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14/03/2018 2017, o ano das bruxas em ação - Le Monde Diplomatique

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A REVOLUÇÃO SERÁ FEMINISTA

2017, o ano das bruxas em


ação
EDIÇÃO - 126 | BRASIL

por Carla Rodrigues

Janeiro 8, 2018

Imagem por Odyr

Se há um Brasil que caminha célere para as trevas, é ali


mesmo onde há cinzas que os movimentos feministas atuam,
resistem, existem. É nesse sentido que se pode tomar a
política feminista como a mais forte manifestação ao contra-
ataque conservador que tem varrido a política brasileira

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Era o dia seguinte ao 8 de Março de 2017 e à greve geral convocada pelas


mulheres contra o atual governo, cuja crise institucional se arrasta
desde a retirada da presidenta Dilma Rousseff da Presidência da
República. Caminhava por uma calçada estreita no centro do Rio de
Janeiro quando cruzaram comigo dois homens. De um deles ouvi,
enquanto passava por mim: “Mas essas mulheres têm de sair da rua,
essas mulheres estão fazendo muito barulho”. A adversativa com que a
frase parecia começar indicava uma contrariedade, quase um desgosto.
Agora, que aos homens que usurparam o poder parecia haver alguma

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chance de fazer as tais reformas exigidas pela abstrata entidade


chamada mercado, en m havia aparecido no radar político daquele
executivo a incômoda categoria “mulheres que protestam”.

De debacle em debacle, o governo Temer chega a 2018 – que legalmente


deve ser seu último ano – sem ter começado, em que pesem os
sucessivos golpes que se seguiram, seja na universidade, nas leis
trabalhistas, na política de saúde mental, nas artes e na cultura. Mas – e
repito a adversativa como provocação – a ação das mulheres na política
nunca esteve tão em evidência. Se fosse para escolher uma única
imagem para representar 2017, apontaria para a que mais parece nos
ofender: uma bruxa sendo queimada, uma enorme boneca de pano
mimetizando a lósofa feminista Judith Butler no tribunal da Inquisição.

Se há um Brasil que caminha célere para as trevas, é ali mesmo onde há


cinzas que, a cada vez, os movimentos feministas atuam, resistem,
existem. É nesse sentido que se pode tomar a política feminista como a
mais forte manifestação ao contra-ataque conservador que tem varrido
a política brasileira. Em grande medida, porque as mulheres são o alvo
mais frágil ao ataque, mas ali mesmo onde seria a nossa maior fraqueza
estamos também na ponta mais forte de resistência. Para isso, é preciso
pensar a política como um jogo de forças ativas e reativas, uma relação
dialética entre avanços e recuos, em que cada passo adiante ameaça e,
portanto, provoca novas violências. Nesse ir e vir, no uxo e no re uxo
das forças, justi ca-se a contabilidade dos movimentos feministas em
ondas.1

Há uma grande controvérsia sobre essa divisão. Embora a estratégia


esteja estabelecida como forma de marcar os momentos de maior
intensidade das lutas pela emancipação das mulheres, o fato é que, se
tomarmos a onda como uma metáfora, correremos sempre o risco de
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estar começando de novo, porque as ondas varrem do solo as marcas do


passado. Haveria ainda uma interpretação pior: “isso é onda”, forma
jocosa de se referir à política feminista como aquilo que, por só
interessar às mulheres, não teria nenhuma importância no cenário de
disputa de poder nacional e internacional. Minha hipótese é oposta e
parte do princípio de que fazer política feminista tem sido, em todas
essas ondas históricas, trazer ao debate público os temas mais
candentes para a sociedade. E justamente por isso as forças
conservadoras insistem em nos dizer que “estamos fazendo muito
barulho”, porque estamos a rmando que os problemas de gênero não
são meras questões regionais, muito ao contrário, são o ponto central a
partir do qual se pode colocar em pauta o interesse comum.

A cada reivindicação dos feminismos, em geral empurrada para


escanteio como uma demanda especí ca, equivale uma pauta global, o
que me permite defender que a luta contra a opressão das mulheres é a
própria luta contra a opressão. Tomo em defesa da minha hipótese a
expansão dos feminismos negros como o melhor exemplo: a estrutura
racista do Estado brasileiro é fundante na desigualdade entre pessoas
brancas e pessoas negras, então é fundamental denunciar, confrontar e
enfrentar o racismo presente nas relações sociais. Não é outra coisa o
que as mulheres negras estão fazendo nas ruas, nas marchas nacionais,
na Marcha do Orgulho Crespo, exibindo seus cabelos rebeldes aos
processos de embranquecimento que são marca da violência histórica
do Estado brasileiro contra o corpo das pessoas negras.

O lósofo Michel Foucault a rma que o Estado só consegue garantir sua


função de assassino se funcionar, “no modo do biopoder, pelo racismo”.
O que ele de niu como biopoder é forma política de controle sobre os
corpos controle que do meu ponto de vista se dá preferencialmente
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corpos, controle que, do meu ponto de vista, se dá preferencialmente

sobre os corpos marcados pela subalternidade, ou, para falar como


Michelle Perrot, sobre os excluídos da história: operários, mulheres e
prisioneiros. Por isso, faz sentido pensar que o corpo das mulheres é o
alvo preferencial do biopoder, do constrangimento de suas ações e
liberdade. Se é verdade que as mulheres são o primeiro alvo do
biopoder, pode ser verdade também que os feminismos são a
constituição histórica da resistência a esse controle estatal sobre os
corpos. Nas quatro grandes ondas da história dos movimentos
feministas, a liberdade do corpo contra a opressão do Estado é centro da
disputa.

Foi assim na Revolução Francesa, quando as mulheres denunciaram que


o corpo feminino estava excluído da concepção de universalidade; foi
assim quando as sufragistas lutaram para ter seu corpo contado como
eleitoras e, com isso, aprimoraram os sistemas de representação
democrática; tem sido assim desde a segunda metade do século XX,
quando a segunda onda feminista se levantou contra a violência exercida
sobre o corpo das mulheres e a terceira onda permitiu perceber que a
violência é contra todo corpo que carregue a marca da feminilidade,
sobremarcada por raça, classe, religião, lugar de moradia e/ou
nascimento, idade, sexualidade, idioma e uma in nidade de indicadores
que reforçam as estratégias do biopoder e da violência.

Para falar da quarta onda feminista, retomo a primeira Marcha das


Vadias, realizada em 2011 no Canadá e em diversos outros países que
imediatamente aderiram, inclusive o Brasil.2 Foi puxada por jovens
estudantes canadenses que, diante da reivindicação de atuação policial

contra os estupros ocorridos em torno do campus da universidade,


ouviram do chefe de polícia: “Se não querem ser estupradas, não saiam
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na rua vestidas como vadias”. As mulheres se mobilizaram valendo-se da


estratégia que o movimento queer já havia adotado: subverter o termo
“vadia” de sua conotação negativa para usá-lo de forma debochada
contra a violência que ele pretende perpetrar. A participação do
movimento de legalização da prostituição foi importante para reforçar a
pauta da descriminalização da pro ssão, numa dinâmica muito própria
dos feminismos brasileiros: a articulação entre as reivindicações globais
e os itens do debate local.

A resposta do policial de Toronto é apenas a face mais evidente da


opressão sobre o corpo da mulher, que deve ser mantido sob controle,
enquanto o do homem pode e deve gozar do imperativo da liberdade
absoluta. Contra essa forma estrutural de violência, manifesta em
diferentes fenômenos, uma nova geração de mulheres começou a
retomar as ruas, inúmeros coletivos de jovens feministas se organizaram,
inclusive nas universidades e escolas públicas de ensino médio, como
tão bem mostra o documentário Primavera das mulheres, de Antonia
Pellegrino.3 Era setembro de 2015 quando manifestações ocuparam ruas,
praças e redes sociais para pedir, no grito de #ForaCunha, a queda do
presidente da Câmara que, naquele momento, além de autor do Projeto
de Lei n. 5.069 – que volta a exigir boletim de ocorrência para o
atendimento, na rede pública, das mulheres vítimas de estupro que
desejem realizar o aborto legal –, era um dos mentores do golpe que
viria a derrubar, poucos meses depois, a presidenta Dilma.

O PL de Cunha era apenas um sinal de como os retrocessos na política


apontavam para o corpo das mulheres em primeiro lugar. Em dezembro
de 2017, foi a vez da PEC 181, cujo objetivo original era ampliar o direito à

licença-maternidade em casos de nascimento de bebês prematuros.


Depois foi transformada num projeto que visa à proibição do aborto em
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Depois, foi transformada num projeto que visa à proibição do aborto em
casos já autorizados por lei, como estupro, anencefalia fetal e risco de
morte para a mãe. Na contraofensiva, um grupo de organizações
feministas organizou um manifesto público no qual 270 mulheres,
inclusive eu, declararam já ter realizado aborto e apoiaram a decisão da
jovem Rebeca Mendes, cujo recurso ao STF pedindo autorização para
interrupção de gravidez foi negado.

Se a imagem de uma bruxa sendo queimada na porta do Sesc Pompeia é


exemplar de um ano poderoso, vale evocar também a publicação de
Calibã e a bruxa – Mulheres, corpo e acumulação primitiva, livro da
feminista italiana Silvia Federici que conta a história do capitalismo
como uma história de guerra contra as mulheres e a história da
resistência das mulheres nas Américas como as “principais inimigas do
domínio colonial”. Não é por outra razão que as teorias feministas no
Brasil se colocam, há tempos, o problema da importação da bibliogra a
feminista e a importância de a rmar nossos saberes localizados, para
falar como Donna Haraway.

O campo acadêmico feminista começou a se constituir no Brasil no nal


do século XIX graças a uma dupla estratégia: a validação dos argumentos
pela emancipação da mulher com base na importação de pensadoras
europeias – com destaque para o trabalho da educadora Nísia da
Floresta, tradutora da inglesa Mary Woolstonecraft no Brasil – e a
inclusão de pautas locais, como o m da proibição do ensino para
mulheres. Essa disjuntiva permanece estratégica até hoje. Receber a

lósofa Judith Butler no Brasil foi uma oportunidade de dimensionar a


importância que tem hoje o pensamento político feminista, ameaçador a
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ponto de mobilizar tantas forças reacionárias ao mesmo tempo.

Nos anos 1980, a norte-americana Susan Faludi identi cou os discursos


conservadores que insistiam na tese de que as feministas já teriam
conseguido todas as conquistas de que precisavam e, pior, estavam
infelizes com o ponto aonde haviam chegado. Segundo eles, estava na
hora de recuar. Dentro dos movimentos feministas, no entanto, a
questão era oposta: como ampliar as lutas? O sopro de vigor e
resistência veio com a publicação, em 1989, de Gender Trouble
[Problemas de gênero], livro que marca a entrada de Butler no campo da
teoria feminista. Inspirada principalmente pelos trabalhos das feministas
Gayle Rubin e Monique Wittig, Butler trava um debate com a loso a
existencialista de Simone de Beauvoir a m de interrogar o que ela
chama de ligação natural entre sexo e gênero. A nal, se não se nasce
mulher, torna-se mulher, em que estaria fundamentada a ligação entre
um corpo de fêmea e a construção de uma pessoa do gênero feminino?

Nesse momento, a terceira onda feminista se dobrou sobre si mesma,


seguindo a proposta de Butler de que o feminismo deixasse de ser feito
apenas em nome do sujeito mulher, e de sua provocação surgiram novos
sujeitos e a oportunidade de ampliação dos feminismos para além dos
direitos das mulheres, mais uma vez sobrepondo a luta contra a
opressão das mulheres à luta contra toda forma de opressão. Universal e
particular ao mesmo tempo, paradoxal como provocação, agonística
como método.

Foi mais ou menos assim que as mulheres voltaram a ser as bruxas da


história, aquelas que não se calam diante das opressões e injustiças, as
que são queimadas e mortas – seja como metáfora, seja no alto índice de
feminicídios no país – por denunciarem que, sem nem mesmo termos

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chegado a algo que pudéssemos chamar de Estado de bem-estar social,


já estamos em furioso processo de desmonte do pouco que havíamos
alcançado.

*Carla Rodrigues é lósofa, professora de Filoso a (UFRJ) e pesquisadora


(PPGF/Faperj)

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2 comentários Classificar por Principais

Adicionar um comentário...

Regina Pichuru
tenho o login e não consigo ler o contéudo a dias!
Curtir · Responder · 18 de janeiro de 2018 04:46

Guilherme Rodrigues Souza · Trabalha na empresa Militar


Essa foi a pior matéria que já li na revista le monde.
Leio há alguns anos sempre na versão impressa e agora começo com a versão digital.
Ela foge da proposta do jornal, no sentido que é extremamente tendenciosa. Não fala de dados
mas sim de opiniões pessoas.

Carla Rodrigues, permita-me, humildemente, apresentar um raciocínio um pouco diferente.

O movimento feminista tem um valor histórico fundamental para a formação da sociedade e da


democracia como vemos hoje, no entanto, o feminismo parou no tempo quando continuou
antagonizando homens e mulheres. Há uma característica bastante nociva em ... Ver mais
Curtir · Responder · 1 · 24 de janeiro de 2018 04:54

Taís Ferreira · Uberlândia


muito interessante seu posicionamento Guilherme...
https://abrilmdemulher.files.wordpress.com/.../homens...
Curtir · Responder · 7 · 29 de janeiro de 2018 07:18

Aline Tassiara · Mestranda no Programa de Pós Graduação em Serviço Social em UFSC


Taís Ferreira kkkkkkkk só rindo ele mesmo
Curtir · Responder · 1 · 1 de fevereiro de 2018 12:30 · Editado

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