Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas:
aproximando agendas e agentes
23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP)
DESAFIOS PARA UMA GESTÃO SOCIAL PÚBLICA NA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL
KASSIA SIQUEIRA RIBEIRO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – PUC/ SP 2
RESUMO
Este estudo visa refletir as possibilidades de integrar as práticas previstas pela
gestão social no processo de gestão pública na Política de Assistência Social. A gestão social, a partir de uma visão crítica, é compreendida como meio de publicizar os espaços a todos os atores da sociedade civil e não concentrá-los nos agentes do Estado. Este conceito encontra-se em construção por diversos campos do conhecimento e pretende-se interdisciplinar. A participação, o diálogo e a decisão compartilhada assim constituem-se caminhos para a construção de uma gestão, que, além do interesse público, tenha como finalidade uma cultura democrática, trate os desiguais de forma desigual para se alcançar a equidade real. Em relação à gestão pública, não deve restringir- se às ações administrativas, organizacionais, e sim expressar espaço de efetivação aos direitos. As políticas públicas, ao serem fundamentais formas de acesso dos sujeitos aos bens públicos materiais e imateriais constituem-se maneiras de expressar as necessidades de interesse público e a sociedade civil é componente fundamental neste processo. A Política Pública de Assistência Social busca superar as históricas ações assistencialistas, filantrópicas e para isto, necessita apoiar-se em práticas sociais horizontais, as quais precisam expressar as demandas coletivas, sem privilégios a determinados grupos, mas com ações voltadas a todos os grupos da sociedade. Neste momento não se quer esgotar possibilidades, mas abrir caminhos para o diálogo entre a gestão social e a Política Pública de Assistência Social.
As políticas públicas no Brasil, desde seu surgimento, a partir do século
XX, para além das regulações normativas, revelam a gestão como componente fundamental na operacionalização como forma de direcionar as ações e atenções que serão prestadas à população. Discutir gestão até meados dos anos 1980 exigia quase que uma vinculação unilateral as burocracias, especificamente no campo da gestão estratégica, onde as tarefas eram vinculadas eminentemente ao processo burocrático. Buscava-se neste contexto, profissionais tecnocratas, responsáveis por garantir a eficiência, eficácia e agilidade das atividades desenvolvidas seja em âmbito público ou privado. Contudo, a gestão vem ganhando novos espaços de debates e exigindo um repensar das áreas do conhecimento, perante a complexidade do real e as necessidades de criar mecanismos para o seu enfrentamento. Assim, o campo da gestão estratégica vem sendo contraposto pela gestão social, o primeiro tem focado as ações no campo burocrático e do mercado já o último dedica-se a uma gestão enquanto processo participativo e dialógico. Para a realização da gestão pública é preciso compreender que as ações devem estar centradas em direções para além da padronização e organização das ações, para isto faz-se necessário apreender o movimento da realidade na qual se está inserido, suas particularidades, as determinações sociais, as relações sociais construídas, dimensões que ultrapassam o conhecimento institucional, isso exige esforço, em especial, de organizações públicas e as públicas não-estatais. Assim, ao definir os rumos da Política Pública no Brasil é preciso compreender a gestão como parte desse processo. Neste estudo o propósito é buscar possibilidades de encontro da gestão social com a gestão pública na execução da Política de Assistência Social no Brasil. Delimitou-se a Política de Assistência Social, pois historicamente lutas de diversos grupos da sociedade vem construindo mecanismos de superar as práticas assistencialistas ainda presentes neste campo e buscam concretizar esta política como direito e não como benesse dos seus executores. 4
Daí, a necessidade de discutir a gestão da Política de Assistência Social,
a partir de um novo paradigma, ou seja, sem caráter tecnocrata ou privatista da coisa pública, mas de modo a proporcionar uma gestão que reflita o interesse de todos. Portanto, nem todo espaço é regido pela gestão pública, mas toda gestão pública pode apropriar-se da gestão social.
2. POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL
A trajetória da Política de Assistência Social no Brasil revela intensos
passos e descompassos entre o assistencialismo e a busca por uma política de direitos; entre práticas conservadoras e progressistas, segundo Couto, Yasbek e Raichelis (2010, p. 32-33):
[...] Apoiada por décadas na matriz do favor, do clientelismo,
do apadrinhamento e do mando, que configurou um padrão arcaico de relações, enraizado na cultura política brasileira, esta área de intervenção do Estado caracterizou-se historicamente como não política, renegada como secundária e marginal no conjunto das políticas públicas
As questões sociais, políticas e econômicas do país ao longo do século
XX revelam a intensa pressão e força de diversos atores sociais heterogêneos, em especial, a partir no início da década de 1980, onde estes lutavam por direitos fundamentais, contra um Estado autoritário e a questão social expressa nas situações de pobreza e miséria da população. Segundo Raichelis (2009, p. 77):
Esta conjuntura favorece a redefinição das relações entre
democratização e representação dos interesses populares nas decisões políticas. É importante notar que, embora os anos 80 sejam um período de aprofundamento das desigualdades sociais, é, simultaneamente e contraditoriamente, palco de avanços democráticos dos mais significativos na história política brasileira.
Assim, a efetivação da Seguridade Social, na Constituição Federal de
1988, através das políticas públicas de Saúde, Previdência e Assistência Social representou “[...] sem dúvida um avanço, ao permitir que a assistência social, 5
assim posta, transite do assistencialismo clientelista para o campo da Política
Social [...]” (Couto, Yasbek e Raichelis 2010, p. 33). A Política de Assistência Social desde a Constituição de 1988 traz a garantia de ser uma Política de direito a quem dela necessitar e garante também legitimidade da população exigir o que está previsto legalmente. Neste aparato legal pode se registrar um avanço para a gestão da política, pois se garante como diretrizes: a descentralização - a qual caberia ao município a coordenação e a execução das ações – municipalização e a participação da população. Porém, estes avanços não estão isentos de contradições, e para Silva (2010, p. 172): “a maioria dos municípios não dispõe de condições e recursos, especialmente financeiros, para a vigência do princípio da autonomia de seu poder local”. Ressalta-se também a existência dos conselhos e conferências, espaço fundamental de efetivação de demandas coletivas, que não estão devidamente apropriados pela população, seja por falta de conhecimento deste espaço como por diversos obstáculos a uma cultura democrática. A partir de 1993 é aprovada a Lei Orgânica da Assistência Social –lei 8742/1993 –momento em que se define a organização e a gestão da Assistência Social no país. Ao Estado cabe a responsabilidade hegemônica de efetivação desta política. Além disso, os princípios trazem a direção da execução das ações à população, como a supremacia do atendimento as necessidades sociais e universalização dos direitos sociais, o que envolve ações além da oferta de serviços, mas pressionam a lutas sociais com grupos da sociedade civil. Para Couto, Yasbek e Raichelis (2010, p. 33): “A Constituição Federal em vigência no país desde 1988 [...] e a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (1993) trouxeram a questão para um campo novo: o campo da Seguridade Social e da Proteção Social pública [...]”. Em 2004 aprova-se a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), onde estão explicitados os eixos centrais: a família e o território. Quanto ao campo da família, para Couto, Yasbek e Raichelis (2010, p. 44): “[...] se desloca a abordagem do indivíduo isolado para o núcleo familiar, entendendo-a como mediação fundamental na relação entre sujeitos e sociedade”, o que exige uma análise das famílias não meritocrática e tampouco culpabilizadora, 6
pois a capacidade protetiva familiar advém de condições objetivas de realizá-la,
ou seja, de fato de acesso a redistribuição de bens materiais e imateriais. E o território é considerado: “[...] terreno das políticas públicas onde se concretizam as manifestações da questão social e se criam os tensionamentos e as possibilidades para seu enfrentamento” (Couto, Yasbek e Raichelis, 2010, p. 50) Deste modo em todo o seu contexto normativo:
A PNAS expressa o campo específico da assistência social
tendo como pressuposto que a setorialidade se constrói para dar conta de determinadas necessidades sociais e se reconstrói na articulação com as demais políticas públicas no sentido de abarcar a complexidade e multidimensionalidade do campo social, bem como as peculiaridades e diversidades locais, regionais e culturais (Couto, Yasbek e Raichelis, 2010, p.178).
E por fim, mas não menos importante, depois de intensas lutas e
debates, institui-se em 2005 o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Este que em consonância com a PNAS, vem para regulamentar e materializar o processo de gestão da Assistência Social. Considera-se que o processo de implantação do SUAS “[...] configura-se nacionalmente enquanto um processo aberto, coletivo, contraditório e tenso, concretizando-se em diferentes ritmos, estratégias, concepções [...] (Couto, Yasbek e Raichelis, 2010, p. 92). Não há que se considerar que os avanços normativos tenham garantido a política de assistência social para o campo do direito, nem aqui se quer defender concepções legalistas, porém estas garantias legais são suportes para o enfrentamento as adversidades da realidade social. É preciso ainda compartilhar esta luta com as demais políticas públicas com participação da sociedade civil na defesa de um sistema de proteção social universal.
3. EM BUSCA DE UMA GESTÃO SOCIAL PÚBLICA NA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL: discutindo elementos fundamentais
Ao apresentar os avanços imbricados no processo de implantação da
política de assistência social no país, é preciso considerar quais são ainda os 7
desafios, em especial, no que tange a gestão desta política. Esta discussão
será realizada a partir de categorias consideradas fundamentais.
3.1 Os dilemas do social
Discutir a categoria social vem ao longo das últimas décadas sendo
colocada constantemente em pauta, devido tanto as cíclicas crises do capitalismo quanto pelas alarmantes disparidades concretas da sociedade, a qual concentra riqueza a uma classe minoritária e dissemina a pobreza a grande parte da população, seja a nível nacional ou internacional (WANDERLEY, 2011). Os grandes avanços tecnológicos e o crescimento da economia não tem sido sinônimo de melhoria nas condições de vida para a maioria dos cidadãos, o que leva a acadêmicos e representantes políticos a inserirem o social na agenda pública. Intensas disputas por hegemonia e poder expressam a dificuldade de estabelecer um consenso para a definição do social, concorda-se com o autor que em geral há três visões aceitas por diversos setores:
A primeira referida ao seu lugar subordinado, no sentido de
que o importante é o econômico (mais investimentos, mais empresas, mais empregos, mais renda, mais salários, etc) e o social é o efeito, consequentemente se a economia estiver bem o social será atendido de modo adequado (WANDERLEY, 2011, p.202)
Esta visão revela um discurso que busca a integração e legitimidade ao
modo de produzir capitalista, o qual não consegue manter-se sem manter a exploração, a expropriação dos produtos criados e os meios de produção do trabalhador, tampouco agrega a todos que necessitam do trabalho, pois “[...] não há capitalismo sem desemprego [...]” (MOTA, p.38). A necessidade de luta por um trabalho que atenda as necessidades humanas deve somar a luta para a efetivação de uma proteção social ampla e justa que não se limite ao cidadão-consumidor, mas produza bens e serviços universais, os quais possibilitem acesso às necessidades humanas. 8
Uma segunda ótica compreende o social numa perspectiva
setorial, ou seja, ele é interpretado apenas como sendo uma dimensão da sociedade em seu todo: economia, política, cultura e social (WANDERLEY, 2011, P. 203).
Esta compreensão do social vincula-se aos setores definidos para o
atendimento a população que será regulada pelo Estado, ou seja, acompanha a fragmentação da organização do Estado em setores do social, como são dividas as políticas de saúde, trabalho, habitação, educação. Além disso, parte do pressuposto que crescimento da economia e aumento de recursos possibilitam acesso a todos a proteção social. Diante disto, surge, o setor social, político e econômico. De acordo com WANDERLEY (2011, p.209):
“[...] quando um determinado governo, cujas atribuições
inerentes são as de atender à população de seu país, ao bem comum, ao universal, seleciona e direciona esse atendimento a um segmento, a uma parcela, a uma categoria [...] está em jogo uma concepção restrita do social [...]”.
Há nesta concepção uma fragmentação da vida em sociedade, defini-se
como um conjunto de setores autônomos, sem considerar que o social abrange a todas as dimensões da vida dos sujeitos, seja na família, trabalho, escola, espiritualidade, arte. Portanto, deve-se buscar “inverter a lógica de atendimento as demandas setorializadas, ou por segmentos, para se passar para uma lógica baseada nas diferenças e desigualdades sociais” (KOGA, NAKANO, p. 107). Assim, o social está presente em todos os âmbitos em que se encontram as relações humanas, “[...] quer de cooperação, quer de conflito, quer de integração, quer de ruptura [...] Esses vínculos comparecem, em todas as sociedades [...]” (WANDERLEY, 2011, p.205). Deste modo, o social é uma produção coletiva, evidencia-se enquanto uma relação entre os homens. O social é elemento constituinte da História.
Uma terceira ótica incide sobre uma perspectiva mais restrita
do social. Para seus defensores, a pobreza e as desigualdades sociais são históricas e não são 9
responsabilidades dos governos de turno, pois requerem um
tempo longo para serem resolvidas. Assim sendo, deve-se enfatizar o equacionamento e a resolução dos problemas econômicos, financeiros, políticos e, desde que não venham a atrapalhar esta orientação, pode-se admitir algumas políticas compensatórias na área social (do tipo: cestas básicas, leite, remédios, renda mínima para os mais vulneráveis e coisas deste teor) (WANDERLEY, 2011, p. 204)
A última ótica apresentada evidencia a desresponsabilização do Estado
para com o social e a imposição para a sociedade civil da solução das manifestações da questão social, busca a sensibilização de diversos atores e incentiva a uma refilantropização da questão social – ações pontuais, focalizadas – onde Estado e o mercado isentam-se de incontáveis situações de miserabilidade e o recurso destine-se veementemente para o crescimento constante da economia e de sua apropriação privada. A gestão para compreender seu campo de atuação deve romper com estas visões cotidianamente. Aqui compartilharemos da concepção que “o social se vincula umbilicalmente ao público, que é por natureza universal. Este é o critério fundante” (WANDERLEY, 2011, p.209). Desta maneira, o social está vinculado às diversas dimensões da vida, porém deve ser considerada a sua finalidade, ou seja, o social está sempre relacionado às ações estiverem voltadas para o os interesses coletivos, universais, assim, não se apresenta como interesse público aumentar investimentos na economia se houver apropriação privada da riqueza gerada, mas sim se houver redistribuição da riqueza e o acesso de todos aos bens socialmente produzidos.
3.2 Na defesa do público
O desafio da apropriação do que é público encontra-se na consolidação
do real acesso e participação ativa dos sujeitos, onde a primazia é o interesse de todos, superando as marcas históricas do Estado brasileiro, o qual ainda seleciona grupos para a participação nas decisões, ações e rumos do país.
Em seu significado normativo, o conceito de público remete ao
interesse de todos e ao reconhecimento do direito de todos à participação na coisa pública, isso interpela a sociedade, e 10
não apenas o Estado (RAICHELIS, WANDERLEY, 2004, p.
09)
Portanto, não é possível pensar o público sem a atuação conjunta
Estado/sociedade, o que exige superar esta dicotomia. Ressalta-se aqui: “o público compreende, obviamente, o lócus do Estado, embora o transcenda (SILVA, 2010, p.32). Mas, é imprescindível esta defesa no campo das políticas públicas, já que estas são necessidades sociais reguladas e prestadas pelo Estado e deve partir de demandas concretas. Vale ressaltar que a coisa pública é construída com recursos advindos de toda a população e a ela é preciso retornar, não somente na forma material, mas também imaterial como forma de socializar e distribuir a riqueza socialmente produzida. De acordo com Raichelis, Wanderley (2004, p.07):
Embora as políticas públicas sejam de competência do
Estado, não são decisões impositivas e injunções do governo para a sociedade, mas envolvem relações de reciprocidade e antagonismo entre essas duas esferas. Portanto, mesmo considerando-se a primazia do Estado pela condução das políticas públicas, a participação ativa da sociedade civil nos processos de definição e controle da sua execução é fundamental para a consolidação da sua dimensão efetivamente pública
Assim, ao se considerar o público estatal é preciso integrar no cotidiano
de suas atividades - desde o planejamento até a execução - à participação dos diferentes atores sociais, a fim de que estes apresentem suas demandas, exerçam o controle social. As ações prestadas à população devem atender a necessidades sociais, considerando as particularidades de cada território.
A esfera pública é concebida como inerente à democracia,
cujo princípio organizativo está jungido à liberdade de expressão, contendo dimensões políticas e culturais, espaço aberto no qual se exprimem todos aqueles que se autorizam a falar publicamente (RAICHELIS, WANDERLEY, 2004, p. 09)
Assim, o público é uma construção social, não é algo estático, tampouco
acabado, é sim permeado de contradições e não agrega a grupos e interesses homogêneos, o que deve prevalecer para tanto é a defesa do interesse de 11
todos, enquanto espaço de direitos e para isto Estado e sociedade não se
sobrepõe em momento algum, ao contrário, atuam simultaneamente. Deste modo, defender o público é fortalecer a ação do Estado para o enfrentamento das manifestações da questão social, com a participação ativa da sociedade civil, esta que deve apresentar suas demandas, a partir de uma perspectiva do coletivo. Os desafios impostos à construção dos espaços públicos no Brasil perpassam desde a relação democrática entre Estado e sociedade civil; a busca pelo enfrentamento da questão social e o fortalecimento dos espaços de participação social (RAICHELIS, WANDERLEY, 2004).
3.4 Gestão Social ou Gestão Pública: pela efetivação da gestão social pública na política de assistência social
3.4.1 Gestão Pública
A gestão pública, presente nas instituições públicas, é a responsável por
direcionar as ações voltadas para o interesse público, em geral por meio de prestação de serviços, estes regulamentados por lei e que devem ser acessados pelos cidadãos. Analisar o início da Gestão Pública no país pressupõe o conhecimento da história da Administração Pública e a compreensão das transformações ocorridas, a partir de diferentes contextos sóciohistóricos.
Diferentes abordagens comprovam os descompassos e
desajustes que incidem nas relações entre a administração pública, a organização política e a sociedade nacional, desde a formação do Estado brasileiro. Neste sentido, a gestão pública estratégica é afetada por processos históricos e estruturais, tais como, a modernização conservadora, a recorrência de surtos autoritários, o clientelismo, a corrupção institucionalizada, um Estado precocemente atrofiado e multifacetado cujas ligações com os interesses da sociedade basicamente foram permeadas por duas orientações – uma raciona l-legal e outra patrimonialista–, e uma máquina administrativa desigual e desequilibrada que se caracteriza pelas tensões e dissociações entre a administração direta e indireta (WANDERLEY, RAICHELIS, online, p. 167) 12
As primeiras organizações governamentais são constituídas no fim do
período do Brasil Colônia, as organizações ainda não contavam com a divisão entre o público e o privado, o patrimonialismo era presente nas relações públicas estatais e o que prevalecia eram os interesses do poder soberano. Ao instituir-se no país um regime republicano, o Estado através de seus agentes percebeu - em especial, a partir da década de 1930 com o Estado Novo - a necessidade de instituir uma administração burocrática, a qual superasse o patrimonialismo até então vigente, e criar organizações que regulassem a vida social através de especialistas, escolhidos sem indicações pessoais.
Não era fácil aos detentores das posições públicas de
responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário “patrimonial” do puro burocrata, conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário “patrimonial”, a própria gestão política apresenta- se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere, relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalece a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer as funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com as capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático. [...] (HOLANDA, 1969, p.105- 106)
A partir do período de ditadura militar em 1964, os novos dirigentes do
país encontraram dificuldades com a rigidez burocrática da máquina pública, diante deste fato criaram um movimento de desburocratização estatal e institui normativas que regulamentavam a descentralização e a autonomia das organizações, possibilitando a agilidade do Estado em diversas áreas e espaços. Porém, o controle social, não foi pensado neste movimento, o que impossibilitou sua eficácia na época. O período pós-ditadura representou momentos significativos de lutas sociais pelo processo de redemocratização do país, o que culminou na Constituição Federal de 1988, onde os direitos fundamentais foram 13
regulamentados, além disso, a participação da população através do controle
social foi um avanço primordial. A Administração Pública passa a ser prioridade na agenda governamental, a partir da década de 1990, exigia-se dos países considerados periféricos a adesão ao novo modelo econômico capitalista de ordem neoliberal. A reforma do Estado passou a uma gestão privada do bem público, a fim de adequar-se a economia globalizada. De acordo com Silva, Yasbek, Giovanni (2011, p.30): “[...] tem-se, no plano da intervenção estatal no social, um movimento orientado por posturas restritivas [...]”. Já no século XXI a proposta centra-se em uma Administração Pública que consiga aliar crescimento econômico com combate à desigualdade, onde os programas de transferência de renda apresentam-se “[...] enquanto uma nova tendência da política social brasileira [...]” (SILVA, YASBEK, GIOVANNI, 2011, p.38) o que tem recebido severas críticas. Portanto, a gestão pública nem sempre se configurou de maneira linear, sem mudanças, o que evidencia que há possibilidades de caminhos para a reconstrução da gestão da coisa pública. Compreende-se que a gestão pública deve consagrar-se não como circunstâncias dependentes de uma gestão governamental, limitada a programas de governo, mas sim expressar a construção permanente de uma cultura e, sobretudo de uma sociedade democráticas.
3.4.2 Gestão Social
A gestão social começa a ser colocada em pauta a partir de 1990, o
conceito trata-se de uma gestão voltada para o social, porém a proposta quando surge está atrelada a uma concepção neoliberal, afirma Tenório (2008, p.25):
[...] Assim, o objetivo era promover uma nova compreensão de
gestão que atentasse para aquelas carências percebidas como pontuais sem, contudo, levar em conta aquelas de ordens estruturais e/ou universais [...] 14
A concepção de gestão social surge então como resposta às
manifestações da questão social na América Latina, no intuito de delimitar estratégias de enfrentamento residual a fenômenos históricos como a fome, selecionando grupos de extrema pobreza para o foco principal da atuação (TENÓRIO, 2008). Deste modo, as problemáticas da questão social, a partir do conceito de gestão social passaram a constituir mecanismo de transpor para a sociedade civil as responsabilidades exclusivamente do Estado, seja de através de uma gestão compartilhada pelas parcerias, da privatização ou transferência total das ações estatais para a esfera privada, neste momento há um intenso crescimento do terceiro setor – prestando serviços de caráter público – considera-se também as ações do empresariado (SILVA, 2010). Ao contrário dos pressupostos do conceito em seu surgimento, a discussão centra-se neste momento em defender uma nova concepção de gestão social que se pretende interdisciplinar e encontra-se em processo de construção. Segundo Tenório (2005, p.102): “O adjetivo social qualificando o substantivo gestão, será entendido como espaço privilegiado de relações sociais onde todos têm direito à fala, sem nenhum tipo de coação”. Assim, a gestão social apresenta-se como contraposto a gestão estratégica, já que esta executa sua gerencia com uma visão de mercado, onde estabelecer metas e objetivos é um caminho para gerar lucro e manter-se em espaços competitivos. É preciso, portanto, analisar criticamente a proposta do Banco Mundial ao difundir a concepção de boa governança, a qual impõe aos países a adesão a esta estratégia de ordem neoliberal, com a proposta de integração entre Estado, sociedade civil e mercado, mas que coexistiriam com o Estado mínimo e a transformação de cidadãos em consumidores de bens e serviços a fim de garantir a expansão do capitalismo lançada no mesmo período que a gestão social (SILVA, 2010). A construção de outro paradigma de gestão revela intensos desafios, em especial, na consolidação das políticas públicas enquanto acesso a todos, pois será que: “[...] há possibilidade histórica de consolidar a gestão social como 15
política pública ou se ela vai sucumbir inexoravelmente à estratégia de
mercado [...]” (SILVA, 2010, p.35). A sociedade brasileira, apesar de todos os esforços e lutas de diversos sujeitos coletivos, ainda apresenta espaços não democráticos, a coisa pública ainda é apropriada privadamente, os interesses individualizam-se e o bem comum perde-se de vista. Assim, a proposta de uma nova gestão social fundada em processos dialógicos e participativos, como modo de compartilhar as decisões e atender ao interesse de todos, exige a participação ativa dos sujeitos, assim o social como adjetivo garantirá uma gestão onde todos possam manifestar-se e se fazerem ouvir. Considera-se que este processo deve abranger espaços públicos, privados e organizações não-governamentais (TENÓRIO, 2008). A gestão social não se vincula somente como mecanismo para as políticas públicas, mas pode configurar-se como possibilidade de constituir espaços democráticos nas diversas esferas da vida social. Dentro de uma perspectiva crítica a gestão social caracteriza-se segundo Silva (2010, p.32)
[...] um conjunto de estratégias voltadas à reprodução da vida
social no âmbito privilegiado dos serviços – embora não se limite a eles – na esfera do consumo social, não se submetendo a lógica mercantil. A gestão social ocupa-se, portanto, da ampliação do acesso a riqueza – material e imaterial – na forma de fruição de bens, recursos e serviços, entendida como direito social, sob valores democráticos como equidade, universalidade e justiça social
O diálogo configura-se também como ferramenta fundamental para uma
gestão social participativa, deste modo é preciso um “[...] processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação [...]” (TENÓRIO, 2005, p. 102). Compartilhar a gestão social com diversos atores sociais significa lutar pela socialização de riquezas, concretizar o direito a espaços de interesse público com ações que supere a lógica mercantil. Isto requer que os diversos grupos, associações, organizações, coletivos integrem os espaços de decisão. 16
3.4.3 Gestão social pública na Política de Assistência Social
A Política de Assistência Social tem conquistado mecanismos de defesa
importante para a efetivação da política enquanto um direito, como a LOAS, a PNAS e o SUAS. A partir da última conquista normativa, a Lei 12435 de 06 de julho de 2011, há alteração na primeira versão da LOAS e uma nova redação, a partir do SUAS, com definições conceituais, reforçando a direção social da Política de Assistência Social, o que não impossibilita a busca por novas concepções, já que a complexidade da vida social exige que o conhecimento se alimente constantemente do real e suas transformações. A gestão conquista espaço na última legislação na Política de Assistência Social e tem como objetivos essenciais para esta discussão, a descentralização e participação, a organização da gestão da Política em nível - municipal, estadual e federal – a divisão de responsabilidades entre os três entes federativos, educação permanente, vigilância socioassistencial, gestão compartilhada. A participação aproxima-se da concepção de gestão social, pois é necessário envolver na política os sujeitos num movimento dialógico para a discussão quanto ao rumo dos serviços, programas, projetos e benefícios assistenciais oferecidos, a fim de que estes correspondam às necessidades reais. Descentralizar as ações da política de assistência social requer uma visão ampla de gestão, em especial, dos municípios para que possam ir além da execução das políticas públicas federais, é preciso construir políticas públicas municipais que atendam as particularidades de cada território. O conhecimento da realidade onde a política de Assistência Social se encontra compõe uma das bases para a execução das ações, e cabe à gestão promover a coleta de dados e informações dos territórios, a fim de apoiar não só a criação de serviços, mas também tornar visíveis os grupos invisíveis como negros, índios, homossexuais e assim, subsidiar o fortalecimento da sociedade civil inserindo-os no cenário político e defendendo suas demandas. O processo de apreensão da realidade dos territórios é garantido pela vigilância socioassistencial, que integra o conjunto de ações que trazem para o 17
espaço público as particularidades, as necessidades coletivas não atendidas,
às organizações de bairro, os movimentos sociais, construindo a história dos sujeitos, a partir das suas vivências e lutas e não somente de suas vulnerabilidades econômicas. A vigilância socioassistencial articula as necessidades de conhecer os riscos e as vulnerabilidades de cada território, mas é preciso relevar que: “[...] grande parte das vulnerabilidades sociais dos usuários da política de assistência social não tem origem na dinâmica local, mas em processo estruturais [...]” (COUTO, 2010, et. al. p.52), por isso a necessidade de relacionar os dados microterritorias com indicadores macroestruturais. A construção das metodologias para a produção de dados dos territórios exige uma educação permanente dos seus trabalhadores, afim de que produzam diagnósticos, planos e análises de realidade, que apreendam além de indicadores e estatísticas, mas expressem um aporte teórico-metodológico de caráter crítico e analítico e que impulsionem a uma de assistência social cujo maior objetivo é a construção da cidadania social e a universalização dos direitos socioassistenciais – os serviços são espaços de operacionalização da política que buscam qualificar e expandir as prestações sociais respondendo as demandas da população no que tange às suas condições de vida. Dividir responsabilidades entre os entes federativos e a construção dos níveis de gestão proporciona o uso do fundo público em todas as instâncias, responsabilizando-os pelo atendimento as necessidades sociais, devolvendo a sociedade o que lhe é direito. Portanto, a gestão da política de assistência social, a partir da gestão social deve ser compreendida como processual e inconclusa, a qual necessita se efetivar de fato uma gestão enquanto espaço público, possibilitando uma gestão compartilhada. Efetivar os objetivos da gestão da Política de Assistência Social demanda compreender a política para além de um acesso ao consumo, e estabelecer-se uma política de direito, pois “sob a ótica liberal, a assistência social tem sido um modo de satisfazer necessidades sociais que o mercado não satisfaz [...]” SILVA (2010, p.139). A política de Assistência Social para se efetivar enquanto integrante do sistema de proteção social não pode limitar-se as suas ações, mas requer a 18
luta pela universalidade dos direitos unindo-se as demais políticas públicas,
num movimento intersetorial. “[...] A sabedoria reside em combinar setorialidade com intersetorialidade, e não em contrapô-las no processo de gestão” (SPOSATI, p.134). A nova gestão social: “abandona o modelo hierárquico e reconhece a impossibilidade de programação completa, dado o caráter imprevisível, a turbulência e a complexidade do contexto da ação” (BRONZO, VEIGA). Aliar a gestão social à gestão pública da Política de Assistência Social constitui-se novo desafio para se chegar a uma gestão social pública.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política
Nacional de Assistência Social. Brasília: Secretaria Nacional de Assistência Social. NOV. 2004.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Vigilância
BRONZO, Carla.; VEIGA, Laura da. Intersetorialidade e políticas de
superação da pobreza: desafios para a prática. P. 5-21. In: Revista Serviço Social e Sociedade, n. 92, nov. São Paulo: Cortez, 2007.
COUTO, Berenice Rojas, et. al. O sistema único de assistência social no
Brasil: uma realidade em movimento. São Paulo: Cortez, 2010.
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio, 1969.
KOGA, Dirce.; NAKANO, Kazuo. Perspectivas territoriais e regionais para
políticas públicas brasileiras. P. 98-108. In: Revista Serviço Social e Sociedade, n. 85, São Paulo: Cortez, 2006. 19
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS). Conselho
Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica de Assistência Social – NOB/SUAS. Brasília, 2005.
MOTA, Ana Elizabete (org.). O Mito da Assistência Social – ensaios sobre
Estado, Política e Sociedade. Recife: UFPE, 2006.
RAICHELIS. Raquel. Democratizar a gestão das polítcas sociais: um
desafio a ser enfrentado pela sociedade civil. In: Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. MOTA, Ana Elizabete. Et. al. São Paulo>: Cortez, 2009.
SILVA, Ademir Alves da. A gestão da seguridade social brasileira: entre a
política pública e o mercado. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
SILVA, Maria Ozanira da Silva e.; YASBEK, Maria Carmelita.; GIOVANNI,
Geraldo di. A política social brasileira no século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
SPOSATI, Aldaíza. Gestão pública intersetorial: sim ou não? comentários de
experiência. P.133-141. In: Revista Serviço Social e Sociedade, n. 85, mar. São Paulo: Cortez, 2006.
TENÓRIO, Fernando Guilherme (org); CANÇADO, Airton Cardoso (org); SILVA