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fluxos,
dados,
imagens:
a visualização
de dados no
contexto das
estéticas
tecnológicas
paula cardoso pereira Florianópolis, 2009
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Comunicação e Expressão
Departamento de Expressão Gráfica
Graduação em Design Gráfico

fluxos,
dados,
imagens
a visualização de dados Paula Cardoso Pereira
no contexto das estéticas
tecnológicas Monografia apresentada à disciplina de
Trabalho de Conclusão de Curso, na graduação
em Design da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito parcial para a
obtenção do grau de bacharel.

Orientador: Eduardo Jorge Felix Castells, Dr.

Florianópolis, agosto de 2009.


Termo de aprovação | Paula Cardoso Pereira

fluxos, dados, imagens:


a visualização de dados no contexto das estéticas tecnológicas.

Trabalho de Conclusão de Curso [egr 5010] aprovado como requisito parcial para
obtenção de grau de Bacharel em Design — Habilitação em Design Gráfico, Centro
de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina.

Prof. Eduardo Jorge Felix Castells, Pós-Dr. | Orientador


Departamento de Expressão Gráfica

Prof. Aglair Maria Bernardo, Dr.


Departamento de Comunicação e Jornalismo

Prof. Mário César Coelho, Dr.


Departamento de Expressão Gráfica

Prof. Richad Perassi Luiz de Souza, Dr.


Departamento de Expressão Gráfica
Resumo

A visualização de dados não é algo completamente novo. Ela guarda relações com
a cartografia, os gráficos estatísticos e, mais, recentemente, com os infográficos. No
entanto, o surgimento dos chamados novos meios e a apropriação da categoria por
designers e artistas expandiu os horizontes conceituais da categoria, redefinindo-a
como uma forma cultural e simbólica da sociedade informacional, do pensamento
complexo e dos desafios que as poéticas tecnológicas trazem para a sensibilidade e a
imaginação criadora. A relação quase simbiótica com a tecnologia é uma marca que
não somente caracteriza e condiciona o processo de produção e a configuração final
de tais objetos, como torna a visualização de dados um campo que atualiza e é atua-
lizado pelas relações existentes entre arte e tecnologia.

Palavras-chave: visualização de dados, informação, imagens, arte, design gráfico,


tecnologia, novos meios.
Sumário

1 apresentação 5

2 contextualização 8

3 visualização de dados 13
3.1 Histórico 14
3.1.1 Visualização de dados na modernidade 22
3.1.2 Visualização de dados na pós-modernidade 26

3.2 Algumas definições 28


3.2.1 Dados e informação 28
3.2.2 Mapeamento 29

4 estado atual da arte 30


4.1 Panorama geral 31

4.2 Novos Meios 46

4.3 Projetos em desenvolvimento 48


4.3.1 I Want you to Want Me, a multiplicidade narrativa 49
4.3.2 Writing without words, literatura como organismo 58
4.3.3 House of Cards, tudo são dados 68

5 perspectivas 74
5.1. Questões decorrentes 75
5.2. Diagnóstico 81
5.3 Conclusões 84

6 bibliografia 86
01

01 apresentação

02 contextualização
visualização
03 de dados
estado atual
04 da arte
05 perspectivas

06 bibliografia
Este trabalho é o resultado de uma incursão inicial de descobrimento e pes- 7
quisa dentro do universo da visualização de dados.
A motivação para empreender uma exploração acerca de imagens e projetos tão fas-
cinantes e complexos possui mão dupla.
Por um lado, houve um impulso inicial para entrar na temática: ele foi decorrência
de ter contado com a rara possibilidade de participar durante um ano, como estudan-
te de graduação, na condição de intercambista internacional. A instituição receptora
foi a FADU (Faculdade de Arquitetura, Design e Urbanismo) da UBA (Universidade de
Buenos Aires).
Poderia-se dizer que nessa estadia fora do país tive a oportunidade, dentro de
âmbitos acadêmicos, de entrar em contato e vivenciar um contexto de trabalho onde
esses referenciais já se encontram relativamente naturalizados. Nesse sentido, é pro-
pósito não menor deste trabalho compartilhar com o ambiente acadêmico local, e
mais especificamente no contexto do Curso de Design da Universidade Federal de
Santa Catarina, projetos que ainda encontram-se relativamente distantes desta rea-
lidade, sobretudo do ponto de vista reflexivo.
Por outro lado, está o fato constatável de que o surgimento da visualização de
dados começa a ganhar visibilidade e presença, tanto em objetos de design gráfico
de circulação cotidiana quanto em sites e eventos dedicados exclusivamente à sua
divulgação.
Esse foi o marco referencial motivador para realização do TCC. Mas deve ficar cla-
ro que, longe de iniciar um discurso crítico a respeito da temática, o que aqui se pro-
põe é a investigação e documentação das possibilidades, fundamentos e lógicas do
objeto em questão, antes que estes se tornem invisíveis.
Considerando a complexidade e ineditismo dos projetos que vem sendo desen-
volvidos na área, optou-se por selecionar como objetos de estudo deste trabalho a
apresentação de três desses projetos de visualização de dados. Além da qualidade
dos referidos projetos em si, esta escolha se considerou conveniente porque assim
procedendo seria possível aprofundar o entendimento do processo de concepção
destes e delinear a discussão sobre as implicâncias decorrentes da inserção das no-
vas tecnologias para o imaginário criador e para a sensibilidade dos sujeitos partici-
pantes deste contexto.
A alternativa a esse encaminhamento, que seria a de ter realizado um estudo de
caso aplicativo, foi descartada pelo incontornável reducionismo conceitual que teria o
trabalho que pudesse ser feito, na escala e tempo disponível para realização de um TCC.
A apresentação e análise aqui formuladas respeito da visualização de dados, le- 8
vam implícita considerá-la como forma cultural própria da cultura contemporânea,
e um evidenciador do modelo de mente e de mundo que já se acham intrínsecos nos
projetos apresentados.
O contexto no qual empreende-se a investigação e a observação concreta de pro-
jetos desenvolvidos permite também assinalar a possibilidade da emergência de
uma nova categoria estética, a saber, a infoestética.
O trabalho se estrutura em cinco partes ou capítulos. Além desta “Apresentação”
e há um capítulo inicial de “Contextualização”, seguido de “Visualização de Dados”.
Ele se encontra subdividido no tratamento de três períodos históricos significativos,
complementado por um destaque sobre esclarecimentos conceituais ou glossário.
Em “Estado atual da arte” traça-se um panorama geral sobre a categoria contempo-
raneamente, apresenta-se os três projetos antes indicados; A última parte, “Perspec-
tivas” refere-se às discussões decorrentes do surgimento da Visualização de Dados
na relação arte x técnica e nas sensibilidades contemporâneas, além das conclusões
do presente trabalho.
02

01 apresentação

02 contextualização
visualização
03 de dados
estado atual
04 da arte
05 perspectivas

06 bibliografia
Tornou-se praticamente corriqueiro atualmente que teóricos sociais, econo- 10
mistas e políticos digam que vivemos a “era da informação”. O termo come-
çou a ser utilizado por volta dos anos 60, quando a revolução da tecnologia da infor-
mação tornava perceptíveis suas primeiras nuances. Tal revolução viria a “remodelar
a base material da sociedade em ritmo acelerado” (CASTELLS, 2003, p. 40), a ponto de
demarcar para alguns o começo de um novo período histórico, com uma dinâmica
diferenciada da predecessora sociedade industrial.
A fonte de produtividade no modo industrial reside na introdução de novas fon-
tes de energia e na capacidade de descentralização do uso de energia ao longo dos
processos produtivos e de circulação. Aquilo que Castells (2003) denominou “Socie-
dade Informacional” tem como fonte fundamental de produtividade e poder “a ge-
ração, o processamento e a transmissão da informação devido às novas condições
tecnológicas surgidas nesse período histórico”.
Se a definição do termo, e sua imediata assimilação, não são das tarefas mais
fáceis, a experiência de viver em tal contexto talvez aponte caminhos que ajudem
a identificar as características de dita sociedade informacional, no que concerne à
presença maciça da informação no cotidiano.
As notícias chegam em tempo real, assim como as atividades relacionadas ao
processamento da informação, ganham cada vez mais espaço e nomenclaturas, além
de modificarem substancialmente diversas áreas profissionais relacionadas direta
ou indiretamente com a informação: os enciclopedistas voluntários da Wikipedia es-
creveram em seis anos mais de sete milhões e quinhentos mil artigos, multiplican-
do por aproximadamente 268 vezes a extensão da Enciclopédia Britânica1. Não seria
exagero dizer que nos encontramos “afogados” em informação. E que tal movimento
está longe de perder o fôlego.
Para Manovich (2006), o acesso à informação deixou de ser uma forma básica
de trabalhar, para passar a ser também uma nova categoria chave da cultura. “Em
consequência, demanda que o tratemos teórica, estética e simbolicamente” (MANO-
VICH, 2006, p. 282).
Mas quando se fala em “revolução da tecnologia da informação”, a que se está fa-
zendo referência específica? Que fatos estão relacionados a esse redesenhar e recom-
binar das bases materiais da economia, sociedade e cultura, em ritmo tão intenso?
Pode-se dizer que os três principais campos, intimamente relacionados e respon-
sáveis por tal revolução tecnológica, são a microeletrônica, os computadores e as te-
lecomunicações.

1  Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikp%C3%A9dia
Foi durante a Segunda Guerra Mundial e no período subsequente que se deram 11
as principais descobertas tecnológicas em eletrônica: o primeiro computador pro-
gramável e o transistor2, fonte da microeletrônica, o verdadeiro cerne da revolução
da tecnologia da informação no século XX. Porém, foram os anos 70 que marcaram a
verdadeira difusão da tecnologia da informação.
A microeletrônica causou “uma revolução dentro da revolução” ao transformar a
própria tecnologia da informação em curso: “o advento do microprocessador em 1971,
com a capacidade de incluir um computador em um chip, pôs o mundo da eletrônica
e, sem dúvida, o próprio mundo, de pernas para o ar” (CASTELLS, 2003, p. 79).
As telecomunicações também foram transformadas nesse período e sobretudo
nos anos 90, promovendo um aumento da capacidade das linhas de transmissão.
Talvez o mais revolucionário meio tecnológico da Era da Informação, e o que
colaborou de forma mais significativa para o pleno sentido do termo Informacio-
nalismo foi a criação da Internet, em 1983, cuja aparição e desenvolvimento foram
consequência “[…] de uma fusão singular de estratégia militar, grande cooperação
científica, iniciativa tecnológica e inovação contracultural” (CASTELLS, 2003, p. 82).
Foi a emergência da vida em rede, do estar-no-mundo conectado.
A junção de todas essas transformações, como se sabe, viria a mudar

“[...] não apenas as formas do entretenimento e do lazer, mas po-


tencialmente todas as esferas da sociedade: o trabalho (robótica
e tecnologias para escritórios), gerenciamento político, atividades
militares e policiais (a guerra eletrônica), consumo (transferência
de fundos eletrônicos), comunicação e educação (aprendizagem a
distância)” (SANTAELLA, 2003, pg. 23).

Um conceito que ajuda a sintetizar e definir a paisagem que aos poucos se foi de-
lineando é o de cibercultura, que pode ser compreendida como a forma sociocultural
resultante da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias
de base microeletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações
com a informática na década de 70. Se a modernidade pode ser caracterizada como
uma forma de apropriação técnica do social, a cibercultura será marcada por diversas
formas de apropriação social-midiática da técnica (LEMOS, 2003).
É importante lembrar que não foi apenas a revolução da tecnologia da informa-
ção a responsável pelas principais mudanças culturais que ocorreram nas últimas

2  A invenção do transistor, em 1947, possibilitou o processamento de impulsos elétricos em velocidade rápida e em modo
binário de interrupção e amplificação, permitindo a codificação da lógica e da comunicação com e entre as máquinas: esses
dispositivos têm o nome de semicondutores, mas comumente são chamados de chips.
décadas. A partir anos 80 e também nos anos 90, presenciou-se uma mudança geral 12
nos paradigmas científicos que convergiram para uma abordagem epistemológica
complexa do mundo3.
O pensamento complexo na verdade é muito mais um método para a compreen-
são da realidade e da diversidade, do que uma teoria com princípios específicos. Tais
ideias, sobretudo se contextualizadas na atual dinâmica da economia globalizada e
na interconexão múltipla, enfatizam a “[...] dinâmica não-linear como método mais
proveitoso de entender o comportamento dos sistemas vivos, tanto na sociedade,
como na natureza” (CASTELLS, 2003, p. 111).
Com o advento da Internet, as formas de interação com a informação fizeram-se
muito mais palpáveis na vida cotidiana. Para Jannis Kallinikos (apud MARIÁTEGUI,
2008) existem características próprias da informação na época da Internet como a
auto-referencialidade, a interoperabilidade, e seu caráter efêmero.
A primeira destas características nos indica que cada vez que se manipula infor-
mação requeremos gerar mais informação. Isso se evidencia no uso do metadado,
quer dizer, a informação sobre informação. Uma segunda característica se encon-
tra no potencial da informação ao interoperar-se com outros tipos de informação,
criando híbridos a partir de fontes de informação desconectadas. Finalmente, possi-
velmente a mais ressaltante destas características está ligada à curta vida da infor-
mação, quer dizer, sua conformação social como um produto altamente descartável.
A informação financeira, o monitoramento em tempo real de operações, os sinais de
tráfego são particularmente sensíveis a esta curta vida (MARIÁTEGUI, 2008).
A dificuldade de assimilar e dar sentido à quantidade de dados nos quais se en-
contra submerso o sujeito contemporâneo, cresce junto às memórias e capacidade de
processamento dos computadores, à ubiquidade da vida conectada, e à velocidade e
instantaneidade das mudanças.
Trata-se de um movimento que só tende à expansão e complexidade, cujas conse-
quências estão transformando não somente as máquinas e o conhecimento acumu-

3  Tôrres (2005) pontua três passos cruciais para o surgimento da Teoria da Complexidade: primeiro a publicação dos ar-
tigos de Einstein que abalaram os alicerces da física newtoniana mostrando que o Universo não é composto somente de
matéria, mas também de energia; a segunda grande mudança veio com a Física Quântica. Ao estudar as partículas suba-
tômicas, os físicos quânticos descobriram que no interior dos átomos existe muito mais espaço vazio do que matéria. Eles
descobriram, também, que a matéria não existe em pontos físicos determinados, o que há são possibilidades de existência.
A matéria não tem consistência em si. O que dá consistência à matéria são as conexões entre seus componentes, são os
relacionamentos. A Física Quântica mostra também, que o observador faz parte da realidade observada; A terceira grande
mudança foi a descoberta e decodificação do DNA por James Watson e Francis Crick, que veio mostrar que o que impulsiona
o universo, por meio de todas as transformações e da manifestação de todas as formas de vida, é a informação. Essas três
primeiras mudanças culminaram com a quarta grande mudança do século XX: em meados dos anos 60, surgiram estudos
sobre Teoria do Caos, Fractais, Teoria das Catástrofes e Lógica Fuzzy, dentre outras, que em conjunto levam o nome de
Teoria da Complexidade.
lado de uma sociedade, mas também as formas de representação e subjetividades 13
próprias destes tempos.
Os sistemas complexos que se tornaram super complexos, o fácil acesso à infor-
mação em tempo real, redes de sensores, câmeras de segurança. Todos esses fatores
exercem pressão nos tipos de imagens que a cultura humana já desenvolveu e por
fim cria a necessidade de desenvolvimentos de novos tipos de imagens (MANOVICH,
2002). Ao reflexionar sobre a influência das características da atual sociedade infor-
macional na iconografia típica de tal tempo e na própria cognição humana, incom-
patível com um acúmulo tão grande de informação, Manovich (2005) escreve:

Qual é “a forma de informação”? Quais são as formas contidas den-


tro da informação, por assim dizer? Para explicitar: a chegada da
sociedade da informação foi acompanhada por novas formas de
vocabulários, novas sensibilidades estéticas, e novas iconologias?
Pode haver formas específicas para a sociedade da informação,
dado que o software e as redes de computadores definem o pró-
prio conceito de forma? (Em vez de serem sólidas, estáveis, finitas,
discretas e limitadas no tempo e no espaço, as novas formas são
muitas vezes variáveis, emergentes, distribuídas, e não diretamen-
te observáveis). Pode a sociedade da informação ser representada
iconicamente, se as atividades que a definem — processamento de
informação, interação humano-computador, telecomunicações, li-
gação em rede — são todos processos dinâmicos? Como se traduz a
escala super-humana de nossas estruturas informacionais em uma
escala de percepção e cognição humana? Em suma, se a passagem
do modernismo para o informacionalismo (o mandato de Manuel
Castells), tem sido acompanhada por uma mudança de fluxos de
forma para fluxos de informação, podemos ainda mapear os fluxos
de informação em formas significativas para um ser humano? (MA-
NOVICH, 2005)

Quais seriam então as características das imagens produzidas em tais condições,


que “marcas” dos meios de produção e do contexto complexo, interconectado e di-
nâmico no qual surgem carregariam? Como um imaginário imerso em informação
expressa-se através de imagens e que respostas afetivas no plano da recepção são
desencadeadas?
03

01 apresentação

3.1 Histórico 02 contextualização


3.1.1 Visualização de dados na modernidade
3.1.2 Visualização de dados na pós-modernidade visualização
3.2 Algumas definições 03 de dados
3.2.1 Dados e informação
3.2.2 Mapeamento estado atual
04 da arte
05 perspectivas

06 bibliografia
3.1 Histórico 15
De um modo bastante genérico, se poderia dizer que a história da visualização de da-
dos divide-se em dois grandes capítulos: o primeiro vai dos primórdios da cartografia,
passando pela invenção dos gráficos estatísticos e chega até os anos 80; o segundo
inicia-se nesse período e é chamado por alguns de “renascimento da visualização de
dados”1. Este renascer foi alavancado pelo desenvolvimento de softwares e sistemas
de computador altamente interativos e de fácil manipulação. A visualização intera-
tiva de dados e os métodos de visualização multidimensional deixaram suas marcas
também.
Flusser (2007) define que existem duas formas de mediação entre os homens e
os fatos: o pensamento linear e o pensamento em superfície. Um está ligado primor-
dialmente à tradição escrita e o outro à produção de imagens; um é unidimensional,
o outro bidimensional.

(...) a diferença entre ler linhas escritas e ler uma pintura é seguin-
te: precisamos seguir o texto se quisermos captar sua mensagem,
enquanto na pintura podemos apreender a mensagem primeiro e
depois tentar decompô-la. Essa é, então, a diferença entre a linha
de uma só dimensão e a superfície de duas dimensões: uma almeja
chegar a algum lugar e a outro já está lá, mas pode mostrar como lá
chegou (FLUSSER, 2007, p. 105).

As duas formas de pensamento competiram e se completaram em todas as épo-


cas da história, ainda que se saiba que a cultura ocidental está baseada na maneira
linear de conceber o mundo: pensa-o, portanto, como história, como linha.
Pontis (2007) denomina de linguagem esquemática a linguagem visual (em su-
perfície) que se desenvolveu em paralelo à linguagem escrita (linear) e que têm como
principal objetivo visualizar informação.
Esquemas não procedem por referências visuais empíricas que
estejam fora do próprio esquema, mas sim pelas articulações sig-
nificantes de suas partes. Os esquemas constituem, portanto, uma
linguagem que não é da imagem representacional nem do texto
literal. É uma linguagem lógica, estruturada, codificada e abstrata.
“Esquematizar” é o processo de transformação gráfica de fenôme-
nos não visuais construindo esquemas abstratos, mas também é
aplicar critérios de síntese e inteligibilidade com fins informativos
(LONGINOTTI, 2008).

1  Há autores que inclusive consideram que a visualização de dados só inicia na década de 80 sua história.
A linguagem esquemática será a principal forma da visualização de dados cons- 16
truir seu “idioma” ao longo dos tempos.
Os primeiros exemplos que se conhece daquilo que seriam “os ancestrais” da vi-
sualização de dados correspondem a diagramas geométricos, tabelas de posições das
estrelas e de outros corpos celestes, e a execução de mapas para ajudar na navegação
e na exploração. No século XVI, junto à expansão marítima europeia, técnicas e ins-
trumentos para observação precisa e medições de grandezas físicas foram desenvol-
vidos.
Por volta do ano de 366 a.C. estima-se que foi elaborado o que se pode denominar
como o primeiro mapa de rotas, representando o sistema de caminhos do império
Romano.

Figura 1: Mapa de rotas do Império Romano, elaborado por volta de 366 a.C.

Todo o conjunto do império é representado no pergaminho pintado de 34 centí-


metros de altura e quase 7 metros de comprimento. O Quadro de Peutiger, como ficou
conhecido por ter sido descoberto pelo alemão Konrad Peutinger em 1494, chama a
atenção por sua dimensão ímpar. Embora o mapa mostre cidades, mares, rios, flores-
tas, cordilheiras, e 200.000 km de estradas, é muito comprimido para ser uma verda-
deira representação da paisagem. Em termos de lógica interna, possui similaridade
aos mapas de metrô que surgirão no início do século XX, priorizando a demonstração 17
de como sair de um ponto e chegar a outro, bem como o trajeto entre esses dois pon-
tos, mas sem a pretensão de representar toda a superfície real.
Funkhouser (apud PONTIS, 2007 e TUFTE, 2007), em seu livro Historical Develp-
ment of the Graphical Representation of Statistical Data, situa por volta do ano de 950
d.C. o que ele considera como a primeira tentativa de mostrar mudanças de valores
graficamente. A imagem descreve as inclinações das órbitas planetárias em função
do tempo e aparentemente fazia parte de um manuscrito de um monastério. Ela apa-
rece como uma misteriosa e isolada maravilha na história dos gráficos de dados, uma
vez que as próximas construções similares a aparecerão somente cerca de 800 anos
mais tarde (TUFTE, 2007, p. 28). O conteúdo astronômico é confuso, existem dificul-
dades de conciliar o gráfico e o texto que o acompanhava com o real movimento dos
planetas. Particularmente desconcertante é o caminho atribuído ao sol.

Figura 2: Imagem que descreve as inclinações das órbitas planetárias em função do tempo, pro-
duzida por volta de 950 d.C.

No ano de 1375 foi elaborado um Atlas mundial conhecido como o Atlas de conhe-
cimentos geográficos visuais mais completo dos últimos anos da idade média. Este
exemplar reúne, em visual deslumbrante, cosmografia, calendário perpétuo e repre-
sentações temáticas do mundo conhecido. O Atlas foi uma encomenda de Carlos V da
França (1338-1380) ao catalão Abraham Cresques (1325-1387).
18

Figura 3: Atlas mundial elaborado em 1375, considerado o Atlas de conhecimentos geográficos


visuais mais completo dos últimos anos da idade média.

Apesar de oferecerem visualizações interessantes e começarem a desenvolver in-


tentos de organização e representação de dados, poderia-se dizer que as representações
gráficas mencionadas até meados do século XIV correspondem a conhecimentos que
o ser humano tinha do mundo, sem basear-se em explicações científicas ou teóricas.

Esta informação poderia resumir-se no conceito de mimemis, que


consiste na expressão do conhecimento que se tem da natureza e
do universo em que vivemos. Este tipo de reproduções gráficas [até
o séc. XIV] ainda não respondiam a códigos pré-estabelecidos, já
que um código pode definir-se como um conjunto de normas siste-
máticas que regulam unitariamente uma matéria determinada. O
conceito de mímesis está próximo à reprodução estética, ao passo
que o conceito de código está relacionado com regras e parâmetros
pré-estabelecidos (PONTIS, 2007, grifo nosso).

Durante o século XVII, importantes avanços ocorreram. A geometria analítica,


iniciada por Descartes em 1637, ajudou a determinar a forma de representar grafica-
mente uma equação ao associá-la a uma curva, inaugurando uma nova metodologia
da representação gráfica de dados. Neste século houve significativa evolução no cor- 19
pus teórico, com o surgimento da teoria da probabilidade e o começo das estatísticas
demográficas e aritmética política.
Ao final do século, os elementos necessários estavam à mão — alguns dados reais
de interesse significativo, algumas teorias para dar sentido a eles, e algumas ideias
para sua representação visual. Sobretudo, pode-se ver este século como aquele que
dá origem ao pensamento visual. (FRIENDLY; DENIS, 2001)
Em 1626, Christopher Scheiner produziu uma seqüência visual que representa-
va as mudanças das manchas solares com o passar do tempo, desenvolvendo assim
uma das principais ferramentas contemporâneas para visualização de dados, os de-
nominados Pequenos Múltiplos (Small Multiple ou gráficos multivariados), que usa o
princípio da repetição e diferença através da comparação visual do mesmo elemento
em diferentes momentos no tempo para estabelecer similitudes e diferenças.

Figura 4: Seqüência visual que representa as mudanças das manchas solares com o passar do
tempo, elaborada por Christopher Scheiner, em 1626.
Para muitos autores, William Playfair (1759-1823), um engenheiro político e eco- 20
nomista, foi o inventor dos gráficos estatísticos ao publicar em 1786, em Londres, um
Atlas Político Comercial que continha 43 time-series2 e gráficos de barras. Aparente-
mente foi o criador dos gráficos de linha, gráficos de barras e gráficos circulares. O
Atlas foi descrito como o maior trabalho que continha gráficos estatísticos até então,
e ainda hoje continua sendo um marco, já que o método gráfico predominante para
representação da relação entre dados e tempo eram até então as tabelas.

Figura 5: Gráficos pertencentes ao Atlas Político Comercial de Willian Playfair, publicado em


1786, em Londres. Considerado um marco no desenvolvimento de métodos gráficos para repre-
sentação estatística.

O período que vai de 1860 a 1890 é denominado por alguns de Era de Ouro das Esta-
tísticas (FRIENDLY; DENIS, 2001). Conecta-se com a ascensão do pensamento estatístico
e da prática de coleta de dados para o planejamento e comércio durante o século XIX, e
também com os avanços nas tecnologias para desenho e reprodução de imagens.
O método gráfico foi oficialmente reconhecido e aceito nas publicações como um
elemento adicional de informação, ainda que muitos economistas e políticos criti-
cassem tal método alegando falta de rigor científico.
O primeiro passo para o crescimento da representação visual de da-
dos foi o estabelecimento, na Europa, de oficinas estatísticas. Isso
evidenciou um reconhecimento da importância crescente da infor-
mação estatística para o planejamento social, a industrialização, o
comércio e o transporte (PONTIS, 2007).

Consequentemente, os objetos da visualização de dados mantém estreita relação


com os modelos teóricos de cada período, os avanços tecnológicos e, obviamente, a
acumulação de conhecimento; enfim, com as maneiras como o sujeito histórico de
cada momento concebia a si mesmo e àquilo que se entende como real.

2 Time-series é o termo com que Tufte (2001) descreve as tipologias gráficas de linha de tempo.
Uma outra forma de reconstruir essa trajetória é pensá-la como a história das 21
ferramentas desenvolvidas para aumentar a cognição humana.
Datam deste período alguns trabalhos que viriam tornar-se clássicos da visua-
lização de dados, como a Carta Figurativa desenvolvida por Charles Joseph Minard
(1781-1870), um engenheiro francês, em 1869, representando o avanço das tropas de
Napoleão e a emblemática derrota deste ao invadir a Rússia em 1812. Tufte o conside-
ra como sendo “possivelmente o melhor gráfico estatístico de todos os tempos” (TUF-
TE, 2001, p.40) pela quantidade (e efetividade) de variáveis que consegue representar
numa mesma superfície bidimensional.

Figura 6: Carta Figurativa desenvolvida por Charles Joseph Minard, em 1869, que representa o
avanço das tropas napoleônicas e sua derrota ao invadir a Rússia em 1812. Tornou-se um clássico
da visualização de dados por conseguir representar de forma simples uma grande quantidade
de variáveis.

Começando pela esquerda na fronteira russo-polonesa perto do rio Niemen, a fai-


xa espessa mostra o tamanho do exército francês (422.000 homens), quando invadiu
a Rússia em Junho de 1812. A largura da faixa indica o tamanho do exército em cada
local no mapa. Em setembro, o exército chegou a Moscou – já então saqueada e de-
serta – com 100.000 homens. O caminho da retirada de Napoleão de Moscou está re-
presentado pela faixa mais escura e menor, que está ligada a uma escala de tempera-
turas e datas na parte inferior da tabela. Foi um inverno frio, e muitos congelaram na
marcha de saída da Rússia. Como mostra o gráfico, a travessia do rio Berezina foi um
desastre, e finalmente o exército voltou para a Polônia com apenas 10.000 homens.
Também são mostrados os movimentos de tropas auxiliares, como se pretendeu pro-
teger do avanço do exército. O gráfico de Minard conta uma história rica, coerente, 22
com dados multivariados, muito mais esclarecedor do que apenas um único número
que aparece ao longo do tempo. Cinco variáveis são traçadas: o tamanho do exército,
a sua localização sobre uma superfície bidimensional, a direção do movimento do
exército, e a temperatura em diversas datas durante a retirada de Moscou. (TUFTE,
2001)
Outro trabalho que se tornou paradigmático é o famoso mapa do Dr. John Snow,
que revelava a localização das mortes por cólera no centro de Londres, em Setembro
de 1854. A doença mais devastadora das grandes cidades européias no século XIX foi
o cólera. Com falta de remoção de lixo, água potável e rede de esgotos, Londres era o
terreno ideal para uma doença que ninguém sabia qual a cura. O consenso era de que
o cólera era transmitido através do ar.
No mapa, Snow marcou com pontos as mortes por cólera e com pequenos qua-
drados as onze bombas de água localizadas na região. Ao estudar o padrão que sur-
giu a partir desta codificação e conversando com residentes locais, ele percebeu que
o maior indício de mortes ocorria cerca da uma das bombas de água da cidade, a
Broad Street, evidenciando a estreita relação existente entre a qualidade da água e a
proliferação da doença. Ele mostrou que companhias que captavam água de pontos
poluídos do Thames, ao levarem esta água para áreas residenciais, aumentavam a
incidência do cólera.

Figura 7: Mapa de John Snow mos-


trando os casos de morte por cólera
em Londres, na epidemia de 1854.
3.1.1 Visualização de dados na modernidade
23
O século XX será fortemente marcado no plano ideológico pela supremacia do pen-
samento racionalista e no plano cultural pelo conjunto dos movimentos que se tor-
naram conhecidos sob a denominação de modernismo. Ainda que seja bastante
redutor descrever tão brevemente as características e o impacto da concepção mo-
derna de mundo, eram bastante marcantes e evidentes sua crença na objetividade,
na funcionalidade, no cientificismo e em princípios universais de representação e
linguagem visual.
Dois ícones para a história da visualização de dados e representativos do Zeitgeist
(espírito de época) deste período foram a criação da linguagem ISOTYPE (Internatio-
nal System of Typographic Picture Education) pelo cientista social Otto Neurath (1822-
1945) durante a década de 30, em Viena, e a introdução do novo design do sistema de
metrô de Londres por Henry C. Beck (1903-1974), em 1936.
O primeiro se tratava de uma linguagem de imagens que combinava princípios
de síntese visual, organização de informação e elaboração de codificações internas
para o sistema de signos, e se tornaria de uma profunda influência para o design de
informação até hoje, sobretudo para os pictogramas3 e infográficos4 jornalísticos.

Figura 8: Alguns dos cerca de


4000 ícones idealizado por Otto
Neurath e desenvolvido por Gert
Arntz que obedeciam à lingua-
gem ISOTYPE.

3  Um pictograma é um símbolo que representa um objeto ou conceito por meio de desenhos figurativos que pretendem ser
auto-explicativos e universais. A sinalização de locais públicos e a infografia utilizam largamente esse recurso.
4  Infográficos ou infografia são representações visuais de informação. Esses gráficos, por meio de ilustrações, diagramas
e textos, detalham uma série de informações que somente o recurso textual não seria capaz de transmitir. São frequente-
mente utilizados em jornais, revistas e outras publicações de caráter científico, educacional ou técnico, e tendem a máxima
eficiência na transmissão de informação.
24

Figura 9: Infográfico de Otto Neurah e Gert Artz que relaciona produção e quantidade de arte-
sãos e de operários fabris na Inglaterra entre 1820 e 1880.

O sistema ISOTYPE era composto por uma determinada configura-


ção de símbolos pictográficos que Neurath chamava de “signos”, que
poderiam ser modificados dependendo do contexto da informação
a ser descrita. Esses pictogramas eram organizados seguindo uma
sintaxe precisa desenvolvida por Neurath e sua equipe. O sistema
ISOTYPE deveria, primeiramente, oferecer os fatos mais importan-
tes da proposição que estivesse descrevendo e, para tanto, o desig-
ner deveria seguir as regras propostas no sistema. (LIMA, 2008)

Os símbolos do ISOTYPE eram projetados para serem auto-explicativos. Os dese-


nhos extremamente sintéticos [...], sem descrever as faces do rosto ou muitos deta-
lhes da roupa, davam aos símbolos uma sensação de generalidade.
Apesar da pretensiosa e utópica elaboração de uma linguagem visual universal, 25
e de seu estilo gráfico ter se tornado referência para vários sistemas de pictogramas
que viriam a ser desenvolvidos a partir de então, talvez o maior legado do trabalho
de Neurath esteja na organização e configuração de elementos, palavras e imagens.
É a lógica desta organização, a “sintaxe precisa” desenvolvida que torna o ISOTYPE
uma das primeiras manifestações de design da informação que levavam em conta o
processo de organização e edição da informação como parte fundamental do proces-
so5. Sob a perspectiva de Nerath, dados são conjuntos complexos a serem editados e
codificados.
O segundo exemplo, como adiantado acima, foi o mapa do metrô de Londres apre-
sentado por Henry Beck, um engenheiro projetista, em 1931, mas somente aceito em
1933 por conta da radicalidade que significava em relação aos mapas de transporte
público existentes até então. Concebido como um circuito elétrico — afinal, o que tra-
duziria melhor a metrópole como signo da força modernizadora senão sua concep-
ção como fluxo de energia? — foram utilizadas apenas linhas verticais, horizontais
e a 45 graus. As estações foram distribuídas de modo praticamente equidistante. O
mapa resultante era geograficamente impreciso, mas fácil de utilizar para determi-
nar a forma de aceder ao ponto “A” para ir ao “B”. A solução encontrada por Beck foi
logo copiada pela maioria das companhias de metrô e ônibus em todo o mundo.
“Tão eficaz foi esse mapa incrivelmente simples e legível que sua representa-
ção de Londres se tornou uma das imagens mentais mais amplamente aceitas da
cidade”6 (FORTY, 2007, p. 315). Forty, apesar de reconhecer a eficiência do design de-
senvolvido e sua capacidade de transmitir “em um só golpe” a imagem da cidade,
atenta para alguns significados simbólicos aí contidos:

Contudo, apesar de toda sua clareza, é altamente enganador; ao


contrário dos mapas anteriores, que representavam as estações em
suas posições geográficas corretas, o novo mapa não somente reor-
ganizava as linhas ao longo de eixos horizontais , verticais ou de 45
graus, como também aumentava a distância entre as estações da

5  Entre o fim dos anos de 1920 e o começo de 1930 a equipe de Neurath era formada por 25 pessoas, divididas em três gru-
pos: os coletores de dados, os “transformadores” e os artistas gráficos, como eram chamados. A fase inicial do processo era
feita pelos coletores de dados que eram economistas, historiadores e especialistas em estatística. Em seguida os “transfor-
madores” organizam e editavam a informação coletada, Twyman (1975) descreve estes últimos como editores visuais, que
eles precisavam conhecer o dados coletados e ter a capacidade de projetar a configuração final dos elementos, embora não
tivessem necessariamente o conhecimento para finalizar o processo. O estágio final ficava ao encargo dos artistas gráficos,
que desenhavam os símbolos e as artes-finais. (LIMA, 2008)
6  O novo mapa para o metrô foi apenas uma das medidas da política de design corporativo tomada pela London Transport
no início do século XX. Sendo uma empresa formada a partir da fusão de 165 companhias, antes separadas e idependentes
(FORTY, 2007), era preciso transmitir a ordem de um sistema agora unificado e moderno.
área central e reduzia a distância entre as estações das áreas perifé-
26
ricas. (FORTY, 2007, p. 315)

Figura 10: Mapa do metô de Londres, desenvolvido por Henry Beck, em 1931 . Propunha uma nova
forma de representação esquemática em lugar da representação geográfica exata predominan-
te até então.

Do ponto de vista da história da representação, o sistema de Beck introduziu “[...]


uma nova forma de representação da realidade: a esquematização de um mapa. Ape-
sar da diversificação de tipologias gráficas, os mapas ainda conservavam as mesmas
características dos últimos 130 anos” (PONTIS, 2007). Neste mapa os traços geográfi-
cos desaparecem quase em sua totalidade e são substituídos por um nível maior da
abstração. “A partir desse momento, o importante em uma construção geográfica de
transporte foi representar um recorrido, sem especificar se no meio de tal recorrido
havia uma colina ou não” (PONTIS, 2007).
Ambos os exemplos se inserem na questão da síntese e da abstração – que por
vezes se mostrará reducionista, apesar de eficiente –, realizadas de um modo siste-
mático, como modelo de organização e representação informacional.
Para Edward Tufte, considerado por muitos como o principal nome do design de 27
informação da atualidade, “toda a história da visualização de informação e gráficos
estatísticos — na verdade, de qualquer dispositivo de comunicação — é um progres-
so dos métodos para aumentar a densidade, complexidade, dimensionalidade, e às
vezes inclusive beleza” (TUFTE, 1990, p. 33). O mundo é complexo, dinâmico, multidi-
mensional, diz ele. Como representar a riqueza visual desta experiência?

3.1.2 Visualização de dados na pós-modernidade

Uma das características mais marcantes da cultura visual contemporânea é o au-


mento da tendência de visualizar coisas que não são visualizáveis em si mesmas.
Para isso, conta-se com a inestimável ajuda do desenvolvimento da capacidade tec-
nológica, que torna visível aquilo que não poderia ser visto sem a sua colaboração.
Martin Heidegger, filósofo alemão, foi uma das primeiras pessoas a atentar para
o crescimento da imagem no mundo. Segundo ele, “uma imagem do mundo [...] não
consiste em uma fotografia do mundo, mas sim o mundo concebido e captado como
uma imagem [...]” (MIRZOEFF, 2003, p. 22)
A crescente presença da imagem de que fala Mirzoeff, e que é facilmente percep-
tível em qualquer análise que se faça da cultura visual contemporânea, “[...] deve-se
ao fato de que a revolução tecnológica tem colocado um enorme aparato à serviço
da visão de modo que não se pode negar que o século XX foi o século do triunfo da
tecnovisão” (SANTAELLA, 2007). No mesmo texto, Santaella aponta a visualização de
dados como um dos tipos de imagens simuladas (imagens digitais), particularmente
novas dentro da categoria que a autora denomina de estéticas tecnológicas7.
A visualização de dados é uma das formas culturais (MANOVICH, 2002) que
emerge do contexto de complexidade crescente de informação e das possibilidades
trazidas pelo advento da tecnologia digital. Será utilizada aqui a definição dada por
Manovich, em clássico artigo para a área, intitulado A visualização de dados como
anti sublime e nova abstração: “Usarei o termo visualização para aquelas situações
em que dados quantitativos que, em si mesmos, não são visuais, são transformados
em uma representação visual” (MANOVICH, 2002).
A visualização de dados, portanto, concentra-se nos métodos que revelam os padrões
escondidos no interior do conjunto de dados, tais como as semelhanças e diferenças en-

7  Ao usar este termo, Santaella (2007) em seu artigo As imagens no contexto das estéticas tecnológicas, refere-se às “[...]
condições propiciadas pelos aparelhos, dispositivos e suportes tecnológicos que, desde a invenção da fotografia até os hibri-
dismos permitidos pelo ciberespaço e pelas invenções tecno-científicas contemporâneas, de modo cada vez mais vertigino-
so, vêm ampliando e transformando as bases materiais e os potenciais dos modos de produção estéticos”.
tre os múltiplos itens e na detecção de tendências específicas (LAU; MOERE, 2007). 28
Ao converter os conjuntos de dados em representações gráficas através de me-
táforas que tornam visíveis padrões e relações entre os elementos deste conjunto,
a visualização de dados surge como uma saída para auxiliar a cognição humana a
dotar de sentido o caos informacional que a rodeia.

As massas de dados são estruturas tão complexas e vastas que tal-


vez a melhor maneira de fazer compreender a todos as relações en-
tre seus elementos e revelar os padrões de significado que ocultam
não seja com palavras. Os mapas, a sinalização e os gráficos estatís-
ticos tem sido formas tradicionais de dar uma dimensão visual às
relações entre elementos concretos. Mas desde que geramos e re-
compilamos mais montanhas de dados, e o fazemos quase em tem-
po real, necessitamos de sistemas que os representem e mostrem
dinamicamente as respostas que ocultam. Assim nasceu a arte a a
ciência da visualização de dados (VICENTE, 2007).

Advinda nos anos 80 de campos relacionados à engenharia e ciência da computa-


8
ção , e fortemente atrelada em sua origem à uma visão pragmática e funcionalista, a
visualização de dados como área de investigação e experimentação inclui uma série
de ferramentas e técnicas utilizadas na elaboração metáforas visuais que ajudem
a compreender, criar e experienciar a realidade de um mundo abstrato e complexo.
Se por um lado a visualização de dados emerge como uma saída que ajuda à as-
similação da “inundação” de dados, a recente apropriação por parte de designers e
artistas das ferramentas e técnicas utilizadas até então apenas com intuitos científi-
cos, como se verá no desenvolver do trabalho, vem expandir as possibilidades da ca-
tegoria e muitas vezes subverter as intencionalidades funcionais originais do objeto.
São projetos que não estão mais necessariamente relacionados a tornar acessíveis
dados abstratos, mas sobretudo a criar mundos sensíveis a partir dos dados. Há um
diálogo que se estabelece entre a tecnologia e a arte, por meio das práticas artísticas
de visualização de dados, e sua condição não apenas como produto, mas também
como processo. É isto que permeia grande parte das reflexões do presente trabalho.
Mapear (transformar) dados em numa forma visual tem um significado facil-
mente compreensível quando os dados em questão possuem uma natureza geográ-
fica. Por exemplo, a maioria das pessoas está muito familiarizada com os mapas que
mostram diferenças de temperaturas entre estados ou continentes, que já há bas-

8  Não é nenhuma coincidência que o surgimento da visualização de dados como campo autônomo tenha acontecido na
mesma década da emergência da “sociedade informacional” e da popularização dos meios digitais.
tante tempo são utilizados em jornais ou noticiários televisivos. Ou também, com 29
os tradicionais mapas de metrô das grandes cidades. Mas o exercício imaginativo e
associativo se torna menos óbvio quando o volume de dados mapeados não possui
associações geográficas ou físicas diretas9. Como seria, por exemplo, a aparência de
uma visualização de emails de spam? Ou do ciberespaço? Como se poderia represen-
tar as dinâmicas da bolsa de valores com mais riqueza visual e complexidade do que
simplesmente através de gráficos estatísticos?

3.2 Algumas definições


Antes de resgatar de maneira mais detalhada os desdobramentos atuais da visuali-
zação de dados, convém pontuar algumas definições úteis.

3.2.1 Dados e informação

Nos meios que se dedicam ao presente tema, nem sempre há consenso na termi-
nologia adotada. A própria denominação visualização de dados, que tem-se utilizado
ao largo do trabalho não é unânime, dando lugar, muitas vezes, ao termo visualiza-
ção de informação. Faz-se, portanto, fundamental para pensar o objeto central deste
trabalho, por questões de clareza, diferenciar informação e dados e explicitar porque
priorizou-se o uso do primeiro termo.
Porat (apud CASTELLS, 2003) define que “informação são dados que foram organi-
zados e comunicados”.
Utilizando a noção que se têm na ciência, dados podem ser entendidos como

[…] um conjunto de medidas extraídas do fluxo do real. Neles mes-


mos, tais medidas são abstratas, vazias, sem significado. Somente
quando organizado e contextualizado por um observador é que este
dado transmite informação, mensagem ou significado. Os concei-
tos são dois lados de uma mesma coisa: dados são a matéria bruta
da informação, seu substrato; informação é o significado derivado
de um dado em um contexto específico (WHITELAW, 2008).

Essa distinção será crucial nas análises de projetos de visualização de dados pre-
sentes neste trabalho. Sendo materializados a partir de dados, tais projetos envolvem

9  Serão denominadas de “visualizações científicas” as visualizações cujos dados possuem uma existência física: satélites,
visualizações geográficas e meteorológicas, etc. O resultado desse processo possui, portanto, as “marcas” da realidade pre-
sentes em sua superfície.
inevitavelmente seu lado “complementar”, qual seja, a informação. Porém, se verifica 30
que frequentemente os trabalhos artísticos de visualização de dados possuem uma
resistência interna a se tornarem informação. Existem nesses casos prioridades ou-
tras que não a comunicação inteligível e a clarificação de uma mensagem contida
nos dados – ou ao menos resta a liberdade de optar por outras prioridades.
Entendendo, portanto, a informação como os dados não somente organizados e
tornados visíveis, mas envolvidos no processo de comunicação – que pressupõe um
observador – será dada preferência ao uso de visualização de dados em detrimento
à visualização de informação, ainda que o segundo termo seja relativamente mais
frequente nos canais de discussão e divulgação de projetos desta natureza.
A visualização de dados é capaz de transformar dados em informação. Mas não
necessariamente. Desse modo, está se referindo ao processo de transformar uma
massa abstrata de dados numa representação visual.

3.2.2 Mapeamento

Outro termo que merece atenção — não por suscitar divergência no emprego que
se dá a ele, como era o caso anterior — mas porque ocupa um lugar importante no
campo da visualização de dados, é o mapeamento.
Manovich (2002) define que o mapeamento é a tradução de uma forma de repre-
sentação a outra. Para o autor, a visualização pode ser considerada como um subcon-
junto particular de mapeamento no qual um conjunto de dados é mapeado em uma
imagem. Mapear, significa portanto, aplicar um conjunto de regras pré-definidas
aos valores numéricos e textuais contidos no conjunto de dados. Tipicamente, cada
elemento do conjunto de dados corresponde à uma única entidade visual, como um
ponto, uma linha, um polígono ou um objeto tridimensional. Cada entidade visual
é então manipulada (posição, direção, cor, tamanho, forma) de acordo com valores
específicos que representa no sistema. (MOERE, 2009)
Justamente porque os conjuntos de dados não possuem uma forma visual intrín-
seca, é necessário criar uma metáfora para traduzir esses valores em uma represen-
tação (MOERE, 2009). No mapeamento é que se definem os parâmetros da visualiza-
ção. A partir de um banco de dados abstrato, são estabelecidas relações, hierarquias,
escolhe-se o que será visualizado e como o será. São, enfim, as regras que permitem
que um conjunto de dados torne-se visível.
04

01 apresentação

02 contextualização
4.1 Panorama geral
4.2 Novos meios visualização
4.3 Projetos em desenvolvimento
03 de dados
4.3.1 I Want you to Want Me, a multiplicidade narrativa
4.3.2 Writing without words, literatura como organismo estado atual
4.3.3 House of Cards, tudo são dados 04 da arte
4.4 Caminhos
4.4.1 Transubstancialidade
05 perspectivas
4.4.2 Linguagem
4.4.3 Democratização

06 bibliografia
4.1 Panorama geral 32
A partir dos anos 40 se inicia um processo chamado por alguns pesquisadores
de Renascimento da Visualização de Dados (FRIENDLY; DENIS, 2001), durante o qual
ocorreram mudanças que contribuiram para a atual fase da disciplina.
Na França, Jacques Bertin (1918 -) publicou a obra “Semiologia Gráfica” (1963), que
converteu-se rapidamente no livro essencial para organizar elementos da percepção
visual e gráfica, de acordo às características e relações contidas nos dados, desenvol-
vendo uma teoria sobre os modos de representação e símbolos gráficos.
Nos Estados Unidos, John Tukey (1915 - 2000), na sua publicação “O futuro da
análise de dados” realiza uma chamada para o reconhecimento da análise de dados
como um ramo legítimo da estatística, distinto das estatísticas matemáticas. Em
seguida, ele inicia a invenção de uma ampla variedade de novas, simples e efetivas
maneiras de expor dados, sob a denominação “Análise exploratória de Dados”. Estas
inovações gráficas, somadas à influência de Tukey no meio estatístico, fizeram com
que os gráficos de dados se tornassem mais reconhecidos e relevantes.
Mas de fato, seria o advento da revolução digital — parcialmente descrita em
parágrafos anteriores — desencadeada com o surgimento do primeiro computador,
em 1944, mas cuja definitiva consolidação se daria nos anos 80, a que viria a transfor-
mar profundamente o status e a própria natureza da visualização de dados.
Tal transformação deve-se, em parte a fatores intrínsecos aos objetos dos meios
digitais, como a interatividade e a representação numérica, facilitando de sobrema-
neira o processo de transformar um conjunto de dados em uma imagem.
Manovich (in LEÃO, 2005) defende que se trata de um estágio significativamente
distinto em relação às visualizações precedentes

[...] o uso da computação torna tais representações a norma e não


simples exceções. Ela permite, igualmente, várias novas técnicas e
usos para a visualização. Com os computadores, podemos visuali-
zar conjuntos muitos mais amplos, criar visualizações dinâmicas
(isto é, animadas e interativas), alimentar dados em tempo real,
basear as representações gráficas de dados em sua análise mate-
mática, usando vários métodos, da estatística clássica à prospecção
de dados, mapear um tipo de representação em outro (imagens em
sons, sons em espaços tridimensionais etc.) (MANOVICH in LEÃO,
2005, p. 149).

Um projeto paradigmático desse período foi desenvolvido pelo cientista da com-


putação Ben Shneiderman. Em 1990, Shneiderman estava partilhando um compu-
tador com 14 pessoas e queria descobrir quem estava utilizando espaço no disco rí- 33
gido. Sua solução foi a de dividir a tela horizontalmente e verticalmente em caixas
que representavam a utilização proporcional. Shneiderman chamou este display de
“mapa em árvore” (treemap), porque ele possibilitava uma visão completa de uma
estrutura em árvore, frequentemente utilizada na computação científica e em outras
áreas para representar hierarquia informacional. Além de permitir uma visão geral
dos dados, o treemap de Shneiderman, permitia aplicar zoom e filtros à caixas espe-
cíficas, refinando e especializando a exploração do usuário. Ao longo dos anos, ele
e outros desenvolveram uma série de ferramentas para análise de dados que tiram
proveito da visão para reconhecimento de padrões de comportamento e sistemas de
organização.

Figura 11: Conceito do “mapa de árvore” (treemap) de Ben Shneiderman, implementado por
Brian Johnson, 1990.

Surgem também gráficos dinâmicos e multivariáveis (até então, como visto no


histórico, era difícil a ocorrência da representação gráfica de mais de duas variáveis),
fazendo com que a complexidade presente num determinado conjunto de dados e,
ao fim, na própria realidade de onde estes são originários, seja representado de um 34
modo mais apropriado.
Ainda que o advento de tais inovações tenha auxiliado no desenvolvimento de
alguns novos paradigmas científicos, tais como a teoria do caos, da complexidade e
da vida artificial, e sustentado um novo campo de visualização científica utilizado na
biologia, com a visualização do DNA e das proteínas, e na moderna medicina — que
tornará o corpo e seu funcionamento objeto de perscrutação e até fascínio — é na
produção cultural que a visualização emerge como nova categoria de imagem.

Embora as ciências puras e aplicadas contemporâneas, da matemá-


tica e física à biologia e medicina, dependam em ampla medida da
visualização de dados, na esfera cultural, a visualização, até bem
pouco tempo, foi usada em escala muito mais reduzida, limitando-
se a gráficos e tabelas bidimensionais na seção financeira de um
jornal ou em uma visualização tridimensional ocasional na televi-
são para ilustrar a trajetória de uma estação espacial ou de um mís-
sil. (MANOVICH in LEÃO, 2005, pg. 150)

A crescente presença da visualização de dados passa muitas vezes despercebida


sob a forma das já comuns nuvens de tags1 (tag clouds) utilizadas em muitos websites
para mostrar a recorrência de palavras-chave no seu conteúdo, dos visualizadores de
música em programas reprodutores de mídias digitais como windows media player
e de infográficos, cada vez mais utilizados em jornais e revistas como ferramenta de
auxílio à comunicação.

Figura 12: Exemplo de nuvem de tags. A recorrência das palavras-chave é indicada por seu tamanho.

1  Uma tag é uma palavra-chave (relevante) ou termo associado com uma informação (ex: uma imagem, um artigo, um
vídeo) que o descreve e permite uma classificação da informação baseada em palavras-chave. (fonte: Wikipedia)
35

Figura 13: Oriente Médio: quem apóia o cessar-fogo imediato? O infográfico acima foi publicado
na primeira página do jornal inglês “The Independent”, durante a crise do Oriente-Médio em
julho de 2007.

Figura 14: Virtual water (2007). Infográfico do designer alemão Timm Kekeritz que apresenta o
gasto de água na produção de alimentos.
36

Figura 15: News map (http://newsmap.jp/). Interface de navegação na internet que organiza vi-
sualmente as notícias do Google News, destacando as mais lidas por tamanho e classificando-as
por cor. Cada cor corresponde à uma temática, podendo-se escolher quais se quer visualizar. As
diferentes tonalidades no mesmo grupo de cores indica a atualidade da notícia (quanto mais
clara, mais recente). O usuário pode ainda escolher que editorias quer monitorar e quais países
incluir. Colocando-se o mouse sobre a manchete pode-se ler o início da notícia e com um clic se
tem acesso à notícia completa em sua fonte de origem.

O campo vem ganhando espaço em universidades e na Internet. Laboratórios


como o MIT Media Lab (Massachusetts Institute of Technology)2e o IBM Research3,
da empresa IBM, possuem pesquisas específicas em visualização e afirmam-se cada
vez mais como espaços de inovação, investigação e colaboração entre designers, cien-
tistas e artistas das novas mídias. Sites como Infosthetics4 e Visual Complexity5, reú-

2  http://www.media.mit.edu/
3  http://www.research.ibm.com/
4  http://infosthetics.com/
5  http://www.visualcomplexity.com/vc/
nem cada vez mais projetos, usuários e visibilidade, inclusive fora da Internet. A ex- 37
posição “Design and the Elastic Mind”, realizada em 2008 no MoMA (Museo de Arte
Moderna de Nova York)6 tinha a visualização de dados como uma de suas categorias.
Ao descrever o caráter e o modo pelo qual se acede à informação na sociedade
atual, em contraponto a outras épocas, Manovich declara que “se as culturas tradi-
cionais ofereciam às pessoas narrações bem definidas (mitos e religião) e pouca in-
formação solta, hoje em dia temos muita informação e demasiado poucas narrações
que possamos ligar entre si”. (MANOVICH, 2006, p. 282)
Transformando dados abstratos em informação cognitivamente assimilável atra-
vés de narrativas imagéticas, os projetos de visualização fascinam tanto pelas histó-
rias que fazem surgir quanto pelas imagens que ilustram essas histórias.
São as franjas estéticas da tecnologia que brotam de sua exuberância, algo trans-
bordante, inútil para os propósitos da ciência, mas insistente na beleza com que pre-
mia os nossos sentidos. Uma estética que nasce da capacidade tradutória cada vez
mais sutil das tecnologias para trazerem as abstrações inteligíveis à superfície epi-
dérmica dos sentidos. (SANTAELLA, 2007)

Figura 16: Ben Fry, Isometric Haplotype Blocks (2001). Visualização interativa do genoma de mais
de 500 pessoas.

6  A exposição reunia projetos que destacavam a especial habilidade do design de apreender mudanças na tecnologia, ciên-
cia e história — que consequentemente requerem adaptações ao comportamento humano decorrente deste cenário — e
traduzir isso em objetos.
38

Figura 17: Fernanda Viégas, History Flow (2003), transforma em visualização dinâmica de dados
os documentos e as interações de múltiplos autores colaboradores na criação e evolução de um
artigo da Wikipedia.

Figura 18: Moritz Stefaner (2009). Visualização do fluxo de informação na ciência. Eigenfactor.
org é um projeto de pesquisa acadêmica não-comercial patrocinado pelo laboratório Bergstrom
do Departamento de Biologia da Universidade de Washington. Eigenfactor classifica revistas
assim como o Google classifica sites, criando uma vasta rede de citações. Eigenfactor usa a es-
trutura de toda a rede (em vez de meramente informações de citações locais) para avaliar a
importância de cada revista.
39

Figura 19: Kevin Boyack, John Burgoon, Peter Kennard, Dick Klavans, W. Bradford Paley (2006),
Mapping Scientific Paradigms. O mapa foi construido ao classificar cerca de 800.000 artigos aca-
dêmicos (mostrados como pontos brancos) em 776 paradigmas científicos diferentes (pontos
vermelhos redondos), baseados na frequência com que artigos foram citados juntos com outros
autores de outros artigos.

Numa época em que “todo design se tornou design de informação”, Manovich


(2006) assinala a necessidade de uma nova categoria teórica, a infoestética, a saber,
uma análise da estética de acesso à informação, assim como da criação dos objetos
dos novos meios que estetizam o processamento de informação.
A infoestética, esclarece, refere-se às várias práticas culturais contemporâneas 40
que podem ser melhor compreendidas como respostas às novas prioridades da socie-
dade da informação: dar sentido à informação, trabalhar com informação, produzir
conhecimento a partir da informação (MANOVICH, 2005). Certamente, a visualiza-
ção não constitui o único objeto da proposta infoestética, mas é um dos mais eviden-
tes e promissores.
Entretanto, a visualização pode atuar não apenas como um filtro codificador que
dote de sentido o “caos informacional”. Alguns projetos recentes, num movimento
distinto, mas não necessariamente contrário, têm utilizado esse “caos” como material
escultural. Uma espécie de alquimia de dados em poesia visual que se utiliza de algo
tão crucial para a sociedade contemporânea quanto a informação como input criativo.
Para Eric Rodenbeck, renomado designer da área, a visualização tem se tor-
nado mais do que uma série de ferramentas, tecnologias e técnicas para entender
um grande conjunto de dados. “Ela está emergindo como um meio em si mesmo, com
um vasto potencial expressivo”. (INFORMATION AESTHETICS, 2009)
Esta autonomia se deve também ao fato de que não somente a ciência têm se
valido das inovações e possibilidades trazidas pela visualização, ou não têm estado
mais sozinha nesse terreno. Artistas e designers, fazendo uso daquelas mesmas fer-
ramentas há pouco restritas a finalidades utilitárias, ao apropriarem-se desse pro-
cesso, expandem seus limites e possibilitam o aparecimento de novos e instigantes
projetos, relacionadas muito mais à exploração e à contemplação, do que à inteligi-
bilidade informacional.
São projetos como o “Poetry on the Road” (2006)7, de Boris Muller, que transforma
um texto literário em imagem através de um preciso processo de codificação do tex-
to. A imagem resultante, gerada por um programa de computador, impressiona pela
beleza e pelo processo generativo, no qual o designer atua como um estabelecedor
das regras que regem uma complexidade organizada.

7  Na verdade, Poetry on the Road é o nome de um festival literário que acontece todo ano em Bremen, Alemanha. Desde
2002, Boris Muller é o designer responsável pela identidade visual do festival. O projeto exposto acima é referente ao festi-
val de 2006. Apesar de que o tema sempre muda, a estratégia para elaboração da identidade é sempre a mesma: todas as
gráficas são geradas por um programa de computador que transforma textos em imagens. Cada imagem é a representação
direta de um texto específico.
41

Figura 20: Boris Muller, Poetry on the Road (2006). O conceito para desenvolvimento da ima-
gem acima foi baseado numa velha técnica de codificação textual. Como Muller explica: “Nós
assignamos um valor numérico para cada letra do alfabeto. Assim, cada palavra era uma soma
numérica. (Por exemplo, o número 99 representaria a palavra ‘poesia’). Usando esse sistema,
todo o poema pode ser organizado num caminho circular. O diâmetro de cada círculo é baseado
no comprimento do poema. Os poemas mais curtos ficam no centro do poster, enquanto os mais
longos na parte externa. Os círculos vermelhos que permeiam a imagem representam um nú-
mero. Como várias palavras podem partilhar o mesmo número (‘poesia’ corresponde ao número
99, assim como ‘pensamento’ e ‘letras’), muitos círculos representam simultaneamente dife-
rentes palavras. Finalmente, as linhas cinzas conectam as palavras do poema em sua sequencia
original. Assim, as linhas mais grossas representam padrões repetitivos do poema.”

Como soam e aparentam 100.000 pessoas conversando na internet? Foi essa a


curiosidade motivadora de Ben Rubin, um artista mutimídia, e Mark Hansen, um
estatístico, para desenvolver o “Listening Post” (2000), um projeto que encontra po-
ética no murmúrio do universo comunicativo contemporâneo. Em uma sala escura,
palavras e frases aleatórias recolhidas em tempo real de fóruns e salas de bate papo
na Internet são exibidas em uma rede formada por mais de 200 pequenas telas lu-
minosas suspensas numa estrutura curva. Simultaneamente, as palavras são recita-
das por um coro de oito sintetizadores de voz, provenientes de diferentes pontos da
sala. Ao dissociar a comunicação de seu contexto originário, o “Listening Post” traduz
para uma escala humana, sonora e visualmente, a magnitude e imediatez da comu-
nicação virtual ao mesmo tempo em que tensiona e expande noções como tempo e 42
espaço, público e privado. A música que emerge a partir de fragmentos de discursos
justapostos e recontextualizados funciona como um poema remixado que evoca a
necessidade humana de contato nos tempos da interconexão múltipla.

Figura 18: Ben Rubin, Mark Hansen, Listening Post (2000). Listening Post analisa todo o texto
digitado, por dezenas de milhares de pessoas em salas de chat em todo o mundo, capturando
fragmentos. Apresenta-os em seis diferentes “movimentos”, cada qual com um arranjo visual e
sonoro diferente, seguindo uma lógica própria no tratamento dos dados. No primeiro movimen-
to, por exemplo, Listening Post monitora e exibe um texto digitado aleatoriamente começando
com “eu sou”.
Baseado no mesmo princípio do Listening Post, mas com um enfoque um pouco 43
distinto, o projeto We feel fine, de Jonathan Harris e Sep Kamvar é um software que
rastreia a internet de dez em dez minutos, buscando em blogs frases que contenham
as expressões “sinto-me” ou “estou me sentindo” e é intitulado pelos próprios autores
como “uma exploração das emoções humanas”. O pequeno espião poético aproveita
a viagem e captura também (se houver disponível) alguma imagem e informações
básicas do post como local, horário e sexo de quem escreve. As frases e expressões,
assim como as possíveis fotos associadas, são transformados em pontinhos de di-
ferentes cores e formas que dançam na tela e reagem ao clique do mouse “...como
pequenos organismos unicelulares que carregam vidas concentradas...” (MINI, 2009).
Ao clicar em um desses pontos, uma frase é destacada. É possível ler ali o “sentimen-
to” de alguém. “Um fragmento com essa qualidade [...] tem a propriedade de nos co-
nectar instantaneamente com uma outra vida, com as angústias, compromissos ou
amores de um outro ser” (MINI, 2009). Nas palavras de Jonathan Harris & Sep Ka-
mvar na apresentação do site do projeto “Em sua essência, We feel fine, é uma arte de
autoria de todos”. A imagem aqui funciona, no sentido de que fala Maffesoli (1995),
como um sentir coletivo, um vetor de comunhão com os outros.
44

Figura 19: Jonathan Harris, Sep Kamvar, We feel fine (2006). A interface para esses dados é um
sistema auto-organizado de partículas, onde cada uma representa um sentimento único, posta-
do por um único indivíduo. As propriedades das partículas - cor, tamanho, forma, opacidade - in-
dicam a natureza do sentimento, podendo-se clicar em qualquer dos pontos para revelar a frase
completa ou fotografia que contém. Pode-se ainda, escolher distintos eixos para visualizar as in-
formações (sentimento, idade,local, data, tempo, gênero). We Feel Fine pinta estas imagens em
seis movimentos formais intitulados: loucura, murmúrios, colagem, massas, métrica e pilhas.

Os que, passada a anestesia estética inicial, se dispuserem a decifrar o enigma


que rege as fascinantes imagens, iniciam uma viagem exploratória e imersiva. O ob-
servador é aqui concebido numa perspectiva distinta de mero consumidor de ima-
gens “rasas” e facilmente esgotáveis. Os projetos interativos levam ao extremo essa
experiência, possibilitando não apenas o estabelecimento de um vínculo sensorial
com o usuário, mas tornando evidente o processo interno de formação da imagem. A
imagem interativa, como forma-fluxo em constante devir, aberta à indeterminação e
incerteza, por si só já se constitui num campo autônomo de investigação e mudança
paradigmática. Afinal, “[...] na visão cultural moderna, uma imagem de representa-
ção era algo que contemplávamos, não com que interagíamos” (MANOVICH in LEÃO,
2005, p. 35)
Jonathan Harris, uma das principais mentes criativas desse grupo de artistas, ao
comentar acerca da experiência do usuário com esses projetos, nos quais nem sem-
pre é fácil adentrar e assimilar, aponta que eles demandam mais de quem entra em
contato com eles, mas por outro lado também oferecem muito mais: “Há muitas suti-
lezas, muitas camadas, há reentrâncias e fissuras a serem exploradas” (HARRIS apud
MINI, 2009).
A apropriação artística provoca não somente um salto qualitativo estético nes- 45
ses objetos, mas abre legítima licença poética para a experimentação e a investiga-
ção. Quando se fala da atuação artística é importante não ter em mente, como ainda
existe em alguns espaços, a imagem do artista como gênio isolado. Ao contrário, o
sujeito produtor desses projetos é uma mistura de programador, artista, designer,
engenheiro de software e cientista; e frequentemente trabalha em conjunto. Uma
colizão positiva entre cálculos e estética que faz brotar em imagens fascinantes rela-
ções e padrões contidos num conjunto de dados. Característica que virá a tencionar
ainda mais os já tênues limites contemporâneos entre arte e ciência.
Pode-se dizer que os trabalhos artísticos de visualização de dados transcendem
a informação, orientando-nos para uma “experiência dos dados” (WHITELAW, 2008).

A arte dos dados provoca um movimento em direção à imersão e


sensação; salienta a abertura e a intuição, mais do que a extração de
valor ou significado. Acima de tudo, nos confronta com sua própria
imanência, uma multiplicidade de relações; com uma estrutura
como potencial, latente, e emergente. Esta postura está se tornando
uma espécie de auto-referencial afirmativo da sociedade em rede
(WHITELAW, 2008).

Esses projetos possuem uma relação dupla com as intencionalidades iniciais da


visualização, uma vez que não se relacionam necessariamente a tornar acessíveis da-
dos abstratos, ou em todo caso, não é essa sua preocupação prioritária; mas sobretu-
do se destinam a criar mundos sensíveis a partir de dados. O resultado, frequentemen-
te possuidor de uma beleza abstrata que impressiona e sensibiliza, muitas vezes não
estabelece uma relação visual imediata com os dados iniciais, caminhando rumo a
uma linguagem cada vez mais abstrata e codificada.
Tal imaginário artístico informacional, se assim se pode denominar, também se
peculiariza por utilizar como matéria-prima dados até então considerados ordiná-
rios para estes fins, aproximando-se para muitos, inclusive, da banalização do pro-
cesso. Numa perspectiva distinta, em contraponto, pode-se pensar essa feição como
uma espécie de “reencantamento do cotidiano” (WHITELAW, 2008) ou “estetização
da existência” (MAFFESOLI, 1995, p. 15) no qual a imagem atua como uma espécie de
“moldura do real” (WHITELAW, 2008), como um dispositivo que estabelece limiares
no fluxo da percepção e encontra beleza nesse enquadre da vida cotidiana. Ao con-
trário da concepção do Romantismo, por exemplo, tudo parece possível e digno de ser
plasmado em imagem.
Se os artistas românticos consideravam certos fenômenos como
46
não representáveis, como algo que está além dos limites dos senti-
dos e da razão humanos, os artistas da visualização de dados bus-
cam justamente o oposto: mapear tais fenômenos em uma repre-
sentação cuja escala seja comparável com as escalas da percepção e
cognição humanas.
[...]
O macro e o micro, o infinito e o interminável são mapeados em
objetos visuais manejáveis, que cabem dentro de uma única mol-
dura de browser. (MANOVICH in LEÃO, 2005, p. 158)

Figura 20: Alex Dragulescu, Spam Architecture. As imagens da série Spam Architecture são ge-
radas por um programa de computador que aceita como input emails de spam. Vários padrões,
palavras-chave e ritmos encontrados nos textos são traduzidos em modelagens tridimensionais
que, definitivamente, não são lixo, mas que, ironicamente, preservam o incômodo trazidos pelos
spams nas formas inquietantes. Dragulescu adiciona mistério a essa “mágica” transformação ao
não revelar qual a correspondência entre o banco de dados e a visualização.

A singularidade dessas imagens encontra-se não somente no excedente de be-


leza com que premiam o observador, mas no modo como internamente operam. Ao
conceberem e transformarem uma massa de dados num sistema dinâmico comple-
xo, através de regras e metáforas codificadoras que evidenciam padrões e estruturas
antes invisíveis que são então transformados em imagens. Metodologia que será
característica de uma arte com forte ênfase processual.
Para Manovich (2002), a mudança mais interessante e talvez mais importante 47
presente nessas produções é a possibilidade de representar a experiência subjetiva
de uma pessoa que vive numa sociedade de dados; uma sociedade cuja complexi-
dade é crescente, que possui cada vez mais camadas e conexões, estabelecidas por
crescente mediação tecnológica. Não por acaso, é notável um certo deslumbramento
acrítico pelos produtos e possibilidades da visualização e da própria arte tecnológica.
Utilizando um termo de Arlindo Machado (2005), pode-se pensá-las como novas
escrituras, novas formas de inscrever historicamente e sensivelmente o estar-no-
mundo, específicas e simbólicas do momento a que são contemporâneas, e como tal
modificam também a maneira como são lidas, afinal “só uma escritura nova pode
exigir uma nova modalidade de leitura” (MACHADO, 2005, p. 258).

4.2 Novos Meios


Muito se falou até o momento nos novos meios, ou meios digitais, e da singularidade
e potência de transformação que seu advento provocou. Cabe, portanto, esclarecer o
que o termo de fato designa antes de explorar mais atentamente quais seus funda-
mentos e em que consiste esse câmbio cultural.
A compreensão popular dos novos meios tende a identificá-los como objetos que
usam o computador para distribuição e exibição, muito mais do que para produção.
No entanto, assinala Manovich (2006), trata-se de uma definição limitada se se pre-
tende compreender os efeitos da informatização sobre a totalidade da cultura, afinal,
seja como aparato de exibição e distribuição, ferramenta de produção ou dispositivo de
armazenamento, o potencial para mudar as linguagens culturais vigentes é o mesmo.
Strictu sensu, a emergência dos novos meios significa que estes são, por fim, da-
dos numéricos acessíveis através de computador; significa a digitalização midiática.
Gráficos, imagens em movimento, sons, formas, espaços e textos se tornam computá-
veis, quer dizer: conjuntos simples de dados informáticos (MANOVICH, 2006).
Este fato abre caminhos para que a ordenação da informação siga outra lógica
que não a tradicional forma narrativa. Manovich defende que assim como a litera-
tura, e mais tarde o cinema, “privilegiaram a narração como a principal forma de
expressão cultural da era moderna, a era do computador introduz seu correlato, que
é a base de dados” (MANOVICH, 2006, pg. 283). Enquanto a primeira cria uma linha
de causa e efeito para elementos aparentemente desordenados, a segunda lida com
conjuntos de elementos individuais, onde cada um possui a mesma relevância que
qualquer dos demais.
Isso não significa que a base de dados não siga uma estrutura — por definição ela 48
é exatamente isso, um conjunto estruturado de dados —, mas que a nível de expe-
riência do usuário ela torna possível operações sobre os conjuntos informáticos de
natureza totalmente distinta daquelas experimentadas em outras mídias.
Obviamente, sempre é possível que se siga empregando a estrutura narrativa
para ordenar a informação, usando os novos meios para simular os “antigos”, mas
a lógica própria da base de dados — à qual quase a totalidade das informações me-
diadas pelo computador estão submetidas — se opõem diametralmente às formas
adotadas na narração. Não por acaso, “muitos objetos dos novos meios não contam
histórias; não tem um princípio nem um final; de fato, não tem desenvolvimento al-
gum, nem temática nem formalmente nem de nenhuma outra maneira, que pudes-
se organizar seus elementos em sequência”. (MANOVICH, 2006, pg. 283) Esses objetos
deixam ver-se como banco de dados, ou seja, mais como um campo de possibilidades
do que como um caminho dado.
Nesse sentido, o mesmo banco de dados pode assumir formas muitas distin-
tas, dependendo das “instruções” que se opere sobre ele. Assim, qualquer tarefa ou
processo se reduz a um algoritmo, a uma sequência de operações simples que um
computador pode executar para cumprir uma tarefa dada. Para Manovich, os novos
meios estão fundados na conjunção desses dois princípios: a base de dados e os algo-
ritmos, os quais mantém uma relação simbiótica.

“Quanto mais complexa é a estrutura de dados de um programa


informático, mais simples necessita ser o algoritmo, e vice versa.
Juntos, estruturas de dados e algoritmos representam as duas me-
tades da ontologia do mundo segundo o computador” (MANOVICH,
2006, pg. 283).

Criar uma obra nos novos meios, então, pode entender-se como a construção de
uma interface a uma base de dados. Diferentemente do que ocorria em grande par-
te das criações artísticas, onde o artista fazia uma obra única em um determinado
suporte, e portanto interface e obra eram o mesmo, nos novos meios o conteúdo da
obra e a interface são coisas distintas, possibilitando a criação de diferentes inter-
faces para o mesmo material. Uma interface pode apresentar diferentes versões da
mesma obra ou mesmo diferirem-se tão completamente a ponto de configurarem
novas obras. Pode-se formular, portanto, que “o objeto dos novos meios consta de uma
ou mais interfaces a uma base dados de material multimídia” (MANOVICH, 2006, pg.
293, grifo do autor). Se se constrói apenas uma interface, o resultado será similar
ao objeto artístico tradicional, mas essa tem sido mais uma exceção do que a regra.
Grande parte das obras dos novos meios obedecem a um princípio de variabilidade, 49
não são algo fixo, mas podem existir em versões potencialmente infinitas.
A base de dados, ao mesmo tempo em que se converte em centro do processo
criativo, traz consigo um modelo de mundo, manifesta-se enquanto forma cultural. É
nesse sentido que Manovich propõe seu entendimento como forma simbólica repre-
sentativa do pensamento contemporâneo.

A partir da análise do historiador da arte Evin Panovsky da pers-


pectiva linear como “forma simbólica” da era moderna, podemos
inclusive denominar a base de dados como uma nova forma sim-
bólica da era do computador […], uma maneira de estruturar nossa
experiência de nós mesmo e do mundo (MANOVICH, 2006, pg. 284).

Se há muito se proclama o fim das grandes narrações e “o mundo nos aparece


como uma coleção interminável e desestruturada de imagens, textos e outros regis-
tros de dados, nada mais apropriado que nos vejamos movidos a dar-lhe a forma de
base de dados” (MANOVICH, 2006, pg. 284).
Como defende Manovich, isso não significa que a base de dados não admita a for-
ma narrativa, mas que não há nada na própria lógica do meio que fomente a criação
de uma história. Não cabe, portanto, surpreender-se que a base de dados ocupe um
território tão importante, para não dizer o maior, da paisagem dos novos meios. O
que é mais surpreendente é o outro extremo do espectro, que a narração siga existin-
do ainda nos novos meios (MANOVICH, 2006).

4.3 Projetos em desenvolvimento


A escolha dos projetos para a análise que segue não pretende de modo algum ser
representativa de categorias definidas pertencentes à visualização de dados.
Eles foram selecionados em virtude de sua qualidade, repercussão no contexto
onde foram exibidos e/ou divulgados e por evidenciarem a visualização de dados
como forma cultural legítima da infoestética.
De qualquer modo, houve o intento de que manifestassem distintas feições e ên-
fases em relação aos pontos que foram abordados ao longo deste trabalho.
Serão analisadas características como processo de mapeamento, banco de dados
representado, modo como se dá o diálogo com o espectador da obra e técnicas utiliza-
das. Propõe-se também uma leitura dos significados culturais dos projetos enquanto
objeto e processo dos novos meios e enunciadores do imaginário artístico e sensibi-
lidade contemporâneos.
4.3.1 I Want you to Want Me8, a multiplicidade narrativa 50
“I Want You To Want Me explora a busca por amor e auto-conhecimento no mundo
dos relacionamentos virtuais”. Assim se anuncia o projeto de Jonathan Harris e Sep
Kamvar em seu site. Harris é responsável também pela criação do We feel fine9, des-
crito no primeiro capítulo deste trabalho, e busca em seus trabalhos, numa união de
arte, emoção, design e estatísticas, novas estratégias para as narrativas das subjeti-
vidades contemporâneas na Internet. Formado em ciências da computação ele se
declara, antes de tudo, um contador de histórias.
I Want You To Want Me foi um dos projetos comissionados para fazer parte da
exposição Design and the Elastic Mind que ocorreu no ano de 2008 no MoMA (Museu
de Arte Moderna de Nova Iorque).
Inúmeros balões coloridos dançam num céu de cores nostálgicas enquadrados
em grandes telas verticais sensíveis ao toque — touch screen — que brilham em
meio a uma sala escura; Há algo mágico.
“Toque-me, sinta-me”, dizem, formando letras que mais parecem organismos vi-
vos. O espectador é convidado a interagir e confrontar-se com crônicas de buscas
por relacionamentos na rede num ato deliberado de conexão humana. As histórias
transpassam distintas idades, gêneros e sexualidades, advindas de dados indexados
de horas em horas de sites de relacionamentos virtuais ao redor do mundo. O sistema
busca informações nesses sites por meio de palavras-chave ou frases específicas, que
são então coletadas e armazenadas numa base de dados.

8  Disponível em: <http://iwantyoutowantme.org/ > Acesso em: 5 de julho de 2009.


9  Disponível em: <http://www.wefeelfine.org/ >Acesso em: 5 de julho de 2009.
51

Figura 21: Espectadores interagindo com as telas touch screen na exposição realizada no MoMA,
em 2008.

Nas telas figuram céus interativos, cuja condição meteorológica — ensolarado,


nublado, chuvoso, com neve, etc — pode ser controlada pelo usuário. Os balões que
invadem e se movimentam nesse espaço poético são visualizados segundo codifica-
ções simples (que chegam a ser simplificadoras) e representam, cada um, um perfil
diferente: rosas para femininos, azuis para os masculinos; os balões mais brilhantes
correspondem aos perfis mais jovens, os mais escuros aos mais velhos.
Um olhar mais atento percebe que no interior de cada balão há algo que se move;
é um dos mais de 500 vídeos de silhuetas que mostram uma pessoa realizando algu-
ma espécie de atividade cotidiana. O espectador pode tocar em qualquer balão para
selecioná-lo; uma foto do perfil suspende-se e uma frase aparece na parte superior.
Através de indagações prosaicas como “O que busco” são construídas pontes para
momentos do dia de alguém a que nunca se viu e provavelmente nunca se verá. “Os
balões deslocam-se através do céu ao longo de diferentes caminhos e em distintas
velocidades, chocando-se uns contra os outros, por vezes, viajando juntos por um
tempo, mas mesmo que cheguem a estar muito próximos, cada silhueta é, em última 52
instância, confinada ao seu próprio balão” (HARRIS; KAMVAR, 2009).

Figura 22: Distintos modos de interação entre os balões e detalhe das silhuetas que representam
cada indivíduo e dos “perfis” selecionados. Silhuetas na parte superior seguram placas que indi-
cam idade, gênero e preferência sexual.

I Want You to Want Me conta com seis movimentos: Who I Am (Quem sou eu),
What I Want (O que quero), Snippets (Fragmentos), Matchmaker (Casamenteiro) e Bre-
akdowns (Analisar).
Who I Am mostra sentenças que começam com “Eu sou”, com os balões voando
livremente pelo céu; What I Want mostra frases que começam por “Estou buscando”,
enquanto um grande coração que pulsa é formado; Snippets consiste em 3 maneiras
distintas de dispor os balões: Openers, Closers e Taglines. Openers exibe os perfis se
abrindo, com os balões em forma de um rebentamento de flores; Closers mostra os
perfis formando um grid; Taglines mostra-os em forma de espirais de DNA.
53

Figura 23: Exemplos de situações do movimentos Who I Am (Quem sou eu).

Figura 23: Exemplos de situações do movimentos What I Want (O que quero).


54

Figura 24: Exemplos de situações do movimentos Snippets (Fragmentos).

Matchmaker propõe uma espécie de “possíveis pares” através de um algoritmo


baseado nas descrições que as pessoas fazem sobre si mesma e do que buscam. Bre-
akdowns, o último movimento, revela o zeitgeist (espírito de época) dos encontros,
mostrando padrões contidos nos dados sobre desejos, auto-descrições e interesses.
Estas estatísticas são dispostas em conjuntos de balões cujo tamanho expressa a re-
lativa popularidade.

Figura 25: Situações do movimento Matchmaker (Casamenteiro).


55

Figura 26: Situações do movimento Breakdowns (Analisar).

I Want You To Want Me abre-se a várias interpretações. A mais óbvia — e não me-
nos encantadora — é vê-lo como uma interface que permite mergulhar por alguns
instantes nos sonhos, desejos e angústias de pessoas que expõem fragmentos de si
na rede, como uma espécie de mosaico emocional. Ainda que há que se ter em mente
que, em última instância, são aos relatos construídos por essas pessoas a que se têm
acesso na verdade; ou ainda um exemplo de como os indivíduos fazem uso da tecno-
logia para modular sua identidade.
Pode-se pensar também no paradoxo da liberdade que a Internet instaura: ao
mesmo tempo em que se apresenta como o ambiente da diversidade, da multiplici-
dade, da interconexão, cujo controle de navegação e direcionamento é em certo grau
dado pelo usuário, é também um meio profundamente controlado, onde é possível
coletar dados de um modo silente e insidioso.
Configura-se também um testemunho de como a socialização das subjetivida-
des tornou-se uma forma essencial de agregar memórias culturais e que termina
por modificar os conteúdos imagéticos produzidos nesse contexto.“De uma maneira
provisória, pode-se dizer que o mundo imaginal10 é causa e efeito de uma ‘subjetivi-
dade de massa’ que, progressivamente, contamina todos os domínios da vida social.”
(MAFFESOLI, 1995). Propondo o mundo contemporâneo como um “mundo imaginal”,

10  O autor utiliza este termo referindo-se ao mundo das imagens.


Maffesoli vê a imagem como um vetor de comunhão que favorece o sentir coletivo 56
(MAFFESOLI, 1995) e como dispositivo religante. “A imagem religa, fornece os víncu-
los, relaciona todos os elementos do dado mundano entre si” (MAFESSOLI, 1995, p. 115)

Figura 27: Acima: Múltiplas camadas, fragmentos, conexões se revelam como um mosaico emo-
cional. Abaixo: Dados sobre a pessoa selecionada ou grupo que informam sobre o gênero, a opção
sexual e a faixa etária (esquerda) e possibilidades de escolha da condição metoreológica (direita),
ambos localizados no topo da tela.

Todos esses (e outros) caminhos reflexivos parecem válidos e necessários de ser


explorados. Entretanto, propõe-se aqui, prioritariamente, investigar como as técnicas
de representação e modelos de figuração condicionam o modo e o conteúdo do que
será figurado e como estes serão experimentados pelo espectador.
Manovich (2007) argumenta que, em geral, a representação da arte têm prioriza-
do os indivíduos em detrimento dos grupos sociais, classes e instituições.
Mesmo no caso do realismo moderno da pintura e literatura, incluindo o realismo
socialista, que conscientemente se destinava a representar personagens e classes so-
ciais, o que de fato os escritores e pintores mostram são seres humanos individuais
— esse é inclusive um dos motivos pelos quais a tentativa de universalização pro-
posta pelo modernismo não vigorou. “Em outras palavras, independentemente de
uma pintura ou uma escultura chamar-se ‘trabalhador’, ‘agricultor’, ‘mineiro’, etc, ela 57
mostra concretamente um único indivíduo” (MANOVICH, 2007). Por outro lado, qua-
se sempre que os artistas tentaram de fato representar visualmente grandes grupos,
diz o autor, o resultado típico foi uma multidão em que as diferenças individuais são
difíceis de ler. Essa relação entre o zoom e o nível de detalhamento presente na obra
pode ser observada em trabalhos contemporâneos como o do fotógrafo Andreas Gur-
sky, com suas vistas panorâmicas, onde indivíduos são reduzidos a múltiplos pontos
na paisagem.

Figura 28: Andreas Gursky, Gursky’s May Day V, 2006 (esquerda) e Sé, São Paulo, 2002 (direira).

Pode-se até pensar que tais resultados são fruto de uma espécie de “inabilidade”
das imagens para representar o geral e o particular satisfatoriamente de um modo
simultâneo. Mas, e se essa limitação for resultado das técnicas de representação que
os artistas tinham a seu dispor? Seguindo esse raciocínio, seria o modelo figurativo
e as técnicas para organizar e visualizar dados de distintas maneiras, possibilitada
pela “natureza elástica” do banco de dados e recursos interativos, condições para que
as representações artísticas possam relacionar o individual e o social sem necessida-
de de que um se submeta ao outro? Ao que tudo indica, sim.
No caso de I Want You To Want Me, ao mesmo tempo em que os fragmentos de 58
perfis são transformados numa espécie de paisagem sentimental sob a forma de hé-
lices de DNA ou revelem padrões de comportamento, é possível explorar na ponta
dos dedos os detalhes das experiências individuais, que se adentre na particularida-
de de cada solidão e busca por amor. De forma limitada e direcionada, claro, mas ain-
da assim, pode-se dizer que o particular e o geral são apresentados simultaneamente,
sem que um seja sacrificado em detrimento ao outro (MANOVICH, 2007).
O mapeamento (codificação que define como os dados serão visualizados) defini-
do por Harris possui algo a que se poderia denominar diversidade uniforme (WHI-
TELAW, 2008). Todos os balões são ontologicamente iguais, mas variam dentro de
eixos e parâmetros fixos. De certa forma, o modo como são visualizados os dados
exprimem um senso idealístico de igualdade. Todos os perfis dessa história aberta
e fragmentária são únicos, mas ocupam o mesmo lugar hierarquicamente. Todos
possuam as mesmas chances de emergirem da totalidade e se tornarem visíveis em
sua singularidade ou na relação que estabelecem com os demais.
As narrativas tecidas pelos personagens-autores dos trabalhos de Harris eviden-
ciam sensibilidades e relações sociais contemporâneas; elas podem oferecer insights
“a respeito de quem somos, o que nos preocupa, como nos sentimos, como nos com-
portamos, geralmente revelando aspectos nossos que ainda não percebemos” (HAR-
RIS; KAMVAR, 2009) . São, como ele mesmo intitula, um modo de contar histórias.
Mas o são segundo o modelo narrativo advindo com os novos meios: não linear, frag-
mentário, aberto; no qual cada espectador pode vivenciar a obra a sua maneira.“A
abertura, a imprevisibilidade e a multiplicidade são dadas na obra como tais e como
tais devem ser decodificadas” (MACHADO, 2000).
Tais narrativas, destinadas à navegação e à imersão de um espectador-usuário,
“não diminuem o papel do autor, somente o tornam mais complexo e difícil” (MA-
CHADO, 2000). O que Harris constrói, na verdade, são as condições para que a expres-
sividade humana que se manifesta em espaços como blogs ou sites de relacionamen-
tos revele-se e seja experimentada.

O que faço é criar sistemas que têm limites, ainda que caóticos e
abertos dentro desses limites. Dessa forma, cada pessoa que acessa
meus sistemas os experimenta do seu próprio jeito. Em vez de apre-
sentar conclusões sobre o mundo, eu estou mais interessado em
produzir sistemas que levam as pessoas a desenhar suas próprias
conclusões sobre ele (HARRIS apud MINI, 2009).
4.3.2 Writing without words11, literatura como organismo 59
Stephanie Posavec, formada em Artes, Master em Design e ilustradora da célebre edi-
tora Penguin Books, possui uma particular obsessão: dedica horas a explorar textos
de novelas famosas tal qual uma dissecadora, demarcando territórios temáticos e es-
truturas linguísticas e contando aquilo que ninguém parece preocupado em medir. A
partir disso obtém dados para compor aquilo que costuma chamar de “organismos li-
terários”, mapeamentos que demonstram a complexidade contida no aparentemen-
te simples e exploram as possibilidades de visualizar um texto sem utilizar palavras.
Esse empenho está posto em classificar cada parte do texto e iluminá-lo a partir
de novos ângulos, revelando uma beleza que, segundo Posavec, já estava ali contida.
“O que quero é capturar a vida e a vibração que há dentro de uma peça literária. Um
texto não são apenas palavras em uma página, é algo vivo, que respira, sai do papel
e te toma a cabeça enquanto lês. Quero mostrar como uma novela tem suas células,
como um vegetal ou um animal, e que em seu corpo, tal como passa com os seres
vivos, há beleza” (GARCÍA, 2009)
Apesar de ter escolhido o livro On The Road, de Jack Kerouac, como objeto de visu-
alização, a metodologia e codificações desenvolvidas por Posavec, em teoria, podem
ser aplicados a qualquer peça de literatura; um sistema que possibilita evidenciar
semelhanças e diferenças nos estilos de escrita de vários autores baseando-se em
critérios como estrutura, pontuação, palavras por sentença.
Os diagramas apresentam visualmente o espaço literário de Kerouac em peças
que fascinam não apenas pela qualidade estética, mas também pelo rigor e precisão
presentes na sua concepção: uma meticulosa exploração da literatura como espacia-
lidade e do livro como um organismo vivo.
O sistema de peças é codificado por cores, de acordo com 11 temáticas e persona-
gens que transpassam obliquamente On The Road e tecem uma rede de conexões e
recorrências. Em apenas um golpe de vista se pode ver em que partes da trama o au-
tor decidiu dedicar-se a retratos regionais, em quais pôs-se a escrever sobre viagens,
jazz, trabalho, amor ou sexo.
Ainda que seja bastante marcante a racionalidade operativa presente no proces-
so da obra, esta presentifica-se aos sentidos em abstrações exuberantes fruto de uma
sensibilidade apurada.

11  Disponível em: <http://www.itsbeenreal.co.uk/index.php?/wwwords/about-this-project/ > Acesso em: junho de 2009.


60

Figura 29: As marcações realizadas diretamente no livro foram o passo inicial para a realização
do projeto.

O projeto é composto por 4 posters — Organismo Literário, Desenho das sentenças,


Comprimento das sentenças e Textura de Ritmos, e um livro, no qual todo o processo
foi registrado e detalhado.
As imagens geradas, a princípio cifradas e reclusas à dimensão estética, revelam-
se, sob investigação mais minuciosa, instâncias produtoras de sentido que se ofere-
cem em múltiplas maneiras de aceder às informações nelas contidas.
Em Organismo Literário, a Parte Um de On The Road floresce em uma rede de
conexões baseada num organograma. Capítulos dividem-se graficamente em pará-
grafos, e estes em sentenças que distribuem-se em formas circulares cujo perímetro
é determinado pelo número de palavras que contém. Apesar da hierarquia formal
apresentada, o espectador pode navegar livremente pelo romance-superfície explo-
rando macro e micro estruturas, buscando padrões que emergem ou simplesmente
entregando-se à contemplação.
61

Figura 30: Poster Organismo Literário.


62

Figura 31: Detalhes do poster Organismo Literário.


Em Desenho das Sentenças, uma linha contínua dobra e se desdobra sobre si mes- 63
ma até tornar-se uma densa teia de expressão literária. A partir de um processo sim-
ples, a artista traça as sentenças de On The Road uma a uma. O comprimento de cada
linha é determinado pelo número de palavras de cada sentença e sua cor pela codifi-
cação estabelecida para todo o projeto. Após cada frase, a linha curva-se à direita até
completar todos os caminhos da trama. A passagem de uma parte à outra do livro
são demarcadas com pequenos retângulos brancos e sua respectiva descrição.
Na peça Comprimento das Sentenças, todas as frases do romance são superpos-
tas de acordo com o número de palavras que contém. O comprimento de cada traço
tem relação com o número de palavras da sentença e estão ordenados em ordem
crescente, da esquerda pra direita, de cima pra baixo numa espécie de histograma
multicolorido.

Figura 32: Detalhe de Desenho das Sentenças (acima) e Comprimento das Sentenças (abaixo).
64

Figura 33: Poster Desenho das Sentenças.


65

Figura 34: Poster Comprimento das Sentenças.


Tal qual os anéis de uma árvore falam sobre as estações do ano - sua duração, 66
intensidade, o calor e o frio que as acompanharam - Stefanie Posavec constrói em
Texturas de Ritmos uma viagem através do ritmo e do fluxo do texto de Kerouac. Cada
exclamação, cada pausa, cada vírgula e parêntese é refletido por diferentes espessu-
ras dos anéis ou por sua ausência.

Figura 35: Cada linha do diagrama circular representa uma palavra. Palavras com ênfase no texto
original são representadas por linhas mais espessas. Pausas no ritmo das sentenças são repre-
sentadas por variados espaçamentos de acordo com a duração da pausa criada pela pontuação.
67

Figura 36: Poster Texturas de Ritmos.


O trabalho que desenvolve Posavec impressiona por dois motivos. Pela evidente 68
obsessão com que procede na elaboração da obra - cada palavra, cada vírgula, cada
sentença deve alocar-se no sistema de codificação estabelecido – e pela inusitada
escolha de transformar romances em dados e estes, em visualizações.
Nesse sentido, pode-se considerá-lo um testemunho da subjetividade informa-
cional de que fala Manovich ao descrever como a própria sensibilidade e imaginário
artístico dos sujeitos imersos em informação são modificados; como as categorias
com que pensam e através das quais representam o mundo são transformadas.
Como em I Want You To Want Me, o modelo figurativo utilizado torna possível
que se transite do todo às partes e destas novamente ao todo, ainda que aqui não
se conte com o recurso de interatividade. A linearidade do texto é estilhaçada e re-
composta numa superfície bidimensional que pode ser apreendida de uma só vez e
acedida sem rotas pré-estabelecidas.
O processo estabelecido por Posavec transformam Writing Without Words numa
espécie de obra algorítmica. As operações que a artista realiza, repetitivas e imutá-
veis, guardam estreita relação com a lógica de funcionamento de um algoritmo:

O algoritmo é, na realidade, uma técnica particularmente adaptada


ao computador para automatizar certos procedimentos de racio-
cínio que parecem ser colocados em jogo na criação artística. Ele
obriga o artista a conceber um conjunto de operações que resultem
na produção de uma imagem […] definindo suas regras de maneira
precisa e rigorosa, etapa por etapa (COUCHOT 2003, p. 197).

Figura 37: Livro que registra e detalha o processo de criação.

A ironia está no fato de que, ao contrário de muitas visualizações de dados cuja


execução é realizada por um programa, Posavec produz todas as imagens “manual-
mente” no computador.
A partir de conjuntos de regras simples que se exercem sobre um número finito
de objetos que se relacionam estruturalmente, a obra é transformada numa espécie
de sistema orgânico do qual emerge a potência contido nos textos; uma estética que 69
se aproxima daquilo que Couchot (2003) chama de estética permutacional e cuja li-
berdade reside no excesso do número de elementos sobre o número de relações que
servem para determinar o sistema.
Posavec insiste no fato de que a beleza das criações não é mérito seu: “O encanto
sempre esteve aí, o que faço é chamar a atenção e dar a oportunidade para que seja
percebido” (GARCÌA, 2009). Nesse sentido, pode-se pensar a ação artística como atu-
alizadora de uma virtualidade expressiva que, de certo modo, já estava contida sob
a pele dos romances que minuciosamente vasculha; como acionadora de sucessivas
epifanias que surgem a partir de dados em estado de potencialidade no interior dos
sistemas.

4.3.3 House of Cards12, tudo são dados

O terceiro e último projeto selecionado para análise apresenta características que o


afastam dos dois anteriores e, de certo modo, da categoria visualização de dados tal
qual foi definida no presente trabalho.
No entanto, sua escolha justifica-se pelo caráter simbólico como objeto cultural
em completa sintonia com a infoestética (MANOVICH, 2006), com a linguagem dos
novos meios e com as novas concepções sobre propriedade intelectual e autoria.
A íntima e sempre inovadora relação da banda inglesa de rock alternativo Radio-
head com a tecnologia e a experimentação – não apenas musical - é uma marca que
transpassa os mais de 20 anos de carreira e 7 álbuns produzidos. O último álbum, In
Rainbows, lançado em 2007 de forma independente, foi disponibilizado integralmen-
te na Internet para download sob o preço que se desejasse pagar, inclusive de graça;
uma prova da clareza com que lidam com as formas de consumo de bens culturais
advindas com a internet.
O videoclipe da canção House of Cards, parte do supracitado In Rainbows, ganhou
grande repercussão pelo fato de ter sido feito sem uso de câmeras ou luzes; são dados
e somente dados recompilados através do uso de scanners e lasers que dão a ver as
imagens vaporizadas, fluidas e “falhas” que se montam e esfacelam sob a forma de
pequenas linhas e pontos flutuantes num espaço indefinido e abstrato. A destruição
e reconstrução da imagem acompanham a declaração de amor desesperada de que
fala a letra da canção.
O vocalista da banda, Thom Yorke, uma festa, um residencial suburbano não são

12  Disponível em: http://code.google.com/intl/pt-BR/creative/radiohead/ Acesso em: 20 de julho de 2009.


filmados, mas escaneados por sensores que detectam objetos no espaço e os remon- 70
tam em três dimensões na tela de um computador.
Para completar os atributos que tornam o projeto simbólico da cultura digital,
todo o banco de dados, numa parceria com o Google, foi disponibilizado online13 para
quem queira produzir novas versões do vídeo e compartilhá-las num grupo criado no
Youtube14 especificamente para isso. Além disso, foi desenvolvido um aplicativo in-
terativo de visualização onde se pode manipular as imagens tridimensionais e criar
visualizações próprias15.

Figura 38: Imagens tridimensionais manipuláveis.

Os responsáveis pelo clip, dirigido por James Frost — diretor de comerciais e


videoclipes da Zoom Film16—, esclarecem que empregaram duas tecnologias dis-
tintas para captar as imagens tridimensionais: Geometric Informatics17 e Velodyne
LIDAR18.O primeiro, empregado para os planos curtos, se trata de um sistema de ge-
ometria informática que produz luzes que registram imagens tridimensionais em
estreita proximidade (figura 39). O segundo é um sistema que utiliza vários lasers

13  Disponível em: http://code.google.com/p/radiohead/downloads/list Acesso em: 20 de julho de 2009.


14  Disponível em: http://www.youtube.com/groups_layout?name=houseofcards Acesso em: 20 de julho de 2009.
15  Disponível em: http://code.google.com/intl/pt-BR/creative/radiohead/viewer.html Acesso em: 20 de julho de 2009.
16  Disponível em: <http://www.zoofilm.net/> Acesso em: 20 de julho de 2009.
17  Disponível em: http://www.geometricinformatics.com/ Acesso em: 20 de julho de 2009.
18  Disponível em: http://www.velodyne.com/lidar/ Acesso em: 20 de julho de 2009.
para capturar entornos de maior tamanho, como paisagens. Neste vídeo, as cenas 71
exteriores foram produzidas através de 64 lasers rotativos que disparavam num raio
de 360 graus 900 vezes por minuto (figura 40).

Figura 39: imagens produzidas com o Geometric Informatics.

Figura 40: imagens produzidas com o Velodyne LIDAR.


Todo e qualquer retrato físico é dispensado nas imagens que parecem constante- 72
mente em vias de dissolução; há o incômodo dos corpos disformes, do espaço onde
tudo parece inapreensível. O real desmaterializado e “deformado” têm dificuldade
de alocar-se em qualquer referência pré-existente e deixa a constante dúvida se se
trata de uma imagem inteiramente produzida em computador ou algum registro da
realidade.
A máquina, portanto, toma o lugar do olhar na representação do real, tornando
o tradicional processo fílmico totalmente informatizado e processado tecnologica-
mente: Ao invés da captura do real através da luz, há a interpretação por sonda (as-
semelhando-se mais ou ouvido do que ao olho), um órgão-máquina, que expõe uma
interpretação e “impressão” eletrônica do real diretamente numa tela de computa-
dor. (GRACIOTTI, 2009)
A negação do mimetismo torna-se mais evidente ao assistir o making-of do ví-
deo, disponibilizado pela banda no youtube19. Ali os realizadores relatam que inten-
cionalmente tentaram confundir a captura das imagens pelos aparelhos ao utilizar
água, plumas e espelhos em frente ao sensor, a fim de distorcer ainda mais as ima-
gens geradas.
O resultado são os ruídos e a desintegração de partes da imagem como forma de
levar o desapego humanístico da representação do corpo e espaço ao extremo. (GRA-
CIOTTI, 2009). Há o intento de subverter a função da máquina, manejá-la na contra-
mão de sua produtividade programada, ação para Machado (1993) característica do
verdadeiro poeta dos meios tecnológicos.
A referência à videoarte e à escritura característica da estética videográfica nasci-
da nos anos 60 e que provocou uma ruptura da imagem consistente, estável e natura-
lista da figura clássica é clara. Explora-se as anamorfoses20 como recurso expressivo,
apela-se à desarmonia e à imperfeição imagética; uma provocação dos sentidos na
tentativa (por uma necessidade antropomórfica) de investigar as imagens na direção
de sua distorção, desintegração e instabilidade.
Withelaw (2009) coloca que, além de ser tecnologicamente sedutor, o projeto é
ainda um sinal da crescente importância cultural dos dados, não apenas como ma-

19  Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=cyQoTGdQywY> Acesso em 03 jul. 2009.


20  Jurgis Baltrusaitis estudioso das perversões do código perspectivo renascentista chama de anamorfoses as deformações
que surgiam durante as experiências para aperfeiçoamento da técnica da perspectiva monocular quando métodos enge-
nhosos de encurtar, alongar e deformar a evolução dos raios visuais em direção ao ponto de fuga estavam sendo elabora-
dos. Como consequência, podia-se fazer com que um pequeno espaço se dilatasse a dimensões infinitas , ou que grandes
distâncias fossem reduzidas a um ínfimo qualquer. Os artistas da vídeoarte dos anos 60, como Nam June Paik, irão retomar
esses princípios de subversão e instabilidade da imagem, por exemplo, ao alterar os circuitos de aparelhos de televisão ou
usar imãs para distorcer suas imagens.
téria, mas como ideia. Como qualquer outra visualização, House of Cards não apenas 73
utiliza dados, mas apresenta um certo sentido do que os dados são, o que significam
e, logicamente, como podem ser sentidos. James Forest, diretor do vídeo declara: “De
um modo estranho, é um reflexo direto de onde estamos na sociedade...em que tudo
são dados. Tudo à nossa volta é, de alguma forma, impulsionado por dados e somos
dependentes disso. “
No entanto, Whitelaw (2009) enxerga uma diferença entre House of Cards e as
visualizações habituais. Ao contrário das narrativas dominantes da visualização de
dados, alimentadas em grande maioria por dados advindos das redes sociais online,
do otimismo da sociedade em rede, em que a esfera social e cada vez mais o mundo
como um todo é digitalizado sem problematização, onde “mais é mais”, verdade, be-
leza e sucesso comercial, House of Cards é uma manifestação melancólica dos dados.
Ao invés da virtuosidade da forma perfeita, os dados aqui são falhos, evocando a
incompletude e a impossibilidade de domínio sobre o todo; uma espécie de disjun-
ção que teima em fazer-se presente. Essa disjunção entre os dados falhos e o domínio
humano é o que caracteriza a melancolia de que fala Whitelaw.
Ela é poeticamente ilustrada ao fim de House of Cards, quando uma cena de festa
e, por fim, todo o cenário vaporizam-se em nuvens abstratas de pontos.
De certo modo, é também uma metáfora da digitalização dos corpos e da sociali-
dade contemporâneas; uma cidade, um rosto ou um objeto, tudo é composto da mes-
ma (não)matéria e passa a habitar o mesmo (não)lugar, em vermelho, azul e verde21.

De diferentes maneiras, os três projetos apresentados proporcionam, acima de


tudo, formas distintas de perceber o mundo ao tornarem sensíveis fragmentos quan-
tificáveis dele presentificados em imagem.
I Want You to Want Me incentiva a exploração, a contemplação e a descoberta
através do envolvimento do espectador, tanto no ambiente-instalação quanto atra-
vés dos recursos interativos de que Harris faz uso. Writing Without Words particula-
riza-se como estratégia de criação artística, aproximando-se daquilo que vem sendo
chamado de arte generativa, onde os dados, muito mais do que funcionarem como
um índice do mundo real são um input para a existência de formas expressivas dota-
das de certa autonomia, tal qual um organismo. House of Cards, leva a uma viagem
através da sensação e da imersão, uma experiência do mundo que agora nada mais
é do que um conjunto de dados, uma forma-fluxo sempre prestes a volver-se sobre si
mesma e remodelar-se — ou mesmo dissolver-se.

21  Refere-se ao modelo cromático (RGB) utilizado nos meios digitais e que é utilizado como paleta no videoclipe.
Estes projetos confrontam o espectador à imanência enquanto forma e conteúdo, 74
à multiplicidade de relações, à estrutura como potencial, latente, emergente. Nesse
sentido, tornam-se uma espécie de afirmação auto-referente da sociedade interco-
nectada, complexa e dinâmica.
05

01 apresentação

02 contextualização
visualização
03 de dados
estado atual
04 da arte
5.1 Questões decorrentes
5.2 Diagnóstico
05 perspectivas
5.3 Conclusões

06 bibliografia
5.1. Questões decorrentes 76
Se há uma discussão cujo desfecho parece não ser marcado por consensos é aquela
que diz respeito ao estatuto da técnica e sua intervenção no fazer artístico numa épo-
ca em que o domínio do digital e da mediação tecnológica na produção de imagens
parecem ser a tônica que prevalece. Entre os que mantêm uma relação de fetiche
com a máquina e os produtos dela resultantes, sejam estes dotados de verdadeira
proposta ou mera experimentação das possibilidades que um software oferece, ou
os que acreditam que a técnica está por suprimir a expressão da subjetividade e sin-
gularidade artísticas ao “reduzir o ato de criação a puros automatismos maquínicos”
(COUCHOT, 2003, p. 15), talvez o posicionamento que mais enriqueça o debate seja
aquele que situa as técnicas, os artifícios e os dispositivos de que se utiliza um artista
para produzir seus trabalhos não como ferramentas inertes, nem mediações inocen-
tes, mas como objetos e procedimentos carregados de conceitos e história e deriva-
dos de condições produtivas bem determinadas. (MACHADO, 1993)
Daí resulta que toda análise que se proponha reflexionar sobre a arte ou a produ-
ção de imagens como campos que possibilitem leituras sobre o homem e sua cultu-
ra, sobre o diálogo entre máquina e imaginário (MACHADO, 1993) e entre as formas
de representação e mundo deve incluir as técnicas e suas especificidades históricas
“como fatores condicionantes que interferem substancialmente na forma, no estilo
e — por que não? — na própria concepção das obras” (MACHADO, 1993, p. 11)
Trata-se de um movimento muito mais rumo ao interior (das imagens, dos meios,
dos processos) do que ao exterior, ou antes, trata-se de voltar-se ao interior com o ob-
jetivo de esclarecer a vida exterior de tais objetos e sua inserção cultural.

Nenhuma leitura dos objetos culturais recentes ou antigos pode ser


completa se não se considerar relevantes, em termos de resultados,
a “lógica” intrínseca do material e os procedimentos técnicos que lhe
dão forma. A história da arte não é apenas a história das idéias esté-
ticas, como se costuma ler nos manuais, mas também e sobretudo a
história dos meios que nos permitem dar expressão a essas idéias (cf
Costa, 1987:7). Tais mediadores, longe de configurarem dispositivos
enunciadores neutros ou inocentes, na verdade desencadeiam mu-
tações sensoriais e intelectuais que serão, muitas vezes, o motor das
grandes transformações estéticas. (MACHADO, 1993, p. 11)

Analisar as “lógicas intrínsecas” e os “procedimentos técnicos” que dão forma às


imagens — entendendo as imagens como parte dos objetos culturais de uma socie-
dade — resulta, em última instância, analisar a relação entre arte e tecnologia.
Santaella (2005) ao investigar sobre as designações dos termos técnica e tecnolo- 77
gia propõe que “a tecnologia inclui a técnica, mas avança além dela. Há tecnologia
onde quer que um dispositivo1, aparelho ou máquina for capaz de encarnar, fora do
corpo humano, um saber técnico, um conhecimento científico acerca de habilidades
técnicas específicas” (SANTAELLA, 2005, p. 153). Pode-se concluir, portanto, que a tec-
nologia é marcada pela teorização da técnica, que até então possuía feições especial-
mente empíricas e manuais. Tanto o é que o nascimento das artes ditas tecnológicas
acontece com a revolução industrial e o advento da câmera fotográfica, enfim, com
o advento de máquinas que “são ferramentas projetadas e fabricadas a partir de te-
orias científicas” (FLUSSER, 2007, p. 37) e que inserem a questão do automatismo dos
processos de produção industrial – e também imagética – como debate que até hoje
suscita polêmica.
Arte e técnica, desde a Grécia antiga, mantiveram uma relação que pode-se cha-
mar de instável. Ainda que seja lugar comum, é sempre bom lembrar que os gregos
não faziam distinção entre os princípios de arte e técnica. A palavra téchne, de onde
se deriva técnica, se referia a toda e qualquer prática produtiva e abrangia também a
produção de imagens (MACHADO, 1993, p. 24). Essa noção persistirá por boa parte da
história da arte ocidental, pelo menos até o Renascimento.
Mais do que períodos de afastamento e aproximação o que se percebe são ten-
sões distintas que reequilibram o jogo das forças ao longo dos períodos históricos.
Tais tensões estão obviamente ligadas não somente ao estatuto que arte e tecnologia
— e seria conveniente acrescentar aí a ciência — possuíram autonomamente, mas
a fatores sociais, econômicos e culturais que influem transversalmente na maneira
como aquelas forças são distribuídas.
Talvez o maior “hiato conjugal”, por assim dizer, do casamento entre arte e técnica
tenha se dado com o Romantismo, quando o mito do gênio criador, cuja subjetivida-
de seria responsável por trazer ao mundo o Belo através da criação artística – uma
espécie de compensação sensível à violência da mecanização e automatização da Re-
volução Industrial - viria situar-se como centro irradiador da arte e do debate acerca
desta. “Eu quero iluminar as coisas com meu espírito e projetar o seu reflexo sobre os
outros espíritos”, dizia Delacroix (COUCHOT, 2003, p. 39). Sendo a técnica mecânica e
supostamente objetiva, nada poderia vulgarizar e corromper mais a nobre função da
arte romântica do que a entrega submissa aos domínios da primeira. Porque a má-
quina desumaniza o homem, a arte se opõe a ela (MACHADO, 1993). Mas, se por um

1  A palavra dispositivo costuma ser lida tanto em páginas de filosofia como de mecânica, remetendo, ao que parece, ao
significado que lhe outorga a língua corrente em um artifício destinado a obter um resultado automático. (Traversa, 2001)
lado tal posicionamento, que termina por revelar-se ingênuo uma vez que mesmo o 78
“espírito romântico” e as projeções artísticas deste sobre os outros espíritos ineren-
temente o faria através de alguma mediação técnica, provoca uma cisão entre arte
e técnica, por outro, contribuiu para uma posição de resistência que viria repercutir
na relação entre arte e tecnologia dos dias atuais: “uma adesão tensa, em que cada
parte não se deixa mais dissolver na outra, nem se tornam ambas homogêneas ou
idênticas.” (MACHADO, 1993, p. 27)
Segundo Hayward (apud SANTAELA, 2005) nos períodos prévios da história da arte,
até o aparecimento do cinema, os primórdios da tecnologia estavam voltados para o
desenvolvimento e aperfeiçoamento de materiais. O artista tinha, então, que se haver
com a técnica, isto é, com a habilidade para manipular e aperfeiçoar esses materiais.

As mídias fotomecânicas representam uma fase de transição na


qual a tecnologia começou a desempenhar um crescente papel no
processo de criação, mas ainda um papel em que havia ainda uma
base material sobre a qual se agir diretamente. Com o advento da
mídia eletrônica, a técnica não diz mais respeito à habilidade de
manipular materiais, mas sim à habilidade de manipular tecnolo-
gia. (SANTAELLA. 2005. p. 68)

Esse fator não muda somente o caráter da técnica utilizada para fins artísticos — e
com isso os dados da criação artística, do trabalho da imaginação criadora (COUCHOT,
2003) — mas configura uma mudança na estratégia operativa por parte dos artistas.
Mas por que, afinal, a tecnologia parece adquirir novo estatuto na sua já duradou-
ra, ainda que cambiante, relação com a arte quando se fala da arte produzida a par-
tir dos meios digitais? Quais são as mudanças nas estratégias operativas artísticas?
Onde estão as rupturas e as continuidades?
Em primeiro lugar, trata-se de uma pressão tecnológica de força excepcional.
Uma invasão violenta, poderia-se dizer, não fosse a relação estabelecida entre sujeito
e máquina na era digital muito mais próxima de um envolvimento fluido e sedutor
do que de uma apropriação maquínica do espaço humano, como ocorreu na moder-
nidade2. Para Couchot (2003) o numérico, como o autor designa o digital, não se res-

2  Flusser (2007) ao descrever as mudanças históricas ocorridas na relação entre o homem e os meios delimita três Revolu-
ções Industriais. A primeira causada pela substituição da mão pela ferramenta. A segunda, pela substituição da ferramenta
pela máquina, que na verdade trata-se de uma ferramenta projetada e fabricada a partir de teorias científicas, e, exata-
mente por isso, é mais eficaz, mais rápida e mais cara. Inverte-se nesse momento a relação homem ferramenta: quando se
trata da ferramenta, o homem é a constante e a ferramenta, variável; no caso da máquina, é ela a constante e o homem,
a variável. Finalmente, a terceira Revolução Industrial será aquela da substituição das máquinas por aparelhos eletrônicos.
São também construídos segundo teorias científicas, mas agora não mais de física ou química, e sim aplicações, teorias e
hipóteses da neurofisiologia e da biologia. “Em outras palavras: as ferramentas imitam a mão e o corpo empiricamente; as
tringe a atividades figurativas; 79
ele invade todos os domínios da comunicação e da indústria. Jamais
uma técnica terá tido uma força de contaminação tão potente, e
suas consequências sobre a quase totalidade das atividades huma-
nas, ligando tudo a tudo e impondo — principalmente entre as ci-
ências, as técnicas e as artes — ligações de uma natureza diferente.”
(COUCHOT, 2003, p. 19)

Outro fator significativamente distinto refere-se ao modo de figuração que é esta-


belecido a partir de então: a simulação. A imagem transforma-se antes de mais nada
num modelo, numa potência, numa virtualidade. “Enquanto na foto e no filme, uma
vez registrada, a informação é irreversível, [...] a informação digital representa exa-
tamente o oposto. Tudo nela é variável e adaptável.” (SANTAELLA, 2007). Essa lógica
própria, juntamente à outros princípios nos quais os novos meios fundamentam-se,
por si só já determina características intrínsecas aos objetos resultantes do processo.
A implicação que o meio de produção têm na configuração final do objeto sempre
foi essencial. Talvez, no entanto, a radicalidade da mudança não permita mais igno-
rá-la. Passa-se então a pensar a tecnologia já não simplesmente como um meio, mas
antes como uma linguagem (MANOVICH, 2006), tanto no sentido usual do termo,
como também em sua capacidade imaginativa ou poética. (DEVALLE, 2008)
Não é somente a constituição — ou desconstituição? — dos objetos resultantes
que muda, mas as operações mesmas que possibilitam sua existência. O sujeito vê-
se mediado por um automatismo inédito e extremo. Se muitos contemporâneos da
fotografia já se chocaram com a “vida” própria contida no interior da “caixa preta”,
para retomar um termo de Flusser referente às máquinas de imagens, que diriam da
computação gráfica, dos jogos eletrônicos, da realidade virtual?
Nenhum desses objetos seriam possíveis não fosse o computador constituído não
apenas de hardware (processadores, memória), mas também de linguagens formais,
algoritmos, programas, enfim, o software, destinado a determinar como o computa-
dor e seus periféricos vão operar, sem os quais este não passaria de uma geringonça.
Talvez a maior inquietação e dificuldade quando se empreende uma investigação
um pouco mais crítica sobre a arte produzida nos novos meios está em determinar
o estatuto da máquina na elaboração dos produtos culturais. Diante de tanto auto-

máquinas, mecanicamente; e os aparelhos, neurofisiologicamente” (Flusser, 2007: 38). Segundo o autor, ainda, trata-se esta
de uma relação reversível uma vez que ambos só funcionam conjuntamente: homem em função de aparelho, mas também
o aparelho em função do homem. Ainda que quando tenha escrito tal proposta o advento do digital não tivesse acontecido
de fato, a tendência observada só viria a intensificar-se.
matismo, onde estaria a arte? Como pode a subjetividade artística manifestar-se por 80
meio apenas do apertar de botões? Seria o caso, fugindo um pouco da linearidade do
raciocínio, questionar-se se necessariamente produzir arte significa dar voz a um pul-
são interna ou não seria tal expectativa resquício cultural da visão romântica da arte
e do artista. Tentando, por outro lado, retomar o fio condutor, talvez a resposta seja
de que não é a partir somente da subserviente função burocrática de apertar botões
que surgirão as propostas renovadoras da atividade artística destes tempos. Como
consequência dessa postura aliás, têm-se infindáveis exemplos tanto na arte quanto
no design gráfico contemporâneos de produtos que não passam de um inventário das
possibilidades da máquina, para efeito de demonstração de suas virtudes, reduzindo-
se a exercícios impensados dos automatismos e clichés dos softwares gráficos.
Se agora a máquina realiza o trabalho “físico”, essa mesma condição exerce pres-
são para que a liberdade e criatividade artísticas sejam exercidas em outra instância:
na concepção da obra, no seu processo, muito mais que em seu produto. “Uma vez
que a obra nasce agora do trabalho cognitivo do artista, a sua execução, seja manual
ou técnica, torna-se irrelevante. O difícil é conseguir codificar a ideia construtiva de
tal modo que a máquina possa entendê-la e executá-la corretamente.” (MACHADO,
1993, pg. 31). Tal situação muda tanto as estratégias das operações artísticas quanto
as habilidades necessárias para sua prática. O artista agora se vê impelido a estudar
matemática, linguagens de programação, robótica, biologia. Os fatores que se acaba
de descrever inevitavelmente provocam difusões na própria espécie de fenômenos e
pessoas designados pelos termos arte e artista (MACHADO, 1993).
Todas essas mudanças fazem surgir outra dificuldade, aquela referente à autoria
dos produtos de extração técnica, ou mais especificamente a dúvida de “a quem atri-
buir os méritos da criação quando se trabalha com processos culturais largamente
intermediados pelas máquinas” (MACHADO, 1993, p. 33). Seria excessivo radicalismo
considerar o trabalho do inventor da máquina, do engenheiro de software ou dos
que escrevem uma linguagem de programação como as utilizadas por muitos desig-
ners e artistas da visualização de dados como artísticos? Não seria tal incerteza sinal
de que se presencia na verdade uma mudança nos paradigmas próprios da autoria?
Para Machado (1993) a produção artística contemporânea aproxima-se cada vez mais
de uma espécie de gênio coletivo, em detrimento ao gênio individual. Para o autor, a
melhor maneira de dar respostas à questões referentes à autoria talvez seja relativi-
zar a contribuição de todas as inteligências e de todas as sensibilidades que colabo-
ram para configurar a experiência estética contemporânea.
A equação torna-se ainda mais complicada quando a essa dinâmica é posta em
cena outra figura chave dessa trama: o espectador — nomenclatura que aliás é man- 81
tida quase que por falta de melhor termo já que de certo modo ainda traz resquícios
dos modelos passivos e unilaterais de comunicação. O advento da interatividade3,
virá não só trazer para os domínios da arte as noções de imprevisibilidade e incerteza
como colocará muitas vezes o espectador como aquele de quem parte o gesto instau-
rador necessário, sem o qual não há experiência artística alguma, colocando em crise,
de certa forma, os próprios papéis do jogo artístico.
Tais mudanças provocam questionamentos referentes não apenas ao papel do
criador, mas também à natureza da obra. Pode-se pensá-la nesse contexto como um
sistema vivo. Determinar as regras segundo as quais esse sistema — dinâmico, com-
plexo — irá operar é a tarefa desse agora artista administrador (SACK, 2007). A configu-
ração final não pode ser prevista de antemão, apenas seu modelo de comportamento.
A obra volve-se aberta; tanto à interação do espectador quanto aos automatismos
da máquina. Nesse cenário, “O criador é menos aquele que dá a ver, do que aquele que
constrói as próprias condições de produção do visível” (MACHADO, 2000, grifo meu)
O mais importante de todas essas mudanças, muito mais do que assombrar-se
pela aparente falta de propostas artísticas originais e questionadoras, é estar atentos
às mutações que estão ocorrendo nos modelos de figuração, nas categorias e concei-
tos próprios da arte e da autoria, no imaginário e sensibilidades dos sujeitos criado-
res e participantes desse processo, características que tendem a transformar a arte
numa prática social de extensão nunca antes experimentada.

Talvez possamos com proveito aplicar à arte produzida com recur-


sos tecnológicos o mesmo raciocínio que Walter Benjamin (1968:72)
aplicou à fotografia e ao cinema: o problema não é saber se ainda
podemos considerar “artísticos” objetos e eventos tais como um ho-
lograma, um espetáculo de telecomunicações, um gráfico de com-
putador ou um software de composição musical. O que importa é
perceber que a existência mesma dessas obras, a sua proliferação,
a sua implantação na vida social, colocam em crise os conceitos
tradicionais e anteriores sobre o fenômeno artístico, exigindo for-
mulações mais adequadas à nova sensibilidade que agora emerge.
(MACHADO, 1993, p. 24)

3  A discussão acerca da interatividade em arte é anterior aos novos meios. Já em na década de 30 Bertold Brecht falava em
interatividade ao se referir ao processo de democratização dos meios de comunicação numa sociedade plural. Os happenin-
gs e performances dos anos 60 põe em cena a participação do público na realização da obra. A diferença introduzida pela
informática é que esta última dá um aporte técnico ao problema (MACHADO, 2005).
5.2. Diagnóstico 82
Pensada em termos de modelo figurativo, pode-se considerar que a visualização de
dados não trata de representar o mundo, mas de proporcionar formas distintas de
percebê-lo. Caminha-se desse modo muito mais rumo a uma estética da percepção
em detrimento de uma estética da representação. Ou, retomando as palavras de Paul
Klee, “não mais representar o visível, mas tornar visível”.
O modo como essas novas imagens se desdobram enquanto tal é subjacente à
sua própria morfogênese. Se o ‘material bruto’ não advém do criador, mas é externo
a ele, sua ação consiste numa espécie de atualização de uma virtualidade já contida
no real, ou ainda na configuração desse evento. Não é de se surpreender, portanto,
que muitos artistas do meio, quase dispensem os méritos daquilo que comumente se
denomina criação. Para eles, a visualização seria uma espécie de ‘frame’ do cotidiano
que estabelece limiares no fluxo da percepção, revelador de uma beleza e mesmo de
informações que, de algum modo, já estavam latentes, ainda que há que se ter em
mente que esse real é sempre um recorte subjetivo e manipulado.
Não seria descabido pensar num paralelo entre a abstração cubista, que provocou
uma ruptura dos modelos figurativos ao deslocar a função da pintura de represen-
tação para a apresentação do real, e o modo como opera a figuração na visualização
de dados. A função do pintor passava naquele momento não mais por representar o
mundo substituindo o que está ausente pela sua imagem, mas apresentar o mundo,
entregando nessa catástrofe organizada seus íntimos segredos. (COUCHOT, 2003).
Não se pretende comparar aqui a radicalidade instaurada pelos dois momentos,
mas a proposição de novos modos figurativos que permitem ampliar a noção de re-
presentação ou mesmo de realidade. Manovich (in LEÃO, 2005) sugere que se pense
a visualização de dados como uma nova abstração. Da mesma forma que nas primei-
ras décadas do século vinte os artistas modernos mapearam o caos visual da experi-
ência da metrópole em imagens geométricas simples, os artistas da visualização per-
mitem enxergar padrões e estruturas por detrás do vasto e aparentemente fortuito
conjunto de dados plasmados em fascinantes imagens. Tal abstração é responsável
por um sentimento de desprendimento do real4 e afastamento dos modos icônicos
de sua figuração.
Muito mais do que uma ‘realidade de visão’ (COUCHOT, 2003) o que ela oferece é
uma ‘realidade de concepção’ na medida em que não apenas atua como uma inter-

4  Essa sensação é reforçada quanto maior o volume de dados representados, uma vez que apenas um olhar suficientemen-
te distante é capaz de detectar a emergência de padrões de comportamento nesses sistemas.
face a um determinado conjunto de dados, mas como objeto simbólico que permi- 83
te experienciar um mundo crescentemente abstrato e codificado. São imagens que
funcionam como metadados do contexto de onde são originárias e dos conteúdo que
levam como potencialidade.
Enquanto imagens técnicas5, ou seja, aquelas produzidas por meio de aparatos,
elas guardam um sentido duplo: como produto, porque são um efeito preciso e con-
creto das práticas na produção de imagens advindas com os novos meios e materia-
lizam em sua superfície os conceitos que nortearam a construção dos aparelhos de
que lhe dão forma (FLUSSER, 2001); e como produtoras, porque possuem a qualidade
de ser notação de uma performance que recupera os dados nelas contidos através de
uma manifestação imaginária da qual são o dispositivo. Estas imagens superam o
rol de exemplo ou mesmo de simples espetáculo, para converterem-se em estratégias
de ação (MACHADO, 2000), como uma máquina latente ou mesmo um programa a
espera de ser executado6.
Por outro lado, a tentativa de fazer um diagnóstico a respeito das mudanças que
vem provocando a visualização de dados, não pode ignorar a questão do par sensibi-
lidade x técnica. De fato, ela já foi de alguma forma antecipada por Walter Benjamin
quando apontava que:

Nos grandes períodos históricos, a forma de percepção das coleti-


vidades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo
de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana,
o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente,
mas também historicamente. (Walter Benjamin, “A obra de arte na
era de sua reprodutibilidade técnica” )

As implicações trazidas pelo advento dos novos meios na produção de objetos


culturais, que foram breve e parcialmente relatadas aqui, e a observação concreta de
trabalhos efetivamente produzidos nos últimos anos possibilitam acima de tudo que
se detecte que “novas sensibilidades, novos problemas de representação, novos con-
ceitos estéticos e novas formas de compreender o mundo estariam sendo introduzi-

5  Flusser (2001) propõe que as imagens técnicas são aquelas produzidas por um aparato, por um aparelho de codificação.
No entanto, essa não seria sua característica mais importante, ou melhor dizendo, ela é o ponto de partida que revela o que
para ele é fundamental nessas imagens. “Como os aparatos, por sua parte, são produtos de textos científicos aplicados, as
imagens técnicas vem a ser produtos indiretos de textos científicos”. (FLUSSER, 2001, p. 17). Desse modo, as imagens geradas
pelos dispositivos técnicos renascentistas como a camera obscura, e mais tarde a fotografia, o cinema, a televisão e os novos
meios, são instâncias produtoras de imagens técnicas.
6  A linha argumentativa aí explicitada foi estabelecida a partir do raciocínio que propõe Longinotti (2008) no artigo
“Tecnologías del texto y de la imagen. Libros antiguos, máquinas virtuales” no qual empreende uma investigação sobre as
imagens contidas em tratados de perspectiva e desenho
dos em consequência da presença cada vez maior de recursos, processos e mediações 84
tecnológica de nosso tempo” (MACHADO, 2005, p. 237).
Nesse contexto, a aproximação à arte contribui também para o entendimento
dessas implicações. Em tempos de mutação, defende Santaella (2005), há que se ficar
bem perto dos artistas; são eles que sinalizam as rotas para a adaptação humana às
novas paisagens a serem habitadas pela sensibilidade.
A relação intrínseca entre estética, sensibilidade e meios técnicos brilhantemen-
te estabelecida por Benjamin, no clássico A obra de arte na era de sua reprodutibilida-
de técnica (1936) propunha que estes últimos “[...] desencadeiam processos cognitivos
que são, muitas vezes, os motores das grandes transformações estéticas” (ARANTES,
2007). Talvez Benjamin tenha sido o primeiro teórico a perceber que as transfor-
mações técnicas próprias do contexto em que vivia, como a fotografia, o cinema ou
mesmo a fábrica, não acarretaram câmbios somente na esfera da produção, mas de-
sencadearam, ou mesmo fizeram emergir a necessidade de novas sensibilidades no
sujeito receptor desses objetos e no próprio imaginário artístico de seu tempo.
Contemporaneamente, não há de ser distinto. Se é verdade que a era digital inau-
gura novas categorias e conceitos relativos aos modos de figuração e que no âmbito
da produção artística o processo passa a adquirir fundamental importância, também
o é que o diálogo entre os criadores e o espectador-usuário seja estabelecido no âm-
bito do sensível. Desse modo, são desencadeados “[...]efeitos capazes de acionar a rede
de percepções sensíveis do receptor, regenerando e tornando mais sutil seu poder
de apreensão das qualidades daquilo que se apresenta aos sentidos” (SANTAELLA,
2007). As técnicas, não sendo apenas modos de produção, produzem naqueles que as
manipulam aquilo que Couchot (2003) chama de experiência tecnestésica, uma expe-
riência íntima que transforma a percepção que se têm do mundo.
Santaella (2007) utiliza o termo estéticas tecnológicas para designar as condições
propiciadas pelos aparelhos, dispositivos e suportes tecnológicos que, desde a invenção
da fotografia até os hibridismos permitidos pelo ciberespaço e pelas invenções tecno-
científicas contemporâneas, de modo cada vez mais vertiginoso, vêm ampliando e
transformando as bases materiais e os potenciais dos modos de produção estéticos.
A digitalização tanto da produção como da exibição e distribuição de conteú-
dos audiovisuais, o advento da interatividade, a sobrecarga informacional a que é
submetido o sujeito cotidianamente, a interconexão, a multiplicidade; todos esses
aspectos planteiam novas exigências nas formas expressivas produzidas pela cultu-
ra humana, e, em última instância, propiciam a criação de novos tipos de imagens.
“Novas imagens implicam novas formas de ver, novos critérios de percepção e novos
conceitos de beleza” (MACHADO, 2000, p. 38). Implicam também novas exigências 85
cognitivas, já que muitas vezes, como se percebe com alguns trabalhos de visualiza-
ção de dados, é necessário que o receptar aprenda como transitar por essas imagens-
sistema para que possa realmente se conectar ao trabalho e decifrá-lo internamente.
Ao lados dessas motivações, associa-se, ou mesmo é intensificada por elas, a cons-
ciência de uma complexidade cada vez maior do pensamento e da vida.

O modo como percepcionamos a paisagem crescentemente digitali-


zada que nos rodeia responde, de facto, a novas tarefas da percepção
e contém, efetivamente, alterações no medium da percepção (como
dizia Benjamin), mesmo no caso da percepção visual. Para estas no-
vas tarefas e novas performances da percepção, que resultam de no-
vas sínteses artificiais, a cultura digital propõe já novos conceitos:
o conceito de ciberpercepção, como antítese do pensamento linear,
como percepção all-at-once, isto é, percepção imediata e completa
de uma multiplicidade de pontos de vista, que ativa em toda a ex-
tensão as dimensões do pensamento associativo (CRUZ, 2000).

O mais importante é observar que determinados instrumentos, processos ou su-


portes possibilitados pelas novas tecnologias repercutem nos sistemas de vida e de
pensamento dos homens, na sua capacidade imaginativa e nas suas formas de per-
cepção de mundo, além de expandirem e atualizarem o potencial de representação
da experiência sensível no mundo.
Mais do que arte ou ferramenta que facilite a comunicação, a visualização de da-
dos refere-se aos modos de compreender e representar o mundo. Ou ainda, seguindo
as ideias de Flusser (2007), em consonância com outros autores que também refle-
xionaram sobre o significado cultural da imagem contemporânea e sua relação com
a subjetividade (MAFESSOLI, 1995): “a experiência do mundo passa a ser regida por
outros códigos e convenções, por linguagens e projetos capazes de reformular a per-
cepção, muito mais do que a paisagem” (FLUSSER, 2007).

5.3 Conclusões
As questões suscitadas pela visualização de dados seja como campo que atualiza e
é atualizado pelas relações existentes entre arte e tecnologia, entre sensibilidade e
técnica ou como produto e processo de um contexto cada vez mais fluido, complexo
e digitalizado foram exploradas ao longo deste trabalho, sobretudo nos diagnósticos.
Cabe atentar, no entanto, para o fato de que a crescente presença da visualização
em meios específicos para sua divulgação, em geral, não tem sido acompanhada de 86
uma reflexão crítica que permita caracterizá-los como algo distinto de um catálogo
— muitas vezes homogêneos —, preocupados muito mais com classificações tipoló-
gicas do que com a interpretação dos significados destes objetos enquanto formas
culturais e simbólicas. Reflexão esta necessária para qualquer teoria e prática que
pretenda estar atenta às reconfigurações e inovações no campo artístico ou mesmo
fora dele sem deixar-se levar por simples fetichizações tecnológicas.
06

01 apresentação

02 contextualização
visualização
03 de dados
estado atual
04 da arte
05 perspectivas

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