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fluxos,
dados,
imagens:
a visualização
de dados no
contexto das
estéticas
tecnológicas
paula cardoso pereira Florianópolis, 2009
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Comunicação e Expressão
Departamento de Expressão Gráfica
Graduação em Design Gráfico
fluxos,
dados,
imagens
a visualização de dados Paula Cardoso Pereira
no contexto das estéticas
tecnológicas Monografia apresentada à disciplina de
Trabalho de Conclusão de Curso, na graduação
em Design da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito parcial para a
obtenção do grau de bacharel.
Trabalho de Conclusão de Curso [egr 5010] aprovado como requisito parcial para
obtenção de grau de Bacharel em Design — Habilitação em Design Gráfico, Centro
de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina.
A visualização de dados não é algo completamente novo. Ela guarda relações com
a cartografia, os gráficos estatísticos e, mais, recentemente, com os infográficos. No
entanto, o surgimento dos chamados novos meios e a apropriação da categoria por
designers e artistas expandiu os horizontes conceituais da categoria, redefinindo-a
como uma forma cultural e simbólica da sociedade informacional, do pensamento
complexo e dos desafios que as poéticas tecnológicas trazem para a sensibilidade e a
imaginação criadora. A relação quase simbiótica com a tecnologia é uma marca que
não somente caracteriza e condiciona o processo de produção e a configuração final
de tais objetos, como torna a visualização de dados um campo que atualiza e é atua-
lizado pelas relações existentes entre arte e tecnologia.
1 apresentação 5
2 contextualização 8
3 visualização de dados 13
3.1 Histórico 14
3.1.1 Visualização de dados na modernidade 22
3.1.2 Visualização de dados na pós-modernidade 26
5 perspectivas 74
5.1. Questões decorrentes 75
5.2. Diagnóstico 81
5.3 Conclusões 84
6 bibliografia 86
01
01 apresentação
02 contextualização
visualização
03 de dados
estado atual
04 da arte
05 perspectivas
06 bibliografia
Este trabalho é o resultado de uma incursão inicial de descobrimento e pes- 7
quisa dentro do universo da visualização de dados.
A motivação para empreender uma exploração acerca de imagens e projetos tão fas-
cinantes e complexos possui mão dupla.
Por um lado, houve um impulso inicial para entrar na temática: ele foi decorrência
de ter contado com a rara possibilidade de participar durante um ano, como estudan-
te de graduação, na condição de intercambista internacional. A instituição receptora
foi a FADU (Faculdade de Arquitetura, Design e Urbanismo) da UBA (Universidade de
Buenos Aires).
Poderia-se dizer que nessa estadia fora do país tive a oportunidade, dentro de
âmbitos acadêmicos, de entrar em contato e vivenciar um contexto de trabalho onde
esses referenciais já se encontram relativamente naturalizados. Nesse sentido, é pro-
pósito não menor deste trabalho compartilhar com o ambiente acadêmico local, e
mais especificamente no contexto do Curso de Design da Universidade Federal de
Santa Catarina, projetos que ainda encontram-se relativamente distantes desta rea-
lidade, sobretudo do ponto de vista reflexivo.
Por outro lado, está o fato constatável de que o surgimento da visualização de
dados começa a ganhar visibilidade e presença, tanto em objetos de design gráfico
de circulação cotidiana quanto em sites e eventos dedicados exclusivamente à sua
divulgação.
Esse foi o marco referencial motivador para realização do TCC. Mas deve ficar cla-
ro que, longe de iniciar um discurso crítico a respeito da temática, o que aqui se pro-
põe é a investigação e documentação das possibilidades, fundamentos e lógicas do
objeto em questão, antes que estes se tornem invisíveis.
Considerando a complexidade e ineditismo dos projetos que vem sendo desen-
volvidos na área, optou-se por selecionar como objetos de estudo deste trabalho a
apresentação de três desses projetos de visualização de dados. Além da qualidade
dos referidos projetos em si, esta escolha se considerou conveniente porque assim
procedendo seria possível aprofundar o entendimento do processo de concepção
destes e delinear a discussão sobre as implicâncias decorrentes da inserção das no-
vas tecnologias para o imaginário criador e para a sensibilidade dos sujeitos partici-
pantes deste contexto.
A alternativa a esse encaminhamento, que seria a de ter realizado um estudo de
caso aplicativo, foi descartada pelo incontornável reducionismo conceitual que teria o
trabalho que pudesse ser feito, na escala e tempo disponível para realização de um TCC.
A apresentação e análise aqui formuladas respeito da visualização de dados, le- 8
vam implícita considerá-la como forma cultural própria da cultura contemporânea,
e um evidenciador do modelo de mente e de mundo que já se acham intrínsecos nos
projetos apresentados.
O contexto no qual empreende-se a investigação e a observação concreta de pro-
jetos desenvolvidos permite também assinalar a possibilidade da emergência de
uma nova categoria estética, a saber, a infoestética.
O trabalho se estrutura em cinco partes ou capítulos. Além desta “Apresentação”
e há um capítulo inicial de “Contextualização”, seguido de “Visualização de Dados”.
Ele se encontra subdividido no tratamento de três períodos históricos significativos,
complementado por um destaque sobre esclarecimentos conceituais ou glossário.
Em “Estado atual da arte” traça-se um panorama geral sobre a categoria contempo-
raneamente, apresenta-se os três projetos antes indicados; A última parte, “Perspec-
tivas” refere-se às discussões decorrentes do surgimento da Visualização de Dados
na relação arte x técnica e nas sensibilidades contemporâneas, além das conclusões
do presente trabalho.
02
01 apresentação
02 contextualização
visualização
03 de dados
estado atual
04 da arte
05 perspectivas
06 bibliografia
Tornou-se praticamente corriqueiro atualmente que teóricos sociais, econo- 10
mistas e políticos digam que vivemos a “era da informação”. O termo come-
çou a ser utilizado por volta dos anos 60, quando a revolução da tecnologia da infor-
mação tornava perceptíveis suas primeiras nuances. Tal revolução viria a “remodelar
a base material da sociedade em ritmo acelerado” (CASTELLS, 2003, p. 40), a ponto de
demarcar para alguns o começo de um novo período histórico, com uma dinâmica
diferenciada da predecessora sociedade industrial.
A fonte de produtividade no modo industrial reside na introdução de novas fon-
tes de energia e na capacidade de descentralização do uso de energia ao longo dos
processos produtivos e de circulação. Aquilo que Castells (2003) denominou “Socie-
dade Informacional” tem como fonte fundamental de produtividade e poder “a ge-
ração, o processamento e a transmissão da informação devido às novas condições
tecnológicas surgidas nesse período histórico”.
Se a definição do termo, e sua imediata assimilação, não são das tarefas mais
fáceis, a experiência de viver em tal contexto talvez aponte caminhos que ajudem
a identificar as características de dita sociedade informacional, no que concerne à
presença maciça da informação no cotidiano.
As notícias chegam em tempo real, assim como as atividades relacionadas ao
processamento da informação, ganham cada vez mais espaço e nomenclaturas, além
de modificarem substancialmente diversas áreas profissionais relacionadas direta
ou indiretamente com a informação: os enciclopedistas voluntários da Wikipedia es-
creveram em seis anos mais de sete milhões e quinhentos mil artigos, multiplican-
do por aproximadamente 268 vezes a extensão da Enciclopédia Britânica1. Não seria
exagero dizer que nos encontramos “afogados” em informação. E que tal movimento
está longe de perder o fôlego.
Para Manovich (2006), o acesso à informação deixou de ser uma forma básica
de trabalhar, para passar a ser também uma nova categoria chave da cultura. “Em
consequência, demanda que o tratemos teórica, estética e simbolicamente” (MANO-
VICH, 2006, p. 282).
Mas quando se fala em “revolução da tecnologia da informação”, a que se está fa-
zendo referência específica? Que fatos estão relacionados a esse redesenhar e recom-
binar das bases materiais da economia, sociedade e cultura, em ritmo tão intenso?
Pode-se dizer que os três principais campos, intimamente relacionados e respon-
sáveis por tal revolução tecnológica, são a microeletrônica, os computadores e as te-
lecomunicações.
1 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikp%C3%A9dia
Foi durante a Segunda Guerra Mundial e no período subsequente que se deram 11
as principais descobertas tecnológicas em eletrônica: o primeiro computador pro-
gramável e o transistor2, fonte da microeletrônica, o verdadeiro cerne da revolução
da tecnologia da informação no século XX. Porém, foram os anos 70 que marcaram a
verdadeira difusão da tecnologia da informação.
A microeletrônica causou “uma revolução dentro da revolução” ao transformar a
própria tecnologia da informação em curso: “o advento do microprocessador em 1971,
com a capacidade de incluir um computador em um chip, pôs o mundo da eletrônica
e, sem dúvida, o próprio mundo, de pernas para o ar” (CASTELLS, 2003, p. 79).
As telecomunicações também foram transformadas nesse período e sobretudo
nos anos 90, promovendo um aumento da capacidade das linhas de transmissão.
Talvez o mais revolucionário meio tecnológico da Era da Informação, e o que
colaborou de forma mais significativa para o pleno sentido do termo Informacio-
nalismo foi a criação da Internet, em 1983, cuja aparição e desenvolvimento foram
consequência “[…] de uma fusão singular de estratégia militar, grande cooperação
científica, iniciativa tecnológica e inovação contracultural” (CASTELLS, 2003, p. 82).
Foi a emergência da vida em rede, do estar-no-mundo conectado.
A junção de todas essas transformações, como se sabe, viria a mudar
Um conceito que ajuda a sintetizar e definir a paisagem que aos poucos se foi de-
lineando é o de cibercultura, que pode ser compreendida como a forma sociocultural
resultante da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias
de base microeletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações
com a informática na década de 70. Se a modernidade pode ser caracterizada como
uma forma de apropriação técnica do social, a cibercultura será marcada por diversas
formas de apropriação social-midiática da técnica (LEMOS, 2003).
É importante lembrar que não foi apenas a revolução da tecnologia da informa-
ção a responsável pelas principais mudanças culturais que ocorreram nas últimas
2 A invenção do transistor, em 1947, possibilitou o processamento de impulsos elétricos em velocidade rápida e em modo
binário de interrupção e amplificação, permitindo a codificação da lógica e da comunicação com e entre as máquinas: esses
dispositivos têm o nome de semicondutores, mas comumente são chamados de chips.
décadas. A partir anos 80 e também nos anos 90, presenciou-se uma mudança geral 12
nos paradigmas científicos que convergiram para uma abordagem epistemológica
complexa do mundo3.
O pensamento complexo na verdade é muito mais um método para a compreen-
são da realidade e da diversidade, do que uma teoria com princípios específicos. Tais
ideias, sobretudo se contextualizadas na atual dinâmica da economia globalizada e
na interconexão múltipla, enfatizam a “[...] dinâmica não-linear como método mais
proveitoso de entender o comportamento dos sistemas vivos, tanto na sociedade,
como na natureza” (CASTELLS, 2003, p. 111).
Com o advento da Internet, as formas de interação com a informação fizeram-se
muito mais palpáveis na vida cotidiana. Para Jannis Kallinikos (apud MARIÁTEGUI,
2008) existem características próprias da informação na época da Internet como a
auto-referencialidade, a interoperabilidade, e seu caráter efêmero.
A primeira destas características nos indica que cada vez que se manipula infor-
mação requeremos gerar mais informação. Isso se evidencia no uso do metadado,
quer dizer, a informação sobre informação. Uma segunda característica se encon-
tra no potencial da informação ao interoperar-se com outros tipos de informação,
criando híbridos a partir de fontes de informação desconectadas. Finalmente, possi-
velmente a mais ressaltante destas características está ligada à curta vida da infor-
mação, quer dizer, sua conformação social como um produto altamente descartável.
A informação financeira, o monitoramento em tempo real de operações, os sinais de
tráfego são particularmente sensíveis a esta curta vida (MARIÁTEGUI, 2008).
A dificuldade de assimilar e dar sentido à quantidade de dados nos quais se en-
contra submerso o sujeito contemporâneo, cresce junto às memórias e capacidade de
processamento dos computadores, à ubiquidade da vida conectada, e à velocidade e
instantaneidade das mudanças.
Trata-se de um movimento que só tende à expansão e complexidade, cujas conse-
quências estão transformando não somente as máquinas e o conhecimento acumu-
3 Tôrres (2005) pontua três passos cruciais para o surgimento da Teoria da Complexidade: primeiro a publicação dos ar-
tigos de Einstein que abalaram os alicerces da física newtoniana mostrando que o Universo não é composto somente de
matéria, mas também de energia; a segunda grande mudança veio com a Física Quântica. Ao estudar as partículas suba-
tômicas, os físicos quânticos descobriram que no interior dos átomos existe muito mais espaço vazio do que matéria. Eles
descobriram, também, que a matéria não existe em pontos físicos determinados, o que há são possibilidades de existência.
A matéria não tem consistência em si. O que dá consistência à matéria são as conexões entre seus componentes, são os
relacionamentos. A Física Quântica mostra também, que o observador faz parte da realidade observada; A terceira grande
mudança foi a descoberta e decodificação do DNA por James Watson e Francis Crick, que veio mostrar que o que impulsiona
o universo, por meio de todas as transformações e da manifestação de todas as formas de vida, é a informação. Essas três
primeiras mudanças culminaram com a quarta grande mudança do século XX: em meados dos anos 60, surgiram estudos
sobre Teoria do Caos, Fractais, Teoria das Catástrofes e Lógica Fuzzy, dentre outras, que em conjunto levam o nome de
Teoria da Complexidade.
lado de uma sociedade, mas também as formas de representação e subjetividades 13
próprias destes tempos.
Os sistemas complexos que se tornaram super complexos, o fácil acesso à infor-
mação em tempo real, redes de sensores, câmeras de segurança. Todos esses fatores
exercem pressão nos tipos de imagens que a cultura humana já desenvolveu e por
fim cria a necessidade de desenvolvimentos de novos tipos de imagens (MANOVICH,
2002). Ao reflexionar sobre a influência das características da atual sociedade infor-
macional na iconografia típica de tal tempo e na própria cognição humana, incom-
patível com um acúmulo tão grande de informação, Manovich (2005) escreve:
01 apresentação
06 bibliografia
3.1 Histórico 15
De um modo bastante genérico, se poderia dizer que a história da visualização de da-
dos divide-se em dois grandes capítulos: o primeiro vai dos primórdios da cartografia,
passando pela invenção dos gráficos estatísticos e chega até os anos 80; o segundo
inicia-se nesse período e é chamado por alguns de “renascimento da visualização de
dados”1. Este renascer foi alavancado pelo desenvolvimento de softwares e sistemas
de computador altamente interativos e de fácil manipulação. A visualização intera-
tiva de dados e os métodos de visualização multidimensional deixaram suas marcas
também.
Flusser (2007) define que existem duas formas de mediação entre os homens e
os fatos: o pensamento linear e o pensamento em superfície. Um está ligado primor-
dialmente à tradição escrita e o outro à produção de imagens; um é unidimensional,
o outro bidimensional.
(...) a diferença entre ler linhas escritas e ler uma pintura é seguin-
te: precisamos seguir o texto se quisermos captar sua mensagem,
enquanto na pintura podemos apreender a mensagem primeiro e
depois tentar decompô-la. Essa é, então, a diferença entre a linha
de uma só dimensão e a superfície de duas dimensões: uma almeja
chegar a algum lugar e a outro já está lá, mas pode mostrar como lá
chegou (FLUSSER, 2007, p. 105).
1 Há autores que inclusive consideram que a visualização de dados só inicia na década de 80 sua história.
A linguagem esquemática será a principal forma da visualização de dados cons- 16
truir seu “idioma” ao longo dos tempos.
Os primeiros exemplos que se conhece daquilo que seriam “os ancestrais” da vi-
sualização de dados correspondem a diagramas geométricos, tabelas de posições das
estrelas e de outros corpos celestes, e a execução de mapas para ajudar na navegação
e na exploração. No século XVI, junto à expansão marítima europeia, técnicas e ins-
trumentos para observação precisa e medições de grandezas físicas foram desenvol-
vidos.
Por volta do ano de 366 a.C. estima-se que foi elaborado o que se pode denominar
como o primeiro mapa de rotas, representando o sistema de caminhos do império
Romano.
Figura 1: Mapa de rotas do Império Romano, elaborado por volta de 366 a.C.
Figura 2: Imagem que descreve as inclinações das órbitas planetárias em função do tempo, pro-
duzida por volta de 950 d.C.
No ano de 1375 foi elaborado um Atlas mundial conhecido como o Atlas de conhe-
cimentos geográficos visuais mais completo dos últimos anos da idade média. Este
exemplar reúne, em visual deslumbrante, cosmografia, calendário perpétuo e repre-
sentações temáticas do mundo conhecido. O Atlas foi uma encomenda de Carlos V da
França (1338-1380) ao catalão Abraham Cresques (1325-1387).
18
Figura 4: Seqüência visual que representa as mudanças das manchas solares com o passar do
tempo, elaborada por Christopher Scheiner, em 1626.
Para muitos autores, William Playfair (1759-1823), um engenheiro político e eco- 20
nomista, foi o inventor dos gráficos estatísticos ao publicar em 1786, em Londres, um
Atlas Político Comercial que continha 43 time-series2 e gráficos de barras. Aparente-
mente foi o criador dos gráficos de linha, gráficos de barras e gráficos circulares. O
Atlas foi descrito como o maior trabalho que continha gráficos estatísticos até então,
e ainda hoje continua sendo um marco, já que o método gráfico predominante para
representação da relação entre dados e tempo eram até então as tabelas.
O período que vai de 1860 a 1890 é denominado por alguns de Era de Ouro das Esta-
tísticas (FRIENDLY; DENIS, 2001). Conecta-se com a ascensão do pensamento estatístico
e da prática de coleta de dados para o planejamento e comércio durante o século XIX, e
também com os avanços nas tecnologias para desenho e reprodução de imagens.
O método gráfico foi oficialmente reconhecido e aceito nas publicações como um
elemento adicional de informação, ainda que muitos economistas e políticos criti-
cassem tal método alegando falta de rigor científico.
O primeiro passo para o crescimento da representação visual de da-
dos foi o estabelecimento, na Europa, de oficinas estatísticas. Isso
evidenciou um reconhecimento da importância crescente da infor-
mação estatística para o planejamento social, a industrialização, o
comércio e o transporte (PONTIS, 2007).
2 Time-series é o termo com que Tufte (2001) descreve as tipologias gráficas de linha de tempo.
Uma outra forma de reconstruir essa trajetória é pensá-la como a história das 21
ferramentas desenvolvidas para aumentar a cognição humana.
Datam deste período alguns trabalhos que viriam tornar-se clássicos da visua-
lização de dados, como a Carta Figurativa desenvolvida por Charles Joseph Minard
(1781-1870), um engenheiro francês, em 1869, representando o avanço das tropas de
Napoleão e a emblemática derrota deste ao invadir a Rússia em 1812. Tufte o conside-
ra como sendo “possivelmente o melhor gráfico estatístico de todos os tempos” (TUF-
TE, 2001, p.40) pela quantidade (e efetividade) de variáveis que consegue representar
numa mesma superfície bidimensional.
Figura 6: Carta Figurativa desenvolvida por Charles Joseph Minard, em 1869, que representa o
avanço das tropas napoleônicas e sua derrota ao invadir a Rússia em 1812. Tornou-se um clássico
da visualização de dados por conseguir representar de forma simples uma grande quantidade
de variáveis.
3 Um pictograma é um símbolo que representa um objeto ou conceito por meio de desenhos figurativos que pretendem ser
auto-explicativos e universais. A sinalização de locais públicos e a infografia utilizam largamente esse recurso.
4 Infográficos ou infografia são representações visuais de informação. Esses gráficos, por meio de ilustrações, diagramas
e textos, detalham uma série de informações que somente o recurso textual não seria capaz de transmitir. São frequente-
mente utilizados em jornais, revistas e outras publicações de caráter científico, educacional ou técnico, e tendem a máxima
eficiência na transmissão de informação.
24
Figura 9: Infográfico de Otto Neurah e Gert Artz que relaciona produção e quantidade de arte-
sãos e de operários fabris na Inglaterra entre 1820 e 1880.
5 Entre o fim dos anos de 1920 e o começo de 1930 a equipe de Neurath era formada por 25 pessoas, divididas em três gru-
pos: os coletores de dados, os “transformadores” e os artistas gráficos, como eram chamados. A fase inicial do processo era
feita pelos coletores de dados que eram economistas, historiadores e especialistas em estatística. Em seguida os “transfor-
madores” organizam e editavam a informação coletada, Twyman (1975) descreve estes últimos como editores visuais, que
eles precisavam conhecer o dados coletados e ter a capacidade de projetar a configuração final dos elementos, embora não
tivessem necessariamente o conhecimento para finalizar o processo. O estágio final ficava ao encargo dos artistas gráficos,
que desenhavam os símbolos e as artes-finais. (LIMA, 2008)
6 O novo mapa para o metrô foi apenas uma das medidas da política de design corporativo tomada pela London Transport
no início do século XX. Sendo uma empresa formada a partir da fusão de 165 companhias, antes separadas e idependentes
(FORTY, 2007), era preciso transmitir a ordem de um sistema agora unificado e moderno.
área central e reduzia a distância entre as estações das áreas perifé-
26
ricas. (FORTY, 2007, p. 315)
Figura 10: Mapa do metô de Londres, desenvolvido por Henry Beck, em 1931 . Propunha uma nova
forma de representação esquemática em lugar da representação geográfica exata predominan-
te até então.
7 Ao usar este termo, Santaella (2007) em seu artigo As imagens no contexto das estéticas tecnológicas, refere-se às “[...]
condições propiciadas pelos aparelhos, dispositivos e suportes tecnológicos que, desde a invenção da fotografia até os hibri-
dismos permitidos pelo ciberespaço e pelas invenções tecno-científicas contemporâneas, de modo cada vez mais vertigino-
so, vêm ampliando e transformando as bases materiais e os potenciais dos modos de produção estéticos”.
tre os múltiplos itens e na detecção de tendências específicas (LAU; MOERE, 2007). 28
Ao converter os conjuntos de dados em representações gráficas através de me-
táforas que tornam visíveis padrões e relações entre os elementos deste conjunto,
a visualização de dados surge como uma saída para auxiliar a cognição humana a
dotar de sentido o caos informacional que a rodeia.
8 Não é nenhuma coincidência que o surgimento da visualização de dados como campo autônomo tenha acontecido na
mesma década da emergência da “sociedade informacional” e da popularização dos meios digitais.
tante tempo são utilizados em jornais ou noticiários televisivos. Ou também, com 29
os tradicionais mapas de metrô das grandes cidades. Mas o exercício imaginativo e
associativo se torna menos óbvio quando o volume de dados mapeados não possui
associações geográficas ou físicas diretas9. Como seria, por exemplo, a aparência de
uma visualização de emails de spam? Ou do ciberespaço? Como se poderia represen-
tar as dinâmicas da bolsa de valores com mais riqueza visual e complexidade do que
simplesmente através de gráficos estatísticos?
Nos meios que se dedicam ao presente tema, nem sempre há consenso na termi-
nologia adotada. A própria denominação visualização de dados, que tem-se utilizado
ao largo do trabalho não é unânime, dando lugar, muitas vezes, ao termo visualiza-
ção de informação. Faz-se, portanto, fundamental para pensar o objeto central deste
trabalho, por questões de clareza, diferenciar informação e dados e explicitar porque
priorizou-se o uso do primeiro termo.
Porat (apud CASTELLS, 2003) define que “informação são dados que foram organi-
zados e comunicados”.
Utilizando a noção que se têm na ciência, dados podem ser entendidos como
Essa distinção será crucial nas análises de projetos de visualização de dados pre-
sentes neste trabalho. Sendo materializados a partir de dados, tais projetos envolvem
9 Serão denominadas de “visualizações científicas” as visualizações cujos dados possuem uma existência física: satélites,
visualizações geográficas e meteorológicas, etc. O resultado desse processo possui, portanto, as “marcas” da realidade pre-
sentes em sua superfície.
inevitavelmente seu lado “complementar”, qual seja, a informação. Porém, se verifica 30
que frequentemente os trabalhos artísticos de visualização de dados possuem uma
resistência interna a se tornarem informação. Existem nesses casos prioridades ou-
tras que não a comunicação inteligível e a clarificação de uma mensagem contida
nos dados – ou ao menos resta a liberdade de optar por outras prioridades.
Entendendo, portanto, a informação como os dados não somente organizados e
tornados visíveis, mas envolvidos no processo de comunicação – que pressupõe um
observador – será dada preferência ao uso de visualização de dados em detrimento
à visualização de informação, ainda que o segundo termo seja relativamente mais
frequente nos canais de discussão e divulgação de projetos desta natureza.
A visualização de dados é capaz de transformar dados em informação. Mas não
necessariamente. Desse modo, está se referindo ao processo de transformar uma
massa abstrata de dados numa representação visual.
3.2.2 Mapeamento
Outro termo que merece atenção — não por suscitar divergência no emprego que
se dá a ele, como era o caso anterior — mas porque ocupa um lugar importante no
campo da visualização de dados, é o mapeamento.
Manovich (2002) define que o mapeamento é a tradução de uma forma de repre-
sentação a outra. Para o autor, a visualização pode ser considerada como um subcon-
junto particular de mapeamento no qual um conjunto de dados é mapeado em uma
imagem. Mapear, significa portanto, aplicar um conjunto de regras pré-definidas
aos valores numéricos e textuais contidos no conjunto de dados. Tipicamente, cada
elemento do conjunto de dados corresponde à uma única entidade visual, como um
ponto, uma linha, um polígono ou um objeto tridimensional. Cada entidade visual
é então manipulada (posição, direção, cor, tamanho, forma) de acordo com valores
específicos que representa no sistema. (MOERE, 2009)
Justamente porque os conjuntos de dados não possuem uma forma visual intrín-
seca, é necessário criar uma metáfora para traduzir esses valores em uma represen-
tação (MOERE, 2009). No mapeamento é que se definem os parâmetros da visualiza-
ção. A partir de um banco de dados abstrato, são estabelecidas relações, hierarquias,
escolhe-se o que será visualizado e como o será. São, enfim, as regras que permitem
que um conjunto de dados torne-se visível.
04
01 apresentação
02 contextualização
4.1 Panorama geral
4.2 Novos meios visualização
4.3 Projetos em desenvolvimento
03 de dados
4.3.1 I Want you to Want Me, a multiplicidade narrativa
4.3.2 Writing without words, literatura como organismo estado atual
4.3.3 House of Cards, tudo são dados 04 da arte
4.4 Caminhos
4.4.1 Transubstancialidade
05 perspectivas
4.4.2 Linguagem
4.4.3 Democratização
06 bibliografia
4.1 Panorama geral 32
A partir dos anos 40 se inicia um processo chamado por alguns pesquisadores
de Renascimento da Visualização de Dados (FRIENDLY; DENIS, 2001), durante o qual
ocorreram mudanças que contribuiram para a atual fase da disciplina.
Na França, Jacques Bertin (1918 -) publicou a obra “Semiologia Gráfica” (1963), que
converteu-se rapidamente no livro essencial para organizar elementos da percepção
visual e gráfica, de acordo às características e relações contidas nos dados, desenvol-
vendo uma teoria sobre os modos de representação e símbolos gráficos.
Nos Estados Unidos, John Tukey (1915 - 2000), na sua publicação “O futuro da
análise de dados” realiza uma chamada para o reconhecimento da análise de dados
como um ramo legítimo da estatística, distinto das estatísticas matemáticas. Em
seguida, ele inicia a invenção de uma ampla variedade de novas, simples e efetivas
maneiras de expor dados, sob a denominação “Análise exploratória de Dados”. Estas
inovações gráficas, somadas à influência de Tukey no meio estatístico, fizeram com
que os gráficos de dados se tornassem mais reconhecidos e relevantes.
Mas de fato, seria o advento da revolução digital — parcialmente descrita em
parágrafos anteriores — desencadeada com o surgimento do primeiro computador,
em 1944, mas cuja definitiva consolidação se daria nos anos 80, a que viria a transfor-
mar profundamente o status e a própria natureza da visualização de dados.
Tal transformação deve-se, em parte a fatores intrínsecos aos objetos dos meios
digitais, como a interatividade e a representação numérica, facilitando de sobrema-
neira o processo de transformar um conjunto de dados em uma imagem.
Manovich (in LEÃO, 2005) defende que se trata de um estágio significativamente
distinto em relação às visualizações precedentes
Figura 11: Conceito do “mapa de árvore” (treemap) de Ben Shneiderman, implementado por
Brian Johnson, 1990.
Figura 12: Exemplo de nuvem de tags. A recorrência das palavras-chave é indicada por seu tamanho.
1 Uma tag é uma palavra-chave (relevante) ou termo associado com uma informação (ex: uma imagem, um artigo, um
vídeo) que o descreve e permite uma classificação da informação baseada em palavras-chave. (fonte: Wikipedia)
35
Figura 13: Oriente Médio: quem apóia o cessar-fogo imediato? O infográfico acima foi publicado
na primeira página do jornal inglês “The Independent”, durante a crise do Oriente-Médio em
julho de 2007.
Figura 14: Virtual water (2007). Infográfico do designer alemão Timm Kekeritz que apresenta o
gasto de água na produção de alimentos.
36
Figura 15: News map (http://newsmap.jp/). Interface de navegação na internet que organiza vi-
sualmente as notícias do Google News, destacando as mais lidas por tamanho e classificando-as
por cor. Cada cor corresponde à uma temática, podendo-se escolher quais se quer visualizar. As
diferentes tonalidades no mesmo grupo de cores indica a atualidade da notícia (quanto mais
clara, mais recente). O usuário pode ainda escolher que editorias quer monitorar e quais países
incluir. Colocando-se o mouse sobre a manchete pode-se ler o início da notícia e com um clic se
tem acesso à notícia completa em sua fonte de origem.
2 http://www.media.mit.edu/
3 http://www.research.ibm.com/
4 http://infosthetics.com/
5 http://www.visualcomplexity.com/vc/
nem cada vez mais projetos, usuários e visibilidade, inclusive fora da Internet. A ex- 37
posição “Design and the Elastic Mind”, realizada em 2008 no MoMA (Museo de Arte
Moderna de Nova York)6 tinha a visualização de dados como uma de suas categorias.
Ao descrever o caráter e o modo pelo qual se acede à informação na sociedade
atual, em contraponto a outras épocas, Manovich declara que “se as culturas tradi-
cionais ofereciam às pessoas narrações bem definidas (mitos e religião) e pouca in-
formação solta, hoje em dia temos muita informação e demasiado poucas narrações
que possamos ligar entre si”. (MANOVICH, 2006, p. 282)
Transformando dados abstratos em informação cognitivamente assimilável atra-
vés de narrativas imagéticas, os projetos de visualização fascinam tanto pelas histó-
rias que fazem surgir quanto pelas imagens que ilustram essas histórias.
São as franjas estéticas da tecnologia que brotam de sua exuberância, algo trans-
bordante, inútil para os propósitos da ciência, mas insistente na beleza com que pre-
mia os nossos sentidos. Uma estética que nasce da capacidade tradutória cada vez
mais sutil das tecnologias para trazerem as abstrações inteligíveis à superfície epi-
dérmica dos sentidos. (SANTAELLA, 2007)
Figura 16: Ben Fry, Isometric Haplotype Blocks (2001). Visualização interativa do genoma de mais
de 500 pessoas.
6 A exposição reunia projetos que destacavam a especial habilidade do design de apreender mudanças na tecnologia, ciên-
cia e história — que consequentemente requerem adaptações ao comportamento humano decorrente deste cenário — e
traduzir isso em objetos.
38
Figura 17: Fernanda Viégas, History Flow (2003), transforma em visualização dinâmica de dados
os documentos e as interações de múltiplos autores colaboradores na criação e evolução de um
artigo da Wikipedia.
Figura 18: Moritz Stefaner (2009). Visualização do fluxo de informação na ciência. Eigenfactor.
org é um projeto de pesquisa acadêmica não-comercial patrocinado pelo laboratório Bergstrom
do Departamento de Biologia da Universidade de Washington. Eigenfactor classifica revistas
assim como o Google classifica sites, criando uma vasta rede de citações. Eigenfactor usa a es-
trutura de toda a rede (em vez de meramente informações de citações locais) para avaliar a
importância de cada revista.
39
Figura 19: Kevin Boyack, John Burgoon, Peter Kennard, Dick Klavans, W. Bradford Paley (2006),
Mapping Scientific Paradigms. O mapa foi construido ao classificar cerca de 800.000 artigos aca-
dêmicos (mostrados como pontos brancos) em 776 paradigmas científicos diferentes (pontos
vermelhos redondos), baseados na frequência com que artigos foram citados juntos com outros
autores de outros artigos.
7 Na verdade, Poetry on the Road é o nome de um festival literário que acontece todo ano em Bremen, Alemanha. Desde
2002, Boris Muller é o designer responsável pela identidade visual do festival. O projeto exposto acima é referente ao festi-
val de 2006. Apesar de que o tema sempre muda, a estratégia para elaboração da identidade é sempre a mesma: todas as
gráficas são geradas por um programa de computador que transforma textos em imagens. Cada imagem é a representação
direta de um texto específico.
41
Figura 20: Boris Muller, Poetry on the Road (2006). O conceito para desenvolvimento da ima-
gem acima foi baseado numa velha técnica de codificação textual. Como Muller explica: “Nós
assignamos um valor numérico para cada letra do alfabeto. Assim, cada palavra era uma soma
numérica. (Por exemplo, o número 99 representaria a palavra ‘poesia’). Usando esse sistema,
todo o poema pode ser organizado num caminho circular. O diâmetro de cada círculo é baseado
no comprimento do poema. Os poemas mais curtos ficam no centro do poster, enquanto os mais
longos na parte externa. Os círculos vermelhos que permeiam a imagem representam um nú-
mero. Como várias palavras podem partilhar o mesmo número (‘poesia’ corresponde ao número
99, assim como ‘pensamento’ e ‘letras’), muitos círculos representam simultaneamente dife-
rentes palavras. Finalmente, as linhas cinzas conectam as palavras do poema em sua sequencia
original. Assim, as linhas mais grossas representam padrões repetitivos do poema.”
Figura 18: Ben Rubin, Mark Hansen, Listening Post (2000). Listening Post analisa todo o texto
digitado, por dezenas de milhares de pessoas em salas de chat em todo o mundo, capturando
fragmentos. Apresenta-os em seis diferentes “movimentos”, cada qual com um arranjo visual e
sonoro diferente, seguindo uma lógica própria no tratamento dos dados. No primeiro movimen-
to, por exemplo, Listening Post monitora e exibe um texto digitado aleatoriamente começando
com “eu sou”.
Baseado no mesmo princípio do Listening Post, mas com um enfoque um pouco 43
distinto, o projeto We feel fine, de Jonathan Harris e Sep Kamvar é um software que
rastreia a internet de dez em dez minutos, buscando em blogs frases que contenham
as expressões “sinto-me” ou “estou me sentindo” e é intitulado pelos próprios autores
como “uma exploração das emoções humanas”. O pequeno espião poético aproveita
a viagem e captura também (se houver disponível) alguma imagem e informações
básicas do post como local, horário e sexo de quem escreve. As frases e expressões,
assim como as possíveis fotos associadas, são transformados em pontinhos de di-
ferentes cores e formas que dançam na tela e reagem ao clique do mouse “...como
pequenos organismos unicelulares que carregam vidas concentradas...” (MINI, 2009).
Ao clicar em um desses pontos, uma frase é destacada. É possível ler ali o “sentimen-
to” de alguém. “Um fragmento com essa qualidade [...] tem a propriedade de nos co-
nectar instantaneamente com uma outra vida, com as angústias, compromissos ou
amores de um outro ser” (MINI, 2009). Nas palavras de Jonathan Harris & Sep Ka-
mvar na apresentação do site do projeto “Em sua essência, We feel fine, é uma arte de
autoria de todos”. A imagem aqui funciona, no sentido de que fala Maffesoli (1995),
como um sentir coletivo, um vetor de comunhão com os outros.
44
Figura 19: Jonathan Harris, Sep Kamvar, We feel fine (2006). A interface para esses dados é um
sistema auto-organizado de partículas, onde cada uma representa um sentimento único, posta-
do por um único indivíduo. As propriedades das partículas - cor, tamanho, forma, opacidade - in-
dicam a natureza do sentimento, podendo-se clicar em qualquer dos pontos para revelar a frase
completa ou fotografia que contém. Pode-se ainda, escolher distintos eixos para visualizar as in-
formações (sentimento, idade,local, data, tempo, gênero). We Feel Fine pinta estas imagens em
seis movimentos formais intitulados: loucura, murmúrios, colagem, massas, métrica e pilhas.
Figura 20: Alex Dragulescu, Spam Architecture. As imagens da série Spam Architecture são ge-
radas por um programa de computador que aceita como input emails de spam. Vários padrões,
palavras-chave e ritmos encontrados nos textos são traduzidos em modelagens tridimensionais
que, definitivamente, não são lixo, mas que, ironicamente, preservam o incômodo trazidos pelos
spams nas formas inquietantes. Dragulescu adiciona mistério a essa “mágica” transformação ao
não revelar qual a correspondência entre o banco de dados e a visualização.
Criar uma obra nos novos meios, então, pode entender-se como a construção de
uma interface a uma base de dados. Diferentemente do que ocorria em grande par-
te das criações artísticas, onde o artista fazia uma obra única em um determinado
suporte, e portanto interface e obra eram o mesmo, nos novos meios o conteúdo da
obra e a interface são coisas distintas, possibilitando a criação de diferentes inter-
faces para o mesmo material. Uma interface pode apresentar diferentes versões da
mesma obra ou mesmo diferirem-se tão completamente a ponto de configurarem
novas obras. Pode-se formular, portanto, que “o objeto dos novos meios consta de uma
ou mais interfaces a uma base dados de material multimídia” (MANOVICH, 2006, pg.
293, grifo do autor). Se se constrói apenas uma interface, o resultado será similar
ao objeto artístico tradicional, mas essa tem sido mais uma exceção do que a regra.
Grande parte das obras dos novos meios obedecem a um princípio de variabilidade, 49
não são algo fixo, mas podem existir em versões potencialmente infinitas.
A base de dados, ao mesmo tempo em que se converte em centro do processo
criativo, traz consigo um modelo de mundo, manifesta-se enquanto forma cultural. É
nesse sentido que Manovich propõe seu entendimento como forma simbólica repre-
sentativa do pensamento contemporâneo.
Figura 21: Espectadores interagindo com as telas touch screen na exposição realizada no MoMA,
em 2008.
Figura 22: Distintos modos de interação entre os balões e detalhe das silhuetas que representam
cada indivíduo e dos “perfis” selecionados. Silhuetas na parte superior seguram placas que indi-
cam idade, gênero e preferência sexual.
I Want You to Want Me conta com seis movimentos: Who I Am (Quem sou eu),
What I Want (O que quero), Snippets (Fragmentos), Matchmaker (Casamenteiro) e Bre-
akdowns (Analisar).
Who I Am mostra sentenças que começam com “Eu sou”, com os balões voando
livremente pelo céu; What I Want mostra frases que começam por “Estou buscando”,
enquanto um grande coração que pulsa é formado; Snippets consiste em 3 maneiras
distintas de dispor os balões: Openers, Closers e Taglines. Openers exibe os perfis se
abrindo, com os balões em forma de um rebentamento de flores; Closers mostra os
perfis formando um grid; Taglines mostra-os em forma de espirais de DNA.
53
I Want You To Want Me abre-se a várias interpretações. A mais óbvia — e não me-
nos encantadora — é vê-lo como uma interface que permite mergulhar por alguns
instantes nos sonhos, desejos e angústias de pessoas que expõem fragmentos de si
na rede, como uma espécie de mosaico emocional. Ainda que há que se ter em mente
que, em última instância, são aos relatos construídos por essas pessoas a que se têm
acesso na verdade; ou ainda um exemplo de como os indivíduos fazem uso da tecno-
logia para modular sua identidade.
Pode-se pensar também no paradoxo da liberdade que a Internet instaura: ao
mesmo tempo em que se apresenta como o ambiente da diversidade, da multiplici-
dade, da interconexão, cujo controle de navegação e direcionamento é em certo grau
dado pelo usuário, é também um meio profundamente controlado, onde é possível
coletar dados de um modo silente e insidioso.
Configura-se também um testemunho de como a socialização das subjetivida-
des tornou-se uma forma essencial de agregar memórias culturais e que termina
por modificar os conteúdos imagéticos produzidos nesse contexto.“De uma maneira
provisória, pode-se dizer que o mundo imaginal10 é causa e efeito de uma ‘subjetivi-
dade de massa’ que, progressivamente, contamina todos os domínios da vida social.”
(MAFFESOLI, 1995). Propondo o mundo contemporâneo como um “mundo imaginal”,
Figura 27: Acima: Múltiplas camadas, fragmentos, conexões se revelam como um mosaico emo-
cional. Abaixo: Dados sobre a pessoa selecionada ou grupo que informam sobre o gênero, a opção
sexual e a faixa etária (esquerda) e possibilidades de escolha da condição metoreológica (direita),
ambos localizados no topo da tela.
Figura 28: Andreas Gursky, Gursky’s May Day V, 2006 (esquerda) e Sé, São Paulo, 2002 (direira).
Pode-se até pensar que tais resultados são fruto de uma espécie de “inabilidade”
das imagens para representar o geral e o particular satisfatoriamente de um modo
simultâneo. Mas, e se essa limitação for resultado das técnicas de representação que
os artistas tinham a seu dispor? Seguindo esse raciocínio, seria o modelo figurativo
e as técnicas para organizar e visualizar dados de distintas maneiras, possibilitada
pela “natureza elástica” do banco de dados e recursos interativos, condições para que
as representações artísticas possam relacionar o individual e o social sem necessida-
de de que um se submeta ao outro? Ao que tudo indica, sim.
No caso de I Want You To Want Me, ao mesmo tempo em que os fragmentos de 58
perfis são transformados numa espécie de paisagem sentimental sob a forma de hé-
lices de DNA ou revelem padrões de comportamento, é possível explorar na ponta
dos dedos os detalhes das experiências individuais, que se adentre na particularida-
de de cada solidão e busca por amor. De forma limitada e direcionada, claro, mas ain-
da assim, pode-se dizer que o particular e o geral são apresentados simultaneamente,
sem que um seja sacrificado em detrimento ao outro (MANOVICH, 2007).
O mapeamento (codificação que define como os dados serão visualizados) defini-
do por Harris possui algo a que se poderia denominar diversidade uniforme (WHI-
TELAW, 2008). Todos os balões são ontologicamente iguais, mas variam dentro de
eixos e parâmetros fixos. De certa forma, o modo como são visualizados os dados
exprimem um senso idealístico de igualdade. Todos os perfis dessa história aberta
e fragmentária são únicos, mas ocupam o mesmo lugar hierarquicamente. Todos
possuam as mesmas chances de emergirem da totalidade e se tornarem visíveis em
sua singularidade ou na relação que estabelecem com os demais.
As narrativas tecidas pelos personagens-autores dos trabalhos de Harris eviden-
ciam sensibilidades e relações sociais contemporâneas; elas podem oferecer insights
“a respeito de quem somos, o que nos preocupa, como nos sentimos, como nos com-
portamos, geralmente revelando aspectos nossos que ainda não percebemos” (HAR-
RIS; KAMVAR, 2009) . São, como ele mesmo intitula, um modo de contar histórias.
Mas o são segundo o modelo narrativo advindo com os novos meios: não linear, frag-
mentário, aberto; no qual cada espectador pode vivenciar a obra a sua maneira.“A
abertura, a imprevisibilidade e a multiplicidade são dadas na obra como tais e como
tais devem ser decodificadas” (MACHADO, 2000).
Tais narrativas, destinadas à navegação e à imersão de um espectador-usuário,
“não diminuem o papel do autor, somente o tornam mais complexo e difícil” (MA-
CHADO, 2000). O que Harris constrói, na verdade, são as condições para que a expres-
sividade humana que se manifesta em espaços como blogs ou sites de relacionamen-
tos revele-se e seja experimentada.
O que faço é criar sistemas que têm limites, ainda que caóticos e
abertos dentro desses limites. Dessa forma, cada pessoa que acessa
meus sistemas os experimenta do seu próprio jeito. Em vez de apre-
sentar conclusões sobre o mundo, eu estou mais interessado em
produzir sistemas que levam as pessoas a desenhar suas próprias
conclusões sobre ele (HARRIS apud MINI, 2009).
4.3.2 Writing without words11, literatura como organismo 59
Stephanie Posavec, formada em Artes, Master em Design e ilustradora da célebre edi-
tora Penguin Books, possui uma particular obsessão: dedica horas a explorar textos
de novelas famosas tal qual uma dissecadora, demarcando territórios temáticos e es-
truturas linguísticas e contando aquilo que ninguém parece preocupado em medir. A
partir disso obtém dados para compor aquilo que costuma chamar de “organismos li-
terários”, mapeamentos que demonstram a complexidade contida no aparentemen-
te simples e exploram as possibilidades de visualizar um texto sem utilizar palavras.
Esse empenho está posto em classificar cada parte do texto e iluminá-lo a partir
de novos ângulos, revelando uma beleza que, segundo Posavec, já estava ali contida.
“O que quero é capturar a vida e a vibração que há dentro de uma peça literária. Um
texto não são apenas palavras em uma página, é algo vivo, que respira, sai do papel
e te toma a cabeça enquanto lês. Quero mostrar como uma novela tem suas células,
como um vegetal ou um animal, e que em seu corpo, tal como passa com os seres
vivos, há beleza” (GARCÍA, 2009)
Apesar de ter escolhido o livro On The Road, de Jack Kerouac, como objeto de visu-
alização, a metodologia e codificações desenvolvidas por Posavec, em teoria, podem
ser aplicados a qualquer peça de literatura; um sistema que possibilita evidenciar
semelhanças e diferenças nos estilos de escrita de vários autores baseando-se em
critérios como estrutura, pontuação, palavras por sentença.
Os diagramas apresentam visualmente o espaço literário de Kerouac em peças
que fascinam não apenas pela qualidade estética, mas também pelo rigor e precisão
presentes na sua concepção: uma meticulosa exploração da literatura como espacia-
lidade e do livro como um organismo vivo.
O sistema de peças é codificado por cores, de acordo com 11 temáticas e persona-
gens que transpassam obliquamente On The Road e tecem uma rede de conexões e
recorrências. Em apenas um golpe de vista se pode ver em que partes da trama o au-
tor decidiu dedicar-se a retratos regionais, em quais pôs-se a escrever sobre viagens,
jazz, trabalho, amor ou sexo.
Ainda que seja bastante marcante a racionalidade operativa presente no proces-
so da obra, esta presentifica-se aos sentidos em abstrações exuberantes fruto de uma
sensibilidade apurada.
Figura 29: As marcações realizadas diretamente no livro foram o passo inicial para a realização
do projeto.
Figura 32: Detalhe de Desenho das Sentenças (acima) e Comprimento das Sentenças (abaixo).
64
Figura 35: Cada linha do diagrama circular representa uma palavra. Palavras com ênfase no texto
original são representadas por linhas mais espessas. Pausas no ritmo das sentenças são repre-
sentadas por variados espaçamentos de acordo com a duração da pausa criada pela pontuação.
67
21 Refere-se ao modelo cromático (RGB) utilizado nos meios digitais e que é utilizado como paleta no videoclipe.
Estes projetos confrontam o espectador à imanência enquanto forma e conteúdo, 74
à multiplicidade de relações, à estrutura como potencial, latente, emergente. Nesse
sentido, tornam-se uma espécie de afirmação auto-referente da sociedade interco-
nectada, complexa e dinâmica.
05
01 apresentação
02 contextualização
visualização
03 de dados
estado atual
04 da arte
5.1 Questões decorrentes
5.2 Diagnóstico
05 perspectivas
5.3 Conclusões
06 bibliografia
5.1. Questões decorrentes 76
Se há uma discussão cujo desfecho parece não ser marcado por consensos é aquela
que diz respeito ao estatuto da técnica e sua intervenção no fazer artístico numa épo-
ca em que o domínio do digital e da mediação tecnológica na produção de imagens
parecem ser a tônica que prevalece. Entre os que mantêm uma relação de fetiche
com a máquina e os produtos dela resultantes, sejam estes dotados de verdadeira
proposta ou mera experimentação das possibilidades que um software oferece, ou
os que acreditam que a técnica está por suprimir a expressão da subjetividade e sin-
gularidade artísticas ao “reduzir o ato de criação a puros automatismos maquínicos”
(COUCHOT, 2003, p. 15), talvez o posicionamento que mais enriqueça o debate seja
aquele que situa as técnicas, os artifícios e os dispositivos de que se utiliza um artista
para produzir seus trabalhos não como ferramentas inertes, nem mediações inocen-
tes, mas como objetos e procedimentos carregados de conceitos e história e deriva-
dos de condições produtivas bem determinadas. (MACHADO, 1993)
Daí resulta que toda análise que se proponha reflexionar sobre a arte ou a produ-
ção de imagens como campos que possibilitem leituras sobre o homem e sua cultu-
ra, sobre o diálogo entre máquina e imaginário (MACHADO, 1993) e entre as formas
de representação e mundo deve incluir as técnicas e suas especificidades históricas
“como fatores condicionantes que interferem substancialmente na forma, no estilo
e — por que não? — na própria concepção das obras” (MACHADO, 1993, p. 11)
Trata-se de um movimento muito mais rumo ao interior (das imagens, dos meios,
dos processos) do que ao exterior, ou antes, trata-se de voltar-se ao interior com o ob-
jetivo de esclarecer a vida exterior de tais objetos e sua inserção cultural.
1 A palavra dispositivo costuma ser lida tanto em páginas de filosofia como de mecânica, remetendo, ao que parece, ao
significado que lhe outorga a língua corrente em um artifício destinado a obter um resultado automático. (Traversa, 2001)
lado tal posicionamento, que termina por revelar-se ingênuo uma vez que mesmo o 78
“espírito romântico” e as projeções artísticas deste sobre os outros espíritos ineren-
temente o faria através de alguma mediação técnica, provoca uma cisão entre arte
e técnica, por outro, contribuiu para uma posição de resistência que viria repercutir
na relação entre arte e tecnologia dos dias atuais: “uma adesão tensa, em que cada
parte não se deixa mais dissolver na outra, nem se tornam ambas homogêneas ou
idênticas.” (MACHADO, 1993, p. 27)
Segundo Hayward (apud SANTAELA, 2005) nos períodos prévios da história da arte,
até o aparecimento do cinema, os primórdios da tecnologia estavam voltados para o
desenvolvimento e aperfeiçoamento de materiais. O artista tinha, então, que se haver
com a técnica, isto é, com a habilidade para manipular e aperfeiçoar esses materiais.
Esse fator não muda somente o caráter da técnica utilizada para fins artísticos — e
com isso os dados da criação artística, do trabalho da imaginação criadora (COUCHOT,
2003) — mas configura uma mudança na estratégia operativa por parte dos artistas.
Mas por que, afinal, a tecnologia parece adquirir novo estatuto na sua já duradou-
ra, ainda que cambiante, relação com a arte quando se fala da arte produzida a par-
tir dos meios digitais? Quais são as mudanças nas estratégias operativas artísticas?
Onde estão as rupturas e as continuidades?
Em primeiro lugar, trata-se de uma pressão tecnológica de força excepcional.
Uma invasão violenta, poderia-se dizer, não fosse a relação estabelecida entre sujeito
e máquina na era digital muito mais próxima de um envolvimento fluido e sedutor
do que de uma apropriação maquínica do espaço humano, como ocorreu na moder-
nidade2. Para Couchot (2003) o numérico, como o autor designa o digital, não se res-
2 Flusser (2007) ao descrever as mudanças históricas ocorridas na relação entre o homem e os meios delimita três Revolu-
ções Industriais. A primeira causada pela substituição da mão pela ferramenta. A segunda, pela substituição da ferramenta
pela máquina, que na verdade trata-se de uma ferramenta projetada e fabricada a partir de teorias científicas, e, exata-
mente por isso, é mais eficaz, mais rápida e mais cara. Inverte-se nesse momento a relação homem ferramenta: quando se
trata da ferramenta, o homem é a constante e a ferramenta, variável; no caso da máquina, é ela a constante e o homem,
a variável. Finalmente, a terceira Revolução Industrial será aquela da substituição das máquinas por aparelhos eletrônicos.
São também construídos segundo teorias científicas, mas agora não mais de física ou química, e sim aplicações, teorias e
hipóteses da neurofisiologia e da biologia. “Em outras palavras: as ferramentas imitam a mão e o corpo empiricamente; as
tringe a atividades figurativas; 79
ele invade todos os domínios da comunicação e da indústria. Jamais
uma técnica terá tido uma força de contaminação tão potente, e
suas consequências sobre a quase totalidade das atividades huma-
nas, ligando tudo a tudo e impondo — principalmente entre as ci-
ências, as técnicas e as artes — ligações de uma natureza diferente.”
(COUCHOT, 2003, p. 19)
máquinas, mecanicamente; e os aparelhos, neurofisiologicamente” (Flusser, 2007: 38). Segundo o autor, ainda, trata-se esta
de uma relação reversível uma vez que ambos só funcionam conjuntamente: homem em função de aparelho, mas também
o aparelho em função do homem. Ainda que quando tenha escrito tal proposta o advento do digital não tivesse acontecido
de fato, a tendência observada só viria a intensificar-se.
matismo, onde estaria a arte? Como pode a subjetividade artística manifestar-se por 80
meio apenas do apertar de botões? Seria o caso, fugindo um pouco da linearidade do
raciocínio, questionar-se se necessariamente produzir arte significa dar voz a um pul-
são interna ou não seria tal expectativa resquício cultural da visão romântica da arte
e do artista. Tentando, por outro lado, retomar o fio condutor, talvez a resposta seja
de que não é a partir somente da subserviente função burocrática de apertar botões
que surgirão as propostas renovadoras da atividade artística destes tempos. Como
consequência dessa postura aliás, têm-se infindáveis exemplos tanto na arte quanto
no design gráfico contemporâneos de produtos que não passam de um inventário das
possibilidades da máquina, para efeito de demonstração de suas virtudes, reduzindo-
se a exercícios impensados dos automatismos e clichés dos softwares gráficos.
Se agora a máquina realiza o trabalho “físico”, essa mesma condição exerce pres-
são para que a liberdade e criatividade artísticas sejam exercidas em outra instância:
na concepção da obra, no seu processo, muito mais que em seu produto. “Uma vez
que a obra nasce agora do trabalho cognitivo do artista, a sua execução, seja manual
ou técnica, torna-se irrelevante. O difícil é conseguir codificar a ideia construtiva de
tal modo que a máquina possa entendê-la e executá-la corretamente.” (MACHADO,
1993, pg. 31). Tal situação muda tanto as estratégias das operações artísticas quanto
as habilidades necessárias para sua prática. O artista agora se vê impelido a estudar
matemática, linguagens de programação, robótica, biologia. Os fatores que se acaba
de descrever inevitavelmente provocam difusões na própria espécie de fenômenos e
pessoas designados pelos termos arte e artista (MACHADO, 1993).
Todas essas mudanças fazem surgir outra dificuldade, aquela referente à autoria
dos produtos de extração técnica, ou mais especificamente a dúvida de “a quem atri-
buir os méritos da criação quando se trabalha com processos culturais largamente
intermediados pelas máquinas” (MACHADO, 1993, p. 33). Seria excessivo radicalismo
considerar o trabalho do inventor da máquina, do engenheiro de software ou dos
que escrevem uma linguagem de programação como as utilizadas por muitos desig-
ners e artistas da visualização de dados como artísticos? Não seria tal incerteza sinal
de que se presencia na verdade uma mudança nos paradigmas próprios da autoria?
Para Machado (1993) a produção artística contemporânea aproxima-se cada vez mais
de uma espécie de gênio coletivo, em detrimento ao gênio individual. Para o autor, a
melhor maneira de dar respostas à questões referentes à autoria talvez seja relativi-
zar a contribuição de todas as inteligências e de todas as sensibilidades que colabo-
ram para configurar a experiência estética contemporânea.
A equação torna-se ainda mais complicada quando a essa dinâmica é posta em
cena outra figura chave dessa trama: o espectador — nomenclatura que aliás é man- 81
tida quase que por falta de melhor termo já que de certo modo ainda traz resquícios
dos modelos passivos e unilaterais de comunicação. O advento da interatividade3,
virá não só trazer para os domínios da arte as noções de imprevisibilidade e incerteza
como colocará muitas vezes o espectador como aquele de quem parte o gesto instau-
rador necessário, sem o qual não há experiência artística alguma, colocando em crise,
de certa forma, os próprios papéis do jogo artístico.
Tais mudanças provocam questionamentos referentes não apenas ao papel do
criador, mas também à natureza da obra. Pode-se pensá-la nesse contexto como um
sistema vivo. Determinar as regras segundo as quais esse sistema — dinâmico, com-
plexo — irá operar é a tarefa desse agora artista administrador (SACK, 2007). A configu-
ração final não pode ser prevista de antemão, apenas seu modelo de comportamento.
A obra volve-se aberta; tanto à interação do espectador quanto aos automatismos
da máquina. Nesse cenário, “O criador é menos aquele que dá a ver, do que aquele que
constrói as próprias condições de produção do visível” (MACHADO, 2000, grifo meu)
O mais importante de todas essas mudanças, muito mais do que assombrar-se
pela aparente falta de propostas artísticas originais e questionadoras, é estar atentos
às mutações que estão ocorrendo nos modelos de figuração, nas categorias e concei-
tos próprios da arte e da autoria, no imaginário e sensibilidades dos sujeitos criado-
res e participantes desse processo, características que tendem a transformar a arte
numa prática social de extensão nunca antes experimentada.
3 A discussão acerca da interatividade em arte é anterior aos novos meios. Já em na década de 30 Bertold Brecht falava em
interatividade ao se referir ao processo de democratização dos meios de comunicação numa sociedade plural. Os happenin-
gs e performances dos anos 60 põe em cena a participação do público na realização da obra. A diferença introduzida pela
informática é que esta última dá um aporte técnico ao problema (MACHADO, 2005).
5.2. Diagnóstico 82
Pensada em termos de modelo figurativo, pode-se considerar que a visualização de
dados não trata de representar o mundo, mas de proporcionar formas distintas de
percebê-lo. Caminha-se desse modo muito mais rumo a uma estética da percepção
em detrimento de uma estética da representação. Ou, retomando as palavras de Paul
Klee, “não mais representar o visível, mas tornar visível”.
O modo como essas novas imagens se desdobram enquanto tal é subjacente à
sua própria morfogênese. Se o ‘material bruto’ não advém do criador, mas é externo
a ele, sua ação consiste numa espécie de atualização de uma virtualidade já contida
no real, ou ainda na configuração desse evento. Não é de se surpreender, portanto,
que muitos artistas do meio, quase dispensem os méritos daquilo que comumente se
denomina criação. Para eles, a visualização seria uma espécie de ‘frame’ do cotidiano
que estabelece limiares no fluxo da percepção, revelador de uma beleza e mesmo de
informações que, de algum modo, já estavam latentes, ainda que há que se ter em
mente que esse real é sempre um recorte subjetivo e manipulado.
Não seria descabido pensar num paralelo entre a abstração cubista, que provocou
uma ruptura dos modelos figurativos ao deslocar a função da pintura de represen-
tação para a apresentação do real, e o modo como opera a figuração na visualização
de dados. A função do pintor passava naquele momento não mais por representar o
mundo substituindo o que está ausente pela sua imagem, mas apresentar o mundo,
entregando nessa catástrofe organizada seus íntimos segredos. (COUCHOT, 2003).
Não se pretende comparar aqui a radicalidade instaurada pelos dois momentos,
mas a proposição de novos modos figurativos que permitem ampliar a noção de re-
presentação ou mesmo de realidade. Manovich (in LEÃO, 2005) sugere que se pense
a visualização de dados como uma nova abstração. Da mesma forma que nas primei-
ras décadas do século vinte os artistas modernos mapearam o caos visual da experi-
ência da metrópole em imagens geométricas simples, os artistas da visualização per-
mitem enxergar padrões e estruturas por detrás do vasto e aparentemente fortuito
conjunto de dados plasmados em fascinantes imagens. Tal abstração é responsável
por um sentimento de desprendimento do real4 e afastamento dos modos icônicos
de sua figuração.
Muito mais do que uma ‘realidade de visão’ (COUCHOT, 2003) o que ela oferece é
uma ‘realidade de concepção’ na medida em que não apenas atua como uma inter-
4 Essa sensação é reforçada quanto maior o volume de dados representados, uma vez que apenas um olhar suficientemen-
te distante é capaz de detectar a emergência de padrões de comportamento nesses sistemas.
face a um determinado conjunto de dados, mas como objeto simbólico que permi- 83
te experienciar um mundo crescentemente abstrato e codificado. São imagens que
funcionam como metadados do contexto de onde são originárias e dos conteúdo que
levam como potencialidade.
Enquanto imagens técnicas5, ou seja, aquelas produzidas por meio de aparatos,
elas guardam um sentido duplo: como produto, porque são um efeito preciso e con-
creto das práticas na produção de imagens advindas com os novos meios e materia-
lizam em sua superfície os conceitos que nortearam a construção dos aparelhos de
que lhe dão forma (FLUSSER, 2001); e como produtoras, porque possuem a qualidade
de ser notação de uma performance que recupera os dados nelas contidos através de
uma manifestação imaginária da qual são o dispositivo. Estas imagens superam o
rol de exemplo ou mesmo de simples espetáculo, para converterem-se em estratégias
de ação (MACHADO, 2000), como uma máquina latente ou mesmo um programa a
espera de ser executado6.
Por outro lado, a tentativa de fazer um diagnóstico a respeito das mudanças que
vem provocando a visualização de dados, não pode ignorar a questão do par sensibi-
lidade x técnica. De fato, ela já foi de alguma forma antecipada por Walter Benjamin
quando apontava que:
5 Flusser (2001) propõe que as imagens técnicas são aquelas produzidas por um aparato, por um aparelho de codificação.
No entanto, essa não seria sua característica mais importante, ou melhor dizendo, ela é o ponto de partida que revela o que
para ele é fundamental nessas imagens. “Como os aparatos, por sua parte, são produtos de textos científicos aplicados, as
imagens técnicas vem a ser produtos indiretos de textos científicos”. (FLUSSER, 2001, p. 17). Desse modo, as imagens geradas
pelos dispositivos técnicos renascentistas como a camera obscura, e mais tarde a fotografia, o cinema, a televisão e os novos
meios, são instâncias produtoras de imagens técnicas.
6 A linha argumentativa aí explicitada foi estabelecida a partir do raciocínio que propõe Longinotti (2008) no artigo
“Tecnologías del texto y de la imagen. Libros antiguos, máquinas virtuales” no qual empreende uma investigação sobre as
imagens contidas em tratados de perspectiva e desenho
dos em consequência da presença cada vez maior de recursos, processos e mediações 84
tecnológica de nosso tempo” (MACHADO, 2005, p. 237).
Nesse contexto, a aproximação à arte contribui também para o entendimento
dessas implicações. Em tempos de mutação, defende Santaella (2005), há que se ficar
bem perto dos artistas; são eles que sinalizam as rotas para a adaptação humana às
novas paisagens a serem habitadas pela sensibilidade.
A relação intrínseca entre estética, sensibilidade e meios técnicos brilhantemen-
te estabelecida por Benjamin, no clássico A obra de arte na era de sua reprodutibilida-
de técnica (1936) propunha que estes últimos “[...] desencadeiam processos cognitivos
que são, muitas vezes, os motores das grandes transformações estéticas” (ARANTES,
2007). Talvez Benjamin tenha sido o primeiro teórico a perceber que as transfor-
mações técnicas próprias do contexto em que vivia, como a fotografia, o cinema ou
mesmo a fábrica, não acarretaram câmbios somente na esfera da produção, mas de-
sencadearam, ou mesmo fizeram emergir a necessidade de novas sensibilidades no
sujeito receptor desses objetos e no próprio imaginário artístico de seu tempo.
Contemporaneamente, não há de ser distinto. Se é verdade que a era digital inau-
gura novas categorias e conceitos relativos aos modos de figuração e que no âmbito
da produção artística o processo passa a adquirir fundamental importância, também
o é que o diálogo entre os criadores e o espectador-usuário seja estabelecido no âm-
bito do sensível. Desse modo, são desencadeados “[...]efeitos capazes de acionar a rede
de percepções sensíveis do receptor, regenerando e tornando mais sutil seu poder
de apreensão das qualidades daquilo que se apresenta aos sentidos” (SANTAELLA,
2007). As técnicas, não sendo apenas modos de produção, produzem naqueles que as
manipulam aquilo que Couchot (2003) chama de experiência tecnestésica, uma expe-
riência íntima que transforma a percepção que se têm do mundo.
Santaella (2007) utiliza o termo estéticas tecnológicas para designar as condições
propiciadas pelos aparelhos, dispositivos e suportes tecnológicos que, desde a invenção
da fotografia até os hibridismos permitidos pelo ciberespaço e pelas invenções tecno-
científicas contemporâneas, de modo cada vez mais vertiginoso, vêm ampliando e
transformando as bases materiais e os potenciais dos modos de produção estéticos.
A digitalização tanto da produção como da exibição e distribuição de conteú-
dos audiovisuais, o advento da interatividade, a sobrecarga informacional a que é
submetido o sujeito cotidianamente, a interconexão, a multiplicidade; todos esses
aspectos planteiam novas exigências nas formas expressivas produzidas pela cultu-
ra humana, e, em última instância, propiciam a criação de novos tipos de imagens.
“Novas imagens implicam novas formas de ver, novos critérios de percepção e novos
conceitos de beleza” (MACHADO, 2000, p. 38). Implicam também novas exigências 85
cognitivas, já que muitas vezes, como se percebe com alguns trabalhos de visualiza-
ção de dados, é necessário que o receptar aprenda como transitar por essas imagens-
sistema para que possa realmente se conectar ao trabalho e decifrá-lo internamente.
Ao lados dessas motivações, associa-se, ou mesmo é intensificada por elas, a cons-
ciência de uma complexidade cada vez maior do pensamento e da vida.
5.3 Conclusões
As questões suscitadas pela visualização de dados seja como campo que atualiza e
é atualizado pelas relações existentes entre arte e tecnologia, entre sensibilidade e
técnica ou como produto e processo de um contexto cada vez mais fluido, complexo
e digitalizado foram exploradas ao longo deste trabalho, sobretudo nos diagnósticos.
Cabe atentar, no entanto, para o fato de que a crescente presença da visualização
em meios específicos para sua divulgação, em geral, não tem sido acompanhada de 86
uma reflexão crítica que permita caracterizá-los como algo distinto de um catálogo
— muitas vezes homogêneos —, preocupados muito mais com classificações tipoló-
gicas do que com a interpretação dos significados destes objetos enquanto formas
culturais e simbólicas. Reflexão esta necessária para qualquer teoria e prática que
pretenda estar atenta às reconfigurações e inovações no campo artístico ou mesmo
fora dele sem deixar-se levar por simples fetichizações tecnológicas.
06
01 apresentação
02 contextualização
visualização
03 de dados
estado atual
04 da arte
05 perspectivas
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