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História e Literatura

do Antigo Testamento
História e Literatura
do Antigo Testamento
Acir Raymann
Conselho Editorial EAD
Dóris Cristina Gedrat (coordenadora) Andrea Eick
Mara Lúcia Machado André Loureiro Chaves
Astomiro Romais Cátia Duizith

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de


inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio
ou forma sem a prévia autorização da Editora da ULBRA.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº .610/98 e
punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

Acir Raymann possui graduação em Pedagogia pela Faculdade Porto-


Alegrense de Educação, Ciências e Letras (1972); graduação em Teologia
pelo Seminário Concórdia (1970); mestrado em Teologia pelo Concordia
Seminary (1974); e doutorado em Teologia pelo Concordia Seminary
(1999). Atualmente é professor adjunto da ULBRA e professor titular do
Seminário Concórdia. Tem experiência na área de Teologia, com ênfase
em Teologia do Antigo Testamento, atuando principalmente nos seguintes
temas: hebraico bíblico, Antigo Testamento, exegese, hermenêutica e
arqueologia bíblica.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

R267h Raymann, Acir.


História e literatura do antigo testamento / Acir Raymann. –
Canoas : Ed. ULBRA, 2011.
136 p.

1. Antigo Testamento. 2. História. 3. Religião. I. Título.

CDU 222

Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas

ISBN 978-85-7528-372-1
Projeto Gráfico: Humberto G. Schwert Dados técnicos do livro
Editoração: Rodrigo Saldanha de Abreu Fontes: Minion Pro, Officina Sans
Capa: Juliano Dall’Agnol Papel: offset 90g (miolo) e supremo 240g (capa)
Medidas: 15x22cm
Coordenação de Prod. Gráfica: Edison Wolf
Impressão: Gráfica da ULBRA
Abril/2011
Sumário

Apresentação............................................................... 7

1 | O Antigo Testamento.................................................... 9

2 | História do estudo científico do Antigo Testamento......... 21

3 | A formação do Antigo Testamento................................. 27

4 | O Pentateuco – Gênesis............................................... 37

5 | Êxodo....................................................................... 49

6 | Levítico.................................................................... 65

7 | Números................................................................... 73

8 | Deuteronômio............................................................ 83

9 | Os profetas – Isaías.................................................... 91

10 | Os Escritos – Salmos..................................................109

Bibliografia..............................................................129

Apêndice.................................................................133
Apresentação
Esta disciplina se chama História e Literatura do Antigo Testamento.
Comecemos por definir o que pretendemos com esse título. Iniciemos com a
última expressão: Antigo Testamento. O nome “Antigo Testamento” provém de
2 Coríntios 3.14, em que o apóstolo Paulo emprega a expressão “antiga aliança”
para designar a Bíblia hebraica. Paulo reporta-se aqui à ideia da “nova aliança”,
mencionada em Jeremias 31.31. Na visão cristã, o conceito “Antigo Testamento”
implica que a Bíblia compõe-se de duas partes, a saber, o Antigo ou Primeiro
Testamento e o Novo ou Segundo Testamento.
O termo “Testamento” vem da língua latina, uma tradução do termo hebraico
b rit, que significa “aliança”. Claro, recentemente no diálogo entre cristãos e
e

judeus o emprego da expressão “Antigo Testamento” foi criticado porque o termo


“antigo” pode também ter a conotação de “ultrapassado” levando a crer que o
Antigo Testamento só tem valor por causa do Novo Testamento ou, pior (como
julgam alguns), uma vez que o “novo” está presente, o “antigo” é perfeitamente
dispensável. (Não é assim que muitas vezes até cristãos sinceros e piedosos
também pensam?) Este é o motivo por que as expressões mais objetivas “Bíblia
hebraica” e “Primeiro Testamento” são aqui também empregadas.
Originalmente, o texto bíblico não continha divisão em capítulos, versículos e
nem mesmo divisão entre palavras que não continham vogais (embora o hebraico
8 Apresentação

fosse uma língua vocálica).1 Todos esses artifícios foram criados posteriormente,
quando a língua hebraica deixava de ser a língua franca (tipo assim inglês da época)
para se tornar a segunda língua ou até mesmo uma língua morta na Palestina.
A atual divisão em capítulos, portanto, não provém dos autores bíblicos, mas é
uma iniciativa do arcebispo da Cantuária chamado Stephan Langton, no século XIII.
A divisão em versículos foi feita bem mais tarde, por volta de 1550. Os textos bíblicos
encontrados em Qumran (em português Cumrã), nas cavernas do mar Morto em
1947, mostram que já antes de Jesus o texto do Antigo Testamento estava dividido
em capítulos e versículos que serviam, sobretudo, para fins litúrgicos. Mais tarde,
na época rabínica, foram determinados os parágrafos e os trechos de leitura para o
culto; versículos eram determinados por acentos gráficos, mas não numerados.
Também se deve levar em conta que os títulos dos capítulos, comum na
maioria das traduções, são acréscimos posteriores cuja intenção é estruturar o
texto e facilitar a sua compreensão. Neste livro, os nomes próprios bem como o
sistema de abreviação de livros bíblicos e de indicação de capítulos e versículos
seguem a versão revista e atualizada de João Ferreira de Almeida, editada pela
Sociedade Bíblica do Brasil.
Estudar História e Literatura do Antigo Testamento demanda muito espaço e
tempo. Visto que numa disciplina como esta sofremos com a carência de ambos,
foi necessário optar por aprofundar certas partes representativas do Primeiro
Testamento para fornecer a você, estudante, uma ideia da sua estrutura, conteúdo,
mensagem e teologia. Em razão disso, o Pentateuco – que forma a primeira parte
do cânone –, por ser o fundamento dos demais livros do Antigo Testamento,
será tratado com maior atenção e amplitude.
A segunda parte está representada por aquele que é considerado o maior
profeta do Antigo Testamento, a saber, o profeta Isaías; e a terceira parte tratará
de um estudo mais amplo e detalhado daquele que é o livro mais popular do
Antigo Testamento entre os cristãos, ou seja, Salmos.

Acir Raymann

|| 1 Além da ausência de vogais, os versículos eram escritos juntos, sem separação entre as palavras.
Imagine você o primeiro versículo da Bíblia em português escrito desta maneira: “Nprncpcrdsctrr”.
Isso é Gn 1.1 sem as vogais (Almeida Revista e Atualizada).
1

O Antigo Testamento
1.1 Por que o Antigo Testamento?
Por que estudar o Antigo Testamento? Há necessidade de se estudar o Antigo
quando o Novo já está aí? E se o Novo chegou, existem motivos para se voltar
ao Antigo?
Não são poucas as vezes em que as pessoas formulam tais perguntas. As
respostas talvez fiquem claras se prestarmos atenção para o que o próprio
Jesus considerou ser o Antigo Testamento. Pelo estudo dos evangelhos ficamos
sabendo que Jesus realmente tinha o Antigo Testamento em alta consideração
ou, mais precisamente, o considerava como Palavra de Deus. Para Ele o Primeiro
Testamento, como também chamamos, era Palavra de Deus. O diálogo de
Jesus com os dois discípulos na estrada de Emaús, depois da Sua ressurreição,
é bastante revelador.
No relato de Lucas (24.13-31) se percebe claramente que aqueles dois
discípulos não haviam acolhido plenamente o testemunho das mulheres que
afirmavam que Cristo havia ressuscitado. A eles Jesus diz: “Ó néscios e tardos
de coração para crer em tudo o que os profetas disseram!” (v. 25). E passou
a lhes mostrar, fundamentado nas Escrituras do Antigo Testamento, como
tudo já estava previsto. E Lucas continua dizendo: “E, começando por Moisés,
discorrendo por todos os profetas, expunha-lhes o que a Seu respeito constava
em todas as Escrituras” (v. 27). Note a expressão: “...em todas as Escrituras”. Jesus
fundamentou o Seu argumento no livro conhecido como “as Escrituras” e bem
10 O Antigo Testamento

assim como “Moisés e os profetas”. Esta última expressão é um designativo do


Antigo Testamento encontrado com frequência nos manuscritos do mar Morto
(ou manuscritos de Cumrã) e também no Novo Testamento.
A parábola de Jesus sobre o rico e Lázaro me parece que fala ainda mais alto
com relação a este aspecto. A ênfase desta parábola está no fato de que precisamos
dar crédito à Palavra de Deus. O texto diz que o homem rico foi condenado
ao tormento eterno do qual não havia escapatória nem alívio. Por outro lado,
Lázaro, o mendigo, se encontrava em um lugar de bênçãos eternas. O homem
rico suplicou a Abraão para que este enviasse Lázaro à terra para alertar os seus
cinco irmãos. Jesus cita a resposta de Abraão: “Eles têm Moisés e os profetas”,
ou seja, o Antigo Testamento. Uma vez mais o homem condenado implora que
seus irmãos recebam um testemunho espetacular, miraculoso. Abraão responde:
“Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda
que ressuscite alguém dentre os mortos” (v. 31).
Observe a força e a pertinência deste argumento de Jesus. O testemunho do
Antigo Testamento é mais valioso do que o de um indivíduo supostamente vindo
do além. As tradições dos judeus daquele tempo haviam deturpado a mensagem
bíblica. Isso fica atestado no fato de que nem a ressurreição de Lázaro ou do
próprio Jesus foram suficientes para convencer os oponentes. As palavras de
Jesus são claras: a Lei e os Profetas são testemunhos eficazes da salvação.
Em outra ocasião, Jesus fala algo similar. Ele diz: “Porque, se, de fato, cresses
em Moisés, também creríeis em mim; porquanto ele escreveu a meu respeito.
Se, porém, não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?”
(Jo 5.46-47). Nessa passagem, por um lado Jesus está se referindo a Moisés
como autor do Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia) e, por outro,
está confirmando que tais escritos falam a respeito Dele e precisam ser cridos.
Em outras palavras, duvidar do Antigo Testamento é duvidar das palavras de
Jesus. Se cremos em Jesus – e por certo cremos –, então devemos também crer
no Antigo Testamento.
Seguidamente, alguns críticos liberais usam a passagem de Mateus 5.17 para
afirmar que na sequência Jesus contradiz as Sagradas Escrituras. O versículo em
que baseiam seu argumento é este quando Jesus fala: “Ouvistes o que foi dito:
Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo” (v. 43). Na verdade, o que Jesus
está dizendo é: “Ouvistes o que foi dito” (e não “o que está escrito”): “Amarás
O Antigo Testamento 11

o teu próximo e odiarás o teu inimigo”. O termo dito tem a ver com “tradição”,
“cultura”, “costume.” É diferente do está escrito. A expressão “foi dito” é uma
referência que Jesus faz aos anciãos, escribas, fariseus; por outro lado, a expressão
“está escrito” tem a ver com Deus e Sua Palavra – o Antigo Testamento. Apenas
a primeira parte dessa citação (Lv 19.18) está no Antigo Testamento; o trecho
seguinte, não. O que Jesus faz é contradizer o que os fariseus acrescentaram.
Jesus critica e condena os acréscimos, as tradições impostas, pois estas não
fazem parte da Escritura. O que é Escritura ou Palavra de Deus é o que consta
no Antigo Testamento.
Uma análise mais detalhada seria necessária para nos convencermos do
valor e da importância que Jesus dava ao Antigo Testamento. Como isso não é
possível neste espaço, mesmo assim algumas referências são relevantes. Jesus deu
início ao seu ministério em Cafarnaum, ao ler Isaías na sinagoga (Lc 4.16-19).
Perante todos declarou: “Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir” (Lc
4.21). Na face dos saduceus disse que estes estavam errados “não conhecendo
as Escrituras” (Mt 22.19). Apelou ao Antigo Testamento para justificar as suas
ações no dia do sábado (Mt 12.5), sua atitude ao expulsar os cambistas do templo
(Mt 21.13) e o fato de ter aceito o louvor do povo na sua entrada triunfal em
Jerusalém (Mt 21.16). Referiu-se à história de Jonas e o grande peixe como figura
da Sua ressurreição (Mt 12.40), à criação de Adão e Eva pelas mãos de Deus
(Mc 10.6). Diante de seus ouvintes e principalmente diante de seus opositores,
Jesus mostra que a fonte da vida e da salvação tem seu início nas promessas e
correta interpretação delas no Antigo Testamento.

1.2 O cenário do Antigo Testamento


A Bíblia, não obstante o seu caráter divino nela implícito, é também um livro
humano. Por ter um caráter também humano, a Bíblia interage com a história
e a geografia. Os relatos bíblicos, diferentes dos relatos míticos das nações
circunvizinhas ao povo de Deus do Antigo Testamento, acontecem no tempo e
no espaço. Portanto, a geografia desempenha um papel importante na narrativa
e na compreensão dessa narrativa.
A narrativa bíblica do Antigo Testamento se desenrola numa área geográfica
bastante ampla no assim chamado Antigo Oriente Próximo (AOP). As regiões
ocupadas por nações como a Assíria, Síria, Babilônia, Egito e Moabe, por
12 O Antigo Testamento

exemplo, são conhecidas, apesar de a extensão do seu território ter sido alterada
no transcorrer da história. Além dos territórios, também várias cidades antigas
como Jericó, Jerusalém e Damasco podem ser identificadas e continuam a ter
importância ainda hoje.
O desenvolvimento amplo da história bíblica no seu contexto geográfico
serve de cenário para a mensagem central da Escritura Sagrada, que é a salvação
da humanidade rebelde na pessoa e na obra do Salvador Jesus Cristo. Embora
geografia e história tenham como personagens seres humanos, o protagonista
delas não é outro senão o Deus que cria e mantém o universo. A Escritura
estabelece uma diferença marcante entre Deus e Sua criação. Em Isaías 40.22,
os moradores da terra são descritos como gafanhotos, enquanto Deus está
assentado sobre a redondeza da Terra. Na visão bíblica, portanto, apenas Deus
tem a verdadeira perspectiva do mundo – como cenário onde está e milita a
Sua Igreja.

1.2.1 O Crescente Fértil


Da perspectiva geográfica, o Oriente Próximo é o ponto de encontro de três
continentes: Ásia, África e Europa. Logo, é o encontro também de três culturas:
oriental, africana e ocidental. Ali estava a esquina do mundo de então. Crises,
mudanças e progressos num continente afetavam, direta ou indiretamente, toda
a região. É nesta área que a Terra Santa está situada.
Crescente Fértil é o nome que se dá àquela faixa de terra verde e fértil em
forma de “C”, ou duma Lua Quarto Crescente, que vai da Suméria, junto ao
Golfo Pérsico no leste, até o Egito, cobrindo toda a faixa banhada pelo rio Nilo,
no oeste.

1.2.2 Mesopotâmia
Ao norte desta região se acha o berço da civilização ocidental. Ali está a
Mesopotâmia, cujo nome significa “[terra”] entre rios”, ou seja, os rios Tigre e
o Eufrates. O lado norte da Mesopotâmia era defendido naturalmente por uma
cordilheira de montes, chamados Zagros. Tal cordilheira era uma defesa contra
os fortes ventos gelados vindos do Polo Norte, fazendo com que a região da
Mesopotâmia desfrutasse um clima ameno boa parte do ano. Da mesma forma,
O Antigo Testamento 13

servia como barreira para eventual invasão de exércitos inimigos vindos do


outro lado. Na região da Mesopotâmia se desenvolveram várias superpotências,
a saber, a Assíria, Síria, Babilônia, Média-Pérsia.
A Mesopotâmia foi o lugar originário dos israelitas, pois os patriarcas hebreus
viveram na região de Harã, entre o Tigre e o Eufrates. Abraão é chamado de
amorreu (Ez 16.3), e, certo tempo depois, Jacó residiu temporariamente entre
seus parentes amorreus em Padã-Harã (Gn 28.1-9). Sabemos também que Abraão
migrou da cidade de Ur, na Mesopotâmia, para Harã, ao norte, e depois para
Canaã, seguindo a revelação e a promessa do Senhor.
Posteriormente, maior influência tiveram ainda os mesopotâmicos, assírios,
babilônios e persas sobre a história dos israelitas quando controlaram a Palestina
em determinados momentos de seu governo sobre o Antigo Oriente Próximo.
Esse domínio aconteceu quando a Assíria e a Babilônia se tornaram responsáveis
pela destruição do reino dividido dos israelitas e pela deportação de milhares
deles para a Mesopotâmia. Mais tarde, sob o governo persa, os exilados hebreus
tiveram permissão para retornar à sua terra e reconstruir suas cidades e o templo
de Jerusalém.

1.2.3 Região siro-palestina


A costa siro-palestina junto ao mar Mediterrâneo era uma região fértil e
bastante cobiçada. Especialmente a Fenícia tinha a vantagem dos portos naturais,
algo que não acontecia na parte sul de toda a região, por ser uma costa quase reta
na direção norte-sul. Isso propiciou um amplo comércio marítimo centrado na
região fenícia, especialmente através dos seus portos: Tiro, Sidom e Biblos. Os
fenícios ocupavam a costa norte da Palestina, de Aco a Ugarite, e negociavam por
toda a costa mediterrânea durante quase dois milênios (cf. Ez 27). A Bíblia fala
que Davi e Salomão foram aliados dos fenícios. Como resultado dessa aliança, os
fenícios ajudaram no projeto da edificação do templo de Jerusalém como também
na construção de um porto em Elate, no mar Vermelho (1 Rs 7.13-22; 9.26-28).
Essas relações políticas e comerciais levaram a que Acabe, rei de Israel, casasse
com a princesa fenícia Jezabel. Esta união resultou no surgimento da religião de
Baal-Melcarte na vida religiosa do Reino do Norte (1 Rs 16.29-34).
14 O Antigo Testamento

1.2.4 Egito
O Egito ficava no extremo ocidental do Crescente Fértil, a noroeste da
Palestina. Atrelado ao Egito está o seu rio, o Nilo. Sem o Nilo, o Egito não poderia
existir. Historiadores antigos já diziam que o Egito é um presente do Nilo. Pela
importância que tinha para os egípcios, estes consideram o rio como um deus
porque toda a vida dependia das correntes contínuas do seu grande leito.
O Egito Antigo era dividido em reino do Alto Egito, ao longo da estreita
faixa do vale do rio ao sul, e o reino do Baixo Egito, a área do delta ao norte.
As cheias previsíveis do rio e as barreiras naturais de montanhas e deserto na
fronteiras oriental e ocidental tornaram o Egito uma civilização estática. Sem ser
ameaçado, por milênios o Egito desenvolveu uma economia agrícola invejável,
uma estrutura governamental estável e uma cultura própria e duradoura.
A história de Israel no Antigo Testamento está vinculada, em vários
momentos, por estreitas relações com o Egito. O período do Império Antigo
(cerca de 3100-2100 a.C.) foi a época da construção das grande pirâmides
sepulcrais da família real. O Médio Império (2133-1786 a.C.) teria incluído a
passagem de Abraão pelo Egito (Gn 12.10-20) e a migração de Jacó e sua família
para lá (Gn 45.16-47.12). É possível que o Segundo Período Intermediário (1786-
1570 a.C.) tenha sido palco da presença e a consequente opressão dos hebreus
como escravos (Êx 1.1-14).
O Novo Império (1570-1085 a.C.) testemunhou o chamado de Moisés como
libertador dos hebreus e o Êxodo do cativeiro egípcio (Êx 3-13). Até o Bronze
Posterior (cerca de 1200 a.C.), o Egito controlou a Palestina sob o governo de
Ramsés II, graças, em parte, a um tratado com os hititas. A intervenção egípcia na
Palestina continuou com Sisaque I, que acolheu Jeroboão como fugitivo político
de Israel (1 Rs 11.40). Tempos depois, entretanto, ele invadiu Judá durante o
reinado de Roboão (1 Rs 14.25-26). Daí em diante, o Egito permaneceu aliado
importante e necessário para ambos os reinos, do Norte e do Sul, contra os
poderes imperiais mesopotâmicos da Assíria e da Babilônia.
A presença egípcia foi influente na monarquia hebreia. O rei Salomão, por
exemplo, se casou com a filha do faraó como parte de uma aliança política (1
Rs 3.1-2). Bem mais tarde, em triste episódio, o rei de Judá Josias foi morto pelo
faraó Neco na batalha de Megido (2 Rs 23.28-30).
O Antigo Testamento 15

1.2.5 Palestina
No centro do Crescente Fértil está a Palestina. A região da Palestina recebe
este nome por causa dos filisteus (pelishtim), que se instalaram ao longo da
costa do Mediterrâneo de Jope a Gaza ao redor de 1200 a.C. Antes da chegada
dos filisteus, a região se chamava Canaã. Esse termo significava “terra púrpura”
e, possivelmente, se originou da tintura produzida por um tipo de molusco
encontrado em abundância ao longo da costa. No século V a.C., o historiador
grego Heródoto referiu-se à área como “Síria Filisteia”. Mas este nome não aparece
no Antigo Testamento, que prefere “terra de Canaã”, em função de seus principais
habitantes, os cananeus. No Antigo Testamento ela é chamada “Israel” ou “terra
de Israel” (1 Sm 13.19). Já o nome Terra Santa (Zc 2.12) se tornou popular na
Idade Média, especialmente em razão das Cruzadas.
A Palestina se acha rodeada ao norte pela Mesopotâmia; ao sul pelo Egito; a
oeste pelo mar Mediterrâneo, que no Antigo Testamento é também chamado de
“Grande Mar”; ao leste está a região desértica e inóspita da Arábia. Todas estas
regiões, umas mais, outras menos, estão intimamente ligadas ao texto bíblico.
A Palestina é geralmente considerada o centro geográfico e teológico do
mundo antigo. De um lado era privilegiada pela sua posição geográfica na
medida em que se situava no cruzamento de rotas comerciais importantes
da Antiguidade, entre os continentes da África, Ásia e Europa. Por outro, era
uma área bastante cobiçada por nações estrangeiras em razão de sua posição
militarmente estratégica. A região tem aproximadamente 240km de extensão
de Dã, ao norte, a Berseba, no sul, e 140km do rio Jordão (leste) ao mar
Mediterrâneo (oeste) – uma área equivalente ao estado de Sergipe.
A terra da Palestina se divide claramente em quatro regiões longitudinais,
ou seja, na direção norte-sul. São elas: a planície costeira, a cordilheira central,
a depressão jordânica e o planalto da Transjordânia (cf. Dt 1.6-8).

Planície costeira
A planície costeira se estende a distâncias de 15 a 20km ao sul da Palestina.
É uma faixa fértil de terra porque recebe chuvas frequentes vindas do mar
Mediterrâneo. Três planícies distintas são identificadas ao longo da costa: Aco,
16 O Antigo Testamento

que se estende ao norte, do monte Carmelo; Sarom, entre o monte Carmelo e a


cidade de Jope; e a planície dos filisteus, de Jope a Gaza. Para o povo de Israel
no Antigo Testamento, a planície costeira nunca teve importância maior porque
não tinham fácil acesso a ela. Os fenícios a controlavam ao norte; os filisteus, a
planície sul; e a planície de Sarom era composta por um solo pouco fértil e por
uma floresta densa naqueles tempos e que era, via de regra, ocupada também
pelos filisteus.
Na planície costeira, uma importante estrada norte-sul ligava o Egito a
Damasco e depois à Mesopotâmia. Seguidamente, ela tem sua rota alterada para
o interior em razão das dunas e pântanos. Ela é chamada Via Maris, a “Estrada
do Mar”, expressão cunhada pela Vulgata ao traduzi-la dessa forma em Isaías 9.1.
Antes de chegar ao monte Carmelo, a Via Maris avançava bastante em direção ao
centro da região. Era guardada na entrada da planície de Jezreel pela cidade de
Megido. De Megido a estrada se ramificava, voltando-se para o norte, em direção
às cidades fenícias, mesopotâmicas e em direção do golfo pérsico, a oriente. Esta
estrada internacional foi usada durante todo o período bíblico, e algumas das
cidades mais importantes da Antiguidade estavam próximas a ela.

Cordilheira central
Esta, sim, era uma região importante para o povo de Israel no Antigo
Testamento, quem sabe, a mais importante. Por ser uma região montanhosa
e, por isso mesmo, oferecer defesa natural, a maioria das cidades israelitas foi
construída ali. O terreno montanhoso forma a espinha dorsal da Palestina,
geralmente dividida em três partes principais: Galileia, Samaria e Judá. As
elevações atingem até os 1.000m, e o bom índice pluviométrico é próprio para
o cultivo de grãos, vinhedos, pomares e olivais.
Começando ao norte, os principais pontos da Galileia incluem o monte
Tabor (Jz 4.6,12) e o vale de Jezreel. Na área de Samaria, o grande destaque era
a cidade de Siquém, situada entre os montes Ebal e Gerizim. A principal cidade
era, claro, Jerusalém, que se situava no cruzamento das rotas comerciais de Judá.
Mais tarde, durante a época da monarquia no reino de Judá, a cidade fortificada
de Laquis se tornou a segunda cidade mais importante.
O Antigo Testamento 17

Depressão jordânica
O vale do rio Jordão é uma grande depressão geológica que inicia na região
da Síria, ao norte as montanhas do Líbano, e se estende para o sul até o golfo de
Ácaba e o mar Vermelho. Este vale determina a fronteira oriental da Palestina.
O rio Jordão tem suas fontes nas encostas do monte Hermom e é formado
por três pequenos ribeiros. O nome “Jordão” vem do hebraico “Yarden”, que
tem sua origem no verbo yarad, que significa “descer”. “Jordão”, portanto, é
“aquele que desce”. E o rio faz jus a seu nome. O Jordão desce do Hermom a
mais ou menos 500m, flui para o pântano de Hulê e rapidamente cai para 300m,
desaguando no mar da Galileia. Este lago de água doce fica a cerca de 200m
abaixo do mar Mediterrâneo e é cercado por colinas. Na Escritura o mar da
Galileia possui vários nomes: Quinerete (“harpa” – Nm 34.11), Genesaré (Lc
5.1) e Tiberíades (Jo 21.11). O mar da Galileia possui 20km de largura e 11km
de comprimento. Desse ponto, desce mais ainda em direção ao mar Morto. O
mar Morto é chamado também de “mar Salgado” (Gn 14.3), “mar da Arabá” (Js
3.16) e “mar ocidental” (Zc 14.8). Josefo referiu-se a ele como o “mar de asfalto”
(Guerra 4.8.4, #476) e os árabes o chamam de “mar de Ló”. O mar Morto não
é mencionado no Novo Testamento. Devido à imensa quantidade de sais que
o Jordão lança no mar Morto, sua concentração de salinidade fica em quase
30%, quando o normal é em torno de 7%. Nada sobrevive nele; por isso o nome,
recebido dos gregos. O mar Morto se situa a mais de 400m abaixo do nível do
Mediterrâneo, tornando-se o ponto mais baixo do mundo.
Os desfiladeiros de calcário que circundam a margem ocidental do mar
Morto estão repletos de cavernas que serviam de esconderijo para bandidos,
foragidos políticos e seitas religiosas. Entre as cavernas dessa árida região foram
encontrados os famosos manuscritos do mar Morto, ou Cumrã, em 1947.
Em tempos do Antigo Testamento, a região em torno do mar da Galileia era
densamente povoada e a agricultura era viçosa graças às técnicas de irrigação.
Serpenteando para o sul, o vale estreitava-se e se cobria de vegetação densa, lugar
propício para a presença de animais selvagens (Jr 49.19; 50.44; Zc 11.3).
18 O Antigo Testamento

Planalto da Transjordânia
A leste da depressão jordânica a terra se eleva abruptamente, formando um
planalto que se estende até o deserto arábico. Boa parte da região possui alguns
minérios e é adequada à agricultura e ao pastoreio. Quatro grandes uádis, ou
ribeiros, deságuam no rio Jordão desde o planalto: Jarmuque, Jaboque, Arnom
e Zerede.
O planalto pode ser dividido em três platôs principais: Seir, ao sul; Moabe e
Gileade, na Transjordânia central; e o planalto de Basã, ao norte.
O planalto de Seir, ao sul, é o mais acidentado deles, com montes que
atingem até 2.000m. Foi nessa área que os edomitas, e mais tarde os nabateus,
construíram cidades entre os desfiladeiros. A mais conhecida hoje é a cidade de
Petra, famosa por aparecer em filmes de Indiana Jones e até em novela brasileira.
Gileade possuía terras férteis e até hoje remanescentes de florestas podem ser ali
encontrados. Mas o maior e mais fértil dos planaltos era o de Basã. O rico solo
vulcânico faz dela a melhor terra de pastagem da região do Levante. Com tal
característica a região de Basã é mencionada na Bíblia (Sl 22.12; Am 4.1).
A segunda importante estrada internacional passava por essa região e era
chamada a “Estrada do Rei” (Nm 20.17; 21.22). Ela estendia-se do Golfo de
Ácaba ao sul até Damasco, ao norte. Para contornar o leito dos quatro rios e
deformações no terreno, a estrada tinha de ser por vezes desviada até 40km para
o leste, chegando à beira do deserto. Era a estrada mais usada pelas caravanas
de nômades que transportavam seus produtos comerciais para trocá-los por
produtos agrícolas. Durante a monarquia israelita, a “Estrada do Rei” ganhou
importância especial pelo incremento do comércio com a Arábia.
A região da Transjordânia foi a primeira a ser colonizada pelos hebreus na
conquista da Palestina após o Êxodo do Egito.

Atividades
1. Várias vezes Jesus se refere a um fato ou episódio como “foi dito”; outras
vezes Ele diz “está escrito”. Verifique em sua Bíblia, com o auxílio de
uma pequena Concordância Bíblica se possível, onde Jesus emprega
tais expressões e observe se faz diferença o uso de uma e de outra.
O Antigo Testamento 19

2. Com as palavras “Ouvistes o que foi dito...” Jesus está se referindo a


(assinale duas alternativas):
a) Antigo ou Primeiro Testamento.
b) anciãos, escribas e fariseus.
c) tradição.
d) Moisés e profetas.
e) Lei Mosaica.

3. A origem de “Jordão” vem de uma palavra hebraica, que significa:


a) subir.
b) descer.
c) correr.
d) afundar.
e) salinizar.

4. A Palestina possuía duas estradas principais que foram importantes na


história bíblica do Antigo Testamento. Uma delas era a Via Maris, que
se estendia de:
a) Dã a Berseba.
b) Jope a Rabá.
c) Elate a Damasco.
d) Egito a Damasco.
e) Egito a Jerusalém.

Respostas:
2) b, c
3) b
4) d
2

História do estudo científico


do Antigo Testamento
2.1 Período da Igreja Pós-neotestamentária
Os Pais da Igreja Neotestamentária não se preocupavam muito com questões
científicas relacionadas ao Antigo Testamento. Seu objetivo maior e imediato, até
mesmo em função da sua proximidade com a ressurreição e ascensão de Jesus,
estava ligado mais ao aspecto missiológico, à exposição do conteúdo das Escrituras
e à formulação de doutrinas. Mas houve momentos em que foram compelidos a
focar sua atenção em questões de aspectos de introdução relacionados ao Antigo
Testamento. Desde a época de Marcião, um herege gnóstico que viveu no segundo
século, a Igreja tem sido desafiada com o problema do papel do Antigo Testamento
na Bíblia. Marcião rejeitava o Antigo Testamento e o Deus descrito nessa parte
da Bíblia. Para ele o Deus do Antigo Testamento era um Deus da ira, da guerra
e, portanto, um “Deus inferior”. A Igreja precisou tomar posição quanto a essa
visão, e a partir daí vem se defrontando com preconceitos em relação ao Antigo
Testamento. Um pouco mais tarde, quando Porfírio, por exemplo, atacou o livro
de Daniel e o declarou uma fraude forjada, Jerônimo, que traduziu a Vulgata, fez
uma réplica, contestando a posição de Porfírio.
A primeira tentativa para uma análise mais ampla e enfocada sobre a
introdução a um livro bíblico provavelmente se encontra em Santo Agostinho, na
sua obra escrita em latim A Respeito da Doutrina Cristã. Esta obra contém valiosa
22 História do estudo científico do Antigo Testamento

contribuição sobre o assunto da interpretação do texto bíblico. Nos dois primeiros


livros, Agostinho exibe e desenvolve as características da correta interpretação
bíblica. Importante também a refutação que faz aos donatistas e seus pontos de
vista, dentre os quais a exagerada importância que davam à Septuaginta.

2.2 Período da Reforma


O término do período medieval testemunhou profundas transformações
até mesmo no estudo do Antigo Testamento. A característica fundamental da
Reforma é fazer com que a atenção da Igreja da época se volte para as Sagradas
Escrituras como fonte única de fé e vida. Essa revolução faz com que a Reforma
tenha como mérito também o fato de ter impelido para o primeiro plano a
importância do estudo da Escritura a partir das línguas originais. A ênfase
no hebraico e no grego fez com que os debates teológicos fossem, por vezes,
decididos em análises mais precisas e meticulosas do estudo do texto original.
São conhecidas as palavras de Martinho Lutero sobre a importância das línguas
bíblicas. Dizia ele: “Não conseguiremos preservar o Evangelho corretamente
sem as línguas. As línguas [originais] são as bainhas da espada do Espírito. São
o cofre no qual se guarda essa preciosidade...”.2
Nesta ênfase, não muito distante de Lutero, está Calvino. Ambos estudaram
a língua hebraica com grandes professores e sem dúvida muito fizeram para
encorajar outros ao seu estudo. Em razão disso, as obras sobre Introdução ao
Antigo Testamento, que se originaram nesse período e pouco depois, revelaram
profundo interesse na questão do texto. É consenso entre os estudiosos que a
Reforma foi responsável por um verdadeiro e sensível progresso no estudo
científico do Antigo Testamento.

2.3 O período da Pós-Reforma


O período após a Reforma fica demarcado pelo aparecimento de pontos
de vista filosóficos que se revelaram como hostis ao elemento sobrenatural do
cristianismo. Algumas dessas opiniões tiveram expressão na obra Leviathan,

|| 2 LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. V. 5. Ilson Kayser, editor-geral. São Leopoldo/Porto


Alegre: Sinodal/Concórdia, 1994, p.311, 312 e 316.
História do estudo científico do Antigo Testamento 23

de Thomas Hobbes, um deísta inglês (1651). Hobbes atacou algumas tradições


relacionadas à origem e à data de certos livros do Antigo Testamento. Um pouco
mais tarde, em 1670, aparece a obra de Benedito Spinoza chamada Tratado
Teológico-político, que, baseada em princípios semelhantes aos de Hobbes,
questiona a presença de aspectos sobrenaturais na Escritura.
Estes críticos foram seguidos por outro, desta vez um padre católico romano
francês, chamado Ricardo Simon. Na sua obra História Crítica do Antigo
Testamento (1685) Simon discute a data de vários livros, particularmente os do
Pentateuco. Afirmou que o Pentateuco, em sua forma presente, não pode ter
sido obra de Moisés e considerava os livros históricos (como Reis e Crônicas)
como extratos tirados dos anais públicos da corte de Israel e Judá.

2.4 Período do Iluminismo


A obra de Simon produziu frutos nos escritos de Johann Semler, que
fortaleceu os princípios adotados por Simon com um espírito ainda mais
negativo. Semler estabeleceu dois princípios com relação ao Antigo Testamento.
Primeiro: o Antigo Testamento “apenas contém a Palavra de Deus”. Segundo:
“Trate o Antigo Testamento como qualquer outro livro”. Em outras palavras,
para Semler, a autoridade para interpretar e dar valor ao Antigo Testamento
era o próprio leitor, do seu jeito e a seu modo.
Em 1780, surge a Introdução ao Antigo Testamento de Johann G. Eichhorn.
Na maior parte da sua obra Eichhorn chamou a atenção para a beleza literária do
Antigo Testamento, mas descartou também uma compreensão genuína sobre o
seu caráter sobrenatural. A partir daí as Escrituras passaram a ser consideradas
como meramente a literatura nacional dos hebreus. A crítica liberal ao Antigo
Testamento encontra sua culminância, em grande parte, na obra Introdução ao
Antigo Testamento de Robert H. Pfeiffer.3 Pfeiffer parte do princípio que o que
não pode ser cientificamente repetido, não pode ser admitido como verdade.
Visto que milagres no Antigo Testamento não podem ser provados (pela sua
repetição), eles não devem ser aceitos como verdade.

|| 3 PFEIFFER, Robert H. Introduction to the Old Testament. New York/London: Harper & Brothers
Publishers, 1941.
24 História do estudo científico do Antigo Testamento

Para se entender esse movimento dominó na crítica com relação ao Antigo


Testamento, é preciso entender um pouco do espírito daquela época e dos
movimentos filosóficos então presentes. Se no século XVI havia uma revolta
contra a autoridade opressiva da Igreja da época, agora, nos séculos XVIII e
XIX, essa revolta se estende contra a autoridade da Bíblia. O século XVIII havia
testemunhado uma exaltação da razão humana, que ficou conhecida como
época da “Iluminação” ou “Iluminismo”. O termo está atrelado a um conceito
em que o ser humano tem a supremacia sobre tudo. Rejeitar a revelação externa
e considerar a razão humana como lei para si mesma não é iluminação, mas é
cair em grande engodo. Exaltar a razão humana como árbitro sobre todas as
coisas é, na realidade, substituir o Criador pela criatura.

Confiabilidade do Antigo Testamento


No século XIX se cristaliza o movimento da Hipótese Documental, em que o
Pentateuco é analisado a partir da crítica das fontes. O Pentateuco perde, segundo
os críticos, a sua unidade, sendo analisado a partir de uma fragmentação teórica
de documentos denominados J, E, D e P. Tal abordagem não apenas afetou a
composição literária do Pentateuco, como teve repercussão à historicidade das
narrativas dos patriarcas. Julius Wellhausen foi o maior defensor da crítica das
fontes. Pela sua análise, chegou a afirmar que o Pentateuco não comprova a
historicidade dos patriarcas, mas apenas reflete as histórias patriarcais recontadas
em uma época posterior, a maior parte delas fruto do período pós-exílico de
Israel.
Nos dias de hoje, há fundamentalmente duas escolas ou tendências de
pensamento sobre a confiabilidade histórica do Pentateuco ou do Antigo
Testamento em geral. A primeira, normalmente denominada conservadora,
entende que o Antigo Testamento é resultado da inspiração e da revelação
divinas, pressupondo, portanto, a participação sobrenatural de Deus na
sua origem. Dessa forma, as narrativas são verdadeiras e possuem precisão
histórica e plena confiabilidade. O teólogo conservador recorre também a fontes
extrabíblicas e arqueológicas para elucidar o pano de fundo e a história do povo
de Deus no Antigo Testamento.
A segunda tendência é que se chama de reconstrucionismo histórico. Os
defensores desta escola assumem uma posição cética frente ao texto bíblico
História do estudo científico do Antigo Testamento 25

por serem obras de escritores que eles consideram pré-científicos e medievais.


Em geral, para estes os escritos antigos paralelos ao texto bíblico são até mais
confiáveis que a narrativa do Antigo Testamento por serem mais antigos e mais
próximos dos acontecimentos relatados. Os proponentes desta abordagem
empregam grande gama de metodologias extraídas da crítica histórica e
linguística para reconstruir a história de Israel sob a alegação de que os relatos
bíblicos como tais não podem ser interpretados literalmente.
A questão da confiabilidade histórica das narrativas do Pentateuco e de
outras partes do Antigo Testamento depende, pois, dos pressupostos referentes
à natureza do texto bíblico. A questão toda não está no texto em si, mas de como
o texto pode ser interpretado. Os que defendem a confiabilidade histórica creem
na inspiração divina das narrativas bíblicas e defendem a exatidão da história
da ação de Deus com o Seu povo do Antigo Testamento. De modo inverso, os
que sustentam a posição “reconstrucionista” da história do Antigo Testamento
em geral desconsideram a origem e a participação divinas nesse processo. Tais
pressupostos explicam sua abordagem crítica do Antigo Testamento como um
documento humano apenas e, por isso, falho. Esta visão lhes dá liberdade para
reinterpretar e reconstruir a história de Israel a partir de elementos literários,
achados arqueológicos e modelos contemporâneos sociopolíticos.

Atividades
1. Na sua opinião, existe diferença entre afirmar que a “Escritura é Palavra
de Deus” e a “Escritura contém Palavra de Deus”?

2. Herege gnóstico que questionou a equivalência em autoridade divina


entre o Antigo e o Novo Testamento. Assinale a reposta correta.
a) Jerônimo.
b) Agostinho.
c) Marcião.
d) Lutero.
e) Porfírio.
26 História do estudo científico do Antigo Testamento

3. Período que foi responsável por um sensível progresso no estudo


científico do Antigo Testamento. Assinale a reposta correta.
a) Pós-neotestamentário.
b) Reforma.
c) Renascentista.
d) Pós-reforma.
e) Iluminismo.

4. Marque a alternativa correta. Tratar o Antigo Testamento como qualquer


outra obra literária tem implicações. Tais implicações se manifestam
em que:
a) a inspiração divina é considerada.
b) a revelação divina se torna relevante.
c) o ser humano finalmente pode interpretar o texto bíblico a seu
critério.
d) o texto se torna isento de inverdades por ser produto de acurada
pesquisa.
e) Ao fim e ao cabo, a narrativa veterotestamentária se torna
equivalente aos escritos da sua época.

Respostas:
2) c
3) b
4) e
3

A formação do Antigo Testamento


O Antigo Testamento foi escrito em duas línguas. A língua predominante
é o hebraico. A outra língua, prima do hebraico e posterior, é o aramaico, que
gradualmente assumiu o posto da comunicação como língua viva nos últimos seis
séculos antes de Cristo. O hebraico tem muitos elementos paralelos com outras
línguas semíticas como o cananítico, ugarítico e o árabe. A língua aramaica era
a língua usada no tempo de Jesus, sendo muito parecida com a língua siríaca
da Igreja Cristã Pós-neotestamentária.
As línguas semíticas são diferentes das línguas clássicas. Originalmente, o
hebraico não possuía vogais. Para facilitar o processo de transmissão escrita, dois
sistemas de vogais foram criados, mas apenas um deles foi universalmente aceito
e hoje integra o Texto Massorético (TM), o texto das nossas Bíblias em hebraico.
A divisão de capítulos foi adicionada a partir da Vulgata no século XIV, e os
versículos foram numerados no século XVI. No período da Reforma, inúmeras
horas foram despendidas no debate sobre a inspiração ou não das vogais. Ao
contrário de vários, Lutero entendia que as consoantes eram inspiradas, as
vogais não. Nos seus comentários, Lutero, seguindo outros manuscritos, chegou
a mudar a vocalização do TM para alterar a terceira pessoa para a primeira em
2 Crônicas 18.29.
O estudo do texto para determinar com a maior precisão possível o texto
consonantal é chamado de “crítica textual”. O tradutor, o comentarista bíblico e
o pregador têm a tarefa de exercitar esta atividade. O estudo do “quem, quando,
onde, por que, o que” nos livros bíblicos é chamado de “crítica literária”. Há
28 A formação do Antigo Testamento

critérios científicos para isso, mas há também inúmeras hipóteses questionáveis.


Infelizmente, muitas pessoas perderam o interesse nas Escrituras como Palavra
viva de Deus em razão de argumentos estéreis neste campo, tanto do lado
conservador como do liberal.

3.1 Texto e versões do Antigo Testamento


Desde 1947, descobertas arqueológicas e paleográficas em Cumrã, nas
proximidades do mar Morto, têm revelado fragmentos de inúmeros manuscritos
hebraicos que antecedem em mil anos os anteriormente conhecidos. Na primeira
caverna uma cópia do livro completo de Isaías foi encontrada juntamente com
outro pergaminho quase completo também do mesmo livro. Igualmente, dois
capítulos de Habacuque aparecem num comentário anterior ao tempo de Cristo.
Com ao menos 11 cavernas abertas na década seguinte, existe agora ampla
evidência de que em algum momento da história todo o Antigo Testamento foi
conhecido pelos sectários da região de Cumrã.
Antes desta descoberta, os textos mais antigos do Antigo Testamento eram
em grego. Fragmentos e livros inteiros eram conhecidos e datam até o século IV.
Popularmente, a tradução grega é conhecida como Septuaginta (LXX). Houve,
entretanto, outras versões gregas em datas posteriores. Era necessário traduzir
as Sagradas Escrituras na língua do povo, visto que o hebraico deixara de ser
língua viva. O grego era a língua da Diáspora e do comércio no Antigo Oriente
Próximo no período final do Antigo Testamento.
Estudos nos Manuscritos do mar Morto evidenciam um texto hebraico que,
ao que parece, foi usado em Alexandria pelos tradutores da LXX. No início os
estudiosos desconfiavam que o texto da LXX não era acurado, preciso; mas agora
se sabe que eles empregaram um texto de diferente tradição.
Dentro dos limites da Palestina, o aramaico era a lingua franca no tempo
de Jesus. É bem possível que as sinagogas de Nazaré e Cafarnaum tenham se
utilizado de paráfrases em aramaico do texto hebraico nas atividades religiosas
regulares. Nos primeiros séculos da Igreja Cristã Neotestamentária, uma
versão em aramaico surge com o nome de Targum, que significa “paráfrase”
ou “interpretação”.
A formação do Antigo Testamento 29

Uma das mais importantes versões do Antigo Testamento para outra língua
veio com a tradução para o latim, denominada Vulgata. Foi traduzida por
Jerônimo em 405, comissionado pelo papa Dâmaso. No concílio de Trento, em
1546, a Igreja Católica Romana aceitou a Vulgata como sua tradução oficial.
Lutero viu erros na Vulgata, o que o levou a traduzir toda a Bíblia a partir das
línguas originais hebraico e grego. A primeira Bíblia dos cristãos católicos
brasileiros foi uma tradução da Vulgata feita para o português.
Para atender os cristãos de fala siríaca, várias versões do Antigo Testamento
nessa língua foram elaboradas. A principal e mais popular é a Pesita (150-200),
que foi considerada modelo para aqueles dias.
Em conclusão, podemos dizer que as versões do Antigo Testamento para
as diversas línguas são de muita importância. Primeiramente, elas servem
como investigação textual, ou seja, vez por outra testificam o texto original em
versículos onde este se havia corrompido. Em segundo lugar, elas servem como
auxílio na interpretação. Toda tradução necessariamente envolve interpretação.
Nesse sentido, as versões são os primeiros comentários sobre determinado texto.
E, por último, as versões, por disponibilizarem a Palavra de Deus em várias
línguas, tornam-se instrumentos valiosos de missão.

3.2 Antigo Testamento e o cânone


A palavra “cânone” não se encontra na Bíblia, embora sua raiz apareça em 1
Reis 14.15, Jó 40.21 e Isaías 42.3. Originalmente, qāneh significava “junco” ou
“talo” de papiro. Pelo fato de juncos serem usados como réguas ou instrumentos
para medir linhas retas, “cânone” passou a significar “medida”. O termo “cânone”
ou “cânon” foi empregado pela primeira vez como expressão teológica referente
às Escrituras por Atanásio, bispo de Alexandria (cerca de 367) em carta
pascal às igrejas em que descreve o conteúdo do cânone do Novo Testamento.
Canonicidade se diz do livro que tem a “medida” para ser incluído no cânone
bíblico, ou seja, na lista oficial dos livros que integram as Escrituras, inspirados
pelo Espírito Santo.
Há teorias erradas sobre as razões por que um livro integra o Cânone do
Antigo Testamento. Algumas delas são:
30 A formação do Antigo Testamento

a. A antiguidade do livro. Um livro é distinguido devido à sua idade.


Entretanto, idade não é documento para canonicidade. Assim que foi
escrito, o Pentateuco foi considerado canônico. O mesmo aconteceu
com outros livros do Antigo Testamento.
b. A língua hebraica como critério para a canonicidade. O argumento
seria que, depois que o aramaico passou a ser língua falada na Palestina,
qualquer material escrito em hebraico seria considerado canônico. Mas
este pensamento não está correto: alguns livros, como 1 Macabeus,
Eclesiástico e Tobite, foram originalmente escritos em hebraico e,
entretanto, não são canônicos. Além disso, livros como Daniel e Esdras
foram escritos em parte em aramaico e fazem parte do cânone.
c. Concordância com a Torá/Pentateuco (norma e padrão último da
verdade). Contudo, alguns livros concordam com a Torá, mas não foram
aceitos como canônicos, como, p. ex., 2 Macabeus.
d. Valor ou conteúdo religioso determina a canonicidade (para alguns, a
cristocentricidade do livro). Entretanto, canonicidade nada tem a ver
com o propósito de um livro. Ademais, quem determina o valor de um
livro? Nem todos os livros canônicos falam diretamente sobre Cristo.
Por outro lado, há inúmeros livros com orientação evangélica que não
integram o cânone. Um livro que proclama o Evangelho pode conter
erros e contradizer livros canônicos.
e. A Igreja ou o povo de Deus (tanto no período do Antigo como do Novo
Testamento) é a fonte de canonicidade. Uma variante dessa teoria é que
a comunidade inspirada é fonte de canonicidade. Entretanto, se a Igreja
concede canonicidade, o resultado é uma autocontradição, visto que na
história do cânone a Igreja propôs listas diferentes de livros oficiais.

Na verdade, a fonte de canonicidade de um livro está em Deus. É Ele quem


possui a suprema autoridade e o que provém de Deus é infalível. Canonicidade
e autoridade estão atreladas à origem de um determinado livro bíblico. Se um
livro vem de Deus, ele é canônico. Outra forma de dizer isso é: se um livro é
inspirado, ele é canônico. Como podemos ter certeza se um livro tem sua origem
em Deus? Se o autor do livro foi inspirado.
A formação do Antigo Testamento 31

3.3 Critérios de canonicidade e divisão


O critério mais importante para nós é o testemunho de Jesus e seus discípulos.
Eles identificaram como derivando de escritores inspirados – e por isso como
autoritativos – tanto livros individuais do cânone como todo o cânone judaico
da sua época. Este cânone era aceito pelos judeus que viviam na Palestina no
século I, com exceção dos saduceus, que aceitavam apenas a Torá. As evidências
apontam para o cânone de Cristo e Seus discípulos como sendo idêntico ao
cânone dos judeus contemporâneos a Jesus. O cânone está dividido em três
partes, como segue abaixo.

Lei
A Lei, ou Torá, consiste dos cinco primeiros livros da Bíblia. Ela também é
chamada de Pentateuco (da palavra grega para “cinco”, penta). Não há dúvida
de que estes livros já eram aceitos e normativos no tempo de Esdras e, quem
sabe, já antes, no tempo do rei Josias.

Profetas
Os profetas ou Nebi’im foram os próximos a receber crédito pelo seu uso. Na
Bíblia hebraica eles se dividem em dois grupos, a saber, os profetas anteriores,
contendo os livros históricos de Josué a 2 Reis, e os profetas posteriores,
compreendendo os livros de Isaías, Jeremias, Ezequiel e os doze profetas
menores.

Escritos
A terceira divisão na Bíblia hebraica é chamada de Escritos ou Ketubim. Ela
compõe-se de todos os demais livros que não constam nas divisões anteriores, ou
seja, a poesia, os rolos para festas e acréscimos históricos. Não se pode determinar
quando tais livros foram aceitos. Entretanto, por volta de 185 a.C., Ben Siraque,
no Prefácio do seu livro não canônico Eclesiástico, fala em “Lei, os profetas e
outros livros”, dando indicação de que o cânone estava fechado.
32 A formação do Antigo Testamento

Não resta dúvida de que o cânone que conhecemos hoje era o mesmo do
tempo de Jesus, como Ele mesmo testemunha. Em Lucas 24.44 Jesus fala em
“Lei, profetas e salmos”. Em duas ocasiões Jesus aponta para o primeiro e o
último mártir mencionados no Antigo Testamento (Mt 23.35 e Lc 11.51). Jesus
se refere nominalmente a Abel (em Gênesis) e a Zacarias (1 Cr 24.20). Crônicas
é, no cânone hebraico, o último livro do Antigo Testamento.
Fávio Josefo (cerca de 70) menciona 22 livros. Este número fecha com o cânone
hebraico, visto que a separação dos 12 profetas menores ocorre posteriormente,
como também de outros livros históricos. Os sectários de Cumrã, junto ao mar
Morto, conheciam todos os livros da Bíblia hebraica que nós hoje possuímos.
Eles também copiaram e estudaram os livros apócrifos.
O Concílio de Jamnia, em cerca de 90, tem sido muitas vezes indicado
como o evento que canonizou as Escrituras Hebraicas. Mas esta é uma posição
equivocada. O que o concílio fez foi certificar o que já era uma realidade pelo
uso da Igreja e pela Providência Divina. Não se pode prescindir do fato de que a
providência divina agiu de forma soberana no estabelecimento e na preservação
do cânone como o fez na inspiração de cada um de seus livros. Quando uma
criança reconhece seu próprio pai, no meio de uma multidão de outros adultos,
seu ato não empresta ao pai uma nova qualidade de parentesco; simplesmente
reconhece um relacionamento que já existe. Assim também é o caso de listas
de livros autoritativos reconhecidos por concílios. Não puderam emprestar a
canonicidade a uma página sequer das Escrituras; simplesmente reconheceram
a inspiração divina inerente aos documentos e formalmente dispensaram outros
livros em prol dos quais falsamente se tinha pleiteado a canonicidade.
A formação do Antigo Testamento 33

Divisão tripartite do Antigo Testamento:


Torá Gênesis
Êxodo
Levítico
Números
Deuteronômio

Profetas
Anteriores Josué
Juízes
Samuel
Reis

Posteriores Isaías
Jeremias
Ezequiel
Livro dos Doze:
Oseias Naum
Joel Habacuque
Amós Sofonias
Obadias Ageu
Jonas Zacarias
Miqueias Malaquias

Escritos Salmos

Provérbios
Rute
Cântico dos Cânticos
Eclesiastes
Lamentações
Ester
Daniel
Esdras
Neemias
Crônicas
34 A formação do Antigo Testamento

3.4 Apócrifos
O termo “apócrifo” significa “escondido”. Aplicado à coleção de livros judaicos
datados do período intertestamental, o termo possui duas conotações:
1) livros “escondidos” por sua natureza esotérica;
2) livros “escondidos” por merecimento, ou seja, não eram reconhecidos
como canônicos.

Os apócrifos se constituem numa coleção de 14 livros compostos por autores


judeus entre 200 e 100 a.C. Foram escritos originalmente em grego, hebraico e
aramaico e preservados depois em várias outras línguas. Os apócrifos contêm
cinco gêneros literários diferentes, a saber, religioso, didático, histórico, profético
e literatura lendária.
Inicialmente, os apócrifos foram gradualmente acrescentados em edições
mais recentes da Septuaginta. Estes livros foram separados das Escrituras
hebraicas e não foram considerados parte do Antigo Testamento pelos hebreus.
Esse fato ficou na tradição hebraica, mas não foi estabelecido por escrito. Em
vista disso, surge certa confusão entre os cristãos de língua grega que adotaram
a LXX como versão bíblica. Isso ocorre principalmente após o ano 100, pelo fato
de cópias posteriores da LXX haverem sido feitas por escribas cristãos.
Confusão maior ainda viria com a publicação da Vulgata, por Jerônimo, em
405. Jerônimo opunha-se aos apócrifos e fez anotações específicas na Vulgata a
esse respeito. Mas edições posteriores não mantiveram essas distinções e logo a
maioria dos leitores da Vulgata não faria diferença entre o Antigo Testamento
e os apócrifos.
A Reforma retomou o debate sobre os apócrifos. Ao traduzir a Bíblia a partir
do hebraico, os Reformadores descobriram que os apócrifos não faziam parte do
seu cânone. Entenderam que tal coleção de livros não deveria ser considerada
equivalente em autoridade bíblica com os que integravam o cânone. Os apócrifos
são fonte útil de informação para se entender o período intertestamental. Não
há nada teologicamente importante nos apócrifos que não fique duplicado na
literatura canônica. Ao contrário, mesmo o sóbrio relato histórico de 1 Macabeus
está permeado de inúmeros erros e anacronismos.
A formação do Antigo Testamento 35

A Igreja Católica Romana reagiu aos Reformadores no Concílio de Trento


(1545-1564), aceitando os livros como se encontram na Vulgata. Hoje a coleção
geralmente é chamada deuterocanônica e foi consolidada pelo Concílio Vaticano
de 1870. Conceitos doutrinários da Igreja Católica Romana como purgatório,
mérito por boas obras e prática de oração pelos mortos são extraídos dos livros
deuterocanônicos.
Para exemplificar, o livro de Enoque, como outros livros apócrifos que
carregam o nome de personagens bíblicos famosos (Abraão, Moisés, Salomão,
etc.), tem sido empregado por movimentos esotéricos como referência, entre
outras coisas, a episódios ocorridos em Gênesis e que supostamente estariam
incompletos. Uma tentativa de explicar a origem dos “Nephilim”, gigantes na
terra, estaria na ordem do dia neste livro.
A referência a Enoque no livro de Judas 14 no Novo Testamento é extraída
do livro de Enoque que, supõe-se, tenha sido escrito pelo Enoque de Gênesis 5.
O livro não aparece no mercado senão antes do século I a.C. O fato de o livro
não ser canônico não significa que não contenha nenhuma verdade. Por outro
lado, o fato de Judas citá-lo também não significa que ele esteja considerando o
livro todo como inspirado. O apóstolo Paulo cita diretamente ou indiretamente
obras seculares como Aratus (At 17.28), Menander (1 Co 15.33) e Epimênedes
(Tt 1.12). Isso, entretanto, não serve como evidência de que as citações ou os
livros de onde foram tiradas sejam divinamente inspirados.

Atividades
1. Disserte sobre por que as primeiras versões do Texto Massorético são
importantes para a Igreja e sua missão no mundo.

2. Assinale a resposta que indica o período em que surgiram as vogais na


língua hebraica.
a) No tempo de Adão.
b) No tempo de Moisés.
c) No tempo de Isaías.
d) No tempo de Jesus.
e) Depois de Jerônimo.
36 A formação do Antigo Testamento

3. Com relação aos critérios para a formação do cânone do Antigo


Testamento, assinale a resposta correta.
a) O livro foi escrito na língua hebraica.
b) Os próprios autores afirmavam ser inspirados pelo Espírito
Santo.
c) O cânone é resultado da ação providencial de Deus na história.
d) Após longos estudos, o cânone foi estabelecido no concílio de
Jamnia, em cerca de 90.
e) Os sectários de Cumrã já conheciam todos os livros da Bíblia
hebraica que formam o cânone, e a Igreja confiou na escolha
deles.

4. A Igreja Católica confirmou os livros deuterocanônicos na sua Bíblia


como equivalentes aos canônicos em:
a) Concílio de Jamnia, em cerca de 90.
b) Época da Reforma, em 1517.
c) Concílio de Trento, em 1545.
d) Concílio Vaticano, em 1870.
e) Concílio Vaticano II, em 1962.

Respostas:
2) e
3) c
4) d
4

O Pentateuco – Gênesis
A primeira parte da Bíblia é chamada de Torá (Pentateuco, em grego). Torá,
em hebraico significa Lei. Mas “lei’, em português, normalmente tem sentido
negativo, e, por vezes, proibitivo. Seguidamente, ouve-se pessoas relacionando o
Antigo Testamento como “Lei” e o Novo Testamento como “Evangelho”. Esta é
uma visão equivocada da Bíblia e, se aplicada dessa forma, traz sérios problemas
para a compreensão e a interpretação do Antigo Testamento. Na verdade, tanto
o Antigo quanto o Novo Testamento possuem lei como evangelho. O termo
Torá, aplicado a Gênesis e ao Pentateuco, possui um sentido mais neutro como
“instrução” ou mesmo “Palavra de Deus”.

Autoria do Pentateuco
Tradicionalmente, estes cinco livros, a começar com Gênesis, têm sido
considerados como de autoria de Moisés. Embora ele não tivesse sido
testemunha ocular de todos os eventos de Gênesis, a grande maioria dos textos
sem dúvida foi por ele escrita. No século XIX e início do século XX, os críticos
liberais empreenderam enormes esforços no sentido de segmentar os livros do
Pentateuco ou Hexateuco (incluindo parte dos livros históricos) em inúmeros
documentos, fragmentos e poemas e lendas independentes, como vimos em
parte no capítulo 2. A esterilidade deste processo de copia-e-cola a respeito de
autoria e data conduziu a uma reação logo após a Primeira Guerra. Liderada
por estudiosos escandinavos do Antigo Testamento, ênfase bastante grande
38 O Pentateuco – Gênesis

foi colocada sobre a acurácia literal da tradição oral entre os povos semitas.
As descobertas arqueológicas em Ugarite de 1929 em diante mostraram que a
literatura escrita antes de Davi era perfeitamente plausível, e as descobertas em
Mari e Nuzi, na região da Mesopotâmia, atestam verossimilidade à sociedade
descrita em Gênesis.

Gênesis

A. Nome
Os títulos de muitos livros no Antigo Testamento são extraídos da respectiva
primeira palavra hebraica desse livro. Assim, o título hebraico de Gênesis é
“Bereshith” ou “No princípio”. O nome do livro em português é copiado da
Vulgata e da Septuaginta. Bem antes da divisão dos capítulos, o primeiro livro
da Bíblia foi dividido em dez “histórias”, ou “gerações” (ARA).4 Ela é conhecida
como “fórmula toledoth”.

B. Esboço e referências principais


Esboço Referências de capítulos
1-11 História primeva 11 Torre de Babel
12-26 Abraão e Isaque 14 Abraão e Melquisedeque
27-36 Jacó e Esaú 19 Sodoma e Gomorra
37-50 José 22 Sacrifício de Isaque
28 Sonho de Jacó
49 Bênção de Jacó

|| 4 O termo aparece em 2.4; 5.1; 6.9; 10.1; 11.10, 27; 25.12, 19; 36.1; 37.2.
O Pentateuco – Gênesis 39

C. Criação
Gênesis é um livro dos começos. Neles se encontram o começo de: (1) o
mundo, (2) a humanidade, (3) o pecado, (4) a promessa, e (5) as relações de
aliança. Há breves alusões a começos sociológicos e tecnológicos, de forma
que alguns críticos liberais gostam de descrever Gênesis como uma coleção
de “mitos etiológicos”, ou seja, histórias que explicam a origem dos costumes e
hábitos humanos. Entretanto, estes são apenas aspectos periféricos que ocorrem
ao se descrever a relação de um Deus pessoal com os cinco aspectos acima
mencionados. Assim, por exemplo, a origem da música, metalurgia, vestimenta,
etc., passa quase despercebida. O autor de Gênesis não estava interessado em
descrever uma história sociológica ou econômica dos inícios da civilização.
Estava interessado sim em que o círculo da graça e da promessa iniciado com a
humanidade se estendesse de maneira concêntrica a Noé, Abraão, Jacó, Isaque
e aos filhos de Jacó.
Outro aspecto de Gênesis muitas vezes aludido por alguns círculos
acadêmicos é que Gênesis contenha versões adaptadas da mitologia babilônica.
Sabemos, pela arqueologia, que há na literatura do Antigo Oriente Próximo,
especialmente na Babilônia, textos análogos sobre a criação e o dilúvio. Tais
conceitos foram encontrados em tabletes de argila, entre os quais um popular
chamado Enuma elish (“Quando dos altos céus”), que relata a ascensão do deus
babilônico Marduque ao topo do panteão. Enuma elish é o relato mesopotâmico
mais completo da criação e possui várias semelhanças com o relato bíblico.
A história descreve um conflito cósmico entre as principais divindades.
Marduque, o deus da ordem, mata a monstruosa Tiamate, deusa da desordem,
que personifica os primórdios dos oceanos. Convocando os ventos, Marduque
entra em diálogo com Tiamate e, quando ela abre a boca para contrapor, os
ventos a incham e Marduque a aniquila com a sua lança. Tiamate é dividida ao
meio, sendo que metade dela forma a terra e a outra metade forma o céu. Do
sangue do conspirador auxiliar de Tiamate misturado com a terra, Marduque
cria o ser humano para fazer todo o trabalho pesado do universo, liberando as
divindades de todas as tarefas braçais. Como gesto de agradecimento a Marduque
por salvá-los da perversa Tiamate, os deuses constroem para ele a grande cidade
e capital – Babilônia.
40 O Pentateuco – Gênesis

Visto a literatura babilônica ser mais antiga do que Gênesis, presume-se que
as semelhanças provam a dependência bíblica do relato babilônico. Conforme
essa teoria, Israel teria emprestado esses conceitos mitológicos dos babilônios
e feito uma adaptação à sua perspectiva monoteísta. O grande problema dessa
hipótese é a implicação que a história dos princípios em Gênesis acaba tornando-
se simplesmente mitologia. Se Gênesis for mitologia, então a consequência é que
não se precisa crer que personagens como Adão, Eva, Caim, Abel ou o próprio
jardim do Éden realmente existiram.
Embora haja semelhanças entre Gênesis e tais narrativas mitológicas, as
diferenças as superam. Estudiosos que fizeram ampla análise linguística e literária
concluíram que tal suposta dependência literária não pode ser sustentada.
Aqui, como na maioria dos relatos paralelos com Gênesis, acredita-se ser mais
provável que tradições mesopotâmicas e bíblicas tenham tido uma mesma fonte.
A épica de Atrahasis, por exemplo (início do segundo milênio), é muito similar,
de novo, à narrativa bíblica da criação. Na verdade, a épica só vem confirmar
que a história básica apresentada em Gênesis 1-11 era bem conhecida em todo
o Antigo Oriente Próximo.
Não é fácil determinar datas para a narrativa dos primeiros capítulos de
Gênesis. Várias tentativas foram feitas, mas que resultaram em hipóteses.
Usando as genealogias de Gênesis 5 e 11 para calcular o tempo, o bispo Ussher,
da Inglaterra (1654), por exemplo, datou a criação do ser humano em 4004
a.C. Essa data é insustentável visto que as genealogias não apresentam uma
cronologia completa.5
Após a criação do ser humano, o episódio mais marcante é a sua queda. O
pecado e suas consequências se expandem numa rapidez impressionante. As
primeiras páginas da história já contam um caso deprimente de ciúme (Gn 4.5),
assassinato (4.8), medo (4.14), imoralidade (6.4-6) e orgulho (11.4). O impacto
dos capítulos 3 a 11 só é amenizado pelo heroísmo e devoção de uns poucos
como Abel (4.4; Hb 11.4), Enoque (5.21-14, Hb 11.5) e Noé (6.8; Hb 11.4). De
resto, há uma frase recorrente que grifa a história da queda do ser humano: “e
morreu” (5.5, 8, 11, 14, 17, 20, 27, 31). Cumpre-se o que Deus havia dito que
aconteceria caso o homem desobedecesse (2.17). Note como o pecado se espraia

|| 5 SCHULTZ, Samuel J. A história de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1977, p.13.
O Pentateuco – Gênesis 41

rapidamente de um indivíduo (3.1) a um casal (3.12), depois a uma família


(4.1-15) e, finalmente, ao mundo todo (11.1-9).

D. O Dilúvio
A história do dilúvio é por vezes relacionada a algumas das grandes
inundações das cidades-estado do vale do Tigre-Eufrates por volta do terceiro
milênio a.C. Na verdade, a Bíblia não é a única a falar sobre um dilúvio de
abrangência universal. A narrativa babilônica do dilúvio representada na Épica
de Gilgamesh, por exemplo, de novo possui vários elementos paralelos com
Gênesis. A épica está relatada em 12 tabletes de argila e apresenta similaridade
com a história de Noé. Gilgamesh, provavelmente a figura histórica do rei de
Uruk por volta de 2600 a. C., rebelou-se contra a morte depois de ter perdido seu
amigo. Gilgamesh encontra-se com Utnapishtim, o “Noé babilônico”, que relata
como ele alcançou a imortalidade quando prenunciou o plano dos deuses de
destruir o mundo por meio de uma inundação. Utnapishtim havia sobrevivido
ao dilúvio em um grande barco de junco, juntamente à sua família e a pares de
todos os animais.6 Infelizmente, porém, aquele era um acontecimento que não
voltaria a se repetir – o que dava a Gilgamesh poucas esperanças de encontrar
a imortalidade.
Depois de falhar em três testes pelos quais ele poderia ter recebido a
imortalidade, derrotado, Gilgamesh conforma-se com o fato que a morte é
inevitável e consola-se com aquilo que conseguira alcançar.
Entretanto, as diferenças entre as narrativas são maiores e impactantes; elas
superam as semelhanças. Destacam-se o tipo de embarcação, a duração do
dilúvio, as pessoas que sobreviveram, o local de pouso da arca, o resultado para
o herói e, especialmente, o papel dos deuses. Estes detalhes e acima de tudo uma
análise linguística e literária mostram que a dependência literária não pode ser
sustentada. O dilúvio faz parte do imaginário de inúmeros povos. Tal acontece
devido à tradição oral partilhada por vários segmentos da raça humana, todos
remontando aos três filhos de Noé. O relato genuíno está preservado apenas em

|| 6 HEIDEL, Alexander. The Gilgamesh Epic and the Old Testament Parallels. Chicago: University of
Chicago Press, 1949, p.85ss.
42 O Pentateuco – Gênesis

Gênesis; com o passar do tempo, inadequações e falsa teologia corromperam


os demais relatos.

E. Os patriarcas
A história patriarcal (Gn 12-50) nos fornece algumas possibilidades de
cronologia. Grande parte dos estudiosos entende que o chamado de Deus a
Abraão em Ur da Caldeia, na Mesopotâmia, acontece num contexto geográfico
e histórico significativo. O mundo de Abraão é um mundo ativo, econômica e
tecnologicamente avançado para a sua época. Nesse período, por volta do ano
2000 a.C., além dos antigos sumérios e acadianos dispersos pela Mesopotâmia,
encontramos outros grupos importantes como os amorreus, os hurrianos e os
hititas, que começaram a se destacar nessas terras.7
Devido ao progresso no conhecimento do Antigo Oriente Próximo no
segundo milênio, muitos estudiosos, que antes colocavam dúvidas sobre a
historicidade dos patriarcas, passaram a atribuir maior valor histórico a essas
narrativas. O maior expoente dessa perspectiva foi o teólogo e arqueólogo
William F. Albright. A posição de Albright reflete posição dominante. “Como
um todo”, diz ele, “o quadro de Gênesis é histórico, e não há motivos para
duvidar da exatidão geral dos detalhes biográficos e dos traços de personalidade
que fazem com que os patriarcas surjam com uma intensidade inexistente em
nenhum personagem extrabíblico em toda a vasta literatura do Antigo Oriente
Próximo.”8

Abraão
Para Adão Deus havia dado uma palavra necessária de precaução: “Não
comerás”; para Abraão, Ele dá uma palavra empolgante sobre uma oportunidade

|| 7 THOMPSON, John A. A Bíblia e a arqueologia: quando a ciência descobre a fé. São Paulo: Vida
Cristã, 2007, p.35-57.
|| 8 ALBRIGHT, William Foxwell. The biblical period from Abraham do Ezra. New York and Evanston:
Harper and Row, Publishers, 1963, p.5. Para análise e conclusão mais recentes, cf. KITCHEN,
Kenneth A. “The Patriarchal Age: Myth or History?” Biblical Archaeology Review, Mar/Apr 1995:
48-57, 88, 90, 92, 94-95.
O Pentateuco – Gênesis 43

de aventura: “Sai da tua terra” (12.1). Adão respondeu em desobediência


(Rm 5.12), mas Abrão respondeu em obediência imediata e fé dependente. A
história de Abraão não é isenta de manchas (12.10-20; 20.1-18), mas ele era
um adorador (12.8), bondoso (13.8-11), corajoso (14.1-16), confiante em Deus
(15.6), compassivo (17.18) e homem de oração (18.16-33). A história de Abraão
começa com um chamado à obediência e termina no mesmo tema, mas com
uma ordem de tirar o fôlego. No primeiro capítulo de sua história (12), Deus
pede que saia do meio de sua parentela, mas no teste final é pedido que ofereça
seu único filho em sacrifício (22).
Em Gênesis 16.1-4, Sara entrega sua serva Hagar a Abraão para que através
desta Abraão pudesse ter um filho.9 Em Nuzi, o contrato de casamento obrigava
a esposa estéril a providenciar uma substituta para seu marido. O Senhor, porém,
mostra que o herdeiro seria o filho nascido da relação matrimonial entre Abraão
e Sara: Isaque é o filho da promessa.

Isaque
A história de Isaque fica comprimida entre a de Abraão e a de Jacó. Mas as
poucas linhas nos contam como Deus providenciou uma esposa para ele (24.1-
67), fê-lo pai em resposta a uma oração sincera (25.20-21), deu-lhe alimento
em tempo de carestia (26.1-14) e ajudou-o a fazer provisão para o futuro,
induzindo-o a abrir alguns poços em terrenos desusados e negligenciados (26.18-
22). Os acontecimentos do capítulo 22 parecem colocar em risco a vida de Isaque
e a promessa dada a Deus ao patriarca Abraão. Críticos liberais insinuam que
este evento tem por objetivo polemizar o sacrifício de crianças que, segundo
eles, era prática comum entre os israelitas até bem mais tarde. Mas não há nada
no texto que justifique essa análise. A ênfase da história não é outra senão o
teste pelo qual passa “o pai de todos os crentes”.

|| 9 O mesmo aconteceria mais tarde com Lia e Raquel ao entregarem servas para o seu esposo
Jacó.
44 O Pentateuco – Gênesis

Jacó
Logo os episódios envolvendo Jacó passam a ter dominância na narrativa
bíblica. Rebeca, esposa de Isaque, dera à luz gêmeos (25.21-26). Esaú nasce
primeiro; mas em seguida vem Jacó. Os dois irmãos são bem diferentes tanto na
aparência quanto na personalidade. Esaú é arredio, irresponsável e irreligioso; é
caçador e polígamo. Casa-se com duas mulheres hititas, que passam a ser causa
de amargura para Rebeca. Esaú vivia para o presente. Jacó é calmo, religioso,
doméstico e barganhista. Por ser mais velho tecnicamente, Esaú deve receber
a bênção, mas Deus não segue o plano dos homens. A Escritura não esconde a
fragilidade do povo de Deus. Tanto Jacó quanto Rebeca erram na tentativa de
lutar por interesses próprios.
A venda da primogenitura é possibilitada segundo os padrões legais do
Antigo Oriente Próximo. Há exemplo em Mari de que o filho mais velho vendeu
a sua primogenitura ao irmão mais moço por três ovelhas.10 Fato é que Jacó e
Rebeca conseguiram seu intento, mas essa vitória particular de cada um teve
consequências: Jacó tem de fugir e por 20 anos não pode retornar para sua
casa; nunca mais vê sua mãe; por todo esse tempo Jacó fica sem o perdão do
seu irmão.
Jacó era um homem esquisito; foge aos padrões que talvez esperaríamos de
um filho de Deus e filho da promessa. Mas a história de Jacó ilustra o amor e a
bondade de Deus, que nos abençoa não porque mereçamos, mas porque Ele é
gracioso. Deus se encontra com Jacó (28.11-22), providencia-lhe uma esposa
(29.1-30) e filhos (30.1-26). Jacó passa por várias dificuldades familiares (31.1-
55) e muitas das tragédias que se seguiram foram ocasionadas por sua própria
falta de bom senso e amor. Mas Deus tira dele sua autoconfiança, transforma
seu caráter e muda o seu nome: “Israel”. E a partir de então o cumprimento da
promessa de Deus começa a mostrar os seus contornos.

|| 10 GORDON, Cyrus Herzl. “Biblical customs and the Nuzu tablets”. Biblical Archaeologist 3 (1)
(February 1940): 1-12.
O Pentateuco – Gênesis 45

José
O ciclo de José inicia no capítulo 37, sendo interrompido apenas pelo episódio
de Judá e Tamar (cap. 38) – obviamente, umas das razões do autor é chamar a
atenção para a tribo de Judá de onde virá Davi e, a partir da dinastia davídica,
o Messias. Da mesma forma, o capítulo 49, chamado de “Bênção de Jacó”, é
importante linguisticamente devido a vários aspectos poéticos arcaicos, e ainda
mais importante teologicamente em razão da referência davídico-messiânica
em conexão com a bênção dada a Judá.
Como filho predileto do pai, José era desprezado pelos irmãos. O ódio era
tão grande que José foi vendido pelos seus irmãos, acabando na terra do Egito
(37.1-35). Por causa de sua retidão e virtudes – e, por que não dizer, por causa da
sua fé –, foi perseguido e perdeu sua liberdade. No seu aprisionamento injusto
José se revela como intérprete de sonhos. Ao interpretar os sonhos de Faraó, ele
é nomeado o mais alto oficial, superado em poder apenas pelo próprio Faraó
(40.1-41.57). Episódios como os de José mostram como é Deus quem tem o
governo da história. Uma grande fome fez com que seus irmãos viessem de
Canaã ao Egito à procura de alimento e isso resultou no encontro da família
(42.1-46.34). José pôde cuidar de seu pai e irmãos durante todo um período
difícil (47.1-28).
Quando Jacó morre, os irmãos de José temem por suas próprias vidas.
Pensaram, como o mundo pensa, que haveria uma vingança da parte de José
(50.15). Relembrando a amargura e as tribulações que se seguiram, José faz uma
confissão de fé e confiança magníficas. Virando-se para seus irmãos ele diz: “Vós
intentastes o mal contra mim, mas Deus o tornou em bem” (50.20). É fácil falar
assim quando você esteve na prisão por dois anos e os causadores dessa injustiça
estão à sua frente? É possível perdoar? José sabia que Deus tinha usado essa
tragédia para Seus propósitos. No dia em que o lançaram naquele poço seco em
Dotã (37.24), eles deram início a uma série de acontecimentos ordenados por
Deus destinados a tornar seu irmão desprezado num líder e conselheiro cuja
habilidade, discernimento e fé trariam esperança e salvação a muitos.
As palavras finais de Gênesis “no Egito” são um trampolim para o livro de
Êxodo. Historicamente, entretanto, introduz um longo intervalo de tempo, mais
precisamente a “Idade das Trevas” do nosso conhecimento sobre os israelitas.
46 O Pentateuco – Gênesis

Patriarcas e a arqueologia
Achados arqueológicos demonstram que os costumes descritos em Gênesis
12-50 são autenticados por hábitos semelhantes no Antigo Oriente Próximo
contemporâneos aos patriarcas. Um exemplo de achado importante são os
textos descobertos em Nuzi. Em Gênesis 15.1-4 Abraão estava adotando seu
servo Eliezer e fazendo dele seu herdeiro. A adoção de servos era prática
comum em Nuzi. Um casal sem filhos podia adotar um filho que cuidaria deles
enquanto vivessem e, em contrapartida, receberia sua propriedade quando o
casal morresse. Mas havia uma provisão de que, se o casal viesse a ter filho
depois da assinatura do documento de adoção, o filho natural se tornaria então
o herdeiro e ficaria com os “deuses” (teraphim) do pai, que eram geralmente
figuras de barro usadas na adoração familiar mas que parecem ter-se tornado,
com o passar do tempo, um documento como nossas modernas escrituras de
terreno. O dono da propriedade possuía os “deuses” e os transferia quando a
propriedade passava às mãos de outro.
O Pentateuco – Gênesis 47

Atividades
1. Vários estudiosos do Antigo Testamento afirmam que Gênesis é
dependente da literatura babilônica. Disserte sobre essa questão chamando
a atenção para as consequências dessa suposta dependência.

2. Relacione a segunda coluna com a primeira.


1) Gênesis 3 ( ) “Sê tu uma bênção.”
2) Gênesis 12 ( ) “Vigie o Senhor entre mim e ti.”
3) Gênesis 15 ( ) “O cetro não se arredará de Judá,
nem o bastão de entre seus pés, até
que venha Siló; a ele obedecerão os
povos.”
4) Gênesis 31 ( ) “Porei inimizade entre ti e a mulher;
entre a tua descendência e o seu
descendente; esta te ferirá a cabeça
e tu lhe ferirás o calcanhar.”
5) Gênesis 49 ( ) “Ele creu no Senhor e isso lhe foi
imputado para justiça.”

3. Ele era rico, tinha descendência e a terra onde habitava podia ser sua,
pois tinha um documento que lhe assegurava esse direito. Assinale a
reposta correta.
a) Abraão
b) Ismael
c) Isaque
d) Jacó
e) José
4. Os patriarcas nem sempre são padrões de moral e de comportamento
que se espera de um filho de Deus.
I. Apesar de tudo, eram capazes de superar suas fraquezas diante de
Deus porque eram homens de fé inabalável.
II. Voltavam a ser aceitos por Deus porque os atos de obediência deles
compensavam seus atos de desobediência.
III. A fragilidade humana diante de Deus só pode ser superada pelo
próprio Deus.
Marque a resposta correta:
a) Apenas I
b) Apenas II
c) Apenas III
d) Apenas I e II
e) Apenas II e III

Respostas:
2) 2 – 4 – 5 – 3 – 2
3) d
4) c
5

Êxodo
5.1 Nome
O nome do segundo livro do Pentateuco deriva-se do grego Exodos, que
passou para a Vulgata (Latim) Exodus e, daí para o português. “Êxodo” significa
“saída” (19.1). Êxodo descreve, pois, a saída do povo de Israel do Egito, sendo
o tema predominante do livro. No cânone hebreu, o nome vem das palavras
iniciais “shemoth” (“nomes”) em 1.1.

5.2 Esboço e referências principais


Esboço Referências de capítulos
1-19 Êxodo e a Aliança 3 Chamado de Moisés (sarça)
20-40 Orientações divinas no 12 Ritual da Páscoa
Sinai (Decálogo; “Livro da Aliança;
Tabernáculo; Partes “prescritivas” x
“descritivas”)
14 Êxodo
15 Cântico do Mar
20 Decálogo (= Dt 5)
20.23-23.33: “Livro da Aliança”
24 “Sangue da primeira aliança”
28-29 Vestes sacerdotais e consagração
32 Bezerro de ouro
34 Renovação da Aliança
50 Êxodo

5.3 Data do êxodo


O livro registra acontecimentos desde o nascimento de Moisés até a
construção e dedicação do tabernáculo no Sinai no segundo ano da saída do
Egito (1.1; 19.1; 40.17). Dessa forma, a história do livro em si abrange cerca de
85 anos. O maior problema é determinar o século em que os fatos associados à
saída do Egito aconteceram.
Nesse debate, duas posições surgiram: os que defendem uma data mais antiga
e os que defendem uma data mais recente para o êxodo. Como apenas dois faraós
do Egito reinaram por mais de 40 anos, que corresponde ao exílio de Moisés
no deserto durante a opressão dos hebreus, seus reinados se tornaram foco de
debate na datação do êxodo. A posição da data mais antiga identifica Tutmosis
III (1504-1550) como o faraó da opressão e Amenófis II (1450-1425) como o
faraó do êxodo. Defensores da data mais antiga acentuam uma interpretação
literal dos números bíblicos em Êxodo 12.40, Juízes 11.26, e 1 Reis 6.1 e recorrem
à arqueologia para fundamentar sua posição Um destes é Walter Kaiser, que,
ancorado em dados historiográficos, “adota o século XV a.C. para o êxodo,
localizando-o na 18ª Dinastia. As afirmações de 1 Reis 6.1 sustentam que o êxodo
aconteceu 480 anos antes de Salomão iniciar a construção do templo em 967 a.C.
Estes dados colocam o êxodo em 1447 a.C. e a conquista em 1407 a.C.”.11
Os que sugerem uma data mais recente identificam Ramsés I (1320-1318) e
Seti I (1318-1304) como faraós da opressão e Ramsés II (1304-1237) como faraó
do êxodo. Nesse debate sobre a data do êxodo está a questão da interpretação de
dados bíblicos e extrabíblicos. Os proponentes da data recente interpretam os
números simbolicamente e dão prioridade às informações históricas extrabíblicas
e à evidência arqueológica.12
Recentemente, o egiptólogo Hans Goedicke apresentou a teoria de que um
enorme tsunami varreu a costa do Mediterrâneo na primavera de 1477 a.C.
Os israelitas, fugindo da rainha Hatshepsut, estavam em terreno mais elevado
enquanto o exército de faraó estava na planície mais abaixo e, por isso, pereceu
afogado. Ele acredita que este incidente esteja reproduzido numa inscrição de

|| 11 KAISER, Walter C. A History of Israel: from the Bronze Age through the Jewish wars. Nashville,
Tennessee: Broadman & Holman Publishers, 1998, p.108.
|| 12 BRIGHT, John. História de Israel. 2.ed. rev. Euclides Carneiro da Silva, trad. São Paulo: Paulinas,
1978, p.158.
Êxodo 51

Hatshepsut. A inscrição, entretanto, afirma que os asiáticos em fuga é que se


afogaram e que os soldados egípcios foram poupados. Segundo ele, os egípcios
mudaram os fatos por razões promocionais.
Na verdade, nenhuma evidência matemática, arqueológica ou de interpretação
bíblica pode determinar com certeza a data do êxodo. O que sabemos é que o
êxodo do Egito é um evento histórico e deve ter ocorrido em algum tempo entre
1500 e 1200 a.C.

5.4 Conteúdo
O conteúdo de Êxodo se divide basicamente em duas partes: Cap. 1-19
trata da saída do Egito até o monte Sinai. Cap. 20-40 fala das leis que Deus
revela ao povo no monte Sinai. Embora Moisés seja o personagem humano
principal das narrativas, a verdadeira história é a obra redentora do Senhor ao
livrar o povo da escravidão do Egito e estabelecer com ele uma aliança singular.
O livro desempenha papel tão importante para o Antigo Testamento quanto
os evangelhos para o Novo Testamento. O evento do êxodo é o coração do
evangelho no Antigo Testamento e termos como “redenção” e “cordeiro” têm
seus significados teológicos lincados a este episódio.
Deus faz de Israel Seu povo pelo cumprimento da Sua promessa aos patriarcas
e através deste dramático ato de salvação. O Êxodo é a base para a fé de Israel no
Antigo Testamento assim como a ressurreição de Cristo é para o cristianismo.
Hoje já não se pode mais duvidar da existência de Moisés nem da historicidade
do Êxodo.

5.5 As pragas
As pragas foram milagres da parte de Deus, não apenas desastres naturais.
O objetivo das pragas está vinculado a uma falsa concepção de Deus por parte
dos egípcios e, por causa disso, elas são enviadas para solapar o fundamento da
sua crença nas divindades. Em Êxodo 12.12, Deus diz: “...executarei juízo sobre
todos os deuses do Egito”, e o livro de Números confirma que “contra os deuses
executou o Senhor juízos” (33.4). Estudos hoje comparam as pragas à religião
e aos deuses dos egípcios e sugerem que as pragas visavam desestruturar o
52 Êxodo

conceito de que os deuses egípcios estavam no controle da história. O quadro


abaixo ilustra esse aspecto.13

As pragas e os deuses do Egito

Águas transformadas em Knum: guardião do Nilo; Hapi: espírito


Êx 7.14-25
sangue do Nilo; Osíris: o Nilo era seu sangue

Hekt: em forma de rã, era o deus da


Rãs Êx 8.1-15
fertilidade
Piolhos Êx 8.16-19

Moscas Êx 8.20-32

Hathor: deusa em forma de vaca;


Morte dos rebanhos Êx 9.1-7 Ápis: deus em forma de boi, símbolo de
fertilidade

Úlceras Êx 9.8-12 Imotepe: deus da medicina

Nut: deusa do céu; Ísis: deusa da vida;


Granizo Êx 9.13-35
Set: deus protetor da colheita

Ísis: deusa da vida; Set: deus protetor da


Gafanhotos Êx 10.1-20
colheita

Trevas Êx 10.21-19 Rá, Aten, Hórus: deuses do Sol

Êx 11.1- A divindade de faraó: Osíris, o deus da


Morte dos primogênitos
12.36 vida

O faraó pergunta: “Quem é Yahweh para que lhe ouça eu a voz e deixe ir
a Israel?” (Êx 5.2). A julgar pelo fato de Israel ser escravo, o Deus de Israel é
para o faraó um deus fraco; os deuses do Egito devem ser bem mais fortes. Na
verdade, Yahweh mostra ao faraó e aos egípcios quem Ele é. Alguns entendem
que as pragas estejam em harmonia com os fenômenos naturais do Egito e,

|| 13 Extraído de WALTON, John. O Antigo Testamento em quadros. São Paulo: Vida, 2001, p.85.
Êxodo 53

portanto, todas explicáveis naturalmente.14 Kaiser resume tais tentativas em


três categorias, a saber, cósmicas, geológicas e sazonais.15 Embora algumas
pragas possam, até certo ponto, ser explicadas como decorrentes de fenômenos
naturais, outras estão além dessa possibilidade e só podem ser explicadas por
meio da intervenção sobrenatural de Yahweh. Há, por exemplo, o aspecto da
instantaneidade da sequência das pragas causada pela ordem de Moisés e Arão
(p. ex., Êx 8.16-17). A resposta dos magos (Êx 7.22; 8.18-19) também se torna
difícil de entender se as pragas são mera intensificação da sequência natural
dos fatos aos quais os egípcios já estavam habituados. Outra dificuldade está
em como explicar que a partir da quarta praga o povo de Israel, em Gósen, fica
isento de suas consequências. Na nona praga, enquanto o território egípcio é
mergulhado em trevas, “todos os filhos de Israel tinham luz em suas habitações”
(Êx 10.21-29).
Ao menos uma delas – a morte dos primogênitos – não tem explicação
natural.16 Paul Lawrence, que procura interpretar todas as pragas como resultado
de um processo natural, com relação à morte dos primogênitos afirma: “Esta
é a única praga para a qual não há nenhuma explicação natural, constituindo
uma ocorrência inequivocadamente sobrenatural”.17
Mais tarde, Deus diz que o governo do faraó tinha como finalidade
demonstrar o poder de Deus e para que o nome de Deus fosse anunciado em
toda a terra (Êx 9.16). Que este objetivo se cumpriu fica demonstrado pela
constante repetição das pragas feita pelos filisteus cerca de quatro séculos mais
tarde, na Palestina (1 Sm 4.7-9; 6.5-6; compare também Js 2.10).

|| 14 HORT, G. “The plagues of Egypt” Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft 70 (1958):
48-59.
|| 15 KAISER, Walter C. A History of Israel: from the Bronze Age through the Jewish wars. Nashville,
TN: Broadman & Holman Publishers, 1998, p.95-101.
|| 16 LASOR, William S., HUBBARD, David A., BUSH, Frederic W. Introdução ao Antigo Testamento.
Lucy Yamakami, trad. São Paulo: Vida Nova, 1999, p.75.
|| 17 LAWRENCE, Paul. Atlas histórico e geográfico da Bíblia. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil,
2008, p.34.
54 Êxodo

5.6 Páscoa e a saída


A celebração da festa da Páscoa é considerada por muitos críticos liberais
ainda hoje como um tipo de festival de pastores de ovelhas nomádicos e que mais
tarde foi artificialmente associada ao êxodo do Egito. O fato é que a Páscoa foi
comemorada nas casas particulares exatamente porque não havia ainda santuário
nem sacerdotes. O evento da Páscoa e seu ritual é um tipo da grande e maior
Páscoa que acontece no Novo Testamento. O evento da Páscoa, envolvendo
o sacrifício do cordeiro e o derramamento de sangue, apontava para frente,
para a obra de Cristo, o Cordeiro Pascal (1 Co 5.7). Jesus institui a Santa Ceia
durante a ceia da Páscoa. A “saída” de Jesus da sepultura na manhã da Páscoa
é o cumprimento deste episódio como um todo e que revela a vitória sobre a
escravidão do pecado e da morte.
O povo de Israel não seguiu diretamente do Egito para Canaã. Na verdade,
em Êxodo 13.17, Israel é advertido a não tomar o caminho mais curto seguindo
através de Qantara e o “caminho dos filisteus” na faixa de Gaza. Os arqueólogos
Moshe e Trude Dothan, que escavaram por longos anos as cidades filisteias,
demonstraram que em Deir El-Balah, poucos quilômetros aos sul de Gaza, havia
uma fortificação egípcia, que certamente impediria o avanço dos israelitas por
aquele caminho.18
A saída do Egito é milagrosa tanto quanto a passagem pelo mar Vermelho.
Tão significativo é para Israel este evento que ele se torna um “Credo”, uma
confissão de fé, sendo mencionado na Escritura mais de 150 vezes. A rota do
êxodo é, na sua maior parte, desconhecida e bem assim o local exato do monte
Sinai. John Bright afirma acertadamente que “a localização precisa do êxodo tem
importância tão pequena para a religião de Israel como a localização do santo
sepulcro para o cristianismo”.19

|| 18 DOTHAN, Moshe e DOTHAN, Trude. People of the Sea: The search for the Philistines. New York:
Macmillan, 1992, p.205-208.
|| 19 BRIGHT, John. História de Israel. São Paulo: Edições Paulinas, 1978, p.157.
Êxodo 55

5.7 Decálogo
Após três meses da saída do Egito, o povo de Israel chega ao monte Sinai. Ali
permanece por dois anos. É neste monte que o povo passa a ter a sua confirmação
como povo de Deus. Uma enorme gama de instrução é recebida de Deus que,
no texto, termina apenas em Números 10.33, quando o povo recebe ordens para
levantar acampamento. Aqui, na presença de Deus, fica claro que já no Antigo
Testamento o povo de Deus recebe a bênção de ser portador do “sacerdócio
universal” (Êx 19.5; confira 1 Pe 2.9).
Muitas vezes se atribui ao Antigo Testamento um caráter legalista que ele não
possui. O Decálogo é tomado como exemplo dessa visão. Entretanto, é de suma
importância enfatizar que do ponto de vista da gramática, ou seja, do próprio
texto, o Decálogo é indicativo, não imperativo. Os “Mandamentos” iniciam com
a partícula negativa lo’ em hebraico e não com a partícula `al, que resultaria no
imperativo negativo.
O Decálogo não foi entregue aos assírios, babilônios ou filisteus, mas ao
povo de Israel, a quem o Senhor havia tirado da escravidão do Egito com
braço poderoso. E Israel não é mais qualquer povo ou nação; Israel agora é
povo de Deus. Assim sendo, o Decálogo não é algo que Israel precisa cumprir
para se tornar povo de Deus ou para merecer crédito diante Dele e quem sabe
a salvação. As “dez palavras”, como o texto bíblico chama (cf. Êx 34.28), são
orientações que Israel, assim como todos os cristãos, vão querer seguir voluntária
e espontaneamente como povo de Deus que são. Estas afirmações do Decálogo
“representam os perímetros ou fronteiras do reinado de Deus que o crente não
vai ultrapassar, mas dentro dos quais ele é essencialmente livre para responder
de maneira alegre e voluntária, como é ilustrado também nas demais ‘leis’ ou
‘códigos’ do Antigo Testamento”.20 É evidente que nenhum cristão jamais pode
chegar a esse padrão, pois ele permanece pecador e santo. Nesse sentido o
Decálogo é um espelho que mostra a sua natureza pecaminosa, que não poderá
ser revertida pelo cumprimento de mandamentos senão apenas pela total
dependência do amor de Deus.

|| 20 HUMMEL, Horace D. The Word becoming flesh: an introduction to the origin, purpose, and meaning
of the Old Testament. St. Louis: Concordia Publishing House, 1979, p.74.
56 Êxodo

5.8 Livro da Aliança


Este é o nome dado a Êxodo 20.22-23.33 em vista da menção dele em 24.7.
A maioria são leis “casuísticas” (“Se... então”) com inúmeros exemplos paralelos
nos códigos do Antigo Oriente Próximo. É oportuno lembrar que tais exemplos
não são “legalismos”, mas exemplos de como se pode responder a determinadas
situações a partir da fé e da redenção. Visto que Israel do Antigo Testamento não
é apenas um corpo eclesiástico, vários exemplos, por vezes difíceis de distinguir,
dizem respeito a Israel como unidade política.
Comentário especial deve ser feito com relação à assim chamada “lex talionis”
ou “lei do talião”, a lei do “olho por olho” em Êxodo 21.24. Vezes sem conta esta
passagem é citada para mostrar como o Antigo Testamento representa uma
baixa moralidade e um espírito de vingança em contraste com a lei do amor
no Novo Testamento. Mas esta é uma visão equivocada da narrativa bíblica. O
contexto desta passagem deixa claro que a lei visa restrição e não retribuição a
sangue-frio. Aqui o foco é Israel como Estado e não como igreja, e o objetivo
da lei é garantir equilíbrio e bom senso tanto quanto possível na sociedade de
Israel como tal.
A vingança sempre excede à ação anterior. A vingança não concorda com
a Terceira Lei de Newton, de que “toda ação provoca uma reação de igual
intensidade e em sentido contrário”. “A vingança”, como diria Francis Bacon, “é
uma espécie de justiça selvagem.” Se no Antigo Testamento essa lei fosse levada
ao pé da letra, muitos em Israel certamente teriam apenas um olho (ou nenhum),
um braço (ou nenhum), um dente... Mas não há exemplo de que isso tenha
acontecido como não há episódio em que esta lei tenha sido aplicada de forma
literal. Para salvaguardar a ordem, a intenção da lei é mostrar que a punição
pelo crime não deve ser excessiva, mas que deve corresponder à severidade da
infração. Este princípio, na verdade, era “uma grande vantagem para o povo, pois
elevava a injúria pessoal do delito civil a um ato criminal, impedindo retaliações
excessivas (Gn 4.23-24). Dessa maneira, elevava a dignidade das pessoas”.21
Por isso, tais casos devem ser entregues a terceiros, ou seja, aos juízes (Êx
21.22), para que julguem com objetividade, sem favorecer o pobre ou o rico
(Êx 19.15). Os juízes deveriam proceder mais ou menos assim: “façam com

|| 21 LASOR, op. cit., p.100-101.


Êxodo 57

que o castigo seja equivalente ao crime, não procurem tirar vantagem indevida
da situação”. Exemplificando hoje, em acordos sobre acidentes de carro a regra
é: “para-choque por para-choque, lâmpada traseira por lâmpada traseira”. Não
procure se aproveitar do acidente para levantar fundos para a universidade dos
filhos.

5.9 Tabernáculo
O tabernáculo era um santuário portátil, formado de uma estrutura de
madeira de acácia coberta por duas grandes cortinas de linho. Uma das cortinas
cobria o recinto maior chamado Lugar Santo, enquanto a segunda cobria o
Santo dos Santos (ou “Santíssimo”), uma sala menor ao fundo do Lugar Santo,
separado por uma cortina especial. Rodeado por um átrio ou pátio aberto, o
tabernáculo compunha-se, pois, de duas partes: o `ûlam ou “Lugar Santo” e o
debîr ou “Santíssimo”. O Lugar Santo tinha 9 metros de comprimento, 4,5 metros
de largura e 4,5 metros de altura. O Santo dos Santos, por sua vez, possuía 4,5
metros de cada lado. No interior do Santo dos Santos ficava apenas a arca da
aliança – uma caixa de madeira de acácia que continha as tábuas do Decálogo.
Sobre a tampa da arca ficava o propiciatório, o lugar onde se aspergia o sangue
no Dia da Expiação (Lv 16). Acima do propiciatório ficavam dois querubins sobre
os quais o Senhor se entronizava e de onde falava com Moisés (Nm 7.89).
No Santo Lugar ficava o altar de incenso, o candelabro e a mesa com o Pão
da Presença. O tabernáculo estava colocado num pátio de 45 metros por 22,5
metros, isolado do restante do acampamento por cortinas brancas de 4,5 metros
de altura. No pátio, diante do tabernáculo ficava o altar dos holocaustos e entre
eles ficava o mar de bronze. Josefo, o historiador judeu do século I, entendia
que o átrio do tabernáculo representava a terra; o Santo Lugar, o céu; e o Santo
dos Santos, o Céu dos Céus.22 É bem possível que esta tenha sido a compreensão
dos israelitas, fazendo do tabernáculo uma extensão terrena dos céus. Ao menos
é o que se pode depreender das palavras de Salomão em 1 Reis 8.27: “Mas, de
fato, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem
conter, quanto menos esta casa [templo] que eu [Salomão] edifiquei”.

|| 22 JOSEFO, Flávio. Antiguidades, III, vi, 4.


58 Êxodo

O Tabernáculo: Deus habitando no meio do seu povo.

A descrição do tabernáculo se acha nos capítulos 25-40 de Êxodo. É


importante lembrar que o tabernáculo não é imaginação ou criação de Israel.
Teologicamente significativo é o fato que ele segue um “modelo” que foi dado
pelo próprio Deus (Êx 25.9). O tabernáculo e assim todo o seu ritual são um
reflexo, uma miniatura, uma cópia do templo celeste. Nos céus está o trono de
Deus, mas precisa se “encarnar” num lugar especial entre a humanidade em
vista da alienação dela em pecado. A mesma linguagem e o mesmo conceito
são aplicados no templo mais tarde e também a Cristo, na sua encarnação. O
Novo Testamento fala da presença visível de Deus no mundo na pessoa de
Jesus Cristo. Nas palavras do evangelista João, “o Verbo se fez carne e habitou
[“tabernaculizou”] entre nós” (Jo 1.14). Por isso, a Igreja hoje também tem o seu
“Tabernáculo”. Não é mais um lugar; é uma pessoa. Jesus fez seu tabernáculo
entre os homens. Ele é o nosso meio de acesso a Deus. Por meio Dele, Deus
está entre nós. Ele assegura a nós todos da presença visível do Deus Salvador
e aponta o único caminho para a nossa peregrinação neste mundo até a Terra
Prometida.
Antes da construção do tabernáculo, os que dentre o povo de Israel duvidavam
diziam: “O Senhor está entre nós ou não?” (Êx 17.17). Agora lhes é dado um
sinal visível da Sua presença, no meio do seu acampamento. As gerações que
Êxodo 59

viriam posteriormente pensariam em Cristo e diriam: “Eis que o tabernáculo


de Deus está com os homens” (Ap 21.3).
Do ponto de vista literário, há duas partes relacionadas ao tabernáculo.
À primeira vista parecem simples repetições, mas na verdade os capítulos 25
a 31 formam uma secção prescritiva de como Deus orienta a construção do
tabernáculo. Já os capítulos 35 a 40 apresentam uma parte descritiva que mostra
como tudo foi construído da maneira como Deus determinara. Na primeira parte
o tempo do verbo é o futuro: “farás”, “fundirás”, “porás”. A segunda parte é um
pouco mais abreviada mas o texto é o mesmo, com mudança apenas no tempo
do verbo: “fez”, “fundiu”, “pôs”. Neste sentido há uma relação entre a construção
e a execução do tabernáculo com o conceito de profecia no Antigo Testamento.
Esta relação é como promessa e cumprimento, a saber, o que Deus promete, Ele
efetivamente executa.

5.10 Sacerdócio
A origem e o desenvolvimento do sacerdócio constituem um dos temas
mais polêmicos para os estudiosos do Antigo Testamento. A visão tradicional
entende o sacerdócio como originário no período mosaico, no contexto da
aliança sinaítica e, portanto, uma instituição divina. Já a escola crítica liberal,
sistematizada por Julius Wellhausen, vê o sacerdócio numa perspectiva linear
marcada por confrontos entre grupos sacerdotais de diferentes ideologias
sociopolíticas, alcançando seu estágio final no período pós-exílico com o
surgimento do sacerdócio araônico.
No Antigo Testamento o termo hebraico para “sacerdote” no sentido legítimo é
kōhēn. Por outro, o termo para identificar o sacerdote idólatra é kōmēr, que ocorre
três vezes no texto bíblico (2 Rs 23.5; Os 10.5; Sf 1.4). Segundo a narrativa do
Antigo Testamento, o sacerdócio não era apenas levítico, mas fundamentalmente
araônico. Tecnicamente, é mais correto se pensar em sacerdócio “araônico”
do que em sacerdócio “levítico”. Arão era da tribo de Levi, mas o sacerdócio
propriamente inicia-se com ele e fica restrito à sua descendência. Por isso, todos
os sacerdotes são levitas, mas nem todos os levitas são sacerdotes.
No Novo Testamento as palavras gregas para “sacerdote” (hiereus) e seu
cognato “sumo sacerdote” (archihiereus) são usadas nos evangelhos e em Atos
60 Êxodo

dos Apóstolos. Todas, com uma exceção (At 14.13), referem-se a sacerdotes
judeus. É também nesses livros que se nota a hostilidade do sacerdócio judaico
à pessoa e missão de Jesus. A rejeição da doutrina da ressurreição promovida
pelo partido sacerdotal dos saduceus serviu para exacerbar ainda mais seu
antagonismo à pregação de Jesus e de Seus discípulos. Apesar disso, Atos 6.7
atesta a conversão de muitíssimos sacerdotes à fé cristã.

a) Sacerdotes
Os sacerdotes do Antigo Testamento exerciam um papel mediador entre o
povo de Deus e o próprio Yahweh. Isso não significa que essa função inibisse
qualquer iniciativa direta do indivíduo com Deus. De uma forma especial,
como ocorre nas atividades cúlticas do cristianismo, os sacerdotes concediam o
perdão de Deus àqueles que confessavam seus pecados e ofereciam os sacrifícios
de maneira adequada. Ao determinar a aceitação de um sacrifício, o sacerdote
presidia o ritual pelo qual a expiação era feita e os pecados absolvidos (Lv 1.4;
5.15; 19.7). Embora Israel fosse designado como “reino de sacerdotes” (Êx 19.6),
nem de todos era esperado que servissem como sacerdotes. No sacerdócio o povo
estava sendo substituído e representado perante Yahweh. Esta representatividade
se materializa quando o sumo sacerdote carrega sobre os seus ombros e seu
peito os nomes das doze tribos de Israel gravados em pedras preciosas. Ao
comparecer perante o Senhor, o sumo sacerdote corporificava todo o Israel.
Ele era o Israel reduzido a um. Nele todo o Israel era “santo ao Senhor”, como
lembrava a inscrição na lâmina de ouro da coroa que trazia em sua cabeça (Êx
28.36; 39.30; Zc 3.5; cf. 14.20).
Para se sustentar, os sacerdotes dependiam quase que inteiramente das ofertas
do povo de Deus. Este sustento provinha de três fontes principais. Primeiro, uma
parte vinha das primícias do campo e dos primogênitos dos animais, juntamente
com o dinheiro do resgate pelos filhos primogênitos e pelos primogênitos dos
animais impuros (Êx 13.12-13; Nm 18.12-19). Segundo, recebiam porções dos
sacrifícios: o pão da proposição (Lv 24.5-9); parte das ofertas de cereais (Lv 2.3,
10; 6.16; 10.12-13; Nm 18.9) e das ofertas pelo pecado (Lv 5.13; 6.26); o peito e
a coxa dos sacrifícios pacíficos (Êx 29.26-28) e a pele dos animais sacrificados
em holocausto (Lv 7.8). Por fim, dos levitas os sacerdotes recebiam a décima
parte do dízimo dado pelo povo de Deus (Nm 18.26-28).
Êxodo 61

Os sacerdotes (e também levitas) eram ministros da Palavra de Deus. Não


apenas presidiam os sacrifícios e festas e comungavam com o povo perante o
Senhor, como ensinavam a Torá, ou seja, eram responsáveis pela instrução ou
catequese do povo de Deus e, vez por outra, mediavam situações de conflito de
acordo com ela (Dt 17.8-13; 19.17; 21.5; 31.9). Parte de suas funções consistia
também em preservar e, talvez, copiar os textos que compunham a Escritura (Dt
31.9; cf. a atividade de Esdras). Toda essa atividade requeria estudo e treinamento
intensos. Ao menos cinco anos de aprendizado eram necessários ao aronita que
aspirasse ao ofício do sacerdócio e nele fosse instalado aos 30 anos de idade (cf.
Nm 4.3; 8.24).

b) Levitas
Os levitas são os descendentes do terceiro filho de Jacó. Nem todos os levitas
deveriam servir como sacerdotes; todos, entretanto, atuavam como auxiliares
no santuário. Dedicavam-se a esse serviço em várias frentes: (a) demonstraram
ter tido zelo perante o Senhor (Êx 32.25-29); (b) substituíam os primogênitos de
Israel, poupados na noite da Páscoa quando da saída do Egito (Êx 13.2, 12-13;
Nm 3.12-13; 8.14-16); (c) representavam o povo de Israel como oferta movida
perante o Senhor (Nm 8.11). Ao contrário dos demais (Js 13-19), os levitas não
receberam herança de terra: Yahweh era a sua herança (Nm 18.20). Contudo,
os levitas receberam 48 cidades espalhadas por todo o território, das quais
seis eram chamadas “cidades de refúgio”, que abrigavam pessoas que tivessem
cometido homicídio involuntário. Além dos rebanhos que eram criados ao redor
dessas cidades, os levitas obtinham sustento pelo dízimo que recebiam pelo seu
status levítico (Nm 18.21-24; Dt 18.1-4; Js 13.14) e pelos mesmos benefícios
estendidos a viúvas, órfãos e estrangeiros (Dt 14.20-29; 16.11, 14; 26.11-13).
Talvez por julgarem desempenhar funções subalternas, muitos levitas não mais
suspiravam por retornar à Palestina após o exílio, preferindo agregar-se a outras
atividades na Babilônia.

c) Sumo sacerdote
A instituição do sumo sacerdócio começa quando Moisés consagra Arão e
seus quatro filhos (Êx 28). A escolha é divina (Êx 28.1). Os filhos de Arão não
62 Êxodo

se elevam no ofício como resultado de um espírito de rivalidade e elitismo. A


particularidade do ofício está representada nos seguintes aspectos: (a) vestes
especiais (Êx 28.2-39; Lv 8.7-9), que, com a morte de Arão, eram transferidas
ao seu primogênito (Êx 29.29; Nm 20.25-28); (b) unção especial (Êx 29.7; Lv
4.3, 5, 16; Nm 35.25); e (c) funções distintas como, por exemplo, oficiar no Dia
da Expiação (Lv 16).
O sumo sacerdócio foi passado de Arão ao seu primogênito, Eleazar, cujo
filho, Fineias, recebe a aliança perpétua do sacerdócio porque também agira
com zelo perante o Senhor (Nm 25.12-13). Fineias oficiou durante o período
dos juízes. O sumo sacerdócio foi então preenchido por Eli, provavelmente da
família de Itamar, o quarto filho de Arão. Os descendentes de Eli exerceram a
função até Salomão depor Abiatar em favor de Zadoque, descendente de Eleazar
(1 Rs 2.27; 1 Cr 24.3), cuja linhagem oficiaria até a queda de Jerusalém. No
templo visionário, Ezequiel limitou o serviço sacerdotal aos “filhos de Zadoque”,
excluindo dele todos os levitas que haviam apostatado (Ez 44.10). Com a ausência
da monarquia, abria-se a porta para a hierocracia.
Após o Exílio, o sumo sacerdote assume muito das prerrogativas que até
então pertenciam ao rei. Em 520 a.C., o sumo sacerdote Josué e o governador
davídico Zorobabel estão lado a lado como iguais (Ag 1.1, 12, 14; 2.2, 4). Juntos
iniciam a reconstrução do templo (Ed 3.1) e dividem o governo da comunidade
como “os dois ungidos” (Zc 4.14). Aos poucos, com o fim da dinastia davídica,
o sumo sacerdote assume o controle, encabeçando o governo eclesiástico e civil.
No período intertestamental, o sumo sacerdote preside o “senado”, composto
por sacerdotes, escribas e chefes de famílias (1 Mc 12.6; 2 Mc 4.44; 11.27) – uma
forma embrionária do Sinédrio. Durante a hegemonia grega, o sumo sacerdócio
passou a ser um prêmio cobiçado por mentes inescrupulosas. A partir de então
inicia-se um conflito permanente entre indivíduos e grupos reivindicando a
legitimidade do ofício sumo sacerdotal.
Ao tempo do Novo Testamento, o sacerdócio como um todo, juntamente com
o sistema de sacrifícios a ele subordinado, tem sua culminância e cumprimento
na pessoa e obra de Jesus Cristo. Ele é o Grande Sumo Sacerdote, um com o Pai
pela sua eterna filiação (Hb 1), e entretanto identificando-se com o ser humano
pela sua encarnação (Hb 2.14-184.15; 5.1-2, 8-10). Ele é o perfeito Mediador
da nova aliança (Hb 7.23-28; 8.6-13; 9.15) que uma vez por todas fez expiação
Êxodo 63

pelo pecado (Hb 9,11-28; 10.11-18) e abriu as portas do santuário eterno para
todos os seres humanos.
O livro de Êxodo termina com a consagração do tabernáculo pela descida
da mesma “glória” (kavod, no hebraico) que havia trazido o povo de Israel do
Egito e que passa a ter residência permanente sobre o propiciatório, no Santo
dos Santos. Logo, o significado primordial do tabernáculo e do templo como
o tipo maior da encarnação, com a consumação que nos aguarda no fim dos
tempos, é uma certeza que não pode deixar de ser enfatizada.

Atividades
1. Explique o que John Bright quer dizer ao afirmar que “a localização
precisa do êxodo tem importância tão pequena para a religião de Israel
como a localização do santo sepulcro para o cristianismo”.

2. Relacione a segunda coluna com a primeira.


1) Êxodo 3 ( ) “Vós me sereis reino de sacerdotes e nação
santa.”
2) Êxodo 8 ( ) “Senhor, Senhor Deus compassivo,
clemente e longânimo e grande em
misericórdia e fidelidade.”
3) Êxodo 19 ( ) “Para que saibas que eu sou o Senhor no
meio desta terra.”
4) Êxodo 20 ( ) “Eu sou o que sou.”
5) Êxodo 34 ( ) “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirou
da terra do Egito, da casa de servidão.”

3. Um dos seguintes argumentos é empregado pelos defensores da data


mais antiga para o êxodo. Assinale a resposta correta.
a) Os números bíblicos são interpretados simbolicamente e, por isso,
há elasticidade que possibilita uma data antiga.
b) A construção do templo mencionado em 1 Reis 6.1 seria uma das
referências principais.
64 Êxodo

c) Inúmeras inscrições, e inclusive o achado da múmia de Ramsés II,


testemunham essa data.
d) Uma série de descobertas arqueológicas no Egito atestam a
veracidade da data.
e) A estela de Merneptá conecta Israel diretamente ao episódio do
êxodo.

4. As pragas que sobrevieram ao Egito até podiam ser interpretadas como


manifestações fenomenológicas. Há consenso entre os estudiosos que
uma delas, entretanto, não se explica naturalmente. Assinale a resposta
correta.
a) Águas transformadas em sangue.
b) Granizo.
c) Morte dos primogênitos.
d) Trevas.
e) Morte dos rebanhos.

Respostas:
2) 3 – 5 – 2 – 1 – 4
3) b
4) c
6

Levítico
6.1 Nome
Israel está no monte Sinai, mas está a caminho; ali não é a Terra Prometida. A
missão de Deus não acontece no deserto. No deserto pode acontecer o preparo,
a formação para a missão de Deus. Mas o povo de Deus de ontem e de hoje
precisa tornar-se fonte de bênçãos salvadoras para todas as nações (Gn 12.3),
compartilhando sua redenção com todos os povos, e para isso necessita engajar-
se no mundo e na sociedade. Ademais, o Sinai não é a terra da promessa; ela
fica mais acima, em Canaã.
Canaã, entretanto, é uma terra de religião pagã. O monoteísmo javista vai
se defrontar com diferentes nuanças do politeísmo. Fazer missão no mundo
envolve dois aspectos. O primeiro é simplesmente fazer uma abordagem natural
e apresentar a pessoa abordada ao Senhor e dizer quem Ele é, o que o Senhor
fez por Israel e pode fazer por esta e aquela pessoa. O segundo aspecto é fazer
missão num contexto hostil. Israel, aparentemente, estava mais exposto a esta
situação – talvez como nós ainda hoje. E para isso, necessário se faz estarem
preparados “para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que
há em vós” (1 Pe 3.15).
Levítico é o nome do terceiro livro do Pentateuco. O nome hebraico do livro
é extraído do primeiro versículo vayiqra’, “E chamou”. O nome “Levítico” deriva-
se do nome dado pela LXX Levitikós, daí para a Vulgata Leviticus e, então, para
o português: Levítico.
66 Levítico

6.2 Propósito
No monte Sinai a nação teocrática foi organizada, a aliança ratificada e
o tabernáculo erigido. Mas antes que o povo continue sua viagem à Terra
Prometida, precisa receber orientação quanto ao culto no tabernáculo e quanto
à conduta como povo de Deus. Logo, para ser bem compreendido, Levítico
pressupõe o conteúdo de Êxodo.

6.3 Esboço e referências principais


O esboço de Levítico pode ser elaborado de várias maneiras. Eis uma
delas:

Santo dos Santos

4. Povo é perdoado no DIA DA EXPIAÇÃO. Cap. 16


3. Povo é ensinado a viver vida 5. Povo é despedido para viver vida
santificada diante de Deus e dos homens. santificada diante de Deus e do mundo.
Cap. 11-15 Cap. 17-26

2. Sacerdotes são consagrados para trazer 6. Povo é instruído a trazer os problemas


a oferta do povo ao Senhor. Cap. 8-10 diante de Deus. Cap. 27

1. Pecadores vêm a Deus em busca de


perdão, comunhão e ação de graças. Cap.
1-7.
Levítico 67

6.4 Os sacrifícios
Os capítulos 1-7 contêm a mais longa orientação sobre sacrifícios na Bíblia.
Tudo o que era trazido ao Senhor como oferta devia ser cerimonialmente puro.
Do reino animal: bois (gado), ovelhas, cabritos, pombas podiam ser sacrificados;
do reino vegetal: cereais, vinho e azeite.
Sacrifício animal era oferecido em lugar, ou como substituto, do pecador. A
imolação do animal, seu sangue, na verdade não expiavam o pecado. Antes, o
sacrifício apontava para frente, para o sacrifício que viria, cujo sangue derramado
iria efetivamente expiar os pecados do mundo todo. Pelo sacrifício do animal
e pela fé no que o sacrifício antecipava, o crente no Antigo Testamento recebia
perdão dos pecados. Jamais era o caso de o ofertante “obter” perdão simplesmente
por realizar um ato mecânico sacrificando um animal para Deus. O sacrifício
era acompanhado por um coração arrependido e confiante na graça divina.
Os capítulos 1-7 apresentam os principais tipos de sacrifício, culminando
com orientações suplementares especialmente a respeito dos sacerdotes. O
capítulo 1 descreve o sacrifício do Holocausto (ou “ofertas queimadas”), em que
praticamente todo o animal era consumido sobre o altar.
O capítulo 2 fala da Oferta de Manjares (grãos) onde apenas a “porção
memorial” era queimada e o resto destinado para o salário dos sacerdotes.
O capítulo 3 descreve a Oferta de Comunhão (ou Sacrifícios Pacíficos), dividida
em três partes: uma para ser queimada, outra para ser dada aos sacerdotes e a
terceira parte retornava ao ofertante para a subsequente “oferta de comunhão”
nos recintos do templo (cf. 7.11-36).
Os capítulos 4-5 tratam da Oferta pelo pecado e Oferta pela culpa. Estes
são difíceis de serem distinguidos. Aparentemente, a Oferta pela Culpa dizia
respeito mais à “culpa-crime”, ou seja, mais ao aspecto político do que eclesiástico
em Israel. Daí o fato de que, além do sacrifício do animal, uma restituição
monetária era também requerida. A Oferta pelo Pecado era distinta dos demais
pelo proeminente uso de sangue (que variava com a ofensa e o ofensor) e pela
queima da carcaça fora do arraial (cf. Hb 13.12). Nesse contexto, a passagem
mais clara no Antigo Testamento sobre o papel do sangue como o que carrega
a vida, oferecido vicariamente em sacrifício pela vida humana, está em Levítico
17.11: “Porque a vida da carne está no sangue. Eu vo-lo tenho dado sobre o altar,
68 Levítico

para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o sangue que fará expiação
pela vida”.

6.5 O ritual dos sacrifícios


O livro de Hebreus, especialmente, nos diz que o sacerdócio do Antigo
Testamento era um tipo de Cristo que era (e continua sendo) Sacerdote, Profeta e
Rei (cf. Hb 8.1). Os sacerdotes ofereciam sacrifícios; Cristo ofereceu um sacrifício
– sacrifício que expiou os pecados do mundo inteiro. Os profetas intercederam
pelo povo; Cristo intercede pelo Seu povo (p. ex., Rm 8.34).
Com respeito ao sacrifício de animais e a cerimônia de expiação, a palavra
hebraica para expiação vem do verbo kafar, que significa cobrir. A expiação
significa que o castigo que cobre o pecador é transferido para cobrir outro
objeto. Com o sacrifício envolvendo expiação, o animal era imolado e pelo
derramamento do seu sangue descrevia o julgamento divino sobre a morte
como punição pelo pecado. Cada etapa do ritual do sacrifício tipificava algum
aspecto da obra expiatória de Cristo (Hb 10.11-12). O ritual do sacrifício, de
uma forma geral, consistia dos seguintes passos:
1. O animal trazido pelo ofertante devia ser macho e sem defeito. O melhor
deve ser dado a Yahweh. Apenas Aquele que é perfeitamente puro pode
levar os pecados dos outros (1 Pe 1.19).
2. O ofertante impõe a mão sobre a cabeça do animal (Lv 1.4). Este gesto
sinaliza a transferência da culpa do culpado (ofertante) para o inocente
(o animal). Assim, o animal se torna o substituto do ofertante. Cristo
foi feito pecado por nós (2 Co 5.21).
3. O animal é imolado pelo ofertante e no lugar do ofertante. O sangue
representa a vida do animal: Levítico 17.11. Novamente, este gesto
aponta para frente, para o sacrifício de Cristo, que aconteceu uma vez
por todas.
4. A vida sacrificada era então entregue a Deus por meio da aspersão e
queima sobre o altar (Lv 1.6-9; Êx 24.6; cf. Ef 5.2).
Levítico 69

5. Há, no ritual, indicação de que a comunhão de Deus com os homens


estava sendo mantida. Parte do sangue do sacrifício podia ser aspergida
sobre o povo (Ex 24.6; 19.6-8; cf. Êx 24.11).23

Poucas partes da Bíblia são tão pouco lidas como as que compõem o livro de
Levítico, exatamente por causa do entrelaçado sistema de sacrifícios. Intérpretes
da teologia liberal, por vezes, olham para os sacrifícios como elemento mágico
no culto de Israel. Mas o fato é que o pecado é uma realidade triste e cruel e que
não pode ser ignorada. O pecado corrompe o ser humano na sua integridade,
corpo e alma, e o remédio para esta cura deve ser correspondente: tem preço e
é chocante.
Exteriormente, os sacrifícios de Israel tinham muito em comum com
os sacrifícios de outras nações. Podiam até ser confundidos com eles. Mas,
funcionalmente, no que respeita aos motivos, eles são “sacramentos”, são meios
da graça, ordenados por Deus, para expiar o pecado. Não são mágicos. A fé deve
estar envolvida. O rito sem fé não agrada a Deus. A lei cerimonial servia como
meio pelo qual a fé no Salvador que viria podia ser exibida, antes da Sua real
encarnação. Contudo, o ritual era eficaz apenas quando acompanhado da fé
do ofertante. Tinham valor para a pessoa apenas se ela depositasse fé no que a
cerimônia significava. Os sacrifícios oferecidos por descrentes, e por isso mesmo
impenitentes, eram uma abominação ao Senhor (cf. Pv 15.8; 21.27). Não é muito
diferente do cristão hoje, que recebe perdão por meio da Santa Ceia. É claro que
o povo recebia perdão também fora dos atos cerimoniais, por meio da fé.
Interpretações sobre o sentido das coisas “puras” e “impuras” são muitas e
insuficientes. A mais comum, conforme alguns, seria por razões higiênicas.24 Mas
o texto não oferece explicação de qualquer natureza senão que esta é a vontade
de Deus. A explicação mais plausível seria considerar as coisas impuras como
representando a separação de Israel do paganismo, enquanto as puras como
tipos da “nova criação”.

|| 23 PAYNE, J, Barton. The Theology of the Older Testament. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing
House, 1974, p.383-385.
|| 24 HARRISON, R. K. Introduction to the Old Testament: with a comprehensive review of Old Testament
studies and a special supplement on the Apocrypha. Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans
Publishing Company, 1973, p.603-607.
70 Levítico

6.6 Dia da Expiação


O capítulo 16 é o ponto climático do livro de Levítico: é o Dia da Expiação
(Yôm Kippur), única vez mencionado na Escritura. O livro de Hebreus, de forma
especial, expõe o antítipo cristológico do ritual. O aspecto principal é o fato de
que, assim como o Dia da Expiação ocorre apenas uma vez ao ano, o sacrifício
de Cristo ocorre uma vez para sempre.
No Dia da Expiação há três purificações envolvidas. Primeiro, o sumo
sacerdote, que, como o pastor, não está isento de pecado, faz sacrifício de um
novilho pelo seu próprio pecado. Na medida em que leva uma porção do sangue
ao Santo dos Santos, ele também purifica o santuário e o altar do holocausto.
Em cada um desses dois ritos de purificação o sumo sacerdote entra no Santo
dos Santos, onde o Senhor estava entronizado acima dos dois querubins, sobre a
arca da aliança. Ali aspergia o sangue da aliança sobre a tampa do propiciatório.
Depois aspergia sangue no altar do holocausto para purificá-lo.
No Dia da Expiação acontecia também o ritual dos dois bodes, escolhidos
por sorte. Um bode é destinado para Yahweh e é sacrificado por todo o povo. O
outro bode não é sacrificado, mas é enviado ao deserto, para “Azazel”, para ali
morrer. Este episódio acontece depois que os pecados da congregação de Israel
tivessem sido confessados sobre ele e sobre ele transferidos. A expressão “bode
emissário” é expressão que vem desde Jerônimo, que considerou uma fusão de
termos e optou por essa tradução. “Azazel”, entretanto, parece ser nome próprio
dado a Satanás ou a um de seus anjos-demônios. Dessa forma, pecado e impureza
retornam à sua fonte, o pai da mentira: lá é o seu lugar.
A conexão aos capítulos 17 a 26 é natural. Klostermann, em 1877, denominou este
conjunto de capítulos como “Código de Santidade” (do inglês Holiness Code, daí a sua
abreviação para “H”). Esta sigla ainda é empregada hoje por questão prática, mesmo
sem levar em consideração os argumentos de Klostermann e outros críticos que, por
premissas evolucionistas, transportam esta secção para o período pós-exílico.
Uma passagem, ao menos, merece destaque no “Código da Santidade”. Trata-se
de Levítico 17.11: “Porque a vida da carne está no sangue. Eu vo-lo tenho dado
sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o sangue que fará
expiação pela vida”.25 Neste versículo se faz um jogo com o termo vida ou pessoa

|| 25 Tradução livre, a partir do original.


Levítico 71

(a palavra nefesh significa uma ou outra). A fonte de vida é o sangue. Quando o


sangue de um animal é derramado em sacrifício, esse animal dá a vida pela pessoa
que pecou. A vida do animal é derramada na morte – é a penalidade por causa do
pecado – de modo que o ofertante possa continuar vivo. Há, portanto, um elemento
de substituição, um sacrifício vicário, na dinâmica do sacrifício. O princípio é vida
por vida, significando que a expiação é alcançada sobre um fundamento sólido e
justo. Cumprir um ritual não garante perdão automático. Isso implica que antes de
prover o perdão, Deus sonda os motivos da pessoa que faz o sacrifício. O Antigo
Testamento não ensina nenhum conceito mágico de sacrifício. O ofertante confia
na misericórdia do Senhor para obter aceitação e perdão. Pela fé, olhando além
do sacrifício, o ofertante vislumbrava o sacrifício maior e completo do “Cordeiro
de Deus, que tira o pecado dele e do mundo inteiro” (Jo 1.29).

Atividades
1. Escreva sobre as diferenças que havia entre os sacrifícios de Israel e os
sacrifícios dos cananeus. O conceito de sacrifício em Israel era uma
forma de barganhar com Deus?

2. Relacione a segunda coluna com a primeira.

1) Levítico 4 ( ) “E da tua descendência não darás nenhum


para dedicar-se a Moloque, nem profanará o
nome de teu Deus.”
2) Levítico 9 ( ) “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”
3) Levítico 16 ( ) “...e o sacerdote por eles fará expiação, e eles
serão perdoados.”
4) Levítico 18 ( ) “...depois Arão levantou as mãos para o povo
e o abençoou.”
5) Levítico 19 ( ) “Arão porá ambas as mãos sobre a cabeça
do bode vivo e sobre ele confessará todas as
iniquidades dos filhos de Israel, todas as suas
transgressões e todos os seus pecados.”
72 Levítico

3. No ritual do holocausto, a imolação do animal era feita por:


a) ofertante.
b) rei.
c) sacerdote.
d) levita.
e) sumo sacerdote.

4. Leia Levítico 1 e numere, em ordem sequencial, o ritual do sacrifício.


1) ( ) Imolação do animal.
2) ( ) Esfolamento do animal.
3) ( ) Aspersão do sangue.
4) ( ) Imposição de mãos.
5) ( ) Queima em holocausto.

Respostas:
2) 4 – 5 – 1 – 2 – 3
3) a
4) 4 – 1 – 3 – 2 – 5
7

Números
7.1 Nome
O título hebraico do livro, “no deserto”, vem do primeiro versículo. O nome
é adequado porque o livro de Números registra fatos importantes associados ao
período da peregrinação no deserto antes da morte de Moisés e da conquista da
Terra Prometida. “Números” é tradução do título adotado pela LXX, Arithmoi,
que reflete os dois censos ordenados por Deus e descritos nos capítulos 1 e 26.

7.2 Contexto histórico e geográfico


O livro de Números começa com uma orientação que Deus dá a Moisés no
monte Sinai no primeiro dia do segundo mês do segundo ano da saída do Egito.
No décimo segundo dia desse mês, “a nuvem se ergueu de sobre o tabernáculo
da congregação”. E então os filhos de Israel levantaram acampamento do monte
Sinai (Nm 10.11 e ss.). Deuteronômio começa com uma referência ao primeiro
dia do décimo primeiro mês do quadragésimo ano, ou cerca de 38 anos, 8 meses
e 10 dias após a saída do Sinai. O livro de Números, portanto, cobre um intervalo
de 38 anos e 9 meses – o período da peregrinação pelo deserto.
74 Números

7.3 Esboço e referências


1.1-10.10 Preparação para deixar o Sinai 6.22-27 Bênção araônica
10.11-21.9 Do Sinai ao vale do Jordão 13-14 Espias em Canaã
21.10-36.13 As planícies de Moabe 21 A Serpente de Bronze
24 Oráculos messiânicos de Balaão

7.4 Cronologia de Israel após a saída do Egito


É possível estabelecer, pela narrativa de Êxodo a Josué, uma cronologia para
marcar o desenvolvimento da história de Israel após a saída do Egito.26

Saída do Egito 15º dia do 1º mês Êx 12.2,5; Nm 33.3


Chegada ao monte Sinai 1º dia do 3º mês Êx 19.1
Yahweh se revela no Sinai 3º dia do 3º mês Êx 19.16
Conclusão do tabernáculo 1º dia do 1º mês do 2º ano Êx 40.1, 16
Orientação para o censo 1º dia do 2º mês do 2º ano Nm 1.1
Partida do Sinai 20º dia do 2º mês do 2º ano Nm 10.11
Chegada a Cades 1º mês do 40º ano Nm 20.1
Morte de Miriã 1º mês do 40º ano? Nm 20.1
Morte de Arão (30 dias de 1º dia do 5º mês do 40º ano? Nm 20.29
luto)
Saída para Moabe 1º dia do 6º mês do 40º ano Nm 20.22; 21.4
Discurso de Moisés em Moabe 1º dia do 11º mês do 40º ano Dt 1.2,3
Morte de Moisés (30 dias de ? Dt 34.8
luto)
Josué e Israel entram em 10º dia do 1º mês do 41º ano Js 1.19
Canaã

|| 26 HILL, Andrew e WALTON, John. Panorama do Antigo Testamento. Lailah de Noronha, trad. São
Paulo: Editora Vida, 2006, p.130.
Números 75

7.5 O texto
O censo ordenado por Deus serve para confirmar o cuidado providencial
do Senhor pelo Seu povo enquanto ainda este se achava cativo no Egito e o
cumprimento das promessas feitas a Abraão sobre um “grande povo” (Gn 12.2;
17.5,6). A longa viagem do Sinai a Cades e os acontecimentos relacionados a
ela também destacam a fidelidade divina (p. ex., a provisão por meio do maná
e de codornizes, Nm 11.4-15) e a insensatez da rebelião contra Deus, como a
empreendida por Corá (Nm 16).
O simbolismo da organização do acampamento no capítulo 2 é significativo
tanto teológica quanto militarmente. O tabernáculo está no centro e três tribos
acampadas em cada um dos quatro lados, com Judá, messianicamente sendo
posicionada no lado leste do acampamento. Os capítulos 3 e 4 descrevem
a divisão de tarefas entre as famílias levíticas de Gerson, Coate e Merari. O
diagrama abaixo indica a posição de cada grupo no acampamento:

Aser

Naftali
Manassés Meraritas Moisés Issacar
EFRAIM Gersonitas TABERNÁCULO Arão e filhos JUDÁ
Benjamim Coatitas Zebulom
Simeão
RÚBEN
Gade

O capítulo 6 se destaca pelo voto voluntário do nazireado, representado por


um tipo exemplar de santidade ideal não muito diferente do ideal monástico
da Igreja da Idade Média, embora sem os pressupostos questionáveis desta.
O período de tempo de um voto podia mudar, mas uma vez feito Deus exigia
cumprimento (6.21). Hoje também fazemos voto: batismo, confirmação,
casamento. Quando fazemos um voto, cumprimos o voto e nesse processo
honramos a Deus.
76 Números

7.6 A bênção
Depois de apresentar novas orientações para ao acampamento (cap. 1-6), o
Senhor acrescenta uma bênção para o povo. A tríplice repetição do nome divino
(cf. Sl 24.8-10; 113.1; 136.1-3) antecipa o tríplice nome que Jesus emprega em
Mateus 28.19, a base para a doutrina da Trindade. A primeira cláusula de cada
linha da bênção evoca um movimento de Deus em relação a Seu povo; a segunda
cláusula evoca Suas ações. É oportuno chamar a atenção que apenas os sacerdotes
tinham permissão para dizer a Bênção Araônica, como o próprio nome indica. A
bênção segue uma fórmula empregada por Arão quando ele “levantou as mãos
para o povo e o abençoou” (Lv 9.22). O ritual em Levítico 9 era a consagração
de Arão. A ocasião específica da bênção em Números 6 não é fornecida. Talvez
fosse proferida no final de cultos regulares no tabernáculo. O uso frequente da
bênção se observa pelos ecos que aparecem nos Salmos e por uma inscrição da
bênção em amuletos de prata encontrados numa caverna-sepultura em Ketel
Hinom, nas imediações de Jerusalém.27
Em Números 10.11 o povo de Deus finalmente levanta acampamento e deixa
o Sinai. Logo adiante, no capítulo 21.9 o povo chega a Moabe. Isso quer dizer que
a maior parte dos 40 anos no deserto se acha comprimida nestes poucos capítulos
do livro de Números. Aparentemente, a maior parte dos 40 anos se passou ao
redor do oásis de Cades (ou Cades-Barneia). O nome “Cades”, em si, significa
“santo” provavelmente, sugerindo uma associação sacra (pagã evidentemente)
mesmo antes de os israelitas peregrinarem pelo local.
A peregrinação do povo de Deus está diretamente vinculada ao movimento da
arca. A peregrinação é uma procissão, tendo a arca como guia, sendo conduzida
pelos sacerdotes. A procissão não se trata de uma imitação pagã como se arca fosse
um “paládio de batalha”, ou seja, uma espécie de representação de divindade que
protegia o povo, como sugerem alguns.28 A arca sinaliza a presença do Senhor. A
“encarnação” do Senhor é descrita em dois trechos poéticos em Números 10.35-
36 por vezes chamados de “Cântico da Arca”. O texto diz assim: “Partindo a arca,
Moisés dizia: Levanta-te, Senhor, e dissipados sejam os teus inimigos, e fujam

|| 27 BARKAY, Gabriel. “The Riches of Ketef Hinnom.” Biblical Archaeology Review 35 (Jul/Aug Sep/
Oct 2009): 22-28, 30-33, 35, 122-126.
|| 28 CROSS, Frank Moore. “The divine warriors in Israel’s early Cult.” Em Biblical Motives. Alexander
Altmann, ed. Cambridge, MA: Harvard University, 1966, p.27. Cf. DeVAUX, R. Instituições de Israel
no Antigo Testamento. Daniel de Oliveira, trad. São Paulo: Editora Teológica, 2003, p.298.
Números 77

diante de ti os que te odeiam. E, quando pousava, dizia [Moisés]: Volta, Senhor,


para os milhares de milhares de Israel”. Este exemplo, como vários outros, lembra
que Israel no deserto era uma “igreja militante”. Ecos deste cântico aparecem
também no Saltério, mais precisamente nos Salmos 68.1 e 92.9.
Os capítulos 13-14 descrevem o reconhecimento de Canaã pelos 12 espias.
O relatório dos espias induz à incredulidade e é recebido com incredulidade.
(13.27-29). O relato amedronta os incautos: povo poderoso, cidades grandes e
fortificadas, homens de grande estatura, terra de gigantes, terra que devora seus
moradores. Diante deles, somos gafanhotos. Que baixa autoestima na presença
de Deus! Nem a palavra confiante e proativa de Josué e Calebe demove o povo
de sua cegueira e in sensatez. A intervenção da “glória do Senhor” impede o
apedrejamento de ambos.

7.7 Rebeliões
A narrativa é pontuada por outras rebeliões espacialmente contra Moisés e
sua autoridade. Em Números 12 Miriã e Arão se opõem ao casamento de Moisés
com a mulher “cuxita” – cujo termo pode ser traduzido por “negra”, mas que aqui
pode simplesmente significar “Midianita”. Não sabemos se a expressão se refere
a Zípora ou a outra mulher. Mais adiante, no capítulo 16, os agitadores são Corá,
Datã e Abirã. O ponto climático desse processo negativo é a rebeldia de Moisés
contra o próprio Deus junto às águas de Meribá (20.7ss.). Este ato passa ser um
dos motivos por que Moisés não entra na Terra Prometida. É preciso lembrar
que o pecado de Moisés foi além da simples desobediência à ordem divina de
falar em vez de ferir a rocha. A ira e a autopromoção de Moisés equivalem a
insubordinação, pois ele, assim como Arão, usurpam o lugar preeminente de
Yahweh perante Israel (Nm 20.2-13). O castigo infligido a Moisés, a saber, a
negação da entrada em Canaã, se justifica dada a natureza da responsabilidade
associada a quem exerce a liderança no Antigo Testamento e o julgamento divino
coerente de rebelião em outros trechos no livro de Números.

7.8 Novilha vermelha


Uma passagem difícil em Números, mas que não pode deixar de ser
mencionada, é a da novilha vermelha (cap. 19). A água preparada das suas cinzas
78 Números

era usada especialmente para remover a contaminação com um cadáver. Nessa


questão, não são poucas as interpretações alegóricas e ênfases nas analogias
mágicas. Mas são tentativas frágeis e sem sucesso. Na perspectiva teológica, como
deve ser vista a Escritura, as cinzas da novilha vermelha não são outra coisa senão
um meio da graça para livramento do poder e domínio da morte, o oposto da
vida, da santidade e da plenitude. O livro de Hebreus expõe o seu significado
tipológico: “...se a cinza de uma novilha, aspergida sobre os contaminados, os
santifica, quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de Cristo que, pelo
Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa
consciência de obras mortas para servirmos ao Deus vivo!” (9.13-14).

7.9 A Serpente de Bronze


Após a vitória sobre o rei de Arade, hoje descoberta pela arqueologia, Israel
parte do monte Hor, rodeia a terra de Edom, a caminho de Canaã. O trajeto é
árduo e longo e a paciência do povo é curta. Murmura contra Moisés, contra
Deus e contra o maná, esse “pão vil” (21.5). Deus envia serpentes abrasadoras
e a salvação do povo só é mediada pela Serpente de Bronze, cuja tipologia está
em João 3.14 e que apresenta o evangelho em miniatura.
Os críticos interpretam esta história como uma etiologia que procura atribuir
origem mosaica a Neustã, a Serpente de Bronze no templo destruída por Ezequias
(2 Rs 18.4). Para os críticos Neustã seria um resquício sincretista de um culto à
serpente amplo e antigo, aliás bem documentado pela arqueologia. Na verdade,
para ficar na interpretação teológica muito bem lembrada na liturgia da Semana
Santa, a Serpente de Bronze significa que “a serpente que venceu pela árvore do
jardim seja da mesma forma vencida pela árvore da cruz”.29
Uma das cenas finais mais marcantes antes da entrada na Terra Prometida
é a maciça apostasia em Sitim (Nm 25). Balaão é contratado por Balaque, rei
moabita, para amaldiçoar Israel e assim ajudá-lo na batalha (Nm 22.1-6). A
princípio, o Senhor ordena que Balaão não acompanhe Balaque; mais tarde,
deixa o vidente seguir Balaque até o acampamento de Israel. Ironicamente, Balaão
acaba abençoando Israel e amaldiçoando Moabe, Edom e Amaleque.

|| 29 Culto Luterano: Liturgias. Comissão de Culto da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, Org. e Rev.
Porto Alegre: Editora Concórdia, 2010, p.26.
Números 79

Mais tarde, Balaão une-se aos midianitas e consegue indiretamente


amaldiçoar Israel, incitando-o a participar da idolatria e da imoralidade no
culto a Baal em Peor (Nm 25 1-3). A imoralidade penetra até o Santo dos Santos
(25.8), onde Fineias, neto de Arão, põe fim à licenciosidade no acampamento. No
Novo Testamento, Balaão é citado como exemplo de falso profeta corrompido
pela ganância e pelo desejo do lucro (Jd 11).30
Começando com o segundo censo (Nm 26), o livro de Números termina
com uma série de material estatístico, grande parte antecipando a conquista da
Cisjordânia. A decisão inovadora de Moisés no caso da herança das filhas de
Zelofeade se constitui num exemplo de como o Senhor revoluciona o costume
legal do Antigo Oriente Próximo ao lidar com os hebreus como povo especial
(Nm 27.1-11; 36.1-13). Na lei mesopotâmica, as filhas em geral não herdavam
partes do patrimônio da família. Mas a orientação divina eleva a posição das
mulheres na sociedade israelita, ao contrário dos povos vizinhos, e passa a ser
mais uma indicação da intenção divina em cumprir suas promessas relativas à
terra da aliança (Nm 33.50-36.1; cf. Gn 12.1; 17.8).
Outro exemplo que contrasta com a cultura do Antigo Oriente Próximo está
em Números 35. A liberdade divina para agir fora dos padrões culturais da época
é demonstrada no estabelecimento das “cidades de refúgio” para os culpados
de homicídio involuntário ou acidental (Nm 35.9-28; cf. Dt 4.41-43; 19.1-13;
Js 20-21). O conceito de abrigo do homicídio involuntário foi criado para se
opor ao costume de vingança de sangue do Antigo Oriente Próximo, na qual o
parente mais próximo da vítima era obrigado a vingar a morte do membro da
família ao matar o homicida. A instituição das cidades de refúgio era única no
mundo antigo e elevou a vida social e moral hebraica a um nível superior ao
das nações circunvizinhas.

|| 30 Um texto mural descoberto pela arqueologia em 1969 em Deir Alla, na margem oriental do
Jordão, pode trazer mais esclarecimentos à história de Balaão. Na parede, o texto foi inscrito
em preto e vermelho, mas devido ao impacto de um terremoto ficou bastante danificado.
Datado em cerca de 800 a.C., fala da história de uma mensagem transmitida a Balaão, filho
de Beor, por mensageiros de El, o deus supremo dos cananeus. Embora o texto não tenha sido
completamente decodificado, observações preliminares acerca do seu significado bíblico podem
ser buscados em HACKETT, Jo Ann. “Balaam.” In: David Noel Freedman, ed. The Anchor’s Bible
Dictionary. V. 1. New York: Doubleday, 1992: 569-572.
80 Números

Atividade
1. Disserte sobre o que a interação do Senhor com um profeta pagão como
Balaão revela sobre Sua intervenção divina na história.

2. Relacione a segunda com a primeira:


a) Números 6 ( ) “Perdoa, pois, a iniquidade deste povo,
segundo a grandeza da tua misericórdia e
como também tens perdoado a este povo
desde a terra do Egito até aqui.”
b) Números 8 ( ) “Disse o Senhor a Moisés: Faze uma
serpente abrasadora, põe-na sobre uma
haste, e será que todo mordido que a
mirar viverá.”
c) Números 14 ( ) “O candelabro era feito de ouro batido
desde o seu pedestal até às flores; segundo
o modelo que o Senhor mostrara a
Moisés, assim ele fez o candelabro.”
d) Números 21 ( ) “...uma estrela procederá de Jacó, de
Israel subirá um cetro que ferirá as
têmporas de Moabe e destruirá todos os
filhos de Sete.”
e) Números 24 ( ) “O Senhor te abençoe e te guarde.”

3. A narrativa do livro de Números compreende um período de tempo


de cerca de:
a) 2 anos.
b) 12 anos.
c) 20 anos.
d) 38 anos.
e) 40 anos.
Números 81

4. Balaão é um personagem marcante na história do povo de Israel. Em o


Novo Testamento ele tem menção específica, onde é qualificado como
(marque uma resposta):
a) aquele amaldiçoou Israel para dar a vitória a Balaque.
b) falso profeta cujo objetivo visava a ganância.
c) aquele que abençoou Israel e é louvado por sua iniciativa.
d) causador da imoralidade que tomou conta do povo em Peor.
e) exemplo de vidente que serve de prenúncio do que seria profecia
em Israel.

Respostas:
2) c – d – b – e – a
3) d
4) b
8

Deuteronômio
8.1 Nome
O nome “Deuteronômio”, ou “Segunda Lei”, é uma infelicidade baseada em
má interpretação feita pelos tradutores da Septuaginta da expressão que ocorre
em 17.18. Nesta passagem bíblica, no hebraico é ordenado ao rei que prepare
“uma cópia desta lei”, mas os tradutores gregos equivocadamente verteram para
“esta segunda lei” (deuteronomion touto). Há, sem dúvida, repetição de certas
leis, mas a grande ênfase está na teologia da Torá, ou “Lei”, ou seja, as boas-novas
do evangelho que motiva toda e qualquer inclinação do ser humano diante de
Deus. Não é sem razão que Deuteronômio seja citado com tanta frequência no
Novo Testamento.

8.2 Autoria
O próprio livro de Deuteronômio testifica que sua maior parte foi escrita
por Moisés (1.5; 31.9, 22, 14) e outros livros concordam (1 Rs 2.3; 8.53; 2 Rs
14.6; 18.12), embora o preâmbulo (1.1-5) e o relato da morte de Moisés (cap. 34)
possam ter sido escritos por alguém outro, mas não necessariamente. O próprio
Jesus dá testemunho da autoria mosaica (Mt 19.7-8; Mc 10.3-5; Jn 5.46-47), e
o mesmo fazem escritores do NT (At 3.22-23; 7.37-38; Rm 10.19). Ademais,
Jesus cita Deuteronômio como autoritativo (Mt 4.4, 7, 10). No NT há quase
84 Deuteronômio

100 citações ou alusões a Deuteronômio. A tradição a uma voz atesta a autoria


mosaica do livro (cf., p. ex., Mc 12.19).

8.3 Contexto histórico e geográfico


Deuteronômio localiza Moisés e o povo de Israel no território de Moabe,
na região onde o rio Jordão desemboca no mar Morto (1.5). Como ato final
neste importante momento de transferir a liderança a Josué, Moisés profere
seus discursos de despedida para preparar o povo para sua entrada em Canaã.
Tais discursos foram, na verdade, uma renovação da aliança. Neles Moisés
enfatiza as orientações necessárias a um tempo como aquele e as apresenta de
forma adequada àquela circunstância. Contrastando com o livro de Levítico e
Números, o livro de Deuteronômio chega até nós de uma forma acolhedora,
pessoal e sermônica.

8.4 Esboço e referências


Esboço Referências principais
1-4 Primeiro “sermão” de Moisés 5 Decálogo (= Êx 20)
5-11 Segundo “sermão” de Moisés 6 Shemah e “Primeira Tábua” (cf. Lv 19)
12-26 “Código deuteronômico” 18 O Profeta Messiânico
27-28 Bênçãos e maldições 32 Cântico de Moisés
29-30 Terceiro “sermão” de Moisés 33 Bênçãos proferidas por Moisés
31-34 Conclusão do Pentateuco 34 Morte de Moisés

Os capítulos 5 a 11 de Deuteronômio são, em vários aspectos, o centro do


livro ao menos no que diz respeito à articulação teológica. Logo no vers. 3 ocorre
uma aplicação homilética atualizada da aliança quando Deus diz: “Não foi com
vossos pais [apenas] – mas convosco [também] que fez o Senhor aliança”. E a
partir daí o cap. 5, com pequenas alterações, reitera o Decálogo estabelecido
em Êxodo 20.
Deuteronômio 85

O cap. 6 é, na verdade, um comentário do Primeiro “Mandamento” que nos


lembra que todo o Decálogo depende dele. O vers. 4 introduz o “Shemah”:

Ouve [shemah, em hebraico], Israel, o Senhor nosso Deus é o único


Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de
toda a tua alma, e de toda a tua força.

Estas palavras passam a ser o “credo” do judaísmo posterior e moderno.


Elas destacam a unidade e a peculiaridade de Yahweh, o Deus de Israel,
especificamente no relacionamento estabelecido entre Ele e Seu povo. A palavra
empregada para “único” é o numeral. Literalmente: “O Senhor nosso Deus,
o Senhor, um”. Embora gramaticalmente não se possa defender a doutrina
monoteísta com base neste versículo, funcionalmente não se pode negar que tal
doutrina esteja nele implícita. O vers. 5 é o “primeiro e grande mandamento”
citado por Jesus (Mt 22.37) juntamente com Levítico 19.18 como sumário de
toda a Torá.
Se quisermos falar sobre educação cristã no Antigo Testamento, uma boa
fundamentação para tal encontramos no cap. 6.6 em diante. Esta é uma das
ênfases de Deuteronômio cujos reflexos se estendem para a história de Israel
subsequente. Como a Escritura repetidas vezes chama a atenção, pais piedosos
nem sempre são garantia automática de filhos piedosos – por vezes, o contrário
é o que acontece. Não fosse a graça divina, a Igreja estaria sempre a uma geração
da extinção.

8.5 Eleição
A ênfase do capítulo 7 está em dois temas importantes do livro, a saber,
a eleição de Israel e a necessidade do extermínio do paganismo cananeu. A
pergunta é: Por que Deus escolhe Israel? A eleição de Israel tem um fundamento
retroativo na história. Encontra-se no chamado de Abraão (Gn 12.1-3; 15.1-6),
quando a promessa de Deus é dirigida à “descendência” de Abraão. Esta ideia é
lançada na primeira linha do chamado de Deus a Moisés (Êx 3.6). Mais adiante,
é lembrada na revelação da Lei no Sinai (Êx 20.2, 12) e no sistema sacrificial
apresentado em Levítico (Lv 18.1-5, 24-30). Uma referência a esta promessa
86 Deuteronômio

encontra-se no relato sobre o envio dos espias a Canaã (Nm 13.2) e no relatório
da minoria proativa formada por Josué e Calebe (Nm 14.8). Eleição é a ideia
que permeia Deuteronômio.
O verbo “escolher” (bachar) é o mais empregado para definir esta relação
de Israel com Deus. Mas o conceito aparece mesmo quando esta palavra não
ocorre explicitamente (cf. 4.32-35). A escolha foi feita, diz Deus, não por causa
da superioridade numérica de Israel (7.7), mas “porque o Senhor vos amava, e
para guardar o juramento que fizera a vossos pais...” (7.8).
Por causa dessa eleição, Israel devia destruir as nações na terra de Canaã,
“sete nações mais poderosas e mais numerosas do que tu” (7.1). Com tais nações
Israel não devia fazer tratados nem ter misericórdia delas. Casamentos mistos
não devia haver entre Israel e estas nações. Caso isso acontecesse, os israelitas,
influenciados, deixariam Yahweh para servir a outros deuses (7.3-4). Acima de
tudo, Israel deveria destruir os deuses de Canaã (7.5). O capítulo 7, portanto,
volta à temática do herem e da “guerra santa”, assuntos que aparecem em Números
30 e retorna em Deuteronômio 20.
O conceito de eleição tem também outra face. Já na escolha de Abraão havia
um propósito mais amplo e nobre. Deus lhe diz: “em ti serão benditas todas
as famílias da terra” (Gn 12.3). O amor de Deus para com Israel não nasce de
Sua indiferença para com outros povos; ao contrário, surge de Sua vontade de
que Israel passe adiante a verdade divina. Se não houver cuidado em guardar
a verdade que Yahweh revelou em palavra e atos, a verdade jamais chegará ao
conhecimento do restante do mundo.
O cap. 11 resume o segundo sermão, assim como o primeiro é resumido
em 4.1-40. Tendo a cidade de Siquém (a moderna Nablus) como uma espécie
de testemunha, o povo de Israel é convidado por Deus a escolher entre a vida
e a morte, entre bênção e maldição – uma escolha associada aos montes Ebal e
Gerizim, ladeando Siquém.
No chamado “Código deuteronômico” (capítulos 12 – 26), Moisés exemplifica
o que seja viver uma vida fiel à aliança com Deus. É o que podemos chamar, como
dissemos antes, de “Terceiro uso da Lei”. De uma forma geral, as orientações
neste “código” se mostram de um caráter menos civil e mais religioso que nos
“códigos” anteriores. Nas orientações anteriores havia maior ênfase no amor a
Deuteronômio 87

Deus; nesta a ênfase maior está no amor ao semelhante como decorrência do


amor divino.

8.6 Rei
Dois temas neste “código” são constantemente mencionados pelos críticos
liberais como argumentos para uma autoria pós-mosaica. O primeiro trata da
profecia em Deuteronômio 13 e 18 e o segundo fala sobre o estabelecimento de
um rei em Israel, no cap. 17.14-20. Esta é a única passagem que aborda o tema
sobre reinado no Pentateuco. Moisés tinha plena consciência das atrações e dos
perigos de um reinado. Talvez muito mais que Samuel tempos depois. No Egito
ele havia, em primeira mão, experimentado os efeitos de um regime monárquico
absoluto. E contatos havia tido com reis menos poderosos na Transjordânia como
Seom, Ogue, Balaque. A história de Gideão, em Juízes 8. 22 ss., mostra quão cedo
este problema aflorou e quão oportuna tinha sido a advertência. Deuteronômio
deixa claro que os reis em Israel deveriam estar sujeitos à aliança – um fato
constantemente lembrado pelos profetas mais tarde.
O segundo tema fala de profecia. O tema não é novo; tanto o texto bíblico
como a arqueologia mostram que profecia, de alguma forma, era anterior a
Moisés. A diferença entre verdadeira e falsa profecia o povo havia percebido na
história de Balaão. Aqui, em Deuteronômio 18.16, a origem e a legitimidade da
profecia bíblica estão atreladas à súplica dos israelitas no monte Sinai, quando,
amedrontados, pedem que Moisés seja o intercessor entre eles e Deus. O vers.
anterior assegura que Israel nunca precisará recorrer a “profetas” pagãos porque
o Senhor continuamente suscitará mediadores da aliança depois de Moisés. Esta
sucessão profética terá sua culminância naquele que é o Profeta e Mediador no
sentido pleno (At 3.22-13; 7.37; cf. Jo. 5.46).
Os capítulos finais de Deuteronômio (31-34) falam da necessidade de o povo
estar vinculado à aliança. Esta ênfase se nota tanto na preparação da passagem
do bastão de Moisés para Josué (31.1-8, 14-23; cf. Nm 27.12 ss.) como nas
providências para uma leitura periódica da Lei (31.9-13, 24-29) e a estipulação
de que o que Moisés escrevera (31.9, 24) seja depositado na arca (31.24-29). A
leitura da Torá, antecipando o que os cristãos fazem hoje em momentos cúlticos
ou domésticos, é aqui prescrita para a Festa dos Tabernáculos no ano sabático (a
cada sete anos), “diante de todo o Israel” e “no lugar que o Senhor escolher”.
88 Deuteronômio

Deuteronômio termina com o relato da morte de Moisés (cap. 34). Este


assunto já foi antecipado em 32.48-52. Os críticos, em geral, atribuem este
episódio ao documento P (Sacerdotal), no período do exílio, quando, segundo
eles, o Pentateuco foi concluído. Embora alguns entendam que este epílogo
tenha sido escrito por alguém outro, como Josué por exemplo, não há motivos
para não se aceitar a autoria do próprio Moisés.
O texto fala que “Este [o Senhor] o sepultou”. A Septuaginta traz “eles o
sepultaram” e alguns comentaristas judeus afirmam que anjos estavam envolvidos
no seu sepultamento. Ao contrário de Elias, Moisés não foi fisicamente trasladado
para o céu. Seu sepultamento oficiado pelo Senhor tem sido interpretado
como significando que o seu corpo, sem vida, fosse imune à decomposição (cf.
Jd 9). Visto os filhos de Israel não saberem o lugar de sua sepultura, a Igreja
Cristã historicamente tem dito que o Senhor com isso concedeu a Moisés dois
benefícios. Em primeiro lugar, o regozijo pelo fato de, por não identificarem o
local, seus adversários não poderem também violar a sepultura e injuriar seus
restos mortais; e, em segundo lugar, para que as gerações posteriores de Israel
não tornassem o local objeto de culto e peregrinação, e caminho de romeiros.

Atividades
1. Descreva a morte de Moisés fornecendo ao menos dois argumentos
sobre a peculiaridade do seu sepultamento.
Deuteronômio 89

2. Relacione a segunda coluna com a primeira.


1) Deuteronômio 5 ( ) “...não só de pão viverá o homem,
mas de tudo o que procede da boca
do Senhor viverá o homem.”
2) Deuteronômio 6 ( ) “Esse dinheiro, dá-los-ás por
tudo o que deseja a tua alma, por
vacas, ou ovelhas, ou vinho, ou
bebida forte, ou qualquer coisa
que te pedir a tua alma; come-o
ali perante o Senhor, teu Deus, e
te alegrarás, tu e a tua casa.”
3) Deuteronômio 8 ( ) “Eu sou o Senhor, teu Deus, que
te tirei da terra do Egito, da casa
da servidão. Não terás outros
deuses diante de mim.”
4) Deuteronômio 14 ( ) “O Senhor, teu Deus, te suscitará
um profeta do meio de ti, de teus
irmãos, semelhante a mim, a ele
ouvirás.”
5) Deuteronômio 18 ( ) “Ouve, Israel, o Senhor, nosso
Deus, é o único Senhor.”

3. Deus escolheu Israel como povo da aliança. Quando se pergunta em


que base tal escolha aconteceu, o Antigo Testamento responde. Marque
a resposta correta.
a) Israel é uma raça especial com condições intelectuais e culturais
avançadas para receber este privilégio.
b) Israel era numericamente superior aos outros povos.
c) O Senhor é gracioso para com Israel e sua pecaminosidade.
d) Os demais povos não estão moralmente qualificados para a
escolha.
e) A eleição de Abraão era a garantia de que seus descendentes seriam
também eleitos.
90 Deuteronômio

4. Críticos liberais afirmam que Moisés não pode ser o autor de


Deuteronômio, que dataria do tempo do rei Josias. Um dos argumentos é
exatamente porque o livro fala sobre rei, quando não havia rei em Israel.
Mas tal argumento é falho, visto que (marque a resposta correta):
I. Moisés recebeu uma visão de Deus, antecipando como seria o rei
de Israel.
II. Moisés exerceu as funções de rei de forma que tinha condições de
falar sobre o assunto.
III. Moisés conhecia reis e reinos, podendo tratar do assunto com
conhecimento de causa.
a) Apenas I
b) Apenas II
c) Apenas III
d) Apenas I e III
e) Apenas II e III

Respostas:
2) 3 – 4 – 1 – 5 – 2
3) c
4) c
9

Os profetas – Isaías
A segunda divisão do cânone hebraico se intitula “Os profetas”, ou Nebi’im.
Do ponto de vista moderno, esta secção parece conter dois diferentes tipos de
livros, históricos e proféticos. Mas, olhando-se mais de perto, pode-se notar que
tal diferença não é tão precisa quanto parece. Os chamados livros históricos são
quatro: Josué, Juízes, Samuel e Reis – na maioria das traduções modernas em
português, os dois últimos são divididos em dois volumes cada: 1 e 2 Samuel e 1
e 2 Reis. Esta coleção de livros, entretanto, não engloba todos os livros de caráter
histórico fora do Pentateuco; há livros de caráter histórico na terceira divisão
do cânone, os Escritos: 1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias. As nomenclaturas
tradicionais para os dois tipos de escritos em Os profetas, e que datam do período
medieval, são os Profetas anteriores (os livros históricos) e os Profetas posteriores:
Isaías, Jeremias, Ezequiel e os doze profetas (Daniel pertence aos Escritos).

Profetas anteriores
Os quatro livros que compõem os Profetas anteriores, como os que compõem
o Pentateuco, são tecnicamente obras anônimas. Seus títulos descrevem de
maneira geral o conteúdo de cada livro. Estes livros exibem uma teologia
profética, como “ilustrações de sermões”, que antecipa os “sermões” dos profetas
propriamente.
92 Os profetas – Isaías

Profetas posteriores
A segunda divisão do cânone do Antigo Testamento Os profetas contém não
apenas os livros históricos chamados Profetas anteriores, como também uma
série de livros intitulados Profetas posteriores, que estão mais diretamente ligados
a pessoas específicas, a saber, Isaías, Jeremias e Ezequiel, como mencionamos.
Os Profetas posteriores são chamados Profetas maiores, enquanto o quarto é
uma antologia de 12 livros pequenos (Amós, Oseias, Miqueias, Sofonias, Naum,
Habacuque, Obadias, Joel, Jonas, Ageu, Zacarias e Malaquias) chamada Profetas
menores (“Dodekapropheton” em grego) que juntos equivalem ao tamanho de
cada um dos três profetas maiores. Este arranjo provavelmente surgiu do fato de
os doze profetas menores serem integrados num só pergaminho. Essa distinção
maior/menor decididamente não é a mais apropriada; os termos se referem
apenas ao tamanho de cada livro, não tendo implicação alguma com relação ao
significado ou importância dos profetas como tais.

Que é um profeta?
“Profeta”, no sentido bíblico, é como um “porta-voz, intérprete, mediador
da vontade divina”. Neste sentido, Abraão é um profeta (Gn 20.7) porque ele
intercede junto a Deus pelo bem-estar de Abimeleque. Assim também Arão
é um profeta para Moisés (Êx 7.2), no sentido de porta-voz de Moisés. O
próprio Moisés é o profeta por excelência em razão do seu papel singular como
representante e mediador da aliança sinaítica. No sentido mais amplo, os grandes
profetas foram reformadores na medida em que chamavam de volta Israel às
raízes mosaicas. Cristãos que somos, não há como falar sobre profecia sem
invocar o nome de Cristo como o Profeta Maior da verdadeira profecia.
O profeta também era chamado “vidente”, ou seja, “aquele que tem ou recebe
visões”. Uma passagem (1 Sm 9.9) indica que o termo “vidente” foi empregado
mais no início da profecia, sendo mais tarde substituído por “profeta”; mas,
se havia alguma diferença entre os termos, tornou-se indistinta na época do
Antigo Testamento.
O grande dilema, especialmente para Israel, era distinguir entre a verdadeira
e a falsa profecia. Como aceitar que a profecia de um profeta como Jeremias era
verdadeira enquanto a de um Hananias, seu contemporâneo, era falsa, quando
Os profetas – Isaías 93

ambos diziam que falavam em nome de Yahweh? Como você iria decidir?
Esperar que a profecia se cumprisse? Poderia levar anos e anos e talvez nem
se cumprisse naquele tempo. Sem dúvida que um dos indicativos é o fato que
o falso profeta era adepto da mensagem que o povo gostava de ouvir, a saber,
“paz, paz, quando não há paz” (Jr 6.14; 8.11). Já o verdadeiro profeta aponta
a “guerra, fome e pestilência” como características tradicionais da verdadeira
profecia (28.8, cf. 34.17).
Foram mensagens discordantes como estas que induziram críticos como
Julius Wellhausen a determinar que profetas que pregavam juízo eram profetas
“genuínos” ao passo que os que pregavam mensagem mais amena eram
identificados como de um período mais tardio. Embora em parte isso seja verdade,
a questão não se resolve de maneira tão simples. Se havia preponderância de uma
mensagem de julgamento entre os profetas pré-exílicos, era porque correspondia
às necessidades da época. Junto com a decadência social, talvez apressada pela
guerra dos Arameus, veio o colapso total da religiosidade e da ética do javismo
tradicional. A situação chegara a tal ponto que Deus não tinha alternativa a não
ser executar seu “juízo final” a Israel por intermédio dos Seus profetas.
Mesmo nessas circunstâncias, na sua pregação de juízo, os verdadeiros
profetas pré-exílicos não deixavam de antecipar também os atos escatológicos
da redenção divina. E quando as circunstâncias mudam após o julgamento, mais
que depressa os profetas também mudam o tom profético, anunciando promessa
e esperança. Para uma síntese do significado do termo, podemos dizer que um
profeta é aquele que pode tanto proclamar quanto predizer a mensagem divina.
Em resumo, sua mensagem pode ser uma proclamação como uma predição.
Há pessoas que simplesmente pinçam versículos dos profetas e os agrupam
para apresentar “profecias que comprovam a Bíblia”, criando-se a impressão que
profecia é a “história escrita de antemão”. Mas um estudo mais cuidadoso dos
profetas e de sua mensagem revela que, em primeiro lugar, os profetas falam
para o seu tempo. Eles falam do rei e de suas práticas idólatras, de profetas que
dizem o que são pagos para dizer, de sacerdotes que não instruem o povo de
Deus na Lei de Yahweh, de negociantes que empregam balanças adulteradas, de
juízes que favorecem o rico e não proporcionam justiça ao pobre, de mulheres
cobiçosas que induzem seu marido a práticas corruptas para poderem desfrutar
o luxo. Tudo isso faz parte da profecia bíblica. O povo de Deus precisa de
constante correção. Ao mesmo tempo, trata-se de uma mensagem de esperança,
94 Os profetas – Isaías

pois o Senhor não rompeu sua aliança e completará a Sua obra depois que o
julgamento terminar.
Mas a profecia não é apenas para a situação presente; ela possui também uma
dimensão futura. Deus tem um plano para o Seu povo e para o mundo. E ele
envolve os profetas nesse plano (Am 3.7). A profecia é a mensagem de Deus para
o presente à luz da missão redentora em andamento. Em certos momentos, Deus
fornece detalhes bem precisos do que está para fazer. Mesmo esta predição está
quase sempre ligada à situação presente. O profeta fala de algo que faz sentido
para os seus ouvintes. Ele os transporta daquele momento para o transcorrer
da atividade redentora de Deus e centra-se numa verdade que se tornará ponto
de referência para o povo de Deus. A profecia é uma janela que Deus abre para
o Seu povo por meio dos Seus servos, os profetas.

Isaías
Devido ao espaço, seria quase impossível tratar aqui de todos os profetas
do Antigo Testamento. Por isso, vamos escolher um representante deles e que é
unanimidade em termos de importância, ou seja, o profeta Isaías.

Autoria do livro
O livro de Isaías tem sido o que mais tem sofrido com a questão envolvendo
autoria. Desde o século XVIII, a crítica moderna tem costumeiramente
diferenciado em o “Isaías de Jerusalém” (cap. 1-39) e o anônimo Deutero-Isaías
(cap. 40-66). Naturalmente, pressupostos filosóficos sobre a possibilidade de
haver profecia preditiva estão envolvidos. É possível que em nenhuma outra
parte em todo o Antigo Testamento esse tema seja tão relevante como aqui em
Isaías.
Em Isaías 40-66 não é em apenas uma ou duas profecias que o profeta fala
como se fosse contemporâneo com os eventos do exílio tendo Babilônia, não
a Assíria, como inimigo. A mensagem é extremamente precisa ao apresentar
conforto e promessa aos exilados. O exemplo maior é a identificação por
duas vezes de Ciro pelo nome (44.28 e 45.1), embora a figura de Ciro esteja
implicada outras vezes no contexto. A única situação como esta só ocorre na
Os profetas – Isaías 95

identificação de Josias em 1 Reis 13, mais ou menos três séculos antes do seu
aparecimento histórico. Enquanto para os liberais estes são exemplos típicos
de um autor contemporâneo ao episódio, ou seja, do século VI, para a maioria
dos conservadores eles representam exemplos máximos de profecia preditiva.
Alguns intérpretes conservadores sustentam que a estrutura paralela e climática
de 44.26-28 seria destruída se “Ciro” fosse eliminado do texto.
Para os conservadores, o argumento decisivo para a unidade de autoria de
Isaías repousa no dogma, coisa que os críticos nem querem saber e repudiam
esta posição como de caráter “não científico”. Os dogmas que aqui se aplicam
são os mesmos quando tratamos da autoria mosaica do Pentateuco, a saber,
escriturísticos e cristológicos. Não apenas o Novo Testamento em geral, mas o
próprio Jesus especificamente e repetidamente faz referência às duas metades
do livro como sendo ambas de Isaías. Muitas destas referências são feitas não
apenas ao livro como à própria pessoa de Isaías. Em João 12.38-41, por exemplo,
citações de ambas as partes do livro são atribuídas ao homem Isaías.
Enfim, o que está em jogo não são as circunstâncias históricas para as quais
Isaías se dirige. A única questão é quando isso acontece. Historicamente, o exílio
antes anunciado chegara ao fim. Jerusalém e o templo parecem estar em ruínas.
Mas o grande reverso, tão proeminente também nos oráculos anteriores, está por
acontecer. Logo, o posicionamento de cada um nesta questão é fator crucial que
advém de sua visão teológica e metodológica, a saber, se considera a Escritura
como inerrante ou não; se crê que os autores bíblicos eram inspirados ou não. Ao
fim e ao cabo, tal posicionamento determina se alguém segue o Método Histórico
Gramatical ou Método Histórico-Crítico de interpretação da Escritura.
Em resumo, a posição dominante hoje entre os proponentes do Método
Histórico-Crítico é que o livro de Isaías foi escrito por três principais autores:
a) Isaías, filho de Amoz, que viveu em Jerusalém do século VIII ao VII
a.C. e que teria escrito os capítulos 1-39;
b) Segundo Isaías, ou Deutero-Isaías, que viveu e escreveu na Babilônia
no ano 540 a.C, e que escreveu os capítulos 40-55;
c) Terceiro Isaías, ou Trito-Isaías, que viveu em Judá no período pós-exílico
e que escreveu os capítulos 56-66.
96 Os profetas – Isaías

Críticos conservadores entendem que o autor de todo o livro é o profeta


Isaías, filho de Amoz, que viveu em Jerusalém no século VIII a.C. Nenhuma
versão antiga dá evidências que o livro tenha sido dividido em duas partes. A
LXX, século III a.C., não contém nenhum indício de separação entre “Primeiro” e
“Segundo” Isaías, não obstante divida outros livros como Samuel, Reis, Crônicas.
O manuscrito completo de Isaías (1QIsa) encontrado nas cavernas de Cumrã
em 1947, no mar Morto, não apresenta a menor divisão entre os capítulos 39 e
40. Antes, 40.1 é exatamente a última linha da trigésima segunda coluna, sem
espaço significativo no final da linha anterior.

Propósito do livro
O propósito do livro de Isaías é proclamar que a libertação acontece pela
graça de Yahweh e pelo Seu poder em vez de pelo esforço e empenho humano.
Esta libertação acontece tanto em nível físico (Judá não deve confiar em aliados)
quanto espiritual. No plano espiritual, Isaías profetiza a respeito do Messias e Seu
Reino. O livro sublinha que o Deus vivo não admite um viver perverso da parte
do Seu povo da aliança e, em Lei e Evangelho, adverte que um remanescente
sobreviverá às invectivas da iniquidade.

Isaías: tempo e vida


O primeiro versículo do livro dá os contornos da geografia e da história
do profeta. Isaías vive no tempo específico do reinado de Uzias, Jotão, Acaz e
Ezequias, reis de Judá. Diferente de outros profetas cujo chamado é relatado no
início do livro, o chamado de Isaías acontece no capítulo 6, no “ano da morte
do rei Uzias”, ou seja, cerca de 742 a.C. Seu ministério profético foi longo,
estendendo-se de 740 a 700 a.C. aproximadamente. Se sobreviveu ao reinado
de Ezequias, falecido em 687, não sabemos; mas a referência a uma espécie de
biografia do rei Ezequias escrita por ele em 2 Crônicas 32.32, como havia feito
do rei Uzias (2 Cr 26.22), parece indicar que sim. Não há como atestar a tradição
de que Isaías teria sido morto cerrado ao meio sob o reinado de Manassés. A
tradição, entretanto, pode perfeitamente ser verídica. Se a referência em Hebreus
11.37 é a Isaías, a factualidade da tradição está comprovada.
Os profetas – Isaías 97

Isaías viveu e profetizou num dos períodos mais conturbados da história do


povo de Deus no Antigo Testamento. Especialmente para Judá, o século VIII
a.C. é o mais importante e impactante. Os assírios têm o domínio de campo.
São eles que estabelecem as regras do jogo para os adversários. Para eles a paz é
estabelecida em troca de tributos, tesouros e riquezas. Faz parte de sua estratégia
militar solapar a infraestrutura do país conquistado e enfraquecer a liderança
local. Isaías, por um lado, presenciara dias gloriosos de independência no reinado
de Uzias, mas, por outro, amargou o declínio e a queda de Samaria, culminando
com um escape fatal de Judá ao preço de uma subserviência colonial à poderosa
Assíria. Tais acontecimentos estão plenamente relatados tanto no texto bíblico
quando em fartas evidências arqueológicas.
O nome “Isaías” significa “Yahweh é salvação” (bastante parecido com outros
nomes como Oseias, Josué e Jesus). Sabemos poucos detalhes da vida do profeta;
mas temos o suficiente para dizer que, excetuando Jeremias, é o profeta do qual
mais informações possuímos no Antigo Testamento. Do seu pai Amoz (não
confundir com o profeta Amós) sabemos apenas o nome. Não sabemos também
se nasceu em Jerusalém, mas sabemos que estava bem entrosado na cidade e
que exerceu nela todo o seu ministério. Muitos o consideram sacerdote ou ao
menos um líder do templo devido à sua presença dentro do templo por ocasião
do seu chamado, coisa que só a sacerdotes era permitido. Outros o colocam
como integrante da classe médica em vista de suas orientações “médicas” ao
rei Ezequias (38.21).
De sua vida particular, sabemos que era casado (Is 8.3). Embora o nome de
sua esposa não seja fornecido, fala-se dela como “a profetisa” não necessariamente
como referência profissional, mas sim como tipo “esposa do pastor”. Dois
filhos seus recebem nomes simbólicos, tornando-se, desta forma, profecias
ambulantes. O primeiro se chamava Shearyashuv (7.3) “Um Resto Voltará”
incorporando um dos principais temas do livro. Ficamos na dúvida se o nome
indicava basicamente promessa (“Um Resto certamente voltará”) ou condenação
(“Apenas um Resto Voltará”). É possível que signifique ambas ao mesmo tempo.
O nome do segundo filho é pura condenação: Mahershalalhasbaz (8.1), “Rápido
Despojo Presa Segura”.
98 Os profetas – Isaías

Estilo
Isaías é, sem dúvida, um dos maiores escritores do Antigo Testamento cujo
estilo se caracteriza pela criatividade e vivacidade. Isaías é um mestre nas figuras
de linguagem. Algumas de tais características transparecem até nas traduções,
embora outras sejam intraduzíveis. Imagens ou ilustrações são seguidamente
empregadas para tonificar a sua mensagem. Veja, por exemplo, figuras como
palhoça no pepinal (1.8) ou uma criança no meio de uma floresta com poucas
árvores (10.19).
A paronomásia, que consiste na repetição de palavras semelhantes no som
para realçar o impacto da mensagem, é uma das preferidas. A mais conhecida
ocorre na “canção da vinha”, com este toque de mestre (5.7b):

Ele esperava justiça [mishpat]


Mas houve derramamento de sangue [mishpach]
esperava retidão [tsedaqa]
mas ouviu gritos de aflição [tse`aqa].

Além das figuras de linguagem, o livro possui uma riqueza ímpar de


vocabulário que não encontra paralelo em nenhum outro lugar na Bíblia. Houve
alguém que fez a contagem e encontrou 2.186 vocábulos.
Os profetas – Isaías 99

Esboço
Esboço Referências principais
1-12 Oráculos contra Judá e Jerusalém 1.2-3 Aliança transgredida
(primeiro período do ministério de 2.24 = Miqueias 4.1-3
Isaías) 5.1-7 Parábola da vinha
7: Isaías x Acaz: “Imanuel”
8.14: “pedra de tropeço e rocha de ofensa”
9.2-7 Rei messiânico
“Príncipe da paz”
13-23 Oráculos aos gentios 11.1-9 Rebento do tronco de Jessé; nova
24-27 “Apocalipse isaiano” criação
28-33 Oráculos contra Judá (segundo 25: banquete messiânico
período do ministério de Isaías) 28.16: “Pedra angular”
34-35 Edom x Israel 40.1-11 Chamado
36-39 Isaías e Ezequias x Senaqueribe 42.1-4, 49.1-6; 50.4-11; 52.13-53.12:
(= 2 Rs 18.13-20.19) quatro “Cânticos do Servo”

40-48 Vinda iminente de Deus (aos


exilados)
49-55 Restauração de Jerusalém = 55: maravilhosa graça
redenção de Israel 60.1-7: Epifania
55-66 Admoestações e promessas aos 61.1-3 Servo (Jesus)
repatriados (“Is III”)

Teologia
Isaías é teólogo de primeira linha. Alguns o denominam de “o evangelista
do AT”. Seu livro apresenta várias ênfases teológicas.
a. Santidade de Deus.
Deus é absolutamente santo e transcendente. Ele é o Santo de Israel (cf. Is
6.) Porém ele se revela, torna conhecidas a sua glória e a sua misericórdia.
Percebe-se isto especialmente nos oráculos messiânicos.
b. Fé.
Neste aspecto Isaías compartilha com o profeta Habacuque a designação
de “o São Paulo do Antigo Testamento”. Fé é a única resposta correta do
homem para com Deus. Não há outra forma de relacionar-se com Deus
a não ser pela fé (Is 30.15).
100 Os profetas – Isaías

c. Dia do Senhor.
Este é o dia final, o dia da vingança/salvação do Senhor contra os seus
inimigos. Mas também é o grande dia da salvação dos fiéis, dos que
permaneceram firmes na aliança com Deus (cf. Is 2.6‑22).
d. Remanescente.
O remanescente é composto por aqueles que permanecerão fiéis até o
fim. Após o exílio virá a restauração e os fiéis verão a salvação que Deus
trará. São os resgatados do Senhor (Is 4.3; 6.13; 35.10). “O sangue dos
mártires é a semente da Igreja”.
e. Sião e Messias.
Os temas de Sião e do Messias se acham nos oráculos messiânicos que
apontam para Cristo e a salvação final na eternidade. Sião é o monte
em Jerusalém sobre o qual estava edificado o templo do povo de Deus.
Sião, por um lado, aponta para a Jerusalém terrena, por outro é figura
da Jerusalém celeste. O Messias é o filho de Davi que reina em Sião. Isso
aponta para a eternidade. O tema da “inviolabilidade de Sião” está bem
próximo da mensagem de Isaías mas, claro, a Jerusalém terrena está
condenada à destruição.
f. Servo do Senhor.
Esta figura é proeminente na segunda parte do livro e aponta para Cristo.
No Antigo Testamento, “servo” é título de grande honra e status. Isso
se aplica à função importante a ser cumprida por Jesus. A passagem
clássica mais conhecida referente ao “servo do Senhor” se encontra em
Is 52.13‑53.12, o chamado Cântico do Servo Sofredor.

Mensagem

Capítulos 1-39
Geograficamente, os acontecimentos onde se desenrolam estes capítulos
é Judá, mais especificamente sua capital, Jerusalém. Dois eventos históricos
dominam a narrativa: as marchas do exército assírio sob o comando do rei
Os profetas – Isaías 101

Tiglate-Pileser III (745-727 a.C.) e a destruição de Judá por outro rei assírio
posterior chamado Senaqueribe, em 701 a.C.
Judá está repleta de crimes de toda ordem: rebelião, ritualismo religioso,
imoralidade. Deus está por aplicar julgamento por meio de invasores estrangeiros
cuja velocidade e malignidade assolam a terra.
Isaías estabelece um contraste entre os dois reis que se defrontam com a
ameaça da Assíria. Acaz oscila entre a ordem divina de “manter uma fé firme”
(7.9) e o medo das ciladas dos reis de Israel e Damasco que o atormentam para
que entre na coligação contra Tiglate-Pileser (7.1-2). Ezequias, contudo, não
vacila em sua atitude diante da ameaça de Senaqueribe ao invadir Judá em 701.
Embora o monarca assírio tenha destruído várias cidades fortificadas de Judá, a
confiança de Ezequias no Senhor, ao contrário da de seu pai Acaz, não se abalou.
O exército assírio foi aniquilado. Essas duas narrativas, de Acaz e Ezequias,
ancoram a primeira metade do livro, demonstrando a importância da fé.31
Cap. 1: a abertura do livro é uma introdução para o livro todo. No v. 4 aparece
de imediato a expressão divina preferida de Isaías “o Santo de Israel”.
Cap. 2.2-4: é idêntico a Miqueias 4.1-3, embora cada profeta conclua a seu
jeito. Críticos logo reagem para dizer que provavelmente em ambos há uma
adição posterior. O mais provável é que tanto Isaías quanto Miqueias se utilizam
de uma fonte comum, talvez um hino ou uma parte da liturgia cantada pelo
povo de Deus no culto do Antigo Testamento. Este versículo se acha estampado
no edifício das Nações Unidas, mas o fato é que a paz tanto almejada por todos
está longe das realizações humanas. Ao fim e ao cabo, ela só será estabelecida
pela intervenção divina sobrenatural e escatológica.
Cap. 5: apresenta a famosa “Canção da Vinha”, uma metáfora para representar
o povo de Israel (cf. Estilo, acima). Na Parábola dos Lavradores Maus (Mt
21.33ss.), Jesus faz referência direta a esta passagem.

|| 31 Com o objetivo de dar uma ênfase mais teológica ao livro de Isaías – mesmo numa abordagem
mais introdutória –, esta parte se apoia basicamente nos seguintes autores: RIDDERBOS, J.
Isaías. São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1986; PIEPER, August. Isaiah II: An exposition of
Isaiah 40-66. Milwaukee: Northwestern, 1979; HUMMEL, Horace D. The Word becoming Flesh:
an Introduction to the Origin, Purpose, and Meaning of the Old Testament. St. Louis: Concordia,
1979; OSVALT, John N. The Book of Isaiah: Chapters 40-66. Grand Rapids/Cambridge: William
B. Eerdmans Publishing Company, 1998.
102 Os profetas – Isaías

Cap. 6: é o momento do chamado de Isaías. Foge ao padrão de outros profetas.


Nas palavras de um comentarista bíblico, “Isaías é aqui elevado ao céu, pois
apesar de em outras circunstâncias se tratasse do templo terreno... aqui, como a
descrição demonstra, o ‘alto e sublime trono’ é o antítipo celeste do trono terreno
que era formado pela arca da aliança; o ‘templo’ ... é o templo celeste”.32 Sobre a
pergunta por que o chamado aparece no capítulo 6, pode-se dizer que há uma
passagem paralela no livro de Amós, supondo-se que suas visões nos capítulos
7-8 sejam referência ao seu chamado profético.
Cap. 7: é um capítulo ainda mais famoso e mais controverso. Há uma tentativa
fracassada de Isaías de persuadir Acaz de apelar à Assíria por proteção diante das
ameaças de Rezim e Peca se ele se recusasse a integrar a coalizão antiassíria. O
conselho de Isaías como sempre é “crer” (7.9) e deixar que o Senhor conduza a
história. O “sinal” dado a Acaz é citado em Mt 1.23 como referência messiânica.
Embora o termo hebraico ‘almah possa significar “moça” em idade casadoira
e que pode ou não ser virgem, o hebraico não possui termo específico para
“moça virgem”. Contudo, a tradução “virgem” deve ter a primazia não apenas
devida à profunda compatibilidade exegética como especialmente por causa do
cumprimento e antítipo na Virgem Maria e no nascimento virginal de Jesus.
Cap. 11.1-9: apresenta profecia messiânica que retoma a figura do toco
mencionado em 6.13. Há também a referência a “Renovo” em 4.2, mas aqui
temos uma palavra diferente em hebraico: netzer. O som é parecido com
“Nazareno” e este é o único link à menção feita em Mateus 2.23: “Ele será
chamado Nazareno”.
Cap. 13-14: consistem de dois oráculos contra a Babilônia. O primeiro refere-
se mais à Babilônia no sentido histórico, enquanto o segundo é endereçado mais
à Babilônia trans-histórica – um tipo de reino de Satanás. Na forma, este é um
cântico entoado após o povo de Deus ter recebido o descanso eterno. Para ilustrar,
Isaías emprega a figura da Estrela Cadente antes do raiar do Sol. Na Vulgata, o
hebraico helel foi traduzido por Jerônimo como “Lúcifer”, condutor-de-luz. No
contexto, “Babilônia” é não apenas o reino de Satanás como se pode ter aqui
uma alusão poética à rebelião e queda de Satanás no Éden.

|| 32 DELITZSCH, Franz. Biblical Commentary on the Prophecies of Isaiah, vol. 1. Grand Rapids: WM.
B. Eerdmans Publishing Company, 1969, p.189-90.
Os profetas – Isaías 103

Cap. 24-27: refletem o ponto climático da primeira parte da profecia de


Isaías, descrevendo a salvação para todos os redimidos. Esta parte é comumente
chamada “Apocalipse isaiano”. O cap. 24 inicia com uma visão de iminente
catástrofe de proporções universais. Há a queda da cidade tirana no v. 10 e,
apesar de não mencionada, esta pode ser a “Babilônia” no sentido histórico. O
cap. 25 apresenta a cidade já destruída e o Reino estabelecido para sempre. Isaías
26 é um hino de Ação de Graças concluindo com o convite “esconde-te só por
um momento, até que passe a ira” (26.21-22). Ainda mais importante é 26.14 e
19, porque fala da ressurreição, especialmente dos justos na figura do orvalho.
Muitos acreditam que o tema da ressurreição no Antigo Testamento só aparece
em Daniel 12 e em Ezequiel 37. Muito embora o Antigo Testamento não fale
com tanta clareza sobre o assunto como o Novo – em função da própria obra
de Jesus –, esta é uma passagem relevante sobre o tema.
Isaías 36-39 é uma leve variação de 2 Reis 18.13-20.19. Isaías acrescenta o
“Cântico de Ezequias”. Perguntas sobre quem se baseou em quem permanecem
sem respostas.

Capítulos 40-66
Teologicamente, a ênfase desta segunda parte de Isaías está não mais no
Messias como tal, mas na escatologia, ou seja, a alegria da restauração de Sião.
O retorno a Jerusalém após o exílio babilônico com o edito de Ciro, em 538,
não é apenas pintado em cores escatológicas e cosmológicas, mas ambos são
entrelaçados, ou seja, o evento histórico é um tipo ou antecipação do evento
maior, a saber, a restauração de todas as coisas. Longe de ser um fracasso de
Yahweh, o exílio antes de tudo representa uma vitória e de certa forma uma
vingança da Sua revelação aos profetas.
No cap. 40 há uma exortação ao povo redimido a que evangelize as
redondezas. Em Isaías 42.1-4 há uma descrição do “meu servo” em que o foco
é um indivíduo. Conforme Duhm, este é o primeiro dos “Cânticos do Servo”.
Por vezes se analisa os cânticos do servo, entende-se “servo” como implicando
subserviência e também servidão. Contudo, tanto no Antigo Testamento quando
no Antigo Oriente Próximo, o termo “servo” é um título que envolve honra e
status, algo semelhante àquele que está “assentado à direita do rei”, a saber, o
104 Os profetas – Isaías

“ministro” da corte. Em 42.18 há uma forte reprimenda ao servo por ser “cego”
e “surdo” às orientações divinas. A referência, evidentemente, é ao Israel como
povo e que provoca em Deus nenhuma outra reação senão palavras de juízo.
Em Isaías 44 temos a maior secção que trata sobre Ciro culminada na explícita
designação dele como “meu servo” por reconstruir Jerusalém e o templo. Mais
adiante o tema continua onde há referência a ele como o “ungido” (45.1).
Capítulos 46 e 47 contemplam a iminente queda da Babilônia. O capítulo 46
satiriza os deuses Bel e Nebo. O primeiro, Bel, é uma referência a Marduque, o
principal dos deuses babilônicos; o segundo, Nebo, é equivalente ao deus grego
Mercúrio posteriormente, e que aparece com frequência nesse período inclusive
no nome do rei babilônico Nabucodonosor.
O cap. 49 é considerado o segundo Cântico do Servo, em que o servo fala
como um indivíduo. Mas há um explicito paralelo do servo com Israel no
versículo 3. Nos versículos 1 e 5 ele recebe incumbência especificamente para
com Israel bem como para ser “luz para os gentios”.
O terceiro cântico (49.1-60) ressalta a fidelidade do Servo à sua missão, não
obstante o grande sofrimento. Aqui o Servo é bem distinto de Israel (vv. 10-11).
Há um cântico de lamentações que o profeta Jeremias e inúmeros salmos de
lamento apresentam. O cap. 49 é uma introdução para o grande capítulo 53.
O quarto Cântico do Servo inicia em 52.13, numa demonstração de
descuido na divisão de capítulos da Bíblia. Todo mundo, entretanto, se refere
a este cântico como “Isaías 53”. Embora muitos o considerem “climático”, esta
não é a ocorrência final do Servo no livro de Isaías. Alguns entendem que em
61.1-3 o tema retorna, apresentando o Servo em diferente nuança. O Cântico
é estruturado por uma “inclusio”, ou seja, no prólogo e no epílogo Deus fala na
primeira pessoa, descrevendo a exaltação futura do Servo, enquanto no corpo
do poema a congregação medita na Sua presente ignomínia. A polaridade entre
humilhação e exaltação perpassa todo o Cântico.
Os capítulos 54 e 55 fazem uma transição abrupta após o capítulo 53. Nestes,
ao contrário do anterior, há exultação e alegria que só podem ser entendidos
a partir dos acontecimentos narrados no capítulo 53. Isaías 55 emprega uma
imagem marital falando que a mulher “desolada” terá mais filhos que a “casada”.
O versículo 5 é ainda mais incisivo: “o teu criador é o teu marido”, antecipando
o tema neotestamentário da Igreja como noiva de Cristo.
Os profetas – Isaías 105

Os capítulos 56-57 nos colocam num mundo inteiramente diferente do


retratado até o capítulo 55 de Isaías. A linguagem é forte, começando com a
descrição dos governantes como “cães mudos” (56.9 – 57.2) e a menção de
ritos pagãos licenciosos que começam a aparecer (57.3-13). Não obstante, a
condescendente graça de Yahweh também persiste em palavras como “assim diz
o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: habito no
alto e santo lugar; mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para
vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos” (57.15).
Em Isaías 60 há uma retomada na ênfase escatológica. A conhecida perícope
de Epifania (60.1-7) exorta a congregação a se levantar e testemunhar a epifania
da “glória” de Yahweh. Enquanto as trevas envolvem o resto do mundo, a tão
esperada luz (59.9) está raiando sobre Jerusalém.
O termo “servo” não é empregado em 61.1-4, mas está implícito. O poder
do Espírito para efetivar a nova era conecta perfeitamente a perícope com os
Cânticos do Servo anteriores e a explícita aplicação que Jesus faz da profecia a
Si mesmo (Mt 11.5) corroboram este fato.
Isaías 63.1-6 estabelece uma forma de diálogo entre o profeta e Yahweh
descrevendo a vitória deste sobre “Edom” que é, no contexto, seguramente um
tipo. Esta é uma passagem importante na medida em que coloca o “universalismo”
na perspectiva correta, ou seja, não há vitória sem derrota, nem salvação sem
condenação.
O capítulo 65 fala de um “novo remanescente” dos fiéis dentre os exilados
que muitas vezes à luz das profecias anteriores se viam como num só bloco.
Mas a exposição e atração de estranhos ritos pagãos não seduzirão os fiéis. Pelo
contrário, eles receberão novo nome (65.15) e uma nova bênção (65.16) que ao
fim e ao cabo levarão à criação dos “novos céus e nova terra” (65.17).
O capítulo 66 conclui o livro deste que é o maior dos profetas com uma
imagem contrastante entre e bênção gloriosa para a nova Jerusalém e o castigo
eterno para os inimigos. O último versículo descreve tal condenação em termos
similares aos empregados no Novo Testamento como “Gehena” e “inferno”. Para
minimizar o impacto da leitura no ouvinte, era costume em sinagogas antigas
inverter parte dos versículos 23 e 24 para que o texto “terminasse com palavras
de conforto”.
106 Os profetas – Isaías

Atividades
1. Disserte sobre as características da profecia bíblica especificando como
se distingue profecia como proclamação e profecia como predição.

2. Relacione a segunda coluna com a primeira.


1) Isaías 6 ( ) “O lobo habitará com o cordeiro e o leopardo
se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão
novo e o animal cevado andarão juntos, e
um pequenino os guiará.”
2) Isaías 9 ( ) “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim
porque o Senhor me ungiu para pregar boas-
novas...”
3) Isaías 11 ( ) “Porque um menino nos nasceu, um filho
se nos deu; o governo está sobre os seus
ombros; e o seu nome será: Maravilhoso
Conselheiro, Deus Forte; Pai da Eternidade,
Príncipe da Paz.”
4) Isaías 48 ( ) “...com a brasa tocou a minha boca e
disse: eis que ela tocou os teus lábios; a tua
iniquidade foi tirada, e perdoado, o teu
pecado.”
5) Isaías 61 ( ) “Por amor do meu nome, retardarei a
minha ira e por causa da minha honra me
conterei para contigo, para que te não venha
a exterminar.”

3. Rei que na profecia de Isaías é mencionado com antecedência de mais


de 200 anos.
a) Nabucodonosor.
b) Ciro.
c) Josias.
Os profetas – Isaías 107

d) Zedequias.
e) Xerxes.

4. O chamado do profeta Isaías foge ao padrão de chamado de outros


profetas; mas encontra paralelo com ao menos um deles, a saber:
a) Oseias.
b) Miqueias.
c) Jeremias.
d) Amós.
e) Ezequiel.

Respostas:
2) 3 – 4 – 2 – 1 – 5
3) b
4) d
10

Os Escritos – Salmos
Não há dúvida de que Salmos é o livro do Antigo Testamento preferido
entre os cristãos. Sua popularidade vem do Novo Testamento, em que são feitas
frequentes citações ou referências a ele. Claro que esta preferência tem motivos
diferentes. Em contraste com o uso monástico enfatizado na Idade Média, a
reação dos reformados exaltou salmos parafraseados acima da hinódia “humana”,
enquanto luteranos centralizavam seu uso em partes litúrgicas do culto, como
introitos e graduais.
Lutero, que sabia de cor os Salmos, vê neles um resumo da mensagem e da
cristologia e da teologia bíblica. Seu apreço pelo Saltério chega ao ponto de ele
o chamar de “pequena Bíblia”.33
Em nível mais pessoal, o clima devocional e intimista que permeia os salmos
e que tem sua origem numa intensa relação do indivíduo com o Senhor encontra
acolhida entre o povo de Deus também hoje. Embora a estrutura de Salmos bem
como a sua forma poética não sejam condizentes com a poesia ocidental, com
os Salmos nos sentimos em casa.

|| 33 LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. V. 8. São Leopoldo/Porto Alegre: Editora Sinodal/Concórdia


Editora, 2003, p.34. Lutero acrescenta: “Dentro dela [dessa “pequena Bíblia”], tudo o que foi
composto na Bíblia inteira foi composto da maneira mais bela e resumida, como um delgado
livro de cabeceira. Com efeito, tenho a impressão de que o próprio Espírito Santo quis dar-se
o trabalho de compilar a Bíblia e o livro de exemplos mais curtos de toda a cristandade ou de
todos os santos, de sorte que quem não pudesse ler toda a Bíblia ainda assim tivesse, em um
pequeno livrinho, quase um resumo completo”. Ibid.
110 Os Escritos – Salmos

10.1 Nome
O título Salmos reflete o nome do livro na LXX, Psalmós. Há um título em
grego alternativo, Psaltērion, que também é usado e que aparece em português
dando o nome para o conjunto total dos Salmos. Ambos os nomes entraram em
nossa Bíblia através da Vulgata, que simplesmente transliterou os termos gregos.
As palavras gregas, derivadas do verbo psallō, “dedilhar”, foram inicialmente
empregadas para indicar a execução de instrumentos de corda ou o próprio
instrumento. A palavra grega psalmós foi usada para traduzir o termo hebraico
mizmor, cuja raiz verbal zāmar (“cantar” ou talvez “tocar”) relaciona o livro à
música. Não é sem razão que se afirma que “os Salmos são o ventre materno da
música na Igreja”.34 Posteriormente, passaram a ser empregadas para descrever
um cântico, psalmós, ou a coleção de cânticos, psaltērion. O evangelista Lucas
empregou o título grego completo, Livro dos Salmos (Lc 20.42; At 1.20).

10.2 A poesia hebraica


Diferente da nossa poesia, a poesia hebraica tem particularidades que lhe são
próprias. Walter Kaiser afirma que “mal começamos a esgotar a riqueza da poesia
encontrada no Antigo Testamento”.35 Cerca de um terço do Antigo Testamento
compõe-se de poesia. Apenas sete livros do Antigo Testamento não contêm
qualquer poesia: Levítico, Rute, Esdras, Neemias, Ester, Ageu e Malaquias. Ela
varia de trechos breves (Gn 4.23-24; Nm 21.18; 1 Sm 18.7) a composições inteiras
como cânticos e hinos no Pentateuco e nos livros históricos (Gn 49.2-17; Êx 15.1-
18; 1 Sm 2.1-10); de obras poéticas longas e bem estruturadas de Jó e, no caso,
Salmos à prosa oracular expressiva de Isaías 40-66, Naum e Habacuque.36

|| 34 WESTERMEYER, Paul. Te Deum: the church and music. Minneapolis: Fortress Press, 1998, p.23.
|| 35 KAISER, Walter e SILVA, Moisés. Introdução à hermenêutica bíblica: como ouvir a Palavra de
Deus apesar dos ruídos da nossa época. Paulo César Nunes dos Santos, Tarcízio José Freitas de
Carvalho e Suzana Klassen, trad. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p.81-82.
|| 36 A poesia do Novo Testamento inclui (1) citações de poetas antigos (At 17.28; Tt 1.12; 1 Co
15.33); (2) possíveis hinos cristãos do século I (p. ex., Fp 2.5-11; 1 Tm 3.16; 2 Tm 2.11-13);
(3) passagens nos moldes da poesia do Antigo Testamento, como no Magnificat de Lucas (1.46-
55), Benedictus (1.68-79), Gloria in Excelsis (2.14) e Nunc Dimittis (2.29-32); e (4) passagens
que têm o estilo da poesia tais como o lamento de Jesus sobre Jerusalém (Lc 13.34-35), partes
do discurso no Cenáculo (p. ex., Jo 14.1-7), e hinos e imagens de Apocalipse (p. ex., 4.8, 11;
5.9-19, 12-13; 7.15-17; 11.17-18; 15.3-4; 18. 2,14-24; 19.6-8).
Os Escritos – Salmos 111

A poesia não é uma invenção do povo de Israel. Por detrás da poesia do Antigo
Testamento há a herança de uma tradição literária longa e bem desenvolvida
no Antigo Oriente Próximo. Apesar de a poesia hebraica remanescente mais
antiga datar dos séculos XIII e XII a.C., os rudimentos da poesia das nações
circunvizinhas podem ser traçados até cerca de 3200 a.C. Temos hoje à disposição
“salmos” de toda ordem provindos de quase todos os quadrantes do Levante.
Desde o período das pirâmides (Reino Antigo), o Egito tem produzido poesia,
algumas delas semelhantes à poesia bíblica. O exemplo mais conhecido entre os
estudiosos hoje é a rudimentar semelhança que há entre o Salmo 104 e o hino
ao Sol (Aton), de Aquenaton. Observe esta semelhança:37

Hino a Aton Salmo 104.25-26


Os navios rumam para o norte e também Eis o mar, vasto, imenso,
para o sul, no qual se movem seres sem conta,
Pois todos os caminhos se abrem com a animais pequenos e grandes.
tua manifestação. Por ele transitam os navios
Portanto, os peixes no rio fogem diante e o monstro marinho
da tua face, que formaste
Teus raios estão no meio do grande mar para nele folgar.
verde.37

A educação de Moisés na cultura egípcia torna plausível a atribuição da


autoria bíblica dada a ele não apenas do Salmo 90 como também de salmos fora
do Saltério como Êxodo 15 e Deuteronômio 32-33.
Tipos similares de tradição poética se desenvolveram simultaneamente
na antiga Mesopotâmia. Versos já aparecem na inscrição mural de Gudea,
príncipe de Lagash (ca. 1900-1800 a.C). Provavelmente, as mais conhecidas
e notáveis obras poéticas da antiga Babilônia são o épico de Gilgamesh, que
contém a narrativa babilônica do dilúvio, e Enuma elish, a narrativa babilônica
da criação.
Embora as culturas egípcia e mesopotâmica tenham influenciado a palestina,
os paralelos entre a poesia cananeia e a poesia bíblica são importantes e se

|| 37 PRITCHARD, James B., ed. Ancient Near Eastern Texts. 3.ed. Princeton: Princeton University
Press, 1969, p.370.
112 Os Escritos – Salmos

encontram na literatura descoberta em Ugarite (Ras Shamra), ao noroeste da


Síria. A poesia ugarítica escrita data entre 1400 e 1200 a.C. aproximadamente,
mas é possível que tenha sido precedida em alguns séculos pela transmissão
oral – característica comum no Antigo Oriente Próximo. A poesia ugarítica é
semelhante à hebraica em vocabulário e estilo. Mas, como de hábito nesse campo
comparativo, é oportuno que não se exagere na ênfase de tais semelhanças.
Importante é saber que no Antigo Oriente Próximo a composição salmódica
tinha presença atuante milenar já antes de Moisés e Davi. Portanto, estes dois
grandes líderes do Antigo Testamento sabiam o que estavam fazendo quando
o assunto era também a arte de poetizar.

10.3 Número de Salmos


É claro que o nosso Saltério é uma coleção de coleções anteriores. Estas
coincidem, em parte, com a divisão do Saltério em cinco “livros”, em última
análise, numa correspondência artificial com os cinco livros de Moisés. As
divisões são as seguintes:
Livro I: 1-41
Livro II: 42-71
Livro III: 73-89
Livro IV: 90-106
Livro V: 107-150

Esta divisão é mais antiga que os manuscritos mais antigos, mas até pouco
tempo atrás os estudiosos do Antigo Testamento tinham poucas informações
sobre o seu significado. Recentemente, houve progresso nas pesquisas e há certo
consenso que dentro de tais conjuntos maiores há outros menores. Dentre estes,
destacam-se:
Grupo davídico I: 1-41
Grupo dos filhos de Corá I: 42-49
Grupo davídico II: 51-65
Grupo de Asafe: 73-83
Grupo dos filhos de Corá II: 84-88 (exceto o 86)
Os Escritos – Salmos 113

Grupo de louvor congregacional I: 95-100


Grupo de Aleluia: 111-117
Cânticos de ascensão a Jerusalém: 120-134
Grupo davídico III: 138-145
Grupo de louvor congregacional II: 146-150

Cada uma das divisões maiores dos cinco livros aparentemente tem relação
com o uso litúrgico nas sinagogas, ou seja, o uso de um salmo para cada leitura
do Pentateuco. Cada um dos cinco livros termina com uma doxologia (41.13;
72.18ss; 89.52; 106.48; e 150). O propósito das doxologias é dar louvor pelo
que foi revelado acerca de Deus em cada livro. Esta ênfase no louvor está em
consonância com o título hebraico atribuído ao Saltério: “louvores”. Também
se harmoniza com uma mudança de lamento na primeira metade do Saltério
para louvor na segunda metade. Mesmo que alguns salmos se concentrem nos
interesses humanos em relação a Deus, o propósito fundamental do livro como
um todo se concentra em Deus e Sua ação em benefício do Seu povo.
Diferente numeração dos Salmos remonta à Septuaginta, que, via Vulgata,
está presente hoje nas Bíblias católicas. Visto que os salmos 9 e 10 são ajuntados
e o 147 é dividido em dois, o resultado é que na maior parte do Saltério a
numeração dos Salmos na Bíblia católica está uma abaixo da numeração nas
Bíblias protestantes. O exemplo mais conhecido é o do Salmo 23, que nas Bíblias
católicas será o Salmo 22.

10.4 Referências principais e autoria


1 O caminho da aliança
2 “Tu és Meu Filho, eu hoje te gerei...”
8 “Filho do Homem”
16 “O Santo não verá corrupção”
22 “Por que me desamparaste?”
24 “Entre o Rei da Glória”
114 Os Escritos – Salmos

46 Castelo Forte
51 “Cria em mim, ó Deus, um coração puro”
87 “Gloriosas coisas se têm dito de ti”
90 “Tu tens sido nosso refúgio”
95 Venite (“Vinde”)
96 e 98 “Cantai um cântico novo”
103 e 104 “Bendize, ó minha alma...”
110 “A ordem de Melquisedeque”
118 “Bendito O que vem”
119 Acróstico na Torá
121 “Elevo os meus olhos para os montes”
130 “Das profundezas clamo a Ti”
137 “Às margens dos rios da Babilônia”
139 “Tu me sondas e me conheces”

No que respeita à autoria, a notação mais comum é “de Davi” (ledavid, que
aparece 73 vezes), significando, talvez, (1) “de autoria de Davi”, cuja musicalidade
é largamente atestada no Antigo Testamento, (2) “em favor de Davi” (Sl 20), uma
oração pelo rei davídico na véspera da batalha, ou (3) “pertencente a Davi”, parte
de uma coleção real, talvez incluindo composições de Davi. A analogia bíblica
lhe atribui outros cinco salmos cujo título não aparece: 2 (At 4.25); 95 (Hb 4.7);
96, 105, 106 (1 Cr 16).
Alguns salmos são atribuídos aos “filhos de Corá” (42-19, 84, 85, 87, 88) e a
Asafe (50, 73-83). Outros são mencionados nos cabeçalhos dos salmos: Moisés
(Sl 90); Salomão (Sl 72; 127); chefes de família do coro, os ezraítas Hemã (Sl 88)
e Etã (Sl 89) e Jedutum (39; 62; 77).
Os Escritos – Salmos 115

10.5 Sobrescrições nos Salmos


A diferença em versículos está associada a diferentes atitudes com relação
às sobrescrições (ou títulos). Na Bíblia hebraica, Bíblias alemãs e outras,
as sobrescrições são contadas como o versículo 1, enquanto em Bíblias em
português isso não acontece. A questão da autenticidade original dos títulos tem
sido motivo de debates homéricos. Alguns estudiosos, como Kidner, afirmam
que os títulos são autênticos e infalíveis.38 Outros dizem que não é nem uma
coisa nem outra.39 Terceiros acham que “a melhor solução é considerar os títulos
como uma tradição antiga e confiável... no entanto não deveriam ser julgados
como originais ou canônicos”.40
Há inúmeros tipos de títulos. Alguns descrevem o tipo de composição.
Em certos casos a descrição parece não ter nada de técnico como em mizmor,
“salmo” – possivelmente com acompanhamento de instrumento de corda,
como mencionamos acima e usado no Antigo Testamento apenas no Saltério;
shir, “cântico”, talvez uma composição cantada a cappella; tehillah, “louvor”; e
tephillah, “oração”. Dentro dessa mesma linha, mas mais técnico, estão maskil,
“ensino; ser prudente, ter sucesso”; miktam (Sl 16; 56-60) e shiggaion (Sl 7) têm
origem mais obscura, mas este último pode provir do acádico shegu, “lamento”.
O título “Cântico de Romagem” ou “Cânticos de Ascensão” provavelmente indica
que estes salmos eram entoados na subida processional do povo de Deus para
o templo.

10.6 Melodias
Além dessas, outras notações nos Salmos parecem indicar nomes de melodias
segundo as quais os salmos deveriam ser cantados. O “Sheminith” (talvez:
“oitava”) do Sl 6 parece ser o caso, como também “Lírios” (Sl 45, 60, 69, 80);
“Pomba nos terebintos distantes” (Sl 56); e especialmente “Corça da manhã” do
Sl 22. Visto que “Manhã” (schachar = Aurora) é uma deusa muito popular em

|| 38 KIDNER, Derek. Salmos 1-71: Introdução e comentários aos livros 1 e II dos Salmos. Gordon
Chown, trad. São Paulo: Vida Nova, 1980, 45-60.
|| 39 CHILDS, B. S. “Psalms Titles and Midrashic Exegesis.” Journal of Semitic Studies 16 (1971):
137-50.
|| 40 DILLARD, Raymond B, e LONGMAN III, Tremper. Introdução ao Antigo Testamento. Sueli da Silva
Saraiva, trad. São Paulo: Vida Nova, 2006, p.204.
116 Os Escritos – Salmos

Ugarite, suspeita-se que temos aqui evidência de raízes cananitas no culto do


templo em Jerusalém. Se tais explicações estiverem corretas, elas se comparam
aos nomes, por vezes esquisitos, de melodias que aparecem em hinários
modernos e que por vezes parecem enigmáticos a cristãos desprevenidos.41
Alguns termos são certamente orientações musicais talvez comparados ao
nosso “forte”, “allegro”, “fortíssimo”. Parece ter sido esse o significado de neginot
nos em Salmos como 4, 6, 54, 55, 67, 76, especificando acompanhamento com
“instrumentos de corda”. Dois dos mais frequentes títulos são, em princípio,
deste tipo. O primeiro é lammenatseach, que ocorre 55 vezes. Crônicas emprega
o termo aos supervisores da construção do templo, mas também “ao mestre de
canto” ou “regente do coro” (NTLH).
“Selah” é, por certo, a mais famosa orientação de melodia que aparece
nos Salmos. Nada menos que 71 vezes em 39 salmos, além de três vezes em
Habacuque 3. Muito papel foi gasto para tentar explicar o sentido deste termo.
Uma explicação plausível é de que seja a forma do imperativo do verbo “exaltar,
levantar”. Sendo assim, o termo estaria a indicar um aumento no volume seja
do coro ou do acompanhamento musical. Aparentemente, esta é a compreensão
que tem a Septuaginta ao traduzir selah por diapsalma, que indica um interlúdio
ou algo similar. Jerônimo, na Vulgata, associava a palavra com alguma ideia de
eternidade ao traduzi-la para o latim como semper (“sempre”).

10.7 Recursos poéticos dos Salmos


As duas características peculiares da poesia hebraica são de sonoridade
e estrutura de pensamento. A estrutura sonora é o padrão regular de sílabas
acentuadas ou não acentuadas. Também pode ser a repetição de sons por meio
de recursos como assonância e aliteração. Assonância tem a ver com a repetição
de vogais; aliteração diz respeito à repetição de consoantes. Sobre isso falaremos
mais adiante.

|| 41 Um exemplo é o conhecido Hino “Rocha Eterna”, número 276 no Hinário Luterano, quem tem
a Melodia Toplady, algo como “Dama Maior”.
Os Escritos – Salmos 117

A. Estrutura de pensamento
Estrutura de pensamento ou sentido é o equilíbrio de ideias de forma
sistemática. O veículo principal da transmissão da estrutura de pensamento
é o chamado “paralelismo de termos constituintes” ou também denominado
“paralelismo dos membros”.

Paralelismo
A geometria nos ensina que linhas paralelas são aquelas semirretas que
correm uma junto da outra e sempre mantendo a mesma distância. Mas em
poesia se fala em paralelismo quando as linhas poéticas ou versos são de alguma
forma semelhantes. Por séculos os pesquisadores bíblicos sabem da presença do
paralelismo na poesia hebraica. A era moderna do estudo da poesia do Antigo
Testamento começou em 1753, quando o bispo Robert Lowth publicou sua obra
considerada de grande autoridade sobre esse tema.42 Lowth identificou três tipos
diferentes de paralelismo, que chamou de paralelismo sinônimo, paralelismo
antitético e paralelismo sintético.
Segundo a definição de Lowth, paralelismo sinônimo é aquele em que o
sentido das linhas poéticas paralelas é praticamente idêntico. Veja, por exemplo,
o Salmo 9.8:
“Ele mesmo julga o mundo com justiça;
administra os povos com retidão”.

Também o Salmo 24.2:


“Fundou-a ele sobre os mares
e sobre as correntes a estabeleceu”.

|| 42 LOWTH, Robert. De sacra hebraeorum praelectiones academicae (Preleções sobre a poesia sagrada
dos hebreus). Oxford: Clarendon Press, 1753.
118 Os Escritos – Salmos

O paralelismo antitético ocorre quando entre as linhas poéticas há um


contraste ou oposição de ideias, ou seja, a Linha B contrasta com a linha A. Um
bom exemplo está no Salmo 37.16:
“Mais vale o pouco do justo [linha A]
que a abundância de muitos ímpios” [linha B]

Por vezes aparece uma série de paralelismos e com eles também uma série
de binômios contrastantes como ira/favor, um momento/vida inteira, choro/
alegria, noite/manhã. Observe o Salmo 30.5:
“Porque não passa de um momento a sua ira;
o seu favor dura a vida inteira.
Ao anoitecer, pode vir o choro,
mas a alegria vem pela manhã”.

No paralelismo sintético a segunda linha complementa a ideia expressa


na primeira linha e de alguma forma a modifica. Verdade é que este tipo de
paralelismo não exibe uma rima de pensamento e um paralelismo de ideias,
como nas outras duas formas de paralelismo. Apesar de as linhas poéticas do
paralelismo sintético poderem ser paralelas na forma, não estão equilibradas
em pensamento ou ideias como estão as linhas dos pensamentos anteriores.
Na forma sintética não há nem gradação nem oposição das palavras nas linhas
paralelas. Quando se lê ou se escuta a primeira linha, não é possível antecipar
o que vem na segunda linha, mas, uma vez enunciadas as duas, é fácil observar
que ambas formam uma unidade semântica (A + B = uma ideia completa). O
primeiro exemplo de Lowth de paralelismo sintético foi:

Louvai ao Senhor da terra,


monstros marinhos e abismos todos;
fogo e saraiva, neve e vapor,
e ventos procelosos que lhe executam a palavra;
Os Escritos – Salmos 119

montes e todos os outeiros,


árvores frutíferas e todos os cedros;
feras e gados,
répteis e voláteis;
reis da terra e todos os povos,
príncipes e todo os juízes da terra;
rapazes e donzelas,
velhos e crianças (Sl 148.7-12)

Vejamos o exemplo do Salmo 14.1:


“Diz o insensato no seu coração: [A]
Não há Deus.” [B]

E este outro exemplo, do Salmo 94.11:


“O Senhor conhece os pensamentos dos homens, [A]
que são pensamentos maus.” [B]

Em tempos mais recentes, alguns estudiosos têm criticado alguns pressupostos


fundamentais do paralelismo. Segundo eles, as três categorias estabelecidas por
Lowth seriam estruturas por demais simples. Por isso, alguns querem admitir
que, além destas três mencionadas, o paralelismo pode expressar outras
categorias. Segundo eles, poderia haver entre as linhas uma relação lógica (que
reflete ação-consequência, como no Sl 82.8), outras de caráter temporal (reflete
uma sequência histórica, por exemplo, o Sl 107.6) e ainda uma relação formal
(como pergunta e resposta).43

|| 43 Para uma análise mais ampla e detalhada, veja ZOGBO, Lynell e WENDLAND, Ernst. La poesia
de Antiguo Testamento: pautas para sua traducción. Alfredo Tepox Varela, trad. e adapt. Miami:
Sociedades Bíblicas Unidas, s.d., p.23-79.
120 Os Escritos – Salmos

B. Estrutura sonora
A segunda característica da poesia hebraica, a estrutura sonora, é demonstrada
por vários artifícios técnicos usados pelos salmistas. Podemos indicar os mais
importantes:
1. Acróstico. Acróstico é um poema em que as letras iniciais dos versos
(ou linhas) formam o alfabeto hebraico. O Antigo Testamento possui
13 poemas acrósticos do alfabeto (Sl 9, 10, 25, 34, 37, 111, 112, 119, 145;
Pv 31.10-31; Lm 1-4). O acróstico servia como esquema mnemônico
que, nas traduções, é praticamente impossível reproduzir. Como
recurso literário transmitia ideias de ordem, progressão e plenitude da
mensagem poética.
2. Aliteração. É uma característica bastante frequente nos Salmos. Trata-
se da repetição de consoantes no início de palavras ou sílabas também
com finalidade mnemônica. Lembro que na escola primária, numa
região em que a letra erre, em português, era consoante difícil de ser
pronunciada, a professora insistia com esta frase em aliteração:
“O rato roeu a roupa da rainha da Rússia;
e o rei de raiva roeu o resto.”

No Salmo 122.6, por exemplo, pode-se observar a cadência do sh e


de l em hebraico:
Hebraico: sha’alu shalom yerushalayim
Tradução: Orai pela paz de Jerusalém

3. Assonância. Assonância é a estrutura sonora que usa a correspondência


de vogais, em geral no final das palavras. Como a aliteração, a assonância
serve como recurso literário para enfatizar uma ideia ou um tema ou
para dar certo tom ao versículo. Um bom exemplo é o Sl 119.29:
Hebraico: derek-sheker chaser mimmeni vetorateka chaneni
Tradução: Afasta de mim o caminho da falsidade e favorece-me com a
tua lei.

4. Elipse. É a supressão de uma ou mais palavras que completariam


determinada paralela e tem sido um dos critérios para distinguir
Os Escritos – Salmos 121

poesia de prosa. Um exemplo está no Salmo 9.9, em que se pode ver


que na segunda linha se pressupõe a presença de elementos claramente
expressos na primeira:
O Senhor é também alto refúgio para o oprimido [A]
........................................... refúgio........nas horas de tribulação. [B]

5. Quiasmo. Uma variante do paralelismo se acha na estrutura quiástica ou


estrutura em forma de um “X” (da letra grega “chi”). Neste caso, numa
composição de quatro elementos, o segundo elemento da primeira linha
será o primeiro na segunda linha e o primeiro da primeira linha será
o quarto na segunda linha, formando uma estrutura AB-BA. Um bom
exemplo da sabedoria popular é:
Vale mais perder um minuto na vida [AB]
do que a vida num minuto. [BA]
O próprio Jesus, numa passagem conhecida, faz uso da estrutura
quiástica quando diz em Lucas 14.11:
Todo o que se exalta será humilhado; [AB]
e o que se humilha será exaltado. [BA]

6. Inclusio. A inclusio é uma forma especial de repetição comum nos


salmos. Este recurso é por vezes chamado de parêntese retórico, pois
ao repetir palavras e expressões-chave o salmista retorna ao ponto de
partida. Didaticamente, inclusio é um tipo envelope: inicia-se com uma
frase ou expressão e conclui-se com ela. Por exemplo, o Salmo 118
começa (v. 1) e termina (v. 29) com as linhas:
“Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom,
porque a sua misericórdia dura para sempre”.

10.8 Gêneros literários


O esforço de compreender um salmo começa com uma gama de perguntas:
(1) Que está acontecendo no salmo: louvor, lamento, ação de graças? (2) Quem
está falando: um indivíduo ou a congregação? Se um indivíduo, trata-se de porta-
122 Os Escritos – Salmos

voz de um grupo tal como um rei, sacerdote ou profeta, ou de um indivíduo


reclamando do sofrimento ou dando graças por livramento? Que pronomes
são empregados: no singular ou plural, como se um indivíduo e a congregação
estivessem envolvidos? (3) O rei é mencionado com palavras como “ungido”,
“filho” ou “escudo”, que denotam sua relação com Deus e o povo de Israel?
Foi apenas no início do século XX que, numa abordagem aos salmos com
estas e outras indagações, o alemão Hermann Gunkel fez pesquisas mais
profundas sobre o Saltério.44 Gunkel, aplicando a Crítica da Forma, fez uso de
“Categorias” (Gattungen) e propôs quatro gêneros literários nos Salmos: hinos,
lamentos individuais, ações de graças e lamentos da comunidade. A proposta de
Gunkel passou a ser referência entre os estudiosos, mas estudos mais recentes
avançaram na análise de Salmos. Walter Brueggemann, por exemplo, sugere três
categorias para os Salmos: (1) “Salmos de orientação” são aqueles que expressam
um sentimento de bem-estar e gratidão “por uma situação feliz e abençoada”; (2)
“Salmos de desorientação” são aqueles que são emitidos em tempos de dor, ira,
desestruturação e desespero; (3) “Salmos de reorientação” são os que seguem a
um período de desorientação e refletem gratidão pela nova experiência de graça,
libertação, cura e estabilidade.45
Apresentaremos aqui os três principais gêneros encontrados no Saltério.

1. Hino
Uma das mais importantes classificações feitas por Gunkel é o “Hino”. O
hino tende a seguir um padrão quádruplo: (a) um convite ao louvor, em geral
com um imperativo plural (como “Aleluia!” = “Louvai ao Senhor” ou “Bendize,
ó minha alma, ao Senhor”; algumas vezes aparece com uma forma cooptativa:
“cantemos”; (b) o motivo para o louvor, normalmente introduzido pela cláusula
ki (“porque”) ou simplesmente por ki tob, “porque ele é bom”; (c) segue-se o
corpo ou parte principal do louvor, concluindo, por vezes com (d) novo convite
ao louvor, em geral com as mesmas palavras iniciais.

|| 44 GUNKEL, Herrmann. Einleitung in die Psalmen. 3.ed. Göttingen, 1975.


|| 45 BRUEGGEMANN, Walter. The message of the Psalms: a theological commentary. Minneapolis:
Augsburg, 1984, p.25-167.
Os Escritos – Salmos 123

Embora os hinos sejam relativamente raros no início do Saltério, eles, em sua


maioria, aparecem no final. De fato, o livro termina em um crescendo de louvor
com os cinco salmos (146-150) sendo conhecidos como a grande doxologia.
A maioria dos hinos parecem adequados a qualquer pessoa ou situação e
daí, muitas vezes, se ter a impressão universalista dos salmos. Na verdade, os
salmistas são integrantes do povo de Deus e, por isso, os salmos pressupõem a
ação salvífica de Deus por detrás de cada ato de louvor. O termo “hino” é bastante
abrangente e hoje se faz subdivisões, tais como:
a) Cânticos de Romagem ou de Ascensão descrevem as expectativas dos
peregrinos à medida que se aproximam do templo. Alguns refletem os
ardores da viagem, bem como o antegozo da bênção (Sl 84; 122). Outros
preservam uma “liturgia de entrada” (Sl 15; 24). Cânticos como os salmos
132, 68.24-27 captam as procissões de adoradores em movimento, talvez
liderados pela arca da aliança, semelhante ao episódio em que Davi levou
a Jerusalém a arca pela primeira vez (1 Sm 6.1-11).
b) Cânticos de Sião louvam a cidade santa escolhida por Deus, o lugar
onde Seu “Nome” ou Sua “Glória” está “encarnada”. Estes aspectos estão
refletidos em salmos como 46, 48, 76 e 87. Por todo o Antigo Testamento,
Sião do rei/Messias é um tipo da Igreja cristã.
c) Cânticos de entronização é expressão usada pelos eruditos modernos para
se referir a Yahweh, não ao rei terreno (p. ex., Sl 47, 93, 96-99). Sigmund
Mowinckel causou celeuma ao defender que nestes salmos Israel estaria
reconstruindo uma festa de entronização de Yahweh. Para balizar sua
teoria, Mowinckel emprega a expressão Yahweh malak e a traduz por
“Yahweh tornou-se rei”. Segundo ele uma festa, provavelmente a dos
tabernáculos, era o momento para encenar a entronização de Yahweh
como rei de toda a criação e quando se revivia Suas vitórias sobre o caos
primitivo e Suas conquistas sobre o faraó no êxodo. Esse era o momento
também de reconsagração do templo em Jerusalém.46
Hans-Joachim Kraus questiona esta interpretação na sua base afirmando
que Mowinckel equivocou-se ao traduzir a expressão hebraica Yahweh
malak por “Yahweh tornou-se rei”. Segundo Kraus, a tradução deve ser

|| 46 MOWINCKEL, Sigmund. The Psalms in Israel’s worship. 2 vol. New York: Abingdon Press, 1962.
124 Os Escritos – Salmos

“Yahweh é rei”, mostrando que faz referência a um estado, não a um ato.


Ademais, Kraus questiona também como Yahweh poderia ser elevado
ao trono se não havia imagem dele como nos cultos pagãos. Em terceiro
lugar, a teologia do Antigo Testamento de um “Deus vivo” não poderia
comportar a ideia cíclica anual da morte e ressurreição de Deus, como
nos cultos de fertilidade.47

2. Lamentos
Estes salmos se destacam pelas orações e súplicas feitas em tempos de
emergência nacional como epidemia, secas, pragas, invasões ou derrotas. Em
geral, há mais lamentos individuais que comunitários. A esta categoria pertencem
os salmos 44, 60, 74, 79-80. Embora alguns distingam entre lamentos individuais
e comunitários, por vezes é difícil estabelecer tal diferença. Um exemplo é o salmo
22. O próprio Gunkel comparou os dois tipos a duas metades de uma concha.
Segundo Bellinger, estruturalmente os salmos de lamento podem ter até seis
elementos: (1) invocação; (2) lamento; (3) petição; (4) motivação (razões para
que o Senhor responda à oração); (5) certeza de ser ouvido; (6) voto.48
O que sempre intrigou os estudiosos é a rapidez de mudança do lamento
para a ação de graças num salmo sem uma transição. A sugestão de J. Begrich
é a mais plausível e obteve aceitação quase unânime. Ele entendeu que num
ambiente de culto, depois do lamento e antes da ação de graças, um sacerdote
pronunciava um “oráculo de salvação” (Heilsorakel) ou uma “fórmula de
absolvição”, assegurando ao adorador que sua oração foi amorosamente ouvida
e respondida.49 O salmo 22.21b pode ser citado como exemplo padrão desse
ritual porque, de outra forma, o “sim, tu me respondes” fica incompreensível no
momento de transição entre o lamento e a ação de graças que segue. Apostando
nessa sugestão de Begrich, vários estudiosos do Antigo Testamento sustentam
que os profetas muitas vezes modelaram sua mensagem escatológica de salvação
neste momento litúrgico do culto.

|| 47 KRAUS, Hans-Joachim. Worship in Israel. G. Buswell, trad. Richmond: John Knox Press, 1966,
p.205-207.
|| 48 BELLINGER, W. H. Psalmody and Prophecy. Shefield: Journal for the Study of the Old Testament,
1984, p.22-27.
|| 49 BEGRICH, J. “Das priesterliche Heilsorakel” Zeitschrift für alttestamentliche Wissenschaft 52
(1934): 81-92. Reimpresso em Gesammelte Studien. Munich: Kaiser Verlag, 1964, p.217-231.
Os Escritos – Salmos 125

3. Ação de graças
No Saltério, o número de salmos de lamento, tanto individuais como
comunitários, vai muito além dos salmos de ação de graças. A conclusão pode
ser que somos mais rápidos em pedir do que agradecer. Isso não quer dizer que
neste aspecto os salmistas estão nos ensinando como fazer, ou seja, mais pedir do
que agradecer; ao contrário, estão mostrando o quanto Deus é condescendente
com nossas necessidades de homens pecadores.
Os salmos de lamento e ação de graças começam com um vocativo ou
invocação; “Ó Senhor”, por exemplo. Às vezes iniciam com imperativo suplicando
auxílio divino: “Ajuda-me!, salva-me!, tem misericórdia!, Levanta-te!”. Outras
vezes o vocativo é acompanhado de títulos honoríficos “lembrando” o Senhor
de Suas promessas ou atos de libertação no passado e indagando sobre o porquê
da demora no atendimento no presente. Essa atitude, para o leitor de hoje, pode
parecer bastante ousada, senão irreverente, mas o fato é que testemunhamos
aqui não apenas uma profunda intimidade com o Pai como também enorme
confiança que “gruda” Deus às Suas promessas e não O deixa ir sem antes
abençoar (cf. Gn 32).

10.9 Salmos imprecatórios


Os salmos imprecatórios são uma crux para o intérprete conservador. Nestes
salmos o salmista emprega uma linguagem áspera ao falar sobre o iníquo.
Como pode alguém dizer: “aborreço-os com ódio consumado” (Sl 139.22)?
Ou empregar linguagem violenta e até sanguinária (cf. Sl 35, 58, 83, 109, 137,
149)? Como harmonizar tais atitudes com a oração de Jesus na cruz ou com o
evangelho do “amai os vossos inimigos”? Alguns intérpretes liberais resolvem
o problema simplesmente identificando tais salmos como exemplos da baixa
moralidade do Antigo Testamento em comparação ao mais elevado grau no Novo
Testamento. Em contextos conservadores, estes salmos, indicados para leitura
dominical, são muitas vezes abreviados para se evitar a parte cruel quando não
são inteiramente substituídos por outro menos agressivo, a critério do pastor ou
ministro. Com o tempo, cria-se um cânone dentro do cânone.
O foco destes salmos não são indivíduos ou nações por quem se sente desafeto
ou desamor como sugerem alguns. Os inimigos em questão são “os arquétipos
126 Os Escritos – Salmos

do ‘demoníaco’, do mal supremo que sempre e em toda parte se opõe a Deus,


sua obra e seu povo, ao fim e ao cabo, o Anticristo ou Satã que habita o iníquo
em lugar de Cristo”.50 Estes inimigos nenhum poder humano pode vencer ou
exorcizar. Talvez o maior exemplo esteja nas citações do Salmo 109, que se
cumprem em Judas Iscariotes.
Não há brecha nestes salmos para vingança humana, seja ela individual ou
corporativa, muito menos em nome de algum princípio religioso. A vingança
pertence ao Senhor apenas (Rm 12.19), mas à iniquidade que se recusa a ser
perdoada resta apenas a aniquilação.
O salmista está antecipando a condenação final daqueles que persistem em
odiar e perseguir os filhos de Deus. Hoje, não somos mais inspirados por Deus
e por isso não temos a liberdade de empregar esta linguagem contra nossos
eventuais inimigos pessoais. Nossos motivos seriam impuros e poderiam nos
conduzir à própria ruína espiritual. Pelo contrário, à luz dos ensinos de Cristo,
devemos orar para que sejam conduzidos ao arrependimento e fé em Jesus.
Ao mesmo tempo, oramos para que Deus assuma as rédeas da vingança (cf.
Ap. 6.10). Da mesma forma, podemos pedir que Deus solape a iniquidade
e as forças iníquas para impedir que homens maus tenham sucesso no seu
intento pecaminoso, impedindo-os, confundindo-os e frustrando seus planos
perversos.

Atividades
1. Como você explica as semelhanças entre a literatura poética e de
sabedoria do povo de Deus no Antigo Testamento e a dos outros povos
do Antigo Oriente Próximo?

|| 50 HUMMEL, op. cit., p.434.


Os Escritos – Salmos 127

2. Relacione a segunda coluna de acordo com a primeira.


1) Salmo 4 ( ) “Fizeste-o, no entanto, por um
pouco, menor do que Deus e de
glória e de honra o coroaste.”
2) Salmo 8 ( ) “Por causa do teu nome, Senhor,
perdoa a minha iniquidade, que é
grande.”
3) Salmo 14 ( ) “Todos se extraviaram; não há
quem faça o bem, não há nenhuma
sequer.”
4) Salmo 25 ( ) “Em paz me deito e logo pego no
sono, porque, Senhor, só tu me fazes
repousar seguro.”
5) Salmo 110 ( ) “Disse o Senhor ao meu senhor:
assenta-te à minha direita, até que
eu ponha os teus inimigos debaixo
dos teus pés.”

3. “A tua benignidade, Senhor,


chega até aos céus,
até às nuvens, a tua fidelidade” (Sl 36.5). Este verso é exemplo de:
a) acróstico.
b) aliteração.
c) quiasmo.
d) elipse.
e) inclusio.
128 Os Escritos – Salmos

4. Leia o Salmo 122.1-2 e identifique abaixo a que gênero pertence.


a) Cântico de Ascensão.
b) Cântico de Sião.
c) Cântico de Entronização.
d) Lamento.
e) Ação de Graças.

Respostas:
2) 2 – 4 – 3 – 1 – 5
3) c
4) a
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Apêndice

Cronologia dos reis e profetas


do Antigo Testamento
REINO UNIDO

Saul 1020 – 1000 a.C.


Davi 1000 – 961 a.C.
Salomão 961 – 922 a.C.

REINO DIVIDIDO
ISRAEL (REINO DO
JUDÁ (REINO DO SUL)
NORTE)
Roboão c. 922 (ou 931)-915 Jeroboão I c. 931-901
Abias c. 915-913 Nadabe c. 901-900
Asa c. 913-873 Baasa c. 900-877
Elá c. 877-876
Zimri (sete dias) c. 876
Onri c. 876-869
Josafá c. 873-849 Acabe (Elias) c. 869-850
Acazias c. 850-849
Jorão (Obadias?) c. 849-842 Jorão c. 849-842
134 Apêndice

REINO DIVIDIDO
ISRAEL (REINO DO
JUDÁ (REINO DO SUL)
NORTE)
Acazias c. 842
Atalia c. 842-837 Jeú c. 842-815
Joás (Joel?) c. 837-800 Jeoacaz c. 815-801
Amazias c. 800-783 Jeoás c. 801-786
Jeroboão II
Uzias c. 783-742 c. 786-746
(Os+Am+Jn)
Jotão (regente) c. 750-742 Zacarias (seis meses) c. 746-745
Salum (um mês) c. 745
Jotão (rei) c. 742-735 Menaém c. 745-738
Pecaías c. 738-737
Acaz c. 735-715 Peca c. 737-732
Oseias c. 732-724
Queda de Samaria 722

REINO DE JUDÁ
Ezequias (Isaías e
c. 715-687
Miqueias)
Manasses c. 687-642 (Naum)
Amom c. 642-640
c. 640-609 (Sofonias
Josias
+ Jeremias)
Jeoacaz (3 meses) 609
609-598
Jeoaquim
(Habacuque)
Joaquim (3 meses) 598
Apêndice 135

REINO DIVIDIDO
ISRAEL (REINO DO
JUDÁ (REINO DO SUL)
NORTE)
598-587/6
Zedequias (Obadias?+ Ezequiel
+ Daniel)
Queda de Jerusalém 587 Cativeiro
(Judá) Babilônico

RETORNO À
PALESTINA
Dedicação do Segundo
515 (Ageu, Zacarias)
Templo
A missão de Esdras 458
A primeira missão de 445 (Malaquias;
Neemias Joel? Obadias?)

Alexandre, o Grande
333
(Helenismo)

Sequência de reis
persas:
Ciro
Dario (cf. Maratona,
490)

Xerxes (Assuero) (cf.


Salamina, 480)

Artaxerxes

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