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Sobre o autor:

(Palavras de um compadre)

Eduardo Abreu pertence a um raro grupo de artistas que


fazem da arte um meio de verdadeiramente celebrar a
comunidade. Sem pseudo-filosofias ou militância por
essa ou aquela corrente estética, suas criações
evidenciam uma abertura a tudo o que possa
representar a comunidade e fazê-la voltar-se a si
mesma. Em Eduardo, o ator, o palhaço, o poeta, o
dramaturgo e o contador de Histórias trabalham juntos
com o mesmo fim de elevar-nos ao patamar da
simplicidade, onde necessariamente nascem as
grandes artes.

2|P ág i n a
Introdução
Seja bem vindo a essa estrada longa, linda e
encantadora. Fique tranquilo porque você não vai
seguir sozinho (a menos que queira). Muitos
transitam por essa estrada e em cada nova
paisagem ou hospedaria vai encontrar viajantes
maravilhosos e sempre dispostos a aprender e
ensinar algo novo-velho e importante.
Eu comecei cedo nessa estrada. Primeiro
ouvindo as histórias e depois de homem-feitocom-
barba-no-rosto eu comecei a ser narrador de
3|P ág i n a
Histórias. Ah! Não teve mais jeito. O bichinho das
histórias pegou-me de jeito.
Esse livro vai te mostrar algumas pistas que
venho anotando através dos caminhos-estrada
que percorri até aqui.
Hora eu vou falar da paisagem, às vezes vou
comentar dos recursos para a viagem e vou
conversar principalmente sobre as motivações
pessoais que me levaram a percorrer essas
estradas.
Já sinto saudades dessa nossa conversa e espero
que a gente se encontre em breve, narrando e
ouvindo histórias. Sempre-sempre-sempre
aprendendo e ensinando...

Boa viagem meu amigo!

Eduardo Abreu
4|P ág i n a
ÍNDICE

Capítulo I: Iniciação a arte narrativa.


Capítulo II: A voz do narrador de Histórias.
Capítulo III: Dialogando com o público.
Capítulo IV: Dialogando com as Histórias.
Capítulo V: Minha primeira experiência.
Capítulo VI: Um dedo de prosa.
Despedida: Sobre o silêncio.
5|P ág i n a
Capítulo II
A voz do narrador de Histórias.

Os acontecimentos das Histórias e os diálogos dos


personagens precisam ser expressos de maneira viva e
com clareza. Para isso o narrador deve desenvolver uma
qualidade especial no seu falar. Essa qualidade
especial é conseguida através da expressividade verbal
possível a qualquer indivíduo, em especial a pessoa que
se propõe como um artista narrador de Histórias, cuja
voz é ferramenta fundamental.
As variações de ritmo, as vozes dos personagens, e a
emoção à flor da pele estão entre as características que
permitem o desenvolvimento dessa qualidade. Para
fins de estudo atribuirei a fala alguns subtemas, como:
regionalismo, ritmo, sentimento, timbre, pontuação e
onomatopeia. Esses temas serão tratados como
conceitos que trazem uma gama enorme de
características a serem trabalhadas.
Importante lembrar que FALA é o uso individual da
língua. Língua é um acordo entre as pessoas que fazem
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uso desse mesmo sistema de código, em nosso caso a
Língua Portuguesa. Apesar de esse código ter uma regra
(a gramática), a mesma não serve como julgamento da
sua manifestação individual: a fala. Segundo o conceito
de fala dentro da linguística.

Vamos ao primeiro subtema: regionalismo.


Quando falo em regionalismo quero lembrar a
rica variedade de sotaques e modos de falar que
existem pelo Brasil afora. Pernambucanos, caipiras
paulistas, gaúchos, catarinenses e mineiros entre
tantos outros sotaques onde cada um a seu modo tem
seu colorido especial. O conhecimento destes e a sua
utilização em maior ou menor grau oferecem um rico
recurso a nossa expressão verbal. Por quê?
Porque cada um desses sotaques traz consigo um
imaginário próprio sobre o perfil de cada região que ele
representa. Essa interpretação sobre o perfil é
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subjetiva, portanto devemos tomar o cuidado para
utilizar os sotaques sem contribuir com um possível
preconceito que pode existir em relação a essa ou
aquela região brasileira, seus costumes e
principalmente sua maneira de falar.
O “narrar Histórias” que este caderno apresenta preza
pelo regionalismo como qualidade, pela busca e
valorização da cultura popular brasileira e assunção de
nossa rica e variada identidade cultural que se
caracteriza pela soma das partes, pelo sincretismo, pelo
amálgama. Independente do propósito que o narrador
tem na utilização deste ou daquele sotaque, o seu uso
além de trazer ao ato de narrar um colorido especial,
proporciona uma qualidade artística maior à narração
de Histórias.
Uma obra de arte é tanto mais artística
quanto artístico forem os elementos que a
compõem.
O exercício de se apropriar desses sotaques
exige do narrador uma prática constante e humilde,
cabendo a ele utilizá-los sempre que possível. Sem
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muito pudor e com simplicidade, a experimentação
frente ao público lhe oferecerá respostas imediatas
sobre os efeitos e eficiência desse recurso verbal. Além
da experimentação despretensiosa, é proveitosa a
escuta atenta dos modos de falar e sotaques que
encontramos no nosso dia a dia. Na rua, nos pontos de
ônibus e até mesmo em nossa própria casa e família
encontramos e conhecemos pessoas oriundas das
várias regiões do Brasil e gostosamente nos divertimos
com as diferenças desses modos de falar.
A diferença é a riqueza.
Segundo a Linguística: É importante
compreendermos que nossa língua é algo vivo e que não
existe o certo e o errado quando se trata de fala. Os
sotaques e maneirismos regionais não podem e nem
devem ser qualificados ou hierarquizados. Todas essas
formas são legítimas e fazem parte da identidade
cultural regional de seu povo. Os imigrantes, povos do
mundo que vieram através dos tempos ao Brasil buscar
construir suas vidas, trouxeram consigo suas línguas e
seus sotaques. Existe a falsa ideia da língua portuguesa

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correta, de que existe uma maneira certa de se escrever
e falar. Esse pensamento é equivocado, pois é o povo
quem utiliza a língua e vai modificando-a de acordo com
sua necessidade. Assim como os sotaques regionais,
que é fruto das interferências e encontros que o Brasil
multicultural abraça com afeto de mãe. Somos esse país
mestiço e culturalmente rico na sua diversidade, onde a
compreensão e valorização dessa riqueza é o “caminho
mágico” da tolerância à diversidade que se opõe ao
preconceito e à ignorância.

Segundo subtema: ritmo e cadência.


No compasso da fala a imaginação segue seu caminho,
na cadência de sua voz o narrador de Histórias não vai
sozinho. Como no jogo tradicional “Siga o mestre” o
público vai com o narrador e magneticamente se
espelha neste em um jogo de poucas regras: divertido,
criativo e simbólico.
Com hora marcada para começar e terminar, marcada
pelos acontecimentos que pertençam a História
narrada, cabe ao narrador habilidoso dosar o tempo
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suficiente de duração de cada um desses
acontecimentos/ episódios. Ficar tempo demais em um
mesmo acontecimento da História acaba por entediar o
público ávido por uma emoção nova, já a brevidade na
narração deixa um gosto de “quero mais” e dá abertura
à imaginação daquele que nos ouve. Porém, cuidado!
Ser breve demais na narração das Histórias e dos
episódios que a compõe em todos os momentos da
História e em todas as Histórias que forem narrar é um
risco à própria beleza do encontro. Compromete-se com
a pressa e prejudica o valor artístico da narração.
A criação simbólica, atribuição de significado e
associação de símbolos às narrativas são um processo
que exige certa duração para que ele possa ser
expresso de maneira suficiente. A fala se localiza no
tempo, tem sua duração e ritmo. Sendo duração o
tempo absoluto que ela ocupa e ritmo a distância entre
um elemento e outro.
Neste estudo estamos utilizando
como elemento mínimo os episódios das narrativas.

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Cada episódio tem um valor e peso no contexto geral da
narrativa. Esse valor é expresso através do tempo e
emoção que o narrador dedica ao episódio. Desta
maneira o valor é também percebido por quem participa
de sua História, essa percepção modifica o nível de
atenção deste público. Essa sintonia, esse nível de
atenção é o vínculo necessário que faz da experiência
de narrar Histórias uma prática transformadora para
quem narra e para quem ouve.

Terceiro subtema: sentimento na voz.


Agora pouco nós conversávamos sobre o peso e
valor que o narrador precisa atribuir a cada um dos
episódios das Histórias. Para desenvolver essa
atribuição, se faz necessário uma interpretação
emotiva. Interpretação emotiva: onde a entonação é
usada com o intuito de expressar o que o narrador ou
personagens pensam de cada acontecimento. Quando
conversamos no dia a dia sobre assuntos que nos
interessam utilizamos essa fala apaixonada, pois o
assunto tratado mexe com nossos sentimentos,

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emoções e opiniões. Tem um valor e peso para nós,
assim fazemos questão de que nosso interlocutor
compreenda a importância daquilo que escolhemos
como tal.
Assim, em cada uma das Histórias que você for
trabalhar escolha qual será a sua relação com cada um
dos episódios individualmente e em relação ao contexto
geral da História. Assim como, escolha qual será seu
objetivo e relação que estabelecerá com cada História.
Exemplos: narrar uma História de saci como se tivesse
muito medo e respeito pelo mesmo ou narrar uma
História sobre sereias como se estivesse apaixonado
por elas e com pena do pescador que cairá sob seus
encantos. Deste modo, você sugere no caminhar de
cada História/episódio a sua opinião sobre a mesma.
Essa prática não empobrece a visão/interpretação que
cada pessoa fará da História, uma vez que essa
interpretação é de tal forma subjetiva que estaríamos
superestimando a influência do narrador de Histórias no
processo simbólico do pensamento.

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Segue algumas dicas de como desenvolver falas
emotivas. Emoções selecionadas: Humor, Amor,
Braveza, Ironia e Surpresa.

Humor.
Falas que conotam humor são recursos
eficientes para preparar a afetividade do público para
Histórias cômicas e serve também como forma de
ilustrar a vivacidade e colorido festivo que diversos
elementos da cultura popular brasileira trazem,
transpondo para a oralidade uma centena de símbolos
visuais e sinestésicos. O tom de humor em uma fala não
precisa necessariamente estar associado à um
conteúdo da mesma forma cômico. Neste ponto que
reside a valor maior da fala emotiva, quando conteúdo
e forma não possuem ligação direta.
Das artes cênicas, em especial o teatro, poderemos
pegar emprestado um sem número de técnicas e
referências para nortear o ofício do narrador de
Histórias.

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Sugestão: Façam cursos de teatro para desenvolver
habilidades expressivas: verbal, corporal e de
improvisos. Personagens cômicos geralmente possuem
um registro vocal mais agudo. Algo que se assemelha a
linguagem de desenhos animados. O recurso cômico
popular caracteriza-se pela utilização dos extremos,
pela exacerbação das qualidades: o grande se torna
enorme, o triste se torna trágico e o bravo se torna
enraivecido.
As ações verbais características da fala afetiva que
sugere humor segue pelo mesmo caminho. Uma fala
pausada como se quisesse dizer que existe um
“significado” maior do que aquele que a palavra ou
frase expressa. Seria como a utilização de ASPAS na
fala, uma vez que na narração oral essa PONTUAÇÃO
não utiliza outro código, senão a própria entonação do
narrador de Histórias.

Amor.
Essa qualidade na fala possui um
reconhecimento mais simples e direto tanto pelo

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narrador que pretende utilizá-la quanto pelo público
que participa. No cinema, no teatro e também em
rádio, a “fala adocicada” evidencia essa qualidade:
amor. Já em nosso dia a dia percebemos alguém
conversando ao telefone a facilmente identificamos
uma conversa amorosa. O suspiro e a voz suave. A
delicadeza ao dizer os substantivos, a supervalorização
necessária dos adjetivos e presença dos pronomes
possessivos são marcas características da oralidade
quando o afeto é amor.

Braveza.
Semelhante à qualidade amor, a qualidade braveza
também possui uma utilização e reconhecimentos mais
práticos. Voz firme e ríspida. O timbre grave e pausas
um pouco maiores do que o habitual, entre as palavras,
expressa essa qualidade. Diametralmente oposta a fala
disparada com longas pausas entre as frase pode
expressar essa mesma qualidade, acompanhando esse
aceleração das frases com um crescente de volume

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última palavra em frases imperativas, servindo como o
ponto de exclamação típico da escrita.

Ironia.
A fala mansa quase cantada. A oposição entre
palavra/frase e significado também caracterizam a
qualidade ironia. O exagero melódico ao dizer as
palavras, em especial os advérbios. A ironia é
característica da convenção social que nos obriga a ser
polidos no modo de falar, sendo a entonação a
responsável pela ressignificação da palavra e frase.
Esse recurso é difícil ser utilizado na linguagem escrita,
sendo uma prática ferramenta da linguagem oral.

Surpresa.
Enquanto se narra uma História, temos a possibilidade
de sugerir ao público que tomamos conhecimento do
mesmo junto com eles. Assim, através de determinados
recursos expressivos da fala vamos surpreendendo com
as ações realizadas pelos personagens ou
compartilhando com estes das surpresas que aparecem
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em suas trajetórias. Mais uma vez a pausa é recurso
que permite expressar essa qualidade. A frase que
somente ao final toma formas de interrogação é outro
recurso que permite sugerir que narrador e
personagens se surpreenderam com o acontecido.
Através deste recurso o narrador assume a posição de
uma pessoa que testemunha uma História que se
desenrola ao mesmo tempo em que é narrada. Seria
como se estivesse ao telefone compartilhando aquilo
que presencia com um público ou como um guia de
cegos, que descreve os acontecimentos ao redor
expressando os sentimentos que os mesmos suscitam
instantaneamente. Um narrador mais lírico, poético,
teria dificuldades em expressar essa qualidade, sendo
típica de narradores mais burlescos e cômicos.

Quarto subtema: Personagens ou narrador?


Quem teve a oportunidade de conhecer alguns
narradores de Histórias pôde perceber a variedade de
estilos que podemos encontrar nesta arte.

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Caracterizada pela individualidade do narrador, essa
arte não possui referenciais de pureza ou forma erudita,
somente evidências históricas e exemplos regionais do
que seria um narrador de histórias tradicional.
No que se refere a dualidade personagem / narrador é
necessário que em sua prática o narrador tenha ciência
de que cada um deles tem suas dificuldades e riquezas
próprias. É possível transitar entre um estilo de narração
e outro sem que com isso o narrador tenha de
desprender maiores esforços. Tudo se baseia nas
habilidades artísticas de cada um e qual o caminho
pessoal até então. Algumas pessoas vieram de
vivências literárias e prioriza um tipo de narrativa, já
outros com maiores conhecimentos teatrais utilizam-se
desta ferramenta para construção de outro estilo de
narração, e os exemplos multiplicamse. Para fins de
estudo neste momento dividiremos a atuação do
narrador em quatro tipos: Narrador simples, Narrador
observador, Narrador personagem e o Narrador coringa.
Vale lembrar que esses três tipos de atuação do
narrador podem aparecer em uma mesma História.

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Narrador simples.
Seria a forma mais convencional, portanto mais
conhecida de narração de uma História. É aquele tipo
de narração de quem ouviu ou leu uma História e está
compartilhando com o público da forma que tomou
conhecimento. Como acontece quando geralmente
quando narramos as Histórias clássicas: Chapeuzinho
Vermelho ou A Bela Adormecida. Sua descrição mais
clara seria a forma que narramos uma História quando
lemos um livro para alguém.
Por ser a forma mais conhecida de se narrar uma
História, costuma ser o primeiro tipo de narração
utilizada por aqueles que se iniciam no mundo das
Histórias. Sua riqueza se dá na medida em que o
narrador se coloca no mesmo nível de participação que
o público, onde a História é um terceiro elemento.
Primeiro elemento: público
Segundo elemento: narrador

Terceiro elemento: História

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Narrador observador.
Trata-se daquele tipo de narração onde o narrador faz
parte da História, da mesma forma que um torcedor faz
parte de um jogo de futebol. Ele seria uma personagem
que presenciou a História, mas que poderia muito bem
não estar nela, uma vez que sua participação se dá
somente como observador. Ele presenciou o
acontecido, porém não influenciou diretamente as
ações dos personagens.
Seria também como uma “câmera” que vê e registra as
desventuras do protagonista e percebe/recebe
indiretamente as consequências dos atos deste.
Exemplo: Um homem do campo que observou um
coelho negociando com uma raposa os termos de sua
liberdade e narra com espanto o acontecido. Aqui, o
segundo elemento (narrador) pertence ao mundo do
terceiro elemento (História) e o primeiro elemento
(público) é o turista que está tomando conhecimento de
um acontecimento.
Esse tipo de narração pode exigir do narrador
de Histórias uma qualidade de interpretação próxima do
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que seria a forma teatral, quando o narrador está
inserido no mesmo contexto geral dos personagens, ela
faz parte do mundo dos personagens. Faz-se necessário
uma caracterização do narrador como um personagem:
figurino, talvez maquiagem, voz e corporeidade
características. Ou pode exigir menos do narrador
quando ele é um observador dentro da História, mas
que independentemente do contexto da mesma, ele é
uma figura atemporal e sem caracterização específica,
podendo até ser ele mesmo, porém de modo surreal (e
totalmente aceitável no mundo das Histórias)
“caminhando” pelos ambientes. Independente de ser
um personagem do universo da História ou não, esse
narrador participante pode exprimir suas opiniões em
cada momento comentando suas impressões do que viu
e ouviu.
A importância da História que ele narra está na medida
de seu ponto-de-vista. Poderíamos dizer que se outra
pessoa presenciasse o acontecido poderia não ter se
importado e assim não ter a necessidade de
compartilhar a História. Além da própria História, ele

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valoriza a maneira que enxergamos o mundo e estimula
a nossa percepção do mesmo. Oferece uma forma de
“ler” o mundo com olhos de curiosidade como se
fôssemos uma criança ou um viajante.

Narrador personagem.
Seria o tipo de narração quando personificamos
um dos personagens-chave da História. Podendo até
mesmo ser o protagonista. Dessa forma atribuímos um
valor diferente a História. Trata-se de um convite para
que o público ocupe o papel de júri presenciando uma
reconstituição onde o personagem oferece sua “versão
dos fatos”. Permite que narremos Histórias clássicas e
conhecidas com um ponto-de-vista inovador e bastante
criativo. Muito utilizado por escritores e cronistas que
renarram Histórias conhecidas a partir de outros pontos-
de-vista. Dois exemplos já publicados seriam as
Histórias da Chapeuzinho Vermelho ou dos Três
Porquinhos narradas à partir da ótica do Lobo, onde ele

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se defende das injustiças que vem sendo submetido
através dos tempos. Mais uma vez, esse tipo de
narração exige do narrador exige do narrador,
habilidades interpretativas semelhantes à atuação
teatral. Ele é personagem fundamental da História.

Narrador coringa.
Trata de um tipo de narração que mescla o
primeiro e terceiro tipo descrito
acima.
Habilidosamente o narrador permite-se ora ocupar o
papel de narrador simples apresentando uma História
ao público, ora assume a posição de um dos
personagens da História. Ele pode, também, no
momento que assumir a posição de personagem da
História, dirigir suas falas e ações às pessoas
específicas do público como se estes fossem
personagens da História. Um exemplo seria quando o
narrador narra a História da Chapeuzinho Vermelho e
assume a personagem Chapeuzinho no momento que
ela chega na casa da Vovó. Faz a mímica do bater na
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porta, entra e conversa com uma pessoa do público
como se este fosse o Lobo disfarçado de Vovó e diz:
Nossa vovó! Que nariz grande você tem! Que
orelhas grandes você tem! Este recurso atribui ao
momento um efeito cômico certeiro. Para o narrador de
Histórias desenvolverem essa habilidade de alternar os
tipos de narração, mais uma vez, sugerimos a prática
constante e a observação de outros narradores mais
experientes. Aqui a alternância entre um tipo de
narração e outro deve ser selecionado com muito
critério, avaliando o peso e necessidade de cada
momento/episódio da História a ser narrada.
Vimos nesse capítulo algumas ideias-conceito
que se relacionam a voz do narrador de Histórias. Além
destas, existem outras tantas possibilidades de estudos
que podem dar subsídio ao trabalho deste artista. Sem
perder de vista nosso interlocutor, o público, toda teoria
e conhecimento que trata da expressividade ou
motivação para esta, pode instrumentar-nos para que
nossa prática seja cada vez mais rica e significativa para
todo.
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Capítulo III
Dialogando com o público.

Quando as pessoas se propõem a participar de um


evento artístico elas também se colocam na posição de
coautores do evento, no sentido de que são parceiros e
cúmplices daqueles artistas que se apresentam. Esse
público chega ao espaço com o peito aberto, generoso
e receptivo aos convites que lhe serão dirigidos, na
medida em que esses mesmos convites lhe parecerem
convincentes.
Convite convincente = respeitando o tempo
e características do público + presença sincera.
Como propor convites convincentes?
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Primeiro passo: Respeitando o tempo e
características do público.
Cada pessoa que estará participando da sua narração
de Histórias terá seu motivo/motivação particular para
ali estar. O “grupo” de espectadores tem um perfil
generalizante (infantil, adulto, misto, espontâneo,
pagante, escolar, familiar, etc.), entretanto cada pessoa
tem sua forma especial de participar. Enquanto uns
adoram interagir com o narrador de Histórias e
responder as perguntas, praticamente narrar junto;
outros preferem permanecer em seus lugares ouvindo e
observando, talvez rindo somente e se deliciando.
Poderíamos enumerar outros vários padrões de
comportamento das pessoas enquanto público que
participa de uma narração de Histórias, mas essa
variedade é muito grande e foge do nosso foco no
momento, uma vez que estamos refletindo sobre a ação
do narrador de Histórias.
Por vezes, planejamos nossa narração de
História com uma riqueza de detalhes, supondo que

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teremos o controle total da apresentação como se o
nosso público fosse marionete que poderíamos
livremente manipular. Ou achamos que seremos como
maestros regendo nosso público como uma orquestra
que responde aos nossos menores sinais: rindo, se
emocionando, calando-se ou o que for segundo nosso
“plano”. Por que um público tão heterogêneo deveria
calar-se no momento que queremos e precisamos,
assim como interagir nos momentos que programamos
para tal?
Esse caminho equivocado de prever e depender
das reações chega a ponto de que o sucesso ou o
fracasso da apresentação se dê na medida do
cumprimento desses objetivos que definimos
solitariamente, porém impostos ao público. Agir desta
maneira é um risco para o narrador de Histórias. Nós
devemos entender que uma rigidez e inflexibilidade
nossa refletirá em uma rigidez e inflexibilidade do
público. Como dito, trata-se de um caminho arriscado,
além de que foge dos princípios tradicionais da narração
de Histórias. Os tradicionais narradores de Histórias

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eram e são pessoas que fazem parte de uma
comunidade e utilizam-se das Histórias como forma de
compartilhar ensinamentos de uma maneira natural
para seu grupo cultural. Trata-se de uma prática
inserida em seu cotidiano.
O ato de compartilhar Histórias pede que seus atores
(narrador + público) permitem-se dialogar do início ao
fim, somando suas contribuições e expectativas na
construção de um espaço-momento de troca de
sentimentos e saberes, onde a as Histórias estarão a
serviço do ENCONTRO.
O narrador de Histórias em seu exercício deve
buscar em si mesmo a qualidade da espontaneidade
libertadora e fomentá-la ao seu público, uma vez que a
permissão a espontaneidade é um grande valor e
recurso disponível a esse grupo que compartilha
Histórias e afetos. Apresentar-se de maneira generosa
permitindo que seu público, assim como você mesmo,
possa expressar-se e criar acaba por enriquecer o
momento e transformar uma experiência estética em
um momento de real interação e de criação coletiva.

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Um bom exemplo seria quando fazemos alguma
pergunta a uma pessoa do público, devemos incluir a
resposta de aceitação ou recusa, como parte do diálogo
cênico. Precisamos tomar o cuidado e treinar-nos para
não constranger aquele que nos assiste. Assim, fica
possível entender porque é importante incentivar a
espontaneidade daquele público que em inúmeros
outros momentos de sua vida cotidiana fica restrito a
função de mero espectador passivo e inerte.
Esse respeito às diferenças nos padrões de
participação individual do público ajuda-o a
perceberem-se como diferentes e compreender a
importância dessa heterogeneidade na composição dos
grupos (no caso o grupo de participantes de um
momento de narração de Histórias) como reflexo da
heterogeneidade de nossa própria sociedade, cidade,
nação. Assim como compreender e reconhecer-se como
diferente e permitir-se ser diferente e ainda assim poder
fazer parte de um grupo.
É importante que o Narrador de Histórias compreenda
a importância do seu papel social e se coloque a serviço

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da construção de um tipo de sociedade que ele acredita.
Lembrando que a sociedade é (ou deveria ser)
composta pela interação de indivíduos/individualidades
com alguns poucos objetivos em comum e muita
disposição para construir “algo” coletivamente.

Segundo passo: Presença sincera.


Um perfil tradicional de narrador de Histórias é o de
uma pessoa pertencente a comunidade na qual
compartilha as Histórias, geralmente comunidades
rurais e distantes dos grandes centros. Estes não eram
classificados como artistas e não utilizavam nenhum
recurso externo para narração de suas Histórias, além
da própria oportunidade de diálogo em grupo nos raros
momentos de lazer, ou após um dia de trabalho.
É recente o surgimento de narradores de Histórias
como artistas especializados, portanto qualquer clichê
ou estilo pré-estabelecido de como deveria se
apresentar este artista, trata-se de um equivoco. A
utilização de figurinos ou fantasias, maquiagem ou
máscaras, instrumentos musicais, cantigas, cenários ou

31 | P á g i n a
qualquer outro apetrecho ou recurso trata-se de uma
escolha pessoal do indivíduo que se propõe nesta arte.
Portanto a escolha de qualquer destes recursos devem
ser feitas com muito carinho, cuidado, comedimento e
consciência. É importante que o narrador esteja
familiarizado com o recurso que pretende dispor e
utilize-o somente quando (extremamente) necessário,
caso contrário acaba por prejudicar sua própria
performance. Percebam que não é uma maquiagem ou
fantasia que lhe garantirá o encantamento do seu
público e sim o contato olho-no-olho e a atuação
sincera.
A riqueza de uma apresentação não se
encontra na profusão de ornamentos e sim na maneira
orgânica com que o narrador se relaciona com o público.
Existem certo números de técnicas emprestadas da
linguagem teatral que podem servir como ferramentas
para que possamos nos relacionar com esse público
com a referida organicidade.

A presença do narrador de Histórias.


32 | P á g i n a
Independentemente do repertório de Histórias
selecionado, o narrador tem à sua disposição uma série
de técnicas corporais que poderão lhe servir como
recurso para comunicar-se de maneira mais eficiente e
proporcionar uma experiência rica para seu público.
Todas elas demandam tempo e dedicação para serem
corporificadas e contribuir para a expressividade do
narrador. Em paralelo com os símbolos e significados de
cada História que é narrada, os movimentos do corpo e
da voz do narrador oferecem ao seu público uma ampla
variedade de estímulos que desencadeiam um afeto
específico em cada pessoa que participa. Percebam que
o prazer em participar de uma narração não reside
somente no to com as Histórias, junto com isto vêm a
percepção que as pessoas têm da relação que o próprio
narrador estabelece com a História, sua interpretação
desta e a relação que o narrador estabelece com seu
público. Existem alguns aspectos inicialmente simples
que oferecem estímulo à percepção do espectador e
que precisam ser levados em narra pelo narrador de
Histórias. São eles: Proximidade, Amplitude gestual,
Ritmo, Originalidade e o Olhar.
33 | P á g i n a
PROXIMIDADE: O narrador de História precisa
desenvolver o domínio do seu espaço cênico. Ele deve
lembrar-se que a proximidade física carrega consigo o
fator intimidade. Utilizar esse dado como um recurso na
sua expressão se dá pela seguinte maneira. Variando a
sua distância em relação ao público, ele também tem a
possibilidade de oferecer uma variação na própria
atenção deste. Perto ou longe de uma pessoa
específica do público é como estar perto do público
como um todo. O “grupo” percebe-se como tal, e assim
cabe ao narrador de Histórias consciente deste recurso
utilizá-lo de maneira que sirva a suas intenções. De uma
maneira geral a proximidade exprime afeto, identidade,
intimidade, carinho, calor, igualdade, calma, conforto,
delicadeza. Já a distância possibilita a expressão de
valores e sensações opostas as descritas acima.
AMPLITUDE GESTUAL: Expressão corporal é uma
linguagem não verbal. Atores, bailarinos e outros
profissionais que utilizam o corpo para expressão de
ideias têm consciência deste recurso com seu rico valor.
O desenvolvimento do domínio sobre esse recurso se dá

34 | P á g i n a
da mesma maneira necessária ao aprendizado de
qualquer outra técnica: observação, leitura e muita
prática. Em todas as Histórias que narramos temos a
possibilidade de aperfeiçoar nossas habilidades já
adquiridas e incorporar gradualmente aquelas outras
que almejamos. A questão gestual é a segunda maior
ferramenta para o narrador de Histórias, ficando atrás
somente da expressão vocal. Simplificando, poderemos
classificar os gestos em amplos e contidos. Existem
pessoas que no seu dia a dia têm por hábito utilizar “as
mãos para falar”. Elas são uma ótima referência para o
narrador de Histórias que pretende desenvolver essa
habilidade específica. As Histórias que narramos
exprimem ideias e essas ideias dialogam entre si, ora
opondo-se e ora em concordância. Assim também,
“dançando” aos significados e sons das palavras os
gestos devem ser.
Existem também aqueles gestos ilustrativos que
corporificam o real significado dos verbos, como: roubar
o pote, esconder o anel, empurrar a pedra, pescar, abrir
a porta, etc. O mesmo pode acontecer com a utilização

35 | P á g i n a
de gestos amplos ou contidos como reforço para
exprimir os adjetivos, como por exemplo: “o menino era
pequeno”, “um castelo enorme”, “em uma noite
escura”, “a criatura era feia e suja”, etc. É importante
lembrar que a qualidade de movimentos de uma pessoa
em situação de representação, como é o caso do
narrador de Histórias em exercício, deve ser mais
interessante e expressiva do que a movimentação
cotidiana. A simples variação gestual entre amplos e
contidos já oferecem a esse artista um vasto caminho
de possibilidade para experimentação e
aperfeiçoamento das suas habilidades nesta arte.
RITMO: A definição de ritmo se assemelha com seu
significado na música, onde existem ritmos mais lentos,
outros mais agitados, uns mais dançantes e outros mais
plácidos. Porém, na narração de histórias é interessante
a variação e alternância harmônica de ritmos. O mais
importante é afastar-se da monotonia, que seria a
manutenção de um “tom” somente.
Independentemente se for lento ou agitado a fala

36 | P á g i n a
monocórdia é tida como enfadonha e irritante,
respectivamente.
ORIGINALIDADE: Característica conseguida através da
experimentação, muita prática e busca de suas
referências preferidas. Cada pessoa tem um gosto
pessoal no que se refere à arte. Referência das artes
plásticas, música, dança e moda através dos tempos
oferece um repertório rico e variado para que o narrador
de Histórias possa com o tempo construindo o seu
estilo. Dizem o original é nada mais do que uma
colagem bem feita. Sugiro que busquemos nossas
principais referências e modelos (pontos de partida)
dentro de nossa própria cultura popular regional.
Independente da região do país que você more, com
certeza aí existe um imaginário próprio, povoado de
ritmos, danças, costumes, sotaques, comidas e festejos
tradicionais que lhe fornecerão material suficiente para
construção da sua própria identidade cultural artística,
através da apropriação da sua identidade cultural
regional.

37 | P á g i n a
OLHAR: Nossas “janelas da alma” tem um incrível poder
magnético. Não há quem não seja afetado (despertado
pelo afeto) pela comunicabilidade de um olhar
expressivo. Olhos nos olhos é a forma que se deve
narrar uma História. É assim que a alma do narrador
encontra cada alma-amiga que lhe observa
atentamente. Não existe teoria que explique esse
encantamento que o olhar permite, melhor do que a
própria experiência. Ora fixos em uma pessoa, ora
passeando pelo público, porém de um-a-um o olhar do
narrador de Histórias faz cada indivíduo perceber-se
como especial. É igual a dizermos individualmente que
cada um deles está sendo visto. É como se
disséssemos: Vocês me veem e eu os vejo,
individualmente.

38 | P á g i n a
Capítulo IV
Dialogando com as Histórias.

Todo narrador de Histórias tem suas preferências e


pretensões. São nossos gostos, por mais mutáveis que
sejam e que direcionam quais Histórias vamos narrar.
Aquilo que somos e seremos reflete em nossas escolhas
e na maneira que lidamos com cada uma delas. E narrar
Histórias é fazer escolhas.
Existe a possibilidade de narrar Histórias que ouvimos
em nossa infância ou recentemente, mas atualmente a
grande maioria dos narradores de Histórias utilizam os
livros como fonte de pesquisa das Histórias. É um
processo de busca que tem um estilo próprio e limita o
nosso repertório ao perfil dessa busca.

39 | P á g i n a
Independentes das fontes sejam em livros ou internet,
encontrar as Histórias é um ato que se assemelha ao
garimpo. Quanto mais fundo, mais rico. Quanto mais
raro, maior a unicidade, o que torna o achado mais
especial. Não podemos negar o prazer dessa busca,
mas restam perguntas. E depois? Como trabalhar esse
“achado”. A matéria bruta tem valor? Será preciso
lapidar? Como transformar um minério em pedra
preciosa? Como transformar essa pedra preciosa em
uma joia? Resposta: Muito trabalho.
Esse trabalho passa pelo contato íntimo com a riqueza
encontrada. Cada História pede um narrado íntimo com
ela, para que possamos decifrar suas formas, suas
cores e sua essência. A leitura e releitura é a maneira
de encontrarmos aos poucos e por diversas vezes onde
a História que encontramos narra a nossa própria
História. Como homens, como sociedade. O peito aberto
e a disposição sincera fazem-se necessário ao leitor que
busca Histórias para serem compartilhadas. E você é o
primeiro público da História. Portanto é importante que
a História lhe encante. Esse encantamento não precisa

40 | P á g i n a
aparecer em um primeiro momento. Por vezes encontrei
Histórias que não me encantaram “logo de cara”, mas
que em um segundo momento, em outras leituras
distante no tempo, pude encontrar sua graça e sua
delicadeza. Algo nessa História que reli que se
apresentou para mim de uma maneira diferente,
especial, que até então eu não havia percebido. Isso
aconteceu porque eu mesmo havia mudado assim
mudado também minha maneira de enxergar o mundo,
de ler o mundo.
Lembre-se que uma História que se apresente como um
minério bruto pode guardar em si a potencialidade de
tornar uma pedra preciosa, contanto que se tenha a
habilidade e paciência de trabalhá-la, lapidá-la até
modificar sua aparência e descobrir sua essência. A
leitura de mundo precede a leitura das Histórias (Paulo
Freire). Ler o mundo é entrar em contato com ele.
Perceber-se no mundo. Perceber-se como parte desse
mundo. Perceber o mundo como parte de você mesmo.
Portanto, ler uma História é entrar em contato com ela.
Perceber-se na História. Perceber-se como parte dessa

41 | P á g i n a
História. Perceber a História como parte de você
mesmo. Um país se faz com homens e livros (Pai da
Emília) e eu digo:
Um país de faz com homens.
Um homem se faz com livros.
Livros são feitos pelos homens.
Homens fazem-se uns aos outros.
Homens fazem livros.
Homens fazem países.

É reconfortante escolher o caminho da narração de


Histórias, pois temos a certeza de nunca estarmos sós,
uma vez que somos portadores de uma tradição
milenar. Quanto mais antiga a História, mais ela foi lida
e narrado. Em palavras escritas ou faladas, os clássicos
são cada vez reafirmados como tal. Eles trazem em seus
símbolos e alegorias a difícil explicação do que é SER.
Somos um emaranhado de sentimentos e sensações
que tentamos de qualquer forma organizar e explicar.
Cada nova vida, cada novo indivíduo passa
necessariamente pelos mesmos desafios, dúvidas e

42 | P á g i n a
conflitos. Do nascimento à morte. Assim, cada História
de um homem é a nossa própria História. Em alguma
parte da jornada do herói, podemos encontrar o espelho
de nossa própria jornada. Por isso: leia a História
enquanto ela te lê.
Guarde-as com cuidado em um armário organizado,
pois é só ali que elas se organizam. Já que dentro de
cada um de nós as Histórias se misturam. Não existe
razão capaz de catalogar nossos pensamentos íntimos
e essenciais. Quem narra uma História descortina um
mundo de significados imenso, onde quem ouve
seleciona involuntariamente as partes que lhe dizem
respeito. A História de um é a História de todos. Somos
feitos da mesma matéria que são feitos os sonhos.
(Shakespeare)
E de que são feitos os sonhos? Os meus sonhos são
feitos de letras. Letras de livros. Letras de músicas.
Sopas de letrinha. Letras de criança. Adulto das Letras.
Nossos desejos estão em nossas leituras. Devemos
respeitar e vigiar nossos desejos. Narre as Histórias que
despertarem-lhe o desejo de serem narradas, somente

43 | P á g i n a
aquelas Histórias que lhe pediram para tal, pois elas
pedem. As Histórias pedem para serem narradas. Isso
no tempo delas. No tempo exata em que elas percebem
que temos maturidade ou desprendimento suficiente
para abri-las generosamente ao público como se abrem
as asas de uma borboleta, como se abre a cauda de um
pavão, como se abre as janelas para o mundo.
Existem aqueles que se apaixonam por uma História. E
namoram-na por muito tempo, chegando a ponto de
amá-las profundamente. Vive um romance por muito
tempo, até que chegam a compreender que o amor é
generoso. E desprendidos dos ciúmes, aceitam
compartilhar como mundo o amor que por tanto tempo
pertenceu só aos dois. Descobrem magicamente que
através desse encontro o amor se tornou maior entre
eles. Descobriram-se diferentes nesse exercício coletivo
de amor, descobriram-se melhor. Amaram-se os dois
mais ainda.
Narrar Histórias é amar as pessoas através das
Histórias que narramos. Narrar Histórias é amá-las
através das pessoas que nos ouvem narrar. O tempo é

44 | P á g i n a
amigo e senhor de nossa nau. Sabiamente navegamos
com uns poucos mapas. Quanto mais antigos forem
esses mapas melhor. Utilizamos alguns poucos
instrumentos de navegação, um conjunto de técnicas e
teorias, que facilita o navegar, mas não substituição a
intuição. E seguimos nossa viagem mar adentro.
Adentro de nós. Pela jornada do homem. O tempo é o
mestre dos mares. E navegando dia após dia
percebemo-nos cada vez melhores nessa arte de
navegar. Quem lê viaja. E nunca está só. Navegamos em
busca de navegar, pois sabemos que é muito mais rica
de significados a viagem propriamente dita do que o
porto.
Um porto é só um ponto.
Um ponto é passageiro.
A viagem é necessária.
Ler é necessário.
Narrar Histórias é preciso.

45 | P á g i n a
Capítulo V
Minha primeira experiência

Lembro-me como se fosse hoje. (típico) Minha


experiência como narrador de Histórias aconteceu na
base do improviso, mas posso adiantar que foi prazer à

segunda vista.
Vou explicar melhor.
Em 2007 fui convidado a fazer um trabalho de arte
educação em uma escola pública. Na verdade eu iria
substituir uma professora de expressão corporal que

46 | P á g i n a
daria algumas oficinas nesta escola Tratava-se de uma
parceria onde o governo do estado estaria
disponibilizando essa profissional para contribuir em
uma escola municipal. Como quase sempre na vida:
falamos o que queremos, porém o outro escuta o que
lhe convém. Governo estadual? Escola municipal?
Professor substituto? Algumas oficinas? Era a receita
ideal para uma “falha de comunicação”. Na minha
inocência fui até a escola no horário combinado
acreditando que trabalharia com uma turma de no
máximo 35 alunos, número que eu sabia ser a
quantidade máxima de alunos em uma sala naquele
tipo de escola.
Cuidadosamente selecione três ou quatro atividades,
um aquecimento e uma roda de conversa para finalizar
o dia. Feliz da vida achava que tinha meu primeiro dia
de atividade já organizado e a partir dele teria mais
informações do perfil da turma para planejar os dias
seguintes da oficina.
Aconteceu que na minha chegada à escola fui recebido
pela vice-coordenadora que gentilmente me avisou que

47 | P á g i n a
daqui a pouco o sinal soaria e as turmas se dirigiriam ao
pátio onde eu poderia aplicar minha oficina. Sem
entender muito bem, expliquei que ela deveria estar me
confundindo.
A confusão não foi dela. Era nossa.
A professora que eu estava substituindo era de
expressão corporal, mas diferente de mim, a formação
dela era em educação física e o que ela propôs trabalhar
na escola foi uma espécie de ginástica coletiva como
objetivo de trabalhar consciência corporal.
Entrei em pane!!!
Fui conversar com o a coordenadora que nesse
momento apareceu e por longos dez minutos tentamos
buscar uma solução entre o caos e a fuga.
Digo fuga, porque minha vontade naquele momento era
saltar a janela e correr para longe dali. Toda a primeira
aula que havia preparado com tanto esmero não
funcionaria nem por milagre com um grupo de quase
cento e cinquenta alunos.
Em um surto de criatividade (e improviso) misturado
com uma dose de desespero e um tanto de simpatia

48 | P á g i n a
pelas crianças, respondi que trabalharia com todos. Não
aplicaria a atividade que eu havia previsto, mas também
não faria um trabalho como um professor de educação
física, já que não tinha conhecimento na área. Disse
que eu faria um trabalho que envolveria participação de
todos.
Do fundo mais profundo do meu ser, criei uma História
que eu narraria ao grupo de crianças. Seria uma História
onde todos teriam de narrar junto comigo. Imaginei uma
História com transformações e que possibilitasse uma
expressão corporal variada. Pensei assim para que pelo
menos, parte da expectativa inicial da escola fosse
satisfeita.
Utilizei um exercício simples que grupos iniciantes de
teatro recorrem com facilidade. Apesar de todo meu
preconceito contra ele, foi o que me ocorreu. A História,
a chamei posteriormente de “O sonho da árvore”, foi
esta:
Era uma vez uma sementinha. Não se
sabia de qual planta que era. Só se sabia
que aquela sementinha iria nascer. Ela

49 | P á g i n a
começou lá dentro da terra a ouvir um
barulho de chuva que caia por sobre a
terra. Era uma chuva gostosa forte que
fazia um barulho que fez aquela
sementinha acordar, despertar e
começar a brotar. A sementinha esticou
um bracinho para fora da terra que era
uma folhinha que estava nascendo.
Esticou seu outro bracinho para fora da
terra que era a semente germinando. E
essa semente transformou-se em um
brotinho de planta, em um verde clarinho
e bonito. Maravilhada com tudo que
tinha à sua volta. Esse brotinho foi
crescendo e transformou-se em um
pezinho de arvore com as raízes já firmes
na terra. Feliz de crescer e ver tudo que
estava a sua volta. Aquela beleza linda. E
cresceu e tornou-se uma árvore
frondosa, linda, com grandes galhos e
folhas balançando ao vento. Essa árvore
enorme e linda, que um dia foi semente,
50 | P á g i n a
gostava demais de bailar as suas folhas
ao som, ao movimento do vento. E esta
árvore que um dia foi semente, tanto que
ela gostava do vento. Desejou tanto esse
vento que tornou-se vento. E esta
semente que tornou-se árvore que se
tornou vento, começou a percorrer todos
os campos e florestas. E esse vento
percorria para cima e voava para baixo.
Plainava para um lado e para o outro.
Adorando ser vento. E esse vento que um
dia foi árvore, que um dia foi semente,
encontrou pela sua frente algo enorme,
grande, bonito e muito forte. Era uma
montanha. E esse vento que um dia foi
árvore, que um dia foi semente, desejou
tanto ser essa montanha, desejou tanto
ser essa montanha que se transformou
em montanha. E lá passou durante
muitos anos, com aquele tamanho todo
de montanha. Com aquela altura toda e
aquela força olhando pelo horizonte e
51 | P á g i n a
conseguindo ver meio mundo ao seu
redor. Feliz com tudo o que acontecia ao
seu redor. Porém um dia, essa montanha
que foi vento, que foi árvore, que foi
semente. Percebeu que das suas costas
percorria um filetinho de água, uma
nascente de água que aos poucos ia
levando parte da montanha. Essa
montanha que um dia foi vento, que um
dia foi árvore, que um dia foi semente,
achou tão magnífico aquele filetinho de
água tão fraco nascendo puro. Desejou
ser essa nascente de água. Desejou
tanto que se transformou em nascente
de água. E desceu percorrendo toda a
montanha e essa nascente de água foi
encontrando outros riachos que foi
aumentando que foi passando por
campos e planícies até se transformar
em uma cachoeira e saltar feliz e
percorria campos sendo rio. E desviava
de uma pedra e desviava de uma outra.
52 | P á g i n a
Até que esse rio chegou em um lugar
aonde começou a reconhecer em volta.
Viu as árvores e viu que conhecia, viu a
terra e viu que conhecia. E sentiu o
cheiro e lembrou que era a mesma
floresta de onde tinha nascido. Pois esse
rio que um dia foi montanha, que um dia
foi vento, foi árvore e semente que
nasceu nesse mesmo lugar. Só que
começou a sentir um cheiro esquisito
dessa floresta onde tinha nascido. Era
um cheiro diferente, era um cheiro de
fumaça. Quando aquele rio viu que pela
floresta estava pegando um fogo
tremendo, queimando as suas irmãs. Na
mesma hora não pensou duas vezes e
saltou sobre as labaredas apagando
todo o incêndio e salvando toda a
floresta. Esse rio sentiu uma saudade
tremenda de quando era árvore. Desejou
tanto, tanto, tanto que se tornou árvore.
Esse rio que um dia foi montanha, que
53 | P á g i n a
um dia foi vento, que um dia foi árvore e
que um dia foi semente voltou a ser
árvore. E lá passou pelo resto da sua vida
feliz em ser árvore e feliz por ter salvado
suas irmãs. Mas só conseguiu fazer isso
porque tinha percorrido o mundo todo.

Assim, contei essa História ao grupo de cento e


cinquenta crianças, pedindo que fizessem a chuva, a
semente, a árvore nascendo, o movimento das folhas
ao vento, o vento, a montanha, a nascente, o rio, a
corredeira, a cachoeira, a água saltando sobre o fogo e
finalmente a árvore outra vez.
Mal havia começado narrar essa História fui me
entregando e percebendo o quanto e como conseguia
alcançar o coração e atenção de cada criança. Era
visível nos seus olhos e na maneira que participavam
comigo, o prazer e a entrega. Sem saber o que
realmente estava acontecendo, e sem me preocupar o
que era, fui narrando a história e estimulando a
participação das crianças.

54 | P á g i n a
Já não sei qual parte desta História eu já havia criado e
qual surgiu de improviso enquanto eu narrava. Só sei
que a emoção do momento tenho até hoje. Tão forte foi
minha relação com as crianças através da História que
nunca parei de contá-la. Esta foi a primeira. Depois
vieram outras e mais outras. Histórias clássicas.
Histórias folclóricas. Adaptadas. Criadas por mim. Sob
encomenda. Etc e etc.
Através da minha formação em artes cênicas foi fácil
trabalhar a dramatização e composição das Histórias.
Fui selecionando um figurino daqui. Uma caracterização
de personagem dali. Um recurso de voz que funcionava
nessa História. Um tipo de relacionamento com o
público que funcionava em outra. Uma facilidade em
trabalhar com improviso. Uma disposição em incentivar
a participação do público. Aos poucos fui selecionando
um repertório de técnicas e Histórias. Fui descobrindo e
construindo minha identidade como narrador de
Histórias.

55 | P á g i n a
Hoje em dia minha identidade artística é de narrador de
Histórias. Não sou mais um ator e sim um narrador de
Histórias.
Nesse meu caminho até aqui fui encontrando outras
pessoas, muitas pessoas, que se renderam a essa
paixão. Somos um desordenado exército que batalha
pela liberdade e pelo encantamento. Pela tradição e
pelo essencialmente humano. Pelo olho-no-olho e pela
afetividade. Pelas Histórias e principalmente por nós
mesmo.

56 | P á g i n a
Capítulo VI
Um dedo de prosa.
Conversando sem formalidades.

Uma abertura de História


“Sabe?! Dias assim como hoje. Me dão uma saudade.
Sabe aquela saudade que vai nascendo pequenininha
dentro da gente, vai crescendo assim parecendo que
vai explodir feito pipoca na panela. Feito foguete de
Festa de São João. Feito... Saudade mesmo. É saudade
da época que eu era criança. Lá na cidade que eu
morava quando era pequeno havia uma rua cheinha de
árvores que davam fruta. Era pé de jabuticaba,
jabuticabeira. Era pé de goiaba, goiabeira. Era pé de
banana, bananeira. Era pé de (...)”
57 | P á g i n a
Outra abertura de História:
“Essa História que eu vou narrar agora aconteceu em
uma época de reis. De rainhas. De príncipes e de
princesas. Aconteceu aqui no Brasil, também. Em uma
época aonde o tempo todo vinham gente de outros
países para morar aqui no Brasil. Porque diziam que
aqui era a terra das possibilidades. Quem me contou foi
minha avó. Ela diz que a mãe da avó dela era italiana e
veio para o Brasil desse jeito. Quando era
pequenininha, criança ainda. Veio junto com a família
e...”
Uma terceira abertura de História:
“Quem aqui conhece bicho? Bicho que vive em casa?
Cachorro, gato, passarinho, peixe. Bicho que vive no
mato. Onça, tatu, tucano, beija-flor. E bicho que vive
dentro da gente? Eita! Como é o nome? Lombriga,
verme. Eca! E bicho que vive na gente? Piolho!
Micróbio!!! E justamente desse bichinho que eu vou
falar agora. Era um micróbio que era poeta. Coitadinho.
Ele era tão pequenininho. Porque vocês sabem.

58 | P á g i n a
Micróbio é o menor animal que existe. E esse Micróbio
resolveu que mesmo sendo pequeno como era,
resolveu que seria famoso. Seria o 1º micróbio poeta.”
(...)

Uma quarta abertura de História:


“Nosso país é muito grande. Tem 8. 511. 965 Km² de
extensão! É muita coisa. Imagina quantas Histórias não
existem por aí. Essa que eu vou narrar aconteceu no
Amazonas. Digo que aconteceu porque foi assim que
me narraram e eu não sou de mentir. E por falar em
mentira. Lá em Amazonas tem a Amazônia que é o
nome da floresta. E na floresta tem uma tribo. E como
vocês sabem, tribo é o nome do lugar onde vivem os
índios. E nessa tribo...”

Vocês acabaram de ver quatro formas diferentes de se


iniciar uma História. Cada uma foi pensada na História
e no público para que ela foi preparada. Cada momento
das Histórias é um momento especial, mas acontece
que eu considero o COMEÇO de uma História a parte

59 | P á g i n a
mais importante, junto com o final. Quando questionado
sobre o assunto, sempre digo para meus colegas de
narração de História quando vamos preparar um
trabalho novo.

“O começo e o final são as partes mais


importantes de uma História.”
“E o resto?”
“O resto é recheio.”

Eh! Bem. Não é exatamente isso, mas é mais ou menos


assim.

É porque é na abertura da História que criamos grande


parte da expectativa do público. É o momento perfeito
para conseguir acalmar os ânimos quando a História
pede esse tipo de atenção. Podemos também introduzir
o contexto da História como foi feito em cada um dos
quatro exemplos que foram mostrados. É no começo
das Histórias que temos a melhor chance de preparar o

60 | P á g i n a
espírito daqueles que nos ouvem. E que tal se falasse
sobre os finais?!
Aí vão alguns exemplos de finais.
“Entrou por uma porta e saiu por outra, quem quiser
que narre outra.”:
“Contei uma, contei duas e contei três. Já contei o que
eu sabia e agora é sua vez”.
“Se você gostou dessa História é só narrar para outra
pessoa. Assim, a História vai continuar viva. Porque é só
isso que elas pedem – que sejam narradas.”
“Aconteceu então uma grande festa. Eu estive lá! Eu
estava trazendo um pedaço de bolo para vocês, mas na
vinda, tropecei numa pedra e o bolo caiu numa vala.
Mas que estava gostoso, estava!”.
“E dizem que ele foi o melhor rei que já existiu em todo
aquele reino”.
Quando chegamos ao final de uma História as pessoas
já estão encantadas com tudo que aconteceu, os fatos
da própria História que foi narrada, e surpreendida em
como o problema principal foram resolvidos. Logo
depois do clímax é interessante que já se caminhe para

61 | P á g i n a
o desfecho sem muitos rodeios. Porque qualquer outra
informação ou emoção não conseguirá ser mais
empolgante que o clímax.
Não existe a necessidade de grandiosidade no final de
uma História e muito menos da velha moral típica das
fábulas. Inserir uma quadrinha, um verso pode ser uma
boa saída. Melhor ainda será se você escolher uns
versinhos que sejam “a sua cara”. Dessa forma você
pode encerrar quase todas as suas Histórias com esses
mesmos versinhos criando um estilo. Um jeito só seu. A
sua marca em todas as Histórias. A sua identidade como
narrador de Histórias.

Eu te dei a minha História, tu me deste o seu sorriso.


Sou um homem tão modesto e é só isso que eu preciso
Guardarei o seu sorriso dentro do meu coração.
Aqui acaba essa História e obrigado pela atenção.

Conversando sobre o tema e tipos de


Histórias.

62 | P á g i n a
Narrar. Quem narra, narra alguma coisa. Em nosso
caso: Histórias. Mas que Histórias iremos narrar?
Quando se pensa em Histórias, imediatamente me
lembro de duas ricas fontes de onde eu aprendi as
Histórias que conheço: minha avó e os queridos e tão
pouco lembrados livros.
Temos então duas referências: a literatura oral e a
literatura escrito-gráfica. De um lado a tradição cultural,
nossa identidade, nossa herança. Todo aquele saber e
causos e contos e façanhas dos personagens que fazem
parte do imaginário popular. E do mesmo lado temos o
registro literário dessas Histórias e as criações literárias
que beberam da fonte anterior. Enfim, os livros! Uma
linguagem, um estilo é alimento e força para o outro.
Devem conviver harmoniosamente e serem valorizados
sempre que pudermos. Como fica tudo isso na
prática?
Narração de Histórias é literatura oral e nós sabiamente
somos herdeiros da liberdade que acompanha essa
arte. Vamos nos apropriar dos textos e os colocaremos
mais próximos de nós mesmos e das pessoas para

63 | P á g i n a
quem iremos narraras Histórias. Vamos então escolher
um texto.

Faixa etária.
Acredito piamente que a maioria das Histórias
é possível de serem narradas para qualquer público, de
qualquer idade. Por quê? Porque tudo depende da sua
maneira de narrara História. Do seu vocabulário e do
tipo de relacionamento que você propõe à plateia.
Uma boa História sendo simples ou complexa é o
suficiente para agradar um bom público. Contanto que
seja narrada de uma boa forma. Uma boa História + um
bom público + um bom narrador são a fórmula perfeita.
Perceberam necessidade em escolher bem as suas
Histórias? Faz-se necessário estudar sempre que
possível às teorias e artigos sobre literatura,
principalmente literatura comparada para desenvolver
a habilidade e adquirir o conhecimento para perceber
quando uma História é boa.
Vou apresentar a vocês agora uma série de formas de
identificar uma boa História. Lembrando que não se

64 | P á g i n a
tratam de LEIS, mas somente de algumas sugestões
que vêm funcionando comigo até o momento.
Vamos lá!
1. Histórias não precisam ter moral. Histórias
podem trazem mensagens, mas o narrador não
tem a obrigação de banalizar essa mensagem
explicando-a no final.

2. Bons personagens costumam compor boas


Histórias. Bons personagens são aqueles com
características fortes, marcantes. Quentes ou
frios. Bons ou maus. Procurem Histórias com
esses personagens.

3. Ter um clímax, um ponto máximo onde a


emoção e a tensão estão “à mil” é uma
condição para uma boa História. Dificilmente
uma História não terá ponto máximo de tensão.

4. Elementos fantásticos, magia, brigas, lutas,


perder-se na floresta, chorar e várias outras
65 | P á g i n a
emoções são o tempero perfeito para uma
História. Personagens com ações corriqueiras
acabam não conquistando o ouvinte.

5. Primeiro encantamento. O seu. Lembre-se que


você está sendo o público no momento.
Selecione somente as Histórias que você se
encantar. Que mexerem com você.

LEMBREM-SE: São dicas e não regras.


Particularmente, eu gosto mais das Histórias onde os
personagens tenham uma longa jornada a cumprir e
passem por provações tremendas e desafios épicos. Ou
senão, Histórias curtas, simples e emotivas. Direto ao
ponto... No coração!
Estamos narrando Histórias para pessoas
acostumadas a grandiosidade do cinema. Ou somos
maiores ou somos melhores. Mas a narração de
Histórias sempre vai ter seu espaço.
Para finalizar esse papo sobre a escolha da História, vai
uma sugestão para professores e para os pais.

66 | P á g i n a
SUGESTÃO: Aceite o desafio de perguntar para suas
crianças qual é o próximo assunto, tema, História ou
sobre qual personagem ela quer ouvir no próximo
encontro de vocês. Aceite o desafio e veja como esse
recurso traz a crianças próximas da História tornandoas
suas adoráveis e insubstituíveis cúmplices.
Lembre-se: narrar Histórias é dialogar sentimentos e
trocar sensações.

Dicas de expressão corporal

A águia e a flecha.

“Era uma vez uma águia que estava no


céu à voar. Todo linda e poderosa se
orgulhava de ser uma águia e seguia seu
caminho pelo céu voando o tanto que
conseguisse sem nunca desrespeitar
ninguém. Acontece que um certo dia, a
águia ouvi atrás de si uns gritos assim: -

67 | P á g i n a
Sai da frente! Sai da frente que eu vou
passar rasgando!
Quando ela viu era uma flecha que vinha subindo
a toda velocidade, rasgando o céu e gritando
para que pudesse ouvir: - Sai da frente! Sai da
frente que eu vou passar rasgando!
A águia não pensou duas vezes e abriu
caminho para essa Flecha passar. A
Flecha passou e a Águia ficou a pensar e
falar sozinha:
- Vai Dona Flecha! Vai seguindo seu
caminho desrespeitando todo mundo.
Você vai subir. Vai subir mais alto e mais
rápido que qualquer um, mas um dia você
há de cair. E quando cair eu quero ver você
subir de novo. Sozinha. Sem a ajuda de
ninguém. Isso eu quero ver.
E continuou a voar. Pra lá. Prá cá. Continuou a
voar.”

68 | P á g i n a
Essa foi a História “A Flecha e a águia”. Eu fiz questão
de escolher essa História como exemplo da
possibilidade de utilização do corpo e dos gestos como
recurso importante ao Narrador de Histórias.
Imaginem o gestual, movimentos dos braços, mímicas
e posturas corporais para representar:
1. O voar da águia
2. A pressa da flecha
3. A indignação da águia
4. Seu lento e seguro voo final

Uma boa utilização dos gestos e das expressões faciais


tornam a História mais rica e o relacionamento com
quem está ouvindo adquiri novas cores.
Imagine uma criança de colo, um bebezinho. Todo
mundo que já brincou com um bebê sabe que eles ficam
fascinados quando fazemos caretas e utilizamos a
nossa face ou o corpo de uma maneira nova. Os bebês
que ainda não têm domínio da linguagem verbal se
interessam pela riqueza de possibilidades expressivas
que possuímos.
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Chega a ser uma espécie de analfabetismo corporal
nosso, essa cultura de subutilização do corpo.
Não entendeu? Vou explicar.
Somos educados em casa, na escola, na vida a sermos
cada vez mais aptos à utilizarmos o verbo, a palavra
como recurso de comunicação de nossas ideias e
sentimentos.
Já a linguagem não verbal. O gesto, a
expressão facial e o próprio ritmo dos movimentos não
são tão bem estudados e ensinados como deveriam.
Isso quando são estudados. Além de tornar mais
eficiente a comunicação, em nosso caso a
compreensão da História, a boa utilização da
comunicação não verbal proporciona um prazer único.
Prazer que se relaciona como prazer de dançar. O
prazer em ver um espetáculo de dança. O prazer em
apreciar os movimentos da natureza: das ondas do mar,
da árvore bailando ao vento. O prazer de presenciar um
movimento sendo realizado de maneira precisa por um
ginasta. Enfim, movimento é prazer. Prazer em fazer o
movimento e prazer em apreciar esse movimento.

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“Era uma vez, a muito tempo atrás haviam
pessoas que não utilizavam o corpo. Eram
pessoas boas e que gostavam muito de
narrar Histórias. Eram os narradores de
Histórias. Eles desconheciam que utilizando
as mãos poderiam fazer desenhos no ar
ilustrando cada momento da História, como
mágicos de palavras e de ideias. Como se
fossem mãos de escultores que com leveza
desenhavam os sonhos e brincavam de
modelar a nossa imaginação. Também
desconheciam a mudança de direção. É
Quando viramos o corpo para um lado e
para o outro. Esse recurso permite ilustrar
espaços grandes. Simular que existe uma
pessoa são seu lado. Demonstrar rejeição
ou até mesmo surpresa ou susto. Mas
aquilo que esses narradores de Histórias
descobriram que foi mais interessante é a
contração ou expansão do corpo. Com a

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contração eles poderiam dizer: aconchego,
medo, fraqueza, introspecção,
monstruosidade ou o que mais a
imaginação permitisse. E com a expansão
do corpo, poderiam dizer: leveza,
tranquilidade, flutuar no ar, magia,
encantamento e o que mais eles quisessem
dizer. Depois disso. Depois que descobriram
a expressão corporal como riqueza do
narrador de Histórias, nunca mais eles
foram os mesmo. Nunca mais as suas
Histórias foram as mesmas. Nunca mais
nada permaneceu imóvel. O mundo inteiro
dançava junto com o corpo de quem as
Histórias narrava”.

Dicas de expressão vocal.


Começaremos falando dos personagens.
Inevitavelmente uma História tem personagens:
humanos, animais, criaturas mágicas, monstros,
elementos da natureza, objetos e até sentimentos

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tornam-se personagens de Histórias. Esses
personagens estabelecem entre si relacionamentos de
concordância ou oposição. Geralmente são
identificados como protagonistas e antagonistas, mas
não é exatamente esse o caso. A questão principal é
deixar explícito o caráter, a identidade, as
características de um personagem a partir do seu jeito
de falar.
Entenderam essa questão da oposição de ideias e a
personalidade de cada personagem ficar bem clara no
timbre da voz? Na característica da voz? Agora vamos
analisar a característica RITMO aplicado à expressão
vocal. Para fins didáticos, destacaremos 3 padrões de
narração com foco no ritmo.
O ritmo médio: que seria a maneira mais conhecida
quando se trata de narração.
Função: Serve para se estabelecer qual é o ponto médio
de uma História, convencionando-se que enquanto se
fala nesse ritmo os acontecimentos são de importância
e qualidade parecida. Geralmente nesse ritmo que
narramos os elementos de transição e de ligação entre

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uma ação e outra. Além de ser costume começar uma
História com esse ritmo médio. O ritmo mais frenético:
que seria aquele onde narramos as situações com
maior carga dramática.
Função: Ritmo utilizado para narrar as ações
conflituosas do clímax da História. Ele é caracterizado
pela velocidade da fala mais acelerada ou pela
entonação intensa. Esse ritmo deve ser muito bem
dosado e utilizado de maneira estratégica dentro da
História para que sua narração não se torne caricata
demais ou cansativa.
A monotonia, como a palavra mesmo define, é a
manutenção de um mesmo tom. Monotonia é tanto
quanto mantém uma fala lenta o tempo todo, quanto
por achar que narrar Histórias é estereotipar a fala
abusando dos recursos dramáticos.
O ritmo mais contido: Esse ritmo é um recurso
valiosíssimo na narração de Histórias.
Por quê?
Porque a fala lenta quando bem utilizada e colocada
numa sequência planejada, permite que o narrador

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consiga uma maior atenção do público. Esse padrão de
fala pode ser: pausado, em intensidade baixa,
acompanhado de movimentação corporal lenta e fluído.
Função: Ele é importante para se preparar o caminho
para o momento seguinte na História. Com ele você
conduz o público a um estado de atenção e tensão ao
mesmo tempo racional e emotivo. Ele se identifica com
um estado de equilíbrio e controle. Dessa forma vamos
finalizando sobre Expressão vocal. Sempre que
possível volte aqui e reveja os conceitos que foram
trabalhados e exercite a sua habilidade em cada um dos
ritmos.
E ótimas Histórias para vocês!

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Último Capítulo
Sobre o silêncio.

Nesse momento eu queria conversar com vocês um


pouco sobre o intervalo que existe entre uma palavra e
outra.
Não aquele intervalo natural de nossa fala como em
uma vírgula. Queria falar do intervalo planejado. Aquela
pausa confortável e necessária que costuma aparecer
dentro de uma História bem planejada. Utilizem, usem
e abusem dessa pausa. Do olhar. Da respiração. Sem
pressa.
Geralmente para que narra uma História, essas pausas
parecem sempre maiores do que realmente são.
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Tentem vocês observar as pausas e os silêncios na
narração de Histórias de artistas que vocês gostem. Vão
perceber a importância dramática (expressiva) desse
recurso. A ansiedade ou a falta de sensibilidade podem
dificultar a percepção de como trabalhar esses
momentos, por isso, muita atenção e respeito com “o
silêncio”.

Em silêncio.
Ela não falava nada.
Ela não falava nada, mas olhava no fundo-dentro do
meu olho.
E ela não falava nada.
Não conjugava verbo, não variava a inflexão e nem
articulava um artigo sequer.
Ela se mexia, mas não a boca.
Ela até que mexia a boca, mas não saia som.
Eu escutava sons. Sons de passos, sons de respiração.
Sons que vinham de longe, mas não dela.
Ela não falava, mas eu entendia.
Entendia tudo o que ela dizia enquanto não falava.

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Ela estava.
Ela estava ali a respirar.
Era um momento de pausa, era um momento de nada.
De nada que pudesse ser dito com palavras em letras
ou voz.
Era um momento de pausa, era um momento de
possibilidades.
Tudo o que ela disse sem falar no instante em que
estava ali – eu entendi.
Eu vi seu rosto e seu rosto dizia.
Eu vi seus movimentos lentos e eles diziam.
Eu vi suas roupas postas sobre um corpo que ali
estava. Corpo e roupa que me diziam.
Ela sabia disso.
Sabia que mesmo sem falar continuava a me dizer.
Ela sabia que quando não falava me dizia coisas que
só poderiam ser ditas no silêncio.
Em silêncio.
Tão bom silêncio.
Porque ela não falava nada.
Mas ela sabia.

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E eu também.

Entrou pela perna do pato


saiu pela perna do pinto
e quem quiser que conte
cinco...

FIM

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