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Agência Freelancer/Folhapress
C
om um sétimo da população chinesa, o Brasil superou a China em
número de mortes por Covid-19 e daqui a uma semana deverá
ter o dobro das mortes registradas naquele país, segundo
projeção matemática do Imperial College de Londres. Enquanto as
mortes aumentam, as medidas de distanciamento social vêm sendo
relaxadas, e o movimento nas ruas cresceu desde o fim de março. Para
um grupo de matemáticos e pesquisadores da Universidade de São Paulo
(USP), há uma explicação para isso: a quarentena brasileira foi mal
planejada e, em algumas regiões, precoce. O preço que se paga por isso é
a pressão para arrefecer o isolamento às vésperas do momento mais
crítico da epidemia.
Isso pode ser explicado por uma analogia simples: a contaminação pelo
coronavírus é como saltar de um avião. Para sobreviver, é preciso abrir o
paraquedas. Mas isso deve ser feito no momento certo. Se for cedo
demais, a queda é interrompida, mas logo volta a se acelerar, e o
resultado é fatal. O Brasil abriu o paraquedas cedo demais, e algumas
vezes em estados e cidades que ainda não precisavam amortecer a queda
tão bruscamente.
Foi o que a China fez, e que deu resultados. Wuhan, a cidade onde
começou a pandemia, entrou em quarentena rígida no dia 23 de janeiro.
As escolas foram fechadas, o transporte público suspenso e as estradas
bloqueadas. Criou-se um cordão sanitário que abarcava outras dezesseis
cidades do entorno. As medidas gradativamente se tornaram mais
rígidas, mas sempre restritas à província de Hubei, dentro da qual se
encontra Wuhan. Outros municípios passaram a adotar medidas mais
brandas de isolamento. Na semana em que se decretou lockdown em
Wuhan, 87% de todos os casos da China estavam concentrados ali.
O preço que se paga por isso agora é uma pressão cada vez maior pelo
afrouxamento da quarentena. Espontaneamente, as pessoas têm
abandonado o isolamento social. No dia 23 de março, uma segunda-feira,
véspera de quando foram decretadas as quarentenas em São Paulo e no
Rio, o índice de isolamento no Brasil era de 55,6%. Daquele momento em
diante, o isolamento caiu, chegando a um patamar mínimo de 46% em 23
de abril, exatamente um mês depois. Os dados são da empresa In Loco,
que calcula esse índice a partir do monitoramento de GPS de celulares.
O
Ministério da Saúde prevê que o pico de transmissibilidade do
coronavírus no Brasil vai ocorrer da metade de maio até a
metade de junho. A curva do número de casos e mortes é cada
vez mais íngreme. Um relatório publicado pelo Imperial College de
Londres calcula que, até o fim desta semana, o Brasil terá mais 4,4 mil
mortes causadas pela Covid-19 – somando, ao todo, pouco mais de 10 mil
mortes desde o início da pandemia.
Segundo Tiago Pereira, não há, neste momento, cenário plausível no qual
o sistema de saúde da cidade de São Paulo poderia aguentar um processo
de flexibilização da quarentena. O máximo de ocupação que as UTIs dos
hospitais aguentariam seria se em torno de 1% da população da cidade
estivesse contaminada. Hoje, segundo dados oficiais, só 0,13% da
população está contaminada. A subnotificação, no entanto, é estimada
em, no mínimo, doze vezes o número oficial. Isso significa que, hoje, a
proporção real é de 1,6% de contaminados na população de São Paulo. As
UTIs já estão, portanto, superlotadas.