regime de transparência fiscal internacional, isto é, de tributação por adição
automática dos lucros das coligadas e controladas estrangeiras, independentemente
da declaração de dividendos pelos órgãos deliberativos da controlada ou coligada
estrangeira, que os tornem disponíveis para seu sócio ou acionista, no Brasil, conduz
a que, na verdade, se tribute não a renda da pessoa jurídica brasileira, mas um ganho
de sua controlada ou coligada, pessoa jurídica estrangeira, que só se traduzirá em
renda da pessoa jurídica brasileira se e quando lhe for atribuído por ato da controlada
ou coligada no exterior.
É, pois, evidente a incompatibilidade deste regime com o art. 43 do Código
Tributário Nacional, com eficácia de lei complementar e, portanto, com força hierár-
quica superior à da lei ordinária.
(a) A incompatibilidade genérica do regime da lei brasileira com o art. 7" dos tratados
O regime de transparência fiscal internacional, criado pela Lei nO 9.249/95, re-
velava-se também incompatível com os tratados contra a dupla tributação celebrados
pelo Brasil, com base em considerações igualmente aplicáveis ao art. 74 da Medida
Provisória nO 2.158-35/01, como adiante se verá29 •
O art. 7° dos referidos tratados (que seguem a redação do art. 7° da Conven-
ção Modelo da OCDE) dispõe, no seu § 1°, que "os lucros de uma empresa de um
Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa
exerça sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento
permanente aí simado. Se a empresa exercer sua atividade deste modo, os seus lucros
podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem
imputáveis a esse estabelecimento permanente".
Estabelecimento permanente é, nos termos do art. 5°, § 1°, dos tratados (se-
guindo também o art. 5° da Convenção Modelo da OCDE) "uma instalação fixa
onde a empresa exerça toda ou parte da sua atividade", compreendendo notadamen-
te um local de direção, uma sucursal, um escritório, uma fábrica, uma oficina, uma
mina ou uma pedreira.
São, pois, "estabelecimentos permanentes", para efeito dos tratados, as sucur-
sais ou filiais destituídas de personalidade jurídica própria.
Aplicando este preceito ao caso de uma empresa brasileira (EB) que tenha, por
exemplo, em Portugal, uma filial (FP) ou controlada (CP), podem extrair-se as se-
guintes conclusões:
a) O Brasilpode tributar os lucros da FP, por esta constituir um estabelecimen-
to permanente no exterior (P frase, 2 a parte, do § 1°);
b) Portugalpode tributar os lucros da FP unicamente na medida em que forem
imputáveis a esse estabelecimento (2 a frase do § 1°);
c) Só Portugal ("competência exclusiva") pode tributar os lucros auferidos em
Portugal pela Cp, pois CP é empresa portuguesa (1 a frase, 1a parte, do § 10);
d) O Brasil não pode tributar os lucros auferidos em Portugal pela Cp, pois só
pode tributar estabelecimentos permanentes no exterior e não entidades
com personalidade jurídica própria existentes no outro Estado.
A confirmar esta última afirmação está o § 6° do art. 5° dos tratados, segundo o
qual "o fato de uma sociedade residente de um Estado Contratante controlar ou ser
controlada por uma sociedade residente do outro Estado Contratante ou que exerce
a sua atividade nesse outro Estado, quer seja através de um estabelecimento estável,
quer de outro modo, não é, por si, bastante para fazer de qualquer dessas sociedades
estabelecimento permanente da outra".
Os conceitos de "empresa de um Estado Contratante" e "empresa do outro
Estado Contratante" usados no art. 7° significam, nos termos do art. 3°, § 1°, alínea
f, "respectivamente, uma empresa explorada por um residente de um Estado Con-
tratante e uma empresa explorada por um residente do outro Estado Contratante".
Quando as empresas adotam a forma jurídica de sociedade ou qualquer outra que
as permita qualificar como "pessoas" e, por consequência, como "pessoa residente",
para efeitos do art. 4°, ela é automaticamente considerada "empresa do Estado de
residência"30. Assim, por exemplo, a sociedade domiciliada em Portugal, controlada
por empresa brasileira, é considerada "empresa portuguesa", só podendo ser tribu-
tada por Portugal.
É isto o que resulta também dos Comentários da OCDE (art. 5°, parágrafo 7°,
item 40):
"It is generally accepted that the existence of a subsidiary company does not) or itselj;
constitute that subsidiary company a permanent establishement ofits parent company.
This flllows from the principle that) for the purpose oftaxation) such a subsidiary com-
pany constitutes an independent legal entity".
O art. 7° § 1° contém, na sua primeira parte, uma norma de reconhecimento de
competência exclusiva do país em que se encontra domiciliada a sociedade controlada,
como resulta claramente da expressão literal "só podem ser tributados"3! , ao invés da
32 Cfr. BÜHLER, Princípios de Derecho Internacinal Tributário, trad. esp., Madrid, 1968, 133 ss.;
FROMMEL, op. cit., 50 a 1Ol.
33 Dispunha o artigo VIII que os lucros não distribuídos por uma companhia que tem o seu
domicílio fiscal em um Estado Contratante não estarão sujeitos a nenhum imposto no outro
Estado Contratante em razão do fato de os lucros não distribuídos representarem, no todo
ou em parte, rendimento derivado do território do outro Estado.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Daí que as convenções contra a dupla tributação permitem que tanto o Estado
de fonte quanto o Estado de residência exerçam os seus poderes tributários no que
concerne aos dividendos, embora com limitações para ambos: o Estado de fonte
não poderá tributar a uma alíquota que exceda o limite convencionado e o Estado
da residência deverá eliminar a dupla tributação ou pelo método da isenção ou pelo
método da imputação, conforme dispuser o tratado.
Por isso não pode haver dúvidas de que os tratados contra a dupla tributação
autorizam a tributação dos dividendos distribuídos por sociedades controladas ou
coligadas, determinando apenas a obrigação para o Brasil de reconhecer em relação
a esses dividendos um crédito de imposto ou a sua isençã0 36 •
ser aplicados quando o rendimento por eles tributável estiver sujeito à tributação
comparável à do país de residência do contribuinte. Acolhe assim a chamada J'uris-
dictional approach.
Seja, porém, como for, o certo é que os Comentários da OCDE, não obstante
a sua respeitabilidade, mais não são do que um documento que exprime o entendi-
mento preponderante das Administrações fiscais dos Estados-membros, não sendo
vinculante nem para os cidadãos nem para os tribunais42 •
Acresce que, do ponto de vista jurídico, a argumentação neles expendida, além
de sumária4 3, reflete ostensivamente o unilateralismo do ponto de vista "pró-gover-
namental", sendo notória a sua fragilidade científica, como atrás se apontou.
Isto levou vários países a exprimirem reservas formais ao referido entendimen-
to, como a Bélgica, afirmando categoricamente a existência do conflito. A Irlanda e
a Holanda sustentam não ser possível defender a conformidade in abstracto, de tal
modo que só em face das circunstâncias do caso concreto se poderia configurar um
abuso. Ideia similar foi expressa pela Suíça. Para além do plano puramente jurídico
da interpretação dos tratados existentes, pode até admitir-se que, mediante cláusula
expressa de um tratado, ambos os Estados reconheçam uma derrogação à regra de
competência exclusiva do art. 7 0 em casos excepcionais e por concretas razões an-
tielisivas, como é o caso das legislações CFC propriamente ditas, que apenas abran-
gem certos territórios e certos tipos de rendimentos. E talvez seja até neste sentido
político que a OCDE tem afirmado, em termos mais ou menos felizes, se não uma
verdadeira compatibilidade, pelo menos a possibilidade de coexistência a título de
regime excepcional. Esta compatibilidade é, porém, ininvocável em face de uma le-
gislação, como a brasileira, que contém a disciplina regra de tributação automática
de sociedades controladas estrangeiras, sendo destituída de caráter excepcional ou
finalidade antielisiva. E, em termos gerais, não pode ser pretendida na ausência de
cláusula convencional expressa, dada a inexistência de um princípio geral antiabuso
implícito nos tratados contra a dupla tributação.
42 Cfr. supra, 136. Cfr. sobre os Comentários da OCDE, TAÍSA MACIEL, Tributaç/ÚJ dos lucros das
controladas e coligadas estrangeiras, Rio de Janeiro 2007, 13955.
43 "Actually the Commentary expressed the differentviews ofthe administrations ofthe OECD coun·
tries without providing many arguments» (destaque nosso). Cfr. LANG e outros, CFC Legis-
lations .. ., cit., 29.
+:1. Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
46 efr. supra, 30 e infra, 643 ss (com referência à nova versão do art. 23, A Convenção Mode-
lo). No mesmo sentido cfr. JosÉ HENRIQUE LONGO, O lucro de subsidiária no exterior e o
tratado internacional, in Tributação e processo - IV Congresso Nacional de Estudos Tributá-
rios, São aula 2007, 312 sS.
+:1:1 Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
peçam de alegar uma eventual incompatibilidade baseada em outros princípios não
ressalvados nos protocolos, como a regra da competência exclusiva do art. 7°.
Também sem qualquer base legal a Instrução Normativa nO 38/96 enumerou, por
ficção, cinco hipóteses de equiparação a atos de disponibilização de lucros, a saber:
(a) extinção de empresa brasileira e consequente transmissão do patrimônio da
sociedade estrangeira (art. 2°, § 4°, da Instrução Normativa nO 38/96);
(h) encerramento de atividades da controlada ou coligada no exterior (art. 2°,
§ 5°, da Instrução Normativa nO 38/96);
(c) absorção do patrimônio de sociedades estrangeiras por sociedades brasilei-
ras em virtude de incorporação, fusão ou cisão (art. 2°, § 7°, da Instrução
Normativa nO 38/96);
(d) absorção do patrimônio da controlada ou coligada por empresa sediada no
exterior (art. 2°, § 3°, da Instrução Normativa nO 38/96); e
(e) alienação da participação societária em controlada ou coligada no exterior
(art. 2°, § 9°, da Instrução Normativa nO 38/96)40.
A Instrução Normativa nO 38/96 deu origem a uma situação de profunda ambi-
guidade e incerteza, pois, por um lado, recusava a aplicação do único sistema legal-
mente vigente (o da adição automática ao lucro líquido) e, por outro lado, criava um
novo fato gerador - a "disponibilização" do lucro - sem lei que o previsse.
a) O conceito de disponibilização
Com efeito, existem na esfera jurídica do sócio ou acionista dois tipos de situ-
ações jurídicas subjetivas no que tange aos lucros sociais: o direito a participar nos
lucros sociais e o direito ao dividendo49 •
O "direito aos lucros" ou direito a participar nos lucros sociais encontra-se pre-
visto no art. 109, I, da Lei nO 6.404, de 15 de dezembro de 1976, como um dos
"direitos essenciais" dos acionistas, que tem sua origem na lei e do qual não podem
ser privados nem pelo estatuto social nem pela assembleia geral. Tal direito, porém,
não reveste a natureza de um direito de crédito, mas sim de um direito em ver rigo-
rosamente observadas as regras legais de apuração e destinação dos lucros 50 • Esta si-
tuação jurídica foi definida entre nós por LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES como
um "direito expectativo", na terminologia de PONTES DE MIRANDA, ou seja, aquele
cujo titular está habilitado à aquisição de um outro, o "direito expectado".
Desta situação se distingue claramente o "direito ao dividendo", quer se trate de
direito à distribuição de parte do lucro (dividendo obrigatório, estatutário ou legal),
quer se trate de direito ao pagamento do dividendo declarado. Neste caso estamos
diante de um verdadeiro direito de crédito do acionista perante a sociedade, tendo
por objeto uma prestação pecuniária. Como muito bem observa FÁBIO CoMPARATO,
enquanto o direito genérico aos lucros sociais engendra a impugnação de contas e,
eventualmente, a pretensão de ver decretada a nulidade de lançamentos aprovados
por assembleia geral, o direito específico ao dividendo redunda numa pretensão de
cobrança, como autêntico crédito que é.
Pressuposto do direito ao dividendo é que tenha havido deliberação do órgão
competente da sociedade no sentido da distribuição. O art. 205 da Lei nO 6.404/76
determina que "a companhia pagará o dividendo das ações nominativas à pessoa
que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita como proprietária ou
usufrutuária da ação".
Deste preceito resulta que o fato gerador do direito ao dividendo é o "ato de
declaração do dividendo", ou seja, a deliberação da companhia (através do seu ór-
gão competente) que colocou as importâncias em causa à disposição dos acionistas,
transformando assim um "direito expectativo" ou um "crédito eventual" num verda-
deiro direito de crédito, tendo por objeto uma prestação patrimonial certa, líquida e
determinada. Que este é um direito de crédito como qualquer outro é hoje reconhe-
cido pela generalidade das doutrinas nacional e estrangeira.
Importa não confundir a constituição do direito ao dividendo - que ocorre na
data em que se verifica a "declaração do dividendo" por deliberação da companhia -
com a exigibilidade de tal direito, que pode ficar diferida para momento ulterior, caso
se tenha previsto que o pagamento não seja feito imediatamente, mas num prazo fixo
ou parceladamente, desde que dentro do exercício social em que foi declarado (cfr. o
49 Cfr. FÁBIO COMPARATO, Nuvos ensaios e pareceres ck direito empresarial, Rio de Janeiro 1981, 153.
50 Cfr., entre nós, BARROS LEÃEs, Do direito do acionista ao dividendo, São Paulo 1969, 309;
EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, Das sociedades anônimas no direito brasileiro, vol. 2, 588.
Título V I Capo I I Residentes no País
art. 205, § 3°, que prevê o prazo supletivo de 60 dias no silêncio da deliberação da
assembleia geral)51.
Significa isto que para que possa incidir o imposto de renda, nos termos do art.
43 do Código Tributário Nacional, não basta a constituição do direito ao dividendo:
é ainda necessário que esse direito seja disponível jurídica e economicamente para o
seu titular.
Compete, naturalmente, ao legislador ordinário determinar, em relação a cada
modalidade de imposto de renda, qual o momento em que a renda se considera
disponível, de modo a desencadear o nascimento da obrigação tributária. No que
concerne especificamente ao imposto de renda sobre lucros auferidos por coligadas e
controladas no exterior, a Lei nO 9.532/97 foi expressa em definir o momento tem-
poral da incidência como a data do pagamento ou crédito.
O "pagamento" ou o "crédito" do lucro ou dividendo são, pois, os atos jurídicos
suscetíveis de desencadear o nascimento da obrigação tributária, por exprimirem,
cada um deles, a "disponibilização", ou seja, a aquisição da disponibilidade jurídica e
econômica da renda, a que se refere o art. 43 do Código Tributário Nacional.
O § 2° do art. 1° da Lei nO 9.532/97 dispõe que se considera pago o lucro quan-
do ocorrer (i) o crédito do valor em conta bancária, em favor da controladora ou
coligada no Brasil; (ii) a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária;
(iii) a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça;
(iv) o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no
aumento de capital da controlada ou coligada, domiciliada no exterior.
As três primeiras modalidades de pagamento representam meras modalidades
fáticas de transferência de recursos financeiros, as quais porém só se podem configu-
rar juridicamente como pagamento se foram realizadas a título de extinção da obri-
gação correspondente ao direito de crédito do sócio sobre o lucro ou dividendo.
Já, porém, a quarta e última modalidade não respeita o conceito de renda do
art. 43 do Código Tributário Nacional como acréscimo patrimonial disponível, pois
num aumento de capital de sociedade por incorporação de lucros ou reservas não
ocorre um acréscimo patrimonial do sócio, cujo investimento mantém inalterado
o seu valor, ocorrendo apenas uma substituição de natureza qualitativa de contas
do patrimônio líquido da sociedade investida, pela conversão de lucros em capital.
Por outro lado, com o aumento de capital, os lucros capitalizados não se tornam
disponíveis para o sócio, enquanto este mantiver a titularidade das ações ou quotas
decorrentes do respectivo aument0 52 .
A alínea a do § 2° do art. 1° da Lei nO 9.532/97 determina que se considera
creditado o lucro quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qual-
quer conta representativa de passivo exigível da controlada ou coligada domiciliada
no exterior.
Significa isto que, para a lei, o crédito se verifica na data da constituição do direito
ao dividendo, pois é precisamente no momento que surge o direito de crédito do só-
cio em relação ao lucro que se constitui, em contrapartida, a obrigação de o pagar, a
cargo da sociedade, que a contabiliza no seu passivo exigível.
Entendemos que também este preceito não se harmoniza com a exigência da
disponibilidade jurídica e econômica da renda, constante do art. 43 do Código Tri-
butário Nacional, pois esta não existe em relação a direitos de créditos existentes ou
constituídos, mas ainda inexigíveis, por entretanto não ter ocorrido o seu vencimen-
t0 53 • Deve aliás dizer-se que o conceito de "rendimentos creditados", tradicional na
linguagem da legislação do imposto de renda (especialmente em matéria de tribu-
tação na fonte), não é utilizado para significar o momento de constituição de um
direito de crédito, ou o consequente registro contábil, mas sim para exprimir um
facere de uma entidade, consistente na atividade específica de colocar os recursos cor-
respondentes a um crédito vencido à livre e efetiva disposição do beneficiári054 .
Por sua vez, a lei determinou que o pagamento do lucro poderá ocorrer sob
quatro modalidades distintas: (i) o crédito em conta bancária; (ii) a entrega; (iii) a
remessa; (iv) o empregd 8 •
Se procedermos a uma análise lógica dos vários elementos em que se desdobra a
proposição normativa que define o modo pelo qual se efetua o pagamento dos lucros,
fácil se torna distinguir a ação ou conduta) o suJeito ativo, o sujeito passivo e o objeto.
O obJeto é constituído pelos próprios lucros da coligada ou controlada no
exterior, sobre os quais incide a ação do sujeito ativo, com vistas a promover a sua
disponibilização.
O sujeito ativo (autor da conduta de disponibilização, disponibilizador) é a pessoa
jurídica domiciliada no exterior, titular do lucro, que executa a ação ou conduta em
que a disponibilização se traduz.
Sujeito passivo é a pessoa jurídica domiciliada no Brasil, controladora ou coligada do
sujeito ativo, que a lei qualifica expressamente como a beneficiária da disponibilização.
Por fim, a ação ou conduta que tem por efeito a disponibilização consiste em qua-
tro modalidades de facere do sujeito ativo, que caracterizam o pagamento do lucro, as
quais são, repita-se, o crédito em conta bancária) a entrega, a remessa e o emprego.
Esta análise lógica da norma jurídica em questão permite-nos definir o paga-
mento do lucro como o ato jurídico do sujeito ativo que tem como objeto os seus próprios lu-
cros e por efeito transferir o respectivo valor para o sujeito passivo) beneficiário dos mesmos.
Com a prática deste ato - e como é próprio do pagamento - os lucros extin-
guem-se no patrimônio do sujeito ativo, inserindo-se o respectivo valor no patrimô-
nio do sujeito passivo, seu beneficiário.
Isto é assim em toda e qualquer das modalidade de pagamento do lucro, tendo
em vista o caráter paritário e simétrico que todas elas ocupam no § 2° do art. 1° da
Lei nO 9.532/92.
Repita-se: só pode falar-se de emprego do lucro na hipótese de ato jurídico pra-
ticado pelo sujeito ativo (controlada ou coligada no exterior), tendo por objeto os
lucros nele acumulados e por consequência a transferência do seu valor para o patri-
mônio do sujeito passivo, beneficiário da disponibilização (controladora brasileira).
Em face do conceito jurídico de emprego do lucro, pode concluir-se que ele não
ocorre nem na hipótese de extinção de obrigações por dação em pagamento, nem na
hipótese de subscrição de capital de uma sociedade brasileira mediante conferência
de participações societárias em controladora no exterior, e também no caso de alie-
nação de participações societárias em controladas no exterior, eis que em nenhum
deles se verifica a prática de atos pelo sujeito ativo (controlada no exterior) tendo por
objeto seus lucros e envolvendo a transferência do valor dos mesmos para o sujeito
passivo (controladora no Brasil) beneficiária da disponibilização.
o pretenso argumento econômico que tem sido invocado por alguns 59 , para
fundamentar um conceito "amplo" de emprego, representa na verdade um sofis-
ma que se esboroa perante a clareza estelar dos textos legais. Tal sofisma consiste
em deliberadamente confundir emprego do lucro com o beneficio reflexo que para
um titular de participação societária resulta da existência de lucros na sociedade
participada.
A avaliação do investimento pelo método do patrimônio líquido ou da equiva-
lência patrimonial conduz, na verdade, a que o patrimônio da sociedade participada,
no qual os lucros acumulados no exterior se incluem, se reflita - como uma imagem
se reflete em um espelho - no patrimônio da sociedade participante.
Todavia, o benefício indireto ou reflexo da valorização das participações socie-
tárias é um fenômeno de natureza totalmente distinto, do ponto de vista jurídico,
do emprego do lucro, pois nada tem a ver, nem de longe, com uma modalidade de
pagamento do lucro.
Não negamos que tal valorização reflexa ou indireta corresponde a uma vanta-
gem econômica do sujeito que a aufere; simplesmente tal vantagem não foi tipificada
por lei como objeto de tributação.
E nem poderia ter sido na ordem jurídica brasileira, uma vez que ela não confi-
gura aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica da renda, condição exigida
pelo art. 43 do Código Tributário Nacional para legitimar a tributação da renda.
Com todo rigor jurídico observa ROBERTO DUQUE ESTRADA:
"Deve-se também ter presente que, para que possa haver o emprego (ou quais-
quer das demais modalidades de pagamento) do lucro pela controlada ou coli-
gada estrangeira em favor da beneficiária brasileira, é imprescindível que tenha
ocorrido, num momento lógico e cronológico imediatamente anterior, a cons-
tituição de uma obrigação, para essa mesma controlada ou coligada estrangeira
em face dos titulares de seu capital, de distribuição de lucros, obrigação essa que
será extinta pelo pagamento (art. 304 e ss. do Código Civil).
"Poderia a obrigação em questão ser extinta por quaisquer das demais modali-
dades previstas pela lei civil- a dação em pagamento (arts. 356 a 359), a nova-
ção (arts. 360 a 367), a compensação (arts. 368 a 380), a confusão (arts. 381 a
384) e a remissão (arts. 385 a 388) -, mas a lei fiscal apenas erigiu o pagamento
como fato gerador da obrigação tributária de imposto de renda.
"Portanto, nunca haverá 'emprego de lucros' se a obrigação de distribuição dos
mesmos for extinta pela entrega de bens e direitos (dação em pagamento), pela
constituição de uma nova obrigação (novação), pela compensação de obriga-
ções recíprocas (compensação), em razão da reunião na mesma pessoa das qua-
lidades de credor e devedor (confusão) ou pelo perdão da dívida (remissão).
Por outro lado, se é certo que os tratados não se opõem à tributação de divi-
dendos distribuídos por sociedades estrangeiras, já não são compatíveis com a tribu-
tação de situações que não correspondem ao conceito convencional de dividendos
(rendimentos de ações)63, como é o caso da situação equiparada, por ficção, a lucros
disponibilizados constante do art. 1°, § 2°, alínea b, nO 4, da Lei nO 9.532/97, ou
seja, o emprego do valor dos lucros no aumento de capital da controlada ou coligada,
domiciliada no exterior.
Com efeito, a contrapartida da capitalização de lucros acumulados no exterior
não só não é um "rendimento de ações" e, portanto, um dividendo para efeitos con-
vencionais, como não representa um acréscimo patrimonial disponível para os sócios
(tal como exigido pelo art. 43 do Código Tributário Nacional), uma vez que o patri-
mônio líquido da sociedade estrangeira não sofreu qualquer variação quantitativa, mas
apenas qualitativa, pela substituição de conta de capital à conta de lucros ou reservas.
Significa isto que, no âmbito das relações internas, o empréstimo por pessoa
jurídica que dispõe de reservas ou lucros acumulados deixou de ser equiparado pre-
suntivamente a um dividendo distribuído e isto, decerto, porque o próprio Poder
Executivo que procedeu à consolidação reconheceu a incompatibilidade dessa equi-
paração com o art. 43 do Código Tributário Nacional, pois na hipótese em causa
nenhum acréscimo patrimonial se produz para o beneficiário do empréstimo.
Ora, as mesmas razões que estiveram na base do reconhecimento da incom-
patibilidade desse regime com o art. 43 do Código Tributário Nacional no âmbito
interno são precisamente as mesmas que conduzem à conclusão de também serem
incompatíveis com aquele preceito as novas equiparações constantes das alíneas c e d
do § IOdo art. 1° da Lei nO 9.532/97, introduzidas pelo art. 3° da Medida Provisória
nO 1.924/99.
64 Referido preceito foi introduzido na 34a edição da Medida Provisória nO 2.158 e reprodu-
zido na sua última versão (35 a ) de 24 de agosto de 2001 (atualmente vigente nos termos
do art. 2° da EC nO 32, de 11 de setembro de 2001) à qual respeita a ADI 2588-1/DF,
pelo que, doravante, iremos nos referir apenas a esta última reedição. Além das três mo-
nografias dedicadas ao tema (TAÍSA OLIVEIRA MACIEL, Tributaçtfu dos lucros das controladas
e coligadas estrangeiras, Rio de Janeiro, 2007; JOÃo FRANCISCO BIANco, Transparência fiscal
internacional, São Paulo, 2007; ANDRÉ MARTINS DE ANDRADE,A tributaçtfu universal da renda
empresarial, Belo Horizonte, 2008) veja-se ainda: ANTONIO CARLOS RODRIGUES DO AMARAI/
DOUGLAS YAMASHITA, Norma antielisão: tributação de lucros no exterior. Disponibilidade
de renda e tratados internacionais, in Luís EDUARDO SCHOUERI (org.), Direito Tributário,
homenagem a ALCIDES JORGE COSTA, vol. 11, São Paulo 2003, 893; PEDRO ANAN JUNIOR,
Inconstitucionalidade da tributação dos lucros auferidos no exterior - Medida Provisória
nO 2.158-35/01 e Instrução Normativa SRF nO 213/02, RDDT 93 (2003), 69; ELIANA
KARSTEN ANCELES, Transparência fiscal internacional (Controlled Foreing Corporations -
CFC): uma visão analítica à luz da sistemática jurídico-tributária brasileira, RFDT 8 (mar./
abro 2004), 77; ANDRÉ MARTINS DE A'lDRADE, Consequências possíveis da ADI nO 2.588,
RFDT 32 (mar.-abr./2008), 89; ID., Os limites de tributação universal da renda e a ADI nO
2.588, RFDT, nO 29, 2007, 9 ss.; HUMBERTO ÁVILA, O imposto de renda, a contribuição
social sobre o lucro e os lucros auferidos no exterior, in VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (org.),
Grandes questões atuais do Direito Tributário, vol. 7, São Paulo 2003, 215; MARCIO ÁVILA, A
ADln 2.588/DF e a tributação dos lucros oriundos do exterior, RTFP 64 (set.-out./2005),
Título V I Capo I I Residentes no País Mi,"
11; MARCO ANTÔNIO BEHRNDT, Análise de norma inaugural da tributação em base universal
no Brasil e as decisões do Conselho de Contribuintes, RDTI 7 (dez.-j2007), 223; ELIDIE
PALMA BIFANO, Investimentos em sociedades coligadas e controladas, ágio e o imposto so-
bre a renda, in EURICO MARCOS DINIZ DE S.A.NTIjFERNANDO AURELIO ZILVETI (org.), Direito
Tributário: tributação empresarial, São Paulo 2009,203; FERNANDO NETTO BOITEUX, As so-
ciedades coligadas, controladoras, controladas, e a tributação dos lucros obtidos no exterior,
RDDT 105 (2004),20; SACHA CALMON NAVARRO COÉLHO, MISABEL DERZI, Tributação pelo
IRPJ e pela CSLL de lucros auferidos por empresas controladas ou coligadas no exterior -
inconstitucionalidade do art. 74 da Medida Provisória nO 2.158·35jOl, RDDT 130 (2006),
135; PAULO FALEIRO FERREIRA, O instituto das Controlled Foreing Corporations - CFC e o
ordenamento jurídico brasileiro, RIDT 3 (jan.-jun.j2005), 233; JAYR VIÉGAS GAVALDÃO JR.,
Considerações acerca da transparência fiscal internacional e do descompasso da legislação
brasileira, in MARCELO MAGALHÃES PEIXOTO (org.), Planejamento tributário, São Paulo 2004,
295; MARCIANO SEABRA DE GODOI, O imposto de renda e os lucros auferidos no exterior,
in VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA (org.), Grandes questões atuais do Direito Tributário, vol. 6,
São Paulo 2002, 275; JosÉ HENRIQUE LONGO, O lucro de subsidiária no exterior e o tratado
internacional, in Tributação e processo - IV Congresso Nacional de Estudos Tributários, São
Paulo 2007, 291; CIRO CESAR OLIVEIRA, Extensão do princípio da universalidade para fins
de tributação pelo imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ), RDTI 5 (2007),9; RICAR-
DO MARIZ DE OLIVEIRA, Lucros de coligadas e controladas no exterior e aspectos de elisão e
evasão fiscal no Direito brasileiro e no internacional, RDDT 102 (2004), 95; CLÓVIS P ANZA-
RINI FILHO, RAFFAELE Russo, A compatibilidade entre as regras de CFC e os tratados inter-
nacionais, RDTI 3 (jun.-j2006), 9; HELENILSON CUNHA PONTES, A tributação dos lucros do
exterior e os tratados para evitar a dupla tributação da renda, in ADILSON RODRIGUES PIRESj
HELENO TAVEIRO TÔRRES (org.), Princípios de Direito Financeiro e Tributário - Estudos em ho-
menagem ao Professor RICARDO LOBO TORRES, Rio de Janeiro 2006, 863; JOÃo DÁCIO ROLIM,
GILBERTO AYRES MOREIRA, Tributação de lucros auferidos no exterior e limites relativos de
normas antielisivas, RDTI 3 (jun.·j2006), 103; RAPHAEL PALMIERI SALOMÃO, Os lucros das
empresas nos tratados internacionais destinados a evitar a dupla tributação da renda e do ca-
pital, RDTI 8 (abr.·j2008), 97; Luís EDUARDO SCHOUERI, Transparência fiscal internacional,
proporcionalidade e disponibilidade: considerações acerca do art. 74 da Medida Provisória
nO 2.158-35, RDDT 142 (2007), 39; HELENO TAVEIRA TÔRRES, Lucros auferidos por meio
de controladas e coligadas no exterior, in HELENO TAVEIRA TÔRRES (org.), Direito Tributário
InternacionalAplicado, vol. III, São Paulo 2005, 105; ERICSON AMARAL, Da conexão entre
a tributação de lucros de controladas e coligadas no exterior, o CPC 02 e a desconsideração
dos planejamentos tributários internacionais, in SERGIO ANDRÉ ROCHA (coord.), Direito Tri-
butário, Societário e a Reforma da Lei das S/A, vol. lI, São Paulo 2010.205 sS.
§j$ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
65 Os argumentos aqui referidos são os que constam das manifestações da Advocacia Geral
da União (AGU) e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) nos autos da ADI
nO 2588-1.
Título V I Capo I I Residentes no País
68 Cfr. EUSEU MARTINS, in MODESTO CARVALHOSA, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas,
vol. 4, tomo II, São Paulo 1998, 50.
69 Cfr. EUSEU MARTINS, op. cit.) 47 ss. e JosÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, Finanças e Demonstrações
Financeiras da Companhia, Rio de Janeiro 1989, 686 ss.
_ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
70 "O aspecto fundamental a ressaltar, com respeito ao tema, é que o ingresso no patrimônio do
investidor, correspondente à receita de equivalência patrimonial, configura, na sistemática
do ordenamento jurídico brasileiro, o concomitante aufcrimento de renda por parte deste,
visto que se traduz em acréscimo patrimonial que passou a sua titularidade, vale dizer, com
respeito ao qual adquiriu (o investidor) disponibilidade, que) no caso, é tanto econômica quanto ju-
rídica}) (p. 159). E adiante: "Em princípio, o sócio controlador, pessoa física ou jurídica, de
determinada sociedade, pode ser tributado pelo recebimento de dividendos (dividends tax) e
pode também ser tributado como decorrência da mera apuração dos lucros por parte da sociedade de
que participa como controlada (corporate tax). Cfr. MARTINS DE ANDRADE, A tributação universal
da renda empresarial) cit., 162. Cfr. também 176/177.
71 Este é o significado da expressão, sedimentado e consagrado na doutrina e na jurisprudência
brasileira. Cfr. SACHA CAL\10N NAVARRO CoÊLHO / MlSABEL DERZI, Tributação pelo IRPJ e pela
CSLL de lucros auferidos por empresas controladas ou coligados no exterior - inconstitucio-
nalidade do art. 74 da Medida Provisória nO 2158-35/01, in RDDT nO 130,2006,144, recor-
dando a clássica e autorizada lição de BULHÕES PEDREIRA, Imposto sobre a Renda - Pessoa Jurídica,
1,1979,196 sS.; Luís EDUARDO SCHOUERl, Transparênciafiscal internacional) cit., 45-46.
72 Cfr. J. F. BIANCO, Transparência fiscal internacional) cit., 61 ss, 83 sS.
g I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
73 Cfr. Presunções no Direito Tributário, in IVES GANDRA DA SILVA MARTINS (org.) Cadernos de
Pesquisas Tributárias 9 (1984), 1 ss. Sobre ficções e presunções, veja-se na literatura mais
recente LEONARDO SPERB DE PAULA, Presunções e ficções no Direito Tributário, Belo Horizon-
te 1997; Iso CHAITZ SCHERKERKEWITZ, O uso das presunções e ficções no Direito Tributá-
rio, RTFP 31,84 sS.
74 Cfr. nesse sentido o RE nO 117.887-6/S1', assim ementado: "CoNSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO.
IMpOSTO DE RENDA. RENDA - CONCEITO. Lei nO 4.506, de 30.XI.64, art. 38, CF/46, art. 15,
IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV CTN, art. 43. I - Rendas e proventos de qual-
quer natureza: o conceito implica reconhecer a existência de receita, lucro, proveito, garrho,
acréscimo patrimonial que ocorrem mediante o ingresso ou o auferimento de algo, a título
oneroso. CF, 1946, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV CTN, art. 43; II-
Inconstitucionalidade do art. 38 da Lei 4.506/64, que institui adicional de 7% de imposto
de renda sobre lucros distribuídos; III - RE conhecido e provido".
• I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier 'I
Com efeito, tais procedimentos caracterizam desrespeito à hierarquia constitu-
cional das fontes de produção do Direito que seria subvertida pela via oblíqua das
presunções e ficções legais.
Esta a lição de GILBERTO DE ULHÔA CANT0 75 :
"2.14. É, pois, evidente que o legislador não pode, através de ficções, elaborar
regras que ele não poderia expedir de forma direta, porque em desacordo com
as disposições constitucionais e, no caso do Brasil, também com as leis comple-
mentares elaboradas nos termos e para os fins prescritos no § IOdo art. 18 da
Constituição Federal".
Acrescenta o mesmo autor 76 :
"2.18. Sucede que o Código Tributário Nacional contém disposições diversas,
no Livro II, que definem o fato gerador, o sujeito passivo, e a constituição,
exclusão, suspensão e extinção do crédito tributário. E no Livro I ele define os
fatos geradores, os contribuintes e as bases de cálculo de cada um dos impostos
do sistema. Portanto, considerando que o CTN, como lei complementar nas
matérias mencionadas, o § IOdo art. 18 da Constituição Federal, tem hierarquia
superior à das leis tributárias da União, dos Estados e dos Municípios, resulta
lógica a inferência de que estas não podem definir aqueles elementos de maneira
oposta à adotada no CTN, nem de forma direta (por exemplo, dizendo que o
imposto sobre a transmissão de bens imóveis ou sobre direitos imobiliários tem
como fato gerador a transmissão da propriedade de embarcações), nem indireta
(como definindo, para fins da referida incidência, as embarcações como bens
imóveis), ou dizendo que constitui fato gerador do imposto de renda a perda
de disponibilidade sobre determinado rendimento ou parcela de receita bruta, o
que seria violação expressa do conceito do Código Tributário Nacional de que
aquele fato gerador é a aquisição de disponibilidade, ou, indiretamente, afirman-
do que se considera aquisição de disponibilidade a perda extraordinária de bens
patrimoniais" .
E assim conclui seu pensamento:
"2.20. Isso posto, parece-me que se deve concluir que o legislador não pode,
mediante o emprego de ficções ou presunções, expedir normas que ele não po-
deria formular de modo direto. Ora, se ele não pode expedir leis que desobedeçam a
prescrições constitucionais e/ou de leis complementares, é claro que não o pode mediante
ficções. O legislador tributário pode, entretanto, recorrer às ficções e às presun-
ções, sempre que a verdade legal por esse meio declarada não esteja, expressa
ou implicitamente, em desacordo com a verdade legal enunciada pela norma
superior" .
75 Op. cit., 8.
76 Cfr. op. cit., 10.
Título V I Capo I I Residentes no País Mil-
Esta é igualmente a posição defendida pela melhor doutrina brasileira, como GUSTA-
vo MrGUEZ DE MELL077, HUGO DE BRITO MAcHADo7S e YONNE DOLÁCIO DE OLIVEIRA79 •
Esta é também a doutrina do Supremo Tribunal Federal, formulada por voto do
Ministro OCTÁVIO GALLOTTI, num caso em que se discutia a legitimidade da ficção do
art. 93 do Decreto-Lei nO 37/66, referente ao imposto de importação so .
"Partindo-se da premissa de ser defesa, ao legislador ordinário, a utilização de
qualquer expediente legal que tenha por efeito frustrar, atenuar ou modificar a
eficácia de preceitos constitucionais, há de concluir-se que a equiparação preco-
nizada pelo Dec.-Lei 37/66, ao ampliar, por um artifício, o conteúdo da regra
constitucional, afrontou a própria natureza e o fundamento do gravame tribu-
tário, em detrimento dos pressupostos enunciados na Constituição".
Aplicando os princípios gerais assim formulados ao caso concreto da tributação
presuntiva da pessoa física por via reflexa da pessoa jurídica, GILBERTO DE ULHôA
CANTOSl formula as seguintes observações que calçam como uma luva à ficção equi-
paradora de "apuração" a "disponibilização" do lucro constante do art. 74 da Medida
Provisória nO 2.158-35/0l.
"5.3. Muito embora se possa admitir como lógico que os resultados líquidos au-
feridos pelas pessoas jurídicas de fins econômicos se destinam, em última instân-
cia, àqueles que detêm o seu capital social, é preciso não esquecer a nítida separa-
ção que existe entre a empresa e os seus sócios. Na verdade, a grande importância
da ficção legal da personalidade jurídica reside em tornar possível a separação de
parte do patrimônio da pessoa física, junto com as partes dos patrimônios de
outras, formar o patrimônio social afetado, único a responder pelas obrigações
desta última. Foi a partir dessa realidade legal que se construiu a teoria da tribu-
tação das pessoas jurídicas como entes distintos dos seus participantes.
"5.4. Portanto, quando se diz que do mero fato de ser estabelecido que a pes-
soa jurídica auferiu lucro se pode inferir desde logo que seus sócios adquiriram
disponibilidade, mesmo jurídica, sobre esses lucros, está-se a desconsiderar que
juridicamente os lucros e as reservas pertencem à sociedade até que sobrevenha
decisão, pelo órgão e na forma legais, no sentido de serem eles distribuídos aos
seus sócios ou acionistas, já que temos, em verdade, contribuintes distintos: a
pessoa jurídica quanto ao lucro que realiza, e seus sócios quanto às parcelas de
tais lucros sociais que lhe são distribuídas.
"5.5. O caso é, assim, justamente o mesmo de todas as situações específicas an-
tes examinadas: não é possível presumir a ocorrência do fato gerador do impos-
nova. Nenhum campo de liberdade resta, pois, à lei ordinária quanto à determinação
do seu âmbito de validade temporal.
O caráter retroativo da aplicação do art. 74 aos lucros apurados até 2001 resulta
de este ter criado um n(JfJO fato gerador e de ter determinado a tributação de fatos
ocorridos antes da entrada em vigor da nova lei, fatos esses que, conquanto conside-
rados fatos geradores pela nova lei, não o eram em face da lei anterior, à sombra da
qual se produziram.
O "novo fato gerador" criado pelo art. 74 da Medida Provisória nO 2.158-35/01
é a mera "apuração do lucro", sendo o seu momento temporal o do registro do lucro
no balanço de encerramento do exercício da controlada ou coligada estrangeira83 •
Ora, esta mera apuração do lucro no balanço não era considerada fato gerador
pela Lei anterior (a Lei nO 9.532/97), que considerava apenas como fato gerador a
disponibilização do lucro para a pessoa jurídica domiciliada no Brasil.
Dispõe, na verdade, o art. l° da Lei nO 9.532/97 que:
'2\rt. 1° Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, contro-
ladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido, para determinação do lucro
real correspondente ao balanço levantado no dia 31 de dezembro do ano-calendário
em que tiverem sido disponibilizados para a pessoa jurídica domiciliada no Brasil.
"§ 1° Para efeito do disposto neste artigo, os lucros serão considerados disponibili-
zados para empresa no Brasil:
"( ... )
CCb) no caso de controlada ou coligada) na data do pagamento ou do crédito em conta
representativa de obrigação da empresa no exterior;
"( ... ).
"§ 2° Para efeito do disposto na alínea b do parágrafo anterior, considera-se:
CCa) creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor
para qualquer conta representativa de passivo exigível da controlada ou coligada
domiciliada no exterior;
CCb) pago o lucro, quando ocorrer:
1. o crédito do valor em conta bancária, em favor da controlada ou coligada no
Brasil;
2. a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária;
3. a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça;
4. o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no
aumento de capital da controlada ou coligada, domiciliada no exterior".
Pela leitura do art. 1° atrás transcrito verifica-se que, em matéria de controladas
e coligadas no exterior, a lei arvorou o conceito de "disponibilização" em núcleo es-
sencial do fato gerador, definiu diversas hipóteses que considera de disponibilização,
hipóteses essas que, porém, não abrangem a simples "apuração" do lucro em balanço.
Por conseguinte, a mera apuração de lucro em balanço não era considerada, como
fato gerador, ao abrigo da legislação anterior à Medida Provisória nO 2.158-35/01.
Com efeito, o art. 114 do Código Tributário Nacional dispõe que "fato gerador
da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua
ocorrência". Por sua vez, o art. 116 do mesmo Código dispõe que, "salvo disposição
de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as cir-
cunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são
próprios; II - tratando-se da situação jurídica, desde o momento em que esteja definiti-
vamente constituída, nos termos de direito aplicável".
Ora, destes preceitos resulta que a mera apuração do lucro no balanço não era
considerada fato gerador pela lei antiga, pois muito embora fosse, em alguns casos,
necessária à sua ocorrência, nunca era suficiente) pois a tributação não existia antes do
momento, necessariamente ulterior, da disponibilização.
Por outro lado, em face do art. 116, sendo a disponibilização uma situação jurí-
dica, é evidente que ela não se encontra definitivamente constituída no momento da
mera apuração do lucro no balanço, pois pressupõe um ato lógica e cronologicamen-
te posterior de transferência do patrimônio da sociedade para o do sócio.
Dúvidas não podem, pois, subsistir de que a apuração do lucro não era conside-
rada fato gerador em face da lei anterior) pelo que a exigência efetuada por lei nova
quanto a fatos ocorridos no passado, que não eram então fatos geradores, caracteriza
ostensiva e clara retroatividade inconstitucional.
do momento temporal que esse cômputo se deve verificar, não tendo o condão de
alterar a natureza do objeto da tributação.
Que a lei interna trata de uma tributação de lucro e não de dividendos é con-
firmado pelo fato de os lucros serem computados pelos seus valores integrais, sem
dedução do imposto pago do país de origem. Ora, não se distribuem dividendos em
valor superior ao lucro disponível após a tributaçãoB 7 •
Ainda, porém, que a lei interna consagrasse a tributação de um "dividendo
ficto", não poderia ela prevalecer em face do conceito de dividendo consagrado nos
tratados contra a dupla tributação (art. 10, § 1°). A letra destes (em conformidade,
aliás, com a O:mvenção Modelo da OCDE) se refere a dividendos "pagos", expressão
que revela inequivocamente a vontade de o regime de competência cumulativa nela
consagrado apenas se aplicar a rendimentos efetivamente destacados do patrimônio
das sociedades e transferidos para o de seus sócios, não permitindo uma interpretação
ampla que abrangesse lucros não distribuídos imputados por mera ficção legal88 •
Acresce que a teoria geral do direito ensina ser ilegítimo o emprego, por uma
fonte de direito, do mecanismo das ficções ou presunções legais (como o dividendo
ficto) para invadir a esfera de competência de outra fonte, delimitada em razão da
hierarquia ou da especialidade (como sucede com os tratados), com vista a evitar,
de modo indireto ou oblíquo, a prevalência da sua aplicação. Nada mais fácil para
burlar as disposições dos tratados do que criar, por lei interna, ficções legais que
estabeleçam exatamente o contrário do disposto nos preceitos convencionais. E é
precisamente a este resultado que conduz a doutrina do dividendo ficto.
Não é demais recordar que a cláusula de competência tributária exclusiva do
país estrangeiro de domicílio da controlada ou coligada (e simetricamente de ex-
clusão de competência do país de sociedade investidora), constante do art. 7° da
Convenção Modelo da OCDE, é o "coração dos tratados". Sem ela estaria permitida
toda a sorte de guerra fiscal unilateral pelo qual os Estados se arrogassem o poder de
taxar empresas estrangeiras, invadindo espaços de soberania alheios.
87 Cfr. art. 1°, § 7°, da Instrução Normativa nO 213/02. O art. 201 da Lei das S/A afirma que
a companhia pode pagar dividendos à conta de lucro líquido e o art. 191 dispõe que este é
o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as participações do art. 190 e,
antes destas, os prejuíws acumulados e a provisão para o imposto de renda (art. 189).
88 Cfr. neste sentido J. F. BJANCO, Transparência fiscal internacional, cit., 152, 157.
Título V I Capo I I Residentes no País .'p'
Certos setores da jurisprudência administrativa já sustentaram que, "para fins
de aplicação do art. 74 da Medida Provisória nO 2.158-35, os lucros de controladas
indiretas consideram-se auferidos diretamente pela investidora brasileira, e sua tribu-
tação no Brasil não se submete às regras do tratado internacional firmado com o país
de residência da controlada direta"89.
De acordo com referido entendimento, a proteção conferida pelo art. 7° dos
tratados contra a dupla tributação limita-se aos lucros diretamente apurados pela
sociedade residente naquele País, não alcançando os lucros das suas próprias con-
troladas e/ou coligadas que, muito embora não distribuídos, eventualmente tenham
sido reconhecidos no balanço em razão da aplicação do método da equivalência
patrimonial
O entendimento em questão assenta nas seguintes premissas:
(i) o art. 25 da Lei nO 9.249/95 instituiu a tributação sobre o lucro das
controladas no exterior;
(ii) o conceito de sociedade controlada da legislação societária (art. 243, §
2°, da Lei nO 6.404/76) abrange qualquer sociedade na qual a contro-
ladora, diretamente ou através de outras controladas, exerça o poder
de controle;
(iii) o art. 16 da Lei nO 9.430/96 determina que "os lucros auferidos por
filiais, sucursais, controladas e coligadas no exterior, serão: I - consi-
derados de forma individualizada) por filial, sucursal, controlada ou
coligada" ;
(iv) o art. 7° dos tratados contra a dupla tributação (no caso concreto o
Tratado com a Espanha) proíbe a tributação pelo Estado de residência
(no caso o Brasil) dos lucros de sociedades residentes no Estado da
fonte (no caso a Espanha);
(v) como a adição ao lucro real da sociedade controladora no Brasil faz-se
diretamente sobre os lucros de todas as controladas, ainda que indi-
retas, referida proteção dar-se-á apenas sobre os lucros obtidos dire-
tamente pela sociedade residente no país que tenha celebrado tratado
contra a dupla tributação com o Brasil (no caso a Espanha), não alcan-
çando eventuais lucros das controladas indiretas, cuja suscetibilidade
de tributação dependerá da existência ou não de tratado com o respec-
tivo país de domicílio.
As premissas em que este entendimento assenta são, porém, equivocadas.
A afirmação segundo a qual o conceito de sociedade controlada, adotado pela
Lei nO 6.404/76, abrange não só as controladas diretas mas também as indiretas é
indiscutivelmente exata, mas daí a permitir a conclusão de que o art. 74 da Medida
Provisória na 2.158-35 impõe a adição dos lucros das controladas indiretas ao lucro
líquido da controladora brasileira, para efeitos do art. 25 da Lei nO 9.249/95 (para
o qual remete o art. 74), vai uma grande distância, constituindo um salto lógico,
simplista e sedutor pela sua aparente literalidade, mas que o sistema jurídico não
admite.
Antes de mais, a expressão "controlada", utilizada no art. 74, não pode ser in-
terpretada de modo desgarrado, pois ela se encontra sistematicamente relacionada na
mesma proposição normativa com o conceito de "lucro disponibilizado".
Ora está bem de ver que lucro disponível é, por definição, aquele que a lei per-
mite à controlada disponibilizar à controladora brasileira, caso esta, no exercício do
seu poder de controle, delibere pela sua disponibilização. Com efeito, só em relação
a estes lucros se aplica a lógica do regime de transparência fiscal internacional, que
tributa imediatamente junto dos sócios os lucros que estes poderiam ter determinado
a distribuição, mas por ato de sua exclusiva vontade não o fizeram. Mas já não pode-
rão ser tributados nas mãos dos sócios lucros que, devido às circunstâncias do caso
concreto, poderão ser insuscetíveis de disponibilização, como sucede com os lucros
de controladas indiretas, notadamente na hipótese de serem absorvidos por perdas
de sociedades intermédias situadas em degraus ascendentes da cadeia de controle e
outras circunstâncias, como adiante se verá.
A questão de saber que lucros são disponibilizáveis para uma sociedade con-
troladora brasileira - se apenas os lucros da controlada indireta estrangeira ou se
também, per saltum, os lucros das controladas indiretas, por esta controladas - deve
ser resolvida em face do direito brasileiro. É o que determina o § 2°, inciso I, do art.
25 da Lei na 9.249/95 (para o qual remete o art. 74): '1\.s filiais, sucursais e contro-
ladas deverão demonstrar a apuração dos lucros que auferirem em cada um de seus
exercícios fiscais, segundo as normas da legislação brasileira".
Ora, a lei brasileira apenas permite a distribuição de lucros de uma sociedade a
quem for sócio (Código Civil, art. 997, VII, e art. 1007), sendo nula qualquer delibe-
ração que tenha como destinatários terceiros, inclusive os sócios de sócios 90 •
A regra segundo a qual os lucros auferidos por filiais controladas e coligadas no
exterior serão considerados de forma individualizada (art. 16 da Lei nO 9.430/96) sig-
nifica apenas que os prejuízos apurados por uma controlada ou coligada, no exterior,
somente poderão ser compensados com lucros dessa mesma controlada ou coligada
(Instrução Normativa nO 213/02, art. 4°, § 2°), não podendo consequentemente ser
compensados com lucros de outras controladas e coligadas no exterior, nem com lucros
da sociedade investidora domiciliada no Brasil (art. 25, § 5°, da Lei nO 9.249/95).
É o que também esclarece o § 5° do art. l° da Instrução Normativa nO 213/02,
segundo o qual, "para efeito de tributação no Brasil, os lucros serão computados na
90 Veja-se o art. 205 da Lei das S/A: "A companhia pagará o dividendo de ações nominativas à
pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita como proprietária ou
usufrutuária da ação".
Título V I Capo I I Residentes no País -*li
determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, de forma individualizada,
por filial, sucursal, controlada ou coligada, vedada a consolidação dos valores, ainda
que todas as entidades estejam localizadas em um mesmo país, sendo admitida a
compensação de lucros e prejuízos conforme disposto no § 5° do art. 4° desta Ins-
trução Normativa".
Vedou-se, pois, a consolidação horizontal.
No que concerne à consolidação vertical) os princípios do direito societário bra-
sileiro foram corretamente interpretados pelo § 6° do art. 1° da referida Instrução
Normativa nO 213, que dispõe que "os resultados auferidos por intermédio de outra
pessoa jurídica, na qual a filial, sucursal, controlada ou coligada no exterior, mantenha
qualquer tipo de participação societária, ainda que indiretamente, serão consolidados
no balanço da filial, sucursal, controlada ou coligada para efeito de determinação do
lucro real e da base de cálculo da CSLL da beneficiária no Brasil".
Significa isto que os lucros das controladas indiretas não podem ser adiciona-
dos per saltum ao lucro da sociedade brasileira; antes devem ser consolidados gradati-
vamente, por níveis ou degraus da cadeia vertical, em cada um dos quais serão consi-
derados como componentes do lucro de cada controladora intermédia, a ser apurado
de "forma individualizada". E assim sucessivamente na cadeia ascendente, até que a
consolidação opere no nível da primeira controlada direta estrangeira, quando então
o lucro (ou prejuízo) próprio desta será adicionado ao da controladora brasileira,
como determina o art. 74 da Medida Provisória nO 2.158-35.
Tal consolidação vertical se faz em reconhecimento, no plano fiscal, de que no
direito societário brasileiro não há uma participação direta da controladora no Brasil
nos resultados de controlada ou coligada indireta, mas apenas através da necessária
intermediação da pessoa jurídica interposta, pelo que os resultados individuais desta
têm de ser necessariamente considerados para efeitos de determinar a matéria tribu-
tável no Brasil9 ! .
Este é o sistema de reconhecimento do lucro numa cadeia vertical de participa-
ções consagrado pela lei brasileira e que deve ser obedecido no regime de transpa-
rência fiscal internacional.
Neste sistema, os lucros das controladas indiretas não podem ser considerados
disponibilizados per saltum para a controladora brasileira e junto a ela tributados,
pois tal tributação poderá estar incidindo sobre um resultado que jamais chegará às
mãos daquela controladora.
Tal ocorrerá na hipótese de existência de prejuízos ou perdas em sociedades
estrangeiras situadas em degraus mais elevados do elo societário, que absorverão
referidos lucros, e ainda na hipótese de o controlador brasileiro alienar a participação
na primeira controlada estrangeira, quando deixa ipso iure de ter qualquer vínculo
controladas indiretas. Deve, porém, ter-se presente que tais legislações têm por ob-
jeto apenas certas classes de rendimentos, os "rendimentos passivos", e não, como a
lei brasileira, "lucros" em sentido técnico, os quais pela sua própria natureza só po-
dem ascender até à sociedade controladora por meio de distribuições às controladas
intermédias.
Pode, pois, concluir-se que o objeto exclusivo da tributação pelo art. 74 da
Medida Provisória nO 2.158-35 é o lucro da primeira controlada direta estrangeira,
após a consolidação vertical, de tal modo que, se esta estiver domiciliada em país sig-
natário de tratado, o art. 7° abrange a totalidade desse lucro sem qualquer distinção
quanto à sua origem.
F) Outras questões
94 Esta compensação não obedece aos limites e restrições quantitativos e temporais constantes
do art. 15 da Lei nO 9.065/95.
95 Sobre esta simação, cfr. JOÃo DODSWORTH CORDEIRO GUERRA, op. cit.) 67.
Título V I Capo I I Residentes no País
100 Ressalvados os casos de cláusulas de tax sparing ou matching credit previstas em tratado.
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~
..... "-'
Título V I Capo I I Residentes no País
ganhos de capital auferidos por meio de outras pessoas jurídicas nos quais a mesma
controlada tenha participação.
Com efeito, só o integral emparelhamento de resultados e tributos em toda a
cadeia assegura o objetivo do art. 26 da Lei nO 9.249/95, que é o de conciliar a tri-
butação automática no Brasil dos resultados de sociedades estrangeiras consolidados
verticalmente com a eliminação unilateral de eventual dupla tributação.
ajuste, computados no lucro líquido da empresa no Brasil, poderão ser dele excluí-
dos, enquanto que os resultados negativos deverão ser a ele adicionados, quando da
determinação do lucro real".
A razão de ser da exclusão da equivalência patrimonial teve como objetivo evi-
tar a dupla tributação dos lucros das sociedades estrangeiras pela consideração si-
multânea desses lucros como tal e do seu reflexo por via da equivalência. Nenhuma
alteração legislativa subsequente ao art. 25, § 6°, da Lei n.o 9.249/95, permite a tri-
butação da equivalência patrimonial como tal, vez que a nova lei (art. 74 da Medida
Provisória nO 2.158-35/01) se refere apenas aos lucros das sociedades coligadas ou
controladas estrangeiras.
Sendo assim, a única forma de compatibilizar o disposto no art. 7° da Instrução
Normativa nO 213/02 com o art. 74 da Medida Provisória nO 2.158-35/01 (mas sem
com isto admitir legitimidade constitucional da tributação automática nele prevista)
é considerar que apenas seria tributável a receita de equivalência patrimonial que cor-
responder a aumento do patrimônio líquido da coligada e controlada em decorrência da
apuração de lucro líquido no período, pois é apenas esta parcela que reflete o conceito
de lucro da sociedade estrangeira a que se refere a lei.
Isto porque, repita-se mais uma vez, a existência ou não dos lucros é um fenô-
meno totalmente independente da apuração de um resultado positivo de equivalên-
cia patrimonial do investimento, pois pode haver casos em que há lucro sem variação
cambial e outros casos em que a variação cambial ocorre, ainda que a sociedade es-
trangeira não tenha operado, ou tenha operado com prejuízo. A incidência de impos-
to de renda em tal caso seria impossível, eis que, por inexistir acréscimo patrimonial,
ela traduzir-se-ia num verdadeiro imposto sobre o capital ou sobre o patrimônio,
notoriamente inconstitucional.
Bem andou, pois, a Administração fiscal quando, em soluções de consultas in-
dividuais, reconheceu que "a contrapartida de ajuste do valor do investimento em
sociedades estrangeiras, coligadas ou controladas, que não funcionem no país, decor-
rente de variação cambial, não será computada na determinação do lucro real"102.
Estes pronunciamentos apenas confirmam a ausência de base legal que ampare
a tributação da variação cambial de investimento no exterior, ausência essa que veio
a ser confirmada pela edição das Medidas Provisórias nOS 135/03 e 232/04.
Com efeito, o art. 46 da Medida Provisória nO 135/03 estabelecia que "a varia-
ção cambial dos investimentos no exterior avaliados pelo método da equivalência
patrimonial é considerada receita ou despesa financeira, devendo compor o lucro real
e a base de cálculo da CSLL relativos ao balanço levantado em 31 de dezembro de
cada ano-calendário". Tal dispositivo foi vetado por ocasião da conversão da referida
medida provisória na Lei nO 10.833/03, conforme a Mensagem nO 795, de 29 de
102 Cfr. Consultas da 9 a R.F. nOS 54 e 55, de 7 de abril de 2003, e 2 a R.F. nO 46, de 10 de no-
vembro de 2003.
I Em I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
103 Este entendimento tem sido aplicado de forma consistente e unânime pela jurisprudência
administrativa, cfr. Acórdãos nO 101-95.302, de 8.12.2005; Acórdão nO 105-16.365, de
28.03.2007 e Acórdão nO 101-96.468, de 5.12.2007.
Título V I Capo I I Residentes no País -€C-
o próprio caput do art. 25 permite concluir que as várias modalidades de ren-
da externa - lucros, rendimentos e ganhos de capital - serão computadas no ano
em que forem auferidas. O momento do auferimento da renda condiciona, assim,
inexoravelmente, o momento para seu cômputo na escrituração da pessoa jurídica
brasileira.
Ora, tratando-se de renda auferida no exterior e, por conseguinte, em moeda
estrangeira, e sendo o cômputo na escrituração brasileira necessariamente feito em
moeda nacional, o próprio art. 25 da Lei nO 9.249/95 esclareceu os critérios que
deveriam presidir a conversão de uma em outra.
No que concerne aos rendimentos e ganhos de capital auferidos no exercício de
uma atividade direta, o inciso I do § lOdo art. 25 determina que "serão convertidos
em reais de acordo com a taxa de câmbio, para venda, na data em que forem conta-
bilizados no Brasil", data esta que naturalmente é aquela pela qual as regras jurídicas
brasileiras consideram o rendimento auferido.
Regra diversa teria que ser dada para os "lucros" resultantes de atividades indi-
retas de filiais, controladas e coligadas que - ao contrário dos rendimentos e ganhos
de capital, que têm um caráter analítico, isolado, individualizado - têm um caráter
sintético, isto é, representam a síntese de um somatório de elementos positivos e
negativos que concorrem para sua formação num certo período de tempo.
E daí o § 4° do art. 25 determinar que "os lucros a que se referem os §§ 2° e 3°
serão convertidos em reais pela taxa de câmbio, para venda, do dia das demonstra-
ções financeiras em que tenham sido apurados os lucros da filial, sucursal, controlada
ou coligada".
Repare-se bem que esse parágrafo não determinou a conversão em reais pela
taxa do dia em que se encerra o balanço da pessoa jurídica brasileira, mas sim no dia
das demonstrações financeiras estrangeiras, elaboradas no exterior, pelas empresas
estrangeiras, e que pode ser ou não coincidente com a data de fechamento do balan-
ço de empresa brasileira de que são filiais, controladas ou coligadas.
Como os rendimentos, ganhos de capital e lucros são componentes positivos
dos resultados da pessoa jurídica brasileira, a eles se incorporam definitivamente "em
reais", por cômputo ou inclusão, à taxa de câmbio vigente na data em que foram
auferidos.
A partir desse momento, tornam-se irrelevantes as flutuações de valor da moeda
estrangeira em que eles (lucros, rendimentos e ganhos de capital) foram auferidos,
uma vez que, feita a conversão para moeda nacional, eles tornaranl-se, definitiva e
imutavelmente, valores do patrimônio da empresa brasileira expressos em reais.
É certo que na sistemática da Instrução Normativa nO 38/96 e da Lei nO
9.532/97, como se viu, ocorreu uma dissociação no tempo entre a apuração do lucro
das controladas e coligadas no exterior e o momento da tributação, que só se verifica
por ocasião de disponibilização.
Uma coisa, na verdade, é a apuração ou determinação da base de tributação;
outra é a definição do momento em que ela pode ocorrer, sem que tal implique ne-
• I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
SEÇÃO I
O IMPOSTO DE RENDA NA FONTE SOBRE RESIDENTES NO EXTERIOR
1 Cfr. MÓSSNER, in MóssNER/er ai., Steutm'echt international tdtiger Unternehmen, Colônia 1992,
116; K.LUGE, Das deutsche Internatúmale Steuerrecht (3" ed.), Munique 1992, 206; SCHAUMBURG,
Internationales Steutm'echt) Colônia 1993, 79, 93. Veja-se ainda STEFANO FroRENTINI, La tassazWne
dei non residenti, 1988; ERNESTO LrCCARDI, La disciplina degli enti non residenti, in UCKMAR/
MAGNANrjMARoNGIU (org.), n reddito di impresa nel nuuvo testo unico, Milão 1988, 697; HELENO
TÔRRES, Pluritributaçáo internacional sobre as rendas de empresa, São Paulo 2001, 325 a 330.
I gim I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
SUBSEÇÃO I
REGIME GERAL DO IMPOSTO DE RENDA NA FONTE
§ 10 HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA
2 Semelhante a esta é a distinção, própria do direito inglês, entre fazer negócios "com o Reino-
Unido" e "no Reino Unido". O direito norte-americano procede a distinção análoga, sepa-
rando o investmentincome - sujeito apenas a um imposto na fonte - e o business income - sujeito
à tributação geral da renda das pessoas residentes. Cfr. HENRY B. JORDA."I/JONE E. BISCHEL/
ALAN H. SMITH, The Taxation of Entreprises with Permanent Establishments abroad. United
States Taxation of a Foreign Entreprise carrying on Business in the U.S. through a Permanent
Establishment, CDFI LVlII-a (1973), 95; J. S. PHILIPS/M. H. COLLINS, The Assessment and
Collection ofTaxfrom Non-residents (relatório geral), CDFI LXX-a (1985), 15. Sobre a defi-
nição de trade or bussiness within the United States, ver J. D. KUNTz/R. J. PERONI, U.S. Inter-
national Taxation, vol. lI, Boston/Nova York 1992, CI-79. Ver ainda PÉREZ, La tributación
de las rentas obtenidas sin mediación de establecimiento permanente por personas físicas no
residentes, RDT 39 (1987), 7 e POVEDA, Tributación de no residentes (2 a ed.), Madrid 1993.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior .,.M
do Imposto de Renda, segundo o qual: "Estão sujeitos ao imposto na fonte, de acordo
com o disposto neste Capítulo, a renda e os proventos de qualquer natureza provenien-
tes de fontes situadas no País, quando percebidos: I - pelas pessoas físicas ou jurídicas
residentes ou domiciliadas no exterior; II - pelos residentes no País que estiverem au-
sentes no exterior por mais de doze meses, salvo os mencionados no art. 17; III - pela
pessoa física proveniente do exterior, com visto temporário, nos termos do § 10 do art.
19; IV - pelos contribuintes que continuarem a perceber rendimentos produzidos no
País, a partir da data em que for requerida a certidão, no caso previsto no art. 879.
Por sua vez, o art. 685 do mesmo Regulamento estabelece que "os rendimentos,
ganhos de capital e demais proventos pagos, creditados, entregues, empregados ou
remetidos, por fonte situada no País, a pessoa física ou jurídica residente ou domici-
liada no exterior, estão sujeitos à incidência na fonte: I - à alíquota de quinze por cen-
to, quando não tiverem tributação específica neste Capítulo, inclusive: a) os ganhos
de capital relativos a investimentos em moeda estrangeira; b) os ganhos de capital
auferidos na alienação de bens ou direitos; c) as pensões alimenúcias e os pecúlios; d)
os prêmios conquistados em concursos e competições; II - à alíquota de vinte e cinco
por cento: a) os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregaúcio, e os da
prestação de serviços; e b) ressalvadas as hipóteses a que se referem os incisos V, VIII,
IX, X e XI do art. 691, os rendimentos decorrentes de qualquer operação, em que o
beneficiário seja residente ou domiciliado em país que não tribute a renda ou que a
tribute à alíquota máxima inferior a vinte por cento, a que se refere o art. 245".
Da leitura dos preceitos atrás transcritos verifica-se que o núcleo ou aspecto obje-
tivo da hipótese de incidência do imposto de renda devido por residentes no exterior é
constituído pelos conceitos de "renda" e "proventos de qualquer natureza" usados no art.
682 ou "rendimentos", "ganhos de capital" e "demais proventos" usados no art. 685.
Todavia, as disposições legais que disciplinam o imposto sobre residentes no exte-
rior não contêm uma definição expressa do que deva entender-se por "rendimentos" ou
por "ganhos de capital», limitando-se a introduzir regras especiais para certas categorias
de proventos, referentes à alíquota aplicável ou à forma de retenção e recolhimento.
Na ausência de uma definição expressa, a doutrina entendia que tais conceitos
devam ser interpretados à luz das disposições que regem a hipótese de incidência do
imposto de renda das pessoas físicas, para as quais implicitamente remetem, median-
te a técnica da remissão por absorção.
Na verdade, a legislação brasileira do imposto de renda não continha uma de-
finição geral de renda tributável, aplicável simultaneamente às pessoas físicas e às
pessoas jurídicas3 •
Deve dizer-se que o método de remissão, por absorção, para a legislação refe-
rente às pessoas físicas perdeu muito da sua importância prática após a extinção do
sistema de tributação cedular, operado pela Lei nO 7.713/88. Com efeito, naquele
sistema, os tipos de rendimentos tributáveis eram objeto de uma enumeraçtfu taxati-
va, cada cédula constituindo como que um catálogo fechado, de tal modo que se podia
sustentar que um residente no exterior só seria tributável quanto aos rendimentos
tipificados nas respectivas cédulas.
Sucede, porém, que a referida Lei adotou o princípio da universalidade da tribu-
taçtfu dos rendimentos e ganhos de capital4, isto é, abandonou o método da tipificação
taxativa para acolher o método da cláusula geral, pelo qual o imposto incide sobre o
rendimento bruto, sendo este constituído por CCtodo o produto do capital, do traba-
lho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro e
ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos
patrimoniais não correspondentes com os rendimentos declarados" (art. 3°, § 1°).
Por sua vez, os §§ 2° e 3° do art. 3° da mesma Lei integraram os ganhos de capital
no conceito de rendimento bruto e caracterizam-nos como o produto da alienação
de bem ou direito de qualquer natureza , através de qualquer título de alienação,
acrescentando o § 4° que "a tributação independe de denominação dos rendimen-
tos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte,
da origem dos bens produtores da renda e da forma de percepção das rendas ou
proventos, bastando para a incidência do imposto o benefício do contribuinte por
qualquer forma e a qualquer título". Refira-se ainda que o art. 51 da Lei nO 7.450,
de 23 de dezembro de 19855, estabeleceu que "ficam compreendidos na incidência
do imposto de renda todos os ganhos e rendimentos de capital, qualquer que seja a
denominação que lhes seja dada, independentemente da natureza, da espécie ou da
existência de título ou contrato escrito, bastando que decorram de ato ou negócio
que, pela sua finalidade, tenha os mesmos efeitos do previsto na norma específica de
incidência do imposto de renda".
Significa isto que o método da remisstfu por absorçtfu traduz-se, após a Lei nO
7.713/88, numa remisstfu para uma cláusula geral contendo o princípio da univer-
salidade da tributação dos rendimentos e ganhos de capital, pelo que o seu alcance
prático não é hoje o de delimitar os rendimentos e ganhos de capital tributáveis pelos
residentes no exterior - são todos - mas sim o de "absorver" as normas da legislação
reguladora das pessoas físicas que definam a determinaçtfu dos rendimentos e ganhos
de capital em causa.
4 efr. HENRY TILBERY, O novo imposto de renda no Brasil, São Paulo 1989, 37 e 38.
5 Sobre as discussões, nem sempre justificadas, que este preceito tem originado, cfr. a 5a edição
desta obra, 331 ss.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior I c!BI I
6 efr. Parecer Normativo CST nO 140/73, itens 4 e 7; BULHÕES PEDREIRA, Imposto de Renda
- pessoas jurídicas, I, Rio de Janeiro 1979, 207; cfr. ainda Parecer da Procuradoria Geral da
Fazenda Nacional, de 19 de dezembro de 1975, Resenha Tributária 1976, 217; HENRY TIL-
BERY, A tributação dos ganhos de capital, 228 ss.
g I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Destas considerações resulta que não estavam (e continuam não estando) sujei-
tos a imposto de renda no Brasil ganhos de capital decorrentes de operações realiza-
das entre um residente no exterior e um residente no Brasil, tendo por objeto bens ou
direitos localizadas no exterior, pois é sempre indispensável que a fonte de produção
esteja "situada no país". É o que bem reconhece a Instrução Normativa nO 208/02 ao
esclarecer que os ganhos de capital de residentes no exterior apenas são tributáveis se
relativos a bens ou direitos situados no Brasil (art. 26).
E resulta também que não estavam sujeitos a imposto de renda no Brasil ren-
dimentos ou ganhos de capital decorrentes de operações realizadas no exterior entre
não residentes, ainda que tenham por objeto bens ou direitos localizados no Brasil,
tais como ações, quotas e imóveis.
Com efeito, a lei brasileira considerava indispensável para a tributação de re-
sidentes no exterior, na generalidade dos casos, a localização no Brasil da fonte da
renda, no seu sentido financeiro de "fonte pagadora". Ora, num ganho de capital au-
ferido por um residente no exterior de outro residente no exterior, a fonte pagadora
localiza-se no país em que este último é residente e não no Brasil.
O fato de no Brasil se localizar o bem ou direito que é objeto da renda não era arvo-
rado pela lei brasileira como elemento de conexão suficiente para efeito de imposto de
renda, ao invés do que sucede, por exemplo, para efeito de imposto de transmissão. E
compreende-se que assim fosse, pois é a presença no território brasileiro da pessoa que
efetua o pagamento do rendimento (e não dos bens ou direitos sobre que versa a ope-
ração) que é essencial ao funcionamento eficiente do mecanismo da retenção na fonte.
O art. 26 da Lei nO 10.833, de 29 de dezembro de 2003, veio alterar radical-
mente os termos em que a questão se colocava entre nós, ao dispor:
"O adquirente, pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, ou o
procurador, quando o adquirente for residente ou domiciliado no exterior, fica
responsável pela retenção e recolhimento do imposto de renda incidente sobre o
ganho de capital a que se refere o art. 18 da Lei nO 9.249, de 26 de dezembro de
1995, auferido por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior
que alienar bens localizados no BrasiF."
O art. 18 da Lei nO 9.249, de 26 de dezembro de 1995, por sua vez, estabelece
que "o ganho de capital auferido por residente ou domiciliado no exterior será apu-
rado e tributado de acordo com as regras aplicáveis aos residentes no País".
7 Referido preceito entrou em vigor em 1°.02.2004, ex vi do art. 93, rI, da Lei nO 10.833/03.
Título V I Capo II I Residentes no Exterior Iq
C) Aspecto temporal
8 .Na Itália cfr. G. FALSTITA, Studi sulla tassazione delle pluSlJalenze, Milão 1991, 103; FRANCESCO
CARBONETTI, Plusvalenze realizzate da non residenti su quote o azioni di soeietà italiane, Dirit-
to e Pratica Tributaria 1981-1, 390; SILV1A P ANSlERl, Le nuove fattispeeie di territorialità delle
plusvalenze realizzate da non residcnti, Diritto e Pratica Tributaria 1981-1, 1097. Em Portugal
prevê-se a obrigação de o sujeito passivo não residente apresentar declaração de rendimentos
onde fará a apuração da mais-valia. Cfr. art. 97 do Código do Imposto sobre o Rendimento
das Pessoas Coleetivas (CIRC), efr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional, Coimbra
1993, 377 ss. Na Espanha a Lei nO 46/2002 veio expressamente estabelecer que se conside-
ram rendimentos obtidos em território espanhol, entre outros, os ganhos patrimoniais quan-
do se derivam de valores emitidos por pessoas ou entidades residentes em território espanhol
e quando se derivam de outros bens móveis, distintos dos valores, situados em território
espanhol ou de direitos que devem cumprir-se ou se exerçam em território espanhol.
9 Neste sentido, BULHÕES PEDREIRA, Imposto sobre a renda - pessoas jurídicas, I, 196 ss.
_ . ._ Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
direito e até ter-se tornado exigível, sem que exista disponibilidade, pois esta pressu-
põe sempre um facere do devedor da renda, ou fonte pagadora, que coloque o objeto
da obrigação na livre disposição do beneficiário. Assim, por exemplo, são existentes
e exigíveis mas ainda não disponíveis o direito a juros vencidos e não pagos ou o
direito a lucros distribuíveis mas ainda não distribuídos.
É precisamente com base nestas considerações que a legislação do imposto de
renda, após referir no art. 685 que o imposto incide sobre proventos "pagos, credi-
tados, entregues, empregados ou remetidos" (arts. 693, § único, 705, 706, 708, §
único do RlR) - reproduzindo fórmula advinda do Decreto-Lei nO 4.178, de 13 de
março de 194210 - determina que a retenção do imposto é obrigatória "na data do
pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa".
A lei enumera assim uma tipologia taxativa de atos suscetíveis de desencadear o
nascimento da obrigação tributária, por exprimirem, cada um deles, a aquisição de
disponibilidade jurídica e econômica da renda a que se refere o art. 43 do Código
Tributário Nacional.
Qualquer destes atos representa, na verdade, um facere da fonte pagadora con-
ducente a colocar os rendimentos à disposição do seu titular, devendo notar-se que
a respectiva enumeração não se reveste de caráter cumulativo, mas alternativo, de tal
modo que a obrigação tributária surge tão logo verificado o que primeiro ocorrer.
O simples vencimento da obrigação de pagamento da renda, conquanto ex-
prima o momento da exigibilidade do correspondente direito, não representa ainda
"percepção" do rendimento ou aquisição da disponibilidade jurídica, pelo que a ex-
pressão "creditar" não se confunde com o momento do vencimento, como com todo
o rigor e precisão demonstrou GILBERTO DE ULHOA CANTO Jl : "A forma verbal utiliza-
da pelo legislador não deixa qualquer dúvida quanto a só ser obrigatória a retenção
do imposto pela fonte quando esta agir por uma das maneiras pelas quais a lei prevê
a exteriorização do fato gerador, na espécie: pagar, creditar, empregar, remeter ou
entregar o rendimento. Trata-se de forma verbal ativa, que pressupõe umfacere por
parte da fonte, e que de maneira alguma se coaduna com a interpretação adotada pela
instância ministerial, que equipara a palavra crédito, com o sentido de lançamento
contábil a favor do titular da conta, à mesma palavra com o significado de direito ao
recebimento de uma prestação em dinheiro ou a este redutível. A exigibilidade de um
pagamento, tão logo ocorra o fato dele determinante, segundo a relação contratual
que lhe dá origem - como o vencimento de prazo - independe de qualquer atuação
da fonte. Ora, para fins de retenção do imposto, quis a lei que a obrigação respectiva
só surgisse em razão de atividade específica da fonte pagadora, de ato positivo seu,
qual seja: o creditar, o pagar, o empregar, o remeter ou o entregar o rendimento.
Quisesse a lei que o fato gerador da obrigação tributária em causa surgisse com o só
vencimento do prazo contratual, tê-lo-ia dito, sem dúvida, de forma clara, sem con-
15 Cfr. Estudos e pareceres de Direito Tributário, São Paulo 1975, 376 ss.
]6 Cfr. ainda o Acórdão do Conselho de Contribuintes nO 103-07.602, de 13.10.96, e Ac. nO
101-77.766, de 13.06.88.
17 Ver o já citado Ac. CSRFjOl-0.632, de 11.4.86; Ac. nO 103-07.602, de 13.10.86.
18 "O crédito de rendimento só configura disponibilidade jurídica se incondicional, isto é, se
o recebimento do respectivo numerário depender exclusivamente do beneficiário... " (Ac.
CSRFjOl-0820), Cfr. ainda Acórdão nO 102-43815. Cfr. BULHÕES PEDRElRA,Imposto sobre a
Renda - Pessoa Jurídica, l, Rio de Janeiro 1979, 196 ss.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior .i~.
obrigação no momento próprio se deve apenas ao fato de o credor, sem causa justi-
ficativa, recusar o pagamento que lhe foi oferecido ou não realizar os atos de coope-
ração necessários ao mesmo J9 . Exemplo clássico é o de os recursos serem colocados à
disposição do credor que, porém, os não levanta ou dá quitação.
Acresce ainda que a lei ordinária arvorou os conceitos da disponibilidade jurí-
dica e da disponibilidade econômica, em matéria de rendimentos de residentes no
exterior tributados por retenção na fonte em requisitos cumulativos, exigindo uma
efetiva "percepção" do rendimento em qualquer das modalidades típicas enumeradas
no art. 685 do RIR (pagamento, crédito, remessa, emprego, entrega) e entre as quais
não se inclui a mera exigibilidade da obrigação.
De resto, a opção legislativa por tributar os rendimentos apenas por ocasião da
sua percepção efetiva é a que melhor se adapta à natureza de um imposto retido na
fonte, que pressupõe um fluxo financeiro nas relações entre devedor e credor.
Aliás, que o vencimento não significa, por si só, aquisição de disponibilidade
jurídica, no sentido do art. 43 do Código Tributário Nacional, é a interpretação que
melhor se coaduna com o princípio constitucional da capacidade contributiva, de
que aquele preceito é reflexo e que não se compadeceria com a possibilidade de fazer
recair no credor o ônus tributário da inadimplência do devedor.
§ 2° BASE DE CÁLCULO
19 Cfr. ANTUNES V ARELA, Direito das Obrigações, vaI. 2, Rio de Janeiro 1979, 157.
20 Cfr. Pareceres Normativos nO 422/70 e nO 487/70.
9 I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
por conta do credor - caso em que estipulam uma taxa bruta de juros (gross rate) - ou
por conta do devedor - caso em que estipulam uma taxa líquida de juros (net rate).
Quando se estipula uma taxa bruta, o credor aceita receber essa taxa uma vez
efetuada a retenção do imposto sobre os próprios juros devidos; ao invés, quando se
estipula uma taxa líquida de juros, o credor define desde logo o montante preciso que
quer receber, pelo que o imposto de renda não deverá ser retido dos próprios juros,
mas sim recolhido pelo responsável com base em recursos próprios.
Pode, desde logo, suscitar-se a questão de saber se este tipo de cláusula é válida
no direito brasileiro, na medida em que ela significa que não é obrigatória a retenção
do imposto e que portanto não é do interesse e ordem pública que o respectivo ônus
econômico seja suportado pela pessoa que a lei define como contribuinte.
Não temos dúvida em afirmar a absoluta validade destes pactos, no domínio do
imposto de renda2l .
É certo que o art. 123 do Código Tributário Nacional dispõe que "salvo dis-
posições da lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade
pelo pagamento dos tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modi-
ficar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes".
Este preceito deve ser interpretado no sentido de que, embora tais convenções sejam
válidas do ponto de vista do direito privado, elas não são oponíveis ao Fisco para
exonerar de responsabilidade a pessoa definida pela lei como sujeito passivo, contra
a qual reverterá sempre a execução forçada em caso de não pagamento voluntário,
de tal modo que a convenção esgota os seus efeitos nas relações bilaterais entre as
partes. Por outro lado, a lei é expressa em admitir a validade do acordo pelo qual a
fonte pagadora de um rendimento assume o encargo financeiro do seu pagamento,
mas faz daí deduzir certas consequências tributárias.
A primeira é a de que, sendo o ônus do imposto suportado por terceiro (a fonte
responsável) e não pelo próprio titular do rendimento (contribuinte), o valor do im-
posto representa rendimento adicional deste último, pelo que o imposto a ser recolhi-
do pela fonte não deve ser calculado apenas sobre o valor bruto do rendimento, mas
sobre este valor acrescido do valor do imposto não retido pela fonte. É o que resulta
do art. 725 do RIR, segundo o qual "quando a fonte pagadora assumir o ônus do
imposto devido pelo beneficiário, a importância paga, creditada, empregada, reme-
tida ou entregue, será considerada líquida, cabendo o reajustamento do respectivo
rendimento bruto, sobre o qual recairá o tributo ressalvados os casos a que se referem
os arts. 677 e 703, § único" (o reajustamento far-se-á de acordo com a fórmula ado-
tada na Instrução Normativa nO 15/01, art. 20).
§ 30 SUJEITO PASSIVO
do imposto de renda como ((o titular da disponibilidade a que se refere o art. 43, sem
prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens pro-
dutores de renda ou dos proventos tributáveis". Com efeito, quem revela capacidade
contributiva no tocante a este imposto é a pessoa que realiza o fato gerador - aquele
que é titular da disponibilidade econômica ou jurídica da renda.
Dentro dos limites assim traçados pelo Código Tributário Nacional, a legislação
ordinária distingue três tipos fundamentais de contribuintes, submetendo cada um
deles a um regime jurídico autônomo: (a) as pessoas físicas residentes ou domici-
liadas no Brasil; (b) as pessoas jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil; (c) as
pessoas, físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no exterior.
Contribuintes do imposto de renda na fonte sobre residentes no exterior são,
por conseguinte, as pessoas físicas ou jurídicas titulares da disponibilidade econô-
mica ou jurídica da forma de renda que é objeto da tributação, como é o caso do
credor de juros de empréstimos externos, da sociedade estrangeira titular do direito
a dividendos, do titular do direito a royalties etc.
Além do contribuinte, o Código Tributário Nacional prevê a figura do responsável
em matéria de imposto de renda, estabelecendo no § único do art. 43 que "a lei pode
atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsá-
vel pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam". A disposição está em plena
coerência com a definição de responsável dada nos arts. 121, inciso li, e 128 do mesmo
Código, pois que a fonte pagadora é um terceiro que - apesar de não ter relação direta
e pessoal com o fato gerador (dada pela titularidade da renda) - se encontra contudo
a este vinculado, vínculo que resulta do fato de ser ele que procede ao pagamento dos
rendimentos e proventos que constituem o fato gerador do imposto de renda22 .
Tenha-se presente, quanto ao imposto de renda relativo a residentes no exterior,
que a obrigação de retenção é da fonte pagadora, salvo no caso de aluguéis de imó-
veis, ou em casos em que o procurador não der conhecimento à fonte de que o titu-
lar do rendimento é residente no exterior, casos em que o responsável é o procurador
(arts. 685, § 2°, b) e 721 do RIR)23.
§ 4° ALÍQUOTAS
24 efr. Decreto nO 6.761, de 5 de fevereiro de 2009, e as fontes legais nele referidas. Veja-se ain-
da a Instrução Normativa nO 252/02, com as alterações da Instrução Normativa nO 744/07.
Instrução Normativa nO 252 de 03.12.2002.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
§ 5° ISENÇÕES
25 Cfr. SAINZ DE BUjANDA, Teoria jurídica de la exención tributaria, in Hacienda y Derecho, III,
Madrid 1963,425 55. Cfr. por último ArDNSO MUlULLO, El tipo cera en el sistema impositivo
espanol, Madrid 1998, espec. 133 55.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior M?i.
Com as isenções não devem confundir-se casos de mera não incidência, constan-
tes de preceitos declaratórios da não tributabilidade dos valores em causa, de que são
exemplo as hipóteses referidas como "dispensa de retenção" pelo art. 690 do RIR,
tais como os valores, em moeda estrangeira, registrados no Banco Central do Brasil,
como investimentos ou reinvestimentos, retornados ao seu país de origem (pois con-
figuram retorno de capital e não ganho de capital) (PN nOS 99/71, 231/71 e 232/71);
o valor dos bens havidos, por herança ou doação, por residente ou domiciliado no
exterior (pois se trata de transferência de capital) (PN nO 80/72); as remessas para
dependentes no exterior (ADN nO 9/77); as diárias, ajudas de custo e reembolsos de
despesa, por terem natureza ressarcitória26 ; a cobertura de gastos pessoais, no exte-
rior, de pessoas físicas, residentes ou domiciliadas no país, em viagens de turismo,
negócios, serviço, treinamento ou missões oficiais (RIR, art. 690, VIII).
26 ATTlLA DE ANDRADE JUNIOR, O capital estrangeiro no sistema jurídico brasileiro, Rio de Janeiro
1979,176.
27 Sobre a distinção entre ritenuta d'acconto e ritenuta una tantum, veja-se GmsEPPE PIAZZA,
Ritenuta d'acconto e imposta sugli utili delle società, Milão 1963.
.~+. Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
28 Cfr. BERLIRl, Principi di Diritto Tributaria (la ed.), voI. II, tomo I, Milão 1952, 129. Sobre
a substituição tributária, vejam-se as recentes monografias de DANTE D'A,"GELO, Per un ag-
giornamento della figura delsostituto d'imposta, Milão 1991 (cujas conclusões não podemos
acompanhar), e LUIS M. ALONSO GONZALEZ, Sostitutos y retenedores en el ordenamiento tribu-
taria espanol, Madrid 1992.
29 Cfr. ALLORIO, Diritto Processuale Tributaria, Milão 1955, 191; PAULO DE BARROS CARVALHO,
Curso de Direito Tributária, São Paulo 1985, 180-181.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior .w-
ções, deduções etc. - devem verificar-se quanto à pessoa do substituído e não em
relação ao substituto. O pagamento de um rendimento não determina a criação de
uma obrigação nova, mas a substituição, no seu lado passivo, do contribuinte, por
um terceiro (substituto). Como o substituto é o verdadeiro sujeito passivo da obri-
gação tributária, a ele incumbe efetuar o pagamento, revertendo contra ele eventual
execução fiscal.
Na pureza dos seus contornos doutrinários, o instituto da substituição tributá-
ria traduz-se na existência de uma única relação Jurídico-tributária entre o substituto e
o Fisco, com a consequente exclusão da responsabilidade do contribuinte, que não tem
com o Fisco qualquer relação jurídica: pode dizer-se que em tais casos a lei cria um
contribuinte que não contribui.
Rá quem pretenda alargar o conceito de substituição tributária de modo a
abranger todos os casos de retenção na fonte, inclusive aqueles em que a retenção
funciona como simples antecipação do imposto devido na declaração. Fala-se, nestes
casos, de uma substituição parcial, por oposição à substituição total 3D •
Entendemos, porém, que a diversidade de regimes jurídicos é tal que não se
justifica o enquadramento de fenômenos, profundamente distintos, numa deno-
minação comum: na retenção na fonte por antecipação, existe uma responsabilidade
cumulativa do responsável e do contribuinte, coexistindo duas relações jurídicas
autônomas; na retenção exclusiva na fonte, existe uma responsabilidade exclusiva do
responsável substituto, inexistindo qualquer relação jurídica entre o contribuinte
e o Fisco.
Entendemos, assim, que, nos casos de retenção por antecipação, a fonte pagado-
ra é responsável a título de agente de retenção e não de substituto tributário, seguindo
neste ponto a lição de DINO JARACH quando afirma: '1\ diferença fundamental entre
o agente de retenção e o substituto tributário consiste essencialmente no seguinte:
o agente de retenção tem em primeiro lugar a obrigação de reter e pagar ao Fisco a
soma retida; só o incumprimento de uma das obrigações referidas faz nascer a sua
responsabilidade patrimonial perante o Fisco. Ao contrário, no caso do substituto,
a obrigação de pagar o imposto incumbe direta e primordialmente ao substituto,
sem prejuízo do seu direito de reclamar a restituição do que pagou ao verdadeiro
contribuinte 3J " •
30 Cfr. BERLIRI, Principi, lI, I, 139; BLUMENSTEIN, Sistema di Diritto delle Imposte, Milão 1954,
58, distingue entre uma substituição privativa (total) e cumulativa (parcial).
31 Cfr. DINO JARACH, Curso Superior de Derecho Tributario, Buenos Aires 1969,208; cfr. tam-
bém SAINZ DE BU)ANDA, Lecciones de Derecho Pinanciero, Madrid 1982, 238.
• I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
39 Cfr. RUBENS GOMES DE SOUSA, Compêndio de Legislação Tributária, Rio de Janeiro 1969,69;
HUGO DE BRITO MACHADO, Responsabilidade Tributária, Cadernos de Pesquisas Tributárias 5
(1980),70 (71); CARLOS DA ROCHA GUIMARÃES, Responsabilidade Tributária, Cadernos de
Pesquisas Tributárias 5 (1990),249 (256-257); PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso de Direi-
to Tributário, São Paulo 1985, 139-194; BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, Responsabilidade
Tributária, Cadernos de Pesquisas Tributárias 5 (1980),70 (349); ARNALDO BORGES, O sujeito
passivo da obrigação tributária, São Paulo 1981, 115 sS.
40 Cfr. RICARDO LOBO TORRES, Restituição dos tributos, Rio de Janeiro 1983, 141.
41 O Conselho de Contribuintes já decidiu que não se estende à beneficiária do rendimento
que suportou o ônus do imposto retido na fonte o descumprimento à legislação de regência
cometido pela fonte pagadora - pessoa jurídica, seja pela falta de recolhimento do valor des-
contado, não apresentação da DIRF e/ou de livros contábeis" (Ac. l° CC 102-20.575/83
- Resenha Tributária, Seção 1.2, Ed. 07/85, 158).
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
SUBSEÇÃO II
Dos RENDIMENTOS EM ESPECIAL
Após termos analisado o regime geral do imposto de renda na fonte sobre resi-
dentes no exterior, importa examinar as peculiaridades de que este imposto se reveste
em relação a certos tipos de rendimentos.
A) Hipótese de incidência
42 Cfr. ATIlLA DE ANDRADE JUNIOR, O capital estrangeiro no sistema jurídico brasileiro, 172. Sobre
o regime especial dos ganhos de capital na alienação de bens e direitos não relativos a inves-
timentos estrangeiros registrados no Banco Central do Brasil, cfr. infra, 467 ss.
43 Sobre a remissão por absorção, cfr. supra) 508; TITO REZENDE, Imposto de Renda, 621, nota
283; J. L. BULHÕES PEDREIRA, Imposto de Renda, 1969,2.41 (03),20-23-30; GILBERTO DE
ULHÕA CANTO, Estudos e pareceres de Direito Tributário, 308-309; J. E. MONTEIRO DE BARROS,
Imposto de renda e ganhos de capital, in O Estado de São Paulo, 8 de agosto de 1971, 72;
GUSTAVO MIGUEZ DE MELLO, O lucro na venda de ações e a tributação da pessoa física pelo
imposto de renda, RDP 6, 210.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior .W.
Todavia, o Fisco - após durante longo tempo ter acolhido igual entendimento -
passou a manifestar-se em sentido diferente, inobstante reconhecer a não incidência
do imposto sobre as mais-valias auferidas na alienação de participações societárias
por pessoas físicas residentes no Brasil.
Com efeito, o Parecer CST na 413, de 8 de dezembro de 1969 (DOU de 19 de
dezembro de 1969), consagrou o novo entendimento de que, quando o beneficiário
for pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior, só os valores registrados em
moeda estrangeira no Banco Central do Brasil, como investimento, poderão retor-
nar independentemente do tributo na fonte a que se referia o art. 292, inciso 1°, do
Regulamento do Imposto de Renda, de 1966, então vigente.
Por sua vez, o Parecer SLTN na 224/70, em resposta à consulta da Confede-
ração das Associações Comerciais do Brasil, concluía que "qualquer remessa para o
exterior, a título de retorno de capital, só estará isenta do imposto a que se refere o
art. 292, inciso 1°, do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto na 58.400-66),
até o valor, em moeda estrangeira, dos investimentos e reinvestimentos registrados
no Banco Central do Brasil, de acordo com o art. 30 , letras a a c, da Lei na 4.131 de
3 de setembro de 1962".
O Parecer Normativo de 12 de janeiro de 1971 reproduz igual doutrina: "Os
ágios ou lucros resultantes da alienação das quotas de capital de sociedade de res-
ponsabilidade limitada, quando percebidos por pessoas físicas, não estão sujeitos à
incidência do imposto de renda, salvo se o beneficiário for residente ou domiciliado
no exterior, caso em que só os valores, em moeda estrangeira, registrados no Banco
Central do Brasil, como investimentos ou reinvestimentos, é que poderão retornar
sem a incidência na fonte de que trata o art. 292, inciso 1°, do RIR".
O mesmo pensamento seria reiterado nos Pareceres Normativos CST nO' 231
e 232, ambos de 10 de março de 1971, segundo os quais "qualquer remessa para o
exterior a título de retorno de capital só estará isenta do imposto a que se refere o
art. 292, inciso l°, do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto na 58.400-66),
até o valor, em moeda estrangeira, dos investimentos registrados no Banco Central
do Brasil, de acordo com o art. 3°, letras a a c, da Lei na 4.131, de 3 de setembro de
1962"; e ainda que "se o alienante, pessoa física ou jurídica, for residente ou domi-
ciliado no exterior, somente os valores em moeda estrangeira registrados no Banco
Central do Brasil, como investimento ou reinvestimento, é que poderão retornar sem
a incidência do imposto de renda na fonte prevista no art. 292, inciso la, do Regu-
lamento do Imposto de Renda em vigor".
A análise dos diversos pronunciamentos do Fisco, atrás citados, revela-nos, em
primeiro lugar, que a questão das mais-valias na alienação de quotas e ações só foi ex-
pressamente abordada no que tange a investimentos em moeda estrangeira registra-
dos no Banco Central, reinando o mais absoluto silêncio no que toca a investimentos
realizados por residentes no exterior em moeda nacional, insuscetíveis de registro.
Em segundo lugar, a posição do Fisco consolidou-se no sentido de que o valor
dos investimentos e reinvestimentos registrados em moeda estrangeira desempenha
I ~ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
44 efr., por todos, H. TILBERY, A tributaçãIJ dos ganhos de capital nas vendas de participações soci-
etárias pelas pessoas ftsicas, 81.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior .W'
do imposto sobre os ganhos de capital em geral, ao invés do que sucedeu quanto
ao caso específico das ações das sociedades de investimento, em que arvorou o valor
constante do certificado de registro como parâmetro de apuração do tributo.
Na sequência do art. 4° do Decreto-Lei nO 1.401175, os Regulamentos do Impos-
to de Renda supervenientes (1975 e 1980) passaram a definir a hipótese de incidência
do imposto de renda na fonte dos residentes no exterior, já não como "rendimentos tri-
butáveis nos termos deste Regulamento", mas genericamente como "rendimentos, ga-
nhos de capital e demais proventos", estabelecendo que ficam sujeitos a imposto "quan-
do percebidos por pessoas físicas ou jurídicas residentes no exterior, inclusive os ganhos
de capital relativos a investimentos em moeda estrangeira" (art. 745, I, do RIRj94).
Não pode pois duvidar-se que, a partir da entrada em vigor do art. 4° do Decreto-
Lei nO 1.401/75, estão sujeitos ao imposto de renda os ganhos de capital de residentes
no exterior relativos a investimentos em moeda estrangeira, ou seja, decorrentes da
alienação de participações societárias registradas no Banco Central do Brasil.
Também não pode mais discutir-se que sofrem a incidência desse imposto, na
fonte, os ganhos de capital auferidos por residentes no exterior decorrentes da alie-
nação de participações societárias, mesmo que estas se exprimam apenas em moeda
nacional, não se beneficiando de registro no Banco Central do Brasil, uma vez que tais
ganhos se encontram incluídos na regra geral dos arts. 682 e 685, como bem inculca a
expressão "inclusive", utilizada no art. 685 do RIR, além de estarem abrangidos no in-
ciso II deste artigo que prevê "os ganhos de capital na alienação de bens ou direitos".
B) Base de cálculo
Dizer-se que, ainda neste caso, a base de cálculo do imposto seria dada pelo
registro, conduziria ao absurdo de comparar, em relação a um mesmo contribuinte,
o preço pelo qual vendeu participações societárias a um terceiro, não com o preço
pelo qual ele próprio as comprou, mas com o preço pelo qual foram adquiridas pelo
anterior proprietário.
Isto significaria afrontoso atropelo ao próprio conceito de ganho de capital- in-
dissociavelmente ligado ao de acréscimo patrimonial, constante do art. 43 do Código
Tributário Nacional- na medida em que se compararia um acréscimo de valor, não
com o patrimônio próprio preexistente (preço de aquisição efetivo), mas com o pa-
trimônio de um terceiro, o anterior investidor (valor do certificado de registro). Por
outras palavras: seria transformar um simples meio de prova de um custo de aquisição
(certificado de registro) no próprio objeto da prova (a base de cálculo do imposto).
Note-se, aliás, que não há qualquer incompatibilidade em reconhecer-se que,
na alienação de participações societárias de um residente no exterior para outro re-
sidente no exterior, há uma sucessão no registro para efeitos do exercício de direitos cam-
biais) mas não há qualquer sucessão para efeitos fiscais ligados à determinação do ganho de
capital. É que o critério administrativo do Fisco, de adotar como base de cálculo do
imposto os valores constantes do registro - se é válido na medida em que exprime o
preço de aquisição do investidor inicial que aliena as participações societárias -, não
pode sobrepor-se ao conceito de ganho de capital constante das leis do imposto de
renda, pelo qual este deverá exprimir a diferença entre o preço de alienação e o preço
de aquisição pelo próprio contribuinte) com total abstração do preço de aquisição pago
por anteriores titulares das mesmas participações societárias.
Repare-se - e este argumento é determinante - que o Código Tributário N acio-
nal apenas autoriza a legislação ordinária a instimir imposto de renda sobre acréscimos
patrimoniais, cujo valor constimi, por conseguinte, o "limite máximo" da base de
cálculo do tributo. Ora, se se adotasse como parâmetro para o cômputo dessa base de
cálculo o valor do registro, com abstração do efetivo custo de aquisição, poder-se-ia
exigir imposto de renda sobre quantia excedente ao acréscimo patrimonial, o que a lei
complementar categoricamente repele.
Merece, por isso, aplauso a orientação do Fisco, constante do art. 26 da Ins-
trução Normativa nO 208, de 27 de setembro de 2002 (mas que reproduz idêntica
regra da Instrução Normativa nO 73/98), segundo a qual "o valor de aquisição do
bem ou direito para efeito deste artigo deverá ser comprovado com documentação
hábil e idônea, usual para o tipo de operação de que houver resultado a aquisição",
acrescentando o § 4° que «não sendo possível comprovar o custo conforme o disposto no
parágrafo anterior, o valor de aquisição será, conforme o caso: I - apurado com base
no capital registrado no Banco Central do Brasil, relacionado à compra do bem ou
direito; TI - igual a zero, nos demais casos".
Significa isto que, de harmonia com a interpretação, aliás correta, da Secretaria
da Receita Federal, a prova do custo de aquisição deve fazer-se por documento ade-
quado que refUita o preço real da aquisição, de tal modo que apenas subsidiariamente,
_'IM Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
na impossibilidade de prova direta documental, é legítima a consideraçao do valor de
investimento registrado no Banco Central do Brasil.
Aliás, a consideração do registro do investimento como o único meio de prova
admissível do custo de aquisição representaria um entorse inconstitucional ao princípio
da verdade material, que preconiza a admissibilidade de todos os meios de prova49 .
Tenha-se ainda presente que as referidas Instruções Normativas revestem ma-
nifesto caráter interpretativo, como aliás não poderia deixar de ser, tendo em vista o
princípio da legalidade da tributação e sua natureza infralegal, de meros atos admi-
nistrativos genéricos. Tratando-se de atos administrativos interpretativos, eles têm
caráter vinculante para a Administração e a força retroativa inerente às normas inter-
pretativas (art. 106, I, do Código Tributário Nacional), pelo que devem aplicar-se a
operações realizadas mesmo antes de sua entrada em vigor.
49 efr. ALBERTO XAVIER, Do lançamento: Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tri-
butário, 121 ss. Veja-se, no mesmo sentido, LUCIANA ROSANOVA GALHARDO e GIANCARLO
MATARAZZO, Ganho de capital - não residentes - garantias de investimentos estrangeiros no
Brasil, RDDT, 74 (2001), 96.
50 Apenas haveria a assinalar que a este custo inicial se somaria o custo das eventuais aquisições
posteriores, realizadas a título de compra ou subscrição (reinvestimentos).
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior MiS-
investimento estrangeiro, seja por venda parcial de participações societárias, seja por
redução do capital. Trata-se, na verdade, de saber se a base de cálculo é constituída
pelo investimento total em moeda estrangeira, ou pela proporção desse investimento
correspondente à fração do capital social alienado ou reduzido.
Um exemplo auxiliará a melhor compreensão do problema: suponhamos que
um investidor residente no exterior efetua um investimento de US$ 100.000,00, apli-
cando-o no capital de uma sociedade por ações, dividido em 100.000 ações. Se esse
investidor alienar mais tarde 50% das ações por US$ 70.000,00, o imposto incidirá
imediatamente sobre a diferença entre o preço de venda e o valor do investimento
reduzido pela proporção que sobre ele representavam as ações vendidas (50% de US$
100.000,00), ou seja, sobre um ganho de capital de US$ 20.000,00?; ou o imposto
só incidirá se e quando o preço de venda das sucessivas alienações parciais exceder o
valor total do investimento registrado, não incidindo portanto nas alienações parciais
enquanto tal valor não for excedido, como sucederia no exemplo acima?
Na primeira edição deste livro, designamos o primeiro critério como critério
da proporção (em que haveria redução do registro proporcional à percentagem das
participações alienadas e imediata determinação do eventual ganho de capital) e o
segundo como critério da diftrença (em que haveria redução do registro na medida
das divisas repatriadas, mas só haveria determinação do eventual ganho tributável
quando houvesse excesso do preço de venda em relação ao valor total do registro).
Também nessa edição, sustentamos o critério da diferença, tendo logo obtido a
adesão de HENRY TILBERY52 • Os argumentos fundamentais em que então nos basea-
mos eram dois: o caráter unitário do investimento estrangeiro registrado, de tal modo
que a obrigação tributária só deveria surgir se e quando o produto da liquidação do
investimento excedesse aquele limite; e a natureza jurídica do registro de capital es-
trangeiro, que seria a de um título representativo do investimento em moeda e não em
ações, de tal modo que ele só deveria ser reduzido na medida das divisas repatriadas e
não na proporção do investimento liquidado.
Após amadurecida reflexão, inclinamo-nos hoje para a solução contrária, essen-
cialmente em função do caráter causal e não abstrato do título em que o registro se
traduz. Com efeito, ele não autoriza o exercício dos direitos cambiais que declara,
para qualquer fIm ou em razão de qualquer fIm, isto é, independentemente de uma
causa típica; antes vincula os referidos direitos ao objetivo consagrado no título e daí
a estreita conexão com as ações ou quotas em que as divisas estrangeiras se materiali-
zaram, na forma de investimento diret05 3 • "
52 Cfr" H. TILBERY, A tributação dos ganhos de capital nas vendas de participações societárias pelas peso
soasftsicas, 96 ss.; no mesmo sentido, ATIlLA DE ANDRADE JUNIOR, O capital estrangeiro, 173.
53 Cfr. op. cit., 195 ss. Sobre o conceito de título causal, cfr. AsCARELLI, Teoria geral dos títulos de
crédito, São Paulo 1943, 29, 70 ss. e 415.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior .@a
dentes, de tal modo que qualquer alienação de ações ou quota, ou redução do capital,
deve refletir-se automaticamente no registro do investimento. Os direitos societários
e os direitos cambiais titulados pelo certificado andam, assim, de mãos dadas.
Donde se segue que a incorporação num só e único título - o registro de in-
vestimento - não seja bastante para imprimir natureza unitária ao investimento es-
trangeiro registrado, investimento esse que é fracionável na mesma medida em que o
investimento societário é suscetível de redução ou alienação parcial.
Afigura-se-nos, por isso, correta a solução do problema consagrada na Portaria
do Ministro da Fazenda nO 217/87, cujo inciso I esclarece que "a transferência para o
exterior do capital registrado no Banco Central do Brasil em nome de pessoas físicas
ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior, sob o título de inves-
timentos e reinvestimentos estrangeiros no país será procedida: (a) sem a incidência
do imposto na fonte, quando a importância a ser transferida não superar o valor
que for obtido pela aplicação do percentual representado pela participação alienada
ou liquidada sobre o total do capital registrado. Referido percentual será apurado
tomando-se por base a participação societária alienada ou liquidada em relação à par-
ticipação total do investidor no capital da empresa receptora do investimento estran-
geiro; (b) com a incidência do imposto sobre a parcela a ser transferida que exceder o
valor obtido na forma da alínea anterior". Por sua vez, o inciso II determina que "a
apuração e a demonstração da proporcionalidade mencionada no item anterior são
de responsabilidade do titular do registro, sendo obrigatória em qualquer operação
de que resultam alienações ou liquidações parciais de participações societárias, inclu-
sive mediante reduções de capital social das empresas receptoras de investimentos
estrangeiras". Idêntico regime viria ser consagrado pelo art. 4° da Portaria nO 550,
de 3 de novembro de 1994.
A Lei nO 7.713/88 previa que, no caso de ganho de capital auferido por residen-
te ou domiciliado no exterior, o imposto será devido no momento da alienação do
bem ou direito (art. 33).
Esta regra foi reproduzida no § 2° do art. 685 do RIR, bem como no art. 27,
inciso II, da Instrução Normativa SRF n° 208/02.
Trata-se, porém, de interpretação equivocada por parte do Fisco, eis que tal re-
gra se deve considerar revogada a partir da Lei nO 9.249/95, cujo art. 18 determina
que o ganho de capital auferido por residente ou domiciliado no exterior será apura-
do e tributado de acordo com as regras aplicáveis aos residentes no País. Ora, estas
regras estabelecem que nas alienações a prazo o ganho de capital será tributado na
proporção de parcelas recebidas (Lei nO 7.713/88, art. 21)58.
Demais disso, a escolha do momento da alienação para tributar os ganhos de
capital não se conforma com o requisito da disponibilidade jurídica ou econômica de
renda, exigido pelo art. 43 do Código Tributário Nacional, pois - ao menos nas hipó-
teses da venda a prazo - o titular não adquiriu ainda o poder de dispor do preço.
§ 3° INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS
NOS MERCADOS FINANCEIRO E DE CAPITAIS
A) Considerações preliminares
a) A distinção entre o regime geral de equiparação a residentes no Brasil e o regime
especial de investimentos sujeitos às normas do Conselho Monetário Nacional
Lei nO 10.833/2003, RDDT 105 (2004),50; NATANAEL MARTINS, JUAN MANUEL CALONGE
MENDEZ, A tributação do ganho de capital auferido por não residente em operação com ou·
tro não residente tendo por objeto alienação de bem situado no Brasil infringe as disposições
legais referentes ao imposto de renda brasileiro?, RDTI 7 (dez.-/2007), 113; SIMONE DIAS
MUSA, MARCOS VINÍCIUS PRADO, A tributação de ganhos auferidos por não residentes na alie·
nação de bens localizados no Brasil- análise do artigo 26 da Lei nO 10.833/03, RDDT 156
(2008), 109; RENATO NUNES, Ganho de capital em investimentos estrangeiros - incidência,
apuração e sujeitos passivos do imposto sobre a renda, RDDT 154 (2008),92.
b) Registros
Tal como sucede com os demais investimentos estrangeiros no Brasil, os re-
cursos ingressados no País para investimento nos mercados financeiro e de capitais
lores mobiliários que representem direitos a ações, com lastro em valores mobiliários
depositados em custódia específica no Brasil64 •
As carteiras de títulos e valores mobiliários são meros patrimônios especiais de um
investidor estrangeiro, sem personalidade jurídica; os depositary receipts são "títulos
substitutivos", negociáveis no exterior, de ações de companhias abertas de proprie-
dade de investidores estrangeiros 65 .
Em face das considerações acima, pode-se concluir que os investimentos estran-
geiros nos mercados financeiro e de capitais se beneficiam do regime especial estabe-
lecido pelo art. 81 da Lei nO 8.981/95 apenas na hipótese de atenderem às normas e
condições fixadas pelo Conselho Monetário Nacional .
Os investidores estrangeiros que não atendam a referidos requisitos ou sejam
residentes ou domiciliados em países que não tributem a renda ou que a tributem à
alíquota inferior a 20% sujeitam-se ao regime geral de equiparação aos residentes ou
domiciliados no Brasil, cujos aspectos essenciais são examinados a seguir.
64 Cfr. Resolução nO 1.927, de 18 de maio de 1992, do Banco Central, que dá nova redação ao
Regulamento anexo V à Resolução nO 1.289, de 20 de março de 1987. Ver ainda Circular
do Banco Central nO 2.179/92 e Cartas Circulares nO, 2.277/92 e 2.285/92; Circular BCB
nO 2.728/96.
65 Sobre a natureza jurídica de figuras similares no direito comparado, veja-se a obra funda-
mental de LmoNATI, Holding e investment trust, Milão 1959, espec. 456 e 11
66 Cfr. ELImÉ PALMA BIFANO, O Mercado Financeiro e o Imposto sobre a Renda, São Paulo 2008,
211 ss; LUCIANA RosANOVA GALHARDO, Tributação dos Fundos de Investimento pelo Impos-
to sobre a Renda, in ROBERTO QUIROGA MOSQUERA (coord.), O Direito Tribntário e o Mercado
Financeiro e de Capitais, São Paulo 2009, 303 ss.
67 A Instrução Normativa nO 25/01 esclarece que se abrangem neste regime as operações rea-
lizadas nos mercados de opções de compra e de venda em bolsas de valores, de mercadorias
e de futuros (box), nos mercados a termo nas bolsas, em operações de venda coberta e sem
ajustes diários e nos mercados de balcão (art. 18, I).
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior
70 Referido regime de tributação não se aplica (i) aos nllldos e clubes de investimento em ações
cujos rendimentos são tributados exclusivamente no resgate das quotas, à alíquota de 15%;
e (ii) aos títulos de capitalização, no caso de resgate sem ocorrência de sorteio, cujos rendi-
mentos serão tributados à alíquota de 20%.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior NR-
normas de tributação previstas para os residentes no País (Lei nO 8.981/95, art. 78, II),
salvo nas hipóteses de investimentos realizados ao abrigo da Resolução nO 2.689/00 do
Conselho Monetário Nacional, aos quais se aplica o regime do art. 81 daquela Lei 71 •
A lei submete a este regime de tributação:
(a) ganhos líquidos auferidos em operações realizadas nas Bolsas de Valores,
de Mercadorias, de Futuros e assemelhados;
(b) ganhos auferidos nas demais operações realizadas em mercados de liquida-
ção futura, fora de bolsa (Lei nO 9.430/96, art. 71);
(c) ganhos líquidos auferidos na alienação de ouro, ativo financeiro, fora de
bolsa (Lei nO 8.981/95, art. 72, § 3°, a);
(d) ganhos líquidos auferidos pelas pessoas jurídicas na alienação de participa-
ções societárias fora das bolsas (Lei nO 8.981/95, art. 72, § 3°, b).
Este regime de tributação não se aplica:
(a) aos ganhos de operações de renda variável realizados em bolsa, no mercado
de balcão organizado, ou através de fundos de investimento, para a carteira
própria de instituição financeira ou equiparada (Lei nO 8.981/95, art. 77,
III, Lei nO 9.065/95, art. l°, e Lei nO 9.249/95, art. 12);
(b) às alienações de participações societárias permanentes em sociedades co-
ligadas e controladas, e de participações societárias que permaneçam no
ativo da pessoa jurídica até o término do ano-calendário seguinte ao de
suas aquisições (Lei nO 8.981/95, art. 77, N; Lei nO 9.065/95);
(c) às operações de cobertura (hedge) realizadas em Bolsas de Valores, de Mer-
cadorias ou de Futuros e no mercado de balcão, considerando-se de co-
bertura (hedge) as operações destinadas, exclusivamente, à proteção contra
riscos inerentes às oscilações de preços ou de taxas, quando o objeto do con-
trato estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica
e destinar-se à proteção dos seus direitos e obrigações (Lei nO 8.981/95,
art. 77, V, e §§ l° e 2°).
Ao invés do que sucede na renda fixa, em que a tributação é analítica, a tribu-
tação dos ganhos líquidos em operações de renda variável é uma tributação sintética
restrita. Sintética porque, ao contrário da analítica, não incide sobre cada uma das
operações isoladamente consideradas, mas sobre o resultado líquido imputável a um
determinado período de tempo (mensal), como aliás também sucede na tributação
das filiais, sucursais e representantes de sociedades estrangeiras. Mas enquanto nestas
a tributação sintética é ampla, abrangendo toda e qualquer operação por eles realiza-
das, independentemente de sua natureza, como acontece com as pessoas jurídicas do-
miciliadas no Brasil, a tributação sintética dos ganhos líquidos é restrita) pois abrange
exclusivamente as operações efetuadas nos mercados de renda variável.
71 Cfr. ELlDIÉ PALMA BIFANO, o Mercado Financeiro e o Imposto sobre a Renda, cit., 237 55.
MM Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
72 Fica dispensada a retenção do imposto cujo valor seja igual ou inferior a R$ 1,00 e, para fins
de tal limite, ocorrendo mais de uma operação no mesmo mês, realizada por uma mesma
pessoa, física ou jurídica, deve ser efetuada a soma dos valores de imposto incidente sobre
todas as operações realizadas no mês (Lei nO 11.033/04, art. 2°, §§ 4° e 5°).
73 Investidores residentes podem ainda utilizar o valor do imposto retido na fonte para com-
pensação na declaração de ajuste se, após as deduções sobre os ganhos líquidos mensais,
houver saldo de imposto retido.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior MM
74 RAMON FALCON y TELLA sustenta que de transparência verdadeira e própria só poderia falar-
se em relação a entes sem personalidade jurídica. Em relação aos demais casos, notadamente
de compropriedades de bens, a transparência é corolário direto da ausência de individualida-
de jurídica, pelo que melhor caberia a expressão "transparência imprópria": cfr. Analisis de la
transparencia tributaria, Madrid 1984, 307 ss.
75 Trata-se de mera afetação contábil, sem a natureza jurídica de verdadeiro pagamento.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior
neração do capital aplicado, inclusive aquela produzida por títulos de renda variável,
tais como juros, prêmios, comissões, ágio e deságio, bem como os resultados positivos
auferidos em aplicações nos fundos e clubes de investimento, em operações de swap,
registradas ou não em bolsa, e nas operações realizadas em mercados de liquidação
futura, fora de bolsa com qualquer ativo (Lei nO 8.981/95, art. 81, § 2°, a, Lei nO
9.430/96, art. 71, § 1°, e RIR, art. 783, § 2°, I);ganho de capital é o resultado positi-
vo auferido nas aplicações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros
e assemelhadas (com exceção das operações conjugadas que permitam a obtenção de
rendimentos predeterminados), bem como nas operações com ouro, ativo financeiro,
fora da bolsa (Lei nO 8.981/95, art. 81, § 2°, b, e RIR, art. 783, § 2°, II).
No que respeita ao elemento temporal, a lei estabeleceu que o imposto será de-
vido por ocasião da cessão, resgate, repactuação ou liquidação de cada operação de
renda fixa, ou do recebimento ou crédito, o que primeiro ocorrer, de outros rendi-
mentos (art. 82).
A fonte retentora é a pessoa jurídica que efetuar o pagamento dos rendimentos
(Lei nO 9.430/96, art. 69, Medida Provisória nO 2.189-49, de 23 de agosto de 2001,
art. 16, § 1°) e, no caso de operações realizadas em mercados de liquidação futura,
fora de bolsa, a instituição administradora do fundo, sociedade de investimento ou
carteira (Instrução Normativa nO 25/01, art. 44).
No que concerne aos ganhos líquidos auferidos em operações realizadas em bol-
sa de valores, de mercadorias, de futuros ou assemelhados o responsável pela apura-
ção e pagamento do imposto é o representante legal do investidor estrangeiro dentre
instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (Lei nO 8.981/95,
art. 78, Medida Provisória nO 2.189-49/01, art. 16, § 3°, I).
Não se aplicam ao investidor residente ou domiciliado no exterior, individual ou
coletivo, que realizar operações financeiras nos mercados de renda fixa ou de renda
variável no Brasil, de acordo com as normas estabelecidas pelo Conselho Monetário
Nacional, as regras de tributação previstas na Lei nO 11.033/04, que estabelecem
alíquotas regressivas especiais para rendimentos de operações ou aplicações de renda
fixa e variável (arts. 1° e 2°), bem como retenção do imposto de renda na fonte (à
alíquota de 0,005%) nas operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias,
de futuros e assemelhados (art. 4°).
sete por cento de ações negociadas no mercado à vista de bolsa de valores ou enti-
dade assemelhada, a incidência do imposto de renda na fonte ocorre exclusivamente
por ocasião do resgate das quotas (Lei nO 9.532/97, art. 28, RIR, art. 744, § 6°, e
Instrução Normativa nO 487, art. r).
A Instrução Normativa nO 25/01 esclarece em seu art. 8°, § 3°, que estão in-
cluídas no limite de 67% os recibos de subscrição de ações e os Brazilian Depositary
Receipts (BDR) negociados no mesmo mercado 77 .
A base de cálculo do imposto é constituída pela diferença entre o valor de res-
gate e o valor de aquisição da quota, deduzido o IOE
O imposto de renda na fonte incide nos rendimentos auferidos nos fundos
de investimento em ações à alíquota de 15% (Lei nO 11.033/04, art. l°, § 3°, I,
e Instrução Normativa nO 487/04, art. 7°). Com vista a eliminar uma dupla tri-
butação, a lei isenta de tributação os rendimentos e ganhos líquidos de aplicações
financeiras e valores mobiliários integrantes das próprias carteiras dos fundos
(Lei nO 9.532/97, art. 28, § 10, a). Isenta também os juros sobre capital próprio
(art. 28, § 10, b).
As normas relativas aos fundos de investimento são aplicáveis, igualmente, aos
clubes de investimento, às carteiras administradas e qualquer outra forma de investi-
mento associativo ou coletivo (Lei nO 9.532/97, art. 33).
O imposto será retido pelo administrador do fundo de investimento ou pela
instituição administradora de clube de investimento ou qualquer outra forma de
investimento associativo ou coletivo, na data da ocorrência do fato gerador (Lei nO
9.532/97, arts. 32 e 33, e RIR, arts. 740 e 745).
Importa ainda fazer uma referência aos Fundos de Investimento Imobiliário regulados
pela Lei nO 8.668, de 25 de junho de 1993, e que constituem uma comunhão de recursos,
sem personalidade jurídica, destinados a aplicação em empreendimentos imobiliários78 •
No que concerne a estes fundos, há que distinguir duas sistemáticas de tributa-
ção, consoante a natureza dos rendimentos e ganhos de capital: uma, monofásica) que
prevalece em relação aos rendimentos obtidos na exploração do empreendimento, que
não são tributados quando percebidos pelo Fundo, mas somente quando distribuídos
aos quotistas, à alíquota de 20%; e uma bifásica, com tax credit) aplicável aos rendi-
mentos e ganhos líquidos auferidos pelos fundos em aplicações financeiras de renda
77 A mesma Instrução Normativa nO 25/01 estabelece que o limite de 67% deverá correspon-
der à média móvel dos percentuais diários apurados para um período de 40 dias úteis, pre-
vendo a fórmula matemática e certos critérios para efeito de determinação de referida média
(art. 8°, §§ 4° a 16).
78 Cfr. Instrução CVM nO 472/08; alterada pela CVM nO 478/09 Resolução BCB n°
2.248/96.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior .i:'_
fIxa e de renda variável, que são tributados segundo as normas aplicáveis às pessoas ju-
rídicas submetidas a esta forma de tributação, inclusive em matéria de alíquotas, mas
compensáveis com o imposto devido na fase de distribuição (art. 752 do RIR).
No que concerne a residentes no exterior a lei determina a sua sujeição "à inci-
dência do imposto sobre a renda, nos termos da legislação aplicável a essa classe de
contribuintes", ou seja, a uma retenção de 20%, tanto no que respeita a rendimentos
e ganhos de capital distribuídos quanto ao ganho decorrente da alienação de quotas
ou da liquidação do fundo (art. P da Lei na 9.779, de 19 de janeiro de 1999, que
deu nova redação ao art. 17 da Lei na 8.668/93).
§ 4° DIVIDENDOS
§ 6° JUROS
entre nós pela Lei nO 4.390, de 29.8.64, que deu nova redação ao art. 43 da Lei na 4.131/62,
segundo o qual "o montante dos lucros e dividendos líquidos efetivamente remetidos a pessoas
físicas e jurídicas, residentes ou com sede no exterior, fica sujeito a um imposto suplementar da
renda, sempre que a média das remessas em um triênio, a partir do ano de 1963, exceder a 12%
(doze por cento) sobre o capital e reinvestimentos registrados nos termos dos arts. 3° e 4° desta
lei". O imposto incidia à alíquota de 40%, se o excesso das remessas se sitnava entre 12% e 15%
dos lucros; de 50%, entre 15% e 25%; de 60%, acima de 25% dos lncros. O Decreto-Lei nO
2.073, de 20 de dezembro de 1983, voltou a dar nova redação ao art. 43 da Lei nO 4.131/62,
pela qual o fato gerador deixou de ser a remessa cambial, mas a "distribuição" dos lucros, ainda
que em moeda nacional. O imposto suplementar deixou, assim, de ser um tributo extrafiscal
sobre "remessas cambiais" para passar a revestir a mesma natnreza do imposto de renda na
fonte sobre distribuição de lucros, de que apenas representa uma tributação agravada. Sobre os
inúmeros problemas jurídicos suscitados por este imposto, cfr. a la edição deste livro, 202 ss.
acréscimo patrimonial, ou seja, como variação patrimonial positiva, pelo que é ilegíti-
ma a tributação quando este pressuposto não ocorrer.
Com efeito, se um residente no exterior dispõe, em determinado momento, de
R$ 1,00 (um real) no Brasil que, nesse mesmo momento, pode ser convertido em
US$ 1,00 (um dólar norte-americano), e se, num momento subsequente, recebe, do
seu devedor, por força de cláusula válida de correção cambial, por exemplo, R$ 3,00
(três reais), os R$ 2,00 (dois reais) adicionais não representam renda do residente no
exterior, mas apenas reposição dos valores em moeda nacional necessários que lhe
assegurem, nesse momento sucessivo, o direito à obtenção de U$ 1,00 (um dólar
norte-americano) de que dispunha, ou de que poderia ter disposto, no momento em
que o mútuo foi concedido.
O fenômeno tem natureza substancialmente idêntica ao da correção monetária
de créditos decorrente de inflação interna, com a única diferença de o conceito de
variação cambial se aplicar aos créditos de residentes no exterior.
A jurisprudência dos tribunais superiores sempre foi no sentido de considerar
ilegítimas as distorções introduzidas na determinação da renda líquida ou do lucro
real (acréscimo patrimonial autêntico) pela manipulação governamental de índices
inflacionários.
Estes mesmos princípios não podem deixar de se aplicar aos residentes no ex-
terior, em relação aos quais vigora também a regra de que apenas são tributáveis,
ainda que pelo método da retenção na fonte, acréscimos patrimoniais ou variações
patrimoniais positivas, que correspondam ao conceito jurídico de renda consagrado
no art. 43 do Código Tributário Nacional.
Tenha-se também presente que no que concerne às pessoas físicas residentes no
Brasil, o § 4° do art. 25 da Lei nO 9.250/95 e o art. 11 da MP nO 2.189-49/01 estabele-
cem que é isento do imposto de renda o acréscimo patrimonial decorrente de variação
cambial, em reais, pela cotação cambial da compra em 31 de dezembro, dos saldos dos
depósitos em moeda estrangeira mantidos em instituições financeiras no exterior.
Assim, por razões simétricas às que conduzem à não tributação no Brasil da va-
riação cambial de recursos brasileiros no exterior, deve concluir-se pela não tributação
no Brasil, por retenção na fonte, da variação cambial de recursos de residentes no ex-
terior aplicados no Brasil e decorrentes de cláusulas cambiais, validamente pactuadas,
ao abrigo do Decreto-Lei nO 857/69, em contratos subjetivamente internacionais.
90 Cfr. Ruy BARBOSA NOGUEIRA, Parecer, Resenha Tributária (1970) 517; FABIO FANUCCHI, Al-
terações na legislação do imposto de renda, Resenha Tributária (1969), 14; GERALDO ATALI-
BA, Imposto de renda incidente sobre juros remetidos para o exterior, RT 60 (1971),48 sS.
91 No sentido da ininvocabilidade do princípio da territorialidade, naquela acepção, cfr. TFR,
AMS, 73643, de 21.11.73; Parecer Normativo CST nO 166, de 31.8.73, e CST nO 410, de
25.9.73. Na doutrina: GILBERTO DE ULHÔA CANTO, Estudos e pareceres de Direito Tributário,
34. No sentido defrnitivo da tributabilidade dos juros pagos a residente no exterior por fonte
residente no Brasil está a Súmula nO 586 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual "incide
imposto de renda sobre os juros remetidos para O exterior, com base em contrato de mútuo".
Q I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
92 Cfr., nesse sentido FABIO FANUCCHI, Curso de Direito Tributário Brasileiro (3" ed.), São Paulo
1975, 181.
93 Ruy BARBOSA NOGUEIRA, op. cit., 489 55.; Direito Tributário Comparado, São Paulo 1971, 15
55.; ARNOLDO WALD, Evolução jurisprudencial, sobre o imposto de renda referente a juros
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Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior -fi-
para tanto lhe faltaria um elemento essencial, que é a alíquota, pelo que o referido
artigo se limitou a legislar sobre imposto já existente, o imposto de renda.
Que assim é resulta do próprio teor literal do mesmo artigo, que se refere ex-
pressamente a um "desconto do imposto de renda na fonte", não permitindo margem
para dúvidas de que é precisamente esta a natureza jurídica do tributo em causa.
Chega a causar surpresa que alguns intérpretes se tenham confinado à interpre-
tação literal da expressão "contribuinte", sem se aperceberem que com isto deixavam
de dar igual relevância à expressão literal "desconto do imposto de renda na fonte",
que com a primeira é logicamente incompaúvel.
Acresce que a natureza jurídica do imposto previsto no art. 11 do Decreto-Lei
nO 401/68, como verdadeiro imposto de renda retido na fonte, foi sempre acolhida
pelo próprio Fisco.
Em primeiro lugar, o simples fato de ter incluído o referido preceito legal nas
consolidações legislativas, denominadas "Regulamento do Imposto de Renda"94, no
mesmo capítulo em que se incluem os juros em geral, não deixa margem para hesita-
ções quanto à posição do Fisco a respeito da natureza da incidência em causa.
Em segwldo lugar, o Fisco sempre considerou aplicável a este imposto as con-
venções internacionais sobre dupla tributação da renda, consequência natural da sua
real natureza jurídica. Neste sentido é categórico o Parecer Normativo CST nO 94,
de 27 de maio de 1974, segwldo o qual "o imposto previsto no art. 11 do Decreto-
Lei na 401/68, por constituir-se em imposto de renda, é objeto dos tratados bilaterais
firmados pelo Brasil para a elisão da bitributação".
Idêntica orientação foi reiterada mais tarde pela Instrução Normativa nO 70,
de 15 de ourubro de 1982, nos seguintes termos: '~os juros, relativos à aquisição
financiada de bens, pagos a residentes ou domiciliados em país com o qual o Brasil
tenha firmado Convenção destinada a evitar a dupla tributação da renda, aplicam-se
as alíquotas nela previstas em detrimento das fixadas na legislação interna (". )".
Ainda no mesmo sentido, aponta definitivamente o entendimento de que as
isenções ou imunidades que beneficiem o remetente dos juros não o exoneram da
obrigação de retenção, o que claramente significa que o Fisco não os considera con-
tribuintes de imposto de renda, caso em que necessariamente as isenções e imunida-
des lhe aproveitariam 95 •
as remessas ao exterior, efetuadas por instituição de assistência social sem fins lucrativos, de ju-
ros decorrentes de financiamento da compra de bens a prazo, pois, embora o remetente goze
de imunidade tributária, os juros remetidos constituem rendimentos de terceiros. (ii) Decisão nO 61,
de 12 de março de 1998 (9" RF): "Remessa ao exterior. Juros na compra de bens. Entidade
irnlme. O valor remetido ao exterior a título de juros, devidos na compra de bens a prazo,
está sujeito à incidência do imposto de renda na fonte, ainda esta figure como instituição de
assistência social, de que trata o art. 150, VI, c, da CF/88. (iii) Decisão nO 96/98 (6a RF):
"Rendimentos pagos a residentes no exterior - Os rendimentos pagos, empregados ou reme-
tidos a residentes no exterior estão sujeitos ao imposto de renda na fonte, independentemente
de a fonte pagadora ser pessoa jurídica isenta, ainda que assuma o ônus do imposto"; (iv)
Decisão nO 171/03 (3" RF): "Remessa ao exterior, juros na compra de bens a prazo. Sujeitam-se à
incidência do imposto de renda na fonte as remessas de juros ao exterior decorrentes de financia-
mento na compra de bens a prazo efetuados por entidades sindicais de trabalhadores, pois embora
estas gozem de imunidade tributária os juros remetidos constituem rendimentos de terceiros".
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior .M
Nacional (o credor dos juros), mas sim o responsável, ao abrigo do parágrago único do
art. 45 do Código Tributário Nacional.
Não sendo possível insistir em qualificar o remetente dos juros como contri-
buinte em sentido técnico-jurídico, pois uma mera interpretação declarativa e cor-
retiva revela que a expressão foi utilizada em sentido impróprio e imperfeito para
designar o sujeito passivo responsável, importa examinar quais as consequências que
desta correta qualificação advêm no que concerne à dedutibilidade, pelo devedor, do
imposto incidente sobre os juros por ele retid096 •
d) A dedutibilidade) pelo devedo-;; do imposto incidente sobre os juros por ele retido
96 ANA CLÁUDIA UTUMI, A tributação dos empréstimos internacionais por imposto de renda, in
HELENO TAVElRA TÔRRES (org.), Direito Tributário InternacionalAplicado, vol. IV, São Paulo
2007, 223, espec. 231.
M€i- Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Foi O Decreto-Lei na 1.598, de 28 de dezembro de 1977, que veio dar uma
solução genérica aos três problemas atrás referidos, no seu art. 16, que estabelece o
seguinte:
"Os tributos são dedutíveis como custo ou despesa operacional no período-base
de incidência:
"I - em que ocorrer o fato gerador da obrigação tributária, se o contribuinte
apurar os resultados segundo o regime de competência; ou
"II - em que forem pagos, se o contribuinte apurar os resultados segundo o
regime de caixa.
"§ la - Na determinação do lucro real, a pessoa jurídica não pode deduzir como
custo ou despesa o imposto de renda de que for sujeito passivo como contri-
buinte ou como responsável em substituição ao contribuinte.
"§ 2 0 - A dedutibilidade, como custo ou despesa, de rendimentos pagos ou cre-
ditados a terceiros abrange o imposto sobre os rendimentos que o contribuinte,
como fonte pagadora, tiver o dever legal de reter e recolher, ainda que o contri-
buinte97 assuma o ônus do imposto.
"§3°_( ... )
"§4°_( ... )".
Abstraindo da questão relativa ao período de dedução do imposto, o Decreto-
Lei na 1.598/77 veio formular as seguintes regras básicas: (i) a pessoa jurídica não
pode deduzir, como custo ou despesa, o imposto de renda de que for sujeito passivo
como contribuinte ou como responsável em substituição do contribuinte; (ii) a pes-
soa jurídica pode deduzir o imposto incidente sobre os rendimentos pagos ou cre-
ditados a terceiros que, como fonte pagadora, tiver o dever legal de reter e recolher;
e (iii) a pessoa jurídica pode deduzir o imposto referido no item anterior, ainda que
tenha assumido o ônus do imposto.
O fundamento destas regras foi esclarecido por BULHÕES PEDRElRA98 com a
precisão e rigor que são timbre deste autor: "Nas incidências do imposto sobre ren-
dimentos em poder da fonte pagadora, a pessoa jurídica que paga o rendimento é
responsável pela retenção e pelo recolhimento do tributo, cujo encargo econômico
é do beneficiário do rendimento. O imposto é - por definição - parte do rendimen-
to pago pela pessoa jurídica, que tem o dever de deduzi-lo e recolhê-lo à União,
ao invés de pagar ao beneficiário o montante total do rendimento. Se, portanto, o
rendimento é dedutível como custo ou despesa operacional, a parte desse rendimento que
é retida e recolhida ao Tesouro também é dedutível. Assim, se a pessoa jurídica paga a
terceiros juros, aluguéis, royalties ou rendimentos do trabalho (assalariado ou au-
tônomo), todo o rendimento é dedutível - tanto a importância líquida paga ao
beneficiário quanto a parcela retida a título de imposto. A situação é diferente se a
100 Veja-se, também, HIROMI HIGUCHljet al., Imposto de renda das empresas (25 a ed. l, São Paulo
2000,479.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior .p.
Ora, se o devedor dos juros de financiamentos para compras de bens a prazo
não é contribuinte (por não ser o titular do rendimento), nem responsável em
substituição do contribuinte, mas simples fonte pagadora, aplica-se de pleno o § 3°
do art. 41 da Lei nO 8.981/95, consolidado no § 3° do art. 344 do RIR/99, se-
gundo o qual "a dedutibilidade, como custo ou despesa, de rendimentos pagos ou
creditados a terceiros abrange o imposto sobre os rendimentos que o contribuinte,
como fonte pagadora, tiver o dever legal de reter e recolher, ainda que assuma o
ônus do imposto".
101 Cfr. BULHÕES PEDREIRA, Imposto sobre a renda, vaI. I, cit., 451.
102 Isto mesmo foi reconhecido pelo acórdão nO 105-07.072, da 5a Câmara do Primeiro Conse-
lho de Contribuintes (Recurso nO 98.219), que extrai as consequências lógicas da afirmação
nos seguintes termos: "Como visto, não se pode confundir a pessoa jurídica remetente dos
juros de que tratam o artigo 11 e seu parágrafo único do Decreto-Lei nO 401/68 (art. 556 e
§ único do RIR/80) com o contribuinte a que se refere o § IOdo artigo 16 do Decreto-Lei
nO 1598/77 (artigo 225, § 1°, do RIR/80)". Tais conclusões consubstanciaram-se na ementa
do acórdão: "São dedutíveis, na apuração do lucro real, as importâncias pagas a título de im-
posto de renda sobre remessas de juros para o exterior, relativo à compra de bens a praw".
103 Cfr. supra, 490 ss.
104 Cfr. infra, 601.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior Mpp_
§ 7° JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO
105 efr. SIMONEITO, I contratti di credito, Pádua 1953, 5755.; GALASSO, Contratti di credito e titoli
bancari, Pádua 1971; FRAGALI, Finanziamento (dir. priv.), Enc. dei Dir. XVII (1963), 605.
-i.I•1 Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier ._-_.._•• _ _ _ _......
106 Dispõe o § lOdo art. 9° da Lei 9.249(95, na redação do art. 78 da Lei 9.430/96, que "o
efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados
antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual
ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados".
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior IB
107 HELENO TAVElRA TÔRRES, Juros sobre capital próprio - Autonomia privada nos investi-
mentos societários e suas implicações em matéria tributária, RlDT 5 (2006),33; CRISTINA
CEZAR BASTIANELLO, Juros sobre o capital próprio. Natureza jurídica e tratamento conferido
pela lei interna e pelos tratados para evitar dupla tributação internacional firmados pela Re-
pública, in HELENa TAVElRA TÔRRES (org.), Direito Tributário IntemacionalAplicado, vaI. 111,
São Paulo 2005, 72l.
108 Cfr. a art. 13 da Instrução Normativa na 252/02. Caso os pagamentos sejam efetuados a
pessoa domiciliada em país de tributação favorecida, a alíquota é de 25 %.
109 Cfr. infra, 607.
-i". Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
§ 8° SERVIÇOS EM GERAL
Daqui resulta que o "preço" pago pela prestação de serviços (tal como o pre-
ço pela importação de mercadorias) não constitui renda, mas mera receita bruta,
pagamento de capital, da empresa estrangeira. A verdadeira renda será o eventual
"lucro" da empresa estrangeira e este só pode ser apurado no estrangeiro, em face
da comparação entre a totalidade das suas receitas operacionais e a totalidade dos
seus custos e despesas~
Os preços de venda de mercadorias e serviços constituem rendimentos de empresa
ou rendimentos comerciais, que só devem ser tributados de forma sintética no país de
domicílio do vendedor (salvo se este agir no outro país através de um estabelecimen-
to permanente) e não de uma forma analítica ou isolada, por retenção na fonte, no
país em que se localiza a fonte pagadora.
IlO Sobre o problema em face da anterior legislação, ver o exaustivo parecer de GILBERTO DE
ULHÔA CANTO, dado em 1967, mas revisto e publicado 110 volume Estudos e pareceres de
Direito Tributá/ia, 53 ss. Ver também EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, Regime jurídico·fiscal da
tecnologia estrangeira no Brasil, Revista Forense 244 (1973), 346 (353 ss.); RUBENS GOMES
DE SOUSA, Pareceres - Imposto de Renda, lI, 51 ss.
a I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
previstos ( ... ) forem vendidos por empresas domiciliadas no exterior que não pos-
suam dependência no país e sejam produzidos pelas empresas vendedoras mediante
atividade exercida exclusivamente no exterior, o preço pago na importação do serviço
não constitui rendimento sujeito à tributação do imposto de renda". Certo é, porém,
que a referida Portaria subordinava a sua aplicação a certos requisitos substanciais
- os serviços constarem de uma enumeração taxativa - e formais - serem objeto de
contrato aprovado pelo Banco Central do Brasil.
Era correta a solução da Portaria nO 184/66, pois só o exercício no país da ati-
vidade de prestação de serviços, através de estabelecimento permanente, permite a
tributação de um "lucro de empresa" ou "rendimento de empresa" resultante da
comparação entre a totalidade das receitas e dos custos e despesas. Ao invés, se os
pagamentos efetuados se destinam a retribuir serviços realizados no exterior, eles
têm a natureza de preço, de receita operacional da empresa estrangeira, mas não de
rendimento.
A questão de saber qual o regime de tributação dos serviços prestados por re-
sidentes nos países que tenham celebrado tratados contra a dupla tributação com o
Brasil será examinada quando estudarmos o conceito de "lucro de empresa", pelo
que nos limitamos aqui a esta singela remissão.
A) As alíquotas aplicáveis
Como atrás se viu, a lei previa especificamente a incidência do imposto de renda
na fonte sobre a remuneração de serviços técnicos e de assistência técnica, admi-
nistrativa e semelhantes, a alíquota idêntica à da generalidade dos rendimentos de
residentes no exterior.
for o título jurídico da sua estipulação, como patentes de invenção, marcas, inven-
ções, fórmulas e outros de natureza científica ou tecnológica ll7 .
Que a CIDE-Remessas tem o seu campo de incidência circunscrito ao domínio
da tecnologia veio a ser confirmado pelo art. 20 da Lei nO 11.452, de 27.02.07 (que
acrescentou um novo § l°-A ao art. 2° da Lei nO 10.168/00), quando esclareceu
que a referida contribuição não incide sobre a remuneração pela licença de uso ou
de direitos de comercialização de programa de computador, salvo quando envolver a
transferência de tecnologia 118.
Muito embora a CIDE-Remessas seja tributo com fato gerador e base de cálcu-
lo idêntico ao do imposto de renda, dele se distingue, pois enquanto neste o contri-
buinte é o residente no exterior - o titular da manifestação de capacidade contributiva
em que consistem as remunerações tributadas, tendo, portanto, uma relação pessoal
e direta com a situação em que o fato gerador consiste (Código Tributário Nacional,
art. 121, parágrafo único, inciso I) -, sendo a fonte pagadora brasileira mera respon-
sável pela sua retenção, no caso da CIDE a pessoa jurídica brasileira é o verdadeiro
contribuinte, eis que sobre ela recai, em definitivo, o ônus financeiro do tributo.
119 Esta matéria será objeto de novos desenvolvimentos quando se examinar a questão, em face
dos tratados contra a dupla tributação. Cfr. infra, 625; Cfr. ainda Luís EDUARDO SCHOUERI,
Royalties e assistência técnica ao exterior - Exigência da CIDE, Revista de Estudos Tributários
37 (mai./jun. 2004), 144; HELENO TAVElRA TÔRRES, Regime tributário da propriedade indus-
trial e transferência de tecnologia nos contratos de serviços técnicos e de assistência técnica, in
HELENO TAVEIRA TÔRRES (org.), Comércio internacional e tributaçiW, São Paulo 2005, 649.
120 Como, aliás, já anteriormente o fizera o Decreto nO 3.949/01, no seu art. 8°, II, revogado
pelo Decreto n" 4.195/02.
I liD9 I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
ser transmitidos ao contratante, mas meramente aplicados, por sua solicitação, ao caso
concreto123 •
A) Direito interno
A Lei nO 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, definiu programa de computador
como "( ... ) a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem
natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego
necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, ins-
trumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para
fazê-los funcionar de modo e para fins determinados" (art. 1°).
123 Exemplos de serviços não relacionados com tecnologia são os serviços enumerados pela Di-
retoria de Transferência de Tecnologia do INPI (DIRTEC) como não sujeitos a averbação:
(i) agenciamento de compras; (ii) serviços de logística (suporte ao embarque, tarefas admi-
nistrativas relacionadas à liberação alfandegária etc.); (iii) beneficiamento de produtos; (iv)
homologação e certificação de qualidade de produtos brasileiros, visando à exportação; (v)
consultoria na área financeira; (vi) consultoria na área comercial; (vii) consultoria na área
jurídica; (viii) consultoria visando à participação em licitações; (ix) estudos de viabilidade
econômica; (x) serviços de marketing; (xi) serviços realizados no exterior sem a presença
de técnicos da empresa brasileira e que não gerem quaisquer documentos e/ou relatórios;
(xii) serviços de manutenção de software sem a vinda de técnicos ao Brasil, prestados, por
exemplo, através de help-desk; (xiii) licença de uso de software sem o fornecimento de do-
cumentação completa em especial o código-fonte comentado, conforme art. 11 da Lei na
9.609/98; (xiv) aquisição de cópia única de software; e (xv) distribuição de software.
124 JOÃo FRANCISCO BIANCO, A Cide sobre Royalties e os tratados internacionais contra a dupla
tributação, in Grandes questões atuais do Direito Tributário, vaI. 8, São Paulo 2004, 242;
GUSTAVO HENRIQUE VASCONCELOS VENTURA, A Cide royalties e sua relação com os tratados
internacionais, in HELENa TAVEIRA TÔRRES (org.), Direito InternaeionalAplicado, vol. UI,
São Paulo 2005, 701.
I q I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Por sua vez, o art. 2° da mesma Lei manda aplicar aos programas de computa-
dor o regime de proteção das obras literárias previsto na legislação de direitos auto-
rais, notadamente na Lei nO 9.610, também de 19 de fevereiro de 1998.
A criação de wn programa de computador - tal como a criação da obra intelectual
no domínio literário e artístico - confere originariamente ao seu criador a autoria e a pro-
priedade do bem imaterial em que se traduz. A autoria ou "paternidade" é o fundamento
da aquisição originária, pelo autor, da titularidade do bem imaterial em que a obra inte-
lectual (o programa de computador) consiste, titularidade esta que tem, como corolário
no plano patrimonial, o direito exclusivo da respectiva exploração econôrnica125.
É o que resulta da Lei nO 9.610/98 (Lei de Direitos de Autor - LDA) que, após
estabelecer no art. 22 que "pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais so-
bre a obra que criou"126, dispõe no art. 28 que "cabe ao autor o direito exclusivo de
utilizar, fruir e dispor da obra literária, arústica ou científica".
Quer do ponto de vista jurídico o direito de autor possa ser concebido como um
direito real de propriedade sobre bem ou coisa imaterial, ou como um direito absolu-
to de exclusivo ou monopólio, a verdade é que, em qualquer das visões, aos terceiros
é vedada a exploração econômica de obra intelectual (o programa de computador),
sem consentimento do seu criador ou autor. Não vigora, pois, plenamente, nesta
matéria, o princípio da liberdade de iniciativa, uma vez que a lei reservou ao autor o
exclusivo ou monopólio da exploração deste tipo de bens.
A exploração econômica de obra intelectual pressupõe sempre uma atividade
lógica e cronologicamente subsequente ao ato de criação, atividade esta indispensável
para que a obra criada seja tornada apta ao seu destino, que é ser colocada à disposi-
ção dos seus destinatários finais, pois são estes que pagarão wna retribuição devida
pelas vantagens decorrentes da satisfação das necessidades propiciadas pela aquisição
ou fruição do bem em causa.
Os direitos patrimoniais sobre programa de computador são suscetíveis de
transmissão inter vivos (onerosa ou gratuitamente) ou mortis causa, caso em que ocor-
re a transftrência do conteúdo patrimonial do direito do autor sobre o programa de
computador, cuja titularidade se transfere de um titular originário para um titular
derivado ou, subsequentemente, de wn titular derivado para outro.
Sucede, porém, que o titular do programa de computador - como o de qual-
quer obra intelectual em geral - pode explorar economicamente o seu direito, não
transmitindo a titularidade do mesmo, mas limitando-se a autorizar a utilização do
bem econômico que a Lei reserva, em termos de monopólio ou exclusivo, ao próprio
autor (art. 29 da LDA).
É exatamente esta autorização da utilização da obra por terceiros que é consi-
derada na doutrina o núcleo essencial do contrato "primário" de direito de autor ou
125 efr. JosÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Autoral (2" ed.), Rio de Janeiro 1997, 156.
126 Note-se, porém, que o § P do art. 2° da Lei nO 9.609/98 não atribui aos programas de
computadores a proteção plena quanto aos direitos morais.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior I_ I
127 Sobre esta discussão, cfr. MARIO ARE, Beni immateriali, Enc. del Dir. V, 258 SS.; DE SANTIS,
Autore (diritto di), Enc. del Di1: Iv, 397 5S.
128 efr. CARLOS ALBERTO Bm"AR) Contratos de comercialização de software, in Novos contratos
empresariais, São Paulo, 39.
]29 É só sobre esta modalidade de contratos que o art. 20 da Lei na 11.452, de 27.02.07, per-
mite a incidência da CIDE.
I fim I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier ]
ao licenciado o livre acesso aos conhecimentos tecnológicos que contém, para que os
possa, eventualmente, absorver.
Por outro lado, tais contratos distinguem-se das outras duas modalidades de
contratos de licença: distinguem-se da licença de comercialização, porque neles não
está em causa a cessão do uso para terceiros em virtude de uma intermediação co-
mercial, e distinguem-se das licenças de uso stricto sensu, pois que estas limitam-se a
permitir o uso próprio, profissional, do programa, não incluindo, porém, para o
licenciado, uma transmissão do conteúdo da tecnologia que se mantém reservado.
Pode assim dizer-se que só no caso dos contratos de licença de uso com trans-
ferência de tecnologia de programa de computador, previstos no art. 11 da Lei nO
9.609/98, ocorre um verdadeiro contrato de know-how ou contrato de transferência
de capital tecnológico. Com efeito, só nestes tipos contratuais ocorre a transmis-
são de informações tecnológicas preexistentes, em si mesmas consideradas, na forma
de cessão temporária ou definitiva de direitos, para que o licenciado as utilize por
conta própria e sem que o transmitente da tecnologia intervenha na sua aplicação
ou garanta o seu resultado. Só nestes casos se pode falar de supplying know-how, por
contraposição a applying know-how, como sucede nos casos de simples licença para
uso próprio l3o .
Também não há uma transmissão de conhecimento tecnológico nos casos de
licença de comercialização, em que o intuito do licenciado não é o de absorver a tec-
nologia nem o de utilizar o software, mas meramente o de comercializar o programa
de computador.
Das considerações precedentes pode concluir-se que as remunerações corres-
pondentes às licenças de uso de programa de computador, em qualquer das suas três
modalidades, revestem a natureza de um royalty devido a título de direito autoral, nos
termos do art. 52, Iv, do RIR, ou seja, de rendimentos decorrentes de uso, fruição,
exploração de direitos, tais como ( ... ) "autorais, salvo quando percebidos pelo autor
ou criador do bem ou da obra" (caso em que a lei considera como rendimento do
trabalho não assalariado - art. 45, VII, do RIR).
Tendo em vista esta qualificação das remunerações em causa, a elas se aplica o
disposto no art. 710 do RIR, segundo o qual "estão sujeitas à incidência na fonte, à
alíquota de 15%, as importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou reme-
tidas para o exterior, a título de royalties a qualquer título".
131 Parece-nos, portanto, ter adotado a melhor linha de orientação e as Decisões nO, 334/97,
22/98,47/98,291/98,418/98,78/99,302/99,358/99, 145/00, 184/00,276/00 e 161/01,
todas da 8 a Região Fiscal, segundo as quais "não estão sujeitas à retenção do imposto de
renda na fonte de que tratam os arts. 682 e 710 do RIR as remessas destinadas ao paga-
mento de aquisições de programa de computador software, quando se referirem a compra de
mercadorias para revenda. Tratando-se de pagamento de direitos autorais, haverá incidência
do imposto de renda na fonte" em sentido similar cfr. ainda Decisões nO' 214/05 (10a RF),
313/05 (7a RF), 225/05 (8" RF), 53/05 (7a RF), 14/05 (8 a RF), 41/04 (5 a RF).
q I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
SEÇÃO TI
EQUIPARAÇÃO A PESSOAS JURÍDICAS DOMICILIADAS NO BRASIL
ministração no Brasil (art. 1.126 do novo Código Civil). Cfr. ALBERTO XAVIER, A distinção
entre sociedades nacionais e estrangeiras, in ID., Direito Tributário e Empresarial- Pareceres,
Rio de Janeiro 1982, 341.
137 Cfr. Das sociedades anônimas, cit., 80. Cfr. também GILBERTO DE ULHôA CANTO, Temas de
Direito Tributário, lI, Rio de Janeiro 1964, 180 55., com ampla indicação de bibliografia;
Ruy BARB05A NOGUEIRA, Revista de Direito Administrativo 27,412 55.; RUBENS GOMES DE
SOUSA, Pareceres - Imposto de Renda, lI, 48; BULHÕES PEDREIRA, Imposto de Renda, 1-21 (52);
HAROLDO VALLADÂO, Direito Internacional Privado (4" ed.), I, Rio de Janeiro 1974,445.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior 4fi'
nômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Por seu turno, o
conceito de profissionalidade envolve os requisitos da habitualidade e do escopo lucrativo.
O requisito do estabelecimento é corolário do requisito da forma empresarial e
decorre do art. 1.142 do Código Civil, que considera estabelecimento "todo comple-
xo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário ou por sociedade
empresária" .
A exigência do requisito do estabelecimento decorre das disposições que con-
sideram ser condição necessária para a autorização governamental para o funcio-
namento da sociedade estrangeira no Brasil a existência de um capital destinado às
operações no território nacional (arts. 1.134, § l°, IV; 1.135, § único, e 1.136, § P
e § 2°, do Código Civil; Instrução Normativa nO 81/99 do Diretor do Departamento
Nacional de Registro do Comércio, DNRC, de 05.01.1999).
A expressa exigência de um capital, bem como a referência no caput do art.
1.134 a "estabelecimentos subordinados" revela bem que é da essência do conceito
de funcionamento no Brasil a existência de um patrimônio de afetação especial (o es-
tabelecimento), destinado a ser o instrumento através do qual a empresa estrangeira
exerce no Brasil a sua atividade empresarial.
Assim, não poderá falar-se de funcionamento de sociedade estrangeira no Brasil
quando no Brasil a empresa estrangeira não dispõe de um patrimônio separado afeto
à exploração da sua atividade. É o que sucederá, por exemplo, se o Brasil é apenas
o local onde os membros da diretoria de uma sociedade estrangeira se reúnem para
deliberar a prática de atos jurídicos.
Esta análise da doutrina do direito mercantil ajusta-se bem à visão própria do
direito tributário, posto que só nos casos de "funcionamento" ou de atividade fun-
cional se pode conceber uma organização de pessoas e bens que seja o seu suporte ins-
titucional, organização essa dotada de capacidade contributiva própria, que permite
às normas tributárias configurá-la, por "ficção equiparadora", como pessoa jurídica
distinta. É precisamente a esta organização - ainda que de forma rudimentar - que
a lei fiscal alude com a expressão ampla "dependência de sociedade estrangeira" (art.
397 do RIR), que abrange as "filiais, sucursais, agências ou representações" das so-
ciedades estrangeiras autorizadas a funcionar no País (art. 147, II, e 398 do RIR).
Também só nos casos de "funcionamento" se verifica a realização no Brasil das
despesas ou custos necessários à obtenção dos rendimentos pagos por fontes brasi-
leiras, despesas ou custos esses cuja consideração conduz à tributação sintética de um
"lucro" e não à tributação analítica dos rendimentos.
Precisamente porque existe, através de certos tipos de estabelecimento (filiais,
sucursais, agências e representações), um grau intenso de penetração do não residente
na ordem territorial local, gerador de um "centro de custos e despesas", a lei determi-
na que todos os rendimentos por ele auferidos não devem ser tratados "isoladamen-
te", caso a caso (isolierende Betrachtungsweise) , mas "globalmente", como um lucro de
empresa, considerando-se os componentes positivos e negativos, como sucede com as
pessoas jurídicas domiciliadas no país. O conceito de lucro de empresa (business income,
I _ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
a) No Direito Privado
As filiais, agências ou sucursais de sociedades estrangeiras, bem como as filiais,
agências ou sucursais de sociedades brasileiras no exterior não têm personalidade ju-
rídica distinta daquela de que são mero prolongamento, sendo o ponto pacificamente
reconhecido tanto na doutrina nacional (em contraposição às "subsidiárias" ou "socie-
dades-filhas", que têm individualidade jurídica diversa da matriz) como na doutrina
estrangeira (no tocante às branches do direito anglo-saxônio e às succursales do direito
francês, que se contrapõem às filiales, o equivalente das nossas subsidiárias).
TRAJANO MIRANDA V ALVERDE ensina: ''A diferença essencial está em que as socie-
dades-filhas gozam de autonomia jurídica, de personalidade, enquanto as agências,
sucursais ou filiais são extensões da organização, sociedade ou empresa principal. O
laço de subordinação existe juridicamente nas segundas e aparece publicamente, mes-
mo quando o sistema adotado na sua economia interna lhes atribua vida própria"141.
No mesmo sentido, EGBERTO LACERDA TEIXEIRA: ''As filiais, sucursais ou agências,
conforme acabamos de assinalar, constituem extensão da personalidade jurídica da
sociedade matriz, no estrangeiro. Distinta é a situação das subsidiárias"142. Também
RUBENS GOMES DE SOUSA afirma que "a filial no Brasil é a própria sociedade estran-
geira. Isto já decorre, aliás, da unidade da personalidade jurídica das sociedades, que
impediria atribuir à filial uma nacionalidade diversa da sua matriz143".
E a mesma orientação é acolhida pela doutrina estrangeira. Segundo YVON
LOUSSOUARN e J. B. BREDIN, le droit commercial interne oppose, de façon tres nette, les
notions de succursale (a nossa filial) et de filiale (a nossa subsidiária). La premiere n)est
qu)un établissement secondaire) qui peut être doté d)une certaine autonomie de fait) mais
n)est pas juridiquement indépendant de l'établissement principal) et surtout ne possede pas
la personnalité morale)). 51insi créé) la succursale d)une société étrangere n)est pas soumise
à un régime différent de celui de la société dont eUe est émanation. N)etant dotée d)aucune
vie juridique indépendante) et surtout ne possédant pas la personnalité morale) eUe releve)
sous réserve de l)application des lois de police française) de la !ex societatis et suit également
le sort de la maison mere sur le terrain de la jouissance des droitsl44".
Não sendo pessoas jurídicas distintas da matriz, as filiais, agências ou sucursais
(tanto de sociedades estrangeiras como de sociedades nacionais) revestem a natureza
jurídica de meros estabelecimentos comerciais. Com efeito, importa distinguir neste
caso a empresa, que é uma pessoa jurídica, e o estabelecimento, que é um simples con-
junto de coisas corpóreas e incorpóreas, de bens e serviços, organizado pelo comer-
ciante com vista ao exercício da sua atividade mercantiF45. Cada empresa pode ter
mais do que um estabelecimento, representando, cada um, uma unidade econômica.
As filiais, por não terem personalidade jurídica própria, não podem figurar como
partes em contratos de qualquer natureza. De harmonia com os ensinamentos da teoria
geral do direito, parte (ou sujeito do negócio) é a pessoa titular dos interesses cuja regu-
lamentação o contrato visa a prosseguir. Onde não exista sujeito, por carência de perso-
nalidade jurídica, como sucede nas filiais, não pode falar-se em parte de um contrato. Os
contratos referentes às filiais, designadamente os de empréstimo externo, têm sempre
como partes o único sujeito de direito efetivamente existente e que é a matriz l4ó •
As relações internas entre a matriz e a sucursal surgem de necessidades de econo-
mia e disciplina interna das organizações, podendo traduzir-se em movimentos de
dinheiro, de mercadorias ou de pessoas de um para outro estabelecimento de uma
pessoa jurídica. Todavia tais relações não revestem a natureza de relações jurídicas,
precisamente porque este conceito pressupõe logicamente a existência de dois sujei-
tos de direito, e, no caso, existe apenas um. Assim, onde se nos depara a aparência de
uma compra e venda, de um mútuo, de um depósito entre matriz e filial, está-se na
realidade perante figuras não contratuais, desprovidas de relevância jurídica. Trata-se
de meras transferências internas regidas pela disciplina interna da sociedade, mas que
não têm a tutela do direito. O fato de, por vezes, certas autoridades administrativas,
designadamente o Banco Central do Brasil, reconhecerem a forma de um emprésti-
mo, até titulado por nota promissória, entre filial e matriz, deve ter-se como simplifi-
cação administrativa, aliás imprópria, por não existirem instrumentos generalizados
que exprimam este tipo singular de relações l47 .
b) No Direito Tributário
Em face destas aparentes incongruências de regime, podem suscitar-se legitima-
mente fortes dúvidas quanto à verdadeira natureza jurídico-tributária da filial de so-
ciedade estrangeira. Se determinados traços do regime inclinam a adotar a teoria da
unidade da pessoa jurídica - e referimo-nos não só ao regime do direito privado, mas
ainda ao regime de retenção na fonte do imposto sobre lucros -, já outros caracteres
da disciplina normativa propendem o intérprete a reconhecer à filial uma subjetivi-
dade distinta da matriz, ao menos para efeitos fiscais - como é o caso da tributação
independente e da contabilidade separada.
Pela nossa parte, defendemos que a filial é um típico caso de patrimônio autôno-
mo de direito tributário. Não é este o lugar próprio para aprofundar e desenvolver a
teoria da separação patrimonial neste ramo do direito. Mas importa sublinhar que,
146 HELENa TÔRRES parece admitir a personalidade jurídica das filiais de sociedades estrangeiras
em face do país de instalação, muito embora não a tenham em face do país de residência da
matriz. Cfr. Pluritributação internacional, 199. Tal personalidade só caberia, porém, aos esta-
belecimentos permanentes, em sentido restrito, na terminologia do autor (sucursais e filiais),
mas não assim ao estabelecimento permanente em sentido amplo, ou seja, outras formas de
presença duradoura no país (cfr. op. cit., 249).
147 Cfr., neste sentido, T ARCÍSIO NEVIANI, Alguns problemas de correção monetária do patrimônio
líquido em filial de empresa sediada no exterior, Boletim de Estudos Jurídicos do Investimento
Internacional9j10 (set.-out. 1979).
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior -iM
se o conceito de patrimônio autônomo nasceu no direito civil para caracterizar o
conjunto de direitos e obrigações que, adentro do patrimônio geral de um sujeito de
direito, se encontravam vinculados a um regime especial de responsabilidade por dívi-
das l48 , ele pode igualmente aplicar-se noutros ramos do direito - como o tributário-,
mas agora para designar o complexo de direitos e obrigações que, adentro da esfera
patrimonial de uma mesma pessoa jurídica, se encontra submetido a um regime
tributário especial. Aqui, o que imprime a separação, ou autonomia, ao patrimônio
em causa não é a sua afetação especial, nem o caráter separado da sua administração,
nem a sua sujeição a um dado regime de responsabilidade por dívidas, mas o fato de
a lei submeter uma massa de bens e direitos a um tratamento fiscal unitário l49 .
A autonomia patrimonial de Direito Tributário - e que é vulgarmente designada
por "equiparação a empresa independente" - revela-se enquanto a lei submete a tribu-
tação independente os lucros que lhe são diretamente imputáveis, ao invés de tributar
a pessoa jurídica no seu conjunto ou de tributar analiticamente o residente no exterior
por cada um dos rendimentos isolados que auferir, através de retenção na fonte.
Em certos ordenamentos jurídicos, a autonomia patrimonial das filiais não con-
duz à atribuição da personalidade jurídica, para efeitos fiscais, de tal sorte que o contri-
buinte continua a ser o residente no exterior, só que tributado no país em que a filial se
situa através de uma metodologia idêntica à das pessoas jurídicas nele residentes 15o .
Entre nós, porém, a autonomia patrimonial foi ao ponto de o legislador ter atri-
buído às filiais persrmalidade jurídica para efeitos tributários, estabelecendo, por "ficção
equiparadora", que elas são crmsideradas pessoas jurídicas para efeitos da sua qualificação
como contribuintes do imposto de renda das pessoas jurídicas (art. 147, TI, do RIR)I5l.
Mas, com a mesma liberdade com que a lei criou a autonomia patrimonial, como
instrumento para a prossecução de certos fms, também ela pode recusar essa mesma
autonomia, na medida em que se revela prejudicial ou inadequada para os objetivos vi-
sados. Não repugna, por isso, que a equiparação da filial a empresa independente tenha
sido recusada, excepcionalmente, em matéria de tributação, por retenção na fonte, da
148 Ver a excelente exposição de MANUEL DE ANDRADE, Teoria geral da relação jurídica, I, Coim-
bra 1960, 217 ss.
149 A doutrina italiana predominante nega subjetividade tributária às filiais, pois o sujeito pas-
sivo é a sociedade domiciliada no exterior. Cfr. GARBARlNO, La tassazione, 225 e bibliografia
citada na nota 68;
A. MIRAULo,Doppia imposizione, 74; STEFANO FIORENTINI, La tassazione dei non residenti, 1988,
9; C. C. CARLI, La soggettività passiva delle società e degli enti non residenti, in UCKMARj
MAGNANIjMARoNGIU (org.), 11 reddito di impresa nel nuovo testo unico, Milão 1988, 713.
150 Sobre a autonomia patrimonial no Direito Tributário, cfr. R. FALCÓN y TELLA, Analisis de la
transparencia tributaria, 302 sS.; A. LOVÍSOLO, Le estabile organizazzione, in VICIOR UCK-
MAR (org.), Corso di Diritto Tributario lnternazionale, Pádua 1999, 270 ss.
151 Sobre a equiparação a pessoas jurídicas de organizações não personificadas pelo direito
privado, ver ENRICO POTITO, Soggetro passivo d'imposta, Enc. dei Dir. XLII (1990), 1226
(1242 ss.) e a bibliografia aí citada. Entre nós, cfr. SOUTO MAIOR BORGES, O fato gerador do
ICM e os estabelecimentos autônomos, Revista de Direito Administrativo 103, 133 ss.
I B I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
matriz, pelos lucros realizados pela filial- pois se entendeu que, neste caso, a tributação
deveria igualmente abranger os lucros levados a reservas, como se tivessem sido dire-
tamente auferidos pela matriz. A lei levanta assim o "véu" da personalidade jurídica,
desconsiderando, neste caso específico, a personificação da ftlial, no que concerne espe-
cificamente às relações com a matriz que se torna, assim, fiscalmente "transparente".
Como se vê, tal como o direito privado, também o direito fiscal conhece a figura
da autonomia patrimonial apenas relativa ou parcial, bem como o reconhecimento
de personalidade jurídica para certos efeitos (imposto de renda das pessoas jurídicas)
e não para outros (imposto de renda na fonte sobre residentes no exterior).
Retorna-se, no que concerne ao campo de incidência deste último imposto, ao
princípio da "unidade da pessoa jurídica" prevalecente no direito privado, segundo o
qual não pode falar-se em presunção de distribuição ou em distribuição automática,
pois neste caso - desprezando a lei a autonomia patrimonial da filial - não se verifica
qualquer "distribuição", mas sim uma realização direta do rendimento pela única enti-
dade que juridicamente é seu titular, a sociedade estrangeira domiciliada no exterior.
A "personalização" das filiais para efeitos tributários conduz a que as suas re-
lações com terceiros sejam equiparadas a verdadeiras relações jurídicas geradoras de
rendimentos tributáveis e despesas dedutíveis, como se a filial fosse uma entidade
juridicamente independente. Assim, por exemplo, admite-se que a filial seja titular
de investimento noutra sociedade, representado por participações societárias de que
resultam dividendos; possa conceder ou tomar empréstimos de que resultam juros,
respectivamente tributáveis e dedutíveis; possa ceder ou receber tecnologia remune-
rada mediante royalties l52 . Este é o pressuposto de que partem as convenções contra a
dupla tributação, que admitem relações jurídicas dos estabelecimentos permanentes
com terceiros e é este também o ponto de vista do direito brasileiro que, como vi-
mos, admite investimentos de filiais em sociedades controladas ou coligadas.
Mais complexo é o problema no que se refere às relações internas entre a filial e a
matriz, caso em que a "unidade da pessoa jurídica" rejeita a existência de verdadeiras
relações jurídicas, pois não pode haver relações consigo próprio.
Apesar de ser esta a realidade, em face do direito privado, parte da doutrina ale-
mã sustenta a tese de que a personificação ou, pelo menos, a autonomia patrimonial
das filiais valeria também no âmbito das relações internas, pois só uma equiparação
das relações internas a relações jurídicas permitiria assegurar o princípio da equi-
paração a empresa independente, especialmente nos casos em que uma convenção
internacional adotasse princípio similar ao do art. 7° do Modelo OCDE. Donde se
seguiria que os empréstimos, cessões de tecnologia, prestações de serviços entre filial
e matriz dariam lugar a juros, royalties e fies dedutíveis na parte da pessoa jurídica que
152 Cfr. MARIA DE LOURDES CORREIA E VALE, A tributaçÍÚJ das empresas, cit., 20 5S. (no direito
português); DUCCINI,Approche ftscale des contrats internatwnaux, Paris 1985, 87.
Título V I Capo II I Residentes no Exterior ID I
153 Cfr. GOTIFRIED BARR, Gewinnermittlung ausldndischer Zweigbetriebe, Munique 1971; BECKER,
lhe Determination afIncame ufa Permanent Establishment ar Branch, Intertax 12 (1989); KID'
GE, Zur unmittelbaren Anwendung von DBA -Wmchriffien bei der Gewinnermittlung, Steuer und
Wirtschaft 294 (1975), 52. Parece ser este o ponto de vista da Administração fiscal italiana
que, interpretando a Normativa tributária sobre atividades com o exterior, equiparou luna
remessa de numerário a um verdadeiro múruo entre empresas independentes. Cfr. CARLO GAR'
BARINO, I redditi prodotti ali' estero mediante stabili organizzazioni, in AAVv, Operazioni ftscali
internazionali eftscalità, Milão 1987, 78; e ID., La tassazione, 226 ss. Vertambém, no Uruguai,
a posição de JOSE LUIS SHAW, El impuesto a las rentas de la industria y comercio, in V ALDÉS
COSTA!PEIRANO FACIO (org.), Manual de Derecho Financiero, III, Montevideo 1988, 157.
J 54 Cfr. artigos de RITIER e WEBER, citados em K. VOGEL, On Double Taxation Conventions
(trad.), Deventer 1997, 428.
155 Cfr. GOlJfHIERE, Les impôts, 153 ss., referindo, porém, que esta doutrina abre uma ressalva no
que toca às instituições financeiras, em relação às quais, pela peculiaridade do seu negócio, as
Administrações fiscais tendem a admitir a dedutibilidade (e tributabilidade) dos juros devidos
nas operações internas entre matriz e filial: cfr. IRENE BURGER, Taxation and Supervision of
Branches ofInternational Banks, Arnsterdam 1992; liA, Permanent Establishments ofBanks, In-
surance Companies and other FinanciaI Institutions, CDFI LXXXI-a (1996), 843; OCDE, The
taxation ofInternational Banking Enterprise, in Transfer Pricing and Multinacional Interprise,
Paris, 1984; ID, Atrribution of income to Permanent Estabilishement, Paris, 1994, Parte lI.
J56 O Acórdão da Câmara Superior de Recursos Fiscais 01.0.087, de 27 de junho de 1980,
concluiu pela indedutibilidade de juros e variações cambiais em operação financeira realizada
entre matriz estrangeira e sua filial brasileira, tendo em vista que o princípio da unidade da
pessoa jurídica torna inadmissível a figura do empréstimo e a estipulação de juros. Discutível,
porém, foi a aplicação ao caso concreto da doutrina do disregard da personalidade jurídica
para qualificar uma subsidiária como filial. Cfr. Câmara Superior de Recursos Fiscais. Im-
posto de Renda. Jurisprudência 1.2-6, Resenha Tributária 1980, 1641 ss.
!iIIi) I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
157 efr. ALBERTO XAVIER,Manual de Direito rzscal, I, Lisboa 1974 (reimpressão 1981), 355 ss. e
a bibliografia aí citada.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior M.".
reza uma noção funcional e relativa: funcional, porque a referida disciplina normativa
de relações entre homens é ditada para que estes prossigam determinados fins de um
modo mais conveniente e racional; relativa, porque, sendo funcional, ela pode valer
para determinados fins ou efeitos mas não valer quanto a outros.
Assim é perfeitamente concebível que o Direito Fiscal adote quanto ao círculo
dos detentores de personalidade jurídica uma atitude diversa da do Direito Comum;
e isto porque as mesmas relações entre homens podem ser valoradas unitária e sub-
jetivamente para efeitos fiscais e serem-no apenas atomística e dispersivamente para
outro ou outros efeitos. E na verdade é precisamente isto o que sucede e em duas
direções ou sentidos distintos: nuns casos, o Direito Fiscal trata como pessoas jurídicas
relações que para a generalidade dos efeitos de direito não são concebidas unitária e
subjetivamente, como sucede precisamente com as filiais de sociedades estrangeiras, as
sociedades em conta de participação e as empresas individuais; noutros casos, o Direito
Fiscal despreza a personalidade jurídica com que a lei dotou certas relações para a ge-
neralidade dos efeitos, destruindo o véu dessa personalidade (disregarding ou piercing
the veil of corporate entity) que se torna por assim dizer "transparente", penetrando
diretamente (Durchgriff) nas pessoas físicas que constituem o seu substrato: é o que se
passa quando a lei fiscal despreza a personalidade jurídica das sociedades para tributar
exclusivamente os sócios, quando rompe o véu da personalidade jurídica das socieda-
des agrupadas para ditar uma disciplina unificada ao grupo, adotando a teoria do órgão
ou do balanço consolidado, quando ignora a entidade jurídica das sociedades-base para
tributar os sócios das sociedades matrizes mesmo por lucros não distribuídos.
Num sentido ou no outro é inegável o tratamento autônomo pelo Direito Fis-
cal da noção de personalidade jurídica, técnica instrumental, funcional e relativa que
utiliza à luz das valorações que lhe são próprias: e daí aceitarmos plenamente, no que
concerne às filiais de sociedades estrangeiras, o conceito de personalidade tributária)
como a suscetibilidade de ser sujeito da relação jurídico-tributária l58 .
158 Cfr. TULlO ROSEMRUJ, Derecho Fiscal Internacional) Barcelona 2001, 84 sS.
159 Este princípio é conhecido pelas siglas ALISA (Ann)s length, separate accounting basis of
taxation).
I p I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
considerado como uma parcela do lucro global da pessoa jurídica, parcela essa apura-
da com o auxílio de critérios presuntivos de repartição do rendimento, como a cifra
de negócios, ou a massa salarial l6o •
Corolários do método direto são, por um lado, o princípio da territorialidade das
despesas - apenas são dedutíveis os custos e despesas realizadas pelas dependências loca-
lizadas no território (art. 397 do RIR)161 - e, por outro lado - o princípio da conexão
efetiva, segundo o qual apenas são considerados os lucros atribuídos à dependência
(effectively connected income) e não todo e qualquer lucro realizado no território, ainda
que não atribuível ao estabelecimento, como pretende o princípio da força atrativa l62 •
164 O princípio da force of attraction foi utilizado longamente nos Estados Unidos, mas depois
abandonado, após o Foreign Investors Tax Act de 1966.
I !!li I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier ··;1
Da combinação dos arts. 146, 147, inciso II, e 253 do RIR, resulta que as fi-
liais de empresas estrangeiras são consideradas pessoas jurídicas para efeitos fiscais
e, como tal, assimiladas a empresas independentes, devendo a respectiva tributação
basear-se nos lucros reais constantes da respectiva contabilidade. Admitindo-se a in-
dependência e autonomia da filial, consagrada numa contabilidade separada, não
podem ser-lhe imputadas operações realizadas pela matriz, registradas diretamente
na contabilidade própria desta última.
Este argumento mais se reforça tendo em vista a própria expressão verbal do
legislador, que se refere aos resultados obtidos no Brasil "por" dependências de em-
presas domiciliadas no exterior (RIR, arts. 397 e 398) ou "por intermédio" de filial,
sucursal ou agência do vendedor no país (Portaria nO 228, item 3, alínea d). Signi-
ficam estas expressões que, para que os resultados sejam atribuídos a tais dependên-
cias e nelas tributados, é necessário que as operações de que derivam tenham sido
realizadas através delas, isto é, em que elas tenham atuado como partes. Operações
diretamente realizadas pela matriz sem interferência da filial não podem considerar-
se realizadas "por" ela ou "por intermédio" dela 165 •
Outra razão em defesa deste ponto de vista pode extrair-se da comparação com
o regime dos comissários e representantes de pessoas domiciliadas no exterior, de-
talhado pela Portaria nO 228, de 8 de maio de 1974. Na verdade, os comissários de
comitentes domiciliados no exterior são tributados pelos lucros obtidos por seus
próprios meios e constantes de contabilidade separada, não prevendo a lei, nem
admitindo a jurisprudência, qualquer exceção a este regime, designadamente a im-
putação aos lucros do comissário de operações diretamente realizadas no Brasil pelo
próprio comitente, sem interferência do primeiro. Ora, tendo a lei equiparado o
regime jurídico das filiais e dos comissários, não há razão para aplicar às primeiras
conclusões que se negam quanto aos segundos.
Contra a posição que defendemos, poderia invocar-se que a faculdade de arbitra-
mento dos lucros (RIR, arts. 399 e 539) só se explicaria se os seus lucros não fossem
apenas os determinados segundo a contabilidade; antes abrangessem os decorrentes
da sua "força atrativa", designadamente os apurados em vendas diretas da matriz.
Não aceitamos, porém, esta argumentação. Em primeiro lugar, deve notar-se que o
art. 76 da Lei na 3.470/58 não prevê o arbitramento quanto às filiais, limitando-se a ad-
miti-lo quanto aos mandatários ou comissários de comitentes domiciliados no exterior.
Tal previsão consta apenas da Portaria n° 228, que neste ponto se pode reputar ilegal.
Independentemente, porém, deste ponto, a previsão de arbitramento não tem o
significado que, com aquele argumento, se lhe pretende emprestar. As regras sobre
arbitramento são normas de direito probatório e não de direito material, isto é, dizem
como fixar o quantum de certos fatos, mas não definem os próprios fatos a provar.
Por outras palavras: prevê-se o arbitramento como meio subsidiário de prova dos fa-
165 efr., em sentido similar, no direito italiano, GARIlARINO, La tassazione, 196 5S., aludindo à
necessidade de existência de um "nexo funcional".
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior -i-
tos que o contribuinte deveria registrar, mas que não apurou regularmente (art. 76, §
2°, da Lei nO 3.470/76), estabelecendo-se que, no caso especial de vendas realizadas
por intermédio de agentes ou representantes, tal arbitramento efetuar-se-á à razão de
20% do preço total da venda (art. 76, § 3°). Mas nem o art. 76 da Lei nO 3.470 nem
a Portaria nO 228 têm o alcance de defInir quais os resultados que o contribuinte deve
apurar regularmente. Em matéria de fIliais, esse alcance pertence aos arts. 398 e 253,
dos quais decorre a conclusão de que os lucros que a filial deve regularmente apurar
são aqueles que obteria como se fosse empresa independente. Só quanto a estes se
poderá proceder a arbitramento, em caso de irregularidade na sua apuração.
Vale, pois, dizer que não existe, no nosso direito positivo, uma presunção de
interferência da filial na obtenção dos lucros da matriz, de tal modo que se o Fisco
suspeitar de qualquer participação caber-lhe-á o encargo da prova.
A solução que defendemos é também a que se encontra consagrada em todas as
convenções destinadas a evitar a dupla tributação, subscritas pelo Brasil. Na verdade,
as disposições convencionais - seguindo neste particular o art. 7° do Modelo OCDE
- determinam que, no caso de uma empresa domiciliada num Estado contratante
exercer a sua atividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento
permanente aí situado (e a filial é um caso típico de estabelecimento permanente), os
seus lucros serão tributáveis no outro Estado, "mas unicamente na medida em que
forem atribuíveis a esse estabelecimento permanente". Esta ressalva tem por objetivo
- de harmonia, aliás, com a interpretação oficiosa do texto, feita pela Comissão de
Assuntos Fiscais da OCDE - afastar definitivamente a teoria da "força de atração" e
consagrar a regra da assimilação a empresa independente l66 .
168 Cfr. RUBENS GOMES DE SOUSA, Pareceres - Imposto de Renda, lI, 45 e 53. Sobre a evolução
histórica deste regime, cfr. ID., O imposto sobre a renda das sociedades estrangeiras, in ID.,
Estudos de Direito Tributário, São Paulo 1950, 11 55.; GILBERTO DE ULHÓA CANTO, Temas de
Direito Tributário, I, Rio de Janeiro 1955, 321 55.
169 Cfr. Temas de Direito Tributário, 322-323.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior I WJ I
pelo fato de não haver nas relações entre a matriz e a filial uma verdadeira distribui-
ção de dividendo tributável, mas cuja alíquota é frxada em nível inferior ao que se
aplica nas relações entre matriz e subsidiária, pois a filial não pode escolher entre
a distribuição e a manutenção dos lucros em reserva l7O . A diferença essencial entre
o imposto brasileiro sobre filiais e o branch profits tax norte-americano é que este
apenas se aplica aos lucros não reinvestidos, atingindo apenas o dividend equivalent
amount, como forma de equiparar o tratamento fiscal entre sucursais e subsidiárias
de sociedades estrangeiras, enquanto o primeiro abrangia a totalidade dos lucros,
ainda que não "distribuídos", conduzindo assim a um tratamento menos favorável
das sucursais - o que de resto explica a aversão por esta fórmula no BrasiP71.
A isenção do imposto de renda na fonte sobre lucros e dividendos distribuídos a
residentes no exterior, consagrada pelo art. 10 da Lei nO 9.249/95, alterou radicalmen-
te o regime anterior, pois, cessada a incidência sobre lucros efetivamente distribuídos,
cessa igualmente sobre os lucros presumidamente distribuídos (RIR, art. 694)172.
Assim, as filiais ou sucursais de sociedades estrangeiras passam a ser tributadas
da mesma forma das subsidiárias, ou seja, só há incidência de imposto de renda no
contribuinte que produziu o lucro, não havendo nova tributação na sua atribuição
ou distribuição à matriz, no exterior.
Cessou, deste modo, o regime fiscalmente mais desfavorável a que historica-
mente estiveram submetidas no Brasil as filiais ou sucursais de sociedades estrangei-
ras e que foi causa da sua escassíssima utilização prática.
O problema sobre o qual nos vamos agora ocupar respeita à determinação dos
casos em que uma venda internacional de mercadorias se pode considerar realizada
no Brasil e neste país auferido, total ou parcialmente, o lucro a ela imputável, tendo
por objeto problemática afim àquela que no Direito Internacional Privado se sus-
cita a propósito da determinação do lugar de celebração do contrato inter absentes.
Só que, enquanto aqui prevalece a perspectiva civilística que atende à relevância da
vontade e à formação do mútuo consenso - debatendo-se apenas se este se forma no
170 Cfr. GOUTHIERE, Les impôts dans les affaires internationales, Paris 1991, 155; J. D. KUNTZ/R.
J. PERON1, U.S. International Taxation, lI, C1-133.
171 Cfr. DEBATIN/ENDRES, The new US/German Double Tax Treaty, Munique 1990, 155 e 287.
172 Perde, assim, também o sentido o entendimento do Fisco (Portaria nO 842/79 e AND 11/79
e 34/79) de que os resultados da equivalência patrimonial de investimentos detidos por filial
ou sucursal integravam a base de cálculo do imposto de renda na fonte. Sobre a discussão
deste ponto, cfr. a 4 a edição deste livro, 432 ss.
I D I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
173 efr. H. VALLADÃO, Direito Internacional Privado (4" ed.), I, Rio de Janeiro 1974, 358 ss.
174 Sobre o conceito de estabelecimento permanente pessoal, ver GARBARlNO, La tassazione, 212.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior Mii'
monstre, além dos próprios rendimentos, os lucros reais apurados nas operações de
conta alheia, em cada ano.
"§ 2° Quando não forem regularmente apurados os resultados das operações de
que trata este artigo, será arbitrado o lucro, para os fins de tributação, na conformi-
dade da legislação em vigor.
"§ 3° No caso de serem efemadas vendas, no país por intermédio de agentes
ou representantes de pessoas estabelecidas no exterior, o rendimento tributável será
arbitrado à razão de 20% (vinte por cento) do preço total de venda, famrado direta-
mente ao comprador".
Foram numerosas as dificuldades suscitadas pela interpretação e aplicação deste
preceito, que fez correr rios de tinta175 • Precisamente para esclarecer as dúvidas dele
decorrentes, surgiu a Portaria nO 228 do Ministro da Fazenda, de 8 de maio de
1974, a qual introduziu a distinção entre vendas famradas direta e indiretamente
ao comprador no Brasil, subdistinguindo, na primeira hipótese, os casos em que os
intermediários (comissários, mandatários, agentes ou representantes) tenham ou não
poderes para obrigar contramalmente o vendedor.
Todavia, a flumação da terminologia da lei para designar os intermediários, bem
como a ausência de caráter técnico-jurídico da linguagem utilizada pela Portaria, ao
distinguir famramento direto e indireto, tornam imprescindível o recurso às catego-
rias já elaboradas pela teoria geral do direito para caracterizar os diversos casos de
interposição de pessoas na celebração de negócios jurídicos.
B) Comissão e representação
No caso da comissão (Código Civil de 2002, art. 693, que substimiu o art. 165
do Código Comercial revogado pelo CC de 2002), ocorre a figura da interposição
gestória, ou da representação indireta, a qual é objeto de um contrato de mandato,
mandato esse, porém, que não confere poderes de representação. Com efeito, o co-
missário celebra negócios em nome próprio, embora por conta alheia, ao invés do
representante, que celebra negócios em nome alheio. Na representação, os efeitos
jurídicos do contrato inscrevem-se diretamente na esfera jurídica do representado (e,
por isso, a Portaria nO 228 se refere a "famramento direto"), enquanto na comissão
os efeitos jurídicos do contrato são primeiro imputados ao comissário, o qual carece
de, ulteriormente, celebrar negócio translativo para que estes circulem para a esfera
jurídica do comitente (e daí a alusão a "famramento indireto")176.
175 Cfr. BULHÕES PEDREIRA, Imposto de Renda, 1.24 e 6.60; GILBERTO DE ULHÕA CANTO, Estudos
e Pareceres de Direito Tributário, 424 sS.
176 As convenções contra a dupla tributação aludem também ao comissário como representante
(independente), mas com manifesta impropriedade. Na comissão, não há verdadeira repre-
sentação (embora exista mandato), de tal sorte gue só poderá falar-se em representação in-
§ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
direta, mediata ou imprópria. Cfr. M. ANDRADE, Teoria geral do negócio jurídico, lI, Coimbra
287,293; FERNANDO PESSOA JORGE, Do mandato sem representação, Lisboa 1961. Entre nós,
a obra clássica sobre a matéria é o estudo de ORLANDO GOMES, Do representante comercial,
Rio de Janeiro 1968, cujo alcance vai bem para além do simples comentário à Lei nO 4886
de 1965, relativa ao representante comercial. Sobre a figura do representante em matéria
de imposto sobre serviços, cfr. BERNARDO RlBEIRO DE MORAES, Doutrina e prática do imposto
sobre serviços, São Paulo 1975, 308 SS.
Título V I Capo 11 I Residentes no Exterior I €In I
177 Cfr. J. L. BULHÕES PEDRElRA,Imposto de Renda, 1.24 (10). Sobre o caso especial de operações
de navio estrangeiro em território nacional, em que o armador deve constituir representante
legal no país, cfr. Instrução Normativa SRF 137/98.
178 Cfr. CLAUDINEU DE MELLO, Contrato de distribuiçéW, São Paulo 1987, 44 SS.; DUCCINI, Ap-
proche fiscale des contrats internationaux, 197; MARrA HELENA BRITO, O contrato de concesséW
comercial, Coimbra 1990,passim.
179 A jurisprudência administrativa já decidiu que "é necessário que fique provado, para fins
de arbitramento, na forma do art. 401 do RIR/80, que o agente ou representante no Brasil
tenha poderes para obrigar contratualmente o vendedor para com o adquirente situado no
Brasil. O fato exclusivo de o vendedor participar com 99,99% no capital do agente ou repre-
sentante no País não implica atribuir a este poderes para obrigar contratualmente o vende-
dor" (Ac. CSRF/01-967/89 - DO 06.07.90, e 968/90 - Resenha Tributária) jurisprudência-
I U I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
180 Daí entendermos que "representantes de bancos estrangeiros" podem assinar no Brasil con-
tratos de empréstimos contraídos e aprovados no exterior, sem que tal prática configure
"funcionamcnto" ilegal do Banco 110 país ou suscite um problema "do art. 76".
181 Cfr. BETTI, Teoria general dei negocio jurídico, 423; ANTÔNIO CARVALHO NETO, Contrato de
mediaçtfu (P ed.), São Paulo 1965; ORLA.;'lDO GOMES, Contratos, Rio de Janeiro 1971, 386.
Sobre a figura da intermediação, mediação ou corretagem em matéria de imposto sobre
serviços, efr. BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, Doutrina e prática do imposto sobre serviços, 306
ss. Ver também GILBERTO DE ULHÔA CANTO, Estudos e pareceres de Direito Tributário, 427 ss.
182 Cfr. PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, vol. XLIV, Rio de Janeito, 32; RUBENS
REQUIÃO, Do representante comercial, Rio de Janeiro 1977, 31. Em matéria de imposto sobre
serviços, vcr BERNARDO RIBEIRO DE MoRAES, op. cit., 308. Em Pomlgal, cfr. ANTONIO PINTO
MONTEIRO, Contrato de agência (anotaçtfu ao Decreto-lei nO 118/86, de 3 de Julho), Coimbra 1987.
-====-. Título V I Cap. 11 I Residentes no Exterior -iFi
o vendedor" (RIR, art. 539, parágrafo único, b). Também, nesta hipótese, a venda
não se reputa realizada no BrasiP83.
Em suma: o regime de equiparação a pessoa jurídica domiciliada no Brasil e de
arbitramento do lucro no caso de vendas diretas através de intermediário só se aplica
no caso de a lei reputar a venda realizada no Brasil. E a conexão fundamental para lo-
calizar no país a celebração do contrato é a existência de poderes desse intermediário
para obrigar contratualmente o vendedor.
183 É, por exemplo, o que sucede se uma sociedade estrangeira de seguros vende seguros a
clientes domiciliados no Brasil, através de intermediários sem poderes para obrigar referida
sociedade.
-i'M Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
sentante do vendedor, no Brasil", de tal modo que o negócio nunca será considerado
realizado no País se ambas as partes contratantes forem domiciliadas no exterior.
Pode, pois, o representante estar domiciliado no Brasil o contrato ser celebrado
no Brasil, mas se as partes intervenientes não são residentes no Brasil, o negócio é
integralmente realizado no exterior, não sendo por conseguinte tributável no Brasil.
E compreende-se que assim seja, uma vez que, nesses casos, a transação ocorre
inteiramente fora da economia brasileira, não havendo nenhuma conexão relevante
que justifique a tributação pelo Brasil.
I
TITULO VI
em favor do Estado
de repartição ou de da residência
reconhecimento de
competência exclusiva
Normas de colisão ou em favor do Estado
de reconhecimento de da fonte
competência de cumulação ou
de reconhecimento
de competência
cumulativa
Normas
convencwnats método de isenção
dirigidas ao Estado
da residência
método de
imputação
Normas de atenuação
ou de limitação de
competência
dirigidas ao Estado
da fonte { reduções de alíquota
CAPÍTULO 11
NORMAS DE RECONHECIMENTO DE COMPETÊNCIA
SEÇÃO I
RECONHECIMENTO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA
PRIMÁRIA DO ESTADO DA RESIDÊNCIA
1 Sobre o conceito de "empresa" ver VAN RAAD, The term "enterprise" in the Model Double
Taxation Conventions - seventy years of confusion, in Essays on International Taxation, 15,
Deventer/Boston 1993, 317.
2 Cfr. MAx BEAT LUDWIG, Ilimposition des entreprises ayant des établissements stables à l'etranger (re-
latório geral), CDFI LVIII-a (1973), 27 (29); KLUGE, Das deutsche Internationale Steuerrecht
(3 a ed.), Munique 1992,45 e 107; VOGEL, OnDouble Taxation Conventions: a Comentary to the
OCDE) UN- and US Model Conventions for the Avoidance ofDouble Taxation oflncome with parti-
cularreftrence to German Treaty Practice (trad.), Deventer 1997 (cit. Double Taxation) , 398; m.,
Supl. 94) 36; FRANCESCO TUNDO, I redditi d'impresa nel modeloo di convenzione OCSE (art.
70 ), in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tributaria Internazionale, Pádua 1999, 307.
4iO+. Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier __
: _ _ _ _ _ _- '
6 Cfr. M. B. CARROL, Méthodes de ventilation des revenus imposables. Ilimposition des entreprises
étrangêres et nationales, Geneve 1933.
7 Cfr. EHRENZWEIGjKoCH, Income Tax Treaties, Nova York 1949, 106.
8 Cfr. MICHEL, La notion d'établissement stable en droit fiscal international, CDFI I, 217.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Entre nós, as convenções sobre a dupla tributação - que seguem de perto o art.
5° do Modelo OCDE9 - consagram a teoria da pertença econômica, muito embora
lhe introduzam algumas limitações em nome da teoria da realização.
Com efeito, aí se define estabelecimento permanente "a instalação fixa de ne-
gócios em que a empresa exerça toda ou parte da sua atividade". São pois caracte-
rísticas do estabelecimento permanente a existência de uma instalação material, com
caráter de permanência, que esteja à disposição da empresa, a qual deve exercer a sua
atividade nesta instalação ou por meio desta instalação lO • Mas já não são requisitos
essenciais do conceito os atributos da produtividade ou da rentabilidade.
Nas convenções, à definição geral de estabelecimento permanente seguem-se
listas de exemplos e de exceções. Os exemplos abrangem um local de direção, uma
sucursal l l , um escritório, uma fábrica, uma oficina, uma mina, pedreira ou qualquer
outro local de extração de recursos namrais l2 e um estaleiro de construção ou de
montagem cuja duração exceda doze meses 13 •
Esta enumeração exemplificativa conterá uma presunção iuris et de jure de estabe-
lecimentos permanentes (a priori permanent establishments) , que dispensaria por si só a
verificação da integração dos vários exemplos no conceito geral, como pretende LENZ I4 ?
Não o entendemos assim. Os casos exemplificados só deverão ser considerados estabe-
lecimentos permanentes se obedecerem aos requisitos decorrentes da noção geral, que
se limitam a concretizar. Assim, um local de direção ou um escritório que não disponha
de instalações materiais permanentes não será tido por estabelecimento estável.
Anote-se que apenas a Convenção com a China se afasta do Modelo da OCDE
- seguindo, ao invés, o Modelo da ONU - quando considera existir estabelecimento
20 VOGEL cita opiniões segundo as quais os poderes de conclusão de contratos não devem ser
só examinados do ponto de vista do direito privado, mas também em face das circunstâncias
de fato, de modo a evitar técnicas de elisão fiscal. Cfr. Double Taxation, 33l.
21 Cfr. J. M. RIvIER, Ilimposition, 71 ss.; K. KUNZE, Der Begriff der Betriebstdtte und des stdndi-
gen U:rtreters, Mannheim 1963; ID., Der stdndige U:rtreter in Doppelbesteuerungsabkommen,
Internationale Wirtschafts-Briefe 1964, 5; D. L. W ALTER, Zur Frage der beschrdnkten Steuer-
pflicht ameri-kanischer Rechtsvertreter in der Bundesrepublik Deustschland, BIFD XVIII (1963-
5), 227; MÓSSNER, in MÓssNER!et al., Steuerrecht, 85; MUGE, Das deutsche Internationale
Steuerrecht, 172; SCHAUMBURG, Internationales Steuerrecht, Colônia 1993, 101 ss.; HÓHN,
Doppelbesteuerungsrecht, 177; A. BORRÁS, La doble imposición, 50 ss.
22 Cfr. OCDE, Comentários, art. 5°, § 6°, parágrafos 36 ss. Ver o caso do corretor de bolsa
com gestão autônoma de carteira de investimentos, citado por BAKER, Double Taxation, 148.
Veja-se ainda a abundante cosmética constante dos novos Comentários ao art. 5° da OCDE,
introduzidos em 2002, nos parágrafos 32, 32.1, 33.1 e 28.1 a 38.9.
23 Tratado Brasil-Alemanha (hoje denunciado): "Todavia, uma sociedade de seguros de
um Estado contratante será considerada como tendo um estabelecimento permanente
no outro Estado contratante, desde que, através de um representante, não incluído entre
as pessoas mencionadas no parágrafo 5° abaixo, receba prêmios ou segure riscos nesse
outro Estado".
VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência -.,.-
C) Subsidiárias
24 Cfr. infra.
25 Cfr. PIERRE TEL, Le régime fiscal des filiales et succursales de sociétés étrangeres, Bruxelas 1973,
17 ss.
26 Quer seja através de um estabelecimento estável, quer de outro modo (cfr. art. 5°, nO 7, da
Convenção com Portugal).
27 O Acórdão CSRFj01-0.967, de 28 de novembro de 1989, rejeitou - e bem - tentativa de
tributação de uma sociedade brasileira detida em 99,9% por sociedade suíça com o funda-
mento exclusivo de que se trataria de uma "filial de fato". No caso, não tinham ocorrido ven-
das diretas por essa sociedade, nem esta dispunha de poderes para obrigar contratualmente
a controladora estrangeira. Cfr. Câmara Superior de Recursos Fiscais. Imposto de Renda.
Jurisprudência 1.2.30, Resenha Tributária 1992, 8512.
-,.i:1 Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Estas disposições visam, pois, a afastar a "teoria do órgão" neste domínio, pelo
que BÜHLER as designa por "cláusulas antiórgão" (Antimlfanschaftsklausel, antissingle-
entity clause) 28.
28 Cfr. BÜHLER, Princípios de Derecho Internacional Tributario (trad.), Madrid 1968, 240; Vo-
GEL, Double Taxation, 352. Sobre a teoria do órgão, cfr. ALBERTO XAVIER, Manual de Direito
Fiscal, I, Coimbra 1974, 378.
29 Cfr. supra, 53l.
30 Cfr. MUGE, Das deutsche internationale Steuerrecht, 266.
31 Cfr. J. M. RIVIER, Ilimposition, 132 ss.; Selbstlindigkeitsfiktion der Betriebstlitte, chama-lhe
KWGE, Das deutsche Internationale Steuerrecht, 178; SCHRÓDER, in MóssNER/et al., Steuerre-
chtinternational tlitiger Unternehmen, Colônia 1992, 123 (185).
32 O Tratado com a China é o único que admite, alternativamente ao método direto, o método in-
direto pelo qual o resultado do estabelecimento é apurado através do rateio do lucro da matriz.
33 Assim, por exemplo, já se julgou que nas sucursais alemãs de bancos estrangeiros as despesas
dedutíveis não eram apenas as reveladas na contabilidade, mas outras incorridas pela matriz
no benefício da sucursal. Cfr. BAKER, Double Taxation, 183.
· VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência -{iN
Consequência direta da assimilação a uma empresa independente é a rejeição
expressa do princípio da força atrativa do estabelecimento estável, restringindo-se a
tributação "unicamente aos (lucros) que forem atribuíveis ao estabelecimento per-
manente" (art. 7°, § l°, inftne)34.
Outro corolário do princípio da independência é a regra da dedutibilidade de
todas as despesas efetuadas para a consecução dos objetivos do estabelecimento per-
manente, incluindo as despesas de direção e os encargos gerais de administração,
ainda que tais despesas não tenham sido realizadas no território de localização do
estabeleciment035 . Ao invés do que exigem numerosos direitos internos - e entre eles
o nosso -, o direito convencional admite, quanto aos estabelecimentos permanentes,
a extraterritorialidade das despesas 36 •
Uma terceira consequência da "independência hipotética" conduz a que, para
efeitos de atribuição do lucro, nenhuma diferença exista entre a situação do estabe-
lecimento permanente e a de uma subsidiária com personalidade jurídica própria.
Assim, arranjos contratuais entre o estabelecimento permanente e a matriz (embora
inexistentes perante o direito civil) deveriam ser tratados, para efeitos fiscais, como
se se tratasse de verdadeiros contratos entre empresas independentes, com o conse-
quente reconhecimento de juros, royalties, aluguéis, comissões e outras remunerações
similares previstas em tais "contratos"37.
34 O princípio da força atrativa já foi por nós examinado à luz do direito interno: cfr. supra, 649
ss. Sobre o force-ofattraction rule no direito norte-americano e sua substituição pela regra
da effictive connection with a U.S. trade or business (decorrente do Foreign Investors Tax Act de
1966), ver HENRY B. JORDANjJONE BrscHELjALAN H. SMITH, The taxation of entreprises with
permanent establishments abroad. United States taxation ofa foreign enterpl"Íse carrying on business
in the U. S. through a permanent establishment, CDFI LVIlI-a (1973), 95 (97). O triunfo da
conexão efetiva sobre a força de atração resulta da prevalência dada à simplicidade e eficácia
dos métodos administrativos sobre os riscos da evasão fiscal. Cfr. OCDE, Comentários, art.
7°, § 1°, parágrafos 9 e ss. (versão de 2008), rejeitando enfaticamente a regra da força atra-
tiva. Cfr. OCDE, Attribution of Income to Permanent Establishements: Issues in International
Taxation, Paris, 1994; Report onAttribution ofProfits to Permanent Establishments, 2008.
35 Sobre a dedutibilidade de gastos suportados pela filial brasileira de banco estrangeiro com
administração, salário e treinamento de pessoal debitado pela matriz, cfr. o Acórdão nO 101-
91378 da 1a Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, de 17 de outubro de 1997.
36 Veja-se o exame detalhado de diversos casos específicos em OCDE, Comentários, art. 7°,
§ 3°, parágrafos 16 a 24. Cfr. as Convenções com a África do Sul (Protocolo, item 1), o
Canadá (Protocolo, item 5); Chile (Protocolo, item 2); Coreia (Protocolo, item 2); Filipinas
(Protocolo, item 4); Hungria (Protocolo, item 3); Países Baixos (Protocolo, item 1); Tche-
coslováquia (Protocolo, item 1); México (Protocolo, item 3). Estas convenções declaram
irrelevante o lugar de realização da despesa.
37 Cfr. os autores citados em VOGEL, Double Taxation, 428, que também alude à doutrina mais
mitigada de uma "independência restrita", que tende a não considerar os "contratos presu-
midos" entre "partes" da mesma empresa. Certas Convenções consideram indedutíveis os
pagamentos em juros etc. (México, art. 7°, par. 3) e Ucrânia, art. 7°, par. 3). Veja-se ainda
OCDE, art. 7°, parágrafos 41 e ss (versão de 2008).
B I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier _._=....;..._ _ _ _ _ _ _ _--'
Com vistas a eliminar a potencial dupla tributação resultante dos poderes cor-
retivos unilaterais dos Fiscos do Estado de localização dos estabelecimentos perma-
nentes está prevista uma nova versão do § 3° do art. 7° do Modelo OCDE, de modo
a que o outro Estado contratante proceda aos adequados ajustamentos correlativos,
similar ao previsto no § 2° do art. 9°.
E) Comércio eletrônico
38 Cfr. OCDE, Pennanent Establishment and Other Tax Treaty Issues Related to Electronic Com-
merce, Paris 1998; ID., Technical Advisory Group discussion paper: Attribution of profit to
a permanent establishment involved in electronic commerce transactions, fevereiro 2001, in
KEES VAN RAAD (ed.), Materiais on Internacional & EC Tax Law, vol. 1, 2003, 574 ss. IFA,
Taxation of income derived from electronic commerce, CDFI LXXXV (2001); ROY ROHATGI,
Basic International Taxation, cit., 509 SS.; ANTONIO LOVISOLO, La stabile organizzazione, in
V UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tributario Internazionale, Pádua 1999, 257 SS.; RUBEN O.
ASOREY, El impacto dei cibercomercio en los principios fiscales y en la libertad de comercio, ibidem,
869; BróRN WESTBERG, Cross-Border Taxation ofE-Commerce, IBFD, Amsterdam 2003; Luís
EDUARDO SCHOUERI, Imposto de renda e o comércio eletrônico, in ID. (org.), Internet: O Di-
reito na era virtual (2 a ed.), Rio de Janeiro 2001,39 SS.; ALEXANDRE SICILIANO BORGES, Preços
de Transferência e e-commerce, in SCHOUERI (org.), Internet - O Direito na era virtual, cit.,
ibidem, 211 SS.; REUVEN S. AVI-YONAH, A tributação internacional do comércio eletrônico,
RIDT na 6 (jul.-dez.j2006), 417; MARcos VINHAS CATÃO, JULIO JANOLIO, Novas tendências
da tributação sobre o comércio eletrônico, in HELENO TAVEIRA TÔRRES (org.), Direito Tribu-
tário InternacionalAplicado, vol. IV, São Paulo 2007, 301; CLÁUDIA LIMA MARQUES, Comércio
eletrônico e as relações de consumo: desafios e análise dos primeiros casos, in HELENO TAVEI-
RA TÔRRES (org.), Direito Tributário das Telecomunicações, São Paulo 2004,511.
39 Cfr. supra, 520.
"'-_ _ _ _ Título VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência .iSM
40 Veja os parágrafos 42.1 a 42.10 do art. 5°. Sobre a história destes trabalhos, cfr. MÁRIo
JosÉ SILVA, Tributação do comércio eletrônico no plano internacional - uma visão geral,
RTFP 38 (2001),9. Ver a reserva do Brasil em NMCP, art. 5°, parágrafo 23, em nome do
princípio da fonte.
41 OCDE, Comentários ...) art. 5°, par. 42.2.
Ri._ Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
F) PrestaçéÚJ de serviços
46 Cfr. LUCIANA ROSANOVA GALHARDO, Serviços técnicos prestados por empresa francesa e im-
posto de renda na fonte, RDDT 31 (1998),39 ss.
47 Novos parágrafos 42.11 a 42.48 aos comentários do artigo 5°. Ver as reservas do Brasil,
invocando o princípio de fonte de pagamento. Cfr. NMCp' par. 42
'"-_ _ _ _ _•. Título VI I Capo II I Normas de Reconhecimento de Competência -I-
levância - entende-se que a tributação, mesmo em casos excepcionais, só deve incidir
sobre o lucro e não sobre o rendimento bruto.
De harmonia com aquele Comitê, deveria sempre, através de cláusula alternati-
va, restringir-se a tributação excepcional dos serviços pelo Estado da fonte, na ausên-
cia de estabelecimento permanente, às hipóteses em que o indivíduo que os presta
permanece no território daquele Estado mais do que um certo período (183 dias) e
que a ele sejam imputáveis parte substancial (mais de 50%) dos rendimentos brutos
da empresa relacionados com as atividades no período.
Nos casos em que os limites atrás referidos tenham sido ultrapassados, presu-
me-se que os serviços foram prestados através de um estabelecimento permanente:
trata-se de uma nova hipótese de estabelecimento pessoal, a par dos representantes
dependentes, pelo que a tributação apenas poderá incidir sobre o lucro que lhe for
imputável e não sobre o rendimento bruto.
48 É que esta mudança já vinha ocorrendo por força de Decisões individuais, em resposta a
consultas, tais como as Decisões nO' 47 e 144 da 8 a Região Fiscal, ambas de 1999.
.iaM Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
49 Cir. GABRIEL FRANCISCO LEONARDOS, O imposto de renda na fonte sobre os pagamentos ao ex-
terior por serviços técnicos: análise de um caso de renúncia fiscal do Brasil, RDDT 40,39 ss.
50 Cfr. Double Taxation Conventions and Internacional Tax Law (2 a ed.), Londres 1994, 174.
51 Grifas nossos.
~T~uIO VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência -i'.
Com efeito, o art. 7°, na sua redação sintética e precisa, contém duas normas
distintas: uma norma de atribuição de competência exclusiva e uma norma de atribui-
ção de competência cumulativa s2 • A norma de atribuição de competência exclusiva em
favor do Estado de residência aplica-se precisamente à hipótese em que a empresa do
Estado A não tem estabelecimento permanente no Estado B, como sucede na grande
generalidade das vendas internacionais de mercadorias e serviços, caso em que os
lucros das empresas vendedoras "só podem" ser tributados no respectivo Estado de
domicílio e "não podem", por conseguinte, ser objeto de tributação, notadamente
por via de retenção na fonte, no Estado B, onde se localiza o comprador. A norma
de atribuição de competência cumulativa, em favor do Estado de fonte (Estado B),
aplica-se precisamente à hipótese em que a empresa do Estado A tem estabelecimen-
to permanente, sem personalidade jurídica, no Estado B, caso em que os lucros das
empresas vendedoras imputáveis ao estabelecimento permanente "também podem"
ser tributados pelo Estado B, ocorrendo uma dupla tributação a ser resolvida pelos
métodos cabíveis da própria Convenção.
Em nossa opinião, a norma do art. 7° que atribui competência exclusiva ao
Estado de domicílio, na hipótese de inexistência de estabelecimento permanente, é o
"coração" de um tratado contra a dupla tributação. Sem a proteção que ela assegura
à liberdade de circulação internacional de mercadorias e serviços, todas as demais
cláusulas perdem grande parte do seu sentido.
KLAUS VOGEL53 observa que o art. 7° abrange a mais importante categoria de
rendimentos, o "lucro da empresa", observando que de longe a maior porção do
rendimento derivado da atividade econômica internacional entra nesta categoria. E,
contrariando expressamente a opinião segundo o qual o art. 7° não se aplicaria aos
serviços afirma, com referência ao caso de "lucros de empresas": "Traditionally) this
concept is centred around commerce) including banking and finance) and crafts and trades
and industry; more recently) the services sector has joined in".
Aliás o próprio art. 7°, § 7°, do Modelo OCDE, revela que se aplica aos preços
de venda de bens e serviços, como receitas componentes do lucro contábil, ao dis-
por que "quando os lucros compreenderem elementos de rendimentos especialmente
tratados noutros artigos da presente convenção, as respectivas disposições não serão
afetadas pelas deste artigo".
Trata-se do princípio de prevalência dos regimes especiais ou do caráter residual da
noção de lucro de empresa. Assim, se os elementos do lucro, isoladamente conside-
rados, têm um tratamento especial (como é o caso dos dividendos, dos juros e dos
royalties), aplicam-se as disposições específicas que lhes respeitam. Se não têm um
tratamento especial, como é o caso da venda de bens e serviços, aplica-se o art. 7°.
As razões pelas quais o art. 7°, no que concerne às prestações internacionais de
serviços, reserva a competência tributária exclusiva ao país de domicílio do prestador,
59 Cfr. OCDE, Comentários, art. 30, parágrafos 50, 6 0 e os novos 6.1 a 6.3; D. HUND, The Deve-
lopment ofDouble Taxation Conventions with Particular Reflrence to Taxation oflnternationalAir
Transport, BIFD 1982, 111; M. CHRÉTIEN, Une espêce originale de traités fiscaux: les conven-
cions internationales sur les doubles impositions des entreprises maritimes et aériennes, Revue
de Science et de Législation Financiere 1951, 715; DE NOREAZ, De la double imposition des
sociétés de navigation maritime et aérienne, Revue Fiscale 1959, 395; G. PHlLIPPE, I.:incidence
des conventions suisses de double imposition sur les entreprises de navigation maritime et aé-
rienne,RevueFiscale 15 (1960),415; MAISTO, The "shipping and air transport" provision (Art.
8 0 ) in the Italy-Usa double taxation agreement, in Essays on International Taxation, 15, Deven-
ter/Boston 1993, 287; PIETRO ADONNJNO, Aspectos impositivos de las empresas de transporte
aéreo y marítimo, in HELENO TAVElRA TÓRRES (org.), Comércio internacional e tributaçifu, São
Paulo 2005, 455; ANDRÉS BLANCO, Tratamiento de las empresas de transporte aéreo y marí-
-tiM Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Assim, por exemplo, se uma empresa com domicílio na Noruega vende, no Bra-
sil, através de um seu agente, bilhetes para uma viagem entre pontos exclusivamente
localizados na Noruega, ou num terceiro Estado, como Portugal, o Brasil não pode
pretender qualquer tributação. Apenas o poderá fazer se a viagem em causa ocorrer
apenas dentro das fronteiras do Brasil, caso em que ficará descaracterizada como
sendo de tráfego internacional.
No que concerne às operações de tráfego internacional, os acordos e convenções
internacionais procederam à repartição do poder de tributar, reconhecendo o direito
exclusivo de tributação ao Estado da residência e/ou da direção efetiva, donde resulta
automaticamente a exclusão da competência do outro Estado contratantéo.
Utilizamos as expressões residência e/ou direção efetiva, pois ambas as conexões
têm sido utilizadas nos tratados celebrados pelo Brasil.
A conexão residência foi primeiramente adotada nos acordos bilaterais específi-
cos em matéria de navegação que o Brasil assinou com diversos países 61 .
Trata-se, porém, em todos estes acordos, de uma residência qualificada, enquan-
to se exige, além da localização da sede, outros atributos, como a constituição con-
soante as leis do país (Itália), ou que aí sejam também administradas e controladas
(Argentina, Grã-Bretanha e França)62.
Nas convenções gerais - celebradas ao abrigo do Modelo OCDE - adotou-se,
via de regra, a conexão sede da direção efetiva, com as únicas exceções do acordo com
o Japão, em que se consagrou a residência simples, e com as Filipinas, que admite
também o poder de tributar do Estado da fonte (cfr. art. 8° e Protocolo, item 5).
timo, in HELENO TAVEIRA TÔRRES, ibidem, 499. Entre nós, ver GILBERTO DE ULHÔA CANTO,
Temas de Direito Tributário, IIl, Rio de Janeiro 1964, 213 ss.; HELENO TAVEIRA TÔRRES,
Regime jurídico das empresas de transporte aéreo e marítimo e suas implicações fiscais, in
HELENO TAVEIRA TÔRRES (org.), Comércio internacional e tributação, São Paulo 2005, 395.
60 A lei brasileira consagra, desde 1943, uma isenção das companhias estrangeiras de navegação
marítima e aérea que operam no território do Brasil mediante filiais, agências, escritórios ou
qualquer outra modalidade de estabelecimento permanente. O art. 30 do Decreto-Lei nO 5.844,
de 23 de setembro de 1943, dispõe que "as companhias estrangeiras de navegação marítima e
aérea estarão isentas do imposto de renda se, no país de sua nacionalidade, as companhias bra·
sileiras de iguais objetivos gozarem da mesma prerrogativa". Sobre o âmbito desta isenção m.
Parecer Normativo CST nO 95, de 1 de julho de 1970, e nO 451, de 24 de novembro de 1970,
cfr. GILBERTO DE ULHÔA CANTO, Temas de Direito Tributário, vol. III, Rio de Janeiro 1964,213;
BULHÕES PEDREIRA, Imposto sobre a renda - pessoa jurídica, vol. I, Rio de Janeiro 1979, 121 S5.
61 Cfr. supra, 73.
62 Tais convenções deixam de aplicar-se em relação aos rendimentos abrangidos pelas conven-
ções contra a dupla tributação durante o período em que estas vigorarem. Ver, por exemplo,
art. 8°-4 da Convenção com a Argentina. Todavia, o Protocolo da Convenção com a China
(item 1) estabelece que o Acordo não prejudicará a aplicação do art. II ° do Acordo sobre
Transporte Marítimo celebrado com este país, em 23 de maio de 1979. Cfr. A. MIRAULO,
Doppia imposizione internazionale, Milão 1990, 306; LICCARDI, La normativa convenzionale,
in PISTONE (org.), Diritto Tributario Interna zionale, 191 (297 ss.).
~ftulo VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência -w
Algumas convenções visam a resolver a dúvida decorrente de a direção efetiva
de empresa de navegação marítima se situar a bordo de um navio, para estabelecer
que, neste caso, se reputará como país com competência tributária exclusiva aquele
em que se encontra o posto de registro desse navio ou, na sua ausência, o país da
residência da pessoa que explora o navi063 .
Diversas convenções abordam diretamente a hipótese de os lucros serem obti-
dos por uma empresa através da sua participação em formas jurídicas de cooperação
internacional, tais como os "acordos de pool», a associação não personalizada, joint
business ou international operating ageney. Como estas formas carecem de personalida-
de jurídica, não dando origem a um novo ente distinto dos participantes, revestindo
simples natureza contratual, os lucros seguem o mesmo regime dos provenientes da
exploração isolada, pelo que apenas são tributáveis no Estado em que estiver situada
a sede da direção efetiva da empresa64 •
Nem sempre é fácil identificar os lucros de empresas de navegação marítima e
aérea, atendendo à pluralidade de atividades que estas desempenham a título con-
corrente ou acessório. Tem-se entendido que seguem o regime desses lucros os pro-
venientes de atividades complementares ou conexas com as de transporte - como a
locação de navio ou aeronave, a venda de bilhetes, a exploração de serviços de ônibus
de ligação a portos ou aeroportos, a publicidade e a propaganda, ou o transporte de
mercadoria por caminhão entre um entreposto e um aeroporto ou porto, inclusive a
locação de contentores. Mas já seguem regime independente os lucros de atividades
autônomas - ainda que exercidas pela mesma empresa -, como a exploração de hotel
ou de estaleiro de construção naval65 •
§ 30 PROFISSÕES INDEPENDENTES
63 Cfr. Convenção com Portugal, art. 8°, § 2°. Veja-se ainda a especialíssima regra de conexão
subsidiária na Convenção com a Noruega (art. 8°-4).
64 Cfr. a Convenção com Portugal, art. 8°, nO 3, sobre o caso de atividade de transporte aéreo
sob a forma de consórcio.
65 Cfr. OCDE, Comentários, art. 8°, parágrafos 4 S5., inclusive o novo 10.1. O art. 8°, § 2°
,da Convenção com o Peru, explicita como negócios acessórios o afretamento ou aluguel de
navio, barco ou aeronave, sem tripulação, bem como o aluguel de contêineres e respectivo
equipamento.
66 O art. 14 foi eliminado na revisão do Modelo operada em 2000 com o fundamento de que o
rendimento das profissões independentes era simples modalidade de business income e que o
conceito de instalação fixa era também simples modalidade de estabelecimento permanente.
Assim, esta matéria passaria doravante a ser regida pelo art. 7°. Por sua vez, foi aditado ao
I lIifm I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Esse direito cede o passo, em duas convenções - que neste particular seguem o
antigo art. 14 do Modelo OCDE: a do Japão (art. 13) e a de Portugal (art. 14) -,
ao Estado em que o profissional disponha, de forma habitual, de uma instalação fixa
para o exercício destas atividades. Se dispuser dessa instalação, os rendimentos serão
tributáveis no outro Estado (competência cumulativa), mas unicamente na medida
em que forem imputáveis a essa instalação fixa 67 •
O conceito de "instalação fixa" é o equivalente, no que tange às profissões in-
dependentes, do "estabelecimento permanente", em matéria de lucros comerciais e
industriais. Conforme os Comentários da OCDE, não se julgou oportuno definir
esta noção, mas ela tem em vista, por exemplo, o consultório de um médico, o atelier
de um arquiteto ou o escritório de um advogado. Em virtude da progressiva inter-
nacionalização das prestações de serviços independentes, é cada vez mais frequente
que as pessoas em causa disponham de instalações deste tipo em Estados diversos
daqueles em que residem: neste caso, esse Estado terá o poder de tributar os lucros
imputáveis àquela instalaçã068 •
Mas, tal como em relação ao conceito de estabelecimento permanente sucede, as
convenções exigem a conexão efetiva, rejeitando a teoria da força de atração.
N as demais convenções assinadas pelo Brasil, a conexão relevante para fundar
a tributação cumulativa do Estado da fonte não é a existência, no seu território, de
instalação fixa, mas a simples localização da fonte pagadora do rendimento - seja
ela estabelecimento permanente ou sociedade aí residente69 . Em face da redação
destes textos, pode concluir-se que esta conexão não funciona se a entidade em
causa for pessoa física, permanecendo neste caso a competência exclusiva do Esta-
do da residência.
art. 3° uma definição de business, segundo a qual inclui "o exercício de serviços profissionais
e outras atividades de caráter independente". O Brasil reserva-se o direito de manter o art.
14. Cfr. OCDE, art. 7°, NMC Positions, parágrafo 2.1.
§ 4° PROFISSÕES DEPENDENTES
70 Esta é a solução expressamente consagrada por numerosas convenções que admitem a exten-
são a sociedades em geral ou a sociedades civis: Alemanha (Protocolo, 5), Canadá (Protoco-
10,10), Coreia (Protocolo, 5), Dinamarca (Protocolo, 4), Equador, (Protocolo, 6), Espanha
(Protocolo, 6), Filipinas (Protocolo, 8), Hungria (Protocolo, 7), Itália (Protocolo, 6), Méxi-
co (Protocolo 7), Luxemburgo (Protocolo, 6) e Tchecoslováquia (Protocolo, 4).
71 Sobre esta matéria, SEVERINO DUARTE/MARIA ODETE OLIVEIRA, Sobre a tributação jurídica
internacional dos rendimentos do trabalho dependente, Fisco 33 (1991),31; cfr. também
JosÉ MARIA DE LA VILLA GIL, Rentas dei trabajo, in ID. (org) , Relaciones fiscales internaciona-
les, Madrid 1987, 173; SERVAAS VAN THIEL, Free Movement ofPersons and Income Tax Law,
Amsterdam 2002; GIOVANI PUOTI, I redditi di lavoro nel modello OCSE, in VICTOR UCKMAR
( org.), Corso di Diritto Tributario Internazionale, Pádua 1999, 331; fuJKELE BETTEN, Income
TaxAspects ofEmigration and Immigration oflndividuals, Amsterdam 1998.
4ttM Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
§ 5° PROFESSORES E ESTUDANTES
Um caso similar ao dos trabalhadores por conta de outrem que exercem uma "ati-
vidade temporária" num dos Estados é o dos professores e estudantes 85 . Mas, enquan-
to em relação àqueles, o Estado da fonte, ou seja, o país onde exercem a sua atividade,
só renuncia à tributação em favor da competência exclusiva do Estado da residência
em condições bem apertadas - o beneficiário não permanecer no país mais de 183 dias
e as remunerações serem pagas por pessoas domiciliadas no exterior -, no caso dos
professores e estudantes, convencionou-se um regime de isenção mais generoso.
É que a presença porventura prolongada de professores, pesquisadores e es-
tudantes num dado país fá-Ios-á adquirir o estatuto fiscal de residente, com a au-
tomática consequência (na generalidade dos países) da sua tributação com base no
princípio da universalidade (world-wide-income). Como, por seu turno, o país donde
provêm o professor e o estudante pode não lhes reconhecer a perda da sua condição
de residentes - atendendo ao caráter temporário da permanência no exterior - gerar-
se-ia uma dupla tributação, podendo ter por objeto o "rendimento mundial".
Para a eliminar, o Estado da residência atual e temporária do professor e do estu-
dante abre mão do seu direito de tributar - no que tange aos professores - quanto às
remunerações que receberem em consequência das suas atividades específicas - e no
que respeita aos estudantes - quanto às remunerações que receberem por emprego
exercido nesse Estado com a finalidade de ajudar os seus estudos ou a sua formação,
assim como quanto às quantias que receberem do exterior para fazer face à sua ma-
nutenção, educação ou treinamento.
82 Com as despesas de manutenção não devem confundir-se as "diárias", que são pagas em
moeda estrangeira ao licenciador de tecnologia e que representam o custo diário que para
este representa a ausência do empregado.
83 Cfr. ALBERTO XAVIER, Tributação de empregados brasileiros que prestam serviços na Alema-
nha, in ID.,Estudos sobre o imposto de renda, Belém 1988, 131 (142 ss.), em parecer em que exa-
minamos a aplicação do art. 15 da Convenção Brasil-Alemanha a funcionários de subsidiária
brasileira de empresa alemã transferidos para a Alemanha para prestarem serviços na matriz.
84 Cfr. art. 15, parágrafo 12 a 12.15.
85 Cfr. H6HN, Doppelbesteuerungsrecht, 205. Note-se que a Convenção Modelo apenas se refere
aos estudantes, mas não aos professores, pelo que a estes são aplicáveis os arts. 7° (anterior-
mente o art. 14) ou 15, conforme os casos.
- = = : : : : : 2 i t l J l o VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência Ri;'
A mencionada renúncia pressupõe, porém, a ocorrência de diversas condições,
muito variáveis de convenção para convenção, pelo que apenas se descreverá o re-
gime mais frequente. No que toca aos professores e pesquisadores) é necessário que (i)
tenham vindo a convite do Estado, universidade, estabelecimento de ensino supe-
rior, escola, museu ou outra instituição cultural, ou cumprindo programa oficial de
intercâmbio cultural; (ii) permaneçam no outro Estado por período não superior
a dois anos 86 ; e (iii) o fim exclusivo da estadia seja lecionar, proferir conferências
ou realizar pesquisas.
No que respeita aos estudantes) há que distinguir as condições necessárias à isenção
das remunerações decorrentes de emprego das respeitantes às quantias recebidas do ex-
terior: no primeiro caso, é necessário que o único fim da permanência seja o de se edu-
car ou realizar treinamentos, vigorando a isenção por um dado período de tempo8?; no
segundo, é necessário (i) que permaneça temporariamente na qualidade de estudante
de uma universidade, escola superior ou escola, de estagiário, ou beneficiário de bolsa,
ou prêmio concedido por uma organização religiosa, de caridade, científica ou educa-
cional; e ainda que (ii) o estudo ou pesquisa seja o fim primordial da sua presença.
86 A Convenção com a Finlândia - art. 20 - exige que a permanência não exceda conjuntamen-
te 24 meses em, no máximo, três anos de calendário consecutivos e exclui da isenção pesqui-
sas que forem primordialmente realizadas para benefício particular da pessoa ou pessoas em
causa. Veja também a limitação de dois anos consecutivos nas Convenções com a África do
Sul e a Ucrânia.
87 Via?e regra, três anos. A Espanha faculta período superior (quatro anos), a França, Portugal
e a Austria, inferior (respectivamente dois anos, um ano e 183 dias do ano considerado). Via
de regra, a isenção só se aplica até determinado limite quantitativo.
88 O tratamento tributário das pensões, nas suas diversas modalidades, bem como das contri-
buições para esquemas estrangeiros de pensão, foi amplamente desenvolvido pelo Comitê de
Assuntos Fiscais da OCDE na versão dos Comentários de 2005 (art. 18, §§ 10 a 69).
-i:l.1 Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
89 Assim acontece com Portugal, mas somente no que respeita às pensões de seguridade social
(art. 18, nO 2).
90 Cfr. GCDE, Comentários, art. 18, parágrafo 30.
91 Cfr. GCDE, Comentários, art. 18, parágrafos 4° a 37.
- = = = = = = - - ! í t u l o VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência 4i:I '
§ 7° CAPITAL
SEÇÃO II
RECONHECIMENTO DE COMPETÊNCIA CUMULATIVA
ILIMITADA DO ESTADO DA FONTE
§ 1° RENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS
pois, entender-se que os rendimentos imobiliários são tributáveis pelo Estado da fonte,
quer sejam ou não imputáveis a estabelecimento permanente nele situad094 .
Em ordem à perfeita aplicação deste regime, as convenções procuram caracteri-
zar o conceito de rendimentos de bens imobiliários, começando por conferir à lex loci
rei sitae o encargo de definir o conceito de bens imobiliários. Todavia, as convenções
restringem a liberdade de qualificação dos direitos internos, mediante a imposição
de duas ordens de limites: limites positivos, que se traduzem na necessária conside-
ração como imóveis (ainda que os direitos internos assim os não qualifiquem) dos
acessórios da propriedade imobiliária, do gado e do equipamento utilizados nas ex-
plorações agrícolas e florestais, dos direitos a que se aplicam as disposições do direito
privado relativas à propriedade territorial, do usufruto de bens imobiliários e dos
direitos aos pagamentos variáveis ou fixos pela exploração, ou concessão de explora-
ção de jazidas minerais, fontes e outros recursos naturais; e limites negativos, que se
traduzem na exclusão do conceito de bens imobiliários dos navios, barcos e aerona-
ves, que seguem regime distinto.
A qualificação como rendimentos imobiliários não depende nem da natureza
jurídico-econômica da exploração, que tanto pode ser direta, como resultar de locação
ou arrendamento; e também não depende da natureza da pessoa do seu titular: seja
pessoa física ou empresa, inclusive no caso em que os bens estejam afetos ao exercício
de profissão liberal95 •
As convenções não se reterem aos rendimentos dos créditos com garantia imo-
biliária, aos quais é assim aplicável o regime jurídico dos juros. A Convenção com
a Noruega (art. 6°, parágrafo 5°) inclui, porém, um dispositivo segundo o qual os
juros de dívidas relacionadas com propriedades imobiliárias que o residente de um
Estado contratante tem no outro Estado contratante são, para o cômputo da renda
líquida, dedutíveis em condições idênticas às prevalecentes para os residentes desse
outro Estado contratante. Trata-se, pois, de obrigação imposta ao Estado da residên-
cia de autorizar a dedução dos juros, dedução essa que obedecerá ao mesmo regime
da dedução prevista no Estado da fonte para os seus próprios residentes.
§ 2° GANHOS DE CAPITAL
94 Cfr. OCDE, Comentários, art. 6°, parágrafo 4°. Ver também o art. 5° do Modelo OCDE-
ISD, que consagra idêntica definição de bens imobiliários. Cfr. ainda CARLOS CUBILLO V AL-
VERDE, Rentas immobiliarias de los no residentes, in J. VILLA GIL (org.), fulaciones ftscales
internacionales, Madrid 1987, 14l.
95 Cfr. OCDE, Comentários, art. 6°, parágrafo 3.
.....______ ...Tí_tulo VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência -i:.
que podem ser tributados no Estado em que os imóveis se localizam; (ii) os ganhos
de capital na alienação de bens móveis integrados no patrimônio de estabelecimento
permanente (ou base fIxa), incluindo os de alienação do próprio estabelecimento,
que podem ser tributados no Estado em que o estabelecimento se situa; e (iii) os
ganhos de capital na alienação de ações cujo valor derive, direta ou indiretamente, em
mais de 50%, de bens imóveis situados no outro Estado; (iv) os ganhos de capital na
alienação de navios, aeronaves e similares, que só podem ser tributados no país onde
se localiza a direção efetiva da empresa96 •
As Convenções assinadas pelo Brasil consagram idêntica solução à do modelo
atrás descrito, no que concerne à tributação dos ganhos relativos a bens imobiliários,
bens mobiliários integrados em estabelecimento permanente, navios e aeronaves.
Todavia, no que concerne aos ganhos de capital referentes à alienação de outros bens
(designadamente ações ou quotas, valores mobiliários, bônus, obrigações e outros
títulos), ao invés de reconhecerem o direito de tributação exclusivo do país da resi-
dência, optaram por admitir o poder de tributar de ambos os Estados contratantes97 •
Apenas a Convenção com o Japão acolhe o princípio da tributação exclusiva
pelo país da residência98 •
Assim, por exemplo, se uma pessoa domiciliada no Japão realizar no Brasil
uma venda de ações (não integradas em estabelecimento permanente aqui situado)
a comprador domiciliado no Brasil, fIcará apenas sujeita a imposto no Japão, não
podendo o Brasil tributar a operação pela retenção do imposto de renda na fonte.
Mas se o vendedor for residente, ainda por exemplo, na França, já o direito do Brasil
é inquestionável.
96 Note-se que, enquanto nos dois primeiros casos os ganhos "podem" ser tributados no país da
fonte (competência cumulativa), no terceiro "só podem" ser tributados no país de direção efetiva
(competência exclusiva). O Modelo OCDE usa as expressões "max be taxed" e "shall be taxed
only". Cfr. BAKER, Double Taxation, 284; J. L. JUAN y PENALOSA, Ganancias de capital. Outras
rentas. Patrimonio, in J. VILLA GIL (org.), &laciones ftscales intemacionales, Madrid 1987, 273.
97 A Convenção com a Áustria, Protocolo na 4, esclarece que "um Estado contratante não tem
o direito de tributar os ganhos recebidos por um residente do outro Estado contratante,
se tais ganhos forem obtidos na venda de ações ou quotas de uma sociedade que não seja
residente do primeiro Estado". A Convenção com Israel apenas atribui ao Estado da fonte
o poder de tributar ganhos de capital na alienação de ações de sociedade nele residente, se
o alienante detiver a propriedade, direta ou indiretamente, a qualquer tempo no período de
doze meses anterior à alienação de ações, dando direito a voto a 10% ou mais do direito de
voto da sociedade. O imposto não poderá, porém, exceder a 15% (art. 13, § 30 ). A Con-
venção com Portugal, Protocolo nO 6, estabelece que na eventualidade de, posteriormente à
assinatura da presente Convenção, o Brasil concluir com um terceiro Estado não situado na
América Latina uma Convenção que limite - com relação aos rendimentos previstos no art.
13, nO 4 - o poder de tributação de outro Estado contratante que não seja aquele em que
for residente o beneficiário dos rendimentos, uma limitação idêntica será automaticamente
aplicada às relações entre o Brasil e Portugal. Cláusula similar se encontra no item 4 do Pro-
tocolo à Convenção com a África do Sul.
98 Esta era também a regra da antiga convenção com a Noruega.
I p I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
§ 3° REMUNERAÇÃO DE DIRETORES
99 Cfr. OCDE, Comentários, art. 13, § l°, parágrafo 23. Sobre o caso dos fundos de investi-
mento imobiliário, veja OCDE, art. 13, parágrafos 28.9 e 28.11 (versão de 2008).
100 O Comentário da OCDE, art. 13, parágrafo 9°, afirma que "quando o aumento de valor do
capital e a reavaliação dos ativos são tributados, o princípio aplicável em caso de alienação de
tais ativos deve, em princípio, ser igualmente aplicado. Não se julgou necessário mencionar
expressamente tais casos neste artigo ou prever disposições especiais". Discordamos desta
interpretação. As Convenções são expressas ao referir-se a "alienação".
101 Cfr. OCDE, Comentários, art. 13, parágrafos 5° e 6°, que recorda as düvidas que ensejam
os casos de "substiruição de ativos", sobre os quais se pode consultar o excelente parecer de
GILBERTO DE ULHÔA CANTO, em Estudos e pareceres de direito tributdrio, 272 ss. e 343 ss.
VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência 41:;.
Referido preceito sobrepõe-se, assim, ao art. 15 do Modelo OCDE (trabalho
dependente), constituindo regra especial, dada a dificuldade de determinar o lugar
de exercício das funções de administração 102 .
Note-se ainda que o preceito se aplica tanto a pessoas físicas como a jurídicas; e
também que só abrange as remunerações percebidas em contrapartida dessas funções
e não as que eventualmente lhes sejam devidas pelo exercício cumulativo de outros
cargos na empresa, como os de assalariado, consultor etc. I03 .
§ 4° ARTISTAS E DESPORTISTAS
102 Algumas Convenções esclarecem que o preceito é aplicável também aos membros do Con-
selho Fiscal: África do Sul (Protocolo, item 5); Canadá (Protocolo, item 10); Hungria (Pro-
tocolo, item 8); México (Protocolo, 8° b); Portugal (art. 16).
103 Cfr. H6HN,Doppelbesteuerungsrecht, 204. Cfr. a Convenção com as Filipinas (Protocolo, item
9) e a Convenção com a Bélgica (versão de 2007), que qualifica como trabalho dependente
sujeito ao art. 15 a atividade diária de direção ou de caráter técnico, bem como a ativida-
de pessoal como associado de sociedade que não seja sociedade por ações (art. 16, § 2°);
OCDE, Comentários, art. 16, parágrafos 1 e 2.
104 Luís EDUARDO SCHOEURl e MARTA OLlVEROS CASTELON, Tributação subjetiva na fonte de ar-
tistas e esportistas não residentes e o conceito de não discriminação: análise dos artigos 17 e
24 da Convenção Modelo OCDE à luz da recente jurisprudência europeia, dos acodos brasi-
leiros de bitributação e da Convenção Modelo OCDE de 2008, RDIT 10 (2008), 109. Cfr.
OCDE, Taxation ofEntertainers, Artists and Sportsmen, Issues in International Taxation, nO
2, Paris 1987; DANIEL SANDLER, The taxation ofinternational entertainers and athletes, 1995;
MARTIN GROSSMANN, Die Besteuerung des J(ünstlers und Sportlers im internationalen Verhéiltnis,
BernjStuttgart 1992; FERNANDO SERRANO ANTÓN, La fiscalidad internacional de los artistas
y desportistas profesionales. Especial referencia aI Modelo de Convenio OCDE, Normativa
Espanola y Comunitaria, in HELENO TAVElRA TÓRRES (org.), Direito Tributdrio Internacional
Aplicado, vol. IV; São Paulo 2007, 159. A versão da Convenção Modelo de 1977 substituiu
a expressão "desportistas" por "atletas", abrangendo futebolistas, golfistas,jockeys, jogadores
de tênis e cricket e corredores de automóveis. Segundo o relatório atrás citado, o art. 17
aplica-se a jogadores de bilhar e participantes de torneios de xadrez ou bridge, mas não a
conferencistas e ao staff de apoio, tais como produtores, diretores de filmes, coreógrafos,
pessoal técnico, que seriam regidos pelos arts. 14 e 15.
-i:18 Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
105 Cfr. OCDE, Comentários, art. 17, parágrafos 7° e 9°. Todavia, a Convenção com o México
considera incluídos no art. 17 os rendimentos obtidos de qualquer atividade pessoal relacio-
nada com sua reputação como artista desportista.
106 Cfr. OCDE, Comentários, art. 17, parágrafo 8°.
107 As Convenções com Portugal (art. 17, nO 3) e Israel (art. 17, parágrafo 3°), dispõem que
este regime não se aplica se as atividades exercidas num Estado contratante forem financia·
das principalmente através de fundos públicos do outro Estado contratante ou de uma das
suas subdivisões políticas ou administrativas ou autarquias locais ou ainda de entidades cujo
capital social seja detido majoritariamente por uma das referidas pessoas. Neste caso, os
rendimentos auferidos dessas atividades sõ podem ser tributados nesse outro Estado.
108 Cfr. P. BAKER, Double Taxation, 317; OCDE, Comentários, art. 17, parágrafo 11, sobre
o look-through approach.
'"------_.:..:..~
~Io VI I Capo " I Normas de Reconhecimento de Competência -1:.-
de certas circunstâncias especiais, são excepcionalmente atribuídos à competência
cumulativa do Estado da fonte.
É notadamente o caso de: (i) lucros das empresas imputáveis a estabelecimento
permanente noutro Estado; (ii) rendimentos de profissões independentes imputáveis
a instalação fixa noutro Estado ou pagos por fonte domiciliada noutro Estado; e (iii)
rendimentos de profissões dependentes, no caso de a atividade ser duradouramente
exercida noutro Estado.
SEÇÃO III
RECONHECIMENTO DE COMPETÊNCIA CUMULATIVA LIMITADA DO
ESTADO DA FONTE
Examinaremos nesta seção as normas que atribuem, desde logo, como regra,
competência cumulativa ao Estado da fonte, distinguindo-se das estudadas na se-
ção anterior por estabelecerem um limite quantitativo ao poder tributário deste
Estado, limite este que se traduz na obrigação de estabelecer alíquotas não exceden-
tes a certo valor percentual. Tais normas são as que respeitam a dividendos, juros
e royalties.
§ 10 O CONCEITO DE DIVIDENDOS
A) O conceito em geral
110 Cfr. A. LOVISOLO, li sistema impositivo dei dividendi) Pádua 1980, 101 ss.; FERNANDEZ PÉREZ,
Regimen tributaria de dividendos y canones en el marco de los convenios para evitar la
doble imposicion internacional suscritos por Espana, in J. VILLA GIL (org.), Relacionesfis-
cales intemacionales, Madrid 1987, 195; ESTHER GARCÍA MACHANCOSES, La tributación de los
beneficios percebidos por las matrices espanolas procedentes de las filiales en el estranjero, N avarra
2002; GIUSEI'PE CORASANITI, Dividendi, interessi, canoni e plusvalenzc nel modello OCSE,
in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto Tributaria Intemazionale, Pádua 1999, 345.
111 Certos tipos de sociedades - como as cooperativas e as sociedades em comandita simples - ofe-
recem, via de regra, dificuldade de caracterização como sociedades de pessoas ou de capitais. A
solução deve procurar-se em cada direito positivo interno, tendo em vista o tratamento tri-
butário concedido. Certas Convenções consagram soluções específicas: assim, a Convenção
com Portugal considera "dividendos" os lucros auferidos pelo s6cio oculto nas sociedades
....._ _ _ _ _ .Título VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência -i:!'
Não basta, porém, que se trate de sociedade de capitais: é ainda necessário que
o rendimento provenha de uma participação societária nos lucros. Pouco importa a
modalidade concreta dessa participação - e elas são bem variáveis no direito com-
parado: direito de fruição, partes de fundador, quotas de capital e ações, nas suas
diversas espécies (ordinárias, preferenciais, de fruição )112. Mas é, em contrapartida,
indispensável que essa participação se não traduza num crédito contra a sociedade,
ainda que esse crédito tenha por objeto uma certa participação nos lucros. Assim,
não são dividendos para efeitos das Convenções os rendimentos das partes benefici-
árias e os juros das debêntures conversíveis.
Enfim, o conceito de dividendo pressupõe a existência de um rendimento sujeito
a tratamento fiscal similar ao rendimento das ações pelo país da residência da socie-
dade distribuidora. À luz deste critério, devem, pois, ser julgados os casos duvidosos,
como as bonificações (bonus shares) stock dividends) Freianteile), lucros na liquidação e
distribuições disfarçadas de lucros, que não configurem simples devolução de capital,
hipótese em que se está já para além do conceito de rendimento ll3 •
ciedade francesa; mas já gozam dessa vantagem os dividendos clistribuídos por uma
sociedade brasileira à filial que uma sociedade francesa possua num terceiro Estado.
Note-se que certas Convenções mais recentes assinadas pelo Brasil- já inspiradas
no Modelo OCDE de 1977 - exigem que a pessoa residente num Estado contratante a
quem os clividendos são pagos seja o beneficiário efetivo (ver as Convenções com África
do Sul, Bélgica, Chile, China, Coreia, Equador, Filipinas, Hungria, Ínclia, Israel, Itália,
México, Noruega, Países Baixos, Portugal, Tchecoslováquia, Ucrânia).
Este requisito tem como finalidade impedir mecanismos de treaty shopping, recu-
sando a aplicação da Convenção se o residente num dos Estados, a quem os dividen-
dos são pagos, for um mero intermecliário, agente, nominee ou conduit company ll4.
Além dos pressupostos subjetivos, que resultam das conexões relativas ao credor
(beneficiário) ou devedor (distribuidor) dos dividendos, importa ainda mencionar
um pressuposto objetivo, relativo à natureza do fato tributário (ou tributo) que as
limitações convencionais abrangem. Com efeito, dispositivos inclusos em todas as
Convenções esclarecem que o regime nelas estatuído no art. 10 apenas é aplicável aos
dividendos distribuídos, não afetando a tributação da sociedade com referência aos lu-
cros que deram origem aos clividendos pagos. Pressupõe, assim, a clistinção, comum
nos sistemas tributários modernos, entre os lucros realizados pela pessoa jurídica -
tributados junto desta com o imposto sobre a sociedade - e o lucro por ela distribuído
- tributado junto do sócio, de forma mais ou menos integrada com a primeira fase
da tributação, mas em qualquer caso sempre desta independentell5 .
a) Redução de alíquota
O Modelo OCDE reconhece ao Estado da fonte a faculdade de tributar os divi-
dendos distribuídos pelas sociedades que nele tenham residência, sugerindo contudo
114 Cfr. OCDE, Comentários, art. 10, parágrafos 12 e 12.1. Exemplo de funcionamento desta
cláusula é o caso suscitado a respeito do Tratado de 1951, entre a Holanda e a Suíça, se-
gundo o qual cabe restituição do imposto de renda na fonte no pagamento de dividendos
da sociedade suíça à sua controladora holandesa, "desde que a relação das duas entidades
não tenha sido constiruída ou mantida principalmente para o fim de obter esta restituição".
Um tribunal suíço entendeu que este era o caso de uma "estrutura piramidal", pela qual
indivíduos da Saudi Arábia controlavam (via uma sociedade do Liechtenstein e outra das
Antilhas Holandesas) todas as ações da sociedade holandesa que, por sua vez, detinha 75%
da sociedade suíça. Cfr. P. BAKER, Double Taxation, 230.
115 Em certos casos, é difícil distinguir se o imposto incide sobre dividendos ou sobre os lucros,
dos quais aqueles se originaram. É notadamente o caso do advance corporation tax inglês,
calculado como fração do dividendo, que é uma forma de pré-pagamento do imposto de
sociedade sobre os lucros e também um crédito do acionista contra o seu imposto individual
de renda. Cfr. P. BAKER, Double Taxation, 228.
-==:=:..iit~lo VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência -iM
um limite máximo à alíquota aplicável: 15% do montante bruto dos dividendos, sal-
vo no caso especial de o beneficiário ser uma sociedade que detém diretamente pelo
menos 25% do capitalll6 (interesse substancial) da sociedade pagadora, caso em que a
alíquota máxima seria de 5%. A redução excepcional justifica-se pela necessidade de
evitar a dupla ou sucessiva tributação dos lucros distribuídos a pessoas jurídicas (in-
tercompany dividends) , em especial quando entre si mantêm relações de controladora
e subsidiária117.
Nas Convenções assinadas pelo Brasil, o país da fonte não prevê uma redução
excepcional de alíquota para o caso das subsidiárias, estipulando um limite máximo
uniforme, que é via de regra de 15%.
A esta regra fazem exceção: (i) a Convenção com a Argentina, que não prevê
qualquer limite; (ii) a Convenção com a Dinamarca, que prevê limite de 25%; (iii)
a Convenção com o Japão, que prevê limite máximo de 12,5% (Protocolo de 23 de
março de 1976)118; (iv) a Convenção com a Finlândia, de 1988, que prevê limite
de 10%; (v) as Convenções que restringem a aplicação do limite de 15% aos lucros
decorrentes de participações mínimas no capital da sociedade distribuidora (Canadá,
Luxemburgo) ou aos lucros atribuídos a certos beneficiários, sociedades (inclusive
de pessoas) - caso das Filipinas - ou sociedades de capital- caso da Suécia l19 ; (vi)
as Convenções com Portugal, Chile e Peru, que preveem uma alíquota de 10% se o
beneficiário efetivo for sociedade que detenha, diretamente, pelos menos 25% (20%
no caso do Peru) do capital da sociedade que paga os dividendos, durante um perí-
odo ininterrupto de dois anos; (vii) as Convenções que preveem, a par da alíquota
de 15%, uma alíquota de 10% se o beneficiário efetivo for sociedade que detenha
pelo menos 10% do capital total (Bélgica), do capital com direito de voto (México),
116 Sobre o conceito de "capital", cfr. OCDE, Comentários, art. 10, § 2°, parágrafo 14.
117 Sobre a distinção entre intercompany dividends e portfOlio dividends, cfr. VOGEL, Double Taxa-
tion, 583-584. O Brasil reserva-se o direito de tributar todos os dividendos a uma alíquota
uniforme, cfr. OCDE, art. 10, NMC Positions, parágrafo 2°.
118 Na redação primitiva da Convenção com o Japão, seguiu-se um regime um tanto distinto:
por um lado, a alíquota era inferior (10%); mas, por outro, o direito à redução surgia desde
logo condicionado ao fato de o beneficiário ser uma companhia que possuísse pelo menos
25% das ações com direito a voto da companhia distribuidora de tais dividendos, durante o
período de 6 meses imediatamente anterior ao fim do período contábil com o qual a distribui-
ção de lucros tenha relação (art. 9°, § 2°). Assim, os dividendos distribuídos a pessoas físicas
ou a pessoas jurídicas que não participem no capital da sociedade distribuidora, com o capital
mínimo referido, ficavam sujeitos às alíquotas normais prevalecentes em cada país. Note-se
que a exigência de um minimum holding period para a posse das ações tem em vista evitar a
forma de evasão que consistiria em adquiri -las primariamente com o objetivo de se beneficiar
da mencionada vantagem. Cfr. Parecer Normativo CST nO 38, de 21 de maio de 1970.
119 Na Convenção com a Suécia, a alíquota de 25% só está prevista para as sociedades de pes-
soas, aplicando-se, porém, a de 15% para as sociedades de capitais. Na Convenção com as
Filipinas, a alíquota de 15% só é aplicável se o beneficiário for sociedade, inclusive de pesso-
as. Nas Convenções com o Canadá e o Luxemburgo, a alíquota de 15% só é aplicável para
lucros derivados de participações de, no mínimo, 10% no capital.
Mil' Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
ou 25% do capital total (Israel, África do Sul, Ucrânia) da sociedade que paga os
dividendos ..
Alguns países adotaram disposições que lhes permitem tributar, além dos di-
videndos distribuídos por sociedades neles residentes a beneficiários não residentes
(hipótese de tributação territorial), também os dividendos pagos pela sociedade be-
neficiária dos primeiros dividendos - não residente - aos seus sócios, igualmente não
residentes no primeiro Estado - se provenientes de lucros ou outros rendimentos ori-
ginados no primeiro Estado (caso em que a tributação dos dividendos se diz extra-
territorial). Neste exemplo, o Estado A tributaria os dividendos pagos pela sociedade
residente no Estado B a um residente nos Estados B ou C, desde que tais dividendos
provenham de lucros ou rendimentos obtidos no Estado A120.
Outras vezes, o Estado onde foram originados os lucros pretende tributar os
lucros não distribuídos por sociedades residentes noutro Estado que os auferirem
(tributação extraterritorial) 121.
Ambas estas modalidades típicas da tributação extraterritorial- que resultam da
sobrevalorização da conexão "lugar de realização do lucro" relativamente à residência
da sociedade que os aufere e distribui - foram vedadas no § 5° do art. 10 do Modelo
OCDE122.
Diversas Convenções preveem expressamente as duas modalidades de tributação
extraterritorial: "Quando uma sociedade de um Estado contratante receber lucros ou
rendimentos provenientes do outro Estado contratante, esse outro Estado não poderá
tributar os dividendos pagos pela sociedade a pessoas não residentes desse outro Esta-
do, ou sujeitar os lucros não distribuídos da sociedade a um imposto sobre lucros não
distribuídos, mesmo se os dividendos pagos ou os lucros não distribuídos consistirem
total ou parcialmente de lucros ou rendimentos provenientes desse outro Estado.
As Convenções contra a dupla tributação assinadas pelo Brasil (ao revés do Modelo
OCDE) dedicam-se especificamente a regulamentar o tratamento tributário das filiais
120 Ver as ressalvas propostas em OCDE, Comentários, art. 10, § 5°, parágrafo 35. EDUARDO
MADEIRA e TIAGO CASSIANO NEVES, RDTI9 (2008), 79.
121 Sobre a compatibilidade com o § 5° do art. 10 do Modelo das leis de certos países que, à
semelhança da Sub-Part F da legislação dos Estados Unidos, presumem automaticamente
distribuídos os lucros auferidos por sociedades-base no exterior, ver OCDE, Comentários,
art. 10, parágrafos 37 a 39.
122 É o caso das chamadas secondary withholding taxes, de que é exemplo a prevista na SeCo 861
(a), 2 (B) do Internai Revenue Code. Cfr. P. BAKER, Double Taxation, 233.
~UIO VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência .i~.
d) Cláusulas antiabuso
As Convenções mais recentes celebradas pelo Brasil contêm uma cláusula "an-
tiabuso" segundo a qual as disposições do art. 10 - referente a dividendos - não
se aplicarão se o principal propósito ou um dos principais propósitos de qualquer
pessoa envolvida com a instituição ou transferência das ações ou outros direitos em
relação aos quais o dividendo for pago tiver sido tirar vantagem do presente artigo
por meio de instituição ou transferência das ações (África do Sul, Israel, México,
Peru, Ucrânia), passando a aplicar-se a disposição do direito interno.
Trata-se de cláusula inspirada nos Comentários ao art. 1° da Convenção Mode-
lo, na parte relativa ao "uso impróprio dos tratados", e que tem por finalidade negar
os benefícios das disposições convencionais em matéria de redução de alíquota de
retenções na fonte l25.
Mesmo, porém, que o direito do Estado da residência não sofra aquela limita-
ção, podendo exercer-se plenamente, as Convenções preveem especiais regimes de
atenuação da dupla imposição decorrente de os dividendos já terem sido taxados no
país da residência da sociedade distribuidora, quer através do imposto sobre lucros
por elas realizados, quer mediante a retenção na fonte sobre os lucros distribuídos.
Esta atenuação é tanto mais importante na hipótese de a distribuição dos lucros
se efetuar, não a pessoa física, mas a uma ou mais pessoas jurídicas, podendo dar
origem a uma cadeia de tributações sucessivas (a chamada dupla tributação interso-
cietária internacional - DTII). Embora sejam extremamente variáveis as soluções e
as técnicas, desenha-se uma tendência geral para mitigar a multiplicidade das impo-
sições, em especial nos casos em que os lucros sejam decorrência da participação de
uma pessoa jurídica no capital de outra, reveladora de um interesse substancial. Tal
interesse - que só caso a caso pode ser definido - justifica soluções mais benévolas,
inspiradas na ideia de "transparência" fiscal das pessoas jurídicas ou de "unidade eco-
nômica" do grupo de sociedades (Durchgriffbesteuerung) 130.
Uma análise atenta das diversas Convenções assinadas pelo Brasil revela não só a va-
riedade dos métodos utilizados, como ainda - e este ponto é digno de registro - a assime-
tria das soluções adotadas. Assim, por exemplo, pode na mesma Convenção, o Estado A-
como Estado da residência - adotar o método da isenção integral quanto aos dividendos
provenientes do Estado B, e o Estado B - também como Estado da residência - adotar o
método da imputação ordinária quanto aos dividendos provenientes do Estado N31.
Daí que se justifique analisarmos separadamente o regime aplicado pelo Brasil,
enquanto Estado de residência, do regime aplicado - na mesma qualidade - pelas
outras partes contratantes.
Anote-se ainda que a Convenção com o Canadá (art. XXII, § 2°) permite, para
efeitos de determinação do tax credit, considerar "um montante igual ao imposto
sobre a renda pago no Brasil, incluindo o imposto sobre a renda de sociedades e
qualquer outro imposto sobre a renda" (underlying tax credit). Em sentido similar, a
Convenção com o Japão (Protocolo, art. 4°) dispõe que o tax credit "levará em conta
o imposto brasileiro exigível da companhia que paga os dividendos" e que este im-
posto "deverá incluir o montante do imposto brasileiro que deveria ter sido pago se
não houvesse a isenção ou redução do imposto" (tax sparing). Também a Convenção
com a China estatui (art. 23, nO 2, b") que, no caso de o residente da China deter
mais de 10% das ações da empresa que realiza a distribuição dos dividendos, o crédi-
to "levará em conta o imposto de renda recolhido pela empresa no Brasil".
IsençiW { • Espanha
• Itália
Crédito presumido { • Corcia (*)
de 25% • Filipinas (**)
• Áustria
{ participação mínima de 25%: isenção
outros casos: imputação ordinária
Regime misto
• Equador
{ participação mínima de 10%: isenção
outros casos: crédito preswnido de 25%
• Índia
{ participação mínima de 10%: isenção
outros casos: imputação ordinária
(*) O maching credit de 25% inclui o imposto de renda de pessoa jurídica no caso de participaçiW mínima
de 10% (e ainda que "isenta))): Protocolo, item 1.
(**) Nas Filipinas, a participação mínima exigida é de 25%.
(B Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Isenção • Argentina
{ • Tcliecoslováquia
• África do Sul
• Chile
• China
• Dinamarca
• Israel
• Noruega
• UcrânIa
• Bélgica
{ requisiros de isenção segundo a lei belga: isenção
outros casos: imputação ordinária ou crédito presumido (temporário)
• Canadá
{ participação mínima de 10%, lucros de atividade empresarial: isenção
participação mínima de 10%; nos demais casos: crédito presumido de 25%
outros casos: imputação ordinária
Regimes
• Equador
{ participação mínima de 10%: isenção
outros casos: crédiro presumido de 25%
Mistos • Finlândia
{ participação mínima de 10% ( votante): isenção
outros casos: crédito presumido de 15%
• França
{ participação mínima de 10%: isenção (com limites)
outros casos: crédito presumido de 20%
• Índia
{ participação mínima de 10%: isenção
outros casos: imputação ordinária
• Itália
{ partcipação mínima de 10%: isenção
outros casos: crédito presumido de 25 %
L -_ _ _ _ _ __ . Tí.tulo VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência •
• Japão
{ participação mínima de 10%: crédito presumido de 25%
outros casos: imputação ordinária
Regimes
Mistos participação mínima de 10%: crédito ~resumido de 25%
• Países Baixos { outros casos: crédito presumido de 20 Yo
SUBSEÇÃO li
JUROS
§ 10 O CONCEITO DE JUROS
A) Generalidades
O conceito de juros 135 , utilizado nas Convenções contra a dupla tributação ce-
lebradas pelo Brasil, é formulado de um modo um tanto descritivo, compreendendo
"rendimentos da dívida pública, de títulos ou debêntures, acompanhados ou não de
garantia hipotecária ou de cláusula de participação nos lucros, e de créditos de qual-
quer natureza, bem como qualquer outro rendimento que pela legislação tributária
do Estado contratante de que provenham sejam assemelhados aos rendimentos de
importâncias emprestadas".
Este conceito - que basicamente reproduz a versão original do art. 11 do Mo-
delo OCDE - foi posteriormente criticado pelo Comitê de Assuntos Fiscais daquela
organização que, na revisão de 1977, posteriormente mantida, preconizou uma re-
dação mais correta - que se pretende "exaustiva" -, segundo a qual o termo "juros"
135 Cfr. ALBERTO XAVIER, Régime fiscal des emprunts concédés par des banques étrangeres, Intertax
1978,440; B. RUNGE, Taxation ofthe intemational jlow ofinterest, Intertax 1978,427; J. L.
JUAN Y PENALOSA, Intereses, in J. VILLA GIL (org.) Relaciones fiscales intemacionales) Madrid
1987,255; A. L. DE SOUSA FRANCO, Nota sobre a dupla tributaçiÚJ de dividendos) juros e "roy-
alties))) CTF 156 (1971), 49; DORON HERMAN, Taxing Portfolio Income in Global FinanciaI
Markets, Arnsterdam 2002.
U I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
136 As multas por pagamentos em atraso não são consideradas juros (China, Hungria). Veja-se
a reserva do Brasil quanto a esta cláusula in OCDE, art. 11, NMC Positions, parágrafo 5°.
13 7 No que concerne aos Tratados brasileiros, a definição cerrada se encontra apenas prevista nos
Tratados com a China e com a Ucrânia.
138 Todavia, os Comentários da OCDE, na versão de 1992, tendem a qualificar como dividen-
dos as remunerações de créditos nos casos de thin capitalization em que o credor partilhe os
riscos da compahia. Cfr. art. 10, parágrafo 25, e art. 11, parágrafo 19. Sobre o problema
em geral, ver MAlUA DOS PRAZERES RITO LOUSA, A tributação das filiais de empresas trans-
nacionais e a subcapitalização, in A Internacionalização da Economia e a Fiscalidade - XXX
Aniversário do Centro de Estudos Fiscais (colóquio), Lisboa 1993, 443.
139 Cf. OCDE, Comentários, art. 11, parágrafo 21.1 (acrescentado em 1995), art. 21, parágrafo
]O (versão 2008). lFA, Tax Treatment ofHybrid Financial Instmments in Cross-Border Transac-
tions, CDFI LXXXV-a (2000), 727.
140 Expressamente mencionadas na Convenção com o Canadá, Protocolo, item 7; Itália, Proto-
colo, item 4; Luxemburgo, Protocolo, item 3; Países Baixos, Protocolo, item 4.
-===:::::f!t~lo VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência Mij.,_
condenar, em princípio, que convenções internacionais procedam a remissões para o
direito interno 141 .
No que concerne aos juros moratórios, os Comentários da OCDE preconizam
a sua subtração ao regime dos juros, por entender que revestem mais a natureza de
indenização do credor do que de rendimento do capitaF42.
Semelhante restrição não existe nas Convenções celebradas pelo Brasil, pelo
que o problema deverá ser resolvido à luz dos conceitos do direito interno, até por
força da cláusula de remissão atrás mencionada. Ora, o direito positivo brasileiro
determina que os juros moratórios têm o tratamento tributário de juros, exceto
quando relacionados com o atraso no pagamento de rendimentos do trabalho as-
salariado ou de royalties, caso em que seguem o regime destes rendimentos, como
seus acessórios1 43 .
Apenas são considerados juros - para efeitos das Convenções - as remunerações
estipuladas até o limite que seria acordado at arm)s length, ou seja, na ausência de
relações especiais entre o devedor e o credor, ou entre ambos e terceiros, ficando o
excesso sujeito ao regime definido pela legislação interna de cada Estado ou a outros
preceitos da Convenção que se revelem eventualmente aplicáveis l44 •
As Convenções mais recentes celebradas pelo Brasil contêm uma cláusula anti a-
buso segundo a qual as disposições do art. 11 não serão aplicáveis quando as autori-
dades competentes acordarem que o crédito pelo qual se pagam os juros foi acordado
ou estabelecido com o principal propósito de tirar vantagem desse artigo, caso em
que se aplicarão as disposições do direito interno (África do Sul, México, Ucrânia).
141 Cfr. OCDE, Comentários, art. 11, parágrafo 21; BAKER, Double Taxation, 251. O art. 11, nO
4, da Convenção com a China já não contém uma cláusula de remissão.
142 Cfr. OCDE, Comentários, art. 11, parágrafo 22. No que concerne a prêmios, ver op. cit.,
parágrafo 20.
143 Sendo o juro típica remuneração do capital, tem-se discutido se reentrariam no regime do
art. 11 as remunerações por outros serviços bancários acessórios, tais como fie por garantia
bancária. Em sentido negativo, ver VOGEL, Double Taxation, 739, citando decisão do Tribu-
nal Supremo do Canadá (Melfords Development Inc.); GOUTI-IlÊRE, Les impôts, 568 ss.
144 Por "relações especiais" devem entender-se não apenas as que resultam de um controle direto
ou indireto do capital, mas também as que resultam de parentesco, casamento e, em geral,
qualquer comunidade de interesses. Cfr. OCDE, Comentários, art. 11, parágrafo 33. O
"excesso" de juros pode ser condiderado um constructive dividend ou uma contribuição para
o capital. Cfr. VOGEL, Double Taxation, 758.
1I!i Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Os Comentários à Convenção Modelo (art. 11, parágrafo 30, item 20) assim
esclarecem o alcance da referida inovação:
"20. As regards, more particularly,government securities, and bonds and debentures,
lhe text jpecifies that premiums or prizes attaching trlereto constitute interest. Gme-
rally speaking what constitutes interest yielded by a loan security, and may properly be
taxed as such in the State ofsource, is all that the institution issuing the loan pays over
and above the amount paid by the subscribery that is to say, the interest accruing plus
any premium paid at redemption or at issue. It flllows that when a bond or debenture
has bem issued at a premium, the excess of the amount paid by the subscriber
over that repaid to him may constitute negative interest which should be de-
ducted from the interest that is taxable. On the other hand, any profit or loss
which a holder of such a security realizes by the sale thereof to another person
does not enter into the concept of interest. Such profit or loss may; depending
on the case, constitute either a business profit or a loss, a capital gain or a loss,
or income falling under Article 21." (grifos nossos)
Resta assim claro que para a nova versão da definição de juros apenas podem ser
considerados "juros negativos", dedutíveis do juro tributável para efeito de retenção
na fonte, o prêmio ou ágio pago pelo subscritor ao emitente no mercado primário,
mas já não assim a parte do preço de aquisição no mercado secundário que excede o
valor do principal.
Tal circunstância se deve ao fato de que, enquanto no mercado primário as cláu-
sulas do preço de subscrição e juros são estipuladas entre as mesmas partes, no contex-
to do mesmo contrato, o que pode levar à concepção unitária do proveito econômico
da operação de modo, aliás, a exonerar a operação do ônus de uma retenção na fonte
sobre a totalidade dos juros nominais.
Tais considerações não se aplicam, porém, no mercado secundário, em negocia-
ção estabelecida com terceiro independente, onde o netting das diversas prestações
patrimoniais não faz qualquer sentido.
Este é o entendimento autorizado de KLAus VOGEL 145 quando ressalta a diferen-
ça entre os chamados "juros negativos" (valores pagos pelo credor ao devedor), que
afetariam o montante de juros recebidos, de situações onde não há "juros negativos",
mas outras espécies de pagamento, a saber:
"On the other hand, it is not possible to reduce the amount of interest by deducting
expenses if the creditor acquired the debt-claim in the secondary market over par. In
that case, the creditOJ; rather than granting the debtor an excess amount, i.e., (negative
interest', may possibly have suffered a capitalloss". (grifas nossos)
Esta nova redação da cláusula de juros apenas se refletiu em poucos tratados
celebrados pelo Brasil, como é o caso do Tratado com o México, que assim dispõe:
145 Cfr. OnDouble Taxation Conventions (3 a ed.) (Kluwer), 1997,737 - item 64.
~:Tít~IO VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência '#'~.
D) Juro~décapitdl próprio
148 O mesmo se passa nas Convenções (ainda não promulgadas) com a Rússia (Protocolo, item
2), Trinidad e Tobago (artigo 11, parágrafo 4°) e Venezuela (Protocolo, item 2).
149 Na versão dos Comentários aprovada em 2005 foi aprofundado o estudo da situação em que
os Estados podem ter interesse em adotar, ao invés de uma conexão cumulativa, uma cone-
xão que assegure a competência tributária exclusiva do Estado de residência do beneficiário
dos juros. Poderia ser este o caso, por exemplo dos (i) juros pagos por Estados ou agências
estatais, incluindo bancos centrais; (ii) juros pagos por um Estado ou suas subdivisões polí-
ticas; (iii) juros pagos em financiamentos de programas de exportação; (iv) juros nas vendas
a crédito; (v) juros pagos a entidades isentas (p. ex. fundos de pensão). Cfr. Comentários,
art. 11, parágrafo 7.1 a 7.12.
VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência -§.p-
residência do devedor ou o lugar do estabelecimento permanente a que se encontra
ligada a obrigação do seu pagamento.
As Convenções brasileiras optaram pela solução das conexões alternativas: os
juros consideram-se provenientes de um Estado em que o devedor tenha residência
ou em que possua estabelecimento permanente, mesmo que tenha residência num
terceiro Estado 1so .
Assim, por exemplo, serão considerados provenientes do Brasil e tributados na
fonte, nos termos da Convenção com a Espanha, os juros devidos por uma sociedade
residente no Brasil ou por uma filial brasileira de uma sociedade residente no exte-
rior, seja na Espanha, seja em qualquer terceiro Estado.
Convém, todavia, ter presente que a simples residência do devedor funciona
como conexão relevante, ainda que este tenha contraído o empréstimo em proveito
de um estabelecimento permanente que possua em terceiro Estado e que suporte o
encargo efetivo dos juros. Pelo que, em rigor, esta situação dará provavelmente lugar
a uma dupla tributação dos juros, na fonte, seja no país da residência do devedor,
seja no país do estabelecimento permanente, a qual só será eliminada se o país da
residência renunciar a caracterizar-se como país da fonte dos juros, como admite a
OCDElSl.
Outro ponto delicado a abordar é a determinação da conexão efetiva dos juros
com o estabelecimento permanente do devedor. As Convenções exigem que através
do estabelecimento tenha sido contraída a obrigação que dá origem aos juros e lhe
caiba o respectivo pagamento. Assim, não se considera imputável ao estabelecimento
o empréstimo contraído pela matriz, ainda que o seu produto seja exclusivamente
destinado às necessidades daquele estabelecimento; por maioria de razão, não o será
se foi contratado pela matriz, sendo o seu produto repartido por diversos estabeleci-
mentos localizados em diversos países.
Evidentemente, os juros serão considerados como provenientes de um Estado
contratante quando o devedor for o próprio Estado, uma das suas subdivisões polí-
ticas ou uma de suas entidades locais.
150 A Argentina considera os juros dela provenientes quando, no seu território, foram colocados
ou utilizados economicamente os capitais de que resultam (cfr. Protocolo, item 6), acolhen-
do assim, como elemento de conexão, o conceito da fonte de produção.
151 efr. OCDE, Comentários, art. 11, parágrafo 28; VOGEL, Double TaxationJ 751.
Q I Direito Tributário.lnternacionaldo Brasil I Alberto Xavier ,., '_"_'_ _ _ _ _ _ _ _ _--'
152 Cfr. supra, 113 ss. Neste preciso sentido é a reserva feita pelo Brasil, na sua qualidade de
Estado não membro da OCDE, ao âmbito de aplicação da cláusula de redução de alíquota de
juros: "Paragraph 4. Brazil reserves the right to provide that where interest is paid to a permanent
establishment ofa resident of the other Contraeting State situated in a third State, the limit on the
rate of taxation of imerest in paragraph 2 shall not apply".
153 Áustria (Portaria nO 470/76, item IV); Béigica (Portaria nO 271, de 3.6.74, item I1I); Canadá
(Portaria nO 199/86, item IV); China (art. 11°, § 8 0 ) ; Dinamarca (Portaria nO 68, de 24.2.75,
item IlI); Espanha (Portaria nO 45, de 4.2.76, item III); Finlândia (Portaria nO 223, de 7.5.74,
item IlI); França (Portaria nO 287, de 23.1 1.72, item lII); Itália (Portaria nO 203/81, item lII);
Luxemburgo (Portaria nO 413/80, .item IV); Noruega (Portaria nO 25/82, item IV); Portugal
(art. 11, nO 4); Suécia (Portaria nO 44, de 4.2.76, item lII); México (art. 11, item 7); Israel
(art. 11, item 7), África do Sul (art. 11, item 6), Ucrânia (art. 11, item 8). Veja-se a posição do
Brasil in OCDE, art. 11, NMC Positions, parágrafo 8°. Sobre esta cláusula efr. supra, 113.
VI I Capo 11·1 Normas déReconhecimento de Competência
em um dos Estados, a quem os juros são pagos, for,um mero intermediário,tal como
um agente, um nominee ou uma conduit companyI54 .. , " I'.. ,
154 Cfr. OCDE, Comentários, art. 11, parágrafos 8 ~ 8.1. No caso Aiken Industries v. C. I. R.,
o Tax Court dos Estados Unidos recusou à aplicação da Convenção E.U.-Honduras a um
empréstimo back to back que uma companhia das Bahamas concedeu, por via de uma sub-
sidiária nas Honduras, a uma subsidiária nos Estados Unidos. O tribunal julgou que esta
última tinha "pago" o juro à sua controladora indireta nas Bahamas, sendo a subsidiária das
Honduras um mero conduit. Cfr. VOGEL, Double Taxation, 723. Noutro caso, os E.E.U.U.
recusaram a isenção de retenção na 'fonte'· sobre os juros pagos por sociedade americana a
uma sociedade das Antilhas Holandesas que imediatamente os redistribuía aos seus acionis-
tas. Cfr. P. BAKER, Double Taxation, 184.' .
155 Cfr. GOUTHIÉRE, Les impôts, 569 ..
156 Diversas Convenções, em preceitos declaratórios, el1\;nciam 'as agêúcias governamehtais que
podem beneficiar da isenção. Veja-se, por exemplo, Austria (Protocolo, item 2). A Conven-
ção com Portugal (Protocolo, na 4).esdarece que a isenção em causa só se aplica se a insti-
tuição frnanceira governamental for a beneficiária efetiva dos juros.
157 A Convenção com a Argentina não éstabelece qualquer limite.
I _ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
lado da alíquota normal de 15%, prevê-se um limite mais elevado para juros pagos
a pessoas físicas ou sociedades de pessoas; e na Convenção com o Japão a alíquota
máxima é de 12,5%, por força do Protocolo de 23 de março de 1976.
• Noruega
25% • Suécia - se o beneficiado for sociedade
{
de pessoas ou pessoa física
• África do Sul
• Áustria
• Bélgica
• Canadá
• Chile
• China
• Coreia
• Dinamarca
• Equador
• Espanha
• Filipinas
• Finlândia
Juros em geral 15% • França
• Hungria
• Índia
• Israel
• Itália
• Luxemburgo
• México
• Peru
• Portugal
• Países Baixos
• Suécia (temporário)
• Tchecoslováquia
• Ucrânia
12,5% { • Japão
• Bélgica
• Canadá
• Coreia
Juros de financiamentos
• Espanha
bancários para a aquisição de
• França
equipamentos a longo prazo
• Hungria
(10%)
• Luxemburgo
• Países Baixos
• Tchecoslováquia
Título VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência IQ I
158 Nos termos da Convenção com a França, o prazo mínimo de 7 anos será contado a partir
da data da entrada em vigor do contrato de financiamento, conforme houver sido aprovado
pelas autoridades do Estado do beneficiário (Protocolo). Ainda quanto à França ver, no que
toca à atuação do Banco Francês do Comércio Exterior, o Parecer Normativo CST nO 55,
de 23.07.76.
159 Cfr. GOUTHÜiRE, Les impôts, 561; B. PIAGNET, Droit Fiscal International, 235-236.
160 É o caso do Modelo dos E.E.U.U. Cfr. VOGEL, Double Taxation, 714.
I • I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
direito exclusivo do país da residência, já admite quanto aos juros, no art. 11, uma
faculdade de tributaçã0 limitada, pelo país da fonte 1ó1 •
As Convenções brasileiras aceitam o direito do país da residência, mas também
consagram o direito - ainda que limitado - do país da fonte.
B) Regime de atenuação
161 É interessante sublinhar que cerca de um terço dos Estados-membros da OCDE já não tri-
butam os juros na fonte.
162 Cfr. OCDE, Comentários, art. 11, ,parágrafo 24.
VI"ICap. UI Normas de Reconhecimento de Competência
• África do Sul
• Argentina
• Áustria
• Bélgica
• Canadá
• Chile
• China
• Dinamarca
• Finlândia
• França
Imputação ordinária • Hungria
• Israel
• Itália
• Japão
• Luxemburgo
• México
• Noruega
• Peru
• Portugal
• Países Baixos
• Suécia
• Ucrânia
1 • Espanha
• Equador
Crédito presumido de 25% • Filipinas
1 • Índia
• Bélgica
• Chile
• China
Imputação ordinária • Israel
• Noruega
• Peru
• Portugal
• Ucrânia
• Alemanha
• Canadá
• Corcia
Crédito presumido de 20% • Espanha
• França
• Japão
• Luxemburgo
• Países Baixos
• Suécia
• Áustria
• Dinamarca
• Equador
Crédito presumido de 25% • Filipinas
• Finlândia
• Hungria
• Índia
• Itália
• Tchecoslováquia
Isenção { • Argenti na
SUBSEÇÃO III
ROYALTlES
§ 10 O CONCEITO DE ROYALTIES
A) Generalidades
O conceito de royalties (redevances em francês, canones em castelhano), adotado
pelas convenções contra a dupla tributação, não se identifica precisamente, em todos
-=:===_T~uIO VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência 16M
os seus contornos, com a noção traçada pelo direito interno. Como já atrás se viuJ64 ,
à luz do direito interno, o royalty é urna categoria de rendimentos que representa a
remuneração pelo uso, fruição ou exploração de determinados direitos, diferencian-
do-se assim dos aluguéis que representam a retribuição do capital aplicado em bens
corpóreos, e dos juros) que exprimem a contrapartida do capital financeiro J65 .
No direito interno, os direitos que dão lugar à percepção de royalties são o di-
reito de colher ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais; o direito de pesquisar
e extrair recursos minerais; o uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas
de fabricação e de marcas de indústria e comércio; a exploração de direitos autorais,
salvo quando percebidos pelo autor ou criador do. bem ou obra (art. 22 da Lei nO
4.506/64; art.' 17, § 10, I;.da Instrução Normativa SRF nO 252/02)166. Abrange, as-
sim, os royalties minerais e vegetais; os royalties industriais e os royalties intelectuaisl67.
" Nas convenções contra a dupla. tributação assinadas pelo Brasil, o conceito de
royalties designa as remunerações de qualquer natureza pagas pelo uso ou pela con-
cessão do US0 168 de direitos de autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas
(inclusive os filmes cinematográficos, filmes ou fitas de gravação de programas de te-
levisão ou radiodifusão) - royalties intelectuais -, de patentes, marcas de indústria ou
de comércio; desenhos ou modelos, planos, fórmulas ou processos secretos - royalties
industriais -, bem como pelo uso ou concessão do uso de equipamentos industriais,
comerciais ou científicos e por informações correspondentes à experiência adquirida
no setor industrial, comercial ou científico (art. 12 do Modelo OCDE).
Da comparação de ambos os conceitos ressaltam algumas diferenças a assinalar.
Uma primeira dissemelhanç~ está em que a expressão royalties é utilizada não
apenas.para denominar as remunerações correspondentes às formas de propriedade
industrial (representadas por patentes, marcas, desenhos, modelos, planos, fórmulas
e processos secretos), antes engloba ainda outra realidade ligada à transferência de
tecnologia: a prestação de informações correspondentes à experiência adquirida.
A prestação de informações correspondente à experiência adquirida identifica-se
com o conceito de know-how I69 , ou seja, toda a informação técnica não divulgada,
166 E daí que a Administração Fiscal tenha recusado a aplicação da alíquota reduzida prevista na
anterior CDT com a ·Suécia (hoje revogada) a remunerações a título de assistência técnica.
Cfr.Parecer Normativo CST nO 37/74.
167 Sobre esta terminologia, cfr. PAULO DE PITTA E CUNHA, O tratamento tributário dos rendi-
mentos da propriedade industrial e intelectual, Rr:vista da Faculdade de Direito da Universida-
de de Lisboa vaI. XXII (1970), separata.
168 Distinto do uso ou da cessão do uso é a cessão do próprio direito, frequente em matéria de
patentes. O preço da cessão não tem natureza de royalty, mas de preço, gerador potencial de
ganho de capital. Cfr. OCDE, Comentários (2008), art. 12, parágrafo 8.2; GOUTH!iõRE, Les
impôts, 217. Como muito bem observa PlTTA E CUNHA, "a tributação dos royalties a título de
imposto sobre o rendimento deverá, em rigor, excluir do conceito as modalidades que cons-
tituam remuneração de venda, ·ato que comporta alienação de capital". E observa: "Quando,
porém, na venda de. patentes ou invenções, o preço estipulado, em lugar de ser fIxado numa
soma de dinheiro pagável imediatamente, corresponde a um pagamento em frações suces-
sivas, ou consiste na participação nos lucros da patente ou invenção vendida, verifIcam-se
prestações de caráter periódico ou recorrente, que difIcilmente se distinguem sob o plano da
aparência material, das redr:vances regularmente pagas pela concessão da licença de uso": cfr.
o tratamento tributário, cit., 10. No mesmo sentido, A. MlRAULO, Doppia imposizione, 94;
VALDÉS COSTA, Estudios de derecho tributario internacional, Montevideo 1978, 77 ss. Também
não se caracterizam como royalties os pagamentos para obter o direito exclusivo de distribui-
ção de um produto; visto não corresponderem a uma remarcação pelo uso ou direito de uso.
Cfr. Comentários, art. 12, parágrafo 11 (versão 2008).
169 Sobre a natureza não técnico-jurídica deste conceito, DAVID J. RACHOFSKy/RrCHARD L. GOL-
DMANN,. Tax treatment ofthe iinportation 'and exportation of technology - know-how, pa-
- = : : : = : " T í t u l o VI I ,Capo 11 I Normas de Reéonhecimento'de Competência
suscetível ou não ,de ser patenteada, que seja necessária para a -reprodução 'industrial
de um produto ou processo, diretamente e .sob as mesmas condições (definição da
Association des Bureaux pour la Protection de la Proprieté Industrielte). o que caracte-
riza, :pois,a conven~ão de know~how é o fato de uma das partes fornecer à outra o seu
especial conhecimento e experiência prévios, não divulgados, para que esta o use por
sua própria conta l70 . "
tents, other intangibles and technical assistance, CDFI LX-a (1975), 141 (142); GILBERTO
DE ULHÔA CANTO, Estudos e Pareceres de Direito Tributário, 363.
170 Cfr. VOGEL, Double Taxation, 801. Cfr. OCDE, Comentários, art. lz, parágrafo 11 (2008). A
Convenção com a Argentina refere~se expressamente ao' uso ou concessão de uso de notícias
internacionais; HELENO TÔRRES, in HELENO TÔRRES (codrd. j; São Paulo 2005, 650 ss.
171 OCDE, Comentários, art. 12, parágrafo 9°; VOGEL,:Double TaXation, 789. Recentemente, a
Comissão de Assuntos Fiscais da OCDE afastou,se da orientação do Modelo de 77, sugerindo
que a locação de equipamento deixe de ser equiparada a royalty, devido à preponderância da
sua natureza financeira e à conveniência de não onerar os seus custos com retenção na fonte.
Cfr. GOUTHIERE, Les impóts, 217; RlvIER, Le Droit Fiscal Interizational, 243. Na sequêntia desta
orientação, o Modelo de 1992 exclui expressamente a locação de equipamentos, inclusive de
containers, do conceito de royalty, submetendo tais remunerações ao regime do lucro de em-
presas, constante dos arts. 5° e 7°. Cfr. OCDE, Comentários, art. 12, parágrafo 9". O Brasil
reserva-se o direito de considerar corno royalties os pagamentos por 'transmissão por satélite,
cabo, fibra ótica ou tecnologia similiar. OCDE, art. 12, NMCPositions, parágrafo 10.
172 Cfr. OCDE, Comentários, art. 12, parágrafo 11; OCDE, Trends in International Ta.xation.
The Taxation ofIncome derived from the Leasing ofIndustrial, Commercial and Scientific Equip-
ment, Paris 1985. Em certos casos, o art. 12 poderá aplicar-se à locação de containers rece-
bidos por empresa de navegação para conservação das mercadorias em terra após retiradas
do navio. Todavia, se esta locação for acessória do contrato de transporte marítimo, o ren-
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier _ ~_ _ _ _ _.;;.:
dimento deverá ser classificado como lucro sujeito ao regime do art. 8° do Modelo OCDE
(cfr. Comentários de 1977, art. 12, parágrafo 11; OCDE, Trends in International Taxation:
The Taxation of Income derived from The Leasing of Containers, Paris 1985; BAKER, Double
Taxation, 268.
173 Cfr. GABRIEL FRANCISCO LEONARDOS, TributaçiW da transferência de tecnologia, Rio de Janeiro
1997,99 SS.
174 Cfr. OCDE, Comentários, art. 12, parágrafos 25-26.
Título VI I Capo II I Normas de Reconhecimento de Competência I (ti) I
175 Sobre este ponto de vista, no Direito Europeu, veja-se ANTÓNIO JosÉ CARDOSO MOTA, O
know-how e O Direito Comwlitário da concorrência, CCTF 283/288 (1982), 103.
176 Cfr. CABANELLAS DE LAS CUEVAS, Contratos de licencia y de transftrencia de tecnologia en el
derecho prhado, Buenos Aires 1994, 24.
177 Cfr. ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS, Transferência internacional de tecnologia, economia
e direito. Alguns problemas gerais, CCTF 1984, 215. Veja-se ainda MIGUEL TEIXEIRA DE
ABREU, "Royalties" e transferências de tecnologia, Fisco 30 (1991), 23 (24).
J78 Cfr. FRANÇOIS MAGNIN, Know-how et propriété industrielle, Paris 1974; RUGGIERO CAFARI
P ANICO, 11 transftrimento intemazionale di know how, Milão 1985; ALDO FRIGNANI, Factoring,
Leasing, Franchising, Uinture capital, Leveredged by-outj Hardship clause, Countertrade, Cash
and carry, Merchandising, Know how, Turim 1983, 508 sS.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
tina a ser transmitida, mas meramente aplicada ao caso' concreto mediante ideias,
concepções e conselhos baseados no estudo pormenorizado de um projeto 179 •
No contrato de know-how, transfere-se tecnologia; no contrato de prestação de
serviços, aplica-se tecnologia. Como bem diz PHlLIP BAKER,' no primeiro ocorresup-
plying know-how, no segundo applying know-how to guide the companyI80.
Assim, por exemplo, num contrato em que uma instituição financeira - cuja ativi-
dade não tem por objeto a produção de bens e serviços de informática - solicita a uma
empresa de consultores que estudem e preparem um programa informático adaptável
às suas necessidades, ela não quer adquirir o conhecimento técnico de como proceder
à elaboração desse programa, mas simplesmente que esse programa se concretiZe.
A distinção entre estas duas modalidades contratuais foi muito bem sublinha"
da por MASSAGUER: "En el contrato de licencia de know how, ellicenciante concede una
autorización para que ellicenciatario explote determinada información técnica secreta que
pertenece ai primero que) atai fin) pone a sua disposición; en el consulting engineering) la
empresa de consultoria usa de tal información técnica) no siempre secreta) de que dispone
para la prestación de un determinado servicio)pero no la pone a disposición dei cliente ni
autoriza sua explotación 181 ".
Em sentido semelhante se pronuncia KLAus VOGEL: "In contrast)the criterion
used to distinguish the provision of know-how from rendering advisory services is the con-
cept of <imparting). An adviser or consultant) rather than imparting his experience) uses
it himself. All that he imparts is a conclusion which he draws - inter alia - from hisown
experience. His obligation to observe secrets) or even his own interest in retaining his <means
ofprodution» will already prevent a consultant from imparting his experience. In contrast
to a person using his own know-how in providing advisory services) agranter ofknow-how
has nothing to do with the use the recipient makes on it) nor he is liable for it182".
Observa, com razão, BRUNO GOUTHrERE que um dos elementos que permite
distinguir os contratos de prestação de serviços dos contratos de know-how reside,na
natureza das informações fornecidas ou utilizadas: se estas são secretas, existe apriori,
transferência de savoirfaire; se, porém, a empresa se limita a utilizar a sua experiência
e os conhecimentos usuais da sua profissão, trata-se, em princípio, da realização de
uma prestação de serviços, submetida ao regime do lucro de empresas 183 .
Dizer-se que uma prestação de serviços de informática, de engineering, de consul-
toria financeira ou empresarial ou assemelhados envolve uma "transferência" de tecno-
logia é tão absurdo como pretender que tem por objeto uma "transmissão de know-how
179 Cfr. Contrats d'engineering, in Commission Droit et Vie des Affaires, Faculté de Droit de Liege,
1964; CABANELLAS DELAS CUEVAS, Contratos de licencia, cit., 19; GABRIEL FRANCISCO LEO-
NARDOS, Tributação da transferência de tecnologia, Rio de Janeiro 1997, 95' ss.
180 Cfr. PHILIP BAKER, Double Taxation, 27.
181 Cfr. J. MASSAGUER, EI contrato de licencia de know how, Barcelona 1989, 70-7I.
182 Cfr. VOGEL, Double Taxation, 790.
183 Cfr. GOUTHIERE, Les impôts, 224-244. Ver também JEAN MARC RIVLER, Le Droit Fiscal Intel·-
national, cit., 242.
~~ulo VI'I Cap." I Normas de Reconhecimento de Competêncià
184 Veja-se a crítica ~defillição de "serviço técnicd' preconiza&i pd~ In~t~çãoNo~marlva SRF
nO 252/02, supra, 603 ss. Cfr. ANTÓN10 MARQUÊS DOS SANTOS, Transferência internacional de
tecnologia, economia e direito, CCTF (1984), 228.
185 Cfr. BULHÕES PEDREIRA, Imposto de renda) cit.) 9-6.
186 Cfr. CABANELLAS DE ,LAS CUEVAS, Contratos de licencia) cit.; 466; GOUTHIERE, Les impôts) tit.,
,250; BULHÕES PEDREIRA, Imposto de Renda, .cit" 2-49. . "
187 Cfr. parágrafos 11,1 a l1.4,relativos ao art. 12.
I g I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
188 A versão anterior dos Comentários considerava que se os serviços fossem realizados por
profissionais independentes a remuneração recairia no art. 14. A supressão de referências a
este artigo resulta de sua eliminação no novo Modelo. Cfr. supra, 573.
~í1:ulo VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência "1-
(iv) a remuneração da tecnologia não se baseia no custo demonstrado em função
de horas de trabalho, mas é fIxada por critérios relacionados com o faturamento, a
produção ou o lucro.
189 Cfr. GAB~IEt FRANCISCO Lr;ONARDOS, Tributação da transferência de tecnologia, cit., 95 ss. e
210 ss. (Africa do Sul, Argentina, Canadá, c;hile, China, Coreia do Sul, Dinamarca, Equa-
dor, Espanha, Filipinas, Holanda, Hungria, lndia, Israel, Itália, Luxemburgo, México, No-
ruega, Portugal, Tchecoslováquia, Ucrânia). A Convenção com o Peru considera também
abrangidos "os serviços digitais e empresariais, inclusive as consultorias" (Protocolo, item
4). O Brasil reserva-se o direito de incluir estas remunerações no conceito de royalties. Cfr.
OCDE, art. 12, NMC Positions, parágrafo 7°
190 Cfr. CABANELLAS DE LAS CUEVAS, Contratos de licencia y de transferencia de tecnologia en el dere-
cho privado, cit. 18.
191 Cfr. FRANÇOIS MAGNIN,IÚlow-how etpropriété industrielle, Paris 1974,44; CABANEtLAS DE LAS
CUEVAS, Contratos de licencia, cit., 64-65. MAGNIN cita, a tímlo de exemplo, que o know-how
relativo ao reator do avião de combate Mirage m S, fabricado, sob licença da sociedade
francesa Mareei Dassault, pela sociedade suíça Sulzer, estava contido em quarenta caixas de
grande dimensão, contendo 2.000 desenhos reproduzindo partes do reator; 10.000 notas
g I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
192 Cfr. GILBERTO DE ULHOA CANTO, Estudos e Pareceres de. Direito Tributário, São Paulo 1975,
364; ALDO FRIGNAN1, op. cit., 514. Ver, por último, a exceleme.monografia de MAR1A GABRIE-
LA FIGUElREDO DIAS, A assistência técnica nos contratos de know-how, Coimbra 1995; ANDREA
NOGUEIRA NEVES/FERNANDA JUNQUEIRA CALAZANS, in HELENO TAVEIRA TÔRRES (org.), vol.
III, São Paulo 2005, 763; HELENO TAVElRA TÔRRES, in HELENO TAVElRA TÔRRES (org.), São
Paulo 2005, 649.
193 Cfr. K:now-how et propriété industrielle, cit., Paris 1974,43.
194 Op. cit., 98.
195 VOGEL sublinha a necessidade. de distinguir "between advisory services (. .. ) and the services ren-
dered by the grantor of know,howwhen he does no more than continue to keep the recipient Df the
know -how informed of the most recent developments ,Dfknowledge in the specialist field concemed":
Double Taxations, cit.) 791. Cfr. também ROGER DUCCfNI, Approchejiscale des contrats intema-
tionaux, cit.) 226; Sobre Ipodalidades de assistência técnica, veja-se, JosÉ MANUEL OLIVEIRA
-=====_ Título VI I· Capo 11 1Normas de Reconhecimento de Competência +.iM
196 Cfr. CARMONA FERNÁNDEz/et aI., Fiscalidad de no residentes según la doctrina administrativa,
cit., 274
197 Isto mesmo já foi reconhecido pela Administração fiscal, ao declarar que "não incide o
imposto de renda na fonte sobre os pagamentos a empresa francesa que não possua estabe-
lecimento permanente no Brasil, em decorrência da prestação de serviços técnicos que não
se enquadram no conceito de know-how (Decisão da 9" Região Fiscal, inDOU de 30.12.97),
IM:- Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
D) Computer software
cfr. LUCIANA ROSANOVA GALHARDO, Serviços técnicos prestados por empresa francesa e im-
posto de renda na fonte, RDDT 31 (1998),39 ss.
A) Definição de fonte
Posto que as Convenções brasileiras reconhecem sempre ao país da fonte um
direito - ainda que limitado - de tributação, tornou-se necessário incluir uma dispo-
sição que expressamente determinasse qual o lugar da fonte dos royalties.
A regra geral é a de que os royalties têm a sua fonte no Estado em que o seu
devedor tiver residência (ou, claro, no Estado, sua subdivisão política ou autoridade
local que for o próprio devedor)205.
, Todavia, ao invés do que sucede para definir a competência do Estado da residên-
cia, as Convenções admitiram que os royalties podem ter a sua fonte num determinado
Estado - ainda que o seu devedor seja residente em terceiro país (ou no outro Estado
contratante), mas possua nessse Estado um estabelecimento permanente, ao qual seja
imputável a obrigação de os pagar. É, por exemplo, o caso de sociedade argentina que
possua no Brasil uma filial, à qual seja imputável a obrigação de pagar royalties a uma
sociedade domiciliada na França. Neste caso, considera-se que os royalties têm a sua fonte
no Brasil, o qual poderá tributá-los nos termos da Convenção celebrada com a França.
205 A Convenção com a Argentina considera provenientes deste país os royalties, quando no seu
território sejam colocados ou utilizados economicamente os bens cuja cessão os origina (cfr.
Protocolo, item 8), em virtude de a lei argentina adotar como elemento de conexão afonte
de produção da renda.
- = : = : : = ! í t u l o VI 1 Capo ,11·1 Normas de Reconhecimento de Competência 'M.
Por outras palavras: enquanto para definir o poder do Estado da residên-
cia as Convenções exigem a residência do beneficiário, não se bastando com o
estabelecimento permanente, já para definir o Estado da fonte as Convenções
usam, como elementos de conexão ahernativos, a residência e o estabelecimento
permanente ..
206 A alíquota normal, que hoje éde15%, era de 25% à época em que as mais antigas Conven-
ções foram celebradas.
I o I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Pagos a
Direitos
Filmes Marcas Outros controla-
de autor
dores
África do Sul 10 10 15 10 10
Argentina .. * * * *
Áustria 10 25 25 15 15
Bélgica 10 10 20 15 15
Canadá 15 15 25 15 25
Chile 15 15 15 15 15
China 15 15 25 15 15
Coreia 15 15 25 15 15
Dinamarca 15 15 25 15 25
Equador 15 15 25 15 15
Espanha 10 10 15 15 15
Filipinas 15 25 25 15 15
Finlândia 10 10 25 15 15
França 10 10 25 15 15
Hungria 15 15 25 15 15
Índia 15 15 25 15 15
Israel 10 10 15 10 10
Itália 15 15 25 15 15
Japão 15 15 25 12,5 12,5
Luxemburgo 15 25 25 15 15
Peru 15 15 15 15 15
Noruega 15 15 15 15 15
Portugal 15 15 15 15 15
Países Baixos 15 15 25 15 15
Suécia 15 15 25 15 15
Tchecoslováquia 15 15 25 15 15
Ucrânia 15 15 15 15 15
* sem limite
A questão de saber, em teoria, qual o Estado com maior legitimação para tri-
butar os royalties, tem sido objeto de sérias discussões, em que prevalecem razões
ligadas à defesa dos interesses dos diversos países ou grupos de países em causa. Do-
mina hoje a ideia de que o país de residência do credor dos royalties tem direito à sua
tributação, limitando-se a discussão ao problema de saber se esse direito tem caráter
exclusivo, ou se se deve admitir uma tributação, embora limitada, pelo país da fonte,
ou seja, da residência do devedor208 .
O Modelo OCDE orientou-se no primeiro sentido, preconizando no art. 12
que os royalties provenientes de um Estado contratante e pagos a uma pessoa residen-
te no outro Estado contratante só neste último são tributáveis. E daí que numerosos
países-membros (seguindo, de resto, a posição da Convenção Modelo das Nações
Unidas) tenham expressamente formulado reservas ao mencionado artigo, por não
poderem renunciar ao direito de tributar - embora dentro de certos limites - os royal-
ties cuja fonte neles se encontre situada209 •
Nas Convenções celebradas pelo Brasil, foi erigido em princípio que o fato de
o país da residência ter direito à tributação dos royalties não excluía o direito à tribu-
tação na fonte do país da origem do rendimento. Toda a sistemática das Convenções
brasileiras, neste particular, articula-se em torno da necessária harmonização das duas
pretensões em concurso.
Importa ter presente que, à semelhança do que em matéria de juros sucede, só
recaem sob o âmbito de aplicação das Convenções, as pessoas, físicas ou jurídicas,
residentes nos Estados contratantes. Mas já se não beneficiam do regime convencional
as pessoas residentes em terceiros países que se limitem a possuir num dos Estados
contratantes um estabelecimento permanente, como uma filial, ainda que os royalties
a este estejam efetivamente conexos.
1'; .
• África do Sul
• Argentina
• Áustria
• Bélgica
• Canadá
• Chile
• China
• Dinaolarca
• Finlândia
• França
Imputação 'ordinária • Hungria
• Israel
• Itália
• Japão
• Luxemburgo
". México
• Noruega
• Peru
• Portugal
• Países Baixos
• Suécia
• Ucrânia
• Equador
• Espanha
Crédito presumido de 25% • Filipinas
1 ,• índia
I _ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
• África do Sul
• Chile
• China
Imputação ordinária • Israel
• Noruega
• Peru
• Portugal
• Ucrânia
• Alemanha
• Canadá
• Coreia
Crédito presumido de 20% • Espanha
• França
• Japão
• Países Baixos
• Áustria
• Dinamarca
• Equador
• Espanha
• Filipinas
• Finlândia
Crédito presumido de 25% • Hungria
• .Índia
• Itália
• Luxemburgo
• Países Baixos (*)
• Suécia
• Tchecoslováquia
• Áustria (*)
Isenção {
• Argentina
(*) Regime previsto para royalties pagos a sociedade que detenha no mínimo 50% do capital da so-
ciedade que paga os royalties, desde que estes sejam indedutíveis.
......_ _ _ _ _ _ _ _ _ . Título VI I Capo 11 I Normas de Reconhecimento de Competência I• I
SEÇÃO IV
RECONHECIMENTO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA
PRIMÁRIA DO ESTADO DA FONTE
SEÇÃO I
NORMAS DE LIMITAÇÃO DE COMPETÊNCIA DIRIGIDAS
AO ESTADO DA RESIDÊNCIA
Note-se ainda que os referidos métodos são aplicáveis não só no campo dos
impostos sobre a renda e o capital, mas também em matéria de impostos sobre
transmissões a título gratuito (sucessões e doações), sendo ambos indiferentemente
recomendados pelo Modelo OCDE, referente a estes tributos (arts. 23-A e 23-B)2.
A obrigação do Estado de residência de aplicar os métodos da isenção ou da im-
putação existe em todos os casos em que wn dado rendimento "possa ser tributado
pelo Estado da fonte de acordo com as disposições da Convenção".
Esta obrigação pode suscitar, porém, conflitos de qualificação.
Se tais conflitos resultam de uma qualificação dada a um rendimento pela lei
interna do Estado da fonte distinta da que lhe daria o Estado da residência, este úl-
timo deve respeitar a qualificação do primeiro, considerando que o rendimento foi
tributado "de acordo com as disposições da Convenção".
Mas já assim não sucede se o conflito de qualificação resulta de o Estado de resi-
dência entender que o Estado da fonte interpretou equivocadamente uma disposição
convencional, tributando um rendimento que não estaria autorizado a tributar, caso
em que o Estado da residência não é obrigado a aplicar os métodos do art. 23, por
(org.), Grundfragen, Colônia 1985, 135 ss.; SCHAUMBURG, Internationales Steuerrecht, Colô-
nia 1993, 439 ss. Existe ainda um terceiro sistema que, porém, não tem hoje aplicação práti-
ca: é o método da divisão do produto. Segundo ele, apenas um dos Estados cobrará o tributo
na sua totalidade, procedendo em seguida à repartição com o outro Estado. Este método
pressupõe situações de vinculação a uma soberania comum ou uma relação de dependência
estreita, como no caso dos protetorados. Segundo TlX1ER/KEROGUES, Droit fIscal Internatio-
nal, Paris 1974, 130, este sistema vigorou no Tratado austro-alemão, de 23 de maio de 1922
(art. 3°), bem como nas relações entre a França e os Estados da África francófona. E ainda
vigora nas relações entre a França e a Suíça no que respeita aos trabalhadores fronteiriços.
Cfr. GOUTHIERE, Les impôts dans les affaires internationales, Paris 1991, 103 e 423. Cfr. ainda,
sobre o tema, J. M. CALDERÓN CARRERO, La doble imposiciôn internacional y los metodos para su
eliminación, Madrid 1997; MERCEDES FusTER GóMEZ, La doble imposiciôn internacional en las
inversiones directas en el exterior de empresas espanolas, Madrid/Barcelona 2001; ALEGRIA BOR-
RÁs, La doble imposición: problemas jurídico-internacionales, Madrid 1974, 69; EDUARDO ABRIL
ABADIN, Metodos para evitar Ia dobIe imposición internacional, in XX Semana de Estudios
de Derecho Financiero, Madrid 1973, 131; FELIX DE LUIS, Los metodos para evitar la doble
imposicion internacional, in J. VILLA GIL (org.), Relaciones fiscales internacionales, Madrid
1987, 289; BÜHLER, Principios de Derecho Internacional Tributario (trad.), Madrid 1968, 257;
a ampla exposição de M. PIRES, Da dupla tributacão jurídica internacional sobre o rendimento,
Lisboa 1984, 323 ss., sobre as vantagens e inconvenientes, do ponto de vista econômico e
financeiro, dos diversos métodos; ANTÓNJO MANUEL CARDOSO MOTA, A eliminação da du-
pla tributação internacional, CTF 157/158 (1972), 57 (especialmente 64 55.); DORNELLES,
A dupla tributação internacional da renda, Rio de Janeiro 1979, 11 ss.; B. PLAGNET, Droit
Fiscal International, Paris 1986, 57 ss.; VITOR FAVEIRO, Noções fondamentais de Direito Fiscal
português, I, Coimbra 1984, 655 ss.; CARLOS LOUREIRO, Problemas de eliminação da dupla
tributação - métodos de atenuação, Fisco 29 (1991), 25; JosÉ SILVA JORGE, Problemas de
eliminação da dupla tributação - métodos de atenuação, Fisco 29 (1991), 28 ss.
2 Cfr. GUY GEST/GILBERT TIXlER, Droit Fiscal International (2 a ed.), Paris 1990, 415; GOUTHIERE,
Les impôts, 471. OCDE-ISD, Comentários, art. 9°, parágrafos 1 e ss.
Título VI I Capo 111 I Normas de Limitação de Competência M,"
considerar que o rendimento em causa não foi tributado "de acordo com as disposi-
ções da Convenção"3 .
§ 10 MÉTODO DE ISENÇÃO
3 Cfr. OCDE, Comentários, art. 23, parágrafos 32.1 ss. Um bom exemplo desta última situação
é dado pela posição do Brasil, ao pretender tributar na fonte as remunerações de serviços,
contra o disposto no art. 7° das Convenções. Neste caso os Estados de residência dos presta-
dores de serviços não seriam obrigados a conceder a isenção ou o crédito, por considerarem
que o rendimento não foi tributado no Brasil "de acordo com as disposições da Convenção".
Este conflito de qualificação redundará, pois, numa dupla tributação. sobre os conflitos nega-
tivos, cfr. Comentários, art. 23, itens 56.1 a 56.3.
4 Cfr. supra, 41 ss. e 547 sS.
5 Cfr. A. BoRRÁs, La doble imposición, 71.
6 Cfr. Da dupla tributação) 331. Mas já concordamos com o autor, quando este sustenta que
as isenções previstas nos tratados são verdadeiras isenções e não casos de não incidência. Cfr.
op. cit., 349 sS.
I ~ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
7 Cfr. HELENO TÔRRES, Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, São Paulo
2001, 433 ss.; J. VAN HooRN, Unilateral relief for international double income taxation
in The Netherlands, British Tax Repiew 2 (1976), 84 (85 ss.); KNECHTLE, Grundfi'agen
des Internationalen Steuerreehts, Base! 1976, 80; SCI-IAUMBURG, Internationales Steuerrecht,
Colônia 1993, 443. Fala-se de negatipe exemption ll'ith progression quando as perdas incor-
ridas no exterior são levadas também em conta para determinar a alíquota aplicável. Cfr.
BAKER, Double Taxation Agreements and International Tax Law, Londres 1994 (cit. Double
Taxation), 360 ss.; GOUTHIi,RE, Les impôts, 106; HELMUT KRABBE, Verlustberücksichtigung
bei Auslandseinkunften, in K. VOGEL (org.), Grundfragen, 1985,79; MÓSSNER,DieMeth-
oden, 149 ss.; TrLL\1ANS, in MÓssNER/et aI., Steuerrecht international tdtiger Unternehmen,
Colônia 1992, 123 (174).
Título VI I Capo 111 I Normas de Limitação de Competência Ig I
practical one since it relieves the State ofresidence from undertaking investigations of
the actual taxation position in the other State".
Foi precisamente em relação a uma situação de dupla não tributação por razões
de lei interna que se suscitou o único caso sobre o qual o Fisco brasileiro se manifes-
tou expressamente.
A questão surgiu a respeito da interpretação do § 4° do art. 23 do Tratado en-
tre o Brasil e a Espanha que estabelece o seguinte: "Quando um residente do Brasil
receber dividendos que de acordo com as disposições da presente Convenção sejam
tributáveis na Espanha, o Brasil isentará de imposto esses dividendos" (Ato Declara-
tório Interpretativo da Secretaria da Receita Federal nO 6, de 2002).
Sucede que a lei espanhola prevê a isenção de retenção na fonte dos dividendos
distribuídos a residentes no exterior por sociedades que revistam natureza de Entida-
de de Tenencia de Valores Extranjeros - ETVE.
O Fisco brasileiro considerou que a expressão "sejam tributáveis na Espanha"
pressupõe uma tributação efetiva, pelo que considerou não estar obrigado a reconhe-
cer a isenção prevista no citado § 4° do art. 23 do Tratado com a Espanha.
Consideramos que referida interpretação viola o Tratado entre o Brasil e a Es-
panha, que não contém nenhuma disposição tendente a evitar a dupla não tributação
por razões de lei interna. Como já se referiu, os Comentários da OCDE aos arts.
23-A e 23-B (parágrafo 34) não autorizam o Estado de residência a recusar a aplica-
ção do método de isenção em razão de isenção concedida pelo outro Estado l2 .
Importa, finalmente, anotar que a não tributação pelo Estado que pratica o "mé-
todo da isenção" não depende do fato de o outro Estado ter efetivamente tributado
o rendimento em causa (como ocorreria na cláusula subject to tax). Basta que para
tanto tenha poderes, sendo irrelevante o seu não exercício efetivo, seja por ausência
de previsão normativa, seja em decorrência da atribuição de incentivos fiscais J3 •
§ 2° MÉTODO DE IMPUTAÇÃO
18 Cfr. VOGEL, On Double Taxation Conventions: a Commentary to the aCDE, UN and US Model
Conventions for the Avoidance of Double Taxation of Income with Particular Reftrence to German
Treaty Praetice (trad.), Deventer 1997 (cit. Double Taxation), 1231; ID., Supl. 94, 123 ss. Na
França (cinco anos para a frente), Japão (cinco anos para a frente e para trás), Canadá (cinco
anos para a frente), Holanda (oito anos para a frente), Estados Unidos (einco anos para a frente
e dois anos para trás). Cfr. GIBSON, Limitations on the foreign tax credit, BIFD 1989,43.
19 Cfr. MERCEDES FUSTER GÓMEZ, La doble imposición internacional... ) cit.) 89.
20 Criticando o requisito da reciprocidade, por incompatível com o princípio da igualdade, efr.
HELENa TORRES, A pluritributação internacional... (2 a ed.), 2001, 463.
I Cap_ 111 I Normas de Limitação de Competência iN.
------ .. - Título VI
Quer a imputação ordinária, quer a imputação integral tomam por base o im-
posto real e efetivamente pago no exterior. Todavia, duas novas modalidades surgi-
ram - sobretudo nas convenções fiscais entre países desenvolvidos e países em vias
de desenvolvimento - que se baseiam, respectivamente, num imposto presumido ou
num imposto fictício: o matching credit e o tax sparing.
23 Cir. GEST(TIXIER, Droit Fiscal International, 154 ss. Cir. um estudo comparativo em European
Taxation 12/1 (1972) e ainda ONU, Convenções fiscais sobre países desenvovídos e países em via de
desenvolvimento, 115 ss., onde se procede à ampla discussão das vantagens e inconvenientes
econômicos deste método; BOlDMAM, Some current issues with treaty tax sparing provision,
BIFD 39 (1989), 387; AMIco, The tax sparing clause, BIFD 43 (1989), 408; DORNELLES, A
dupla tributaçiW internacwnal da renda, 19; DAN THROOP SMITH, Tax Legislation in Capital-Ex-
porting Countries to encourage Investment in less Developed Countries, Amsterdam 1966; J-lARRy A.
SHANNON, Tax incentives and tax sparing, Intertax 1992/2, 84; ROY ROHATGI, Basic International
Taxation, 212; HELENO TÔRRES, PluritributaçiW internacwnal sobre as rendas de empresas, 464 ss.
24 Cfr. OCDE, Tax Sparing: A reconsideratwn, Paris 1997. Todavia, o Brasil reserva-se o direito
de estabelecer cláusulas de tax sparing e matching credit, cfr. OCDE, art. 23, NMC Positions,
parágrafos 1°, 3° e 4°.
Título VI I Capo 111 I Normas de Limitação de Competência ;'p;
é mais complexo, pois a par do matching credit há casos de isenção integral, de isenção
com progressividade e de imputação ordinária, como já se viu. Em contrapartida, o
Brasil apenas em raros casos prevê um matching credit quanto a juros e royalties: é o
que se passa com a Coreia, Equador, Espanha, Filipinas e Índia, porventura atenden-
do ao grau intermediário do estágio de desenvolvimento econômico destes países.
Também a figura do crédito de imposto fictício se encontra consagrada em certas Con-
venções assinadas pelo Brasil: com o Japão, a Bélgica, a Coreia, as Filipinas e a Hungria.
A Convenção com o Japão, no seu art. 22, § 2°, b, item (ii), na redação que
lhe foi dada pelo Protocolo de 23 de março de 1976, dispõe que, para efeitos da
concessão de crédito de imposto, o imposto brasileiro deverá incluir o montante do
imposto que deveria ter sido pago se não houvesse a isenção ou redução do imposto
de acordo com as medidas especiais de incentivo visando a promover o desenvolvi-
mento econômico do Brasil.
O art. 23, § 2°, b, da Convenção com a Bélgica, dispõe que, "todavia, no que
concerne aos referidos rendimentos que se beneficiam de uma imputação na Bélgica
em conformidade com a alínea precedente e que são pagos em razão de investi-
mentos que estejam diretamente ligados a projetos de desenvolvimento industrial,
comercial, turístico ou agrícola no Brasill, essa imputação será calculada como se o
imposto brasileiro tivesse sido pago a uma alíquota de 5% mais elevada que a alíquo-
ta efetivamente aplicada. Esta disposição aplicar-se-á igualmente quando o Brasil re-
nunciar, em virtude de sua legislação interna, a tributar os rendimentos em questão.
A imputação cessará de ser calculada como se o imposto brasileiro tivesse sido pago a
uma alíquota de 5% mais elevada no que concerne aos impostos belgas devidos sobre
rendimentos de períodos tributáveis que comecem a partir de 10 de janeiro de 2012.
A presente alínea não será aplicável aos "royalties indicados no art. 12, § 2°, b".
As Convenções com a Coreia, Filipinas e Hungria esclarecem que, para fins do
cômputo do crédito presumido atribuído a certos dividendos, a expressão "montante
do imposto exigível" inclui o montante do imposto de sociedades de um Estado con-
tratante que deveria ter sido pago se não houvesse sido isento ou reduzido de acordo
com as medidas especiais de incentivo, destinadas a promover o desenvolvimento
econômico (Coreia, Protocolo, item 7; Filipinas, art. 23-2; Hungria, art. XXIII-2).
O Brasil traçou uma política favorável à adoção de cláusulas de tax sparing nos
tratados que vierem a ser celebrados com países membros do MERCOSUL. Dispõe,
na verdade, a Instrução Normativa nO 244, de 18 de novembro de 2002 (art. 2°),
que "nas Convenções destinadas a evitar a dupla tributação da renda, a serem firma-
das pelo Brasil com países integrantes do Mercado Comum do Sul (Mercosul), será
incluída cláusula prevendo a concessão de crédito do imposto de renda sobre lucros e
dividendos recebidos por pessoa jutídica domiciliada no Brasil que deveria ser pago
no outro país signatário, mas que não haja sido em decorrência de lei de vigência
temporária de incentivo ao desenvolvimento econômico, nacional, regional ou seto-
rial'" acrescentando o parágrafo único que "o crédito referido no caput, observadas as
demais condições gerais de concessão e outras que vierem a ser estabelecidas em le-
E I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
25 Como se vê, neste método, torna-se necessária uma coordenação entre o período dos di-
videndos e o exercício da geração dos lucros. Nos Estados Unidos e no Japão, presume-se
que os dividendos são distribuídos através dos últimos lucros realizados. Cfr. BAKER, Double
Taxation, 363; J. D. KUNTzjR. J. PERONI, U.S. Intemational Taxation, B4.09. Os Estados
Unidos admitem o crédito não só para as first-tier flreign corporation, mas também em certos
casos para as sociedades situadas no segundo ou terceiro nível na cadeia de participações, as
second-or-third-tier flreign corporation. Na Alemanha, veja-se TII.LMANNS, in MóssNERjet aI.,
Steuerrecht intemational tdtiger Untemehmen, 151; SCHAUMBURG, Intematio-nales Steuerre-
cht) Colônia 1993, 505 SS.; WILKE, Lerhbuch des intemationalen Steuerrechts, 73 sS.; MERCE-
DES FUSTER GÓMEZ, La doble imposición intemacional..., cit., 92 ss.
26 Cfr. KNECHTLE, Grundfragen, 134; Roy ROHATGI, Basic Intemational Taxation, 211.
27 Ver quadro na página seguinte.
Título VI I Capo 111 I Normas de Limitação de Competência _fi.
§ 3° OUTROS MÉTODOS
Além dos dois métodos clássicos atrás referidos - e que são os únicos conheci-
dos no direito brasileiro -, existem outras modalidades pelas quais os países exporta-
dores de capital favorecem os investimentos nos países em vias de desenvolvimento
e que tanto podem ser previstas por via unilateral como bilateral.
Dentro destas, a mais importante é inegavelmente o crédito por investimento, o
qual consiste numa dedução imediata, ao imposto devido, de uma parcela do investi-
mento efetivamente realizado no exterior. Esta figura tem sido utilizada nos Estados
Unidos e na Alemanha quanto a investimentos no exterior sob a forma de colocação
de valores de carteira ou de empréstim028 •
• Arpentina
Isenção integral
{ • Palses Baixos
• Tchecoslováquia
• Áustria
• Bélgica
Isenção com • França
progressividade • Hungria
• Luxemburgo
• Noruega
• África do Sul
• Canadá
• Chile
• China
• Coreia
Regime /(,licável • Dinamarca
à genera ,dade dos • Equador
rendimentos (com • Espanha
exceção de juros, ImJiutação • Fi~inas
dividendos e royalties) or inária direta • fi ândia
• India
• Israel
• Itália
• ~ão
• éxico
• Pormgal
• Suécia
• Ucrânia
• B~ica
{ Brasil em relação
{ • Fi ândia
• França
hl't~afão
or. tnana
proporcional { Outros países em
relação ao Brasil { • Dinamarca
• Itália
SEÇÃO II
NORMAS DE LIMITAÇÃO DE COMPETÊNCIA
DIRIGIDAS AO ESTADO DA FONTE
29 Cfr. sobre o método da dedução HELENO TÔRRES, Pluritributaçáo internacional... , 470 ss.
30 Cfr. DIONISIO MARTINEZ, El credito tributario a la inversión (investment tax credit), Revista
de Derecho Financiero y de Hacienda Publica XX (1970), 161; ONU, Convenções fiscais entre
paises desenvolvidos e países em vias de desenvolvimento, 121 ss.; OCDE, Medidas fiscais para o
fomento dos investimentos privados nos países em vias de desenvolvimento (trad. port.), Lisboa
1967, 34 ss.; BRACEWELL-MILNES/HUISKAMP, Investment Incentives (A Comparative Analysis
ofthe Systems in the EEC, the USA and Sweden), Deventer 1977; DAN THRooP SMITH, Tax
Legislation in Capital-Exporting Countries to encourage Investment in less Developed Countries,
Amsterdam 1966.
Título VI I Capo III I Normas de Limitação de Competência MiM
Tais limites já foram por nós examinados no capítulo relativo aos rendimen-
tos em causa, pelo que apenas se faz referência ao problema por razões de ordem
sistemática.
Nota-se, todavia, a tendência para a generalização de exonerações de retenção na
fonte no quadro da Comunidade Europeia. Exemplo deste movimento é a exonera-
ção dos dividendos pagos pelas subsidiárias às matrizes, a partir de 10 de janeiro de
1992, em virtude da Diretiva de 23 de julho de 1990; e a exoneração dos juros e
royalties entre sociedades-mãe e subsidiárias, caso seja adotado o projeto de diretiva
apresentado pela Comissão em 23 de novembro de 199031 .
TITULO VII
1 Cfr. supra, 40; e E A. MANN, The doctrine of jurisdiction in International Law, in ID., Studies
in Intemational Law, Oxford 1973, 1 (ll O 55.); GIUSEPPE BI5COTI1NI, I.;efficacia degli atti
5traniere di impo5izione, in Studi in memoria di GUIDO ZANOBINI, IV; 1965, 77.
2 Cfr. supra, 13 55.
I D I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier ]
7 Cfr. SACCHETO, op. cit., 12; fuBRECHT, The enforcement oftaxation under internationallaw,
British Yearbook oflnternational Law 1953, 461. Algumas exceções a anotar: nos regimes
de tipo capimlar, como sucedeu no Egito, podiam cobrar-se impostos estrangeiros com o
auxílio de tribunais mistos; e também a Prússia podia executar os seus créditos tributários na
Áustria, mercê das ligações estreitas que uniam os dois Estados.
8 Cfr. PÉREZ· BEVIÁ, La aplicación deI Derecho Publico extranjero, Madrid 1989, 35-36.
9 Cfr. MANN, Conflicts oflaws and PubJic Law, Récueil des Cours 132 (1971-1), 182.
10 Cfr. MOURA RAMos, Da lei aplicável ao contrato de trabalho internacional, Coimbra 1990, 314.
11 Principes et méthodes de solution des conflits de lois, Récueil des Cours 126 (1969-1),489.
M§h.M Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
A) Conceito e natureza
o instituto da troca internacional de informações insere-se no quadro das me-
didas de assistência administrativa prestadas pelos Estados de modo a satisfazer pe-
didos formulados por outros Estados no sentido de obtenção de informações que,
localizando-se no exterior do seu território, não podem ser por eles diretamente ob-
tidas pela prática de atos de autoridade, em razão da força imperativa dos mesmos se
circunscrever ao ;lmbito desse território, já que uma extraterritorialidade em sentido
formal constitui violação de soberaniaI.
1 Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional do Brasil (6" ed.), 836. Sobre troca de in-
formações, veja -se a monografia exaustiva de PIERRE LEVINE, La lutte contre l'evasion fiscale de
caractere international en l'absence et en présence de conventions internationales, Paris 1988; OCDE,
Échange de renseignements fiscaux entre les pays membres de I'OCDE, Paris 1994; ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, International Cooperation in Tax Mi:ttters. Cuidelines for International Cooperation
against the Evasion andAvoidance ofTaxes, Nova York 1984; MENCK, in MÓssNER/et ai., Steuerrecht
international tiitiger Unternehmen, Colônia 1992, 386 ss.; SOL PICCIOITO, International Business
Taxation, Londres 1992,257 ss.; PIETRO AnDONNINO, Lo scambio di informazioni fra amminis-
trazioni finanziarie, in VICTOR UCKMAR (org.), Corso di Diritto tributario Internazionale, Pádua
1999, 891; HELENO TÔRRES, Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas, São Paulo,
670 ss.; SÉRGIO AUGUSTO G. PEREIRA DE SOUZA, Intercâmbio de informações tributárias entre
administrações estrangeiras: Avanços atuais, conexões com o combate à lavagem de dinheiro e o
contexto brasileiro, RDDT96 (2003), 89. MARCUS ABRAHAM, O sigilo fiscal e os acordos interna-
cionais para o combate a evasão, a elisão e a sonegação fiscal, in HELENO TAVEIRA TÔRRES (org.),
Direito Tributário InternacionalAplicado, voI. V, São Paulo 2008,761; EDUARDO JOBIM, A troca de
informações no Direito Tributário Internacional, in HELENO TAVElRA TÔRRES (org.), Direito Tri-
butário Internacional Aplicado, voi. Iv, São Paulo 2007, 475; ID., A troca de informações no Di-
reito Tributário Internacional e seus reflexos nos direitos fundamentais dos contribuintes, RTFP
74 (2007), 225; BONl DE MORAES SOARES, O futuro da cooperação internacional em matéria fiscal
• I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
no Brasil: notas sobre a Convenção de Estrasburgo de 1988, RDTI 10 (2008), 51; AGOSTINHO
TAVOLARO, A troca de informações fiscais no contexto internacional, Revista Brasileira de Direito
Tributário e Finanças Públicas 3 (2007), 14.
B) Fontes
3 O parágrafo único do art. 199 do Código Tributário Nacional, acrescentado pela Lei Comple-
mentar nO 104/2001, estabelece (redundantemente) que: "A Fazenda Pública da União, na forma
estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados es-
trangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos".
4 Cfr. OCDE, Harmfol Tax Competition, Paris 1998.
_ I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
que lhes serve de fonte e de padrãoS. Não se trata, pois, em rigor de um verda-
deiro tratado multilateral, pois apenas são vinculantes os acordos bilaterais em si
mesmos considerados, mas de um tratado-quadro, contendo um pactum de modo
contrahendi6 .
O novo art. 26 da Convenção Modelo da OCDE, na sua versão oficial em in-
glês, assim estabelece:
''Artigo 26
"TROCA DE INFORMAÇÕES
"1. As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as
informações que sejam previsivelmente relevantes para a aplicação das dispo-
sições da presente Convenção ou para a administração ou a aplicação das leis
internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos de qualquer natureza
ou denominação cobrados em benefício dos Estados Contratantes ou das suas
subdivisões políticas ou autoridades locais, na medida em que a tributação nelas
prevista não seja contrária a esta Convenção. A troca de informações não é res-
tringida pelo disposto nos parágrafos 1° e 2.°
"2. As informações obtidas nos termos do parágrafo 1° por um Estado Contra-
tante serão consideradas confidenciais do mesmo modo que as informações ob-
tidas com base na legislação interna desse Estado, e só poderão ser comunicadas
às pessoas ou autoridades (incluindo tribunais e autoridades administrativas)
encarregadas do lançamento ou arrecadação dos impostos referidos no número
1 ou dos procedimentos declarativos ou executivos, ou das decisões de recursos
relativos a esses impostos, ou do seu controle. Essas pessoas ou autoridades
utilizarão as informações assim obtidas apenas para os fins referidos. Essas in-
formações poderão ser reveladas no decurso de audiências públicas de tribunais
ou em decisões judiciais.
"3. O disposto nos parágrafos 1° e 2° não poderá em caso algum ser interpreta-
do no sentido de impor a um Estado Contratante a obrigação:
a) De tomar medidas administrativas contrárias à sua legislação e à sua
prática administrativa ou às do outro Estado Contratante;
b) De fornecer informações que não possam ser obtidas com base na sua
legislação ou no âmbito da sua prática administrativa normal ou das
do outro Estado Contratante;
5 Este Modelo foi desenvolvido por grupo de trabalho do Fórum Global da aCDE, constituído
por representantes de membros da aCDE e delegados de Aruba, Bermudas, Bahrain, Ilhas Cay-
man, Chipre, Ilha de Man, Malta, Ilhas Maurícias, Antilhas Holandesas, Seicheles e San Marino.
Cfr. MES V fu'J RAAD (ed.), Materials on International & EC Tax Law, vaI. I, 2003, 547 ss.
6 "The nature of the multilateral version as more of a bundle of identical bilateral treaties rather than a
'true' multilateral agreements". Cfr. aCDE, Agreement, Comentários, parágrafo 115. A Conven-
ção está hoje (dezembro de 2009) em vigor em relação ao Azerbaij·ão, Bé?gica, Dinamarca, Finlândia,
França, Islândia, Itália, Holanda, Noruega, Pownia, Suécia, Ucrânia, Reino Unido e Estados Unidos.
~~ I Capo 11 I Assistência na Troca de Informações, Notificação ...
C) Características e modalidades
D)Âmbito
Há que distinguir o âmbito objetivo e o âmbito subjetivo: o primeiro respeita aos tri-
butos abrangidos pelo pedido de informações e às condutas a que ele se refere; o segun-
do diz respeito à delimitação do círculo de pessoas a que as informações concernem.
No que concerne aos tributos abrangidos pelas informações, há que observar
que eles não se restringem aos impostos contemplados pela convenção contra a du-
7 Cfr., por exemplo, o art. 26, § 2°, da Convenção entre o Brasil e Portugal.
8 O art. 26, § 4°, da Convenção com Portugal.
9 Sobre as fiscalizações no exterior, cfr. o art. 6° do Acordo OCDE sobre troca de informações e o
art. V, parágrafo 3°, alíneas c, d e J~ e art. VI do Tratado sobre Intercâmbio de Informações com
os Estados Unidos (ainda não vigente). Veja-se ainda o art. 26, § 4°, da Convenção com Portngal.
Não concordamos com a alegação de inconstitucionalidade de A. CARLOS RODRlGUES DO AMARAL
e HELENO T. TORRES, Inconstitucionalidade do Acordo para Intercâmbio de Informações Tribn-
tárias Brasil-Estados Unidos, Revista Brasileira de Direito Ii-ibutário 10 (set.-out./2008), 33 ss.
L-_ _ _ _ _ _ _--.:T:.:;ít:.:;u::::lo VII I Capo 11 I Assistência na Troca de Informações, Notificação... g
pia tributação em causa (como sucedia na versão do Modelo OCDE de 1963, nos
termos da chamada minor information clause); antes abrangem tributos de qualquer
natureza e denominação exigidos por um Estado e até suas subdivisões políticas e
autoridades locais (major information clauseJlo.
A matéria aduaneira encontra-se, porém, submetida a acordos especiais l l .
Quanto às condutas) o dever de informação abrange, no Modelo OCDE, qual-
quer tipo de matéria fiscal, sem que o Estado requerido possa restringir esse dever
a matéria considerada como "criminal" tanto pelo Estado requerente quanto pelo
Estado requerido (princípio chamado da "dupla qualificação", adotado tradicional-
mente na Suíça e no Luxemburgo). Significa isto, na prática, que o dever de informar
passa a abranger toda e qualquer conduta de evasão fiscal, ainda que não qualificada
como crime ou fraude em sentido estrito (a civil fraud por contraposição à criminal
fraud na terminologia anglo-saxônica).
Quanto ao âmbito subjetivo) as informações podem referir-se não apenas a resi-
dentes, mas também a pessoas não residentes no Estado requerido, uma vez que o §
1° do art. 26 declara que as informações não estão restritas ao art. la da Convenção
Modelo respeitante à esfera pessoal de aplicação dos tratados!2.
a) Considerações gerais
o fundamento do pedido de prestação de informações é a "relevância previsí-
vel" (foreseable relevance) da informação para a parte requerente (art. 26, § 1°).
Esta relevância deve ser demonstrada através da identificação da pessoa fiscaliza-
da; do tipo de informação pretendido; do propósito fiscal para o qual é pedido; dos
fundamentos da convicção de que a informação requerida é possuída pelo Estado
requerido ou se encontre na posse ou no controle de pessoas estabelecidas no seu ter-
10 Cfr. VOGEI., Double Taxation, 1997, 1403; ID., Supl. 94, 155. Cfr. OCDE, Comentários, art. 26,
parágrafos 11.1 e 11.2. A Convenção Modelo da OCDE sobre troca de informações abrange
apenas impostos diretos sobre o rendimento, o capital, o patrimônio, as sucessões e doações. Veja,
porém, o ãmbito mais vasto do Acordo do Brasil com os Estados Unidos (ainda não vigente), que
abrange, além de imposto de renda, o IPI, O ITR, o IRF, o PIS, a COFINS e CSLL (artigo IH).
11 Em matéria aduaneira, são os seguintes os acordos em vigor que prcveem especificamente o in-
tercâmbio de informações: I - Acordo Multilateral sobre Cooperação e Assistência Mútua entre
as Direções Nacionais de Aduanas da América Latina, assim como Espanha e Portugal (COMU-
CAM); II - Acordo de Cooperação Administrativa Mútua para a Prevenção, a Pesquisa e a Re-
pressão às Infrações Aduaneiras entre Brasil e França; lU - Protocolo de Cooperação e Assistência
Recíproca entre as Administrações de Alfândegas do Mercosul relativo à Prevenção e Luta contra
os ilícitos Aduaneiros.
12 Cfr. VOGEl., Double Taxation, cit., J 413, advertindo que esta regra não se aplica aos tratados
celebrados anteriormente, ao abrigo do Modelo de 1963 (1431); MARIA MARGARIDA CoRDEIRO
MESQUITA, Troca de injimnações e cooperaç@ fiscal internacional, 342.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
16 Veja-se, por exemplo, entre nós as limitações em matéria de processo civil (arts. 347 e 363 do CPC
e art. 229, l, do Código Civil). Em matéria fiscal dispõe o art. 197 do Código Tributário Nacional
que: "Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as in-
formações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros: l-os tabe-
liães, escrivães e demais serventuários de oficio; II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas
e demais instiruições financeiras; III - as empresas de administração de bens; N - os corretores,
leiloeiros e despachantes oficiais; V - os inventariantes; VI - os síndicos, comissários e liquidatários;
VII - quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função,
ministério, atividade ou profissão". "Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange
a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado
a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão". No que
respeita a informações relativas ao próprio contribuinte o art. 195 do mesmo Código dispõe que:
"Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou
limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comer-
ciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los".
17 O Brasil reservou-se o direito de não incluir o novo § 5° nos seus tratados. Cfr. Non Member
Countries Positions, OCDE, Comentários, art. 26, parágrafo 2.3. Cfr. MENCK, in MóssNER/ et
aI., Steuerncht international tiitiger Unternehmen, 391; ETLERs, Das SteuC1;geheimnis ais Grenze des
internationalen Auskunftsverkehrs, Colônia 1989.
18 Cfr. a Lei Complementar nO 105, de 10 de janeiro de 2001, que regula o dever de sigilo das ins-
tituições financeiras e seus limites, notadamente nas suas relações com o Fisco (espcc. arts. 5° e
6°). Ver ainda o Decreto nO 4.489, de 23 de novembro de 2002.
19 Cfr. OCDE, ImprlJVing Access to Bank Information for Tax Purposes: the 2007 Progress Report.
Gim I Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier • ,~_ _ _ _ _ _ _ _ _ _--'
20 Cfr. OCDE, Comentários, art. 26, parágrafos 19.3 e 19.4. Veja·se, entre nós, o inciso IX do art.
7° da Lei na 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto do Advogado e da OAB), que reconhece
como direito do advogado "recusar·se a depor como testemunha em processo no qual funcionou
ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo
quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo
profissional". Ver ainda o inciso II, alterado pela Lei nO 11.767/2008: "Ir - a inviolabilidade de
seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspon·
dência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia".
21 Cfr. OCDE, Comentários, art. 26, parágrafo 5.
22 Mais de 50 tratados foram assinados desde novembro de 2008, mais do que nos últimos dez anos.
23 O Liechtenstein celebrou também tratado com o Reino Unido e já iniciou negociações com a
Alemanha. Cfr. DAVID SPENCER/J. C. SHARMAN, International Cooperation,journal oflnternatio·
nal Taxation, fevereiro de 2008.
24 Em outubro de 2009 ArrIba, Áustria, Bégica, Bermudas, Ilhas Virgens Britânicas, Bahrein, Ilhas
Cayman, Luxemburgo, Mônaco, Antilhas Holandesas, São Marino e Suíça pasaram à categoria de
jurisdições que implementaram substancialmente o padrão internacional. Cfr. OCDE,Improvíng
the Acess to Bank Informatíon, cit.
~yll I Capo 11 I Assistência na Troca de Informações, Notificação ... • ".
Por outro lado, prevê-se a prestação periódica (anual) das seguintes informa-
ções, mediante prévia identificação do contribuinte, ou mesmo independente dela:
a) informações respeitantes aos lucros obtidos no seu território por pessoas jurídicas
ou estabelecimentos estáveis aí situados, a remeter à autoridade competente do Es-
tado Contratante onde esteja domiciliada a pessoa jurídica associada ou a matriz ou
sede; b) informações sobre os lucros declarados por pessoas jurídicas domiciliadas no
primeiro Estado Contratante relativos às operações desenvolvidas no outro Estado
Contratante por pessoas jurídicas associadas ou estabelecimentos estáveis; c) qual-
quer outro tipo de informação que acordem trocar (art. 26, § 3°).
Deve ainda notar-se que a Convenção com Portugal de 2001 é a única Convenção
celebrada pelo Brasil que autoriza representantes do Estado Contratante requerente a
terem acesso ao primeiro Estado mencionado para os fins de presenciarem, na condição
de observadores, a inquiração de pessoas e o exame de livros e registros que sejam realiza-
dos no Estado requerido (art. 26, § 4°), sendo também a única Convenção que prevê
a hipótese de fiscalizaçéÚJ simultânea, pela qual, por mútuo acordo, cada Estado fiscaliza
no seu território, a situação tributária de uma pessoa com pessoas que possuam interes-
ses comuns ou associados, a fim de trocar as informações relevantes que obtenham.
As Convenções com o Peru e a Venezuela (ainda não promulgada) contêm
cláusula que já prevê o acesso a informações bancárias e de representantes, agentes
ou fiduciários de titulares de ativos, submetendo porém o dever de prestação a "limi-
tações constitucionais e legais e a reciprocidade de tratamento", limitações essas que
não são contempladas no novo art. 26 do Modelo OCDE.
Uma obrigação de prestação de informações conforme à nova política da OCDE
encontra-se no Acordo entre o Brasil e os Estados Unidos para o Intercâmbio de
Informações relativas a tributos, celebrado em Brasília, em 20 de março de 2007,
mas que ainda não se encontra em vigor por não se ter completado o procedimento
constitucional para a celebração de tratados internacionais, que envolve o referendo
do Congresso Nacional, a ratificação e a promulgação pelo Chefe de Estado.
Referido acordo adota no seu clausulado mutadis mutandi o Modelo OCDE
sobre troca de informações, contemplando inclusive a previsão da prática de atos
e fiscalizações no território de um Estado por parte de autoridades fiscais do outro
Estado com o consentimento do primeiro 30 •
30 Cfr. MAURÍCIO BRAGA CHAPINOTI, Acordo entre o governo da República Federativa do Brasil
e o governo dos Estados Unidos da América para o intercâmbio de informações tributárias,
RDTI 8 (abr/2008), 83; ARNALDO DE MORAES GODOY, O acordo Brasil-Estados Unidos para
intercâmbio de informações tributárias, RFDT, nO 38, 2009, 37 ss. As críticas de ANTONIO
CARLOS RODRIGUES DO AMARAL e HELENa TAVEIRA TORRES (que nem sempre podemos acom-
panhar) seriam extensíveis ao próprio Modelo OCDE sobre troca de informações, acolhido
pela grande maioria da comunidade internacional e que adotam princípios e regras similares.
Cir. Inconstitucionalidades do Acordo para Intercâmbio de Informações Tributárias Brasil-
Estados Unidos, RBDT 10 (2008), 29 ss". O mesmo se diga do relatório do deputado REGIS
DE OLIVEIRA (Comissão de Finanças e Tributação) ao projeto de Decreto Legislativo nO 413,
de 2007, que aprova o texto do Acordo.
Direito Tributário Internacional do Brasil I Alberto Xavier
Já se alegou inconstitucionalidade formal deste tratado pelo fato de, pelo lado
brasileiro, ter sido assinado pelo Secretário da Receita Federal, quando o ato é da
competência própria do Presidente da República, nos termos do art. 84, VIII, da
Cpl. Cremos que se confunde, neste caso, a simples assinatura do acordo com a rati-
ficação. Enquanto esta última é indelegável, a primeira não o é, podendo ser efetuada
pelos Ministros das Relações Exteriores (como, aliás, é a prática dos tratados brasilei-
ros contra a dupla tributação), que tem poderes de representação por competência le-
gal, ou por qualquer outra autoridade, mas desde que possua Carta de Plenos Poderes
específica outorgada pelo Presidente da República (como é a praxe consagrada no art.
7° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados). A existência ou não de ade-
quados poderes representativos pelo Secretário da Receita Federal é uma questão de
validade do ato, por razões de competência ou legitimidade, mas não uma questão de
inconstitucionalidade formal, que sucederia, sim, se o referido Secretário subscrevesse
o instrumento de ratificação, que é matéria de competência indelegável.
31 Cfr. A. C. RODRlGUES DO AMARAL/HELENO TORRES, op. cit., 31; no mesmo sentido, relatório
do dep. RÉGlS DE OLIVEIRA.
32 Cfr. RIVIER, Droit Fiscal suisse. Le Droit Fiscal Intemational, Neuchatel, 1983, 325; MENCK,
in MÓssNER/et ai., Steuerrecht, 400.
~ii!1 I Capo 11 I Assistência na Troca de Informações, Notificação ... MMW
33 Encontra-se publicado em CTF, 363 (1991),289 sS. O respectivo relatório explicativo está
publicado em CTF, 364 (1991), 244 ss. Em maio de 2009 15 países já tinham assinado esta
Convenção. efr. BaNI DE MORAES SOARES, O futuro da cooperação internacional em matéria
fiscal no Brasil: notas sobre a Convenção de Estrasburgo de 1988, RDTI 10 (2008), SI.
34 Por exemplo, o arresto ou o congelamento de ativos antes de um julgamento definitivo, de
forma a garantir a disponibilidade desses ativos na eventualidade de uma cobrança (OCDE,
Cfr. Comentários, art. 27, parágrafo 20).
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A B
O
M
OCDE (v. Convenção Modelo)
Mandatários (v. Comissários, Representantes) Operações de renda fixa, 472
Mandato imperativo (v. Nuntius) Operações de renda variável, 474
Matching Credit (v. Crédito presumido) Operações na Bolsa, 474
índice Remissivo M.
P R
u
T
u.s. Model, 70
Tax credit (v. Imputação, Avoir fiscal, Crédito Underlying tax credit, 650
de imposto)
Tax planning (v. Planejamento fiscal)
Tax sparing (v. Crédito fictício) v
Teoria
monista,78 Variação cambial
dualista, 78 de investimento estrangeiro, 429
da realização, 552 de múmos, 487
da pertença econômica, 552 Venda de ações (v. Ganho de capital, v. Aliena-
do órgão, 11, 378 ção de participações societárias)
Territorialidade Venda de bens a prazo (v. juros)
das despesas, 532
em sentido formal, 18
em sentido material, 18 w
em sentido negativo, 16
em sentido pessoal, 17 lVorld-wide-income (v. Princípio da universali-
em sentido positivo, 16 dade)
em sentido real, 17
Tráfego internacional, 571
Transferência indireta de lucros, 289 z
Transparência fiscal internacional, 284,372
Tratados (v. Convenções) Zona econômica exclusiva, 128