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S100 ARTIGO ARTICLE

Acesso e acolhimento na atenção básica: uma


análise da percepção dos usuários e profissionais
de saúde

Primary health care access and receptivity to users:


an analysis of perceptions by users and health
professionals

Elizabethe Cristina Fagundes de Souza 1


Rosana Lúcia Alves de Vilar 1
Nadja de Sá Pinto Dantas Rocha 1
Alice da Costa Uchoa 1
Paulo de Medeiros Rocha 1

Abstract Introdução

1 Núcleo de Estudos em
This article is part of the evaluation study on A Estratégia Saúde da Família busca romper com
Saúde Coletiva, Universidade
Federal do Rio Grande do the Project for Expansion and Consolidation of paradigmas cristalizados e incorpora novo pen-
Norte, Natal, Brasil. the Family Health Strategy, conducted by the sar e agir na perspectiva de mudança e conversão
Center for Public Health Research at the Federal do modelo assistencial. Dessa forma, possibilita
Correspondência
E. C. F. Souza University in Rio Grande do Norte, Brazil, from a entrada de cenários, sujeitos e linguagens no
Departamento de March to December 2005. The study presents an âmbito da atenção à saúde com potenciais pa-
Odontologia, Núcleo de
assessment of primary health care access and ra reconstrução das práticas. Nessas, o cuidado
Estudos em Saúde Coletiva,
Universidade Federal do receptivity from the perspective of patients and deve considerar o princípio da integralidade e o
Rio Grande do Norte. health professionals, comparing traditional pri- usuário como protagonista. Pressupõem ainda
Rua General Gustavo
mary care units and family health units in three a presença ativa do outro e as interações subje-
Cordeiro de Farias s/n,
Natal, RN State capitals in Northeast Brazil. The method- tivas, ricas e dinâmicas, exigindo ampliação dos
59012-570, Brasil. ology included focus groups with content analy- horizontes da racionalidade que orienta tecnolo-
nesc@nesc.ufrn.br
betcris@terra.com.br
sis. The results identified increased access, but gias e agentes das práticas 1.
there is still a disproportion between potential Para Merhy 2, o serviço de saúde, ao adotar
supply, capacity to meet the demand, and dif- práticas centradas no usuário, faz-se necessário
ficulties with referral in both the family health desenvolver capacidades de acolher, responsa-
units and traditional primary care units. As an bilizar, resolver e autonomizar. Nesse sentido,
operational technology, receptivity is still under o trabalho em saúde deve incorporar mais tec-
construction in the family health units, with nologias leves que se materializam em práticas
varying levels of adherence to both the concept relacionais, como, por exemplo, acolhimento e
and the strategies for reorganizing daily work vínculo.
practices. Meanwhile, receptivity is totally ab- Este artigo é produto da pesquisa Estudo do
sent from the traditional primary care units. Cuidado Integral (Souza ECF, Vilar RLA, Rocha
The study suggests that qualitative analyses be NPS, Uchoa AC, Rocha PM. Natal: Núcleo de Es-
included in health assessment in order to better tudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal
explain the subjective aspects of the various ac- do Rio Grande do Norte; 2006), que é parte dos
tors. Estudos de Linha de Base – PROESF/Ministério
da Saúde, executado pelo NESC/UFRN (Rocha
Primary Heath Care; Heath Services Evaluation; PM, Uchoa AC, Souza ECF, Rocha ML, Escoda SQ,
Health Services Accessibility; User Embracement Rocha NSP, et al. Projeto de Expansão e Consoli-

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ACESSO E ACOLHIMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA S101

dação da Estratégia Saúde da Família (PROESF) tem inter-relação com a resolubilidade e extra-
– Estudo de Linha de Base: Lote 1 Nordeste (21 pola a dimensão geográfica, abrangendo aspec-
Municípios da Bahia, Ceará e Sergipe). Relatório tos de ordem econômica, cultural e funcional de
Final. Natal: Núcleo de Estudos em Saúde Coleti- oferta de serviços.
va. Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Em revisão sistemática da literatura, Moreira
2006), e destaca duas categorias: acesso e acolhi- et al. 13 analisaram 15 artigos publicados em pe-
mento. Considera-as como essenciais para o es- riódicos nacionais, entre 2001-2004, sobre acesso
tabelecimento de novas relações entre usuários, aos serviços de saúde. Entre eles, predominaram
profissionais e serviços de saúde, alicerçadas na análises de dados secundários relativos aos da
humanização e nos direitos de cidadania, com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
dinâmicas interativas e complementares. O re- 1998 (PNAD-1998), além de alguns trabalhos
ferido estudo avaliou potencialidades e desafios com base de dados primários (entrevistas e ob-
da integralidade do cuidado na Atenção Básica, servação direta). Entre as dificuldades referidas,
a partir da percepção de usuários e profissionais foram listados 28 aspectos agrupados em cate-
de saúde, tendo como referência o processo de gorias sócio-demográficas, culturais, indicadores
trabalho desenvolvido em unidades de saúde de de saúde em idosos e organização e planejamen-
capitais do Nordeste brasileiro. to das ações de saúde. Predominaram aspectos
Apesar da existência de estudos abordando relacionados a essa última categoria.
percepções e experiências vividas 3,4,5, não é usu- Ressalta-se, portanto, a importância da qua-
al a avaliação a partir de critérios subjetivos, com lificação do acesso, incluindo aspectos da orga-
base em estudos empíricos que busquem re-sig- nização e da dinâmica do processo de trabalho,
nificar vivências e valores e, ao mesmo tempo, considerando a contribuição e a importância de
ampliar o “sentido” de resultados para além de análises de vários aspectos (geográficos, sócio-
metas mensuráveis de desempenho. econômicos entre outros). No contexto atual de
construção do SUS, é fundamental que sejam po-
tencializados caminhos trilhados e experimen-
O acesso e o acolhimento na perspectiva tados, a exemplo da proposta de acolhimento,
do cuidado integral em saúde como diretriz operacional dos serviços de saúde.
Teixeira 11 identificou, em revisão da literatu-
Acesso e acolhimento articulam-se e se comple- ra, estudos com diferentes enfoques e sentidos
mentam na implementação de práticas em servi- de acolhimento, destacando os relacionados à
ços de saúde, na perspectiva da integralidade do Saúde Mental, Enfermagem e Organização dos
cuidado. Com a expansão e estruturação da ofer- Serviços. Pereira & Ayres 14, em análise da produ-
ta de serviços, durante o processo de construção ção bibliográfica sobre acolhimento relacionado
do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, em à organização e planejamento nos serviços de
que os municípios têm assumido a responsabi- saúde, identificaram que o acolhimento como
lidade pela atenção à saúde de seus munícipes, diretriz operacional passou a ser implantado, na
sobretudo, da rede de Atenção Básica, o debate década de 1990, em alguns sistemas municipais
sobre o acesso a essas ações e serviços ganhou de saúde, como experiências pioneiras em mu-
nuances qualitativas. nicípios brasileiros que buscavam implementar
As análises e alternativas de soluções para mudanças tecno-assistenciais com base no mo-
o problema de acesso, em bases estritamente delo “em defesa da vida”.
quantitativas, como número de atendimentos e Segundo Franco et al. 9, o acolhimento pro-
rendimento profissional, deslocam-se para ten- põe inverter a lógica de organização e o funciona-
dências que buscam qualificá-lo no ato da re- mento do serviço de saúde, partindo de três prin-
cepção do usuário. A questão não se restringe a cípios: (a) atender a todas as pessoas que buscam
quantas portas de entrada se dispõe, mas, sobre- os serviços de saúde, garantindo a acessibilidade
tudo, interroga-se sua qualidade 2,6,7,8,9,10,11. universal; (b) reorganizar o processo de trabalho,
Starfield 12 discute acesso e acessibilidade e deslocando seu eixo central do médico para uma
mostra que, apesar de serem utilizados de for- equipe multiprofissional; (c) qualificar a relação
ma ambígua, têm significados complementa- trabalhador-usuário a partir de parâmetros hu-
res. A acessibilidade possibilita que as pessoas manitários de solidariedade e de cidadania.
cheguem aos serviços, e o acesso permite o uso O acolhimento como diretriz operacional
oportuno dos serviços para alcançar os melhores apresenta-se como possibilidade de argüir o pro-
resultados possíveis. Seria, portanto, a forma co- cesso de produção da relação usuário-serviço
mo a pessoa experimenta o serviço de saúde. sob o olhar específico da acessibilidade sobre os
O acesso como a possibilidade da consecu- momentos nos quais os serviços constituem seus
ção do cuidado de acordo com as necessidades meios de recepção dos usuários, em que local,

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S102 Souza ECF et al.

em que circunstâncias, qual finalidade e resul- Em cada município (A, B, C), o trabalho de
tados 9,15. campo foi realizado em duas unidades de saú-
O acolhimento deve ser visto, portanto, co- de, uma unidade básica de saúde convencional
mo um dispositivo potente para atender a exi- e outra unidade de saúde da família. Em um dos
gência de acesso, propiciar vínculo entre equipe municípios com 100% de cobertura da Estraté-
e população, trabalhador e usuário, questionar gia Saúde da Família, a unidade básica de saúde
o processo de trabalho, desencadear cuidado foi substituída por uma unidade de saúde da fa-
integral e modificar a clínica. Dessa maneira, é mília com equipe ampliada (inclusão de outras
preciso qualificar os trabalhadores para recep- categorias profissionais além da equipe mínima
cionar, atender, escutar, dialogar, tomar decisão, financiada pelo Ministério da Saúde).
amparar, orientar, negociar 16. É um processo no A escolha das unidades baseou-se no reco-
qual trabalhadores e instituições tomam, para nhecimento, pela instituição (secretaria munici-
si, a responsabilidade de intervir em uma dada pal de saúde), como “padrão-ouro” (satisfação de
realidade, em seu território de atuação, a partir usuários; acesso; infra-estrutura; integração da
das principais necessidades de saúde, buscan- equipe e participação do usuário).
do uma relação acolhedora e humanizada para Utilizou-se a técnica do grupo focal com
prover saúde nos níveis individual e coletivo 17. usuários e equipes. Essa técnica valoriza a inte-
Esse processo exige metodologias participati- ração e estimula a conversa sobre assuntos que
vas, que considerem a negociação permanente poderiam ser embaraçosos, e visa aprofundar as
de conflitos na convivência diária dos serviços informações e entender comportamentos num
de saúde. determinado contexto cultural. Analisa como os
O acolhimento tem uma grande importância participantes desenvolvem, operam e expressam
na atenção básica de saúde e toma, como refe- suas idéias. É flexível, de baixo custo e exige pou-
rência, algumas de suas características, como co tempo de execução 18,19,20.
destaca Starfield 12: porta de entrada, integra- Em cada unidade, organizaram-se dois gru-
ção aos demais níveis do sistema, coordenação pos (usuários e equipe), num total de seis com,
do fluxo de atenção. Configura ainda como um em média, quinze participantes cada e duração
momento tecnológico com potencialidades para de cerca de uma hora. Os grupos ocorreram em
imprimir qualidade nos serviços de saúde 11, sen- área de atividades educativas da unidade (profis-
do reafirmado por Matumoto 15 que não se limita sionais) e em equipamentos sociais da comuni-
apenas ao ato de receber, mas se compõe de uma dade (usuários).
seqüência de atos e modos que fazem parte do O critério de inclusão da equipe foi a partici-
processo de trabalho, na relação com o usuário, pação na etapa anterior do Estudo de Linha de
dentro e fora da unidade. Base. Os usuários foram selecionados por sor-
A literatura aqui visitada reforça a importân- teio dos prontuários da área de abrangência das
cia do acesso e do acolhimento como categorias equipes (unidade de saúde da família) ou de área
potentes e estratégicas para o planejamento, próxima da unidade (unidade básica de saúde).
organização e produção de ações e serviços de Foi preestabelecido o número de vinte partici-
saúde. Configuram-se em elementos centrais de pantes, calculando-se perda entre cinco a oito e
qualificação da atenção à saúde, sobretudo no respeitando-se a participação voluntária.
contexto atual de sua expansão e reestruturação. Todo o material foi gravado e transcrito. O
Nesse sentido, é fundamental a avaliação de ex- material registrado foi sistematizado e catego-
periências como a Estratégia Saúde da Família a rizado para compor um banco de dados para
partir do olhar de profissionais e usuários sobre análise, considerando opiniões recorrentes e fre-
que acesso e que acolhimento estão sendo pro- qüentemente expressas, dissensos e consensos.
duzidos no cotidiano de suas práticas. Neste artigo, foram consideradas as categorias
Acesso e Acolhimento, por sua relevância na in-
tegralidade do cuidado.
Metodologia O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da UFRN, tendo cumprido todas
Este estudo faz parte dos Estudos de Linha de as exigências estabelecidas pela Resolução nº.
Base – Projeto de Expansão e Consilidação do 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Saúde da Família – PROESF/Ministério da Saúde,
executado pelo NESC/UFRN, como já referido
na introdução. Realizou-se em três capitais do Resultados
Nordeste, sendo duas metrópoles e um municí-
pio de médio porte, no período de setembro a O material empírico aqui apresentado foi siste-
dezembro de 2005. matizado nas categorias acesso e acolhimento e

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ACESSO E ACOLHIMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA S103

por tipo de unidade de saúde – unidade de saúde resultados, até para conseguir ser atendido na
da família, unidade básica de saúde convencio- unidade e na referência de consultas especializa-
nal e unidade de saúde da família ampliada – nos das e urgências. Destacaram ainda existir poucos
três municípios. Os resultados foram agregados profissionais para atender a população da área,
por aspectos destacados por usuários e profis- associando dificuldades à organização do traba-
sionais, de cada tipo de unidade, nos dois temas lho na unidade de saúde da família: “Falta espe-
referidos (Tabelas 1 e 2). Buscou-se identificar cialista; a clínica é maravilhosa, mas não dá para
percepções sobre modos de operar o processo atender todo mundo; se precisar de exame demora
de trabalho que caracterizam as formas de aces- muito” (usuário). “Aqui (...) dá uma ficha para
so e de acolhimento na rede básica, a partir de cada filho. Se uma cigana tem cinco, seis filhos, ela
diferentes configurações de serviços de saúde. A tem que ir a semana toda para cada dia levar um
unidade de análise foi o tipo de unidade básica filho” (usuário).
de saúde e manteve-se a diferenciação entre os Entre as dificuldades, foi consensual haver
municípios, na descrição, para valorizar a singu- melhoria em relação à situação anterior, não
laridade dessas realidades. precisar dormir na fila e ao reconhecimento do
trabalho de alguns profissionais.
Acesso No grupo com a equipe unidade de saúde
da família, a dificuldade com o sistema infor-
• Na unidade de saúde da família matizado foi o tema central da discussão: “A
dificuldade maior no TAS; passa até 6 meses”
No município A, os usuários da unidade de saú- (profissional). “Nem sempre a gente tem a sorte
de da família referiram dificuldades de acesso de sair marcado; geralmente fica ‘em análise’”
a exames, desde a demora para sua marcação e (profissional).

Tabela 1

Tema acesso: aspectos destacados nas discussões em grupos focais realizados com usuários e com profissionais de serviços de atenção básica – unidades de
saúde da família, unidade básica de saúde e unidade de saúde da família ampliada – em capitais do Nordeste brasileiro, 2005.

Unidade de saúde da família


Usuários Profissionais

- Dificuldades de acesso a exames - Dificuldades com o sistema informatizado


- Demora em ser atendido na unidade - Falta de medicamentos na farmácia
- Dificuldades de acesso a consultas especializadas - Demanda excessiva
- Filas virtuais para serviços de referência - Cultura do pronto-atendimento competindo com o agendamento
- Diminuição de filas - Dificuldade de acesso ao atendimento odontológico em
- Atuação dos agentes comunitários de saúde no agendamento de consultas casos de baixa cobertura populacional no município
como elemento facilitador de acesso a usuários de ações programáticas
- Falta de medicamentos na farmácia

Unidade básica de saúde convencional


Usuários Profissionais

- Demanda excessiva - Demanda excessiva


- Filas - Filas de espera prolongadas
- Marcação por computador não funciona
- Impessoalidade no primeiro contato

Unidade de saúde da família ampliada


Usuários Profissionais

- Dificuldades com o sistema informatizado para marcação de - Sistema informatizado como produtor de facilidades e de
consultas especializadas dificuldades de acesso
- Deficiência no suprimento de medicamentos

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Tabela 2

Tema acolhimento: aspectos destacados nas discussões em grupos focais realizados com usuários e com profissionais de serviços de atenção básica – unida-
des de saúde da família, unidade básica de saúde e unidade de saúde da família ampliada – em capitais do Nordeste brasileiro, 2005.

Unidade de saúde da família


Usuários Profissionais

- Descontentamento com a forma de agendamento na unidade - Pressão dos usuários pelo atendimento imediato
- Reclamações com a acolhida na recepção – insatisfação pelo - Estresse e cansaço na equipe por sobrecarga de trabalho
fato de não atendimento médico imediato - Elemento positivo na organização do processo de trabalho
- Melhor organização de filas - Compreensão mais ampla das necessidades de saúde dos usuários
- Modos diferentes de trato por diferentes profissionais - Atenção e trato diferenciados a partir das necessidades de saúde demandadas
- Momento de escuta restrito à recepção do usuário para triagem

Unidade básica de saúde convencional


Usuários Profissionais

- Ausência do tema na fala de usuários - Desconhecimento

Unidade de saúde da família ampliada


Usuários Profissionais

- Descontentamento de passar pelo enfermeiro antes de - Necessidade de adequar a teoria do acolhimento à prática cotidiana
ser atendido pelo médico do trabalho na unidade
- Boa acolhida dos profissionais - Escuta qualificada
- Má educação de alguns profissionais na forma de - Boa comunicação
atender as pessoas - Atenção permanente e o respeito às necessidades do usuário

A falta de medicamentos na farmácia bási- dade de saúde da família, a descrição de clientela


ca e a busca por pronto-atendimento para casos e o cadastro familiar se apresentaram como ei-
agudos (marcas da rotina do posto 24 horas que xo norteador do planejamento local da equipe.
fora desativado para dar lugar à unidade de saú- Entretanto, houve flexibilização quanto às deli-
de da família) ainda estão presentes na cultura da mitações geográficas e sociais que racionalizam
população: “A gente está no sufoco também por- o atendimento, com valorização dos aspectos
que havia um posto de emergência que fechou” referentes ao trato e à personalização no atendi-
(profissional). “Tem muitos casos agudos, que são mento. Por sua vez, os usuários, tanto na unida-
atendidos aqui como urgência” (profissional). de de saúde da família como na unidade básica
No município B, os profissionais da unidade de saúde do município B, referiram desconhecer
de saúde da família referiram vivenciar situações as razões da territorialização, destacando, para o
estressantes para dar conta do dilema de atender acesso, fragilidades na comunicação.
a excessiva demanda. Mesmo assim, aparece- “Eu queria só fazer uma pergunta: por que
ram soluções criativas que se expressaram em é que de primeiro a gente podia se consultar em
atitudes acolhedoras e colaborativas a exemplo todo posto e agora a gente só pode se consultar
de “verdadeiro mutirão” entre componentes da aqui?” (usuário). “Hoje amanheceu um filho meu
equipe, desempenhando várias funções para com febre e doente, muito doente, então eu preciso
equacionar demanda e acolhimento: “A agente da consulta. Eu venho aqui e não tem. Eu tenho
de saúde fica aqui até oito e meia pra conseguir que me sentar e esperar que tenha uma desistên-
ajudar, uma fica pesando, outra fica tirando a cia pra que meu filho seja colocado naquela vaga
pressão, a auxiliar do dentista anota, mas ela já pra conseguir a consulta” (usuário).
está fazendo o papel de auxiliar de enfermagem, Ainda na unidade de saúde da família, difi-
a gente bota todo mundo pra trabalhar” (profis- culdades de referência, principalmente a exames
sional). especializados e a hospitais, foram enfatizadas
Sobre acessibilidade, há dissensos entre pro- como de “responsabilidade do computador”,
fissionais e usuários. Para os profissionais da uni- com relatos de desfechos não desejáveis: “Teve

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um rapaz que teve um caso de estômago e procu- sócio-epidemiológico. Chamou atenção o fato
rou a unidade, ele marcou a consulta e botaram de o primeiro contato do usuário, na recepção,
na fila de espera. O sistema apagou o nome dele, e dá-se através de um microfone. Muitos recla-
ele perdeu a consulta. Ele voltou de novo, marcou maram que “ficam jogados à própria sorte” e
uma nova consulta. Nos seis meses saiu o papel que recebem informações através do “balcão de
dele e ele tava enterrado, morreu” (usuário). vidro”.
No município C, constatou-se que ainda exis- “Eu já fui marcada com meu marido, tem
tem muitas dificuldades de acessibilidade e aces- 5.900 pessoas na sua frente; nem marcou, porque
so devido à desproporção entre demanda e ofer- se ela tivesse marcado, eu já tinha uma chance
ta de serviços. Na unidade de saúde da família, dessas 5.900 irem diminuindo e eu ir chegando, aí
os usuários reconheceram fatores facilitadores, ela não marcou. Eu perdi, meu marido nunca fez
como marcação de alguns atendimentos pelo esse exame, porque não teve condições” (usuário).
agente comunitário de saúde. Entretanto, como No município C, a dificuldade de acessibi-
a equipe prioriza o agendamento para usuários lidade na unidade básica de saúde deveu-se à
vinculados a ações programáticas, parte da clien- grande demanda, predominantemente espon-
tela fica dependente de vagas e, devido à grande tânea, e expressa sofrimento para profissionais
demanda, persistem filas e insatisfação, na medi- e usuários: “O problema é conseguir ficha. Tem
da em que os problemas que chegam na unida- gente que dorme no posto, para não ter que sair
de sequer são resolvidos. Tal situação, em parte, de madrugada andando na rua; venho pedindo
foi atribuída ao número reduzido de médicos na a Deus misericórdia” (usuário). “A população é
unidade e à falta de especialistas. maior que o posto, então ele deveria ser feito para
“A equipe ser só para resolver tudo, dificulta comportar a necessidade. Falta médico!” (profis-
o acesso. A referência não funciona e não tem um sional).
suporte para equipe de alguns especialistas. A de-
manda é grande” (profissional). • Na unidade de saúde da família ampliada
A baixa cobertura em saúde da família, no
município C, com supressão de áreas contíguas, Na unidade de saúde da família ampliada, os
excluiu parte da população de uma mesma loca- usuários destacaram dificuldades com o siste-
lidade: “O bairro é um só, não tem que ter discri- ma informatizado, associando-as à demora nas
minação. Foi dito na unidade que eu estava fora, marcações e à deficiência no suprimento de me-
porque moro em local ‘fora da área’” (usuário). dicamentos, com repercussões no seu percurso
Os profissionais emitiram opiniões seme- pelos serviços.
lhantes às dos usuários, destacando a dificuldade “Inventaram esse tal do computador, não sei
de acesso ao atendimento odontológico, apon- nem pra quê, foi pior. O cara digita e diz não tem
tando número limitado de equipes e a baixa co- vaga não, e a gente fica dando viagem perdida”
bertura do programa: “O acesso para tratamento (usuário). “Desde a semana passada, venho no
dentário é difícil. Tentamos priorizar as pessoas posto para receber os comprimidos para pressão,
dentro da lista (...). Existe muita demanda para mas está faltando! Tomo três comprimidos por
tratamento odontológico” (profissional). dia, e a pressão não baixa. O médico nem olha,
diz que não tenho nada. Se você não pode me
• Na unidade básica de saúde dar 10 comprimidos me dê pelo menos três. É um
problema sério” (usuário).
Na unidade básica de saúde do município B, A equipe, durante as discussões, destacou os
acessibilidade foi percebida pelos profissionais demais aspectos diretamente relacionados ao
como de responsabilidade dissociada e externa seu processo de trabalho. As questões relacio-
ao cuidado, com ênfase nas normas institucio- nadas com acesso apareceram quando foram
nais e necessidade de ampliação no número de discutidas as dificuldades e facilidades naquela
especialistas; centrada no atendimento médico unidade de saúde da família, com destaque pa-
e na co-participação dos demais profissionais da ra problemas que interferem na continuidade
equipe na inserção “obrigatória” do usuário na do atendimento, como insuficiência de equi-
fila de espera. pamentos. Por outro lado, o terminal de aten-
“Então a dificuldade de todo funcionário que dimento em saúde foi referido como elemento
está aqui é de estar dizendo não (...) tem que ser que dificulta e facilita o acesso do usuário aos
muito bem explicado porque se não for é mal in- demais níveis de assistência: “Falta muita coisa;
terpretado (...). Porque a gente tem obrigação de falta uma balança pediátrica, não temos reunião
colocar na fila de espera” (profissional). com puericultura” (profissional). “O terminal de
Não foram identificadas evidências de prio- atendimento em saúde também trouxe benefício.
rização dos atendimentos por critérios de risco O exame laboratorial, você já resolve ali. O pro-

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S106 Souza ECF et al.

blema é quando o sistema pede para você expli- o acolhimento é de responsabilização quase que
car um exame de fezes” (profissional). exclusiva da atuação do agente comunitário de
saúde e dos profissionais do Serviço de Arquivo
Acolhimento Médico e Estatístico. No entanto, a equipe reco-
nheceu sua importância na relação com o usuá-
• Na unidade de saúde da família rio e afirmou desenvolver atenção e trato diferen-
ciados a partir das necessidades de saúde.
Na unidade de saúde da família, no município Os usuários reconheceram que os profissio-
A, os usuários mostraram-se descontentes com nais “dão um jeito” de incluí-los no atendimento.
o agendamento da unidade e a acolhida na re- Houve ainda uma diversidade de entendimentos
cepção: “O primeiro contato é com os moradores. sobre o que é acolhimento, referindo desde ativi-
A auxiliar vai perguntando a cada um qual o dades de coleta de exames, provavelmente locais
problema. A gente tem que expor o nosso proble- que se sentem mais acolhidos, até opiniões sobre
ma. Se a gente disser que é particular (...) faz o o tempo de espera na unidade, a organização de
agendamento para a enfermeira e a enfermeira filas e convocação para atendimentos.
atende e se for o caso encaminha para a médica” “O acolhimento que conheço, o que ela fala é
(usuário). “O povo que trabalha no balcão pre- a sala do peso, onde pesa, mede a pressão. Depois
cisa tratar melhor a gente. Eles têm que ter mais vai para o sistema do computador e a fila vai cha-
educação para tratar melhor a gente” (usuário). mando” (usuário).
A decisão de ser atendido pelo médico ser de No município C, a proposta de acolhimento
responsabilidade de outro profissional foi queixa ainda é uma prática em construção. Os profissio-
consensual no grupo. A fala seguinte é ilustrati- nais reconheceram sua importância, mas o con-
va: “Eu acho errado alguém decidir por nós. Uma ceberam como um momento de escuta restrito à
enfermeira não pode dizer se eu devo ou não ser recepção do usuário para triagem. Declararam a
atendido. Ninguém procura uma unidade se não existência de condições desfavoráveis para sua
tiver precisando” (usuário). realização, como a grande demanda e a sobre-
Para os profissionais, o acolhimento aparece carga de trabalho.
como um elemento importante para organizar “Acho que o acolhimento ainda não está bom,
a demanda e o processo de trabalho, mas exige a comunidade não se sente acolhida, não resolve-
muito esforço e dedicação profissional. A pres- mos todos os problemas” (profissional). “No aco-
são dos usuários pelo atendimento imediato e lhimento, temos dificuldade, todo usuário vem
a recusa de ser acolhido por outro profissional, buscar alguma coisa, até eles entenderem é difícil”
a exemplo do auxiliar ou enfermeiro, antes de (profissional).
chegar ao médico, refletem-se na equipe como Os usuários compartilharam tais opiniões,
estresse, cansaço e busca por solução. Muitas relacionando-as com dificuldades de acesso às
falas corroboraram o mesmo sentimento ma- consultas, em particular as odontológicas. Re-
nifesto no grupo de usuários quanto às dificul- lataram diferenças no modo como são tratados
dades de acolhida e de agendamento. “É im- na unidade pelos diferentes profissionais e rei-
portante uma porta de entrada para orientação, vindicaram um bom atendimento como direito.
resolve algumas coisas, mas é muito cansativo” “Uns atendem bem outros não. Tem uns que en-
(profissional). “Na verdade, o acolhimento não tra e nem olha para a cara do povo, não dão nem
é só saber o que ele veio fazer, mas saber porquê; bom dia. É obrigação tratar bem as pessoas com
então a gente escuta; é um momento de orienta- carinho e educação” (usuário). “Eu acho errado
ção” (profissional). alguém decidir por nós!” (usuário).
O acolhimento, para os profissionais, mes-
mo de difícil execução, tem ajudado a organiza- • Na unidade básica de saúde
ção do processo de trabalho e da demanda. Pro-
duziu, na equipe, uma compreensão mais am- Na unidade básica de saúde do município B, o
pliada das necessidades de saúde dos usuários tema acolhimento esteve ausente nas falas dos
que vão além da identificação nosológica dos profissionais e usuários, revelando que o mesmo
agravos e das carências correlacionadas, mui- não faz parte do cotidiano desses serviços. Fica-
tas vezes imperceptíveis numa abordagem fria ram evidenciadas dificuldades desde a chegada
restrita a sinais e sintomas. Esses, passíveis de ao primeiro acesso na unidade.
serem aliviados, momentaneamente, por gestos “Eu estou doente (...) não arranjei consulta e
de atenção e respeito, exigem ações para além marquei (...) pra outubro. Como é que eu posso
das possibilidades dos serviços de saúde. passar a minha vida aleijada até outubro? (...)
Na discussão com profissionais e usuários, Um posto tem que ter um atendimento diário (...)
na unidade de saúde da família do município B, pra olhar os que estão pior, os que estão melho-

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ACESSO E ACOLHIMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA S107

res” (usuário). “Primeiro, quando o usuário chega, é ridículo; a pessoa chega às 11 com urgência é
tem um alto-falante, antes de entrar na fila, já são atendido – existe acolhimento toda hora” (pro-
avisados se o médico vem ou não vem e quantas fissional). “O acolhimento é também na rua; no
fichas existem” (profissional). caminho da Unidade; e se ele chegou aqui alguém
Quanto à unidade básica de saúde do muni- o acolheu; alguém o acolheu, só não resolveu o
cípio C, o acesso à consulta ocorre por ordem de problema dele” (profissional).
chegada, com critérios burocráticos, sem prio- Alguns conceitos foram enfocados: escu-
rização de riscos. Acolhimento também não faz ta qualificada, boa comunicação, atenção per-
parte da agenda. As limitações para o acesso evi- manente e respeito às necessidades do usuário.
denciaram filas e insatisfações, em que parte da Ficaram evidentes conflitos internos à equipe e
população não consegue ser atendida nas suas baixa adesão de alguns profissionais, médico e
necessidades. Da mesma forma, expõem os usu- dentista.
ários a riscos comuns em grandes metrópoles,
ocasionando sentimentos de medo e de cons-
trangimento: “É muito perigoso vir para o posto Discussão
tirar ficha de madrugada. O vigilante fica tran-
cado dentro do posto, e não vê o que acontece fora Na análise dos municípios, foram identificadas
na fila. Tem gente que vende ficha. Sair de casa às variações quanto às dificuldades de acesso, apre-
2 horas da madrugada é difícil. Porque nós pe- sentando situações mais problemáticas naqueles
lo SUS temos que passar por esta humilhação?” com características de metrópoles (municípios B
(usuário). “Os funcionários prejudicam o aten- e C) onde a expansão de cobertura da estratégia
dimento, chegam de mau humor e maltratam as ainda é restrita e com áreas contíguas descober-
pessoas” (usuário). “Chegada: tem um livro com o tas, convivendo dois tipos de unidades na aten-
nome do profissional e toma o livro para ser aten- ção básica, sem diretriz organizacional comum.
dido a partir de 7 horas da manhã. As pessoas Nesses municípios, ainda que pese uma
chegam de madrugada” (profissional). incorporação inicial de atenção integral com
práticas de promoção e prevenção aliadas à as-
• Na unidade de saúde da família ampliada sistência, nas unidades de saúde da família, ain-
da prevalece o trabalho em saúde com moldes
Na unidade de saúde da família ampliada, o tradicionais, centrados na consulta médica, por
grupo de usuários revelou descontentamento meio da distribuição de fichas para demanda
em passar pelo enfermeiro antes de ser aten- aberta. Durante a pesquisa, ainda não se havia
dido pelo médico: “Aqui acho errado para ir ao conseguido eliminar filas, apesar de tê-las di-
médico ter que passar primeiro pelo enfermeiro. minuído em tempo e tamanho. Muitos usuários
O enfermeiro vai olhar primeiro se você vai se ainda deixavam a unidade de saúde da família
consultar com ele ou para o médico, que marca sem resolver seu problema. Entretanto, foram
para depois de 10 dias. Só se for urgente é que identificadas tentativas de atenuar esse proble-
vai ao médico se não for marca para outro dia” ma a partir de propostas locais de reorganização
(usuário). que buscam reverter a lógica do atendimento
A relação profissional-usuário foi percebi- de quem chega primeiro para aquele que mais
da como as formas de atender as pessoas, com precisa.
opiniões distintas, que variaram de uma boa Salienta-se que a valorização dessas experi-
acolhida até situações vivenciadas de mau tra- ências foi descrita em outros estudos 8,21 e signifi-
to. “Tem gente aqui se pudesse não olhava pra cam avanços na construção do cuidado integral.
gente. Lá no posto, já sou manjado. Ah, o enjoado Por outro lado, muitas vezes, a priorização dos
já vem aí ...” (usuário). “Já eu, sou muito bem casos passa a ser motivo de conflito de interesses
atendida. A médica é muito atenciosa e atende entre o individual e o coletivo e entre gerações, já
bem! Fora de série!” (usuário). que idosos e crianças têm lugar prioritário no cui-
A equipe da unidade de saúde da família dado. O conflito se acentua quando há demanda
ampliada expressou necessidade de adequar a reprimida, tendendo a crescer com a maior aces-
teoria do acolhimento à prática cotidiana. Veri- sibilidade aos serviços de saúde proporcionada
ficou-se, nas falas de alguns profissionais, espe- pela Estratégia Saúde da Família e pelos centros
cialmente agente comunitário de saúde e enfer- de saúde tradicionais sem a descrição de cliente-
meiro, adesão à proposta e também a busca por la. Os dois tipos de unidades concentram parte
melhor definição do que seria essa prática. das suas ações sem estruturação e suporte assis-
“... a gente aprende que toda pessoa da Uni- tencial adequados. Verificou-se a valorização de
dade pode fazer acolhimento; a principal peça do iniciativas para equacionar demanda organizada
acolhimento é escutar; (...) esse horário de 7 às 9 e espontânea e reduzir as idas às unidades co-

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S108 Souza ECF et al.

mo, por exemplo, a marcação realizada por agen- quais, a disputa de vagas é compartilhada pelo
tes de saúde. Nesse sentido, observou-se maior frio da noite e pelo medo da violência muito
avanço nas unidades de saúde da família. presente nas metrópoles. Além de parecer des-
No município de médio porte com estrutu- tino, as filas continuam motivo de reclamações
ração da atenção básica nucleada em saúde da e insatisfação para usuários das unidades bási-
família (equipes tradicionais e ampliadas), ob- cas de saúde.
servou-se melhoria em relação ao primeiro aces- A impessoalidade destacada nas unidades
so à unidade. Contudo, entre os usuários, ainda básicas de saúde no trato de profissionais com
persistia resistência à forma de organização do usuários adquiriu, nas unidades de saúde da fa-
trabalho, particularmente, ao agendamento para mília, a qualificação de descontentamento com
grupos prioritários e triagem para a consulta mé- a forma que usuários são (des)acolhidos por
dica. A fila de primeiro acesso às unidades deixou alguns profissionais, ressaltando o “saber tratar
de ser o problema central, mas outras filas consti- bem as pessoas” como necessário à formação
tuíram-se à medida que novas demandas têm se profissional, em especial, de quem trabalha na
acumulado na atenção básica, devido ao aumen- recepção. E também destacaram satisfação com
to da oferta de serviços no sistema e aumento da a acolhida de alguns profissionais, reconhecen-
demanda, associada à formação de um usuário do que é um ato de atenção e respeito. Nos as-
mais exigente e participativo. As novas formas pectos relacionais, no cotidiano, ficou evidente
de organização do trabalho com a introdução da que a organização do trabalho, nas unidades de
informatização no agendamento trouxeram “as saúde da família, vem construindo uma relação
filas virtuais” que foram referidas como motivos mais humanizada, com valorização da escuta,
de conflito da relação serviço-usuário. Contudo, embora ainda precise ser aprofundada. Atitudes
o problema de base reside nas dificuldades reais de respeito, atenção, gentileza foram valorizadas
de se oferecer respostas numa rede de cuidado pelos usuários. A descrição do trabalho de Ra-
que articule os diversos serviços de diferentes mos & Lima 3 também aponta essa direção.
densidades tecnológicas. Outro aspecto importante destacado pelos
Nas unidades de saúde da família desse mu- usuários das unidades de saúde da família foi
nicípio, o diferencial apareceu na natureza das quanto à dificuldade em aceitar que a decisão de
filas, que, quando existem, são momentâneas. acesso à consulta médica seja de outro profissio-
Nesse caso, ocorrem em dias de agendamento nal, numa manifestação clara de questionamen-
ou de forma virtual, no sistema informatizado. to ao processo de triagem e agendamento, reve-
Ainda foram ressaltados, pelos usuários, um lando percepção do cuidado centrada no médico
certo “privilégio” dos grupos prioritários, em em vez da equipe de saúde.
especial diabéticos e hipertensos. Isso demons- Apesar de o acolhimento ser, ainda, proces-
trou certa dificuldade em compreender crité- so em construção nas unidades de saúde da fa-
rios de seleção prioritária de atendimento na mília, os profissionais reconheceram que o mes-
organização do trabalho e, ao mesmo tempo, mo amplia vínculos e melhora a compreensão
expressou desejo de uma situação ideal em que sobre as necessidades dos usuários. Contudo,
“aquele privilégio” fosse extensivo para qual- a pressão da demanda se reflete em sobrecarga
quer cidadão. de trabalho, comprometendo agendas de ativi-
O acolhimento como diretriz operacional do dades grupais intra-equipe e com os usuários.
trabalho em saúde ainda é um processo em cons- Gera estresse e cansaço, ficando evidente que
trução nas unidades de saúde da família estuda- os profissionais carecem também de uma boa
das, de um modo geral, variando sua concepção, acolhida em seu processo de trabalho (capaci-
nível de inserção e estratégias de reorganização tações, salários, incentivos, espaços de escuta
cotidianas. No município A, também foi identi- pela gestão, níveis de autonomia no trabalho,
ficado diferencial em relação aos demais, dado o cuidado ao cuidador).
fato desse dispositivo fazer parte das estratégias No desenvolvimento da pesquisa, identifi-
de reorganização do modelo de atenção. cou-se ainda que o espaço dos grupos propicia
Nas unidades básicas de saúde, o disposi- interação entre os sujeitos – pesquisador e pes-
tivo acolhimento é desconhecido, estando au- quisados. Ao mesmo tempo, indicou pistas para
sente no vocabulário e nas práticas dos profis- o processo de institucionalização da pesquisa
sionais. Essa ausência se traduz num modelo avaliativa de serviços de saúde, que, além da fi-
tradicional de organizar a recepção, de forma nalidade de produção do conhecimento, pode
burocrática, de entrega de fichas e marcação ser utilizada como instrumento de gestão. Em
no balcão, não escapando qualquer usuário do todos os grupos, sobretudo de usuários, houve
destino das filas. Essas são agravadas pelo con- solicitação manifesta dessa atividade do grupo
vencional “dormir na fila” em madrugadas, nas focal ser realizada na rotina dos serviços.

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ACESSO E ACOLHIMENTO NA ATENÇÃO BÁSICA S109

Considerações finais redes assistenciais. Apesar de a sistematização


dos resultados ter priorizado o tipo de serviço,
Apesar de a ampliação da rede básica ter con- ficaram evidentes características singulares dos
tribuído para melhor acessibilidade geográfica, sistemas municipais de saúde, relativas à organi-
evidenciou-se desproporção entre oferta, capa- zação do processo de trabalho, oferta e cobertura
cidade de atendimento e demanda. Isso gera des- de serviços de atenção básica, à retaguarda es-
continuidade na atenção e no acesso a encami- pecializada e à regulação dos fluxos assistenciais
nhamentos, tanto nas unidades de saúde da fa- que repercutem diretamente no modo de operar
mília como nas unidades básicas de saúde. Desse de cada unidade de saúde.
modo, só é possível compreender as diferenças Por fim, acesso e acolhimento constituem-
nos modos de operar entre os diferentes tipos de se como desafios na construção do cuidado in-
serviços básicos de saúde a partir da forma de in- tegral e como elementos de fundamental im-
serção desses no sistema de saúde, em especial, portância para a gestão e avaliação de serviços
da articulação da atenção básica com as demais de saúde.

Resumo Colaboradores

Este artigo é parte da pesquisa avaliativa do Proje- E. C. F. Souza, R. L. A. Vilar, N. S. P. D. Rocha e A. C. Uchoa
to de Expansão e Consolidação da Estratégia Saúde contribuíram na concepção e desenho do estudo, co-
da Família, desenvolvida pelo Núcleo de Estudos em leta de dados, análise e interpretação dos dados, e na
Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Gran- redação do artigo para submissão à publicação. E. C. F.
de do Norte entre março e dezembro de 2005. Trata-se Souza realizou tabém a revisão e normalização do texto
de avaliação de acesso e acolhimento na atenção bá- para submeter à publicação. P. M. Rocha contribuiu na
sica, a partir de percepções de usuários e profissionais comcepção e desenho do estudo, e na redação final do
de saúde de unidades básicas de saúde e unidades de artigo.
saúde da família, em três capitais do Nordeste brasi-
leiro. Foi utilizada técnica de grupo focal com análi-
se temática. Nos resultados, identificou-se ampliação Agradecimentos
do acesso, com desproporções entre oferta potencial,
atendimento à demanda e dificuldades de referência. Este artigo é resultado de parte de pesquisa financiada
O acolhimento como tecnologia operacional é um pro- pelo Acordo de Empréstimo nº 7105-BR, entre o Gover-
cesso em construção, variando nas unidades de saúde no Brasileiro, por meio do Ministério da Saúde, e o Ban-
da família em níveis de concepção e estratégias de re- co Mundial, realizada pelo Núcleo de Estudos de Saúde
organização cotidiana do trabalho, e inexistente nas Coletiva (NESC), Universidade Federal do Rio Grande
unidades básicas de saúde. A partir da realização deste do Norte. Agradecemos às instituições que viabilizaram
estudo, recomenda-se incluir análises qualitativas em sua operacionalização e também a Leni Trad (Institu-
avaliação em saúde, por possibilitar maior valor ex- to de Saúde Coletiva/Universidade Federal da Bahia),
plicativo aos aspectos subjetivos dos atores envolvidos. pela consultoria no desenho do estudo; aos usuários e
profissionais que participaram dos grupos focais; aos
Atenção Primária à Saúde; Avaliação de Serviços de gestores municipais e coordenadores da atenção básica
Saúde; Acesso aos Serviços de Saúde; Acolhimento dos municípios estudados pelo apoio durante a pesqui-
sa de campo; a Sônia e Costa pelo apoio administrativo;
e aos demais colegas pesquisadores do NESC que com-
partilharam outros estudos da pesquisa.

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Recebido em 22/Fev/2007
Versão final reapresentada em 27/Jul/2007
Aprovado em 06/Ago/2007

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24 Sup 1:S100-S110, 2008

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