Sunteți pe pagina 1din 114

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA

CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS

COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO

HAMURABI BRANDÃO DE SANTANA DIAS

JORNALISMO CIENTÍFICO E SAÚDE:

ESTUDO DO TEMA SAÚDE NA SEÇÃO CIÊNCIA & VIDA

DO JORNAL A TARDE

CACHOEIRA – BA

2010
HAMURABI BRANDÃO DE SANTANA DIAS

JORNALISMO CIENTÍFICO E SAÚDE:

ESTUDO DO TEMA SAÚDE NA SEÇÃO CIÊNCIA & VIDA

DO JORNAL A TARDE

Monografia apresentada ao Centro de Artes,


Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Comunicação Social, habilitação
Jornalismo.

Orientadora: Profª Drª Maria de Fátima Ferreira

CACHOEIRA – BA

2010
D541 Dias, Hamurabi Brandão de Santana
Jornalismo científico e saúde: estudo do tema saúde na
seção Ciência & Vida do jornal A Tarde/ Hamurabi Brandão
de Santana Dias. - Cachoeira, 2010.
113 f.: il., tab.; 23cm

Orientação: Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Ferreira.


Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) -
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

1. Jornalismo científico. 2. Saúde. 3. Ciência & Vida.


I. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Centro
De Artes, Humanidades e Letras. II. Título.
CDD - 070
HAMURABI BRANDÃO DE SANTANA DIAS

Aprovado em ____/____/____

JORNALISMO CIENTÍFICO E SAÚDE:

ESTUDO DO TEMA SAÚDE NA SEÇÃO CIÊNCIA & VIDA

DO JORNAL A TARDE

Monografia apresentada ao Centro de Artes,


Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) como
requisito parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Comunicação Social, habilitação
Jornalismo.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________
Orientadora: Profª Drª Maria de Fátima Ferreira (UFRB)

_____________________________________________
Profª Msª Márcia Cristina Rocha Costa (UFRB)

_______________________________________________
Profº Drº Maurício Ferreira da Silva (UFRB)
Se devemos mudar para melhor a sociedade
contemporânea, então não temos outra opção senão
começar com a sociedade que nos confronta e tentar
mudá-la com os meios que se apresentam.

A. F. Chalmers

...el gran público, esa mayoría silenciosa que en los


países democráticos influye en el poder público y en
sus cambios, vive relativamente pasivo a esta fuerza
y a estas posibilidades de la ciencia y de la técnica.

Manuel Calvo Hernando

O jornalista científico, que tanto tem se engajado


para saudar (sacralizar talvez seja o termo mais
adequado) as novas tecnologias e que a elas aderiu
com tanta naturalidade, precisa levantar a cabeça
do teclado, aliviar a mão do mouse e compreender o
processo como um todo. Identificar interesses e
compromissos onde só vislumbra progresso técnico,
desnudar parcerias que atentam para a
independência das mídias e, sobretudo,
contextualizar as suas pautas e as matérias delas
decorrentes.

Wilson da Costa Bueno

Ao meu avô Atimi que sempre estará presente


mesmo na ausência em todos os momentos da minha
vida.
AGRADECIMENTOS

À Deus, por não ter deixado que desistisse de concluir essa pesquisa.

À minha mãe, que nem todas as palavras dessa monografia poderiam expressar o meu amor e
gratidão a ela.

Ao meu pai, minha gratidão pelo apoio e incentivo durante essa jornada

Às minhas avós pelo exemplo de força ao superarem grandes perdas e encontrar uma razão
para viver.

Aos meus avôs, que não habitam mais esse plano, mas com certeza olham por mim nesse
momento. Minhas saudades!

À toda minha família, irmão, tios, tias, primos, pelo apoio. Meus agradecimentos.

À Ana Meirise pela revisão do texto, sugestões a esse e pelo incentivo.

À Maria de Fátima pela convivência, paciência, respeito, leitura assídua e atenciosa dos meus
escritos e pela orientação sempre prazerosa. Minha guia intelectual!

Aos meus amigos da turma de Jornalismo 2007.1 – 2010.2, pelos momentos inesquecíveis
que guardarei para sempre. Vocês são demais!

À banca examinadora pela presença, leitura da monografia e pelas idéias que serão bem-
vindas a esse trabalho.
RESUMO

DIAS, Hamurabi Brandão de Santana. Jornalismo científico e saúde: estudo do tema saúde na
seção Ciência & Vida. 2010. (113 fls.) Monografia. Centro de Artes, Humanidades e Letras
(CAHL) - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Cachoeira.

Essa pesquisa mostra como foi realizada a cobertura do tema saúde nos meses de agosto e
setembro de 2010, na seção Ciência & Vida do periódico A Tarde. Procurei ao longo da
pesquisa, discutir a crise que o paradigma da racionalidade científica atravessa, para após
debater os modelos de comunicação da ciência, discutindo o conceito de cultura científica. O
estudo dos aspectos teóricos do jornalismo científico, suas funções e desafios é a segunda
parte do referencial teórico dessa pesquisa, onde procuro mostrar como se desenvolve essa
especialidade jornalística, passando pelo histórico até seus aspectos práticos, abordando as
críticas feitas à cobertura na área da saúde. Finalizo a pesquisa com uma análise de conteúdo
em nove exemplares, sendo constituída por uma analise quantitativa e foram analisados
qualitativamente eixos temáticos que reuniam matérias em comum. Através da pesquisa
constata-se que a seção possui uma linha editorial voltada a temas de saúde, possuindo uma
função educativo-informativa, enfatizando a prevenção e o diagnóstico de doenças.

PALAVRAS – CHAVES: jornalismo científico, comunicação da ciência, saúde, Ciência &


Vida.
ABSTRACT

DIAS, Hamurabi Brandão de Santana. Jornalismo científico e saúde: estudo do tema saúde na
seção Ciência & Vida. 2010. (113 fls.) Monografia. Centro de Artes, Humanidades e Letras
(CAHL) - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Cachoeira.

This research shows how it was accomplished health coverage of the topic in the months of
august and september 2010, Ciência & Vida section of the newspaper A Tarde. I looked over
the research, discussing the crisis that the paradigm of scientific rationality through to after
debating the patterns of communication of science, discussing the concept of scientific
culture. The study of theoretical aspects of scientific journalism, their functions and
challenges is the second part of the theoretical reference of this research, which seek to show
how this develops specialty journalism, reviewing its history until its practical aspects,
addressing criticisms of the coverage area of health. I conclude this research with a content
analysis in nine samples, consists of a quantitative analysis and qualitative analysis were
themes that gathered materials together. Through research it appears that the section has an
editorial policy focused on health issues, having an educational-informational function,
emphasizing the prevention and diagnosis of diseases.

KEY-WORDS: scientific journalism, scientific communication, health, Ciência & Vida.


LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

Tabela 1. Quantidade de textos por gênero ............................................................................ 73


Tabela 2. Matérias assinadas ou de agências de noticias ........................................................ 74
Tabela 3. Jornalistas responsáveis pelas matérias ................................................................... 74
Tabela 4. Temas abordados nas notas ..................................................................................... 77
Tabela 5. Quantidade de textos por pautas em saúde ........................................................ 77/78
Tabela 6. Áreas do conhecimento e quantidade de textos ...................................................... 78
Tabela 7. Quantidade de fontes médicas por especialidade ................................................... 79
Tabela 8. Numero de entrevistados brasileiros por especialidade .......................................... 80
Tabela 9. Relação dos textos com origem das fontes .............................................................. 81
Tabela 10. Instituições e centro de pesquisas ...................................................................... 81/82
Gráfico 1. Número de textos por temas classificados (agosto/setembro 2010) ...................... 73
Gráfico 2. Número de pautas por tema agosto/setembro 2010 ............................................... 76
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9
1│A CIÊNCIA E A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA:
DOS PARES AO PÚBLICO. UMA QUESTÃO DEMOCRÁTICA ............................... 13
1.1│A crise no paradigma da racionalidade científica ......................................................... 13
1.2│Comunicação científica: a ciência o os seus processos de comunicação ...................... 17
1.3│Divulgação científica: democrática e necessária ........................................................... 21
2│ JORNALISMO CIENTÍFICO ....................................................................................... 29
2.1│Histórico do Jornalismo Científico ................................................................................ 29
2.2│Explorando conceitos e suas funções ............................................................................ 36
2.2.1│As funções do jornalismo científico ..................................................................... 38
2.3│A notícia no Jornalismo Científico: uma teoria para a práxis ....................................... 40
2.3.1│As dificuldades na práxis do jornalismo científico e seus desafios ..................... 48
2.4│Jornalismo científico e saúde: foco na doença e sua prevenção ................................... 54
2.5│As universidades e a formação de jornalistas científicos .............................................. 62
3│PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................. 64
3.1│O que se quer analisar: a saúde nas paginas do Ciência & Vida ................................... 69
4│ESTUDO DA SAÚDE NAS PÁGINAS DO CIÊNCIA & VIDA:
UMA PROPOSTA DE ANÁLISE ....................................................................................... 72
4.1│ O jornalismo científico na seção Ciência & Vida: a saúde em destaque .................... 72
4.2.1 │A doença como alvo para a informação: um prontuário limitado ..................... 82
4.2.2 │Qualidade de vida e bem-estar:
o estilo de vida propagado no Ciência & Vida ............................................................... 86
4.2.3 │O release como bula de remédio: a propaganda de novos medicamentos ......... 88
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 91
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .................................................................................... 95
ANEXOS ............................................................................................................................... 99
│Introdução
Os debates sobre a função que o jornalismo assume na sociedade são muito caros,
pois, com o desenvolvimento científico, o jornalismo especializado em ciência, como
categoria de divulgação, é o meio pelo qual a sociedade obtém conhecimento de diversas
pesquisas, seus efeitos e aplicações.
Não só a função que este cumpre, mas também de que forma o jornalismo científico
encara a ciência, mostra-se objeto de discussões que pretendem estabelecer uma crítica a essa
especialidade jornalística, com o propósito de pensar mudanças às suas práticas, como
também uma aproximação entre jornalista e cientista.
O objetivo dessa pesquisa, em linhas gerais, visa analisar de forma qualitativa e
quantitativa a prática da seção Ciência & Vida, nos meses de agosto e setembro de 2010,
possibilitando um olhar ao fazer desse jornalismo especializado na editoria do jornal baiano A
Tarde durante esse período. Após pesquisa na amostragem separada para o estudo, a saúde foi
o tema escolhido para uma análise de sua presença na seção, tendo em vista a alta conta que a
editoria reserva a esse tema, que surge de uma demanda maior a esse tipo de abordagem.
O caderno Ciência & Vida, surgido em finais de 2007, como iniciativa de divulgação
científica do jornal baiano, surge após a breve experiência de seu antecessor, Observatório,
mostrando que as tentativas de estabelecer uma editoria de ciência, no quase centenário jornal
A Tarde, fundado em 1912, esbarram muitas vezes no não apoio editorial e na falta de
jornalistas especializados na área.
O corpo teórico da seguinte pesquisa buscou discutir a crise que o paradigma da
racionalidade científica atravessa, os processos que envolvem a comunicação da ciência, a
cultura científica, o jornalismo especializado em ciência e sua cobertura na saúde. Essa
seqüência mostra que o ponto de partida para discutirmos as práticas de jornalismo científico,
é primeiramente compreender os processos de sua comunicação e divulgação, para então
enveredarmos no objetivo desse trabalho.
O capítulo inicial propõe abordar a crise no paradigma da racionalidade, que preside à
ciência moderna, que é fundamentado no rigor das medições matemáticas. Esse paradigma é
autoritário e exclui da ciência as atividades que não se encaixam em suas epistemologias.
Essa visão será ampliada com o físico Fritjof Capra (2006), que ao se debruçar sobre o
desenvolvimento da ciência, aponta uma saída a esse paradigma. Boaventura de Souza Santos
(1995) também compõe parte quadro, ao discutir essa desejada, porém ainda ideologizada,
9
mudança de paradigma, que é deflagrada pela crise que o atual modelo está passando. As
interpretações de Capra e Santos datam da década de 80 do século XX e o que se percebe é
que ainda permanece nos livros essa revolução no paradigma, mesmo com muitas mudanças,
só citando um exemplo extraído das obras, a física contemporânea é resultado de uma
mudança em todo seu escopo, a física quântica difere em sua concepção de natureza do antigo
modelo newtoniano.
A comunicação da ciência é tema da segunda parte do primeiro capítulo, que irá
discorrer sobre como a ciência, que é realizada em seu círculo de pares, pode ser comunicada
a não-cientistas. Esse processo tanto pode assumir formas práticas e conceituais como
também modelos representativos, como a espiral da cultura científica, pensada por Carlos
Vogt (2003), que parte de quatro fases que se relacionam: produção e comunicação com os
pares; ensino aos outros cientistas para sua formação; ensino para as ciências e a divulgação
da ciência. Esse processo social de comunicação da ciência, que não pode deixar de ser
também cultural, é discutido na concepção de cultura científica, tema que desperta argüições,
polêmicas, defensores e apoiadores. Será discutida aqui a compreensão de Snow (1963), que
defende o conceito de duas culturas, a científica e a literata, e as conseqüências que essa traz,
por exemplo, a divisão que se estabelece entre especialistas e não especialistas que cria esse
fosso entre a ciência e a cultura, visto que essa separação afasta a ciência da humanidade.
Leblond (2006) critica essa divisão e a posição de afastamento empreendida pelos cientistas,
alertando que essa dicotomia não contribui para um debate democrático, com a participação
dos não-cientistas, sobre o desenvolvimento da ciência.
Os conceitos pertinentes à comunicação da ciência, difusão, disseminação e
divulgação científica, e também as diferenças discursivas entre a ciência e a sua divulgação
serão abordadas nessa etapa, com o propósito de iniciar as discussões que se concentrarão em
abordar os aspectos teóricos do jornalismo científico, que é só uma das modalidades de
divulgação da ciência.
O capítulo Jornalismo Científico, traz uma proposta teórica extraída de um referencial
constituído por Wilson da Costa Bueno (2000, 2001, 2004, 2007, 2009, 2009b), Warren
Burkett (1990), Fabíola de Oliveira (2001, 2005), Cláudio Bertolli Filho (2006) dentre outros
que trazem elementos conceituais e atualizações de conceitos já clássicos. Os aspectos
teóricos do jornalismo enquanto campo são discutidos à luz das reflexões de Traquina (2005)
e Pena (2008). As funções do jornalismo científico e os critérios de noticiabilidade a serem

10
adotados foram abordados nesse capítulo, como também os desafios que o jornalismo
científico terá que enfrentar e enfrenta, como a visão da ciência como mercadoria, o
cerceamento de informação, o interesse dos grandes patrocinadores particulares da ciência e
outros. Tendo em vista que o próprio jornalismo também é visto como mercadoria, ou seja, a
produção jornalística respeita uma escala industrial, a ciência é tratada como mercadoria
igualmente dentro do jornalismo. Porém essa prática pode esconder uma série de
procedimentos que atentam contra o direito à informação que possui o ser humano.
O capitulo conta também com uma discussão que diz respeito à comunicação da saúde
e as práticas do jornalismo científico nessa área. As características apontadas por Kuscinsky
(2002) e Bueno (2001) são: foco na doença e sua prevenção, preferência a cobertura em temas
de saúde que discorram sobre doenças e estilo de vida saudáveis, uso de release sem
contextualização com o local e sem uma consulta preliminar com especialistas.
O papel das universidades nesse processo não foi esquecido. A Bahia que possui 20
cursos de jornalismo, só em 2010 viu surgir o primeiro curso de especialização em jornalismo
científico, que será ministrado na UFBA (Universidade Federal da Bahia). São iniciativas
ainda muito isoladas, tendo em vista a pesquisa citada nessa obra, realizada em 2004, mostra
que na época, dos 205 cursos de graduação em jornalismo no país, somente 37 contavam com
atividades relacionadas ao jornalismo científico. Sendo que 33 são em forma de disciplina,
com 20 optativas. Esse estudo não alcançou o surgimento da UFRB (Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia) em 2006, com seu curso de Comunicação Social, com habilitação em
Jornalismo, menos ainda a criação da disciplina jornalismo especializado com foco em
jornalismo científico, no segundo semestre de 2010 e a criação do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Cultura Científica, Gênero e Jornalismo, que trabalha na interface dessas três
temáticas. Mas essa pesquisa mostra que além do pouco incentivo à disciplina, essas contam
mais com o interesse particular do docente, do que de uma política de apoio a sua
implantação, tendo em vista que ABJC (Associação Brasileira de Jornalismo Científico)
recomenda a inclusão da disciplina nas grades curriculares dos cursos.
O terceiro capítulo abordará quais serão os procedimentos adotados para a análise da
seção Ciência & Vida, as categorias de análise, objetivo, hipótese trabalhada e justificando
algumas escolhas realizadas para essa pesquisa, como a escolha dos meses, a explicação das
categorias adotadas e um relato da história do periódico e suas experiências anteriores em
jornalismo científico.

11
Se não todas, a maioria dessas características estudas foram detectadas na análise do
Ciência & Vida nos meses de agosto e setembro de 2010, onde foi realizada uma análise
quantitativa da seção baseada nas categorias escolhidas e foi também realizada análise
qualitativa baseadas em eixos temáticos comuns em algumas matérias, que procurou entender
como se deu o processo de construção dessa.
Toda análise foi realizada somente com a pesquisa na seção escolhida, desejou-se uma
pesquisa de campo, que enriqueceria o trabalho, bem como uma entrevista com os
responsáveis pela editoria, mas o tempo disponível e algumas falhas de comunicação não
propiciaram esse desejo. Enfim a pesquisa tentou captar como foi realizada a cobertura
científica nos meses pesquisados, no único veiculo de circulação estadual que se destina a tal
fim.

12
1│ A ciência e a comunicação científica:
Dos pares para o público. Uma questão democrática

1.1│A crise no paradigma da racionalidade científica

As primeiras civilizações do Oriente Médio e do norte do continente africano


assistiram em seu desenvolvimento e delas se beneficiaram do grande fervilhar de
conhecimento científico da época. O corpo humano já nesse período despertava o interesse de
nossos antepassados. A técnica de mumificação bastante utilizada pelos egípcios nas
cerimônias fúnebres para conservar os corpos, permitiu há mais ou menos 4 mil anos atrás o
conhecimento da anatomia humana; também desenvolve-se nessas civilizações a arquitetura.
As provas desse desenvolvimento são visíveis como as pirâmides do Egito e os zigurates
babilônicos; a antiga arte de observar os céus e entender o comportamento dos astros também
ajuda a compreender o envolvimento do ser humano em tentar desvendar a realidade que o
cerca.
Esse comportamento não parou nessas civilizações, na Europa são mnemônicos os
exemplos da filosofia grega e seu imenso debate sobre a essência do ser humano e também a
continuidade das discussões envolvendo o comportamento celeste. Neste período Prattico
(2005) destaca que as cidades helenísticas eram florescentes centros de cultura como Siracusa,
Rodes, Pérgamo, Samos, Atenas, Antioquia e Corinto, antigas cidades mesopotâmicas e
sicilianas. O mesmo autor destaca as contribuições deixadas pelos filósofos e cientistas do
período.

Aristarco de Samos, naqueles séculos, descobria e teorizava o sistema


heliocêntrico, antecipando Copérnico em quase dois milênios; Euclides,
com seus Elementos, sistematizava de uma vez por todas a geometria
clássica, única até a descoberta, no século XVIII, das geometrias
definidas, precisamente, “não-euclidianas”; e Herófilo da Calcedônia
lançava as bases da fisiologia e da anatomia modernas - para não falar da
imensa contribuição de Arquimedes não só à matemática, mas também às
ciências físicas e às tecnologias. (PRATTICO, 2005, 186)

Esses episódios são tão relevantes para a ciência moderna que Prattico (2005) sugere
que a Revolução Científica dos séculos XVI e XVII, trata-se de uma redescoberta, por parte
de Galileu, Newton e Descartes do pensamento e das obras dos grandes matemáticos, físicos e
13
fisiólogos dos três séculos que antecederam o Cristianismo. Prattico (2005) chama essa
revolução que ocorreu antes de Cristo de “revolução esquecida”, o motivo apontado por ele
para tal deslembro: “é que não existiam, àquela época, as bases sociais para um mundo
fundado, como o nosso, no empreendimento científico e nas tecnologias de transferência dos
conhecimentos fundamentais em tecnologia e indústria, como ocorreria, por outro lado, no
início da era moderna” (PRATTICO, 2005, 187).
Avançando cronologicamente, a ciência moderna, que tem seu início na Revolução
Científica, é fundamentada em um padrão de racionalidade, onde o que não respeita esse
padrão é desconsiderado como ciência. Boaventura de Souza Santos (1995), em seu Um
discurso sobre as ciências, diz que esse modelo global de racionalidade científica “admite
variedade interna mas que se distingue e defende, por via de fronteiras ostensivas e
ostensivamente policiadas, de duas formas de conhecimento não científico (e, portanto,
irracional) potencialmente perturbadoras e intrusas: o senso comum e as chamadas
humanidades ou estudos humanísticos” (SANTOS, 1995, 10). Dessa forma essa
racionalidade, chamada de paradigma dominante, acompanhou todo o desenvolvimento da
ciência até a contemporaneidade. Um paradigma, de acordo com Chalmers (2009), é o que
determina os padrões para o trabalho legítimo dentro da ciência que este governa.
Santos (1995) acredita que essa racionalidade científica é também um modelo
totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que
não seguirem seus princípios epistemológicos e suas regras metodológicas. Nesse modelo as
idéias que presidem a observação são concepções claras e simples a partir das quais se
possibilitam ascender um conhecimento mais profundo e rigoroso da natureza. Essas idéias
são matemáticas, pois esta oferece um instrumento privilegiado de análise, como lógica de
investigação.

O rigor científico afere-se pelo rigor das medições. As qualidades


intrínsecas do objeto são, por assim dizer, desqualificadas e em seu lugar
passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem
traduzir. O que não é quantificável é cientificamente irrelevante.
(SANTOS, 1995, 15)

Os fatores que Santos (1995) elucubra como deflagradores do que ele enxerga como
uma crise desse paradigma, são tanto de ordens teóricas quanto sociais. Para o autor, do ponto
de vista teórico, a identificação dos limites, das insuficiências estruturais do paradigma é
resultado do avanço que esse próprio modelo propiciou. O aprofundamento do conhecimento
14
permitiu ver as fragilidades dos pilares em que este se funda. Do ponto de vista social tanto
nas sociedades capitalistas, como nas sociedades socialistas de Estado do leste europeu a
industrialização da ciência acarretou o compromisso desta com os centros de poder
econômico, social e político, os quais passaram a ter um papel decisivo na definição das
prioridades científicas. Para Santos (1995) enfim, a industrialização da ciência manifestou-se
tanto ao nível das aplicações da ciência como ao nível da organização da investigação
científica. Apesar dos fatores apontados por Santos (1995) o nascer de um novo paradigma,
que este chama de paradigma emergente, só pode ser visualizado de forma especulativa. O
autor salienta que a natureza da revolução científica que estamos por viver é estruturalmente
diferente da que ocorreu nos séculos XVI e XVII.

Sendo uma revolução científica que ocorre numa sociedade ela própria
revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela não pode ser
apenas um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento
prudente), tem de ser também um paradigma social (o paradigma de uma
vida decente). (SANTOS, 1995, 37)

O físico Fritjof Capra (2006) também coaduna também com a noção de crise. Para o
autor um dos fatores decisivos nesse processo deve-se ao inevitável declínio do patriarcado.
Capra (2006) diz que o poder do patriarcado tem sido difícil de entender, por ele ser
preponderante. No entanto, Keller (2005) avança na concepção do autor, pois ao buscar uma
ciência mais acessível às mulheres, a autora infere que o feminismo mudou a posição da
mulher na ciência - mesmo reconhecendo o relativismo em sua concepção, tendo em vista a
sociedade na qual está inserida, um país desenvolvido do primeiro mundo, os Estados Unidos
- essas mudanças, para a autora, são resultados de pressões políticas exercidas por mulheres,
através de organizações de cientistas femininas. A autora defende que a presença das
mulheres na ciência, em posição de liderança, ajudou na queda dos rótulos tradicionais de
gênero no campo científico e para todos que trabalham nessa área do conhecimento. Capra
(2006) nos traz que o movimento feminista é uma das mais fortes correntes culturais do nosso
tempo e terá um profundo efeito em nossa evolução.
De acordo com o autor, o desenvolvimento da racionalidade discutido acima por
Boaventura de Souza Santos, fundamentada na divisão entre espírito e matéria (ou corpo e
mente), proposto por Descartes, levou a uma concepção do universo como um sistema
mecânico, que consiste em objetos separados, os quais, por sua vez, foram reduzidos aos seus

15
componentes materiais fundamentais cujas propriedades e interações determinam todos os
fenômenos naturais. Para transcender os modelos clássicos, os cientistas terão que ir muito
além da abordagem mecanicista, baseado no modelo cartesiano-newtoniano, e adotar modelos
holísticos e ecológicos.

As outras ciências aceitaram os pontos de vista mecanicistas e


reducionistas da física clássica como a descrição correta da realidade,
adotando-os como modelos para as suas próprias teorias. Os psicólogos,
sociólogos e economistas, ao tentarem ser científicos, sempre se voltaram
naturalmente para os conceitos básicos da física newtoniana. (CAPRA,
2006, 44)

Dessa forma para Capra (2006) é necessário que a ciência e os cientistas adotem
métodos holísticos ou sistêmicos e não as metodologias reducionistas da ciência cartesiano-
newtoniana. O autor admite que a concepção de universo que emerge da quebra desse
paradigma não significa que o paradigma passado esteja completamente errado, e que o novo
esteja totalmente correto. A ciência moderna para Capra (2006) tomou consciência de que
todas as teorias científicas são aproximações da natureza, e que cada teoria é valida em
relação a uma determinada gama de fenômenos. O autor defende que cada ciência terá que
descobrir necessariamente as limitações da visão de mundo reducionista (cartesiano-
newtoniana) em determinado contexto.
Essa discussão mostra que a ciência passa por uma crise estrutural que abala seu
principal alicerce, no qual foi construído todo seu desenvolvimento e também em seus
pressupostos como a objetividade, a neutralidade e universalidade. Mas que objetividade e
neutralidade são essas que a ciência quer ou afirma ter para si, se essa está envolvida em jogos
de poder internos e externos à comunidade científica? Que universalidade é essa se a ciência
em sua maior parte é patriarcal, feita por homens, e não encampa as maiorias silenciosas em
nossa sociedade (mulheres, negros, homossexuais entre outros) e sim para as relações entre o
fazer científico e o capital que emergirá dessa prática e de seu consumo pelo público?
O processo de comunicação da ciência, no que envolve o deslocamento do
conhecimento científico do seu pólo de produção para o público em geral, mesmo possuindo
relações com essas redes de poder, reiterando-as, se for feita de uma maneira crítica poderá
servir de início a uma série de questionamentos a essa ciência na forma em que é praticada
atualmente e também respostas as perguntas realizadas acima. Começaremos a analisar a
comunicação científica e sua divulgação para o público.
16
1.2│Comunicação científica: a ciência e os seus processos de
comunicação

A comunicação da ciência, tendo em vista que os avanços científicos são fatores


estratégicos para um país, é componente que assume importância fundamental para o processo
de alfabetização científica, bem como para que a sociedade assuma uma postura crítica acerca
da ciência que se produz, e que, dentro de um sistema democrático possa assumir voz ativa
em sua construção. Prattico (2005) diz que a circulação do conhecimento científico é
necessária para que a inovação (científica e tecnológica) estenda-se e determine a organização
da sociedade.

As idéias, as tecnologias, o método, os próprios resultados podem


fecundar uma sociedade e traduzir-se em maneiras de organizar a vida
social (e possivelmente a produção de mercadorias) desde que a
informação circule livremente e possa confrontar-se com as diferentes
realidades (PRATTICO, 2005, 188).

Esse pensamento traz a importância que assume a comunicação da ciência, enquanto


fenômeno que retira a informação científica de sua origem, tornando público esse saber, pois
como Prattico (2005, 185) reconhece “a ciência só sobrevive se sabe comunicar”. No processo
de comunicação da ciência, está em jogo o relacionamento entre o cientista e a linguagem
(BERTOLLI FILHO, 2006). Esse relacionamento ocorre na instância discursiva. Para Epstein
e Bertol (2005), o discurso da ciência e o de sua divulgação ao público são produtos que se
diferenciam sob vários aspectos e se dirigem a públicos distintos, o que envolve
características discursivas e de formação próprias, com processos de produção e veículos
diferentes.
Do ponto de vista conceitual, a comunicação científica para Bueno (2009), refere-se à
transferência de informações tecnológicas ou associadas a inovações, elaboradas a partir de
um discurso especializado e dirigidas a um público, formado por especialistas. A
comunicação da ciência existe em dois níveis: a comunicação interpares e a comunicação
extrapares. A primeira diz respeito à circulação de informações científicas e tecnológicas
entre especialistas de uma área ou áreas conexas. Geralmente a partir de periódicos
especializados ou reuniões científicas. Segundo Bueno (2009) é caracterizada por: público
especializado, conteúdo específico e código fechado. Para o autor a partir dessas
17
características essa modalidade de comunicação científica dificilmente se realiza pelos meios
de comunicação de massa, devido à inacessibilidade para a maioria da audiência.
A segunda modalidade de comunicação (extrapares) caracteriza-se pela circulação de
informações de C&T para especialistas que não se situam exclusivamente na área objeto da
disseminação. O público dessa modalidade continua especializado, embora não pertença a um
domínio específico. Bueno (2009) ainda ressalta que a comunicação extrapares organiza-se
através de uma perspectiva multidisciplinar, por ser mais abrangente e apresentar aspectos de
interesse de outros especialistas.
O discurso científico é considerado a comunicação primária (CP) e o discurso de
divulgação científica a comunicação secundária (CS). Eles podem ser classificados em três
grandes categorias: os de comunicação primária correspondente às várias especialidades
científicas, que são destinadas aos pesquisadores, o que se chama de comunicação interpares;
os conteúdos intermediários, destinados ao público que detém o conhecimento da cultura
científica de modo geral, porém não-especializada; e os conteúdos destinados ao grande
público (CS) (EPSTEIN; BERTOL, 2005).
Esses públicos, com as suas diferenças, determinam textos e matérias com
características próprias ao nível de linguagem, semiótica, retórica, utilização de símbolos
icônicos, como fotos, diagramas e imagens (EPSTEIN; BERTOL, 2005). Esses autores
defendem que o caminho da comunicação primária à comunicação secundária pode ser
percorrido tanto por cientistas (aqueles que se dispõem a essa tarefa) e por profissionais que
se dedicam ao jornalismo científico. Esse caminho, porém, não está longe de questionamentos
e obstáculos. Algumas argüições nesse propósito são feitas por Roqueplo (1974) apud Epstein
e Bertol (2005, 14):

Neste caso, o que significaria para o público o fato de ser informado de


um conhecimento novo sem que este conhecimento seja propriamente
assimilado? O que seria esta “ciência não sabida”? Para responder a esta
questão, o divulgador pode se considerar como organizador do
“espetáculo das ciências”, não perseguindo outro objetivo que não o
próprio espetáculo? Qual seria a função cultural deste espetáculo? Não se
trataria, então, de uma vasta mistificação?

Esse “conhecimento novo” atribuído às ciências é restrito aquele que possui o saber
dos códigos e das práticas especializadas, que não são de rápido aprendizado demandando
tempo e maturação para serem apreendidos. Por sua vez, os processos de produção do

18
conhecimento se tornam específicos, o que gera uma separação, ou como quer Epstein e
Bertol (2005), um hiato entre cientistas e os não-cientistas. Como já dito, os dois autores
acreditam que para transpor esse hiato cientistas e jornalistas tem percorrido o trajeto da
comunicação primária até a comunicação pública da ciência.

A comunicação secundária ou a popularização do conhecimento científico


pode, portanto, ser efetuada tanto através da figura do divulgador,
mediador entre o cientista e o público, o chamado “terceiro homem”,
como pelo próprio cientista que assume também o papel do divulgador.
(EPSTEIN; BERTOL, 2005, 15).

Para o divulgador científico Epstein e Bertol (2005) atribuem dois papeis: o de criador
e mediador da cultura científica, entendida pelos autores como não sendo constituída apenas
por uma assimilação adequada dos conteúdos, mas inclui algum conhecimento dos processos
de produção da ciência, políticas de fomento à ciência, enfim, a inserção global da ciência nas
sociedades modernas. Essa cultura científica depende em boa parte desses intermediários que
fazem a ligação entre os pesquisadores e o público. Outro ponto que é postulado por Epstein e
Bertol (2005) diz respeito a idéia de tradução. Para os autores o sucesso da divulgação não
repousa somente na tradução interlinguística (entre as diversas línguas nacionais), mas
também intersemioticamente (ao nível de uma linguagem para outra). Daí os autores
formulam o seguinte questionamento: “A ciência escrita num código especializado poderia ser
expressa numa linguagem comum?” (EPSTEIN; BERTOL, 2005, 16).
Para responder a esse questionamento os autores colocam que o divulgador científico
se põe em capacidade de colocar a ciência ao alcance do grande público. Porém Epstein e
Bertol (2005) argumentam que a tese de traduzibilidade da ciência é posta em questão quando
se alega impossibilidades estruturais para a sua realização. Essa impossibilidade é posta pelos
autores da seguinte forma:

trata-se, na divulgação científica, de uma transposição da linguagem


utilizada pelos cientistas para se comunicarem entre si, para a linguagem
natural que pode ser compreendida pelo público leigo. A comunicação
interpares é, em boa parte, formalizada com termos próprios a cada
disciplina apenas compreensíveis aos especialistas das respectivas áreas
(EPSTEIN; BERTOL, 2005, 16).

Ao discutir o jornalismo científico, Brotas (2010) não considera que sua função seja
somente a de tradução de termos científicos para o público de não-cientistas e avança na
19
concepção de que o jornalismo científico terá a oportunidade de localizar suas atividades
dentro de um complexo jogo de produção do conhecimento, em que sua função estaria
ancorada no fomento à participação dos cidadãos no amplo e dinâmico processo cultural.
Podemos imaginar também que a concepção do jornalista como tradutor do discurso
científico não se sustenta, pois, para Zamboni (2001) apud Bertolli Filho (2006) a afirmação
do jornalista como mero tradutor do discurso científico mostra-se falsa, pois não é o discurso
da divulgação científica uma degradação do discurso científico. A autora defende que o
discurso da divulgação científica constitui em um gênero textual essencialmente diferente do
discurso originário, em sua concepção, que é o científico, pois segundo a autora “o cientista
dirige-se aos seus pares, enquanto que o jornalista busca comunicar-se com o „público leigo‟
(ZAMBONI, 2001 apud BERTOLLI FILHO, 2006), sendo o jornalista ou o divulgador o
criador desse gênero textual novo.
Como um crítico da arte e da literatura, Mbarga e Fleury (2009), reconhecem que o
jornalista científico é um crítico da ciência, onde seu papel seria examinar, descrever,
verificar e explicar fatos científicos, analisando a ciência sob diferentes perspectivas: econômica,
sociológica, política, ética e legal.

Um jornalista científico deve justificar seu trabalho tornando possível


para os cidadãos compreender a ciência e fazer algum uso dela em
benefício da sua vida cotidiana. Isso requer mais do que apenas traduzir a
ciência em palavras comuns por meio de analogias geniais, metáforas e
gráficos animados. (MBARGA; FLEURY, 2009, 99)

A comunicação da ciência para Epstein e Bertol (2005) ou “a passagem da informação


produzida pelos cientistas ao público”, encontram obstáculos de natureza lingüística,
semiótica, epistemológica, deontológica, sociológica, fenomenológica e de comunicação em
massa. Na visão de Epstein (2003) apud Epstein e Bertol (2005) encontramos alguns pontos
que elucidam esses obstáculos de transição da comunicação primária para a comunicação
secundária: a comunicação primária está submetida ao empirismo lógico, apodíctico, ou
irrefutável, porém a comunicação secundária possui sensível componente retórico,
questionando essas irrefutabilidades; a cultura científica enxerga as novidades da área ou as
descobertas como sujeitas a verificação, ao empirismo lógico, ou falsificação, o que Burkett
(1990) corrobora ao dizer que a ciência como método se apóia na capacidade de um
experimentador duplicar os resultados de outro. E complementa: “Alguns cientistas franzem a
testa quanto a dar publicidade a uma „primeira‟ descoberta; eles preferem que uma duplicação
20
por outro cientista ocorra antes que as matérias sejam escritas” (BURKETT, 1990,53); porém
a comunicação secundária, ou a divulgação científica, enxerga as novidades no campo
científico como um evento inesperado, na cultura jornalística, sendo que a comunicação
desses eventos, e o seu possível “furo” está caracterizado no que o autor chama de senso de
oportunidade.
Epstein e Bertol (2005) defendem que do mesmo modo que a ciência, a divulgação
científica também é um discurso. Desse modo se estabelece a relação entre o discurso da
divulgação científica e o discurso do qual esta é originada. Jakobson (1963) apud Epstein e
Bertol (2005) propõe a tradução intersemiótica, que difere da interlinguística. Os autores
também propõem outra forma de relacionar os dois discursos. Baseado na tradição semiótica
de Barthes, os autores relacionam os dois discursos de tal forma que o discurso da divulgação
é uma metalinguagem do discurso científico. Ou seja, ao considerarmos o discurso científico
representando as leis e fórmulas e seus significados contidos nessas expressões, esses
elementos discursivos se tornarão o conteúdo do discurso de divulgação científica (EPSTEIN;
BERTOL, 2005). No entanto, não é a partir desse ponto de vista semiótico que analisaremos
como é realizado o trânsito da comunicação primária (CP), ou interpares, para a comunicação
secundária (CS). Esse movimento será explicado pela concepção da espiral da cultura
científica.

1.3│ A divulgação científica: democrática e necessária

Para explicar a divulgação científica e sua inserção no dia-a-dia são designados


termos como alfabetização científica, popularização científica ou concepção pública da
ciência. Vogt (2003) amplia essa terminologia para cultura científica, defendendo que o
processo que envolve o desenvolvimento científico é um processo cultural quer seja ele
considerado do ponto de vista de sua produção, de sua difusão interpares, ou na dinâmica
social do ensino e da educação, ou ainda do ponto de vista de sua divulgação na sociedade,
para o estabelecimento das relações críticas necessárias entre o cidadão e os valores culturais,
de seu tempo e de sua história.
O termo cultura científica, por sua vez, remete a sentidos múltiplos, que podem ser
entendidos como: cultura da ciência, que designa cultura gerada pela ciência e a cultura
própria da ciência; cultura pela ciência, que pode representar a cultura por meio da ciência e a
21
cultura a favor da ciência e cultura para ciência que significa a cultura voltada para a
produção da ciência e a cultura voltada para a socialização da ciência (VOGT, 2003).
A dinâmica da cultura científica para Vogt (2003) pode ser explicada pelo seguinte
ciclo, onde os quadrantes relacionam-se entre si, não sendo uma etapa isolada. No primeiro
quadrante estaria a produção e difusão da ciência onde teríamos a comunicação primária ou
interpares entre os cientistas. No segundo quadrante está o ensino da ciência e a formação de
cientistas, onde os cientistas transmitem seus conhecimentos a estudantes; o terceiro
quadrante comporta o ensino para a ciência, onde as instituições de pesquisas, museus,
facilitam a promoção científica na sociedade e no quarto está à divulgação científica onde
jornalistas e cientistas seriam os destinadores, e os destinatários seriam constituídos pela
sociedade em geral, o que tornaria o cidadão a instância principal dessa interlocução da
cultura científica.
Desta forma, a compreensão do trânsito da comunicação primária para comunicação
secundária pelo ponto de vista elaborado por Vogt (2003), propõe uma visão esquemática
identificando as fontes de transmissão e seus destinatários. Para Brotas (2010), a cultura
científica visualizada pelo ponto de vista da espiral seria fruto da interação entre
pesquisadores, divulgadores, instituições do campo da ciência e da comunicação, que em a
articulação permanente expõe um conjunto de representações de normas, valores e pautas de
conduta que seriam considerados importantes para a compreensão da realidade cotidiana de
um grupo ou de toda a sociedade. O que também pode ser levado em consideração ao olhar
esse modelo é que ele não representa de forma completa a dinâmica da divulgação. Do ponto
de vista da seqüência que ele segue (o ciclo do primeiro quadrante ao quarto quadrante),
pode-se observar que não necessariamente esse encadeamento é respeitado. Podemos observar
que na imprensa ou também na produção bibliográfica que as descobertas científicas recém-
saídas dos laboratórios são divulgadas ao público em geral, seja nas revistas especializadas
em ciência, mas destinada ao público de não-cientistas, como em livros, artigos e papers
disponíveis na internet.
Sobre essa perspectiva da espiral Oliveira (2001) reflete que a divulgação da C&T
deve partir inicialmente de suas fontes primárias, que são os responsáveis pelo planejamento e
distribuição dos recursos – os órgãos governamentais – e a comunidade científica concentrada
nas universidades e instituições de pesquisa, responsáveis pela produção da C&T. Esse dever
é justificado pela necessidade desses órgãos em prestar contas à sociedade sobre as

22
realizações na sua área, o que contribui para a formação educacional e cultural da população.
Oliveira (2001) ainda afirma que a divulgação científica aproxima o cidadão comum dos
benefícios que ele tem o direito de reivindicar para a melhoria do bem-estar social.
Além da identificação dos atores participantes do processo de divulgação científica, a
espiral representada acima, em sua forma cíclica, não regressa ao ponto de partida original.
Para Vogt (2003) a nova espiral parte de um ponto ampliado de conhecimento e de
participação do cidadão no processo dinâmico da ciência e de suas relações com a sociedade,
abrindo-se com a sua chegada ao ponto de partida, em não havendo descontinuidade no
processo, um novo ciclo de enriquecimento e de participação ativa dos atores em cada um dos
momentos de sua evolução, por isso é que surge um novo ponto de partida para a cultura
científica.
Esse trânsito entre o discurso científico e o de sua divulgação, ou a saída da
informação científica de uma linguagem especializada para uma linguagem não especializada,
é chamada comumente de vulgarização, para esse termo Charaudeau (2009) postula o
seguinte pensamento:

A vulgarização, nas mídias, não se limita a procurar “explicar com


simplicidade”, como se diz com freqüência nas escolas de jornalismo.
Aliás, explicar com simplicidade não pode ir além da utilização das
categorias de pensamento mais comuns possíveis a uma população em
seu conjunto: esquemas de raciocínio simples, ou mesmo simplistas,
saberes compartilhados (lugares-comuns, estereótipos) que pouco têm a
ver com o que norteou a explicação original, técnica ou especializada.
Quanto mais uma explicação for precisa e detalhada, inscrevendo-se
numa reflexão sistêmica pela ação de um especialista, menos ela será
comunicável e explorável fora do campo de inteligibilidade que a
produziu. (CHARAUDEAU, 2009, 62)

A vulgarização da ciência ocorre por que existem os que se dizem especialistas e o


público leigo e da necessidade de comunicar a informação científica para fora do seu círculo
de pares. Na contramão desse pensamento Leblond (2006) critica essa dicotomia. Essa
posição faz parte de dois pontos de vista que o autor defende no que se refere às questões
relativas entre o público e a ciência. Primeiro o autor analisa o termo percepção pública da
ciência (public understanding of science), onde admite que muitos cientistas acreditam que a
problemática envolvendo a ciência e o público está relacionada a compreensão, ou falta desta,
do conhecimento científico. Ou nas palavras de Leblond (2006, 31), “queremos acreditar que,
se o público não aprova ou não apóia o desenvolvimento da ciência, como ocorria no passado,

23
isto se deve ao fato de que não a compreende”. Porém o autor ressalta a necessidade de os
cientistas admitirem que a questão não é o conhecimento, mas o poder. Ele defende, dessa
forma, a participação de não-cientistas no processo de construção da ciência para que possam
intervir nos rumos de pesquisas e no desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

o problema (...) refere-se essencialmente à possibilidade de democratizar


as escolhas científicas e tecnológicas, que, devemos admitir, passam por
cima dos atuais procedimentos democráticos. Ao destacar essa questão
essencialmente política, ultrapassamos o âmbito da “percepção pública da
ciência” (...), pois o problema não esta apenas em compartilhar o
conhecimento, mas, em primeiro lugar, em compartilhar o poder.
(LEBLOND, 2006, p. 31)

O segundo ponto de vista defendido por Leblond (2006) e já citado acima, como ponto
de partida para se pensar a vulgarização, é a existência dos especialistas (cientistas) e o
público leigo (não-cientistas). O autor ressalta que na atualidade essa dicotomia deixou de
existir. Os cientistas, para o autor, já não são mais diferentes do público, salvo se levarmos em
consideração suas áreas de especialização. Muitos cientistas, para esse ensaísta e crítico da
ciência, são incapazes de compreender os conhecimentos de outras áreas, dominam somente
uma parcela limitada do conteúdo científico e não tem nenhum conhecimento do contexto em
que este se produz. Através dessas acepções Leblond (2006) convida a comunidade científica
a reconhecer sua limitação.

Devemos abandonar essa representação equivocada da realidade, legado


da divisão que se fazia, no século XIX, entre os cientistas, detentores de
um conhecimento geral e universal, e o público ignorante e indiferenciado
no qual era preciso transmitir conhecimento. Está mais do que na hora de
nós, cientistas, mostrarmos um pouco mais de modéstia e admitirmos que
nosso conhecimento é na realidade muito limitado. (LEBLOND, 2006, p.
32)

Surge dessa dicotomia o que C.P. Snow (1963) chama de “duas culturas”. São duas
formas de se expressar para o mundo, uma do cientista e uma literata ou dos não-cientistas.
Leblond (2006) mostra-se contrário essa concepção, pois para o autor o termo cultura só pode
ser pensado no singular, a cultura é uma e indivisível. A capacidade de estabelecer relações
orgânicas com as dimensões das atividades humanas é característica peculiar da cultura.
Segundo o autor isso explica o motivo da ciência manter-se afastada da cultura letrada,
sugerida pela separação de cientistas e não-cientistas, não somente pela posição que ambos
ocupam, mas pelo conhecimento que o primeiro grupo detém.
24
Para se pensar a divulgação da ciência é necessário primeiro a (re)inserção da ciência
na cultura. Isso requer uma mudança profunda no fazer científico. Leblond (2006) aponta que
no século XX, os pesquisadores começam as se projetar como pessoas dedicadas a produção
de novo conhecimento, repetindo esse desenvolvimento os passos que se ocorreram na
indústria: especialização, fragmentação e hierarquização. Porém esse modelo já se encontra
em declínio. Para tanto a saída para esste está na formação dos cientistas. O autor propõe que
a resposta está na reconciliação entre as diferentes tarefas que constituem o trabalho do
cientista, para que cada um possa compartilhar com os outros o conhecimento.
Dentro dessa formação há também a necessidade de inserir o conhecimento sobre a
história da ciência, pois para o desenvolvimento da ciência é preciso o conhecimento mais
profundo de seu percurso. Leblond (2006) diz que a ciência não pode ser compreendida como
diferente da arte, filosofia ou literatura, sendo dissociada de sua história. O objetivo da
divulgação científica reside então para esse autor como muito além do compartilhar as
informações científicas, seu trabalho inclui a possibilidade de que os membros de nossa
sociedade passem a ter uma compreensão não só dos resultados das pesquisas, mas da própria
natureza de sua atividade. Isto seria para Leblond (2006) uma mudança na ciência de forma
que essa se dilua na democracia.
A justificativa que os cientistas empreendem para explicar o seu trabalho de
construção de objetos científicos e elaboração de leis e teorias que os interliguem é a
uniformidade da natureza. Carnap (1970) apud Epstein (2006, 16) explica que “se a
freqüência relativa de uma propriedade ao longo de uma serie inicial é alto, então será
provavelmente alto numa continuação suficientemente longa da série.” O contrário de mundo
em uniformidade é o caos. Para Epstein (2006) o mundo caótico é aleatório, não exibindo
ordem alguma, e nenhuma ciência pode descrevê-lo.
O conhecimento científico dessa uniformidade da natureza é postulado em suas leis,
sendo esses fenômenos naturais independente dos desejos e intenções humanas. Epstein
(2006) esclarece que, sem levar em conta as filosofias idealistas e as epistemologias relativas,
o pensamento científico postula uma natureza objetiva. Esse conhecimento relativo da
natureza estabelece para o autor relações de poderes com a própria natureza como para os
grupos sociais.

O poder do conhecimento científico provém do aproveitamento, através


de generalizações e interpretações teóricas, das leis e regularidades
descobertas e isto tanto pode se referir às regularidades dos fenômenos
25
naturais quanto às regularidades dos fenômenos sociais. Mais ainda, o
poder sobre os fenômenos naturais por parte de indivíduos ou grupos
acaba por lhes possibilitar o exercício do poder sobre outros indivíduos ou
grupos. (EPSTEIN, 2006, 17)

É ancorado nessas relações de poder que Leblond (2006) propõe as mudanças na


ciência, na quebra da dicotomia entre especialistas e o público, e numa visão mais
democrática do desenvolvimento científico.
A sociologia da ciência também nos permite visualizar essa relação de poder na
ciência. Em seu texto O campo científico, Bourdieu (1983) diz que o campo científico,
enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores) é o
lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial. Nesse espaço o que está em disputa é o
monopólio da autoridade científica, que pode ser entendida como a capacidade técnica e o
poder social, ou o monopólio da competência científica “compreendida enquanto capacidade
de falar e de agir legitimamente” (BOURDIEU, 1983, 122-123) de maneira autorizada e com
autoridade. A análise de Bourdieu (1983) vai mais além. Para o sociólogo o que é percebido
como importante na ciência é aquilo que se torna igualmente importante para os outros ou
“aquilo que tem a possibilidade de fazer aparecer aquele que o produz como importante e
interessante aos olhos dos outros” (BOURDIEU, 1983, 125). Para o autor na determinação do
que é ou não importante existe uma lógica de obtenção de um lucro simbólico.

é preciso supor que os investimentos se organizam com referência a uma


antecipação − consciente ou inconsciente − das chances médias de lucro
em função do capital acumulado. (...) a tendência dos pesquisadores a se
concentrar nos problemas considerados como os mais importantes se
explica pelo fato de que uma contribuição ou descoberta concernente a
essas questões traz um lucro simbólico mais importante. (BOURDIEU,
1983, 125)

Na visão de Bourdieu (1983) toda escolha científica é uma estratégia política de


investimento objetivamente orientada para a maximização do lucro propriamente científico,
isto é, a obtenção do reconhecimento de pares-concorrentes.
Avançando a questão democrática prevista por Leblond (2006), Jurdant (2006) vê na
divulgação científica a possibilidade de uma interação sociocultural das ciências. Retomando
o pensamento de Dupuy (2006), o autor acredita que toda atividade intelectual para que se
torne cultura é preciso um retorno reflexivo sobre seu fazer, que entre em comunicação com o

26
que ele não é. Para Jurdant (2006) se divulga para compreender através do retorno reflexivo, o
que se faz.

Mas o que confere a essa forma um significado singular é o fato de que


estabelece uma relação entre a necessidade de uma melhor compreensão
de sua própria atividade (...) e o ato e divulgar, ou seja, o ato que consiste
em tentar fazer compreender aos outros – e, inclusive, a um público de
não-especialistas - os conhecimentos do especialista. (JURDANT, 2006,
46)

O objetivo da divulgação científica, dessa forma, é retirar do contexto de origem os


saberes e conhecimentos restritos a uma dada comunidade tornando pública a compreensão da
ciência. Ao aproximar a ciência do público, a divulgação permite socializar o conhecimento
científico à população a qual esse saber deve ser explicitado. Além desse conhecimento da
prática científica, a divulgação científica, seja na forma do jornalismo, como apontada em
Bueno (2007), permite a prestação de contas à população dos investimentos realizados em
pesquisa e desenvolvimento.
Existe para Veras Junior (2005), uma diferença entre jornalismo científico e
divulgação científica. O primeiro em sua concepção é praticado por profissionais da
informação que trabalham em veículos especializados, já o segundo é designado ao grupo de
pesquisadores e acadêmicos que trabalham com a propagação da informação científica, as
duas como quer o autor citando Bueno (1984), constituem parte do que se chama de difusão
científica. A difusão científica é um conceito geral que para Zamboni (2001) apud Veras
Júnior (2005) encampa a disseminação científica, voltada para os pares (que é chamada, como
já explicado, de comunicação inter/extrapares) e a divulgação científica destinada a um
público mais amplo.

A difusão pode ser pensada em pelo menos dois níveis: segundo o nível
do discurso (ou linguagem), em que as informações são elaboradas, e
segundo o perfil da audiência a que elas se destinam, sendo 1) difusão
para especialistas e 2) difusão para o público leigo, o cidadão comum
(BUENO, 2009, 160).

Em uma análise mais atual Bueno (2009) define a divulgação científica como a
utilização de recursos, técnicas, processos e produtos (veículos ou canais) para a veiculação
de informações científicas, tecnológicas ou associadas a inovações ao público leigo. O autor
salienta que a divulgação científica pressupõe um processo de recodificação, isto é a

27
transposição de uma linguagem especializada para uma linguagem não especializada, com o
objetivo primordial de tornar o conteúdo acessível a uma vasta audiência.
A divulgação científica não se restringe aos meios de comunicação de massa, o que
não a faz coincidir com o conceito de jornalismo científico. Podemos observar sua ação em
livros didáticos, palestras de cientistas ou pesquisadores abertas a não-cientistas e o uso de
outros recursos como histórias em quadrinhos e folhetos. Dessa forma Veras Júnior (2005)
analisa que jornalismo científico e divulgação científica não são campos antagônicos, mas
complementares, por que ambos estão voltadas a um perfil de audiência mais amplo. Bueno
(2009) diz que o que difere as duas modalidades não é o objetivo do comunicador, ou o tipo
de veículo utilizado, mas as características particulares do discurso utilizado ou do sistema de
produção que o define.
Outro ponto de vista, por sua vez, conjectura diferenças estruturais entre o jornalismo
científico e a divulgação científica, que residem nas formas em que são produzidas,
dialogando com a percepção de Bueno (2009), demonstrado acima. Para Zamboni (2001) nem
tudo que fala de ciência e está escrito em jornais e revistas é jornalismo, como os fascículos
sobre história da ciência e tecnologia. Para a autora apesar de próximos jornalismo e
divulgação científica não são a mesma coisa; embora se destinem ao público de não-
cientistas, com o objetivo de democratizar as informações científicas, a divulgação da ciência
não é jornalismo. Sendo que o jornalismo científico é um caso particular de divulgação, o
primeiro obedece a um padrão de produção jornalístico.

O Jornalismo Científico, que deve ser em primeiro lugar Jornalismo,


depende estritamente de alguns parâmetros que tipificam o jornalismo,
como a periodicidade, a atualidade e a difusão coletiva. O Jornalismo,
enquanto atividade profissional, modalidade de discurso e forma de
produção tem características próprias, gêneros próprios e assim por
diante. (ZAMBONI, 2001, 46-47)

O interesse de pontuar aqui as diferenças que predominam nesses conceitos justifica-


se, pois ao decorrer do texto poderão confundir-se alguns conceitos ou generalizá-los. O
jornalismo científico será analisado no capitulo seguinte; porém como está contido na
divulgação científica, é necessário tomar cuidado ao tratar o jornalismo científico como
sinônimo de divulgação para que não se torne um lugar comum e que não se confunda os
processos, lógicas e, sobretudo os interesses jornalísticos a todo e qualquer tipo de
divulgação.
28
2│ Jornalismo Científico
2.1│Histórico do Jornalismo Científico

O desenvolver da imprensa, com a prensa de tipos móveis, no século XV propiciou o


surgimento, mesmo que incipiente, do jornalismo científico. A difusão da imprensa na Europa
abriu o caminho para a formação de um círculo de cientistas que faziam com que suas idéias e
ilustrações científicas fossem disponíveis à população letrada da época (OLIVEIRA, 2005).
Segundo Oliveira (2005) entre a publicação em 1455 da Bíblia de Gutemberg, e o
desenvolvimento do jornalismo científico passou-se dois séculos. Em 1610 (um ano antes
surgem na Alemanha os primeiros jornais com periodicidade regular) o italiano Galileu
Galilei publica o livro Mensageiro Celeste, onde o autor em linguagem coloquial torna
acessível ao público seu relato da descoberta das luas de Júpiter. Porém, para Oliveira (2005)
o auge do jornalismo científico foi nos séculos XVI e XVII durante a Revolução Científica.
Oliveira (2005, 18) define essa revolução como “implicava não somente
desenvolvimentos estritos no campo da ciência e da técnica, mas transformações mais amplas
na filosofia, na religião e no pensamento social, moral e político”. Quem assume importância
nesse período é a Inglaterra, onde a partir do século XVII, começa intensa circulação de cartas
expedidas pelos cientistas que divulgavam suas idéias e novas descobertas (OLIVEIRA,
2005). Para a mesma autora, se na Inglaterra o jornalismo científico se desenvolveu, seu
pioneiro, no entanto, foi o alemão Henry Oldenburg.

A combinação do caráter informal e fragmentado das cartas com o


potencial alcance do texto impresso foi logo percebida por Oldenburg,
que com sua capacidade empreendedora inventou assim a profissão de
jornalista científico. (OLIVEIRA, 2005, 19)

Oldenburg foi também criador, em 1665, do periódico Philosophical Transactions,


que durante mais de dois séculos permaneceu como modelo para as publicações científicas.
Essa publicação que não rendia a seu fundador retorno financeiro, só foi reconhecida como
publicação oficial da Real Sociedade Britânica um século após a sua morte (OLIVEIRA,
2005).
Para Burkett (1990) a redação científica, surgiu antes do jornalismo científico. Para o
autor a redação científica tem início no século XVI quando os primeiros cientistas se

29
defrontavam com a censura de suas atividades pela Igreja e pelo Estado. Surge então um fato
peculiar: para evitar a repressão muitos cientistas se encontravam as escondidas em várias
cidades para informar aos pares suas descobertas relativas às ciências naturais, dessas
reuniões brotou a tradição da comunicação aberta e oral da ciência.
Foi em Napoli na Itália que surgiu a primeira sociedade que reunia cientistas para
discutirem suas experiências. Em 1560 foi fundada a Accademia Secretorum Naturae. Em
Roma existia a Accademia dei Licei, durando de 1603 a 1630. Pode-se citar também a
Accademia del Cimento, na Florença (BURKETT, 1990). Na Inglaterra surge, fundada por
Francis Bacon em 1662 a Royal Society for the Improvement of Natural Knowledge. Luis
XIV, em 1666 estabeleceu em Paris a Académie des Sciences e Frederico da Prússia em 1700
cria a Academia de Berlim, todos os empreendimentos serviam para que os cientistas se
reunissem com facilidade.
Os cientistas então começam a redigir cartas e livros em latim para estabelecer a
comunicação entre os pares nas cidades e nas sociedades, as cartas foram preferidas por que,
com a imprensa móvel, podiam ser reproduzidas e enviadas para os outros cientistas.
Assim como Oliveira (2005), Burkett (1990) reconhece o alemão Henry Oldenburg
como propagador do jornalismo científico. Ele é reconhecido pelo autor como “pai” desse
jornalismo especializado. Para Burkett (1990) através do domínio de varias línguas,
Oldenburg pode traduzir textos de vários idiomas para o inglês e latim. Foram através dessas
cartas, por exemplo, que o mundo tomou conhecimento do invento de Antoni van
Leeuwenhoeck, o criador do microscópio, quando este examinou gotas de água com a mesma
lente de aumento usada para costurar roupas. Sobre esse fenômeno Burkett (1990) escreve:

Muito do que era publicado podia ser compreendido por qualquer das
pessoas pouco letradas da época. À medida que a cultura aumentava, as
primeiras versões de jornais e revistas apareceram na Inglaterra e Europa,
e seus publishers editores-impressores reescreviam e imprimiam seus
artigos dos periódicos científicos de modo que pudessem interessar seus
leitores. (BURKETT, 1990, 28)

Durante os séculos XVII a XIX a ciência se desenvolveu de forma exponencial na


Europa principalmente nos países da Europa Central e Ocidental. Segundo Oliveira (2005) a
passagem do título de 'nação mais avançada cientificamente' da Inglaterra para a França, nos
séculos XVIII e XIX, e da França para a Alemanha no início do século XX, contribuiu na
dispersão do jornalismo científico no continente. Na América, segundo Oliveira (2005) o
30
modelo de colonização expansionista engendrado nos Estados Unidos da América permitiu
sua total ocupação. O conhecimento científico e tecnológico foi desde o início reconhecido
como fundamental para a nova nação que surgia. O crescimento das publicações também
seguiu essa dinâmica. Seguindo a tradição dos relatos, herdada da Europa, principalmente dos
colonizadores ingleses, logo existiu um boom nas publicações especializadas. Em 1869, os
americanos lançaram o American Journal of Science, para noticiar as sociedades científicas.
O Scietific American, uma importante fonte para os veículos de massa, surgiu nessa época em
1845, pode-se destacar também o American Naturalist, da década de 1860, o Science News,
em 1878, a Popular Science em 1872 e se não o mais importante, o de maior repercussão, a
revista Science, em 1880. Para ilustrar o caráter da Science, um de seus editores Daniel Coit
Gilman escreveu: “Science nunca será uma leitura fácil e nunca irá entreter quem procura
curiosidades”. A Science foi adquirida em 1945 pela AAAS, por 250 mil dólares e hoje é a
revista oficial da Associação Americana para o Progresso da Ciência (BURKETT, 1990).
Nos Estados Unidos, por sua vez, E. W. Scripps criou o primeiro serviço de notícias
científicas no país, em 1921. Segundo Oliveira (2005) a fato de a população adquirir por meio
da imprensa (na época da fundação do Science Service) educação e informação e serem
instruídas com qualidade e rapidez nos assuntos que a interessam, serviram de justificativas
para Scripps fundar o serviço. Muitos jornalistas científicos, incluindo os do Science Service,
sentiram a necessidade da criação de uma entidade para a defesa de seus interesses. Além
disso, esse grupo argumentava que existia muita ciência para noticiar, mas pouco interesse
editorial na veiculação das notícias. Esses jornalistas acreditavam que poderiam ter um
melhor relacionamento com as fontes se estivessem reunidos em uma entidade associativa
(OLIVEIRA, 2005). Foi nesse contexto que em 1934 os jornalistas científicos reunidos em
Washington criaram a NASW (Associação Americana de Escritores de Ciência), com o
objetivo em linhas gerais de promover a disseminação de informações precisas sobre a
ciência, em todos os meios dedicados à informação pública.
As duas grandes guerras mundiais contribuíram para o avanço do jornalismo científico
na Europa e nos Estados Unidos. Para Oliveira (2005) nesse período os jornalistas europeus e
norte-americanos ávidos por informações sobre as novas armas da indústria bélica, criaram as
primeiras associações de jornalismo científico, com o objetivo de “relatar o que os cientistas
estavam fazendo” (OLIVEIRA, 2005, 20). Assim em 1945, Richard Calder e outros cientistas

31
criaram a Associação Britânica de Escritores de Ciência. Em 1971 surge a EUSJA a União
Européia das Associações de Jornalismo Científico.
O Brasil, entretanto, ficou a margem do desenvolvimento científico observado no
século XIX. Para Oliveira (2005) esse atraso tem sua origem na proibição da publicação de
livros e jornais, que foi suspensa no início do século XIX quando aqui chegou a corte
portuguesa. As escolas de nível superior só surgiram, segundo a autora, na segunda metade do
século XIX e as primeiras universidades na década de 1930, quando foram surgir as primeiras
associações de escritores de ciência no exterior, como foi citado acima.
A situação política em voga no Brasil também contribuiu para o atraso verificado no
desenvolvimento da ciência e do jornalismo científico. Segundo Oliveira (2005) na história da
República tivemos 30 presidentes, entre eles 7 militares e dois longos períodos de ditadura: o
Estado Novo (1937-1944) e a Ditadura Militar (1694-1985). Na história política do Brasil foi
dessa forma 28 anos de censura e 389 anos de submissão a monarquia portuguesa, ou seja,
417 anos de repressão e cerceamento da liberdade de expressão.
Para Oliveira (2005), a imprensa brasileira já nasce atrelada ao poder oficial. Em 10 de
setembro de 1808 sai das oficinas da Impressão Régia, pertencente a corte portuguesa, a
primeira edição da Gazeta do Rio de Janeiro. O primeiro jornal independente do Brasil era
dirigido e redigido em Londres, o Correio Brasiliense, também foi fundado em 1808.
A compreensão sobre o atraso científico e tecnológico no Brasil não passa somente
pelo entendimento da situação política na qual o país estava. Para Oliveira (2005) o tipo de
colonização desenvolvida no território brasileiro, a de exploração, também pode estar
relacionada a essa carência. Para a autora a pesquisa científica no Brasil era incipiente até o
final do século XIX e começou a se desenvolver em meados do século XX.
Esse desenvolvimento segundo a análise de Oliveira (2005) iniciou-se no final do
Estado Novo na década de 1940. A partir dessa época a ciência brasileira passou a preencher a
agenda governamental e da sociedade. Um desses passos para ao desenvolvimento foi a
criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), após a Segunda Guerra
Mundial, em 1948. Outras atitudes também foram praticadas.

A criação do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), em janeiro de


1951, representou o primeiro esforço significativo nacional de
regulamentar a ciência e a tecnologia no país. Durante mais de três
décadas, até a criação do ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em
1985, o CNPq foi o principal órgão responsável pelas ações de C&T
empreendidas pelo governo federal. (OLIVEIRA, 2005, 28)
32
O CNPq passou por algumas mudanças ao longo de sua existência. A primeira foi em
1974 quando passou de autarquia a fundação, onde foi renomeado para Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico, se vinculando a Secretaria de Planejamento, já em
1985 passou a se subordinar ao Ministério de Ciência e Tecnologia (OLIVEIRA, 2005).
No tocante ao processo de divulgação científica Oliveira (2005) baseada numa
pesquisa para a dissertação de Luisa Massarani, ressalta a importância de veículos como a
Revista Brazileira (1857), a Revista do Rio de Janeiro (1876) e Revista do Observatório
(1886) como iniciativas de divulgadores científicos e jornalistas no século XIX. A autora
identifica no trabalho do jornalista Euclides da Cunha o pioneirismo no jornalismo científico
brasileiro quando publicou o livro Os Sertões (1897), na época em que Euclides realizou a
cobertura da Guerra de Canudos a serviço do jornal O Estado de S. Paulo. Suas viagens
resultaram em inúmeras anotações, consultas a estudiosos e leituras que o fizeram publicar o
livro.

Euclides preconiza o jornalismo científico e ambiental contextualizado e


interpretativo, no qual a informação científica dá suporte à compreensão
da realidade. (OLIVEIRA, 2005, 33)

O segundo nome lembrado por Oliveira (2005, 33) é o do médico e jornalista José
Reis. Nas palavras da autora J. Reis é “considerado o patrono do jornalismo científico no
Brasil”. O trabalho de J. Reis se notabilizou pela coluna na qual escrevia na Folha de S. Paulo
desde 1947 até 2002, ano de seu falecimento. No final da década de 1940 Reis fundou junto
com outros cientistas a já referida Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),
no ano de 1948. J. Reis também foi um dos fundadores da Associação Brasileira de
Jornalismo Científico (ABJC), em 1977, na qual foi o primeiro presidente da associação.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, teve um papel central
para o jornalismo científico no Brasil. Assim como nos Estados Unidos, a AAAS (em
português, Associação Americana para o Progresso da Ciência), fundada em 1848 (um século
antes de sua similar no Brasil!) contribuiu para a formação da NASW (surgida da iniciativa de
jornalistas que cobriam os eventos da AAAS), a SBPC, segundo Oliveira (2005), além da
divulgação científica, durante o período de Ditadura Militar essa sociedade posicionou-se de

33
forma resistente criando uma trincheira nesse período, já que os militares enxergavam a
entidade como divulgadora de conceitos exógenos e de opiniões políticas contra o regime.
A ABJC por sua vez tem promovido ao longo de sua existência uma série de eventos
em forma de congressos, seminários, palestras, cursos e outros, com o objetivo de promover e
disseminar a ciência e a tecnologia no país (OLIVEIRA, 2005). Para a autora, diferente da
NASW, que conta com mais de três mil associados, a Associação Brasileira de Jornalismo
Científico, conta com uma pequena participação de jornalistas ligados aos meios de
comunicação, sendo que sua composição é preenchida com assessores de imprensa de
entidades de ciência e tecnologia e alguns professores e pesquisadores da área.
O jornalismo científico no Brasil despontou nos anos 1980, quando segundo Oliveira
(2005), sugiram as revistas Ciência Hoje (SBPC) e Ciência Ilustrada (Editora Abril),
seguindo essa tendência nos anos 1990 a Editora Abril lança a Superinteressante, e também a
programação televisiva ganha programas como Globo Ciência (TV Globo) e Estação Ciência
(na antiga TV Manchete), também à mesma época o CNPq reeditou a Revista Brasileira de
Tecnologia (RBT).
Atualmente, fora do mercado editorial de revistas e jornais, se destacam os sítios na
web que se propõem a divulgação científica. Um exemplo disso é o site da revista online
ComCiência, uma revista que na sua composição conta, além de jornalistas, com sociólogos,
historiadores, biólogos, cientistas sociais, químicos e profissionais de outras áreas do
conhecimento1, formando uma ferramenta multidisciplinar. O portal ComCiencia foi tema de
pesquisa em Porto (2009) quando a autora defende a hipótese de que jornalismo científico
pode agir como elemento moderador, na sociedade da informação (SI), entre a ciência e o
público leitor. E esse não é o único caso de divulgação/jornalismo científico na rede. Na
Bahia, temos o blog Ciência & Vida, que pertence ao A Tarde Online, editado por Cláudio
Bandeira.
Outros também se destacam. Em uma rápida demonstração, Porto e Moraes (2009)
realizaram um estudo com três experiências. O ABC (Anel de Blogs Científicos)2 foi criado
pelo Laboratório de Divulgação Científica do Departamento de Física e Matemática, da

1
Relação de profissionais disponível em: http://www.comciencia.br/comciencia/ handler.php? module=com
ciencia&action=view&section=11
2
Disponível em: http://anelciencia.wordpress.com/

34
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, que pertence a USP. O ABC
funciona na lógica dos webrings, que são, na definição de Recuero (2003):

círculos de bloggeiros que lêem seus blogs mutuamente e interagem


nestes blogs através de ferramentas de comentários. Os blogs são linkados
uns nos outros e formam um anel de interação diária, através da leitura e
do comentário dos posts entre os vários indivíduos, que chegam a
comentar os comentários uns dos outros ou mesmo deixar recados para
terceiros nos blogs. Portanto, num webring, como o definimos aqui,
temos um grupo de pessoas, mais do que um grupo de links (RECUERO,
2003, 6).

O ABC além de divulgar ciência é um repositório, que segundo Porto e Moraes (2009)
abriga noventa blogs (na época da pesquisa; em outubro 2010, esse número chega a 216) que
tratam de divulgação científica, escritos por especialistas em diversas áreas do conhecimento.
Qualquer blogueiro que escreva sobre ciência pode ter o blog no Anel, bastando realizar um
cadastro. Destacam-se nesse estudo o blog Roda de Ciência3 que contava com 25
colaboradores (PORTO; MORAES, 2009) e agora conta com 23 membros e se relaciona com
24 outros blogs. Outra iniciativa citada no estudo é o Lablogatórios 4, fundado em 2008 com
esse nome e atualmente é chamada de Science Blogs, que pertence à rede homônima, que se
considera a maior rede de blogs científicos do mundo5. É um repositório com 33 blogs
cadastrados.
Enfim, desde a escrita de cartas até o trabalho com o hipertexto a ciência move
interesses e sentimentos, por aqueles que acreditam nessa atividade, mesmo de forma
independente, em prol da sua divulgação, seja de forma jornalística, ou divulgada pelos
próprios especialistas. Pode-se observar também como dessa interface (entre a ciência e sua
divulgação) surge um rico acervo para estudos futuros que podem se debruçar na blogosfera
científica. Existem diferenças conceituais entre divulgação e jornalismo científico que foram
abordadas no capítulo anterior, porém, mesmo dentro do campo jornalístico se faz necessário
revisitar e ampliar alguns conceitos acerca do jornalismo científico.

3
Disponível em: http://rodadeciencia.blogspot.com/
4
Disponível em: http://scienceblogs.com.br/
5
Ver dados em: http://scienceblogs.com.br/sobre.php

35
2.2│Explorando conceitos e suas funções

As definições sobre o jornalismo científico trazem diversas asserções entre os autores


da área. Para Burkett (1990) o jornalismo ou a “redação de ciência” é um dos muitos tipos de
jornalismo especializado, que se detêm em áreas de conhecimento altamente organizadas,
como a física, química, ciências naturais, como a biologia e zoologia. Esse jornalismo
também abrange a aplicação da ciência através da engenharia e tecnologia, da medicina e da
saúde. As ciências sociais e de comportamento também competem ao redator científico.
Para Bertolli Filho (2006) esse jornalismo especializado é um produto elaborado pela
mídia a partir de certas regras rotineiras do jornalismo em geral, que trata de temas complexos
de ciência e tecnologia e que se apresenta, no plano lingüístico, por uma operação que torna
fluída a leitura e o entendimento do texto noticioso por parte do público especializado.
Na visão de Bueno (1984) apud Bertolli Filho (2006) esse jornalismo é um caso
particular de divulgação científica e se refere a processos, estratégias, técnicas e mecanismos
para veiculação de fatos que se situam no campo da ciência e tecnologia. Bueno (2009) afirma
que o conceito jornalismo científico, deve incluir o jornalismo levando em consideração as
suas características primordiais: a atualidade, universalidade, periodicidade e difusão coletiva.
A atualidade refere-se a capacidade de abordar fatos relacionados ao momento presente, a
universidade é a abrangência dos diferentes campos do conhecimento, a periodicidade diz
respeito a manutenção de frequência ou ritmo das publicações (notícias/reportagens), e a
difusão coletiva, significa estar voltado ao grande público.
Numa definição de Melo (1983) apud Bueno (2009), esse jornalismo especializado é
um processo social que se articula a partir da relação (periódica, oportuna) entre organizações
formais e a coletividade por meio de canais de difusão (jornal/revista/rádio/televisão/cinema),
que asseguram a transmissão de informações atuais de natureza científica e tecnológica.
Bueno (2009) ressalta que por não assistir o advento da internet, esse conceito não levou em
consideração, os sites, portais e blogs, e até como esclarece o autor, a possibilidade dessa
prática nos microblogs, com o Twitter.
Alguns conceitos carecem de uma atualização profunda com o passar da práxis
jornalística e o processo de comunicação com o público. Salles (1981) apud Bueno (2009)
compreende o jornalismo científico como a informação persistente dos fatos científicos
veiculada nos meios de comunicação de massa numa linguagem acessível. No entanto, para

36
Bueno (2009) esse conceito, analisando o momento em que foi formulado, reduz o processo
do jornalismo ao ato de informar como um caminho de mão única, o que na observância dos
processos de interação percebidos na grande rede, abrem a possibilidade para a ampliação
desse conceito.

Já existem, especialmente na web, instâncias concretas de interação entre


produtores de conteúdo e receptores. Muitos veículos da grande imprensa
já disponibilizaram aos leitores alternativos reais de complementação do
conteúdo impresso e interação do leitor em seus portais, rompendo o
circuito tradicional da transmissão unilateral de informações
especializadas (BUENO, 2009, 165).

Outra problematização apontada por Bueno (2009) é a linguagem acessível ao grande


público. A questão reside em desvendar que linguagem acessível é essa. Bueno (2009) ainda
põe em discussão se o processo de segmentação observado na imprensa, não pode levar o
jornalismo científico a abranger perfis diferentes de audiência. Para tanto o autor cita os
exemplos do jornalismo científico praticado nos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.
Paulo. Considerando o discurso utilizado nesses veículos e os temas abordados a audiência
restringe-se a algumas centenas de pessoas. Cita-se também a Scientific American Brasil,
Galileu, Superinteressante e Ciência Hoje, padecem do mesmo problema. Na avaliação de
Bueno (2009) a mídia impressa no Brasil atinge diretamente um porcentual bastante
inexpressivo da população brasileira e é necessário rever o que seria esse grande público.
Nem a televisão e o rádio, mídias mais populares, conseguem atingir esse público, pois os
especiais de ciência e tecnologia, não seduzem a totalidade da audiência desses veículos.
O que caracteriza, portanto o jornalismo científico para Bueno (2009), não é a
quantidade de pessoas que constituem a audiência, mas sim o nível do discurso utilizado, o
perfil da audiência (sendo essa integrada por não especialistas) e o sistema de produção que
deve estar sintonizado com a produção jornalística de maneira geral, que tem estruturas de
organização das mensagens, formas de expressão e rotinas bastante singulares. Dentro dessas
características Bueno (2009) acredita que o jornalismo científico deve incluir uma postura
crítica e não aderir ao clamor de cientistas, pesquisadores e até mesmo jornalistas que
proclamam a ciência como instrumento de salvação da humanidade, a serviço da qualidade de
vida.
Como veremos mais a seguir, quando serão discutidos os desafios aos quais o
jornalismo científico tem que superar, essa visão da ciência esconde processos de poder que

37
imperam no campo científico, que vão desse a visão de ciência como mercadoria até o
cerceamento das informações que denunciem supostas práticas ilícitas no fazer científico e
que confronte os interesses de grandes patrocinadores da ciência e, finalmente, a compreensão
do conhecimento científico como tábua de salvação, posto que, como visto em Epstein
(2006), esse conhecimento é também uma forma de manifestação do poder de um grupo
detentor desse saber perante aos outros não conhecedores.

2.2.1│As funções do jornalismo científico

O objetivo do jornalismo científico para Calvo Hernando (1977) apud Bueno (2009)
reside em cinco pilares: a criação de uma consciência em estímulo a divulgação científica;
divulgação dos novos conhecimentos e técnicas; preocupação com o sistema educacional que
fornece recursos humanos para a área; estabelecimento de uma infraestrutura de comunicação
e consideração das novas tecnologias e conhecimentos, democratizando o acesso a ciência e a
tecnologia e o incremento da comunicação entre os investigadores.
Esse jornalismo especializado exerce para a sociedade as funções informativa,
educativa, social, cultural, econômica e político-ideológica (BUENO, 2009). A função
informativa é a própria razão de ser do jornalismo, a veiculação de fatos científicos como
salienta Bueno (2009) é a chave para a compreensão de suas conseqüências econômicas,
políticas e socioculturais. A função educativa do jornalismo científico, sobretudo, no que
compete a sua prática em países subdesenvolvidos, como o Brasil, merece atenção especial.
No país em que o ensino de ciências é precário, para Reis (1967) apud Bueno (2009) a
divulgação ou outras formas de disseminação científica, através do ensino pode ser exercida
de inúmeras formas. Para Acuña (1974) apud Bueno (2009), a formação da opinião pública é
parte da função educativa, ampliando o jornalismo do simples ato de informar, trazendo uma
reflexão critica adjacente a informação.

O jornalismo científico (...) em muitos casos, ele se constitui na única


fonte popular de informações sobre Ciência e Tecnologia. Em um país
como o Brasil, que tem um ensino precário e desatualizado de ciências,
passa a ser a única forma pela qual os cidadãos tomam contato com a
atividade e o impacto do trabalho realizado por cientistas e pesquisadores
(BUENO, 2009, 173)

38
Como função social o jornalismo científico preocupa-se em contextualizar a
informação científica, promovendo um debate de temas de ciência e tecnologia, e levando em
consideração os desejos da sociedade, fazendo-os coincidir com a produção científica e sua
divulgação. Para Bueno (2009) isso está relacionado com a humanização da ciência, processo
que corresponde à interação entre ciência, cientista/pesquisador e a sociedade. Nessa
perspectiva o jornalista científico deve focar a sua responsabilidade social e o dever de
posicionar-se criticamente contra a concepção materialista da ciência. A divulgação de
informações científicas também se insere em uma esfera cultural, não se limitando a reportar
as novas descobertas e inovações tecnológicas. Bueno (2009) analisa que grande parte da
ciência produzida e divulgada se localiza nos países hegemônicos e serve a seus interesses,
possibilitando formas de dominação cultural. Assim esse jornalismo especializado deve atuar
na preservação e valorização das culturas locais e nacionais e repudiar as tentativas de
agressão a os valores da comunidade.
O jornalismo pode aproximar os inventores das novas tecnologias. Pode também
conscientizar a empresários sobre o valor da investigação e a relação custo-benefício do
investimento em pesquisa. Bueno (2009) relata que existe pouca articulação entre os centros
de pesquisa e a iniciativa privada, que pode ser sanado pelo jornalismo. Porém a relação entre
esses centros e o capital nem sempre, ou na maioria das vezes, é sadia. O mesmo autor já
escreveu que: “há uma ciência e uma tecnologia comprometidas atrás dos releases e do
noticiário que se originam de algumas fontes” (BUENO, 2007). Por sua vez, os compromissos
político-ideológicos do jornalismo científico residem em atitudes mais conscientes dessas
práticas não servindo, como alerta Bueno (2009) como mero reprodutor das práticas geradas
nas nações desenvolvidas, que atendem restritamente a seus interesses.
Após explorar alguns conceitos e as funções do jornalismo científico, poderemos
compreender agora suas teorias, estudando seus critérios de noticiabilidade, a definição do
que é notícia, e os desafios a serem vencidos para sua prática, para tanto vale a pena salientar
que como bibliografia, situando o jornalismo enquanto campo, utilizo as definições do teórico
português Nelson Traquina, em Teorias do jornalismo (2005), e para uma visão didática e ao
mesmo tempo encorpada da prática do jornalismo científico as análises de Warren Burkett,
em seu Jornalismo Científico: como escrever sobre ciência, medicina e alta tecnologia para
os meios de comunicação (1990) que mesmo com esse hiato de vinte anos possui uma linha
teórica que ainda é recorrida na literatura sobre o tema, e as atualizações feitas aos seus

39
postulados como Cláudio Bertolli Filho (2006) e Fabíola de Oliveira, em Jornalismo
Científico (2005), que aborda mais especificamente a prática no Brasil.

2.3│A notícia no Jornalismo Científico: uma teoria para a práxis

Como fator contribuinte para a compreensão do jornalismo científico é mister nesse


momento não somente a tentativa de definir, mas traçar as características que compõem a
notícia, insumo principal do jornalismo, para dessa forma caminhar na revisão sobre uma
teoria do jornalismo científico que respalde a análise do corpus dessa pesquisa.
Para definir o jornalismo em seu aspecto teórico, Traquina (2005) usa o conceito de
campo herdado do sociólogo Pierre Bourdieu. Assim como vimos na definição de campo
científico no capítulo anterior, um campo se define como um espaço social estruturado, um
campo de forças. Dessa forma o campo jornalístico para Traquina (2005) é estruturado pelo
pólo ideológico, onde se situa a ideologia profissional que compreende o jornalismo como um
serviço público que proporciona ao cidadão as informações necessárias para exercer seus
direitos em um regime democrático e age como guardião que defende esse mesmo cidadão
dos eventuais abusos de poder. Para o autor, porém, o jornalismo tem se transformado em
negócio e as notícias mercadorias rentáveis, isso o leva a estruturar o que chama de pólo
econômico, que associa o jornalismo com o dinheiro e a práticas como o sensacionalismo, em
que o principal intuito seria vender o jornal. Essas duas características já situam o jornalismo
em um campo de força, entre o pólo ideológico e econômico que justificam a abordagem
escolhida pelo autor.
A notícia por sua vez, na teoria construcionista, não é compreendia como um relato
dos acontecimentos, mas como uma construção. De acordo com Traquina (2005), essa teoria
contesta a noção de que o jornalista é um observador passivo e defende que este é participante
ativo na construção da realidade. Na perspectiva dessa teoria:

as notícias registram as formas literárias e as narrativas utilizadas para


enquadrar os acontecimentos. (...) a necessidade de selecionar, excluir,
acentuar diferentes aspectos do acontecimento - processo orientado pelo
enquadramento escolhido - são alguns exemplos de como a notícia, dando
vida ao acontecimento, constrói o acontecimento e constrói a realidade.
(CAREY, 1986 apud TRAQUINA, 2005, p. 174)

40
A teoria construcionista, para Traquina (2005), é baseada em estudos etnográficos na
comunidade jornalística, que como explica Pena (2008) consiste em o pesquisador conhecer
profundamente a cultura em que está estudando, se apropriar dela, fazendo parte de sua
dinâmica, por que para o autor só assim é possível compreender as atitudes do indivíduo na
comunidade jornalística, fundamental para a concepção da notícia dentro desse modelo, pois
segundo a avaliação de Traquina (2005) a escolha narrativa feita pelo jornalista não é
inteiramente livre, mas “orientada pela aparência que a „realidade‟ assume para o jornalista,
pelas convenções que moldam sua percepção e fornecem o repertório formal para a
apresentação dos acontecimentos, pelas instituições e rotinas” (TRAQUINA, 2005, 174)
Na prática do jornalismo, se segue uma série de técnicas que vão desde a coleta de
informações até a escrita do texto. Esses procedimentos diminuem a chance de o jornalista
cometer erros e distorções na matéria. Burkett (1990) estabelece cinco fatores onde se apóia a
escrita jornalística para a ciência como para outro fim jornalístico, que são: “documentação,
verificação, interrogação, observação e participação” (BURKETT, 1990).
Os periódicos especializados oferecem boas fontes de documentação para os
jornalistas, seu problema na opinião de Burkett (1990) é que seus artigos sofrem uma
desvantagem do ponto de vista jornalístico. Além do seu estilo seco, alguns eventos descritos
pelo jornalista terão ocorridos meses antes, tanto pela duração da pesquisa como pelo tempo
até sua publicação no veículo especializado, perdendo uma das caraterísticas do jornalismo
que é a atualidade. O trabalho de verificação consiste na apuração de outros pesquisadores
que no momento pesquisem também sobre o tema abordado para então formar uma segunda
opinião sobre os fatos. Para Burkett (1990, 75), “o trabalho também contem uma espécie de
verificação por que outros cientistas, supostamente tão informados quanto o pesquisador,
leram o trabalho e verificaram as suposições e os dados quanto a sua plausibilidade”. Essa
pesquisa junto a outros cientistas pode levar a uma avaliação desses trabalhos e também dos
pesquisadores.
A interrogação ou a coleta de notícias científicas por meio de entrevistas diretas com
pessoas responsáveis por nova informação científica é mais um fator para a construção da
notícia. Essa entrevista direta com o pesquisador reduz o risco de distorção nas matérias.
Burkett (1990) enumera algumas perguntas que podem ser feitas para o cientista a fim de
investigar a possibilidade de fraudes e enganos:

41
O trabalho ou resultado contem todos os resultados de todas as
experiências? Até que extensão os dados oferecidos como evidência
foram suavizados em relação aos dados nus? Outros cientistas citaram
esse pesquisador, quanto tempo levou para completar a série de
experiências? O trabalho foi publicado ou aceito para publicação? O
relatório é suficiente para alguém repetir a experiência? Alguém mais a
fez? O pesquisador estava procurando por este fenômeno ou alguma outra
coisa relacionada? Qual foi a contribuição do pesquisador ao trabalho?
(BURKETT, 1990, 107-108)

Burkett (1990) retornando ao problema da precisão aconselha ao jornalista captar o


conceito central ou a imagem geral do conteúdo, antes de entrar em detalhes, e colocar essas
linhas gerais da matéria de forma clara ao público. Em sua analogia “mostre-lhes a floresta
antes de levá-los para as árvores isoladas” (BURKETT, 1990, 81).
Quanto à observação, Burkett (1990) afirma que essa é cada vez mais rara. A maioria
dos eventos significativos não pode ser vistos; o autor diz que muitas descobertas ocorrem na
manipulação de dados, seja nas cabeças dos cientistas ou em longas análises de computador.
Visitas a laboratórios e expedições também podem auxiliar o jornalista, pois como Burkett
(1990, 83) afirma “os cientistas gostariam que houvesse mais redatores de ciência com
experiência em pesquisa”. A participação abre ao redator a possiblidade de contato com o
trabalho do cientista, pois para o mesmo autor não se pode avaliar um problema sem
compreender a localização, as condições ou a experiência física.
No processo de produção da notícia científica existem elementos que determinam esse
processo. Bertolli Filho (2006) cita: as cobranças sociais em relação à mídia, sensibilidade e
conhecimento do editor responsável pela editoria, linha política seguida pelo órgão de
comunicação e o poder das instituições científicas em agendarem temas explorados pelos
meios de comunicação de massa. Somando-se a esses elementos importantes na compreensão
da prática do jornalismo científico existem também barreiras que esse jornalismo impõe,
como por exemplo, o autor ainda aborda que os jornalistas vêem com preconceito as outras
áreas do conhecimento científico, como as Humanidades, baseado no positivismo
mecanicista, ao não as considerarem expressões científicas típicas por não produzirem
verdades universais e incontestáveis, não se encaixando em modelos precisos. A esse respeito
Burkett (1990) salienta que jornalistas e cientistas discordam quanto à precisão dos dados. O
modo de produzir ciência é regido por uma ordem, que segundo Velho (2001), consiste em
descrever passo a passo todas e etapas do trabalho, que serão sistematizadas em: sumário,
apresentação, exposição, enigma, material e métodos, resultados, discussão e finalização.

42
Porém, a realidade para o redator científico, dentro do que se pratica no jornalismo,
consiste no arredondamento de números, ou até sua supressão para que o texto não se
transforme na linguagem hermética do discurso científico. A autora cita em seu trabalho a
recomendação do Manual de Redação do jornal O Estado de São Paulo que diz: “seja claro,
preciso, direto, objetivo e conciso. Use frases curtas. Em qualquer ocasião prefira a palavra
mais simples”. A lógica adotada pelo jornalista é outra, partindo da conclusão do trabalho
(muitas vezes expostas em títulos), sem mencionar as outras etapas, o que não quer dizer que
não tem uma ordem, mas essa não segue a mesma adotada pelo cientista. É a “pirâmide
invertida” que segundo Pena (2008) é um marco na estrutura da narrativa jornalística.

Consiste no relato que prioriza não a seqüência cronológica dos fatos,


mas escala em ordem decrescente os elementos mais importantes, na
verdade, os essenciais, em uma montagem que os hierarquiza de modo a
apresentar inicialmente os mais atraentes, terminando por aquele de
menor apelo (PENA, 2008, 48).

Outra prática na visão dos cientistas que atenta contra a precisão e suas verdades
incontestáveis e que Burkett (1990) traz, é a tradução dos termos técnicos, em analogias e
ilustrações, o que pode simplificar os conceitos científicos e seus métodos.
Mas essa relação entre a ciência e o relato exato de suas descobertas pode esconder
problemas dentro da própria cultura dos cientistas. Enquanto os cientistas desacreditam, pelos
motivos supracitados, o trabalho jornalístico, se avaliarmos a ciência, ela também não trabalha
com a precisão e verdades incontestáveis, pois uma hipótese tida como satisfatória, por
atender a determinados requisitos, pode ser rejeitada, caso outra a supere, deixando a primeira
de ser a “verdade”, e passando o posto para a sua sucessora.

A hipótese permanece apenas “não rejeitada”, sempre disponível para ser


considerada falsa e suplantada por outra hipótese ou teoria mais completa
que explique a realidade de uma maneira melhor. Os pesquisadores
podem agir como se a hipótese ou a teoria fosse provada (verdadeira) até
que se quebre ou seja substituída. (BURKETT, 1990, 96)

Isso resulta uma ambiguidade no fazer jornalístico: como o jornalismo que trabalha
com fatos objetivos pode tratar de temas que ainda não produziram resultados comprovados?
Burkett (1990) responde que o jornalismo prefere fatos estabelecidos e o que não respeita essa
preferência torna-se não confiável. Para o autor, quando os cientistas em seus discursos
afirmam que os dados apoiam a hipótese, os jornalistas aceitam sem haver qualquer protesto
43
de outras áreas científicas, pois é do cientista e não da comunidade científica a
responsabilidade pela pesquisa (BURKETT, 1990). Isso não isenta, porém do jornalista
estabelecer análises críticas por meio de entrevistas e da pesquisa com outros estudiosos. Pois
esse é responsável pelo seu texto e com as informações que passa ao público, a
responsabilidade do jornalista então passa a ser com uma apuração que privilegie a construção
de um texto que garanta a fidedignidade à informação, vindo esta das ciências humanas,
sociais ou exatas.
O grande número de informações à disposição do jornalista bem como o material
obtido através de contrato com agências de notícias impõem critérios de escolha e de
noticiabilidade. Para tanto Burkett (1990) indica esses critérios:
 Senso de oportunidade: Para Burkett (1990), os profissionais da área de comunicação não
difundem informação velha. Se algo já foi publicado anteriormente e algo de novo não é
observado, se descarta essa pauta. O autor adverte, porém que não se pode confundir senso
de oportunidade com imediatismo. Algo que aconteceu no passado pode servir de ganho
para uma matéria atual. Isso pode ocorrer por que como as publicações especializadas que
servem como fontes para os jornais demoram de publicar alguns artigos, o assunto
explorado pela matéria pode não ser novidade para a comunidade científica ou para o
público dos veículos especializados.
 Timing: Esse critério está relacionado com o senso de oportunidade. Para Bertolli Filho
(2006) ocorre quando um evento externo aos novos acontecimentos científicos chama a
atenção pública, podendo segundo Burkett (1990) estar relacionado a algum evento
estanho a ciência.
 Impacto: Para muitos editores a melhor matéria é aquela que afeta o maior número de
pessoas. Esses temas segundo Bertolli Filho (2006) pode não apresentar novidades, mas
como atingem um grande público sempre tem espaço no noticiário. É o que acontece com
temas como medicina e saúde.
 Significado: O significado de alguma informação científica para os leitores, quando essa
vem contextualizada e chamando a sociedade para a sua discussão, pode fazer com que
uma matéria possa ser publicada. Bertolli Filho (2006) diz que é a capacidade dos editores,
redatores e jornalistas em perceberem a importância científica e/ou social de uma nova
descoberta no campo científico.

44
 Pioneirismo: Na visão de Burkett (1990) o pioneirismo e a singularidade trazem em si a
novidade, o furo noticioso que os cientistas às vezes não compreendem. A competição
entre os cientistas para obter os primeiros créditos fazem os jornalistas também entrarem
em competição para serem os primeiros a noticiar o fato. Para Bertolli Filho (2006, 7) “as
atividades dos cientistas e dos jornalistas se aproximam no referente à busca de um “furo”,
isto é, de uma descoberta ou notícia que aponte para um fato novo e que, portanto, atraia a
atenção pública.”
 Interesse humano: Burkett (1990) acredita que os cientistas alimentam uma visão
desapaixonada da ciência e do seu trabalho, situação que pode ganhar outros contornos
com um olhar que capte sentimentos e aspectos importantes do fazer científico e que
consiga transmitir citações que demonstrem fadiga ou júbilo. Como apelam para as
emoções, as matérias de interesse humano podem revelar os bastidores da ciência, pois
relacionado a esse critério está o perfil de personalidade, que são historias de cientistas que
retratam aspectos de sua pesquisa às vezes não abordados.
 Cientistas célebres: Para Bertolli Filho (2006) as entrevistas com autoridades científicas ou
profissionais que acumularam prestígio em suas áreas de atuação chamam a atenção
pública e atraem a leitura de artigos ou audiência a programas de rádio e televisão.
 Proximidade: Quanto mais perto os leitores e espectadores estão do local de um evento,
mais provável será que eles e os editores o considerem de interesse noticioso (BURKETT,
1990). Na concepção de Bertolli Filho (2006, 8):

alguns assuntos que tocam diretamente o cotidiano nacional, como as


consequências climáticas do desmatamento da Amazônia, os efeitos da
poluição nas áreas metropolitanas e os riscos de o país ser palco da gripe
do frango resultam em matérias oferecidas pela mídia que contam com
uma substancial recepção popular.

 Variedade e equilibro: Determinam o conteúdo do jornal, revistas e transmissões


noticiosas. Bertolli Filho (2006) traz que cada jornal, programa, sessão devem contar com
matérias variadas com multiplicação de enfoques sobre o mesmo tema. Dessa forma o
autor avalia que os espaços impressos destinados a ciência tendem a colocar lado a lado
nas páginas, diferentes setores do saber.
 Conflito: Os conflitos ideológicos entre cientistas não são alvo raro. Bertolli filho (2006)
diz que as situações de embate também chamam a atenção do leitor, no campo científico de

45
forma especial, por que se acreditou por um longo período que a ciência era uma atividade
realizada por profissionais que alimentam idéias harmônicas e convergentes.
Orientado pela teoria do psicólogo Abraham Maslow de que as pessoas agem para
preencher certas necessidades e gratificações, Burkett (1990) postula que a mídia impressa
e eletrônica é responsável por preencher essas necessidades e que esse papel dos veículos
de comunicação orienta da mesma forma que os critérios supracitados a escolha das
notícias científicas. Burkett (1990) propõe três tipos de necessidades que justificam a
escolha de um tema ou matéria: necessidades de sobrevivência, necessidades culturais e
necessidades de conhecimento:
 Necessidades de sobrevivência: Para Burkett (1990) um grande interesse de leitores e
espectadores volta-se para matérias que lidam com assuntos fundamentais para a
sobrevivência, como alimentação e moradia, transporte básico, saúde entre outros. O
motivo para esse interesse é observado por que “matérias que abordam temas que criam a
sensação de que a informação é útil para a saúde e o bem-estar físico e mental dos leitores
são rotineiramente incorporadas à pauta do jornalismo científico” (BERTOLLI FILHO,
2006, 8).
 Necessidades culturais: Melhorar hábitos ou o estilo de vida faz parte das necessidades
culturais. Temas dessa área abordam escolhas alimentares e nutricionais, condições de
trabalho e outros que como afirma Burkett (1990) preenchem a necessidade de aumentar o
autoconhecimento para aumentar o auto-aperfeiçoamento.
 Necessidades de conhecimento: A curiosidade em torno do conhecimento do organismo
humano. Essas necessidades no que se refere à ciência e a tecnologia estão ligadas a
possibilidades de crescimento em áreas econômicas e pessoais (BURKETT, 1990). Bertolli
Filho (2006) relaciona essa necessidade ao cultivo do público por uma “paixão pelo saber”,
o que origina um interesse pelas coisas da ciência. Na visão de Burkett (1990), porém esse
interesse esbarra em uma contradição, pois ao mesmo tempo em que as informações estão
disponíveis ao público, o autor não consegue dimensionar seu papel na sociedade:

A receptividade à nova informação vinda da ciência, medicina e ciências


sociais aumenta, embora o conhecimento contribua pouco ou nada para
vida diária, exceto pelo fato de estabelecer algo novo. (BURKETT, 1990,
62)

46
No entanto, ao fazer tal afirmação o autor esquece que, mesmo com o grande fluxo de
informações, o público adquire a partir delas conhecimentos novos, que não só se estabelecem
como novidade, mas que orientam suas decisões e também seu estilo de vida, colocando-os,
como discute Leblond (2006), em situação de compreensão da natureza da ciência.
A questão da importância da divulgação da ciência não passa somente pelo viés do
consumo diário de notícias relacionadas aos aspectos do bem-estar e da vida do ser humano.
Apesar de acreditar que a informação científica pouco acrescente ao dia-a-dia do público,
Burkett (1990) cita situações em que a divulgação do fato científico é prioritária, como as
notícias de desordem social, que envolvem a violação de normas de pesquisas científicas e
normas da comunidade de cientistas, como “honestidade no registro do resultado de
observações científicas, precisão dos dados, perfeição dos relatórios, imparcialidade na
revisão do trabalho de colegas, publicação julgada apenas por mérito, crédito por primeira
descoberta...” (BURKETT 1990, 63). Essas ocorrências para o autor assumem significados
mais amplos para o público por que essas pesquisas envolvem grandes somas de dinheiro do
contribuinte, sendo publicamente repudiada por seus erros e envolvendo riscos para saúde e
segurança pública. Estão relacionadas também as matérias que mostram os riscos
tecnológicos existentes nos ambientes onde se pesquisa alta tecnologia: vazamentos de gases
tóxicos, testes de substâncias que podem causar câncer ou outras doenças são tarefas que
cabem ao redator de ciência. Essas são questões polêmicas, emocionais e que envolvem a
sobrevivência de seres humanos (BURKETT, 1990). As situações de crise, como tragédias
que envolvem fenômenos naturais, número de mortes e explicações de especialistas. Para
Burkett (1990), essas situações pedem que o redator de ciência tenha capacidade e velocidade
de improvisar. Porem o autor recomenda:

Espera-se que você lance mão do seu conhecimento, de pesquisa de


biblioteca ou de computador, que possa ser realizada num curto espaço de
tempo e de quaisquer especialistas que possam oferecer informação
adicional. Poucas ocasiões geram a busca de informação em uma área
especifica ou a competição entre os meios de comunicação como uma
crise. (BURKETT, 1990, 130)

Esses exemplos reiteram a importância da divulgação científica no jornalismo, como


foi abordada no capítulo anterior, como atividade que reflete uma prática social,
contextualizando a informação e promovendo um debate com o público sobre os temas
científicos e tecnológicos.
47
2.3.1│As dificuldades na práxis do jornalismo científico e seus desafios

Como qualquer atividade profissional, o jornalismo científico enfrenta dificuldades


para a sua produção. Como modalidade discursiva e tipo especializado de jornalismo, os
problemas vão desde a recepção do público até a falta de profissionais habilitados para
escrever sobre ciência. Bertolli Filho (2006) enumera questões centrais que giram em torno
dessas dificuldades. A primeira é o analfabetismo científico, que pode atingir tanto o público
como jornalistas. O autor critica a falta de empenho das universidades em formar militantes
na área da divulgação científica, pois considera que com os jornalistas o quadro não é
diferente. Se por um lado os jornalistas reclamam do despreparo do público para entender os
conceitos e fatos do conhecimento científico, esses mesmos profissionais demonstram igual
ou superior desconhecimento.

No Brasil, acompanhando a tendência internacional, a precariedade da


capacitação acadêmica dos jornalistas que atuam no campo científico é
uma realidade. (...) raras são as escolas de comunicação que, no nível da
graduação, oferece a disciplina de jornalismo científico, mesmo em
caráter optativo. (BERTOLLI FILHO, 2006, 9)

Essa discussão sobre a formação de jornalistas especializados em ciência será


retomada com uma análise mais profunda e que de alguma forma mostra como essa
“precariedade da capacitação acadêmica” pode ser visualizada em números e o seu atual
estado na Bahia.
Para ilustrar tal despreparo da mídia com relação à divulgação da ciência, dentre
outros casos, existe o caso boimate. Protagonizado pela revista Veja, o semanário publicou em
1987, uma falsa notícia publicada por uma revista europeia para celebrar o 1° de abril; o dia
da mentira. A revista brasileira anunciou que pesquisadores alemães conseguiram combinar
os genes de boi com os do tomate criando o boimate, vegetal que tinha gosto de churrasco.
Noticiada como fato verdadeiro, com diagramas do tomate transgênico sendo produzido no
laboratório, ainda continha na matéria: “a experiência dos pesquisadores alemães (...) permite
sonhar com um tomate do qual já se colha algo parecido com o um filé ao molho de tomate”.
(BERTOLLI FILHO, 2006)
Contudo, apesar desses deslizes, cometidos em uma fase em que o jornalismo
científico no Brasil começava a ganhar espaço editorial nos veículos de massa, Oliveira
48
(2005) enxerga uma evolução desse campo no Brasil, apontando que o mercado de trabalho
nas assessorias de imprensa em órgãos e institutos de pesquisa é promissor. Oliveira (2005)
aborda também que esse segmento do jornalismo no Brasil ainda é muito dependente de
conteúdos adquiridos por fontes estrangeiras e órgãos oficiais e só pode se estabelecer a partir
de uma formação qualificada dos profissionais, pois para a autora “é no nível universitário
que os futuros jornalistas têm a melhor chance para conscientizar-se da relevância da ciência e
da tecnologia” (OLIVEIRA, 2005).
Na lógica do capitalismo, o marketing é um elemento fundamental na legitimação das
atividades desenvolvidas pela ciência e do lucro das companhias que lançam no mercado uma
grande variedade produtos tecnológicos (BERTOLLI FILHO, 2006). O interesse de empresas
e institutos de pesquisa faz com que essas organizações contratem profissionais da área de
Relações Públicas e Assessoria de Imprensa e também submetam os cientistas a treinamentos
para melhor se relacionar com a mídia. Para Bertolli Filho (2006), esses cientistas encontram
nos jornalistas poucos preparados as pessoas ideais para encantar com mensagens que fogem
da realidade, transformando esses jornalistas em porta-vozes das necessidades institucionais e
ambição empresarial, tanto junto à estrutura política (que financia muito desses projetos) tanto
a sociedade (futura consumidora). O autor não retira as universidades desse conjunto:

Assim tanto as universidades quanto as empresas envolvidas com a


produção de terapêuticas e outros itens vitais para a saúde e o bem-estar
da população assumem assim o mesmo comportamento de qualquer outra
empresa privada, “vendendo” uma imagem altamente idealizada e
tributária da lógica de mercado. (REGO, 1986, 159-160 apud BERTOLLI
FILHO, 2006, 11).

Avançando na análise da práxis do jornalismo científico, a relação entre jornalistas e


cientistas é um dos fatos mais corriqueiros na atividade desse jornalismo. É o confronto entre
aquele que produz e aquele que divulga a ciência. De acordo com Bertolli Filho (2006) é
frequente ouvir de pesquisadores relatos sobre a falta de conhecimentos básicos de ciência do
jornalista, que esses profissionais fazem perguntas despropositais e que distorcem o conteúdo
de suas declarações. Outro ponto que o autor traz em seu texto é a critica cada vez mais
comum dos cientistas aos meios de comunicação, pois esses não estariam atuando como elo
entre as descobertas científicas e as empresas que poderiam utilizar as propostas criadas pelos
cientistas. Bertolli Filho (2006) salienta também que é comum ouvir queixas de jornalistas em
relação aos cientistas, como a dificuldade em agendar entrevistas com pesquisadores, o
49
monopólio da palavra pelo pesquisador quando a entrevista acontece, as explicações
complexas e o uso de terminologias científicas que não são elucidadas no momento oportuno.
O relacionamento com as fontes segundo Oliveira (2005) é marcada pela falta de visão
crítica e uma atitude de subserviência em relação aos porta-vozes da ciência. Para a autora o
deslumbramento de muitos jornalistas com os PhDs fazem com que o jornalista anote tudo o
que o cientista fala, sem entender muito do que escreve, e na hora de redigir o texto, ou repete
o que copiou ou tenta traduzir o que não entendeu. Nesse caso, se o jornalista não entendeu, o
leitor vai entender menos ainda. Oliveira (2005) ainda traça um perfil de como os jornalistas
enxergam de forma estereotipada os cientistas:

Falando de estereótipos, observamos também que, do lado dos cientistas,


existem alguns tipos marcantes na forma como se relacionam com os
jornalistas. Temos o cientista torre de marfim, que odeia falar com a
imprensa e não acreditam que os jornalistas de modo geral tenham
competência de escrever sobre ciência; o cientista São Tomé, que fala
mas com grandes restrições, quer ver a matéria antes de ser publicada – o
que é quase impossível no jornalismo diário -; o cientista socialite, que
quer aparecer a qualquer custo e às vezes mais fala com a imprensa do
que pesquisa; e por último o cientista bom samaritano, que tem a exata
dimensão social do seu trabalho e que vê no jornalismo científico a
possibilidade de transmitir ao público a relevância que seu ofício pode ter
na sociedade. (OLIVEIRA, 2005, 49).

Para Burkett (1990) duas situações principais aumentam os conflitos entre as partes.
Para o autor uma parte dessa tensão acontece por que os jornalistas não conseguem mostrar os
fatos principais da matéria com clareza e de forma direta para o editor, o responsável pela
publicação. Outro detalhe apontado e que provoca discussões é a questão de dar à ciência a
cobertura em forma de notícia. Muitos pesquisadores segundo Burkett (1990) argumentam
que os prazos e limitações de espaço (a página na mídia impressa ou tempo na televisão)
trabalham contra a precisão e adequação da notícia científica. Os cientistas acreditam que a
ciência deveria ser tratada como um processo e não como evento, usando matérias mais
longas, minuciosamente pesquisadas e que mostrasse como se constroem os
desenvolvimentos científicos. Burkett (1990), entretanto comenta que esse desejo iria contra a
cobertura noticiosa competitiva, bem como contra a expectativa dos editores que esperam por
matérias diárias.
Para além das dificuldades rotineiras da práxis jornalística (dificuldades essas presente
em todos os tipos de jornalismo) existem ainda questões que estão arraigadas na cultura
científica e na jornalística e que são antagônicas a ponto de causar mais contendas entre as
50
partes. Bertolli Filho (2006) localiza na própria especificidade de atuação de ambos os
profissionais o primeiro ponto: para o autor ainda é comum os cientistas reivindicarem para
eles próprios a produção de um saber neutro, racional pragmático, verdadeiro e
inquestionável. Essa forma de pensar faz parte de uma ideologia científica, que para
Canguilhem (1977) apud Bertolli Filho (2006) é uma postura de defesa assumida por
cientistas para justificar a infalibilidade de suas idéias. Porém a atividade do jornalista é por
excelência questionar. O ato de perguntar é intrínseco a atividade do profissional em
jornalismo. Bertolli Filho (2006) salienta que o jornalista porta de uma ideologia que
questiona a realidade em que trabalha, oferecendo ao público uma interpretação do que colheu
junto com o entrevistado. Para o mesmo autor os textos e imagens midiáticas são avaliados
como resultados de uma cultura e de um tempo, sendo um produto autoral de um sujeito
social que mesmo buscando a imparcialidade e objetividade deixa de qualquer modo as
marcas de quem produz. Para concluir, Bertolli Filho (2006) reflete sobre as divergências de
ordem políticas que separam cientistas e jornalistas:

Pode-se assim afirmar que existe um conflito político-cultural básico


entre os cientistas e os jornalistas; enquanto os produtores do saber
científico e de suas implicações tecnológicas são regidos por uma
“paixão” pela descoberta e pela elaboração de produtos de alta
complexidade, os comunicadores tendem a postar-se de forma reticente,
buscando avaliar as conseqüências políticas, econômicas, sociais e
culturais dos “avanços” da ciência e da tecnologia. (BERTOLLI FILHO,
2006, 14)

A visão de paixão pela descoberta, não revela, por exemplo, interesses outros, que não
seja necessariamente tão movido pelo entusiasmo perante o novo, mas ao capital que poderá
ser empregado em sua pesquisa, através de uma divulgação do seu engenho. Esse embate e
postura reticente muitas vezes não ocorrem, sendo que, como já foi abordado com o auxílio de
Oliveira (2005), prevalece, a exceção de alguns casos, a subserviência do jornalista perante o
cientista.
Existem diferenças na práxis de cada profissional (seja cientista ou jornalista) de
cunho filosófico, originada das relações orgânicas e de princípios compartilhados pelos
grupos (seja a comunidade científica ou jornalística), já discutidas acima, e ainda existem as
diferenças no campo da linguagem. Oliveira (2005) salienta que enquanto o cientista produz
trabalhos para um grupo especifico de leitores, restrito e especializado, o jornalista, por sua
vez deseja atingir o grande público. Para a autora a redação do texto científico segue normas
51
rígidas de padronização e normatização universais, além de ser árida e sem atrativos, fora da
comunicação interpares. Já a escrita jornalística deve ser coloquial, amena, objetiva e simples.
Essa posição pode ser relativizada, pois falta um estudo de percepção na posição da autora,
sendo que nada impede um não-cientista de sentir-se afeito a linguagem dos relatórios e
artigos científicos. Bueno (2004) diz que enquanto a Ciência e Tecnologia decorrem de
processos de longa maturação, não condicionados a resultados de curto prazo, a
Comunicação, e o jornalismo em particular, dependem da coleta rápida de informações.
Bueno (2000) aponta que o jornalismo científico tem que resistir a quatro desafios. O
primeiro é noção da ciência como mercadoria, onde existe o interesse de grandes empresas
para manipular resultados de pesquisa (pode-se citar a indústria do fumo), aumentando a
dominação científico-tecnológica; o cerceamento da imprensa na internet, nos países de
regimes autoritários; os grandes conglomerados midiáticos, que exercem um monopólio de
informações, o que atenta contra a democratização da comunicação jornalística e os embates
entre a religião e o conhecimento científico. Bueno (2000) adverte que os jornalistas que tanto
sacralizam as novas tecnologias, aderindo a elas com tanta naturalidade, precisam
compreender o processo como um todo, identificando interesses e compromissos onde só se
vê progresso técnico, desnudando parcerias que atentam a independência das mídias.
Por último e assumindo importância na compreensão das relações entre jornalistas e
cientistas, está o processo de captação e apuração dos fatos científicos. Oliveira (2005) aborda
e critica o oficialismo das fontes científicas, que predominam no cenário do jornalismo
científico brasileiro.

Dirigentes de entidades de pesquisa, não nos esqueçamos, têm cargos


públicos de confiança, e portanto sua opinião é condicionada ao posto que
ocupam. Mesmo sendo cientistas estão momentaneamente, na posse de
posição políticas. O bom jornalismo reza que sempre devemos ouvir os
dois lados da história, mas acontece que no domínio político da ciência
muitas vezes nem sequer existe o outro lado para ouvir. (OLIVEIRA,
2005, 49-50)

No processo de captação da notícia científica, Bertolli Filho (2006) indica onde estão
as pautas e os perigos ocultos nessas fontes. Para o autor existem as palestras para a
imprensa, a convocação de coletivas para o anúncio de uma descoberta, pode encobrir erros,
por não ser ainda avaliada pelos pares (como foi visto, o primeiro estágio de comunicação é o
interpares), mesmo o cientista garantindo a veracidade dos dados. O jornalista deve procurar

52
fontes alternativas, ouvindo outros especialistas e verificar a informação. Um furo precipitado
pode levar a disseminação de notícias duvidosas. Os comunicados a imprensa são comuns,
onde instituições e universidades divulgam novas descobertas e tecnologias. Bertolli Filho
(2006) diz que nessas ocasiões o jornalista deve ponderar se essas informações atendem ao
interesse público ou se visam interesses comerciais.
Os congressos científicos são as maiores fontes de notícias para o jornalismo
científico. Neles se reúnem os cientistas de diversas áreas ou especialistas em determinados
temas. Burkett (1990) diz que as reuniões científicas permanecerão na agenda dos jornalistas
por muito tempo. Elas oferecem muitas vantagens para que se arrisque ignorá-las. Para o
redator de ciência é a oportunidade de encontrar histórias originais. Bertolli Filho (2006)
aconselha que nesses casos o jornalista deve avaliar o que foi debatido e levar em
consideração as críticas que foram feitas pelos especialistas ao teor do que foi apresentado no
decorrer do evento. Muitos desses congressos científicos distribuem resumos dos trabalhos a
serem apresentados, e os jornalistas escrevem suas matérias com base somente nas
informações contidas nesses documentos. O ideal é que o jornalista leia todo o trabalho,
buscando opiniões que balizem o conteúdo consultado (BERTOLLI FILHO, 2006). Para
Oliveira (2005) assistir às palestras, ler os anais com resumos ou trabalhos completos em
linguagem científica é necessário, mas não o suficiente. Não se podem desprezar as
entrevistas com pesquisadores, pois o jornalista não conseguirá sozinho compreender as
informações científicas, a não ser que já tenha experiência em determinada área científica.
Um recurso bastante utilizado na disseminação de informações científicas são os
press-releases. Ribas (2004) apud Bertolli Filho (2006) alerta que esse recurso está tornando
as matérias científicas homogêneas, que contribuem para uma apologia das ciências e pouco
elucidam o público sobre as consequências sociais e políticas da adoção de uma idéia ou
tecnologia aprovada pela ciência.
Apontados os principais locais onde surgem as notícias na ciência, o jornalista deve
sempre estar atento aos riscos de distorção de uma matéria, pois em busca de algo novo para
os leitores, jornalistas e editores podem cometer erros editorias que levam a publicação de
matérias com chance de se tornarem falsas, devido aos procedimentos adotados pela ciência já
discutidos nesse tópico. Como foi explicado na introdução, quando me referi ao objetivo
dessa pesquisa, o tema saúde foi escolhido devido a sua presença predominante nos meses
estudados. As características da cobertura em saúde serão apontadas, e junto com partes das

53
teorias vistas anteriormente, servirão de instrumento para a análise do corpus que constitui
essa pesquisa.

2.4│Jornalismo científico e saúde: foco na doença e sua prevenção

Ao discutir o modelo biomédico, paradigma da medicina moderna, Capra (2006)


afirma que a medicina, ao se concentrar em partes cada vez menores do corpo, perde
freqüentemente de vista o paciente como ser humano, ao reduzir a saúde a um funcionamento
mecânico. Por essa atitude, o autor compreende que o modelo biomédico não se ocupa mais
com a cura. Para trazer novamente a cura para a teoria e prática médica (ou biomédica), Capra
(2006) diz que essa ciência terá que transcender a estreita concepção de saúde e doença. A
cura não pode ser entendida, para o autor, nos termos reducionistas da visão de mundo
cartesiano. Curar envolve uma complexa interação entre aspectos físicos, psicológicos, sociais
e ambientais da condição humana.

Antes de Descartes, a maioria dos terapeutas atentava para a interação de


corpo e alma, e tratava seus pacientes no contexto de seu meio ambiente
social e espiritual. Assim como sua visão de mundo mudou com o correr
do tempo, o mesmo aconteceu com suas concepções de doença e seus
métodos de tratamento, mas eles costumavam considerar o paciente como
um todo. A filosofia de Descartes alterou profundamente essa situação.
Sua rigorosa separação entre corpo e mente levou os médicos a se
concentrarem na máquina corporal e negligenciarem os aspectos
psicológicos, sociais e ambientais da doença. (CAPRA, 2006, 119)

O conceito de saúde, assim como o de cura, assume significados diferentes conforme a


época. Esse significado dependerá da concepção que se tem do organismo vivo e sua relação
com o meio ambiente (CAPRA, 2006). O autor compreende que um amplo conceito de saúde,
exige uma visão sistêmica dos organismos vivos e da saúde. O conceito da Organização
Mundial da Saúde (OMS), na visão do autor, mesmo compreendendo a saúde como um estado
estático de perfeito bem-estar, ao invés de um processo de constante mudança e evolução,
revela uma visão holística da saúde, que é necessária para se compreender a cura. Para tal
organização “a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não
meramente a ausência de doenças e enfermidades”. O conceito descrito torna a saúde algo
inalcançável, mesmo essa organização, atualmente reconhecendo o caráter dinâmico, o bem
estar completo nessas três dimensões seria utópico, se avaliarmos as transformações na
54
sociedade contemporânea. Essa definição, mais tardiamente, será discutida junto com outro
conceito o da economia da saúde.
No modelo biomédico segundo Giddens (2005) a doença passa a ser definida
objetivamente em termos de sintomas identificáveis, o cuidado médico formal, feito por
especialistas tornou-se o modo aceito de tratar as doenças físicas e mentais. Esse modelo
opera, para o autor, baseado em três suposições: a doença é enxergada como um colapso no
interior do corpo humano, que diverge de seu modo de ser normal; a segunda é que mente e
corpo podem ser tratados separadamente, onde o paciente representa um corpo doente, ou
uma patologia, mais que um todo individual, sistêmico, existindo, na opinião do autor, maior
ênfase na cura da doença, que no bem estar do indivíduo, sustentando que o corpo humano
pode ser manipulado, investigado e tratado isoladamente, sem considerar os outros fatores.
Em terceiro lugar Giddens (2005) considera que, para o modelo em questão, os
médicos são especialistas treinados e considerados os únicos aptos a atuar no tratamento da
doença. Não há lugar para curandeiros autodidatas e para práticas médicas consideradas não-
científicas. Todavia o autor compreende que a doença é algo socialmente construído, não
sendo revelado por uma verdade médica; sobre o tratamento aos pacientes, suas opiniões e
experiências da doença são importantes ao tratamento. Seu bem-estar integral, não só físico,
deve ser buscado. Os médicos especialistas também não são as únicas fontes de conhecimento
sobre a doença e a saúde, para Giddens (2005), formas alternativas de conhecimento são
igualmente válidas, sobre esse raciocínio o autor aborda que estamos em posição de formar e
interpretar o próprio bem-estar, através da compreensão do nosso corpo e através das escolhas
que fazemos cotidianamente, que formam o padrão de consumo e estilo de vida.
Desse panorama médico do foco na doença, o jornalismo muitas vezes reitera o
discurso da medicina calcado na cura da enfermidade, sem discutir os processos sociais de
produção da doença, tratando apenas de sua manifestação (KUSCINSKY, 2002). Para
Giddens (2005) a idéia de que a doença é algo socialmente construído vêm da concepção que
o corpo humano é profundamente afetado pelas experiências sociais, assim como pelos
valores e normas do grupo ao qual está inserido. As transformações as quais passam o mundo
apresentam riscos e desafios que afetam a saúde. Para tanto, segundo o autor, existe um ramo
de estudo crescente na Sociologia, que é a Sociologia do corpo.
As práticas da visão citada por Kuscinsky (2002) correspondem para Bueno (2001),
em um “sintoma de uma doença anunciada”. Na visão do autor a cobertura no jornalismo

55
científico na saúde é realizada sob a perspectiva da patologia do doente, o que leva a
desqualificação da informação e a predominância dos interesses comerciais. Essa cobertura
segundo o autor é condicionada pela intenção da fonte. Essas podem ser diversificadas, como
laboratórios farmacêuticos, centros de pesquisas em saúde, universidades, hospitais e outros,
interessados em divulgar seus conhecimentos, resultados de pesquisas, produtos, tecnologias e
serviços. Assim como em todo tipo de jornalismo, se trabalha com matérias-primas que são os
dados, informações e conhecimentos. Esses são considerados mercadorias valiosas, de tal
forma que a fonte desses insumos não se mantém isenta e tenta impor mercadologicamente a
veiculação na mídia daquilo que lhe interessa. Esse atentado ao direito da informação
determina o sigilo e o controle de conhecimentos que influenciam nas decisões (que podem
ser políticas ou pessoais) e na saúde do ser humano.
Um motivo para esse cerceamento de informações é que muitas pesquisas sobre
assuntos bastante polêmicos e que interferem na saúde humana, são financiados por grandes
empresas. Bueno (2001) afirma que a ação de patrocinadores de projetos científicos na área de
saúde tem, com maior freqüência, impondo o silenciamento e a posse da informação, o que
penaliza os profissionais de imprensa e a comunidade científica. Do ponto de vista mercantil,
essa atitude imposta pelos grandes financiadores da ciência, gera a posse da informação
cientifica que pode ser forçosamente aplicada ou até patenteada. Para Bueno (2001) o mesmo
comportamento de imposição do silêncio, que restringe o acesso ao conhecimento, a partir
unicamente de seus interesses, pode da mesma forma, transformar-se em uma conduta de
incentivo a veiculação ampla e generosa de informação que favoreçam a esses patrocinadores
e grandes empresas, que seduzem a mídia com as novas descobertas da ciência.
Com esse quadro de cerceamento e silenciamento de informações é possível afirmar
que o lado mais prejudicado é o do ser humano, que fora dos grandes laboratórios e centros de
inovações científicas, é altamente influenciado pela ciência, mas não sabe o que a mesma
pode fazer em sua vida, suas conseqüências ao ambiente, os efeitos nocivos ao seu corpo (esse
sempre velado e mascarado pelo rótulo das descobertas revolucionárias que prometem mudar
a vida, sem ponderar os efeitos dessa mudança), enfim, como tomar decisões próprias em
relação às ciências aplicadas.
O uso indiscriminado dos releases também é um dos principais obstáculos ao qual o
jornalismo científico não só na saúde, mas também em outras áreas, tem que ultrapassar, de
forma que o discurso publicitário não comprometa a qualidade das informações. O assédio

56
das fontes (universidade, centros de pesquisas, empresas, governos) faz com que a cobertura,
segundo Bueno (2001), em saúde seja povoada por releases dessas fontes, disfarçados como
matérias isentas, legitimando conceitos e resultados de pesquisas, oriundos de empresas e
universidades consideradas referências. O autor diz que, para que a cobertura não seja
orientada por uma visão comercial, não se pode abrir mão de consultores antes de dar voz a
esses interesses. Porém Bueno (2001) compreende que essa não é a realidade de nosso
jornalismo, onde muitas redações não possuem consultores, e seduzidos pela oportunidade de
um “furo”, proporcionados por essas descobertas, acabam induzindo de forma sensacionalista
o seu público.
Diante dessa estrutura e do tratamento que o jornalismo reserva para as matérias de
saúde, como é possível vislumbrar um jornalismo que se dedique a saúde que discuta não
somente a doença e sua prevenção, mas que procure relacionar essas enfermidades aos
problemas de ordem social que podem influenciá-las? Como buscar um jornalismo que
problematize as vozes colocadas a disposição do leitor, privilegiando um discurso polifônico e
um confronto de idéias? Problematizar compreendido aqui como uma mecânica
argumentativa pensada por Charaudeau (2009), onde se examine os prós e contras de cada
uma das proposições, e não como quer o mesmo autor, em uma segunda maneira de pensar a
problematização, que o sujeito proponha ao seu interlocutor uma maneira de tratar essa
informação, formando a opinião do leitor induzindo-o a determinada versão do fato, mas sim
informando, primeiramente, e convidando o público para um debate sobre determinado tema,
para que assim, muito além de compartilhar a informação, atinja-se o objetivo no qual os
membros de nossa sociedade possam ter conhecimento não só dos resultados das pesquisas,
mas da própria natureza da atividade, como também seus efeitos, de modo que o saber
científico, tanto na saúde, como em outras áreas científicas, seja democratizado e não
silenciado ao prazer dos interesses hegemônicos.
Como não é possível que se impeça o interesse de empresas e entidades na área de
saúde em empreender esforços comunicacionais para defender os seus interesses, posto que o
sistema capitalista é regido pelo lucro, para responder os questionamentos acima Bueno
(2001) acredita que é necessário que se repudie qualquer tentativa de cerceamento da
informação e mais que não se aceite práticas ilícitas para almejar tal fim, como suborno e
manipulações. O desenvolvimento de um olhar crítico, voltado à saúde da população, que

57
busque confrontar os fatos em voga com a opinião de especialistas, também são práticas para
que se aspire uma nova cultura voltada para saúde.
Como já alertado anteriormente, além do conceito de saúde adotado pela OMS, existe
para Epstein (2008), um conceito chamado de economia da saúde. Para o autor nessa
definição, a saúde é tratada como “ausência de doenças”, ou ausência de enfermidades ou
síndromes patológicas. Essa é uma visão mais estreita da saúde, mais simplista em relação ao
modelo já discutido acima, mas que é útil quando se quer adotar medidas práticas, no sentido
da saúde pública. A economia da saúde, para o autor, trabalha com a noção de encargos da
doença, que é seu custo social, que permite controlar e identificar prioridades nacionais e
regionais, alocar recursos para pesquisa e desenvolvimento, distribuir recursos para
intervenções no nível da saúde pública, levando em conta o custo benefício das intervenções.
Porém, mais do que discutir conceitos da saúde, que não se resume aos dois aqui mostrados,
urge compreender o processo de comunicação da saúde.
A comunicação da saúde, para Epstein (2008), não difere da idéia apresentada em
Epstein e Bertol (2005), do trânsito da comunicação primária (interpares) para uma
comunicação secundária, para o público em geral. De acordo com essa posição, o autor
admite que a comunicação pública da ciência (se estendendo para a saúde) é considerada um
produto híbrido do discurso científico e jornalístico que apresenta características de ambos. O
autor defende que desse caráter mestiço surge algumas divergências entre os discursos que
podem causar inadequações a uma comunicação pública da saúde, principalmente quando
destinado as classes mais despossuídas. Essas divergências são produto das práticas da ciência
e do jornalismo que respeitam ordens contrárias. Ou seja, o cientista escreve numa seqüência
de introdução, metodologia, resultados e conclusão, o jornalista altera essa ordem,
concentrando-se na conclusão, fato que para os cientistas é a causa do sensacionalismo
empregado pela imprensa.
Considerando aqui que ciência e jornalismo possuem métodos de proceder que são
diferentes, mesmo quando se imagina que eles buscam o mesmo fim, que é a objetividade,
podemos pensar outra forma de ver essa questão, baseado na concepção já abordada de
Zamboni (2001) que enxerga o discurso de divulgação científica (onde o jornalismo
especializado é um caso particular desse), um gênero textual novo, compreendido como
diferente do discurso originário, que revela uma ação comunicativa que parte de outro
discurso e se dirige a outro destinatário.

58
Após essa reflexão baseada nas diferenças discursivas da ciência e do jornalismo, cabe
voltarmos à compreensão do jornalismo que se debruça sobre a saúde. As relações entre
jornalistas e médicos estão ancoradas em situações que mostram como esses profissionais se
portam em suas rotinas produtivas. Para Kuscinsky (2002) existe a questão do papel que esses
dois profissionais se atribuem, onde os jornalistas buscam nos médicos ou as autoridades de
saúde para legitimar uma idéia, uma concepção já pré-elaborada, e procuram essa legitimação
em chefes de hospitais e secretários de Saúde. Esse é um dos motivos do por que movimentos
populares de saúde, enfermeiras e profissionais da área, como paramédicos não são ouvidos,
em busca dessa legitimação. Objetivando uma autopromoção, muitos médicos na visão do
autor, vêem o jornalismo com uma função pedagógica, voltada a informar o público,
esclarecer, fazer campanhas de prevenção, campanhas sanitárias. Kuscinsky (2002) vê nessa
função, que se aproxima da função educativa, esclarecida tópicos acima, como interessante,
acessória, mas não a principal, pois este tem como função central desenvolver a consciência
critica do cidadão, a partir de uma postura crítico-informativa.
Outro fator em jogo é a linguagem. Os médicos e trabalhadores da saúde não vêem
com bons olhos os erros cometidos pelos jornalistas, que decorrem do tipo de linguagem
usada, que é generalista e superficial, sem contar com os equívocos cometidos. Para a classe
médica, segundo Kuscinsky (2002), a linguagem concisa e rigorosa é constitutiva do ato de
pensar, não é apenas uma maneira de falar, ela reflete uma maneira de pensar a saúde. O
tempo é também fator determinante nessa relação, pois a pressão do fechamento da edição por
parte do jornalista e a monetarização do tempo por parte dos médicos que muitas vezes não
estão disponíveis gera pontos de conflito entre eles.

Então isso induz neles uma postura às vezes de aflição muito grande pela
obtenção da declaração que procuram, da informação que precisam. Não
têm tempo para esperar, não têm calma, não têm paciência, e tudo isso
contribui para equívocos e superficialismos e gera diferenças na esfera
dos sentimentos (KUSCINSKY, 2002, 97).

Não podemos esquecer, sobretudo, como foi colocado no início desse tópico, que a
cobertura empreendida pelo jornalismo na saúde é focada na doença, seus sintomas e
manifestações, mas não discute os problemas sociais ou psicológicos que podem deflagrar
uma situação de enfermidade. Além disso, podemos destacar também outro ponto observado
por Kuscinsky (2002) que é conseqüência da situação econômica neoliberal sustentada pelo

59
sistema capitalista - a cobertura elitista empregada pela imprensa. Como o jornalismo
científico é especializado, sua escolha temática para o autor é elitista, devido ao processo de
produção da notícia que privilegia reportagens sobre o corpo, a beleza, sobre doenças que
afetam pessoas de mais posses, ou mais ricas.
Essa posição é muito radical, pois as doenças, sendo que algumas podem atingir a
certas pessoas ou não, devido às condições de vida, não escolhem classe social para se
manifestar, pois até as doenças consideradas de países desenvolvidos, a exemplo do câncer,
tornam-se comuns em pessoas com menos posses, isso sem levar em consideração fatores
genéticos e ambientais que podem contribuir para um quadro patológico. Giddens (2005)
também esclarece que não existe consenso sobre a natureza dessa relação entre as
desigualdades sociais e a saúde ou como as desigualdades nessa área devam ser enfrentadas.
Para o autor uma das principais áreas de debates concentra-se na importância relativa de
variáveis individuais (como estilo de vida, comportamento, dietas e padrões culturais), em
oposição a fatores ambientais e estruturais (como distribuição de renda e pobreza).
Porém, a concepção elitista de Kuscinsky (2002) é proveitosa ao nos fazer analisar o
porquê temas como saúde pública e políticas científicas, por exemplo, não ocupam as páginas
do Ciência & Vida, nos meses que serão analisados logo mais. Assim como na reflexão do
autor, para o qual é raramente perceptível temas como malária, hepatites na Amazônia,
esquistossomose e lepra nas reportagens científicas, nos meses de estudo do suplemento
científico do jornal A Tarde, não foi observada uma preocupação com temas relacionados, por
exemplo, a falta saneamento básico e sua relação com muitas doenças que atingem crianças e
adultos, nem sobre a dengue e outras ameaças a saúde da população. Será que isso se deve ao
fato de que, como o autor aponta, a saúde (enquanto condição humana) é vendida como
mercadoria e na mídia (enquanto notícia) ela é mais mercadoria ainda, é considerada dupla-
mercadoria, por que tem que ser muito mercadológica a forma como é apresentada e como é
tratada? Será que não existiram pautas que retratassem esses temas que mexam com políticas
públicas em saúde, no período estudado?
Certamente essas questões envolvem um estudo mais extensivo da produção noticiosa
para esse caderno, mas o fato de que as notícias sobre o corpo e a beleza terem a tendência de
venderem mais que as matérias com outras temáticas, pode ajudar a elucidar essa argüição.
Outro fator que pode ajudar na compreensão das questões postas acima é a crise do saber
jornalístico apontado por Kuscinsky (2002). Para o autor, o que caracteriza o jornalismo hoje

60
é que ele não trabalha com o conhecimento, os jornalistas, que lidam diariamente com
informações novas, em vez de saberem cada vez mais, não se envolvem com esse
conhecimento, segundo o autor, “é como se eles pegassem daqui, transportassem para ali, sem
se meter com aquilo” (KUSCINSKY, 2002, 99). Para ele há uma ideologia do não
conhecimento, uma prática resumida em captar uma percepção muito forte e que todos
entendam, mas não entrar em detalhes, se aprofundar.
Apesar de muito interessante, essa percepção guarda certo romantismo com a prática
do jornalismo. A não ser um jornalista especializado, que sua publicação não seja diária, e que
escreva fixo para a editoria, pode reservar um tempo maior para aprofundar suas idéias, e
mesmo assim sofre com o limite humano para conseguir armazenar grande número de
informação que é posta a sua avaliação. Porém essa crise no conhecimento jornalístico pode
ajudar na compreensão da superficialidade, que é uma das críticas apontadas para algumas
coberturas em saúde, de acordo com Kuscinsky (2002).
Para uma cobertura de qualidade Burkett (1990) diz que é necessário para os
jornalistas e divulgadores científicos compreenderam a cultura da medicina. É preciso
reconhecer dessa forma, que os médicos movem-se em uma trama sensível de relações com
pacientes, outros médicos, hospitais, equipes de enfermagem, a lei e o público e que esses
vínculos determinam sua cultura profissional. Apesar de uma visão hegemônica do
conhecimento científico imposto nessa reflexão, ao abordar somente os médicos como voz
autorizada para falar, a compreensão dessa rede de relações é fundamental. Outra forma
apontada pelo autor de melhorar a qualidade do texto é a pesquisa. A leitura de enciclopédias
médicas e artigos científicos podem ajudar para que a conversa jornalista-médico possa fluir
sem perda de tempo, como já dito um elemento importante para os dois. No entanto, a
formação precária de muitos jornalistas, que muitas vezes não tem esse jornalismo
especializado em sua grade curricular, pode impedir que esse profissional invista tempo nessa
atividade, muita vezes incompreensível para ele.
Observa-se que mesmo com saídas para um olhar mais crítico e uma prática mais
acurada do jornalismo em saúde, alguns problemas como a formação desses profissionais
impedem esse êxito. As discussões sobre a formação do jornalista científico é uma
preocupação recorrente na literatura sobre esse jornalismo. Segundo Bueno (2009b) a
qualificação dos divulgadores científicos depende em muito de seu processo de formação
básica, particularmente do respaldo teórico-prático oferecido pela Academia. Porém poucas

61
grades curriculares dos cursos de jornalismo contemplam o jornalismo especializado, o que
inclui o jornalismo científico e que cobre outras áreas como economia e política. O
conhecimento desse jornalismo especializado, bem como a história da ciência e seus métodos
ajudam a reduzir o risco desses profissionais cometerem o que no jargão jornalístico é
chamado de barrigada, ou a divulgação de um fato que não ocorreu, ou que ainda não foi
comprovado.

2.5│ As universidades e a formação de jornalistas científicos

As universidades, segundo Bueno (2004) assumem um papel chave na desmistificação


de que a ciência trabalha a favor da humanidade. Para o autor a ciência é uma mercadoria,
valiosa, que tem mais a ver com os objetivos militar-industrial-financeiro do que humano. As
universidades deveriam buscar sistematizar os conceitos e problematizar a divulgação
científica, sob a perspectiva desenvolvimento/subdesenvolvimento.
As instituições de ciência e tecnologia, e nelas se incluem as universidades, não só os
institutos e centros de pesquisa, na visão de Bueno (2009b), não empreendem ações no
sentido de contribuir para a formação e qualificação de jornalistas e divulgadores estando à
margem desse processo não incorporando a democratização do conhecimento em seus
objetivos. Bortoliero (2009) em seu estudo sobre a formação de jornalistas científicos na
UFBA (Universidade Federal da Bahia) ressalta que a universidade pode formar
pesquisadores no campo da cultura científica, através das linhas de pesquisa em pós-
graduação, contribuir para o aumento de consciência nos pesquisadores para a importância da
divulgação de seus achados e a formação de jornalistas especializados em ciência e tecnologia
preocupados com o regional.
Historicamente os primeiros cursos de jornalismo que introduziram o jornalismo
científico foram na década de 1970. A primeira foi a Escola de Comunicação e Artes (ECA)
da USP, em 1972, em forma de curso de extensão. Em 1978 foi a vez da Universidade
Metodista de São Paulo (UMESP), sob a forma de linha de pesquisa em sua pós-graduação.
Caldas (2005) em pesquisa sobre a inserção do jornalismo científico nas universidades
brasileiras verificou que dos 205 cursos de graduação em jornalismo existentes no país,
somente 37 contavam com alguma atividade relacionada ao jornalismo científico, sendo que
13 em instituições públicas e 24 em instituições privadas; 33 dessas atividades são em
62
formato de disciplinas que integram a grade curricular, sendo 20 obrigatórias e 13 optativas.
A pesquisa detectou na pós-graduação (especialização) três cursos, todos no estado de São
Paulo. Na pós-graduação em Comunicação Social com a ênfase na comunicação somam 10
cursos, sendo quatro Lato Sensu e seis Scricto Sensu (quatro mestrado e doutorado e dois
somente mestrado) (CALDAS, 2005).
Segundo Ferreira e Porto (2010) na Bahia existem 20 cursos de jornalismo e só em
2010 surge o primeiro curso de Especialização em Jornalismo Científico e Tecnológico, na
UFBA, existe também nessa universidade o grupo de pesquisa Ciência e Cultura, e desde
2005 a linha de pesquisa em pós-graduação Ensino das Ciências. Para os autores a iniciativa
pioneira representa um passo importante na formação dos divulgadores e jornalistas
científicos, não somente no estado da Bahia, mas de toda a região do Nordeste. Também em
2010 na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), iniciaram suas atividades a
disciplina Jornalismo Especializado, voltada para o jornalismo científico e também o Grupo
de Estudo e Pesquisa em Cultura Científica, Gênero e Jornalismo.
Segundo Bortoliero (2009) a ABJC recomenda inclusão da disciplina jornalismo
científico nos cursos de habilitação em Jornalismo. Em uma análise da situação dos cursos na
capital do estado a autora pontua que, esses cursos incluem a disciplina como optativa,
promovendo também a realização de atividades práticas. Para a autora a formação na
graduação depende da boa vontade de professores curiosos que goste de ciência e tecnologia,
mais do que de projetos pedagógicos que incentivem a implantação da disciplina.
Costa (2007) apud Bortoliero (2009), na sua dissertação sobre a seção Observatório,
do jornal A Tarde, aponta que uma das dificuldades para a divulgação científica no jornalismo
está associada com a ausência de capacitação de jornalistas. A partir desse quadro
compreende-se que o entendimento da produção do conhecimento científico é uma das tarefas
mais difíceis para o jornalista, por que se estuda muito pouco sobre História e Filosofia da
Ciência, que é consequência de uma formação acadêmica deficiente. Para tanto Bortoliero
(2009) defende uma formação multidisciplinar, onde os estudantes possam se inscrever em
disciplinas de outros cursos, ampliando seu conhecimento sobre outras áreas do saber,
atendendo uma exigência do mercado. A autora também esclarece que se está distante de um
jornalismo investigativo para temas de ciência e tecnologia no Nordeste. O convencimento da
comunidade científica na Bahia para divulgar seus estudos caracteriza a fase em que esse
jornalismo se encontra no Estado.

63
3│Procedimentos Metodológicos

Para a construção desse trabalho foi realizada uma pesquisa bibliográfica, com autores
filiados à ciência, jornalismo científico e jornalismo em saúde, como também consulta
documental nos exemplares pesquisados da seção Ciência & Vida, nos meses de agosto e
setembro de 2010. Além disso, foi realizada uma análise quantitativa, baseada em algumas
categorias de análise, mostradas a seguir, e desempenhou-se igualmente uma análise
qualitativa em textos que tinham como tema a saúde.
A função da abordagem quantitativa é sistematizar as categorias de análise propostas,
mostrando tendências que ocorreram nos meses de pesquisa. A partir desses dados segue-se
uma análise qualitativa que mostram práticas adotadas nessa seção do periódico A Tarde,
equivalente aos meses pesquisados, que foi constituída basicamente da leitura dos textos,
apesar de tentar entrevistas com jornalistas da editoria, o que não foi possível realizar, devido
a falhas de comunicação com a empresa responsável pela edição da seção pesquisada.
O jornal A Tarde foi fundado em 12 de outubro de 1912, por Ernesto Simões Filho, e
já na década de 20, lança as primeiras seções específicas, como Automobilismo, Turismo,
Página Feminina e Cinema1. A seção Ciência & Vida, não foi a primeira tentativa de
jornalismo especializado em ciência realizada pelo jornal. Segundo Costa (2007) em 4 de
agosto de 2005, é publicado o primeiro exemplar a seção Observatório, que durou até o mês
de março de 2007, e que foi sucessora de um projeto anterior chamado Saúde & Vida,
sugerindo um esforço do periódico baiano em manter uma editoria que aborde temas
relacionados à ciência.
A escolha dos meses da pesquisa (agosto e setembro de 2010) mesmo revelando uma
curta amostragem, é explicada pelo reduzido tempo de elaboração de uma pesquisa na
graduação, o que com um corpus maior, esse tempo para uma revisão teórica ficaria mais
limitado ainda, posto que uma pesquisa não se realiza somente com a leitura de jornais, mas
com o estudo de um referencial teórico bem fundamentado que sustente a pesquisa nos
periódicos. Soma-se a esse fator a dificuldade de acesso as edições de anos anteriores, 2007 e
2008, em arquivos públicos, tanto de Feira de Santana, Bahia (cidade do pesquisador), bem
como em Cachoeira, Bahia (onde localiza-se a instituição de ensino superior a qual estuda),

1
Disponível em: http://www.atarde.com.br/jornalimpresso/templates/2009/06/historico.jsf
64
que costumam armazenar preferencialmente os exemplares dos meses mais recentes. A
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) não recebe em sua assinatura a edição
de domingo (onde é publicada a seção Ciência & Vida), o que também contribuiu para o
número limitado de edições. Porém a pesquisa ganha em atualidade, pois aborda temas
tratados na seção no período de dois ou três meses atrás. Os exemplares da pesquisa foram
conseguidos por meio de doações de particulares, bibliotecas e empréstimos, grande parte da
amostra se encontra fotocopiada e outra em seu estado comercial.
A hipótese defendida para essa pesquisa é que a seção Ciência & Vida, do jornal A
Tarde possui uma linha editorial em que predomina temas relacionados à saúde, deixando
para segundo plano as outras áreas do conhecimento, e possui uma concepção do tema
relacionado à falta de doenças.
O objetivo geral da presente investigação visa analisar a abordagem que a seção
Ciência & Vida reserva aos temas de C&T&I (Ciência, Tecnologia e Inovação), baseado em
uma análise quantitativa de temáticas, fontes e o gênero das mesmas, gêneros jornalísticos,
áreas do conhecimento dos temas tratados, jornalistas responsáveis pelo texto, a presença de
infografia, as pautas que são abordadas, especialidades médicas consultadas e também os
gêneros das fontes nas matérias, e após essa visão geral do produto, estudar como os temas
relativos à saúde são apresentados na seção, analisando as funções que cumprem (as funções
do jornalismo científico apresentadas no capítulo 2), e os critérios de noticiabilidade
utilizados.
Essas categorias são necessárias para compreender os eixos temáticos que norteiam
essa pesquisa, que são da mesma forma, objetivos desse trabalho que consiste em entender: 1)
a prática de divulgação científica em saúde na seção Ciência & Vida, 2) as pautas de saúde
tratadas no período de pesquisa e 3) a concepção de saúde no texto.
A escolha pela análise dos textos relativos à saúde é justificada pela predominância
desse tema nas edições pesquisadas, onde esse se faz presente em todo o material, relativo aos
meses de agosto e setembro de 2010, revelando não só a importância que a editoria dedica a
esse tema, sugerindo a sua continuidade além do período estudado. A análise da seção
Ciência & Vida, no que diz respeito ao panorama geral da publicação em agosto e setembro
de 2010, tratará das seguintes categorias:

65
A) Temas

Foram identificados os temas abordados no jornal, bem como a sua predominância, o


que sugere a inclinação da linha editorial do veículo para determinado tema.

B) Fontes e gênero

Registrar-se-á a quantidade de fontes da comunidade científica consultada e também o


número de fontes não científicas, será abordado também o gênero das fontes pertencentes à
comunidade científica que foram entrevistadas e se há repetição dessas fontes ao longo do
período. Investigará de certo, a origem das fontes (se nacional ou estrangeira) presentes no
texto, classificando-o em: somente com fontes nacionais, somente com fontes estrangeiras e
com a presença de fontes nacionais e estrangeiras.

C) Gêneros Jornalísticos

Será pesquisada também a presença dos gêneros jornalísticos nos textos da seção. A
definição de gênero aqui segue a proposta de José Marques de Melo, descrita em Pena (2007),
baseada nos seguintes critérios: finalidade do texto ou disposição psicológica do autor, ou
ainda intencionalidade; estilo; modos de escrita, ou morfologia, ou natureza estrutural;
natureza do tema ou topicalidade e articulações interculturais (cultura). Baseado nisso a
proposta de Marques de Melo classifica os gêneros jornalísticos em: Jornalismo informativo –
nota, notícia, reportagem, entrevista; e Jornalismo opinativo – editorial, comentário, artigo,
resenha, coluna, crônica, caricatura, carta. A notícia na definição de Pena (2007) atém-se à
compreensão imediata dos dados essências. A reportagem traz os fatos em assunto, traz a
repercussão, o desdobramento; aprofunda. Nota para José Marques de Melo citado por Pena
(2007) é o relato dos acontecimentos que estão em processo de configuração e por isso é mais
freqüente no rádio e na TV. Porém verificamos que as notas na seção Ciência & Vida, no
período estudado, são usadas como recurso para informações adicionais sobre o(s) tema(s)
tratado(s).
A entrevista para Charaudeau (2009) enquanto gênero se define a partir de uma
diferenciação do status, em que a um dos participantes seja legitimado o papel de

66
questionador e ao outro o papel de questionado com razões para ser questionado. A
alternância das falas é determinada pela instância entrevistadora segundo suas finalidades.
Com antecipação se faz necessário explicar que nenhum dos gêneros opinativos presentes na
definição acima foram encontrados durante os meses pesquisados, o que não faz necessário
aqui uma definição pormenorizada de cada um.

D) Áreas do conhecimento

Relaciona-se com as temáticas, porém essa categoria repercutirá a área de


conhecimento a qual pertence cada tema: Ciências Sociais, Ciências Humanas, Ciências da
saúde, Ciências Exatas, Ciências Naturais e Tecnologia.

E) Jornalistas responsáveis pelos textos

Abordará se os textos são assinados, por quem (jornalistas da editoria ou agências de


notícias) e a freqüência com que publicam na seção.

F) Infografia

A infografia será outro aspecto analisado no período de pesquisa na seção. Infografia


segundo Teixeira (2009) é uma modalidade discursiva, ou subgênero do jornalismo
informativo, no qual a presença indissociável de imagem e texto em sua construção narrativa
permite a compreensão de um fenômeno específico, como um acontecimento jornalístico, ou
funcionamento de algo complexo ou difícil a ser descrito em narrativa textual convencional.
A infografia é composta de elementos icônicos e tipográficos, e deve ter título, texto de
entrada, indicação do autor e fontes utilizadas. A autora salienta que a qualidade do
infográfico reside em sua autonomia enunciativa, onde o público entende o que sua narrativa
encerra sem recorrer a outros textos.
Teixeira (2009) defende a infografia como subgênero do jornalismo informativo
(assim como a nota, notícia, reportagem, entrevista), pois seguem princípios técnicos e
deontológicos que fazem parte de qualquer prática jornalística. Dessa forma, os infográficos
têm exigências em seu processo de construção que devem ser cumpridas, sendo necessário

67
compreender que o produto jornalístico é construído a partir de uma relação indissociável
entre produção, circulação e consumo. Segundo a autora:

Em resumo, se o gênero informativo tem como função proporcionar ao


público o conhecimento, com clareza, exatidão e agilidade, de fatos
sociais, (...), então não há porque agrupar os infográficos em outra
modalidade (TEIXEIRA, 2007)

Velho (2001) defende que existe uma lacuna entre o discurso científico e o discurso
jornalístico, para que a função informativa do último seja cumprida. Para a autora "é possível,
e indicado, aproximar cientistas e jornalistas usando a infografia como um instrumento que dê
profundidade a informação de cunho científico. Quer-se apresentar o recurso infográfico
como uma ferramenta que vá levar ao jornalismo diário as questões que, para os cientistas,
ficam faltando na mensagem jornalístico-científica" (VELHO, 2001, 4). Segundo a autora o
apelo visual pode dar novas possibilidades à apreensão da notícia, é possível, por exemplo,
chamar atenção do leitor, e mais, oferecer, de maneira diferenciada e interessante, alguns
detalhes importantes aos cientistas, que hoje são deixados de lado pelos jornais diários. A
autora define infografia como um sistema intertextual, produzido no computador, que ganha o
suporte do papel jornal e se utiliza das linguagens verbais e não verbais de maneira
previamente organizada, para compor a mensagem jornalística impressa.
O acompanhamento da rotina diária da editoria não foi possível, como elemento
acessório a análise qualitativa, porém não me ausentei de estabelecer contato, via telefone e
via email, com a editoria responsável pela publicação, porém sem o retorno necessário. A
análise qualitativa então se encaminhou, como já foi mencionado acima, na aplicação dos
elementos do jornalismo científico que foram estudados (a exemplo das funções e critérios de
noticiabilidade) e também alguns conceitos pertinentes que balizaram os eixos temáticos
utilizados para a análise qualitativa. A análise de conteúdo melhor se adequou a pesquisa, pois
o objetivo desta já mostra que para entender a abordagem que a seção Ciência & Vida reserva
aos temas de C&T&I, se faz necessário um levantamento de todas as categorias explicadas
acima. Os aspectos teóricos que envolvem a análise de conteúdo são demonstrados abaixo.

68
3.1│O que se quer analisar: a saúde nas paginas da seção Ciência
& Vida

Como os produtos midiáticos, sejam eles programas de TV, revistas, jornais,


programas de rádio, páginas da web, podem ser armazenados e consultados em fins de
pesquisa, uma análise de conteúdo para, Herscovitz (2007) pode ser utilizada para detectar
tendências e modelos na análise de critérios de noticiabilidade, enquadramentos e
agendamentos. Serve também, segundo a autora, para descrever e classificar produtos,
gêneros e formatos jornalísticos, para avaliar características de produção de indivíduos,
grupos e organizações, para identificar elementos típicos, exemplos representativos e
discrepâncias e para comparar o conteúdo jornalístico de diferentes mídias em diferentes
culturas.
A análise de conteúdo passou por diversas definições que, ao longo do tempo,
procuraram contornar críticas e incorporar novas tecnologias. As bases para essa metodologia,
segundo Herscovitz (2007) foram laçadas por Paul Lazarfield e Harold Lasswell, nas décadas
de 20 e 30 do século XX. Essas primeiras definições enfatizaram uma dimensão quantitativa
que se resumia em: analisar as características sintáticas e semânticas, os símbolos, os
tamanhos e formatos e computá-los matematicamente. A autora relata que ainda na primeira
metade do século XX, Bernard Berelson, definiu o método como uma técnica de pesquisa
para descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação. O
ideal de que esse método é replicável e que serve para avaliar um grande número de
informações (palavras, frases, parágrafos, imagens) e que podem ser reduzidos em categorias,
previamente definidas, consagrou esse método nesse período.
As críticas lançadas ao método, ainda em seu início, fizeram com que o mesmo
expandisse o raio de ação. Para Herscovitz (2007) a excessiva ênfase no valor quantitativo e
no exame exclusivo da informação manifesta, são os primeiros pilares a serem criticados. Os
pesquisadores qualitativos acusam o método de ser superficial por desconsiderar o conteúdo
latente e o contexto dos objetos analisados e também as simplificações e distorções
quantitativas. Já os pesquisadores quantitativos, como aponta a autora, acusam a AC de não
ser suficientemente rigorosa na definição das características, não plenamente replicável. A

69
análise de conteúdo por ser vista como híbrida, ao aliar uma análise qualitativa e quantitativa
está, como analisa Herscovitz (2007) em um gueto metodológico de onde sai fortalecida.
Alguns pesquisadores segundo Herscovitz (2007), como Neuendorf (2002), enxergam
que a análise qualitativa de textos é melhor descrita e categorizada pela análise retórica ou de
discurso, mas que com alguns ajustes possa se fazer analise de conteúdo quantitativa. Essa
necessidade surge por que o foco quantitativo deixa escapar um quadro completo dos
significados e de códigos contextuais, por que os textos podem enfatizar aspectos outros do
que aqueles meramente repetidos.
Para Herscovitz (2007) então, a atual tendência da analise de conteúdo, desfavorece a
dicotomia entre o quantitativo e o qualitativo, promovendo uma integração entre as duas
visões, na qual o conteúdo manifesto (visível) e o conteúdo latente (oculto, subtendido) sejam
incluídos em mesmo estudo, de forma que não se compreenda somente o significado aparente
do texto, mas também o significado implícito, o contexto em que ele ocorre, o meio de
comunicação que o produz e o público no qual ele é dirigido. A autora ainda identifica que a
junção desses campos decorre da noção de que os textos são polissêmicos – abertas a
múltiplas interpretações por diferentes públicos – e não podem ser compreendidos longe de
seu contexto.
A análise de conteúdo dessa forma recolhe textos e outros materiais multimídias, a
partir de uma análise aleatória ou não dos objetos estudados com o objetivo de fazer
inferências sobre seus conteúdos e formatos enquadrando-os em categorias previamente
testadas, mutuamente exclusivas e passiveis de replicação (HERSCOVITZ, 2007).

A identificação sistemática de tendências e representações obtém


melhores resultados quando emprega ao mesmo tempo a análise
quantitativa (contagem de freqüência do conteúdo manifesto) e a análise
qualitativa (avaliação do conteúdo latente a partir do sentido geral dos
textos, do contexto onde aparece, dos meios que o veiculam e/ou os
públicos aos quais se destina) (HERSCOVITZ, 2007, 127).

Herscovitz (2007) descreve que os pesquisadores que utilizam a análise de conteúdo


são como detetives em busca de pistas que desvendem os significados aparentes e/ou
implícitos dos signos e narrativas jornalísticas, expondo tendências, conflitos, interesses,
ambigüidades ou ideologias presentes nos materiais analisados. Essa análise é norteada por
uma pergunta ou hipótese que fará a ponte entre teoria e investigação. O objetivo e os
conceitos que formam o corpo da análise deverão ser delineados.

70
Feito essa primeira etapa, a autora difere dois métodos de seleção do material, a
seleção não aleatória e a seleção aleatória. Numa seleção aleatória simples, temos acesso a
todos os elementos que farão parte da amostra, já a não aleatória quando não se tem acesso a
toda população do estudo, ou quando se trabalha com populações menores, como por
exemplo, segundo a autora, algumas edições específicas de publicação, que tratam da
cobertura de um tema registrado em período também específicos, como é o caso do presente
estudo, que abordará as edições da seção Ciência & Vida nos meses de agosto e setembro de
2010. Existe também para Herscovitz (2007) a possibilidade de, por exemplo, se trabalhar
com a amostra de forma que se monte uma semana, uma quinzena ou mês artificial, onde se
separa cada dia da semana de uma semana distinta. Dessa forma, se atinge uma variedade na
amostra, com distribuição equitativa e contendo o mínimo possível de distorções.
A decisão agora é o como analisar. Herscovitz (2007) diz que a análise de conteúdo se
concentra em medir conceitos, que representam classes de fenômenos. A conceituação
precede a classificação do conteúdo. Cada aspecto a ser medido requer uma definição nominal
e depois uma definição operacional que irá esclarecer como o conceito será medido na
amostra.
A escolha da unidade registro para Herscovitz (2007) é crucial para a análise de
conteúdo. São escolhidas a partir do tema da pesquisa, das teorias que informam o trabalho,
de estudos anteriores e dos próprios textos a serem analisados. Baseado na classificação de
Robert Weber (1990), Herscovitz (2007) separa as unidades de registro em: palavra; frase;
tema; parágrafo e texto inteiro. A unidade a ser usada aqui será o texto inteiro para que possa
ser avaliado, por exemplo, o gênero jornalístico presente no texto, mas poderemos recorrer a
alguns parágrafos do texto para demonstrar alguns fenômenos.
A escolha do jornal A Tarde tem como motivo esse periódico ter uma editoria fixa de
ciência aos domingos (Ciência & Vida) e ser único jornal com circulação estadual que se
dedica a esse fim. A perspectiva regionalista da qual parte essa pesquisa, no tocante ao seu
objeto de estudo, se justifica como uma forma de abordar um veículo que atinge um número
maior de pessoas (nas mídias impressas) como é o caso do jornal impresso e não de outros
veículos de divulgação científica, a exemplo de revistas como Ciência Hoje e
Superinteressante, entre outros veículos nacionais que circulam no Brasil, e através do estudo
dessa seção de jornalismo científico em um jornal baiano, se inserir dentro de pesquisas que
buscam compreender a práxis do jornalismo científico na Bahia.

71
4│Estudo da saúde nas páginas da seção Ciência &
Vida: uma proposta de análise

4.1│O jornalismo científico na seção Ciência & Vida: a saúde em


destaque

A seção Ciência & Vida, que é publicada aos domingos desde outubro de 2007, não é
a primeira experiência do periódico baiano com o jornalismo científico. O jornal, fundado em
1912, já realizou outras tentativas de uma editoria para esse jornalismo especializado, a
exemplo do Observatório (2005-2007), que era editado as quintas, e o Saúde & Vida, que deu
origem a seção citada anteriormente. A seção Ciência & Vida em sua primeira edição circulou
com oito páginas, segundo Bortoliero e Costa (2010). No período de estudo da editoria, ela
passou por mudança de número de páginas e localização no jornal, sendo publicada
inicialmente com duas páginas, localizadas no final do suplemento “B”, nas páginas B12 e
B13, sendo que a edição de 22/08/2010 recebeu três páginas, B11, B12, B13 e no final da
amostragem (19/09/2010 e 26/09/2010) a seção passa a ter quatro páginas, publicadas entre as
C1 e C4, esse aumento nas páginas pode ter relação com a propaganda eleitoral paga, que nas
duas edições de setembro ocupou parte da seção, assim com outras partes do jornal.
Bortoliero e Costa (2010) em estudo da seção Observatório apontaram algumas
práticas editoriais do jornal A Tarde no que diz respeito a esse tipo de jornalismo. Só para
comparar a longevidade das seções, o Observatório durou um ano e sete meses, segundo as
autoras, sendo encerrado em maio de 2007, já a editoria Ciência & Vida, completou três anos
de circulação. Para as autoras, a primeira experiência expôs a carência do jornalismo
científico baiano que cambaleava entre o improviso editorial e a vontade dos jornalistas de
pertencer a uma editoria especializada. As autoras estudaram o periódico entre agosto de 2005
e julho de 2006 e realizaram algumas observações sobre a linha editorial do Observatório. Foi
registrado um universo de 117 textos, onde 64% (75 textos) discorriam temas relacionados à
saúde. As ciências humanas ocuparam um espaço de 16 textos, as ciências exatas e da Terra
com 12 textos, meio ambiente com nove e as políticas referentes a financiamento de pesquisas
em ciência e tecnologia, com cinco. A reportagem foi o gênero jornalístico com maior
freqüência com 102 textos.

72
Nessa pesquisa com a seção Ciência & Vida, foram contabilizados 66 textos, nos nove
exemplares e os temas encontrados foram: saúde, arqueologia, meio-ambiente,
tecnologia/educação (como a tecnologia pode ser aplicada a práticas educacionais),
tecnologia/saúde (os efeitos que as tecnologias podem causar a saúde do ser humano) e
astronomia. A contagem revelou que a saúde é a temática que mais predomina na seção,
sugerindo uma inclinação da linha editorial desta para esse assunto no período estudado. O
gráfico abaixo revela a porcentagem desses temas, como também a quantidade:

Gráfico 1. Número de textos por temas classificados (agosto/setembro 2010)


80,0%
69,6%
70,0%
60,0%
50,0%
40,0%
30,0%
20,0% 13,6%
7,5% 6%
10,0%
1,5% 1,5%
0,0%
Saúde (46) Meio Tecnologia / Arqueologia Tecnologia / Astronomia
Ambiente (9) Saúde (5) (4) Educação (1) (1)

Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010


Organização: Autor

Sobre os gêneros jornalísticos, o critério seguido para classificar cada texto obedeceu
às definições propostas no capítulo 3. No período pesquisado não foi registrado nenhum dos
gêneros opinativos, sejam em forma de editoriais, crônicas ou artigos. Em uma classificação
por gênero foram verificados os seguintes números:

Tabela 1. Quantidade de textos por gênero

Reportagem Nota Notícia Entrevista Infográfico

26 25 14 1 3

73
Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010
Organização: Autor

Foram classificados também os textos, com exceção das notas, que são assinados por
jornalistas do periódico e os assinados por agências de notícias. No período pesquisado, foram
inventariados textos que em sua maioria eram assinados por jornalistas do jornal A Tarde. Na
edição do dia 22/08/2010 foram registrados 6 textos com dupla assinatura e foi classificado o
texto que apareceu sob a designação genérica “Da Editoria” do dia 08/08/2010, no campo
destinado à assinatura da matéria.

Tabela 2. Matérias assinadas ou de agências de notícias

Assinadas por jornalistas Agências de notícias “Da Editoria”

35 5 1

Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010


Organização: Autor

Dos textos das agências de notícias, quatro foram assinados pela France Press, um em
agosto e três em setembro. A Agência Estado participou com um texto apenas. Essa
participação foi registrada na forma de releases, onde são três com temas de saúde, um meio-
ambiente e um de arqueologia. A France Press publicou todos os três releases em saúde.

Tabela 3. Jornalistas responsáveis pelas matérias

Fabiana Claudio Salvatore Claudio Moisés Adilton Amanda Glauco


Mascarenhas Bandeira/Fabiana Carrozzo Bandeira Costa Imperial Palma Wanderley
Mascarenhas Pinto
14 6 4 3 3 2 2 1

Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010


Organização: Autor

Umas das características da seção Ciência & Vida é que cada pauta pode ter mais de
um texto que discorra sobre o mesmo tema, mas com outro assunto relacionado ao tema
central. O tema meio-ambiente, por exemplo, mereceu nove textos quando esse só foi tratado

74
em duas edições, sendo oito destes somente em uma edição, em um universo de nove
exemplares. A edição tratada acima foi o exemplar do dia 22/08/2010; a seção trouxe o tema
“aquecimento” global, que mereceu os oito textos catalogados (4 reportagens, 2 notícias, 2
notas). As aspas no termo aquecimento são decorrentes da discussão tratada nessa edição, pois
suscita a dúvida acerca do comportamento da temperatura terrestre. A seção procurou nessa
edição trazer o embate entre dois pontos de vista conflitantes nessa área: um grupo de
pesquisadores que acham que os efeitos antropogênicos (causados pela ação da humanidade)
é a causa dos desastres naturais e do aquecimento global - Desastres naturais são afetados
pelo clima – e outro grupo que discorda do alarmismo e das pesquisas dos cientistas
partidários da outra tese, ligados ao IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas), em Grupo de cientistas discorda que a temperatura da Terra esteja subindo, e
abre espaço para os que defendem a idéia de que o fenômeno do aquecimento global não
existe, ou de que “não há bases sólidas para afirmar que o homem seja responsável por esse
aquecimento”, como a afirma a fonte, o PhD. em meteorologia José Carlos Molion.
A outra fonte citada no texto, ainda mais enfática, diz que a Terra na verdade está
resfriando, e que as variações de temperatura são um processo natural e não antropogênico.
Por falar nas fontes, para esse tema uma das fontes, a citada acima, é central no assunto. O
paulista José Carlos Molion, como afirma o texto, é o representante da América Latina na
Organização Meteorológica Mundial, ou seja, se levarmos em consideração a fala presente no
texto, com a questão das disputas de poder no campo científico, essa voz de Molion assume
uma autoridade maior no assunto. Para Bueno (2007) apud Victor (2009), o jornalismo
ambiental deve ter compromisso como o interesse público, com a democratização do
conhecimento e a ampliação do debate, assim como todo jornalismo. Para o autor o repúdio à
neutralidade, tomando partido e investigando as conseqüências das ações dos grupos
econômicos que degradam o meio ambiente, é o início para os compromissos citados acima.
Porém, mesmo com o esforço de colocar o debate em voga, nota-se que esse impasse é
tratado sem uma investigação mais profunda, mesmo sendo os textos reportagens, e se
dedicou em algumas partes ao ataque de defensores de uma tese dirigidos aos partidários da
outra. Mesmo com um número de fontes que sugere uma boa apuração (sete fontes – seis
nacionais e uma estrangeira), a matéria estaciona na simples troca de argumentos entre os
cientistas, o que não é também esclarecedor, já que quem defende a ação antropogênica, a
defende com ressalvas – “Apesar de confirmar que o tema é controverso, (...) ressalta que a

75
ciência tem reunido evidências de que o aumento da presença de CO2 na atmosfera tem se
dado devido a ação humana.”, e o tema não volta às páginas do caderno em outras edições, já
que a terceira pauta de meio ambiente diz respeito a vida marinha nos oceanos e não é
relacionado com esse tema aquecimento global.
Na escolha das pautas a seção também destaca a saúde. As pautas desse tema são
presentes em todas as edições, onde foram localizadas no período 22 pautas, como mostra o
gráfico (esse gráfico não leva em consideração as notas). O grande interesse do público pela
medicina e pelas pessoas que desenvolvem esta prática gera um interesse popular por matérias
de saúde, principalmente as que envolvem a saúde física do corpo (BURKETT, 1990). Na
pesquisa foi registrado que alguns exemplares eram monotemáticos, esses são exemplares dos
dias 01/08/20010 (suicídio), 29/08/2010 (hábito de colecionar), 05/09/2010 (limites do corpo
em situações extremas) e 12/09/2010 (esclerose múltipla).

Gráfico 2. Número de pautas por tema (agosto/setembro 2010)

70,0%
59,0%
60,0%

50,0%

40,0%

30,0%

20,0% 13,6% 13,6%


9%
10,0% 4,5%
0,0%
Saúde (13) Arqueologia (3) Meio Ambiente Tecnologia / Tecnologia /
(3) Saúde (2) Educação (1)

Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010


Organização: Autor

As notas, que foram identificadas em um total de 25 textos, apresentam uma


predominância também em temas de saúde; na tabela abaixo segue a contagem equivalente
aos dois meses. Vale ressaltar que dos nove exemplares estudados, cinco apresentaram a
coluna de notas, sendo quatro em agosto e uma em setembro, e as edições de 15/08/2010 e
22/08/2010, foram publicadas com duas colunas de notas. A coluna de notas que geralmente é
76
publicada na última página da seção, não foi explorada no mês de setembro (com exceção de
12/09/2010), pois a propaganda eleitoral paga preencheu muitos espaços na seção.

Tabela 4. Temas abordados nas notas

Saúde Meio- Tecnologia/ Astronomia Arqueologia


ambiente Saúde
19 2 2 1 1

Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010


Organização: Autor

As pautas de saúde, sem levar em consideração as notas, ocupam 59% do total, sendo
que em agosto foram seis pautas num total de 12 (50%) e em setembro foram sete em dez
(70%). As pautas de saúde se concentram nos seguintes temas, organizados na tabela, que
mostra também o número de matérias em cada uma delas (essa tabela não leva em
consideração as pautas das notas).

Tabela 5. Quantidade de textos por pautas em saúde

Pautas Quantidade de textos

AGOSTO 2010 – 5 edições


Ambientes coloridos e bem-estar 4
Comportamento suicida (saúde mental) 3
Habito de colecionar (saúde mental) 3
Os segredos da boa saúde 1
Relação entre alopatia e homeopatia 1
Saúde da gestante 1
SETEMBRO 2010 – 4 edições
Saúde na terceira idade 3
Tireóide 3
A saúde do corpo em situações extremas 2
Novos medicamentos 2
Esclerose múltipla 2
Odontologia em pessoas especiais 1
Nova vitamina contra o Alzheimer 1

77
TOTAL 27

Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010


Organização: Autor

A ciência humana explorada durante o período de estudo foi a arqueologia (em uma
reportagem, duas notícias e uma nota; todas no mês de agosto), onde foi explorada sobre o
ponto de vista do inusitado, como no release Caixa de uísque fica um século sobre o gelo da
Antártida, em 15/08/2010. A única reportagem foi Sítio de Atapuerca guarda tesouros
arqueológicos de 1,5 milhão de anos, em 08/08/2010, que fala do sítio arqueológico na
Espanha, e publiciza a exposição desse “tesouro” no Nordeste, no Centro-oeste e Sudeste,
apesar de receber destaque no caderno, com uma página, não trata de como por exemplo
como viviam essas sociedades pré-históricas, nem em que condições foram achados esse
“precioso arquivo da evolução humana na Europa”, trazendo somente as dificuldades
estruturais que a capital baiana possui para receber a exposição.
Não existiu, nesse período, interesse em temas que tratassem as Ciências Sociais e
humanas. No mês de setembro, por exemplo, a seção não dedicou nenhuma página a essas
ciências. Isso permite afirmar que a seção Ciência & Vida, nesse período, não respeitou um
dos pontos do conceito de jornalismo que é a universalidade e que faltou por parte da linha
editorial do caderno um olhar mais apurado a área das Humanidades e Ciências Sociais, pois
até as pautas que discutiam sobre a saúde mental e que recorreram à psicologia (que estuda o
comportamento dos seres humanos) e é uma ciência das Humanidades, restringiu-se a discutir
a manifestação sintomática do comportamento (por exemplo, o suicida), sem discutir os
fatores sociais que deflagram tal conduta, a tabela mostra a divisão do texto por área do
conhecimento.

Tabela 6. Áreas do conhecimento e quantidade de textos

Ciências da Ciências Tecnologia Ciências


Saúde Naturais Aplicada Humanas

46 10 6 4

Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010


Organização: Autor

78
No período pesquisado foram contabilizadas, sem levar em consideração as notas, 64
fontes, sendo 53 (82,8%) do Brasil e 11 (17,1%) do exterior. O universo total de fontes foi
classificado em: cientistas 47 (73,4%) e não-cientistas 17 (26,5%). Das 47 fontes da
comunidade científica consultadas 38 (80,8%) são brasileiros e 9 (19,1%) são do exterior. Do
total desses 47 cientistas, 21 (44,6%) são médicos que foram separados em 13 especialidades,
de acordo com as matérias. Desse total de médicos, 19 (90,4%) são brasileiros. A tabela
abaixo mostra as especialidades encontradas durante o estudo. A classificação pesquisador
segue a indicação do texto que não abordou a formação do entrevistado, mas o creditou
genericamente como pesquisador.

Tabela 7. Número de entrevistados brasileiros por especialidade

Especialidade em geral Quantidade


Medicina 19
Pesquisadores 7
Meteorologia 2
Pedagogia 2
Arqueologia 1
Física 1
Antropologia 1
Engenharia Florestal 1
Educação Física 1
Enfermagem 1
Cromoterapia 1
Arquitetura 1
TOTAL 38

Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010


Organização: Autor

As demais fontes (não científicas) possuem representatividade diluída entre as edições


da seção, sendo que essas fontes, em seu total de 17, foram contabilizadas 9 vezes em agosto
e 8 em setembro, dessas fontes 15 são brasileiras. Na área da saúde, no mês de agosto de 2010

79
foram classificados 19 cientistas, das 26 fontes nacionais entrevistadas, dos quais 8 eram da
área da saúde (7 médicos) e no mês de setembro, que registrou 19 profissionais da ciência
brasileiros, em um universo de 27 fontes também nacionais consultadas, 13 são da saúde,
sendo 12 médicos. A tabela mostra todas as especialidades da medicina encontradas, também
não foram analisadas aqui as notas.

Tabela 8. Quantidade de fontes médicas por especialidade

Especialidade médica Quantidade

Nutrologia (nutricionistas) 3
Cardiologia 2
Neurologia 2
Psicologia 2
Endocrinologia 2
Psiquiatria 1
Fisioterapia 1
Terapêutica 1
Homeopata 1
Pneumologia 1
Fisiologia 1
Odontopediatria 1
Ortopedia 1
Sem classificação da especialidade 2
no texto
TOTAL 21

Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010


Organização: Autor

Quanto ao gênero dos cientistas brasileiros entrevistados, 22 são do gênero masculino


e 16 do feminino, porém nas pautas de saúde foram utilizados 7 médicos e 12 médicas. No
período não foi registrada a repetição de fontes com freqüência. Somente uma vez a mesma

80
fonte aparece em edições diferentes e também em única oportunidade a mesma fonte foi
utilizada em matérias diferentes, mas na mesma edição.
Os textos da seção Ciência & Vida (66) foram catalogados também de acordo com as
origens das fontes presentes e que tiveram declarações reproduzidas nas matérias. Há
predominância de textos somente com fontes nacionais. Foram dezessete notas e uma notícia
que não tiveram a fala das fontes reproduzidas e nem identificadas a procedência da
informação, e foram classificados como sem fonte.

Tabela 9. Relação dos textos com origem das fontes

Somente fontes Sem fontes Somente fontes Com fontes


nacionais estrangeiras nacionais e
estrangeiras
34 18 14 0

Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010


Organização: Autor

Um aspecto analisado nesse período é que nenhuma matéria foi feita com o propósito
do divulgar a ciência e tecnologia realizada na maior instituição de ensino superior da Bahia,
a UFBA (Universidade Federal da Bahia), como também da UFRB (Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia) e outras universidades estaduais. Dos 47 cientistas entrevistados pela
editoria, somente três eram dessa instituição e responderam sobre o tema tratado na matéria e
não sobre suas pesquisas. As universidades baianas não se fizeram presentes nessa amostra,
sendo que fora a UFBA, somente mais uma fonte de universidade baiana foi entrevistada,
abordando uma pesquisa de sua autoria, que é realizada na UNEB (Universidade Estadual da
Bahia), no exemplar de 26/09/2010. A pesquisa detectou as seguintes instituições e centros:

Tabela 10. Instituições e centro de pesquisas

Instituição ou centro de pesquisa Quantidade


Universidade de São Paulo 5
Universidade Federal da Bahia (UFBA) 3
Instituto de Gestão de Águas e Clima (INGÁ) 1
Universidade Federal de Goiás (UFG) 1
Universidade de Brasília (UnB) 1
81
Faculdade de Ciências e Saúde de São Paulo 1
Escola Baiana da Medicina 1
Universidade Estadual da Bahia 1
Instituto de Cérebro de Brasília 1
Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio (NEPS) 1

Fonte: Ciência & Vida agosto/setembro 2010


Organização: Autor

Os dados retirados dos exemplares da seção Ciência & Vida mostram que grande parte
da discussão proposta pelos jornais é mediada pela voz autorizada dos cientistas, sendo
registrada pouca freqüência do cidadão comum, somente se faz presente representando a
vítima de uma enfermidade, mas o foco não é o cidadão, esse é a ponte entre o tema (a
doença) e o médico. A visão de saúde presente nos textos é resumida em termos como
“qualidade de vida” e “bem-estar”, mas pouco se debate o meio social e cultural do indivíduo.
A análise do jornal será pontuada por três temáticas em torno dos textos sobre a saúde que
são: o foco na doença; a sinonímia entre qualidade de vida e bem-estar com a saúde e os
medicamentos embalados em releases; a função que cumpre o periódico, levando em
consideração a diferenciação dos papéis desempenhados pelo jornalismo científico, proposta
por Bueno (2009) e reproduzida no capítulo dois dessa pesquisa e os critérios de
noticiabilidade também serão abordados nessa parte.

4.1.1 │A doença como alvo para a informação: um prontuário limitado

Nos meses de pesquisa a seção Ciência & Vida abordou diretamente duas doenças: a
esclerose múltipla e as disfunções na glândula tireóide. Foram abordados também, os
transtornos mentais que podem desencadear em comportamentos suicidas, a obsessão dos
colecionadores e a sua implicação na vida social. Começando pela esclerose múltipla, que foi
tema da edição de 12/09/2010, com dois textos noticiosos. No tratamento dado a reportagem
prevalece uma voz, a médico neurologista, e uma fonte que têm a patologia é entrevistada.
Acima do título da primeira matéria é lido Brasil tem mais de 30 mil pessoas com a doença,
de causa ainda desconhecida; tratamento é fornecido pelo SUS. Essa chamada é um resumo
da proposta do tema, que objetiva informar e educar para o reconhecimento sintomático da
enfermidade. No texto Diagnóstico precoce da esclerose múltipla garante aos pacientes

82
qualidade de vida, a doença, que atinge o sistema nervoso central, é definida e seus sintomas
esclarecidos. Em linguagem que privilegia alguns termos técnicos da anatomia humana, a
patologia é conceituada:
A esclerose múltipla é uma doença crônica que afeta o cérebro e o
cordão espinhal, atingindo as fibras nervosas responsável pela
transmissão de comandos do cérebro a várias partes do corpo,
provocando um descontrole interno generalizado.

O termo doença crônica não é definido na primeira vez que aparece, o que deixa em
suspenso que a patologia não tem um tratamento rápido, e que o portador dependerá de uma
intervenção medicamentosa, para que tenha uma vida com qualidade. A matéria também lida
com o estereótipo da desinformação do portador, como na declaração da fonte: “Eu pensava
erroneamente, que a esclerose múltipla era uma debilitação. Sou uma pessoa normal”, essa é
uma afirmação da fonte, que segundo a seção convive há dez anos com a doença. Ela é a
presidente da Associação Esperança Múltipla, em Salvador, como já dito, única fonte
consultada. A matéria ainda aborda os riscos pós-ataque (surto) causado pela doença. A cura
da patologia também é colocada em discussão, mas sobre o ponto de vista do limite da
medicina que não descobriu uma cura para a esclerose: “A cura para a esclerose múltipla
ainda não há, mas o tratamento é possível para todos os casos”. Tratamento esse resumido
pelo neurologista, fonte médica da matéria: “O uso de medicamentos deve ser constante”.
A segunda matéria Sintomas da doença vão do tremor a dormência, continua
contando mais da história de vida da personagem, a portadora da doença, e sob o inter-título
Novas receitas, discute as formas de manifestações clínicas da doença e o tratamento
medicamentoso. A matéria não se propõe a discutir os fatores de risco ou as pessoas que estão
propensas à doença, apesar de identificar um grupo de “pessoas entre 20 e 40 anos de idade,
sendo 75% mulheres, não aborda se é mais comum em brancos ou negros e coloca em dúvida
a questão genética, pois em um box, com perguntas sobre a doença é negado que a patologia
seja hereditária, mas a jornalista escreve: “Hoje, além de se buscar genes que possam
determinar a doença, busca-se também novos medicamentos...”, o que deixa a dúvida a um
leitor mais atento. A matéria noticia e publica uma foto da autora da série Harry Potter (J. K.
Rowling), que doou a quantia de 15 milhões para a Universidade de Edimburgo (Escócia)
para o estudo da doença. Essa grande quantia monetária, foi o bastante para pautar uma das
notas da seção, porém essa soma movimenta um lucro para a indústria de C&T&I, com
pesquisas para tratamentos caros, que não atingem pessoas com baixo poder aquisitivo.

83
Não foi informado em nenhum momento nos textos a quantidade de portadores da
doença no estado, o que revela lacunas na apuração. A junção das funções informativo-
educativa volta com as notas Medicamentos na rede pública, porém sem verificar se existem
problemas com a falta de medicamentos, mas alerta os custos totais com as drogas que podem
chegar a mais de R$ 10 mil, o que revela que não é qualquer pessoa que pode ter a qualidade
de vida proporcionada pelo tratamento, e também na nota Tratamento da doença é gratuito,
obtêm-se a informação que o Hospital das Clinicas disponibiliza esse tratamento. Esses dois
temas relacionados a políticas públicas em saúde só mereceu notas adicionais no final da
seção, com informações curtas sobre suas questões.
Diferente do tratamento da esclerose múltipla, as disfunções da glândula tireóide são
tratadas com mais recursos elucidativos para o leitor, a exemplo da infografia, que mostra os
problemas causados pela disfunção dessa glândula em diversas regiões do corpo (ver anexo).
A infografia Efeitos do hipotireoidismo resume algumas partes do texto e acrescenta
informações acessórias ao leitor. É um recurso visual utilizado para mediar a fala do cientista
para o público, pois o corpo feminino desenhado e com seus órgão vitais expostos, dá nova
possibilidade de compreensão ao leitor, o tratamento detalhado usado na imagem substitui a
recurso verbal, o que libera espaço na página que pode ser utilizado para outros fins. A
máquina corpo, idealizada pelo paradigma cartesiano, é aberta e o funcionamento de diversas
peças da engrenagem é analisado em função da glândula tireóide, na matéria Problemas na
tireóide trazem riscos à saúde. Apostando mais uma vez numa linguagem técnica a função
dessa glândula é descrita:
Essa glândula produz dois hormônios – o T3 (tiiodotiroxina) e o T4
(tiroxina) – que são responsáveis pelo metabolismo do corpo e regulam a
forma como o organismo armazena e gasta energia.

Nessa matéria são consultados dois endocrinologistas, que abordam o funcionamento


anormal da glândula, tanto em seu estado hiperfuncionante, o hipertireoidismo, tanto em seu
estado hipofuncionante, o hipotireoidismo, informando os sintomas em cada um desses
comportamentos.
De maneira geral, quando a glândula está hiperfuncionante, ocorre uma
aceleração no metabolismo em todo o organismo, podendo ocorrer
agitação, diarréia, taquicardia, perda de peso. Já quando a glândula esta
hipofuncionante, pode ocorrer o contrário, cansaço, fala arrastada,
intestino preso, perda de peso.

Em Diagnóstico é feito por meio de exame de sangue, traz agora uma fonte que já
passou por problemas na tireóide. O gancho para a matéria é o fato de a dosagem de dos
84
hormônios T3 e T4, pode ser medido em exame de sangue. A fonte também do gênero
feminino, da mesma forma que a fonte sobre a esclerose múltipla, é colocada diante do
estereótipo do desconhecimento: “Já tinha ouvido falar da tireóide, mas não sabia que se
tratava de uma glândula tão importante para o nosso corpo”. Diante de tantos problemas que
o hipertireoidismo, que afetava a fonte, pode trazer, foi escolhido o seguinte foco: Uma das
principais recordações é a aparência abatida, prevalecendo então o fator estético como
abordagem, que são verificados nas falas: “Sentia vergonha. A única vontade que tinha era a
de me isolar”, “Hoje vivo, uma vida tranqüila e, felizmente, já consigo me olhar o espelho
com prazer”. A matéria revelando o foco no estético é ilustrada com uma foto da fonte
olhando no espelho ao se maquiar.
O tratamento dado à esclerose múltipla é idêntico. A presença do vocábulo diagnóstico
no título das matérias de ambas as pautas, revelam uma função educativa para os exames
periódicos, que podem detectar as duas patologias. A desinformação das fontes em relação
aos problemas também merece destaque, pois presente em textos dos dois temas serve como
mensagem para a seção, de forma que devido à falta de informação, como a mídia pode
melhorar seu trabalho de divulgação científica? Outro ponto comum é que tanto a esclerose
múltipla, tanto as disfunções tireoidianas ocorrem em maior número em mulheres, como
afirmam os textos, mas não contextualiza essa relação, pois não informa com precisão a
ocorrência nos homens, nem se os sintomas são os mesmos. A infografia da primeira matéria
revela o foco da matéria (destinada a mulheres), pois a arte desenhou uma mulher, e também a
fala do endocrinologista mostra a possibilidade de: “Ainda não sabemos a razão do
hipotireoidismo ser mais freqüente em mulheres, mas é importante estar atento, pois todas as
pessoas, independente de sexo ou idade, estão sujeitas a alterações desta glândula”. Outra
informação não presente, e que poderia ser encontrada, já que uma das fontes é o presidente
da Sociedade Brasileira de Endocrinologia – Regional Bahia é o número de baianos que são
acometidos por disfunções na tireóide e sua distribuição por gênero.
Vemos nesses exemplos que, mesmo com o objetivo informativo-educativo dos textos,
a falta de informações relativas ao tema e uma apuração com mais cuidado, deixam essa
função comprometida. Em nenhuma das pautas, por exemplo, procurou-se esclarecer se
existem tratamentos alternativos às doenças, baseado em cuidados homeopatas ou a base de
produtos naturais. A cultura do “consultório médico” é presente nas pautas. Uma constatação
pode ser feita a esse respeito, pois, em edição de 22/08/2010, no texto “Homeopatia e

85
alopatia podem se completar”, que divulgava a palestra de um médico homeopata na capital
baiana, ao responder a desconfiança do jornalista sobre a eficácia do tratamento homeopático
em doenças mais sérias, como diabetes, hipertensão ou acidente vascular cerebral (AVC, ou
comumente derrame cerebral), o médico salienta: “Ela pode tratar qualquer patologia em
geral, pois não trata apenas da doença, mas da pessoa que está afetada”. Porém, o mesmo
revela que a homeopatia, a depender da situação clinica, será aplicada ao mesmo tempo que
os procedimentos alopáticos.
Dessa forma percebe-se que o tratamento à saúde empregado na seção Ciência &
Vida, privilegia um tratamento alotrópico, sem abordar os efeitos desse tratamento (as duas
fontes, tanto na pauta sobre esclerose múltipla, quanto na pauta sobre tireóide, passaram por
intervenção medicamentosa), e uma concepção da saúde relacionada à qualidade de vida e a
ausência de problemas físicos; pois pouco se falou sobre o psicológico das pacientes, visto
que a vitima de esclerose também se deparou com um quadro depressivo, só citado no texto, e
a questão da auto-estima da fonte, entrevistada na matéria sobre as disfunções tireoidianas,
que se envergonhava das alterações que a disfunção causou a sua aparência.

4.1.2 │Qualidade de vida e bem-estar: o estilo de vida propagado na seção Ciência &
Vida

A concepção de saúde resumida em “qualidade de vida” e “bem-estar” é um passo


para as pautas que trazem tratamentos baseados em hidroginástica, práticas em academias e
modelos exógenos de vida. Em Gestantes devem redobrar os cuidados nos três primeiros
meses de gravidez, em 08/08/2010, o ponto principal é o lançamento do livro Guia Gestante
Salvador, escrito pelas duas fontes. A matéria possui uma foto que preenche a metade da
página com cinco alegres mães praticando hidroginástica, mas sem o depoimento de nenhuma
delas; e apesar de existir um box de dicas, não procura mostrar exercícios alternativos para
quem quer ser mãe, precisa se cuidar, mas não pode freqüentar uma sessão de hidroginástica,
nem ter um acompanhamento de um especialista. Cumpre com a função informativa, razão de
ser do jornalismo, mas deve em profundidade, mostra algumas práticas, demonstrando uma
preocupação educativa, demonstrando as mães como se prevenir de problemas durante a
gestação.
A saúde do idoso também se fez presente na edição do dia 26/09/2010, que foi pautada
pela data comemorativa do dia da melhor idade, dia 27. Para a realização dessa pauta, cinco
86
especialistas foram ouvidos e somente uma idosa foi entrevistada. O tratamento dado à
matéria privilegia novamente a pouca abordagem com o público e também a falta de
alternativas aos métodos propostos, destinados a determinada classe social. Atividades físicas
acompanhadas por um profissional da área, como um personal trainner, é recomendado em
Cuidados básicos ajudam o idoso a viver com saúde, mostrando que esse é um estilo de vida
propagado pela seção. Em Alimentação saudável e colorida colabora na prevenção de
doenças, é reforçado, através da metáfora alimentação colorida, o apelo à educação alimentar,
através de um cardápio com frutas, legumes, verduras e saladas. Há de se levar em conta,
porém, que em pesquisa realizada pelo IBGE1 em 2009, que media o grau se segurança
alimentar2, o Brasil apresenta 29, 4% de seus domicílios que apresentam algum grau de
insegurança alimentar, sendo que na Bahia, esse número passa para 41,2% e 8,9% estão em
situação de insegurança alimentar grave. Essa problemática não perpassa essa discussão sobre
a alimentação dos idosos baianos. A matéria é mais uma que conta com um infográfico que
mostra as doenças que atingem as pessoas na terceira idade.
A arte (infografia) Alerta e prevenção reproduz uma imagem que mostra um olhar
estereotipado da velhice, onde é desenhado um idoso corcunda (ver anexo). Essa é mais
detalhada do que a que abordou os problemas na tireóide na edição de 19/09/2010, e traz
alguns distúrbios físicos que acometem pessoas idosas (homens e mulheres), cada um com
suas especificidades, mais uma vez revelando a cultura do consultório médico e a apologia à
medicamentos, em tom educativo, sob o vocábulo de prevenção. A pauta é informativo-
educativa, apontando os problemas relacionados à idade avançada e também promovendo a
educação a hábitos saudáveis, para atingir o almejado bem-estar.
Em Especialistas revelam o “segredo” da boa saúde, mostra logo no título dessa
matéria um estereotipo a respeito dos cientistas: guardiões de conhecimentos fantásticos, que
ninguém poderia imaginar. Na chamada da matéria, que foi um resumo de uma publicação
que foi editada na revista americana Newsweek, com o nome de “Ciência de uma vida

1
Disponível em: SEGURANÇA Alimentar 2004/2009: http://ibge.gov.br/home/estatistica/populacao
/seguranca_alimentar_2004_2009/tabelas_pdf/tab1_09_2.pdf

2
Para o IBGE a segurança alimentar segundo o IBGE mede o grau de acesso da população domiciliar aos
alimentos em quantidade adequada e sequer sinta-se na eminência de sofrer restrições no futuro. A insegurança
alimentar leve detecta alguma preocupação com a quantidade de alimentos no futuro, existindo
comprometimento na qualidade dos alimentos. A insegurança alimentar moderada mede o grau de moradores
que no período pesquisado, conviveram com a restrição quantitativa de alimentos e a insegurança alimentar
grave a privação de alimentos, passando pela sua expressão mais grave, a fome.

87
saudável”, o jornalista dispara: Livrem-se do smartphone, seja alegre e aprenda a cozinhar,
dizem. Concentro-me do “Livrem-se no smartphone”, pois apesar de no Brasil termos mais de
um celular por habitante3, não é o smartphone (um celular com tecnologia que supera os
celulares convencionais) que ocupa o topo da tabela mesmo se levarmos em consideração que
o aumento nas vendas4 desses aparelhos cresce no território nacional, além de exógena (as
fontes são todas estrangeiras, da Universidade de Harvard), a matéria não se relaciona com as
necessidades regionais: o que o baiano necessitaria para ter uma boa saúde? Pergunta essa não
respondida pela publicação.

4.1.3│O release como bula de remédio: a propaganda de novos medicamentos

Uma das práticas criticadas por Bueno (2001) é o uso indiscriminados dos releases 5
pela mídia, sem contextualização com o local e verificação de informações. De acordo com
Ferreira (1998), os meios de comunicação têm papel fundamental na divulgação de
informações científicas e médicas na sociedade, pois são eles que anunciam as novas técnicas
e as possibilidades de êxito. É na mídia que o grande público terá acesso as informações
inicialmente restritas em pequenos grupos de cientistas. Porém a autora afirma que essa
informação nem sempre é adequada pelo discurso simplificante, que torna simples
procedimentos ou experiências complexas. Essa característica corrobora com a
mercantilização da ciência, já discutida em Bueno (2000) e Kuscinsky (2002).
Nada diferente do observado na seção Ciência & Vida. São cinco releases, ou textos
produzidos por agências de notícias, onde quatro são de autoria da France Press e um da
Agência Estado. A edição de dia 05/09/2010, registrou o seguinte título Nova droga contra a
malária, que no texto traz a seguinte abertura “Cientistas descobriram uma nova droga
promissora contra a malária, com o potencial de tratar, com uma única dose...”. O estudo do
fármaco que teve sua publicação na Science, ainda não demonstrou nada de concreto, pois

3
Disponível em: BRASIL supera marca de um celular por habitante: http://economia.ig.com.br/ brasil+supera+
marca+de+um+celular+por+habitante/n1237830126563.html. Acessado em 26/11/2010

4
Disponível em: ARARAQUARA.COM lança versão para telefone celular: http://www.araraquara.com/noticias/
cidade/2010/11/28/araraquara-com-lanca-versao-para-telefone-celular.html. Acessado em: 26/11/2010

5
Para o Manual de Assessoria de Imprensa da FENAJ, release é uma ferramenta que a assessoria usa para
organizar as informações que está divulgando. Trata-se de um texto cuja essência é a informação.

88
ainda não foram realizados testes clínicos. Sem informar como foi realizada a descoberta, um
dos pesquisadores diz: “Tem muitas características encorajadoras enquanto candidato a
medicamento...”, com afirma a fonte do Instituto de Genômica da Fundação de Pesquisa
Novartis, que por acaso também é laboratório farmacológico.
O release travestido de informativo traz em si estratégias de construção de imagem da
empresa, bem como a expectativa em torno do medicamento, ainda em fase de candidatura.
Na mesma data em Medicamento reduz freqüência de câncer de pulmão em ratos, mais um
release da France Press, mostra a pesquisa publicada pela Associação para a Pesquisa do
Câncer nos Estados Unidos, que como o titulo deixa claro, o experimento realizado em ratos,
foi desenvolvido com uma droga que já é usada para o tratamento de outra doença, a diabetes
tipo 2. Os testes clínicos também não foram realizados, mas o alarmismo, ainda mais quando
se trata de uma doença como um câncer, é presente. Salta os olhos perceber que tudo ainda
está na fase de testes, não foram realizadas experiências em seres humanos, mas a informação,
monofônica por sinal, traz consigo uma falsa isenção, verificadas em números e resultados, e
atendem a interesses exclusivos das fontes de informação.
A edição do dia 12/09/2010, que tem como tema a esclerose múltipla, reservou espaço
para mais uma matéria da France Press. Na notícia Vitamina B pode atrasar evolução do
Alzheimer, é divulgada pesquisa de Oxford, realizados em humanos que receberam “altas
doses” de um complexo vitamínico composto por: B9 (acido fólico), B6 e B12, e outro grupo
que recebeu placebo. O teste que foi ministrado em pessoas com transtorno cognitivo leve,
obteve resultado entre 30% a 50% na redução da atrofia cerebral. A matéria ainda traz
alimentos que têm reservas da vitamina B, ovos, carne, peixe e verdura, mas adverte que:
“sua administração em doses altas é elevada e pode trazer efeitos colaterais”, sem dizer que
efeitos são esse e sem explicar por que os seres humanos expostos ao testes receberam essa
alta dose de vitamina. O que se pode observar na editoria é tanto as incertezas científicas,
como uma falta de critério do que colocar nas páginas do caderno. O exemplar de 08/08/2010
traz a nota Carne vermelha: causa câncer, e na matéria Alimentação saudável e colorida
colabora na prevenção de doenças, de 26/09/2010, a nutricionista consultada recomenda para
os idosos (o grupo que foi submetido a vitamina B tinham mais de 70 anos), o consumo de
alimentos com pouca gordura e de fácil digestão: “Arroz integral, saladas cozidas, alimentos
ricos em fibra, como frutas, legumes e cereais são os melhores”. Esse conjunto de
circunstâncias deixa claro que o critério utilizado na seção Ciência & Vida, para a publicação

89
desses releases pauta-se mais pelo resultado da pesquisa, que são realizadas no exterior, do
que pelo seu processo, não verificando as informações que foram veiculadas anteriormente.
A análise engendrada acima mostra que o discurso médico permeia as páginas da
seção Ciência & Vida. A editoria, no período pesquisado, privilegiou a função educativa em
relação às doenças, baseado na prevenção dos fatores externos, ou seja, uma visão de doença
baseado em elementos exógenos, essa mesma função educativa também se faz presente
quando o periódico divulga “modos de vida” saudáveis, promovendo uma educação para
hábitos que aumente a qualidade de vida do leitor.
Os dados mostram que a linha editorial seguida pela seção privilegia essa abordagem
(número de médicos entrevistados, superando em mais que o dobro o número de fontes
entrevistadas em algumas especialidades e sendo igual à soma de todas), o que podemos
identificar no próprio nome da editoria Ciência & Vida, que revela uma vertente voltada à
saúde; porém a pesquisa mostra que a seção estacionada na função educativa (apesar de
registrar-se também a informativa). O baixo número de fontes não cientistas entrevistadas, só
para levar em consideração as matérias, excetuando as notas, mostram que nas 41 matérias
foram ouvidas 17 fontes, não avaliando experiências diferentes em enfermos com a mesma
patologia, se formos avaliar a cobertura na saúde. A linguagem utilizada na seção é outra
marca da editoria que, como demonstrado em alguns trechos, preza pelos termos técnicos
compreensíveis aos conhecedores dessas terminologias.
A escolha de pautas que tratam de doenças de logo tratamento como a esclerose
múltipla, a divulgação de releases que tratam de problemas como mal de Alzheimer e câncer,
a preocupação com a saúde do corpo na terceira idade, permite inferir que os critérios de
noticiabilidade utilizados pela editoria levam em consideração o impacto, que determina que a
melhor matéria seja a que atinge um maior número de pessoas, o que pelas patologias tratadas
sugerem o seu uso, e as necessidades de sobrevivência e necessidades culturais, sendo a
primeira votada às matérias que lidam com assuntos fundamentais para a sobrevivência e a
segunda voltada às mudanças no estilo de vida.

90
│Considerações Finais

A seção Ciência & Vida estudada durante os meses de agosto e setembro de 2010,
proporcionou dados para inferir que sua cobertura é pautada em temáticas que dizem respeito
à saúde e permeada pelo discurso médico presente nas matérias. Não quero dizer que não seja
necessária a opinião embasada de um especialista que informe os leitores sobre o tema
abordado, porém o tratamento reservado as fontes não científicas, a exemplo das matérias
sobre doenças, mostra que a fala autorizada do cientista (médicos, no caso da saúde)
predomina na construção do texto, e o doente fica para segundo plano.
Esse comportamento demonstra que a proposta educativa, corrente nas falas dos
médicos reproduzida nas matérias, é o principal enfoque construído pelo jornal. Educar para
conhecer os sintomas, o alerta à prevenção e o diagnóstico são as práticas observadas nesse
estudo. Porém essa função educativa é a única que cabe ao jornalista? O discurso médico é o
único que nos basta?
A defasagem científica presente no ensino básico do país e o “analfabetismo
científico” que atinge parte da sociedade brasileira, permite sugerir que educar para a ciência
seria o ponto de partida para que esse jornalismo especializado se constituísse em uma
ferramenta de aproximação da ciência ao cidadão comum. Como Giddens (2005) propõe que
estamos em posição de interpretar o nosso próprio bem-estar, não é essa a realidade observada
na seção Ciência & Vida, onde de acordo com os textos analisados, o grau de
desconhecimento e desinformação acerca das patologias é presente nas fontes, agindo contra a
percepção do sociólogo inglês. Os vocábulos “diagnóstico” e “prevenção” apontam para a
educação do público aos exames freqüentes, a ação mais explorada na editoria.
Porém a função educativa é acessória ao jornalismo, seja ele qual for, pois a razão de
ser deste é informar. A informação é que constitui a base que possibilitará o ser humano a
participar também das decisões do campo científico. Ele não será cientista, mas compreenderá
processos e efeitos (nocivos a si e ao ambiente), podendo dessa forma posicionar-se
criticamente, questionando esse modelo de desenvolvimento; educar para conhecer sintomas,
para prevenção e para práticas saudáveis de vida, de nada adiantará sem que todo esse
engenho passe, antes de tudo, pela informação sobre o papel da ciência na sociedade e o que
ela realiza para proporcionar essa qualidade de vida desejada e ensinada pela seção Ciência &
Vida.
91
As incertezas do fazer científico sugerem que a função do jornalismo reside mais na
informação, contextualizando-a, provendo o debate de temas relacionados à C&T do que à
postura educativa alavancada pela editoria, pois não se pode educar no que ainda não está
concreto. Apesar dessa função (educativa) estar mais presente, no período estudado, em
práticas e estilo de vida e também no reconhecimento de patologias, é necessário investigar
tais práticas antes de sua divulgação.
A função educativa é necessária, pois o Brasil ainda padece do “analfabetismo
científico”, mas se a pesquisa do Ministério de Ciência e Tecnologia1 (1987), realizada pelo
Instituto Gallup de Opinião Pública revela que 70% da população urbana brasileira, possui
interesse em assuntos de ciência, essa demanda será atendida através de um jornalismo que
não se limite a educar, mas que também cumpra sua função social e informacional.
Conclui-se, ao término desse estudo localizado, que apesar das matérias de saúde
serem freqüentes, a sua abordagem localizada no discurso médico não propicia uma
abordagem às terapias não-alotrópicas, sendo abordada em uma das matérias, que mais
propagandeava uma palestra da fonte, do que esclarecia os benefícios da prática, faz pensar o
tratamento enviesado da seção Ciência & Vida aos tratamentos médicos, observados a partir
da propaganda de novas drogas, mascaradas em um texto informativo, que nesse sentido,
atende ao interesse da indústria farmacêutica, criando mais uma expectativa, que poderá ou
não ser cumprida.
As concepções de saúde presentes nas matérias analisadas exploram mais o tratamento
do físico, do corpo, revelando uma visão de economia da saúde, tratada como ausência de
doenças, essa focada a partir do reconhecimento de seus sintomas e no controle da patologia.
O número de especialidades médicas presentes nos exemplares pesquisados, e que mostram a
preocupação em retratar as várias partes do corpo humano, permite inferir que a visão de
ciência explorada pela seção Ciência & Vida, preza por uma visão analítica (que separa o todo
em partes), ao não procurar uma relação sistêmica entre essas, mas sim uma explicação
localizada, pormenorizada do órgão em particular, como revela, por exemplo, as infografias
utilizadas na seção, possibilitando interpretar que o corpo pode ser investigado e tratado
isoladamente, desconsiderando outros fatores.

1
Ver em Oliveira (2001).

92
Observa-se também que a cobertura da seção não respeita um dos pontos do conceito
do jornalismo, tratado no referencial teórico, onde esse é caracterizado pela universalidade, ou
seja, a abrangência de diferentes campos do conhecimento. A curta amostragem que foi
utilizada nessa pesquisa não permite afirmar, como foi registrado, por exemplo, no segundo
mês de pesquisa (onde nenhum texto foi localizado sobre outro assunto que não fizesse
referência a saúde ou tecnologia) que as ciências humanas e sociais não fazem parte da linha
de interesse dessa editoria, mas dois meses é tempo significativo para que uma dessas ciências
não pautasse a seção Ciência & Vida com destaque, se levarmos em consideração o número
de universidades baianas (só com as públicas, estaduais e federais, são sete2) e a presença de
cientistas nessas áreas em seu corpo docente. Esse comportamento sustenta a hipótese
defendida aqui, de que o caderno Ciência & Vida, nesse período de estudo, possuiu uma linha
editorial onde predominou temas relacionados à saúde.
Do estudo da seção Ciência & Vida, aplicando os critérios de noticiabilidade descritos
na pesquisa, observa-se que os critérios: impacto, que avalia o grau que a matéria tem de
afetar um maior número de pessoas e a necessidade de sobrevivência e cultural, sendo a
primeira o comportamento que o leitor apresenta ao preferir matérias que lidam com assuntos
fundamentais à sobrevivência, e o segundo que corresponde a necessidade de melhorar
hábitos ou estilos de vida, são os que predominam do noticiário da seção, bastando ver as
pautas abordadas, que tematizaram doenças graves e de longo tratamento (como por exemplo,
a esclerose múltipla), para ficar só nas pautas de saúde que abordaram patologias; os novos
medicamentos (para malária, câncer e Alzheimer) e o aquecimento global reforçam essa
consideração sobre dos critérios de noticiabilidade.
Ao final da análise apontei que a linguagem utilizada na seção possui um elemento
técnico que se destaca, com terminologias pertencentes à fala médica, compreendido aos que
tem o conhecimento de seus significados. Aponta-se também que mesmo com a tentativa de
se estabelecer como editoria de ciência, posto que já supera a duração da experiência anterior,
Observatório, a descontextualização do caderno, ao discutir problemas de saúde e alguns
estilos de vida, saídos de manuais produzidos no exterior, sem levar em consideração fatores
locais, foi observada durante a leitura da seção, nos meses de pesquisa.
2
UFBA (Universidade Federal da Bahia), UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), UNIVASF
(Universidade do Vale do São Francisco - Bahia, Piauí e Pernambuco), UEFS (Universidade Estadual de Feira
de Santana), UNEB (Universidade do Estado da Bahia), UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz) e UESB
(Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia).

93
Constatam-se então quatro pontos principais relativos à cobertura da seção Ciência e
Vida com relação à divulgação científica na saúde: função informativo-educativa, onde a
segunda é predominante; abordagem alotrópica, baseado em tratamentos medicamentosos;
concepção da saúde voltada para o conceito de economia da saúde ou ausência de doenças;
linguagem técnica e critério de noticiabilidade que privilegia o impacto e que atendem às
necessidades de sobrevivência e culturais.
Durante a análise, deparado com o estereótipo do desconhecimento da doença pela
fonte entrevistada, perguntei o que seria necessário fazer para melhorar a divulgação da
ciência realizada pelo jornalismo científico da seção Ciência & Vida. Essa melhora não pode
vir sem ser acompanhada de uma mudança no processo de comunicação entre os centros de
pesquisa (assessorias e cientistas) e as redações, pois se não existir ações que busquem
qualificar os profissionais de ambas as partes, esse processo encontrará lacunas pelo caminho
e essas lacunas serão preenchidas somente com a qualificação desses atores (principalmente o
jornalista). O estado da Bahia já possui o seu primeiro curso de especialização em jornalismo
científico, mas essa iniciativa não pode ser isolada, visto que o potencial científico na Bahia,
ao ganhar mais duas universidades federais3, gera uma demanda a ser preenchida, para que
essas potencialidades sejam exploradas e divulgadas.
Esse é só um passo para que o jornalismo possa melhorar a divulgação da ciência.
Também passa pela predisposição dos cientistas para divulgar os estudos que estes realizam,
pois ao informar à sociedade sobre suas realizações, além de devolver a essa o conhecimento
retirado de seu meio, presta conta de seus feitos ao contribuinte que é o financiador de muitos
desses engenhos, adquiridos através de bolsas de amparo às pesquisas e editais que distribuem
recursos para C&T. A pesquisa mesmo reconhecendo a sua limitação amostral, procurou
dentro desse limite, apontar uma tendência, que poderá ser comprovada com estudos mais
extensivos, que utilizando-se de outros meios, como a entrevista, detalhará mais a divulgação
cientifica nessa seção. Todavia, essa pesquisa deseja se inserir na bibliografia a respeito do
jornalismo científico local, buscando contribuir para a compreensão de suas funções como
também de sua produção.

3
A UNIVASF fundada em 2002 e a UFRB em 2006.

94
│Bibliografia Consultada
BERTOLLI FILHO, Claudio. Elementos fundamentais para a prática do jornalismo
científico. 2006. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/bertolli-claudio-
elementosfundamentais-jornalismo-cientifico.pdf. Acesso em 31/07/2010.

BOURDIEU, Pierre. O campo científico. IN: ORTIZ, Renato (org.) Bourdieu – Sociologia.
São Paulo: Ática. Coleção Grandes Cientistas Sociais, vol. 39, 1983. 191 p.

BORTOLIERO, Simone. O papel das universidades na promoção da cultura científica:


formando jornalistas científicos e divulgadores da ciência. IN: PORTO, Cristiane de
Magalhães. Difusão e cultura científica: alguns recortes. Salvador: EDUFBA, 2009, 230 p.

_____________________; COSTA, Márcia Cristina Rocha. O jornalismo científico na


Bahia: a experiência da seção “Observatório” no jornal A Tarde. IN: Diálogos & Ciência
(Revista da Rede de Ensino FTC), ano IV, n° 12, março 2010, 11 – 23.

BROTAS, Antonio Marcos Pereira. O lugar do jornalismo na cultura científica


contemporânea. IN: Diálogos & Ciência (Revista da Rede de Ensino FTC), ano IV, n° 12,
março 2010, 81-96.

BUENO, Wilson da Costa. Os novos desafios do Jornalismo Científico. 2000. Disponível


em: http://www.jornalismocientifico.com.br/jornalismocientifico/artigos/jornalismo_cientifico/
artigo9.php. Acessado em: 31/07/2010.

_______________________. A cobertura da saúde na mídia brasileira: sintomas de uma


doença anunciada. IN: MARQUES DE MELO, José et al. Mídia e saúde. Adamantina:
Unesco/Umesp/FAI, 2001. 844 p.

_______________________. Jornalismo Científico: resgate de uma trajetória. IN: DINZ,


Augusto. (Org.). Comunicação da Ciência: análise e gestão. Taubaté: Cabral Editora e
Livraria Universitária, 2004. 116 p.

_______________________. Jornalismo Científico e a democratização do conhecimento.


2007. Disponível em: http://www.jornalismocientifico.com.br/jornalismocientifico/artigos/jor
nalismo_cientifico/artigo27.php. Acesso em: 20/07/2010.

_______________________. Jornalismo científico: revisitando o conceito. IN: VICTOR,


Cilene; CALDAS, Graça; BORTOLIERO, Simone (orgs.). Jornalismo científico e
desenvolvimento sustentável. São Paulo: All Print Editora, 2009, 312 p.

95
_______________________. Jornalismo e cultura científica no Brasil. IN: PORTO,
Cristiane de Magalhães. Difusão e cultura científica: alguns recortes. Salvador: EDUFBA,
2009b, 230 p.

BURKETT, Warren. Jornalismo Científico: como escrever sobre ciência, medicina e alta
tecnologia para os meios de comunicação. Rio de Janeiro: Forense, 1990. 230p.

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2006. 447 p.

CALDAS, Graça et al. O desafio da formação em Jornalismo Científico. IN: XIV


Compós, 2005. Disponível em: http://www.compos.org.br/data/biblioteca_845.pdf. Acessado
em: 31/07/2010.

CHALMERS, Alan F. O que e ciência, afinal? 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 2009, 230 p.

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2009, 288 p.

COSTA, Márcia Cristina Rocha. Ciência e Mídia: a divulgação científica na seção


Observatório do Jornal A Tarde no estado da Bahia. 2007. Pós-Graduação em Cultura e
Sociedade da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.

EPSTEIN, Isaac; BERTOL, Sônia. Caminho das pedras: a difícil arte de comunicar a
ciência para o público. IN: Comunicação & Sociedade. São Bernardo do Campo: Póscom-
Umesp, ano 26, n° 43, p. 11-27, 1o. sem. 2005.

EPSTEIN, Isaac. Ciência, poder e comunicação. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio.
Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2a ed. São Paulo: Atlas, 2006, 408 p.

_______________. Comunicação de massa para saúde: esboço de uma agenda midiática.


IN: Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación (Asociación
Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación - ALAIC). Ano V, n° 8-9, janeiro-
dezembro 2008, p. 132-142.

FERREIRA, Maria de Fátima. Esterilidade e reprodução assistida: no jornal impresso


diário e na narrativa de homens e mulheres estéreis no Brasil. 1998. Tese de Doutorado.
Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Câmpus de Araraquara.

FERREIRA, Wagner dos Santos; PORTO, Cristiane Magalhães. A falta de formação dos
jornalistas científicos na Bahia e a ineficiência das fontes de informação. IN: Diálogos &
Ciência (Revista da Rede de Ensino FTC), ano IV, n° 12, março 2010, 119-131.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2005, 600 p.

HERSCOVITZ, Heloisa Golbspan. Análise de conteúdo em jornalismo. IN: LAGO,


Cláudia; BENETTI, Marcia. Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Editora
Vozes, 2007, 288p.

96
JURDANT, Baudouin. Falar a ciência? . IN: VOGT, Carlos (org.). Cultura científica:
desafios. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp, 2006, 232 p.

KUSCINSKY, Bernardo. Jornalismo e saúde na era neoliberal. IN: Saúde & Sociedade.
2002, vol.11, n.1, p. 95-103.

LEBLOND, Jean-Marc Lévy. Cultura científica: impossível e necessária. IN: VOGT, Carlos
(org.). Cultura científica: desafios. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
Fapesp, 2006, 232 p.

MBARGA, Gervais; FLEURY, Jean-Marc. O que é ciência? IN: MASSARANI, Luisa


(Org.). Curso On-line de Jornalismo Científico. Rio de Janeiro: Museu da Vida, 2009, 176
p.

OLIVEIRA, Fabíola de. Comunicação pública e cultura científica. IN: Parcerias


Estratégicas, n° 13, dezembro 2001, 201-208.

_____________________. Jornalismo Científico. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2005, 96 p.

PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. 2ª ed. 3ª reimp. São Paulo: Contexto, 2008, 240 p.

PORTO, Cristiane de Magalhães. O jornalismo científico on-line e sua função política


moderadora: estudo no site comciencia. IN: PORTO, Cristiane de Magalhães. Difusão e
cultura científica: alguns recortes. Salvador: EDUFBA, 2009, 230 p.

____________________________; MORAES, Danilo de Almeida. Divulgação científica


como fomentadora de uma cultura científica no Brasil: estudo inicial em alguns blogs que
tratam de ciência. IN: PORTO, Cristiane de Magalhães. Difusão e cultura científica: alguns
recortes. Salvador: EDUFBA, 2009, 230 p.

PRATTICO, Franco. A Ciência só sobrevive se sabe comunicar. IN: Estudos em


Jornalismo e Mídia Vol. II nº 1 - 1º Semestre de 2005. 185-189.

RECUERO, Raquel. Weblogs, Webrings e Comunidades Virtuais. 2003. Disponível em:


http://www.bocc.uff.br/pag/recuero-raquel-weblogs-webrings-comunidades-virtuais.pdf.
Acessado em: 31/07/2010.

SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 7ª ed. Porto: Edições


Afrontamento, 1995, 59 p.

TEIXEIRA, Tattiana. A presença da infografia no jornalismo brasileiro: proposta de


tipologia e classificação como gênero jornalístico a partir de um estudo de caso. IN: Revista
Fronteiras – estudos midiáticos. v. 9, n. 2, p. 111-120, mai/ago 2007. Disponível em:
http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/fronteiras/article/download/5749/5207.
Acessado em: 30/06/2010.

97
__________________. A infografia como narrativa jornalística: uma discussão acerca de
conceitos, práticas e expectativas. IN: XVIII Compós, 2009. Disponível em: http://posjor.
ufsc.br/public/docs/218.pdf. Acessado em: 30/06/2010.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. 2ª ed.
Florianópolis: Insular, 2005, 224p.

VELHO, Ana Paula Machado. A infografia na mediação cientista x jornalista: uma análise
introdutória. IN: XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação – Intercom, 2001. Disponível
em: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2001/papers/NP15VELHO.PDF. Acessado
em: 30/07/2010.

VERAS JUNIOR, José Soares de. Da informação ao conhecimento: o jornalismo científico


na contemporaneidade. 2005. 191 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Centro de Ciências
Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

VICTOR, Cilene. Sustentabilidade: pauta jornalística ou marketing verde? IN: VICTOR,


Cilene; CALDAS, Graça; BORTOLIERO, Simone (orgs.). Jornalismo científico e
desenvolvimento sustentável. São Paulo: All Print Editora, 2009, 312 p.

VOGT, Carlos. A espiral da cultura científica. 2003. Disponível em: http://www.com


ciencia.br/reportagens/cultura/cultura01.shtml. Acesso em: 27/08/2010.

ZAMBONI, Lílian Márcia Simões. Cientistas, jornalistas e a divulgação científica. São


Paulo: Fapesp, 2001.

- PERIÓDICOS DA AMOSTRAGEM:

A TARDE, n° 33.352, 01/08/2010.

A TARDE, n° 33.359, 08/80/2010.

A TARDE, n° 33.366, 15/08/2010.

A TARDE, n° 33.373, 22/08/2010.

A TARDE, n° 33.380, 29/08/2010.

A TARDE, n° 33.387, 05/09/2010.

A TARDE, n° 33.394, 12/09/2010.

A TARDE, n° 33.401, 19/09/2010.

A TARDE, n° 33.408, 26/09/2010.


98
ANEXOS

99
Anexo 1. Reportagem 1 - Capa (página B12) do dia 12/09/2010

100
Anexo 2. Reportagem 2, notícia e notas – página B13 12/09/2010

101
Anexo 3. Noticia – exemplar de 15/08/2010

102
Anexo 4. Disposição das notas – exemplar de 15/08/2010

103
Anexo 5. Entrevista – exemplar do dia 22/08/2010

104
Anexo 6. Infografia da pauta saúde na terceira idade exemplar do dia 26/09/2010

105
Anexo 7. Infografia pauta disfunções da tireóide exemplar do dia 19/09/2010

106
Anexo 8. Foco no estetético pauta disfunções tireóide – exemplar do dia 19/09/2010

107
Anexo 9. Reportagem do exemplar do dia 15/08/2010 – modelos exógenos

108
Anexo 10. A propaganda de novos medicamentos – exemplar do dia 05/09/2010

109
Anexo 11. Reportagem (página C2) saúde do idoso – exemplar do dia 26/09/2010

110
Anexo 12. Estilo de vida proposto pelo Ciência & Vida - exemplar do dia 26/09/2010

111
Anexo 13. Exemplar do dia 26/09/2010 - capa (página C1) – propaganda eleitoral

112

S-ar putea să vă placă și