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LAGOS
COLOMBO E A COMUNIDADE
DAS CIDADES ITALIANAS NA MADEIRA
ALBERTO VIEIRA
(Centro da Estudos de Histbria do Aiiâniico - Funchel)
E ;
mantém as mesmas caracteristicas das que detinham na Europa do
Mrts s Mundo MediterrAnico A farnllia 6 a chave do sucesso, a ga-
rantia da sua execu~áoem plena segurança e a continuidade das
referidas operações 4. A partir daqui é possível estabelecer a estrutura
dos seus negócios, que tinha como ponto de divergência a cidade de
origem. No caso do espaço atlântico podia ser Cádiz ou Lisboa, ímpor-
tantes centros de conf lu8ncia e divergênciasdas rotas comerciais do Novo
Mundo.
Tendo em conta a importãncia que a Madeira e as CanArias
assumiram no comercio do açúcar nos séculos XV e XVI, parece-nos
l Albetto VIEIRA, O Comércjo Inier-Insular nos SBWlos XVe XVI, Funchal, 1987,79.
Contronte-se F. C.LANE, Vmse une républiquem'ürne,Paris, 397598.
Confronte-se-Alberto VIEI RA, ob. dt., quadros n.Q1 e 3.8-9-10.
F. C.M E , ob. cit,198; Manuei LOBO CARRERA. E/ Comercio Canario Ewopeo
840Fel@ 11, Funchal, 1W, 197.
'
inevitávela presença da comunidade italiana, nomeadaman#egenavw,
nos principaisportosde ambas as ilhas As reprewnteiqões em Li-
Cádiz de algumas casas ramificaram-se at8 aos portos do Fun-I, Las
e
Palmas e Santa Cruz de Tenenfe e, a partir dal, surgiu uma nova -da
c
negócios. de realçar a exist&nciaem a m k os arquip4lagos de agentw
"
ou familiares da mesma casa: os Adornos, Lomeliw, Justinianoq di
Negros, Salvam,Espindolas e Dorias Tcdavia não se dever8 q u e c e r
que não existe perfeita consonAncia entre a afirmaçAo da cuitura em
ambos os arquipélagos. As Canárias afirma-senum momento de crise do
mercado madeirense, podendo ser esta uma forma clara de acompa-
nharema evoluçãoda cultura e com8rcto. Acresce, ainda, que o oomdrcio
do açúcar madeirense esteve, quase sempre, sujeito a um apertado
sistema de controlo por parte da coroa, o que nao sucede nas CanBrias,
onde as operações estavam mais facilitadas 7. 'I
2. O rápido surto de desenvolvimento da Madeira na centúria
quatrocsntista, através da sua produção açucareira, gerou a cobiça dos
mercadores genoveses, que, por sentirem dificuldades nas tradicionais
rotas do Oriente, viam aqui um local ideal para continuar os seus negócios.
JA em meados da centona Cadamosto, um dos poucos venezianas que
aportou à Madeira, ao abordar a ilha ficara estupefacto com o grau de
progresso atingido, despertando-lhe interesse a prdspera produçáo
açucareira. Foi, na realidade, desde entao e, fundamentalmente, da
década de setenta que o açúcar ganhou uma posiflo dominante na
produçáoecom6rcioda ilha. É precisamenteapartirdalqueseidentifimn
os primeiros italianos na Madeira: Francisco Calvo, B. Lomelino e Antdnio
Splnola. São estes os primeiros que aparecem na ilha, atraidos pelo
combrcio do a~úcar.Depois seguiram-se, nas dBcadas seguintes da
centúrii, os Ddrii, Joáo Antdnio Cesare, João Rodrigues Castelhano e
COLOMBO E A ILHA
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9 b-7,;
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a cultura do açkar, gastaram quase toda a sua fortuna na gesta
dbtmbridora,ao serviço do infante D. Henrique, ao longoda costa af ricana
wi, de iniciativa particular, na direcção do Ocidente, correspondendo ao
repto lançado pelos textos e lendas medievais.
A outro nivel a ilha estava em condiçóes de propiciar ao navegador
as informaçdes consideradas imprescindlveis para o descobrimento das
t m s ocidentais. Note-se que este apelo do Ocidente é uma conse-
quência Idgica do reconhecimento dos Açores, ocorrido a partir de 1427,
todavia as ilhas mais ocidentais (Flores e C o m ) só em 1452 foram
pisadas por marinheiros portugueses. A sua entrada no dominio lusíada
deu-se por mãos de Pedro Vasquez de ia Frontera e Diogo de Teive em
1452, no regresso de uma das viagens para o Ocidente à procura das
ilhas miticas.
As ilhas açorianas, por serem as mais ocidentais sob domlnio
europeu at8 A viagem de Colombo, eram o paradeiro ida1 para os
aventureiros interessados em ernbrenhar-se na gesta descobridora dos
mares ocidentais. Desde meados do século XV, madeirenses e açorianos
saem,com assfdua frequhncia, busca de novas terras assegurando,
antecipadamente, a posse do que descobrissem por carta r8gia ". de c
notar que este interesse dos insulares pela descoberta das terras ociden-
tais é muito anterior a Colombo e persistiu após 1492. A primeira carta
conhecida é de 19 de Fevereiro de 1462, sendo a posse das novas ilhas
Lovo e Caparicae outras que iria descobrir, dadas ao João Vogado. Ainda
antes de 1492 temos outras concessões a Rui Gonçalves da Camara
(21 de Junho de 1473), Fernao Teles (28 de Janeiro de 1474), Fernão
Dulrno e João Afonso do Estreito (24 de Julho de 1486). Ap5s a primaira
viagem de Colombo nãio esmoreceu o interesse âos insulares por tais
viagens. A atestá-lo está0 as cartas concedidas a Gaspar Corte Real
(12 de Maiode 15001, João Martins (27 de Janeiro de 1501)e MiguelCorte
Real (15 de Janeiro de 1502).
O Ocidente exerceu sobre os ilhdus, madeirenses e açorianos, um
fasclnio especial, acalentado, ademais, pelas lendas recuperadas da
tradição medieval. Por isso mesmo, desde meados do século XV, eles
entusiasmaram-se com a revelação das ilhas ocidentais - Antlli,
S. Brandão, Brasil. No extenso rol de aventureiros anónimos que deram a
vida por esta descoberta, permitam-nos que referencie cs madeirenses
-*
mo& e pwammto dDs A çm Ponta Delgada, 1977) refere # cartas atribulda8 a JoBo
V
- (19de Fevereiro de 1462), Bonçalo Fernendes(29deOuiubrodel462),RuiQ o n w e s
da Câmara(21 de Janeiro de 1473), FemBo Teles (28de Junho de 1474 e 10 de Novembrode
7475 , FernBo Dulmo e J o b A h s o do EsWb (24 de Julho e 4 de Agosto de 1486).
Diogo de Teive, João Afonso do Estreito, Afansb &F:mã6 hmi@#& d~
A m . A. Ballesteros$P identifica este Úhimocomopi ârn
1484 v& a Lisboa pedir ao rei u m caravela para, W$unda &Wmb
Colomb, *ir a esta tierra que viam.
A estas iniciativas Isoladasacresce ta& uma t r a d i i üWWa e-
da&$ materiiis visiveis nas plagas insulares. A liieratura ma
cartografia mA i o aparecimentode &&rogos de madeirade drwmraa
costas das ilhas açorianas acalentavam a esperança da exist8mWde
terras a ocidente. Nas costas das ilhas açorianas do Fabi e GracWa
encalhavam alguns pinheiros, enquanto nas Flores davam h costa
cad8verescomfeiçbs dierentesdasâos cristãose dos negros. Tudo isto
levantavao fervor dos aventureiros que com assiduidadeviam-se perante
ilhasque nuncaexjstiram, A #décimailham,por exempb,nuncapassoude
uma miragem.
A cutta pertnanhncia de Colombo no Porto Santo e, depois, na
Madeira possibilitou-lhe um conhecimento das técnicas de n a w
usada pelos portugueses e abriu-lhe as portas aos segredos, guardados
na memória dos marinheiros, sobre a existência de terra a Ocidente.
Bartolome de Las Casas e Femando Colombo falam que o mesmo teria
r e c e b i das mãos da sogra =escritose cartas de marear* a.Ambos os
cronistas fazem do sogro um destacado navegador quatracentista. Tudo
isto não passa de criição para enfatizar a l i g a m de ambas a8 famllias.
Na verdade Bartolomeu Perestrelo,ao contrário de muitos genovwes ou
seus descendentes, não d referenciado nas crónicas portuguesas como
navegadors. Ele apenas B referemiadocomo capitãodo donatário da ilha
do Porto Santo, por carta de daação de Ide Novembro de 1448, e a
c o n d i de povoador da ilha acompanhou J o b Gor@ves Zarco e
T M o Vaz em 1419. Mesmo assim em sua casa podia ser posslvei a
presença de tais documentos. Mais importantes foram os elementos que
lhetem fornecido o seu cunhado PedmC d i , capitãoda ilha Graciosa
(Açores).Dai dedava conta de outras notlciaadasterras aporeanas,sem
esquecer os estranhos despojos que aportavam com assiduidade As
praias da ilha do Porto Santo.
Al, na Madeirae PortoSanto,ouviu Colo& hi6W e relatos doe
aventureiros do mar, teve acesso a provas evidentes da exktdncia de
0 8 ~ ~ y d ~ & A m Q r i e a , 2 v o l s . , 1945.
-mwdPLbts~vd.I,MQWI~ú, 1- WdaWAhimdoD#rClis~~
s e w l ã i p w ~ h @Moidoo,
, 1964.
* Esta s t
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u w id já real- por H m y HARRISSE, m o dov#tt
m, PPPIJS,i a q ~ e n r yVIQNAUO, H I ~ & la dp m m
-2ds., Paris, 1911; G e e t a n o F E A R O , A # ~ s ~ a n o ~ o n o
krdloq Uuboa, pp. 101-183.
terras ocidentais legadas pelascorrentes marítimas nas praias. Umdestes
vestlgiosfoia castanha do mar, mais popularmente conhecida como *fava
de Coiombo=.Por tudo isto 6 legitimo de afirmar que o navegador saiu do
aquipdlago, em data que desconhecemos, com a firme certeza de que
alga de novo poderia encontrar a Ocidente, capaz de justificar o seu
empenho e da coroa.
A ilha ficou-lhe no coração e nunca mais a esqueceu no seu afã
descobridor. Bastaram alguns anos de convlvio com os marinheiros
madeirenses, esporAdicas viagens ao golfo da GuinB, para ganhar o
alento, a sabedoria e os meios tecnicos necessádos para definir o plano
de traçar o caminho de encontro As terras Indicaspelo Ocidente: Cipango
(=Japão) era o seu objectivo.
Durante os cerca de dez anos que permaneceu em Portugal
Crist6vão Colombo acompanhoude perto as expedições portuguesas ao
longo da costa africana. O fasclniodo navegador pelo mar, conquistado no
Mediterrâneo como mrsáno ou comerciante,despertou-lheo apetite para
as navegaçóes atlanticas portuguesas. No momento em que se fixou em
Lisboa toda a tençao e azáfama estava orientada para o desbravamento
da extensa costa africana além do Bojador, conhecida como costa da
Guine. Nesta Qpocaera já conhecida e navegáveltoda a área costeira at8
ao Cabo de Santa Catarina, alcançado em 1474, no período do contrato
de Fernão Gomes.
Não obstante este espaço ser vedado a navegaçao de embarca-
çdes que não fossem portuguesas, os estrangeiros poderiam faz&-lo a
bordo e ao ssrviça de embarcações nacionais. Assim havia sucedido na
decada de cinquenta com Cadamosto e Usodirnare. Tal como o fez o seu
patrício Usodimara, Colornbo embarcou em caravelas portuguesas que
demandavam as costas da GuinB. Facto normal para um experimentado
marinheiro genovh, que na praia do Porto Santo ou na Madeira, acornpa-
nhava o vai e vem das nossas caravelas.
E de salientar que por muito tempo a Madeira foi eçcala obrigatória
das embarcações portuguesasque se dirigiam à costa africana. Tal facto
derivou de o Funchal ser o iinico porto seguro, avançado no Atlântico,
dispondo de excedentes de cereais e vinho, necess$rios a dieta de bordo
dos marinheiros. A par disso os madeirenses acalentavam, desde a
década de quarenta, a aventura das navegações africanas, tendo-se
empenhado nisso as principais famílias da ilha.
Por tudo isto é inevitável assixiar a viagem de Colombo A sua curta
estadia nas ilhas da Madeira e Porto Santo, onde contactou com a
realidade atlantica,adquiriuas necessdflastécnicas para se embrenhar na
aventura de buscadas terras ocidentais. O retornodonavegadorA ilha, em
1498, no decurso da terceira viagem, pode e deve ser entendido como o
seu reconhecimentoaos madeirenses.Aqui teve oportunidadede relatar,
aos que com ele acalentaram a ideia da exist&nciade terras a Ociente,
o que encontrara de novo.
O convlvio com as gentes do Porto Santo havia sido prolongado e
cordial pois em Junho de 1498, aquando da terceira viagem, não resistiu
h tentação de escalar a vila. A sua aproximaç80 foi considerada mau
pre&gio pois os pottossantenses pensavam estar perante mais uma
armada de cors8rios. Desfeito o equlwxxi foi rexbido pebs naturais da
terra, seguindo depois para a Madeira.
A 10 de Junho de 1498 a chegada do navegador ao Funchal foi
saudada apoteotkamente, como nos refere frei BaiiolomBde LE18 Casas,
o que provoca mais uma vez, a familiaridade com esta gentes e a
esperança que elas depositavam em tal empresa. O cronista remata da
seguintefomoambientedefestaqueoenvolveu: alefu4 hecho muibuen
recibimientoy muchafiesta por seralli muyconocido,quefu4vecinodeella
en algQntiempom *.
A EVOCAÇAO DE COLOMBO
N.a4709,14 Ouhibro.
"NP471f. 16O~t~br0.
" N.P307.13 Outubro, & d o para vlsltar eitposw de C h b w .
Reücs ot Coiumbus,Washington, 1833.
41 .Colomim (Cristbvlbb, vd. I, pp. 2itm.
Agostinho de Ornelas retoma essa temática, apresentando dados exclu-
sivoseabonatbrkx dessavincula@omlombinadacasadeJoão Esmeraido.
Entretanto para o Porto Santo, o administrador do concelho do Porto
Santo, João de Santana e Vasconcelos, afirmava em 1848 nos anais do
concelho que Colombo casara e residira na mesma ilha.
Passado0 momentofebrildascomemoraçóesde 1892o madeirense
despertou para Cobmbo surgindo, jA na nossa centúria, inúmeros traba-
lhos de erudiios locais a fundamentar ou questionar a presença desse
ilustre marinheiro na fase anterior ao acontecimento de 1492. Primeiro a
pena de João Reis Gomes remnstituiua ambidncia do perMo de estadia
de Colombo na Madeira,atravds do romance hist6tico *A Filha do Tristãio
das Damas. (1909), depois passada parateatro sob o tltula de .Guiomar
Teixeira* (1914). TambBm o P.* FernandoAug usto da Silva se preocupou
com a questao, reunindo extenso materialque podeser consultado no seu
espólio guarda do Arquivo Regionalda Madeira, de que resultouapenas
o breve apontamento no .~ElucidárioMadeirense* ". Entretanto em 1945,
Cayolla Zagallo numa conferencia realizada no I b u do Funchal virii a
apresentar a mais interessante perspectka sobre a questão, o que veio a
reforçar o interesse pela terndtica colombina 'O. Mas de todos, o mais
pol4mico foi o P.' Eduardo Pereira que desde a década de cinquenta se
preocupoucom a questão: primeiro põe em causa a moradia de Colombo
no Porto Santo, para defender, depois, de forma original, a vinculação
colombina da casa de João Esrnsraldo no Funchat e as tábuas pintadas
que foram descobertas em 1868 na casa defronte da de Colombo 50.
nessa arnbigncia que surgem os defensores da necessárii
reconstrução da referida moradia de Colombo no Funchal, sendo o seu
primeiroarauto o Visconde de Meireles Nessadata representava-se no
Funchal a peça =GuiomarTeixeira. e foi talvez inflamadocom as alusões
a Colombo que o mesmo teve essa genial ideia. Mas, não dstante os
apoios colhidos dentro e fora & ilha, a questão foi esquecida e só
recentemente com o afã preparativo das comemorações de 1992 assa
mesma ideia voltou ao convivi0 do público, s e m despertar mais uma vez
grande interesse.
A tradição imortalizou a passagem do navegador pelo arquipélago
atribuindo-lhe alguns vest igios materiais do patrim6nioarquitectónim. Da
casa cio Funchal apenas sobreviveramalgumasfotografias e as cantarias