Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
PUC-SP
Gilberto Heleno
Doutorado em Filosofia
São Paulo
2017
Gilberto Heleno
Doutorado em Filosofia
São Paulo
2017
Banca Examinadora
_________________________________
_________________________________
_________________________________
_________________________________
_________________________________
Ao Padre Augusto César Pereira, scj, pelo
incentivo sempre entusiasmado.
AGRADECIMENTOS
A tese é uma análise hermenêutica e crítica da filosofia de José Ortega y Gasset, procura
destacar as várias circunstâncias nas quais nasce a sua filosofia, compreender a descoberta
metafísica da vida como realidade radical e a tipologia de homem oriunda da relação com o
seu entorno. Ortega faz uma filosofia vinculada ao seu povo e ao seu país. O que o impulsiona
a filosofar é a crise na qual se encontra a Espanha e a maneira ineficaz que o homem espanhol
responde a essa crise. Ele atende a uma chamada interior e procura se colocar como líder
político e referência intelectual de seu tempo. Nessas circunstâncias, surge a sua filosofia,
que, vindo à luz através de revistas e jornais, conferências, cursos e aulas, chega mais rápido
ao povo espanhol, que Ortega entende formar. A originalidade da filosofia de Ortega vem do
raciovitalismo, síntese da vida e da razão, com maior preponderância para a primeira, em que
pretende dar à vida o lugar que ela perdeu para o racionalismo e circunscrever a razão dentro
da realidade mais ampla que é a vida humana. Para Ortega, esse é o tema do seu tempo. Sua
antropologia estará coligada à sua metafísica, na medida em que a vida como realidade radical
deve ser assumida pelo homem como um projeto, como um quehacer. Dependendo da
resposta do homem a esse chamamento da vida, que Ortega entende como vocação, ele
poderá ser considerado um homem-massa ou um homem-nobre. Abandonando a razão pura,
Ortega elege a razão vital e, posteriormente, a razão histórica, para compreender a vida
humana que, segundo ele, vai se construindo na dialética de suas experiências.
This hermeneutic and critical analysis of José Ortega y Gasset’s philosophy undertakes to
examine the various circumstances from which his philosophy sprang, and to understand the
metaphysical discovery of life as a radical reality and the typology of becoming human as
coming from the relationship with one’s environment. Ortega creates a philosophy grounded
in his people and his country. Underlying his philosophy is, on one hand, the deep crisis
immersing Spain and, on the other hand, the ineffective way of facing this crisis by the
Spanish people. His philosophy is an answer to an inner call and in it he takes position as a
political leader and gives an intellectual reference of his time. His philosophy arises using
particular circumstances: he uses newspapers, conferences, courses and classes. In this way, it
reaches the Spanish people, whom Ortega wishes to educate, more quickly. The originality of
his philosophy comes from his raciovitalismo, a synthesis of life and reason, giving greater
emphasis on the former, since he wishes to restore life to a place it lost through rationalism,
and to circumscribe reason within the broader reality of human life. According to Ortega, this
is the theme of his time. His anthropology is bound to his metaphysics, since, for him, humans
must undertake what is the radical reality of life as a project, as a quehacer. Depending on
which answer a human gives to that call of life, which Ortega understands as a vocation, he or
she becomes either a human of the masses or a noble human. By leaving behind pure reason,
Ortega chose what at first he called vital reason and, later, historical reason, to understand
human life, which, according to him, is built upon the dialectic of its own experiences.
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 10
1 AS CIRCUNSTÂNCIAS DE UMA FILOSOFIA.............................................. 16
1.1 Ortega e a Espanha do seu tempo............................................................................ 34
1.2 Ortega e a geração de 98........................................................................................... 40
1.3 Ortega e Unamuno.................................................................................................... 50
1.4 Ortega e os seus primeiros anos na Alemanha....................................................... 56
1.5 Ortega, o periodismo e a vida intelectual............................................................... 67
2 A METAFÍSICA ORTEGUIANA......................................................................... 77
2.1 Do idealismo ao raciovitalismo................................................................................. 77
2.2 O raciovitalismo como o tema do nosso tempo....................................................... 85
2.3 A vida como realidade radical.................................................................................. 94
2.4 A crítica ao racionalismo.........................................................................................104
2.5 O Eu .......................................................................................................................... 110
2.6 A circunstância........................................................................................................ 113
2.7 Perspectivismo e ponto de vista .............................................................................. 120
2.8 Teoria do conceito ................................................................................................... 124
2.9 Latente e patente: os dois níveis da realidade....................................................... 129
3 EM CENA, O HOMEM.......................................................................................... 136
3.1 O outro..................................................................................................................... 146
3.2 O homem e o outro: relação social/dissocial......................................................... 148
3.3 Massas vulgares versus minorias melhores........................................................... 152
3.4 Homem-massa e o homem-nobre........................................................................... 156
3.5 O homem-massa e a técnica.................................................................................... 162
3.6 A técnica como triunfo do homem-massa............................................................. 165
3.7 Democracia ou hiperdemocracia........................................................................... 169
3.8 Um programa de vida para a Europa.................................................................... 176
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................184
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 209
10
INTRODUÇÃO
A mais célebre frase do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, “Yo soy yo y mi
circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo”,1 é a porta de entrada para quem se
aproxima do seu pensamento filosófico, pois encerra a um só tempo os dois aspectos mais
representativos da filosofia de Ortega, a sua metafísica e a sua antropologia. A presente Tese
nasce a partir dessa intuição original de Ortega e busca investigar o contexto no qual Ortega
está inserido (primeiro capítulo), para compreender com mais profundidade a sua metafísica
(segundo capítulo) e a sua antropologia (terceiro capítulo).
Ortega, ainda muito jovem, assumirá como projeto de vida prover meios de salvar
as circunstâncias da Espanha e do homem espanhol, que necessitam encontrar uma saída da
grave crise, que ele chama de “mal de España”.2 Assim, fará uma filosofia que visará a
compreender a estrutura metafísica do homem e apontar pistas para que não se torne um
projeto malfadado. Considerando a Espanha como a circunstância por excelência do homem
espanhol, Ortega proporá deixar para trás a Espanha oficial, “que es la que no funciona, que
fomenta la injusticia y el caciquismo y que pretende perpetuar este sistema”3 e assumir como
tarefa a construção de uma Espanha vital, “sincera, honrada, con voluntad de trabajo, pero
que se encuentra constreñida por la España oficial”,4 para que, finalmente, o homem espanhol
logre sucesso. Desta maneira, contando apenas com vinte anos de idade parte sozinho para a
Alemanha com o intuito de, mais que assimilar conteúdos filosóficos, aprender com os
alemães um método para pensar em espanhol.
Todos estos viajes tuvieron como fin empaparse de la cultura germánica y, como
dijo él mismo, llenar de idealismo algunos tonelillos para digerirlos en la estepa
castellana y utilizarlos de manera que le fuesen útiles a su país, el cual le parecía
demasiado falto de ideales y excesivamente pegado a lo concreto (BONILLA, s/d,
s/p).
Uma vez nas universidades alemãs, mergulha no idealismo kantiano, para, logo
depois, abandoná-lo, reputando-o não adequado à realidade mediterrânea, passando, então, a
buscar um novo caminho filosófico. Encontrando-o, batiza a sua descoberta de “vida como
realidade radical”, inaugurando, assim, o seu “sistema da razão vital”. A partir de então, o
cenário filosófico conta com a mais nova síntese entre vida e razão, com preponderância da
1
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 757.
2
Idem. En la muerte de Unamuno. O.C., V, p. 260.
3
SAMPER, J. E. P. Ortega y Gasset como representante de la preocupación social de una generación. Revista
de Estudios Orteguianos, nº 2, 2001, p. 139.
4
Ibidem, p. 139.
11
vida, entendida como “vida vivida”. Em Ortega, “la consigna del tiempo ha dejado de ser
cogito ergo sum para ser cogito quia vivo”,5 em outras palavras, trata-se da consideração do
pensamento apenas como mais uma das muitas partes do fato radical que é a vida humana.
Já assentado na Espanha, Ortega começa a produzir filosofia da melhor maneira
que saber fazer, através de publicações em periódicos - jornais e revistas - e também
participando ativamente da vida pública do país e, assim, “non deja de influir em la opinión
pública española”.6 Eis aí o filósofo realizando o programa vital que havia estipulado para si.
A metafísica da vida de Ortega é também uma ponte para compreender e
descrever o homem, ao apontar para uma antropologia. Com efeito, será a partir do seu
sistema filosófico que tentará dar legitimidade à crítica que fará ao homem espanhol,
dividindo-o em duas grandes classes: o homem-massa e o homem-nobre. Assim, no
pensamento antropológico do filósofo madrilenho, é possível ver “perfectamente dos classes
de individuos, según su calidad, indivíduos que se exigen mucho, indivíduos com escasas
exigências”.7
Uma das ideias-chaves de Ortega é que o homem, que não decide pelo seu próprio
nascimento, não pode escolher “estar o no en este mundo que es el de ahora”.8 Não obstante,
assim que se encontra no mundo, o homem está fadado a estabelecer um programa de vida
que o ajude a não apenas enfrentar as suas circunstâncias, mas, principalmente, a salvá-las.
Neste contexto, vida significa que “alguien esté en um mundo o circum-instancia
proyectándose y realizándose en función de él”.9 O programa de vida deve ser pessoal e
intransferível, para que não seja inautêntico ou artificial. Fazendo o homem o seu próprio
projeto, ele faz daquele projeto “seu”, ou seja, apropria-se dele: “Cada cual está capacitado
para querer ser él mismo y vivir en tensión sostenida a través de um proceso
perfeccionador”.10 Em suma, a antropologia de Ortega “há de ser entendida de acuerdo con su
filosofia de la vida y su definición de la vida humana como um proyecto: um ‘quehacer’”.11
Cabe somente ao homem realizar o seu programa de vida, pois é ele que, em
condições ordinárias, escreve o roteiro de sua própria existência. Para fugir de um roteiro
medíocre, deve incorporar na sua história “formas de vida nuevas, fértiles y cargadas de
5
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus. 2014, p. 420.
6
MOLINUEVO, J. L. Para leer a Ortega. Madrid: Alianza Editorial, 2002, p. 98.
7
LOPEZ DE LA VIEJA, M. T. Democracia y masas en Ortega y Gasset. Revista de Estudios Orteguianos, nº
1, 2000, p. 140.
8
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 503.
9
HUÉSCAR, A. R. La innovación metafísica de Ortega – Crítica y superación del idealismo. Servicio de
Publicaciones del Ministerio de Educación y Ciencia. Madrid, 1982, p. 161.
10
CONILL, J. Razón experiencial y ética metafísica en Ortega y Gasset. Revista de Estudios Orteguianos, nº
7, 2003, p. 116.
11
RABI, L. Reflexiones sobre la cultura burguesa. La ética de José Ortega y Gasset. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 31, 2015, p. 92.
12
12
HUÉSCAR, 1982, p. 167.
13
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 747.
14
ESTEBAN, P. L. M. La crisis del deseo. La rebelión de las masas a la luz de Meditación de la técnica. Revista
de Estudios Orteguianos, nº 2, 2001, p. 217.
15
HUÉSCAR, op. cit., p. 163.
16
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 505.
17
GARCÍA, A. R. El labirinto de la razón: Ortega y Heidegger. Madrid: Alianza Editorial, 1990, p. 247.
18
Ibidem, p. 254.
13
Ortega não tem dúvidas de que o modelo antropológico vencedor do seu tempo é
o do homem-massa, fenômeno que ele traduz como rebelião das massas, ou seja, a ocupação
de postos-chaves pelo vulgo em detrimento das minorias melhores: “Desde que tengo uso de
razón asisto al indefectible fracaso de nuestros hombres mejores”.22 Ortega assiste ao triunfo
do homem-massa e vê a “sociedade de masas como la trinchera defensiva de los peores contra
los mejores o como paredón de fusilamiento de los mejores”.23 O homem, que deixou-se
massificar, tornou-se um ressentido e nega as qualidades do homem-nobre. Com a sua postura
massiva e inautêntica, falsifica a própria existência, não aceitando “en todo su rigor y con
claridad las circunstancias”24 que o rodeiam, preferindo lidar com circunstância imaginárias e,
assim fazendo, abre mão de um destino sincero e autêntico.
Ortega faz de sua filosofia um instrumento fundamental para entender a realidade
social da Espanha. Para ele, a qualidade do país dependerá da qualidade de seus homens. Se o
homem não se esforça para realizar e perseverar em seu programa de vida, ele sofrerá as
consequências e também o País, que, assim, cairá na inércia, pois o comportamento das
“minorias selectas y masas opera em el fondo de la vida de las sociedades”.25 Como o
19
CÁMARA, I. S. El elitismo de Ortega y Gasset. Revista de Estudios Orteguianos, nº 19, 2009, p. 232.
20
MARÍAS, J. La metafisica de Ortega. Revista de Estudios Orteguianos, nº 12/13, 2006, p. 218.
21
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y la circunstancia. O.C., VIII, p. 506.
22
Idem. El espectador II. O.C., II, p. 266.
23
GRACIAS, 2014, p. 248.
24
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 510.
25
CÁMARA, 2009, p. 232.
14
homem-massa trai a sociedade, uma vez que não tem consciência do passado e não se importa
com o futuro,26 a entrada da Espanha na modernidade está gravemente comprometida. Sendo
assim, é possível entender o motivo pelo qual Ortega se esforça em chamar a atenção para o
drama do homem-massa. Não para expô-lo, mas para tornar possível a sua transição de
homem-massa para homem-nobre:
La nobleza, muestra Ortega, está marcada por esfuerzo lujoso dirigido al servicio de
um proyecto, esto es, por el talante personal o índole de cada cual que se manifesta
en una forma de vida esforzada en general, dirigida con entusiasmo y alegría hacia
alguna ilusión; y no más o menos talento, habilidad o logro. Esto vendrá, si viene,
pero viene después (LAVEDÁN, 2001, p. 228).
Em suma, resta patente que, em Ortega, o homem tem a missão de fazer florescer
a sua vida, revelando-se a posteriori homem-nobre, caso esse esforço em realizar a vida seja
constante, ou homem-massa, caso esse esforço venha menos: “La perfección es una exigência
de la persona, de ser aquéllo a lo que ella há sido llamada, de ser lo que se es”. 27 Não se pode
negar que, com a sua filosofia, Ortega busca ajudar o homem a viver de forma mais digna a
sua existência no mundo. A metafísica de Ortega y Gasset, na medida em que busca uma
profunda realização do homem através do seu projeto de vida, traz em seu bojo um
“entusiasmo de significación fundamental antropológica”.28
A presente Tese se compõe de três capítulos, que buscam destacar e, ao mesmo
tempo, analisar hermeneuticamente, a filosofia de José Ortega y Gasset. O primeiro capítulo,
“Circunstâncias de uma filosofia”, apresenta o arco temporal da vida de Ortega, desde a sua
ida à Alemanha, aos 20 anos de idade, até a sua morte, aos 72 anos. Nesse capítulo, pretende-
se mostrar como as circunstâncias de vida de Ortega compuseram a sua filosofia, como ilustra
bem o filólogo alemão Ernst Robert Curtius: “El contacto entre el sol mediterrâneo y el clima
mental nórdico alemán – y la fecunda tensión nacida de este contacto – es uno de los
presupuestos biológicos de la obra intelectual de Ortega”.29
O segundo capítulo, “A metafísica orteguiana”, pretende explicar como Ortega
constrói a sua metafísica, desde o seu entusiasmo e posterior abandono do idealismo kantiano
até a sua descoberta do raciovitalismo, considerando a vida como realidade radical, raiz de
26
AMOEDO, M. I. A. La hipótesis de una era del post-hombre masa. Revista de Estudios Orteguianos, nº 27,
2013, p. 242.
27
SAN MARTIN, J. La ética de Ortega: nuevas perspectivas. Revista de Estudios Orteguianos, nº 1, 2000, p.
154.
28
CALLÉN, J. L. B. Elementos para una antropología filosófica de la educación en Ortega y Gasset. Revista de
Estudios Orteguianos, n° 30, 2015, p. 157.
29
CURTIUS, Ernst Robert. Ortega. Revista de Estudios Orteguianos, nº 5, 2002, p. 195.
15
cada coisa. O intento metafísico de Ortega é explicar o ser do homem (Yo soy yo) no mundo
(y mi circunstancia), para, assim, saber quem é o homem e o seu papel no mundo.
O terceiro capítulo, “Em cena, o homem”, procura investigar qual o projeto
orteguiano sugerido para o homem, uma vez que a segunda parte da frase de Ortega “y si no
la salvo a ella no me salvo yo” refere-se diretamente à relação do homem com as coisas em
seu entorno. Esse capítulo tentará mostrar como o homem orteguiano pode salvar as suas
circunstâncias estando no mundo, na medida em que estabelece um projeto para si e o
cumpre.
16
30
MEDIN, T. Entre la veneración y el olvido. La recepción de Ortega y Gasset en España. Madrid: Biblioteca
Nueva, 2014, p. 10.
31
ORTEGA Y GASSET, J. Kant. O.C., IV, p. 278.
32
Ibidem, p. 276.
33
MONTERO, R. Náufrago hasta el fin. Revista Archipiélago. Cuadernos de critica de la cultura. Nº 58,
noviembre, 2003, p. 16.
34
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus. 2014, p. 33.
17
com enorme diferencia, em toda mi vida de maestro. A veces me da la impresión de que por si
solo sabe ya las cosas que voy a enseñarle”.35 E dizia a Ortega Munilla: “Le felicito, don José,
aunque de tal palo tal astilla”.36 Ainda que muito atento aos estudos, o pequeno José (Pepito)
não abria mãos das brincadeiras próprias de infância com o seu irmão maior, Eduardo. Seus
outros dois irmãos, Rafaela e Manuel, eram ainda muito pequenos e, por isso, impedidos de
participar das artes e travessuras dos maiores.
Uma das primeiríssimas influências de Ortega foram sem dúvida os muitos livros
da biblioteca pessoal de seu pai, que certamente era muito variada, uma vez que Ortega
Munilla era o responsável pela sessão literária do periódico El Imparcial, intitulada El Lunes
del Imparcial, bastante lida e respeitada: “La cultura y la biblioteca de Ortega Munilla fueron
fuente de estímulo y entusiasmo intelectuales para su hijo Pepe (...). Ortega Munilla le incitó a
leer a los grandes autores franceses, entre ellos Balzac (…)”.37
Para além da biblioteca, os muitos encontros intelectuais ⸻ as tertúlias ⸻ que
fazia Ortega Munilla em sua própria casa também eram ocasiões para o muito jovem Ortega
aprender. A vida intelectual de Ortega foi se forjando já naquela época, quando, em meio ao
saboroso cocido madrileño que vinha preparado para o jantar, se discutia cultura, política,
costumes. Eduardo relata: “Allí mi hermano José practicó la ingeniosa y dificil esgrima de la
palabra [...] y logro el dominio de si mismo casi en la pubertad”38. Ortega tinha naquele tempo
tantas ideias e intuições que não sabia o que fazer com elas, a ponto de certa vez desabafar
com Eduardo: “Se han levantado en mi ideas a bandadas y no sé qué hacer para retenerlas.
Temo que se me escapen, que se me olviden, aunque estoy seguro de que volverán”.39
Depois da alfabetização inicial com preceptores particulares, a família Ortega
achou por bem matricular os dois irmãos maiores, Eduardo e José, em um bom colégio para
que dessem prosseguimento aos estudos. Devido ao cuidado religioso de Dolores, que queria
assegurar aos filhos uma educação confessional católica, o colégio escolhido foi o “San
Estanislao de Miraflores de El Palo”, em Málaga, sob direção dos padres jesuítas. Não
obstante se sairá muito bem nos estudos, ganhando vários prêmios de destaque em sala de
aula,40 este será um tempo que não trará boas recordações para Ortega, por causa dos padres
jesuítas. Ortega não os suportava. Com efeito, anos depois ele escreverá à sua noiva, que à
época fazia direção espiritual com um padre jesuíta, dizendo: “Como gozan estos hombres em
35
SPOTTORNO, J. O. Los Ortega. Madrid: Taurus. 2002, p. 134.
36
Ibidem, p. 134.
37
Ibidem, p. 135.
38
Ibidem, p. 139.
39
Ibidem, p. 135.
40
MONTERO, 2003, p. 17.
18
vestir de negro la vida!”.41 Para ele, o grande defeito dos padres jesuítas, mais do que todos os
outros, é a ignorância.42 Não obstante a má vontade de Ortega com os jesuítas, foram eles que
o introduziram na língua grega, o que no futuro lhe será bastante útil. Especialmente um tal
Padre Gonzalo Coloma, que “le enseño los rudimentos de griego y complementó su latín
escolar, iniciando así la formación clásica que subyace al bagaje cultural de mi padre”,43 diz
reconhecida Soledad Ortega, filha de Ortega.
Ortega, aos 14 anos, recebe o título de “bachiller”, em 23 de outubro de 1897,
qualificando-se assim para os estudos universitarios. Nesta idade, “es un joven pequeño, fino
de cuerpo, cabeza grande. Cetrino, las mejillas carnosas, un hoyuelo partiéndole el mentón.
No es um muchacho lo que se dice guapo, pero tiene una voz persuasiva y lós ojos como dos
berbiquies”.44 Ele traz consigo a certeza do que quer ser: filósofo. Esta certeza o fará entrar
em conflito com o seu pai que prefere que se forme em Direito. Por ironia do destino, será
preciso a intercessão do Padre Gonzalo Coloma, jesuíta a quem Ortega Munilla tem em alta
consideração. Enfim, cedendo aos argumentos do Padre, Munilla permite a Ortega abandonar
o curso de Direito e Letras, em Deusto, e abraçar o de Filosofia na Universidade de Madrid.
No pouco tempo em que foi aluno de Direito na Universidade de Deusto, em
Bilbao, mais precisamente de 1897-1898, Ortega teve o primeiro contato com Miguel de
Unamuno, expoente da filosofia ibérica e reitor da Universidade de Salamanca, que se tornará
seu amigo e confidente e, ao mesmo tempo, seu antagonista no campo das ideias. Com efeito,
a prova de qualificação na língua grega, uma exigência do curso de Direito, foi dada por
Unamuno, uma vez que a Universidade de Salamanca era coligada àquela de Deusto.
Assim, finalmente, aos 16 anos de idade, Ortega se matricula na Universidade
Central de Madrid para fazer o curso que daria sentido a sua vida, licenciando-se em 1902.
Em dezembro de 1904, doutora-se na mesma universidade com uma tese intitulada Los
terrores del año mil. Seguro da decisão tomada, mais tarde escreverá ao grande amigo
Navarro Ledesma, dizendo: “Es indudable que los hombres nobles hemos venido al mundo a
filosofar y no a outra cosa: el primum vivere carece de sentido como se demonstrará a su
tiempo”.45 Outro amigo, Manuel Garcia Morente, anos mais tarde, dará um belo testemunho,
dizendo:
41
ORTEGA, Soledad (Org.). José Ortega y Gasset: cartas de un joven español. Madrid: Ediciones El Arquero.
1991, p. 317.
42
Cf. MONTERO, 2003, p. 19.
43
ORTEGA, Soledad. José Ortega y Gasset: imágenes de una vita (1883-1955). Madrid: Font Diestre S.A.
1983, p. 24.
44
MONTERO, op. cit., p. 19.
45
ORTEGA, 1991, p. 600.
19
46
CACHO VIU, Vicente. Los intelectuales y la política. Madrid: Biblioteca Nuova. 2000, p. 48.
47
Ibidem, loc. cit.
48
Ibidem, loc. cit.
49
Ibidem, p. 49.
50
ORTEGA Y GASSET, J. Al margen del libro “Colette Baudoche”, de M. Barrès. O.C., IV, p. 470.
51
Ibidem, loc. cit.
20
no podía España nutrirse más de Francia”.52 Para ele, era motivo que bastava para procurar
então outras nascentes. Porém, só via uma: Alemanha: “Comprendí que era necesario para mi
España absorber la cultura alemana, tragársela —un nuevo y magnífico alimento— (...)
España necesitaba de Alemania”.53
A meados de fevereiro de 1905, dotado dessas convicções, Ortega se muda para
Leipzig, pequena cidade alemã, feiíssima em sua opinião, onde ficará até setembro desse
mesmo ano. Trazia uma certeza: “Alemania es una etapa característica de mi vida; la energia,
la forza de mi espiritu procederá de mi iniciación alemana”.54 Em outubro do mesmo ano, se
muda para Berlim, onde ficará até fevereiro de 1906. Como era de se esperar, encontrou
muitas dificuldades neste início, desde a dificuldade de aprender a língua alemã até a escassez
de recursos, que para tudo dependia financeiramente dos pais, que ricos não eram. Por isso,
propõe mais à frente pagar parte das despesas, ainda que fosse um mínimo, e pede que os pais
mandem dinheiro apenas para ele comer e dormir, pois “lo demás y extraordinários, libros,
trajes, etc., espero lograr mantenerlo yo mismo por médio de traducciones”.55 Ainda assim,
com relativamente pouco dinheiro, com dificuldades com a língua e aos costumes alemães ⸻
na Alemanha come-se pouco, apenas um terço do que se come em Madrid!56 ⸻, ele escreve
dizendo à mãe: “Soy feliz y estoy animadisimo”.57 Tinha desafiado a si mesmo e agora estava
ali onde julgava o lugar mais excelente para “estudiar y buscar su auténtica vocación”.58 Para
Manuel Garcia Morente, a intuição de Ortega de fazer a sua formação filosófica na Alemanha
foi decisiva para sua carreira como filósofo: “Kant dio al pensamiento de Ortega una base
(…) comenzó Ortega a dilatar su visión filosófica, a robustecer su intuición personal, a
aquilatar su propio problema”.59
Já matriculado na Universidade de Berlim, numa sexta-feira de 24 de novembro
de 1905, escreve aos pais muito satisfeito e com um entusiasmo típico dos jovens, consciente
de que, além dos estudos propriamente ditos, a Alemanha lhe dava também toda uma
estrutura cultural que era inexistente em sua Espanha natal: “Estoy mui contento con las
lecciones de al Universidad a que asisto (…) lo de más son las bibliotecas, museos, etc.
Realmente aquí el que pueda vivir tres o cuatro años se hace un sabio sin querer”.60 E, à sua
52
Idem. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 133..
53
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 133.
54
ORTEGA, 1991, p. 556.
55
Ibidem, p. 143.
56
SPOTTORNO, 2002, p. 164.
57
ORTEGA, op. cit., p. 143.
58
SPOTTORNO, op. cit., p. 155.
59
MORENTE, M. G. Carta a un amico su evolución filosófica in Ortega y su tiempo. Ministerio de cultura -
Palacio de Velázquez del Retiro, Madrid, mayo-julio, 1983, p. 19.
60
ORTEGA, op. cit., p. 222.
21
noiva, confidencia: “Cada día comprendo mejor la gran decisión que ha sido venirme aquí, y
me afirmo en reconocer la tremenda influencia que este mi viaje ha de tener en el resto de mis
días y acaso en los de mi patria”.61 A barreira naqueles primeiros meses era a dificuldade que
encontrava em falar a língua alemã: “Sin saber el idioma se está como um recién nacido. Si
pierde en absoluto la más precisa confianza en si mismo y las ideas o no existen o son
infantiles. Crea de verdad que pienso si me habré vuelto inbecil o semi”.62 E, além da
dificuldade da língua, se assomava a dificuldade natural da filosofía de Kant: “Allí tuve el
primer cuerpo a cuerpo desesperado con la Crítica de la razón pura, que ofrece tan enormes
dificultades a una cabeza latina”.63
Ortega não demora muito em começar a comparar a Alemanha com a Espanha,
com evidente prejuízo para a última. Alemanha é “um pueblo moral y organizado, um pueblo
optimista y creyente”,64; a Espanha, ao contrário, é um “pueblo imoral, descompuesto como
um cadáver, pesimista y chabacanamente escéptico”.65 E profetizava: “Ojalá que unos cuantos
cientos de españoles inteligentes pudieran hacer lo que yo he hecho!”.66 A Alemanha “es una
tierra ideal para la razón”,67 tão em falta em sua querida Espanha. Ortega projeta o futuro,
imaginando-se como uma das poucas lideranças intelectuais no cenário espanhol: “Creo
firmemente que en España hoy no existen más que dos o tres hombres que sepan media
filosofía. Yo aspiro a saber toda. Veremos si tengo fuerza de trabajo”.68 E, como não tinha
com quem falar naqueles primeiros momentos, pois conversar em alemão lhe soava quase
impossível, desafogava-se escrevendo cartas à noiva. Em uma delas, narra a sua rotina: “Me
levanto muy temprano y no salgo hasta las 12, hora de comer; luego vuelvo a casa o voy a la
Biblioteca hasta las 4 en que tengo clase, hasta las seis unos días hasta las 8 otros. Vuélveme a
cenar a casa y trabajo hasta las 11 u 11 y media”.69
Na correspondência que mantém com seus pais durante esta primeira etapa na
Alemanha, Ortega se mostra um filho atento, carinhoso e muito preocupado, a ponto de querer
resolver os problemas de casa a partir dali, “emite juicios y análisis, pronósticos y
recomendaciones, insinuaciones de futuro y ayudas pensadas para cada uno”.70 A liderança
que quer exercitar na Espanha e na Europa começa a exercitá-la na família. Desempenha um
61
ORTEGA, 1991, p. 300.
62
Ibidem, p. 589.
63
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. OC, IX, p. 135.
64
ORTEGA, op. cit., p. 27.
65
Ibidem, p. 27.
66
Ibidem, p. 228.
67
Ibidem, p. 247.
68
Ibidem, p. 114.
69
ORTEGA, op. cit., p. 547.
70
GRACIAS, 2014, p. 69.
22
papel ordenador, sendo ao mesmo tempo muito cuidadoso para, com suas interferências, não
ferir suscetibilidades paternas.
Certa vez, estando o pai aborrecido com o comodismo do filho mais velho, Ortega
o aconselha: “Lo que me dices de Eduardo no me parece justo. Eduardo es um hombre en
toda la santa extensión de la palabra: Le hace falta um poco de decisión nada más. (…) Pero si
le chillas, como es muy hombre, se desazona, se indigna, rebota”.71 E, com um truque de
retórica para convencer o pai dos seus argumentos, arrematava a conversa apelando para a
própria condição do filósofo, que conserva consigo um certo relativismo com relação à vida:
“[Eduardo]es una planta hermosísima que hay que cuidar porque no tiene el egoísmo rígido
mío que me ha enseñado a cuidarme a mí mismo. Yo soy un gréculo (...) los gréculos hemos
renunciado a vivir, no somos carne ni pescado, somos solo espectadores (…)”.72 Em outra
ocasião, detectando uma leve depressão no comportamento e nas palavras do pai, que
reclamava a sua presença em Madrid, lhe escreve animando-o e, ao mesmo tempo, fazendo
uma breve teoria sobre o valor da vida:
Ya están mamá y los chicos a tu lado; espero que eso te reanime y te saque de la
atonía espiritual y la desesperanza en que ibas cayendo. Sinceramente creo que se
debe hacer por vivir sin esperanzas y sin embargo hallar la vida agradable: tenemos
ilusiones y las perdemos y entonces decimos que es mala la vida. Quien, diantre, nos
dio permiso para hacernos ilusiones? Lo malo, pues, son las ilusiones y no la vida:
porque ésta es lo real y lo real no puede de ninguna manera ser imperfecto.
Naturalmente, el dolor es siempre dolor y cosa enojosa: pero, advierte, que no es lo
que te angustia el dolor y el trabajo sino la noción de la vaciedad de la vida. Es
preciso aceptar ésta y una vez aceptado, seguir como si tal cosa. Lo que tienes que
hacer es procurar descansar y sobre todo, entregarte a otras faenas más de tu gusto
(ORTEGA, S., 1991, p. 180).
Nas cartas trocadas entre Ortega pai e Ortega filho, é possível entrever uma
disputa intelectual entre eles, ainda que mais por parte do filho do que do pai. Ortega tem um
grande amor filial ao pai, mas, procura deixar claro, ao escrever de Marburgo: “Te adora pero
piensa em casi todo de distinta manera que tu”.73 O contexto no qual tal carta é escrita nasce
de um artigo que Munilla publica no Lunes de El Imparcial sobre uma novela de Luiz Lópes-
Ballesteros, intitulada La cueva de lós buhos. Para Ortega, além de ser muito condescendente
com o novelista, o pai se equivoca em algumas afirmações e conceitos, tornando, assim, o
artigo um tanto quanto confuso. Ali, o pai erra, por exemplo, em uma afirmação sobre o
conceito de verdade, no que Ortega o corrige:
71
ORTEGA, 1991, p. 208.
72
Ibidem, loc. cit.
73
Ibidem, p. 265.
23
Respecto a que “el água de la verdad no brota en parte alguna” digo: no brota donde
no se la busca: la verdad, por definición, no se da en estado nativo: hay que hacerla.
Cientos de siglos lleva la humanidad en esa labor, con días tristes y días luminosos:
considero un error fatal y poco honroso borrar con una tachadura de la pluma cien
siglos de humanidad. El mayor error, la mayor falta de sentido histórico es suponer
que cien siglos de hombres han sido cien siglos de imbecilidad. Cuando oigo a
alguien decir que no encuentra la verdad me pregunto: pero ante todo qué será lo que
busca este hombre y no encuentra? Porque para buscar una cosa hay que saber lo
que se busca. (ORTEGA, S. 1991, p. 278)
Porém, as dificuldades financeiras continuavam, pois era pouco o que recebia pela
bolsa de estudos, que ficava ainda menor pela obrigação de converter a moeda espanhola pela
alemã. Mas, ainda assim, todo esforço valia a pena, dado o retorno que obtinha que consistia
em aumentar seus conhecimentos: “(...) yo solo podía comer, de cuando en cuando, en los
automáticos “Aschinger”. En cambio, tenía las bibliotecas, donde compensaba mi
voracidad”.76
Retornando a sua Madrid natal, ele assume, em 1º de setembro de 1909, a cátedra
de Psicologia, Lógica e Ética da Escola Superior de Magistério. Agora, como já ganhava o
seu próprio dinheiro e com uma profissão estável, era o momento adequado para contrair
matrimônio. Ortega havia conhecido a jovem Rosa Spottorno quando tinha ainda 19 anos e
ela 18. Depois de um noivado de seis anos, parte deles com Ortega morando na Alemanha, o
74
ORTEGA Y GASSET, José. Notas de Berlín. O.C., I, 44.
75
Idem. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 136.
76
Ibidem, p. 135.
24
jovem casal se une em matrimônio no dia 07 de abril de 1910, unindo assim as famílias
Ortega e Spottorno: “La família Spottorno y la de lós Ortega pertenecián a la burguesia
liberal, aunque nunca fueron ricos e hubieron de vivir de sus professiones (...) Ambas familias
tenían una concepción del mundo y una valoración de las cosas muy similares”.77
O casamento é um passo importantíssimo na vida de Ortega, que gosta de estar
casado: “Le gusta el ambiente estable y prefijado, los horarios regulares, la previsibilidad de
las rutinas y la exactud de las cosas en su sitio”.78 Além do mais, lhe trará uma maior
autonomia e liberdade: “Ortega vive esa boda como una liberación, una forma de dominio
definitivo de su propio futuro y de su vida, y eso significa también una forma de control pleno
de su tiempo y sus plurales vocaciones”.79 Enfim, vida boa para Ortega ⸻ ao menos em sua
opinião ⸻ é constituir familia, morar em uma pequeña cidade ⸻ “el consejo del sábio es
formarse una gran ciudad dentro del alma y rodearse de una pequeña ciudad el cuerpo” 80 ⸻ e
lecionar filosofía.
Ortega havia perdido a fé em Deus e na Igreja desde a mocidade e levará esse
ateísmo por toda a sua vida. Tanto é que a forma do seu matrimônio com Rosa foi aquela,
permitida pelo Código de Direito Canônico Católico, entre um não crente, ele, e um católico,
ela. O fato é que Ortega se casa no religioso não por convicção própria, mas apenas para
satisfazer Rosa. Anos bem mais tarde, Soledad Ortega pergunta ao pai porque eles, os filhos,
foram educados na fé católica, se não professava fé alguma. Ortega responde que tinha
assumido esse compromisso ao se casar e,81 ainda, para não criar problemas aos filhos, que
seriam obrigados a justificar o seu ateísmo aos coleguinhas de escola pois, “en España, lo
normal es ser católico, al menos en las formas externas”.82
Certa vez, discutindo com Miguel de Unamuno, ao falar do Divino, exclui aquele
“revelado mediante sacerdotes”.83 Ortega seguiu sendo ateu sem o mínimo conflito de
consciência, e assim formatou toda a sua vida, com aquilo que julgava ser um saudável
laicismo. Soledad Ortega afirma: “(...) tuvo exquisito cuidado em informar a-catolicamente
todos lós actos de su existência”.84 Se desculpando à noiva por um ataque de ira, diz que não
77
SPOTTORNO, 2002, p. 156.
78
GRACIAS, 2014, p. 63
79
Ibidem, p. 121.
80
ORTEGA, 1991, p. 282.
81
ORTEGA, 1983, p. 29.
82
Ibidem, p. 29.
83
ROBLES. L. (Org.). Epistolário Ortega-Unamuno. Madrid: El Arquero, 1987, p. 73.
84
ORTEGA, op. cit., p. 29.
25
quer o perdão de Deus, porque “como no creo en Dios que há hecho las leyes y las cosas, no
tengo derecho a creer em um Dios que perdone el quebrantamiento de la ley”.85
Preocupado com a influência que os padres jesuítas poderiam exercer sobre sua
futura esposa, uma vez que Rosa fazia direção espiritual com um deles, e vendo que ela, ao
menos em um primeiro instante, não se deixava se influenciar pelos padres, a elogiava: “Esos
señores, sin embargo, no han conseguido convencerte de que el mundo es depreciable y la
vida una cosa hueca”.86 E, aproveitando o momento, deixava claro para Rosa que saber o que
é o bem e o que é o mal independe de crer ou não em Deus; a vida é o que é: “Preguntarse si
la vida es buena o mala sólo se puede hacer poniéndose fuera de la vida: es decir, en un estado
de enfermizo sea del cuerpo o sea sólo del alma. No señor, el ser fuerte y sano, admite con
una grande y franca y valiente afirmación la vida y no vuelve a pensar jamás sobre si es buena
o es mala”.87 Uma ou outra vez, quando Rosa mostrava-se reticente às suas investidas de
namorado um pouco mais ousado, Ortega mais uma vez culpava os padres, que com as suas
doutrinas não deixavam fluir livre a força do corpo: “Decir que el hombre es algo malo o
defectuoso porque tiene cuerpo es uma cosa que carece de sentido, es como decir que um
círculo no debe ser redondo”.88 E voltava a carga, com a insistência dos amantes: “Renegar de
ello, ponerle motes, como hacen lós curas me parece un crimen o por lo meno una
inbecilidad; porque equivale a renegar de nosostros mismos”.89 E arrematava: “Amor que sea
sólo uma cosa aérea y volátil no existe (...)”.90 Eis aí um Ortega “cada vez menos
contemplativo, más soñadoramente físico y más eroticamente entusiasta”.91
De outra feita, faz uma crítica desvastadora à Igreja considerando-a e as seus
membros como “administradores de la gran mina de oro y de mando que se llama la ‘Fe’”.92 E
distinguia Igreja de Religião: “La religión es cosa muy distinta de la Iglesia, de los curas,
etc...”,93 culpando a Igreja pela derrocada da Espanha: “Mira a España: ahi tienes como acaba
un pueblo entregado a la Iglesia”.94 E completa, arrasador: “Cuanto más respeto siento hacia
la religión más desdén siento hacia el catolicismo”.95
85
ORTEGA, 1991, p. 410.
86
Ibidem, p. 330.
87
Ibidem, loc. cit.
88
Ibidem, p. 373.
89
Ibidem, loc. cit.
90
Ibidem, loc. cit.
91
GRACIAS, 2014, p. 53.
92
ORTEGA, op. cit., p. 553.
93
Ibidem, loc. cit.
94
Ibidem, loc. cit.
95
Ibidem, p. 561.
26
Para mi padre, abrasado en ese fervor creador a veces agotador, con una sensibilidad
a flor de piel hija de sus mismas capacidades, cualidades y calidades, la serena
compañía de mi madre, la tranquilidad de una casa que vivía al ritmo que el
necesitaba, fueron factores estabilizadores sin los cuales es muy posible que su vida
y su obra no hubieran podido desarrollarse como lo hicieron (ORTEGA, S. 1983, p.
28).
E tantas atividades assim eram a mais pura realidade. O próprio Ortega desabafa:
“Yo tengo que ser, a la vez, profesor de la Universidad, periodista, literato, político,
contertulio de café, torero, “hombre de mundo”, algo así como párroco y no sé cuántas cosas
más”.97
Em 1910, logo depois do seu casamento e uma curta lua de mel no Escorial,
situado nos arredores de Madrid, Ortega retorna mais uma vez à Alemanha, precisamente em
Marburgo, agora ao lado de sua esposa, graças a uma bolsa de estudos que recebe da Junta
para Ampliación de Estudios. Ali nasce o seu primeiro filho, no dia de São Germano, e que
por isso levará o nome de Miguel Germán. Ortega, se pudesse, ficaria um longo tempo em
Marburgo estudando e cultivando suas amizades alemãs, mas “el estado de su padre, sin ser
‘enfermedad peligrosa’ le obliga a abandonar las funciones que desempeña em el trust desde
hace años y Ortega debe volver de forma prematura em diciembre de 1911”.98 Ortega faz o
seu retorno definitivo para a Espanha. E que Espanha encontrará? Quem conta é o filósofo e
amigo de Ortega, Manuel Garcia Morente: “Por entonces, la filosofia em España no existia.
96
GRACIAS, 2014, p. 93.
97
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. OC, IX, p. 126.
98
GRACIAS, op. cit., p. 141.
27
(...) incluye los últimos anos quince y agitados años de la agonia de la Reustauración
canovista hasta 1923, luego los seis años dela Dictatura del General Primo de Rivera
hasta enero de 1930, la caída de la Monarquía, los cinco años y medio de la
República y, finalmente, la irrupción de la Guerra Civil en julio de 1936, que
finalizaría con el triunfo y el comienzo de la Dictatura del General Franco (MEDIN,
2014, p. 21).
Lo mejor que puede hacer el estudioso de filosofía es: no leer libros filosóficos o no
leerlos en el sentido vulgar, sino abordarlos como problemas, vivirlos como
conflicto y reconstruirlos mediante la propia meditación. Estará perdido si se deja
llevar por la comodidad de la lectura, porque nunca será dueño de los problemas y
métodos de su investigación (GRACIAS, 2014, p. 143).
99
MORENTE, Manuel Gracia. Carta a um amigo su evolución filosófica in Ortega y su tiempo. Impreso pela
Exposición organizada por El Ministerio de Cultura - Palacio de Velázquez del Retiro, Madrid, Mayo-Julio,
1983, p. 18.
100
GRACIAS, 2014, p. 142.
28
101
Ibidem, p. 145.
102
Ibidem p. 106.
103
Ibidem p. 144.
104
ORTEGA, S. (Org.). J. Ortega y Gasset: Cartas de un joven español. Madrid: El Arquero. 1991, p. 455.
105
ORTEGA, S. José Ortega y Gasset: Imágenes de una vita (1883-1955). Madrid: Font Diestre S.A. 1983, p. 35
29
Qué comentário hacer? Dios nos libre a nosotros los tradicionales españoles de estas
Walkirias con las medias azules que van a conquistar al hombre con el código civil
en la mano! A que exigir de la mujer una producción cotizable? El hombre ocioso
nada vale, muy cierto. Más la mujer vale por sí misma. Los viejísimos Eddas lo han
dicho fuertemente: “La mujer es el pago del hombre (ORTEGA, S. 1991, p. 186).
À mãe, que abre um pequeno negócio para ajudar nas finanças familiares, entre
conselhos do que ela deve fazer para que o empreendimento dê certo, termina por dizer: “Las
mujeres no tenéis osadia para grandes negócios pero sois seguras como el diablo en lo que
intentais”.109 Como se percebe, é possível entrever em Ortega uma visão um tanto quanto
estereotipada das mulheres. Se vê que Victoria Ocampo tinha alguma razão.
Muitos dos livros escritos por Ortega nasceram dos seus artigos preparados para
os periódicos, revistas e jornais. Sua filha Soledad relata que, desde os inícios de sua vida de
escritor, Ortega andava com vários recortes quadradinhos de cartolina no bolso, onde anotava
suas intuições e dados bibliográficos para não os esquecer. Toda pré-sistematização dos
escritos de Ortega vem dessas pequenas fichas, que serviam apenas para o pontapé inicial de
seus escritos, pois “lo que salía a la luz era el resultado, la elaboración realizada en su mente
de todo ese material, alumbrado por sus intuiciones – su capacidad intuitivo-intelectual era
106
Ibidem, p. 35.
107
ORTEGA, 1991, p. 186.
108
MOLINUEVO, J. L. Para leer a Ortega. Madrid: Alianza Editorial, 2002, p. 33.
109
ORTEGA, op. cit., p. 152.
30
110
ORTEGA, 1983, p. 38.
111
Ibidem, p. 38.
112
Ibidem, loc. cit.
113
Ibidem, loc. cit.
114
Ibidem, loc. cit.
115
Ibidem, loc. cit.
116
Ibidem, loc. cit.
117
Ibidem, p. 45.
31
alojemos en la Residencia de Estudiantes de la calle del Pinar, donde aún están los alumnos
extranjeros de los cursos de verano y parece un lugar más protegido para evitar esos posibles
palos de ciego previsibles en situaciones límite como la que vivimos. Y allí nos vamos”.118
Naquele momento, grupos de milícia enchem as ruas de Madrid e a rotina dos
madrilenhos é tomada por perseguições e assassinatos. A filha de Ortega, testemunha de toda
essa movimentação, diz: “El gobierno de la República se esfuerza em luchar contra el caos
sangriento de um estado de emergência de este calibre, com su secuela de revolución social –
classe contra classe – y de venganzas personales”.119
A situação torna-se ainda mais tensa quando Ortega, de cama, com febre e com
inicio de uma septicemia por causa de um problema de vesícula maltratado, recebe a “visita”
de um grupo de milicianos armados, que queriam a sua assinatura em um manifesto de apoio
ao setor republicano do embate. Ortega se recusa a assinar. Soledad conta: “Me dice que no lo
firma, aunque lo maten, porque contiene afirmaciones que están en abierta contradicción con
lo que es su juicio de las cosas y la postura que, en consecuencia, ha tomado tiempo atrás al
retirarse de la política”.120 A tensão sobe. Quem salva a situação é um grupo de escritores de
uma geração mais jovem daquela de Ortega, que sugere a escritura de um novo manifesto, não
redigido pela milícia, mas por eles, e mais dentro do espírito e ideias de Ortega, Menéndez
Pidal e Marañon, e que, então, seria assinado pelos três. O grupo de milicianos aceita e
Soledad conta, aliviada: “Mi padre no traciona su íntima conciencia afirmando su adhesión a
los princípios de esa República que tanto há contribuído a establecer en España”.121 Como a
situação se agravava ainda mais, era preciso fugir, exilar-se:
118
Ibidem, p. 47.
119
ORTEGA, 1983, p. 47.
120
Ibidem, p. 48.
121
Ibidem, loc. cit.
122
Ibidem, p. 53.
32
dizendo: “Operele. Ud. no sabe lo que es un celtibero”.123 Assim, Ortega é operado, a cirurgia
tem pleno êxito, e ele então se livra daquele mal que tanto o incomodava e que quase leva a
sua vida. Em 1939, Ortega faz a sua terceira e última viagem à Argentina. É o fim da Guerra
Civil Espanhola e o começo da Segunda Guerra Mundial. Como de costume, dá suas
conferências às quais acorre grande número de pessoas. Ainda que Ortega continuasse
fazendo sucesso em terras rio-pratenses, a família e o próprio Ortega não se sentiram
acolhidos justo no momento em que mais precisavam, pois pensavam mesmo em sentar bases
em Buenos Aires, deixando para trás a situação caótica da Espanha:
123
Ibidem, loc. cit.
124
ORTEGA, 1983, p. 54.
33
filhos prometerem que vetariam qualquer serviço religioso naquele último momento. No
entanto, a Universidade Católica marcou para dois dias depois uma missa pública em
homenagem a Ortega y Gasset, o que foi prontamente recusado pelos filhos, que mandaram
uma carta ao Ministro da Educação, falando do último desejo do pai: “Que nuestro padre puso
toda su vida...el más pucro cuidado, dentro del máximo respeto, de que todos sus actos – aun
los que pudieran parecer más nímios – mostrasen su voluntad de vivir acatólicamente , es cosa
de la que no cabe a nadie la menor duda”.125 No velório de Ortega estavam seus amigos mais
próximos e discípulos. Fizeram uma última tertúlia ao redor do amigo morto, ele que nas
tertúlias era sempre o protagonista. Soledad conta:
Fernando Vela propuso a esos discípulos más cercanos que pasaran todos la noche
leyendo aquellos pasajes de sus escritos en que Ortega se había referido a la muerte.
Y así, a modo de tertulia póstuma en que el tema tratado era ése – la muerte –
trascurrió el velatorio. Cumpliendo con ello el deseo al que ya he aludido, tantas
veces expresado por el maestro, de acabar su paso por la vida en tertulia (ORTEGA,
1983, p. 59).
Ortega fue el símbolo del intelectual por excelencia, del español europeo y
universal, pero también de la decadente ideología burguesa, del pernicioso anti
catolicismo o del petulante elitismo aristocrático, y en cada uno de estos casos, y en
otros, era la promesa o el peligro, la ilusión o la amenaza, la autoridad reconocida o
la imperdonable frivolidad (MEDIN, 2014, p. 10).
Em uma das cartas que Ortega envia à sua namorada e futura esposa, Rosa
Spottorno, retrata muito bem o que esperava da vida:
Mira, mujercita mía, el ideal que me he hecho de los años que vienen: primero,
dentro de dos años o así ver si puedo ganarme una cátedra de latín en San Isidro que
es la cátedra más remunerativa de España y muy bien puede darme cuatro mil duros
125
Ibidem, p. 59.
126
GRACIAS, 2014, p. 37.
34
anuales; no creo difícil con libros y otras literaturas llegar a los seis mil duros. Con
esto, aunque modestamente, podemos vivir con gran tranquilidad y hasta
permitirmos el lujo de viajar por tierras lueñas, lueñas …Viviremos un año en Italia,
otro en Grecia bajo el cielo limpio y entre los viejos mármoles blancos donde
floreció la forma más perfecta de esta extraña cosa que se llama hombre (ORTEGA,
1991, p. 386).
Pelo que se viu, o sonho do jovem Ortega não se concretizou, pois as suas
circunstâncias o levaram para outros lugares. A bem da verdade, outro era o seu sonho: salvar
a Espanha.
Ortega, desde o primeiro momento em que decide pelas ciências filosóficas até o
seu último suspiro, em 1955, terá a Espanha em seu horizonte reflexivo. Em muitos textos
tentará diagnosticar os males nacionais e propor soluções. Ortega está convicto que um dos
grandes males é a crescente massificação da sociedade, que impede a ação de uma minoria
qualificada e melhor preparada.
Ortega pensa a Espanha não pela via literária ou poética, mas através do rigor
filosófico que a duras penas assimilou na Alemanha, pois “en España hacía falta ciência,
método, rigor y disciplina intelectuales”.127 Ortega tentará sobretudo pensar a Espanha “desde
los conceptos de incorporación, desintegración, invertebración y vertebración, particularismo,
compartimentos estancos, acción directa e indirecta, ser y deber ser, masa, ejemplaridad,
aristocratismo, etc”.128 Existe um pessimismo, um enfado por parte de Ortega, ao se referir à
Espanha, especialmente nos primeiros anos de sua formação filosófica:
Dos Españas, senõres, están trabadas en una lucha incesante: Una España muerta,
hueca y carcomida y una España nueva, afanosa, aspirante, que tiende hacia la vida
y todo está arreglado para que aquélla triunfe sobre ésta. Porque la España caduca se
ha apoderado de todos los organismos públicos, de todo aquello que podemos llamar
lo oficial y que no es solo la Gaceta y los ministerios – y esa España cadavérica y
purulenta convertida en España oficial gravita, aplasta, agosta los gérmenes de la
España vital (ORTEGA, O.C., VII, p. 391).
127
MARTÍN, F. J. La difícil conquista de la modernidad. Revista Archipélago. Cuadernos de Crítica de la
cultura. Nº 58/2003 - noviembre, p. 89.
128
Ibidem, p. 90.
35
clásica aparición hallamos en Atenas. (…).129 Olhando para a Alemanha apenas como
inspiração, e não como imitação, será possível construir uma cultura espanhola, infelizmente
ainda inexistente: “Yo ambiciono, yo no me contento con menos que con una cultura
española, con un espíritu español. Y esto no existe; por mi parte, dudo que haya existido”.130
No que Cacho Viu aponta: “No se trataba, además, tan sólo de reabsorber la ciencia que
venga de Alemania, sino de conseguir vertebrar una cultura española. Esa fue la tarea que
Ortega proponía como digna de su generación”.131 Para Ortega, a missão de reerguer a
Espanha e fazer dela uma grande nação toca a todos os espanhóis, que deverão juntar forças e
lutar por um projeto comum:
Una nación es, a la postre, una ingente comunidad de individuos y grupos que
cuentan los unos con los otros. Este contar con el prójimo no implica necesariamente
simpatía hacia él. Luchar con alguien, no es una de las más claras formas en que
demostramos que existe para nosotros? Nada se parece tanto al abrazo como el
combate cuerpo a cuerpo (ORTEGA, O.C., III, p. 79).
Ortega se refere àquela sinergia vista tempos de guerra em que “cada ciudadano
parece quebrar el recinto hermético de sus preocupaciones exclusivas, y agudizada su
sensibilidad para el todo social (...).132 Sem este compromisso com o “todo social” a
sociedade mostra-se invertebrada, sem rumo: “El concepto de invertebración remite a la
inexistencia de una articulación hegemonica capaz de reformular un proyecto de totalización
nacional, es decir, a la inexistência o a la debilidad extrema de toda potencia de
nacionalización”.133
Para o bem da nação espanhola era preciso aproveitar o que cada indivíduo podia
oferecer, pois assim “la vida de cada individuo queda en cierta manera multiplicada por la de
todos los demás; ninguna energía se despilfarra; todo esfuerzo repercute en amplias ondas de
transmisión psicológica, y de este modo se aprovecha y acumula”.134 Portando, a salvação da
Espanha passa por essa nova atitude, pois “sólo una nación de esta suerte elástica podrá en su
día y en su hora ser cargada prontamente de la electricidad histórica que proporciona los
grandes triunfos y asegura las decisivas y salvadoras reacciones”.135 Ademais, Ortega tem
pressa em reformar a Espanha: “Hoy en España no hay derecho a ser sólo periodista, o sólo
129
ORTEGA Y GASSET, J. El “pathos” del Sur. O.C., I, p. 501.
130
Ibidem, loc. cit.
131
CACHO VIU, V. Repensar el noventa y ocho. Madrid: Biblioteca Nueva, 1997, p. 126.
132
ORTEGA Y GASSET, J. España invertebrada. O.C., III, p. 73.
133
MOREIRAS, A. España invertebrada y la multitud bene ordinata. Revista Archipélago. Cuadernos de Crítica
de la cultura. Nº 58/2003 - noviembre, p. 100.
134
ORTEGA Y GASSET, J., op. cit., p. 73.
135
Ibidem, loc. cit.
36
filósofo. No veo cómo se puede vivir metido en su oficio cada uno y dejando el tiempo pasar
(…)”.136
Ao apontar a direção do caminho que os espanhóis devem tomar para construir
uma Espanha forte, Ortega aponta a causa que levou o país à paralisia que ao seu ver o
acomete: o Particularismo. Ortega o define assim:
136
Idem. En defensa de Unamuno. O.C., VII, p. 269.
137
ORTEGA Y GASSET, J. España invertebrada. O.C., III, p. 74.
138
Ibidem, loc. cit.
139
MOREIRAS, 2003, p. 101.
140
ORTEGA Y GASSET. J., op. cit., p.75.
141
Ibidem, p. 80.
37
prójimos y obtener de ellos que acepten nuestra particular aspiración, es la acción legal”.142
Somente dessa forma o projeto torna-se legítimo, já que “(…) pasa por las demás voluntades
integrantes de la nación y recibe de ellas la consagración de la legalidad”.143
Segundo Ortega, a classe política espanhola não colabora para que o país encontre
o seu rumo e não é capaz de construir um projeto comum para a nação. Assim, os políticos
gozam de pouca credibilidade frente à população, o que leva Ortega afirmar que “ todas las
clases españolas ostentan su repugnancia hacia los políticos”.144 Os políticos terminam por
frustar o engenho espanhol e a energia de toda uma nação: “Diríase que nuestra aristocracia,
nuestra Universidad, nuestra industria, nuestro Ejército, nuestra ingeniería, son gremios
maravillosamente bien dotados que encuentran siempre anuladas sus virtudes y talentos por la
intervención fatal de los políticos”.145 Os políticos são os primeiros a incorrer no
particularismo e implementar a ação direta: “Diríase que los políticos son los únicos españoles
que no cumplen con su deber ni gozan de las cualidades para su menester imprescindibles”.146
A análise de Ortega não é apenas estrutural e nem só política; ele busca traçar
algumas linhas do jeito de ser do povo espanhol. Um povo que se ilude pensando estar
vencendo, mas que na verdade acumula derrotas: “Nos falta la cordial efusión del combatiente
y nos sobra la arisca soberbia del triunfante. No queremos luchar; queremos simplemente
vencer. Como esto no es posible, preferimos vivir de ilusiones”.147
Na obra Espanha invertebrada, Ortega começa a utilizar algumas intuições que
aprofundará depois em sua célebre obra, A rebelião das massas, tais como massas e minoria
diretora: “Procuremos, pues, trasponiendo los tópicos al uso, adquirir una intuición clara
sobre la acción recíproca entre masa y minoría selecta, que es, a mi juicio, el hecho básico de
toda sociedad y el agente de su evolución hacia el bien como hacia el mal”.148 O diagnóstico
que Ortega traça da Espanha receberá muitas críticas; a mais grave delas é a que diz que
Ortega olha o país e seu povo com superficialidade. Com efeito, Berlanga observa:
La síntesis de las dos partes de este libro, a saber, que España no ha tenido una
verdadera construcción nacional porque no ha tenido suficiente masa crítica de “los
mejores”, de los señores, y que por eso, en las masas separatistas, revolucionarias y
anarquizantes, o en los militares soberbios, no ha prendido un apropiado instinto de
142
Ibidem, p. 79.
143
Ibidem, loc. cit.
144
Ibidem, p. 80.
145
Ibidem, p. 74.
146
Ibidem, p. 80.
147
Ibidem, p. 84.
148
Ibidem, p. 103.
38
obediencia, puede ser insultante para casi todos, pero de tales predicaciones la
filosofía está llena”149 (BERLANGA, 2003, p. 93).
É natural que a Nação, que se configura também como massa humana, seja
guiada pelos indivíduos melhores preparados, e que são poucos. Esta dinâmica é natural pois
“en toda agrupación humana se produce espontáneamente una articulación de sus miembros
según la diferente densidad vital que poseen”.150 Uma sociedade torna-se invertebrada, sem
uma coluna que a sustente, quando “(…) la masa se niega a ser masa —esto es, a seguir a la
minoría directora”.151 E é justamente o problema que Ortega detecta em sua Espanha, ou seja,
o afã das massas em dominar recusando-se a ser guiada: “Las minorías son individuos o
grupos de individuos especialmente cualificados. La masa es el conjunto de personas no
especialmente cualificadas”.152 E, por isso, com o protagonismo das massas, “la nación se
deshace, la sociedad se desmembra, y sobreviene el caos social, la invertebración
histórica”.153 A Espanha vive sobre o império das massas e tem a tarefa de contê-las
preservando o espaço das minorias qualificadas, pois a multidão “es pura perversión o
enfermedad congênita de um cuerpo social nunca sano”.154 Nesse sentido, a multidão, ao
invés de congregar, dispersa, tornando-se inimiga de um projeto comum. E é contra ela que se
deve lutar, a fim de “formularse la posibilidad de uma nueva articulación hegemônica”.155
Ortega percebe ser inócuo tentar doutrinar a massa quando esta toma consciência
de seu poder: “Cuanto más se la quiera adoctrinar, más herméticamente cerrará sus oídos y
con mayor violencia pisoteará a los predicadores. Para sanar será preciso que sufra en su
propia carne las consecuencias de su desviación moral. Así ha acontecido siempre”.156 As
massas, porém, deveriam reconhecer-se necessitadas da minoría diretora: “Cuál es, pues, la
condición suma? El reconocimiento de que la misión de las masas no es otra que seguir a los
mejores, en vez de pretender suplantarlos. Y esto en todo orden y porción de la vida”.157 Uma
das principais características da massa é que ela quase nada sabe, mas pensa que sabe tudo; e,
quando encontra alguém que sabe mais, olha com enfado: “ (...) la sospecha de que alguien
pretende entender de algo un poco más que él, le pone fuera de sí”.158 Uma das causas da
149
BERLANGA, J. L. V. Otros principios. Revista Archipélago. Cuadernos de Crítica de la cultura. Nº 58/2003
- noviembre, p. 93.
150
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 93.
151
Ibidem, loc. cit.
152
Idem. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 145.
153
Ibidem, p. 93.
154
MOREIRAS, 2003, p. 101.
155
Ibidem, loc. cit.
156
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 97.
157
Idem. España invertebrada. O.C., III, p. 126.
158
Ibidem, p. 96.
39
ojeriza da massa pela minoria mais preparada advém do fato de o povo espanhol, segundo
Ortega, ser majoritariamente agrícola:
Segundo Martin, não restam dúvidas de que a reflexão de Ortega aponta como
única solução a obrigação da Espanha de trilhar o caminho da modernidade: “Um caminho
deficiente y tortuoso, tardio, pero nuestro al fin”.161 Moreiras, pelo contrário, percebe uma
fragilidade na hipótese teórica de Ortega, uma vez que o filósofo madrilenho não propõe “el
reordenamiento de las fuerzas de la nación em una ‘dicrección afirmativa, creadora,
ascendente’ más que como necesario sometimiento de la multitud a los proyectos
retotalizantes de las ‘minorias egregias’”.162 Leyte também traça críticas à abordagem feita
por Ortega, a seu ver, um tanto quanto superficial e reacionária, não dando espaço para uma
análise filosófica rigorosa, mas, correndo no leito fácil do periodismo, é uma “rendición que
incluso se disfrazó com el tono arrogante de quien administraba la verdad intelectual y que
condujo, mas allá de la superación del reacionarismo que se pretendia, a una nueva forma de
159
ORTEGA Y GASSET, J. España invertebrada. O.C., III, p. 125.
160
Ibidem, loc. cit.
161
MARTÍN, 2003, p. 91.
162
MOREIRAS, 2003, p. 102.
40
pensamiento reaccionário (...)”.163 Não é o que pensa Ferracuti, que vê a concepção de Ortega
bastante atual e “punto de referencia para el futuro”.164 O que não se pode negar é que, no
cerne da reflexão de Ortega, encontra-se a convicção de que, na medida em que a massa se
recusa ser guiada pela minoria que representa os melhores, está fadada a ruir:
Así, un pueblo que, por una perversión de sus afectos, da en odiar a toda
individualidad selecta y ejemplar por el mero hecho de serlo, y siendo vulgo y masa
se juzga apto para prescindir de guías y regirse por sí mismo en sus ideas y en su
política, en su moral y en sus gustos, causará irremediablemente su propia
degeneración (ORTEGA, O.C., III, p. 125).
seguir para salir del atraso cultural, de la inseguridad, de la sensación de decadencia en la que
se encuentra España toda”.170 Porém, não será tarefa fácil para os integrantes da geração de 98
apontar uma direção depois da débâcle espanhola, a começar pelo próprio grupo, que não
sabia bem o que fazer: “Son muchas, en efecto, las incógnitas en torno a los primeros pasos de
esa denominación generacional(…)”.171 Mas, enfim, algo precisava ser feito e “al pueblo
español mira los escritores del noventa, para encontrar y descifrar la psicología del mismo,
para recoger el carácter, el genio, el alma de la nación”.172
Não está bem certo se Ortega pode ser considerado integrante da geração de 98 ou
não. Cronologicamente falando, é certo que não, pelo simples fato de os integrantes da
referida geração terem nascido entre 1864 e 1876 e Ortega ter nascido em 1883, ou seja, os
integrantes da geração eram já adultos enquanto Ortega era ainda adolescente. Porém, um
adolescente que cresceu em um ambiente que se discutia muito as teses defendidas pela
Geração de 98, tanto na escola quanto em casa. Com efeito, Cacho Viu aponta:
170
PARENTE, op. cit., p. 194.
171
CACHO VIU, op. cit., p.118.
172
PARENTE, 2009, p. 196.
173
MOLINUEVO, 2002, p. 24.
174
ORTEGA, 1991, p. 262.
42
escribiendo “Al culto e inteligente escritor don Ortega y Gasset”.175 Com efeito, Alfonso
aponta: “La razón es que la difusión de los escritos de Ortega y su consiguiente acción social
se encuentran irremediablemente unidas al hecho de que el joven intelectual se codeara, desde
muy temprano, con lo más de la intelligensia española”.176 E é claro que esta intelligensia se
compõe de Azorin, Baroja, Maeztu, Unamuno entre outros, todos eles considerados da
Geração de 98.
Mas, se o intuito do grupo era reformar a Espanha e apontar um novo caminho,
neste sentido Ortega se inclui sim. Ainda que o caminho de Ortega seja aquele de tentar
europeizar a Espanha, contrariamente ao de Unamuno, também considerado da Geração de
98, que proporá como caminho valorizar a Espanha, não a partir da Europa, mas a partir da
Espanha mesmo: “Al europeo moderno, Unamuno contrapone los más de siete siglos del
enriquecimiento árabe de la ciência y el arte españoles. De Ortega Le molesta el europeísmo
de este(...)”.177
Ortega não estava sozinho na sua crítica à Espanha e tinha o apoio de alguns
integrantes da própria Geração de 98, como Ramiro de Maeztu, que considerava Ortega o
grande líder intelectual naquele momento: “Maeztu no solo señalaba a Ortega como líder de
la nueva promoción intelectual sino que secundaba sus postura europeístas en su
confrontación com Unamuno”.178 É de Maeztu um livro que Ortega apreciava muito,
intitulado Hacia otra España, em que convidava os espanhóis a olharem para a Inglaterra
como inspiração, depois do Desastre.
Mas se, de um lado, Ortega faz duras críticas a alguns integrantes da Geração de
98, por exemplo, classificando Unamuno como o energúmeno e ironizando o escritor José
Martinez Ruiz, mais conhecido como Azorin, considerando-o grande literato mas pequeno
pensador; de outro, Ortega reconhece o valor deles, “se enriquecerá com ellos e intentará
superarlos (...)”.179 Neste sentido, faz altos elogios ao livro de Azorin,180 Lecturas Españolas,
mostrando que as divergências situam-se somente no campo das ideias. Azorin dedica seu
livro, Los valores literários, ao “querido Ortega y Gasset” e o reconhecerá como o “inspirador
de un grupo de gente joven que se moldea en la critica de los valores tradicionales”,181 valores
175
MEDIN, T. Entre la veneración y el olvido. La recepción de Ortega y Gasset en España I (1908-1936).
Madrid: Biblioteca Nueva, 2014, p. 57.
176
ALFONSO, I. B. El periodismo de Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva, 2005, p. 34.
177
PARENTE, 2009, p. 201.
178
MEDIN, 2014, p. 46.
179
Ibidem, p. 53.
180
La denominación de “Azorin” la tomó el autor de su propia novela Antonio Azorin, que para la crítica es una
novela autobiográfica, y no tiene duda que es una palabra eufónicamente preciosa y elegante”. In:
SPOTTORNO, 2002, p. 208.
181
MEDIN, op. cit., p. 54.
43
que trazem consigo “todo lo viejo, todo lo carcomido, todo lo podrido, en arte, en política, en
moral”.182 Ortega reconhecerá também o valor de Pio Baroja, outro importante integrante da
Geração de 98, dizendo: “Es Baroja um fenômeno ejemplar del alma española
contemporânea”.183
Em algumas falas de Ortega, é até mesmo possível concluir que ele se reconhece
como membro da geração de 98. Tanto que, em um discurso no Parlamento do Chile, em
1928, ele declara: “hace veinte anos, un grupo de muchachos resolvimos laborar en la
transformación radical de nuestra vieja nación, y sin apoyo oficial, sin médios regalados, con
nuestras propias manos, hemos ablandado primero y luego dado nuevas formas a la matéria
anquilosada de nuestra antigua existencia espiritual”.184 O muchacho se fez hombre e agora se
coloca como uma das principais lideranças na cena política e cultural do seu país. Animado
pelos seus estudos na Alemanha e convicto de que na Espanha daquele momento será difícil
encontrar alguém que o supere no conhecimento filosófico, e mais ainda, graças aos seus
artigos no periódico El Imparcial e na fundação de alguns outros periódicos, ele mergulha
fundo no debate público español, assumindo um inequívoco protagonismo: “Ortega a sus 26
años ya apuntaba alto, fuerte y con destreza y autoridad, por momentos agresivamente,
perfilándose, por el mismo debate, paulatina y concientemente, como líder ideológico e
intelectual de su generación y quizás no solo de ella”.185 Era necessário, naquele momento
histórico, fazer um chamamento enérgico ao povo espanhol, às novas gerações, e Ortega dizia
sem pejo: “Y si no llama quien tenga positivos títulos para llamarla, es forzoso que la llame
cualquiera, por ejemplo, yo”.186 Eis aí Ortega, protagonista do seu tempo.
O filósofo Vicente Cacho Viu chega creditar a Ortega a invenção do termo
Geração de 98 dado a dedicação sem descanso de Ortega em reformar a Espanha: “El término
‘generación de 1898’ fue acuñado en febrero de 1913 por José Ortega y Gasset, para él mismo
y para sus coetáneos, con una clara intencionalidad pública de futuro: convocar a los nuevos
españoles, a la juventud estudiosa del momento, con el propósito de enderezar los torcidos
destinos del país”.187 Com efeito, o significado de geração era caro para Ortega, que trata dele
em muitas de suas obras. Em uma delas, define a tarefa de cada geração:
Y, en efecto, cada generación representa una cierta altitud vital, desde la cual se
siente la existencia de una manera determinada. Si tomamos en su conjunto la
182
Cf. Ibidem, loc. cit.
183
ORTEGA Y GASSET, J. Calma política. Un libro de Pío Baroja. O.C., I, p. 541.
184
Idem. Discurso en el Parlamento Chileno. O.C., IV, p. 228.
185
MEDIN, 2014, p. 51.
186
ORTEGA Y GASSET, J. Vieja y nueva Política. O.C., I, p. 712.
187
CACHO VIU, 1997, p. 117.
44
Mas, por que, muitas vezes, a expressão “Geração de 98” se referia somente a Pio
Baroja, Azorin e Maeztu? Para Cacho Viu, Azorín, muito espertamente “se apoderó del
término para convertirlo, retrospectivamente, en fecha epónima de un grupo literario que se
habría dado a conocer unos quince años atrás. Hacia el año del Desastre”.188 E Cacho Viu faz
a denúncia:
Esa súbita transferencia del término generacional supuso, además, una grave
distorsión intencional: pensado inicialmente para los que eran adolescentes en el año
del Desastre – Ortega y los intelectuales de su edad agrupados en torno suyo -,
conllevaba un sentido proyectivo, de convocatoria cara al futuro; aplicado, en
cambio, a quienes estaban al borde de la cuarentena o bien entrados en ella, adquiría
un tono retrospectivo, como de ejecutoria ganada por pasadas hazañas (CACHO
VIU, 1997, p. 119).
Para Cacho Viu, o fato de Ortega e outros jovens da mesma geração terem sido
beneficiários de bolsas de estudos visando a uma formação acadêmica estrangeira fazia com
que eles assumissem como uma missão a saída da Espanha do Desastre: “(...) la derrota del
98, les conferían uma especial responsabilidad, como tal generación, respecto de los destinos
del país y de su incorporación a las tareas científicas de excelência”.189
Antes da Geração de 98, as tentativas da Espanha de romper o casulo e abrir-se
para a Europa, o que significa aderir ao positivismo científico de inspiração germânica,
através do krausismo, fracassaram: “En efecto, en España, entre los siglos XIX y XX, el
krausismo toma un significado filosófico, político y cultural muy relevante, porque representa
una tentativa de renovación liberal que aspira a colocar la Península Ibérica en El álveo de la
cultura europea”.190 Para Cacho Viu, o krausismo ofereceu uma possibilidade de reação, mas
que não foi aproveitada: “Al no haber desarrollado un verdadero positivismo, en la acepción
crítica del término, España seguia siendo um país descerebrado por su persistente desvío de la
ciencia moderna”.191 E Ortega não demora em apontar o culpado para a derrocada do
krausismo: o catolicismo. No artigo “Una respuesta a una pregunta”, ele afirma:
188
Ibidem, loc. cit.
189
CACHO VIU, 1997, p. 128.
190
PARENTE, 2009, p. 194.
191
CACHO VIU, op. cit., p. 121.
45
Ya una vez se intentó cosa parecida. Por los años del 70 quisieron los krausistas,
único refuerzo medular que ha gozado España en el último siglo, someter el
intelecto y el corazón de sus compatriotas a la disciplina germánica. Mas el empeño
no fructificó porque nuestro catolicismo, que asume la representación y la
responsabilidad de la historia de España ante la historia universal, acertó a ver en él
la declaración del fracaso de la cultura hispánica y, por tanto, del catolicismo como
poder constructor de pueblos (ORTEGA, O.C., I, p. 212).
192
PARENTE, op., cit., p. 194.
193
CACHO VIU, 1997, p. 123.
194
Idem. Los intelectuales y la política. Madrid: Biblioteca Nueva, 2000, p. 53.
46
generación precedente – como Machado, Valle-Inclán o Zuloaga, por citar sólo algunos
nombres -, mantuvo una comunicación de ideas, doblada en muchos casos de amistad
personal, com aquel joven e imperativo profesor...”.195
Giner está presente ao Teatro de la Comedia no dia 23 de marzo de 1914, quando
Ortega dá a sua célebre palestra “Vieja e Nueva Política” e se coloca como uma liderança
iminente em seu país, uma voz que precisa ser ouvida. O próprio título da palestra fornece
uma ideia do que Ortega quer propor: uma nova política ao lugar das velhas práticas de uma
Espanha velha. Ao início de sua palestra Ortega coloca a data fatídica (1898) como o começo
do declínio espanhol e a partir daí o grande desânimo que acometeu a Espanha:
(...) un mismo régimen de amarguras históricas, de toda una ideologia y toda una
sensibilidad yacente, de seguro, en el alma colectiva de una generación que (...) há
sabido vivir con severidad y con tristeza; que no habiendo tenido maestros, por
culpa ajena, há tenido que rehacerse las bases mismas de su espíritu; que nació a la
atención reflexiva em la terrible fecha de 1898, y desde entonces no ha presenciado
em torno suyo, no ya un dia de gloria ni de plenitud, pero ni siquiera una hora de
suficiência196 (ORTEGA, O.C., I, p. 710).
195
Ibidem, p. 54.
196
ORTEGA Y GASSET, J. Vieja e nueva política. O.C., I, p. 710.
197
Ibidem, p. 711.
198
Ibidem, loc. cit.
199
Ibidem, loc. cit.
200
Ibidem, p. 713.
201
Ibidem, loc. cit.
47
vital, tal vez no muy fuerte, pero vital, sincera, honrada, la cual, estorbada por la outra, no
acierta a entrar de lleno en la historia”.202
Ortega, mesmo ateu, se vale de um texto bíblico para deixar bastante claro aquilo
que quer dizer. No evangelho de Mateus, encontramos Jesus dizendo: “Não se coloca
tampouco vinho novo em odres velhos; do contrário, os odres se rompem, o vinho se derrama
e os odres se perdem. Coloca-se, porém, o vinho novo em odres novos, e assim tanto um
como outro se conservam”.203 As novas gerações - vinho novo, merecem odres novos - uma
nova Espanha, e não “esos odres tan caducos”,204 que, na metáfora orteguiana, é a Espanha
oficial.
Se um tal imobilismo acomete a Espanha, impedindo o seu desenvolvimento, para
Ortega, a causa vem sobretudo da elite política, que tomou o Estado em suas mãos, pois,
“tienen a su clientela en los altos puestos administrativos, gubernativos, seudotécnicos,
inundando los consejos de administración de todas las grandes Compañias, usufructuando
todo lo que en España hay de instrumento de Estado”,205 e, o pior, tem na imprensa “los más
amplios y más fieles resonadores”,206 Para Ortega, tal situação não dá legitimidade a esta
velha Espanha de propor qualquer mudança.
Porém, Ortega vê ainda mais longe. O grande problema da Espanha não está
apenas na elite política, apenas começa nela. Esta estrutura política contamina todas as outras
estruturas sociais: “los periódicos, las academias, los Ministérios, las Universidades, etcétera,
etcétera. No hay ninguno de ellos hoy en España que sea respetado, y exceptuando el Ejército
no hay ninguno que sea temido”.207 Ortega busca, então, uma nova orientação política: a
classe política errou, mas não é ela a causa última da ruína espanhola, “han gobernado mal
(...) porque la España gobernada estaba tan enferma como ellas”.208 O problema, pois é toda a
Espanha, com seus governantes e governados, “es la raza, la substancia nacional, y que, por
tanto, la política no es la solución suficiente del problema nacional porque es este um
problema histórico (...) la nueva política tiene que ser toda una actitud histórica”.209
Urge uma nova sensibilidade, um novo vigor energético por parte dos espanhóis,
que venha se contrapor à velha política, que Ortega vê na Restauración: “Yo diria que nuestra
202
Ibidem, p. 714.
203
MATEUS, 9:17, Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
204
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 714.
205
Idem. Vieja y nueva política. O.C., I, p. 715.
206
Ibidem, p. 715.
207
Ibidem, p. 714.
208
Ibidem, loc. cit.
209
Ibidem, p. 717.
48
bandera tendría que ser ésta: la muerte de la Restauración”.210 Ortega se refere ao regime da
Restauración (1875-1902) que foi uma tentativa empreendida pelo político Antonio Cánovas
de Castillo “que llevaba desde hacía meses la operación de la restauración alfonsiana con todo
cuidado”.211 E se daria assim: “Cánovas formaría el Ministerio-Regencia el 31 de diciembre, y
el 9 de enero de 1875 llegaba don Alfonso a Barcelona en la fragata Navas de Tolosa que le
había mandado a Marsella el Gobierno. Hasta la apertura de las nuevas Cortes constituyentes,
Cánovas gobierna en dictatura (…)”.212 Este período ficou conhecido como a Restauración
borbónica, por preservar a figura do rei Alfonso XII, ou sistema canovista, de linha
antidemocrática, pois rechaçava o sufrágio universal. Ortega é taxativo: “La Restauración,
señores, fue um panorama de fantasmas, y Cánovas el gran empresario de la
fantasmagoría”.213 Para Ortega, a Restauración foi totalmente ineficaz ao não conseguir atacar
os problemas que afligiam a Espanha, dado a manipulação política empreendida por Cánovas
“un gran corruptor, como diríamos ahora, um profesor de corrupción”.214
Era preciso superar a Restauración, pois, “fue la Restauración (...) la corrupción
organizada, y el turno de los partidos, como manivela de esse sistema de corrupción”.215
Ortega aponta como solução aquela que será uma linha recorrente de sua filosofia: o
chamamento dos homens melhores: “Vamos a impulsar hacia un imperioso levantamiento
espiritual los hombres mejores de cada capital”216. É preciso reagir diante daqueles que
mataram a vitalidade nacional. Ortega encerra a palestra dizendo que sua única pretensão é
ver “una España vertebrada y en pie”.217 A fala de Ortega suscitou grande comoção e o
solidificou como uma das grandes lideranças de seu tempo. A palestra já era uma atividade da
Liga de Educación Política, projeto esse lançado por Ortega.218 E o próprio Ortega que diz a
que missão a Liga se propõe:
210
Ibidem, p. 718.
211
SPOTTORNO, 2002, p. 43.
212
Ibidem, loc. cit.
213
ORTEGA Y GASSET, J. Vieja y nueva política. O.C., I, p. 720.
214
Ibidem, p. 721.
215
Ibidem, p. 720.
216
Ibidem, p. 725.
217
Ibidem, p. 737.
218
SPOTTORNO, 2002, p. 223.
49
(...) los miembros que participan en la Liga, entre los que figuram hombres que
serán valiosos en política, literatura y ciencia en el futuro, destacando gentes de su
generación pero también gentes del 98: Salvador de Madariaga, Antonio Machado,
Ramón Perez de Ayala, Gustavo Pittaluga, Fernando de los Ríos, Pedro Salinas,
Ramiro de Maeztu, Luis de Hoyos y Enrique de Mesa (ORTEGA SPOTTORNO,
2002, p. 224).
Cacho Viu resume: “Ortega se consideró, desde muy pronto, líder de esa
generación emergente, todavía no cristalizada, aunque operante en el subsuelo de la realidad
española”.223 A palavra de orden será “mãos à obra”, pois o tempo urge. E toca às minorias
melhores, os intelectuais, por que “los intelectuales no estamos en el planeta para hacer juegos
malabares con las ideas y mostrar a las gentes los bíceps de nuestro talento, sino para
encontrar ideas con las cuales puedan los demás hombres vivir. No somos juglares: somos
artesanos, como el carpintero, como el albañil”.224 Com certeza existía o entendimento que
“cada nueva generación se considerava igualmente vehículo de una mutación de la
sensibilidad”.225
219
ORTEGA Y GASSET, J. Prospecto de la “Liga de educación política española”. O.C., I, p. 738.
220
Idem. Vieja y nueva política. O.C., I, p. 735.
221
Idem. Prospecto de la “Liga de educación política española”. O.C., I, p. 742.
222
Ibidem, p. 744.
223
CACHO VIU, 1997, p. 128.
224
ORTEGA Y GASSET, J. En la muerte de Unamuno. O.C., V, p. 266.
225
CACHO VIU, 2000, p. 51.
50
226
Cf. MARTÌN, J. V. Unamuno y Ortega, entre energúmenos y papanatas. Revista Debats. Valencia: Imprenta
provincial, nº 124, 2014/3, p. 51.
227
Ibidem, p. 55.
228
ORTEGA Y GASSET, J. En defensa de Unamuno. O.C., VII, p. 390.
229
ORTEGA, 1991, p. 489.
230
ROBLES. L. (Org.). Epistolário Ortega-Unamuno. Madrid: El Arquero, 1987, p. 30.
231
Ibidem, p. 30.
51
Son muchos aquí los papanatas que están bajo la fascinación de esos europeos. Hora
es ya de decir que en no pocas cosas valemos tanto como ellos y aun más. (…) Hay
que proclamar nuestras superioridades actuales. Indigna ver tanto hispanista (??) que
se cree que España acabó en el siglo XVII. (...) España es víctima de una sistemática
campaña de difamación. (…) Y ésa es la manera de europeizarnos. Aspirar no sólo a
aprender de ellos, sino a enseñarles (UNAMUNO, 1909, p. 10).233
Cierto que el Sr. Unamuno me alude en esa carta: habla de “los papanatas que están
bajo la fascinación de esos europeos”. Ahora bien, yo soy plenamente, íntegramente,
uno de estos papanatas: apenas si he escrito, desde que escribo para el público, una
sola cuartilla en que no aparezca con agresividad simbólica la palabra: Europa. En
esta palabra comienzan y acaban para mí todos los dolores de España. Yo debía
contestar con algún vocablo tosco o, como decían los griegos, rural, a D. Miguel de
Unamuno, energúmeno español (ORTEGA, O.C., I, p. 128).
Tanto Ortega quanto Unamuno tinham os seus aliados na polêmica instalada, pois
aquela era uma questão que dividia a intelectualidade espanhola. Para Martin, tanto a posição
de Ortega pró-germanista quanto a de Unamuno nacionalista eram duas faces de uma mesma
moeda:
Digamos que hace falta alimentarse con cosas de niños (papar natas) para llegar a
adultos; hace falta algo de Kultura para que la cultura no sea ramplona; pero con no
menor necesidad hace falta estar poseído (energúmeno) por un daimon socrático
para despertar-dirigir la conciencia propia y ajena. Unamuno sin Ortega estaría
ciego; Ortega sin Unamuno estaría muerto (MARTIN, 2014, p. 57).
232
Ibidem, p. 42.
233
UNAMUNO, M. ABC Diario Ilustrado (Madrid), 15.09.1909, p. 10. Año quinto, número 1.561. Pode-se
consultar esta e outras cartas na Fundação Gustavo Bueno: <http://www.filosofia.org/001/a383.htm>.
52
234
ROBLES, 1987, p. 101.
235
Ibidem, loc. cit.
236
Ibidem, p. 102.
237
Ibidem, loc. cit.
238
Ibidem, p. 53.
239
Ibidem, p. 112.
240
Ibidem, p. 58.
241
JORDI, G. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 158.
53
historia de una enfermedad”.242 Unamuno não aceitava e até mesmo não compreendia tanto
pessimismo. Ainda mais quando Ortega voltava à carga sempre com aquele tom depreciativo:
“Los españoles!... Por qué decir los españoles? Los españoles han sido hoy y siempre una raza
simiesca, un arrabal de la humanidad”.243
Ortega fica realmente muito irado quando Unamuno coloca o místico católico São
João da Cruz à frente de René Descartes. Afirma que, caso tivesse que escolher, sem sombra
de dúvidas escolheria o primeiro: “Dicen que no tenemos espíritu cientifico. Si tenemos
outro…! Inventen ellos, y lo sabremos luego y lo aplicaremos. Acaso esto es más señor. Si
fuera imposible que un pueblo dé a Descartes y a San Juan de la Cruz, yo me quedaría con
éste”.244 No que Ortega contesta: “Qué otra cosa es sino preferir a Descartes el lindo frailecito
de corazón incandescente que urde en su celda encajes de retórica extática? Lo único triste del
caso es que a D. Miguel, el energúmeno, le consta que sin Descartes nos quedaríamos a
oscuras y nada veríamos (…)”.245 E assim, no calor da disputa via periódicos, Ortega não
poupa o filósofo de Salamanca e arremata dizendo, impiedosamente, que até as pedras de
Salamanca se ruborizam com as boutades de Unamuno: “Y no es la primera vez que hemos
pensado si el matiz rojo y encendido de las torres salmantinas les vendrá de que las piedras
venerables aquellas se ruborizan oyendo lo que Unamuno dice cuando a la tarde pasea entre
ellas”.246
Não obstante aos embates intelectuais entre Ortega e Unamuno, e mesmo tendo a
amizade por vezes estremecidas por causa dessas disputas, permaneceu a admiração e certo
respeito entre os dois filósofos. Unamuno mostrou-se satisfeito pelas conquistas feitas pelo
seu antigo pupilo de grego, tais como as conquistas das cátedras de Psicologia, Lógica e Ética,
da Escola Superior de Magistério, e da cátedra de Metafísica, ambas em 1910. E o admoesta
para se destacar e mostrar serviço, aí sim depois o parabenizará: “Mi felicitación la reservo
hasta ver lo que usted hace en ella”.247 Sempre que surge alguma novidade em suas carreiras
acadêmicas literárias é ocasião para os amigos se alegrarem mutuamente, como quando
Unamuno apresenta a Ortega os manuscritos daquela que seria sua obra capital: “Si usted
quiere Le enviaré, certificado, el manuscrito de mi Tratado del Amor de Dios. Lo Lee y me lo
242
ORTEGA Y GASSET, J. Nuevo libro de Azorín. O.C., I, p. 538.
243
ROBLES, 1987, p. 161.
244
UNAMUNO, M. ABC Diario Ilustrado (Madrid), 15.09.1909, p. 10 Año quinto, número 1.561. Pode-se
consultar esta e outras cartas na Fundação Gustavo Bueno: <http://www.filosofia.org/001/a383.htm>.
245
ORTEGA Y GASSET, J. Unamuno y Europa, Fábula. O.C., I, p. 129.
246
Ibidem, p. 132.
247
ROBLES, op. cit., p. 101.
54
vuelve”.248 Mais tarde, Unamuno mudará o título original e a obra se tornará famosa com o
novo título Del sentimiento trágico de la vida.
Os amigos trocam experiências de vida que os marcam. Unamuno escreve feliz a
Ortega dizendo: “Hace poco tuve en Barcelona una dicha. Di la mano a Maragall, nos
miramos a lós ojos y nos sentimos hermanos. Se conmovieron las raíces de nuestras sendas
almas. Y esto de sentir la hermandad espiritual es de lo más delicioso que puede sentirse”.249
Ambos valorizavam bastante o valor de uma amizade fiel. Para Ortega, ter o apoio de um
amigo significa ter a vida bastante simplificada. Ao saber da morte de um outro grande amigo,
Francisco Navarro Ledesma, a quem considerava quase um irmão, escreve ao pai: “Todas las
ligas y alianzas para luchar juntos dos hombres son vanas: el viento se lleva a uno cuando
menos se piensa y el otro tiene que seguir luchando a puñetazos solitariamente con la brutal
bestia ciega del destino”.250 E em outra carta, Ortega repetia desolado a perda do amigo: “Hai
que hacer solo el camino”.251 Neste sentido ter uma mulher não basta, pois querer uma mulher
é como querer a si mesmo. Mas na vida “hai cosas, socorros, consejos, auxilios que tienen que
venir de afuera”.252 E, para isso, é necessário um amigo. Coisas, socorros, conselhos e
auxílios que Unamuno e Ortega se davam mutuamente.
Ortega estimula Unamuno a dar passos maiores e a não se render a trabalhos de
pouca monta, uma vez que tem capacidade para escrever trabalhos de fôlego, dando assim
uma contribuição muito maior à Espanha: “Cuando se convencerá V., mi queridísímo Don
Miguel, que eso que hace V. deben hacerlo lós discípulos de V.? Cuando se convencerá V. de
que la misión de V. consiste en hacer lo que no pueden hacer sus discípulos?”.253 Ortega sente
que grandes homens podem e devem dar uma grande contribuição às gerações que estão por
chegar, devido a sua experiência de vida. Ortega tinha como marca motivar as pessoas e fazer
com que elas dessem o máximo que podiam. Recorde-se os mesmos estímulos que Ortega
fizera ao seu pai, para que alçasse voos mais altos, desaconselhando-o a escrever artigos,
deixando a faina diária dos periódicos e a se lançar a empresas mais duradouras, como a
escritura de clássicos.254
Ortega mostrou-se muito próximo e solidário à Unamuno, dando-lhe o seu apoio
incondicional, quando de sua destituição do reitorado da Universidade de Salamanca. À
época, o Ministro de Instrução Pública fez um discurso no senado dando as razões da
248
Ibidem, p. 50.
249
Ibidem, p. 54.
250
ORTEGA, 1991, p. 169.
251
Ibidem, p. 171.
252
Ibidem, p. 393.
253
ROBLES, op. cit., p. 63.
254
Cf. ORTEGA, op. cit., p. 279.
55
destituição de Unamuno. Todo episódio envolvendo a destituição soava a Ortega uma apatia
das pessoas diante das decisões do Governo, o que ele nominava como servilismo: “Hoy nos
domina la emoción más contraria al honor civil: el servilismo hacia el Estado y los
gobernantes”.255 Mesmo a imprensa tinha sido tomada pela apatia e nada dizia, o que Ortega
classificava como uma “deplorable actitud de la prensa”,256 uma inércia que referendava
acriticamente os atos políticos. A forma pela qual Unamuno foi destituído dava a Ortega a
razão de considerar a Espanha uma terra onde os verdadeiros homens de valor não eram
reconhecidos: “(...) nos encontramos com un caso concreto de esse proceso destructor de los
mejores, de esa peculiar organización morbosa de una sociedad que hace a ésta
automaticamente repeler sus individuos más fuertes”.257 Para Ortega, a voz de Unamuno foi
providencial principalmente quando a Espanha passava por um vazio moral e Unamuno
mostrou “el valor de la verdadera intelectualidad”.258
Ortega sugeriu a Unamuno o que fazer como estratégia de enfrentamento:
primeiro “una campaña de guerrillas – artículos impersonales – para ir levantando presión em
toda España”.259 E, segundo, calar-se e deixar aos amigos falar por ele: “No es hora de Vd.,
sino la nuestra”.260 E, por fim, o aconselhava a não escrever do próprio punho artigos
provocatórios no periódico Nuevo Mundo de Madrid, que poderiam comprometê-lo ainda
mais: “Tenga confiança y sobre todo calma. El artículo de Nuevo Mundo está inquieto y sin
pleno dominio de la mano”.261 Unamuno não fez caso dos conselhos de Ortega e seguiu
publicando os artigos...
Anos mais tarde, ao saber da morte do amigo, Ortega dirá que Unamuno morreu
de “mal de España”.262 Ele se apressa a dizer que não se trata de uma frase de efeito, mas de
uma realidade bastante concreta que vem meditando há anos. Ortega reconhece a grandeza do
amigo e, ao calar a sua voz, Espanha se empobrecía um pouco mais: “Unamuno sabía mucho,
y mucho más de lo que aparentaba, y lo que sabía, lo sabía muy bien. (…) La voz de
Unamuno sonaba sin parar en los ámbitos de España desde hace un cuarto de siglo. Al cesar
para siempre, temo que padezca nuestro país una era de atroz silencio”.263
255
ORTEGA Y GASSET, J. La destitución de Unamuno. O.C., VII, p. 396.
256
Ibidem, p. 396.
257
ORTEGA Y GASSET, J. En defensa de Unamuno. O.C., VII, p. 392.
258
Ibidem, p. 393.
259
ROBLES, 1987, p. 117.
260
Ibidem, loc. cit.
261
Ibidem, p. 118.
262
ORTEGA Y GASSET, J. En la muerte de Unamuno. O.C., V, p. 260.
263
Ibidem, p. 262.
56
264
ROBLES, 1987, p. 154.
265
ORTEGA, 1991, p. 200.
266
Ibidem, p. 580.
267
SAN MARTIN, J. La fenomenología de Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva, 2012, p. 65.
268
ORRINGER, N. R. Ortega y sus fuentes germánicas. Madrid: Gredos, 1979, p. 56.
57
pensa ser o atraso español. Com efeito, o jovem madrilenho estava pronto para fazer uma
profunda imersão na filosofía alemã.
Em seu período na Alemanha, Ortega tenta superar Nietzsche, que havia sido um
de seus autores prediletos: “Ya sabe como he mamado a Nietzsche”,269 diz a seu amigo
Navarro Ledesma. Mas agora a vez é de Kant, é este o seu objetivo nos anos que reside na
Alemanha: “Globalmente lo más importante es que en esos años Ortega asume una formación
neokantiana(…)”.270 E de Berlim escreve animado para o pai: “Ahora estoy en, de, con, por,
sin sobre Kant y espero ser el primer español que lo ha estudiado en serio. Cuanto te diga de
la ignorancia en España acerca de este asunto será pálido”.271
Para Miguel Unamuno, Ortega deveria ser muito cauto especialmente com
Hermann Cohen, a época seu professor: “Cohen, se lo repito a usted, no me entra: es um
saduceo que me deja helado”.272 Todo aquele idealismo que Ortega queria importar da
Alemanha, para Unamuno era puro demais e não concorria com o sentimento trágico da vida:
(...) ese racionalismo o idealismo a mi, espiritualista del modo más crudo, más
católico en cuanto al deseo, tod eso me repugna. No me basta que sea verdad, se lo
es. Y luego no puedo, no, no puedo con lo puro: concepto puro, conocimiento puro,
voluntad pura, razón pura…tanta pureza me quita el aliento; es como meterme
debajo de una campana pneumática y hacerme el vacío (ROBLES, 1987, p. 110).
Acabo las veces esas lecturas persignándome, rezando un padre nuestro y un ave-
maría y soñando en una gloria impura y una inmortalidad material del alma, en unos
siglos de siglos en que encuentre a mi madre, a mis hijos, a mi mujer y tenga la
seguridad de que el alma humana, esta pobre alma humana mía, la de los míos, es el
fin del universo. Y no sirve razonarme, no, no, no! No me resigno a la razón
(ROBLES, 1987, p. 110).
269
ORTEGA, 1991, p. 616.
270
SAN MARTIN, 2012, p. 52.
271
ORTEGA, op. cit., p. 255.
272
ROBLES, 1987, p. 110.
273
Ibidem, loc. cit.
58
274
MOLINUEVO, 2002, p. 29.
275
ORTEGA Y GASSET, J. Misión de la Universidad. OC, IV, p. 347.
276
ORTEGA, 1991, p. 449.
277
Ibidem, p. 563.
59
Cohen e Natorp, vindo fazer parte do círculo de alunos mais próximos desses professores e
até mesmo tendo-os vez ou outra como conselheiros, como da vez que Ortega, passeando com
o casal Cohen e manifestando o desejo de voltar definitivamente para a Espanha, ouviu do
alemão o conselho de ficar mais um semestre na Alemanha e participar do seu curso de
lógica.
Em uma das muitas cartas à noiva, Ortega comunica que não pôde escrever
determinado dia, pois passou a tarde inteira na casa dos Cohen. O madrilenho está convicto
que Cohen o tem em alta conta: “Ayer fue cumpleaños de Cohen (65 años): estuve a visitarlo
por las mañanas, hora en que como sabes se hacen aquí las visitas. El pobre viejo se alegra
siempre que me ve y, a través de las torpezas que el idioma me supone, ha advertido que soy
otra gente que los pobres topos que le rodean”.278 E, anos depois, descreverá assim o antigo
profesor: “Hombre apasionado Cohén, la filosofía se había concentrado en él como la energía
eléctrica en un condensador y la faena gris de una lección había quedado convertida en solo
rayos y centellas. Era un formidable escritor, como era un formidable orador”.279
Mas nem tudo é exagero de Ortega a fim de impresionar sua noiva. A bem da
verdade, os professores viam com simpatia a extroversão do jovem espanhol, prova é que
recebe convites para fazer trabalhos extraclasses, como por exemplo colaborar na revista
universitária: “Ya es miembro de ese circulo íntimo de los colaboradores de su revista en una
universidad tan elitista, tan blindada, tan hostil a los recién llegados sin medios de fortuna,
españoles o no españoles (...)”.280 É tanta proximidade, que diz: “[Cohen] me abraza en
arrebato cada vez que yo le nombro un libro judío-español o un tratado árabe”.281 Anos mais
tarde, ele revela como ficou extremamente impactado pelo professor à sua chegada em
Alemanha: “Su frase era, para ser alemana, anormalmente breve, puro nervio y músculo
operante, súbito puñetazo de boxeador. Yo sentía cada una de ellas como un golpe en la
nuca”.282
A admiração de Ortega dirige-se também a outro neokantiano e seu professor,
Paul Natorp. Também com ele Ortega desenvolveu certa proximidade. O próprio Ortega
afirma: “El jueves pasado comimos una porción de colegas en casa de Natorp: ignoro por qué
razón me sentaron en la presidencia de la mesa a mano derecha de Frau Natorp, que por cierto
debe haber sido hermosísima”.283 Segundo Ortega era digno de destaque a paixão do filósofo
278
ORTEGA, 1991, p. 573.
279
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. OC, IX, p. 142.
280
GRACIAS, 2014, p. 71.
281
ORTEGA, 1991, p. 563.
282
ORTEGA Y GASSET, op. cit., loc. cit.
283
ORTEGA, op. cit., p. 285.
60
alemão pelo idealismo platônico, e dizia, de forma bastante jocosa que Natorp obrigava Platão
a dizer o que jamais o grego teria dito:
Este Natorp, que era un hombre buenísimo, sencillo, tierno, con un alma de tórtola y
una melena de Robinson Crusoe, cometió la crueldad de tener doce o catorce años a
Platón encerrado en una mazmorra, tratándolo a pan y agua, sometiéndolo a los
mayores tormentos para obligarle a declarar que él, Platón, había dicho exactamente
lo mismo que Natorp (ORTEGA, OC, IX, p. 34).
284
MOLINUEVO, 2002, p. 36.
285
GRACIAS, 2014, p. 73.
286
ORRINGER, 1979, p. 57.
287
Ibidem, p. 73.
288
ROBLES, 1987, p. 60.
61
289
ORTEGA Y GASSET, J. Adan en el paraíso. OC, II, p. 69.
290
Ibidem, loc. cit.
291
Ibidem, p. 68.
292
Ibidem, loc. cit.
293
Ibidem, loc. cit.
294
Ibidem, loc. cit.
295
ORTEGA, 1991, p. 551.
296
Ibidem, loc. cit.
297
Ibidem, p. 552.
62
O idealismo é o responsável por colocar ordem no caos das múltiplas coisas que
se encontram no mundo:
298
ORTEGA Y GASSET, J. Adan en el paraíso. OC, II, p. 59.
299
Ibidem, loc. cit.
300
Ibidem, loc. cit.
301
Ibidem, loc. cit.
302
Ibidem, loc. cit.
303
Ibidem, p. 60.
304
Ibidem, loc. cit.
63
abstração, o universal. Para Ortega, a ciência trata da vida em abstrato, enquanto “por
definición, lo vital es lo concreto, lo incomparable, lo único. La vida es lo individual”.305 A
ciência divide o problema da vida em dois vasos comunicantes: a natureza (natural, material)
e o espírito (moral, psíquico). É pelo viés espiritual que se detecta que a vida é um conjunto
de relações, pois estado de espírito é relação de um estado posterior com um anterior e tem
por base a fisiologia ou um modo de energia. O sentimento, a tristeza, por exemplo, não pode
ser entendido de forma generalista, mas sim, individual: “lo triste, lo horriblemente triste, es
esta tristeza que yo siento en este instante”.306 O problema que se apresenta é que, ao
depender das relações, a ciência está fadada ao insucesso, dado que essas são infinitas. O
processo é diferente para a arte: “Cuando los métodos científicos nos abandonan, comienzan
los métodos artísticos. Y si llamamos al científico método de abstracción y generalización,
llamaremos al del arte método de individualización y concretación”.307 O tema da arte ou
aquilo que a arte copia não é a natureza ideal, que está encerrada nos livros de física, mas “el
problema del arte es lo vital, lo concreto, lo único em cuanto único, concreto y vital”.308
O ser de uma coisa é o seu modo de estar em relação: “La vida de una cosa es su
ser. Y qué es el ser de una cosa? Un ejemplo nos lo aclarará. El sistema planetario no es un
sistema de cosas, en este caso de planetas: antes de idearse el sistema planetario no había
planetas. Es un sistema de movimientos; por tanto, de relaciones”.309 Na visão de Ortega, cada
planeta tem o seu ser determinado somente em relação com um outro planeta: “(...) cada
elemento del sistema necesita de todos los demás: es la relación mutua entre los otros. Según
esto, la esencia de cada cosa se resuelve en puras relaciones”.310 E Ortega completa: “Sin los
demás planetas, pues, no es posible el planeta Tierra, y viceversa”.311 Orringer, tentando
sintetizar Ortega, explica: “La vida o el ser de un planeta es el sistema de referencias que lo
vinculan con los otros planetas”.312 A diferença entre o idealismo e o realismo é que, na
modernidade, houve “la disolución de la categoria de substancia em la categoria de relación.
Y como la relación no es una res, sino una Idea, la filosofía moderna se llama idealismo, y la
medieval, que empieza en Aristóteles, realismo”.313 Tudo está em relação e, assim, “una
piedra al borde de un camino necesita para existir del resto del Universo”.314
305
Ibidem, p. 66.
306
ORTEGA Y GASSET, J. Adan en el paraíso. OC, II, p. 67.
307
Ibidem, loc. cit.
308
Ibidem, loc. cit.
309
Ibidem, p. 65.
310
Ibidem, p. 66.
311
Ibidem, p. 65.
312
ORRINGER, 1979, p. 58.
313
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 66.
314
Ibidem, loc. cit.
64
Para Ortega, não basta o tecnicismo filosófico, dominar bem a crítica, mas há de
se pensar adiante, com uma originalidade tal para além da crítica. Esta era a fragilidade de
Paul Nartop, segundo Ortega: “Es hombre de grandisima agudeza; si tuviera personalidad
como hombre sería un gran pensador original, es decir, renovador, continuador. Pero no la
tiene y su originalidad – indiscutible – se queda en originalidad técnica, digámoslo así,
originalidad de interpretación y de crítica”.317 Não apenas Natorp, mas Cohen tentou “henchir
de materia esas formas vacías que son en Kant lo bueno y lo justo”.318 Ortega se convence da
inapropriedade do próprio estilo da vida alemã forjada em um idealismo, que reputa falso.
Vida verdadeira é a vida concreta, de cada qual e, para suportá-la, o homem termina por
idealizá-la, mas deve saber: é falsa.
La vida alemana es siempre una vida falsa per la de su tiempo lo fue más. No sé bien
como formular la vida esa; creo que podría llamársela una vida ideal, como llaman
los pintores alemanes a los paisajes bellos que imaginan. Me dirás: Y como te
parece mal una vida ideal? Sí…, me parece mal porque la vida es lo único que no es
ideal y por tanto no debe serlo; me refiero a la vida en su justo significado, la vida
actual, la vida vivida por cada uno. El hombre debe ser idealista y so pena de no ser
hombre tiene que idealizar la vida; lo que prueba que por si misma la vida no es
ideal, sino real y una vida ideal, como la en que vivió Goethe, es una vida falsa
(ORTEGA, 1991, p. 557).
315
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 138.
316
Ibidem, p. 138.
317
ROBLES, 1987, p. 68.
318
GRACIAS, 2014, p. 236.
65
319
Cf. Ibidem, loc. cit.
320
MOLINUEVO, 2002, p. 68.
321
MORENTE, M. G. Carta a un amico su evolución filosófica in Ortega y su tiempo - Ministerio de cultura
- Palacio de Velázquez del Retiro, Madrid, mayo-julio, 1983, p. 20.
322
Ibidem, loc. cit.
323
Ibidem, loc. cit.
66
bien sentimos esa inquietud que muerde a quien entra sin permiso en la heredad ajena”.324
Porém, para Ortega, é lícito que a pessoa, diante de uma realidade desconhecida, se coloque a
caminho, para conhecer aquela realidade, mesmo que se valha de seus “pré-juízos”. A atitude
contrária é a do orangotango. Como se vê uma crítica explícita à Fenomenologia. E ele
continua: “El profano se coloca ante uma obra de arte sin prejuicios: ésta es la postura de um
orangután. Sin pré-juicios no cabe formarse juicios. En los pré-juicios, y solo en ellos,
hallamos los elementos para juzgar”.325 Assim, o homem - e isto o que o distingue da pura
zoologia - se vale de três pré-juizos, a saber, lógica, ética e estética e, assim, vai construindo a
sua cultura de forma racional, sem se valer de misticismos. É necessário sempre uma base
para que os juízos venham formados - também aqui um ataque contra a fenomenologia - e
esta base é o pré-juízo: “Los pré-juicios iniciales de los padres producen una decantación de
juicios que sirven de pré-juicios a la generación de los hijos, y así en denso crecimiento, en
prieta solidaridad a lo largo de la historia. Sin esta condensación tradicional de pré-juicios no
hay cultura”.326
A proposta de Ortega é clara: abandonar tanto o idealismo quanto a
fenomenologia e colocar a vida como princípio primeiro de toda a realidade: “la vida
individual consciente de sus limites”.327 Ortega se lança à tarefa de individualiazar ao máximo
a vida. Para ilustrar a sua intuição, dá o exemplo de Adão e a primeira batida do coração do
primeiro homem:
324
ORTEGA Y GASSET, J. Adan en el paraíso. O.C., II, p. 58.
325
Ibidem, loc. cit.
326
Ibidem, loc. cit..
327
ORRINGER, 1979, p. 62.
67
viviendo, se sentió vivir. (...) es el débil soporte del problema infinito de la vida (…) Esto es
el hombre: el problema de la vida”.328
Para Orringer, “la doctrina de la vida como problema, según lo comprende Ortega
en 1910, se deriva sin duda de Cohen”.329 Para Enrique Herrera, o ponto de partida de Ortega
em “Adan em el paraíso” é a influência que sofre de Hermann Cohen, à época de sua
permanência em Marburgo: “Ortega começa a razonar desde la teoria neokantiana de la vida
individual como problema, com uma relación recíproca entre yo y cosa, un modo de pensar
que no lo abandonará nunca”.330 O que Cohen tentava explicar, utilizando-se do conceito
Ideia, Ortega tenta explicar utilizando-se do conceito vida: “En resumen, lo que para Cohen
es la idea o la cosa en sí parece corresponder con precisión a lo que concibe Ortega como el
ser de algo o como su vida”.331 Aquí Ortega começa a construir o seu conceito de vida, ainda
que de forma muito insipiente.
O periodismo foi, para José Ortega y Gasset, uma extensão da própria vida em
família. Explica-se: o seu pai, Ortega Munilla era jornalista e responsável pela seção literária
do jornal El imparcial, o periódico espanhol mais importante naquele momento, e a sua mãe,
Dolores Gasset, era a filha do dono do jornal, Eduardo Gasset. Desde muito cedo, Ortega
esteve envolvido nas lides do jornal da família e, mesmo no tempo de sua formação na
Alemanha, mandará amiúde para seu pai artigos para serem publicados, ainda que nem todos
o tenham sido, pois “su padre fue um severo censor del joven Ortega”.332 Ortega chega
mesmo a pedir para o pai nomeá-lo correspondente do El Imparcial a partir da Alemanha, o
que lhe permitiria ganhar algum dinheiro e fazer frente às despesas de sua estadia alemã:
328
Ibidem, p. 64.
329
Ibidem, p. 56.
330
HERRERAS, E. La importancia de la estética en el primer Ortega. Revista Debats. Valencia: Imprenta
provincial, nº 124, 2014/3, p. 60.
331
ORRINGER, 1979, p. 59.
332
ALFONSO, I. B. El periodismo de Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva, 2005, p. 31.
68
O pai não lhe dará o cargo solicitado, mas o convidará para ser correspondente
oficial do El Imparcial para fazer a cobertura jornalística da visita do jovem monarca
espanhol Rei Afonso III à Alemanha. O fato não agradará muito a Ortega pela programação
da viagem em si: “El Rey Alfonso sólo há visto de Alemania policía y militares, militares y
polícia”.333 Além do mais, o periódico não lhe mandou fundos suficientes para fazer a
solicitada cobertura. Com efeito, reclama ao pai: “si no me decis nada y no me envias fondos
del periódico para ir, no podré hacer las cartas diarias”.334 E, ao fim da cobertura, é ainda mais
contundente: “Yo he hecho el tonto estos dias y em una posición bastante ridícula”.335 Como
se vê, não logrou bem o primeiro trabalho jornalístico de Ortega. Talvez por esta primeira
tentativa malograda de Ortega como correspondente informativo do El imparcial, Alfonso
aponta: “Parece claro que a Ortega le provocaba cierta antipatia el periodismo como ofício
informativo, no como tribuna para intervenir em la vida publica”.336
O primeiro artigo publicado de Ortega foi em 1º de dezembro de 1902, na revista
Vida Nueva, com o título de Glosas.337 Na introdução do artigo, Ortega deixa claro o seu
descrédito com relação à metafísica clássica: “Hablaba ayer com un amigo mío, una de esos
hombres admirables que se dedican seriamente a la caza de la verdad, que quieren respirar
certezas metafísicas: un pobre hombre”.338
O primeiro artigo publicado no El Imparcial, jornal da família em 14 de março de
1904, teve como título El poeta del mistério e versou sobre Maurice Polydore Marie Bernard
Maeterlinck, dramaturgo, poeta e ensaísta belga e principal expoente do teatro simbolista. No
artigo, Ortega destaca:
333
ORTEGA Y GASSET, J. Notas de Berlín. O.C., I. p. 54.
334
ORTEGA, 1991, p. 214.
335
Ibidem, p. 216.
336
ALFONSO, op. cit., p. 32.
337
Cf. MOLINUEVO, 2002, p. 255.
338
ORTEGA Y GASSET, J. Glosas. O.C., I, p. 13.
69
desde el principio. Ortega escribe con originalidad y con ansias de convencer: es un fogoso
militante de sus propias ideas”.339
O semanário dominical teve 54 edições, ou seja, durou até 28 de fevereiro de
1909. Porém, ainda que tenha durado pouco, marcou época: “Pese a su corta vida, la revista
Faro obtuvo una notable repercusión en su época, alzándose como portavoz de la labor
intelectual de un extenso abanico de nombres de la cultura española (…) las principales
figuras de las generaciones del 98 y del 14”.340 O título escolhido, Faro, “pretendía simbolizar
el inicio de una nueva forma de dar a luz a la cultura española”.341 E uma das figuras
intelectuais que Ortega deseja a colaboração é Miguel de Unamuno, encomendando-lhe
artigos para os primeiros números:
Querido Unamuno: dos letras para pedirle un favor. Sobre un capital de origen
perfectamente independiente se va a publicar una revista dirigida así a los españoles
como a los sudamericanos. El domingo que viene saldrá el primer numero. (…) Mi
petición es que envíe artículos sobre asuntos sudamericanos (ROBLES, 1987, p. 70).
339
MONTERO, 2003, p. 21.
340
SORIANO, J. M. G. Primer centenario de la revista Faro (1908-1909): origen, trayectoria y contenidos.
Revista de Estudios Orteguianos, nº 19, 2009, p. 180.
341
Ibidem, p. 162.
342
SORIANO, 2009, p. 156.
343
ROBLES,1987, p. 73.
70
términos revolucionários, y del socialismo como nuevo horizonte espiritual, frente al vacío
ideológico que representaba la hegemonia conservadora em España(...)”.344
Gabriel Maura, antagonista de Ortega, não desejava que a Espanha seguisse pela
trilha de um liberalismo radical.345 O liberalismo que animava parte da intelectualidade
espanhola era o modelo que naquele momento se estava vivendo na Inglaterra, e que Ortega
tinha notícias através do seu amigo Ramiro de Maeztu que, à época morando em Londres,
transmitia de lá os acertos do partido liberal, tais como “el estado de bienestar, interviniendo
em las relaciones industriales y siendo parte activa em la reforma social”.346 Porém, a cabeça
de Ortega estava mais voltada para a experiência francesa do que a inglesa: “El norte político
orteguiano, más atento a la inmediata realidad política española, seguia siendo Francia”,347
porque a França evoluía para uma socialdemocracia. Mas ambos os países atraíam a atenção
da nova juventude intelectual espanhola. Ortega esteve sempre mais interessado no aporte
cultural do socialismo, seus valores intelectuais e morais, do que propriamente nos fatores
econômicos e sociais.348
Ortega “no llegó a compartir enteramente en ningún momento el núcleo duro común a
todas las corrientes socialistas”.349 Mas não compartilhou nem mesmo todas as teses do
liberalismo. Com efeito, Vargas Llosa vê em Ortega um liberalismo não levado ao pé da letra.
Além de um desdém pelo aspecto econômico do liberalismo, talvez por causa de um arraigado
catolicismo aliado a um desconhecimento profundo das próprias teses do liberalismo:
344
SORIANO, op. cit., p. 167.
345
CACHO VIU, 2000, p. 90.
346
Ibidem, p. 88.
347
Ibidem, p. 89.
348
Cf. Ibidem, p. 91.
349
CACHO VIU, 2000, p. 90.
71
Para Vargas Llosa, ainda que parcial, o liberalismo orteguiano tem muito o que
ensinar ao pensamento liberal contemporâneo. Não bastam receitas econômicas e mercados
livres, privatizações, cortes de gastos, o que de resto mostrou-se pouco eficiente em muitos
países. Com Ortega, aprende-se que o liberalismo é, acima de tudo, “uma actitude ante la vida
y ante la sociedad, fundada en la tolerância y el respeto, em el amor por la cultura, em una
voluntad de coexistência com el outro, com los otros (...) defendidos por um sistema legal que
garantiza la convivência em la diversidad”.350 Cacho Viu tenta situar naquele momento por
qual exatamente linha política Ortega caminhava:
Dentro de esa tónica generacional, la postura de Ortega reviste, hasta 1912 sobre
todo, una particular exaltación, por cuanto la imagen totalizadora que el nuevo
liberalismo cobraba a sus ojos como implantador de la cultura, necesitaba de una
dosis ponderada de socialismo, para escapar a ala limitaciones del caduco
liberalismo individualista, que parecía a punto de naufragar en el torbellino
provocado por las huestes conservadoras, cada día más crecidas en torno a Maura
(CACHO VIU, 2000, p. 93).
Mesmo com a derrocada da revista Faro, Ortega não cai em desânimo. Em 1915,
funda outra revista, agora intitulada España, que “ve la luz en un momento decisivo de la
historia europea, apenas transcurridos seis meses desde el estallido de la Primera Guerra
Mundial”.351 É uma revista que “concreta el papel del intelectual en la vida publica” 352 e se
origina como uma das ações concretas do chamamento que Ortega faz aos espanhóis na
palestra “Vieja e nueva política”, sobretudo, no anexo a esta palestra intitulado Prospecto de
la ‘liga de educación política española’”. Em que se lê como fazer para que o chamamento
possa surtir efeito: “Por el periódico, el folleto, el mitin, la conferencia y la privada plática
haremos penetrar en las masas nuestras convicciones e intentaremos que se disparen
corrientes de voluntad”. O periódico pensado é justamente a revista España.
O dinheiro para a fundação da revista vem do industrial Luis García Bilbao, que
disponibiliza os fundos após assistir a palestra de Ortega Vieja e nueva política.353 Assim,
com recursos, Ortega poderá compor uma equipe de peso que contará com nomes como
Unamuno, Pio Baroja, D’Ors, Garcia Morente, Maeztu, Pérez de Ayala e muitos outros. As
editorias versarão sobre política interior e exterior, sociedade, economia literatura, arte. Uma
das prioridades será refletir o que se fará quando cessar a guerra, ou seja, avaliar a nova
350
VARGAS LLOSA, M. Rescate liberal de Ortega y Gasset. El Madrid de Ortega. Sociedad Estatal de
Conmemoraciones Culturales/Publicaciones de la Residencia de Estudiantes. Madrid. Brizzolis, 2005, p. 140.
351
LINACERO, J. P. C. La perspectiva internacional de España bajo la dirección de Ortega. Revista de
Estudios Orteguianos, n° 8/9, 2004, p. 109.
352
Ibidem, loc. cit.
353
GRACIAS, 2014, p. 200.
72
ordem cultural e política. Assim, Ortega coloca a pergunta: Qué corrientes políticas,
sentimentales e ideológicas dominarán em Europa después de la paz?”.354
No entanto, esta revista também não logrará êxito, apesar de toda a publicidade
para o seu lançamento - dinheiro havia -, e pela equipe de colaboradores, integrantes da
geração de 98 e 14. Assim, “Ortega há dejado la dirección de la revista desde octubre de
1915, y la abandona formalmente en febrero de 1916”.355 A revista dura até 1924, quando
morre por agonia econômica.
Ao sair da direção da revista España, Ortega põe em movimento um projeto
editorial que dará o nome de El Espectador. Este projeto vai de 1916 a 1934, funciona pelo
sistema de assinaturas e é uma publicação direcionada para um público mais qualificado. É o
espaço que Ortega poderá colocar as suas intuições filosóficas com muito mais propriedade,
dando força ao seu sistema vitalista: “El Espectador designa no sólo un proyecto editorial,
sino una nueva actitud vital”.356 Neste trabalho editorial, Ortega consegue conciliar o
intelectual, o ensaísta, o filósofo e o profesor:
(…) quien la lea encontrará al intelectual puro que practica su doble misión:
oponerse y seducir; al ensayista brillante que lleva a cabo la tarea de su tiempo:
salvar la circunstancia; al catedrático de “metafísica” que no necesita mencionarla a
cada paso para reclamar una vergonzante y postiza solidez sistemática a su
pensamiento; al filósofo, en suma, para quien la vida y la filosofía misma son un
género literario, es decir, textos vitales (MOLINUEVO, 2002, p. 88).
El nuevo diário no sale más caro porque si. Esos diez céntimos que cuesta en la calle
(el doble que los demás) deben ofrecer las mejores firmas y la impresión general de
estar ante el adelanto de la nueva España (…). En El Sol no se habla de toros ni hay
espacio para el suceso truculento porque es antes que nada un diario organizado y no
aluvión de noticias (GRACIAS, 2014, p. 269).
354
LINACERO, op. cit., p. 117.
355
GRACIAS, op. cit., p. 203.
356
MOLINUEVO, 2002, p. 89.
357
SPOTTORNO, 2002, p. 279.
358
GRACIAS, 2014, p. 269.
73
Apesar do golpe Ortega não se arrende. Em abril de 1923, sai o primeiro número
da célebre Revista de Occidente, “la empresa editorial más personal de Ortega, aquella en la
que plasmo su afán de europeizar a España(...)”.360 Soledad Ortega narra como a revista foi
estruturada e como foi formada a equipe de colaboradores, inclusive os recursos financeiros
para que a revista se mantivesse:
Durante todo ese año ha estado Ortega dando vueltas al proyecto y poniendo a punto
los medios para empresa tan hondamente sentida como algo imprescindible para
salvar su circunstancia. (…) Fernando Vela, está ya instalado en Madrid, venido
desde su Asturias natal, y mantiene con Ortega una profunda amistad discipular.
Excelente escritor, de vastísima cultura casi autodidáctica, muy inteligente y con un
gran sentido literario es la persona elegida para compartir la tarea, como ha contado
el propio Fernando. Mi tio Manuel Ortega y Gasset, el hermano menor, ingeniero de
minas, se apresta a cumplir las tareas administrativas por aquello de que sabe
matemáticas. Manuel García Morente estará también muy presente en la redación.
Falta el dinero. Entre tres amigos de Ortega – María de Maeztu, el pintor granadino
José Rodrígues Acosta y el financiero don Serapio Huici – se reúnen treinta mil
pesetas, repartidas en treinta acciones. Ninguno de los dos hermanos Ortega – el
fundador y el administrador – cuenta con medios para suscribir ninguna”
(ORTEGA, 1983, p. 44).
359
Ibidem, p. 286.
360
ORTEGA, 1983, p. 44.
74
(…) nuevas ideas, los nuevos descubrimientos científicos, los nuevos hechos
sociales que en aquellos años posteriores a la I Guerra Mundial comenzaban a
transformar el mundo de la filosofía, de la literatura y las artes, de la economía y la
ciencia y, como consecuencia, el mundo humano en general (SPOTTORNO, 2002,
p. 315).
Eis qual era o intento: “tomar el pulso a la época, de orientarse en ella, de formar
la opinión pública”.362 Ortega e sua equipe farão um esforço publicitário para alavancar as
assinaturas, inclusive tendo a ideia de indicar em cada região um padrinho para a publicação,
que estaria então encarregado de divulgá-la. Ao menos de início, a revista tornou-se um
sucesso editorial: “Desde el principio la Revista va ‘viento en popa’, com anúncios – “que se
cotizan a precios exorbitantes”.363 O jornal argentino La Nación: “acabaria comprando la
mitad de los 3000 ejemplares mensuales de la publicación para distribuirlos em América”.364
A Revista de Occidente esteve 14 anos sob a direção de Ortega, mais precisamente de julho de
1923 a julho de 1936. Depois de um hiato sem ser publicada, José Spottorno, filho de Ortega,
narra a sua retomada: “Cuarenta años después de la fundación de la Revista de Occidente,
pudimos, em abril de 1963, iniciar su segunda época aprovechando que la censura franquista
se había abierto un poco con la ley de Prensa del ministro Fraga”.365 Ainda hoje, a Revista de
Occidente é publicada sob a responsabilidade da Fundación Ortega y Gasset, em Madrid.
Muitos dos livros de Ortega saíram primeiro nos periódicos da época em forma de
artigos filosóficos, depois Ortega os reunia em um único volume e os publicava como livro.
Assim foi o procedimento com o livro España Invertebrada, antecedido por artigos no diário
El Sol, e também foi esse é o caso do clássico orteguiano A rebelião das massas. Ortega não
quer ser um filósofo de gabinete, mas um filósofo que esteja dentro das lides do povo, e nada
melhor do que isso do que a presença frequente nos jornais e revistas da época. Com efeito, a
intenção de Ortega de escrever filosofia através dos periódicos é “llegar al mayor número de
361
GRACIAS, 2014, p. 370.
362
MOLINUEVO, 2002, p. 98.
363
GRACIAS, op. cit., p. 371.
364
Ibidem, loc. cit.
365
SPOTTORNO, 2002, p. 314.
75
lectores posible, salir del canal especializado y minoritário en que residia, para inmiscuirse en
un médio de comunicación de masas y poder llegar al publico em general”.366
Ortega faz do seu trabalho periodístico, além de um meio de divulgação filosófica,
uma forma de influir esperando algum impacto na vida política da Espanha. Não só Ortega
como outros pensadores atuantes naquele momento:
Quien quiera crear algo —y toda creación es aristocracia— tiene que acertar a ser
aristócrata en la plazuela. He aquí por qué, dócil a la circunstancia, he hecho que mi
obra brote en la plazuela intelectual que es el periódico. No es necesario decir que se
me ha censurado constantemente por ello. Pero algún acierto debía haber en tal
resolución cuando de esos artículos de periódico han hecho libros formales las
imprentas extranjeras (ORTEGA, O.C., VI, p. 352).
366
ALFONSO, 2005, p. 105.
367
Ibidem, p.108.
368
ALFONSO, 2005, p. 123.
369
ROBLES,1987, p. 83.
76
Mas, por lo mismo, aprovecho la ocasión para decir a los que años y años
censuraron mi solicitud periodística que no tenían razón. El artículo de periódico es
hoy una forma imprescindible del espíritu, y quien pedantescamente lo desdeña no
tiene la más remota idea de lo que está aconteciendo en los senos de la historia.
Ahora me dan la razón fuera y se ponen a escribir artículos los que nunca lo
hicieron” (ORTEGA, O.C., VI, p. 354).
370
ALFONSO, op. cit., p. 109.
371
ORTEGA Y GASSET, J. Prolego a alemanes. O.C., VIII, p. 130.
372
ALFONSO, op. cit., p. 109.
77
2 A METAFÍSICA ORTEGUIANA
Jordi Gracias localiza ainda mais cedo o despertar filosófico de Ortega rumo a
própria filosofia e a um incipiente anti-idealismo/realismo: “Ortega há empezado a encontrar
entre 1906 y 1907 la vía filosófica para escapar tanto al positivismo como al narcótico
nietzscheano de la fuerza individual a través de un principio nuevo: ha superado la
subjetividad yoísta como mecanismo de comprensión del mundo y ha aprendido que “la
Realidad no existe, el hombre la produce”.373
Porém, será depois de um profundo mergulho na filosofia idealista ⸺ em que
tenta buscar saídas para aquilo que compreende como atraso da sociedade espanhola ⸺ e
através da leitura da obra de Kant e de lições dos neokantistas Cohen e Natorp é que Ortega
chegará à conclusão de que o idealismo está ultrapassado e urge inaugurar uma nova forma de
se fazer filosofia - que será justamente o raciovitalismo - , uma filosofia da vida. A quem diga
que Ortega transita da “razón pura a uma forma impura (vital e histórica) de la razón”.374 A
razão pura é a kantiana e a impura, segundo Conill, é a que Ortega inaugura, ou seja, a vida
tomada em sua realidade mais crua, e nas palavras do próprio Ortega, dramática.
O mergulho de Ortega na filosofia idealista começa por desprezar tudo aquilo que
vem de herança latina e superestimar o estilo germânico. Se Ortega busca a verdade não a
encontrará na Espanha, pois, entre o dogma e a verdade, o espanhol fica com o primeiro: “Y
he observado que, por lo menos, a nosostros los españoles nos es más fácil enardecernos por
373
GRACIAS, 2014, p. 76.
374
CONILL, J. Razón experiencial y ética metafísica en Ortega y Gasset. Revista de Estudios Orteguianos, nº
7, p. 97, 2003.
78
un dogma moral que abrir nuestro pecho a las exigencias de la veracidad”.375 Para Ortega, a
cultura latina representada pelos franceses, italianos e espanhóis é uma lástima. Roma, que
sempre pensou ter herdado a sabedoria grega, a bem da verdade nada herdou. Mesmo o tão
propalado direito romano é de matriz grega. Para ele, a rigor deve-se falar de cultura
mediterrânea ao invés de latina, pois Roma e Cartago sempre estiveram historicamente
próximas, o que fazia de todos eles africanos: “Nada hay de extraño, pues, si aparecen
semejanzas entre las instituciones de los pueblos norteafricanos y los sudeuropeos”.376 Ao ver
de Ortega, menos mal que tenha havido na história uma ainda que sutil influência germânica
nas nações mediterrâneas: “Europa comienza cuando los germanos entran plenamente en el
organismo unitario del mundo histórico. (…) Germanizadas Italia, Francia y España, la
cultura mediterránea deja de ser una realidad pura y queda reducida a un más o menos de
germanismo”.377 Para Ortega, do pensamento mediterrâneo, apenas o renascentismo italiano e
Descartes fazem frente ao germanismo. Porém, onde Leibniz, Kant ou Hegel primam pela
clareza, os representantes do latinismo, tais como Giordano Bruno e Descartes primam pela
confusão conceitual. Seria próprio dos latinos certo desdém pelo rigor intelectual que se
traduz no pensar. E para ilustrar o seu argumento, Ortega narra o que disse a Goethe um
capitão italiano:
Cuando Goethe bajó a Italia hizo algunas etapas del viaje en compañía de un capitán
italiano. «Este capitán—dice Goethe—es un verdadero representante de muchos
compatriotas suyos. He aquí un rasgo que le caracteriza muy peculiarmente. Como
yo a menudo permaneciera silencioso y meditabundo, me dijo una vez: "Che pensa!
Non deve mai pensar l’uomo, pensando s'invecchia! Non deve fermarsi l’uomo in
una sola cosa perché allora divien matto: bisogna aver mille cose, una confusione
nella testa” (ORTEGA, O. C., I, p. 778).
375
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. OC, I, p. 750.
376
Ibidem, p. 774.
377
Ibidem, loc. cit.
378
GRACIAS, 2014, p. 139.
79
por toda a sua trajetória filosófica. Ali também está contido uma de suas intuições filosóficas
mais célebres: “Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo”,379 que
comporá o conceito metafísico de vida como realidade radical e o descobrimento da razão
vital, deixando assim claro o abandono por parte de Ortega das teses idealistas aprendidas na
Alemanha.
Ortega sente que é hora de propor a sua própria filosofia. Ele mesmo narra como
isso aconteceu: “Durante diez años he vivido dentro del pensamiento kantiano: lo he respirado
como una atmósfera y ha sido a la vez mi casa y mi prisión”.381 Assim, com a publicação de
seu primeiro livro, algumas dessas ideias se materializam e assim tentará dar o seu primeiro
passo como o filósofo que se preocupa em compreender a vida humana:
379
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 757.
380
ZAMORA, J. A. F.; HERRERAS, E. Introducción: las circunstancias de un centenario. Revista Debats.
Valencia: Imprenta provincial, nº 124, 2014/3, p. 36.
381
ORTEGA Y GASSET, J. Kant: reflexiones de Centenario [1724-1924]. O.C, IV, p. 255.
80
(…) él arguye que a pesar de que el discurso filosófico siempre ha sido llevado a
cabo por el ser humano, el filósofo tiende a ignorar la centralidad de la vida humana.
Las preguntas filosóficas deben ser entendidas mientras consideramos el contexto de
su primera aparición dentro de la vida humana al corazón de la filosofía (RABI,
2011, p. 91).
382
RABI, Lior. Georg Simmel, Ortega y Gasset y el retorno a la metafisica tradicional rumbo a una filosofía de
la vida. Revista de Estudios Orteguianos, nº 23, 2011, p. 84.
383
ORTEGA Y GASSET, J. Que es filosofía? O.C., VIII, p. 315.
384
Idem. Kant: Reflexiones de Centenario [1724-1924]. O.C, IV, p. 258.
385
Ibidem, loc. cit.
81
idealista eleva o nível da filosofia e não se pode voltar atrás “so pena de retroceder en el peor
sentido de la palabra”.386
É possível entender o afã do jovem Ortega em buscar uma nova forma de pensar.
Como apontado no primeiro capítulo, Ortega debitava o atraso espanhol na conta da carência
científica de sua pátria, parte por culpa da Igreja, parte por culpa da própria índole do
espanhol, um povo atado ao “mediterranismo” e à vida sensual. Ortega tentará fazer com que
a Espanha abandone o seu passado campesino e empunhe as ferramentas necessárias para que
se dê o seu ingresso na modernidade. A nova forma de pensar estava ali em Kant. As três
Críticas escritas por ele são o que de melhor surgiu na filosofia moderna: “ (…) los libros de
más honda influencia (…) y donde nosotros mismos hemos sido espiritualmente edificados,
se llaman Crítica de la Razón Pura, Crítica de la Razón Práctica, Crítica del Juicio (…)”.387
Ele é todo elogios ao filósofo de Königsberg: “Merced al genio de Kant, se ve en su filosofía
funcionar la vasta vida occidental de los cuatro últimos siglos, simplificada en aparato de
relojería”.388
As soluções que Ortega vê na proposta idealista não as vê na filosofía de estampo
realista, simplesmente porque a realidade é problemática: “porque la existencia de las cosas
en cuanto aparte e independientes de quien las ve y las piensa es problemática, es
hipotética”.389 Não à toa, no entender de Ortega, Kant passa por cima da realidade, já que ele
não se preocupa com ela: “La peculiaridad de Kant consiste en haber llevado a su forma
extrema esa despreocupación por el universo. Con audaz radicalismo desaloja de la metafísica
todos los problemas de la realidad u ontológicos y retiene exclusivamente el problema del
conocimiento”.390 Dessa forma se abre mão de colocar o foco na realidade assim como a
realidade se apresenta, e passa então a controlá-la e isso “representa el esfuerzo humano por
considerar el mundo como debe ser y no como és”.391 Tal filosofía só poderia ter nascido na
Alemanha, pois para Ortega o homem alemão “vive, pues, recluso dentro de si mismo, y este
“si mismo” es la única realidad verdadera”.392
O idealismo supera a realidade e a reconstrói porque “la filosofía kantiana tiene la
intención de demostrar cómo es que la consciencia humana construye la realidad como la
conocemos”.393 Assim, o que está em jogo não é saber se o homem pode conhecer a realidade
386
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 330.
387
Idem. Kant: Reflexiones de Centenario [1724-1924]. O.C, IV, p. 260.
388
Ibidem, p. 255.
389
Idem Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p. 652.
390
Idem. Kant: Reflexiones de Centenario [1724-1924]. O.C, IV, p. 257.
391
RABI, 2011, p. 90.
392
ORTEGA Y GASSET, J. Kant: Reflexiones de Centenario [1724-1924], O.C, IV, p. 264
393
RABI, op. cit., loc. cit.
82
assim como ela é, mas saber como a realidade se apresenta para o homem: “ (…) la razón se
convierte en constructiva y la filosofía del ser queda íntegramente absorbida por la filosofía
del debe ser. Conocer no es copiar, sino, al revés, decretar”.394 A pergunta principal para Kant
não é como o pensamento pode ajustar-se à realidade, mas “cómo debe ser lo real para que
sea posible el conocimiento (…)”.395 Com essa pergunta, Kant termina por inaugurar algo
novo no cenário europeu: “la voluntad personal, el sentido de la independencia autónoma
frente al Estado y al Cosmos. Bajo su influjo, la vida, que era clásicamente una acomodación
del sujeto al universo, se convierte en reforma del universo”.396 Assim, “existir significa
esforzarse (…) la pura inspiración germánica sopla germina un principio activista, dinámico,
voluntarista”.397 Percebe-se agora porque Ortega via no idealismo uma proposta eficaz para a
modorra espanhola. Com efeito, ele aponta:
Para el idealista la cuestion estará em crear um mundo según las ideas, según
nuestros pensamientos. No cabe conformarse con lo que hay porque lo que hay no es
realidad: es preciso hacer que lo que hay – las presuntas cosas – se adapten a
nuestras ideas que son la autentica realidad. Ahora bien, éste es el espíritu anti-
conformista, el espíritu revolucionario. El idealismo es por esencia revolucionarismo
(ORTEGA, O.C., VIII, p. 644).
Por tudo o que Kant representa, ao ver de Ortega faltou na historia da filosofia
uma obra que pudesse expor as sutilezas do sistema kantiano, e assim tornar Kant ainda mais
claro: “Que yo sepa, este libro no existe”.398 Para tornar ainda mais grave o problema “los
grandes libros de Cohen y Riehl abunde el kabalismo, la interpretación forzada o arbitraria
(…) libros completamente incomprensibiles (…)”.399
Contudo, Ortega não ficará por muito tempo encerrado nas teses idealistas: “Con
gran esfuerzo me he evadido de la prisión kantiana y he escapado a su influjo atmosférico”.400
Sai da prisão batendo as portas porque Kant “com um gesto de policia urbano detiene la
circulación filosófica”.401 Não obstante a sua admiração pela construção do edifício do
idealismo kantiano, Ortega não hesita em apontar onde Kant se equivocou. Serão esses
equívocos que o farão abandonar a prisão do idealismo, conforme as suas próprias palavras.
Equivocou-se Kant, segundo Ortega, ao colocar o problema do conhecimento acima mesmo
do problema de toda a realidade, ou seja, do ser, que é toda a realidade: “Antes de conocer el
394
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 274.
395
Ibidem, loc. cit.
396
Ibidem, loc. cit.
397
Ibidem, p. 275.
398
Idem. Filosofía Pura. Anejo a mi folleto Kant. O.C., IV, p. 278.
399
Ibidem, p. 279.
400
Idem. Kant: reflexiones de Centenario [1724-1924]. O.C, IV, p. 255.
401
Idem. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 254.
83
ser no es posible conocer el conocimiento, porque éste implica ya una cierta idea de lo
real”.402
Ortega chama para si a responsabilidade de apontar saídas para a superação do
idealismo kantiano. É preciso abrir espaços para novas tentativas que respondam com mais
eficácia à complexidade que é a realidade: “Vamos más allá del idealismo, por tanto, lo
dejamos a nuestra espalda como una etapa del camino ya hecho, como una ciudad en que
hemos ya vivido y que nos llevamos para siempre posada en el alma”.403 É preciso reconhecer
que o idealismo cumpriu o seu papel por um longo tempo: “Con audacia y constancia
gigantes, durante cuatro siglos el hombre blanco de Occidente ha explorado el mundo desde el
punto de vista idealista. Ha cumplido hasta el extremo su misión, ensayando todas las
posibilidades que él incluía”.404 O ocaso do idealismo consistia no fato que a filosofia de Kant
e de seus discípulos não respondia mais aos anseios do seu tempo. Era necessário prospectar
novos temas. Procura deixar claro que mesmo sendo um equívoco e um erro, o idealismo
cumpriu o seu papel, deixando espaço para uma nova filosofia: “Sin esa magnífica
experiencia de error, una nueva filosofía sería imposible; pero, viceversa, la nueva filosofía —
y la nueva vida— sólo puede tener un lema cuya fórmula negativa suene así: superación del
idealismo”.405
Para Ortega, o idealismo kantiano se equivoca quando considera que “los objetos
sólo tienen realidad en cuanto que son ideados por el sujeto”.406 Esse tipo de filosofia não
passa de um subjetivismo teórico e subjetivismo prático,407 sendo assim um idealismo
enfermo de subjetivismo.408 O idealismo quis ser a resposta à pergunta acerca do ser,
afirmando que “el ser es pensar”.409 Ortega nomeia esta concepção de “el ensimismamiento
del ser”.410 Em Kant, completa Ortega, “los entes cognoscibles no son em si, sino que
consisten em lo que nosostros ponemos em ellos”,411 com o nosso pensamento. Daí “la
tradicional fórmula idealista: el ser es pensar”.412 Em Kant, segundo Ortega, “el sujeto pone
402
Idem. Kant: reflexiones de Centenario [1724-1924]. O.C, IV, p. 261.
403
Idem. Qué es filosofía? O.C., VIII p. 331.
404
Idem. Filosofía Pura. Anejo a mi folleto Kant. O.C., IV p. 267.
405
Ibidem, p. 267.
406
Ibidem, p. 268.
407
Ibidem, loc. cit.
408
Ibidem, p. 280.
409
Ibidem, p. 282.
410
Ibidem, loc. cit.
411
Ibidem, loc. cit.
412
Ibidem, loc. cit.
84
en el universo el ser; sin sujeto no hay ser”.413 Desta maneira, “se convierte el ser de ‘cosa’ en
acto”.414 O ser é um ato do sujeito, depende dele.
O ser não é em si e por isso “es preciso que ante las “cosas” se situe un sujeto
dotado de pensamiento, un sujeto teorizante para que adquieran la posibilidad de ser o no
ser”.415 Assim, Ortega pode concluir que en Kant “el ser no es él en-sí, sino la relación a un
sujeto teorizante; es un para-otro y, ante todo, un para-mí”.416 Por isso, é impossível discorrer
sobre o ser sem se dar conta do sujeito que pretende conhecê-lo. Mas a função do sujeito é
ainda maior, já que ele “interviene em la constitución del ser de las ‘cosas’, ya que las ‘cosas’
son o no son em función de él”.417
Ortega prossegue a sua crítica ao idealismo afirmando que o fato de Kant ter
preferido resumir toda a realidade a “la secreta tradición de su raza”,418 ou seja, “hacer de la
reflexividad substrato del universo”,419 não significa que não existam outras realidades que
sirvam também de explicação última da realidade, como a do sensível, por exemplo. Mas
Kant as despreza todas e apenas dirige o seu olhar para “la conciencia de reflexión”.420 Parece
que Kant sofre de ontofobia, diz Ortega, pois “cuando la realidad radiante le cerca, siente la
necesidad de abrigo y coraza para defenderse de ella”.421
Ortega não se exime de apontar um novo caminho frente as propostas do
idealismo e do positivismo, que considera defasadas. Neste sentido, “la sensibilidad moderna
ha encontrado en Ortega un legitimador seguro, un defensor jovial y feliz, leal a la
contingencia mudable de la vida y hostil a la sacralidad de cualquier saber heredado, sin
‘departamentos prohibidos’ como ha enseñado Freud”.422 Para Jordi Gracias, a compreensão
que Ortega tem da ontología kantiana o faz considerar todo o idealismo um grande equívoco,
abrindo assim espaço para a filosofía da razão vital: “Ese error descomunal y multisecular
confirma el valor fundador de la razón vital, razón histórica, y la forzosa intersección entre
objeto y sujeito, entre yo y mundo como condición de la existencia”.423 Com a sua metafísica
Ortega pretenderá dar uma resposta “al fracaso de la modernidad y a la crise vital que le
acompañaba. Había que superar la forma idealista y subjetivista de enfrentarse a la vida,
413
Ibidem, p. 283.
414
Ibidem, loc. cit.
415
Ibidem, loc. cit.
416
Ibidem, p. 284.
417
Ibidem, loc. cit.
418
Idem. Kant: reflexiones de Centenario [1724-1924]. O.C, IV, p. 268.
419
Ibidem, loc. cit.
420
Ibidem, loc. cit.
421
Ibidem, p. 271.
422
GRACIAS, 2014, p. 234.
423
Ibidem, p. 412.
85
auspiciada por la razón moderna”.424 Ortega não hesitará em propor para o homem do seu
tempo o enfrentamento da realidade, indicando aquilo que é o mais real, a própria vida:
Son realidad las cosas porque están ahí en sí y por sí, puestas por sí mismas,
sosteniéndose a sí mismas en la existencia. Como ésta es la única forma auténtica de
ser que esa tesis afirma, todo en la medida en que es realidad tendrá que ser así. Por
ejemplo: el hombre, yo. Mi realidad consiste también en ser una cosa entre las cosas,
como la piedra, como la planta (ORTEGA, O.C., VIII, p. 642).
O homem não enfrenta a vida munido de abstrações idealistas, mas sim tendo a
coragem de encarar a vida assim como ela é e fazer por realizá-la: “todo acto intelectual se
apoya y es consecuencia de um acto vital, de un ato ejecutivo prévio”.425 Será nesse tom que
Ortega abrirá seu curso de metafísica, de 1932, superando completamente o idealismo,
afirmando que caracteriza o homem uma radical desorientação, própria da vida humana.
La metafisica es algo que el hombre hace y esse hacer metafísico consiste en que el
hombre busca una orientación radical en su situación. Esto parece implicar que la
situación del hombre es una radical desorientación – o, lo que es lo mismo, que a la
esencia del hombre, a su verdadero ser no pertenece como uno de los atributos
constituyentes el estar orientado sino que, al revés, es propio de la esencia humana
estar el hombre radicalmente desorientado (ORTEGA, O.C., VIII, p. 565).
Com esta transição do idealismo para uma filosofia da vida, que traz consigo a sua
marca indelével, Ortega pauta qual é o tema o seu tempo, e que somente ele, Ortega, pode
operar. Primeiro, superar o idealismo, para a seguir inaugurar o raciovitalismo: “Decir, pues,
que nuestra época necesita, desea superar la modernidad y el idealismo, no es sino formular
con palabras humildes y de aire pecador lo que con vocablos más nobles y graves sería decir
que la superación del idealismo es la gran tarea intelectual, la alta misión histórica de nuestra
época, el tema de nuestro tiempo”.426
424
CONILL, Jesús. Razón experiencial y ética metafísica en Ortega y Gasset. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 7, 2003, p. 102.
425
FERNANDEZ, Marcos Alonso. El problema de la futurición en Ortega y Marias. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 29, 2014, p. 162.
426
ORTEGA Y GASSET, J. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 334.
86
vida. Aos poucos, Ortega abrirá mão do intelectualismo alemão, passando assim a refletir com
mais profundidade acerca do conceito de vida.
Desde sus primeros escritos – en realidad, desde su primer artículo: Glosas, 1902 –
puede advertirse (sobre todo, si los miramos retrospectivamente, desde la
perspectiva de su pensamiento maduro) que es esta intuición básica la que orienta e
impulsa toda su meditación, y pronto concretará en el hallazgo de una nueva idea
metafísica: la idea de la vida humana concebida como la realidad radical
(HUÉSCAR, 1983, p. 49).
427
ORTEGA Y GASSET, J. El tema de nuestro tiempo. O.C., III, p. 614.
428
Ibidem, p. 593.
429
Idem. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 347.
430
Ibidem, p. 350.
431
Ibidem, p. 351.
87
La realidad radical non son las cosas, no es el yo; es nuestra vida. Mejor aún, mi
vida. Toda realidad, efectiva, o presunta, o ficticia, o aun imposible, en la medida en
que los imposibles tienen alguna realidad radical es lo que queda cuando elimino, de
todo lo que encuentro, aquello que he puesto yo como teoría, interpretación o idea
(MARIAS, 2006, p. 219).
432
MORENTE, M. G. Carta a un amico su evolución filosófica in Ortega y su tiempo - Ministerio de cultura
- Palacio de Velázquez del Retiro, Madrid, mayo-julio, 1983, p. 20.
433
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 348.
434
Ibidem, p. 349.
435
HUÉSCAR, A. R. La innovación metafisica de Ortega in Ortega y su tiempo. Exposición organizada por
el Ministerio de Cultura – Palacio de Velázquez del Retiro, Madrid, mayo-julio, 1983, p. 54.
436
Ibidem, loc. cit.
88
O foco de Ortega é a vida e por isso abandona Kant, pois a seu juízo o alemão
acerta na ciência, mas, se equivoca na existência.437 Para ele, quem busca o ser e está aberto a
ele é o homem: “el ser, lo objetivo, etcétera, solo tienen sentido si hay alguien que los busca,
que consiste esencialmente em um ir hacia ellos. Ahora bien; este sujeto es la vida humana o
el hombre como razón vital”.438 Para Ortega, existe uma primazia do metafísico diante do
gnosiológico, e, por essa razão, coloca a vida humana como realidade radical. Huéscar
destaca:
Ortega elabora uma metafísica que não é nem idealista e nem realista. Ele
circunscreve a sua filosofía para além dessas duas dimensões: “Al decir que la realidad
radical no es ni las cosas ni yo, sino la vida, Ortega se aparta al mismo tiempo, del realismo y
del idealismo y del fundamento que es común a uno y otro, porque nos propone una tercera
cosa, sino algo que no es cosa, y con ello llega a un sentido nuevo de la expresión ‘ser
real’”.439 No projeto filosófico de Ortega o idealismo tem o seu papel, mas não é protagonista:
“El pensamiento ha de escapar al idealismo para enfrentarse a la interpretación comprometida
y jugosa, conflictiva y libérrima, viscosa y compleja de la realidad y sus múltiples
ángulos”.440 O idealismo compõe o espetáculo da vida junto com outros atores também
coadjuvantes: “Mi pensamiento es una función parcial de ‘mi vida’ que no puede
desintegrarse del resto”.441 Ortega coloca a frase: “Primeiro viver, depois filosofar” como o
principio de toda a sua filosofia442 e dispara o célebre Cogito quia vivo:
Cogito quia vivo, porque algo en torno me oprime y preocupa, porque al existir yo
no existo sólo yo, sino que ‘yo soy una cosa que se preocupa de las demás, quiera o
no’. No hay, pues, un moi-même sino en la medida en que hay otras cosas, y no hay
otras cosas si no las hay para mí. Yo no soy ellas, ellas no son yo (anti-idealismo),
pero ni yo soy sin ellas, sin mundo, ni ellas son o las hay sin mí para quien su ser y
el haberlas pueda tener sentido (anti-realismo) (ORTEGA, O.C., VIII, p. 502).
437
ORTEGA Y GASSET, J. Kant: Reflexiones de Centenario [1724-1924]. O.C, IV, p. 271.
438
Idem. Filosofía Pura. Anejo a mi folleto Kant, O.C., IV, p. 285.
439
MARIAS, Julián. La metafisica de Ortega. Revista de Estúdios Orteguianos, nº 12/13. 2006, p. 219.
440
GRACIAS, 2014, p. 234.
441
ORTEGA Y GASSET, J. Filosofía Pura. Anejo a mi folleto Kant, O.C., IV, p. 285.
442
Idem. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 502.
89
(…) la vida humana no está condicionada por ninguna otra realidad, puesto que los
distintos aspectos de la realidad o las preguntas sobre el mundo deben aparecer, ante
todo, dentro de la existencia humana o de mi vida. Así podemos mantener que la
vida humana es una realidad primordial. Dada su prioridad sobre cualquier otra
realidad, la vida humana puede iluminar todos los distintos aspectos de la realidad
(RABI, 2011, p. 91).
O conceito vida tem uma tal extensão que, até mesmo para se colocar a ideia
sobre Deus, é necessário supor a existência humana: “Dios mismo, si existe, comenzará para
mí existiendo de alguna manera en mi vida”.444 Entendendo a vida humana posso entender
qualquer outra realidade que me é dada, pois a vida se configura como a realidade mais
absoluta.
443
RABI, 2011, p. 91.
444
ORTEGA Y GASSET, J. Qué es conocimiento? O.C., IV, p. 115.
445
HUÉSCAR, 1983, p. 50.
446
ORTEGA Y GASSET, J. Guillermo Dilthey y la Idea de la vida. O.C. VI, p. 223.
90
Quedaba, pues, como único medio para enterarse del pensamiento fundamental de
Dilthey la lectura de su Introducción a las ciencias del espíritu. Sin embargo,
tampoco pude leerlo. Daba la casualidad de que este libro se había agotado muchos
años antes y era, entre todas las contemporáneas, una de las obras más raras en el
mercado (ORTEGA, O.C., VI, p. 228).
Ainda mais, segundo Ortega, Dilthey sempre foi considerado um autor difícil,
compreensível apenas para o seu círculo íntimo de discípulos, como Georg Misch. E um outro
fator que resultava ainda mais difícil a compreensão de Dilthey, é que o próprio autor “no
llegó él mismo a pensar nunca del todo, a plasmar y dominar su propia intuición”.450 Ortega
procura deixar claro que a sua reflexão acerca a ideia de vida é fruto seu, originalíssimo, e que
não deve absolutamente nada a Dilthey, pelo simples fato de não ter conhecido até então nada
do filósofo alemão: “ no solo yo, sino todos los demás que podían de verdad haber
aprovechado su influjo y con ello aventajar el desarrollo de la Idea de la vida (…) no
tropezaron con él a tiempo”.451
Porém, não é assim tão certo que Ortega passou tanto tempo sem ter lido nada de
Dilthey. Nelson Orriger, filósofo alemão especialista em Ortega e nas fontes alemãs usadas
pelo madrilenho em suas obras, aponta que encontrou na biblioteca pessoal de Ortega uma
obra, em que Max Scheler analisava a filosofia de Dilthey: “El ‘Ensayo de una filosofia de la
vida. Nietzsche – Dilthey – Bergson’ de Scheler está presente em la biblioteca personal de
Ortega, donde hemos visto la segunda edición (...)”.452 Mas, em um escrito de 1947, Ortega
447
GRACIAS, 2014, p. 498.
448
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 227.
449
Ibidem, p. 228.
450
ORTEGA Y GASSET, J. Guillermo Dilthey y la Idea de la vida. O.C. VI, p. 229.
451
Ibidem, loc. cit.
452
ORRINGER, Nelson R. La critica de Ortega a Husserl y a Heidegger: la influencia de Georg Misch, Revista
de Estudios Orteguianos, n° 3, p. 149, 2001.
91
volta a carga e desabafa: “Aqui se ve como es estúpido decir que Dilthey ha influído em mi
pensamiento, puesto que Dilthey no tenía idea de estas cosas y creía em la ‘conciencia’ com la
fe del carbonero”.453 Para Ortega, o seu pensamento sobre a vida é mais amplo que o de
Dilthey, por que:
La pura verdad es que este se quedó prisionero del irracionalismo vital frente al
racionalismo intelectual y no acertó a descubrir ese nuevo racionalismo de la vida.
Así se explica que aun en sus últimos años escribiese frases como esta: “En toda
comprensión de la vida hay algo irracional, como la vida misma lo es” (ORTEGA,
O.C., VI, p. 250).
453
Cf. ORTEGA Y GASSET, J. La idea de principio en Leibniz y la revolución de la teoría deductiva. O.C.
IX, p. 1120.
454
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus. 2014, p. 499.
455
ORTEGA Y GASSET, J. Guillermo Dilthey y la Idea de la vida. O.C. VI, p. 223.
456
Ibidem, p. 231.
457
Ibidem, loc. cit.
92
y de la historia, sin renunciar por ello a la razón”.458 Ortega empreende “una nueva ruta viable
para la filosofia, si por filosofia seguimos entendiendo el intento radical de encontrar el
sentido del mundo y de la vida “dando razón” de ellos”.459 Para Huéscar, Ortega somente
conseguiu lançar bases a esse tipo de filosofia por causa de sua circunstância de homem
espanhol. Visto que a Espanha não tinha uma tradição filosófica como a Alemanha, por
exemplo, Ortega contou com “una libertad de pensamiento y de reacción de que carecian los
otros filósofos europeos (...)”.460
O conceito de vida como realidade radical em Ortega é tão abrangente que acosta
à metafísica clássica tradicional, pelo fato de que pleiteia a totalidade, já que não se vê como
ciência parcial, mas sim como a rainha das ciências e, portanto, pode investigar tudo o que
existe, sem exceções.
Ortega adverte que este uso abstractivo del pensamiento es um error de origen –
aunque necesario, esto es outra cuestión – de la filosofía, y como todos los de este
linaje, muy dificil de extirpar o corregir: se trata, en efecto, de la más pesada y
persistente herencia griega – en definitiva, la herencia eleática -, a la que la filosofía,
hasta hoy, no acertó a renunciar (HUÉSCAR, 1983, p. 53).
La razón pura no puede suplantar a la vida: la cultura del intelecto abstracto no es,
frente a la espontánea, otra vida que se baste a sí misma y pueda desalojar a aquélla.
Es tan sólo una breve isla flotando sobre el mar de la vitalidad primaria. Lejos de
poder sustituir a ésta, tiene que apoyarse en ella, nutrirse de ella como cada uno de
los miembros vive del organismo entero (ORTEGA, O.C., III, p. 592).
465
ORTEGA Y GASSET, J. El tema de nuestro tiempo. O.C., III, p. 591.
466
Ibidem, p. 591.
467
MOLINUEVO, 2002, p. 118.
94
descobriu-se a razão, no mundo hodierno ela não é mais o tema fundante de um contexto
histórico. A vida, eis o tema do presente:
Nosotros nos instalamos, desde luego en este nivel, y lo único que hacemos es
disputar con los modernos sobre cuál es la realidad radical e indubitable. Hallamos
que no es la conciencia, el sujeto —sino la vida, que incluye, además del sujeto, el
mundo. De esta manera escapamos al idealismo y conquistamos un nuevo nivel
(ORTEGA, O.C., VIII, p. 360).
Para Ortega, a tarefa mais urgente da filosofia é concentrar-se na vida, e ele o fará:
“la vitalidad es ya obsesivamente a essência de un ciclo de escritura filosófica complejo,
heterogêneo, disperso pero muy coherente”.469 Ortega mostra-se maravilhado pela vida do
homem, e ainda que não seja cristão, se vale da passagem do livro do Genêsis para descrever
metaforicamente a entrada da vida humana no universo:
468
ORTEGA Y GASSET, J. Qué es la vida? Lecciones del Curso 1930-1931. O.C., VIII, p. 423.
469
GRACIAS, 2014, p. 362.
95
Segundo Ortega, é preciso sem mais demora “definir y analizar qué es ‘nuestra
vida’, en el sentido más inmediato y primario de estas palabras, incluso qué es nuestra vida
cotidiana”.470 Ele apressa-se a aprofundar a investigação e definir o que é a vida: “Vida es lo
que somos y lo que hacemos: es, pues, de todas las cosas la más próxima a cada cual”.471 A
vida é o modo de ser mais radical, pois tudo começa com ela, se refere a ela, se reconduz a
ela: “La ecuación más abstrusa de la matemática, el concepto más solemne y abstracto de la
filosofía, el Universo mismo, Dios mismo son cosas que encuentro en mi vida, son cosas que
vivo”.472 O mérito da filosofía da vida é ter um ponto de partida bastante concreto:
Por tanto, el problema radical de la filosofía es definir ese modo de ser, esa realidad
primaria que llamamos “nuestra vida”. Ahora bien, vivir es lo que nadie puede hacer
por mí —la vida es intransferible—, no es un concepto abstracto, es mi ser
individualísimo. Por vez primera, la filosofía parte de algo que no es una abstracción
(ORTEGA, O.C., VIII, p. 346).
470
ORTEGA Y GASSET, J. Que es filosofía? O.C., VIII, p. 245.
471
Ibidem, p. 353.
472
Ibidem, p. 345.
473
Ibidem, p. 361.
474
MARIAS, Julián. La metafisica de Ortega. Revista de Estudios Orteguianos, nº 12/13, 2006, p. 219.
96
essa: “La razón pura tiene que ceder su imperio a la razón vital”.475 Para a razão vital a ideia
de princípio deve ser rechaçada, pois advogar um princípio para toda a realidade é
desconsiderar a multiplicidade, que é marca da própria realidade vital. Ainda mais supor um
princípio que explique toda a realidade é nada mais que racionalização, um modo de ser da
cultura ocidental, que de resto é uma herança parmenidéia e que, por isso, depõe contra a vida
espontânea: “no hay nada más opuesto a la espontaneidad biológica, al mero vivir la vida, que
buscar un principio para derivar de él nuestros pensamientos y nuestros actos”.476 A crítica de
Ortega é que a tudo considerou-se princípio: religião, cultura, ciência, etc., menos a vida,
considerada um fato nulo, um lance de azar. Para ele, é necessário trocar o culturalismo
racionalista e dominante por um conceito amplo de vida.
O que Ortega espera é que, tendo como ponto de partida a vida como fundamento
de toda a realidade, se proceda “ (...) la organización real de la realidad”.477 Todas as
realidades consideradas como fundamento, deverão dar espaço, e ao mesmo tempo se
organizarem, a partir de um único fundamento, este sim, legítimo, o conceito de vida. Então,
se poderá tratar de uma arte vital, uma ética vital, uma justiça vital, uma liberdade vital, até
mesmo de uma fé vital, pois, assim como a razão, também a cultura vem a reboque da vida.
La cultura nace del fondo viviente del sujeto y es, como he dicho con deliberada
reiteración, vida sensu stricto, espontaneidad, “subjetividad”. Poco a poco la ciencia,
la ética, el arte, la fe religiosa, la norma jurídica se van desprendiendo del sujeto y
adquiriendo consistencia propia, valor independiente, prestigio, autoridad
(ORTEGA, O.C., III, p. 587).
475
ORTEGA Y GASSET, J. El tema de nuestro tiempo. O.C., III, p. 593.
476
Ibidem, p. 594.
477
MARIAS, Julián. La metafisica de Ortega. Revista de Estudios Orteguianos, nº 12/13, p. 223.
478
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 581.
97
vuelve ásperamente contra la oposición entre la razón y la vida, que le parece una especie de
pereza mental”.479 No Oriente, tal fato não aconteceu; ali, essas duas realidades jamais foram
dissociadas: “El chino es incapaz de formarse una idea del mundo fundándose sólo en la
razón, en la verdad de esa idea”.480
Ortega procura destacar a importância da vida humana quando, a título de
exemplo, compara a vida humana mais sórdida com a pedra mais perfeita: ainda assim ganha
a vida humana, se não ainda por um valor transcendente mas no mínimo pela sua organização
somática, irrepetível no universo: “La piedra no se siente ni sabe ser piedra: es para sí misma
como para todo absolutamente ciega”.481
Ortega detecta na vida humana um valor intrínseco, que brota da essência da
própria vida. Imbuída desse valor a vida se revela suficiente e existe para ser vivida, e não
pode dar azo a equívocos tais como servilismos ou heteronomias, a vida não é para, mas tem
valor em si: “Esta suficiencia de lo vital en el orbe de las valoraciones la liberta del servilismo
en que erróneamente se le mantenía, de suerte que sólo puesto al servicio de otra cosa parecía
estimable el vivir”.482 A vida vale por si mesma, não é cega como a pedra, mas sempre
preocupada em se desvelar, inconformada com o seu ser atual, quer mais, pois tem diante de
si um horizonte aberto: “(…)vivir es, por lo pronto, una revelación, un no contentarse con ser,
sino comprender o ver que se es, un enterarse. Es el descubrimiento incesante que hacemos de
nosotros mismos y del mundo en derredor”.483
O homem não pediu para estar no mundo, e Ortega tem consciência desse fato.
Evidentemente, ter vindo à vida não foi uma escolha do sujeito, não foi escolha sua ter vindo
à vida em um contexto determinado pela cultura, crença, condição social, o que compromete a
liberdade: “Vivimos aquí, ahora; es decir, que nos encontramos en um lugar del mundo y nos
parece que hemos venido a este lugar libérrimamente (...) pero no somos libres para estar o no
en este mundo que es el de ahora. (…)”.484 Neste sentido, a vida, por ser imposta ao homem,
se configura como drama: “Vivir no es entrar por gusto en um sítio previamente elegido a
sabor, como se elige el teatro después de cenar, sino que es encontrarse de pronto y sin saber
cómo caído, sumergido, proyectado en un mundo incanjeable, en éste de ahora”.485 Ortega
equipara o ser projetado no mundo com o caso hipotético de alguém que ainda dormindo é
levado aos bastidores de um teatro e que, de repente, é jogado no palco e se vê diante de um
479
MARIAS, op. cit., loc. cit.
480
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 589.
481
Idem. Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p. 571.
482
Idem. El tema de nuestro tiempo. O.C., III, p. 603.
483
Idem. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 355.
484
Idem. Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p. 573.
485
Idem. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 503.
98
público. Esse alguém “deve resolver de algún modo decoroso aquella exposición ante el
publico, que él no há buscado ni preparado ni previsto”.486 Eis assim configurado a
dramaticidade da vida: “La vida nos é siempre disparada a quemarropa (...) nos es arrojada o
somos arrojados a ella (...)la vida es a la vez um problema que necesitamos resolver
nosostros”.487 Ortega é consciente da imprevisibilidade e dramaticidade da vida: “Esto da a
nuestra existencia un gesto terriblemente dramático”.488 De fato, essa imprevisibilidade que
muitos vezes pode fazer da vida um peso insuportável não deixa espaço para a liberdade do
homem, pois ter vindo à vida é um ato concreto e determinado.
486
Ibidem, p. 504.
487
Ibidem, loc. cit.
488
Idem. Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p. 573.
489
Ibidem, p. 641.
490
Idem. Qué es la vida? Lecciones del Curso 1930-1931. O.C., VIII, p. 446.
491
MARIAS, Julián. Revista de Estudios Orteguianos, nº 12/13, p. 218.
99
escrita de Berlim, em que se pode ver como Ortega, ainda muito jovem, interpreta a vida
humana:
Luego de años, um día, entre si sale o no el sol, se nos hace de noche por completo y
todo se ha consumado. Nuestra muerte carece de importancia, como había carecido
nuestra vida. No hemos gozado nada que merezca la pena y hemos tenido dolores
físicos y congojas morales que son lo único positivo. Es todo esto una razón para
entristecerse? No señor: nadie nos ha engañado, de miles de años sabemos nuestra
historia: hay que vivir dispuesto a no ensombrecerse porque si todo da y vale lo
mismo, si todo carece de importancia, tampoco es cosa de atender la amargura
(ORTEGA, S., 1991, p. 158).
Ortega faz juz ao estilo mediterrâneo de encarar a vida. Sugere que se deve manter
o moral elevado e certa extroversão não obstante a dramaticidade da vida: “Estar con la moral
alta es estar en una actitud de entrega decidida, consecuente y coherente a la tarea de cumplir
y realizar esos objetivos, ilusiones, aspiraciones o metas de la vida”.492 Encarar a vida de
forma correta é saber que ela comporta um arsenal de dificuldades e facilidades que o homem
mesmo, consciente de si, deve resolver: “Vida es, pues, por lo pronto, encontrarse a sí mismo
y, junto consigo mismo, con necesidades o menesteres y, junto con esto, un repertorio de
facilidades que encajan en esas necesidades y las resuelven”.493
A vida é sempre um projeto aberto, inseguro, imprevisível e que se constitui de
infinitas possibilidades. A cada momento, o homem, que não pediu para estar na vida, é
instado a escolher algumas das muitas possibilidades que lhe são colocadas. Projetado na
vida, é obrigado continuamente a tomar decisões: “No hai descanso ni trégua. En todo
instante tenemos que resolver el problema de lo que vamos hacer”.494 Ter um “que fazer” faz
parte da própria essência da vida: “Resulta, pues, que la primera vista que tomamos sobre la
vida en esta pesquisa de su esencia pura que emprendemos, nos la presenta como el conjunto
de lo que hacemos, de nuestros haceres que la van, por decirlo así, amueblando. La vida es lo
492
SAN MARTIN, J. La ética de Ortega; nuevas perspectivas. Revista de Estudios Orteguianos, nº 1, 2000, p.
155.
493
ORTEGA Y GASSET, J. Sobre la realidad radical. O.C., VIII, p. 390.
494
Idem. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 504.
100
que hacemos y lo que nos pasa”.495 E Ortega pretende deixar esse modo de ser da vida
humana bastante evidenciado: “vida es lo que hacemos —claro— porque vivir es saber que lo
hacemos, es —en suma— encontrarse a sí mismo en el mundo y ocupado con las cosas y
seres del mundo”.496 Se ocupando e tentando realizar o seu projeto o homem tem a
possibilidade de atingir o fim a que se propôs: “La vida es ante todo quehacer, tarea, misión,
cumplimiento de aquellas metas con cuyo logro queremos realizar nuestra aspiraciones”.497
A construção da vida do homem não é nada mais que tentar realizar um projeto
configurado pelas suas circunstâncias: “un sistema de facilidades y dificuldades que encuentra
el yo viviente”.498 Como o homem não pode antever as suas próprias circunstâncias, senão se
deparar com elas, ele não sabe inteiramente no que consiste esse projeto: “El proyecto que yo
soy me encuentro siéndolo antes de que piense qué proyecto soy; es más, ninguno hemos
logrado nunca pensar por entero el proyecto que somos”.499 Ainda que o homem não tenha a
consciência completa desse projeto, ele é necessário e vital, portanto, mesmo não realizando o
seu “eu” o homem continua sendo projeto, exatamente pelas muitas possibilidades que a
circunstância continua lhe impondo: “Es el transcurso de la vida quien nos va descubriendo el
proyecto que somos”.500 Deve o sujeito buscar de modo ativo executar o seu próprio projeto
dentro de suas próprias circunstâncias, que são as coisas que estão em seu redor, e assim
humanizar e autenticar o seu projeto de vida: “la reabsorción de la circunstancia es el destino
concreto del hombre”.501 Esse projeto também está aberto, visto que não é substância, isto é,
algo fechado, encerrado: “A substância “es algo, es lo que ya es tal o cual, no lo que consiste
en puro tener que ser”.502 Desta forma, somos vocacionados, chamados a estar no mundo:
“Toda vocación es intramundana, nos llama a este mundo, porque somos proyecto, se
entiende, de vida, es decir, de coexistencia con el contorno”.503
A vida mostra-se também dramática na contradição pela qual passa o homem
quando quer realizar a sua vocação e seu projeto, ou seja, aquilo que ele deve ser em um
mundo que é estranho a ele e onde nada lhe é antecipado: “Toda vida es trágica em su
esencia: porque es contradición, porque es tener que realizar la vocación que soy yo em lo que
495
Idem. Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p. 570.
496
Idem. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 354.
497
SAN MARTIN, op. cit., p. 154.
498
ORTEGA Y GASSET, J. Qué es la vida? Lecciones del Curso 1930-1931. O.C., VIII, p. 437.
499
Ibidem, p. 436.
500
Ibidem, loc. cit.
501
Idem. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 756.
502
Idem. Qué es la vida? Lecciones del Curso 1930-1931. O.C., VIII, p. 440.
503
Ibidem, p. 438.
101
no soy yo, en el mundo, en el contra-yo”.504 O que leva Ortega concluir que “vivir es hallarse
entregado al enemigo – al mundo”.505
Se viver é um contínuo de decisões a serem tomadas, como constata Ortega, o
homem, mais do que aquilo que é, é aquilo que ainda não é, pelas possíveis futuras decisões
que deverá tomar, e conclui: “vivir es constantemente decidir lo que vamos a ser”.506 O
homem não se ocupa do momento presente, mas do momento imediato a esse: “La vida es una
operación que se hace hacia delante, que vivimos primero atentos al futuro, proyectados hacia
él, fuera del presente”.507 A vida é sobretudo um preocupar-se, um olhar constante para o
futuro, um contínuo vir-a-ser: “Vida es preocupación y lo es no sólo en los momentos
difíciles, sino que lo es siempre y, en esencia, no es más que eso: preocuparse”.508 Ortega
coloca a preocupação como uma característica da vida porque “por muy seguros que estemos
de lo que nos va a pasar mañana lo vemos siempre como uma possibilidad”.509 Assim, a vida
não é acomodação, pelo contrário: “En cada instante tenemos que decidir lo que vamos a
hacer en el siguiente, lo que va a ocupar nuestra vida. Es pues, ocuparse por anticipado, es
pre-ocuparse”.510 Quem não se preocupa com a vida perde o rumo e a vida vai a deriva:
“Cuando creemos no preocuparnos en nuestra vida, en cada instante de ella la dejamos flotar a
la deriva, como una boya sin amarras, que va y viene empujada por las corrientes sociales”.511
Prender uma atitude de despreocupação em relação à vida é tomar o rumo da inautenticidade:
504
Ibidem, p. 439.
505
Ibidem, loc. cit.
506
Idem. Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p. 575.
507
Ibidem El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 507.
508
Idem, p. 372.
509
Idem. Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p. 574.
510
Idem. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 372.
511
Idem. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 373.
512
Ibidem, loc. cit.
102
513
Ibidem, loc. cit.
514
ORTEGA Y GASSET, J. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 367.
515
Ibidem, loc. cit.
516
Idem. Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p. 574.
517
Ibidem, p. 358.
518
Ibidem, p. 368.
519
Idem El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 510.
103
programa vital deve ser construído e pensado com autenticidade. Para Ortega, os jovens são
os que mais se arriscam em viver um programa de vida inautêntico, dado as muitas seduções e
ídolos que a cultura lhes apresenta: “El joven está siempre queriendo ser outra cosa que lo que
es”.520 Na dúvida, é melhor aceitar o que segundo Ortega, Píndaro pontificava, que considera
o princípio de todos os princípios morais: “Pindaro decía que todo está en esto: ‘llegar a ser lo
que se es’”.521 Para isso, é preciso simplesmente viver, estar aí, dar-se conta de que vive:
“Todo vivir es vivirse, sentirse vivir, saberse existiendo —donde saber no implica
conocimiento intelectual ni sabiduría especial ninguna, sino que es esa sorprendente presencia
que su vida tiene para cada cual”.522 O drama da pessoa demente é que ela não tem
consciencia da realidade: “(…) está fuera de sí, está “ido”, se entiende de sí mismo; es un
poseído, se entiende poseído por otro. [Quando] La vida es saberse —es evidencial”.523
Para Ortega, a vida é problemática também por ser mortal. Para um ser que fosse
imortal boa parte dos problemas da vida estaria resolvida, pois, no caso o tempo, não se
esgotaria nunca. Para o homem mortal isso não acontece. Cada minuto passado tem valor
absoluto, não volta mais: “La vida vivida no tiene remédio y conforme va siendo se va
consumiendo. Vivir es desvivirse (...)”.524. Daí a necessidade de valorizar o tempo para que a
própria vida não se perca, pois a vida com muita facilidade escorrega para um fora de si. Por
isso, a vida é um decidir-se, constantemente, o que fazer:
É preciso refazer a mirada e ter a vida nas mãos, pois viver é sustentar o próprio
ser. Assim como a imagem vista através de um cristal se mostra desfocada e torna-se
necessário um esforço para saber que imagem é, assim é a vida que teima em migrar para fora
de si mesma, e por isso necessita do esforço do sujeito para aferrá-la: “Un esfuerzo semejante
al de esta acomodación ocular se hace forzoso para contemplar la vida, en vez de acompañarla
solidarizándose con sus impulsos. Entonces descubrimos en ella sus peculiares valores”.525 O
otimismo orteguiano consiste no fato que, não obstante a dramaticidade da vida e da
fatalidade do destino, é possível sim fazer da vida algo belo:
520
Ibidem, loc. cit.
521
Ibidem, p. 511.
522
ORTEGA Y GASSET, J. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 353.
523
Ibidem, p. 354.
524
Idem. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 506.
525
Idem. El tema de nuestro tiempo. O.C., III, p. 602.
104
No se diga tampoco que la fatalidad no nos deja mejorar nuestra vida, porque la
belleza de la vida está precisamente no en que el destino nos sea favorable o adverso
—ya que siempre es destino—, sino en la gentileza con que le salgamos al paso y
labremos de su materia fatal una figura noble (ORTEGA, O.C., III, p. 372).
526
ORTEGA Y GASSET, J. Ni vitalismo, ni racionalismo. O.C., III, p. 717.
527
Ibidem, loc. cit.
528
Idem. El tema de nuestro tiempo. O.C., III, p. 573.
529
Ibidem, loc. cit.
530
Ibidem, loc. cit.
105
531
Ibidem, loc. cit.
532
Ibidem, loc. cit.
533
ORTEGA Y GASSET, J. El tema de nuestro tiempo. O.C., III, p. 574.
534
Ibidem, loc. cit.
535
Cf. nota 3 do capítulo I - Ortega e sua metafísica – Do idealismo ao raciovitalismo.
536
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 577.
537
Ibidem, p. 578.
538
Ibidem, p. 580.
106
pensamiento exista, tengo yo que pensarlo, tengo que adherir a su verdad, alojarlo
íntimamente en mi vida, hacerlo inmanente al pequeño orbe biológico que yo soy”.539
Ortega reconhece que vive-se tempos de filosofía beligerante: “éstas son épocas
de filosofía beligerante, que aspira a destruir el pasado mediante su radical superación.
Nuestra época es de este último tipo, si se entiende por “nuestra época” no la que acaba ahora,
sino la que ahora empieza”.540 A história se alterna em épocas de pacificação e épocas
eliminatórias, onde o novo quer suplantar o velho. Se isso procede, se teria um tipo de
verdade para cada geração? Se verdade é “el reflejar adecuadamente lo que las cosas son”,541
de modo único e invariável, como conciliar esta concepção de verdade dentro da “(…)
vitalidad humana, que es, por esencia, mudadiza y varía de individuo a individuo, de raza a
raza, de edad a edad?”.542 De outro lado, se se modulasse a verdade para a absoluta
instabilidade da vida “no hay más que verdades “relativas” a la condición de cada sujeto”.543
E pensar assim seria promover um estéril relativismo:
539
Ibidem, p. 581.
540
Ibidem, p. 146.
541
Ibidem, p.572.
542
ORTEGA Y GASSET, J. El tema de nuestro tiempo. O.C., III, p. 572.
543
Ibidem, p. 573.
544
Idem. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 266.
107
Es, sencillamente, que la realidad primordial, el hecho de todos los hechos, el dato
para el Universo, lo que me es dado es... “mi vida” —no mi yo solo, no mi
conciencia hermética, estas cosas son ya interpretaciones, la interpretación idealista.
Me es dada “mi vida”, y mi vida es ante todo un hallarme yo en el mundo; y no así
vagamente, sino en este mundo, en el de ahora y no así vagamente en este teatro,
sino en este instante, haciendo lo que estoy haciendo en él, en este pedazo teatral de
mi mundo vital —estoy filosofando. Se acabaron las abstracciones. (ORTEGA,
O.C., VIII, p. 345).
545
ORTEGA Y GASSET, J. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 344.
546
Ibidem, p. 345.
547
Idem. Ni vitalismo, ni racionalismo. O.C., III, p. 718.
108
“Al distender los poros de la idea compleja penetra entre ellos nuestro intelecto y la hace
transparente. Esa transparencia cristalina es el síntoma de lo racional”.548 Portanto, se conhece
quando se consegue chegar aos últimos elementos de uma coisa, decompondo-a, analisando-a:
“Lo ‘lógico’ = racional, por excelencia, es, pues, siempre la operación de inventario que
hacemos descomponiendo lo complejo en términos últimos”.549 Porém, ao se deparar com os
últimos elementos daquilo que se quer conhecer, não pode a razão seguir adiante e aqui,
segundo Ortega “la mente deja de ser racional”550 e se depara com duas alternativas: ou se
fecha em um agnosticismo ou se abre a um irracionalismo: “Si nada es concebido por sí, nada
sería percibido o conocido. Ahora bien: la intuición es ilógica, irracional, puesto que excluye
la prueba o razón”.551 O que leva Ortega a decretar: “En la razón misma encontraremos, pues,
un abismo de irracionalidad”.552 Ele também recorda que mesmo o sistema da matemática “no
posee íntegramente una estructura racional. No se olvide que en él fue descubierta con estupor
la primera irracionalidad. Del número irracional viene tal nombre. Irracionales son todos los
infinitos, irracional el tiempo y el espacio”.553
Segundo Ortega, o racionalismo incorre em equívoco, ao admitir que possui a
capacidade de conhecer todas as coisas através da razão. Isto não é possível pois “las últimas
cosas sólo se conocen por sí mismas, por tanto irracionalmente”.554 Ainda sim, é apenas a via
da racionalidade, que poderá constatar a irracionalidade dos argumentos, revelando assim a
serventia da razão: “(...) la razón sirve sólo para reducir las cuestiones complejas a otras tan
simples que sólo cabe decir al que disputa: abra usted los ojos y vea lo que tiene delante”.555
Frente a ilogicidade da intuição coloca-se a lógica da razão, que porém depende de conceitos
que não caiam em contradição, pois “toda la lógica, toda la racionalidad pende, pues, de la
posibilidad de los conceptos”.556 O problema que se coloca é que la “no contradicción es
determinada por la simple inspección intuitiva y no permite comprobación directa alguna”.557
Para Ortega, a razão ao decompor o objeto em seus últimos elementos se
configura como a máxima intelecção, permite ver o objeto em “su interior, penetrarlo y
hacerlo transparente”.558 A razão executa uma operação de descenso aos últimos elementos,
548
Ibidem, p. 719.
549
Ibidem, loc. cit.
550
Ibidem, p. 718.
551
Ibidem, p. 719.
552
Ibidem, p. 718.
553
Ibidem, p. 722.
554
Ibidem, p. 719.
555
Ibidem, loc. cit.
556
Ibidem, p. 720.
557
Ibidem, loc. cit.
558
Ibidem, p. 722.
109
que são infinitos e “por tanto, irracionales”559. Assim a razão se configura como “una breve
zona de claridad analítica”.560 Para Ortega, “el carácter esencialmente formal y operatorio de
la razón transfiere a ésta de modo inexorable a un método intuitivo, opuesto a ella, pero de
que ella vive”.561 O que fará, então, o filósofo concluir: “Razonar es un puro combinar
visiones irrazonables”.562
Deprende-se da argumentação de Ortega que o racionalismo, levado até as últimas
consequências, pode resvalar para o irracionalismo: “La ceguera consiste en no querer ver las
irracionalidades que, como hemos advertido, suscita por todos lados el uso puro de la razón
misma”.563 O racionalismo, destaca Ortega, não pode pretender que a vida se adeque
perfeitamente ao pensamento, seria mais uma vez tomar a parte pelo todo, considerar que a
única verdade é a científica: “El supuesto arbitrario que caracteriza al racionalismo es creer
que las cosas —reales o ideales— se comportan como nuestras ideas. Esta es la gran
confusión, la gran frivolidad de todo racionalismo”.564
Ortega denuncia a pretensão do idealismo racionalista que pensa poder construir
um mundo ao seu bel prazer, desprezando o verdadeiro modo de ser do mundo:
En lugar de situarse ante el mundo y recibirlo en la mente según es, con sus luces y
sus sombras, sus sierras y sus valles, el espíritu le impone un cierto modo de ser, le
imperializa y violenta, proyectando sobre él su subjetiva estructura racional” 565. Para
Ortega, “Kant, y también Platón y Leibniz, aparecen como los representantes de ese
racionalismo que fracassa por el modelo científico que propugna (…)
(MOLINUEVO, 2002, p. 117).
Em seu afã em atrelar a todo custo o mundo real à ideia, aquele a reboque dessa, o
racionalismo incorre em equívocos, o que faz Ortega creditar a esses equívocos “el futurismo,
el utopismo, el radicalismo filosófico y político de los dos últimos siglos”.566 O racionalismo
evoca para si uma missão que está além de suas possibilidades, a de construir um mundo novo
à força da ideia: “El racionalismo tiende dondequiera, y siempre, a invertir la misión del
intelecto, incitando a éste para que, en vez de formarse ideas de las cosas, construya ideales a
los que éstas deben ajustarse”.567 Desta maneira, o racionalismo pretende ser a nova pedra
filosofal: “el racionalismo descubre su auténtica intención, que consiste, más que en ser teoría,
559
Ibidem, loc. cit.
560
Ibidem, loc. cit.
561
Ibidem, loc. cit.
562
Ibidem, loc. cit.
563
Ibidem, loc. cit.
564
Ibidem, loc. cit.
565
Ibidem, p. 723.
566
Ibidem, loc. cit.
567
Ibidem, p. 724.
110
2.5 O Eu
568
Ibidem, loc. cit.
569
Idem, Ensayo de estética a manera de prólogo. O.C., I, p. 667.
570
Ibidem, p. 668.
571
Ibidem, loc. cit.
572
SAN MARTÍN, 2012, p. 182.
573
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 668.
574
FERNANDEZ, M. A. El problema de la futurición en Ortega y Marias. Revista de Estudios Orteguianos, nº
29, 2014, p. 160.
111
Assim como fez em Adan en Paraiso, Ortega se valerá de uma obra de arte para
explicar alguns conceitos chaves de sua filosofia. E ele passa a indagar o que especificamente
o expectador contempla na escultura Lorenzo de Medici ou Pensieroso, de Michelangelo, de
1525, exposta no Museu “delle Cappelle Medicee” em Florença.575 O que chama atenção na
escultura não é o mármore, nem mesmo a imagem fantástica que da obra se depreende, e sim,
o pensar em ato: “en el Pensieroso tenemos el acto mismo de pensar ejecutándose.
Presenciamos lo que de otro modo no puede sernos nunca presente”.576 A vantagem que a arte
traz frente a ciência é que ela pode apresentar as coisas em sua “realidad ejecutiva —frente a
quien las otras noticias de la ciencia parecen meros esquemas, remotas alusiones, sombras y
símbolos”.577
Ao ver um cipreste, o sujeito executa o ato vital de ver o cipreste, pois o cipreste
se revela como um momento do seu ser. Mas para que o cipreste se torne um objeto da
percepção do sujeito, será preciso que o sujeito olhe para dentro de si mesmo e veja o cipreste
“des-realizándose, transformándose en actividad mía, en yo. Dicho en otra forma, será preciso
que halle el modo de que la palabra “ciprés”, expresiva de un sustantivo, entre en erupción, se
ponga en actividad, adquiera un valor verbal”.578
Neste sentido, toda imagem atuada pelo sujeito é sentimento, não apenas no
sentido costumeiro da palavra que remete a alegria e tristeza, mas no sentido de produzir uma
reação subjetiva à uma imagem objetiva atuada. Porém, tal reação subjetiva nada mais é que
“acto mismo de percepción, sea visión, recuerdo, intelección, etc”.579 E, aqui, Ortega precisa:
ou atendemos ao objeto ou atendemos ao nosso ato de visão. E, como ele já apontou, é
justamente por isso que “nuestra intimidad no puede ser directamente objeto para
nosotros”.580
O que Ortega propõe é ir às coisas mesmas, ao momento em que essas se realizam
revelando a sua realidade radical. Ortega reforça a sua convicção de que a oposição entre
idealismo e realismo deve sim ser superada: “De este modo, Ortega situará en la ejecutividad
la raíz de todo pensamiento filosófico, ensayando una tesis con la que superar la secular
oposición entre idealismo y realismo”.581
575
Cf. CAPRETTI, Elena. Michelangelo. Milano: Giunti Editore, 2006, p. 282.
576
ORTEGA Y GASSET, J. Ensayo de estética a manera de prólogo. O.C., I, p. 671.
577
Ibidem, p. 672.
578
Ibidem, p. 676.
579
Ibidem, loc. cit.
580
Ibidem, loc. cit.
581
ZAMORA, J. A. F. El postmodernismo de Ortega y Gasset. Revista Debats. Valencia: Imprenta provincial,
nº 124, 2014/3, p. 47.
112
Para Ortega, cada ente é um “eu”, não por pertencer a uma classe zoológica ou por
ter consciência, mas porque é algo: “Todo, mirado desde dentro de sí mismo, es yo”.582 A
filosofia de Ortega do eu da circunstância, ou seja, “ de ser yo a las cosas y serme ellas a
mi”583 torna-se possível porque cada eu tem a sua própria realidade: “(...) las cosas son lo que
son por sí mismas, por ser ‘yo’”.584 Ortega vê assim um “eu” absoluto onde nenhuma
realidade fora dele pode romper a sua indissolubilidade.
Para San Martín, a tese de Ortega sobre o eu confundiu muita gente. E ele adverte
que não se pode confundir o “eu” orteguiano com o “eu” consciente, mas como Ortega
sempre frisa, é um “eu” que busca continuamente “ejecutar su ser”.585
Uma coisa é pensar o “eu”, outra diferente é considerar o “eu” como coisa
existente. Ortega explica que tudo que o homem conhece, antes conceitua: esta é a via do
conhecimento humano. Temos com a vida uma intimidade originária, que porém se esvanece
quando se busca compreende-la mediante conceitos: “La intimidad no puede ser objeto
nuestro ni de la ciencia, ni en el pensar práctico, ni en el representar maquinativo. Y, sin
embargo, es el verdadero ser de cada cosa, lo único suficiente (…)”.586 Para Ortega, a
verdadeira intimidade “es algo en cuanto ejecutándose (…)”.587
Para Ortega, o subjetivismo, visto como uma ditatura do eu, não passa de um
grave equívoco, que “consiste en la suposición de que lo más cercano a mí soy yo - es decir,
lo más cercano a mí en cuanto a conocimiento, es mi realidad o yo en cuanto realidad”.588
Segundo Ortega, o acesso ao “eu” não se dá assim de forma automática, pois ele traz consigo
a capa do mistério: “Ese yo a quien mis conciudadanos llaman Fulano de Tal, y que soy yo
mismo, tiene para mí, en definitiva, los mismos secretos que para ellos. Y, viceversa: de los
demás hombres y de las cosas no tengo noticias menos directas que de mí mismo”.589 O “eu”
582
ORTEGA Y GASSET, J. Ensayo de estética a manera de prólogo. O.C., I, p. 669.
583
SAN MARTÍN, 2012, p. 182.
584
Ibidem, loc. cit.
585
Ibidem, loc. cit.
586
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 670.
587
Ibidem, loc. cit.
588
Ibidem, loc. cit.
589
Ibidem, loc. cit.
113
Zamora vê aqui “una de las primeras teorías que consiguen ir más allá de la
filosofía del sujeto”.590 Em suma, o homem nada mais é que a sua própria intimidade,
impenetrável por um outro eu, em radical solidão: “Por tanto, que al encontrar el verdadero
ser de nuestro yo nos encontramos con que nos hemos quedado solos en el Universo, que cada
yo es, en su esencia misma, soledad, radical soledad”.591
2.6 A circunstância
590
ZAMORA, J. A. F. El postmodernismo de Ortega y Gasset. Revista Debats. Valencia: Imprenta provincial,
nº 124, 2014/3, p. 48-49.
591
ORTEGA Y GASSET, J. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 317.
592
Idem. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 754.
593
MARIAS, J. Comentários. Meditações do Quixote. Trad. Gilberto de Mello Kujawski. São Paulo: Livro
Ibero-Americano Ltda. 1967, p. 202.
114
avassaladora, a ponto de grande parte do seu pensamento ficar em segundo plano: “yo soy yo
y mi circunstancia” é a frase que acabou por condensar a filosofía e obra de Ortega.594
Para Ortega, “cada uno de nosotros es por mitad lo que él es y lo que es el
ambiente en que vive. Cuando éste coincide con nuestra peculiaridad y la favorece, nuestra
personalidad se realiza por entero, se siente por el contorno corroborada e incitada a la
expansión de su resorte íntimo”.595 Não se compreende o homem como um “eu” isolado, solto
no mundo, absoluto. Na visão de Ortega, pode-se considerar verdadeira circunstância a
realidade que se dá na sua origem, espontânea e imediata, ainda não filtrada pela cultura, pois
somente assim ela conservará o seu real significado: “Vida individual, lo inmediato, la
circunstancia, son diversos nombres para una misma cosa: aquellas porciones de la vida de
que no se há extraído todavía el espíritu que encierran, su logos”.596 Ortega também busca
compreender a circunstância não como uma realidade passiva e inerte, mas sim um entorno de
coisas que pode facilitar ou dificultar a realização do homem: “Ese coexistir mío con lo que
me rodea no era un inerte hallarme yo junto a las cosas y éstas junto a mí, sino que las cosas
son vital y originariamente puras facilidades y dificuldades que surgem ante mí porque yo
soy, desde luego, una presión determinada sobre un contorno”.597 A circunstância deve ser
considerada uma propriedade do próprio homem: “a mi vida pertenecemos por igual, sin
preeminencia o prioridad de uno u otro término, mi circunstancia y yo, donde yo soy, no una
“cosa pensante” o “espíritu” o “consciencia”, sino simplemente quien se encuentra en un
determinado mundo y con unas determinadas cosas (…)”.598 Ortega lembra que aquilo que o
homem tem de concreto é a sua circunstância: “El mundo, el universo, no es dado al hombre:
le es dada la circunstancia con su innumerable contenido”.599
A unidade do homem se forma na junção do “eu” com a sua “circunstância”: “La
verdade es la pura coexistência de un yo com las cosas, de unas cosas ante el yo”.600 Assim, o
“eu” somente pode ser compreendido se atado a uma circunstância. Aqui não existe um “puro
eu”, mas sempre um “eu” circunstanciado:
Yo y el mundo somos el uno para el outro. Nuestro ser no tiene carácter substante,
no consistimos cada cual aparte, en sí y por sí; antes bien, el ser de mi yo está
referido al mundo – vivir es estar, existir en el mundo – y el mundo, viceversa, es
originaria y formalmente contorno para el que vive (ORTEGA, O.C., VIII, p. 440).
594
ORRINGER, 1979, p. 15.
595
ORTEGA Y GASSET, J. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 255.
596
Idem. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 755.
597
Idem. Qué es la vida? Lecciones del Curso 1930-1931. O.C., VIII, p. 440.
598
HUÉSCAR, 1983, p. 54.
599
ORTEGA Y GASSET, J. Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p.
633.
600
Ibidem, p. 651.
115
601
MARIAS, 1967, p. 207.
602
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 609.
603
Idem. Qué es la vida? Lecciones del Curso 1930-1931. O.C., VIII, p. 445.
604
Idem. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 501.
605
MARIAS, J. La metafisica de Ortega. Revista de Estudios Orteguianos, nº 12/13, 2006.
606
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 500.
607
Idem. Meditaciones del Quijote. OC, I, p. 757.
116
mas é preciso salva-las, ou seja, voltar um olhar qualificado, para aquelas circunstâncias que
estão diretamente ligadas a ele, frutos de sua escolha ou até mesmo, por obra do acaso, no que
aqui Ortega entende por interpretação: “La interpretación que damos a la circunstancia, en la
medida que nos convence, que la creemos nos hace estar seguros, nos salva”.608
Com o discurso do eu e da circunstância, Ortega se desfaz de toda herança
filosófica que havia assimilado com Cohen e Natorp: “Esta cita es la principal manifestación
del circunstancialismo orteguiano, y nos muestra cómo el autor se separa de la línea que hasta
ese momento ha seguido su pensamiento, esto es, el objetivismo y la influencia del
neokantismo (…)”.609 Ao contrário do idealismo puro, a circunstância completa o sentido da
vida inaugurando assim uma nova unidade para o sujeito: “El yo es el yo, pero también su
circunstancia, a ala cual hay que salvar si queremos salvar al yo”.610
O eu é inseparável da circunstância e não tem sentido à parte dela, mas,
inversamente, a circunstância só se constitui em torno a um eu, e não a um eu qualquer, a um
mero sujeito de atos e fazeres, e sim a um eu mesmo, capaz de entrar em si, que é, não
diremos algo ⸺ coisa, res ⸺ e sim alguém, pessoa: “El hombre – a diferencia del mineral y
acaso del animal – tiene, em efecto, la necesidad, quiera o no, de llegar a unificarse com su
contorno para sentirse em él ‘dentro de casa’”.611 Assim, a tarefa será agora buscar o sentido
para as coisas que estão em torno do sujeito. E quem busca sentido a não ser um “eu”?
Em um artigo de 1911, antes de Ortega consagrar o termo “circunstâncias” em
Meditaciones del Quijote, o manejava:
Mas qué son las circunstancias? Son sólo estas cien personas, estos cincuenta
minutos, esta menuda cuestión? Toda circunstancia está encajada en otra más
amplia; por qué pensar que me rodean sólo diez metros de espacio? Y lo que
circundan estos diez metros? Grave olvido, mísera torpeza, no hacerse cargo sino de
unas pocas circunstancias, cuando en verdad nos rodea todo! Yo no simpatizo con el
loco y el místico: alcanza todo mi entusiasmo el hombre que se hace cargo de las
circunstancias, con tal que no se olvide de ninguna (ORTEGA, O.C., I, p. 561).
608
Idem. Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p. 633.
609
ZAMORA, 2014/3, p. 48.
610
Ibidem. p. 38.
611
ORTEGA Y GASSET, J. Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p.
611.
117
ele é obrigado a escolher o seu destino: “Dentro de la fatalidad de vuestra circunstancia sois
libres – más aún, sois fatalmente libres porque no tenéis más remedio, queráis o no, que
escoger vuestro destino en la holgura y el margen que os ofrece vuestra fatal circunstancia”.612
A vida do homem se configura no conjunto de inúmeras circunstâncias; ele está
obrigado a não ser uma coisa só, como a pedra, por exemplo, que será sempre pedra: “lo que
va a hacer, lo que va a ser está ya decidido desde siempre – caerá hacia el centro de la
tierra”.613 Para o homem, não é assim, nada está decidido para ele, que deve tomar todas as
decisões e arcar com todas as consequências: “(...) éste el caracter fundamental de nuestra
existencia: esa fatalidad de nuestra circunstancia, del mundo em que vivimos, no nos obliga a
hacer , a ser una sola cosa”.614 Ao contrário da pedra, o homem é instado a enfrentar as
circunstâncias que aparecem continuamente, o que comporta decisões a serem tomadas e que
demandam um saber da parte do sujeito, possibilitando assim o seu projeto de vida.
Y para decidir, para eligir, tengo en cada instante que justificar mi elección, y por
tanto dar razón de mi situación entera, saber a qué aterme respecto a ella en su
conjunto, aprehender la realidad en su conexión, lo cual es rigurosamente la
definición de la razón que he propuesto (MARIAS, 2006, p. 223).
612
Ibidem, p. 610.
613
Ibidem, p. 609.
614
Ibidem, loc. cit.
615
MARIAS, 2006, p. 220.
616
Ibidem, p. 368.
118
propuestas; tengo que tener um proyecto vital”.617 O projeto vital é o programa de vida, que
constitui a existência do próprio homem.
O homem é integrado pelo “eu” e pela “circunstância”, e isso exige que ele tenha
consciência de tudo o que o cerca. O eu do homem é um eu interessado pelas circunstâncias, é
a sua vida: “Todo vivir es ocuparse com lo outro que no es uno mismo, todo vivir es convivir
com um contorno”.618 A vida do homem, o seu logro ou a sua derrocada, dependerá do seu eu
e do conjunto de suas circunstâncias: “Vivir es una circunstancia que tiene que afrontarse em
um mundo determinado”.619 Portanto, indicar as circunstâncias não significa apenas constatar
as muitas coisas que estão aí e considerar o homem como mais uma coisa, invés, é colocar-se
no jogo da vida e, assim, torná-la plena, salvando as circunstâncias que se impõe:
Pero el mundo en que al vivir nos encontramos se compone ante todo de cosas
agradables y desagradables, atroces y benévolas, de favores y peligros: lo importante
no es que las cosas sean o no cuerpos sino que nos afectan, nos interesan, nos
acarician, nos amenazan o nos atormentan. Vivir es hallarse cada cual a sí mismo en
un ámbito de temas, de asuntos que le afectan (…) (ORTEGA, O.C., VIII, p. 503).
A unidade do homem não está mais constituída dos conceitos de corpo e alma,
herança da filosofia antiga e medieval: “Yo no soy mi alma ni mi cuerpo; me encuentro com
ellos como com el paisaje; son elementos del paisaje”.620 A verdadeira unidade do homem
está no encontro do seu eu com a circunstância, isto é, o mundo: “Soy, si ustedes quieren, las
cosas del mundo que me son más próximas, las que tengo que manejar más imediatamente
para vivir”.621 Ortega procura ilustrar com uma imagem, a importancia de se considerar
sempre o homem atado ao seu mundo, à sua circunstância: “Nacemos juntos con él y son
vitalmente persona y mundo como esas parejas de divinidades de la antigua Grecia y Roma
que nacían y vivían juntas: los Dioscuros, por ejemplo, parejas de dioses que solían
denominarse dii comentes, los dioses unánimes”.622
Com efeito, Ortega afirma: “El hombre rinde el máximum de su capacidad cuando
adquire la plena conciencia de sus circunstancias. Por ellas comunica con el universo”.623 A
circunstância tem um peso fundamental na realidade do homem ainda que, muitas vezes, ele
não se dê conta disso e acabará por sofrer as consequências desse esquecimento. E, assim,
consciente de si e de sua circunstancia, o homem é uma realidade sempre aberta: “Para
617
Ibidem, p. 220.
618
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 503.
619
Ibidem, p. 504.
620
Ibidem, p. 509.
621
Idem. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 509.
622
Idem. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 355.
623
Idem. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 754.
119
Ortega, la tarea de la filosofía es buscar el sentido de las cosas que nos rodean, articulando el
sentido con la presencia viva en que las cosas se nos dan, esto es, en la vida individual”.624
Em Ortega, “eu” e “circunstancia” são elementos sem os quais não se pode
compreender a vida: “Vivo – existe mi vida -, hay la vida – la de cada cual. Pero si la hay,
existe también un “yo” que vive, y existe un contorno en que se vive, en coexistir con el cual
consiste esencialmente mi existir”.625 Ao constatar o seu entorno, que outro não é senão
circunstância o homem é convidado à ação, a um que fazer: “Vida es lo que hacemos – claro –
porque viver es saber que lo hacemos, es – em suma – encontrarse a sí mismo en el mundo y
ocupado con las cosas y seres del mundo”.626
A relação entre o “eu” e a “circunstância” não é nada simples. Antes, é preciso
perceber na relação uma trama, que se compõe e ao mesmo tempo se descompõe. Caberá ao
homem organizar, minimamente possível, essa trama e imprimir uma relação de equilíbrio
entre esses dois polos essenciais da vida:
624
ZAMORA, 2014/13, p. 45.
625
Idem. Qué es la vida? Lecciones del Curso 1930-1931. O.C., VIII, p. 422.
626
Idem. El hombre y su circunstancia. O.C., VIII, p. 502.
627
BENÍTEZ, J. El Ortega que conocí. Revista de Estudios Orteguianos, p. 177, nº 21, 2010.
628
ORTEGA Y GASSET, J. Principios de metafísica según la razón vital. Curso de 1932-1933. O.C., VIII, p.
641.
120
ser, sufrir yo de las cosas”.629 Para Ortega, a coexistencia só pode ser bem compreendida sob
o caráter de dinamicidade, jamais de passividade: “Porque no es el mundo por sí junto a mí y
yo por mi lado aquí, junto a él —sino que el mundo es lo que está siendo para mí, en
dinámico ser frente y contra mí, y yo soy el que actúo sobre él, el que lo mira y lo sueña y lo
sufre y lo ama o lo detesta”.630 O “yo” está em relação com o mundo e assim Mundo e Yo se
configuram como os dois máximos polos da realidade. Com efeito Ortega aponta: “(...)
porque “mi vida” no soy yo solo, yo sujeto, sino que vivir es...también mundo”.631 A
realidade radical se resume no fato de que o mundo coexiste “conmigo, ante mí, en mi
derredor, apretándome, manifestándose, entusiasmándome, acongojándome”.632
629
Idem. Qué es filosofía? O.C., VIII, p. 349.
630
Ibidem, p. 350.
631
Ibidem, loc. cit.
632
Ibidem, p. 344.
633
Idem. El tema de nuestro tiempo. O.C., III, p. 614.
634
Idem. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 756.
635
Ibidem, loc. cit.
636
Ibidem, loc. cit.
637
MARIAS, 1967, p. 217.
121
638
HUÉSCAR, 1982.
639
ZAMORA; HERRERAS, 2014/3, p. 38.
640
MOLINUEVO, 2002, p.120.
641
ORTEGA Y GASSET, J. El tema de nuestro tiempo. O.C., III, p. 611.
642
Ibidem, p. 612.
122
entrar en él la realidad se deformaría, y esta deformación individual sería lo que cada ser
tomase por la pretendida realidad”.643 Para Ortega é preciso negar tanto o racionalismo quanto
o relativismo, pois “El sujeto, ni es un medio transparente, un “yo puro”, idéntico e invariable,
ni su recepción de la realidad produce en ésta deformaciones”.644 O sujeito do conhecimento
não é passivo diante da realidade cósmica mas é seletivo: “De la infinitud de los elementos
que integran la realidad, el individuo, aparato receptor, deja pasar un cierto número de ellos,
cuya forma y contenido coinciden con las mallas de su retícula sensible. Las demás cosas —
fenómenos, hechos, verdades— quedan fuera, ignoradas, no percibidas”.645 Ortega sustenta
que “La estructura psíquica de cada individuo viene a ser un órgano perceptor, dotado de una
forma determinada, que permite la comprensión de ciertas verdades y está condenado a
inexorable ceguera para otras”.646 Assim acontece com os povos que atentam para algumas
realidades e deixam escapar outras. Se o grego socrático percebesse do universo o mesmo que
percebe um homem de Nova Iorque, estaria comprometida a própria realidade do universo:
“Porque esa coincidencia de aspecto ante dos hombres colocados en puntos tan diversos como
son la Atenas del siglo V y la Nueva York del XX indicaría que no se trataba de una realidad
externa a ellos, sino de una imaginación que por azar se producía idénticamente en dos
sujetos”.647 Como a percepção da realidade para o homem se dá em perspectiva, segundo
Ortega é evidente que aquilo que o grego assimilou do universo é bem diferente do que
assimila um homem do século XXI. O que dá condições de Ortega afirmar: “Cada vida es un
punto de vista sobre el universo. En rigor, lo que ella ve no lo puede ver otra. Cada individuo
—persona, pueblo, época— es un órgano insustituible para la conquista de la verdad”.648
Cada homem pelo seu olhar em perspectiva, é o portador da verdade em sua época.
Em todas as épocas, cada povo experimentou a verdade em perspectiva, pois os
homens olham para a mesma paisagem, no entanto, não veem o mesmo, veem aquilo que o
seu contexto histórico permite ver: “La distinta situación hace que el paisaje se organice ante
ambos de distinta manera. Lo que para uno ocupa el primer término y acusa con vigor todos
sus detalles, para el otro se halla en el último y queda oscuro y borroso”.649 Ortega, aos
poucos, define o que ele entende por perspectivismo: “Además, como las cosas puestas unas
detrás de otras se ocultan en todo o en parte, cada uno de ellos percibirá porciones del paisaje
que al otro no llegan. Tendría sentido que cada cual declarase falso el paisaje ajeno?
643
Ibidem, loc. cit.
644
Ibidem, loc. cit.
645
Ibidem, loc. cit.
646
Ibidem, p. 613.
647
Ibidem, loc. cit.
648
Ibidem, loc. cit.
649
Ibidem, loc. cit.
123
Evidentemente, no; tan real es el uno como el otro”.650 Fica claro que para Ortega a apreensão
da verdade se dará sobretudo em perspectiva: “Todo conocimiento lo es desde un punto de
vista determinado”.651 É preciso levar em conta o ponto em que cada sujeito se encontra: “La
realidad cósmica es tal, que sólo puede ser vista bajo una determinada perspectiva. La
perspectiva en uno de los componentes de la realidad. Lejos de ser su deformación, es su
organización. Una realidad que vista desde cualquier punto resultase siempre idéntica es un
concepto absurdo”.652
Para Ortega, explicar o conhecimento pela via do perspectivismo permite uma
reforma radical na filosofia. Se o subjetivismo impedia a apreensão da verdade de modo
universal e objetivo, agora com o perspectivismo descobre-se que o subjetivismo não impede
a objetividade, mas a complementa: “Ahora vemos que la divergencia entre los mundos de
dos sujetos no implica la falsedad de uno de ellos. Al contrario, precisamente porque lo que
cada cual ve es una realidad y no una ficción, tiene que ser su aspecto distinto del que otro
percibe. Esa divergencia no es contradicción, sino complemento”.653 A falsa perspectiva é
aquela que se pretende única e não consegue ver a realidade em suas infinitas perspectivas.
Isto é realismo e não utopismo que apresenta uma “ideia” comum a todos: “el hombre que no
se conserva fiel a su punto de vista, que deserta de su puesto”.654
A filosofia, que, por longo tempo, foi utópica e idealista, deve ser considerada sob
o perspectivismo: “lo falso es la utopía, la verdad no localizada, vista desde “lugar
ninguno””.655 Isto significa expor a filosofia à vida: “La razón pura tiene que ser sustituida
por una razón vital, donde aquélla se localice y adquiera movilidad y fuerza de
transformación”.656
Ortega reafirma as críticas ao idealismo, considerando-o uma via filosófica que
leva a um mundo perfeito, porém irreal, longe da espontaneidade da vida: “Su claro y sencillo
esquematismo, su ingenua ilusión de haber descubierto toda la verdad, la seguridad con que se
asientan en fórmulas que suponen inconmovibles, nos dan la impresión de un orbe concluso,
definido y definitivo, donde ja no hay problemas, donde todo está ya resuelto”.657 Mas quando
o sujeito desperta desse sonho idealista percebe que aquele mundo não era o verdadeiro.
650
Ibidem, loc. cit.
651
Ibidem, loc. cit.
652
Ibidem, loc. cit.
653
Ibidem, loc. cit..
654
Ibidem, loc. cit.
655
Ibidem, p. 614.
656
Ibidem, loc. cit.
657
Ibidem, p. 616.
124
O homem sensual tem como limite a singularidade das coisas, que, para Ortega, é
uma forma muito pobre de se considerar a realidade: “cuan poca cosa sería una cosa si fuera
sólo lo que es en el aislamiento? Qué pobre, qué yerma, qué borrosa!”.660 O homem
meditadivo considera a realidade como a relação que todas as coisas guardam entre si,
658
Ibidem, loc. cit.
659
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 781.
660
Ibidem, p. 782.
125
captadas mediante o conceito: “Y esto es la profundidad de algo: lo que hay en ello de reflejo
de lo demás, de alusión a lo demás”.661 Profundidade é empreender uma compreensão da
realidade que escapa aos sentidos: “No, no me basta con tener la materialidad de una cosa,
necesito, además, conocer el “sentido” que tiene, es decir, la sombra mística que sobre ella
vierte el resto del universo”.662 A profundidade estrutura a realidade, pois “las cosas trabadas
en una relación forman una estructura”.663
As coisas são melhores compreendidadas quando não estão isoladas e guardam
relação umas com as outras. Elas “se desean como machos y hembras; diríase que se aman y
aspiran a maridarse, a juntarse en sociedades, en organismos, en edificios, en mundos”.664
Para Ortega essa estrutura é uma nova realidade, e, quando se agrega uma ordem aos
elementos materiais se tem uma estrutura ainda mais ampla, que tomada em sua máxima
potência, é chamada de natureza.
Eso que llamamos “Naturaleza” no es sino la máxima estructura en que todos los
elementos materiales han entrado. Y es obra de amor naturaleza, porque significa
generación, engendro de las unas cosas en las otras, nacer la una de la otra donde
estaba premeditada, preformada, virtualmente inclusa (ORTEGA, O.C., I, p.782).
Ortega prospecta a intensa relação que une todas as coisas, percebe que cada uma
delas traz em si um reflexo da outra, se coexistem e se autocompreendem. Esta é a estrutura
da realidade em sua profundidade, uma interdependência e coexistência das coisas em suas
múltiplas e variadas relações. Cada coisa, considerada em relação com outra, a limita e ao
mesmo tempo se limita. A limitação vem pelo conceito, que diz o que cada coisa é quando
considerada em relação com as demais coisas: “Merced a él [concepto] las cosas se respetan
mutuamente y pueden venir a unión sin invadirse las unas a las otras”.665
O conceito estrutura e organiza a realidade, mas jamais poderá substituir a
realidade radical, a vida: “El concepto no puede ser como una nueva cosa sutil destinada a
suplantar las cosas materiales. La misión del concepto no estriba, pues, en desalojar la
intuición, la impresión real. La razón no puede, no tiene que aspirar a sustituir la vida”.666 O
conceito não é uma nova realidade, uma res, mas sim um aparato da própria percepção:
661
Ibidem, loc. cit.
662
Ibidem, p. 784.
663
Ibidem, p. 782.
664
Ibidem, loc. cit.
665
Ibidem, p. 783.
666
Ibidem, p. 784.
126
“Agota, pues, su misión y su esencia, con ser no una nueva cosa, sino un órgano o aparato
para la posesión de las cosas”.667 Ortega descreve a importância do conceito:
Del mismo modo el concepto expresa el lugar ideal, el ideal hueco que corresponde
a cada cosa dentro del sistema de las realidades. Sin el concepto, no sabríamos bien
dónde empieza ni dónde acaba una cosa; es decir, las cosas como impresiones son
fugaces, huideras, se nos van de entre las manos, no las poseemos. Al atar el
concepto unas con otras, las fija y nos las entrega prisioneras (ORTEGA, O.C., I, p.
784).
Ato contínuo, Ortega traça a diferença clara entre conceito e impressão: “Jamás
nos dará el concepto lo que nos da la impresión, a saber: la carne de las cosas. Pero esto no
obedece a una insuficiencia del concepto, sino a que el concepto no pretende tal oficio. Jamás
nos dará la impresión lo que nos da el concepto, a saber: la. forma, el sentido físico y moral de
las cosas”.668 Para entender a realidade em plenitude é fundamental o caráter instrumental do
conceito, pois somente com ele se pode apreende-la. Pensar é apoderar-se das coisas: “o
conceito, órgão da profundidade, por sê-lo também da possessão, permite a segurança,
condição do progresso, do avanço para conquistas superiores”.669 O problema de uma cultura
calcada preponderantemente nas impressões sensíveis é não preocupar-se com este apoderar-
se das coisas, através do conceito e, assim, estar destinada a um eterno recomeçar. Este é o
drama pelo qual passa a Espanha.
(...) una cultura impresionista está condenada a no ser una cultura progresiva. Vivirá
de modo discontinuo, podrá ofrecer grandes figuras y obras aisladas a lo largo del
tiempo, pero todas retenidas en el mismo plano. Cada genial impresionista vuelve a
tomar el mundo de la nada, no allí donde otro genial antecesor lo dejó. No es la
historia de la cultura española? Todo genio español ha vuelto a partir del caos, como
si nada hubiera sido antes (ORTEGA, O.C., I, p. 785).
667
Ibidem, p. 794.
668
Ibidem, loc. cit.
669
MARIAS, 1967, p. 294.
127
quando afirmava: “Si fuera imposible que un pueblo dé a Descartes y a San Juan de la Cruz,
yo me quedaría con éste”.670 Ortega buscará resolver a questão reconhecendo que nele não
mora apenas o espanhol, mas também o germânico, que devem buscar uma conciliação, e não
rejeitar suas raízes mais íntimas:
No me obliguéis a ser sólo español, si español sólo significa para vosotros hombre
de la costa reverberante. No metáis en mis entrañas guerras civiles; no azucéis al
ibero que va en mí con sus ásperas, hirsutas pasiones contra el blondo germano,
meditativo y sentimental, que alienta en la zona crepuscular de mi alma. Yo aspiro a
poner paz entre mis hombres interiores y los empujo hacia una colaboración
(ORTEGA, O.C., I, 787).
Ortega quer apaziguar, através de sua metafísica, seus dois homens internos, o
mediterrâneo e o germânico, portanto segue perguntando qual claridade é a mais relevante: a
do conceito, responde sem pestanejar:
670
UNAMUNO, M. ABC Diario Ilustrado, Madrid, 15.09.1909, p. 10. Año quinto, n° 1561. Pode-se consultar
esta e outras cartas na Fundação Gustavo Bueno: <http://www.filosofia.org/001/a383.htm>.
671
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. O. C, I, p. 788-789.
128
certeza; maneiras diversas de saber a que se ater, de introduzir ordem na vida espontânea, ou,
o que é o mesmo, de buscar seu lógos, seu sentido”.672
A claridade se reveste como uma vocação antropológica, que brota da intimidade
mais profunda do sujeito. O homem anseia pela claridade. Ao rejeitar toda realidade que se
mostra obscura, ele clama por luz: “Dentro de su pecho se levanta perpetuamente una inmensa
ambición de Claridad no es vida, pero es la plenitud de la vida”.673 Considerar a claridade
como missão nada mais é que uma tarefa própria do homem. E, para executá-la bem, Ortega
destaca mais uma vez a importância do conceito, que ele vê como um elemento ampliador da
própria vida: “Claridad dentro de la vida, luz derramaba sobre las cosas es el concepto. (…)
Cada nuevo concepto es un nuevo órgano que se abre en nosotros sobre una porción del
mundo, tácita antes e invisible. El que os da una idea os aumenta la vida y dilata la realidad en
torno vuestro”.674
Em Ortega, a claridade torna-se sinônimo de uma visão intelectiva da realidade:
“Literalmente exacta es la opinión platónica de que no miramos con los ojos, sino al través o
por medio de los ojos; miramos con los conceptos”.675 Através da claridade, o latente pode vir
à tona, mostrar-se, revelar-se. Daí obtém-se a realidade em sua mais completa unidade: o
latente e o patente, a claridade de impressão e a claridade de meditação, o mediterrâneo e o
germânico. Esta unidade da realidade é a circunstância em toda a sua inteireza. Mas, para que
ela possa estar aí, é necessária a integração.
A marca característica do espanhol é a profusão dos sensíveis que se dá no âmbito
das impressões e a extrema escassez de conceitos. Basta ver a arte espanhola: “Nos
encontramos ante ellas como ante la vida. He ahí su grande virtud! - se dice -. He ahí su grave
defecto! - respondo yo - Y estas obras castizas son meramente una ampliación de mi carne y
de mis huesos y un horrible incendio que repite el de mi ánimo”.676
Para a constatação da realidade sensível, basta a vida: “Para vida, para
espontaneidad, para dolores y tinieblas me bastan con los míos, con los que ruedan por mis
venas; me basto yo con mi carne y mis huesos y la gota de fuego sin llama de mi conciencia
puesta sobre mi carne y sobre mis huesos”.677 E, como Ortega já deixou claro, é preciso um
esforço para buscar além daquilo que aparece bastando abrir os olhos, ou seja, o meramente
sensível: “Son como yo, y yo voy buscando algo que sea más que yo—más seguro que yo”.678
672
MARIAS, 1967, p. 299.
673
ORTEGA Y GASSET, J. op. cit., loc. cit.
674
Ibidem, p. 788.
675
Ibidem, p. 788.
676
Ibidem, p. 789.
677
Ibidem, p. 789-790
678
Ibidem, p.790.
129
E Ortega decreta a sua necessidade do conceito: “Ahora necesito claridad, necesito sobre mi
vida un amanecer”.679
Porém, ainda que reconheça que a cultura espanhola é calcada no impressionismo,
Ortega não quer que os espanhóis abandonem essa sua marca cultural, mas que façam uma
integração:
Eis a integração que Ortega aponta como uma das saídas para o atraso espanhol.
Há que se notar que a saída apresentada deriva da filosofia. O espanhol tem muito a agregar
assimilando a grande herança de uma realidade meditativa própria da Europa não
mediterrânea. Lembrando Shakespeare: “(…) confrontado con Cervantes, parece Shakespeare
un ideólogo. Nunca falta en Shakespeare como un contrapunto reflexivo, una sutil línea de
conceptos en que la comprensión se apoya”.680
679
Ibidem, loc. cit.
680
Ibidem, loc. cit.
681
Ibidem, p. 764.
682
SAN MARTÍN, 2012, p. 92.
683
Ibidem, p. 92.
684
Ibidem, p.180.
130
De momento sigue postulando los dos mundos que se deducen del análisis que ha
hecho, un mundo patente, que es el conjunto de impresiones, que tenemos nada más
abrir los ojos; y un mundo latente, un “trasmundo”, que es el conjunto de estructuras
de las impresiones. Este mundo, como el bosque, no es menos real que aquel, por
tanto, no es algo que sea arbitrario (SAN MARTIN, 2012, p. 100).
685
ORTEGA Y GASSET, J. op. cit., loc. cit.
686
Ibidem, p. 764.
687
Ibidem, p. 768.
688
Ibidem, p. 769.
689
SAN MARTÍN, 2012, p. 101.
131
É a partir de árvores que eu vejo – patente -, que eu posso supor as que não vejo -
latente -, daí afirmar: o bosque existe, pois: “A latência requer certa patência para estar
latente, para ser atual latência com efetiva realidade vital; essa patência, por sua vez, não se
esgota em si mesma, pois sua função é remeter ao latente”.693 O latente ao se manifestar o faz
no patente: “Lo latente es aquello que late inmerso en lo patente”.694 Por ser invisível, o
latente não traz, por isso, uma negatividade enquanto não se manifesta, pelo contrário, ao ver
de Ortega, é o latente, ainda que invisível, e enquanto se manifesta, que completa o sentido
daquilo que já está patente: “Ortega quiere mostrar que los llamados “datos de la sensación”
690
MARIAS, 1967, p. 242.
691
Ibidem, p. 180.
692
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 764.
693
MARIAS, 1967, p. 244.
694
ZAMORA; HERRERAS, 2014/3, p. 38.
132
están impregnados de toda uma dimensión que late trás ellos y que es la que da profundidad al
mundo”.695 Por isso, o latente porta consigo uma positividade: “La invisibilidad, el hallarse
oculto no es um carácter meramente negativo, sino una cualidad positiva que, al verterse
sobre una cosa, la transforma, hace de ella una cosa nueva. En este sentido es absurdo (...)
pretender ver el bosque. El bosque es lo latente en cuanto tal”.696
Porém, ou o latente se manifesta na superficialidade ou continua latente. Portanto,
para manifestar-se deve vir à superfície o profundo que se deseja revelado; aquilo que era
latente, no seu manifestar-se, torna-se patente. Para Marias, “trata-se de um princípio
estrutural, tanto da realidade quanto do conhecimento”.697 O discurso sobre o latente e o
patente é um elemento importante da metafísica orteguiana: “El bosque es la suma de lo
patente i lo latente que está más allá de los àrboles, con lo que estos adquiren um nível de
profundidad que altera su próprio sentido”.698 Aqui, “Ortega analiza el modo en cómo la
realidad se nos apresenta y cómo esta trasciende lo meramente sensorial. La realidad, en
verdad, es aquello que se encuentra latente en contraposición a lo que nuestros sentidos
descubren, esto es, lo patente”.699 A atenção do sujeito deverá se direcionar sempre para o que
está latente, ou seja, mais profundo, naquilo que em um primeiro momento se demonstra
como patente ou superficial, pois “es a lo profundo esencial el ocultarse detrás de la superficie
y presentarse sólo a través de ella, latiendo bajo ella”.700 Fazer esta operação significa
mergulhar na realidade, aprofundando-se e assim buscar a realidade radical em sua latência:
“Se trata, pues, de mostrar cómo del mundo podemos tener dos visiones: la inmediata,
patente. Visible, y la visión en escorzo, latente, invisible, profunda”.701
Segundo Ortega, a profundidade, que pode ser entendida como interioridade, se dá
na terceira dimensão de todo e qualquer objeto. Evidentemente, a terceira dimensão não pode
ser acessada pelo sujeito através dos sentidos. Tentar imaginar um objeto finíssimo ⸺ uma
lâmina, por exemplo ⸺ a ponto de restar patente a sua terceira dimensão não é possível: tanta
finura poderia findar em uma transparência que daí equivaleria ao nada: “Com los ojos vemos
uma parte de la naranja, pero el fruto entero no se nos da nunca em forma sensible (...)”.702
Assim, é também com o bosque que possui uma dimensão que não é captada pelos sentidos:
695
SAN MARTÍN, 2012, p. 99.
696
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 765.
697
MARIAS, op. cit., p. 240.
698
SAN MARTÍN, op. cit., p. 92.
699
ZAMORA; HERRERAS, op. cit., 2014/3, p. 38.
700
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 766.
701
ZAMORA; HERRERAS, 2014/3, p. 38.
702
ORTEGA Y GASSET, op. cit., loc. cit.
133
“Con haber reconocido en el bosque su naturaleza fugitiva, siempre ausente, siempre oculta
—un conjunto de posibilidades—, no tenemos entera la idea del bosque”.703
Para tratar de latência e de profundidade, é preciso que a realidade se apresente, e
ao se apresentar deve manter o seu significado próprio: “Si lo profundo y latente ha de existir
para nosotros, habrá de presentársenos, y al presentársenos ha de ser en tal forma que no
pierda su calidad de profundidad y latencia”.704 Mas, como fazer um discurso sobre a
profundidade se ela ao se manifestar, se superficializa, e assim perde a sua característica, o
que poderia se configurar como uma contradição. É o que Ortega explica dos vários sons que
se ouve vindo do bosque, tais como o canto do verdilhão e das águas que fluem no riacho e
outros sons que se fazem ouvir. Para Ortega, é o homem a distinguir os sons:
Através de um seu ato, o sujeito distingue os sons que lhe chegam distantes.
Assim, será um ato do sujeito a fazê-lo distinguir a profundidade da superfície. Para Marias,
“aqui se formula pela primeira vez, nitidamente, em forma madura, a teoria orteguiana da
interpretação do real como maneira efetiva pela qual o real é vivido, quer dizer, como
realidade vital, que reclama e inclui minha cooperação”.705
A conclusão do pensamento permitirá a Ortega estender os conceitos de patente e
de latente, junto os conceitos de superfície e profundidade. Patente – superficie, é o mundo
que está aí, a olhos vistos: “Hay, pues, toda una parte de la realidad que se nos ofrece sin más
esfuerzo que abrir ojos y oídos —el mundo de las puras impresiones—. Bien que le llamemos
mundo patente”.706 Latente – profundidade, é o mundo que está aí, mas que demanda um
esforço maior para que o sujeito possa captá-lo:
703
Ibidem, op. cit., p. 767.
704
Ibidem, p. 767.
705
MARIAS, 1967, p. 246.
706
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 768.
134
Diante das características físicas do bosque, o sujeito pode ter uma postura
meramente passiva ao que se configura como o primeiro plano da realidade. Porém, a
realidade não se esgota ali. Dotado de postura ativa, o que demandará um esforço de sua
parte, o sujeito poderá acessar o segundo plano da realidade ⸺ que Ortega nomeia como
profundidade ⸺ que no bosque pode significar o cimo das montanhas ou partes que o sujeito
não vê. É exatamente esta realidade que Ortega chama de escorzo, que é o orgão da
profundidade: “En el escorzo la superficie se dilata en la profundidad”707. Deslocando esta
intuição para o mundo da cultura, Ortega destaca: “La ciencia, el arte, la justicia, la cortesía,
la religión son órbitas de realidad que no invaden bárbaramente nuestras personas, como hace
el hambre o el frío; sólo existen para quien tiene la voluntad de ellas”.708
Para compreender exaustivamente a realidade, é preciso lançar mão de um olhar
ativo, interpretativo. Parte da realidade demanda um esforço para ser percebida por parte do
sujeito, exige um ver ativo, um olhar diferente do direcionado ao mundo sensível. E, assim,
Ortega lança os conceitos do ver passivo e ver ativo: o ver ativo interpreta vendo e vê
interpretando: “La interpretación ideal es la perspectiva que introduce uma estructura, uma
dimensión de profundidad, una visión que va más allá de lo estrictamente dado, pero que no la
pongo yo arbitrariamente sino que se me desvela en la propia visión”.709
No entanto, o ver ativo necessita da passividade da visão pois “não há
interpretação sem visão, nem visão sem interpretação; quer dizer, a visão – em geral, a
percepção – é interpretativa, e a interpretação é perceptiva”.710 O que se tem aqui é o sujeito
que com seu olhar ativo e interpretativo vai construindo a sua inteira realidade o que faz
Ortega ver o homem “como fabricante de mundo”:711
Ao ver uma cor descorada, é possível imaginar a cor intensa que já foi, ver o seu
passado: “Sin necesidad del discurso, en una visión única y momentanea, descubrimos el
color y su historia, su hora de esplendor y su presente ruína”.712 Ortega conclui o discurso
acerca da superfície - patente e a profundidade - latente. A novidade que traz é a superfície
707
Ibidem, p.103.
708
Ibidem, p. 769.
709
SAN MARTÍN, 2012, p. 102.
710
MARIAS, 1967, p. 256.
711
Ibidem, p. 257.
712
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 769.
135
com outra dimensão além da material, quando “la vemos en su segunda vida virtual”.713
Quando ela assim se apresenta, Ortega dá o nome de escorzo: “la superficie, sin dejar de serlo,
se dilata en un sentido profundo. Esto es lo que llamamos escorzo”.714 O escorzo se apresenta
como um ver mais profundo e, mais que um ato da pura sensibilidade, é um ato intelectual:
“En el último caso el escorzo es el órgano de la profundidad visual; en él hallamos un caso
límite, donde la simple visión está fundida en un acto puramente intelectual”.715 É um
constitutivo da realidade tomada em sua totalidade: “Este conceito de escorzo é
particularmente importante, porque encerra em si mesmo as duas vertentes da percepção – ou
se se prefere – da intelecção. É o escorzo, ao mesmo tempo, a visão e o visto”.716
Em suma, a realidade em Ortega se compõe de dois planos. O mais profundo é o
que demanda um esforço maior do sujeito, uma visão mais qualificada, e aqui como se viu,
entendida como escorzo: “La realidad es lo que se nos da sensiblemente – lo patente – más la
red que marca los limites de las cosas, la red conceptual que conecta una cosa con las otras y
qu de ese modo mantiene la conexión del todo – lo latente”.717
713
Ibidem, p. 770.
714
Ibidem, loc. cit.
715
Ibidem, loc. cit.
716
MARIAS, op. cit., p. 259.
717
SAN MARTÍN, 2012, p.180.
136
3 EM CENA, O HOMEM
718
CURTIUS, Ernst Robert. Ortega. Revista de Estudios Orteguianos, nº 5, 2002, p. 194.
719
Cf. CSEJETEI, D. La presencia de Ortega y Gasset en la obra de István Bibó. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 2, 2001, p. 204.
720
RABI, 2015, p. 92.
721
SAN MARTIN, 2000, p. 154.
722
GRACIAS, 2014, p. 299.
723
Ibidem, p. 362.
137
724
FERNÁNDEZ, Jesús R. Lectura socialista y keynesiana de Ortega y Gasset. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 27, 2013, p. 184.
725
Cf. ALFONSO, Ignacio Blanco. El periodismo de Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva, 2005.
726
CUEVAS, P. C. G. Las polémicas sobre Ortega durante el régimen de Franco (1942-1965). Revista de
Estudios Orteguianos, nº 14/15, 2007, p. 205.
727
Ibidem, p. 205.
728
LÓPES DE LA VIEJA, M. T. Democracia y masas en Ortega y Gasset. Revista de Estudios Orteguianos, nº
1, 2000, p.139.
729
GARCÍA, A. R. El labirinto de la razón: Ortega y Heidegger. Madrid: Alianza Editorial, 1990, p. 237.
730
Idem. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 396.
138
731
QUIRÓZ, J. L. G. La meditación de Ortega sobre la técnica y las tecnologías digitales. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 12/13, 2006, p. 103.
732
ORTEGA Y GASSET, J. Historia como sistema. O.C., VI, p. 65.
733
QUIRÓZ, op. cit., loc. cit.
734
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 400.
735
Ibidem, p. 396.
736
Idem, El hombre y la gente. O.C., X, p. 161.
737
Idem. Historia como sistema. O.C., VI, p.47.
738
Idem. El hombre y la gente. O.C., X, p. 161.
739
Idem. Historia como sistema. O.C., VI, p 74.
740
Ibidem, loc. cit.
741
Ibidem, p. 65.
139
A vida como gerúndio, assim como Ortega a compreende, pressupõe escolhas que
devem ser tomadas em um regime de liberdade, circunscrevendo ainda mais o homem numa
existência que traz consigo máxima indeterminação: “Ser libre quiere decir carecer de
identidad constitutiva, no estar adscrito a un ser determinado, poder ser otro del que se era y
no poder instalarse de una vez y para siempre en ningún ser determinado”.742 Mesmo quando
escolhe não escolher ou aliena a outro sua liberdade, o homem é livre para fazê-lo, e assim,
está condenado a ser livre: “Esta forzosidad de tener que elegir y, por tanto, estar condenado,
quiera o no, a ser libre, a ser por su propia cuenta y riesgo, proviene de que la circunstancia no
es nunca unilateral, tiene siempre varios ya veces muchos lados. Essa vida, com tantas
possibilidades mostra-se multilateral”.743 A cada caminho escolhido, outros tantos se abrem:
“De aquí que la vida sea permanente encrucijada y constante perplejidad”.744
Considerar a vida como realidade radical torna a existência do homem diferente
da existência das outras coisas que aparecem em sua vida. O homem “es lo único que no
existe, sino que vive o es viviendo. Son precisamente todas las demás cosas que no son el
hombre, yo las que existen, porque aparecen, surgen, saltan, me resisten, se afirman dentro del
ámbito que es mi vida”.745 É no mundo que o homem produz o seu modo de existir, refletindo
e projetando cada momento seguinte. O mundo faz parte de sua realidade radical. É esse
mundo que está aí e não há outro: “Pues bien, ese mundo en que tengo que ser al vivir me
permite elegir dentro de él este sitio o el otro donde estar, pero a nadie le es dado elegir el
mundo en que se vive: es siempre éste, éste de ahora. No podemos elegir el siglo ni la jornada
o fecha en que vamos a vivir, ni el universo en que vamos a movernos”.746 Para Ortega, o
homem dá um passo em falso quando abre mão de viver a própria vida como realidade radical
e passa a viver realidades outras como se fossem radicais, quando são apenas realidades
elaboradas de forma inautêntica pelo mundo: “Normalmente no me doy cuenta de mi vida
autentica (...) vivo presuntamente cosas presuntas, vivo entre interpretaciones de la realidad
que mi contorno social, la tradición humana ha ido inventando”.747 Dessas realidades
presumidas, algumas podem ter alguma validade, mas tantas outras podem levar ao equívoco:
“De hecho, la inmensa mayoría de cosas que vivimos son, en efecto, no sólo presuntas sino
ilusorias”.748
742
Ibidem, p. 66.
743
Idem, El hombre y la gente. O.C., X, p. 161.
744
Ibidem, p. 162.
745
Ibidem, p. 160.
746
Ibidem, loc. cit.
747
Ibidem, p. 201.
748
Ibidem, p. 202.
140
749
Idem. Historia como sistema. O.C., VI, p. 50.
750
GRACIAS, 2014, p. 603.
751
GAOS, J. Los pasos perdidos. Escritos sobre Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva. 2013, p. 166.
752
ORTEGA Y GASSET, J. Historia como sistema. O.C., VI, p. 80.
753
Ibidem, loc. cit.
754
Ibidem, loc. cit.
755
Ibidem, loc. cit.
756
Ibidem, p. 72.
141
que a su agonia, a su canto de cisne”.757 Como a existência não há o que fazer com um ser
estático, “si el hombre no tiene más ser eleático”,758 urge outra razão, e Ortega sugere a razão
narrativa ou histórica, que compreende o homem no seu “ir sendo”, no seu “viver”: “No
digamos pues, que el hombre es, sino que vive”.759 A razão histórica ou narrativa é a única
capaz de compreender a dinamicidade da vida do homem, já que considera a radical fluidez
que ela comporta. Além do mais, é na história que a vida humana é narrada: “Para
comprender algo humano, personal o colectivo, es preciso contar una historia. Este hombre,
esta nación hace tal cosa y es así porque antes hizo tal otra y fue de tal otro modo”.760 Assim,
a razão histórica, filha da razão vital, consiste também em ser narrativa, pois, “el hombre es
novelista de sí mismo, original o plagiario”.761
Como a vida humana se desenvolve e se compreende no devir histórico, o homem
orteguiano não tem uma natureza em si, ele é um que fazer constante: “Su modo de ser es
formalmente ser difícil, un ser que consiste en problemática tarea. Frente al ser suficiente de
la sustancia o cosa, la vida es el ser indigente, el ente que lo único que tiene es, propiamente,
menesteres”.762 Ortega não adota as categorias fixas e imóveis do ser eleático da filosofia
grega para a vida do homem. O homem orteguiano não tem uma essência que o precede, a
exemplo da formulação clássica “animal-racional”, mas “para hablar, pues, del ser-hombre
tenemos que elaborar un concepto no-eleático del ser”.763 O homem carece de essência, ‘no es
su cuerpo, que es una cosa; ni es su alma, psique, conciencia o espíritu, que es también una
cosa”.764 Mas o ser do homem vai sendo construindo na existência, “’va siendo’ y ‘des-
siendo’ - viviendo”.765
Porque a vida não tem uma natureza ou essência, para Ortega é “preciso
resolverse a pensarla con categorías, con conceptos radicalmente distintos de los que nos
aclaran los fenómenos de la materia”.766 É preciso livrar-se do milenar fisicismo que não
levou em consideração a dinamicidade da vida humana, e considerar que categorias como
natureza e essência são próprias do intelecto do homem e, portanto, não podem valer como
realidade última ou radical, pois, o intelecto, não “tiene realidad tomado aparte y suelto —este
es el error de todo idealismo o ‘espiritualismo’—, sino funcionando en una vida humana,
757
Ibidem, p. 49.
758
Ibidem, p. 71.
759
Ibidem, loc. cit.
760
Ibidem, loc. cit.
761
Ibidem, p. 66.
762
Ibidem, p. 65.
763
Ibidem, p. 66.
764
Ibidem, p. 64.
765
Ibidem, p. 72.
766
Ibidem, p. 57.
142
movido por urgencias constitutivas de esta”.767 Não o intelecto, mas sim a vida humana deve
ser considerada realidade radical. Como “el hombre no tiene naturaleza, sino que tiene...
historia”.768 não resta outro que considerar a realidade humana flexível como uma
plasticidade, pronta a receber a forma que se quer dar:
O homem jamais é, e sim, passa a ser a cada momento. Por ser indefinido, deve
ir, constantemente, construindo a sua própria identidade no decorrer da história. Constata-se,
portanto, que a estrutura ontológica da vida humana é radical historicização: “lo más
extraordinario, extravagante, dramático, paradójico de la condición humana, a saber: que es el
hombre la única realidad, la cual no consiste simplemente en ser sino que tiene que elegir su
propio ser”.769
A antropologia de Ortega possui dois estágios pelos quais o homem passa: a
alteração e o ensimesmamento. O excesso do primeiro e a ausência do segundo é “una de las
causas del evidente embrutecimiento del mundo actual”.770 Essa reflexão antropológica, cara a
Ortega, já que ele a repete em ao menos duas de suas obras: Meditación de la técnica e El
hombre y la gente, trata-se de uma “teoría sobre la necesaria interiorización del individuo
frente ao movimiento general de alteración producido por los desarreglos de la civilización
occidental”.771 Na alteração, o homem se vê perdido no mundo, no ensimesmamento,
mergulha dentro de si para, em um segundo momento, explorar o mundo, considerando-o a
sua casa. Pode-se ver esses dois estágios como um “péndulo que oscila entre la intimidad y la
animalidad, entre la vida de cada uno como ‘soledad radical’ y el comportamiento social”.772
O estágio do ensimesmamento é fundamental para o homem, pois, é através dele que se
projeta a ação futura: “el hombre vuelve a sumergirse en el mundo para actuar en él conforme
aun plan preconcebidos; es la acción, la vida activa, la práxis”.773 O ensimesmamento permite
ao homem pensar a ação antes de executá-la, permitindo assim uma prévia contemplação.
767
Idem, Historia como sistema. O.C., VI, p. 64.
768
Ibidem, p. 73.
769
Idem. El hombre y la gente. O.C., X, p. 162.
770
VELA, Fernando. Ortega y los existencialismos. Madrid: Revista de Occidente, 1961, p. 103.
771
FONCK, BEATRICE. Argentinidad y europeísmo en Ortega: dos miradas complementarias. Revista de
Estudios Orteguianos, nº 29, 2014, p. 126.
772
GARCÍA, 1990, p. 238.
773
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p 147.
143
Ortega recorda que o pensamento tem a função de auxiliar o homem a viver melhor a própria
vida: “No vivimos para pensar, sino al revés: pensamos para lograr pervivir”.774 O homem
vive e, entre tantas coisas que faz, também pensa.
O homem orteguiano deverá ter a consciência que o seu ser não é fixo, um dado,
um objeto. Ele é uma realidade em construção: “a diferencia de todas las demás entidades del
universo- el hombre no está, no puede nunca estar seguro de que es, en efecto, hombre, como
el tigre está seguro de ser tigre y el pez de ser pez”.775 Como o homem não é um ser fechado,
sempre corre o risco de desumanizar-se e perder a sua individualidade, que ansiosamente
tenta fixar: “La condición del hombre es, pues, incertidumbre sustancial”.776 Ao contrário do
que o homem possa pensar, nada está garantido. O progresso civilizatório está sempre a ponto
de ser perdido dada a sua dependência do comportamento humano, que também é fundado na
fragilidade e na contingência do seu ser. Ortega observa.
Eso que llamamos “civilización” - todas esas comodidades físicas y morales, todos
esos descansos, todos esos cobijos, todas esas virtudes y disciplinas habitualizadas
ya, con que solemos contar y que en efecto constituyen un repertorio o sistema de
seguridades que el hombre se fabricó como una balsa, en el naufragio inicial que es
siempre el vivir-, todas esas seguridades son seguridades inseguras que en un dos
por tres, al menor descuido, escapan de entre las manos de los hombres y se
desvanecen como fantasmas (ORTEGA Y GASSET, O.C., X, p. 149).
Esta situação obriga o homem a estar sempre vigilante, atento ao que está fora de
si: “Esta llamada continua al exterior que no deja al hombre ensimismarse va, pues, contra la
esencia del hombre y Le iguala al bruto”.777 Ortega não crê em um progresso inercial ao
alcance do homem, independente da ação do próprio homem. Mais do que sapiens, o homem
é insipiens, pois sua ignorância natural ultrapassa os seus conhecimentos. Por isso, o homem
se atira inteiro na tarefa de pensar, é nesse sentido que para Ortega o homem pensa para viver:
“El hombre, por tanto, más que por lo que es, por lo que tiene, escapa de la escala zoológica
por lo que hace, por su conducta. De aquí que tenga que estar siempre vigilándose así
mismo”.778 E este vigiar consiste em pensar, em projetar-se sempre para o minuto adiante.
Somente agindo o homem pode auferir algum progresso, no sentido de realizar o seu projeto:
“el hombre es primaria y fundamentalmente acción”.779 A ação está na raiz do pensamento:
“Como si el hombre pensase porque sí, y no porque, quiera o no, tiene que hacerlo para
774
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y la gente. O.C., X, p. 147.
775
Ibidem, p. 148.
776
Ibidem, loc. cit.
777
VELA, 1961, p. 104.
778
ORTEGA Y GASSET, J. op. cit., p. 151.
779
Ibidem, loc. cit.
144
780
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y la gente. O.C., X, p. 152.
781
Ibidem, loc. cit.
782
Ibidem, p. 153.
783
Ibidem, p. 154.
784
VELA, 1961, p. 104.
785
ORTEGA Y GASSET, J. op. cit., p. 154.
786
Ibidem, loc. cit.
145
falta “un dentro, una intimidad inexorable, inalienablemente suya, un yo irrevocante. Siempre
está dispuesto a fingir que es esto o que es lo otro”.787
A principal diferença entre o homem “ensimesmado” e o homem “alterado” é que
o primeiro tem vida interior, o segundo, não: “Al definir el ‘ensimismamiento’ como lo
esencialmente humano contra la alteración, Ortega estableció uma analogia com el
comportamiento animal carente de um mundo interior y eternamente somnolente y
alterado”.788 A vida interior que permitirá ao homem, a cada hora, rever as suas ações e
repensá-las mais uma vez e assim, passar as próximas escolhas:
Ortega alerta que mesmo o homem que planeja e pensa os seus atos, ou seja, que
“ensimimesma”, corre o risco de se perder, e assim cair na inautencidade. Perder-se é
constitutivo de todo o homem, mas é constitutivo colocar em operação toda a sua energia e
nesse esforço voltar a se reencontrar, em uma vida autêntica. Perder-se faz parte do destino
trágico do homem. Reencontrar-se é nobre privilégio. O homem precisa ter o cuidado para
não tomar caminhos inautênticos, que o afastem de sua realidade radical, autêntica e
verdadeira. O comportamento que tem como base a alteração, e que portanto, carece de
reflexão, é inautêntico, visto que é “deshumanizado, mecanizado, responde a um
comportamento automático (...)”.789
De outro lado, Ortega vê uma dimensão positiva na alteração. O “estar fora”,
movimento próprio da alteração, em certo sentido, é algo constitutivo do homem: “Ese
peregrino del ser, ese sustancial emigrante, es el hombre”.790 Ortega relembra o seu embate
contra o idealismo que ao seu ver, subtrai o mundo do sujeito, deixando-o somente com uma
abstração, a forma, a ideia. O ensimesmamento, que remete a uma vida interior, é o lugar da
verdadeira autenticidade. Porém, Ortega adverte que “para poder mirar lo que somos no hay
que dirigir la mirada hacia nuestro interior, sino al revés, salir hacia nuestro afuera. Sólo en el
choque con el mundo exterior surge el programa vital que somos, la norma ética que hay que
787
ARON, Raymond. Una lectura crítica de La rebelión de las masas. Revista de Estudios Orteguianos, nº
12/13, 2006, p. 232.
788
GARCÍA, 1990, p. 301.
789
Ibidem, p. 238.
790
ORTEGA Y GASSET, J. Historia como sistema. O.C., VI, p. 41.
146
darse a sí mismo, la exigencia interna que rige la creación”.791. O sentido positivo da alteração
é constatar que viver significa enfrentar o mundo, e para isso, é preciso “estar fora”.
Estar fora, no mundo, enfrentar o mundo, significa enfrentar a dura realidade de
que se está só. Ortega lembra que Jesus, considerado o filho de Deus pela fé cristã,
experimentou radicalmente o que é ser humano quando foi abandonado pelo Pai, quando se
viu só.792 Estar fora é ter consciência da solidão: “Conforme vamos tomando posesión de la
vida y haciéndonos cargo de ella, averiguamos que, cuando a ella vinimos, los demás se
habían ido y que tenemos que vivir nuestro radical vivir... solos, y que sólo en nuestra soledad
somos nuestra verdad”.793 Ao fim de tudo, se está só. A vida humana é solidão. É no mundo
que o homem encontra soluções para sua radical solidão tentando preenchê-la construindo
redes de amizades ou relações amorosas. Assim, necessitado do mundo, posição contrária à
postura solipsista, que Ortega vê o homem como um evento “social”:
Vemos, pues, frente a toda filosofía idealista y solipsista, que nuestra vida pone con
idéntico valor de realidad estos dos términos: el alguien, el X, el Hombre que vive y
el mundo, contorno o circunstancia en que tiene, quiera o no, que vivir. En ese
mundo, contorno o circunstancia es donde necesitamos buscar una realidad que con
todo rigor, diferenciándose de todas las demás, podamos y debamos llamar ‘social’
(ORTEGA Y GASSET, O.C., X, p. 166).
É quando entra em cena, o outro. Para Ortega, o outro - alter em latim - está em
relação com o “eu”. Do vocábulo alter Ortega deduz o verbo alternar e afirma que o seu
significado é dar espaço para o outro em minha vida: “Decir que no alternamos con alguien es
decir que no tenemos con él relación social”.794
3.1 O outro
Se a própria vida pode ser considerada realidade radical, com a vida do outro não
é assim: “la vida del otro, digámoslo deliberadamente en forma gruesa, es sólo una presunción
o una realidad presunta o presumida -todo lo infinitamente verosímil, probable, plausible que
se quiera-, pero no radicalmente, incuestionable, primordialmente ‘realidad’”.795 Em sendo
possível traçar uma analogia entre a vida e os vários graus de uma queimadura, cada vida
singular deve ser considerada de primeiro grau. A vida, que não a minha, assume outros
791
SUAY, Ángel Peris. El liberalismo de Ortega más allá del individualismo. Revista de Estudios Orteguianos,
nº 12/13, 2003, p. 171.
792
SALMO 22, v. 2. Biblia de Jesusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
793
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y la gente. O.C., X, p. 166.
794
Ibidem, p. 205.
795
Ibidem, p. 200.
147
graus, mas não o primeiro. Somente a própria vida pode ser considerada uma realidade radical
e inquestionável. Todas as outras realidades são presumíveis, inclusive a vida do outro. Não é
a vida do outro - que aparece na minha vida -, mas sim a minha própria vida. A vida do outro
aparece para mim como secundária, derivativa e problemática. Se o homem consegue fingir
para o outro, não consegue fingir para si mesmo, o que o empurraria, caso isso acontecesse,
para uma vida inautêntica. Pois bem, a essa vida que se apresenta ao homem de forma
originária, não dando oportunidade ao homem de escapatórias, é o que Ortega dá o nome de
realidade radical.
O outro existe para mim, independentemente da minha vontade que ele exista ou
não. Guardo com ele uma relação de reciprocidade, pois, só posso dizer “outro” na medida em
que esse “outro” guarda relação comigo: “tiene un yo que es en él lo que mi yo es en mi”.796
O homem é um reciprocante. É homem porque aparece no mundo alternando,
reciprocamente, com outro um. Ao nascer, o homem nasce para um mundo de homens, não de
pedras e nem de vegetais; é com homens que lida primariamente: “Esto significa que la
aparición del Otro es un hecho que queda siempre como a la espalda de nuestra vida, porque
al sorprendernos por vez primera viviendo, nos hallamos ya, no sólo con los otros y en medio
de los otros, sino habituados a ellos”.797
O outro é para mim um não eu, pois a sua intimidade é inacessível. Ainda que
nela eu não possa penetrar, o outro existe para mim. Ortega não se vale de malabarismos
conceituais para provar que, inegavelmente, o outro me aparece, basta : “hacer constar que
está ahí y cómo está ahí”.798 Para Ortega, o homem, para tomar consciência do seu “eu”,
necessita do outro: “antes de que cada uno de nosotros cayese en la cuenta de sí mismo, había
tenido ya la experiencia básica de que hay los que no son ‘yo’, los otros (…)”.799
Estar aberto ao outro não significa ainda uma articulação de uma postura moral,
mas representa, simplesmente, um fato evidente: “el hombre está a nativitate abierto al otro,
que él, al ser estraño”.800 A postura moral aparecerá em um segundo momento, o que se tem
primeiro é a coexistência: “Es la simple coexistencia, matriz de todas las posibles ‘relaciones
sociales’”.801 Mesmo assim, o outro continua sendo para mim uma abstração. Não obstante, é
possível superar o subjetivismo e construir com o outro um mundo que seja “objetivo”, onde
eu e o outro estejamos de acordo e entendemos de forma unívoca os objetos que estão no
796
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y la gente. O.C., X, p. 205.
797
Ibidem, p. 207.
798
Ibidem, p. 219.
799
Ibidem, p. 207.
800
Ibidem, loc. cit.
801
Ibidem, loc. cit.
148
mundo: “Ese mundo común u objetivo se va precisando en nuestras conversaciones, las cuales
versan principalmente sobre cosas que parecen sernos aproximadamente comunes”.802
Neste sentido, o mundo passa a ser construção, não patente, mas de algo que vou
construindo com o outro: “la imagen de un mundo que, al no ser ni sólo mío ni sólo tuyo,
sino, en principio, de todos, será el mundo”.803 Assim, para Ortega, o fator social é
responsável pela construção do mundo, pois mundo não é apenas aquilo que eu vivo no meu
ensimesmar-se, mas também o que eu vivo na alteridade: “mi socialidad o relación social con
los otros hombres es quien hace posible la aparición entre ellos y yo de algo así como un
mundo común y objetivo”.804 Esta relação não pode ser passiva, embasada na simples
abertura, mas demanda uma atividade dos dois polos, eu e o outro: “es menester que a base de
una abertura yo actúe sobre él y él me responda o reciproque”.805 Esta relação ativa com o
outro, concretizando eventualmente a possibilidade de se construir algo em comum é, para
Ortega, sem dúvidas, uma relação social: “Ella es la primera forma de relación concreta con el
otro y, por tanto, la primera realidad social”.806
Conhecendo o outro aos poucos, desenvolvo com ele uma intimidade, que me
permitirá chamá-lo de “tu”, tornando-o assim inconfundível para mim. É quando vem a
descoberta, dramática no entender de Ortega, “en choque con el cual hago el más estupendo y
dramático descubrimiento: me descubro a mí como siendo yo y... nada más que yo”.807 Ortega
pretende chegar ao fundamento da sociologia através de sua descoberta metafísica da vida
como realidade radical. O fundamento da sociologia, segundo Ortega, é o encontro de dois
“eus”: o eu próprio e o eu do outro:
Tenemos, pues, una realidad nueva y sui generis, inconfundible con cualquier otra, a
saber: una acción en que intervienen dos sujetos agentes de ella -yo y el otro-, una
acción en que va inserta, interpenetrada e involucrada la del otro y que es, por tanto,
inter-acción. Mi acción es, pues, social, con este sentido del vocablo, cuando cuento
en ella con la eventual reciprocidad del Otro (ORTEGA Y GASSET, O.C., X, p.
234).
802
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y la gente. O.C., X, p. 208.
803
Ibidem, loc. cit.
804
Ibidem, loc. cit.
805
Ibidem, p. 209.
806
Ibidem, loc. cit.
807
Ibidem, p. 210.
149
808
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y la gente. O.C., X, p. 237.
809
Ibidem, loc. cit.
810
Ibidem, p. 239.
811
Ibidem, p. 241.
812
Ibidem, loc. cit.
813
Ibidem, p. 194.
814
Ibidem, p. 241.
815
Ibidem, p. 242.
150
nem um mal. O outro é perigoso para mim porque dele eu ainda nada sei. Para saber se ele
representa um bem ou um mal é necessário: “probarlo, ensayarlo, tantearlo,
experimentarlo”.816
Através das pequenas lutas cotidianas, o homem aprende a lidar com os outros, se
deparando com limites que, automaticamente, se estabelecem e precisam ser respeitados.
Ortega explica que a “luta” cotidiana faz sim que pessoas unidas por laços, sejam de
parentescos ou outros, possam conviver em harmonia.: “En esta lucha hemos aprendido
cuáles son las esquinas del modo de ser del Otro con las cuales tropieza nuestro modo de ser,
es decir, hemos ido descubriendo la serie innumerable de pequeños peligros que nuestra
convivencia con él trae consigo, para nosotros y para él”.817 Assim, a vida passa a se
caracterizar pela separação de um “eu” de um “tu”: “Tú eres Tú, quiero decir, que tienes un
modo de ser propio y peculiar tuyo, incoincidente con el mío”.818 De certa maneira, o ser do
outro anula o meu ser, daí a luta. Mas a luta do “eu” e do “tu” é fator distintivo de cada uma
dessas realidades e o que forma a relação social: “averiguamos que somos yo después y
gracias a que hemos conocido antes los tús, nuestros tús, en el choque con ellos, en la lucha
que llamábamos relación social”.819
Relação social é o caminho que o homem orteguiano empreende para enfrentar
sua solidão ontológica constitutiva: “Desde el fondo de radical soledad que es propiamente
nuestra vida, practicamos, una y otra vez, un intento de interpenetración, de des-
soledadizarnos asomándonos al otro ser humano, deseando darle nuestra vida y recibir la
suya”.820 Dar a vida é próprio do sentimento de amor. Ortega busca compreender esse
sentimento, que permeia as relações, dentro da realidade radical, que é a vida vivida. No jogo
da vida real, é o amor que conecta todas as coisas: “La filosofia del amor es buscar las
conexiones y, así mantener el mundo y las cosas en su conexión”.821 Se o amor forma redes de
conexões o ódio dispersa, desintegra. Para Ortega, o amor é um divino arquiteto que tem
como tarefa conectar todo o universo.822
Na relação “eu” e “tu”, se o amor conecta o ódio opera o justo contrário: “el odio
es um afecto que conduce a la aniquilación de los valores (...) Por el contrario, el amor nos
liga a las cosas, aun quando sea pasajeramente”.823 Ortega vai colocando aqui mais um
816
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y la gente. O.C., X, p. 247.
817
Ibidem, p. 248.
818
Ibidem, loc. cit.
819
Ibidem, p. 252.
820
Ibidem, p. 195.
821
SAN MARTÍN, 2012, p. 90.
822
Cf. ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. OC, I, p. MQ, 749.
823
Ibidem, p. 748.
151
824
MARIAS, 1967, p. 188.
825
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 748.
826
Idem. El tema de nuestro tiempo. O.C., III, p. 601.
827
ZAMORA; HERRERAS, 2014/3, p. 37.
828
MARIAS, op.cit., p. 191.
829
JAHANBEGLOO, Ramin. Leyendo a José Ortega y Gasset em el siglo XXI. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 14/15, 2007, p. 98.
152
si mesmo. A isso Ortega dá o nome de “meu mundo”, e tudo o que nele acontece - até mesmo
a dor - é prazeroso para o homem, pois tudo o que o homem é, dentro do seu mundo, se
configura como pura autenticidade.
Hay un hecho que, para bien o para mal, es el más importante en la vida pública
europea de la hora presente. Este hecho es el advenimiento de las masas al pleno
poderío social. Como las masas, por definición, no deben ni pueden dirigir su propia
existencia y menos regentar la sociedad, quiere decirse que Europa sufre ahora la
más grave crisis que a pueblos, naciones, culturas, cabe padecer. Esta crisis ha
sobrevenido más de una vez en la historia. Su fisionomía y sus consecuencias son
830
SPOTTORNO, 2002, p. 346.
831
GRACIAS, 2014, p. 432.
832
Ibidem, p. 432.
833
SPOTTORNO, op. cit., p. 360.
834
GRACIAS, op. cit., p. 440.
835
Ibidem, loc. cit.
153
É bastante grave que as massas tenham chegado ao pleno poder social, faltando-
lhes um programa de vida refletido, exequível, preparo intelectual e cultural para assumir os
postos chaves das nações. Não conseguem dirigir a própria vida, menos ainda realizar funções
complexas que o Estado demanda.
Ortega nota que, de certa forma, as massas sempre estiveram aí. A novidade que
se constata é que no momento presente ocupa um lugar qualificado, que é o das minorias
melhores: “la minoría, soportando la cualidad y creando valores, llega a ser una minoría que
está amenazada de ser tragada por la masa de la mayoría niveladora”.836 Para Ortega, “las
minorías son individuos o grupos de individuos especialmente cualificados. La masa es el
conjunto de personas no especialmente cualificadas”.837 Considerar a massa como simples
multidão seria algo banal. A massa é caracterizada sobretudo pela presença do homem médio:
“um tipo humano débil y vulnerable al gregarismo ideológico, sin fondo de resistência contra
las ilusiones y los eslóganes utopistas”.838 Homem-massa é aquele que se acomoda com a
ausência de um projeto livre e autêntico, flertando com projetos autoritários. Tal homem
mantém “el totalitarismo como ensueño anacrónico, como respuesta falsa, transitoria e
ilegítima, a los conflictos del presente”.839 Um homem deixa de ser massa e passa a ser nobre
se enfrenta todas as resistências que o impedem de realizar o seu projeto: “La minoría son los
individuos o grupos de individuos que se esfuerzan y se exigen a sí mismos, haciendo de su
disciplinada vida una vida noble, mientras la masa no se exige más a sí misma, hecho propio
de una vida vulgar”.840
O homem que constitui a minoria melhor não é petulante ou se considera melhor
que os outros, exigindo mais de si mesmo em relação aos demais. Esse é o caminho que o
homem espanhol deve tomar, se deseja transformar a Espanha. O projeto de Ortega será
“acabar con la carencia de minorías egregias y el imperio imperturbado de las masas gracias a
un nuevo tipo de hombre español”.841
A divisão radical constatada na sociedade consiste na presença de dois tipos de
pessoas: “las que se exigen mucho y acumulan sobre si mismas dificultades y deberes y las
que no se exigen nada especial, sino que para ellas vivir es ser en cada instante lo que ya son,
836
CSEJETEI, D. La presencia de Ortega y Gasset em la obra de István Bibó. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 2, 2001, p. 208.
837
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 377.
838
GRACIAS, op. cit., p. 452.
839
Ibidem, loc. cit.
840
PASCERINI, 2001, p. 267.
841
GRACIAS, 2014, p. 298.
154
sin esfuerzo de perfección sobre sí mismas, boyas que van a la deriva”.842 Essas últimas são
aquelas apontadas por Ortega que vivem sem se preocuparem, ao sabor do vento. Tornaram-
se depositárias de direitos através das ações das minorias melhores, e no entanto não
valorizam esses direitos, pelo contrário: “(...) machaca y tritura las instituciones donde
aquellos derechos se sancionan”.843
Ortega vem amadurecendo a ideia de minoria melhor desde 1914, quando, com
um grupo de intelectuais, lança a Liga de Educação Política Espanhola, imediatamente após
causar impacto com a conferência Nova e Velha Política, proferida no Teatro de la Comedia
em Madrid. O que caracteriza a minoria melhor não é o possesso de bens ou riquezas, mas a
promoção da cultura, educação e um modo de vida ético. Assim, Jordi Gracias considera
Ortega um “celoso defensor de los derechos de las aristocracias minoritarias, no de dinero
sino de cultura y educación, de sustancia vital y ejemplaridad ética”.844 Ortega aposta na
minoría por pensar que “para que una modificación de los senos históricos llegue a la masa,
tiene que haber influido en la minoría selecta”.845 Ortega percebe, na Madrid do seu tempo,
uma minoria de espanhóis - escritores, jornalistas, empresários, políticos - intelectualmente
bem formada. A Liga de Educação Política Espanhola servirá, justamente, para organizar
essa minoria “para que sean ellas quienes transmitan al resto de la sociedad su ‘entusiasmo,
sus pensamientos, su solicitud, su coraje’ de manera que se extienda la idea de la necesidad de
los cambios sociales y el compromiso en cuanto a la forma de llevarlos a cabo”.846 Somente as
minorias esclarecidas podem deter o avanço das massas: “La apelación a las elites o a algún
outro grupo minoritario pretendia detener esse proceso o, por lo menos, intentaba controlarlo
mediante formas de gobierno con capacidad para mantener aún la distancia entre gobernantes
y gobernados”.847 Mais do que uma minoria atuante na política, Ortega crê em uma minoria
que atue na cultura, que, a seu ver, atinge um espectro muito mais amplo da sociedade.
842
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 378.
843
Ibidem, p. 384.
844
GRACIAS, op. cit., p. 452.
845
ORTEGA Y GASSET, J. El tema del nuestro tiempo. P. 570.
846
SAMPER, J. E. P. Ortega y Gasset como representante de la preocupación social de una generación. Revista
de Estudios Orteguianos, nº 2, 2001, p. 141.
847
LÓPES DE LA VIEJA, 2000, p.143.
155
848
LÓPES DE LA VIEJA, op. cit., p.143.
849
Ibidem, loc. cit.
850
Ibidem, p. 144.
851
Ibidem, p. 137.
852
CAMARA, Ignacio S. El elitismo de Ortega y Gasset. Revista de Estudios Orteguianos, nº 19, 2009, p. 230.
853
SUAY, op. cit., p. 196.
854
CAMARA, 2009, p. 231.
855
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 378.
156
élite estratégica”.856 Não é divisão, porque, dentro de uma mesma classe, pode-se encontrar a
inautenticidade de vida do homem-massa e o homem-nobre, que busca levar a sua vida tendo
com fundamento a autenticidade. Porém, para Cuevas, em Ortega, pode sim encontrar um
veio elitista, e isso vem demonstrado pelas linhas gerais de toda a sua filosofia:
criou e nem ajudou a criar. Isso o deixa em meio caminho diante da vida herdada e de sua
própria vida, caindo assim na inautenticidade: “Su vida pierde, inexorablemente, autenticidad
y se convierte en pura representación o ficción de otra vida”.860 A vida para lograr-se
demanda esforço para ser, luta, é justamente isso que falta ao homem-massa e assim toda a
sua pessoa vai se “envagueciendo, por falta de uso y esfuerzo vital”.861 Pode-se considerar
esta carência de esforço para realizar o projeto vital como “inércia”. Ledesma vê na inércia de
estampo orteguiano um mal radical, pois que ela leva o homem à paralisia, afastando-o do seu
projeto vital: “la maldad radical no es outra cosa que uma cierta propensión a dejarse llevar; y
a esto se lo suele llamar inércia”.862 O homem orteguiano encontra-se por optar entre a inércia
e o esforço. A sua escolha fará da sua vida, uma vida nobre ou vulgar: “[Ortega] distingue
entre dois tipos ideales antagônicos de vida: la noble y la vulgar, caracterizadas,
respectivamente, por el esfuerzo y la inercia”.863
A vida nobre é a redenção do homem, pois que é “servicio, exigencia, libertad,
creación. Nobleza obliga. El valor de una vida viene medido por la altura a la que proyecta su
meta”.864 Portanto, o homem deve envolver-se em um projeto vital, fruto de suas escolhas,
tomadas de forma livre. E deve colocar-se em ação para realizar esse projeto:
La nobleza, muestra Ortega, está marcada por esfuerzo lujoso dirigido al servicio de
un proyecto, esto es. Por el talante personal o índole de cada cual que se manifesta
en una forma de vida esforzada en general, dirigida con entusiasmo y alegría hacia
alguna ilusión; y no en más o menos talento, habilidad o logro. Esto vendrá, si viene,
peró después (LAVEDÁN, 2001, p. 228).
860
Ibidem, loc. cit.
861
Ibidem, loc. cit.
862
LEDESMA, F. El mal radical. Notas sobre la rebelión de las masas. Revista de Estudios Orteguianos, nº 2,
2001, p. 133.
863
CÁMARA, I. S. Ortega y Gasset y la filosofía de los valores. Revista de Estudios Orteguianos, nº 1, 2000,
p. 162.
864
Ibidem, p. 163.
865
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 416.
866
GRACIAS, 2014, p. 293.
158
Ao vulgo não interessava entender o que quer que fosse, especialmente política e
literatura, era apenas caixa de ressonância das minorias melhores, pois tinha “una innata
conciencia de su limitación, de no estar calificado para teorizar”.867 Hoje, o homem médio
tem ideias para tudo o que acontece, tentando impor sempre a sua opinião e, assim, perdeu a
virtude de ouvir: “No hay cuestión de vida pública donde no intervenga, ciego y sordo como
es, imponiendo sus opiniones”.868 Não é uma vantagem que o homem-massa queira ter ideias,
uma vez que não aceita as regras do jogo, as normas colocadas pela sociedade e que são os
princípios da cultura.
No hay cultura donde no hay principios de legalidad civil a que apelar. No hay
cultura donde no hay acatamiento de ciertas últimas posiciones intelectuales a que
referirse en la disputa. No hay cultura cuando no preside a las relaciones económicas
un régimen de tráfico bajo el cual ampararse. No hay cultura donde las polémicas
estéticas no reconocen la necesidad de justificar la obra de arte (ORTEGA Y
GASSET, O.C. IV, p. 188).
O novo homem, que surge no cenário europeu, não quer dar razão a ninguém e
também não quer ter razão, mas busca apenas impor a sua opinião. Fica estabelecido junto
com esse novo homem o direito de não ter razão, ao que Ortega chama de “la razón de la
sinrazón”.869 Ortega classifica este novo homem em três tipos: homem-massa, herdeiro e
menino mimado. Eles são frutos da prodigalidade do progresso do mundo ao tempo de
Ortega.
Assim como o menino mimado que se comporta mal dentro de casa, e leva esse
mal comportamento para a rua, assim o homem que age com esse perfil. Ele leva o
comportamento doméstico irreprovável para a rua, para a sociedade: “cree poder comportarse
fuera de casa como en casa, el que cree que nada es fatal, irremediable e irrevocable”.870
Ortega se refere a “los universitários nuevos e hijos de la burguesia que frecuentan los
mismos espacios de cultura y sociabilidad que Ortega (…)”.871 Eles são a matriz para aquele
tipo de homem que não reconhece a riqueza da cultura europeia e não mede esforços para
dilapidá-la, no sentido que dela só usufrui e nada oferece em troca: “El individuo concibe la
cultura como algo independiente del esfuerzo constante de algunos por perfeccionar sus
virtudes. Los câmbios tecnológicos y el mundo de objetos que rodean al individuo, Le hacen
sentir seguridad sin la necesidad de trabajar arduamente para mejorar su calidad humana”.872
867
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 417.
868
Ibidem, loc. cit.
869
Ibidem, p. 418.
870
Ibidem, p. 437.
871
GRACIAS, 2014, p. 436.
872
RABI, 2015, p. 96.
159
873
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 438.
874
Ibidem, p. 439.
875
Ibidem, p. 440.
876
SUAY, 2003, p. 181.
877
Ibidem, loc. cit.
878
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 440.
879
Ibidem, p. 412.
160
que llamemos masa a este modo de ser hombre - no tanto porque sea multitudinario, cuanto
porque es inerte”.880 Falta autonomia ao homem-massa e, para Ortega, “la autonomia es
irrenunciable porque la vida es um quehacer personal”.881 O homem-nobre, mais do que
apenas reagir aos estímulos externos, procura agir ativamente.
O progresso do século XIX fez surgir o fenômeno das massas, que se mostram ao
mesmo tempo fortes e indóceis. Segundo Ortega, trata-se do “triunfo de las masas y la
conseguiente magnífica ascensión de nivel vital(...)”.882 Um dos meios para conter a rebelião e
indocilidade das massas, que Ortega vê como “la más grave crisis que a pueblos, naciones,
culturas, cabe padecer”,883 é propor a elas modelos de conduta e, para a filósofa mexicana
Guillermina Dacal, Ortega encontra esse modelo de conduta e exemplo no homem-nobre: “El
hombre-selecto, su vida noble, debe servir como modelo y guía porque la función principal de
toda aristocracia es la ejemplaridad”.884 A seu ver, Ortega propõe como solução para os
problemas sociais da Espanha o modelo de vida das minorias melhores capacitadas como
exemplo a seguir: “Ortega subraya de manera insistente la necesidad de una minoría ejemplar
que en todo instante pueda servir de indicadora, de alentadora y corretora”.885 A melhor
qualidade do homem-nobre reside no fato de tratar com esmero o seu projeto de vida, de se
entregar a ele totalmente, não obstante as muitas dificuldades: “El hombre con un proyecto
vital, asumido con inteligencia y voluntad, que se esfuerza en su quehacer diario es un
hombre-selecto, es minoría”.886 O homem-massa se equivoca ao pensar que basta ter ideias; é
preciso saber o fundamenta-las e expô-las ao crivo das discussões, para ver se elas se
sustentam. Para isso, é necessário a abertura ao diálogo. Porém, discutir qualquer coisa que
seja é impensável para o homem-massa, pois “cree la masa que tiene derecho a imponer y dar
vigor de ley a sus tópicos de café”887 e, assim, Ortega constata que “lo nuevo es en Europa
acabar con las discusiones, y se detesta toda forma de convivencia que por sí misma implique
acatamiento de normas objetivas desde la conversación hasta el Parlamento, pasando por la
ciência”.888 É um retrocesso social, pois, renunciando-se ao diálogo, renuncia-se também à
cultura e cada um passa a impor a sua própria opinião, transformando a praça pública em
Torre de Babel.
880
Ibidem, p. 413.
881
SUAY, 2003, p. 179.
882
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 385.
883
Ibidem, p. 375.
884
DACAL, G. A. La rebelión de las masas: prognóstico de uma realidad desafiante. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 2, 2001, p. 274.
885
Ibidem, loc. cit.
886
DACAL, 2001, p. 275.
887
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 379.
888
Ibidem, p. 419.
161
Segundo Ortega, a autonomia do homem é necessária para que ele viva com
autenticidade e procure realizar a contento o seu programa de vida: “Ser auténticamente libre
es por tanto no sólo una condición inevitable conforme a nuestra naturaleza, es además un
reto de lucha del hombre consigo mismo para conseguir realizar su íntimo destino que cada
cual descubre experiencialmente, confrontado con la realidad”.889 O homem livre deve ter
diante dos reveses da vida uma atitude magnânima. Essa é uma virtude fundamental, que “vê
en el mundo las posibilidades de llevar a su perfección la realidad, evidentemente, la realidad
humana”.890 E uma postura de puro realismo diante da vida é aceitar a vida como ela é, sem
cair no desespero, angústia, náusea ou tédio. Essa era a sua convicção, quando ainda bastante
jovem escreve da Alemanha ao pai que se deixava tomar pela depressão e aconselhava o
genitor a ocupar-se com algum projeto vital.
Para Ortega, “la vida es en sí misma y siempre um naufrágio”891. Mas, acentua,
“naufragar no es ahogarse”.892 E procura deixar clara a sua posição contra o existencialismo
de Heidegger e Kierkegaard e Unamuno, que, a seu ver, “necesita, como el morfinômano su
droga, oscuridad, Muerte y Nada”.893 Para marcar posição frente a este tipo de
existencialismo, Ortega afirma: “desde mis primeros escritos he opuesto a la exclusividad de
um ‘sentido trágico de la vida’, que Unamuno retóricamente propalaba, um ‘sentido deportivo
y festival’ de la existencia’”.894 Para Ortega, não obstante “la conciencia de naufrágio, al ser
la verdad de la vida, es ya la salvación”.895 Evidentemente, Ortega conhecia o pensamento de
Kierkegaard, mas não se deixou influenciar por ele, destilando ao filósofo de Copenhague,
críticas severas. Como, ao discordar da intuição de Miguel Unamuno sobre o sentimento
trágico da vida, afirma: “Esa idea del sentimiento trágico de la vida es uma imaginación
romântica y, como tal, arbitraria y de um tosco melodramatismo. El romanticismo enveneno
el cristianismo de um hombre histrión-de-raiz que había en Copenhague: Kierkegaard, y de él
pasó la cantilena a Unamuno primero y luego a Heidegger”.896 Mais adiante, Ortega,
colocando-se contra o pensamento religioso de Kierkegaard, afirma que ele “hará de la
religión sustancialmente escândalo y com esse escándalo dará su escândalo”.897 E refere-se a
ele mais uma vez como um “histrión superlativo de si mesmo”.898 Kierkegaard, Heidegger e
889
SUAY, 2003, p. 192.
890
SAN MARTIN, 2000, p. 156.
891
ORTEGA Y GASSET, J. Goethe desde dentro. O.C., V, p. 122.
892
Ibidem, loc. cit.
893
Idem. La idea de principio en Leibniz y la evolución de la teoría deductiva. O.C., IX, p. 1141.
894
Ibidem, loc. cit.
895
Idem. Goethe desde dentro. O.C., V, p. 122.
896
Idem. La idea de principio en Leibniz y la evolución de la teoría deductiva. O.C., IX, p. 1143.
897
Ibidem, p. 1145.
898
Ibidem, p. 1144.
162
Em Ortega, vê-se que a técnica é “constitutiva del ser humano y la que realiza su
habitat natural”.900 A técnica surgida no Ocidente tem como causa o capitalismo e a ciência
experimental, difere da técnica surgida em outras culturas tais como a mesopotâmica, grega,
romana, oriental. Segundo Ortega, juntamente com o capitalismo e o método científico, que
permitiram o desenvolvimento tecnológico da cultura ocidental, surgiu também o homem-
massa. No século XIX, o cenário mundial nunca esteve tão favorável para o homem ocidental,
no que se refere a um bem-estar material e assunção de direitos. Nesse sentido, “Ortega
entendió la técnica como el camino que el hombre ha buscado para sentirse feliz, para
actualizar sus deseos”.901 Um terceiro elemento impulsionou o progresso do ocidente, a saber,
a democracia liberal: “Tres principios han hecho posible ese nuevo mundo: la democracia
liberal, la experimentación científica y el industrialismo. Los dos últimos pueden resumirse en
uno: la técnica”.902
Para o vulgo, vida significa, acima de tudo, um esforço para a sobrevivência.
Mesmo que o homem careça de bens ou dinheiro, ainda pode usufruir de uma série de
vantagens oferecidas pelo progresso em curso, a aspirina, por exemplo.903 E, para o homem-
massa, é como se todo o progresso do mundo nascesse por geração espontânea, não de esforço
por parte de homens realmente preparados. Todo esse progresso está erguido sob uma base
tão frágil que a qualquer hora poderá vir à pique.
Em vez de fornir o vulgo com uma educação mais abrangente, preferiu-se a
educação voltada para a técnica, mais rasa, portanto, o que permite Ortega concluir: “el tipo
medio del actual hombre europeo posee un alma más sana y más fuerte que las del pasado
899
LEDESMA, 2001, p. 132.
900
DIÉGUEZ, Antonio. La acción tecnológica desde la perspectiva orteguiana: el caso del transhumanismo.
Revista de Estudios Orteguianos, nº 29, 2014, p. 155.
901
GARCÍA, 1990, p. 299.
902
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 406.
903
Cf. Ibidem, p. 407.
163
siglo, pero mucho más simple. De aquí que a veces produzca la impresión de un hombre
primitivo surgido inesperadamente en medio de una viejísima civilización”.904 Enfim, a leitura
de Ortega da sociedade do seu tempo reputa a técnica e a democracia liberal como as causas
do surgimento das massas.
O homem-massa não é o trabalhador ou uma classe social com menos recursos,
mas sim um modo de ser, um certo ponto de vista acerca do mundo e da civilização. Esse tipo
de homem predomina, impera e pode ser encontrado na burguesia: “Quién ejerce hoy el poder
social? Quién impone la estructura de su espíritu en la época? Sin duda, la burguesía”.905 É na
burguesia que Ortega encontra o homem de ciência, que denomina, um primitivo, um bárbaro
moderno, um homem-massa, enfim, um especialista.
O progresso da ciência no Ocidente chegou a tal ponto que os homens que se
ocupavam dela viram-se obrigados a se especializar. Não a ciência, mas os homens de ciência
se especialiazaram: “en cada generación el científico, por tener que reducir su órbita de
trabajo, iba progresivamente perdiendo contacto con las demás partes de la ciencia, con una
interpretación integral del universo, que es lo único merecedor de los nombres de ciencia,
cultura, civilización europea”.906 Tal homem conhece o máximo do mínimo escolhido para
investigar, não conhece quase nada da ciência em seu aspecto mais amplo. Ortega não tem
meias palavras para esse tipo de homem, o identifica como medíocre: “la ciencia moderna,
raíz y símbolo de la civilización actual, da acogida dentro de sí al hombre intelectualmente
medio y le permite operar con buen éxito”.907
Segundo Ortega, a crescente mecanização industrial e os respectivos manuais de
instrução são causas da especialização. Mecanização e métodos não demandam grandes
qualidades teóricas e intelectuais: “Se trabaja con uno de esos métodos como con una
máquina, y ni siquiera es forzoso para obtener abundantes resultados poseer ideas rigorosas
sobre el sentido y fundamento de ellos”.908 Mesmo sendo considerado um homem de ciência,
o especialista sabe pouco, pois, de toda a realidade, conhece apenas uma ínfima parte: “El
especialista sabe muy bien su mínimo rincón de universo; pero ignora de raíz todo el resto”.909
Antigamente, se tinha o homem sábio ou ignorante, o especialista embaralha essas definições,
por isso Ortega o define como um sábio-ignorante:
904
Ibidem, p. 403.
905
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 442.
906
Ibidem, p. 443.
907
Ibidem, loc. cit.
908
Ibidem, loc. cit.
909
Ibidem, p. 444.
164
Como não sabe muitas das coisas que será instado a opinar, pois da realidade sabe
apenas uma pequena parte, o especialista fará ressoar com todas as forças o seu falso saber:
“el resultado es que se comportará sin cualificación y como hombre-masa en casi todas las
esferas de la vida”.910 O homem-massa tomou de assalto as instituições, a começar pela
ciência, opina acerca da política, da arte, da religião: “Ellos simbolizan, y en gran parte
constituyen, el imperio actual de las masas, y su barbarie es la causa más inmediata de la
desmoralización europea”.911
Para Ortega, existe na sociedade uma grande carência de homens verdadeiramente
cultos. O especialismo, que durante um tempo impulsionou a ciência europeia, agora é o
responsável pelo fato de essa mesma ciência ter estancado, a espera de homens que consigam
operar uma síntese mais ampla do conhecimento: “Pero si el especialista desconoce la
fisiología interna de la ciencia que cultiva, mucho más radicalmente ignora las condiciones
históricas de su perduración, es decir, cómo tienen que estar organizados la sociedad y el
corazón del hombre para que pueda seguir habiendo investigadores”.912 Com nesse
comportamento, o especialista acredita que a civilização está pronta, assim, basta um
conhecimento parcial. Eis o problema que Ortega detecta. O especialista conhece parte da
realidade, mas opina do todo, atitude típica de um homem-massa.
O caminho para superar o especialismo inócuo é a reflexão; será preciso recolocar
a atividade intelectual em primeiro lugar. Eis o problema espanhol, que Ortega tenta resolver,
pois, “en su generación, muchos consideran que mejorar sus atributos, tanto espirituales
como intelectuales, es algo secundário”913. Um caminho reflexivo que somente o homem-
nobre está aberto a empreender, visto que o homem-massa está “siempre satisfecho con lo que
ya es”.914
910
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 444.
911
Ibidem, p. 445.
912
Ibidem, loc. cit.
913
RABI, 2015, p. 111.
914
Ibidem, loc. cit.
165
Sea por lo que sea, acontece que el hombre suele tener un gran empeño en pervivir,
en estar en el mundo, a pesar de ser el único ente conocido que tiene la facultad —
ontológica o metafísicamente tan extraña, tan paradójica, tan azorante— de poder
aniquilarse y dejar de estar ahí, en el mundo (ORTEGA Y GASSET, O.C., V, p.
555).
915
ESTEBAN, P. L. M. La crisis del deseo. La rebelión de las masas a la luz de Meditación de la técnica.
Revista de Estudios Orteguianos, nº 2, 2001, p. 215.
916
ORTEGA Y GASSET, J. Meditación de la técnica. O.C., V, p. 570.
917
ESTEBAN, op. cit., p. 216.
918
CORDERO DEL CAMPO, M. A. La idea de la técnica en Ortega. Revista de Estudios Orteguianos, nº 5,
2002, p. 171.
919
DIÉGUEZ, 2014, p. 134.
920
QUIRÓZ, 2006, p. 103.
921
DIÉGUEZ, op. cit., p. 136.
922
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 558.
166
La técnica no está ahí para satisfacer nuestras necesidades básicas, impuestas por
nuestra biología – para esto hubiera bastado el instinto animal-, sino que está ahí
porque, como diríamos hoy, con ella el ser humano puede tener calidad de vida. Es
decir, la técnica es imprescindible porque con ella pueden satisfacerse muchas de
esas cosas objetivamente – biológicamente – ‘superfluas’, pero sin las cuales una
vida humana no merecería ser vivida (DIÉGUEZ, 2014, p. 136).
923
IBAÑEZ, L. C. Apunto para una filosofía de la Cultura en Ortega y Gasset. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 4, 2002, p. 118.
924
CORDERO DEL CAMPO, M. A. La idea de la técnica en Ortega. Revista de Estudios Orteguianos, nº 5,
2002, p. 170.
925
Ibidem, p. 561.
926
Ibidem, loc. cit.
167
Neste sentido, o animal é atécnico, pois “se contenta con vivir y con lo
objetivamente necesario para el simple existir”.927 Por isto, para o homem, a técnica e o bem-
estar podem ser considerados sinônimos. Para saber o que é bem-estar, é necessário saber se
este realmente preenche a necessidade humana. O bem-estar é sempre móvel, variável,
depreende-se daí que as necessidades também o serão: “Estas cosas supérfluas pero necesarias
para el bienestar no son fijas. Dependen de la idea que en cada circunstancia el ser humano se
haga de en qué consiste ese bienestar”.928 Para Ortega, a técnica encontra-se a reboque do
bem-estar, e assim como este, é volátil: “la técnica dependerá, em cada momento, de lo que el
hombre imagine como su bienestar”.929 Aquilo que antes vinha sendo considerado um bem-
estar, por diversas razões deixou de sê-lo, e os chamados progressos técnicos de antanho eram
abandonados e seu rastro perdido.
Mesmo valendo-se da técnica para auferir um bem-estar que o mundo natural não
lhe oferece, o homem não tem o mundo absolutamente inóspito a ele; se assim o fosse, seria
impossível ao homem habitar no mundo: “Este fenómeno radical, tal vez el más radical de
todos —a saber: que nuestro existir consiste en estar rodeado tanto de facilidades como de
dificuldades—, da su especial carácter ontológico a la realidad que llamamos vida humana, al
ser del hombre”.930 A pedra não precisa lutar para ser o que é, o homem sim, pois a existência
representa para o homem uma luta, e estar preparado para lutar sempre no próximo minuto.
Ortega lembra que é função da técnica diminuir ou, até mesmo, quase eliminar o
esforço. Portanto, o homem se esforça para poupar esforço! Porém, reconhece que a técnica é
um esforço menor com o que se evita um esforço maior. Mas o que o homem fará na falta de
esforço, se a técnica o substitui no trabalho? O que o homem fará com o seu tempo livre, pois,
a técnica ocupará um espaço lavorativo que era dele? É uma questão que está contida na
essência da própria técnica e permite afrontar o mistério do homem. No espaço de liberdade
que a técnica lhe proporciona, uma vez que assume o seu trabalho, o homem inventa a vida.
Esta vida inventada é que se chama vida humana, bem-estar.
927
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 562.
928
DIÉGUEZ, op. cit., p. 136.
929
CORDERO DEL CAMPO, 2002, p. 171.
930
ORTEGA Y GASSET, J. Meditación de la técnica. O.C., V, p. 569.
168
O homem-massa não tem essa visão da técnica como um esforço, uma reinvenção
da vida. Ele, que recebeu um mundo desenvolvido, não se pergunta por que esse mundo é
assim. Porta-se como aquele menino mimado que está convencido de “que todo le está
permitido y a nada está obligado”.931 Muito incomoda Ortega esse traço do homem-massa:
“un tipo de hombre que creía no deber nada a nadie: ni a la historia, ni a sus con
ciudadanos”.932 O triunfo desse tipo de individualismo é tudo o que o homem-massa precisa
para se justificar e assumir um protagonismo, que, segundo Ortega, não lhe pertence. A
técnica típica das massas, não agrega valor ao homem, permitindo-o viver bem a vida, mas
sim dá “origen del individualismo tecnocrático, de um tipo de hombre que sólo se preocupa
de sí mismo y que por tanto es a la larga um peligro para estas mismas sociedades liberales y
democráticas”.933 Uma sociedade massificada não estimula a presença de um individualismo
saudável, de uma autonomia responsável: “Con el imperio de las masas se aplastan las
individualidades y ser diferente es considerado uma indecencia intolerable”.934
O novo homem não passa de um primitivo que surge no mundo civilizado e, da
civilização, lhe interessa apenas o progresso tecnológico. É um homem que idolatra a
tecnologia, mas que, paradoxalmente, detesta se envolver com a ciência: “En los laboratorios
de ciencia pura empieza a ser difícil atraer discípulos. Y esto acontece cuando la industria
alcanza su mayor desarrollo y cuando las gentes muestran mayor apetito por el uso de
aparatos y medicinas creados por la ciencia”.935 Não obstante, a tecnología está esencialmente
ligada à ciência, que está ligada à cultura. O homem-massa se refestela com o progresso
científico mas é o último a valorizar tal progresso, não tem “la menor solidariedad íntima com
el destino de la ciência”.936 Para Ortega, o fato é um claro sinal de barbárie, tornando o
homem-massa um invasor radical: “El europeo que- empieza a predominar - ésta es mi
hipótesis - sería, relativamente a la compleja civilización en que ha nacido, un hombre
primitivo, un bárbaro emergiendo por escotillón, un invasor vertical”.937 Mais importante do
que uma hipertrofia da técnica é o projeto vital, que indica o caminho para que o homem-
massa faça a transição de uma vida vazia e inautêntica para uma vida que valha a pena ser
vivida, uma vida autêntica. A técnica é apenas um dos elementos do projeto vital, mas não o
esgota:
931
Idem, La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 408.
932
SUAY, 2003, p. 170.
933
Ibidem, p. 171.
934
Ibidem, p. 181.
935
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 423.
936
Ibidem, p. 427.
937
Ibidem, loc. cit.
169
Hemos de reorganizar nuestra ciência i nuestra técnica de modo que estén realmente
encaminhadas a abrir mejores posibilidades para la creación de um proyecto vital y
satisfatório em todos los seres humanos y no sólo em uma exígua minoría. No se
puede vivir sólo de la fe en la técnica. Como si ésta fuera la única guía. Algo así deja
de lado la consideración del contenido de nuestro proyecto vital y sólo nos conduce
a una vida vacía (DIÉGUEZ, 2014, p. 142).
Ao falar de massas, Ortega faz uma precisão. Para ele, os indivíduos que
compõem as massas, sempre existiram, porém, não como massas ou “aglomerações”, outro
termo usado por Ortega. Por razões que Ortega busca enumerar, eles não se faziam notar:
“Los indivíduos que integran estas muchedumbres preexistian, pero no como muchedumbre.
Repartidos por el mundo en pequeños grupos, o solitarios, llevaban una vida, por lo visto,
divergente, disociada, distante”.938 A descoberta de Ortega, consiste em constatar que “la
muchedumbre, de pronto, se ha hecho visible, se ha instalado en los lugares preferentes de la
sociedade”.939 Antes não representava um problema porque “pasaba inadvertida, ocupaba el
fondo del escenario social”.940 A atual visibilidade das massas é que “ahora se ha adelantado a
las baterias, es ella el personaje principal”.941 O que leva Ortega a concluir: “Ya no hay
protagonistas: sólo hay coro”.942
Por não ser tão visíveis e encontrarem-se distantes em um sítio, campo, aldeia,
vila ou bairro,943 os indivíduos que hoje compõem as massas não se imiscuíam em assuntos
complexos da vida social, que exigiam certo preparo, deixando a missão de dirigir a sociedade
às minorias melhores: “Si las minorias tenían um proyecto de vida, mayor información y, por
tanto, más aptitudes para deliberar sobre lo privado y lo publico, la conclusión era obvia:
conocimientos y competencias son el requisito para poder dirigir o gobernar”.944 Ortega avalia
que em seu tempo, as primeiras décadas do século XX, tudo mudou. Agora, as massas se
fazem presentes, ainda que os lugares não estejam preparados para recebê-las, e, ainda mais,
querem dar opinião sobre tudo, sem terem competência para tal:
Hablan los hombres de hoy, a toda hora, de la ley y del derecho, del Estado, de la
nación y de lo internacional, de la opinión pública y del poder público, de la política
buena y de la mala, del pacifismo y del belicismo, de la patria y de la humanidad, de
justicia e injusticia social, de colectivismo y capitalismo, de socialización y de
938
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 376.
939
Ibidem, p. 377.
940
Ibidem, loc. cit.
941
Ibidem, loc. cit.
942
Ibidem, loc. cit.
943
Ibidem, p. 376.
944
LÓPES DE LA VIEJA, 2000, p.137.
170
945
Idem. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 401.
946
Ibidem, p. 379.
947
Ibidem, p. 380.
948
ROMERO, E. A. Meditaciones políticas de Ortega y Gasset: contexto y actualidad. Revista Debats.
Valencia: Imprenta provincial, nº 124, 2014/3, p. 79.
949
Ibidem, loc. cit.
950
CAMARA, 2009, p. 230.
951
LÓPES DE LA VIEJA, 2000, p. 136.
171
952
JAHANBEGLOO, 2007, p. 97.
953
DACAL, 2001, p. 278.
954
Ibidem, loc. cit.
955
SUAY, 2003, p. 181.
956
Ibidem, p. 195.
957
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 420.
958
ESTEBAN, 2001, p. 219.
959
SUAY, op. cit., p. 184.
172
Mas ahora es el hombre quien fracasa por no poder seguir emparejado con el
progreso de su misma civilización. Da grima oír hablar sobre los temas más
960
Ibidem, loc. cit.
961
CSEJETEI, D. La presencia de Ortega y Gasset en la obra de István Bibó. Revista de Estudios Orteguianos,
nº 2, 2001, p. 208.
962
ORTEGA Y GASSET, op. cit., loc. cit.
963
Ibidem, loc. cit.
964
Ibidem, p. 422.
965
Ibidem, p. 423.
966
Ibidem, p. 429.
967
SALAS, J.; LAVEDAN, I. R. Ortega, Tocqueville y la compresión histórica de la sociedad. Revista de
Estudios Orteguianos, nº 20, 2010, p. 190.
173
elementales del día a las personas relativamente más cultas. Parecen toscos labriegos
que con dedos gruesos y torpes quieren coger una aguja que está sobre una mesa. Se
manejan, por ejemplo, los temas políticos y sociales con el instrumental de
conceptos romos que sirvieron hace doscientos años para afrontar situaciones de
hecho doscientas veces menos sutiles (ORTEGA Y GASSET, O.C., IV, p. 430).
la conducta ética em política consiste em todas las acciones que realice aquél que
posea uma personalidad magnânima. No hay exigências propias de la actividad, a
excepción de poseer una personalidad adecuada, la del magnánimo. Siempre que se
trate de una personalidad con una misión altruista, dispuesta a colocar su propia vida
personal en un segundo plano y privilegiar su vida pública, será un político cabal
(FRANZÉ, 2001, p. 247).
968
NORIEGA, G. S. El círculo humano de lo social. La continuidad convivencia-sociedad en el pensamiento de
Ortega y Gasset. Revista de Estudios Orteguianos, nº 2, 2001.
969
ORTEGA Y GASSET, op. cit, loc. cit.
970
Ibidem, p. 434.
971
Ibidem, loc. cit.
972
PASCERINI, M. C. Reflexiones sobre la crisis de la vida colectiva en La rebelión de las masas. Revista de
Estudios Orteguianos, nº 2, 2001, p. 266.
174
973
JAHANBEGLOO, 2007, p. 100.
974
PASCERINI, op. cit., p. 272.
975
Ibidem, p. 270.
976
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 497.
977
GAOS, José. Conferencia dada em el Ateneo de México el 24 de agosto de 1956. In: MEDINA, J. L. (Org.)
José Gaos, los passos perdidos. Escritos sobre Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva, 2013, p. 199.
978
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 386.
175
979
RABI, 2015, p. 112.
980
Ibidem, loc. cit.
981
Ibidem, p. 384.
982
Ibidem, p. 406.
983
Ibidem, p. 398.
984
Ibidem, p. 409.
985
Ibidem, p. 410.
176
estava ocupado em dar o melhor de si, observando normas que estão além dele e pondo-se a
serviço delas. Esta é a vida nobre, uma vida pautada pela disciplina. Deve-se dar condições
para que o homem-massa possa fazer o trânsito de uma vida inautêntica e, portanto,
massificada, para uma vida nobre. A educação e formação, como a Liga de Educação Política
Espanhola, são as vias para que tal seja.
986
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 461.
987
Ibidem, loc. cit.
988
Ibidem, loc. cit.
989
SUAY, 2003, p. 180.
990
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 459.
991
Ibidem, p. 460.
177
Sufre hoy el mundo una grave desmoralización, que entre otros síntomas se
manifiesta por una desaforada rebelión de las masas y tiene su origen en la
desmoralización de Europa. Las causas de esta última son muchas. Una de las
principales, el desplazamiento del poder que antes ejercía sobre el resto del mundo y
sobre sí mismo nuestro continente. Europa no está segura de mandar, ni el resto del
mundo de ser mandado. La soberanía histórica se halla en dispersión (ORTEGA Y
GASSET, O.C., IV, p. 491).
A Europa não logrou hegemonia lançando mão da força, mas a conquistou através
daquilo que Ortega chama de “mando”, o que para ele significa “prepotencia de una
opinión”.993 Ortega vê essa opinião, por imaterial, como a um “espírito” e, assim, conclui:
“mando no es, a la postre, outra cosa que poder espiritual”.994 Quem exerce o poder pela força
não possui automaticamente o mando, que é o poder que advém do exercício normal da
autoridade. Ortega exemplifica com Napoleão: “Napoleón dirigió a España una agresión,
sostuvo esta agresión durante algún tiempo, pero no mandó propiamente en España ni un solo
día”.995 A opinião pública é fundamento do poder de mando: “el hecho de que la opinión
pública es la fuerza radical que en las sociedades humanas produce el fenómeno de mandar,
es cosa tan antigua y perenne como el hombre mismo”.996
A opinião pública, na medida em que se revela como expressão fiel da vontade do
povo, tem força normativa: “El poder mismo es el resultado de un proceso de decantación de
la opinión pública”.997 Para exercer o poder de mando, e não da força, há de se buscar um
mínimo consenso na opinião pública: “el mando político no recae nunca en la fuerza, sino que
el mando es el ejercicio normal de autoridad que recae siempre en la opinión pública”.998
Quando a sociedade governada pelas massas não é capaz de fundamentar suas ideias, incorre
no superficialismo: “La sociedad, la colectividad no contiene ideas propiamente tales, es
decir, clara y fundadamente pensadas”.999 Este superficialismo não permite que o indivíduo
ponha-se a refletir sobre a sua situação, pois estas ideias e opiniões superficiais atuam
“simplemente su presión mecánica sobre todos los individuos”.1000 Ortega procura distinguir a
992
Ibidem, p. 462.
993
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 457.
994
Ibidem, loc. cit.
995
Ibidem, p. 456.
996
Ibidem, loc. cit.
997
SUAY, A. P. El concepto de opinión pública en el pensamiento político de Ortega y Gasset. Revista de
Estudios Orteguianos, n° 18, 2009, p. 240.
998
Ibidem, p. 247.
999
ORTEGA Y GASSET, J. El hombre y la gente. O.C., IX, p. 321.
1000
Ibidem, loc. cit.
178
opinião construída em grupos específicos da opinião pública: “Hay, pues, una diferencia
radical entre la opinión particular de un grupo, por enérgico, proselitista y combatiente que
sea, y la opinión pública, esto es, la opinión efectivamente establecida y con vigencia”.1001
Para Ortega, valerá mais a opinião pública que, ainda que massiva, se origina de um certo
consenso na sociedade, do que a opinião particular de grupos singulares, uma vez que a seu
ver, esses grupos singulares trazem consigo projetos que não contemplam a coletividade, mas
apenas aos seus próprios interesses: “Llegado este momento, advierte Ortega, desaparece el
consenso social y se genera un clima propicio para alimentar la discordia y la confrontación
entre los ciudadanos”.1002
Não obstante a superficialidade em que a opinião pública de uma sociedade de
massas incorre, para Ortega quando essa vem menos, termina por dar lugar aos totalitarismos:
“como a la Naturaleza le horripila el vacío, ese hueco que deja la fuerza ausente de opinión
pública se llena con la fuerza bruta. A lo sumo, pues, se adelanta ésta como sustituto de
aquélla”.1003
Opinião pública, para Ortega, quer dizer “ideas, preferencias, aspiraciones,
propósitos”,1004 enfim, um poder espiritual que traduz o espírito do tempo, ainda que seja uma
“opinión pública intramundana y cambiante”.1005 Exatamente por conta desse poder espiritual
que obriga a opinar até quem não tem opinião é que a sociedade humana avança. Como se vê,
para Ortega, nas sociedades de massas, a opinião pública, por ser fruto desses tipos de
sociedades, torna-se um “mal necessário”. Ainda que massiva, deve ser utilizada pelas
minorias melhores como antídoto ao perverso mecanismo da massificação total, portanto,
deve-se “contribuir a su formación mediante la educación, ampliando así el concepto
tradicional de la política (...)”,1006 ou seja, é bom que se forme e eduque a opinião pública
afim que ela não se transforme em massa de manobra de grupos que não tenham como
objetivo o bem comum. A Europa deve valer-se da opinião pública e assim propor mais uma
vez ao mundo um programa de vida.
Uma das ideias-chaves para entender a filosofia de Ortega, é buscar compreender
como o pensador madrilenho destaca a importância de, seja indivíduo, seja nação, ter um
programa de vida. Quem elege um programa de vida para a sua existência, coloca-se em
movimento. Ter o poder de “mando” é, sobretudo, propor um “que fazer” às pessoas, não
1001
Ibidem, loc. cit.
1002
ALONSO, F. H. L. La teoría orteguiana sobre el origen deportivo del Estado. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 16/17, 2008, p. 164.
1003
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 457.
1004
Ibidem, loc. cit.
1005
Ibidem, loc. cit.
1006
SUAY, 2009, p. 230.
179
deixá-las seguir à esmo, na inércia: “Mandar es dar quehacer a las gentes, meterlas en su
destino, en su quicio: impedir su extravagancia, la cual suele ser vagancia, vida vacía,
desolación”.1007 Quem até hoje ofereceu e deve continuar propondo esse programa é a Europa.
Estados Unidos e Rússia podem sim ser consideradas potências, mas ainda carecem de
experiência, são novas demais. Assim, a Europa deve procurar uma saída para sua débâcle ou
o mundo experimentará o caos. Ortega aponta uma das possíveis soluções: “La evidente
decadencia de las naciones europeas, no era a priori necesaria si algún día habían de ser
posibles los Estados Unidos de Europa, la pluralidad europea sustituida por su formal
unidad?”.1008 O que Ortega propõe, com toda a simplicidade, é a união das nações europeias,
ao menos as mais fortes, pois, se o europeu não cumpre a sua vocação para o mando, o mundo
estará ameaçado e cairá na “inercia moral, en la esterilidad intelectual y en la barbarie
omnímoda”.1009 O gênio europeu não pode viver de improvisos e sim de grandes ideias, ou
seu destino estará comprometido, pois a “la vida creadora supone un régimen de alta higiene,
de gran decoro, de constantes estímulos, que excitan la conciencia de la dignidad”.1010 A
disciplina que a vida criadora precisa só funciona em uma sociedade onde esteja muito claro
quem é que manda e quem é que obedece: “o mando yo u obedezco”.1011 Quem obedece deve
estimar aquele que manda e o colocar como modelo a ser seguido.
Além do projeto de reconstrução da hegemonia europeia, Ortega traz para si a
responsabilidade de propor a reconstrução de uma nova Espanha, urbana, moderna, deixando
para trás a velha Espanha, agrária: “España se convierte, conforme al noventayochismo
exacerbado de Ortega, em um mito proyectado hacia el futuro, em el nobre de uma cosa que
hay que hacer”.1012 Para Ortega, a sociedade humana dá um importante passo ao descobrir
para além do campo, o espaço urbano. De fato, para ele significa “una gran innovación: la de
construir una plaza pública y en torno una ciudad cerrada al campo”.1013 É um passo
importante, visto que para Ortega “el hombre campesino es todavía un vegetal. Su existencia,
cuanto piensa, siente y quiere, conserva la modorra inconsciente en que vive la planta”.1014 A
praça é a negação do campo: “La plaza, merced a los muros que la acotan, es un pedazo de
campo que se vuelve de espaldas al resto, que prescinde del resto y se opone a él”. Eis aí
estabelecido o espaço civil: “el hombre se liberta de toda comunidad con la planta y el animal,
1007
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 462.
1008
Ibidem, p. 464.
1009
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 467.
1010
Ibidem, p. 468.
1011
Ibidem, loc. cit.
1012
CACHO VIU, 1997, p. 123.
1013
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 472.
1014
Ibidem, loc. cit.
180
deja a éstos fuera y crea un ámbito aparte puramente humano”.1015 Juntamente com o espaço
civil vem o cidadão: “Es la república, la politeia, que no se compone de hombres y mujeres,
sino de ciudadanos (…). De esta manera nace la urbe desde luego como Estado”.1016 Para
Cacho Viu, Ortega pensa a construção de uma nova Espanha a cargo das minorias melhores,
do homem-nobre. É Ortega estabelecendo um programa de vida para os espanhóis: “El mito
de la España del porvenir, sólo existente de modo germinal em el seno de uma minoria, es
uma imagen que hizo fortuna. El talante retórico de Ortega habia infundido emoción estética y
comunicativa”.1017
Se a Espanha é o problema, para Ortega, a solução virá da Europa. Ele constrói a
sua hipótese a partir do que considera ser os Estados nacionais. Em um primeiro momento, o
Estado se forma na fusão de vários povos buscando uma unidade, que se funda na
convivência política e moral e nas identidades linguística, geográfica e étnica, pois, “el Estado
se concibe, por tanto, como la unificación de distintos pueblos para colaborar en una empresa
imaginada en la que todos se sienten solidarios y parte”.1018 Em um segundo momento,
consolidado, o Estado procura destacar sua diferenciação dos outros povos, dando lugar ao
nacionalismo: “Es el período en que el proceso nacional toma un aspecto de exclusivismo, de
cerrarse hacia adentro del Estado; en suma, lo que hoy llamamos nacionalismo”.1019 Porém,
mesmo mantendo mútuas atitudes de estranhamento, os Estados seguem compondo alianças e
acordos, ainda que se considerem potenciais inimigos. Um terceiro e último momento é o
estado plenamente consolidado, passa a formar grupos com quem antes era inimigo, em busca
de um amplo pacto internacional. É o tipo de organização que Ortega vê como uma saída para
as nações europeias, Espanha incluída, pois, “sólo la decisión de construir una gran nación
con el grupo de los pueblos continentales volvería a entonar la pulsación de Europa. Volvería
ésta a creer en sí misma, y automáticamente a exigirse mucho, a disciplinarse”.1020
Para construir Estados, verdadeiramente fortes, será necessário contar com as
minorias-melhores, uma vez que as massas instrumentalizam o Estado, esperando que resolva
todos os seus problemas, assim também o Estado, com o seu intervencionismo, termina por
instrumentalizar o homem-massa, colocando-o a seu serviço e abolindo sua espontaneidade:
“De esta manera, el Estado, que tenía como justificación la garantia de las liberdades para
hacer posible la vida del individuo, termina por ser um peligro para la misma libertad”.1021
1015
Ibidem, p. 473.
1016
Ibidem, loc. cit.
1017
CACHO VIU, 2000, p. 124.
1018
SUAY, 2009, p. 249.
1019
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 489.
1020
Ibidem, p. 493.
1021
SUAY, 2003, p. 182.
181
Com a sociedade de massas, uma relação ideal com o Estado migra para uma
relação insalubre, dando lugar ao estatismo: “el pueblo se convierte en carne y pasta que
alimenta el mero artefacto y máquina que es el Estado”.1022 Para Ortega, a tão odiada ação
direta e a violência se transvestem em estatismo: “Al través y por medio del Estado, máquina
anónima, las masas actúan por sí mismas”.1023 E quando o Estado destitui Miguel Unamuno
do reitorado da Universidade de Salamanca, Ortega, defendendo o amigo do arbítrio do
Esatado, declara: “No somos para el Estado, sino él para nosotros”.1024
Antes, o Estado era quase nada, mas, com a burquesia, que “sabía organizar,
disciplinar, dar continuidad y articulación al esfuerzo”,1025 potencializou-se e se fortaleceu. O
homem-massa vê o Estado como um porto seguro e o instrumentaliza, porém se esquece que
o Estado é criação humana, de outros, e não coisa sua. Mas, como sente o Estado sua
propriedade, direciona a ele o seu problema, e “que se encargue directamente de resolverlo
con sus gigantescos e incontrastables medios”.1026 O homem-massa crê ser o próprio Estado, e
afasta de si tudo o que ameaça essa crença, incluindo as minorias criadoras. O Estado fica
refém dos desejos e apetites do homem-massa, configurando-se um perigo:
Se uma sociedade massificada, por si só, é algo negativo, tanto pior se a massa
toma posse do Estado. É neste sentido que, para Ortega, o Estado representa um perigo. É
necessário deixar para trás o estatismo pernicioso e colocar-se em marcha para construir um
projeto de nação. O propósito central da obra orteguiana é “descubrir el funcionamento
deficiente de los sistemas de decisión y acción del hombre-masa, quien, al carecer de um
proyecto vital, está a la deriva”.1027
Ortega elenca os elementos necessários e fundamentais para que um povo possa
se autodenominar nação, remédio receitado ao povo espanhol: “primero, un proyecto de
1022
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 451.
1023
Ibidem, loc. cit.
1024
Idem. En defensa de Unamuno. O.C., VII, p. 395.
1025
Idem. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 448.
1026
Ibidem, p. 449.
1027
ARAS, R. E. Ortega lector de Ortega. Compresión de La rebelión de las masas. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 2, 2001, p. 256.
182
convivencia total en una empresa común; segundo, la adhesión de los hombres a ese proyecto
incitativo”,1028 isto tudo para “aspirar a altos fines”.1029 A nação nunca está feita: “La nación
está siempre o haciéndose o deshaciéndose”.1030 Daí a importância de se ter um projeto
nacional e empreender forças para realizá-lo. Só assim a nação poderá lograr estabilidade,
pois a “falta el proyecto compartido, la unidad que existía y que se hacía presente en la
comunidad raza, idioma o frontera natural, desaparece, se disgrega”.1031 É uma ideia que
encanta Antonio Machado, que lhe escreve de forma entusiasmada: “Me encanta eso de que la
patria sea lo que se tiene que hacer. No lo hubiera yo nunca formulado de un modo tan
sencillo y admirable”.1032
Para Ortega, a crise europeia e espanhola tem como uma de suas causas o
desconhecimento de quem impõe o mando e, com esse mando todo um referencial cultural,
um programa a ser executado. Assim, a própria ideia de futuro fica comprometida: “Pero
ahora se abre otra vez el horizonte hacia nuevas líneas incógnitas, puesto que no se sabe quién
va a mandar, cómo se va a articular el poder sobre la tierra. Quién, es decir, qué pueblo o
grupo de pueblos; por tanto, qué tipo étnico; por tanto, qué ideología, qué sistema de
preferencias, de normas, de resortes vitales...”.1033 Assim, tudo fica provisório, pois “no se
sabe hacia qué centro de gravitación van a ponderar en un próximo porvenir las cosas
humanas”.1034 Neste sentido, por não ter um programa de vida autêntico, um projeto nacional
em que possa concentrar as suas forças, a sociedade passa a criar modelos de vidas artificiais
“desde la manía del deporte físico hasta la violencia en política; desde el arte nuevo hasta los
baños de sol en las ridiculas playas a la moda. Nada de eso tiene raíces, porque todo ello es
pura invención, en el mal sentido de la palabra, que la hace equivaler a capricho liviano”.1035
É um tipo de vida que carece de substância, e “todo eso es vitalmente falso”.1036
Necessário se faz resgatar a ideia de civilização como desejo de convivência, pela
articulação de um projeto único, onde cada um possa contar com o outro: “La masa es
primitivismo frente a la civilización que es voluntad de convivência, de contar com los demás,
esto es: liberalismo democrático”.1037 Ainda que esse projeto de nação possa não contemplar a
realidade em plenitude é necessário propô-lo, assim ele funcionará como um ideal a ser
1028
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 488.
1029
GRACIAS, 2014, p. 293.
1030
ORTEGA Y GASSET, op. cit., loc. cit.
1031
SUAY, 2009, p. 249.
1032
CACHO VIU, 2000, p. 124.
1033
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas. O.C., IV, p. 492.
1034
Ibidem, loc. cit.
1035
Ibidem, loc. cit.
1036
Ibidem, loc. cit.
1037
SUAY, 2003, p. 181.
183
atingido: “Mas por lo mismo que es imposible conocer directamente la plenitud de lo real, no
tenemos más remedio que construir arbitrariamente una realidad, suponer que las cosas son de
una cierta manera”.1038 Construir um projeto utópico enquanto nação e empreender forças
para implementá-lo, ainda que pareça mera ilusão, é necessário como motor da ação: “Um
hombre desmoralizado es um hombre que há perdido las ilusiones de vivir, sus ilusiones.
Igualmente, um pais o um continente desmoralizado es um país o continente sin
ilusiones”.1039 Ortega, ao articular a sua Liga de Educação Política Espanhola, acreditava que
somente pela educação das maiorias, um projeto nacional seria viável, exequível, pois:
1038
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 458.
1039
SAN MARTIN, 2000, p. 158.
1040
Ibidem, loc. cit.
1041
PASCERINI, 2001, p. 271.
184
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1042
SAN MARTIN, J. La fenomenología de Ortega y Gasset. Madrid: El Arquero, 1987, p. 139.
1043
ZAMORA, J. A. F. La crítica de Ortega y Gasset a la fenomenología. Las influencias de Husserl y Natorp en
la elaboración de las Meditaciones del Quijote. Revista de Estudios Orteguianos, p. 118, nº 28, 2014.
1044
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 146.
1045
Idem. España invertebrada. O.C., III, p. 80.
1046
Idem, Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 144.
1047
Ibidem, p. 156.
1048
Ibidem, p. 144.
1049
Ibidem, p. 146.
1050
Ibidem, p. 153.
185
desconsiderar o homem real: “Por eso he sido y soy enemigo irreconciliable de este idealismo
que al poner el espacio y el tiempo en la mente del hombre pone al hombre como siendo fuera
del espacio y del tiempo”.1051 Reputando-se grande conhecedor da filosofia idealista, Ortega
sente-se confortável para afirmar que “aquellas filosofías nos parecían profundas, serias,
agudas, llenas de verdades y, no obstante, sin veracidad”. 1052 E mais, pelo seu vocabulário
hermético, a doutrina idealista tornou-se passível de ser manipulada a bel prazer por seus
adeptos, com termos plenos “de secretos escotillones por donde entran y salen y se transmutan
los significados más diferentes”.1053 O madrilenho passa, então, a desconfiar do idealismo
como proposta eficaz para atingir uma sinceridade filosófica, fato grave para ele, que “había
insistido mucho en la necesidad de la sinceridad como valor básico de la filosofia”.1054 E, por
tudo isso, Ortega vai aos poucos se aproximando da fenomenologia, considerando-a “um
nuevo continente que hace de la sinceridad su lema, porque la llamada a la vuelta a las cosas
mismas no es sino una llamada a la sinceridad”.1055 E um dos caminhos para se obter a
sinceridade filosófica é “someter estrictamente la idea a lo que se presenta como real, sin
añadiduras ni redondeos”.1056 A fenomenologia de Husserl virá em boa hora para Ortega, que
a considerará um “instrumento prodigioso para elaborar algunos de sus principales
escritos”.1057 Em 1913, tão logo Husserl publica Ideias para uma fenomenologia pura e para
uma filosofia fenomenológica, Ortega já começa citar as intuições husserlianas em
conferências e artigos. É o caso da conferência Sensación, construcción e intuición e do artigo
Sobre el concepto de sensación. Ortega encontrou na fenomenologia aquilo que o idealismo
não pôde lhe dar: uma investigação filosófica que lhe permitisse ir às coisas mesmas, pois a
“intuición husserliana se atiene únicamente a lo dado”.1058 Portanto, é possível já entrever que
Ortega fará da fenomenologia uma ponte para a sua filosofia da vida.
E Ortega fará essa ponte em um texto de 1914, Ensayo de estética a manera de
prólogo, ao criar o termo “yo ejecutivo”, reinterpretando a fenomenología de Husserl a favor
de suas próprias intuições filosóficas: “Este nuevo término de cuño orteguiano se convertirá
en la clave para descubrir la reinterpretación que hace de la fenomenología”. 1059 O termo
“traduce el particípio alemán vollziehend, aplicado a la conciencia mientras va ejecutando su
1051
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p.156.
1052
Ibidem, p. 147.
1053
Ibidem, p. 150.
1054
SAN MARTIN, J. La fenomenología de Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva, 2012, p. 76.
1055
Ibidem, p. 76.
1056
ORTEGA Y GASSET, J., op. cit., p. 153.
1057
ZAMORA, J. A. El postmodernismo de Ortega y Gasset. Revista Debats. Valencia: Imprenta provincial, nº
124, 2014, p. 118.
1058
Ibidem, p. 119.
1059
Ibidem, p. 120.
186
funcion essencial – natural, diria Husserl – de poner el ser, de emitir un juicio sobre la
realidad”.1060 Assim, o “yo ejecutivo” não é meramente passivo ou espectador, mas, como o
próprio nome diz, envolvido com a realidade, tendo como conditio sine qua non, a
circunstância. Ao lançar o par “eu executivo” e “circunstância”, Ortega, claramente inspirado
em Husserl, faz surgir uma fenomenologia existencial: “Es así que en Ortega podemos hablar
de la elaboración de una fenomenología a la que podríamos llamar existencial (…) quizás
podríamos llamarla fenomenología de la vida”.1061 Ao ver de Ortega, o espaço antes ocupado
pelo idealismo, agora desacreditado e sem forças para operar uma leitura verossímil da
realidade, foi ocupado pela corrente fenomenológica: “la fortuna nos había regalado un
prodigioso instrumento: la fenomenología”.1062 Assim, não restam dúvidas de que Husserl
auxiliou bastante a quem, como Ortega, procurava um novo caminho e o ajudou a construir a
sua hipótese da vida como realidade radical.
Além dos motivos acima elencados que fizeram Ortega optar pela fenomenología
em detrimento do idealismo, assomava-se o fato de que o idealismo mostrou-se “secundario y
derivado respecto a la vida de cada cual, a la vida en cuanto inmediatez”.1063 Ainda mais,
equivocou-se em ter transcurado a consciência: “El idealismo vivía desde siempre en un
equívoco escandaloso porque reconociendo en la conciencia la realidad radical, sin embargo,
no había procurado nunca analizar a fondo y con suficiente precisión lo que la conciencia
es”.1064 E, para Ortega, o grande movimiento feito por Husserl, foi ter recuperado com
maestria a conciência: “Husserl se resolvió heroicamente a dotar al idealismo de lo que le
faltaba (…) la fenomenología, pues, precisa por vez primera lo que son la conciencia y sus
ingredientes”.1065
Porém, mesmo creditando a Husserl o feito de ter suplantado filosoficamente o
idealismo kantiano, Ortega não demorará muito no campo fenomenológico. Ainda que exista
em Husserl uma consideração plausível sobre a consciência, Ortega passará a discordar dessa
consideração e abandonará também a fenomenologia: “Abandoné la fenomenología en el
momento mismo de recibirla”.1066
Para Ortega, a bem da verdade, a fenomenología husserliana termina por cometer
“en orden microscópico los mismos descuidos que en orden macroscópico había cometido el
1060
ORRINGER, Nelson. Ortega y sus fuentes germánicas. Madrid: Gredos, 1979, p. 84.
1061
ZAMORA, op. cit., p. 122.
1062
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 150.
1063
Ibidem, loc. cit.
1064
Ibidem, p. 155.
1065
Ibidem, loc. cit.
1066
Idem, La idea de principio en Leibniz y la evolución de la teoría deductiva, O.C., IX, p. 1119.
187
viejo idealismo”.1067 Ortega percebe que Husserl “cree encontrar la realidad primaria, lo
positivo o dado, en la conciencia pura”.1068 O “eu” ou a conciência pura “no piensa, esto es,
no cree lo que piensa, sino que se reduce a advertir que piensa y lo que piensa”.1069 Assim,
esse “eu” se converte em “puro ojo, puro e impasible espejo, contemplación y nada más”.1070
O que equivaleria “convertir el yo en objeto”.1071
Ortega substitui o “eu puro” por um “eu executivo”, considerando que a
contemplação não é a realidade, e para o “eu puro” realidade é o próprio contemplar: “el yo
que contempla solo en cuanto contempla, el acto de contemplar como tal y el espectáculo
contemplado en cuanto espectáculo”.1072 Em Husserl, aponta Ortega, “la realidad absoluta que
es la ‘conciencia pura’ desrealiza cuanto hay en ella y lo convierte en puro objeto, en puro
aspecto. La pura conciencia”,1073 transformando o mundo em mero sentido. Assim, para
Ortega, Husserl retorna ao velho idealismo porque: “como el sentido agota toda su
consistencia en ser entendido, hace consistir la realidad en inteligibilidad pura”. 1074 Para
chegar a tal ponto, Ortega vê “una ‘manipulación’ del filósofo que se llama reducción
fenomenológica”.1075 Como o físico, que, ao tentar investigar o interior do átomo, o modifica
com a sua intervenção, na redução fenomenológica, o filósofo: “En vez de hallar una realidad,
la fabrica. Así el fenomenólogo”.1076 O equívoco da fenomenologia está justamente naquilo
que, para ela, é essencial: a suspensão da executividade da consciência. Assim, Ortega tentará
substituir o conceito de redução fenomenológica pelo de executividade: “La fenomenología,
al suspender la ejecutividad de la ‘conciencia’, su weltsetung, la realidad de su “contenido”,
aniquila el carácter fundamental de ella. La ‘conciencia’ es justamente lo que no se puede
suspender: es lo irrevocable. Por eso es realidad y no conciencia...”.1077
Convicto de suas teses que revelam as muitas aporías da fenomenología, Ortega
faz do “yo ejecutivo” o seu movimento mais ousado: “Con la ejecutividad de la vida y el ‘yo
ejecutivo’, Ortega lo que está haciendo es elaborar su versión de la crítica a la fenomenología
en contraposición a la de Husserl”.1078 Deixando para trás tanto o idealismo quanto a
fenomenologia, decreta: “El término ‘conciencia’ debe ser enviado al lazareto (…). Lo que
1067
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 155.
1068
Ibidem, p. 150.
1069
Ibidem, p. 155.
1070
Ibidem, loc. cit.
1071
ORRINGER, Nelson. Ortega y sus fuentes germánicas. Madrid: Gredos, 1979, p. 85.
1072
ORTEGA Y GASSET, J, op. cit., p. 155.
1073
Ibidem, loc. cit.
1074
Ibidem, loc. cit.
1075
Ibidem, loc. cit.
1076
Ibidem, loc. cit.
1077
Ibidem, p. 158.
1078
ZAMORA, J. A. El postmodernismo de Ortega y Gasset. Revista Debats. Valencia: Imprenta provincial, n°
124, 2014, p. 48.
188
verdadera y auténticamente hay no es ‘conciencia’ y en ella las ‘ideas’ de las cosas, sino que
hay un hombre que existe en un contorno de cosas, en una circunstancia que existe
también”.1079 Orringer está de acordo que “en Ortega, la crítica a la fenomenología implica
una negación de la existencia de la conciencia”.1080 Basta lembrar que o próprio Ortega
marcava a diferença do seu pensamento em relação ao de Dilthey justamente pelo fato de que
ele, Ortega, não se valia da consciência como mediadora do conhecimento, como Dilthey o
fazia.1081 Feitas as críticas ao idealismo e à fenomenologia, Ortega decreta que se deve
“extirpar al vocablo ‘Erleben’ (vivencia) todo residuo de significación intelectualista,
‘idealista’, de inmanencia mental o conciencia,”.1082 Só assim o homem conseguirá atingir o
realismo de uma vida autêntica e enfrentar o “metafísico destierro de sí mismo, entregado al
esencial extranjero que es el Universo”.1083
Para Zamora, o eu executivo de Ortega se configura como “la primera superación
de la fenomenología”,1084 pois é “lo opuesto a la reducción fenomenológica que consiste en
poner entre parêntesis la realidad empírica del mundo y suspender, aunque sea
momentáneamente, el acto de vivir”.1085 Ademais, a epokhé de Husserl se faz “suspendiendo
su ejecutividad”,1086 e suspender o caráter executivo da conciência é “extirpale lo más
constitutivo de ella y, por tanto, de toda consciencia”.1087 Ortega é bastante contundente em
sua crítica à fenomenologia: “no hay conciencia como forma primaria de relación entre el
llamado ‘sujeto’ y los llamados ‘objetos’; que lo que hay es el hombre siendo a las cosas, y
las cosas al hombre; esto es, vivir humano”.1088 E viver humano significa considerar a vida
“en términos de existir como coexistir”.1089
Com o “yo ejecutivo”, deixando de lado a tese da redução fenomenológica e a
suspensão da consciencia, Ortega “nos propondrá ir a la realidad radical de las cosas mismas
en vez de quedarnos en las ideas de las cosas y poder hablar de la realidad a través de
1079
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 164.
1080
ORRINGER, N. La crítica de Ortega a Husserl y a Heidegger: la influencia de Georg Misch. Revista de
Estudios Orteguianos, p. 153, nº 3, 2001.
1081
ORTEGA Y GASSET, J. La idea de principio em Leibniz y la evolución de la teoría deductiva, O.C., IX,
p. 1120.
1082
Idem, Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 159.
1083
Ibidem, loc. cit.
1084
ZAMORA, Jesús A. La crítica de Ortega y Gasset a la fenomenología. Las influencias de Husserl y Natorp
en la elaboración de las Meditaciones del Quijote. Revista de Estudios Orteguianos, nº 28, 2014, p. 126.
1085
Idem. El postmodernismo de Ortega y Gasset. Revista Debats.Valencia: Imp. provincial, nº 124, 2014, p. 48.
1086
ORTEGA Y GASSET, J. La idea de principio en Leibniz y la evolución de la teoría deductiva, O.C. IX,
p. 1119.
1087
Ibidem, loc., cit.
1088
Ibidem, p. 1120.
1089
MOLINUEVO J. L. Para leer a Ortega. Madrid: Alianza Editorial, 2002, p. 128.
189
ellas”.1090 Ortega adverte que “esa realidad radical que es la vida propia no consiste en
conciencia”1091 e passa a afirmar que a “nuestra vida, la de cada cual, es el diálogo dinámico
entre yo y sus circunstancias”.1092 E arrematava: “El mundo es primariamente circunstancia
del hombre y solo al través de esta comunica con el universo”.1093 Enfim, Ortega recusa o
termo “consciencia” e estimula um retorno às coisas, de um “eu” inseparável de suas
circunstâncias: “En suma: la reabsorción de la circunstancia es el destino concreto del
hombre. El sentido de la vida no es, pues, otro que aceptar cada cual su inexorable
circunstancia y, al aceptarla, convertirla en una creación nuestra”.1094 Dessa maneira, Ortega
supera a “secular oposición entre idealismo y realismo”.1095
Ao colocar como fundamento a vida como realidade radical, passa a não
considerar o idealismo e a fenomenologia como explicações últimas da realidade: “La
respuesta que Ortega da a la fenomenologia es la concepción de la vida como realidad
radical”.1096 O pensamento deve “reconocerse como esencialmente secundario y resultado de
esa realidad preexistente y no buscada, mejor aún, de que se pretende huir”.1097 Percebe-se o
esforço de Ortega em marcar posição com uma intuição filosófica original e “nos muestra
cómo el autor se separa de la línea que hasta esse momento ha seguido su pensamiento”.1098
Assim, para Ortega, “lo único inmediato es la vivencia, nunca el conocimiento, de
donde se desprende que todo, al convertirse en objeto cognoscitivo, deja de ser lo que fue, lo
que se propuso conocer”.1099 Ainda mais, com a sua intuição sobre a executividade da vida e o
eu executivo, Ortega mostra como se dá a relação do eu com as coisas que estão ao redor. Em
vez de um eu transcendental, um eu executivo. E, ao final, justificando a originalidade de sua
filosofia, recordando os primeiros passos que dava ao tentar colocar de pé a vida como
realidade radical, ele recorda: “Aquel grupo de jóvenes no había sido nunca, en rigor,
neokantiano. Tampoco se entregó plenamente a la fenomenología”.1100 Ainda que faça duras
1090
ZAMORA, Jesús A. El postmodernismo de Ortega y Gasset. Revista Debats. Valencia: Imprenta provincial,
nº 124, 2014, p. 47.
1091
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 150.
1092
Ibidem, loc. cit.
1093
Ibidem, loc. cit.
1094
Ibidem, p. 151.
1095
ZAMORA, Jesús A. El postmodernismo de Ortega y Gasset. Revista Debats. Valencia: Imprenta provincial,
nº 124, 2014, p. 47.
1096
Idem. La crítica de Ortega y Gasset a la fenomenología. Las influencias de Husserl y Natorp en la
elaboración de las Meditaciones del Quijote. Revista de Estudios Orteguianos, nº 28. p. 125, 2014.
1097
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 160.
1098
ZAMORA, Jesús A. La crítica de Ortega y Gasset a la fenomenología. Las influencias de Husserl y Natorp
en la elaboración de las Meditaciones del Quijote. Revista de Estudios Orteguianos, nº 28. p. 125, 2014.
1099
ORRINGER, Nelson. Ortega y sus fuentes germánicas. Madrid: Gredos, 1979, p. 93.
1100
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 149.
190
1101
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 16.
1102
GONZALES-CAMINERO, N. Ortega y el primer Heidegger. Gregorianum, v. 56, 1975, p. 90.
1103
GRACIAS, op. cit., p. 416.
1104
Ibidem, loc. cit.
1105
GONZALES-CAMINERO, op. cit., p. 97.
1106
MOLINUEVO J. L. Para leer a Ortega. Madrid: Alianza Editorial, 2002, p. 25.
1107
Ibidem, loc. cit.
1108
Ibidem, loc. cit.
191
de Ser y tiempo, aunque sin citar ninguno de los escritos”.1109 Ortega declara para todos
ouvirem que, já em 1925, dois anos antes da publicação de Sein und Zeit, de Martin
Heidegger, “me proponía formal y titularmente el ‘replanteamiento del problema del Ser’, e
invitaba a mis discípulos a que organizasen sus programas universitários en función rigorosa
de este concepto”.1110 Para ele, recolocar o problema do Ser significava valer-se do método
fenomenológico sim, porém, considerado mais em sentido intuitivo que conceitual e, assim,
concluir que realidade primeira e mais radical, ponto de partida de toda a realidade, é a vida
humana: “En 1925 yo enunciaba mi tema — algunos de mis discípulos podrían recordarlo —
diciendo literalmente: hay que renovar desde sus raíces el problema tradicional del Ser (...) es
la vida humana y de su intuición y análisis hay que partir”. 1111 Porém, qual não foi sua
surpresa quando “en diciembre de 1927 se publica el libro de Heidegger que lleva en su
frontis la palabra Ser y anuncia um replanteamiento del problema del Ser”.1112 Portanto, em
relação à fenomenologia do ser, ao menos para Ortega não há dúvidas: a intuição original é
dele, e não de Heidegger.
Ortega considera que a filosofía de Heidegger “ha vuelto a engendrar una general
confusión”1113 no cenário do pensamento. Um dos muitos equívocos está em afirmar que “en
el hombre brote la filosofía cuando se extraña del mundo”.1114 Mas, o homem é um
estrangeiro nato e, portanto, “no necesita, pues, de pronto y un ‘buen dia’ descubrir que lo
es”.1115 Outro equívoco de Heidegger é considerar que o homem, imerso em um mundo de
entes, passe a filosofar somente a partir do momento em que se coloca a pergunta sobre o ser,
e se demora “en preguntarse por el cuál consiste el ser hombre”. 1116 Para Orringer, “puesto
que concibe el progreso filosófico como la ascensión de una escalera, Ortega rechaza la visión
heideggeriana de la filosofía como pregunta por el ser”.1117 Ademais, para Ortega, “no es
cierto que el hombre se haya preguntado siempre por el ser”.1118 A pergunta, eternamente
recolocada, torna-se “cómica como todo comportamiento hiperbolico”.1119
1109
ORRINGER, N. La crítica a Aristóteles de Ortega, y sus fuentes. In: DURAN, M (Org.). Ortega, Hoy.
México: Editorial UV, 1985, p. 213.
1110
ORTEGA Y GASSET, J. La idea de principio en Leibniz y la evolución de la teoría deductiva, O.C. IX,
p. 1118.
1111
Ibidem, p. 1119.
1112
Ibidem, p. 1118.
1113
Ibidem, p. 1117.
1114
Ibidem, loc. cit.
1115
Ibidem, loc. cit.
1116
Ibidem, loc. cit.
1117
ORRINGER, N. La crítica de Ortega a Husserl y a Heidegger: la influencia de Georg Misch. Revista de
Estudios Orteguianos, nº 3, 2001, p. 158.
1118
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 1117.
1119
Ibidem, p. 1118.
192
1120
Ibidem, p. 1121.
1121
ORRINGER, N. La crítica a Aristóteles de Ortega, y sus fuentes. In: DURAN, M (Org.). Ortega, Hoy.
México: Editorial UV, 1985, p. 215.
1122
ORTEGA Y GASSET, op. cit., p. 1117.
1123
Idem, Que es filosofía, O.C., VIII, p. 238.
1124
Idem, La idea de principio en Leibniz y la evolución de la teoría deductiva, O.C. IX, p. 1117.
1125
Ibidem. p. 1119.
1126
Ibidem, p. 1124.
1127
Ibidem, p. 1120.
1128
Ibidem, p. 1121.
193
conceito de “Nada”: “pretende Heidegger que la filosofia consiste em hacer patente que la
Vida es Nada”.1129 O espanhol se surpreende com tal afirmação e conclui que “si la Vida
fuese sólo Nada, la única acción congruente e inevitable sería suicidarse”. 1130 Para Ortega, tal
concepção é bastante dramática, e por isso vale a crítica: “No creo, pues, en el ‘sentimiento
trágico de la vida’ como formalidad última de existir humano. La vida no es, no puede ser una
tragedia. Es en la vida donde las tragedias se producen y son posibles”. 1131 Ortega percebe
esta concepção nihilista com relação à vida como fruto de um romantismo melodramático,
que começou com “Kierkegaard, y de él pasó la cantilena a Unamuno primero y luego a
Heidegger”.1132 A vida é sobretudo, “salvaciones”,1133 o que consiste salvar cada coisa
buscando a plenitude de seu significado. Ele busca compreender a vida “no como Heidegger,
no con la angustia que procuran, sino en el sentido de ocuparse de ellas y con el conocimiento
de cada cosa como salvación del individuo”.1134 No cotejo do pensamento entre o alemão e o
espanhol, é patente a diferença pela qual Heidegger “ha olvidado la multilateralidad de la vida
que Ortega, por su cuenta, ha defendido al combinar tanto el sentido trágico de la existencia
como su sentido más primario, festivo espontáneamente creativo”.1135 O orteguiano Vela
acrescenta: “En efecto, la idea de la Nada se obtiene negando todas las cosas, lo cual no
podemos hacer más que imaginariamente. Es, como dice Ortega, el triunfo de la fantasía”.1136
Para Ortega é evidente — e ele se admira que ninguém, nem mesmo os seus
discípulos, tenham notado isso antes — que muito daquilo que Heidegger tentou explicar com
o termo Dasein, ele já havia explicado bem antes, utilizando o termo vida. Assim, sugere à
tradutora de seus livros para o alemão uma peculiar experiência: “En la carta que escribe a
Helene Weil el 30 de enero de 1930, y que no envia, Le dice que sustituya, del texto suyo ‘El
origen deportivo del estado’ [de 1925] las palabras vivir o vida, por la alemana Dasein y así
verá al menos la extraña coincidencia”.1137
De fato, se é obrigado reconhecer que o filósofo madrilenho em textos que
escreveu muito antes da publicação da obra capital de Heidegger, já tentava elaborar uma
filosofia da vida humana. Mas, também é verdade, que ocorrem muitas coincidências entre o
pensamento de Ortega e Heidegger. Muitas das concepções de Ortega sobre a vida coincide
em “términos generales com el punto de partida de Heidegger. Ortega buscó el fundamento
1129
Ibidem, p. 1139.
1130
Ibidem, p. 1140.
1131
Ibidem, p. 1143.
1132
Ibidem, p. 1143.
1133
ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 747.
1134
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 415.
1135
Ibidem, p. 601.
1136
VELA, Fernando. Ortega y los existencialismos. Madrid: Revista de Occidente, 1961, p. 67.
1137
SAN MARTIN, J. La fenomenología de Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva, 2012, p. 15.
194
pre-teórico del conocer en la vida, término que viene a coincidir con lo Dasein
heideggeriano”.1138
Porém, não obstante os pontos de confluência, a filosofia da vida traz consigo
enfoques e formula questões que a filosofia da existência não contempla. A linha
demarcatória entre elas consiste no fato de que “una cosa es existir y outra vivir. Lo radical no
es la existência sino la vida. Este mero detalle terminológico impide ya la identificación de la
filosofia de Heidegger y el existencialismo con la filosofía de la vida expuesta por
Ortega”.1139 É incorreto usar o termo existência para se referir à vida do homem, pois o
homem “es lo único que no existe, sino que vive o es viviendo”.1140 O precursor de tal
concepção filosófica, Ortega não deixa dúvidas, foi ele, já em 1925.
Em que pese o esforço de Ortega para se desvencilhar de quaisquer desconfianças
de apropriação do pensamento Heideggeriano, para Regalado, não há dúvidas de que o
Espanhol “se aprovechó rápidamente de numerosos materiales del edificio construido por
Heidegger”.1141 Se em textos como Qué es conocimiento? e Unas lecciones de metafísica
según la razón vital, Ortega reputa ser trivial a célebre fórmula heideggeriana da distinção
entre o ôntico e o ontológico, e por isso a despreza, Regalado aponta o contrário e afirma que
“en sus cursos y conferencias Ortega practicó con arte retórico y sentido dramático la
distinción entre lo óntico y lo ontológico hasta convertilo en un truco que le valió para
despertar continuamente de su estupor óntico a sus oyentes con ontológicas y deslumbrantes
revelaciones de la condición humana”.1142 Ortega mesmo se refere à diferença ontológica —
ainda que a dê por irrelevante — não como uma intuição própria de Heidegger, mas dele
próprio, que já havia tratado sobre ela no seu primeiro livro: “Lo mismo digo de la liberación
del ‘sustancialismo’, de toda ‘cosa’ en la idea de ser – suponiendo que Heidegger haya
llegado a ella como yo la expongo desde hace muchos anos en cursos públicos y como está ya
enunciada en el prólogo de ese mi primer libro”.1143
Para Regalado, Ortega deveria ser grato à Heidegger, que lhe deu um sistema para
pensar a vida como realidade primeira e razão vital, pois “los presupuestos pre-racionales de
la razón encuentra por primera vez un modelo metodológico en Ser y Tiempo, obra donde
Heidegger examinó en detalle el saber óntico de lo Dasein como la condición pre-ontológica
de su ser-en-el-mundo (…)”.1144 O que parece é que, “sin Heidegger, Ortega no habría caído
1138
GARCÍA, A. R. El laberinto de la razón: Ortega y Heidegger. Madrid: Alianza Editorial, 1990, p. 131.
1139
GONZALES-CAMINERO, N. Ortega y el primer Heidegger. Gregorianum, v. 56, 1975, p. 109.
1140
ORTEGA, El Hombre, X, 160.
1141
GARCÍA, op. cit., p. 130.
1142
Ibidem, p. 132.
1143
ORTEGA Y GASSET, J, Goethe desde dentro. O.C., V, p. 128.
1144
GARCÍA, op. cit., p. 131.
195
en cuenta del significado profundo de su propia filosofía”.1145 Por outro lado, Heidegger
também deveria ser grato a Ortega, pois “El análises existenciario de lo Dasein, del ser-en-el-
mundo de la vida humana encuentra en la retórica de la razón vital un vehículo que adopta,
tergiversa, simplifica y dramatiza no sin originalidad el cerrado y difícil análisis existenciario
del ser de la existencia elaborado por Heidegger”.1146 Ortega volta à carga e afirma: “Apenas
hay uno o dos conceptos importantes de Heidegger que no preexistan, a veces con
anterioridad de trece años, en mis libros”.1147 A ideia de vida como preocupação e da cultura
como seguridade “se halla literalmente en mi primera obra, Meditaciones del Quijote,
publicada en 1914!”.1148
Ortega assim procede, assumindo pessoalmente a defesa de suas intuições
filosóficas frente às de Heidegger, um tanto quanto aborrecido pelo fato de os seus discípulos
não tomarem a dianteira no front e refutarem aqueles que, mesmo dentro da Espanha, ao
incensarem o pensamento heideggeriano, esquecem que ele, Ortega, já havia elaborado
aquelas mesmas intuições, muito antes do filósofo teutão: “en ocasiones me encuentro
sorprendido com que ni siquiera los más próximos tienen uma noción remota de lo que yo he
pensado y escrito”.1149
E Ortega busca provar o que diz: “Por ejemplo: ‘Vivir es, de cierto, tratar con el
mundo, dirigirse a él, actuar en él, ocuparse de él’. De quién es esto? De Heidegger, en 1927,
o publicado por mi con fecha de diciembre de 1924 en La Nación de Buenos Aires?”.1150
Ortega enumera as suas concepções filosóficas, que, a seu ver, mais tarde vieram diluídas nos
escritos e no vocabulário de Heidegger, tais como: a vida como relação entre o “eu” e as
circunstâncias; a vida como futurização; a verdade como alétheia, como descobrimento e
desvelação; a intuição do “yo ejecutivo”. Zamora reconhece que “aquella intuición, era
absolutamente original; se instalaba a un nivel distinto del pensamiento de sus
contemporáneos, y anticipaba cuanto de fecundo tendría el pensamiento de Heidegger veinte
años después”.1151
Ortega considera que todos esses temas fazem parte de sua filosofia, não de
maneira acidental, mas substancial. Basta abrir o libro, El tema de nuestro tiempo, de 1923,
1145
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 426.
1146
GARCÍA, op. cit., p. 134.
1147
ORTEGA Y GASSET, J, Goethe desde dentro. O.C., V, p. 127.
1148
Ibidem, loc. cit.
1149
Ibidem p. 128.
1150
Ibidem, loc. cit.
1151
ZAMORA, Jesús A. El postmodernismo de Ortega y Gasset. Revista Debats. Valencia: Imprenta provincial,
nº 124, 2014, p. 49.
196
em que sugeria “en reducir la razón pura a razón vital”.1152 Poucos entenderam “la Critica de
la razón vital que en esse libro se anuncia”.1153 Isto porque, para Ortega, aqueles que se
deslumbraram com as ideias de Heidegger, com um pouco mais de boa vontade e de boa fé,
poderia ver já nessa obra, muito daquilo que o Alemão viria a pensar tempos depois. E, por
isso, Ortega afirma não ter condições de dizer “cual es la proximidad entre la filosofia de
Heidegger”1154 e a sua filosofia da vida. Está convicto que Heidegger não o inspirou e, se
acaso o fez, “tengo com este autor uma deuda muy escasa”.1155 Ortega toma a decisão de não
mais voltar a falar sobre as relações de sua filosofia com a de Heidegger, talvez porque
considera infrutíferas as críticas que vem fazendo desde o surgir de Heidegger no cenário
filosófico, e afirma: “Como he callado muchos años, volveré a callar otros muchos” 1156 e,
ironicamente, diz que só falou agora para “poner en la pista a toda buena fe distraída”.1157
Pela contundência de sua crítica, tem-se a impressão de que o espanhol pretende
eliminar no nascedouro as concepções filosóficas heideggerianas. De fato, ele afirma que
“Heidegger había entrado em uma via muerta”,1158 se perdeu e “las cosas que hace solo
pueden actualmente contribuir a producir um efecto alucinatório deprimente”.1159 Ele terá
certeza disso quando se encontrar com Heidegger em 1951, na cidade de Darmstadt, em
Hessen, na Alemanha. Ambos foram convidados a pronunciar uma conferência e a impressão
de Ortega em relação a Heidegger não foi das melhores. De fato, posteriormente ele comenta
em tom pejorativo que Heidegger “haya querido convertirse em ventríloco de Holderlin”. 1160
Se o Congresso serviu como ocasião para mensurar simultaneamente o efeito público das
presenças de Ortega e Heidegger diante de uma plateia qualificada, a vitória foi do alemão,
pois enquanto “la ponencia de Ortega, El mito del ser humano detrás de la técnica, fue una
reflexión sin compromiso y puramente estética que quedó sin eco no sólo en el acto
mismo”.1161 Heidegger por sua vez, fez um grande sucesso: “Fu probabilmente il più grande
sucesso pubblico di Heidegger nella Germania del dopoguerra. Quando egli concluse con la
frase divenuta celebre ‘Perché il domandare è la pietà del pensiero’, non ci fu un silenzio
devoto, ma un’autentica ovazione del publico in piedi”.1162 E Ortega estava lá.
1152
ORTEGA Y GASSET, op. cit, p. 128.
1153
Ibidem, op. cit., loc. cit.
1154
Ibidem, p. 127.
1155
Ibidem, loc. cit.
1156
Ibidem, p. 128.
1157
Ibidem, loc. cit.
1158
Idem La idea de principio en Leibniz y la evolución de la teoría deductiva, O.C. IX, p. 1118.
1159
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 627.
1160
ORTEGA Y GASSET, J. En torno al “Coloquio de Darmstadt, 1951”, O.C., VI, p. 810.
1161
NAGEL, U. El silencio de José Ortega y Gasset. Disponível:
<http://dadun.unav.edu/bitstream/10171/17932/1/P%C3%A1ginas%20desdeRA04-6.pdf>.
1162
SAFRANSKI, R. Heidegger e il suo tempo. Milano: Teadue, 2001, p. 474.
197
1163
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 153.
1164
Ibidem, loc. cit.
1165
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 603.
1166
BAKEWELL, Sarah. No café existencialista: o retrato da época em que a filosofia, a sensualidade e a
rebeldia andavam juntas. Rio de Janeiro: objetiva, 2017, p.15.
1167
GARCÍA, A. R. El laberinto de la razón: Ortega y Heidegger. Madrid: Aliança Editorial, 1990, p. 135.
1168
ORTEGA Y GASSET, J. La idea de principio en Leibniz y la evolución de la teoría deductiva, O.C. IX,
p. 1120.
1169
Ibidem, p. 1263.
1170
CACHO VIU, V. Los intelectuales y la política. Madrid: Biblioteca Nueva, 2005, p.73.
1171
SPOTTORNO, J. O. Los Ortega. Madrid: Taurus, 2002, p. 143.
1172
GRACIAS, J, op. cit., p. 38.
198
puramente metálicos se me há ocurrido hacer”.1173 É também ali que ele, muito alegre,
consegue ler em alemão, “la correspondencia privada de Nietzsche”1174 e, superado as
dificuldades iniciais com a língua alemã, poderá frequentar “una clase semanal sobre
Nietzsche”.1175
A filosofia idealista substituirá em Ortega o interesse que até então o jovem
filósofo mantinha por Nietzsche. Bastante entusiasmado com o idealismo e depois com a
fenomenologia, Ortega abandonará Niezsche como prioridade filosófica: “la inmersión de
Ortega en la lectura de Kant, que Le llevó a superar el influjo, ya suficientemente asimilado,
del filósofo de Sils-Maria”.1176 Ortega escreve a Unamuno: “Alemania me há hecho
sobrepasar a Nietzsche”.1177 E, seguro de que o idealismo é exatamente a filosofia de que ele e
a Espanha precisava, passa mesmo a desprezar Nietzsche: “Nietzsche no pasa de ser para el
nuevo neokantiano um sofista que halaga al lector”.1178
É fato, porém, que Ortega restará sempre nietzscheano e, mesmo tendo feito uma
imersão no idealismo, as leituras da obra de Nietzsche “seguramente va a imprimir um sesgo
a su neokantismo”.1179 Assim, não será surpresa que, ao começar a articular o seu
raciovitalismo ele irá regressar “al vitalismo primordial e irrenunciable en que creció, muy
cerca de Nietzsche”.1180 A mesma dinamicidade que Ortega vê em Nietzsche no que se refere
à vida, ele usará depois para caracterizar o seu próprio conceito de vida. Por exemplo, Ortega
afirma, em texto de 1908: “Para Nietzsche vivir es más vivir, o de otro modo, vida es el
nombre que damos a una serie de cualidades progresivas, al instinto de crecimiento, de
perduración, de capitalización de fuerzas, de poder”.1181 Essa formulação de Ortega sobre
Nietzsche está muito próxima da que o mesmo Ortega fará depois ao afirmar, agora com sua
autoria: “De ordinario, es el transcurso de la vida quien nos va descubriendo el proyecto que
somos”.1182 Muito do que se constata no raciovitalismo de Ortega, mesmo as suas
considerações sobre a vida, “suena invenciblemente a adaptación orteguiana de
Nietzsche”.1183 É possível sim, ver na filosofia de Ortega, uma grande influência do
1173
ORTEGA, S. (Org.). J. Ortega y Gasset: cartas de un joven español. Madrid: El Arquero, 1991, p. 197.
1174
GRACIAS, J, op. cit., p. 49.
1175
ORTEGA, op. cit., p. 114.
1176
CACHO VIU, Vicente. Los intelectuales y la política, p. 74.
1177
ROBLES, L. (Org.) Epistolário Completo Ortega-Unamuno. Madrid: El Arquero, 1987, p. 174.
1178
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 95.
1179
SAN MARTIN, J. La fenomenología de Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva, 2012, p. 67.
1180
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 367.
1181
ORTEGA Y GASSET, J. El Sobrehombre. O.C., I, p. 178.
1182
Idem. Qué es la vida? O.C., VIII, p. 436.
1183
GRACIAS, op. cit., p 159.
199
pensamento de Nietzsche: “Ortega predica con léxico nietzscheano desde siempre y con
Nietzsche siempre al fondo”.1184
Também será possível constatar o influxo nietzscheano em uma das intuições
mais célebres de Ortega: a sociedade de massas, lugar onde ocorre a disputa entre os melhores
e os piores. É dramático que esses últimos representem a maioria e, pela força que eles têm,
ditem as regras: “el alma vulgar, sabiendose vulgar, tiene el denuedo de afirmar el derecho de
la vulgaridad y lo impone dondequiera”.1185 O império das massas vulgares abre espaço para o
rancor, pois, “el rencor es uma emanación de la conciencia de inferioridad”.1186 E Ortega
mesmo constata: “Con aguda mirada, ya había Nietzsche descubierto en ciertas actitudes
morales formas y productos del rencor”.1187
Ortega confessa a sua inspiração em Nietzsche ao constatar o ódio das maiorias
massificadas em direção à minorias melhores, ainda que o termo usado por Nietzsche seja
“ressentimento”: “Nietzsche adoptó una palabra francesa que también retoma Ortega, y quizá
por la misma carencia en alemán del sentido exacto que busca Nietzsche: el ressentiment, la
negación de las cualidades del superior por parte del que se siente humillantemente
inferior”.1188 A consciência pública quando se degenera, caso do império das massas, resvala
para o ressentimento: “Cuando un hombre se siente a sí mismo inferior por carecer de ciertas
calidades — inteligencia o valor o elegancia — procura indirectamente afirmarse ante su
propia vista negando la excelencia de esas cualidades”.1189 Passa a ocorrer na sociedade um
nivelamento por baixo: “lo superior, precisamente por serlo, padece una ‘capitis diminutio’, y
en su lugar triunfa lo inferior”.1190
Por tudo o que aprendeu com Nietzsche e, deixando-se notar que a bem da
verdade, sempre o teve como inspiração filosófica, Ortega declara: “Nietzsche nos fue
necesario”.1191 Não é o caso de Wittgenstein e os frankfurtianos, pois, segundo Molinuevo:
“Wittgenstein y la filosofía analítica, la Escuela de Frankfurt y su teoría social, están ausentes
de la obra de Ortega”.1192
Se, de um lado, o gênio apressado e criativo de Ortega o ajudava a enfrentar os
muitos problemas nos campos metafísicos e antropológicos, e a eles propor soluções quase no
momento mesmo em que aconteciam, caso de sua obra capital, La rebelión de las masas, por
1184
Ibidem, p. 240.
1185
ORTEGA Y GASSET, J. La rebelión de las masas, IV, p. 148.
1186
Idem. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p.750.
1187
Idem, loc. cit.
1188
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 250.
1189
ORTEGA Y GASSET, J. Democracia morbosa. O.C., II, p. 274.
1190
Ibidem, loc. cit.
1191
Idem. El Sobrehombre. O.C., I, p. 176.
1192
MOLINUEVO J. L. Para leer a Ortega. Madrid: Alianza Editorial, 2002, p. 24.
200
outro lado, ele teve de lidar com acusações de não ser um filósofo muito afeito à
sistematicidade. Doía fundo na alma intelectual de Ortega a acusação de que o seu
pensamento filosófico carecia de um sistema. Era uma ideia que ia tomando corpo ao longo
do tempo e a qual Ortega sentia não ter forças para se contrapor. Ferrater Mora, filósofo
espanhol da atualidade, ao ser convidado para escrever um verbete sobre Ortega para um
dicionário filosófico, afirmava: “la ausência de um libro de carácter sistemático há dejado sin
desarrollar aún completamente su pensamiento”.1193
No entanto, Ortega tinha consciência do fato e se preocupava pela “desprotección
en que ha vivido su filosofia sometida a la prensa y resignada a perder el blindaje y el decoro
de la filosofia técnica”.1194 Aqueles que o acusam de não ter elaborado um rigoroso sistema
filosófico, esquecem que ele, valendo-se dos periódicos para chegar ao máximo de pessoas
possível, se viu “imposibilitado para elaborar um lenguaje preciso para tratar cosas
cientificas”.1195 Assim, por ter pensado em seus leitores, Ortega corre o risco de ser excluído
“del primer mundo filosófico”.1196 Ortega até considera que valorizou demais a filosofia
alemã em detrimento da própria filosofia: “Tal vez he exagerado este gesto y he ocultado
demasiado mis própios radicales hallazgos”.1197 Mas estar consciente que essas são as
circunstâncias de seu filosofar, lhe deixa mais consolado: “un filósofo profesional que trabaja
a destajo para ofrecer lo que debe ofrecer casi sin tiempo ya de ofrecerlo. Y sus más fieles y
mejores lectores, cerca o lejos, lo saben y se lo exigen”.1198
Essas circunstâncias nas quais Ortega está inserido representam “la renuncia
filosófica que el medio periodístico y España misma le han inpuesto”,1199 é sua “contigencia
singular como filósofo celtíbero”.1200 Por isso, ele não teve a fortuna de criar uma filosofía
sistemática como a de Heidegger, que “forjó un vocabulario ontológico en parte sustraído de
las palabras del lenguage que anida en las vivencias pré-ontológicas del ser-ahí y que el autor
de Ser y tiempo hizo levitar hasta alzarlo al nivel conceptual de una renovada y novedora
ontología”,1201 mas tem como meta e se empenha em chegar aos leitores com a “lenguaje más
cortés de la conversación general”.1202 Portanto, é necessário que aqueles que exigem uma
sistematização mais rigorosa do seu pensamento devem, antes de julgar se o seu pensamento
1193
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 512.
1194
Ibidem, p. 425.
1195
Ibidem p. 425.
1196
Ibidem, loc. cit.
1197
ORTEGA Y GASSET, J, Goethe desde dentro. O.C., V, p. 128.
1198
GRACIAS, op. cit., p. 502.
1199
Ibidem, p. 425.
1200
Ibidem, loc. cit.
1201
GARCÍA, A. R. El laberinto de la razón: Ortega y Heidegger. Madrid: Alianza Editorial, 1990, p. 138.
1202
ORTEGA Y GASSET, J. El alemán y el español. O.C., IV, p. 10.
201
tem ou não profundidade filosófica, levar em conta esse mecanismo, a saber, uma calculada
simplificação na linguagem para se fazer compreendido.
Pressionado pelos êxitos de Heidegger, que possuía em sua obra “un todo
estructural, un nexo de conceptos ligados jerárquicamente y habilitados para no depender de
interpretaciones antropológicas o de cualquier mediación teórica de carácter a posteriori”,1203
Ortega sentía-se tentado a escrever uma obra que pudesse ser considerada, enfim, um sistema.
Mas esse é “un ejercicio profesional que neutraliza sus mejores virtudes sin lograr cuajar las
nuevas o sin hacerlas sobresalir con análoga plenitud”1204. Assim, exigir sistematicidade de
Ortega, por um lado poderia qualificar a sua filosofia, mas por outro, poderia prejudicar o seu
estilo criativo, sua escrita espontânea, pois, no afã de encaixar todo o seu pensamento nos
rigores de um sistema, tinha-se o risco de Ortega perder a sua originalidade, sem conseguir,
ao fim das contas, dar à sua obra o status de um sistema filosófico.
Por fim, Ortega faz uma filosofia que não se enquadra dentro de um rigoroso
sistema filosófico por ser um “autentico pensador meridional, propenso a detenerse en el
Lebenswelt, el mundo vivido, y a resistirse ante el mundo invertido y apriorístico de la
filosofía como pensamiento trascendental”.1205 Por tudo isso, não se verá a filosofia
orteguiana blindada dentro de um sistema rigoroso, pois “no hay ni va a haber arquitetura
sistemática y compacta que la contenga”.1206
O próprio estilo da escritura de Ortega já antecipava o debate se o que ele fazia
era filosofia ou apenas ensaio, isso porque “la belleza literária lograda a través de
innumerables y osadas metáforas lo alejaba aparentemente del adusto estilo filosófico”.1207 A
criatividade literária de Ortega, aliada a uma percepção acurada do que poderia chamar
atenção do seu leitor, fez com que ele desse nomes originais aos livros que escrevia, às
publicações que fundava, às conferências que dava. Ortega, assim, procedia para “acortar las
distancias entre lectores y publico”.1208
Ainda que o pensamento de Ortega, em quase a sua totalidade, tenha sido
divulgado primeiro através de artigos e ensaios para os periódicos, e apenas em um segundo
momento, transformados em livros, não é lícito afirmar que seja uma filosofia de segunda
classe. Não obstante a forma que chega até o leitor, tem sim a legitimidade de pensamento
1203
GARCÍA, op. cit., p. 136.
1204
GRACIAS, op. cit., p. 502.
1205
GARCÍA, A. R. El laberinto de la razón: Ortega y Heidegger. Madrid: Alianza Editorial, 1990, p. 137.
1206
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 604.
1207
SAN MARTIN, J. La fenomenología de Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva, 2012, p. 86.
1208
LOPEZ DE LA VIEJA, M. T. Democracia y masas en Ortega y Gasset. Revista de Estudios Orteguianos,
nº 1, 2000, p. 149.
202
1209
ALFONSO, I. B. El periodismo de Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva, 2005, p. 105.
1210
Ibidem, p. 42.
1211
MARICHAL, Juan. Teoría e historia del ensayismo hispánico. Madrid: Alianza, 1984, p. 217.
1212
MOLINUEVO J. L. Para leer a Ortega. Madrid: Alianza Editorial, 2002, p. 14.
1213
ALFONSO, I. B. El periodismo de Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva, 2005, p. 45.
1214
ORTEGA Y GASSET, J. Prólogo para alemanes. O.C., IX, p. 142.
1215
Ibidem. Meditaciones del Quijote. O.C., I, p. 784.
1216
Ibidem, loc. cit.
1217
Ibidem, loc. cit.
203
recorda a frase goethiana: “El órgano con que yo he comprendido el mundo es el ojo”. 1218 Um
ver goethiano é mais um pensar com os olhos, emenda Ortega.
Ainda que pertencesse à família de políticos, sobrinho de ministro, irmão de
deputado, e ele mesmo deputado por um mandato (1931), Ortega preferirá marcar a sua
presença em seu país natal, não através da ação política, mas sim como filósofo. Será pela sua
filosofia que Ortega tentará influir nos destinos da Espanha e do povo espanhol. Também será
por ela que exercerá a sua capacidade de liderança e irá compor o projeto que, a seu ver, a
Espanha necessita. Ademais, para Ortega o político e o intelectual não cabem em um mesmo
corpo: “Hay que decidirse por una de estas dos tareas incompatibles: o se viene al mundo para
hacer política, o se viene para hacer definiciones”.1219 Diante das inconstâncias do mundo
político, Ortega prefere a companhia de seus livros, rascunhos e anotações, artigos, ensaios e
livros, enfim, a vida intelectual, feita de “idea clara, estricta, sin contradicciones”.1220
Contradições que a política traz consigo, pois que “la mentira cuesta nada al político”.1221
Ortega se retira da vida pública de seu país, em 1936, quando percebe que ele e a
sua família correm risco de vida, por causa da Guerra Civil Espanhola, e se auto exila na
França, depois Argentina (1939), para enfim fixar residência em Lisboa (1942). Está convicto
de que, em tempos de fortes conflitos políticos, o melhor que o intelectual faz é calar-se, pois,
pela sua própria vida interior, o intelectual traz consigo um discernimento pelo qual “la idea
verdadera y la idea falsa acusan terriblemente ante la mirada interior sus contrarios
perfiles.”1222 Ortega prefere silenciar-se do que mentir para não colocar a própria vida e as dos
seus em risco. O intelectual não pode mentir, pois “sabe en cada instante lo que piensa y por
qué lo piensa. Es natural que mentir le suponga un enorme esfuerzo, porque tiene que negar lo
innegable, tiene que cegar su propia evidencia, suplantar su realidad íntima por otra
ficticia”.1223 Entre ser político ou intelectual em Espanha, Ortega opta pelo segundo, pois
assim teria uma maior influência nos embates públicos de sua terra, pois “la teoría e il
capitano e la prattica sonó i soldati”.1224 Como a prática é reservada à ação política, Ortega, ao
seu ver, escolheu a parte mais eficaz.
Ortega tentou a todo custo ajudar na manutenção da República Espanhola,
fundandom em 1931, com Ramón Pérez de Ayala e Gregorio Marañon, a Agrupación al
Servicio de la República, afastando-se dos simpatizantes da Monarquia constitucional e das
1218
Ibidem, p. 779.
1219
Idem. Mirabeau o el Político. O.C., IV, p. 208.
1220
Ibidem, loc. cit.
1221
Ibidem, p. 213.
1222
Ibidem, loc. cit.
1223
Ibidem, loc. cit.
1224
Ibidem, loc. cit.
204
1225
LOPEZ DE LA VIEJA, M. T. Democracia y masas en Ortega y Gasset. Revista de Estudios Orteguianos,
nº 1, 2000, p. 138.
1226
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 248.
1227
ORTEGA Y GASSET, J. Democracia morbosa. O.C., II, p. 271.
1228
Idem. Palabras a los suscriptores, O.C., II, p. 267.
1229
Idem. Democracia morbosa. O.C., II, p. 274.
1230
Ibidem, p. 138.
205
1231
Ibidem, p. 135.
1232
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 248.
1233
Ibidem, loc. cit.
1234
Ibidem, p. 249.
1235
SAMPER, J. Ortega y Gasset como representante de la preocupación social de una generación. Vieja y nueva
política. Revista de Estudios Orteguianos, nº 2, 2001, p. 139.
1236
SPOTTORNO, J. O. Los Ortega. Madrid: Taurus, 2002, p. 223.
206
1237
GRACIAS, op. cit., p. 249.
1238
GRACIAS, J. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus, 2014, p. 249.
1239
Idem, loc. cit.
1240
ORTEGA Y GASSET, J. Democracia morbosa. O.C., II, p. 274.
1241
LOPEZ DE LA VIEJA, M. T. Democracia y masas en Ortega y Gasset. Revista de Estudios Orteguianos,
nº 1, 2000, p. 137.
1242
Ibidem, p. 140.
1243
Ibidem, p. 141.
1244
Ibidem, p. 149.
207
certeza é que, na proposta política de Ortega, estava presente sim “la existencia de um
compromiso de los intelectuales com las clases sociales más desfavorecidas”.1245
E, por último, a conclusão desta Tese quer fazer ainda um registro sobre o legado
de Ortega no panorama acadêmico brasileiro. Por ser de língua espanhola, é evidente que a
filosofia de Ortega reverberou bem mais nos países de língua hispânica vizinhos ao Brasil,
especialmente na Argentina, que mereceu duas viagens de Ortega, a primeira em 1916, a
segunda em 1928 e ainda uma tentativa de ali fixar residência em 1939. Ainda assim, é
possível constatar algumas intuições filosóficas próprias de Ortega, tais como o
perspectivismo e a elaboração do “eu” e das “circunstâncias” no panorama filosófico
brasileiro: “pode-se considerar o perspectivismo e circunstancialismo fonte de inspiração já
desde a década de 1930, ocasião em que se busca a fundamentação filosófico-educacional
para o sistema universitário emergente no país”.1246
A filosofia raciovitalista de Ortega também teve ressonância no Instituto
Brasileiro de Filosofia, fundado em São Paulo, em 1949, e na Revista Brasileira de Filosofia,
criada em 1950. Aqui, os principais expoentes brasileiros foram: Vicente Ferreira da Silva,
Helio Jaguaribe, Luis Washington Vita, Miguel Reale e Renato Czerna. Também Alvaro
Viera Pinto, membro do ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros, deixou-se
influenciar pelo raciovitalismo orteguiano. É preciso ainda notar que “outros autores e
correntes de pensamento também abrigaram aspectos das teorias orteguianas, tal como foi o
caso de Paulo Freire, com a noção de alteridade em sua pedagogia”.1247 O filósofo brasileiro
José Maurício de Carvalho lançou, em 2016, uma obra intitulada Ortega y Gasset e nosso
tempo,1248 em que narra o percurso do pensamento de Ortega e suas reverberações na
hodiernidade.
Recorda-se o desabafo que fez Ortega, ainda adolescente, ao seu irmão mais
velho, Eduardo: “Se han levantado em mi ideas a bandadas y no sé qué hacer para reternelas.
Temo que se escapen, que se me olviden, aunque estoy seguro de que volverán”. 1249 Ortega
estava certo, as ideias retornaram e materializaram-se todas no arco da vida do filósofo
espanhol. Concorde-se ou não com as concepções de Ortega acerca da vida e do homem, há
de se ter em conta o seu esforço em propor uma nova metafísica e uma nova antropologia,
colocando para si a difícil tarefa de superar o idealismo e a fenomenologia, a partir de uma
1245
SAMPER, J. Ortega y Gasset como representante de la preocupación social de una generación. Vieja y nueva
política. Revista de Estudios Orteguianos, nº 2, 2001, p. 144.
1246
GONÇALVES JÚNIOR, A. F. Ortega y Gasset. In: PECORARO, Rossano (Org.). Os Filósofos - Clássico
da Filosofia. Petrópolis: Vozes, 2009, v. 3, p. 27.
1247
Ibidem, p. 27.
1248
CARVALHO, José Maurício. Ortega y Gasset e o nosso tempo. São Paulo: Filoczar, 2016.
1249
SPOTTORNO, J. O. Los Ortega. Madrid: Taurus, 2002, p. 134.
208
REFERÊNCIAS
ARON, Raymond. Una lectura crítica de La rebelión de las masas. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 12/13, 2006.
BENÍTEZ, Jaime. El Ortega que conocí. Revista de Estudios Orteguianos, nº 21, 2010.
CARVALHO, José Maurício. Ortega y Gasset e o nosso tempo. São Paulo: Filoczar, 2016.
GAOS, J. Los pasos perdidos. Escritos sobre Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva.
2013.
LEDESMA, F. El mal radical. Notas sobre La rebelión de las masas. Revista de Estudios
Orteguianos, nº 2, 2001.
MARICHAL, Juan. Teoría e historia del ensayismo hispánico. Madrid: Alianza, 1984.
_____. La crítica a Aristóteles de Ortega, y sus fuentes. In: DURAN, M (Org.). Ortega, Hoy.
México: Editorial UV, 1985, p. 213.
_____. Imágenes de una vita (1883-1955). Madrid: Font Diestre S.A., 1983.
RABI, Lior. Georg Simmel, Ortega y Gasset y el retorno a la metafisica tradicional rumbo a
una filosofía de la vida. Revista de Estudios Orteguianos, nº 23, 2011.
214
_____. Reflexiones sobre la cultura burguesa. La ética de José Ortega y Gasset. Revista de
Estudios Orteguianos, nº 31, 2015.
UNAMUNO, M. ABC Diario Ilustrado (Madrid), 15.09.1909, p. 10. Año quinto, número
1.561. Disponível em: <http://www.filosofia.org/001/a383.htm>. Acesso em: 15 set 2016,
10:00:00.
_____. Prólogo. Conversación. In: ORTEGA Y GASSET, J. Goethe desde dentro. O.C., V.