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DR.

JOSE T A V A R E S
PROFESSOR D A FACULDADE D E DIREITO

OS PRINCIPIOS
FUNDAMENTAIS
DO

DIREITO CIVIL
VOLUME II
Pessoas, causas, factos jurídicos

COiMBQA EDITORA. LIMITADA=ANTIGA LIVRARIA


F R A N C A & ARMENIU-GOIMBRA, 1928
SEGEXDA PARTE

TEORIA DA RELAÇÃO JI-TRÍDICA


PRIMEIRA SECÇAO

PESSOAS

CAPITULO
[

PESSOAS INDIVIDUAIS'

I. - Conceito de personalidade. Pessoas individuais e colec-


tivas.
z. -Princípio e 6m da personalidade do indivíduo.
-
3. Condição juridica do nascituro.
4. -Estado e capacidade civil.
5.- Estado de nacional ou estrangeiro. Adquisição e perda
da qualidade de cidadão.
6. -Estado de familia. %. condiçáo da mulher casada. O di-
reito ao nome.
j. -Estado de sexo.
8. - Estado de idade.
-
9 . Estado físico e mental.
10. -Condenação penal. M á conduta notória. Estado social.
I I. - Domicílio.
12.-Prova e publicidade do estado das pessoas. Registo civil

I. O conceito de personalidade. Pessoas individuais


e colectivas.- O conceito de- pessoa ou personali-
d a d e k uma criação da ordem jurídica, pois a pala-
vra pessoa, no sentido técnico jurídico, serve pre-
cisamente para designar o sujeito das relaçoes
jurídicas, isto é, todo o ente susceptível de direi- entre seres ou entidade sociais pelos homens cons-
tos e obrigações. tituídas e orgxnizadas.
E porque o sujeito natural e visível das relações Não é na vontade, na inteligência, ou na cons-
jurídicas é o indivíduo da esp6cie humana, concluem ciência dos sujeitos, que reside o s~bstractumda
muitos dos modernos cultores da sciência do direito personalidade, pois que semelhante concepção leva-
que s ó há pessoas individuais, não passando de ria anegar a personalidade das creanças e dos loucos ;
mera ficção ou de pura abstracção o conceito duma e por outro lado levaria ao reconhecimento da capa-
personalidade colectiva atribuída a certas formações cidade juridica nos animais que se mostrassem dota-
sociais, como o Estado, o município, os institutos dos dum certo gráu de inteligência e vontade (I).
de utilidade pública e outros semelhantes. O substractum da personalidade reside preci-
N6s, porém, entendemos dever manter-se a samente na concepção da ordem jurídica como um
tradicional distinção das pessoas individuais e colec- sistema de relacões obrigatórias da vida em comu-
tivas, pois estas, em vez de pura ficção ou abstràc- nidade.
ção, como pretendem os seus críticos, traduzem
antes verdadeiras realidades da vida social e jurí- 2. Principio e fim da personalidade do iadivlduo.-
dica. A personalidade humana surge naturalmente, nasce
O conceito da personalidade como atributo com o próprio indivíduo, e naturalmente também
exclusivo do homem teve a sua formal consagra- se extingue com a sua morte.
ção no primeiro artigo do nosso código civil: «Só <<Acapacidade jurídica adquire-se pelo nascí-
o homem é susceptível de direitos e ohrigações. mento; mas o indivíduo, logo que é procreado,
Nisto consiste a sua capacidade juridica, ou a sua fica debaixo da p r o t e c ~ ã oda lei, e tem-se por nas-
personalidade ». cido para os efeitos declarados no presente código,
Mas êste princípio significa apenas que nenhum ( art. 6.").
dos outros seres da criação, animais. vegetais ou Para a extinção ou fim da personalidade pela
coisas inanimadas, pode ser considerado como morte nao consigna o código iim preceito seme:
sujeito de relaç0es jurídicas, nada obstando porém lhante; mas êste resulta Iògicamente dos ~ ~ r t1735.'
t.
a conferir-se igualmente a qualidade juridica de^ e 1737.'. segundo os quais, a morte duma pessoa im-
pessoa a certos seres ou instituiçbes sociais cons-
porta a transmissão para os seus herdeiros ou legatá-
tituídas por homens e paka benefício dos homens
rios de todos os seus direitos e obrigações que não
organizadas.
' forem meramente pessoais, e que necesshrinmente
É inçoncebível a personalidade, ou seja a capa-
desaparecem com a própria pessoa do seu titular.
cidade jurídica, nos animais ou outras cousas d o
Dado o princí@j,o, universalmente aceite, de
9%4aFr)@,WL razáo simples de com tais
que a personalidade & uma qualidade jurítlica inata
seres existirem relações sociais, que só se
do indivíduo. surge naturalmente a dúvida de saber
concebem na vida social do homem.
Mas é perfeitamente compreensível, e na rea-
Gdad~-existente, um sistema de relações jurídicas
1 ') Coviello, Manuale dz dirztto civzle, pags. 141 e 142.
se ela deveria começar com o facto do nascimento, E assim, dada a importância da determinação
ou antes e logo no momento da concepção. do momento em que começa a personalidade d o
Mas o direito positivo de todos os povos, homem, compreende-se bem como os legisladores
desde o antigo direito romano até aos modernos de. todos os tempos se teem esforçado em formular
códigos civis, formulou sempre o princípio de que com a possível precisão os requesitos essenciais
6 o nascimento a causa originária da personalidade da tap acidade jurídica, não parecendo suficiente o
humana. critério simplista do codlgo alemão, dizendo no
E não basta um qualquer nascimento, mais ou seu $j I." que «a capacidade jurídica do homem
menos duvidoso, mais ou m'enos imperfeito; 6 começa com o nascimento».
necessário que se dê a completa separa~ãodo feto Por isso a maioria dos códigos, e até o brasi-
do corpo materno-per-ecte natus, não bastando leiro (art. 4.O), que foi moldado em grande parte
por isso que tenha saído apenas. a cabeça do útero no sistema do tipo germânico, se não contentam
materno, mas não importando, porem, que haja com o facto material do nascimento, exigindo um
sido já cortado o cordão umbelical, nem tão pouco segundo requesito, que é a vida do feto.
que a creança tenha saído naturalmente ou por O requesito do nascimento com vida não foi
meio de processos cirúrgicos. formulado no art. 6." do nosso cbdigo, mas foi
O que importa é o nascimento completo, e expressamente consignado nos artt. I ro.", 1479.- e
com 'vida, isto 8, que a creança, depois de ter 1776.O, § íinico, que além disso exigem ainda como
saído do ventre materno, tenha vivido ao menos essencial o requesito da figura humana.
um s6 instante. O que nasce morto não é sujeito E alguns cbdigos, como o austríaco (art. 22.O),
jurídico; juridicamente é como se náo tivesse nas- o francês. (art. 725.' ), O italiano ( art. 724." ) e o
cido, conforme a expressiva sentença de Paulo espanhol (art. 30.'), exigem ainda, além do nasci-
(D. 50, 16, 129): q u i mortui nascuntur, neque mento com vida, que a criança nasça viável ou
nati, neque procreati oidentur, guia nunquam vital, isto é, com as necessárias condições orgâni-
liberi appelari poiuerzmt. cas de existência e vida.
Interessa pois sempre saber se a creança veio Era nesta ordem de ideas que o nosso Correia
ao mundo ainda viva, embora morresse logo depois Telies (Digesto Poriugueg, art. 853.") considerava
do nascimento, ou se tinha morrido antes de nascer abortivo, não adquirindo por isso capacidade jurí-
ou morreu durante o parto, pois que no primeiro dica, o filho que náo tivesse vida durante vinte e
caso adquiriu os direitos que porventura lhe hou- quatro horas depois de nascido.
vessem de pertencer, transmitindo-os aos seus E Coelho da Rocha (InstituZgOes, 3 56.") con-
herdeiros, emquanto que nos outros o seu nasci- siderava como c ~ n d i ç ã oessencial da personalidade
mento tem-se como não realizado para os efeitos a capaczdnde de àiver, não a tendo portanto: I." o
jurídicos (I). feto que nasceu morto ou monstruoso; 2.' O abor- '
tivo, isto é, o que nasceu vivo, mas antes do período
suficiente da gesta~ão,e que por esta causa não
(1) Ferrara, Trattato dr dzritto civr'le, pbg. 463. podia continuar a viver; divergia da doutrina de
Correia Teles, porque no espaço de vinte e quatro ieclarado, se o legislador assim o queria, não bns-
horas podiam surgir outras causas de morte além tando, o preceito do nosso art. b . " , .adoptado pelo
do defeito de aborto. 3 I." do código alemão, segundo o qual a capaci-
A impossibilidade de verificar em muitos casos dade jurídica dofiomem comeca ou se adquire com
a vitalidade do feto, e o carácter puramente empí- o nascimento. E que dêste modo pode entender-se
rico da fixação de um certo tempo de vida como que também os nados mortos, ou pelo menos os . .
prova de vitalidade, determinaram o nosso legisla- que morreram na ocasião do parto, chegaram a
dor e os legisladores modernos a abandonar êste constituir uma personalidade jurídica, embora esta
requesito da personalidade, contentando-se com o se perdesse ou extinguisse no próprio momento em
nascimento con-i vida. que começou ou se adquiriu. Esta doutrina seria
O nosso c6dig0, porém, e com êle o espanhol, tanto mais adrnissível quanto é certo que a clhssica
seguindo a tradição do direito romano, ainda admi- sentença &e Paulo não pode ser arvorada em pre-
tem a existência de monstros, isto é, de seres ceito jurídico, sem uma declaração incontroversa
nascidos de mulher, mas sem figura humana, e por da lei.
isso insusceptíveis de direitos e obrigaçóes. Wo ponto de vista de jure constituendo é
Os outros códigos não fazem alusão ao,reque- mesmo muito discutível qual deveria ser o sistema
sito cia figura humana, certamente na idea de que preferido pela lei, se o simples facto do nasci-
a existência de monstros humanos é incompatível mento, mesmo sem vida, se a sobrevivência do- *
com as leis da biologia, segundo as quais se consi- in/ivMuo ao facto do nascimento.
dera impossível que da mulher nasça um ser que E para nós, dada a impossibilidade prática de
não seja humano (i). em miiitos czsos verificar a sobrevivência ao facto
Seja como fôr, o certo é que não era necessário do nascimento, julgamos mais jurídica a não e ~ i -
consignar na lei o requesito da figura humana, gência do requesito da vida. e até evidentemente
pois que, sendo a personalidade ou capacidade mais justa em todos os casos de parto laborioso,
jurídica um atributo exclusivo do homem ou das em que a creança venha a falecer antes da separa-
suas instituições sociais, e evidente que um ser ção completa do corpo materno, mas tendo-se mos-
monstruoso, embora nascido de mulher, não seria trado não s6 viva, mas at6 perfeitamente vital, e
sujeito jurídico, visto não ser homem, nem insti- tendo até chegado a ver e gozar a luz do mundo
tuigão social personificável. ao lado e através do sofrimento da mãe.
O Único requesito essencial da personalidade Nem se compreende porque é que chegou a
humana a consignar na lei, no sistema do nosso ter personqidade jurídica a creança que nasceu
direito positivo, B portanto o nascimento com quási morta '8 sem condições de vida, e pelo con-
vida. trario é negada a personalidade A creança que se
Mas este era necessário ser expressamente apresenta já com a cabeça h luz do dia, e assim se
-- conserva algum tempo, com todas as condições de
vitalidacie, Irias vem afinal a morrer asfixiada ou
i1 \ Dr. Alves Moreirõ, Instituições, r> pág. 166. estrangulada na complicação dum parto infeliz.
Não hesitaríamos até em atribuir 1 concepção, cia e o início da vida extra-uterina dá-se pelo nas-
em vez do nascimento, 3. origem da personalidade cimento ( & ) .
hum~a. Como se vê, não há nestes conceitos uma
E que a personalidade ou capacidade jurídica, decisiva justificação do principio que faz depender
como qualidade inata do indivíduo humano, só se do nascimento a adquisição da personalidade juri-
concebe 201110 atributo inerente a o próprio ser, dica do homem.
como uma conseqüência imediata da formação e Foi Coviello, um dos mais notáveis reprèsen-
existência do organismo do indivíduo. tantes do moderna escola italiana, quem se propds
Ora êste ser, êste organismo, forma-se pelo formular mais precisamente a razão justifiicativa do
fenómeno biológico da cOncepção, começa a exis- principio do nascimento, dizendo «pois que Este é
tir, a viver, e a desenvolver-se desde êsse momento; o momento em que o feto pode ser objecto de
desde então começa a ser protegido pela lei para .uma protecção jurídica independente da que se
diversos efeitos jurídicos (art. 6.0, 157.", 1 4 7 9 . O , tefere B mãe2 ( 8 ) .
i 776.". . . ) ; e por isso desde logo deveria ser reco- Mas deve reconhecer-se também que esta dou-
. nhecida a sua personalidade. trina é insuficiente, até mesmo em face do ciidigo
Mas qual sera a verdadeira razão porque todo italiano, que nos seus artt. 236.0 e 724.0 institue
o direito positivo, e em conformidade com este para os nascituros uma protecção jurídica idêntica
pode dizer-se toda a doutrina dos escritores, só ao à dos artt. 157.' e 1776." do nosso código; e mais
facto do nascimento atribui a virtude de constituii- o é airida perante os princípios da justica, porque
a personalidade ? nada obsta, e antes tudo aconselha, a que a lei dite
A própria incerteza e frouxidão dos motivos cuidadosas Qormas de protecção pàra a guarda e
invocados mostra bem a inconsistência da doutrina. defeza dos interesses dos nascituros. ,
Há autores que nem mesmo se preocupam com Em rios.so entender, a única razáo plausível
a justificação do princípio. Outros limitam-se a -para fazer depender do nascimento a origem da
formular conceitos, com aparências de justificação, . pèrsonalidade é que, sendo esta produto e condição
extraídos das fontes romanas. Assim Ruggiero diz da organiiação jurídica das relacões sociais, só se
que antes do nascimento o produto do corpo hu- concebe em seres que destas relações já sejam
mano não é ainda pessoa, mas parte das vísceras susceptíveis, isto é, que já tenham uma existência
maternas -Partus nondum edit~dshomo non recte própria e autónoma, a qual 5.6 se verifica depois
.ft~zssedicitur (Papiniano, D. 9 . I . 35. 2 ) ; Partus do nascimento.
enzrn antequam edatur, rnulieris portio est vel - Esta mesma explicação é, porém, ainda insufi-
viscerum (Ulpiano, D. I . 25. 4 ) ( 1 ) . ' ciente, porque levaria lògicamente a concluir que
Outros, como o Dr. Alves Moreira, dizem sim- a personalidade do homem só deveria ser reconhe-
plesmente que a personalidsde depende da existên-

(I) Dr. Alves-Moreira, Inst., I, p i g . 164.


(1) Ruggiero, Istitufionz', I, pig. 299. (8) Coviello, pag. 144.
cida n o momento e m que êle efectivamente atinge n o assento do nascimento s e mencionasse riào s6
as condiçdes d e capacidade natural para entrar na a hora em que êste teve lugar, como preceitua o
t
vida, das relações sociais. '
art. 1 4 1 - O do código d o registo civil, mas até o
Mas porque a personalidade jurídica d o homem próprio minuto, como mais avisadamerite determina
é um atributo do prdprio ser, necessário à garantia o art. 146.0 para o caso d e nascimento de dois ou
dos seus legítimos interesses, e pois que êle e êstes mais gémeos.
existem desde o facto da concepção, é a êste mo- N o caso de parto múltiplo, mesmo depois Ja
mento que nós preferiríamos atribuir a origem da abolicão dos morgados e dos prazos d e vidas, o
personalidade. direito de primogenit~irapode ter importância não
Mas o direito positivo exige o nascimento só nas cloacões ?izortis c n u s n em favor do primeiro
com vida. descendente de certa e determinada pessoa, mas
E a vida revela-se por um complexo -de fenó- ainda em certas preferências determinadas pela
menos fisiológicos, sendo o mais característico e idade, como nos casos dos art. 320.O, n.' 3 . O , ~o('S.~,
decisivo o da respiração. n . O 3.0r do código cii.11, e outros semelliantes. Em
No antigo direito comum exigiam-se * c o m tais casos. e nos termos dos art. 6 . O uo código
sinais reveladores da vida, ou o vagido, ou que a civil, 1 4 5 . O e 1 4 b . o do codigo do registo civil, não
criança abrisse o s olhos; mas o direito moderno pode deixar de s e conferir a primogenitura Aquele
não considera indispensáveis tais requesitos; não dos gémeos que primeiro estiver inscrito no res-
bastam porem como demonstração da vida quais- pectivo assento, salva em todo o caso a prova firme
quer movimentos do feto, que bem podem ser em contrario.
meros reflexos do corpo materno, e não um índice Das drversas causas que no direito antigo
seguro d e uma vida autónoma. A prova d o nasci- podiam d g lugar A extincão da capacidade Juridica
mento e da vida deve ser feita por quem pretende uma só se mantém rio direito moderiio: é a morte
qualquer direito que seja precisamente fundado no da pessoa - ?ilors O ~ F Z ? ~ Zsoluzt.
CI A morte é o fiin
facto da existência física do indivíduo; na falta d e da pessoa física, de modo que desapareceiiitc) o
provas directas, poderá recorrer-se B prova indi- sujeito acabam necessariamente para êle todos os
recta de tetemnnhas e exaines periciais, contanto direitos que l h e pertenciam: emquanto alguns se
que a prova fornecida seja inequívoca e decisiva, extinguem inteira~nente, outros passam para os
visto que a lei não admite para o caso nenhuma seus sucessores, ou permanecem i72 szfsfienso na
espécie de presunções. espectativa de que um herdeiro tome o lugar cio
Assente o principio de que a capacidade jurí- defunto.
dica se adquire pelo nascimento com vida, importa Xão pode porisso, diz Ruggiero, ctepois da
fixar exactamente aquele momento, para que seja morte falar-se niais de pessoa e de sujeito: e
possível .determinar os direitos que ao nascido nern mesmo quando o direito, em algunias particu-
tenham advindo da morte d e outra pessoa, ou os lares circunstâncias, faz abstraccão da morte para
que por morte dêle hajam de passar para outra adniitir a realizacão de alguns actos respeitantrs i
que lhe sobreviva. Para isso seria necessário que pessoa d o falecido. E isto acontece em alguns iris-
titutos singulares, com base num processo análogo 'lações antigas consideravam o máximo da vida
ao que tem lugar para o embrião ; assim como para humana, ou ainda um período mais .longo, não
êste se antecipa o momento do nascimento, fazen- são suficientes para fazer declarar a morte, desde
do-se retrotraír o princípio da existência ao- mo- que por outros meios equivalentes aos actos d o
mento da concepção, assim também para o defunto registo do estado civil náo seja possível fazer a
se considera como não atingido ainda completa- sua prova (I).
mente o seu termo, para que s e tornem possíveis Em sentido contrário dizia o Dr. Alves Mo-
alguns actos que directa ou indirectamente lhe reira: a 0 facto da morte prova-se pelos meios
dizem respeito; com esta diferença, porém, que estabelecidos na lei, e, no caso d e ausência, em
emquanto a suposição de vida para o nao nascido que se ignota s e o indivíduo é vivo o u morto,
s e admite somente quotieus de commodzs e j z ~ s presume-se a morte, desde que o ausente haja
apntzrr, a mesma se admite para o morto ainda completado noventa e cinco anos de idade, ou
quando o efeito teria podido em vida ser-lhe des- vinte de ausência contínua, contados desde o mo-
favorável. mento e m que se deu o desaparecimento ou da
Sob o primeiro aspecto são particularmente data da expedição das ultimas noticias. A presun-
importantes dois casos: o da legitimação ou perfi- cão de morte em virtude da'ausência cessa perante
lhacão (c6d. do reg. civ., art. 229.O e 284 o, n." I.') a prova de que o ausente existe, tendo êste direito
de filhos já falecidos que deixaram descendentes, e a rehaver os seus bens e subsistindo as relações
o da reabilitação da memória do condenado, quando de familia. Assim, s e a mulher dum ausente,
pela revisão do processo se anula a respectiva sen- que s e presumia morto, houver contraído segun-
tença, ainda que entretanto êIe haja falecido. das núpcias, estas serão nulas, embora tendo
No segundo aspecto pode recordar-se a dispo- sido contraídas de boa fé, produzam os mes-
sição da lei (c6d. proc. com., art. 186.0) que per- mos efeitos jurídicos relativamente aos c b j u g e s
mite a .declaração de falência do comerciante até e aos filhos, que se fôssem válidas (art. 1 q 1 . 0 e
dois anos depois da sua morte. 1092.') u (3). . .
h prova da morte duma pessoa, assim como A doutrina do grande professor seria admissí-
a dn-vida, tem de ser feita pelo interessado que nela vel se algum preceito da lei formulasse semelhante
funda o seu pretenso direito (art. 2405.0); e faz-se presunção; mas a verdade é que a não formula, e
. com as.cestidoes dos assentos do registo do estado por isso o mais que a êste respeito se pode dizer é
civil, e na falta dêste por qualquer outro meio legal que o cbdigo nos art. 78."-80." tem por base ou
de prova, conforme os art. 4.O e 5." do código presuposto a presunção de morte do ausente; mas
do registo civil. -s6 para o efeito de chamar à sucessão os seus her-
Mas não estabelece o nosso direito presunções de deiros (5).
morte, por maior que seja o tempo decorrido desde
o nascimento duma pessoa, cuja existência seja
desconhecida por motivo d c ausência ou dcsaparc- (1) Ruggiero, I, pág. 338 e 333.
(a) Dr. Alves Moreira, Inst., I, pag. 233.
cimento; o termo de IOO anos, que algumas legis- (3) Cfr. OS Prtnczpzos Fundamentats, I, pag. 804.
Com razão sustentava o Dr. Dias Ferreira que mente verificada, ficou legalmente dissolvido o
o conjuge do ausente não pode contrair segundas matrimónio, e portanto as segundas núpcias ficam
'núpcias, embora hajam decorrido vinte anos de vhlidamente contraídas, não devendo anular-se pelo
ausência sem notícias ou o ausente tenha comple- aparecimento do ausente.
tado noventa e cinco anos de idade, porque sem a Não sòmente a morte tem de ser provada por
certeza- real da morte não se julga dissolvido O quem no facto tem interesse, mas também o pró:
matrimónio, nem as providências si3bre ausência prio momento da morte, sempre que o pretenso
respeitam senão aos bens ( I ) . direito depende da morte de certa pessoa em um
E o Dr. Alves Moreira comenta: «Não se nos determinado momento, como acontece frequente-
afigura admissível esta doutrina. Estabelecida legal- mente nas relaçóes sucessórias entre pessoas fale-
mente a presiinção de morte, essa presunção deve cidas contemporâneamente.
produzir todos os seus efeitos, e não há disposição Se esta prova é simples quando do assento do
alguma e m que se proiba que a mulher do ausente óbito conste precisamente o momento da morte,
contraia sugundas núpcias P (=). pode ser difícil, e As vezes torna-se impossível,
Mas, como já observámos, a lei não estabelece quando duas ou mais pessoas morrem conjunta-
tal presunção; e a disposição da lei a proibir o mente no,mesmo desastre, como terramoto, nau-
casamento do c6njuge do ausente, emquanto se não frágio, descarrilamento, guerra, etc.
verificar a morte dêste, existe: era o art. 1073.", O direito romano, para resolver a dificuldade
nao 5.O do código civil, ou seja, o art. 4.", n." 6.", da prova, estabeleceu um sistema de presunções de
do decreto-lei do casamento civil, que proibe o prefalecimento, mas limitadas As hipóteses em que
casamento aos ligados por outro casamento ainda se tratasse de pais e filhos: presumia-se premorto
não dissolvido. o pai ou a mãe, se o filho era piibere, e premorto o
Actualmente, em face das disposições dos filho, s e era impúbere, partindo da maior ou menor
artt. 189.",281." e 282." do código do registo civil, probabilidade da resistência que a juventude opde
a questão parece-nos definitivamente resolvida : o ao perigo.
cdnjuge do ausente s ó poderá contrair segundas Fora dêstes casos, prevalecia a regra geral do
núpcias, obtendo uma sentença e m processo & encargo da prova para aquele quc pretcnde o direito
'
justificação avulsa, e m que se dê por verificada a fundado na prioridade da morte de uma entre duas
morte do ausente em qualquer desastre, embora ou mais pessoas, de modo que., na falta dessa prova,
não tenha. sido possível encontrar o cadáver, e com nenhuma delas podia considerar-se sobrevivente A
base na qual s e pode e deve lavrar o respectivo outra, considerando-se falecidas no mesmo instante,
assento do óbito. não se podendo por conseqüência fazer valer o
Mas, e m tal caso, a. morte tem-se como real- pretendido direito.
Estas presunçdes de prefalecimento foram am-
pliadas e multiplicadas pelo direito comum, que
(1) Pr. Dias Ferreira, COdigo Civil Anotado, r , pag. 81. julgou conveniente resolver o problema também
(e) Dr. Alves Moreira, pag. 234. fora das relações de descendência ; e o código fran-
?O

cês, seguindo êsse caminho, formulou um quasi s e a reversão foi estipulada para o caso de o dona-
completo sistema de presunções fundadas no dÚpl0 tário morrer antes do doador sem deixar descen-
critério da idade e do sexo. Assim, entre dois dentes, e s e êstes e o donatário morrem na mesma
falecidos no mesmo desastre presume-se : ocasião, não podendo saber-se qual se finou pri-
a ) sobrevivente o mais velho, se ambos eram meiro, tem lugar a presunção da morte simultânea,
menores de 15 anos ;- verifica-se portanto o pressuposto da reversão, e
b ) o mais novo, se maiores de 60 anos; devem os bens doados voltar ao domínio do doa-
c ) O mais novo, se um era menor de 15 e d o r ; mas se o acidente da morte contemporânea -
outro maior de 60 anos ; abrange também o doador, não haverá lugar a
d ) pertencendo ambos à idade de 15 a 60 anos, reversão, porque a presunção da morte simultâ-
o mais jovo, s e eram do mesmo sexo ; nea exclui o pressuposto do prefalecimento do
e ) o varão, se eram de sexo diverso, quando donatário.
fossem da mesma idade, ou a diferença não exce-
desse um ano (artt. 721.O e 722.O). 3. Condição jurldica do nasduro.- Com base no
Êrte sistema co~cplicado de presunçôes, d e princípio que faz depender do nascimento a origem
resto insuficiente, foi jústamente abandonado pela da capacidade jurídica, os autores formulam geral-
maior parte dos códigos modernos, que, como a mente a doutrina de que antes do nascimento O
nosso ( art. 1738.*), o italiano ( art. 924." ), e O bra- indivíduo não tcm, não pode constituir ~ r n a ' ~ e r s o -
sileiro (art. I r."), estabelecem a presunção de morte nalidade ('1.
simultânea, sempre que n8o possa averiguar-se qual O nascituro não tem direitos, mas vale apenas
dos falecidos contemporâneamente se finou pri-
meiro, -de modo que entre eles se não dá a relação
.como spes hominis (v.
Comtudo a protecção de que a lei cerca o indi-
de direito sucessório. víduo, logo que é procreado, tem um carácter tão
Para facilitar a prova do prefalecimento de pes- intensamente jurídico, que bem pode dizer-se que
soas falecidas contemporâneamente, deveria men- O = embrião constitui já uma certa personalidade,
cionar-se n o registo do óbito, não apenas a hora, embora não tenha a plena capacidade jurídica, a
como determina o art. 252.", n." 5.O, do código do- qual s ó se adquire pelo nascimento.
registo civil, mas também tanto quanto seja possi- Êste conceito duma personalidade jurídica res-
vel o preciso momento da morte, como se dispõe trita do feto, durante a vida intra-uterina, é O
no art. 146." para o nascimento de gémeos. que melho; corresponde à realidade da vida, e é
A presunção de morte simultânea, embora particularmente verdadeiro n o sistema do nosso
estabelecida pelo cbdigo para o direito de sucessão, direito.
deve igualmente aplicar-se (art. 16.") a todos os
casos análogos, para qualquer optro efeito jurídico
que dependa da prioridade da morte de uma pessoa
e m relacão a outra. E o que acontece por exemplo- ( a ) Coviello, pag. 144; Ruggiero, pág. 299; Dr. Alves
Moreira, pág. 164, 167.
nas doaçdes com cláusula de reversão (art. 1473.0): ( * ) Ferrara, pag. 466.
Já o art. 6." do código civil o exprimiu. dizendo partus quaeritur: quamquam alii antequam nas-
que o indivíduo, logo que 6 procreado, tem-se por catur nequaquam prosit ( D. 7 . I. 5 ), que mais
nascido para os efeitos declarailos na lei. tarde os comentadores reduziram A máxima -Nas-
Igualmente o exprimiu o art. 1776.", contando citurus pro i a m nato .habetzdr puoties de ejus
o embrião entre as creaturas existentes, capazes de commodis agitur.
adquirir por testamento. A lei coloca-o sob a sua protecção, tendo-o
Mas onde a lei consigna expressa e formal- como nascido apenas para o efeito de haver, quando
mente o conceito da personalidade do feto, antes nasça com vida, os interesses que lhe advierem no
do nascimento, é no art. 38." do decreto n." 2 de período da gesta~ão,mas não para os transmitir;
25 de dezembro de 1910, determinando que a acção de modo que se nasce morto, nada pertencerá aos
de investigação de paternidade ilegítima pode ser ' que seriam seus herdeiros, se tivesse nascido com
proposta, ainda antes do nascimento do filho, pela vida (art. 6.", 1 4 7 9 . O , I 776.").
mãe grávida, em nome dêle, contanto que faça Entretanto é de notar que a regra do reconhe-
verificar previamente a gravidez, nos termos do cimento da existência jurídica do cpncebido, apenas
art. 650.' do c6digo de processo civil. para a defesa dos seus próprios interesses, tem na
E não há, diz Chironi, na protecção que a lei nossa lei uma excepção, em favor da mãe pobre
confere ao nascituro já concebido, uma ficção: « o de filho ilegítimo, pois que ela pode, quando inten-
feto, embora oculto no útero materno, vive; e tar a acção de paternidade ilegítima, nos termos
assim como esta vida revela o processo de for- dos artt. 38.", 4 7 . O e 48." do decreto de 25 de dezem-
mação do organismo, que, segundo a ordem ne- bro de 1910, exigir não s6 os necessários alimentos,
cessária da natureza, deve desenvolver-se e com- mas também a indemnização de todas as despesas
pletar-se em prazos fixos, a lei, durante êsse com a gravides e com o parto, e ainda de todos 0s
período, em que não há ainda o homem, mas prejuízos que necesslriamente lhe resultarem dês-
em que êle se forma, considera essa esperan$a ses hctos.
de homem coiilo um ente ao qual é justo conser- A protecção jurídica dos nascituros revela-se
var os interesses que pelo seu nascimento e exis- não s6 na ordem civil, mas ainda na ordem penal
tência como pessoa serão reconhecidos como direi- e administrativa.
tosa (i). Na administração pública deve ela praticar-se
A equiparação do concebido ao nascido (con- pela instituição de maternidades e outras obras de
cepirrs pro nato habetur) é feita pela lei apenas assistência As mulheres grávidas, no sentido de
no interesse dêle, de modo que não aproveita aos promover ò mais perfeito desenvolvimento de
outros, como já se dizia na sentença de Paulo - todos os nascituros e assegurar O melhor êxito dos
Qzdz in utero est, perinde ac si in rebus hurnn- partos.
nis esset, custoditur, quoties d e comrnodis i p s h ~ s Na ordem penal a protecção realiza-se pela
punicão do crime de abarto (c6d. pen., art. 358.")
e pela suspensão das penas graves impostas à
(I) Chironi e Abello, Trattato, I, pag. 175 mulher grávida, até passar um mês depois de
terrilinado o estado de gmvidês (c6d. pen., art. uma antecipacão da personalitiade (1) ; é a mhxi-
113.0) (I). - ma conceptus pro nato habetur.
A protecção civil do nascituro manifesta-se Mas esta regra é por muitos considerada uma
por dois modos : por um lado, com a instituição pura ficção dogmática insusceptível de ser gene-
do curador ao ventre, que pode ser nomeado pelo ralizada. Nem sempre que esteja em j8go o inte-
juiz quando uma viúva fica grávida à morte do resse do embrião este deve ser considerado como
marido (art. 157.O); mas, pelo menos entre nós, sujeito existente, mas sòmente nos casos estabele-
pode dizer-se que se trata de uma instituição pura- cidos pela lei, e assim a regra vale apenas como :

mente arcáica (9; por outro lado, reservando-se síntese dos casos positivamente contemplados ( 2 ) .
a favor do- nascituro, e acautelando devidamente, -
os direitos provenientes de doação ou sucessão 4- Estado e capacidade civil - A doutrina @o
(artt. 1479.", 1776.", 1777.@,1867.0 e 1824."). estado e da capacidade civil no direito romano
No rigor do direito strito, diz Ferrara, uma fora construída, como é sabido, sobre o conceito do
disposição em favor de um concebido deveria tríplice status, de que -podiam gozar as pessoas - '
dizer-se nula, porque falta o sujeito adquirente, status libertatis, status civitatis, statzds familzae
mas a lei mantem tal disposi~ão,que fica suspensa - constituindo os dois primeiros condição essen-
at6 ao nascimento. Decerto se o concebida não cial da capacidade jurídica, e determinando o Últi-
chega h existência, a disposição caduca ; mas se o mo a distinção entre pessoas suz jzdris e pessoas
embrião vem à luz com vida, a disposição vale alieni juris, em virtude da qual estas últimas,
com efeito retroactivo ao tempo da concepção. estando sujeitas ao podêr de outrem, eram afecta-
E o nosso cbdigo (art. 1777." e 1 8 6 7 . ~ assim
)~ das de incapacidade na esfera do direito privado.
como o italiano (art. 764.O), contêm uma disposi- Muito diversa é a doutrina do estado e da
ção ainda mais anómala, pois admite a validade de capacidade civil no direito moderno : abolida a
disposições a favor de nascituros filhos de certas instituição da escravatura, equiparada a condição
e determinadas pcssoas vivas ao tempo da morte . do estrangeiro A do cidadão quanto ao gôzo dos
do testador, mesmo que nâo estejam ainda conce- direitos civis ( art. 26."), transformados profunda-
bidos. mente o conteúclo e a esséncia dos poderes fami-
O embrião é considerado, tanto para as doa- liares, que já não absorvem como outrora a capa-
ções como para as heranças ou legados, como sendo cidade jurídica dos indivíduos, a única condição
já nascido : dá-se em certo modo, como diz Planiol, para ser sujeito de direitos é o facto de ser homeni.
A capacidade jurfdica, isto é, a idoneidade para
ser sujeito de direitos, pertence portanto a toda a
( I ) É já do mais antigo direito romano o preceito que
gente; mas pode ser limitada pela ordem jurídica,
suspendia a execução capital de mulher gravida ( D. 3. 48. 19),
que passou para as legislaçóes modernas - Pacchioni, Corso sendo negada ao sujeito relativamente a alguns
.di Dzritto Romano, 1 1 , pAg. 88; Dr. Luis Osório, Notas ao
Código Penal, I , pág. 373. Planiol, Traite' de Droif CiozZ, I, n.' 367
(1)
(1) Os Przncipios, I , pág. 777. (a) Ferrara, págs. 466 e 467.
direitos, por motivo de sexo, de idade, de saúde obrigaçúes civis, ou seja a capacrdade civil das
física ou mental, ou ainda por efeito de condena- pessoas, tanto a capacidade jurídica geral ou abs-
ção penal. Assim, por exemplo, falta a capacidade tracta, como a capacidade concreta de agir, não é
jurídica h mulher dum modo geral para os direitos igual para todos os indivíduos; mas depende de
políticos,'ao menor de quatorze anos para fazer tes- um conjunto de qualidades, circunstâncias ou si-
tamento, A mulher menor de desasse'is anos e ao tuações pessoais do indivíduo, que determinam a
homem menor de dezoito, assim como aos demen- sua posição jurídica na ordeM social, isto é, O seu
. tes, para contrair matrimónio, aos cegos e aos que estado. A igualdade jurídica das pessoas (art. 7.O)

não sabem ou não podem ler para fazer testamento não significa identidade de posição'jurídica, pois
cerrado, ao cônjuge condenado pelo crime do homi- que não godem tratar-se dum modo igual seres
cídio na pessoa do seu consorte, para casar com o realmente desiguais. As pessoas dè facto apre-
conderiado pelo mesmo crime. Mas tais lirnita@es, sentam diversidades naturais entre si, quer de
por máis importantes que sejam, nunca podem ir desenvolvimento físico ou mental, quer de sexo
até ao ponto de aniquilar a capacidade jurídica, ou posição na família, quer de condição social, ou
destruindo a personalidade do homem: a morte podem encontrar-se e m certos estados legalmente
civil, que as legislaçóes antigas admitiam, foi com- determinados, que teem influência sobre a sua
pletamente banida dos códigos modernos. capacidade civil, O direito não pode desconhecer
Mas é necessário distinguir a capacidade jurí- estas variedades orgânicas, psíquicas ou civis, e
dica ou de gdzo de direitos, cujo conceito coincide deve tomá-las em consideração, proporcionando a
com o de personalidade, da capacidade de agir capacidade de agir às diversas condições da pessoa.
ou de exercer os próprios direitos, isto é, a idonei- Essas diversas qualidades ou estados são: o sexo, a
dade do sujeito para praticar actos jurídicos. E idade, as enfermidades físicas e mentais, a posição
que, se aquela não exige, em regra, senão a exis- da mulher na família, a condenação penal, a má
tência da pessoa, esta exige além disso Uma efec- conduta not6ria e o estado social (I).
tiva capacidade de querer, que riem todas as pessoas Estas situap3es ou qualidades caracterizam ju-
teem, podendo em algumas faltar por causas diver- ridicamerite a pessoa, são o seu estado jurídico,
sas, como a menoridade, a enfermidade, o casa- que determina a esfera ou medida da sua capaci-
mento ou urna determinada situação jurídica e social. dade civil, e por isso s e chama o estado pessoal
Intervem em tais casos o instituto da represe+ztacâo, ou o estado civil.
. em virtude do qual outras pessoas procedem em
Na doutrina francesa e italiana é corrente O
nome e no interêsse do sujeito incapaz, adquirindo
conceito de estado da pessoa para significar tècni-
por êle ou transmitindo os seus direitos; B o que
camente a posição do indivíduo na sociedade polí-
acontece, por exemplo, com os menores não eman-
tica e na família ( e ) .
cipados, com os interditos e com os comercia~ites
falidos, cuja representação é exercida pelos pais,
tutores, curadores ou' administradores. (1) Ferrara. pág. 489.
Vê-se portanto que a capaeidade de direitos e (1) Coviello, pag. 148; Ferrara, pag. 337; Colin et Ca-
pitant, Cours, I , págs. I 1 2 e 383.
9

Tal conceito, porkm, tem um valor histórico, que isto assim fbsse, não éra bastante para consti-
que no direito moderno perdeu o seu significado, tuir uma categoria jurídica Aparte. Mas nem isso
pois que o estado das pessoas abrange também é verdade, porque a iac cio na lida de pode mudar-se,
todas as outras qualidades ou situações jurídicas e ate há indivíduos, os sem pá-tria, que não per-
que determinam a esfera e a medida da capacidade tencem a nacionalidade alguma ; e por outro lado
civil. Estado e qualidade jurídica são conceitos as relações de família faltam a alguns indivíduos,
idênticos. como os filhos de pais incógnitos. Acresce ainda
Aquele conceito clássico do estado civil con- que no mesmo sentido uma relação de permanên-
serva-se na terminologia moderna como reminis- cia e necessidade se verifica também na ligação
cência verbal da concepção romana dos três status; da pessoa a um certo lugar (domicílio, residência),
, mas bem profundas são as diferenças que separam a qual todavia não entra nos elementos constituti-
o direito antigo do moderno. Com efeito, no direito vos do status. Além disso os caracteres d e
romano, para se ter capacidade era necessário ter o intransmissibilidade e irrenunciabilidade não são
status libertatis (ser livre e não escravo), o status específicos do siatus, mas comuns a todas as quA-'
civitatis (ser cidadão, porque o estrangeiro estava lidades jurídicas, resultantes como corisequência
fora do jus civile), e o status .familiae (ser s u i do princípio que funda no j u s publicum a capaci-
jwiq os filhos estavam sub potestate). O estado dade das pessoas, e, portanto, a todas as condiçóes
era portanto um pressuposto ou condição da perso- que caracterizam os seus diversos aspectos.
nalidade jurídica. Hoje, porém, que a personali- E assim o direito moderno realizou uma pro-
dade é reconhecida indistintamente a todos os funda transformação do conceito de estado, o seu
homens, que não há mais escravos, que os estran- alargameiito, de modo a compreender todos os
geiros gozam dos direitos civis, e que a posição lados da condição jurídica da pessoa (I).
na família não altera a capacidade de direito, o Mas qual é na técnica do nosso direito positivo
status não é mais uma condicão para adquirir a o significado e alcance da palavra estado 3 Será o
capacidade, mas sim um modo de ser, uma puali- mesmo que a expressão estado civil ?
ficação da pessoa, e por isso não difere de qualquer -
O problema foi cuidadosamente estudado pelo
outra qualidade jurídica que pode caracterizar o nosso ilustre colega Dr. Carneiro Pacheco, numa
sujeito, como a condição de menor, de interdito, interessante monografia--Do êrro acêrca da pessoa
de condenado, de falido e semelhantes. Alguns como causa de nulzdade do casamento, concluindo
escritores defendem ainda no direito moderno o que a palavra estado, quando referida a pessoas,
conceito clAssico do estado, notando que diferen- tanto no código civil como no do registo civil,
, temente das outras qualidades jurídicas, que são significa sempre o estadu czvi2, e que por isso o
acidentais e tra~csitórias,o estado tem os cnrac: mesmo sentido deve atribuir-se-lhe no n.O 1.0 da
teres de necessidade e permanência. ( I ) Ainda art. 20." do decreto-lei do casamento civil.
-

(1) Coviel10~ pag. 148 e 149;' Capitant, Introduction,


pág. 118. (1) Planiol, r , n." 4 1 9 ; Ferrara, págs. 337 e 338.
Nós, porém, sustentamos que a palavra estado, Já o nosso grande Coelho da Rocha dizia (Inst.,
mesmo no sentido d e estado juridico, e precisa- $5 5 5 . ' ) : c nos homens os direitos variam conforme
mente como o define O Dr. Pacheco na citada mo- as diferentes qualidades,~posição,ou circunstâncias,
nografia, não é o mesmo que estado civil. e m que êles se acham; ou, para nos servirmos da
O estado é, com efeito, como ali s e diz, o frase dos jurisconsultos romanos, conforme seu
complexo de qualidades jurídicas que determinam diferente estado. Estas circunstâncias podem pro-
a medida dos poderes jurídicos que formam a capa- v i r ou da natureza, ou da lei civil ; e daqui o estado
cidade da pessoa. pode ser n a t u r a l , ou civtl >i. *
Ora, o que se chama estado civil, conforme E assim se v ê bem a razão porque nós susten-
resulta da própria natureza e conteúdo dos actos tamos que a palavra estado do n." I." d o a r t 20."
qualificados como pertencentes a o estado civil, nos do decreto-lei do casamento civil não í? restrita às
termos do código do registo civil e da lei comple- situações ou qualidades do estado civil, mas abrange
mentar de io de julho de 1912, é apenas O que se qualquer estado n a t u r a l , moral ou social dum dos
'refere aos nascimentos, casamentos e dbitos, per- cbnjuges, desconhecido- do outro, mas bastante
filhações e legitimações, às emancipagáes, inter- grave para que, s e fbsse conhecido, o teria deter-
d i ~ õ e s , n a t u r a l i ~ a ç 6 e s , p e r d a d a qualidade de minado a não realizar o casamento (' ).
_ cidadão português e semelhantes (artt. 2 . O , 3.0 e O caso que nos sugeriu aquela interpretação
1 7 4 . O do código, e art. 23.0 da lei). da palavra estado, que julgamos a única verdadeira,
Ora, sendo isto assim, como aliás na referida é o dé um esposado saber depois do casamento que
monografia s e expõe, basta ponderar, por exemplo, a mulher s e encontra grávida de relações com outro
o estado natural de incapacidade dos dementes não homem, pois que um tal caso s ó no n." I." do
interditos, ou dos que num dado momento s e qn- art. 20: pode ter cabimento, sendo inadmissível a
contram em estado de incapacidade acidental, para sua qualificação como defeito físico irremediável ( 8 ) .
s e reconhecer logo, e inquestionavelmente, que
uma tal situação o u qualidade constitue um estado
j u r i d i c o da pessoa, mas não faz nem pode fazer
parte do seu estado civil.
Portanto, estado e estado civil siio conceitos
diversos, estando entre si na relaçâo de género (1) Os Prtncipios, I , pág. 716.
para espécie. A palavra estado abrange mais do (s) Em sentido contrário Dr. Carneiro Pacheco, Do êrro
acêrca d a peisoa como causa de nulidade do casamento, onde
que a expressão estado civil, compreendendo tam- para corroborar a sua doutrina apresenta um parecer m6Lico-
b6m todas as situações naturais, morais ou sociais, legal do Dr. Egas Moniz. Salvo o devido respeito pela auton-
que segundo a lei influem na determinação da capa- dade profissional do consultor, nos entendemos que o estado
cidade civil. de gravidez normal da mulher é ludo o que há de mais oposto
De resto, que o. código civil, também emprega ,
a defeito fí,ico irremediável, é precisamente o contrário.
O estado de gravidez normal da mulher 6 verdadeiramente
a palavra estado eiil sentido diverso de estado civil O seu estado de perfeição, a realização da sua finalidade, do
é evidente, pelo menos nos artt. 314.*,I 765."e 2378.". Seii destino natural, moral e social.
5. Estado de nacional ou estrangeiro! Adquisiçtio e que êstes podem também ser investidos nos direi-
perda da qualidade de eidadão. - O primeiro elemento tos públicos não políticos, e são equiparados aos
ou -factor. que entra normalmente na formacão do nacionais, apenas com algumas restrições, no gozo
estado jurídico do indivíduo é a nacionalidade, dos direitos privados (art. 26." do cód. civ., e 7."
isto é, a qualidade de cidadão ou estrangeiro. do c6d. com. ).
A nacionalidade é a situação jurídica do indi- É por isso que ainda hoje é ponto controver-
víduo como membro da comunidade politicamente tido entre 0s. escritores, se o instituto da naciona-
organizada, que se chama o Estadoi lidade deve pertencer aos códigos políticos, como
Os indivíduos que pertencem a um Estado são fazia a nossa Carta Constitucional, ou aos códigos
seus súbditos, cidadãos ou nacionais; todos os civis, como fez o nosso, apesar de elaborado e
outros são estrangeiros. promulgado no domínio da Carta.
' Alguns autores distinguem entre a nacionali- Ora, a verdade é que, não obstante a equipa-
dade, que é o vínculo que prende um indivíduo a ração de nacionais e estrangeiros no gi3zo dos direi-
um determinado grupo étnico í Nação), cuja uni- tos civis, nem por isso O problema da nacionalidade
dade e determinada por factores múltiplos e varia- deixa de ter uma importância capital no sistema do
dos, como a unidade de língua, de cultura, de direito privado.
tradiçdes, de história, e a qualidade de cidadão, Em primeiro lugar o princípio da equiparação
que é o vínculo de sujeição ao poder do Estado. não é absoluto e incondicional, estando sujeito a
Com efeito, nem sempre as duas relaçoes coin- várias limitações ou restrições, que tornam por
cidem, podendo acontecer que duas ou mais Nações isso necessária a determinação da condição jurí-
se congreguem no mesmo Estado ( Suíça), ou que dica dos estrangeiros ( I ) . E, por outro lado, trata-
a mesma Nação se desdobre-em Estados diversos
( Estados Unidos ). -
Mas nos Estados unitários, como o nosso; a ( l) O direito positivo português adoptou desde há muito,
na regulamentação d a condição juridica dos estrangeiros, os
distinção não tem importância real, sendo perfeita- princípios fundamentais que regem a comunidade internacional
mente equivalentes os termos naczortal, súbdito dos Estados civilizados, a saber : recusa dos direitos politicos ;
ou cidadão. cqz~iparagão,em regra, em matiriagtle direitos públicos não
A nacionalidade dos indivíduos é uma relacão politicos e de direitos privados.
jurídica muito complexa, que interessa tanto a O principio da recusa dos direitos politicos não esta expres-
samente formulado em lei alguma; mas resulta indirectamente
esfera dos seus direitos civis como a dos direitos de vários preceitos de lei, como por exemplo o art. 3.' do
políticos. Pode entretanto dizer-se que a sua im- decreto de 2 de dezembro de 1910, que exclue o próprio estran-
portância é ainda, maior no campo do direito geiro naturalizado do exercício de funções públicas durante os
público' que no direito privado, não s6 porque a cinco anos seguintes a naturalização.
-
sua própria natureza é de carácter essencialmente Ao lado deste preceito genérico há muitos diplomas que
político, mas porque em regra só os cidadãos gozam expressamente excluem os estrangeiros do exercício de certos
direitos politicos ( Constituição, art. 8.O e 39.O; cód. eleitoral,
dos direitos subjectivos públicos mais importantes, 1913, art. I."; dec. de 24 denutubro de 1901, art. rz.", e de 2 9
sendo dêles excluídos os estrangeiros, emqi:anto de novembro de I y r , art. z , ~ ;dec. de 26 de Maio de 1911,
3
s e evidentemente d e uma questão de estado, mesmo lugar próprio no sistema dã codificação do direito
na ordem jurídica privada. civil.
Ora, sendo um princípio geralmente consa- A
complexidade da relação jurídica da nacio-
grado no direito privado internacional, pelo menos nalidade corresponde a intrínseca dificuldade da
na Europa, que as relaçóes jurídicas de carácter sua disciplina.
prevalentemente pessoal, como o estado e a capa- Não há um princípio iinico que possa servir
cidade civil (art. 27.O do c6d. civ., e 12."do c6d. d e norma a o legislador para fixar a atribuição da
' com.), as relaç0es de família e as sucessões, são nacionalidade: ao lado daquele que reclama a qua-
reguladas pela lei nacional dos sujeitos, parece-nos lidade de cidadão para O filho de pai cidadão (jus
não haver dúvida de que as condiçóes da adquisi- sanguinis), deve aceitar-se também o que confere
ção e perda da -qualidade de cidadão teem o seu

gozar plenamente de todos os direitos, que a lei civil reconhece


art. 69.O; reg. consular de 7 de março de 1920, art. 23.*, etc.); e assegura o .
e muitos outros que implicitamente contiiem essa exciusão. As limitaçóes'a regra da equiparação são de três espé-
A recusa dos direitos politicos tem pelo menos duas excep- cies : incapacidades, igualdade dependente de reciprocidade, e
ções: a da lei de 15 de agosto de 1914 (base M."), lei orgânica igualdade tondictonada.'
da administração das provincias uliramaririas, que reconhece As incapacidades são :
aos estrangeiros em certas condições o direito de elegerem e i.") Xáo podem os estrangeiros ser testemunhas instru-
serem eleitos para os corpos administrativos; e a do reg. con- mentarias, quer em testamento ( art. 1966.O), quer^ em actos
sular ( a r t . 2 3 . O ) , que permite nomear estrangeiros para cbnsu- entre vivos (art. 2 4 9 a 0 ) , excepto nos actos exarados nos con-
les e vice-cônsules de 2.' classe, chanceleres e agentes consu- sulados portuguises (art. 1 9 6 2 . ~e, reg. consular, art. 246.O, § 4 . O ) ,
lares. bem como nos actos do registo civil ( art. 42.0 da lei de ro de
O princípio d a equiparação em matéria de direitos públi- julho de 1912). Servindo porem de testemunha instrumentária
cos não políticos Ç assim formulado no art. 3 . O da Constituição : um estrangeiro geralmente considerado como portuguis, não
% AConstituição garante a portugueses e estrangeiros residen- será porisso nulo o documento, porque o êrro geral e comum
tes no pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à liber- não P i ~ d nulidade
~ z ( a r t 664." ).
dade, i segurança individual e a propriedade, nos termos se- 2.a) Os estrangeiros não podem possuir navios em Portu-
guintesa ; e em seguida enumera a s diferentes garantias indivi- gal ( acio de navegaçáo de 8 de julho de 1863, art. 4.9 5." e 6.").
duais. 3 ) O direito dos estrangeiros a indemnização por desas-
Êste principio da igualdade entre nacionais e estrangeiros, tres no trahalho tem uma regulamentação especial no art. zq ."
quanto aos direitos pfiblicos não politicos, está contudo sujeito do decreto nO . 5637, de 10 de maio de 1919. Este artigo, ao
a várias restrições, que se referem a liberdade de entrar e lado de uma regra de desigualdade a favor dos estrangeiros
residir em Portugal, a liberdade de trabalho, comercio e indús- que se retirem de Portugal, e de um principio de reciprocidade,
tria, a liberdade de reunião, de associação, de imprensa, de estabelece a incapacidade de receber qualquer indemnização
. conscitncja e cultos, de ensino, e de acção judiciária. para os representantes estrangeiros de operarios estrangeiros
O principio da igualdade em matiria de direitos privados que readam no estrangeiro ao tempo do desastre.
i expressamente consignado nos artt. 2h.O do codigo civil e 7." 4.a) O comércio bancário nas provincias de S. Tomi e
do código comercial. Príncipe, Angola, Cabo Verde e Guine, t exclusivo de bancos
Mas tambem, este principio não é absoluto, como se infere portugueses (dec. n.O 5809, de 30 de maio de 1919).
do art. 17." do código civil : c Só os cidadãos portugueses podem 5.a ) As concessões de construção e exploração de albu-
a mesma qualidade a quem nasce ou se fixa no daqueles princípios, donde resulta que muitas vezes
território do Estado ( j u s s o l t ) ; ao lado do princí- um indivíduo fica sendo cidadão de mais de um
pio que atribui A mulher casada a nacionalidade país (plurznacional), dando-se então O cortflito
do marido, para consolidar a unidade do consórcio posttivo das leis atribuitivas da nacionalidade; e
familiar ( j u s matrimotzii), deve colocar-se O poder outras vezes ficam os indivíduos sem nacionalidade
da soberania do Estado para a conceder aos estran- alguma ( o que os italianos chamam apolide e os
geiros que se mostrem merecedores de fazer parte alemães Heimatlos), constiluírido a classe dos sem
'da organização política ( n a t u r a l i ~ a ~ á oi').) pátria, categoria inconcebível numa pura e sã
Dada a liberdade dos diferentes Estados para organização da ordem jurídica. Da-se então o con-
regularem como quiserem as condiqões de adqui- Pito negativo das leis da nacionalidade.
siçHo e perda da nacionalidade, acohtece que as Vejamos como se adquire e perde a qualidade
suas leis fazem diversas combinaçbes e aplicações de cidadão português.
A nacionalidade adquire-se por um de três
factos: a ) ~znscimento;.b ) casameilzto; c ) naturn-
li3acão.
feiras e canais com fins agrícolas só pode ser feita a emprèsas
portuguesas (dec. n.' 4505, de 29 de junho d e 1918). a ) Nascimento. E a principal fonte da nacio-
6.") A fruiçáo das gl&as em que forem divididos os bal- nalidade segundo a nossa lei.
dios euitivaveis, nos termos do dccrcto n." 7 1 z j . " , de I; de Mas a determinação da nacionalidade pelo nas-
novembro de 1920, so pode ser concedida a portuguêses. cimento pode fazer-se, ou pelo princípio do j u s
7.') 0 s estrangeiros não podem pescar nas águas terri- sar~guinis,atribuindo-se ao filho a nacionalidade
toriais (lei de ro de julho de rg17).
O principio d a reczprocidade, que antes do código civil dos pais, ou pelo j u s soli, atribuíndo ao indivíduo
determinava a condição jurídica dos esirangriros, certamente a nacionalidade do país em que nasceu, ou ainda
por influência do código civil francês, não desapareceu comple- pela combinação dos dois princípios, atendendo-se
tamente d a nossa legislação. Assim êle vigora ainda em maté- umas vezes ao j u s sa~zguirzise outras ao jus soli.
ria de propriedade literária (art. ~ 7 8 . ~ de
1 , marcas industriais e Daí resultam quatro sistemas: O sistema puro
comerciais (lei de 2 1 de maio de 1896, art. 7 6 . O ) , de desastres
no trabalho (dec. n." 5637, de 10 de maio de igrq, art. zq.O,
do j u s snrzguinis, O do j u s soli, o sistema mixto
$ 2.O), e de pesca n a s águas territoriais (lei de 10 de julho d e com predomínio do j u s sanguinis, e o do predo-
1917, art. 2.O). mínio do j u s soli.
Finalmente é de notar que a igualdade civil dos estran- O sistema puro do j u s snnguinis foi o das
geiros é dependente de certas condições : em matéria de con- cidades antigas, que adoptaram o princípio romano,
cessdes de terrenos nas colónias (lei d e 9 de maio de 1901,
- art. 4z.O e 43.O, reg. de 9 de setembro de 19o;, art. 23.0 e zq.~),
segundo o qual a qualidade de cidadão só se
.!concessdes de energia hidráulica nas colónias (dec. n." 1143, adquiria pela filiação.
de 3 de dezembro de 1914, art. 7 . O ), e ainda em matiria d e O j u s soli foi o sistema feudal, em que a terra
propriedade industrial. determinava a condição das pessoas. Foi o sis-
P a r a a análise completa dos direitos dos estrangeiros,
tema dominante no direito europeu até ao código
veja-se o capitulo 11 do livro i do Tratado de diretto interna-
cional, do Dr. Vilela. d e Napoieão, que introduziu o sistema quási puro
( I ) Ruggiero, pág. 313 e 314.
do j u s sanguinis, pois só admitia o j u s soZi per-
mitindo que o .filho de estrangeiro nascido em O nascimento em Portugal abrange tres casos :
França optasse pela nacionalidade'francesa quando 1) filhos legítimos de pais portugueses, ou s6 de
chegasse A maioridade. mãe portuguesa, sendo ilegítimos; 2 ) filhos. de pai
O jus sa9tguinis é ainda o predominante e m estrangeiro; 3 ) filhos de pais incdgnitos ou de
algumas legislações da Europa (Alemanha, Aus- nacionalidade desconhecida.
tria, Húngria, Noruega, Roménia, Sérvia). O n.?.O do art. 18.' não prevê o caso de os
O jus soli é o dominante na maior parte das pais de fillio legítimo nascido em Portugal terem
repúblicas sul-americanas. diferente nacionalidade. Mas deve decidir a nacio-
Nos. outros países vigora o sistema mixto, nalidade do pai ( n . O 1 . O do 3 3 . O do art. 51: do cit.
nuns com predomínio do j ? ~ ssanguinis (França, reg. do recrutamento militar, e argumento dos
Bélgica, .Itália, Espanha, Japão, Suécia, Suíça, etc.) artt. 18.0 n.O 6.", 4 7 . O . 4 9 . O , 138." e 1107.~do
noutros com predomínio do jus solz, como entre c6d. civ. ).
n6s ( Inglaterra, Holanda, Dinamarca, Estados- Também a lei não prevê o caso de o pai
-Unidos, México, Colúmbia, Equador, etc.) ( I ) . mudar de nacionalidade, ou morrer, entre a con-
O nosso cbdigo estabelece no art. 18." as con- cepgão e o nascimento do filho. Mas a solução
diç0es em que se adquire a qualidade de cidadão também é nítida, diz o Dr. Viiela: atende-se ao
português ; mas deve atender-se também ao § 3." momento do nascimento do filho ou ao momento
do art. 51.' do regulamento do recrutamento mili- da morte do pai (1).
tar, de 23 de agosto de 191I, onde se reproduziu Mas a verdade é que o caso de mudança de
O art. 18." do código, com algumas alterações des- nacionalidade está compreendido no n.O 2 . O do
tinadas a completá-lo e esclarecê-lo (?). art. 18.0. E para o caso de morte do pai entende-
O nascimento pode ter lugar no território mos que a solução não pode ser aquela, mas sim
nacional, n o estrangeiro ou no mar. a da nacionalidade da mãe.

(1) Dr. Machado Vilela, Tratado elementar teórico e de mãe portuguesa, nascidoa em pais estrangeiro, que vierem
prútico de direito internacional prtvado, i , pág. 86 e 87. estabelecer domicilio no territdrzo da república, ou que perante
(2) *Pelo que respeita a nacionalidade, são portu- os respectivos agentes consulares ou a competente autoridade
gueses : estrangetra, declararem por si, sendo S Z L ~ - j u rOU i s pelos seus
r.O Os que nascem no ferritório d a republicn d e p a i p o r - legitimas representantes, sendo menores ?$doemanczpados, que
tzlguzs, ou de mãe portuguesa, sendo filhos ilegitimos; querem ser portugueses, devendo, neste caso, os mesmos agentes
2." Os que nascem no terrztóno d a refiública, de pai comunzcar a declaração d comzssão do recenseamento indtcada
estrangeiro, contanto que êste não reçrda ao serviqo da sua pelos interessados, nos termos do 3 i ? do a r t . 36.';
Nação, salvo Se, perante a municipalzdade da respectioa resi- 4 . O Os que nascem no territorio d a rephblica, de pais
dência, declararem por si, sendo suz-jurts, ou pelos seus legitr- incógnitos ou de nacionalidade desconhecida;
znos representantes, sendo menores não emancipados, que não 5." Os que nascem em pais estrangearo de paiportuguês,
querem ser portugueses ; que alt resida ao servtço de Portugal;
3." Os filhos de pai portuguks, ainda quando êste haja 6." Os estrangeiros naturalizados B.
sido expulso do terrztório d a rephblzca, e os filhos iiegitimos ( ' ) Dr. Vilela, Tra tado, pág. 89.
Em segundo lugar o n.0 1 . O do art. 18.0 declara tuguesa aos filhos de pai português, ou aos filhos
portugueses os filhos ilegitimos nascidos em Por- ilegítimos de mãe portuguesa, desde que venham
tugal só de mãe portuguesa. estabelecer domicílio em Portugal, ou declararem
E claro que esta disposição refere-se só ao caso legalmente que querem ser portugueses ( art. '8.0,
de o pai ser estrangeiro e de não ter reconhecido n.O 3: e # 1.O).
o filho antes ou ao mesmo tempo que a mãe: se o E O que se chama a nacionalidade por opção,
pai é portugugs, o caso está compreendido na pri- escdlba ou eleigão, que pode ser tácita (domicílio)
meira regra do art. 18."; se o pai é estrangeiro mas ou expressa ( declaração oficial ).
reconheceu o filho antes o u ao mesmo tempo que Tem-se entendido, por analogia do*n.O 2 . O do
a mãe, o caso está compreendido na regra do n.O 2.0 art. 18.~,que esta opção não é necessária para os
do art. 18.~. filhos de portugueses que se encontrem no estran-
Mas quid juris se o pai reconhece O filho geiro ao serviço de Portugal, porque êsses teem a
depois da mãe ? qualidade de cidadãos portugueses pura e simples-
. Entendemos que conserva a nacionalidade por- mente jure sanguinis C').
tuguesa, porque esta, uma vez adquirida, só se Mas se atendermos a que esta doutrina estava
perde nos casos do art. 22.0. expressamente consignada no 3 3.O do art. 7.0 da
Em terceiro lugar declara o art. 18." n.0 2.0, Carta Constitucional, e não foi reproduzida no
em obediência ao j u s soli, portugueses os que nas- art. 18.0 do código civil, parece-nos que a invocada
cem em 'Portugal, de pai estrangeiro, contanto analogia do n." 2 . O dêste artigo provaria antes O
que não esteja ao serviço da sua Nação, salvos o contrário.
direito de opgão pela nacionalidade dos pais ( j u s Mas como a doutrina da Carta foi reproduzida
sanguinis) e o de reclamar ou inutilizar essa opção no n.0 5.O do 3 3.O do art. 51.0 do regulamento do
quando haja sido declarada pelos pais ou tutores recenseamento militar, assim deve entender-se O
(art. [S.', 3 2.0). sistema da nossa lei.
O confronto do n.O 2.0 do art. 18.0 com os O facto de o menor vir domiciliar-se em Por-
n."' I." e 3 . O mostra claramente que a palavra pai tugal com o pai ou mãe exercendo o poder pater-
nele empregada, o foi no sentido genérico, isto é, nal, ou com o tutor, deve considerar-se como opção
pai ou mãe, e que se refere tanto a filhos legítimos tácita da nacionalidade (art. 4 7 . O , 137.' e seg. e 185."),
como aos ilegítimos. pois que o menor é representado pelos pais, e na
Em quarto e último lugar, pelo nascimento em sua falta pelo tutor (9. I

Portugal, são portugueses os filhos de pais incbgni- Uma variante da opção tácita consiste na ins-
tos ou de nacionalidade desconhecida (art. 18.'. crição do assento do nascimento do filho no registo
n.' 4."), sendo evidente que neste caso se com- consular ( 3 1 , quando a inscrição seja feita na pre-
preendem com maioria de razáo os filhos dos sem
pátria.
( i ) Dr. Alves Moreira, pag. 177; Dr. Vilela, pág. 93.
O nascimento no' estrangeiro também pode (2) Contra Dr. Vilela, pag. 94.
fazer adquirir, jure sanguirzis, a nacionalidade por- (3) Dr. Vilela, pag. 94.
sença dos pais; mas esta inscrição pode e deve qualidade de cidadão português a mulher estran-
considerar-se como opção expressa, pois o art. 142.' geira casando com um português ( art. 18.*,n." 6.0) ;
do regulamento consular declara que ela supre a e isto ainda que pela lei do seu país n8o perca a
dedaração prevista no n.O 3.O do art. 18.' do cbdigo sua nacionalidade; e conserva a nacionalidade
civil. portuguesa, ainda depois de dissolvido o casa-
Não prevê o código o caso de nascimento a mento, quer por di~7órci0,quer por morte do ma-
bordo, no alto mar ou nas Aguas territoriais. rido, visto que nenhuma destas circunstâncias é
#
Se o nascimento teve lugar no mar alto, a solu- considerada como causa de perda da qualidade d e
ção é nítida, diz o Dr. Vilela: o regime jurídico cidadão ( art. 2 2 . O ) .
do alto mar é informado pelo princípio da liberdade c ) Naturalisacâo. Adquirem a qualidade de,
dos mares, não existindo aí a jurisdição exclusiva cidadão português os estrangeiros naturalizados
de qualquer Estado, encontrando-se os navios sujei- (art. i$.", n." 5.O). OS artt. r g . " - a ~ . Oregulavam a s
tos As leis e jurisdições do seu país, e por isso o condiç0es e a forma da naturalização, mas foram
nascimento tem de considerar-se realizado no terri- substituídos pelo decreto de 2 de dezembro de I 910.
tbrio do Estado da nacionalidade do navio ( 4 ) . A palavra natf.craLi;acão tem dois sentidos :
Mas se o nascimento teve lugar a bordo dentro num sentido lato, é todo o facto pelo qual um
das águas territoriais de um Estado, entende o estrangeiro passa a ser nacional, como a opção e
notável internacionalista que o nascimento deve o casamento ; n o sentido restrito, que é o,próprio
considerar-se realizado no território dêsse Estado, o; técnico, é o acto pelo qual um Estado concede
fundando este modo de ver no art. 380.", n: 2 . O do ou reconhece a um estrangeiro a qúalidade de
nosso código civil, e no art. I.", n." I.', do decreto cidadão.
n.0 5787-1111, de ro de maio de r 919, segundo os « E dizemos concede ou reconhece, por a natu-
quais as á e u a s salgadas d a s costas entram no ralização ora aparecer como uma praca do poder,
domínio público como as á q z ~ a interiores,
s devendo como é regra na Europa, ora como um direito do
poi isso ser consideradas como uma parte do ter- indivíduo, como acontece na Grécia, e em geral
ritdrio nacional. na América, desde que êle se encontre nas condi-
Parece-nos, porém, mais 16gico e mais justo çóes previstas na lei » (').
considerar o nascimento como realizado sempre Entre nhs a naturalização é considerada como
i10 território do Estado a que pertence o navio. uma concessão graciosa. Segundo O art. I." do
E a aplicaçao do princípio que considera os navios decreto de 2 de dezembro de 19x0, O govêrno
como um prolongamento do território nacional, poderá cortceder carta de naturalização aos estran-
ainda mesmo quando se encontram em águas terri- geiros que a requeiram na câmara municipal da
toriais estrangeiras. sua residência, e que se encontrem nas seguintes
b ) Casamento. Pelo casamento adquire a condiçbes :

( l ) Dr. Vilela, pág. 95. ( 1) Dr. Vilela, pag. 97.


I.") Maioridade, tanto pela lei do seu país
zado adquirir também 'a nacionalidade portuguesa
como pela lei portuguesa ; pela declaração de quererem seguir a nacionalidade
2.') Capacidade de trabalho OU meios d e
do marido ou do pai, a semelhança do que dispóem
subsistência ; os 1.' e 2.''do art. 22.0 do cbdigo civil para o
3.0 ) Residência por três anos ;mas esta con- caso do português que se naturaliza em pais estran-
dição não é exigida aos descendentes de sangue geiro ?
português que vierem domiciliar-se no país, e O Dr. Guimarães Pedrosa assim o entende íl).
pode ser dispensada, no todo ou em parte, ao Mas parece-me mais segura a negativa, porque,
estrangeiro casado com portuguesa e áquele que
sendo o sistema da nossa lei o do efeito individual
tenha prestado ou seja chamado a prestar algum da naturalização dos estrangeiros, qualquer desvio
serviço relevante ;
do sistema é, como diz o Dr. Vilela, uma excepcão,
4." ) I s e n ~ ã ode responsabilidade criminal ; e portanto sujeito a disposicão do art. I I .O do c6digo
5 . ' ) C u m p r i m e n t o d a lei d o recrutamento civil, que não consente a aplicação por analogia dos
n o seu pais. preceitos de excepção ('q.
Segundo o art. 4 . O do decreto, a carta de natu- Quanto aos efeitos da naturalização, O princípio
ralização só produz os seus efeitos sendo registada e que o naturalizado fica na mesma situação jurídica
no prazo de seis meses, a contar da concessão, no do cidadão de origem, como resulta evidentemente
arquivo da câmara municipal do concelho onde o do art. 18." do código civil.
estrangeiro estabelecer o seu domicílio. Mas êste principio de igualdade está sujeito a
E quais são os efeitos da naturalização? várias excepçbes e restriçóes, sendo os naturali-
Quanto à extensão, as legislações formam dois z a d o ~ excluídos dos direitos políticos que têem
grupos, segundo lhe dão um efeito puramente indi- por objecto a direcqão superior dos negócios do
v i d u a l , compreendendo apenas o naturalizado, ou Estado 8 ) .
lhe dão efeito colectivo, abrangendo também a
mulher e os filhos menores.
Em princípio o sistema preferível é o do efeito (1) Obr. cit., pag. 82 e 86.
(a) Dr. Vilela, pag. 1 0 2 .
colectivo. Assirn ~ i á podem
o ser; presideiites darepiibiica (Lonst,
(8)
Mas não foi o seguido pela nossa lei; tanto art. 39.9, ministros (Const, art. 4j.', n.O 1o.O) ; deputados ou sena-
pelo código civil, como pelo decreto, os efeitos da dores (Const., art. 7.0, cod. eleitoral, art. 4 . O , 5 2 . O ) ; vogais dos
'naturalização são puramente individuais, não pas- corpos administrativos (cbd. ele~toral,art. 4.", $ 2."- e lei de 7
sam da pessoa do naturalizado ( 4 ) . de agosto de 1913, art. 8.0, § I.", n." 14."); agentes do ministçrio
público, nem portanto ~ u i z e sde direito (dec. de a4 de outubro
Mas poderão a mulher e os filhos do naturali- de 1901, a r t 12.0, § I."); e funcionários publicas em geral, antes
de decorrerem cinco anos depois da ~iaturalização(dec. de 2
de dezembro de 1910, art. 3.O).
AlCm disso este decreto inibe-os também, no mesmo periodo,
(I) Dr. Guimarães Pedrosa, Da natzlralifagão, pág. 8 2 ;
de exercerem funçíjes de direcção ou fiscalização em sociedades
Dr. Alvçs Moreira, hzstztuigóes, pág. 184 ; Dr. Vilela, Tratado,
ou outras entidades dependentes do Estado ou por Cle subsi-
pag. ror. diadas.
Quanto h persistência ou duração dos efeitos a) N a t u r a l i ~ a g ã oe m pais estrangeiro. Nos
da naturalização, é evidente que ela é definitiva: termos do n.O I .O do art. 2 2 . O perde a qualidade de
é para toda a vida dò naturalizado, emquanto se cidadão português aquele que se naturaliza em país
não verificar algum dos factos, que nos termos do estrangeiro; mas esta perda de nacionalidade não
.art. 2 2 . O importam a perda da qualidade de cidadão se extende A mulher nem ags filhos, salvo se ela
português, ou se dê alguma circunstância grave ou estes, depois de maiores ou emancipados, decla-
que leve o Estado a retirar a nacionalidade a certos rarem querer seguir a nacionalidade do marido ou
estrangeiros, como aconteceu com a Última guerra, do pai (55 I . ' e 2.' do ari. 22.").
por causa da qual foi promulgado o decreto n." 2355, Mas qual é a espécie de naturalização a que se
d e 23 de abril de 1916, anulando as naturalizações refere o n." i . " do artigo 22."?
concedidas asúbditos da Alemanha e dos seus aliados. Há diferentes espécies de naturalização. Umas
Pode também terminar o efeito da naturalização vezes é ooluiztária, isto é, pedida pelo interes-
por virtude de preceitos especiais estabelecidos em sado; outras vezes é Legal, isto B, conferida pela
tratados ( 1 ). lei aos indivíduos qke se encontram numa certa
As causas pelas quais se perde a qualidade de situacão ( i ) . Umas vezes é plena, também chamada
cidadão são três: a ) a naturalização em país estran- grande naturaliqagão, quando confere ao natu-
geiro; 6) aceitação de mercê de govêrno estran- ralizado todos os direitos do cidadão originário;
geiro sem licença do govêrno português; c) casa- outras vezes é limitada, quando lhe recusa alguns
mento de portuguesa com estrangeiro (art. 22.O, direitos, colocando-o numa situação intermédia
n."".", 2." e 4.0). do nacional e do estrangeiro, havendo em alguns
0 art. 22.", n." 3.O, também menciona a expulsão países, por exemplo na Inglaterra, estas duas es-
por sentença emquanto durarem os efeitos desta. pécies.
Mas êste preceito foi revogado pelos artt. 81.~-84.O Quanto I extensão é evidente que o n." I." do
da Nova Reforma Penal de 14 de junho de 1884,que art. 22." abrange tanto a grande como a pequena
foram inseridos no c6digo penal, art. 74.0-77.' (q. naturalização.
Quanto i natureza, entende o Dr. Vilela que
abrange apenas a naturalização que resulta de um
( 1 ) É o que se da com a convençã;~de 7 de maio de i@, pedido do natu~alizado,sdbre o qual recaía a con-
entre Portugal e Estados Unidos, cujo art. 3 . O dispõe : <Se um
antigo súbdito portugubs naturalizado nos Estados Unidos tor-
n a r a residir em Portugal, sem intenção de voltar a AmCrica,
sera havido como tendo renunciado a sua naturaliza$ío nos ( 1 ) É assim que a Constituição brasileira (art. 69.O) nacio-
Estados Unidos, e reciprocamente, se um antigo cidadão a m o nalizou todos os estrangeiros que, encontrando-se no Brasil em
ricano, naturalizado em Portugal, tornar a residir nos Estados 15 de novembro de 1889, não declarassem, dentro de SPIS meses,
Unidos, sem intenção de voltar a Portugal, sera havido como o 'ânimo de conservar a nacionalidade de origem; e tambtm
tendo renunciado a sua naturalizaçáo em Portugal a. É um caso declarou brasileiros os que possuírem bens imóveis no Brasil e
d e r e n h c i a tacita & nacionalidade do pais de naturalização. forem casados com brasileiras ou tiverem filhos brasileiros,
Dr. Vilela, pág. 104. desde que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção
de não mudarem de nacionalidade.
j 2 ) Os Principias, I , pag. 464-465.
cessão ou uma decisão da autoridade. competente podia punir um português s6 porque uma lei estran-
do Estado de naturalização (' j. geira o naturalizasse, sem êle solicitar a natura-
N6s entendemos, porém, que abrange também lização ( I ) .
a naturalização legal. Ora é facil de ver que estas razões não são
As razões em que se funda o ilustre interna- inteiramente procedentes :
cionalista são as seguintes : I ) a f6rmula -que se n a t u r a l i ~ a
.O - significa
I.") a fórmula do n." I." - que se aaturaliqa igualmente -que é naturalizado ;
e m pais estrangeiro - comparada com a do n." 4." 2 . " ) é puramente dogmática a afirmação de
do art. 22.O-- não fôv n a t u r a l i ~ a d apela lei do que o n." 1 . 0 do art. 22.' representa o mesmo
pais de seu marido -mostra que o legislador dis- que o n." 5." do art. 18."-quod ernt demons-
tinguiu entre a naturalização que resulta inicial- trandum ;
mente de um acto de vontade do naturalizado e a 3.") o facto de o c6dig0, para a adquisição da
que resulta da lei ; nacionalidade, admitir apenas as duas espécies de
2.') O n.' r . " do art. 22.' representa, quanto a naturalização dos n."".: e 6.0 não significa que não
perda da nacionalidade, o que o n." 5." do ar:. 18."
representa quanto a sua adquisição, e neste trata-se
evidentemente de naturalização pedida; ( ' ) Entende também o Dr. Vilela, seguindo a opinião de
outros autores ( Drs. Carneiro Pacheco, Abel do Vale, Luis
- 3.") Tendo o Código admitido para a adqui- Osório, Reoista de Legislaçdo e de /urcsprudência), que o
sição da nacionalidade apenas duas espkcies de art. 155.O do código penal de 1852 foi indeaidamente reprodu-
naturalização (art. 18.", n."' 5." e 6."), a requerida e zido no artigo 155.' do código penal vigente, pois já estava
a resultante do casamento, é lógico pensar que o revogado pelo n.' 1.O do art. 2 2 . O do cvdigo civil, visto que
mesmo Código, tratando-se da perda da naciona- sendo a pena a de perda. dos direitos politicos, e importando a
naturalização a perda de nacionalidade, o naturalizado deixa de
lidade (art. 22.0?n.OS I.' e 4 . ' ) teve igualmente em ter direitos politicos, e por isso não podia depois ser condenado
vista as duas formas de naturalizagão, e que, por- na perda de wma coztsa que j á perdeu.
tanto, referindo-se o n." 4." do art. 22.O h cio casa- Mas a verdade C que todo Cste raciocinio assenta num
mento, o n." I." ficou abrangendo apenas a requerida equivoco, que C o de se supòr que o art. 155.' do código penal
pelo naturalizado ; emprega a expressão dtl-ertos p o l i t i ~ o sn o mesmo sentido que
lhe atribui o ilustre professor, isto é, como significando uma
4.") A~fórmulado n." I." do art. 22,'- que se parte dos direitos públicos, os que tecm por conteUdo a direcçlo
n a t u r a l i ~ aem pais estrangeiro - é inteiramente dos negócios do Estado, quando C certo que no código penal
semelhante Q do art. 15 j." do c6digo penal de 1852, aquela expressão abrange todos os direitos públicos, isto Ç, o s
ao punir e prevêr o crime de naturalização em país que se contrapõem aos direitos privados.
estrangeiro sem autorização do govbrno, e é mani- Ora, a perda da nacionalidade, só de per ai, não implica
festo que o c6digo penal não podia referir-se senão a perda de todos os direitos públicos, i a s apenas a dos que
pertencem exclusivamente aos cidadãos ; pelo art. 2 2 . O do chdig-o
h naturalização requerida, pois que o legislador não civil o naturalizado em pais estrangeiro não perde os direitos
públicos que tambkm sejam reconhecidos aos estrangeiros,
ficando, portanto, ainda uma certa esfera de aplicação para
Dr. Vilela, págs. 105 e 106. a pena cominada pelo art. 155.O do código penal.
(1)
admita também a naturalizgção legal em país estran- acto parte, e pode ser feita em6qualquer tempo.
geiro como. causa de perda de riacionalidade ; E, por analogia do disposto nos $ I." e 2." do
4.") nada repugna a essência do direito perial art. 18." e n."' I." e 2." do art. 22.", a declaracão
considerar como um crime político a naturalização, poderá ser feita perante a municipalidade portu-
mesmo a legal, em país estrangeiro, sempre que O guesa da residência, ou perante os agentes con-
naturalizado, embora a não tenha solicitado, nela sulaios portugueses ou a competente autoridade
colabora por sua vontade, aceitando-a quando a estrangeira, se no estrangeiro residirem ( I ) .
pode recusar. A perda da nacionalidade por motivo de acei-
Por isso, e porque o art. 2a." não faz restrições, tação, sem licença do govêrno, de funqões públicas,
e ainda porque é um dos princípios dt: orientação graça, pensão ou condecoração de qualquer govêino
do direito internacional o de cada indivícluo dever estrangeiro (art. 2 2 . " , n." 2."; funda-se na presumida
ter uma só pátria, não podemos deixar de entender falta de patriotismo.
que o art. 22.", n." r.", se refere a toda a esp6cie É um preceito excessivamente rigoroso, que
de naturalização. deveria antes limitar-se a aceitação de benefícios
Quanto a extensão dos efeitos da naturalização, d e govêrno estrangeiro. que fôssem incompatíveis
o código é expresso, dando-lhe apenas efeito indi- com os deveres do cidadão ou ofensivos da digni-
vidual. E ainda resulta do texto com clareza, diz
~
dade nacional.
bem o Dr. Vilela, que a riatuializaçáo do pai rzurtca Finaimente, também perde a nacionalidade a
abrange a dos filhos maiores. e abrange sempre a mulher portuguesa que casa com estrangeiro, salvo
dos filhos nascidos depois. Duas dúvidas suscita, se não fôr, por êsse facto, naturalizada pela lei do
porém, o texto. A primeira é saber se o termo país de seu marido (rirt. 22.O, n.O 4.'); é O que
$ortuguesa no § I." do art. 22." significa s6 portu- acontece, 'por exemplo, com a portuguesa que casa
guesa originária, ou também a portuguesd por com um brasileiro, a qual continuará sendo por-
casamento. Entendemos que se refere tanto a tuguesa, pois que pela lei do Brasil não adquire a
uma como a outra, por uma razão de-principio e qualidade de cidadão a mulher estrangeira que casa
por uma razão de texto. A razão de principio com um brasileiro ( % ) .
esta em que o motivo para manter h mulher a A perd:~ da nacionalidade não e definiliva e
hacionalidade portuguesa é igual num e noutro irremediável, podendo o desnacionalizado readqui-
caso, porisso que o marido pode naturalizar-se num ri-la nos termos seguintes :
país diferente do pais de origem da mulher. A razão
de texto está em que o 3 2.", referindo-se manifes-
tamente a mulher portuguesa, por casamento, usou (3) Dr. Vilela, pag. 107 e 108.
ii fórinula -mulher de orrqem estvnnqeij-a. (2) Bevilaqua, Prtncipzos de direito znternacional p r i -
A segunda dúvida refere-se ao modo, lugar e vado, pág. 28; Diresto publico znternacional, I , pag. 259;
Cddigo cruz1 comentado, r , pag. I 15; Rodrigo Octavio, De la
tempo da declaração da mulher e dos filhos para naturaliaatton e t du recouvrement de l a natronalité duns lil
seguirem a nacionalidade do marido e do pai. Jeg~slationbrészliènne, na Revue d e 1'Institut de droit com-.
E evidente que a declaração deverá ser feita por Par&, 1gr3, pág. 303.
a ) o naturalizado pode recuperar a nacionali- c j A mulher portuguesa, que perdeu a nacio-
dade, regressando ao país com ânimo de domiciliar-se nalidade pelo casamento com estrangeiro, pode
nele, e declarando-o assim perante a municipalidade recuperá-la depois de dissolvido o matrimónio,
do lugar que eleger para seu domicílio ( a r t . 22.O, regressando ao pais com intenção de aqui se do-
n." 1.O): miciliar, e fazendo esta declaração na câmara mu-
Êste facto, na opinião do Dr. Vilela, deve nicipal respectiva, ou pela simples declaração, se
considerar-se como um aito de naturalização para já estava domiciliada no país (art. 22.", p . " 4 . O ) .
o efeito de o interessado ser considerado como Quanto aos efeitos da readquisição da nacis-
'tendo perdido a nacionalidade adquirida e m país nalidade, dispõe o artigo 23.0: « A s pessoas que
estrangeiro, se, segundo a lei dêsse país, a natura- recuperarem a qualidade de cidadãos portugueses,
lização for meio de perder a nacionalidade. Este conforme o que fica disposto no artigo antecedente,
conceito da readquisição da qualidade de cidadão s ó podem aproveitar-sg dêste direito desde o dia
português é prhticamente importante, para o efeito da sua rehabilitação.
da aplicação do art. 2.0 do decreto de 2 de dezem-
bro de 19 1.0, relativo ao português-estrangeiro, e 6. Estado de familia. A condiçgo da mulher casada,
que dispõe o seguinte: « O cidadão português, q u e e-direito ao nome- Da situacão que o indivíduo tem
por ventura seja havido como nacional também na familia dependem vários direitos e obrigaçdes,
de outro país, emquanto viver neste não poder& e até nma certa limitação da capacidade jurídica
invocar a qualidade de cidadão português». da mulher casada, e mesmo do homem.
Parece-nos, porem, que êste conceito C incom- O s laços que prendem as pessoas na sociedade'
patível com a doutrina de que a naturalização como familiar são as relaç0es do parentesco e da afini-
meio de adquirir a nacionalidade portügiiesa, n o dade, acima das quais, distinto e mais forte, está
sistema do nosso código, é sòmente a naturaliza- O vínculo conjugal (1).
ção requerida e dada como concessão graciosa do Do vinculo conjugal deriva um sistema com-
govêrno,
- e não a naturalização reconhecida pela plexo de direitos e obrigaçbes recíprocos entre os
lei como um direito do naturalizado, doutrina aliás cunjuges, tanto de natureza pessoal como patrimo-
ensinada tamb&m, co~riovimos, pelo ilustre pro- nial, e especialmente a supremacia do marido na
fessor ( I ) . sociedade familiar, sem embargo d o princípio da .
b ) O s desnacionalizados por terem aceitada igualdade jurídica dos esposos.
benefício de govêrno estrangeiro s 6 podem .reha- Com efeito, o principio da supremacia do ma-
bilitar-se por graça especial do govêrno. Em tal rido, como chefe da Camilia, manifesta-se por um
caso a rehabilitação é, pois, mera cnncessão'gra- modo relevante n o exercício do poder paternal
ciosa, não um direito'; e só pode realizar-se por
meio de um decreto.
- (1) Coviello, M a n u a l e , pág. 164. Sobre o conceito da
familta, o parentesco e afinidade, veja-se o capitulo v11 do ,
.(I) Dr. Vilela, pág. 97 e 110. primeiro volume destes Prtncipzos.
(art. 138."), no direito de em seu. testamento rido, a d q u i r i r ou alienar bens, nem contrair
nomear conselheiros que dirijam a viúva no exer- obrigapfies, excepto nos casos em que a lei espe-
cício do poder maternal ( art. 159." e r61 .O), no cialmente o permite ( art. 1193.").
direito de administrar os bens do casal, incluindo A mulher encontra-se dêste modo num estado
os próprios da mulher (art. I roq.O, I I 17.O e I 189.')~ de subordinação económica e pessoal em relação
e ainda no direito de fixar a residência, nos termos ao marido, não podendo praticar quaisquer actos
do art. 40.O do decreto-lei do casamento, e portanto de carácter patrimonial, nem tão pouco vincular a
o-domicílio (art, 47.O e 49.' do cód. civ.). sua própria actividade.
A relação conjugal não é uma relação de paren- Mas não deve vês-se no instituto da autoriza-
tesco pròpriamente dito; mas é um vínculo mais ção marital uma reminiscência ou vestígio da
íntimo e mais forte, porque é, na frase incisiva de antiga tutela perpétua das mulheres, pois que a
Ferrara, a fusão física e espiritual dos cbnjuges, a diminuiça~da cqpacidade jurídica da mulher casada
base e o fundamento da família legítima ( 1 ) . n a é em razão do sexo, mas em virtude da sap
O vínculo conjugal determina certas incapaci- posicãs na familia, e .tanto assim que se o casa-
dades ttt~tapara a mulher cama papa o marido. mento se dissolvel ou o marido se encontra na
E assim que os cbnjuges não podem ser can- impossibilidade de exercer as suas funçdes de chek
juntamente testemunhas no mesmo acto ( decreto da família, a mulher retoma no primeiro caso a sua
do notarindo, art. 77.O, 8 4."), nem cada um dêles plena capacidade, e assume no seguado a direcção
nos actos ou nas causas do outro (cód. civ. arti- da sociedade familiar, embora sujeita a certas catf-
gos 1966.", 2492.' e 2511.o), e o marido não pode telas preventivas (art. I I I ~ . ' , 1117.' e I 190.'). De
ser períto nem juiz nas causas de sua mulher (cbd. resto, a necessidade da autorização marital não
proc. civ., art. 235." e 292.' ). sujeita a mulher a um poder despbtiço do marido,
A principal incapacidade 6 a que se refere ao pois contra a recusa injustificada do eonsentimento
património da família, pois que a marido não pode dêste, intervem como poder moderador a autoridade
alienar bens imobiliários, mesmo que seiam pró- do juiz (art. 1193.' 8 ún.).
prios, nem estar em juízo por causa de questdes O instituto da auctorização marital justifica-se
de propriedade ou posse de bens imobiliários, sem plenamente pelo princípio da unidade de direcção
outorga da mulher ( art. 1191.O ). económica e moral na família. Nesta sociedade
Mas 6 para a mnlher que o vínculo patrimo- de duas pessoas, uma tem de t e r necessàriamente
nial estabelece uma verdadeira incapacidade, tão a prevalbncia, pois não pode haver deliberaçóes
geral que abrange não só os actos de carácter de maioria; e a lei atribui esta prevalência ao
patrimonial, mas até as obrigacoes de carácter marido, porque assim o aconselham as tradiçóes
pessoal. e os costumes dos povos indo-europeus.
X mulher não pode, sem autorização do ma- Todavia contra o instituto da autorização ma-
rital levantou-se nos tempos modernos uma cam-
panha hostil da parte dos sequazes do movimento.
(') Ferrara, .Trattato, pag. 339. fsminista, consideriindo um tal poder como ofen-
sivo da personalidade e liberdade da mulher, movi- A relação de família produz muitos e variados
mento a que aderiram muitos e notáveis scientistas, efeitos jurídicos, quer o parentesco seja legitimo,
políticos e jurisconsultos, emitindo votos pela sua quer seja ilegítimo, e ainda mesmo no parentesco
abolição (I). por afinidade.
A campanha produziu os seus frutos na mo-
derna legislação da Itália, onde a lei de 1 7 de Julho
de 1919 aboliu o instituto da autorizaçao marital ( % ) . condição no matrimónio e dos deveres especiaiá que ela tem
para com a familia, de tal modo que deixa sem defesa a obser-
vância dêsses deveres familiares, para atribuir a mulher casada
(1) Para apreciar no seu justo valor, diz Ferrara, a s um arbítrio desmedido, que so poderia conceber-se na mulher
recriminações do movimento feminista na imprensa, em con- solteira ou viava, ou simplesmente unida por um amor livre.
gressos e coiifcrências, deve ter-se presente que a s mulheres Acresce ainda que cntrc os actos que a mulher pode praticar,
que mais se indignavam contra a autorização marital eram as alguns há que, prescindindo das consequências patrimoniais,
que não tinham marido, e porissÕincompetentes para julgar implicam um compromisso da pessoa e da actividade da mulher
um instituto, que se desenvolve num ambiente delas desconhe- casada, afastando-a da compct8ncia e dos deveres que ela tem
cido. Seria antes de desejar que os congressos feministas na vida da familia, ou que podem lançar uma mancha sobre o
fossem congressos de mulheres, casadas. Ferrara, Trattato, bom nome desta, abuso contra o qual o marido fica formalmente
Pág. 501. sem meios de defesa, salvo nos casos especiais de separação,
( a ) Comorjusta apreciaçko desta lei reproduzimos aqui o
o que importa sempre um afrouxamento dos vinculos de fami-
comentário brilbanic que lhe fez o eminente professor italiano lia. Ora e bem estranho que enquanto nalgumas sociedades
Ferrara no Trattato di Diritto Civille Italiano, a pág. 505 civis ou comerciais se sente a necessidade de concentrar o
e 506. poder corporativo num chefe, que dirija e regule a vida do ente
. A guerra, com a crise intelectual e moral que fez surgir, social, pelo contráno na familia, que constitui um intimo con-
apressou este movimento, e razões sentimentais estranhas con- sórcio pessoal e patrimonial para toda a vida, e projecta ainda
tribuiram para decidir o legislador a abolição do instituto, ofe- as suas consequências para alem dela nas relaçdes de sucessão,
recendo-a quási como pre'mzo de desmobilização a mulher ita- e no qual estão envolvidos os interesses e a sorte dos filhos, se
liana, pela sua benemerência adquirida para com a pátria introduza o principio de que nenhuma autoridade deve existir
durante a guerra! A experiência do futuro dirá se esta abo- e que todos os membros devem encontrar-se em condzção de
lição constitui um progresso, ou é antes a semente e o gérmen paridade ltbertária! .
da anarquia no organismo da familia. Felizmente que a vida nao e regulada somente pelas leis,
O resultado singular das disposiçóes da nova lei é que a e se as malhas destas sâo defeituosas, as fòrças éticas e do
mulher casada pode doravante alienar todos os seus bens imó- costume darão o elemento de cocsão para manter sólida a base
veis, mesmo a titulo gratuito, pode contrair dividas ilimitada- da familia. A abolição do poder marital alem de não prover
mente, prestar fiança ou outras garantias a favor de terceiros, aos interesses Familiares, feriu os próprios interesses da mulher
entrar em sociedades, aceitar mandatos, entregar-se a especu- casada, a qual se engana supondo ter conseguido uma vanta-
lações comerciais, e tudo isto sem conhecimento e até contra gem, que é bem duramente descontada pela falta de protecção
a vontade do marido, o qual não mais chefe efectivo da familia, ludicial no caso de conflito de interesses. A mulher tinha até
mas apenas investido neste titulo decorativo, tem de assistir agora uma garantia singularmente eficaz contra a malicia, as
quieto e calado a todos os actos, ainda que de manifesta dissi- blaidicias ou ameayas de seu marido na intervenção da auto-
pação, impossibilitando-se assim a mulher de cumprir o dever ridade ~udicial,da qual dependia a autorização para os actos
que também tem de contribuir para a s despesas da familia. em que os interesses dos conjuges colidissem : hoje as mulheres
. O legislador ditou estas disposições sobre a capacidade da
mulher, desconhecendo ou scientemente prescindindo da sua
podem ser impunemente espoliadas e reduzidas a miséria pelos
seus maridos s.
O s efeitos da afinidade são muito restritos: ou técnico significa a-penas o meio de individualizar
incesto (dec. n." 2 de 25 de dezembro de 1910, as pessoas: ê o n o m e ciziil.
art. zz."), impedimentos de casamento (dec. n." I Não se deve çonfundir o nome pròpriamente
de 25 de dezembro de 1910, art. 4."), conselho de dito com as diferentes denoininaçaes, com que por
familia (cbd. civ., art 207.") e incapacidade ou vezes s i 0 conhecidas, e até se atribuem ou assinam,
rmpedimento de servir de testemunha (decreto do certas pessoas (sobrenomes, alcunhas, pseuddni-
, 77
n ~ t a r i a d ~art. O,cÓd. civ., art. 2511.') e de m o s , títulos nobiliárquicos, etc.); são também
perito ou juiz (c6á. pr. civ., artt. 235.' e 292."), meios verbais de indivídualização das pessoas,
O s direitos fundamentais e característícos das mar que não constituem O n o m e civil.
relações de família-direito ao n o m e , alzme?rtos Êste 6 constituído essencialmente por dois ele-
e sucessão - são exclusivos dos parentes por con- mentos: o elemento colectivo ou familiar, que
sanguinidade, e entre êstes muito mais restritos designa a familia a que a pessoa pertence (cogno-
para os ilegítimos, conforme as regras estabeleci- mc, afielida, n o m e patronimiço, genttlico, n o m e
das nos artt. 171." e seguintes e 196q.O e seguintes. de f a m i l i a , ou simplesmente n o m e no sentido es-
Dentre 0s direitos de família aquele que pre- trito), e o elemento individual ou pessoal, que desi-
cisamente revela e exterioriza o estado do indiví- gna 4s diferentes pessoas da mesma família ( n o m e
duo é o direito ao naníe. gr4pípri0, prename, o que mais geralmente se diz
O n o m e é a designaçãa verbal de cada indiví- n o m e , para nbs cat6licos o n o m e de b a p t i s m o ) (I).
deo, que tem por fim individualiza-lo na sociedade, No sentido tecnicamente jurídico o nome civil
isto é, distingui-lo dos outros indivíduos. é. pois, o nome completo da pessoa, o qual deve
A necessidade e a função juridica do n o m e foi ser' inscrito n o registo do nascimento, conforme
bem posta em relêvo por Coviello: «Assim como os artt. IA[.", n."".O, 6 . O e 7.", 1 q 2 . O a 144." do
cada pessoa se distingue materialmente de todas c6digo do registo civil, e art. -20.". alínea bf e 51.O
as outras, assim também é necessário que se dis- da lei de 10 de julho de 1912 ( t ) .
tinga jurídica e socialmente: a distinção material
deve corresponder um sinal que sirva para a dis-
tinguir nas relas0es jurídicas e sociais» ('1. em geral não tem &ma grande importAncia juridica. Pclo con-
Num sentido geral, o termo n o m e significa um trkrio, o nome comercial tem uma grande importància, sendo
meio de linguagem, que serire para indicar uma regulado pela legislação especial do comércio.
( 1 ) Note-se, porem, que em alguns paises, como em
pessoa ou uma causa ( e ) : mas no sentido pr6prio Fr+nça, o que geralmente se chanas nome é apenas O elemento
coleçtivo, o nome de familia, Colin et Capitant, Cours, r ,
P ~ R 355 e 356-
[I ) Coviello, pag. 168. (2) Art. 141." Os assentos de nascimentos devem contct:
(2) Com efeito, uma designaç80 verbal (nome) e m p r e 5." O sexo do registando ;
g+se também para individualizar certas cousas, sbbretudo 6." O nome ou nomes de f a m i l t a que lhe ficam parten-
algumas espécies de animais domésticos, a s povoações, as ruas, cendo ;
largos e avenidas, os estabelecimentos comerciais (nome comer- 7." O name próprio que lhe foi ou e posto. ,
cial) e o. produtos industriais, etc. Mas o nome das cousas Art. 142.' O nome próprio será indicado pela pessoa que
No sistema do nosso direito não há dúvida de Mas qual é a natureza do direito ao nome?
que o nome constitui um verdadeiro direito subje- No sistema do nosso cbdigo, visto que o
ctivo, como resultava claramente do n." I." do direito ao nome é um atributo da personalidade.
art. 129." do código civil, e resulta igualmente do poderia parecer que êle pertence h categoria dos
n.O i: do art. 31.' do decreto n." 2 de 25 de dezem- direitos originários, devendo reconhecer-se a todo
bro de 1910, e ainda mais expressamente do o indivíduo desde que nasce com vida e figura
art. 4 3 . O do decreto n." I da mesma data, quando humana, e s6 pelo facto de ser homem.
reconhece a mulher o direito de usar o nome do Mas não é assim.
marido, emquanto não fôr proferido divdrcio, ou Em primeiro lugar, o direito ao nome não cabe
sendo viúva não passar a segundas núpcias (1). na definição nem na enumeração dos direitos ori-
ginarios, formuladas no art. 359.0. Em segundo
lugar, vê-se pelo art. 43.0 do decreto-lei do casa-
faz a declaração do nascimento, ou palai testemunhas no caso mento que o direito da mulher ao nome do marido
de aquela o não querer fazer, ou ainda pelo funcionário do se adquire pelo facto d o casamento ; e pelo art. 46.O
registq civil quando as dernaic pessoas o náo fizerem.
do decreto-lei sobre os filhos, que o nome déstes
A r t 143." O nome próprio será livremente escolhido de
entre os que se encontram nos diferentes calendários, ou de se adquire pelo reconhecimento da paternidade ou
entre os que usarem as personagens conhecidas na história, e da maternidade, e e m todo o caso por disposipio
91ão J ~ y e r aco~gnndir-secom Pzomes de f a m i l i a , nem com os de da lei.
cousas, qualidade;\, animata ou arialogos. É, portanto, nos termos do- art. 4 . O do código
Art. i 4 4 . O NOSassentos de nascimento, não poderão figu-
rar, em caso algum, os sobrenomes e quaisquer referkncias
civil, um direito adquirido por mero facto de outrem
honorificas ou nobiliarquicas do registado, nem os titulos ou e por simples disposição da l e i
honras que porventura, ao lado dos nomes civis, ainda possam Vejamos, pois. qual a sua categoria na classi-
usar seus pais ou avos. ficação doutrina1 e objectiva dos direitos subjec-
Bste artigo foi revogado pelo art. 51.' d a lei citada. Mas tivos.
apesar disso transcrcv6mo-10, para exacta compreensão do texto.
Art. 20.O da lei: os assentos do nascimentos devem
Duas concepções fundamentais teem sido for-
conter : muladas. Segundo uma delas não há que falar de
b j Sexo e nome complsio do registando. direito ao nome : é uma instituição de direito pú-
Art. 51." Ficam revogados os artt. 144."e m 4 . O do código blico, que goza da protecção geral, mas não atribui
do registo civil. um direito ao indivíduo. Pelo contrário, há a obri-
( i ) fiste preceito resolveu a controvérsia muito debatida gação de ter um nome, e não um direito ao nome.
na Itália s8bre se, dissolvido o matrimónio, a viilva tem o
direito ou o dever de usar o nome do marido, ou 80 tem o direito O nome, diz Planiol, é uma instituição de policia
e não o dever, ou não tem nem um nem outro. E e certo .que a civil, é :I forma obrigatória de designação das pes-
resolveu no sentido mais correctamente jurídico; a lei não res- soas, como que um número de matrícula, que a lei
tringe a duração do matrimbnio, salvo o caso de divorcio, o não põe ?I àisposição de quem o usa, mas que lhe
direito da mulher ao nome do marido, porque de facto a viuvez
não afasta a villva da familia docmarido, rmquanto ela não con-
impâe no interesse geral da colectividade. O nome
trai novo casamento com homem de oútra família. Ferrara, 6 uma medida de ordem. De facto, se não hou-
P%. 564. vesse o nome das pessoas, as leis não poderiam
aplicar-se, nem manter-se a segurança pública, nem plementar, art. 43.O e 51.'); e depois a lei penal
tornar-se efectivo e cumprimento dos deveres pú- pune todas as falsificaçbes, suposiçbes e usiirpaçbes
blicos (' j. dolosas de nome ( c6d. pen., art. 2 15." e seg., 233."
Segundo a outra teoria, desde há muito predo- e 234.' ).
minante, o nome constitui um bem jurídico que Mas desde que o nome é tambtm um direito
pertence ao indivíduo; e apenas se discute se é privado das pessoas, como vimos, não pode deixar
u m direito de propriedade ou de personalidade. d e ter também a tutela do direito privado, a garan-
A verdade é q u e ambas as concepções juridi- tia da acção.
cas fundamentais do nome teem um aspecto ver- A concepção de um direito subjectivo ao nome
dadeiro, pois que o nome é ao mesmo tempo uma aparece historicamente como uma dependência da
instituição ordenada pelo direito público e um inte- organização feudal. como um direito ao título e A
resse particular legítimo, que por isso constitui soberania do feudo ( 1 ) . Foi s 6 mais tarde que
objecto dum direito subjectivo privado. também aos nomes não nobres, mas ilustres nas
Como instituicão de direito público há o dever -
artes, nas sciências ou nas letras s e reconheceu
p a r a com o Estado de usar um nome, mas êste valor jurídico e dispensou protecção legal, enquanto
dever não existe para com os outros cidadãos, conservavam a recordação das virtudes e da gl6ria
podendo mesmo dizer-se que nas relações entre os dos antepassados. Depois o círculo alargou-se, e
particulares há um direito ao incógnito, emquanto com o desenvolvimento da democracia todo o nome
I ,indivíduo não- é obrigado a declinar a sua identi- 6 considerado digno da protecção contra as usurpa-
dade senão perante um agente do Estado; mas o cões de quem quer que seja ( 8 ) .
indivíduo goza também de uma protecção legal do Ao mesmo tempo acentua-se o carácter de
s e u nome, porquanto pode fazer proibir o uso ile- inviolabilidade do direito ao nome, equiparando-se
gítimo que outros façam dêle, e reclamar para si ao direito de propriedade: mas uma propriedade
o uso que lhe seja contestado, revelando-se nestas suz generis, que é inerente h pessoa, e porisso ina-
garantias a essência dum direito subjectivo privado. lienável, irrenunciável e imprescritível. Mas tam-
O carácter público do nome revela-se na sua bém porisso mesmo o direito moderno transfigil-
tutela administrativa e penal. Em primeiro Lugar, rou o direito ao nome, pondo em relêvo o nexo
são 6rgãos do Estado os funcionários do registo ' d o nome do indivíduo com a pershnalidade humana,
civil, que dão existência legal ao nome pelo acto fazendo-o integrar nos direitos denominados da per-
oficial do registo do nasiiment o, tendo mesmo sonalidade, em contraposição aos do patrim.ónio.
competência para rejeitar na formação do nome A teoria da propriedade, que duiante muito
quaisquer elementos fornecidos pelos interessados tempo dominou, era apresentada sob diversas figu-
e que não satisfaçam aos requesitos da Lei (c6d. ras -proprzedlzde sui generis, propriedade modz-
reg. siv., art. 142.", 143.", 144.", 175.O, e lei com-

(1) Merlin, Répertotre, v.O Nom, 5 3.".


( 1 ) Planiol, Droit Civil, I , 11 0 398. (a) Perreau, Le droit au nom, pags. z j e seg.
ficada, imaterial, etc. Teve o grande niérito de motivos de ordem essencialmente moral e de cará-
dar ao direito ao nome os caracteres d e absoluto e cter familiar, a C O I ~ C ~ U Slógica
~O é que o direito ao
inviolável; mas a teoria é insustentável, pois que nome. pertence à categoria dos direitos de perso-
a propriedade tem por objecto um bem patrimo- nalidade, direitos pessoais e de familia.
nialt emquanto que o nome é um bem ideal, sem Se o nome constitui um direito, tem de ser
carácter econbmico, um simples sinal ou marca provido ou assistido da competente garantia da
distintiva da personalidade; aquela é alienável, acção j urisdicional.
prescritível, transmissível para os herdeiros, em- Quem tem direito a um nome civil, diz bem
quanto que Cste é insusceptível de transferência ou Coviello, pode servir-se déle em todas as manifes-
renúncia, de prescf-icão ou abandono, é adquirido tações da sua actividade, e pode excluír do seu uso
pelos descendentes j u r e sanguinrs, mas não a título quem quer que a &le não tenha direito. Portanto
sucessório. Há, porém, diz Ferrara, uma particu- pode proceder em juizo, quer para fazer cessar as
laridade que merece especial atenção. O domínio perturbações ou ofensas por outrem praticadas para
recai sôbre uma cousa, de tal n o d o que sabre impedir ou limitar o livre exercício do direito,
ela não podem mais de uma pessoa ter um direito quer para obstar a que os outros ilegitimamente
de propriedade in solidum. Pelo contrário, o dele fagam uso.
mesmo nome pode pertencer legitimamente a vá- A primeira acçáo pode chamar-se de reclama-
rias pessoas (membros da mesma família ou de cão ou vindicapão do nomc, c a segunda de con-
famílias hom6nimas). Esta circunstância fez nascer testacáo ou usurpa$ão ( I ) .
em alguns escritores a idea de que o nome é uma Não é, porkm, de aceitar a doutrina de Coviello
propriedade colectiva indivisa da família, e isto quando diz que não se podem confundir estas acções
explicaria a razão pela qual pode qualquer parente com as denominadas ucções de estudo, embora As
proceder contra a usurpação do nome. vezes possam implicar questões de estado, e que
Mas se o cognome ou apelido da pessoa tem não se pode atribuir as sentenças declarativas de
um lado familiar, não A exacto dizer que êle per- um dado nome a eficácia erga ornnes, efeito que o
tence como um bem a familia, porque esta não é ilustre professor e jurisconsulto considerava pró-
um sujeito de direitos, não é juridicamente capaz prio e exclusivo dos julgados em matéria de estado.
de tal propriedade. De resto, a teoria seria inapli- No sistema do nosso código, porém, a eficácia
cável ao prenome (I). erqa omnes não é própria de todos os jalgados em
Pois que o direito ao nome é uma qualid~de acções de estado, mas apenas nas questões de capa-
inerente A pessoa, tem por objecto um interesse cidade, filiação e casamento (art. 2503.", § Ún. ),
puramente ideal, e por fundamento relaç0es OU não havendo. por conseqüência, inconveniente
algum em qualificar como acções de estado as de
garantia e defêsa do nome. E como tais devem,
.-
( 1 ) Ferrara, pag. 57' e 572.
Para a exposição das dife-
rentes teorias, Perreau, Le drozt au nom, pags. 37 e 5eg.; Stolfi,
I Segni dr distznqtone persona le, pag. I I @ e seg. ( 1 ) Coviello, pag. 170; errara, pág. 573 e 574.
5
na verdade, qualificar-se, visto que o nome é geral- Por seu lado a jurisprudência francesa tem
mente a expressão representativa do estado de atribuído A posse prolongada, se não o valor dum
família, e é em todo o caso uma das manifestaçóes titulo de adquisição, pelo menos o de um meio de
do estado civil dos cidadãos. prova, tanto mais seguro e convincente quanto
Como vimos, o nome adquire-se em parte maior tiver sido a sua duração ( i ) .
( o nome pr6prio ou prenome) por uma declara- Mas alguns autores, como Planiol, entendem
ção de vontade de terceiro, no acto do registo d o que a atribuição do nome pelo actÔ do nascimento
nascimento, e a outra parte ( o apelido ou nome constttui apenas uma presunção, que pode ser
d e família) pelo reconhecimento voluntário ou combatida pela prova contraria d o direito ao nome,
judicial da filiaçao, e ainda pelo casamento. que se transmite de geração em geração, de modo
Não nos parece jurídica a doutrina dos auto- que é sempre possível, qualquer que seja o tempo
res que, como Ferrara, admitem também cbmo da usurpação, ao seu legitimo titular revindicar o
modo de adquirir ou constituir o nome a conces- seu uso exclusivo ( e ) .
são ou atribuição d a autoridade pública ('). Em nosso entender o problema da prescritibi-
Muito controvertida é a questão de saber se O lidade cio nome é coqexo com a questão da sua
uso continuado e incontestado dum nome é título mutahilidade o11 imut:ibilidade.
bastante para legitimar a sua adquisição, isto é, se Entendem alguns autores que a denominação
o nome pode adquirir-se pela prescrição positiva. legal da pessoa uma vez adquirida fica invariavel:
Alguns autores, como Oertman, fundando-se o nome, dizem, não é uma res p r i v a t i j u r i s , A
em que os nomes da maior parte das famílias se disposição do indivíduo, e que êlè possa renunciar
constituiu por este meio, e não havendo na lei dis- ou mudar ao! libitum, mas é um processo de reco-
posição em contrário, pronunciam-se pela afirma- nhecimento do cidadão no Estado, que perm:inecc
tiva. como um sinal constante da sua individualidade ( 3 ) .
Outros, porém, como Opet, negam que o uso-
capião possa servir de título de adquis~çijodo
nome, pois que êste não é uma cousa ( 8 ) . (a) Perreau, pag. 166-171.
E Ferrara parece concordar com Opet, dizendo (2) Planiol, n. 402.
que a prescrição positiva se funda na posse, e ( a ) O principio da imutabilidade do nome teve origem
no direito francès, por causa dos nomes d a nobreza. Aconte-
porisso sb pode tecnicamente aplicar-se aos direi- cendo muitas vezes que parvenus enriquecidos adquiriam feu-
tos reafs, não sendo juridicamente possível o uso- dos, e apropriavam-se ilegitimamente dos nomes dêstes, para
capião dum direito de crédito, ou tie família ou esconderem sob um titulo de nobreza a obscuridade dos seus
de personalidáde ( 5 ) . ascendentes, IIenrique Ir promulgou a ordenação de 26 de
marco de 1555 proibindo a todas a s pessoas a mudança de
nomc, scm ter obtido dcs lettres de dtspense et perpisston, sob
pena de multa e de incorrer no crime de falsidade. O principio
(1 ) Ferrara, pág. 565. foi depois geiieralizado, para desempenhar outia funqão, a de
,
(8) Opet, Namennsecht, pág. 360. garantir a certeza da denominação de todos os cidadãos nobres
( 3 j Ferrara, pág. 566. ou não. Fcrrara, pág. 567 e 568.
Mas o certo é que o direito moderno sancio-
mudança de nome, e postanto sujeitar ao processo
nou, pelo contrário, o princípio da mutabilidade da justificação e autorizaçào ministerial a simples
do nome, sempre que motivos atendíveis justifi-
adiçiio do nome do marido ao da mulher, não s6
quem a mudança.
porque neste facto não há mudança de nome, mas
Em primeiro lugar, há a mudança de nome para ainda porque, embora como tal se considerasse,
a mulher casada, que pode consistir apenas no trata-se de um direito expressamente declarado na
acrescentamento do nome do marido ao seu, o u lei, e que portanto seria absurdo tornar dependente
na substituição do seu apelido pelo do marido.
d e um despacho ministerial. ,
- Em segundo lugar, há a mudança do nome
Se, porém, a mulher quiser substituir todo ou
pr6prio ou de família pelo processo da justificaçã~
parte do seu nome de família pelo do marido, então
administrativa, que s6 pode ser autorizada pelo
há uma verdadeira mudança de nome, sujeita ao
Ministério da J u s t i ~ a ,nos termos do art. 175.' do.
processo da justificação administrativa, pois que
código do registo civil.
neste caso a mulher faz mais do que usar o nome
Ora, sendo o nome susceptível de ser alterado
d o marido, deixando ile usar o s e u ; e o art. 43."
ou substituído, já não é lbgico dizer-se que êle é
d o decreto-iei do casamento apenas lhe confere o
irrenunciável e imprescritível.
direito de 1 crescentar ao seu o nome do marido ( I ) .
Mas, como se trata de um direito imaterial da
Compreende-se que em muitas circunstâncias
personalidade, também não é lógico aplicar-lhe a s
ha vida o indivíduo tenha legitimo interesse em
regras da prescrição das cousas móveis ou imóveis.
alterar ou mudar o seu nome, quer porque êste,
E como por outro lado se trata de u m direito,
em virtude de qualquer acontecimento se hajã for-
que é ao mesmo tempo privado e público, e até d e
nado ridículo ou odioso, quer porque o interes-
natureza política, pois que interessa essencialmente
sado descobriu ter direito a outro nome de família
A vida do Estado, entendemos que ele está sujeita de mais consideração social, quer ainda porque a
ã prescrição geral do uso e costume, que tem
semelhança do seu nome actual com o doutro indi-
sempre um grande valor jurídico nas relaç0es d e
víduo pode dar lugar a Confusões e equívocos mais
direito público.
ou menos inconvenientes ou prejudiciais.
E como deve entender-se a mudança de nome
Em todos êstes casos é legítima a pretensão
autorizada pelo art. 175.' do código do registo
do interessado a mudar de nome, e assim se explica
ciyil ?
o princípio da mutabilidade do nome e o respectivo
Em primeiro- lugar, B preciso não a coníundir
processo administrativo de justificação.
com a simples emenda ou rectificação do nome
inscrito no assento do nascimento, a qual pode
fazer-se, nos termos do art. 43." da lei de 10 d e
1 ) Ja se tem entendido em algumas repartiçaes pUblicas
julho de 1912, por uma simples justificação perante que aa mulheres, para usarem o nome do marido, precisa de
o respectivo oficial e julgada pelo conservador requerer a autorizaçáo pelo processo do art. 1 7 5 . O do cód. do
geral do registo civil. reg. civ. Veja Pedro Chaves, Comentário no Cbdigo de Regtsto
Em segundo lugar, não deve considerar-se como Czuzl, pag. ao3 e 204, que jùstamente reprova essa pratica.
Mas é necessario fazer-se a.distinção que indicamos nu texto.
Mas qual é o carácter da decisão .ou despacho tivos de carácter privado, embora tenham também
ministerial? Será uma decisão definitiva, por s e r um lado público; só ao poder judicial se deve
da competência exclusiva do poder executivo, o u reconhecer competên'cia para decidir as respectivas
será antes uma decisão sujeita B reforma ou revo- contendas entre os interessados.
gação pelo poder judicial, por ser êste o único Mais jurídica nos parece, pois, a doutrina que
competente para julgar definitivamente dos direitos considera o decreto ou despacho da concessão do
privados ? nome como tendo um carácter provis6ri0, ou
Ferrara caracteriza o acto do esecutivo como apenas um valor permissivo ou de autorização ( 1 ) .
uma providêncin administrativa, de cáracter dis- E no sistema da nossa lei parece-nos indiscu-
crecionário: « NSo há aqui uma prete~isão d e tível que, não obstante a autorização ministerial
direito publico a obter a mudança, mas a conces- d e mudança de nome, os interessados poderão
sáo é um acto gracioso do Estado, uma prerogativa sempre propor nos tribunais ordinários a acção d e
régia. Tal decreto tem ej5cacia constitutiva ( I ) . revindicação do nome, pois que o 5 2 . O do art. 43.0
É porisso que o indivíduo investido no novo declara expressamenb que fica sempre salvo aos
cognome pode usá-lo legitimamente, ainda que interessados o direito de recorrer aos tribunais
eventualmente seja idêntico ao possuído por outros, ordinários.
sem que contra êle possa mover-se a acção d e
contestação. A. tutela dos interesses dos terceiros 7. Estado de sexo. O sexo do indivíduo é sem
é assegurada no período instrutório da concess60; dúvida um elemento, ou um dos aspectos do estado
depois disso toda a acção é improcedente, como é juridico das pessoas.
excluido o recurso contra o decreto real da con- . Ainda mesmo quando se atingir o máximo da
cessão, o qual, como exercício d e um atributo equiparação jurídica d o homem e da mulher, na
pessoal do Soberano, não está sujeito i.fiscalização luta pela igualdade, há de sempre subsistir alguma
de mérito. A autoridade judicial apenas pode diferença entre os dois sexos, quando mais não
indagar se o decreto real loi promulgado com a seja, aquela que, em certo modo favorável A mulher,
observância das formas prescritas, e s6 por vício lhe permite casar mais cedo que o homem.
de nulidade pode desconhecer a sua eficácia, de- E não poderá também deixar de haver uma
vendo de resto respeita-lo na sua substância e e m certa disparidade na sua posição jurídica no seio
todas as suas consequências~( ¶ ) . da família, dada a desigualdade orgânica, que a
Em face dos princípios consideramos ~njuridica natureza imprimiu aos dois tipos do organismo
esta doutrina, porque tratando-se de direitos subjec- humano.
«Não foi em vão que a natureza criou os dois
sexos. A' diferenciação orgânica corresponde na-

(I) Contrariamente aos que entendem que o decreto d e


mudança de nome tem apenas um valor permissivo e de auto-
rização. (1j Zanobini, I p o t e r i regi nel campo de1 dirttto prioato,
(9 Ferrara, pag. 569 e 5;O. . pag. 95 e seg.
tural e necesshriamente a diferenciação funcional. que as mulheres na maior parte dos países, como
A mulher foi destinada A direcção da vida interna entre nbs, ainda não gozam do direito eleitoral,
da família; o homem para a administração da vida nem são admitidas nos cargos públicos que impor-
externa » ( I ) . tam exercício do poder público ou de funções judi-
Mas é certo que a condição juridica da mulher ciais, com excepção do júri comercial, para o qual
casada 6 determinada, não tanto por motivo de podem eleger e ser eleitas (dec. n." 5:647, d e 10
sexo, como pela necessidade de manter O princípio maio de 1919).
da' unidade na vida da família. Mas no campo do direito privado a equipara-
No sistema da nossa lei o sexo é não só um ção e quasi completa: «A lei civil, diz o art. 7.'
elemento do estado em geral, mas um elemento do código civil, é igual p a r a todos, e não faz
do estado civil; e tanto assim que o assento do distinção de pessoas, v e m de sexo, salvo nos casos
nascimento deve mencionar o sexo do registando que forem especialmente declarados».
(art. 20.O, al. b ) . Ora, no sistema do código, os casos de inca-
As legislaçdes modernas partem do presuposto pacidade da mulher, e m razão do sexo, já eram
de que todos pertencem necesshriamente a um dos poucos :
dois sexos, não admitindo a existência de ermafro- a) a do Senatus-cor~sultoVelleiano, que n ã ~
ditas, isto é, indivíduos que compartilham de um lhes permitia ser fiadoras (art. 819."). excepto
e outro sexo, ou que teem os Órgãos,sexuais por sendo comerciantes ;
tal forma imperfeitos que nem se pode determinar ó ) a de ser testemunha instrumentárla em
O seu sexo ( 2 ) . testamento (art. 1966.") ou em actos entre vivos
Mas de facto, embora raros, há casos de erma- ( art. 2492.O ;
frodifismo. E, dada a exigência da lei ( art. zo."), é G j a de exercer o mandato judicial (art. 1354.");
necessário atribuir sempre um sexo ao registando d ) a de fazer parte das instituições pupilares
no assento do nascimento, e que mais tarde pode ( art. 234.').
dar lugar a êrro sbbre o estado, e . a conseqüente Todas estas incapacidades, bem corno a de
'
anulação de casamento, nos termos do n." 1 . O do certos. cargos públicos, foram porém revogados
art. ao." do decreto-lei de 25 de dezembro de 1910. pelos decretos n." 4:676, de 11 de julho de 1918,
A diferença de sexo no direito moderno só n."'5:625, 5:647 e 5:649, de 10 de maio de 1919, que
tem importância no campo do direito público, pois revogaram todas aquelas incapacidades e permiti-
ram & mulher ser nomeada para os cargos de
notário, oficial do registo civil e conservador do
( 1j Soctedades e Emjrêsas comerciais, pag. 75. registo predial.
(2) O antigo direito prussiano previa a existência de Realizou-se assim a completa igualdade juridica
ermafroditas, dando ao pai, c dcpois dos 18 anos ao filho, a dos dois sexos, como resultado de uma longa evo-'
faculdade de escolher o sexo. No direito romano vigorava a
lução histbrica, que nalguns países, como na Ingla-
regra de Ulpiano, que atribui ao ermafrodita o sexo que nele
predominar - magis puto, ejus sexus aestrmandum, qur zn eo terra e nos Estados Uniiios, se está mesmo já
praevalet ( D 10. I . j ). adiantando na conquista dos direitos políticos.
8. Estado de idade.-É intuitiva e decisiva a dos direitos, porque seguiam o critério da pleni-
influência da idade na capacidade civil, isto é: na tude sexual, a puberdade.
aptidão para o exercício da capacidaae jurídica Assim foi no primitivo direito romano onde :I
abstracta. Se esta pertence a todos pelo simples capacidade civil começava aos 1 2 anos para a mu-
facto do nascimento com vida, o seu'exercícto, ou lher e aos 14 para o homem. Mas êste sistema
a sua realizaçào concreta, é que não pode deixar primitivo foi sucessivamente modificado por diver-
de ser dependente de um certo grau, já bastante sas providências; assiiil a Zex PZaetorin formulou
adentado, de desenvolvimento da inteligência e da meios d e defeza para os menores que f6ssem enga-
vontade. nados; e mais tarde o Pretor estabeleceu a tutela
E porque as forças psíquicas são necessàriamente geral da restltutio z'n integram pafa os danos
e gradualmente condicionadas pelo desenvolvimento resultantes de actos praticados por inexperiència
físico do organismo, e como êste só se consegue ou leviandade. Os menores a princípio tinham a
depois de um certo período da existência do indi- faculdade de pedir um curador para certos e deter-
víduo, daí resulta que a sua aptidão para a vida minados actos ; mas .depois, 'na épgca imperial, a
jurídica, como para todas as manifestnções da acti- curatela, especial e facultativa, passou a ser geral
vidade consciente, não pode deixar de ser uma e obrigatbria. Assim o princípio da capacidadc dos
função da idade. menores foi posto de lado, atingindo-se a plena
Teòricnmente a fixaç,?~da idade, em que a capacidade de agir só aos 25 anos. E a idade da
pessoa deve considerar-se apta para a vida jurídica, juventude abrangia três estados : a i n fantza, até
deveria variar de indivíduo para indivíduo, con- aos 7 anos, a impubertas, até aos 1 2 e 14, e a
forme o seu estado de desenvolvimento rnenlai. m i n o r netas, até aos 25.
Mas, por um lado, a impossibilidade prática O direito moderno, partindo do conceito do
de proceder a o exame individual das condições pleno desenvolvimento mental como condição ne-
psico-orgânicas da capacidade de agir de cada um, cessária e suficiente da capacidade civil, fixa a
e, por outro lado, a incerteza que dum tal sistema idade de 21 anos para termo do estado de menori-
resultaria para as relações jurídicas, aconselha- dade e oomêço da maioridade ( I ) .
ram os legisladores de todos os tempos a adoptar Assim determina o art. 311.": ctA época da
uma medida única para todos, fixando invariivel- maioridade é assinada, sem distinção de sexo, aos
mente a idade em que a pessoa se deve considerar vinte e um anos completos. O maior fica habili-
capaz ( I ) . tado para dispor livremente de sua pessoa e bens».
Aslegislações primitivas estabeleciam uma idade O estado de menoridade é definido e regulado
muito precoce, para se adquirir o pleno exercicio nos art. 97.' e seguintes : <São menores as pessoas
de um e outro sexo, emquanto não perfizerem vinte

(1) SOmente em algumas legislações primitivas, como


no direito muçulmano, a capacidade e variável de individuo Código francês ( art. 388."), italiano (art. 230.'), ale-
(1 )
para individuo. Ferrara, p i g . 489. mão ( $5 2 ), brasileiro ( art. 9.O ), etc.
limitada aos actos de simples administração, pois
e um anos de idade» (art. 97.0); "OS menores são
para os outros precisa da assistência de um cura-
incapazes de exercer direitos civis, e os seus actos
dor. e por vezes da autorização do conselho de
e contractos não podem constitui-los em obrigação
família ou da homologaçáo do juiz. A emancipação
jurídica, salvo nos casos expressamente exceptua-
é como que uma ponte de passagem da incapacidade
dos na lei » (art. 98.");«a incapacidade dos menores
para a capacidade; e uma espécie de noviciado do
e suprida pelo poder paternal, e, na falta dêste, pela
menor para o uso da sua liberdade ( I ) .
tutela » ( arl. IOO." ).
O código alemão restaurou e m certo modo o
No sistema do nosso código a maioridade pode
sistema romano, distinguindo na menoridade O
ser antecipada pela emancipapio, que é o acto ou
período da ivfância e o da impuberdade (55 104 e
facto pelo qual o menor fica habilitado para reger
seg.), considerando o menor como absolutainenie
sua pessoa e bens, como se-fosse maior (art. 305.").
incapaz até à idade de 7 anos, mas conferindo-lhe
E dizemos ncto ou facto, porque a emancipação
depois desta idade uma capacidade jurídica restrita,
resulta :
podendo validamente declarar a sua -vontade em
a ) de concessãó volhntária dos pais, e, na actos de que s ó lhe resultem vantagens.
falta dêstes, do conselho de família, tendo o menor
O princípio da incapacidade civil dos menores
já completado dezoito anos (artt. 304." e 307.~);ou
está longe de ser absoluto, pois tem muitas e im-
b j de disposição da lei, como efeito d o casa-
mento devidamente autorizado (art. 304.0 e 306.'), portantes excepçoes :
e do divbrcio dos pais, para os filhos que tiverem 18 a) podem os menores contraír vhlidamente
obrjgaçóes sbbre cousas de arte ou profissão em
anos (art. 60." do decreto s6bre divórcio) (I), ou
para os expostos e abandonados, pelo facto de que sejam peritos, ou usando de dolo para se faze-
rem passar por maiores (art. 299.", n."' r." e 2.");
terem completado dezoito anos (art. 291.").
De modo que no sistema do nosso código, pelo b ) o menor com, 18 anos, sendo homem, e de
que respeita Q idade, h& apenas dois estados - o de 16, sendo mulher, pode casar, e pode contratar o
menoridade, que dura em regra até aos 21 anos, regime de bens que aprouver aos nubentes, sendo
mas que pode terminar antes pela emancipação, e o o casamento devidamente autorizado ( art. I 1 7 3 . ~do
da maioridade, que começa aos 2 1 anos, ou antes,
pela emancipação. Ora, a emancipação pode dar-se
desde os 18 anos, em regra; desde os 15, para os (3)
A emancipação dos codigos modcrnos não deriva
expostos e abandonados (art. 289.") e desde os r6 directamente da emancipa tio romana, a qual extinguia a j a tria
para a mulher, em virtude do casamento (art. 306."). potestas, tornando o filho sui juras, mas não lhe conferia a a

capacidade, ficando sob tutela, se era impúbere; a emancipação


O sistema dos códigos francês e italiano é
moderna tem a sua origem na-venia aetatis, pela qual se ante-
diverso. A emancipação constitui um estado inter- cipava a capacidade dos menores da 25 anos, pondo termo a
mediário. conferindo ao menor uma capacidade curatela. Depois no direito intcrmedio fundiram-se a emancí-
patzo e a oenia aetatis, dando lugar ao moderno instituto da
emancipação. Planiol, i , no' 1983 e 1984; Ferrara, pag. 491
Veja Os Principlos, I, pag. 767 e 768. e 492.
(1)
cód. civ. e art.53.O do dec. de z5-xr1-91o)- habilis 9. Estado físico e mental-0s.defeitos físicos ou
nd nuptias, habilis ad pacta nrdptialzn; as enfermidades não teem em regra uma influência
c ) os menores podem exercer o mandato ex- decisiva sobre a capacidade jurídica ( I ) .
trajudiciai (art. 1334-O); Mas se as doenças e os defeitos do corpo não
d ) podem fazer depósitos e aceitá-los, nos constituem própriamente incapacidade jurídica,
termos do art. 1433.~; pedem entretanto ser um impedimento rnaterial
e ) pudem contraír empréstin~osaté ao limite da pratica de certos actos, se u indivíduo está im-
do vclor dos bens que possuírem com livre adini- possibiJitado de realizar as condições necessárias
nistraçâo, ou até ao que for necessário para seus para 11 sua validade. E assim que os cegos e os
alimentos, estando ausente a pessoa que deveria que não sabem ou não podein Iêr são inibidos de
autorizá-lo (art. 153b.O); fazer testamento cerrado ( $ ún. do art. 1764.0 e
f ) os menores com mais de 14 anos teem o art. r g q . " ) , assim coino não podem fazer testa-
direito de assistir As reuniões do conselho de famí- mento público os mudos que náo souoerem ou não
lia e ser o u ~ i d o snos negócios de maior importân- puderem escrever ( art.. 1~12.9).
cia (art. 212.0); podem fazer testamento (art. 1 7 6 4 . O , Por outro lado, se é certo que em princípio a
n.0 3.0); podem ser testemunhas em juízo (art. 251o.O, insdnidade corporal não é causa determinante de
n.O 3.'); e teem já uma certa capacidade para estar incapacidade, todavia é certo que pode indirecta-
em juizo, devendo ser citados conjuntamente com mente intluir, se o defeito físico determina uma
os seus representantes, nos termos do art. g.", § 3." deficiêiicia grave das faculdades mentais. Mas em
d o código de processo civil. tal caso é a insuficiência mental que o direito toma
A capacidade de agir ou capacidade civil, Lima
vez adquirida, ou seja pela emancipaqão, ou pela
maioridade, não sé perde mais pelo simples decor- í i ) Outro era o regime do direito feudal, onde a quali-
rer dos anos. No sistema do nosso direito, a ve-' dade de cidadão dependia d a aptidão para o uso das armas, e
o exercicio da soberania e r a condicionado pelo poder fisico d a
lhice, por mais avançada que seja, não é causa de s u a realizaçáo. P o r isso os alei~ados,os cegos e os surdos
incapacidade (1): s6, indirectamente, como causa de eram- incapazes de suceder; e os enfermos, no antigo direito
enfraquecimento do espírito, pode dar lugar A inter- alemão, não podiam durante o estado d a doença alienar o s
dição ou A anulação de qualquer acto lurídico bens em prejuízo dos herdeiros presumidos, sendo geralmente
(art. 314."~334.O e 335."). proibidas as disposi~õesfeitas no leito d a morte Na Idade
Media esta concepção foi combatida pela I g r e ~ a e, de talmodo
que, embora permanecendo algumas limitações a capacidade
de dispor dos enfermos, veio a prevalecer o princípio romano
de que a capacidade jurídica so depende do cstado espiritual
d a pessoa e não das suas condições fisicaa.
Diverso era o tratamento dado pelo antigo direito har-
(1) Não e assim no direito kussulmano, onde a decrepi- barico e estatutario aos individuos afectados de doenças repu-
t u d e é também jliridicamente uma segunda infância, estando gnantes como a lepra. P a r a isao concorria, ao lado d a razão
sujeitas a tutela a s pessoas na idade senil. Sawas Pacha, Étude de ordem sanitiria e psicol0gica, a superstição de que a lepra
sur lu théoí-ae du drott :nusz~lman,I, pag. 76. era um castigo de Deus. Ferrara, pag. 507.
em considera~ão,funcionando o defeito do corpo a verdade é que em tal situação o indivíduo capaz
apenas como causa do defeito do espírito. de agir não realiza as condiçbes necessárias para
As 'causas que realmente modificam a capaci- dar vida ao. acto jurídico ( I ) .
dade jurídica são as perturbações ou anomalias da Quando as perturbações mentais revestem um
persona-lidade psíquica, pois que o exercicio dos carácter permanente, ou pelo menos habitual, e o
direitos se funda na vontade livre e consciente do indivíduo não está em condições de governar a sua
sujeito. E, por conseqüência, se o indivíduo se pessoa e dirigir os seus negócios, então a enfer-
encontra num estado anormal das suas faculdades midade do espírito determina efectivamente uma
mentais, bastante grave e intenso, não pode agir incapacidade total ou parcial, que pode e deve ser
válidamente, na pura e verdadeira concepção do suprida pelo instituto da interdição geral, ou ape-
direito. nas limitada (que os italianos chamam inabilita-
Quando a perturbação é menos grave, e as pão), mediante a instituição da tutela ou de uma
faculdades mentais se não encontram completa- simples curatela.
mente obliteradas, m'as apenas enfraquecidas, há Mas o nosso cbdiiyo, tratando dos dementes,
sòmente uma redução correspondente da capaci- (art. 314." e seg.), adoptou apenas o sistema da
dade; mas em todo o caso é necessário.que a Lei interdição absoluta ou geral, sistema defeituoso,
intervenha em auxilio dos incapazes com adequa- por ser excessivamente rigoroso, em 'vez de esta-
das providências de protecção na sua vida jurídica.
belecer um sistema de interdição graduada em
O estado de insanidade mental, diz Ferrara, harmonia com a maior ou menor gravidade da
tem diversa importância, conforme se trata de per- mal, como aliás procedeu para as interdiges por
turbaçóes transitórias ou permanentes. Perturba-
surdo-mutismo e prodigalidade (art. 337.0 e se-
ç6es transitdrias são os estados de doenças mentais
guintes) ( e ).
de carácter intermitente, como algumas formas
maníacas, ou derivadas de outras causas. como
10. Condenação penal e má conduta notória. Estado
embriaguês, sonambulismo, sujestão hipnotica,
social. -Como reminiscência da antiga morte civi,?,
delírio febríl, cólera, pavor, e em geral as paixões
o c6digo civil ainda estabeleceu e regulou nos
no estado de exaltagão. Estes desarranjos passa-
artt. 355.- a 358." a interdição dos criminosos. con-
geiros do espírito não modificam a capacidade de
denados por sentença passada em.julgado, sujei-
agir em geral; mas se o indivíduo pratica em tal
tando-os a uma 'curatela mais ou menos extensa,
estado um acto jurídico, o acto é nulo dum modo
conforme a natureza dos direitos interditos.
absoluto, precisamente por lhe faltar um dos ele-
E nalgumas legislaçoes, como no código penal
gentes essenciais, isto 6 , a vontade livre e cons-
ciente (art. 353.' do nosso c6digo).
Para esta situação conceberam muitos autores
a doutrina da incapacidade natural ou de facto, (1) Ferrara, pag. 509 e 510,. SObre o valor desta distin-.
contraposta à incapacidade legal ou de direito ;' çáo das incapacidades, Os Prznczpios, i, pág. 466-468.
mas é doutrina imprópria, no dizer de Ferrara, pois (8) Sôbre a s diversas interdiçbes, Osprincipzos, I, pág.
757 e seguintes.
6
italiano (art. 33.O), ainda se estabelece a interdição várias incapacidades tanto na ordem política como
geral dos direitos patrimoniais para os condenados na vida civil ( I ) .
a-pena de ergastu10 ou de prisão superior a cinco Ao lado desta indzgnidade civil havia também
anos. uma p e ~ d ade facto da honra, quando o cidadão
Mas entre nós, a Nova Reforma Penal (lei de perdia completamente a consideração pública ( t u r -
- 14 de junho de 1884), que modificou o antigo pitudo). E esta desconsideração publica não dei-
código penal de f852, aboliu a interdição civil dos xava de ter influencia no direito privado, consti-
condenados, com as disposiçdes dos artt. 81 e seg. tuindo uma causa de exclusão de todas as relações
Com efeito, estes artigos, depois da integração ou para que se exigia uma perfeita honestidade.
fusão da lei no antigo código penal, para constituir O mesmo sistema da degradação civil existia
o novo código de 1886, são neste os art. 74.0-83.0. também no antigo direito germânico.
Ora o art. 74.O determina que a condenação No moderno direito civil não há a perda da capa-
dos criminosos tem unicamente os efeitos decla- cidade por causa legal de infâmia; não se reconhe-
rados nos artigos seguintes. E como em nenhum cem causas jurídicas gerais de perda da honra, por-
dêsses artigos se estabelece a interdiçâo civil do que a maior parte dos factos que antigamente eram
condenado, é evidente que foram assim revogados considerados como motivo de infâmia passaram
os art. 355.O-358." do código civil. para o domínio do código penal. . E, por outro
E nos art. 75.O e seguintes do código penal lado, o exercício de qualquer profissão, por mais ,
as únicas incapacidades civis estabelecidas como inferior que seja, desde que seja lícita, não .é mais
efeito geral da pena são (art. 76.O, n." 3.O, 77.", considerado indecoroso, nem é causa de qualquer
na0 2.") sòmente as de ser tutor, curador, pro- incapacidade civil. Mas se não há pròpriamente
curador em neg6cios de justiça, ou membro do uma deminuição jurídica da honra, diz bem Fer-
conselho de família, incorrendo nelas os condena-
dos a qnalquer pena maior, a prisão correccional,
suspensão temporária de direitos políticos ou des- 1) Entre os romanos, por virtude de certas condenaçóes
têrro. o u pela pratica de certos actos ilícitos, ou ainda pelo exercício
E, portanto, qualquer outra limitação da capa- de certas profissões consideradas indecorosas, incorria-se numa
cidade civil, em virtude de condenação penal, só especie de degradação, que era causa de inelegibilidade para
a s magistraturas, de perda dos direitos eleitorais, de incapa-
poderá ter lugar nos casos expressamente declara- cidade para estar em juizo, para exercer a tutela e semelhan-
dos na lei ( art. 79.O do c6digo penal). tes. A fonte da ~ n f a m t afoi o Edito do pretor, depois confir-
Também O comportamento deshonesto, a má mado e acrescentado por diversas constituições imperiais.
- conduta notória, pode influir no estado jurídico E no Digesto fez-se longa enumeração dos infames : De his
das pessoas, implicando uma certa deminuição da qui rtotantur infamia ( D. 3. 2. r )-os condenados por furto,
fraude, rapina, lenocinio, prevaricação; os condenados em
sua capacidade. quest6es de socicdade, tutela, mandato, depósito ; os que con-
Não há no direito moderno o instituto romano traissem duplos esponsais ou duplo matrimónio ; os artistas de
da infamia, que importava para certos indivíduos teatro, lutadores de circo, etc., os licenciados do exército por
um estado de degradacão civzca, determinante de causa ignominiosa, etc. Ferrara, pag. 527.
.rara, não desapareceu nem pode desaparecer a Emquanto que antigamente a sociedade s e
influência que tem no tratamento jurídico a demi- apresentava como o resultado da sobreposição de
nuiçáo material da honra das pessoas. Quando várias camadas sociais distintas umas das outras, e
'uma pessoa cai no desconceito público, pelo seu tendo cada uma o seu direito prbprio, hoje é uma
procedimento imoral notório, o direito não pode organização colectiva de indivíduos, baseada na
prescindir dêste estado de cousas, fazendo dêle liberdade, igualdade e solidariedade de-todos os
derivar certas.consequências jurídicas (1). associados.
Em perfeita concordância com esta doutrina Outrora, acima da classe geral dos cidadãos,
encontram-se nas nossas leis civis varias disposi- . d o povo, havia as classes privilegiadas da nobreza
çOes modificativas do estado jurídico das pessoas. e do clero; e ainda mesmo na época das comunas,
E assini : e m que triunfou a democracia, os cidadãos divi-
a ) Não podem ser tutores, protutores, nem diam-se pelas diferentes corporações de artes e
vogais do conselho de família, e sendo-o podkm ofícios, cada uma das quais tinha a sua organização
ser removidas, as pessoas de mau procedimevzto e jurídica especial. E hepois mais tarde a diferen-
que não tiverem modo de vida conhecido (art. zj4.", ciação dos sistemas jurídicos foi ainda mais pro-
n." 6.", e 235.', n.O 4."); nunciada: assim como havia um direito para os
b ) A fôrça probatória dos depoimentos das nobres, um direito para o s eclesiásticos, um direito
testemunhas será avaliada tanto pelo conhecimento para os habitantes das cidades, havia também uin
que mostrarem dos factos, como pela Jé puc me- direito para os camponeses, para ás gentes do mar,
í'ecem pelo se24 estado, vida e c o s t u m e s (art. 2514."); para os comerciantes ( j u s m e r c n t o r u m ) .
c ) Não tem ou perde o direito a alimentos Com o nivelamentc e a compenetração de
a mulher que conceber de relaçdes ilegítimas mas todas as classes na vida jurídica das sociedades
tiver m á conduta notbria (dec. n." 2, de 25-xri-910, modernas desapareceram todas essas desigualdades
art. 47.", § ún.); e do mesmo modo o cônjuge se- d e regime jurídico. Mas em todo o caso alguns
- parado ou divorciado que se tornar indigno por seu vestígios permanecem necesshriamente, pela im-
comportamento moral (dec. de 3-x1-910,art. 32.O, possibilidade, inconveniência e injustiça de um
n.0 2 . O ) . regime de igualdade absoluta.
Mas nem s b o estado moral das pessoas tem E' assim que nos Estados de organização polí-
influência na sua situação jurídica. Também em tica monárquica seria mesmo inconcebível que o
certo modo a tem a sua posição ou classe social. Rei e os membros da Familia Real fôssem coloca-
É certo que muito diferentes do passado sáo dos no mesmo estado e condição jurídica geral
'as condicões da vida moderna, para s e poder falar dos cidadãos.
de classes sociais, no sentcdo da antiga organiza- Relativamente aos diversos estados sociais p o r
ção política e jurídica da sociedade. profissão, é certo que não teem um regime jurí-
dico próprio e especial, não havendo hoje pròpria-
mente uin direito de classe.
(1) Ferrara, pág. 528. Entretanto o direito não deixa, nem poderia
deixar, de constituir normas próprias-e adequadas na medida da capacidade; mas é porque normal-
para certas relações e pessoas. mente a vida jurídica de cada indivíduo se passa
O direito comercial, por exemplo, não é prò- num determinado lugar, e um determinado Lugar é
priamente um direito especial para a classe dos sempre necessário para o compelir a o cumprimento
comerciantes; mas contém certas regras que s 6 de suas obrigagies.
aos comerciantes se aplicam, como o regime da O conceito do domicz'lio como serido a séde
falência, que é exclusivo deles, ferindo-os de uma legal da pessoa, e assim o exprime muito justa-
incapacidade e sujeitando-os a uma interdiçao mente Coviello (I), é não s ó o mais expressivo,
especial (cód. com., art. 700.°, cód. de pr. com., mas o que melhor traduz a realidade ju~idica.
art. 198.O). A necessidade de s e atribuir ao indivíduo uma
Por outro lado, certas categorias dè funcioná- séde ou domicílio, isto é, fixar o lugar que por lei
rios do Estado, como os magistrados judiciais; o s deve ser considerado como o centro da sua vida
militares, os empregados de finanças e outros, são jurídica, é fácil de p a r em relêvo, podendo dizer-se
pelos respectivos regulamentos orgânicos incapa- pura e simplesmente intuitiva.
citados de exercer ã profissão de comerciantes, Como judiciosamente observava o saudoso
nos termos do art. 14." do código eomerciai. professor Dr. Aives Moreira, «para que as relações
Note-se finalmente que o princípio da igual- de direito sejam regulares, ostáveis e se tornem
dade jurídica não obsta a que a lei estabeleça efectivas, é necessário que o homem se repute
algumas normas especiais ou excepcionais para sempre presente num determinado lugar, estabele-
certas categorias ou classes de pessoas, que umas cendo-se assim uma relação o u vínculo jurídico
vezes constituem sançdes ou penalidades de carác- entre o indivíduo e um determinado lugar para o
ter civil, e outras vezes s e traduzem em verdadeiros exercício de direitos ou cumprimento de obriga-
privilégios, embora justificados. E' o que acontece ções. E o que se chama domicílio»
com a proibição do exercício do comércio a certas Assim dispõe o art. 40." :
categorias de funcionários públicos (cód. com., O exercício dos direitos, e o cumprimento das
art. 14."), com a isenção de penhora dos venci- obrigaçdes civis, são determinados, em diversos
s Estado ( cód.
mentos de todos os f ~ ~ n c i o n á r i odo casos prcvistos na lei, pelo domicílio do cidadão».
de pr. civ., art. 815.")~a faculdade de escusa das Com efeito, a fixação dum domicílio ou séde
funções tutelares (cód. civ., art. 227.")? e outras da pessoa é necessária, entre outros casos :
disposições semelhantes. a ) para a organização da tutelá e da curatela
(art. 188.",317.0, 3 2 1 . O , etc.);
I I . Domicllio. - Conjuntamente com os ele- b ) para regular a a b e r t u r a da s u c e s s ã o
mentos constitutivos do estado das pessoas é (art. 2009." ) ;
oportuno estudar também o seu domicílio, ou,
como dizem alguns escritores (Ferrara, Ruggiero),
p sua sédc juridica. (1) Coviello, plg. 172.
Não é porque a séde jurídica da pessoa influa (8) Dr.Alves Moreira, pag. zoo e 201.
c ) para se exigir ao devedor o cumprimento centa-se mais um elemento de determinação - a
da obrigação (art. 744."); estnbilzdade da residência. Domicílio é a resi-
d ) para o exercício da acção jurisdicional dência fixa, séde estável da pessoa. A estabilidade
(c6d. de pr. civ., art. 16."). não resulta apenas cio facto da presença física do
E assim se reconhece desde já que em princípio indivíduo, mas deve resultar da sua interzgão de
o indivíddo deve sempre ter um domicilio e s b um. estar com permanência : residência estável é aquela
Mas qual o critério para o determinar e fixar? em que a pessoa quer permanecer estavelmente ; 6
A relação em que cada indivíduo se encontra aquele lugar, segundo a poética descrição das
com um certo lugar pode ser mais ou menos fontes romanas, de onde o indivíduo não mais
intensa, conforme a importância dos negbcios e parte, a não ser constrangido, e do qual quando
interesses que nele-tem, e por isso mesmo mais parte parece andar a peregrinar, e quando afinal *
ou menos duradoura; pode ser uma relação d e regressa deixa de peregrinar - ande rursus non
mero facto e da pessoa, emquanto aí se demora sit discessurus, s i nihil avocet, unde cum @o-
mais ou menos tempo, ou uma relação de direito fectus est, peregrinari videtur, quo si rediit,
em virtude de relaçdes jurídicas que ali tenha, pereqrinari j a m destitit ( Cód. 7 . 10. 40).
conjunta ou não corii a permanência da pessoa no A intençào de fixar um lugar como séde está-
lugar. Um indivíduo pode estar e demorar-se num vel revela-se por certos elerbentos de facto, como
lugar, mas dum modo meramente transitbrio o de ter a pessoa aí estabelecido a séde dos prb-
passageiro; Ou não estar, mas ter ali a maior parte prios negbcios e interesses - constitutam esse
dos seus interesses. eam domum unicuique nostram debere existz-
A esta variedade de situaçbes deve a lei aten- marz, ubi quisque sedes et tabulas haberet sua-
der para a fixação do domicílio; pois que, s e em rumque rerum constitutionem fecisset. Mas esta
regra'o indivíduo tem um domicílio certo evisivel, circunstância não era considerada senáo como um
que é a sua habitual residência, muitas vezes acon- indice da intencão de permanecer no lugar.
tece que o indivíduo tem diversas residências, ou No direito intermédio a doutrina romana do
não tem residência certa, ou tem num lugar a domicilio foi desenvolvida e definida como a resul-
residência e noutro o centro principal dos seus tante dos dois elementos: um material, e outro
negbcios, donde resulta que muitas vezes a séde espiritual, o facto da habitação e o animus perpe-
pessoal do indivíduo é diversa da sua séde jurídica. tuo commorandi.
O conceito do domicílio no antigo direito Donello, o primeiro que fonnulou uma defi-
romano era representado pela domus,'a casa onde nição, dizia: Domicilium cuique privatum recte
o homem habita:. o lar doméstico é O, centro terri- definietur, ut sit locus, in quo quis habitat eo
torial onde o paterfamilias impera e opéra. Com animo, ut ibi perpetuo consistat, nisi quid avo-
o desenvolvimento da vida social, acentuam-se cet (').
as necessidades e facilidades de deslocação, e a
residência actual da pessoa já não é suficiente para
determinar a sua séde ou domicilio. E assim acres- (i) Comment. de jure czvili, t. IV, liv. XVII, cap. XII.
E assim se compreende como o c6digo francês, diversos centros de neg6cios, mas ainda porque O
baseado nas fontes romanas, dispos no art. roz.": verdadeiro centro do círculo das relações sociais e
« O domicilio de todo o Francês, quanto ao exer- jurídicas do individuo é a sua casa de habitaçso, é
cicio de seus direitos civis, é n o Lugar onde ele o lugar onde preside aos aestinos da sua família,
t e m o seu principal estabelecimento. ». E seme- se a tem, ou onde virá a presidir, se no desenvol-
lhantemente o italiano no art. 16.": « O domicílio vimento normal da sua existência vier a consti-
civil duma pessoa é no lugar onde ela tem a séde tui-la.
principal dos próprios negócios e interesses H. E tanto isto é verdade, que os melhores auto-
O nosso cbdigo, orientando-se mais, pela dou- res franceses procuram dar a definiçao do seu
trina dos comentadores, definiu-o no art. 41.' : cbdigo um desenvolvimento e uma interpretação,
«Domicilio é o l u g a r , onde o cidadão t e m a que ela porém não comporta, dizendo que «pelas
sua residência permanente ». palavras - lugar d o principal estabelecimento -
E o código brasileiro (art. 3 1 . ~ )ainda mais o código quer designar o lugar ónde o homem tem,
expressivamente traduziu a doutrina dos comenta- ao mesmo tempo a s u a habitagão, o centro dos
dores : « O domicílio civil da pessoa natural é o seus negócios, a sCde da sua fort?n?za, as suas
lugar onde ela estabslece a s u a residência com afeigões de familia ( 1 ).
ânim,o definitivo. » E , por seu lado, os melhores autores italianos
E a mesma definicão do c6digo suíço : « O ( Coviello, Ruggicro, Ferrara), na explicaçao e
domicilio duma pessoa é no lugar onde ela se desenvolvimrnto do conceito do domicílio civil,
encontra, com a intencão de aí permanecer esta- distinguindo entre morada (lugar onde o indiví-
velmente >. duo está actualmente ), residência ( morada habi-
O c6digo alemão no 3 7." di'z simplesmente: tual) e domicilio (séde jurídica do indivíduo),
K Quem se fixa num lugar dum modo estável, esta- aceitam o princípio fundamental da coincidência
belece aí o seu domicílio.. do domicílio com a residência.
Confrontando agora as diversas fdrmulas de Mas o sistema da residência oferece duas ino-
definição é fácil reconhecer que a dois se reduzem dalidades, conforme se dá o predomínio ao ele-
os critérios ou sistemas de determinação e fixação mento objectivo e material do facto da habitação
legal do domicílio: o critério materzal ou econó- num dado lugar, ou antes ao elemento subjectivo
mico do estabelecimento, e o critério pessoal ou e intencional da voatade de querer adoptar como
juridico da residência normal, ou seja, a morada séde jurídica uma de várias residências ou habi-
habitual. tações.
Ao primeiro pertencem os códigos francês e Qual é o sistema do nosso código?
italiano ; ao segundo o nosso, o brasileiro e o Atendendo ao art. ~ $ 2 . ' ~que define domicilro
suíço, e também o .alemão, apesar de menos ex- voluntário o que depende do arbítrio do cidadão,
pressivo.
O sistema da residência é sem dúvida o pre-
ferível, não s6 porque o indivíduo tem muitas vezes Colin e t Capitant, I, pág. 4a2.
(1)
e necessario o que é designado pela lei, dir-se hia üma para'domicílio único, também se não deve
que prevalece a vontade ou intenção da pessoa. entender no sentido de puro e absoluto arbítrio,
E esta conclusão ainda parece confirmada pelo mas deve subordinar-se I condição de efectiva resi-
art. 43.0, determinando que, se o cidadão tiver dêncla.
diversas residências, onde viva alternadamente, E preciso não confundir a residência, que é
será havido por domiciliado naquela onde se achar, uma relação de facto, com o d o m i c i l i o , que é uma
excepto s e t i v e r declarado, perante a respectiva relação de direito, ein virtude da qual a pessoa 6 ,
câmara municipal, q u e p r e f e r e n l q u m a delas. para certos fins, pela lei considerada como presente
Mas em contraposição ao predomínio da von- num certo lugar, com fundamento numa relação
tade, e dando pelo contrário maior valor ao facto material existente entre a -pessoa e o lugar (I).
material da residência ou habitação, está o preceito Assim o indivíduo pode ter mais de un?a residén-
do 3 Único do art. 44.@,determinando que a comu- cia, e domicílio s6 em uma (art. 43.") ; e pode ter
nicação de mudança de domicílio, feita as respecti- a sua residência permanente num lugar, e o dorni-
vas câmaras municipais, s 6 produzirá os seus efei-- cilio necessário em outro lugar (art. 47.'-53.').
tos, desde q u e o p a r t i c i p a n t e t e n h a estabelecido Mas dizer-se que ;i residêwia é niera relação
n s u a m o r a d a n o concelho escolhido p a r a n o v o -
de facto não significa que o simples facto da resi- '
domicílio. dência, mesmo transitória e passageira, não tenha
Qual 6 , pois, a verdadeira doutrina? também alguns efeitos juridiyos, sendo, portanto.
Tomando em consideração que o código perfi- em relação a estes efeitos especialmente declarados
lhou expressamente o conceito da resid&ncitz per- na lei, considerada em certo modo como iim do-
m a n e n t e , que para a mudança de domicílio é neces- micílio.
sária a efectividade da nova residência, e que as E' assim que a simples residéncia é como tal
disposipões r e g u l n d o r a s d o d o m i c i l i o s ã o , a i e n f o considerada, entre outros casos :
o seu fim, d e interesse e o r d e m ptiblica ( I ) ,
a ) Para a determinação dos parentes que de-
parece-nos dever concluir-se que o elemento essen- vem formar o conselho de família (art. 207.") ;
cial e determinante do domicílio é o facto da resi-
h ) para a celebração do casamento (cód. do
dência habitual. reg. civ., art. 187.0, mod. pelo art. 2.4." da lei de
E assim as próprias disposições dos arts. 42." 10-VII-912);
e 43.0, dando ao cidadão O direito de escolher a
c ) para a competência do juízo nas acções de
seu arbítrio o seu domicílio, devem entender-se separação de pessoas e bens (c6d. de pr. civ.,
no sentido de que êste é sempre condicionado pelo art. a [ . " , n." 4.") e de divórcio (deo. de pxr-910,
, facto duma residência efectiva, se não permanente, art. 5.O);
pelo menos habitual. De modo que a faculdade
d ) para serem feitas as intimações dos actos
de escolher, entre diversas residências alternadas, judiciais (cbd. de pr. civ., art. 200.', 9 I.").

(1 ) Dr. Alves Moreira, pág. 201.


(1) Coviello, pág. r 72.
Mas pode acontecer que unl indivíduo não municipais de onde e para onde se pretende mudar
tenha residência alguma conhecida, ou a u e resida o domicilio ;
ora num ora noutro lugar, mas sem se fixar em b ) Estabelecimento efectivo da morada no
qualquer residência habitual. A todos estes casos concelho onde se quer ter o domicílio.
se aplica o art. 45.": < O cidadão que não tiver Entendemos, porém, que a declaração s6 é
residência permanente, será tido por domiciliado necessária para que a mudança produza imediata-
no lugar onde se achar a. mente os seus efeitos. De resto, desde que O
E' o mesmo princípio do art. 43.' para o caso indivíduo tenha estabelecido definitivamente a re-
de diversas residências alternadas. sidência no concelho, de modo que seja aí a sua
E não se pense que em tais casos o indivíduo residência permanente, ai e s6 aí será o seu domi-
tem maisede um domicilio, pois não é assim. Na cílio, por fôrça do art. 41.0 e do princfpio do do-
verdade em cada momento sb há um domicílio; o micílio Único ( ').
que o indivíduo tem, e i n tais casos, é a faculdade Os casos de domicílio necessário são os regu-
d e mudar o domicílio de momento a momento. lados nos art. 47.0-54.':
Como vimos, o domicílio pode ser voluntário a ) os menores não emancipados, os maiores
uu necessário (art. 42."). sujeitos a tutela, e a mulher casada não separada,
Dos arts. 40.O e 46." resulta que, além disso, o salva a djsposição do § 2." do art. 53.", teem res-
domicílio pode ser géral ou especial, conforme se pectivamente o domicilio dos pais, tutores e marido
refere aos direitos e obrigações não exceptuados ( art. 47.O-49.") ;
por lei ou convenção, ou. s6 a factos jurídicos de- b ) os maiores ou os menores emancipados,
terminados, para os quais e estabelecido iim domi- que servem ou trabalham habitualmente em casa
cílio particular. Com efeito, diz o art. 46.O: < O s de outrem, teem o domicílio da pessoa a quem
cidadãos podem estipular domicílio particular, servem, salvo o disposto nos arts. 48." e 49..
para o cumprimento de actos determinados, que (art. 50.O);
a lei não haja sujeito a certo domicilio, fazen- e ) Os empregados públicos, que exercem os
do-o por documento autêntico ou autenticado; não seus empregos em lugar certo, teem neste o seu
podem, porém, deixar essa escolha a arbítrio de domicilio necessário, terido domicílio voluntário
outrem. segundo as regras gerais, se não teem lugar certo
?junico. Falecendo algum dos estipulantes, a para o emprêgo (art. 5 1 . ~ , ún. ) ;
c o n v e n ~ ã oconserva os seus efeitos, em relação d 1 O s militares teem o seu domicílio no lugar
aos herdeiros, não tendo havido declaração em onde estão arregimentados ou onde fazem serviço ;
contrário ». os marinheiros da armada teem domicílio em Lis-
A escolha de domicílio geral voluntário por
transferência, nos termos do art. 44.O, depende,
como j á vimos, de duas condiçdes, que são cumu- (1)
No mesmo ~.entido,Dr. Aives Moreira, pag. 203;
Reo. de Leg. e Jurisp., xxxIir, pág. 327. Contra ac. Relação do
lativas :
Pôrto, de 27-x-71, 21-xr-;r, 27-11-75, no Direito, rv, pág. 16,
a) Declaração da mudança perante as câmaras 159,e vir, pag. 238.
boa; e os dos navios de comércio nss povoações deve antes chamar-se registo do estado civil, pois
a que pertencem os barcos, se por outra causa não hh outras espécies de registos públicos d e carácter
tiverem domicílio diferente ( a r t . 52.O); civil (I).
e ) O s condenados teem por domicilio o lugar O ideal da organização dos serviços do registo
onde estão cumprindo a pena, excepto no que res- do estado civil seria concentrar numa única repar-
peita As obrigaç0es contraídas antes do crime tição todas as indicações relativas i existência e
( art. 53."). ao estado das pessoas, de modo a constituir para
Mas deve entender-se, que também para os cada indivíduo uma espécie de arquivo ou cadas-
empregados públicos, militares e condenados, o t r o civil (=).
domicilio estabelecido pelos arts. 5 r . O a 53." é s6 Mas, em vez disso, O registo dos diferentes
para o caso de náo terem, pelo facto de serem me- factos e actos do estado civil de cada pessoa é dis-
nores, o domicílio dos pais ou tutores (analogia perso e fraccionado por diferentes lugares e diver-
dos artt. 50.' e 5z.O, 5 ún. ). sos modos de publicidade, por tal forma que muitas
Sendo o domicílio necessário a conseqüência vezes o prdprio intereisado não tem meio de rápi-
que a lei atribui a ' certos factos, é intuitivo que darnente obter os documentos de que precisa.
deixa de existir desde o momento em que cessa o Êste sistema é o resultado de circunstâncias
facto de que êle 'depende (art. 54.'). tendo desde históricas 'bem conhecidas. O s modernos registos
então o indivíduo o domicilio voluntário conforme do estado civil não são outra cousa senão a secu-
as regras gerais. larização dos registos paroquiais. Desde tempos
muito antigos o clero católico adoptava o sistema
12. Prova e publicidade do estado das pessoas. de ter alguns livros de registo, nos quais, por mo-
Registo civil. - O conhecimento de todos os factos tivos de contabilidade e de ordem religiosa, ano-
relativos ao estado das pessoas interessa essencial- tava todos os baptizados, casamentos e enterros,
mente a ordem jurídica da sociedade e a vida do
Estado. Não s6 é Útil para o indivíduo ter sua
disposição uma prova fácil do seu estado civil, A palavra registo, derivada de res e gestum (feito
(1)
mas é uma necessidade imprescindí.ve1 para os pela segunda vez!, significa, em direito, assento, nota, cópia
terceiros, que tenham ou queiram ter relações com ou extracto feitos em livros públicos para isso drstinados,
uma pessoa, conhecer a sua situação jurídica; e a designando tambem esses mesmos livros. Ora há diversos
administração pública, para exercer a sua activi- registos de' actos civis, alem do registo do estado civil: o
regtsto predial, para os actos jurídicos relativos a propriedade
dade, carece absolutamente da documentação ofi- imobiliária ( art. q 4 9 . O e seg.) ; o registo das tutelas de meno-
cial do estado civil dos indivíduos. res e interditos ( art. 30o.O ) ; O registo dos testamentos na admi-
A organização dêste serviço em repartições nistração do concelho ( art. 1935.O) ; o segrsfo das acções, arti-
piiblicas, por meio da inscriçao o u anotação, em culados e sentenças ( cod. de proc. civ., art. z q . O , 354.O e $56.");
O registo comercial (cód. com., art. 4 6 . O e seg.), etc.
livros adequados, dos diferentes factos e actos que
Peíiet, De lu publrctte en matidre d'etat et d'rncapa-
determinam ou modificam a condição jurídica das ( 9 )
cité des personnes (Revue Critrque de Leg. 1887); Baudry
pessoas, é o que se chama o registo cívil, mas La~antinerie,PrCcis, i r , pag. 20 e 21.
que se realizavam na área do seu sacerdócio. confiando aos provédores dos concelhos a redacção
Generalizado êstc sistema, foi regulado pelo Con- e conservação do registo civil.
cílio de Trento, que impds aos párocos de toda a Mas a execução do decreto não foi possível, e
Cristandade a ohrigacão de organizar e conservar o cbdigo administrativo de 1836 (art. 131.0 e 132.O)
regularmente registos para os nascimentos, bapti- dispoz que o registo civil continuasse a ser feito
zados e matrimbnios, e que depois se esten.deram pelos párocos, emquanto se não regulasse a trans-
também aos bbitos. Êstes registos, embora imper- ferência dêsse serviço para as autoridades adminis-
feitos, prestavam grandes serviços, especialmente trativas.
para a administração da justiça. Foi por isso que O código administrativo de 1842 determinou
e m França a ordenação de Blois, de 1579, determi- ( art. 255.') que o administrador do concelho fosse
nou que eles servissem para provar em juizo os também oficial do registo civil, devendo determi-
factos dos nascimentos, casamentos e bbi tos. E mais nar-se em regulamento as respectivas atribuiçoes.
tarde a ordenação de 1739, sôbre o processo civil, Mas, em vez de tal regulamento, foram publicados
estabeleceu algumas disposições sôbre os registos o s decretos de 19 de agosto de 1859 e 2 de abril de
paroquiais, determinando que fossem feitos em 1862, e para as colbnias o de 9 de setembro de 1863,
duplicado, para f i a r um exemplar na pardquia e regulando o modo por q u e os párocos deviam fazer
outro na comarca. o registo do estado civil.
Havia dêste modo um serviço público realizado O cbdigo civil instituíu e regulou o registo do
pela Igreja, mas sancionado e disciplinado pelas estado civil nos art. 2441.O e seguintes, dispondo
leis civis. O s párocos desempenhavam um ser- no art. 2457.' que a parte orgânica e a forma do
viço público, que era próprio do Estado, mas que registo seriarn determinadas em regulamentos es-
eles tinham expontâneamente assumido, suprindo pecia is.
a falta dos órgãos competentes da administração Depois os cbdigos administrativos de 1870 e
pública. 1878 atribuíram aos administradores de concelho o
Depois da Revolução o Estado avocou a si a registo do estado civil. Mas ' estes preceitos só
organizaçáo dêste serviço, ordenando as municipa- começaram a ter execução com o regulamento de
lidades O encargo de redigir e conservar os actos 28 de novembro de 1878. Para as col6nias tam-
do estado civil. E o cbdigo napoleónico discipli- bém foram depois publicados regulamentos ade-
nou depois a matéria num complexo de disposições quados ( I ) .
adequadas ( I ) .
Entre nbs o princípio .de que o. registo dos
actos relativos ao estado das pessoas é de carácter ( i ) Para a população não catolica de Macau e Timor foi
publicado o decreto de i5 de junho de 1.?87. Para as outras
puramente civil foi consignado no decreto n." 23
colónias; a excepção de Angola, foi publicado o decreto de 17
de 16 de maio de 1832 (artt. 68.", § a.", 69.O e 7 0 . 0 ) ~ de setembro de 1901, que mandava aplicar o regulamento de 28
de novembro de 1878, modificado para cada província em har-
monia com as suas circunstancias especiais. .Xa província de
Colin et Capitant, I , pág. 384 a 386 ; Ferrara, pág. 590. Angola ficou vigorando o regulamento aprovado por portaria
(1)
as todos esses diplomas foram substituídos é fzxada p e l a lei anteriormente e independente-
pelo actual código do registo civil (decreto de 18 mente do registo; o que fixa é o estado do indi-
de fe+ereiro de 191 r j, modificado pela lei de 16 de víduo ;
julho de I9[2 ) ( ). '
O registo civil deve definir-se pelo seu fim e
3.') e n ã o é s6 para os cidadãos, mas também
para os estrangeiros ;
pelo s e u conteiido ou objecto. 4.") finalmente, é puro êrro dizer-se que o
O fim do registo civil é definido no art. I . " d o registo civil serve de base aos direitos civis do
c6digQ : cidadão.
O registo civil, que o Estado institui por êste O conteúdo ou objecto do registo civil .é defi-
decreto coln f6rça de lei, destina-se a 3 x a r auten- nido nos artt. 2." e 3.', combinados com os artt. 55.°,
tiCaMente a indivz'dualidade juridica de cada r 7 2 . O , 174." e outros, e com o art. v.' da lei de 10
cidadao e a servir de base aos seus direitos ci- de julho de 1912.
i Êste artigo era dispensável, por ser de ma- Segundo essas disposições vê-se que o registo
téria puramente doutrinária. Mas, a ser formulado, civil tem p o r objecto -a inscrição nos livros, para
devefia dizer simplesmente : o registo civil desti- este fim destinados, de todos os actos ou factos
,, a fZxar autenticamente o estado civil das relativos a o estado das pessoas, tais como: nasci-
pess~@~- mentos, casamentos, bbitos, reconhecimento de
~ s s i mcomo está, O art. I é inteiramente
.O filhos ( perfilhações e legitimações ), declarações
inexacto de nulidade e anulações de casamento, divórcios,
,.O ) não instituiu, como diz, o registo civil, emancipações, interdiçbes, naturalizações, perda da
que jb existia, sendo até regulado por muitos diplo- qualidade d e cidadão, e semelhantes.
-
mas; O que fez foi torná-lo obrigatório ; E vê-se também que a inscrição dos actos ou
não fixa a individualidade jurídica, que factos do registo civil consiste:
a ) - n o lançamento de assentos dos factos ou
actos principais nos respectivos livros, que são
de 22 de agosto de 1882, obrigat6rio para todos, essencialmente quatro e em duplicado - o livro de
c a t ~ l i c o s o unão. Para a India, foi publicado o decreto de 12 registo de nascimentos, o de casamentos, o de óbi-
de julho de 1902, aprovando o regulamento do registo civil, tos, e o de reconhecimentos e perfilhações ;
para não cristãos.
6 ) na anotação, menção ou averbamento,
( * ) O art. 361." deste código determinou que êle seria margem dos assentos, dos outros actos do estado
posto'em vigor nas colónias por meio de diplomas especiais,
as necessidades e usos peculiares de cada uma civil.
delas. E assim foram publicados: Vê-se, finalmente, das diferentes disposições
a ) para a India o decreto de 9 de novembro de 1912; s6bre o registo civil, que são obrigatbrias as ins-
b ) para Cabo Verde o decreto de r4 de outubro de 19'3; crições de nascimentos, casamentos, bbitos, per-
c ) para Moçambique a portaria provincial &e 13 de março filhaçdes e legitimações não proibidas, ou que não
de 1919;
d ) para S. Tomé e Príncipe o decreto n.* 6324 de a de constem de sentença, emancipações, interdições e
janeiro de 1920; naturalizações, sendo facultativas as outras.
Esta distinção das inscrições, que são obriga- A lei estabelece regras especiais sdbre'a forma
tbrias ou não, tem uma grande importância, porque, dos actos do estado civil, s6bre as declaragdes ou
nos termos do art. 4.O, sb podem de futuro provar-se mençdes que devem conter, sôbre os documentos
pelo registo civil os factos que dêle dependem, salvo que devem apresentar-se e com êles arquivar-se, etc.
o disposto no art. 7.O para os nascimentos, casa- Mas não diz a lei quais de entre as diversas
mentos e óbitos anteriores ao código de registo condiçdes de fbrma são essenciais, isto é, aquelas
civil, que continuam a provar-se pelo registo paro- cuja falta importa a nulidade do acto.
quial. E para se ver a importância e dificuldade do
Tratando-se de factos sujeitos ao registo civil, problema basta notar que, perante o silêncio ana-
mas que nele não estejam inscritos, ou não o este- logo da lei italiana, os melhores autores italia-
jam na fórma da lei, determina n art. 5 . O que pode nos apresentam soluções muito diferentes. Assim
entretanto admitir-se qualquer outra espécie de Coviello ensina: «os actos do estado civil são
prova, salvo o disposto nos artt. 17."-2r do decreto
.O nulos, e portanto não teem eficácia probatbria,
D," 2 de 25-XH-910, e excepto se a falta de registo sòmente quando falta uma das formalidades subs-
fôr imputável A parte interessada, que só pode então tanciais exigidas pela lei para a sur existência; isto
recorrer aos meios. judiciais ordinários (art. 6.'). é, se não foram exarados pelo oficial do estado
As características essenciais dos actos do registo civil, ou não foram inscritos nos registos mas em
civil, atendendo ao seu fim e objecto, devem ser a fBlhas volantes. A falta de qualquer outra forma-
autenticidade e a publicidade. lidade não torna nulo o acto: êste pode ser rectifi-
A autenticidade resulta do facto de ser o registo c a d o ~(1).
confiado a funcionários piiblicos, a cuja responsabi- Ferrara, porém, é muito mais exigente, consi-
lidade fica a celebração, redacção e conservação dos derando como requesitos essenciais:
actos do registo, bem como a extracção das respe- I ) que o acto seja exarado por um oficial do
ctivas certidóes. estado civil, investido pela lei ou por delegação no
Mas O cbdigo do registo civil (artt. 295.0 e poder de o exarar, não incapaz e competente por
seg.) não adoptou o sistema da publicidade, deter- territbrio ;
minando que as cbpias literais ou certidões de teor, 2) que contenha a data, isto é, a indicação do
requeridas por qualquer pessoa que não seja aqiieia lugar 6 tempo em que o acto é formado;
a-quem O acto se refere, seti representante legal, 3 ) a assinatura cio oficial, que imprime ao
descendente'ou ascendente, s 6 seriam passadas com acto o carácter de autenticidade ;
autorização do delegado do procurador da repú- 4 ) emfim, o acto deve ser inscrito nos regis-
blica. tos do estado civil e não em folhas volantes (%).
Porém a lei de 10 de julho de 1912 (art. j9.O) Qual destas orientações será a da nossa lei?
veiu corrigir êste defeito do cbdigo, determinando
que a todas as pessoas é licito requerer qualquer
certidão dos livros do registo civil ou paroquial, e ( ) Coviello, p&g.19.
cujos registos por lei se não conservem secretos. ( a ) Ferrara, pág. 593 e 594,
Se nos guiassemos pela letra do art. 3." do
decreta n.0 2 de 25 de dezembro de r910, na parte
em que determina que só B válido o casamento
celebrado pela forma estabelecida na lei civil,
teríamos de concluir pela oulidade dos actos do
estado civil, sempre que eles não fassem praticados
e exarados com todas as condiçdes de f6rma esta-
belecidas na lei.
E semelhante doutrina levaria a uma enumera-
ção de requesitos essenciais ainda mais exigente
que a de Ferrara. PESSOAS COLECTIVAS
Mas éste não 8, por certo, o sistema da nossa
lei, que ainda mais nítidamente se revelou no
art. 4 3 . O da lei de ro de julho de 1912, permitindo
por uma simples justificação, instruída perante o 13. -Existência de pessoas colectivas. Desenvolvimento his-
oficial do registo civil e julgada pelo Conservador tórico do seu conceito juridico.
Geral, a emenda, rectificação, aditamento ou alte- 14. -Teorias sòbre o conceito e fundamento d a personalidade
ração dos assentos do registo. colectiva.
Por isso nos parece que o sistema da nossa lei 15. - Elementos constituitivos da pessoa colectiva.
16. - Classificação das pessoas colectivas.
é precisamente o da doutrina de Coviello. 17. - Corporações e fundações ou instituiç6es.
-
18. Pessoas colectivas públicas ou de direito público, e pri-
vadas ou de direito privado.
19. - Pessoas civis e eclesiisticas.
zo. - Pessoas colectivas nacionais e estrangeiras.
21. -Classificação legal: pessoas morais e sociedades, perpe-
tuas e temporárias.
i z . - Corporações e instituições que não são pessoas colectivas.
-
23. Constitu~çãodas corporaç6es e instituiç6es.
aq. - Organização das pessoas colectivas : estrutura interna e
representação externa.
25. - Capacidade das pessoas colectivas : principio geral e res-
triç6es.
26. - Funcionamento e transformação das pessoos colectivas.
27. - Ertinção das pessoas colectivas. Destino do patrimbnio.

13. Existência de pessoas colectivas. Oesenvolvi-


mento histórico do seu conceito jurídico-E certo e
sabido que a ordem jurídica de todos os tempos
reconheceu sempre, pelo menos a partir do direito
romano, certas organizações ou instituições sociais de pessoas ou qualquer conjunto de bens destina-
que, A semelhança do individuo, são admitidas no dos a um fim; é necessário que a união de pessoas
comércio das reiaçdes jurídicas, como sujeitos d e ou a afectapio de bens seja uma instituição de tal
direitos e obrigaçbes, constituindo portanto enti- modo constituída e organizada, que seja idónea
dades dotadas de personalidade ou individualidade para dar vida a uma unidade orgânica, a uma en-
jurídica. tidade real, capaz de ser reconhecida pelo Estado
Ao lado das pessoas individuais, denomina- ou pela ordem jurídica, como uma individualidade
das também singulares, fisicas, reais, corpóreas, própria, distinta da das pessoas que compõem o
naturais, existe, com efeito, a categoria das pes- corpo colectivo ou o administram, ou a quem são
soas colectivas, também denominadas ficticias; destinados os bens.
artipciais, abstractas, incorpóreas, m i s t i c a s , Pessoa colectiva é pois, como diz Ruggiero,
sociais, morais e furidtcas ( I ) . <toda a unidade orgânica resultante de uma co-
. Sempre que uma necessidade humana, um fim lectividade organizada por pessoas ou por um
de carácter mais ou menos permanente, não fhcil- complexo de bens, .h qual o Estado reconhece
mente realizável com as forças e actividade dum capacidade de direitos patrimoniais para a realiza-
só indivíduo, determina várias pessoas a reunir-se ção de um fim social duradouro e permanenteb- (').
e a cooperar para o mesmo fim, ou levar alguém a Nas antigas fontes do direito as pessoas CO-
destinar-lhe dum modo estável e duradouro um lectivas tinham diversa terminologia.
complexo de bens, forma-se assim uma instituição Assim no antigo direito romano fala-se apenas
de natureza social e colectiva, com uma organiza- das corporações ou colectividades de pessoas-
ção jurídica apropriada, a qual, para a satisfação universiiates, corpora, collegia. No peri odo jus-
das suas necessidades e consecução de seus fins, tinianeo, para designar a outra espécie de entes
se constitui, perfeitamente como as pessoas indi- colectivos, fala-se de pias causae, pia corpora.
viduais, o centro de propulsão e atracqão de uma O direito canónico chama corpus mysticum h
vasta série do relações jurídicas. pessoa colectiva, e o antigo direito frances em-
O modo de ser desta entidade colectiva, que prega as expressões corps, communaz~tésOU gens
é uma verdadeira unidade social, vai assim, no de main-morte, para traduzir. o seu carácter de
desenvolvimento da sua actividade própria, repre- perpetuidade.
sentar de facto um verdadeiro sujeito-de direitos
e obrigacoes, e, portanto, não compete ao Estado
senão reconhecer-lhe o mesmo atributo juridico
dos indivíduos, ou seja, a personalidade. ( 1 ) Ruggiero, pág. 353. Ruggiero, assim como a maior
parte dos autores italianos e alemães, e os c0digos modernos
Mas está bem de ver que, para existir uma (alemão, suíço e brasileiro) adopta a denominação de pessoas
pessoa colectiva. não é bastante qualquer reunião juridicas. Nos preferimos a de pessoas colectivas, não só por
ser também adoptada pelo nosso código (art. 3 8 2 . O ) , mas
sobretudo por ser a mais adequada, pois a verdade e que a s
pessoas de instituição social não são mais nem menos jurídicas,
(1) Supra n.' i ; Os Prznczpios, I, pág. 60, 233-135.
ou antes o são menos que as pessoas individuais.
No século XVIII entrou em voga a denominação um sistema unitário de princípios se torna extre-
de pessoa moral, que foi a dominante até aos mament e árduo.
tempos modernos, sendo ainda hoje adoptada in- NO direito romano as corporações são colecti-
distintamente com a de pessoas jurídicas por alguns vidades de carácter piiblico às quais a lei reconhece
dos melhores civilistas franceses ).- capacidade jurídica. Á semelhança dos municípios
O conceito de personalidade colectiva é, no é concedido aos colégios cor$-pus habere, isto é,
dizer de Ferrara, um dos conceitos mais tormen- ter uma caixa comum e uma representação em
tosos da teoria geral do direito; e é singular que juízo. A concessão é um privilégio do Estado, e
;s numerosas e sempre mais penetrantes investi- imprime às associaçbes um regulamento público;
gaçdes, em vez de esclarecer o problema, o teem dai o carácter de perpetiiidade, a tutela, a devolu-
cada vez mais complicado: a multiplicidade de ção ao fisco do património das corporaçdes extin-
teorias, o choque das polémicas, a disparidade de tas. A universitas é uma unidade diversa dos
concepçdes teem quási sempre obscurecido a visão seus singulares membros, puramente ideal, inca-
do instituto. Certo que há para isto razoes intrín- paz de querer e agir;-mas é t r a t a d a como pessoa
secas de dificuldade. A primeira 6 que o conceito - personae vice fungitur. O direito romano
de personalidade colectiva tem variado histó- reconhece só as corporações, e n8o as instituiçõek
ricamente: um foi o conceito do direito romano, como pessoas colectivas. As fundações da época
outro o do direito germânico, outro o do direito imperial eram disposições fiduciárias de bens feitas
canónico. Todas estas concepçdes antitéticas se a cidades, a colégios ou ao imperador ; e quando na
encontrzm na prática, muitas vezes amalgaman- época cristã surgifam as primeiras fundaçbes de
do-se entre si, e dando lugar a um sistema beneficência ou d e culto, estas eram consideradas
caótico e contraditório. A isto acresce que a dependências ou pertenças das ecclesiae, sendo um
teoria romana era a teoria da corporação; mas anexo dos institutos e estabelecimentos eclesiás-
O conceito da universitas extendeu-se depois As ticos.
obras pias e fundaçdes, e êste alargamento foi fatal O direi to canónico transformou completamente
para uma concepção unitária das pessoas colec- a concepção romana, não só pela criação do con-
tivas. ceito espiritual e transcendente de instituto, mas
Note-se por fim a extensão moderna do conceito colorindo todas as corporaçóes de uma tinta insti-
de pessoa colectiva aos entes de direito público, a tucional. A Igreja não é concebida como a unz-
começar pelo Estado e outros entes territoriais, versztas fidelium, mas sim como o império d e
aos institutos eclesiásticos. etc., e a complexidade Deus sobre a terra, como uma unidade mística,
e variedade de novos fenbmenos associativos, que invisível, e todos os institutos eclesiásticos órgãos
se integraram no mesmo esquema jurídico, e ver- da Igreja são considerados como entes ideais fun-
-se há claro como o propósito de tudo reduzir a dados por uma .vontade superior. Todo o estabe-
lecimento ou benefício eclesiástico dotado de patri-
mónio é tratado como um ente autónomo, isto é,
(1) Colin et Capitan, pág. 653 e seg. como tendo uma existência própria; e h medida
que aumenta a especialização e localização dêstes seu conceito ideal de instituiçáo, mas sofrem a
benefícios, assim aumenta o numero dos institutos influência da prática, e são forçados a íazer con-
eclesiásticos. cessões. X mesma divergência domina a doutrina
Com êste conceito desenvolve-se a idea da civílista. Bártolo diz que realiter a universitns e
fundação autónoma : o Piqm corpus, o hospitalis, idêntica à soma dos membros, mas secundum
a sancta domus constituem sujeitos de natureza jSctionem j u r i s repraesentat u n a m personam.
ideal transcendente. A universitas 6 um corpus A pessoa colectiva como ente ideal nao pode que-
mysticum, um nomen j u r i s : est imaqo quaedam, rer, mas se todos procedem em forma corporativa,
q u a e magis intellectu, q u a m sensu percipiatur. universitas ipsa agit, e pode também delznquere
Ao lado desta transcendente e subtíl elabora- et punzri criminaliter. E assim a teoria da cor-
ção filosófica, surge na doutrina uma multidão poração é condenada a uma contínua confusão de
de concepções materialistas derivadas do direito opiniões, em que se reflectem antíteses inconci-
germânico. Parece que o antigo direito germânico liáveis.
não atingiu a fdrça de abstracção capaz de conce- Na época modernâ as associações e insti tuiçdes
ber um ente distinto da coledividade dos indiví- interessam os legisladores principalmente no ponto
duos associados. A vida germânica apresentava de vista político. É que tendo os entes colectivos,
uma série abundantíssima de associaçoes (colecti- especialmente os institutos religiosos e de piedade,
vidades regionais, comunhbes familiares, genos- acumulado uma riqueza enorme em bens imobi-
senchaften, gilde, etc. ), em que há pluralidade de liários, que eram assim subtraídos B circulação do
comunitários estreitamente vinculados e organiza- comércio, dizendo-se por isso entes, corpos ou
dos entte si, mas sem haver aabstracção dum ente bens de mno m o r t a (como se os tivesse agarrado
ideal que se destaque da colectividade dos indiví- para sempre a mão dum morto), inaugurou-se um
duos associados. Além disso, nas institutçóes e largo movimento legislativo no sentido da supres-
fundações o direito germânico só vê o lado mate- são de uma grande parte dessas instituiçdes ecle-
rial, e considera os hospitais, os asilos e conventos siásticas e de caridade, e da conversão dos seus
como u m a propriedade do Santo a quem são con- patrimónios, formulando-se ao mesmo tempo nor-
sagrados, ou então considera o estabelecimento, o mas destinadas a impedir a reconstituiçáo da mão
p i u s Eocus, como sujeito dos bens. morta, sujeitando a um regíme de autorização, fisca-
Todas estas ideas heterogéneas veem na idade lização e incapacidade patrimonial as novas associa-
média a fundir-se no laboratório da jurisprudência ções que se quisessem constituir.
romano-canonística, e é fácil imaginar-se a misce- Daí os novos aspectos do problema da perso-
Pânia que daí tenha resultado. Os glosadores con- nalidade colectiva, a respeito do seu fundamento e
sideram simplesmente a corporação como o con- substracto, e da intervenção do Estado na sua cons-
junto dos associados - Universitas nihil akiud tituição e vida ( L ) .
est, nisi singuli homines, q u i zbi sunt. É por isso
uma pluralidade capaz de agir, de contratar, de
cometer delitos. Os canonistas desenvolvem o
( 1 ) Ferrara, pag. 599-601.
14. Teorias s6bre o conceito e fundamento da per- de homens, ou de um património destinado a um
sonalidade colectiva- Dada a existéncia de pessoas fim social, desde que mereçam A ordem jurídica
colectivas, reconhecida pelo direito positivo, e a uma especial consideração, concebem-se como uma
variabilidade histórica do seu conceito jurídico, unidade intelectual, fznge-se que há aí uma pessoa,
bem se compreende como a moderna sciência do e atribui-se-lhe a capacidade, elevando-a A catego-
direito se devia esforçar pela construção dogmá- ria de sujeito de direito.
tica da teoria da personalidade colectiva. E também A teoria da~ficção,tendo a sua focte no direito
desde logo se compreende como dêste esforço re- romano, foi constituída e desenvolvida pelos ale-
sultou naturalmente uma infinidade de doutrinas mães (Savigny, Windscheid, Puchta, Unger), e
e concepçdes destinadas a justificar ou explicar teve enorme repercussão e voga tanto na Itália
o interessante fonómeno jurídico. como na França, onde dominou até aos iiltimos
E para mais fácil apreensão do vasto conjunto tempos do século passado.
de tantas teorias, comecemos por classificá-las. Mas 6 bem de ver qcie esta teoria não podia
Há teorias que explicam a personalidade colec- resistir ao trabalho 'de renovação da moderna
tiva por um processo racionalista de pura abstrac- sciência do direito.
ção, formando da pessoa colectiva .um conceito Que uma tal concepção, diz Ruggiero, seja
puramente ideal ou intelectual. São as teorias imprópria para descrever a verdadeira essência
metafísicas. das pessoas colectivas, facilmente se entende : a
Outras, pelo contrário, procuram encontrar ficção é mero artiricio, com o qual se não pode
na análise e na realidade dos factos a existência e criar' um ente, que seja distinto das pessoas singu-
a explicação do fenómeno, atribuíndo as pessoas lares dos membros da corporação ou dos adminis-
colectivas um conceito positivo de existencia real. tradores e destinatários dos bens da fundação. Se
São as teorias positivas ou realistas. o sujeito não pode ser senão o homem, e aqui não
Outras, finalmente, rejeitam o conceito de existe um tal sujeito, nada se consegue em fingir
- personalidade colectiva, procurando mostrar que a que êle existe. Nem vale mais declarar que a ,
Bgura dessas pessoas colectivas se reduz sempre a ficção se deve reduzir a uma relação de analogia,
um sistema de relaçoes jurídicas cujos sujeitos são eni virtudr da qual, devendo referir-se o direito a
pessoas individuais. São as teorias negativistas. um sujeito diverso do homem, se concebe um ente
As principais teorias de carácter metafísico antropomorficamente, ao qual como sujeito é atri-
reduzem-se a três: a teoria da ficçiio, a da vontade buido o direito, analogamente ao que acontece
e a do ente ideal. com - as pessoas individuais. Pois também aqui
A teoria da $cção, partindo da idea de que só nada há de real no sujeito, visto que a sua exis-
o homem pode ser sujeito de direitos, pois além tência é, e permanece, apenas imaginária ( I ) .
da pessoa física não há na realidade outros seres Por isso alguns escritores, ainda na orientaçâo
capazes, concebe a personalidade colectiva, pura
criação do espírito, como uma entidade suposta
ou fingida: dada a existência de uma associaçaio
..-.. 113
. .. ......

racionalista, procuraram determinar por outro pro- bém é idónea para criar entes, que não são imagi-
cesso a essência da personalidade colectiva, e des- nários ou fictícios, mas entidades efectivamente
cobrir um sujeito nos seus elementos constitutivos. existentes. 40 sujeito natural, representado pelo
Zitelmann, numa monografia sdbre o conceito homem, contrap0e-se o sujeito ideal, representado
e a essência das chamadas pessoas juridicas, publi- pelas pessoas colectivas : o sujeito não é portanto
cada em 1873, construiu nesta ordem de ideas a a vontade da associação ou a do fundador, mas
teoria da vontade ( I ) . 1 sim o ente que por aquela vontade é criado, e tem
Segundo Zitelmann, é a vontade o poder que uma existência efectiva embora ideal sòmente ( I ) .
cria o sujeito : uma vontade pública ou privada, Estamos em plena teoria da vontade, e em todo
que, manifestada em conformidade com as normas o czso no puro domínio da abstracção e das idea-
da ordem jurídica, é em si e por si capaz de dar lizaçôes. Tanto basta para se concluir que a teoria
vida ao organismo, e que por isso deve ser tomada é insuficiente.
em si e por si como sujeito. Ora esta vontade é As principais teorias realistas são a teoria
nas corporações a vontade complexiva, distinta das orgânica, a do patvimdnio-fim, e a da institufqão.
vontades singulares dos seus membros, e diversa Estas teorias são uma reacção ao mesmo tempo
da soma delas; e nas fundaçbes a vontade de quem contra as concepç0es metafísicas ou puramente
deu aos-bens um destino, a qual, objectivando-se, idealistas da personalidade colectiva, e contra as
se destaca da pessoa que a teve e a manifestou, doutrinas negativistas.
constituindo-se como entidade existente por si A que mais autoridade conquisiou, sobretudo
mesma. na Alemanha, é a teoria orqânica, que afirma a
Contra esta teoria basta observar que, se não existência de organismos sociais dotados de capa-
se. finge a existênda de uma pessoa, arvora-se em cidade jurídica substancialmente idêntica h capaci-
sujeito uma entidade abstracta, o poder da vontade, dade natural dos indivíduos.
e personifica-se a vontade, por meio de um processo Mas esta teoria oferece duas moddidades dis-
que em nada corresponde A realidade das cousas. tintas -a forma bzclógica ( Gierke) e a forma
Muito semelhante ,a esta, embora um pouco sociológica ( Michoud ).
diferente, B a teoria do ente ideal, de Cicala: as Segundo Gierke, o homem é considerado pes-
pessoas colectivas são entes ideais, criados pela soa emquanto é capaz de querer, e como há outros
vontade, mas que existem não obstante a sua natu- organismos naturais como o homem dotados de
reza puramente ideal. Assim como a vontade é vontade, a esses se deve estender também a perso-
capaz de dar vida As relaçdes jurídicas, assim tam- nalidade jurídica. Ora as corporações e as insti-
tulçdes forniam precisamente pessoas reais colecti-
vas, organismos sociais, que súrgem, ou por facto
natural histórico, ou por constituição voluntária, e
( i ) Begrcf und Wesen der sogenannten juristischen
Personen. Segundo refere Ferrara, Zitelmann abandonou
depois esta teoria. Ferrara, pág. 603, quaiifica de realista a
teoria de Zitelmann.
*
que são corpos sociais dotados de vida autbnoma. res, como Bernatzik, na Alemanha, e Michoud, em
Estas pessoas colectivas, que o direito não cria, França, trataram de modificar a teoria orgânica,
mas declara, são capazes de querer e de agir, e 'expurgando-a do vício orgânico biológico, e acres-
portanto devem gozar de uma subjectividade pr6- centando-lhe um elemento novo, o interesse digno
pria ( '). da protecção jurídica. '

Esta teoria, que era afinal uma simples aplica- Segundo esses autores, o que caracteriza a
ção da teoria organicista do conceito das socieda- essência ou substractum do direito subjectivo, e
des humanas, consideradas como verdadeiros orga- portanto da personalidade jurídica, não 8 só a
nismos vivos, teve um êxito clamoroso, apoiando-se cap~cidade de querer, mas também e principalmente
em metáforas brilhantes de S O C ~ ~ ~ O ~e Oilustran-
S . a existência do interesse jurídico ; e, por consequên-
do-se com as mais abstractas concepções de filóso- cia, são titulares de direitos, não s6 os entes indi-
fos do último quartel do século passado. E teve o viduais, mas também os entes colectivos, que
grande mérito de pôr em relevo a realidade das tenham um interesse colectivo e permanente, e
pessoas colectivas, estudando com abundância uma organização capaz de desenvolver uma von-
maravilhosa de dados a sua evolução, estrutura e, tade própria ( I).
vida, de ter provocado a extensão do conceito de Como se vê, êste aspecto da teoria orgánica
personalidade colectiva da esfera do direito pri- já se aproxima bastante da realidade da vida jurí-
vado As relações de direito público, e de ter exer- dica ; mas tem ainda o vício fundamental do orga-
cido uma influência benéfica no movimento legisla- nicisrno, considerando as próprias fundacoes como
tivo e doutrinário em favor do regime de liberdade entes capazes de desenvolver uma vontade própria.
das associações. Como reacção contra o carácter exclusivamente
Mas no terreno da sciência pura a teoria oiga- subjectivista do conceito das pessoas c~lectivas
nicista não resistiu à crítica severa que a breve apareceu uma teori-a realista, que eleva a sujeito
trecho se lhe contrapds : o conceito de organismo de direitos certos património^-os destinados a um
social idêntico a organismo natural, considerado fim de interesse colectivo. E a teoria do fiatuirnó-
como um superorganismo composto de várias per- azo-f2m ( Zweckvevmõqen), devida também a auto-
sonalidades humands, e tendo uma vida própria res alemães (.Brinz, Bekker, Demelius ).
corpórea e espiritual, foi afinal apreciado como -
Estes autores, repelindo a idea da necessídaiie
sendo o fruto de uma imaginação fantastica a piira de um sujeito representado sempre por pessoas
concepção mística e transcendente. Ilsicas, e concebendo como tal o complexo de bens
Foi naturalmente por isso que alguns auto- destinados a u m fim, personalizam êste organismo
patrimonial, isto é, o património emquanto B des- .
tinado a um fim social. Para estes autores, o patri-
(') Esta teoria foi largamente desenvolvida por Gierke
-
nas suas obras notáveis Das deutscke Gcnossensckafts~echt,
Genossenschaftstkeorie, irnd die deutsche R e c k t s ~ p r e c k u n ~e, Michoud desenvolveu e sua teoiia na celebre mono-
(1)
Deutsches Priuntrecht. -grafia - t a théorie de Ia personalité morale.
mónio não s6 pode pertencer a alguém, mas pode que se personaliza 6 o estabelecimento, o servigo
existir para alguma cousa sem pertencer a ninguém: público, a instituição: as pessoas colectivas são
aos patrimónios individuais contrapdem-se os patri- organizaçbes sociais para a realização de um fim,
mónios destinados a um fim. O fim é o ponto para o desempenho de um serviço. Não são entes
central, em volta do qual vem constituir-se um vivos com vontade natural, mas sujeitos intelec-
património destinado ao seu serviço. Por isso tuais, institutos personalizados. Esta teoria. não
rião h á que fazer uma distingão das pessoas, mas faz mais do que ampliar o conceito de instituição
sim a' distinção dos patrimónios. E um escritor a todas as categorias de pessoas colectivas.
(Schwartz) foi ainda mais longe, dizendo que no Ferrara critica assim esta teoria : sesta constru-
lugar do sujeito deve colocar-se o /zm juridico ( $). ção, que 6 bastante satisfatória para as instituiçbes
A teoria do patrinzónio-fim deve antes quali- e fundaçoes, perece forçada para as corporaçbes,
ficar-se de negativista, e como tal parece consi- suprimindo a colectividade dos associados, que
derá-la Ferrara, quando diz que ela se choca contra formam porém o elemento' dominante na estrutura
a possibilidade de admitir permanentemente direi- das pessoas colectivas de carácter associativo~(l).
tos sem sujeito. Mas, como quer que ela se con- Mas crítica bem frouxa é esta, e que afinal bem
sidere, é em todo o caso inadmissível, porque fal- se explica, porque a doutrina formulada por aquele
seia a posição dos associados nas corporações e eminente civilista não é no fundo senão a teoria
dos administradores nas fundações, reduzindo-os da instituição
a servos do fim, e desconhece os casos em que E 116s também penssmos que esta é a melhor
falta um património para nele se personalizar o doutrina.
sujeito, podendo haver, e havendo de facto, pes- As teorias negativistas partèm todas de um
soas colectivas que não teem um património, em- princípio comum: B o de que as pessoas colectivas
bora tenham capacidade de o adquirir ( 2 ) . se reduzem sempre a indzviduos associados ou orga-
Como teoria reàlista consideramos também a nizados, mas os sujeitos são eles mesmos. E por
teoria da institutcáo, elaborada pelos autores d e isso Ferrara os qualifica de individualistas.
direito administrativo francês ( ), e desenvolvida São ainda muitos os partidários da doutrina
na Alemanha por Ennecerus, Behrend e outros. que rejeita o conceito de uma personalidade co-
Segundo esta teoria, nas pessoas colectivas o lectiva, si3bre tudo entre os escritores alemães, o

( i ) Ferrara, pág. 602 e 603. A teoria do patrtmdsio-$m (I) Ferrara, pag. 607.
chegou a ter um certo acolhimento na Itália, sendo desenvol- (2) Basta notar que logo a seguir escreve Ferrara: r NO
vida por Bonelli- i.u parsonalita giuridica dei b e n ~rn kqui- estudo dêste terna eu tenho-me sempre e cada vez mais con-
dafione giudi3iaie (Rzuzstn italiana par le scien~egiurzdicke, vencido de que, conforme com o desenvolvimento histórico, as
1 8 8 7 ) ; La teoria Jella persona giuridita (Rzvista dz dzritto pessoas jurídicas teem um substracto diverso, irredutível a um
ciuzle, 1910). esquema único, e de que a unidade do instituto é dada apenas
( 9 Ferrara, pág. 603; Ruggiero, pág. 355 e 356. pelo conceito de sujeito jurídico, que o direito objectivo pode .
( 3 ) Hauriou, Précis de droit adminzstratif, pág. ó e seg. dar a qualquer substracto~.
que bem se explica porque esta corrente foi escritores alemães uma outra teoria negativa das
lançada e vigorosamente sustentada por um dos pessoas colectivas, segundo a qual tudo se reduz a
maiores espíritos de jurisconsulto da época con- uma relagão juridica. Assim: Ferneck ( I ) analiza
temporânea ( Ihering ). uma série complicada de relações distintas entre
, Segundo Ihering o sujeito encontra-se sempre membros e órgãos, entre órgãos e terceiros, e de
nos homens. Toda a instituição é sempre e neces- órgãos entre si ; Holder (3) distingue entre asso-
sàriamente destinada a benefício dos indivíduos, ciaçdes egoistas e altruistas, vendo nas primeiras
de especiais pessoas físicas ou grupos de pessoas; uma relação entre os indivíduos análoga B das
são porisso sujeitos nas pessoas colectivas de tipo sociedades (s), e nas segundas, em que se com-
corporativo os membros da associação, e nas do tipo preendem todos os entes públicos, uma relação
de fundacão os destinatários do património, isto entre os administradores do património e os asso-
é, a série dos indivíduos em proveito de quem os ciados; os administradores são sujeitos dum patri-
bens são destinados, como os doente's dos hospi- mónio de oficio, teem competência e obrigaçbes
tais, os mendigos dos asilos, e assim sucessiva- oficiais ; e esta realidade é mascarada por uma ficção
mente. Na doutrina de Ihering a personalidade de personalidade, isto é, pelo tratamento do patri-
colectiva é apenas um instrumento técnico, um mónio de ofício como se f6sse património dum
mecanismo, um veiculo das relaçbes que interce- ente diverso. Na mesma orientação diz Binder ( I )
dem na colectividade. E a personificação não é que, nas corporaçdes, sujeitos são todos os mem-
senão a forma de adaptação de um património aos bros. A unidade na pluralidade não existe: a
interesses e aos fins de pessoas indeterminadas (I), pessoa jurídica não é uma cousa em si, mas um
Na mesma Ordem de ideas Van den Heuvel conceito de relação. E Stammler (6) diz que a
considera a personalidade colectiva como absurda personalidade é apenas um m6todo de c9nceber
e inútil, dizendo que as sociedades personificadas unitiriamente as relaçbes dos membros. E, como
não são senão sociedades privilegiadas, e que dizia Meurer ( e ) , O tratamento unitário da plu-
nelas tudo se reduz a um complexo de privilégios ralidade dos membros nas corporaçbes ou dos des-
e derogações do direito comum; e Vareilles-Som- tinatários nas fundaçbes.
mières acrescenta: a pessoa jurídica é um simples A simples enuncíação das diversas teorias
efeito bptico, porque, na realidade, do que se trata
é de um regime especial por meio de clAusulas a
que estão sujeitas as sociedades personificadas (%).
f * ) Dle Rechtswzdrigkeit, pás. 244 e seg.
Modernamente tem sido definida por vários (2) h-aturlische und juristzsche Personen.
{ a ) Para compreensão desta terminologia deve ter-se
presente a distinção que na tCcriica juridica se faz entre asso-
( 1 ) Iheridg, Gelst des romzschen Rechts, rrr, $5 60 e 61 ; ciação (fimideal ou moral) e sociedade (fim lucrativo). Veja
Zweck zm Recht, pág. 460 e seg. ; Ruggieyo, pag. 355. as nossas Sociedades e empresas comerciais, capitulo I .
( 9 Van den Heuvel, De la situation Zégale des associa- (4) Das Problem der Re~htspersonlichkeit.
lions sans but lucrutzf en France et en Belgique, pág. 56; (5j Uebestimmtheit des Rechtssubiekts.
Vareilles-Sommières, Les personnes morales. (6 j Dze jurzsttschen Personen.
negativas mostra logo que só uma delas tem im- tam também potencialmente da obra da instituição,
portância apreciável. E a de Ihering, que, de e ainda mesmo a sociedade em geral. Neste último
resto, na sua essência, não é senão a teoria do aspecto a teoria transforma-se numa outra que foi
do património--fim, património ou propriedade dominante na época da revolução francesa, pela
coleciieia. que também, sob esta forma, tetn sido qual todas as fundações, sendo de interêsse público,
largamente defendida por alguns civilistas e publi- são dependências da soberania do Estado, que é o
cistas da moderna escola francesa ( I ) . único represenbnte dos interesses gerais. Porisso
Como justamente observa Ferrara, todas estas as fundações são corpos públicos administrativos,
teorias, procurando o substracto substancial que se e O Estado concedendo-lhes a personalidade, não
esconde no fundo das pessoas colectivas, perdem os faz verdadeiros proprietários, mas apenas os
de vista a-concepção da personalidade colectiva, a investe num serviço público, para o qual se podem
qual precisamente serve para evitar ou explicar considerar como institutos públicos descentraliza-
toda esta complicação de relações. Por outro lado dos e personalizados.
a teoria da reIação'juridica é incapaz de explicar Mas a verdade é. que nenhuma destas çoncep-
a unidade e permanência do ente, através de todas çóes B actmissivel.
as mudanças e vicissitudes dos sujeitos. Se é certo que o Estado exerce como poder
A's teorias negativistas é comum o modo es- político soberano direitos de vigilância, de reforma
pecial de conceber as fundaçbes, considerando-as e de supressão das fundações, não pode inferir-se
como patrimónios cujos sujeitos são os grupos dai que êle seja proprietário dos seus bens, como
de destinatários ou beneficiários. Esta é de resto de stationes $sei não autónomas. Pelo contrário,
a concepção primitiva que se elaborou històrica- a verdade é que a vontade do fundador tem o poder
mente. Com efeito, o conceito de fundação é um jurídico de criar um instituto independente, para
produto do Cristianismo; e pois que a única forma realizar um fim próprio, e não para fazer ao Estado
de pessoa colectiva no direito romano era a uni- uma doaçiio com encargo, a qual equivaleria a negar
versitas, procurou-se adaptar a êste tipo todos os a figura da fundação autónoma. Mais atraente
entes colectivos. Assim, os asilos de pobres foram parece considerar-se como sujeito o grripo dos
concebidos como collegia miserabilium, os hos- beneficiários. Mas o certo B que t a m b h esta con-
pitais como universitas leprosorum. E é preci- cepção não corresponde A essência do instituto,
samente esta idéa que inspira a teoria de Ihering, pois é bem manifesto que os destinatários da fun-
vendo o sujeito das fundações no grupo dos desti- dação não são os proprietários dos seus bens ( I ) .
natários, e dos outros escritores que consideram Em conclusão vê-se que, a doutrina negativista
como sujeitos o grupo das pessoas que se aprovei- da personalidade colectiva fica reduzida a um de
dois conceitos: ou a existência de patrimónios
sobre os quais ninguém tem direitos, nem mesmo
( 1 ) Planiol, Trazte Llémentaire de droit civrl, I , pág. 635
e seg.; Berthélemy, Traité élémentaire iEe droct a d m i f l ~ s t r a t z ~ ,
pág. 44 e seg. (I) Ferrara, pág. 605 e 606.
quaisquer poderes jurídicos, .o que é inadmissível, representativa dos interesses comuns, e indepen-
e até inconcebível, por ser contrário h própria dentemente dos interessados individualmente con-
noção de património ; ou então, e esta é a essência siderados, o Estado tem o dever de intervir, garan-
das diversas teorias negativistas, trata-se de patri- tindo instituição essa situação jurídica de que ela
mónios colectivos, que juridicamente são atribuídos carece.
a grupos de indivíduos, quer em propriedade, quer Esta situação jurídica é precisamente a-da per-
e m gBzo, quer em simples administração. sonalidade co:ectiva. E o seu fundamento está .
Mas dizer-se que há um grupo ou colectividade precisamente na satisfação duma real e efectiva
que tem o domínio, o gozo, ou ainda a mera admi- necessidade da ordem social e jurídica.
nistração dum certo. património, o mesmo é que E assim se vê, finalmente, como a teoria d a
dizer que essa colectividade é propriethria ou admi- instituigão, generalizada hs relações de direito pri-
nistradora dêsse património. vado, é a que melhor explica o conceito da perso-
, Reconhece-se, portanto, que há uma entidade nalidade colectiva.
c o l e c t i ~ a que tem e exerce direitos, ou poderes Mas como se explica e realiza o processo técnico
juridicos, se assim se preferir dizer, como se fosse da personificação? Qual é verdadeiramente a enti-
uma pessoa individual. E, tanto nas corporações -dade elevada a sujeito, ou qual é o substracto real
como nas fundações, é manifesto e intuitivo que desta personificação ?
êsses direitos ou poderes jurídicos não podem indi- A resposta é bem fácil, é mesnio intuitiva.
vidualmente pertencer a cada um nem ser exercidos O que s e personifica é a obra colectiva, O
por cada um dos interessados. estabelecimento ideal ou abstractamente conside-
Pois bem : todas essas entidades de carácter rado; é a instituzgâo.
colectivo ou social, instituídas para a realização Na estrutura jurídica da pessoa~colectivaentram
dum fim comum ou geral, e m harmonia com a dois elementos: o elemento real e o abstracto.
ordem jurídica, e que para a realização d o seu fim O primeiro é o facto real da existência d e
teem de entrar em relações jurídicas patrimoniais, agrupamentos de homens, em que estes se propõem,
precisam necesshriamente de nestas relaçbes proce- não já a realização dos seus pr6prios e exclusivos
der como as pessoas individuais, e por isso mesmo interesses, mas a realização de interesses comuns,
são e devem chamar-se pessoas colectivas. ou uma massa de bens especialmente afectada a
E assim, ao mesmo tempo que se determina o certos e determinados fins.
conceito da personalidade colectiva, se fixa também O segundo é a abstrayão pela qual a lei, e m
e justifica o seu fundamento jurídico. obediência a uma necessidade da ordem soeial e
Sempre que duas ou mais pessoas s e associam jurídica, transforma essa pluralidade de pessoas ou
para um fim licito, ou sempre que alguém destiha essa massa de bens em uma unidade juridzca capaz
um património para uma obra de interèsse da comu- de por si, e perfeitamente como uma pessoa, ini-
nidade política, desde que a instituição social por ciar e desenvolver o sistema de relaçóes necessá-
qualquer dêstes modos constituída careça de proce- rias a o melhor processo de realização do seu fim.
der nas suas relaç0es jurídicas como uma unidade O processo é de abstracgão, e não jicgâo,
porque esta supõe a invenção de uma cousa que que C. o substracto do ente colectivo, e é diverso,
não existia, ao passo que aquela, tendo na sua base conforme o ente é de carácter associativo ou insti-
uma realidade da vida, simpksmente interpreta e tucional, sendo no primeiro a associacdo de homens
organiza juridicamente um facto natural e realmente em vista dum fim, e no segundo a obra a realizar
existente, pela forma mais adequada A sua regula- por meio duma organização de homens e de bens
mentação ( I ) . postos ao seu serviço; o outro é o elemento formal,
. Nas corporaçties é subjectivada a unidade ideal que é a concessão da personalidade, ou seja o reco-
dos associados, a associagão; nas outras institui- nhecimento pelo Estado ( I ) ;
çOes ou fundações é a pr6pria obra ou servico b ) três elementos (Ruggiero): uma organi-
z'nstituido. Assim como os membros da associação gaçdo de pessoas ou de bens, um fim, e o reconhe-
se contrapõem ao ente colectivo, assim nas funda- ~ i m e n t opelo Estado (9) ;
çbes os administradores são representantes e fun- c ) cinco elementos ( Coviello) : I uma plu-
.O)

cionários da instituição. raiidade de pessoas consideradas por abstracção


E assim cònclui bem Ferrara : as pessoas jurí- uma pessoa só, sendo nas corporaçties os associados
dicas definem-se como associa~õeso u institufqões e nas iundaçoes os beneficiários ; 2.0) um pm licito
formadas para a realiqaçQo de ízm prn e reco- e determinado ; 3." ) um património para a reali-
. ithecidas pela ordem jurídica como sujeitos de zação do fim, não sendo essencial a existência
direito. São uma realidade, mas uma realidade actual e efectiva dêssc património, mas o s meios
do nosso mundo jurídico, não da nossa vida sen- o u a possibilidade de o constituir; 4.") a intençtio
sível. As pessoas jurídicas não se veem, nem se dos sócios ou do instituidor de constituir uma uni-
tocam; nem são uma categoria de organismos natu- dade jurídica como sujeito do património colectivo,
rais a colocar a@ lado dos homens; mas são insti- isto é, a vontade expressa ou tácita de criar uma
tutos juddicos igualmente reais, como são reais só pessoa para a disposição do património comum;
umã obrigaçáo, a herança, um contracto, (9). S . " ) finalmente, é necessário o reconheciinento pelo
Estado, sem o qual aquele concurso de elementos
15 Elementos constitutivos da pessea colectiva. - d e facto não 6 bastante para dar B associação ou
Para complemento da determinação do conceito fundação a existência jurídica como pessoa (9.
de personalidade colectiva importa agora fixar e O simples confronto das tr&sdoutrinas mostra
analizar os elementos essenciais da estrutura juri- logo a superioridade da de Ruggiero.
dica das pessoas colectivas. A de Ferrara é defeituosa, reduzindo a um ele-
Encontramo-nos em presença de três doutrinas : mento material ou de facto, pois não descrimina,
a ) dois elementos (Ferrara ) : um material, .como é. mister, o orqanismo colectivo da perso-

(1) Sociedades e enrpresas corne;ciais, pAg. 150; Coviello, (1) Ferrara, pág. 610e seg.
pag. 19;. (9) Ruggiero, pág. 359.
(') Ferrara, pág. 610. (3) Covkllo, pag. zoz e seg.
nalidade e o $m a realizar, fazendo -0s dois cle- fundamental, porque podem entretanto subsistir o
mentos uma completa fusão, sobretudo nas fun- fim e o fundamento da personalidade colectiva ( I ) .
dações. Nem a existência do ente colectivo é, em prin-
Por outro lado, a doutrina de Coviello, além cípio, dependente da constante identidade das pes-
de incorrer no defeito de incluir no elemento pes- soas: pode dar-se a mudança de todos os indivíduos,
soal a série indefinida dos beneficiários nas funda- de modo que a pluralidade pode transformar-se por
çóes, é excessiva na diferenciação dos elementos, substituições sucessivas dos seus membros, e toda-
destacando do elemento pessoal o património das via manter-se íntegra e idêntica a unidade orgânica
fundaçóes, e considerando ainda como elemento da corporação.
essencial da personalidade o animus personifZ- O efeito jurídico mais relevante da personali-
candi, quando é certo que a maior parte das vezes dade colectiva nas corporaçóes, uma vez consti-
nem sequer passará pela mente dos associados ou tuídas, é que todas as relaç0es patrimoniais, tanto
dos fundadores a idea da personalidade. activas como passivas, se referem daí por diante
Passemos pois a expor a doutrina de Rug- ao próprio ente colectivo, sendo inteiramente es-
giero. tranhas aos singulares membros, assim como as
I ) Orqani~açãode pessoas ou de bens. Nas relações destes são estranhas àquele; o principio
associaç0es a pluralidade das pessoas deve ser uma que governa a união é a perfeita separação da
pluralidade unitária, isto é, constituir uma unidade personalidade colectiva das personalidades singu-
corporativa, em que os indivíduos singulares como lares dos seus membros. E' o mesmo princípio já
que desaparecem no resultado final do processo de incisivamente formulado por Ulpiano, D. 7. I . 3 . 4 :
unificação, para dar lugar a uma nova personali- Si quid universitati debetgr, singulis non debe-
dade. Não é necessario, como se entendia em t u r ; nec quod dsbet universitas singuli debent.
. direito romano para os collegia ( I ) , um niimero O patrim6ni0, que também não falta nos entes
mínimo de tr&s pessoas afim de se poder tomar corporativos, tem uma função primordial nos outros
deliberaçóes por rilaioria, salva determinação es- entes (institutos, instituições, estabelecimentos,
pecial da lei exigindo um certo mínispo de pessoas, fundações), constituindo o seu substracto essencial.
como nas sociedades anónimas, que só podem
constituir-se com o mínimo d e dez sócios (cód.
com., art. 1 6 2 . O , al. I."). E, no rigor do direito,
S6bre a dissolução das sociedades por não existir
poderia mesmo a colectividade, depois de consti- (1)
mais do que um s6ci0, veja Sociedades e empresas romerczais,
tuída, ficar reduzida a um só indivíduo, sem que p a g 637 e 638. Ulpiano, D. 7. 2. 3. 4 : S i universitas a d unum
por isso a pessoa colectiva se possa dizer extinta, redit, m a g i s , a d m i t t t t u r posse eum conventre et connenirz,
embora lhe falte dai em diante o seu substracto cum jus ontnium i n unum retciderzt et stet nomen universzta-
tis. Mas entendem alguns romanistas que Ulpiano nao &-
mava que a universitas continuasse a existir como tal, mas
apenas que podia continuar a exercer as acções activa e pas-
. ( 1 ) Marcello, D. 85. :,o. 16: Neratius Priscus tres facere sivamente emquanto permanece o nomen universitatzs. Rug-
existzmat collegium, et hoc magis sequendum est, gero, pág. 360.
9
E por isso para estes entes é mais abstracto e arti- Na disposição directa não há êsse intermediário;
ficioso o processo da personificação, porque lhes e daí resuItou a grande controvérsia sobre a vali-
falta a associação de pessoas, que mais vivamente dade de tais disposições.
se presta A construção dum novo sujeito jurídico. Se para as disposiçdes modais nunca houve
Emquanto que nas universitates personarum bem dúvida de que o donatário, herdeiro ou legatário é
se pode compreender a formação de uma consciên- obrigado a cumprir o modo, criando a pessoa
cia e vontade colectiva distinta da dos sujeitos sin- moral com os bens destinados pelo instituidor,
gulares, que não é a sua simples justaposição ou graves dúvidas surgiram, porém, icêrca da validade
soma; mas antes a resultante da sua combinação e das disposições directas, por parecerem inconciliá-
interpretração, nas universitates bonorum não se veis com o princípio de que s6 podem adquirir por
vê tão fhcilmente onde reside essa vontade colec- testamento ou por doação as pessoas já existentes.
tiva, para servir de substracto jurídica 4 nova per- Mas os jurisconsultos pusecaa geralmente termo a
sonalid ade. tais discussões, pronunciando-se pela validade das
N6s pensamos, porém, e cremos ser esta a disposições directas para a funda~ãoduma pessoa
verdadeira doutrina, que também nas funda~ões colectiva, atendendo ao princípio fundamental do
existe o substracto jurídico duma vontade colectiva, direito de dispôr dos bens para depois da mcnte, e
mas que não é nem a vontade dos destinatários principalinente pela razão anal6gica da validade das
nem tão pouco a dos administradores. É precisa- disposiç0es a favor dos nascituros ( I ) .
mente a vontade do instituidor ou fundador, que -
I I ) O j5m. Que as colectividades e os patri-
mónios de fundação devam ter um fim,e que êste
sendo apropriada pela vontade geral da comuni-
dade representada na lei, passa a regular o futuro e seja Licito, é de per si intuitivo : o Estado não pode-
o destino final da fundação. ria tolerar que no seu territbrio se constituíssem e
O património pode ser qualquer massa de bens vivessem entes dotados de personalidade, tendo
( prédios, cousas móveis, créditos, dinheiro ), que .em vista quaisquer fins imorais, perigosos para a
o fundador destine a um fim e com a intenção de ordem pública, ou de qualquer modo contrários B
criar um ser permanente. ordem social e jurídica.
A vontade do fundador pode manifestar-se ou Mas além da ilicitude ou ilegitimidade, não há
por acto inter-vivos ou por uma disposição mortis outras limitaçoes da natureza ,objectiva dos fins :
causa. E por dois modos diversos pode realizar-se: podem ser de lucro ou religiosos, de beneficência
ou o acto de liberalidade (doação ou disposição de o u de cultura, de recreio ou de estudo; pode a
última vontade) impóe ao donatárfo, legatário ou utilidade estender-se a uma esfera mais ou menos
herdeiro, como encargo modal, a constituição do ampla de pessoas, como os habitantes dum muni-
novo ente ; ou a disposição é feita directamente a cípio, os membros duma classe, ou os nacionais
favor do ente, que por meio dela deve erigir-se.
No primeiro caso a disposição modal é dirigida a
um intermediário, a cargo de quem fica a fundação ('1 Para conhecimento das diferentes doutrinas sobre a
do ente. q u e s t ã o , - v e ~ ao nosso livro Sucessões e direzto sucessório, n."49.
dum país ; e pode o benefício limitar-se aos sócios assim de ter a sua base necessária, que é a vontade
da corporação, e ser o fim público ou privado. d o fundador, pois esta seria inexequível se não
Mas o que í: necessário é que se trate de fim deter- tivesse em vista um fim determinado, do mesmo
minado e razoável, duradouro e não individual: modo que seria sem causa, e portanto ineficaz, a
É impróprio o fim individual, por ser contrhrio vontade dos associados, s e ignorassem ' o fim pais
A própria razão d e ser das pessoas colectivas: é que se associaram. Mas bem podem os fins ser
inadmissível a constituição dum organismo com- múltiplos, se para váfios fins homogéneos e conci-
plexo para a realização de um fim que não interesse liáveis entre si se constituiu o ente, sem que a
uma maior ou menor pluralidade de pessoas. Mas multiplicidade destrua a unidade do corpo colec-
é indiferente que a pluralidade seja apenas um tivo (?).
grupo de articulares .ou seja considerada como I I I ) O reconhe~inzento.-O reconhecimento
uma parte do consórcio social. Q u e o fim não o u autorização do Estado não era exigido para os o

tenha necessàriamente de ser uma utilidade pública collegia na época da república em Roma. Foi só
é demonstra80 pelo facto de terem muitos entes mais tarde que se instituiu O regime da prévia auto-
colectivos, como as a s s o c i a ç õ e s de socorros rização confirmativa, quando se fez sentir a neces-
mútuos, sdmente em vista a utilidade dos seus sidade de suprimir alguns que funcionavam com
membros. .
fins inúteis ou iIicitos. Em todas as épocas da
O fim deve ser duradouro, e nao meramente história do direito se discutiu sempre mais ou.
transitório. Mas isto não significa que tenha d e menos acaloradamente a necessidade do reconheci-
ser perpétuo ou indefinido no tempo. Se e m regra mento ou autorização do Estado, como reqriesito
é perpétuo, todavia muitas vezes criam-se entes essencial da personalidade jurídica das corporações
colectivos, instituem-se fundaçoes, para a realização e fundações.
de fins e satisfação de necessidades que não s e No direito moderno pode dizer-se que triunfou
renovam perpètuamente, e que pelo contrário são definitivamente o princípio do reconhecimento por
determinadas e temporárias ; as sociedades fundadas parte do Estado, pois, como já acentuámos, os escri-
para certas obras públicas, como um canal, uma tores são geralmente confornies em considerar
ponte, as fundações destinadãs a estimular uma , êste reconhecimento um dos requesitos essenciais
descoberta scientífica ou industrial, e outras seme- da personalidade colectiva.
lhantes, teem desde o principio predeterminada Pclo que respeita ao direito portugugs, foi o
a duração da sua existência. Em resumo, o fim princípio expressamente formulado no art. 33.O do
deve ser duradouro e permanente, apenas no sen- código civil : c- Nenhuma associação ou corporação
tido de que seria insuficiente, para justificar a pode representar esta individualidade jurídica, nBo
criação dum n&o organismo, um fim fàcilmente se nchando*2eqalmezzte autoriqada».
realizável por uma só vez e pela acção duma s 6 E, sob um outro aspecto, o princípio do reco-
pessoa.
E não poderia o fim ser indeterminado: s
destinação ou aplicação do património deixaria (1) Ruggiero, pag. 364 e 365.
nhecimento é também formulado nos art. I O ~ . "107.O
, trinal, pois da solução num ou noutro sentido
e 108." do código comercial, para as sociedades derivam efeitos práticos diversos.
industriais e comerciais, exigindo que as sociedades Na doutrina daBccâo o acto do Estado, reconhe-
se constituam nos termos e segundo os trâmites cendo uma pessoa colectiva, tem carácter comtitu-
indicados na lei, para existirem com personalidade tivo, tem o valor de criar a personalidade jurídica.
j uridica. E êste modo de ver é também o de alguns autores
O reconheciinento pode dar-se por dois modos: de doutrinas positivistas, como Ferrara (L).
a ) ou determinadamente cnso p o r cnso, emquanto Outros autores entendem que o reconheci-
o Estado confere a capacidade jurídica a cada nova mento tem apenas um carácter declaratzvo, pois
instituição, depois de verificados os requesitos que a i n t e ~ e n ç ã odo Estado se limita a constatar
ou condic;óes que a lei considera indispensáveis ou verificar uma situação já existente. Esta é a
para a adquisição da personalidade; ou b ) dum doutrina realista pura: desde que existe um orga-
modo g e r a l para todas as categorias de pessoas nismo social com as condições ou requesitos de
colectivas, que adquirem a personalidade zpso facto característicos d a personalidade, há um prin-
j u r e , pelo simples. facto de se constituirem pela cipio jurídico geral que lhe atribui como aos homens
fórma prescrita na lei, como acontece com a s a capacidade j uridi ca.
sociedades comerciais ou civis (cód. com., art. Mas, como observa Ferrara, esta doutrina 6
I O ~ . " , 108.0), e com as corporacões cultuais consti- inaceitável. Um tal princípio geral não existe no
tuídas nos termos do decreto-lei de 22 de fevereiro sistema do direito positivo; a verdade é que o
de 1918. reconhecimento não é obrigatório para o Estada,
É para umas o regime da concessno ou auio- não havendo acção jurisdicional para o obter.
r i ~ a ç n oprévia, e para outras o de simples regula- Emfim, uma terceira doutrina atribui ao reco-
mentação ZqeZ ('). nhecimento um valor conpirmatzvo, porquanto a
Só uma pessoa colectiva não carece de reeo- constituição da pessoa colectiva resulta da combi-
nhecimento: é o Estado, como f à c i l m e n t e se dagão de dois factos: a formação autónoma por
compreende, pois não poderia reconhecer-se a si parte dos fundadores e a confirmação por parte do
próprio, podendo entretanto dizer-se que também Estado.
está sujeito h condição de reconhecimento interna- Qual destas doutrinas é a verdadeira?
cional dos outros Estados. N6s pensamos que nenhuma delas é aceitável
E qual é o carhcter ou o valor intrínseco d o como soluçá0 única, porque nenhuma B aplicável a
reconhecimento do Estado ? todas as espécies de pessoas colectivas. É o defeito
O problema não tem apenas importância dou- de wdas as soluções radicais, em problemas comple-
xos como êste.
Mas entendemos que todas elas são em parte
( ' ) Para os casos em que é necessária a autorização pre-
via ou é suficiente a constituição nos termos da lei, veja Socie-
dades e empresas comerczais,~pag.7 e seg. (I) Ferrara, pág. 615.
verdadeiras, pois cada uma delas é, com efeito, há até quem admita o reconhecimento por uma
aplicável a algumas espécies de pessoas colec- espécie de prescrição, ou posse de estado ; isto é,
tivas. , pelo facto de o ente se ter apresentado sempre
É assim que a teoria da criagão, ou do poder como pessoa colectiva ( I ) .
, constitutivo do Estado, é exacta para os institutos Consideramos decididamente injurídica a dou-
públicos personalizados, como, por exemplo, as Uni- trina do reconhecimento tácito. Mesmo quando o
versidades e Fatuidades universitárias, que sendo Estado autorize uma instituiqão não reconhecida, a
fundadas pelo Estado dêle recebem não s ó a inves- única cousa que se pode juridicamente dizer é que
tidura, mas a própria instituição, não podendo por- os agentes do Estado ou ignoravam a situação ile-
tanto deixar de se reconhecer que são criadas pelo gal dessa instituição, ou então foram eles mesmos
Estado. que cometeram uma ilegalidade. E nunca se pode
A teoria da simples declaracão é verdadeira dizer que um acto ilegal tenh'a a virtude de sanar
para todas as pessoai colectivas em cuja constitui- a ilegalidade duma situação juridicamente .irre-
ção o Estado não tem qualquer intervenção directa, gular.
limitando-se a formular, pelo sistema da regula-
mentacão legal, as condições substanciais e for- 16. Classificação das pessoas colectivas. - Dada a
mais da personalidade colectiva, como acontece grande variedade, pode dizer-se indefinida, de pes-
com as sociedades comerciais, e em geral com soas colectivas, impõe-se a necessidade de fazer a
todas as associaç0es licitas, para as quais não seja sua classificação em grupos, espécies ou tipos, con-
exigida por lei especial licença ou aprovação de forme os diversos aspectos ou pontos de vista a
estatutos, conforme o disposto na liberalíssima lei que podem ser referidas.
de 14 de fevereiro de 1907. E assim temos em primeiro lugar a mais antiga
E por fim a teoria da conpirmagZo é a verda- classificação das pessoas colectivas em corpora-
deira para todas as associaç0e.s e fundações, que, cões e fundacões, baseada na sua diversa estrutura
tendo já uma existência de facto, carecem de auto- . e organização.
rização do Estado para terem existencia legal, como Depois temos a classificagão -moderna, sem
acontece com as sociedades bancárias (lei de 3 de dúvida a mais importante, em pessoas colectivas
abril de 1896), com os sindicatos agrícolas, de pe- @úblicas ou de direito público, e privadas ou de
cuária, uniões de sindicatos, caixas de credito agrí- direito przvado, haseada na diversidade do fim,
cola mútuo (decreto n." 5219, de 6 de janeiro e no regime jurídico da sua organização e funcio-
de 1919). namento.
Alguns dos mais autorizados escritores ihlianos Ainda tem importância a distinção em pessoas
entendem que o reconhecimento pelo Estado pode civis e eclesidsticas, baseada na diversa natureza
também dar-se tacitamente, com a aprovação de
actos praticados pelo ente colectivo ou pela auto-
rização para praticar algum acto, visto qualquer Ruggiero, pág. 366 e 367; Fadda e Bensa, em TVin-
(I)
dêsses factos presupôr o reconhecimento prévio; e dscheid, Pandette, I , pág. 818 e seg.
do seu fim, e em nacionais e estrangeiras, con- condiç0es do gBzo, são impostas pela vontade dum
forme a sua nacionalidade. s6, que é a lei imutável para os interessados ( I ) .
E temos, .finalmente, a classificação legal do A imperfeição, ou o equívoco desta doutrina
nosso código civil em tempordrias e perpétuas, está em considerar como elemento pessoal nas fun-
conforme a sua duração e a natureza do seu objecto, daçoes a colectividade indefinida dos bencficiarios,
em pessoas morais e sociedades, conforme o inte- quando a verdade é, como já mostramos, que nas
resse que teem em vista. fundações o verdadeiro substrnctum subjectivo 6

I 7. Gorporaçées e fundações ou institu7ções.


Coviello expde muito nitidamente, mas muito sin-
- sempre a vontade dos fundadores transmitida i
vontade colectiva, objectivada na lei, e interpretada
pelos administradores da fundação.
gelamente, esta classificação. O critério distintivo, A verdadeira doutrina da clássica distinção das
segundo os autores ántigos, seria muito simples: corporações e fundaçdes precisa de ser reconstru,ída
nas corporaçóes há um conjunto de pessoas que se por um critério mais geral e compreensivo. E o
propóem um fim; nas fundaç0es há um conjunto que vamos tentar, seguindo em parte a orientação
de bens destinados a um fim; substracto material de Ferrara.
das primeiras as peseaas, das segundas os bens. Conforme a sua estrutura interna, as pessoas
Mas tal critério já nâo é geralmente adoptado, pois colectivas apresentam dois tipos diversos: o.tipo
prevalece ria doutrina o conceito da unidade da corporatieio e o institucio~znl.
pessoa jurídica. E em verdade é inexacto, porque O primeiro tem a primazia histbrica, e pode
desconhece nas corporaçoes o elemento patrimo- dizer-se que durante muitos séculos a teoria das
nial, que nelas não falta, e nas fundaçdes o ele- pessoas colectivas se reduzia $ doutrina das cor-
mento pessoal, que também nelas existe, ou êle se poraçóes. O conceito de imtituto é obra do direito
concretize em toda a sociedade, ou a o corpo admi- canónico, que delineou nitidamente um novo tipo
nistrativo, ou, como diz Coviello, naquela classe de de pessoa colectiva, o dum estabelecimento criado
pessoas a cujos interesses particulares o patrim6nio e organizado por uma vontade superior (corpus
da fundação é destinado. Mas a colectividade das mysticzdm), e depois não s6 ampliou êste conceito
pessoas funciona de modo diverso numas e noutras. a todas as pessoas eclesiásticas, mas admitiu tam-
Nas corporagóes tem uma função positiva, pois bém que a vontade priyada tivesse o poder de cha-
impòe por si as regras de conduta, e não s6 s e mar A vida instituiçóes para um interêsse geral,
prop0e o fim e dispde dos meios aplicados à sua criando fundaçdes autónomas. Mas a nova idea
realização, mas pode modificar o mesmo fim ou não penetrou dum jacta na doutrina dos legistas e
servir-se de novos meios para o realizar; pelo con- escritores, que durante muito tempo continuaram
trário, nas furidaçdes a colectividade tem uma fun- a identificar os conceitos de corporação e pessoa
ção meramente passiva, pois se limita a gozar as Colectiva, sob a influência dos textos romanos.
vantagens para que êsses meios foram preestabe-
lecidos, emquanto que a destiiiação dos meios para
o fim, a administração dos bens, a medida e as (1) Coviello, pag. 198.
Deve-se iHeise (I) a idea de desfazer esta tuições sáo e.stabelecimentos organizados por uma
confusão, colocando ao lado das universitntes per- vontade superior para realizar um f2m n l h u i s t a ,
s o n a r u m as u7riversitates bonorum, corporações com um património para isso destinado, confor-
e fundaçóes. A doutrina posterior desenvolveu e mando-se com uma constituição já estabeteciBu
elaborou csta antítese, traçando as linhas diferen- no acto de fundaçâo.
ciais das duas figuras. O centro de gravidade esta no interesse, que
O critério decisivo em q"c os escritores mais nas corporações é próprio dos associados, e nas
insistiram era o da vontade': a corporação é um instituições é imposto de fóra, e é estranho Aqueles
' organismo intername-ítte animado, que se rege
que devem realizá-lo ( os administradores ).
por si com vontade própria, podendo organizar e Esta diversidade de estrutura tem a sua reper-
mudar os seus próprios destinos ; emquanto que a cussão tanto no aspecto patrimonial c o q o no lado
fundação é regida externamente pela vontade do funcional das pessoas colectivas. Na corporação,
fundador, e permanece imutável no tempo como tratando-se de interesses próprios dos associados,
um vestígio do passado. Mas a breve trecho a os meios financeiros devem ser fornecidos pelos
doutrina dos publicistas, julgando insuficiente a membros que a compõem, e o património resul-
classificação, acrescentou-Ihe um outro tipo, o -das tante será livre propriedade do ente colectivo.
instituiçbes. O s autores, porém, não ,.traçam.com Conforme a corporação se forma por constituição
precisão esta figura, limitando-se a distinguir várias voluntária, ou coactiva ou necessária, assim o patri-
subcategorias, como as de estabelecimentos e fun- monio será formado por contribuição expontânea
dações públicas, empresas e outras semelhantes, ou forçada dos associados, mas em todo o caso
multiplicando os tipos de pessoas colectivas. Mas, custa dos prbprios interessados, pois que êle é para
por outro lado, deve observar-se que as instituiçóes aplicar aos seus próprios fins. Nas instituiçóes,
são antes a categoria geral, na quctl entram como aquele que pretende realizar a satisfação de conse-
espécie as próprias fundaçóes : as instituições abran- guir um fim de interesse geral, por êle projectado,
giam a principio só os estabclecimentos públicos, precisa fornecer os meios necessários, se não quer
mas o conceito generalizou-se, para abranger tam- que a sua obra resulte vã e inglória. E por isso O
bém as fundações consideradas como instituqões património é em regra prestado pelo instituídor
privadas. como dotação do ente colectivo.
Procuremos pois delinear mais precisamente a A diferença de constitiiição patrimonial não
antitese entre corporações e instituições. poderia deixar de se reflectir na vontade ou modo
As corporações são colectividades de nssocia- de ser funcional do ente colectivo. Emquanto a
dos para realizar um fim prbprio com meios pró- corporaçãò dispõe de uma vontade, procedendo
prios e em regra com livre actividade. As insti- livremente na realização do seu fim, a instituição
tem uma vida preestabelecida pelo .fundador, e
aqueles que são chamados a desenvolvê-l'a ( admi-
(1) Gvundzss eines S~stemsdes gtmezraen; Czuzlrechts, nistradores) devem constantemente adstrii~gir-se
pág. 25. aos seus preceitos. Por isso pode dizer-se, com
Kohler, que as corporaç0es teem 6rgáos dominan- as pessoas de direito público, além da sua esfera
tes, e as instituiçoes 6rgãos servientes ( I ) . pública, entram também na esfera do direito pri-
Há, porém, uma observação, repetida por quási vado, emquanto que as outras se movem apenas
todos os escritores desde Savigny, que é necessário neste campo.
ter sempre presente: é que entre os tipos de cor- As pessoas publicas, portanto, teem uma dupia
poraçao e fundacão ou instituição há formas inter- capacidade, pública e privada. Mas é inexacto falar
mediárias de transição ou mixtas, que muitas vezes de dupla personalidade. A personalidade é Única ;
é impossível integrar exclusivamente numa ou só é múltiplo o âmbito em que se move. Assim
outra das duas categorias, aparecendo ora corpo- como o homem que tem duas vestes ou fardas, não
rações de tipo inst.ztucional ora instituz~õesde tem por isso duas figuras distintas, ou o cidadão
estrutura cor$orativa ( 8 ) . no gôzo dos direitos políticos n3o é um duplicado
do indivíduo no gôzo dos direitos civis, assim tam-
18. Pessoas cdestivas pribiicas ou de direito públiso bém o Estado que procede jure imperii, não é O
e privadas ou de direito privado. - Por diversas razoes sdsia do Estado que procede jure gestionis.
histdricas, diz Ferrara, a doutrina assimilou durante Estabelecida a distinção entre pessoas colecti-
muito tempo a pessoa colectiva ao sujeito de direito vas públicas e privadas, grandes dúvidas e dificul-
privado, pois que o poder político do Estado se dades surgiram, porém, na determinação do crit6r.io
considerava como uma grandeza extra-jurídica. diferencial das duas classes. Na verdade, a linha
Mas com a doiirrina do Estado de direito tal teoria de separação é muito ondulatbria nos varios tipos,
tomou-se insustentável. Com efeito, se existem porque nem todos teem em igual gráu o carácter
não s6 direitos privados, mas tambBm direitos público. E, por outro lado, a concepção daquilo
públicos, tem de se admitir que há sujeitos duns e que pertence ao direito público e ao privado é
doutrus, e por isso foi necessário alargar a noção muito relativa e variável com os vários sistemas
d e pessoa colectiva : pessoa colectiva é tanto o ente positivos e as diversas 6pocas histbricas.
que goza d e capacidade privada como aquele que Dois métodos foram empregados para a deter-
exerce poder público, tanto mais que muitas vezes minaçáo distintiva das duas categorias : o métedo
a s duas capacidades são conjuntas na mesma pessoa. empírico da escola francesa, e o método scientifico
Daí a distinção entre pessoas de direito público da escola alemã.
e pessoas de direito privado. O método empírico consiste em examinar as
Não deve porém entender-se a distinção no classes mais importantes de estabelecimentos públi-
sentido de que as duas categorias de pessoas se cos, e o regime normal que os governa, separan-
movem em campos absolutamente separados, em do-se assim por eliminação as pessoas privadas,
dois hemisférios distintos, mas no sentido de que isto é, as que não estão sujeitas a êsse regime.
Assim a maior parte dos escritores franceses
dizem que pessoas públicas são as que fazem parte
( I ) Ferrara, pág. 617-619. da administração pública, que gerem um serviço
( ') Savigny, System des heutzgen r~mtschenRechls, 11,§ 86. piíblico, e que s e distinguem por isso que os seus
actos são actos administrativos, de carácter execu- das do Estado, e todavia não se dizem p e r t e l e n -
tivo, sujeitos As vias de recurso, que os seus orça- tes h sua constituição.
mentos estão sujeitos às regras da contabilidade
11) Outros escritores atendem ao $rn fiúblico
pública e A competência especial do Tribunal de de interesse geral ( ), que se propõe o instituto,
Contas, que teem direitos de expropriação por ou ao objecto da sua actividade, que deve ser um
utilidade pública, direito a subvenções do Estado, encargo de administracâo pbblica, uma parte das
e estão sujeitas A tutela e fiscalização administra- f u n ~ õ e sestaduais
tiva, que os seus administradores são funcionlrios Mas o critério do $m não tem sido considerado
públicos, etc., etc. : mas teem o cuidado de acres- mais preciso que O da organização administrativa, e
centar que tais regras não são constantes, nada atlí! em certo modo com êle se confunde : há muitas
teem de absoluto, mas constituem apenas um regi- empresas que teem um carácter de utilidade geral,
me geral e comum, a que alguns entes públicos como as empresas ferroviárias, de navegação, os
não estão inteiramente sujeitos. institutos de seguro e de crédito, mas não podem
O método scientífico é procurar um critério dizer-se publicas, em-sentido técnico. E que O con-
único, um elemento característico distintivo das ceito de público é técnico jurídico, e tem um carac-
duas classes de pessoas. E' o que teem tentado ter histhrico: público não é a priori tudo aquilo
principalmente os autores alemães. Rosin faz uma . que vai além dos interesses particulares dos indi-
resenha das diferentes doutrinas, que reduz a seis ( I ) . viduos, mas aquilo que o Estado em cada momento
Mas outras é necessário ainda considerar. histórico considera como pertencente à sua própria
I ) Uma doutrina de origem francesa, atribuída esféra de acção.
a Ducrocq, sustentada na Alemanha por Mayer, e 111) Rosin julgou precisar o critério do fim,
na Itália por Giorgi, Romano, Fadda e Bensa, ' dizendo : não fim público, mas obr&-acão de $m
ensina que as pessoas públicas são as que fazem público. São pessoas colectivas de direito público
parte integrante da administração do Estado, que as que são obrigadas para com o Estado h realiza-
são intimamente conexas e quási entretecidas com ção de alguns dos seus pr6prios fins. Contra a
a sua organização (').
teoria de Kosin observou-se que há empresas de
E.slsta teoria é insuficiente, dada a impossibili- carácter privado, que se encontram nessa posição
dade de delimitar e circunscrever precisamente a de obrigação para com o Estado, como acontece
organização administrativa, pois há pessoas colec- às sociedades concessionárias de serviços públicos,
tivas que exercem funções paralelas e auxiliares e que vice-versa há estabelecimentos públicos,
que não teem um dever de cumprimento d e fins
(1) Rosin, Die ofentliche Genossenschaft, pág. 3 e seg.
j 2 ) Ducrocq, COUIS de droit adminzstralzf, 1 1 , n . O 1333;
Mayer, Lehrbuch des deutschen Versualtrechts, I , pág. 399;
Zeller, Staat und Kzrche, pag. '73.
Giorgi, Persone giuridiche, i, pág, 230; Romano, I1 comune, (1)
Mayer, Lehrbuth des deutschen V e r w a l t r e ~ t s ,11,
pag. 2 ; ; Fadda e Bensa, em Windscheid, Pandetto, I, pág. 796 jz)
pág. 3; ; Wolf, Der Staat und die ijfenfliche rechtliche Kor-
e 797 poratrone~,pág. 91.
pÚbQcos, como acontece com os institutos ecle- V I ) Alguns escritores encontram a diferença
siásticos. Mas a esta segunda objecção respondeu no modo de constitutgEo das pessoas.
Rosin que tais institutos não teem carácter público. Assim Eneccerus, Crome e outros, dizem que
I V ) Outra doutrina procura O critério dife- as pessoas públicas devem a sua origem a um acto
rencial na esirutura interna das colectividades, d e creaçãa estadonl, emquanto que as privadas
mas por diverso modo: resultam de um acto privado de constitufção e
a ) Rosler e Loning dizem que nas corpora- fundação.
ções públicas a entrada dos membros não é livre, Não é verdadeira esta doutrina: se por um
mas dá-se por coacção estadoal ; lado o próprio Estado pode fundar instituiçdes que
b J Eltzbbacher diz que nas corporações públi- não saem da esféra do direito privado, como por
cas não é coagida a vontade dos membros, mas é exemplo um asilo ou um colégio para órfãos de
indiferente, prescinde-se dela ; pois o indivíduo militares ; por outro lado, pode muitas vezes uma
pertence à corporação, sem o querer, nasce dentro fundação de modesta origem particular ascender A
dela ; categoria de instituto-público, como um hospital,
c ) Sauzet diz que nas colectividades privadas uma misericórdia,. etc.
a participação dos membros e a sua contribuição VI1 ) Uma teoria interessante a que aderiram,
para o fundo comum teem sempre um fim de lucro, pelo menos em princípio, alguns dos melhores
emquanto que nas públicas são caracterizadas pelo autores italianos, é a de j u s imperii, devida ao notá- -
espírito de sacrifício, sem qualquer expectativa de vel publicista alemão Jellineck ( ).
lucro. Segundo esta doutrina, as pessoas públicas
Todos estes critérios baseados na estrutura teem essencialmente direitos de poder público,
interna são inaceitáveis, porque são ora insuficien- não só em relação aos seus membros mas em re-
tes, ora errdneos. lação a terceiros, e por isso se contrapbem aos
V ) Outra doutrina funda o carácter das pes- sujeitos privados, que se encontram numa situação
soas públicas na pos&ão jurídica que teem no de igualdade. Mas Jellineck modificou a precisão
Estado, quer pelo lado dos privilégios e preroga- da teoria, dizendo que, ao lado dêstes perfeitos su-
tivas de que gozam, quer pelo lado das restricôes, jeitos de direito público, há um número infinito de
fiscali~ação e tutela a que estão sujeitas. Teem putros, não gozando direitos de soberania, mas
uma posição privilegiada em relação as de direito que pela sua íntima relação com os fins do Estado,
privado: teem direitos de exacção fiscal e certas e pelos privilégios de que gozam, se podem tam-
isenções de impostos, preferências para os seus bém qualificar como pessoas de direito público.
créditos e direito a empréstimos em condiçdes de VI11 ) Ao lado destas diferentes teorias mais
favor, subvençdes ; mas, como reverso da medalha, ou menos simplistas e unilaterais, há a $eoria e&-
o Estado ingere-se na sua administração, fiscaliza-as,
declara-as incapazes de certos actos, etc., etc. A
insuficiência e confusão dêste critério são mani- ( ') System der qfentlichen subjekttven Rechte; Coviello,
festas. pág, 199; Ferrara, pag. 626-628.
tica, combinando em maior ou menor proporção pessoas públicas são as 'que participam dos c:irac-
diversos elementos daquelas doutrinas. A própria teres estadoais, das qualidades e prerogativas ex-
doutrina de Jellinek é já uma teoria eclética. clusiuas e essenciais do Estado, de modo que é
Teorias ecléticas interessantes são as de Ranel- fácil reconhecer os entes que teem estas « m a r q u e s
letti e Cammeo. de souveí-aineté », como s e dizia antigamente.
Ranelletti aceita como critério dominante o j u s Ora O elemento essencial e característico do
imperii, mas considera-o como uma conseqüência Estado é o j u s imperii: o Estado é na ordem civil
de outros elementos, integrando-o com a teoria d o o Único ente investido na pleniturle do poder
fim pziblico, das funções estadoais, para que h á politico.
uma-obrigacão de cunzfirinzento, entrando assim Mas O Estado, para a realização dos seus fins,
na teoria de Rosin (I). destaca por vezes da sua própria personalidade uma
Cammeo tomou para'ponto de partida a teoria pai=te dos seus poderes políticos, investindo neles
de Rosin, a obrigação para com o Estado de rea- alguns entes que vivem no seu seio, ou que êle
lizar um certo fim ; mas para a determinação dêste mesmo chamou h vida, fazendo-os seus coopera-
recorre ao critério da origem estadoal do ente, e dores e auxiliares, e descentralizando neles a sua
subsidihriamente à sua p o s i ~ ã ode tutela e h im- própria actividade. Estes entes estadoais, umas ve-
possibilidade de dissolução voluntária ( e ) . zes desmembramentos da organização administra-
Bem dizia Gierke que os diversos elementos tiva do Estado, outras vezes colectividades ou ins-
diferenciais não são por si s ó decisivos, mas são tituições livremente constituídas, que r e c e b e m ,
antes sintomas mais ou menos característicos, e é embora numa esfera limitada, poderes e atribui-
só d o exame de conjunto, da sua visão complexiva, çdes de natureza igual aos poderes do Estado, que
que pode deduzir-se o carácter dum instituto ( 3 ) . gozam como êste de um certo j u s imperii, são as
Tudo isto, porém, comenta Ferrara, não é con- pessoas de direito público.
fortante, e equivale a uma confissão de impotência Não importa pois a amplitude ou a medida do
para encontrar um critkrio de distinção (4). E e m poder público que lhes é atribuído. Entre as nu-
seguida o eminente professor e escritor expõe a merosas e variadas corporaçbes e instituiç0es de ,
sua teoria, que vamos reproduzir. carácter público, há a êste respeito uma grande
Geralmente entende-se que publico quer dizer desigualdade. Há uma larga escala desde as mais
estadoal, ou o que é próprio do Estado, e portanto wderosas organizacdes tão ricamente dotadas de
poderes estadoais, que até por causa deles se tor-
nam muito discutíveis os critérios distintivos d o
(1) Ranelletti, 11 concetto dz publico nel dzritto, na Ri- próprio Estado (como acontece com as grandes
oísta italiana per le scienze giuridiche, x x x ~ x pag.
, 346 e seg. companhias coloniais privilegiadas, e agora com os
(2) Cammeo, Cornentario alls leggi sulla gzusti~iaammi- poderes políticos das colónias, no regime da auto-
nistratioa, pág. 650 e seg.
nomia), escaia que vai gradualmente descendo até
( 3 ) E no mesmo sentido Michoud, La théorie de laperso-
nalité morale, I , pág. 218. u m mínimo de atribuiçáo de poder público a certas
( 4 ) Ferra1a, pag. 627. entidades colectivas, que, tendo uma certa missão
pública a cumprir, são dotadas do i m p e r i u m sericórdias, que não teem poder público, e toda-
- necessário para a exercer. Não se trata de diferença, via são considerados como estabelecimentos pú-
quantitativa, mas só qualitatizin: entre as duas blicos.
categorias de pessoas não há uma antítese substancia2 E' por isso que n6s entendemos que o critério
ou de estrutura, mas apenas uma antítese de capa- mais idóneo para caracterizar a distinção das duas
cidade jurídico-política. Quem tem só a capacidade categorias de pessoas colectivas é sempre o do-finz
de direito privado é pessoa privada ; quem recebe ou junpão que elas desempenham: d o públicas ou
a mais pequena parcela de capacidade de direito privadas, conforme a sua missão é predominante-
público é pessoa pública. mente do interêsse de toda ã comunidade ou d ó
Por consequência, a dificuldade teórica resolve- interêsse dos individuos, isto é, da competência.
-se afinal numa dificuldade prática, isto é, deter- essencial do Estado, ou deve ser deixada à inicia-
minar quais sejam os direitos de poder público, tiva particular.
e concretamente quando é que alguns dêstes direi- E a superioridade dêste critério melhor se
tos tenham sido atribuídos a uma pessoa colectiva. revela, tendo em. vista as conseqüências jurídi-
Esta construção teórica de Ferrara tem o m6rito cas práticas que derivam natiiralmente do facto
do seu carácter rigorosamente scientifico e a fôrça de ter a pessoa colectiva carácter público ou pri-
duma dedução lógica perfeita. É, como se vê, a vado.
reconstrucão da teoria de Jellinek na sua pureza, O carácter público importa em primeiro lugar
é o critério puro do j u s ilizperii. Mas tem por uma mais intensa inspeccão e vigilância por parte
isso mesmo os inconvenientes dos sistemas unila- do Estado. O Estado tem sôbre todas as pessoas
terais rígidos, em problemas tão vastos e comple- colectivas um poder. incontestável de ,fiscalização.
xos, como é êste da distinção entre instituições Mas s6bre as públicas, em virtude do interesse
públicas e privadas. E a imperfeigão do sistema geral que representam, a tutela exerce-se p o r
revela-se logo na sua aplicação concreta, mostran- um modo mais enérgico, com uma intervenção
do-se em discordância com as realidades da vida mais assídua e mais directa em todos os seus
social e jurídica. actos.
Com efeito, pela aplicação pum e simples do Com Ruggiero diremos que a ingerência d o
critério do j u s irizperii, teremos de conferir a Estado na vida dos entes públicos exerce uma
qualidade de públicas a empresas que são caracte- função positiva e integradora, pois a tutela tem
rizadamente de direito privado, e de a recusar a por objectivo promover a actividade benéfica de
outras que como públicas são consideradas no con- tais entes, e compeli-los ao cumprimento do seu
senso geral dos escritores. É o que acontece, por fim; emquanto que nas pessoas privadas é uma
exemplo, com as companhias de caminhos de ferro, função meramente negativa, pois o Estado se limita
cujos empregados ate teem autoridade para fazer a impedir que pelos seus actos ofendam a ordem
prisões em certos casos, e todavia são pessoas de jurídica.
direito privado; e com os estahelecimeritos d e Outra consequência importante e a necessária
beneficência e caridade, como asilos, hospitais, mi- modificacão do princípio, que dá a máxima impor-
tância h vontade dos associados nas corporações, tos destinados i realização de certos e determina-
e do fundador nas fundações. dos servicos públicos, como o ensino ( Universi-
Ora quando a corporação tem carácter público, dades e Faculdades), a assistência aos doentes
a vontade dos membros não 8 a dominante: tom8 (hospitais ), aos pobres ( misericórdias), e que, ou
. o seu lugar a vontade do Estado, que C1 o Único fundados pelo Estado. ou por outra corporação
árbitro da existência e do desenvolvimento da pública, ou pela iniciativa particular, são em todo
actividade do ente, como da sua própria finali- o caso verdadeiras fundaçbes públicas, sendo por
dade. E esta substituição da vontade pública A isso denominados estabelecimentos ou institutos
tontade privada pode igualmente ter lugar nas públicos personalisados.
fundaçaes de interesse público, não s6 para impe- As pessoas colectivas de direito privado tam-
dir a prossecução de fins não mais consentidos bém apresentam figuras ou tipos diversos.
pela lei, mas também para integrar os fins lícitos Assim, em primeiro lugar, há que distinguir
predispostos pelos fundadores, ou para os orien- duas classes, as de 3 m desinteressado ou huma-
tar no sentido de uma utilidade mais larga ou nztário, e as de 9% interessado, conforme tçm
mais harmonica com as condições variáveis da em vista um fim de interesse geral da humanidade,
vida ( I ) . como a beneficência, a instruçtio, o desenvolvi-
Estas é que são, na verdade, as mais impor- mento das ideas e sentimentos morais e religio-
tantes e características conseqüências do diverso sos, ou procuram realizar um interesse para os
carácter das duas espécies de pessoas colectivas'. associados, embora também de efeitos benéficos
E elas são determinadas pelo fim ou função social - gerais.
dessas pessoas, e não pelo facto de lhes ser ou não Estas últimas revestem figuras diversas, con-
atribuído o j u s imperii. forme a natureza e a extensão do interesse que se
Fixada a distinção entre as pessoas públicas e propõem realizar : sào de $m ou interesse ideal,
privadas, vejamos quais os principais tipos de cada se não teem por objecto uma utilidade económica
espécie. imediata, como as associaçóes scientíficas, literá-
Temos em primeiro lugar o Estado, que, em- rias, artísticas, de recreio, de cultura física ou des-
bora muito semelhante na sua estrutura As autar- porte; de interesse económico duma classe, como
quias territoriais ( províncias coloniais, distritos, as associações de classe, industriais, comerciais,
municípios e freguesias), não pode confundir-se operárias, de socorros mútuos, sindicatos agrícolas,
com estas corporações de população e território. etc. ; e de fZm lucrativo para os sdcios, que são as
É organismo político soberano, e por isso incon- sociedades civis e comerciais.
fundível com os organismos administrativos, que Geralmente as corporações de fim desinteres-
lhe estão subordinados ou nele integrados. sado, as de fim ideal, e as de fim económico duma
Temos depois as instituições ou estabelecimen- classe, ou as de fim não lucrativo denominam-se
associacões, reservando-se o nome de sociedades
p b a as associacOes de fim lucrativo.
(1) Ruggiero, pág. 371 e 372. Mas também As vezes se dá o nome de asso-
ciagões ás sociedades civis e comerciais, como se ga-se A conclusão de que por pessoas colectivas de
faz, por exemplo, no art. 39." do código civil e no instituição eclesiástica se deve entender todas aque-
.art. 200.O do código comercial (I). las que teem por fim o culto espiritual das almas
ou da religião, ou ainda, r~umafórmula negativa,
19. Pessoas civis e eclesiiisticas. -Quási todos todas as que não tenham por fim objectos mera-
os escritores fazem a distinção entre pessoas colec- mente civis, como as egrejas, as colegiadas, o s
tivas civis e eclesiásticas, conforme O seu fim é cabidos, os seminários, as irmandades, as confra-
estranho Q religião ou, pelo contrário, se destina rias, e, em geral, as associaçdes ou congregações
ao culto de qualquer confissão religiosa (9. religiosas.
Entre nós, antes da lei da separação do Estado Mas como tais não devem considerar-se, em-
e da Igreja, consideravam-se associaçbes ou corpo- bora tenham carácter religioso, os asilos, hospitais
rações de instituição eclesiástica as que teem por e misericórdias, que portanto não qstão sujeitos
fim interesses espirituais ou sufrágios pelas almas áquela incapacidade relativa de adquirir por testa-
e que, em tudo o que respeita ao espiritual, esta- mento ( I ) .
vam directamente subordinadas as autoridades da Mas o que deve entender-se actualmente n o
Igreja ( 3 ) . nosso direito positivo por pessoas colectivas ecle-
A determinação do sentido e alcance dàexpres- siásticas, e qual é a sua situação jurídica?
são « corporações de insfztz~zç5oeclesiásttca i> tem Depois que o decreto de ro de outubro de 19x0 -
grande importância, por causa da restrição de capa- fez executar os decretos de 5 de agosto de 1833 e
cidade testamentária passiva, imposta a estas pes- de 28 de maio de 1834, extinguindo todos os con-
soas colectivas pelo 3 único do art. 1781.0 do código ventos ou casas de profissão religiosa perpétua e
civil, determinando que elas só podem suceder até incorporando na fazenda nacional todos OS seus
ao valor do terço da terça do testador. bens, e sobretudo depois que o decreto-lei de 2 0
Ora, examinando a história do art. 1781 che- .O,
de abril de 191I , separando as Igrejas do Estado,
igualmente expropriou a Egreja de todos OS seus
bens, aconteceu naturalmente que desapareceram,
(I) Não é, pois, exacta a afirmação em contrário do
como por encanto, mesmo aquelas instituiçóes ecle-
Dr. Vilela, Tratado, pág. 219.
siásticas que pela lei não eram suprimidas, mas
(2) Coviello, pPg. zoo; Ruggiero, pag. 372.
( 3 ) Dr. Alves Moreira, pág. 3m. E por isso na nossa
qiie, encontrando-se assim repentinamente privadas
jurisprudência se entendia que não eram eclesiásticas, mas sim
de insticuição civil, as corporaçbes que, embora tenham por
fim sufragar a alma dos mortos, como as irmandades e con-
( i ) Sucessões, pag. 234 e 235. A observação ai feita d e
frariaa, estejam contudo directamente sujeitas i s autoridades
que o tj único do art. 1781."foi modificado pela lei d a separação,
civis ( Supremo Tribunal de Justiça, na Rev. de Leg. e jurzsp.
no sentido da incapacidade absoluta, deve considerar-se não
xxvir~,pag. 446, e Relação do Pòrto, na Revzsta 20s Tribunais,
escrita desde que o decreto-lei de 2 2 de fevereiro de 1918,revo-
xx, pag. 196). Mas esta doutrina e inaceitavel, porque não
gou nesta parte a lei da separação, restituindo as associaçòes
toma na devida consideração o fim, que é a base da dis-
religiosas legalmente constituidas a mesma capacidade que
tinção.
anteriormente tinham.
dos seus patrimónios, ficaram de facto impossibi- religiosas destinadas ao exercício e sustentação d o
litadas de continuar a viver. culto, estas não são outra cousa senão corporaçbes
Mas o decreto-lei de 20 de abril de 1911, no de instituição eclesiástica.
capitulo II (art. 16.'-42.O j, criou e regulou as cha- Por outro lado, o # Único d o art. 1781." do
madas cultuais, corporaçóes encarregadas do culto, c6digo civil não pode considerar-se revogado,
organismos constituídos com o fim de provêr regu- desde que o decreto de 22 d e fevereiro d e 1918
lar e permanentemente ao exercício e sustentação - revogou o decreto de zo de abril de 1911, na parte
d o culto público em cada freguesia, e admitiu ao em que estabeleceu as restrições da capacidade
lado destas outras corporações de assistência e patrimonial das corporações cultuais ( I ) .
beneficência, que, sem o. encargo da sustentação Conclui-se pois :
regular e permanente do culto, todavia s e propo- I." que ainda há corporaçoes d e instituição
nham também fins cultuais. O referido decreto eclesiástica ;
atribui as corporações cultuais a capacidade juri- 2.0 que, pelo menos, as encarregadas d o culto,
dica'das peszoas morais de direito comum (art. 27.O e constituídas legalmente, gozam de personalidade
e 42.0), mas com mais enérgicas restrições, desi- jurídica e são pessoas morais (art. 27.O da lei de
gnadamente as do art. 28.0, e a d o art. q.',que separação e 32.O do código civil);
ihes proíbe absolutamente receber para fins cul- 3 . O que ainda está em vigor o # único do art.
. tuais por doação ou testamento quaisquer bens ou 1781." do código civil.
valores. Por isso entendemos tamliém que ainda esta
Dada esta situação jurídica fortemente restri- em vigor o art. 37.O do código civil na parte em
tiva das associaçdes d e carácter religioso e a sua que declara a igreja pessoa moral, e que ainda hoje
integraçáo no direito comum, pode A primeira vista deve aceitar-se coino boa a doutrina ensinada pelo
parecer que não tem mais razão d e ser a distinção saudoso professor Dr. Alves Mmeira, dizendo que
entre pessoas civis e eclesiásticas, não sendo já na palavra igreja se compreendem também as pa-
necessário determinar o alcance da expressão cor- róquias consideradas como a,ssociaçOes religiosas
poracões de i?~stitulpãoeclesiástica », e devendo constituídas sob a direcção dum pastor espiritual,
por isso considerar-se revogado o 5 único do .
com um ou mais edifícios para a prática do culta
art. I 781." do código civil. -igrejas, capelas ou ermidas- e que essas corpo-
Mas é fácil de ver que não é assim. rações podem receber doações ou deixas, devendo
O regime d e separação tla Igreja e do Estado
não Significa a inexistência ou desconhecimento it

legal da Igreja e das suas instituições; pelo con-


( 1 ) Com efeito, o decreto n . O 3856, de 2 2 de fevereiro de
trário, presupoe a existência e, portanto, o conhe- 1918, no art. 14." declarou cenpressamente revogados o art. 1 5 2 . ~
cimento de vánas igrejas, conforme as diversas da lei da separaçZo.. . e os que se referem as carpora~õesencar-
' regadas do culto. Dr. Carneiro Pacheco, Cddigo Civil a c t w -
crenças ou confissões religiosas socialmente orga-
l z ~ a d o ,pág. 79 e 80; Dr. Magalhães Colaço, O regimen de
nizadas.
separação, no Boletim da Fac. de Dzrezto da Uniu. de Cormbra,
E como a lei admite e regula as corporaçoes TV, pág. 705.
entender-se que são para elas quaisquer legados constituem ainda a maior fbrça moral da humani-
com que sejam contemplados os Santos venerados dade.
nessas igrejas ou capelas ( I ) .
E que tais associaç0es podem livremente ser 20. Pessoas colectivas nacionais e estrangeiras. -
constituídas é indiscutível em face da disposição O princípio da igualdade jurídica de nacionais e -
expressa do art. I." do decreto de 22 de fevereiro estrangeiros em matéria de direitos privados, salvas
d e 1918 (9. as restriçdes imp.ostas por leis especiais ou pelos
E que o culto da religião e um fim de inte- tratados internacionais, ,é igualmente aplicável i s
resse ou utilidade pública não nos parece contes- pessoas colectivas, embora o artigo 26.' do código
tável, mesmo no espírito restritivo da nossa lei. civil, na palavra estrangeiros, tivesse em vista sò-
E tanto assim é que o próprio decreto de 20 de mente as pessoas físicas ou individuais. Este é um
abril de 1911 (art. 27.0) qualificava de pessoas rno- dos postulados axiomáticos do moderno direito
r a i s as corporações encarregadas do culto público, internacional.
.o decreto de 26 de maio de 1911manteve a legação E por isso tambkm o princípio formulado no
junto do Vaticano, a qual, tendo sido suprimida art. 27.O do código civil e no art. 12." do c6digo
pela lei de 10 de maio de 1913, foi porém res- comercial, que manda regular O estado e a capaci-
tabelecida pelo decreto n." 4558, de 8 de julho dade dos-estrangeiros pela lei do seu país, é igual-
de 1918. mente aplicável 5s pessoas colectivas.
Quer queiram, quer não, os partidários do li- Daí a necessidade de fazer a distinção entre
v r e pensamento, a idea e o sentimento religioso pessoas nacionais e estrangeiras, ou seja, resolver
o problena da nacionalidade das pessoas colecti-
vas, do mesmo modo que é necessário determinar
( i ) Dr. Alves Moreira, pág. j o r ; Acbrdão do Supremo a nacionalidade das pessoas individuais.
Tribunal de Justiça, de8-111-qoj, na Reu. de Leg. e Jurzsp, xxxlx,
A distingão é muito interessante, pelo trata-
7% 587.
( 9 ) Art. 1.O <Os fieis de qualquer confissão religiosa mento diverso a que por vezes estão sujeitas as
autorizada nos-termos do artigo a." da lei de 20 de Abril de 1911, duas categorias, e pela diversidade das leis que as
'
~esidentesna área de cada freguesia, podem livremente, e sem regem.
dependência de licença, agrupar-se para constituirem a corpo-
Sendo as pessoas colectivas sujeitos de direi-
ração que a seu cargo fique tendo a sustentação do culto pú-
blico. tos, carecem de pertencer a um país cuja lei seja
$ 1 . O Considera-se como legalmente constituida, e com a sua lei pessoal, para determinar as condiçoes da
capacidade juridica, a corporação assim formada que, harmo-• sua existência e da sua capacidade jurídica, e pre-
nizando.se com os preceitos reguladores da sua religião e su- cisam portanto de ser integradas na ordem jurídica
jeitando-se as leis do pais, comunique a respectiva autoridade
administrativa a lista dos seus associados: a forma ou esta-
dum Estado determinado. E; esta integração da
tuto da sua constituição, e bem assim os nomes, com todas as pessoa colectiva na ordem jurídica dum Estado
. indicaçóes necessárias para a sua completa identificação das que constitui a sua nacionalidade. Como diz Mi-
pessoas que assumem os cargos que os associados reputem es- choud, uma e a mesma idea domina a nacionali-
senciais para o cumprimento dos seus fins n . dade das pessoas individuais e a das pessoas
colectivas : é a idea de dependência. da autoridade graves, que s e toma impossível resolver o pro-
que governa tal ou qual país (I). blema por um critério rígido e único, quando se
A determinacão da nacionalidade, sendo muito trata das muitas e variadas espécies de pessoas
simples para as pessoas colectivas de direito pú- colectivas de direito privado, ou mesmo de direito
blico, que fazem parte da própria organização do público, desde que não sejam fundadas pelo Estado
Estado, oferece muitas dúvidas para os outros mas por iniciativa particular (1).
estabelecimentos públicos, e para as pessoas colec- Para se fazer uma idea da complexidade e di-
tivas de direito privado, sobretudo para as socie- ficuldade do problema basta ponderar a grande
dades industriais ou de fim lucrativo. variedade de sistemas ou critérios, que teem sido
As pessoas públicas que fazem parte da pró- apresentados, para a determinaciio das pessoas
pria organização do Estado, que são as autarquias colectivas de mero interêsse particular ou fim lu-
locais ou territoriais (colónias, distritos, concelhos crativo, que são as sociedades industriais, isto é,
e freguesias), e os estabelecimentos ou institutos civisme comerciais.
públicos personalizados por êle fundados (Univer- Esses sistemas que na sua maior parte são apli-
sidades, Faculdades, hospitais, e quaisquer outros cáveis &s corporações e instituições ou fundaçbes
a que seja atribuída personalidade), teeni necessi- em geral, são os seguintes:
riamente a nacionalidade do Estado a que perten- a ) sistema da a u t o r z ~ n ç ã o ,pelo qual a pes-
cem. soa colectiva terá a nacionalidade do Estado que
Só pode haver dúvida tratando-se de um autorizar a sua constituição. Êste sistema é con-
instituto publico criado por um Estado para s e denado pelo moderno espírito do direito de' Liber-
instalar e funcionar em país estrangeiro, o que dade de associação, que tende cada vez mais para
acontece muitas vezes nos países de capitulacbes, reduzir ao mínim<o as autorizaçbes governativas;
como a Turquia, onde existem asilos, hospitais e mas ainda quando se exija a autorização do exe-
escolas fundados por Estados estrangeiros para o s cutivo, êste acto do Estado é, como vimos (supra,
seus respectivos nacionais. E acontece ttiinbém n." 15), meramente confirmativo da existência e
em Estados mais civilizados, quer por virtude de legalidade do ente colectivo, não sendo portanto
elemento bastante para lhe atribuir a nacionali-
tratados, quer por simples tolerância ou cortezia
internacional. Mas em tais casos também não dade, como o não é para naturalizar uma sociedade
deve haver dúvida de que a nacionalidade de tais
estabelecimentos é a do Estado que os fundou (s).
Mas as dúvidas e dificuldades surgem, e tão (1)
E de notar, com efeito, que pessoas colectivas de
direito publico, desde que se aceita o cnteno do fim,para as
distinguir das de direito privado, são não só os estabelecimen-
(1) Michoud, pág. 323. S6bre as divergências a res- tos fundados pelo Estado, mas também os de iniciativa privado
peito do conceito de nacionalidade nas pessoas colectivas, que se destinarem a fins ou funçbes pr6prias da actividade
veja Soczedades e empresas ~omerciais,pág. 443 e 444, e auto- política e administrativa do Estado, como são todas as insti-
res ai citados. tuições de assistkncia piiblica aos velhos, crianças e enfermos
Michoud, ri, pág. 329; Dr. Villela, r, pág. 2.25. pobres. Em sentido contrario, Dr. Villela, pág. 224 e seg.
( 8 )
estrangeira a quem seja dada autorizacão para fun- Acresce ainda que o sistema se presta Q fraude
cionar no país. d a designação duma séde fictícia, sendo muitas
b ) O sisiema do lugar onde se constitui a vezes difícil provar a fraude ; e é em todo O caso
associqão, admitindo que uma pessoa colectiva se um sistema que depende apenas do arbítrio dos
fdsse coiistituir num pais com O qual não tivesse interessados.
qualquer outra relação, podendo assim evitar os g ) O sistema da combinacão da séde com o
rigores da lei do seu verdadeiro país, não tem por lugar da constitui'çZo, adoptado pelo congresso
isso alcançado muitos adeptos. internacional das sociedades, realizado em Paris
c ) O sistema da nacionalidade dos nzem- em 1889, e pelo mais notável internacionalista da
bros ou dos beneficiários da pessoa colectiva tem escola francesa, Antoine Pillet (l), tem os incon-
o inconveniente de ser inaplicável aos casos em venientes dos dois sistemas que o c o m p d e . .
que há indivíduos de diversas nacionalidades. h ) O sistema do reconhecimento LqaE é
d ) O sistema do país onde foi subscrilo o u defendido por alguns dos melhores autores italia-
fornecido o capital da emprêsa tem o mesmo nos ( Coviello e Ruggiero), e parece Q primeira
inconveniente da nacionalidade dos interessados, vista ser o que resulta lógicamente da doutrina
além de que o lugar da suóscriÇão pode ser um dos elementos essencialmente constitutivos da pes-
elemento acidental na vida do ente colectivo. soa colectiva (supra, n." 15), pois que sem o reco-
e ) O sistema do centro de exploracão, sendo nhwimento d o Estado não há pessoa colectiva,
O centro dos interesses da pessoa colectiva, tem a donde se concluiria que a nacionalidade desta é
vantagem de ser um elemento real da nacionali- do Estado que a reconheceu. Mas o próprio
dade, mas é insuficiente porque pode haver vários
centros simultâneos ou sucessivos.
f ) O sisierna da séde adrninistrati~aou do
principal estabelecimento parece ser o mais pr6prio a tal ponto que autores como Ferrara, que o haviam sempre
para fixar a nacionalidade da pessoa colectiva, por defendido, o abandonaram completamente. - Ferrara, pag. 632.
A crise do sistema d a sede em França, onde era geralmente
ser O país da séde aquele onde O ente colectivo adoptado, foi tal que a jurisprudencia se viu forçada a aban-
realmente vive e realiza OS seus fins. E por isso dona-lo, quer por uma reviravolta conipleta, substituindo-o
foi durante muito tempo o mais geralmente adop- pelo da nacionalidade dos interessados, quer pelo processo
tado. Mas já modernamente, e antes da guerra, artificioso de considerar como interpostas pessoas a s sociedades
alguns dos melhores autores italianos tinham criti- e m que houvesse súbditis inimigos.
Entre nós a questão foi resolvida por um texto de lei,
cado o sistema da séde administrativa, ponderando determinando-se no art. 16." do decreto n." 2350, de 20 de abril
que esta não serve senao para fixar o domicílio, d e 1916: c Aos súbditos de Estado inimigo são equiparadas
que é relação jurídica muito diferente da naciona- para os efeitos dêste decreto : c ) a s sociedades em nome colec-
lidade ( 1 ) . tivo, em comandita ou por quotas, e em geral todas as socie-
dades de pessoas, em que entrem súbditos inimigos, quer fun-
cionem em Portugal, quer em pais estrangeiro u. Veja as Socie-
(1) Coviello, pag. 226, Ruggiero, pag. 36; ; nota. Com a dades e empresas comerczazs, pag. 459.
situação juridca criada pela guerra, o sistema d a sede fez crise, Principes de drozt internatzonal przué, pág. 133.
(1)
Coviello reconheceu a imperfeiçáo dêste sistema, estrangeiros constituída na Itália será sempre
dizendo que às vezes não se pode saber qual o estrangeira, em posição de súbdito, e não de cida-
Estado que fez o reconhecimento, e pode mesmo dão do Estado que a hospeda. ~Tratando-se de
a pessoa ser reconhecida por diferentes Estados, associacões de capitais, deverá atender-se à origem
devendo em tais casos recorrer-se ao critério d o do capital, e daí à nacionalidade dos accionistas e
domicilio ( '). dos administradores que fazem funcionar a emprêsa.
E por tudo isto, perante a ineficácia de qual- Naturalmente não basta que numa sociedade entrem
quer critério ou sistema Único e invariável, que estrangeiros para lhe dar o carácter de estrangeira,
nds, estudando o problema nas sociedades comer- e viceversa; que nacionais entrem numa emprêsa
ciais, chegámos A conclusão, igualmente verda- estrangeira para lhe dar o carácter de nacional,
deira para as pessoas colectivas em geral, de que mas e necessário olhar complexivamente .o con-
nesta matkria s6 se podem formular princípios junto, para estabelecer a fisionomia predominante
gerais, que só podem precisar-se e definir-se cor- da emprêsa, quer pelo seu fim, quer pelas pessoas
rectamente nos diferentes tipos de pessoas colecti- que a compòem. O ,julgamento é uma quaestio
vas, em harmonia com a prevalência dos diversos fncti. Seria absurdo que um grupo de capitalistas
elementos que entram na estrutura de cada uma estrangeiros que implantasse uma emprêsa na Itá-.
delas. lia, porventura para desfrutar por própria conta as
E nesta orientação consideramos modificados nossas riquezas naturais, ou para colocar no nosso
os princípios que estabelecemos para as sociedades mercado produtos estrangeiros, tendo por isso a
comerciais ($). sua sede no Reino, por isso mesmo se nacionali-
Parece-nos, com efeito, que esta matéria é uma zasse e perdesse o seu carácter originário. Seria
daquelas em que mais vale reconhecer um largo inadmissível que súbditos estrangeiros, actuando
campo de acção ao prudente arbítrio dos tribunais, na Itália, mas permanecendo estrangeiros, pelo
que devem em todo o caso orientar-se por certos simples facto da sua transformação em pessoa juri-
princípios fundamentais de técnica j uridica e jus- dica, adquirissem os meios e o poder dum ente
tiça equitativa. nacional. hnàlogamente deve dizer-se para as ins-
Nesta ordem de ideas parece-nos muito inte- tituiçbes e fundaçbes. A nacionalidade deve ser
ressante a doutrina do eminente Ferrara. determinada pela natureza da obra que se pretende
«Ora é precisamente a natureza do substracto fazer, do interesse que se quer realizar, conforme
que se projecta no ente o elemento que serve para se refere ao nosso Estado ou a cidadãos italianos,
o concentrar. E por isso nas corporaçóes S a nacio- ou pelo contrário tem em vista um fim estrangeiro
nalidade do conjunto dos componentes que dá o OU em favor de estrangeiros» ( I ) .
carácter ao todo unitário. Uma associação d e Mas é claro que êste critério não pode apli-
car-se quando haja lei expressa que fixe a naciona-

(i) Coviello, pág. az6.


(2) Sociedades e empresas comerciais, pág. 461. (1) Ferrara, pag. 632 e 633.
lidade, como acontece com as sociedades comer- são pela nossa lei consideradas de direito público,
ciais (cbd. com., art. I 10."). tanto mais que o mesmo código lhes dá também
a designação de corpos administrativos (art. 4.O,
21. Classificação legal : pessoas morais e socieda- 51.') n.' I O . ~ 277.0,
, n."".' e 2o.O, 417.' e 434.O),
des; perpétuas e temporiirias. - No sistema das nossas incluindo-as assim na mesma categoria das autar-
leis, em matéria de ~Iassificaçãodas pessoas colec- quias locais (distrito, município e freguesia ).
tivas, é de notar, em primeiro lugar, que não hA Em face desta prolixidade da terminologia
uma terminologia precisa e rigorosa. legal, não se pode dizer que a nossa lei consignasse
O código civil (art. 32.O, 37.', 382." § íinico, a classificação tradicional das pessoas colectivas,
1679.' e 1781.") chama pessoas morazs todas a s embora fale de corporapões no art. jz.",e de funda-
corporações, instituiçdes ou fundaçóes, de fim ou gões no art. 37.O, nem a moderna distinção de pessoas
utilidade pública, ou de utilidade pública e parti- de direito público e de direito privado, classifi-
cular conjuntamente, que nas suas relaçdes civis caçdes que já se e n c o n t r a m n o s códigos mo-
representam uma individualidade jurídica; e em- dernos (alemão, suíto e brasileiro), podendo em
prega a expressão pessoas colectivas, em oposição todo o caso dizer-se que no sistema do nosso
a pessoas singulares ( art. 382.0). código são pessoas de direito público as pessoas
A expressão, pessoas morais é igualmente em- morais de utilidade publica e pessoas de direito
pregada pelo código de processo civil (art. 143.O. privado as pessoas colectivas de utilidade parti-
815."~n." I.", 848.O, § 4."), que também emprega a cular (sociedades civis e comerciais) e as pessoas
expressão corpos coleclzvos (art. 18."), e ainda morais de utilidade particular e publica conjun-
na lei de 13 de maio de r896 (art. 41.", n." 3."), no tamente.
cbdigo administrativo de 1896 (art. 416.0), etc., etc. Há, porém, no código, uma classificação das
A lei de a6 de abril de 1880 (art. 5.", n.0 4.") pessoas colectivas que resulta clara e necessiria-
emprega a expressão pessoa moral como sinónimo mente dos art. 32.", 39." 382 e 1240.0 e seguintes,
de pessoa jurídica. Mas esta expressão significa embora não seja formulada expressa e formalmente.
qualquer pessoa colectiva, e as nossas leis empre- E' a classificação das pessoas colectivas em
gam a expressão individualidade juridzca, em vez pessoas morais e sociedades; ou ainda a classifi-
de personalidade jurídica, para significar que a s cação em três grupos:
associações e sociedades são pessoas ou sujeitos d e a ) pessoas colectivas de utilidade pública;
direitos e obrigaçoes ( cód. com. art. 108.O; lei de 6 ) de utilidade publica e particular conjunta-
4 de abril de 1861, art. 4.", e decreto de 2 de outu- mente; e c ) de mera utilidade particular.
bro de 1896, art. 2.0 e 13.~,n." [ . O ) . Por isso a qualquer destas classificaçóes se
O cddigo administrativo de rSgb ( a r t 253.", pode e deve dar a designação de classificação legal.
5 Único) denomina corporn~óesadntinistratzvas Mas ,qual é, positivamente, o alcance da clas-
todas as associaçóes e institufções de piedade e de sificação legal ?
beneficência, sujeitas A inspecção do governador Em primeiro lugar não há dúvida de que são
civil, mostrando assim que estas pessoas colectivas pessoas colectivas de utilidade pública as corpo-
raçdes de população e território, à frente o Estado: disposição dos art. jz." e 37.°, e a prova é que não
o art. 37.' do código civil declara pessoas morais são pessoas morais, por exemplo, os liceus; e
o Estado, as câmaras municipais e as juntas de sendo fundados por particulares s6 podem adquirir
paróquia ; o art. 176.O da lei n.O 88, de 7 de agosto a personalidade, sendo devidamente autorizados,
de 1913, declara pessoas morais o distrito, o muni- nos casos em que a autorização governativa é exi-
cípio e a parbquia; a base I." da lei n . O 278, de 15 gida, como acontece por exemplo com os estabele-
de agosto de 1914, que estabeleceu a autonomia cimentos de instrqão.
financeira das colhias, declarou-as também pes- E que dizer das associaç0es ou instituiçbes de
soas morais, e esta disposição foi reproduzida na fim interessado não lucrativo, das de fim ou inte-
base 58.' do decreto n.0 7008, de 9 de outubro de resse ideal, e das de fim eccnómico geral? Devem
i 920, sobre a administração civil e financeira das considerar-se pessoas morais, ou antes associações
colónias. de mero interesse particular, isto é, como simples
Tamb6m não há dúvida de que são pessoas sociedades (art. jg.")?
morais de utilidade pública todos os estabeleci- Parece não haver dúvida de que, sendo perso-
mentos públicos personalizados de beneficência, nalizadas, entram .na categoria de pessoas morais,
piedade ou instrução, pois como tais, são expres- pois da sua pr6pria natureza, de fim desifiteressado,
samente declarados pelo art. 37.O do código civil; resnlta que são ao mesmo tempo de utilidade pública
e bem assim todos os estabelecimentos públicos e particular.
personalizados por lei, pois que, embora não sejam E com efeito assim as teem considerado as
de beneficência, piedade ou instrução, desde que diferentes Leis que as regulam.
s q a m públicos, isto é, destinados a um servico ph- E assim que a lei de 21 de outubro de 1889
blico, estão compreendidos no art. 32-O. considerou pessoas morais as associações e insti-
«Ainda é indiscutível, diz o Dr. Vilela, que tutos meramente scientíficos e literários, visto que
são pessoas morais as pessoas colectivas de direito os incluiu no art. 35." do c6digo civil, e modificou
privado de fim desinteressado que sejam de bene- e m seu beneficio as restrições de capacidade patri-
ficência, piedade ou instrução, pois o art. 37? consi- monial ali estabelecidas para as pessoas morais; e
dera assim quaisquer estabelecimentos dessa natu- o c6digo administrativo de 1896 ( art. 252-O, n.' 8.")
reza, sem distinguir se a sua criação se deve ao Estado, equiparou as associaç0es de recreio aos institutos
As autarqdias locais, ou à iniciativa particular ( I ) . de beneficència, piedade e instrução pbblica, para
Mas esta doutrina, com toda a amplitude em o efeito da aprovaçáo dos seus estatutos, sujeitan-
que está formulada, não é de aceitar, pois que tais do-as assim ao regime das pessoas morais, e como
estabelecimentos, quando fundados pelo Estado s6 tais teem elas sido sempre consideradas pela dou-
sã0 pessoas morais, se efectivamente forem perso- trina e pela jurisprudência (').
nalizados por Yei expressa, não sendo suficiente a

(') Dr. Alveç Morei~a,Iflst., pág. a9a e a93; Reli. de


(I) Dr. Vilela, Tratado, pág. 2a1. Leg. e Jurisp., XLI, pag. 147.
Do mesmo modo devem considerar-se como quando uma lei especial não exila essa apro-
pessoas morais as associaçdes religiosas, como já vação ?
mostrámos ( supra n." 19). Nao há dúvida de que tais associaçbes teem
Relativamente As associações de fim econó- existência legal. estão legalmente constituídas,
mico não lucrativo, algumas teem sido reguladas desde que cumpriram o preceito de participar ?i
por leis especiais, como as associaçúes de classe autoridade competente a sua constituição e sejam
(dec. de 9 de maio de 1891), os sindicatos agríco- lícitos os seus fins.
las (lei de 3 de abril de 1896, e dec. n.O 5219, Mesmo que sejam de beneficência, piedade OU
de 6 de laneiro de 1919), associaçúes de socorros instrução, não carecem de aprovação dos estatutos
mútuos (dec. de 2 de outubro de 1896), sindicatos pelo governador civil, porque a Lei de 14 de feve-
de pecuária, uniúes de sindicatos, e caixas de cré- reiro de 1907 teve precisamente em vista revogar
dito agrícola mútuo (dec. n." 5219, de 6 de janeiro o art. 282.O do código penal e o art. 2 5 2 . O . n.O 8.0
de 1919). do código administrativo de 1896, que exigiam
Vê-se por toda essa legislação especial que as aquela aprovação. .
diferentes associaçúes de fim económico não lucra- E' que, com efeito, a palavra lez no ar-
tivo, atento O seu carácter de utilidade geral ou tigo 1.0 da lei de 14 de fevereiro de 1907 s 6
pública, são consideradas como pessoas morais, h entendida como lei especial faz sentido, porque
semelhança das de fim desinteressado. decerto foi empregada para se referir a leis
Resta considerar dum modo geral as associa- anteriores, pois não se compreende numa lei
ções de qualquer fim lícito, interessado ou não, a resalva de disposição de leis posteriores; mas
de interêsse puramente ideal, moral, político ou referindo-se a leis anteriores só pode ser as
económico, e que não sejam reguladas por leis leis especiais reguladoras de certas espécies de
especiais. associações, pois que se, pelo contrário, se re-
Eias são reguladas pela lei geral do direito ferisse tambbm às leis gerais ao tempo vigen-
de associação, que é a liberalissima lei de 14 de tes, ficaria também em vigor o ar:. 282.0 do
fevereiro de 1907, segundo a qual (art. I.") «todos cbdigo penal, e portanto resultava inteiramente
os cidadãos no gozo dos seus direitos civis podem inútil, absolutamente ineficaz, a nova lei do direito
constituir-se em associação, para fins conformes as de associação.
leis do Reino, sem dependência de licença ou Portanto deve entender-se que ficou revogado
aprovação dos seus estatutos pela autoridade pú- não só o art. 282.0 do código penal, mas também
blica, sempre que essa aprovação não seja exigida o art. 252.", n.0 S.', do código administrativo, que
por lei, uma vez que previamente participem ao é manifestamente uma lei geral.
competente governador civil a séde, o fim e o E que foi êste a alcance da Lei não pode haver
regime interno da sua associação>>. duvida, porque assim a interpretou o antigo Mi-
Qual é verdadeiramente a figura jurídica das nistério do Reino, justamente sendo o ministro do
associações constituídas nos termos desta lei, e Reino o grande estadista Conselheiro João Franco,
sem aprovação governativa dos seus estatutos, O que representa quási a interpretação autêntica
da lei, pois foi êle o autor da respectiva pro- associaçbes, dispensando-as da formalidade, que é
posta ( I ) . muitas vezes um obstáculo, da aprovação prkvia
Mas para as associaç6es constituídas nos terinos dos estatutos; mas nada disse aquela lei sobre
da lei da associação assumirem a figura ou quali- a personalidade ou adquisição da qualidade de
dade jurídica de pessoas morais, isto é, para pessoa moral, continuando, portanto, para êste
adquirirem a personalidade jurídica, bastará a exis- efeito, a vigorar o regime do código civll, isto 6,
tência ou constitui'ção legal? Ou para isso será ne- a necessidade de autorização ou aprovação dos
cessárja a autorização ou aprovação dos Estatutos? estatutos.
Com fundamento no art. 33.O do código civil Não podemos concordar com esta doutrina.
já se tem sustentado que é necessária a autorização Parece-nos que há aqui um equivoco ou um defeito
governativa ou aprovação dos estatutos, para que 1
de interpretação do art. 33.0 do c6digo civil.
uma associação adquira a personalidade juridica, Na verdade êste artigo não exige autorização
pois aquele artigo determina que nenhuma asso- governativa ou aprovação dt! estatutos : O que exige
ciaçáo pode representar uma individualidade jurí- é a a u t o r i ~ a p i olegal, isto é, aquela autorização
dica, nüo estando ZeqaZmente autori3ada (*). que por lei fbr necessária para cada espécie de
N a relerida. consulta da Revista de Legislação associações, ou seja o reconhecimento leqal, que,
e de Jurisprudência (%), expde-se e defende-se comosabemos, pode ser directo, especial e expresso,
com muito brilho esta doutrina, que se resume na por meio de licença, concessão, autorização ou apro-
seguinte tése: uma cousa Ê a c o n s t i t u i ~ d olegal vaçrio de estatutos ; ou, em vez disso, dado indirec-
das associaçbes e outra a sua personifica~ão;a tamente e dum modo geral, pelo sistema da regula-
lei de 1907 apenas visou a constituição legal das mentação, desde que sejam satisfeitos os requesitos
e cumpridas as formalidades da lei (supra, n." 15).
Máis simplesmente, o art. 3 3 . O do cddigo ,civil
(1) Veja a brilhante consulta da Revista de Legtslagão e o que quer dizer é que nenhuma associação pode
Jurisprudêncta, LV, pág. a r 1 e seguintes. gozar de personalidade, sem ser Legalmente reco-
Por nossa parte também podemos afirmar que esse foi o nhecida, isto é, sem estar constituida nos lermos
pensameuto da lei, e alguma autoridade temos para fazer esta da lei.
afirmação, pois tivemos a honra de pertencer à Cámara dos Nem 6 compreensível que o código civil
Deputados de 1907, e o ensejo de tomar parte na discussão do
projecto de lei, e o prazer de salientar que a nova lei dava exigisse uma autorização governativa, quando a
satisfação às reclamaçdes que já em 1899 tinhamos apresen- própria lei política ou administrativa a dispensa.
tado no primeiro -volume das Sociedades Comerciais, que foi a E intuitivo que se a lei política e administrativa dis-
nossa dissertação inaugural para o acto de conclusdes magnas pensa uma associação da autorização prévia, com
(doutoramento) na Faculdade de Direito da Uriiversidade de
Coimbra. - Veja tambCm Sociedades e empresas conzerrtais, maioria de razão a deve dispensar o código civil.
pág. I 1-13. De resto, a verdade, na boa doutrina do direito,
(2) Dr. Alves Moreira, Inst., pág. 705 e 306; Rev. de é que a personalidade das pessoas colectivas deriva
Leg. e de Jztrisp., XLI e LV. da constitulçao legal, e não da concessão ou favor
( 3 ) Vol. LV, pág. 215 e zr6. do executivo.
Concluimos, pois, que personificação e cons- social (lei de 1 1 de abril de 1901);também se
tituição legal são uma e a mesma cousa. chamam por. isso sociedades de responsabilidade
Relativamente As pessoas colectivas de mero limitada, ou simplesmente limitadas.
interesse particular, ou sociedades, a doutrina é Entrc as sociedades comerciais há ainda a con-
muito divergente, tanto entre nós, como nos auto- siderar as cooperatzvas, caracterizadas pela varia-
r e s estrangeiros. bilidade do capital social e pela ilimitaçáo do numero
As sociedades são civi.7 ou covr~erciais,con- de sbcios, mas que não constituem um tipo dis-
forme o objecto da sua actividade consiste em actos tinto, pois devem adoptar qualquer das formas das
.ou operaçoes de natureza civil ou comercial ( cbd. outras sociedades comerciais (cód. com., art. 207."
.civ., art. rz4o.O e seg., e cód. com., art. 104." e seg. ). e § I.').
. As sociedades comerciais são de diferentes Há ainda as mútuas de seguros, criadas pelo
espécies; mas é fundamental a classificação em decreto de 21 de outubro de 1907;mas também não
quatro grupos ou tipos determinados pela diversa constituem rigorosamente um tipo novo, pois são
responsabilidade dos sbcios : verdadeiras cooperativas.
a j A sociedade em nome colectivo é caracte- Por seu lado, as sociedades civis também apre-
-rizada pela responsabilidade solidária e ilimitada sentam diversos tipos :
.de todos os sócios ( c6d. com., art. I*.', § I.") ; a ) Sociedade universal é aquela em que
b ) A sociedade andnima é aquela em que os todos ou parte dos sócios entram com todos os bens
associados limitam a sua responsabilidade ao valor móveis e imóveis, presentes e futuros; ou s6 com
d a s acções com que subscrevem para o capital os móveis, frutos e rendimentos dos imbveis pre-
social (art. ~05.9 5 por isso os sócios s e
2 . O ) ; sentes e todos os bens futuros f art. 1 2 4 3 . ~ ) ;
,chamam accionistas; e a a c ~ ã o - éum título nomi- b ) Sociedade particular é a que se limita
-nativo ou ao portador, representativo de uma quota a certos e determinados bens, aos frutos e rendi-
parte d o capital social ; mentos dêstes, ou a certa e determinada indústria
c ) A sociedade em comandita dá-se quando ( art. ra4g.O );
w m ou mais 40s associados respondem como s e a c ) Sociedade famzdiar é a que pode dar-
sociedade fosse em nome colectivo, e outro ou outros s e entre irmãos ou entre pais e filhos maiores
a p e m s fornecem valor determinado, limitando a (art. 1281.');
Qste a sua responsabilidade (art. 5 3 . O ) : reveste d ) Sociedade de parceria rural é a que
duas formas, a comanditn simp2es e a comandita tem por objecto a cultura de pr6dios rústicos ou a
p o r acgOes, conforme o capital social 6 constituido criação de animais, abrangendo, pois, duas espé-
por partes ou quotas nominativas e sem serem cies : a parceria agricola e a pecuária ( art. 1zq8.",
representadas por um título especial, ou é repre- 1299." e 1304.").
sentado por nccões, como nas anónimas; Mas podem também as sociedades civis cons-
d ) A sociedade por quotas é aquela em que tituir-se sob qualquer das formas ou tipos dgs
a responsabilidade dos sócios é limitada, não apenas sociedades comerciais, ficando em tal caso a ser
.i parte com que cada um entra, mas a todo o capital regu1:tdas pelo direito comercial, excepto no que
respeitar A jurisdição e 6 falência ( cód. com., art. e para as comerciais s6 a admite nas anónimas, inter-
106." e lei de I I de abril de 1907, art. I tj único ).
.O
pretando o art. 108." do código comercia1 no sentido
É indispensável ter presente o conhecimento da simples separação do património colectivo da
dos diversos tipos de sociedades civis e comerciais, sociedade dos patrim6nios individuais dos sócios.
para 'se fazer uma idea exacta da doutrina relativa O segundo não discute nem mesmo examina
1i personalidade coiectiva destas associações. o problema ; mas da exposição que faz da classifi-
-e
Como dissemos, esta doutrina e muito diver- cação legal das pessoas colectivas em.pessoas mo-
gente, tanto entre nós como no estrangeiro. r a i s e sociedades, conclui-se que admite, como
Dum modo geral pode dizer-se que são consi- n6s, embora o não diga expressamente, tanto a per-
deradas pessoas as sociedades comerciais, e não as sonalidade das sociedades civis como a das socie-
sociedades civis, mas isto apenas como um critério dades co~nerciais.
muito amplo de orientação, pois a verdade e que No nosso trabalho s6bre as Sociedades e Em-
há muitos escritores que admitem a personalidade presas Comerciais dedicamos um extenso pará-
das sociedades civis, já recoiihecida pelos moder- grafo ao estudo da pergonalidade jurídica das socie-
nos códigos civis, assim como também há escritores, dades, e aí demonstramos que as sociedades civis,
que, mesmo perante textos de lei expressa, insistem são, com efeito, dotadas do atributo da personali-
em negar a pr6pria personalidade das sociedades dade, por virtude das disposições legais que esta-
comerciais ( I ) . belecem o seu regime jurídico, embora o código
Entre n6s, o estudo das pessoas colectivas foi civil não tenha um preceito expresso análogo ao
feito especialmente pelos ilustres professores, Drs. art. ro8.O do código comercial; e ao mesmo tempo
Alves Moreira e Machado Villela, pelo primeiro, mostrámos que não são procedentes os argumentos
na notável obra InstituZgóes de Direito Czvil Por- aduzi dos paia recusar a personalidade jurídica as
tuguês, e depois numa série de artigos publicados sociedades em nome colectivo, em comandita u u
nos volumes XL, XLI e XLII da Revista de Leqis- por quotas.
lagão e de Jurisprudência, e pelo segundo no seu E agora, para terminar, diremos simplesmente
notável Tratado Elementar teórico e prático de que, se na Itália é geralmente recusada a persona-
Direito Internacional Privado. lidade as sociedades civis, é porque na verdade O
Ora, sabre o problema da personalidade das código civil italiano estabelece para elas um regime
sociedades civis e comerciais, seguem os dois auto- diferente do do nosso código.
,-

res orientação completamente diversa, e adoptam^ Em compensação, em França, apesar das hesl-
uma solução quási cqmpletamente oposta. O pri- tações da doutrina, o supremo tribunal de justiça
meiro nega a personalidade das sociedades civis, ( Cour de Cassation ) firmou definitivamente? já
desde os fins do século passado, o princípio da per-
sonalidade jurídica das sociedades civis ( I ) .
(1) Para o conhecimento mais detalhado da questão da
personalidade das sociedades civis e comerciais, vcja Socie-
dades e Empresas comerciais, pag. 147 e seg. Colin et Capitant, r, pag. 668 e 669.
( i )
I*
Finalmente, para concluir o exame da classifi- jurídica ou universalidade de direito. Tais são:
cação legal das pessoas colectivas, deve notar-se a ) o estabelecimento comercial; b ) a herança ;
que os arts. 32.' e 3 5 . O do código civil fazem a c; a massa falida.
distinção das associações em perpétuas e tempo- A idea inexacta ou imperfeita, de considerar
rárias. o património das fundaçoes ou instituições como
E grande importância tem esta distinção, pois o verdadeiro sujeito dos direitos, podia induzir a
a restrição de capacidade patrimonial consignada errónea crença dc quc os patrimbnios acima men-
no-art. 3 5 . O é só para as corporações perpétuas. cionados devain ser tratados como pessoas. Mas,
É precisamente por isso que a distinção se não tendo etn vista a idea mais perfeita de que o patri-
funda apenas no tempo assinado A existência da mónio considerado como complexo de relações
pessoa moral, mas também na natureza do seu fim. jurídicas presupõe sempre um sujeito, e que não
. Como perpétuas se consideram, com efeito, sendo o estabelecimento comercial senão um patri-
não só as fundadas para viverem por tempo ilimi- mónio destinado a um certo comércio, é claro que
tado, mas também as que, embora fundadas para o sujeito dêste compl-exojurídico é o próprio comer-
tempo limitado, não tenham por objecto interesses ciante, indivíduo ou sociedade comercial, a qiiem
materiais. o estabelecimento pertence. A herança, quer scja
jacente, quer deixada em favor de nascituros, tem
22. Gorporaçaes e institulçées que não são pessoas por sujeito certas pessoas individuais, embora
colectivas.- Para uma exacta e completa determi- actualmente indeterminadas. Nem mesmo a he-
nação das pessoas colectivas, importa agora exa- ranca indivisa pode considerar-se uma pessoa, pelo
minar as corporaçbes e instituiçoes, que sendo €acto de o art. 2 1 1 5 . 0 dizer que a herança, ántes da
muito semelhantes, não gozam contudo do atributo partilha pelos herdeiros, responde so2idárÈamente
da personalidade juridi ca. pelas dívidas do autor dela, pois que este preceito
Segundo Coviello, podemos dividi-las em dois significa apenas que os herdeiros, emquanto não
grupos: aquelas que pela sua própria índole jurí- s e fizer a partilha. são solidariamente responsáveis
dica são desprovidas dos caracteres e elementos pelas dívidas do de c z ~ j u s . Também o.patrimÓnio
de facto necessários para constituir a personalidade do comerciante falido não deixa de ter como sujeito
cole~tiva,e aquelas que, apesar de terem tais carac- o próprio falido, o qual, simplesmente RYI interesse
teres, são pela lei declaradas incapazes de ser reco- dos credores, fica interdito da administração dos
nhecidas como pessoas ( I ) . seus bens. passando a ser representado pelo admi-
Assim, e em primeiro lugar, não são pessoas nistrador da massa ( cód. de proc. com., art. 198.0).
colectivas, por lhes faltar o elemento pessoal autó- Em segundo lugar, também .não são pessoas
nomo, alguns patrimónios análogos aos das funda- colectivas, por lhes Faltar o elemento do património
çdes, e como eles considerados como uma unidade autónomo, que sirva para os fins dum conjunto de
-pessoas entre si por algum modo coligadas :
a ) OS agregados corporativos; corpos cole-
(I) Coviello, pag. 206 e seg. giais ou colectividades desprovidas de clipacidade
patrimonial, tais como : as câmaras do parlamento, o grupo de comproprietários de cousa comum, pois
os corpos administrativos (juntas distritais, câma- que o regime que a lei estabelece para a proprie-
ras municipais e juntas de freguesia, pois que a dade comum não estabelece tal unidade jurídica.
personalidade pertence Bs circunscrições adminis- c I Não é pessoa a associação em conta de
trativas, de que aquelas colectividades são 6rgãos participação, porque a lei expressamente declara
ou representantes), os tribunais colectivos, os con- que ela não constitui individualidade jurídica ( cód.
selhos técnicos dos ministérios, e outras corpora- com., art. 224.' e 226.').
çaes semelhantes, porque os bens destinados A d ) Entre as sociedades civis não constituem
realização dos seus fins pertencem ao Estado ou à pessoas colectivas as de parceria agrícola, cujo
entidade da qual essas colectividades sáo órgãos. regime jurídico exclui a personalidade ( cód. civ,
b ) As diversas administrações do Estado, ).
art. 1.~99."-1303."
como os ministérios, as repartiçdes ou estabeleci- e ) Não é pessoa colectiva a Igreja católica
mentos do Estado, mesmo os da fazenda nacional universal, pois segundo o moderno direito ecle-
(stationes pisei), a não ser que a lei expressamente siástico português ( +creto de 20 de abril de 19I I,
Lhes confira a capacidade patrimonial, porque o s de 2 2 de fevereiro e de 8 de julho de 1918) a lei
meios financeiros de que tais estabelecimentos se só reconhece como pessoas morais de instituição
servem para os seus fins são-lhes fornecidos anual- eclesiástica a Santa Sé e as associações religiosas
mente pelo Estado pelas respectivas verbas orça- ou igrejas nacionais constituídas em conformidade
mentais. das leis portuguesas'(supra, d." 19).
c ) Não é pessoa colectiva a unidade ideal o u f ) E, portanto, não podem ser pessoas colec-
moral do conjunto de funcionários de cada ramo- tivas as associações religigsas que se constituírem
de serviços, de cada repartição ou estabeleci- sob a forma de congregações de carácter monástico
mento. ou conventual, porque todas essas são expres-
Finalmente, há várias corporaçcíes ou institui- samente proibidas.
ções, que embora tenham os elementos de facto
que constituem osubstracto essencial da personali- 23. ConstituTçHo das corporações e institu'ições. -
dade colectiva, não são comtudo pessoas colectivas, No exame dos princípios reguladores da constitui'-
porque a lei as não reconhece como tais ou proibe ção e organização das pessoas colectivas, há que
mesmo a sua existência. Assim : distinguir, em primeiro lugar, as que são criadas
a ) Não é pessoa colectiva no sentido técnico pelo Estado e as que são constituídas ou fundadas
jurídico a família, porque embora tenha todos os pelos particulares ou por outras pessoas públicas.
elementos materiais da personalidade colectiva, As corporações ou institutos públicos funda-
sobretudo no regime da comunhão de bcns, e n ã a dos pelo Estado, no exercício das suas funçdes poli-
lhe faltando até uma certa consciência de unidade- ticas e administrativas, são regulados pela respec-
moral e jurídica, o certo é que a lei não a consi- tiva lei ou regulamento, onde se devem estabelecer
dera como uma individualidade jurídica. todas as normas relativas à sua organização e vida
b ) Não é p.ela mesma razão pessoa colectiva interna.
Nestas pessoas colectirns o acto do poder p6- formação da pessoa colectiva, e a constituição su-
blico que as cria (lei ou regulamento j é de natu- cessiva ou p o r s u b s c r i ~ ã opública, com que a
reza constitutiva e orgânica, e portanto é nele que formação se prepara e desenvolve através duma '
se devem encontrar totios os princípios regu!ndores série de actos tendo por fim recolher as adesões dos
da sua existgncia e funcionamento. membros da associação, mediante a assinatura do
O mesmo acontece ainda, mas s6 em parte, documento (cédula ou boletim) emitido pelos pro-
com as associações ou corporações reguladas por motores, em que o subscritor se compromete a ser
lei especial, como as associaçóes de classe, as asso- membro da corporação a constituir, assumindo as
ciaç0es de socorros mutuos, os sindicatos agrí- obrigações correlativas. Quando pelas subscrições
cola ou pecuários, as sociedades de crédito ~ g r i c o l a houver o número bastante de aderentes, proce-
e todas as sociedades comerciais. Mas dizemos de-se i assemblea geral para a estipulação do
em parte, porque a outra parte é regulada pela von- acto constitutivo, com a qual se encerra êste pro-
tade das associações ou dos fundadores. cesso de gestação, encontrando-se a associação n o
'
Aqui s 6 temos que nos preocupar com os prin- mesmo ponto inicial em que se encontra na cons-
cípios reguladores das corporações e instituições tituição instantânea, isto'é, definitivamente consti-
que não teern -regulamentação em lei especial, fa- tuída (').
zendo a necessaria-.e Iundarncntal distinção entre Mas qual é a natureza do acto constitutivo?
as associaçbes e a s fundações. E certamente um acto jurídico, exigindo por
A existênc,ia duma corporação de tipo associa- isso capacidade dos su~eitos,validade do consenso,
tivo resulta do aclo constitufivo que a fundar, e objecto e causa lícitos.
estabelecendo as relaçdes de união entre os asso- Mas grandes divergências se teem manifestado
- ciados e do estatuto, que organiza a sua vida para sbbre a sua qualificação, considerando-o uns como
o futuro. um acto de criacão ( Regelsberger, Karlowa), que
Muitas vezes há uma situaç&ojurídica preiimi- vai muito além das relações das partes, chamando
nar: a iniciativa da constituição parte de um pro- à vida uma pessoa jurídica; outros como um acto
motor, ou mais reunidos numa sociedade suigene- unilateral; mas entre estes há ainda duas correntes
r i s (comissão organizadora), que dirigindo convites diversas: os que o consideram um acto unilateral
e programas ao público solicita a adesão dos futuros social ( Gierke, Lescot ) emanando e desenvol-
membros, para formar o substracto corporativo da vendo-se do prbprio organismo em formação, que
futura pessoa colectiva. Passam-se assini contrac- s e apresenta já e afirma como um sujeito, tendo
tos e relações de carácter preparatório, entre os a associação uma vida embrionária corporativa
promotores e aderentes, que ficam num estado (Gierke), espécie de gestação uterina garantida já
de pendência ou suspensão até que a corporação
venha a constituir-se ou se mostre inviávei.
Dois são, portanto, os modos de c ~ n s t i t u ~ ç ã o :
o mesmo processo da constituição das sociedades
a constituição simultânea, em que todos os mem- (1)
anonimas (cod. com., art. 1 6 2 , ~e seg.)-Soczedades e Empre-
bros reunidos procedem no mesmo momento A sas Comerciais, pág. 301 e seg.
pelo princípio coitceptus p r o nato habetur (Les- vários órgãos que cooperam no desenvolvimento
cot) ( I ) ; e os que o caracterizam como um acto da vida corporativa, as suas funções e competéncia,
colectivo, isto é, um acôrdo de duas ou mais decla- as condições e forma de escôlha das pessoas encar-
rações de vontade paralelas e dirigidas ao mesmo regadas dessas diversas funções; 4 . O os direitos
fim, e não cruzando-se entre si, mas encontrando-se e obrigaçoes dos membros em relação A associa-
num ponto de coincidência, como acontece nos ção; 5.O as normas sbbre modificação dos estatutos,
contractos (Kuntze, Windscheid, Dernburg, La- extinção da corporação e destino do seu patrimb
band, Coviello, Ferrara, Dr. Alves Moreira, Da- nio, nos casos em que a lei o permite (c&. civ.,
guit, Dr. Vital, etc, etc, ) ; outros consideram-no - art. 3b.O).
como acto bilateral, mas ao lado dos contractos Estes princípios formam o conteúdo tipico
( Biermann ) ; outros finalmente, coi~sideram-no dos estatutos, que podem entretanto ser mais
como um verdadeiro contracto, e esta é ainda, e ou menos pormenorizados, mais ou menos omis-
com razão, a doutrina dominante ( a ) . sos, e ser completados por meio d e regulamentos
O acto constitutivo é o acbrdo dos membros, anexos.
não só s6bre a existência e o fim da associação, Nas institu?çbes'ou fundações, o substractu da
sôbre os direitos e obrigações dos associados, mas personalidade colectiva não é uma colectividade de
até sobre os direitos especiais reservados a alguns pessoas, mas sim a obra a realizar vivificada pela
sócios, por exemplo, aos fundadores ( a ) . vontade do instituidor, que fornece os meios para
Muitas vezes com o acto constitutivo é con- a sua realização e dita-as normas que devem pre-
junto, e dele faz parte integrante, mas outras é sidir A constituição e ao funcionamento da insti-
distinto, e forma um simples anexo, o estatuto da tuição ou fundação.
associaçao, que em qualquer dos dois casos tem Ao acto de conshtuição das corporaç0es cor-
sempre a sua natureza jurídica própria: é o esta- responde aqui o acto de fundacão, e por isso
tuto fundamental e orgânico. alguns escritores teem concebido a constituição
O estatuto é a organi$acão constitucional da corporativa como uma fundação colectiva (Kuntze,
associação, o complexo das normas que regulam a Karlowa).
sua estrutura interna, o seu funcionamento e as Tratando-se de institutos criados por particula-
suas relações externas. res, ou por entes públicos que não sejam o Estado,
Em regra o estatuto determina: 1.0 O nome, o torna-se do mesmo modo necessário examinar
fim, e a séde da associaçao ; 2." os meios financei- separadamente a formação do substracto, que é um
ros com que se propõe realizar o seu fim; 3." os produto da vontade do instituidor, e o reconheci-
mento, que é dado pelo Estado ou pela lei.
O instituidor ou fundador declara pelo acto de
fundação a sua vontade de criar um certo instituto
(1) Lescot, Essaz s u r lu période constitutive des person-
nes morales, pág. a+z e seg. com carácter autónomo, precisando o seu fim e
( e ) V. Os Príncipzos, I, pag. 4a8 e seg. individualidade, destinando-lhe o património neces-
(a) Ferrara, pág. 136 e 137. sário para o seu estável funcionamento, e podendo
também formular as regras relativas i sua consti- O acto de fundação anallza-se, pois, num acto
tuicão e funcionamento, que devem ser respeitadas destinado h formagâo da pessoa c o l e c t i ~ ae numa
em tudo o que não for contrário à lei. disposipão patrimonial.
Do mesmo modo que na constituição das cor- Mas 6 na concepção de cada um dêstes actos
poracões voluntárias, se o acto de fundação não que surgec as divergências entre os doutores.
contém o estatuto completo da fundação, será êste Gierke considera o acto de fundação como um
elaborado i parte pelo mesmo fundador, pelos admi- acto social de criagão, um acto constitutivo da '
nistradores da fundação, ou pela autoridade que personalidade colectiva, emquanto que a dotação
promover ou fizer o reconhecimento legal. seria uma oferta de doacão a fundagüo nascitura;
A doutrina foi durante muito tempo hesitante Kohler diz que a fundacão é c r i ~ ã o é, uma decla-.
sôbre n natureza do acto de fundação. Da escola ração unilateral, que dá origem ao ente, e que a
francesa pode mesmo dizer-se que ainda até há dotação é tambhm acto unilateral, mas constituindo
pouco desconhècia a figura jurídica da fundaçao um tipo prbprio de acto ou negbcio juridico; Kar-
autónoma, isto é, a fundação-pessoa jurídica, admi- lowa vai mais lunge, e conjugando os dois elemen-
tindo apenas a fundagão indirecta ou fiduciária, sob tos do acto de fundadão, diz que não se trata de
a-forma-de,dotação ou-legado a uma pessoa física um negócio jurídico privado, mas de um acto ds
ou moral, para a realização do fim; e nesta orien- autonomia, pelo qual o indivíduo como ente social
taçáo definiam, Q acto sob o aspecto patrimonial, cria um sujeito de direito.
ora como doação ou legado modal, isto é. com Mas, seguindo orientaçáo diversa, muitos au-
encargo, ora como um depósito de capital conjunto tores vêem na disposição patrimonial uma doacão,
com um mandato para aplicar a renda perpétua- ou pelo menos uma jiberalidade, considerando-a
mente, -ora como uma disposição sob condição re- geralmente a doutrina francesa e italiana como
solutiva, e ainda em certas espécies de fundações sendo o fulcro de toda a fundação ( I ) .
como um verdadeiro contracto oneroso ( I ) . Parece-nos que a verdadeira teoria é a da cria-'
Foi a escola alemã, seguida depois pela italiana, cão, não a de Gierke, mas a ~ d eKarlowu, conju-
que profundou a doutrina da fundação autónoma, gando os dois elementos da fundação, pois que
pondo em relêvo como o acto de fundação é prin- ambos são essenciais, não sendo admissivel, neiãl
cipalmente destinado A criação de um instituto, h sequer concebível, o poder de o indivíduo criar
instituição de um sujeito jurídico, e sbmente como uma pessoa colectiva, sem ao mesmo tempo lhe
meio, h disposição patrimonial para o serviço da destinar o patrim6nio indispensável $t sua vida.
nova personalidade. E concordamos também com Ferrara em con-
siderar bastante a qualificação do acto de fundação
s Code Xapoleon, r, n.O 586 e seg. ;
como acta juridico; divergimos, porém, na sua
(1) Demolombe, C o u ~ de
L a u r ~ n t ,Princzpes de Drolt C z v z l , XI, n . O 1 7 j e seg.: Planiol, qualificação como acto unilnteral d u m a declara-
n." 3030; FéneIon, Lei Fondations e t les &tabltssements Éccle-
stasttques, pág. 83 e seg. ; Dejust, Fondatzons des Messes,
pág. j o e seg.
/') Covielio, pág. 214 e seg.; Ferrara, pág. 641 e 642.
cão de vontade não retírável, que fica perfeita vou-se fiel As tradições e ao espírito do direito
desde que seja manifestada em forma iddnea, e português ( 1 ).
portanto firme, ainda no caso de o fundador morrer Estabelecido que as fundações podem resultar
ou se tornar incapaz (I). de acto inter-wiwos ou mortis causa, surgiram
Parece-nos que é necessário distinguir entre prolundas divergências, e por longo tempo se tra-
as fundações por testamento ou por acto entre varam grandes disputas, sdbre a validade das dispo-
vivos. N o priíneiro caso está certa a doutrina do siçoes testamentárias destinadas h fundação directa
acto unilateral. de uma pessoa moral (9.
Mas sendo acto iizter-vivos, entendemos que
a fundnqizo d bem um contracto entre o fundador e
o Estado, considerado como o sujeito jurídico da
(3 O código brasileiro, regulando as fundações nos arti-
sociedade ( % ) . E' que, na verdade, a fundação, no gos a4.O-30.0, diz no art. z4.O : s Para criar uma fundação, far-
fundo, nào é senão uma doação feita P sociedade lhe há o seu instituidor, por escriturapublica ou testamento,
em geral. Ora, desde que ela se não pode tornar dotação especial de bens livres, especificando o firn a que a
efectiva, senão pelo reconhecimento ou aceitação destina, e declarando, se quiser, a maneira de administra-la>-
do Estado, mediante a aprovacão dos seus estatu- E no a r t a6.O: %Velará pelas fundações o Ministkria P i i b l i c ~
do Estado, onde situadas S. Nada diz, porém, sòbre a revogação
tos, nos termos da cláusula I . = do art. 5 . O do das disposiçdes instituidoras, donde deve concluir-se que se
decreto de 25 de maio d e 19x1, que regula 0s servi- aplicam as regras dos testamentos ou dos contractos, conforme
ços da assistência pública, 6 verdadeiramente um a disposição foi por uma ou outra forma.
contracto entre O fundador e o Estado. (4) Em relação ao nosso direito, dizia o Dr. Alves Mo-
reira, Insl , pag, 307: *Não pode suscitar-se, portanto, entre
Ferrara, no silêncio da lei italiana, fez a cons-
n6s a questão se por testamento pode constituir-se um patri-
trução jurídica da fundacão, manifestamente orien- .mónio para uma fundação directamente, pois na artigo referida
tado pela doutrina germânica, e especialmente pelo ( é o art. 1902.0)previne-se o modo por que deve electuar-se a
código alemão, que regula as fundações como actos liquidação desse património, para que seja aplicado ao fim a
jurídicos unilaterais, considerando-os revogáveis que o testador o destinou. A fundação, porkm, so existe desde
at8 ao momento em que intervem c reconhecimento que sejam aprovados os seus estatutos pelo governador civil,
e é á pessoa que seja incumbida pelo testador d e executar o
do Estado, que fa7 surgir o novd ente (c6d. ale- testamento que cumpre promover essa aprova@o. Ao gover-
mão, § 81 ). nador civil compete, quando s6bre o assunto não hajam provi-
N6s, porém, no silêncio da nossa lei, preferi- denciado os seus ínstituidores, regular, com aprovaçân do go-
mos aderir ao sistema da cbdigo brasileiro, que, verno, a fundação e administração de estabelecimentos d e
apezar de orientado no sistema geral da doutrina instruçâo, de beneficencia ou outros de utilidade pública (cód.
adm., a r t z52.', n.O 9.G)>.
germânica e especialmente do cbdigo alemão, Mas o certo é que o art. r902.a esta muito longe de s e r
nesta mathria, como em muitas outras, conser- bastante para resolver a grave questão da validade ou nuli-
dade das disposições testamentárias directamente dirigidas B
criação de uma pessoa moral, pois se limita a prever a hipo-
tese de o testador mandar empregar o produto de certa p a r t e
(I) Ferrara, pag. 642. da heranca em alguma fundação, podendo bem entender-se-
(3) Os Prznt iptos, r, pag. 4 r9 e 4ao. que se refere a fundações já existentes; mas, de resto, n5o se-
O importante e grave problema tem sido regu- Eesta doutrina parece-nos incontestável, mesmo
lado nos códigos modernos, e por leis avulsas em no sistema clássico da capacidade de adquirir por
alguns países, como na Itália ( I ) . testamento restrita As pessoas (herdeiros ou lega-
Entre n6s ainda a questão não foi resolvida tários) existentes ao tempo da morte do testador,
por um texto de lei, sendo de notar que nem o pois que as fundaçbes de utilidade pública outra
decreto de 25 de maio de 1911, sobre a assistência cousa não são que disposições a favor da socie-
públ:ca, contém qualquer disposição que a resolva. dade em geral representada na personalidade do
Apenas a cláusula I." do art. 5." regulou o modo Estado.
d e tornar efectiva qualquer obra de assistência Para mais completamente ilustrar a solução d o
devida a iniciativa privada ( 9 ) . problema vamos reproduzir a eaposiçao que dela
Mas n6s sempre entendemos e sustentamos faz, e a solucão que apresenta, o eminente Ferrara.
q u e C válida tanto a disposição testamentária para Pode a fundagão ser instituida rnortis causa
a ciiação duma pessoa colectiva de utilidade pú- em um testamento, no qual náo s6 seja declarada
blica, como a disposição a favor de um ente colec- a vontade de fundar. uma obra, mas como $m d e
t i v o já existente de facto, embora não legalmente dotacão seja a mesma obra chamada herdeira OU
constituido, desde que legalize a sua situação ( 8 ) . legatária do património do testador. Em tal caso
a relação é concebida como vocação heredithria
d e pessoa futura, e por isso, duma parte invocou-se,
~ e f e r eaos casos de o tesrador destinar, em vez do produto, os para sustentar a sua nulidade, a regra de que não
próprios bens. se pode instituir herdeiro ou legatário uma pessoa
' ) Na Itália foi a secular questão resolvida pelo art. 84.- que não existe, que não se pode considerar a dis-
d a lei de i 7 d e julho de I@, sâbre a s instituições pícblzcas d e . posição como feita sob a condição si nascatur,
benepkência, bispondo que toda a vez que o nothrio estipule
porque o mesmo seria que abolir o principio da
doagóes ou procedS a abertura de utn testamento em que por
mode d i ~ e c t oou iasrecto se fundem institutos tendo caracter existência do instituido no momento da devolução
d e benefichncia piiblica, é bbrigado a fazer comunicação do hereditária, e que não é possível na falta dum texto
facto ao sindico, o qual por sua vez é obrigado a avisar a d e lei dar efeito retroactivo a o decreto de reconhe-
Congregação d a Caridade, a qual deve tomar a s providtncias cimento ; e ex adverso, para sustentar a validade,
conservatonas e praticar os actos necessários para obter o
explicou-se não sér verdade que o ente não exista
~econhecimentod a parte d a autoridade governativa. Coviello,
pag. 216. n o momento em que é fundado, pois tem'já uma
(' ) Art. S.", cl. I . * : a Toda a obra de assisttnaa pri- personalidade inicial ou embrionária pela qual pode
vada, seja qual for a sua designação, não tem, para funcionar, equiparar-se ao embrião, tendo assim aplicacão O
outro dever a cumprir além d a participação da sua natureza, princípio conceptus pro nato kabefur. e que por
iins e representantes a commissáo competente de assistência
dentro d a área da sua séde, ou a Direcção Geral de Assis-
outro lado o reconhecimento legal não cria o ente
tência se a sua esfera de acção se estende a todo o pais ou a j u r í d i ~ o ,mas serve s6 para complctá-10 e declara-10,
mais de um distrito, e a apresentação dos seus estatutos à apro- e portanto tem carácter retroactivo, e que, final-
v q ã o do governador civil S. mente, nas fundações s e trata d e um legado a socie-
( 3 ) Sucessões, n." 49. dade, e que a sociedade existe sempre, não tendo
senão que pedir como herdeiro ou legatário a auto- mónio seja reservado e vinculado para o futuro,
rização para o aceitar. na expectativa dessa eventualidade. De resto, a
Como se vê, diz Ferrara, péssimas razões duma tese da validade das fundações m o r t i s causa tem
parte e doutra (crítica que n6s repelimos em rela- uma longa t r a d i ~ ã oa seu favor, a começar pelo
ção i s .razões pro validade), que foram com muito direito romano, através de todo o direito intermé-
brilho ilustradas perante os tribunais, onde preva- dio e na jurisprudência do direito comum, de tal
leceu a tese da validade, mas não tanto pela bon- modo que Gierke p6de bem dizer quc devc reco-
dade dos argumentos, como pelo intuito prático nhecer-se como um princípio d e direito consuetu-
que felizmente guia a magistratura na solução d o s dindrio ( I ) .
casos em harmonia com as exigências das relações Temos examinado até aqui a constituição do
jurídicas. substracto material das pessoas colectivas: u m a a s a -
Mas o problema era mal apresentado : não se ciaçào d e pessoas nas corporações, e destinação
trata de ver se é lícito instituir herdeiro ou lega- de um património nas fundacOes, tudo para u m
tário o ente que não existe (porque é intuitiva a fim lícito, que alem disso precisa ser de interêsse
solução contrária), mas de ver se sob forma de g-a1 nas institui~6espersonalizadas.
disposicão testamentária pode fazer-se um acto Mas elemento essencial da constituição das
de fundação. A fundação não é- vocação de her- pessoas colectivas é ainda o reconhecimento legal,
deiro ou legado, e por isso não é governada pelos como já observámos.
-- princípios sucessórios, mas é um aegócio auto- A constituição do substracto corporativo ou
nomo de instituição de uma obra ou de destinação institucional por vontade das partes, diz Ferrara,
de um património. Se também toma a veste testa- não faz surgir mais do que associaçóes ou institui-
~ e n t r l r i a ,se também é contekdo dum testamento, ções não autónomas; ter-se há numas uma plura-
não é porém instituição de h e d e i r o . Nao há que lidade de pessoas cam um patrim6nio conurn, nas
dar importância as expressões. do testador, mas outras destinação ou afectação de um património,
sim ao sentido-e ao fim da sua disposição. A questão que pode revogar-se ou dissolver-se a todo o mo-
portanto é virgem, e não influenciada ou domi- mento. Aquilo que transforma estas colectividades
nada pelas regras materiais que regulam as dispo- ou instituições sociais em pessoas jurídicas é a
sições de última vontade, pois que a fundação intervenção integrativa do Estado. O reconheci-
mortw5 cuusn é um teirtium genus, e não uma mento não é simples legalização do substracto, não
espécie daquelas. Sendo assim, é pelos princípios é o nulla osta oficial em face do ente já formado
intrínsecos dos negócios de fundação ou destinação ou o simples registo do seu nascimento: mas é
que deve formular-se a resposta á questão de saber concessão de personalidade, é criação de sujeito
s e é possível vincular por acto mortis causa u m jurídico » ( 9).
patrimbnio para um ente a instituir. E posto assim
o problema, não se pode duvidar um momento da
licitude dum tal procedimento, pois que se a fun- (1 ) Ferrara, pag. 645 e 646.
dação deve nascer no futuro, é legitimo que o patri- (e) Ferrara, pág. 648.
Na mesma ordem de ideas tem-se entendido dizer que há realmente uma intervenção do Estado
entre n6s que a autorização legal, a que se refere o a autorizar ou a completar a constitui'ção da pessoa
art. 33.0 do cbdigo civil, significa que a constituTção colectiva.
de todas as pessoas morais, isto i, de todas as Por conseqüência, a doutrina da concessão da
pessoas colectivas de utilidade pública ou pública personalidade ou criação do sujeito jurídico pela
e particular conjuntamente, tem de2ser aprovada autorização do Estado s6 se pode admitir, e no
pelas competentes autoridades administrativas, para sentido de ser um dos elementos componentes,
que fiquem sendo consideradas individualidades em relação as pessoas colectivas que efectivamente
jurídicas. carecem da autorização governativa.
E assim escrevia o Dr. Alves Moreira: «Se- Ora, segundo a nossa legislação, nem todas as
gundo a nossa legislação, o princípio relativo A pessoas morais carecem da autorização governativzr.
constituição das pessoas colectivas de utilidade Careccm de aprovação dos estatiitos pelo go-
pública ou que tenham fins ideais é o de que deve vernador civil todas as fundaçaes nas t m o s do
haver um reconhecimento especial dessas pessoas art. 252.O, n.0 8." do código administrativo de 1896
pela autorização da sua constituição, autorização e da cláusula 1.a d6 art. 5.0 do decreto de 25 de
que se considera virtualmente concedida pela apro- maio de 1 9 1 1 .
vação dos seus estatutos» ( I ) . Mas pelo que respeita As associações, já yimas .
Mas nenhuma destas doutrinas é inteiramente que não se pode deixar de considerar revogado o
verdadeira. art. 252.O, n.O S.", do código administrativo de 1896,
A doutrina de Ferrara s6 é verdadeira em- pela lei de 14 de fevereiro de 1907, salvo para as
quanto considera o reconhecimento legal como um que sendo reguladas por lei especial efetivamente
elemento ou requesito essencial da personalidade carecem de autorização do govêrno ou de aprovação
colectiva ; mas não 6 verdadefra quando atribui h dos estatutos pelo governador civil (supra, n." zr ).
intervenção do Estado pelo reconhecimento a f6rça Mas qual é o alcance do valor constítutivo,
de criar o ente jurídico: seria a pura teoria da ou antes confirmativo (supra, n." 15) da autoriza-
criacão de Gierke, que aliás Ferrara não aceita. .ção ou aprovação governativa? O reconhecimento
De resto, a verdade é que na forma do reco- terá a virtude de sannr os vícios que eventual-
nhecimento prévio e genérico da regulamentação mente afectem o acto de constituição ou de funda-
legal, pelo qual se consideram legalmente consti- .ção, por modo que uma vez constituído o corpo
tuídas, e com personalidade jurídica, as associaçoes moral êste existe legalmente em relaçáo a todos,
de mero interesse particular, desde que se consti- ainda que se prove que a constituição ou a funda:
tuam nos termos prescritos na lei, nem se pode $30 é ~zulapor defeito de forma ou da vontade,
por incapacidade, pelo seu conteúdo ou por outras
causas, que hajam passado desapercebidas A auto-
ridade que deu o reconhecimento?
( 1 ) Dr. Alves Moreira, lnst., pág. 305. No mesmo sen-
tido a citada consulta (supra n.' 2 1 ) na Revisda de Leg. e de A opinião dominante na Alemanha ( Fischer,
Jurisp., LV, pág. $ 1 1 - 2 1 6 . Kohler, Wellwig) é, com respeito as associac0es
inscritas, que emquanto a inscrição n ã c é revogada,
esta produz validade formal, porque a validade do 24. Organização das pessoas colectivas : estrutura '

substracto é um presuposto, e não uma condição da interna e representação externa. - As corporações sao
eficácia do reconhecimento, de modo que a sua colectividades compostas de sbcios ou membros,
falta pode ser causa de impugnação do acto admi- que são em regra pessoas individuais, mas podem
nistrativo, mas não um motivo de nulidade ; ácêrca também ser pessoas colectivas, como acontece nos
das hndações as opiniões são ainda mais incertas, consorcias administrativos ou bancários, muito fre-
pois emquanto uns, como Hellwig, aplicam o mes- quentes nos grandes países. O número de mem-
mo critério, outros distinguem entre invalidade do bros não é sempre determinado, podendo variar
acto de fundação e errónea apreciação do mesmo indefinidamente desde as sociedades d e dois ou três
acto por parte da autoridade governativa, admi- sbcios até um número indeterminado de membros,
tindo no primeiro caso a ineficácia, no segundo a camo acontece nas corporações territoriais, nas coe;
possibikidade de revogaçáo do reconhecimento pres- poraçdes profissionais ou associaçdes de classe, nas
tado. cooperativas, etc.
As condiçoes da admissão de fiovos membros
Por seu lado Ferrara entende que em todos os
casos o reconhecimento dado As corporações e fun- resultam dos estatutos ou aa lei, podendo ser exi-
dações faz nascer um sujeito de direitos, quaisquer gidns condições de idade, de sexo, de religião, de
que sejam os vícios que afectem o substracto, os profissão, de estado social, moral, etc.; e póde AS
quais poderão determinar a revogação do decreto vezes a admissão ser condicionada apenas pela suces-
de reconhecimento ou do registo, quer expontâ- são hereditária, ou pela compra do título de sócio,
como nas sociedades por acções. A qualidade de
neamente por parte da autoridade, quer mediante
recurso ou impugnagão por parte dos interessados. membro póde ser documentada pela inscrição num
Mas no intervalo o ente existe e é capaz de agir, registo existente na séde da corporação, ou ser incor-
para se extinguir s6 no momento ( e não ex tunc) porada num titulo ( quota ou acçiio ), que pode ser
em que o reconhecimento lhe fôr retirado ( i ) . transmissível conforme se determinar nos estatutos.
Nós pelo contrário entendemos que, sendo o Ás vezes a adquisiçãa da qualidade de mem-
substracto do acto de constituição ou de fundação o bro resulta de uma dada situação de facto ; masem
elemento essencial e primordial da existência da regra é um acfo de vontade, ao mesmo tempo do
pessoa colectiva, a nulidade do substracto importa associado que quer entrar e da associação que quer
a nulidade ou inexistência legal do ente colectivo, admiti-lo. Há em tal caso, na entrada do novo
É o mesmo principio consignado no art. 107." d o membro, um verdadeiro contracto, não nos pare-
cendo aceitável a doutrina daqueles que, como Fer-
c6digo comercial, considerando como não existen-
tes as sociedades que na sua constituição não obser- rara, dizem tratar-se de duas declaraç0es uniiate-
varem as prescrições da lei. rais que correm paralelas a a mesma linha sem
formar um contracto (I).

B
(') Ferrara, pág. 648 e 649.
( 1 ) Ferrara, pag. 656.
... .'i?
... ..

Declaraçbes unilaterais de vontade são a reti- E esta descriminação de competências, esta


rada ou exoneração voluntária do associado, e a repartição e atribuição de poderes e funções,
sua exclusão ou zrradiagáo, isto é, a exoneração segundo o princípio orgânico da divisão d~ tra-
imposta pela colectividade, quando por qualquer balho, que constitui a organização da pessoa colec-
motivo se torne indesejável. Muitas vezes as cau- tiva, e é o principal objecto dos estatutos.
sas de expulsão encontram-se minuciosamente E claro que esta organização é mais ou menos
determinadas nos estatutos; mas devem em todo o complexa, mais ou menos variada e minuciosa,
caso ser apreciadas com justo critério. E se a cor- conforme a natureza e vastidão dos fins da em-
poração tem direito a defender-se, deve também prêsa, e o número de membros da-corporação.
reconhecer-se aos seus membros, que por ventura Mas a doutrina dominante construiu um tipo
sejam injustamente expulsos, o direito de pelos de organização, que tudo reduz a dois brgãos fun-
meios competentes reclamar contra a expulsáo. damentais : a assemblea e a direcção.
Em princípio os direitos dos membros sáo iguais; A assemblea geral dos membros é o 6rgão
mas por xirtude da b i ou' dos estatutos p6dem pelo qual a carporação intervém directamente. e
resultar da constitulção algumas desigualdades por uma forma soléae nos actos da sua vida, na
( slócios fundadores, ordinários, efectivos, corres- realização dos seus fins.
pondentes, honorários, benemzritos, etc., etc. ). E O estatuto deve determinar o modo, forma e
póde atk a qualidade de sócio ser cumulada ou tempo da convocação, constituição e funcionamento
fi-accionada, de modo que um sócio represente da asscniblea.
mais do que uma unidade ou voto, e haja sócios A assemblea intervem na vida da corporação
que para terem um voto precisem de se agrupar e por meio de deliberagaes: exprime a vontade
fazer-se representar por um. E o que acontece colectiva sôbre as propostas apresentadas e discu-
nas sociedades anánimas em que s6 se admitem tidas na reunião. E as deliberações são fixadas
nas reuni6es ou assembleas gerais os accionistas pelo principio da maiorza, em regra a maioria
que tiverem um certo niimero de acçbes. absoluta (metade mais um dos votantes ), e excep-
A não ser nas. sociedades compostas de dois cionalmente uma maioria relativa ou reforçada
ou três indivíduos, ou de quatro ou cinco, quando ( dois tercos, tr&s quartos, etc., dos sócios ou do
muito, é intuitivo que a colectividade não pode capital). No direito germânico o principio da
directamente intervir em massa nos diferentes actos maioria era concebido como um meio de conse-
da vida da çorporação. Tanto para a vida interna guir ou realizar a unanimídade, considerando-se
como para as relações externas é indispensável que a minoria dissidente era pela constituicão
uma certa organização, em virtude da qual a colecti- obrigada a desistir das suas pretensões, de modo
vidade delegue em algumas pessoas certas e deter- a triunfar uma única vontade. E o direito canó-
minadas .funções, de modo que cada um saiba o nico explicou O princípio pela regra: quia per
que tem a fazer, e que externamente seja conhecida plures melius oeritas inqztiritur. Seja como for,
a competência ckss diversos órgãos ou representan- o certo é que o princípio da maioria é uma neces-
tes da corporaçáo. sidade da vida corporativa, dada a impossibilidade
de e m muitas circunstâncias se conseguir a unani- pelo estatuto ou pela assemblea; se os excede, O
midade do consenso. De resto as minorias teem, acto inconstitucional não vincula a personalidade
conforme os casos, o direito de se retirar da cor- da corporação. O s estados subjectivos que influem
poração, e de reclamar a nulidade das deliberaç~es na validade e eficácia dos actos jurídicos êrro, ma
ilegais ou de se opdr às que forem inoportunas ou fé, dolo, culpa, coacção) teem de .ser apreciados
inconvenientes. na sua própria pessoa, pois é obrigado a diligência
As funções da assemblea são: a eleição dos normal na sua gerência, sendo responsável para
representantes e administradores da corporação, e com a corporação, a quem deve prestar contas dos
a de fiscais dos actos dêstes ; a fixação das normas seus actos como gerente e representante. Deresto,
gerais a que deve obedecer a actividade corpora- aos directores são aplicáveis todos os princípios
tiva ; a revisão, aprovação ou reprovação da gerên- reguladores do mandato, salvas as disposiçóes
cia e do balanço; a reforma dos estatutos, a trans- em contrário dos estatutos, comtanto que sejam
* formação ou extinção da pessoa colectiva. válidas.
Em todas .as corporações é essencial a funçáo, A organização das fundações é essencialmente
cargo ou poder de direcgão: um chefe, director diversa da das corporações, pois que não senclo,
ou presidente, que a governa no interior e a repre- em regra, constituídas por uma associação, não são
senta no exterior. Pode a direcção, gerencia ou governadas pelo poder soberano da assemblea dos
administração ser exercida por um s6 indivíduo, e
pode até ser escolhido fora da corporação; mas
membros ou sócios. .
O que teem de comum ou semelhante as cor-
em regra é constituida por um conselho ou grupo porações B uma d i r e q ã o , que tem os seus poderes
de indivíduos escolhidos entre os seus membros ; derivados d.a vontade do fundador, dos estatutos e
e muitas vezes há um presidente, governador, da lei, e que só é responsável perante o Estado,
superintendente ou representante geral, assistido como representante dos interesses gerais da socie-
de um conselho de direcção o u d e administração. dade, e ainda como sucessor e executor da vontade
As diversas modalidades da direcção e a maior do fundador.
ou menor extensão dos seus poderes são determi- Mas há alem disso que determinar as relações
nadas nos estatutos. entre a própria fundação e o fundador, e entre o s
A direcção procede em nome e no i n t e ~ e s s e directores e administradores e o s beneficiários ou
da colectividade, pois, na verdadeira expressão do destinatários da fundação.
direito, outra cowa não B senão um mandatário ou Constituída a fundação como sujeito autbnomo,
representante, embora de facto, na maior parte dos diz Ferrara, todas as relações se interrompem entre
casos, sejam os directores ou alguns dêles quem fundação e fundador: este passa a ser um terceiro,
tudo pode, quer e manda. que aquela pode demandar para a entrega da dota-
Mas, em principio, deve seguir as normas ção, e ' e m geral fica estranho A sua gerência, salvo
ditadas pela assemblea geral. O cargo de director se n o estatuto lhe foi reservada alguma ingerencia
é temporário, e em regra retribuido e revogável. ou a qualidade de administrador. Mas ainda neste
Deve proceder nos limites dos poderes conferidos caso êle se não distingue de qualquer estranho que
f6sse chamado à representaçáo e govêrno do ente,
tade dos fundadores traduzidá nus estatutos, e trans-
devendo obedecer i sua própria vontade objecti-
mitida ao Estado, como o único representante su-
vada no acto de fundação, e não podendo por si
premo dos interêsses gerais da sociedade, para n o
só alterá-la ou inova-la.
futuro dispor dos destinos da fundação.
Com respeito aos destinatários, a. regra é que
Esta diferença foi sintetizada pelas expressões
não teem um direito aos benefícios da fundação,
mas apenas um interêsse em legítima expectativa.
«imanência da vontade» nas corporações, e «trans-
E isto é assim, porque sendo o fim da funda-
celzdência da vontade» nas fundações.
ção destinado a ' u m círculo vasto e indeterminado
25. Capacidade das pessoas colectivas. Primípb
de pessoas ( o s pobres, os doentes, os velhos, as
crianças, etc.), não podem estas individualmente geral e restrigóes. - Um princípio geral de capaci-
ter a pretensão dum direito préviamente determi- dade civil das pessoas col&ctivas é brmulado n o
art. 3 4 . O do código civil:
nado e estabelecido. Em principio, não se pode
deixar de reconhecer aos administradores o poder « A s associagbes ou corporacões, que gozam
discrecionário de escolher, entre os inumeros des- de individualldadc jurídica, podem exercer todos
tinatários e pretendentes ao benefício da fundação, os direitos civis, relhivos aos interesses legitimos
aqueles que lhes parecerem mais dignos de ser do seu instituto ».
contemplados ( ). v
Mas a regra do art. 34.0 é também em certo
0 s Órgãos ou entidades superiores que na vida modo um preceito restritivo da capacidade civil
das pessoas colectivas dirigem a realização dos das pessoas colectivas, emquanto a limita aos di-
seus fins são o que se chama os seus órgãos ou re- reitos civis relativos aos interesses legitimos'do
presentantes mrcstitucz~nais~Sãro no Estado os seu instituto.
órgãos ou representantes do poder soberano: o E neste sentido já tem sido exageradamente
poder legisfativo, o executivo e o judicial; nas interpretado até ao ponto de se sustentar que as
autarquias locais os respectivos corpos administrati- pessoas colectivas de fim meramente especulativo,
vos; nas corporações a assemblea geral e a direcção; isto é, as sociedades industriais, civis ou camer-
nas fundações a direcção ou administração. ciais, não podem adquirir por titulo gratuito (I),
Entre as corporaçdes e as fundações há uma Mas tal doutrina 6 manifestamente inexacta,
diferença fundamental: nas corporações a vontade não s6 porque nenhum preceito de lei declara as
colectiva dos seus membros, expressa nas delibe- sociedades civis ou comerciais incapazes de rece-
rações da assemblea geral, é soberana, dentro dos ber uma doação ou uma liberaliaade testainentária,
limites da lei, a respeito dos destinos da corpora- nem êste facto se pode dizer contrário ao preceito
ção; nas fundações, embora organizadas sob a do art. 34.", pois certamente reverterá e m benefício
forma corporhtiva, há que respeitar sempre a von- da colectividade contemplada, sendo por isso legí-
timo interesse do seu instituto.

(I) Ferrara, pág. 662 e 663.


(1) Keste sentido, Dr. Alves Moreira, lnst., pág. 316.
Nem tão pouco deve entender-se o preceito geralmente levados a negar-lhes um direito A honra,
limitativo no sentido de restringir .a capacidade com o fundamento de que a honra é uma concep-
das pessoas colectivas aos direitos patrimoniais, ção resultante de elementos psíquicos individuais,
pois, como vamos vêr, também são susceptíveis de que s6 existem no homem singular.
direitos .de personalidade, e nem mesmo aos direi- Mas, como justamente observa Ferrara, o certo
tos civis ou privados, pois tamhém gozam de direi- é que, abstraindo das explicaçdes mais ou menos
tos subjectivos públicos. filosbficas, o direito h honra foi na prática plena-
Mas também se não pode equiparar completa- mente reconhecido aos entes morais, até mesmo
d e n t e a c a p d d a d e das pessoas colectivas A das pelos sistemas positivos que teorizam o carácter
pessoas individuais, visto que por sua prbpria na- fictício das pessoas colectivas, como os canonistas,
tureza elas -são cxcluidas de certas relaçoes, que e modernamente a jurisprudência inglesa e fran-
presupõem o substracto dum organismo corp6reo cesa (L). E com efeito é inexacto exigir para O
fisim: e por isso que elas não podem contrair ma- reconhecimento da honra um estado subjectivo
trimhhio ou:fazer testamento, ser interditas ou ter psicol6gico e individual capaz de sentir a ofensa,
relaçoes derivadas de parentesco, idade ou sexo. pois que esta constitui em todo o caso uma lesão
O priocípio geral da capacidade das pessoas da personalidade d o sujeito, que até pode ter
colectivas é, por conseqüência, o de uma capaci- reflexos patrimoniais (t).
dade correspondente e semelhante à capacidade E' no campo dos direitos e obrigaçoes patri-
das pessoas individuais. moniais que mais se desenvolve a actividade juri-
' E assim que as pessoas colectivas teem o seu dica das pessoas colectivas, podendo dizer-se que
estado pessoal, determinado quer em relação ao sob êste aspecto muito se aproximam das pes-
estado a q u e <pertencem(nacionalidade}, quer em soas individuais, batendo exactamente o mesmo
r;ela@o ao lugar onde teem o centro da sua activi- terreno.
dadk (domici2ioj, quer pela atribuição de certas E' por isso que, salvas as restrições impostas
qualidades jurídicas que -servem para as indivi- pela superintendência do Estado, impròpriamente
dualizar (direitos da personalidade ). chamada tutela administrativa, e as excepções ex-
Todas as pessoas colectivas teem direito ao pressamente declaradas na lei, as relações jurídicas
seu nome, gozando da protecção judicial contra a patrimoníais das pessoas colectivas são reguladas
violação ou usurpação por terceiros; e do mesmo pelo direito comum, tendo sido abolidos os privi-
modo se lhes deve garantir os próprios titulei, légios de que outrora gozavam as pessoas morais.
inségnias, bandeiras ou estandartes. Um dêsses privilégios, que era geral e comum
E não só teem direito ao nome, mas até ao
bom nome.
Tem sido vivamente debatida a questão da ( I ) Michoud, rr, pag. 83-85, refere um caso, decidido no
tribunal de Bourges, de condenação dum jornal que havia im-
admissibilidade 'de uma honra das pessoas colec-'
putado a uma irmã da ordem da Sainte FamiZZe de iVeuey um
tivas. O s defensores da realidade admitem-na sem acto escandaloso; e foi a comunidade quem deu a querela.
contestação. Mas os partidários da ficção foram ( 2 ) Ferrara, pag. 665.
-a restifutio i% ilzfegrum-foi expressamente
A respeito de posse muito se discutiu, a partir
abolido pelo art. 38:0 :
do direito r6man0, se podia aplicar-se As pessoas
aNem o Estado, nem quaisquer outras corpo-
colectivas, mas prevaleceu definitivamente a solu-
raçóes ou estabelecimentos públicos, gozam do
ção afirmativa ( art. 480.0, 3 único ).
privilégio de restituiçâo por inteiro» (').
Podem entrar em relaçdes obrigatórias de toda
E note-se, pois, que, sendo manifesta a aplica-
a espécie, quer activa quer passivamente.
ção &o art. 38.' a todas as pessoas morais, que pelas
leis anteriores gozavam dêste privilégio, isto é, ígre-
Podem praticar actos de gozo, de alienação, _
ou de adquisição de direitos, por título originário
jas, mísericdrdias, confrarias, hospitais e câmaras
ou derivado, por acta entre vivos ou mortis causa.
municipais, tem de se reconhecer que na técnica do
Com efeito, as pessoas colectivas podem adquirir
código todas estas corporaç0es ou estabelecimentos
por testamento ( art. 1781.") ; mas não por sucessão
são de carácter público.
legítima, excepto o Estado, que é o herdeiro, na
Sendo, pois, de direito cornutn a capacidade
falta de parentes e de c6njuge do de cflg'us.
das pessoas colectivas, podem gozar direitos reais
Podem fazer cantractos de toda a espécie :
de toda a espécie, inclusive o usufruto, embora o
sociedades, empréstimos, compras e vendas, man-
carácter pessoal dêste fizesse hesitar alguns escri-
datos, contractas de prestação de serviços, depó-
tores sôbre a sua aplicabilidade a sujeitos abstrac-
sitos, transacçbes, etc., etc.
tos ( ? ) . Mas o usufruto estabelecido em favor de
pessoas perpétuas não pode ir al6m de trinta anos Não podem fazer contractos relativos 4s rela-
{art. 1834.~)( 8 ) . çóes de família, mas deve-lhes ser permitida a
constituição de dotes, pelo menos nas limites em
que lhes seja permitido fazer doaçoes. Mas preci-
samente é muito duvidosa a amplitude da sua capa-
( 1 ) Consistia êste privilégio no beneficio concedido aos
menores de vinte e cinco anos, de poderem anular quaisquer cidade de doar, não tanto porque lhes não seja
actos alias validos, ou reclamar contra quaisquer omissões, permitido fazer liberalidades, mas porque a alie-
em que tivessem sido lesados duranie a menoridade; pois, nação gratuita do património pode equivaler muitas
ainda que a s Ieis declarassem irrevogaveis os actos feitos com
as solenidades devidas, comtudo faziam uma excepção em
favor dos menores, pela presunção d a falta de conhecimentos
e inexperiência dessa idade, ou do desmazelo das pessoas a pelas necessidades do usudrio ou morador e de sua familia,
quem incumbe curar dos seus interesses. E a maneiia dos não podendo por isso aplicar-se a sujeitos meramente ideais.
menores a restituição competia: 1 . O aos interditos; 2.0 a o - Ferrara, pag, 668; Coviello, pág. 218; Ruggiero, pág. 378;
Estado, a s igrejas, mosteiros, misericórdias, confrarias, hos- Giorgi, n." 117. Ferrararefere a opinião 'em contrario de Amadeo,
pitais e câmaras municipais, pelos factos ou omissões dos seus Della ca$actfa d i d i r i t t o privato d e i corpi moralz, pág. 134,
mas 'diz que é sem fundamento. Nós é que não vemos funda-
agentes ou administradores. Coelho da Rocha, § 385 e 392.
mento para a opinião dos italianos; desde que se aceita a
( 2 j Padda, I1 Ezmite di tempo all'usujrutto delle per-
soae giur6diche1pag. 43. capacidade de usufruto, com maioria de razão s e deve reco-
nhecer a do uso ou habitação, pois é um direito da mesma
( 3 ) Os autores italianos, quksi sem excepçáo, dizem que
a s pessoas colectivas não são capazes dos direitos de Cso ou natureza, simplesmente de conteúdo mais restrito, e sujeito
por isso, em regra, ao mesmo regime. V. O s Princípios, I,
h a b i t a ~ á o ,cujo conteiido e'individualizado na sua amplitude
paga 649.
vezes a Subtrair ilegitimamente os bens ao seu da realidade dizem que não. N6s pensamos com
destino. Mas, como nota Ferrara, uma tal violação Coviello que, prescindindo de qualquer teoria, a
do fim importaria a responsabilidade dos adminis- verdade é que em princípio geral as pessoas colec-
tradores, e não a nulidade do acto. E colocada tivas gozam de plena capacidade jurídica, salvas
neste terreno a questão não comporta uma solução as limitaçoes impostas pela lei. Mas j á não con-
única. Com efeito, há entes cujo fim é no todo ou cordamos com este autor quando diz que visto não
em parte fazer doaçóes, quer a título de beneficên- haver lei que sancione o princípio da especialidade
cia e caridade, quer para desenvolvimento da sciên- do fim, não se pode admitir que êste constitua um
cia e das belas artes e outras obras de utilidade limite da capacidade ( I ) . É que pelp menos no
pública. E, por outro lado, também não pode ne- sistema do nos& c6digo essa lei existe : é o próprio
gar-se aos diversos entes públicos ou particulares art. 34." que define a capacidade civil das pessoas
o direito de fazer algumas dádivas módicas, a título morais, segundo o qual essa capacidade é para os
de recompensas ou de gratificação. A questão fica direitos relativos aos interesses legitimos do seu
assim limitada aos actos de doaç0es solepes, e deve instituto. . '

ser decidida em cada caso, em harmonia com o fim E, portanto, sempre que os administradores
da corporação ou instituição e os estatutos que a pratiquem um acto contrário aos legítimos inte-
regem ( I ) . resses, ou aos fins, O que e o mesmo, do ente
Alguns autores pretendem resolver o problema colectivo, não s6 incorrem em responsabilidade,
dum modo geral pelo chamado princípio da espe- mas o acto deve ser declarado nulo.
cialidade d o fim, segundo o qual todas as pessoas E assim, modificada neste sentido, a dout6na
colectivas teriam uma capacidade patrimonial deter- de Ferrara, parece-me ainda a melhor sohição do
minada e limitada pela sua pr6pria natureza, ou, o problema.
que equivale ao mesmo, seriam afectadas de uma Para exacta e perfeita compreensão do prin-
incapacidade geral para praticar quaisquer actos cípio geral da capacidade civil das pessoas colecti-
que não entrem na esfera do fim especial para que vas, deve finalmente notar-se que elas teem a
foram constituídas, mas que pelo contrario con- capacidade abstracta ou de g d ~ ode direitos, mas
duzem a fins diversos, que não s e encontram com não teem em si mesmas a capacidade concreta, de
aquele em necessária dependência. E assim um agir ou de exercer os próprios direitos. E não a
ente que tem fins de lucro não poderia praticar teem, porque, de facto, materialmente a não podem
actos de beneficência, como um outro que tenha ter, faltando-lhes o substracto real duma pessoa
fins de cultura não poderia estender a sua activi- física ou individual dotada de uma vontade sen-
dade a fins religiosos, e assim sucessivamente. sível.
Mas ser8 admissível o princípio? Dum modo Por consequência, s6 podem proceder ou actuar,
geral, os partidários da ficção dizem que sim, os por meio dos seus representantes.

(1) Serrara, pag. 669. ( 1) Coviello, pag. 225.

14
O s partidários da teoria da realidade pura, muito diferente da tutela civil: é a legítima inge-
Gierke e seus adeptos, atribuem L pessoas colecti- rência do Estado na vida das pessoas colectivas,
vas uma verdadeira e prbpria capacidade de agir, e que aliás se exerce não no próprio interêsse
concebendo os indivíduos que de facto procedem destas pessoas, mas na defeza dos interesses gerais
por elas, não como representantes, mas como da sociedade, que elas se propõem realizar. E a
brgãos, isto é, como partes componentes da pes- isto ainda acresce que nem todas as pessoas colec-
soa colectiva, do mesmo modo que o cérebro, os tivas estão subordinadas inspecção ou ingerência
nervos, os ouvidos, a boca, etc. no organismo d o Estado ('1.
fisico. Mas êste conceito, por mais engenhoso que Mas se por um lado é justo reconhecer a m p h
seja, diz bem Covieilo, não é conforme B verdade, capacidade aos corpos ou entes morais, par outro
porque náo s6 não existe a reaIidade das pessoas lado é necessário opor-lhe certas limitaçães ou res-
colectivas concebida por esta fbrma, mas porque triçbes.
6 inexacto considerar os indivídiios representantes As pessoas colectivas de utilidade pública ou
nem mais nem menos que as partes ou brgãos dum pessoas morais teem geralmente por carácter a
organismo vivo. A teoria da realidade assim con- perpetuidade ou, pelo menos, uma longa duração;
cebida levaria ao absurdo de que entre a pessoa e por isso a sua capacidade patrimonial tem por
colectiva e os seus órgãos não subsistem relaç0es efeito vincular h sua própria existência uma parte
de direito, e que o indivíduo-órgão perde a sua das riquezas individuais, subtraíndo-as A circulaça
personalidade, que fica inteiramente absorvida na económica; daí resultou ab antiqvo aquela grande
do organismo do ente jurídico. E como tais con- massa de bens, que, destinados ao serviço daque-
sequências não podem deixar de ser rejeitadas, las pessoas, se chamaram de mão morta, como se
segue-se que a diferença entre brgão e ,represen- a mão dum morto os tivesse agarrado e os seques-
tante resulta puramente nominal: desde que há trasse para sempre da 6rbita das transacções do
duas pessoas, uma das quais procede ou actua em comércio, com grave prejuízo para a economia
vez e em nome da outra, temos a verdadeira figura social, e até muitas vezes para as famílias, que eram
d a representação jurídica. injustamente privadas da herança de seus paren-
Não deve, porém, concluir-se que a pessoa tes(v.
colectiva deva considerar-se como sujeita a tutela, a Por isso desde longa data o poder político
semelhança dos menores, ou antes a tutela perpé- começou a preocupar-se com esta situação, acen-
tua, como um louco incurável. Tutela e represen-
tação são dois conceitos diversos: se é certo que
OS' tutores dos menores e interditos são represen- Coviello, pag. 219 e 220.
(1)
tantes, a recíproca é que não é verdadeira: nem (2) V. em todo o caso a calorosa defesa que dos bens
todos 0s representantes sâo tutores. de mão morta fez Vareilles-Sommieres, considerando-os como
fecuidos instrumentos de actividade e produção, e criticando
De tutela das pessoas colectivas s6 pode fa- severamente o aistema dominante de restriçbes e suspeitas
lar-se no sentido da tutela governativa ou admi-
nistrativa, e ainda assim para exprimir um conceito
-
Contra as adquisiçõas dos entes morais Personnes titorales,
pâg. 450 e eeg.
tuando-se por toda a Europa o conhecido movi-
forem indispensáveis para o desempenho dos deve-
mento legislativo contra a mão mcrta,-por um lado
res das associações' ou corporações.
convertendo em parte a favor do Estado a proprie-
dade de tais entes, e por outro lado estabelecenda
9 2." São havidas, para os efeitos declarados
providências no sentido de impedir a sua recons- neste artigo, como perpétuas:
I." '4s associaç0es ou corporaçdes por tempo
tituição para o futuro. As primeiras providências
aparecem no antigo direito francês, que impunha ilimitado ;
.
2." As corporações ou associações, ainda que
aos corpos morais, sob pena de confisco, a obriga-
ção de solicitar para todas as adquisiçoes imobi- por tempo limitado, que não tenham por objecto
liárias licença ou carta de amortização (des lettres interesses mate~iais ».
d'ammortissement), isto é, uma espécie de inves- Mas deve notar-se que a primeira parte do
tidura da parte do senhor, concedida mediante uma corpo do art. 35." foi modificada, pelas Leis de 12
congrua indemniza~ão. E cartas de amortizaçao
de outubro de 1871 e de 21 de junho de 1889, no -
foram depois exigidas para todas as adquisiçoes sentido do 5 I.", isto é, permitindo as pessoas mo-
gratuitas. Êste direito dos senhores feudais a pas- rais perpétuas, ou corno tais consideradas, adquirir
sar cartas de amortização foi depois absorvido como também por título oneroso os im6veis indispensá-
monop6lio da Cor6a pela ordenação de Carlos v, veis para o desempenho das suas funçúes (I).
de 1372. E o edíto de 1749, do chanceler D'Agues-
reau, exigindo a aprovação rkal para a criação de Lei de r2 de outubro de ,871, art. 1.O : < É suscitada
(i)
novos- entes, determinou que todos os corpos e a observância do art. .io.", 2.O, n
O
. I.", da lei de 22 de junho
comunidades existentes não poderiam sans lettt-es de 1866. Ora o n.0 I." do § 2." do art. 10." da lei de 22 de junho
' d'ammorl issement acquérir, recevoir et p osséder de 1866 permitia a m distritos, municípios, paroquias, casas de
a L'avenzr aucun fonds de terre, naaisons, dt-oits miseric6rdias, hospitais, irmandades, confrarias, recolhimentos
e quaisquer outros estabelecimentos pios ou de beneficência,
réels, rentes foncières, quer a título oneroso, quer: nacionais ou estrangeiros, adquirir por tztulo oneroso os edi-
gratuito. ficios, jardins, passeios e quaisquer terrenos que o govêrno,
Tal foi a fonte do art. 910:" do cádigo de Na- depois de havidas as necessárias informaçoes das competentes
poleão, que por sua vez o foi do art. 35.O do nosso: autoridades, julgar indispensáveis a éstes estabelecimentos,
com prévia audiência dos seus administradores, para o desem-
a As associações ou corporações perpétuas não
penho das suas funções. e gbzo e serviço do público,, ficando
podem, porém, adquirir por título oneroso bens. tais bens sugeitos a desamortização logo que deixarem de ter
imobiliários, excepto sendo fundos consolidados; a aplicação que dela os isenta.
e os que adquirirem por título gratuíto, não sendo - Lei de 2 i de junho de i 889 :
desta espécie, serão, salvas as disposiçôes de leis Art. I." As associaçúee e institutos mèramente scient&cos
especiais, convertidos nela dentro de um ano, sob ou literArios, ou que tenham por fim bnico e exclnsivo promo-
ver o desenvolvimento de qualquer ramo de instrução, quando
pena de os perderem em benefício da fazenda; se achem legalmente constituídos, poderão adquirir por título
nacional. gratuito ou oneroso, e conservar, independentemente de auto-
5 1 . O O que fica disposto na segunda parte. rização do govêrno, quaisquer bens imoveis indispens&veispara
dêste artigo não abrange os bens imbveis, que a sua instalação, ou necessários para a consecução das seus
fins, compreendendo edifícios com carácter de monumentos
Deve, porém, notar-se que na adquisiçgo e Mas podendo as pessoas morais aceitar heran-
conservação de bens imobiliários há uma grande ças ou legados, independentemente de autorização
diferença de regime, conforme a adquisiçtlo é por do govêrno, poderão aceitar pura e simplesmente?
título oneroso ou por título gratuito. Parece-nos evidente a solução afirmativa.
No primeiro caso 6 preciso autorização do A solução negativa, sustentando, com funda-
govêrno, nos termos das leis de 12 de outubro de mento no art. 2025." do cbdigo civil, e no preten-
1871 e de 22 de junho de 1866, excepto tratando-se dido princípio da equiparação das pessoas morais
de estabelecimentos scientificos ou literários, nos aos menores e interditos, que só podem aceitar a
termos da lei de 2 r de junho de 1889. benefício de inventário (i), é absolutamente ina-
No segundo caso não há necessidade de qualquer ceitável, porque tal equiparação nem se encontra
autorização do governo, pois a licença governativa formulada na lei, nem é admissivel perante os
exigida antes do código civil deixou evidentemente princípios, como já m o s t r h o s { 9.
de ser necessária, em face dos artt. 32.O a 3 5 . O , e 1781." Note-se finalmente que as corporaçdes de ins-
deste cbdigo, que não irnpoem semelhante restrição tituição eclesiástica, ou associações religiosas cons-
A -capacidade patrimonial das pessoas morais (l). tituídas nos termQs db decreto de 22 de fevereiro
de 1918, ou ainda nos termos da lei de 14 de
fevereiro de 1907, teem uma capacidade de adqui-
historicos, minas, inscriçõps, dolmens, e terrenos proprios para rir por testamento restrita h décima oitava parte
estudos experimentais e explorações arqueol6gicas ou de qual- dos bens do testador, em virtude do art. 157.~
quer outra natureza unicamente scientifica ou literária, tudo
nos termos e em cenformidade dos respectivos estatutos. da lei da separação, e em harmonia com a inter-
$ iinico. O governo poderá compelir a s referidas associa- pretação que damos ao art. 1775.' e ao 5 Único do
ções ou institutos a alhear dentro do prazo & um ano os imo- art. 1781." ( S ) , no sentido de que o preceito com-
biliArios que tiverem adquirido por qualquer titulo e que s q a m binado destas duas disposições da lei é reduzir as
aplicados a fins diversos dos da respectiva instituiçáo, sob
liberalidades testameiitárias em favor da igreja ou
pena de os perderem em benefie30 d a fazenda nac~onal.
Art. 2P Ficam assim alteradas as disposiç6e.c do art. 35.O das instituiçdes eclesiásticas.
e $ r." do codigo cral, e revogada a iegislaçáo eni contrario. Por fim, e para complemento da analise da
É de notar que a referência ao 5 r.0 do art. 35." C cample- cnpacidade jurídica das pessoas colectivas, resta
tamente descabida, pois que so o corpo do artigo 6 que foi definir Q grau de imputabilidade ou responsabili-
alterado.
dade pelos actos praticados pelos seus represen-
E e de notar também que esta lei de 21 de juiiho de 1889
está em perfeita harmonia com a doutrina por nos sustentada tantes no exercício das suas funções.
(supra, n.' 21 ), de que as associações constituídas nos termos Pelo que respeita B responsabilidade penal,
d a lei de 14 de fevereiro de 1907 não carecem de aprovaçãe
governativa para terem personalidade jurídica, excepto quando
lei especial determine o còntrbio, (1) É a doutrina da referida resolução do Supremo Tri-
( 1 ) Assim o decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, bunal Administrativo e da Reoista de Legisla~ãoe de Jurispru-
em sua resolução da a; de dezembro de 1879, publicada n a dência, no lugar citado.
Rev. de Leg. e ]urtsj., XIX, pág. 476; e a mesma doutnna foi (3) Succssóes, n. 49.
sustentada por esta Revrsta, xxm, pag. 226. ( 8 ) Sucessões, n.0 43.
nem sequer é concebível, em virtude da própria do-a no segundo, como nas pessoas de direito pn-
natureza do ente colectivo, e dado o carácter vado ( I ) .
essencialmente pessoal do conceito da imputabili-
dade criminal, uma capacidade natural para cometer 26. Funcionamento e transfennaqão das pessoas
crimes, e por conseqüência uma responsabilidade colectivas. - constituída urna corporação ou insti-
penal da pessoa colectiva. Seria mesmo material- tuição dotada de capacidade jurídica, começa esta
mente impossível submeter a uma pena pessoal o naturalmente a par em acção os seus meios de vida
ente jurídico da pessoa colectiva: com a pena para a realizaçiio dos seus fins; trata-se de desen-
pròpriamente dita sb podem ser atingidos os agen- volver em toda a sua amplitude a capacidade fun-
tes individuais da violação da ordem penal. Na cional do ente colectivo. Começa o funcionamento
actividade criminal e na acção penal, mais do que da pessoa colectiva.
em qualquer outra espécie de actividade jurídica, Para isso a primeira cousa a fazer é necessh-
6 presuposto indispensável a existência de sujeitos riamente organizar a sede central dos serviços
físicos individuais. administrativos, provendo-a do pessoal e =teria1
Mas nada obsta a que O ente colectivo seja necessários : e em 'seguida se instalargo os dife-
civilmente responsável pelos actos delituosos ou rentes serviços com seus estabelecimentos ade-
factos ilícitos praticados pelos seus representan- quados, e quaisquer sucursais, agências ou filiais,
tes, se o foram no exercício do cargo da fepresen- quando a complexidade e extensa0 dos serviços
tação. assim o exigirem.
O acto ilícito deve em tal caso obrigar direc- A sede central da organização e funcionamento ,
tamente a pessoa colectiva, em virtude da relação duma pessoa colectiva constitui precisamente o seu
jurídica que liga o manaante ao mandatário, o domicilio. E é bem de ver que o domicílio tem
representado ao representante ( art. 1350.')~ mesmo para as pessoas colectivas o mesmo papel e impor-
quando este haja excedido a esf6ra dos seus pode- tância que tem para os indivíduos, determinando-se
res ou atribulçoes, sem embargo do disposto no afinal pelo mesmo critério da residência normal,
art. 1351.O, porque a responsabilidade por factos pois outra cousa não significa o 5 Único do art. 4
1
:
ilícitos é regulada por outros princípios, entre os Com relação As corporaqões ou associaç0es a séde
quais está a regra do art. 238a.", exactamente da sua administraçáo substitui a residkncia a. Com
aplicável As pessoas colectivas e seus represen- efeito a séde da administração i precisamente o
tantes. lugar onde se reunem e funcionam os represen-
Mais grave, e vivamente debatida, é porém tantes ou dirigentes da pessoa colectiva; e por-
a questão ácêrca da responsabilidade dos entes tanto bem pode dizer-se que é o lugar onde ela
públicos, 2 particularmente da do Estado, pelos está ou reside normalmente.
actos praticados pelos seus funcionários. Geral- E também o domicílio da pessoa colectiva
mente a doutrina distingue entre os actos prati-
cados jure imperii, e juregestionis, não admitindo
a responsabilidade no primeiro caso, -e admitin- (1) Coviello, pag. 220; Ruggiero, phg. 377.
pode ser geral ou especial, e necessário ou volun-
tj I: h's juntas gerais de distrito, nos inter-
tário.
O domicílio geral é um só, e voluntário, porque valos das suas sessóes, pelos respectivos governa-
nada.se opáe a q u e 9 pessoa colectiva mude, quando dores civis.
tj 2." As sucursais, agências ou estabeleci-
lhe aprouver e convier, a séde da sua administra-
ção, cumprindo, é claro, perante a respectiva auto- mentos filiais de qualquer banco, sociedade OU
ridade as formalidades necessárias para a sua cons- comnanhia,
-- serão representados pelos seus chefes
tituição, como resulta do 3 único do art. 2 52." do na sede da respectiva administração ».
código administrativo de r896 e do art. I." da lei Para a determinação da competência territo-
14 de fevereiro de 1907. ria1 do tribunal dispóe a art. I%", em harmonia
Mas, além do domicílio geral, pode haver com o princípio do domicílio do réu (art. 1-6."):
vários domicílios especiais, que são os das diversas a O s corpos colectivos serão demandados no
sédes das administrações secundárias ou delegadas, juízo onde estiver a séde da sua administração.
que uma pessoa colectiva estabeleça em diversos S I: O juízo do domicílio das sucursais, agên-
lugares, como resulta doo art. r8.0 do código de cias ou estabelecime~tosfiliais de qualquer banco
processo civil, ou ainda os domicílios especiais, ou companhia, é competente para conhecer das
que para certos e deteminados actos, que a lei causas contra eles intentadas, quando disserem res-
não sujeite a certo domicílio, os seus represen- peito a contractos celebrados ou obrigaçbes con-
tantes estipulem por documento autêntico ou auten- traídas pelas mesmas sucursais, agências ou filiais.
§ 2." A disposição do parágtafo antecedente é
,ticado, pois que o art. 46." do código civil não
pode deixar de ser igualmente aplicável As pes- igualmente aplicável As sucursais, agências OU
soas colectivas; estes são domicílios voluntáfios, filiais de ba?cos, sociedades, companhias ou quais-
mas aqueles são necessários, porque são inipostos quer associaçóes, que tiverem a sua séde em país
pela bi . estrangeiro, por quaisquer actos ou contractos fei-
No desenvolvimento da sua actividade as pes- tos em Portugal>>.
soas colectivas veem-se muitas vezes envolvidas É de notar, porém, que o § I." do art. 1 r . O foi
em relaçoes jurídicas controvertidas, que só pode- revogado pelo art. 49.", n.' 7 . O , do código adminjs-
rão resolver-se por meio da accão jiirisdicional. trativo aprovado pela lei de 7 de agosto de 1913,
E que as pessoas colectivas podem ser partes determinando que os distritos sejam representados,
em juizo, isto é, accionar e ser deiriandadas na em juiqo ou fora dêle, pelas comissóes executivas
pessoa dos seus representantes, é ponto assente, das juntas gerais.
que não admite dúvida alguma.
E é de notar também que os art. I I .O e 18." se
De resto, êste princípio é expressamente con- referem apenas aos representantes dos corpos
signado no art. 11." do código de processo civil: colectivos; mas n2o s e pode deixar de entender que
e OS corpos colectivos são representados pelos seus
são igualmente aplicáveis As instituições cuja direc-
ção seja individual, pois que a expressão corpos
chefes, sindicos OU pscais, OU por quem suas vezes
fizer. colectivosz, é, pelo menos, para este efeito, sinó-
nima de pessoas colectivas ».
Para o Estado estabeleceu o art. 10." um sis- tos, não tendo uma vida corporal orgânica, não
tema de representação judiciária diverso, por uma teem qualidades psíquicas, não teem sciência nem
razão intuitiva e facilmente compreensível : é que consciência; e precisamente o depoimento é um
seria inconveniente para o.prestígio do poder poli- apêlo A -consciência das partes afim de provocar
tico, que fôssem envolvidas nos processos judiciais uma confissão, e o juramento é um acto interna
as pessoas dos seus altos repfesentantes, e ainda com que solenemente se afirma a verdade dum,
inconveniente pela sua constante variahilidade facto. Ora não é possível identi$car a consciên-
sobretudo nos regimes ultra-democrá~icos. O que cia do representante cdm a &a pessoa colectiva,
é necessário é uma representação ao mesmo tempo Mas a doutrina clássica responde que, se as
estável e id6nea. Por isso o art. 10."determinou pessoas colectivas não são sus~eptíveisde um es- B
que « o Estado é representado pelos agentes do tado psicolbgico subjectivo, devem porém sofrer a
ministério público, que funcionarem no respectivo conseqüência do estado de espírito dos seus repre-
tribunal. E o art. 19." dispoe: « O Estado será sentantes; e os efeitos juridicos, que dêstes mol
demandado na comarca onde s e tiver celebrado o mentos subjectivos derivam, não podem deixar de
acto jurídico, ou tiver ocorrido o facto, em que se se repercutir para bem.ou para mal no patrimbnio
fundar a causa B . das pessoas colectivas, concluindo-se por isso pela
A respeito da situaqão processual é muito âdmissibilidade tanto do depoimento de parte, oir.
discutido s e as pessoas colectivas devem ser obri- simples confissão judicial, como do juramento deci-
gadas a restar o depoimentch de parte e o jura- sório ou supletbrio ( I ) .
mento ( I ) , ou seja, a declaração de honra decisória . Qual será a verdadeira doutrina?
o u supletória. Parece-nos dever distinguir-se entre o depok
A doutrina clássica admitia quási sem discre- mento ou simples confissão e o juramento ou decla-
pância ambos êstes meios de prova, e apenas se ração sôbre palavra de honra.
preocupava com o modo como deviam ser presta- Entre os dois institutos há uma diferença qudi--
410s : se todos os membros da corporação deviam tativa fundamental : o primeiro é iim meio de prova,
depor OU jurar, ou sb alguns dêles, ou sb um man- como a testemunha (c6d. de pr. civ., art. ~26.~,),
datário especial. apreciável pelo conhecimento que a depoente mos-
Modernamente, porém, a questão complieou-se, trar dos factos em que s e funda a acção ou a defesa
porque alguns autores negam a possibilidade de e pela fé que merecer ( c6d. civ., art. 2514."); em-
aplicar tais institutos As pessoas colectivas, por quanto que o segundo é mais do que um meio d e
incompatíveis com a sua própria natureza ( a ) . Di- prova, pois é a própria decisão do pleito pela con-
zem que as pessoas colectivas, como entes abstrac- fissão jurada da parte ( art. 2522." e 2533.'); O pri-
meiro, embora seja um acto de consciência, é prin-
cipalmente um acto de sciência ou conhecimento.
(I) Os Principias, I , pág. 456, nota ( I ).
(2) V. a interessante monografia de Quarta, L'interro-
gatorro ed i1 giuramento nez rapporti delle persone gturzdiche. ( 1 ) Ferrara, pag. 681.
dos factos, ao passo que o segundo é exclusiva- As pessoas colectivas estão, com efeito, sujei-
mente acto de consciência. tas A znspecgüo ou vigilância por parte do Estado,
Daí resulta que a observação de Quarta, sbbre como de resto o estão também em certo modo as
a impossibilidade de identz$car a consciência da pessoas individuais, pois que o Estado é o supremo
pessoa colectiva com a dos seus representantes, é regulador e disciplinador de todas as actividades
realmente verdadeira em relação ao juramento deci- sociais,
sbno, pois seria d e facto impossível decidir por Mas a inspecção ou fiscalização do Estado
êste modo a causa sempre que a confissão dos desenvolve-se, como diz Ferrara, com maior ou
representantes fdsse divergente. menor intensidade, segundo a natureza e o fim
* Conclui-se, portanto, que, sendo admissível a dos diversos entes, a partir de uma tutela sdbre o
contissão dos representantes no depoimento de corpo moral, que implica uma Ingerkncia contínua
parte, não pode porém admitir-se para a decisão e interna em todas as manifestaçóes importantes da
jurada da causa. sua vida, diminuindo gradualmente até se reduzir
E qual .é a doutrina perfilhada pala nossa lei? a uma simples função geral de polícia, podendo
O código civil manifestamente regeitava tanto entretanto a intervenção do Estado como supremo
o depoimento de parte (art. 241I.", n.O 2.0) como O regulador político ir até ao ponto de suprimir
juramento arti. 2426.0 e 2520.')~ pois que só admi- a sua personalidade e decretar a sua extinção d B
tia a confissão judicial sobre factos que toquem facto.
pessoalmente A parte que a deva prestar. Assim se compreende fhcilmente que nos cor-
Mas o cbdigo de processo civil modificou êste pos ou organismos administrativos do Estado, que
sistema, dispondo no art. 221,": «Sendo parte na fazem parte da sua prbpria organização e estrutura,
causa alguma pessoa m o r a l das mencionadas no e que são por'êle fundados, a sua intervenção é
art. r ~ . " ,pode exigir-se o depoymento de quem a directa, e imediata, sendo mais do que a simples
representar». E deve entender-se que a expressão tutela administrativa, traduzindo-se na prbpria
apessoa moraln, significando dêste modo corpo direcção e administração por meio de funcionários
colectivo, como n o art. I I.", significa afinal o seus.
mesmo que pessoa colectiva. Em relação aos corpos administrativos territo-
O art. 219." do mesmo código determina que riais (colónias, distritos, municípios e freguesias
« o juramento decisório ou supletbrio será deferido ou paróquias civis), que já não estão integrados
s b nos casos em que é permitido pelo código civil>. na própria organização administrativa do Estado,
Vê-se, portanto, que a nossa lei consagrou afinal mas que, pelo contrário, gozam de uma certa auto-
precisamente a doutrina que defendemos. nomia política e financeira, a sua intervençáo é em
Determinada a situação judicial das pessoas todo o caso ainda directa e permanente, não s ó
colectivas, passemos a examinar a sua posição porque são estas corporações que no seu conjunto
social em face da pessoa colectiva máxima que é formam o próprio Estado, estando integrados na
o Estado. É o que se chama a tutela admtnistra- sua constituição e estrutura, mas ainda porque as
t i v a das pessoas colectivas. , suas funçbes em grande parte s e confundem com
as do Estado, não devendo nem podendo êste tivo, desde que não esteja em jBgo o interesse
desinteressar-se do seu funcionamento. geral, nãc tem o Estado que intervir no seu fun-
Dada a autonomia administrativa e financeira cionamento, a não ser no exercício da sua função
de tais entes, a intervenção do Estado já não é de de regulamentação gerái, para fiscalizar o exacto e
direcção e administração, mas apenas de fiscaliza- fiel cumprimento dos preceitos legais.
ção geral, e de tutela para alguns actos mais graves Mas por isso mesmo que algumas sociedades
e importantes. se propõem fins lucrativos, que também implicam
Pelo que respeita as corporações e instituições, com os interesses gerais da sociedade, tais como
ainda que de iniciativa particular, mas constituídas os de transportes, de seguros, de operaçdes bancá-
ou fundadas com algum fim de utilidade pública, rias, na constituição e vida dessas não pode o
isto é, com funções idênticas As do próprio Estado, Estado deixar de intervir com o regime de auto-
como instrução e assistência piiblicas, pois que rização ou aprovação de estatutos, e muitas vezes
estas pessoas morais já não pertencem A própria com a instituição de funcionários encarregados de
estrutura do Estado, mas se propõem fins paralelos vigiar e fiscalizar os seus actos.
e análogos, a intervençáo já não deve ser directa, Dum modo geral pode dizer-se que a ingerên-
mas deve em todo o caso ser de fiscalização per- cia do Estado na vida das pessoas colectivas é uma
manente, afim de evitar que tais entidades se afas- fiscalização de legalidade ou de oportunidade,
tem das normas que devem presidir d boa direcção conforine se trata apenas de as compelir ao cum-
e administração dos interesses públicos. primento da lei, ou de apreciar de rneritis a con-
Pelo que respeita as corporações e fundações veniência ou inconveniência dos actos por elas
que Sejam ao mesmo tempo de utilidade pública e praticados. O modo como se exerce a intervenção
particular, como são as de fim interessado duma d o Estado pode limitar-se a um procedimento
universalidade de pessoas (associações de classe, neqativivo, evitando que as corporações ou i~isti-
de socorros mútuos, sindicatos, etc.), e as de fim tuiçoes ultrapassem a sua esfera de acção e prossi-
ou interesse ideal (associações de recreio, religio- gam fins ilícitos ou contrários à ordem pública,
sas, scientíficas, literárias, artísticas, desportivas, como acontece- em relação aos entes de direito
etc.), pois que tais entidades, embora já muito privado, ou então consistir num procedimento
distanciadas das funções essenciais do Estado, são positivo, se o Estado na defesa do interesse piibiiço
em todo o caso pessoas colectivas de utilidade geral, obriga as pessoas colectivas de direito público ao
o Estado não deve desinteressar-se inteiramente do cumprimento dos seus fins, empregando os meios
seu funcionamento, mas a sua intervenção deve linii- coactivos para as compelir ao regular desempenho
tar-se a tomar conhecimento da sua existência e dos das suas funções. Estes meios podem ser prwen-
seus actos, para obstar a quaisquer procedimentos tivos ( autorizaçdes, aprwaçbes, vistos ) ou repres-
contrarios a ordem publica e ao conveniente aper- szvos ( anulação de deliberações ou de actos,
feiçoamento das energias individuais e colectivas. dissolução das direcções e nomeação de comissá-
Finalmente, pelo que respeita As pessoas cole- rios ou administradores extraordinários, penali-
ctivas de mero interesse particular ou de fim lucra- dades e outras sançdes semelhantes ).
'5
Nesta ordem de ideas Ferrara enumera seis dicas. Se a transformação se dá com extinção da
categórias de poderes que se conteem na inter- personalidade, seja porque esta-vai confundir-se
venção do Estado na vida e funcionamento dqs ou converter-se em outra, embora com fim análogo
pessoas colectivas de carácter público : ao da extinta, então não há transformação no sen-
r.@ Direito de informayão e de inspeccão tido rigoroso da palavra, mas sim uma fusão de
si3bre os actos, correspondência, orçamentos, regis- pessoas colectivas ou uma supressão conjunta com
tos, caixa, etc. ; uma nova criação (suppressio et erectio) ( I ) .
2.O Autoriqapio e aprovagão de certos actos Podem reduzir-se a cinco;os c?iversos tipos de
mais importantes; transformação :
3 . O Anulação de actos, por incompetência, I." Na natureya e qzcalidade jurídica. É o
excesso de poder, violação da lei, e ainda por que acontece se uma pessoa colectiva se transforma
motivo de oportunidade ; de corporação em instituição, de privada em pública,
4.' Nomeação, suspensão, demissão de auto- de civil em eclesiástica, de nacional em estrangeira,
ridades e administradores, e diversas penalidades ; ou vice-versa.
5.O Imposicão coactiva do cumprimento de 2." Na o r - a n ~ y a y ã oe vida intei-na. É o que
certos actos culposamente omitidos, como a ins- s e dá em todos os casos de alteraçbes mais ou
crição de dívidas nos orçamentos ; menos profundas na forma de govêrno e adminis-
6.O Reforma e supressáa das pessoas colec- tração, por meio de reformas nos estatutos, quer
tivas. porliníciativa do próprio ente, quer por determi-
Mas 6 claro que este conjunto de poderes é nação do poder tutelar do Estado.
diversamente distribuído e graduado, e em relação 3 . O Na autonomia do sujeito. -4tgumas vezes
aos diferentes tipos de corporaçbes e instituiçóes, a personalidade colectiva perde a sua orjginárja
conforme as leis especiais que as regulam ( l ). independência, entrando numa relação de consórcio
As pessoas colectivas durante a sua vida ou de subordinação com outros entes: todos os
podem passar por transformações mais ou menos entes coligados consemam a sua própria individua-
profundas tanto na sua estrutura como no seu fim. lidade juridica, mas deminuida na sua autonomia,
A transformacão pode tomar-se em dois em virtude da solidariedade que os prende em
sentidos: num sentido amplo, significa toda e maior ou menor grau de dependencia e subordi-
qualquer mudança ou substituição de um sujeito nação.
por outro; e ,no sentido técnico, significa apenas 4." No $m. Pode mudar-se, alterar-se por
as modificações que deixam intacta e idêntica a aumento ou restrição o fim a realizar, e manter-se
personalidade. Neste caso o sujeito continua a apesar disso a pessoa co1ectiv.a. A restrição do fim
sua vida, não obstante as transformaçbes sofridas, pode ir até B extinção.
sem que haja interrupção nas sugs relações jurí-

( I ) Para a transformação das sociedades comerciais,


(1) Ferrara, pág. 685. Sociedades e Empresas Comerciais, pag. 584.e seg.
5." Nas gessoas e no património. As flutua- rios do património, deve antes entender-se que
çóes 80 elemento pessoal e patrimonial sho e m cessou 0 fim ou a possibilidade de 0 realizar, por
regra indiferentes para a vida da personalidade não existirem mais as pessoas a quem o beneficio
colectiva, excepto se vão até ao ponto de provocar era destinado.
a morte por falta do substracto pessoal ou patrimo- Extinguem-se portanto as corporaçóes: I ." pela
nial. Entretanto podem causar profundas modifi- morte ou saída de todos os membros ; e não é bas-
caçoes nas condições de vida da pessoa colectiva. . tante ficarem reduzidos a um só, porque em volta
O s efeitos j ~rídicosda transformação de uma dêste pode reconstituir-se a associação, salvo se
pessoa colectiva são negativos, diz Ferrara : n á a o estatuto exige um numero mínimo de sbcios;
obstante a modificação, o sujeito permanece idên- 2." pela dissolução do vínculo corporativo, delihe-
tico, e continua a sua vida, sem que as suas rada pela forma estabelecida nos estatutos oú na
relações sejam interrompidas. Por isso os actos lei, umas vezes pela simples maioria absoluta,
praticados, os direitos e obrigaçoes adquiridos, outras vezes só com uma maioria mais numerosa,
conservam toda a sua eficácia para o ente trans- e determinada só .pelo número de sócios, ou exi-
formado, não podendo eximir-se da sua responsa- gindo-se também uma maior representação do
bilidade alegando a transformaç80 operada na sua capital ou patrim6nio colectivo ; 3." e ainda exce-
natureza ou no seu fim ( I ) . pcionalmente pela morte, interdição ou saída de
um ou mais membros, quando a união tem por
27. Extinção das pesseas ialectivas. bstinú da base um vinculo tão estreitamente pessoal, que
patrimbnio. - É sabido que no direito moderno a não consente a substituição de um membro por
causa única de extinção da capacidade jurídica dos um outro. Em regra estas normas só valem para
indivíduos é a morte natural. Mas a morte natural as corporações de carácter privado ; para as de
de pessoa colectiva é facto inconcebível, e irreal, direito, público, ou não é possível a hipótese da
e por isso não pode ser cama da sua extinção. extinção de todos os membros, porque em virtude
A pessoa colectiva sendo um organismo social do fim permanente e das funções públicas de tais
mais ou menos complexo só pode desaparecer pelo entes a renovação dos seus membros' faz-se inin-
desaparecimento de algum dos seus elementos OU terruptamente, ou a vontade dos membros não é.
requesitos essenciais, a saber: pela falta do subs- eficaz para a dissolução do vínculo corporativo,
tracto material do elemento pessoal ou do patrimó- sendo a vida do organismo subtraída 21 disposição
nio, pela cessação ou impossibilidade do fim, o u dos associados, e dependendo apenas da autoridade
pela revogação do reconhecimento do Estado. do Estado.
a ) Falta do elemento pessoal. Este modo b ) Falta do elemento patrimofziat. Com o
de extinção é exclusivo das Gorporações. Nas fun- desaparecimento do património extinguem-se as
dações, desaparecendo toda a série d o s beneficiá- fundaçites, e podem extinguir-se também as cor-
poraçóes, se o seu fim se torna irrealizável por
essa causa. Mas esta regra não é aplicável a todas
as pessoas colectivas, pois se para algumas basta
a perda de metade do património (como acontece d ) Revogqão do reconhecimento. As mes-
para as sociedades anbnimas, nos termos do 5 4." mas razões que atribuem ao Estado o poder do
do art. 12o.O do cód. com. ), para outras até a perda reconhecimento das pessoas colectivas devem legal-
completa pode não ser motivo de extinção, s e mente conferir-lhe o poder de o retirar ou revogar,
houver meios de reconstituír o patrimbnio, por sempre que motivos de ordem pública ou de inte-
meio de novas contribuiç0es dos associados, doa- resse geral assim o aconselhem.
çoes, legados, etc. ; de resto, para os entes públi- Embora seja muito discutida a necessidade da
cos fundados e subsidiados pelo Estado, nem mesmo intervenção preventiva do Estado na constituição
é concebível a perda total do património, dada a das pessoas colectivas, mediante o pr2uio reco-
fonte inexgotável das verbas orçamentais. nhecimento expresso, por meio da autorização ou
c ) Cessado ou impossibilidade do fim. Pois da aprovação dos estatutos, e tanto que algumas
que' sem um determinado fim, nas condições pre- legislações, como a nossa (lei de 1907, supra, n." .15,
estabelecidas, não pode ter existência jurídica uma r 9 e 21 ), entraram já no caminho de o dispensar
pessoa colectiva, segue-se que esta se extingue em regra para as as~ociaçbes,entretanto é certo
logo que aquele deixe de existir ou se torne im- que nenhum Estado poqe prescindir do poder de
possível .a sua realização. Êstes factos podem ser repressão, para suprimir os entes colectivos rem-
expressamente previstos no acto de constituição nhecidos como inúteis ou perigosos.
ou de fundação, assinando-se um termo a.vida do Êste modo de extinqão pode dar-se por três
ente, ou implícitamente atribuindo-lhe um fim por fbrmas: I.' por supressão, quando se retira ao
sua natureza temporário, limitado ou transitório; ente a personalidade jurídica, retirando-lhe O re-
o u pode o desaparecimento do fim resultar de conhecimento legal, dissolvendo-se todo o orgn-
causa superveniente, por se tornar fisicamente im- nismo e liquidando o seu património; esta supres-
possível ( inexequibilidade prática), ou por vir a' são pode ter lugar para casos singulares, ou para
ser proíbido pela lei ( impossibilidade legal ). grupos inteiros de entes, como aconteceu com a
Extinguem-se, portanto, as corporaç0es como supressão das associaçbes e congregaçoes religio-
as fundaç06s: r." pelo decurso do termo ou pela sas em 1910; 2.' por fusáo, quando um ente já não
verificação das condições, de que o estatuto co'ns- é idbneo para viver uma vida própria e autónoma,
titucional do ente faz depender a sua existência ; e vai integrar-se num outro perdendo a sua perso-
2." pela realização completa do fim, se este não é nalidade, ou quando dois o u mais entes s e juntam
por sua natureza de renovaç3o contínua e perpk- e unem por tal forma que ficam a constítuír um
tua; 3." pela superveniente impossibilidade ou ente novo, perdendo todos a sua pr6pria indivi-
ilicitude do fim; mas neste último caso quem em dualidade, para constituírem uma outra distinta
última análise decide sôbre a extinçáo do ente é o das anteriores ; 3." por transforma$áo integral de
Estado, que pode intervir decretando a supressgo, fim, isto é, quando o ente é destinado a um novo
quando entenda que já não é compatível com a fim, por ser considerado inútil ou inconveniente o
nova ordem jurídica um fim, público ou privado, fim actual, de modo que a personalidade caracteri-
que a lei anterior admitia. zada pelo fim anterior desaparece para dar lugar
a uma personalidade diversa caracterizada pelo Mas pelo que respeita As pessoas morais, ou
novo fim. sejam as pessoas colectivas de utilidade ou interesse
A extinção por fusão ou por transíormação público, ou público e particular conjuntamente, o
integral do fim não se realiza por intervenção do art. 36.O foi modificado pela lei n." 420, de I I de
Estado senão nos entes públicos, onde é O inte- setembrn de 1915, que dispde no art. 2 . O : < O s bens
resse público que a determina e justifica. A extin- das irmandades, confrarias ou outras associações
g o por fusão ou transformação nas pessoas colec- de assistência, beneficência ou piedade, que de
tivas de direito privado, em que s ó é decisiva futuro se extinguirem por qualquer motivo, terão
a vontade dos associados ou do fundador, entra o destino fixado nas leis de assistêncía pública,
naturalmente nas categorias anteriores. Pelo con- devendo porém os rendimentos ser dispendidos
trário a supressão pelo Estado é aplicável tanto em serviços de assistência, beneficência ou instru-
aos entes públicos como aos de direito privado (I). ção nas freguesias onde existiram aquelas corpora- ,
Extinta qualquer pessoa colectiva, importa çóes e, em regra, com intervenção da junta da
determinar o destino que devem ter os seus bens. pax6quia civil respectiva ».
O código civil limitou-se a formular, em rela- Ora, segundo a lei da Assistência pública (dec.
ção as pessoas morais, O preceito do art. 36.", de 25 d e maio de 1911, art. 38.", n." q.", e p OOS ),
segundo o qual os bens das corporações perpétuas, bens das instituicões de piedade, que se extingui-
ou como tais consideradas, que se extinguirem rem, passam às respectivas comissões distritais d e
ficam pertencendo ao Estado, salvas as disposições assistência, que são a Comissão Central de A s s i s
das leis especiais em sentido diverso.: tência de Lisboa, e as Comissões Distritais de
«Se alguma das corporações ou associações, a Assistência nos outros distritos.
que se refere o artigo antecedente, por qualquer Em face destas diferentes disposições regula-
motivo se extinguir, os seus bens serão incorpo- doras do destino do patrirn6nio das pessoas cole-
rados na fazenda nacional, quando lei especial lhes ctivas extintas, há pois que distinguir, em primeiro
náo tenha dado outra aplicação». lugar, na teoria do nosso código, entre pessoas
Pelo que respeita às pessoas colectivas de mero rnorazs e pessoas colectivas de interesse particu- .
interesse particular aplicam-se as regras do contra- l a r , tendo o patrimbnio destas o destino que lhe
cto de sociadade (art. 3 9 . O ) , e portanto os bens far dado pela vontade dos interessados.
terão o destino que lhes fôr dado pelos interessa- Nas pessoas m o r a i s há que distinguir entre
dos, procedendo-se i sua liquidação e partilha nos as que são reguladas pela lei geral e as reguladas
termos dos artt. 1240.", 1280.", 129o.", 1295.' e outros por lei especial, tendo o património destas o des-
do chdigo civil, e dos artt. 106." e 130.' e seguintes tino que lhe f6r dado pela respectiva lei (1).
do código comercial.
( i ) E assim que para as associações de classe dispõe o
decreto de 9 de maio de 1891, axt. 13."~que no caso de dissolu-
( 1 ) Ruggiero, pág. 381-383. Sôbre a extinção das socie- çLo proceder-se há a liquidação dos haveres da sociedade, e ,
dades, Saciedades e Empresas comerciazs, cap. v. satisfeitas as dívidas ou consignadas as quantias necessárias
Entre as pessoas morais reguladas pela lei geral interesses materiais, cujos bens, em caso de extin-
há que distinguir três categorias : -
ção, não teem destino expressamente fixado na lei,
I ." Instituzgões de bene3cência o u piedade, devendo, por conseqüência, ter o que lor determi-
sem distinção entre as perpétuas e as temporárias, nado pelos indivjduos directamente interessados,
cujos bens, em caso de extinção,. s5o entregues i sbcios actuais ou fundadores, e, na sua falta,
respectiva comissão distrital de assistência, devendo reverter aos seus herdeiros.
esta aplicar os respectivos rendimentos em serviços Tal 6 a conclusão que resulta dos princípios
de assistência, beneficência ou instruçào nas fre- fundamentais do direito, ou seja, na hipbtese, o
guesias onde existiu a corporaçfio extinta (lei n.O 420, direito natural determinado pelas circunstâncias
de I I de setembro de 1915 , e decreto de a j de maio do caso ( art. 16.').
de 1911, art. 3%' nAD 4.", e 52.'; O sistema do código, atribuindo ;a Estado a
2." Corporagões ou assoczagões perpétuas propriedade dos bens pertencentes As pessoas
ou como tais consideradas, e que não sejam de morais perpétuas que se exting.uirem, não foi essen-
assistência, beneficência ou piedade, , cujos bcns, cialmente modificado pela lei da assistência, visto
em caso de extinção, são incorpowdos na fazenda que as comiss6es distritais da assistência outra
nacional ( cod. civ., art. 3 6 . O ) ; cousa não são senão órgãos dn mesmo Estado.
3.' Corporações temporárias, assocracões Mas qual é a natureza do direito do Estado a
ou jundacões, que não sejam de assistência, bene- receber os bens daquelas pessoas colectivas, será
ficência ou piedade, mas que tenham por objecto um j u s occupationis ou um j u s súccessionis 2
A questão tem sido larga e vivamente debatida
na Itália, onde a doutrina e a jurisprudência, apesar
para o seu pagamento, proceder-se há a partilha do resto dos do silêncio do c6dig0, teem geralmente firmado o
valores, -conforme o que dispuserem os estatutos, e quando nos mesmo princípio da atribuição ao Estado dos bens
estFtutos não tenha sido indicado,^ modo de fazer a partilha,
será esse resto distribuído pelas ássociaçóes de socorros mútuos
das pessogs jurídicas de utilidade pública (').
do respectivo distrito, na proporção do niimero de sócios que No ponto de vista d o direito português, é claro
cada uma tivesse em 31 de dezembro do ano anterior. que o problema tem apenas interesse doutrinário
Relativamente as associaçóes de socorros miítuos, dispae e puramente escolástico, pois que segun-do o nosso
o decreto de z de outubro de 1896, art. 27.", que satisfeitas as cbdigo o direito do Estado não é direito de ocupa-
dividas ou consignadas as quantias necessárias para o seu
pagamento, proceder-se h a a partilha dos valores, conforme o
ção nem de sucessão, mas um simples direito d e
que se acha estipulado nos estatutos, e quando nos estatutos devolução, que a lei ou O direito objectivo expres-
não tenha sido indicado o modo de fazer essa partilha, serão samente declarou, e que aliás está justificado pelo
em bolsa dos^ os sócios efectivos existentes na data da dissolução, próprio fim público das pessoas colectivas a cujos
das quantias com que tiverem contribuído, e respectivo juro de bens se refere.
5%; e o resto distribuído pelos indivíduos pensionados pela
associação, havendo-os, na proporção de suas pensaes, e, não
os havendo, pelas associaç~esde socorros mútuos do respectivo
distrito na proporção do número de sócios que cada uma tivesse
( I ) Ruggiero, pag. 384 e 385 ; Co"ello, pág. z jz e 233 ;
em 31 d c dezembro do ano anterior. Ferrara, pag. 703-707.
Não e direito de ocupação, porque não se trata contrário sejam coilsignádas no acto de constitu'i-.
de cousas nullius, isto é, de cousas que não tives- ção ou de fundação de uma pessoa moral perpétua,
se111 dono. ou mesmo temporária, sendo de beneficência O U
E não é direito de sucessão, porque o facto piedade.
jurídico que é o presuposto e fundamento dêste Mas nem por isso deve concluir-se que sejam
direito, isto é, a morte, não pode verificar-se numa nulas todas as cláusulas ou determinações acessó--
pessoa colectiva. rias, que os fundadores ou bemfeitores de uma
Tudo quanto poderia a êste respeito dizer-se pessoa moral de utilidade piiblica estipulem, nos
é que a extinção é um facto juridicamente análogo seus estatutos, ou no acto de liberalidade que lhe
a morte, e que esta analogia é por isso justificação façam por doação ou testamento, a respeito d ~ -
bastante do direito conferido ao Estado conside- destino dos bens em caso de extinção.
rado herdeiro legitimo. A- este respeito diz o Dr. Alves Moreira:
No sistema do direito francês, anterior h lei «Em relação As fundagões e às corporações de.
.das associações de T de julho de 1901, o problema direito privado, que se proponham fins desinte-
tinha uma solução mais simples, que era afinal a ressados ou de mera'utilidade pública, entendemos
do J U S ~ccupationis,ou do direito eminente do que aos seus functadores ou bemfeitores é permi-
Estado, consignado no art. 713.0 do código de Na- tido estabelecer quaisquer cláusulas em virtude-
poleão, em virtude do qual «les biens qui n'out das quais, quando s e verifique a extinção da fun-
p a s de maitre appartiennent a llÉtat». Mas o sis- dação ou corporação, ou estas não cumpram a s
tema francês foi profundamente modificado pela obrigações que lhes hajam sido impostas, os seus.
referida lei das associações, segundo a qual a devo- bens devem passar para outra entidade. Trata-se.
lução dos bens das pessoas jurídicas extintas se duma doação ou deixa moda1 ou sob condiçao,
regula conforme O que se determinar nos estatu- que a lei não proíbe, pois, como veremos, não-
tos, e, no silêncio dêstes, por 'deliberação da as- pode considerar-se fideicomissária a cláusula duma
semblea geral, nas associações; e pela entrega a escritura ou testamento, em que, prevendo-se um.
institiiiç0es similares, tratandó-se de fundações (1). facto eventual, como é o da extinção duma pessoa
Mas qual é o alcance do art. 36.", compreen- colectiva perpétua, se declara qual o destino que
~dendonele também a disposição dos artigos 38.0, os bens devem ter,
n.0 4 . O , e 52.' do decreto-lei da assistência? E o mesmo entendemos quanto às doaçbes ou
Não pode deixar de ser considerado como. deixas com que sejam contempladas quaisquer.
uma lei de interesse e ordem pública, que por isso pessoas colectivas de direito público. As dausulas
não pode ser alterada pela vontade dos particula- ou condiç0es que sejam impostas pelos doadores
res, sendo por isso nulas as disposiçóes que em teem de ser cumpridas, e quando, em virtude
delas, os bens devem ter um determinado fim, n ã a
pode dar-se-lhes - outra aplicação. Assim, se f6r-
iI ) Êste mesmo sistema foi no fundo adoptado pelo
código brcsileiro (art.-22.' e 30."). E é em 'parte também o feita ,uma doação ao Estado para uma escola, com
d o s códigos alemão e suíço. a cláusula de que, não a criando ou extinguindo-a,.
o s bens doadoi para uma determinada cláusula; e no segundo só terá validade durante o
irmandade, esta, quando o Estado não crie ou prazo de trinta anos, findos os quais cessará a
extinga a escola, tem o direito de exigir êsses restricão do usufruto, nos termos do art. 1834.".
bens% ( r ) . Findo êsse prazo o u se consolidará a propriedade,
Parece-nos que nesta doutrina há uma parte ou terão os bens o destino estipulado, conforme
que é exacta, mas há outra que o não é. Assim, se mostrar ser a vontade do doador ou testador.
é perfeitamente. exacta a Última parte, mas pela O princípio que deveria ser consignado na lei
razão d e que se o Estado não chegou a criar a é O respeito pela vontade dos fundadores, associa-
escola, ou s e depois de a criar a extinguiu, deu-se dos ou bemfeitores, e, na falta de manifestação
a condicão resolutiva da qual dependia a eficácia dessa vontade, dar-se aos bens o destino mais
da doação, condição que é perfeitamente válida, harmónico com os fins da pessoa colectiva, como
pois nem mesmo é contrária ao art. 36." do c6digo s e determinou nas leis reguladoras das associações
civil, O qual s6 trata da devolução dos bens das Se classe e de socorros mútuos, e como se dispõe
pessoas morais perpétuas extintas, e no caso em nos códigos moder?os.
questão não há extinção de pessoa moral. Mas seja quem f6r a pessoa que suceda no
A outra parte da doutrina do eminente civi- património da pessoa'moral extinta, é ainda duvi:
lista é que não nos parece inteiramente exacta. E dosa, sobretudo entre os autores italianos, a
certo que não há fideicornisso (art. 1866." e I 871.0) condição jurídica do sucessor, entendendo-se ge-
nas disposiçóes modais ou condicionais em que os ralmente que é um sucessor a título particular, e
doadores ou testadores em benefício de uma pes- portanto responsável pelas dividas da peskoa colec-
soa moral perpétua estipulam o destino a dar aos tiva extinta, mas sbmente dentro das f6rças do
bens doados ou deixados em caso de extinção. património desta (I).
Mas há em todo o caso uma cláusula contrária a No sistema do direito pátrio a questão nem
um preceito legal d e interêsse e ordem pública, e, sequer tem razão de ser, pois que nos termos do
e m principio, tais cláusulas são nulas ( artt. IO.", ' art. 2019.0 do nosso c6dig0 civil, nem os sucesso-
672.O e 1743.~). res a título universal, como são os herdeiros, res-
O que nos parece, portanto, exacto é distin- pondem ultra vires da massa hereditária.
guir entre os bens que tenham sido dados ou dei-
xados em propriedade plena, -e o s que sbmente o
tenham sido para os seus rendimentos serem
aplicados aos fins da pessoa moral beneficiada,
isto é, dados ou deixados em usufruto, e devendo
ter um determinado destino no caso de extinção
dessa pessoa. NO primeiro caso não é válida a

( ) Coviello, pág. z 33; Ruggiero, pág. 385 ; Ferrara,


(1) Dr. Alves Moreira, Inst., pág. 3a6 e 327. Pág. 709.
COUSAS .
CAPITULO r11

CONCEITO JURÍDICO E CLASSIFICAÇAO


DOUTRIKAL DAS COUSAS

28. -Objecto dos direitos e cousas,


29. -Noção jurídica das causas. Causas e bens.
30. - Coiiceito juridico do património. Patrimónios autónomos
ou separados e cnlectivn.~.
31. - Classii?cações doutrinais e legais das cousas.
32. - Cousas corporeas e incorpijreas. Direitos sòbre direitos.
33. - Cousas consumiveis e nùo coiisumiveis.
34. - Cousas fuugiveis e não fuiigiveis.
35. - Cousaa divisiveis e indivisiveir-.
36. - Lousas principais e acessorias. Pertenças, frutos e bem-
feitorias.
3;. - Coueas apropriadas e nzbllzus.
j8. -Lousas presentes e futuras.
jg. - Cousas simples e compostas. L-nzuersztotcs f a c t i e uni-
o c r s t t ~tes
~ jztris.

2s. Objecto dos direitos e oousas. - Um dos ele-


mentos essenciais dos direitos subjectivos ou das

relaçoes jurídicas é o objecto, sôbre o qual incide objecto imediato, como são os direitos políticos e
o poder ou o dever jurídico ( I ) . o s direitos de personalidade.
Mas a expressão objecto de direitos tem dois Dum modo geral pode dizer-se que objecto de
significndos tão diferentes, que até muitos autores direitos são tanto as pessoas, iomo os entes im-
os traduzem por palavras diversas - objecto e con- pessoais, ou sejam as cousas. E na verdade, diz
teúdo -designando-se pela primeira o objecto ime- Coviello, nem s6 as cousas, como geralmente se
diato do direito, isto é, aquilo que recai sob O po- pensa, são o objecto dos direitos; elas são os objec-
der do homem, e pela segunda O objecto mediato, tos mais notáveis e mais comuns, mas não de um
isto é, aquilo a que o direito subjectivo se destina, modo exclusivo. De facto, ao lado dos direitos
aquilo que por causa do direito se torna possível, OU patrimoniais, encontramos direitos d e família, qiie
seja, o objectivo final do direito. E assim que, por são o exercício de um poder; ora aquilo qrie a i
exemplo, nos direitos de crédito ou de obrigação se sob O poder do homem, que tem tais direitos, k
chama objecto tanto o facto do devedor ou a pres- uma pessoa, e não um ser impessoal ou cousa:
tação, como a cousa de que se goza em virtude da objecto do direito do pátrio poder é o filho; objecto
prestação. Do mesmo modo, nos direitos reais, do direito do poder' e da autorização marital 6 a
se chama objecto tanto a cousa sôbre a qual recáem, mulher, como do poder tutelar é o menor ou o
como o interêsse ou a vantagem, que o titular au- interdito. Mas, concebendo assim a pessoa como
fere dos poderes que constituem o seu conteúdo (9. objecto de direitos particulares, não se miquíla a
Desta distinção resulta claramente como diver- dignidade humana nem se desconhece a personali-
sos direitos podem ter um único objecto e con- dade: um tal desconhecimento s6 teria lugar, se
teúdo diferente; é assim que sôbre o mesmo prédio se equiparasse a pessoa B cousa; tal equiparação,
podem diversas pessoas ter o direito de proprie- porém, não se dá pelo simples facto de se consíde-
dade, O de usofruto e o de servidão; e iesulta, por rar a pessoa como objecto de alguns direitos. Em
outro lado, que não podendo haver direitos sem primeiro lugar, a pessoa não é cousa, porque não
conteúdo ou objecto mediato, há-os porém sem pode ser objecto de direitos patrimoniais, mas s6
daqueles direitos que teem um conteúdo eminen-
temente moral, como são os direitos de família, e
(1) O S Princzjios, I , pag. 62, 231, 245-247, 334 e 335. nos quais a pessoa-ob~ectonão funciona como
(3) Mas é necessário não confundir a expressão objecto
de dzreitos com as expressbes objecto do dzrerto objectzvo ou
meio, mas sim como um fim para quem exerce o
das tzormas jusidicas, que significam as relações da vida regu- direrto, tanto mais que êste tem a sua pr6pria razão
ladas pelos diferentes ramos do direito ou pelas diferentes de ser no interesse da pessoa que dêle é o objecto.
leis; nem tão pouco com a expressão objecto dum arto juri- Além disso, a pessoa considerada como objecto
dico, que significa 09 direito's e obrigações que por êsse acto de certos direitos não deixa, por isso, de ser pessoa,
se constituem, modificam ou extinguem; nem ainda coin a ex-
pressão objecto d a p r e s t a ~ ã o , que significa aquilo (cousa ou de ser ao mesmo tempo sujeito de direitos; diver-
facto) em que se realiza o seu cumprimento. Ferrara, pag. 729; samente do que acontece com a cousa, nunca pode
Coviello, pág. 247 e 248; Os Principias, pág. 34.1 e 344, 487 ser objecto de direitos na sua totalidade, mqs s6
e seg. e m certas e determinadas direcçóes da sua activi-
dade. Por outras palavras, não é a pessoa, como que objecto mediato ou imediato dos direitos são,
tal, o objecto do direito, mas a pessoa num deter- não sòmente os objectos materiais do mundo ex-
minado modo de manifestação da sua actividade, terno, mas também todos os interesses materiais
emquanto sofre uma certa limitação da sua abs- ò u ideais, físicos, intelectuais, morais ou afectivos,
tracta liberdade individual (' ). q u e em cada momento histórico são considerados
, Mais rigorosamente, quando s e diz que a pes- fiecessári os à ordem jurídica.
soa é objecto de certos direitos, deve antes enten- Foi por isso que a sciência-do direito sentiu a
der-se que o objecto 6 constituído por certos actos necessidâde de alargar o conceito de cousa como
d a pessoa, por certas restriçbes da sua liberdade; objecto-do direito.
sendo por isso que nós simplificamos a noção d o E a primeira ampliaçClo consistiu e m construir
objecto dos direitos, considerando como cousas a teoria das cousns como sendo a teoria dos bens
tanto as cousas materiais do mundo externo, como jurídicos patrimoniais ou econ6micos que formam
os actos ou serviços do homem, que formam o o núcleo OU substância interíor da maior parte dos
abjecto ou contehdo das relaçbes jurídicas ('). direi tos.
Mas que relação há entre o objecto dos direi- O s direitos subjèctivos, diz Ferrara, ou tendem
tos e a cousa? a assegurar O g&o de um bem pessoal (vida,
Segundo a doutrina dominante o objecto varía honra, liberdade), ou teem uma relação imediata
nas diversas relaçbes jurídicas, pois que nos o u mediata com O mundo externo, quer porque
direitos de família é, a própria pessoa sujeita ao. garantem ao titular a possibilidade de um directo
poder jurídico, nos direitos das obrigaçbes a pres- âesfrutamento e utilização de uma cousa, quer por
tação, ou seja, um facto do devedor, e nos direitos que lhe gardntem o resultado da cooperação dou-
reais a cousa. E assim considera-se como cousa, trem destinada a satisfazer um interêsse econó-
sb o objecto impessoal, que é elemento do mundo mico. A primeira forma é a do direito real, a
exterior e pode ser submetido B vontade do homem segunda a do direito de obrigação. Todo o direito
como matbria de utilização económica. Dêste modo real supõe a m a cousa, mas não o direito de cré-
a relação entre objecto e cousa é a de género e dito, que tem por objectivo imediato a prestacão ;
esp6cie : emquanto objecto significa tudo aquilo c ainda quando esta consiste na entrega de uma
s6bre que s e faz valer qualquer direito, cousa é çousa o credor não entra em relação directa com
sòmente o objecto dum direito real. E tal é a ela, mas sim por intermédio do devedor. Deter-
doutrina perfilhada nos modernos c6digos civis minar quais bens devam ser juridicamente prote-
( alemão, suíço e brasileiro). gidos é função das normas do direito positivo, em
Mas a verdade é que a análise da estrutura d a harmonia com as condições da civilização de cada
relação jurídica e do direito subjectivo nos revela época e de cada soçiedade. Por isso o conceito
d e cousa é relativo e variável. Na vida moderna
foi-se alargando a esfera dos bens jurídicos, porque
( ) Covicllo, pig. 248 ; Ferrara, ~~pag.
728 ; Ruggiero,
pág. 387. ao lado dos objectos corpóreos surgiram criaçoes
(2) Os Princípios, I, pag. 62 e 63, 334 e 335. intelectuqis ( produtos scientíficos. literários, artís-
ticos) capazes de uma existência autónoma e sus- identificar os dois conceitos, e, em vez disso,
ceptíveis de desfrutamento económico. O conceito restringir o de cousa ao objecto dos direitos patri-
de coma espiritualizou-se, e de simples objecto moniais.
materiál ou corpóreo elevou-se a elemento impal- X hesitação da moderna doutrina italiana
pável e suprasensível do nosso património. Mas compreende-se flicilmente : é evitar que, por haver
êste alargamento tornou mais esfumados e indefi- direitos que teem por objecto uma pessoa, esta
nidos os seus contornos, e mais difícil a sua noção venha afinal a ser considerada como uma cousa,
jurídica. o que é incompatível com o espírito de todo O
Eis a razão porque os modernos autores da direito moderno, para o qual pessoa e cousa são
escola italiana, alargandó embora o conceito juri- ideas que se excluem reciprocamente.
dico de cousa, a limitaram A esfera dos direitos Toda a dificuldade desaparece, porém, desde
patrimoniais. que se tenha em vista, como j& observámos, que
E' assim que Ferrara considera como requesi- nos direitos políticos e familiares, em que há uma
tos do conceito de cousa em sentido jurídico: sujeição da pessoa, -é só aparentemente que esta
I." um objecto capa^ de satisfaqer u m interêsse constitui o objecto do direito, pois o que verda-
económico; 2." qúe tenha uma autonomia e sepa- deira e realmente o constitui é, não a própria pes-
rada euistêncza; 3." que seja capa? de sujei- soa, mas sim uma certa manifestação au modo de
cüo juridicn a u m sujeito ou tituldr; e Coviello ser da sua actividade e liberdade.
define cousa, no sentido juridico, tudo aquilo que N6s entendemos, por conseqüência, que O con-
pode ser objecto de dtreitos patrimoniais (I). ceito juridico de cousa é precisamente tudo aquilo
Mas n6s n ã o concordamos ainda com esta que pode ser objecto de direitos e obrigapões.
delimitação do conceito de cousa. Tal é. precisamente o conceito de cousas
Desde que se reconhece a necessidade de alar- segundo o nosso código civil, tal como êle resulta
gar o*conceito jurídico de cousa, aproximando-o claramente das diferentes espécies de cousas defi-
do objecto dos direitos, e desde que êste é cons- nidas nos art. 370.~-382.O.
tituído não s6 pelos interesses materiais ou eco- E niais uma vez se revela o grau de progresso
nómico~, mas por toda a ordem de interesses e adiantamento do nosso c6dig0, em confronto
intelectuais ou morais, que merecem e precisam com os dos outros países, ainda os mais modernos.
protecção jurídica, não vemos motivo para não
29. iieção jurldica das cousas -Cousas e bens. -
A palavra cousa tem diversos significados : -em
( I ) Ferrara, pág. 730 e seg.; Coviello, pag. 249 e 250. sentido filos6fico designa todo o ente real ou fictí-
Coviello observa que êste conceito é fundado .na lei, que de- cio que pode ser concebido pela inteligência
clara: <todas as cousas que podem formar objecto de pro-
humana; nas sciências físicas é tudo o que tem exis-
.
priedade pública ou privada são bens imóveis ou m ó v ~ i s %
(art. 406." cód. civ. ), onde é de notar que a palavra proprie-
dade* é empregada no sentido largo de pertença (apparte-
tência corpórea, tanto no estado sólido, como no
estado líquido ou gazoso ; no sentido usual ou vul-
*nenza). gar, a palavra cousa tem uma significação excessi-
vamente genérica, designando todos os objectos e apenas as cousas que realmente estão no domínio,
todos os actos ou acontecimentos, ainda que oÜ, pelo menos, na posse de alguém, constituindo
nenhuma relação tenham com a vida jurídica. o seu patrimdnio.
O que nos importa, porém, são os significados « A idea de bens, diz um escritor, sup0e alguma
jurídicos, que são três: cousa sais do que a idea de cozrsas: aquela im-
a) no sentido lato, ou mais geral, define o plica não sòmente a existência, mas o exercício
art. 369." do código civil - « Cousa diz-se em do poder do homem, o facto da posse. Daí esta
direito tudo aquilo que carece de personalidade>>; definição: a cousa é o que pode ser possuído; O
b ) no sentido próprio ou técnico, é tudo o bem o que é possuído. Ou, por outras palavras :
que, não tendo personalidade, pode ser objecto de a cousa é O objecto do direito possiwel; o bem O
direitos e obrigaçoes ; objecto de um direito existente» (1).
c) no sentido restrito, significa apenas os Com efeito, a idea de bens aparece geralmente
objectos materiais apropriaveis, em oposição aos conjunta com a idea de domínio.
direitos e Bs cousas incorporeas. Fala-se de cousas públicas e cousas comuns,
O código define as cousas no sentido lato; e de bens nacionais e municipais, para acentuar
mas geralmente emprega esta palavra no seu sen- bem a diferenga importante entre as cousas do uso
tido próprio ou técnico, o que bem se explica pela público ou comum, e as que são de propriedade
consideração de que em direito as cousas só nos privada do Estado ou do Município, considerados
interessam pela utilidade que prestam ao hoinem, como pessoas morais ou jurídicas.
podendo ser objecto de seus direitos e obrigaçóes. E, assim, como observa o Dr. Teixeira de
Mas também, por vezes, como acontece na Abreu, a noção de bens pode encontrar-se em rela-
definição da posse ( art. 474."), emprega a palavra çOes diferentes com a das cousas.
cousa no seu sentido mais restrito. Tomada esta palavra no sentido lato, constitui
No sentido pr6prio a palavra cousas é sinó- um gé~terodo qual os bens são uma espécie.
nima de bens ( art. 377.'). Também Coellio da Considerada no sentido prbprio, teni a mesma
Rocha assim definia: extensão da palavra bens, considerada esta no seu
«Em sentido jurídico dizem-se cousas ou bens sentido amplo; mas é ainda um género em relação
tudo aquilo, ou todos.aqueles entes que, servindo a bens, entendida esta palavra no seu sentido res-
de utilidade aos homens, podem ser subjeitos ao trito.
seu poder, e portanto objecto de direitos» (I). Tomada a palavra cousas no seu sentido mais
Em todo o caso deve notar-se que a palavra restrito, 6 então mais extensiva a palavra bens,
bens tem, por seu lado, dois significados diversos: pois abrange também os direitos ou cousas incor-
como sinónima de cousas no sentido jurídico ou póreas ( 8 ) .
próprio, e, num sentido mais restrito, significando
(1)
Bernard, Cours sommazre de droif civil, I , pag. 466.
(2) Dr. Teixeira de Abreu, Curso de Direito Civzl, pág.
218 e eeg.
30. Conceito jurldice do património. Patrimónios como complexo de bens, dizendo que os direitos
autónomos ou separados e colectivos. - Tanto no con- patrimoniais formam o direito da pessoa sbbre o
ceito usual, como no conceito geral dos juriscoii- seu patrimnnio ( I ) .
sultos, entende-se por património o conjunto de Ferrara combate êste conceito, qualificando-o
cousas ou bens que pertencem a uma pessoa, isto de inexacto, porque parte da falsa premissa de que
é, o Complexo dos seus direitos patrimoniais ( I ) . o patrim6nio seja objecto juridico, e porque o
Há assim dois diversos conceitos do pntrimd- di?-eztosdbre o património não é senão uma fbrmula
rzio, um objectivo ou econbmico, e outro subjectivo abreviada e sintética para indicar os direitos sobre
ou v i s pròpriamente jurídico. os singulares elementos patrimoniais, pois que não
E de notar, porém, &quealguns dos melhores há um direito sôbre a totalidade distkta dos direi-
autores s6 admitem o conceito subjectivo. tos singulares.
Nesta orientação diz Ferrara: « a totalidade Como se vê facilmente, a crítica de Ferrara é
40s direitos pertencentes a um sujeito formam a sua empirica, dogmática e arbitraria; não está positi-
esfbra jurídica. Nesta sc compreendem direitos vamente h. altura do eminente escritor e professor.
de natureza pessoal, direi tos de família, direi- Basta lembrar o direito de sucessão s8bre O con-
tos públicos, direitos de conteúdo económico. junto do patrimdnio hereditário, para se vêr desde
Dentro da esféra juridica está, como círculo mais logo que hCi tal um direito sobre a totalidade do
restrito, mas em alto grau importante, o grupo patrimbnio qerfeitamente distinto dos direi tos par-
dos direitos tendo valor pecuniário, o qual s e diz celares s6bre os diferentes eleme?tos da herança.
pati-imónto. O patrimbnio é portanto uma parte Acresce ainda que a formação histórica do
da esféra jurídica do sujeito. Por património conceito do património o que precisamente mais
entende-se o complexo das relaçbes jurídi cas avaliá- pbe eni relêvo é o seu lado ou aspecto econbmico
veis em dinheirq que pertencem a uma pessoa. objectivo.
O patrímbnio é complexo de dzreztos, não com- A palavra património começou a empregar-se
plexo de Bens, porque os objectos exteriores sáo no direito romano da época imperial para designar
tomados em consideração no ponto de vista jurí- os bens da fnmiLin transmissíveis por sucessão,
dico, apenas pela relação em que se encontram bens que a principio eram designados pela palavra
com a pessoa. O patrimbnio como complexo de familia, e depois pela palavra bona ( V ) .
bens é um conceito económico, e não juridico (s). De resto, a verdade é que o conceito objectivo
Outros, pelo contrario, definem o patrimdnio econbmico do património é tão juridico como O -
sòmente pelo seu conceito objectivo ou económico, conceito subjectivo, emquanto constitui precisa-
mente o objecto ou conteúdo dos direitos patrimo-
niais.
( 1 ) Os Principzos, I, pag. 64; Dr. Alves Moreira, lnst.,
pag. 339; Dr. Teixeira de Abreu, Curso de Dzreito Civil, pág,
353 e 354; Ruggiero, pág. zoa ; Colin et Capitant. pag. 306. [ I ) Aubry et Kau, Cours de Drozt Civrl, 11, § 162; Bian-
( 5 ) Ferrara, pág. 865 ;no mesmo sentido Coviellíj, pág. z;r chi (Ferdinando), I príncip? dell'indiurszbilrta, n." 33.
,
e 252. (2) Dr. Teixeira de Abreu, Curso, pág. 354.
E note-se, por fim, que o nosso código não
res; mas tais qualidades são por vezes excluídas
emprega a palavra patrimdfcio; mas quando a ele
por varias excepçoes, .como o direito a alimentos,
se refere e precisamente enunciando O seu conceito
que só pode ser renunciado ou alienado em relação.
económico objectivo, pela palavrd bens ( art. jog.",
Bs prestações vencidas (art. 182.0), e só se trans-
~ I I . " ,314,", 337.', 340:")~ou pelas expressões « t o -
mite com a herança a obrigação. de os prestar
dos o s b e n s u (art. 830.0, 1739.O), " s o m a d o s bens
quando os alimentos hajam sido judicialmente -
e créditosu (art. rojá.o), « c ú m u l o d o s b e n s »
pedidos (art. 176.0), o direito de usufruto, que não
(art. 1044."), etc.
faz parte da herança do usufrutuário (art. S Z ~ I . " ,
Ora, sendo certo que o património não pode
deixar de ser considerado também como o con- n.O I.'),. e só pode ser cedido ou alienado para o .
tempo da sua duração (art. 2207.0), e direito de
junto de direitos patrimoniais, conclui-se que o
uso e habitaçào, que é absolutamente incessivel e
seu verdadeiro conceito é o dominante na doutrina,
inalienável (art. 2257.' e 2258."), a propriedade de
considerando-o ao mesmo tempo como complexo
certos objectos, que são impenhoraveis, absoluta
de bens e de direitos patrimoniais, abrangendo o
(cód. de pr. ciy., art. 815.~)ou relativamente
activo e o passivo, os bens e as dívidas.
(art. 816."), etc., etc. ( 1 ) .
.A qualidade comum'dos direitos do patrimó-
Há entretanto certas situações de facto e de
nio 6 o seu carácter de vaZor econdmico, isto é,
carácter económico, inerentes a alguns elementos
apreciável em dinheiro. E o carácter patrimonial
revela-se por qualquer dêstes três factos : ou por do património, mas que não constituem direitos
patrimoniais, representando apenas interesses, ou
que o direito tem um v a l o r de troca, e permutá-
vel e alienável em comércio mediante uma utili.. porque aumentam o valor dos singulares direitos
patrimoniais, ou porque abrem ao sujeito a possi-
dade correspectiva; ou porque O direito, embora
bilidade de novas adquisiçbes. Tais são:
sem a possibilidade de alienação, como o direito a
alimentos, a uso e a habitação, tem em todo o a ) a situapRo ZocaL dum imbvel, por exem-
plo, na proximidade duma via férrea, duma cor-
caso para o titular um v a l o r d e u s o , que lhe for-
rente de água, duma cidade, que pode ser um
nece certas vantagens económicas; ou, emfim,
coeficiente precioso do seu maior valor, mas é
porque o direito, sem fornecer uma utilidade eco-
uma q u a i i t a s f u n d i , e não um elemento indepen-
nómica ao seu titular, é tal que êste, para o
dente do património :
adquirir, tem de fazer um sacrifício económico,
uma despesa, e por isso o direito, se bem que b ) a clientela dum estabelecimento comercial,
que tem o mesmo carácter da situação local ;
seja destinado a satisfazer um interesse zdeal, é
todavia susceptível de avaliação pecunihria (biIhetes c ) a ca$acidade ou fôrga de t r a b a l h o da
e assinaturas de teatros ou quaisquer espectáculos,
assinatura de publicaçúes, etc. ). ( I ) Alguns autores, como o Dr. Alves Moreira, consi-
O s direitos patrimoniais são em regra aliená- derando a transmissibilidade como carácter essencial do pa- -
veis, transmissíveis nos herdeiros, e podem ser trimonio, excluem dele os direitos que, tendo valor econbmico,
objecto de execução forçada por parte dos credo- são porem intransmissiveis (uso, habitação, alimentos jure
sangutnis ) - l n s f . , pag. 240.
pessoa, que é qualitativamente a mais rica fonte tamente, porque a teoria tradicional considera o
de adquisição de bens, mas é uma qualidade pes- património como uma universitas juris, em-
soal do swjeito, não faz parte do seu património; quanto que aqueles escritores o consideram como
a produtividade do trabalho é um aspecto da per- um complexo concreto ou 'uma pluralidade de
sonalidade; e por isso, embora tenha grande valor direitos patrimoniais. Mas a moderna concepção
económico, não esta sujeita h acção dos credores, . não é outra cousa senão a velha máxima do direito
nem é alienável, porque faz parte dos direitos de romano- N o n sunt bona rzisi deducto aere alie-o.
personalidade, que o nosso código qualifica d e - A questão, diz Ferrara, não pode decidir-se
, originários e declara inalienáveis (art. 3 9 . 0 - 3 6 8 . 0 ) ;. por um modo axiomático para todos o s casos ;mas
d ) o crédito da pessoa, que pode &correr deve distinguir-se, em harmonia wni o direito
'para novas e importantes adquisiçdes, mas não é em positivo, quando é que o património forma 0u n&
si mesmo um bem juridicamente apreciável, pois uma universalidade jurídica. Ora, qslando o pairi:
só tem valor económico ligado h pessoa do sujeito; mónio é universitas j'uris, como na heranga, é
e ) as simples - flrevisdes ou espeianias de indubitável que êle contém também o passivo; pelo
novas adquisiçbes, probabilidades flutuantes de contrário, quando Ò -património não constitui uma
bens futuros, que por mais bem fundadas que gnidade, mas sim uma pluralidade, que s6 aparen-
sejam se não concretizaram ainda num bem real- temente é individualizado pelo. facto de pertencer
mente existente. Falar em tais casos, diz Ferrara, a. uma pessoa, pode então considerar-se como
d e um património embrionário ou potencial, é o comglexo dos direitos de valor pecuniáno,
pura ficção ( I ) . emquanto que as dívidas são os seus encargos,
Ainda se discute na doutrina se do património constituem a responsabilidade do sujei-to.
fazem parte só os direitos ou tainbhm as obriga- Portanto, e patrimbnio pode ter, na linguagem
çbes, se o património é só o activo ou se é o .das leis e das partes, uma tríplice significação :
conjunto do activo e passivo. a ) o património bruto, todo o activo, ou
Como vimos a doutrina tradicional considera seja, a soma dos direitos pecuniarios ou berzs;
.o património como a totalidade das relaçees juri- b ) o patrimdnio l i q u i d e ou seja, o activo
dicas de valor pecuniário, e daí o complexo de depois de deduzido o passivo.;
direitos e obrigaçbes; mas recentemente sustenta- c ) o patrirvrdnio complexivo ou plobai, ou
ram alguns autores alemães (Binder, Eneccerus, ,seja, o conjunto de bens e dívidas, a universalidade
IIellwig) que o património é a soma dos 'activos, dos direitos e obrigações de valor económico ( I ) .
e que os elementos passivos funcionam como Para complemento da analise do conceito do pa-
" encargos do património, vínculos ou subtracções trimónio, importa determinar a sua natureza jurídica.
que deminuem o seu valor. Sôbre o problema debatem-se vivamente duas
A diversidade da concepção explica-se perfei- teorias fundamentais : a teoria clássica, que é prin-

( 1 ) Ferrara, pág. 867 e 868. (I) Ferrara, pag. 868, e 869; Coviello, pág. 251 e 252.
cipalmente da doutrina francesa e italiana, seguida Segundo a moderna doutrina, o
também por alguns escritores alemães, e a teoria não tem sempre igual carácter jurídico: ora vale
moderna, que se diz positiva ou realista, seguida como $luraZidade de direitos pertencentes ao
pela generalidade dos autores alemães e por alguns mesmo sujeito, ora como universitas juris. De-
italianos. pende do direito positivo agrupar as relaçdes jurí-
Na doutrina tradicional o património e consi- dicas numa massa única, unificação que tem lugar
derado como uma figura económico-jurídica essen- para p n s especiais e nos timides distes fins. O
cialmente ligada à personalidade, por tal modo que património como totalidade das relaçbes individua-
entre personalidade e patrimdnio existe um nexo liza-se pela identidade do sujeito a quem pertence.
íntimo e indissoluvel, e toda a pessoa como tal Mas individualização não quer dizer unificação.
tem sempre e necesslriamente um património, Um mesmo sujeito tem na sua mão toda a série
ainda quando não tenha bens apreciaveis, um patri- das suas reiaçóes activas e passivas ; mas êste agre-
mónio qui ossibus irchaeret. Tal patrim6ni0, con- gado de direitos, que convergem num só titular, é
cebido como uma m i d a d c juridica (universitas sempre uma pluraijdade, uma massa, que pode
juris, universalidade de diretto), é único, indi- crescer ou deminuir, e pode também faltar. O su-
visível, inalienável, e inseparavel da pessoa. Pode jeito pode existir ou ficar temporkriamente privado
o sujeito num dado momento desfazer-se dos seus de direitos patrimoniais, salva a capacidade de os
bens ; mas a figura juridica do seu património fica adquirir de futuro. O património resolve-se na
intacta, emhora sem conteúdo material visivel e totalidade concreta dos direitos que a pessoa tem
palpavel ( 1 ). em cada momento da sua vida; mas esta totalidade
pode reduzir-se a zero. E pois que a importância
do patrim6nio se manifesta principalmente na sua
.(I) Planiol, I , n." 2148; Colin e t Capitant, pag. r06 e 107; qualidade de objecto de' garantia, quando o d e v e
Raoul de Ia Grasserie, Classi$~alion scientifique du droit,
pag. 2 7 ; Bonelli, Teoria delle persone giurrdiche, na Rivista dz dor não tem património, os credores encontram-se
dirttto civile, 191I , pág. 609 ; Ruggiero, pag. 2.02 e 203 ; Búk- na impossibilidade de o executar,: a melhor prova,
meyer, Das Vermògen zm juristische Sinne, pág. 174; Bevilac- conclui Ferrara, de que um patrim6nio naquele
qua, Theorza geral do direito czuil, pág. 2r6; Dr. T e i x e i ~ a d e momento não existe ( ).
Abreu, Curso, pag. 354 e seg. Como sinteses d a teoria clássica
são bem expressivas a s palavras de Raoul de La Grasserie,
considerando o patrimonio como o prolongamelato da per.~ona-
lidade sôbre as Lousas, e as de Bevilacqua, dizendo que i! a Ferrara, pág. 8 6 9 Coviello, pág. 252 e 253; Fadda
(1)
actividade economica duma pessoa sob u seu aspecto juridico, e Bensa, em Windscheid, Pandetie, I, pág. 667 e seg. Entre
ou a projeccão económica da personalidade ciuil. Planiol diz : nós a moderna teoria foi seguida pelo Dr. Alves Moreira : u o
u pessoa pode ter muito pouco de seu; ou não ter direitos património, embora represente o desenvolvimento da perso-
pecuniáxos nem bens de qualquer espécie; ou mesmo, como nalidade nas relações sociais, não e único nem inseparável
certos aventureiros, não ter senão dividas ; ela tem, no entanto, dela. Pode o patrimonio ter o carácter duma universalidade
um patrirnbnto. Património não significa rrquela; um patrimo- juridica, mas êsse carácter provir-lhe há dos fins para que ésse
nio nâo encerra necessariamente qualquer valor positivo; pode patrimonio é destinado, pois é em virtude dêsses fins que se
ser como uma bolsa vasia e não conter cousa alguma.. imprime unidade ao patrimonio. É assim que, na aceitaçáo
De que lado estará a verdade? numa pluralidnde, porque o contrário é de si evi-
É nosso parecer que neste problema mais uma dente: a concepção real de uma urtidade j u r i d i c a
vez triunfa a tradição sbbre o modernismo. não é incompatível com a pluralidade e diversi-
Com efeito, é bem verdade que o patrim6nio dade de situaçbes de facto e de direito.
duma pessoa, considerado como instituicão jurí- Dizcr que o patrimánio duma pessoa i. ú n i c o ,
dica norilia1 e permanente, está essencial e indivi- quer simplesmente significar que o direito objectivo
dualmente ligado h pessoa do seu titular. considera O complexo dos direitos e obrigaçbes
Poderá de facto excepcionalmente acontecer patrimoniais de cada pessoa como uma entidade
que um indivíduo venha ao mundo, filho de pais ( não personalidade ) abstracta, \mas realmente
Inc6gnitos, e tenha em tal caso a felicidade ou existente, perfeitamente distinta do património das
Infelicidade de morrer, sem que ao menos alguma outras pessoas, e que considerada em si mesma
alma caridosa lhe tenha dado uma camisa para lhe desempenha uma determinada função jurídica, qual
envolver o tenro corpo ! é a de servir de garantia geral dos credores e cons-
Êste seria O Iinico caso em que o indivíduo tituir o objecto proprio da sucessão hereditária.
pode existir (numa sociedade constituída, embora Outra cousa não s e pretende exprimir com o
mdimentarmente, bem entendido) sem chegar a conceito da u n i d a d e jttridica do património. Mas
ter um patrim6nio. assim entendido êle 6 intuitivo e indiscutível, nada
Mas seria ridículo, e até ofensivo da persona-I tendo de metafísico ou transcendente.
lidade intelectual, pensar que a tais casos se quer E fácil é de ver como dele resulta lógica e
referir a doutrina dos partidários da existência de naturalmente o seu carácter de indivisibilidade.
homens s e m p n t r i m d n i o . Dizer que o patrimbaio é indivisivel, não
Assente, pois, que a teoria se refere necessl- significa que não possa destacar-se dele algum dos
riamente as pessoas-que algum património, por seus elementos, que êle não possa decompor-se
.mais insignificante que seja, chegaram a ter, veja- nas suas diferentes partes, desfazendo-se atP, o seu
mos entao se êsse patrim6nio é, ou não, zínico, titular improdutiva ou inutilmente de algumas
indivisivel, innliendvel, e insepai-dvel da pessoa delas, ou até da sua quási totalidade, ou destinan-
emquanto viva fôr. do-as a certos e determinados fins, pois o contrário
Dizer que é zinico, não significa que não possa é evidente, dada s pluralidade concreta dos e l e
ser composto de vários elementos ou parcelas mentos do patrimonio e o direito que em regra
diferentes, que não possa concretamente consistir cada um tem de dispor do que .é seu.
Mas dizer-se que o património é indivisivel,
quer simplesmelite significar que, por maiores e
duma herança a beneficio de inventario, os bens que constituem mais variadas que sejam as divisbes e subtracçbes
a herança se consideram como um todo distinto do patrimonio que dêle se façam, subsiste sempre o substracto
do herdeiro, que é todavia o sujeito a quem a heranqa pertence.
Donde se conclui que, no sentido por n6s ligado a palavra pa- fundamental da u n i d a d e j u r í d i c a do património,
trzm0lai0, uma pessoa pode termais do queum. - Ins~z~uz~ões, pois nelr se conteem elementos essenciais, tão
PQ- 319- indissoluvelmente ligados A pessoa, que nem os
credores mais privilegiados podem executar para considerado nulo, quando mais não seja, por ser
satisfação dos seus créditos (art. 81 5." do c6d. de contrário A moral pública (art. 6 7 1 . ~n."~ 4.").
pr. civ.) (I}. De resto, a impossibilidade legal de alienação
Pela mesma razào que o património e únko e absoluta do património não deixou de ser sancio-
indivisivel, êle é também nècessariamente z~zalie- nada em outras disposicbes da lei, como a do
nável. art. r556.", que proibe a venda do direito a he-
Dizer que o património é inaliendvel, não rnnca de pessoa viva e do direito a alimentos, e
quer dizer, é claro, que o seu titular não possa a do art. 2042.O, que proibe os pactos sucess6rros.
dispôr dêle como lhe aprouver, dentro da ordem Finalmente, desde que o património, como
jurídica, porque isso seria negar o princípio fun- unidade jurídica indivisivel, é inalienável, tem de
damental do direito de propriedade, que épreci- concluir-se necessàriamente que 8 insepnrdvel da
samente a faculdade de dispôr 40s próprios bens, pessoa a quem p d e n c e .
quer por transformação (art. 2315.O;, quer por alie- E tão inseparável êle 6, que sempre que o
paçáo (art. 2357."). direito objectivo sentiu e reconheceu a necessidade
Mas dizer que o património é inaliendvel, quer de se constituir um património autónomo, com
simplesmente dizer que, embora o seu titular possa destino a certos fins, pelo menos tratando-se de
dispor dêle para os fins da vida, há, porém, uma fins de interesse público, ao mesmo tempo tratou
parte fundamental, tão essencialmente ligada a pr6- de construir a figura jurídica da pessoa colectiva,
pria personalidade, que como esta é indisponível para ser o sujeito ou titular dêsse património, per-
ou inalienável: é precisamente o substracto do sonalidade que nasce com esse património, e que
patrim6nio urzo e indi-aisivel. tem a sua vida por tal forma a êle ligada, que com
Eis a razão porque o nosso código ( art. 1460.") êle se extingue também (supra, R . O 14, 15 e 2 7 ) .
expressamente declara nula a doação que abrange E agora, em presença desta análise dos carac-
a totalidade dos bens do doador sem reserva do teres do patrim6ni0, que nos parece rigorosamente
usofruto, ou que deixa o doador sem meios de jurídica, podem os partidários da moderna dou-
subsistência. trina dizer, com Ferrara, que a doutrina clássica
E, se é certo que a lei'não fulmina igualmente representa a figura do patrim6nio por um modo
de nulidade a venda, ou qualquer outro contracto fantástico, como um poder ecorzómico indefecti vel,
oneroso de alienação total e absoluta de todo o único e inscindível do sujeito; que uma tal con-
património, incluindo a própria roupa do corpo, cepção é pura confusão do patrimbnio com a capa-
nem por isso um tal contracto pode deixar de ser cidade patrimonial, filha das concepções filosó-
ficas da escola do direito natural; que é uma
abstracção inútil e e c í v o c a , conceito puramente
( I ) Note-se que ainda quando. a respeito das pessoas metafísico, artificioso e absurdo ( I ) .
colectivas, B possível a execução completa do património, êste
facto, em vez de invalidar, confirma a doutrina da unidade e
indivisibilidade do património, pois que em tal caso a pessoa
morre ou extingue-se com o seu património (supra nO, 27).
N ós respondemos simplesmente com a demons- idêntica através das vicissitudes dos seus vários
tração que fizemos do verdadeiro e real carácter do elementos.
património como elemento essencial da vida da Só em face da lci sc pode decidir quando 6
personalidade, constituindo, por isso, uma unidade que efectivamente existe um património separado
jurídica inseparável da pessoa: a concepção soi ou autónomo, porque só o direito objectivo pode
disant positiva e realista da pluralidade ou diver- criá-lo: como diz Bekker, o patrim6nio separado
sidade concreta dos elementos do património, surge segundo regras fixas, e não por arbitrária
considerado apenas como complexo de valores declaração de vontade do titular do patrim6nio ( I ) .
jurídicos independente da pessoa do sujeito, per- O s autores não são concordes na fixação dos
feitamente divisível e completamente alienável, critérios próprios para verificar a existência de tais
é que é positivamente uma concepção absurda, patrimbnios, e por isso alguns alongam demasia-
manifestamente contrária a realidade da ordem damente a série deles. Basta notar que, por exem-
jurídica, e neste sentido se pode dizer artificiosa plo, Fadda e Bensa incluem na- categoria dos
e metafísica. patrimónios autónomos a herança, o dote, a comu-
Mas o conceito do património como unidade nhão entre os canjitges, o estabelecimento comer-
ou universitas juris não exclui . a possibilidade cial, a quota do &cio nas sociedades civis, e ainda
da constituição e existência de patrimónios parti- o navio em relação ao armador ( S ) . Pelo contrário,
culares, mais ou menos aut6nomos, com uma orga- outros, como Ferrara, reduzem os casos de sepa-
nização jurídica separada e distinta da do património ração de patrimónios B herança e sucessbes aná-
total: sáo como nucleos ou centros patrimoniais logas, e a falência (31). Outros, como o Dr. Alves
que se destacam do património global. É a teoria Moreira, consideram três casos típicos de patri-
da autonomia ou separação dos patrimónios. , mónio aut6noma: a sociedade conjugal, as socie-
.. O património separado, diz bem Ferrara, 6 um dades de responsabilidade pessoal dos sócios, e a
centro autónomo, que não tem outra relação com herança (v.
o.patrim6nio pròpriamente dito senão o lago extrín- O s autores que restringem os tipos de patri-
seco de pertencer ao mesmo sujeito. E' uma figura mónios autónomos partem da consideração de não
análoga B que o direito internacianal construiu com ser bastante um destirzo especial de certos bens,
a uniâo pessoal dos Estados. para lhes dar o carácter dum todo Único ou duma
Paratermos a figura jurídica dum património universitas juris. E então dizem, como Ferrara :
sep,arado ou a u t ó ~ o m ohão
, basta haver quaisquer a O único critério seguro para reconhecer a
bens destinados a um qualquer fim; mas é neces-
sário que esses elementos patrimoniais sejam orga-
nfzados pela ordem jurídica em um só todo, sujeito ( I ) Bekker, Pandekten, J, 5 43.
a um tratamento unitário, constituindo uma uni- ( 9 ) Fadda e Beiisa, em Wiiidscheid, 11, pág. 488 e seg.
( a ) Ferrara, pág. 880.
oersitas juris, um complexo de direitos e obriga-
(4) Dr. Alves Moreira, Patrimónios autónomos nas obri-
çOes de carácter económico numa massa Gnica, gações seguftdo o direito civil português, no Boletim da Facul-
com vida própria, e que permanece juridicamente dade de Diretto da Universidade de Coimbra, VII, pag. 47 e seg.
existência do património separado é o da respon- Mas para nbs, que consideramos pessoas colec-
sabilidade por dívidas. Património separado é tivas todas as sociedades legalmente constituídas
aquele que tem dividas prdprias, em que se loca- (supra n." 21 ), não pode haver em tal caso a figura
lt'$am as obrigações e responsabilidade que dêle jurídica do património autónomo.
nascem, e que não ressente os efeitos das outras Dêste modo ficariam os casos de autonomia
obrigaçoes do sujeito do património. Em poder de patrirnbnios reduzidos h sucessBo a título uni-
do mesmo titular há duas esferas jurídicas sepa- versal (herança, ou sucessão análoga, como doa-
radas: O patrimbnio geral da pessoa, e um outro ção, devolução dos bens das pessoas colectivas) e
centro patrimonial com próprios direitos e obriga- aos regimes de casamento.
ções. Este é O trago verdadeiramente essencial do Ora, a verdade é que há outras figuras de
instituto: outros efeitos, como a possibilidade de agregados patrimoniais diversos e pertencentes ao
uma acção universal para a pretensão do patrimdnio mesmo sujeito, que constituem organismos econó-
e o princípio da subrogação, não são constantes, mico-juridicos mais ou menos autdnomos, mere-
e podem encontrar-se tambkm em outras figuras cendo bom a qualificação de unidades jurídicas
jurídicas» ( 1 ) .- compostas ou uniqersalidades de direito, sempre
Parece-nos que o mithrio da responsabilidade que estejam sujeitas a um tratamento jurídico uni-
por ,dívidas emergentes do patrimbnio separado é tário.
excessivamente restrítivo, por um lado; e, por É o que acontece na compropriedade ou pro-
outro lado, em virtude da aplicação que dêle fazem priedade comum, no estabelecimento comercial,
os seus partidários, revela-se afinal demasiado com- ou em geral nas empresas industnais, navios,
pree?sivo. rebanhos, etc., etc. ( I ) .
E assim que Ferrara considera como um dos Assim como há, diz Ferrara, diversas massas
tipos de património autónomo a massa falida, patrimoniais pertencentes a um mesmo sujeito,
quando é certo que nem mesmo no critério amplo pode haver tambk-m um patrimbnio que pertença
de Fadda e Bensa s e compreende este caso, e com solidlriamente a vários sujeitos. Tem-se então O
razão, porque o falido não tem dois patrimónios património colectivo, que é em certo modo o
diversos, entrando todos os seus bens para a massa contraposto do patrimdnio separado. Aqui tam-
da íalência ( c6d. de pr. com., art. 201."). Outros, bém é a lei que decide do reconhecimento de um
como o Dr. Alves Moreira consideram como caso patrimbnio colectivo. O patrimbnio colectivo não .
de patrimbnio autónomo o da quota social dos significa, porém, uma massa de direitos e m comum,
sbcios de responsabilidade pessoal pelas obrigaçoes segundo o tipo romano (que é o do nosso condo-
da sociedade, porque não consideram tais socieda- mínio, art. 2175." e seg. ), isto 6 , uma comunhão
des dotadas de personalidade jurídica distinta da por quotas, na qual cada consorte tem uma fracção
dos sócios.
( i ) No sentido mais excessivamente restritivo sustenta
Coviello que verdadeiramente só ha uma universitas juris, que
( 1 ) Ferrara, pag. 877 e 878. e a herança -pag. 271 e 272.
de direito que lhe pertence individualmente, de seg.). E tal é também, segundo crêmos, O tipo
que pode dispor, e a toda a hora realizar por meio da organização colectiva da Revista de Legislapão
da divisão: mas é uma comunháo colectivista sem e de Jurisprudência, de Coimbra.
repartição de quotas, na qual os singulares iomu-
nistas não possuem qualquer direito individual por 3 r . Classificações doutrinais e legais das cousas-
si, não podendo por isso exigir divisão. O patri- -Sendo diversa a natureza das diferentes cousas, e
mónio existe para um grupo de indivíduos ligados diversas também as múltiplas e variadas circuns-
por um vinculo pessoal: todos no seu conjunto tâncias em que elas se podem encontrar, compreen-
são sujeitos, mas nenhum tem por si um direito de-se bem como deve correlativamente variar o
separado. Titulares do direito são os indivíduos, seu regime jurídico.
emquanto pertencem ao g r u p o ; por sua morte Torna-se, pois, indispensável classificá-las.
não são substituídos necessariamente pelos herdei- O cbdigo, nos art. 370.O a 382.", define os ter-
ros, mas independentemente das cegras sucessbrias mos de três classificaçdes importantes:
por aqueles que do grupo entram a fazer parte, e a ) Cousas do comércio e fdra do comércio;
como o grupo assim se vai perpetuando, assim b ) Cousas imdvezs e móveis;
a propriedade colectiva fica vinculada áquele c ) Cousas pziblicas, comuns e partzculares.
feixe de sujeitos sempre unidos em colectividade. Não quere, porém, isto dizer que a lei não
O gôzo é indivizkel entre a massa dos comunis- admita outras classificaç0es. r<

tas ;cada um goza na medida das suas necessidades ; E certo que outras há, tambem reconhecidas
as dívidas recaiem sobre todos indivisamente ; para pelo cbdigo, embora nele se não encontrem expres-
dispor da cousa comum todos teem de intervir, a samente definidos os seus termos, porque O legis-
não ser que em virtude da organização colectiva, lador entendeu ser preferível confiar êsse trabalho
esta seja representada pelo chefe. h doutrina e ijurisprudência.
Tal é a figura jurídica da compropriedade i n A estas classificaçóes dá-se, por isso, O nome
mano commune ( ~ ugesammten
r Hand ) do antigo de doutrinais, em oposição as primeiras, que se
direito germânico, da qual existem ainda vestígios chamam legazs.
no direito moderno (1). As mais importantes das classificaç0es doutri-
Vestígios do tipo do condomínio germânico nais são :
no nosso direito são, por exemplo, a comunhão a ) Cousas corpóreas e incorpbreas ;
dos cônjuges, a comunhão coactiva dos muros e b ) Consumiveis e não consumiveis;
paredes meias (art. 2328.0 e seg. ), e o condomínio c ) Funglveis e nno f ~ n q i v e i s ;
das cousas pdblicas e comuns (artt. 380.0 e 381.0). d ) L)tvisiveis e indiqisivets;
E como tal devem também considerar-se o quinhão e ) Principais e acessdrias;
(art. 2190.0 e seg.) e O comPÚscuo (art. 2262.0 e f ) Apropriadas e nullzus;
g ) Presentes e futuras;
h ) Simples e compostas.
(1) Ferrara, pág. 883 e 884. Na exposição de umas e outras seguiremos em
grande parte o estudo magistral que delas fez, no Esta distinção não tem alcance jurídico apre-
C u r s o de Direito Civil, o Conselheiro %r. Tei- ciável, porque, em verdade, as cousas s ó interessam
xeira de Abreu, uma das maiores figuras do profes- ao direito por virtude dos d j r ~ i t o sque sôbre elas
sorado e do faro português. s e podem exercer.
Mas tem grande importância para os sistemas
32. Cousas corpóreas e incorpóreas. Direitos s6bre jurídicos que, como o dos cbdigos,alemão e suíço,
direitos.- Esta distinção traduz a própria natureza só consideram como cousas os objectos materiais
das cousas, que, no seu sentido usual mais restrito, do mundo externo, e em todo o caso, mesmo nos
são apenas os objectos materiais, mas que, no seu sistemas que, como o nosso, consideram como
sentido mais geral, e ainda no seu significado pró- cousas os próprios direitos, ainda tem importância
prio ou jurídico, abrangem também os actos, factos n2o s ó doutrinal, mas de carácter jurídico prático,
ou acontecimentos que não teem uma existência pois que de ser ou nao ser corp6rea uma cousa
material. resulta muitas vezes uma diversa natureza das res-
Cousas corpóreas são, pois, as que teeni uma pectivas relaçues jurídicas.
existência material, podendo ser apreendidas pela É o que acontece, por exemplo, com a questão
acção fisiológica dos sentidos- quae tangi @os- vivamente debatida sobre rP natureza jurídica da
s u n t - como o terreno, os edifícios, o dinheiro, os electricidade. O problema é importantíssimo, não
géneros alimentícios, os agentes naturais, etc. só para determinar a natureza do contracto de for-
Incorpóreas são os modos de ser abstractos e necimento de energia eléctrica, mas para decidir
imateriais das próprias cousas, ou sejam, as cousas se pode haver realmente uma posse da corrente
que, não tendo uma existência real, sb existem nas eléctrica garantida pelas respectivas acgões posses-
concepções psicológicas do espírito humano -solo sórias, e s e pode haver furto de electricidade.
j u r i s intellectu existunt - como são os diversos A maior parte da doutrina alemã nega-lhe o
direitos fraccionários- em que se desdobra a pro- carácter de cousa, dizendo que a electricidade é
priedade plena ou perfeita (servidão, usufruto, etc.) ; uma fdrça, uma vibração da matéria, e não um
e, em geraf, os diferentes direitos subjectivos. objecto c o r p ó r e o ( E n d e m a n n , pegelsberger,
O próprio direito de propriedade plena, como Windscheíd-Kipp, C r o m e , Eneccerus, Kohler,
faculdade abstracta, é uma cousa incorpdrea, em- Oertmann ) (I). E o direito, diz Endemann, não
bora na doutrina mais subtíl do direito romano a pode prescindir do conhecimento actual da essen-
concepção jurídica das cousas corpóreas se refira cia das cousas.
i propriedade plena ou perfeita.
Esta idka acentua-se bem no uso ainda hoje
dominante de designar pela prbpria cousa o direito (1) Entretanto e certo que tambkm alguns jurisconsultos
de propriedade plena, que sbbre ela se exerce, notaveis (Gierke, Dernburg) a consideram uma cousa. Mas
dizendo-se - esta cousa pertence-me - e m vez porque a grande corrente era pela negativa, não se enqua-
drando por isso no furto a subtragão fraudulenta de energia
de se dizer-pertence-me a p r o p r i e d a d e desta
eléctrica, foi publicada na Alemanha a lei de 9 de abril de 1899,
GOUSU. punindo o furto como crime especial. Ferrara, pág. 737.
Mas aqui está precisamente, diz bem Ferrara, Existe, pois, juridicamente a categoria de
O êrro de tal doutrina. Não é sobre as teorias da direitos s6bre direitos.
física ou sôbre as hipbteses scientíficas da natureza Mas o problema tem sido vivamente contro-
da electricidade, que podem variar de um momento vertido, dizendo-se contra a realidade de tal cate-
para outro, que o direito deve formular as suas goria, que a concepção romana dos direitos como
decisdes. O direito B uma organiza~ãoprática cousas incorpbreas tem por fundamento a sin-
das relagões, e por isso deve assentar si3bre pontos gular confusão, que na propriedade se faz entre a
de vista práticos. Ora é inegável que a energia cousa objecto do domínio e o mesmo direito de
eléctrica é susceptível de apreensão e utilização propriedade : confunde-se o direito de proprie-
económica, é perceptível aos nossos sentidos, pode dade com a cousa na afirmação res mea cst, que
isolar-se e recolher-se em acumuladores, pode ser em vez de enunciar o direito de propriedade enun-
medida, dividida e fornecida: e tudo isto é mais cía a prbpria cousa. E, pois que do património
que suficiente para se ver nela um objecto suscep- fazem parte outros direito's, j u r a in r e aliena e
tível de propriedade material. E manifesta a ana- direitos de crédito, mas porque estes não teem
logia entre os líquidos e os gazes conduzidos p o r uma consistência material, dá-se-lhes o nome de
tubos recolhidos em'recipientes ou reservatdrios, res incorporales, do mesmo modo que ao direito
e a electricidade conduzida por fios e concentrada de propriedade identificado com a cousa, que é o
em aparelhos vários ( I ) . seu objecto, se chama res corporalis.
A concepção romana das res incorporales Como se vê, há aqui realmente uma confusão
inclui nesta categoria os direitos patrimoniais, entre a classificação das cousas e as partes consti-
dando lugar A célebre questão dos direitos sobre tutivas do património; agrupam-se para um lado
direijos, muito debatida tanto no campo do direito as cousas (objectos corp&reos), e para outro lado
romano, como no direito moderno. . os direitos, que si40 entidades heterogéneas ( I ) .
Considera, com efeito, o nosso código (art. Esta foi também naturalmente a idea que inspirou O
375.O, n." %.O, e 376."), A semelhança dos c6digos nosso legislador ao enumerar entre as cousas mb-
latinos, e também o cbdigo hrasileirn, apesar de veis e imbveis os direitos patrimoniais. Esta idea
moldado em grande parte pelo tipo ger-mano-suiço, não pode portanto deixar de se reconhecer como
como cousas, não s b os objectos materiais, mas construcão positiva da lei; mas sob O ponto de
também os prbprios direitos reais e de crédito ; e
admite que de um direito pode ser objecto outro Foi por isso que a teoria dos direitos sôbre direitos,
(1)
direito, quando, por exemplo, o penhor ou o acolhida a principio por Windscheid, foi depois por ele aban-
usufruto é constitujdo sobre títulos de crédito donada, perante a critica da maior parte dos escritores (Exner,
( art. 857.O e 2237."), como quando a hipoteca é Mansbach, Hanauseck, Bekker, Dernburg), ficando-lhe entre-
constituída sobre direitos imobiliários ( art. 890."). tanto alguns fiéis (Sohm, Seckel, Bierm~nn). Na Itália foi a
teoria adoptada pelos anotadores de Windscheid, Fadda e
Bensa, e por Venezian, mas combatida por quasi todos os
outros escritores de autoridade, Ferrara, Covicllo, Ruggiero.
( l ) Ferrara, log. cit. Ferrara, pág. 413 ; Ruggiero, pág. 391.
vista scientifico seria certamente mais exacto ex- forma que perdem a sua pr6pria individualidade,
cluir das cousas os direitos, embora se deva man- e n5o podem já prestar a mesma utilidade, como
ter a distinção das cousas corpóreas e incorpóreas, acontece com os géneros alimentícios, com as
para incluir nestas os bens imateriais ( I ) . sementes, etc.
Quanto A possibilidade de ser um direito Pelo consumo civil, as cousas manteem a sua
objecto de outro, ela é textualmente admitida no individualidade, mas perdem a possibilidade de
direito moderno, como era também pelo direito continuar a prestar a mesma utilidade ao indiví-
romano. E se falar de direito que tem por objecto duo que delas se utilizou, como acontece com o
um outro direito, em vez de uma cousa, não re- dinheiro.
pugna A concepção jurídica da relação entre direito É por isso que ao consumo fisico se chama
e objecto ou cousa, é porque afinal é sempre uma também absoluto, e relativo ao consumo civiE:
cousa que, mesmo nas figuras jurídicas de direitos
s6bre direitos, é o objecto do direito: C o im6vel -
34. Cousas funglveis e "ão fungfveis. Esta divi-
dado. em usufruto o u em enfitêuse, e a quantia de são é tão semelhante-h anterior, que muitos juriscon-
dinheiro ou qualquer cousa, ou facto devido pelo sultos e legisladores as teem confundido, parecendo
devedor, que é afinal o objecto do penhor ou da que O nosso c6digo incorre na mesma confusão,
hipoteca que serve de garantia da obrigação ( 8 ) . nos diversos artigos em que a elas se refere (artt.
765.O, 1259.-, 1260.", 1506.", 1507.", 1633.", r637.",
33. Cousas censumlveis e nãe consumíveis. - Tam- 2209.', a a a ~ . ~ n . I."
" ' e z.", etc.).
bém esta distincão se funda na prbpria natureza Cousas fungiveis são as que, por vontãde
das cousas, sendo certo que umas, as consumi- expressa ou tácita das partes, podem ser substi-
veis, com o primeiro uso que delas se faz, deixam tuídas por outras do mesmo género, qualidade e
de poder continuar a prestar a mesma utilidade a ' quantidade - quarzlm una alterius vice fungitur
que foram destinadas; quer dizer, são as que se (cbdigo civil, artt. 1507.' e 1636.").
consomem, fisica ou cicilmente, com o primeiro Cousas não fungiveis são, pelo contrário,
uso a que se destinam; pelo contrario, outras, as as que teem de ser entregues ou restituídas
não consumiveis, embora estejam sujeitas as leis em espécie, isto é, as mesmas e idênticas, não
naturais da sua destruição gradual, não deixam de podendo ser substituídas por outras da mesma
existir, nem fisica nem civilmente, com o pri- natureza. ,
meiro uso que delas se faz, como a mobília, o Assim, por exemplo, se se empreSta um livro,
vestuário, os livros, etc. para que a pessoa que o pede o restitua depois de
Pelo consumo fisico, as cousas não deixam de se servir dêle, o livro é náo fungível, e o con-
existir absolutamente, mas transformam-se por tal tracto é o commodato (art. 1507.~);mas se a pes-
soa que o pediu pode dispdr dêle como quiser,
obrigando-se apenas a restituir outro exemplar da
1) Os Princi#zos, I, pag. 616 e 617. mesma edição, o livro é fungive2, e O contracto 6
(2) Ruggiero, pag. 391 e 392. de mútuo (art. 1507.0, i n fine).
. O mesma é de dizer a respeito do empréstimo 35. Cousas divisíveis e indivislveis.- A noção de
de dinheiro em certa moeda. divisibilidade implica a ídea de separação material
Por conseqüência, 6 certo que a mesma cousa, de uma cousa em diversas partes; mas neste sen-
por sua natureza consumivel, pode ser fungt- tido a divisão aplica-se só is cousas corpóreas.
vel ou não funglvel, conforme a vontade das Ora em direito a divisibilidade refere-se tam-
partes. bém as cousas incorpóreas, traduzindo então uma
E o mesmo acontece com uma cousa não con- idea de separaçâo imaterial ou intelectual, a qual
sum<uel, como mostra o exemplo do livro. se verifica, por exemplo, no direito de comproprie-
E porque, emquanto que a distinção das cousas dade pro partibus indivisis, no qual cada consorte
consuniíveis e não consumíveis se funda apenas na tem sbbre cada uma das partes da cousa direitos
própria natureza das cousas, a distinção das fungí- d e propriedade perfeitamente iguais aos dè todos
veis e não fungíveis tem o seu principal funda- os outros comproprietários, por tal modo distintos
mento na vontade das partes. entre si, que a lei reconhece a cada um a facúldade
Já o nosso Coelho da Rocha, apesar de iden- de alienar o seu prpprio direito.
tificar as duas distinções, ao definir os seus ter- E como a cada um destes direitos diferentes
mos, reconhecia entretanto aquela diferença im- correspondem necessariamente objectos também
portante. diferentes, é f o r ~ o s oseparar para objecto de cada -
Definia cousas fungiveis aquelas das quais se um deles uma parte não determinada material-
não póde usar, s e m se consumirem, ou ao menos mente, mas apenas abstracta ou -intelectualmente,
sem lhes alterar a natureqa, como são ordinaria- na propriedade ou cousa comum.
mente as que constam de pêso e medida, por exom- Cousas divisiveis são, pois, aquelas que podem
plo, o vinho, o trigo, e também o dinheiro em ser nzaterial ou zntelectualmente separadas em
moeda, porque dele s e não póde usar sem o gastar; partes da mesma natureza do todo, sòmente mcno-
e c o u s ~ ns ã o - j u q i v e i s aquelas de que se pdde u s a r res em extensão.
sem se consunzirem, como os animais e os prédios. E in~divisiveis são as que nem material
Mas, apesar disso, escrevia : I-,j n e m intelectualmente podem ser separadas em
«Esta distinção tem muito uso na jurisprudên- partes.
cia. É necessário, porém, advertir que ela ngo é Todas as cousas corpbreas são maferialmente
tão exacta que possa seryir de base a todas as con- divisíveis; mas nem todas o são juridicamente,
clus0es jurídicas, pois muitas vezes cousas, que se porque muitas vezes a lei declara indivisiveis as
consomem pelo uso, são reputadas nas leis, nas cousas que não podem ser divididas sem detri-
convenç0es ou testamentos, como não-fungiveis, e mento, como, por exemplo, um animal vivo, um
vice-versa w. E exemplifica com o dinheiro e com livro, um retrato, etc. (cód. civ., artt. 2128." e
o vinho, nos termos já referidos ( I ) . 2145.~ cód.
~ de proc. civ., art. 720.").
Pelo contrário, todos os direitos subjectivos
sao por sua prbpria natureza indivisíveis, porque
(1) Inst., § 81 e nata. um direito, ou existe na sua perfeita integridade,
qu não existe, "não se compreendendo o que seja a indivzsa, não sendo necessário que seja realmente
terça, 'ou a quarta parte de um direito s6bre uma indivisivel, como aliás se diz no art. 1566.O.
causa, mas, apenas o direito de dispor da terça ou Êste modo d,e vêr parece ter-se tornado defini-
quarta parte dessa cousa. tivo depois que o c6digo de processo civil deter-
Não há direitos divislveis, diz um escritor, minou rio art. 848.O, n." 7 . O : « Afim de poderem
-as apenas direitos com objecto divisivel. usar do direito de preferência serão citados para
Muitas vezes a lei considera como divisáveis assistirem h praça: 7.0 os comproprietários quando
ou indivisiveis só as cousas que podem ou não se tratar de arrematação da parte que pertencer ao
ser materialmente divididas, embora sejam ideal- consorte na cousa indivisa» (1).
mente divisíveis (cbd. civ., artt. a180.", n.O a.", Quer dize* : tem-se entenaido que esta dispo-
2183.O, 2128." e 2145.O, e c6d. de proc. civ., art. 570.-
sição modificou, ou pelo menos interpretou auten-
6 5 2."). ticamente, a palavra indiaisivel do art. 1566." do
Outras vezes emprega aquelas expressões no cbdigo civil.
seu sentido mais geral, chegando mesmo a qualifi- Parece-nos, porém, inadmissível esta doutrina.
car como indivisiveis cousãs que, de facto, pelos Não é aceithvel a idea de uma interpretação
menos idealmente, são divisíveis, como, por exem- autêntica : em primeiro lugar, porque as leis s6 são
plo, o direito de vários coerdeiros 4 herança ainda interpretativas quando como tais são expressamente
indivisa (c&. civ., artt. 2015.' e 2269."). formuladas, ou como tais se apresentam lbgicamente
$ que a indivisibilidnde de uma'cousa póde pelo seu prbprio conteúdo ; em segundo lugar, por-
resultar da sua própria natureza (art. 2269.*), OU que a substituição de uma palavra por outra de
da disposição da lei (art. 2015.'), ou da vontade sentido completamente diverso, e é o caso de indi-
das partes (art. 7 ? r . O ,
n.Oe r . O e 3." ).
vislvel por indivisa, não pode ser qualificada como
A iadivisibilidade das cousas ou dos direitos interpretação, pois é manifestamente uma modifi-
tem grande importância, pelos efeitos que produz cação ou revogação da lei anterior.
%EIS relações jurídicas, como fácilmente se vê nas Mas, desde que o cbdigo de processo náo fez a
referidas disposiçóes do c6digo civil. revogação expressa do art. 1566.~do código civil,
Um dos seus mais notáveis efeitos verifica-se s6 poderia admitir-se aquela doutrina no caso de
no direito real do condomínio ou compropnedade, revogação tácita, isto é, se houver contradeda&
nos termos do art. 1566.": é o direito de opção ou inconciliável entre as duas dispos?çções.
preferência conferido ao consorte que tiver maior Mas tal contrariedade não existe; e as duas
quota, ou a todos, se as partes forem iguais, quando disposiçbes conciliam-se perfeitamente, entenden-
algum deles quiser vender ou tiver vendido a sua do-se que o art. 848.0 do cbdigo de processo manda
parte. citar os comproprietários para deduzirem o seu
A doutriaa e - a jurisprudência teem-se acen-
tuado no sentido de que aqbele direito de prefe-
rância existe sempre em todos os casos de com- (1) Dr. Vilela, em um artigo de jurispmd&nciacritica,
no Boletim do Faculdade de Dzraito da ~n;oersidadede Coim-
propríedade, . ernquanto a cousa comum estiver bra, vil, pág. 84.
direito de preferência, se o t i v w e m ; mas é claro Coelho da Rocha definia cousas principais
que s6 o teem, tratando-se de cou-sa i?zdiaisivel, aquelas que existem' por si e 6 a r a s i ; e acessórias
nos termos do art. 1566.- do có,digo civil, e não 04 pertencas aquelas que estão exteriormente uni*
apenas indivisa, como inadvertidamente, por certo, das d principal, ou seja pela natureza, como a
se escreveu no n." 7.0 do art. 848." do código de aluvião, o feto, os frutos; ou pela vontade da
processo. homem, com O fim de as fazer servir ao .uso perpé-
Mas como a indivisibilidade pode ser natural, tuo da principal, como -os animais e ferramentas
legal ou voluntária, ci claro que se os compro- de lavoura a respeito dos prédios rústicos (I).
prietários tiverem f e i t ~pacto de indivisão, no8 No direito de acessáo (art. 2289.0) o nosso
termos do art. 2185.', a COUSR indibisa 6 zndivisi- cbdigo exige, para se verifiiar a r e l a ~ ã ojurídica
nel emquanto subsistir válidamente aquele pacto, de cousa principare acessbria, que esta seja u n i d a
o que em certo modo explica a inadvertência do e incorporada Aquela, e que as duas não perten-
emprêgo da palavra indivisa em vez de indivisivel çam i mesma pessoa no momento em que se esta-
n o n,O .7." do art. 848." do cddigo de processo. belece a subordinação jurídica de uma A outra. -
Acrescente-se a'isto a circunstância de que o E assim, já n-ão podem considerar-se como
art. 848.0 é apenas uma regra de processo, tendente acessórios dos predios rústicos os animais e instru-
por um lado a assegurar convenientemente os efeitos mentos aratórios.
das arremataçóes na execucão dos devedores, e Entretanto é certo que a propósito do art.. 1843.8,
por outro lado a restringir o exercício do direito onde é expressa a referência a esta divisão tfas
de preferência dos comproprietários citados, nos cousas, já o c6digo nãa exige aquelas duas condi-
termos do 5 2 . O do mesmo artigo, e reconhecer-se çóes, sendo dispensada a primeira, e até excluída
há necesshriamente que o pensamento do código a segunda.
de processo não foi modificar a essência daquele Mesmo no direito de acessão a lei dispensa o
direito, ampliando-o além dos limites em que o requesito daincorporação na hipótese do art. 2293.O.
reconhece o art. 1566.0 do código civil. É que no seu sentido mais geral consideram-se
, .
acessórias as cousas que são adjacentes a outras,
36. Gousas principais e acessbrias. Pertenças, fru- ou mesmo separadas, mas que servem para lhes
tos e Bemfeitorias. -O código civil faz referencia A aumentar as utilidades, como os pátios e os jardins
distinção entre cousas principais e acessórias no em relação aos prkdios urbanos, e cs utensílios de
capítulo do direito de acessüo (artt. 2289.0 e segs. ), uma adega, de um lagar, ou de d a fábrica, em
embora não empregue textualmente estas expres- relação ao estabelecimento principal.
sóes. Mas, em todo o caso, os dois termos da divi-
Mas outra referência, expressa e textual, é s são teem uma significação meramente relativa, pois
que se encontra no art. 1 8 4 ~ . 0ordenando
, que a consideradas e m s i mesmas, e por sua própria - - - natu-
-
cousa legada ( a principal ) deve ser entregue com
os seus acessórios: no lugar onde, e no"estad0 em
que estiver ao tempo da morte do testador. , .
reza, não há distinção real entre cousas principais por exemplo, o dos objectos arrojados pelas cor-
e acessbrias; como diz o dr. Teixeira de Abreu, a rentes sobre os prédios marginais, que ficam pes-
distinção s6 aparece quando a união das duas cou- tencendo aos proprietários dêstes prédios, se os
sas origina a subordinação de uma outra. E esta donos de tais objectos não forem levantá-los no
relação de subordinação póde dar-se : prazo de três meses ou a o que judicialmenk lhes
. a) entre duas cousas wrp6reas ( prhdio e f6r assinado ( a r t . 2292.O); do mesmo modo a
sementejras) ; acessão dos mouch0es e aterros, nos termos do
b ) entre uma cousa corpórea e outra incor- ( art. 22gg.O), e alguns casos de acessáo imobiliária
pórea (prédio dominante e servidão ) ; e industrial ( art. 2304.0-2308.~).
c ) entre duas cousas incorpbreas (crkdito e Como cousas acessórias devem considerar-se
hipoteca) ( i ). as pertenyas, os fruios e as bemfeitorias.
Alguns autores, como o Dr. Alves Moreira, O nosso código regula os frutas nos art. 495.0,
entendem que o conceito de cousas acessórias é 497.' e outros; e as bemfeitorias nos art. 498.'503."
extranho ao instituto da acessão: <Quando, pela e outros. Não regula especialmente as pertencas,
acessáo, cousas que pertençam a diversos proprie- porque naturalmente considera, como Coelho -da
tários se unam ou encorporem (art. 2289.O), de Rocha, esta palavra sinbnima de cousas acess6rias
modo que não seja possível separá-las sem sedes- em geral.
traírem ou sofrerem notável detrimento, as cousas Parece-nos contudo que, para melhor com*
que se unem ficam formando um todo de carácter preensão da doutrina das cousas acessórias, con-
unitário, ficam sendo partes componentes, e não vém ter presente o conceito de pertenqas eiabo-
acessórias ou integrantes, não tendo assim aplica- rado pelos autores italianos. Pertenças são as
ção o conceito de cousas acessórias, e sendo em cousas que, conservando a sua individualidade e
regra peIo valor que tem de determinar-se a quem autonomia, são postas numa relação permanente
fica pertencendo o todo (art. 2299.", 2301.", 23oz.", de subordinação a uma outra para lhe servir de
4 1.q 23o6.", r:)> ( 3 ) . melhor uso, ornato ou complemento. Não for-
O certo é, porém, que nas fontes romanas se mam parte constitutiva ou integrante do todo: de-
encontra em matéria de acessão a relação entre pendentes juridicamente da princapal, sSo dela
cousas principais e acessórias, bem expressa nos independentes no ponto de vista da função e da
aforismas c accessorium sequitur ~rinci$aLea, essência do todo, porque dêste se podem livre-
r accessio cedit principali>. E o nosso código mente separar, sem lhe alterar a função-e a essên-
regula casos de acessão em que as cousas acessó- cia; a sua separação sòmente importa a deminuição
rias se juntam com a cousa principal, sem ficarem do valor de uso ou de perfeição da cousa principal,
constituindo com esta um todo inseparávei : tal é, a cujo serviço ou ornamento elas são destinadas
de modo permanente. Pode a conjunção ser tam-
bém material, mas o que constitui o vínculo de
(1) Dr. Teixeira de Abreu, pág. 242. subordinação jurjdica é a destinação voluntária da
(2) Dr. Alves Moreira, Insf., pag. 556. cousa acessbria posta em prática pelo possuidor
da cousa priqcipal para sua utilidade ou ornamento Distintos das pertenças são os frutos.
constante. C a r a c t e r e s das pertenças são pois : Por frutos em geral entende-se os produtos
a ) um vínculo, que pode ser físico ou intolcctual, OU utilidades materiais produzidas por uma cousa.
mas sempre subjectivo, porque 6 criado pela von- Emquanto se não destacam da cousa máe são uma
tade do possuidor ;,b ) uma afectação permanente parte fisicamente componente ou essencialnlente
;i0 serviço da cousa principal, que por isso sb pode constitutiva dela mesina; e depois de separados,
ser determinada e realizada pelo proprietário ou seguem o seu destino no consumo económico.
possuidor normal, e não por um possuidor even- NO sentido mais amplo a palavra frutos de-
tual, como o locatário ou o possuidor precário ; signa tanto as produções orgânicas como os pro-
c ) destinação ou afectação realizada de facto e dutos inorgânicos, não s6 as formações naturais e'
não apenas deliberada ou desejada. peribdicas, mas também as civis ou jurídicas, isto 8,
Exemplos de p e r t e n ~ a ssão as molduras dos as rendas, lucros oii juros, que o proprietário ou
quadros, as estátuas à entrada das casas e as está- possuidor da cousa recebe pela cedência do seu uso.
tuas nas frontarias, e em geral todas as cousas que Mas no sentido prbprio ou técnico, frutos são
por afectação ao serviço permanente dum prédio as partes orgânicas'que a cousa produz e reproduz
como que nele se imobilizam, e por isso são pelos (quzdquid ex re rrascz i t renasci), qder expontâ-
códigos francês, italiano e outros consideradas neamente, quer pela acção do homem, reprodu-
imbveis por destino . ( I ). zindo-se peribdicamente até se. exgotar a capaci-
Ora a diferença do carácter jurídico entre as dade reprodutiva.
duas espécies de acessões, as acessões em sentido O sentido Mrídico não é o prbprio OU técnico;
estrito e as pertenças, está em que as primeiras, o que no nosso cbdigo se vê claramente pelo
não sendo normalmente capazes de domínio sepa- art. 495.', § 3.G, c l a ~ s i f k a n dOS~ frutos em naturau,
rado, acompanham necessàriamente a cousa prin- os q u e a cousa produz expontânearnente, indus-
cipal, de modo que alienada esta são também triais, os que a cousa produz mediante 'a indústria
compreendidas na alienação; emquanto que as do homem, e civis, as rendas o u interesses prove-
pertenças, tendo a sua individualidade prbpria, e nientes da mesma cousa. E por outro lado emprega
sendo perfeitamente idóneas para uma existência no art. 375.' e outros a palavra produtos, para
separada, acompanham ou não a sorte da cousa significar os frutos naturais e industriais. Mas nos
principal, conforme se revelar a vontade do su- arts. 2252." e 2253.0 refere-se d aos frutos no sen-
jeito no acto jurídico da sua disposição (=). tido prbprio.
Mas tambem não t: no sentido mais amplo que
o nosso cbdigo emprega a palavra frutos, porque
( 1 ) lnfra, n." 42. Mas como pertenças não podem con-
siderar-se os m6veis de uma casa, porque não são destinados se assim fosse abrangeria também as minas, que
ao serviço do prédio, mas das pessoas que nele moram. nem sequer são prbpriamente consideradas como
(2) Ruggiero, pág. 402 e 403. Em certo modo pode objecto do direito civil, mas sim de legislação espe-
dizer-se que esta doutrina inspirou o art. 1844.O e 8 unico do cial (art. 4b7.0)~que é principalmente de direito
nosso código. administrativo ( lei de r3 de abril de 1917).
Para distinguir o s frutos dos produtos, diz o de fornriaç80 agrícola do ano económico (frutos
Dr. Alves Moreira : c nestes entra qualquer utili- naturais ou industriais ), e além disso as rendas ou
dade que a cousa seja destinada a produzir, haja juros que as outras cousas dão pela cedência d o
ou não diminuição da sua substância. São frutos seu uso (frutos civis) ( I ) .
tanto as utilidades que a cousa produz directamente,' Para exacto conhecimento do regime jurídico
como as que produz indirectamente, desde que essas dos frutos, é necessário ter presente a tradicional
utilidades se reproduzam periòdicamente. E assim classificação dos frutos naturais e industriais, con-
que, não podendo considerar-se frutos as vinhas, forme o seu estado, que Coelho da Rocha sinte-
olivais e quaisquer arbustos frutíferos, devem assim tizou admiravelmente : a dizem-se pendentes em-
considerar-se as devesas de talhadia, as plantas de quanto estão unidos L cousa que os produziu;
vivèiro e quaisquer arvores destinadas a cortes percebidos ou colhidos, depois que dela estão,
regulares > ( I ) . separados, e com destino de se usar deles; e estes
Mas não vemos a razão porque se não possam dizem- se exstantes ou consumidos, conforme exis-
considerar frutos as árvores frutíferas, quando como tem ainda, ou não, em poder do possuidor da
tais se consideram as não frutíferas destinadas a cousa. Finalmente dizem-se percipiendos aqueles
d r t e ou arranque regula< tanto mais que aquelas que, por dolo ou culpa lata, deixaram de se per-
também se podem reproduzir periòdicamente, en- ceber (c6d. civ., art. 497.0) O s frutos pendentes
trando portanto n o conceito g e r d dos frutos. das cousas imóveis reputam-se também imóveis,
O que nos parece é que as árvores, mezmo as excepto quando se dispae deles para serem sepa-
de devesas de talhadia, são produws, mas não são rados o (cbd. civ., art. 375.' n.' I . ° )
frutos, como resulta do confronto dos art. 2 2 1 0 . ~ ~ A distinção entre frutos naturais e civis tem
2211.~e 2212." com crs art. 2252.O e 2253.O. grande importância no diverso modo como s e
Como frutos n&o podem mesmo considerar-se adquirem: para os naturais é pela separação o u
toclos os produtos das árvores, mesmo que sejam ' colheita (art. 2203.O) wtambem peIo trabalho efec-
de reprodução peribdica, como por exemplo a cor- tivo ou presumido do possuidor (art. 495.") ; para
tiça dos sobreiros e azinheiras, porque lhe é mani- os civis vigora a regra de adquisição dia a dia
festamente inaplicável a regra da partilha entre o (art. 495.O e nzog."), e portanto quem tem direita
proprietário e o possuidor de boa fé, formulada no a eles adquire-os como se eles amadurecessem an
art. 495.O, bem como o da validade da venda feita se vencessem dia a dia, embora os não tenha
pelo usufrutuário antes do amadurecimento, for- colhido ou recebido.
mulada no art. 2252.:
Devemos, portanto, concluir que o conceito
jurídico de frutos abrange apenas os produtos orgâ- (I) Note-se que a diçtinqão entre frutos naturais tindus-
nicos que a terra dá dentro dos respectivos períodos ttiais é de importância mais económica do que juridica. Em
todo o caso parece-nos que tambCm tem ualar juridico, para o
efeito de se aplicar ssbmente aos frutos industriais a regra- d e
partilha formulada no art. 495.".
(1) Dr. Alves Moreira, pág. 356. ( z ) Coelho da Rocha, 5 83.
Pelo que respeita a última classe de cousas êste fôr de boa ou már fé. As necessikias dão sempre
acessórias, ou bemfeitorias ou melhoramentos, ou direito ao reembolso, mas s6 o possuidor de ^boa
despesas (spese), como dizem os italianos, e dizia fé goza do direito de retenção emquanto não for:
também o nosso grande Coelho da Rocha ( 3 84), pago (:irt. 498."). As iiteis conferem sempre o
ainda hoje vigora a triplice distinção do direito direito de as levantar, não se daficlo deterioração
Tomano: a ) necessárias, as feitas para conservar na cousa; e no caso c o n t r r i o direito a indemnização
a cousa, de modo que, se não fossem feitas, a cousa pelo valor delas no momerito da entrega da cousa;
.oupereceria ou se deterioraria (art. 498.0); b) zlteis, mas s b o possuidor de boa fé goza do direito de
as feitas para lhe aumentar a utilidade ou o rendi- retenção (art. 499.0). As voluptuárias s 6 dão ao
mento ( art. 4 9 9 . O , 5 I .'), como por exemplo trans- possuidor de boa fé o direito de as levantar, náo
formar um prado em vinha; c) voluptuárins, as havendo deterioiação da cousa (art. 500.' e 502.°)1
feitas para mero embelezamento da cousa, ou gôsto
a recreio do possuidor (art. 5oo.O, I."), como, por
exemplo, as plantas e fontes artificiais, as plantas
..
37. Cousas apropriadas e c iullins - Esta divi-
são funda-se no facto de haver cousas que não teem
naturais mas de mero luxo, as pinturas, etc. ( I ) . dono ( r e s nullius);. e que, por isso, podem ser
- A tripartição das bemfeitonas correspondem apropriadas pelo primeiro que as quiser e puder
regras diversas a respeito da obrigação que tem o apreender ( ocupacão ).
proprietário de reembolsar aquele que as fez. Essa As cousas que fazem parte do patrimónzo de
ebrigação pode ser muito diferente conforme a alguém ( a p r o p r i a d a s ) eram pelos Romanos desi-
natureza da r e l a g o jurídica. Neste lugar limita- gnadas res zrc prttrirnonio, em oposição As res
mo-nos a indicar as regras gerais na relação jurí- extrapatrimonium, que, além das nullius, com-
dica entre o proprietário e o possuidor. conforme preendem as res communes, que por sua pr6pria
natureza não são susceptíveis de apropriação indi-
São precisamente as definiçbes do direito romano:
vidual, sendo destinadas ao uso de toda a gente,
(1)
Impensarum species sunt tres, dizia Ulpiano : aut enim neres- como o ar, a água, o sol, etc.
sarzae aut utzles aut voluptuosae. Necessarzae sunt zmpensae, O nosso cbdigo refere-se a três espécies de
quzbus non f a c t i s dos deterior f u t u r a est, veZut si quis rutnosas cousas nullius: as que nunca tiveram donó, as
xefecertt; utiles sunt, quzbus non factzs quzdem deterior dos que foram abandonadas, ' e as que foram perdidas
non fuerzt, f a ~ t z sautem fructuosior efecta est, veluti sz vzneta
et ol~z'etaj e c e r í t : volzrptziosae sunt, neqzre omissis detertor dos
não s e n d ~reclamadas em tempo (art. 383.0 e segs.);
jierit neque factzs fructuosior d f i c t a est: quod evenzt in wrz- mas verdadeiramente há s6 as duas primeiras, por-
darzzs et picturis similibusque rebus. que as cousas perdidas s6 podem ser ocupadas, e,
Igualmente expressivas, e mais sintkticas, eram as defini- portanto, s6 se consideram nullius, quando s e
qões be Rauio: Impensad necesrariae sunt, quae st factae non tenha dado ao facto da achada a publicidade que a
sint, res a u t peritura aut detertor futura s i t ; utiZes impensae
esse FuZcinzcS a i t , quae meliorem dotem f a t i a n t ; voluptuariae
lei ordena, e o seu. dono não aparecendo-a recla-
sunt; quae speciem dumtaxat ornant non etiamf r u c t u m augent: .pá-las faz presumir que as abandonou.
u t szint viridra et aquae salientes, inrrutationes, Zarrrationes,
.
8 a - distinção das- cousas em apro#riadns e
picturae. nullius que dá lugar h divisão dos modos de adqui-
rir em origiltários e derivados, pertencendo Q todos os dias promete emrregar aquilo que se pro-
primeira classe, na opinião geral, s6 a ocupação, pbe adquirir (I).
e todos os outros A segunda. Entretanto o princípio enunciado $r Simona
celli, como regra geral, está sujeito a tais restri-
38. &ousas presentes e futuras. -O cbdigo não çdes, que tãlvez seja mais exsto formalar-se 80
formulou esta distinção, mas reconheceu expressa- sentido inverso, isto 6, que sb são vUidos os actos
mente os seus termos. Assim, ao definir a doação, jurídicos sabre cousas futuras aos casos e& que a
referiu-a sb a bens presentes (art. 1452:); e no lei os permite.
art. 1453."declarou que a doação não pode abranger Em comércia o princípio B verdadeiro, e o
bens futuros, defhindo estes no 5 único: aqueles nosso cbdigo comercial faz um3 aplicação dêle WJ
que nâo se acham em poder d o doador, ou a que art. 467.', dispondo que sso permitida's:'~." at com-
este não tem direito ao tempo da doação ('1. pra e venda de comas incerta5 ou de esprznças,
Mas como bens nem sempre é o mesmo que sdvo sempre o disposto nos artt. 1576.- e 1557.~ dO
C O U S ~ S (supra, n."" 28 e ng), torna-se necessário c66igo civil; 2." a venda de cousa que fbr proprie-
definir as cqusas futuras, para se poder saber até dade de outrem, ficàndo o vendedor obrigado a
que ponto elas poderão ser objecto. das relações adquirir e entregar a cousa ( 3 Único do art. 467.").
jurídicas. Mas nas relaçdes civis já não vigora o mesmo
Futura é aquela cousa que, embora ao pre- pimcíp?o, pois a afl;. rg55.O ãcv ~ 6 d i g dvil
e declara
sente R ~ Oexista i n rerunz ~ l a t u r aou no patrimb- hulo o contracto de venda cowa qrrep pertet8qtd
nio duma pessoa, todavia segundo o curso natural a outreni, dispondo ao mesmo tempo que ninguém
dos acontecimentos deverá ou poderá existir, ou pode vender senão o que fdr proprieda-de sQa; e O
poderá entrar no património da pessoa segundo as art. 1556.0 declara que não pode ser objecto de
regras normais da actividade jurídico-económica. compra e venda á sucessão futpr;Í, assim corno o
Que a cousa futura não tenha existência ao art. 2042.' proíbe em princípio todw os pactm
presente pode, portanto, entender-se de dois modos: sucess6rios.
ou no sentido de que não tem ainda existência Mas no sistema do nosso c6digo náo está C O ~ -
físicá, Q U no sentido de que não está aind? no pairi- signada a doutrina ensinada por s i m ~ d ~ e l tdizendo
i,
mbnio do disponente ( s ) . Em regra, acrescenta que em face cto ar€. 1977."do c6digo italiano a hipo-
.
Simoncelli, as cousas futuras podem ser objecto
de negócios jurídicos, aos quais, porém, é inerente
teca s6 pode ser constituída sôbre coasas presentes,
pois a indeteminação, qíie fácilmente pod&a
a candição suspensiva : se a cousa existir ou entrar redundar na antiga situagâo de gravâmes e encar-
no patrzmónio do disponente. O comerciante, por gos gerais sobre a terra, é incompatível com o
exemplo, normctlmente vende eousas de oarem: princípio da propriedade livre, que domina no
direito moderno.
( 1 ) Note-se porém que nas doaçbes para casamento
podem incluir-se bens futuros ( a r t 1166.O, i r 7 1 . O e 1175." ).
(2) Simoncelli, Istitu~ioai,pág. 140. (i) Simoncelii, pág. i4r.
'9
Sem nos preocuparmos agora com o sistema A importância desta distinção:consiste em que
do código italiano, o que é certo 6 que no nosso a muitas vezes, tratalido-se de cousas compostas,
hipoteca pode abranger cousas futuras, como resulta para definir a rclação jurídica, é necessário ver se
claramente do art. $r.@, segundo o qual a hipoteca a lei ou a vontade das partes tiveram em vista a
dum prédio abrange também as acessdes naturais totalidade d a cousa, ou apenas as suas singulares
e as bemfeitorias feitas i custa do devedor, e do partes componentes.
art. gog.", que admite a hipoteca geral voluntária O direito, para distinguir as cousas em simples
sBbre todos os bens do devedor, sem distinção e compostas, não tomou por base o s critérios da
entre presentes e futuros, salvo o direito de redu- química, nem mesmo os da" física, mas sim o cri-
ção ou limitação da hipoteca aos prédios de valor terio filos6fic0, econbmico e social : assim, simples
suficiente para garantir a obrigação. são as cousas que teem uma individualidade unitá-
E não há incoweniente em se permitir a hipo- ria, e como tais se consideram no uso, embora na sua
teca geral, pois que esta garantia real s6 pode estrutura fisi ca sejam compostas de várias partes
tornar-se efectiva pela sua inscrição no registo ou elementos, como por exemplo um quadro, um
predial, e êste é que só pode fazer-se em relaçao a livro, um prédio rústico sem acessórios, etc.; e
certos e determinados prédios ( I ) . compostas são as que resultam da conjunção
ou conexão mais ou menos íntima de várias
39. Cousas simples e compostas. Universitates cousas simples, em que as partes componentes
fadi e universitates juris ,-As cousas ou constituem se podem sempre distinguir, e até eventualmente
por si mesmas uma iInidade material, ou são cons- separar, e embora o todo apresente na sua com-
tituídas por uma pluralidade de cousas, cada uma posição uma ipdividualidade mais ou menos com-
das quais é em si mesma uma unidade natural. plexa, como o navio, um móvel, a biblioteca, o
As primeiras são 9s cousas simples, as segundas rebanho, etc.
dizem-se conzpostas. A tradicional e tríplice distinção dos objectos
As cousas compostas apresentam duas diversas em simples ou unitários (unum), compostos por
modalidades : ou são"tais que as suas partes cons- conjunção física (unicersiiates ex cohaere~tibus),
titutivas estão físicamente ligadas ou corporalmente ;e compost.os por conexão econbmica ou social
conexas (universitates ex cohaerentibus); ou apre-
sentam-se reunidas em grupos, mas sem aquela
u t aedificium, navis, armarium; tertium quod ex Zistantibus
ligação física ou conexão corp6rea (universitates constat, u t corpoia plura nun soluta, sed unt nominisubjecta,
ex distantibus) (s). zelutz, populus, Zegio, grex. Mas v+-se pelos exemplosdo texto
de Pomponio que esta distinção do direito romano era para os
corpos, e não para as res, pois que o direito romano, embora
. (1) Os Principias, I , pág. 574. coiisiãerasse como cousa o homem escravo, nunca como tal
( 3 ) Esta distinção é devida a Pomponio, D. 30, 41, 3 : considerou a assemblea dos homens - o popul'ús. Foi só mais
Tria autem genera sunt corporum, unum quod continetur uno tarde que os glosadores e comentadores, pondo de lado os
spiritu, u t homo, tignum, lapis e f szmzlia; alterunz quod ex exemplos de Pornponio relativos aos homens, aplicaram as
contingentibus hoc est pluribus inter se cohaerentibus constat, cousas a distinção dos corpos.
(universitates ex distantibus), baseada na distin- relaç0es jurídicas, a que a lei atribui a unidade e
ção romana dos três géneros de corpos, de P m - determinados efeitos ( I ) .
púnio, passou através da elaboração do direito Sem nos preocupamos com a análise minu-
intermédio para o direito moderno, mantendo inal- ciosa do exame das diferentes colecçdes ou conjun-
terável o seu critério fundamental, sendo apenas çbes de cousas, para se averiguar, uma por uma,
muito discutido (como o era já no direito romano} quais devam considerar-se como simples univer-
O conceito do tertium genus. salidade de facto, e quais devam merecer o título
Com efeito no terceiro género, isto é, nas de universalidade de direito, vejamos se é possí-
cçtusas compostas por conexão (e* distnntibus) vel fixar um critério positivo de distingão.
ainda hoje é necessário fazer a clássica distinção Carácter comum das duas espécies é que a
dos glosadores em universitates facti e universi- existência da universitas é independente da su%sis-
tates juris, sendo as -primeiras agregados de tência e da permanência n o agregado dos seus sin-
varias cousas corpóreas, como o rebanho, a livra- gulares componentes : a mudança dos elementos
ria, a colecção artística, etc., e as segundas um póde fazer mudar o valor económico, mas não o
complexo de direitos ou de relaçbes jurídicas patri- valor jurídico da un'idade do conjiinto. É Q que se
moniais, como a herança, o pecúlio e o dote. chama o princípio da subrogação.
Mas sobre a constituição intrínseca dêstes dois A propósito das universitates juris (heredr-
tipos de universalidades há grande divergência entre tas, dos, #eculium) criou-se no direito romano, e
tis autores, acêrca dos critérios da sua diferenciaçâa desenvolveu-se depois no direito comum, o coni
e da sua natureza jurídica. ceito de uma acção universal ( r n rem actzo uni-
Para uns a universalidade de facto é todo o versalis), e a máxima da subrogação real expressa
complexo de bens, sejam cousas corpóreas ou incor- na fórmula «res succedzt in locum pretii, pretium
póreas (compreendendo os direitos), móveis ou imó- succedit in Locum rei », como caracteres distinti-
veis, homogéneas ou heterogéneas, que o proprie- vos desta espécie de universaIidades.
tArio reune em conjunto para um especial destino O s autores modernos revelam uma grande
económico, e trata conjo um todo uno, indepen- hesitação em aceitar êstes institutos, mas nem por
dente das eventuais modificaçdes ou da subsistkn- isso se deve crer que eles tenham sido abandona-
cia dos singulares elementos que o compbem. dos, diz justamente Simoncelli. E o grande Filo-
Para outros a universalidade de facto é s ó o con- musi Guelfi com razão observou que B um grave
-junto das cousas corpóreas, móveis e homogéneas, êrro considerar pura e simplesmente abolidos ter-
reunidas dé modo a formar uma unidade para um tos conceitos, os quais não são incompatíveis com
fim social e económico. o direito moderno, mas que pelo contrário nele se
E uniuersalidade de direito é para uns toda
o complexo de relaçdes juridicas e de bens, cousas
móveis e imóveis, a que a lei atribui uma unidade Ruggiero, pág. 398, e autores ai citados; Coviello,
(1)
jurídica, reconhecendo-lhe certos e determinados pág. 371 e 372; Simoncelii, pág. 141 e q a ; Ferrara, pág. 797
efeitos; e para outros é sbmente o complexo d e e seg.
conservam, sendo apenas modificado o seu con- nente civilista e professor Ruggiero, o q u d consiste
teúdo (I). - precisamente na unidade reconhecida e declarada
Entretanto é certo que o simples critério da pela lei para certos efeitos práticos.
acção universal e do princípio da subrogação real Carácter da universitas juris, diz Ruggiero, é,
dos diversos elementos da universalidade não é por um lado, o reconhecimento que a lei faz do
suficiente para caracterizar uma universalidade de agregado como uma unidade jurídica sujeita a
direito. regras particulares, prescindindo dos singulares
Tipo incontestado de universitas jurzs é a componentes ; e, por outro lado, ser êle um com-
herança, e contudo, embora ela seja em princípio plexo de relaçbes jurídicas, e não apenas de rela-
garantida pela acção universal da petitio heredita- çbes e cousas corpbreas, pois que nele não são
tis (art. zo1q.O-zo17.~do c6d. civ. ), é certo que tomados em consideração os singulares bens, quer
diversos elementos duma herança podem já ter móveis quer imbveis, s6bre os quais as relaçóes
passado para o património de terceiros, por qual- são constituídas, mas as próprias relaçdes que aos
quer título legítimo, não podendo por isso ser bens se referem, isto é, os direitos que s6bre eles
abrangidos pela acção universal. E por outro lado, são constituídos. E-, em outros termos, universi-
pode ter-se dado subrogação real de algumas par- tas juris todo o complexo de direitos (propriedade,
tes da herança, com que o herdeiro não seja obri- obrigacdes, direitos reais) que pertencem a uma
gado a conformar-se, tendo por isso direito a reha- pessoa, e nela se concentram como seu patrim6nio.
vê-las. Tipo fundamental é a hmeditas, mas além desta
E, se é certo, pois, que a acção universal e a são também universalidades de direito, segundo a
subrogação não são características da universitas nossa opinião, alias contestada por alguns ( I ) , o
juris, tambbm é verdade que podem verificar-?e património do falido, o do ausente, o dote e outros
em algumas cousas compostas, que certamente não patrimónios especiais, considerados como uma
são universalidades de direito. massa distinta dos seus elementos. Também, dum
Dado o conceito da acçae, no direito moderno, modo geral, pode dizer-se que todas estas figuras
que perdeu o carácter excessivamente formulário e se reduzem sempre ao tipo universal do património,
sacramental do direito antigo, pode até dizer-se mas não o património em geral, porque este não
que hoje todas as universalidades de bens são pode ou não de& considerar-seycomo universitas
garantidas por uma acção universal, e que o seu jurzs, mas só os patrimónios especiais ou sepa-
titular pode por meio dela pedir tanto os objectos rados, que a lei, para um determinado fim, trata
que a constituíam, como os valores que no lugar como unidades sujeitando-os 'a um regulamento
deles hajam sido subrogados. diverso do dos singulares direitos ( y ) .
Parece-nos que o melhor critério para caracte- Concordamos com a doutrina de Ruggiero,
rizar a unaversatas juris 6 o ensinado pelo eini-
( 1 ) Gianturco, Sistema d i diritto cioale ifalzalzo, I, 43;
Coviello, Manuale, 3 81.
(1) Simoncelli, pág. 142. (9.) Ruggiero, pags. 398 e 399.
que até para nbs tem o particular interesse de excluír
da categoria da universitas o patriinónio central
da pessoa, que sendo um elemento essencial da
personalidade, só por morte do titular pode passar
i categoria de cousa integrando-se no conceito
objectivo d~ património hereditário, e s6 então é
unioersitas juris.
Por outro lado, a aplicação do critério da uni-
dade jurídica reconhecida pela lei conduz lògica- -
mente a uma ampliação das universitates juris,
além,dos limites indicados por Ruggiero.
E assim que, pelo menos no sistema do nosso
direito, não podemos deixar de considerar como 40. - Cousas no comércio e fora do comércio.
miversitates juris o estabelecimento comercial ou 41. - Cousas móveis e imóveis. Conceito e alcance desta clas-
industrial, que como tal é reconhecido pelo art. 9." sificação.
42. -Sistema do código na determinaçáo dos im6veis e dos
da lei n." 1662, de 4 de setembro de 1424 (inquili- movei?. Subdivisão de uns e outros.
oato) e, dum modo geral, todas a s empresas comer- 43. - Sign3icação das expressões zmóoeis e imobtliários, mboeis
ciais, que pelo código comercial (art. 23o.O) até são e mobzZt&ios.
consideradas como pessoas ( I ) . 44. - Significado d a expressão mhoeis de tal casa ou pridie.
E também não podemos deixar de considerar 45. -Imóveis por natureza e mediante a acção do homem. -
Prédios rústicos e urbanos.
como universitas juris o rebanho, quando f6r -
46. Imoveis por disposição da lei. - Produtos dos prédios
objecto de um usufruto (art. ~ 2 2 5 . ~ou ) de uma rústicos.
parceria (artt. ~ 3 0 4 . ~ - 1 3 1).7 - ~ 47- - Partes integrantes dos prkdios rústicos e urbanos.
Finalmente todos os patrimónios que wnsti- 48. - Direitos inerentes aos prédios rústicos e urbanos.
tuem o fundo econbmico ou o capital duma pessoa 49. - Fundos consolidados e outras cousas per ld imobilizadas.
50. - Cousas moveis. Suas esphcies.
colectiva não podem deixar de ser uma universitas
51. - Cousas piiblicas, comuns e particulares. Fundamento
juris. desta classificaç&o.
52.- Noção e caracteres distintivos das cousas piiblicas, co-
muns e particulares.
53. -Propriedade das cousas públicas e comuns. Domínio
público.
54. - Enumeração das cousas públicas. Estradas e caminhos.
55. - Cousas comuns. Baldios.
56. - Cousas particulares. Domínio privado.

40. Cousas no comércio e fóra do com4rcio.-


Esta é a primeira classificação legal das cousas
(1) Socicdadcs e cmpresas comerciais, cap. TI. (artt. 370.~-372.0). '
«Podem ser objecto de apropriagão todas de cousas extra commercium, e são aquelas
as cousas, que não esião fóra do c o m é r c i c ~ ,diz que, sendo natúralmente apropriáveis, niío podem
o art. 370.O. por disposição da lei entrar no património indi-
E, portanto, são cousas do comércio todas as vidual.
que podem ser apropriadas. A diferença entre as duas classes d e cousas
« A s cousas podem estar fbra do comércio, extra commercium é fundamental: emquanto que
por sua natureqa, o u por disposigão da lei» a não-comercialidade das primeiras é perpétua e
(art. 3 7 1 . ~ ) . absoluta, a das segundas é acidental e limitada,
«Estão fóra do comércio, por sua natureza, pois se verifica e existe sòmente quando, e em-
aquelas que náo podem ser possuidas por algum quanto, o interesse público o exige.
indivíduo exclusi.oamente; e, p o r disposigão d a A situação jurídica das cousas que s6 por
lei, aquelas que a mesma Lei declara irreduqiveis disposição da lei estão f6ra do comércio é vorda-
a propriedade particular» (art. 372.O). deiramente excepcional, e, portanto, devem consi-
A s cousas fora do comércio, p o r sua própria derar-se n o covnérciq todas aquelas que náo -forem
natureza são as res communes dos romanos, pelo legislador declaradas irredup'veis a pro-
aquelas que não podem de facto ser possuídas priedade privada.
exclusivamente pelo homem, como o ar, o sol, o Cousas fóra do comércio por disposição da
mar, etc., sendo apenas possível apropriar-se uma lei são, por exemplo, as estradas, ruas e fontes
fracção limitada delas, como um frasco de ar, uma públicas, porque a lei as destina ao uso de toda a
bilha de água, etc. gente.
E, por ser natural e física a impossibilidade de Mas entram no comércio logo que deixam de
as apropriar no seu conjunto, dizem alguns escri- servir para o uso público, como se, por exemplo,
tores que elas não cabem nesta classificação, afir- as fontes ou as estradas foram abandonadas, por se
mando que as res communes nec in commercio tornarem imprbprias ou desnecessárias para o uso
nec extra commercium sunt. público.
As cousas de que todos podem utilizar-se, Esta doutrina, unanimemente ensinada pelos
dizem, mas que são por natureza inexauriveis pelo autores, foi entre nbs expressamente consignada,
uso, não são cousas fóra do comércio, mas cousas
cujo comércio é impossível ( 4 ) .
E que estes escritores atendem s b ao sentido
. entre outros diplomas, na lei de 6 de junho de
1864, art. 4.", e no regulamento de 31 de dezembro
do mesmo ano, onde se dispde que as estradas e
próprio ou técnico das cousas, emquanto que o ruas municipais são do domínio pUblico, tomando-
nosso cbdigo as considerou no sentido lato. -se bens municipais logo que deixam de ter O
Na d9utrina desses escritores s6 há uma classe primitivo destino.
Para que uma cousa se considere fbra do
( 1 ) Bianchi, Dez beni, della proprieta, e della commu-
comércio não é suficiente que a lei a declare ina-
nione, parte r.", rx, h7 ; Zachariae, Le Droit cioil f ratiçais, I , lienável e imprescritivel, pois há cousas que a lei
1 175. declara inalienáveis e imprescritíveis, e que, toda-
via, estão no comércio. É necessário que a ina- 41. Cousas móveis e imóveis. Conceito e alcance
lienabilidade e imprescritibilidade sejam absolu- desta classificação. -A segunda classificação legal
tas e permanentes, pelo mepos ernquanto durar a das cousas é estabelecida no art. 373.O, e OS seus
sua situação especial, e nào apenas dependentes de termos são fixados nos artt. 374.O-378.O.
certas formalidades ou restriçbes, como acontece « A S cousas são imóveis o u móveis», diz o
com o s bens dotais, os bens dos menores, os bens art. 373.0.
nacionais e os das corporaçdes administrativas, e Atendendo P própria natureza das cousas, há,
outros semelhantes. com efeito, umas que não podem deslocar-se d e
O s bens dotais são inaltenáneis (art. 1149.~)e um lugar para outro, pelo menos sem aiterar o seu
imprescritiveis ( art. I I 52.*), mas não estão ióra modo de ser, como são a propriedade territorial e
do comércio, porque a sua inalienabilidade e im- urbana; einquanto que outras podem, e algumas
prescritibilidade s8o temporárias, limitadas i dura- até precisam, deslocar-se para realizar o seu pr6-
ção do matrimónio, e, mesmo na constância dêste, prio destino, como a mobília, o s livros, o vestuá-
relativas a certas condiçbes (artt. 5 5 1 n.O 3.", e
.O, rio, os animais, os instrumentos e as máquinas.
I I 49.O e seus números). Mas o conceito. jurídico desta àistinção n ã a
O mesmo é de dizer dos bens dos menores e coincide com a noção física ou natural da imobili-
de pessoas a êles equiparadas para certos efeitos, dade e da mobilidade.
como os dos dementes e os das corporações admi- Em primeiro lugar, a lei considera como i m d
nistrativas, que só podem ser alienados mediante veis certas cousas que, por sua natureza, sã@
certas formalidades. móveis (art. 375.O, n.""." e 3.'). E, em segunda
A distinção das cousas que estão no comércio lugar, a classificação legal abrange tambkm o s
ou fóra dêle aplica-se também aos direitos ou direitos, que, por sua própria natureza, não podem
cousas incorpóreas. dizer-se rnbveis nem imóveis (artt. 375.%, n.O z.",
Estão fóra d~ comércio, por sua própria natu- e 376.O).
reza, todos os direitos que não teem um equiva- O dizer-se, pois, como o diz o código, na epí-
lente pecuniário, embora sejam de grande impor- grafe do título 11 d o livro r da segunda parte, q u e
tância, como os direitos políticos e os relativos ao esta classificaçao é baseada na natureza das cousas,
estado e i capacidade civil, que, em vez de faze- refere-se não s 6 i natureza física, mas também à
rem parte do património do indivíduo, vão inte- sua natureza ou situação jurídica.
grar-se na sua personalidade jurídica; e fóra do Quer dizer : traduzindo-se a' distinção das cOuS
comércio por disposição da lei estão todos os sas em móveis e imóveis em uma diversidade
direitos que a mesma lei declara de uso público ou profunda do regimen jurídico a que elas estãa
comum, como as servidbes públicas, e o direito subordinadas, tornou-se necessário declarar irnó-
dos visinhos de qualquer corrente a usarem das veis certas cousas que, apesar de o não serem real-
suas águas para OS seus gastos domksticos (art. 440." mente, precisam de ser colocadas numa situaçáa
e 9 3.'). jurídica idêntica, quer pela sua impobância, quer
pela sua ligaçao com outras cousas que são imóveis.
Com efeito, o regimen jurídico das cousas é registo, e A iormalidacle do registo, para produzir
muito diverso, conforme são móveis ou imóveis. efeitos com relação a terceiros.
Assim : A grande importância social e jurídica desta
a ) As associações ou corporações perpétuas distinção foi acentuada principalmente no direito
não podem adquirir por título oneroso bens imo- da idade média, não só porque a propriedade terri-
óiliários, excepto sendo fundos consolidados; e torial foi por tal fórma considerada, que chegou a
devem converter em bens desta espécie todos OS conferir aos senhores feudais o poder da soberania,
imóveis que adquirem por título gratuito (art. 35.O); mas ainda porque a propriedade mobiliária, alêm
b ) O s curadores definitivos do ausente só em de ser de valor económica relativamente muito
caso de urgente necessidade podem alienar os bens inferior, foi considerada com tal desfavor, que a
imobiliários, sendo-lhes porém licito alienar os respeito dela se formulou 'o anacrónico princípio
m6veis (art. 76." ) ; -eizlis mobilium possessio.
c.) O s bens imobilidrios dos menores s ó Mas nos tempos modernos, em que o progresso
podem ser vendidos e m hasta pública, ao passo da indústria, especialmente a fabril e o comércio,
que os m0veis de pequeno valor o podem ser par- imprimiu h riqueza Gobiliária um tal valor e desen-
ticularmente ( artt. 267." e 268.") ; volvimento, que bem iguala a imobiliária, se é que
d ) Só os móveis são objecto de ocupacão, a não excede, compreende-se bem que a impor-
nos termos dos artt. 383.0 e segs., segundo a dou- tância de tal distinção tenha decrescido até ao ponto --
trina geralmente estabelecida ; d e se reclamar a identificação do regimen jurídico
t . ) O prazo e os requesitos da posse para a d a s duas classes de cousas (I).
p r e w i ç 8 ~dos imóveis são mais rigorosos que para Em todo o caso é certo que a identificação com-
a dos -m&veis( artt, 517." e segs. ) ; pleta seria arbitrária e inconveniente, por ser con-
f ) Só o s , imóveis podem ser hipotecados trária a própria natureza das cousas e As próprias
( artt. 888.0 e 889.0 ) ; necessidades da-vida jurídica, pois 6 certo que entre
g ) O s direitos do marido sôbre os mobiliários os móveis e imóveis há diferencas tão profundas,
d o casal são muito mais amplos do que sôbre os q u e a lei não poderia artificialmente apagar.
imobiliários (artt. r I r8,', r I 19.";I 148.", I 149.0,etc.):
h ) Algumas propriedades imperfeitas, como 42. Sistema do código na determinação das lm6-
a servidão (art. 2267." ), s ó se podem constituir veis e dos mbveis. Subdivisão de uns e outros. - O legis-
sôbre imóveis, assim como certos contractos s ó lador adoptou nesta determinação o sistema u GOU-
podem ter por objecto bens mdveis, a usura, por trário sensu ou da exclusão de partes.
exemplo, e outros só imóveis, por exemplo, o Determinou os imóveis nos artt. 374.' e 375.O,
arrendamento ; estabelecendo três grupos ou espécies:
i ) A alienação dos irnóveis.exige formalidades a ) Tmdveis nnturalmeyte (prédios rústicos ) ;
externas muito mais complicadas, exigindo escri-
tura pública acima de certo valor, estando, em
geral, sujeita ao pagamento da contribuiçáo de (1) Cfr. Cimbali, La Nuooa fase de1 diritto cioile, n." 139.
b ) Imdveis mediante a acção do homem riam no confronto entre a enumeração e a definição
( prédios urbanos ) ; e dos máveis e imóveis, por mais cuidado que os
legisladores pusessem na redacção.
c ) I m d ~ e i spor d i s p o s i ~ ã od a lei ( produtos - Na especificação dos imóveis o nosso código
e partes integrantes, direitos s6bre prédios, e fundos
públicos imobilizados ). parece ter tido por fonte o código francês, modifi-
E no art. 376." declarou móveis por natureza cando-o apenas no sentido de corrigir os defeitos
todos os objectos não compreendidos nos artl. 374.' apontados por alguns dos seus comentadores.
e 3 7 5 - O , e, por disposição da lei, todos os direitos O s cbdigos francês ( art. 517.' e seg. ) e o
não compreendidos no n."2.O do art. 3 7 5 . O . italiano ( artt. 407.O a 413.O ) estabeleceram três
Era o sistema do projecto do código civil classes de imóveis:
espanhol de 1851, que especificava os imóveis no a ) Imóveis por n a t u r e ~ a compreendendo
, o
art. 380.", e declarava no art. 381.": «Todos os solo e os edifícios (art. 518.0), os moinhos de água
bens não compreendidos no artigo anterior são ou de vento (art. 519.'), os produtos do só10
móveis, ou tais se consideram por lei ». emquanto a êle ligados (art. 520.O), e ainda, na
Êste processo de determinação foi resoluta- opinião de alguns, òs tubos ou aquedutos desti-
mente aplaudido por Goyena, o notável comentador nados a conduzir águas para os prédios ( art. 523.O ) ;
do referido projecto (1,). b ) Imóveis por destino, compreendendo - I )
- Mas a maior parte dos códigos civis ( frahcês, os objectos que oproprietário colocou num prédio,
para a sua exploracão ou seroico (animais, uten-
italiano, mexicano, argentino, brasileiro, etc.) não
adoptaram êste sistema, incluindo o próprio código sílios, sementes, etc. ) e - 2 j todos os efeítos mobi-
espanhol, que depois de estabelecer no art. 335.O O liários que o proprietário ligou ao prédio para aí
princjpio de que são móveis todos os objectos sus- permanecerem perpetuamente ;
ceptíveisde apropriação que não foram declarados c ) Imóveis pelo objecto a que se aplicam,
móveis-no artigo anterior, acrescenta-«I engeneral compreendendo todos os direitos que teem um
todos 20s que pueden iran.rporlar-se ó ser trans- imóvel por objecto (usufruto de prédios, servidóes,
portados de u n #unto á otro sin quebrantar para acçbes de revindicação de imóveis, etc.).
ello su unión con una cosa immoóle». E no Para os móveis o código francês estabeleceu
a&. 336." menciona alguns móveis iricorpóreos, duas classes :
como as rendas ou pensões vitalícias OU heredi- a ) Móveis por sua natureqa, compreendendo
tárias. os objectos que podem transportar-se dum para
Mas julgamos preferível o sistema do nosçh outro lugar, quer por si mesmos (semovenkes), quer
código, porque, alkm de ser de uma perfeita exac- por efeito de uma f6rça estranha ( cou.sas inani-
tidão, evita as dúvidas que nat.uralmente ocorre- madas) ; e
b ) Móveis por dispnsicao da lei, compreen-
dendo os direitos que teem os móveis por objecto,
por exemplo, as obrigações e as acções que teem
(') Goyena, Concordan~éas, motivos y comentaraos del por objecto somas exigíveis ou efeitos mobiliários,
Codigo civil Espanol, I, pag. 344.
\ =O
e as rendas, quer perpétuas quer temporárias, do deu indicar as diversas causas da imobilização das
Estado o u dos particulares ( artt. 527;- 529.O ). cousas, que não são imbveis por sua natureza;
Esta doutrina c10 cádigo francês foi vivamente deveriam antes agrupar-se os imóveis nas tr&s
criticada pelas razões seguintes : classes propostas pelo Dr. Teixeira de Abreu:
a ) emprega fdrmulas diferentes para expri- a ) p o r natzlresa - o s6lo ou o t e ~ r e n o;
mir ideas perfeitamente idênticas - imóveis pelo b ) p o r incorporaqáo no solo, real ou ficti-
objecto e móveis p o r disposieão d a l e i ; cia -prédios urbanos, produtos dos prédios rústi-
b ) qualifica de imdvets p o r natureqa cousas cos e partes integrantes dos prédios ~iisticose
que realmente o não são, incluindo os pr6prios urbanos ; e
edifícios ; -
c ) por d i s p o s i ~ ã od a lei os fundos imobi-
c ) a qualificação de imóveis p o r destino não lizados, e quaisquer outras cousas quepor lei forem
tem base scientífica ; e ainda que se admita, o que declaradas imóveis (I).
não s e compreende 8 o motivo porque os objectos Mas é certo que estes reparos são de carácter
ligados a um prédio s 6 são im6veis quando a liga- meramente doutrinal, não influindo essencialmente
ção seja efectuada pelo dono do prCdio ; e na determinação jurídjca dos imbveis.
d ) a especificação do c6digo francês náo Entre os im6veis por natureza e todos o s outros
abrange todos os imóveis possíveis, e daí resultou há uma diferença fundamental, que os torna incon-
a necessidade d e criar uma nova classe - os imó- fundíveis : os primeiros são perpetuarnenie imó-
oezs p o r dispostgão d a l e i - para abranger os veis, emquanto que a imobilização dos segundos,
objectos que posteriormente foram legalmente imo- sendo artificial, póde cessar, ou pela vontade d o
bilizados, como as acçbes do Banco de França, que líomem, ou independentemente dela, como quando
podem ser imobilizadas por seus proprietários, por se corta uma árvore ou quando um edificio é de-
meio d e uma simples declaração. molido pela acção das fôrças naturais.
Foi no sentido de evitar estes defeitos que o Desaparecendo a causa da imobilização, volta a
nosso legislador fez a especificagão dos imóveis, cousa h condição de móvel.
nos artt. 374.' e 375.O.
Entretanto a tripartição dos imóveis no nosso 43. Significação das expressões imóveis e imobi-
cbdigo também póde ser objecto de reparos. liários, móveis e nrobiliárias. -Da doutrina exposta
'

Por um lado, a determinação das três catego- resulta que só os ihdveis e os móveis por nafu-
rias de imóveis não obedece a um critkrio definido r q a merecem rigorosamente esta quafifioagão ;
d e diferenciação, porque se 6 verdade que os pré- quando muito, na expressão imáveis poderia tam-
dios urbanos não são imóveis por sua natureza, bém compreender-se os prédios urbanos%
então s 6 o podem ser por disposição da lei, o que Por esta razão, e ainda porque na antiga juris-
nos levaria a admitir apenas duas classes de cousas prudência havia grandes incertezas sobre a signifi-
imóveis.
E se com a distinção entre os prédios uvba-
nos e o s imóveis por disposipão d a let se preten- (i) Dr. Teixeira de Abreu, pag. 262 e 263. ,

1
caçáo e alcance das palavras m8vel e imóael, Desta circunstância e das palavras -c sem outra
quando empregadas na lei, ou nos-actos e contra- qualiJcacão», conclae-se que o preceito do art. 377-O
ctos, pareceu ao autor do c6digo muito conveniente não é sempre imperatiao ou preceptivo, mas ape-
dar &a definiçáo legal destas expressóes, atri- nas interpretativo ou meramente subsidiário, para
buindo-lhes o seu rigoroso sentido, e adoptando a o caso em que a intenção do legislador ou das par-
tradução das palavras francesas immobilier e mobi- tes não seja diversamente manifestada.
lier, para significar conjuntamente o s im6veis ou E assim os nossos mais autorizados civilistas
os m6veis por natureza e os que por disposição da teem entendido que no art. 377.' O legislador se
lei são incluidos em uma ou outra das duas cate- limitou a estabelecer uma presunção, que p6de ser
gorias ('). invalidada por prova em. contrário, nos termas
Tal é a explicação do art. 377.O e seu 8 único, gerais de direito, sendo lícito produzir qualquer
onde se disp0e : meio de prova, como os documentos, as teste--
«Quando na lei civil ou nos actos e contractos munhas, ou mesmo outras presunçóes &e facto
se usar da expressão « bzns ou cousas imobiliá- '(art. 2519.0), para demonstrar que as palavras a
riasu, sem o u t r a guali$caçáo, compreender-se hão que se refere o art. 3j7." não foram empregadas no
nela, tanto os que são imbveis por natureza ou sentido em que ali se definem ( I ) .
mediante a acção do homem, como os que o são Parece-nos por8m que esta doutrina exagera
por disposição da lei. Quando se usar simples- muito o carácter interpretativo e subsidiário da
mente da expressiío «imOveis, cousas ou bens regra do art. 377.'.
i m ó v e i s ~ ,esta expressão significará s6 os que o Com efeito, êste artigo dá a definição legal das
são por natureza, ou mediante a acção do homem. z, palavras imdvel e imobzliário, móvel e mobiliá-
E< 8 único. Da mesma sorte a expressão «bens rio, quando empregadas sem o u t r a qualifica~ão.
ou cozrsas mobiliárias, abrangerá, tanto os móveis Portanto essa o u t r a qualificacão só p6de alte-
por natureza, como os que o são por disposiç'ão rar a significação legal das referidas palavras, quando
da lei ; e pelas palavras «mOvel, cousas ou 8ens s e encontrar também na lei, ou no acto ou con-
móv.&s> entender-se hão só os objectos materiais, tracto em que as mesmas palavras foram empre-
que por natureza são móveis. 2 gadas. Entendemos, pois, que não 8 lícito invocar
Todavia o próprio legislador emprega por qualquer meio de prova que seja estranho ao mesmo
vezes a palavra imóveis com a significaçao gecal de acto ou contracto.
\

imobiliávios, como, por exemplo, nos artt. 1461.0, É assim que nos citados artt. 1461.0, 551.',
551.", n." 3.' ( comparado com o art. I I ~g."), e 745.0 n." 3.0, e 745.O, a palavra imdveis tem a significa-
( comparado com o art. 1571.~). ção de imobiliarios, precisamente porque na pró-
pria lei se encontra outra qualipcação, que lhe faz
a t ~ i h u i rêsse sentido.
(1) Esta origem das expressbes irnobiliarzos e mobz7iá-
rios foi expressamente declarada pelo autor do projecto da
cbdigo, em sessão da comissáo revisora de 29 de março de 1860,
como consta das respectivas Actas, a pág. 14. (1) Dr. Teixeira de Abreu, pag. 267.
É certo que o art. 377.', entendido assim, como dio -onde naturalmente se modifica o sentido geral
definição legal, e não como uma simples presun- e legal da palavra mdveis.
ção, tem o inconveniente de atribuir muitas vezes Diz o art. 378.":
As palavras um significado diverso do que seria a «Todas as vezes que nos actos e contractos se
intenção das partes, pois que a significação dos usar da expressão « móveis de tal casa ou prédio,
vocábulos B variável com o gráu de cultura das compreender-se há nela só o que se chama mobi-
pessoas, com o seu diverso significado nas diferen- lia, utensílios ou alfaias, salvo se outra fÔr
tes localidades, e com muitas outras circunstâncias. con7zecidanzente a intençgáo das partes. B
Mas ao mesmo tempo tem a vantagem de evi- Refere-se o art. 378." apenas aos actos e con-
tar a complicação das demandas judiciais, com todo tractos, e não à lez, porque tendo esta um carácter
O cortejo de produção das provas testemunhais. de generalidade, não pode referir-se a certos e
Como aplicaçdes práticas do preceito do art. 377." determinados prédios.
iridicamos as seguintes : No artigo define-se o sentido da expressa0
a ) O legado dos móveis compreende, além c móveis de tal casf ozr prédto ;P, mas não se define
da mobília pròpriamente dita, o dinheiro de con- o significado das palavras -mobílza, utensilios e
tado, jóias, livros, numa palavra : todos os objectos alfaias - o que deixa a definição ainda incompleta,
materiais susceptíveis de se transportarem dum competindo A jurisprudência a missão de a com-
lugar para outro, ou por si, ou por fôrça estranha, pletar.
e que não forem por lei declarados imóveis ; Coelho da Rocha considerava como sin6nimas
b ) A expressão bens mobiliávios, empregada as expressões mobllia, trastes e alfaias da casa,
num testamento, compreende o dinheiro, as accões dizendo que, na falta de declaração, só compreen-
de bancos e companhias e as inscrz~õesnão imo- diam os móveis destinados ao uso e o m d t o d a ~
bili~adas,salvo se de outras palavras se reconhe- casas, como cadeiras, leitos, mezas, espelhos, re16-
cer que outra foi a intenção do testador; gios e outros objectos desta natureza, bem como
c ) Quando o testador deixa todos os seus as estátuas, quadros e porcelanas, se aí estivessem
móveis, nesta disposição compreendem-se os cou- para decoração, e não para outro fim, como para
pons e as dividas activas; ajuntar em colecção. E acrescentava que assim se
d ) O legado de móvezs, semoventes e gkne- devia entender a venda ou o legado de uma casa
ros, não compreende o direito a receber determi- mobilada ou com todos os mdveis ( I ) .
nada quantia devida ao testador ( I ) . No projecto primitivo do código dizia-se ape-
nas mobilza ou trastes; o acrescentamento da
44. Significado da expressão a móveis de tal casa palavra alfazas mostra bem que o legislador adop-
OU prédio>. -No art. 378.0 determina o código a tou a doutrina de Coelho da Rocha, pois que a
significação da frase -móoezs d e tal casa o u pré- simples substituição de trastes por utensilzos em

(1) Dr. Teixeira de Abreu, pag. 270 e nota. (1) Inst., 4 78, nota.
nada altera o sentido da expressão, sendo certo de uso pessoal, parecendo que neste sentido C em-
que estas duas palavras devem considerar-se equi- pregada a palavra no art. 882.", n.O 2.".
valentes. Mas em todo o caso, no sentido do art. 378.O,
O código não definiu cada uma destas pala- que deve %r o mesmo de Coelho da Rocha, estas
vras, certamente para que se tomasse sempre na diferentes palavras compreendem apenas os objec-
devida consideração o sentido em que elas são tos destinados ao uso ou ornato da casa. ,
'
empregadas no zdso vulgar, o que bem se mostra Alguns jurisconsultos. procurando determinar
nas expressóes - O que se chama e salvo se outra por exclusão o conteúdo das palavras mdveis de
f ô r conhecidamente e intengão das partes. tal casa ou prédio, dizem que não compreendem
De modo que, não sendo uniforme em todo o o dinheiro, os créditos, as jóias, os livros, equipa-
país o significado das referidas palavras, é necessário gens, objectos para colecçbes, frutos arrecadados,
recorrer ao uso e linquqem comum dos diversos provisões e fazendas de comércio, louças, mcda-
lugares, para determinar em cada caso o sentido da lhas, instrumentos de artes ou ofícios, animais,
expressão - móveis de tal casa ou prédio. ' armas, estátuas, roupas, etc. ( I ) .
E, com efeito, na linguagem usual há impor- Mas ha certamente exclusão demasiada nesta
tantes diferenças entre mobilia, utensitios ealfaias, enumeração, porque, pelo menos, as louças e as
embora se refiram sempre a objectos do uso ou roupas, sendo destinadas ao serviso da casa, não
ornato das casas. podem deixar de se incluir na expressa0 de alfaias
Torna-se, pois, necessário averiguar a signifi- ou de utensílios, ou mesmo de mobília, se quise-
cação de cada uma destas palavras, sobretudo para rem. Do mesmo modo as estátutas, se forem
quando, em vez de se empregar a expressão do destinadas ao ornato da casa.
ari. 378.O, .se empregam sb algumas daquelas três Devendo entender-se a expressão do art. 378.O
palavras. restrita aos mbveis de uso ou ornato da casa, deve
Como mobília consideram-se geralmente os atender-se a que, por um lado, não abrange toda a
mbveis que servem para adôrno e guarnecimento mobília que na casa se encontrar, como a que seu
das casas, com o fim de prestar ao homem a como- dono ali tivesse para negbcio ou para depósito
didade e o bem estar prbprios da habitação, como temporário, assim como, por outro lado, pode
leitos, mezas, cadeiras, sofás, tapetes, espelhos, abranger objectos que no momento do acto jurídico
etc., não ultrapassando os objectos destinados aos ou dos seus efeitos lá se não encontrem, como, por
usos ordinários em uma casa de moradia. exemplo, a mobília que estiver em casa do estofa-
A palavra utensílios compreende só os instru- dor ou marceneiro, a fim de ser concertada.
mentos que se empregam no trabalho prbprio da O art. 378.O não sb é meramente interpreta-
casa, como o trem de cosinha e o da adega, ou tivo ou subsidiário, como o art. 377.O, mas consti-
mesmo ainda os da lavoura, embora a estes se
chame também alfaia agricola ( Lobão, Casas,
§ 369.O). (1) Dr. Dias Ferreira, r, 269; Delfim Maia, Reoisfa dos
Por alfaias entende-se geralmente os objectos Tribunais, VI, pág. 129.
tui unaa simples presunção, que pode ser ilidida Mas será também o preceito do art. 1832.0apli-
por em contrário, como resulta da sua parte cável ao legado que se referir a um móvel, como
final « s a l v o se o u t r a fôr conhecidamente a inten- armário, secretária, cofr.e, baú, ou outro semelhante?
pão das partes ». Neste caso entendemos que i á não tem aplica-
No art. 1832.O determina o código o alcancc da ção o art. 1832.0, porque, por ser de
expressão ct casa com tudo que-se achar dentro carácter restritivo, não deve ampliar-se além dos
dela», quando empregada em testamento, dispondo seus precisos termos, oque seria contrário
que n2o se consideram como legadas também as vontade do testador, se êste tivesse por hábit6
dívidas activas, ainda que na casa se encontrem os guardar no móvel legado os títulos que lá Se
respectivos documentos ; mas a e x p r e s s ã o com- encontrassem.
,
preende, portanto, todos os outros móveis que lá
se encontrarem. 45. Imóveis por natureza e mediante a acgão Bo
Divergem, porém, as opiniões sobre o sentido -
homem - prédios riisticos e urbanos. A determina-
da mesma frase, quando empregada em acto inter çiío destas duas classes de imóveis encontra-se no
vivos, dizendo o Dr. ias erre ira que abrange art. 374.O:
também aquelas dívidas, em vista de ser especial a «São imóveis, ou naturalmente, ou mediante a
regra do art. 1832.0; outros, porém, pronunciam-se acção do homem, os prédios rústicos. e urbanos.
em sentido contrário, com o fundamento de que o «§ Único. Por prédio rústico entende-se o solo
referido artigo corresponde ao significado usual ou terreno, e por prédio urbano qualquer edifício
das palavras, devendo por isso observar-se em incorporado no solo ».
todos os casos, pois que as dívidas, sendo cousas Esta determinação consiste, pois, è m fixar as
incorp6reas, não podem considerar-se existentes três noçbes-de prédio, de prédio rústico, e de
no lugar-onde se encontram os títulos, que mais prédio urbano. I

não são do que meios de prova da existência d o A palavra prédio, no seu sentido jurídico pr6-
crédito ( 4 ) . prio, signific.a u m a fraccão Limitada do solo o u
as-dívidas activas compreendem-se também terreno, compreenda o u nâo qualquer edifício,
as inscricões e quaisquer outros títulos da divida e que faq parte do património de alguénz.
pública, 6em como as acçdes e obrigaçoes de qual- Com e-ito, embora o 3 único do art. 374.O, na
quer emprêsa ou companhia, porque todos estes definição de prédio rústico, pareça tomar a palavra
títulos sãb de créditos, e, portanto, dividas activtss, prédio num sentido mais amplo, é certo que esta
embora o Dr. Dias Ferreira, sem aduzir razoes, se palavra não pode aplicar-se ao solo tomado no seu
pronuncie em sentido contrário ( 8 ) . conjunto, porque, se assim fosse, ficai'íamos redu-
zidos a um só prédio rústico.
Por outro lado, é certo também que As cousas
(I) Dr-Teixeira de Abreu, pag. 275; Revzsfa dos Trzbu-
nazs, VI, 129.
fóra do comércio se não aplica a palavra prédio;
(8) n r . Dias Ferreira, r, pag. 209 ; Dr. Teixeira de Abreu, uma estrada ou um jardim público é uma cousa
pag. 275; nosso livro Su~essóese dzrezto sucessório, I, n.O 84. pública ou comum, mas não se lhe chama prédio,
emquanto não entra na classe dos bens patrimo- O prédio rústico abrange não s6 o terreno
niais ; e o mesmo se pode dizer dos terrenos incz~l- em toda a sua profundidade -salvas as restriçbes
$os públicos, e dos baldios municipais ou paro- relativas às nzinas - mas também o espaço aéreo
quiais. correspondente na altura susceptível de a p ~ p r i a -
Mas não 6 necessário que os limites ou extre- ção (art. 2288.0).
mas de qualquer prédio sejam sempre bem patentes No direito antigo a noção de prédio rustico '
e conhecidos, pois o cbdigo (art. 2340.") prevê a era, por um lado, mais extensa, pois compreendia
hipótese da necessidade da demarcaçâo, e garante também alguns edifícios, quando situados no campo
aos .interessados o direito de a exigir aos proprie- e destinados a fins diversos da habitação; e , por
tários visinhos; nem tão pouco é necessária uma outro lado, mais restrita, porque se consideravam
denominação pr6pria e exclusiva, para cada prédio prédios urbanos os jardins e quintais adjacentes
b r a sua individualidade definida e estabelecida, a estes, e destinados a simples gozo ou recreio,
pois que a divisão de um prédio por duas ou mais emquanto que pelo ç6digo sáo sempre prédios
pessoas dá lugar a outros tantos prédios, conser- rústicos.
vando-se, em regra, o mesmo nome do prédio Entre os antiios praxistas havia grande diver-
dividido ( I ) . gência na diferenciação dos prédios rústicos e
A idea de soto ou terreno anda sempre implí- urbanos.
cita na de prédro, não se compreendendo a exis- Emquanto uns, como Coelho da Rocha e Pe-
tência dêste independentemente daquele; de modo reira e Sousa, atendiam só ao destino -habitação
que, conclui o Dr. Teixeira de Abreu, quem possui ou recreio (urbanos) e cultura (nísticos), outros
um andar de uma casa não diz que tem um prédio como Lobão, atendiam também 1 sua situação.
urbano ;s6 pode afirmá-lo quem possuír uma parte E assim consideravam urbanos :
da casa dividida verticalmente, e distinta de todas a ) todos os construídos na cidade ou vila para
as Outras ( 2 ) . habitáção, ou armazenagem de mercadorias, ou para
Comtudo pode considerar-se como prédio um recolher animais destinados ao serviço pessoal : e
andar de uma casa, se se considerar, como deve b ) os edificados no campo para habitação e
ser, que o terreno da casa é comum aos compro- recreio dos senhores da quinta, mas não os que
prietários da mesma. tivessem por fim abrigar os colonos e animais ou
Prédio rústico é, pois, qualquer fracpão armazenar os frutos ( ).
limitada e aproprzada do solo, que não faca O código, porém, acabou com estas divergên- A

parte de algum edificio; porque, se faz parte de cias, definindo prédio rústico o solo ou o terreno,
algum edifício, confunde-se na própria individua- e prédio urbano qualquer edifício incorporado
lidade do prédio urbano. no solo.

(1) Em contrário opinou a Revista de Legzsla~ãoe de Ju-


risprndência, XIV, pig. 3a7. ( 1 ) Almeida e Sousa (Lobáo), Tratado das casas, §§ 30;
( a ) Dr. Teixeira de Abreu, pag. 279. e segs.
Mas o conceito de prédio rústico e urbano, o significado de casa. Neste sentido é aquela
segundo o 8 único do art. 374." do código civil, foi palavra usada não s 6 em vários lugares do c6digo
modificado pela lei do inquilinato (dec. n." 5:.111, civil, por ex., nos artt. 2314.', c noutros, onde se
de I 7 de abril de q r g ) , que os define diversamente faz completa distinção entre construgões e edifica-
n o tj I." do art. I.": sões {artt. 2327.O, 23?5,", 2337.", etc.), mas até em
«Entende-se por prédio urbano o edifício leis de outra natureza, por ex., no art. 472.' do
encorporado no solo e o terreno que lhe sirva de Cód. Pen., e especialmente no art. 473.0, onde se
logradouro e que não seja de valor superior; e por estabelece completa distinção entre casas ou edifí-
prédio rtistico o solo ou terreno que náo faz parte C I O S (n.O r.") e parede, fosso, vala, ou qualquer
dum prédio urbano, e os edifícios que nele estejam cercado (n." z.?).
encorporados e que não sejam de valor superior>>. Entre construçóes e edifícios existe, pois, uma
Entretanto a definição legal de prédio urbano relaç3o de género para espécie ( I ) .
ainda da lugar a dificuldades, para se determinar o Se. por consequência, os m u r o s ou simples
que sejam os edificios incorporados n o SOLO. paredes não são edifícios, i. claro que o edifício em
Qual é o significado da palavra edificzo? construção, emquanto'não estiver concluído nas suas
Etimològicamente vem do latim nedes -casa. partes essenciais, não é ainda um prédio urbnno.
Mas traduzirá a lei esta significação etimológica? Mas qual é o momento em que se opera a tran-
No art. 2325." fala-se de. . . a l e o a ~ z i a rm u r o , sição jurídica da simples construção para pr&dio
parede o u o u t r a edificapíio.. .> podendo assim . urbano ?
dar a entender que m u r o s e paredes são também Deve ser naturalmente sb quando a constru-
edifZcncões ou edificios; e assim parece ter-se pro- $20 l i m i t a j á o solo p o r todos os lados, inctusiué
nunciado a Relação do Porto, em acórdão de 28 o espaco aéreo correspondente, p o r meio de te-
d e janeiro de 1870, onde se fala de edifzcaqão ou Lhndo OZL qudlquer outra cobertura.
tapngem coino sinónimos (I); e neste sentido As simples construçóes só por disposição da
expressamente se manifesta o Dr. Dias Ferreira, lei, por serem partes integrantes dos prédios
a f i r ~ a n d oque, pelo código, até o m u r o assente no ( art. 375.°, n.' ), podem considerar-se imóveis.
solo é edifício (9). Também fazem parte dos prédios urbanos as
N6s, porém, julgainos inadmissível esta con- suas partes componentes, isto é, as cousas que se
clusão em harmonia com a doutrina do Dr. Tei- acham por tal modo inerentes ao edifício, que não
xeira de Abreu. podem dêle retirar-se sem o desnaturar ou tornar
Para nós a palavra edificio 6 a tradução da impróprio para o seu fim, como os madeiramentos,
palavra brttime~zt, empregada no art. g r 8 . O do soalhos, portas e janelas.
código frances, fonte do nosso, e tem, como esta, As partes componentes distinguem-se das cha-
madas integrantes, isto é, as que se colocam no

( 1 ) Revista de Legzsla~ãoe de]urisprzsdência, 111, pág. 277

( % ) Boletim dos Trzbunais, xi, pag. 41. ( 1 )


Dr, Teixeira de Abreu, pág. 283.
prédio para o seu melhor aproveitamento e uso, seria muito difícil e até impossível verificar se a
mas que podem dêle ser retiradas sem alterar o desagregação dos materiais era provisória ou com
pr6prio prédio, como pára-raios, goteiras, tubos de carácter definitivo.
canalizago, etc., e que são imóveis por disposição
da lei.
Todo o edifício ou casa é um prédio urbano,
-
46. Imóveis por disposição da lei produtos dos pr4-
dios rústicos. - Os imóveis por disposigáo d a lei
segundo o código, sem necessidade de ser desti- sáo especificados nos três n h e r o s do art. 375.O-
nado a habitação, pois a lei só exige a incorpora- Neste grupo n8o há, pois, lugar para quaisquer
ção no solo. Como tais devem, pois, considerar-se cousas que sejam imóveis p o r ? ~ a b u r g dou me-
os próprios moínhos, de vento ou de água, desde diante a acção d o h o m e m , porque sendo umas e
que sejam casas incorporadas no solo, quer directa outras membros da mesma classificação reciproca-
ou imediatamente pelos seus próprios fundamen- mente se excluem.
tos, ou apenas indirecta ou mediatamente por « Por isso nunca deve considerar-se como parte
meio de colunas ou pilares (I). integrante dum prédio rústico qualquer edifício
Sendo, pois, a incorporação no solo a causa neste incorporado; nem, tam pouco, como parte
que determina a imobilização dos edifícios, é evi- Pntegrante dum prédio urbano qualquer fracção de
dente que a sua demolição, ou simples separação terreno a êle adjacente-por mais íntimas que sejam
de alguns dos materiais, faz voltar estes a condição as suas relações materiais ou jurídicas. Tanto num
de móveis. Cessando a causa, cessa o efeito. como no outro caso há dois prédios distintos: O
Alguns escritores, porém, entendem que sendo rústico e o urbano 2 ( ).
apenas provisória a demolição ou a desagregação No art. 456." faz.0 cbdigo aplicação dêste prin-
parcial, sendo os materiais destinados a reconstcu- cipio, considerando prkdios rústicos « as quintas
ção ou reparação, ficam juridtcamente a fazer parte m u r a d a s ou q z ~ i n t a i sjardins,
, hortas, ou pdtzos
do edifício, e, portanto, continuam na condição de adjacentes a prédios urbanos ».
imóveis. Na linguagem usual, porém, muitas vezes se
Mas a verdade é que nada há na lei que auto- enuncia o princípio contrário considerando-se como
rize esta pretendida distinção entre incorporacão parte componente ou integrante da casa ou prkdio
de facto e ir~cor#oracãode direzto, relativamente urbano o s' quintais ou jardins que lhe são adjacen-
aos materiais dos prédios urbanos. tes, e como sendo parte do prédio riistico qualquer
Se o art. 374.O admitisse esta ficcão juridica, edifício nele incorporado.
devia declará-lo expressamente ; mas bem fez em E também o código por vezes se deixou influen-
nada declarar, porque na maior parte dos casos ciar por êste modo inexacto de falar, como que
esquecendo-se da doutrina estabelecida, no que
também já tem sido imitado pela jurisprudencia. .
(1) Assim o julgaram já os nossos tribunais superiores:
acordãos do Sup. Trib. de Justiça,,de r8 de agosto de 1891,e
da Relaçáo do Pôrto, de 25 de julho de 1882 (Boletzfndos Tri-
bunais, vir, pág. 40, e Direzto, xvri, pág. 15)-
( 1 ) Dr. Teixeira de Abreu, pág. 290 e a91.
11
Assim, no art. 2 2 4 7 . O fala-se dc sproprzedade mente & casa, então parece-nos que desta fazem
rústica de que faça p a r t e o edificio destruidos; realmente parte, não tendo uma individualidade
e o Dr. Dias Ferreira ( v , pág. 39 ) chega a afirmar própria e distinta, que os possa fazer considerar
que a se houver alguma parte rústica, ainda que prédios rústicos.
seja de pequeno valor, tem lugar o disposto no Mas, como já observamos (supra, n.O 45), a
mesmo artigo B . técnica do código na distinção dos prédios rústicos
Mas parece-nos que o art. 2247." se limita a e urbanos foi alterada pela lei do inquilinato, con-
formular um preceito interpretativo da vontade das siderando-se prédios rústicos como acessórios de
partes, não sendo por isso de admirar que adoptasse prédios urbanos, e vice-versa, prédios urbanos
a tinguagem vulgar. como acessórios de prédios nísticos, conforme o
Na frase- de que faca parte-o legislador seu maior ou menor valor.
quis apenas exprimir a idea de que o edifício era
acessório d o prédio rústico. A primeira espécie de imóoeis p o r disposigão
Incorrecta é também a redacção do art. 2337.", d a lei é a dos produtos dos prédios nísticos.
onde se distingue entre prédios rf sticos e p á t i o s « A palavra p r o d u t o s pbde ser tomada em
ou quintais de prédios zdrbanos; mas se desta dois sentidos: a ) no sentido Lato, designa todas
viciosa redacção fôsse licito concluir que esses pá- as utilidades, que a cousa p6de prestar, qualquer
tios ou quintais não são prédios rústicos, lícito que seja a sua natureza; b ) no sentido técnico ou
era também concluir que não são prédios urbanos, p r d p r i o , consideram-se produtos sòtnente as utili-
sendo necessário inclui-los nos imóveis p o r dispo- dades que a cousa não é, por sua natureza, desti-
sicão d a lei, estabelecendo-se assim um perfeito nada a produzir regularmente, em períodos mais ou
antagonismo entre a prbpria cousa, que é real- menos largos de tempo, e que, portanto, sb aci-
mente imóvel, e a sua qualificação, que indicaria o dental e extraordinariamente dela se colhem.
contrário. « N o primeiro sentido aquela palavra com-
Também numa sentença publicnda na Revista preende não só os produtos prdprianzenie ditos,
dos Tribunais ( v , pág. 140) se toma a palavra mas também os f r u t o s , no sentido geral, que são
pertencas como sinónimo de p a r t e s inteqrantes, as utilidades que a cousa produz em poriodos mais
considerando compreendida no n." I ." do art. 375.0 ou menos regulares, sem alterar a sua substância :
<qualquer limitada área de terreno adjunta a um quidquid ex r e ~ t a s c iet renasci solet.
prédio urbano, servindo-lhe de pátio, logradouro, « O nosso Código Civil admite três espécies
ou cousa semelhante B ; quer dizer, considera-se de frutos: I ) naturais, ou produzidos expontâ-
um prédio rústico como parte integrante dum neamente pela cousa ; 2 ) industriais, que a cousa
prédio urbano, o que é inadmissível no sistema do só produz mediante a indústria do homem; 3 ) e.
cbdigo. civis, que são as rendas ou interesses provenien-
Se, porém, OS pátios ou terrenos estiGerem tes da cousa ( art. 495.-, # 3.') ; mas estes, sendo
no interior da casa, ou mesmo se forem adjacentes cousas incorpóreas, não estão compreendidos no
mas constituirem uma construção ligada material- art. 375.0'n.0 1.0: que s6 abrange, além dos produ-
tos prdpriamente ditos, os frutos naturazs e in- póreas ou direitos compreendidos no n.O 2." do
dustriais dos prédios rústicos » ( I ) . art. 375.0
Deve notar-se, porém, que a palavra produtos, A imobilizaçào rlòs Produtos dos prédios rús-
mesmo no sentido amplo, não compreende todas ticos resulta naturalmente da incorpornçiío directa
as utilidades dos prédios, como, por exemplo, a ou mediata no solo-Fructus pendentes p a r s
utilidade do g6zo ou comodidade, mas apenas os fundi esse videntur.
objectos materiais que das cousas se podem extrair A única diferenp que, sob'êste ponto de vista,
para satisfação das necessidades do homem. .existe entre os produtos dq terra e o s edifícios, é
Assim como também a palavra frutos, no seu que a incorporação é natural para os primeir-os e
rigoroso sentido, tal como 6 fornecido pela botâ- artificial para os segundos.
nica, só abrange os objectos materiais prod~zidos. Por conseqüência, do mesmo modo que para
pelas plantas, por virtude dos seus 6rgAos e fun- o s rnaterigbis dos prédios urbpsqs, é f o r ç e o
ções de reprodução normal, embora juridicamente belecer o de que, cessando a in-rpora-
compreenda também as rendas ou interesses. ção cessa também a' imobilização ; quer dizer, logo
Dos diferentes sentidos em que se podem to- que os produtos dà terra sejam dela separados,
mar as palavras produtos e jrutos resulta que passam ipso facto A condição de mbveis.
muitas vezes não 6 fácil classificar'em uma ou outra Os produtos sb são im6veis emquanto ligados
destas espécies certas utilidades materiais, que se ao respectivo prédio; o contrário disto seria um
tiram das cousas, como acontece, por exemplo, absurdo, ou, pelo menos,"um contrasenso.
com a cortipa, que uns consideram como frutos, É certo que esta idea, aliás consignada no
outros como produtos, e até por outros já tem art. 394.O do projecto primitivo do cbdgo, não
sido considerada como parte integrante das árvores esta expressa no n." 1.O do art. 375.'; mas é porque
que a produzem ( supra, n." 3 6 ) . e;a desnecessário consign&la, pois se impõe ne-
Mas para o n." I." do art. 375.0, é indiferente cessariamente pela própria razão da lei, e resulta
a distinção entre produtos e .frutos, porque em- entretanto de outras disposiçdes, como, por exem-
prega a palavra produtos no seu sentido lato, mas plo, do art. 880.", que considera como privilégio
abrangendo s6 os produtos materiais. E diz pro- mobiiiário o que recáe nos frutos - dos prédios
dutos, e não frutos, para compreender os dife- ~ústicos(I).
rentes géneros da produçãu, árvores de fruto, . Do princípio que os produtos só são imóveis
plantas, mato, árvores de tulhadia, etc. ( 2 ) ) . cmquanto incorporados. no solo resultam natu-
E dizemos que abrange s6 os produtos mate- ralmente os seguintes corolários :
riais, porque os frutos civis dos prédios rústicos,
sendo constituídos pela renda, são cousas incor-
( i ) O art. 3 9 4 . O do projecto primitivo, no n." z.O, decla-
rava imóveis = a s plantas, árvores e quaisquer produtos do
solo, emquanto estiverem unidos a o mesmo solo,. Mas esta
( 1) Dr, Teixeira de Abreu, pág. 292 e 293. disposição parece ter provindo do art. 520.O do código francês,
(8) Direito, IV,pág. 450 que era considerada inzittl pelos comentadores deste código.
a ) As plantas que vegetam em vasos ou quando se dispunha deles- p a r a serem sepa-
caixotes são móveis porque não estão ligadas ao rados ( I ) .
solo ; A questão tem sido muito controvertida; mas
parece que vai prevalecendo esta doutrina ( P ) .
b ) Pela mesma razão são mbveis as plantas
dos viveiros durante o intervalo que decorre de- Por cautela convém, todavia, que as partes,
pois de serem deles arrancadas até serem definiti- querendo considerar de carácter mobiliário os seus
vamente plantadas, embora alguns escritores, como contractos, declarem expressamente que vendem
Pothier e Mazzoni, tenham sustentado o contrário, os produtos ou os frutos defeis de sep'arados,
com o fundamento de que a desincorporação foi reconhecendo ao comprador o direito de os co-
acidental'e provisória ; lher ( 5 ) .
c ) São igualmente móveis os objectos enter-
rados n o solo, mzs que não teem com êle qualquer 47- Partes intedrantes dos pr6dies rúdces e
outra ligação, como os tesouros e os frutos que às .
urbanos. -É a segunda espécie de imóveis p o r
disposipZo da lei, nos termos do art. 375.0, n.° 1.O:
vezes se costumam enterrar, para melhor se con-
servarem ; «São imóveis Ijor disposição da lei:
d ) A c o n d i ç ã o imobiliiria dos produtos «I.O O s produtos e partes integrantes dos
dura emquanto não cessa a sua incorporação prédios rústicos, e as partes integrantes dos pré-
no solo. dios urbanos, que não podem ser separadas sem
Mas este Último princípio tem excepqóes im- prejuízo do servigo útil que devem prestar, salvo
portantes, podendo muitas vezes dar-se a sepa- sendo distraídas pelo próprio dono do prédio,.
ra$ão j u r i d i c a dos produtos, antes da sua sepa- Quais são as cousas imobilizadas por serem
ração material, para o efeito de os considerar p a r t e s integrantes, segundo esta disposição ?
móveis. Já sabemos ( supra, n." 45) que p a r t e s inte-
É o q u a acontece com o privilbgio mobiliário grantes são cousas diversas de p a r t e s componen-
nos frutos (art. 880.~1, o que bem se,explica pela tes, e compreendem as cousas que, sendo móveis
razão de só se realizar materialmente o privilégio por sua natureza, e não fazendo parte do prbdio,
com a pr6pria colheita dos frutos, a qual lhes atri- foram unidas a êle, para lhe aumentar as utilidades.
bue a qualidade de m6veis. Tendo em vista a disposição do n.O I." do
Também os contractos de venda de fruta ou art. 375.O, reconhece-se que as partes integrantes,
cortiça, ainda pendente, devem considerar-se de por êle imobilizadas, são todas as ?ousas que
natureza mobiliária, porque as partes, na celebra- satisfizerem aos seguintes requesitos:
ção dêstes contractos, atendem, não ao estado
presente dos produtos, mas antes ao estado futuro
da sua colheita. '
( ) Inst., § 33.
( 8 ) Dtreito, VIII, páy. 482 ; xir, pág. 4 8 4 ; Reuisla de Lc-
Já Coelho da Rocha, dizia, com Lobão, que os grsla~ãoe de jurzsprudência, VI, pag. 3 2 2 ; XI, pag. 153; =I,
f r u l o s pendentes das cousas imóveis se reputavam 564-
também imóveis para OS efeitos jurídicos, excepto ( 3 ) Dr. Teixeira de Abreu, pag. 299.
a ) serem móveis por sua natureza; rente de USO comum, que atravessa um prédio par-
b ) estarem unaas ou afixadas ao prédio ; ticular, ou nele se ajunta ou nasce, fórma parte
c ) conservar uma individualidade própria e integrante do mesmo prédio » ; o que simplesmente
distinta do mesmo prédio; e quer dizer que o leito ou álveo da corrente iaz parte
d ) prestarem ao dito pr6dio algum serviço útil. do prédio como seu acessbrio. .
O primeiro requesito resulta necessiriamente Com as partes integrantes,. não se verifica O
do próprio preceito legal, que trata de imóveis mesmo principio de .que cessando. a ,incorporação
por disposipão da lei. excluindo os imóveis por cessa a im~bil~mção, como2c ~ l nos *,gater,iais&s
n a t u r e ~ ae media.nte a acgão do h o m e m ; e , como prédios urbanos e os produtos dos pr6iJios rústicos,
sb se refere a objectos materiais, é claro que trata a não ser que a separação seja feita pelo dono do
de cousas móveis por sua natureza, mas que se prédio.
imobifizam pela sua incorporat;ao ou afixação em , A excepGão da parte final 4p n."." do grt.35.O
imdveis. «salvo sen-do distraídas pelo próprio dono do
O segundo e o quarto requesitos resultam tam- prédio w mostra bem que a s partes. integrantes
bém necessàriamente da disposi@ío da lei, nas passam i categoria de móveis sen. separadas pelo
palavras «que não podem ser separadas sem pre- dono do prédió, conservando-se, portanto, na mes-
juízo do servigo útil. w ma situação jurídica, se foram distraídas por um
E o terceiro requesito impòese também, por- estranho, sem autorização do dono.
que, se assim náo fosse, as partes integrantes, con- -4 imobilizagão, porém, veriiica-se sempre que
fundindo-se na própria individualidade do prédio se dê a incorporação, quer esta seja feita pelo dono,
como suas partes componentes, seriam, como êste quer seja feita por um terceiro,' porque a lei não
e estas, im6veis por natureza ou mediante a acção faz a êste respeito distinçáo alguma.
do homem. Da doutrina exposta resulta q.ue não são par-
Partes componentes dos prédios rústicos são tes integrantes as <ousas%que por sua pr6pria
a argila, a cal, e as outras substâncias do terreno, natureza não podem ser materiaimente unidas aos
assim como o são dos prédios urbanos a pedra, a prédios, como os animais dorn&sticosq p neles se
argamassa, os madeiramentos, as tintas, etc. encontram ; nem tiuhpouco as cousas que, embora
Partes integrantes dos prédios rústicos são, susceptíveis de afixaçao ao prédio, não se, encon-
por ex., os muros de vedação, os tanques e aque- tram a êle unidas, como os instrumentos da lavoura,
dutos, as bombas de tirar água dos poços, etc., as sementes antes de lançadas na terra, que pelo
assim como dos prédios urbanos o são as canaliza- código francês são qualificadas como imóveis por
çòes, os pára-raios, as estantes ou armários fixos destko.
nas paredes, os maquinismos fixos das fábricas, etc. O próprio código, permitindo no art. Bgo.",
Note-se, contudo, que noutros lugares, como n." 1.0 a hipoteca dos móveis imobiliqados pelo
por ex., no 9 3." do art. 381.", emprega o cbdigo n.O I . " do art. 375.', mostra bem que naCp%tes
em sentido diverso as palavras partes integrantes, integrantes não se compreendem aqueles objectos
dizendo que K O leito ou álveo da torrente ou cor- ou outros semelhantes, porque não podendo eles
ser identificados e descritos no registo, não podem veis, conforme são ou náo inerentes aos imóveis
ser objecto de hipoteca, e, por conseqüência, pròpriamente ditos.
não são imobilizados, segundo os artt. 375.* e Por isso os direitos s6 por disposzçBo da lei
8y.O (1 ). se dizem móveis o u irhdveis.
Por isso, com razão afirma o Direito que os E, assim, imóve2s sáo os direitos inerentes
objectos declarados imáveispor destino pelo código aos prédios rusticos o u tlrbanos, considerando-se
francês não podem ser considerados imóveis por móveis todos os outros (art. 375." 2:, e 376.').
dzsposipão da lei segundo o pensamento e a letra O s direitos reais podem ser ipnobilzários ou
do nosso código ( s ) . mobilidrios, conforme teem ciu não por objecto
A segunda parte do n." I . ~do art. 375.', nas cousas im6veis; e, por conseqüência, há alguns
palavras « q u e não podem ser separadas s e m pre- que são sempre imobiliários, outros s 6 podem ser
j u í ~ odo servico Útil que devem prestar, salvo mobiliários, e 'outros pódem ser ara~~mobiIiarios
sendo distraídas pelo próprio dono d o prédio », ord imobiliários.
refere-se tanto aos prédios ~ s t i c o como
s aos urba- Exemplo dos primeiros são as servidoes e a
nos, embora alguns jurisconsultos, como o Dr. Dias enfiteuse ( art. 2267.' e 1 6 5 3 . ~;) dos segundos O
Ferreira, entendam que sòmente se refere aos últi- penhor (artt. 855.O e 860.0 ) ; e dos terceiros o usu-
mos ( 3 ) . fruto ( art. 2197.0).
Realmente nem a letra nem a razão da lei Com os direitos de crédilo acontece quisi o
autorizam uma tal distinção. mesmo.
Esta âdea era bem explícita no projecto primi- Se o direito tem por objecto a prestagão d u m a
tivo, onde se cÓnsideravam imóveis (art. 394." 3 cousa, é mobiliário ou imobiliário, conforme essa
n.""." e 3.'), além dos prodzttos do solo, « tudo o cousa fôr m6vel ou imóvel. E móvel O crédito
que jdr afixado o u unido e m permanê~zcia'ao de certa quantia de dinheiro ou de certa quanti-
prédio rústico ou urbano. » dade de géneros; e é imóvel o direito que tem por
objecto a obrigação de entregar ou restituir um
48. Direitos inerentes aos prhdios ríísticos e urba- prédio rústico o u urbano.
nos - O s direitos, como" faculdades abstractas àa Se o direito tem por objecto a prestafão d u m
personalidade do homem, não são por sua natureza facto, entendem aIguns-que é sempre mobiliário,
móveis nem imóveis. havendo, porém, quem sustente que deve conside-
Mas sendo necessário classificá-los nestas cate- rar-se imobilidrio, quando se resolver na presta-
gorias jurídicas para o efeito de fixar o regimen ção duma cousa imóvel.
legal a que devem subordinar-se, o legislador con- Este problema tem sido discutido especial-
signou a ficção de os considerar imóveis ou m6- mente sdbre o exemplo de um indivíduo contrair
para com outro a obrigação de lhe construir uma
(i) Dr. Teixeira de Abreu, pág. 304. casa.
( a ) Directo, iv, pág. 450. Pothier, sustentando a primeira solução, dizia
(3) Dr. Dias Ferreira, I, pag. 265. que o direito de crédito resultante dêste contracto
não tem por objecto a casa, mas apenas o interesse sem O seu consentimento, edificar em terreno
jurídico do crédor no cumprimento da obrigação alheio (=).
por parte do devedor; e tanto que, se êste náo Nos direitos reais é sempre certa e determi-
cumpre, o credor apenas tem direito a exigir a nada a cousa sôbre que recaem, e, por isso, sabe-se
indemnização de perdas e danos. logo se são mobiliários ou imobiliários.
Mas, em contrário, argumentaram os partidários hlas nos direitos de crtdito acontece As vezes
da segunda solução, entre eles Mourlon, que o cre- que é indeterminado o seu objecto, como sucede
dor tem também direito a reclamar a prestação nas obrigaçóes alternativas, em que o devedor
da 91zesma cousa por um terceiro, 2 custa d o deve- pbde desonerar-se entregando um m6vel ou um
dor, sendo isso possível (cbd. civ., art. 712."). imóvel (art. 733."), de modo que a natureza do
E os partidários de Pothier, como Demolombe, direito fica também indeterminada até ao momento
viram-se forçados a abandonar a razão por êle adu- da sua realização definitiva.
zida, recorrendo a outros argumentos. Da redacçáo do n." 2." do art. 375.O - OS
E assim dizem, a prop6sito do exemplo citado: iiireitos inerentes aos imbveis mencionados n o ar-
a ) que a construção da casa é ofzm, mas não tigo precedente>-poderia porventura concluir-se
o objecto do contracto, o qual consiste apenas na que não são imobiliários os direitos inerentes aos
prestação do trabalho do devedor, e quando muito, imóveis mencionados no n." I." do mesmo artigo.
na dos materiais necessários para a obra ; Mas tal conclusão é apenas superficial, e, por
b ) que aquele direito de crédito não pode isso inadmissível, porque, examinando o fundo
dizer-se znerente ao edifício, pois êste ainda não das cousas, tem de concluir-se o contrário, visto
existe, e s6 aparece quando o direito se extingue e que os direitos inerentes aos p r o ~ t u t o s e partes
pelo cumprimento da obrigação ; e z~rteqrantesimóveis são também inerentes aos res-
c ) que a doutrina contrária A de Pothier con- pectivos prédios.
duz ao absurdo de considerar im6vel a obrigação Deve, porém, resalvar-se a natureza mobiliária
contraída pelo lavrador de lavrar o meu campo, a dos contractos sôbre os produtos, para s6 produ-
contraída pelo pintor de pintar a minha casa, etc. zirem efeitos com a colheita deles ( supra, n." 46 ).
Em todo O caso é certo que os partidários da Tem-se discutido a natureza do direito hipo-
doutrina de Pothier, reconhecem que; deixando o tecário, parecendo que, entre n6s, o Dr. Dias Fec-
credor da construção da casa os seus móvezs a uma reira considera de carácter mobiliário a hipoteca,
pessoa e os imóveis a outra, a esta deve ficar per- dizendo que c o n.O 2." do art. 375.' abrange sem
tencendo aquele crédito, se no testamento nada se excepção todos os direitos prediais, mas não os
dispuser em contrário, com o fundamento de que créditos hipotecários, que comquartto onerem o s
valendo mais a vontade do testador do que o signi- imóveis, não são a eles inerentes » ( ).
ficado literal ou legal das palavras, é de presumir
que a sua intenção fosse deixar aquele direito a
quem fica sendo o proprietário do solo, vtsto que
(I ) Dr. Tcireira de Abreu, pag, 310, nota.
s6 êste p6de exercê-lo, por não poder outra pessoa, (a) Dr. Dias Ferreira, I, pág. 266.
Parece que há nestas palavras uma confusão exigir o pagamento do capital, e sendo, portanto,
entre o crédito hipotecário e a hipoteca ou O lícito ao Estado perpetuar esta dívida, donde lhe
direito hipotecário, sendo certo que são dois veio, por isso, t a m b h o nome de dívida perpétua.
direitos inteiramente distintos, sendo até O pri- A esta espécie de divida opde-se a flutuante,
meiro independente do segundo, pois o crédito que tem prazos certos e pequenos para o pagamento,
prevalece ainda mesmo que a hipoteca seja nula. e quc, sendo destinada a satisfazer as necessidades
O primeiro, sendo um direito de crédito, será correntes e urgentes do Estado, está constantemente
mobiliário ou imobiliário, conforme o seu objecto. sujeita a aumento e deminui@o,.prouindo-lhe desta
Mas a hipoteca, recaindo s6bre prédios nis- variabilidade o nome de flutuante.
ticos ou urbanos, quer directamente ( art. 889.") Tanto uma como outra pode ser. contraída no
quer indirectamente ( art. Sg0.0, n." I ."), é indiscu- país ou fora dêle, dando lugar à sua divisão em
tivelmente um direito imobiliário, por ser inerente i n t e r n a e externa.
áqueles prédios ( I ) . Os títulos da divida consolidada i n t e r n a s8o
de três espécies: inscrições de assentamento (no-
'
49. Fundos consolidados e outras cousas por lei minativas), inscriçdes d e coupons ( a o portador),
imobilizadas. - Este grupo de imóveis por disposi-
ção da lei é estabelecido pelo n." 3.0 e 5 Único do
e certificados (títulos representativos de certas
quantidades de inscrições de assentamento).
.
art. 375." : A dívida externa é representada só por uma es-
« 3 . O O s f u n d o i consolidados, que se acharem pécie de títulos- b a n d s ou inscriqôes de coupons.
imobiligados perpétua ozr t e m p o r a r i a m e n t e . O n." 3." do art. 3 7 5 . O , referindo-se a fundos
§ dnico. O disposto neste artiqo n ã o e x c l u i co~zsolidndos, não abrange, porém, todos êstes
a s i m o b i l z ~ a ~ õ e decretadas
s, p o r lei especial p a r a títulos, mas sòmente aqueles que, nos seus preci-
certos e determinados fins ». sos termos, « s e acharem imobil+ados perpétua
A expressa0 « f u n d o s consolidados» refere-se o u temporàriamen,te».
manifestamente a títulos da dívida pCzblica do Estado E como a imobilização não póde aplicar-se aos
chamada consolidada ou f u n d a d a . títulos ao portador, porque êstes, passando ,de uns
Esta dívida é aquela em que o Estado apenas para outros possuidores por simples entrega real
se obnga a pagar em certas épocas os juros esti- ou tradição, e não contendo em si mesmos quais-
pulados, reservando-se o direito de só. pagar o quer cláusulas que indiquem a sua natureza de
capital quando lhe convier, por meio de arnortiza- móveis ou imóveis, não poderiam de modo algum
çúes sucessivas ( d i v i d a amortiqável), ou por qual- reconhecer-se ou identificar-se em qualquer destas
quer outra fbrma, não tendo os credores direito a qualidades, tem de concluir-se que aquela imobili-
zação se refere apenas i s inscrigóes de assenta-
m e n t o ou aos certificados.
(1) Bianchi, Laurent, Aubry e Rau, Lacantinerie, citados
pelo Dr. Teixeira de Abreu, pag- 315, nota. No mesmo sentido Estas inscrições, por isso mesmo que são
o Direito, opinando comtudo que não é devida contribuição nominativas, precisam de ser averbadas em nome
de registo pela cedência de um credito hipoteckrio ( v , páq. 254). dos seus proprietários, sempre que mudam de dono.
É na Junta d o Crédita PBblico, como. adminis- Parte-se do princípio que a imobilização resulta
tradora desta dívida, que se, procede-a êste averba- da inalienabilidade temporúria ou perpétua,
mento, sendo laneado nos pr6prios títul'os e nos dizendo por isso a Revista de Legisla~ãoe de
respectivos livros de registo da mesma Junta. Jurisprud~nciaque a expressão fundos consoli-
Mas nem todas as inscrigões de assentamento dados do n." 3 . O do art. 375.' significa- titulos de
são imdveis por disposição da lei, pois que o n." 3.O dizlida Ptiblica, que, perpétua ou temporaria-
do art. 375.0 s 6 considera tais as que se acharem mente, não podem ser alienados pela pessoa a
imobili~adas9erPétua ou temporàriamenle. favor de quem são averbndos.
No direito antigo era opinião geral, fundada E, assim, conclue a mesmz Revista que a s
no Alvará d e 13 de marpo de 1797, que todas as inscrições averbadas em nome das corporações
inscriçbes eram bens im6veis ( I ) . pilblicas são fundos imobiliqados perpetuamenttr,
Mas perante o cbdigo civil a regra é que as porque nenhuma das entidades, e m nome de quem
inscrições são cousas móveis, a não ser que excep- estão averbados, póde aliená-los por si livremente,
cionalmente tenham sido imobilizadas. e tais fundos sb poderao ser alienados, quando a
E a doutrina que resulta expressamente. e sem sua alienação seja autorizada por lei; e que são
sombra de dúvida, do confronto do n.0 3.O do imobilzqadas temp oràriamente as inscrições aver-
* art. 375." com o art. 376.". badas em favor de menores não emancipados, ou
Mas quais são as inscrições imobilizadas per- como dotais em favor 'de mulher casada, porque
p8tua ou tempoririarnente? não podem ser alienadas livremente pela pessoa a
A doutrina a êste respeito estabelecida é que quem pertencem, emquanto a sua alienação não
são imobili~adasperpetuamente as inscriçaes aver- f6r autorizada judicialmente, ou emquanto não
badas em favor de corporaç0es de utilidade pública, acabe o estado do seu dono que determina a imobi-
como misericbrdias, asilos, confrarias, etc. ; e imo- lização, isto é, emquanto o menor se não emancipe,
biliadas' temporàriamente as que forem averbadas ou a mulher não fique no estado de viuvez (1).
a menores. ausentes, interditos, como fazendo parte A verdade, porém, é que não há texto de lei
de um dote, de um usufruto ou de uma caução. etc. (=). nem princípio jurídico que autorize identificar a
Esta doutrina, porim, apesar de ter tido uma irnobiltqagão do n." 3 . O do art. 375.' com a inaliena-
consagração geral e constante, mesmo nas decisdes bilidade, absoluta ou relativa, dos respectivos bens.
dos tribunais, não nos parece juridicamente bem Aqiiela imobiliqa~âonáo tem outro significado
fundamentada. nem outro alcance senão o de aplicar Aqueles fun-
dos o mesmo regime e as mesmas garantias jurí-
dicas de que a lei faz cercar os bens imóveis.
Entretanto esta opinião foi combatida por Martens
(1) Se a imobiligacão significasse inalienabili-
Ferrão, num erudito Parecer da Procuradoria Geral da Corôa
-Direito, 111, pág. 9 8 . dade, seriamos então levados a concluir que todos
(s) Dr. Teixejra de Abreu, pág. 3 1 9 ;Dr. Dias Ferreira, I,
pág. 578; Revista de Legislação e de Jurisprudência, xxxr,
pág. 328. (i) Cit. Revista, log. cit.
11
os imóveis são inalienáveis, o que é um absurdo h jurisprudência corrente, que as inscrições dotais
e um contrasenso. podem ser livremente alienadas pelo marido, salvo
Por outro lado, também não é verdade que as se outra cousa tiver sido estipulada (art. 1148.~).
inscrições das corporaçóes de utilidade pública s6 Note-se finalmente que o código civil, deter-
possam ser alienadas, quando a sua alienaçao seja minando no art. I 14o.O as espécies de bens em que
autorizada por lei. deve ser convertido o dote ou a parte dêle que fôr
Também os bens dotais nãq são alienáveis, em dinheiro, expressamente exclui da categoria
pois o cbdigo civil permite a sua alienação nos dos imóveis as inscriçdes de assentamento, que
diferentes casos enumerados nos n."".' a 7.O do são para êste efeito equiparadas Qsacções de com-
art. r14q.O, e por isso já o célebre jurisconsulto panhias, sendo certo que estas são unânimemente
Alexandre de Seabra sustentou que as inscriçdes consideradas bens móveis.
dotais não são imobiliárias ( I ) . A disposição do 5 iínico do art. 375.', resalvando
Dizer-se das inscrições dotais que elas são quaisquer imobilizações decretadas por lei especial
imobiliqadas, porque são inalienáveis durante a para certos e determinados fins, torna-se desne-
constância d.0 matrim6nio ( c6d. civ., art. I 149.O), cessária, pois que a'lei especial prevalece sempre
é apenas formular um círculo vicioso, pois que só sòbre a lei geral.
póde dizer-se, nos termos do art. 1149.~,que elas
são inalienáveis, se se d'emonstrar primeiro que 50. Cousas móveis. Suas espécies.'-AS cousas
elas são bens imobili&rios. móveis são determinadas pelo art. 376.":
Por isso, somos forçados a concluir que as « S ã o m ó v e i s flor natureqn t o d o s o s objectos
inscrições dotais, em regra, são bens mobiliários; m a t e r i a i s n ã o compreendidos n o s d o i s a r t i g o s
e s6 podem imobilizar-se por declaração da von- precedentes, e p o r disposipãd d a l e i t o d o s o s
tade do seu proprietário (dotada ou dotadorj. Nada d i r e i t o s n ã o c o m p r e e n d i d o s em o n." 2 . O d o a r t i g o
se opõe, com efeito, a que no contracto ante- anterior».
-nupcial a dotada ou o dotador consignem a cláu- Vê-se, pois, que há duas espécies de m ó v c i s :
sula de imobilização das inscriçdes dotais. a ) p o r n a t u r e ~ a ,todos os objectos materiais,
E a mesma doutrina deve, pois, generalizar-se que não f ~ r e mprédios nem por lei declarados im6-
a todas as inscriçdes, no sentido de que s6 são veis; e
imóveis por disposição da lei, quando tiverem sido b ) p o r disposipão d a lei, todos os direitos
declaradas imóveis por acto legítimo da vontade que não forem inerentes a prbdios, nem p o r o u t r o
do seu dono. m o t i v o imobiliqados.
De outro modo não se pode determinar o sen- Esta última .expresslio, ou outra equivalente,
tido e alcance do n.O 3." do art. 375.O. como - e q u e p o r lei n ã o f o r a m declarados i m ó -
Desta maneira nbs entendemos, contrariamente v e i s - i: indispensável para completar o pensamento
d o art. 376.O, pois há direitos que, apesar de não
serem compreendidos no n." 2." do art. 375.O. "em
( i ) ~ z r e i t o xirr,
, pág. 43. por isso são m ó v e i s , como os do n." 3." do mesmo
artigo, que são verdadeiros direitos de crédito, de natureqa diversa, que são destinados ao uso
sem falar dos direitos essencialmente ~onstitutivos ori serviço público.
da pefsonalidade humana (meramente pessoais), O nosso código consigna claramente esta dou-
que.não constituem cousas, e por isso não podem ."
trina, tratando nos artt. 380." e 381 de cousas de
classificar-se nem como móveis nem como imóveis. uso publico e comum, que estão na posse ou admi-
nistração do Estado ou de corporaçóes públicas, e
51. Causas plblicas, comuns e particulares. Fun- declarando no § Gnico do ari. 382." que o Estado,
damento desta classificação.- Esta classificação encon- os municípios e as parbquias, como bessoas mo?ais,
tra-se no art. 379.", e os seus termos são definidos são capazes de propriedade particular.
nos artt. 380.0-382." Já no nosso, direito antigo. Coelho da Rocha
Diz o art. 379.": çlassiiicava os bens, emquanto aos possuidores,
< A s cousas, em relagão às pessoas a quem e m naczonais, municipais, dos estabelecimentos
a sua propriedade pertence, ou que delas se Públicos, e particulares ( 1 ) .
podem livremefzte aproveitar, disem-se pzlblicas,
comuns e particulares,.
(1) a ~ a c h n a i s ,escrevia Coelho d a Rocha, são os que
O projecto primitivo do código não continha perteiicem ao Estado ou nação. São de duas espécies : r." daque-
a doutrina dos artt. 379."-382.", que s6 foram for- les, que d e tal maneira estão na propriedade publica, que não
mulados quando, a prop6slto da ocupacão das águas, podem deixar de lhe pertencer, sem mudar de natureza, e por
apareceu a necessidade de definir o rdso público e isso, Ja frase do direito romano, 'se diziam estar fora do comér-
cio: tais são os tributos, a s estradas, os rios navegáveis, as
O uso comum ( I ) .
praças, portos, ancoradouros, cais, etc. ; z . daqueles
~ que, não
Na maior parte dos códigos modernos foram obstante pertencerem ao Estado, podem contudo passar para a
consignadas, emboi-a seguindo critérios diferentes, a propriedade dos particulares por alienaçao, ou ainda pres-
certas disposiçóes destinadas a separar da proprie- crição: tais são os proprzos do Estado, os bens vacantes, a s
dade privada, objecto do direito civil, os bens ilhas e mouchões que se formam nos rios navegAveis, os palá-
cios e quintas destinados a familia real, e estabelecimentos do
que estão na posse e mesmo no domínio das pes-
Estado.
soas sociais ou corporaçóes piiblicas, os quais n a r~Munzcipaisdizem-se aqueles bens, cuja propriedade per-
sua maior parte pertencem a esfera da acção d o tence aos povos de um concelho ou município. Estes também
direito público e administrativo. s e podem reduzir a duas espécjes: I." daqueles cujo uso está
No meio da grande variedade de disposiçdes patente a todos, como a s ruas, os baldios e maninhos ; zadaque-
les cujo uso e rendimento é especialmente aplicado para a s
reguladoras dos bens possuídos pelas corporações ou despesas d a municipio. O mesmo C aplicável aos bens das
,pessoas públicas, uma idea fundamental é comum paróquias.
a todas as legislaçdes: é que essas pessoas podem .Os bens dos estabelectmentos públicos, como Igrejas,
ter duas espécies de bens- a propriedade pri- Mosteiros, Hospitais, Misericórdias, Universidades, são, para
vada, sujeita ao direito civil, e-outra classe de bens, o s efeitos jurídicos, equiparados aos dos particulares, com a s
excepçaes ou privilégios, que as leis lhes concedam.
«Os bens dos particulares são os que fazem o objeclo
principai do direito civil, -Coelho d a Rocha, Institztlgdes,
(I ) Actas, pág. r40 e 446. 55 86 a 89.
E tambémcoelho da Rocha acentuava a dis- cousas, é menos em razZLo da própria natureza
tinção dos bens nacionais e municipais em duas objettiva das mesmas cousas, do que em virtude
espécies perfeitamente diferenciadas - os bens d e de u m a certa incapacidade das pessoas morais ,

uso pubLico e os bens patrimoniais do Estado ou que as possuem.


do município, juridicamente equiparados aos dos E o mesmo acontece com os bens pertencentes
particulares. a menores, interditos, ausentes e casados segundo
Foi esta distinção, entre as duas espécies d e o regime dotal, que s6 em certos casos, e mediante
bens possuídos pelo Estado OU pelas corporaçdes certas formalidades, podem ser alienados.
públicas, que levou alguns legisladores e jurjscon- O nosso código, tanto na rúbrica do titulo em
sultos a tomar como base da classificação das cousas que está colocada esta matéria, como na primeira
em públicas, comuns e particulares a natureza parte do art. 379.°, parece ter tomado como funda-
das pessoas a quem pertencem ou que teem a sua mento da ciassificação o conceito erróneo d3. diversa
posse, como que estabelecendo o princípio de que qualidade das pessoas a quem as cousas pertencem.
a natureza jurídica das cousas é variável com a Mas êste critkrio é apenas aparente, porque o
qualidade das pessoas a quem pertencem. mesmo art. 379.' consigna um outro fundamento
Um escritor italiano (Borsari) chega até a equivalente, expresso nas palavras- ou que delas
afirmar que i befzi recevono qualità dnlle per- se podem livremente aproveitar -, mostrando
sone a cui appartengono. assim que o seu pensamento foi atender As pes-
Mas tal doutrina é inaceitável, sendo mesmo soas que das causas podem utilizar-se, declaran-
necessário inverter aquele princípio no sentido de do-as públicas, comuns ou particulares, conforme 0
que irs"Eousas s6 pela sua diversa natureza ou fun- seu uso pertence a toda a gente (art. 3 W ) , a uma
ção &pecial são consideradas como públicas ou certa generalidade de indivíduos (art. 381."), OU
comuns, e não pelo simples facto de pertencerem s6 a certas e determinadas pessoasb(art. 389.").
aò Estado ou a corporações públicas, pois que t2m- E assim, as duas expressóes do art. 379.O, que
hém estas pessoas morais são susceptíves de pro- traduzem o fundamento da classihcação, devem
priedade particular. considerar-se sinbnimas, não s6 porque atribuir-
Certas cousas são Publicas ou comuns, pela se-lhes diverso sentido seria admitir duas bases
simples razão de qae por sua própria natureza são diferentes para a mesma classíficaçáo, mas porque,
destinadas ao uso de toda a gente ou de uma gene- em regra, sd pode dispar livremente duma cousa
ralidade de pessoas, e não por pertencerem ao o seu pr6prio dono.
Estado ou a corporações publicas.
E nao se dizem pUblicas ou comuns por per- 52. Noção e caracteres distintivos das cousas públi-
tencerem a estas pessoas morais; mas entrega-se- cas, comuns e particulares.- Cousas públicas são
lhes a sua posse e administração, precisainente,por ( art. 380.") :
serem públicas ou comuns, « a s cousas aaturais ou artz$ciais, aproflria-
E quando a lei subordina a certas restrições e das o u produqidas pelo estado e corporações
formalidades a alienação e administração destas púbLicas, e mantidas debaixo da sua adminis-
fra@o, das quais é licito a todos, individual toda a gente, nacio&is ou estrangeiros (art. 380."
o u colectivamnte, u tiliqar-se, com as resthgões comp. com o art. 26.0).
impostas pela lei, ou pelos regulamentos admi- AS cousas comuns são também naturais OU
nistrativos». artificiais, e distinguem-se das públicas por serem
Cousas comuns são (art. 381.0): destinadas sòmente ao uso dos indivíduos com-
«as cousas naturais o u artzpiciais, não indi- preendidos em certa circunscriçãa administrativa
vidualmente apí-opriadas, das quais só é permt- ou que fazem parte de certa corporação pública.
tido t i r a r proveito, guardados os regulamentos Quer dizer: tanto umas como outras são des-
administralivos, aos individuos compreenditJos tinadas ao uso público, mas emquanto que as
em certa circunscri~ão administrativa o u que públicas são de uso Público gera*, as comuns são
faqem parte de certa c o r p o r a ~ ã opdólica». apenas de uso púólico .toca1 OU corporutiwo, isto
Co usas particulares são (art. 3 8 2 . O ) : 6, restrito aos m e m b r o s de certas corporaçCles
a as cousas, cuja proprzedade pwtence a pes- públicas.
soas singulares o u colectivas, e de que ninguém Essencialmente diversas das cousas piíblicas .e
pode tirar proveifo, senão essas pessoas o u outras comuns são as particulares, porque, pertencendo
c o m seu consentimento ». a certas e determinadas pessoas, singulares OU
A definição legal das cousas públicas é, com colectivas, físicas ou morais, constituindo O seu
ligeiras alteraçdes, a que foi apresentada A Comis- patrimdnio, só por estas pessoas podem ser direc-
são revisora do projecto do c6digo civil por Ale- tamente utilizadas, ou ainda por outras que por
xandre Herculano ( I ) . estas sejam para isso autorizadas (art. 382.O).
Por esta definição vê-se que há duas espécies Da pr6pria natureza das três espbcies d e cousas
de c o u s m piiblicas: as naturais, que fazem parte resulta que também elas se distinguem, em regra,
da prbpria nftureza física do globo, como as águas, umas das outras, pelas pessoas a quem é confiada
navegáveis ou flutuáveis, e as artijciais, que são a sua administração, que são, .em geral: o Estado
produzidas pelb Estado ou por alguma corporação para as públicas, as çorporações públicas para as
pública, como as fontes e as estradas. comuns, e os indivíduos, ou o Estado e as corpo-
Mas tanto umas como outras teem esta carac- raçbes como pessoas mo&is, para as particulares.
te~ística essencial-serem destinadas ao uso de Mas no sistema do código esta regra tem
excepções importantes, havendo, cousas comuns
administradas pelo Estado, como são as correntes
+ (1) A definição apresentada por Alexandre Herculano não navegáveis nem flutuáveis de uso comum, e
era assim formulada : ' cousas públicas administradas por corporações admi-
<São de mo Publico as cousas naturais ou artificiais apro- nistrativas, como as estradas municipais ou paro-
priadas ou produzidas pelo Estado e rnantidas debaixo da sua
ádministração, das quais é licito a todos, individual ou colec-
quiais.
tivamente, utilizar-se com as restriçóes impostas pela lei ou A característica diferencial está, pois, nas pes-
pelos regulamentos administra ti vos^. Cfr. Actas da Comissão soas que das cousas se podem livremente utilizar,
revisora, pág. 176. sendo contudo certo que o uso das cousas públicas
e comuns não 4 inteiramenteyivre para as pessoas em certa circunscrição ou corporação pública, mas
a quem são destinadas, porque, no próprio interesse apenas h generalidade dos que se encontrarem nas
da colectividade, está sujeito As restrições c limi- condições legais de se aproveilarem delas.
tações impostas pelas leis e regulamentos adminis- Esta interpretação é mesmo a que melhor se
trativos, no sentido do seu melhor aproveitamento. harmoniza com o preceito do art. 38r.O. que não
Note-se finalmente que a lei, definindo as cou- emprega a palavra todos, que aliás se encontra n o
sas comuns pelas pessoas que as podem utilizar, art. 380.0.
refere-se ao uso próprio e especial a que elas são Restrição semelhante se verifica nos baldios
directamente destinadas, como a irrigação, os usos municipais ou paroquiais (art. 381.@, a." I . ~ ) ,
industriais e gastos domésticos, relativamente As cujo uso não pertence a todos os municipes OE
águas, e não a qualquer uso acidental e indirecto, paroquianos, mas apenas aos visinhos de certas
como por exemplo, o da pesca nas águas públicas localidades.
e comuns, que é reconhecido a toda a gente nos
termos do art. 395.0. 53. A questão da propriedade das cousas públicas
E ainda assim a definição legal das cousas e comuns. Domfnio piblico -E uma questão muito
comuns mal pode adaptar-se Bs águas de uso comum, controvertida a da propriedade das cousas publicas
pois que o seu uso não pertence a todos os indivi- e comuns, embora a sua discussão e solutão, nos
duos compreendidos em certa circunscriçào admi- tei-mos em que se apresentam, não ofereça interesse
nistrativa ou que fazem parte de certa corporação prático. *
pública, mas apenas aos proprietários marginais e Relativamente As públicas, sustenta a Reoistn
seus visinhos, conforme o disposto nos art. 434.0 de Legislação e deJurisprudêízcia que a sua pro-
e seguntes, hoje substituídos pelas disposições do priedade pertence ao Estado ou Bs corporações
decreto-lei n." 5787-1111, de [o de maio de 1919, publicas, conforme por aquele ou por estas foram
que regula os direitos de uso das águas, redu- apropriadas ou produzidas. Assim diz a Revista r
zindo-as a duas espécies-públicas e particulares. «Pertencendo nestas cousas ao Estado ou As
Êsse facto levou n Reoista de LegisLacão c de corporaçbes públicas o direito de exclusão e deíesa,
Jurisprudência a concluir que para o uso das cou- o direito de restituição e de indemnização, e a fa-
sas comuns se atende umas vezes B circunscrição culdade de dispdr delas como bens próprtcrs logo
admtnzskativa, e outras A n a t u r a l sòmente ( 1 ) . que percam a qualidade de públicas, podemos
A verdade, porém, é que não há circunscri- dizer que aquelas entidades teem direitos de pro-
ções puramente naturais, e a definição do art. 381." priedade sdbre os objectos'desta natureza. E como
é adaptável também As águas de uso comum. enten- o direito de dispdr é o que mais caracteriza O
dendo-se que o uso das cousas comuns não per- domínio, e êste direito pertence ao Estado OU
tence sempre a todos os indivíduos compreendidos corporações publicas sdbre aquela espécie de bens,
e tanto que o podem exercer asszm que estes
be~zsnão sirvam p a r a o uso de todos, entende-
( ) Cit. Revasta, XIII pag. 162, nota 8. mos que o d o d n i o deles é do Estado, ou distrito,
o u munictpio, o u parbquia, e o direito de OS mentar a sua doutrina, afirma duas vezes, por uma
fmir ou utilizar é de todos os homens sejam eles forma expressa e terminante, esta mesma idea.
quais forem 2 ( ). E se é certo, como diz a mesma Revista, que
Por seu lado, o Dr. Dias Ferreira, escreveu: o direito de dispdr é o que mais coracteriya o
a o s bens públicos descritos no art. 380.' per- dominio, e é indiscutível que as cousas públicas
tencem em plena propriedade i Nação, por direito são inalienáveis, e até imprescritíveis, emquanto
de soberania, e no uso a todo o mundo, formam não deixarem de servir para o uso púb1ico;a con-
parte do territdrio nacional, e não podem ser alie- clusão tem de ser que, s e alguém tem dorninio
nados, nem adquiridos por prescricâo » (;). sobre estas cousas, silo os próprios indivíduos que
Esta doutrina, por&m: é manifestamente inad- delas se utilizam, e nao o Estado ou as corpora-
missível na parte em que atribue também ao Estado ções públicas, que as apropriaram, ou produziram.
a propriedade das próprias cousas públicas, que E as palavras a apropriadas o u produgidas B
nos termos do art. 380.O foram apropriadas ou pro- do art. 380.0 explicam-se perfeitamente no sentido
duzidas por outras corporaçdes públicas. de que o Estado ou as corporaGdes apropriam estas
A doutrina da Revista de Legislapão foi natu- cousas em nome de todos os indivíduos, para o uso
ralmente sugerida pelas'palavras « apropriadas o u de toda a gente, mas não para as possuir'em como
-
produ;idas» do a'rt. 380.0. bens próprios.
E neste sentido poderia ainda invocar-se a dis- Mas dizendo-se que o dominio das causa-s
poziçao do art. 2263." que expressamente fala de publicas pertence a todos os indivíduos que delas
terrenos phhlicos que pertençam a freguesias, a se podem utilizar, não se entende a palavra domi-
munici'fiios ou ao Estado. nio no seu rigoroso sentido, como sinónimo d e
Entretanto as cousas teem de ser necessiria- propriedade, como a define O art. 2167.O, mas sim-
mente o que realmente são em face da lei, e não plesmente como o direito que todos teern de usu-
o que apenas resulta das palavras empregadas pelo fruir directamente as utilidades das mesmjas cousas.
legislador. De resto, a verdade é que as cousas públicas,
Ora a verdade é que a lei não reconhece ao emquanto se mantiverem como tais, são cousas
Estado nem às corporaçoes administrativas o domí- nullius e fora do comércio, embora algumas pos-
nio ou direito de propriedade stibre as cousas sam ser parcialmente adquiridas por ocupação,
publicas, senão quando elas passam à categoria como acontece com as águas.
de bens patrimoniais ou cousas particulares, por Relativamente às cousas comuns, entende a
deixarem de servir para o uso público a que eram Revista de Legislação que o código não diz a quem
destinadas. a sua propriedade pertence, acrescent8ndo que
h própria Revista de Legislacno, ao funda- « n e m o podia dizer, já porque não está ainda bem
assente êste ponto de direito, já porque, ainda que
o estivesse, sena mister estabelecer tantos princí-
(i) Cit. Revzsta, XIII, pág. 146. pios quantas as espécies de bens compreendidos na
(2) Dr. Dias Ferreira, I , 69. a denominação de cousas comuns ». E, procurando
determinar os proprietários das cousas comuns, diz a livremente, já o Supremo Tribunal de Justiga jul-
mesma Revista que são: os proprietários dos p r é gou que a propriedade dos baldios pertence aos
dios marginais, para as correntes náo navegáveis moradores visinhos ( 1 ) .
nem flutuáveis, os municípios ou as pardquias, Os baldios, emquanto se conservam na quali-
para os terrenos baldios e para as fontes construi- dade de cousas comuns, são cousas náo apropria-
das e administradas pelas respectivas corporações das, e como tais n u l l i u s e f6ra do comércio (",
administrativas ( I ). e s6 entram no comércio, transformando-se então
Examinando, porém, os artt. 434.O e seguintes, . em cousas particulares, quando nos termos das leis
especialmente o art. 440.", aliás suhstituido mas 8 autorizada a sua alienação, sendo s6 neste mo-
conservado pelo decreto n." 5787-1111, vê-se logo mento que ao respectivo município ou paróquia B
que os proprietários marginais não teem o direito lícito ocupá-las.
d e propriedade sbbre as águas, mas apenas O Da doutrina exposta sdbre as cousas públicas
direito de se servirem delas para o serviço ou e comuns, em confronto com o art. 382.O e seu
exploração dos seus prédios. E um direito de § único, rcsulta claramente que o Estado e as cor-
ocupação no sistema do código, e que bem n-iostra poraçdes públicas teem no seu poder ou dominio
serem nfillius as águas comuns, assim como as patrimonial duas espécies de cousas ou bens: bens
públicas, e ate mesmo as particulares, antes de destinados ao uso público geral (cousas pliblicas)
serem exploradas ou apropriadas. ou ao uso publico local ou corporntivo, que
A doutrina que atribue ao município ou a e restrito aos membros da corporação (cousas
paróquia a propriedade dos baldios funda-se nas comuns), e bens destinados ao uso privativo da
leis de 26 de julho de 1850 e 28 de agosto cíe 1869, .própria pessoa colectiva pública considerada como
e no regulamento de 25 de novembro do mesmo um particular (cousas particulares), que estão por
ano, que dão aquelas corporações não s6 os direi- isso sujeiLos ao rcgimc do direito privado civil ou
tos de exclusão e defesa, de restituição e indemni- comercial.
zação, mas tambéni o de receber o preço da venda Mais simplesmente pode dizer-se que O Estado
.ou aforamento íte tais terrenos. e as outras corporações phblicas teem duas espécies '
Mas a verdade é que aqueles direitos bem se de património: um patrimbnio público ou bens do
justificam pela simples funçáo administrativa dos dominio pzlólico, e um patrim6nio privado, ou
mesmos terrenos confiada aquelas corporações : e bens do dominio privado. A teoria do dominio
o direito de receber o preço da venda ou afora- público foi construída principalmente pelos autores
mento só se realiza quando o terreno deixa de ser franceses, e desenvolvida pelos italianos.
de uso ccfinum.
No sentido do princípio geral que faz coincidir
a propriedade das cousas com o direito de as usar ( 1 ) Acórdão de r; de novembro de 1880, no ~ i r e i t o xIrr,
,
PQ. 139.
(2) Acórdão da Relação do Porto, de 19 de dezembro
de 1879, na Revista de Legtslnçáo e de Jurtsprudêncza, xvrrr,
(1) Cit. Rev., xrIr,pág.r61. pág. 123.
- E A interessante esta primazia da escola fran- pode mesmo dizer que o Estado seja proprietário
cesa, que nos parece explicar-se precisamente pela deles. O usus não pertence ao Estado, mas ao
insuficiência dos textos legais s6bre a matéria, público, a toda a gente, inclusivé os estrangeiros;
pois que os artt. 538.0541.~ do código de Napoleão, O fructus não existe, porque êstes bens não pro-
que se referem ao domínio patrililmial do Estado, duzem rendimentos; quanto ao abusus, ou direito
conteem disposições muito lacónicas, imperfeitas de disposição, não há questão, porque o uso
e equivocas (I). público, a que êstes bens estão afectados, não per-
: Na doutrina francesa o dominio público é O mite que sejam alienados ou onerados com direitos
que se chama Dominio, dominio público, bens reais.
dominiais ou dominialidad'e pública (Domaine, Para precisar o interesse prático, ou o efeito
domaine public, biens domaniaux, domanialité jurídico da distinção entre as duas porções do
publique), e refere-se somente aos bens do Estado, dominio, reconhece-se :
dos departamentos e das comunas ( 2 ) . e 1.O O domínio público é inaliendvel, em-
O s italianos chamam-lhe: Cose publiche, de- quanto que o domínio privado pode ser alienado
manzalitá, beni demaniali, cose demaniali ( ). @ nas condiçbes e com as formalidades prescritas
Calin e t Capitant descrevem o domínio público pelas leis administrativas.
e o domínio privado numa síntese admirável de 2.O O domínio público é imprescritivel; o
nitidez. domínio- privado pode perder-se pela prescrição.
O dominio privado compreende os bens que 3.O O s bens do domínio público não podem
o Estado possui e gere como um particular, que ser onerados com qualquer servidão; os im6veis
lhe produzem rendimentos, que êle pode alienar, do dominio privado, ao contrário, podem ser o n e
pelo menos em geral, e que nada, portanto, dife- rados com servidões, como os dos particulares.
rencia exteriormente das cousas susceptíveis de 4 . O Diz-se também que o domínio público é
propriedade privada. Uma herdade ou quinta mo- impenhorável ou insequestrável. Mas isto não é
delo, uma caudelaria, uma manufactura de tabaco uma solução exclusiva dos principios da dominia-
ou de fósforos, são partes do domínio privado. lidade pública. Também o domínio privado do
O direito civil é normalmente aplicável aos negó- Estado é insusceptível de penhora ou arresto; por-
cios de que êstes bens podem ser objecto. que as suas dívidas s e liquidam e pagam segunda
O domínio publico, ao contrário, é constituído regras especiais, não podendo as vias ordinárias
pelos bens que servem para o uso de todos, como de execução ser exercidas contra o Estado, que,
rios, portos, estradas, ruas, praças públicas. Êstes além de se presumir solvável, é e m todo O caso
bens não estão evidentemente sujeitos às regras superior A autoridade dos magistrados e auxiliares
do diyeito civil relativas à propriedade. Não s e da justiça, seus pr6prios empregados (I).
Mas dada a insuficiência dos textos legais,
( L) Colin et Capitant, i , pag. 707 e 708.
(2) Colin et Capitant, pag. 705 e seg.
(3) Coviello, pág. 281 e seg. (1) Colin et Capitant, pág. 705 e 706.
23
grande divergência existe entre os autores sobre O reza destas cousas não é incompatível com a sua
critério distintivo dos bens que pertencem ao inclusão na propriedade privada.
domjnio público ou ao domínio privado. Por isso, concluem Colin e Capitant, o critério
A teoria mais em voga entre os escritores de precisa ser ampliado, e deve ser a afecta@ das
direito público e administrativo (Hauriou, JBze, cousas, não a um serviço público, mas ao uso di-
Duguit) considera como característica da dominia- recto do pUbLico. Assim s e explica, por u m lado,
lidade pública a afectação das cousas a um s e r v i p a inalienabilidade e indisponibilidade daquela es-
puhlico. pécie de bens, portos, estradas, rios, objectos que,
Mas êste critério é geralmente rejeitado pelos se fossem entregues ao comércio jurídico, i ã o po-
civilistas, por ser excessivamente latitudinário. deriam realizar o seu destino; e, por outro lado,
Não se vê, dizem Colin et Capitant, a razáo porque assim se explica também esta solução incontesthvel:
devam subtrair-se As regras relativas à propriedade que o carácter da dorninialidade pública deixa d e
privada todos os edifícios afectos a um serviço ., ser inerente aos bens desta fracção do domínio,
público, como uma escola, e todos os objectos desde que cesse a sua afectagão ao uso do público;
mobiliários tendo o mesmo destino, como os livros por exemplo, o terreno duma estrada nacional
das bibliotecas públicas. poderá ser vendido logo que a estrada seja aban-
Por isso outros autores, mesmo de direito donada ( déclassée ). De resto, é bem de vêr que
administrativo, como Berthélemy, adoptaram outro a vontade do legislador pbde sempre, mesmo fhra
critério, mas êste muito restrito, que pdde deno- das condições indicadas, imprimir a certas cousas
minar-se teoria da e x t r a comercialidade, pois que, normalmente, deviam entrar no domínio pri-
consiste em considerar do domínio público só os vado, todos ou parte dos caracteres da dominiali-
bens que, p o r s u a p r ó p r i a n a t u r e ~ a ,s e mostram dade pública. É assim que as fortificaçdes, embora
insusceptíveis de propriedade privada (1). não sejam afectas ao uso livre do público, fazem
Esta doutrina tem o seu fundamento no pr6- parte do domínio público, porque não podem ser
prio art. 538." do c6digo de Napoleão, onde se diz alienadas, e isto em virtude de uma disposição
que são do dominio público todas as cousas per- formal do código civil (art. 540.' e 541.'); êste
tencentes à Naçiio, e que são dependências dêle carácter cessa quando a fortaleza é abandonada;
« t o d a s as porpões do território francJs que desde então os muros, trincheiras e fossos da antiga
não são susceptiveis de uma propriedade #ri- praça podem ser alienados, entram no domínio
oada ». privado ( art. 541.~) (I).
Mas O critério da e x t r a comercialidade deri= Para se vêr a importância da diversidade dos
vada apenas da pr6pria natureza das cousas é, na critérios, basta notar que, depois da lei da separa-
verdade, demasiado restri tivo, pois não abrangeria ção das Igrejas e do Estado ( 9 de dezembro de rgog),
os portos, os caminhos, os rios, visto que a natu- o s edifícios do culto são para os autores de direito

(i) Berthelemy, Traité de droit admmistratif, pag. qrz. (1) Colin et Capitant, pág. 709.
administrativo ,bens do domínio privado, emquanto Na doutrina italiana o critério geral dominante
que para os civilistas continuam a ser do domínio é o destino dos bens públicos, isto é, servir ao
público (I). uso phblico.
Mas bem analizadas as cousas, reconhece-se Discute-se porém o que deve entender-se por
que afinal o critério do uso público, adoptado pelos uso publico, isto é, se se trata de um uso directo
civilistas franceses, se mostra ainda insuficiente e imediato por parte dos cidadãos, como, por exem-
para caracterizar o domínio público do Estado ou plo, nas estradas, praias e nos, de que os indivi-
das autarquias locais. Êle não serve para justificar duos podem gozar, transitando, pescando ou nave-
a qualificação das fortificações. E por outro lado gando ; ou se é ta rnbém o uso indirecto e medíato,
não se compreende o motivo porque não se hão emquanto é o Estado que dos bens faz uso direc;
de incluir, à semelhança destas, no domínio público tamente no interesse comum dos cidadãos, como
todos os edifícios e todas as cousas que, embora acontece com os edifícios públicos, fortalezas e
não sejam destinadas ao uso directo do público, são semelhantes.
como elas destinadas a um serviço público perma- Mais simplesmqnte : devem ser do domInia
nente, tão necesslirio A vida da Nação, que devem público ou dominiais s6 os bens destinados ao uso
igualmente ser indis@oniveis e imprescritiveis. directo do público, ou também os que são desti-
Eis a razão porque a doutrina italiana, em face nados a um serviço público realizado pelo Estado,
das disposiçoes do seu c6digo civil, calcadas, em pela província ou pela comuna?
parte, sôbre os artt. 538."- 541."do código francês, Se sòmente devem considerar-se dominiais as
sentiu a necessidade de construir uma teoria mais cousas que servem directamente ao uso dos cida-
completa do domi nio público. dãos, e todas as outras patrimoniais, entendem
Com fundamento nos artt. 426." e 432," do alguns que é necessârio distinguir nestas as que,
c6digo italiano, começam os autores por distinguir sendo destinadas a um serviço público (como os
os bens do Estado, das províncias e das comunas edifícios públicos ), são indisponiveis, e as que,
em Bens dominiais e bens patrimoniais, e dizem tendo uma utilidade econ6mica produtiva de ren-
que os bens dos institutos públicos e das outras dimento, são disponiveis.
pessoas colectivas são sempre bens patrimoniais, - Mas se, pelo contrário, se incluem Gús bens
nos termos do art. 433.' ( 2 ) . dominiais tanto aqueles que são directamente apro-
veitados pelos cidadãos como os que estes s6 indi-
Colin et Capitant, pág. 710. rectamente gozam, por ser o seu uso reservado ao
(1)
( a ) &t. 4 ~ 6 . ~a:1 beni dello Stato si distinguono in Estado, revertendo afinal a sua utilidade a favor
demasio pubblico e beni patrimoniaii. r dos cidadãos, por virtude da aplicação que deles
Art. 4 3 2 . O : I beni delle provincie e dei comuni si distin- faz o Estado a um serviço público, então é neces-
guono in beni di uso pubblico e in patrimoniali.. sário nos bens dominiais distinguir dois tipos: um
Art. 433.0 a 1 beni degli istituti civile ed ecclesiastici e
degli altri corpi morali appartengono ai medesimi, in quanto dominio público normal, em que o gozo das cousas
le leggi de1 regno riconoscano in essi Ia capacita di acquis- públicas é por sua natureza directamente atribuido
tare e di possedere v. aos cidadãos ; c um domínio público anómalb, cuja
utilidade de interesse geral é dada pelo uso que dominio público geral, B um dominio público local
dêle faz o Estado e cujo tipo mais característico é ou corporativo, como já mostrámos.
constituído pelos bens destinados A defesa naçional. Por outras palavras, o chamado domínio comum
Todos estes sistemas teem os seus defensores é também dominio público. Com efeito, o que mais
entre os escritores italianos ; mas o que nos parece caracteriza o domínio público não é o maior ou
mais conforme com a realidade da vida económica menor número de pessoas a quem êle interessa,
e jurídica é O que determina a dominialidade ou o mas sim o regime jurídico das cousas a que êle se
carácter público do domínio por qualquer dos dois refere.
princípios, ou pelo destino ao uso directo do Ora o regime jurídico das cousas comuns é
públictí, ou pela afectação a um servico flúblico; precisamente o do domínio público -indis$onibt-
ou, ainda mais simplesmente, pela f u n ~ ã oeconó- lidade, imflrescritibilidade e impenhorabílidade.
mica publica das cousas, isto é, pelo seu destino As cousas comuns são, como as públicas extra
ao uso de todos os cidadãos ou de uma generali- commercium ( art. 372.O) ; e por isso, e pelo uso
dade deles, mas tanto ao uso directo, como ao indi- público a que são destinadas, não podem ser alie-
recto por intermédio do serviço público do Estado nadas (art. 381."),nèm prescritas (art. 506.'), nem
ou da respectiva autarquia local ( l ) . hipotecadas (artt. 889.0 e 894.0), nem penhoradas
Tal é a constrqão jurídica do domínio público (art. 815.0, n.O 1 . O do c6d. de pr. civ.).
que s e adapta exactamente ao nosso direito, e que Contra a perfeita identificação do domínio
podemos dizer mesmo se encontra consignada nos comum com o domínio público nem mesmo se
artt. 379.0 a 382.", 3 Ún., do código civil: pode dizer que os baldios, ao contrário das cousas
Em primeiro lugar devemos observar que a públicas, podem ser alienados, divididos pelos
divisão das cousas em públicas, comuns e particu- moradores vizinhos ou aforados em hasta piiblica,
lares, não exige que o domínio se distinga igual- porquanto esta mudança de situação jurídica de
mente em público;* comum e particular. Nem ha tais cousas comuns só tem lugar quando deixam
coincidência necessária entre aquelas espécies de de ser destinadas ao uso público: é exactamente O
cousas e de domínio, porque, por exemplo, o que acontece com as estradas, jardins públicos, e
- art. 22b3." expressamente admite domínio público outras cousas públicas semelhantes, que uma vez
sobre cousas comuns. deixando de ser afectas ao uso publico podem tam-
É que na verdade a espécie de domínio que bém ser alienadas.
existe s6bre as cousas comuns é sem dúvida um Assente o princípio de que o dominio público
dominio público, como resulta da pr6pria definição i: tanto o que o Estado e as corporaçdes públicas (1)
_ do art. 381.O: simplesmente, em vez de ser um
-
(1) Deve notar-se que as corporações públicas suscepti-
veis de dominio público são, não sô a s autarquias locais e quais-
( 1) Para maior desenvolvimento da doutrina italiana, quer outros estabelecimentos piíblicos corporativos do Estado,
Coviello, pág. n8i e seg. ; Ruggiero, pág. 416 e seg.; Ferrara, mas tambkm as corporações admznzstrativas, nos termos do
pag. 760 e seg. 5 iInico do art. 253." do código administrativo de 1896 (ainda
exercem sôbre as cousas públicas, como o exercido Não nos parece mesmo que possa ter outra
pelas mesmas corporações sôbre as cousas comuns, significação a expressão «utilizar-se individual ou
6 fácil reconhecer que o conceito de domínio pú- colectivamente a.
blico formulado nos artt. 380." e 381.0 do nosso O que é necessário 6 distinguir, entre as cou-
tbdigo é exactamente o do serviço fldblico ou do sas do domjnio do Estado ou das corporaçóes pú-
uso directo ou indirecto dos cidadãos, quer seja o blicas, quais as que são do domínio phblico, e quais
tis0 geral, quer sòmente o uso local ou cnrporativo. as que não sendo destinadas ao uso, nem mesmo
Com efeito, nos termos do art. 380.", não podem indirecto, dos cidadãos, constituem por isso o do-
deixar de ser considerados cousas públicas todos mínio privado das pessoas colectivas públicas,
os edifícios ou construções do Estado, incluindo as o seu património, como cousas ou bens particu-
fortalezas, porque, embora os cidadãos não possam lares.
servir-se deles directamente, utilizam-nos todavia Para êste efeito parece-nos suficientemente
indirectamente, beneficiando do serviqo público a expressiva a doutrina de Ruggiero: «São domi-
que eles são destinados. ninis ( d o domínio público) os bens destinados ao
O r a o art. 380.O não faz distinção alguma entre uso piiblico, entend;do no sentido amplo de gozo
iiso público directo e indirecto, devendo pois directo ou indirecto, e os destinados A defeza nacio-
entender-se que se refere a ambos. nal, pois que de todos eles a utilidade geral consiste
Aqueles que, como o Dr. Guilherme Moreira, numa utilização directa da cousa. sem necessidade
entendem que é só no uso público directo que está de transformaç0es. Patrimor~iais ( d o domínio
o carácter essencial das cousas publicas, não veem privado) pelo contrário são todos os outros que,
que, ao contrário disso, o art. 380.' até s e refere não sendo destinados a um gozo i n natara, quer
tamb&rn a uso indirecto, dizendo «das quais C por parte dos cidadãos quer por parte do Estado,
lícito a todos, individual ou colectivawtente, utili- teem por função fornecer ao Estado, sob a forma
zar-se,: a utilização individual é o uso directo, a de preço de alienação, de renda por locaç80, e
utilização colectiva é o uso indirecto ( I ) . negócios semelhantes, os meios económicas neces-

em vigor nesta parte, por fbrça dos decretos-leis de 13 e 28 de


óutubro de ~ g c o )isto
, é, todas a s corporaçdes, associações e quarteis, a s fortalezas, os edificios das cbrtes, dos ministérios,
institutos de piedade ou beneficência, sujeitas à inspecção do a um serviço público, ou a satisfazer, pela sua troca por outros
governador civil. bens: necessidades públicas, como os edifícios que o Estado dè
( I ) Diz o Dr. Alves M o r ~ i r :a e As cousas que o Estado de arrendamento ou destine ao exercício de indústrias que mo-
e as corporações públicas apropriam ou produzem e que nao
podem ser directamente utilizadas pelos cidadãos constituem o
nopolize -Insfc tuigões, pag 361 .
Como se vè, na doutrina do ilustre professor há uma idea
seu pafrimónzo ou bens patrirnoniazs. Como pessoas colecti- -a do gbzo dos cidadãos u f i zmiversi-que é afinal a-plena
vas não pode o Estado gozar desses bens nem a s corporaçdes justificação da nossa idea de que o art. 380.", na expressão
publicas, mas os cidadãos ; esse gbzo, porkm, não lhes pertence utzliqar-se colectivamente A, se refere ao uso indirecto, devendo
v t i s~ngzdli, mas u f i universi, não é directo, mas indirecto. portanto abranger todas a s cousas destinadas a um serviço
É assim que os bens patrimoniais ou são destinados, como os público.
sários para satisfação das outras necessidades pú- veitamento das águas, começando por determinar
blicas (1); quais são as águas públicas e as particulares.
Mas qual é verdadeiramente a natureza jurídica E assim, pertencem B categoria das cousas
do domínio público? públicas:
Entendem uns que é um direito de proprie- I . " As estradas, pontes e viadutos construidos
dade; consideram-no outros como um direito s u i e mantidos a expensas públicas, municipais ou
generis, de soberania ou poder político em princi- paroquiais ;
pio, mas produzindo efeitos de propriedade; e 2.' As águas salgadas das costas, enseadas,
entendem outros que é apenas um direito de poder baías, portos arti$ciais, docas, fozes, rias e estei-
político, um direito público administrativo, um j u s ros, e seus respectivos leitos, cais e praias, até
imperii. onde alcangar o colo da m a x i m a preamar de
Esta nos parece a verdadeira doutrina, pois dguas vivas;
que sobre as cousas do domínio público não pode 3 . O O s lagos e lagoas, e os canais, valas e
o Estado, ou as corporaçdes públicas, exercer, em- correntes de água, navegáveis ou flutuáveis, com
quanto conservam esta natureza o domínio privado, os seus respectivos 'leitos ou álveos e margens ;
ou seja, o direito de propriedade pròpriamente 4." A s valas e correntes de água não nave-
dito, como já mostrámos. gdoeis icem fiutuáveis, bem como OS respectivos
Mas devemos reconhecer, em primeiro lugar, trogos e m que atravessarem terrenos públicos,
que se trata de uma questão de puro interesse municipais ou de freguesia;
doutrinário teórico ; e em segundo lugar, que visto 5.' Os lagos, Lagôas e pântanos formados
se tratar em todo o caso de um direito de dominio, pela n n t u r q a nesses terrenos, e os circundados
que na linguagem tradicional do direito civil B o por diferentes prédios particulares;
direito de propriedade, não há inconveniente em 6." A s dguas nativas que brotarem e m ter-
se aceitar o conceito do dominio público como um renos pziblr'cos, municipais ou de freguesia, as
direito d e propriedade, mas de propriedade pú- á4uas pluviais que neles cairem, as águas que
blica ou colectiva. por êles correrem abandonadas, e as Úguas sub-
terrâneas que nos mesmos terrenos existam;
54. Enumeração das cousas públicas. - O código 7." As águas das fontes públicas, as dos pagos
faz esta enumeração no art. 380.0. Mas é necessário e reservatórios construidos à custa dos conce-
completá-la com o disposto no decreto n." 5787-1111, Lhos ou freguesias;
de 10 de maio de 1919, que regula o uso e apro- 8." A s dguas que nascerem e m algum pré-
dio particular, do Estado ou dos corpos admi-
nistrativos, e as pluviais que neles cairenz, l o ~ o
Ruggiero, pag. 419. Mais simplesmente ainda dizem
(1)
outros: patrimoniais são os bens que, pela troca com outros, que umas e outras transponham, aba~zdonadas,
sáo destinados a auferir rendimentos para os encargos do Es- os limites dos respectivos prédios, se forem.lan-
tado. Meucci, f s t i t u ~ i o n idi dzritto ammuc~stratiuo,11, pág. 3 par-se no m a r ou e m outras dguas do domínio
e seg. público.
A enumeração legal das cousas públicas é ape- (art. I74.", n." 24."), e de atravessadouros ou ser-
nas exemplificativa, como resulta da própria ex- ventias Públicas ( art. 5 2 . O , n.""." e 9.' ).
pressão «Pertencem a esta categoria », havendo Serão cousas phblicas todas estas diferentes
outras cousas, al&riidas especificadas no art. 380.0, espécies de vias de c o m u i i i c a ~ á ~ ?
que já antes do código civil eram consideradas Se atendermos só aos termos do n.* 1 . O d o
públicas, tais como os caminhos de ferro, com art. 380.0, parece que todos os caminhos construí-
as _suas dependências, e as linhas tclegrúficas, dos e mantidos h custa do Estado, do município ou
neles estabelecidas (decreto R . 2~ de 31 de dezem- da paróquia, entram na mesma categoria, incluindo
bro de 1864, art. 1.0). mesmo os vicinais do uso da paróquia.
Mas visto que as cousas públicas, assim como Mas entre estes há alguns que são do USO exclu-
as comuns, pertencem mais ao dirzito administra- sivo da paróquia ou de uma parte dela, como OS
tivo do que ao direito civil, limitar-nos hemos a que se dirigem a um tanque ou lavadouro da fre-
indicacão das categorias mencionadas na lei. guesia ou a um baldio paroquial.
A lei de 22 de julho de 1850 classificava as vias Ora os que se encontrarem nestas condições, não
de comunicação e t n estradas e caminhos, divi- satisfazem ao requisito essencial do uso público ge-
dindo as primeiras %mestradas de primeira c2asse rzl, e por isso sb podem considerar-se cousas comuns-
e de segunda classe, e os segundos em municipais O s atravessadouros ou serventias públicas
e 'uicinais. . podem também ser de uso público ou simplesmenIe
A lei de r 5 de junho de 1862 fez outra çlassi- de uso comum, sendo assim umas vezes públicos
ficação das estradas, dividindo-as em três classes: e outras vezes comuns ( I ) .
a ) estradas reais (hoje nacionais) ou de pri-
meira ordem;. 5 5. Baldios municipais ou paroquiais. - Tendo o
b ) estradas distritais ou de segunda ordem;e decreto-lei das águas atribuido a categoria de cou-
c ) estradas municipais ou de terceira ordem. sas públicas a todas as águas do domínio público,
Depois a lei de b de j u n h o d e 1864 (art. I.", abolindo a categoria de águas comuns, ficou a enu-
$5 1 . O e 2.") dividiu as estradas municipais em duas meração do art. 381.0 reduzida aos baldios. Mas
classes, pertencendo i primeira «as estradas muni- é claro que esta enumeração, como a das cousas
cipais de interesse comum para dois ou mais conce- públicas, é meramente exemplificativa, devendo con-
lhos, e cuja construção e conservação estiver a cargo siderar-se, além dos baldios, como cousas comuns
de dois ou mais municípios» (caminhos concelhios), todas as que estão no domínio de quaisquer cor-
e segunda «as de interesse especial de um só con- porações públicas e que sejam destinadas ao uso
celho, ao qual exclusivamente competirá a sua cons- público local ou corporativo.
trução e custeio ( c a m i n h o s visinhais).
Além disso, o código administrativo fala ainda
de caminhos paroquiais (art. 176.", n." 25."), de ( i ) Os atravessadouros passando por prédios particula-
res foram abolidos pela lei de 9 de junho de 1773, 5 Ia.", que
caminhos vicinais do uso da paróquia, que nno apenas deixou subsistentes os que se dirigissem a fontes ou
estejam classificados como estradas municipdis pontes, com manifesta utilidade ptiblica.
.... 307 ....

Chamam-se baldios ou maninhos certos terre- 8 I . ~ ) ,e do mesmo modo o de 1896 (art. 429.",
nos geralmente incultos, que por antigos usos e § I.") resolveu a questão, determinando que teem
costumes se acham na posse e g6z0 exclusivo e direito A divisão dos baldios todos os chefes de
directo dos vizinhos de certos lugares. familia que há mais de u m ano cejam compartes
Os baldios são municipais OU paroquiais, n a fruzcão dêles, conforme os usos e costumes
pertencendo a esta classe os que são usufruidos estabelecidos.
pelos vizinhos de toda a par6quia ou de parte dela, Mas, pela lei de 7 de agosto de 1913 (arl. 185.0,
sendo municipais todos os outros. 5 r."), teem preferência para a divisão dos baldios
Na antiga jurisprudência foi muito discutido o próprios para cultura os chefes de família, que há
significado e alcance da palavra zliqinhos, para o mais de cinco anos vivam na circunscrição e tenham
efeito de se determinar quais as pessoas com direito sido compartes na fruiçào dêles.
A fruição dos baldios.
Entendiam alguns que oiqinhos deviam consi- 56. Cousas particulares ou do domlnio privado.-
derar-se todas as pessoas que residiam ou tinham 0 estudo que temos feito das cousas públicas e
bens no lugar. comuns mostra bem as profundas diferenças que
Como, porbm, a viqinhaizgn não f6sse definida as separam das particulares.
nas leis especiais s6bre a posse e fruição dos bal- As cousas de uso publico geral ou local, diz o
dios, sustentavam outros que devia entender-se de Dr. Teixeirn de Abreu, não podem ser objecto de
harmonia com o disposto na Ordenagão do Reino, propriedade privada, já porque a própria natureza
Liv. xO,Tit. 56, segundo a qual, quando por fora1 física as torna insusceptíveis de apropriação indi-
ou usança antiga das cidades ou lugares não esti- vidual, já porque, destinadas por lei ao uso directo
vesse ordenada ou admitida outra cousa, só deviam dos cidadáos, assumem carácteres jurídicos espe-
ter-se por aiqinhos dum lugar : ciais, que as colocam fóra do campo do direito
1.O O s que dêsse lugar ou do seu termo f6s- privado.
s.em naturais ou aí tivessem ofício 'de que vives- A propriedade das cousas particulares ara
sem, morando no dito lugar e seu termo; pertence a pessoas singulares, ora a pessoas colec-
2.O O português ou estrangeiro que casasse tivas, como o Estado, as corporaçbes administra-
com mulher da terra, emquanto ai morasse, ou tivas, e quaisquer outras pessoas jurídicas, como
onde tivesse a maior parte de seus bens, com resulta clara e terminantemente dos preceitos do
tençáo e vontade de ai morar; e. se acaso saísse, art. 38.3.* e seu*§ único.
com tenção de mudar O domicílio, e depois voltasse, Quando uma cousa pertence a diversas pessoas
só era havido por vizinho morando aí de novo simultâneamente, aparece a propriedade comum,
quatro anos, com sua mulher, filhos e fazenda; - cxcrcendo cada um dos comproprietários, conjun-
3.O O que mudasse o domicílio, só passado tamente com os seus consortes, todos os direitos
quatro anos, e nas mesmas condiçbes, era consi- que pertencem ao proprietário singular, em pro-
derado vizinho do novo lugar. porção da parte que teem naquela propriedade,
O código administrativo de 1895 (art. 441.', salvo qualquer limitação expressa na lei (artt. ~ 7 6 . ~
dum tal direito, tanto por parte dos cidadáos, que
e 2177.0). Mas a indivisão s ó é obrigatória quando só podem sôbre elas exercer direitos de fruiçáo e
a cousa fôr de sua natureza náo-partivel, ou nos uso, como da parte do Estado e corporações públi-
casos de casamento e sociedade, conforme se acha cas, porque estas, tendo por iinica missão regular
preceituado no art. 2180.0 do código civil. e fiscalizar o exercício daquelas faculdades, bem
O código, falando de pessoas colectzvas, no póde dizer-se, com Bianchi, que antes teem a seu
art. 382.", refere-se manifestamente As pessoas respeito encargos do que direitos, pois todas as
j u r i d i c a s ou morais, e não ipropriedade comum, suas faculdades derivam da obrigação, que sobre
a qual, por ser de várias pessoas, não deixa de per- as mesmas entidades impende, de manterem as
tencer a pessoas singulares. cousas públicas e comuns em condições de pode-
As cousas particulares diferem, pois, das cou- rem ser utilizadas directiimente pelos 'cidadãos.
sas piliblicas e comuns, não só emquanto aos actos As bguas particulares são enumeradas no
e'contractos de que podem ser objecto, mas tam- art. 2.O do decreto n.O 5787-1111, assim - redigido :
bem relativamente As pessoas que as podem possuir São do domínio particular:
e administrar, bem como em relação A natureza I." As águas qoe nascerem em algum prédio
dos direitos que sôbre elas podem exercer-se. particular e as pluviais que nele caírem, emquanto
Com efeito, tanto as cousas públicas como as não transpuserem abandonadas os limites do mes-
comuns estão f ó r a do comércio, sendo portanto mo prédio, ou que, ultrapassando êsses limites e
imprescri$tiveis (art. 50b.O), não podendo ser correndo por prédios particulares, são consumidas
legadas (art. 1811.0, n.O z . " ) , nem hipotecadas
antes de se lançarem no mar ou ein outras águas
(art. 889."), o que não sucede, em regra, com as do domínio público. Se, porem, se lançarem no
cousas particulares, que s 6 muito excepcional-
mar, ou em outras águas públicas, deixarão de ser
mente, e por motivos de interesse público, podem
particulares, apenas passem os limites do prédio
encontrar-se em condiçóes em certo modo análogas.
onde nascem ou caírem ;
Além disso, as cousas de uso público geral ou
local só podem encontrar-se na posse e adminis- - 2.0 O s lagos ou lagoas existentes dentro de
algum prédio particular, que não sejam alimentados
tração do Estado e corporaçóes públicas, e nunca por corrente pública ;
na dos cidadãos que s6 teem o seu gôzo e fruiç80,
na conformidade dos regulamentos administrativos 3.' As águas subterrâneas que nos prédios
particulares se encontrem ;
Ou da lei ; ao passo que as cousas particulares tanto
4.0 O s poços, galerias, canais, reservatórios,
se encontram no poder dos cidadáos, que aliás é albufeiras e demais obras construídas por pessoas
O caso mais vulgar, como no daquelas entidades
singulares ou colectivas para captagem, derivação
(art. 382.O).
ou armazenamento das águas públicas ou particu-
Finalmente, os direitos que podem recaír sôbre lares, no interesse da agricultura ou da indústria;
as duas classes de cousas sáo, em geral, de natu-
reza perfeitamente distinta, pois sendo as cousas 5.' O Blveo das correntes não navegáveis nem
flutuáveis, e bein assim o das águas pluviais que
particulares objecto de domínio privado, as cousas atravessarem ou banharem prédios particulares.
públicas e comuns são rigorosamente insusceptíveis
24
FACTOS JURIDICOS

FACTOS JURÍDICOS
EM GERAL

B
57. - A teoria e a classificação dos facfos juridicos.
58. -Conceito do acta juridico. Preferência d a lerminoiogia
tradicional s6bre a depominaçáo de negocio jurídico.
59. - Elementos dos actos juridicos.
60. - Classificação dos actos juridicos.
61. - Adquisiqão, modificação e perda ou extinção de direitos.
Sucessão.
6 2 . -Actos jiiridicos que importam alienação ou renuncia.
63. - O tempo como facto jurídico. Fixação e c6mputo.

57. A teoria e'a classificação dos factos jurídicos. --


Pois que a constituição, modificação, ou extinção
de qualquer situação jurídica é sempre o resultado
dum facto, cujas conseqüências são determinadas
e reguladas pelo direito objectivo, é indispensável
construir a teoria geral dos factos jurídicos.
A série indefinida dos factos ou acontecimen-
tos da ordem natural, que se reflectem a todo o
instante na ordem jurídica, apresenta uma infini- alguns direitos, dá lugar a um instituto jurídico
dade de espkcies ou figuras tão diferentes, que nem dos mais precisamente delineados, que é a pres-
sempre é fácil integrá-las num determinado tipo ou cricão: fonte abundantíssima d e adquisição e extin-
género. ção de direitos.
Mas isso na0 obsta a que se faça uma classifi- Finalmente, a fonte mais caudalosa e perna-
cação dos factos juridicos, porque toda a classifica- nente de direitos e obrigaçdes, &, sem dúvida, a
ção, ainda mesmo não sendo uma construção febre constante das manifestações volitivas e insa-
geomètricamente definida, tem sempre a vantagem ciáveis da actividade do homem, na ânsia de rea-
de apresentar no conjunto das suas linhas e con- lização, mais que das simples necessidades humanas,
tornos, mais ou menos bem definidos, os diferentes d e toda a ordem de desejos, ambições,:caprichos
tipos ou figuras, facilitando assim a sua análise e e fantasias.
estudo, para se chegar à mais adequada forma Ora a teoria jurídica da vontade, tendo por
-da sua construção e do respectivo tratamento base lima sciência largamente elaborada, como
jurídico. é a psicologia, é que se presta facilmente a uma
Lançando um olhar de conjunto sobre a imen- construção d o gm a t i c a mais completa, consti-
sidade dos factos determinantes e mais influentes tuindo o grande e complexo capítulo dos actos
da ordem jurídica, não é difícil ver logo as figuras jurídicos.
mais altas, mais relevantes. Eis a razão porque, na doutrina dos melhores
O nascimento, a a u t o ~ z o m i ada vontade, a tratadistas de direito civil moderno, toda a teoria
fôrga da n a t u r e ~ a ,a m o r t e e o tempo, eis o s geral dos factos juridicos s e reduz afinal A teoria
tipos mais culminantes. do acto jurídico, mas que 116.7, em virtude das
O nascimento e a morte pertencem por um considerações expostas, fazemos seguir de um capí-
lado aos dois grandes capítulos do direito da famí- tulo sobre a prescrigdo.
lia e da sucessão; por outro lado, pertencem B Conhecidas as principais classificaçdes ou divi-
teoria da personalidade. sões dos factos juridicos, que já expusemos no
As mais variadas, imprevistas e inevitáveis primeiro volume dêstes princípios, recordamos e
manifestações das fôrças naturais, cQmo a aluvião, notamos apenas como é efectivamente justificaaa
o fogo, a electricidade, o s movimentos sísmicos, a classificação dos factos juridicos em v d u n t á r i o s
os agentes mórbidos, e as ccntingências da activi- e e x t r a voluntários, naturais ou puramente ma-
dade mecânica e industrial, nao s e prestam fAcii- teriais, com a subdivisão dos primeiros em lícitos
mente a uma construção dogmática de carácter e ilicitos 1' ).
geral e abstracto, tendo por isso que ser estudadas Mas na teoria geral dos factos jurídicos não
particular e concretamente em cada um dos insti- trstaremas dos ilicitos, porque estes pertencem
tutos juridicos, em que s e faz sentir a sua acção. prbpriamente h teoria das obrigações, constituindo -
A influência do tempo na vida das relações
jurídicas, além de certos e particulares efeitos
relativo's h constilulçáo, exercício e extinção d e (1) Os Principtos, r, pág. 65 e seg.
o capítulo das obrigaçdes delituais ou responsabi- jurídico prbpriamente dito, isto 6 , n o sentido estrito
lidade civil, que já tratámos no primeiro volume. ou técnico, aos actos licitos, cuja eficácia jurídica
Estamos, pois, reduzidos aos factos jurídicos resulta exclusivamente da vontade do agente.
voluntjirios.
Mas destes nem todos entram ainda na catego- 58. Conceito do acte jurfdico. heferéncia da ter-
ria dos actos jurídicos pròpriamente ditos, pois em minologia tradicional s8bre a deneminaçâio de negócio
primeiro lugar há que excluír os factos negativos, jurídico. -Para exacta compreensão da terminologia
isto é, as manifestações ou abstenções da vontade, ou tecnologia, começamos por acentuar que os au-
que se traduzem em omissões, as quais sob a forma . tores italianos, certamente por imitação dos alemães
de simples negligência ou imprudência ( c u l p a ) , e ( tradução de Rechtsgeschaf t ), empregam geral-
de intenção maliciosa (dolo), pertencem catego- mente a expressão negócio juridico, não para
ria dos factos ilícitos, se causaram dano; e, se O designar uma determinada categoria de actos jurí-
não causaram, são em regra juridicamente irrele- dicas, mas como sinónima de acto jurídico prd-
vantes, isto é, não teem importância ou eficácia priamente dito ( I ) . -
jurídica. A mesma expressão foi entre nós adoptada pelo
E dêste modo estamos afinal reduzidos, no con- Dr. Alves Moreira, e revela uma certa tendência
ceito do acto jurídico," aos factos voluntários posi- a ser seguida por alguns dos nossos colegas ( 9 ) .
tivos lícitos, isto é, As acçbes da vontade humana
lícitas, ou sejam as manifestações da vontade desti-
nadas a fins que a lei reconhece e garante. PaccXioni, Elementt d i d i r i t t o cioile, pág. 227, nota,
(1)
Mas destas ainda há que excluír, para o coii- diz : N è i1 diritto romano, nè i1 nostro codice civile danno una
ceito do acto jurídico pròpriamente dito, aquelas definizione de1 negozio giuridico, e 10 stesso termine s nego+
que consistem essencialmente, ou predominante- g i u r i d z ~ e. ~estraneo
~ alie nostre leggi. Esso B la traduzione
mente, na prática de um facto material ou físico, letterale de1 termine tedesco Rechtsgeschaft, ed é invalso per
L'influenza della dottrina civilistica germanica. Le nostre leggi
isto é, na acção directa e imediata sôbre os objectos
usano i1 termine pia lato ed anfibologico u a t t o g i u r i d i c o ~
materiais do mundo externo, como são, por exem- ( artt. 297.0, 13~4.0,1269.0 coa. civ.), ma non contengono tu--
plo, a ocupação, a tomada da posse, a construção, via disposizioni relative a& atti giuridici in generale. Le dis-
a sementeira ou plantação, mesmo em terreno posizioni piu generali de1 nostro codice sono quelle relative a1
alheio, etc., não s ó porque na apreciação e trata- contratto (art. 1098.0 e seg. cod. civ. ) ed e a queste che occorre
mento jurídico de tais actos se atende mais ao ricorrere, per quanto con molta cautela, per risolvere i dubbl
che si presentano in materia di negozi giuridici in generale s.
resultado material da acção do que ao fim que a Dr. Ahres Moreira, Insfiturgões de Jtreito crvtl por-
(2)
vontade teve em vista, mas ainda porque tais actos, tuguês; Dr. Beleza dos Santos, A simulaçáo em direífo civil.
em virtude da sua diversa natureza, náo se podem Mas em ambas estas obras, aliás excelentes, se revela logo a
- integrar numa teoria geral e unitária, e pertencem incerteza da terminologia : na primeira em que há uma secçáo
Dos actos jurídicos pròpríamente ditos, abrangendo diversos
antes aos diferentes modos de adquisição, conser-
parágrafos ($5 33 a 4 j ) ,emprega-se a expressão 7 acto 3uridico
vação, modificação e extinção dos direitos reais. no pnmeiro dêsses parágrafos, passa-se depois a adoptar nos
Estamos, pois, r.eduzidos, no concéito do acto outros a expressão *negOcro juridicom, voltando-se a empregar
Nós preferimos continuar com a designação Mas vamos continuar com a exposição de
tradicional de acta juridico, e, como veremos Coviello, que é sempre de uma clareza inexcedível
pela análise do conceito do acto jurídico prbpria- e quási sempre de uma dedução lógica irrefutável.
mente dito, há de reconliecer-se que a rrioderna Segundo uma opiniiio dominante o negócio
termifiologia de negófio jurídico s6 serve para dar jurídico seria a manifestação de vontade destinada
lugar a confu~besou equívocos, merecendo justa- a produzir consequências jurídicas, isto é, a fzzer
mente o qualificativo de termo amfibológico, que nascer, modificar ou extinguir uma relaçao jurídica.
Pacchioni atribui A expressão acto juridico. Distinguir-se-ía assim nitidamente não só dos factos
E, para se v e r como temos razão, bastari tomar jurídicos materiais em que falta o elemento da von-
na devida consideração as próprias palavras, que tade, mas também dos factos voluntários: das
vamos reproduzir, de Coviello, um dos mais fieis ilícitos, em que estes não são destinados a produzir
partidários da terminologia germânica. consequências jurídicas, mas estas nascem por f&rça
O conceito de negócio jurídico, diz Coviello, da lei contra a vontade do agente; e dos factos
n2o se encontra nas nossas leis, e é inteiramente lícitos que produzem~conseqüênciasjurídicas, mas
desconhecido na prática: nas leis fala-se de con- sem que a vontade seja destinada a tal fim.
tracto, de testamentos, de outras declaradões de Mas esta opinião não parece conforme h rea-
vontade, e as vezes fala-se de actos em geral, mas lidade prática. Antes de tudo a vontade do homem
falta a noção de acto e de neg6cio jurídico. S6 a náo pode por si mesma ser causa eficiente de con-
doutrina alemã, tomando em conta os caracteres seqüências jurídicas, porque não é ela que pode
comuns que apresentam vários factos jurídicos criar o direito. O direito é independente da von-
voluntários, elaborou êste conceito para estudar tade privada, e só a tutela emquanta se desenvolve
assim a s regras comuns a tais factos e construir a nos limites da ordem jurídica. Além disso para
sua teoria geral. Deve ' porém confessar-se que, que a vontade pudesse considerar-se criadora das
não obstante os muitos estudos, o conceito de consequências jurídicas, seria necessário que delas
negócio jurídico é assás controvertido, não só pelo fossc plenamente consciente, de modo que só as
que respeita B determina~ãoda sua característica conseqüências conhecidas e previstas deviam ter
essencial, mas também para determinar a sua com- lugar, mas não as desconhecidas nem as impre-
preensão (1). vistas. Ora pelo contrário n6s vemos que um con-
tracto, por exemplo, se realiza, e eficazmente, ainda
no último a expressão cactos juridicos,. É que a6nal a ver-
que as partes sejam completamente ignorantes do
dade sempre triunfa. direito ; e celebrado que seja produz. todas as con-
Por seu lado, o Dr. Beleza dos Santos, tendo começado seqüências jurídicas de que é susceptível, ainda
por consagrar a denominação de negócio juridico na deiinição, que jámais previstas pelas partes e porventura tais
que k precisamente a dos actos juridrcos prbpriamente ditos,
emprega depois a cada passo a expressão acto juridico, falando
que, se as tivcssem prcvisto, n30 teriam contratado.
do acto simulado, do acto aparente, dos actos simuláveis e não É pois bem claro que não é a vontade a causa
simulaveis, etc. eficiente das conseqüências jurídicas.
(1j Coviello, pág. 316. Por isso julgaram outros oportuno introduzir
uma modificação naquela teoria, reconhecendo que tade de uma ou mais pessoas, cujas consequências ju-
as várias conseqüências jurídicas não teem por rídicas são destinadas a realizar O seu fim prático».
causa a vontade, mas exigindo por outro lado que É forçoso reconhecer que na determinação do
a vontade deva ter um fim jurídico em geral. Quem conceito de negócio jurídico falhou bastante a
faz um contracto de compra e venda não se propõe habitual precisão de ideas e de lógica do insigne
fazer um acto material, e embora não seja neces- civilista.
sLrio que saiba e queira todas as consequências Em primeiro lugar, e isto é evidente, não tem
que da lei derivam, não se pode porém negar que significação, nem qualquer alcance, a substituição
o agente se propbe dar ao acto uma qualquer efi- do fim juridico pelo firn prtttico, pois todo o fim
cácia jurídica. Todavia observa-se em contrário juridico é um fim pratico, e o fim prático n5to é
que, se fosse verdade que a intençáo apenas gené- prqtegido pela lei, se não f6r jurídico. E esta i: a
rica de dar eficácia jurídica a um acto o torna pro- Unica diferença que se nota na definiçao de Coviello
dutivo de consequências jurídicas, tal intenção em confronto com as anteriores por êle criticadas.
deveria ser sempre eficaz, mesmo para actos que Em segundo lugar, tendo criticado a definição
em geral não caem no domínio do direito. Mas dominante, por esta considerar a vontade causa
isto não é verdade, e entao, conclui Coviello, é eficiente de conseqüências jurídicas, introduziu na
evidente que as consequências jurídicas dum acto fórmula do seu conceito uma modificação, pela
não presupóem tão pouco a vontade de produzir qual ainda mais expressivamente se acentiia o prin-
um efeitosjurídico em geral. Assim como o acto, cipio da vontade como fôrca criadora de conse-
que de sua natureza é insusceptível de eficácia qüências jurídicas.
jurídica, a não adquire pela intenção de quem o Em terceiro e Último lugar, é curioso que,
pratica, assim também o acto que de sua natu- parecendo a crítica de Coviello encaminhar-se no
reza póde produzi-la, a produz independentemente sentido de excluir do conteúdo do negócio jurídico
daquela intenção : esta sòmente seria necessária os efeitos não pretendidos pela vontade, e por outro
para a excluir. lado incluir na categoria dos negócios juríaicos 0s
E por isso, diz ainda Coviello, é mais exacto actos de vontade acompanhados de um facto mate-
dizer que a vontade do homem deve ser destinada rial que produz efeitos jurídicos imediatos ( ocupa-
a fins práticos, que sejam tutelados pelo direito: ção, posse, especificacáo, etc. ), verifica-se afinal
basta tal intento pratico, para que surja o efeito que não pretende uma nem outra cousa, pois assim
jurídico que, segundo á lei, corresponde ao fim o declarou depois na explicação do seu conceito,
prático, pois que o efeito jurídico é determinado dizendo que as consequências jurídicas podem ser
pela lei como meio para um fim, independente- não só divergentes da vontade subjectiva do autor
mente da vontade dos particulares: o homem pro- do negócio jurídico, mas até precisamente contri-
põe-se fins; a lei fornece-lhe os meios que julga rias (I).
oportunos.
Por conseqüência, diz Coviello, « por negdcio
juridico deve entender-se a manifestação de von- ( 1 ) Coviello, pág. 317 e 318.
Ruggiero considera como a mais simples, e gestos, ou até por mero silêncio2 A declaração
geralmente aceita, a seguinte definição de negócio deve ser privada, para se excluir do conceito de
jurídico: auma declaração de vontade do particu- negócio jurídico outras declarações de vontade,
lar destinada a um fim protegido pela ordem juri- como a do juiz na sen-ten.çn, a d a autoridade admi-
dica>. E explica depois o conceito da definição. nistrativa nos despachos, decretos, regz~lamentos,
Dêste modo, emquanto a categoria resulta amplís- etc., ou a de uma assemblea legislativa nas suas
sima, abrangendo actos da mais diversa natureza leis ou outras resoluçóes ( leisformais) ( ).
(como o contracto e o testamento, a aceitação de Na definição de Ruggiero, que é também a de
herança e a renúncia a um direito, o reconheci- Pacchioni ( % ) , há uma idea aceitável- a da von-
mento de um filho e o pagamento de uma dívida, tade privada- excluindo-se assim dos actos jurí-
a aceitação de uma tutela e a proposta de cgn- dicos de direito privado (pois s6 dêste nos ocupa-
tracto ), a sua esfera fica ao mesmo tempo nitida- mos ) as manifestaçbes jurídicas da vontade piiblica,
mente distinta da categoria dos actos ilícitos, pois ou seja, a vontade geral da colectividade, expressa
nestes há um fim que a lei não permite realizar, e pelos órgãos seus representantes.
do outro grupo dos actos lícitos que ( como a cons- Isto não quer,'porém, dizer que as pessoas
trução e a sementeira em terreno alheio, ri tomada colectivas públicas não possam também praticar
da posse, a omissão, a abstenção) não consistem actos jurídicos propriamente ditos, ou actos de
numa declaração de vontade. direito privado, pois, como sabemos, tais pessoas
O momento central e prevalente é a vontade. são também susceptíveis de direitos privados, e
Quando se quer sat~sfazerum interesse, conseguir nestas relações a sua vontade é, como a dos indi-
um fim, e a ordem jurídica dá eficácia a esta von- víduos, uma vontade privada.
tade, realiza-se o fim desejado reconhecendo-se Alas a definição tem os mesmos defeitos da de
formada uma nova r e l a ç a , ou extinta ou modifi- Coviello, que são afinal os mesmos das outras por
cada uma relação já existente. Que seja pròpria- êste criticados. Por um lado não exprime a idea
mente a vontade ou a lei, a força que produz êste de que os efeitos juridicos do acto são, nãoZsÓ os
efeito, é controvérsia ociosa: pois que, na verdade, desejados e manifestados pelo seu autor, mas ainda
nem a vontade por si s6 seria idónea para produzi-lo todos os que a lei lhe atribui, em harmonia com
sem a tutela da ordem jurídica, nem esta por si só, o principio formulado n o art. 704." do nosso código,
sem que uma iniciativa purtisse da actividade do segundo o qual o acto jurídico obriga tanto ao que
indivíduo. Mas a vontade deve seí-' manifestada : não 6 nele expresso como as suas conseqüências usuais
tem valor para o direito objectivo a que mesmo legi- e legais. E todavia os mesmos autores reconhe-
timamente se formou, mas que permanece interna. cem esta eficácia h manifestação da vontade.
S6 pela manifestação pode o agente provocar a dese- Por outro lado, a definição não exclui, antes
jada reacção jurídica e a exteriorizacão que toma
visiveia vontade e lhe dá uma existência objectiva;
8 isto que se chama declarafão ou rnanifestagão, ( 1 ) Ruggiero, pag. 224 e 225.
sendo indiferente que se realize por palavras ou (8) Pacchioni, EZementi, pág. 227.
comporta tambCm, os factos voluntários que, como E agora o verdadeiro conceito do &to jurí-
a tomada da posse ou a colheita dos frutos, se tra- dico, no sentido próprio ou técnico, de direito
duzem ou consistem principalmente num facto privado, resulta natural e lògicamente consubstan-
material. E comtudo os mesmos autores concordam ciado na seguinte definição: toda a manifestação
em que tais actos não entram, e não devem entrar, da vontade privada para a realização de um inte-
n o conceito de negócio jurídico. resse Iícilo, independentemente de qualquer acto
E nem vale dizer, como diz Ruggiero, que o material do sujeito, 2 qual a lei atribui certos efeitos
grupo dos actos lícitos materiais, como a constru- conformes ou não com a intenção por êle revelada.
ção ou sementeira em ierreno alheio, a tomada da Ou mais simplesmente: todo o facto jurídico
posse, e semelhantes, ficam naturalmente excluí- noLuntárin, positino, Licito e de cardcter exclu-
dos, pois não consistem em uma declaração de sinamente psiquico. Ficam dêste modo excluídos
vontade. Mas logo depois diz que declaração 6 os actos materiais ou físicos c as omissões ou abs-
qualquer manifestação exterior da vontade. Ora a tenções, que no conceito comum dos autores não
verdade é que não hb declarações ou manifesta- entram na categoria dos actos jurídicos ; e por outro
çdes mais expressivas do que os factos materiais lado exprime-se o conceito, tambim enunciado pela
por meio dos quais o agente se propõe realizar doutrina comum, de que os efeitos ou consequên-
certos interesses. cias do acto jurídico são o resultado combinado
Mas o que em todo o caso resulta manifesta- da autonomia da vontade e do poder da lei, abran-
mente da doutrina dos autores, sobre o conceito gendo não só o que a vonfade quer mas também
de negócio juridico, é que afinal se trata exacta- o que a lei ordena.
mente, nem mais nem menos, de definir o que na
linguagem tradiciotial se chama o acto juridico 59. Elementos dos actos jurldicos. - Já vimos
no seu sentido próprio ou técnico. que os elementos dos contractos, como os de todo
E assim que os autores franceses definem:
a l e s nctes juridiques proprement dits ce sont avec i'intention qu'il se produise une modification dans l'ordon-
les actes volontniremeni accomplis par l'homme, nancement juridique te1 qu'il existe an moment ou i1 se produi t,
avec E'intention d'engendrer, de modifier ou d'étein- ou te1 qu'il existera à un moment futur donné a.
dre des droits. En somme, ou pent définir l'acie A nova escola realista francesa precisa ainda mais o con-
ceito do acto jurídico, na doutrina de Gaston Jèze, distinguindo
juridique une manifestation de volonté, qui est
do acto juridico em geral (manifestação de vontade, no exer-
faite avec l'intentioii d'engendrer, de modifier ou cício de um poder legal, tendo em vista um efeito de direito)
d'éteindre un droit 2 (L). as suas diferentes espécies : acto legtslatrvo ou regulamentar,
acto-condtção, acto jurtsdzcional, e acto juridtco strzcto sensu,
ou criador dd situaçóes jurídicas subjectivas ou individuais,
( 1 ) Colin et Capitant, I, pág. 61. Do mesmo modo doutrina seguida entre nós pelo nosso ilustre colega Dr. Fesas
Duguit, no TraitC de droit constttutionnel, 2.' ed., I , pag. a19 : Vital, na sua excelente monografia Do acto juridtco. Veja-se
a La définition la plus simple et en méme temps la plus ezacte Jeze, Prznczpes généraux du droit arlmintsiratif, ppá. 7 e seg.
que 'fions semble pouvoir être donnée de l'acte juridique est J a no primeiro volume dos Principtos, pag. z r z e seg.
celle-ci: Est acte juridique tout acte de volonté intervenant expusemos e criticámos esta doutrina
o acto juridico, são de três cspécies : essenciais, excluidos sem excluir ipso facto a formação rega1
natarais e acidentais; e que os essenciais são do acto jurídico (i).
quatro: a capacidade dos sujeitos, a vontade ou Deve também notar-se que os elementos aci-
conqemtimento, o objecto ou conteúdo, e O fim dentais ( condição, têrmo e modo ) teem este carác-
ou cazua, exigindo-se ainda para alguns actos uma ter, emquanto se consideram em relação ao tipo
determinada f ó r m a externa ( contractos solenes abstracto do acto jurídico ; mas nos casos concretos
ou formais, e actos solenes, como o testamento podem ser essencihis por vontade das partes. Assim
e a perfilhação ) (I). a condição, depois que é imposta num contracto,
O s quatro elementos essenciais indicados são torna-se essencial neste contracto, embora abstrac-
os requesitos substanciais do tipo geral e abstracto tamente O não fossr. Por isso alguns autores dis-
de toda a variedade de actos jurídicos (contractos, tinguem entre elementos essenciais objectivos e
testamento, perfilhação, aceitação de herança, renún- elementos essenciais subjectivos, entrando êstes na
cia de direitos, etc.), e reduzem-se fundamentalmente categoria dos acidentais, objectivamente conside-
a dois - a vontade e o fim juridico - pois que O rados (9.
consentimento presupõe a capacidade, e a causa
integra-se geralmente no próprio objecto ou con-
60. Classificação dos actos jurídicos. -Dada a '
teúdo do acto;como já vimos no primeiro volume imensa variedade dos actos jurídicos, a doutrina,
dêstes princípios.
# não s6 por disciplina teórica, mas também por
Mas se o s dois elementos fundamentais sâo os
interesse prático, viu-se na necessidade de os com-
requesitos indispensáveis de todo o acto juridico,
parar e classificar em grupos diversos, em harmo-
concebido como uma categoria abstracta e univer-
nia com os seus caracteres comuns e diferenciais.
sal, outros elementos podem concorrer, e também
essencialmente, nas diversas espécies de actos, a ) Actos unilaterais e brlaterais. J á tratamos
desta classificação ( a ) . Todos os actos jurídicos
pois cada tipo concreto apresenta a sua particu-
consistem numa declaração de vontade ; em alguns
lar estrutura, que lhe dá uma individualidade
própria, diferenciando.0 de todos os outros. As- a declaração é uma só, embora feita por duas ou
mais pessoas, constituindo uma só parte A $ar&
sim, para a venda são elementos caraclei-isti-
n o acto juridico não significa cada um dos sujeitos,
cos a cousa e o preço, para o mútuo a entrega
mas o sentido ou direcção da declaração de von-
da cousa fungível, para a convenção ante-nupcial
tade, podendo várias pessoas fazer a mesma decla-
a f6rma da escritura pública, etc., etc. Os ele-
ração, como, por exemplo, na renúgcia de todos
mentos essenciais são os chamados essentialia
negotii, e a sua importância está em que, a res- os coerdeiros duma herança, em que há portanto
peito da necessidade de todos êles, a livre auto- uma só parte.
nomia da vontade não existe: não podem ser Para que um acto seja bzlatera2 é, pois, neces-

(1) Ruggiero, pág. 228.


(2) Coviello, pag. 328.
(3) Os Prznclpzos, I, pag. 429.
sário que haja, pelo menos, duas diversas declara- assim o testamento s6 pode ser um acto escrito,
ções de vontade ou duas partes. não se admitindo o testamento nuncupativo ou
A distinção de actos unilaterais e bzlaternis simplesmente oral (art. 1910." e seg. ) ; o contracto
corresponde ?itradicional distinção de actos e de compra e venda de imóveis tem de ser sempre
contractos, visto que os actos bilaterais são quási reduzido a escrito ( art. 1590."), etc., etc.
sempre contractos, sendo por isso necessário não A forma externa imposta pela lei é determi-
confundir esta distinção com a dos contractos em nada por dois fins diversos: ou como elemento
unilaterais e bilaterais, que tem fundamento e essencial do acto, que se considera por isso juridi-
alcance muito diverso ( I ) . camente inexistente, se a forma não foi observada ;
O s actos unilaterais podem ser singulares ou ou s6 como meio de prova, de modo que o acto
colectivos, conforme a declaração de vontade é feita praticado sem a forma prescrita, embora tenha
por uma s6 ou por mais pessoas. E daí resulta que existência e validade, nào pode provar-se pelos
a respeito de vários actos jurídicos se torna discu- meios ordinários, designadamente por meio de tes-
tível a sya natureza de unilateralidade ou bilatera- temunhas ou prespçbes. A d substantiam vel
Iidade. E assim que muitos autores não consideram solemnitatem é, por exemplo, o acto escrito na
contractos nem o casamento nem a acto constitu- alienação de imóveis; e simplesmente ad proba-
tivo das corporaçóes ou associações (%). tionem, no contracto de mútuo (art. 1534.~).
b ) Actos solénes ou formais e não solénes Mas deve notar-se que no sistema do nosso
o u flztramente consensuais. - A lei exige muitas código, tratando-se de actos para que a lei exige
vezes que a declaração seja feita por certas formas forma autêntica, esta tem o mesmo carácter, quer
ou solenidades, mais ou menos aparatosas. São as seja exigida ad substantzam, quer simplesmente
sobrevivências do formalismo do antigo direito, n d probationem (*).
que o moderno princípio da livre manifestação da c ) Actos inter vivos e neortis causa. - A
'
vontade, sem sujeição a formalidades dispensáveis, maior parte dos actos jurídicos teem por fim estabe-
ainda não conseguiu reduzir ao mínimo indispen- lecer, modificar ou extinguir uma relação jurídica
sávej. actual, isto é, produzir efeitos na nossa esfera jurí-
E que, com efeito, os grandes princípios teem dica emquanto somos vivos; a circunstância d e As
sempre limites ou restriçbes impostos pelas exigên- vezes o exercício do direito emergente do acto ser
cias da vida prática. diferido para depois da morte do agente não tem
Ora, em .verdade, há muitos actos para os quais influência sobre a natureza do acto, ficando a relação
as necessidades ou conveniências reais da vida juri- já constituída em vida. Por isso s e Ihes chama actos
dica reclamam determinadas formas, que em regra inter vivos, expressão na verdade infeliz, pare-
se reduzem 4 forma escrita mais ou menos soléne: cendo dar a entender que há actos entre mortos,
o que é absurdo, quando é certo que os outros

(i) Os Principzos, I , pág. 441 e seg.


( 2 ) Os Principias, I , pág. 429 e seg. (I) Os P~bnc$ios, I , pags. 455 e 456.
actos, isto é, os que só produzem os seus efeitos sua própria natureza e objecto, independentemente
para depois da morte dos sujeitos, também se de qualquer outra relação jurídica, como a compra
realizam entre vivos, e denominam-se mortis causa e venda, o empréstimo, a doagão em geral, etc.
ou causa mortis, actos ou disposiçdes por morte ou 0 s acessórios são dependentes de qualquer outro
de ÚItima vontade (artt. 1175.'. 1457.'~1735.', etc.). acto ou relação jurídica, que constitui a sua razão
Para os autores italianos todos os actos causa d e ser, como as doaçdes para casamento, a fian~a,
mortis se reduzem ao testamento, porque só por a hipoteca, etc.
testamento se pode dispor dos bens para o tempo O s actos acessórios teem em regra a sorte dos
em que se tiver deixado de viver; apenas a res- principais a que são anexos, sendo nulos se êstes
peito do testamento a morte é causa não só d o O forem também, salvas as excepçbes declaradas
exercício mas da própria existência de um direito. n a lei.
<Todos os outros negócios são entre vivos, ainda e ) Actos causais ou materiais e abstractos
que o exercício do direito seja diferido para depois o u formais. - J á conhecemos esta distinção dos
da morte de quem o concedeu. Os pactos sucessó- actos jurídicos, que resulta da conexão dos efeitos
n o s e as doaçdes revogáveis mortis causa, diz Co- do acto com a sua Causa determinante. Dizem-se
viello, que por sua índole seriam negócios por causa actos causais, materiais, concretos ou substan-
de morte, como o testamento, não são reconhecidos ciais, aquelas em que uma causa lícita, expressa
pela nossa legislação. Por isso no nosso direito a o u presumida, é a razão determinante da obriga~ão,
categoria de negócios causa mortis coincide com condicionando por isso a sua validade. A êstes
a de actos de última vontade, isto é, de actos actos contrapdem-se os denominados formais ou
revoghveis usque ad supremum vz'tae exituma ( I ) . abstractos, que são protegidos pelo direito desde
Mas não é assim nu direito português, onde que se apresentem sob uma determinada forma,
além da testamento temos também as doaçdes independentemente ( abstraindo ) da sua causa
mortis causa para casamento (artt. I 167.0, 1171.~ substancial ( I ) .
I I 7 5 . O ), expressamente resalvadas da disposição Acto jurídica abstracto ou formal perfeitamente
que aboliu as doaçdes mortis causa, reduzindo-as típico era no direito romano a stipulntio, que con-
A categoria de disposiçbes de última vontade sistia numa pergunta e respectiva resposta, conce-
(art. 1457.O~ 5 ún.). bidas em termos fixos determinados: spondesne
E há ainda a nomeação de tutor testamentário, m i h i centum dare ? spondeo ( prometes dar-me
que, apesar, de se dizer no art. 193.' que pode ser cem moedas? prometo). E assim, a pessoa a quem
feita por acto autêntico entre oioos, nem por era feita a promessa ficava com o direito de exigir
isso deixa de ser um acto causa mortis. o seu cumprimento, só pelo facto de lhe ter sido
d ) Actos principais e acessórios. - Os pri- feita por aquele modo, por aquela forma, inde-
meiros subsistem por si mesmos, por virtude da
(1) Os Principias, I, pág. 493 e seg. É preciso não
confundir êstes actos formais com os solenes, que tambdm se
(I) Coviello, pág. 320; Ruggiero, pag. az7. chamam formais.
pendentemente d e uma causa qualquer ( p o r exem- endossada, independentemente da causa porque se
plo, doação, empréstimo, etc.), em virtude da obrigou, e portanto também na Falta de causa ( I ) .
qual a mesma promessa tivesse sido feita. Não f ) d c t o s pessoais e patrimoniais; a titzdo
era que se admitisse a validade da promessa sine oneroso e a titulo gratuito. Em relação ao fim
causa, diz Pacchioni: admitia-se a validade duma ou ao conteúdo, k costume dividir os actos juridi-
promessa prescindindo da sua causa, com o fim cos em familiares ( cnsamento, perfilhação, legiti-
de facilitar ao credor a realização do seu crédito. mação ) e patrimoniais ( contractos, testamento,
Assim como quem se obrigava por tal forma o e outros actos de conteúdo económico). Mas nós
fazia geralmente por uma causa Licita, assim é preferimos dar aos primeiros a designa650 de p s -
fácil compreender que admitir-se a execução de soais, para significar que se referem ao estado das
tal crédito, com base no simples facto da promessa, pessoas, abrangendo também a naturalização, a
n8o podia produzir graves inconvenientes. Entre- emancipação, e mesmo porque no direito familiar há
tanto o direito romano tomou providências no actos genuínamente patrimoniais (convençdes ante-
sentido de reduzir ao mínimo os inconvenientes nupciais, doações para casamento, entre casados).
da stipulatio. Em primeiro lugar foi conferido Alguns autores' distinguem os actos patrimo-
ao promitente o direito de não cumprir quando niais em actos de eficácia real ou reais e de eficácia
demonstrasse que a promessa lhe fora extorquida pessoal ou obrigatbrja, conforme teem por objecto
por violência (exceptio metus causa) ou captada a constituição ou transmissão d e direitos reais, ou
por do10 OU fraude (exceptio d o l i ) ; e quando a constituição, ou extinção de obrigações.
provasse que tinha prometido sem causa ou por Mais importante é porém a distinção em actos
causa ilicita, tinha uma acção para exigir o que a t i t u l o gratuito ( doação, testamento, &c. ) e a
assim tivesse pago indevidamente ( condictio sine titulo oneroso (compra e venda, troca, locação,
causa ou ob turpem.causam). É certo que muitas etc. ). O s primeiros são aqueles em que uma pes-
vezes êste remédio era ilusbrio ou ineficaz; mas soa dispõe do seu património ou faz uma prestação
êste eventual inconveniente era compensado pelas sem retribuição correspectiva, sem receber um
vantagens que para o comércio resultavam da rapi- equivalente; os outros são aqueles em que pela
dez e segurança da execução inerente As obrigações prestação feita ou prometida s e recebe um equiva-
constituídas pela stipulatio. lente qualquer, ainda que não seja de igual valor,
No direito moderno tipos característicos de compreendendo inesmo aqueles e m que não s e
actos formais ou abstractos são o título ao portador realiza um lucro nem se dá um verdadeiro e pró-
e a letra de câmbio. Aquele que rilidamente emi- prio equivalente por aquilo que se recebe ( n o n ex
tiu um título ao portador é obrigado a pagá-lo a causa Lzbcrativa), como acontece na divisão de
quem O apresentar, independentemente da causa cousa comum (s ).
porque êle O tenha emitido para o originário toma-
dor. DO mesmo modo quem se obriga cambihria-
mente é obrigado a pagar a importância da letra
j 1 ) Pacchioni, pág. 243 a 24j.
aos terceiros de boa fé, a quem ela tenha sido (8) Coviello, pág. 321.
Mas na divisão de cousa comum O que ha é uma teca, sendo por isso que a lei só permite hipotecar
troca: a do direito de compropriedade na cousa quando é permitide alienar ( art. 894.").
pelo direito de propriedade singular sdbre a parte Por isso entendem alguns autores, como CO-
atribuída na partilha. viello, que, em vez de s e atender A natureza jurí-
g ) A c t o s de disposicão e de administragão. dica do acto, deve antes tomar-se como critério a
O nosso código faz várias aplicações praticas desta sua função económica, e daí considerar como actos
distinção. de disposição aqueles que afectam o valor-capital
Assim os curadores provisórios dos bens dos do património, podendo importar a sua perda ou
ausentes só teem podêres para os actos de mera deminuição, e actos de administração os que não
administracão ; os pais não podem alienar, hipote- afectam a conservação do património e s6 abran-
car, ou por qualquer outro modo obrigar os bens gem os rendimentos ainda, que conçistam numa
dos filhos, sendo meros usufrutuários ou adminis- alienação. E entendem que esta solução é de acei-
tradores (art. 150.0); compete ao tutor administrar tar, visto que a distinção é feita na Lei para limitzr
os bens do menor, como bom pai de família a liberdade de acção daquelas pessoas que teem
( art. 243.", n." I.@), ao marido compete a adminis- a seu cargo patrimónios alheios (curadores de
tração dos bens da mulher (artt. I I O ~ . " ,I I I ~ . ' , ausentes ou de pródigos, tutores de menores ou
118g.~),mas não pode dispor dos imóveis (arti- interditos, mandatários gerais) e daquelas que admi-
gos 1118.0, I I I ~ . 1191.~)
~ , ; no mandato a procura- nistram em comum bens próprios e alheios ( O
ção geral s6 pode autorizar actos de mera admi- marido, o comproprietário encarregado da admi-
nistração. nistração ), em relação As quais se impde a necessi-
Estas disposiçdes mostram bem a importância dade de acautelar o patrimbnio capital contra os
que tem a distinção entre os actos de administra- perigos a que poderia facilmente exp6-10 a falta
ção e os de disposição, e revelam a necessidade de de interesse pessoal ou a tendência egoísta para
um critério seguro para fazer a distinção. fazer prevalecer o interesse próprio sobre o alheio.
Mas a lei, náo s6 não formúla o preciso crité- Mas é necessário confessar, conclui Coviello, que
rio, nem tão pouco fornece elementos positivos o conceito de actos de administração é mais ou
para das suas disposiçdes deduzir um critério menos extenso conforme as várias disposições da
seguro. lei (1).
Á primeira vista poderia parecer que actos de E em verdade o critério econ6mico só de per
disposiç80 são os actos de alienação, de modo que si, devendo aliás ser tomado em grande considera-
tudo O que não for alienar nao excede os poderes ção, é juridicamente insuficiente, porque, sob O
de administração. Mas tal critério é inaceitável, pretexto. de serem altamente vantajosas para O
porque muitas vezes a alienação pode até ser um património em administração, permitiria todas as
acto de óptima administração. Por outro lado há alienaçdes tanto mobiliárias como imobiliárias.
actos que sem importarem imediata e necessaria-
mente uma alienaçáo, podem afinal implicar a
alienação forçada, como acontece no caso da hipo- (*) Coviello, pag. 321 e 32.2.
Por outro lado há actos que, econòmicamente sua separação. Não se deve porém confundir a
considerados de simples administração, juridica- adquisição com o nascimento do direito ; nem sem-
mente devem ser tratados -como actos de disposj- pre a adquisição coincide com o nascimento d@
550, pois comprometein ou podem comprometer direito, porque êste pode preexistir e simplesmente
gravemente o património, como por exemplo os muda de sujeito com o facto adquisitivo, coma
arrendamentos a Longo prazo. acontece em todas as transmissdes. E assim tam-
E' por isso que a lei não dá aos tutores pode- bém a perda não é o mesmo que extinção d o
res para arrendar por mais de trgs anos (art. 243.O, direito, pois a perda para um sujeito é em regra
n.0 6.'). a causa da adquisição para outro.
E, na falta de disposição semelhante a respeito Mas não s e pode dizer com Coviello que o.
dos poderes do marido como administrador dos nascimento dum direito importe sempre uma adqui-
bens da mulher, devia entender-se que só com o sição, sendo todo o direito um direito adquirido.
consentimento dela se poderiam fazer arrendamen- A verdade no sistema do direito positivo, é que h&
tos por mais de quatro anos, ou por mais de ano direitos sem sujeito actual, direitos no estado
havendo antecipação de renda, pois que sendo latente ou potencial, em suspensão, A espera que O
tais arrendamentos considerados como ónus reais sujeito apareça (direito do nascituro, do ausente) ;
(art. 949.0, 5 z.", n." 6."), não podiam deixar de ser e há direitos dependentes de condição suspensiva,
abrangidos pelo preceito do art. I I rg.", na expres- que s ó se podem dizer adquiridos depois de reali-
sáo c< obrip-ados p o r qualquer forma>. zada a condição.
De resto, esta doutrina foi expressamente san- O facto ou conjunto de factos, que dá lugar h
cionada na lei do inquilinato dec. n." 541I ) . origem ou adquisição dum direito, chama-se titulo
Já para os mciveis, pelo contrário, os poderes (não confundir com o documento ou acto escrito)
de administração do marido são muito mais amplos, ou fundamento do direito, e também m o d o de
abrangendo a faculdade de dispdr deles, ainda adquirir. No direito moderno não tem mais im-
mesmo dos dotais, se não houver estipulação em portância a distinção entre título e modo de adqui-
contrário ( art. I 1 4 8 . ~ ) . siçáo, a qual no direito romano tinha eficácia
O que tudo prova bem que não há na lei um jurídica a respeito da propriedade: é que O c@n-
critério único de distinção entre as duas categorias tracto ou o facto da sucessão não só produz O
de actos, sendo necessário averiguar em cada ins- direito de adquirir a propriedade (título ) mas pro-
tituto jurídico qual o sistema resultante das res- duz também o facto concreto da adqujsição ( modo ),
pectivas disposiç0es legais.
.
61. Adquisição, modificagão e perda ou extinção de
que pelo direito romano só se realizava pela traditio,
ou pela aditio, tratando-se de heredes volunfnrii.
A adquisição do direito pode ser origindria
direitos. Sucessão. - A adquisição de um direito é ou derivada; distinção importante para a aplicação
a atribuição dêsse direito a uma determinada pes- da regra « n e m 0 p l u s j u r i s in a l i u m transferre
soa, como a perda é a sua desvincuIação ; ou, como potest, quarn zpse h a b e t ~ ,que só s e refere AS
diz Coviello, a união do direito com a pessoa e a adquisições derivadas.
P o r adquisição originária não se deve enten- dar-se a m o d z ~ c a p i otanto por alteraçóes no s e u
d e r apenas a adquisição de um direito que antes conteúdo ( modificação objectiva ) como por mu-
não existia em favor de outrem, como por adqui- danças no titular ou sujeito (modificação subjec-
sição derivada não deve entender-se só a adquisi- tiva), e podendo as modificações objectivas ser
ção de um direito preexistente : pode haver adqui- quantitativas ou qualitativas ( I ) . .
siçãp originhria de um direito preexistente, como A modificação subjectiva mais completa é
adquisição derivada de um direito novo. X dis- aquela em que há substituição total do sujeito-
tinção funda-se na falta ou existência de uma rela- ou sujeitos do direito por outro ou outros. E o-
ção pessoal entre um precedente e um subsequente que se chama a sucessão no sentido mais amplo,
sujeito do direito. Se falta uma relação entre as que abrange todas as adquisiçdes derivadas.
duas pessoas, a adquisicão é originária, quer o A sucessão em sentido jurídico, mas ainda
direito preexistisse, como na ocupação das cousas muito amplo, consiste na subrogação de uma pes-
abandonadas, quer o direito surja pela primeira vez, soa em vez de outra numa determinada e,id&ntica
oomo na ocupação das res nnllius que nunca tive- relação jurídica ( 2 ) . A identidade da relação jurí-
ram dono. A adquisição é derivada, quando o dita e a diversidade' dos sujeitos constituem os
adquirente se funda no direito do precedente titu- caracteres do facto jurídico da sucessão em sentido
lar, de modo que a existência, a extensão e as qua- jurídico lato. A relação jurídica é idêntica, quando.
lidades do direito adquirido s e medem precisamente a sua substância é a mesma, não obstante a mu-
pelo direito anterior. Exemplo tipico da adquisição dança do sujeito, o que se dá sòmente na adquisi-
derivada é a que se dá por doação pura ou suces- ção derivada tra~zslativn,aplicando alguns, por
são causa mortis ( ). A adquisição é derivada, extensão, o mesmo conceito a adquisição derivada
não s 6 quando se adquire o mesmo direito preexis- constitzitiva; mas n e s t ~não pode em rigor falar-se
tente em outrem, mas também quando s e adquire d e sucessão, pois há uma mudança na substância
um direito novo que precedentemente não tinha d o direito preexistente, que sofre um? limitação,
existência de per si, mas que presupde a existência a qual constitui precisamente um direito novo a
de um outro direito no qual se funda, como acon- favor de outra pessoa. Por outro lado o conceito.
tece na adquisição de uma servidão por contracto. de sucessão é mais amplo que O de adquisição
Por isso a adquisição derivada se distingue em derivada, pois abrange não s6 os direitos, mas
translativa e constztutiva ( a ). também as ohrigaçdes: há sucessão nos direitos,
O s direitos podem conservar-se na mesma sucessão nas obrigaçdes, sucessão no complexo
pessoa, e passar entretanto por transformaçoes ou das relaçoes patrimoniais.
modificaq3es mais ou'menos profundas, podendo A sucessão dá-se por facto entre vivos ou por

( 1 ) Coviello diz ~ O contracto


I ou por sucessão. Mas isto
não 6 exacto, podendo no contracto estipular-se restrições ou j 1) Os Principios, I , pag. 65 e 66.
modalidades n o direito transmitido. Coviello, pag. 309, (2) Ko sentido prdprio ou tecnico, a sucessão B a suces-
(2) Coviello, pág. 309 e 310. são causa ~ n o r t i-
s Sucessões e direitos sucessdrio, pág. 6.
n o r t e : pode ser universal (a título universal) ou herança, o adquirente ou cessionário só ficará
.
particular ( a título particular ). isento da responsabilidade pelas obrigaçdes here-
eS6 a sucessão causa morr'is, diz Coviello, ditárias, se isso far expressamente estipulado; e
pode ser a título universal e a título particular: em todo o caso os credores poderão fazer anular a
por acto entre vivos só pode ser a título particu- transmissão, se esta foi feita em prejuízo dêles,
lar. E universal a sucessão na universitas juris, nos termos e condiçoes em que é admitida a acção
isto é, no património do defunto, ou numa quota pauliana.
dêle, que é considerada como um complexo de De resto, a verdade também é que não pode
múltiplas relaç0es patrimoniais formando uma uni- deixar de se aplicar o mesmo conceito A doação
dade; particular é a sucessão numa relação patri- universal ; e que em todas as transmissoes de uni-
monial determinada, ou ainda num complexo de versalidades de direito, como o estabelecimento
~elaçdes,que porém não sejam pela lei considera- comercial, e em geral as empresas industriais, deve
das como uma unidade, como acontece na chamada entender-se que vai implicita a responsabili-
doação universal, na venda da herança, ou no dade.pélas dividas inerentes ao património trans-
trespasse do estabelecimento comercial. Segue-se mitido.
q u e nas transmissdes de semelhantes complexos A perda ou extinção de um direito pode dar-
de relaçbes patrimoniais, as dividas só ficam a -se tanto objectivamente como subjectivamente,
' cargo do adquirente, se a sua aceitação por êste conforme o direito deixa de existir realmente, OU
resulta expressa ou tdcitnmente da intenção das muda de sujeito, passando para outro, que O
partes, e além disso devem ser pagas apenas nos adquire (1).
limites das ast~vidadespatrimoniais, salvo pacto A perda ou extinção subjectiva confunde-se,
em contrário. A1Bm disso os direitos contidos no portanto, com a modificação subjectiva em que há
complexo são adquiridos como se fossem separa- substituição completa das sujeitos.
dos: se há imóveis são necessárias as respectivas Entre os factos de modificação ou extinção
formas de transmissão; e se há créditos, são ne- subjectiva de direitos são muito importantes os de
cessárias as formas especiais para a cessão, a qual alienaç8o e renúncia.
deve ser notificada, ou aceita por cada um dos
devedores na parte que Ihes diz respeito» (L). 02. &cios juríleos que importam alienação ou
Esta doutrina do notável civilista é uma con- ren6ncia. -Por alienação entende-se a deminuição
seqüência de só admitir uma universitas j u r i s , voluntária do próprio património em favor de de-
que é a herança. Mas o que se não compreende terminada pessoa. Dois são portanto os elementos
é a razão porque não considera como sucessão que formam o conceito de alienação: uma demi-
universal a venda da herança. nuição do próprio patrimbnio, e uma manifestação
A verdade e que na venda ou sucessão de de vontade feita para esse fim.

( a ) Covieilo, pág. 311 e 312. (1) Os Prrncipios, I, pag. 65.


« Relativamente ao primeiro elemento, diz ser dados em penhor todos o s objectos nibveis,
C o ~ i e l l o ,é de notar que h i alienação, não s 6 que podem ser alienados3 (art. 856.') ( I ) .
quando há transmissão do direito de propriedade Em virtude do elemento voluntário o conceito
ou de outros direitos reais ou de crédito, mas de alienação não é sempre o correlativo ao de
ainda quando se trata de constituição de direitos adquisição derivada, a qual tem lugar, não s6
reais, isto é, de usofruto, uso, habitação, servidão quando a transmissão do direito de uma pessoa
predial, enliteuse, concessão de hipoteca ou de para outra resulta da vontade da primeira, mas
penhor. Dai, toda a vez que a lei póe um limite também quando se realiza sem ou ainda contra
a capacidade de alienar, deve entender-se no sen- essa vontade; é o que acontece na ocupação das
tiao de proibir, não s6 a transmissão do direito de cousas abandonadas ou perdidas, na execução judi-
propriedade, mas também a constituição de outros cial do devedor, nas servidbes legais, e na expro-
direitos reais. Isto em geral: mas em particular 6 priacão por utilidade pública. Em todos estes casos
necessário ter em conta as excepçbes declaradas há deminuiçáo do patrim6nio para uma parte,
pela mesma lei » (I). adquisição derivada .para outra, mas não há alie-
A doutrina de Coviello é exacta para os direitos nação. Donde se conclui que a incapacidade
reais pròpriamente ditos ou de gôzo, porque sendo ou a proibição de alienar não importam impossibi-
verdadeiras fracçbes do direito de propriedade, a lidade de transmissão ou constituição de direitos
sua constituição é na realidade uma alienação. reais por facto independente da vontade do pro-
Mas já o mesmo se não pade dizer dos cha- prietário.
mados direitos reais de garantia, hipoteca e penhor, Também não pode incluir-se n o conceito de
porque nestas não há com efeito alienação de qual- aliena220 a prescriçiio adquisitiva òu usocapião
quer parcela do domínio ( % ) . (usucapio do direito romano), n8o obstante a
É justamente por isso q u e o nosso c6digo julgou máxima « nlienare videiur q u i patitur usucapi ».
necessário formular expressamente a regra: « 5 6 No conceito amplo de alienação pode entrar
pode hipotecar quem pode alienar, e s6 podem ser também a rend~ncia,que não C outra cousa senão
hipotecados os bens que podem ser alienados» a perda\ voluntária de um direito; pois q u e toda a
( a r t 894.O); mas para o penhor limitou-se a for- alienação, importando de facto uma perda para o
mular a segunda parte da mesma regra: « Podem alienante, implica por isso uma renúncia. «Mas a
renúncia, em sentido estrito, diz Coviello, difere
da alienação, porquanto esta importa perda de um
(I) Coviello, pág. 322. direito para uma parte e adquisiçáo para outra, de
(a) S6mente isso se pode dizer no caso especíal de penhor modo que entre a perda e a adquisiqão há uma
contratado com a cláusula de que, não sendo paga a divida, a relação de causalidade; emquanto que a renúncia
credor ficará com a cousa empenhada, pela avaliação que fize-
importa extinção de um direito ou impedimento
rem louvados nomeados de comum ac6rdo (art. 8 6 4 . O ) . Mas
trata-se de caso especial previsto pela lei, mas que não é bas-
tante para induzir, antes exclui, o principio de que pelo penhor
há uma alienação qualquer do objecto empenhado. ( 1) O s Princifrios, I, pág. 560 e 5 6 r
26
sua formação, sem dar causa A adquisição em favor herança é acts unilateral, e consiste exactamente,
de outra pessoa. Assim concebida a renúncia tem nem mais nem menos, na alienação da sua quota
uma importância pr6pria: constitui um negócio hereditária em favor dos outros coerdeiros.
jurídico unilateral, visto que para produzir o sim- Os autores não são concordes s6bre a n ct ureza
ples efeito da perda de um direito não pode exi- da renúncia, distinguindo três espécies: a transla-
gir-se outra vontade senão a do sujeito. Por isso tiva, a extintiva e a declarativa2 A primeira é a
resulta pràticamente muito importante ver se um que tem por fim fazer passar um direito de uma
neg6ci0, que se qualifica como renúncia, será ver- para outra pessoa; a segunda B a que importa a
dadeiramente tal, ou antes uma alienação; pois extinção do direito sem correspondente adquisição ;
que a alienação, a não ser por testamento, s6 pode e a terceira é a que constitui um impedimento i
ser contratual (1). adquisição de um direito.
Esta doutrina é em parte verdadeira. I i á porém Mas dêstes três conceitos o primeiro é inútil
nela dois pontos inexactos: é dizer que a renúncia ou supérfluo, porque é exactamente O da aliena-
importa extinção ou impedimento de um direito, ção; o terceiro é inadpissível, pelo menos no sis-
sem dar causa A adquisi~ãoem favor de outra pes- tema do nosso código, pois que a lei não permite
soa. Quando, por exemplo, um coerdeiro renuncia a renúncia de direitos futuros (artt. 508.O, 1055.0,
A sua quota hereditária, esta reverte por direito 2042.0) ; basta notar que o direito de adquirir direi-
de acrescer aos outros coerdeiros, e foi evidente- tos pertence a categoria dos direitos originários
mente aquela renúncia que deu causa a êste acres- (art. 36ú.O), que são irrenunciáveis, segundo a
cimo hereditário dos beneficiados. E é também interpretação comum do art. 368.0.
inexacto dizer que a alienação, a não ser por testa- Ficamos, pois reduzidos ao segundo conceito
mento, s6 pode ser contratual. Em primeiro lugar -o da renúncia extintiva - que é o de Coviello,
O conceito de alienação - deminuição voluntária mas que é inaceitável nos termos em que é defi-
do pr6prio patrim6nio em favor de determinada nido, isto é, como extinção do direito, mas sem
pessoa - é incompatível com o de sucessão causa correspondente adquisição.
mortis, e portanto com o de testamento ; ?a suces- Com efeito, a renúncia importa quási sempre
são há a transmissão integral do património, e não uma adquisição correspondente, em regra igual A
é alienação, nâo s 6 porque não é lícito alienar em perda do renunciante, em favor das pessoas a quem
vida todo o património, mas porque no momento aproveita.
em que se dá a sucessão já o transmitente é fale- Isto, que é evidente a respèito da renúncia ou
cido, e por isso absolutamente incapaz de qualquer repudio da herança, verifica-se igualmente nos
acto jurídico. Em segundo lugar não é verdade outros tipos de renúncia.
que a alienação s 6 se possa dar por contracto; É assim que a renúncia do usofruto (art. 2 2 4 1 . ~ ~
precisamente a renúncia de um dos cocrdeiros A n.O 5 . ' ) faz entrar no património do proprietário
exactamente o mesmo direito abandonado pelo
usofrutuário.
(1) Coviello, pag. 323 e 324. A renúncia da servidão (art. 2279.O n." 3 . O ) , se
não confere ao proprietário serviente um direito funde com a alienação, e a ubdicativa, que é a
igual ao renunciado, dá-lhe em todo o caso uma renúncia pròpriamente dita, e consiste na simples
adquisição patrimonial correspondente, As vezes manifestação da vontade no sentido de desistir de
ainda de mais valia, que a valorização do seu qualquer direito real ~u de crédito. Mas por isso
prédio, pelo facto da extinção da servidão; e até entendem os melhores autores que s6 esta i: ver-
o nosso código lhe chama renúncia ou cedência. dadeira renúiicia, não sendo a translativa outra
A renúncia do direito ao foro (art. 815.0) dá cousa senáo a alienaçgo ( I ) .
ao enfiteuta o valor correspondente, assiin como Mas qual é entao a verdadeira natureza do acto
a renúncia ou aband6no do domínio Útil dá ao jurídico da renúncia ?
senhorio directo o direito de consolidação, disso- Sendo certo que ela envolve quási sempre a
lução ou encampaçso do prédio (arg. do art. 1663.' adquisição por outras pessoas, ou seja a transmis-
e 1668."). são do direito renunciado, ou pelo menos de um
A renúncia do direito de propriedade plena, equivalente patrimonial, dir-se-ia que afinal se con-
que outra cousa não é senão o abandôno das cousas funde também com a alienação.
materiais, uma vez que se torne efectiva, dá ao Mas não é assim. A diferença é sensível, e
primeiro ocupante o direito de as fazer suas perfeitamente compreensível. Emquanto que na alie-
(art. 383.O). naçáo há a intenção de transmitir a cousa ou o di-
A renúncia dos direitos de crédito (art. 815.') reito a outras pessoas determinadas, e por isso é
dá ao devedor o direito de não pagar, constituindo em regra um acto bilaterai, requerendo portanto a
portanto uma adquisiçálo patrimonial. aceitação do adquirente, na renúncia nao há tal
A renúncia ao benefício da prescrição (art. 508." intenção, ou pelo menos prescinde-se dela, não
e 515.') dá ao proprietário o direito de revindicar sendo por isso necessária a aceitação do adqui-
a cousa prescrita, e ao credor o direito de ser pago rente, tratando-se de um acto unilateral, ern que o
da dívida prescrita. ' declarante pode mesmo ignorar a quem aproveita
Vê-se claramente que dêstes diversos tipos de a transmissão.
renúncia, que são os mais importantes e caracte- Ora, sendo certo que a renuncia pròpriamente
rjsticos, s6 um- o abandôno das cousas em pro- dita é em todo o caso um acto de transmissão de
priedade plena, ou em simples posse. em nome bens ou direitos, tem de concluír-se que está sujeita
próprio-é que não produz uma transmissão ime- As regras que regulam os actos jurídicos em geral,
diata para outras pessoas. Mas isto explica-se per- e em especial os actos de transmissão.
feitamente, porque o abandôno não e acto jurí- E assim, em primeiro lugar, são insusceptíveis
dico no sentido próprio ou ticnico, mas simples de renúncia todos os direitos meramente pessoais
facto jurídico voluntário, e portanto não entra no ou direitos da personalidade, entre os quais se
conceito de renúncia como acto jurídico pròpria- contam os de família (poder paternal, marital, etc.).
mente dito.
Alguns escritores limitam-se a considerar duas
espécies de renúncia: a tran-slativu, que se con- (1) Ruggiero, pág. 218.
Em segundo lugar, não podem ser objecto de renún- considera válida a renúncia concebida em termos
cia, contra a opinião geral dos autores italianos, gerais. Desde que a generalidade dos termos não
os direitos futuros, por mais fundada que seja a implique indeterminação do objecto, ou não exclua
sua legítima esperança: é que, na verdade, não é a vontade de renunciar, a renúncia será válida
juridicamente concebível que se renuncie hquilo como qualquer outro acto jurídico ( I ) .
que se não tem (1). Também é falsa a regra de que a renúncia não
Também não é renúncia a simples abstenção se presume (nemo res s u a s j a c l a r e praesumiturj,
de uma adquisiçáo, isto é, a omissão de um acto, quando entendida no sentido de que a vontade d e
que s e fosse praticado importaria um direito novo renunciar não p6de manifestar-se tacitamente, isto
na esfera jurídica da pessoa ( 8 ) . é, por factos concludentes, ou no de que da prova
E' de notar entretanto que algumas' regras da renúncia são excluídas as presunçbes do julga-
especiais geralmente referidas à renúncia, ou são dor nos termos dos artt. 2516.' e 2519.". Não há
falsas, ou não são excldsivas da renúncia. disposição alguma de lei que exclua os actos de
Assim, não é exacta a regra segundo a qual renúncia das regras gerais acêrca da forma de mani-
as renúncias não podem interpretar-se extensiva- festação da vontade e dos meios de prova. Pelo
mente. A verdade é que não se pode ir além da contrário a lei admite a renilncia tácita, por exem-
vontade do renunciante, mas é sempre lícito inda- plp no penhor: a restituição da cousa empenhada
gar qual ela é na realidade, e portanto é permitido presupbe a remissão do direito ao penhor (art. 871.o).
interpretar tanto de modo extensivo como restri- Em outros casos declara a lei que a reniincia tem
tivo qualquer expressão ou palavra impròpriamente de ser expressa, e até feita por determinada forma,
empregada para manifestá-la. E' o mesmo modo como, por exemplo, a renúncia da herança, que deve
de interpretar as leis o u os.. conlractos. E do ser feita por termo assinado pelo renunciante ou
mesmo modo é inexacta a regra pela qual se não seu procurador, perante o juiz do lugar da abertura
da herança (art. 2034."); e podendo o herdeiro ser
intimado para, num prazo marcado pelo juiz, e não
( I ) Em contrário diz Rugglero : <Aquilo que serequer, inferior a trinta dias, declarar se aceita ou repudía,
para que possa falar-se de renúncia, é que um dù?eito exista no havendo-se por aceita a herança, se não fizer a
nosso patrimunio ou nele deva entrar no futuro, de modo que declaração ( $).
a renúncia é sempre abandono de um direito que se tem ou Donde se conclui, pois, que o princípio geral
declaração de se não querer adquirir um direito que tende a
tornar-se nosso-. Ruggiero, pág. 218 e zrgi Mas, como já
deve ser o mesmo formulado para os contractos
mostrámos, pelo menos no sistema do nosso direito, não é per- nos artt. 648.O e 686.", segundo os quais, a manifes-
mitida a renúncia de direitos futuros. : tação da vontade p6de validamente ser feita de
( % ) Ruggiero justifica esta doutrina pela consideração palavra, por escrito, ou por factos donde necessa-
exposta na nota anterior.
Mas nós entendemos que ela se justifica mais exacta-
mente pela doutrina geralmente seguida, e que ja expusemos, ( Coviello, pág. 327 ; Ruggiero, pag. 219, nota.
segundo a qual, sendo a renuiicia um acto juridico prdpria- (e) O código italiano (art. q 9 1 . O ) ~ ao conbáno, consi-
mente dito, não abrange as omissões ou abstençdes. dera em tal caso renunciada a herança.
riamente s e deduza, salvos os casos em que a lei 63. O tempo como facto jurídico. Fixação e c8mputo.
exige uma determinada forma mais solene. -E' grande. muito variável a influencia que o
E é evidente que sb nestes termos se póde decurso do tempo exerce na vida jurídica, como
entender a regra geral formulada pelos autores, e sôbre todas as cousas humanas e puramente natu-
que também nós formulamos no primeiro volume rais: direitos que não podem constituír-se senão
destes princípios, a respeito d a renúncia dos cré- e m certas contingências d e tempo; direitos que
dMos, dizendo que a renúncia p6de ser expressa não podem ter senão uma duração preestabeiecida,
ou tácita, não exigindo a lei forma alguma especial quer esta seja fixada pela lei, quer pela vontade
para a manifestação do consentimento (i). dos sugeitos; direitos que só podem exercer-se
Ora, tratando-se da renúncia de direitos imo- até um certo termo ou depois de certo termo
biliários (usufruto, servidão, fôro), desde que ela (termo final ou inicial, ad quem ou a quof ; direi-
envolce necessariamente, como já mostramos, uma tos que se adquirem ( p r e s c r i ~ ã oadqizisitiva ou
transmissão do direito renunciado, é manifesto e usocapião) ou se perdem ( prescrição extintiva ), em
ultra-evidente que está sujeita i regra terminante virtude do decurso de um certo período de tempo.
do art. 172a.O: <Todas as transmissóes de bens Por todos estes fnodos se manifesta a influên-
ou direitos imobiliários estão sujeitas a registo»; cja do .tempo como factor jurídico, embora muitas
e portanto precisa ser feita por documento escrito vezes não seja êle s6.a produzir tais efeitos, con-
idbneo para s E r registado, nos termos dos art. yqy." correndo outros elementos, como um certo com-
e seguintes e d o respectivo regulamento. portamento das pessoas, a sua inacção no exercício
por outro iado 6 necessário examinar sempre dos seus poderes legais, a situação subjectiva de
cuidadosamente os term~osda relação jurídica, por- boa ou má fé, a existência ou falta de um dado
q u e muitas vezes apresentam-se sob a forma de facto, de uma obra o u de um sinal qualquer.
reniinéia &tos que:são! verdadeiras-alienaçbes con-
tractuais, devendo em tal caso aplicar-se as regras
do respectivo -contracto, e não as pr6prias da re- .renhncza, mas de cedêncta ou transmissão temporária do direato
de iransformaçáo do prédio ( a r t . z 3 1 5 . ~ ) ,direito de proprie-
núncia (*). dade e imobiliário (art. 375.O, n." a.", 2 1 6 9 . ~ 2170.~,
~ 2188.°),
que, portanto, sii póde ser cedido ou transmitido por documento
escrito capaz de-ser registado.
(f) 53s Princápzos, r, pág. 597. Tendo sido consultado nesta questão, demos pois pare-
(2) E o que aconteceu, por exemplo, na celebre causa cer neste sentido, nem outro poderiamos dar, como sevê.
da c União dos Proprietariosa contra a firma Eduardo Mar- E assim se vê também a ignorrfncia, a inconsczêncfa ou a
tins, Limitada, arrendatária de um predio urbano da Autora, ma fi, com que alguem no nosso meio forense ousou insinuar
a o qual a R6 fez obras que transformaram bastante o prédio, que no nosso parecer fomos levados por interesse a emitir uma
sem ter para isso a autorização por escrito d a senhoria, que opinião diferente da que tinhamos escrito no lugar citado do
alias na escritura de arrendamento se exigia, defendendo-se volume.
depois na acção com a alegação de que a anteiior senhoria E' o cúmulo d a inconsciência ou da má fe! Como se
tinha autorizado verbalmente e tacitamente a s obras, renun- alguem neste país tivesse mais do que nós, em todas a s con-
ciando assim ao seu direito. junturas, demonstrado o desinteresse e o desassombm das
Ora, como se v& nitidamente, não se trata neste caso de próprias opiniões ! !
Não é possível formular regras gerais sdbre a A regra de contagem estabelecida nas nossas
influência do tempo na vida das relaçdes jurídicas, leis é a do cômputo civil segundo o calendário
dada a grande variedade da sua função de caso para gregoriano (c6d. civ., art. 560." e 561.0, c6d. com.,
caso. Podem porém ser definidos alguns princípios art. 311.O, c6d. de proc. civ., art. 68.0, § 5.'). Mas
a respeito da fixação e cômputo do tempo. é diferente o processo de contagem de anos ou de
A fixação de um momento ou de um período meses: emquanto que os anos se contam desde o
póde fazer-se, ou pela referencia directa ao calen- dia inicial ao dia correspondente do ano final,
dário (por exemplo, 5 de janeiro de 1900 a 18 de como por exemplo de 5 de janeiro de 1900 a 5 de
outubro de 191I , etc. ), ou pela indicação de qual- janeiro de 1920, os meses computam-se sempre de
quer das divisdes em que o tempo se distribui 30 dias, contando-se, por exemplo, três meses, a
( p o r exemplo, o prazo de oito dias, de dois meses, partir da data de 5- de janeiro, até 4 de abril, ori
trinta dias ou dois meses a contar da data, etc.). até 5, conforme o ano fõr ou não bissexto ; e sendo
E' sempre o calendário gregoriano que serve de a partir de 5 de março, irá o prazo até 4 de ju-
base, nos países em que é este o adoptado. Mas nho (I).
no segundo caso não é bastante consultar o calen- Dado o sistema do cômputo civil, é claro que
dário, para ter desde logo a noção exacta do desprezando-se a fracção do dia inicial, o período
momento em que cai o tempo indicado ou do inter- se alonga ou abrevia, em relação ao cômputo
valo necessário para o completar, sendo preciso natural, conforme se conta ou não êsse dia
estabelecer as regras da devida contagem. inicial.
Dois processos de cômputo são concebíveis : E o mesmo é de dizer a respeito do dia final,
o cômputo n a t u r a l , de momento a momento, de podendo admitir-se, tanto que o úitimo dia do
modo que um dia é o intervalo de 24 horas, con-
tadas a partir de um dado momento e completadas
no preciso instante em que são decorridas; e o contar-se assim (refere-se a contagem civil por dias fixos) os
cômputo civil, no qual um dia representa uma- dias, quando conste de um modo autêntico a hora em que o
facto se da, como nos nascimentos e nos bbitos, entendemos
unidade de tempo que vai da meia noite h meia que os dias são móveis *.. %

noite seguinte, e em que portanto o dia se conta Parece-nos, ao contrário, que essa disposição geral existe
por inteiro, isto é, desprezando a fracção de tempo no art. 561.0 do codigo civil. E por isso entendemos ate que
anterior i primeira meia noite, de modo que, por quando o juiz, por exemplo, 6xa um prazo & zq horas, 48 horas,
exemplo, o termo ou prazo de três dias a contar etc., deve entender-se que é prazo de dias, e portanto fazer-se
a contagem pela regra do art. 561.".
de hoje abrange, além do intervalo que vai até h
Mas concordamos com o Dr. Alves Moreira em que, tra-
meia noite, os três dias seguintes compietos ( I ) . tando-se de actos a efectuar em repartições públicas, os dias
teem menos duração, terminando o dia final no momento em
que a respectiva repartição fecha. Dr. Alves Moreira, pág. 384.
(1) Os dias contados momento a momento, de aq em 24 Diversa é a contagem dos meses, como p o ~exemplo
(1)
horas, oâo os chamados dias m h e t s . no código italiano, ex nominatione dierum, non ex computa-
aComo não existe, porém, escreve o Dr. Alves Moreira, tione, isto é, contando-se como os anos, desde o dia inicial até
no direito civil uma disposiçao geral em virtude da qual devam ao dia correspondente do mês final-Ruggiero, pag. 282.
termo valha como completo apenas começado consolidar e tornar inalterável aquele estado, ainda
(dies cueptus p r o completo habetur), como que quando não é possivõl demonstrar a legitimidade
s e exija o seu inteiro decurso para se poder con- da adquisição do direito que dêle deriva. E é
siderar vencido o termo. frequente falar-se de prescrição imemorial para
Ora quzniu ao diss inicial, diz Ruggiero, a legitimar tais situaçdes de facto. M a s rigorosa-
regra universalmente recebida pela tradição histó- mente não há que falar de prescrição, porque nas
rica é que se não conta, de modo que O termo relaçóes jurídicas em que é admissível êste modo
começa a decorrer no dia imediato- dies a quo de adquirir direitos ou extinguir obrigações, a lei
non computatur i72 termino. Quanto ao dies contenta- se com um período determinado de tempo,
final não vale para nós a regra romana-dies ul- que na generalidade das legislaçbes modernas não
tzmus coeptus p r o cornpleto hnbetur-; deve vai além de trinta anos.
decorrer inteiramente, para que o termo possa A essência jurídica do tempo imemorial, segundo
dizer-se completo, o que equivale- a dizer que o a concepção germânica, está, não pròpriamente em
dia final se conta no termo ( I ) . fundar no decurso d+otempo a legitimidade de uma
Tal é precisamente a doutrina consignada situação, mas em criar uma presunção de confor-
no art. 562.0 do nosso código civil, para a con- midade do estado de facto com a ordem jurídica, ,
tagem do tempo na prescric;ão, mas que por ana- sempre que a vetusta antiguidade daquele estado
logia (art. 16." ) deve considíerar-se como regra não deixa encontrar o titulo constitutivo do direito,
geral. e não se tenha a prova de que tal título existia ou
Um aspecto interessante que pode apresentar era legítimo.
, o tempo na sua função jurídica é a posse ou exer- Mas O nosso direito actual não reconhece O
cício de certas situaçdes desde tempos irnemo- instituto do tempo imemorial, como regra ou prin-
riais. cípio de modo ou título de adquisição de direitos.
NO tempo imemorial não h á que faliir de Não pode valer como prescrição adquisitiva d e
cômputo, porque não há uma determinada duração cousas ou direitos imprescritiveis, porque a lei não
de tempo, mas uma vetustas, um tempo indeter- permite a prescrição de cousas fbra do comércie
minado e antiquíssimo, do qual não é possível (art. 506."), como não permite também a prescri-
estabelecer-se o início, e que te= decorrido sôbre ção das servidões descontínuas e das não aparentes
um estado de facto, mantido inaIterável e cons- (art. 2273.0 ), por mais antiga que seja a sua posse.
tantemente, através de toda a sua duracão. E tambkm não pode valer como presunção de legi-
Quando um estado de facto dura assim há timidade da mera situação de facto, porque a lei,
tanto tempo, que vai alem da membria dos ho- quando excepcionalmente dá valor a simples posse
mens, pode falar-se de tempo imemorial ou ab de estado, para valer como situação jurídica, di-lo
imrnmorabili, como um factor que serve para expressamente, e ainda assim em termos muito
restritos, como faz, por exemplo, para o .estado
de casado, no art. 1084.0, que foi mantido n e
( 1 ) Ruggiero, pág. 281 e 282. art. 47.O do decreto-lei do casamento civil.
Mas isto não obsta a que ainda hoje se possa
invocar O tempo imemorial como título justifica-
tivo de uma situação que no domínio da legislação
antiga se pudesse estabelecer juridicamente, por
virtude da posse ou exercício desde tempos ime-
moriais ( 1 ).
E o que precisamente acontece com as servi-
does descontínuas e com as não aparentes, que
podiam constituir-se antigamente pela prescrição
imemorial, segundo o testemunho de Coelho da
Rocha ($' 599."), e que por isso foram resalvadas
pelo 5 único do art. 2273.'. A EFICACIA DA VONTADE
NOS ACTOS J U R ~ D I C O S

61. - Formação e manifestação do acto volitivo de carácter


luridico.
65. - Formação e conclusão dos actos juridicos. Forma da
manifestação ou declaração da vontade.
66. - Formas mais ou menos solenes ordenadas por lei ou por
. vonrade das parws.
6;. -A representação nos actos juridicos.
68. - Interpretação dos actos juridicos.
69. - Objecto ou conteúdo dos actos juridicos.
70. -A causa nos actos juridicos.
7 1 . - O problema d a c o n t r a d i ~ a oou discordância entre a von-
tade e a sua declaração. Teorias.
72. - InexistBncia da vontade real, por falta absoluta ou por
falta de seriedade. Reserva mental.
73. -Teoria do êrro: êrro na determinação d a vontade ou
êrro-vicio e êrro na declaração ou erro-obstaculo; êrro
essencial e acidental ; erro de direito e de facto.
74. -Erro sbbre a s qualidades do objecto : lesão e vícios redi-
bitnrios.
75. - Êrro geral e comum.
76. - Êrro causado por fraude; dolo ou má fé.
77. - A coacvão.
( 1 ) Ruggiero, pág. 283,
78. - A simulação.
79. - A teoria positiva da divergbncia entre a verdadeira von- tivo atentatório da moral pública ou por um fim
tade e a declaração. ilícito, que tenha sido induzido fraudulentamente
80. - Efeitos do acto jurídico para com as partes c para com por outrem, que a sua defiberação seja por tal modo
terceiros. O registo.
inconsciente que não saiba o que quer, ou que haja
64. FormaçHo e manifestação do acto volitivo de obedecido ã pressão irresistível de uma fôrça extra-
carieter juridico. - Abstraindo das concepÇ6es mais nha, e O direito não pode, porque não deve, reco-
ou menos transcendentes e subtis sôbre O processo nhecer a validade de um tal acto.
psíquico das decisdes da vontade, não pode duvi- A eficácia jurídica da vontade depende, pois,
dar-se de que todo o acto volitivo normal é o resul- de duas ordens de condiçdes : condiçdes internas,
tado de qualquer motivo ou fim, que imperou no que se referem h plena liberdade e consci&ncia do
espírito do agente, com força ou poder bastante acto volitivo, e condiçoes externas, que se tradu-
pira o levar h deliberação tomada. zem na sua exteriorização por uma forma suficien-
E' de pura intuição que O acto volitivo, em- temente clara e precisa, para revelar com a neces-
quanto se mantem no domínio interno da consciên- sária certeza a intenção do agente.
cia, sem nenhuma forma de exteriorização, não pode Na formação do acto jurídico concorrem os
produzir efeito jurídico algum, pois quc o direito dois elementos - a vontade e a sua declafação.
não deve nem pode regular vontades desconhecidas Não tem valor a declaração sem vontade, nem tem
ou ocultas. eficácia a vontade sem declaracão -qui aliud dicit,
Mas não se pense por isso que a lei se desin- qzcnm vult, neque id dicil, quod vox siqniBcat,
teressa do processo psíquico interno da determina- quia non vult, neque .id quod vult, quia i d
ção da vontade: pelo contrário, o direito deve non loquitur ( D . '34. 5 , 3 ) . O S dois elementos
tomar na devida .conta os motivos ou fins que im- são essenciais e conjugados, não podendo qual-
peraram no espírito do autor do acto, para medir quer dêles subsistir isolado ou suprir a falta do
O valor e alcance da sua eficácia jurídica. outro.
O s efeitos ou consequências, que a lei reconhece Evidentemente, diz Duguit, para que a decla-
e atribui a um determinado acto do homem, são ração possa condicionar a criação de uma situação
simultâneamente determinados e medidos pela in- jurídica é necessário que seja uma declaração cie
t e n ~ ã oda vontade e pelo interesse geral da colec- intenção ; o efeito de direito não pode nasaer senão
tividade ; quer dizer : quando um indivíduo pratica na medida em que existir a inten~ão. Quando a
um acto, tendo em vista certos fins, a lei não intenção é mais extensa que a declaração, o efeito
,reconhece todos os efeitos que o indivíduo porven- s6 se realiza nos limites da declaração, porque a
tura pretenda, mas sòmente os consentidos pelo intenção não existe em direito senão na medida
interesse colectivo ; e, por outro lado, não reconhece em que foi declarada. Mas a recíproca não é ver-
apenas estes, mas atribui também ao acto jurídico dadeira. A declaração não pode condicionar a for:
os efeitos que considera oportunos, independente- mação de uma. situação jurídica senao na medida
mente da vontade do sujeito. em que corresponde a uma intenção ; e por conse-
Que o agente se haja determinado por um mo- quéncia não se pode atribuir efeito aquilo que se
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declarou sem que haja a intenção correspondente modo que afinal o acto não vem a produzir os seus
do declarante» (1). efeitos.
E não basta, em regra, a manifestação externa Para os contractos dispde o art. 649.O: «Logo
da vontade, para se poder dizer que o acto volitivo que a proposta seja aceita, fica o contracto per-
adquiriu a sua consistência jurídica, ou que o acto feito, excepto nos casos em que a lei exige mais
jurídico está definitivamente formado ou concluído, alguma formalidade ». Mas tratando-se de con-
pois 6 necessário ainda que essa manifestação ou tractos entre pessoas ausentes, deve entender-se
declaração seja feita oportunamente e em forma que a aceitação pode-ser retirada emquanto não
legal. cliegar ao conhecimento do proponente, de modo
Sendo o acto jurídico bilateral ou unilateral, e que realmente, s6 a partir dêste momento se deve
no segundo caso com ou sem necessidade de ser considerar co~icluído ou perfeito o contracto ( I ) .
- conhecida de terceiros a deliberação da vontade, Para os actos unilaterais não há na lei regra
compreende-se fácilmente como diverso pode ser alguma, que fixe o momento da sua formação ou
o momento da conclusão do acto jurídico, e como conclusão, devendo por isso cntcnder-sc por ana-
diversas deverão ser as condições externas da ma- logia que, se a declaração da vontade deve ser
nifestação da vontade. feita ou dirigida a uma pessoa determinada,
o 2cto não fica concluido, nem mesmo for-
65. Formação e conclusão dos actos'jurldicos. Forma mado, emquanto essa pessoa não tiver conhe-
da manifestação ou declaração da vontade. - Para deter- cimento da declaração; se, porém, a declaração
minar o momento preciso em que o acto jurídico da vontade não tem que ser feita ou dirigida a
está apto a produzir todos os seus efeitos, 15 neces-- qualquer pessoa, o acto fica formado pela sua ma-
sário distinguir entre a sua formação e a sua con- nifestagão em forma legal. Mas, como já obser-
clusão ou perfeição. vámos, formação do ãcto não equivalc sempre a
O acto está efectivamente formado, feito ou conclusão ou perfeição. Por cortclusão ou per-
praticado, desde que a vontade se.manifestou na feição entendemos a completa idoneidade do acto
formação legal. Mas pode muitas vezes não ficar para produzir todas as consequencias jurídicas de
ainda nesse momeiito definitivamente formado, que êle é susceptível. Donde resulta que se não
isto é, concluído ou perfeito, podendo ainda ser pode haver perfeição sem formação, esta pode
retratada ou retirada a declaração da vontade, de existir sem aquela. A perfeição ou conclusão não
depende apenas da ma'nifestação da vontade, mas
pode depender também de outras circunstâncias,
( L ) Duguit, Traite de droit constitutronnel, I , pag. 238 que nem sempre se verificam ao tempo da forma-
e 239. Note-se entretanto que este principio da necessária ção, podendo dar-se Em tais casos
coexistência e coincidència da vontade com a sua declaração é
verdadeiro em regra, isto 6, como um principio normal. Mas,
como veremos pelo estudo das relaçdes entre a vontade e a (1) Os P r i n ~ i j z o s ,I , pêg. 477 e seg. É assim que se
declaração (infra, n.° 7 1 e seg.), nem sempre Ble é susceptível deve entender a idga de que o nosso chdigo adoptou a teoria
de realização nas relaxdes praticas ou efectivas da vida juridica. da declaração para a formação dos contractos entre ausentes..
o acto está formado, mas sòmente quando estiver E assim se vê como o primeiro reiuesito ou
concluído ou perfeito se torna eficaz. Assim o elemento essencial de todo o acto jurídico A a
testamento está formado quando o testador declara capacidade do sujeito, como necessário presuposto
a sua vontade por alguma das formas reconhecidas de uma normal deliberação e manifestação de von-
pela lei ; mas não é desde logo um acto concluída tade ( 1 ) .
ou perfeito, porque a sua eficácia s6 pode ter lugar A manifestação da vontade pode ser tanto
com a morte do testador. Do mesmo modo o s expressa como tácita : « A manifestação do con-
actos dependentes de condição suspensiva s6 se sentimento pode ser feita de palavra, por escrito,
consideram perfeitos pela realização da condição. ou por factos donde êle necesskiameniese deduza,
Ora a determinação das condiçoes ou circuns- diz o art. 648.".
tâncias em que os diversos actos se tornam per- Mas qual é o critério distintivo entre a mani-
feitos não pode fixar-se por uma regra geral, mas festação expressa e a tácita?
s6 pode fazer-se a propósito de cada um deles ( I ) . Na doutrina comum diz-se que a manifestação
Para que o acto jurídico possa considerar-se é expressa quando a s formas ou meios sensíveis
formado, isto é, para que haja de facto um acto empregados teem por objectivo directo e imediato
jurídico (abstraindo do grau da sua eficácia, isto é, - a declaração da vontade, e tácita quando o com-
da sua validade ou nulidade ), é pois necessário e portamento exterior da pessoa tem qualquer outro
suficiente que a deliberação da vontade se exterio- fim e só indirectamente revela a sua vontade.
rise, isto é, se manifeste exteriormente por formas E nesta orientação alguns autores, como Colin et
ou meios sensíveis. Capitant, julgam mais expressiva a terminologia
Mas, para que o acto seja plenamente eficaz, de manifesl'apZo directa e indirecta da vontade (%).
não é bastante a sua formação ou existência mate- Coviello, observando que muitas vezes se mos-
rial: & além disso necessário que a manifestação
da vontade seja clara, livre e conc;.ciente(art. 647.0,
s i o requesito d a clarela, que e essencial a perfeição do acto.
656." e seg. ) e que, portanto, a prbpria formacão Alguns autores, como Dnguit, entendem que é mais exacto
interna do acto volitivo seja igualmente livre e dizer-se declaração d a zntenrão, entendendo-se por zn2enção a
consciente, pois que s6 assim, coincidindo a von- consciência do objecto mediato d a vontade, de modo que nesta
tade interna ou real com a vontade externa ou terminologia a vontade real é a intenção e a vontade decla-
declarada, é que o acto sera merecedor do reco- rada é a declaração d a intenção -Duguit, pág. 216, 237 e seg.
Mas neste lugar não temos já que expor os pnnci-
nhecimento e da protecção da lei ($). ( 1 )
pios relativos a capacidade, porque os analisamos no primeiro
volume, a propósito das obrigações contractuais ( n.' 91 ), e no
segundo capitulo dêste volume, a propósito das pessoas.
( Coviello, pag. 317 e 348, onde se equipara a conclu- (2) Os Przncipzos, I , pág. 482 e 483; Colin e t Capitant,
são a formação, distinguindo-se a perfeição nos termos indica- ri, pag. 274. Mas estes autores, no tomo I, pág. 66, sobre os
dos. Nos preferimos equiparar-conclusão a perfeição. actos juridicos em geral, adoptam a teoria do art. 6480 do
(2) Emprcgarnos indiferentemente a terminologia cor- nosso código, chamando declaração expressa a que s e revela
rente de mantfesta@o ou declarayão d a vontade, embora con- ou traduz por palavras ou por escrito, e tacita a que resulta de
sideremos mais técnica a palavra declaração, por exprimir e& quaisquer factos donde ela se deduza lògicamente.
tra indeciso o critério para distinguir quais factos quer o haja sido expressamente, quer apenas aci-
teem o fim directo de manifestar a vontade e quais tamente.
O não teem, julga preferível dizer que há manifes- O certo é que a manifestação expressa realiza-se
tação expressa quando os meios sensíveis empre- ~rdinàri~amente por meio da linguagem, que tanto
gados s a ~ segundo
, a opinião dominante na vida pode ser faladã ou escrita, como simplesmente
prática ou ainda segundo especial acardo das par- mímica. A manifestação de vontade por meio de
tes, destinados a manifestar a vontade interna; e gestos ou acênos de cabeça, sinais especiais usados
manifestação tácita, quando os factos não teem com os surdos e mudos, etc., são verdadeiras
aquele fim ou destino, mas sáo tais que deles se formas de manifestação expressa. Manifestação
deduz a vontade de quem os pratica. E assim o expressa por meio da linguagem falada tem lugar,
próprio silêncio é uma manifestação expressa, se não s6 quando as palavras sáo pronunciadas pela
entre duas ou mais pessoas, que se encontram em pr6pria pessoa que exprime a sua vontade e im-
relaç0es de negbcios, foi convencionado que o pressionam directamente o ouvido da pessoa a
silêncio guardado por um certo tempo valerá como quem se dirige a declaração, mas também quando
afirmação ou negação ; e há vontade expressa tam- o declarante se serve de outra pessoa que trans-
bém, embora implícita, quando feita por palavras mite as suas palavras, como acontece nos contrac-
que carecem de interpretação, por serem indeter- tos celebrados por meio de um emissário, inter-
minadas, ou que por serem impróprias exprimem mediário, intérprete ou corretor, ou de um aparelho
no seu significado natural menos do que aquilo que mecânico, quer êste simplesmente transmita as mes-
se quis dizer ( '). mas palavras pronunciadas, como o telefone, quer
Mas, a bem dizer, a verdade é que o tão dis- as recolha e reproduza por grafía, como o telégrafo,
cutido critério d e distinção entre vontade expressa ou pelo som, como o fon6grafo ou gramofone.
e vontade tácita B questão de puro bisantinismo, hlanifestação expressa por meio da linguagem
de reduzido interesse te6rico e de nenhum valor escrita tem lugar, não s 6 quando é escrita pelo
prático: de nada vale decidir se uma vontade des- prhprio punho de quem declara a sua vontade OU .
tinada a produzir efeitos jurídicos se manifestou por outra pessoa a seu rogo, mas também quando
expressa ou thcitamente; o que importa averiguar se emprega a máquina de escrever, a litografia ou
é se se manifestou efectivamentz ou não, pois a imprensa.
que, uma vez manifestada, os efeitos são iguais, O que mais importa, e é mais difícil, 6 deter-
minar com precisão a eficácia da manifestação tácita
da vontade, decidir quando 5 que existem real-
(L) Coviello, pág. 356 e 357. Alguns autores, como Les- mente os facta concíudentia, isto é, facta ex
sona (P,rona, v , n: 66 e seg. e autores ai citados ) ainda distin- quibus voluntas cancludi potest.
guem entre vontade tácita e vontade presumida. Mas, como
justamente observa Coviello, esta distinção não tem razão de O facto, para ser concludente, diz Coviello,
ser, quer s e trate das presunçdes do julgador, quer s e trate de deve ser univoco e não equivoco, isto 6 , deve ser
presunções legais, porque na verdade a vontade presumida é incompatível com uma vontade contrária aquela
sempre vontade tácita. que dêle se deduz. Mas não é necessário que tal
incompatibilidade seja lógica e absoluta, bastando formalismo jurídico, muitas vezes de carácter reli-
que seja prática e relativa, tal como resulta do gioso e quási sempre mais ou menos simbólico,
conceito dominante na vida prática dos negbcios. foi substituído no direito moderno pelo princípio
Facto concludente pode ser qualquer facto material consensualista da livre manifestação da vontade
ou jurídico, e também uma declaração expressa de jurídica, independentemente de quaisquer formali-
vontade que tenha outro fim. PorLm um facto dades ou solenidades, salvo nos casos em que a lei
que, segundo o modo comum de pensar, deva con- as ordena expressamente, entretanto é também
siderar-se como manifestação de uma certa vontade, certo que são ainda muito. numerosos os actos
pode perder essa significação quando seja acompa- jurídicos em que a lei efectivamente exige formas
nhado de um protesto ou reserva. O protesto mais ou menos solenes, quer como requesitos
não é outra causa senáo uma declaração expressa essenciais A validade ou existência jurídica do
de vontade com que uma pessoa, tendo praticado acto, quer como simples meio de prova, assim
ou querendo praticar um dado facto, exclui a pos- previamente estabelecida e assegurada, chaman-
sibilidade de se atribuír a êsse facto o alcance que, do-se por isso a prova preconstituida.
sem o protesto, se lhe atribuiria. A reserva não é Com efeito a lèi ordena em muitos casos O
senao o protesto relativo a um facto que poderia cumprimento de certas formalidades. Mas nem
interpretar-se como renúncia a um direito. Mas sempre o preceito legal tem o mesmo alcance.
nein sempre o protesto ou a reserva pode ter a Umas vezes as condiçdes de forma são impostas
pretendida eficácia: não a tem quando estiver em sob pena de nulidade do acto, sendo então formas
contradição flagrante com o facto praticado. Em necessárias para a manifestação da vontade, e cons-
tal caso, o facto prevalece sôbrt: a declaracão con- tituem elemento essencial do acto jurídico ( a d
trária, tendo aplicação a máxima «protestaiio substanttam vel solemnitatem ). Outras vezes
contra j a c t a m n o n valet» ( 1 ) . são exigidas, não sob a pena de nulidade, mas
Note-se, finalmente, que por manifestação tácita apenas como necessárias para os fins da prova ( a d
ou indirecta da vontade pode valer também o stlên- probationem t a n t u m ) , sendo então o acto válido,
cio de uma pessoa, quando por virtude de relacões mas não podendo ser provado pelos meios ordiná-
em que se encontra com outra, a sua atitude silen- rios, designadamente por testemunhas ou simples
ciosa, em face de um facto qualquer, deva necessa- presunç0es (art. 2519."), podendo sê-10 entretanto
riamente ser interpretada como assentimento ou pela confissão judicial ( art. 2 4 1 2 . ~ou
) extra-judicial
compromisso num certo sentldo (art. 2416."). Todavia deve notar-se que a falta de
documento autêntico, nos casos em que a lei o
66. Formas mais ou menos solenes ordenadas por exige, nem por juramento ( art. 2523.') pode ser
lei ou por vontade das partes.- Se é certo que o antigo suprida, ainda que se trate de formalidade ad pro-
bationeriz t a n t u m ( l ). Algumas vezes certas forma-
(I) Coviello, págs. 357 e 358.
( e ) Os Przncip~os, r, págs. 483-486. Contra Coviello,
pags. 357 e seg. (l) Os Prznczpios, r , págs. 455 e 456.
lidades sáo necessárias sòmente para a publicidade 5.O
O s arrendamentos sujeitos a registo ;
do acto, como o registo, a notificação da cessão 6." O s trespasses de estabelecimentos comer-
de créditos; e então a falta da formalidade apenas ciais ou industriais ;
torna o acto ineficaz em relação As pessoas em favor 5." As partilhas e divis6cs extrajudiciais de
de quem foi estabelecida ; mas, de resto, O acto é bens e direitos mobiliários e imobiliários ;
válido e eficaz nas relações entre as partes. Final- 8." O s mais actos e contractos para que a lei
mente certas formalidades são de carácter mera- exigir expressamente documento autêntico e extra-
mente fiscal, como as do sêlo, e então a sua falta oficial.
tem em regra apenas a sanção da multa. E o 8 I." do mesmo artigo diz que é obrigatória
Quando a lei exige que um acto seja revestido a escritura pública para os actos e contractos nele
de uma dada forma, sob pena de nulidade, é evi- especificados, de valor excedente a 50- (deve
dente que o acto praticado sem essa forma é nulo ler-se 300@00, em virtude da lei n." I 552 ), podendo
(art. ro."), não podendo a falta ser suprida por todos os outros ser lavrados por instmmento fora
simples confirmação ou ratificação posterior, a não das notas, registado po livro competente.
ser que seja a renovação do acto na devida forma, Ora, em face da disposiçilo do corpo do artigo,
nem podendo tão pouco ser sanada a nulidade por parece que o documento a u t h t i c o necessário para
meio de confissão judicial, pois que, no consenso aqueles diversos actos é ad probationern tantum.
unânime dos autores. as leis da forma externa dos Mas a verdade é que a escritura piiblica C para a
actos são de interesse e ordem pública ( 9 Ún. do 'maior parte deles exigida pelo c6digo civil ad
art. 10." e art. 24.0). substantiam. E deve entender-se que o decreto-
E para se entender que uma determinada forma -lei do notariado s ó revogou o código civil na
6 ordenada sob pena de nulidade, não é necessário parte em que exige documento autêntico, para
que a lei o diga expressamente, stndo bastante que actos que segundo o código podiam ser celebrados
O preceito legal não possa Ibgicamente deixar de por documento particular.
ser interpretado neste sentido. É o que acontece, Simplesmente, como já observlmos, em face
por exemplo, com os preceitos dos artt. 1244." e dos artt. 2428: e 2523.0, a q'uestão não tem impor-
1250.', que exigem a escritura pfiblica para a consti- tância prática, porque nos casos em que a Lei exige
tuição de certas sociedades universais e particulares. documento autêntico, a falta dêste não pode ser
O art. 6 3 . O do decreto-lei do notariado deter- suprida por qualquer outro meio de prova, salvo
mina que s6 por documento autêntico podera quando a lei o permitir, como nos actos do registo
provar-se : civil, sendo indiferente que a forma autêntica seja
I." As transmissões de bens ou direitos imo- exigida ad probationem ou ad substantinm.
biliários, excluídos os fundos imobilizados ; Relativamente B forma escrita por documentos
2." As hipotecas convencionais ; particulares, 6 de notar cm primeiro lugar quc O
3.O As cessões de créditos hipotecários ; código, nos casos em que a ordena, umas vezes se
4." As cessões de quotas ou partes do capital limita a exigir documento particular sem ordenar
das sociedades por quotas ; mais formalidades (art. 1458."~n." z."), e outras vezes
ordena formalidades diversas (artt. I 3 2 1 1322.~~
.O, cular, deve produzir os seus efeitos entre a s
1434."~14j9.", 1534." e 1 5 9 0 . ~5 ~I."). . próprias partes como arrendamento por quatro
Mas, sejam quais forem essas formalidades, anos.
parece-nos que mesmo quando a lei exige O docu- « A opinião contrária, diz Coviello, que s e
mento particular ad substnntiam, como, por exain- funda s6bre uma pretensa inscindibilidade do con-
plo, quando diz que a doação de cousas mobiliá- senso, B simplesmente especiosa. Não se scinde
rias, sem tradição, s b pode ser feita p o r escrito O consenso; apenas se limitam os efeitos jurídi-
(art. 1459.O, z."), nunca a forma escrita é da cos do consenso manrfestado; reconhecendo-lhe
essência do acto, no sentido de a sua falta importar sòmente a eficácia que, na falta da forma escrita,
a inexistência ou nulidade absoluta do mesmo acto, a lei torna possível, e não aquela que praticamente
pois que e m todo o caso a prova da sua existência as partes se propunham, (I).
pode fazer-se pelo juramento decisbrio, como resulta Além das formas ordenadas por lei, acontece
não só do disposto no art. 2523.', mas ainda mais muitas vezes que também as partes estipulam em
completamente do confronto dêste artigo com o seus contractos formalidades especiais para certos
art. 2428.O, conjugado com o facto de não haver actos, que por lei podem fazer-se livremente por
para os documentos particulares preceito seme- qualquer forma. Uma semelhante estipulação pode
lhante ao dêstes dois artigos ( I ) . ter em vista diversos fins: para condicionar a pr6-
Em segundo lugar deve notar-se que algumas pria existência jurídica do acto a praticar ( a d subs-
disposiçijes do código civil sôbre a forma escrita t a n t i a m ) , apenas para lhe dar maior solenidade
por documento particular foram modificadas pelo ( a d solemnitateriz), ou para condicionar a sua
art. 63." do decreto do notariado que exige instru- prova ( a d p r o b a t i o ~ ~ e m ) . .
mento público para actos que segundo o código I Alguns autores entendem que tais estipulações
podiam ser feitos por documento particular, e pela não teem validade, porque envolvem modificaçòes
lei n." 1552, que elevou a tresentos escudos o valor ou restriçóes das leis reguladoras da forma dos
da eficiência do documento particular. actos jurídicos, que são de interesse e ordem
A ineficácia do acto jurídico por defeito de pública, e por isso não podem ser alteradas por
forma pode ser apenas parcial, quando a formali- vontade dos particulares.
dade seja exigida além de certos limites ou para E na verdade assim é em princípio. Mas den-
certos efeitos. Assim o decreto do notariado tro dos limites dêste princípio há muitas formali-
(art. 63.O) exige documento autântico para os dades que os interessados podem estipular, sem o
arrendamentos sujeitos a registo. Entendemos, por ofender.
isso, que um arrendamento por cinco anos sem Desde que se não estipulem formalidades con-
antecipação de renda, feito por documento parti- trárias A lei, nem se dispensem fornialidades por
lei exigidas, nem se restrinjam os mcios legais d e

( 1 ) Em sentido contrário, Dr. Alves Moreira, págs. 691


e 722. Cf. OS Princifiios, i, págs. 455 e 456. ( 1j Coviello, pág. 366.
prova, nenhum princípio de interesse e ordem adiantada da evolução jurídica o instituto foi tkcni-
pública se opõe As esti.pulações conttiatuais ( 1 ) . camente organizado. O direito romano quási o
desconheceu; previu-o, mas não o criou.
67. A representação wos actos juridicos. -Nas Com efeito, o direito romano na0 admitia que
-
relaçdes da vida frequentemente uma pessoa pra- um acto jurídico pudesse fazer nascer direitos e
tica actos jurídicos em nome e no interesse de obrigagões em pessoas diversas das que nele tives-
autrci pessoa, de tal modo que os efeitos se inte- sem tomado parte. Partiu desta idea simplista:
gram directa e imediatamente no esfera jurídica da aqueles que não foram partes num acto jurídico
pessoa em nome da qual são praticados os actos. não podem por via dêle tornar-se proprietários,
Tal C o instituto da representação nos actos juridi- credores ou devedores. A representação era por
cos: actos praticados por uril iepresentante em isso uma impossibilidade jurídica na doutrina dos
nome do representado. jurisconsultos romanos.
A representação desempenha um papel impor- Isto porém não quer dizer que o direito romano
tantíssimo e de grande utilidade nas relaçaes da não admitisse que os interesses de uma pessoa não
vida jurídica. Há incapazes que não podem exer- pudessem ser realizados por meio de outra pessoa,
cer por si os seus direitos e cumprir suas obriga- pois que um tal processo 6 não só Útil mas pràti-
ções, porque lhes falta o necessário discernimento: camente indispensável, e os romanos aplicaram-no
a lei nomea-lhes então um representante, por meio à gestão dos bens dos menores e aos actos prati-
d o qual o incapaz se torna proprietário, credor ou cados por mandato ou procuração. Mas davam a
devedor, como se fosse êle mesmo a praticar os tais operaçóes uma estrutura jurídica muito dife-
respectivos actos. .Por outro lado há indivíduos rente do instituto da representaçáo. Os efeitos do
capazes, mas que por circunstâncias diversas (ausên- acto praticado por um representante integravam-se
cia, inexperiência, multiplicidade de ocupagõcs, na esfera jurídica da própria pessoa que o prati-
etc. ) se encontram de facto na impossibilidade de cava. E o representante devia depois, por outro
praticar muitos actos que lhes interessam: em tais acto, transmitir ao verdadeiro interessado os direi-
casos o instituto da representação facilita a essas tos que para êle tinha ndquirido, do mesmo modo
pessoas o desenvolvimento da sua actividade jurí- que o representado devia desonerli-10 das obriga-
dica, sem a sua intervenção pessoal directa. E há, ções que por &le tinha contraído. Dava-se assim
finalmelite, toda uma categoria de pessoas, as colec- um desdobramento iilutil, complicado, e muitas
tivas, que se encontram na impossibilidade mate- vezes prejudicial, nos actos praticados por uma
rial de exercer a sua própria actividade: exercem-na pessoa por conta de outra. O gerente e o repre-
pelos seus representantes. sentado sofriam frequentemente os prejuízos resul-
Pois, apesar do vasto alcance e da grande uti- tantes da respectiva insolvência.
lidade da representaçáo, s6 numa fase já muito Foi por isso que os jurisconsultos romanos,
sem abandonar o seu critkrio, mas obedecendo à
pressão das necessidades práticas, trataram de intro-
(1) Coviello, pág. 366. duzir no sistema uma série de reformas no sentido
de simplificar a formação das relações jurídicas a querer e manifestar a-+a pr6pria vontade, todavia
entre o verdadeiro interessado e os terceiros. O s nada impede que .autrem pogsa substituir-se-lhe,
actos praticados pelo intermediário continuaram a tanto na p r r S p r ~dete~miqiiçãointerna da vontade,
produzir os seus efeitos em relação a êle; mas ao como sdmenLe-na sua deq!qpç@o, funcionando como
mesmo tempo foram instituindo diversas nctiones simples instrumento de transmissão. Num e outro
ufiles, destinadas a efectivar as relaçdes entre o caso há ~epresentaçáoerq:ssntido lato ; mas repre-
verdadeiro interessado e os terceiros que houvessem senta90 00 sentido técnico os juristas chamam
tratado com o seu representante. Desde êsse exclusivamente ã primeira- Representante, com
momento póde dizer-se que o instituto da repre- efeito, não é o nztntdus, a quem alguém comete
sentação estava concebido e preparado para o mundo o encargo de comunicar a olrtren* a a u a prbpria
jurídico; faltava apenas cortar o cordão umbilical, vontade: é um simples 6rgáo de transmissão.,de
isto é, suprimir o sistema de direitos e obrigações uma declaraçgo, um instrumeqto de c~modidade,
anexas i pessoa do intermediário, e admitir que a que não difere grande cousa de qualquer outro
relação jurídica se fonnava directamente, por cima meio material d e que nos servimos para comunicar
da sua cabeca, entre o representado e os terceiros. a nossa vontade, como o correio ou o telégrafo.
O direito romano não chegou, porém, a realizar É necessário, pois, para que haja representação,
esta concepção, que só nasceu mais tarde, desen- que na própria vontade se dê a substitui'ção de uma
volvendo-se pela acção combinada do direito canú- pessoa por outra, de tal modo que seja a própria
nico, germânico e francês ( I ) . vontade do representante a actuar, e não a do
Mas qual é O exacto conceito da representacão? representado : a-vontade que o primeiro declara é
Por via dela O representante, nos actos jurídicos a sua própria, com êsteOparticular efeito, porém,
que pratica no interesse e em nome do represen- que vem a ssr considerada como a vontade do
tado, faz uma declaração da sua própria vontade, segundo ( 1 ).
ou limita-se a ser o transmissor, ou quando muito, Na mesma ordem de ideas diz Coviello : c Para
o intérprete da vontade do representado? que haja representação, é necessário que uma pessoa
Os autores da moderna escola italiana, se- declare a própria vontade em substituição da von-
guindo a orientação germânica, começam por afir- tade de outrem, de modo que o representante n ã ~
mar dogmaticamente que o verdadeiro conceito é simples órgão tiansmissor da vontade do repre-
técnico da representacão só existe quando o repre- sentado, nem mesmo quando deva agir nos limites
sentante faz uma declaraçao da sua própria von- das instruçOes recebidas, pois é a declaração da
tade. sua própria vontade que constitui o acto jurídico,
Assim se exprime Ruggiero : s Se normalmente e as instruçoes que lhe foram dadas servem apenas
quem pratica um acto jurídico deve ser êle mesmo para julgar se excedeu ou não os seus poderes.
Isto parece evidente na representação das pessoas

(1) Girard, Manuel de drott romain, pag. 675 e seg.;


Colin et Capitant, pág. 88 e 89. ( 1) Ruggiero, pág. 246.
28
jurídicas e das pessoas fieicas incapazes; mas não Dêste modo define-se o conceito da represen-
é menos verdade nos casos de representação volun- tação pela conjunç2o de dois requèsitos ou ele-
tária, em q u e há sempre n o representante uma mentos caracteristicos :
certa liberdade na declaração da própria vontade a ) a declaração da própria vontade do repre-
em Tez da de quem lhe conferiu o poder de repre- sentante em vez da do representado ;
sentação. Quando as instruçoes forem circunscritas b ) a pratica d o acto em nome e no interesse
de modo a não dar lugar a qualquer liberdade de do representado, ou seja, a atfibuitão dos efeitos
acção da pessoa encarregada de proceder em nome jurídicos a pessoa do representado.
de outrem, não h6 representaçáo. E assim s e distingue a verdadeira representação
Daqui se segue que emquanto o representante da simples prática de actos por meio de um inter-
. deve ter ao menos a capacidade natural de querer, mediário ou interposta pessoa, que ou apenas serve
pode exercer as funções de nuntius uma pessoa de meio transmissor da vontade do mandante, como
naturalmente incapaz, desde que saiba repetir em- acontece no mandato com poderes inteiramente
bora maquinalmente as palavras que lhe forem limitados, ou procede no interesse e por conta do
ditadas, como uma criança, ou um idiota » ( I ) . mandante, mas em prbprio nome e sem estabelecer
qualquer relação jurídica entre a pessoa por conta
de quem trata e aquela com quem trata. De modo
( I ) Coviello, pág. 100. Continuando a expor o conceito
que, embora o resultado prático final venha a ser
de representação, indica como exemplos importantes de negó-
cios realizados por meio de nuntius os dos corretores e os dos
o mesmo nas duas espécies, representaçãu e inter-
comissários, que não são repres-entantes, mas agentes interme- posição de pessoa, conclui Covielo, no aspecto
diários bilaterais, que transmitem a uma parte a vontade da jurídico os dois institutos são essencialmente dife-
outra e reciprocamente. E depois explica que estes casos, rentes ( 1 ) .
como os do mandatário e do gestor que procedem em pr6prio
nome, bem como o do mandatário em nome.do mandante, mas
com poderes restritos a certos actos e sem nenhuma espécie dante, como é expresso no nosso art. 1318.0. D e modo que,
de libèrdade de acção, devem antes representar-se por uma segundo o código italiano, os corretores e os comissários, não
figura de interposição de pessoa, e não confundir-se com a são representgtes, mas são mandatários. Segundo o nosso
representação pròpnamente dita, sendo apenas casos de repre- cbdigo não são representantes, mas também não são manda-
sentação imprbpria, ou indirecta, ou mera representação de tários, no sentido do código civil pois que não procedem em
interesses. nome do comitente.
É de notar qiie os aiitores italianos podem dizer que não Apenas são mandatários no sentido impróprio do código
deve confundir-se o mandato com a representação voluntária, comercial (art. Z ~ I . ~266.'
, e seg. 66P, n.° I.", 68.", nO. 4.O),
havendo mandatários que não são representantes, como os impropriedade que resultou naturalmente d a imitagáo do cbdigo
corretores e os comissários, porque a definição do mandato italiano.
no código italiano é essencialmente diversa da do nosso. Diz o De resto, a verdade é que no sistema do nosso código
art. 1737." do código italiano : c I1 mandato é un contratto, in todo o mandatário prbpriamente dito, isto é, que procede em
lorza de1 quaie una persona si obbliga gratuitamente o mediante nome do mandante é necessariamente seu representante, sen-
un compenso a compiere un affare per conto di un'altra persona do-o até os corretores quando autorizados revelem a um d o ~
d a cui ne ha avuto l'incanco S. No mandato italiano não há, comitentes o nome do outro ( cod. com., a r t 68.O, n.O 4.", e 76.").
pois, o requesito de o mandatário proceder em nome do man- ( 1 ) Coviello, pág. 401.
Mas :é: fácil yerifiqr, que a d-tri-na da declia- veiu, e nenhuns A pessoa que os pratica, o que à
' ragão, d+ 'própri?. vontade do representante é primeira vista parece um contrasenso jurídico.
insuficiente e inexacta para definir o conceito da O s autores áfemães, por'seti lado, -levados
represeqj.a&ão. naturalmente pelo seu espirito dogmático de sis-
A teoria da vontade do representante apareceu tematização e seduzidos apeTâ-imifaçãó do direito
natu~alrnentec o e 0 reacção contra a cMssica teoria público, construirahi a suá tebria da representação
aetafisica da .@ção, dominante na esc-ola francesa, civil B imagem e sémelhanç'â . ãa "representação
e segundo a qual se supoe que Q representado polática. ., . - i >...
i :.. , .
-r.? i 1,.,

manifesta a sua vontade por intermédio do repre- Pasto margem' o s-iktenia de'WiiGd&to idj3e-
sentante: o representante é, por assim dizer, O rativo, 6s repre&tántes'políticos éxbimem, com
-
veículo da vontade do representado q u i m a n d a t efeito, as suas pr6pfias opiniões e'vontade, etg vez
ipse,fecisse videtur. dos desejos é interesses individuais dos seus man-
Compreende-se bem como esta explicação foi dantes ou eleitores, -e daí vefu naturalmente a. i'dea.
alvo de justas críticas. E os pr6prios autores de aplicar o mesmo-eritkrjo representação de
franceses da escola moderna reconhecem que ela direito privado. i'

não se ajusta à realidade da vida jurídica, não s e Mas a idea não nos'parece feliz, sendo mesmo
conciliando bem com o instituto da gestso de contrária à realidade dos factos. -
negócios, e mostrando-se inaceitável sobretudo Com efeitõ, a vontade nõs actos jurídicas dos
quando o representante não é escolhido pela von- representantes não 8, em princípio, ou jufidiea-
tade do representado, mas pertence a categoria dos mente, a sua-própria vontade, mas sim a~dosrepre-
mandatários legais. E por isso dizem que mais sentados, ou pelo menos a que deve presumir-se
vale reconhecer muito simplesmente que, no es- que seria a deles,se pudessem exprimi-la.
tado actual do Direito, um acto jurídico pode Esta concepção t5 fáci t de verifiear nos diversos
fazer atribuir os seus efeitos a uma pessoa diversa tipos de representaçgo.
de quem o pratica. Assim o acto feito por um Os diversos tipos de representação teem a sua
representante apresenta um duplo aspecto : por origem em causas aiversas, reduzindo-se a duas
um lado é o representante quem pratica o acto; as fontes imediatas dos poderes~dasrepresentantes:
mas por outro os efeitos do acto são atribuidos a lei e a vontàde dos repfesentados.
à pessoa cio representado (I)] Lega2 6 a representa-@o conferida As pess'oas
A moderna doutrina francesa tem o mérito de que, em virtude do seu cargo ou função especial,
ser muito simples, nítida e realista. Mas tem o ou em virtude de uma situação familiar, exercem
defeito da sua excessiva simpiicidade: deixa afinal os direitos e obrigações dos incapazes e das pessoa9
sem explicação o facto de se atribuir todos o s colectivas : é com efeito a lei que em regra orga-
efeitos do acto a uma pessoa que nele não inter- niza a representação civil destas duas categorias
de pessoas, intervindo por vezes tamb8m a vontade'
de alguns dos .representantes legaís na escolha de
(1) Colin et Capitant, pág. 90. outros representantes (twteia testamentária.e dativa,
eleição de ahefes, directores ou administradores mandatário fóra dos limites do seu poder de re-
nas pessoas cdectivas de tipo corporativo). Mas presentação, persiste num estado de pendência até
niío há representnçãq quando para os actos de uma que intervenha a ratificação, não podendo produzir
pessoa parcialmente incapaz a lei se limita a exigir efeitos, nem para o interessado, porque nele não
a intervenção ,ou assistência de outra pessoa, não tomou parte, nem para o gestor, porque tratou em
a título de representante, mas para integrar a imper- nome de outrem e n a em seu próprio nome.
feita capacidade daquela pessoa ( autorização mari- Dada a ratificação, esta prwede retroactivamente,
tal, outorga da mulher, assistência do curador do e os efeitos do acto consic$eram-se produzidos desde
interdito p q prodigalidade, etc..). o início, salvos os direitos adquiridos por terceiro
Voluntdria é a representaç& resultante do ( art. 1726.") (1).
contracto de mandato ou procuradoria, em virtude Vê-se, portanto, que nos actos de representa-
do qual alguem se encarrega de prestar ou fazer çáo voluntária o que vale afinal 6 a vontade do
alguma cousa por mandado e em nome de outrem representado. E assim s e explica perfeitamente
(art. 1318."), e ainda dos actos ou factos jurídicos que os actos praticados pelo representante sejam
de gestão de negbcios, pelos quais alguém se atribuídos ao representado.
intromete sem prévia aut~rizaçãonos negócios E acontecer6 ou não juridicamente o mesmo
de outrem (art. 1723."). na representação legal?
No caso de gestão de negócios, ao qual deve Parece-nos que a resposta não pode deixar de
equiparar-se o caso de mandato quando o manda- ser afirmativa.
tário excede os poderes que lhe foram conferidos Quer se trate de representação de incapazes,
pelo. mandante, não pode -natumimente dizer-se quer de pessoas colectivas, os representantes teem
que o acto jurídico vale como praticado pelo repre- sempre a sua vontade subordinada aos poderes
sentado, pois depende da vontade d&ste apropriar que lhes são conferidos pela lei, pelo acto de cons-
ou não os seus efeitos (artt. I J ~ I . ~ 1353.",
, 1726.', tituição ou de fundação ( estatutos ), e pela vontade
I 730." ). A vontade manifestada pelo mandante ou colectiva da sociedade ou associação, expressa nas
pelo dominas negofii, e destinada a fazer seus os deliberaç&s das assembleas. Em todos os casos
efeitos do acto, é o que se chama a ratlficacão, se trata sempre de exprimir, interpretar e executar
que outra cousa não é senão a aprovação do acto a vontade real op presumida do representado.
praticado sem precedente autorização. A ratifi- Tudo isto mostra bem que, ao contrário da
cação podc ser expressa ou tácita, conforme a represcntação política, na representação de direito
aprovação é formalmente declarada ou resulta 1ò- privado o que prevalece é o princípio do mandato
gicamente de factos concludentes praticados pelo imperativo: o representante deve pôr em acção,
interessado. Expressa ou tácita, a ratificação tem não a sua prbpria vontade, mas sim a do repre-
o eieito.de revalidar o acto como se êle fosse pra- sentado.
ticado nos limites dos poderes conferidos no man-
dato - ratihabitio mand~ito comparatur. Daí
resulta que o acto praticado pelo gestor, ou pelo (1) Ruggiero, pág. 248.
E s6 assim se explica o princípio de que man- quando o próprio representado declare a sua von-
datários ou representantes convencionais podem tade, caso em que o mandatário exerce uma mera
ser os menor- não emancipados (art. 1334.')~ o função de instrumento. E assim que o cbdigo
que seria incompativel com a teoria da vontade civil admite .o mandato para a celebração do ma-
do representante. E se o não podem ser na repre- trimónio (art. 1048."j, c que na emancipação dos
sentação legal dos incapazes é, não sb porque seria mènores, tanto estes como os pais podem ser re-
intoncebível O princípio de se suprir a lncapaci- presentados por procuradores com poderes espe-
dade duma pessoa por meio &e outra legalmente ciais ( cód. proc. civ., art. 770-p, 3 r ."; e 771.O, 9 2 . 0 ) .
também incapaz, mas ainda porque na representa- Exigindo-se para a representação mnvci'nticional, em
ção dos incapazes o representante tem na verdade relação aos actos que teem de realizar-se por modo
uma larga esfera de liberdade de acção dentro dos autêntico ou soléne, ou para cuja prova é exigido
limites dos seus poderes legais. E o mesmo acon- documento autêntico, procuraçãQ piiblica ou havida
tece na representaqãb legal das pessoas colectivas. por pública ( art. r327.O), e sendo nessa procuração
Quando se diz que a represenfação tem carác- expressamente declarada a vontade d o mandante,
ter normal quer-se naturalmente significar que a não há motivo algum para que, em relação a todos
representação legal abrange todos os actos que o s negbcios respeitantes As relaçbes de família, e
entram na esfera das atribuições (competência ) do apesar do carácter pessoal deles, se exclua o man-
representante ; e relativamente a representação dato, que, como já notámos, não tem pròpfiamente,
convencional ou voluntária, que ela pode abranger em tais casos, o carhcter de .representação» (').
todos os actos que não forem de natureza exclusi- Como se v6, o ilustre professor foi muito in-
vamente pessoal. fluenciado pela doutrina dos autores alemães e
I Ern matéria de contractos, dispõe o art. 645.O: italianos. E foi provavelmente o seu modo de
a o s contractos podem s e r feitos pelos outorgantes pcnsar a êste respcito que influiu no espírito dos
pessoalmente, ou por interposta pessoa devida- legisladores de 1910, que reproduziram no art. 2 5 . O
mente autorizada,. do decreto-lei do casamento civil o art. 1068."do
Para os actos jurídicos dispõe o art. 1332.~: código civil, apesar de ser um preceito devido
«Pode qualquer mandar fazer por outrem todos os ao direito canbnico (9). Parece-nos que melhor
actos jurídicos, que por si pode praticar, e que não seria manter integro o principiu do art. 1332.0,
forem meramente pessoais ». que não permite a representação em actos mera-
<Não há dúvida alguma, escreve o Dr. Alves mente pessoais, como acontece com o testamento
Moreira, de que nas relações de família, já por
serem de ordem pessoal, já por nelas dominarem
princípios de interesse e ordem pública, se não (1) Dr. Alves Moreira, pag. 454 e 455.
admite, em regra, a representação convencional. (2) Pois nos, católicos, criticamos êste preceito, consi-
Esta não é, porém, excluída dum modo absoluto, ,derando o incompatível com o caracter essencial e exclusiva-
mente pessoal do casamento.- 01P ~ i n c i p i o sI,, pág. 714. Nem
sendo até em alguns casos expressamente facultada o cbdigo francks nem o italiano admitem a representação no
gela lei, quando o mandato seja especial, ou, antes, casamento.
(art. 1740.0), a confisão judicial em depoimento e considera indispensável a especificaçâo d a cousa
de parte (art. 2411.0, n." r . O , e cbd. proc. civ., doada e da pessoa do donatario, porque de outro
art. 223."), a declaração de honra decisória ou su- modo a doação poderia praticamente perder o carác-
plethria ( art. 2520.~). ter de liberalidade expontânea, e podia ser feita em
A representação por mandato ohedece a certas favor de pessoa em quem o doador nem pensasse,
regras que importa ter bem presentes. não devendo por isso admitir-se o mandato gené-
O poder de representação é dado no interesse rico de doar cai voEes (I).
de quem o outorga, na confiança de que o repre- N6s entendemos que não é suficiente o poder
smtáote se sirva dêle só no interesse do represen- genérico de doar, mas simplesmente pela razão de
tado. Por isso é essencialmente revogável, salvo ser nula a doacão geral (art. 4460."). Mas desde
em todo o caso o direito de indemnização pelos que na procuração se especifiquem os bens a doar,
prejuízos sofridos pelo representante conforme as parece-nos que a procuração é eficaz, sem neces-
especiais relações existentes entre êle e o repre- sidade de se individualizar o donatário, visto que
sentado (art. 1364." e 1365."). o código não estabelece em matéria de doaçdes
O poder de representação é circunscrito aos preceito correspondente ao dos artt. 1740." e 1741:"~
limites estabelecidos por quem o conferiu; e assim que não permite as disposiçdes testamentárias depen-
a representa~ãopode ser geral ou especial. O poder dentes do arbítrio de outrem ou a favor de pessoas
de representação geral não se deve confundir com incertas.
o poder conferidoam termos genéricos; nem o de O acto conshitutivo do poder de representaçáo
representação especial com o poder conferido em deve ser dado a conhecer aos terceiros com quem
termos especi&ados ( art. 13a3.'-1325."). Há repre- trata o representante, precisamente para que fiquem
sentqgo ou procuração geral quando o constituinte sabendo qye os efeitos do acto se referem ao cons-
dá ao procurador poderes para o substituir em todos tituinte. E par isso que a procuração precisa de
os actos referentes ao seu património, quer o faça ter a forma pelo menos tão solene como a exigida
em termos genéricos e compreensivos ( como admi- por lei para o acto a praticar pelo procurador (art.
nistrar, alienar), quer o faça em termos especifica- 1327."-1329.~)-
dos, isto é, designando minuciosamente os diversos
actos autorizados. A representação ou procuração 68. Irrtequetaçãe de9 astos juridi6es.- Pois que
é especial, quando só confere poderes para certos os efeitos do acto jurídico são o resultado da acção
e determinados actos. E assim deve entender-se combinada da,vontade das partes e da lei, é evi-
que procuração para alienar é especial, embora dente a necessidade d e interpretar as declaraçdes
concebida em termos genéricos; e que, portanto, da vontade, como necessária é também a interpre-
com ela pode o procurador vender todos os bens tação das normas legais.
do constituinte. Basta recordar o clássico princípio de que O
Mas que dizer da procuraçáo para doar?
Coviello entende que não é bastante êste poder,
para que o representante possa fazer uma doação;
( 1 j Coviello, pag. 405.
Contracto fuq lei entre as partes contratantes, prin- E facilmente se compreenderá o a l c a n ~ eda dis-
cípio que até foi expressamente formulado emalguns tinção, tenda em vista o pri-ncípio de.que a fonte
c6rligos, como o frances e o italiano, para desde principal, directa e imediata dos direitos e obriga-
.logo se sentir a necessidade de proceder Q inter- çbes 'resultantes do acto jurídico 6 justamente a
pretacão das declaragbes da vontade manifestada vontade, e m q u a n t ~. actua dentro dos limites da
ipara efeitos jurídicos. ordem juridica. A lei s6 intervem para ampliar
O nosso código tanto sentiu esta necessidade, ou restringir o conteúdo da vontade nos seus pro-
q a e na parte geral dos contrados inseriu um capí- pósitos ou pretensóes, em harmonia com a mais
- t d o destinado a dar~lhesatisfação. E o capitulo v£ conveniente e adequada realizago do fim prático
- D a i n t e r p r e t a ~ ã o 50s contractos-art. 684." que se tem em vista.
,e 68s.". Sendo assim, é claro que, na determinação
E parece-nos inquestionável que estas disposi- dos efeitos ou conseqüências dum acto juridico,
soes, na parte apiicâvel, devem também ser obser- que prevalece é a intenção das partes, emquantw
vadas na interpretação dos outros actos jurídicos, se mantem nos limites traçados pela ordem jurídica.
-e& virtude das regras de interpfetação e integração E, portanto; o que em primeiro lugar importa ave-
-da lei consignadas no 'art. r 6 . O . riguar é qual foi a verdadeira vontade dos sujeitos;-
De resto, ainda outras disposiçbes'se encon- e s6 depois, na falta ou insuficiência da declaração,
tram no código, e estas relativas aos actos jurídicos interveem as normas supletivas ou integrantes
em geral, e em especial aos testamentos, como são para a suprir ou completar, e .as normas disposi-
OS art. 378.", 1761." e 18j7P, que se.referem mani- tivas para restringir ou ampliar os efeitos do acto,
festamente i interpretação das declarag~esda von- conforme as exigências do interesse colectivo.
tade jurídica. Mais simplesmente: em primeiro lugar há que.
Ora de todas estas dísposiç8es resulta bem fazer a interpretação propriamente dita da declara-
.nitidamente qual é o conceito atribuído pela lei A ção da vontade; e s6 depois terá lugar o seu supri-
interpretapão dos actos jurídicos, que é bem o mento ou integração, isto é, a interpretação em
seu conceito natural e lógico: é a exacta determi- sentido amplo, pois que as regras supletivas o u
nação da intenção ou vontade das partes a respeito subsidiárias, como as dos artt. 377.', 378.", 1742."~
d o objecto ou contefido cfo acta;; ou, por outras 1797.O e - semelhantes, s6 teem aplicação quando.
palavras, é a determinação do significado e alcance a vontade das partes não tiver revelado outra
atribuídos pelas partes A declaração da sua vontade. intenção-.
Ora, sendo assim, é preciso não confundir a O supremo pfincípio em matéria de interpre-
interpretação da vontade corn o seu suprimento t a @ ~dos actos jurídicos é, pois, o da investigação
.ou integração das suas lacunas, que também mui- da vontade do seu autor, atendendo não s6 a o ,
tas vezes se chama imprdpriamente interpretação sentido literal das palavras por êle empregadas,
ou interpretação em sentido amplo, a qual é reaii-
a - - --- -- mas também e principalmente A sua verdadeira e
zada, não pelas normas interpretativas, mas pelas real intenção, desde que esta seja suficientemente:
normas supletivas ou subsidi-arias. revelada.
Mas isto não sigaifica, como justamente observa O art. 684.0, determinando que a intenção ou
Covtello, que a vontade pura, ainda -que não se vontade dos contraentes, sobre o objecto principal
manifeste externamente, deva ter eficácia jurídica, dos contractos, deve ser deduaida dos seus termos,
pois que assim perderia a sua importância prática natureqa e circunst&ncias, ou do uso, costume
a declaração da voatade; significa, porém, que ou lei, sendo nulo o contracto se ela assim se não
nem sòménte com os meios fornecidos pela gra- puder deduzir, enunciou na verdade uma regra de
mática ou pelo dicionário se pode reconstruir a . interpretação, e tão genériea que bem pode sem a
vontade real, mas também com os elementos for- menor diivida aplicar-se a todos os actos jurídicos.
necidos pela disciplina da lbgica. É sempre indis- Mas tão genérica é, que se toma imprecisa, vaga
pensável que a vontade seja declarada: simples- e indefinida, e por isso mesmo insuf~rente.
mente pouco importa que ela resulte do sentido O art. 685.O, para o caso de haver dúvida sobre
literal das palavras, ou em geral, dos meios empre- os acessórios do objecto do contracto, que não
gados para manifestá-la, ou que, em vez disso, possa resolver-se pela regra do art. 684.", estabelece
resulte por via de d ~ d u ç ó e slógicas do conjunto duas regras subsidjár&s : uma, para os contractos
das várias declarações, do fim prático que se tem gratuitos, que manda resolver a dúvida pela menor
em vista, e de todas as circunstâncias de facto ( I ) . . transmissão de direitos e interesses; e a outra,
Dá-se com a interpretação dos actos jurídicos para os onerosos, que manda resolvê-la pela maior
o mesmo que na interpretação das leis, com a reciprocidade de interesses. São regras mais pre-
diferença de que emquanto aquela é prevalente- cisas, mas de um campo de aplicação muito res-
mente subjectiva, pois consiste precisamente na trito, e traduzem pura e simplesmente a vontade
indagação da vontade-do declarante, esta é princi- presumida das partes.
palmente objectiva, pois que p o r via dela se pro- Como regras legais de interpretação dos actos
cura mais a determinação do sentido e alcance da jurídicos em geral não podem deixar de ser consi-
lei, do que a reconstrução do pensamento ou da derados os artt. 13.0, 14.0e rg.", que são também
vontade dos seus autores individuais 1%). regras de aplicação da lei, e que por isso exami-
Mas quais são as regras da dedução ou indução naremos no capítulo da interpretação e aplicação
lbgica, que devem presidir Q interpretação da das leis (infra, cap. XIII). *
vontade ? O código italiano também tem na parte geral
O código limitou-se a formular para os con- dos contractos um parágrafo destinado A interpre-
tractos as regras dos artt. 684.O e 685.",que devem tação; mas, diferentemente do nosso, consignou
também aplicar-se aos actos jurídicos em geral, verdadeiras regras de interpretação lógica da von-
tanto mais que o seu carácter de excessiva gene- tade dos contraentes, e que, no pensar comum dos
ralidade bem se adapta a todos êles. escritores, sâo igualmente aplicáveis aos outros
actos jurídicos. E, na verdade, tão lógicas são
essas regras, que não podem deixar de ser igual-
( 1) Coviello, pág. 410. mente aplicáveis no nosso direito.
(a) Infra, cap. XIII. Assim :
a) determina o art. r 136.0 d o código italiano deve entender-se no sentido pelo qual pode ter
que- as,.cl&~sulasdos contractos devem interpre- algum efeito, e não por aquele pelo qugl não teria
tar-se umas pelas outras, atribuindo a cada uma o efeito algum ( art. 1132."); ,.
sentido do conjunto do acto; 2.") as palavras, que podem ter dois sentidos,
6 ) o art. 1138.0 prevê a intcrpretação restri- devem entender-se no*sentido mais conveniente A
tiva, determinando que embora as expressdes dum matéria do contracto (art. 1133.~);
contracto sejam gerais, não compreendem senão 3.') a cláusula ambígua ieterpreta-se segundo
aquilo a respeito do que as partes se propuseram o que se pratica no país onde foi estipulado o con-
contratar ; tracto (art. I 134.");
c ) O art. 1139.' prevê a interpretação exten- 4.") nos contractos devem -ter-se por inclui-
siva, determinando que, se num contracto foi ex- das as cláusulas- em uso, ainda que não sejam
presso um caso a fim de explicar uma clausula, expressas (art. 1135.0); '

não se presume que se haja querido excluir OS 5.O) na dúvida, o contracto interpreta-se con-
casos não expressos, aos quais possa razoavel- tra aquele que estipulou ( é o credor, segundo a
mente estender-se a mesma clausula; deve antes técnica da stipulatio), e a favor de quem assumiu
entender-se, diz Coviello, que o caso expresso foi a obrigação ( art. I 137.")- ber~ignus est inter-
indicado apenas exempli causa. Em suma, tanto pretandum, in obscuris quod minimum est se-
numa como ria outra hipótese os actos juridicos quimur ;
devem entender-se nos limites queridos pelas par- 6.") nos contractos deve indagar.se qual tenha
tes: não s e deve. exceder o seu pensamento, nem sido a comum intenção das partes, em vez de se
ficar áquem dêle ; e esta regra vale igualmente para atender só ao sentidoliteral das palavras (art. I 131.").
as renúncias, cláusulas penais e transacções, a res- Mas ti necessário ter sempre em vista que o
qeito das qu" se diz muitas vezes, mas inexacta- critério de investigação e determinação da vontade
mente, que não admitem interpretação extensiva. das partes é naturalmente diverso, conforme se
O que não B admissível é a extensão analógica, trata de actos bilaterais ou unilaterais. Nos pri-
pois que nos actos jurídicos é preciso atender meiros não basta atender i intenção de cada uma
vontade das partes, e á analogia supoe a falta de das partes, pois o que importa é a vontade con-
vontade ( I ) . tratual ou a intenpão comum dos contraentes-
E não se contentou o código italiano com in idem plrzcitum consensus. De modo que se
aquelas três regras gerais de interpretação; mas entre a proposta e a aceitação houver contradi'ção
formulou ainda outras igualmente lógicas, que por ou ambiguidade insolúvel pela interpretação, o con-
isso também julgamos aplicáveis no nosso direito. tracto é nulo, nos termos do art. 684.". Pelo con-
Assim : trário, nos actos unilaterais,'visto que a vontade
I.") a declaração, que admite dois sentidos, do declarante produz os seus efeitos sem necessi-
dade da aceitação da pessoa a favor de quem rever-
tem, basta atend6r h intenção. do autor do acto
( 1 ) Coviello, pags. 410 e 411. ( art. 1761 1837.")-In testamento plenius oolun-
.O,
tates testantium interpretantur, diz-se no D- I. Como já vimos, tratando-se do objecto dos
12. 50. 17. direitos ou das relações jurídicas (supra n.O 281,
O código italiano formulou ainda uma regra, pode distinguir-se entre o objecto (objecto ime-
que embora relativa aos efeitos e cumprimento diato) e conteúdo (objecto mediato). Mas tra-
dos contractos, k ao mesmo tcmpo uma norma tando-se das actos jurídicos, objecto e conteúdo
interpretativa. E' o art. I 124.", correspondente ao são uma e a mesma cousa: 8 precisamente o con-
nosso art. 704.". Determina-se ali que os contrac- teúdo concreto, o alcance jurídico da vontade.
tos devem ser cumpridos de boa fé, e obrigam Ora, atendendo ao seu conteúdo ou objecto, os
não só a quanto é neles expresso, mas também a actos jurídicos sáo nulos ou juridicamente-insubsis-
todas as conseqiiências que segundo a equidade, tentes, sempre que o seu objecto não seja possível,
o uso ou a lei deles derivam. quer por ser impossível ou irrealizável pela pró-
Esta regra 6 tão intuitivamente a pura expres- pria ordem da natureza, quer por ser contdrio h
são de princípios ou sentimentos fundamentais da ordem jurídica (art. 669."). O que ainda mais sim-
Justiça, que não podemos deixar de completar ou plesmente se pode egprimir, dizendo : são nulos
integrar por ela o preceito do nosso artigo 704.O. os actos jurídicos impossíveis, quer a irnpossibili-
Mas isto não significa, diz bem Coviello, que dade seja natural ou física, quer seja legal ou jurí-
o juiz possa refazer o contracto segundo o seu ideal dica, por serem contrários A lei.
d e justiça e de equidade, contra aquilo que as par- A impossibilidade do conteúdo dos actos jurí-
tes tenham realmente querido : significa porém que dicos, em virtude da ordem natural das cousas,
nos contractos as duas vontades devem interpre- tem lugar quando não existem realmente as cousas
tar-se, não isoladamente e unilateralmente, mas que devem formar êsse conteúdo, como na venda
em harmonia entre si, de modo que uma se não de um animal que já tenha morrido, ou de uma
sobrcponha h outra, e resulte assim a vontade casa que haja sido destruída por um incéndio, ou
comum, aquela que cada uma das partes deveria quando as cousas, embora existindo, estãb fora do
certamente ter, segundo o fim do contracto ( I ) . comércio por sua pr6pria natureza, como o mar, o
E' sempre o princípio da voluntas spectanda ar, a luz, etc.; ou ainda quando o acto ou serviço
lógicamente entendido. em que consiste a prestação é absolutamente impos-
sível em si mesmo, sem a t e n ~ ã oa possibilidade da
69. Objecto ou conteódo dos. actos .jurídicos. - pessoa que se obriga (art. 670."), como, por exem-
Por objecto dos actos jurídicos entendem-se, como plo, num contracto que tenha por objecto fazer
nos contractos, o c0,njunto ou sistema de relaçoes secar o mar.
jurídicas que derivam da declaração da vontade ou Nos testamentos, por6m, consideram-se física-
das disposições subsidiárias da lei ( a ) . mente impossíveis, não só as condições que o são
absolutamente, mas também relativamente ?I pessoa
a quem se refere o facto condicianante (art. 1743.0).
(1) Coviello, pág. 412. s-
A impossibilidade legal ou jurídica tem lugar
( % ) Ck Principias, r, pag. 487 e seg. (art. 671.'):
N6s entendemos, porém, que a disposição de
I .o Se as cousas estão f6ra a o comércio por cousas que não perttencem ao alienante está, em
disposição da lei, como as cousas d c ~domínie regra, compreendida no preceito do art. 671.O, n.0 $.O,
público;
2.O Se as cousas ou actos n&o podem redu-
e,
porque na verdade e m regra, não só contrária &.
lei., mas i moral pública.
zir-se a um valor exigível, como, por exemplo, Mas na@ podia, ou pelo menos não devia, o
entregar um animal qualquer, pois que em tais legislador consig~xarexpressamente a regra, preci-
casos a obrigação não foi sèriamente constituída, samente porque ela tem excepções @o amplas,
podendo ser cumprida com a entrega de uma mosca; que quási a i~nutilizam. Tais são as excepqões dos
3." Se a cousa não é ou não pode ser deter- artt. 1054."e 1g5.0,$ único, 1~80r.~-r804." docódigo
minada em espécie, como, por exemplo, um peixe, civil, e art. 467.0 do c6digo comercial. Como eã-
pela mesma razão do número precedente; cepção Aquela regra deve ainda considerar-se a
4.O Se os actos ou servíços forem contrários. abriga@o tendo por objecto um facto de terceiro,
h moral pública ou As obrigaçbes impostas por lei, que consideramos válida em face dos artt. 67c.",
como, por exemplo, no contracto celebrado para. 702.O e p5.O (a). .
agredir ou difamar alguém. A expressão a actos contrkrios As obrigaçoes
Todas as causas de impossibilidade jurídica se impostas por leia, empregada pelo art. 67r.O, n-o4.0,
reduzem afinal a duas-a indeterminagâo econórnicm significa certamente o mesmo que a expressão
e a proibicão legal, ou seja, a incompatibilidade st actos praticados c o n t p a disposição da lei », em-
ou contrariedade das disposiçbes da lei. É a dou- pregada pelo art. io.', apenas com a diferença
trina do carácter patrimonial das obrigacb,es, d o s objectiva d e que os actos a que se refer? o art. 10."
requesitos. da prestação e do objecto dos contra- são os actos jurídicos pròpriamente ditos, emquanto
ctos ('). que o art. 671.0, n.O 4.0 se refere aos actos e aos
«Entye as causas de nulidade dos actos jurídi- factos voluntários, materiais ou imateriais.
cos em razão do seu conteúdo, observa o Dr. Alves. Mas o que deve entender-se por actos contra
Moreira, não especifica o código a que resulta de Legem ?
se dispôr de uma cousa a que as partes não teem. Abrangerão tamb6m a fraus Zegis, isto é, os
direito. Em vários contractos há referência a essa actos de fraude h lei? Ou são estes uma categeria
condição nas disposiçbes i-elativas A capacidade,. à parte, com uma figura própria e autónoma, que
mas um negócio jurídico assim realizado não pode não se confunde com aqueles?
deixar de considerar-se nulo em virtude do seu, Para se ver a importância prática do problema,
conteúdo. Assim será nula a venda ou arrendamento- basta considerar o exemplo muito frequente a pro-
dum prédio alheio, que o possuidor, em virtude de: pósito dos arrendamentos, em que o senhorio, para
êrro, supunha que,lhe pertencia.» ( 3 ) .

( i ) Os Principias, I , pág. 490. Esta obrigação 6 expresy


sairiente reconhecida pelo art. riz9.O ( e não xzzg.O, como por
( i ) Os PrinciPios, I , n.Og 7 8 , 80 e 81. 8rro ali se diz) do código italiano.
2 ) Dr. Alves Moreira, pag..46z.
iludir a disposição d a lei que proibe o aumento da quando pretende contrapôr os actos contra lei aos
renda, exige ao inquilino O aceite de letras, por actos em fraude a lei, quando se propõe proibir
fóra do contracto, ou no próprio contracto a fixação actos praeter legem, actos que, interpretada a lei
de uma renda superior h efectivamente ajustada, segundo as regras da hermenêutica jurídica, se não
com a faculdade de receber depois certos aumen- podem considerar por ela proibidos.
tos (I). Não basta evidentemente a simples intenção
A distingo entre actos contrários A lei e de de iludir a lei para tornar um acto ilícito, se êle o
fraude a lei vem já à o direito romano - Colitra não é, de per si, objectivamente c6asiderado.
legem facit, qui id jacil quod lex prohibet; in Igualmente criticável, continua 6' Dr. Beleza
fraudem vero qui, salvis verbis l q i s , sententiam dos Santos, 6 a doutrina objectiva parque, ou o
ejus circumvenij (Paulo, D. I . 3. 29). acto de fraude h lei 6 por esta proibido, devendo
Daí o dizer-se na doutrina clássica que actos entender-se que a sua proibição foi estabelecida
contrários A lei são os que infringem o texto da pela norma jurídica, e então o acto fraudulento é
lei, e de fraude B lei os que ofendem o seu espírito. ilícito, por ser contra a lei; ou os actos praticados
Modernamente desenvolveram-se duas corren- não são atingidos cela regra legal, devidamente
tes doutrinárias para explicar a categoria dos actos interpretada, e então não são por ela proibidos,
ilícitos de fraude A lei, uma de carácter subjecti- não podendo o intérprete declará-los ilícitos, sem
vista e outra objectivista. usurpar as funçbes de legislador.
A primeira considera tais todos os praticados Daqui se vê, por isso, .que a fraude à lei não
com a intenção de iludir preceitos legais, embora tem uma autonomia legítima, nem pode utilizar-se
objecttvamente considerados pareçam inteiramente para corrigir deficiências da interpretação e obter
legítimos. uma obediência mais ampla e segura dos preceitos
A segunda, atendendo essencialmente ao resul- legais.
tado prático, que as normas jurídicas se propdem Tudo depende da interpretação, e nada fica
conseguir, considera actos de fraude h lei, e por como âmbito autónomo para a doutrina da fraude
isso ilícitos, todos os que frustrem êsse fim prático lei, não podendo por isso contrapôr-se o s actos
da lei, embora não representem, de per si, meios de fraude à lei aos actos contra a lei.
que ela directamente profba. Se 6 verdade que uns ofendem a letra do texto
Mas, como justamente observa o Dr. Beleza legal e os outros ofendem o seu espírito, o certo 6
dos Santos, qualquer destas doutrinas S deíeituosa que uns e outros violam a lei, porque a letra e O
espírito são elementos essenciais e inseparáveis da
norma legal. Sòmente num caso a violação é mais
( 1 ) Tndicamos êste exemplo, porque é um caso típico de clara, no outro mais oculta, num mais grosseira e
fraude a lei-Dr. Beleza dos Santos, A Simulaçbo, pág. 103. franca, no outro mais artificiosa e disfarçada (I).
Mas note-se que neste caso do que se trata realmente é de
.simulação da renda, com o fim de iludir uma proibição da lei,
e não a simulação da outra obrigação como erradamente s e
dispõe no art. 1 1 q . O do decreto-lei do inquilinato. (1) Dr. Beleza dos Santos, págs. 103-107.
Como actos contrhrios A lei, e por isso nulos, Mas, para se ver como o critério do sentimento
considera o art. 67r.O, n.O 4.", todos os que ofende- dtico comum, sendo na verdade o que, parace mais
rem a m o r a l púbZzca, ou os bons costumes, como id6neo para resolver o problema, é em todo o caso
dizem outros códigos. ainda insuficiente, basta ponderar as aplicaçóes que
Mas, não havendo um código, ou ao menos dêle faz o eminente civilista italiano.,
um compêndio, das normas ou regras da moral Note-se porém, diz Coviello, que não é imoral
piiblica, e dada a incerteza que reina no campo da toda a restrição da liberdade pessoal, mas somente
doutrina a respeito dos conceitos da regra moral a sua completa exclusão num dado ramo $a activi-
-moral independente, moral positiva, moral so- dade. Assim será imoral a obrigação de jamais
cial ( I ) , compreende-se bem como é difícil, para casar, mas nHo a de não casar com uma certa pes-
não dizer impossível, fixar um critério prático de soa, ou até uma certa idade; será imoral a obriga-
determinação dos actos imorais contrários à lei. ção de residir * sempre num dado lugar, mas não
E êste um dos pontos da esfera jurídica em a de aí residir durante um certo tempo, etc. ( l ) .
que mais intensa e largamente se revela a neces- Ora, precisamente nós entendemos, pelo con-
sidade de confiar a o prudente arbítrio do juíz a solu- trário, que a liberdade de casar ou não casar é *
ção dos casos concretos. absoluta e incondicionável; e que,. por isso, a
Imorais não devem considerar-se os actos, diz condição sz rtu$serzt ou s i non nupscrit, decla-
Coviello, s6 porque ofendem a moral religiosa ou 'rada ilícita pela nossa lei (art. 1808.0), deve ser
filosófica, mas os contrários, como diz a lei, ao bom entendida, não apenas no sentido absoluto, isto é,
costume. O critério para julgar da imoralidade dum de casar ou nao casar com qualquer pessoa, mas
acto deve ser baseado mais s6bre o próprio facto, também no sentido relativo, isto h, de casar ou
do que sobre uma teoria : é um critério contingente
e relativo, e não um critério absoluto. Nem tudo
não casar com certa pessoa ( z ) . .
O s diferentes actos jurídicos, tais como se
o que é divergente dos preceitos rigorosos da mo- .encontram regulados na lei, teem elementos pr6-
ral cristã deve considerar-se imoral, mas sòmente prios e específicos, que os caracterizam e distin-
aquilo que é contrário h prática que, na opinião guem uns dos outros, .e que as partes não podem
. çumum, é considerada de moral obrigatdria. Dois suprimir ou substituir, sob pena de deixarem de
são os elementos que concorrem para formar o juridicamente efectuar a espécie d o acto que se
conceito do bom costume: o elemento objectivo, propdem realizar.
isto é, o uso, prática ou costume; e o elemento Assim, o elcmcnto cspccífico do contracto de
subjectivo, isto é, a convicção geral de que a prá- compra e venda é a , transferência da propriedade
tica não deve ser contrária ao sentimento ético duma cousa por um certo preço. Faltando qual-
comum ( 9). quer dêstes elementos, 'o contracto não será de

(1) O s Princápios, I, n.Oa 3 e 8. ( 1j Coviello, pag. 433.


(2) Coviello, pág. 422. (3) Slacessóes, r, n." 64.
compra e venda, embora as partes lhe deem êsse E' por isso que estes efeitos particulares da
nome. Transferindo-se a propriedade duma cousa, natureza de cada acto ou contracto se chamam
mediante a entrega de outra que não seja moeda, elementos naturais ou naturalia elementa.
o contracto B a troca; se fdr transferido o uso e a Além dos elementos essenciais e naturais,
fruição temporária de uma cousa por um certo pode a autonomia da vontade das partes esta-
preço ou renda, o contracto será a locação. belecer em cada acto ou contracto, dentro dos
Êsses elementos do conteúdo ou objecto do limites da ordem jurídica, os elementos ou efei-
acto jurfdico, que constituem a sua característica tos especiais, que julgarem mais convenientes
essencial, conforme a organização tipica legal, para a realização do seu fim. 'E princípio con-
pertencem aos chamados elementos essenciais ou signado no art. 672.0, segundo o qual os con-
esçentialia negotii. traentes podem ajuntar aos Seus contractos as
Podem as partes, diz o Dr. Alves Moreira, por c o n d i ~ õ e s ou cláusulas, que bem lhes pare-
êrro ou ignorância do direito objectivo, dar a um cerem, e que ficam fazendo parte integrante dos
contracto uma designação diversa da que por mesmos contractos, governando-se pelas mesmas
direito devia ter. Em tal caso, o que vale é o regras, excepto noS casos em que a lei ordenar
negdcio jurídico que as partes tiveram a intenção o contrário. E' que, na verdade, h& actos jurídi-
de realizar, se o conteúdo dêle não dever conside- cos por sua própria natureza incompatíveis com
rar-se ilícito, e a forma f6r a que por lei é exigida quaisquer ampliaçbes ou restriçbes dos seus ele-
para êste negócio jurídico (I). mentos e efeitos essenciais e naturais: tais são,
Ao lado dos elementos essenciais ao contehdo por exemplo, a perfilhação e o casamento. E há
de cada tipo de acto jurídico, há outros que são outros em que a lei julga oportuno-protbir tais
estabelecidos pela lei, mas apenas subsidi&riamente ampliações ou restriçks, embora por sua natu-
isto é, para o caso de as partes os não terem reza delas fossem susceptíveis: tais são o afora-
. , excIuído ou modificado pelas suas disposiçbes ou mento, onde o senhorio não-pode estipular, para
cláusulas. E assim que nos contractos onerosos a o caso de falta de pagamento, outro direito além
garantia da evicçao é determinada pela lei, inde- do pagamento dos fóros em dívida e respectivas
pendentemente de estipulação das partes (art. 1046."), juros (art. 1671. O ) ; a instituição de herdeiro,
mas as partes podem renunciar a ela (art. ~ogr.", que não pode fazer-se dependente de termos
na0 I.'). O mandato é por sua natureza gratuito, (art. 1747.')~etc.
nias as partes podem estipular a remuneração, e Aqueles elementos, que as partes podem acres-
mesmo sem estipulação o mandatário tem direito centar ao conteúdo essenci,ál e natural do acto
a ela tratando-se de actos de ofício ou profissão jurídico, são chamados acidentais ou acczdentalia
lucrativa (art. 1331.'). E o mesmo acontece com nepotii; e também se chamam condigdes, cláusu-
o depósito (art. 1432."). las, e detevminaqões acidentais ou acessdrias,
pelo facto de terem em confronto com o objecto
principal um conteúdo de importância secundSiria,
(1) Dr. Alves Moreira, pag. 463 e 464. visto que o tipo abstracto do acto jurídico podia
existir, e existe muitas vezes, sem esses elementos
fica constituindo um todo zinico, mas não indi-
acesdrios,
visível.
Com o fim de determinar e explicar o con-
E tanto .náo é indivisíoel, que em regra a nuli-
ceito dos elementos acidentais, escreve o Dr. Al-
dade dos elementos acidentais náo importa a nuli-
ves Moreira: « O negócio jurídico produz, dentro
dade do acto (art. 673.O, 1743.', 5 Ún., 1747.~,1869.O,
dos limites estabelecidos pela ordem jurídica, efei-
etc. ).
tos pela declaração da vontade, e é a essa declara-
~ ã que
o deve atender-se para determinar o conteiido
d o negócio juridido, integrando ,nela todas as dis; 70. A rarsa MS actos jurflicos. -J8 a propósito.
das obrigações voluntárias tivemos ensejo de ex-
posiçbes da lei' que tenham por fim suprir a falta
par a teoria da causa, como elemento substan-
d e declaração expressa, isto,&,em que se determi-
nem as conseqiiências naturais que derivam dum cial de todo o acto jurídico ( I ) . Vamos agora
determinado negócio jurídico. N l o consideramos, continuá-la, para não dizermos completá-h, porque-
a análise completa da doatrina da causa na sua agli-
portanto, aceitável a doutrina que apresenta os
cacão aos diferentes tipos de actos jurídicos bem*
elementos acidentais ou cláusulas acessórias das
pode dizer-se inesgotável.
negócios jurídicos como uma a u t o l i m i t a ~ ã oda
Na série das hipóteses a u representaçbes psí-
vontade das partes, o que poderia levar a presupôr
quicas que concorrem na formação e declaração da
que as partes quiseram primeiramente o neg6cio
vontade, e que afinal determinam o acto volitivo,
jurídico tal como se acha. discipli.nado por lei e
é sempre possível distinguir a última que funciona?
que num mpmento sucessivo introduziram nesse
como motivo determinante da acção, entre todas
negócio modificações, h-endo assim duas decla-
rações de vontade que se relacionavam directa- as que a precedem ou acompanham.
mente uma:. com a outra, - quando o que realmente Quem vende, dá em locação ou dôa, diz Rug-
s e dá é uma. s6 declaração da vontade, pela qual giero, faz isto, para receber em compensação da
cousa vendida o respectivo p r e ~ o ,ou do uso da
as partes determinam o conteiido do negócio
cousa locada a correspondente retribuição, ou para
juridico, de modo q u e os seus elementos ficam
praticar um acto de liberalidade, privando-se d a
constituindo, um todo indivisivel. Num neg6cio
própria cousa sem um correspectivo equivalente.
condicional a vontade das partes é una como num
Mas para a venda, para a locação o u para a doação,
neg6cio simples» ( 4 ) .
Sublinhamos a expressão uuam todo indivisi- o sujeito pode ser determinado pelo intuito de
vel?, para salientar bem que a doutrina do ilustre pagar com o preço uma divida, pelo facto de não
professor e' exacta, menos nesta conclusão, que poder fazer usÓ da cousa, pela idea de remunerar
nos parece dever ser modificada, dizendo-se que um servíço recebido, ou por quaisquer outros
o conjunto dos elementos do, acto ou contracto motivos mais ou menos ponderosos. E viceversa,
quem compra, ou toma de locação, mira directa-

(1) Dr. -Alves Moreira, pag. 465 e.466,


mente a conseguir a çousa ou o seu uso temporá- Esta doutrina, que é a ensinada por quási todos
rio mediante o preço da venda, da renda ou os autores da moderna escola italiana ( I ) , é exacta
aluguer; mas para comprar ou tomar a locação, em geral, mas n3o o é para as doaçbes.
pode ser levado pelo propbsito de se servir pes-
1
Como se vê por aquela doutrina, os modernos
soalmente da cousa, fazer dela comércio lucrativo, causalistas dizem que nas doações, a causa é a in-
ou destiná-la a qualquer outro fim. Ora em toda tenção de hberalidade e generosidade, o animus
a série dos motivos, que estão inscindivelmente donandi, o pensamento de benef~ência,que anima
ligados entre si, o direito apenas Qma em consi- todo o doador. r

deração o último, o mais pr6ximo da acção, isto Ora, a verdade é que muitas vezes êste con-
é, aquele que a determinou e que está, objectiva- ceito da causa é tudo o que há de mais contrário
mente e juridicamente, a justificar a promessa ou 4 realidade dos factos: 6 o que acontece sempre
a entrega; abstrai de todos os ouiros mais remo- que a doacão é inspirada por um fim ou por um
tos, que embora também tenham impulsionado a motivo imoral ou contrário Q lei. Em tais casos,
vontade dando-lhe ocasião a determinar-se, não é'bem verdade, como dizem Colin et Capitant,
são porém suficientes para, em si e por si, a deter- que há naquela doutrina uma maneira de ver com-
minar, e justificar assim a promessa ou a entrega; pletamente inexacta : é uma tautologia, pois equi-
e não os toma em consideração porque eles são vale a dizer que o doador dá porque quer dar, e
em regra irrelevantes ou indiferentes para o não explica cousa alguma. A verdade é que, para
direito, a não ser que tenham sido'incorporados conhecer a causa duma doação, é preciso averiguar
na própria declaração da vontade sob a forma de o motivo porque o doador a fez. Ora a resposta
condição, de modo ou pres~posição, de forma a há de necessariamente encontrar-se no espírito do
fazer parte integrante dela. Pois bem, aquele doador; convém pois descobrir qual fui o mbbil
motivo é a cazisa, quer dizer, a razão determinante determinante que o levou a fazer a liberalidade!
da vontade e, para os neg6cios de conteúdo eco- A causa confunde-se aqui necessariamente com o
n6mic0, o fundamento que justifica a atribuicão motivo. A sorte da doacão dependerá de se saber
patrimonial; estes são os motivos, isto é, as causas se o móbil da liberalidade tem alguma cousa de
impulsivas, individuais e subjectivas; aquele é a contrario as leis ou aos bons costumes. Tal é a
condição essencial da existência do neg6cio jurí- solução que se apresenta perfeitamente conforme
dico, sem a qual a vontade não seria de per si ao interesse social. A doação é um acto muito
capaz de produzir o efeito que procura; estas são grave para os interesses das famílias, e constitui
a razão ocasional e acidental do negbcio, á qual, um instrumento de persuasáo e corrupção dos
embora não falte em regra como estímulo p r i m r - necessitados, demasiado poderoso e perigoso, para
diai da vontade, não tem comtudo para o direito que a lei possa admitir a sua eficácia, quando a
importância alguma ( I ) .

( I ) Coviello, pág. 413 e seg Cfr. Os Prlncipzos, I,

(L) Ruggiero, pag. 250 e 251. pág. 493, e sega


vontade que b produziu não está pura de todo o nante da vontade, que não é outra cousa senão o
intuito imoral Ou ilícito ( I ) . fim jurídico que os sujeitos se propbem conseguir,
De resto é bem de ver que na verdadeira e que, portanto, nos actos bikaterais é neeessAria-
doutrina &a causa não pode dizer-se que ela seja mente um fim comum, e s 6 neste sentido se pode
nas doaçdes o animus donandi, o eçpirito de dizer objectivo e independente dos fins individuais
liberalidade, pois é bem sabido que num grande ou subjectivos de cada um das sujeitos.
nhmero de casos, se não na maior parte, a razão O que deve, pois, dizer-se que normalmenie
determinante é a satisfação dum interesse qualquer, a causa nas doaçbes deve Ser o espírito de libera-
passado, presente ou futuro. lidade, o animus donandi; mas, quando tal não
E assim se vê bem como não é exacto dizer-se seja, é necessário investigar a verdadeira. razgo
que os motivos individuais e subjectivos, mais ou determinante, visto que esta é que constitui a
menos ocasionais o u acidentais, não entram no verdadeira causa, para por ela s e apreciar o valor
conceito da causa como motivo objectivo e per- jurídico do acto.
manente, e que sgo irrelevantes ou indiferentes E esclarecido assim o conceito da causa como
para o direito, quando, pelo contrário, é certo e instituto jurídico normal, poder-se há entao dizer
evidente que o direito não pode desinteressar-se que os motivos individuais não devem normat
deles, sempre que, sendo eles a raz8o determinante mente confundir-se com a cansa, resultando assim
do acto, forem ofensivos da ordem jurídica a sua noção em fegra segura e simples, desde que
O defeito da doutrina neo-causalista, com o se procure a sua essência no fim prático a que
seu conceito exclusivamente objectivo e material, todo o acta-é destinado.
está também em restringir o requesito da causa Todo o acto é com efeito, em si e por si, isto
aos actoS patrimoniais, quando é certo que um é, objectivamente considerado, destinado a um fim
motivo determinante, como fim jurídico-social, social e jurídico, que se destaca dos fins particula-
existe em todos os actos jurídicos, mesmo nos res e individuais do agente, e constitui a sua razão
de carácter meramente pessoal, como é o casa- de ser. Êste fim objectivo, diz Ruggiero, é nos
mento (s). negócios destinados a adquisiçbes, não a atribui-
Foi êste equivoco que levou Coviello a definir ção patrirnonial em si mesma (pois que ninguém
a causa como sendo « a razão econbmico-jurídica po& querer um tal efeito, em si e por si, sem
do negbcio », e Ruggiero como sendo a a função uma causa), e nem tão pouco a razão ocasional e
objectiva, econbmica e social a que se destina o individual (pois que dos motivos subjectivos não
n e g 6 c i o ~( 5 ) . se faz caso), mas a funçiio a que objectivamente é
Ora o que é preciso é conservar o conceito destinado o neg6cio. Não basta uma s ó declara-
clássico dominante do motivo último e determi- ção, para que a adquisição seja mais garantida .
pelo direito; mas B indispensável que com ela
concorra uma condição objectiva ou de facto, re-
' ( 1 ) Coiin et Capitant, 11, pag. 303.
( a ) Os Principias, I, pag. 717.
conhecida pela lei como causa justificativa da
(3) Coviello, pág. 414; Ruggiero, pág. 251- adquisiçào, de modo que onde aquela falte esta
30
não pode ter lugar. Não basta, por exemplo, a modo que a vontade revela em si mesma a causa:
vontade de transferir a propriedade duma cousa e esta é conexa com o pr6prio acto, que a contém
a entrega desta, para que a alienação d o domínio e m si mesmo, visto que a causa corresponde h sua
seja reconhecida pelo direito; mas é necessária pr6pria índole. Por outras palavras: a vontade s6
uma relação que justifique a adquisiçalo, e essa pode formar-se com a. existência daquela deterrni-
relação poderá ser uma compra e venda, uma doa- nada causa (normálmente, bem entendido) e por
ção, um pagamento, etc., conforme a propriedade isso a revela -i@o facto, de modo que nenhum
haja sido transmitida para obter o preço, para efeito pode onde esta causa falte ou seja
praticar um acto de liberalidade, para pagar uma ilícita. Estes são os actos causais ou- materiais,
divida, etc. como a compra e venda ou a d&agáO', em que a
É pre~isamente~por isso que nos actos que não promessa do preço em iroca da cousa où a entrega
revelam de per si a causa, como a traditio, a cons- d e uma cousa sem correspectivo equivalente reve-
tituição de um direito real sdbre cousa alheia, a lam de per si a,causa, consistente na troca das duas
renuncia, importa sempre averiguar a sua razão contra-prestaçbes ou pa intenção de fazer uma libe-
d e ser, que será conforme os casos uma causa ralidade.
donandi, ou solvendi, ou credendi. E por isso, Há outros actos em que, pelo contrário, aquela
segundo uma doutrina muito difundida, as causas, relação se não revela, de modo que se apresen-
dum modo geral, reduzem-se todas a três espécies, tam como independentes da causa. Não é por-
conforme se tem em vista constituir uma obrigação, q u e a causa falte ; mas, porque o acto nem a expri-
fazer um pagamento ou uma doaçào, isto é, con- m e nem a contém em si mesmo, a vontade é por
traprestação ou troca, pagamento, doacão. si s6 suficiente para produzir o efeito a que se des-
A causa é pois o fim social e jurídico dos tina, devendo a causa ser prociirada fora do acto,
actos, constituindo ao mesmo tempo a razão deter- noutra relação entre as partes.
minante da vontade e o fundamento da protecção Tais são os actos abstractos, assim denomi-
da lei. Dai resultá que cada tipo de acto jurídico nava porque neles se faz abstracção da causa, e
tem a sua causa prdpria, que lhe dá a feição e q u e se chamam também formais, porque neles a
imprime o carácter, e justifica o seu reconheci- vontade tem de manifestar-seem determinada forma,
mento e garantia. fim de ser idónea para produzir O efeito jurídico.
E todos os actos teem pois uma causa, que E o que explica o dizer- se^ por vezes que em tais
tem de ser verdadeira e licita, sem embargo da actos a causa é substituída pela forma, que a
existência de actos formais ou abstractos, em forma se identifica com a causa, como dos caúsais
contraposição aos actos causais ou substanczais. ou substanciais se diz que a causa se integra no
Simplesmente nem em todos a causa funciona do objecto (por exemplo a compra e venda) ou no
mesmo modo, sendo diversa a r e l a ~ ã oentre a causa consenso (doação). Mas é claro que nenhuma
e a vontade (supra, n.' 60). .destas concepçoes é verdadeira.
Há actos em que essa relação é fixa e insepa- A diferença entre as duas espécies de actos é
rável, sendo os dois elementos conjuntos, de tal esta: emquanto os causais não podem produzir
efeito algum desde que se prove a falta ou a li- E por isso já se tem entendido que o nosso
citude da causa, isto é, são nulos por falta ou c6digo não considera a causa como um dos ele-
vicia de um elemento essencial, os abstractos ou mentos essenciais dos contractos, que o art. 643."
forw&s produzem os seus efeitos, embora falte reduz a três: capacidade, COnSeMSO e objecto, de-
ou Ma ilícita a causa; mas quando isto acontece. vendo integrar-se a causa n o objecto, em harmonia
a p;frte lesada tem meios especiais de defesa e com os art. 669."-671." ( I ) .
reparação, que consistem na a c ~ ã ode repetição do Mas, como já tivemos ocasião de observar,
pagamento iadevido, ou a acção de zn r e m verso, esta doutrina nZo' nos parece aceitável, porque,
para desfazer o injustificado enriquecimento a custa embora o nosso código não contenha disposip3es
albeia ou restabelecer o desequilíbrio patrimonial semelhantes As dos códigos francês e itgliano, o
injustamente perturbado ( I ) . certo é que a mesnia doutrina se encontra nele
D e modo que em substância, conclui Coviello, consignada, como resulta necesdriamente, não s6
o elernenta da causa nuns produz uma eficácia dos princípios fundamentais do direito das obriga-
directa, nos outros uma eficácia indirecta, mas coes, mas especialme'te do disposto nos art. 656."~
nunca B de todo obliterado, e toda a singularidade 660.", 692.", I 745.O e 1746.O, não podendo deixar de
dos actos abstractos se reduz afinal a um «solve e t se entender que, se o autor do c6digo n2o formu-
repete» (>). lou artigos semelhantes aos daqueles c6digos, foi
A teoria da causa foi formulada nos art. 1131.'- precisamente porque as mesmas regras já se en-
1133." do c6digo de Napoleão, que foram repro- contravam fotrnuladas nas referidas disposiçbes
duzidos nos art. r i r?.", I 120." e I 122." do c6digo d o nosso código, e de tal modo que nos parece
italiano, onde se acrescentou o art. I I ~ I . " para
, indubitável que os preceitos dos art. 1119." a I t22.O
resolver a, clássica controvérsia s6bre o encargo da do código italiano se verificam igudmenté no sis-
prova ( 8 ) . tema do nosso direito ( 9 ) .
O nosso código, que sobretudo em matéria Que todo o acto jurídico deve ter uma causa,
de contractos e obrigaçbes, teve entre as suas parece-nos evidente de si mesmo, porque o direito
mais importantes fontes o código de Napoleão, não pode proteger a vontade abstracta, e para que-
absteve-se d e inserir aqueles artigos sôbre a se produzam o s seus efeitos juridicos é necessdrio
causa. que a vontade tenha um conteiido concreto digno
de protecção legal.
O s requesitos essenciais da vontade jurjdica
( 1) Ruggiero, pag. 252-254. são, como B sabido, a ciareqa (declaraqão), a liber-
(3) Coviello, pag. 419. dade e a consciência. Numa palavra, é indispen-
( a ) Codigo italiano : Art. I r 19.". *Aobrigação sem causa, sável que seja uma vontade séria; e positivamente
ou fundada sdbre uma causa falsa ou ilicita, não pode ter efeito
algum>. Art. I rzo.9 c 0 contracto t: válido, ainda que não seja
expressa a causa,. Art. I 121.". cA causa presume-se emquanto
se nPo provar o contrárias. Art. rizaP. uA causa 6 ilicita, (1) Dr. Alves Moreira, pag. 421 a 4bo.
quando 8 contrária B lei, ao bom costume ou a ordem publica. ( 9 Os Príncip~os,r, pág. 494 e seg.
não seria séria uma vontade que não tivesse um ordem jurídica exige para a eficácia dos actos mais
fim causal. importantes do comkrcio jurídico certas formas
O acto jurídico sem causa 8, pois, uIn acto mais ou menos solenes, e por vezes revestidas do
juridicamente inexistente, intrinsecamente nulo por carácter formal da axltenticidade, cercando os actos
falta do seu mais essencial requesito -a vontade celebrados em forma autêntica d e mais s6lidas
skria. garantias, restringindo considerhvelmente os meios
E a falta de causa não podem deixar de ser de prova para a impugnação da sua validade.
equiparadas o s casos de falsidade e iLicitude da E' assim que os documentos autênticos fazem
causa, o que de resto expresso, quanto a ilici- prova plena da existência do acto a que se refe-
tude, noart. 792.O, para os contractos, e no art. r746.O, rem (art. 2425.' e 2426.O): e OS pr6prios documen-
para os testamentos; e, quanto B falsidade, .resulta tos particulares legalizados nas termos do art. 2433."
lhgicamente, em princípio, do art. 1745.O e dos fazem a mesma prova de documentos autênticos;
art. 655." a 660.", que declaram nulo o contracto e contra uns e outros não é admissível a prova
em que alguma das partes labora em êrro essencial testemunhal, a não ser que sejam argüidos de.
sôbre a causa do mesino êontracto. falsidade, êrro, dôlo ou coacção (art. 2507.O e
De resto, a verdade é que se a causa é falsa, 2508.0).
o mesmo & que não haver causa jurídica. Acrescente-se a isto que a causa é elemento
4 falta, a falsidade, ou a ilicitude da causa essencial, é certo, mas que por sua prbpria natu-
constituem, portanto, motivo de nulidade do acto. reza. deve sempre presumir-se, e compreender-se há
Mas não devemos por isso concluir, como desde logo como será muitas vezes difícil, ou
Ruggiero e outros autores, que se trata de uma'
- mesmo impossível, obter a declaração judicial da
nulidadè absoluta- ou radical, q u e não possa ser nulidade do acto, por falta, falsidade ou ilicitude
sanada por qualquer espécie de confirmaçzo ou da causa.
ratificaçáo po-sterior do acto e que o juiz deva sem- Mas, em princípio, não deve haver dúvidax de
pre decretar, mesmo ex oficio ( 1 ) . que o acto jurídico que enferma dêste vício funda-
- E' que, em primeiro lugar, deve notar-se que mental na sua estrutura, não s6 deve poder ser
as nulidades dos actos jurídicos, mesmo por falta, anulado pela acção competente, mas também impu-
de requesito essencial, como a capacidade, nem sem- gnado por meio de excepção (art. -692.0 e 693.O).
pre teem êsse carácter radical e absoluto (art. 688.0, E se o contracto já tiver sido cumprido no
695.O, 696.0, 700.0. . .). todo ou em parte. pode aquele que tiver feito qual-
E, por outro lado, a necessidade de certeza e quer prestação cumular, com o pedido de nulidade,
estabilidade nas relações jurídicas não pode estar a respectiva restitúição ou indemnização ( c6d. civ.,
inteiramente i mercê dos caprichos, imprudências, art. 797.0, c6d. pr. civ., art. 6.0 ). A acção moderna,
fraquezas e volubilidades da vontade. Por isso a diz Kuggiero, tem carácter geral, mas reproduz caso
por caso, ao menos em parte, as cortdictiones do
direito romano, que aos três casos de vício da causa
( 1 ) Ruggiero, [I, pag. 303 e 301. provia com a condictio sirte causa, a condictio
ob falsam caztsam, e a condictio ob t u r p e m vez intenção de nada querer ( r e s e m a metal), ou com
i n j u s t a m causam ( I ) . a combinação reservada de nada valer a declaração
(simulapão absoluta ) ( I ) .
71. O problema da sontradição eu discordancia entre Pode o desacôrdo ser apenas parcial ou rela-
a vontade e a sua deciaraçãe. Teorias. - Até aqui temos tivo, isto é, abranger a declaração mais ou menos
examinado o processo de formação e a estrutura do que o conteúdo real da'vontade, ou referir-se sò-
acto jurídico no presuposto de a vontade interna mente a alguns dos elementos, quer essenciais quer
coincidir exactamente com a sua declaração ou acidentais do acto jurídico, ou resultar d m e n t e da
manifestação externa. E' assim que a eficácia da viciação da vontade por influência do êrro, dolo ou
vontade pode expandir-s-e plenamente dentro dos coacç8o.
limites da ordem jurídica. Pode, emfim, o desacordo ser involuntário da
Mas acontece muitas vezes que B declaraçiio parte do declarante, como no casode êrro ou coac-
náo corresponde a vontade interna, ou porque esta ção, ou ser voluntkio, s até para ambas ou todas
falta absolutamente, ou porque o seu verdadeiro as partes, como quando se declara fingidamente um
conteúde, ou seja, a vontade real, como se diz acto, mas com a combinação oculta de ser um outro
geralmente, é diverso do que se contém na decla- (simulaçáo relativa).
ração. Ora, se para alguns destes casos a solução é
Este desacôrdo entre a vontade e a declaração simples, para a maior parte surge a dificuldade de
pode ter caracteres muito diversos, dar-se em.&- \ saber qual deve prevalecer, se deve ser a vontade
cunstâncias várias, ter causas ou fins muito dife- interna, ou o Conteúdo da declaração.
rentes. Pode ser um desacôrdo absoluto e com- - E' o problema da discordância entre a vontade
pleto, isto é, não traduzir a declaração qualquer e a sua declaração, ou, como outros dizem, da diver-
vontade concreta, como acontece nas declaraçbes gência entre a vontade real e a vontade declarada.
ludendi causa ou exernpli causa, e em geral em Mas deve notar-se que esta segunda expressão não
C
todas as declaraçbes que não são sérias ou não são é de boa técnica porque a vontade é uma s6.
feitas para valer, como as que s e fazem por sim- Geralmente os escritores, na anhllise dêste pro-
pies gracejo ou galanteria, ou para fins didáticos blema, começam pelo exame das diversas teorias
ou exemplificativos, ou com fins humanitários e ou critérios de solu~ão,afim de escolhe^ a prefe-
inocentes, como para desviar da idea do suicidio
um devedor crivado de dívidas, as feitas em repre-
( 1 ) Alguns autores, como Coviello, indicam ainda, entre
sentação teatral, etc., etc. Pode ainda faltar com- os casos de falta absoluta de vontade, a incapacidade natural
pletamente qualquer vontade nos casos de coacção do declarante e a falsificação de assignatura ou de documento
física ou moral irresistivel, de se fazer uma decla- -Coviello, pág. 367. Mas estes casos não devem ser aqui con-
ração aparente; mas com o propósito íntimo ou siderados : o primeiro, porque revela em todo o caso uma von-
tade qnalquer, mas ineficaz por çausa da incapacidade; e O
I
segundo, porque nele não há vontade, mas também não há
declaração, sendo o documento, e portanto o acto nele Suposto,
( 1) Ruggiero, 11, pag. 301. manifestamente nulo.
475
.....................

rida, para depois fazer a sua aplicação aos casos vontade e a declaração, que afectasse a formação
concretos (.i ). jurídica dêsse acto e o ferisse de nulidade (I).
Nós preferimos seguir o caminho inverso : exa- b ) ,Teoria d a cul#a i n contrahendo. Como
minar primeiro os principais casos típicos de dis- reacção contra a injustica e conseqüente imperfei-
cordZincia, procurando dar-lhes a justa solução, para cão da teoria da vontade, mnstruiu Ihering a sua
concluirmos depois por vêr se há alguma teoria ou teoria da culpa in contraheitdo., Segundo Ihering,
critkrio geral orientador das soluçbes práticas. a pessoa que faz uma proposta de contracto tem
Aqui limitamo-nos a indicar as principais teo- obrigação d e fazer uma proposta eficiente, isto é,
rias até hoje apresentadas. deve assegurar-se primeiro que, oeg em si próprio,
a ) Teoria da vontade ou da vontado reaz. nem no objecto do contracto, há qualquer defeito
Foi a primeira que se prop6s resolver o problema ; que se oponha h sua eficáciai - P-or ísso, assim
é da autoria do grande romanista Savigny. O como pode haver culpa ia contractu, também a
Dr. Beleza dos Santos resume-a muito bem em três pode haver i n contrahendo\; e tarnb6m desta
postulados : resulta a responsabilidade contratual por perdas e
1.0 A vontade que se não declara é por sua danos, não o id quòd interesf positivo da execu-
pr6pria natureza juridicamente irrelevante ; .
ção do contracto, mas sim o interesse negativo
2.O A declaração sem vontade é ineficaz, ainda ( negat ives Verfraqsinteresse ou Vertrauenscha-
mesmo que a contradição entre a vontade e a sua den) representativo do que o contraente prejudi-
declaração seja devida a culpa do declarante, excepto cado não teria perdido ou deixado de lucrar, se o
no caso de reserva m e e a l não conhecida da pessoa contracto nulo se não tivesse celebrado (').
a quem a declaração,se dirija ; Mas, como se vê, a teoria não resolve o pro- .
, 3.' &Seuma declaraçãlo aparente oculta outra blema, sendo apenas um pequeno remédio, aiiás
declara*^ de vontade real, é esta bltima que deve muito falível, contra o prejuízo e a injustiça em
prevalecer. muitos casos resultantes da anulaçáo de contractos,
Esta teoria, apesar do seu carácter de dedu- decretada pela teoria da vontade.
ção lógica, leva a c~nseqiiênciasinjustas e peri- c ) Teorta da declaracão, Dadg a injustiça,
gosas. ou pelo menos, a -inconveniência- da teoria da
Por esta doutrina, diz bem o Dr. Beleza dos vontade real, proauraraF..muitqg juriscsnsultos
Santos, quem confiasse na verdade, na seriedade, fazer valer a deciarago stibre a própria vontade.
na eficbcia de um acto jurídico, poderia ver a sua Um dos mais notáveis defensores desta teoria,
confiança iludida, a sua boa fé ludibriada pela Saleilles, diz : a quem emite uma declaração jurí-
existêhcia imprevista de um desacordo entre a dica aceita ficar vinculado para com aquele a quem
se dirige, pelo sentido normal das expressões que

( 1 ) Coyiello, pág. 367 e seg. ; Ruggiero, pág. 230 e seg. ;


Dr. Alves Moreira, pag. 401 e seg.; Dr. Beleza dos Santos,
(1) Dr. Beleza dos Santos, pág. 9 e 10. .
2) Os Prtncipios, I, pág. 344 e 547; Dr. Beleza dos
A Szmulapão, pág. 6 e seg. Santos, pág. ia e 13.
emprega, sem o que não poderia haver segurança declaração não é indagar a vontade do declarante
alguma nas relaçdes privadas». E uma tal respon- tal como êle internamente a quis, mas sim deter-
sabilidade não é meramente culposa, mas sim minar o valor objectivo da declaração, fixar o seu
objectiva, i4to é, derivada d o risco a que se sujeita sentido e alcance, tal como éle deve ser entendido
quem faz uma declaração de vontade ( I ) . em harmonia com as ideas e os usos correntes,
X boa fé e a confiança nas transacçoes, a nor- com os princípios da boa fé e da equidade (I).
malidade e estabilidade das relaçdes sociais, exigem Assim como os partidários da teoria da von-
J predomínio das declaraçdes da vontade jurídica tade real se viram forçados a rectmhecer q u e ela é
sobre o foro interno da consciência 'individual. inadmissível e m casos como aquele em que a diver-
E êste predomínio da dec1arac;ão s6bre o modo de géncia da declaração recai apenas sobre uma parte
ser interno da vontade parece tanto mais justo não essencial do acto, ou é devida a êrro indescul-
quanto é certo que o direito não deve penetrar nos pável, assim também os da teoria da declaração
.domínios da psicologia pura nem pode atribuir sentiram a necessidade d e fazer grandes restri-
efeitos a vontade puramente abstracta ou interna (i). ções na sua aplicaç30, para evitar as graves injus-
E não é lícito dizer contra a teoria da declara- tiças que resultariam de par completamente de
@o que ela não é outra cousa senão o preceito parte a efectiva e verdadeira vontade dos decla-
materialista das xrr Táboas- Uti linyua rzuncu- rantes.
passit, i t a j u s esto. E assim, uma grande parte deles estabeleceu a
Na verdade, não é isso o que pretende a dou- doutrina da distinçso entre os actos e m que do-
trina da declaração. Pelo contrário, a teoria admite mina o carácter objectivo e aqueles em que, por
e q u e r que a declaração da vontade seja interpre- ser dominante o carácter subjectivo, é licita a
tada por tudos os meios q u e a possam esclarecer indagaçao da vontade real do declarante relações
e completar. de família, actos gratuitos entre vivos e testa-
E também se não pode dizer que a teoria da mento), aplicando-se somente aos primeiros a teo-
declaracão, enten-diid nestes termos, vem afinal a ria pura da declaração ( = ) .
confundir-se com a da vontade real, pois é a recons- d ) Teoria d a coiizfianca. Das necessárias res-
titui'ção do pensamento ou intençjo do declarante triçdes da teoria da declaração derivou a chamada
pela regra d e interpretacão do nosso art. 684.0. teoria da co?tj%anya(af$damento), que não i. outra
Com efeito não é assim, porque interpretar a cousa senão aquela teoria atenuada.
.A teoria da confiança, diz o Dr. Beleza dos
Santos, parte do princípio de que deve atender-se,
( 1 Saleilles, E'tude srrr lu themie génerale &e I'obliga-
) não a vontade real, mas a declaração, porque o
t i o n , pag.
j e seg. direito se deve basear mais sobre a certeza d o que
(2) Saleilles, pag. 216 e 2 1 7 ; hlessina, La simulafione
assoluta, na Rivista dt dirttto commerciale, 1907.I , pag. 598;
Hauriou e t Bezin, La de'claration de volonté dans le droit
administratif -français, na Revtre trimestrielle de drott civil, i 1) Saleilles, pag. 2 2 0 ; Dr. Beleza dos Santos, pag. 19.
1903, p á g j46. \ 9 Saleilles, pag. 5 e 6 ; Dr. Beleza dos Santos, pag. 2 2 .
sobre a verdade. Mas para que se dê eficácia A E assim, havendo divergência entre a vontade
declaração, ainda que ela náo corresponda a uma 'e a sua declaração, o acto jurídico só não será
vontade real, é necessário que a pessoa a quem a nulo, se o declarante procedeu com dolo ou culpa
declaraçáo se dirige tenha fundadas razbes para e aqueles que na declaracão confiaram estão de
crer que essa declaraçáo traduz uma vontade séria. boa fé ( I ) .
Se, porém, a pessoa a quem a vontade se destina Também entre. nós a teoria da responsabili-
náo está de boa fé, se conhece a divergência entre dade é a que tem'tido melhor acolhimento.
a vontade real e a declaração, já os seus interesses Assim diz o Dr. Alues Moreira: <a pessoa
náo devem ser protegidos pelo direito, e não lhe que faz ou aceita uma declaração de vontade, com
pode aproveitar essa declaraçáo, que ela sabe ser o fim de constituir uma relqão jurídica, deve fazê-lo
aparente. com todo o. cuidado e diligência, ficando portanto
E', pois, A boa ou má ft5 da pessoa a quem a r&ponsável por essa declaração sempre que, não
declaração se dirige, que s e deve atender, para dar correspondendo Q vontade, essa falta de corres-
ou negar valor declaração que divirja da von- pondência seja devida a culpa da sua parte» ($).
tade real, e não A culpa ou boa fé do declarante (I). E, assim, conclui o Dr: Beleza dos Santos, a
e ) Teoria da responsabilidade. Do mesmo diligência de quem confiou na declaração é um
modo também as restriçóes da teoria da vontade obstáculo a que o declarante negligente possa fazer
real deram lugar a outra teoria intermédia. E' a anular uma declaracâo viciosa.
da responsabilidade, que é a mais geralmente Mas se, tanto da parte do declarante como <
adoptada. dêsse outro interessado, há culpa, dá-se a chamada
Esta teoria adopta o princípio fundamental de compensação de culpas, nenhum dos tlois interes-
Savigny de que é a vontade real que a ordem ses merece uma especial protecção do direito, e
. jurjdica
,
protege, valendo a declaração sòmente prevalece o princípio da nulidade do acto jurídico ( 5 ) .
emquanto a traduz. Mas se a discordância deriva Mas deve notar-se q-ue a teoria da responsabi-
de culpa ou dolo do declarante, e as pessoas a lidade apresenta duas modalidades muito. diferen-
quem 6 dirigida a declaraçso, ou que desta se tes: a de Ferrara, que s 6 admite a validade do
podem legitimamente aproveitar, estão de boa fé, acto, no caso de diverggncia entre a vontade e a
o acto jurídico será válido, porque não pode dei- declaracão, quando essa divergência é devida a
xar-se quem procedeu de boa fé, sem culpa nem
dolo, a rnercb de quem usou de fraude ou foi im-
previdente. j 1 ) Chironi e Abello, Trattato, pag. 392 e seg.; Ferrara,
D e l l a simuiajzone dei negoqi giurzdici, pag. 16e seg.; Coviello,
Dêste modo a doutrina da responsabilidade pág. 370 e 371 ; Ruggiero, pág. 234 e 235 ; Windscheid, D i r i t t o
protege ao mesmo tempo a boa fé do declarante e d e l l e pandette, trad. de Fadda e Bensa, I, pág. 29; e seg. ;
a das pessoas que na declaração confiaram. Mazzoni, Istitutioni dt dzritto civile, anot. de Venzi, ir, pag. 370
e 3 71 ; Scialoja, Responsabil2'td e volonia nei negoqi giuridici,
pág. 12 e seg.
( ) Dr. Alves Moreira, pág. 403.
(1) Dr. Beleza dos Santos, pág. 23. ( 3 ) Dr. Beleza dos Santos, pág. 43 e 44.
dolo ou cuL#u lata do declarante ( I ) ; e a dos a declaração é dirigida, podendo ser mesmo para
outros autores, que nao fazem distingão das espé- fins honestos, (1).
cies de culpa. Não dizem, p o r h , êsses escritores qual seja o
E é de notar também que os seus mais decididos critério ou o sinal distintivo entre a reserva men-
partidários, como o Dr. Beleza dos Santos, reco- tal e as outras declaraçdes não sérias, muitas das
nhecem entretanto que a teoria da responsahiIidade quais se conteem também no conceito que dâo da
não pode aplicar-se a vários actos jurídicos, que reserva mental. E comtudo era bem mistér que o
por sua especial natureza a excluem. indicassem, tanto mais que sobre a eficácia d~ acio
jurídico contido na declaração fomulam soluçbes
-..
72. Inexisténcia de vontade real, por fatta abseluta completamente diversas.
ou por falta de seriedade., Reserva mental. - Acontece Assim, Ruggiero limita-se a dizer que na re-
muitas vezes que se fazem declaraçdes ou promes- smza mental a declaraçao produz todo o seu efeito
sas, mas com o prõp6sito íntimo ou intençzo de como se lhe correspondesse a vontade interna, e
nada se querer fazer daquilo que se diz ou se pro- portanto o neg6cio constitui-se e é váiido, porque
mete. São, como já dissemos, as declarações Zudendi a reticência querida pelo declarante, mas ignorada
ou exemplificandi cazssa, as feitas em representa- da outra parte, não pode anular a declaração ("1.
çdes teatrais, no calor de uma discussão, corno Por seu lado Coviello formula o principio
manifestação. de orgulho postiço ou vaidade, a geral da nulidade das declaraçbes não sérias e da
título de réclame, etc., etc. validade das que sáo feitas com reserva mental.
Em tais casos há uma vontade aparente, que Ao princípio da validade das declaraçdes com
resulta da kdaração, mas não realmente qualquer reserva mental sS abre uma excepção: 8 quando
vontade, ou porque falta absolutamente, ou por- a pessoa que recebe a declaraçáo sabe que a von-
que não e séria a que s6 aparentemente se mani- tade efectiva é contrhria A declaração, sendo então
festou. o neg6cio nulo, não ohstante a reserva mentai (%).
Das declaraçbes de vontade não sérias distin- Ao princípio da nulidade dos actos jurídicos
guem alguns autores, como Coviello, a chamada em que a vontade náo haja sida manifestada s8ria-
reserva mental, definindo-a como o «querer con- mente abre Coviello a excepção dos casos-em que
scientemente cousa contrária aquilo que se mani- a declaração foi feita em circunstâncias tais que
festou querer» ( e ) ; ou, como diz Ruggiero, « o que podiam fazer acreditar numa declara~ão a sério:
se ciá quando o declarante quer internamente cousa
,diversa da que declara e tem a consciência e o
prop6sito de emitir uma declaração disforme, o (I ) Ruggiero, pag. 2 3 1 .
que acos tece em regra para enganar aquele a quem ( e ) Ruggiero, pág. 235.
(3) Coviello, pág. 372. Simplesmente de notar que em
tal caso o que há verdadeiramente é um caso de simulação, ou
(1) Sóbre a noção de dolo e culpa lata, Os Priaclpios, I, pelo menos um caso típico de declaração não seria, e portanto
pag. 521-523. incluido na regra geral das declarações destituídas de serie-
( e ) Coviello, pág. 312. dade.
então o negScio será valido, porque há culpa do êle realmente nZo tem, destruindo-se assim o
seu autor; se, pelo contrario, a falta de seriedade princípio da vontade real, quando é certo que o
era clara, ninguém poderá pretender que a declara- princípio da responsabilidade a que devia Ibgica-
ção tenha efeitos jurídicos ('). mente importar, em vez da validade da declara-
- O principio da ineficácia da reserva mental, cão aparente, era a obrigação de reparar o dâno,
ou o que B o mesmo, a validade da declaração não inclusivamente com uma indemnização reforçada ou
querida internamente, 6 tão intuitivo, impõe-se agravada.
por tal forma A consciência juridica, que até o pró- E que, n a verdade, bem pode dizer-se, ilus-
prio Savigny, o autor da teoria da vontade pura, o trando por uma metAfara a observaçáo de Wind-
formulou expressamente, ainda mesmo para o caso scheid contra a teoria da responsabilidade, que h'á
de a vontade secreta do declarante se ter manifes- um verdadeiro salto mortal na passagem da cuIpa
tado em outra parte, sem ser na declaração que d o declarante para a validade das declarações me-
condicionou a formacão do acto jurídico, quer por ramente aparentes.
eserito, quer por palavras, O que mostra bem que Ora a explicação e o fundamento da validade
não foi por se tratar de uma vontade irreconhecí- ou nulidade das declaraçdes não sérias encontra-se
vel, oposta ti declarada, que Savigny negou valor a simplesmente, e muito claramente, no pr6prio prin-
esta divergência entre a vontade e a declaração. cípio da eficácia jurídica da vontade, sem neces-
A razão foi outra, observa o Dr. Beleza dos sidade de recorrer a outras construçbes te6ricas.
Santos, porventura sentida embora não claramente O que se vê na doutrina comum,dos autores
formulada pelo grande-romanista. E' que o comér- é que a ineficácia da reserva mental resulta preci-
cio jurídico, a certeza e a s e g u r a n p das transac- samente do facto de ela não ser conhecida das pes-
çdes não podem estar A mercê dos caprichos o u soas a quem é dirigida 2 declaração ou que desta
da fraude do declarante que diga aquilo que não é s e podem aproveitar, ficando ipso facto vinculado
sua vontade e faça acreditar aos outros no que em o deciarante.
sua intenção é apenas uma aparência (P). E assim se vê que foi sO aparentemente que
Tal é a explicacão e justificacão do princípio Coviello formulou princípios diversos para a reserva
pela teoria da responsabilidade. mental e para as outras declaraçdes não sérias, pois
Mas, a bem dizer, nem esta teoria é necessária a verdade é que, como vimos, na sua prbpria dou-
para explicar e fundamentar aquele princípio, nem trina, o princípio é sempre o mesmo : toda a decla-
afinal o explica ou justifica lbgicamente. ração de vontade jurídica é eficaz, embora a vontade
Fica sempre bastante nebulosa a razão porque interna seja contrária ou divergente, desde que seja
a culpa ou responsabilidade do declarante há de feita em termos ou condiçdes de tal divergência
importar a eficácia jurídica de uma vontade que não ser conhecida das pessoas a quem é dirigida a
declaração ou que dela se podem apr&eitar.
É assim, e não pode deixar de assim ser, por-
(1) Coviello, phg. 371. que a eficácia da vontade nos actos juridicos não é
(2) Dr. Beleza dos Santos, pág. 14 e 35. o produto apenas da vontade interna, mas também,
e principalmente, da sua manifestação externa; e 73. Teoria de êrro: erro na determinaçh da von-
não depende apenas da autonomia da -vontade indi- tade ou êrro-vicio e êrro na detlarslç8o ou êno-obst8sule;
vidual, mas também da interdependência ou soli- €na essencial e acidental; êno de direito e & facto. -
dariedade da vontade dos outros indivíduos, com O êrro, falso conhecimento ou falsa idea sôbre
os quàis seestabelecem as relações jurídicas, e ainda um objecto, abrange também a i,p-norincia ( I ) ,
da vontade geral da colectividade representada e pois, como bem diz Ruggiero, ignora a verdade
defendida pelos preceitos ou normas do direito quem tem uma noção falsa.
objectivo. Ora o êrro, sempre que seja essencial ou
Ora, sendo assim, é claro que, se um indiví- substancial, isto é, bastante grave para deformar a
duo faz e emite uma declaraçáo susceptível de pro- vontade dos sujeitos ou afectar o acto jurídico nos
duzir efeitos jurídicos, não s6 aqueles a quem é seus elementos essenciais, não pode deixar de ter
dirigida, mas todos os que dela podem licitamente uma influência decisiva na invalidade total ou par-
aproveitar-se, desde que não tenham motivos para cial dù acto.
a não considerarem scriamen te ,feita, podem apro- Mas também é claro, portanto, que não B qual-
priar os seus efeitos dentro dos limites da lei, quer êrro o que tem a força de anular uma decla-
adquirindo os respectivos direitos contra o decla- ração de vo-ntade, sendo necessário que a lei deter-
rante, que desde èsse momento fica vinculado, não mine e fixe as espécies de erro que importam a
ihe sendo lícito invocar a inexistência de vontade inefichcia da .vontade.
real e efectiva. É precisamente o que o nosso código faz nos
E' intuitivo e evidente que nas relações práti- artt. 657."-665.*, em relacão aos contractos, mas
cas da vida as declaraçbes da vontade, desde que que são tamb8m aplichveis aos outros actos juri- "

sejam feitas com aparência de seriedade, como dicos, juntamente com as disposiçi3es especiais
sérias teem de considerar-se, o que equivale a (artt. 1719.", 1745.", 1748.0, 2036.", 2037.O, 2413."~e
dizer-se que a declaraçfio de vontade deve presu- art. 20.0 do decreto-lei do casamento) determinadas
mir-se como sendo a expressa0 da verdadeira e pela natureza especifica de alguns dêles.
real vontade. Em primeiro lugar, os autores modernos dáo
Em conclusão : para os efeitos jurídicos, a decla- grande importância A distinção, j l entrevista mas
raç8o da vontade exprime sempre a intenção ou mal definida por Savigny, e depois precisada por
vontade real, excepto quando as próprias circuns-
tâncias em que é feita revelam o contrário, ou ( 1 ) Os Princi$ios, I, pág. 486. O Dr. Alves Moreira,
quando o declarante a fizer em estado de incapaci- Inst., pkg. 411,diz que, se o nosso c6digo trata apenas do êrro,
dade ou de êrro essencial, quer no processo não se referindo a ignorância, foi isso devido sem duvida a que
psíquico da formaçáo, quer na declaração da não C provavel a realização dum negócio jurídico sbbre cujo
conteiido as partes tenham completa ignorAncia. Nós o que
vontade. pensamos C que se tal facto se der, a nulidade do acto resulta
E' isto que nos parece ser a exacta teoria necessánamente tanto da incapacidade como da falta d e con-
das relações entre a vontade juridica e a sua sentimento. Mas o que é certo é que a ignorânciaestá incluída
declaração. no Crro.
Larombiere,; entre o êrrò que se da no próprio O êrro na declaração pode consistir numa sim-
pmçess.0 pshpico, da formação da vontade ( érro
pròpqjaarpn$eií dito, êrro-motiao, êrro-vicio ou
ê~?o:nglidade) e o que recai sdbre a declaração
( êrro impndprio, essencial ou êrro-obstáculo ).
ples distracção, um lapsus linguae ou lapsus cala-
mi, como se, por exemplo, em vez de se dizer ou
escrever « vender», se disse ou escreveu « aforar
se, em vez de se escrever Fernando, se escreveu
Francisco, se num telegrama a transmissão é dife-
.,
O erro que recai apenas sôbre o próprio con-
teúdo da vontade não dá lugar a divergência entre rente do que se escreveu, etc., etc.
a,vontade real e a declaração, porque a vontade Diferentes destas e outras semelhantes hip6te-
efectiva é exactamente a manifestada; o que h l 8 ses, embora por vezes se possam confundir, são as
desacordo entre a vontade actual, isto é, a que s e de êrro determinante da vontade: são aquelas em
formou em virtude do erro, e a vontade eventual, que alguém tem um conceito errado, isto é, está
ou a verdadeira, isto é, a que se teria formado, se enganado ou iludido, sdbre as pr6prias pessoas,
não fora a influência do êrro.
Se, porém, o êrro, em vez de recaír sòbre o
processo psíquico da formação da vontade, se da é o êrro a causa da invalidade do acto, mas sim a falta objec-
depois no conteúdo da declaração, surge a diver- tiva de um dêstes elementos essenciais, ja náo é igualmente
gência entre a vontade e a sua manifestação, porque exacta, quando o êrro produz o desacordo entre a.vontade
uma cousa é O que se quis e outra é o que s e e a declaraçso. Com efeito, se êste desacbrdo não importa
por si mesmo e em todos os casos a nulidade do acto, como
declarou querer - aliud dixit, aliud voluit. acontece na reserva mental, é claro entretanto que o facto cau-
; No primeiro caso formou-se, ou, pelo menos, sador dêsse desacordo não pode ser um facto indiferente : se,
praficou-se regularmente o acto jurídico, mas tra- quando há desacordo por equivoco ou mal entendido, h6 nuli-
tqado-se de êrro grave ou .substancial, êle está dade, a verdadeira razão desta nulidade está precisamente no
afectacio cle.um vicio estrutural e orgânico, que êrro, que por isso não pode chamar-se impróprio ou indife-
rente, como nos actos acima mencionados.
importa a. anulabijidade dos, Seus efeitos ; e por isso Nem táo pouco é aceitável a denominação de êrro esse#-
êsse erro se chama êrro-vicio ou Erro-nulidade, ~ t a l porque
, assim é precisamente e com razão chamado o êrro
No .segundo caso, nem sequer se chegou a que intlui na determinaçao da vontade e que, recaindo nos ele-
formar o u praticar regularmente o acto jurídico, mentos essenciais do-aeto, pode causar a sua nulidade, o qual
porque a vontade não foi devidamente declarada, então, para se contrapor aquele teria de se chamar acidental.
Tal é a razão porque os autores italianos lhe chamam êrro
não chegando o acto a ter existência jurídica; e ostatzuo, seguindo a autoridade de Giorgi, que assim traduziu
por isso esse êrro se chama êrro-obstBcuZo, visto a expressão erreur-obstacle, que Larombiére empregou em con-
que se op6s ou obstou a formação regular do acto (l). traposição ( e não equivalente, como erroneamente diz Brugi,
nas Istituqioni d i dirzto ciwzle, 24 ) a frase erreur-nullitd,
usada para indicar o Crro determinante da vontade; pois
(1) @ta espécie de erro tem na doutrina várias denomi-- emquanto que êste não impede a formaçáo do acto, mas s6 o
nações : Prro imprbprio, Erro essencial, êrro oúslatzvo. A deno- torna anulavcl, o outro, pelo contrLrio, sendo causa do desa-
minação de impróprzo, adoptada por Savigny, se é exacta para cordo entre a vontade e a sua manifestação, produz a falta do
o erro que recai sbbre a existência do objecto do contracto ou elemento essencial da vontade, sendo por isso um obstáculo a
sòbre a capacidade do outro contraente, pois em tais casos não própria existência do acto - Coviello, pag. 380, nota (2).
cousas ou factos, que quer designar ou exprimir, quer seja na declaraçáo, para determinar a sua in-
como, por exemplo, se crê que a pessoa a quem fluência na eficácia do acto, importa distinguirentre
faz uma doacão é aquela que o salvou num perigo, o êrro dsencial e o acidental ou concomitante.
quando náo é; como s e julga que uma cousa, a Essencial é aquele que recái sobre pontos
que quer referir-se, é a mesma que viu em certa substanciais da relação jurídica, isto é, sôbre algum
omsiáo, quando não é assim. Em tais casos há dos elementos essencialmente constitutivos do acto,
um êrro, que não recái sdbre a expressão, mas sim quer o sejam em virtude ân sua natureza intrínseca,
sobre o pr6prio conteúdo da vontade. conforme o tipo abstracto de que s e tratar, quer
Segundo diz Coviello, êste êrro -o êrro-vício seja porque no caso concreto a vontade das partes
-é o considerado no c6digo italiano; o outro- estipulou como elemento importante e decisivo
O êrro qbstativo - é considerado s6 no campo da algum que normalmente não teria tal carhcter.
doutrina (I). Acidental é a êrro que recái sôbre qualquer
Não nos preocupando com o sistema do c6digo outro elemento secundário ou acessório do acto.
italiano, embora nos pareça muito duvidosa a aíir- Por sua vez o êrro essencial pode ser:
magáo de Coviello, o que é certo é que no sistema a ) E r r o r in negotio, o erro sdbre a natureza
do nosso c6digo (art. 656."-665.") são consideradas ou espScie do acto, isto é, um erro que recái sdbre
as duas espécies d e êrro ). a própria índole do acto que se realizou, confun-
Quer se trate de êrro na formação da vontade, dindo-se, por falso conhecimento do direito, uma
causa jurídica com outra, como, por exemplo, con-
tratando-se um aforamento, quando o que se quer
( 1 ) Coviello, pág. 381. é apenas um arrendamento. Êste ê r r o pode tam-
(2) Assim o enteadia o Dr. Alves Moreira, lnstttuzçõcs, bém dar-se apenas na declaração ( êrro-obstácuIo ),
pág. +r*, 413,417 e 418. CD~tudoO Dr. Beleza dos Santos, no se a confusão resultou d m e n t e de engano ou
seu belo livro sobre a Simtilaçiio, pig. 49 e seg., deixando-se equivoco nas expressões da enfitêuse e da locação.
influenciar pela doutrina de Coviello, sustenta que os art. 656.0
e srg. se referem somente ao êrro na formaqão da v o n t a d ~ ,
E o a e s m o pode dizer-se a respeito das outras
que importa apenas a anulabilidade do acto, emquanto que o espécies de êrro essencial, se bem que a diferença
erro na declaração só é atingido pelos art. 641."-643.Oe 647.0, e seja por vezes muito subtil.
equivalendo à falta de consentimento, importa a inexistência b ) E r r o r in corpore, o êrro que recai sdbre
ou nnlidade absoluta do acto. a identidade do objecto, como, por exemplo, se
Mas basta reparar em que a palavra <consentimento>,
se declara querer, comprar um cavalo que está &
mento .,
( de cum e senttre) e, portanto, a expressão * êrro de consenti-
abrangem não só a determinação da vontade mas
tambCm, e principalmente, a sua declaração, para nos conven-
vista, e êsse efectivamente se quer comprar, mas

cermos da verdade da nossa doutrina.


Mas, além disso, acresce ainda que 6 principio fundámen- rescindibilidade ou anulabilidade, e não a inexistbncia ou nuli-
tal que a nulidade proveniente do êrro, quer &te se dt: ria dade absoluta.
determinação da vontade, quer na sua declaração, só pode ser O cbdigo alem50 (W i 1 9 . O ) t a m b ~ mseguiu o sistema do
alegada por quem do ê u o e vitima, donde se conclui que nosso, equiparando o êrro na determinação da vontade ao erro
a ineficacia do acto, em virtude do êrro, é sempre a simples na declaração.
porque o comprador foi induzido em erro por o Ruggiero, pertencendo h escola dos neo-causalis-
ter confundido com outro, que era reaImente o que tas (supra, n." 70), não considera os simples moti-
êle pretendia. vos psicolbgicos, mais ou menos i~ifluentes na
c ) a r r o r in suósi!a~atia,êrro que recai sobre determinação da vontade, como causa determinante
a essencia da cousa ou sôbre propriedades dela, do acto; emquanto que nbs, entendemos, pelo con-
que se consideram em geral, ou são consideradas trario, que no conceito da causa, como elemento
no caso concreto, como essenciais para o destino essencial dos actos jurídicos, entram também os
económico ou para a função social da cousa; por motivos psíquicos que se mostrarem efectivamente
outras palavras, um êrro sobre qualidades do obje- ser a razão determinante da formação e manifesta-
cto, que objectivamente ou subjectivamente deter- çáo da vontade (supra, n." 7 0 ) .
minam a sua função, como, por exemplo, se se E, por isso, emquanto que os neo-causalistas
pensa e declara comprar um anel que se supõe ser não consideram coma- erro essencial o que recai
de ouro, quando êle é de prata dourada, ou um ca- sôbre os motivos internos do acto, nbs pelo con-
valo, que se supõe ser árabe, quando êle é argentino. trário entendemos que o êrro sôbre motivos, que
d ) Error in persona, êrro que recai sôbre a sejam realmente dkterminantes, é tão essencial
identidade da pessoa, ou sôbre qualidades pessoais como o e r r o r zn negotio, que é o Único que na dou-
que, dada a natureza do acto, costumam ser toma- trina neo-causalista constitui o erro sobre a causa.
das em consideração como determinantes da von- E que, po sistema do nosso código, o êrro
tade, ou que, no caso concreto, tenham com eleito sâbre a causa abrange não só a causa normal,
sido dectsivas para o declarante, como, por exem- isto é, a pr6pria natureza do acto, ou seja O seu
pla, se numa doaçgo se indica erradamente o nome fim social e jurídico, mas também os motivos que
do donatário confundindo-o com o de outro indi- hajam sido a razão ultima ou determinante da von-
víduo; ou s e se encarrega algubm de restaurar um tade, é manifesto em face do disposto nos art. 659.0,
quadro de valor, na suposição de que é um pintor ca- 660." e 1745.").
paz, quando afinal se trata de um simples decorador. Com razáo diz o Dr. Alves Moreira: < A pa-
Ruggiero, cuja doutrina estamos a expor, apre- lavra c a m a tanto pode significar o motivo que
senta como erro sôbre a individualidade pessoal o determinou a realização do contracto, como a ~ a z ã o
caso de se fazer uma doação a Ticio, que o doador jurídica do próprio acto, ou os efeitos que dele ime-
cr& ter-lhe salvo um filho num naufrbgio, confun- diatamente derivam. Confrontando-se O art. 659.a
dindo-o com Mevio, que foi quem fez o salva- com o art. 660.0, vê-se que a palavra causa se toma
mento ('). Nbs, porkm, consideramos êste caso naquele artigo no sentido de motivo, ( I ) .
como sendo também de êrro sôbre a causa deter-
minante da doação.
A explicação desta divergencia está ern que Dr. A l v e ~Moraira, pag. 413 e 414. Nos art. 736.9
('1
O
h*h
e 738.0 do projecto do código, de 1863, empregava-se a
palavra nzotzvo em vez de causa, tendo sido feíta a substitui-
ção pela Comissão revisora em 4 de fevereiro de 1865-Actas,
( 1) Ruggiero, pág. 241. pag. 586.
Vê-se, portanto, que no sistema do nosso c6- preceito de lei que nao existe, como em ignorar
diga (art. 656.0-662.') as esp6cies do êrro essencial, um que existe ou interpreta-lo falsamente (1).
isto é, do &rrcrque pode importar a nulidade do O êrro de facto é o que recai sobre as circuns-
acto, se reduzem a três: tâncias ou elementos, tanto objectivos como sub-
I.& êrro sôbre a causa, abrangendo tanto O jectivos, que concorrem na formação do acto juri-
e r r o r ia neqotio, como o erro sôbre o motivo . dico.
determinante da vontade (art. 660.O); A distinção entre erro de direitg e &rrode facto
2.= erro sôbre o objecto, abrangendo o error tem grande importância prática, pois, como se vê
i n corpore e o e r r o r i n substantia (art. 661."); e pelos artt. 659.' e seg., diversos sáo os termos ou
3.' êrro sobre a pessoa ou s6bre as qualida- condiçóes em que as duas espécies de êrro impor-
des da pessoa ou pessoas a quem o acto se refere tam a nulidade de acto jurídico.
(art. 6 6 2 . O ) , o qual muitas vezes, como resulta E assim, diz o Ds. Alves Moreira : Devemos
dêste artigo, é êrro sdbre a causa. observar que a distinçRo entre o êrro de direito e
O s outros casos de êrro, isto 8 , os enganos
ou equívocos que versam s6bre os motivos ante-
riores e concorrentes da formaçáo e manifestaçáo ( l ) Os erros de direito tornam-se muito frequentes e
da vontade, sôbre a quantidade f error i n quanti- deploráveis, wbretudo.nos períodos de decadência e dissolução
t a t e ) ou sôbre as qualidades secundárias das cousas social, em que a s leis começam a ser feitas ao sabor dos inte-
( e r r o r i t z q u d i t a k ) ou das pessoas, são em geral resses particulares e por pseudo-legisladores da mais absoluta
e manifesta incompetência.
meramente acidentais,-náo importando por isso a Repare-se, por exemplo, no absurdo do § único do art. 4.''
a; gufidade da a d o ; e acidentais sáo também os d a lei n.O 1645, de 4 de agosto de 1924. Nesta lei, que é desti-
qoe recaiem &bre clPusulas acessórias do acto nada a regular a actudiaação d a renda nos arrendamenros de
( c o ~ d i ç ã o , t e m a e modo), a - n s o ser que, por prkdios rústicos, foi enxertado o art. $.O, com O fim de c t u a l i -
vontade dos sujeitos, a quantidade ou certas qua- zar o pagamento dos foros e a sua remissão. Mas fez-se isto
com uma Ia1 incompetência, ou com uma t a l dose de'arbitrio,
lidades do objecto ou das pessoas, ou uma cláu- mandando rnultipiicar $elo factor ~otodos os fòros em-dheiro,
sula acessbria, sejam elevadas 6 categoria de ele- sem distinção de datas d o s respectivbs .aforamentos; Qùe de
mentos essenciais, sendo consideradas como mo- semelhante lei resultaria, se fosse literalmente aplicada, is máis
mento decisivo na determinação ou manifestação espantoso absurdo, €090 seria o de se multiplicar por dez,um
da vontade, porque então o êrro pode assumir as fbro constituído dois dias antes da publicaçáo da lei!
É claro, portanto, que semelhante lei s ó se pode entender
proporçbes de êrro essencial, integrando-se no erro
e aplicar para os aforamentos anteriores ao período da actual
sobre a causa. desvalorização da moeda.
Importa, finalmente, distinguir o êrro de direito Mas, dada a ignorância geral em matéria juriGca, há d e
e o êrro de facto (art. 658.0, 660.0, 758.O e outros). provavelmente acontecer que alguns foreiros por aforamentos
O êrro de direito tem lugar quando a vontade modernos satisfaçam aos senhonos a exigência do décuplo d o
se determina num certo sentido por ígnorancia ou fòro.
Consolem-se com a certeza de que, por êrro de dzreiro,
falsa interpretação de uma norma jurídica. O êrro fizeram um pagamento iiidevido, e que, portanto, ficam com a
de direito consiste tanto em supor existente um direito a restituição, nos termos do art. 758.0.
o êrso de facto é, atenta a presunção de que todos nação como na sua manifesta~ão,que a deturpe ou
conhecem a lei, importante, pois que, não se admi- deforme na sua pr6pria ess&ncia.
tindo hoje o princípio de que a ignarancia da lei a E assim se v& nitidamente a razão de ser do
ninguém aproveita, na prova do erro de direito princípio que faz anular o acto jurídico, sempre
deve haver mais rigor do que na prova do erro de que o consentimento dos sujeitos seja dado ou dccla-
facto. Essa prova tem de ser aduzida por quem rado em estado de êrro grave e substancial-
alega o êrro, e fica no prudente arbitrio do juiz, E assim se vê também a importância da distin-
q u e deve verificar, tendo e m atenção todas as cir- ção do êrro em essencial e acidental, pois que só
cunstâncias, se o êrro de direito foi a causa deter- o primeiro é capaz de infiuir na validade dos actos,
minante da vontade2 ('). porque só êle incide s6bre os momentos importan-
Mas a distinção torna-se por vezes subtil ; basta tes e decisivos da vontade, viciando-a na sua prb-
natar que a ignorância de um direito 'subjectivo é pria essência.
ignorancia de direito, diz Coviello, quando recai O erro acidental, pelo seu carácter de impor-
sbbre o elemento de direito ; é ignorância de facto, tância secundária, é reparhvel pela simples rectifi-
quando recai sôbre o elemento de facto, isto é, caçáo, ou pela acção de indemnisação, quando esta
sobre o facto jundico donde promana o direito (9. seja devida.
Examinadas as diferentes espécies de êrro, veja- .E' o que determina o art. 665.O, dispondo que o
mos, pois, qual a sua influência s6bre a eficácia da simples êrro de cálculo arimético, ou de escrita,
vontade nos actos jurídicos. s6 dá direito h sua rectificação. O &mo sôbre a
- Para que a vontade jurídica produza os seus quantidade das cousas vendidas em razão de certo
legais e natisrais efeitos, já por mais de uma vez o número, pêso ou medida, é especialmente regulado
temos dito, e é este um dos princípios fundamen- pelo art. 1576." :
tais mais intuitivos, não basta uma vontade qual- « S e a cousa fôr vendida em razão de certo
quer : é necessária, é essencial, uma vontade livre número, pêso ou medida, poderá ser o contracto
a consciente, cIaramente manifestada: rescindido pelo comprador, havendo na entrega
Ora, dizer que é necessário tratar-se de uma falta considerável ou excesso, que não possa sepa-
vontade consciente, o mesmo é que dizer uma von- rar-se sem prejuízo da cousa; mas se O comprador
tade séria, e não fingida ou meramente aparente, quiser manter o contracto, poderá exigir a redução
uma vontade verdadeira, isto 6, determinada por do preço em proporcão da falta, assim como o
dma causa real e justa, e náo viciada por algum deve aumentar em .proporção do excesso,.
defeito grave e substancial, tanto na sua determi- Mas bastará que se verifique e prove a exis-
tência de êrro essencial ou substancial, para sem
5 mais, e ipso facto, se decretar a nulidade ou anu-
(1) Dr. Aives Moreira, pag. 4x4 e 415. Sôbre o alcance
d o principio de que a ignorância da lei a ninguém aproveita, e labilidade do acto ?
sôbre o sentido das expressões u ignorâncta d a l e i o e u êrro E' evidente que não basta.
d e direito B , veja-se Os Principias, I , n.0 39. Para que o êrro seja causa- de nulidade do acto
( a ) Coviello, pág. 338. é necessário que, além da sua existência, se prove
sária garantia da estabilidade e boa fé nas rela-
que êle foi a causa única ou principal da determi- ç6es jurídicas, o código não SÓ formulou aquele
naçáo ou da declaração da vontaae. princípio fundamental da causalidade, mas ainda
Diz bem o Dr. Alves Moreira: restringiu considerhvelmente as condiçdes OU limi-
X. O êrro determina a nulidade do negbcio jurí- tes da verificação e eficiência do erro, como motivo
dico, nõo directamente, como um efeito positivo ou fundamento da nulidade do acto.
que derive da sua existência, mas como causa da E' assim que, tratando-se de êrro de facto
falta de correspondência entre a vontade real e a sòbre a causa do contracto, ou de êrro relativo a
declarada, sendo em virtude dessa falta de corres- pessoa que não figure no contracto, o êrro só pro-
pondència que o negócio jurido é rescindível. O duz nulidade, se o contraente enganado houver
êrro não tem, pois, que ser apreciado s6 objecti- declarado expressamente, qne só em razáo dessa
vamente; tem de o ser também em relação à causa ou dessa pessoa contratara, e esta declara-
influência que exerceu sobre a vontade no acto @ O tiver sido expressamente aceita pela outra.
jurídico e portanto subjectivamente, pois pode parte (art. 660." e 662.0). E o êrro sôbre o objecto
suceder que, apesar do êrro, o autor do acto juri- ou as suas qualidades, assim como o êrro relativo
dico o houvesse rsalizado, não se verificando assim h pessoa com quem se contracta, sO produz nuli.
a condição de que fica, em virtude do êrro, depen- dade, havendo o enganado declarado, ou provan-
dente a sua ineficácia ( ')a. do-se pelas circunstâncias do nlesmo contracto,
Se assim não fdra, se náo se exigisse a prova igualmente conhecidas da outra parte, que só por
de que o &rro foi a causa principal da discordância essa razão e não por outra contractara [art. 661.'
entre a vontade verdadeira e consciente e aquela e h62.O).
que erroneamente se formou ou declarou, pulula- E' só acêrca da causa que o código formula a
riam a todo o instante as accões de nulidade com distincão entre êrro de direito e êrro de facto
fundamento no êrro, pondo em perigo constante a (art. 658.0). Dai o poder duvidar-se se esta dis.
necessária estabilidade, a boa fk e a certeza das tinç2o não poderá também ter lugar a respeito do
relaçóes jurídicas. objecto ou das pessoas. Mas parece-nos que, na
O principio de que o êrro s6 é motivo de verdade, o erro s6bre o objecto ou sdbre as pes-
nulidade ou anulaçáo do acto jurídico quando se soas é sempre êrro de facto ( I ) .
mostre ter sido a sua causa Única ou principal,
isto é, a sua razão determinante, é expressamente
formulado na lei para o t?rro.de facto acêrca da (i) Em sentido contrario, em relafao ao objecto, opinava
causa (art. 660."), para o êrro sdbre o objecto ou O Dr. .4lves Moreira, escrevendo : a Deve notar-se, porém, que
sdbre as qualidades do mesmo objecto (art. 661.0), o êrro que representa o motivo determinante da vontade pode
derivar de êrro de direito sòbre o seu próprio conteúdo ou
e para o erro relativo às pessoas (ar:. 662."). objecto. Assim, se uns herdeiros fazem uni contractu de parti-
E, sempre em obediência ao princípio da neces- lhas em que não incluem um prazo de vidas por julgarem que,
extinta a terceira vida do prazo, &te recairá no senhorio directo,
êsse contracto pode anular-se por êrro de direito, visto que foi
(.I ) Dr. Alves Moreira, pág. 412.
Por outro lado, o código, emquanto a respeito Yvfiiitos dos melhores autores italianos distin-
do êrro de facto torna a sua eticiència, como guem entre o êrro indesculp8vel (inescusabile) e
causa de nulidade, dependente não - s 6 da sua in, o desculpável (scusabzle), dando grande impor-
fluência decisiva na determinaçáo ou manifestação tância a distinçáo, pois só ao êrro desculpável
da vontade, mas também da expressa ou tbcita reconhecem valor para fazer anular o acto.
declaração das partes d c quc só por essa razão se Segunao uma distinção que tem o seu primeiro
decidiram ou manifestaram jartt. 660.O-662.O); a fundamento nos textos romanos, diz Pacchioni, O
respeito do êrro de direito, limita-se a dizer no Erro s6 pode ser invocado para obter a anulaçáo
art. 659.0: « O èrro d e direito acêrca da causa pro- do negócio, quando for descz~lpavel. O èrro indes-
duz nulidade, salvo nos casos em que a lei ordenar culpável não pode ser invocado, pois que é deri-
o contrário ». vado da culpa do enganado, e ninguém deve tirar
E assim poderá concluir-se L> contrario sensu, vantagetn da própria culpa (1).
do confronto dêste artigo com os artt. 660.O a 662.O,
que tratando-se de êrro de direito basta verificar a
sua existência, para se decretar a nulidade do acto,
náo sendo necessário provar-se que o êrro -foi a o contrario, dispondo { art. ~ r o ~: . ~ )erro de direito produz
a nulidade do contracto so quando tenha sido a sua causa única
causa determinante da sua prhtica ou celebração. ou principal%; r , para o érro de facto, limita-se a dispbr
Mas tal conclusão C inadmissível, por ser ( art. I 110." 1 : O erro de facto não produz a nulidade do con-
injuridica, e até absurda, o que mais uma vez de- tracto, senão quando cai sôbre a substância da cousa que forma
monstra bem a pouca consistência e os perigos o seu objecto. Xão produz a iiulidade quando cai sbmente
da argumentaçào 2 co~ztrnriosenszd ( 1 ) . ,sobre a pessoa com a qual se contractou, excepto se a consi-
deraqão da pessoa, com a qual se quer contractar, e a causa
principal da convenqão w.
Apesar disso, os autores são de acordo em que também o
esse Crro a causa determinante de no contracto de partilhas não Brro de facto so produz nulidade, quando se mostrar ter sido a
se haver incluido o prazo>. E assim o julgou o acórdáo da causa principal ou determinante do acto - Ruggiero, pág. 242
Relacão de L ~ s b o a ,de 15-XI-73, na Revista de Legzslação e de e 243.
r z a ,pag. 187 - Dr. Alves Moreira, pag. 4 14.
J ~ ~ ~ i s p r u c l ê ~ ix,
( 1 ) Pacchioiii, pags. a;; e 278. Para ilustrar e demons-
Simplesmente há que observar : trar a sua doutrina, escreve o eminente professor: ,e Estasolu-
1.0 que não s e trata aqui de erro de direito, mas sim de çáo n ã o é porém acolhida universalmente. Tem-se dito contra
erro de facto, pois a ignorancia de um direito subjectivo, como ela que o codigo civil não distingue entre êrro desculpável e
ja dissemos, so 6 êrro de direito, quando versa sobre o elemento não desculpável. e dai co~icluiu-seque quando o Brro reveste
de direito, sendo êrro de facto, quando, como no caso referido, aqueles caracteres, exigidos pela lei nos artigos que acimaexa-
versa sôbre o facto juridico donde promana o mesmo direito ; minámos, pode ser invocado, para obter a anulação do negbcio,
2." que o contracto em questão não podia ser anulado,
ainda quando seja iiidesciilpavel. Somente para suavizar esta
pois o caso esta previsto e especialmente regulado pelo pre- solução se admite que a outra parte, sendo anulado o contracto,
ceito do art. 2 1 6 6 . O : A omissão de alguns objectos na par-
pode exigir a indemnização dos danos eventualmente sofridos
fará partilha adicional desses objectos ..
tilha não e motivo para esta se desfazer, e tão siimeiite se

( i ) É interessante que o sistema do codigo italiano, ao


e m consequência d a anulacáo do negocio, e isto com funda-
mento nos princíp~osgerais sôbre a culpa. Mas contra esta
doutrina se tem argumentado que implica uma certa contradi-
formular a influência do êrro na eficácia do acto, é precisamente cão, emquanto confere ao enganado o poder de fazer anular r>
Na mesma orientação diz Ruggiero : (( um erro
tão grosseiro, de modo a não se admitir que alguém O nosso Código não faz a 'distincão entre êrro
nele possa cair, ou ainda menos grave, mas que desculpável e indesculpável; e a referência indi-
poderia ter-se evitado se se fdsse mais cuidadoso e recta que faz A teoria é no sentido de a excluir.
prudente, não deve poder ser invocado peio enga- Com efeito, o êrro desculpável no máximo grau é
nado para conseguir a anulação da sua declara- sem dúvida o Erro gera2 e comum. Pois precisa-
cão ( ' ). mente êste nunca pode ser invocado como motivo
No sistema do nosso código parece nos indis- ou fundamento de nulidade (art. 664.").
cutível a inadmissibilidade da teoria da descrdlpn- Mas a esta consideracão acresce uma outra,
bilidade do êrro. que nos parece decisiva: desde que o êrro só pode
produzir nulidade, quando se mostre ter sido a
causa determinante do acto, é evidente que se um
negócio, e a o mesmo tempo admite que êle possa ser obrigado
a indemnizar os danos causados à outra parte em consequência indivíduo se deixou por tal modo influenciar pelo
da mesma anulaqão. Em nnssn parecer a distincão impõe-se êrro: que apesar de ser um êrro indesculpável ainda
embora não esteja expressamente sancioiiada no código; e assim s6 por essa razão e náo por.outra se decidiu
impõe-se pela força da tradição e pela consideração do seu ou se manifestou, por maioria de razão o acto deve
bom furidamentü Ético e pratico. Conferir à partc enganada o
ser anulado, pois que tal inclivídou, alem de ser
direito de anular o negocio, quando o seu êrro seja desculpável,
nada tem de repugnaiite e de iniquo, porque s e t r a t a de um induzido pelo èrro, se revelou absolutamente inca-
beneficio do qual todos podem ter necessidade e aproveitar, paz de ter uma vontade jurídica.
mas conferir a parte enganada o direito de invocar o próprio. De resto, a verdade é que os fundamentos da
brro indesculpável e, por isso mesmo, culposo, repugna e é teoria da desculpabilidade do êrro se mostram insu-
iniquo : repugna, porque e antieducativo ; e é iníquo, porque
favorece os menos dignos em prejuizo dos mais dignos, isto é,
ficientes para a justificar.
os ncgiigentes cm prcjuizo dos diligcntcs n. Note-se, finalmente, que nem todas as espécies
Pacchioni ainda observa, em nota, que esta teoria tem de êrro influem na ineficácia de todos os actos
sido por muitos cscritorcs hmitada aùs ncgócios a título one- jurídicos.
roso. Para os negocios a titulo gratuito admite-se que o enga- E' assim que o erro de direi to não pode anular
nado pode invocar também o erro indesculpável, e isto por
aplicação d a regra pela qual entre dois contendotes, um dos
a transaccáo ( a r t . 1719.")nem a confissão judicial
quais procura evitar um dano c o outro obtcr um lucro, deve (art. 2 4 1 3 . ~ ) . E nem o êrro de direito nem o de
na dúvida preferir-se o primeiro. facto podem ser invocados para anular a aceitação
(I) Em seguida diz : « Mas não falta qucm contcstc quc ou o repúdio da herança, a não ser que o èrro
a desculpa do Erro scja reques~tonecessário para poder ser tenha sido induzido dolosamente (artt. 9036.0 e
invocado, admitindo que todo o erro pode influir na validade do
negocio, mesmo sendo devido a negligência, salva a responsa-
2037."). Nos testamentos, o êrro só produz nuli-
bilidade pela culpa cometida. Seja como for, para qucm a cxige, dade, quando fdr induzido por dolo (art. 1748.0)!
a desculpabilidade é um elemento tal, que não pode ser apre- ou quando versar sobre a causc? determinante da
ciado senão caso por caso, atendendo a s condiçõcs subjectivas disposição, sendo essa causa declarada no testa-
da pessoa, e deverá ser julgada com malor rigor no ê r r o de mento, e podendo provar-se pelo próprio testa-
-
direito s Ruppiero, p i g . 423.
mento que o êrro do testador roi efectivamente ,0
de resto, o èrro sôbre o objecto da lieranqa ou d o beu em troca da sua prestaçao um objecto com
legado, ou sobre a pessoa do herdeiro ou legata- tais defeitos ou vícios ocultos (vicios redibitórios),
rio, só produz nulidade s e não fôr possivel deter- que o tornam inapto para o fim a que é destinado,
minar-se a intenção do testador, porque, do con- ou deminuem muito O seu valor.
trário, O efeito que prociuz é a rectificacão da dis- Tais factos, afectando tam profundamente a
posiqão (art. i837 I ( l j. essencia ou a substância do acto jurídico, produ-
No casamento sòmente o êrro de um dos ziram naturalmente no pensamento dos legislado-
conjuges relativo 'a pessoa do outro cônjuge pode res a idéa da nulidade dos actos em que s e verifi-
ser invocado como causa de anulação, nos restri- cassem.
tos termos do art. 20.' do decreto-lei do cssamento, Mas compreende-se também o grande incon-
e ainda subordinado ao princípio fundamental d o veniente que resultaria para a ordem jurídica, para
art. 6hr.O do c6digo civil, isto é, mostrando-se que a estabilidade e segurança das relações sociais e
o êrro foi o motivo determinante do casamento. económicas, se frequentemente forem anulados
Seria, na verdade, absurdo admitir-se a ãnula- actos jurídicos s h o pretexto de lesão ou vícios
bilidade de um casamento, simplesniente com a ocultos das cousas.
verificagão objectiva do facto de um dos cônjuges E por isso, emquanto por um lado os legisla-
ser filho ilegítimo ou legítimo, quando o outro dores formularam o princípio da anulação ou res-
cônjuge supunha que èle era filho legítimo, ou cisão dos contractos por motivo de lesão ou de
perfilhado, ou mesmo n,?o perfilhado. vícios redibitórios. por outro lado trataram de
E' mais uma razão para se reconhecer que o definir precisamente o grau da lesão e de especifi-
estado, a que se refere o n.O 1 . O do reicrido art. zo.', car os vícios ocultos que davam lugar h acção de
se refere mais ao conjunto de qualidades que Ior- redibiqão.
mam o estado natural, moral ou social da pessoa, Assim, pelo que respeita ao nosso antigo
(supra, n." 4): do que pròpriamente ao seu estado
civil, sôbre o qual não é fácil, em regra, haver
direito ensinava Coelho da Rocha ( a$ 737.', 815.0
e 816.~):
êrro. visto que o estado civil deve constar dos ct Com razao pois só se permite rescindir os
documentos necessários para a celebracão do ca- contractos, intervindo lesão enorme, isto é, engano
samento. em mais de ametade daquele valor que a parte por
comum estimagão dcviâ receber ; por sc presumir
74. erro sobre as qualidades do objecto: lesão e êrro, ou dolo. A parte lesada tem acção alterna-
vicios redibitórios. -Acontece muitas vezes nos actos tiva para pedir, ou rescisão do cgntracto, ou a
a título oneross que uma das partQ é gravemente indemnizacão do valor que não recebeu, A escolha
prejudicada, ou porque recebeu um valor muito da outra. Sendo a lesão erzormissiinzn, a qual é
inferior ao que prestou ( Lesüo), ou porque rece-
equiparada ao dolo, o contracto é ipso jure nulo.
Qual é a lesão enormíssima? Nem a lei O diz,
nem os praxistas se têm atrevido a fixá-la ; apenas O
Sucessões e D ~ r e r t oSircessorro, n.O 27.
(1)
sábio autor do Dz:.yesto Porluguês, I, art. 253.O, a
determina : - quaítdo alpuétrz r.ecebezi s ò n z e ~te~ a Vê-se, pois, que o nosso c6digo reduziu a
terca paute d o j u s t o valor da cnzlsa>>. acção de rescisão por lesão ou vícios redibitórios
« O vendedor é tambéin responsável pelos h a c ~ ã ode rescisiio por causa de êrro.
vícios ou defeitos da cousa vendida, cha~nados E procedeu naturalmente assim. o legisla-
redibitárzos. Tais são: i . " os que tornam a dor, por entender que a rescisão por motivo de
cousa imprópria para o uso para que é destinada ; lesão ou de vícios redibitórios s6 pode Iògicamente
ou de tal sorte deminuem êste uso, que, se o com- fundar-se na presuncão de que a parte prejudicada
prador o soubesse, ou a não teria qiierido, ou náo não teria realizado o acto, se conhecesse o ver-
daria tal preco; como, emquanto aos animais, dadeiro valor da cousa e os seus vicios ou de-
se ele não tem em mediano grau as qualidades feitos.
que o vendedor afirmara ; se tem nioléstia oculta; Não basta a verificação objectiva da lesão ou
se se espanta, ou se empina; emquanto As cousas dos vícios da cousa, para ter lugar a rescisão;
moveis. s e ao livro faltam algumas f6lhas: se o mas é necessário tambkm a verificação subjectiva
pano é diferente da amostra; emquanto aos imó- da causalidade do êrfo cda parte lesada como
veis, se o prédio tem servidão onerosa. que não motivo determinante da celebração do acto, nos
foi declarada. Neste caso ao comprador compete: termos do art. 6ú1.', provando-se que só pela razão
a ) a c ~ ã oalternativa, ou para desfazer a venda, d o êrro, e não por outra, prestou o seu consenti-
encainpando a cousa vendida ; ou para pedir a res- mento, a nào ser que o êrro proceda de dolo ou
tituigão da parte do preço em proporção dos defei- má f& de alguma das partes, ou de terceiro que
tos. E além do preGo: b ) se o vendedor, sabendo tenha interêsse directo no acto, porque em tal
os defeitos, deixou n~aliciosamentede os declarar, caso, nos termos cio artigo 663.", será suficiente a
pode o comprador pedir perdas e interêsses; c ) se verificacão objectiva do êrro.
0s ignorava, só pode pedir as despesas ocasiona- Relativamente a lesão, é aceitável o sistema
das pela venda >>. d o código, porque muitas vezes a aceitação de
O nosso código civil, porém, seguiu a orien- um negócio por um valor muito inferior ao
tação cios juriscoiisultos modernos contrários a normal não é resultado de êrro ou igiiorâiicia da
accão de rescisão por lesão ou vícios reclibitórios, parte aparentemente lesada, mas antes a conside-
dispondo no artigo 1582.0: r a @ ~de outras vantagens que lhe possam advir
da rcalizacão do mesmo negócio, e é muitas vezes
« O contracto de compra e venda não a necessidade imperiosa de arranjar dinheiro para
poderi ser rescindido com pretexto de acudir a necessidades urgentes.
lesão O U de vícios da cousa, denoniinados Ora em tais casos seria inadmissível, por
redibitórios, salvo se essa lesão oii êsses injusta, a rescjsão do acto por motivo de lesão.
vicios envolverem êrro que anule o con- Por outro iado, pode muitas vezes acontecer
sentimento. nos termos declarados nos que a lesão, mesmo sem ser e n o r m e , seja suficiente
artigos 65G." a 668." 687.0 a 701, ou ha- para justificar a anulacão do acto, desde que se
vendo estipulacão expressa em cuntrário ». prove a causalidade subjectiva do êrro, ou a sua
simples v erificacão objectiva, se foi induzido por regra. Apei~asalguns, como Coviello, a mencio-
dolo ou má fé ( a r t . 663."). nam para o êri-o hcèrca das causas de nulidade 01%
Relativamente aos defeitos ocultos da cousa, invalidade dos actos jurídicos.
parece-nos porém mais justa a doutrina classica Assim diz Coviello: « U m a regra geral, --a
dos vícios redibitói-ias, bastando a sua verificação todos os negócios i~ivkliclosé, segiindo a doutrina
objectiva, para fundamentar a acção rescisória, dominante, « e r r o r c o m m u n i s facit j u s >,, isto é:
doutrina que foi expressamente consignada no o èrro comum a respeito do facto que e causa d e
código brasileiro '1. nulidade ou anuiabjlidade do negócio permite q u e
êste produza todos os seus efeitos, como sk não
75. erro geral e comum. -O i ~ o s s ocódigo for- fora viciado : e faz-se aplicaçáo desta regra princi-
iilula no art. 664.' uma regra sobre o êrro, que não palmente aos casos de incapacidade quer d o oficial
tem precedente no nosso antigo direito nem eii- publico que exarou o acto e das testemunhas q u e
contra similar nos códigos estrangeiros : nêle intervieram, quer do outro contraente>, ( I ) .
O êrro comum e geral não produz nulidade ». Entre n6s apenas o grande civilista Dr. Alves
Tratando-se do èrro como vício da vontade, Moreira lhe fez uma ligeira referência, dizendo:
quer na sua for~~laçiio quer lia sua de~laração,os <t O erro comum e geral, como oicra zgual-
escritores não fazem qualquer referência a esta menlc todas as vontndcs, não produz nulidade
(art. 664.' ) ('1.
Parece-me, porém, que esta explicação ou jus.
tificação da regra iião é de aceitar : com efeito. s e
(1) O código civil brasileiro regulou os v i c ~ o sredibitó-
rios nos tcrmos seguintes: o êrro que viciou a vontade de uma das partes B
Art. 11or.O A coisa recebida em rirtude de contracto causa de nulidade, deveria antes concluir-se, até
comutativo pode ser engeitada por vicios ou defeitos ocultos. por maioria d e razão, que o é também o êrro q u e
que a tornem imprópria a o uso a que 6 destinada, ou Ilie demi- vzciou q u u l m e n t r t o d a s a s votztndes.
nuam o valor. único. I? aplicavel a disposiç2o dêste artigo Vejamos pois se liaverá uma explicação rilais
a s doações gravadas de encargo.
Art. 1102." Salvo cláusula expressa rio contracto, a igno- plausível para a regra d o art. 664 O.

raiicia de tais vicios pelo nlieria~ireiiáo o exime a rcspoiisabi- O que deve entender-si: por erro qeral e
lidade. c o m ~ ~C mÉ naturalmente aquele em que incorre a
-4rt. r10j.O Sc o aiicnantc coiihccia o vicio, ou o defeito, generalidade das pessoas. toda ou quási toda a
restituira o que rcccbeu com perdas c danos; se o nao conhe- gente.
cia, tam sbmcnte restituíra Q vaior recebido. mais as despesas
do coiitracto. Daí resulta não ser provável que um tal ê r r o
Art. 1104.' A responsabilidade do alieiiai~tesubsiste airida recaia sobre elementos essenciais ou substanciais
quc a cousa perega em poder do alieriatario, s e pereccr por dos actos jurídicos, e portanto suficientemente
vicio oculto, ja existente ao tempo d a tradição.
h r t . I to^.“ Em vez de regeitar a cousa, rcdibirido o con
tracto, pode o adquirente reclamar abatimento no prcqo.
Art. I 106." Se a cousa foi vendida em hasta pública, não (i) Coviello, pag. 342.
cabe a acção rcdibitoria, ncm a de pedir abatimetito no preco. (2) Dr. Alvcs Moreira, Inst., r, p á g 422.
intenção de causar um dano ou prejuízo, compreen-
grave para importar nulidade; e que, em todo o dendo assim o dolo propriamente dito também a
caso, mesmo quando tal aconteqa, seria inconve- má fé: isto é, tanto as hipóteses em que, por meio
d e falsas atirmaçbes ou artilicios, se induz uma
niente. e por isso injuridico. decretar a nulidade,
pois esta iria abranger toda uma série indefinida pessoa e m êrro, como o silêncio, a inacção, nos
de actos aliás praticados em condiçoes normais e casos e m que haja o dever de elucidar a outra
iguais da consciêilcia e da vontade dos contra- parte sôbre qualquer êrro e m que ela labore para
tantes. que se não realize e m prejuizo desta o locupleta-
A regra do a r t . 6b4.O está formulada sòmente mento de quem com ela contracta. Assim, se um
para o êrro como vicio na prestação do coiisenti- indivíduo declara vender a outro um objecto d e
mento nos contractos. prata dourada, e êste sabe que o objecto não é d e
Entret:into a nossa jurisprudência, embora com prata mas de ouro, tem o dever de o prevenir d o
divergéncias! também a tem aplicado As formali- seu êrro, sob pena de o contracto poder ser rescin-
dades dos actos jurídicos, julgando. por exemplo, dido em virtude da má fé ( I ) .
valido um documento e m que era testemunha um O dolo ou a má fé é pois um acto ilicito, con-
estrangeiro por êrro geral e comum considerado siderado na f o r m a ~ ã o do acto jurídico como uma
português ( ' ). causa que desvia a vontade da sua determinação
consciente, provocando um êrro ou mantendo O
êrro ja existente. P o r isso a lei: e m tais casos,
76. Erro causado por fraude: dolo e má fé. - Êrro
especialmente regula20 é o induzido ou mantido não se contenta ein considerar o êrro e m s i ; e vai
fraudulentamente, isto é, por d o l o ou m á f é . nos atk h sua causa. para sancionar a anulação d o negó-
termos do art. 663.': <o,krro, que procede de cio, ainda que o êrro haja recaído sobre elementos
dó10 ou de má fé de um dos contraentes, ou de não essenciais ou sôbre motivos internos ( = ) .
terceiro, que tenlia interèsse directo no contracto. Q u e r dizer: emquanto se trala apenas de con.
produz nulidade. 5 Único. Entende-se por dolo siderar o êrro em si mesmo, independentemente
nos contractos qualquer sugestão ou artificio, que da sua causa ou proveniência, a lei só o admite
s e empregue para induzir e m êrro, ou manter nêle como causa de nulidade d o acto jurídico quando
se mostre nos precisos termos dos artt. 660." a
algum dos contracntes; e por má fé a dissimula-
ção do êrro do outro contraente, depois de conhe- 662.O que êle foi a,causa determinante da vontade
cido 3. declarada. isto é, que s ó pela razão do êrro, e não
Como justamente observa o Ur. Alves Mo- por outra. a parte enganada fez a declaração d e
reira, a palavra d o l o também pode significar, em vontade n o acto jurídico: não basta a verificação ,
contraposição R falta de diligência ou culpa, a

( 1 ) Dr. Alves Moreira, r, pag. 422 e 42).


(1) Dr. Alvcs Morcira, I ? pag. 422, nota I. Èite caso
(a) Ruggiero, I, pag. 244
deixou dc ter importância, desde que os estrangeiros podem ber
lcstemunhas.
objectiva do êrro, í: necessária a verificação suh- proveitos, ou prejuízos que naturalmente
jectiva da sua causalidade. possam resultar da celebração, ou não cele-
: 1)emoilstrado poréni que o êrro provém de bração d o contracto, não são tomadas em
dolo ou má fé de uma das partes, ou de terceiro. consideraçiio na qualificaqão d o dolo ou
q u e tenha interêsse directo no acto, tanto hasta da coacção ii 7
para se reclamar a nulidade, sem necessidade de
s e fazer a prova de ter sido O êrro a causa deter- A respeito do d o l u s mnlus e do d u l u s cuusanz
minante do acto. d a ~ z s não
, pode haver dúvida de que são os visados
Ta1 é a conclusão que necessiriamente resulta pela sancção do art. 663.".
d o confronto do art. 663.O com os anteriores (660." Dúvida surge porém a respeito do d o l u s inci-
.a 662.O 1. E tal é a doutrina uniformemente ensi- dens.
nada pelos autores (1). Coelho da Rochat na falta d e lei expressa,
O dolo, considerado como causa perturbadora ensinava, fundado na doutrina d e Pothier ( D e s
.da vontade, pode apresentar quatro modalidades : Obliyatioics, P. i , n.0 31 e j a ) que o d o l o i n c i d e n t e
.o d d l f r s n z a ~ u sdas fontes romanas, caracterizado só dava direito i indemnizacão d e perdas e inte-
pela intenção maléfica de causar dano ; o d o l u s rêsses ( ).
& u n u s , que consiste no ernprêgo d e raz6es.e argu- D o mesmo modo Ruggiero, fundado n o art.
mentos mais ou menos tendenciosos e ilusórios rr15.O do c6digo italiano, ensina: ct 0 dolo que
s6bre as vantagens ou inconvenientes d e se prati- pode invalidar o negócio é sbmente o determinante;
car ou não praticar uin certo acto, mas sem o o d o l u s i n c i d e n s , visto que nao influi s8bre a
intuito maléfico de prejudicar; o d o l i ~ sc a u s a m vontade fundamental de realizar o acto, pode fun-
d a n s , o que determina a vontade influii~do por damentar o pedido de reparacão d o dano, d e redu-
tal modo que sem êle o acto jurídico não s e terin cão da prestacão prometida, ou em geral de uma
realizado : o d o l z ~ s~ n c i d e n s ,que influi sôbre ele- liriiitação dos efeitos d o acto suprimindo-se os que
mentos secundários, e por tal modo, que mesmo foram conseqüência dos artifícios dolosos ( $ ) .
s e m êle o acto teria sido realizado, se bem que em Parece-nos porém que o art. 663.0 abrange
-condições diversas e em geral menos onerosas. . igualmente o dolo incidente.
A regra do art. 663." será aplicavel a todas X regra nêie consignada e completamente
estas espScies de dolo ou só a algumas? diversa do preceito formulado no art. I r r 5." do có-
O d o l z ~ sbo~zzrse expressamente excluído pelo digo italiano ; emquanto que êste abrange s ó o dó10
a r t . 667.": determinante, o art. 663.0 do nosso código náo faz
«As considerações vagas ou gerais, que
os contraentes fazem entre si sôbre os
( i ) Cociho da Rocha, Inst., 5 1or.O.
( ' j Ruggiero, I, pag. 245. O art. i r 15." do c6digo ita-
liano diz : * O dolo E causa de nulidade do contracto quando as
(1) Dr. Alves Moreira. r, pag. 423 e 424 ; Coviello, pag. artimanhas empregadas por um dos contraentes foram tais,
394 e 395; Colin e Capitarit, I, pag. 70 e 7 1 ; Ruggiero, I, pág. 244 que sem elas o outro não teria contratado r.
referência alguma, directa ou indirecta, a distinção
entre o dolo determinante e o incidente. 77. A coacção. - Outra causa de nulidade dos
E o confronto do art. 663.' com os arts. q66o.O- actos jurídicos, por divergência entre a vontade
6b2.0, como já observámos. mostra precisamente real e a declaração, é a coacqão ou violência, nos
que sendo o êrro devido a dolo ou má fé, a nuli- termos d o art. 666.O :
dade impõe-se sem necessidade de se provar que o «E' nulo O contracto, sendo o coiisrntimerito
êrro foi a causa determinante do acto ($1. extorquido por coaccão, ou esta provenha de algum
O art. 0 6 3 . O considera causa de ilulidade cios dos contraentes ou de terceiro. 5 iiriico. A coac-
contractos não só o dolo ou má fé de alguma das cão consiste no e m p ~ ê g oda força física, ou de
partes, mas também de terceiro que tenha interêsse quaisquer meios, que produzam danos, ou fortes
directo n o acto, ou seja de qualquer pessoa em favor receios dêles relativamente A pessoa: honra ou fa-
de quem revertam alguns lucros ou vantagens pela zenda cio contraente o u de tercziros .>,
sua realização. Diverso é o sistema dos códigos Desta nocão concluía o Dr. Alves Moreira que
francês e italiano, que não se referem ao dolo de não entra nos domíilios da coaccão, como causa
terceiros, entendendo por isso o s autores que o determinante da rescindihilihade dum contracto,
dolo de terceiros só poderá anular o contracto s e a violência fisica que keduza a pessoa A mera con-
uma das partes fôr cúmplice t a ) . diqão dum iilstrumento, sencio o contracto cele-
Note-se finalmente. com Ruggiero, que assim brado em tais condicões, não npenas rescindível,
como o autor do dolo não pode invocá-lo contra a mas inexistente, porqus lhe falta a declarasão da
outra parte para anular o acto (art. 695.'), assim vontade duma das partes, a qual é um elemento
também quando amhas as partes se hajam reci- essencial ( 1 ) .
procamente enganado, nenhuma delas poderá pro- E' a doutrina comum dos autores franceses e
ceder contra a outra, compe~isando-seo dolo de italia~ios,fundada 110 art. I I 12."dos respectivos
cada um com o do a d v e r d r i o ( 3 ; . códigos, que sí, considera a violèncin como ameaca
capaz de produzlr o mêdo insuperável de um mal
grave.
Assim diz Ruggiero : .Das duas fòrmas em que
( 1 ) O código brasileiro Formulou expressamente a doii- pode esercer-se uma coaccão sóbre a pessoa, inte-
triiia clássica, dispoiido iio art. 9 j . O : n O dolo acidental so ressa aqui soniente a violêscji moral ou vis conz-
obriga a satisfação das perdas c danos. E acidental o dolo,
quando a seu despeito o acto se teria praticado, embora por
pulsisn, que sendo destinada a extorqilir uma de-
outro modo S. claração vicia a vontade, se111 a excluir: não a vio-
( e ) Colin e t Capitaiit, I, pag. 70; Kuggiero, I, pág. 245. lência fisic?. ou nzs nbsoluta, que exclui de todo a
Tambkm o código brasileiro determina no-art. g5.O : s Pode vontade, emquanto priva o violentado de toda a
tambfim ser anulado o acto por dolo de terceiro, se uma das possibilidade de querer, e impede portanto a pró-
partes o soube S.
(3) Ruggiero, r, pág. 24;. É a aplicaqáo das antigas
pria reaiização d o negócio. X violência nioral,
maximas : nemrni dolus suus prodesse potest, netno ex proprto
dolo commodum conseguitur.
(1 ) T)r. Alves Morcira, I, pág. 426.
33
consistindo ria ameaça de um mal que recairá sôbre quisitos a que deve satisfazer a ameaça, para ser
o ameaçado,se êle não pratica o acto, actua apenas causa da anulação do acto ( I ) .
psicològicamente, géra pelo temor incutido um Assiin, diz Ruggiero, é necessário : r ) que a
estado de restrição de liberdade na pessoa do coa- ameaca seja verdadeira e sévia, e não simples-
gido, mas não suprime a vontade, pois que deixa mente suspeita. Isto implica que o mêdo incutido
sempre a escolha entre o mal iminente e a decla- seja fundado sôbre uma verosimil suposiçãol e que
racão. A voluntas coacta é todavia sempre vo- o mal a m e a ~ a d ose.ja verdadeiramente projectado,
luntas - q u a h v i s coactus tamen v o l u i ; mas é não sendo porém necessário que seja iminente ou
certo por outro lado que não é verdadeira von- actual, mas podendo ser tambéin futuro; 2) que
tade aquela que só se declarou sob a pressão do a violência seja i n j u s t a , isto é, que seja ilegitima-
mêdo - non intelleqitur oolz~isse q u i coactus mente empregada, ou pelas r e l a ~ ó e sem que se
est ( I ) . encontram as pessoas, ou em relação a o fim a que
Também o nosso Coelho da Rocha, seguindo tende: ilícita não é, por exemplo, a ameaça feita
a doutrina francesa,' considerava apenas a violên- pelo credor ao devedor de lhe executar os bens ;
cia moral, definindo-a: « a ameaga de u m m a l , que mas sê-10-ia se tivesse por fim obter o reconheci-
obriga outro a praticar um acto, ou a praticá-lo de mento de uma divida superior A real; 3) que o m a l
uma maneira, que sem isso não praticaria » ( ). ameaçado seja grave ou ?zotáveL ( t z m o r majorzs
Mas tendo em vista a definição da coacção malitatis). Grave é de reputar em geral aquele
dada pelo 3 Único do art. 666.O, onde expressamente que? em confronto com a declaracão a extorquir.
s e menciona também a violência física, e ponde- importa um dano maior que o da própria declara-
rando que o autor do código conhecia sem dúvida cão, de modo que entre os dois sacrifícios a vitima
a doutrina dos c6digos francês e italiano, e a de escolhe o menor; 4) que o temor seja r a ~ o d v e l ,
Coelho da Rocha, somos levados a concluir que o isto é, que iião haja uma evidente desproporção
art. 666." se refere igualmente as duas formas de entre o qerigo ameaçado e a resistência que cada -
coacção. O que, de resto, está em perfeita harmonia um pode opôr. Se a lei fala de violência capaz de
com o seu sistema sôbre a ineficácia ou invalidade fazer impressão sobre uma pessoa sensata, é por-
dos actos jurídicos, que em geral não distingue que não exige a resistência de um constantissimus
entre nulidade ou mesmo inexistência e res- h o m o , como queriam os romanos, mas também
cindibilidade do acto ou contracto ( a r t . 687.0 não é suficiente o metlds v a n i hominzs. Por
e seg. j. outro lado, a medida da proporcão não pode ser
O s autores franceses e italianos, com base no
art. r 1 1 2 dos seus códigos, enumeraram vários re-
(1) O art. i r i 2 . O do codigo italiano, como o do codigo
fraiicbs, diz: e O consenso reputar-se extorquido por violericia?
quando esta t! de natureza a fazer impressáo s0bre uma pessoa
Kuggiero, r, pag, 237 e 238. No mesmo sentido Co- sensata, e a poder incutir-lhe razoável temor de se expor a si
(1)
viello, pag. 396; Colin e Caprtant r, pág. 71. ou aos seus bens a um ma! notivel. Atender-se h á nesta ma-
( B ) rflst., 5 102.". téria a idade, ao sexo e a s condições das pcssoas *.
sempre dada pelo tipo abstracto do homem sen- 78. A simulação.- Como já observámos, a
sato: deve ser fornecida em cada caso concreto divergência entre a vontade e a declaração nos
pelas condições particulares, atendendo ?I idade, actos da vida social pode ter apenas um intuito
sexo e outras circunstâncias. Esta proporção faita didatico: de gracejo ou de reclamo, ser uma sim-
geralmente, iri:is taxrihkm Salta a violência, no cha- ples representacão teatral ou de pura vaidade e
mado t e m o r reoerei~cinl,naquele respeito iiiteiiso ostentacao, ou entao ter o fim especial de enganar
que leva muitas vezes as pessoas sujeitas i autori- as pessoas que da declaração tomem conhecimento,
dade de outrem a praticar actos, que expontânea- fazendo-as acreditar na aparência como se f6sse a
mente iião praticariam. Contudo não pode ex- realidade. É o que s e chama a simulaçáo. A simula-
cluir-se a priori que o lizetus I-eaere!ctzal?s possa ção, diz bem o Dr. Beleza dos Santos, é uma das formas
por vezes assumir a importância e a gravidade cia que a mentira reveste: e, da mesma maneira que a
v i s verdadeira e própria, e por isso invalidar O mentira, não se encontra apenas n a vidajurídica, mas
consenso; g j finalmente, que haja um nexo de cau- e m todas as formas de actividade social. A cada
saliciade cntre a ameaca e a daclaracão, isto é, momento, por diversos processos e com diferentes
que aquela haja sido empregada para extorquir intuitos se simula, se dissimula, se mente. Finge-se
esta. O mêdo, embora razoável, provocado por muitas vezes uma aparência que não oculta reali-
um perigo natural ou por um facto humano entra- dade alguma. outras vezes desfigura-se a realidade
nho (~iaufrágio,terramoto, guerra) iGo tem lugar e ostenta-se uma ficção com que s e procura enco-
no conceito da violência: a declaracão Seita sob 0 brir alguma cousa que existe. mas que se não
seu impulso só poderá anular-se por outras causas, quer revelar. No primeiro caso apenas se simula,
por exemplo, por ilicitude, se alguém se tiver apro- no segundo simula-se para se dissimular.
veitado do perigo ou do estado de necessidade em E frequentíssimo o uso dessas duas formas de
que estava o declarante, p:ira se Lizei proiiieler simulagáo. Por isso ainda se poderia repetir o que
alguma cousa ( I j. já no século xvi Alvaro Valasco afirmava: Mate-
Uma aplicacão d e s ~ adoutrina encontra-se n o rza s i m u l a t i o n i s est u t i l i s et quotidiana et
art. 684." do nosso c ó d ~ g ocomercial, dispondo que saepe in judzcirs t r a c t a t u r guia fraudis piena
todos os contractos feitos emquanto dura o perigo s u z t omnzn (I).
do naufrágio podem ser reclamados por exageração %as qual é nos actos jurídicos o verdadeiro
e reduzidos pelo juízo competente, e detsrminando-se conceito da simulacão?
no art. 685.' os critérios para fixar os salários de A dificuldade do problema resulta do diverso
salvacão e assistência. disposiçfies que devem gene- sentido e alcance que tanto os autores corno as
ralizar-se a todos os casos em que servicos sejam legislaçõesatribuem ao facto da simulação.
prestados a pessoas em estado de necessidade ( 2 ) . E para se fazer uma idéa da profunda diver-
gência de conceitos bastará notar que, ernquanto

1 ) Ruggiero, I , pag. z j 3 e 259.


(9 Dr. Alves Morcira, r, pág. 4 31 c 432.
(I) Dr. Beleza dos Santos, A S~mulação,pág. 61 e 62.
os escritores modernos são concordes em conside- Alvaro Valasco já definia a simulaçáo : Qua-
rar como figuras jurídicas perfeitamente distintas d a m m a c h i n a t i o #e; quavn a l i u d e x t e r i u s osten-
a s i m u l a p i o e a falsidade, o c6digo civil brasi- d i t u r , a l i u d v e r o zntrinseczts i n t e n d u n t partes ( 1 ) .
leiro equipara em grande escala a simulação i fal- Coelho da Rocha {Inst., $ I O I . " ) , comparando
sidade (9). a simulação ao dolo, dizia que ela se verifica
Por um lado o nosso código civrl pode em quando uma das partes ou ambas dão aos seus
certo modo justificar uma tal confusáo, definindo actos uma aparència diferente do que êles são, por
os actos simulados no único do artigo 1031.0: exemplo, afectando doacão quando realmente ven-
dem.
a S i m u l ~ z d odiz-se o acto ou contracto, Correia Telles ( D i g . P o r t . , I , art. 260.") define
em que as partes declaram ou confessam contracto simulado aquele em que ambas as partes
falsame?~te alguma cousa que na verdade com malícia fingem um contracto que realmente
se não passou, ou que entre elas não foi não querem.
convencionada u . Ferreira Borges ( D i c i o ~ z á i i oj w , i d i c o comar-
cial, pág. 381) diz q i e a palavra simulacão indica
Mas se atendermos a que esta disposi~âodo um concêrto o11 inteligência de duas ou mais pes-
c6digo civil teve manifestamente por fonte a que soas para darem a uma cousa a aparência de outra.
se encontrava já nas ordenações, e a que na dou- E assim se vê nitidamente que na doutrina
trina comum dos nossos antigos juriscorisultos se do nosso antigo direito já o verdadeiro conceito
atribui A simulacão um conceito diverso da falsi- da simulação consistia precisamente 110 fingimento
dade, devemos concluir que também no sistema de um acto jurídico, como é também o do direito
do nosso código civil se não confunde a simula- moderno.
çáo com a falsidade !* ). Com efeito, segundo a doutrina dos modernos
civilistas, a simulação no acto juridico não é
outra cousa senso uma declaração de vontade fin-
gida; quer dizer: consiste em declarar que se quer
(1) Diz o c6digo brasileiro no art. 102.": 'Havera simu- uma cousa, que realmente se não quer, ou porque
lação nos actos jurídicos em g e r a l : não se quer cousa alguma, ou porque se quer
I. Quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a cousa diversa daquela que se declarou querer.
pessoas diversas das a quem realmente se conferem ou trans-
mitem. Se o acordo no fingimento é de todos os sujei-
11. Quando contiverem declaração, coiifissão, condiqão tos que intervêm no acto temos a figura da simu-
ou cl8usula não verdadeira. l a ~ ã opròpriamente dita ; se o fingimento da decla-
111. Quando os instrumentos particulares forem aiiteda-
tados ou posdatados..
( 3 ) A s Ordenaçbcs (liv. tit. 71."). depois de fazerem
uma enumeração exemplificativa de diversos actos cuja simu- alguma cousa que na verdade entre êles nos tais contractos
l a ~ ã nproíbem, dizem: *nem outros contractos que simulados não seja contractada nem convinda..
sejam cm que digam, declarem ou confessem simuladamente (1) Consziltationes, pag. 368.
raçáo de vontade é só de uma ou algumas das essencial o intuito de enganar, não o é, porem, o
partes, poderá ainda dizer-se que há simulacão intuito fraudulento ou intencão de prejudicar. Diz
num sentido amplo, mas 2 propriamente a chaniada bem o Dr. Beleza dos Santos : a 0 nnzmus n o c e t ~ d i
reserva mental. não é um elemento essencial da s i m u l a ~ ã o ,mas
Para que liaja a figura da siinulação pròpria- sim o a ~ z i n z u sdecifizefzdi (4).
mente dita, é pois necessario que a divergência E corrente a distiqcão antre simulacão ino-
entre a vontade real 2 a declarada satisfqa aos cente ou licita e fraudulenta ou ilícita, que se
seguintes rzquesitos : a) ser intencional ; 6 ) ter o encontra já nitidamente estabelecida na doutrina
intuito de enganar; c) ser o resultado de acordo de alguns dos nossos antigos praxistas. E até
d e todos os que foram partes no acto jurídico ( I ). alguns códigos, como o argentino e o brasileiro se
E determinado assim o conceito da sin~ulação, referem i simulação lícita ( 8 ) .
2 fácil ver como ela não pode confundir-se com a Pode simular-se com um simples intuito de
falsidade, nem doutrinalmente, porque sáo con- ostentação para se mostrar uma fortuna que se não
ceitos diversos, nem no sistema do nosso código, tem. ou por modésti? para se não revelar uma
que as distingue e regula diversamente. acção generosa, ou por interesse para promover o
A simulação 2 um vício da declaracão da von- desenvolvimento dos próprios negócios, ou por
tade, que consiste em não traduzir a declaracão a precaução para evitar invejas .e rivalidades que o
verdadeira vontade dos declarantes ; a falsidade e acto dissimulado possa despertar, sem que em
um vicio do documento em que foram exaradas qualquer dos casos exista um propósito fraudu-
as declaraç0es de vontade a c s outros elementos lento.
constitutivos do acto jurídico, e consiste na falta Já os nossos praxistas indicavam como sendo
de conformidade entre as mencões contidas no desta natureza a simulação usada em certos con-
documento é aquilo que eíectivarne~itese passou tratos de casamento, fazendo-so figurar ficticia-
ou declarou no acto da feitura do nlesrno docu- mente como dote uma quantia que realmente nâo
mento, nos termos dos n.OS 1.0 a 4 . O do artigo 2 4 9 6 . O fora ou não seria paga, ou maior que a prometida
do código civil. ou paga, hnicamente com o intuito de apresentar
Pode por isso acontecer, e geralmente assirn grandeza, simulando-se uma fortuna adequada h
é, que o acto seja simulado, mas inteiramente nobreza dos nubentes (holzoris c a u s a ou ~ L póm-
Z
verdadeiro o documento no qual êle foi exarado, pamj, ou para evitar oposições ao casamento que
desde que se tenha escrito com toda a verdade o se queria contrair ($).
que realmente se passou por ocasi20 da sua fei-
tura ou celzbração.
Para bem se fixar o conceito da simulação
deve finalmente notar-se que, sendo seu elemento ( ' 1 Dr. Beleza dos Santos, pág. 68.
(2) O código brasileiro diz no art. 103: .A simulacão
não se considerara defeito quando não houver intencão de pre-
judicar a terceiros, ou de violar disposição da leis.
(I) Dr. Eeleza dos Santos, pág. 63 e seg. ( a ) Dr. Eeleza dos Santos, pág. 67 e 68.
Mas, se é certo que a simulacão nem sempre Vejamos, pois, qual S o valor jurídico destes.
é um acto ilícito ou fraudulento, entretanto como actos.
mentira que é, parece-nos que sempre um acto 0 acto simulado será absolutamente nulo o u
mais ou menos deshonesto, e portanto reprovado inexistente, ou será apenas anulável ou rescin-
por sei- coiitrário hs boas normas da moral. dível ?
Qual é, porém. o valor jurídico da simu- Quanto & simula~ãoabsoluta, diz o Dr. Alves
lação T hloreira, estando os autores dela, como efectiva-
<<Asirnulacao, diz o Dr. Alves Moreira, tem mente estão, conscientes de que o acto s i l n u l a d ~
ordinlriamente por fim, já lesar os direitos de não deve produzir efeitos alguns jurídicos, a lei
terceiros, como no caso de se simular uma venda, não pode nem deve atribuir-lhos ( I ) .
para que os bens aparentemente alienados não Parece-nos porem insuticiente êste fundamenta
possam ser executados pelos credores do vendedor, da ineficácia ou nulidade do acto simulado, pois,
ou de se declarar um preço diverso do real, quando como já vimos, a eficácia da vontade nos actos
sobre o preço da venda recaia a contribuicão de juridicos é? não sòmentc a que as partes preten-
reg-isto, para prejudicar o I?'stado, já realizar um dam atribuir-lhe, mas também a que lhe confere a
negócio jurídico que a lei proibe, como na hipó- lei, ou seja, a vontade colectiva do Estado.
tese de não se poder fazer directamente uma doa- Consideramos mais juridicamente Çundamen-
~ ã ao uma determinada pessoa e ser feita aparen- tada a doutrina do Dr. Beleza dos Santos, dizendo
temente a um terceiro (interposta pessoa), ou no que o acto simulado ri: nulo por falta dum ele-
caso de ser proibida a venda, como sucede entre mento essencial dos actos jurídicos: a vontade real
os cdnjuges, e se fazer aparentemente uma doa- dos declarantes ( C6d. civ., artt. 643.0j r , . O z.", 647.O,
ção> ('). 648." e 684." ( 9 ) .
Vê-se pois que a simulação se apresenta sob Na verdade, o princípio geral da ineficácia o u
duas formas bem distintas: ou é absoluta, se a nulidade dos actos simulados impõe-se como lógica
declaracão de vontade é pura ficcão, sendo certo conseqüência da falta daquele essencialissimo I e-
que as partes não quereli] realmente praticar acto quisito da existência e validade dos actos jurídicos-
jurídico algum; ou é 7-elativa, se as partes decla- Mas as divergências, e profundas, surgem
ram realizar um certo acto. sendo certo quererem quando se trata de medir o alcance da nulidade.
realmente um acto diverso, quer pela sua natureza, Poderá a nulidade ser reclamada por quaisquer-
quer pelo seu objecto, quer pelas pessoas a quem interessados, incluindo os próprios simuladores,
diz respeito. ou sòrnente pelos terceiros prejudicados pela simu-
Na simulação absoluta há apenas o acto simu- lação?
lado ou aparente ; na relativa há o acto simulado Pelo sistema do nosso código, que s6 regula
e o dissimulado.

( I ) Dr. Alves Moreira, I , pig. 405.


(1) Ur. Alvcs 3loreira, I, pags. 404 e 405. (a) Dr. Beleza dos Santos, pag. 319.
a anii1ac;âo dos actos simulados com o fim de E entendemos que os simuladores não são admi-
defraudar os direitos de terceiros !-art. IO;I.O), tidos a arguir a simuiacão, pelas seguintes razoes:
poderia parecer que sO os terceiros prejudicados r z ) O s actos simulados são geralmznte celebra-
teeni qualidade ou legitimidade para reclamar a dos por meio de documento autêntico, ou pelo
nulidade. E neste sentido d e w entender-se O có- menos de documento particular legalizado ou lega-
digo brasileiro, dizendo no art. 10j.O que poderão lizavel nos termos do art. a432.0; ora tais docun~en-
demandar a nulidade dos actos simulados os tzrcei- tos (art. 24ah.O e 2432.O) fazem prova plena. qual~to
ros lesados pela simulação, ou os representantes 2 c x z s t ê ? r c ~ ad o .acta a qua r " referem, excepto
do poder publico, a bem da lei, ou da fazenda. naquilo em que possam envolver ofensa de direitos
Mas é que no sistemado código brasileiro jart. 1o3.O) de terceiro, que não fôsse parte no mesmo acto ;
a siniulaçào s ó é defeito precisamente quando b ) o art. 092." do código civil, consagrando o
liver por fim prejudicar terceiros o u violar a lei. velho princípio ?temo azrditur t u r p i t u d z ~ z e w aprri-
Parece-nos porém que o art. 1031.0 do nosso prtain aLLega?zs2 abrange certamente os actos simu-
cddigo não contém semelhante restricão, precisa- lados, pois estes, se nem sempre são actos crimi-
mente porque pode haver simulações sem intuito nosos, teem e m todb o caso por causa ou fim um
d e prejudicar terceiros, e a nulidade de tais actos facto r e p r o v a d o , como se diz naquele artigo: e
impõe-se também pzla falta do elemento essencial nâo nos parecem convincentes as raz0es expostas
das vontades. por aqueles eminentes professores e jurisconsuitos
O código naturalmente s 6 regulou expressa e para demonstrar que o referido artigo não 4 apli-
especialmente a anulacão dos actos simulados e m cável aos actos simulados ;
prejuízo d e terceiros, por serem os interssses c ) A imoralidade d e um dos simuladores s e
destes que exigiam tal regulamentasão. poder lociipletar B custa do outro tem o seu equi-
Entendemos, por conseqüência, que a simu- valente na imoralidade resultante de se favorece-
iacão pode ser alegada por todos aqueles que rem as s~nlulaçõesdando aos simuladores a garan-
tenham interêsse em fazer declarar nulo o acto tia d e a todo o tempo poderem desfazer o acto
simulado, com excepcáo porém dos próprios simu- simulado: e foi por isso q u e o código brasileiro
ladores. expressaiilei~tedeterminou no artigo 104.O que os
Divergimos da opinião sustentada pelos nos- simuladores nada poderão alegar em juizo, quanto
s o s eminentes colegas Drs. Alves Moreira e Beleza h s i m u l a ~ ã o ,um contra o outro ou coritra terceiros.
dos Santos ( I ) que, seguindo a doutrina comum Dado o princípio da nuiidade do acto simu-
d o s autores italianos, entendem que os próprios lado, surgz a questáo importante e grave de sabcr
simuladores podem arguir a nulidade do acto se esta nulidade d e natureza a invalidar a adqui-
sim~ilado. sicão que terceiros d e boa f& hajam feito de qual-
quer cousa do objecto do mesmo acto.
Entendem os Drs. Alves Moreira e Beleza dos
Santos, também na orientacão da doutrina italiana,
(1) Cr. Alves Moreira, i, pags. 405-407; Dr. Beleza dos
Santos, pág. 370 e seg. q u e a nulidade d o acto simulado não pode ser
upusta aos terceiros de boa fé, subsistindo em re- Quanto a simulação relativa, aplicam-se os
laça0 a estas a eficácia jurídica do acto (1). mesmos princípios ao acto aparente; mas o acto
Também não podemos concordar com esta dissimulado será válido ou nulo, conforme de per
doutrina, em face do sistema do nosso cbdigo. si mesmo, considerado independentemente da si-
De jure coastitl~erzdnpoderíamos conformar- mulacão, tiver ou não os necessários requisitos
-nos com tal doutrina, embora não parega muito ou elementos essenciais de validade.
razoável admitir que o mesmo acto jurídico seja Como diz o Ur. Beleza dos Santos, a simulação
nulo em relacào a rins e válido em relação aos ou- reveste-o apenas de uma aparência inconsistente;
tros? porque muitas vezes os adquirentes de uma retirada ela, fica o acto real com as mesmas con-
cousa não podem averiguar se na série das trans- dições de vida que teria se o acto que o dissimula
missões anteriores teria havido alguma simulada ; não existisse. E portanto ao acto dissimulaito e
e por isso a boa f5 dos sucessivos adquirentes só a êle se deve atender, e não ao acto aparente,
merece bem a protecção da ordem jurídica. em harmonia çom a regra romana: p l u s valere
Mas de j u r e constitz4t0, em face do nosso q z ~ o t lagitar, quanz quoct sinzz~latec o n c i f l i t r ~ r( I ) .
cbdigo, parece-nos insustentável aquela doutrina,
pois nêle não há preceito algum que a estabeleca 79. A teoria positiva da divergência enire a verda-
ou confirme, mas há preceitos que a contradizem. deira vontade e a declarapão. -Depois de termos
O preceito da rescisão dos contractos (art. examinado os principais casos típicos de contradi-
697.") e o da evicçáo (art. 1046.") mostram clara- câo ou discordância entre a vontade real e a de-
mentz que, decretada a iiulidade de um acto simu- claracão nos actos jurídicost ser8 mais fácil veri-
lado, a situaçao juridlca de qualquer terceiro. que ficar se há alguma teoria ou principio que inspire
de boa fé haja adquirido uma cousa objecto dêise ou justifique as soluções a adoptar sobre o valor
acto, é precisamente a do evicto, q u e tem direito juridico dos actos em que se dê tal divergência
a ser indemnizado pelo transmitente, mas não a entre a verdadeira vontade e a sda manifestação ou
-conservar a cousa! que pertence Aquele que a declara@o.
alienou pelo acto simulado. A primeira conclusão a tirar daquele exame
Mas há mais. O preceito do art. ro37.', ga- dos diferentes tipos de divergência entre a vontade
rantindo o adquirente de boa fé contra a rescisão e a declaracão é que nenhuma das teorias propos-
dos contractos verdatleirn celebrados em prejuízo tas para a solução do problema (teoria da vontade
dos credores, logo a sfi ir h regulameiitação cios real! do ileclaracão, da culpa i ~ zcogztraheizdo, da
.contractos simulados, mostra claramente que o confiança e da responsabilidade) e de per si s6 su-
código não admite igkal garantia contra a anulação ficiente para o resolver, como já tinhamos entre-
dêstes contractos. visto na ekposição dessas diferentes teorias e na

( i ) Dr. Alves Moreira, I, pag. 405; Dr. Beleza dos San-


tos, pkg. 380 e seg.
@4 )3&-dos Santos, págs. 341 e ~ t .
sua aplicacão as declara~õesde vontade destituídas
extranhos, coino s e dizia já na regra roniana - re.7
de seriedade (supra, n.0 7 1 e 72 j.
titter alias acta allis ?LequePr-odesse Tzeque ~rocer-e
Desde que a eficácia do acto juridico só pode
;Dotes/.
ser o produto d e ' u m s vontade verdadeira, isto e,
Mas a verdade 8 que o princípio roinanista
livre e consciente. e claramente manilestada, é
não tem razão de ser no direito moderno, pois,
evideate que vo7itnde real, verdadeira, e a sua
como justameatc observa o Dr. Alves ore ira, os
declaraçào em forma legal, são dois elementos ou
negócios juridicos podem, pela natureza dos direitos
momentos conjiigados e essenciais para a existên-
que dêles derivam, quando tenham de ser reco-
cia da vontade jurídica. Dai resulta lògicamente que
nliecidos por todos, exercer uma inlluência ~ n d i -
a teoria positiva sôbre a divergência entre a vontnde
recta e mediata em relação a terceiros, e 11a actos
e a declaraçao tem de ser nrcessiriamente a combi-
jurídicos que, pelo seu fim e conseqiiê~ciasque
nação dêstes dois momeatos da vontade jurídica.
d2les derivam, podem prejudicar pessoas que a
E portanto o princípio geral aplicável em caso
$les sejam estranhas, tendo assim eficácia em rela-
de contradicão ou discordância entre a verdadeira
~ ã ao elas ( I ) .
vontade e a sua declaracão é naturalmeate o da
Sendo assim, é intuitiva a necessidade recla-
nulidade do acto praticado em tais condiçoes.
muda pela ordem jurídica de dar publicidade aos
E tal é, com eieito, como vimos (supra: n."
actos susceptíveis de produzir efeitos para com
72- 78 ) a sancão dn nossa lei.
terceiros, sob pena de tais efeitos não se conside-
Casos há, porém, em que, embora se verifique
de facto divergência entre a vontade e a declara- rarem produzidos, emquanto não forem cumpridas
as forrilalidades destiaadas a levá-los ao conheci-
$30, os interesses da ordem jurídica recla~~-,am a
subsistênc~ado acto jurídico, fazendo-se prevalecer mento de todos os interessados.
a declaracão formal, estabelecendo-se por assim
O meio mais prático de dar publicidride aos
âctos jurídicos é a irlslituiçáo do registo, ou scja
dizer uma presuncão absoluta de conformidade da
a sua inscrição em livros existentes em repartições
declaracão com a vontade real.
públicas: o ~ d etodos podem requerer as certidões
E nem faz e x c e p ~ ã oa este princípio a vaiidade
aecessárias para se informarem sôbre a situação
do acto dissimulado, porque êste só é valido se a von-
jurídica das pessoas ou das cousas, em cujo conhe-
tade real tiver também sido claramente manifestada.
cimento teaham legitimo interesse.
Para êste fia1 existem várias espécies de repar-
80. Efeitos do acio jurídico para com as partes e
ticbes de registo, sendo as principais as conser-
* para com terceiras. O registo. - Em regra o acto ju-
vatórias do registo civil, nas capitais dos distritos,
rídico 8 realizado a o interesse exclusivo das pes-
com as reparticões a elas subordinadas aos conce-
soas que néle intervéem ou a favor de quem êle é
lhos e em muitas freguesias, e as conservatbrias do
celebrado; é destinado a estabelecer ou regular
registo comercial e do registo pre-dial.
certas relações jurídicas entre as próprias partes.
Daí o àizer-se que os actos jurídicos não teem
eficácia relztivamente a terceiros que a elas sejam
(I) Dr. Alvcs Moreira. r, pags. 5,w-1
14
-
PRI.\IEIRh SECÇÃO

PESSOAS
C.~PÍTUI,O 1

Pessoas individuals
I>*GS.

O conceito d r persoiialidadr. Pessoas iridividiiai.; r


colectivas . . . . . . . . . . . . . . . 5
Priiicíp~oe fim d a persoiialidadc do iiidividuo . . . 7
Coiidiçáo luridica do nascituro . . . . . . . . . z r
Estado c capacidade civil. . . . . . . . . . . 2 5
Estado de tiaciona1 ou estrangeiro. A d q u i 4 ~ 3 o 1:
pcida d a qualidade de cidadão . . . . . . .
Estado dc família. A condic,'io da mulher casada. O
riirrito ao iiomt: . . . ~. . . . . . . . . j j a

E-rado de sexo. . . . . . . . . . . . . . . i'


Estado de idade . . . . . . . . . . . . . 74
Estado lisico c iiirntal . . . . . . . . . . . . ÍY
Coiidcnacão penal c iná conduta notoria. Estado so-
cial. . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 1
Domicilio . . . . . . . . . . . . . . . . . $6
P i o v s e piibiicidade do e s t ~ d od a s pcisnai liegisto
civil. . . . . . . . . . . . . . . . . . $6

Pessoas colectivas
E\iitêiicia dc pessoa$ cnlectivar, l ) e s ~ n v o l r t m ~ n t ~
histórico do seu conceito juridico. ...... 103
Teorias sóbre o conceito e fundamento d a personali- .
35. Cousas divisiveis e inrlivisiveis . . . . . . . .
dade colectiva. ............. jb. Cousas principais e ace~sorias. Pertenças, frutos e
Elemeiitos constitutivos da pessoa colectiva . . . . bem feito ri.^^........ . . . .....
. . . . . . .
Classificação das pessoas colectiras 37. Cousas apropriadas e 5 nullius . . . . . . . .
Corporaçaes e f~1iiiidaç6esoii institui<óei . . . . . . .
38. Cousas presentes e fiitiiras . . . . . . . .
Pessoas colectivas públicas ou de direito público r jg. Cnusas iimples r compostas. c Univer-itatis facii e
privadas ou de direito privado. . . . . . . . universitatis juris a ............
Pessoas civis e eclesiasticas ..........
Pessoas coleclivas nacionais e estrangeiras. . . .
Classiiicação legal : pessoas morais e socicdadcs; per-
pktiias e tpmporárias . . . . . . . . . . . Classificação legal das eousas
CorporacO~se iiistituiç6es qiie não sai1 peisoas colec-
tivas. . . . . . . . . . . . . . . . . 40. . . . . .
Cocisas no comtrcio e fora do comércio
Constituição das corporaçóes c iiistitu'içiws .... 1 1 . Cousas m6veis e imóveis. Conceito e alcance desta
Orgaiiização das pessoas cillpcti\.~i: cstriitiira iiit-riia
c representação externa . . . . . . . . . .
ciassificação. . . . . . . . . . . . . . . .
. Siitema do cridigo iia Lietcrmiiia~ãodos imóveiq c dos
Capacidade das pessoas colectivas. I'riricipio geral e
restri(<>es . . . . . . . . . . . . . . .....
iiióv~is. Subdivisão de uns e outros.
43. Çigiiificaçáo das cspressfies iniiiveiq e iinobiliários,
l~uiicionamcntoe t r a n e l r m a ç í o das pessoas rolec-
tivas . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . .
móvsis c mobiliários
41. Significado da expressão « moveis de tal casa ou
Estiii<ão das pessoas c»li.ctiv~-. Dr:-titi« do patri-
. . . . . . . . . . . . . . . . .
inciiiio
prcdio . . . . . . . . . . . . . . . . .
15. lmóveiç por natureza e mediante o acção do honiem
- prCdios rústicos e iirbanos . . . . . . . .
46. Imovcis por disposição da Lei - produtos dos prédios
rústicos . . . . . . . . . . . . . . 'r '
4 . Parte3 integrantes dos p r d i o s ríisticrrs e urbanos. .
SEGCSD.\ SECÇÃO
48 Direitos inerentes aos prldios rusticos e urbanos . .
49. Fundos consolidados e outrac cousas por lei iinohili-
COUSAS zadas . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . .
50. ' Coiisas moveis. Suas especies
Sr. Cousas publicas, comuns e particulares. Fundamento
desta classificação ..............
Conceito jurídico e classificaçáo doutrina1 das cousas 52. Xoção e caracteres distintivos das cousas publicas,
comuns e particulares . . . . . . . . . .
LS. Objecto dos direitos e cousas . . . . . . . . . 241 53. -1questão da propriedade das coiisas publicas e co-
29. Xoção jiiridiia das cousas -- Lousas c bcii> . . . . muiis. Doininio píiblico ......... .
30. Conceito jurídico do patrimoiiio. Pati-imo:iios aiitóno- 54. Eniimera~ãodas cousas piiblicas ........ .
mos ou separados e colccrivos. . . . . . . . zjo 55. Baldios municipais ou paroquiais ...... .
31. Clasnificaçórs doutriiiais e lcgais das cou-as, . . . 267 . . .
56. Cousas partiiularcs ou do domínio pi-ivado .
,;L Lousas corporeas incorpórcas. Direitos &bre di-
rcitos . . . . . . . . . . . . . . . . . ~ 6 8
33. Cousriç consumivcis:e iião consumir7ci<. . . . . . z ~ a
. . . . . . . .
31. Cousas fuiigivei? e hão fungíveis 273
74, Èrro "bre a s qualidades do objecto: lesão e vicios
FACTOS J U R ~ I I I C O S ...............
I t:dibitbrios 502
-1,.- Èrro geral e comum. . . . . . . . . . . . . 506
76. f,rro causado por fraude : dolo e m a fe. . . . . . 508
77. .Icoacção. . . . . . . . . . . . . . . . . 513

Factos jurldicos em geral


78. A simulação. . . . . . . . . . . . . . . . 51 j
79. ,i teoria positiva d a divergkncia entre a verdadeira
. .
vontade e a declaracão . . . . . . . . 527

j7. 12 teoria e a classificação dos factos jurídicos . . . 37 1 60. Efeitos do acta ~ n r i l i c opara com a s partes e para
58. Conceito do acto juridieo. Prefercncia da termiiiolo- com tcrcciros, O registo. ......... 528
pia tradicional sbbrc a denominaç6o de neg6cio
jiiridico . . . . . . . . . . . . . . 375
59. Elementos d o s actos jurídicos. . . . . . . . . 385
60. Classificação dos actos jiiridicos . . . . . . . . 3%
6 Adquisicào, iilodi6caçbo e perda ou cxtiiição de dirri-
to=. Sucess'5o . . . . . . . . . . . . . 394
62. Actos jurídicos que importam alieiia$iio ou rvniiii-
cia . . . . . . . . . . . . . . . . . 399
63. O tempo como facto juridico. 1~'ixa~:o r ciimpiiio. . 409

A efichcia da- vontade nos actos jurldicos


a
Formacão e manifestação do acto volitivo de carácter
jurídico. . . . . . . . . . . . . . . . 4 16
Formação e conclusão dos actos ~uridicos.Forma d a
. . . . 4iX
manifestação oii declaracão d a vontade
Formas mais ou menos solenes ordznadas por lei ou
. . . . . . . . . . . 42.1
por vontade das partes
. . . . . . . 4 jo
h represeiitagão noa actos jurídico3
Interpretacão dos actos juridicos . . . . . . . . qq;
. . . . .
Objecto ou confriido dos acto.; jciridicos ,150
ti causa iios actos jurídicos. . . . . . . . . . .+61
O problcma da contradição ou discordância cntrc a
. . . . . 4;z
vontade e a aiia declaração. l'eoriaç
IncxistEncia de vonrade real. por falta absoluta ou
. . . . ,180
por falta d r seriedadc. Keserva mental
Teoria do êrro: erro na determinação d a vontade ou
brro-vicio e brro na declaracão oii krro-obstaculo;
erro essencial e acidental; Prro d(? direito r iIc
facto . . . . . . . . . . . . . . . . 4 85

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