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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

MANUEL JOSÉ ALVES DA ROCHA

OPINIÕES E REFLEXÕES
== COLECTÂNEA DE ARTIGOS, CONFERÊNCIAS E PALESTRAS
SOBRE ANGOLA, ÁFRICA E O MUNDO ==

LUANDA, FEVEREIRO 2004


OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

INDICE

INTRODUÇÃO GERAL

CAPÍTULO UM – A GLOBALIZAÇÃO ECONÓMICA: DESAFIOS E REALIDADES

1.- A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA ECONOMIA


2.- OS PROBLEMAS DECORRENTES DA MUNDIALIZAÇÃO DA ECONOMIA
3.- CONCEITOS E REALIDADES DA NOVA ECONOMIA E A SUA INCIDÊNCIA EM ANGOLA
4.- OS PARADOXOS DA AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO
5.- O ESTADO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NO MUNDO
6.- PORQUE OS AFRICANOS DESCONFIAM DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL

CAPÍTULO SEGUNDO – INVESTIMENTO, SECTOR PRIVADO E CRESCIMENTO


ECONÓMICO
1.- A RECUPERAÇÃO ECONÓMICA E OS PROBLEMAS DO SECTOR PRIVADO NACIONAL
2.- O ESTADO DA ECONOMIA ANGOLANA EM 2001 E ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS
PERVERSIDADES DO PETRÓLEO
3.- OS FACTORES E OS CONTEXTOS DAS DECISÕES EMPRESARIAIS
4.- OS FACTORES SÓCIO-ECONÓMICOS DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO EM ÁFRICA
5.- ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO PARA ANGOLA
6.- PRODUTIVIDADE: CALCANHAR DE AQUILES E UM DOS PRINCIPAIS DESAFIOS DA
ECONOMIA ANGOLANA
7.- ANGOLA: DE UMA ECONOMIA DE GUERRA A UMA ECONOMIA DE PAZ
8.- AS QUESTÕES MACROECONÓMICAS ESSENCIAIS DO MODELO ESTRATÉGICO DE
DESENVOLVIMENTO DE ANGOLA

CAPÍTULO TERCEIRO – POBREZA E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

1.- EXISTEM POLÍTICAS DEFINITIVAS PARA COMBATER A POBREZA?


2.- O PETRÓLEO EM ANGOLA: A RIQUEZA DE ALGUNS E A POBREZA DE MUITOS
3.- O ACORDO MONITORADO COM O FMI E AS SUAS IMPLICAÇÕES NA CRIAÇÃO DE
EMPREGO E NA REDUÇÃO DA POBREZA
4.- ESTRATÉGIAS DE REDUÇÃO DA POBREZA EM ANGOLA: OS CONTEÚDOS E AS
POLÍTICAS
5.- A POBREZA ENQUANTO CONSTRANGIMENTO AO DESENVOLVIMENTO

CAPÍTULO QUARTO – GESTÃO PÚBLICA E TRANSPARÊNCIA


1.- A CORRUPÇÃO E O SEU IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO DO PAÍS
2.- INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E DECISÃO MACROECONÓMICA
3.- O PROBLEMA DAS ESCOLHAS PÚBLICAS
4.- O ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO E O PROGRAMA DO GOVERNO PARA 2002: AS
GRANDES OPÇÕES E A INFLUÊNCIA DA CONJUNTURA INTERNACIONAL
5.- OS DESAFIOS DA POLÍTICA ORÇAMENTAL NO PÓS-CONFLITO
6.- A ECONOMIA DA CORRUPÇÃO

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CAPÍTULO QUINTO – INTEGRAÇÃO ECONÓMICA REGIONAL

1.- ANGOLA NO CONTEXTO DAS ECONOMIAS AFRICANAS: O DESAFIO DA INTEGRAÇÃO


ECONÓMICA NA SADC
2.- O NOVO REGIME DE COMÉRCIO NO ÂMBITO DOS ACORDOS DE PARCERIA
ECONÓMICA REGIONAIS

BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃO GERAL

A economia nacional, um pouco devido à guerra, mas também pelas características


especiais dos sectores intensivos em capital, estruturou-se dum modo muito
desarticulado e dependente. A guerra responde pela atomização dos mercados,
desligados entre si, quase auto-suficientes ao nível duma reprodução simples da
actividade económica. As grandes dificuldades com que a circulação de pessoas e bens
se efectua pelo país explica uma boa percentagem das elevadas taxas de inflação, ao
introduzir limitações à capacidade global de oferta interna.

O sector petrolífero – ou melhor dizendo, a economia petrolífera – tem um modelo


específico e próprio de funcionamento, assente na lógica do dólar e integrado numa
economia cada vez mais globalizada. As articulações com o resto da economia pela via
dos fluxos reais não existem, tendo, pelo contrário, o sector petrolífero e pela via dos
fluxos financeiros, contribuído para o atrofiamento da economia não petrolífera. Esta
economia – a única que, de resto, foi afectada directa e indirectamente pela guerra –
tem vindo, sistematicamente, a perder peso económico e social no contexto nacional,
traduzido em ritmos baixos de crescimento, em valores reduzidos de investimento
produtivo, em cifras elevadas de desemprego e numa dependência absurda das
importações. Esta situação de afastamento e marginalização dum sector económico do
qual depende a esmagadora maioria da população tem sido, provavelmente, a causa
mais importante do surgimento do fenómeno da pobreza no país.

Para além das reconhecidas debilidades do aparelho de Estado (extraordinariamente


burocratizado, centralizado e carente de recursos humanos qualificados) as quais
impedem a plena assunção do seu papel de agente importante na coordenação das
estratégias de recuperação e na criação de um ambiente propício para as decisões
microeconómicas, é igualmente reconhecida a fragilidade do sector empresarial privado.
Conhecidas que são as suas fraquezas e debilidades, e reconhecidas que são as
difíceis condições em que exerce a sua actividade, o seu papel no processo de
reconstrução económica pós-conflito deve ser estudado no sentido de o transformar
numa força activa geradora de prosperidade e riqueza nacionais. A definição do melhor
contexto para a sua inserção e das condições institucionais, económicas e financeiras
para o exercício da sua actividade tem de ocupar um lugar destacado em matéria das
políticas públicas de incentivo ao empresariado privado.

Um outro elemento a ter em consideração na reflexão sobre as dinâmicas internas é o


capital humano, no qual se deve integrar, mesmo que tardiamente, o empresário e a
empresalidade. São assentidas as debilidades dos sistemas nacionais de ensino,
educação, saúde e investigação. Mas igualmente autenticada é a necessidade de as
diferentes estratégias destes sectores terem de convergir com a estratégia geral de
desenvolvimento, para que os chamados efeitos sinergéticos se maximizem.

A referência ao capital humano permite a consideração de uma das questões-chave


para o êxito do processo de reconstrução e desenvolvimento a médio prazo: o
investimento. Esta variável terá de ser cuidadosamente programada – respeitando-se
todos os princípios que a consistência macroeconómica determina – porque é a
restrição número um do modelo geral de recuperação do país. Uma variável que tem
tido um comportamento muito irregular desde a independência, porque dependente, no
que ao Estado diz respeito, das receitas fiscais petrolíferas – por seu turno, atidas ao
comportamento do preço internacional do crude e à evolução da produção das

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concessionárias – e da poupança interna, no que ao sector privado respeita. Dada a


sua exiguidade – baixos salários, lucros empresariais em média de fraca expressão por
atrofiamento da economia não petrolífera, défices fiscais permanentes – é importante,
portanto, questionar por outras fontes de financiamento dos investimentos, como o
investimento estrangeiro directo, os financiamentos e as linhas de crédito internacionais,
a cooperação empresarial e a ajuda pública ao desenvolvimento. Em suma, como
restrição do modelo, o investimento terá de ter uma abordagem abrangente em todas as
suas componentes – investimento produtivo e em infraestruturas, investimento em
capital humano e investimento em capital ambiental (preservação do ambiente e gestão
dos recursos naturais) – e no seu relacionamento com as fontes possíveis de
financiamento1, o que coloca em aberto a questão da renegociação da dívida externa do
país.

Renegociação que tem de ser analisada em duas perspectivas, a saber, a das


necessidades de financiamento para reconstrução e desenvolvimento a médio prazo e a
dos acordos com o Fundo Monetário Internacional. Em última instância, a convergência
fundamental que deverá ser realçada no processo de retoma, reconstrução e
crescimento é a estabilização-reformas-desenvolvimento.

O processo de recuperação da economia nacional e de estruturação futura da sua base


produtiva deve ter, nas circunstâncias actuais, como variável estratégica o emprego. O
modelo ou os modelos em que o mesmo deve assentar têm de levar em devida conta a
possibilidade da máxima criação de empregos. O reconhecimento de que o emprego
deve ser a variável central das estratégias de recuperação da produção justifica-se não
apenas pelas elevadas taxas de desemprego actualmente registadas na economia não
petrolífera2, como e, talvez principalmente, pelos efeitos positivos sobre o processo de
reconciliação nacional, sobre o alívio da pobreza e, seguramente, sobre o crescimento
económico interno pelo viés da criação (e distribuição) de poder de compra. Assim
sendo, as actividades estruturantes da economia nacional, portadoras de soluções
sustentáveis no futuro e mais consentâneas com um processo rápido de recuperação
económica, devem combinar, de forma original, eficiência e equidade, ou seja,
tecnologias de produção apropriadas e intensidade em trabalho. Isto quer dizer que o
binómio produtividade/emprego tem de estar em permanente análise na elaboração dos
planos e políticas do Governo.

1
Adjacente a esta temática encontra-se a do modelo de financiamento do desenvolvimento económico e
particularmente a da transformação dos activos físicos e materiais em capital. O capital é a capacidade de
os activos fixos gerarem valor adicional. O processo que fixa o capital não é o dinheiro, que é apenas uma
das formas em que circula. O dinheiro facilita as transacções, mas não é, em si, o progenitor de produção
adicional. O que gera capital é um sistema generalizado e complexo de processamento, registo, controlo e
reconhecimento da propriedade. Na sua ausência, as posses e as propriedades dos agentes económicos e dos
habitantes em geral – particularmente da população pobre – acabam por ser um capital morto (seguindo a
metodologia de Hernando de Soto pode estimar-se o valor deste capital “no seu estado natural” para
Luanda – partindo-se da hipótese duma população residente de 3,5 milhões de habitantes – em cerca de 4
biliões de dólares americanos). Estes activos, porque não têm expressão legal no sistema integrado de
registo de propriedade, não se podem transformar em capital necessário para o desencadear de novas e
florescentes actividades económicas formais e legais. Para maior aprofundamento ver O Mistério do
Capital de Hernando de Soto, Editora Record, 2001.
2
A economia petrolífera, pela sua natureza capital/tecnologia intensiva, não tem capacidade de criação de
emprego: o sector petrolífero não consegue empregar um estoque de trabalhadores nacionais superior a
10000, enquanto que o restante do sector mineiro não vai além dos 28000.

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A colocação do emprego como variável central do processo económico tem outro tipo
de consequências, a serem levadas em consideração. A primeira refere-se à correlação
entre emprego e tipo de qualificações que os modelos de recuperação económica irão
necessitar. O sistema de formação profissional a curto prazo e os sistemas de
educação e ensino numa óptica de mais longo prazo terão de ser chamados à coacção,
de modo a evitar estrangulamentos entre a oferta de mão-de-obra qualificada e a
procura veiculada pelo sistema económico. A segunda consequência respeita à
correlação com os sistemas de saúde, nomeadamente os que devem atender aos
cuidados primários e à erradicação das mais importantes endemias. É importante que o
processo de geração de empregos que a recuperação da economia certamente irá pôr
em marcha não seja prejudicado pelo absentismo e por índices baixos de produtividade
devidos a dificuldades no domínio da saúde.

Tem-se consciência que a máxima criação de empregos reclamada pela extensa crise
social que o país vive não poderá ser viabilizada, apenas, pelas actividades económicas
consideradas isoladamente. Daí que os modelos de recuperação do sector produtivo
tenham de possibilitar, também, a máxima integração económica interna. Claro que a
recuperação de cada vez maiores extensões do território nacional para a livre circulação
de pessoas e bens é um factor determinante duma integração económica interna que se
pretende maximizada, mas que não depende, apenas, da economia em si mesma.
Justamente por isso, a problemática dos circuitos internos de distribuição e
comercialização deve merecer um tratamento adequado no plano da elaboração das
políticas públicas de desenvolvimento a médio prazo, como um elemento de influência
preponderante para a viabilização dos modelos de recuperação da economia nacional.

A integração da República de Angola em instituições de carácter regional constitui-se,


igualmente, como variável a tomar em linha de consideração. Angola é um país da
SADC e da CEEAC, espaços geográficos aonde poderá vir a desempenhar um papel de
relevância económica, compatível com as suas potencialidades naturais. Convirá, neste
contexto, estabelecer relações adequadas entre as actividades económicas mais aptas
à integração económica interna e à máxima criação de empregos e as especializações
produtivas que deverão conferir maior competitividade económica naqueles espaços.
Mais do que em qualquer outra área económica é aqui que o binómio
eficiência/equidade deve ser devidamente equacionado, de modo a que os diferentes
objectivos estratégicos possam ser optimizados.

As dinâmicas internas vão desempenhar um papel crucial na viabilização dos modelos


de crescimento económico. O Estado aparece como um agente importante na
coordenação das estratégias de recuperação e na criação de um ambiente propício
para as decisões microeconómicas. A Administração do Estado tem experimentado nos
últimos anos um processo intenso de reformas institucionais que vão no sentido de
transformar os seus órgãos em agentes activos do desenvolvimento. O “capacity
building”, a redução da burocracia e a descentralização são os três aspectos capitais
enformadores duma relação nova entre o Estado e a sociedade civil. A assunção
filosófica do novo modelo desenvolvimento a médio prazo é a de que o Estado tem um
papel institucional e económico muito particular e importante a desempenhar no
processo de reconstrução pós-conflito. De resto, à semelhança do que aconteceu com
as economias europeias e a japonesa depois do segundo conflito militar mundial. Trata-
se de aquilatar em que moldes este papel deve ser desempenhado na mobilização de
iniciativas, na facilitação do exercício da actividade económica, na criação das bases
materiais do crescimento e no exercício das suas responsabilidades sociais.

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Até há dois anos atrás, o binómio guerra/crescimento económico dominava as peças


fundamentais da política do Estado, a saber, o Orçamento Geral do Estado e os
Programas Económicos e Sociais do Governo. Tratava-se de, em condições internas
adversas, conseguir um mínimo de crescimento da economia, o que acabou por ter sido
conseguido, sobretudo no sector petrolífero de enclave, desde sempre resguardado das
destruições provocadas pelo conflito militar. A partir de agora o que passará a estar em
causa é a paz e o desenvolvimento económico. Ainda que o “caminho se faça
caminhando”, a espera por uma melhoria considerável das condições de vida da
população começa a ter um tempo reduzido. Os sacrifícios do povo humilde,
trabalhador e pobre foram insuportáveis e só uma férrea vontade de viver e de contribuir
para se arquitectarem tempos novos de prosperidade não o fez desistir. Dois anos de
paz generalizada e efectiva ainda nada de novo trouxeram para quem mais precisa de
mudanças. Se antes da paz, o crescimento económico foi útil e conveniente para se
garantirem as fontes de financiamento externo para as importações e o esforço de
guerra, agora com a paz necessariamente que o crescimento económico se tem de
transformar em desenvolvimento. E é neste contexto que deverão ser estudadas e
discutidas o que considero serem as traves mestras do novo modelo económico:

 A primeira trave mestra é de natureza keynesiana, centrada nos gastos


públicos. As políticas orçamentais terão de ser relativamente expansionistas
e os défices fiscais deverão ser estabelecidos em níveis compatíveis com a
necessidade dum crescimento económico forte e sustentável3. A expansão
dos investimentos públicos é a via menos inflacionista (em contraponto com
as despesas de pessoal ou mesmo de funcionamento). No entanto, esta
vertente pode ter rendimentos decrescentes, porque os défices públicos
recorrentes provocam o crescimento da dívida pública interna e externa e
geram políticas monetárias restritivas.
 A segunda é do tipo schumpeteriano, de indução do processo de destruição
criadora, para promover uma onda de inovações tecnológicas e
organizacionais, capaz de aumentar os gastos de consumo e de
investimento4. No entanto, do ponto de vista da procura agregada, pode
acontecer que este processo destrua mais do que crie, quando as inovações
tecnológicas e organizacionais reduzem mão-de-obra e, “coeteris paribus”, a
massa salarial. Desta forma, trava-se o conhecido mecanismo do acelerador,
por meio do qual o maior crescimento da procura provoca o dos
investimentos. O problema é que este processo tem uma forte componente
aleatória – invenções, inovações e decisões de investimento – mesmo

3
J. Stiglitz afirma: “There is no simple optimum level of the budget deficit. The optimum deficit – or the
range of sustainable deficits – depends on circumstances, including the cyclical state of the economy,
prospects for future growth, the uses of government spending, the depth of financial markets and the levels
of national savings and national investment”. E no concernente à inflação, comumente associada aos
défices públicos, o Prémio Nobel da Economia de 2001 sustenta: “... the evidence has only shown that high
inflation is costly. Bruno and Easterly who found that when countries cross the threshold of 40 percent
year inflation they fall into a high inflation/low growth trap. But below that level, there is no evidence that
inflation is costly. Barro and Fischer also confirm that high inflation is, on average, deleterious for growth,
but again have failed to find any evidence for costs of low levels of inflation” in More Instruments and
Broader Goals: Moving Toward the Post-Washington Consensus, Wider Annual Lecture, Helsinki, Finland,
1998.
4
Não necessariamente endógenas e originais. A cópia e a imitação – desde que bem feitas – são boas
inovações para o estado actual da economia angolana.

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quando se articulam Governo e empresas, política industrial e tecnológica e


investimento privado.
 O terceiro vector é de carácter político e expressa-se na distribuição da
riqueza e do rendimento. As evidências empíricas conhecidas apontam no
sentido de que as respostas a políticas activas de reconfiguração dos frutos
do crescimento económico são mais efectivas em economias atrasadas, com
populações pobres e enormes desigualdades – aumento significativo do
poder de compra unitário e da massa de gastos de consumo, com
implicações sobre o nível e as decisões de investimento.
 O quarto elemento encontra-se na frente externa e deve procurar as formas
de se transformar as exportações numa das locomotivas da economia
nacional – esta tem sido a saída mais procurada pelos países emergentes e
pelos neo-desenvolvidos do sudeste asiático, como reacção à insuficiência
de procura agregada interna. Neste sentido, as economias devem procurar
uma crescente competitividade internacional. Há, no entanto, uma dificuldade
fundamental para esta estratégia, pois a maioria dos países procura explorá-
la no limite (isto é, com preços extremamente baixos, o que implica salários
baixos e, portanto, procura agregada menos expressiva). As restrições do
lado da procura também são maiores, dadas a lentidão do crescimento da
economia mundial, as suas flutuações e as ondas de proteccionismo das
economias avançadas.

Algumas das questões levemente abordadas nos itens anteriores, são retomadas e
discutidas em capítulos e parágrafos deste livro, situando-as em contextos próprios.

Este livro resulta duma arrumação de algumas das minhas intervenções públicas no
decurso de alguns anos. Apesar do cuidado colocado na revisão do texto, algumas
repetições – de ideias, de quadros e de abordagens – são observáveis. Preferi-o a
eliminá-las, porque assim preservo os contextos em que as minhas intervenções
públicas ocorreram.

Já o disse uma vez e cada vez me convenço mais de que um livro não é uma obra
isolada e individual. Claro que se destacam nos agradecimentos os apoios de amigos,
os contributos de colegas, as sugestões de terceiros, as críticas – mesmo que
maledicentes – de outros. Não é a isso que me refiro. É que quando chego ao fim dum
livro a sensação que me fica – para além evidentemente de satisfação e de esperança
de que sirva para alguma coisa – é a de ter projectado no que foi escrito um conjunto
muito variado de influências ao longo da vida. O convívio com a família, os amigos, os
colegas, os professores tem deixado, invariavelmente, uma marca indelével na
formação do meu saber, no processo de aquisição do conhecimento, na forma de
intervenção social, no modo de abordagem da realidade, na leitura política dos
acontecimentos e no comportamento ético, moral e cívico. Talvez, só muito pouco do
que somos o devamos a nós próprios. Sendo assim, um livro é, afinal e sempre, uma
obra colectiva, que não necessita de ser vivida e participada por muita gente num
determinado momento para que o seja efectivamente. Por isso, determina-me a
consciência que nomeie algumas das individualidades que ao longo deste meu tempo
de vida - vivida intensamente com mais ou menos agruras e escolhos, mas também
com bastante satisfação intelectual -, moldaram a minha personalidade e me
aconchegaram com o seu saber, os seus conselhos e a sua inteligência: José Manuel

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Gonçalves Serrão, Jorge Eduardo da Costa Oliveira, José Manuel Zenha Rella, Gustavo
Neto de Miranda, Farinha e Silva, Fernando Bráulio Santos Lima, Mário Nelson, Lima de
Carvalho, Jorge Braga de Macedo, Nelson Lourenço, Victor Correia, Mendes da Ponte,
Ventim Neves, Francisco Reis, Agostinho Neto, Saydi Mingas, Carlos Rocha (Dilolwa),
José Armando Morais Guerra, Aurora Murteira, Mário Murteira, Ivo Pinho, Américo
Ramos dos Santos, António Augusto de Almeida, Castanheira Dinis, Manuel Dias
Nogueira, António Manuel Pinto, António Fazendeiro, Elvira Hugon, Marques dos
Santos, Renato Feitor, Jorge Guerreiro, São Pedro Ramalhete, Alípio Santos, Augusto
Mateus, Lopo do Nascimento, Ana Dias Lourenço, Pedro Luís da Fonseca, Flávio
Couto, José Pedro de Morais Júnior, Peres do Amaral, Fernando Pacheco, Dom
Damião Franklim, Emmanuel Carneiro, Emílio Grion, Justino Pinto de Andrade e Adérito
Correia.

Como nota final sublinho os meus profundos agradecimentos ao Dr. Amadeu Maurício,
Governador do Banco Nacional de Angola, pelo pronto patrocínio concedido à
publicação deste livro.

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CAPÍTULO UM – A GLOBALIZAÇÃO ECONÓMICA: DESAFIOS E REALIDADES

1.- A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA ECONOMIA


2.- OS PROBLEMAS DECORRENTES DA MUNDIALIZAÇÃO DA ECONOMIA
3.- CONCEITOS E REALIDADES DA NOVA ECONOMIA E A SUA INCIDÊNCIA EM ANGOLA
4.- OS PARADOXOS DA AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO
5.- O ESTADO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NO MUNDO
6.- PORQUE OS AFRICANOS DESCONFIAM DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL

1.- A EMERGÊNCIA DE UMA NOVA ECONOMIA


(Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado” nº 3 de Setembro de 2000)

O comportamento da economia americana de há mais de 10 anos a esta parte tem


dado origem a um importante debate teórico sobre a emergência duma Nova Economia
que aparentemente põe em causa e suscita uma discussão aberta sobre alguns dos
fundamentos mais sagrados da ciência económica.

A contradição entre menos inflação e mais emprego decorrente do teorema de Philips


está em discussão aberta nos Estados Unidos e um pouco por todo o mundo
capitalista5. O estímulo da procura agregada (modelo keynesiano) pode induzir o
crescimento e o emprego e reduzir o desemprego, mas eventualmente encontra limites
ditados pela inflação (desvio salários-produtividade) e pelo desequilíbrio externo
(exportações inferiores às importações). Inversamente, a travagem da procura
agregada (modelo neoclássico em que assentam as propostas de política económica do
Fundo Monetário Internacional) permite controlar a inflação e limitar o défice externo,
mas a custo dum agravamento do desemprego e duma redução do crescimento.
Aparecem nítidas as arbitragens a fazer entre menos inflação e mais desemprego ou
mais inflação e menos desemprego, sendo a primeira a mais fortemente defendida no
modelo de política económica do Fundo Monetário Internacional - não se pode
“comprar” de forma duradoura menos desemprego com mais inflação. Naturalmente
que na prática da política económica e do crescimento os limites não se apresentam tão
rigorosos e imperativos.

A “performance” da economia americana (medida pelos valores das taxas de inflação,


desemprego e crescimento) parece querer desmentir aquelas arbitragens: mais de 100
meses consecutivos de expansão económica (4,1% em 1999 e uma média de 2,8% nos
últimos quatro anos), o desemprego estabilizado na faixa dos 4% da população activa, a

5
A.W. Philips pertenceu à escola neokeynesiana e adquiriu notariedade quando publicou, em 1958, um
artigo intitulado “The Relation Between Unemployment and the Rate of Change of Money Wages in the
United Kingdom, 1861-1957” na Revista Economic Journal. Neste seu estudo, Philips detectava
empiricamente a existência duma relação inversa entre a taxa de crescimento dos salários nominais e a taxa
de desemprego. Todos os bons manuais de Macroeconomia contêm capítulos dedicados ao estudo da Curva
de Philips, valendo a pena conhecer os fundamentos e os desenvolvimentos desta formulação teórico-
empírica.

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inflação abaixo dos 2% ao ano, os salários com crescimentos reais positivos, os


investimentos em equipamentos a crescerem a uma cadência de 12% ao ano desde
1993 e um excedente orçamental superior a 100 mil milhões de dólares.

O que aparentemente era impensável há alguns anos atrás torna-se agora viável,
inflação e desemprego em queda. As causas que os especialistas apontam são várias.
Do lado do desemprego, além de algumas tendências demográficas regressivas,
menciona-se o aumento da eficiência do mercado laboral, a maior flexibilidade para os
empregadores e os melhores serviços de colocação - numa palavra, maior
transparência do mercado de trabalho. Do lado dos preços, o dólar forte tem sido muito
útil ao tornar mais baratas as importações e aumentar os índices de confiança na
economia, mas ressaltam outros factores, como a existência de alguma capacidade
produtiva ociosa - apesar da baixa do desemprego - e o surpreendentemente forte
crescimento da produtividade. O seu crescimento foi de 2% ao ano nos últimos quatro
anos e de 2,8% em 1999.

Estas são, para já, as razões que levam alguns cientistas a questionar se não se estará
em presença duma Nova Economia. Talvez que o tempo decorrido em que se
verificaram comportamentos aparentemente contraditórios dos modelos e das teorias
seja suficiente para se levarem estas alterações a sério, mas seguramente insuficiente
para se considerar que a situação é diferente, a ponto de se questionarem as teorias.

Como quer que seja, o comportamento da economia americana fornece elementos


importantes de reflexão sobre o liberalismo económico e a abertura das economias.
Evidentemente que as conclusões sobre as suas virtualidades são discutíveis,
sobretudo perante experiências de sucesso económico num quadro um pouco diferente,
muito embora mantendo-se os fundamentos da economia de mercado (na óptica de
muitos analistas a solução para a pobreza e o subdesenvolvimento). Com efeito, os
países do sudeste asiático podem ser vistos como exemplos de grande sucesso
económico, sem os exageros do fundamentalismo liberal. A Malásia, por exemplo, há já
bastante tempo que deixou de ser um país subdesenvolvido, à semelhança, de resto,
de outros seus vizinhos, como a República da Coreia, a Tailândia, Singapura, Formosa
e a Indonésia. A sua economia desde 1970 vem registando um crescimento económico
médio anual entre 7% e 8% - o que significa que até 1998 o seu Produto Interno Bruto
foi multiplicado por 8,6 vezes - com um destaque para o sector da indústria
transformadora, cujo crescimento médio anual e no mesmo período tem ultrapassado
os 10% ( o que permitiu passar de 5% para 25% a taxa de absorção de emprego
industrial e acrescer a participação industrial no PIB para mais de um terço). Entre 1987
e 1995 o rendimento per capita da população de cerca de 20 milhões de pessoas
duplicou para 4000 dólares americanos anuais. Até 2020, se os planos do Governo
resultarem, o rendimento médio deverá quintuplicar e, assim, atingir o nível dos Estados
Unidos.

Qual o modelo de organização e de funcionamento da economia que tem permitido


semelhantes performances? Em princípio, parece que este “boom” asiático pouco terá a
ver com o “laissez-faire” da maioria dos países da OCDE. Os países que agora
prosperam no Extremo Oriente apostam, sem excepção, num modelo onde o papel
orientador do Estado na economia é determinante em todos os níveis do seu
funcionamento. Enquanto nos antigos países prósperos se tem vindo a propagar a
crescente retirada do Estado e é dado mais espaço às forças do mercado, nos novos
países prósperos pratica-se exactamente o contrário. Os estrategas das empresas

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multinacionais que na Europa e nos Estados Unidos se insurgem veementemente


contra qualquer atitude intromitora do Estado nas suas decisões de investimento,
submetem voluntariamente, na Ásia, as suas propostas de biliões de dólares
americanos às orientações dos planos nacionais. De facto, estes países continuam a
sujeitar as suas economias a planos nacionais de desenvolvimento de médio e longo
prazo, no contexto dos quais se procura proteger a estrutura produtiva interna a ataques
de competitividade externa, nomeadamente em sectores ou ramos de actividade cujas
empresas nacionais sejam demasiado fracas para a concorrência internacional. E esta
defesa tem sido feita de modos distintos, ou pela via dos direitos de importação e
determinadas regulamentações técnicas, ou, então, pelo fomento deliberado das
exportações através de enormes despesas em infraestruturas, da manipulação da
política cambial, de isenções fiscais e, principalmente, duma Administração do Estado
transparente e altamente eficiente. A integração destas economias no mercado mundial
não é tida como um alvo, mas um meio de que se têm servido cuidadosa e
ponderadamente.

Um outro país de quem se espera uma explosão semelhante já no decurso desta


década do novo século é a Índia. Este país, deste a sua independência em 1950,
realizou progressos espantosos nos domínios estruturalizantes do desenvolvimento,
como a ciência, a agricultura tecnológica, as telecomunicações, a universalização da
educação e o aprofundamento da democracia. Se as reformas económicas de mercado,
iniciadas em princípios de 90, continuarem o seu ritmo e mantiverem a sua
adequabilidade às características sociais do país, a Índia será uma das economias com
crescimento rápido nos próximos anos e uma das localizações preferidas para o
investimento estrangeiro. Da mesma forma que a China explodiu nos anos 80, a índia
poderá fazê-lo na primeira década deste novo século, com uma provável duplicação do
produto interno bruto per capita em 2010 ( o que exigirá um crescimento económico
líquido de influências demográficas de pelo menos 7% ao ano).

Enquanto isso - ou seja, enquanto o outro mundo se desenvolve - Angola só agora


parece começar a reunir as condições extra-económicas básicas para poder pensar em
estruturar o seu progresso social. Uma delas é a finalização do conflito militar ou, no
mínimo, a sua circunscrição a zonas/regiões marginais e periféricas do país, sem
importância de maior para a localização das actividades económicas. Penso que a
estratégia militar está a cumprir o seu papel, qual seja, devolver à sociedade civil um
território liberto de acções militares. É fundamental agora que a política e os políticos
exerçam o seu, porquanto a reconquista para a paz do território e das suas populações
é apenas uma condição necessária. As condições suficientes terão de ser criadas pela
diplomacia, pela política económica, pela democracia interna e pela reconciliação
nacional.

Uma outra condição importante para o futuro é a que se está a arquitectar em torno da
nova Constituição. Todos os partidos políticos e a população em geral considera este
assunto como determinante. Por isso é que a sua discussão leva muito tempo - até ao
momento já quase um ano e só se espera finalizá-la próximo do final do corrente ano -
porque são fundamentais os consensos. É um documento que tem de merecer o
consenso nacional: todos têm de se rever na Constituição da Nação, de modo a
defendê-la onde quer que seja e em quaisquer circunstâncias.

Existe, porém, um outro aspecto tão determinante para o futuro dos angolanos como o
anterior, mas que não está a merecer a atenção devida. A reconstrução económica e o

12
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

desenvolvimento - fundamentais para que a paz se estabeleça e a reconciliação se


efective - deveriam ter um tratamento semelhante ao da Constituição. Enquanto que os
trabalhos sobre a Constituição demoram quase 18 meses, os programas económicos
são elaborados, discutidos e aprovados em dois meses. O projecto de desenvolvimento
económico e de progresso social deve, à semelhança da Constituição, ser um projecto
de consenso nacional. A reconstrução e o desenvolvimento dos próximos 20 anos
devem ser considerados como um assunto de Estado (ou da Nação) e não uma mera
questão de disputas eleitorais. Um projecto nacional suficientemente confiável para que
os agentes institucionais públicos e privados lhe dediquem trabalho, investimento e
sabedoria. Não creio que o recente Acordo Monitorado assinado com o Fundo
Monetário Internacional seja o elemento aglutinador para um projecto económico de
consenso nacional.

Na verdade, as experiências conhecidas apontam nesse sentido. Durante muitos anos


que muitos países africanos e latino-americanos seguem obedientemente os conselhos
do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e até mesmo da Administração
norte-americana (que domina aquelas instituições). Privatizaram a maior parte das
empresas públicas industriais, agrícolas e de serviços, reduziram direitos alfandegários,
cortaram as despesas públicas, desvalorizaram as suas moedas, liberalizaram todos os
mercados internos, abriram o país ao exterior e até permitiram que determinados
assuntos estratégicos fossem objecto de intromissão externa. Os resultados de toda
esta política são muito contestados, quer pela população e as suas organizações
representativas, quer por intelectuais de renome. Certamente que um projecto
económico estruturado na base de um ou mais acordos com o Fundo Monetário
Internacional não tem condições para ser nacional, nem características para ser de
consenso.

A questão do salário mínimo pode servir de exemplo. O modelo do FMI, como se sabe,
é avesso a todas as formas de regulamentação dos mercados. O estabelecimento dum
salário mínimo viola, no seu entendimento, as condições de oferta e procura do
mercado de trabalho, as únicas que devem concorrer para o estabelecimento dos seus
preços. Contudo, o salário mínimo é, neste momento, uma matéria de consenso
nacional entre trabalhadores, empresários e o Estado, que pode vir a ser violado se o
Fundo exigir o cumprimento rigoroso da ortodoxia económica neoclássica.

Mas apesar de consensual, este assunto não deixa de estar recheado de muitas ideias
feitas, mormente quanto ao montante que costuma ser reivindicado. O meu ponto de
partida é o seguinte: os actuais níveis salariais não são condizentes com a dignidade
dos trabalhadores, nem suficientes para induzirem uma procura interna privada
suficientemente motivadora do investimento privado. No entanto e apesar desta
constatação irrefutável, os salários não podem ser indiscriminadamente aumentados,
desrespeitando-se os limites impostos pela produtividade e pelos seus ganhos ao longo
do ciclo económico.

O cálculo da produtividade económica geral pode, aproximativamente, basear-se numa


fórmula em que se correlacione esta variável com a taxa de emprego, o PIB por
habitante e um factor demográfico, que via de regra é a taxa de actividade.

Os valores dessas variáveis para 1999 foram, aproximadamente, de $472,42 para o


PIBpc, de 60% (?) para a taxa global de emprego e de 50%(?) para o factor

13
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

demográfico (peso da população em idade activa na população total, considerada de 12


milhões de cidadãos).

Chegou-se então, a uma valor aproximado para a produtividade económica de $1574,7


considerando, já, o sector de tecnologia de ponta da extracção de petróleo.

Se forem consideradas determinadas proporções de repartição da produtividade entre


rendimentos do trabalho - 60% ou 75% - e do capital (remuneração do risco empresarial
incluída) - 40% ou 25% - o salário médio mensal máximo praticável neste momento na
economia nacional não poderá situar-se fora do intervalo $72,32 - $91,94. Estes limites
provam que:
 a situação existente é verdadeiramente dramática;
 a produtividade é um elemento crucial para o financiamento não inflacionista
dos salários (incrementos ou fixação dum salário mínimo nacional);
 a tão justamente reivindicada valorização do salário nacional tem de começar
pela estabilidade dos preços em níveis baixos;
 a recuperação em moldes eficientes da economia não petrolífera tem de
começar imediatamente, de modo a que os aumentos de produção e de
produtividade associados que se venham a operar possam ser utilizados
para melhorar os salários dos trabalhadores ( provavelmente a criação de
novos postos de trabalho terá de ficar adiada por algum tempo).

O Estado pode ajudar a melhorar os níveis de produtividade nacionais, actuando nos


domínios seguintes: investimentos nos sistemas de prestação de cuidados primários de
saúde; investimentos nos sistemas de distribuição e fornecimento de electricidade e
água; investimentos no sistema e nas capacidades de formação e de educação;
investimentos nos sistemas de transportes e comunicações; investimentos em ciência e
tecnologia (só depois de algum tempo é que resultarão em melhorias concretas na
produtividade); manutenção dum ambiente macroeconómico de transparência e de
fomento da competitividade; asseguramento da disciplina orçamental.

2.- OS PROBLEMAS DECORRENTES DA MUNDIALIZAÇÃO DA ECONOMIA


(Comunicação apresentada no Seminário de lançamento do livro “Angola – PME e Relações
Comerciais com Portugal”, Luanda, 21 de Julho de 2000. Alguns aspectos deste artigo foram
especificamente actualizados em notas de rodapé para efeitos de edição deste livro).

A primeira ideia – em jeito de pergunta - que me surge ao pensar um pouco no tema


que me foi proposto para este seminário é, parafraseando o título de um filme famoso,
“quem tem medo da mundialização da economia”? Suponho que a resposta mais
imediata é no sentido de serem os países e as economias mais fracas e menos
estruturadas que devem ter medo da mundialização. No entanto, não é bem assim.
Parece-me que uma das mais graves consequências que a mundialização da economia
tem trazido para os países mais desenvolvidos é a exclusão social e o desemprego.

Por outro lado, creio que se transformou num lugar comum a afirmação de que
devemos estar preparados para a mundialização da economia, sobretudo no sentido de
os países tirarem deste movimento “espontâneo?” de reorganização do mercado
mundial as máximas vantagens. Só que e pelas informações diárias que nos chegam
sobre fusões empresariais, despedimentos, redução dos níveis médios dos salários,

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falências de empresas, etc., parece que os países da periferia do sistema mundial de


mercado se deverão sobretudo preparar para amortecer a exclusão social e o
desemprego que os poderão gravemente afectar.

Dentre as tendências observadas ao nível da economia mundial a mais destacável no


momento actual é a do crescimento mais acentuado do comércio internacional
relativamente à produção mundial. Os mercados nacionais (internos) cedem,
progressivamente, lugar ao mercado mundial (global) e o comércio internacional entre
os países deixa de assentar nas diferenças nacionais de recursos ou de factores, para
dar lugar a um novo tipo de comércio em que as semelhanças são um factor de
intensificação das trocas. É o comércio intra-ramos – que se estabelece entre países de
níveis iguais de rendimento por habitante e de dotação de factores – a ganhar terreno
em desfavor do comércio tradicional inter-ramos, entre países com níveis de
desenvolvimento diferenciados.

Ao mesmo tempo assiste-se a uma elevada concentração do comércio entre países


industrializados e nos produtos transformados, em prejuízo das trocas com os países
menos desenvolvidos. No mesmo sentido se observa a perda de importância dos
“velhos países industriais” nas exportações mundiais, a favor das economias neo-
industrializadas do sudeste asiático. Em termos de geografia do comércio internacional
a tendência do comércio é para a sua localização em torno de três eixos: União
Europeia, Estados Unidos e Japão/Ásia do sudeste.

Concomitantemente, nas duas últimas décadas assistiu-se a uma verdadeira explosão


nos movimentos internacionais de capitais, traduzidos nos investimentos estrangeiros
directos, nos empréstimos internacionais e nas operações financeiras especulativas
(cambiais e bolsistas).

Do mesmo modo, as empresas transnacionais multiplicaram-se e agigantaram-se,


dominando, por completo, o espectro da produção e do comércio mundiais, os
processos de deslocalização dos processos de produção, das grandes fusões
empresariais (fugindo às regras da concorrência para se refugiarem em mercados de
concorrência monopolística) – com consequências evidentes sobre o desemprego – e
da concentração do poder económico acentuaram-se, reduzindo, em decorrência, a
capacidade de influência das políticas nacionais.

Na verdade, a mundialização da economia é um facto, que deverá acentuar-se neste


primeiro século do terceiro milénio. Seguramente que tenho de reconhecer que este é o
sentido da evolução económica – muito embora diversos cientistas sociais duvidem,
seriamente, de que esta reestruturação da economia mundial seja, de facto e apenas,
um produto das forças espontâneas do mercado – mas entendo, também, que nem tudo
tem sido um mar de rosas, e por isso a minha intervenção vai no sentido de destacar
alguns, dos muitos, aspectos negativos da mundialização.

Segundo estudos dos mais proeminentes economistas e “capitães de indústria” norte-


americanos e europeus, no próximo século, para que a actividade da economia mundial
seja mantida, dois décimos da população activa serão suficientes. Ou seja, um quinto
dos candidatos aos postos de trabalho bastará para produzir todas as mercadorias e
para garantir as prestações de serviços de grande valor de que a sociedade mundial
pode gozar. Estes dois décimos da população participarão, assim, activamente na vida,
nos rendimentos e no consumo – seja em que país for. Será possível imaginar que 80%

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das pessoas que desejem trabalhar não vão encontrar emprego? “Sem dúvida que
esses vão ter problemas consideráveis” é, pelo menos, o que afirma Jeremy Rifkin6 no
livro “The end of Work”. O modelo mundial do futuro baseia-se na fórmula um
quinto/quatro quintos7.

Violentas rupturas relacionadas com o emprego estão a ocorrer em ramos e sectores de


actividade que, até há bem pouco tempo, prometiam aos seus trabalhadores
colocações vitalícias, independentemente dos altos e baixos da conjuntura mundial. Os
empregos de uma vida inteira tornaram-se biscates, e quem ainda ontem tinha uma
profissão de futuro pode agora ver as suas capacidades transformadas num saber inútil.
A aparatosa diminuição do emprego ameaça agora não só os bancos e as companhias
de seguros, como as empresas de telecomunicações e de electricidade, as companhias
de aviação, os Correios, a Função Pública, etc.

Quando os economistas e os políticos avançam explicações sobre esta extraordinária


queda do emprego, todas elas culminam numa única expressão: mundialização da
economia. As altas tecnologias de comunicação, o baixo custo dos transportes e o
comércio livre ilimitado transformaram o mundo inteiro num mercado único8. Estes
factores criaram uma concorrência global exacerbada, inclusivamente no mercado de
trabalho. As próprias economias mais avançadas – EUA, Alemanha, Japão, etc. –
apenas conseguem criar novos postos de trabalho nos países estrangeiros, onde o
custo da mão-de-obra é menor9.

A integração global e a mundialização andam de par com o neoliberalismo, que na sua


tese fundamental sustenta que o mercado é bom e as intervenções do Estado más:
desregulamentação em vez de supervisão do Estado, liberalização do mercado e da
circulação de capitais e privatização das empresas nacionalizadas, são estas as armas
estratégicas com que a doutrina da mundialização se apresenta e que praticamente
todas as economias do mundo têm de seguir para serem competitivas.

6
Uma das suas afirmações mais contundentes é a de que até 2010 o desemprego mundial aumentará, no
mínimo, 15%.
7
O sistema de emprego pelo qual as vagas extintas são repostas com vantagem parece estar definitivamente
esgotado. Há sinais claros de que a economia mundial começa a destruir empregos num ritmo mais intenso
do que é capaz de criar.
8
O crescimento da produtividade é uma das justificações. Em 1980, a indústria automóvel tinha um
empregado para cada 15 carros produzidos. Em 2000 a relação é de um para 100. No sector têxtil, um
empregado produzia 7 toneladas de tecido por ano em 1991, e hoje a “ratio” é de um para 30. As
companhias aéreas conseguem transportar duas vezes mais passageiros do que há vinte anos atrás, sem
contratarem um só empregado. O desafio das empresas é de vida ou morte. As que não aumentarem a
produtividade quebrarão e o preço social será o despedimento em massa dos trabalhadores. As que
conseguirem ganhos de produtividade poderão conter uma parte da sua força de trabalho. Ou seja, até
mesmo a prosperidade passa pelo desemprego. O desemprego parece ter estabelecido uma relação de
convivência amigável com o crescimento económico.
9
Tem-se verificado a existência de um fluxo migratório de empregos dos países ricos rumo aos países
pobres. Estima-se, por exemplo, que nos próximos cinco anos, 3,3 milhões de empregos poderão ser
eliminados nos EUA e transferidos para os países em desenvolvimento (para os defensores da globalização
sem limites esta é uma das suas vantagens). Existe nos Estados Unidos da América uma corrente que
defende no Congresso a ideia de obrigar as empresas a produzir bens que incorporem pelo menos 70% de
mão-de-obra americana.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Os pactos sociais - que conduziram a que, por exemplo, na Europa, se tivesse


constituído um Estado Social - que lutavam contra as desigualdades sociais,
organizando uma distribuição da riqueza de cima para baixo, estão a desaparecer face
à mundialização da economia. Julgo que os ainda defensores do Estado Social se
batem por uma causa perdida, uma vez que por todo o lado – o FMI encarrega-se de o
garantir nas economias menos desenvolvidas – a palavra de ordem face à
mundialização é a de baixar os salários, diminuir as despesas do Estado, suprimir
abonos e subsídios, despedir trabalhadores, numa palavra, criar todas as condições
para se “aguentar” a concorrência internacional.

As novas políticas de emprego apenas disfarçam uma nova forma civilizacional já a


despontar e na qual desempenhará funções apenas uma pequena percentagem da
população do globo terrestre. Julgo que o desemprego vai deixar de constituir problema,
porque o emprego deixará de ser conceito e realidade concreta. O conjunto de seres
humanos é cada vez menos necessário para o reduzido número de pessoas que
modelam a economia mundial e detêm o poder. Ou seja, a exploração que foi a
característica essencial do capitalismo tradicional, está a dar lugar à exclusão de uma
parte da força de trabalho do processo mundial de produção. A não resolução do
problema do desemprego tem dado origem a um comportamento social de menor
consideração da parte de quem tem emprego e trabalho. Este subgrupo populacional
apercebe-se cada vez menos do outro, ao ponto de o considerar socialmente excluído.
No entanto, o submundo dos desempregados está bem presente, tão incluído na
sociedade que incomoda. Pior do que a exploração é a ausência de exploração por falta
de trabalho.

Neste mundo cada vez mais global, a preocupação pelo desemprego não é real. Porque
as políticas aplicadas para o tentar resolver não têm levado em consideração o facto de
se estar na eminência duma nova forma civilizacional10, preocupando-se, tão somente,
com o facto de os desempregados serem potenciais consumidores e efectivos eleitores.
A mobilização dos políticos à volta do problema do desemprego tem decorrido,
sobretudo, da pressão do actual sistema de produção mundial sobre a necessidade de
crescimento dos lucros por intermédio da multiplicação do consumo. Um modelo que
tem sido publicitado como de resolução do problema do desemprego é baseado na
metamorfose de empregados em trabalhadores por conta própria11. Milhões de antigos
empregados desempenham hoje em dia as mesmas funções de outrora – tais como
especialistas informáticos, investigadores de mercado, acompanhamento de clientes –
mas são pagos à peça ou através de contratos esporádicos. Com a aparente autonomia
dos trabalhadores, o número de trabalhadores em part-time e trabalhadores
emprestados também subiu em flecha. Paralelamente à produção just-in-time (produção
por encomenda), o mercado mundial acaba de inventar o trabalhador just-in-time, o
empregado à espera de ser chamado, antigamente conhecido por jornaleiro12.
10
Celso Furtado em muitos artigos de opinião vem-se referindo a esta crise de civilização, mais do que uma
crise de modelo de desenvolvimento (leia-se crise do capitalismo). Ver Celso Furtado, “Em Busca de Novo
Modelo – Reflexões sobre a crise contemporânea”, Editora Paz e Terra, 2002.
11
Um dos articulistas da Revista Ícaro da VARIG (passe a publicidade) afirmava – para o caso brasileiro –
que os desempregados devem deixar de procurar trabalho e passarem a demandar clientes. Uma alusão
clara à dificuldade de criação de empregos neste grande país e à necessidade das pessoas se preocuparem
em arranjar profissões e actividades por conta própria.
12
Esta metamorfose também pode ser analisada no sentido da separação conceitual entre emprego e
trabalho. É hoje mais fácil arranjar trabalho – principalmente do tipo temporário – do que um emprego
formal e permanente.

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Até onde será possível privar todos os anos milhões de cidadãos do seu emprego e de
todos os benefícios sociais daí decorrentes? Contrariamente ao que se passa na lógica
das estratégias das grandes multinacionais e dos poderosos grupos económicos, nas
sociedades dotadas de uma constituição democrática não existe o “surplus people”, ou
seja, cidadãos excedentários, inúteis e derrotados. Esta exclusão poderá ter
consequências dramáticas. Desde há algum tempo que milhões de cidadãos, excluídos
e desestabilizados, procuram refúgio na xenofobia, no separatismo, no afastamento
relativamente ao mercado mundial. Como o cisma económico da sociedade se agrava,
milhões de pessoas desestabilizadas e excluídas procuram, cada vez mais
frequentemente, a sua salvação política na separação e na demarcação. Ao longo dos
últimos anos dezenas de novos Estados foram integrados nos mapas do mundo. Muitos
povos da Europa – em particular da Europa Central e de Leste - lutam pela sua
identidade, sendo curioso verificar que em Estados aparentemente consolidados como
a Itália aparecem movimentos a reivindicar a independência da parte norte do país (Liga
do Norte, encabeçada por Umberto Bossi a exigir a independência da Padânia). Surge,
assim, neste contexto, uma dialéctica Unidade-versus-Identidade, que poderá ter
consequências dramáticas em África.

Não é apenas no domínio do emprego que vale a pena reflectir sobre o fenómeno da
globalização da economia. As empresas transnacionais têm conseguido, sobretudo na
última década, arrastar os Estados nacionais para uma autêntica competição entre
sistemas fiscais. Para além da política monetária, do regime de taxas de juro e de taxas
de câmbio, outro elemento central da soberania das Nações está, a pouco e pouco, a
dissolver-se na economia transnacional: a autoridade fiscal. Os governos
democraticamente eleitos deixaram de decidir sobre o nível de tributação, passando a
ser os próprios dirigentes dos fluxos internacionais de capitais e de mercadorias que
determinam o valor da contribuição que estão dispostos a dar para que os Estados
realizem a missão de que estão incumbidos. Os Estados e as regiões que desejem
tornar-se num ponto de implantação dos investimentos transnacionais têm de
desembolsar muito dinheiro a título de subsídios, de isenções fiscais, de facilidades de
infraestruturas, de compensações várias a fundo perdido, etc., ou seja, são, afinal, os
cidadãos, através dos impostos entregues ao Estado, que acabam por subsidiar essas
actividades. Normalmente o peso fiscal que os contribuintes dos Estados receptores
dos investimentos transnacionais têm de suportar ronda, em média, um terço do seu
valor total. Mas existem casos em que esta percentagem é mais elevada, como em
Portugal com o projecto Ford-Volkswagen (mais de 35% do investimento total teve o
Estado português de desembolsar a título de apoios fiscais e subsídios diversos), no
Estado norte-americano do Alabama, relativamente pobre, a Mercedes-Benz pagou
somente 55% das despesas totais de construção de um novo complexo fabril e na
Tailândia, em que a General Motors conseguiu um perdão fiscal por um período de 10
anos.

Esta corrida aos subsídios, isenções fiscais, compensações aduaneiras, etc., revela até
que ponto a política interna e os governos se perderam no labirinto da economia global.
A pressão da competição internacional leva os governos a proporem vantagens
financeiras que nenhum critério objectivo pode justificar. Contudo, obrigados a
apresentar aos seus eleitores acções concretas contra o desemprego, os políticos
encarregados de levar à prática a integração no mercado mundial deixaram de
compreender que, ao procurarem atrair as empresas transnacionais a preços de ouro,
não fazem mais do que prejudicar a longo prazo as empresas dos seus próprios países.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Devastando os orçamentos para que se conserve a parte nacional do bolo económico


mundial, fazem com que os seus Estados entrem numa lógica que prejudica a
economia nacional e põe em causa o papel do Estado – que, de resto, na perspectiva
do Instituto para a Economia Mundial de Kiel, na Alemanha, deve passar a ser de
simples hospedeiro da economia transnacional.

Os defensores da economia sem fronteiras acreditam que esta integração mundial é um


processo natural e sem recuo: “a competição na aldeia global é como uma grande
cheia: ninguém lhe consegue escapar” e “o vento da competição transformou-se numa
tempestade e o verdadeiro furacão está para chegar” são frases atribuídas aos
fundamentalistas da globalização.

No entanto, outras correntes não partilham desta “mão invisível do mercado mundial”,
argumentando que a integração da economia para além de todas as fronteiras não é, de
forma alguma, determinada por qualquer lei natural da economia ou por um progresso
técnico linear que irrompe e perante o qual não há qualquer alternativa. Ela é, sim, o
resultado de políticas governamentais conscientemente conduzidas durante décadas
pelas nações ocidentais industrializadas.

3.- CONCEITOS E REALIDADES DA NOVA ECONOMIA E A SUA INCIDÊNCIA EM ANGOLA


(Comunicação apresentada ao Fórum da Francofonia realizado pela Alliance Française em Luanda
em 21 de Março de 2001)

Não é fácil abordar um tema tão rico e tão desafiador quanto o é o da Nova Economia
em apenas 30 minutos. No entanto, a organização deste Fórum impõe este limite de
tempo, pelo que me pareceu que a melhor forma de o abordar era dividi-lo em dois
pontos.

A.- O QUE É DE FACTO A NOVA ECONOMIA

A Nova Economia está indissociavelmente ligada à performance económica patenteada


pelos Estados Unidos durante o período 1990-2000. Apesar de muitos analistas como
Reinaldo Gonçalves (professor titular de Economia Internacional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro) reconhecerem que o sistema capitalista liderado pela maior
potência económica mundial ter apresentado, durante os últimos 25 anos, um
desempenho bastante inferior ao de outros ciclos de expansão económica como os de
1870-1913 e 1950-1973, a verdade é que todos se espantam perante o que se tem
vindo a passar na economia americana.

Falar de Nova Economia é, essencialmente, falar da realidade norte-americana. Os


Estados Unidos descolaram de todas as economias desenvolvidas, mormente da União
Europeia e do Japão, e ao contrário do discurso da teoria da globalização, não há
convergência entre estas economias, apesar de toda a liberdade de circulação de bens,
serviços e capitais.

Ainda que falar da Nova Economia seja circunscrevê-la, sobretudo, aos Estados
Unidos, do que é que se está realmente a falar?

19
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Da economia do imaterial, em que a produção de saber e a reprodução dos


conhecimentos aparecem como os factos essencialmente novos deste começo de
milénio? A economia do imaterial é, talvez, a única que se apresenta com rendimentos
à escala crescentes - quanto mais são utilizados os recursos humanos qualificados,
mais crescem os rendimentos que deste factor se retiram - resolvendo, assim, a
contrariedade da lei dos rendimentos marginais decrescentes, uma das causas dos
ciclos económicos. Como o facto central da Nova Economia se relaciona com os
extraordinários ganhos de produtividade, parece à primeira vista, que falar de Nova
Economia é falar da economia do imaterial.

Mas provavelmente não é suficiente. Estamos ou não perante uma revolução no


pensamento económico neste dealbar do novo milénio? A Nova Economia existe
mesmo? Os factos que ocorrem nas economias mais desenvolvidas do mundo,
nomeadamente nos Estados Unidos da América, são suficientes para contrariarem
teorias económicas estabelecidas?

De um lado, há os que garantem que as leis económicas, tal como as conhecíamos até
agora, estão definitivamente postas em causa. Inflação, desemprego, crescimento e
ciclos já não são o que eram. Os ganhos de produtividade têm sido espectaculares,
graças ao computador e às novas tecnologias da informação, que por seu turno têm
ocasionado grandes vagas de inovações tecnológicas e de organização (a nova forma
de funcionar da actividade económica está assente na rede e na contenção de custos).

Do outro lado, estão os que entendem que o que se está a passar não é nada de
essencialmente novo, nem muito menos estruturante, à excepção do B2B (business-to-
business), o qual traduz o comércio por computador entre as empresas em sectores
como a química, os veículos motorizados, o equipamento industrial e de alta tecnologia.
Os computadores são, na verdade, reconhecidos como os principais responsáveis pelos
extraordinários ganhos de produtividade, sublinhando-se que o seu preço, corrigido pela
qualidade, caiu 90% na década de 90.

Entre os que entendem que não se está a passar nada de estruturalmente novo
encontra-se Paul Samuelson, que inclusivamente defende a urgente necessidade de
um arrefecimento da economia norte-americana. O seu raciocínio tem como fio
condutor o comportamento altista da bolsa de Wall Street. Apesar de as cotações terem
descido a partir de Março de 2000 – tanto as das empresas tecnológicas e de internet,
como as da velha economia – Samuelson ainda considera que o seu valor não reflecte
a verdadeira situação económica e financeira das empresas, pelo que é melhor, desde
já, provocar um certo arrefecimento da economia, do que vir-se a estar confrontado com
algum choque recessivo no futuro, justamente derivado do arrebentamento da “bolha”
bolsista. O arrefecimento da economia norte-americana já começou a ser tentado
através da elevação dos níveis das taxas de juro, determinado pela política da Reserva
Federal comandada por Alan Greenspan. As autoridades do Banco Central mais
poderoso do mundo estão a levar a sério aquilo que o seu presidente qualifica de
“exuberância irracional”, que, em termos práticos significa um receio que Wall Street – e
Francoforte, Londres e Tóquio – não resistam à exagerada sobreavaliação das acções
e a “bolha” rebente.

A necessidade de aumento das taxas de juro está, também, a ser sentida pelo Banco
Central Europeu, muito embora neste caso não seja apenas o fenómeno da “bolha”
bolsista a determiná-la, mas também a imperiosidade de se defender o euro perante os

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

ataques cambiais do dólar norte-americano. Acredita-se, do mesmo modo, que o Banco


Central japonês inicie uma política monetária vigorosa, pondo fim ao período de taxas
de juro nulas (com tão maus resultados em matéria de ultrapassagem da crise
económica, dada a avalancha de falências que o dinheiro fácil e barato tem vindo a
provocar).

Samuelson pretende que a aterragem da economia americana seja suave (“soft


landing”). Em vez de o PIB da maior economia do mundo continuar a apresentar um
ritmo de crescimento anual entre 4,5% e 7,0%, passe para um comportamento mais
alisado e em torno dos 2,5% a 4%. Segundo este ponto de vista, este seria um
comportamento ainda mais notável do que o registado entre 1970 e 1990 e a América
continuaria a representar um bom mercado para as exportações europeias e asiáticas
(quanto maior a taxa de crescimento económico dum país, maiores as necessidades de
importação). Para mais, quando os sintomas de inflação recomeçam, em todos os
mercados (no mercado de bens e serviços com a subida dos preços e no mercado de
trabalho com a elevação dos salários), aquelas taxas de crescimento são suportáveis
pelos ganhos de produtividade do final dos anos 90 e que se ficaram a dever às
acelerações schumpeterianas na tecnologia dos computadores, nas telecomunicações
e internet, nos semicondutores e na biotecnologia.

E ao que parece os resultados registados pela economia norte-americana em Abril e


Maio dão razão a estes pontos de vista: as vendas de automóveis enfraqueceram, tal
como as vendas do comércio a retalho e a taxa de desemprego terá aumentado de
3,9% para 4,1% (porém, uma redução para 4% em Junho).

Mas como é que se pode aceitar esta posição da necessidade de arrefecimento desta
economia, justamente quando o que um país mais precisa é de crescimento económico
e de redução do desemprego? É neste contexto que emergem as contradições entre os
especuladores bolsistas e os operadores da economia real. Estes estão,
evidentemente, interessados em que as economia cresçam e o desemprego diminua.
Os especuladores financeiros, pelo contrário, estão interessados em que a economia
arrefeça por si própria, com receio de que a política monetária altere as taxas de juro,
no sentido da sua elevação.

Só que está-se perante um efeito-boumerang: cada enfraquecimento da taxa de


crescimento da economia real tem como resultado uma redução das expectativas de
lucros e de crescimento destes. Cada vez que uma empresa anuncia uma queda dos
lucros ou uma revisão em baixa das expectativas dos mesmos resulta numa quebra
acentuada no preço das respectivas acções – quedas de 10% ou 20% deixaram de ser
raras. Acresce que é perfeitamente possível uma convergência entre uma
desaceleração do crescimento e uma baixa das cotações das acções.

Há, ainda, uma abordagem da Nova Economia que a entende como o final do ciclo
económico. Não existem, como é evidente, grandes certezas. Na Tríade predomina a
tese da dessincronia dos ciclos: os EUA em situação ascendente, o Japão numa fase
recessiva do ciclo e a União Europeia preocupada com a convergência cíclica interna.

Uma última posição está centrada nas inovações e na produtividade - globalização


tecnológica e organizativa, revolução nas tecnologias da informação, computadores etc.
Estas novas tecnologias têm sido as grandes promotoras dos substanciais ganhos de
produtividade que têm permitido crescer sem inflação, nem desemprego, com cotações

21
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

bolsistas altas e com excedentes orçamentais. O ponto fulcral do seu raciocínio é a tese
da “destruição criadora” de Joseph Schumpeter13. A teoria schumpeteriana do
desenvolvimento económico tem, justamente, como ponto nevrálgico o processo de
“destruição criadora” fundado nas inovações (tecnológicas, de organização e espaciais).
Não há melhor exemplo da destruição criadora de Schumpeter do que o que tem
acontecido na economia norte-americana na última década.

A ideia central do pensamento deste grande economista é a de que as inovações que


permitem o desenvolvimento económico, são, também, causa das flutuações
económicas. O raciocínio schumpeteriano é encadeado da seguinte maneira: toda a
inovação com sucesso é base para uma vaga expansionista primária, à qual é,
geralmente, adicionada uma vaga expansionista secundária, baseada na difusão da
inovação e em iniciativas económicas que encontram um enquadramento favorável nos
efeitos da primeira vaga. Diferentes inovações terão, naturalmente, diferentes impactos
na actividade económica, o que justifica a existência dos ciclos económicos, com
diferentes períodos e amplitudes. O consequente esgotamento dos processos que
estão na base da onda expansionista secundária provoca, por sua vez, a depressão.

Retêm-se do pensamento de Schumpeter duas ideias fundamentais:

* a primeira, é a de que o motor das transformações do sistema económico são


as inovações e de que sem elas as sociedades não se desenvolvem, no sentido de
Kuznets;
* a segunda, é a de que tem de haver um controlo dos efeitos das vagas de
inovações, de modo a conseguir-se o mínimo prolongamento da fase descendente dos
ciclos económicos.

A questão que se deve colocar perante as diferentes explicações para as flutuações


económicas e a constatação de que os últimos 250 anos foram pródigos em ciclos
económicos de expansão e depressão, é a de se saber se no novo milénio os ciclos vão
continuar a existir. As respostas são diferentes:

* enquanto existirem razões para esperar que o fluxo de inovações de base


científica continue, então também as flutuações económicas existirão. E as razões são:
o crescimento económico moderno fornece condições para um desenvolvimento
crescente da investigação científica (crescimento económico endógeno), porque
existem recursos financeiros para a financiar; tendência da economia mundial explorar
novos espaços (os mares abissais, o espaço aéreo e dos satélites, novos planetas,
etc.); balanço recursos-população tendencialmente desequilibrado (a quantidade de
recursos naturais por habitante tem vindo a diminuir significativamente ao longo das
últimas décadas), o que vai implicar alterações significativas no paradigma tecnológico
futuro; finalmente, a própria solução dos problemas ecológicos vai exigir crescentes
inovações;
* os ciclos económicos do futuro já não serão os mesmos do passado, porque,
entretanto, a economia criou mecanismos de actuação e de ultrapassagem muito
menos dolorosos. Mecanismos como a segurança social, o subsídio de desemprego e o
apoio a empresas em dificuldades momentâneas, constituem formas de se reduzirem

13
Business Cycles: a Theoretical, Historical and Statistical Analysis of the Capitalism Process”, New York-
Londos McGrow-Hill, 1939.

22
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

os custos da recessão económica. Deste modo, as dificuldades das crises são hoje
muito mais amaciadas do que o foram nos tempos anteriores.

Provavelmente – e se, de facto, existe - a Nova Economia será um pouco de tudo isto.
Um dos grandes defensores da Nova Economia é Rudiger Dornbush, professor de
Economia no MIT e ex-economista chefe no Banco Mundial e no Fundo Monetário
Internacional.

A Nova Economia nos Estados Unidos da América tem-se expressado por um ritmo de
crescimento médio na década de 90 de cerca de 4%, por uma inflação média anual de
2,5% - o que para muitos economistas corresponderá a uma situação de quase
estabilidade dos preços – por uma taxa de desemprego em torno dos 3,5% - valor
correspondente a uma situação de quase pleno emprego da economia – por cotações
bolsistas elevadas e por um excedente orçamental. Até que ponto uma situação com
estes contornos pode perdurar (para além dos quase 10 anos em que ocorreu de modo
sistemático)? Será que os mais recentes sintomas de abrandamento ocorridos na
economia norte-americana representarão uma tendência de regresso a um processo de
“stop-and-go” tão característico da época reageniana? A Nova Economia sobreviverá a
uma redução do ritmo de crescimento? A resposta depende da natureza dos factores
responsáveis pelos crescimentos espectaculares da produção e da produtividade:
tratando-se de factores estruturantes dum novo desenvolvimento baseado nas vagas
tecnológicas schumpeterianas é de se presumir que não haja razões para se esperar
uma inversão substantiva da situação.

E é justamente esta a opinião de Dornbush: “ a Nova Economia viverá e espalhar-se-á


pelo mundo inteiro e tornar-se-á tão difusa quanto o Estado de Bem-Estar ( o célebre
“Walfare State” de Roosvelt) e a Gestão Pública se tornaram na década de 30.
Modelará as nossas economias e as nossas vidas durante décadas”. Por uma razão
simples: a Nova Economia está baseada em alguns motores estruturantes e que se
inter-relacionam.

O primeiro e mais óbvio motor da Nova Economia é a tecnologia, cuja expressão


máxima são os computadores. Mas tem-se, também, a revolução das
telecomunicações, muito mais difusa e generalizando-se mais depressa do que a do
telégrafo e do telefone entre 1840 e 1850 ( a posição de Robert Gordon, a ser vista
mais adiante, vai, precisamente, no sentido oposto), a revolução da informação e a sua
capacidade de criar programas de “software” que reestruturam, de forma dramática,
tarefas da contabilidade à gestão, das finanças às compras e aos tempos livres. A
explosão da capacidade de computação criará oportunidades que ninguém, no
presente, consegue imaginar.

O segundo motor da Nova Economia é a competição, cujas características e condições


de exercício se alargaram com a liberalização internacional do comércio de bens e
serviços e com a circulação de capitais. Nunca se teve uma concorrência tão grande e
generalizada desde o início do século XX. Uma competição forte está a tornar-se regra
em países – como a França, Alemanha e Japão – que a odeiam como se do diabo se
tratasse (o modo mais social como a economia é encarada nestes países tem raízes
profundas na cultura e nas idiossincrasias das suas populações). Os agentes da
concorrência são o comércio mundial, a desregulação dos mercados domésticos e o
desmantelamento dos Estados de Bem-Estar (Estados-Providência).

23
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

O terceiro componente do vigor da Nova Economia, de acordo ainda com Dornbush, é a


nova cultura económica praticada pelos Estados, empresários e famílias. Os Bancos
Centrais e os Ministérios das Finanças aprenderam que preços estáveis e orçamentos
equilibrados são um contributo extraordinário para a prosperidade dos países.

Robert Gordon também se situa do lado dos que pensam que nada de essencialmente
novo se está a passar, centrando a sua crítica no que se passou a chamar o paradoxo
de Solow (existem computadores por todo o lado menos nas estatísticas da
produtividade), ou seja, nos ganhos efectivos de produtividade da economia norte-
americana. Gordon argumenta que o movimento de aumento da produtividade – que, na
verdade, tem existido – não é generalizado, situando-se, apenas, no sector produtor de
bens duradouros. Mas vai mais longe ao contestar os impactes das novas tecnologias -
que no fundo dão corpo ao que já se convencionou chamar de nova economia –
situando-os muito abaixo das grandes invenções do passado. Para este professor da
Northwestern University a comparação entre as invenções ocorridas entre 1860 e 1900
– e que ele agrupa em cinco clusters – e as que são atribuídas à nova economia, estas
saem a perder em termos dos seus efeitos sobre a economia e a sociedade. Para
Gordon os clusters das grandes invenções do século passado são:
 electricidade, com repercussões no crescimento do dia para ler, repousar e
trabalhar, na refrigeração (que eliminou desperdícios de comida e permitiu o
seu armazenamento), no ar condicionado, nos motores eléctricos (que
revolucionaram a produção, permitiram a descentralização das fontes de
energia e viabilizaram instrumentos flexíveis e portáteis);
 motor de combustão interna, do qual resultou o transporte motorizado e
seus derivados, como o subúrbio, as auto-estradas, os supermercados, etc.;
 química, com toda a sua extenssíssima gama de produtos derivados
(petróleo, plástico e produtos farmacêuticos);
 telégrafo, telefone, fonógrafo, fotografia, rádio, cinema e televisão,
através das quais o mundo encolheu e se assistiu à explosão do lazer, da
comunicação e da informação. Sustenta Gordon que neste aspecto a
redução de distâncias proporcionada por estas invenções teve um sentido e
uma importância bem mais forte na altura em que ocorreram, do que as que
resultam hoje da internet: “invenções de segunda ordem são, por exemplo,
os vídeos e os telefones portáteis de que tanto se fala como um dos pilares
da nova economia, mas cujos efeitos, em termos de velocidade de
comunicação, não se comparam aos do telégrafo, que entre 1840 e 1850
reduziu o tempo necessário para transmitir uma página de texto entre Nova
Iorque e Chicago de 10 dias para cinco minutos e o custo para um
centésimo”.

O ponto fulcral da crítica de Gordon centra-se na capacidade humana de utilização dos


computadores, o que, em boa parte, explica o paradoxo de Solow. Com efeito, apesar
de cada vez mais se possuírem computadores mais rápidos e com memórias
poderosas, as limitações na sua utilização impedem incrementos expressivos na
produtividade. Um chip mais rápido não nos torna mais rápidos a pensar ou a escrever.
E o tempo é escasso. O que quer, por exemplo, dizer que no processamento de texto
não se pode escrever ou pensar mais rápido do que se escrevia e pensava com os
computadores pessoais de 1983, que tinham apenas um centésimo de memória e uma
velocidade 1/60 dos actuais.

24
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Apesar de o stock de capital com que se trabalha ser superior 30 vezes, a produtividade
não aumentou na mesma proporção.

Se atendermos aos factores que Rudiger Dornbush considera como os explicativos e


decisivos da Nova Economia, verifica-se que a crítica de Gordon é fundamental,
podendo, inclusivamente pôr em causa as teses dos defensores da Nova Economia.
B.- ASPECTOS DA NOVA ECONOMIA EM ANGOLA

Se o enquadramento para a análise desta questão em Angola for, à semelhança do que


se convencionou ser para esta nova realidade, o crescimento económico, a evolução da
produtividade, o comportamento da inflação e o conduto do desemprego, então não
existe Nova Economia em Angola. O crescimento económico foi, em média entre
1990 e 1998 de -3,3%, a inflação média anual de cerca de 925% no mesmo período, o
desemprego deve rondar, actualmente, os 35% da população em idade activa (cerca de
20% em 1992) e o valor da produtividade média seguramente que se tem apresentado
com valores reduzidos no período considerado. Algumas estimativas grosseiras
disponíveis dão conta do seguinte comportamento da produtividade média bruta no país
(em dólares dos Estados Unidos e por trabalhador):

* 1992 - 3233
* 1993 - 2263
* 1994 - 3205
* 1995 - 3579
* 1998 - 1500

Ao se inserir a economia nacional num contexto regional mais vasto compreende-se


quão dramáticos são os valores registados para a produtividade média no país:

INDICADORES MUNDIAIS DE PRODUTIVIDADE E SALÁRIOS MÉDIOS


Valores médios anuais referentes a 1998
Países PNBpc PRODUTIVIDADES MÉDIAS ($US) SALÁRIOS MÉDIOS ($US) Salários
($US) Total Agricul. Indústria Serviços Total Agricul. Indústria Serviços mínimos
($US)
Angola 380 1500 237 9750 3375 900 178 4875 2342
A. do Sul 3310 8344 2409 8333 9850 4589 1565 4166 5605
Botswana 3070 4900 400 11000 8334 2768 280 6050 4725
Namíbia 1940 3100 600 5500 5667 1752 420 3025 3213
Argélia 1550 4660 2167 7102 4406 2563 1408 3550 2507
Ghana 390 865 150 460 2650 562 112 276 3522
Marrocos 1240 3287 1212 4207 5633 1874 787 2104 3312
Brasil 4630 10960 4012 13748 29982 6138 2407 6875 7407 1080
Argentina 8030 21293 10000 17833 26067 11285 5700 8917 14076 1873
Nicarágua 370 889 1079 735 860 622 755 456 635 -
Bolívia 1010 2654 868 4259 4219 1725 538 2470 2928 236
Portugal 10670 21340 4200 22060 28130 9440 1860 9760 12445 3150
Espanha 14100 32541 9700 70518 14777 17260 5145 37402 7837 4750
Irlanda 18710 81900 46000 92333 82670 35927 20179 45504 32264 -
FONTES: PNUD - Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, 2000; Banco Mundial - Relatório sobre o
Desenvolvimento Mundial 1999; Eurostat; Cálculos com base nas informações primárias.

25
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Algumas conclusões:

(a) evidentes

 existem 3 categorias de países com realidades económicas completamente


distintas: só consegue disputar o mercado mundial quem apresentar índices
de produtividade duma determinada envergadura;
 os países mais desenvolvidos da amostra representada no quadro
patenteiam maiores níveis de produtividade no sector dos serviços, seguido
da indústria, a comprovar o teorema de Colin Clark sobre as etapas do
desenvolvimento económico;
 a América Latina, talvez duma maneira mais evidente e agressiva que a
África sub-sariana, mostra uma realidade económica profundamente
desigual entre os países que a constituem;
 em todos os países da amostra a actividade agrícola é a menos produtiva, o
que comprova que a introdução de inovações, neste caso, se encontra
limitada pelas condições naturais.

(b) implícitas

 a relação entre a produtividade e o salário - uma aquisição teórica da escola


marginalista - deve ser respeitada no processo de crescimento económico:
os aumentos salariais devem estar confinados à repartição dos ganhos de
produtividade entre os dois principais factores de produção. Mais salários
para o mesmo nível de produtividade só é possível num contexto de
alteração da relação de forças, política e social, entre empresários e
trabalhadores;
 as condições para o incremento da produtividade são, sobretudo, de
natureza exógena ao processo produtivo: educação, formação, investigação
e desenvolvimento, saúde, equipamentos geracionais recentes, tecnologias
e processos, etc. Estes elementos actuam sustentadamente no longo prazo;
 é ao Estado a quem deve competir a responsabilidade maior de criar os
ambientes (macroeconómicos, microeconómicos, de escala e de economias
externas) propícios ao incremento sustentado da produtividade;
 para muitos dos países da amostra representada no quadro, a produtividade
- e correlacionadamente a competitividade - é uma questão nacional e
estratégica, merecendo discussão aprofundada, reflexão aturada, políticas
específicas e programas concretos de fomento e de facilitação;
 o salário mínimo começa a ser uma categoria económico-social em
processo de desuso, não apenas por infringir as regras dos modelos liberais
- os quais, com mais ou menos contrariedade e resistência, acabam por ser
adoptados - mas, também e principalmente, porque começaram a emergir
modalidades inovadoras de protecção social.

Mas a análise da Nova Economia em Angola deve contemplar outros aspectos. Como
por exemplo o das reformas económicas e institucionais. Justamente no sentido que lhe
tem sido dado por Rudiger Dornbush, qual seja, o da nova cultura económica praticada
pelos Estados, pelos empresários e pelas famílias. O Programa do Governo para o
corrente ano e que assenta o fundamental da sua articulação na criação duma nova
mentalidade de gestão macroeconómica e microeconómica e na aprendizagem de

26
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

princípios básicos da economia de mercado como a estabilidade dos preços e a


equilibragem dos Orçamentos de Estado, é um bom sinal no sentido da Nova Economia
no país.

Mas também temos a questão dos computadores. A revolução nas tecnologias da


informação, os ganhos de produtividade em actividades consideradas da “Velha
Economia”, o B2B ou o B2C, assentam no desenvolvimento dos computadores. Só que
em Angola parece aplicar-se o paradoxo de Solow: vêem-se computadores por muito
lado menos nas estatísticas da produtividade. Com efeito, nos últimos anos - a partir de
1995 - muitas empresas de fornecimento de serviços informáticos surgiram no país,
muitas instituições públicas informatizaram os seus serviços e a sua organização,
muitas acções de formação foram, entretanto, feitas na preparação de utilizadores de
meios informáticos, etc. Paradoxalmente, a produtividade continua a patentear valores
baixos e tem mantido a sua tendência para o decrescimento. Que razões poderão estar
na origem deste comportamento?

 Desde logo, para que a produtividade se desenvolva é necessário que exista


um ambiente para tal, que não tem ocorrido no país;
 Depois creio ser válido o ponto fulcral da crítica de Robert Gordon à Nova
Economia: apesar de se possuírem cada vez mais computadores as
limitações na sua utilização impedem incrementos expressivos na
produtividade;
 Depois ainda a produtividade e o seu comportamento ascendente estão
conectados com a produção de saber e a reprodução de conhecimentos, o
que não tem sido o caso de Angola;
 Finalmente e apesar da sua relativa divulgação, os computadores ainda não
entraram na Velha Economia angolana (que utiliza processos de produção
arcaicos e desactualizados).

4.- OS PARADOXOS DA AJUDA PÚBLICA AO DESENVOLVIMENTO


(Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado” nº 7, Setembro/Outubro de 2001)

Depois de mais de quarenta anos de ajuda pública ao desenvolvimento em África os


resultados são manifestamente confrangedores, uma vez que o continente e os países
que o constituem permanecem tão subdesenvolvidos quanto antes:

 entre 1975 e 1995 o crescimento económico da África subsariana


processou-se a um ritmo médio anual de 2,0% e entre 1990 e 1998 de
2,3%;
 em termos de desenvolvimento – remotamente medido pela taxa de
variação média do PNB por habitante – entre 1975 e 1990 o ritmo foi de
–0,9% e no período 1990-1998 a quebra anual foi de 0,4%.

Aliás, estes resultados francamente desanimadores e que não foram minimamente


beliscados pelos fluxos da ajuda ao desenvolvimento, mereceram a elaboração dum

27
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

importante trabalho do Regional Bureau for Africa das Nações Unidas em 1993 e
sintomaticamente intitulado “Rethinking Technical Cooperation”14.

A sensação de frustração é ainda maior quando se constata que a África subsariana


tem recebido fluxos financeiros importantes a título de ajuda pública ao
desenvolvimento15:

 16759 milhões de dólares dos Estados Unidos em 1992, representando


mais de 11% do PNB acumulado, 31,6% da APD total e uma capitação
média total de 36,4 dólares norte americanos;
 12580 milhões de dólares dos Estados Unidos em 1998, representando
4,4% do PNB acumulado, 30,6% da APD total, uma capitação de 21,4
dólares norte americanos e um decrescimento global de 25%
correspondente a uma taxa média anual de –4,68%,

levantando-se, em decorrência, sérias reservas quanto à sua efectiva capacidade de


contribuir para a resolução dos problemas económicos estruturais desta parte do
continente africano.

Existem alguns equívocos que importa explicitar:

(i) Desde logo a atitude dos governos dos países beneficiários, que normalmente
encaram a APD e a cooperação técnica como donativos, esquecendo-se que
ocorrem:
- custos directos derivados da circunstância de uma parte significativa da APD
ser concedida a título de empréstimos, reembolsáveis a mais ou menos largo
prazo,

- custos indirectos relativos a alojamento dos expatriados, salários dos


homólogos nacionais, etc.,

- custos de oportunidade decorrentes de alternativas de aplicação dos fundos


da APD provavelmente mais consentâneas com um desenvolvimento
sustentável e durável.

(ii) Em segundo lugar e no que à cooperação técnica concerne verifica-se que em


100 USD disponibilizados 80 USD referem-se a salários dos técnicos expatriados, o
que significa que pelo menos 80% dos fundos regressam aos países doadores. Este
facto deveria já ter levado os países beneficiários a programarem , de forma rigorosa,
as formas e as modalidades de assistência técnica, de modo a que “indo o dinheiro
fique capacidade técnica nacional”.

(iii) Em terceiro lugar, as prioridades, os sectores e as modalidades de APD só


aparentemente são definidas pelos países beneficiários, cabendo, na realidade, aos
países e instituições doadoras “sugerirem” as melhores maneiras para a sua
aplicação; são, na verdade, raros os casos em que estes fundos são disponibilizados
como um envelope fechado entregue aos países beneficiários para as aplicações
que melhor sirvam o seu desenvolvimento económico.

14
UNDP/DAI – Rethinking Technical Cooperatino, Reforms for Capacity Building in Africa, 1993.
15
PNUD – Relatório do Desenvolvimento Humano, 2000

28
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

(iv) Finalmente, a APD deveria ser encarada predominantemente na óptica da


constituição de fundos estruturais para o desenvolvimento, capazes de estruturarem
sectores decisivos (como o da valorização dos recursos humanos, o do
desenvolvimento tecnológico e o das infraestruturas e redes de comunicação) para o
“take off” definitivo das economias africanas. Não é difícil entender e aceitar que
uma África desenvolvida é do interesse do mundo e da comunidade internacional,
enquanto mercado fornecedor e comprador, como tampão duma emigração cada vez
mais indesejada na Europa e como meio de se estancar a fuga de cérebros do
continente africano.

Apontam-se alguns sucessos da cooperação técnica em África , em particular nos


casos da chamada “cooperação técnica hard” relativa a serviços de engenharia no
quadro de projectos de equipamento e de estudos de viabilidade. Porém, uma análise
mais atenta revela que, por um lado, se trata mais de projectos “chave-na-mão” do que
propriamente cooperação técnica e, por outro, o sucesso tem sido avaliado em termos
instantâneos e não dinâmicos. No caso da “cooperação técnica soft” (serviços de
consultoria e de aconselhamento para o desenvolvimento institucional e dos recursos
humanos) os problemas prendem-se, sobretudo, com a necessidade de um
conhecimento profundo do ambiente local em que os projectos vão actuar e que grande
parte dos consultores estrangeiros está longe de possuir.

A avaliação dos resultados da cooperação técnica é, também, um problema ainda por


resolver. Normalmente os projectos terminam sem que se validem os resultados
obtidos, confrontando-os com os que se esperavam obter. A eficácia das intervenções
no quadro da cooperação técnica deve ter dois prismas de apreciação: a contribuição
real para a criação de capacidades técnicas locais a longo prazo (resolução dos
problemas institucionais de carácter estrutural) e a ajuda na gestão macroeconómica de
curto prazo.

O sistema da Ajuda Pública ao Desenvolvimento - no qual se inscreve a cooperação


técnica - enferma de alguns paradoxos que amplificam a influência dos factores que
negativizam os seus resultados, tais como: 16

(i) A experiência vai mostrando que os países onde a APD e a cooperação técnica
são mais necessárias são, também , os que apresentam uma fraca capacidade de
absorção (elemento decisivo do binómio “assistência técnica - redução/eliminação da
assistência técnica” ou então “assistência técnica para acabar com a assistência
técnica”). E o paradoxo parece ser este: a cooperação técnica funciona melhor nos
países que dela menos necessitam.

(ii) Na impossibilidade de ser outra, a cooperação técnica muitas vezes assenta na


realização de tarefas práticas, rotineiras e quotidianas, enquanto os quadros
nacionais ou estão desempregados, ou abandonaram a Administração Pública por
desmotivação ou saíram do país.

(iii) Por força dos programas de ajustamento estrutural (redução dos efectivos do
pessoal civil do Estado e diminuição da respectiva massa salarial) e das dificuldades

16
BOSSUYT, J., LAPORTE G., VAN HOEK F: Une Nouvelle Voie pour la Cooperation Téchnique en
Afrique, Centre European de Gestion des Politiques de Dévéloppement.

29
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

orçamentais internas, o pessoal disponibilizado pela cooperação técnica (com custo


zero ou muito diferido para os países beneficiários) acaba, quase sempre, por
preencher as vagas deixadas pelos nacionais. Situação paradoxal na exacta medida
em que existe capacidade técnica local, parecendo mais simples e eficaz afectar
certas verbas da cooperação técnica ao reforço dos salários dos quadros nacionais
(Moçambique em 1993 teve de “importar” professores para o ensino secundário
porque não tinha recursos financeiros para pagar aos professores nacionais um
salário mensal equivalente a 50USD).

(iv) As actuais modalidades de que se reveste a cooperação técnica perpetuaram a


dependência face aos especialistas estrangeiros, ou seja, tal como existe a
cooperação técnica engendra necessidades acrescidas de cooperação técnica em
vez de reduzi-las.

(v) Finalmente, as acções de formação no exterior realizadas ao abrigo da


assistência técnica tiveram como resultado, em grande parte dos casos, a
acentuação da fuga de cérebros.

Afinal que factores actuam no sentido de mediocrizar os resultados da cooperação


técnica? São vários, diferentes e por vezes de efeitos contraditórios:

(i) À cabeça surge, pela importância decisiva que detém, a falta duma estratégia
nacional para a cooperação técnica e para a ajuda pública ao desenvolvimento,
lastrada e dele fazendo parte integrante enquanto elemento potencial de
crescimento, num modelo de desenvolvimento económico e num projecto de
sociedade. A ausência duma visão estratégica sobre a assistência técnica externa e
a ajuda ao desenvolvimento propicia a contratação de projectos desarticulados entre
si e cuja aceitação bastantes vezes é meramente circunstancial (para não ferir as
susceptibilidades de quem dá, desvirtuando-se, no entanto, as necessidades de
quem recebe). Desde que existe assistência técnica em África nunca foi elaborado
por nenhum país do continente um programa claro que visasse a redução da
assistência técnica do exterior;

(ii) em seguida está a negligência no modo como é tratado o lado da procura de


cooperação técnica, divorciando-se, via de regra, os quadros e responsáveis
nacionais da concepção, configuração e desenho dos projectos de assistência
técnica. Assim sendo, na maioria dos casos estas acções e projectos são autênticos
presentes envenenados, demasiado tentadores para serem recusados, mas muito
estereotipados para produzirem resultados positivos;

(iii) depois, o enquadramento institucional, económico e social onde os projectos de


assistência técnica se devem inserir como elemento condicionador importante do
sucesso da sua actividade: o quadro institucional , que é suposto facilitar a
transferência de conhecimentos, virtualmente não existe ou, então, é muito fraco e as
economias assistidas apresentam-se em situação de crise económica crónica com
graves repercussões nos salários e nas condições de vida e de trabalho dos
funcionários do Estado e logo na sua disponibilidade intelectual de aprendizagem;

(iv) depois ainda, o desequilíbrio na relação entre as acções de formação e de


reciclagem contidas nos projectos e os custos dos consultores externos
(normalmente o orçamento para aquelas actividades não ultrapassa os 25% do valor

30
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

total da cooperação técnica proposta). À vista desarmada parece evidente que um


acréscimo ou do número de pessoas com uma adequada capacidade técnica ou da
própria capacidade técnica endogenizaria melhor a assistência técnica externa e a
repercutiria positiva e cumulativamente sobre o desenvolvimento dos países
receptores. No entanto, devem ser enumerados alguns alertas a este propósito,
decorrentes de algumas experiências conhecidas: a formação e a reciclagem ao
acentuarem a faceta mercantil da capacidade técnica dos beneficiários têm
contribuído para a fuga interna (da Administração Pública) e externa (para outros
países) de “cérebros” ; depois, as oportunidades de formação têm sido oferecidas
no quadro de projectos isolados, longe, portanto, das reais necessidades de
formação sentidas pelas instituições; finalmente, as acções de formação dos
projectos de assistência técnica são bastantes vezes ou mal definidas ou então
sacrificadas por falta de tempo ou por insuficiências orçamentais;

(v) finalmente, a gestão deficiente da assistência técnica pelos beneficiários, tendo-


se recentemente reconhecido que as estruturas das administrações locais
responsabilizadas pela coordenação e gestão da APD são fracas, insuficientemente
dotadas de pessoal qualificado e isoladas das estratégias globais de
desenvolvimento e dos quadros macroeconómicos de referência. A estes aspectos
(negativos) juntam-se a multiplicidade de agências doadoras, de projectos e de
agências de execução (incluindo as ONG’s). Deste ponto de vista releva a má
gestão micro da assistência técnica, bastas vezes dificultada por considerações
políticas de quem disponibiliza os fundos financeiros.

O círculo vicioso e a actuação paradoxal da assistência técnica e da APD no geral


devem ser encarados frontalmente pelos seus actores e protagonistas no sentido da
sua erradicação: mais cooperação a gerar muita cooperação, a atropelar os efeitos
positivos que se podiam esperar de pouca e coordenada cooperação, cooperação a
incentivar a fuga interna e externa de quadros e a substituir-se à capacidade técnica
nacional em áreas e matérias marginais, deixando a descoberto as mais
estruturalizantes, muita cooperação mais com o sentido de auxílio ao
subdesenvolvimento e menos com o propósito de se participar no nascimento de
parceiros válidos para a construção duma economia-mundo de relações justas e
equilibradas. A melhor forma para os países beneficiários protagonizarem uma
actuação mais dinâmica, agressiva e interventora, repousa na existência duma clara
política nacional de cooperação técnica, ancorada numa estratégia global de
desenvolvimento económico e social. Estes instrumentos são a tradução objectiva de
que se controlam os centros nevrálgicos do desenvolvimento endógeno, aparecendo,
então, neste contexto, as acções de assistência técnica e os projectos de ajuda pública
ao desenvolvimento como factores complementares importantes dos esforços de
estruturação de novas ordens económicas internas, obedecendo, em decorrência, a
critérios e prioridades que claramente beneficiam quem o deve ser.

A alteração e o ajustamento nas actuais modalidades e formas de assistência técnica,


para além da aceitação por parte das agências financiadoras e executoras de uma nova
ordem nesta matéria, são tributárias de duas questões essenciais, de responsabilidade
dos países beneficiários:

- encararem-se, definitivamente, a cooperação técnica e a APD como factores, ainda


que complementares, de desenvolvimento (ver a este propósito a abordagem das
novas teorias do crescimento) e agir em conformidade, ou seja, elaborarem-se

31
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

políticas de médio e longo prazo para a cooperação técnica que sejam instrumentos
de viabilização das estratégias nacionais de mudança estrutural. Tratar-se-á, afinal,
de deixar de encarar a APD como o parente pobre das políticas económicas
nacionais e definitivamente articulá-la com os programas económicos de médio e
longo prazo. Só nesta perspectiva será possível assumir, resolutamente, a
diminuição da assistência técnica e da ajuda ao desenvolvimento em geral;

- preparação de contratos-programa com os doadores que perspectivem para


períodos de cinco anos os projectos, os sectores, as formas e modalidades de
actuação, os fundos a despender, o envolvimento dos quadros nacionais, os apoios
aos orçamentos nacionais, a participação de consultores externos, etc., visando-se
com este procedimento aproximar a oferta e a procura de cooperação técnica e
recuperar as virtualidades da ajuda pública ao desenvolvimento enquanto factor de
reforço institucional, de modernização económica e de aumento das capacidades
técnicas nacionais.

Particularizando alguns aspectos da nova ordem em matéria de assistência técnica e da


ajuda pública ao desenvolvimento:
(i) Fixação de objectivos claros entre os quais se destaca a criação de capacidades
nacionais e a sua autonomia a médio prazo.

(ii) Adaptação aos quadros de referência existentes, de modo a que as restrições


políticas e económicas e os constrangimentos institucionais sejam inteiramente
levados em boa conta antes da chegada da assistência técnica e da tomada de
decisões de afectação de meios e de identificação de tarefas.

(iii) Identificação das reais demandas de cooperação técnica institucional, o que


implica o uso de métodos participativos de concepção e de execução dos projectos e
programas.

(iv) Elaboração de programas globais e sectoriais de assistência técnica e da ajuda


ao desenvolvimento, fundados num conhecimento aprofundado sobre as situações
locais, os constrangimentos políticos, económicos e institucionais - a falta de
motivação devida aos salários baixos é um constrangimento decisivo do sucesso dos
projectos de reforço das capacidades institucionais e que importa pesar logo no
momento da sua concepção - e as práticas internas de gestão.

A experiência tem vindo a demonstrar que não é possível remediar as fraquezas


institucionais senão por uma aproximação de conjunto ou então pela criação de
enclaves de boa gestão. A transferência/partilha de responsabilidades na gestão da
cooperação técnica e da APD articula-se em torno de questões como:

- quem determina as necessidades


- quem recruta o pessoal externo
- quem se responsabiliza pela concepção dos projectos e pela sua execução no
terreno
- quem exerce um controle financeiro sobre as respectivas intervenções.

Todos os aspectos referidos são totalmente observáveis em Angola, o que levanta


dúvidas e reservas sobre a insistência e a recorrência em determinadas modalidades de
ajuda pública ao desenvolvimento. O actual processo de elaboração da Estratégia de

32
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Redução da Pobreza tem sido utilizado como veículo de forte pressão sobre o Governo
por parte de praticamente todos os parceiros institucionais do país. As ofertas de
assistência técnica têm sido feitas a um ritmo verdadeiramente impressionante,
limitando a capacidade de manobra da Administração Pública e dificultando a criação
dum espaço concreto de intervenção dos agentes interessados em levar a bom porto
todo este processo.

Para além destas questões de natureza mais ou menos técnica e metodológica, existem
outras dimensões de apreciação da ajuda pública ao desenvolvimento. Por exemplo,
como analisá-la face ao fenómeno da globalização da economia? Ainda hoje se tem a
ideia, nomeadamente entre os países doadores, de que a ajuda ao desenvolvimento
representa um fardo para os seus cidadãos, já que as verbas para o seu financiamento
são retiradas dos impostos por si pagos. Daí que os cidadãos dos países beneficiários
deveriam dar testemunho de agradecimento e os seus Governos provas de boa gestão
desses mesmo fundos financeiros. Deixemos de fora a dimensão ética e concentremo-
nos na vertente económica.

Segundo o pensamento neoliberal, a globalização conduz à melhoria generalizada do


rendimento médio, uma vez que a exploração de crescentes economias de escala, num
mercado mais vasto, conduz à convergência dos rendimentos. O conhecido Consenso
de Washington propugna pela abertura total das economias, defendendo que a
liberalização conduz à convergência económica.

A realidade, porém, é bem diferente. Muito embora se constate que os rendimentos


médios têm de facto aumentado, o mais importante a assinalar é que o diferencial de
rendimentos entre países ricos e países pobres tem medrado muito mais. Estas
tendências de divergência são constatadas há mais de 200 anos, mas hoje, porém, são
muito mais gritantes, não apenas pela ordem de grandeza, como também pela
facilidade das comunicações globais, sendo instantânea a percepção das diferenças de
níveis de vida. Nem o modelo liberal, nem tão pouco a globalização têm jogado a favor
dos países menos desenvolvidos e muito em particular dos mais pobres. Apesar da
abertura dos mercados de muitos dos países pobres, da liberalização dos mercados
internacionais de bens e de capitais e da criação de organizações multilaterais de
supervisão da economia mundial, as desigualdades não param de aumentar: existem
neste momento mais de dois biliões de pessoas no mundo a viver com menos de dois
dólares por dia. Esta divergência entre a teoria e a realidade deve-se a várias
circunstâncias:

 em primeiro lugar, à insistência proteccionista dos países ricos.


Proteccionismo económico da Europa, dos Estados Unidos da América
e do Japão face às importações agrícolas provenientes dos países
menos desenvolvidos. Mas sobretudo, proteccionismo sobre as
movimentações de trabalhadores. São de todos conhecidas as
tremendas barreiras à imigração impostas por todos os países
desenvolvidos, negando-se, assim, o elementar direito humano aos que
mais precisam de uma oportunidade de melhorarem o seu nível de bem
estar. Ou seja, os países mais ricos apadrinham a liberalização dos
mercados, mas não a praticam na extensão em que a advogam. A
globalização da economia não é acompanhada por uma globalização
da cidadania. Prevalecem aqui os interesses dos mais ricos, ao

33
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

privilegiarem a sua estabilidade política interna em detrimento da


melhoria das condições de vida de muitos outros seres humanos;
 em segundo lugar, à incapacidade da maioria das nações pobres em
atrair capitais estrangeiros. Ainda que liberalizem os seus mercados
internos e abram a sua economia ao exterior, prevalecem outros
handicaps desmotivadores para os empresários estrangeiros. De resto,
parece não ser totalmente líquido que sejam aqueles os factores
decisivos para a movimentação internacional dos capitais. São
referenciados muitos casos de economias mais proteccionistas e
regidas por planos nacionais de desenvolvimento a longo prazo que
atraíram muito mais capital do que os que liberalizaram;
 em terceiro lugar, o comércio livre permanece como o modelo correcto
para os países ricos, porque assegura iniciativas descentralizadas na
pesquisa de novas oportunidades, mas não promove,
necessariamente, o desenvolvimento, muito menos a prosperidade e a
igualdade entre as nações. O modelo do Consenso de Washington
permanece mais apropriado para aqueles que estão na frente, do que
para os países que estão na cauda do pelotão. Disto não há dúvidas
rigorosamente nenhumas, devendo, em decorrência, reconhecer-se o
direito dos países mais pobres de elaborarem estratégias de
desenvolvimento ajustadas às suas especificidades;
 finalmente, o poder dos países ricos no controle, comando e gestão
das instituições internacionais e das organizações multilaterais
vocacionadas para o desenvolvimento económico dificulta aos países
em desenvolvimento a prática dum modelo self-serving. A submissão
às teorias, modelos e argumentos dos mais ricos é total.

O que é que tudo isto tem, afinal, a ver com a ajuda pública ao desenvolvimento?
Desde logo e do meu ponto de vista a sua dimensão ética perde bastante do seu
anterior vigor. Os países ricos, ao imporem um determinado modelo de
desenvolvimento, pretensamente universal, constrangem as oportunidades de obtenção
de condições de vida aceitáveis aos cidadãos dos países pobres. E como em Economia
não existem almoços grátis estes constrangimentos têm de ter um preço. Por isso e
deste ponto de vista a ajuda pública ao desenvolvimento deve ser considerada como:

 compensação pelas desigualdades determinadas pela globalização da


economia – que afinal até pode ser um fenómeno provocado pelas
estratégias económicas e financeiras das multinacionais contra o
emprego e a favor do lucro e da competitividade e não como um
resultado espontâneo do funcionamento do mercado internacional;
 compensação pela proibição da globalização da cidadania: os limites e
proibições à livre mobilidade da força de trabalho dos países mais
pobres para os mais ricos tem um preço nos primeiros traduzido no
desemprego e na pobreza.

Mas também do ponto de vista económico a ajuda pública ao desenvolvimento é do


interesse dos países mais ricos, porque pode ser considerada como um investimento na
criação de mercado e na homogeneização do desenvolvimento. Por isso, a APD deveria
ser aplicada na formação e especialização dos recursos humanos, na saúde básica
(enfermeiros, médicos e equipamentos), na educação de base (professores,

34
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

equipamentos, bolsas), na criação de redes estruturantes de infraestruturas económicas


e de equipamentos sociais, na transferência de tecnologia e no apoio ao empresariado
emergente (cooperação empresarial e linhas de crédito).

E onde está a assistência técnica que representa praticamente ¾ de toda a ajuda ao


desenvolvimento aos países pobres? Não está. Defendo que as modalidades de ajuda
ao desenvolvimento devem ser as que indiquei, porque mais claras, transparentes e
muito mais estruturantes. A assistência técnica de que os países pobres necessitam ao
nível das suas instituições públicas deveria ser equacionada, formulada, formatada e
financiada pelos próprios Governos. Este modelo concerteza absoluta que permitiria:

- reduzir a bola de neve em que se transformou a assistência técnica que na


generalidade dos casos tem sido incapaz de promover o “capacity building”;
- mitigar as pressões das instituições ofertantes de assistência técnica, dando
mais tempo e espaço para que os governos nacionais pensem
correctamente sobre as suas carências e lacunas;
- a obtenção de muitos melhores resultados porque os objectivos e as metas
estariam muito melhor inseridas nas necessidades locais (institucionais e
empresariais),
- uma gestão mais eficiente dos recursos financeiros, obedecendo a regras e
critérios nacionais e não das organizações ofertantes de assistência técnica;
- a redução da excessiva dependência das organizações internacionais de
prestação de serviços de assistência técnica, obrigando-as a uma útil
reconversão das suas funções;
- um controle directo sobre os resultados da assistência técnica, o que
possibilitaria a introdução de ajustamentos imediatos e de revisões
instantâneas dos objectivos.

5.- O ESTADO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NO MUNDO


(Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado” nº10, Julho de 2002)

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento acabou de lançar oficialmente


o seu relatório sobre o desenvolvimento humano no mundo, este ano dedicado às
tecnologias e intitulado “Making New Technologies Work for Human Development”.

Aproveitando as importantes informações estatísticas referidas neste relatório vale a


pena reflectir-se um pouco sobre esta temática e a sua relevância para o
desenvolvimento económico.

É voz corrente entre os economistas e os investigadores que o maior acesso à


tecnologia e à ciência está dependente do nível de rendimento dos países e das
pessoas. Com efeito, o crescimento económico cria oportunidades para a criação e
divulgação de inovações tecnológicas úteis, em domínios importantes para as
condições de vida das populações, como na medicina, nos transportes, na qualidade
dos alimentos, nas telecomunicações, etc.

35
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Mas o reverso deste processo é também admissível: investimentos maciços na criação


de capital humano e em determinadas tecnologias apetrecham os trabalhadores e os
cidadãos em geral com melhores instrumentos que os tornam mais produtivos. A
tecnologia deve ser considerada sobretudo como um instrumento para um maior e
melhor desenvolvimento e não apenas uma sua recompensa.

Têm sido admiráveis os progressos humanos consentidos pelos avanços tecnológicos e


que simultaneamente permitiram um melhor desenvolvimento e um maior
desenvolvimento, mostrando, assim a tecnologia a sua dupla faceta de promotor de
crescimento e facilitador de melhores condições de vida:

* nos passados anos 30, as taxas de mortalidade apresentaram declínios


assinaláveis em diferentes regiões do mundo, como a África, a Ásia e a América Latina,
graças aos avanços científicos e técnicos – como os antibióticos, as vacinas e os anti-
palúdicos - no tratamento de certas doenças endémicas. O resultado acumulado mais
espectacular destes avanços clínicos foi registado na esperança de vida à nascença,
que em determinadas regiões do planeta melhorou até aos 60 anos. Resultados
semelhantes para a Europa necessitaram de mais de 150 anos para que fossem
registados e dependeram, muito particularmente, da melhoria da dieta alimentar e das
mudanças na situação sanitária dos países;

* a redução da subnutrição crónica nos países da Ásia do Sul de cerca de 40%


em 1970 para menos de 23% em 1997 foi possível graças aos desenvolvimentos
tecnológicos na produção de fertilizantes, adubos, pesticidas, no tratamento dos solos e
na qualidade dos processos fabris registados ao longo da década de 60 e que
possibilitaram uma duplicação da produção agrícola em apenas 40 anos (a revolução
verde da Índia foi um desses resultados). A Inglaterra precisou de cerca de mil anos
para quadruplicar a sua produção média por hectare (0,5 para 2).

Os exemplos anteriores mostram como uma inovação tecnológica – por mais simples
que seja – pode mudar rápida e significativamente o curso do desenvolvimento numa
sociedade inteira (imaginem-se os efeitos que a descoberta duma vacina contra o SIDA
poderá ter nas economias africanas mais afectadas pela doença do século XX – ver o
meu artigo sobre este tema no número 6 desta Revista). Acrescente-se que na maior
parte das vezes, os ganhos advindos dos avanços tecnológicos na saúde, na nutrição,
na agricultura e nos processos de produção não são apenas imediatos e focalizados,
originando, complementarmente, importantes efeitos multiplicadores sobre toda a
sociedade. Constitui-se um verdadeiro círculo virtuoso em termos de aumento do nível
de conhecimentos, de saúde e de produtividade da sociedade, ao mesmo tempo que
incrementa a disponibilidade intelectual, científica e económica para futuras inovações.

Nos dias de hoje as transformações tecnológicas são muito mais rápidas - fruto da
virtuosidade dos processos científicos e tecnológicos – e de carácter mais fundamental.
Das primeiras poder-se-á exemplificar com a “velocidade de raciocínio” e execução dos
computadores que duplica a cada ciclo de 18 a 24 meses e quanto às segundas
seguramente que as descobertas da engenharia genética constituem uma excelente
ilustração.

Olhando para os resultados que as inovações tecnológicas permitem quando são


aplicadas aos diferentes domínios em que a vida das pessoas se concretiza no dia a dia
– facilitam mais produtividade e mais descanso, permitem mais qualidade de vida e

36
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

melhores condições de trabalho, aumentam a esperança de vida – naturalmente que se


teria de concluir no sentido de que toda a Humanidade deveria viver dum modo
semelhante, sem as desigualdades que actualmente marcam este nosso planeta, em
que 1% das pessoas mais ricas do mundo recebe um rendimento equivalente ao dos
57% mais pobres. Então o que é que se passa? Porque razão afinal só marginalmente
é que os países não desenvolvidos beneficiam de certos aspectos das transformações
tecnológicas?

Penso que a resposta possa estar nos processos de produção científica e tecnológica e
nos modelos de difusão e absorção dos seus resultados.

Sustenta-se que é o mercado o ponto de partida para os processos de inovação


tecnológica e de investigação científica. A tecnologia cria-se como resposta às pressões
do mercado e quanto mais poderoso for em termos de dimensão e poder de compra,
mais poderosos terão de ser os processos de réplica. Significa dizer que o essencial do
processo mundial de criação tecnológica e investigação científica se localiza nos países
desenvolvidos. Como razões adicionais mas igualmente significativas encontram-se os
elevados índices de desenvolvimento humano patenteados por estas economias, os
níveis de “stock” de capital humano, as infraestruturas científicas, os sistemas formais
de registo da propriedade intelectual – não circunscritos apenas aos direitos de autor,
mas abarcando as marcas, a publicidade, os serviços financeiros, o aconselhamento às
empresas, etc. – as bibliotecas e os bancos de dados electrónicos, os estímulos à
pesquisa e inovação dados pelos concursos e a própria competitividade científica.

Sendo o mercado o factor impulsionador dos processos de produção das inovações


tecnológicas, as necessidades das populações pobres tenderão a ser remetidas para o
baú das más recordações: sendo portadoras de uma imunodeficiência adquirida de
poder de compra insuficientemente incentivador da pesquisa, os seus problemas e as
suas necessidades ficarão permanentemente adiadas em termos das soluções mais
eficazes.

A investigação e desenvolvimento (Research & Development), o pessoal capacitado e


os financiamentos necessários estão concentrados nos países ricos, assenhorados
pelas grandes multinacionais dos diferentes ramos da actividade económica e seguindo
as demandas do mercado mundial dominado pelos consumidores de altos rendimentos.

Durante 1998 os 29 países da OCDE (Organização para a Cooperação e o


Desenvolvimento Económico) despenderam mais de 520 biliões de USD em R&D, ou
seja, mais do que o PIB conjunto dos 30 países mais pobres do mundo. Estes mesmos
países, que acolhem 19% da população mundial, também contabilizaram, nesse mesmo
ano, 91% das 347000 patentes emitidas pelos competentes serviços de registo,
também estes maioritariamente sediados nos países ricos. Nestes mesmos países,
60% da investigação científica e tecnológica é actualmente desenvolvida pelo sector
privado, o que salienta a sua vertente de mercado e de rendibilidade. Logicamente que
ficam rejeitadas as oportunidades para se desenvolverem tecnologias a favor dos
países e das populações pobres. Por exemplo e ainda em 1998, foram gastos cerca de
70 biliões de USD na investigação relacionada com a saúde, mas apenas 300 milhões
de USD terão sido consagrados à investigação sobre a vacina contra o SIDA e 100
milhões de USD para a investigação sobre a malária (os dois mais avassaladores
problemas humanos e económicos da África subsariana). Das mais de 1223 novas
drogas farmacêuticas aparecidas entre 1975 e 1996, apenas 13 foram desenvolvidas

37
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

para tratarem directamente doenças de natureza tropical e tão somente 4 foram o


resultado directo da pesquisa da indústria farmacêutica.

O mesmo panorama domina outras áreas de investigação, na agricultura, indústria e


energia.

Quanto aos modelos de difusão e absorção das tecnologias, a constatação é, do


mesmo modo, no sentido dum enviesamento a favor dos países mais desenvolvidos.
Ou seja, as transformações tecnológicas são desigualmente difundidas pelo mundo,
não oferecendo oportunidades para que os mais pobres delas possam desfrutar. Os
países da OCDE detêm mais de 79% dos utilizadores da Internet, enquanto que a África
se apresenta com menos do que a cidade de S. Paulo no Brasil. Estas disparidades não
devem, porém, constituir surpresa, uma vez que a produção de energia e as redes de
distribuição, desenvolvidas em 1831, ainda não se encontram disponíveis para mais de
um terço da população mundial. Mais de 2 biliões de pessoas ainda não têm acesso a
medicamentos essenciais de baixo custo como a penicilina, desenvolvidos há muitas
décadas atrás. Metade das crianças africanas com menos de um ano de idade não são
imunizadas contra a difteria, o tétano, a pólio, etc.

Tal como no campo do desenvolvimento económico, também no domínio do


desenvolvimento tecnológico e científico as desigualdades são desmedidas e não
cessam de se incrementar. A investigação e a produção de conhecimento estão
concentradas nos países que se acreditam com as mais altas taxas de desenvolvimento
humano, operando-se uma dinâmica de sinergias entre a ciência, a tecnologia e o
crescimento económico que afastará ainda mais os países desenvolvidos dos menos
desenvolvidos. A atracção que os primeiros exercem sobre os poucos cientistas e
investigadores dos segundos – facilitada pela infraestrutura científica, pelas condições
de trabalho e pelo nível de vida das nações mais ricas – acresce o fosso já existente,
agravado ainda mais pelas fracas condições internamente oferecidas a esta classe
trabalhadora. Este movimento é conhecido como a fuga de cérebros dos países
subdesenvolvidos e tem significado uma perda significativa de efeitos que deveriam
resultar dos investimentos que os seus países fizeram em investigação e
desenvolvimento tecnológico (anualmente cerca de 100000 profissionais indianos da
ciência e da investigação tecnológica emigram para os Estados Unidos da América, o
que significa uma perda anual de recursos para a Índia de mais de 2 biliões de USD).

As informações estatísticas contidas no Human Development Report 2001 do PNUD


são esmagadoras quanto à concentração da capacidade de criação de ciência e de
tecnologia.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

ESTADO DO DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO NO MUNDO


PAÍSES TAI CLASSIFICAÇÃO TCI DRENININD HUNSKIN
PAÍSES LÍDERES NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
FINLÂNDIA 0,744 1 0,324 0,744 0,911
EUA 0,733 2 0,384 0,795 0,753
SUÉCIA 0,703 3 0,424 0,640 0,752
JAPÃO 0,689 4 0,618 0,605 0,570
COREIA 0,666 5 0,410 0,423 0,870
HOLANDA 0,630 6 0,372 0,608 0,556
REINO UNIDO 0,606 7 0,287 0,507 0,655
CANADÁ 0,589 8 0,086 0,534 0,740
SINGAPURA 0,585 10 0,051 0,619 0,723
ISRAEL 0,514 18 0,117 0,371 0,592
PAÍSES DE ELEVADA DINÂMICA DE UTILIZAÇÃO TECNOLÓGICA
R. CHECA 0,465 21 0,022 0,374 0,537
HUMGRIA 0,464 22 0,024 0,439 0,510
BULGÁRIA 0,411 28 0,012 0,194 0,575
POLÓNIA 0,407 29 0,016 0,249 0,521
ROMÉNIA 0,371 35 0,004 0,162 0,518
PAÍSES DE MEDIANA CAPACIDADE DE UTILIZAÇÃO TECNOLÓGICA
ÁFRICA SUL 0,340 39 0,003 0,205 0,297
ZIMBABWE 0,220 59 0 0,075 0,233
FONTE: Human Devevelopment Report 2001, UNDP.
NOTAS: TAI – Technology Achievement Index; TCI – Technology Creation Index; DREININD – Diffusion
Recent Techonology Index; - HUMSKIN – Human Skill Index.

Antes de qualquer interpretação dos valores do quadro anterior impõem-se alguns


esclarecimentos:

* o indicador sintético da capacidade de criação científica e de produção de


tecnologia é o TAI, cuja tradução é Índice de Realização Tecnológica. É um indicador
que reúne no seu cálculo muitas variáveis atinentes à educação, às patentes, etc.;
* o segundo indicador TCI – índice de criação tecnológica – é o que expressa as
efectivas capacidades de invenção e de inovação e é composto por informações
relativas às patentes anualmente registadas em cada país, ao licenciamento de
patentes, ao recebimento de “royalities”, etc.;

* o terceiro indicador DREININD – índice de difusão das tecnologias recentes –


abarca informações quanto à utilização da Internet e às exportações de alta e média
tecnologia;

* o último indicador HUMSKIN – índice das qualificações humanas – engloba


aspectos como o número de anos de escolarização e as taxas de escolarização
superior nos ramos das ciências.

Em seguida, os países aparecem classificados: uns são considerados líderes da


produção científica e tecnológica, outros como potenciais líderes e utilizadores muito
dinâmicos das tecnologias inventadas, outros ainda em utilizadores passivos, outros
finalmente, os marginalizados de todo este processo, e que são a esmagadora maioria.

Relativamente aos países africanos subsarianos, os únicos que aparecem recenseados


são a África do Sul e o Zimbabwe, como detentores de alguma capacidade de aplicação
de determinadas tecnologias. Particularmente em relação ao primeiro – que
inclusivamente suplanta o Brasil, país reconhecidamente possuidor duma base

39
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

industrial desenvolvida, duma sociedade altamente sofisticada e de um corpo


considerável de cientistas - não é de admirar que assim seja, haja em vista até
determinados trabalhos pioneiros que este país tem apresentado, como, por exemplo,
os transplantes cardíacos e a investigação sobre medicamentos para a cura do SIDA.

A posição no “ranking” mundial da produção científica e tecnológica dos países


africanos leva-os a serem classificados como tecnologicamente atrasados, não
investindo o suficiente em pesquisa e desenvolvimento, onde o ensino da matemática e
das ciências é ruim e a difusão das velhas tecnologias como os telefones e a
electricidade é ainda muito rudimentar. Tratam-se de países assolados com pragas
sociais como a guerra, a instabilidade social, o SIDA, a malária e a tuberculose. São
maleitas que atingem em muito os respectivos desempenhos económicos, porque
infringem pesados danos sobre a produtividade, o absentismo e o crescimento
económico.

Ainda hoje determinadas instituições internacionais, como o FMI, não conseguem


atribuir àqueles factores a importância que realmente detêm para a resolução do
subdesenvolvimento africano. Continuam a não ver que a erradicação do
subdesenvolvimento e da pobreza está intimamente ligada às metas de crescimento
sustentável de longo prazo. Ainda pressionam os governos para a realização de
reformas fiscais, a privatização, etc., enquanto mais de metade da sua população está
em vias de morrer.

Sem a resolução destes problemas básicos e que passam por uma muito maior difusão
dos avanços tecnológicos, os países africanos continuarão por muito mais tempo
marginalizados do desenvolvimento económico e dos processos de produção de
conhecimentos. Sem tecnologia e sem recursos humanos habilitados, os países
africanos continuarão sem condições de competir nos mercados internacionais e cada
vez mais dependentes da exportação de produtos minerais de base e de produtos
agrícolas. As políticas do FMI têm conseguido, em alguns casos, promover a
estabilidade macroeconómica, mas têm sido verdadeiramente incapazes de incentivar o
crescimento económico e garantir o desenvolvimento sustentável (ver o meu artigo
nesta mesma revista no seu número 7). Por isso, logo a seguir a uma razoável
performance macroeconómica, estes países vêm-se novamente a braços com outras
crises das suas balanças de pagamentos, surgindo de novo o FMI para uma mesma
operação de salvamento. Os problemas de longo prazo continuam sem respostas.

6.- PORQUE OS AFRICANOS DESCONFIAM DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL


(AS LIMITAÇÕES DO MODELO ECONÓMICO DO FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL)
(Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado”, nº 12, Março de 2003)

As críticas africanas ao modelo económico do FMI são antigas, destacando-se as de


brilhantes economistas como Adbayo Adedegi (antigo director da Comissão Económica
para África da Organização das Nações Unidas). Tão profundas têm sido as desilusões
em África que a desconfiança tomou conta da sua “inteligência”, dos seus lideres e,
claro, da imensa maioria da população que não vê forma de romper com o círculo da
pobreza.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

São bastantes as razões. Quando estalou a crise financeira na Argentina pensei, num
primeiro momento, que as causas estariam na própria política económica deste país,
que de resto tinha estabelecido vários programas com o Fundo Monetário Internacional.
Seis meses depois mudei radicalmente de opinião. Não que absolva as autoridades
argentinas da sua responsabilidade no fracasso da sua mais recente política
económica. Mas o que fica claro e evidente é que o FMI não tem ideias inovadoras para
apresentar como solucionadoras da crise, financeira primeiro e agora económica.
Continua a insistir17 que a crise argentina é a consequência da derrocada fiscal e do
facto de o Governo viver acima das suas possibilidades. Solução para este diagnóstico:
redução substancial das despesas orçamentais, exactamente como tem proposto para
Angola. Mas o mais espantoso é que à medida que a crise se agrava – espera-se que a
produção se reduza entre 10% a 15% e a taxa de desemprego possa ascender a mais
de 30% da população em idade activa – o FMI continua a exigir (para que possa
dispensar empréstimos necessários ao seu debelamento) mais cortes na despesa. Este
método foi abandonado pelos países desenvolvidos há mais de 70 anos, durante a
Grande Depressão Económica de 1929-1932. O Fundo parece ignorar que o
incremento do défice fiscal da segunda maior economia da América do Sul mais não é
do que a consequência da quebra do crescimento económico ocorrida desde 199918
derivada da forte desvalorização do real brasileiro em Fevereiro desse mesmo ano19.
Os agentes económicos argentinos esperavam que o “peso” igualmente se
desvalorizasse e como tal não ocorreu a sua economia perdeu competitividade e vigor,
os investidores abandonaram o país, as taxas de juro aumentaram e os depósitos
bancários entraram em colapso, tendo, então, a economia entrado em recessão, do que
resultou uma quebra de receitas fiscais. Portanto, os défices fiscais foram a
consequência de uma redução de actividade e não de uma qualquer e inopinada
política orçamental que tivesse elevado em excesso as despesas do Estado. O remédio
encontrado pelas autoridades argentinas e pelo Fundo Monetário Internacional foi,
claro, a redução das despesas públicas à boa maneira da Grande Depressão dos anos
30. O FMI, ao concentrar a política económica na redução do défice orçamental, está a
perseguir os sintomas da doença argentina e não as suas reais causas. As suas
propostas são desajustadas para resolver a crise económica deste país, uma vez que a
redução dos serviços públicos está a pôr em risco de colapso os sistemas de educação
e de saúde do país.

Concomitantemente com a crise argentina temos a brasileira. O Brasil acabou de


rubricar em Agosto deste ano uma extensão do seu acordo com o FMI e que lhe poderá
valer um empréstimo recorde de cerca de 30 biliões de dólares. Como se sabe, o “real”
brasileiro tem sido objecto de bastantes ataques especulativos, provenientes da relativa
incapacidade da economia brasileira saldar os seus compromissos de curto prazo em
moeda estrangeira. Esta expectativa tem gerado e alimentado a desconfiança dos
mercados internacionais em relação à maior economia da América do Sul, os
17
Como, de resto, é seu apanágio em Angola, em África, na Ásia e quando o Homem se instalar noutros
planetas, para aí também o FMI transladará as suas interpretações das crises económicas.
18
Curiosamente nos anos de forte crescimento económico o défice orçamental argentino foi elevado, sem
que daí adviessem as consequências nefastas que esta instituição lhes atribui.
19
As relações económicas entre estas duas economias da América do Sul são muito intensas, ficando cada
país na dependência do que se passa no outro. O Brasil, por exemplo, está a pagar a actual crise argentina,
tendo-se as suas exportações reduzido substancialmente, sem, por enquanto, haver conseguido encontrar
um outro espaço económico interessado nos seus produtos. De resto, os Estados Unidos da América
contribuem para esta recessão das exportações brasileiras com o levantamento de restrições às importações
de aço.

41
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

investimentos externos estão retraídos e a saída de capitais pressiona a procura de


divisas. Acresce que a crise das bolsas norte americanas – finalmente estalou o verniz
dos norte americanos, sempre tão prontos a criticar os outros países por falta de
transparência nas contas públicas e afinal são os gestores e as empresas privadas
americanas quem mais violam as regras básicas e elementares da contabilidade e da
seriedade intelectual20 - tem contribuído para a retracção dos investidores, receosos de
que a “doença americana” se transmita à economia brasileira, atendendo aos laços
existentes entre os dois países e, no mesmo sentido, tem jogado a incerteza quanto aos
resultados das eleições internas21. O dólar norte americano está neste momento cotado
a mais de 3 reais, imaginando-se as consequências que daí poderão advir para o sector
produtivo do país – inflação e retracção da actividade económica. Portanto, qualquer
problema que possa vir a ocorrer em termos de finanças públicas do país será mais o
resultado duma quebra de actividade, do que de um excesso de despesas públicas. Ao
que parece, o orçamento federal tem apresentado um saldo positivo e, no entanto, o
recente acordo de extensão estabelecido com o FMI determinou que o excedente fiscal
tem de se fixar nos 3,5% do PIB. Para quê? Para contrariar que tendência consumista
do Estado se o saldo das contas públicas até tem sido positivo? O que quer, de facto, o
Fundo com esta meta? É fácil de explicar: sendo esta instituição internacional dominada
pelos interesses financeiros das economias desenvolvidas, perante quem a dívida
externa brasileira está titulada, então o excedente orçamental tem como principal
finalidade – como de resto o excedente da balança de pagamentos, que é outra das
metas constante das intransigências do FMI – pagar a dívida externa. Estou cada vez
mais convencido de que o FMI não está preocupado com as crises económicas dos
países menos desenvolvidos! Só o está na estrita medida em que forem limitadoras do
resgate das suas dívidas externas.

Uma outra razão para se desconfiar das propostas económicas do FMI relaciona-se
com o domínio que os Estados Unidos exercem sobre esta instituição. E apesar da
economia americana ser, indiscutivelmente, a maior do mundo, deste país ser cientifica
e tecnologicamente o mais poderoso, há muita gente – talvez muito mais do que os
americanos pensam e gostariam – que também desconfia da América. Com os recentes
escândalos financeiros, o império americano está, neste momento, nu. Em menos de
trinta meses as acções de Wall Street perderam mais de 7 trilhões de dólares, quase o
PIB do conjunto da União Europeia. O défice fiscal americano tem-se vindo a agravar
com a obsessão de George Bush quanto ao terrorismo internacional, à “guerra das
estrelas”, ao ataque ao Iraque e ao aumento das despesas militares. E que se saiba o
FMI tem tido, a respeito, uma atitude muito cautelosa de não intromissão nos assuntos
internos do Tesouro americano. E quanto às despesas militares é espantosa a audácia
com que os Estados Unidos criticam o seu excesso noutros países: em 2001 os seus
gastos militares foram superiores ao conjunto dos da China, da Rússia, da Inglaterra, da
Alemanha, do Japão e da França! Para quê? Claro para afirmarem a sua hegemonia e
destacarem o seu papel de polícias do mundo. Mas que não seria necessário. Basta a

20
Os americanos têm de começar a compreender que não são nenhum poço de virtudes, nem tão pouco o
maior e único exemplo que devem dar ao mundo em termos de liberdades e garantia dos direitos humanos.
A sua taxa de pobreza situa-se entre 7% e 10% e atinge predominantemente os negros, continua-se a
praticar a pena de morte – que deve ser o maior atentado aos direitos humanos – a sua recusa em adoptar
regras que preservem o ambiente atinge as raias do paroxismo e inclusivamente as últimas eleições para a
presidência foram muito discutidas em termos da sua total transparência (ver Michael Moore, Stupid White
Men, Harper-Collins Publishers, Inc., 2001).
21
Quando este artigo for publicado já este “enigma” estará resolvido.

42
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

força da sua economia22: 1 em cada 3 dólares de riqueza em circulação no planeta é


americano (mais concretamente, 31,2% do PIB mundial) e mais de ¼ do comércio
internacional é dominado por este país que detém, tão somente, 4,7% da população
mundial.

Desconfia-se do FMI igualmente por causa do pensamento único. O Fundo quer


convencer a Humanidade de que só existe um pensamento económico válido para
abordar as crises, resolver o desemprego e promover o desenvolvimento: a doutrina
neoclássica ou o ultraliberalismo. A grande maioria dos “think tanks”23 desempenha o
papel de carros-vassoura da ideologia neoliberal, que pretende não conhecer fronteiras.
Os evangelistas do mercado multiplicam-se no mundo anglo-saxónico por onde se
expandiram os mais antigos dos “think tanks” britânicos e americanos, como são os
casos do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia. Mas estendem igualmente a sua
actividade em direcção ao mundo em desenvolvimento, tendo debaixo de mira, por
exemplo, a América do Sul e os antigos países de Leste, onde certas experiências
governamentais neoliberais são directamente inspiradas pelos economistas de Chicago
e activamente sustentadas, no terreno, pelas novas filiais dos “think tanks” ocidentais.
Recuso – e felizmente muitos como eu o fazem – esta ditadura de ideias. O
ultraliberalismo não é uma receita económica universal. Ela não serve para a África,
nem para Angola, apesar dos “Chicago boys” que dominam certas instituições públicas
angolanas. Se a “mão invisível” que comanda o funcionamento do mercado é invisível,
então é porque não está lá. Por detrás duma concepção fundamentalista do mercado,
defendida pelos ultraliberais, está o pressuposto duma informação perfeita e de
mercados completos, que não tem sentido algum nos países desenvolvidos e muito
menos nos em desenvolvimento.

Suspeita-se do FMI porque as suas propostas e exigências são ideológicas e políticas e


não económicas e sociais. A teoria económica mostra que a liberalização dos mercados
de capitais produz mais instabilidade, mas não mais crescimento económico. No
entanto, apesar desta advertência da Economia, o FMI continua a defender e a
promover esta liberalização. Os motivos porque o faz são ideológicos e políticos.
Ideológicos porque o FMI é o defensor dos mercados financeiros e não da economia
real. É por isto que só consegue entrever nas crises económicas os défices fiscais.
Ideológicos porque o Fundo, à semelhança dos “think tank” neoliberais, é
profundamente anti-keynesiano e anti-intervenção do Estado na economia. Por isso as
suas receitas de redução drástica das despesas públicas. Políticos porque o Fundo
Monetário Internacional actua em nome do Departamento do Tesouro norte americano,
dominado pelos grandes interesses financeiros. Um país para que possa desfrutar da
ajuda da União Europeia e do Banco Mundial tem de obter o beneplácito do FMI, tendo,
assim, esta instituição um poder efectivamente discricionário e desproporcionado sobre
os países em desenvolvimento. O FMI e o Departamento do Tesouro americano
aproveitam-se da situação dos países em crise para promoverem a sua própria

22
É a velha contraposição entre o argumento da força e a força do argumento.
23
Verdadeiras fábricas de pensamento único e de imposição violenta das ideias neoliberais. Estas escolas
do pensamento único foram inspiradas pela escola austríaca de economia, com Friedrich von Hayek e
Friedrich von Mises, profundamente anti-keynesianos e avessos a qualquer forma de intervenção do Estado
na economia e que fundaram organizações de divulgação do pensamento único como a Heritage
Foundation, o Institute of Economic Affairs e outras de semelhante ditadura de ideias.

43
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

ideologia e defenderem os seus interesses24. Os governos dos países assistidos pelo


Fundo vêm-se, assim, na impossibilidade de promover o emprego e o crescimento
económico, preocupados que ficam, por causa do FMI, em controlar a inflação25 pela via
da contracção das despesas públicas e da abertura dos países ao comércio
internacional.

Fica-se desanimado com o FMI finalmente porque a sua ideologia económica não se
aplica a África. A teoria económica neoclássica assenta em dois postulados: a
racionalidade e o equilíbrio dos mercados. A racionalidade pressupõe que os agentes
económicos maximizam a sua função de utilidade (ou função de preferência individual)
sob determinadas condições: os empresários devem maximizar o lucro, enquanto que
as famílias procuram obter os máximos consumos com o menor dispêndio.

O equilíbrio dos mercados parte da existência das interdependências entre as acções


de todos os agentes e da verificação da concorrência perfeita, que possibilitam o
equilíbrio entre a oferta e a procura.

Estes postulados permitem compreender o funcionamento das economias em


desenvolvimento ou torna-se necessário modificá-los e adaptá-los de modo a tomar-se
em atenção determinadas particularidades?

Quanto à teoria do comportamento individual segundo a qual cada agente deve


maximizar a sua função de utilidade de acordo com determinadas restrições tem-se
opinado que certas atitudes observadas nos países em desenvolvimento seriam
“irracionais”, como, por exemplo, as reacções negativas da oferta à subida dos preços,
a ausência do sentido do lucro máximo, a preferência por consumos “inúteis”, etc.
Todavia, estes comportamentos não põem em causa a correspondente teoria, não
podendo, em decorrência, serem classificados de irracionais. O que se passa é que as
funções de preferência são diferentes das dos agentes dos países desenvolvidos.
Determinadas sociedades valorizam mais a poupança, o lucro, o trabalho e a liberdade,
enquanto que noutras são a segurança e o consumo as variáveis mais estratégicas e
relativamente às quais os comportamentos devem ser maximizados. Não obstante, isto
não significa que a teoria microeconómica tradicional seja sempre pertinente para
descrever os comportamentos observados nos países em desenvolvimento.

Com efeito, três restrições podem ser apontadas:

 nos países em desenvolvimento os agentes não dispõem senão duma


informação limitada26, tanto sobre as possibilidades técnicas, quanto em
relação aos diferentes mercados; esta deficiência de informação obriga os

24
São ilustrativas, a este propósito, as desastrosas declarações do Secretário do Tesouro norte americano
quanto ao pretenso destino que os governantes brasileiros dariam aos financiamentos recebidos do FMI.
25
Muitos estudos empíricos comprovam que enquanto a inflação for baixa ou moderada não tem efeitos
prejudiciais. Centrar de forma tão obsessiva, como o faz o FMI, a política económica na contenção da
inflação em níveis muito baixos, pode revelar-se muito pernicioso para o emprego e o crescimento
económico.
26
Para Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia em 2001, os mercados dos próprios países
desenvolvidos funcionam com decisões tomadas na base de informação assimétrica, donde não poderem
ser os meios mais eficazes em termos de maximização de aplicação de recursos.

44
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

agentes a não considerar senão métodos ou comportamentos tradicionais


que conduzem a situações sub-óptimas;
 os agentes nos países em desenvolvimento são levados a maximizar muito
mais a sua segurança, do que o lucro. Os camponeses pobres angolanos
(70% da população total do país) cuja safra de milho ou de mandioca lhe
assegura justamente o mínimo para sobreviver concerteza que rejeitam
assumir o risco associado a uma mudança nos métodos de cultivo agrícola,
por mais liberais que sejam as medidas macroeconómicas27, porquanto e em
caso de insucesso, o camponês entra num círculo infernal de endividamento
usurário ou então passa a engrossar os fluxos das migrações;
 em muitos casos, os agentes económicos estão limitados no exercício da
escolha, que supõe uma certa liberdade social e cultural, bem como a
ultrapassagem dos limiares de subsistência. Na verdade, quando os
rendimentos monetários são mínimos, as possibilidades de escolha não
existem, pelo que um dos fundamentos da economia neoclássica – é a
melhor escolha que leva à maximização das funções de utilidade dos
agentes – deixa de ter consistência nestas economias.

Pelas observações anteriores parece ficar claro que a economia neoclássica apenas
pode explicar o comportamento dum número muito restrito de agentes – os das cidades
e da economia formal – donde, as políticas que propõe estarem, à partida, condenadas
ao fracasso.

Relativamente ao comportamento dos mercados e ao ajustamento entre a oferta e a


procura devo esclarecer o seguinte. Para que se constitua um mercado duas condições
têm de estar preenchidas. Em primeiro lugar, é fundamental que o bem ou serviço seja
efectivamente trocado por moeda ou por outro bem ou serviço. Em segundo lugar, é
necessário que se criem ofertas e procuras que respondam às variações dos preços28.
Em definitivo, os mercados devem ser os instrumentos reguladores duma correcta
aplicação de recursos escassos. No entanto, nas economias em desenvolvimento, os
mecanismos de mercado são, na maior parte das vezes, defeituosos. Por um motivo
simples: se já nos países desenvolvidos a falta de concorrência tem sido apontada
como uma das falhas flagrantes do comportamento dos respectivos mercados29, nas
economias em desenvolvimento os mercados caracterizam-se por uma enorme
ausência de concorrência, devido à exiguidade dos mercados nacionais e à carência de
agentes de oferta e de procura30.

Outro aspecto relaciona-se com as imposições do mercado mundial. Por exemplo, no


caso do petróleo angolano, de cujas receitas depende 90% da actividade económica
interna, é evidente que o ajustamento dos agregados macroeconómicos e a alocação

27
É nestas circunstâncias em que a segurança domina a função de utilidade que, por exemplo, o controle da
inflação, enquanto um dos resultados da política macroeconómica de estabilização, pouca ou nenhuma
influência exerce nos comportamentos dos camponeses.
28
Os preços são os mais importantes sinalizadores das decisões económicas. Se porventura existirem
outros, como os atrasos na produção e as filas de espera, os mercados acabam por funcionar na base de
preços fixos.
29
A política de concorrência e preços é um dos mais importantes instrumentos de regulação do mercado
que estas economias aplicam.
30
As elevadas taxas de pobreza confinam o consumo aos níveis de subsistência, pelo que se torna difícil o
aparecimento de procuras sustentadas.

45
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

de recursos em função de um preço que se não controla conduz, obviamente, a muitas


distorções.

Naturalmente que estas observações não colocam em causa o mercado – não há


alternativa – mas sim o mercado concorrencial.

Nesta altura poder-se-á questionar se existe alternativa ao Fundo Monetário


Internacional. Analisemos com alguma atenção esta questão.

Um dos principais argumentos que se aduz para que Angola estabeleça um programa
de ajustamento estrutural com o Fundo Monetário Internacional é o da credibilidade da
política económica perante os países desenvolvidos – leia-se face ao Departamento do
Tesouro norte americano – e as instituições financeiras internacionais, podendo-se,
como consequência, obter empréstimos externos em muito melhores condições.

Mas afinal que angolanos somos nós que necessitamos que alguém de fora venha dizer
como gerir os nossos próprios recursos? Falta de capacidade técnica ou
desconhecimento da ciência económica?

De acordo com as últimas projecções quanto às receitas fiscais minerais, o Estado irá
auferir, em média anual, entre 2003 e 2007, cerca de 5,2 biliões de dólares, com um
pico neste último ano de quase 7 biliões de dólares.

Uma política de independência face ao FMI exige, em primeiro lugar, que se estabeleça
uma estratégia de desenvolvimento a longo prazo que claramente aponte os caminhos
de melhoria das condições de vida da população, muito em particular da camponesa
que vive em condições de extrema pobreza. Uma estratégia que leve em atenção as
observações anteriormente expendidas quanto às insuficiências da doutrina neoliberal.
Uma estratégia que estabeleça como primeira responsabilidade do Estado a promoção
do emprego e do crescimento e utilize o controlo da inflação como um instrumento para
esse fim.

Em segundo lugar, exige-se seriedade e honestidade dos líderes políticos e dos


decisores públicos, na gestão dos recursos da Nação. Este aspecto é que é o
determinante para a necessária credibilidade externa da política económica nacional.

Finalmente, uma dose muito elevada de patriotismo. Os compatriotas das Lundas, do


Moxico, do Kuando-Kubango, do Huambo, de Malanje, do Bié, etc., vivem em condições
verdadeiramente infra-humanas. É fundamental que os governantes se desloquem a
estas zonas para entenderem que a macroeconomia do FMI está muito longe de trazer
soluções sustentadas e definitivas para os seus problemas mais essenciais.

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

CAPÍTULO SEGUNDO – INVESTIMENTO, SECTOR PRIVADO E CRESCIMENTO


ECONÓMICO

1.- A RECUPERAÇÃO ECONÓMICA E OS PROBLEMAS DO SECTOR PRIVADO NACIONAL


2.- O ESTADO DA ECONOMIA ANGOLANA EM 2001 E ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE AS
PERVERSIDADES DO PETRÓLEO
3.- OS FACTORES E OS CONTEXTOS DAS DECISÕES EMPRESARIAIS
4.- OS FACTORES SÓCIO-ECONÓMICOS DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO EM ÁFRICA
5.- ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO PARA ANGOLA
6.- PRODUTIVIDADE: CALCANHAR DE AQUILES E UM DOS PRINCIPAIS DESAFIOS DA
ECONOMIA ANGOLANA
7.- ANGOLA: DE UMA ECONOMIA DE GUERRA A UMA ECONOMIA DE PAZ
8.- AS QUESTÕES MACROECONÓMICAS ESSENCIAIS DO MODELO ESTRATÉGICO DE
DESENVOLVIMENTO DE ANGOLA

1.- A RECUPERAÇÃO ECONÓMICA E OS PROBLEMAS DO SECTOR PRIVADO


NACIONAL
(Artigo publicado da Revista “Economia e Mercado”, nº7, Setembro/Outubro de 2001)

É consenso que a economia nacional está em crise. É consabido que a indústria tem
atravessado um processo de quase autofagia. É evidente que a agricultura perdeu o
seu vigor e praticamente se transformou numa actividade itenerante, ao sabor das
“permissões” da guerra. E, acima de tudo, é clara a inexistência duma Visão profunda
da sociedade e da economia nacionais e dum projecto de mobilização dos agentes
económicos e dos actores sociais. Na ausência do essencial não se podem esperar
senão pontos de vista limitados e propostas conjunturais.

Qual foi a performance da economia nacional durante o período a que se convencionou


chamar de “década de transição para a economia de mercado”? Muito fraca e
particularmente oscilante, em que o que de mais constante que se observou não foi a
mudança mas sim a recessão. Os três indicadores gerais normalmente utilizados para
se medir o desempenho duma qualquer economia são a taxa de crescimento do PIB (a
que se pode adicionar o ritmo de variação da sua capitação como mostrador sintético
das condições de vida dos cidadãos), a taxa de inflação e a taxa de desemprego. Os
défices orçamentais são uma medida de apreciação da gestão macroeconómica.

Sinteticamente, o comportamento daqueles indicadores durante a década de transição


para a economia de mercado foi o seguinte:

 medido em dólares dos Estados Unidos, o PIB teve uma taxa de variação
média entre 1989 e 2000 de -3,1% (regressão logarítmica) ou de -2,4%
(método exponencial) ou de -0,76% (média aritmética das variações anuais).
Os valores constantes do Relatório do Desenvolvimento Humano de 2000
referem-se a uma taxa de -3,3% entre 1990 e 1998. Verifica-se, portanto,
que segundo diferentes métodos a economia nacional apresentou uma

47
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

recessão sustentada desde 1989, confirmada, de resto, pelas variações


anuais de -27,2% em 1993 e -26,2% em 1994;
 o produto médio por habitante teve uma quebra ainda mais acentuada,
cifrada em -5,9% (método exponencial) ou -4,4% (média aritmética das
médias móveis); a média do PIB por habitante na década foi de cerca de 586
dólares americanos, pouco mais de 1,6 dólares por dia;
 a produtividade geral da economia deve ter regredido a uma taxa média
anual de 2,6%, tendo-se observado apenas três anos na década em que os
ganhos de produtividade podem ter sido positivos;
 a taxa de inflação média (média simples) foi na década de 967,5% e a
degradação do poder de compra da moeda nacional operou-se a um ritmo
de 84,6% ao ano (média das variações anuais);
 o desemprego agravou-se a uma cadência média anual de 3,4% (valores
muito próximos qualquer que tenha sido o método de cálculo);
 o défice fiscal registou melhorias consideráveis, tendo recuperado a uma
taxa média na década de 21,0%, situando-se o défice médio durante esse
mesmo período em - 16,4%;
 finalmente, o “spread” cambial registou, do mesmo modo, uma tendência
positiva de evolução, tendo a convergência cambial sido realizada a um ritmo
médio anual de 17,8% .

Verifica-se, por conseguinte, que o ambiente geral em que a actividade da economia


não petrolífera se efectivou foi bastante adverso, não sendo assim de censurar que os
comportamentos e as atitudes dos agentes privados tenham sido e ainda continuam
sendo, sobretudo, defensivos, em vez de pro-activos e de incidência estratégica. Há
uma grande preocupação de se defender o que resta, nem que para isso as medidas
propostas tenham um forte pendor administrativo e proteccionista. O receio pela ordem
económica internacional e pelas consequências que uma (necessária) abertura da
economia nacional pode arrastar, justificam este tipo de reacções. O Estado tem de ter
uma atitude de extrema pedagogia e de permanente diálogo.

Em termos da economia industrial - a que tem sido bastamente debatida, discutida e


defendida de modo incisivo pela Associação Industrial de Angola (AIA) - a situação de
recessão foi ainda mais expressiva ao longo da década de 90. Na verdade:

 o desemprego industrial cresceu em média 1,1% por ano; a importância das


empresas públicas industriais como amortecedores do desemprego é a única
explicação para que a degradação do emprego industrial não tivesse sido
mais expressiva. No entanto, menos desemprego teve um preço social
equivalente a menor produtividade;
 a produtividade industrial regrediu a uma cadência média de quase 2% ao
ano, para além de apresentar expressões valorativas muito baixas:
aproximadamente $4026 em 1990 e $3420 em 2000;
 a desindustrialização operou-se a uma cadência média de 5,7% durante a
década;
 o índice de industrialização passou de 100 em 1974 (base de partida) para
24,3 em 1989 e para 13,2 em 2000. Esta evolução é dramática: em 1974 a
participação da indústria transformadora do PIB global foi de 29,6%, em
1989 cifrou-se em 7,2% e em 2000 em 3,9% - simplesmente aterrador,
porque neste momento o país está virtualmente desindustrializado;

48
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 o índice do valor acrescentado da indústria transformadora (base 100 em


1989) situou-se em 2000 em 41,4.

Em matéria de comércio externo - a que directamente se entronca nas propostas de


rearmamento aduaneiro defendidas, quase de forma dramática, pelos empresários
nacionais como forma de abrigo para a indústria e a agricultura - a década de transição
para a economia de mercado foi marcada pelas expressões numéricas seguintes:

 as exportações totais (95% das quais petrolíferas) altearam-se a um ritmo


médio de 3,3% (regressão logarítmica) entre 1990 e 1999 e o seu valor
médio no período considerado foi de 4138,0 milhões de dólares americanos;
 as importações totais (incluindo as que directamente as concessionárias
petrolíferas fazem e que em média anual foram de 900 milhões de dólares)
evolucionaram a uma cadência de 7,4% (regressão logarítmica), com um
valor médio anual de 5018,6 milhões de dólares;
 a Balança de Transacções Correntes degradou-se a um ritmo
impressionante de 30,7% (método exponencial) ou de 51,2% (média
aritmética das variações anuais);
 a “ratio” média importações/exportações tem os valores seguintes: medida
pela comparação entre as taxas médias anuais de variação, o valor foi de
1,04, o que significa que em média o crescimento das importações foi
anualmente superior em 4% ao das exportações (em termos tendenciais e
para 10 anos a degradação foi de 48%); medida como o cociente entre as
médias das importações e das exportações, a cifra foi de 1,21 - anualmente
as importações superaram as exportações em mais de 21%.

A conclusão é óbvia: a economia nacional está subjugada pelas importações. Bastante


da explicação da desindustrialização verificada desde há muito tempo está nesta
apetência nacional - quase mesmo uma avidez - para as importações. Tem-se,
portanto, uma realidade económica extraordinariamente debilitada e uma classe
empresarial que reclama por medidas de contenção desta degradação, de protecção do
parque produtivo e de incentivo para a indispensável viragem.

Que tipo de política e de instrumentos, essa é que é a grande questão. Do ponto de


vista estrutural, as formas de intervenção do Estado têm de ter uma perspectiva
nacional e um sentido estratégico. Só assim se pode começar a inverter tendências
afrontosas e a construir um clima de confiança nas nossas próprias forças.

Há dois aspectos que devem ser referidos de forma enfática. O primeiro é o de que não
pode haver economia de mercado sem o sector privado. Verdade insofismável mas
referida porque creio que ainda prevalece uma certa mentalidade estatista e ainda se
pensa ao nível do poder político que a classe empresarial nacional tem pouca
capacidade empreendedora.

O segundo aspecto tem a ver com a circunstância de ter de ser o sector privado o
principal actor da reconstrução económica do país, contrariando algumas ideias sobre
um Estado-empresário que deve continuar a existir.

Como se sabe, o Estado ainda é neste momento – correspondente a uma fase de


transição para a economia de mercado ainda mal definida e particularmente mal

49
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

organizada – o agente mais importante da economia nacional. Continua a ser o mais


importante detentor de activos reais, expressos nas empresas públicas e no património
imobiliário, e o único agente gerador de divisas, através das suas concessionárias dos
recursos nacionais não renováveis. Detém ainda uma quota parte importante do
Produto Interno Bruto representada pelo consumo público. É o segundo maior
importador a seguir às concessionárias petrolíferas e também o maior investidor
nacional (só suplantado pelo investimento privado estrangeiro). A totalidade da dívida
externa está por si titulada, sendo por isso que o respectivo serviço consome grandes
fatias do Orçamento Geral do Estado. É o maior empregador da economia (196000
funcionários civis), mas nem por isso consegue distribuir rendimento capaz de criar um
poder de compra interno que aligeire o risco dos investimentos privados. Detém um
peso relevante no sistema bancário através dos seus dois bancos comerciais.

Devido a este peso económico despropositado quando se fala de economia de


mercado, é que todo o processo de devolução da economia ao sector privado tem de
começar pelo Estado. Portanto, quando se coloca no centro das reformas económicas e
institucionais a reformulação de toda a actividade do Estado, não é por mero acaso,
nem sequer por meras razões de doutrina económica. É, na verdade, uma necessidade
nacional.

É esta economia que temos, fortemente intervencionada pelo Estado – daí que falar-se
de economia de mercado tenha por vezes um sabor um bocado bacoco – desarticulada
pela guerra, desequilibrada pela influência negativa da acção do Estado e com um
baixo grau de competitividade. Ainda por cima com uma economia petrolífera
completamente extrovertida, obedecendo à lógica do dólar, resguardada com imensos
incentivos, nomeadamente aduaneiros e cambiais, e favorecendo com os enormes
recursos financeiros que gera sistemas financeiros e bancários estrangeiros.

A recuperação da produção e a reversão da pobreza devem ser apropriados por todos


os cidadãos como os grandes desígnios nacionais. Naturalmente que a reconciliação
nacional tem um peso preponderante, qualquer que seja o modelo definido. Mas para
que seja substantiva e viável, o seu conteúdo não pode apenas ser político. É que a
economia por vezes é chamada a dar consistência e objectividade a propósitos
políticos. A reconciliação nacional não o será se não for obra de todos, mas também
não o será sem uma base material forte e sustentável.

Se pensarmos que a redução significativa da pobreza exige que nos próximos dez anos
o PIB tenha de crescer a uma média anual superior a 10%, começamos a ter uma mais
verdadeira consciência da extensão dos problemas a resolver. Como se sabe, a
dimensão do rendimento é uma das que enforma o fenómeno da pobreza. Daí que a
sua elevação se deva assumir como um objectivo estratégico. O Produto Interno Bruto
por habitante foi de cerca de $450 dólares americanos (correspondente a $1,23 dólares
diários) em 2000. A sua duplicação em dez anos colocaria o rendimento diário de cada
cidadão em cerca de $2,5 dólares, nada de verdadeiramente especial. Esta duplicação
exige que o PIB por habitante tenha de evoluir a uma taxa média anual de 7,2% até
2010. Se a evolução demográfica se não se alterar significativamente, mantendo-se a
um ritmo anual de cerca de 2,7%, chega-se ao valor anterior de cerca de 10% para o
ritmo de crescimento do produto interno.

A actual estrutura do PIB aponta para uma repartição entre a economia petrolífera e a
economia não petrolífera de 60% para a primeira e 40% para a segunda. Admitindo a

50
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

sua manutenção, as taxas parciais de crescimento médio anual para a próxima década
são respectivamente de 8% e de 15%. Este é o grande desafio: a economia não
petrolífera terá de crescer a um ritmo quase estonteante se quisermos que a pobreza se
reduza a metade no seu critério rendimento – não estou a considerar os problemas de
distribuição do rendimento e do respectivo modelo, o que me encaminharia para outras
vertentes do problema, com relevo para a dimensão política.

Em termos de novas empresas, um crescimento médio de 15% ao ano exige a


constituição de dezenas de milhar em 10 anos e a uma velocidade compatível.
Percebe-se agora a dramaticidade e urgência da desburocratização. Em todos os
países que encararam de modo frontal a reestruturação e a modernização da
Administração do Estado, o crescimento económico reagiu favoravelmente. Num estudo
elaborado por eminentes economistas da Universidade de Harvard a pedido do Fórum
Económico Mundial de Davos em 1998 e intitulado African Competitiveness Report, a
burocracia e a corrupção foram referenciadas como dois importantes limites ao
investimento privado. E sem investimento privado não há crescimento. A transparência
e a celeridade dos serviços do Estado foram referidas pela maior parte dos empresários
entrevistados como dos melhores incentivos que podem ser dados à iniciativa privada.

Os empresários angolanos estão quotidianamente envolvidos em camisas de 1001


varas, tantas ou mais são as dificuldades que rodeiam o exercício normal duma
actividade que tem importantes incidências sociais. Se a via do rearmamento aduaneiro
não pode ser utilizada - como de resto é a minha opinião ou se o for terá de ser muito
mais mitigada, até como forma de se contribuir para a aquisição duma real
competitividade internacional - então o que resta? Se a via for a da multiplicação do
crédito pelo sector produtivo, aqui “del-rei” vem o FMI e diz que não pode ser. Se for por
intermédio dos juros bonificados, idem, idem, aspas, aspas, o carácter fungível do
dinheiro permite eventuais desvios dos créditos bonificados para outras finalidades que
não as contratadas. Se são criados Fundos especiais de apoio ao empresariado, as
críticas de falta de transparência são de imediato avançadas. Então o que fazer?
Parece-me que uma resposta que o Governo tem de arranjar perante tantos
constrangimentos que se opõem à actividade do sector empresarial é a da
desburocratização urgente do sistema de exercício da actividade económica. Seria
como que uma (ainda que pequena) compensação perante outro tipo de dificuldades a
que os empresários vão ter de se habituar a conviver, porque fazem parte deste
ambiente, como a concorrência interna e externa, o espírito empreendedor e inovador, a
assunção do risco, etc.

Os empresários privados nacionais defrontam-se com inúmeros problemas e obstáculos


para o exercício normal da sua actividade económica. Embora se deva reconhecer – até
como forma de incentivo ao Governo – que algumas reformas estruturais de mercado
têm sido realizadas – e com um relativo sucesso – todavia, o ambiente geral prevalece
desincentivador, a velocidade das mudanças é lenta, as interferências político-
partidárias acentuaram-se, a coordenação das políticas económicas é deficiente – como
exemplo, o país não tem uma estratégia de médio/longo prazo que sirva de farol para a
actividade económica privada e dê um sentido concreto aos investimentos públicos – e
o urgente continua a tirar lugar ao importante. Este é um problema muito delicado para
o processo de crescimento económico. Relaciona-se com o estabelecimento de
prioridades dos investimentos públicos e das medidas de política económica.

51
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Prioridades mal estabelecidas abreviam o impacto esperado dos investimentos,


acanham as disponibilidades financeiras e são a expressão duma deficiente avaliação
da realidade e duma promiscuidade de interesses.

Os empresários privados precisam de espaço para trabalhar e sentem que a


recuperação da produção e a viabilização da economia deveriam ter começado ontem.
Por vezes não entendem as razões de tantas dificuldades e avançam mesmo com
propostas concretas para a solução de certas dificuldades. Mas na ausência duma
Visão profunda da sociedade referida anteriormente, estas propostas acabam por ser
circunscritas e circunstanciais.

A burocracia, estrangulamentos institucionais diversos (tais como a concessão de


alvarás de licenciamento da actividade económica, a prestação de serviços de registo,
notariado, cadastro, etc.) a corrupção, e questões de natureza legal – com destaque
para a outorgação e validação de instrumentos legais de propriedade – são
enumerados pelos empresários privados como alguns dos impedimentos que penalizam
a sua actividade profissional.

No entanto, os limites de crédito, o excesso de fiscalidade sobre as empresas e a sua


actividade, a concorrência desleal movida por grupos empresariais associados ao
capital estrangeiro, o desarmamento aduaneiro e a demasia de imponderabilidades
sobre os custos de produção são, na minha opinião, os pontos focais das preocupações
empresariais e os aspectos nucleares dum sistema integrado de incentivos.

O Programa Económico e Social do Governo monitorado pelo Fundo Monetário


Internacional estrutura o essencial da sua estratégia de estabilização macroeconómica
numa política monetária restritiva. Sendo o objectivo dominador do Programa o controle
da inflação, a via privilegiada para esse efeito é a do controle das variáveis monetárias.
Dentre elas ressalta a relacionada com o crédito, particularmente com o crédito à
economia.

Surge assim e no contexto do mais importante documento de política económica do


país uma contradição entre as estratégias empresariais – que reclamam por mais
crédito – e as estratégias governamentais que entendem como mais relevante, do ponto
de vista económico e social, o controle da inflação que determina menos crédito.

Parece ocorrerem neste raciocínio – ou nesta combinação de raciocínios – vários


contra-sensos. Na verdade, é no mínimo estranho que se abdique dum combate contra
a inflação pela via do aumento da oferta interna de bens e serviços. Mas a explicação
teórica é simples. A interpretação neoclássica da inflação estabelece que a subida
generalizada, sustentada e permanente dos preços é um fenómeno exclusivamente
monetário, pelo que os remédios para a debelar devem ter um rótulo monetário. O
controlo da emissão de moeda é assim a única via para atrair os preços para níveis
controláveis, aceitáveis e geríveis. A posição doutrinária assumida no Programa do
Governo monitorado pelo FMI é justamente esta e, portanto, a concessão de crédito à
economia tem de se submeter a fortes critérios de restritividade.

Evidentemente que renuncio neste espaço envolver-me em discussões e polémicas


teóricas e doutrinárias sobre a natureza dos fenómenos inflacionistas. Creio que cada
caso é um caso e embora tenha de reconhecer que as teorias científicas devam possuir

52
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

um carácter universalista, recuso-me a aceitar uma interpretação que considero, em


parte, descontextualizada da nossa realidade.

Em que condições é que o aumento do crédito à economia não é inflacionista? Ou será


que simplesmente não existem estas condições nos quadros teóricos interpretativos da
inflação? Se existirem valerá a pena explorá-los, de modo a libertar as iniciativas
empresariais privadas destas amarras monetárias.

Não devo, logicamente, alongar-me em detalhes explicativos, de modo a evitar


transformar este artigo numa aula de Economia. Por isso sintetizo essas condições
como a seguir transcrevo:

 desde logo, tem de se estabelecer o nível desejado da taxa de inflação:


quanto mais baixo for mais restritiva terá de ser a política monetária, na
concepção neoclássica. Taxas anuais de inflação da ordem dos 4-5% têm
sido preconizadas pelo FMI para os países africanos como as mais
desejáveis para garantir um ambiente macroeconómico estável. Entendo que
os equilíbrios macroeconómicos estipulados nestas bases – défice fiscal a
1,5% do PIB, taxas de inflação de 5% e baixo nível de crédito – são
equilíbrios viciosos, porque nunca conduzem a taxas de crescimento
económico superiores a 6-6,5% ao ano (não existe nenhum caso em África
considerado de sucesso na aplicação do receituário monetário do FMI que
tenha apresentado taxas de crescimento económico superiores). A este ritmo
será necessário um século (mais exactamente 99,1 anos) para se atingirem
os países mais desenvolvidos31. O que a África precisa é de equilíbrios
virtuosos, que puxem o crescimento para os 10-12% ao ano e para isso o
crédito tem de crescer mais e tornar-se mais extenso. João César das
Neves32 citando Joseph Schumpeter diz que o desenvolvimento económico é
um tumulto profundo, global, intenso e extraordinário, entrando em conflito
com a estabilidade. Uma relativa instabilidade macroeconómica pode ser um
dos resultados dum processo turbulento como é o do desenvolvimento e que
o Estado tem de gerir justamente nas fronteiras dos equilíbrios virtuosos;
 em segundo lugar, para que haja mais crédito tem de haver mais poupança.
A única fonte de financiamento virtuoso do crédito é a poupança. Não
havendo ou sendo insuficiente não se deve emitir moeda para financiar o
crédito. Esta é uma verdade teórica universal e comprovada desde que a
Economia é ciência. Mas ainda que haja poupança disponível, o crédito terá
sempre de ser criterioso, sob pena de desencadear efeitos económicos e
sociais perversos. A situação no país nesta matéria é de forte insuficiência
de poupança interna – refiro-me, obviamente, à economia não petrolífera,
porque a outra tem efectiva capacidade de gerar poupança real que é
canalizada para alimentar circuitos financeiros e bancários estrangeiros.
Causas como o baixo rendimento médio dos cidadãos (cerca de $450
dólares americanos em 2000), a fraca rendibilidade das empresas, os

31
As hipóteses de cálculo foram: taxa de crescimento económico de 6,5%, taxa de crescimento
demográfico de 2,5%, PNB por habitante referente a 1998 de $25870 para os países mais desenvolvidos e
de $530 para os países africanos subsarianos – de acordo com as estatísticas do último relatório do
desenvolvimento humano do PNUD – e taxa de crescimento económico nula para os países desenvolvidos
(obviamente hipótese redutora, só aceitável para efeitos de facilidades de cálculo).
32
Introdução à Economia, Verbo, 2000.

53
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

sucessivos défices orçamentais do Estado, a fraqueza do sistema bancário


interno explicam o essencial dos níveis baixos de poupança;
 em terceiro lugar, o incremento do crédito à economia está dependente de
como o Estado gere a sua actividade. Se for um bom gestor, limitar-se-á a
despender o que recebe a título de impostos, mas fazendo o que tem de
fazer para ajudar a economia a desenvolver-se. Se for mau gestor, gasta
mais do que tem, não faz o que devia para fomentar o desenvolvimento e
ainda por cima determina que o Banco Central emita moeda para financiar a
sua ineficiência e má gestão ou então disputa, de modo preferencial, o
crédito com o sector privado, fazendo aumentar as taxas de juro (efeito
“crowding out”). Estabelece-se, portanto, um “trade-off” entre défice fiscal e
crédito à economia: quanto menos de um, mais de outro. Por isso é que a
Administração do Estado tem de ser urgentemente reestruturada e
redimensionada, reorganizada no sentido da eficácia e revista com o
propósito da transparência. O Estado-empresário tem de desaparecer,
porque assim serão eliminados os subsídios à ineficiência empresarial que
contribuem para agravar os défices orçamentais e para o falseamento da
verdade dos preços de mercado. Um Estado facilitador do desenvolvimento
e não um Estado-obstáculo tem de conseguir mais receitas com menos
impostos (eficácia do sistema de tributação fiscal), mais despesas de
investimento e menos despesas recorrentes, mais empreendimentos
públicos com menos despesas (eficiência do sistema de programação e
gestão do investimento público);
 finalmente, o recurso ao crédito externo não é inflacionário e grande parte
das empresas de muitos países financia-se nos mercados financeiros
internacionais. Só que para isso é fundamental o país ter um bom “rating” de
risco, apresentar garantias reais aceitáveis e ter credibilidade governativa.

O desarmamento aduaneiro é, também, uma das grandes preocupações dos


empresários. As propostas empresariais têm sempre vincado a necessidade duma
maior protecção da economia não petrolífera, por razões válidas e conhecidas. A minha
opinião geral sobre estas propostas da classe empresarial angolana é a de que não
apresentam uma visão estratégica do problema da construção da competitividade
económica nacional. Refugiam-se num proteccionismo administrativo e à sombra do
Estado, parecendo que a competitividade das empresas e do país depende apenas de
um guarda-chuva aduaneiro. Apresentam, de modo geral, medidas de desagravamento
pautal numa perspectiva de defesa dos interesses das diferentes instituições
proponentes. São, sobretudo, e claro na minha opinião muito pessoal, propostas que
revelam um excesso de táctica devido a uma ausência clara de estratégia.

Noutro quadrante emergem vozes que dizem não haver nada a fazer quanto ao
desagravamento pautal, haja em vista o movimento de liberalização do comércio em
marcha. Desde logo, tenho de sublinhar que o respeito pelos compromissos já
assinados ou que possam vir a ser subscritos de desarmamento aduaneiro e de
liberalização do comércio externo, de maneira nenhuma invalidam - porventura até
reforçam - a necessidade de definição dum outro quadro de política económica
incentivadora e sustentadora da recuperação do sector produtivo e de defesa da
economia nacional. Porque parto precisamente do princípio de que se pretende
defender a economia nacional e de que se deseja retroceder o assustador quadro que a
década de transição para a economia de mercado revelou.

54
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Uma observação de utilidade que eu posso fazer e que tem a ver com os receios
decorrentes dos protocolos de liberalização do comércio, mormente do que está em
causa na SADC, vai no sentido de que é possível negociar situações de excepção neste
âmbito e mesmo no da Organização Mundial do Comércio. O que tem de ficar muito
bem definido é o que fazer com as derrogações. Apenas aproveitá-las para um
exercício de sobe e desce nas taxas aduaneiras? Evidentemente que não. Por isso o
Estado tem de ter uma perspectiva estratégica do desenvolvimento económico. Com
estratégia de redução da pobreza ou com o Plano de Médio Prazo pouco importa. O
verdadeiramente decisivo é configurar-se o caminho da reconstrução e do
desenvolvimento e atrair os mais patriotas, os mais capazes e os mais audazes.
Portanto, agravar-se mais ou agravar-se menos ou desagravar-se menos ou
desagravar-se mais (mais liberalismo e menos proteccionismo, ou menos liberalismo e
mais proteccionismo) é perfeitamente possível num determinado período de tempo. O
que fazer entretanto é o que conta.

Por exemplo, uma das formas de se negociarem e aproveitarem as derrogações é


separar os produtos e definir listas: listas em que o desarmamento pautal pode ser
imediato, listas de desarmamento mais gradual, listas para produtos sensíveis e listas
para produtos muito sensíveis. Angola tem a seu favor a circunstância de ser um país
fortemente afectado pela guerra, em que o sector produtivo foi literalmente destruído e,
portanto, o desarmamento aduaneiro tem de ter outras ângulos de apreciação.

A redução do excesso de imponderabilidades sobre os custos de produção


empresariais é, para mim, o maior incentivo que se poderia dar à actividade empresarial
privada. São estes incentivos reais que penso deverem ser o ponto nuclear do fomento
do investimento privado. Creio que os incentivos fiscais, monetários e financeiros só
desencadeiam efeitos positivos sobre a propensão a investir e a rendibilidade dos
investimentos quando a base material onde as actividades económicas se entremetem
estiver organizada e a funcionar com uma eficiência aceitável.

As imponderabilidades que agravam os custos de produção são de diversa natureza,


sendo umas de responsabilidade do Estado e outras do domínio da própria iniciativa
privada. Do primeiro grupo fazem parte:

 escassez de recursos humanos qualificados a todos os níveis, razão


fundamental para as carências que se verificam na gestão e na
produtividade;
 elevado grau de deterioração das infraestruturas básicas, particularmente a
nível de acessos, energia eléctrica, água, esgotos, comunicações e
transportes; os sistema alternativos a que as empresas têm de recorrer a
expensas próprias são caros e de baixa eficiência económica;
 dificuldades de distribuição de produtos acabados e distorções na política de
preços e mercado abastecedor (produtor-grossista-retalhista-consumidor
final);
 elevados custos de transporte interno;
 insegurança generalizada que obriga as empresas a suportar custos
elevados com sistemas de segurança próprios, que em todo o caso não se
mostram de total eficiência.

Do segundo conjunto destaco:

55
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 parque de máquinas obsoleto e degradado, por falta de manutenção


adequada e pela obsolescência dos equipamentos, a maior parte com mais
de 35 anos de vida;
 elevados custos dos “inputs” importados devido aos também altos custos de
importação, transporte e portuários, agravados pelos pagamentos de
comissões, não imputáveis directamente ao custo das matérias primas
importadas;
 desvios no trajecto porto-fábrica;
 sistemas de pagamentos inter-empresas e Estado-empresas que funcionam
com prazos extremamente longos.

Os três aspectos que abordei – crédito, desarmamento aduaneiro e imponderabilidades


– constituem-se em peças importantes dum sistema integrado de incentivos ao
investimento privado, que combine, de modo perspicaz, os incentivos reais, os
incentivos imateriais, os incentivos fiscais e os incentivos monetários.

2.- O ESTADO DA ECONOMIA ANGOLANA EM 2001 E ALGUMAS REFLEXÕES


SOBRE AS PERVERSIDADES DO PETRÓLEO
(Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado”, nº9, Abril 2002)

Para onde vai a economia angolana é um pergunta sugestiva para se começar uma
reflexão sobre o que fomos e como em 2001 e para onde vamos em 2002.

É sabido que normalmente a realidade ultrapassa - para mais ou para menos - as


previsões que os governos ou as administrações elaboram, como meio de se enquadrar
as respectivas actuações e a escolha das políticas e dos correspondentes instrumentos.
Porque da realidade não basta ter-se uma visão mais ou menos idílica sobre o que se
gostaria de ter. É fundamental trabalhar-se arduamente para que os desejos e os
desígnios se concretizem. E, nos dias que correm, para se conseguir que as sociedades
evoluam ascendentemente no sentido do crescimento e do desenvolvimento, os
governos e governantes têm de trabalhar acerbamente, as políticas públicas e as
estratégias empresariais têm de convergir nos seus efeitos sinergéticos e todos os
actores sociais devem participar do esforço colectivo33. O nosso mundo está muito
desigualmente repartido em matéria de geração de riqueza, sendo conhecidas as “ratio”
que expressam a extraordinária concentração dos rendimentos nos bolsos duma
minoria de cidadãos. As sete maiores potências económicas do mundo - EUA, Japão,
Canadá, Alemanha, Reino Unido, França e Itália - concentraram em 1999 mais de 2/3
do Produto Interno Bruto mundial! Mas o mundo desenvolvido, ainda que altamente
selectivo, não se restringe a estes sete países. Se lhe juntarmos a Noruega, a Austrália,

33
Os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001 nos EUA vieram provar, por um lado, que os
factores extra-económicos podem ter uma influência devastadora na economia (os ataques terroristas ao
World Trade Center e ao Pentágono, ainda que mantidas as devidas proporções, em particular no número
de vítimas, podem-se assemelhar a catástrofes de cheias, secas, abalos telúricos, etc.) e, por outro, que
manter o crescimento económico “sempre em cima” é extraordinariamente difícil. A gestão económica é
certamente das matérias mais difíceis, porque tem de lidar com pessoas, cujos comportamentos são
imprevisíveis. Veja-se o meu artigo no número anterior sobe o abalo da confiança que o 11 de Setembro
provocou, e cujos índices de recuperação ainda não são nítidos.

56
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

a Suécia, a Bélgica, a Holanda, a Suíça, a Dinamarca, a Áustria, a Espanha, e a Coreia


do Sul - que em conjunto criaram um PIB de 3081,6 biliões de USD, qualquer coisa
como 71% da actividade japonesa - aquele valor sobe para dois pontos acima de três
quartos da riqueza mundial. Mas estas discrepâncias ainda são mais gritantes se as
relativizarmos por intermédio da população: 23372,7 biliões de USD (77,2% do total
mundial) para 858,5 milhões de pessoas (14,6% da população do planeta em 1999),
qualquer coisa como $27225 dólares por pessoa nesse ano ($2268,8 por mês).

Mas afinal o que é que tudo isto tem a ver com a nossa realidade económica? Angola
integra o contexto das nações e por isso os acontecimentos internacionais devem ser
atentamente analisados e interpretados: num mundo onde a riqueza é tão
desigualmente distribuída - e que até pode não ser necessariamente duma forma
injusta, atendendo a determinados factores34 - que tipo de reflexos decorrem para os
cidadãos nacionais?

Mas não é apenas por este viés que é avisado perceber como vai o mundo. O problema
do desenvolvimento - que é fundamental para todos os países, mas muito em particular
para os mais atrasados - é um dos mais complexos das sociedades humanas. Como
consegui-lo duma forma sustentada e o menos desequilibrada possível num contexto
em que as condições para a sua obtenção não são iguais para todos os países?

Os países que hoje são considerados desenvolvidos partiram há muito tempo - talvez
250 anos - para esta extraordinária aventura que é a do engrandecimento da dignidade
humana, pela melhoria permanente das condições de vida, pela educação e formação,
pelo desenvolvimento científico e tecnológico, pela saúde e pela cultura. Os seus
atributos de partida não têm nada que ver com as condições dos países que hoje
pretendem embarcar na mesma aventura35. Aqueles países tiveram as suas revoluções
agrícolas, as suas revoluções industriais, as suas revoluções tecnológicas, os seus
impérios coloniais36, os seus modelos de crescimento muito proteccionistas e, ainda por
cima, criaram instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional, o
Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, que ao defenderem e “imporem”
o liberalismo económico e a globalização financeira estão, implicitamente, a protegerem
as economias mais maduras e mais estruturadas e por isso mais preparadas para as
adversidades económicas e extra-económicas37.

Toda esta estrutura económica e institucional - uma matriz de inter-relações


económicas e financeiras profundas e de conivências políticas fortes, para além das
mais ou menos mediáticas guerras comerciais - constitui o sistema capitalista mundial,
fortemente hierarquizado - com um centro que comanda toda a sua manobra de

34
A riqueza concentra-se nestes países por razões históricas, mas também devido aos elevados índices de
produtividade e níveis de desenvolvimento científico e tecnológico.
35
O desenvolvimento humano ou será obra de todos ou então não o será.
36
Paul Bairoch em “Os Mitos e os Paradoxos da História Económica” refuta o fenómeno colonial enquanto
factor determinante do desenvolvimento das metrópoles (matérias primas mais baratas e mercados
preferenciais de escoamento de bens industriais provenientes da revolução industrial).
37
Já se sabe que os ciclos económicos não são o que eram: existem instrumentos vários para os debelar e
reduzir os seus efeitos, nomeadamente através de políticas de procura adequadas. Mas mesmo assim é
interessante verificar que a economia americana, apenas três meses depois dos choques terroristas que
abalaram a sua economia, começa a dar sinais evidentes de recuperação, a fazer fé nas declarações de 25
deste mês de Alain Greenspan ao Congresso americano, tendo anunciado o fim do ciclo de redução das
taxas de juro.

57
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

funcionamento e aonde se estabelece o essencial da acumulação capitalista e uma


periferia extrovertida e organizada em função das suas necessidades - em que a
participação de cada país estará previamente determinada pelo papel que lhe está
destinado na divisão internacional do trabalho, fundamentalmente estabelecido pelo
princípio das vantagens comparativas de David Ricardo38. O desenvolvimento
económico será, então, viável se a possibilidade de cada país não decorrer das suas
potencialidades internas, mas do papel que a hierarquização do sistema capitalista
mundial lhe reserva? Equivale esta interrogação a outras de conteúdo afim: o
subdesenvolvimento é o resultado de quê concretamente? É possível - desejável
certamente que sim - alterar o “status” existente? Descortinam-se experiências
concretas de rompimento desta espécie de bloqueio, no contexto dum modelo de
desenvolvimento capitalista? Evidentemente que existem respostas, umas mais
convincentes do que outras. Parece, porém, que para todas elas a função e o
desempenho do Estado constituem uma condição básica essencial.

Em definitivo, o que pretendo com este “historial” é demonstrar que a aventura do


desenvolvimento é hoje muito mais complicada, difícil, demorada e delicada, do que há
200 anos atrás. Maiores adversidades e maiores desafios determinam que se os
governantes e agentes do desenvolvimento estiverem efectivamente interessados39 têm
de fazer prova de muito trabalho, muita competência, muito talento para as “coisas”
económicas, muita presciência, muita paciência e sobretudo muita sabedoria.

E é justamente aqui que recupero a frase inicial: o que fomos e como em 2001 e para
onde vamos em 2002. Como se deve medir o crescimento económico? Em termos de
valores ou de quantidades? Em moeda nacional ou em moeda comparável?

Os especialistas dizem que só se pode falar de crescimento económico quando a


quantidade de bens e serviços postos à disposição das pessoas aumenta
sistematicamente. Se o valor correspondente for mais baixo isso significa que os preços
baixaram e que as condições de vida melhoraram: mais bens e serviços a preços mais
reduzidos.

O que aconteceu com a economia angolana em 2001? Os dados disponíveis, ainda


muito precários, apontam para um crescimento global entre 5,2% e 7,4% a preços
constantes de 1992, dependendo das fontes e das metodologias de cálculo40. A fazer fé
nos dados oficiais, 2001 poderá ter sido um ano económico bastante bom: a agricultura
provavelmente aumentou a quantidade de bens à disposição das pessoas em cerca de
18%, a indústria transformadora em quase 10%, a construção em 8,5%, o comércio em
6% e a energia e água em aproximadamente 10%. Ainda que significativas, estas taxas
de crescimento merecem algumas observações:

38
A teoria de Ricardo, apesar das suas limitações num mundo globalizado em que a mobilidade de todos os
factores de produção e das próprias empresas é uma realidade, ainda continua a ser uma boa aproximação
para uma das questões centrais da economia internacional: o que leva uns países a exportar determinados
produtos e a importar outros? A especialização, na óptica de Ricardo, deve ter por base os custos relativos
internos de cada país. Não é inteiramente verdade que Ricardo tenha assente a sua tese na existência ou não
de recursos naturais. É o modelo neoclássico que defende o princípio da dotação factorial, segundo o qual a
especialização depende da quantidade relativa de factores de produção.
39
Uma espécie de militância activa a favor do desenvolvimento, muito mais séria do que as de cariz
político.
40
O segundo valor corrigido da inflação nacional (não apenas Luanda) desce para cerca de 6%.

58
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 os sectores estruturantes da economia interna - agricultura, indústria


transformadora, construção e energia - não representam, em conjunto, mais
do que 16,5% do Produto Interno Bruto;
 a base de partida é muito pequena41 e como tal qualquer nova dinâmica,
ainda que conjuntural, traduz-se numa taxa elevada de crescimento;
 continuam a predominar deficiências estruturais, imperfeições de mercado e
constrangimentos vários importantes no funcionamento destes sectores, pelo
que se pode concluir que estas dinâmicas de crescimento não são
sustentáveis a prazo;
 não deixa de ser curioso como aqueles crescimentos ocorreram. De facto,
compulsando as estatísticas monetárias de 2001 afere-se que a taxa global
de variação do crédito à economia foi de apenas 0,78% (com as empresas
públicas) e do crédito ao sector privado de tão somente 1,57%. De que
modo, então, a recuperação dos sectores em análise se processou? Recurso
a alguma poupança escondida? Apelação a financiamentos externos
privados? Maior utilização apenas das capacidades ociosas existentes sem
necessidade de significativos investimentos de reposição?

Na verdade, um dos indicadores que permite aquilatar se determinadas condições de


sustentabilidade estão garantidas é a produtividade. E neste aspecto não só os valores
globais da produtividade bruta terão sido baixos em 2000 e 2001 - respectivamente,
$2,011 e $1,660 dólares por trabalhador - como ocorreram ganhos negativos de
produtividade entre estes anos. Excluindo-se a economia petrolífera desta avaliação, os
valores da produtividade baixam consideravelmente, chamando a atenção para a
problemática dos aumentos salariais, tão justamente reivindicados pelas associações
de trabalhadores.

A economia petrolífera teve um desempenho muito modesto em 2001 – oito anos


depois de em 1993 ter registado um decréscimo real de 8,4% -, registando as
estatísticas económicas um crescimento real de -1%, ou seja, a quantidade extraída de
petróleo angolano diminuiu entre 2000e 2001. Só que quase que acaba por ser
indiferente este ou outro crescimento, uma vez que aproximadamente 95% desta
produção acrescida foi exportada42. Os efeitos multiplicadores reconhecidos a um
recurso natural como o petróleo são enormes (facilita o crescimento da agricultura,
fomenta o desenvolvimento industrial, promove os transportes, etc.), perdendo-se
completamente em favor das economia já desenvolvidas, com destaque para a dos
Estados Unidos da América.

41
Em dólares correntes, por exemplo, o PIB da indústria transformadora em 2001 não foi além dos 217
milhões.
42
Naturalmente que as receitas geradas pela extracção petrolífera são necessárias e úteis ao país,
essencialmente na parte que corresponde a impostos petrolíferos entregues ao Estado. Na ausência de
petróleo ou da sua exploração estas receitas não existiriam. Contudo, é evidente que em termos de
desenvolvimento económico a contribuição, directa ou indirecta, do sector petrolífero tem sido não só nula,
como principalmente perversa. Esta convivência conflituosa entre o petrolífero e o resto é conhecida na
literatura económica como a doença holandesa, que atrofia o desenvolvimento dos sectores não minerais,
agrava a distribuição do rendimento e gera pobreza.

59
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Este carácter de extroversão da economia petrolífera angolana merece alguma reflexão.


As economias periféricas não existem de “per se,”43 mas em função da sua interligação
dependente com o centro do sistema capitalista mundial. Esta inserção dependente é
chamada de extroversão44. A extroversão é, evidentemente, muito diferente duma lógica
de desenvolvimento centrada nas exportações, porque não se trata, neste caso, duma
monocultura, seja agrícola, industrial ou mineral, mas dum modelo diversificado,
assente na produtividade e competitividade e não apenas na existência de recursos ou
factores mais ou menos abundantes. E esta é uma diferença crucial que pode ajudar a
perceber porque determinados países conseguiram, depois de mais de 60 anos de
militância permanente pelo desenvolvimento, romper as grilhetas do
subdesenvolvimento. A extroversão é monocultural, necessariamente dependente,
discriminatória - porque exíguo o número de trabalhadores nacionais engajados na
criação de riqueza - e improdutiva na óptica estritamente nacional. É por isto que fica
muito difícil entender a estratégia de desenvolvimento da economia petrolífera em
Angola45. Não é o interesse nacional o elemento determinante. O desenvolvimento
extrovertido - ou seja e para determinados analistas, a negação do desenvolvimento -
induz um crescimento nas periferias na exacta medida das necessidades e da lógica de
evolução do sistema. Aproveitando-se este raciocínio, dir-se-á que o desenvolvimento
da economia petrolífera acaba por se fazer no interesse das companhias estrangeiras e
da lógica do sistema capitalista em que estão inseridas.

Será, então, do lado das receitas que está defendido o interesse nacional? Vejamos.
Em 2000 o valor correspondente à produção de petróleo foi de 7485,2 milhões de
dólares, que depois de descontados os custos de exploração, resultaram em 5389,4
milhões de USD. Raciocinando em termos de exportação, os rendimentos por
contrapartida dos 90,5% da quantidade vendida ao exterior foram de 6946,9 milhões de
USD, que são integralmente depositados em bancos estrangeiros. Retomando o
primeiro valor, ou seja, o correspondente ao valor de produção, a sua repartição entre o
Estado e a economia petrolífera deve ter sido aproximada e respectivamente 41,8% e
58,2%46. Aquela percentagem percebida pelo Estado corresponde, em termos da teoria

43
Conforme referi mais atrás, integram-se numa lógica capitalista sistémica, em que o seu papel está
definido enquanto sustentadoras do núcleo central.
44
Não se trata de recuperar e eventualmente reavivar a teoria da dependência que deu que falar no final da
década de 70 e durante os anos 80 do século passado. Samir Amin, Arghiri Emmanuel, Paul Bairoch, Mário
Murteira, Paul Baran, André Gunder Frank, Celso Furtado, etc., ficaram famosos pelas determinantes
contribuições para a compreensão teórica do subdesenvolvimento.
45
A corrida ao petróleo tem sido desenfreada: primeiro a exploração em águas superficiais, depois em
águas profundas e mais recentemente em águas ultra-profundas (não sei se a terminologia é esta, mas a
ideia é, ou seja, explorar-se cada vez mais até à exaustão). O que é que nos faz correr, sabendo que 95% das
quantidades extraídas de petróleo são exportadas e que o petróleo está lá, não vai desaparecer? Certamente
que não é o interesse nacional que alimenta este fôlego de autênticos atletas dos 100 metros. Dir-se-á que
são as receitas petrolíferas o verdadeiro motivo nacional. Porém, é reconhecido que a sua utilização não foi
e ainda não tem sido a mais condizente com os interesses da Nação.
46
É sempre arriscado e complexo penetrar nas contas da economia petrolífera. No entanto, a serem exactas
as informações das várias fontes que contêm elementos sobre esta actividade, a repartição do valor bruto de
produção de 2000 pode ter sido a seguinte (valores em milhões de USD): 610,9 a título de juros da dívida
garantida com petróleo, 911,5 a título de lucros e dividendos das companhias operadoras, 71,4 por
contrapartida de salários dos expatriados das companhias estrangeiras, 2095,8 enquanto custos de operação,
268,5 para amortização dos investimentos, 400 para importações directas de bens de consumo final e
3177,1 a título de renda do Estado.

60
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

de Ricardo47, a uma renda que respeita a um direito de propriedade e remunera uma


aptidão natural objectiva, na circunstância o petróleo. A importância desta renda
petrolífera para o Estado é melhor entendida se se disser que o seu peso nas receitas
fiscais foi de 65,7% ou talvez até um pouco mais atendendo a outros pagamentos
devidos pela economia petrolífera.

Em 2001 a situação da economia petrolífera e das receitas fiscais do Estado foi


diferente. O crescimento económico48 nesta economia não produziu os mesmos
resultados financeiros. O preço médio anual do Brent rondou os 24,3 USD por barril,
donde, apesar de mais quantidade extraída de petróleo, uma diminuição das receitas
petrolíferas. O valor bruto de produção terá sido da ordem dos 6,708.6 milhões de
dólares, ou seja, -10,4% relativamente a 2000. Admitindo que a estrutura de custos
desta economia é fixa, a consequência deste decréscimo de valores pode ter sido a
diminuição da renda do Estado.

A economia petrolífera coloca, na verdade, problemas sérios ao país. Quando se fala na


imperatividade de se construir uma economia nacional, a economia petrolífera - de
enclave, extrovertida e fazendo parte da estratégia de aprofundamento do sistema
económico capitalista das grandes potências económicas - constitui-se num enorme
estrangulamento. Por várias razões:

 pelos elevados montantes anuais de importações de bens de consumo –


entre 600 a 800 milhões de dólares americanos - sem a intermediação de
qualquer instituição bancária nacional (a economia não petrolífera não é
chamada a dar a sua contribuição);
 pelas isenções aduaneiras que impendem sobre estas importações;
 beneficia de regimes cambiais e fiscais especiais: o primeiro estabelece que
as companhias petrolíferas estrangeiras devem importar do exterior as
divisas necessárias para fazerem face às suas obrigações fiscais, o que
pressupõe dizer que as receitas de exportação correspondentes aos 90,5%
da produção anual de petróleo são todas encaminhadas para o exterior;
 por aquelas razões trata-se duma verdadeira economia de enclave49, não
gerando a sua actividade os efeitos multiplicadores sobre a outra economia.

47
Neste caso, a sua teoria da renda, segundo a qual a renda é determinada pela diferença entre o preço de
venda e os custos de produção e o campo concreto de aplicação foi a Inglaterra rural do século XVIII. A
diferente aptidão das terras agrícolas determinou a introdução do conceito de renda diferencial e a
descoberta da lei dos rendimentos marginais decrescentes. A interpretação marxista da História e da
economia, ao enfatizar que a noção de renda de Ricardo se resumia a defender uma remuneração por um
dom da natureza e não do factor trabalho, levou a considerar-se a renda fundiária como improdutiva e a
respectiva classe possidente de parasita. A interpretação mais moderna e recente da teoria da renda enfatiza
a renda mineira (tal como a que o Estado angolano retira do petróleo) como um dos grandes entraves ao
desenvolvimento sustentado das economias que dispõem de recursos minerais. Penso tratar-se de uma
interpretação mais arrojada do que a do “ dutch deasese”.
48
De acordo com a noção dada logo no início desta secção.
49
A extroversão de muitas economias subdesenvolvidas e os efeitos perversos resultantes de se
constituírem na periferia do sistema capitalista mundial traz, necessariamente, à coacção a questão da ajuda
pública ao desenvolvimento. Na secção quatro do capítulo anterior afirmo a propósito: “… a ajuda pública
ao desenvolvimento deve passar a constituir uma compensação pelas desigualdades determinadas pela
globalização da economia - que afinal até pode ser um fenómeno provocado pelas estratégias económicas
e financeiras das transnacionais contra o emprego e a favor do lucro e da competitividade, e não como um
resultado espontâneo do funcionamento do mercado mundial”.

61
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Para terminar algumas referências à inflação registada em 2001. Do mesmo modo que
em relação às noções e medições do crescimento económico, também no concernente
à inflação podem existir vários pesos e diferentes medidas50. Antes porém vale a pena
afirmar que a tendência registada ao longo do ano passado foi de clara desaceleração:

 apreciada em termos de variações homólogas a taxa de inflação passou de


241,2% em Janeiro, para 116,1% em Dezembro;
 comparada com a taxa de inflação acumulada em Dezembro de 2000, a
inflação passou de 268,4% para 116,1%;
 verificada pelas taxas trimestrais médias as reduções foram, igualmente,
assinaláveis;
 finalmente a taxa anual média de inflação - diferente da taxa acumulada no
final do ano - também se reduziu entre 2000 e 2001: 339,7% e 162,5%
respectivamente.

Como se sabe, o Governo tinha no seu programa para 2001 inscrita uma taxa de
inflação acumulada de 75%. Esta meta foi depois revista, a meio do ano, para os 125%.
E neste ponto ocorreu o cumprimento da meta de inflação.

Como se poderão comportar os preços durante 2002 (a meta do Governo é de 50%)?


Dependerá de factores e ocorrências diversas:

 da redução das taxas de ociosidade da indústria transformadora (em média,


cerca de 70% de capacidade não utilizada);
 do efectivo controle das despesas quase fiscais do BNA;
 da política salarial e do estabelecimento do salário mínimo nacional;
 dos reais ganhos de produtividade (em 2001 foram negativos);
 do crescimento do crédito ao sector privado não comercial;
 da estratégia de esterilização das receitas fiscais petrolíferas e das receitas
de exportação da SONANGOL ( com forte incidência sobre a política de
convergência cambial).

3.- OS FACTORES E OS CONTEXTOS DAS DECISÕES EMPRESARIAIS


(Palestra proferida a convite da Fundação Friedrich Ebert e do Fórum de Auscultação e Cooperação
Empresarial, em 21 de Maio de 2002)

Continua a debater-se a questão do apoio ao empresariado angolano. Recordo que


justamente há um ano fiz uma palestra para o FACE e a convite da Friedrich Ebert
Stiftung sob este mesmo tema e então titulada “sistema integrado de incentivos ao
investimento”. De que modo o Governo tem sido informado destas e doutras iniciativas
semelhantes que a sociedade civil promove com a finalidade de chamar a atenção para
as dificuldades com que permanentemente se debate a economia não mineral e muito
particularmente os empresários que apostam em sobreviver e mostrar que é possível e
fundamental devolver a economia aos cidadãos? Não terá chegado o momento para
que o FACE e a Fundação publiquem um livro51 que agrupe todas as comunicações
50
Medição homóloga, medição trimestral, medição acumulada ao fim de cada ano, medição mensal, etc.
51
Livro Branco sobre o Empresariado Privado Nacional, poderia ser o título.

62
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

apresentadas por especialistas de reconhecida competência e incontestável militância a


favor da economia nacional?

(A) FACTORES CONDICIONANTES DAS DECISÕES EMPRESARIAIS

O estudo dos factores condicionantes das decisões empresariais é necessário para se


conhecerem as motivações que levam, ou não, ao aumento do investimento e da
produção. Por outro lado, o conhecimento destas motivações fornece um bom quadro
de referência para a escolha dos incentivos que melhor actuam sobre as razões
negativas dos empresários e mais possam potenciar as suas expectativas positivas.

Factores macroeconómicos

Como se referiu anteriormente, os factores macroeconómicos exercem uma grande


influência sobre o processo de tomada de decisões microeconómicas. Ambientes
caracterizados por excesso de instabilidade actuam perversamente sobre as
motivações empresariais, levando os agentes económicos a preferirem o imediato e o
especulativo, em detrimento do estruturante e mais prospectivo.

Tem-se constatado que para os empresários privados os factores macroeconómicos


que transmitem maior instabilidade às decisões microeconómicas são o acesso ao
crédito, os direitos de propriedade52, a inflação, o mercado cambial e a instabilidade
militar. Os direitos de propriedade são já uma velha questão53 e enquanto permanecer
como tal inviabilizará que os activos físicos detidos pelos agentes económicos se
possam transformar em capital54. O acesso ao crédito e as elevadas taxas de juro são,
semelhantemente, um constrangimento apresentado pelos empresários para o
funcionamento normal da actividade privada e que necessita de uma abordagem, pelas
autoridades monetárias do país, mais audaz e consequente com as necessidades de
reconstrução e desenvolvimento. A inflação e a instabilidade dos preços é apontada
como relevante pela esmagadora maioria dos empresários privados, enquanto elemento
fustigador das decisões empresariais.

Um outro factor, igualmente muito reclamado pelas associações empresariais, reporta-


se ao sistema fiscal vigente, considerado excessivamente penalizador da formação das
poupanças empresariais necessárias para constituírem o seu autofinanciamento.

Factores microeconómicos ou de desenvolvimento empresarial

É evidente que o ambiente microeconómico também se revela como um importante


factor condicionador das decisões empresariais. A maior ou menor densidade de

52
Numa nota endereçada pela AIA ao Ministro das Finanças e datada de 22 de Outubro de 2001 era
referenciada a privatização rápida do pequeno sector imobiliário, com as correspondentes escrituras, como
um factor importante para que o empresariado nacional pudesse usá-lo como capital no recurso aos
financiamentos bancários e institucionais.
53
Que não se esgotam, nem por ela serão integralmente resolvidos, na nova lei de terras que está em fase de
finalização e aprovação. Sublinhe-se que a questão das terras pode vir a ser o próximo grande conflito no
país, particularmente quando os deslocados regressarem aos respectivos locais de origem e verificarem que
as terras antes utilizadas na produção agrícola para a sua subsistência não poderão ser mais reocupadas,
porque, entretanto, ocupadas por outrém
54
Uma correctíssima e interessante abordagem deste tema é feita por Hernando de Souto em “O mistério
do Capital- Porque o capitalismo funciona nos países desenvolvidos e fracassa no resto do mundo”.

63
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

relações económicas intra-sector privado favorece ou constrange a criação de


economias externas, a intensidade das trocas, a libertação de novos postos de trabalho,
o volume de negócios, etc. Nesta fase de transição económica, a antinomia de
interesses entre o sector comercial e o industrial tem sido propiciadora de algumas
contradições nas políticas de incentivo do empresariado privado.

Os dois pontos cruciais referem-se ao mercado da mão-de-obra e aos custos elevados


de “stockagem” e dos “inputs”. A oferta nacional de profissionais qualificados, a todos os
níveis, é limitada, sendo, também por esta via, afectada a produtividade do trabalho.

Os custos elevados dos “inputs” decorrem, certamente, das dificuldades de circulação


interna, dos estrangulamentos gerais que se abatem sobre a oferta interna, da baixa
produtividade dos equipamentos industriais (em grande parte completamente obsoletos)
e do elevado coeficiente de ociosidade produtiva.

Factores institucionais

São factores de enquadramento, reportáveis, alguns deles, a uma determinada cultura


de se encarar a actividade económica – como a corrupção, a burocracia, o laxismo, o
cumprimento de compromissos assumidos – e, outros, ao grau de eficiência do
funcionamento das instituições, como o sistema bancário, os serviços de justiça, os
sindicatos, a administração do Estado, etc.

A baixa qualidade dos serviços prestados pelo sector público administrativo e a


burocracia aprecem como os entraves mais aludidos pelos empresários às suas
decisões microeconómicas. Tratam-se de dois elementos do processo de decisões
empresariais cuja responsabilidade de reversão compete inteiramente ao Estado, de
modo a incentivar e a facilitar o exercício da actividade privada.

A inexistência dum sistema interno de prevenção e cobertura dos riscos, traduzido pela
indústria de seguros, é, do mesmo modo, antedito por uma grande percentagem de
operadores económicos. Os sistemas de seguros, como se sabe, conferem à
actividade económica outro enquadramento para o seu funcionamento e representam,
também, uma forma de aumentar e captar a poupança interna.

A corrupção é outro aspecto negativo da cultura institucional nacional que prejudica as


motivações empresariais.

Destacam-se mais dois factores institucionais negativos de responsabilidade do Estado:


deficiente funcionamento dos tribunais e dificuldades de licenciamento das
actividades55. A ineficiência do sistema bancário merece, do mesmo modo, bastantes
nomeações da parte dos empresários.

Factores infraestruturais

Os indicadores de fraca infraestrutura física de apoio ao desenvolvimento, como o


abastecimento de electricidade e água são uma forte preocupação dos empresários.
Apesar das francamente positivas dinâmicas de crescimento para o sector das obras
públicas, os níveis, entretanto, conseguidos ainda se colocam bem aquém duma

55
Continua a ser a questão do gabinete único das empresas.

64
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

situação de normalidade para o sector produtivo e que ajude a minimizar os custos de


instalação e funcionamento de sistemas alternativos. Esta é mais uma responsabilidade
do Estado a ser considerada no contexto dum programa consistente de incentivo ao
sector privado nacional.

O mercado interno de prestação de serviços às empresas é também apontado, embora


com baixa intensidade relativa, como um dos obstáculos a um funcionamento mais
normal da actividade empresarial.

De destacar, na mesma sequência, os ineficientes serviços de transporte, que poderão


contribuir para os elevados índices de absentismo ocorridos nas empresas.
(B) PROBLEMAS ESTRUTURAIS CRÓNICOS

As actividades privadas nacionais encontram-se afectadas por um leque variado de


problemas estruturais crónicos, que vêm actuando no sentido preciso de limitarem a
expansão da oferta interna de bens e serviços.

Produtividade

A produtividade média em Angola tem apresentado valores de referência muito baixos,


manifestamente insuficientes para permitirem a criação dum poder de compra interno
que propicie melhores condições de vida dos cidadãos e reduza o risco de rendibilidade
dos investimentos privados.

O valor médio da produtividade bruta por trabalhador registado entre 1989 e 2000 foi de
apenas $1582 dólares dos Estados Unidos, de resto compatível com as cifras relativas
ao produto interno bruto por habitante, cuja média durante a década de 90 foi tão
somente de $586 dólares americanos. Aquela quantia é ainda mais irrisória por se
referir a toda a economia, onde actua um sector de tecnologia de ponta que é o dos
petróleos e dos refinados.

Qualificação dos recursos humanos

Também quanto à qualificação média da força de trabalho do sector privado da


economia as informações escasseiam. A ideia geral é de que é muito baixa, se
atendermos à taxa de analfabetismo dos adultos, estimada para 2000 em 58% da
população com 15 e mais anos. Isto pode indiciar que a maior parte dos trabalhadores
das actividades privadas é analfabeta, o que ajuda a compreender, por exemplo, os
baixos índices de produtividade da indústria transformadora.

Com efeito, o inquérito às despesas e receitas familiares levado a cabo pelo Instituto
Nacional de Estatística em 2000/2001 revela que 72,7% dos inquiridos não é detentor
de qualquer profissão ou ofício –mostrando claramente tratar-se dum segmento
populacional de reduzida ou mesmo nula qualificação profissional – o que coloca
enormes problemas quanto à sua absorção pelo mercado de emprego estruturado e
deixa enormes expectativas quanto ao seu contributo para a obtenção de ganhos de
produtividade reais.

Ainda segundo os resultados do mesmo inquérito, dentre os que declararam possuir


ofício ou ocupação, 35,7% exerce a sua actividade como vendedor - de quiosque, de

65
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

quinquilharia, ambulantes e ao domicílio - enquanto que apenas 1,8% declararam ser


mecânicos, 2,1% agricultores, e 2,2% trabalhadores braçais.

Se se tomar como base de análise da qualificação média da força de trabalho nacional


os resultados do Perfil dos Recursos Humanos da Função Pública56 o panorama
melhora um pouco, mas não se altera a sua natureza estrutural de fraca qualificação
média:

- menos da 4ª classe .... 16,6%


- primária ....................... 13,6%
- preparatório ................. 20,5%
- secundário ................... 29,9%
- ensino médio ............... 13,2%
- pré-universitário ........... 2,7%
- bacharelato .................. 1,5%
- licenciatura ................... 1,9%
- mestrado e doutoramento 0,15%

Verifica-se, portanto, um predomínio das qualificações básicas e indiferenciadas de


cerca de 80,6%.

Dado o estado de letargia do parque industrial nacional, como consequência


naturalmente da instabilidade militar, mas também como resultado de políticas de oferta
inadequadas e dos desequilíbrios macroeconómicos, o “know-how” dos trabalhadores é
hoje bem menor do que nos alvores da independência, tendo-se assistido a uma
verdadeira descapitalização de conhecimentos e experiências por inoperatividade das
fábricas e complexos industriais.

Sobreemprego e desutilização produtiva

Mas as situações de desperdício económico na indústria são traduzidas por outros


parâmetros, conforme os dados do quadro seguinte:

ANOS ÍNDICE DE PRODUÇÃO ÍNDICE DE EMPREGO INDICE DE SOBRE-


INDUSTRIAL EMPREGO
1991 41 84 204.9
1992 18 73 405.6
1993 12 66 550,5
1994 18 61 338,9
1995 18 68 377,8
1996 15 68 453,3
1997 20 74 370,0
1998 29 74 255,2
1999 17 72 423,5
2000 18 72 400,0
FONTE: Plano Director de Reindustrialização de Angola, Ministério da Indústria, 1995. Para os anos mais recentes
tratou-se de uma adaptação metodológica para o cálculo dos respectivos valores.

Se em termos físicos o índice de produção industrial denota a ociosidade da capacidade


instalada, a sua comparação com o índice de emprego permite concluir por um evidente
sobreemprego na indústria transformadora nacional, donde se colocar a seguinte

56
Perfil dos Recursos Humanos da Administração Pública – MAPESS, Fevereiro, 1991

66
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

questão: se a estabilização macroeconómica melhorar o clima empresarial como utilizar


os aumentos de produção tendentes a diminuir o grau de ociosidade?

Quantoao grau de não utilização da capacidade instalada, e de acordo com os


inquéritos que a Associação Industrial de Angola tem realizado junto dos seus
associados, o panorama é verdadeiramente desastroso: 63,6% na alimentação, 44,7%
nas bebidas, 73,8% nas carnes, 71,9% nos bens de equipamento, 88,5% nas gráficas,
75,2% nas madeiras, 51% nos materiais de construção, 70% na metalomecânica,
85,8% nas máquinas, etc.

Outros estrangulamentos

As informações relativas ao enquadramento tecnológico da indústria nacional


expressam um conjunto variado de constrangimentos estruturais importantes.

- Obsolescência tecnológica

A maior parte do parque industrial está tecnologicamente incapacitado. Estima-se que


94% do equipamento industrial instalado tem mais de 20 anos e que cerca de 33% mais
de 30 anos57. Nem os mais recentes empreendimentos industriais, como o da Coca-
Cola, alteram significativamente estes valores.

Tendo em conta que muitas das máquinas, quando foram instaladas, eram recicladas
(2ª mão na melhor das hipóteses), a antiguidade média de todo o parque industrial
nacional deve, seguramente, rondar mais de 30 anos.

- Manutenção dos equipamentos

No geral, este aspecto foi descurado na gestão empresarial (empresas públicas mais
laxistas neste e noutros aspectos da administração empresarial) e na política
económica. Nunca se deu à manutenção a importância que efectivamente detém no
processo de produção industrial. Em geral, em Angola o grau de manutenção é muito
fraco. Das empresas ainda operativas os estados de conservação são58:

- aceitável 32%
- pobre 20%
- necessitando de reparação urgente 28%
- degradado ou inoperativo 20%

- Escassez e irregularidade de abastecimento de matérias primas

Os escassos recursos financeiros, a carência de divisas, a excessiva burocracia, os


roubos nos portos e aeroportos são, do ponto de vista dos empresários, a origem de
uma manifesta falta de matérias primas, que tem contribuído para os altos índices de
não utilização da capacidade produtiva instalada. A irregularidade na obtenção de
matérias primas introduz desajustamentos na gestão de “stocks” – levando a comprar
em excesso para se aproveitarem as disponibilidades em divisas, por exemplo – o que
provoca custos de stockagem e armazenagem exagerados.

57
Plano Director de Reindustrialização de Angola, Ministério da Indústria, 1995
58
Plano Director de Reindustrialização de Angola, Ministério da Indústria, 1995

67
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

De acordo com o Plano de Reindustrialização de Angola, as disponibilidades de


matérias-primas e subsidiárias e de ferramentas e peças sobressalentes seriam em
mais de 95% dos casos difícil de assegurar (mais de 75% muito difícil).

- Deficiente fornecimento de electricidade e água

A opinião dos empresários é a de que os fornecimentos de electricidade e água são


84% muito irregulares, subindo aos 100% no caso das actividades industriais
localizadas em Luanda. Embora não existam estimativas confiáveis sobre os prejuízos
que a situação de irregularidade de abastecimento de electricidade e água provoca à
indústria, pode, no entanto, avançar-se uma cifra de 20% a 25% de perdas sobre a
produção industrial.

Como se vê, os problemas são inúmeros e de grande complexidade e se não forem


mitigados dificilmente o empresariado angolano poderá assumir o papel central no
processo de recuperação económica nacional.

4.- OS FACTORES SÓCIO-ECONÓMICOS DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO


EM ÁFRICA
(Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado”, nº 14, Setembro 2003)

É cada vez mais importante relembrar, enfaticamente59, que o desenvolvimento


económico não é, nem a soma de factores necessários, nem muito menos apenas o
resultado de abordagens economicistas em que a produtividade e a competitividade
aparecem como as determinantes máximas.

A relevância concedida aos factores sociais e culturais afirmou-se a partir de 1960 com
as abordagens inovadoras de François Perroux e sobretudo depois de se ter concluído
que as colonizações não traziam uma explicação globalmente satisfatória ao estado de
subdesenvolvimento ou de desenvolvimento retardado dum grande número de países
do Sul, em particular do continente africano. A moderna abordagem sociológica parte da
afirmação da existência de determinadas blocagens culturais e sociais ao
desenvolvimento e que a sua ultrapassagem é um dos passos indispensáveis para que

59
O receituário económico das três instituições internacionais mais temidas - Fundo Monetário
Internacional, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio – desvaloriza os aspectos sociais e
culturais, sendo, portanto, obrigação da intelectualidade africana rebatê-lo, apresentando modelos e
estratégias centradas nos factores essenciais do desenvolvimento em África. A recente preocupação com a
pobreza no continente não passa de um disfarce com que normalmente os cantos das sereias destas
instituições se fazem acompanhar. É hoje claro - os piores cegos são exactamente os que se recusam a ver -
que o Fundo Monetário Internacional, completamente dominado pelos interesses da alta finança norte
americana (ver entrevista de Joseph Stiglitz - o mais recente prémio Nobel da Economia - à Revista VEJA,
número de Abril de 2002) defende exclusivamente os interesses dos países credores, procurando através de
receitas envenenadas garantir o pagamento de dívidas avolumadas pelas condições de funcionamento da
economia mundial, e que a Organização Mundial do Comércio procura acautelar que a globalização
penalize mais os mais pobres.

68
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

as sociedades dominem e adaptem o meio envolvente às suas necessidades60. De


resto e ainda numa perspectiva mais moderna - ou se se quiser num conceito mais
actual e abrangente de desenvolvimento - as sociedades só se devem considerar
desenvolvidas na medida em for elevada a sua capacidade de domínio do meio natural
para o porem ao serviço das populações61. Deste exacto ponto de vista o
desenvolvimento não é, portanto, uma mera soma de factores necessários. Até há
algum tempo atrás considerava-se que sem a existência dum conjunto básico de
factores, o desenvolvimento não seria possível. Pontificavam, nesta altura, os pontos de
vista de Rosentein-Rodan, Raymond Barre, W.W.Rostow e outros economistas para
quem o “take-off” ocorreria simplesmente com uma injecção maciça de investimentos62.

A moderna sociologia do desenvolvimento, ao interpretar o fenómeno do atraso


económico como uma conjugação de factores económicos e extra-económicos (daí a
importância cada vez maior nas equipas económicas de antropólogos culturais,
sociólogos e historiadores), estabelece que uma análise séria desta problemática deve
levar em conta que o desenvolvimento é antes de mais um processo63, que pode
ocorrer em condições iniciais muito diferentes de país para país. Por outro lado, os
factores considerados como de bloqueio ao desenvolvimento não são explicações
satisfatórias para a compreensão do subdesenvolvimento.

É neste quadro que sobressaem quatro grandes categorias de factores: os recursos


naturais64, os factores religioso-culturais - e as respectivas consequências sobre a
organização social e a actividade económica - a fraqueza da classe média e
principalmente do que se considera ser o seu corolário natural, a ausência duma classe
empresarial65, e, finalmente, a atitude das classes possidentes.

O aprofundamento de cada uma destas condições está fora de questão num espaço de
artigo. O que pretendo é que fique a nota importante e o recado de que os programas
de desenvolvimento e as políticas económicas estarão, invariavelmente, condenadas ao
insucesso se concebidos e elaborados sem a conjugação de factores económicos,
sociais e culturais, sendo nesta complementaridade que o pensamento africano se deve

60
Se esta parece ser uma perspectiva correcta de abordagem, porquê é que o FMI e o Banco Mundial não a
consagram como modelo para a formulação das políticas estruturais e das reformas económicas, em vez de
sistematicamente as focalizarem em aspectos monetários e circunscrevê-las às questões da estabilização
macroeconómica?
61
E é fácil de aceitar e compreender, porque na capacidade de dominar-se o meio e de pô-lo ao serviço das
pessoas estão inseridos os aspectos relacionados com a tecnologia, o capital humano, o desenvolvimento
institucional e até mesmo a democracia.
62
É por isto que nos modelos económicos daquelas instituições tudo deve ser feito para captar o
investimento externo.
63
A interpretação do FMI e de outras instituições de forte pendor liberal é tão simples como isto: não
existirá crescimento económico enquanto a inflação não for de 5% ao ano, o défice orçamental de zero por
cento do PIB, as reservas externas em 4 a 5 meses de importações, o Estado reduzido ao mínimo na sua
intervenção social, a liberalização dos mercados não for total, etc. São bem diferentes as interpretações
sociológicas do subdesenvolvimento económico.
64
Cuja dotação inicial condiciona não apenas as estratégias de crescimento, mas também a maior ou menor
intensidade nos ritmos de variação do PIB, sem, porém, se constituir no único factor, pela simples razão de
que muitos países fracamente dotados pela natureza serem hoje exemplos notáveis dos novos
desenvolvimentos no mundo.
65
Sem classes empresariais nacionais fortes, dotadas de iniciativa e capazes de aceitar o risco, os
ambientes macroeconómicos estáveis servem de pouco.

69
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

constituir e aprofundar, de modo a serem apresentadas alternativas muito mais


credíveis para a ultrapassagem do atraso económico do continente.

Do mesmo modo deixo um alerta sobre os métodos utilizados para identificar as causas
do atraso económico e que não conduzem, como é óbvio, à sua melhor interpretação.
Invariavelmente são sempre os países desenvolvidos a referência, raciocinando-se
assim: que factores estiveram presentes no momento em que estas sociedades
registaram crescimentos fortes e sustentados? A ausência de qualquer um destes
factores é, imediatamente, considerada como obstáculo ao desenvolvimento. A
consequência lógica deste raciocínio é a de que quanto mais desenvolvidos forem os
países desenvolvidos, mais subdesenvolvidos serão os subdesenvolvidos, pela simples
circunstância da lista de obstáculos a ultrapassar ser cada vez maior.

Ganha, consequentemente, relevância a análise que considera que a explicação do


subdesenvolvimento e a inversão das condições que bloqueiam estas sociedades
passam pela consideração dos factores culturais e sociais na sua articulação com os de
natureza económica. Só por esta via estes países conseguirão estabelecer condições
fortes propiciadoras duma maior competitividade internacional e facilitadoras dos
processos de abertura política e de democratização das sociedades. Estes processos
aceleraram-se depois de 1985, muito embora ainda se constatem bastantes
resistências à sua efectiva implantação. A associação entre o multipartidarismo e a
economia de mercado tem sido, bastas vezes, estabelecida como uma relação de
causa-efeito, apesar de terem coexistido, praticamente desde as independências
africanas, regimes económicos livres e estatutos políticos fechados e ditatoriais. No
entanto, parece pacífico e nas actuais condições do Mundo, defender que a
transparência política e o controlo da actividade do Estado pela sociedade civil facilita o
crescimento económico. E este controlo só pode ser exercido pela via da
democratização política, que no início do século XXI parece, inegavelmente, irreversível
em África66.

No entanto, e apenas em jeito de brevíssima reflexão, que África deve prosseguir e


aprofundar a abertura política e os processos democráticos? Olhando-se bem o
continente talvez se vejam ainda duas Áfricas: uma, preparada para os novos
processos políticos, compreendendo-os e fazendo deles um factor de progresso social e
de desenvolvimento económico. É a África aberta ao mundo, é a África das novas
classes sociais que as independências políticas forjaram e a globalização acelerou, é a
África necessária, mas talvez ainda não a África suficiente. A outra África (a maior) é
aquela onde, ainda, predominam os valores culturais tradicionais, no contexto dos quais
os novos conceitos políticos de democracia pluralista e de sistemas económicos
liberalizados67 não fazem, por enquanto, grande sentido, porque não totalmente
compreendidos e interiorizados ao nível do discernimento social e dos comportamentos
individuais. O facto de se ir às urnas e votar - considerando-se este acto como o
resultado duma escolha (convicta?) entre propostas políticas alternativas - não significa,
de todo em todo, a compreensão e aceitação plena dum sistema político de alternância

66
Veja-se a NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano) em que os subscritores se
comprometem na criação de um quadro de convergência política para as soluções dos problemas africanos
e na manifestação de uma forte vontade política em se estabelecer um contrato social com os povos
africanos com a finalidade de se pôr fim ao ciclo do subdesenvolvimento em África.
67
Com acentuação do individualismo, da disputa e da competitividade em prejuízo da solidariedade
alargada.

70
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

de poder, nem tão pouco a consciencialização (individual e colectiva) dum sistema que
indubitavelmente favorece a transparência de processos e o exercício mais adequado
da economia de mercado. Os valores liberais da economia de mercado não são
plenamente aceites enquanto padrões normais de comportamento, não havendo, por
vezes, linhas divisórias entre as preferencias colectivas e as individuais68.

Em que medida e de que forma os valores culturais tradicionais devem mudar, de modo
a ser formulado um conceito e encontrada uma prática de desenvolvimento económico
e de progresso político que potenciem, como factores de mudança, as suas
idiossincrasias69? São necessários, sem dúvida, estímulos externos70, mas o que de
essencial há a fazer são os próprios africanos que o devem assumir como sujeitos
activos das mudanças. As novas gerações de dirigentes políticos e de gestores
económicos - forjados por anos de contradições sociais e de crise económica - têm a
responsabilidade histórica de conduzir os processos de transição económica e de
mudança social, dos quais possam decorrer os ajustamentos que se buscam entre
democracia política e liberalização económica, mudança cultural e progresso social.

A comunidade internacional deve participar com a África na construção da África


suficiente, o que, em termos práticos, significa reformar as suas instituições, instaurar
processos políticos democráticos, modernizar as estruturas económicas e promover o
mais amplo progresso social. Mas há que fazê-lo levando-se em devida conta as
particularidades das estruturas socioculturais africanas. A combinação perspicaz dos
elementos socioculturais e técnico-administrativos do desenvolvimento institucional e
dos processos de transição democrática determinará a qualidade e o sucesso do
desenvolvimento social. A preocupação em se manter o equilíbrio social dentro dos
grupos tem, aparentemente, justificado a grande vitalidade com que o sector informal
africano enfrenta as crises e as dificuldades económicas crónicas que se têm abatido
sobre o continente negro. Dentro de contextos hostis e sem apoios governamentais, a
melhor explicação para o sucesso da maior parte dessas microempresas está na
capacidade de se conciliarem valores e tradições da sociedade e cultura africanas com
a necessidade de eficiência económica.

A cultura, num universo crescentemente globalizado pela informação, pela revolução


tecnológica nos meios de comunicação, pela segmentação espacial dos processos
produtivos e pelos movimentos internacionais de capitais, acabará por ser a única
fronteira que vai sobrar para os povos. A revolução nas telecomunicações, os
processos de integração económica e monetária, a adopção de políticas económicas
comuns – no mínimo fortemente coordenadas por determinadas instituições
internacionais – e a tendência de abolição de determinados símbolos nacionais como a
bandeira, a moeda e o hino vão conduzir à eliminação das fronteiras físicas, passando a
população mundial a viver numa imensa aldeia global onde todos se conhecem e

68
Num momento de grande apreensão e de profunda crítica quanto ao “pensamento único” e aos efeitos da
globalização, a não completa aceitação dos valores e comportamentos liberais nas sociedades tradicionais
africanas deve merecer uma atenção redobrada dos investigadores sociais.
69
Na NEPAD é claramente referenciada a influência externa como a causa de fissuras políticas importantes
entre os africanos e que fomentou a aplicação de modelos económicos pouco inseridos nas raízes culturais
africanas.
70
Apoios das instituições políticas e financeiras internacionais, investimentos estrangeiros -
particularmente na sua vertente de estruturantes de uma nova ordem económica interna e de modernização
tecnológica - etc.

71
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

sabem o que se passa com os outros por intermédio da Internet. A única fronteira que
parece poder resistir a este impiedoso processo de destruição de emblemas e ícones é
a cultura. É neste domínio que todos nós no futuro iremos procurar refúgio para as
imensas frustrações que acompanham os processos de desenvolvimento e tentar
recuperar a memória colectiva das tradições dos nossos ancestrais. Sem memória
colectiva os povos não podem viver.

5.- ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO PARA ANGOLA


(Comunicação apresentada à Conferência sobre o Investimento como Factor de Desenvolvimento
em Angola, promovida pelo Instituto do Investimento Estrangeiro em 19 de Julho de 2002)

Um dos pontos de partida para uma reflexão em redor deste tema71 pode ser o circuito
económico interno.

É já um lugar comum afirmar-se que o circuito económico interno é uma “manta de


retalhos”, com um Estado dominador72 e um sector privado não petrolífero sem grande
expressão económica. A economia privada interna é preponderada pelas actividades
informais rurais e urbanas, quase totalmente desinseridas da política económica oficial.
Majestosa e sobranceira encontra-se a economia petrolífera: com um regime cambial
próprio e uma lógica de funcionamento baseada no dólar, isenta do pagamento de
impostos alfandegários como primeiro importador da economia nacional, de costas
voltadas para o resto da economia ( a expressão máxima deste divórcio é dada pelo
inexpressivo volume de emprego nacional que este sector de enclave cria73) e
desempenhando o importante papel de exclusivo fornecedor de divisas74 à economia e
de grande pagador de impostos de rendimento para o Estado.

Em síntese: o circuito económico interno é integrado por quatro agentes, a saber, o


Estado de grande dimensão e interventor, a economia petrolífera como Banco Externo
do país, a economia informal cada vez com uma expressão maior75 e a economia
formal76 sem favores do Estado e que tarda em se afirmar como o mais importante actor
económico do país. Entre estes quatro agentes as relações económicas são muito
ténues, mesmo inexistentes entre alguns deles. Se se acrescentar que este circuito
económico interno está praticamente todo localizado numa pequena faixa do litoral do

71
Porque é tão somente disso que se pode tratar. A apresentação duma estratégia de desenvolvimento para
o país é de responsabilidade do Governo e da sua Administração. A chamada sociedade civil deve,
obviamente, preocupar-se com uma questão de tamanha relevância e apresentar pontos de vista
fundamentados sobre os aspectos mais decisivos duma estratégia de desenvolvimento.
72
Ainda é o maior proprietário de activos fixos, as despesas orçamentais representaram em média na
década de 90 cerca de 60% do PIB e a dívida externa é titulada em praticamente 100% pelo Estado.
73
A economia mineral não emprega mais do que 40000 angolanos (10000 no sector petrolífero, 28000 no
diamantífero e 2000 no restante).
74
Em média, na década passada, mais de 90% das receitas totais de exportação.
75
Provavelmente 35% do PIB, 59% do emprego e 55% dos rendimentos agregados familiares (Fion de
Vleter - “A Produção do Sector Microempresarial Urbano em Angola”, Principia-PNUD, Maio de 2002)
76
Na década de 90 o PIB da indústria transformadora não foi além dum valor médio de 3,5% do PIB total
do país, sintoma claríssimo dum processo acentuado de desindustrialização.

72
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

país, fica-se com uma imagem clara das importantes desarticulações estruturais
existentes em Angola.

Um peso tão desproporcionado do Estado na economia77 concerteza que afecta, pela


negativa, o processo de crescimento económico, por isso falando-se na redução da sua
dimensão e na reestruturação da sua orgânica de funcionamento78, porque um dos
aspectos que, igualmente, está em causa num processo de desenvolvimento
económico sustentável é a constituição duma Administração para o
desenvolvimento.

Devo, no entanto, começar por dizer que o crescimento, o desenvolvimento e o


progresso são tão sensíveis e precários que por vezes é suficiente uma pequena crise
de confiança para os abalar. O México primeiro, os principais gigantes da Ásia depois,
mais recentemente a Argentina79 e ainda a própria União Europeia são exemplos de
como é difícil preservar o crescimento, o desenvolvimento e o progresso e resguardá-
los de crises de confiança ou de ataques especulativos. A sustentabilidade no tempo

77
De um outro ponto de vista, provavelmente mais penalizador para a economia, pode dizer-se que o
excesso de peso do Estado está na sua complexa burocracia e na falta de eficiência dos serviços que presta
aos cidadãos e às empresas.
78
Tem de ser urgentemente re-equacionado o número de Ministérios, de Vice-Ministros, de organismos,
etc.
79
A atender às previsões de George Soros o Brasil entrará em crise profunda se Inácio (Lula) da Silva for o
próximo presidente da República.

73
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

destes três fenómenos sociais é muito difícil de assegurar, constitui um desafio


permanente e exige reformas sistemáticas e dinâmicas80. A adaptabilidade da
Administração Pública é um dos factores essenciais, reclamando mentalidades e
processos modernos e actuantes.

Uma das primeiras condições dum desenvolvimento sustentável é a existência dum


projecto de sociedade, participado e partilhado por todos, consubstanciado numa
estratégia clara de crescimento económico e progresso social e num modelo plausível e
justo de repartição da riqueza e de distribuição dos rendimentos. A mobilização da
sociedade é uma das tarefas do Estado, através duma Administração competente,
eficiente e honesta e duma política económica que promova uma adequada afectação
dos recursos escassos, garanta a estabilidade macroeconómica e fomente o
investimento privado.

Uma outra condição que o Estado deve estabelecer é a segurança económica da


sociedade. A garantia da segurança económica é um aspecto crítico do sistema de
participação dos agentes e cidadãos no processo de desenvolvimento da Nação. Os
aspectos cruciais a reter são a transparência e a imparcialidade dos sistemas judiciais
(sociedade de direito), a “good governance” geralmente reconhecida como essencial
para a estabilidade macroeconómica e para a sustentabilidade do crescimento
económico, e a defesa dos direitos de propriedade, elemento chave para o reforço do
sistema financeiro nacional e para a defesa dos pequenos e médios empresários.

Uma terceira condição dum desenvolvimento económico sustentável - alicerce para a


ultrapassagem de fenómenos sociais endémicos como a pobreza - radica no apoio,
promoção e defesa do investimento privado, enquanto motor principal do
crescimento numa economia de mercado. Em que aspectos é que uma Administração
para o desenvolvimento intersecta o investimento privado? Penso ser do conhecimento
geral que vários estudos empíricos realizados sobre realidades diferentes têm vindo a
demonstrar que, por um lado, existe uma relação econométrica81 importante entre o
crescimento dos investimentos públicos e a eficiência dos investimentos privados (um
valor próximo dos 40% e cujo significado é o da duplicação dos investimentos públicos
induzir um acréscimo na eficiência dos investimentos privados de cerca de 40%) e, por
outro, que o investimento privado é o de maior efeito multiplicador a curto prazo. Então
e em primeiro lugar, o Estado, através da sua Administração, tem de ser competente na
escolha dos melhores investimentos públicos, os que induzam maior eficiência sobre o
investimento privado. Em segundo lugar, a Administração deve ser capaz de remover
todos os obstáculos burocráticos, promover a transparência dos processos de
autorização e diminuir as incertezas da política económica que consequencializam uma
redução substantiva dos custos de transacção dos investimentos privados.

Como quarta condição destacaria a consolidação da estabilidade macroeconómica,


veiculada, sobretudo, por uma convergência entre a programação económica, a
programação orçamental e a programação monetária e pelo rigor na afectação dos
recursos financeiros da Nação. O controle do défice fiscal em limites economicamente
aceitáveis e socialmente suportáveis é a pedra de toque da execução duma política de

80
Na conhecida expressão de Paul Samuelson, basta um “estalar de dedos” para que o crescimento
económico resvale, a atestar que a gestão do desenvolvimento é uma coisa muito séria, complexa e
sensível, que exige competência técnica, determinação política e bom senso.
81
Traduzida pela elasticidades da produção em relação ao investimento.

74
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

estabilização macroeconómica compreensiva e abrangente82. Não é difícil compreender


que para este efeito a existência duma Administração do Estado técnica e
administrativamente capacitada e eficiente é um requisito fundamental. Por exemplo, o
“monitoring” dum programa de reforma fiscal é exigente em capacidade técnica e
administrativa, garantes de transparência e de eficiência dos resultados.

Uma quinta condição relaciona-se com a reforma e reestruturação do sistema


financeiro83. É vulgar afirmar-se que tal como a rede de transportes é o sistema de
circulação sanguínea da economia real, o sistema financeiro desempenha papel
semelhante na circulação das poupanças e dos investimentos. E este papel só deve ser
exercido pelo sistema financeiro, não podendo competir a mais nenhuma estrutura
institucional esta função de intermediação entre quem poupa (ainda que seja o Estado,
por exemplo, através dos bónus petrolíferos) e quem investe84. Por questões de
transparência, eficiência e verdade económica.

A constituição do capital humano nacional é uma outra condição, provavelmente a


de maior profundidade e alcance, seguramente a que maiores efeitos multiplicadores e
reprodutivos sobre o crescimento económico produzirá a longo termo. Angus Madison85
afirma, sem tergiversações, que os recursos humanos são o mais importante factor de
crescimento e de desenvolvimento dos países. Numa aproximação quantitativa postula
uma proporção de 70% para os recursos humanos (capital humano numa perspectiva
do crescimento económico), 27% para o capital físico público e privado e apenas 3%
para os recursos naturais. Ora bem, uma Administração para o desenvolvimento tem de
ela própria ser uma parte integrante do “stock” de capital humano da Nação e
simultaneamente um factor de facilitação da valorização dos recursos humanos do país.
No primeiro caso, pela melhoria permanente da produtividade geral e específica, pela
adequabilidade dos processos de trabalho e das metodologias de análise, pela
reestruturação judiciosa de serviços e departamentos, pela formação sistemática, pela
valorização cultural e pelo conhecimento e troca de experiências. No segundo caso,
estabelecendo sistemas de educação e formação eficientes e convergentes com as
estratégias de crescimento económico e os modelos de organização e modernização
empresariais, implementando redes de saneamento básico e sistemas de saúde de
cuidados primários e eliminação de doenças endémicas, promovendo estratégias
específicas de combate à pobreza e melhoria dos índices nutricionais da população e
facilitando um processo de reajustamento cultural que tenha como aspecto nuclear a
síntese entre a tradição e a modernidade86.

82
Como ajustar a política fiscal de modo a assegurar-se a estabilidade macroeconómica, promover as
reformas estruturais e, ao mesmo tempo, elevar o chamado gasto social, tanto de tipo compensatório e
destinado a aliviar situações de privação extrema, quanto na formação do capital humano, é um desafio
permanente aos decisores públicos. Fica-se à espera que os programas do Governo explicitem com clareza
os montantes dos “dividendos da paz” e expliquem as opções para a sua aplicação económica e social.
83
Um sistema financeiro com baixa propensão a emprestar ao sector privado - que fica dependente dos
empréstimos oficiais subsidiados e dos tráficos de influência política - é um sério entrave ao crescimento da
economia.
84
Volto a pôr em causa os Fundos como instrumentos de fomento do crescimento económico, porque se
constituem ou vivem com dotações orçamentais - que têm um determinado custo de oportunidade -
propiciam o tráfico de influências e tendem a introduzir ruídos no processo de intermediação financeira e
de avaliação de projectos.
85
Angus Madison - A Economia Mundial 1820/1992, OCDE, 1995
86
A cultura que temos não é facilitadora do desenvolvimento moderno. “ No caso particular de Angola a
ideia que tenho é a da coexistência de três tipos de valores culturais, que se conflituam entre si: os valores

75
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Uma Administração para o desenvolvimento tem de naturalmente ser uma


administração moderna que se expresse na qualidade dos serviços prestados, na
capacidade de resposta, na facilitação de processos e na eficiência de resultados. São
estes os elementos enformantes da produtividade material da Administração Pública e
que, basicamente, dependem da reestruturação do próprio aparelho do Estado, da
descentralização de funções, da concentração de actividades, da especialização das
tarefas, da redução dos desperdícios, da qualidade e quantidade dos meios técnicos e
informáticos disponíveis, das condições gerais de trabalho e da cultura administrativa.

Finalmente, uma outra condição deve ser estabelecida como estruturante dum
desenvolvimento económico sustentável no país e que se relaciona com a alteração
dos mecanismos, da ideologia e da doutrina de repartição da renda petrolífera.
Como se sabe, os rendimentos do sector petrolífero têm sido utilizados, principalmente,
para financiar a guerra e para assegurar o serviço da dívida externa do país. Dada a
forma como os mesmos têm sido geridos - são conhecidas as advertências de falta de
transparência proferidas pelas instituições de Bretton Woods - receia-se que por aqui
possa passar uma das fontes de corrupção no país. Daí que seja importante alterar o
actual modelo de utilização e distribuição destes rendimentos:

* maior engajamento do sector petrolífero na construção duma verdadeira


economia nacional87;
* alteração radical da política de comprometimento do petróleo em vigor desde
há bastante tempo88;
* abolição dos regimes cambiais especiais e que acabam por beneficiar os
sistemas financeiros dos países compradores do petróleo angolano;
* eliminação das isenções alfandegárias sobre as importações das
concessionárias petrolíferas e respeitantes a aquisições de bens de consumo e
produtos intermediários.

Dois grandes objectivos deveriam nortear a estratégia de desenvolvimento a propor à


sociedade como o grande projecto político pós-conflito:

* aceleração do ritmo de crescimento da produção de bens e serviços,


considerando-se, especialmente, a necessidade de:
- intensificar o aproveitamento dos recursos naturais disponíveis e
dar emprego efectivo à população activa desempregada;

tradicionais, dominados pela solidariedade, pela família extensa, pela tolerância, pelo diálogo e pelo
espiritual; a cultura urbana, onde se dogmatizam valores como o individualismo, o materialismo, o
egoísmo, o “possuísmo” e o revide; a cultura institucional, dominada pela burocracia (como forma de
extorsão de dinheiro), pela corrupção, pelo imediatismo e pela indisciplina”. (Alves da Rocha - Os Limites
do Crescimento Económico: As Fronteiras entre o Possível e o Desejável (páginas 141/143) -
LAC/Executive Center, Luanda, 2001).
87
Devido à circunstância de os efeitos multiplicadores da actividade petrolífera sobre o restante da
economia serem negligenciáveis, impõe-se a necessidade de se procurar activamente a diversificação da
base produtiva nacional.
88
A implementação do ajustamento fiscal e das privatizações pode funcionar como catalisador para a
renegociação da dívida externa junto da comunidade financeira internacional. Este renegociação é
fundamental para normalizar o financiamento externo da economia angolana, podendo-se, inclusivamente,
reverter, por completo, o padrão actual de empréstimos garantidos com petróleo, que subtraem divisas que
poderiam ter usos mais produtivos, ao encurtar os prazos de amortização quando os preços sobem no
mercado internacional.

76
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

- aumentar e diversificar as exportações de bens e serviços e


impor uma certa selectividade nas importações, favorecendo as de equipamento e de
bens intermédios;

* melhoria da situação social da população, tendo em vista a


reconciliação nacional, a correcção dos desequilíbrios sociais e a melhoria da satisfação
das necessidades sociais básicas.

Ou seja, uma estratégia de desenvolvimento assente no binómio emprego-


produtividade e na constituição do capital humano nacional89.

Sendo esmagadora a maioria da população angolana de tipo rural, vivendo de e para a


terra, a primeira preocupação terá de ser a de incrementar o seu nível de rendimentos,
extremamente baixo, pelo que haverá de exercer acções intensivas nos sectores de que
dependem. A absorção do enorme excedente actual de mão-de-obra terá de ser feita
pela implantação de indústrias trabalho-intensivo, para o que terão de se atribuir
poderosos incentivos nesse sentido90. Para além destas, as acções nos domínios da
educação e da saúde representam não apenas peças fundamentais deste xadrez
estratégico, mas também obrigações a que nenhum Governo pode fugir.

Esquematicamente, a estratégia de desenvolvimento a adoptar vai ter de levar em linha


de conta a natureza do circuito económico nacional - constituído por diferentes
economias sobrepostas - a ocupação agro-pastoril da maioria da população, a baixa
produtividade económica, a explosão de populações deslocadas e o estado geral de
grande deterioração das infraestruturas. Numa perspectiva dinâmica, a estratégia tem
de prever como se poderá transformar uma sociedade com estas características e
prospectivar uma sociedade de futuro, com melhores formas de aproveitamento das
potencialidades da terra e dos homens e mulheres, promover novas e racionais
ocupações da mão-de-obra existente e garantir as condições estruturantes duma
efectiva reconciliação nacional pela via do desenvolvimento.

Na estratégia de desenvolvimento com os contornos apresentados deveriam assumir


papel de relevo, pela acção dinamizadora na aceleração do crescimento do produto, os
investimentos nos sectores de fomento rural, pecuária e pesca, indústrias
transformadoras, indústrias da construção civil, energia, transportes e comunicações e
turismo, dada a influência que irão exercer nas transformações estruturais da economia
e na do desenvolvimento. Sendo sectores onde deve predominar a acção da iniciativa
privada, o Estado terá de programar os seus empreendimentos e investimentos em
consonância com as estratégias empresariais privadas e aplicar medidas de efectivo
apoio e fomento das suas iniciativas.

EIXOS DE DESENVOLVIMENTO ESTRATÉGICO

A efectiva entrada numa fase pós-conflito aconselha no sentido de se elaborar um


documento de fundo acerca dos rumos da economia nacional nos próximos 20 anos.
Aparentemente um horizonte temporal demasiadamente dilatado, mas as grandes

89
Ver nota de rodapé 82 sobre o incremento do gasto social.
90
Para isso tem de ser estruturado um programa de fomento da produção nacional, que contemple um
sistema integrado de incentivos ao investimento, à produção e à exportação, devidamente ancorado nos
factores que mais influenciam as decisões empresariais privadas e penalizam os custos de produção.

77
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

políticas e reformas estruturais só a essa distância produzirão efeitos económicos,


sociais e políticos. Por exemplo, a economia angolana potencialmente reúne condições
para apresentar uma taxa de crescimento do PIB alta e regular, em torno dos 10%
anuais, para o que se torna apenas necessário que as políticas públicas sejam as mais
avisadas e as mais conformantes com as dinâmicas e com as iniciativas internas. Este
valor de 10% pode possibilitar - em perspectiva linear e para um período de 10 anos -
uma multiplicação do PIB por 2,6 e do PIB per capita por quase dois (admitindo-se
neste caso uma redução da taxa de crescimento demográfico dos actuais 3,0% para
2,7% ao ano), o que social e politicamente tem reflexos enormes e importantes.
Nomeadamente em termos de alívio sensível da pobreza a duplicação do PIB per capita
pode significar o início de um processo de contenção em limites estreitos deste
fenómeno e o princípio da recuperação da esperança e da confiança no futuro.

A formulação duma estratégia pós-conflito passa por se identificarem alguns eixos


estratégicos para o desenvolvimento futuro.

* Redução substancial da pobreza

A pobreza é um flagelo nacional e aparece associada ao desemprego, à exclusão


social, ao insucesso escolar, à destruição da célula familiar, etc., manifestações estas
que acabam por ser o produto da ruptura dos elos sociais fundamentais.

A reflexão em torno da redução da pobreza envolve a consideração de três aspectos


cruciais:

» emprego: não apenas a criação liquida de postos de trabalho, mas


também a valorização do salário e de determinados rendimentos sociais (reformas,
pensões, etc.) e que são as únicas vias não inflacionistas para financiar o crescimento
da procura interna, uma das condições para um crescimento económico intenso e
regular;
» capital humano: os estudos sobre a pobreza elucidam que é através da
formação do capital humano que a pobreza pode ser erradicada, uma vez que por esta
via se concedem condições para se encontrarem empregos de razoável rendimento
salarial ou se constituírem actividades produtivas91. Por outro lado, o crescimento
sustentável tem de passar pela existência dum “stock” adequado de capital humano que
possibilite disputar níveis comparáveis de produtividade e competitividade;
» infraestruturas sociais: não se consegue sustentabilizar um processo de
redução da pobreza sem a componente das infraestruturas sociais, nomeadamente, a
habitação, o saneamento básico, o fornecimento de água e de electricidade, a
disponibilização de redes de transportes urbanos, etc. Modernamente passaram-se a
designar por infraestruturas da vida quotidiana e mesmo nos países industrializados
têm sido uma via para a reanimação do emprego e para a geração de rendimentos que
afoitem as procuras finais internas.

É em torno deste eixo estratégico fundamental - a substancial redução da pobreza92 -


que deverão ser conduzidas as reflexões acerca dos “dividendos da paz” - já que se

91
A educação é, seguramente, o único elo que pode quebrar a cadeia de transmissão da pobreza.
92
Num cenário de crescimento do Rendimento Nacional a uma taxa anual sustentada de 7,2% - a que
corresponderia, sensivelmente, uma taxa de cerca de 10% para o PIB total e uma em redor dos 15% para a
economia não mineral - e de variação demográfica de 3%, seriam necessários 25 anos para que a taxa de

78
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

está a falar em estratégia pós-conflito - devendo a sua gestão orientar-se no sentido da


criação de empregos permanentes, da constituição do capital humano nacional e da
construção das infraestruturas sociais.

* Valorização dos recursos humanos

Dos diferentes ingredientes necessários ao arranque económico, a educação é, por


certo, dos mais essenciais. Historicamente observada nos países de industrialização
antiga, a sequência que vai da alfabetização à revolução demográfica, e depois às
transformações políticas e económicas, efectua-se igualmente no caso dos processos
contemporâneos de desenvolvimento. De acordo com o Banco Mundial, o impacte
sobre o PIB a longo prazo de um aumento de um ano do nível de educação médio da
população varia entre 4% e 9%, segundo o nível inicial. A atenção excepcional dada
pelos países do Extremo Oriente ao investimento na educação a partir dos anos 50
constitui, desse ponto de vista, um dos aspectos fundamentais do seu sucesso
económico (esta prioridade à educação foi sobretudo traduzida no papel determinante
conferido ao ensino primário e secundário e à promoção da educação das mulheres).

O impacte sobre o desenvolvimento económico dos investimentos maciços na


educação é triplo: o alto nível de instrução da força de trabalho favorece a
aprendizagem das técnicas modernas, promovendo o aumento da produtividade
económica dos países; o carácter maciço e não elitista da educação actua
positivamente sobre a distribuição dos rendimentos, facilitando, em decorrência, o
surgimento duma vasta classe média com acesso ao mercado moderno de consumo e
embrião ou alfobre de empresários, decisores, intelectuais, inventores, etc.; finalmente,
a atenção prestada à educação feminina acelera a queda da taxa de fecundidade, o que
reduz, a prazo, as tensões demográficas e sociais e permite às famílias poupar uma
parte maior dos seus rendimentos.

* Modernização da Administração

A presença do Estado nos processos de crescimento e desenvolvimento é fundamental.


Os exemplos dos processos recentes de sucesso económico nacional provam que o
Estado desempenhou um importante papel como promotor do desenvolvimento social e
garante da estabilidade económica. O Estado deve desdobrar a sua acção através dum
planeamento indicativo, duma política industrial de carácter selectivo, da criação das
infraestruturas necessárias ao crescimento económico, do incentivo sistemático à
investigação e duma sinergia exemplar com o sector privado.

Uma Administração do Estado bem organizada, gerida com elevados índices de


eficiência institucional e económica, possuidora duma cultura claramente
desenvolvimentista e utilizadora de acervos instrumentais modernos tem sido
considerada como um poderoso factor de desenvolvimento dos países. Os estudos
realizados um pouco por todo o mundo, e em particular nos chamados países
emergentes, sobre a competitividade económica e os factores que a constróem e
favorecem, demonstram que os países são competitivos por uma série convergente de
razões e não apenas porque possuem vantagens comparativas naturais ou salariais.
Tem-se revelado cada vez mais arriscado assentar as bases da competitividade em

pobreza passasse dos actuais 62,2% para cerca de 28% (admitindo-se uma elasticidade pobreza-rendimento
de -0,7).

79
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

salários baixos93 ou na exploração primária dos recursos naturais. As empresas são


hoje sobretudo redes integradas de actividades internas (recursos humanos, tecnologia
e gestão) e externas (redes de fornecedores e de distribuição) e a sua competitividade
depende, por um lado, do modo como estas actividades são organizadas e
comandadas e, por outro, da própria competitividade do meio envolvente. E é
justamente neste meio envolvente que a Administração do Estado entra. Um bom meio
envolvente que confere competitividade às empresas é constituído pelas infraestruturas
económicas e pelos equipamentos sociais, pelas redes de informação e de
telecomunicações, pelo funcionamento da justiça, pela qualidade da administração
pública e pelos sistemas de educação, formação e saúde. A Administração do Estado,
pela sua capacidade de organização, pela sua eficiência e pela sua pró-actividade
acaba, portanto, por ser um poderoso factor facilitador da estruturação dum
desenvolvimento económico moderno e competitivo. É este tipo de Administração que
passou a ser conhecido como Administração para o Desenvolvimento e que é a
única via para uma actuação consequente do Estado na economia real.

* Estabilidade macroeconómica

A ambição das políticas monetárias e orçamentais tem de ser a restauração das


condições para uma retoma forte do investimento privado. Um ambiente
macroeconómico caracterizado por taxas de juro a prazo elevadas e instáveis, fracas
perspectivas de crescimento da procura interna, fraco volume de investimento público,
taxas de câmbio distorcidas e imprevisíveis, etc., não é concerteza o mais adequado ao
crescimento da produção interna.

Um bom ambiente macroeconómico94 é determinante para as decisões


microeconómicas de investir, consumir, poupar e produzir, servindo, também, para
conter a fuga de capitais nacionais e o retorno das poupanças nacionais no estrangeiro.

* Recuperação, valorização e modernização das infraestruturas económicas

Este eixo estratégico é absolutamente indispensável num processo de geração de


crescimento forte e de empregos de elevado conteúdo de rendimento. É despiciendo
referir que o desenvolvimento de todas as categorias de infraestruturas sempre foi e
será um motor essencial do desenvolvimento económico, do crescimento e da criação
de empregos. A construção das infraestruturas actua primeiro pelos seus efeitos
directos sobre as actividades do sector da construção e sobre todas as que lhe estão
ligadas a montante e a jusante (“quando a construção civil funciona tudo o resto
funciona...” costumam muitos economistas referir), assim como sobre todos os serviços
e indústrias que contribuem para o desenvolvimento das diversas categorias de
infraestruturas. Depois, actuam mais indirectamente e de forma retardada sobre o

93
Apesar de se dizer que a boa competitividade é a que alicerça em salários altos – pela via dos quais se
optimiza o valor acrescentado nacional e se garante o trinómio qualidade/design/originalidade dos produtos
e processos – a constatação trazida pela globalização é, no entanto, bem diferente e mesmo contraditória.
Cada vez mais os processos de produção e os capitais emigram para onde o custo do trabalho é mais baixo,
sendo o caso da Índia o mais paradigmático quanto a um conjunto de indústrias e serviços que para aí se
deslocalizam à procura de mão-de-obra qualificada e inventiva, mas de baixo valor de mercado. Um sério
aviso à navegação em Angola.
94
Segundo alguns estudos da AIA e inquéritos aos investidores estrangeiros (IIE), os factores
macroeconómicos condicionam as decisões empresariais em 81,8% dos casos.

80
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

crescimento e o emprego de todas as actividades (serviços e indústrias) ligadas à sua


gestão, funcionamento e manutenção. Finalmente, permitem o desenvolvimento
cumulativo de muitas empresas de serviços, utilizadoras directas das infraestruturas,
tais como transportes, serviços urbanos, etc.

São muito frequentes os processos de (re)arranque do crescimento nuclearizados no


sector da construção civil. Este papel polarizador e de multiplicação de actividades e
rendimentos deve traduzir-se na elaboração dum programa nacional de
infraestruturação da economia a 10 anos de vista, centrado nos investimentos
públicos e na comparticipação da comunidade internacional.

Os aspectos a sublinhar são:

» selecção e localização espacial: de modo a reterem-se os


investimentos que mais directamente possam contribuir para a criação de pólos de
desenvolvimento regional e local;
» selecção e posicionamento inter-sectorial: o crescimento económico
forte e regular não será possível sem o desenvolvimento das primeiras gerações de
infraestruturas necessárias à grande indústria, tais como, os caminhos de ferro, as
estradas e as vias navegáveis, as redes de distribuição de água e electricidade, as
redes de telecomunicações e os grandes conjuntos urbanos;
» prioridade às redes de facilitação do exercício de actividades: tais como
as redes de comercialização, conservação e armazenamento de produtos, etc.

* Envolvimento da comunidade internacional

A comunidade internacional deve ser convidada a participar do esforço e do modelo de


recuperação e modernização da economia nacional. Existem diversos espaços de
intervenção da comunidade internacional, desde que as estratégias e as opções
internas que vierem a ser aprovadas sejam respeitadas.

As considerações em redor deste eixo estratégico envolvem os aspectos seguintes:

» cooperação empresarial: para além das parcerias como modelo de


robustecimento e modernização do sector empresarial nacional, a cooperação
empresarial deve envolver formas concretas de financiamento interno, mormente pela
via das linhas de crédito;
» financiamentos externos: veiculados pelas instituições financeiras
internacionais ou por outras de carácter nacional. Conhecidas que são as reservas
quanto à dependência externa que provocam, a sua atenta reflexão deve, porém,
centrar-se em dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, tem-se de atentar no
facto de que os financiamentos externos são assimiláveis a um complemento da
poupança nacional - bastante exígua neste momento - o que pode contribuir para a
criação de condições mínimas para o vencimento do círculo vicioso da pobreza de
Ragnar Nurkse. Em segundo lugar, os financiamentos externos melhoram, numa
primeira fase, o coeficiente de importação da economia nacional, dada a insuficiente
capacidade de geração de divisas, actualmente concentrada no sector dos petróleos. A
gestão destes financiamentos externos é determinante para o que se vier a passar
quanto à dívida externa, que poderá ser virtuosa se os sectores e os projectos de maior
rendibilidade e de mais elevada capacidade de retorno forem os prioritários;

81
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

» investimento directo estrangeiro: fundamentalmente a discussão sobre


a minimização das consequências negativas tradicionalmente apontadas a esta forma
de penetração dos capitais estrangeiros - tais como o não reinvestimento local dos
lucros realizados (exorbitantes volumes de expatriação de dividendos e lucros), o
controlo integral do capital das filiais, a ausência de participação local nas funções de
enquadramento, a influência sobre questões de política nacional, a utilização excessiva
dos recursos naturais - e da maximização das vantagens, potencialmente tradutíveis na
transferência de tecnologia e “know-how”, na possibilidade de aprendizagem e
apropriação das tecnologias estrangeiras e dos métodos de organização e de gestão,
no conhecimento dos mercados internacionais e das modernas técnicas de “marketing”,
etc.;
» ajuda pública ao desenvolvimento: a ideia basilar é a de que as
iniciativas internacionais neste domínio devem obedecer às linhas estratégicas e ao
modelo de recuperação que o Governo vier a definir em articulação com a sociedade
civil nacional. Daí também a importância de existir uma estratégia nacional pós-conflito,
na qual todos os possíveis intervenientes tenham claramente definido o seu papel. A
ajuda bilateral, surgida depois da guerra fria e da descolonização, é, sobretudo, um
instrumento de política económica internacional dos Estados doadores, na medida em
que apenas 50% em média desta ajuda não está ligada a condicionalidades.
Combinada com os créditos comerciais subvencionados, a ajuda constitui para os
países doadores um meio de baixar o custo das ofertas de financiamento das suas
exportações de bens e serviços para os países beneficiados. A ajuda multilateral não
tem estado, “a priori”, limitada aos objectivos comerciais ou estratégicos dos países
doadores. Em princípio, as instituições que gerem esta ajuda - Nações Unidas, Banco
Mundial, Fundo Europeu de Desenvolvimento, ... - só têm como finalidade o
desenvolvimento dos países que a recebem. A actividade das ONG’s95 terá de ser
objecto dum tratamento muito cuidadoso no âmbito da estratégia nacional pós-conflito,
visando-se a coordenação das suas acções e dos financiamentos associados.

O inelutável envolvimento da comunidade internacional nas estratégias de recuperação


e modernização da economia nacional exige da parte do Estado a aplicação dum
modelo concreto de financiamento da economia, no qual convirjam as várias fontes
internas (poupança pública e privada nacionais) e externas (tais como as que foram
indicadas). Particularmente deverá ser destacado, neste modelo de financiamento, o
papel esperado dos diferentes tipos de poupança e os sectores desejáveis para onde os
investimentos se deverão orientar.

Aceites estes eixos como os mais determinantes duma perspectiva estratégica para o
país depois do conflito militar, importa subsequentemente reflectir sobre o modelo de
gestão da recuperação e do desenvolvimento económico que melhor possa ajustar-se-
lhes.

O MODELO DE GESTÃO DA RECUPERAÇÃO E DO CRESCIMENTO ECONÓMICO

Subjacente a qualquer um modelo de recuperação da economia está o modelo de


gestão do crescimento, isto é, o posicionamento do Estado enquanto agente promotor e
coordenador do desenvolvimento nesta fase de reconstrução económica.

95
Este é outro aspecto que merece a minha reserva, mormente quanto à actividade de muitas das ONG’s
estrangeiras, que de resto tem sido alvo de muitas e variadas críticas.

82
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

É necessário admitir-se que o Estado em Angola tem de desempenhar um papel na


(re)organização da economia. Ainda que apenas por razões revertíveis ao estado
calamitoso das infraestruturas, do parque industrial e do sector agrícola.

O ponto de partida para a reflexão sobre o modelo de gestão do crescimento é o de que


a (re)organização industrial e económica do país deve visar o aumento rápido do PIB
por habitante e, concomitantemente, da prosperidade dos cidadãos. Para isso só duas
vias são possíveis: o incremento da produtividade e o crescimento do emprego.

A produtividade depende, no geral e independentemente das escolas e teorias


económicas, da intensidade de capital afecto à produção, da organização do trabalho,
da qualidade das lideranças empresariais, do nível de formação dos trabalhadores, do
ritmo de introdução de inovações nos produtos e nos processos tecnológicos de
produção e do enquadramento macroeconómico, legislativo e social. Uma série variada
de factores cuja consistência interna e externa e inter-relações têm de ser organizadas
para aumento da eficiência económica.

O emprego depende dum factor demográfico de longo prazo (o crescimento natural da


população se for exagerado e superior ao acréscimo da produtividade concorrerá para o
aparecimento de níveis indesejáveis de desemprego) e da produtividade. A relação
entre o emprego e a produtividade é muitas vezes conflituante, em particular num
horizonte de curto prazo. Dada a fórmula de cálculo da produtividade - cociente entre
volume/valor de “output” produzido num dado período e o volume/valor do “input”
trabalho utilizado - uma maior produtividade resulta de mais produção/produto gerado
pelo mesmo ou menor volume de trabalho, isto é, com o mesmo ou menos emprego. De
forma simplista, mais produtividade implica menos emprego. A longo prazo, porém, a
relação pode ser de complementaridade. Os sectores mais competitivos, com maiores
produtividades, tendem a reduzir os seus custos unitários de produção, atraindo,
destarte, mais investimento e capital, que ao reclamarem mais trabalho criam mais
emprego, ainda que proporcionalmente decrescente.

Assim, o crescimento económico induzido por uma maior produtividade do factor


humano, exige mais capital e mais trabalho para o sustentar. A longo prazo, um país
com bons padrões de produtividade tende a atrair mais capital e trabalho e aumentar
mais ainda a sua produtividade.

É neste mosaico de contradições aparentes e reais que o Estado em Angola tem de


organizar e gerir o processo de crescimento económico, num ambiente de sequelas
profundas e destruições irreparáveis deixadas pela guerra. E ainda por cima num clima
de instabilidade macroeconómica traduzido por uma inflação persistente, por uma
desconfiança permanente da política económica e por comportamentos especulativos.
Assim sendo, o Estado tem de desempenhar um papel activista96.

A racionalidade subjacente a este papel activista do Estado em Angola encontra-se na


circunstância de nenhuma empresa ou grupo de empresas poder ter a visão e a
informação adequadas para conduzir a economia, particularmente nesta fase em que
tudo ou quase tudo está por fazer ou refazer. Para exercer esta função de organização
e coordenação do crescimento - através do planeamento económico -, o Estado deverá

96
Trata-se de promover a passagem dum Estado-obstáculo para um Estado agente do crescimento e criador
duma cultura do desenvolvimento.

83
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

dispor duma base de trabalho segura, composta por um bom sistema de produção de
estatísticas e de acesso à informação, uma boa rede de informatização dos serviços,
um acervo metodológico e científico moderno, uma capacidade de gestão intermédia
aceitável - o chamado “middle management” exerce um papel crucial na condução das
políticas públicas e no funcionamento da Administração do Estado - um bom sistema
judicial e um ambiente geral de aceitação do seu protagonismo. Ou seja, o Estado em
Angola para se assumir como o promotor do desenvolvimento e o defensor da
produtividade tem ele próprio de ser eficiente. As empresas e as actividades
económicas em geral só serão competitivas se inseridas em contextos igualmente
competitivos, nos quais o Estado e a sua Administração terão de ser as peças
determinantes.

Um país só será competitivo se os seus agente, públicos, privados e institucionais o


forem nessa exacta medida.

O papel do Estado activista no país em matéria de organização e gestão do


crescimento começa no Ministério do Planeamento, passa pelos Ministérios sectoriais e
acaba nos governos provinciais. O Ministério do Planeamento é o agente do Estado
responsável pela coordenação das estratégias económicas, empresariais e
institucionais que visem o incremento da produtividade e o aumento do emprego. O seu
estatuto orgânico estabelece funções e responsabilidades precisas nestes domínios,
destacando-se, por exemplo, a da elaboração duma estratégia geral de
desenvolvimento económico e social a longo prazo97. No mesmo sentido, a
responsabilidade de organizar e gerir o sistema nacional de produção e difusão da
informação. Ainda, o reforço metodológico e institucional dos gabinetes de planeamento
sectoriais e provinciais.

Ao nível do sector produtivo e no contexto duma estratégia de recuperação e


crescimento pós-conflito, algumas indústrias e sectores de actividade deverão ser
privilegiados sempre que as suas perspectivas de crescimento e oportunidades de
apoiar um melhor padrão de vida forem melhores do que outras. Outras indústrias e
sectores de actividade terão de ser protegidos para ganhar escala na competição
regional e internacional. Uma Angola voltada para a exportação com as empresas e as
indústrias mais inovadoras a puxarem pela produtividade e pela economia (onde se
incluem as actuais empresas exportadoras de petróleo, mas numa perspectiva de maior
valor acrescentado nacional dessa fileira) e uma outra mais voltada para o mercado
interno (de substituição comparativamente vantajosa das importações) e com maiores
responsabilidades na criação de empregos, na auto-suficiência e na mitigação da crise
social (estas contribuições seriam consideradas como o benefício social resultante da
protecção dada pelo Estado).

As prioridades e protecções referidas deveriam constar duma estratégia de aumento da


produtividade e de incremento do emprego que articulasse os modelos de
industrialização mais consistentes e comprovados, com o propósito de se aproveitarem
as sinergias e reduzirem as desvantagens de cada um deles.

A educação, o ensino, a formação e a investigação científica e tecnológica são


fundamentais para a boa gestão do desenvolvimento e para se obterem níveis

97
Artigo 2º números 2 e 3 do Estatuto Orgânico do Ministério do Planeamento (Diário da República nº 19
1ª série de 24 de Abril de 1998).

84
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

comparáveis de produtividade e competitividade. O ensino básico tem de ser universal,


o ensino secundário melhorado e reforçado e o ensino politécnico criado. As prioridades
do ensino universitário deveriam ser: as engenharias (mecânica, química, industrial e
civil), as ciências (com destaque para a biologia), a informática, a medicina, a gestão
empresarial e a macroeconomia e administração pública. Os incentivos ao fomento
destas áreas do conhecimento passariam pelos salários dos professores, pelas bolsas
de estudo internas aos estudantes, pelas bibliotecas e pelos laboratórios técnicos.

ACTIVIDADES ECONÓMICAS COM VANTAGENS COMPETITIVAS

A produção de bens e serviços tem apenas dois destinos: para abastecimento dos
mercados internacionais (exportações) ou então para o mercado interno intermédio e
final (substituição de importações). Em qualquer um dos casos é essencial garantir as
respectivas competitividades, por intermédio de ajustamentos estruturantes (formação,
inovação, tecnologia, gestão e organização) e não através de factores conjunturais e
passageiros, como os baixos salários, os incentivos financeiros e fiscais, os subsídios,
etc.

* Indústrias vantajosas para a promoção das exportações

Angola dispõe de um conjunto de indústrias que no contexto africano e em particular da


SADC apresentam vantagens comparativas evidentes, devendo a política industrial
facilitar o seu aprofundamento e promover o aparecimento de nichos de modernidade
industrial, capazes de polarizarem determinados efeitos sobre outras indústrias.

De acordo com informações recolhidas através da United Nations Trade Data e usando
duas versões da fórmula que nos dá o rácio denominado RCA (Revealed Comparative
Advantage) - uma mais lata e outra expurgada dos efeitos decorrentes da dimensão
económica dos países (volume das exportações) - chegaram-se aos resultados
seguintes98:

* apesar da guerra e das suas pesadas consequências, Angola não é portadora


de nenhuma inabilidade estrutural para a exportação de produtos potencialmente
competitivos no mercado africano e regional da África austral; a prová-lo estão, por
exemplo, as exportações de pasta de papel (cerca de 13,7 milhões de usd em 1971, ou
um pouco mais de 105 milhões de usd aos preços actuais) e a produção de óleos
vegetais (38 milhões de usd aos preços actuais) e de açúcar ( quase 90 milhões de usd
aos preços actuais);
* pelos valores do RCA o país apresenta evidentes vantagens competitivas para
a exportação de petróleo e produtos derivados e para as manufacturas de minerais não
metálicos e patenteia algumas vantagens relativas nos outros produtos alimentares e
outras indústrias transformadoras (não descriminadas na amostra de produtos que foi
utilizada), para a madeira e produtos derivados, para os têxteis, para o açúcar e
derivados;
* aos produtos anteriores deverão ser acrescentados os que no passado
detiveram uma percentagem significativa nas exportações do país e que podem ser
considerados como fazendo parte duma certa tradição industrial angolana: pasta de
papel e papel, tabaco, algumas bebidas e o tabaco processado.

98
Os resultados seguintes baseiam-se num estudo elaborado pelo Ministério da Indústria em 2001 sobre o
impacto económico da ratificação do Protocolo de Liberalização do Comércio na SADC.

85
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Alguns valores do rácio RCA alargado sugerem algumas considerações adicionais


quanto à capacidade/possibilidade de alguns produtos poderem, num processo
concertado de reconversão e recuperação industrial, fazerem parte das actividades do
comércio externo do país. Por exemplo, o valor patenteado para a gama de produtos
minerais não metálicos coloca Angola numa posição potencialmente mais vantajosa
relativamente a muitos países da SADC, incluindo a África do Sul. Estão neste caso as
rochas fosfatadas de alto teor e o cimento. Relativamente às primeiras, os jazigos –
avaliados em mais de 100 milhões de toneladas – situam-se na província de Cabinda e
dispõem duma localização privilegiada, a apenas 16 km da costa. Um projecto bem
dimensionado poderia conduzir à produção de 300 mil toneladas de ácido fosfórico e de
100 mil toneladas de superfosfatos anualmente. Para além dos efeitos directos e
imediatos sobre a agricultura nacional, seria possível aumentar as exportações de bens
manufacturados, em cerca de 210 milhões de dólares anuais.

Quanto ao cimento, estão perfeitamente delimitadas as enormes potencialidades do


país, mormente no que se refere à conquista de algumas franjas dos mercados
limítrofes deficitários neste produto.

Outra gama de produtos a ter em devida conta numa estratégia de reindustrialização e


de valorização dos recursos naturais nacionais é a dos minerais não ferrosos – apesar
do valor nulo do respectivo RCA -, donde se destaca o cobre. Angola dispõe de
importantes jazigos nas provínvias do Uíge, Kuanza-Sul e Kuando-Kubango.

As gamas constituídas pelas indústrias metalúrgicas e de produtos metálicos


apresentam, segundo os valores do correspondente RCA, vantagens comparativas
nulas, donde e dum ponto de vista estático, Angola não pode disputar este mercado aos
seus parceiros regionais. A questão, porém, muda de figura se a análise for dinâmica e
deslocada para o campo das perspectivas e das potencialidades. Pode, em princípio,
defender-se que o país disporá de vantagens competitivas adicionais em todas as
gamas industriais energia-intensivas (energia hidroeléctrica ecologicamente limpa),
como é manifestamente o caso da laminagem do ferro e do aço - donde poderão
resultar produções de fio-máquina, barras e perfilados diversos – e do alumínio.

* Indústrias vantajosas para a substituição das importações

Existe um amplo mercado interno que a indústria transformadora pode cobrir,


verificando-se que:

* são claras as vantagens internas para a substituição das importações nas


gamas:
- têxtil (certamente devido às possibilidades no algodão)
- papel de derivados do papel, dadas as potencialidades do país na
pasta celulósica
- produtos de natureza petrolífera, o que é óbvio
- produtos químicos industriais (soda cáustica e produtos clorados,
resinas sintéticas e produtos farmacêuticos) e mesmo outros
produtos químicos não especificados
- plásticos e produtos derivados da borracha
- vidro e produtos derivados
- produtos minerais não metálicos

86
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

-metais não ferrosos


-montagem de máquinas eléctricas e não eléctricas, bem como de
rádios e aparelhos de televisão
- certo material de transporte (atrelados, etc)
- actividade mineira (diamantes, granitos, rochas ornamentais, etc).
* no entanto, o critério das vantagens comparativas reveladas para as
importações não deve ser exclusivo, sob pena de a análise ser redutora e perder
sentido qualquer estratégia de criação do mercado interno (integração económica
interna). Assim sendo:
» podem ser criadas condições para uma competitividade interna face às
importações nas gamas de produtos onde a tradição industrial tenha sido relevante, tais
como as bebidas, os têxteis e confecções, os lacticínios e derivados, derivados da
pesca, moagem de farinhas em rama e espoadas, fabricação de açúcar, produção de
óleos vegetais e derivados (rações, sabão e margarinas), descasque de arroz e
fabricação de pneus e câmaras de ar;
» podem ser criadas condições para a aquisição duma competitividade
interna nas gamas de produtos onde a produtividade aparente seja mais elevada, como
os produtos alimentares, as bebidas, os derivados da madeira, as químicas, borracha e
plásticos e os materiais de construção;
» podem ser substutidas as importações nas gamas de produtos onde o
país revele uma vantagem comparativa dada pela disponibilidade de recursos naturais
industrializáveis, como, por exemplo, os adubos, o gás e os derivados do petróleo.

CENÁRIO DE CRESCIMENTO ECONÓMICO POSSÍVEL EM 2007

A alteração da actual estrutura económica interna, dominada pela economia de


exportação do petróleo, é uma das mais prementes necessidades a médio prazo, de
modo a permitir um reforço sustentável da malha intersectorial.

CENÁRIO POSSÍVEL PARA 2007


(preços correntes)
Sectores de actividade PIB 2002 (milhões USD) PIB 2007 (milhões USD) Taxas médias anuais
de crescimento (%)
Agricultura, silvicul-
tura, pecuária e pes- 903,2 2337,6 20,9
ca
Petróleo e refinados 5025,1 7947,9 9,6
Diamantes e outros 634,8 1122,1 12,1
Indústria transfor- 421,2 1496,1 28,8
madora
Energia e água 4,3 187,0 63,3
Construção 392,7 1122,1 23,4
Comércio, bancos,
seguros e serviços 1609,0 2805,2 11,7
Diversos
Outros 1207,0 1683,1 6,9
PIB 10406,9 18701,1 12,4

87
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

6.- PRODUTIVIDADE – CALCANHAR DE AQUILES E UM DOS PRINCIPAIS DESAFIOS DA


ECONOMIA ANGOLANA
(Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado”, nº13, Abril-Junho de 2002)

A economia angolana apresenta uma muito baixa produtividade, uma das suas grandes
debilidades para enfrentar, com relativo sucesso, os desafios da integração económica
regional e da globalização. E de acordo com determinadas estimativas apresentou um
comportamento regressivo durante a década de 9099.

Analisada de um ponto de vista global – dado pela capitação do PNB – a situação em


Angola é muito preocupante, de “per se” e quando comparada com os seus parceiros
da SADC. Na verdade e segundo informações constantes do African Development
Indicators (Banco Mundial, 2001), o estado da arte apresentava-se com os contornos
seguintes:

 a média do rendimento médio por habitante em Angola passou de $867 no


período 1985-89 para $433 na década de 90 (1990/1999), uma quebra de
mis de 50%;
 a mesma média para a SADC aumentou de $1100 para $1590 entre aqueles
mesmos períodos de tempo, o equivalente a uma melhoria das condições
gerais de vida de cerca de 44,5%;
 o rendimento médio angolano representava 78,8% da média da região
austral no período entre 1985 e 1989; para o período de tempo
compreendido entre 1990 e 1999 aquela percentagem baixou para 27,2%;
 os países da SADC melhor colocados para arrostar os desafios da
integração económica regional e mundial100 são as Seycheles (cerca de 4
vezes o rendimento médio da região e uma evolução de 86,5% entre os
períodos de referência), a África do Sul (2,14 vezes e 43,2%), as Ilhas
Maurícias (2 vezes e 96,5%), e o Botswana (cerca de 2 vezes e 97,8%).

A produtividade é o indicador básico da saúde de uma economia: no longo prazo é o


seu crescimento que comanda a evolução dos salários e dos ganhos de bem-estar dos
consumidores.

A indústria transformadora e os serviços são os sectores de actividade económica


líderes da produtividade. Numa base fixa, o índice de produtividade industrial em Angola
passou de 100 em 1985 para 26 em 1992101 e para uma cifra ainda mais baixa em
2000, cerca de 18. Provavelmente a produtividade industrial não deve ter suplantado os
3600 dólares dos Estados Unidos por trabalhador em 2000102, contra, por exemplo,
22642 dólares por trabalhador no Botswana, 15077 dólares por trabalhador nas ilhas
Maurícias e 25497 dólares no Zimbabwe em 1990103.

99
Consultar Alves da Rocha – “Os Limites do Crescimento Económico em Angola: As fronteiras entre o
possível e o desejável”, Executive Center e LAC, Luanda, 2001.
100
Analisada dum ponto de vista absoluto – valores do rendimento médio por habitante – e dum ângulo
relativo – peso na média regional e taxa de evolução.
101
De acordo com as estimativas incluídas no Plano Director de Reindustrialização de Angola, Ministério
da Indústria, 1995.
102
Alves da Rocha, obra citada.
103
Plano Director de Reindustrialização de Angola.

88
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Os escassos índices de produtividade da economia nacional estão de acordo com as


suas actuais características de economia dual e rendeira, centrada nas importações e
ainda experimentando um processo de substituição da produção nacional pela de
origem externa. Uma das consequências deste modelo económico é a
desindustrialização do país: o índice de industrialização104 passou de 29,6% em 1974
para 3,3% em 2000, ou seja, a capacidade de transformação do país é hoje quase 9
vezes inferior à existente nos alvores da independência105.

Constata-se, portanto, que o ritmo de crescimento da produtividade tem sido negativo e,


como tal, insuficiente para suportar uma convergência desejável do rendimento médio
por habitante para a média da SADC. E o mais grave a assinalar é que não será
suficiente o espaço de uma geração para que Angola se aproxime dos países mais
dinâmicos da região económica da África Austral. O significado deste apuramento é um
só: o modelo de crescimento angolano encontra-se esgotado. Apesar da
efectivação de algumas reformas fundamentais nos domínios cambial e monetário, da
extensão e modernização do sistema bancário, das privatizações, da liberalização da
actividade económica, dos sistemas de transportes e comunicações, os resultados em
termos de controlo da inflação, da redução do desemprego, da reversão da pobreza e
do crescimento económico são insuficientes, negligenciáveis mesmo em alguns casos.

A pobreza continua a aumentar e a distribuição do rendimento a piorar, apresentando-


se como dois dos grandes constrangimentos ao desenvolvimento económico futuro.
Entre 1995 e 2000, o PNL ao custo dos factores aumentou de 306 dólares por habitante
para cerca de 418 dólares, mas, paradoxalmente, o índice geral de pobreza agravou-se
de 60,8% para 63,2% (destacando-se o sensível avivamento da população em condição
de extremamente pobre, cuja taxa passou de 11,3% para 24,7%). Um caso evidente do
que na teoria do desenvolvimento económico é conhecido como crescimento
económico com aprofundamento do subdesenvolvimento e alargamento do círculo
vicioso da pobreza. A conclusão, aparentemente, só pode ser uma: a degradação da
situação social dos cidadãos angolanos não se deveu à falta de crescimento
económico, mas a um substancial agravamento das condições de repartição do
rendimento nacional106. Se as condições de repartição primária do rendimento e de

104
Medido pelo peso do Valor Acrescentado da indústria transformadora no Produto Interno Bruto.
105
Alguém um dia vai ter de escrever o Livro Branco sobre a Desindustrialização de Angola, pois há que
encontrar responsáveis por uma política económica tão negativa para a indústria transformadora do país.
106
Este é um dos grandes problemas angolanos, estreitamente ligado ao processo de acumulação capitalista
e ao fenómeno de geração da burguesia nacional. Certos analistas sociais defendem que a sociedade
angolana já é burguesa, porque o comportamento da grande maioria da população também o é em termos
de hábitos, valores e arquétipos sociais (um pouco como o socialista utópico francês Proudhon para quem a
contraposição à tese marxista da luta de classes estaria na transformação do proletariado em burguesia).
Acrescentam que se pode começar a ser burguês a partir do momento em que se passa a ser proprietário de
uma habitação (residindo o problema essencial na transformação deste activo físico em capital – ver
Hernando de Souto: o Mistério do Capital). Para mim é inaceitável que se constitua uma burguesia à
sombra da repartição da renda petrolífera por um grupo muito restrito de pessoas que gravitam na órbita do
poder – exercendo ou não cargos políticos ou de confiança institucional – como é o actual processo em
Angola. Esta lógica de funcionamento da economia rendeira em favor de grupos sociais ligados ao poder
político pode traduzir-se quer na forma de acesso a determinadas benesses financeiras – como é o caso dos
fundos de desenvolvimento, normalmente utilizados como instrumentos de tráfico de influências e só
acessíveis a agentes ou pessoas cujos interesses se entrosem com os dos políticos – quer no aceso a formas
mais directas de repartição e que no nosso caso foram facilitadas e escamoteadas pelas despesas com o
conflito militar. Uma burguesia assim formada normalmente não é empreendedora, porque não tem de sê-

89
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

redistribuição dos resultados económicos do sistema produtivo nacional se não


alterarem, a pobreza continuará a crescer e as oportunidades de desenvolvimento
adiadas.

No mesmo percurso de deterioração se coloca o emprego. Não se dispõem de


estatísticas sobre o desemprego, pressentindo-se, apenas, que deve ser muito elevado.
A Associação Industrial de Angola fala numa percentagem de 60% no sector
transformador e de cerca de 40% na agricultura. Estimativas de alguns investigadores e
estudiosos da realidade angolana situam a taxa geral de desemprego entre 35% e 40%.
A importância da economia informal acentua-se107, não apenas enquanto espaço de
solidariedade social e de reprodução económica, mas igualmente como um substituto
da economia formal, com consequências em matéria de concorrência desleal, de fuga
de poupanças do circuito bancário e de não pagamento de impostos.

É neste quadro de esgotamento do modelo de crescimento e de presença de diferentes


e fortes constrangimentos ao desenvolvimento – dos quais os indicados são dos mais
importantes – que se coloca a necessidade de viragem, consubstanciada na construção
de uma estratégia nacional de desenvolvimento a longo prazo, que se constitua
num verdadeiro projecto de transformação radical da sociedade e que se articule em
torno de variáveis verdadeiramente estratégicas.

A discussão em redor das variáveis estratégicas do desenvolvimento económico


reveste-se duma enorme importância, uma vez que podem estar em causa escolhas
determinantes para as decisões empresariais e as condições de vida da população.
Com efeito, não é indiferente colocar-se no centro duma estratégia nacional de
desenvolvimento a reestruturação da Administração Pública108, a estabilização
macroeconómica ou a recuperação das infraestruturas. Todas estas variáveis podem ter
- dependendo de determinadas circunstâncias - o estatuto de variáveis estratégicas do
desenvolvimento.

Então que critérios ou que características devem ser observadas para que este estatuto
seja reconhecido?

Em última instância a escolha de uma ou mais variáveis estratégicas109 pode ser um


acto político, reservado inteiramente ao Estado e aos decisores públicos. Podemos
reencontrar aqui as velhas simpatias pelos despotismos iluminados ou as mais recentes
atracções pelas teorias das elites dirigentes110. Mas ainda que preponderem regimes
democráticos modernos, a selecção das variáveis estratégicas do desenvolvimento
acaba por ser sempre um acto político. No entanto, com uma diferença significativa

lo, já que a constituição de fortuna – o móbil principal da burguesia através do exercício da actividade
económica – está garantida e o acesso a todos os tipos de bens – de base e de ostentação – está assegurado.
Não há desafios a vencer.
107
Fion de Vleter (“ A Produção do Sector Microempresarial Urbano em Angola”, Principia-PNUD, Maio
de 2002) estima que provavelmente 35% do PIB, 59% do emprego total e 55% dos rendimentos dos
agregados familiares se originam actualmente no sector empresarial informal.
108
Com o intuito de ser transformada numa Administração para o Desenvolvimento.
109
Provavelmente num máximo de duas e seguramente nunca mais do que três, atendendo às quase
infindáveis relações de pró-actividade e reactividade que entre elas se podem estabelecer e entre elas e
outras variáveis de carácter mais secundário, difíceis de abarcar nas políticas económicas e sociais.
110
Na perspectiva marxista as elites vanguardistas, as vanguardas do povo, os trabalhadores.

90
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

relativamente a outros modelos ou processos: esta escolha tem de ser primeiro


sufragada pelos eleitores e só depois transformada em políticas públicas concretas.

Em qualquer um dos casos, porém, é conveniente que as variáveis elegíveis ao estatuto


de estratégicas possuam determinadas características.

Em primeiro lugar, uma variável só deve ser considerada como estratégica para o
desenvolvimento se estiver considerada na função de preferência colectiva. Esta
função é a única que informa sobre as aspirações mais profundas da população, a
ordem de prioridades que atribui aos diferentes problemas que contrafazem as suas
condições de vida e a sua disponibilidade na concessão de sacrifícios pelo adiamento
de determinados consumos públicos. Entende-se, portanto, que as variáveis
estratégicas se alteram consoante a situação concreta em que estas funções de
preferência colectiva sejam estabelecidas. No caso do nosso país e conforme sublinhei
mais atrás, são três as questões que podem ser actualmente consideradas como
candidatas ao estatuto de variáveis estratégicas: a pobreza, o emprego e a
produtividade. Entre elas é, inquestionavelmente, a redução da pobreza a que
corresponde às aspirações mais profundas de toda a sociedade, com particular ênfase
para os 63,2% de agregados populacionais directamente afectados por este flagelo
social. Numa ordem de preferências colectivas o aumento do emprego provavelmente
aparecerá em segundo lugar. Não creio que a produtividade111, neste momento, mereça
um grau de preferência social elevado112, porque não se tem uma noção muito concreta
do que é que é e das suas enormes implicâncias sobre a modernização económica e a
competitividade internacional.

Em segundo lugar, uma variável só deve alcandorar-se ao estatuto de estratégica para


o desenvolvimento económico e social se se caracterizar por um conjunto e uma
densidade de relações com outras variáveis suficientes para ser considerada como
variável modelizável. Os modelos são ferramentas instrumentais e metodológicas
incontornáveis nos exercícios de cenarização e programação do desenvolvimento.
Quanto mais relações uma variável detiver no sistema económico, mais apta estará, por
intermédio das políticas públicas que sobre ela se exercerem, a espalhar os efeitos
positivos esperados. Entre a pobreza, o emprego e a produtividade existe uma evidente
hesitação entre a pobreza e o emprego. No entanto, atendendo-se ao estado actual do
conhecimento quanto às inter-relações com outras variáveis determinantes do sistema
económico, parece ser o emprego a mais apta ao estatuto de variável modelizável.

Finalmente, uma variável estratégica tem de ser uma variável o mais possível
quantificável, isto é, estar estatisticamente coberta. Se assim não for deixará de poder
ser potencialmente modelizável. Os parâmetros de regressão das variáveis são
elementos essenciais para a escolha dos instrumentos das políticas públicas e para o
doseamento das respectivas medidas. Ora bem, no caso angolano a variável que se
encontra estatisticamente melhor coberta é a pobreza, com o recente inquérito às
receitas e despesas familiares de 2000/2001.

111
Apesar do seu inequívoco papel central na redução da pobreza, no aumento dos rendimentos e na
aquisição duma competitividade internacional.
112
O que não quer, obviamente, dizer que não deva ser considerada como tal. Os decisores públicos,
tecnicamente mais capacitados com as ferramentas da teoria económica, têm a obrigação de caldear a
função de preferência colectiva, enriquecendo-a com variáveis relativamente às quais se reconhecem os
efeitos económicos benéficos.

91
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Pelos aspectos anteriores compreende-se que a escolha de uma variável estratégica


para o desenvolvimento deve obedecer a determinados princípios, não podendo ser
sujeita apenas a uma observação política, nem, muito menos, ser um resultado do
acaso. Por outro lado, não existem variáveis estratégicas totalmente subordinantes de
todas as restantes que se envolvem no processo de desenvolvimento, sendo por isso
que normalmente se considera um cacho de variáveis estratégicas, mas que obedeçam
igualmente às características anteriormente anotadas.

Analisemos o caso do emprego e da produtividade e das respectivas inter-actividades.


No caso do emprego, a sua posição estratégica é explicada pelas relações seguintes:

 a redução do desemprego tem um impacto imediato sobre a redução da


pobreza, pelo viés da criação de rendimento. As estimativas existentes e
feitas no âmbito dos resultados do inquérito às receitas e despesas familiares
atribuem um valor de -0,7 à elasticidade rendimento-pobreza, o que em
termos práticos significa que um aumento de 10% no produto nacional
líquido ocasiona uma redução na pobreza de cerca de 7%;
 a redução do desemprego pode ter um impacto negativo sobre a
produtividade, se não for acompanhada de qualificação da força de trabalho
e de reciclagem dos trabalhadores. Daí a importância do programa de
aumento de competências e de requalificação da mão-de-obra que o
MAPESS tem em execução. De resto, aumento de emprego com maior
qualificação, aumenta o PIB e melhora estruturalmente a distribuição
primária do rendimento nacional113;
 a redução do desemprego pode melhorar a distribuição do rendimento,
mesmo que alicerçada em mão-de-obra indiferenciada. Este posicionamento
é importante na discussão do modelo de reconstrução económica do país: a
redução do desemprego baseado em trabalho qualificado acresce a
produtividade e permite aumentos salariais, enquanto que a redução do
desemprego de trabalho indiferenciado apenas melhora a participação do
factor trabalho no rendimento nacional;
 a redução do desemprego aumenta as possibilidades de reassentamento
das populações deslocadas, com implicações importantes a médio prazo
sobre o incremento do valor acrescentado agrícola, base indispensável para
a garantia da segurança alimentar e a melhoria dos rendimentos dos
camponeses;
 a redução do desemprego, mesmo em condições de manutenção relativa do
salário médio nacional, contribui para a criação duma procura interna efectiva
importante e absolutamente indispensável para incentivar o investimento
privado e as decisões de aumento da oferta114;

113
A educação e formação e no geral o capital humano são os meios de alterar estruturalmente os activos
de que a população trabalhadora dispõe para disputar fatias crescentes do rendimento nacional.
114
Uma estimativa rápida e baseada numa população de 14 milhões de habitantes, numa taxa de actividade
de 51%, numa taxa de desemprego de 40%, numa propensão marginal ao consumo de 90%, num salário
mínimo de $650 ao ano por trabalhador e numa meta de redução do desemprego em 50% em 6 anos,
conduz a um incremento mínimo do consumo privado em quase 650 milhões de dólares dos Estados
Unidos, o que é, seguramente, significativo (basta que o salário de referência suba para
$70/mês/trabalhador, para que a variação do consumo privado se situe em quase 1,2 biliões de dólares dos
Estados Unidos). Estes valores confirmam a existência de razoáveis potencialidades para a criação dum

92
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 a redução do desemprego – atendendo ao facto de as respectivas taxas


afectarem com muito maior incidência as mulheres – é, provavelmente, um
dos meios mais eficazes para se reduzirem as desigualdades do género;
 a redução do desemprego é uma das vias mais estruturantes para a
construção da economia nacional, entendida enquanto articulação entre
todos os sectores de actividade e todas as regiões do país, propiciadora
duma plena liberdade de circulação de factores, produtos e serviços;
 finalmente, a redução do desemprego só é compatível com uma estratégia
de reconstrução e crescimento baseada nas pequenas e médias empresas,
que por seu turno, se apresentam como um dos mais sólidos contributos
para o fortalecimento e diversificação do tecido produtivo nacional.

Por todas estas implicações a montante e a jusante se comprova que o emprego reúne
todas as condições anteriormente indicadas para ser considerada como estratégica do
desenvolvimento económico.

E quanto à produtividade? As suas relações são as seguintes:

 o incremento da produtividade é a única via que garante um “decent job”, ou


seja, um salário elevado e, ao mesmo tempo, um aumento da
competitividade com base na qualificação dos recursos humanos115;
 o incremento da produtividade pela via do trabalho qualificado, determina a
implementação de políticas activas de constituição do capital humano
nacional, o que se constitui numa das fontes sustentáveis de redução da
pobreza;
 o incremento da produtividade pressupõe a modernização dos sistemas
produtivos e de gestão pública e empresarial;
 o incremento da produtividade aumenta a possibilidade de uma maior
internacionalização da economia, mormente no espaço regional da SADC;
 finalmente, só com base nos ganhos de produtividade se consegue financiar
acréscimos salariais e garantir uma base mínima de autofinanciamento do
investimento privado.

Por todas estas implicações se verifica que, também, a produtividade pode ser
considerada como uma variável estratégica dum modelo de reconstrução,
modernização e desenvolvimento.

O que em última instância tem de ser feito é o estabelecimento dum sistema de


prioridades, em que a posição subordinante de cada uma das três vaiáveis aqui
discutidas se vai alterando à medida que a estratégia de desenvolvimento se for
implementando no decurso do tempo.

mercado interno, bastando, para o seu efectivo aproveitamento, que as políticas públicas sejam correctas,
activas e concertadas com as estratégias empresariais.
115
Cada vez mais se mostra inaceitável, face à dinâmica do comércio mundial, basear a competitividade em
salários baixos e, correspondentemente, em mão de obra indiferenciada e de baixa qualificação. Numa
visão moderna e abrangente a competitividade depende de um autêntico “cluster” de variáveis, desde a
tecnologia e investigação, à qualidade da gestão empresarial e das respectivas estratégias de
desenvolvimento da produção, acabando na natureza da gestão pública e na qualidade da Administração do
Estado.

93
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7.- ANGOLA: DE UMA ECONOMIA DE GUERRA A UMA ECONOMIA DE PAZ


(Comunicação apresentada à Conferência Internacional SUL-SUL sobre o papel das Forças Armadas
numa Sociedade Democrática e Pacífica, em 11 de Outubro de 2002)

É sempre difícil elaborar um exercício tendente a analisar os dividendos da paz


procedentes da finalização de um conflito armado. Até porque fica sempre a sensação
de que manter a paz – apesar de socialmente mais dignificante e humanizante - exige
despesas e investimentos muito maiores do que conservar uma situação de guerra. Daí
que falar em dividendos da paz só tenha sentido se entendidos do ponto de vista
psicossocial e antropológico e expressão se contabilizados em termos de vidas
humanas que se não perdem por razões de maior ou menor futilidade116.

Do que tenho a certeza é que a guerra nos fez perder imenso tempo. As hesitações
existentes quanto à adesão ao protocolo de livre comércio da SADC estariam
ultrapassadas – e até invertidas no sentido de termos sido o primeiro ou dos primeiros
países a rubricá-lo – se a economia se não tivesse atrasado 27 anos em relação às da
região e do mundo. Os únicos sectores que se desenvolveram – até pela atrofia de
todos os restantes – foram os da extracção de petróleo e diamantes, os “bancos”
financiadores da guerra117.

Também fica muito claro que ao contrário de outras guerras aqui e em outros lados, a
economia nacional nunca foi uma economia de guerra, bastando para o confirmar
estudar com atenção a organização económica e institucional dos países beligerantes
da primeira e segunda guerra mundiais e mesmo de alguns países que hoje se
encontram em situação de conflito militar: autoritarismo esclarecido, disciplina,
reestruturação do aparelho económico em domínios ligados às necessidades da guerra,
prioridade absoluta aos bens e serviços de origem nacional, investimentos em
infraestruturas directamente relacionadas com a guerra, manutenção (e em alguns
casos mesmo aumento) do emprego, etc.

Angola viveu duas situações de guerra completamente distintas do ponto de vista


político: uma primeira entre 1961 e 1975 com o objectivo da obtenção da independência
e do reconhecimento internacional como país soberano, e uma segunda – muito mais
longa – da qual se não conhecem ainda verdadeiramente as razões e os motivos

116
As guerras acabam sempre por se fazerem por razões fúteis que se revelam quando os armistícios e os
acordos de paz são assinados. Hoje em Angola começa talvez a ficar claro que a reconciliação já se poderia
ter iniciado há muito mais tempo, tal é o clima de concórdia existente entre as partes que se envolveram no
conflito armado. O reencontro de velhas amizades e o cultivo de novas são uma constante após Abril do
corrente ano. Então porque se demorou tanto tempo?
Com a mesma futilidade se deve analisar o comportamento de George Bush na sua obstinação em fazer a
guerra contra o Iraque. Aliás, a história das diferentes intervenções militares dos Estados Unidos por esse
mundo fora está recheada de futilidades e contumácias estéreis: a criação da Al Queda para a luta contra a
União Soviética no Afeganistão, o apoio expresso a Sadam Hussein na guerra contra o Irão, a conivência
política com ditadores declarados, etc.
117
A estratégia de extracção de petróleo bruto obedeceu durante estes anos de conflito armado às
necessidades financeiras da guerra e aos interesses das multinacionais do crude instaladas no país. De toda
a produção anualmente realizada, apenas 7% em média é para consumo interno e mesmo numa situação de
funcionamento da economia perto do seu produto potencial – daqui a 20 anos na melhor das hipóteses – a
utilização de derivados do petróleo não suplantará os 30%, até porque é mais barata e limpa a
hidroelectricidade.

94
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

nacionais e internos118. As “economias de guerra” que então se constituíram foram


radicalmente diferentes em muitos aspectos.

ECONOMIA DE GUERRA 1961-1974

A resposta que a economia colonial encontrou para tentar opor-se à luta de libertação
nacional foi a do crescimento económico e do reforço das estruturas produtivas
internas.

PRODUTO INTERNO BRUTO POR SECTORES


Taxas anuais médias de crescimento
SECTORES 1966/1970 1968/1970 1966/1973 1970/1973
Agricultura, silvicul-
tura, pecuária e pes -3,5 5,9 7,2 23,2
ca
Indústria extractiva 23,6 114,6 16,7 8,1
Indústria transforma 13,8 19,4 14,1 14,5
dora
Construção 12,5 11,9 11,3 9,6
Electricidade/ água 8,0 3,6 3,1 -2,9
Transportes e Co- 6,4 4,1 4,6 2,1
municações
Comércio 5,1 14,1 4,4 3,6
Bancos, Seguros 12,5 10,1 9,0 4,4
Habitação 12,0 7,3 14,5 18,0
Administração Pú- 15,9 11,4 14,4 12,4
blica
Serviços 5,2 9,2 12,6 23,3
TOTAL 8,1 12,9 9,5 11,3
Fonte: IV Plano de Fomento, Estatísticas Industrias e Estatísticas Agrícolas.
Nota: as taxas médias anuais de crescimento são reais, calculadas a preços constantes de 1963.

Os diferentes valores expressam, na verdade, fortes dinâmicas de crescimento de todos


os sectores económicos, sendo, no entanto, de destacar a agricultura, silvicultura,
pecuária e pescas, a indústria transformadora, a habitação e a construção, que foram
os principais motores da alteração estrutural ocorrida entre 1965 e 1973. Especial
destaque para o crescimento médio anual da indústria transformadora no período
1968/1970 com praticamente 19,5%. Naturalmente que este esforço – com base num
claro modelo de substituição de importações, de reforço do mercado interno e do
aproveitamento das suas sinergias em termos de intercomunicabilidade e circulação de
pessoas e bens – teve como contrapartida o aumento das importações de bens
intermédios e de capital e do agravamento do saldo das contas externas. A agricultura e
actividades conexas só começaram a revelar uma maior capacidade de resposta aos
esforços de industrialização da colónia a partir de 1970, com o projecto de Extensão
Rural.

O PIB, a preços de 1963, apresentou uma taxa de crescimento médio anual entre 1966
e 1973 de 9,5%, com um máximo no período 1968/1970 de 12,9%.

118
O turbilhão da guerra fria tocou-nos com particular contundência no final de década de 70 e início dos
anos 80, devido à uma vez mais errada visão dos americanos sobre os problemas africanos. Consultar
George Wright – A Destruição dum País, Editorial Caminho, 1997.

95
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

O quadro seguinte transcreve o conteúdo do sector produtivo interno em termos de


composição estrutural do PIB.

ESTRUTURA SECTORIAL DO PIB A PREÇOS DE 1963


SECTORES 1966 1967 1968 1969 1970 1973
Agricultura,
silvicultura,
pecuária e 14,2 13,6 10,2 9,8 9,0 12,2
pesca
Indústria 6,3 3,5 3,0 7,1 10,7 9,8
extractiva
Indústria trans 8,7 9,6 9,5 10,4 10,7 11,6
formadora
Construção 2,7 2,8 3,2 3,2 3,2 3,1
Electricidade/ 0,9 0,9 1,1 1,0 0,9 0,6
água
Transportes e
Comunica- 6,3 6,6 7,0 6,5 5,9 4,6
ções
Comércio 34,0 34,0 29,7 31,4 30,3 24,5
Bancos, 2,8 2,6 3,5 3,2 3,3 2,8
Seguros
Habitação 3,6 4,0 4,6 4,4 4,1 4,9
Administração 8,3 10,9 11,3 11,3 11,0 11,3
Pública
Serviços 12,0 11,3 11,5 11,6 10,8 14,7
TOTAL 100 100 100 100 100 100
Fontes: IV Plano de Fomento, Estatísticas Industriais da Direcção de Serviços de Estatística e Estatísticas Agrícolas da MIAA.
Notas: os valores estão expressos em percentagens.

A nota mais saliente esta relacionada com a perda de importância relativa do comércio,
cuja participação no PIB se reduziu praticamente 10 pontos percentuais entre 1966 e
1973. Os ganhos foram para a agricultura, a indústria transformadora (praticamente três
pontos percentuais), a habitação e a Administração Pública – nestes dois últimos casos
a atestar a importância do Estado na condução de políticas públicas de pendor social e
na gestão dum modelo concreto de crescimento económico.

Do ponto de vista da formação de capital fixo da economia angolana colonial, as


informações são as seguintes:

96
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO


(preços de 1963)
Taxas anuais médias de crescimento
SECTORES 1966/1967 1967/1970 1968/1970 1966/1973
Agricultura, silvicul-
tura, pecuária e pes 9,2 -4,4 -0,3 1,1
ca
Indústria extractiva 51,9 -60,0 -5,1 -11,9
Indústria transforma 53,2 39,1 4,0 20,8
dora
Construção 28,7 8,5 0,4 8,7
Electricidade/ água 132,4 23,9 7,0 30,3
Transportes e Co- 21,8 6,6 -26,8 6,8
municações
Comércio 18,7 71,7 5,9 19,5
Bancos, Seguros 25,4 19,3 -1,9 10,5
Habitação 6,0 38,0 7,2 10,0
Administração Pú- -8,7 76,2 5,6 12,6
blica
Serviços 32,5 66,1 -4,2 21,8
TOTAL 34,1 -8,3 -1,6 7,2
Fontes: as mesmas dos quadros anteriores e o relatório sectorial sobre o financiamento
da economia para o IV Plano de Fomento.

A acumulação interna de capital processou-se, entre 1966 e 1973, a uma cadência


média anual de 7,2%, com um máximo de crescimento médio entre 1966 e 1967 de
praticamente 34%. Estes ritmos de crescimento não foram maiores devido à quebra de
investimento no sector extractivo: embora tenham aumentado em 1967 em 51,9% e em
1969 em 64,6%, reduziram-se em 50,6% em 1970.

Os principais destaques relacionam-se com a indústria transformadora, o comércio, os


serviços e a Administração Pública, com expressivas taxas de progressão dos
investimentos. Mas também o sector da habitação se perfila como um dos mais
dinâmicos entre 1966 e 1973.

ESTRUTURA DA FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO A PREÇOS DE 1963


stock
1966 1967 1968 1969 1970 1973 capital
1966-1973
Agricul,sivil.pecu.pesc 4,7 3,8 3,8 3,0 4,0 3,1 3,7
Indústria extractiva 36,2 41,0 20,4 32,0 17,7 9,1 25,2
Indústria transformado 8,2 9,3 11,3 12,5 14,2 18,9 12,8
Construção 21,6 20,8 22,6 20,0 24,6 23,8 22,3
Electricidade e água 1,6 2,8 2,7 2,5 3,8 6,4 3,5
Transportes, comunica 4,4 4,0 15,0 5,6 4,6 4,2 6,3
Comércio 2,6 2,3 3,2 2,5 4,3 5,5 3,5
Bancos,seguros,transacç 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2
Habitação 10,9 8,6 9,2 10,4 13,0 13,1 10,9
Administração Pública 7,7 5,2 7,6 8,3 10,1 10,9 8,4
Serviços 2,0 2,0 3,9 2,9 3,6 4,8 3,3
TOTAL 100 100 100 100 100 100 100
Fontes: as mesmas do quadro anterior.

97
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

O sector da construção foi o de maior concentração dos investimentos, apresentando


um “stock” de capital fixo, correspondente aos investimentos efectuados entre 1966 e
1973, de 22,3% do total, com uma constância notável em cada um dos anos do período
considerado.

Os investimentos na indústria extractiva representaram em 1967 o dobro dos


efectivados na construção, mas a tendência regressiva observada a partir deste ano fez
com que a sua importância relativa no cômputo geral se reduzisse para 25%.

A indústria transformadora continuou a ter um lugar de destaque, tendo representado o


seu “stock” de capital praticamente 13% do total da economia, com um máximo de
investimento em 1973 – cerca de 19% do total da Formação Bruta de Capital Fixo.

O predomínio da economia de subsistência e da produção para autoconsumo justifica o


peso relativo dos investimentos na agricultura e actividades conexas.

Também no domínio do comércio externo, a “economia de guerra” do período 1961-


1974 foi portadora duma dinâmica de evolução acentuada, com particular incidência
sobre a alteração da estrutura das exportações e das importações, conforme, de resto,
se pode constatar pelos valores insertos nos quadros seguintes.

Taxas médias de crescimento das exportações


(preços correntes)
PRODUTOS 1968/1974 1972/1974 1970/1974
Agro-pecuários 6,0 11,6 4,9
Extractivos 20,5 0,5 4,8
Transformados 20,0 18,4 17,8
TOTAL 12,3 7,3 6,3
Fonte: Estatísticas do Comércio Externo para os anos considerados.

O comportamento das exportações pode ser apreciado do modo seguinte:

 no período 1968/1974 (6 anos) a maior dinâmica pertenceu aos produtos


provenientes do sector extractivo, com destaque para os diamantes e o
petróleo;
 nos outros dois períodos – 1972/1974 e 1970/1974 – são as exportações da
indústria transformadora as que denotam um maior ritmo de crescimento
anual, respectivamente, 18,4% e 17,8%;
 o período mais intenso das exportações agro-pecuárias foi 1972/1974, com
uma taxa de variação média anual próxima dos 11,6%.

Quanto à estrutura das exportações, os valores constantes do próximo quadro são


suficientemente esclarecedores quanto à crescente participação dos produtos
transformados (9,4% em 1968 e 14% em 1974) e perda de influência dos produtos
agro-pecuários: estava-se num processo de industrialização interna e de constituição
das relações intersectoriais necessárias ao reforço da economia.

98
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

ESTRUTURA DAS EXPORTAÇÕES A PREÇOS CORRENTES


PRODUTOS 1968 1969 1970 1971 1972 1974
Agro-pecuários 63,5 51,7 47,0 49,3 41,4 44,7
Extractivos 27,2 37,7 43,8 9,1 47,1 41,3
Transformados 9,3 10,6 9,2 41,6 11,5 14,0
TOTAL 100 100 100 100 100 100
Fonte: Estatísticas do Comércio Externo.

Quanto às importações, o panorama foi o seguinte:

ESTRUTURA DS IMPORTAÇÕES Taxas anuais médias de


PRODUTOS crescimento
1969 1970 1971 1972 1969/1972 1970/1972
Consumo não
duradour 29,9 27,0 26,7 21,0 -4,8 -7,8
Consumo
duradouro 12,0 12,4 13,3 5,0 -16,5 -25,9
Consumo
intermédio 19,0 22,5 21,9 24,0 10,2 2,4
Equipamentos 30,7 30,5 31,4 41,0 11,7 10,7
Outras 8,4 7,6 6,7 9,0 5,7 6,2
TOTAL 100 100 100 100 3,9 0,29
Fonte: Estatísticas do Comércio Externo.

As notas mais salientes a registar são:

 um processo claro de substituição das importações e de reforço das


estruturas produtivas internas, traduzido pela diminuição sustentada das
importações de bens de consumo duradouro e não duradouro, com uma
acentuação da sua intensidade no período 1970/1972;
 o aparecimento duma capacidade interna de produção de alguns bens de
consumo intermédio para as actividades industriais e agrícolas, manifestada
pela diminuição na intensidade de crescimento das respectivas importações;
 uma clara concentração das importações em bens de equipamento
necessários para a industrialização da colónia.

Como conclusões mais significativas da “economia de guerra” do período 1961-1974


são de anotar:

 uma intensificação no processo de construção da economia interna pela via


da substituição das importações e do reforço das relações inter-sectoriais;
 um esforço significativo na constituição dum “stock” de capital necessário ao
crescimento sustentado;
 uma intensificação do crescimento do PIB, que aliado a uma taxa de
crescimento demográfico relativamente baixa, deve ter provocado uma certa
melhoria no nível geral de vida, não obstante uma diversidade muito
acentuada na repartição dos rendimentos;
 um crescimento mais rápido das despesas de investimento relativamente às
despesas de consumo, com reflexo acentuado nos investimentos industriais;
 uma diminuição da importância relativa e absoluta dos fluxos não
monetários, como consequência da intensificação do crescimento económico
e da crescente integração da população nos circuitos de mercado (via
extensão rural);

99
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 uma acentuação da diversificação das exportações, com um peso crescente


dos bens industriais e transformados;
 uma participação importante do Estado enquanto agente dinamizador da
economia, medida pelo peso do PIB e dos investimentos públicos no total da
actividade económica.

ECONOMIA DE GUERRA 1975-2002

A resposta desta economia aos desafios do conflito armado foi a total abertura ao
exterior, espelhada no peso crescente da exploração do petróleo e das respectivas
receitas de exportação e no aparecimento duma dependência doentia das importações.
As consequências revelaram-se na desagregação da economia produtiva não
petrolífera, na desarticulação sectorial, na desindustrialização progressiva da economia,
na substituição da produção interna pelas importações119, na crise económica e social,
no desemprego e na pobreza.

O abandono das empresas na sequência da independência explicou a intervenção


gestionária do novo Estado para a qual não dispunha nem de competências, nem de
vocação. A opção socialista justificou o papel fortemente interventor do Estado, castrou
a formação duma iniciativa privada angolana que poderia ter tomado os destinos da
economia e adiou opções estruturais fundamentais. Este modelo socialista e
centralizado - desajustado no tempo e talvez mesmo das idiossincrasias da população –
complementado por uma política macroeconómica que confundiu estabilidade cambial
com taxas de câmbios fixas e estabilidade dos preços com preços administrativos
imutáveis, respondem pelo essencial da crise económica e social que se abateu sobre o
país, ainda por cima num contexto de guerra aberta.

Mário Murteira – o conhecido economista português que se tem dedicado às questões


do desenvolvimento – refere:” as independências políticas das colónias portuguesas em
África ocorrem num momento histórico muito particular da segunda metade do século
XX, momento de grande viragem ou de crucial bifurcação do processo histórico, em que
a maré revolucionária anti-sistémica aparentemente ainda é ascendente, mas na
realidade o refluxo de consolidação sistémica já se tinha iniciado, tornando-se flagrante
e de proporções totalmente inesperadas na década de 80”120. Ou seja, o sistema
capitalista mundial estava a refazer-se, com grande sucesso, da pior crise por que
passou depois da grande depressão de 1929/32 e o toque a finados que lhe tinha sido
decretado pelos ideólogos marxistas estava adiado para melhor ocasião. Vista ainda de
outra maneira, esta reflexão de Mário Murteira significa que as ex-colónias portuguesas
optaram por um divórcio total do modelo económico capitalista veiculado pelo próprio
sistema colonial, na presunção de que o fim da economia de mercado era para breve.
Erro evidente de liderança política e de previsão histórica, uma vez que a consolidação
sistémica, isto é, do capitalismo enquanto sistema mundial, tornou-se flagrante em
meados da década de 70 e de proporções planetárias definitivas nos anos 80. Angola,
no entanto e apesar de todos estes sinais mais do que evidentes, persistiu na linha
política marxista de partido único e num sistema económico fechado, centralizado e
administrativo. Nem sequer o SEF foi aproveitado como uma das grandes
oportunidades históricas de viragem económica e de antecipação dos acontecimentos.
Mário Murteira acrescenta: “os movimentos de libertação das colónias portuguesas

119
Processo absolutamente inverso do seguido na “economia de guerra” durante o período 1961-1974.
120
Mário Murteira: Economia Global e Gestão, AEDG/ISCTE, 1996.

100
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

surgem como sobressaltos finais duma vaga revolucionária prestes a desfazer-se na


areia que protege e recupera o sistema da economia mundial, ou seja, em termos de
ideologia económica eles também são tardios, à beira da grande viragem que ocorre
nos anos 80. Dito de outra forma, os países em causa sofrem directa ou indirectamente
as consequências duma aposta teórica e prática num modelo e num sistema que, afinal,
estavam prestes do termo da sua vigência histórica”121.

Analisemos, no essencial e através de variáveis próximas das utilizadas para a


avaliação da “economia de guerra” entre 1961 e 1974, o comportamento da “economia
de guerra” 1975-2002.

TAXAS REAIS ANUAIS DE CRESCIMENTO


AGSILPES PETROLE DIAMANT INDÚSTRI ENERAGU CONSTRU COMÉRCIO SERVNCO PIBpm
1989 -0,7 0,1 0 27,2 5,2 0,2 4,9 0 1,8
1990 -2,6 4,1 0 -5,2 -12,2 1,0 -1,9 0 2,8
1991 -14,9 7,3 22,9 -10,8 3,9 3,0 3,5 -3,5 1,0
1992 -27,3 10,5 45,7 -16,3 20 5,1 9 -6,9 -1,8
1993 -46,2 -8,4 -88,2 -15,4 0 -45,1 55,9 -30,1 -21,0
1994 8,5 9,2 89,1 6,6 4,8 21,8 6 -8,5 8,2
1995 37,6 12 -3,2 17,5 10,5 15 7,2 1,5 12,0
1996 9 11,1 -11,1 8 10,6 7 3,8 0,5 7,3
1997 10,2 4,7 53,4 9,3 9,4 13,0 9,4 5,5 7,7
1998 5,2 3,5 90,2 4,9 14,5 10,0 5,0 0,0 5,5
1999 1,3 1,0 39,5 7,1 1,3 5,0 4,4 -7,5 2,7
2000 9,3 0,4 13,3 8,9 0,8 7,5 3,4 1,5 3,6
MÉDGEO -4,7 4,2 -1,2 2,2 5,0 2,3 8,6 -4,1 2,3
FONTES: Missão do Fundo Monetário Internacional, Fevereiro de 1994; Angola-Recent Economic Developments, IMF,
September 1997; Concluding Statement of the IMF Mission to Angola, Maio 1999; INE-Contas Nacionais

A primeira nota é devida ao comportamento do Produto Interno Bruto a preços de


mercado que no período em análise cresceu, em média, apenas 2,3%, comprovando-se
deste modo o fraco desempenho económico do país122. Se se acrescentar que a taxa
média de crescimento demográfico foi de 3,8% - de acordo com as informações do
Núcleo de Estudos da População do Ministério do Planeamento – pode, então, concluir-
se por um aviltamento médio das condições de vida de praticamente 2% ao ano, em
termos reais (correspondente a uma depreciação acumulada de cerca de 25%).

No conjunto das actividades estruturantes, a indústria transformadora e a construção


registaram as taxas de variação mais baixas do período. A agricultura, sujeita às
vicissitudes da guerra e às adversidades naturais, expressou a sua dinâmica de
evolução por uma taxa média negativa de 4,7% ao ano.

As actividades petrolíferas e do comércio foram as que mais cresceram, com taxas


médias de 4,7% e 8,6%, respectivamente. O bom desempenho da energia e água, com
uma taxa de variação média anual de 5%, não foi suficiente para que em termos
relativos, este sector ocupasse uma posição proeminente na estrutura do PIB.

121
Mário Murteira, op.cit.
122
Na secção primeira deste capítulo, as taxas calculadas – e que davam mostras dum período de forte
recessão económica entre 1990 e 2000 – referem-se a valores em dólares correntes.

101
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Em termos de estrutura sectorial do Produto Interno Bruto pode constatar-se uma


degradação progressiva da economia não mineral, em contraponto evidente com a
afirmação dominante da economia de enclave, que poucos benefícios trouxe ao
processo de constituição duma economia nacional forte e competitiva.

ESTRUTURA SECTORIAL DO PIB


AGSILPES PETROLE DIAMANT INDÚSTRI ENERAGU CONSTRU COMÉRCI SERVNCO
1989 10,8 54,7 3,5 0,25 2,2 4,6 0
1990 10,3 55,7 3,2 0,22 2,2 4,4 0
1991 12 46,7 1,4 3,7 0,2 3,7 10,3 8,4
1992 13,7 37,7 2,8 4,1 0,1 5,2 16,2 16,7
1993 11,1 42,6 0,5 5,2 0,1 4,3 19,4 13,8
1994 6,2 58,1 1,2 6,7 0 3,2 17,1 6,2
1995 7,8 56 1,1 7,2 0 3,4 16,6 6,9
1996 7,5 59,3 0,6 6,8 0 3,2 14,8 7,1
1997 9,5 48,3 3,8 4,4 0 4,1 16,2 11,3
1998 13,0 37,8 5,4 6,3 0,07 6,2 19,3 10,6
1999 6,4 58,9 8,4 3,3 0,04 3,1 15,0 4,9
2000 5,7 60,8 6,5 2,9 0,03 2,8 14,5 6,7
MÉDIA 9,4 50,8 2,8 4,7 0,07 3,6 13,7 8,2
FONTES: Missão do Fundo Monetário Internacional, Fevereiro de 1994; Angola-Recent Economic Developments, IMF,
September 1997; Concluding Statement of the IMF Mission to Angola, Maio 1999.
NOTA: as somas horizontais não igualam 100 porque se não consideraram outros sectores de actividade.

A economia nacional passou a ser uma economia dual, com um domínio arrasador e
perverso da economia petrolífera, que respondeu, em média, por cerca de 51% do
Produto Interno Bruto. Os anos de 1994, 1995, 1996,1999 e 2000 – com uma média de
58,2% - foram os de maior carga desta economia e que corresponderam aos períodos
de maior crescimento da produção de petróleo.

Uma outra economia de enclave que se prepara para assumir algum protagonismo é a
diamantífera e que aparentemente está em processo de ultrapassar o período de
acentuadas oscilações em que viveu até 1998. Pesa sobre esta actividade uma
enormíssima contradição nas regiões do país onde se vier a instalar e desenvolver: a
agricultura, camponesa ou moderna, estará condenada a desaparecer, dadas as
restrições que os contratos de concessão impõem ao uso das terras para actividades
não mineiras, ainda que as comunidades a elas tenham direito por tradição.

Verifica-se que em 2000, 70% da actividade económica interna se orientava para as


exportações, tornando-se Angola numa das economias mais abertas ao exterior do
mundo. Restam 30% de actividade económica interna para gerar emprego para uma
população em idade activa da ordem dos 6 milhões de habitantes (os dois sectores de
enclave não devem empregar sequer 0,5%).

Os sectores estruturantes do resto da economia (agricultura, pecuária e pescas,


indústria transformadora, energia e água e construção) têm uma representatividade
média de tão somente 17,8%, sendo patente a crescente perda de influência ao longo
da década. O sector da energia e água apresenta-se com uma influência muito exígua,
registando-se anos em que a sua comparticipação relativa foi muito próxima de zero.

102
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Igualmente preocupante é a posição da indústria transformadora – já integrada com a


produção de derivados do petróleo - com apenas uma média de 4,7% na década. Mas
ainda mais inquietante é a tendência de desindustrialização, praticamente instalada
desde a independência. Os anos de 1994 e 1995, embora sendo de excepção no
processo de desintegração industrial do país, os valores relativos patenteados estão
muito longe dos anos de ouro da indústria transformadora angolana. Uma nota curiosa
– assinalada como um aviso à navegação -: as melhorias verificadas em 1994 e 1995
no coeficiente de participação relativa da indústria transformadora coincidiram com um
aumento importante do crédito à economia e em particular à actividade empresarial,
respectivamente, 3,4% e 11,8% do Produto Interno Bruto (ambas as variáveis medidas
em dólares norte americanos correntes). São, aparentemente, dois exemplos de como a
política monetária pode ser usada em benefício da dinamização da economia não
enclavada.

As actividades agrícolas e conexas não chegam a comparticipar com 10% no processo


de geração da riqueza anual. Com excepção do ramo das pescas, as outras mostram-
se sensíveis a factores extra-económicos, como a instabilidade militar e as calamidades
naturais, como as secas e as cheias.

Relativamente ao comércio externo deste período de guerra, tem-se a situação


seguinte:

INDICADORES DO COMÉRCIO EXTERNO (valores em percentagem)


IMT/PIB IMM/PIB OIM/PIB LUDI/PIB TRAN/PIB EXT/PIB EXIM/PIB EXP/EXT
1990 48,7 18,5 15,1 3,7 6,1 46,8 95,5 90,1
1991 48,2 15,3 14,5 3,6 6,9 41,3 89,5 89,1
1992 60,4 24,9 17,6 4,5 8,6 49,9 110,4 89,5
1993 66,2 25,1 18,9 6,5 8,7 51,8 118,0 93,7
1994 87,7 33,9 28,5 8,3 9,4 74,1 161,8 91,2
1995 80,2 27,4 32,4 7,2 6,9 71,8 151,9 91,4
1996 91,5 31,2 32,4 8,2 5,8 82,7 174,2 88,4
1997 81,6 33,9 29,3 7,3 6,1 68,7 150,3 88,1
1998 73,2 32,2 36,7 5,8 5,9 56,9 130,1 83,5
1999 93,7 54,8 39,8 11,5 9,0 87,2 180,9 84,1
2000 64,7 49,9 34,8 13,9 6,1 92,4 157,1 87,7
MÉDIA 72,4 31,6 27,3 7,3 7,3 65,8 138,2 88,8
TVM00/90 2,9 10,4 8,7 14,2 -0,1 4,0 3,8 -0,3
NOTAS: IMM-Importações de mercadorias; IMT–Importações totais; OIM-Outras importações (residual, não
classificados); LUDI-Lucros e dividendos exportados; TRAN-Transportes; EXIM-Exportações mais importações

A abertura global da economia angolana à economia internacional estabeleceu-se a um


nível médio de 150,5% durante a década de transição para a economia de mercado,
devendo ser um dos valores mais elevados do mundo. Este grau de abertura variou a
um ritmo médio de 9,5% ao ano, o que significa que em 11 anos a dependência do
exterior foi multiplicada por 2,7. Estes elevadas cifras não são mais do que a expressão
da dominação do petróleo e da economia de extracção em geral e da fraqueza da oferta
interna. Neste particular, é de assinalar que as importações de mercadorias
representaram uma quota média de cerca de 32% do PIB durante o período em
referência, com máximos justamente em 1999 (54,8%) e 2000 (49,9%), comprovando

103
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

uma acentuação da deterioração do parque produtivo nacional (incapacidade acrescida


de substituir as importações).

A ratio das importações totais – cerca de 82% em média – variou a uma taxa média
anual de quase 9%, aconselhando a que se estude com muito maior propriedade e
eficácia a questão do modelo de desenvolvimento económico nacional, no contexto do
qual a estratégia de promoção e diversificação das exportações e de substituição das
importações tenha um tratamento estratégico consentâneo.

Sobre a formação bruta de capital fixo, as informações disponíveis são as que fazem
parte do quadro seguinte:

ANÁLISE DO COMPORTAMENTO DO INVESTIMENTO EM ANGOLA


ANOS IDELUSD IDEBUSD IGKZ92 IGUSD PIBUSD IG/PIB IDEL/PIB
1990 -334,5 389 1714 451,8 8547 5,3 -3,9
1991 664,1 1098,5 90,2 303,4 8797 3,4 7,5
1992 288 673 86,5 192,4 7989 2,4 3,6
1993 302 851 86,5 188,5 5819 3,2 5,2
1994 170,1 662,5 52,9 76,9 4292 1,8 3,9
1995 472 1132 88,5 144,7 5365 2,7 8,8
1996 180,6 818,3 205,9 126,3 6535 1,9 2,7
1997 411,7 1050,3 212,5 402,2 7645 5,3 5,4
1998 1113,9 1474,4 248,2 516,4 6449 8,0 17,3
1999 2471 3105 290,9 337,8 5669 5,9 43,6

MÉDIAS 573,89 1125,4 153,3 274,1 6710,7 4,0 9,4

TVM90/99 15,7 23,1 5,4 -2,8 -4,0 1,2 26,0


FONTES: Balança de Pagamentos, BNA/DEE; MODANG, Ministério do Planeamento
NOTAS: IDELUSD-Investimento estrangeiro directo líquido em milhões de usd; IDEBUSD-Investimento directo
estrangeiro bruto em milhões de usd; IGKZ92-Investimentos públicos em biliões de kwanzas de 92; IGUSD-
Investimentos públicos convertidos em milhões de dólares; TVM90/99-Taxa de variação média anual método geométrico.

O comportamento do investimento estrangeiro líquido – especialmente o destinado à


economia de enclave - tem sido robusto e positivo, enunciando-se por taxas médias de
crescimento muito significativas e sustentadas.

Outro facto a assinalar refere-se ao comportamento do investimento público durante os


anos 90. São observáveis várias ocorrências:

 desde logo, a fraca importância relativa do investimento público face ao PIB,


ou seja, a taxa de investimento público tem sido em média de apenas 4%,
valor que de modo nenhum poderá sustentar uma taxa de crescimento do
PIB a dois dígitos;
 depois, a taxa média de crescimento negativa registada entre 1990 e 1999 (-
2,9%), o que não deixa de ser paradoxal, atendendo, por um lado, ao estado
de degradação infra-estrutural da economia e, por outro, ao facto de ser pela
via dos investimentos públicos que o Estado tem de afirmar a sua
intervenção na economia;
 depois ainda, o modesto valor médio registado de cerca de 275 milhões de
dólares por ano, o que, atendendo aos orçamentos das obras públicas

104
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

praticados no país, não representa uma carteira significativa de


empreendimentos.

No geral e para os dados disponíveis a taxa global média de investimento registada foi
de apenas 13,4%, bem aquém do que a economia nacional necessita para um
crescimento sustentado e impressivo.

ECONOMIA DE PAZ 2002 - “AD AETERNUM”

Do meu ponto de vista os aspectos cruciais para sedimentar uma economia de paz são
a alteração radical da influência perversa do petróleo123, a construção da integração
económica interna, a reversão da pobreza e a reorientação das despesas orçamentais.

Comprovou-se estar-se perante uma estrutura produtiva interna efectivamente


desarticulada e fraca, sendo, portanto, fundamental canalizarem-se esforços, energias e
financiamentos para o reforço da economia não mineral. É essencialmente desta que
depende a criação de emprego, a geração de rendimentos e a eliminação da
pobreza124.

Naturalmente que os desafios são desmedidos, tanto foi o tempo que se perdeu na
guerra, tantas são as desarticulações internas, tão grandes as necessidades
financeiras.

A estrutura interna da economia nacional deve ser alterada. Este é um ponto de partida
para se atingirem outros objectivos.

SECTORES ECONÓMICOS PRODUTO INTERNO BRUTO (milhões de usd)


Média97/00 2002 2007 2014
Agricultura,silvicultura,pescas 719,3 903,2 2337,6 3636,7
Petróleo e refinados 4313,9 5025,1 7947,9 9741,1
Diamantes e outros 515,3 634,8 1122,1 1298,8
Indústria transformadora 357,6 421,2 1496,1 2987,3
Energia eléctrica e água 8,4 4,3 187,0 779,3
Obras públicas e construção 340,7 392,7 1122,1 2337,9
Comércio,Bancos,Seguros,Servi 1365,1 1609,0 2805,2 3247,0
Outros 799,3 1207,0 1683,1 1948,2
PIB 8413,4 10406,9 18701,1 25976,3

Trata-se de um cenário verdadeiramente voluntarista, para cuja concretização se exige:

 uma efectiva capacidade de direcção política e de gestão económica, muito


em particular do “trade off” eficiência-equidade;

123
Evitando que o mesmo aconteça à economia diamantífera e procurando-se resolver os conflitos de terra
com as comunidades de camponeses das zonas onde esta actividade se vai intensificar. Segundo todos os
ângulos de análise, incluindo o numérico, é muito mais importante a agricultura e os seus resultados
estruturantes em termos económicos e sociais, do que a actividade diamantífera de simples extracção.
124
A única forma de sustentadamente de atacar o problema da pobreza é através do crescimento económico
intenso e extensivo ao maior número possível de actividades, complementado com políticas públicas pró-
activas de redistribuição do rendimento.

105
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 um “pacto económico e social” de regime, entre o Estado, os trabalhadores,


os empresários angolanos e a comunidade internacional;
 um significativo esforço de formação e de reciclagem dos trabalhadores, por
imperativos de aumento da produtividade e do salário médio;
 uma expressiva melhoria dos sistemas de educação e saúde para se garantir
uma renovação permanente do capital humano;
 uma programação e gestão monetária compatível com o esforço de
investimento subjacente aos valores do PIB constantes do quadro e com a
necessidade de geração e captação de poupanças (internas e externas).

Os esforços inerentes a este cenário de verdadeira viragem de costas ao passado


recente são melhor traduzidos pelas taxas médias de crescimento:

TAXAS MÉDIAS ANUAIS DE CRESCIMENTO EM DÓLARES CORRENTES


SECTORES ECONÓMICOS 1999/2002 2002/2007 2007/2014 2002/2014 1999/2014

Agricultura,silvicultura,pescas -0,3 22,1 9,5 14,5 11,4


Petróleo e refinados 1,2 10,4 4,1 6,7 5,6
Diamantes e outros 3,0 9,5 5,6 7,2 6,3
Indústria transformadora -2,2 27,5 14,9 20,0 15,2
Energia eléctrica e água 1,5 78,9 25,3 45,3 35,2
Obras públicas e construção -3,3 23,5 14,9 18,4 13,7
Comércio,Bancos,Seguros,Servi 0,6 10,9 4,8 7,3 5,9
Outros 8,2 7,5 4,3 5,6 6,1
PIB 1,5 12,8 7,1 9,4 7,8

O cenário concentra o essencial dos esforços de edificação duma economia de paz na


indústria transformadora, na construção e na agricultura. Como grande sector de
suporte destaca-se a energia e água.

Do ponto de vista do desemprego, a aposta é a da redução significativa da sua actual


taxa (35%?). A redução do desemprego proporciona a criação de rendimentos, por sua
vez essenciais para o incremento do consumo e a melhoria das condições de vida da
população.

106
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

ANOS Taxa de- População População Acréscimo Acrés.empre Acréscimo Acréscimo


semprego (milhares) Activa emprego acumulado rendimento consumo
2002 40 14000 7140
2003 35 14392 7339,92 366,996 366,996 256897,2 231207,5
2004 30 14794,98 7545,4378 377,2719 744,267888 520987,52 468888,8
2005 27 15209,24 7756,71 232,7013 976,969189 683878,43 615490,6
2006 24 15635,09 7973,8979 239,2169 1216,18613 851330,29 766197,3
2007 22 16072,88 8197,167 163,9433 1380,12947 966090,63 869481,6
2008 20 16522,92 8426,6877 168,5338 1548,66322 2168128,5 1842909
2009 18 16985,56 8662,635 173,2527 1721,91592 2410682,3 2049080
2010 16 17461,15 8905,1888 178,1038 1900,0197 2660027,6 2261023
2011 14 17950,07 9154,534 183,0907 2083,11038 2916354,5 2478901
2012 12 18452,67 9410,861 188,2172 2271,3276 3179858,6 2702880
2013 11 18969,34 9674,3651 96,74365 2368,07125 3315299,7 2818005
2014 10 19500,48 9945,2473 99,45247 2467,52372 3454533,2 2936353

Para que a paz se efective e a guerra seja esquecida torna-se essencial criar, em 12
anos, quase 2,5 milhões de empregos, incrementar o rendimento em cerca de 3,5
biliões de dólares correntes e acrescer o consumo em praticamente 3 biliões de dólares,
igualmente correntes.

Quanto à pobreza – uma taxa geral 62,2% para os agregados familiares em 2000/2001
– e se atendermos aos ritmos de crescimento do PIB transcritos no quadro referente às
dinâmicas de crescimento desejáveis para uma economia de paz, a sua redução traduz-
se pelas cifras seguintes:

 em 12 anos – entre 2002 e 2014 – a taxa de pobreza reduzir-se-á de 62,2%


para tão somente 40,46%;
 em 25 anos – ou seja até 2027 – a taxa de pobreza ter-se-á reduzido para
30,9%.

A conclusão óbvia é a de que não serão suficientes os ritmos de crescimento admitidos


para que a taxa de pobreza se reduza para 15% no espaço duma geração, a meta
estabelecida na última cimeira social mundial.

CONCLUSÕES

Os combates por um futuro que deveria ter começado ontem são variados e profundos.

O país foi atravessado por duas “economias de guerra” sequenciais, mas com lógicas
de organização e funcionamento diferentes. Cada uma delas respondeu de modo
específico aos desafios políticos e às opções ideológicas. Evidentemente, as
consequências económicas e sociais foram, igualmente, diversas. Em síntese:

 a resposta da “economia de guerra” 1961-1974 foi essencialmente


endógena, do tipo “contar com as próprias forças” e teve como consequência
essencial a estruturação duma economia que foi uma das mais fortes e
dinâmicas de África. Há que reconhecer, sem complexos, que Angola

107
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

herdou, à data da sua independência, uma das três maiores estruturas


industriais da África austral;
 a solução encontrada pela “economia de guerra” 1975-2002 foi
fundamentalmente exógena, deixando-se envolver nos tentáculos da
economia mineira de enclave - a que suportou todo o esforço de guerra de
ambas as partes do conflito - e abrindo-se completamente ao exterior125.
Também sem complexos deve reconhecer-se que a “paz” herda uma
economia completamente enfraquecida, desarticulada e desequilibrada, uma
população em quase 2/3 atingida pelo flagelo da pobreza e um “stock” de
capital humano e físico dos mais débeis de África;
 a elevação do poder de compra nacional deve passar a constituir uma
preocupação permanente da sociedade: é o único meio de valorizar os
salários e outros rendimentos, aumentar a produtividade, diversificar as
exportações pela introdução de produtos de elevado valor acrescentado e
combater de modo eficaz a pobreza;
 as Forças Armadas desempenharam a sua missão que era fazer a guerra.
Num contexto de paz o seu papel é garanti-la, particularmente resguardando
o país de ameaças externas à sua integridade territorial. Não partilho da
ideia de que as Forças Armadas possam ter um outro papel mais incisivo
numa economia de paz, até porque - e no caso concreto das Forças
Armadas Angolanas - se perderia (ou pelo menos se desvalorizaria) todo o
acervo de competências militares, de tácticas e estratégias de guerra, de
“know-how” adquiridas durante todos estes anos de conflito armado e que
podem fazer de Angola uma potência militar em África. Não acredito que as
Forças Armadas queiram perder estes acervos e esta oportunidade.

8.- AS QUESTÕES MACROECONÓMICAS ESSENCIAIS DO MODELO ESTRATÉGICO DE


DESENVOLVIMENTO DE ANGOLA
(Comunicação apresentada ao “V ENCONTRO DE ECONOMISTAS DE LÍNGUA PORTUGUESA”
realizado no Recife entre 5-7 Novembro de 2003)

Introdução

O conflito militar dominou, por completo, os 27 anos seguintes à independência,


ocorrida em 1975. A política económica e a gestão macroeconómica tiveram, sempre,
como condicionante de primeira instância e determinante de última hora as
necessidades financeiras e materiais da guerra. A excessiva vulnerabilidade da
economia não mineral, a desproporcionada dependência da procura e do preço
mundiais do petróleo e o sistema centralizado de organização económica ajudaram a
criar uma situação de crise económica permanente, com consequências sociais
marcantes, traduzidas por uma taxa geral de pobreza de 68,2%, uma inflação média

125
Provavelmente, sem disso se ter tido consciência, o modelo económico centrado no petróleo e numa taxa
de câmbio sobrevalorizada foi dos mais “liberais” que Angola adoptou ao longo dos anos: as exportações
de petróleo, devido à própria lógica de funcionamento do respectivo mercado internacional, sempre
estiveram liberalizadas e as importações foram o caminho mais utilizado, porque a taxa de câmbio as
tornava incomparavelmente mais baratas do que a produção nacional.

108
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

entre 1991 e 2002 de mais de 600% ao ano, uma taxa de analfabetismo dos adultos de
cerca de 58%, uma taxa actual de desemprego estimada entre 27% e 35%, uma
esperança média de vida de 45 anos e um PNB médio por habitante entre 1990 e 2000
de não mais de $350. Se forem adicionadas as enormes desigualdades de distribuição
pessoal, funcional e espacial do rendimento nacional, fica-se com uma ideia aproximada
do que as políticas públicas e as estratégias empresariais têm pela frente para
reconstruir o país e transformá-lo numa das economias mais fortes e dinâmicas da
África Austral.

A atmosfera de paz que perpassa por todas as classes sociais e cruza o território
nacional é patente e, mais decisivo, irreversível. Existem elementos envolventes da
ambiência económica e de negócios que se não forem estabilizados conferem aos
contextos de determinação macroeconómica e empresarial um exagerado grau de
incerteza, que se reflecte no risco das políticas públicas e nas decisões de investimento
privado. Risco elevado normalmente significa desempenhos baixos e custos
excessivos.

No caso de Angola, a guerra foi um dos elementos mais essenciais da incerteza


económica, e que afectou particular e significativamente a economia não petrolífera.
Removida esta perturbação política e anomalia social, o ambiente de negócios aparece
mais tranquilo e propício à perspectivação do desenvolvimento económico. Esta
constatação é indiscutível, restando, portanto e apenas, saber como maximizar a
existência e utilização de um bem público como a paz.

Naturalmente que uma das vias é pô-lo ao serviço das populações através da obtenção
de níveis de crescimento económico compatíveis com as necessidades de geração
sustentável de empregos e rendimentos e de redução significativa da pobreza. Uma vez
removida uma das mais significativas fontes de incerteza do investimento privado e das
políticas públicas, parece que mais nada poderá obstar a que se retire da paz o
máximo de resultados que a mesma pode dar à população. Porém, é ilusório e redutor
ter da paz esta ideia tão voluntarista, magnânima e abrangente quanto às suas
consequências sobre a melhoria imediata e linear das condições de vida das
populações.

Os processos de desenvolvimento económico são longos, sinuosos e feitos de avanços


e recuos. Por isso a necessidade de sobre eles fazer incidir sistemas científicos e
modernos de planeamento e gestão estratégica, que minimizem os passos à retaguarda
e maximizem os avanços.

O actual modelo de desenvolvimento económico de Angola está esgotado. Um modelo


principalmente dualista, que estabeleceu fronteiras claras entre uma economia de
enclave – centrada nos mecanismos dos mercados internacionais, assente no dólar e
obedecendo às lógicas neoliberais mais puras – e uma economia interna enfraquecida e
desarticulada, sujeita à dialéctica das “sobras orçamentais” e das incertezas da guerra.

O modelo de desenvolvimento enclavista serviu excelentemente bem as necessidades


da guerra, tendo, de resto, sido o seu quase único126 financiador, directamente e

126
Evidentemente que esta afirmação só é aceitável do estrito ponto de vista financeiro, porquanto os
exclusivos financiadores foram o esforço e o sacrifício da população, cujo custo de oportunidade se deve
medir em termos de rendimentos não auferidos, empregos não conseguidos e condições de vida não

109
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

indirectamente através das garantias reais que contrapesaram os empréstimos externos


obtidos.

Devem ser três os aspectos em que a economia de enclave 127 tem de ser amplamente
transformada:

 a renda mineira – petrolífera e diamantífera – tem de deixar de ser a


dominante na economia nacional, o que passa por se encontrar uma
estratégia de desenvolvimento que recupere todos os sectores da economia
não mineral e lhes confira uma cidadania que foi perdida depois da
independência128;
 a lógica de acumulação tem de passar a ser essencialmente endógena,
como condição de servir o máximo de sectores e de agentes económicos.
Insere-se claramente nesta observação a necessidade – dir-se-ia mesmo a
urgência – de robustecer o sistema financeiro nacional para que os
investimentos produtivos aumentem e o rendimento nacional se multiplique.
Até hoje, as receitas de exportação dos produtos mineiros alimentaram os
sistemas financeiros estrangeiros, quer do ponto de vista de depósitos, quer
do ângulo de servirem de garantias reais para a contracção de
financiamentos junto de instituições internacionais;
 a distribuição da renda mineira tem de obedecer a regras sociais e a critérios
económicos transparentes, abolindo-se os códigos políticos que actualmente
a regem.

Para se saber o que fazer da paz – não desperdiçando esta oportunidade de ouro de
realizar alguns dos objectivos que comandaram a luta de libertação nacional, tais com a
constituição duma Nação angolana e reconciliada, o acesso dos seus filhos ao máximo
de benefícios dos recursos do país, a igualdade de oportunidades, etc. – não basta tê-
la, sendo, igualmente, determinante, desenhar e assumir um modelo estratégico para a
economia nacional.

alcançadas. A taxa de pobreza do país é uma medida bem aproximada deste custo de oportunidade. Por isso
se dizia que se a paz tem alguma utilidade social ela deve traduzir-se em dividendos muito concretos para a
população.
127
Por definição as economias de enclave são economias rendeiras, ou seja, assentes na produção de uma
renda oriunda da extracção e exportação em bruto dos recursos minerais. Os principais efeitos económicos
e sociais deste tipo de exploração económica ocorrem no exterior, nas economias importadoras destes
recursos não renováveis e mais desenvolvidas. A renda gerada acaba por ser apropriada, numa elevada
percentagem, pelas classes sociais dos países de destino dos produtos. O diferencial da renda que fica no
país de origem, normalmente, não é utilizado para fortalecer os sistemas económicos internos, sendo, pelo
contrário, encaminhado para alimentar processos de constituição e enriquecimento duma burguesia
nacional muitas vezes improdutiva. Como resultado final dum processo assimptótico de distribuição de
renda aparece a pobreza da generalidade da população. São já diversos e bem documentados os estudos
empíricos e as fundamentações teóricas sobre as economias rendeiras e os processos ínvios de distribuição
da respectiva renda. A identificação da chamada “doença holandesa” mais não é do que um desses
resultados.
128
Ou seja, o modelo a aplicar tem de passar pela máxima integração interna da economia de enclave –
densificação das relações intersectoriais, criação de empregos para os nacionais, desencadeamento de
economias externas, incremento do valor acrescentado das exportações e consequentemente a sua
diversificação estrutural, etc. – reconhecendo, embora, que os investimentos estrangeiros são fundamentais
para se aproveitarem recursos que noutras circunstâncias poderiam ficar inactivos.

110
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Aparentemente o modelo de desenvolvimento estratégico mais adequado a uma


situação com os contornos anteriores deve escolher o emprego como a variável central
da política de reconstrução e crescimento económico e o “trade off” equidade-eficiência
teria de ser, por intermédio de políticas apropriadas, resolvido em favor do seu primeiro
termo. Só que a economia não mineral encontra-se polvilhada de ineficiências várias,
que começam nos sectores públicos administrativo e empresarial e acabam nas
empresas privadas. As reformas económicas e institucionais que deveriam suportar a
passagem duma economia administrativa e centralizada para uma economia de
mercado a partir de 1991, não foram feitas com consistência, como o provam a
persistente inflação anual a três dígitos, a sistemática desvalorização da moeda
nacional face ao dólar dos Estados Unidos e a dolarização da economia.

Dominada a guerra e afirmada a paz, as reformas de mercado terão, necessariamente,


de se retomar e acentuar e a economia não mineral vai ter de se abrir ao capital externo
e aos produtos estrangeiros. O exercício da política económica em Angola vai exigir
domínio completo da Teoria Económica, apelar ao bom senso, impor rigor e disciplina,
demandar por uma forte vontade política e inserir-se numa lógica estratégica de longo
prazo, no contexto da qual os sacrifícios de hoje possam ter a expectativa de serem
amanhã compensados.

As políticas orçamental e monetária dominarão, a partir deste momento – de grande e


total desanuviamento político, convivência democrática e debate de ideias - o quadro de
referência para o crescimento económico futuro do país. Os pontos de partida para a
reflexão são (parafraseando Thomas Sargent129):

 Será que a esfera monetária prevalecerá sempre e em qualquer lugar sobre


a esfera real da economia?
 Será que a política monetária será sempre e não importa onde apenas uma
política de estabilização?

A dificuldade seguramente que se vai situar no seu doseamento e na sua articulação


sinergética.
As condições da política monetária

No curto/médio prazo a não neutralidade da moeda, possivelmente devido à existência


de fricções reais e nominais, implica que a política monetária tenha efeitos reais na
economia em termos de estabilização dos agregados macroeconómicos, como o
emprego e a inflação. O comedimento da taxa de inflação média da economia pode ser
feito de duas formas distintas:

 Ou através de algum dos agregados monetários M1,M2 ou M3, deixando que


a taxa de juro seja fixada pelos mecanismos do mercado (oferta e procura de
dinheiro),
 Ou, então, por intermédio da administração da taxa de juro, de modo a
compatibilizá-la com o controlo da inflação e a promoção do crescimento
económico.

129
O seu ponto de vista de raiz profundamente monetarista é expresso pela afirmação: “Inflation is always
and elsewere a fiscal phenomenon”.

111
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

A forma teoricamente mais aceitável de criar moeda é pelas operações de “open


market”, cujo objectivo é variar as ofertas relativas de moeda e títulos, fazendo, com
isso, variar as taxas de juro. Uma “open market” de compra de obrigações aumenta o
“stock” nominal de moeda e – para um nível dado e fixo dos preços – a sua quantidade
real. Como consequência LM aumenta deslocando-se para a direita, arrastando neste
movimento uma queda da taxa de juro e um aumento do rendimento nacional, através
do incremento da demanda agregada.

Em Angola:

 não existe um mercado de títulos estabelecido e que possa ser usado como
fonte alternativa de financiamento do investimento;
 a inflação ainda é alta e imprevisível no seu comportamento mensal;
 a política monetária está muito indexada à política orçamental, como
resultado da não independência do Banco Nacional de Angola (BNA) e das
interferências políticas sobre as duas políticas económicas.

É neste contexto que um incremento de M puro – através da criação de moeda – pode


ser discutido como forma de baixar a taxa de juro e incrementar o investimento130.
Porém, existem razões técnicas que o impedem:

 o Banco Nacional de Angola não consegue determinar com precisão (ou


seja, não pode controlar a criação de moeda necessária para se baixar a
taxa de juro para um determinado nível) a oferta monetária no dia a dia,
porque existe um hiato na obtenção de informação sobre a execução
monetária;
 o multiplicador monetário não é constante, variando de acordo com o
comportamento dos rácios moeda/depósitos e reservas/depósitos.

Talvez devido a estas razões, esteja mais indicado o BNA controlar/administrar as taxas
de juro duma forma directa, ajustando os agregados monetários.

Política monetária versus política orçamental

A questão é complexa e embora o modelo Mundell-Fleming forneça algumas sugestões


quanto à forma de as utilizar e dosear em economias abertas, algumas observações
devem ser aduzidas para a economia angolana:

130
A eficiência da política monetária pressupõe a imutabilidade de diversas funções, em particular a de
investimento (macro-variável influenciada, no curto prazo, pela taxa de juro e no longo prazo pelas
expectativas e antecipações dos empresários). O que significa que as antecipações por parte dos
empresários não sofrem nenhuma perturbação em consequência da modificação da massa monetária. Esta
assunção é importante, uma vez que se as expectativas se alteram, a eficiência marginal do capital baixa –
como se sabe, este indicador está ligado aos rendimentos antecipados do investimento – e o investimento
pode diminuir. Ainda que as taxas de juro baixem por aumento da oferta de moeda, tal poderá ser inócuo
sobre o comportamento do investimento, o que equivale a admitir que nestas condições a política monetária
não terá influência sobre o investimento. Mas a eficiência da política monetária supõe, igualmente, que a
taxa de juro de partida não seja exageradamente baixa. Porque se o for, a preferência pela liquidez será
máxima – a taxa de juro é a compensação pela renúncia a possuírem-se encaixes monetários e se não for
suficientemente alta não compensará os riscos associados a possuir-se liquidez imediata – caindo-se na
armadilha da liquidez: qualquer suplemento de massa monetária será integralmente engolido pela
preferência pela liquidez, não provocando nenhum impacto sobre o investimento.

112
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

(a) em primeiro lugar, tem de ser cuidadosamente verificado o nível de


rendimento de pleno emprego da economia nacional. Não basta constatar-
se que a agricultura e a indústria transformadora apresentam taxas de
ociosidade elevadas (cerca de 40% para a primeira e mais de 65% para a
segunda, nas estimativas apresentadas pelos empresários e respectivas
associações), importando, pelo contrário, confrontar essa desocupação dos
meios de produção existentes e instalados com a geração e capacidade
tecnológica dos equipamentos131 e o seu estado de conservação, o nível de
conhecimentos técnicos da mão-de-obra e o grau de organização das
unidades de produção (a verificação concreta destes desfasamentos na
realidade actual do sistema produtivo angolano introduz um elemento
importante na análise das condições para uma recuperação rápida da
produção interna, qual seja, o da economia ter atingido já o seu produto
potencial no sector transformador não mineral, do que pode resultar um
esgotamento do modelo tecnológico existente e, consequentemente, não
estarem reunidas as condições estruturais para uma redução sustentável da
inflação) . Sem conclusões fundamentadas sobre estas questões, uma
política orçamental expansionista tendente a criar condições para a redução
do desemprego, pode ser profundamente inflacionista, já que a situação de
ociosidade produtiva, se ponderada pelos elementos referidos, pode
corresponder a uma situação de pleno emprego ou próxima (falso pleno
emprego se as causas de ociosidade dos factores de produção estiverem
relacionadas com a falta de matérias primas e intermédias, as roturas
permanentes no fornecimento de água e electricidade, carência ou
dificuldade de acesso às cambiais, excesso de burocracia e corrupção, e
outras de natureza semelhante);
(b) em segundo lugar, tem de ser encontrada uma explicação convergente –
uma espécie de “consensus” nacional - quanto às verdadeiras causas da
inflação em Angola, sem o que a política económica poderá perder bastante
da sua eficácia. Um pouco por influência das missões técnicas do FMI, a
discussão costuma centrar-se no questionamento: é a inflação que acarreta
um baixo crescimento económico, ou é este que provoca inflação pelo hiato
negativo do produto? Para o FMI e decisores públicos angolanos que
partilham da sua doutrina, está suficientemente demonstrado que a principal
causa da inflação no país está nos excessivos e persistentes défices
orçamentais, que têm potenciado as influências negativas de outros factores
inflacionistas como os choques de oferta, as desarticulações sectoriais e

131
De acordo com o Plano Director de Reindustrialização de Angola do Ministério da Indústria (1995),
cerca de 61% do equipamento industrial tinha, naquela data, entre 20 e 30 anos e 33% mais de 30 anos de
vida útil e tão somente 6% com uma idade entre 10 e 20 anos. Estes valores correspondem a vários factos:
desde logo – e como no texto se refere – a exaustão do modelo tecnológico existente e que conservou
muitas das suas características coloniais; depois, o impressionante processo de desindustrialização a que o
país foi submetido como resultado de políticas macroeconómicas desadequadas, da supremacia da
economia enclavista e da apetência nacional pelas importações; finalmente, a falta duma visão estratégica
para a indústria transformadora, que, felizmente, parece estar em vias de ser colmatada. Se forem
acrescentadas informações sobre o péssimo estado de manutenção dos equipamentos – ainda segundo o
Plano Director, 68% da capacidade tecnológica instalada apresentava condições de conservação
inaceitáveis – conclui-se que a recuperação da produção interna tem de ser muito bem programada e sujeita
a um processo de convergência estratégica com a agricultura, a energia e água, os transportes, as obras
públicas e a valorização (formação e sobretudo reciclagem) da mão-de-obra industrial.

113
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

espaciais, a falta de circulação de mercadorias e factores de produção, a


fraqueza do sistema financeiro, etc. Um aspecto relevante é o de que a
inflação passada afecta significativamente o crescimento presente, não
havendo indícios do contrário, isto é, de retroalimentação do crescimento
passado sobre a inflação presente. Esta, de resto, a principal conclusão dum
estudo elaborado por uma equipa técnica do Banco Mundial dirigida por
Michael Bruno em 1994132: as taxas médias de crescimento do PIB por
habitante declinaram ligeiramente à medida que as taxas anuais de inflação
se movimentavam no intervalo 20%-25%; as taxas médias de crescimento
declinaram abruptamente à medida que as taxas anuais de inflação se
afastaram dos 25%, sendo os 40% o limite máximo para a inflação
galopante e crescimento nulo ou negativo; finalmente, para taxas anuais de
variação acumulada dos preços abaixo dos 20%, inflação e crescimento
podem relacionar-se de forma positiva. A conclusão é óbvia: o controlo da
inflação e a sua estabilização em limites estreitos é um objectivo estratégico
da política económica, por dele depender o crescimento económico. Mas
permanece uma dúvida relativamente à economia angolana: nas condições
expostas na alínea anterior e numa situação de elevado desemprego, qual a
taxa anual de inflação óptima para induzir/não conflituar com um elevado
crescimento do produto médio por habitante?
(c) Em terceiro lugar, é fundamental reflectir – para a delimitar – sobre a
extensão da zona de conflitualidade entre inflação e desemprego no
curto/médio prazo133. Embora se não conheça – nem provavelmente
existam elementos para o seu cálculo, ainda que aproximado – a taxa
natural de desemprego em Angola (a conhecida NAIRU134) considerações
como as que se seguem têm de merecer atenção135:
i. Qual o acréscimo de emprego possível com a reestruturação
tecnológica da indústria transformadora e da agricultura, que
vai ter, necessariamente, de acontecer?

132
Michael Bruno – A Inflação Trava Realmente o Crescimento Económico?, Finanças e
Desenvolvimento, Setembro de 1995. Este estudo foi realizado sobre o comportamento da inflação e do
crescimento económico em 127 países entre 1960 e 1992.
133
Esta conflitualidade poderá ser mitigada pela moderação salarial, que induzirá aumento na procura de
mão-de-obra e manutenção dos custos unitários de produção.
134
Como se sabe, qualquer tentativa da política económica de reduzir a taxa de desemprego para além do
seu limite natural através dum aumento da procura agregada, arrasta, necessariamente, mais inflação. Se o
combate à inflação for feito através da redução da procura (défice orçamental nulo ou muito reduzido em
relação ao PIB) ou da valorização cambial – a política que actualmente o Banco Nacional de Angola está a
levar à prática neste domínio e que vai conduzir a um ainda mais expressivo aumento das importações – as
consequências sobre a redução do desemprego poderão ser negativas. No primeiro caso, por intermédio
duma redução geral da produção interna e no segundo, através duma diminuição da produção de bens
transaccionáveis, que com a valorização da moeda se tornarão mais caros no mercado internacional.
135
Para determinados estudiosos da economia angolana este conflito não se coloca actualmente –
provavelmente apenas no médio prazo, quando o Plano de Desenvolvimento de Médio Prazo 2005-2009 se
tiver cumprido e tiver contribuído para o restabelecimento de determinados equilíbrios básicos - porque o
produto real é praticamente igual ao produto potencial na maior parte dos sectores económicos, muito
embora na agricultura seja mais difícil de sustentar semelhante afirmação. Havendo dúvidas se existe ou
não capacidade de produção disponível e enquanto se não elaborarem estudos tendentes a dissipá-las, acaba
por surgir uma zona relativamente cinzenta sobre a economia nacional que limita o conteúdo e o alcance
das políticas de estabilização e crescimento económico e influencia a natureza do modelo de
desenvolvimento. Voltarei mais adiante a esta questão.

114
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

ii. Qual a diminuição de desemprego necessária para se ajustar


a procura de mão-de-obra às reais condições de
funcionamento do sector produtivo, ou seja, para se
eliminarem as situações de sobre-emprego?
iii. Quais os níveis actuais de desemprego estrutural causados
pelos estrangulamentos dos sectores produtivos –
desarticulações sectoriais e peso nefasto da economia de
enclave – e pela descapitalização técnica e profissional dos
trabalhadores?
(d) em quarto lugar, tem de necessariamente haver uma aproximação à função
de preferência colectiva, de modo a estabelecer-se uma clara prioridade
quanto a dois objectivos da política económica: inflação e desemprego136. A
qual destes objectivos as pessoas atribuem maior prioridade e utilidade,
partindo da presunção de que os níveis hiperinflacionários de 1993 e 1995
deixaram de ter condições económicas e respaldo psicológico para se
repetirem agora e no futuro mais confinante e admitindo o princípio de que é
possível um forte crescimento económico real nos próximos 5 a 6 anos?
Aparentemente, nem sequer existe uma função de preferência estatal,
mas talvez várias funções, que, de resto, podem estar viciadas por vários
factores: as diferentes correntes doutrinárias advogadas pelos decisores de
política económica do Governo, as pressões internacionais no sentido duma
aproximação ao modelo do FMI, a moda do liberalismo e da inevitabilidade
da globalização, o afastamento dos reais problemas do país, o
desconhecimento das verdadeiras causas das cousas, etc. Como é
consabido, o Governo não tem uma única linha de pensamento económico –
ou, querendo-se ser mais radical, nunca existiu uma reflexão séria,
convergente e consistente sobre política económica, que servisse de
referência para a actuação das estratégias ministeriais nos diferentes
sectores da governação137 - o que limita o alcance dum exercício reflexivo
sobre o modelo estratégico para Angola. Seria, portanto, altamente
desejável que os Ministros se pusessem de acordo quanto a determinadas
prioridades económicas e sociais, e as respeitassem no exercício concreto
da sua governação sectorial. Esta convergência permitiria uma aproximação
a uma função de preferência estatal única e normativa. Se assim não puder
ser fica a interrogação: qual a capacidade política para se impor e gerir uma
preferência do tipo emprego>inflação (leia-se, emprego preferível à
desinflação, num sentido estrito e fundamentalista) no curto/médio prazo, já
que os problemas de inflação e de exclusão social são presenciáveis? Uma
preferência estatal pelo combate contra a inflação elege a política monetária
(desindexada da política orçamental), enquanto que pela erradicação da
pobreza escolhe a política orçamental;

136
Os resultados do processo metodológico – em particular a análise SWOT - utilizado para se
estabelecerem os cenários e para se elaborar a estratégia de longo prazo, são, concerteza, um “input”
importante para a aproximação a uma função de utilidade colectiva e que ficaria como um marco da análise
macroeconómica em Angola.
137
Duma maneira geral os Ministros nunca entenderam a verdadeira função da política macroeconómica, o
que os levou a actuar sempre na presunção de que os problemas dos seus sectores eram os mais
importantes, sendo imprestável uma visão abrangente do sistema económico.

115
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(e) em quinto lugar, é preciso conhecer-se e avaliar-se a margem de actuação


sobre a redução da inflação duma política orçamental de rigor138.
Política de rigor orçamental sem redução – antes reordenamento e
recomposição – de determinadas despesas públicas de efeitos económicos
concretos (ponderadas que sejam as eventuais situações de (falso) pleno
emprego) e de consequências claras de inclusão social, é tributária do
incremento da produtividade administrativa, da qualidade dos investimentos
públicos139, da reforma tributária e da fiscalização das obras públicas140,
nada que não possa ser realizado com vontade política e seriedade de
governação. É conveniente evitarem-se as opções de política orçamental
mais fáceis, como o são as que redundam em cortes, mais ou menos
arbitrários e indiscriminados, nas despesas públicas: a redução do número
de funcionários públicos, desde sempre e enfaticamente recomendada pelo
FMI, é uma delas141;
(f) em sexto lugar, a questão das expectativas dos agentes económicos142.
Será mesmo verdade que uma política monetária que faça baixar a taxa de
juro (LM2>LM1 por emissão monetária, redução da taxa de desconto do
Banco Central, compra de títulos no mercado de capitais, alteração dos
limites de crédito à economia, modificação do volume de depósitos
obrigatórios junto da autoridade monetária central, etc.) induzirá, mais ou
menos imediatamente, um incremento no investimento produtivo? Se as
expectativas dos agentes económicos forem, sobretudo, de desconfiança na
governabilidade, na transparência na actuação do Governo, na política
económica geral e no modelo de desenvolvimento – ainda que
positivamente mitigadas pelo ambiente de paz – a baixa da taxa de juro
poderá ser benéfica sobre a inflação, mas provavelmente não influenciará de
maneira significativa o investimento privado nacional;
(g) em último lugar, o papel dos sindicatos, da concertação social e a
natureza do mercado de trabalho em Angola. A comparação entre os
níveis de salários e de produtividade na economia não mineral – atendendo
às condições vigentes em termos de qualificação e especialização da mão-
de-obra nacional – leva à conclusão de que a inflação pelos custos de

138
Uma política orçamental fortemente restritiva pode ser benéfica para a inflação, mas concerteza que é
maléfica para o crescimento económico – o que Angola mais precisa nos próximos 25 anos para reduzir
substancialmente o atraso que 27 anos de guerra impuseram. Neste contexto, uma política orçamental de
rigor, nos termos definidos no texto, pode ser um óptimo de segundo grau.
139
Dependente da aplicação e aceitação de metodologias de validação do seu interesse económico e da sua
utilidade social, o que significaria o abandono de projectos públicos de prestígio político.
140
A degradação prematura das obras públicas coloca um problema complexo para o modelo de
financiamento da economia. A corrupção e o laxismo na fiscalização contribuem para que uma obra de
infraestrutura cuja vida económica deveria ser de 30 anos, dure apenas 4 ou 5 anos. A taxa social de
desconto a ser utilizada na avaliação económica dos empreendimentos públicos tem de ser muito mais alta
do que em condições normais, com duas consequências concretas: rejeição de muitos projectos e
penalização das condições de vida da população. Por outro lado, a curta vida útil das obras públicas
aumenta a sua taxa de amortização e incrementa o volume global dos investimentos públicos, que pode
ultrapassar a correspondente capacidade de financiamento.
141
De resto, esta instituição ainda não conseguiu provar como é que se organiza administrativamente e com
eficiência uma país de 1250000 quilómetros quadrados com um quantitativo de funcionários civis de cerca
de 200000, qualquer coisa como 1,497 funcionários por cada 100000 habitantes (a relação em Portugal é de
5).
142
Ver nota de rodapé nº 127.

116
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produção pode ser significativa. De resto, a fixação do salário mínimo


nacional num montante em kwanzas equivalente a $50 dólares americanos
– valor muito baixo com referência às carências dos agregados familiares e
ao nível geral de preços – foi definitivamente condicionada pelos valores da
produtividade aparente do trabalho. Por isso e atendendo também aos
índices estimados de desemprego, a pressão sindical sobre os salários
nominais ou monetários tem sido reduzida. As excepções referem-se,
justamente, a mercados de trabalho mais especializados – professores,
docentes universitários, enfermeiros, médicos, etc.143 – onde a penúria de
mão-de-obra é maior. Daí, justamente, a problemática da natureza do
mercado de trabalho. Em Angola coexistem diferentes mercados de
trabalho, segmentados e não concorrenciais entre si, podendo, ao mesmo
tempo, verificar-se desemprego em certas categorias profissionais e penúria
noutras, havendo, por conseguinte, que fomentar-se a mobilidade geográfica
e profissional da mão-de-obra. A primeira só será possível se as
desigualdades regionais forem amplamente mitigadas – o que se prende
com a natureza do modelo de desenvolvimento – enquanto que a segunda
depende de programas bem concebidos e ajustados às necessidades de
reciclagem e reajustamento de conhecimentos, alguns dos quais em curso
de execução pelo MAPESS, mas sem resultados expressivos, dada a
prevalência da situação de crise na economia não mineral.

As reflexões anteriores encaixam-se na problemática mais geral dos preços de


equilíbrio da economia angolana, particularmente dos chamados macro-preços:

 como determinar a taxa de câmbio de equilíbrio? Pelo simples equilíbrio


entre a oferta e a procura de divisas, sendo para isso suficiente a actual
política cambial do Banco Central que tem procurado segurar o valor da
moeda nacional através de intervenções no mercado de divisas,
conseguindo assim retomar o seu comando e controlo? Ou será suficiente
proceder a cálculos sobre a paridade dos poderes de compra internacionais,
mormente o relativo ao dólar americano? Ou ter-se-á que ir mais fundo e
analisar esta questão à luz do equilíbrio da Balança de Transacções
Correntes, colocando-se, em continuidade, o problema das reservas líquidas
sobre o exterior e a “ratio” quanto o número médio de meses de importação,
problemáticas que se entrecruzam com o modelo estratégico de
desenvolvimento, já que se centrado na substituição de importações, o
“stock” líquido de activos externos necessário para manter os mesmos
meses de importação diminui, o que – se necessário – pode tornar a política
cambial mais activa e interventora;
 o salário é outro dos macro-preços/problema em Angola: como é consabido,
os seus actuais níveis médios são significativamente baixos face a uma
ainda persistente e alta inflação e às efectivas necessidades básicas da
população. De resto, um salário mínimo nacional equivalente a $50 dólares
americanos mensais expressa bem tratar-se, por enquanto, duma área-
problema das mais complicadas para o estabelecimento dos equilíbrios

143
As greves, quase intermináveis, dos docentes universitários e dos professores primários, atestam a
capacidade de contestação e de reivindicação de duas classes profissionais em cujo mercado de trabalho a
procura suplanta a oferta.

117
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macroeconómicos fundamentais, assim como traduz uma outra debilidade


económica essencial e que é a produtividade144;
 os preços dos bens e serviços condensados nos índices de preços ao
produtor e consumidor são outra matéria de relevo, directamente relacionada
com a taxa de inflação óptima: qual o seu nível adequado para,
simultaneamente, se promover o crescimento económico e se gerir a
estabilidade dos preços145?
 Finalmente, a taxa de juro de equilíbrio: a que balanceia procura e oferta de
moeda – reduzindo-se o problema à esfera monetária da economia – ou
mais fundamental, a que iguala as curvas IS e LM? Este equilíbrio é o que
estabelece a taxa de juro óptima, que a um tempo promove o crescimento
económico e garante a estabilidade dos preços. Sendo este o procedimento,
como interceder em relação à economia angolana? Duas alternativas: o
rendimento ou é ou não é de pleno emprego. Conforme mais atrás se frisou,
persistem pontos de vista diversos. Contudo, se os actuais níveis de
rendimento são de quase pleno emprego, então a taxa de desemprego
existente é a taxa natural de desemprego da economia angolana, donde o
“trade-off” desemprego/inflação se poder colocar de imediato. Se estas
conclusões forem razoáveis, o modelo de desenvolvimento deverá, desde já,
centrar-se na produtividade e só mais tarde no emprego. Centrando-se na
produtividade, o produto potencial da economia aumenta, abrindo-se espaço
à diminuição do desemprego, porque a taxa natural de desemprego baixa.

Modelo de desenvolvimento

O actual modelo económico angolano encontra-se esgotado. Insistir nas mesmas


formas de organização do sistema produtivo, financeiro e institucional seguramente que
ensejará uma situação de bloqueio económico no crescimento dos outros sectores não
minerais e prolongará a crise social actual. O modelo enclavista, que excelentemente
serviu as necessidades da guerra e dos interesses económicos e políticos que se
constituíram na sua órbita, não serve numa situação de paz.

Ao modelo económico centrado na exploração de recursos naturais não renováveis


estão associadas diferentes insuficiências, que levam à conclusão do seu esgotamento:

 foi responsável pela incrível desigualdade na distribuição do rendimento: por


cada $100 dólares americanos dos 10% mais pobres, os 10% mais ricos

144
Acreditando nas condições de equilíbrio e de maximização do lucro estatuídas pela Teoria Económica,
um salário mínimo equivalente a $600 dólares americanos anuais e uma capacidade técnica e profissional
média dos trabalhadores bastante baixa, dão bem conta de que a produtividade média da economia nacional
deve ser muito baixa, incompatível com a concorrência externa, no mercado interno e no mercado mundial.
Claro que e uma vez mais a grande excepção é dada pela economia mineral.
145
Parece inquestionável que uma certa inflação estimula o crescimento económico – sobretudo para os
países que mais dele carecem – sendo para isso suficiente e uma vez mais recuperar as conclusões de
Michael Bruno mostradas na nota de rodapé 129, e acrescentar o actual pânico que grassa nos EUA
relativamente aos claros sintomas de deflação, com consequências óbvias sobre as taxas de juro, que
deixam de funcionar como sinalizadoras da procura de moeda, e os restantes instrumentos da política
monetária, que pura e simplesmente se tornam ineficazes. Porém, o quanto de inflação varia de caso para
caso, sendo, portanto, fundamental que este exercício se faça para a economia angolana.

118
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desfrutam de $4000 dólares americanos. Esta extraordinária desigualdade 146


no acesso ao rendimento anualmente criado é um dos aspectos centrais dum
modelo de desenvolvimento que tenha como principais preocupações tornar
mais nacional o processo económico, garantir a reconciliação nacional147 e
tornar socialmente efectiva a paz militar;
 contribuiu fortemente para o aumento e estruturalização da pobreza no país,
em que 68,2% das pessoas são pobres e o rendimento médio anual por
habitante não excedeu, nos últimos 10 anos, os 400 dólares americanos.
Este aspecto, complementar do anterior e sinergeticamente amplificador das
desigualdades na distribuição do rendimento, chama à coacção a questão do
poder de compra nacional: o desenvolvimento económico para que promova
a reconciliação nacional tem de se alicerçar num modelo que aumente o
poder de compra nacional, das famílias e das empresas;
 não concorreu para a integração económica interna, deixando o resto da
economia nacional ao sabor duma política económica desajustada e
fortemente tributária das necessidades da guerra. Quando se discute a
competitividade da economia angolana e se defende que deve ser
essencialmente estrutural, para além de outros elementos e factores que a
estruturalizem, está-se, igualmente, a discutir a integração económica
interna, sem o que as externalidades e as economias de escala, que
configuram custos baixos e internacionalmente comparáveis, não se
constituem. Neste sentido pode afirmar-se que este modelo acabou por
exercer uma influência perversa sobre a capacidade interna de
transformação, jogando, portanto, um papel importante em relação à
desindustrialização do país;
 não ajudou – e ainda não o faz – a constituição dum sistema financeiro
nacional forte e organizado: a poupança nacional148 tem de ser reordenada
para o interior da economia, através duma política económica que torne
atractivas as aplicações de capital nos sectores não mineiros, garanta a
propriedade dos meios de produção e aumente o poder de compra nacional;
 contribuiu para o excessivo grau de abertura e de dependência da economia
angolana: entre 1999 e 2002 as importações representaram, em média
anual, 78% do Produto Interno Bruto, cifra que traduz bem a marginal

146
Angola encontra-se entre os países mais desigualitários do mundo, segundo o índice de Gini. De resto,
parece que a desigualdade de rendimento campeia em África, de tal modo que a Namíbia, o Botswana e a
Swazilândia aparecem com o mais elevado valor para aquele coeficiente, sendo, por isso, os países mais
desigualitários do mundo. A esta lista acrescenta-se o Brasil, a África do Sul, o Chile, o Zimbabwe, o
Lesotho, a Zâmbia e os Estados Unidos da América. Do lado oposto, estão – e por esta ordem – a Noruega,
a Suécia, a Bélgica, a Finlândia, a Dinamarca, o Japão, a República Checa, a Hungria e a Eslováquia.
147
A reconciliação nacional tem uma base económica muito concreta: trata-se de levar o desenvolvimento
aonde nunca chegou. O modelo enclavista exportou um desenvolvimento que por direito deveria ser
distribuído pela maioria da população, sendo, de resto, essa uma das suas principais características. A
reconciliação nacional é antes de mais um processo que visa tornar os cidadãos mais iguais entre si, de
modo a sentirem-se parte dum mesmo território e a assumirem uma consciência de Nação. A lógica do
modelo de renda mineira é absolutamente contrária a este espírito de construção e consolidação duma
Nação, que por vicissitudes várias, ainda está por fazer. As insuficiências e perversidades deste modelo
estão bem patentes na exclusão económica e social de extensas franjas da população de Cabinda e do Zaire
e nas Lundas as leis reguladoras da extracção de diamantes impedem os camponeses de aceder ao factor de
produção básico para a sua actividade agrícola que é a terra.
148
A detida por cidadãos angolanos fora do país e a gerada pelos sectores de enclave. Trata-se de toda a
poupança anualmente gerada pelo sistema económico nacional.

119
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

contribuição da economia não mineral para a oferta interna de bens e


serviços. Por outro lado, as exportações – de petróleo e diamantes –
subtraíram, em média anual e para o mesmo período, praticamente 85% do
PIB. O modelo rendeiro e enclavista angolano responde, assim, por um grau
de exposição ao exterior de 163%, dos mais elevados do mundo, tornando a
economia nacional completamente dependente dos mecanismos da oferta e
da procura mundiais e dos movimentos cíclicos que caracterizam o
funcionamento das grandes economias desenvolvidas e que comandam a
economia mundial;
 não confluiu para a composição dum verdadeiro e genuíno processo de
acumulação, tendo, pelo contrário, facilitado um enriquecimento individual,
individualista e restrito, baseado na distribuição, mais ou menos gratuita e
sem critério, duma parte da renda petrolífera e diamantífera. As lógicas
distributivas subjacentes ao modelo rendeiro e enclavista suplantaram as
lógicas produtivistas, perspectiva que tem de ser profundamente alterada em
favor duma maior extensificação da acumulação endógena;
 não auxiliou a endogenização da acumulação de capital e de conhecimentos.

Acrescente-se que o modelo seguido não trouxe consigo melhorias significativas para a
estabilização macroeconómica, porque as lógicas de formação dos preços são distintas
entre a economia rendeira e a economia não mineral. Consequentemente, a política
económica não conseguiu resultados expressivos e definitivos quanto à estabilização
dos preços149.

Está-se, assim, numa nova encruzilhada em que o problema central de Angola é o de


adoptar um novo modelo económico e social, que conduza à formação de vultosos
excedentes, públicos e privados, que ajudem a ensejar uma alta taxa de crescimento do
Produto Interno Bruto, desejavelmente da ordem dos 12% ao ano e durante um período
razoável de tempo, e necessariamente não inferior aos 9%, de sorte a se poder iniciar,
com efectividade, a correcção do perverso perfil social do país150.
149
Provavelmente um dos aspectos do grave problema cambial do país – ele próprio um factor fortemente
desestabilizador dos mecanismos de formação interna dos preços da economia não mineral - decorre da
circunstância de Angola necessitar, para saldar os seus défices em transacções correntes, de montantes
anuais de cerca de 1,6 mil milhões de dólares de capitais estrangeiros e de quase 3 mil milhões de dólares
anuais para rolar a sua dívida externa. Determinadas correntes de pensamento defendem que o alívio desta
situação passa por uma clara aproximação ao FMI e ao Clube de Paris para reescalonamento da dívida
externa e atracção de investimento directo estrangeiro – sublinhe-se, de novo, a posição contrária de
prestigiados economistas africanos, como Adebayo Adedeji -, enquanto que outras acreditam que o
fundamental está na adopção dum outro modelo de desenvolvimento, mais endógeno – isto é, concebido de
dentro para fora e não absorvido apenas do exterior - e mais alicerçado nos verdadeiros problemas
económicos e sociais internos (assimetrias sectoriais e espaciais, injustíssima distribuição do rendimento,
desinfraestruturalização da economia, pobreza e exclusão social, falta de empreendedorismo, dimensão
económica do mercado interno, tipo de unidades de produção, descapitalização de conhecimentos da força
de trabalho, etc.).
150
Entre 1963 e 1973 a economia angolana cresceu a taxas médias anuais a preços de 1963, entre 7% e 9%,
com taxas de inflação da ordem dos 7,5% anuais. O crescimento da indústria transformadora registou taxas
ainda mais expressivas de cerca de 15% ao ano. Quando se coloca a questão dum crescimento do PIB
compatível com uma redução sustentável da pobreza é destas taxas que se está a falar. Mas também duma
maior integração económica interna, entre os sectores – adensamento da malha de relações intersectoriais,
aparecimento de economias externas e de escala – e entre as províncias, de maneira a tornar mais iguais os
cidadãos e mais igualitárias as oportunidades de melhoria das suas condições de vida. Um modelo
endógeno, concebido de dentro para fora, em que as aspirações mais profundas e genuínas da sociedade

120
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Os pontos de vista são naturalmente diversos, isto é, existem, concerteza, diferentes


aproximações ao modelo de crescimento para o país. Provavelmente o único
denominador comum é dado pela necessidade de se alterar o actual modelo, esgotado
que se encontra, nos seus fundamentos e nos correspondentes resultados.

Num contexto mundial de estagnação económica, cuja recuperação perece poder


acontecer de modo firme apenas a partir do final de 2004 início de 2005, a par da
permanente crise cambial angolana, fazem com que os capitais estrangeiros
disponíveis para serem aplicados em Angola sejam escassos, apesar de todas as
aparentes manifestações de grande interesse pela economia nacional. Este facto torna
mais premente a aplicação dum modelo de desenvolvimento que não tenha no
investimento directo estrangeiro e na ajuda pública ao desenvolvimento as suas fontes
determinantes de financiamento do crescimento e da modernização151. Tem de ser um
modelo em que as reformas modernizem a economia e lhe alarguem o seu espaço de
mercado, mas que simultaneamente, reduza as desigualdades e a vulnerabilidade
externa, de maneira a colocar a economia angolana numa trajectória de
desenvolvimento sustentado.

Os pontos de partida para se encontrar um modelo diferente têm de, obviamente, ser
encontrados na actual situação económica e social, basicamente assente em:

 situações de pobreza generalizadas, em que a extrema atinge franjas


significativas da população e a exclusão social aflige importantes segmentos
da juventude152;
 situações de elevado e generalizado desemprego, mitigado em parte, nas
suas consequências, pelo florescimento de economias paralelas nos mais
diferentes domínios da actividade económica;
 situações de baixo desempenho económico dos sectores não minerais153,
explicadas pela ocorrência simultânea ou desfasada de vários factores, um
dos quais a incerteza de que se falava anteriormente.
Sendo estes os pontos de partida e admitindo-se como invariantes a crescente
integração da economia mundial – via processo único ou entremeada pela constituição
de agrupamentos transitórios de integração económica regional, de que a União
Europeia é o exemplo de maior sucesso e a ALCA em 2005 será o exemplo do maior e
mais competitivo espaço económico mundial – a hegemonia da revolução das novas
tecnologias da informação e da comunicação, o peso inevitável da economia imaterial
sobre a economia material e a prevalência do capital humano e ambiental sobre as
restantes formas de acumulação económica (tais como o capital físico e tecnológico, o
capital privado e o capital público), o modelo estratégico para a economia angolana não

civil estejam garantidas e em que os recursos nacionais sirvam, em primeiro lugar, para gerar rendimentos e
melhorar as condições de vida da população, tem de necessariamente ser diferente do actual.
151
A este propósito vale a pena citar a crítica do Professor Adebayo Adedeji, antigo director geral da
Comissão Económica para África das Nações Unidas, ao “two gap model” consagrado na NEPAD como o
modelo ideal de financiamento do desenvolvimento em África (New Agenda, 4th quarter 2002).
152
Exclusão dos sistemas de ensino e formação, exclusão do sistema de prestação de cuidados primários de
saúde, exclusão do mercado de emprego, etc.
153
Ainda que seja discutível a existência ou não de capacidade ociosa – por obsolescência tecnológica, falta
de manutenção e conservação dos equipamentos instalados, sobreemprego do factor trabalho, etc. – a
economia não mineral sofre de uma generalizada falta de desempenho económico, reflectida no
desequilíbrio preço-qualidade da maior parte dos produtos “made in Angola”.

121
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

pode ser outro senão o que se basear na tríade EMPREGO-PRODUTIVIDADE-


AMBIENTE.

Compreendem-se, assim, melhor o alcance e a natureza das críticas ao “velho” modelo


de desenvolvimento que o país tem aplicado desde a sua independência154:

 é fundamental que a economia mineral seja mais nacionalista, do ponto de


vista económico, mas sobretudo social. A única forma de o fazer é através da
criação de emprego para os angolanos: directos, mas principalmente
indirectos e induzidos pelo reinvestimento de uma parte substantiva dos
lucros auferidos na economia rendeira em outros sectores de actividade,
mais estruturantes. Deste ponto de vista estar-se-ia a enfatizar o primeiro
termo da tríade anterior;
 mas é igualmente essencial que a economia mineral continue a participar na
exploração dos recursos naturais, porque se reconhece que o seu
desempenho económico e empresarial é elevado e internacionalmente
comparável. Se a sua intervenção se estender a outros sectores de
actividade, pode produzir-se um “efeito imitação/transferência de
performance” essencial para se dar corpo ao segundo elemento do trinómio
anterior;
 finalmente, o conflito geracional. Os recursos não renováveis só devem ser
explorados numa lógica de sustentabilidade, com três leituras:
- a degradação ambiental eventualmente associada à sua extracção –
o que é evidente no caso dos diamantes – tem um custo de
oportunidade elevado, a ser suportado por quem desenvolve a
correspondente actividade empresarial;
- os recursos financeiros gerados pelas actividades mineiras devem
fazer parte dum Fundo Nacional de Desenvolvimento, destinado a
financiar a constituição do capital humano nacional e a reconstrução
das restantes actividades económicas em condições de elevada
competitividade;
- o balanço recursos-extracção tem de ser rigorosamente gerido em
nome das gerações vindouras e no sentido de se extraírem as
quantidades suficientes à satisfação de estratégias nacionais que
defendam os interesses dos cidadãos angolanos e estejam atentas
ao aparecimento de produtos alternativos.

Em termos muito genéricos, um modelo diferente de desenvolvimento – dentro dos


parâmetros escalonados anteriormente – poderia assentar no princípio de se gerarem
mais receitas líquidas em divisas, mas com forte diminuição do grau de
exposição ao exterior. A articulação interna poderia ser do género:

 substituição de importações155 e promoção de exportações da indústria


ligeira numa lógica de fileira produtiva: aumento do valor acrescentado

154
O sistema socialista implantado poderá eventualmente tê-lo sido do ponto de vista da tentativa de
promover um maior acesso da população a determinadas situações de bem estar – distribuição de
rendimentos – e de se organizar a economia produtiva em moldes mais colectivistas, mas seguramente
menos eficientes do ponto de vista da alocação dos recursos e factores de produção. Claramente que nunca
o foi em relação à economia petrolífera, que desde o início reivindicou o seu espaço concreto de actuação e
a sua lógica própria de funcionamento.

122
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

interno, densificação da malha de relações intersectoriais, incremento do


emprego, acréscimo do poder de compra nacional156. O poder económico
nacional deveria constituir-se, fortalecer-se e expandir-se na base deste
modelo, para que pudesse, depois, partilhar, em condições de maior
igualdade de disputa da decisão económica e de distribuição de resultados
económicos, com o capital estrangeiro. O período do primeiro Plano de
Desenvolvimento de Médio Prazo pós-conflito 2004/2009 deveria,
justamente, nuclearizar-se neste processo de criação dum mercado interno
alargado, forte e de elevado valor de transformação endógena. Destacam-se
os seguintes aproveitamentos integrados:

(a) gado bovino: abate e corte, corte e embalagem (para exportação),


aproveitamento de subprodutos (farinha de carne, farinha de sangue, farinha de ossos,
unhas e chifres, gorduras e sebos para a curtimenta), toda a gama de lacticínios na qual
Angola era completamente auto-suficiente, conservas de carne e enchidos, curtumes,
calçado, liofilização, redes de frio e como actividades de integração horizontal e
motivadas as rações alimentares, as embalagens metálicas, as embalagens de cartão,
o arame liso, os adubos e os medicamentos;
(b) milho: cartão (a partir do caule), furfural (a partir da bandeira),
antibióticos, gritz, amido, fuba, farinha, rações, óleo de gérmen e margarinas a partir do
grão;
(c) mandioca: farinhas, amido, fuba, glicose, gomas e tapioca;
(d) laranja, papaia, caju e ananás: sumos, compotas, massas, rodelas,
aguardente e fibras têxteis;
(e) palmeira de dendém: óleo de palma cru, refinado e hidrogenado,
margarina, sabão, carburantes, tintas, vernizes e óleo de coconote;

155
Deve começar a ter-se dum modelo de substituição de importações uma visão muito mais abrangente e,
porventura, endógena. Não são apenas os produtos e serviços importados que devem ser substituídos por
produção nacional. O modelo deve, do mesmo modo, procurar substituir conhecimento importado por
produção nacional de conhecimento, para o que se impõem diferentes condições, como: universalização e
qualificação do ensino primário; qualificação do ensino superior e universitário; difusão de Centros de
Investigação Científica nas Universidades; garantia de um processo interactivo entre investigação
fundamental, investigação aplicada e desenvolvimento experimental, as duas primeiras formas de pesquisa
tipicamente localizadas nas Universidades e a terceira nas empresas; aceitação e reconhecimento, por parte
do Governo, dos trabalhos de pesquisa realizados.
156
O modelo de substituição de importações liga-se à necessidade de se protegerem as indústrias nascentes
(ou em processo de recuperação), um dos fortes argumentos da doutrina económica do proteccionismo. A
classe empresarial angolana está convencida de que a maneira mais eficaz de se proteger a indústria
nacional é pela via da imposição de fortes taxas aduaneiras, pelo menos em relação a determinados
produtos ou ramos de actividade. É uma visão, não só redutora, como facilitista. A protecção das indústrias
nascentes ou renascentes pode ser feita por três formas: por via aduaneira, tornando as importações mais
caras; por via fiscal, tornando as produções internas mais baratas; por via estrutural, aumentando-se a
competitividade. A primeira, salvo raras excepções, está em franco desuso num contexto de crescente
globalização e geralmente é portadora de ineficiências económicas, traduzidas nos desvios de consumo e
nas distorções da produção. A segunda – a conhecida política do “supply side economics”- é menos
controversa do ponto de vista da Teoria Económica, podendo, inclusivamente, contemplar – em termos de
mera reflexão teórica – as incidências dum “feriado fiscal” generalizado, embora limitado no tempo. A
última é, concerteza, a forma mais sustentável de defender as indústrias nacionais, porque ataca alguns dos
fundamentos das economias, como a qualificação dos recursos humanos, as infraestruturas físicas, a
investigação & desenvolvimento, a organização institucional da sociedade e administrativa do Estado, o
capital social, etc.

123
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(f) algodão: fios, tecidos, vestuário, tapetes, estofos, celulose a partir da


pelugem, algodão hidrófilo, rações, óleo de semente de algodão para a indústria
metalomecânica, alimentação e fabricação de sabão;
(g) espécies florestais: fósforos, pasta de papel, mobiliário, folheados,
contraplacados, aglomerados de partículas, caixotaria, tacos e perfumes;
(h) cana do açúcar: aglomerados dos bagaços, aguardente, levedura,
álcool etílico, rum, antibióticos e açúcar;
(i) pesca: peixe congelado e meia cura, farinha e óleo de peixe,
conservas, latas e embalagens metálicas e rede de frio.

 diversificação das exportações numa lógica de “cluster”: redução/eliminação


da exportação de matérias primas e produtos de base, aumento da
autonomia do poder de decisão económica, acesso aos mercados
internacionais e melhoria da competitividade. As condições fundamentais
para que este processo resultasse deveriam ser constituídas durante
2004/2009, mas o essencial da sua estruturação acabaria por ocorrer a partir
dessa data. Destacam-se o “mega-cluster” dos recursos minerais
(diamantes, rochas ornamentais, rochas industriais, ferro, manganês e
fosfato), o “cluster” do petróleo e gás (refinação, derivados e petroquímicos),
o “mega-cluster” têxtil-vestuário-calçado e o “mega-cluster” turismo e lazer.

124
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CAPÍTULO TERCEIRO – POBREZA E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

1.- EXISTEM POLÍTICAS DEFINITIVAS PARA COMBATER A POBREZA?


2.- O PETRÓLEO EM ANGOLA: A RIQUEZA DE ALGUNS E A POBREZA DE MUITOS
3.- O ACORDO MONITORADO COM O FMI E AS SUAS IMPLICAÇÕES NA CRIAÇÃO DE
EMPREGO E NA REDUÇÃO DA POBREZA
4.- ESTRATÉGIAS DE REDUÇÃO DA POBREZA EM ANGOLA: OS CONTEÚDOS E AS
POLÍTICAS
5.- A POBREZA ENQUANTO CONSTRANGIMENTO AO DESENVOLVIMENTO

1.- EXISTEM POLÍTICAS DEFINITIVAS PARA COMBATER A POBREZA?


(Artigo para a Revista do Fundo de Apoio Social – FAS – de Outubro de 1997)

A parte mais visível da crise social no país é traduzida pelos elevados índices de
pobreza (praticamente 67% da população está em situação de grandes carências
económicas). O fenómeno do empobrecimento da população era desconhecido no país
quando se ascendeu à independência política. Podem ser consideradas três causas
para o seu posterior surgimento:

(a) a guerra, naturalmente. O êxodo rural forçado pela insegurança militar


que ocasionou quebras sucessivas e drásticas no produto agrícola, com destaque para
as culturas alimentares, é seguramente um aspecto importante, mas que não justifica a
ausência de políticas alternativas que evitassem o aparecimento da pobreza. Estas
políticas alternativas não surgiram devido à incorrecta utilização das receitas
petrolíferas;

(b) a liberalização económica, também. Os processos de liberalização


económica implantados sem critério, em contextos de elevada regulamentação dos
mercados e em sistemas económicos enfraquecidos, desarticulados e com
desequilíbrios estruturais importantes provocam injustiças, debilitam os rendimentos dos
mais desfavorecidos e ocasionam uma distribuição assimétrica do rendimento nacional.
Os processos de liberalização económica nunca foram objecto duma reflexão séria em
Angola, que se justificava por 18 anos de economia fechada, centralizada e
administrativa e era exigida por uma situação de guerra aberta que prevalecia nessa
altura;

(c) a prática de políticas económicas incorrectas, sobretudo. A pobreza


em Angola está relacionada com processos de enriquecimento fácil e ilícito e com a
inflação. Assistiu-se - e assiste-se ainda - a um processo de transferência de uma parte
do produto interno através do exercício duma política cambial incorrecta e injusta, que
beneficia claramente as elites políticas, militares e burocráticas do país. Esta
acumulação financeira (historicamente talvez se deva falar de acumulação primitiva),
que noutras condições é fundamental e determinante para a recuperação económica, é,
no entanto, ociosa e neutra do ponto de vista do crescimento ( a sua fuga para o
exterior é justificada e agravada pela insegurança, falta de confiança, desorganização

125
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da política económica), mas detém um poder oculto, porém arrasador, em termos de


inflação, podendo, a qualquer momento, pressioná-la.

Quanto à inflação, sabe-se que este fenómeno é um poderoso mecanismo de


distribuição injusta do rendimento nacional e os elevados índices registados a partir de
1991 não fizeram mais do que acelerar a deterioração do poder de compra dos
rendimentos das faixas populacionais economicamente mais indefesas e
marginalizadas.

Só em termos de desemprego (que afecta mais gravemente a população pobre) e de


índices baixos de produtividade (provocadas pela má alimentação, pelo analfabetismo e
por problemas de saúde) o custo da pobreza em Angola pode ser estimado numa cifra
anual entre 604 milhões e 876 milhões de dólares americanos.

Sendo as causas da pobreza essencialmente de natureza económica pretender atacá-


la enfatizando as políticas sociais pode ser uma via para a não resolução definitiva
deste flagelo. Julgo ser demasiadamente redutor pensar-se que o grande problema
nacional neste momento é a pobreza, ainda que quase 67% da população total viva
com dificuldades várias. A paixão com que o problema é analisado pode conduzir à
configuração de políticas económicas menos adequadas para ultrapassar o fenómeno
da pobreza de maneira sustentada. É importante olhar as árvores, mas é absolutamente
fundamental ver a floresta, que no caso vertente tem a ver com uma visão de conjunto
da política económica, com uma estratégia de recuperação e desenvolvimento a longo
prazo claramente assumida pela sociedade e com uma gestão financeira correcta.
Ainda que se disponibilizassem quantidades enormes de recursos financeiros para
combater a pobreza nas sua manifestações sociais (o relatório sobre o desenvolvimento
humano em Angola estima uma cifra média de 160 milhões de usd anuais durante 10
anos), a sua erradicação não é sustentável a longo prazo se os grandes e essenciais
problemas económicos do país não forem devidamente solucionados.

Por onde começar a combater os vértices do octógono da pobreza? O Programa de


Acção de Lagos para o Desenvolvimento Económico de África 1980-2000 considerava
como objectivo central da política económica o alívio da pobreza e a melhoria geral dos
padrões de vida da população do Continente. E o modo como consegui-lo deveria,
justamente, iniciar-se pelo acesso a bens e serviços de consumo. Só que para se
garantir esse acesso duas condições devem ser preenchidas: (a) a primeira condição é
a da existência desses bens e serviços, o que nos remete para o domínio da produção
nacional ou da importação; (b) a segunda condição tem de ver com a disponibilidade de
rendimentos suficientes para os adquirir, ou seja com o emprego, com a inflação e com
a poupança. Curiosamente um excelente estudo do Departamento africano do Banco
Mundial publicado em Novembro de 1995 sobre os problemas económicos e sociais de
África, aborda da seguinte maneira a questão da pobreza157: “ as causas primeiras da
pobreza estão ligadas a problemas de acesso às oportunidades de geração de
rendimentos e de dotação inicial de factores” sendo, em decorrência e sinteticamente :”
acesso insuficiente às possibilidades de emprego ( o que, acrescento eu, está
relacionado com fracas taxas de crescimento económico e com os modelos de
crescimento adoptados), acesso insuficiente aos meios de promover o desenvolvimento
rural nas regiões mais duramente afectadas pela pobreza (justificado pela preferência

157
Banque Mondiale – Un Continent en Transition: l’Afrique Subsaharienne au Milieu des Années 90,
1995.

126
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

em favor de regiões de forte potencial de crescimento económico e dos centros


urbanos), acesso insuficiente aos mercados de venda de bens e serviços, causado pela
distância a que se localizam as comunidades de pobres e pela falta de meios de
transporte, destruição de recursos naturais e degradação ambiental, que respondem
pela redução da produtividade em sectores como a agricultura, florestas e pescas,
dotação insuficiente em activos reais, causada pela ausência duma reforma fundiária e
ausência de modalidades adequadas de crédito rural e, finalmente, acesso insuficiente
à educação, à saúde, ao saneamento e à agua potável”. Coincidentemente, o Plano de
Acção de Lagos focaliza, do mesmo modo, as políticas de erradicação da pobreza
sobre a produção de bens alimentares, a criação de emprego, a reorganização dos
sistemas de transporte campo-cidade, a construção de infraestruturas de incidência
rural e local, a disponibilização de factores de produção agrícola (enxadas, fertilizantes,
pesticidas, etc.) e sobre o crédito rural. As questões relacionadas directamente com a
constituição do capital humano (educação, saúde, investigação, produção de saber)
devem ter uma perspectiva de largo prazo (20/25 anos) e inserirem-se numa estratégia
de desenvolvimento adequada. Aliás, penso exactamente que uma política
verdadeiramente social só pode ter este alcance temporal para que seja credível e
sustentável e conduza à criação de condições novas e diferentes para o progresso dos
cidadãos. Tudo o que se situe fora deste quadro são políticas de alívio e de
emergência, seguramente necessárias, mas de eficácia económica discutível.

Aliás, o referido trabalho do Banco Mundial é claro sobre esta matéria: “ a análise sobre
a evolução da pobreza e de certos indicadores sociais no últimos cinco anos em África
mostra claramente que o seu vencimento depende das taxas de crescimento económico
e, sobretudo, dos modelos de desenvolvimento adoptados”. Quanto às taxas de
crescimento do PIB são apontados exemplos de correlações estatísticas positivas entre
a redução da taxa de pobreza e o ritmo de crescimento económico, como os casos da
Tanzânia (1991), Etiópia(1989), Gana (1992), Nigéria(1992) e Camarões (1983).
Correlações estatísticas negativas (diminuição dos ritmos de crescimento económico e
aumento da taxa de pobreza) foram registados no Quénia (1992) e na Costa do Marfim
(1988). Verificou-se que a queda da taxa de pobreza estava fortemente relacionada
com o aumento do emprego e o crescimento da produção. O aumento do emprego e da
produção gerou uma melhoria dos rendimentos, que por sua vez acresceu o acesso aos
serviços de educação, saúde, água, etc. O problema do acesso à água - e
particularmente no caso angolano onde o respectivo mercado paralelo é de quase 40
milhões de dólares por ano e onde as respectivas tarifas são 120 vezes superiores às
suportadas pelas famílias abastecidas pela rede formal - é um excelente exemplo do
que pode ser uma correcta política macroeconómica que pretenda eliminar ou clarificar
subsídios ocultos e encerrar os canais de transferência ilícita de uma parte do
rendimento nacional que é pertença da Nação. Pode ser, também, um bom exemplo
duma política social de emergência, mas de impacto sustentado no tempo.

Relativamente aos modelos de crescimento económico, os mais adequados ao


tratamento endógeno da variável pobreza ( ou seja, os mais aptos a resolverem o
problema da pobreza enquanto solução interna do modelo matemático) devem ter como
eixos principais os seguintes:

(a) política macroeconómica de equilíbrio, gestão económica


transparente e eliminação das janelas de distribuição ilegítima e assimptótica do
rendimento;

127
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

(b) fomento da produção centrada em actividades de elevada intensidade


de mão-de-obra, como meio de atenuação do desemprego a médio prazo e de geração
imediata de rendimentos para a melhoria da alimentação e do acesso a certos serviços
de saúde primária;

(c) prioridade à recuperação e desenvolvimento da agricultura e das


actividades primárias ligadas ao meio rural;

(d) construção e reabilitação de infraestruturas ligadas ao meio rural e ao


sistema de transportes e de comercialização no campo;

(e) delineamento de programas de longo prazo para a educação e a


saúde com o propósito de constituição do capital humano, o modo mais correcto de
resguardar o aparecimento de população pobre.

2.- PETRÓLEO E POBREZA EM ANGOLA: A RIQUEZA DE ALGUNS E A POBREZA


DE MUITOS
(Artigo publicado na Revista do Fundo de Apoio Social de Fevereiro de 1998)

Seguramente que desde 1980 o petróleo passou a ser a única fonte de rendimentos
externos da economia angolana devido ao atrofiamento da “outra economia”, incapaz
de resistir à insegurança militar e à política de substituição da produção nacional pelas
importações. As deslocações das populações acentuaram-se a partir de 1983 e o virtual
colapso da agricultura começou a ganhar contornos cada vez mais reais, receando-se
as piores consequências sobre o seu estado nutricional e as suas condições gerais de
vida. A conjugação destes factores - êxodo rural forçado, diminuição da produção
agrícola, desemprego por recessão dos sectores industrial e dos serviços - engendra o
aparecimento do fenómeno da pobreza, apesar do país exportar cada vez mais petróleo
e obter rendimentos externos crescentes, por aumento da própria produção e dos
preços internacionais. Como compreender - e aceitar - que a volumes maiores de
riqueza gerada no sector dos petróleos correspondam situações crescentes de pobreza
e de exclusão social e índices irrisórios de desenvolvimento humano (segundo o
conceito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)?

Há um aspecto desta problemática relativamente ao qual estou de acordo com o Fundo


Monetário Internacional e com o Banco Mundial: a transparência na utilização e na
aplicação das divisas provenientes da exploração deste recurso natural não renovável,
o que em termos sociais significa prestar contas às gerações vindouras sobre o uso
(abuso?) dum recurso que as gerações presentes apenas receberam mandato de boa
gestão. Naturalmente que as preocupações substantivas daquelas instituições
financeiras internacionais se relacionam com as pressões exercidas pelos credores de
Angola que querem ver ressarcidas as suas dívidas e os correspondentes juros, mas
não deixa de igualmente servir de razão e de preocupação para a sociedade civil
angolana, aflita com o fenómeno da pobreza no país.

Na verdade e de há uns tempos a esta parte, os relatórios sobre a situação económica


e financeira de Angola elaborados pelo FMI e pelo Banco Mundial acentuam como uma
medida de fundo a ser tomada em nome da transparência financeira do Estado a

128
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

realização duma auditoria externa - independente e competente - aos sectores do


petróleo e dos diamantes. A intenção é a de tornar as respectivas contas e relações
financeiras com o OGE mais transparentes e com um duplo objectivo: primeiro, os
credores externos de Angola (nomeadamente os que estão para lá do
comprometimento do petróleo) estão preocupados com o não pagamento das suas
dívidas e pretendem saber a razão por que um país com elevadíssimas receitas de
petróleo não consegue cumprir com os seus compromissos externos e daí a pressão
exercida sobre o FMI, ou seja, das receitas petrolíferas que ficam para o país os
credores pretendem que uma parte mais substancial seja canalizada para pagar a
dívida externa; em segundo lugar, há que reconhecer que uma maior transparência (ou
porventura uma transparência total) nas contas económicas e financeiras do petróleo e
dos diamantes é uma questão de rigor político e de credibilidade do Estado, antes de
poder ser fonte de receitas adicionais para o erário público.

Esta transparência talvez pudesse ser facilitada se:


- as concessões e os contratos passassem a ser estabelecidos
directamente entre as concessionárias e o Ministério do Petróleo, que exerceria uma
actividade de fiscalização sobre as mesmas;
- os impostos fossem pagos directamente ao Tesouro Nacional através
de depósitos no BNA dos correspondentes montantes em divisas;
- a Sonangol fosse a empresa nacional de ponta neste domínio de
actividade económica, que exploraria em consórcio com as concessionárias, os
diferentes poços de petróleo, para além de se preparar para que no futuro exercesse
uma exploração mais autónoma e se lançasse noutros ramos da fileira do petróleo,
como a refinação.

Porém, o que é curioso é que o FMI e o Banco Mundial não se refiram às condições
leoninas que regem a exploração desses recursos e que se traduzem na exportação de
quase 50% das respectivas receitas a título de lucros, dividendos, salários dos técnicos
estrangeiros expatriados, importação de bens e serviços finais e outras despesas
conexas. Provavelmente porque as relações entre o Estado angolano e as companhias
estrangeiras concessionárias são regidas por contratos livremente estabelecidos entre
as partes e segundo as condições e a lógica do mercado internacional. Mas não deixa
de ser frustrante para Angola que essas instituições não sublinhem estes aspectos nas
suas análises económicas sobre o país e responsabilizem permanente e
sistematicamente o Estado e o Governo pela situação existente.

Se é certo que uma redução importante dos volumes de divisas remetidos para o
exterior passa por uma maior abertura do país ao mercado internacional - fomentando a
concorrência entre os parceiros que pretendam explorar estes recursos nacionais - não
é menos certo, porém, que Angola tem de constituir uma capacidade técnica autónoma
que lhe possa permitir assumir a responsabilidade pela exploração, produção e
exportação do petróleo e dos diamantes. No sector dos petróleos anda-se há mais de
22 anos em parcerias com companhias estrangeiras e apesar de se afirmar que tem
havido um esforço de formação de engenheiros e geólogos e de substituição de
técnicos estrangeiros por nacionais o que é facto é que não existe qualquer capacidade
técnica interna e autónoma de prospecção e exploração do petróleo. Porquê? Receio
que o mesmo se vá passar com os diamantes. Será que estamos perante uma espécie
de “armadilha dos recursos minerais não renováveis” que impede que se constituam e
existam capacidades técnicas nacionais autónomas? Ou será a “armadilha do mercado
internacional” dominado pelas multinacionais e fechado a outras empresas?

129
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Se assim for receio ter de se concluir : “petróleo e diamantes riquezas de Angola mas
não para Angola”, o que me permite retomar o tema da pobreza e da sua relação com
o petróleo.

Uma situação de pobreza é caracterizada pela conjugação de vários indicadores, desde


os estritamente de rendimento, até aos relativos ao capital humano, como os da
educação e da saúde. A abordagem adoptada nesta relacionação com as receitas
petrolíferas centra-se, apenas, no critério do rendimento e traduzido pelo produto
nacional bruto por habitante. Para se chegar a este indicador foi necessário compilar e
sistematizar informação sobre os juros da dívida externa e as transferências para o
exterior por contrapartida da actividade das concessionárias petrolíferas. Por outro lado,
houve que estipular um comportamento para a população total através duma taxa de
crescimento demográfico de 2,9% ao ano. O objectivo do exercício é o de se
compararem as evoluções das receitas de exportação do petróleo com as do
rendimento nacional per capita, o que pode ser seguido e analisado pelos valores
inseridos no quadro seguinte.

EVOLUÇÃO COMPARADA ENTRE PNBpc E EXPORTAÇÃO DE PETRÓLEO


(Milhões del dólares americanos)
Variáveis 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Exporta- 2159 2289 2740 3607 3238 3573 2826 2896 3400 4170 4771 4912
Petróleo
Produto 7383 7975 9283 10260 11828 8694 6301 4709 5980 6615 7151 7882
Interno
Bruto
Juros da 90 367 450 456 709 456 444 549 602 882 410 237
dívida
Remessas 976 1030 1233 1623 1457 1608 1272 1303 1530 2147 2204 2210
lucros e
outras tra.
Produto 6317 6578 7600 8181 9662 6630 4585 2857 3848 3586 4537 5435
Nacional
Bruto
Popula- 9229 9483 9741 10020 10312 10602 10921 11238 11566 11902 12247 12602
ção
PIB per 800 841 953 1024 1147 820 576,9 419 517 555,8 584 625,5
capita(usd)
PNB per 684,5 693,7 780,2 816,5 937 625,4 419,8 254,2 332,7(a) 301,3 370,5 431,3
capita(usd)
FONTES: Balança de Pagamentos (BNA) e Contas Nacionais (MINPLAN)

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Uma análise simples mostra que a partir de 1992 a deterioração dos valores absolutos
do rendimento por habitante se acentuou (este indicador tinha registado um valor de
cerca de 720 dólares em 1985, segundo o relatório sobre o desenvolvimento humano
em Angola, do PNUD, Setembro de 1997), por razões, entre outras, ligadas à guerra e
à insegurança no funcionamento do sistema económico. Na verdade:
- é a partir de 1992 que se assiste a uma intensidade, extensão e
violência da guerra (pós-eleições, paradoxalmente), com as correspondentes
deslocações de população e de degradação das capacidades de produção da
agricultura;
- é, do mesmo modo, nesta altura que se acentua a recessão na
economia não petrolífera e expressa por taxas de decrescimento do PIB global
manifestamente superiores às quebras das exportações de petróleo (-26,5% e +10,3%
em 1992, -27,5% e -20% em 1993, -25,3% e +2,5% em 1994 respectivamente) e
também por taxas de crescimento do PIB inferiores às das exportações de petróleo
(10,6% e 22,6% em 1996 e 8,1% e 14,4% em 1997 respectivamente); se se quiser
combater a pobreza sustentadamente e consequentemente tem de se operar uma
inversão, ou seja, a economia não petrolífera terá, necessariamente, de crescer a
ritmos superiores aos do sector de enclave, pela simples razão de que é dela que
dependem os 12 milhões de cidadãos angolanos, 67% dos quais em situação de
pobreza;
- registou-se uma forte inércia da agricultura e da indústria
transformadora: enquanto a economia petrolífera retomou quase de imediato o seu
ritmo normal de crescimento, a outra economia demorou muito a reagir a este choque
da oferta.

Para além desta diferença nas dinâmicas de funcionamento e de reacção dos dois
sectores em presença, constata-se, em matéria de repartição de recursos, que o papel
das multinacionais petrolíferas tem sido nefasto nos domínios seguintes:
- repatriamento de lucros e dividendos, que correspondem a
subtracções líquidas ao rendimento nacional que poderia estar disponível;
- pagamento de salários aos expatriados;
- importação de praticamente 100% das suas necessidades em bens de
consumo e de equipamento (fraqueza do sector produtivo interno);
- não re-investimento em actividades agrícolas e da indústria
transformadora;
- criação muito limitada de emprego para nacionais (10000 no sector de
extracção petrolífera);
- não constituição duma capacidade técnica nacional suficiente para
substituir os expatriados;
- não transferência de tecnologia.

Verifica-se, portanto, que a actividade das multinacionais, para além de subtrair


montantes importantes de recursos financeiros, em cumprimento dos contratos
assinados com o Estado, está completamente divorciada da economia nacional em
matéria de re-investimentos de parte dos lucros e dividendos noutras actividades de
maior valor acrescentado interno, enquanto factor de dinamização do sector produtivo
através da aquisição de bens de consumo final e de alguns serviços, etc.
Naturalmente que existem razões objectivas internas para esta situação - e todos as
conhecemos158 - mas penso tratar-se, também, duma clara assunção estratégica
dessas multinacionais, que preferem investir noutras regiões do mundo.

158
A fraqueza da economia não mineral e a sua quase crónica incapacidade de suprir, pelo menos em
parte, as procuras petrolíferas em determinados bens e serviços, é um facto, mas que não desculpa o
desinteresse das multinacionais do crude por outras actividades de maior valor acrescentado interno.
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Penso ser importante o Governo tentar - através de negociações e na base duma


estratégia de desenvolvimento de longo prazo para a economia nacional - uma
redução da natureza enclavista deste sector, nomeadamente pelas vias seguintes:
- aplicação da lei do investimento estrangeiro em matéria de re-
investimento de uma parte dos lucros e dividendos; se estes re-investimentos se
situarem na agricultura e na indústria transformadora teriam como consequência a
criação de empregos indirectos pela indústria petrolífera;
- substituição, mais visível e consequente, por nacionais dos quadros,
técnicos e responsáveis dessas empresas;
- estabelecimento de contratos-programa para aquisição duma
percentagem tendencialmente crescente de bens e serviços nacionais (havendo estes
que garantir um bom binómio preço-qualidade) e que teria como consequência a
criação de empregos indirectos a partir da exploração petrolífera;
- reforço substancial do fundo de formação actualmente existente (creio
que fundamentalmente destinado ao próprio sector e do qual, ainda que
indirectamente, acabam por beneficiar as próprias concessionárias) para financiar a
constituição do capital humano nacional, o que se traduziria, na prática, por aumentos
significativos das fontes de financiamento da educação e da saúde; este reforço
deveria ser subscrito inteiramente pelas petrolíferas e por conta dos seus lucros e
dividendos;
- e, sobretudo, utilização de todas as receitas cambiais provenientes da
exportação do petróleo para desenvolvimento do sector financeiro nacional,
nomeadamente depositando-as nos bancos existentes ou então constituindo-se,
internamente, novos bancos para o efeito. Significaria esta situação o fim dos regimes
cambiais especiais, que só têm prejudicado o país e a sua economia, e a adopção,
afinal, de modelos que proliferam em outros países.

Pelo quadro anterior se constata que não são apenas os repatriamentos de lucros e
dividendos e outras despesas conexas das petrolíferas que actuam desfavoravelmente
sobre o montante do rendimento per capita. Com igual sentido, embora de menor
intensidade, se apresentam os montantes relativos ao pagamento dos juros da dívida
externa, concluindo-se, portanto, que o seu papel tem sido nefasto, em particular
porque se não dispõe de património físico e humano correspondente a tão elevada
dívida ao exterior. Com efeito,
- a dívida externa não tem uma contrapartida patrimonial nacional visível
e que possa servir de base à recuperação da economia, porquanto foi contraída para
satisfazer necessidades de defesa e segurança e de consumo da população;
- as condições em que a mesma tem sido contraída são das mais
gravosas do mundo, em termos de juros e prazos de reembolso (a taxa média de juro
parece ser da ordem dos 14% anuais);
- continua a praticar-se uma política de comprometimento do petróleo
para financiar dívidas de curto prazo (para importação de bens de consumo final) e
parece que no imediato não existem outras alternativas;
- o elevado volume da dívida externa e o não pagamento do respectivo
serviço (salvo o inelutável do petróleo) têm inviabilizado a contratação de novos
financiamentos para a recuperação da produção, o crescimento económico e a
constituição do capital humano nacional;
- a dívida externa representa uma pressão constante sobre o OGE e a
economia, inviabilizando aplicações financeiras nos sectores sociais e em despesas
de desenvolvimento.

Torna-se, assim, urgente a aplicação de medidas concretas para aliviar o


constrangimento que representa a dívida externa no processo de geração de
rendimento nacional disponível:
- melhorar drasticamente a sua gestão;
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

- renegociar o que é renegociável, reescalonando-se o respectivo


serviço e obtendo-se condições mais atenuadas de reembolso e juros;
- sujeitar a contracção de novos empréstimos aos projectos de
reconstrução e desenvolvimento.

Os três problemas essenciais relativos aos desequilíbrios de curto prazo da economia


nacional e considerados no Programa de Estabilização e Recuperação Económica de
Médio Prazo são a inflação, o desemprego e o défice externo. O financiamento deste
tem três fontes possíveis (e únicas): a utilização das reservas em ouro e em divisas
(que o país não tem, porque desde a independência que se tem assistido ao consumo
de praticamente todas as receitas de exportação do petróleo), o endividamento, que o
país tem muito porque se não tem uma estratégia consequente de
endividamento/amortização/constituição de reservas e a Ajuda Pública ao
Desenvolvimento, que o país não tem nas quantidades necessárias porque se não tem
sabido utilizar convenientemente bem o auxílio externo - falta de coordenação e
racionalização, carência duma visão estratégica e integrada da ajuda do exterior.
Quando estas fontes se aproximam do esgotamento a correcção do desequilíbrio
externo tem prioridade absoluta na política económica, sobrelevando, mesmo, o
combate ao desemprego e à inflação. No Programa de Médio Prazo a inflação e o
desemprego recolhem as prioridades máximas, apesar duma dívida externa de cerca
de 12 biliões de dólares e de praticamente esgotadas as fontes normais de
financiamento externo (mercados financeiros internacionais, crédito de exportação,
etc.). A razão é simples e entronca, claro(!) no petróleo e na dificuldade em se
desarmarem as teias existentes: sem grandes alternativas de outras fontes de
financiamento para 1998 o financiamento da economia vai continuar a depender das
receitas financeiras provenientes da exportação do petróleo alicerçadas numa
estratégia desastrosa do seu comprometimento futuro, reforçada, obviamente, pelas
novas descobertas a colocarem a produção nacional a partir de 2000 em 1100 mil
barris por dia. Ora bem, se o entendimento, de facto, é este, então o problema do
desequilíbrio externo ainda o não é como deveria ser e consequentemente pode vir a
ser possível concentrar o esforço da política económica na desinflação da economia e
na criação de emprego, com consequências positivas sobre o alívio da pobreza. Por
aqui se constata - e apesar de todas as nefastas implicações decorrentes da
actividade das multinacionais petrolíferas - que se a estratégia, a política e a gestão
dos recursos petrolíferos fossem outras talvez a pobreza não existisse. Por um lado,
porque seria possível “ investir” mais política económica no combate ao desemprego e
na luta contra a inflação e, por outro, porque a recuperação económica teria fontes
seguras e disponíveis de financiamento. No fundo, a erradicação do fenómeno da
pobreza não é nada alheia ao que se pode vir a passar de diferente nos sectores de
enclave da economia angolana.

3.- O ACORDO MONITORADO COM O FMI E AS SUAS IMPLICAÇÕES NA


CRIAÇÃO DE EMPREGO E NA REDUÇÃO DA POBREZA
(Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado” nº4 de Outubro 2000)

Parece paradoxal aliar, ainda que seja num mero artigo de opinião, um acordo com a
mais poderosa e temida instituição financeira internacional e uma política de combate
à pobreza. Simplesmente porque tenho muitas dúvidas e bastantes reservas de que
as determinações de política económica que o FMI “sugere” aos países implorantes do
seu beneplácito técnico e político sirvam, na realidade, os interesses mais profundos
das populações pobres. E o que mais suscita a minha curiosidade é que as críticas
sobre o modelo de política económica do Fundo já não são apenas dos economistas,

134
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

sociólogos e antropólogos africanos. Provêm de faixas cada vez mais importantes da


intelectualidade e da classe política dos países desenvolvidos. Na Revista “Economia
& Mercado” nº 2 e na secção intitulada “Economia de A a Z” já me referia, em certa
medida, a esta matéria das críticas que actualmente impendem sobre o FMI: “Fundo
Monetário ultimamente muito criticado no seu modelo e na sua doutrina”. Jeffrey
Sachs (director do Harvard Institute for International Development e professor de
economia internacional na Universidade de Harvard, dirigiu as reformas económicas
na Rússia em nome do FMI, com quem posteriormente se incompatibilizou por
acentuadas divergências de opinião) assegura que a actividade do Banco Mundial e
do Fundo Monetário Internacional tem sido muitas vezes desastrosa ou mesmo
irrelevante, não possuindo esta última instituição uma estratégia de longo prazo para o
desenvolvimento dos países em vias de desenvolvimento, apesar dos Estados Unidos
lhe terem confiado o principal papel no desenvolvimento dos países pobres. A última
reunião do G-7, em Junho de 1999 em Colónia, reconheceu que as anteriores
tentativas para reduzir a dívida dos países em desenvolvimento falharam
completamente. Por isso, resolveram os países mais ricos do mundo anunciar um
novo programa - conhecido por Iniciativa de Colónia - para ser reduzido o peso da
dívida dos chamados Países Pobres Altamente Endividados (HIPC). Nesta mesma
reunião foram dadas instruções ao FMI e ao Banco Mundial para repensarem os seus
modelos de intervenção e as suas estratégias de desenvolvimento, de modo a serem
enfatizados os problemas sociais. Mas convém referir que Jeffrey Sachs desconfia
desta Iniciativa de Colónia. Primeiro, porque nunca os países ricos estiveram
verdadeiramente preocupados com a dívida dos países pobres. Depois, porque o G-7
não se moveu por sua própria iniciativa, mas como resultado das pressões e dos
apelos da sociedade civil mundial para acções em benefício dos pobres do mundo.
Grande parte dos louros de Colónia-1999 são do movimento radical Jubileu 2000. E tal
como Sachs afirma, é urgente deixar-se o cinismo político e passar-se a uma actuação
concreta em favor dos 42 países HIPC, com uma população total de cerca de 700
milhões de pessoas, 70% dos quais vivem em África, com uma esperança média de
vida de 50 anos, cerca de um terço das crianças subnutridas, indo por isso sofrer de
incapacidades físicas e cognitivas e não chegando sequer a concluir a escola primária,
mais de 2 milhões de mortes pelo SIDA e de um milhão pela malária em 1998.

A ligação entre as estratégias de combate à pobreza e as políticas de ajustamento


estrutural do FMI decorre, portanto, duma determinação do G-7 e não duma evolução
da doutrina económica das instituições de Bretton Woods. E a prová-lo está que os
textos dos acordos estabelecidos entre os países e o FMI referem, explicitamente, que
as políticas e as acções de luta contra o flagelo da pobreza devem respeitar as
orientações fundamentais do ajustamento macroeconómico. Combater a pobreza sem
violar os equilíbrios macroeconómicos é a mais recente posição de política económica
do FMI e do Banco Mundial.

Será que é possível esta conciliação, particularmente quando a pobreza atinge a


dimensão que apresenta em Angola, afectando quase 70% da sua população? Tudo
depende da dimensão e da amplitude dos programas de combate à pobreza e da
função de preferência dos decisores públicos, na qual os objectivos visados pela sua
política económica têm de aparecer hierarquizados e ponderados. Se dum ponto de
vista absoluto a estabilização macroeconómica e o combate à pobreza são ambos
importantes, dum ponto de vista relativo os dois não podem deter a mesma
importância, sendo, por consequência, necessário priorizá-los.

Para chegar a alguma conclusão vou partir da análise da pobreza.

A caracterização da pobreza costuma ser feita em torno dos seguintes aspectos:

135
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

* percentagem da população adulta analfabeta (58%)


* percentagem da população sem acesso à água potável (65%)
* percentagem da população sem acesso a saneamento básico (75%)
* percentagem da população sem acesso a serviços primários de saúde (65%)
* percentagem da população não escolarizada (54%)
* percentagem da população com rendimento diário inferior a $ 1 dólar (70%)

Pela natureza destes indicadores conclui-se que são três os domínios de maior
incidência económica e social da pobreza: condições de vida das populações,
condições para se auferirem rendimentos permanentes e produtividade.

Estimativas apontam para um coeficiente de pobreza no país entre 64,5% e 70% da


sua população total.

Os indicadores da pobreza podem ser agrupados/distribuídos por três domínios de


actuação fundamentais:

* estratégias viabilizadoras do incremento da produtividade


» diminuição da taxa de analfabetismo dos adultos
» aumento das taxas de escolarização da população em idade escolar
» redução da percentagem da população sem acesso aos cuidados
primários de saúde.

* estratégias de melhoria das condições de vida da população


» decréscimo da percentagem da população sem acesso ao
saneamento básico
» programa de construção de habitações sociais
» desenvolvimento das redes urbanas de transportes públicos
» redução da percentagem da população sem acesso à água potável

* estratégias de aumento dos rendimentos


» programas localizados de produção agro-pecuária e de pescas
» actividades geradoras de rendimento de incidência comunitária
» programas de desinformalização da economia (micro empresas/micro
crédito)
» organização e melhoria dos circuitos de comercialização e distribuição
» aumento gradual dos salários e estabelecimento do salário mínimo
nacional (condicionados ao incremento da produtividade)
» estruturação dum verdadeiro sistema de previdência social.

Pelos domínios de intervenção se percebe que o combate à pobreza não deve ser
isolado. A sua inserção num modelo concreto de desenvolvimento é crucial. Um
modelo gerador de emprego e multiplicador dos rendimentos. Um modelo endógeno
virado para o aproveitamento das capacidades ociosas e dos recursos
desempregados.

Em termos gerais este modelo de desenvolvimento assenta em dois eixos:

* utilização intensiva e extensiva do factor actualmente mais abundante que é o


trabalho, criando-se, por esta via, a oportunidade de se melhorar o nível de vida,
nomeadamente por duas vias:
» os incrementos da produtividade que fossem conseguidos pela
redução dos elevados índices de ociosodade das capacidades instaladas existentes
deveriam ser partilhados entre os aumentos salariais dos trabalhadores empregados e
os acréscimos da capacidade de autofinanciamento dos empresários;

136
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

» a instalação de novas actividades que um ambiente económico de


expectativas positivas ajudaria a fomentar. Estas actividades trabalho-intensivas
gerariam novos empregos e multiplicariam os rendimentos das famílias.

Por intermédio destes dois vectores do modelo se viabilizariam as estratégias de


melhoria das condições de vida e de aumento dos rendimentos das populações
pobres.

* estruturação de sistemas de educação, formação, saúde, previdência social,


saneamento básico e planemanto familiar racionais e eficientes, com a finalidade de
se garantirem os ganhos de produtividade, de se capacitar a força de trabalho a tirar
proveito das oportunidades criadas e de se melhorarem os mecanismos de
distribuição do rendimento nacional.

Duas questões subjacentes a este modelo: existe ambiente favorável ao crescimento


económico e ao aumento do emprego? É possível a conciliação deste modelo com a
doutrina do Fundo Monetário Internacional expressa nas políticas de ajustamento
macroeconómico?

Quanto à primeira provavelmente a única dúvida que se coloca é a guerra. Resolvida a


contento, as condições do lado da procura e da oferta existem. Com efeito:

* do lado da procura de bens de consumo verifica-se :


- a existência dum vasto mercado de consumidores frustrados pela
guerra e ávidos de acederem aos bens de consumo tradicionais;
- que a procura é mais do tipo quantitativo do que qualitativo, podendo,
em decorrência, as empresas produzir maciçamente bens estandardizados e investir
mais no volume da produção do que na sua qualidade;
- a possibilidade de se estabilizarem alguns rendimentos (dos
camponeses e de outras faixas mais desfavorecidas da população) através de
programas e projectos tipo PRC (Programa de Reabilitação Comunitária) e de outras
acções de fomento do Estado;
- a probabilidade de progressão rápida e regular da produção ao permitir
aumentos salariais e criação de novos empregos iria provocar melhorias no poder
geral de compra da economia;

* do lado da procura de bens de equipamento é evidente a existência dum


conjunto de necessidades de renovação e modernização das tecnologias de produção.
As importações de bens de capital e de tecnologia terão, por isso e numa primeira
fase, tendência de aumentar mais do que proporcionalmente do que as variações do
PIB, com implicações sobre o equilíbrio da balança de pagamentos. Por isso se
tornam cruciais a renegociação e o reescalonamento, em condições concessionais, da
actual dívida externa do país, a obtenção de novos créditos e financiamentos em
condições vantajosas, as parcerias estratégicas com empresas líderes do mercado
mundial, a mobilização e absorção dos investimentos directos estrangeiros e o reforço
do actual Fundo de Desenvolvimento Económico e Social;

* do lado da oferta observa-se que os factores de produção e as matérias


primas necessárias ao crescimento estão disponíveis:
- a aparente irreversibilidade de regresso das camadas jovens da
população deslocada disponibiliza quantidades acrescidas de mão-de-obra para as
actividades económicas urbanas (embora a necessitar de formação, reciclagem e
alguma cultura industrial) e pode aumentar a produtividade aparente da agricultura
tradicional;

137
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

- uma parte importante das matérias primas industriais (minerais e


agrícolas) e dos recursos petrolíferos perfeitamente disponível e internamente
controlável;
- disponibilidade no mercado internacional de tecnologia com custo
relativamente reduzido e sem investimentos de pesquiza (o investimento directo
estrangeiro pode ser uma fonte importante de aquisição de “know how” e de
transferência de tecnologia).

A potenciação destas condições favoráveis da procura e da oferta exige que:


- se iniciem acções decisivas de formação e reciclagem da mão-de-obra
para a indústria;
- se organize a produção de bens e serviços segundo princípios que
possibilitem o aumento da produtividade dos factores;
- se estabeleça um contrato social entre empregadores e empregados
que garanta uma repartição justa dos ganhos de produtividade ( a parte destinada aos
salários propiciarão melhorias nas condições de vida, aumento do poder de compra,
alargamento do mercado, acréscimo da produção e, consequentemente, maiores
lucros empresariais; a proporção atribuída aos empregadores aumentará a sua
capacidade de acumulação e de auto-investimento). Uma questão crucial relativiza-se
na não partilha do poder de gestão, que deve por inteiro pertencer aos empresários,
competindo aos sindicatos apenas discutirem condições de partilha dos ganhos de
produtividade;
- grande parte da produção se oriente para produtos estandardizados
(consumo de massa), como forma de constituir e alargar o mercado interno, de
aumentar a produtividade dos factores, de melhorar os lucros e de satisfazer
rapidamente o maior consumo possível;
- se acautelem os efeitos inflacionistas associados quer aos aumentos
bruscos na procura (consumo), quer aos investimentos na sua componente de
despesas imediatas.

A convergência entre a doutrina do FMI expressa na política de ajustamento


macroeconómico e o modelo de crescimento económico e de redução da pobreza
expresso anteriormente depende da natureza das políticas macroeconómicas de
suporte ao modelo, dos montantes de investimento público envolvidos na estruturação
dos sistemas de constituição do capital humano e da importância que os decisores
públicos - incluíndo o FMI - atribuírem ao ajustamento macroeconómico e ao combate
à pobreza.

Sobre a natureza das políticas de ajustamento macroeconómico começo por destacar


o que seria necessário para se viabilizar o modelo anterior nas suas duas
componentes inter-actuantes:
» estabilidade dos preços e correcção dos preços relativos,
» política monetária facilitadora da diminuição dos actuais índices de
ociosidade produtiva e do lançamento de novas actividades económicas geradoras de
emprego,
» política cambial penalizadora das importações de bens de consumo final,
» política fiscal marcadamente de fomento do investimento público nos
domínios agregadores da produção e estruturantes do capital humano,
» política aduaneira de protecção à criação do mercado interno,
» política comercial de facilitação da circulação de bens em todo o território
nacional.

Feito este destaque, passo à comparação entre as políticas de ajustamento


macroeconómico e as políticas de redução da pobreza pelo fomento das capacidades
produtivas e humanas nacionais:

138
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

POLÍTICAS ECONÓMICAS DE CURTO PRAZO


DOMÍNIOS DE INTER- POLÍTICAS DE CURTO POLÍTICAS ORTODOXAS JUSTIFICAÇÃO DAS
VENÇÃO PRAZO VOLTADAS PA- (FMI) DIFERENÇAS
RA DESENVOLVIMENTO
. redução gradual do . redução rápida do défice Políticas curto prazo pró-
défice fiscal . eliminação quase total do desenvolvimento procu-
. volume do défice entre défice (não mais de 2,5% rammanter/mesmo au-
POLÍTICA FISCAL 5% e 6% do PIB do PIB) mentardespesaspúblicas
MACRO . redução do défice por . ênfase colocada do lado sociais, económicas e de
acréscimo de receitas e das despesas sustentação do cresci-
melhoria das cobranças mento
tributárias
. ênfase na igualdade . ênfase na eficiência da As políticas de curto prazo
fiscal estrutura fiscal pró-desenvolvimento enfa-
. corte despesas militares . corte nas despesas tizam a redução das
e outras não prioritárias militares desigualdades fiscais e de
POLÍTICA FISCAL MESO . adiamento pagamento . pagamento integral do rendimento e colocam o
dosjuros da dívida pública serviço da dívida pública problema da dívida
. subsídios a bens . eliminação de todos os externa para ser resolvido
alimentares mais dirigidos subsídios dirigidos ou não no âmbito dum vasto rees-
à população pobre para a população pobre calonamento
. controlo mais flexível . controlo rígido do As políticas de curto
e dirigido do crédito crédito prazo pró-desen-
. evitarem-se taxas de . taxas de juro reais e volvimento procuram
POLÍTICA jurodemasiadoelevada positivas, independen- aumentar o investi-
MONETÁRIA . o sistema de crédito à temente do seu valor mento e realocar
economia a reger-se .nenhuma selectividade recursos para áreas
por áreas prioritárias do crédito mais carentes
. taxas de câmbio . taxas de câmbio de Alocação de divisas por
realistas,por vezes mercado prioridades e a prática
duais .dualidade não permi- de taxas duais podem
. alocação de divisas tida ter vantagens
POLÍTICA CAMBIAL por prioridades sectori- . alocação de divisas para o crescimento
ais integralmente pelos económico. Torna-se,
mecanismos de mer- porém, necessário ga-
cado rantir a sua transitorie
dade e o não desvio
para outros fins
. liberalização gradual e . liberalização total do Defesa das economias
selectiva comércio e dos preços nacionais a uma
.fomento das expor- . não são consentidas desregulamentação rá-
POLÍTICA DE tações de bens manu- selectividades nem pida e sem critério que
LIBERALIZAÇÃO facturados prioridades as colocaria numa po-
. fortalecimento dos sição subalterna face à
tecidos produtivos in- economia mundial
ternos
. controlo de preços de . eliminação de todos O controlo dos preços
produtos essenciais, os controlos de preços de produtos essenciais
suportado por políticas . pagamento dos visa garantir a segu
POLÍTICA DE de aumento da oferta serviços primários de rança alimentar das
PREÇOS . serviços primários de saúde e educação faixas populacionais de
saúde e educação menores rendimentos
gratuitos

Relativamente aos montantes de investimentos necessários para o combate à pobreza


as contas são as seguintes:

 o PNUD, no seu primeiro relatório sobre o desenvolvimento humano em


Angola (1997), refere serem necessários 1,6 biliões de usd para que
num período de 10 anos se tornem acessíveis serviços sociais básicos
à população pobre do país;
 ainda no mesmo relatório se ressalta que para incrementar o
rendimento dos pobres até a um limiar a partir do qual deixem de o ser,
serão necessários outros 1,6 biliões de dólares americanos para 10
anos; juntando os cálculos do PNUD chega-se a um montante anual de
362 milhões de dólares;

139
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 os meus cálculos dão valores mais avultados (porque considero como


determinante a formação do capital humano nacional) e estão
repartidos em:
- educação...... 15,0usd/hab................. 189,0 milhões de usd/ano
- formação...... 7,5usd/hab................. 94,5 milhões de usd/ano
- saúde............ 20,0usd/hab................. 252,0 milhões de usd/ano
- investigação. 5,0usd/hab................. 63,0 milhões de usd/ano
- total...............47,5usd/hab................ 598,5 milhões de usd/ano

Estará o Fundo Monetário Internacional aberto a aceitar estes investimentos, que


evidentemente podem ferir os equilíbrios macroeconómicos, nomeadamente em
termos de défice das contas do Estado159? Creio que a perspectiva do FMI, ao sugerir
ao Governo a elaboração duma estratégia de combate à pobreza para complementar
o programa de estabilização macoeconómica, é redutora, porque apenas irá consentir
acções de pequena envergadura financeira e de efeitos duvidosos sobre a destruição
das bases e dos fundamentos de reprodução da pobreza em Angola. Poderá
argumentar-se no sentido de que se as despesas militares forem confinadas em
níveis bastante inferiores aos actuais, se poderão produzir poupanças – os chamados
dividendos da paz – a serem encaminhadas para a redução sustentada da pobreza.

No entanto, e no quadro do Acordo Monitorado com o Fundo Monetário Internacional,


creio que não se ousará atribuir à redução da pobreza um peso relativo superior
(poventura, nem sequer mesmo igual) ao do ajustamento macroeconómico.

Poderiamos analisar a questão em apreço por outros ângulos. Por exemplo, o da


reconciliação e o da construção do Estado-Nação. Deixo apenas umas pequenas
anotações. Seguramente que a erradicação da pobreza pelo modelo de crescimento
apresentado é um factor de reconciliação nacional, de aproximação dos cidadãos, de
redução das desigualdades étnicas, sociais e regionais, no fundo, um dos fios
condutores para o Estado-Nação. O modelo de desenvolvimento endógeno para o
combate à pobreza é mobilizador e pode ser de consenso nacional. Decidir por
investimentos de grande envergadura para se atacar o problema da pobreza é,
concerteza, optar por uma prioridade a quem sempre esteve por dentro da crise
económica e social e arcou com todos os sacrifícios que se expressam numa situação
de carência geral de condições de vida mínimas.

4.- ESTRATÉGIAS DE REDUÇÃO DA POBREZA EM ANGOLA: OS CONTEÚDOS E


AS POLÍTICAS
(Palestra apresentada na Semana Angolana de Estatística, de 18 a 23 de Novembro de 2000)

A pobreza e a exclusão social são hoje fenómenos de incidência mundial, ocorrendo,


inclusivamente em economias desenvolvidas e modernas. Que causas poderão
explicar a ocorrência frequente de fenómenos de empobrecimento das populações,

159
Naturalmente que montantes de despesas sociais desta envergadura são exigentes em matéria de gestão
e controlo orçamental, no sentido de se conseguir a máxima eficiência. O problema, então, não estará
localizado no défice orçamental – desde que contido em limiares compatíveis com a capacidade de
absorção da economia (desencadeamento dos efeitos multiplicadores reconhecidos) – mas no modo como
é financiado. Ao pretender-se um financiamento não inflacionário, apenas se deverá contar com duas
fontes, a saber, o aumento dos impostos e a criação de dívida.

140
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

quase sempre acompanhadas de exclusão social? Evidentemente, que não serão


únicas, muito embora se possam alinhar algumas de natureza universal.

Alguns investigadores sociais e políticos associam os fenómenos de depauperação


das populações à exaustão do paradigma da Economia Mista de inspiração
keynesiana, o qual, perante o ultraliberalismo e a globalização associada, deixou de
fornecer as saídas que durante as décadas de 50, 60 e parte de 70 contribuíram para
o que ficou conhecido como a época dourada do capitalismo, com taxas elevadas de
crescimento económico, baixa inflação e desemprego reduzido. Em situações onde a
convergência entre aqueles indicadores – que como se sabe são os utilizados para se
medir a performance das economias – é total são pouco prováveis situações de
pobreza, uma vez que o crescimento multiplica as oportunidades de emprego e as
políticas redistributivas asseguram uma melhor distribuição do rendimento e da
riqueza. O esgotamento ou pelo menos a saturação do paradigma da Economia Mista
talvez não tenha tanto que ver com as suas virtualidades ou defeitos, mas sobretudo e
de acordo com determinadas correntes do pensamento económico, com a contradição
entre globalização e autonomia das políticas económicas nacionais. O
intervencionismo do Estado para fazer a gestão da procura agregada da economia, o
planeamento económico e a redistribuição do rendimento encontram fortes limitações
no carácter essencialmente aberto das novas políticas económicas de pendor liberal.

Esta evolução dos paradigmas da política económica tem uma importância marcante
para países como Angola, assolados por disfuncionalidades políticas e sociais, de que
a guerra e as suas consequências são as mais evidentes, e por crises de crescimento
que afectam a geração de empregos, reduzem as capacidades de multiplicação dos
rendimentos e contribuem para a afirmação da pobreza e da exclusão social.

Mas a grande questão relacionada com a pobreza é a do desenvolvimento. Fala-se


em desenvolvimento num sentido preciso: a participação do maior número possível de
cidadãos na produção, no emprego e na discussão das opções futuras de vida. A
óptica do desenvolvimento explicita a equidade como vector determinante das
escolhas públicas. O crescimento releva a eficiência como preocupação capital da
organização da economia e do funcionamento dos mercados. Aliás, esta dicotomia
eficiência/equidade, amplamente debatida na ciência económica, é determinante da
escolha dos modelos concretos de crescimento e de desenvolvimento. A eficiência é
procurada pela via das reformas económicas que desobstruam os mercados e
fomentem a concorrência, enquanto que a equidade tem na programação do
desenvolvimento e na intervenção do Estado os elementos para a sua afirmação
positiva e não contraditória. Mas como se sabe, é extremamente difícil conciliar
eficiência com equidade e a sua obtenção é sempre relativa e situa-se, claramente, no
que a teoria económica considera de “óptimos de segundo grau”.

O que deve ser prioritário em Angola? A eficiência ou a equidade? São conhecidas as


condições de vida da população angolana. Cerca de 70% é considerada pobre e mais
de 20% em condições de pobreza absoluta – menos de 1 dólar por dia para
sobreviverem. A opção impensada pela eficiência a todo o custo seguramente que
agravará a condição de pobreza e incrementará a de exclusão social. Uma preferência
acrítica pela equidade a qualquer preço facilitará aplicações menos rendíveis dos
recursos económicos e poderá ter efeitos perversos sobre a competitividade da
economia nacional. Entende-se, portanto, que a escolha dos modelos de crescimento,
das estratégias e das políticas apresenta uma base de partida extremamente difícil.

Mas para Angola há um elemento adicional a ser considerado nas escolhas públicas: o
cultural. O desenvolvimento para que aconteça tem de estar culturalmente assimilado,
não pode ser imposto, tem de ser sentido como uma necessidade crucial e social.

141
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

O conceito de desenvolvimento, por mais que se insista ao nível de determinadas


instituições internacionais e de certas correntes do pensamento económico, não é,
ainda, universal. E não o é porque a cultura não é, nem poderá ser, universal. De
resto, creio que neste processo intenso de globalização da economia, a cultura – ou as
diferentes culturas se se preferir – é a última fronteira das Nações, a que permitirá
diferenciar os povos e preservar as suas identidades. Se assim é, torna-se necessário
investigar sobre as formas de conciliar cultura tradicional – a predominante em Angola
– com modernidade, a característica mais enformante dos modelos de
desenvolvimento ocidentais.

Postas estas considerações – cuja intenção foi a de, apenas, mostrar as dificuldades
com que o processo de decisão sobre as políticas públicas se debate em qualquer
parte e que se encontram agravadas em Angola nas actuais condições – vejamos que
perspectivas existem para o desenvolvimento económico no país.

A ideia central do meu raciocínio é simples, mas expressa bem o conteúdo do tema.
Creio ser perfeitamente possível – para além de desejável – duplicar o produto interno
bruto per capita num período de 10 anos. E o meu optimismo fundamenta-se em
constatações básicas: a primeira, radica na excessiva capacidade ociosa existente –
medida, quer pela elevadas taxas de desemprego da força de trabalho, quer pelos
reduzidos índices de utilização das capacidades produtivas instaladas – a segunda,
nas dinâmicas internas que têm estado adormecidas, mas que necessitam apenas
dum projecto de sociedade no qual se revejam e de estímulos concretos e reais à sua
actividade, a terceira, nas reformas económicas e institucionais em curso – e que
poderão ter consequências assinaláveis sobre a eficiência da economia nacional – a
quarta, no crescente interesse dos investidores externos e, finalmente, no abrangente
clima de democracia e liberdade que despoleta as iniciativas e energias privadas.

O que será necessário para que a duplicação do produto interno per capita ocorra em
10 anos? Naturalmente que a primeira condição é a dum plano nacional de
desenvolvimento pós-conflito a médio prazo que sirva de elemento catalisador das
iniciativas privadas e de convergência de interesses entre as classes sociais. Um
plano económico cuja vertente política básica seja a reconciliação nacional, sem a
qual as intenções de equidade terão poucas chances de se verificar.

Mas a duplicação do produto médio por habitante tem outro tipo de implicações, a
saber:
 a taxa de crescimento demográfico se mantenha nos seus níveis actuais;
 a taxa de crescimento do PIB tem de apresentar uma dinâmica de evolução
média anual de 10,3% (alguns analistas angolanos de credibilidade
comprovada sustentam, mesmo, que uma taxa anual de crescimento do
PIB de 15% não é despropositada, tendo em atenção as potencialidades
existentes); devo referir que o Governo angolano tem estado a definir novas
estratégias sectoriais para a agricultura, a indústria, os transportes, o
comércio, a electricidade e as infraestruturas mais adequadas à iniciativa
privada, à captação de investimento estrangeiro directo e à recuperação e
modernização do tecido produtivo nacional;
 as reformas económicas e institucionais têm de conduzir a uma
estabilidade económica sustentada, com particular incidência nos preços
dos factores e dos bens;
 as taxas de investimento se situem em níveis compatíveis, provavelmente,
não mais do que 2,5 vezes acima das actuais, o que não é exagerado,
tendo em conta as baixas taxas de investimento que ocorreram no passado
recente.

142
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Qual efectivamente o papel do Estado em Angola, num contexto em que praticamente


toda a infraestrutura produtiva e económica está destruída, a economia não petrolífera
está marginalizada dos fluxos internacionais de trocas e investimentos, o desemprego
atinge cifras assustadoras e as carências sociais são gritantes? As políticas
interventoras do Estado terão de ser configuradas de tal maneira que sejam o
resultado dialéctico das causas da crise que assola o país, das doutrinas mais ou
menos liberalizantes do funcionamento da economia, dos compromissos
internacionalmente assumidos e dos anseios das populações, tarefa que,
convenhamos, não é fácil de executar e muito menos de sintetizar.

A pobreza é uma das grandes preocupações, entre tantas outras, da sociedade civil
angolana. Não só por razões de ordem moral e dos direitos humanos. Mas também,
porque este fenómeno significa a subtracção de enormes recursos ao
desenvolvimento interno. A existência dum índice de pobreza estimado em cerca de
70% da população total do país tem como consequência económica imediata a
redução do Produto Interno Bruto numa proporção correspondente a essa fatia
populacional ponderada pela respectiva produtividade. Assim sendo, a amenização
substancial da incidência da pobreza deve ser um dos objectivos estratégicos da
governação, numa estratégia geral de recuperação da economia e de reabilitação dos
valores essenciais da sociedade, como a reconciliação nacional e a solidariedade
humana.

Depois destas palavras todas – eventualmente sem grande sentido prático quando
enquadradas nos problemas reais da maioria dos cidadãos, provavelmente remetidas
para o sótão das teorias por quem costuma ter medo dos debates de ideias, quiçá sem
grande oportunidade num seminário em que a estatística é o tema central – fica por se
saber a ligação entre a pobreza (suas estratégias e políticas de reversão e
erradicação) e a produção de informação. É justamente disso que os parágrafos
seguintes se propõem tratar.

Não será suficiente, do meu ponto de vista, definir um conjunto de políticas e de


programas de investimento – ainda que coerentes e compreensivos entre si – para se
atacar, com profundidade, o problema da pobreza no país. Tão fundamental quanto
isso – partindo da assunção de que existe efectiva vontade política para combater a
pobreza – é o monitoramento da estratégia que vier a ser definida. Um observatório
sobre a pobreza deve ser constituído no Instituto Nacional de Estatística integrando
três tipos de indicadores.

O primeiro parte da hipótese de que o crescimento económico é o antídoto mais eficaz


e sustentável de combate à pobreza e é constituído por indicadores desfasados, ou
seja, indicadores que agregam variáveis que reagem posteriormente às variações da
actividade económica. Estes indicadores são sobretudo utilizados para se confirmarem
pontos de viragem. O indicador mais usual é o desemprego: sua expressão (taxa de
desemprego) e sua duração (desemprego temporário ou de longa duração). Podem
ser adicionados a variação no número de beneficiários da segurança social (subsídio
de desemprego), a incidência sectorial e espacial do desemprego e a especificação
do desemprego por grupos populacionais de risco (deslocados, desmobilizados,
mutilados de guerra, etc.). A razão de centrar este grupo de indicadores no
desemprego é porque considero o emprego como a variável estratégica para o
combate à pobreza numa perspectiva sustentável de longo prazo.

O segundo grupo, designado por indicadores coincidentes, agrega variáveis que


reflectem a situação corrente da pobreza no país. Destaco deste grupo a taxa de
escolarização, a taxa de analfabetismo e a taxa de acesso aos cuidados primários de
saúde. A indicação destas variáveis pressupõe, como é evidente, que as mesmas

143
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

serão tomadas em consideração na estratégia geral de redução da pobreza e aí se


expressem por projectos e acções concretas. Mas há um destaque muito particular
neste grupo de indicadores coincidentes: o índice de preços no consumidor. Como se
sabe a inflação é particularmente dilacerante para os pobres, afectando, de modo
radical, os seus rendimentos e os mecanismos de distribuição da riqueza nacional em
cada ciclo da sua constituição. Por isso talvez fosse aconselhável destacar do actual
IPC produzido pelo INE dois sub-índices, um centrado no consumo privado básico,
aonde se incluiriam as classes alimentação, vestuário, petróleo, água e transportes e
um outro focalizado em certos consumos sociais, como despesas de saúde e de
educação. Com semelhante intenção – qual seja, a de acompanhar mais de perto os
impactes das políticas, projectos e acções da estratégia geral de redução da pobreza
– poderiam ser construídos índices de preços no consumidor por zonas de maior
incidência da pobreza, como o são as do interior (Malange, Lundas, Moxico, etc.).

Finalmente, um terceiro grupo de indicadores, designado de indicadores avançados, e


que agregam variáveis que poderão antecipar o comportamento futuro da pobreza.
Relevo deste grupo de variáveis o volume global do investimento público, o
investimento público em educação e saúde (destacando-se o tempo de maturação
previsto – construção, equipagem, organização e entrada em funcionamento), as
intenções de investimento privado (sectores de actividade, zonas geográficas de
implantação, provável emprego a criar), evolução esperada da actividade na indústria
transformadora (inquéritos de opinião junto dos empresários), licenças de construção,
etc. Se estas variáveis forem devidamente monitoradas é possível antecipar de pelo
menos seis meses o comportamento provável da pobreza.

Muito se tem escrito e, eventualmente, estudado sobre as causas da pobreza em


Angola. Provavelmente a última palavra sobre esta matéria ainda não terá sido dada,
tão complexa é a situação económica e social do país. Do que efectivamente há
certeza – comprovada inclusivamente por investigações internacionais – é que sem
crescimento económico, sustentável e equitativo, não estarão criadas as condições
fundamentais para a erradicação da pobreza. Do que se sabe, comprovadamente, é
que a educação, a formação profissional, a saúde e outras acções de melhoria
qualitativa dos recursos humanos são de capital importância para a redução da
pobreza. E se assim é de facto – evidências empíricas não faltam – então volta-se a
colocar o papel do Estado nesta economia concreta: é a si que deve competir,
seguramente em consonância com a sociedade civil angolana e com a comunidade de
parceiros económicos do país, o essencial da recuperação dos fundamentos da
economia – para utilizar a terminologia consagrada por Jan Tinbergen – em termos
físicos, materiais , morais e institucionais.

5.- A POBREZA ENQUANTO CONSTRANGIMENTO AO DESENVOLVIMENTO


(Comunicação apresentada ao Ciclo de Conferências da Fundação Sagrada Esperança
sobre “Os Grandes Desafios de Angola para os Próximos Dez Anos”, 14-16 de Novembro
de 2000)

INTRODUÇÃO

Talvez nunca como nos tempos que correm um fenómeno social tivesse tão grande
incidência mundial como a pobreza. A condição de pobreza é capaz de afectar hoje
mais de um quarto da população mundial, com particular relevância para os países em
vias de desenvolvimento. No entanto, a partir da segunda metade da década de 80 a

144
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

pobreza deixou de ser um fenómeno exclusivo dos países menos desenvolvidos,


registando-se situações catastróficas mesmo nos países desenvolvidos e que afectam,
sobretudo, as minorias étnicas e raciais.

A pobreza provoca, de imediato, a exclusão social, uma vez que a ausência de


instrução e de rendimento impede o acesso aos direitos materiais e imateriais
facultados por uma sociedade. Assim sendo, quanto maior a percentagem de pobres
maior será a subtracção de recursos humanos ao processo produtivo e,
consequentemente, menor a capacidade de criação de riqueza nacional.

A pobreza e a exclusão social aprecem relacionadas, em termos da sua génese


mundial, com o declínio no final dos anos 70 do paradigma da Economia Mista de
inspiração keynesiana. Este paradigma da política económica estabelecia, como
fundamentos da sua intervenção, o reforço da actividade redistributiva do Estado
(Welfare State), a gestão da procura agregada por parte do Estado e o planeamento
económico como instrumento de orientação da afectação dos recursos económicos. O
paradigma da Economia Mista foi fortemente atingido pela explosão do ultra-
liberalismo económico, que deu origem à crescente globalização da economia. Deixou
de ser possível regular uma economia, cada vem mais internacionalizada, através dum
aparelho político nacional, fraco e fragmentado. Defende-se, mesmo, que com o
ultraliberalismo – de que a globalização é a sua expressão mundializada – se assiste à
destruição da capacidade das sociedades agirem por si e sobre si próprias, ou seja,
assiste-se à própria destruição da democracia. Aliás, a pobreza é, por si só, um
atentado à democracia, não apenas porque representa uma violação dos direitos
humanos, mas, também, no sentido do não respeito de direitos económicos e sociais
elementares.

Têm sido apontadas diversas causas para a pobreza em Angola. O Relatório sobre o
Desenvolvimento Humano em Angola (PNUD, 1997) refere que a pobreza é o
resultado de uma “combinação de factores históricos, políticos, guerra, ecológicos,
demográficos, administrativos e sócio-económicos”, ou seja, tudo neste país é uma
causa da pobreza das suas populações. Com uma visão tão geral – porventura
correcta porque no fundo tudo condiciona tudo em economia – a probabilidade de se
encontrarem as políticas de erradicação mais eficazes é menor.

A guerra é evidentemente uma disfuncionalidade política e social que justifica bastante


da pobreza, particularmente em termos das suas consequências sobre os modos de
produção mais tradicionais e sobre sistemas sociais frágeis.

Há uma abordagem da génese da pobreza que não é vulgar ser considerada, mas que
entendo ter alguma verosimilhança para o país. A pobreza no mundo tem sido o
produto dum movimento dialéctico de integração e de exclusão económica num
contexto de globalização da economia. Integração no sentido duma crescente
participação na dinâmica de crescimento mundial. Exclusão numa perspectiva de
marginalização nos fluxos mundiais de trocas, investimento e financiamentos, em que
um dos sintomas para os países em vias de desenvolvimento é a dependência em
relação à Ajuda Pública ao Desenvolvimento. Angola tem sido “vítima” deste
movimento contraditório. A sua economia petrolífera tem participado do movimento
integrador, com uma dinâmica de crescimento e uma performance económica
comparáveis às das economias-locomotoras do processo de globalização. Na outra
economia – ou como já alguém se referiu como sendo a “economia para cá do
petróleo”160 – o fenómeno dominante é o da exclusão e marginalização da economia

160
PACHECO, Fernando – Para Cá do Petróleo: a Agricultura Angolana em Questão, Ciclo de Palestras
“Angola vista pelos angolanos” da Alliance Française, Janeiro de 1998.

145
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

mundial. Esta outra economia é não apenas periférica da economia petrolífera – esta
sempre se colocou numa posição de sobranceria económica face ao resto da
economia nacional, atitude justificada pela sua lógica de funcionamento assente no
dólar e facilitada pelas condições contratuais concedidas pelo Estado -, como, e num
sentido mais profundo, da economia mundial. Uma periferização facilitada e agravada
pelas consequências da guerra – deve sublinhar-se que a economia não-petrolífera foi
a única vítima do conflito militar interno – pela persistência de especializações
produtivas herdadas do período colonial e pouco adaptadas à procura mundial e por
um modelo de gestão macroeconómica pouco ajustado às grandes mutações
iniciadas em meados da década de 80. A falta de capacidade de funcionamento e de
adaptação da economia não-petrolífera provocou situações graves de depauperação
da população e de decomposição social da família e de outras instituições nucleares
da sociedade. Foi por aqui que começaram os fenómenos de exclusão social, como a
falta de cidadania, o insucesso escolar, o desemprego, a prostituição, as crianças de
rua e a economia paralela. O sector informal é, talvez, o resultado mais evidente da
contradição entre integração e exclusão da economia nacional à escala mundial,
facilitada e potenciada pelo seu sector petrolífero.

Em contextos desta natureza – ou seja, de economias nacionais desarticuladas, em


que algumas das suas componentes são periféricas dos sectores mais estruturados e
competitivos e integrados na economia mundial – a abertura das economias pode,
ainda mais, agravar a desintegração social interna. O mecanismo concorrencial
constitui, regra geral, um jogo de soma nula, traduzido por uma redistribuição de
partes do mercado. A integração de novos países na dinâmica capitalista mundial pela
via da concorrência pode suscitar fenómenos de exclusão maciça em regiões de
industrialização antiga com dificuldades de reconversão.

Assim sendo, pode-se, em certa medida, considerar que a economia petrolífera


nacional é uma das partes do problema da pobreza no país:

 pela forma como se estabeleceu no país depois da independência, com


uma série de condições vantajosas para os investimentos das
concessionárias e um modelo completamente virado para o exterior;
 pelos efeitos de atrofiamento que exerceu sobre a economia não-
petrolífera, traduzidos na política do dinheiro fácil, que possibilitou taxas de
câmbio sobrevalorizadas, importações em excesso, aumento desmesurado
do sector público administrativo e do sector público empresarial,
financiamento duma guerra eterna, desperdício na utilização de recursos e
destruição do tecido produtivo interno. Curiosamente o “dinheiro fácil” não
foi aplicado na reconstrução/construção de infraestruturas, salvo algumas
de balanço custo/benefício discutível.

O Estado encontra-se numa posição fragilizada perante as multinacionais do petróleo


em Angola (depende da sua actividade para financiar a guerra), não estando, por
conseguinte, em posição de colocar exigências mais consentâneas com o sistema
económico nacional. A expectativa existente é a da obtenção de crescentes receitas
fiscais e bónus de outra natureza, rendimentos que têm sido inconsequentes em
termos de criação de empregos, embora com algum peso no eventual alívio dos
desequilíbrios das contas internas e externas.

A dimensão da pobreza no país pode ser avaliada, numa abordagem imediatista, pelo
montante de investimentos a realizar para o seu alívio a longo prazo. O PNUD (1997)
calcula o esforço financeiro em 3,2 biliões de dólares norte-americanos para que em
dez anos se pudessem apresentar reduções aceitáveis nos índices de privação da
população: 1,6 biliões de dólares americanos para se tornarem acessíveis serviços

146
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

sociais básicos a toda a população e 1,6 biliões para se reduzir o hiato entre o
rendimento anual dos pobres e o rendimento mínimo a partir do qual deixariam de o
ser. Outros analistas e investigadores vão mais longe ao estimarem volumes anuais de
investimento da ordem dos 500 milhões de dólares só para a constituição do capital
humano. Estima-se entre 64,5% e 70% da população do país está em situação de
pobreza, dos quais 78% em áreas rurais e 40% em áreas urbanas161

Numa perspectiva de conhecimento profundo e generalizado do fenómeno, três


universos populacionais deveriam ser considerados, a saber, o universo urbano, o
universo rural e o universo dos deslocados de guerra. Os deslocados de guerra
constituem um universo populacional muito interessante. São amplamente conhecidos
os movimentos sociais que na Europa Ocidental se têm organizado para chamar a
atenção para os diferentes aspectos da exclusão social. São os movimentos dos
“sem”: sem emprego, sem abrigo, sem papéis, etc. Justamente a população deslocada
de Angola reúne em si mesma todas estas características dos movimentos dos “sem”,
porquanto, a um tempo, os deslocados não têm abrigo (habitação condigna, claro),
não têm emprego e, na maior parte dos casos, não têm papéis. Acrescem, no entanto,
outros aspectos: não têm dinheiro nem meios de o obter, não têm instrução e não têm
saúde. Por isso defendia a necessidade de, numa abordagem convergente da análise
da pobreza no país, este universo merecer uma atenção particular.

O combate consequente contra a pobreza passa pela aplicação de estratégias


integradas em diferentes domínios – de resto já referidos na secção anterior – e que
devem destacar o aumento da produtividade, a melhoria das condições de vida das
populações e a geração de rendimentos.

Estas estratégias subentendem um princípio importante, qual seja, o da devolução ao


emprego e à produção duma prioridade que, no passado foi subvalorizada pela
sobrevalorização cambial e actualmente, está a ser confiscada pelos domínios
monetários e financeiros. Para se combater consequentemente a pobreza é
necessário aumentar o consumo interno, distribuir poder de compra (por intermédio do
abaixamento de determinados impostos, do controle da inflação em níveis baixos e
estabilizados, da estatuição do salário mínimo e do reforço voluntarista das actividades
geradoras de rendimento) e apostar no capital humano nacional.

A pobreza é tida como uma condição caracterizada pela privação de necessidades


fundamentais em termos de alimentação, água e saneamento básico, habitação,
saúde e educação e pela falta de meios e oportunidades para as satisfazer. O já citado
relatório do PNUD (1997) aponta para um índice geral de privação em Angola de 59%,
com assinaláveis diferenças regionais:

Regiões Esperança de vida (anos) Índice de privação humana


Angola 42 59,0
Angola urbano 44 53,2
Angola rural 41 64,2
Luanda, Bengo, Cabinda 44 52,9
Zaire, Uíge, Malange 42 63,3
Lundas, Moxico 42 68,2
Benguela, Kuanza-Sul 44 57,5
Huíla, Cunene e Namibe 42 62,6
Huambo, Bié, K. Kubango 42 62,8
Fonte: Relatório sobre o Desenvolvimento Humano em Angola, PNUD, 1997

161
Conforme INE – Poverty Alleviation Policy, Pursuing Equity and Efficiency, 1998 .

147
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Confirmam-se as desigualdades em termos de crescimento económico e


oportunidades de o aceder e a existência de autênticas regiões de risco, que
aconselham, desde já, a que qualquer estratégia concreta de erradicação da pobreza
contenha políticas económicas claras de vertente regional e mesmo local.

APRESENTAÇÃO SUMÁRIA DOS RESULTADOS DUM ESTUDO INTERNACIONAL SOBRE OS


FACTORES DE REDUÇÃO DA POBREZA

A preocupação pela pobreza é universal. Quer em termos de realidades nacionais,


quer numa perspectiva mundial. E esta preocupação é razoável, porque se sabe que a
pobreza significa a subtracção de enormes potencialidades ao desenvolvimento
económico nacional e mesmo numa perspectiva de inter-relações económicas entre as
Nações – países pobres não contribuem para a intensificação das trocas
internacionais. Mas também porque moralmente é condenável, num contexto de
igualdade de oportunidades e de redistribuição justa do rendimento. Mas, ainda,
porque a pobreza incomoda os ricos: “há poucas dúvidas de que a penúria dos pobres
afecta, de facto, o bem estar dos ricos. A verdadeira questão é se esses efeitos devem
entrar no conceito de pobreza como tal ou se deveriam figurar nos possíveis efeitos da
pobreza.”162.

Mas é curioso verificar que mesmo em estudos apoiados por instrumentais analíticos e
metodológicos considerados isentos, a vertente ideológico-doutrinária aparece como a
determinante, em última instância, do modo como as pesquisas são organizadas e
efectivadas, da escolha das variáveis a serem observadas, da definição das amostras,
etc.

Perante a crescente onda de críticas ao ultra-liberalismo económico, responsável, para


algumas correntes de pensamento, pelos fenómenos de exclusão social e de pobreza
que se verificam em toda a parte, incluindo os países mais desenvolvidos, os
defensores do liberalismo económico e da redução/eliminação da intervenção do
Estado na economia procuram demonstrar que determinados factores, de natureza
liberal e liberalizante, têm consequências positivas sobre a redução da pobreza.
Alguns destes resultados têm levantado dúvidas, nomeadamente em sistemas
económicos e sociais desarticulados e frágeis e onde o entremetimento sobre a
pobreza depende, em primeiro lugar, da actuação do Estado e só depois da
intervenção dos mecanismos de mercado.

Todavia, existem dois factores sobre os quais a unanimidade é total num quadro de
interactividade e de inter-relacionamento fortes com a pobreza: o primeiro é o
crescimento económico, do qual depende o aumento da actividade económica, a
capacidade de geração de empregos e a possibilidade de se multiplicarem os
rendimentos. Todas estas consequências do crescimento económico actuam
favoravelmente sobre a redução da pobreza por razões evidentes. Uma questão que
fica, no entanto, em aberto é o modo como este crescimento se processa, ou seja, a
qualidade do crescimento. Não são poucos os casos por esse mundo fora em que o
crescimento económico tem sido feito com alargamento do desemprego e
aprofundamento das desigualdades.

O segundo factor é a inflação. É por demais evidente que as disfuncionalidades nos


sistemas de preços, quando permanentes e de alta intensidade, limitam o crescimento
económico, inviabilizam o investimento produtivo, ampliam o investimento especulativo
e abrem brechas irremediáveis na distribuição dos rendimentos. Consequências

162
Amartya Sen, Prémio Nobel da Economia de 1998 – Pobreza e Fomes, Terramar, 2000.

148
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

evidentemente nefastas para os pobres e para as estratégias que procuram reduzir a


incidência dos fenómenos de privação humana e de exclusão social.

São estas – e outras – as questões que David Dollar e Aart Kraay do Grupo de
Pesquisa para o Desenvolvimento do Banco Mundial trabalharam num estudo
realizado sobre informações quantificadas de 80 países em diferentes estádios de
desenvolvimento e cobrindo quatro décadas, num total de observações
estatisticamente aceitável. O estudo é, enfaticamente, intitulado “Growth is Good for
the Poor” e foi publicado em Março do corrente ano.

As preocupações de partida que os autores consideraram como relevantes para a sua


pesquisa foram:

 a relação entre o rendimento médio dos pobres e o crescimento económico


em geral;
 as eventuais perturbações nesta relação, introduzidas pelas diferenças de
níveis de desenvolvimento entre os países e pelas crises de crescimento;
 a relação entre grau de abertura das economias – relacionado com as
políticas de liberalização do comércio internacional – e redução da pobreza
pelo viés do crescimento económico;
 a existência de políticas não necessariamente pró-crescimento (traduzidas
por variáveis como o nível de despesas do Estado, despesas sociais do
Estado, etc.), mas com importância para os rendimentos dos pobres; o
estudo desta questão proporcionou resultados surpreendentes,
particularmente para quem tem da intervenção do Estado uma visão
exageradamente social e quase idílica.

Outros aspectos foram, igualmente, levados em consideração pelos investigadores


citados, mas com relevância menor, como, por exemplo, a transparência, os sistemas
judiciários, etc.

As conclusões mais relevantes – e que sinteticamente as apresento de seguida em


quadros mais sugestivos – são:

 na esmagadora maioria dos casos estudados a correlação entre aumento


do rendimento médio dos pobres e crescimento económico, simbolizado
pelo rendimento per capita nacional, é fortemente positiva, tendo-se
encontrado situações em que o aumento médio anual do rendimento dos
mais pobres se situou nos 2%;
 também para uma significativa maioria das situações observadas, as
variações no rendimento médio dos mais pobres são explicadas em 80%
pelas variações no rendimento médio global, sendo os 20% restantes
devidos a diferenças na distribuição do rendimento;
 em situações de crise económica e particularmente nos países em
desenvolvimento, a queda do rendimento médio dos pobres está mais
relacionada com a inexistência/fraqueza dos sistemas de segurança social
do que propriamente com a recessão da actividade económica;
 determinadas instituições e políticas – tais como macroestabilidade,
disciplina fiscal/orçamental, abertura da economia e sistema judiciário –
foram identificadas como pró-crescimento e em grande número de casos
com impacto sobre o rendimento médio dos pobres, embora com diferentes
tonalidades;

149
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 a globalização – aproximadamente medida pela abertura das economias –


tem, na opinião daqueles investigadores, efeitos, geralmente positivos
sobre o rendimento médio dos pobres;
 a educação primária apresenta efeitos positivos sobre o crescimento, mas
pouco perceptíveis sobre a distribuição dos rendimentos, o que beneficiaria
os pobres;
 as despesas sociais do Estado apresentam uma muito ténue relação com o
crescimento económico e com a distribuição do rendimento, o que para os
autores talvez se fique a dever à sua deficiente programação e gestão
(identificação dos melhores projectos, modalidades de financiamento).

Uma reflexão particular deve ser feita em relação às conclusões que os autores
retiram quanto aos efeitos da globalização sobre o rendimento dos pobres. E o
essencial dessa reflexão é-me dada por recentes declarações de Joseph Stiglitz (ex-
economista chefe do Banco Mundial): “… a agenda da liberalização comercial é feita
numa relação muito desequilibrada. A agenda é definida pelos países desenvolvidos
com base nos seus interesses. Após o último ciclo de negociações, o Uruguay Round,
a África Subsariana ficou em pior situação do que estava. Houve liberalização
comercial para os produtos que os países desenvolvidos queriam exportar, mas não
para as exportações de produtos agrícolas, entre os quais estavam os produzidos
pelos países subdesenvolvidos. A liberalização dos serviços financeiros é do interesse
dos Estados Unidos, mas não é prioridade dos países subdesenvolvidos. Assuntos
relacionados com a propriedade intelectual, do interesse dos EUA, foram discutidos,
mas não o foram assuntos do interesse dos países em desenvolvimento. Tudo
aconteceu de forma desnivelada. O segundo aspecto crítico refere-se ao ritmo da
liberalização. A teoria da liberalização comercial diz que os países devem reafectar os
recursos para obter vantagens comparativas, devem mover recursos de aplicações de
baixa produtividade para outras de elevada produtividade. Infelizmente, em muitos
casos, esta teoria é desprezada. A deslocação de recursos para aplicações de
elevada produtividade implica que se criem empresas. Para isso é necessário que
hajam empresários, uma vez que o processo de destruição de empregos associado à
globalização ocorre a uma velocidade superior à da criação de empregos em novas
áreas. Uma curiosidade particular dos programas do FMI é a de se querer liberalizar e
subir as taxas de juro. Com altas taxas de juro não se podem criar empregos e o
desemprego começa a disparar. Ou seja, com estas receitas, deslocamos recursos de
actividades de produtividade baixa para outras de produtividade zero. Há um grande
contraste. Por exemplo, nos Estados Unidos o resultado da liberalização comercial foi
uma taxa de desemprego de 4%. Eles movem recursos de baixa produtividade para
produtividade elevada. O desemprego é, pode dizer-se, zero. Em África, o
desemprego subiu, nalguns casos, de 25% para 30%, o que corresponde à
deslocação de pessoas de trabalhos de baixa produtividade para outros de
produtividade zero.”163

163
Joseph Stiglitz, Saí do Banco Mundial para poder falar, Economia Pura nº 26, Julho de 2000.

150
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Os quadros seguintes sumariam o essencial da pesquisa.

TABLE 1: PRO-GROWTH POLICIES AND THE POOR


(Dependent variable is ln (per capita income of the poor))
Indep.variables (1) (2) (3) (4) (5)
ln(per capita in 1.055 1.063 1.021 1.042 1.104
come)
(Exports+Impo- 0.004 -0.004
ts)/GDP
ln(1+inflation) -0.134 -0.021
Government 0.0001 0.0005
Consuption/
GDP
Rule of law 0.005 -0.041
Nº observations 213 232 214 235 210
Source: David Dollar and Aart Kraay, Growth is good for the poor, World Bank, 2000
Verifica-se, portanto, que as conclusões anteriormente avançadas se encontram,
neste quadro, devidamente quantificadas, sendo de destacar que o crescimento
económico é a variável que se manteve em observação permanente em todas as
amostras e que a sua influência no comportamento do rendimento médio dos pobres
é, na verdade, assinalável. O mesmo se verifica relativamente à inflação, em que os
seus efeitos são claramente perversos sobre o rendimento dos pobres.

Deve chamar-se a atenção para o facto de que, para algumas variáveis explicativas, o
sinal do respectivo parâmetro de correlação mudar quando todas foram
simultaneamente consideradas (última coluna). Prováveis efeitos de “trade off” entre
elas podem ter ocorrido.

Outras variáveis sociais, institucionais e políticas foram, igualmente, consideradas


nesta pesquisa, sendo disso que o quadro dois trata. Gostaria, porém, de assinalar
que os autores deste estudo pretenderam avaliar a eficácia de políticas sociais “de per
se” no combate à pobreza, tendo para isso correlacionado as respectivas variáveis
explicativas com o rendimento per capita dos pobres em dois cenários diferentes, um
com ausência de políticas concretas de crescimento económico, e outro com a
prevalência deste tipo de políticas – vale a pena lembrar que para Dollar e Kraay
políticas de crescimento têm a ver com reformas estruturais de mercado, como a
liberalização, a privatização, a abertura da economia, a transparência fiscal e a
estabilidade macroeconómica.

TABLE 2 : PRO-POOR POLICIES AND THE POOR


(Dependent variable is ln(per capita income of the poor))
Indep.variables Without growth policies With growth policies
ln(per capita 1.006 1.138 1.126 1.101 1.225 1.201
income)
Democracy 0.058 0.069
Social spen- -1.027 -0.509
ding/total spd.
Primary enrol- -0.091 -0.07
Lment
Nºobservations 233 105 205 208 103 193
Source: David Dollar and Aart Kraay, Growth is good for the poor, World Bank, 2000

A conclusão geral a tirar é que as políticas sociais de combate à pobreza são muito
mais eficazes no contexto duma política económica virada para o crescimento. Prova-
se, assim, que o combate à pobreza não se pode centrar apenas em variáveis sociais,
tendo de ser abrangente e compreensivo, e daí o coeficiente da variável social por
natureza passar de –1.027 para –0.509 (praticamente um ganho de eficácia de 2), a
demonstrar que com adequadas políticas de crescimento os aspectos sociais se
tornam mais rendíveis.

151
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Permanece, no entanto, por compreender o valor negativo do parâmetro de regressão,


assim como não é aceitável, mesmo em contexto de crescimento, o valor negativo
atribuído à educação primária.

Um último quadro estabelece, de acordo com critérios econométricos de reconhecida


aceitação e credibilidade, os efeitos de todas as variáveis consideradas em termos de
crescimento e de equidade (efeito distribuição).

TABLE 3: GROWTH AND DISTRIBUTION EFFECTS OF POLICIES


(Dependent variable is ln(per capita income of the poor)
Variables Growth effect Distribution effect
(Exports+Impo- 0.080 0.004
ts)/GDP
ln(1+inflation) -0.378 -0.091
Government -0.426 -0.067
Consuption/
GDP
Rule of law 0.541 -0.012
Primary enrolment 0.039 0.000
Democracy -0.061 0.030
Source: David Dollar and Aart Kraay, Growth is good for the poor, World Bank, 2000

Destaco algumas ilações :


 a abertura das economias tem mais efeitos sobre o crescimento do que em
relação à distribuição, o que já se intuía;
 o efeito-distribuição da inflação é apreciável, o que a confirma como um
factor relevante das estratégias de redução da pobreza;
 são discutíveis os valores que traduzem os efeitos sobre o crescimento e a
distribuição decorrentes da intervenção do Estado, particularmente em
situações de enormes disfuncionalidades sociais e económicas arrastadas,
por exemplo, por uma guerra;
 são interessantes os efeitos das variáveis políticas: mais democracia não
se correlaciona positivamente com crescimento económico, mas sim com
equidade, enquanto que pelo contrário, a transparência e a organização
dos sistemas judiciários interagem muito favoravelmente com o
crescimento económico.

Todavia, a grande conclusão é que sem crescimento económico sustentado não se


combate a pobreza, o que de resto já era conhecido. O alívio da pobreza centrado em
variáveis sociais (educação, saúde, formação, saneamento básico, etc.) não se traduz
em resultados consequentes. A questão desloca-se, então, para o modelo de
crescimento. Um modelo completamente aberto, como aconselham o Fundo Monetário
Internacional e o Banco Mundial, ou um outro, mais auto-centrado, valorizador das
dinâmicas internas e dos recursos nacionais? O primeiro de inspiração liberal,
enquanto o segundo assentando o seu processo no planeamento económico e numa
postura participativa do Estado. Tudo depende das condições de partida, do grau de
estruturação e integração das economias, da extensão da pobreza e da dotação de
recursos naturais.

ESTRATÉGIA DE ERRADICAÇÃO DA POBREZA EM ANGOLA PARA OS PRÓXIMOS DEZ ANOS

Uma estratégia de redução da pobreza tem de estar ancorada numa estratégia


nacional de reconstrução económica e de reconciliação nacional a longo prazo, cujo
instrumento intercalar deve ser um Plano Nacional de Desenvolvimento a médio prazo.
E a razão é simples de entender e está justificada por resultados de estudos que sobre
esta matéria têm sido feitos – alguns dos quais já foram aqui referidos: a pobreza só
será erradicada com crescimento económico, geração de empregos e multiplicação

152
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

de rendimentos. Para o que o Estado tem de ter um papel aglutinador das dinâmicas
nacionais e agregador das vontades externas.

Angola parte para a sua reconstrução em condições desvantajosas, tal a amplitude


das consequências que a guerra, a má gestão, a incoerência de certas políticas
económicas e a falta de presciência política tiveram sobre a economia e a sociedade.
Não há iniciativa privada, nacional e estrangeira, suficiente para, sozinha, responder
aos ciclópicos desafios que se colocam para o futuro: criação do mercado interno –
para que a integração económica regional se faça com proveito e sem sobressaltos de
maior, a economia interna tem de ser nacional, articulada, estruturada e
interdependente, ou seja, a integração económica interna deve ter a prioridade –
reorganização institucional e técnica do Estado e da sua Administração (constituir uma
verdadeira Administração para o desenvolvimento e garantir a passagem dum Estado-
obstáculo para um outro agente do desenvolvimento e criador duma cultura de
modernidade), valorização das dinâmicas nacionais (empresariado, trabalhadores,
recursos humanos), (re)construção das infraestruturas para o desenvolvimento e
asseguramento da estabilização macroeconómica. Entende-se que perante a
dimensão e extensão destes desafios, o Estado tem de estar presente através do
planeamento económico moderno (ou planeamento económico de mercado) e duma
governação sábia (“wise governance”), mais do que uma simples boa governação.

Quando se aborda a problemática da redução da pobreza em Angola repontam dois


aspectos de capital importância: o primeiro, é que só fará sentido falar-se no alívio das
precárias condições de vida de 70% da população se, politicamente, for assumida a
duplicação do rendimento médio nacional em 10 anos. O segundo, é que não faz
sentido assumir a redução da privação humana no país fora dum quadro social de
reconciliação nacional efectiva (sendo, justamente, neste contexto que os problemas
de equidade se têm de colocar e resolver).

Postas as questões nesta perspectiva, vejamos, na prática, o que significa uma


duplicação em 10 anos do rendimento médio nacional:
 desde logo, que a taxa de crescimento demográfico se mantenha a um
nível mais ou menos próximo do actual ou seja, 2,9% ao ano (este é,
talvez, o limiar a partir do qual a população pode passar a ser considerada
como obstáculo ao desenvolvimento, e já não um seu factor);
 depois, que a taxa de crescimento médio anual do rendimento per capita se
tem de situar um pouco acima dos 7%;
 depois, ainda, que o Produto Interno Bruto tem de evoluir a uma cadência
média anual de 10,3%;
 finalmente, um volume significativo de investimento164:
- só para garantir a renovação da população à sua actual taxa de
crescimento natural, o país tem de investir entre 7,25% e 12% do
PIB;
- para taxas globais de investimento da ordem dos 7% não haverá
melhoria das condições de vida da população (o investimento
reporá, tão somente, ao mesmo nível as condições anteriores);
- a médio/longo prazo só taxas de investimento em torno dos 35% do
PIB poderão assegurar a melhoria das condições de vida e da
produtividade económica.

Serão possíveis os valores que consubstanciam o desafio estratégico de numa década


se duplicar o rendimento médio nacional?

164
Alves da Rocha, Por Onde Vai a Economia Angolana?, LAC e Executive Center, Luanda, 2000.

153
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Creio que sim. Possível porque:


 se registaram taxas semelhantes ou superiores no passado e o país,
actualmente, parece não sofrer de nenhuma incapacidade ou endemia
estrutural impeditivas de voltar a obtê-las;
 muitos países africanos de menores recursos e potencialidades se fixaram
como objectivos de crescimento taxas médias anuais de crescimento do
PIB da ordem dos 7% a 8%.

Mas, também, possível desde que:


 a economia petrolífera e o sector diamantífero abandonem a lógica do dólar
e se insiram na lógica do kwanza. As consequências desta alteração serão
profundíssimas sobre a economia produtiva e a economia financeira do
país;
 os investimentos públicos sejam, na realidade, portadores de condições
para o crescimento da economia, o que passa por garantir que os mesmos
tenham níveis aceitáveis e comparáveis de produtividade económica (estão
estabelecidas correlações precisas entre a produtividade dos investimentos
públicos e a produtividade dos investimentos privados e do “stock” global
de capital fixo);
 a estabilização macroeconómica se consolide (o controle da inflação facilita
uma distribuição mais equitativa do rendimento nacional);
 os sectores agrícola, florestal e pesqueiro assumam uma posição
consentânea com as suas reconhecidas potencialidades, porque é destes
sectores que depende um crescimento económico mais equitativo e
redistributivo, já que são os que maior percentagem da população
albergam, os que poderão viabilizar um funcionamento menos dependente
e mais autónomo da indústria transformadora e uma efectiva redução das
importações de bens alimentares e também os que poderão permitir uma
redução do custo dos factores nacionais;
 as reformas económicas essenciais se efectivem e consolidem, de modo a
devolver a economia aos cidadãos e ao sector privado e diminuir a
preponderância da economia petrolífera como a única capaz de gerar
divisas;
 as reformas institucionais se estabeleçam e endogenizem: redução da
burocracia, implantação dum sistema judicial eficiente, promoção da
estabilidade institucional, consagração da descentralização, e combate à
corrupção;
 o emprego seja considerado como a variável estratégica do processo de
recuperação económica (o trabalho não pode continuar a ser considerado
apenas como uma mercadoria como acontece com as políticas ultraliberais,
que não admitem qualquer tipo de regulamentação do mercado de
trabalho).

Para a análise prospectiva sobre a redução da pobreza em Angola utilizei - como não
podia deixar de ser, dadas as evidentes facilidades de configuração, percepção e
raciocínio que esse instrumento confere – o método da cenarização com base no
MODANG, modelo de consistência macroeconómica existente no Ministério do
Planeamento, sendo os resultados alcançados e as reflexões elaboradas
apresentadas de seguida.

A questão fulcral da construção dos cenários de crescimento económico focaliza-se na


redução/erradicação da pobreza e na estratégia a seguir para o conseguir. São várias
as variáveis e os parâmetros que configuram a análise dum cenário de redução da
pobreza. Como se sublinhou, os aspectos que a caracterizam são a percentagem da

154
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

população com rendimentos médios diários inferiores a $1 US, a percentagem da


população sem acesso aos serviços primários de saúde, a percentagem da população
sem acesso ao saneamento básico e à água potável, a percentagem da população
escolarizada e a taxa de analfabetismo dos adultos. Estes aspectos traduzem-se
indirectamente em algumas variáveis económicas do modelo: despesas orçamentais
correntes na educação, saúde e saneamento básico, despesas de investimento
público nessas mesmas áreas, produção do sector agrícola (em particular do
camponês tradicional) e o PIB não petrolífero. Só um crescimento em todas estas
variáveis permite criarem-se as condições para a erradicação da pobreza, o que
desloca, então, a questão para o financiamento desse mesmo crescimento.

O financiamento do aumento das despesas públicas correntes ou de investimento tem


duas vias possíveis: a primeira, mais salutar e racional, por intermédio duma
reestruturação das despesas orçamentais, diminuindo-se, drasticamente, as que têm
sido orientadas para a cobertura de subsídios diversos e ajustando-se melhor as
consagradas à defesa, segurança e ajuda humanitária, o que em termos práticos
significa que a redução do défice orçamental se faria pela via da eliminação/redução
de despesas ou de efeitos económicos neutros e mesmo perversos e improdutivos ou
de evidente dispensabilidade. Esta alteração, se for acompanhada por uma
renegociação da dívida externa - que postergue e aligeire o volume de pagamentos do
correspondente serviço anual - libertará fundos, porventura suficientes, para o ataque
à pobreza por esta via.

A segunda fonte de financiamento é a do aumento e diversificação das receitas fiscais,


o que coloca a questão claramente no terreno do crescimento económico. No actual
estado de coisas o aumento das receitas fiscais impenderá, sobretudo, sobre o sector
petrolífero, dada a fraqueza do restante tecido económico interno. O financiamento do
combate à pobreza por esta via é económica e socialmente incorrecto, salvo no
referente às componentes estruturantes do capital humano. Explicando melhor: o
combate estrutural à pobreza deve situar-se abertamente no terreno da constituição
dum capital humano que habilite essas faixas da população a obterem os rendimentos
necessários. Em termos práticos só é admissível a utilização dos rendimentos do
petróleo para se financiarem investimentos na educação, na saúde, no saneamento
básico e nas infraestruturas económicas.

O financiamento do combate à pobreza nas suas componentes de custos recorrentes


deve ser feito por intermédio duma clara reestruturação das despesas orçamentais
correntes (parece ser perfeitamente possível este propósito sem minimamente se
perigarem os níveis de eficácia administrativa associados). E aparentemente parece
ser a melhor opção - pressupondo efectiva vontade política para o combate contra a
pobreza - porquanto todos os ganhos que se conseguirem em termos de
renegociação e reescalonamento da dívida externa deverem ser aplicados para a
constituição dum capital físico e humano para o desenvolvimento económico
sustentado.

Assim sendo, um cenário voluntarista para o combate à pobreza deve considerar


valores suficientemente elevados da elasticidade do consumo público de bens básicos
e uma taxa de crescimento dos investimentos públicos na educação, saúde e
infraestruturas físicas razoavelmente alta.

Quanto à componente rendimento, necessária para o aumento do consumo privado de


bens básicos, os sectores da agricultura tradicional e das pescas têm aqui um
importante papel de amortecedores da crise e de fomentadores da produção, pelo que
ao nível da estratégia e da política destes sectores de actividade económica este
aspecto do combate à pobreza ter de ser devidamente considerado e expresso. O

155
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

combate à pobreza pela via dos rendimentos é traduzido, no modelo, pela elasticidade
do consumo privado de bens básicos.

O cenário básico que configura os eixos principais de combate à pobreza assenta na


configuração estratégica seguinte em matéria de variáveis económicas e sociais do
modelo:

- aumento dos valores da elasticidade do consumo privado de


bens e serviços básicos;
- crescimento razoável do investimento bruto, nomeadamente
do investimento público (nos sectores estruturantes do capital humano nacional como
a saúde, educação, saneamento, habitação, infraestruturas rurais) e do investimento
privado nacional; para além das considerações já expendidas anteriormente com
relação à importância que uma política de investimentos terá para o crescimento e o
desenvolvimento internos, é de todo o interesse sublinhar, reforçando os argumentos
anteriores, que só para se assegurar o crescimento natural da população a um ritmo
anual de cerca de 2,9%, o sistema económico deverá investir anualmente qualquer
coisa como 11,6% do PIB, para um coeficiente de eficácia produtiva de 0,25. Estes
resultados chamam a atenção para dois aspectos nucleares: a necessidade de se
criarem todas as condições para a reversão estrutural dos baixos índices de
produtividade económica do sistema produtivo, social e administrativo e a vantagem
duma política racional de planeamento familiar que conduza à diminuição das actuais
taxas de fecundidade por mulher em idade de procriação;
- uma aposta na diversificação das exportações nacionais,
prevendo-se um aumento razoável da produção de produtos minerais e agrícolas, com
consequências ao nível do crescimento do emprego (redução do desemprego);
- uma intensificação da agricultura camponesa, a mais apta a
permitir uma taxa média de crescimento do consumo privado básico de cerca de 8,5%
ao ano. Esta opção é importante no quadro duma estratégia global de crescimento e
pode traduzir uma aposta concreta na construção do mercado interno, com todas as
suas implicações positivas. No entanto, esta escolha é, também, relevante dum outro
ângulo de análise reversível à melhoria das condições de vida dos cidadãos. Se na
realidade quase 70% da população se encontra em situação de pobreza, então o
aumento da produção de bens e serviços de consumo básico acrescerá os índices de
satisfação das necessidades pela via da multiplicação dos rendimentos e da redução
do desemprego;
- um maior entrosamento da actividade petrolífera com a dos
restantes sectores económicos nacionais, o que pressupõe uma política económica
que determine a abolição dos regimes cambiais especiais e o levantamento das
isenções alfandegárias concedidas às concessionárias, promova o adensamento da
malha de relações de fornecimentos internos (aquisição à indústria e a outros sectores
de actividade de quotas crescentes de bens e serviços de produção nacional, do que
resultará, pelo menos, a manutenção dos actuais níveis de actividade e emprego:
admitindo que em média as concessionárias petrolíferas importam anualmente entre
400 e 800 milhões de dólares, uma quota de 25% induziria uma produção adicional
anual de 250 milhões de dólares), estabeleça um maior apoio à constituição do capital
humano nacional e fomente maiores re-investimentos na agricultura e indústria por
contrapartida dos lucros e dividendos obtidos da exploração dos petróleos;
- uma alteração profunda da política de comprometimento do
petróleo (reestruturação do perfil da dívida externa), o que, por seu turno, depende
bastante da evolução da situação militar;
- a renegociação/reescalonamento da dívida externa do país,
que poderá possibilitar um incremento, quer da ajuda pública ao desenvolvimento,
quer do investimento directo estrangeiro.

156
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

O cenário de combate ao flagelo da pobreza parte do princípio de que só a partir de


2001 estarão reunidas algumas das condições nucleares para a aplicação duma
estratégia consequente de erradicação: atenuação da pressão militar sobre as
populações e os sistemas tradicionais de produção agrícola, alteração do perfil das
despesas públicas (que se poderá traduzir numa nova aposta da política orçamental
em áreas directamente reprodutíveis e com um evidente efeito multiplicador sobre a
actividade económica) e reinvestimento crescente de parcelas dos lucros e dividendos
das empresas estrangeiras como resultado da descompressão militar e dos efeitos da
estabilização macroeconómica.

Finalmente deve referir-se que o combate à pobreza passa:

 pela promoção dum acentuado crescimento do consumo privado básico, da


agricultura camponesa, da energia e água, da construção, dos transportes
e do comércio;
 pelo incremento do emprego (ou nas actuais circunstâncias, pela redução
do desemprego);
 pela alteração da estrutura do OGE a favor dos investimentos e consumos
sociais;
 pela estabilidade dos preços, salários, rendimentos e taxa de câmbio;
 pela constituição do capital humano nacional, centrado na educação, na
formação profissional, na saúde e na investigação científica.

Os resultados encontrados apontam para uma taxa média de crescimento do PIB a


custo de factores de 10,9% ao ano até 2003, das importações de 14,5% - bastante do
incremento no consumo básico das populações ainda vai ter de depender das
importações directas e intermédias - dos investimentos públicos de 49,4%, das outras
exportações de 23,6%, do consumo privado de 8,5% e do consumo público de 14,9%.
Esta última cifra terá de ser a expressão prática duma aposta concreta no incremento
do consumo público de bens básicos e essenciais para a formação do capital humano
nacional.

Conforme se verifica através do comportamento das importações, esta variável


assume-se nos primeiros anos do período de cenarização como determinante do
aumento do consumo privado, do arranque da estruturação do sistema produtivo
nacional e do incremento das exportações petrolíferas (a componente importada da
produção petrolífera pode ser estimada em cerca de 25%), assumindo-se, que a partir
de 2001 possam existir condições mínimas para uma política consequente de
substituição das importações.

A variável investimento é a determinante em última instância da dinâmica de


crescimento que se pretende para imprimir um ritmo adequado ao processo de
erradicação da pobreza: o investimento privado não poderá variar a uma taxa inferior a
9,5% ao ano, com os parciais de 9,1% para o investimento privado nacional e 9,7%
para o estrangeiro. Estas dinâmicas dependerão das reais possibilidades de
constituição duma poupança nacional positiva e passarão pela definição de políticas
correctas e adequadas de captação de poupanças externas, de investimento directo
estrangeiro, de crédito interno à economia, de estabilidade dos preços e de
credibilização das políticas públicas.

O antídoto para a pobreza em Angola tem de ser encontrado num sistema de


organização económica assente no mercado. Disso não há dúvidas, porque inexistem
modelos alternativos. No entanto, não se pode ser fundamentalista, até porque a
economia de mercado não opera no vazio, implica um determinado sistema ético-
cultural e um outro político-jurisdicional, como partes integrantes da infraestrutura

157
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

básica da economia de mercado, que, respectivamente, motivam e enquadram a


actuação económica: “por isso, distintas axiologias e distintas organizações político-
jurídicas produzem resultados económicos distintos, apesar de pressuporem as
mesmíssimas leis económicas gerais. Têm, por isso, razão os que insistem em
salientar as causas morais da prosperidade, as quais residem numa constelação de
virtudes, tais como, laboriosidade, competência, ordem, honestidade, iniciativa,
frugalidade, poupança, espírito de serviço, cumprimento da palavra dada, audácia, em
suma, amor ao trabalho bem feito. Nenhum sistema ou estrutura social pode
resolver, como por artes mágicas, o problema da pobreza à margem de tais
virtudes, porque a longo prazo, tanto a configuração, como o funcionamento das
instituições reflectem estes hábitos dos sujeitos humanos, que adquirem
essencialmente no processo educativo e conformam uma autêntica cultura laboral.”165

165
João Paulo II, Discurso a la Comissión para America Latina y Caribe, Santiago do Chile, Abril de
1987, citado por José Manuel Moreira – Causas Morais da Prosperidade, Economia Pura, nº 28 Setembro
de 2000.

158
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

CAPÍTULO QUARTO – GESTÃO PÚBLICA E TRANSPARÊNCIA

1.- A CORRUPÇÃO E O SEU IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO DO PAÍS


2.- INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E DECISÃO MACROECONÓMICA
3.- O PROBLEMA DAS ESCOLHAS PÚBLICAS
4.- O ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO E O PROGRAMA DO GOVERNO PARA 2002: AS
GRANDES OPÇÕES E A INFLUÊNCIA DA CONJUNTURA INTERNACIONAL
5.- OS DESAFIOS DA POLÍTICA ORÇAMENTAL NO PÓS-CONFLITO
6.- A ECONOMIA DA CORRUPÇÃO

1.- A CORRUPÇÃO E O SEU IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO DO


PAÍS
(Comunicação apresentada no Ciclo de Palestras promovido pelo Instituto Democrático
Internacional – NDI – sobre a Promoção duma Gestão Pública Ética e Transparente, Julho de 1999)

Algumas considerações gerais

A corrupção não é específica de Angola, de África ou de outro qualquer país. Muitos


responsáveis políticos escondem-se nesta constatação para justificar os crescentes
índices de corrupção que afectam os seus países. No entanto, se é verdade a falta de
exclusividade deste fenómeno económico e social, não é menos certo, também, que
em determinados países o corrupto acabará por adquirir um estatuto de certa
marginalidade social, penalizador do exercício de qualquer actividade económica.
Noutros países, mais desorganizados e onde os códigos de conduta moral e social
estão degradados, a corrupção adquiriu um “status” forte - pela riqueza que permite
constituir e pelo poder económico e político associado - e que acaba por se constituir
no principal obstáculo à implementação duma política consequente de combate.

O Estado - na sua acepção mais lata - é o objecto predilecto da corrupção. Quanto


mais desorganizado se apresentar, mais permeável e permissivo se tornará à
ocorrência de desvios de conduta e de comportamento dos seus agentes. Quanto
mais discricionário o exercício do poder político e administrativo, maior o campo de
afirmação da corrupção: quando se deixa ao arbítrio dos funcionários, por exemplo, a
concessão de incentivos fiscais ou de autorização de importação, mais facilmente se
aliciará esses agentes para comportamentos desviacionistas.

Mas estaria a solução no estabelecimento de regras rígidas para o exercício da função


administrativa do Estado? Vem de longe a controvérsia entre os economistas em torno
da questão das políticas económicas - se devem ser guiadas por regras precisas ou se
devem conter algum elemento de arbítrio. Evidentemente que quanto maior o
elemento de arbitrariedade, maior a possibilidade das políticas públicas serem usadas
em benefício particular. Daí que o caminho mais simples para impedir a corrupção seja
o da criação de regras precisas e rígidas e o da exemplar responsabilização dos
prevaricadores. No entanto, deve atentar-se no facto de que muitas vezes é
justamente o excesso de regras que cria um terreno fértil para a corrupção. Ora bem, é
exactamente neste contexto que se coloca o problema da Administração do Estado:
como ela deve ser para se constituir num esteio do desenvolvimento económico dos
países. Esta questão é de particular acuidade em Angola.

159
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

(a) As condições mínimas para o desenvolvimento económico sustentável

No actual contexto da economia nacional o desenvolvimento - para que funcione - tem


de ser o resultado duma dinâmica. Para que este processo se desencadeie algumas
condições devem estar reunidas, porque o desenvolvimento não é, apenas, a soma de
factores necessários:

* estabilidade institucional e governativa: os programas de política económica


têm-se sucedido a uma cadência infernal de 1,3 programas por ano ou de 10,8 meses
por programa;
* uma vontade real de promover o crescimento económico e o desenvolvimento
social da parte da nomenclatura política: os comportamentos restritivos e
administrativos provam que a defesa dos interesses individuais tem prevalecido (a
quem verdadeiramente prejudica a convergência cambial?); a corrente de pensamento
económico dominante não se enquadra em nenhuma das doutrinas conhecidas e pode
ser caracterizada por uma maneira especial e peculiar de pensar a economia, um
modo de usufruir de benefícios da economia administrativa, um estado de espírito
conservador, egoísta e interceiro, não sendo deste modo que o país pode sair do
atoleiro, atrevendo-me, mesmo, a afirmar que a economia angolana é um assunto
demasiado sério, para ser conduzida por uma doutrina económica que não faça do
rigor, da disciplina e da transparência as bases da gestão macroeconómica;
* uma muito maior autonomia da sociedade civil, de modo a que o sector
privado possa dispor duma margem de manobra para empreender conforme entender.

(b) As dificuldades para a retoma do crescimento económico sustentado

Angus Maddison refere que o crescimento económico resulta de um conjunto de


variáveis, como o direito de propriedade, as instituições políticas e a educação, a
tecnologia, o desenvolvimento dos conhecimentos e da administração, o capital e a
expansão das trocas internacionais (abertura das economias). Paul Romer sustenta
que o crescimento económico depende do investimento e dos conhecimentos
adquiridos pela experiência (o progresso tecnológico, ao contrário de Robert Solow,
não é exógeno, é o próprio crescimento económico que o engendra). Conjugando as
duas teses pode, então, dizer-se que o crescimento é a soma de factores necessários
(população e recursos naturais), de factores decisivos (instituições políticas, líderes,
tribunais, direito de propriedade, administração pública, educação) e de factores
endógenos (tecnologia). Se as teses anteriores forem levadas em consideração,
penso que o crescimento económico em Angola não será retomado, duma forma
sustentada e generalizada, antes de, pelo menos, 30 anos. As razões são as
seguintes:

» o país não dispõe de verdadeiras instituições políticas e a sua criação


demora gerações ( o direito de propriedade e as instituições políticas desempenham
um papel fulcral no desenvolvimento das forças de mercado);
» o direito de propriedade privada não está consolidado, sendo, outrossim
fundamental uma revolução nos arquétipos culturais da sociedade rural tradicional;
» o sistema de educação não está estruturado, sendo provavelmente
necessário implementar-se uma verdadeira revolução educativa a 30 anos
(universalização do ensino primário, acentuação do secundário e do técnico e
consolidação do universitário); o sector da educação deve absorver, no mínimo, 6,5%
do PIB (qualquer coisa como 450 milhões de dólares por ano);
» não existem estruturas que promovam a produção de conhecimentos (uma
sociedade só consegue progredir se for capaz de produzir conhecimento e, por outro
lado, a produção de conhecimentos não está sujeita à lei dos rendimentos marginais
decrescentes);

160
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

» a Administração Pública é pobre em cultura, conhecimentos e capacidades,


estando, por outro lado, minada pela burocracia e corrupção que evidentemente
impedem o crescimento económico;
» o país não dispõe de infraestruturas nem mínimas, nem muito menos
modernas, nos domínios rodoviário, portuário, ferroviário, telecomunicações, redes de
informação e sistemas de saúde;
» finalmente, “but not the least”, é evidente a escassez de verdadeiras
lideranças políticas, reformistas e prescientes, capazes de em dez anos fazerem
cinquenta anos (divisa de Juscelino Kubitshek de Oliveira para o Brasil da segunda
metade dos anos 50).

A actual situação institucional não fornece condições para a retoma do crescimento


económico. E não será suficiente - embora seguramente básico - rearrumar os réditos
do petróleo (tem de se ter a coragem de, mesmo em situação de guerra, dar total
transparência à utilização dos rendimentos do petróleo, uma vez que a defesa e a
segurança nacionais são actos normais de soberania e como tal insusceptíveis de
serem sequer beliscados; por isso o Orçamento Geral de Estado deveria registá-los
todos; a não ser assim fica a desconfiança, legítima de resto, de que se desviam
quantias importantes, sob a forma de comissões e sobrefacturações, para
enriquecimento individual de quem se encontra muito próximo dos centros de poder).
Os recursos naturais não valem muito hoje, ou já não valem tanto como no passado.
Seguramente algo vai mal num país quando mais de 65% do PIB e de 95% das
exportações são gerados por empresas estrangeiras que exploram - sem valor
acrescentado interno - a nata dos seus recursos naturais.

(c) A dimensão da corrupção em Angola. Os resultados do inquérito NDI.

O Instituto Democrático para Assuntos Internacionais (NDI) patrocinou a realização


dum inquérito sobre o fenómeno da corrupção em Angola, destinado a aquilatar do
estado actual da consciência social sobre este problema. Este inquérito foi
desenvolvido apenas em Luanda e incidiu sobre um painel de 25 destacadas figuras
da intelectualidade angolana. O painel foi assim constituído:

* parlamentares ----------------------------- 36%


* jornalistas ---------------------------------- 12%
* elementos da sociedade civil ------------ 28%
* agências anti-corrupção ------------------ 8%
* sector privado ------------------------------ 8%
* representantes do Governo --------------- 4%

A análise detalhada das respostas às muitas questões colocadas sobre a corrupção


em Angola, permitiu retirar como conclusões mais relevantes as seguintes:

* existe uma perfeita consciência sobre o fenómeno da corrupção no


país e da forma como o mesmo se manifesta;
* 65% dos entrevistados refere a corrupção como específica do
aparelho administrativo do Estado: é esta máquina que gere a renda petrolífera, os
empréstimos externos e as despesas da guerra;
* 35% dos entrevistados acrescenta as empresas públicas como um dos
agentes activos da corrupção e como um dos instrumentos mais importantes de
apropriação privada dos bens públicos;
* 75% dos inquiridos entende o fenómeno como sistémico e, portanto,
cultural: sistema de conivências e cumplicidades;
* praticamente a totalidade dos intervenientes no painel NDI mostrou-se
desencantada com a situação da corrupção no país, por vezes mesmo envergonhada

161
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

por Angola ser considerada em alguns meios empresariais o país mais corrupto da
SADC;
* 95% considerou a corrupção no país como um sistema estruturalizado
e do qual dificilmente se sairá, porquanto:
» a corrupção varia numa proporção directa ao número de
organizações ou pessoas que detêm poderes de monopólio sobre bens e serviços,
» a corrupção varia na mesma proporção dos poderes
discricionários das chefias,
» 55% da cifra anterior considerou a corrupção como um crime
de cálculo, derivado de salários baixos, necessidades altas e da pobreza. Esta
corrupção foi designada por baixa corrupção,
» 45% da cifra anterior considerou-a como um crime de paixão,
alicerçada no egoísmo ilimitado dos “grandes chefes” e poderosos: foi entendida como
alta corrupção;
* pelo teor das respostas sobre a extensão da corrupção em Angola
fica-se com a ideia de que se encontra estatuído um mercado virtual de favores, que
obedece à lei da oferta e da procura e se rege por um sistema de preços implícitos: é
um mercado onde se não vê dinheiro, mas sim uma espécie de “vales”, onde os
preços implícitos dos favores já estão estabelecidos (valores das comissões e das
sobrefacturações, preços dos subornos, etc.) e onde, finalmente, é muito difícil separar
um favor genuíno dos que se aproximam dos subornos, tal é hoje a confusão e o
espírito da “gasosa” reinantes;
* não foram identificadas formas atípicas de corrupção, muito embora
todo o sistema que a permite e a reproduz seja, ele próprio, atípico: não existe
praticamente nada que se obtenha sem pagamentos suplementares. O modo de
funcionamento da Administração Pública e de outras entidades é profundamente
corrupto;
* as formas mais citadas de corrupção foram as comissões, as
sobrefacturações, o tráfico de influências e o desvio directo de bens públicos. O
suborno e outras manifestações semelhantes foram igualmente destacadas como
importantes;
* finalmente, 92% dos entrevistados consideram não haver vontade
política para combater a corrupção, porque,
» a corrupção é endémica e sistémica, traduzida no já referido
sistema de conivências e cumplicidades,
» a grande corrupção é praticada por quem está no topo das
diferentes hierarquias administrativas e políticas,
» existe um equilíbrio corrupto entre o primeiro escalão (alta
corrupção) e o segundo escalão (baixa corrupção), pelo que ninguém denuncia
ninguém; este equilíbrio corrupto também ocorre entre corruptores (empresas
estrangeiras e nacionais) e corrompidos (agentes da Administração do Estado e
decisores políticos),
» tem ocorrido um adiamento sistemático na implementação das
reformas económicas e institucionais estruturais,
» não existe “boa governação”,
» existe um acervo jurídico-legal mais do que suficiente para se
iniciar um processo sério de combate à corrupção, só que não há capacidade técnica
e política para o implementar com rigor e seriedade.

Os participantes do painel NDI foram igualmente convidados a pronunciarem-se sobre


as estratégias mais eficazes para combater a corrupção no país, sendo de destacar
que,
* em mais de 65% dos casos foi apontada a reforma administrativa e a
prática de salários mais elevados e dignos;

162
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

* em 30% dos casos identificaram-se as reformas económicas e


institucionais, as privatizações e a promoção da concorrência;
* em 20% dos casos foi a alteração do regime político considerada
como fundamental neste processo;
* a punição exemplar dos “peixes graúdos” e o envolvimento das
pessoas no diagnóstico da corrupção foram também referidos.

Corrupção e desenvolvimento: as influências perversas e as consequências adversas

Aparentemente não existem argumentos válidos para contrariarem a afirmação de que


a corrupção é efectivamente um factor de grande perversidade e malefício para o
desenvolvimento económico. Não é por acaso que organizações nacionais de vários
países se preocupam com este fenómeno, inserindo-se nesta perspectiva a iniciativa
dum estudo comparado na região da SADC. Também não deve ser por acaso que as
instituições económicas e financeiras internacionais despendem esforços com a
realização de estudos tendentes a medir a corrupção e os seus efeitos nefastos sobre
o desenvolvimento económico.

(a) O quadro geral das consequências económicas da corrupção

Quanto mais amplo for o quadro de instrumentos de natureza administrativa das


políticas públicas, maior o potencial para a corrupção. O controle deste tipo de
instrumentos confere aos funcionários do Estado enorme poder, o qual, se coexistir
com um determinado ambiente social e com sistemas de incentivo pouco
transparentes (o caso de todos os fundos que se pretendem de apoio ao crescimento
da produção interna) e de responsabilização pouco eficientes, permite-lhes a obtenção
de grandes vantagens financeiras, para si, seus familiares ou amigos.

Ao serem utilizados em causa própria os instrumentos de que o Governo dispõe para


influenciar a economia no sentido do crescimento e do desenvolvimento e corrigir as
insuficiências/deficiências dos mecanismos de mercado, os funcionários públicos
reduzem o poder do Estado e a sua capacidade de actuar sobre a economia de forma
intencional e correctiva.

Num quadro no qual as políticas públicas devessem ser guiadas e regidas por critérios
tradicionais de rigor, disciplina e transparência, a grande consequência da
corrupção manifesta-se ao nível da distorção do papel distributivo dos seus
resultados, de diversas maneiras:

* através de fugas ao pagamento de impostos, favorecendo contribuintes por


razões de amiguismo ou de troca de favores; o grande perdedor é o mercado, que
funcionará com eficiência reduzida;
* por meio da aplicação arbitrária de regras, regulamentações e procedimentos;
este aspecto assume particular acutilância na distribuição de crédito administrativo -
programas operativos, juros bonificados, priorização de sectores ou actividades - e de
autorização de importações;
* por intermédio da adjudicação fraudulenta ou viciada de obras públicas ou de
contratos de aquisição, visando obterem-se as comissões ou as sobrefacturações; as
adjudicações são conferidas não na base dos melhores preços - viciação das regras
da concorrência dos mercados - mas sustentadas em critérios de troca de favores e de
enriquecimento pessoal;
* pelo crescimento da economia informal - para se fugir aos elevados custos
económicos e financeiros do exercício das actividades - donde resultam, por um lado,
uma diminuição assinalável das receitas fiscais do Estado e, por outro, um sistema de

163
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

alíquotas fiscais cada vez mais elevadas, porque suportadas por um número cada vez
menor de contribuintes;
* pela imposição de impostos regressivos sobre as actividades económicas
empreendidas pelas pequenas empresas;
* pela via de contratações e promoções arbitrárias de quadros, técnicos e
chefias, os quais, em condições de critérios justos e objectivos, jamais seriam
seleccionados; este tipo de comportamento corrupto prejudica a economia de duas
maneiras, primeiro pela atribuição dum determinado poder de decisão a quem,
manifestamente, não possui competência para tal, depois, pelas distorções que se
introduzem no mercado de trabalho, desestimulando-se os mais capazes;
* finalmente, a corrupção vicia as regras da procura de trabalho - um dos
entrevistados do painel NDI referiu, duma forma lapidar para a economia nacional,
este aspecto - fazendo com que se demande emprego não nos domínios e actividades
que poderiam utilizar as suas atribuições e competências técnicas de modo
efectivamente produtivo, mas naquelas onde for mais fácil e rápido aceder-se às
comissões, sobrefacturações, desvios de fundos e de bens, etc.; numa palavra, onde
for mais fácil e rápido enriquecer-se.

Em síntese: se as pessoas bem relacionadas e bem inseridas nos centros de decisão


política conseguem os melhores empregos, os contratos governamentais mais
lucrativos, os créditos subsidiados (que se transformam, posteriormente, em
irrecuperáveis com as mais estúpidas justificações), as divisas a taxas abaixo das de
mercado, etc., etc., etc., é muito pouco provável que as políticas públicas atinjam as
metas programadas e sejam os instrumentos para melhorar a distribuição do
rendimento e para promover o crescimento e o desenvolvimento. Por outro lado, a
corrupção, com todas as suas ramificações, tem um efeito muito adverso sobre as
políticas de estabilização macroeconómica, uma vez que estas políticas exigem a
redução do défice fiscal, o rigor monetário e a disciplina orçamental.

(b) A corrupção no mundo: os resultados dum estudo internacional

Pode dizer-se que a corrupção constitui uma preocupação no mundo, com um estatuto
semelhante ao da droga, ao do Sida e mesmo ao da guerra. As movimentações que,
sobretudo, organizações supranacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário
Internacional, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico
(OCDE), a Transparência Internacional, o PNUD, têm feito, através de relatórios (do
Banco Mundial sobre o desenvolvimento mundial de 1997), de acções e tarefas
internas, de estudos, etc., são disso uma prova concludente.

O mais recente estudo conhecido sobre a corrupção no mundo foi desenvolvido por
Daniel Kaufmann e Shan-Jin Wei e apresentado pela primeira vez na reunião anual da
American Economic Association, em Chicago em Janeiro de 1998. Os seus resultados
principais foram publicados na revista Finanças e Desenvolvimento de Março de 1998,
num artigo subscrito por Cheryl Gray e Daniel Kaufmann e intitulado Corrupção e
Desenvolvimento.

Os gráficos seguintes, retirados do citado artigo, dão conta das conclusões mais
importantes:

164
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Importa referir que este estudo foi feito na base dum levantamento com mais de 150
funcionários públicos de altos escalões e membros-chave da sociedade civil de mais
de 60 países em transição e em desenvolvimento e a conclusão geral foi a de que a
corrupção do sector público nos diferentes países era o entrave mais importante e
grave ao desenvolvimento e ao crescimento das suas economias.

Outra conclusão pertinente e retirada do mesmo artigo é a de que a apropriação de


activos públicos para uso privado e o desvio de fundos públicos por políticos e
funcionários de alto nível (associados com a grande corrupção em vários países,
alguns dos quais são flagelados por verdadeiras “cleptocracias”) têm impactos tão
claros e adversos sobre o desenvolvimento económico, que os seus custos não
justificam discussões sofisticadas.

O gráfico anterior - construído por Kaufmann na base das respostas de mais de 3 mil
empresas de 59 países pesquisadas no Levantamento sobre a Competitividade Global
realizado pelo Fórum Económico Mundial em 1997 - indica que nos países de maior
incidência da corrupção, os empresários tendem a gastar uma parcela maior de tempo
com burocratas e funcionários na discussão de licenças, autorizações, assinaturas,
impostos, etc.

Sobre as estratégias de combate contra a corrupção, também os entrevistados se


pronunciaram, dando disso relevo o gráfico seguinte.

165
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Os autores do referido estudo referem existir muitos cépticos quando se coloca o


problema de combater a corrupção, sendo os argumentos mais usados os dissabores
daí advenientes, os prováveis custos envolvidos e a circunstância de, por exemplo, a
Inglaterra ter necessitado de mais de um século para pôr cobro ao flagelo da
corrupção. No entanto e felizmente, existem exemplos recentes de países com
sucessos enormes na redução da incidência da corrupção, como Hong-Kong,
Singapura, Chile, Polónia, Botswana, Malásia, etc. Que estratégias devem, então, ser
implementadas para isso? São os resultados que o gráfico anterior ressalta:

* a maioria dos inquiridos não considera os órgãos anti-corrupção como


eficazes neste combate; para que isso fosse possível deveriam ser criados em
ambientes políticos caracterizados por lideranças honestas, pelo isolamento dos
servidores civis das interferências políticas;
* do mesmo modo se coloca uma ênfase muito forte na liberalização
económica, nas reformas orçamentais e fiscais e na desregulamentação dos
mercados;
* os entrevistados também destacaram os empresários estrangeiros e mesmo
outras instituições internacionais como tendo responsabilidades directas enquanto
agentes activos da corrupção nos países em desenvolvimento e, como tal, deveriam
ser as leis e regulamentos dos seus países de origem a penalizar tais práticas e
comportamentos;
* a promoção de instituições e regimes democráticos foi outra das vias que os
entrevistados indicaram para o combate à corrupção.

(c) Corrupção e desenvolvimento em Angola: domínios onde os efeitos são


mais nefastos

Para além do estudo patrocinado pelo NDI não existem outros, incidentes sobre a
realidade angolana, ficando, assim, prejudicadas tentativas de estabelecer relações
quantitativas entre a corrupção e os diferentes domínios onde se manifesta de forma
adversa sobre o desenvolvimento económico. No entanto, não é difícil descortinar os

166
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

domínios onde, em Angola, a corrupção é, francamente, nociva e tem contribuído para


o aparecimento de efeitos perversos e contraproducentes.

» a corrupção é um dos factores geradores de pobreza no país

Muito embora se desconheça em quanto o rendimento nacional anual é depauperado


pela corrupção, os indícios de um enriquecimento rápido, fácil e expressivo das
camadas populacionais ligadas ao poder político e militar podem ser tomados em
conta como parte da renda nacional desviada de aplicações sociais e económicas de
carácter mais colectivo. Parece aceite a percentagem de 5% do PNB de renda
anualmente desviada a favor da corrupção nos países mais corruptos. Se aplicada a
Angola, poderia presumir-se que, por exemplo, só em 1997, a corrupção custou ao
país qualquer coisa como 350 a 400 milhões de dólares. Se se situar o avolumar do
fenómeno a partir de 1992, o país pode ter assistido ao desvio, em benefício particular
e pessoal, de mais de 2 biliões de dólares. Coincidentemente, o agravamento do
índice de pobreza no país pode remontar, justamente, àquele mesmo ano (recordo
que as primeiras estimativas do índice de pobreza feitas em 1994 no Ministério do
Planeamento davam uma taxa de pobreza da população de Luanda de cerca de 55%).
Um outro aspecto interessante seria comparar o volume anual do custo social e
económico da corrupção com os valores da ajuda de emergência concedida pela
comunidade internacional às populações pobres e carenciadas e concluir que o
aviltamento moral de quem é obrigado a depender da ajuda poderia ter sido minorado
com investimentos estruturantes de actividades económicas. O não combate
consequente contra a pobreza significa o adiamento “ad eternum” da constituição do
capital humano nacional.

» a corrupção tem sido o factor primário do processo ilícito de acumulação de capital


privado

Os acríticos da corrupção no país sustentam que não pode haver economia de


mercado sem acumulação privada de capital. Sendo o Estado o único proprietário, a
corrupção acaba por ser o mecanismo mais imediato e directo de transformação de
bens públicos em acumulação privada.

A transição do centralismo económico e do administrativismo para a economia de


mercado fez-se sem projecto e sem estratégia e, ainda por cima, em ambiente de
guerra e de desorganização institucional. O processo de geração da acumulação
primitiva de capital privado não existiu no sistema colonial por lógica e doutrina de
funcionamento e foi impedida após a independência por ideologia do modelo
socialista. O sistema de mercado acabou por ser institucionalmente criado sem bases
concretas na economia real.

No entanto, a acumulação privada de capital por intermédio da corrupção não se tem


traduzido em mais economia de mercado, em mais investimento e poupança
nacionais, em mais sistema financeiro interno, porque se tem transformado em mais
consumo e importações imediatas e sumptuárias, em mais inflação e em mais fugas
para o exterior.

» a corrupção minou a Administração do Estado

Os serviços da Administração do Estado são hoje o bastião da economia privada


nacional: funcionam na base dum “mercado virtual de favores” com preços implícitos e
uma lei da oferta e procura. O espaço para a aplicação das políticas públicas de
distribuição da renda, de fomento da produção e de correcção dos desequilíbrios
macroeconómicos é extraordinariamente reduzido.

167
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Quando a corrupção é sistémica pode ser representada por uma fórmula,

C=M+P-R

que expressa o seu comportamento como uma proporção directa do monopólio da


decisão, dos mercados e dos comportamentos (M), do poder discricionário dos
funcionários civis na aplicação das leis, regulamentos e medidas de política económica
(P) e inversa do grau de responsabilização e da capacidade de levar aos tribunais os
agentes e beneficiários da corrupção (R).

Aquela equação mostra que a tendência é encontrar corrupção quando as


organizações ou pessoas detêm poderes de monopólio sobre os bens e serviços,
decidem discricionariamente sobre quem pode recebê-los e em quanto, e agem
impunemente perante a lei e mesmo os costumes.

Um outro aspecto refere-se à expressão monetária do salário praticado na


Administração Pública. A motivação para se ganhar dinheiro por fora é extremamente
forte quando exacerbada pela pobreza e pelos salários baixos de fraco poder de
compra dos servidores civis do Estado. Além disso, riscos de todos os tipos, como
doenças, acidentes e desemprego, não estão cobertos por mecanismos de
distribuição e atenuação tradicionais, como os seguros, a previdência social e um
mercado de trabalho bem estruturado.

A questão do salário dos funcionários públicos é absolutamente dramática: porque não


está totalmente claro se o actual envelope salarial é efectivamente todo utilizado no
pagamento dos salários, porque o salário médio dum quadro superior, aos preços
actuais, não ultrapassa os 60 dólares mensais, porque para se pagar condignamente
seria necessário reduzir para 125000 os actuais 198000 funcionários públicos e
despender um pacote de cerca de 48 milhões de dólares mensais (resultados
preliminares de algumas reflexões que sobre este tema alguns quadros do Ministério
do Planeamento têm levado a efeito).

» a corrupção fomenta o crescimento do sector informal da economia

Sempre que os sistemas formais de reprodução económica e de garantias sociais são


incompletos e ineficientes, assiste-se a uma submersão duma parte importante das
actividades económicas, com manifestos prejuízos, pelo menos, em matéria de
capacidade de geração de receitas fiscais. A corrupção associada à burocracia, aos
esquemas, ao suborno, à “gasosa”, leva a que se desista de iniciar actividades
económicas no sistema formal da economia. Se em termos nacionais a necessidade
de se trabalhar leva a constituir-se essa actividade mesmo que submersa - ainda se
retiram vantagens em termos de rendas, salários, emprego, ... - em matéria de
investimentos directos estrangeiros a atitude é simplesmente de desistência.

Um estudo sobre a dimensão do sector informal só em Luanda166 aponta para


parâmetros interessantes: em 1995 o sector informal de Luanda gerou 544 milhões de
dólares de rendimentos (salários, rendimentos de negócios, etc.), 408 milhões de
dólares de despesas (alimentares e não alimentares) e praticamente 140 milhões de
dólares de poupança. Rendimentos e despesas que não pagam impostos, poupanças
que passam à margem do sector financeiro nacional.

166
Mário Adauta, Contribuição para o conhecimento do sector informal de Luanda, 1998.

168
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

» a corrupção e a guerra

Tem-se um pouco a impressão de que, a partir dum certo momento, a corrupção se


pode ter transformado num factor de persistência da guerra. E esta impressão decorre
da circunstância da classe castrense nacional ser um sujeito importante do processo
de acumulação capitalista privada.

A guerra tem sido, como se sabe, o principal obstáculo ao reinício do processo de


recuperação da produção interna, por três razões essenciais: avultadíssimos recursos
financeiros e humanos que anualmente consome, aumento da dívida externa pública
e completo divórcio do sector produtivo nacional (o sector militar acaba por assumir,
também, um certo carácter de “enclave”, porque as despesas e investimentos
realizados têm beneficiado as economias dos países fornecedores). O relegar para
plano secundaríssimo da produção nacional é o resultado da corrupção que se faz
sentir no sector de aquisições, preferindo-se as importações, não apenas pelas
margens de comissões, como pela maior facilidade da sua prática.

Não será demais chamar a atenção para a necessidade de se estabelecerem


contratos-programa entre as empresas nacionais e o sector militar que comprometam
uns e outros nos fornecimentos de bens e serviços.

» posição do Estado na economia

O primeiro grande problema para a instauração duma economia de mercado tem-se


chamado Estado: é o maior proprietário, é o único exportador (e consequentemente o
único agente que gera divisas), um grande importador, o maior empregador da
economia, o maior consumidor de recursos, o maior devedor e o maior investidor
(sobretudo pela via das suas concessionárias nos petróleos e diamantes). Pouco tem
restado para a iniciativa privada. O quadro seguinte procura expressar a dimensão do
Estado na economia nacional, desde que se entendeu que a adopção dum modelo de
mercado era irreversível:

169
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

POSIÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA


(MILHÕES DE USD E PERCENTAGENS DO PIB)
ANOS 1992 1993 1994 1995 1996 1997
RUBRICAS
CONSUMO 1,885.4 1,867.8 1,322.0 2,151.3 2,161.5 2,526.4
PÚBLICO (23,6) (32,1) (30,8) (40,1) (32,7) (32,4)
.Salários* 1,246.3 686.6 197.4 338.0 569.5 750,9
(15,6) (11,8) (4,6) (6,3) (8,6) (9,6)
.Bens e 583.2 1,140.5 1,098.8 1,770.4 1,580,7 1,753.6
serviços (7,3) (19,6) (25,6) (33,0) (23,9) (22,5)
.Outras 55.9 40.7 25.8 42,9 11.3 21.9
despesas c/ (0,7) (0,7) (0,6) (0,8) (0.17) (0.3)
pessoal
Transferências 431.4 308.4 626.6 257.5 221.5 332.8
(5,4) (5,3) (14,6) (4,8) (3.3) (4.3)
Juros da dívida 463.4 517.9 485.0 547.2 761.0 311.8
externa (5,8) (8,9) (11,3) (10,2) (11.5) (4.0)
Investimento 343.5 360.8 141.6 348.7 320.2 494.8
Público (4,3) (6,2) (3,3) (6,5) (4,8) (6,3)
Importações 151.6 296.5 285.7 460,3 411.0 457.0
directas do (1,9) (5,1) (6,6) (8,6) (6,2) (5,9)
Estado(***)
Despesas c/ 958.7 1,489.7 1,510.8 1,014.0 1,000.0 1,169.3
defesa e (12,0) (25,6) (35,2) (18,9) (15,1) (15,0)
segurança(**)
Salários 287.6 128.0 98.7 187,8 244.8 364.0
militares (3,6) (2,2) (2,3) (3,5) (3,7) (4,7)
Educação 335.5 215.3 73.0 144.9 165.4 171.5
(4,2) (3,7) (1,7) (2,7) (2,5) (2,2)
Saúde 167.8 168.8 94.4 166.3 105.8 155.9
(2,1) (2,9) (2,2) (3,1) (1,6) (2,0)
Despesas 4,513.8 3,497.2 2,931.4 3,406.8 3,308.4 3,725.5
orçamentais (56,5) (60,1) (68,3) (63,5) (50,0) (47,8)
PIB 7,989.0 5,819.0 4,292.0 5,365.0 6,615.0 7,795.0

(*) Inclui salários dos militares


(**) A maior parte destas despesas não está registada no OGE
(***) Cerca de 26% em média do total das despesas em bens e serviços
FONTES: FMI-Staff Report, 3/9/1997; FMI-Aide Mémoire, 25/5/98

Os valores anteriores demonstram que o Estado se tem alheado completamente da


estruturação da economia nacional, investindo verbas absolutamente exíguas na
criação das condições básicas para o crescimento: em média não mais de 5% de
investimento em infraestruturas, cerca de 2,5% em educação e pouco mais de 2,0%
na saúde. Isto quer dizer que as bases materiais e humanas para a afirmação da
iniciativa privada não existem. Em contrapartida, o Estado:

» retira em média 32% ao PIB a título de despesas com pessoal civil e militar e
com a aquisição de bens e serviços;
» do montante global de despesas em bens e serviços, gasta cerca de 26% em
importações directas, 50% das quais em viaturas. Por esta via, o Estado, ao gastar
anualmente quase 500 milhões de dólares nos últimos anos, tornou-se no segundo
maior importador da economia, logo a seguir ao sector petrolífero;
» deduz, em média, 20,3% da riqueza gerada em cada ano para as despesas
com a defesa e segurança, sem qualquer reprodutividade interna, uma vez que as
Forças Armadas e de Segurança dão uma total preferência às importações;
» está omnipresente na economia, uma vez que as suas despesas orçamentais
totais representam, em média, 57,7% do PIB; esta presença inconveniente do Estado
infecunda as iniciativas privadas, propicia o tráfico de influências, potencia a corrupção
e torna-o numa força inconveniente e até mesmo “chata”;
» continua a privilegiar uma política de incentivos a preços e às empresas
públicas deficitárias (as transferências têm rondado, em média, os 6,3% do PIB), o que
introduz sinais falsos nos mecanismos de formação dos preços.

170
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Mas a interferência nefasta do Estado na economia, sobretudo em matéria de


utilização de recursos, pode também ser apreciada através da evolução do défice das
contas públicas em relação ao PIB (de acordo com estimativas do FMI): 25,3% em
1992, 13,9% em 1993, 17,0% em 1994, 26,0% em 1995, 20,4% em 1996 e 12,3% em
1997. No contexto actual só existem duas modalidades de financiamento: crédito ao
Estado pelo Banco Central (emissão vazia de moeda) ou empréstimos externos. No
primeiro caso, as consequências sobre a taxa de inflação são imediatas. No segundo,
trata-se de desviar para o consumo financiamentos que poderiam ser aplicados em
infraestruturas e em investimentos produtivos privados. Deste modo se entende
claramente que a disciplina orçamental não é nenhum chavão, mas uma necessidade
imperiosa para o funcionamento da economia.

O Estado é também o único agente gerador de divisas, o que lhe confere uma posição
determinante no mercado cambial interno: os agentes económicos privados e os
demais interventores sociais estão na total dependência do Estado para a realização
das suas operações externas, o que, evidentemente, facilita os comportamentos
corruptos dos agentes da Administração Pública. Esta posição de força do Estado é
reforçada pela circunstância de ser também o único agente que contrai financiamentos
externos, sendo disso prova concludente que a dívida externa (cerca de 10 biliões de
dólares em Dezembro de 1997) é totalmente pública:

Posição do Estado em termos de moeda externa(em milhões de usd)


ANOS 1992 1993 1994 1995 1996 1997
RUBRICAS
Exportações de 3,573 2,826 2,896 3,400 4,170 4,771
petróleo
Rendimentos 1,965 1,554 1,593 1,870 2,023 2,567
líquidos do Estado
Financiamentos 719 291 532 150 642 834
externos
Disponibilidades 2,684 1,845 2,125 2,020 2,665 3,401
totais do Estado
PIB 7,989 5,819 4,292 5,365 6,615 7,795

Fontes: MODANG; FMI - Staff Report 3/9/97; FMI - Aide-Mémoire 25/5/98

O Estado assume a posição de maior proprietário da economia, derivada dos


confiscos e das nacionalizações de praticamente todas as unidades económicas em
1976 e 1977 ( o parque empresarial à época da independência era constituído por
mais de 5000 unidades económicas de pequena, média e grande dimensão). O
processo de privatizações tem estado, desde que foi iniciado em 1988, sujeito a
pressões de natureza política que culminaram com a decisão de se priorizarem e
preferirem os cidadãos nacionais em detrimento dos estrangeiros. As justificações são
sobretudo de natureza nacionalista e não económica. Porém, das 1000 unidades de
muito pequena dimensão privatizadas em 10 anos, apenas 30% estão em
funcionamento mais ou menos normal, e cerca de 50% destas foram, entretanto,
vendidas, repassadas ou trespassadas a empresários estrangeiros. Ou seja, por esta
via não respeitadora da transparência económica, o Estado promove o enriquecimento
- sem trabalho ou esforço - de algumas centenas de cidadãos (porventura importantes
para o poder político), deixando de auferir um rédito mais elevado e cujo valor poderia
ser aplicado para minorar certas carências da população. O Estado exime-se, deste
modo, da sua função primeira de responder pelos bens nacionais, tornando-se num
facilitador duma acumulação privada discutível, porque não meritória. E afinal as
empresas estatais acabam, na sua maioria, na mão dos empresários estrangeiros.

171
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Permanecem como propriedade do Estado as grandes empresas importadoras e


exportadoras, os bancos comerciais, as grandes empresas de transportes, as grandes
e médias unidades industriais e agrícolas, etc.

A função económica do Estado não é a de ser proprietário, mas, pelo contrário, de


facilitador do desenvolvimento económico, através:
* da disponibilização de infraestruturas físicas e materiais eficientes
* da constituição do capital humano nacional
* do fornecimento dos equipamentos sociais
* da garantia da estabilidade macroeconómica e duma sã concorrência
* da assunção dum papel de redistribuição dos frutos do crescimento
económico.

2.- INFORMAÇÃO, DEMOCRACIA E DECISÃO MACROECONÓMICA


(Palestra por ocasião da Semana Angolana de Estatística, Novembro de 2000)

Por vezes as citações têm o condão de expressar numa frase pensamentos tão
profundos e pertinentes, que em condições normais se consumiriam, certamente, dois
ou três parágrafos. Não resisto a reter duas, que espelham, lapidarmente, a
importância das estatísticas na vida social: “ o saber estatístico será um dia uma
qualificação tão necessária para uma cidadania eficaz, como o saber ler e escrever”
de H.G. Wells e “ primeiro apurai os factos, depois podeis distorcê-los à vontade” de
Mark Twain. Sobretudo a primeira ajusta-se que nem um fato feito por medida ao tema
que pretendo desenvolver nesta palestra, ao colocar o conhecimento estatístico como
um dos pilares básicos duma cidadania responsável, interventora e participativa. Uma
cidadania assim é o caminho mais curto e seguro para a consolidação dos sistemas
democráticos.

Em termos gerais pode afirmar-se que a informação é hoje um factor de progresso das
sociedades. Verifica-se que o desenvolvimento dos sistemas estatísticos e de
informação tem estado directamente ligado ao aprofundamento e à extensificação dos
sistemas democráticos e multipartidários. Com efeito, nas sociedades organizadas
nada se faz sem o recurso à informação. O elevado grau de participação da sociedade
nas decisões políticas exige dos poderes instituídos informação.

Em primeiro lugar, são os cidadãos a reclamarem por informação, de modo a


defenderem os seus múltiplos interesses individuais ou colectivos, enquanto
trabalhadores, consumidores e eleitores. Esta qualidade de votante, que os “obriga” a
diversas vezes por ano exprimir a sua opinião sobre determinados assuntos da vida
das suas sociedades, é particularmente exigente em termos de informação. Um voto
só o será em consciência se o cidadão estiver devidamente informado sobre o assunto
em causa. Aliás, é nesta qualidade de votante que se opera a convergência entre
democracia e informação. Os eleitores chamados a escolher entre diversas propostas
partidárias têm de estar informados sobre a evolução de muitas variáveis económicas
do país, tais como o rendimento nacional - porque é daqui que se reparte a riqueza
gerada num ano entre salários, lucros e rendimentos do capital - o consumo privado -
quanto maior for o seu crescimento melhores serão as suas condições de vida - o
consumo e o investimento públicos, que traduzem o modo como o Estado fez ou
pretende fazer uso dos impostos dos cidadãos e dos empréstimos externos. Nestes
contextos sociais de grande democracia, a informação representa, acima de tudo, a

172
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

oportunidade de se controlar o compromisso político entre eleitores e eleitos. Quando


estes compromissos políticos entre Estado e cidadãos não existem, a importância que
se dá à informação é reduzida, senão mesmo nula. Existem ainda países, como
Angola, em que a relação entre o poder político e os cidadãos é muito longínqua. Os
Estados não se sentem na obrigação de apresentarem as suas contas aos cidadãos,
arvorando-se em decisores únicos dos processos de repartição e aplicação de
recursos. São países de elevados défices de cultura democrática, quer da parte do
poder político instituído, quer da parte da população. E onde existe défice democrático,
necessariamente ocorrerá um défice de cultura de informação e de cultura estatística,
de igual ou superior expressão. A tradução prática destes défices é a pouca
importância dada à produção estatística, à formação dos sistemas estatísticos
nacionais, à divulgação e utilização da informação, etc. A criação duma cultura de
informação é, para mim, uma das condições de aprofundamento das democracias.
Talvez seja mesmo por aqui que o estabelecimento duma cultura democrática deva
começar. Porque se o cidadão compreender o poder das estatísticas, passará a
reclamar o direito de ser informado.

Mas o elevado grau de participação dos diferentes estratos sociais nas decisões
políticas que referi anteriormente como uma das características das sociedades
organizadas, não se esgota nos cidadãos que são chamados a opinar sobre os
assuntos em causa. As empresas - convencionalmente reconhecidas como as células
básicas da economia - têm o direito e o dever de participar no jogo democrático das
sociedades. E não é pela via do financiamento das campanhas eleitorais, muitas
vezes obscuro, porque encobre interesses inconfessáveis. Mas pelo viés da
informação. Ao facilitar informação para os órgãos nacionais competentes, as
empresas ajudarão a produzirem-se estatísticas fundamentais para se formar a
consciência dos eleitores.

Mas, sobretudo, contribuirão para a criação duma cultura estatística. Para mim a
cultura estatística caracteriza-se pela sensibilidade à informação, por uma
dependência de informação e por uma capacidade de gestão da informação. A
primeira deve começar na Administração do Estado e nos decisores públicos - é
fundamental que se compreenda que a formulação de políticas públicas não deve ser
feita na ausência de informação, sobretudo porque as decisões que se tomarem irão
afectar a vida de toda a gente - e estender-se às empresas. A dependência da
informação deve ser apanágio de toda a sociedade, ainda que não se perfilhe o
exagero de muitos países - por exemplo dos Estados Unidos da América - em que se
generalizou uma obstinação pela informação e onde quase tudo é reduzido a
números. A capacidade de gestão de informação é uma aspecto determinante da
cultura estatística. Saber retirar da informação o que melhor ela tenha e saber aplicar
os resultados nos momentos oportunos e nas decisões mais importantes é quase uma
arte, que tem na sensibilidade à informação um elemento precioso.

Longe vão os tempos em que as decisões se tomavam mais na base da intuição do


que em dados quantitativos. Os espantosos progressos ocorridos nas áreas do
conhecimento que lidam e tratam a informação respondem, em parte, pela utilização
crescente das estatísticas nos vários aspectos da vida em sociedade. Mas, também, a
generalização da utilização das estatísticas é explicada pelos crescentes
entrelaçamentos entre fenómenos económicos, sociais e políticos, que condicionam
drasticamente a emissão de opiniões ou a escolha de opções sem o recurso à
informação. As repercussões duma decisão mal tomada ou duma escolha mal feita
são hoje incomparavelmente maiores do que ontem, dadas, justamente as fortes inter-
relações entre os fenómenos sociais que o progresso económico determinou. No
domínio dos negócios o exarcebamento da concorrência aconselha a que qualquer
decisão de investir, de diversificar ou de exportar se alicerce em estudos concretos,

173
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

claramente demonstradores do sentido e da orientação da decisão. Não fazê-lo é


elevar o coeficiente de risco a limiares onde a probabilidade de sucesso se pode
reduzir drasticamente.

O sector dos negócios foi justamente quem primeiro absorveu a necessidade de


informação, tendo, até em determinadas circunstâncias, dado contributos importantes
para o desenvolvimento das áreas do conhecimento voltadas para a análise e
tratamento da informação. Ao que parece, as primeiras manifestações ao nível das
empresas decorreram da necessidade de se conhecer bem a empresa por dentro,
detectando-se limitações ou carências e avaliando-se as potencialidades de
crescimento e desenvolvimento.

A informação é a força vital dos mercados. Se é certo que os mercados de


concorrência pura (um único produto ou produtos homogéneos) e perfeita
(conhecimento de todas as oportunidades de produzir, investir e trabalhar) são meras
figuras da construção da teoria económica, não é menos verdade que a redução das
imperfeições naturais dos mercados tem nas estatísticas e na informação em geral um
poderoso factor de melhoria do seu funcionamento, em busca da racionalidade e dos
equilíbrios.

Se é certo que toda a decisão ou opção envolve sempre um risco, a disponibilização


de informação minimiza-o. Esta afirmação é geral, aplicando-se mesmo quando os
cidadãos exercem o seu direito de intervenção na sociedade. Quando se toma a
decisão de votar e de escolher está-se a assumir um risco, que a informação pode
minimizar. No domínio das decisões empresariais e públicas a informação associada a
determinadas técnicas estatísticas - como a análise probabilística e a inferência
estatística - consente a medição do risco. Assim, quando hoje se toma uma decisão,
empresarial ou de política económica, pode ter-se a exacta consciência do grau de
risco que se corre e da margem provável de sucesso. Deixaram de haver razões para
uma navegação à vista e passaram a existir condições para se ir mais longe com uma
navegação à bússola.

Nas economias organizadas em que o mercado desempenha o papel essencial no


processo de afectação de recursos, as empresas são um dos principais agentes da
informação. Se forem desposadas de cultura estatística, esta qualidade de agente de
informação ou se perde, ou então desadquire o estatuto de que se deveria revestir.
Estes agentes de informação desempenham um papel central nos sistemas
estatísticos nacionais, quer enquanto possuidores de informação de base, quer na
qualidade de utilizadores de informação. Daí que, em última instância, a qualidade da
informação dependa do modo como as empresas são administradas e organizadas,
isto é, da sua capacidade de gerar e gerir informação.

O outro grande agente de informação é a família, a célula básica da sociedade.


Existem variáveis macroeconómicas fundamentais para a formulação e gestão da
política económica, para cujos valores contribui a actividade das famílias: o consumo
final privado e o rendimento nacional. Esta última variável traduz o modo como a
produção dum determinado ano se converte em rendimento, a ser repartido pelos
intervenientes no processo produtivo. Sem valores certos para este agregado
macroeconómico - que é a expressão máxima da actividade económica nacional -
desconhecer-se-á o comportamento dum elemento fundamental da estrutura e do
funcionamento duma economia. O conhecimento das componentes do rendimento
nacional é essencial para o estabelecimento de políticas visando a sua maximização e
uma melhor repartição pessoal e funcional. É sobre esta variável que convergem as
atenções de empregadores e empregados quando em causa está a discussão de
contratos colectivos de trabalho, a fixação de salários mínimos, a repartição dos

174
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

ganhos de produtividade, o estabelecimento de políticas de preços, a definição de


políticas de transferências (reformas, aposentações e subsídios de desemprego), etc.
O rendimento nacional é uma verdadeira variável política, presente nas disputas de
poder nas democracias mais avançadas que praticam a cultura da estatística. Por ser
uma variável política por excelência pode estar sujeita a manipulação, só erradicada
quando os cálculos forem reconhecidos como isentos, claros e objectivos. Mas o
rendimento nacional “esconde”, também, opções de política económica extremamente
importantes, sendo de destacar a escolha entre o presente e o futuro. É do
conhecimento geral que o crescimento e o progresso das economias dependem da
sua real capacidade de poupar e investir. Argumenta-se que quando se privilegia, no
processo de repartição do rendimento nacional, o factor trabalho está-se a
comprometer o futuro, porquanto os salários estão mais vocacionados a financiar
consumos presentes do que consumos futuros (ou seja, o investimento). E mesmo
quando se contrapõe que parte dos salários pode ser poupada, constituindo-se, assim,
em fonte de financiamento do investimento, responde-se que a poupança originada no
trabalho é, muitas vezes, entesourada, permanecendo, portanto, fora do circuito
financeiro. O ponto essencial destas teses é o de que a parte do rendimento nacional
atribuída a título de remuneração do trabalho é uma fonte importante de financiamento
da procura final efectiva, elemento crucial para as decisões de investimento privado.
Os lucros representam um potencial de investimento, sem o qual se não processará a
reprodução alargada da base produtiva.

Verifica-se, por conseguinte, que o rendimento nacional é um agregado


macroeconómico extraordinariamente sensível, terreno predilecto de confronto entre
sindicatos e grémios patronais. Seguramente que se assistirá proximamente em
Angola à recuperação desta variável para o terreno da disputa política, tornando-se
num factor de coesão nacional ou de confronto social, consoante os consensos ou as
dissensões que se conseguirem.

A outra variável que referi anteriormente é o consumo final privado. É sobretudo uma
variável de política económica, mas com um enorme poder de influência sobre as
decisões microeconómicas de investir e produzir. Enquanto variável de política
económica pode ser utilizada como instrumento promotor do crescimento, de
contenção da inflação, de acréscimo das receitas fiscais, de incremento das
exportações (num quadro de oferta interna rígida e de graves desequilíbrios na
balança de transacções correntes, uma contenção no consumo privado pode ser a
solução para se aumentarem as exportações), de redução das importações, etc.
Valores desagregados desta variável dão conta do estádio de progresso duma
sociedade. Com efeito, o desenvolvimento económico está muito correlacionado com
a alteração da estrutura do consumo privado final, sendo a predominância de bens
alimentares e de vestuário sinónimo de subdesenvolvimento, enquanto que o peso de
bens de consumo duradouro e de serviços como a educação, a cultura, a informação e
o lazer é a tradução de progresso e de elevados índices do nível de vida. Mesmo
neste aspecto o consumo privado continua a ser um instrumento de política
económica, ao ser utilizado para contrariar o consumo exagerado de determinados
bens em detrimento de outros.

Constata-se, assim, que as famílias e as empresas são dois agentes centrais de


informação, porque são repositórios importantes de dados estatísticos necessários
para se quantificarem duas das mais importantes variáveis da política económica. É,
portanto, fundamental que estes agentes compreendam o seu papel no processo de
cedência de informação, uma vez que dados falsos ou enviesados comprometem a
formulação das políticas económicas e limitam, drasticamente, o seu campo de acção.

175
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

O Governo e a sua Administração Pública são o mais importante dos agentes


institucionais. É no exercício da sua actividade que se geram informações estatísticas
quantificadoras do consumo final público e do investimento público, duas variáveis do
Produto Interno Bruto e da Despesa Nacional. Não é necessário destacar-se a
relevância do consumo público, vulgarmente expresso pelas despesas orçamentais
com os salários e com o funcionamento corrente dos serviços. Certamente que ainda
está na memória dos cidadãos as medidas de contenção do défice do Estado tomadas
pelo Governo visando diminuir o volume de financiamento obtido com emissão de
moeda. A contenção ou a redução do défice fiscal tem consequências relevantes para
o progresso das sociedades, porque, em última instância, o que pode estar em causa
é menos educação, menos saúde, menos cultura e menos lazer. Gerir o consumo
público é, também, e num outro sentido, assumir posições de intervenção política na
sociedade e sujeitar a polémicas as opções quanto a mais ou menos “social”. As
chamadas sociais democracias ocidentais - com particular destaque para a Europa -
assumem claramente a vertente social como um dos mais importantes alicerces do
progresso dos seus países e povos. As economias liberais consideram, pelo contrário,
que mesmo os bens públicos como a educação e a saúde, podem ser objecto duma
oferta privada para satisfação das respectivas necessidades.

Compreende-se, por consequência, que as informações estatísticas sobre o consumo


público, sua estrutura e natureza, sejam relevantes para a sociedade no seu todo,
porquanto em causa podem estar maiores ou menores níveis de satisfação de
necessidades de carácter social.

O investimento público joga um papel determinante no crescimento económico dos


países. São os investimentos em obras públicas, em reabilitação e construção de
estradas, pontes, portos, aeroportos, barragens, habitação, redes de transportes de
bens, energia e água, etc., que são uma verdadeira fonte de crescimento económico,
directamente, pelo emprego que criam e pelos rendimentos que geram, e
indirectamente pelos efeitos multiplicadores que desencadeiam sobre toda a
actividade económica, a jusante e a montante.

Famílias, empresas e instituições, cada uma à sua maneira, são os esteios das
sociedades democráticas e os elementos preponderantes duma cultura da informação.
Funções essenciais para a compreensão dos problemas das sociedades e para a
tomada de medidas que promovam o seu progresso e o generalizem a toda a
população.

3.- O PROBLEMA DAS ESCOLHAS PÚBLICAS


(Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado” nº 6, Agosto de 2001)

Há bastante tempo que me tenho interrogado sobre o processo das escolhas públicas
em Angola. Ou seja, como é que as decisões de política económica e social são
tomadas. Do ponto de vista constitucional compete aos órgãos de soberania
Presidente da República e Governo a definição das linhas programáticas do
desenvolvimento económico e social do país, competindo à Administração do Estado a
organização dos processos de implementação das medidas e das acções que darão
corpo concreto àquelas determinações.

176
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Ora bem, é justamente neste quadro que duas questões se colocam. Em primeiro
lugar, em nome de quem as prioridades nas escolhas públicas são estabelecidas? Em
segundo lugar, na base de que critérios?

As respostas científicas a estas questões são dadas pela teoria económica, enquanto
que as respostas práticas terão de ser encontradas no bom senso de quem governa.
Naquilo a que passei a designar por “wise governance”.

A teoria das escolhas públicas é um ramo da economia que se desenvolveu a partir do


estudo da tributação e dos gastos públicos. Apesar dos primeiros trabalhos terem
surgido na década de 50 só nos anos 80 foram registados grandes impulsos com os
trabalhos de James Buchanam, reconhecidos mais tarde com a atribuição do prémio
Nobel da Economia. O cerne da teoria das escolhas públicas é a motivação na tomada
de decisões de índole colectiva. Na microeconomia, ao serem estudados os
comportamentos dos mercados, a conclusão basilar é a de que os agentes
económicos (empregadores, empregados e consumidores) tomam as suas decisões
motivados pelo interesse próprio. É este o motor da economia de mercado, ainda que
uma parte das pessoas e agentes possa basear algumas das suas atitudes na sua
preocupação pelos outros. Recuperando, passageiramente, o pensamento de Karl
Marx dir-se-ia que esta preocupação dominante consigo próprio é um dos elementos
da teoria da alienação marxista, já que no capitalismo é a obtenção do lucro que
norteia e comanda todo o processo de tomada de decisões económicas. A teoria das
escolhas públicas refere, portanto, que a preocupação dominante com os outros deve
pertencer ao Estado e ao Governo, sendo exactamente neste contexto que as
perguntas anteriores têm razão de ser: em nome de quem as escolhas públicas são
tomadas, na base de que processo e com recurso a que critérios?

O principal argumento da teoria das escolhas públicas é o de que as pessoas que


actuam no mercado político - eleitores, políticos, “lobbyistas”, burocratas,
ministros - embora tendo alguma preocupação com os outros, são
essencialmente motivados pelo interesse próprio. Esta conclusão é de capital
importância, sobretudo, para os casos em que os regimes democráticos são jovens,
não estando, por conseguinte, consolidados, sendo mais permeáveis a manobras de
dilação. Com efeito, quanto mais vulnerável for um regime democrático, maior será a
avidez para se acentuar a motivação pelo interesse próprio dos gestores públicos no
processo de tomada de decisões colectivas: ausência de mecanismos de controle e de
fiscalização, limitadas capacidades técnicas dos membros dos parlamentos nacionais,
reduzida acutilância das organizações da sociedade civil, falta de informação e de
cabal esclarecimento dos eleitores, etc.

Aliás, um dos argumentos característicos da teoria das escolhas públicas é a falta de


motivação para os eleitores fiscalizarem devidamente os actos e as atitudes dos
governos. Mesmo em democracias mais antigas e estruturadas reconhece-se que o
eleitor é largamente ignorante sobre os assuntos políticos. Trata-se, no entanto, duma
ignorância racional, porque propositada e selectiva. Na verdade e a despeito dos
resultados das eleições serem, indiscutivelmente, muito importantes, o voto dum
indivíduo raramente decide uma eleição. O que quer dizer que o impacte dum voto
bem informado é praticamente nulo. Assim, perder tempo a informarem-se sobre os
assuntos políticos não é gratificante para os eleitores. É esta ignorância racional que
explica as grandes margens de abstenção que cada vez mais se vão registando nas
eleições.

Sustenta a teoria das escolhas públicas que esta motivação para a ignorância é rara
na economia privada. Qualquer agente económico, antes de tomar uma decisão de

177
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

afectação de recursos, reúne toda a informação relevante, de modo a maximizar os


benefícios e a minimizar os custos.

Mas ainda que a motivação eminentemente de sobrelevância do interesse próprio no


processo de decisão pública possa ser remanescente, a metodologia da política
económica consagra diferentes capítulos ao processo da escolha pública, naquilo que
o mesmo tem de colectivo. Por exemplo, o capítulo referente ao problema da escolha
pública na elaboração da política económica refere que é através duma função de
preferência colectiva que as correspondentes opções devem ser tomadas. Esta função
de preferência colectiva estabelece a ordem de preferências sociais a partir da ordem
de preferências individuais dos cidadãos. É através desta função de preferência
colectiva que se pode estabelecer uma ordem de preferências - ou um quadro de
prioridades - do género

DEFESA  EDUCAÇÃO  SAÚDE  CULTURA

Por esta via a chamada ignorância racional de que falava anteriormente - baseada na
falta de incentivo para o cidadão exercer o seu direito de voto no uso de todas as
informações relevantes sobre as ordens de preferência dum determinado partido
político - pode ficar atenuada, porque afinal o interesse próprio está expresso e, em
princípio defendido. Ainda que diluído no interesse colectivo.

Assim, a resposta à pergunta anterior “em nome de quem as escolhas públicas são
feitas?” fica metodologicamente dada: em nome do interesse colectivo expresso numa
função de preferência colectiva. As escolhas públicas não deveriam, portanto, ser
determinadas por ninguém em especial. Deveria ser a colectividade a exprimi-las e a
estabelecê-las.

Na base de que processo é que esta função de preferência dever ser estabelecida?
Lembro que se está a raciocinar no quadro duma democracia representativa, mesmo
que, como a nossa, jovem, manipulável e manipulada e sujeita a uma série de
atropelos advenientes dum regime de partido único, constitucionalmente abolido
apenas em 1991, mas ainda presente em muitos comportamentos pessoais, políticos
e institucionais.

A estatuição duma função de preferência colectiva deve obedecer a algumas


condições:

 todas as ordens de preferências individuais são admissíveis, ou seja, tem


de ser possível estabelecer uma prioridade de preferências qualquer que
seja o estado de opinião pública;
 existe uma ligação positiva entre as escolhas individuais e as escolhas
colectivas: se a ordem de prioridade sobe numa qualquer escala de
preferências individual e se todas as restantes se mantiverem, então essa
decisão deve subir na escala colectiva;
 as escolhas colectivas não são impostas do exterior, donde para toda a
escolha entre a e b (defesa e saúde, por exemplo) existe pelo menos um
estado de opinião pública tal que a colectividade prefira, de facto, a a b;
 a última condição é, talvez, a mais importante. A metodologia aplicada ao
processo das escolhas públicas exige que não haja “ditador”, isto é, um
indivíduo cujas preferências individuais sejam automaticamente as da
colectividade.

A expressão das preferências individuais pode ser feita de, pelo menos, dois modos
distintos.

178
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

O primeiro é através dos programas dos partidos políticos. Estes programas devem
estabelecer uma ordem de preferências relativamente aos problemas mais candentes
e importantes do país real. Por exemplo, um determinado partido político pode propor
à colectividade uma ordem de prioridades do género,

SAÚDE  EDUCAÇÃO  DEFESA  CULTURA

É uma proposta política concreta na qual uma determinada percentagem da população


se revê e outra não. Mas para que este processo de estabelecimento duma função de
preferência colectiva seja viável é fundamental que a democracia funcione com
efectividade e coerência, com alternância do exercício do poder - que confere a
possibilidade de apresentação de propostas diferentes de ordens de preferências
sociais.

O segundo modo de procedimento é pela via das sondagens e inquéritos de opinião.


Este método é hoje de utilização generalizada na política e na economia e tem
fornecido resultados amplamente aceitáveis. Estas sondagens podem ser realizadas
quer pelos partidos da oposição, quer pelo partido do Governo. Para os primeiros,
constitui a via pela qual se podem aperceber das ordens de preferências individuais
dos cidadãos e estabelecerem, na sua base, uma proposta política concreta de
preferências sociais. Para o partido do Governo é importante o conhecimento das
alterações das ordens de preferências individuais que certamente ocorrem no período
duma legislatura.

Em Angola as escolhas públicas não têm obedecido a uma função de preferência


colectiva. São os responsáveis políticos, os governantes e os burocratas que
estabelecem as suas ordens de preferências face aos vários problemas que se
colocam à sociedade. As ordens de preferências de certos grupos de interesse - tais
como as igrejas, as associações profissionais, as associações empresariais e
sindicais, as associações de consumidores e, mesmo, as ONG’s - não têm sido
consideradas porque não está institucionalizado um processo real e efectivo de
concertação social. O Conselho de Auscultação e Concertação Social existente acaba
por ser mais virtual do que real, porquanto as ordens de preferências dos interesses aí
representados não são, normalmente, levadas em consideração para o Governo
estatuir uma escala de preferências sociais. Portanto, a ordem de preferências
existente,

DEFESA  EDUCAÇÃO  SAÚDE  CULTURA

reflecte uma função de preferência do Governo - ou do Estado que ele representa - e


não da colectividade.

Que critérios devem suportar um processo de estabelecimento e ordenamento das


escalas de preferências sociais? Desconheço os que no país são utilizados pelos
governantes e pelas Administrações: critérios meramente pessoais - na senda do que
a teoria das escolhas públicas postula quanto ao comportamento dos agentes públicos
no mercado político - critérios baseados em comparações internacionais para estádios
semelhantes de desenvolvimento (ou situações comparáveis de crise militar e política),
critérios baseados em suposições quanto ao que os decisores públicos entendem ser
as necessidades da população? Não se trata apenas de decidir que a defesa é mais
importante que a educação - dum ponto de vista relativo - mas de quantificar esta
relatividade das preferências sociais. Ou seja, que a defesa vale, por exemplo, três
vezes mais do que a educação e seis vezes mais do que a saúde. Será que esta
escala quantitativa de preferências reflecte, de facto, as necessidades sociais por
estes bens colectivos? Em princípio deveria ser, mas é evidente que não é isso o que

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

se passa. Aquela quantificação da relatividade das preferências colectivas é a que, em


média, tem vigorado para o país, mas a base do seu estabelecimento, todos o
sabemos, não é social.

A escassez, absoluta ou relativa, de recursos financeiros - muitas vezes apontada


como um critério para o estabelecimento de prioridades nos gastos públicos - não
responde à questão sobre o que fundamenta considerar-se, por exemplo, a educação
mais importante do que a saúde. Um critério mais aceitável poderia ser o da
quantidade de consumo social desse bem público em particular.

Justamente no contexto da teoria das escolhas públicas, a utilidade total e a utilidade


marginal dum determinado bem público devem ser critérios a utilizar para se
quantificarem os recursos financeiros a atribuir à sua satisfação colectiva. A afectação
dum determinado montante de dinheiro do Estado - dinheiro da Nação e, portanto, dos
cidadãos - à satisfação duma qualquer ordem de preferências colectivas depende de
quanto a população já possua (de quanto a população consuma) de cada um dos bens
públicos aí considerados. E neste domínio parece que o consumo social de defesa
está muito próximo da saturação, enquanto que os consumos sociais de educação,
saúde e cultura se apresentam com “quantus” muito reduzidos.

Seguramente que a defesa tem a sua utilidade social. No entanto, esta só é


maximizável num contexto em que outras necessidades sociais sejam consideradas
com uma importância relativa semelhante. Com efeito, a defesa não é um factor
directo de desenvolvimento económico, porque dilacera recursos materiais e humanos
que são fundamentais para o progresso social. Em Angola a guerra tem sido um
poderoso factor de destruição, e nem mesmo dum ponto de vista indirecto -
dinamização da actividade produtiva interna, substituição de importações,
desenvolvimento de métodos de organização poupadores de recursos financeiros e
disciplinadores do uso dos disponibilizados, construção/reabilitação de infraestruturas
económicas, etc. - a mesma tem servido para se mitigarem os seus efeitos mais
nefastos. Os “stock’s” de capital humano, físico e social é que são os verdadeiros e
únicos factores de desenvolvimento e sem eles não será possível, por exemplo,
encetar qualquer processo sério e sustentado de reversão da pobreza no país.

Quais são os actuais níveis de consumo social daqueles bens públicos? Este
“quantum” pode ser estabelecido por duas vias, a saber, a percentagem das despesas
públicas em relação ao Produto Interno Bruto e a sua capitação. O quadro seguinte
espelha a realidade no país:

ANOS Despesas com a defesa Despesas com a educação Despesas com a saúde
% do PIB Capitaçãousd % do PIB Capitaçãousd % do PIB Capitaçãousd
1992 12,0 90,43 4,2 31,64 2,1 15,83
1993 25,6 136,41 3,7 19,71 2,9 15,46
1994 35,2 134,44 1,7 6,45 2,2 8,40
1995 18,9 87,75 2,7 12,54 3,1 14,39
1996 19,2 185,42 2,5 13,90 1,6 8,84
1997 22,4 152,26 2,8 19,03 1,8 12,23
1998 11,4 53,29 2,6 12,16 1,4 6,55
1999 n.d n.d 2,5 9,99 1,5 5,99
2000 n.d n.d 4,2(1) 18,86 4,4(1) 19,76
(1) Valores orçamentados
FONTE: Por Onde Vai a Economia Angolana, Alves da Rocha, Executive Center e LAC, 2000
NOTA: Entendi não valer a pena apresentar dados sobre a Cultura porque fazê-lo seria ridicularizar ainda mais este
importante sector da vida social nacional, tantos são os zeros depois da vírgula e antes do primeiro algarismo diferente
de zero.

A escala de preferências do Governo é clara ao longo do período retractado no quadro


anterior. Genericamente tem-se,

180
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

DEFESA  EDUCAÇÃO  SAÚDE  CULTURA

Será que este ciclo - sempre mais do mesmo e cada vez menos do resto - se vai
manter no futuro? Qual a real utilidade social da defesa? Os valores do quadro anterior
expressam que o consumo social de defesa esteve sempre entre 21 vezes e 3 vezes
mais do que o consumo social de educação e entre 16 e 6 vezes mais do que o
consumo social de saúde. Manifestamente que a educação e a saúde ocuparam
sempre um lugar secundário na escala de preferências do Governo, onde sempre
pontificou a defesa.

Mas o consumo social de defesa tem sido efectivo, real? Ou seja, não teria sido
possível a mesma eficácia militar com menos recursos financeiros do Estado? A
classe castrense é, genericamente, considerada como disciplinada e disciplinadora,
organizada e organizadora, praticando códigos rígidos de conduta profissional. Aliás,
tem sido entre a organização militar que métodos como o OBZ, o PERT, o PPBS, etc.,
foram inventados e desenvolvidos e posteriormente absorvidos pelas Administrações
Públicas e pelo sector privado. Assim sendo, a probabilidade de o consumo social de
defesa não ter sido o efectivo pode ser considerada de elevada.

Por outro lado e ainda recorrendo ao quadro anterior, é, também, claro que os
consumos sociais médios de educação e saúde são exíguos e incompatíveis com
quaisquer propósitos de crescimento económico sustentado e de redução da pobreza.

Vistos de outro ângulo aqueles mesmos valores podem traduzir duas situações
diferentes, mas do mesmo modo importantes:

 a utilidade social marginal da defesa talvez tenha entrado numa zona


decrescente, dada a sua elevada proporção em relação ao PIB ao longo do
tempo. Provavelmente a população deixou de atribuir à defesa a mesma
utilidade social total que lhe outorgou, por exemplo, nos primeiros anos da
década de 90;
 pelo contrário, e face à sua irrelevante proporção no PIB - que exprime, no
fundo, o “quantum” socialmente tem sido consumido - a utilidade social total
da educação e da saúde pode ser elevada, reclamando os cidadãos a sua
ordenação prioritária na escala de preferências dos governantes e dos
decisores públicos.

Mas a provável desutilidade social da defesa - ou pelo menos a sua saturação social -
tem outras expressões:

 a defesa tem sido paga com impostos sobre o rendimento das pessoas
singulares e colectivas que significam uma subtracção de rendimentos à
comunidade, uma diminuição do consumo privado e, eventualmente, uma
alteração na escala de preferências individuais/familiares. Ou seja, a defesa
tem um preço que os cidadãos pagam, traduzido em menores rendimentos
e na alteração das suas escalas de preferências individuais;
 se a defesa tiver sido custeada integralmente com os impostos pagos pelas
concessionárias petrolíferas, esses montantes significam que os sectores
sociais (educação, saúde e cultura) - eventualmente com uma utilidade
social marginal maior do que a defesa - forneceram uma oferta bastante
aquém das reais necessidades colectivas. Donde também por esta via a
defesa ter um preço equivalente às necessidades colectivas não satisfeitas
nos sectores sociais;
 se a defesa tem sido custeada com empréstimos externos, então a dívida
pública tem aumentado. Uma dívida pública mais não é do que um

181
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

adiamento de impostos, mas de um montante superior, pois há que pagar


juros. Portanto, uma dívida pública tem sempre incidência sobre as
gerações futuras e os consumos sociais futuros (tal não ocorre com a
dívida pública interna, uma vez que neste caso o Estado subtrai rendimento
a uns através dos empréstimos para pagar as suas despesas e amanhã
cobrará impostos a outros para pagar a dívida contraída no passado,
operando-se, apenas, uma redistribuição do produto).

O processo das escolhas públicas é um dos aspectos de grande importância da boa


governação - ou como já mais atrás referi da “wise governance”, ou seja, duma sábia
governação. Por isso é importante que:

 se dê expressão efectiva às ordens de preferências dos cidadãos, quem


primeiro vive as situações e sente os problemas (normalmente os decisores
públicos estão bem distantes, uma vez que o grau de satisfação das suas
necessidades individuais é elevado),
 se altere, num ritmo compatível com os restantes factores determinantes da
política económica, a escala de preferências do Governo, para que se
invertam os índices de saturação da população;
 se dê efectiva importância aos órgãos de auscultação e concertação social,
como os veículos através dos quais as mais importantes escalas de
preferencias colectivas se podem expressar.

4.- O ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO E O PROGRAMA DO GOVERNO PARA


2002: AS GRANDES OPÇÕES E A INFLUÊNCIA DA CONJUNTURA
INTERNACIONAL
(Artigo publicado na Revista “Economia e Mercado”, nº8, Janeiro 2002)

Estamos a viver uma parte final do primeiro ano do novo século um pouco
conturbadamente. Os ataques terroristas ao World Trade Center e ao Pentágono
concerteza que terão consequências mundiais ainda não totalmente previsíveis de
momento. Um panorama sombrio que não ocorria desde que os árabes arrasaram as
economias ocidentais com os seus choques do petróleo na década de 70.

É um lugar comum a afirmação de que quando a economia americana “espirra” o resto


do mundo apanha uma pneumonia. A forma como a maior economia do mundo for
capaz de lidar com estes trágicos acontecimentos - ainda por cima agravados com a
queda de um avião no dia 12 de Outubro em Queens, sem que até ao momento se
tenha a certeza da sua origem - será decisiva para a economia mundial, muito em
particular para os seus principais parceiros, entre os quais se encontra Angola como
fornecedor de petróleo. A estimativa que se faz dos custos económicos dos ataques
terroristas a Nova Iorque rondam os 20 mil milhões de dólares em termos directos -
segundo as seguradoras - e mais de 150 vezes este valor ( qualquer coisa como 300
mil milhões de dólares) para os custos indirectos, tendo em conta apenas as perdas
registadas pelas bolsas de todo o mundo - um autêntico choque de oferta sobre a
economia mundial.

Não existe, ainda, uma convergência quanto às previsões económicas até ao final
deste ano, e principalmente para 2002. No que todos os analistas económicos estão
de acordo é sobre o abalo que todos os índices de confiança sofreram. Álvaro
Mendonça sublinha que o índice de confiança dos consumidores elaborado pela

182
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Universidade de Michigan caiu de 91,5 pontos para 81,8 pontos, o valor mais baixo em
8 anos. E o índice de confiança dos industriais declinou de 47 pontos para 45,5
pontos.

Jeffrey Sachs recomenda que a “solução económica não reside num pacote de
estímulos para a economia dos Estados Unidos, mas pelo contrário em medidas de
reconstrução da confiança que assegurarão ao mundo que a economia mundial,
agora ligada numa rede global, poderá continuar a funcionar eficazmente e sem
interrupção”.

Rudiger Dornbush - um dos fundamentalistas da globalização e do ultraliberalismo -


afirma, sem rodeios:” se a economia dos EUA entrar em queda vertiginosa após os
ataques terroristas em Washington e Nova Iorque, a economia mundial entrará em
território perigoso. Este é um risco real, porque a América só pode seguir um de dois
caminhos, para cima ou para baixo. Já não existe confiança suficiente para continuar a
andar lentamente à deriva”. A reposição da confiança dos consumidores é, para este
economista americano, a preocupação fundamental da política económica da América
e da União Europeia.

Outro atento observador do comportamento da economia mundial é Philippe


d’Arvisenet, que sobre estes trágicos acontecimentos comenta: “ os efeitos imediatos
dos atentados de 11 de Setembro correspondem a um choque da oferta e ao
desaparecimento brutal de meios de produção, arrastando consigo desemprego
técnico considerável,… tratando-se duma tragédia sem precedentes sobre a confiança
dos sujeitos económicos, sobre a procura interna e a actividade económica”.

Joseph Stiglitz - o mais recente prémio Nobel da Economia - e Paul Samelson afinam
pelo mesmo diapasão da confiança abalada.

Quanto ao comportamento económico nesta parte final e durante 2002, também, as


opiniões não são completamente convergentes. E é neste contexto que a execução do
que resta do programa do Governo angolano para 2001 e do programa para 2002
devem ser analisadas.

Entretanto, vejamos o que se passará até ao final deste ano. Álvaro Mendonça alega
que os terceiro e quarto trimestres registarão crescimentos negativos da ordem dos
0,6%-0,8%, de acordo com os resultados dum inquérito do Wall Street Journal aos
mais reputados economistas americanos. Citando Kenneth Rogoff, economista-chefe
do FMI, “existe uma probabilidade significativa de que os Estados Unidos venham a
atravessar dois trimestres sucessivos com crescimento negativo - a definição técnica
de recessão”. E, recuperando Rudiger Dornbush, se a América e o seu mercado
bolsista entrarem em queda, o declínio da Europa transformar-se-á em recessão e o
Japão, já envolvido por uma depressão moderada, mergulhará num abismo mais
fundo. Porém, este economista não perde o seu optimismo quanto à capacidade de
recuperação rápida da situação: “primeiro, os “stocks” das empresas americanas
caíram para níveis muito baixos e se a procura se mantiver em ascensão, a produção
terá de aumentar para suportar a pressão das vendas. Em segundo lugar, os
sucessivos cortes verificados nas taxas de juro durante os últimos meses, tornaram o
custo do capital mais favorável e, portanto, assim que a produção e a taxa de
utilização da capacidade produtiva subam, também o investimento das empresas
aumentará. Por último, também o atraso maior da recuperação - as compras de alta
tecnologia - voltará gradualmente ao ritmo normal, na segunda metade do próximo
ano”. E parece que Dornbush não está só neste optimismo moderado, que é
compartilhado por d’Arvisenet ao afirmar que a confiança na economia americana
regressará dentro de três meses.

183
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Parece, em definitivo, que os últimos trimestres deste ano é que serão os mais difíceis
para a economia americana. Ainda que tecnicamente possa entrar em recessão,
esperam-se, contudo, crescimentos já positivos nos dois primeiros trimestres de 2002,
e no terceiro trimestre um crescimento (anualizado) de 3,5%, próximo do seu potencial
de longo prazo.

E nós por cá? O único elo de ligação da economia angolana à economia mundial é,
infelizmente, o preço do petróleo. As receitas de exportação (mais de 90%) e as
receitas fiscais (mais de 70%) são muito dependentes da evolução do preço do
petróleo, e o aumento da produção interna não é totalmente elástica para compensar
eventuais quebras de valores, porque depende da evolução da procura mundial e das
respectivas encomendas e das operações de prospecção. O comportamento do preço
do petróleo tem sido descendente desde Abril e se o OPEP não chegar a acordo
quanto ao controle das quantidades produzidas - que só seria eficaz se envolvesse
outros produtores mundiais não membros deste cartel, como a Rússia, o Reino Unido
e a Noruega - é muito provável que o preço desta matéria prima se situe em torno dos
$15 por barril até ao final do ano. O impacto desta quebra poderá ser expressiva sobre
a economia nacional, não apenas na vertente fiscal, como no resto da actividade
económica.

Acresce que se as perspectivas de recessão mundial até ao final deste ano e pelo
menos, durante os primeiros seis meses de 2002 se confirmarem, então poderá
acontecer que a quantidade exportada por Angola diminua. Em quanto dependerá da
efectiva dependência da economia americana do petróleo angolano e da elasticidade
procura-preço do nosso crude.

Neste cenário de recessão mundial - ainda que encurtada no tempo - pode acontecer
que a taxa de crescimento do PIB que o Governo estabeleceu para 2002 (15,1%) não
tenha condições para se verificar. Não apenas devido à expressão da participação da
economia petrolífera (21,1%), como pelo esforço que se pede à não petrolífera (cerca
de 7%).

Quanto à economia petrolífera, as razões já foram avançadas e resumem-se ao clima


geral de falta de confiança e de recessão económica nas principais economias
mundiais.

Relativamente à economia não petrolífera as minhas reservas fundamentam-se no


seguinte:

 em primeiro lugar, na sub-produtividade crónica da agricultura, da indústria


e mesmo dos serviços em geral. Com base em cálculos muito preliminares
pode-se avançar com um valor de cerca de $2,330 dólares para a
produtividade bruta da economia, muito baixo em termos absolutos e
relativos. A verdadeira dimensão da insignificância desta cifra está na
circunstância de se referir a toda a economia, com a inclusão dos sectores
de ponta, como os petróleos e os diamantes;
 para além disso, para uma meta inflacionista de 50% para 2002, e
considerando inalterada a velocidade de circulação da moeda, os meios de
pagamento (M3) não poderão incrementar-se mais do que 81,7%, donde o
crédito ao investimento na economia não petrolífera ter de ser programado
em limites muito estreitos ( só entre Janeiro e Setembro de 2001 o
agregado M3 variou 82,3%); ora sem crédito e sem poupança das
empresas não se vê muito bem como se conseguirão garantir 7% de
crescimento para a economia não petrolífera;

184
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 ainda a taxa de investimento; é reconhecida a forte correlação entre


investimento público e investimento privado. Em diferentes vertentes: a da
confiança (se o Estado faz é porque acredita em que algo de diferente se
poderá passar), a do arrastamento via economias externas (fundamentais
para a indústria em domínios como a energia e a água) e a dos efeitos,
polarizadores num primeiro momento e multiplicadores depois. O OGE para
2002 reserva para investimento público um montante correspondente a
apenas 12,6% do total das suas despesas, o que transportado para a
economia representará pouco mais de 1,9% do PIB, muito pouco para um
crescimento desejado de 7%;
 por fim, a disponibilidade de matérias primas e de meios de produção, para
já não falar da baixa qualidade da gestão empresarial e da mão-de-obra em
geral.

Mas as minhas reservas estendem-se à meta para a inflação: 50% para 2002. A sub-
produtividade crónica da economia não petrolífera concerteza que terá consequências
nefastas sobre os preços, que se houverem de ser ajustados numa lógica de mercado
atirarão a inflação para limites superiores aos estabelecidos no Programa e no
Orçamento do Governo. Se forem as importações o instrumento atenuador da relativa
incapacidade da oferta interna, o saldo da balança de transacções correntes -
deficitário em 2001 em 216 milhões de dólares - poderá agravar-se. De resto, se a
tendência de decrescimento do preço do petróleo se agravar em 2002 (é evidente a
preocupação do Governo neste domínio ao ter estabelecido como preço médio para a
programação financeira $17 por barril), pode acontecer que nem mesmo um
incremento de 23,5% na extracção seja bastante para suprir o efeito preço.

Mas há outro elemento de risco sobre a inflação programada para 2002: a magnitude
dos aumentos salariais previstos para 2002, principalmente para os funcionários civis
e militares do Estado - provavelmente na economia privada terão de ser pelo menos
de amplitude equivalente. Segundo a execução orçamental do primeiro semestre de
2001, as despesas com o pessoal absorveram 29,2% do total das despesas públicas.
Para 2002 o peso desta rubrica orçamental baixa ligeiramente para os 24,1%, mas
com uma repartição assimptótica entre as despesas com o pessoal militar e para-
militar (65,2% do total das despesas com o pessoal) e as despesas com o pessoal civil
(apenas 15,6%). Sabendo-se que do estrito ponto de vista económico as despesas
com o pessoal militar e para-militar são improdutivas, a sua válvula de escape só
poderá ser dada pela pressão sobre os preços.

São razões que para não interagirem negativamente sobre a inflação vão determinar
uma gestão financeira muito rigorosa e com o fechamento de todas as janelas de
emissão vazia de moeda.

A aparente grande novidade do OGE para 2002 é dada pela significativa perda de
importância das despesas com a defesa (tão somente 6,5% do total das despesas).
Uma leitura simplista leva a correlacionar esta decisão de afectação com os avanços
militares, que para o Governo foram importantes e o que resta a fazer para acabar
com o conflito armado não implica o envolvimento de maiores verbas. No entanto, é
consabido que nunca as despesas militares se inscreveram totalmente no OGE.
Apesar disso, é de registar esta opção, nomeadamente em favor dos denominados
sectores sociais, em que a educação averbará 7,2%, a saúde 5,8%, a segurança e
assistência social 4,3% e a habitação e serviços comunitários 2,1%. No entanto -
como sempre não há bela sem senão - as despesas de investimento nestes domínios
são irrisórias.

185
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5.- OS DESAFIOS DA POLÍTICA ORÇAMENTAL NO PÓS-CONFLITO


(Conferência proferida na Associação Angolana de Fiscalidade por ocasião do seu primeiro
aniversário, Maio de 2002)

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Tem sido amplamente reconhecido que a política orçamental em Angola não


desempenhou o papel estabilizador e de fomento do crescimento que seria de esperar
numa economia de mercado. Pelo contrário, a política orçamental implementada no
passado tem sido acusada de contribuir para o descontrolo da inflação e o uso
ineficiente dos recursos da Nação, sem que tenha sido competente para atenuar as
notórias situações de pobreza e de privação social.

Até que ponto, resolvido definitivamente o conflito militar, libertadas as energias físicas
e a capacidade criativa da nossa população, criadas as condições para uma maior e
definitiva integração nos mercados financeiros mundiais e reunidos os atributos para
uma crescente circulação interna dos factores de produção, a política orçamental
nacional pode, em definitivo, ser um factor de crescimento económico e um
instrumento para incrementar, numa escala aceitável, o fornecimento de bens
públicos, e para garantir uma melhoria considerável na redistribuição dos rendimentos.

É normalmente reconhecida a enorme importância da política orçamental para o


funcionamento das economias. Em qualquer país uma boa política orçamental é mais
do que meio caminho para criar as condições consideradas propícias à estabilidade
económica e ao crescimento do produto.

Em situações de reconstrução económica e de modernização do tecido produtivo mais


se acentua a indispensabilidade de uma correcta política orçamental167 que promova
uma utilização socialmente eficiente dos recursos disponíveis na economia168 e que
contribua para um substancial acréscimo do grau de satisfação das necessidades
sociais.

(a) O papel do Estado através da política orçamental

Nas economias de mercado modernas a necessidade de intervenção pública


fundamenta-se num conjunto mais ou menos amplo de razões e destina-se,
principalmente, a guiar, corrigir e suplementar, quando não mesmo substituir, os
mecanismos de mercado em certos aspectos e situações. Existem várias razões para
a intervenção do Estado por intermédio do orçamento e da política orçamental:

» assegurar as condições prévias para o funcionamento mais eficiente dos


mecanismos de mercado, como as leis definidoras da propriedade, leis de
regulamentação da concorrência, do mercado de trabalho, etc.;
» garantir as condições propícias ao exercício da concorrência perfeita, como a
que melhor proporciona uma afectação mais racional dos recursos da
economia (legislação anti-monopolista ou anti-cartelista);
» assegurar o fornecimento de bens públicos, caracterizados como os que não
se adaptam à forma de regulação pelo mercado. São bens que apresentam as
características de não rivalidade, não exclusividade, não divisibilidade e custo
marginal de produção nulo;
167
A utilização deliberada das receitas e despesas do sector público para alcançar determinados objectivos
designa-se por política orçamental. A política fiscal tem um âmbito mais restrito, limitando-se a
“manobrar” instrumentos especificamente de natureza fiscal.
168
Procurando-se que as decisões quanto à produção e ao consumo de bens e serviços vendidos no
mercado sejam determinadas pela avaliação social dos respectivos custos e benefícios.

186
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

» garantir a necessária coordenação entre o nível e a composição da produção


futura (planeamento económico);
» asseverar um nível de emprego elevado, a estabilidade dos preços e uma
taxa de crescimento socialmente aceitável;
» introduzir ajustamentos na distribuição do rendimento.

Na promoção da produtividade e do crescimento da economia espera-se do Estado,


justamente pela via da política orçamental e das reformas estruturais, que:

- fomente e garanta a educação, que a prazo é o único factor que cauciona


uma base sustentada de acréscimo da produtividade e dos salários;
- racionalize a administração pública e o sector empresarial do Estado, única
forma de asseverar uma utilização racional dos recursos que os cidadãos entregam à
guarda do Estado;
- crie um sistema judicial, de saúde e de segurança social eficientes, de forma a
permitir uma dinâmica positiva entre o objectivo da coesão social (tão necessária aos
propósitos de reconciliação nacional e de abonação definitiva da paz) e a criação do
maior valor acrescentado pelas empresas;
- crie um clima favorável necessário a atrair recursos escassos, como capital,
tecnologia, organização empresarial e trabalho qualificado.

(b) As funções orçamentais clássicas e modernas

Ao lado das funções clássicas do orçamento e que se prendem principalmente com as


regras de organização do documento financeiro do Governo, perfilam-se as chamadas
funções orçamentais modernas e que estão em consonância com um determinado
modelo de intervenção do Estado na economia.

As funções da política orçamental ou das finanças públicas, enquanto utilização


deliberada das receitas e das despesas públicas para se alcançarem determinados
objectivos, podem ser resumidas e sistematizadas assim:

 a função afectação, que se refere ao fornecimento pelo sector público dos


chamados bens públicos, ao modo como a produção é repartida entre bens
privados e públicos e às correcções ao nível da afectação de recursos;
 a função distribuição, pela qual se efectuam os ajustamentos na distribuição
do rendimento e da riqueza, assegurando-se a sua conformidade com os
juízos de valor e opções prevalecentes na sociedade;
 a função estabilização e crescimento, em que o uso das variáveis
orçamentais tem por fim assegurar equilíbrios macroeconómicos da maior
relevância (emprego, crescimento, etc.).

É justamente neste contexto duma política orçamental moderna e da necessidade de o


Estado assumir determinadas responsabilidades económicas e sociais que se vai
reflectir sobre os desafios que se colocam à política orçamental nacional nesta fase
pós-conflito.
EVOLUÇÃO ECONÓMICA RECENTE

A política orçamental tem de ter como quadro de referência a situação económica,


valendo, portanto, a pena comentar o seu comportamento nos anos mais recentes.

(a) Alguns agregados macroeconómicos

O quadro seguinte transcreve dados gerais sobre o comportamento da economia


nacional no último lustro do século passado:

187
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

ANOS POP.TOT PIB PIBpc(usd) EXTotal IMTotal BTC DEFORÇ Inflação


1996 13009 6535 502,3 5406,3 5980 -574 -14,5 1651,3
1997 13378 7486 559,6 5257,3 6236 -978,2 -17,2 64,0
1998 13766 6387 463,9 3700,4 5762,9 -2062,5 -10 134,8
1999 14174 5990 422,6 5336,0 7100,0 -1764,0 -7,8 291,3
2000 14602 9049 619,7 8114,1 7476,8 637,3 -1,9 268,4
MÉDIA 12095 7084,3 602,1 4388,2 5545,5 -758,3 -13,4 977,5
TMAVARI 3,8 0,3 -3,3 8,9 7,7 29,9 -20,7
FONTE: ALVES DA ROCHA - Os Limites do Crescimento Económico em Angola, LAC/Executive Center,
2001
NOTAS: As médias e as taxas de variação referem-se ao período 1989-2000 e os valores do PIB, das exportações,
das importações e do saldo da balança de transacções correntes estão em milhares de USD. Os valores da população
estão referidos a milhares de habitantes. O défice orçamental está expresso em percentagem do PIB e os valores da
inflação são os acumulados no final de cada ano.

A dinâmica de crescimento da economia angolana não tem sido significativa e


expressou-se, entre 1989 e 2000, por uma taxa média anual de variação do PIB em
USD de apenas 0,3%. Durante este período foram verificadas determinadas
ocorrências que, mais ou menos intensamente, prejudicaram a economia nacional. O
aumento da dependência da economia petrolífera - sujeita continuamente às
oscilações do preço 169 e da procura mundial - o fenómeno sempre presente da guerra,
as dificuldades da gestão macroeconómica e as pressões sociais permanentes de
uma população profundamente carenciada, podem ser algumas das razões que
ajudam a compreender tão baixo índice de desempenho económico global.

Uma vez que o PIB real da economia petrolífera variou, entre 1990 e 2000, a uma
cadência média anual de 4,6%, conclui-se, então, que a economia não petrolífera deve
ter apresentado um comportamento médio negativo de cerca de -6,2%170 .

Sendo desta economia que depende a criação de emprego e a sobrevivência directa


de praticamente toda a população do país, fácil se torna aceitar a prevalência de uma
degradação das suas condições de vida e dos seus rendimentos. De resto, e como se
constata pelos valores do quadro anterior, o PIB per capita regrediu a uma taxa média
anual de 3,3% entre 1989 e 2000, apesar de neste último ano ter apresentado um
valor médio um pouco acima dos $600 dólares norte americanos171. Se a este facto se
juntarem os elevados índices anuais de inflação interna - face aos quais as
populações mais pobres e de menores recursos não conseguem desenvolver
estratégias consequentes de resistência - conclui-se que o problema dos rendimentos
e dos preços em Angola é dos mais relevantes para a política económica, não apenas
de estabilização, mas sobretudo da de desenvolvimento sustentado.

Não obstante as considerações anteriores, os valores do quadro ainda em análise,


também patenteiam evoluções positivas no domínio macroeconómico. Com efeito:

169
Se se considerar 1990 o ano base, conclui-se que entre este ano e 2000 se registaram nove quebras no
preço internacional do petróleo, e que 1998 foi na década o de menor valor comercial para o crude
angolano ($12 por barril o que representou uma quebra de 45,2% face a 1990) e que só em 2000 o preço
de 1990 foi ultrapassado em cerca de 24%. Estes cortes no preço do petróleo determinaram uma pressão
muito forte sobre a exploração dos recursos petrolíferos como a única forma de manter relativamente
constante o volume de receitas de exportação (a produção entre 1990 e 1998, por exemplo, aumentou
55,8%).
170
Admitindo-se que, em média, o PIB petrolífero representa cerca de 60% do PIB total.
171
O PIB per capita num contexto em que a economia petrolífera detém 60% da actividade económica do
país - exercida por empresas transnacionais que desfrutam de condições muito particulares de expatriação
de lucros e rendimentos e de salários - acaba por ter reduzida importância analítica.

188
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 a taxa de variação média das exportações - entre 1989 e 2000 -


suplantou a das importações - no mesmo período - em cerca de
15,5%, o que pode ser um excelente prenúncio de ultrapassagem
da apetência nacional pelas importações. Pela primeira vez em mais
de 10 anos a BTC registou um saldo positivo de quase 640 milhões
de dólares norte americanos, o que pode ser um bom prenúncio de
alteração do modelo de crescimento centrado nas importações 172.
Mas igualmente importante a registar é o crescente peso de outros
produtos nas exportações totais, com particular destaque para os
diamantes e outros produtos minerais;
 o défice orçamental em percentagem do PIB tem vindo a apresentar
valores cada vez mais baixos, certamente a tradução de políticas de
gestão orçamental mais rigorosas e disciplinadoras, mesmo
sabendo-se que continuam a prevalecer problemas sérios de
organização racional das finanças públicas, de produtividade
administrativa, de desperdício de recursos financeiros e de
eficiência no funcionamento da Administração do Estado. A redução
do défice orçamental processou-se a uma cadência média anual de
quase 13,5%, tendo-se chegado a 2000 com um valor abaixo dos
2%;
 apesar de ainda muito elevadas, as taxas de inflação - uma inflação
média na década 1991-2000 de 977,5%, medida em termos de taxa
acumulada em Dezembro de cada ano - têm vindo a diminuir. Numa
primeira avaliação este desempenho fica a dever-se ao maior rigor
na gestão das contas públicas, na execução da programação
monetária e nas várias reformas estruturais de mercado
implementadas, com particular incidência no domínio cambial e
monetário;
 justamente um dos resultados dessas reformas teve a sua
expressão na redução do diferencial entre as taxas de câmbio de
referência e do mercado paralelo: 1298,2% em 1991 e 5,1% em
2000, com uma inversão clara da tendência em 1999.

DESAFIOS DA POLÍTICA ORÇAMENTAL

Numa situação pós-conflito as expectativas dos cidadãos estão em crescendo


contínuo, aguardando-se que o Governo aumente consideravelmente o grau de
satisfação das necessidades sociais básicas e constitua as condições essenciais para
a redução significativa da pobreza.

(a) A estabilização macroeconómica

A função estabilizadora está directamente relacionada com a utilização da política


orçamental enquanto instrumento da política macroeconómica. Neste contexto, a
política orçamental deve ser formulada objectivando alcançar ou manter um elevado
nível de emprego, uma razoável estabilidade dos preços, o equilíbrio da balança de
pagamentos e ainda uma taxa aceitável de crescimento económico. Pela natureza e
importância destes objectivos, compreende-se que a política orçamental é das mais
categorizadas políticas macroeconómicas que os Estados levam à prática.

A função estabilizadora da política orçamental é essencial, porquanto o pleno emprego


e a estabilidade dos preços não são resultados automáticos do funcionamento do
sistema de mercado, exigindo, ao invés, uma orientação por parte das políticas

172
Ainda que os dados relativos a 2001 revelem um novo agravamento do saldo com o exterior.

189
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

públicas173. Na ausência dessa política orientadora, a economia tende a estar sujeita a


uma série, mais ou menos perversa, de flutuações, podendo passar por ciclos de
desemprego ou recessão, ou por períodos de inflação174.

Talvez a mais relevante manifestação de instabilidade macroeconómica no país seja a


inflação175.

Tem sido, seguramente, um dos fenómenos mais permanentes da economia


angolana. Parece que existe um convencimento generalizado de que no país a causa
principal da inflação está nos excessivos défices fiscais do Estado e sobretudo na
natureza monetária do seu financiamento. Se esta afirmação pode ser aparentemente
incontestada até 1998 – em que foram registadas taxas médias mensais de inflação
próximas dos 40% em média anual (em Maio de 1996 a taxa de inflação foi de 84,1%,
nas raias da hiperinflação) – a partir de 1999 tal justificação deixa de ter suporte
económico, uma vez ter-se registado uma correcção importante na gestão da política
orçamental, que levou não apenas à diminuição do valor do défice orçamental, como à
alteração da forma do seu financiamento. No entanto, o valor elevado de despesas
extra-orçamentais e de obrigações quase fiscais do Banco Nacional de Angola ainda é
considerado como uma razão forte que impede um maior controle da inflação176.

Não foram realizados estudos sistemáticos sobre os custos da inflação no país.


Sentem-se os seus efeitos diários em diferentes dimensões da vida económica e
social dos agentes e dos cidadãos:

 a inflação é um imposto escondido, mas de efeitos devastadores sobre os


rendimentos, dos mais pobres em particular. Seguramente que a seguir à
guerra, a inflação é a segunda causa de depauperamento das populações,
estando a comprová-lo não só os valores elevados do índice de pobreza e

173
É também neste domínio que se estabelece uma diferença crucial entre as políticas estruturais de
mercado propugnadas pelo FMI, Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio e o planeamento
económico. Como defende João Ferreira do Amaral (Política Económica, Edição Cosmos, 1996): “o
planeamento económico não se limita a confiar no mercado. Pelo contrário, traduz-se numa intervenção
pública na economia através da preparação e execução dum plano destinado a orientar a afectação de
recursos e a incentivar as actuações dos agentes económicos, de forma a que a economia se aproxime de
certos objectivos definidos previamente. Vê-se, assim e claramente, a diferença em relação às políticas
estruturais de mercado. Nestas não existem objectivos de crescimento económico definidos a priori, o
crescimento será o que for, e apenas se confia que será o maior possível se os mecanismos de mercado
funcionarem eficientemente. No planeamento económico escolhem-se objectivos de crescimento e tenta-
se, através da intervenção das entidades públicas, incentivar os agentes a atingir esses objectivos.”
174
Naturalmente que uma intervenção exagerada por parte do sector público – aumento intempestivo do
consumo público, por exemplo – pode transformar-se numa importante fonte de perturbação sobre a
economia, sendo, por consequência, pertinente que se busquem as políticas públicas mais efectivas.
175
Naturalmente que outros macropreços, como as taxas de juro, as rendas e as taxas de câmbio, são,
igualmente, expressões evidentes de desequilíbrios profundos nos respectivos mercados, transmitindo
sinais intranquilizadores para as decisões microeconómicas. Num clima em que estas disfuncionalidades
abalem o sistema geral de formação dos preços, opera-se uma trama complexa, cujo reflexo final é o
descontrolo dos preços nos mercados de factores e nos mercados de bens e serviços.
176
A problemática dos fluxos de moeda estrangeira do sector petrolífero – importação de divisas pelas
companhias multinacionais para pagamento das suas obrigações fiscais e receitas de exportação da
concessionária nacional SONAGOL para efeitos semelhantes e para pagamento das suas despesas de
funcionamento como parceira de exploração – tem reflexos indeléveis sobre a estabilização cambial, a
criação de moeda para financiamento do défice orçamental e o desenvolvimento económico. Demonstra-
se existir uma correlação acentuada entre as taxas de câmbio de mercado e a inflação, pelo que a
convergência deste mercado pode ser um ponto importante para a valorização da moeda nacional pela via
do controle da inflação.

190
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

baixos do índice de desenvolvimento humano, como o agravamento do


número de pobres entre 1995 e 2000;
 a inflação representa uma das maiores injustiças que qualquer economia
pode fazer aos seus cidadãos, simplesmente porque a inflação não afecta
todos por igual, havendo inclusivamente quem ganhe com a subida dos
preços;
 mas a inflação é, também, fonte de instabilidade. Se a subida de preços
fosse sempre prevista ou sempre igual não haveria problema algum,
porquanto as pessoas teriam facilidade em se precaverem dos seus efeitos.
O problema é que normalmente a inflação é imprevisível e quanto mais alta
mais tende a acentuar-se este carácter de imprevisibilidade, ocasionando o
conhecido fenómeno das expectativas, que contribui para que os níveis
seguintes de inflação sejam superiores aos anteriores;
 do mesmo modo, a inflação prejudica a eficiência da economia por duas
vias: desde logo, a inflação gera um desperdício de recursos, traduzido em
más aplicações de fundos, em actualizações permanentes dos preços, etc.;
depois, pelas perturbações que introduz no sistema de preços – os preços
variam sem terem ocorrido alterações na situação real da economia –
afectando a eficiência estática ou actual da economia;
 com a mesma intensidade a inflação afecta a eficiência dinâmica da
economia, pois como os preços ficam muito incertos, a criação de novas
empresas e a realização de novos investimentos que criam
desenvolvimento ficam adiados para melhor calendário.

Por estas razões é que a contenção da inflação em níveis baixos e limites aceitáveis
tem constituído o objectivo central dos programas económicos do Governo. E o
controlo da inflação em limites socialmente comportáveis tem de continuar a ser um
dos grandes desafios duma política orçamental pró-activa, interventora sobre as
causas adjacentes e atenta a eventuais derrapagens. Daí que se faça mister:

 o controlo das variáveis monetárias, mas num quadro de não agravamento


excessivo das condições de oferta, o mesmo é dizer, do crédito ao sector
produtivo177;
 o excesso de expectativas - estribado numa ainda falta de confiança no
funcionamento da economia e na política económica do Governo178, em
comportamentos claramente especulativos que muitos agentes económicos
veiculam - terá de ser cabalmente combatida com políticas de oferta, que
façam aumentar a produção, baixar os preços e ajustar os preços relativos.

177
A menor restritividade da política monetária pelo viés do crédito à economia tem de estar em perfeita
consonância com a política orçamental, que deverá ser de grande contenção nos gastos correntes do
Estado e de fomento do investimento público (propiciador do incremento da produtividade empresarial).
As recentes medidas de índole monetária que culminaram na transformação das filiais dos bancos
portugueses aqui estabelecidos em instituições bancárias de direito angolano - libertando-se, deste modo,
das directrizes do Banco de Portugal quanto aos limites impostos às provisões - poderão jogar claramente
a favor do aumento do crédito à economia e ao sector privado, mesmo dentro dos ditames da programação
monetária global. Numa situação de finalização da guerra e de libertação de capacidades, energias e
inciativas antes adormecidas, esta possibilidade de aumento do crédito é determinante para a recuperação
da economia nacional.
178
Evidentemente que os altos e baixos nas relações com o Fundo Monetário Internacional não
contribuem para que as expectativas do sector privado alinhem com os ditames da recuperação da
produção.

191
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Não se pode continuar a acentuar apenas uma das vertentes da política económica,
qual seja, a das políticas da procura179. É urgente a política económica do Governo
passar a acentuar o primado das políticas de oferta em todos os mercados, como uma
das vias para que os mecanismos de mercado actuem mais de acordo com os trâmites
da teoria económica.

(b) O crescimento económico

As relações entre a política orçamental e o crescimento são conhecidas da teoria


económica, verificando-se, inclusivamente, que os orçamentos com saldo nulo não
são neutros sobre a actividade económica em geral. Um orçamento equilibrado pode
exercer uma influência positiva ou negativa sobre a economia, dependendo dos
instrumentos accionados. Manifestamente que impostos acrescidos intentam sobre a
motivação para investir e o volume de oferta de mão-de-obra qualificada, enquanto
que o aumento indiscriminado de despesas administrativas pode levar a uma
ampliação da inflação.

O que de mais importante se pode passar no país em termos de inter-relações


orçamento/crescimento económico reflecte-se quase exclusivamente sobre a
economia não petrolífera. De resto, o orçamento é, actualmente, a via quase exclusiva
de relacionamento entre a economia petrolífera e a economia não petrolífera, valendo,
portanto, a pena indagar de que forma é que a política orçamental pode ajudar o
desenvolvimento desta última.

O exercício que foi ensaiado baseou-se num modelo de crescimento tipo Harrod-
Domar a duas restrições: a primeira é precisamente dada pelo défice/excedente
orçamental - a conhecida poupança pública - e a segunda expressa-se na capacidade
de financiamento externo da economia (a poupança externa)180. O modelo contém
variáveis reais, tais como as taxas de crescimento do PIB e de investimento da
economia, variáveis orçamentais, nomeadamente, os gastos civis, os gastos militares,
os impostos petrolíferos e os impostos não petrolíferos, e variáveis relativas às
componentes do financiamento externo da economia, na ocorrência, o investimento
directo estrangeiro, os empréstimos e a ajuda pública ao desenvolvimento181.

O exercício consistiu em se aquilatar da influência daquelas variáveis orçamentais


sobre o crescimento do PIB182, para o que se construíram dois cenários de médio

179
Pode-se já estar numa situação de não haver mais procura para restringir. Os ajustamentos nos preços
dos combustíveis - que se repercutem, acto contínuo, nos preços por intermédio das estruturas de custos
empresariais, muito débeis ainda para absorverem estes choques externos - são uma das provas de que
sem políticas de oferta - como, por exemplo, a da concorrência - não se poderão controlar os preços em
limites sustentáveis.
180
Não foi acrescentada à restrição interna a poupança privada, por não se deterem informações seguras
quanto à sua expressão e variáveis explicativas (uma aproximação a este conhecimento pode ser vista em
Alves da Rocha - Os Limites do Crescimento Económico em Angola, LAC/Executive Center, 2001,
Anexo II). Assim, os resultados obtidos com a utilização do modelo não expressam as influências
positivas ou negativas desta componente restritiva do investimento.
181
Pode-se questionar se a APD deve integrar o bloco do financiamento externo, ou se pelo contrário,
deveria estar considerada na restrição orçamental, uma vez que esta ajuda externa tem sempre fundos de
contrapartida nacional fornecidos pelo orçamento do Estado. Para efeitos da articulação do modelo os
resultados seriam praticamente os mesmos, embora em termos da organização financeira do Estado as
ajudas devam constar do orçamento. Questão de semelhante natureza é a dos empréstimos, uma vez que
praticamente toda a dívida externa é pública.
182
Os valores encontrados expressam o contributo da política orçamental para o crescimento do PIB e
particularmente da actividade não petrolífera, uma vez que a actividade da economia petrolífera e a
determinação do respectivo Valor Acrescentado obedecem a lógicas muito diferentes das da economia

192
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

prazo, um de referência e outro com base em determinadas hipóteses de trabalho


correspondentes a opções claras quanto às funções fiscais modernas de
provisão/produção de bens públicos e de promoção duma melhor repartição do
rendimento nacional.

CENÁRIO DE REFERÊNCIA
ANOS 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Md02/07
VARIÁVEL
BD 740 927 942 1044 1376 1765 1967 1336,8
PPDOL 22,9 18 18 18 18 17,5 17,5 17,8
VBPP 6185,3 6090,4 6188,9 6859,1 9040,3 11273,9 12564,2 8701,7
TP(imp.petro) 3133 2838 2744 2873 3655 4561 5081 3625,3
TP/VBPP 50,7 46,6 44,3 41,9 40,4 40,5 40,4 41,7
TP/PIB 33,1 28,3 26,4 24,9 26,0 27,5 27,6 26,8
Outros imp/PIB 8 9,5 10,1 10,4 10,1 9,7 9,8 9,9
DespTotal/PIB 48,6 38,5 37 36,4 33,5 28,7 25,8 33,3
Desp.Civil/PIB 36,6 28,5 29 30,4 28,5 23,7 20,8 26,8
Desp.Milit/PIB 12 10 8 6 5 5 5 6,5
Juros/PIB 4,7 4,4 3,6 3,2 2,6 2,2 2 3
IDE/PIB 13,4 10 10 10 10 10 10 10
EMPR/PIB 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5 2,5
APD/PIB 4 4 4 4 4 4 4 4
DéficeOrç/PIB -7,5 -0,7 -0,5 -1,1 2,6 8,5 11,6 3,5
FONTE: Angola-Staff Report for the 2002 Article IV Consultation, FMI, Março de 2002
NOTAS: VBPP-valor bruto de produção do sector petrolífero; TP-impostos petrolíferos; PPDOL-preço do barril de
petróleo em dólares; IDE-investimento directo estrangeiro; APD-ajuda pública ao desenvolvimento; EMPR-empréstimos
do exterior; BD-barris de petróleo por dia em milhares; Md – média 2002/2007. Todos os rácios estão em percentagem.

Constata-se que:

 as projecções das variáveis petrolíferas são aparentemente conservadoras,


ultrapassando a barreira do milhão de barris por dia apenas em 2004183;
 está implícita uma estratégia de contenção das despesas públicas, quer
civis, quer militares, de tal sorte que a média do sexénio 2002/2007 - 33,3%
do PIB - seja praticamente metade do valor alcançado no triénio 1997/2001
e que foi de 59,9% do PIB. De que modo esta estratégia orçamental é
compatível com as necessidades de reconstrução económica, de redução
da pobreza e de reconciliação nacional é uma questão certamente de forte
controvérsia e de acesa discussão;
 os valores previsionais referentes aos impostos não petrolíferos - e que
englobam os impostos sobre o rendimento, o imposto de consumo e as
tarifas aduaneiras - talvez não traduzam realisticamente as possibilidades
efectivas de recuperação da economia não petrolífera e a capacidade de a
política orçamental melhorar os índices de efectividade de cobrança e
reduzir os níveis de evasão fiscal;
 é discutível que a percentagem que o Estado retira, a título de imposto
sobre o rendimento das actividades petrolíferas, do Valor Bruto de
Produção do petróleo diminua sistematicamente ao longo do sexénio,
passando a respectiva média de 52,6% no triénio 97/01 para 41,7% entre
2002 e 2007, o que faz com que os impostos petrolíferos auferidos pelo

não petrolífera. A política orçamental é mais um reflexo da actividade petrolífera, do que um instrumento
de influência sobre o seu funcionamento.
183
As informações disponíveis vão no sentido de que em 2003 esta barreira será seguramente ultrapassada
de modo sustentado.

193
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Estado e medidos em percentagem do PIB diminua ao longo do período de


referência das projecções - a respectiva média passa de 36% no triénio
97/01 para 26,9% no sexénio 2002/2007184.

Com base nestes valores determinou-se a contribuição que a política orçamental


poderia dar para o crescimento económico nacional - ponderada pela capacidade de
financiamento externo:

CONTRIBUIÇÃO DA POLÍTICA ORÇAMENTAL PARA O CRESCIMENTO ECONÓMICO


ANOS 2002 2003 2004 2005 2006 2007
FACTORES
e(tp-alfagc-betagm-csij)/k 0,8 1,6 1,5 3,6 5,8 6,7
(tr-(1-a)*gc-(1-b)*gm-(1-c)*j/k 0,3 0,7 1,3 1,6 1,2 1,3
(be+(1-b))*(1-cp)/k 0,1 0,1 0,2 0,3 0,28 0,3
e(ide+empre+apd)/k 1,2 1,3 1,3 1,4 1,4 1,5
d/k 0,03 0,04 0,04 0,04 0,04 0,04
taxa crescimento económico 2,2 3,5 4,1 6,6 8,4 9,4
Notas: k-coeficiente capital/produto; e-taxa de câmbio(desvalorização); b-componente importada da FBCF; (be+(1-b)-
efeito desvalorização sobre a taxa global de investimento; cp-grau de ociosodade produtiva; d-taxa de amortização, g-
taxa de crescimento do PIB; tp-impostos petrolíferos; tr-restantes impostos; j-serviço da dívida pública externa; apd-
ajuda pública ao desenvolvimento; gm-gastos militares; gc-gastos civis.

O primeiro factor considerado - que aprecia a componente em divisas da restrição


orçamental: tp são os impostos petrolíferos, alfagc a componente em divisas dos
gastos civis, betagm a componente em divisas dos gastos militares e csij a
percentagem relativamente ao PIB dos juros externos - detém um maior poder de
influência da política orçamental do que o segundo factor relacionado com os impostos
não petrolíferos e com as componentes nacionais das restantes variáveis.

O que em definitivo deve ser sublinhado é que nas condições do cenário de referência,
a política orçamental pode contribuir, em média no período 2002-2007, com cerca de
5,5% para o crescimento do PIB, o que não deixa de ser significativo (mais ainda se o
período for encurtado para 2004-2007, com mais de 7%).

No entanto, esta capacidade de influência pode aumentar consideravelmente se as


condições de base forem alteradas. E esta alteração é justificada pelo seguinte:

 os impostos não petrolíferos podem aumentar - ainda que se procure


promover a iniciativa privada nacional na base de incentivos fiscais e
financeiros suportados pelo Orçamento - porque se espera que a eficiência
económica destes impostos aumente, a evasão fiscal seja combatida e se
dê algum respaldo a uma política transitória de substituição de importações;
 os impostos petrolíferos podem igualmente aumentar, não apenas pelo
efeito produção, mas igualmente pelo efeito-preço e por um maior controlo
e fiscalização na sua cobrança;
 as despesas civis do Estado podem aumentar para facilitar o exercício das
funções provisão de bens públicos e melhor distribuição do rendimento,
mantendo-se um orçamento ligeiramente excedentário;
 os investimentos externos podem aumentar a sua participação devido à
paz, à melhoria do ambiente institucional e às maiores oportunidades de
negócio que a nova situação política pode acarretar;
 os empréstimos externos e a ajuda pública ao desenvolvimento têm agora
outras condições de expansão no país.
184
O que não deixa de ser incompreensível quando a extracção de petróleo aumenta e os preços do
produto se mantêm praticamente estáveis no cenário admitido.

194
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Os números para este cenário são, então, os seguintes:


CENÁRIO ALTERNATIVO COM BASE EM VALORES DESEJÁVEIS PARA AS VARIÁVEIS DO
MODELO
ANOS 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Md02/07
VARIÁVEL
PIB 9472 10040 11553 14037 16587 18400 20411,2 15171,4
BD 740 927 1044 1376 1765 1967 2192,1 1545,2
PPDOL 22,9 20 20 19 19 18 18 19
VBPP 6185,3 6767,1 7621,2 9542,6 12240,3 12923,2 14402,2 10715,9
TP 3135,9 3153,5 3200,9 4007,9 5140,9 5427,7 6048,9 4582,8
TP/VBPP 50,7 46,6 42 42 42 42 42 42,8
TP/PIB 33,1 31,4 27,7 28,6 31,0 29,5 29,6 30,2
TR/PIB 8 9,5 12 12,5 12,5 10 10 11,1
DT/PIB 48,6 38,5 37 38,4 40,8 36,8 36,9 38,1
DC/PIB 36,6 28,5 29 32,4 35,8 31,8 31,9 31,6
DM/PIB 12 10 8 6 5 5 5 6,5
Juros/PIB 4,7 4,4 3,6 3,2 2,6 2,2 2 3
IDE/PIB 13,4 10 12 13 14 14 13 12,7
EMPR/PIB 2,5 3 3 3,2 3,5 3,3 3,2 3,2
APD/PIB 4 5 5,5 5,75 6 5,5 5 5,5
Déf.Orçam. -7,5 2,4 2,7 2,7 2,7 2,7 2,7 2,3
FONTE: Angola-Staff Report for the 2002 Article IV Consultation, FMI, Março de 2002
NOTAS: VBPP-valor bruto de produção do sector petrolífero; TP-impostos petrolíferos; PPDOL-preço do barril de
petróleo em dólares; IDE-investimento directo estrangeiro; APD-ajuda pública ao desenvolvimento; EMPR-empréstimos
do exterior; BD-barris de petróleo por dia em milhares; Md – média 2002/2007. Todos os rácios estão em percentagem.

O que é importante destacar é que é possível manter um orçamento relativamente


equilibrado - 2,3% de diferença média entre as receitas e as despesas entre 2002 e
2007, em contraposição com um défice de 17,2% no triénio 1997/2001 - prover uma
maior quantidade de bens públicos (a média das despesas totais passa de 33,3% no
cenário de referência, para 38,1% neste segundo cenário) e exercer uma maior
influência sobre o crescimento económico.

ANOS 2002 2003 2004 2005 2006 2007


FACTORES
e(tp-alfagc-betagm-csij)/k 1,8 2,1 2,5 4,3 5,3 5,7
(tr-(1-a)*gc-(1-b)*gm-(1-c)*j/k -2,5 -2,4 -2,7 -4,2 -5,1 -5,4
(be+(1-b))*(1-cp)/k 0,1 0,14 0,18 0,3 0,3 0,3
e(ide+empre+apd)/k 6 7,3 7,8 9,4 9,1 8,8
d/k 0,033 0,04 0,04 0,04 0,04 0,04
taxa crescimento económico 5,3 7,0 7,6 9,4 9,3 9,1
NOTAS: as médias 2002/2007 para cada uma das expressões representadas nas linhas do quadro foram
respectivamente, 3,8%, -3,7%, 0,2%, 8,0%, 0,04% e 8,1%.

Conforme se verifica, nestas novas condições da actividade do Estado, a política


orçamental melhora consideravelmente o seu índice de influência sobre a economia,
situando-se a sua contribuição média em mais de 8% no período, com um máximo de
9,4% em 2005.

(c) A produção e distribuição de bens públicos

Este domínio constitui o terceiro grande desafio da política orçamental no país.


Particularmente na educação e na saúde os problemas são de uma enorme dimensão

195
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

e complexidade, explicando-se por aqui as elevadas taxas de pobreza que o país


regista.

Alguns indicadores retirados do MICS II (inquérito UNICEF de indicadores múltiplos de


2001) são eloquentes quanto à situação da educação e da saúde em Angola:

 a percentagem de crianças em idade escolar que frequentam a escola


primária é de apenas 55,8%, por razões relacionadas com a falta de
escolas e de professores, a pobreza, os difíceis acesso em determinadas
regiões, etc.;
 a percentagem de população com idade superior a 15 anos (população
adulta, portanto) que sabe ler e escrever é de apenas 66,8%, o que explica
os baixos níveis de produtividade e de salários no país;
 as taxas de repetência e de abandono escolar são elevadas, o que explica
os reduzidos índices de eficiência do sistema educativo nacional;
 a percentagem de população com acesso ao abastecimento de água
potável é de apenas 39,5% nas áreas rurais e de 61% em todo o país;
 a percentagem de população com acesso ao saneamento básico é de
25,5% nas áreas rurais e de 59% em todo o espaço nacional;
 as taxas de mortalidade infantil e infanto-juvenil são elevadíssimas,
respectivamente de 150 por mil e de 250 por mil, com uma forte incidência
na região oeste do país (315 por mil);
 a prevalência de doenças endémicas como o paludismo, é elevada, sendo
preocupantes as taxas de contaminação do HIV/SIDA.

À frente de todas as causas que explicam o baixo nível de produto por trabalhador
está a deficiente educação e formação profissional no país. Está-se a viver uma
revolução tecnológica de grande alcance nas áreas de processamento de dados, das
novas tecnologias da informação e da produção, cuja assimilação é muito pouco
compatível com baixos níveis de escolarização e formação profissional.

(d) A redistribuição do rendimento

Não se encontram disponíveis agregados macroeconómicos que de uma forma directa


expressem o rendimento nacional e as suas componentes. O quadro seguinte constitui
uma simples aproximação ao rendimento nacional do país185:
APROXIMAÇÃO AO RENDIMENTO NACIONAL
ANOS PIBpm JUREXT LUCDIVX SALEXPATP PNBpm TIL PNBcf
1998 6449 503,9 377,8 86,7 5480,6 298,1 5182,5
1999 6087 569 653 83 4782 197,9 4584,1
2000 8869 610,9 911,5 71,4 7275,2 283,3 6991,9
FONTES: INE-Contas Nacionais; BNA-Balança de pagamentos; MINFIN-Execução orçamental
NOTAS: JUREXT-Juros da dívida externa; LUCDIVX-Lucros e dividendos expatriados; SALEXPATP-Salários dos
expatriados do sector petrolífero; TIL-Saldo entre impostos indirectos e subsídios. 0s valores estão expressos em
milhões de dólares americanos.

185
Algumas hipóteses de trabalho tiveram de ser estatuídas: as amortizações foram calculadas na base de
uma taxa de desvalorização média de 10%, atendendo, por um lado ao reduzido “stock” de capital da
economia não petrolífera e, por outro, aos elevados montantes de investimento no sector petrolífero (em
média, entre 1998 e 2000, 2135,2 milhões de USD); os impostos indirectos considerados respeitam ao
imposto de consumo; os rendimentos de factores recebidos do exterior apresentam valores reduzidos, pelo
que não foram retidos.

196
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

CONTINUAÇÃO DO QUADRO ANTERIOR


ANOS AMORTI PNLcf PNLcf/ph PIBph
1998 644,9 4537,62 329,6252 468,473
1999 608,7 3975,356 280,4682 429,4483
2000 886,9 6104,999 418,0934 607,3826

Uma primeira repartição do rendimento nacional - que os valores anteriores


representam uma aproximação - é entre os factores de produção nacionais e os não
nacionais. O indicador que melhor a caracteriza é a proporção entre o PNLcf e o
PIBpm por habitante: 70,4% em 1998, 65,3% em 1999 e 68,8% em 2000. O que
significa que, em média, 32% dos resultados da actividade interna total são enviados
para o exterior para remunerar factores de produção não nacionais que exercem a sua
actividade em território angolano.

Uma segunda observação relaciona-se com a repartição pessoal do rendimento


nacional angolano, traduzida pelo indicador PNLcf/ph: os valores calculados para 1998
e 1999 indiciam estar-se, generalizadamente, numa situação de pobreza absoluta186,
em que cada cidadão, em média, não dispunha sequer de um dólar por dia para
garantir a sua sobrevivência187.

Uma outra observação deriva directamente da anterior: os valores extraordinariamente


baixos do PNLcf por habitante disfarçam uma distribuição muito assimptótica do
rendimento entre classes desfavorecidas e classes mais protegidas do tecido social
angolano.

Como decorrência das observações precedentes, pode concluir-se que,


provavelmente, uma das soluções radicais para os problemas da distribuição pessoal
do rendimento no país é o incremento drástico da produção não petrolífera: é muito
difícil distribuir o que não existe.

Como se encontra a distribuição funcional do rendimento em Angola188? Ainda neste


aspecto as respostas são complicadas, face às lacunas estatísticas. Provavelmente a
única aproximação possível é entre os rendimentos do trabalho e o resto, aonde se
incluem rendas, juros e lucros.

Os valores seguintes representam uma possível aproximação à estrutura de repartição


do produto nacional bruto entre 1998 e 2000189:

186
O Inquérito às Despesas e Receitas familiares (IDR) do INE estabelece como fronteiras as seguintes
(válidas para 2000/2001): linha de pobreza extrema equivalente a USD 22,8 por mês e por habitante e
linha de pobreza fixada em cerca de USD 51,2 por mês e por pessoa.
187
É neste contexto que a Estratégia de Redução da Pobreza se deve inserir enquanto proposta política,
social e económica para a eliminação das situações de indigência moral e material em que mais de 2/3 da
população angolana se encontra.
188
Que permite, entre outras considerações, analisar a natureza do modelo de crescimento – se centrado
no consumo privado ou no investimento – identificar a natureza das fontes de financiamento do
crescimento – se mais proporcionalmente capital-alheio ou capital-próprio – etc. Neste particular e
levando em atenção a evolução do crédito – em taxas reais de variação – em 2001, conclui-se que os
empresários nacionais acabam por recorrer mais ao auto-financiamento do que ao sistema bancário (o
crédito à economia variou 0,88% e o destinado ao sector privado 1,5%).
189
Os pressupostos básicos para os cálculos centraram-se no valor do salário nacional, situado algures
entre o salário médio da Função Pública e o rendimento equivalente à linha de pobreza estipulada no IDR.

197
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

APROXIMAÇÃO À ESTRUTURA DE REPARTIÇÃO DO PRODUTO NACIONAL BRUTO


SALÁRIOS+REN-
ANOS PNBcf AMORTIZAÇÃO DIMENTOS DOS LUCROS+JU-
CAMPONESES ROS+RENDAS
1998 100 12,4 58,0 29,5
1999 100 13,2 60,4 26,3
2000 100 12,7 37,5 49,9

Os valores correspondentes a 2000 são erráticos face aos dos anos anteriores – os
quais, aparentemente, podem ser considerados aceitáveis para as condições actuais
do país – e explicáveis, uma vez mais, pela incidência perversa da economia
petrolífera. É que em 2000 o preço do petróleo sofreu um incremento de 56% e apesar
da quantidade produzida de petróleo ter diminuído 0,3%, o efeito conjugado
preço/quantidade foi amplamente positivo, o que fez acrescer substancialmente o valor
da sua actividade a preços correntes de mercado em USD.

Outro ângulo possível de análise da partilha do rendimento nacional pode ser dado
pela pobreza no país.

Os resultados do inquérito às despesas e receitas familiares do INE pronunciam um


agravamento da pobreza extrema entre 1995 e 2000: parametrizada em termos de
indivíduos a respectiva taxa passou de 13,4% para 26,3%. Em matéria de agregados
familiares o agravamento foi ainda mais expressivo, de 11,3% para 24,7%. As
informações seguintes são elucidativas dum mais do que provável agravamento da
distribuição do rendimento entre aqueles anos:

DISTRIBUIÇÃO DA POBREZA
(em percentagem)
ANOS Extremamente Extremanete po- Pobres modera- Pobres modera- PNLcf por habi-
pobres(agregados bres (indivíduos) dos (agregados dos (indivíduos) Tante (USD)
familiares) familiares)
1995 11,3 13,4 49,5 56,5 306,0
2000 24,7 26,3 38,5 41,9 418,1
FONTE: INE-Inquérito às Receitas e Despesas Familiares, 2000/2001.

Não deixam de ser curiosas as evoluções aparentemente contraditórias entre o


rendimento médio por habitante e os indicadores de pobreza:

 enquanto que o rendimento médio gerado pela economia melhorou


consideravelmente – em mais de 100 dólares em cinco anos – a pobreza
extrema agravou-se substancialmente;
 a redução ocorrida na pobreza moderada não foi de sentido ascendente,
isto é, compensada por um aumento dos agregados familiares e dos
indivíduos não pobres, mas de pendor descendente, ou seja, da classe
extremamente pobre: os agregados familiares e os indivíduos não pobres
diminuíram entre os anos considerados de 39,2% para 36,8% e de 33%
para 31,8%, respectivamente.

A conclusão só pode ser uma: a degradação da situação dos cidadãos não se deveu à
falta de crescimento económico, mas a um substancial agravamento das condições de
repartição do rendimento nacional.

É possível constatar que a distribuição do rendimento em muitos países africanos


enferma igualmente dos mesmos problemas que em Angola.

198
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

REPARTIÇÃO DO RENDIMENTO EM ALGUNS PAÍSES AFRICANOS


1986-1997
PERCENTAGEM DO RENDIMENTO AUFERIDO POR GRUPOS POPULACIONAIS
PAÍSES 10% dos mais ricos 20% dos mais ricos 10% dos mais pobres 20% dos mais pobres
Lesoto 43,4 60,1 0,9 2,8
Moçambique 31,7 46,5 2,5 6,5
Àfrica do Sul 45,9 64,8 1,1 2,9
Swazilândia 50,2 64,4 1,0 2,7
Tanzânia 30,0 45,5 2,9 6,8
Zâmbia 39,2 54,8 1,6 4,2
Zimbabwe 46,9 62,3 1,8 4,0
Guiné-Bissau 42,3 58,9 0,5 2,1
Burkina Faso 39,5 55,0 2,2 5,5
Burundi 26,6 41,6 3,4 7,9
República Centro
Africana 47,7 65,0 0,7 2,0
Costa do Marfim 28,8 44,3 3,1 7,1
Gahna 26,1 41,7 3,6 8,4
FONTE: African Development Indicators 2001, World Bank

Em termos gerais as situações retractadas não devem diferir muito da que ocorre em
Angola nos aspectos em que a distribuição do rendimento é analisada190.
Moçambique, Tanzânia e Burundi são os países africanos onde os ricos são mais
pobres e os pobres são mais ricos, para o conjunto da amostra do quadro191. O
Burundi, a Costa do Marfim e o Gahna são os países que patenteiam a melhor
repartição do rendimento, sendo a Swazilândia e a África do Sul aqueles em que a
divisão do rendimento é a mais desigual: aqui os ricos são mais ricos e os pobres mais
pobres. O Lesoto, a República Centro Africana e a Guiné-Bissau são os únicos países
da amostra onde os 10% mais pobres não chegam a receber sequer 1% do
rendimento nacional192.

CONCLUSÕES

A política orçamental é das mais importantes políticas económicas que Angola deve
implementar no sentido de complementar a actividade económica e de garantir níveis
aceitáveis de satisfação das necessidades colectivas.

Apesar de ainda controversa - porque é a que mais directamente expressa as


posições doutrinárias quanto às intervenção do Estado na economia - a política
orçamental tem um insubstituível papel a desempenhar no actual contexto da
economia e sociedade angolanas.

Particularmente na alocação de bens públicos de suprimento inadiável, na tomada de


medidas que tornem muito mais justos os mecanismos de repartição do rendimento
oferecidos pelo mercado e na garantia da estabilidade económica, a política
orçamental é da maior relevância para o país.

190
Provavelmente mais agravada pelas consequências de um conflito militar de mais de um quarto de
século pós-independência. As estimativas que se dispõem a este respeito são um pouco contraditórias. Por
exemplo, o relatório sobre o desenvolvimento humano em Angola do PNUD (1998) apresenta um índice
de Gini com um valor de 0,55, o que não é propriamente indiciador de uma muito desigual repartição do
rendimento. No entanto, outras aproximações apontam para um repartição em que por cada $100 dos 10%
mais pobres, os 10% mais ricos podem auferir $4000.
191
A fonte consultada apenas fornece dados para 26 países subsarianos.
192
Para os países integrantes do African Development Indicators aparecem apenas mais o Níger e a Serra
Leoa patenteando um situação análoga.

199
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Mas igualmente se comprova a importância da política orçamental enquanto


instrumento de suporte ao crescimento económico, dadas as inter-relações que se
estabelecem entre as variáveis económicas e as variáveis financeiras.

6.- A ECONOMIA DA CORRUPÇÃO


(Comunicação apresentada ao Colóquio “O Papel do Cidadão e do Estado na Gestão dos
Recursos do País”, Março 2003)

Tornou-se vulgar a afirmação segundo a qual o Estado – entendido enquanto um


conjunto de órgãos e instituições que garantem o fornecimento de bens e serviços
destinados à satisfação de necessidades de satisfação passiva, também designados
de bens públicos e de necessidades colectivas ou sociais – é, hoje em Angola, a mais
privada das entidades e das actividades. O chamado preço do mercado legal
administrativo – o preço a que a Administração do Estado deve vender aos cidadãos o
conjunto de bens e serviços de satisfação passiva, e que pode ser nulo no caso de
necessidades especificamente colectivas como a defesa, a justiça, a segurança, o
ensino primário obrigatório, etc., inferior, igual ou superior ao respectivo custo de
produção na circunstância dos bens semi-públicos193 - nunca é praticado pelos
funcionários públicos. Raramente os cidadãos conseguem obter a prestação de um
serviço público sem incorrerem em gastos adicionais aos que a lei estabelece. Os
subornos, as comissões, as propinas, as avenças, a compra de influências instalaram-
se, de armas e bagagens, no funcionamento da Administração Pública, havendo quem
sustente que o espírito da “gasosa” se tornou num elemento estrutural do sistema de
valores prevalecente, falando-se já numa generalizada cultura da corrupção194.

A GÉNESE DA CORRUPÇÃO EM ANGOLA: ALGUNS SUBSÍDIOS PARA A SUA ANÁLISE

Podem ser de diferente natureza as abordagens sobre a génese da corrupção em


Angola. Determinados pontos de vista sustentam que a corrupção tem uma importante
dimensão política, emprestada pelo regime de partido único e pelo sistema de gestão
centralizada praticado – com maiores ou menores nuances – até sensivelmente finais
de 1998. O sistema socialista implantado depois da independência praticou uma certa
cultura da pobreza195, traduzida nos esquemas de racionamento dos produtos, nos
cartões e senhas de abastecimento, nos salários em espécie, na diferenciação política
das lojas de fornecimento de bens196, nos critérios eminentemente políticos de
avaliação e validação dos serviços prestados, etc. Quando de dá a transição para uma
economia aberta e se começam a romper aqueles modelos administrativos de acesso
aos bens económicos e os esquemas políticos de convivência dependente com o
poder197, a sociedade enfrentou um vazio. Este vazio teve a sua máxima expressão na

193
Superiores ao custo, todavia sempre inferiores ao preço de mercado.
194
A aquisição do património imobiliário do Estado e todo o processo envolvente – verdadeiramente
penoso e capaz de tirar do sério o mais santo dos santos – pode ser considerado como um dos casos
paradigmáticos do mercado da corrupção no país, sendo de todo impossível obter qualquer documento
sem um pagamento em dólares relativamente avultado.
195
Que por si pode ter representado uma das causas do aparecimento dos mercados paralelos de bens e
moeda.
196
Lojas de quadros, de dirigentes, dos membros do Partido, do povo, etc.
197
Que ainda se não aniquilaram totalmente, tendo sido até há bem pouco tempo a sua manutenção
justificada pelas necessidades da guerra. A expectativa é que a partir de agora se rompam totalmente em
benefício da transparência e do controlo democrático dos recursos financeiros da Nação.

200
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

monetização do salário, enquanto uma das exigências técnicas de passagem a uma


economia de mercado. Só que a recuperação desta categoria económica não foi
acompanhada de outras medidas complementares que a estabilizassem, como a
convergência cambial, o controlo da inflação, a realização de despesas sociais, etc.

Outras interpretações colocam a génese da corrupção na necessidade de se


constituir uma apropriação privada angolana inerente aos modelos de economia de
mercado e que esteve ausente do arquétipo colonial - por opção doutrinária - e foi
rejeitada pelo modelo socialista por preferências ideológicas198.

A sociedade herdada do colonialismo português era uma sociedade dual, em que as


camadas sociais europeias detinham a propriedade da generalidade dos meios de
produção e as classes nacionais forneciam, também na generalidade dos casos, a
força de trabalho. Estas classes nacionais eram desprovidas de propriedade, no
sentido capitalista do termo, e é assim que a independência política as vem encontrar.
As camadas sociais emergentes que assumiram o poder eram de baixo nível cultural e
de preparação técnica deficiente para o exercício governativo.

Durante o regime socialista e de partido único, a questão da propriedade manteve-se


inalterável, sendo o Estado o proprietário universal dos recursos e dos meios de
produção. Muito embora se notassem sintomas de corrupção e de enriquecimento fácil
e rápido, no entanto, a constituição duma acumulação privada era ideológica e
politicamente sancionada.

Quando se abandonou o regime socialista a questão da propriedade privada emergiu


como questão fundamental da constituição das classes nacionais que deveriam ser os
agentes activos da economia de mercado. Esta apropriação privada fez-se à custa do
enfraquecimento do Estado, sem nenhum projecto de sociedade e na ausência de um
modelo concreto de transição para a economia de mercado num contexto de
generalização do conflito militar interno199. O alastramento da corrupção coincidiu com
o empobrecimento do Estado, o avolumar da burocracia e do laxismo dos funcionários,
a intensificação da desorganização institucional, a desorçamentação e com a
persistência da omnipresença do Estado na economia. Porém, este arquétipo de
enriquecimento “a latere” do sistema económico não deu origem a um verdadeiro
processo de acumulação de capital200 – no sentido capitalista do termo – nem à
constituição duma classe média de “capitães da indústria” à Schumpeter.

As formas mais evidentes de corrupção em Angola são as comissões directas201, o


tráfico de influências, o nepotismo e a fraude. A equação fundamental que pode
espelhar a corrupção no país é dada pela seguinte expressão (já considerada na
primeira secção deste capítulo)

C=M+P–R

198
Esta interpretação esteve bem patente nos critérios de ajuste directo das privatizações do património
empresarial e habitacional do Estado.
199
Este aspecto é importante, uma vez que a premência da guerra contribuiu para a desorganização e a
indisciplina orçamental, tendo-se, portanto, aberto inúmeras janelas por onde se esvaíram muitos recursos
financeiros da Nação. O predomínio da economia de enclave também não é alheio a este processo, pelas
distorções contundentes sobre os tecidos económico e social que protagonizou. Igualmente no mesmo
sentido operou a natureza fortemente administrativa das políticas públicas.
200
Ver Hernando de Soto, O Mistério do Capital – por que o capitalismo dá certo nos países
desenvolvidos e fracassa no resto do mundo, Distribuidora Record de Serviços de Imprensa, SA, 2000.
201
Que não beneficiaram apenas agentes do Governo, mas também da UNITA: atentem-se nas muito
recentes declarações de um ex-presidente da ELF sobre as comissões entregues aos dirigentes deste
partido ex-armado, divulgadas pela Rádio Eclésia, salvo erro no dia 18 às 6 horas e 45 minutos.

201
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

onde C é o nível de corrupção, M simboliza todas as situações de excessiva


regulamentação, de pouca transparência e de reduzida liberalização, P é o poder
discricionário de decidir sem observância da lei e dos limites estabelecidos e R o grau
de responsabilidade. A leitura é óbvia: a corrupção varia

 na proporção directa do grau de monopólio da sociedade, da falta de


transparência e da forma discricionária como os diferentes agentes da
Administração exercem o poder de que desfrutam
 e na razão inversa da responsabilidade e responsabilização.

Nos países mais organizados e disciplinados o personalismo que persiste em níveis


intermédios do exercício do poder administrativo é relativamente insignificante nas
suas consequências e está suficientemente constrangido por princípios legais e
racionais. Em Angola, a rotina administrativa está mal institucionalizada, não só
porque a base material é fraca, mas também devido à instabilidade institucional e à
burocracia: os funcionários públicos são mal remunerados, tornando-se presas fáceis
da corrupção. A responsabilização é, no geral, muito fraca. A lei é constantemente
desrespeitada202 e os princípios morais na condução dos negócios públicos não
existem.

Por vezes têm sido apresentadas estimativas do custo da corrupção no país. Claro
que serão sempre aproximações baseadas em hipóteses discutíveis, porque em última
instância o próprio conceito de corrupção não é tão elástico que permita configurar
todos os casos como tal.

Uma aproximação feita para 1997203 apontava para um valor em torno dos 423
milhões de dólares americanos utilizados em benefício próprio e exclusivo de cidadãos
nacionais e, muito provavelmente, também de estrangeiros. Em termos de riqueza
gerada este montante traduziu uma subtracção de cerca de 5,7% ao PIB desse ano204.
Talvez o mais dramático desta situação tenha a ver com o facto de a subtracção de
423 milhões de dólares ao rendimento nacional angolano benfeitorizar outras
economias, quer através da transferência de capitais para o exterior, quer por
intermédio das importações.

Se o montante imputado à corrupção for comparado com o PIB não petrolífero daquele
mesmo ano, a ideia do seu peso nefasto fica mais precisa, representando, então,
qualquer coisa como 15%. Se a este montante se adicionarem os custos económicos
anuais com a pobreza e o desemprego205, o desperdício anual de recursos pode muito
bem situar-se na vizinhança dos 1,3 biliões de dólares americanos, 46,4% do PIB não
petrolífero de 1997.

Ainda que aproximativos e sempre discutíveis e até mesmo contestáveis, estes valores
prenunciam que existem impactos muito concretos sobre a economia e a sociedade
em geral206, mas igualmente antedizem a presença duma economia da corrupção ou
de um mercado da corrupção.

202
Provavelmente os casos mais flagrantes são os desvios ao cumprimento integral do Orçamento Geral
do Estado e dos Programas de Política Económica aprovados pela Assembleia Nacional.
203
Ver Alves da Rocha, Por Onde Vai a Economia Angolana, LAC-Executive Center, 2000.
204
O Banco Mundial estima que entre 2 a 5% do PIB mundial é desviado para e por actividades de
corrupção.
205
Ver Alves da Rocha, op.cit., capítulo 7.
206
Em termos sociais e culturais a corrupção generalizada e expressa por cifras avultadas de dinheiro
pode contribuir para se instalar e se aceitar uma cultura da impunidade e criar, mesmo, um sentimento

202
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

207
A ECONOMIA DA CORRUPÇÃO

As diferentes formas sob as quais a corrupção é praticada208 conformam a presença


de uma certa axiomática do mercado da corrupção. Os preços que aqui se
estabelecem – e que assumem formatos específicos tais como subornos, comissões,
propinas, participações em negócios, avenças certas, etc. – acabam por ter uma certa
lógica de mercado, dependendo os respectivos níveis das condições da oferta e da
procura.

Os elementos essenciais para se caracterizar o mercado da corrupção são,


resumidamente:

 a natureza dos bens em causa (bens especificamente públicos – com preço


legal nulo porque correspondem a necessidades básicas da população,
como por exemplo e já referido, a defesa, a justiça, o ensino primário
universal e gratuito, etc. – e bens semi-públicos, em relação aos quais se
pode cobrar um preço igual, superior ou inferior ao respectivo custo de
produção, como, por exemplo, o ensino secundário, médio e superior);
 as práticas administrativas existentes e que são uma das expressões da
natureza das políticas públicas: mais administrativas e concentracionárias
ou mais automáticas e de vertente de mercado;
 o poder discricionário dos funcionários públicos e o grau de transparência
das disposições legais, regulamentos, instrutivos, etc.

(a) Preços que equiparam a oferta à procura

Existe um conjunto de bens e serviços que compete ao Estado proporcioná-los aos


cidadãos dum forma grátis ou a um preço inferior ao do mercado209. Por outro lado, é
necessário considerar, igualmente, as empresas públicas que ao fabricarem bens
privados, que satisfazem necessidades de satisfação activa – vigorando, portanto, o
princípio da exclusão – competem no mercado com as empresas privadas. O que
normalmente acontece é que estas empresas públicas fornecem os produtos a preços
inferiores aos que se estabelecem no mercado pelo funcionamento das respectivas
leis.
Determinadas práticas administrativas – mormente a do estabelecimento de preços
fixos, de margens de comercialização, de níveis das taxas de juro e das taxas de
câmbio – ao alterarem as regras de mercado e as condições de afectação de
recursos, facilitam a prática de subornos, avenças, etc., dependendo o seu montante
das condições de oferta.

Mas estas práticas administrativas podem, do mesmo modo, afectar o mercado de


crédito, quando os critérios de acesso são burocráticos e as taxas de contracção dos

generalizado de revide colectivo e cuja expressão, no nosso país, se pode encontrar na forma como
algumas obras públicas são conservadas pela população. As implicações económicas deste tipo de reacção
social repercutem-se sobre o financiamento dos investimentos públicos, os períodos de recuperação a
considerar e os critérios de avaliação a reter, nomeadamente a taxa social de redesconto.
207
Neste parágrafo sigo muito de perto o excelente trabalho de Susan Rose-Ackerman, “Corruption and
Government:causes, consequences and reform”, Cambridge University Press, New York, 1999.
208
Para além daquelas a que se convencionou chamar de “alta corrupção” e “baixa corrupção”,
encontrando-se até para esta última justificações que permitem aceitá-la em determinadas circunstâncias.
209
Na Teoria das Finanças Públicas estes bens são designados por bens públicos os primeiros e bens
semi-públicos os segundos, destinando-se a satisfazer necessidades colectivas ou necessidades de
satisfação passiva.

203
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

financiamentos estabelecidas em níveis diferentes dos que o mercado colocaria:


sempre que a concessão de crédito estiver controlada pelo Estado, a prática de
subornos pode ser a única via de se aceder aos financiamentos. A influência pessoal e
a corrupção conduzem a que os bancos concedam empréstimos de alto risco, por
vezes a prestamistas que não têm condições de acesso ao dinheiro e, mais grave, que
à partida não têm nenhuma intenção de os resgatar210. Evidentemente que estas
práticas têm custos económicos elevados, que, por exemplo, na Nigéria e no
Paquistão atingiram proporções entre 10% e 15% do Produto Nacional Bruto entre
1997 e 1999.

Até um passado recente em Angola era vulgar a prática do licenciamento das


importações, que constituía uma fonte frequente de subornos e clientismos e cujos
montantes estavam em relação com os valores das vantagens concedidas. No
contexto do PREGE211 foram efectuados estudos relevantes sobre as condições e as
vantagens de determinadas reformas institucionais tendentes à liberalização dos
mercados. Ficou patente, anos depois, que as objecções que se levantaram quanto à
abolição do regime de licenciamento prévio das importações não eram técnicas – de
resto difíceis de convencer quando o que se pretendia era facilitar o funcionamento
das actividades económicas – mas sim de resistência à cessação dum sistema que
representava uma importante fonte de réditos dos funcionários que o dominavam.

Os aliciantes para pagar subornos são, portanto, bastante claros nos casos acima
referidos. Mas ocorre questionar:

 qual a respectiva eficácia e as consequências redistributivas sobre a


economia212?
 qual a função económica destes pagamentos consubstanciados nos
subornos, comissões, avenças: igualam simplesmente a oferta à procura,
funcionando, então, como os preços do mercado legal?

São considerados três casos:

- o primeiro, contempla os bens e serviços de oferta escassa e fixa,


relativamente aos quais os funcionários não dispõem de poder
discricionário para alterar estas condições;

210
O caso da CAP – Caixa de Crédito Agro-Pecuário e Pescas – ficou célebre pelo extraordinário
montante de crédito mal parado que levou esta instituição bancária à falência, como ficaram conhecidos
episódios absolutamente caricatos de “distribuição” gratuita de dinheiro a quem não tinha qualquer
intenção de o devolver. São ainda prevalecentes situações de montantes elevados de crédito mal parado
nas instituições bancárias privadas, porque não tem sido possível fugir aos tentáculos do tráfico de
influências que ainda se pratica de uma forma extensiva e mesmo despudorada e a que não é alheio o peso
do Estado na economia – é o único gerador de divisas, por exemplo – e a subjugação ao poder político.
211
Projecto de assistência técnica financiado pelo Banco Mundial e destinado a reforçar as capacidades
internas para a promoção das reformas económicas de mercado. O Ministério do Planeamento foi a
entidade que coordenou a sua execução.
212
A eficácia é aqui questionada no sentido da relação instrumento/objectivo, ou seja, até que ponto os
subornos, as avenças e as “gasosas” pagas contribuíram para a obtenção dos objectivos dos agentes que
assim procederam e em que medida os resultados atingidos superaram os custos incorridos para a
obtenção da benesse? As consequências redistributivas relacionam-se com a aplicação económica que o
agente receptor do suborno faz das respectivas verbas: aumenta o consumo? Acresce o consumo
importado? Incrementa a poupança interna? Faz parte das fugas de capitais para o exterior? Claro que não
é indiferente para a economia nacional o destino dos montantes auferidos pelos agentes a título de
subornos, comissões, avenças, etc., sendo, também, nesta perspectiva que se fala da economia da
corrupção.

204
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

- o segundo, abarca os bens e serviços que apesar de escassos, os


funcionários dispõem de poder para aumentar a respectiva oferta,
bem como a correspondente qualidade;
- finalmente, consideram-se os bens e serviços de oferta flexível e
ajustável consoante as necessidades dos consumidores ou
utilizadores e relativamente aos quais os funcionários dispõem de
um elevado poder de discricionariedade para determinar quem
cumpre os requisitos legais de acesso.

- Bens e serviços de oferta fixa e fraco poder discricionário dos funcionários públicos

A rigidez da oferta de bens e serviços neste tipo de mercado pode ser devida à falta
de capacidade do Estado disponibilizar maiores quantidades dos respectivos bens e
serviços – carência de receitas e financiamentos, falta de funcionários (como
professores, médicos, enfermeiras,213 etc.) – e à possibilidade dos funcionários criarem
escassez artificial dado o excessivo carácter administrativo da respectiva política
pública.

Esta situação cobre o “mercado” da concessão de licenças e autorizações diversas e


do fornecimento de determinados bens de oferta rígida e relativamente aos quais os
funcionários não detêm poder discricionário significativo. Ora, se o mercado da
corrupção funcionar de um modo eficiente, então serão adjudicadas licenças e
fornecidos os bens aos solicitantes/utilizadores que apresentem maior disponibilidade
de pagar subornos, avenças, ou comissões. Não existindo discricionariedade no
preço, o suborno será, portanto, equivalente ao preço de um mercado eficiente,
igualando, consequentemente, a oferta à procura.

Na ausência de um mercado da corrupção, o Estado em condições que deveriam ser


de normalidade institucional, deveria fornecer os citados bens e serviços a um
determinado preço legal, que cobrisse ou não os respectivos custos214, revertendo os
respectivos valores para o Tesouro. Havendo mercado da corrupção, os subornos
aumentam os rendimentos dos funcionários corruptos.

Mas as implicações esperadas destes desvirtuamentos atingem, do mesmo modo, o


mercado de trabalho: se este mercado funcionar de forma competitiva, o Estado -

213
Nestes casos a rigidez da oferta já depende, também, das condições gerais de funcionamento da
economia, da capacidade dos sistemas de ensino e formação “produzirem” as qualificações necessárias à
satisfação duma crescente procura social de educação e saúde, das preferências dos cidadãos por
determinadas profissões em detrimento de outras, etc.
214
A venda de bens e serviços pelo Estado a um preço igual ou inferior ao custo depende da natureza da
necessidade a satisfazer: uma necessidade tipicamente colectiva – por exemplo, a educação básica e
primária – deve ser gratuitamente satisfeita, devendo as correspondentes despesas ser financiadas pelos
impostos que a sociedade entrega ao Estado a título gracioso. Uma necessidade mista – simultaneamente
de satisfação activa e passiva – pode ser satisfeita por serviços ou bens a um preço igual ou superior ao
custo, mas em qualquer das situações inferior ao preço de mercado. O que acontece, porém, e atendendo à
rigidez de oferta, é que o mercado da corrupção também funciona, mesmo no caso dos bens de satisfação
gratuita, devendo os utentes, por causa da escassez, pagar um preço (suborno) de valor superior ao preço
do mercado legal – na ocorrência do ensino básico e primário o preço deveria ser nulo - sendo por este
viés que a oferta se pode igualar à procura. No entanto e no caso particular de Angola, os subornos pagos
pelos cidadãos para poderem frequentar os ensinos primário, secundário e superior concluem-se por não
ser totalmente eficazes no sentido do mercado, porque acaba sempre por ficar um diferencial importante
de procura social de educação por satisfazer. Isto também se deve ao relativo poder discricionário dos
funcionários estatais.

205
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

graças à prática dos subornos que injectam acréscimos de réditos aos funcionários
públicos - pode provocar uma subida dos salários privados215.

Em síntese: existindo condições competitivas, tanto no mercado corrupto, quanto no


mercado de trabalho, os pagamentos ilegais funcionam como os preços de mercado:
os que ganham são quem estiver disposto a pagar o maior valor de subornos216,
enquanto os perdedores são os que estão disponíveis a pagar os serviços de outras
formas, tais como o tempo de espera pela solução legal, a apresentação de
reclamações ou queixas pela má qualidade das prestações públicas, etc.

Para além dos exemplos já anteriormente citados para esta situação particular do
mercado de corrupção, podem adiantar-se os casos de programas públicos de
distribuição de habitações sociais, a disponibilização de água para irrigação agrícola, o
fornecimento de água e electricidade às habitações dos centros urbanos, etc.

Em resumo, neste mercado da corrupção de oferta rígida acontece:

 um funcionamento que o aproxima da eficiência económica, porque o fraco


poder discricionário dos funcionários públicos abeira-o dum mercado de
concorrência perfeita, em que só a limitação da quantidade de bens e
serviços a oferecer determina o preço da corrupção;
 o preço da corrupção – o suborno – é superior ao preço legalmente
estabelecido; o suborno acaba por ser igual a um preço hipotético de
mercado se porventura houvesse um mercado privado para o provimento
deste tipo de serviços;
 que o preço legal não é o mais eficiente e por isso o Estado perde receitas;
 que o suborno reverte integralmente para os funcionários que o praticam à
revelia da lei, incrementando os respectivos réditos pessoais e podendo
provocar tensões inflacionistas inesperadas.

- Bens e serviços de oferta variável e elevado poder discricionário dos funcionários

Esta perspectiva corresponde aos dois últimos casos anteriormente identificados em


que os funcionários dispõem de um certo poder de influenciar a quantidade e a
qualidade dos serviços, bem como a identificação dos beneficiários217.

Este tipo de mercado da corrupção pode ser sinteticamente caracterizado nos termos
seguintes:

215
É mais do que conhecida a íntima relação entre os salários da Função Pública e do sector privado,
servindo, quase sempre, os primeiros como sinais para as políticas salariais empresariais.
216
Ainda que na maior parte dos casos a informação sobre o valor dos subornos não esteja disseminada
enquanto informação de mercado, dado justamente o seu carácter ilegal. Assim sendo, os preços deste
mercado de oferta rígida podem, da mesma forma, ser rígidos, porque a informação sobre os subornos não
circula facilmente. Alguns participantes potenciais podem negar-se a entrar no mercado da corrupção por
escrúpulos morais ou então por receio de represálias da lei, ou então os funcionários corruptos podem
limitar as suas práticas desviacionistas a pessoas dentro do seu círculo de amizades e influências. Por
estas razões, um mercado corrupto não será apenas menos eficiente do que o mercado legal, mas também
mais inseguro.
217
Os casos extremos correspondem a um só funcionário ter autoridade para outorgar licenças, definir
subsídios ou subvenções, fiscalizar as infracções (vejam-se os frequentes episódios denunciados pelos
empresários quanto à inspecção económica), influenciar contratos de empreitadas, ou de fornecimento de
bens e serviços, etc.

206
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 do lado da oferta existem poucos agentes ou apenas um agente e do lado


da procura uma multiplicidade de demandantes;
 o elevado poder discricionário dos agentes administrativos do Estado
conduz ao aparecimento dum certo poder de monopólio e à criação duma
escassez artificial da oferta;
 o valor do suborno situa-se acima do valor determinado no caso anterior,
dando origem a uma espécie de sobre-lucro, exactamente como se de um
mercado monopolista se tratasse.

Nestes casos a corrupção conduz à ineficiência, exactamente como num mercado


imperfeito.

Mas analisem-se estas matérias com mais algum detalhe.

Quando a quantidade é escassa, mas ainda assim, flexível ou variável, o funcionário,


tal como um monopolista privado, pode criar uma situação de oferta abaixo do pleno
emprego, entendido este como a quantidade de serviços estipulada pelo Estado como
correspondente às necessidades dos cidadãos. O equilíbrio, nestas condições do
mercado da corrupção, faz-se através da fixação dum valor elevado para os subornos,
com o intuito de se aumentarem os réditos do funcionário, exactamente como num
mercado monopolista em que o empresário, por força dessa situação particular, obtém
um sobre-lucro.

Se, no entanto, o Estado resolver fixar a oferta dos seus serviços abaixo do nível de
monopólio, o funcionário corrupto procurará promover uma oferta aumentada desses
serviços à margem das determinações do Estado, com o intuito de maximizar os seus
ganhos. O seu comportamento depende, portanto, não só do valor total de réditos que
pretende auferir, como também do que pode extrair dos beneficiários corruptos. Se
forem vários os funcionários que dispõem de poder discricionário de concessão de
serviços escassos, os problemas de concorrência multiplicam-se devido ao facto de
cada um deles tentar ficar com a maior parte do bolo.

Um exemplo paradigmático deste tipo de situação encontramos no mercado imobiliário


e em particular na concessão de terrenos para os cidadãos construírem as suas
habitações. São conhecidos e denunciados os episódios à volta das dificuldades de
legalização de propriedades imobiliárias urbanas ou empresariais, em que os valores
dos subornos exigidos pelos funcionários ultrapassam, por vezes, o preço de compra
do imóvel ao Estado. A ausência de critérios legais claros e o uso de um poder
discricionário fazem com que os funcionários procurem obter determinados benefícios
pecuniários.

Uma outra contingência relativiza-se na prestação dum serviço como a concessão de


passaportes, de cartas de condução ou de subsídios ou subvenções, como as
reformas e pensões. Se bem que a oferta não seja propriamente escassa, o acesso a
esses serviços encontra-se, todavia, circunscrito a determinadas pessoas legalmente
qualificadas para os usufruir218. Normalmente quem não está formalmente qualificado
tem de pagar um suborno elevado: obtenção de licença de condução sem fazer o
correspondente exame, usufruição duma reforma ou pensão sem ter direito à mesma,
aquisição dum certificado de habilitações sem ter prestado as correspondentes provas,
conquista duma permissão de imigração, etc.

Mas o mercado da corrupção não se encontra, nos casos referenciados, apenas


confinado a quem não se encontra legalmente qualificado para o usufruto dos serviços

218
Esta circunstância equivale, na prática, a criar-se uma escassez artificial.

207
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

que o Estado fornece. Quem está qualificado pode ter de pagar subornos elevados
sempre que os funcionários dispuserem de um poder discricionário correspondente a
um certo poder de monopólio para criar artificialmente escassez. Esta escassez
artificial traduz-se nos atrasos, no levantamento de dificuldades, no apontar de
insuficiências do processo, etc. Esta intenção de criar escassez produz subornos
sempre que os beneficiários não dispuserem de alternativas de satisfação dessas
necessidades.

Quanto maior for o poder discricionário dos funcionários, mais opaca e complicada a
lei e menos transparentes os procedimentos e quanto menores forem as opções
abertas aos usuários dos serviços públicos, maiores serão os custos dum sistema
económico e administrativo que tolera e convive com a corrupção.

Os efeitos nefastos das práticas corruptas são variados:

 o alto custo de se tratar com funcionários do Estado através do suborno


pode induzir muitas empresas a actuar no sector informal da economia ou a
ocultar o valor dos seus negócios;
 as perdas financeiras do Estado podem atingir expressões monetárias
significativas;
 o sistema de subornos desincentiva o investimento privado, nacional e
estrangeiro;
 sempre que o Estado não salda atempadamente as suas dívidas aparecem
incentivos à corrupção dos funcionários que lidam com estes assuntos;
 a corrupção profundamente arreigada – cultura da corrupção – frena as
reformas institucionais e os esforços tendentes a aumentar a transparência
e a governabilidade.

Ainda que os subornos possam, em determinadas circunstâncias, assumirem-se como


pagamentos de incentivo aos funcionários públicos, uma política de tolerância activa
face à corrupção debilita, seriamente, as perspectivas de reformas institucionais e
económicas a médio prazo.

(b) Os subornos enquanto formas de reduzir custos

A intervenção do Estado na economia faz-se por intermédio de um conjunto de


estímulos à actividade privada, tais como normas, regulamentos, incentivos fiscais e
financeiros, isenções tributárias, etc. As pessoas singulares e colectivas elegíveis
podem ter de pagar determinados subornos para garantir uma aplicação favorável das
leis de modo a reduzir os seus custos de funcionamento.

As leis e regulamentos podem ser objecto de interpretações mais ou menos favoráveis


às pessoas elegíveis consoante o grau de corrupção dos funcionários que têm sob sua
responsabilidade a respectiva interpretação e aplicação.

Os subornos aparecem na atribuição de licenças de exercício de actividades


empresariais (alvarás), na inspecção das obras públicas, na aplicação de
regulamentação de preservação do ambiente ou de segurança no trabalho, na
concessão de financiamentos bancários, etc.

Um outro campo predilecto aos subornos é constituído pelas alfândegas. Os


empresários estão normalmente dispostos a pagar aos funcionários alfandegários para
aligeirarem e apressarem os processos de desalfandegamento de mercadorias, de
modo a evitar custos desnecessários. Normalmente estes subornos são inferiores às
taxas aduaneiras que normalmente seriam devidas ao Estado.

208
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

3.- CONCLUSÃO

Evidentemente que se torna, por um lado, disparatado partir-se do princípio de que a


corrupção passou a ser uma espécie de “angolan way of life” e, por outro, inadmissível
conviver com ela. Já não são apenas razões de propensão económica que
determinam que assim se faça. São igualmente motivos morais e éticos de
transparência, de respeito pelo semelhante e pela sua dignidade de cidadão.

Algumas vias de solução/mitigação do problema:

 educação: para além da aquisição de conhecimentos, exige-se uma


educação de contornos éticos e morais, de reverência por valores
tradicionais de respeito pelo semelhante, honestidade, dignidade;
 alternância do poder político, na medida em que por esta via se poderem
alterar radicalmente comportamentos corruptos instalados e aceites;
 competição política: a emulação pela posse de bens materiais, dinheiro,
luxos, deve ceder lugar à emulação de ideias, os únicos elementos que
provocam e comandam a mudança;
 redistribuição do rendimento: através de vectores reais e medidas
concretas destinadas a restabelecer a função social do salário;
 crescimento económico: a via exclusiva para se gerarem, multiplicarem e
incrementarem os rendimentos.

209
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

CAPÍTULO QUINTO – INTEGRAÇÃO ECONÓMICA REGIONAL

1.- ANGOLA NO CONTEXTO DAS ECONOMIAS AFRICANAS: O DESAFIO DA INTEGRAÇÃO


ECONÓMICA NA SADC
2.- O NOVO REGIME DE COMÉRCIO NO ÂMBITO DOS ACORDOS DE PARCERIA
ECONÓMICA REGIONAIS

1.- ANGOLA NO CONTEXTO DAS ECONOMIAS AFRICANAS: O DESAFIO DA


INTEGRAÇÃO ECONÓMICA NA SADC
(Comunicação apresentada no Colóquio da Casa de Angola em Paris subordinado ao tema
“Perspectivas para Angola Depois da Paz”, Maio de 2003)

Angola tem de estar em confronto salutar com as economias africanas, por ser neste
continente onde o país se insere. No entanto, praticamente todos os países de África
estão de costas voltadas entre si. Uma análise preliminar quanto à intensidade das
trocas comerciais entre os 53 países africanos revela estar-se perante uma matriz com
a maior parte das quadrículas vazias. Na verdade, o conjunto das suas exportações e
importações representou praticamente 60% do respectivo Produto Interno Bruto em
1999219, o que revela um continente africano voltado para fora, dirigindo-se a maior
parte das suas exportações e provindo o grosso das suas importações principalmente
da Europa. Esta geografia dos fluxos comerciais denuncia que os modelos coloniais
de extroversão económica ainda não foram ultrapassados e que poderão mesmo estar
reforçados por modalidades implícitas de neocolonialismo económico moderno,
veiculadas pela ajuda pública ao desenvolvimento, que normalmente é condicionada e
sujeita a uma série de regras e critérios, cujas consequências finais são o aumento
das exportações dos países doadores e o regresso aos países de origem de mais de
80% da ajuda concedida.

Mas este panorama de retracção das trocas comerciais entre os países africanos é,
ainda, observável ao nível dos seus espaços regionais, os quais pretendem ser, no
futuro, zonas económicas únicas e integradas. A SADC, embora num processo mais
avançado de integração comercial que a maior parte das suas congéneres
continentais, apresenta as mesmas insuficiências quanto a constituir-se num
instrumento de aliciamento para os investimentos e o desenvolvimento de produtos
africanos. As trocas comerciais entre os seus parceiros são exíguas, continuando,
também aqui, a manifestar-se a influência externa sobre o direccionamento das
exportações e importações. Acrescenta-se, neste caso, a poderosa influência da África
do Sul – a grande potência económica regional – à volta da qual gravita a maior parte
da actividade económica da região220.

219
Neste valor concerteza que se contabilizam fluxos comerciais entre os próprios países africanos.
220
A África do Sul polariza, com efeito, as trocas comerciais que se não fazem com o exterior do
continente e a sua influência económica é patente quando analisada segundo diferentes indicadores.
Acresce que a sua zona directa de influência é grande, correspondendo ao domínio do “rand” como
moeda de transacção entre si e o Botswana, a Swazilândia, a Namíbia, o Lesotho, o Malawi, Moçambique
e mesmo o Zimbabwe.

210
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

SITUAÇÃO ECONÓMICA RECENTE DE ANGOLA

- Produto Interno Bruto e estrutura sectorial

A situação económica recente pode ser caracterizada consoante as informações


constantes do quadro seguinte:

CONTAS NACIONAIS (mil USD correntes)


1997 1998 1999 2000 2001 2002
Agricultura,silvicultura,pescas 673914,5 831194 380853,3 519205,2 730733,1 905403,7
Petróleo bruto e gás 3585765 2417194 3519020 5505579 4562394,3 5025127,2
Diamantes e outras 326559,8 341836,3 499856,5 555885,5 634823,3 634823,3
Indústria transformadora 327777,8 402964,7 195143,2 264905,2 347543,8 426684,5
Energia e água 3534,2 4743,1 2172,8 3753,5 4632,2 4632,2
Construção 304888,9 393050,4 186616,7 320809,7 395463,7 395463,7
Serviços mercantis 1207338 1233962 901036,3 1372352,4 1613075,6 1613075,6
Serviços não mercantis 879508,5 673634,8 291990,5 607264,4 828758,3 1207205,0
PIB preços de mercado 7486308 6387370 5989740 9049257 8911379,4 10406939,5
População (mil habitantes) 13134 13541 13947
PIB per capita (usd) 689,0 658,1 746,2
PNB per capita (usd) 397,8 321,2 382,0
FONTE: Ministério do Planeamento, INE, Contas Nacionais, BNA – Balança de Pagamentos e Trabalhos
Preparatórios da Estratégia de Longo Prazo (As Dinâmicas Populacionais em Angola).

De sublinhar:

 o exíguo mercado interno de bens transformados, cuja dimensão média no


período em análise, não ultrapassou os 330 milhões de dólares
americanos;
 a significativa subida da extracção de diamantes, hoje a terceira maior
actividade de mercado no país (o valor acrescentado da agricultura tem
uma forte componente de autoconsumo);
 o comércio e os restantes serviços mercantis subscrevem uma fatia
importante da actividade económica interna.

A situação económica geral da população medida pela capitação do PNB em 2002


($382) era das mais baixas da SADC e correspondia, em termos duma aproximação
ao rendimento – limite da pobreza por habitante, a qualquer coisa como $1,05 dólares
por dia.

A esta fraca capacidade interna de geração de rendimento pessoal associam-se a


debilidade e os desequilíbrios estruturais dos e entre os sectores, conforme expresso
no quadro abaixo (estrutura a preços correntes).

211
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

ESTRUTURA SECTORIAL
1998 1999 2000 2001 2002
Agricultura,silvicultura,pescas 13,01 6,4 5,7 8,6 9,2
Petróleo bruto e gás 37,8 58,8 60,8 51,8 49,5
Diamantes e outras 5,4 8,4 6,5 6,2 6,3
Indústria transformadora 6,3 3,3 2,9 4,1 4,3
Energia e água 0,07 0,04 0,03 0,04 0,04
Construção 6,2 3,1 2,8 3,8 4,0
Serviços mercantis 19,3 15,0 14,5 15,9 16,1
Serviços não mercantis 10,6 4,9 6,7 9,4 10,6
PIB preços de mercado 98,6 99,8 99,9 99,9 99,9
FONTE: Ministério do Planeamento, INE, Contas Nacionais
NOTA: o somatório em coluna não perfaz 100% porque se não consideraram no cálculo da estrutura da economia
nacional os direitos de importação.

Trata-se duma contextura económica que desde há muito se mantém inerte no que se
refere aos sectores estruturantes do mercado interno, como a indústria
transformadora, a energia e a construção.

Os aspectos relevantes a destacar são:

 uma aparente tendência de redução do peso relativo da economia


petrolífera, que, no entanto, pode não se consolidar se se realizarem os
investimentos previstos na extracção de petróleo e que podem vir a situar-
se entre 4 e 5 biliões anuais durante os próximos anos221;
 a manutenção do processo de desindustrialização traduzido no decrescente
peso do VAB industrial no PIB total e que em 2002 atingiu a cifra de
4,3%222;
 um peso relativo claramente negligenciável da energia e água, um sector
de extraordinária importância para a recuperação e o desenvolvimento do
país;
 uma estabilidade do peso relativo dos serviços mercantis, que englobam o
comércio e actividades afins, os seguros, os bancos, os transportes, as
telecomunicações, etc.;
 uma participação também modesta do sector da construção, certamente
um dos pilares em que, uma vez mais, vai assentar o processo de
crescimento económico de Angola.

Mas esta inércia pode ser melhor apreciada se referida a preços constantes de 1992:

221
No contexto duma política necessária de integração económica sectorial, a Chevron-Texaco anunciou
avançar com um projecto denominado “Iniciativa de Parcerias com Angola”, orçado em 50 milhões de
dólares americanos e destinado, entre outras coisas, a promover o desenvolvimento de pequenas empresas
noutros ramos de actividade.
222
Apesar de todo um clima novo mais propício à iniciativa empresarial e industrial, o que é facto é que
no decurso de 2002 ocorreram bastantes paralisações de fábricas em várias províncias, donde se destacam
os casos da África Têxtil e da Companhia de Celulose e Papel de Angola em Benguela, da Corassol e a
Toflex em Viana, da Peskwanza no Kwanza Sul, da Mabor e da Siderurgia em Luanda, temendo-se que a
Metalúrgica de Viana, por dificuldades de escoamento dos respectivos produtos, venha a encerrar a sua
actividade industrial.

212
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

ESTRUTURA A PREÇOS DE 1992


1998 1999 2000 2001 2002
Agricultura,silvicultura,pescas 12,45 12,28 12,96 14,53 14,10
Petróleo bruto e gás 44,48 43,75 42,39 39,85 43,14
Diamantes e outras 4,62 6,28 6,86 7,79 7,19
Indústria transformadora 3,98 4,15 4,36 4,55 4,33
Energia e água 0,07 0,07 0,07 0,07 0,07
Construção 4,91 5,02 5,20 5,36 5,11
Serviços mercantis 16,70 16,97 16,93 17,05 16,47
Serviços não mercantis 11,48 10,34 10,13 9,72 8,62
Direitos de importação 1,30 1,14 1,10 1,07 0,98
PIB preços de mercado 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
FONTE: INE-Contas Nacionais

O contraste com os valores do quadro dos pesos relativos a preços correntes é


evidente, podendo-se concluir por uma evidente imobilidade no processo de
alterações económicas estruturais até 2002:

 os sectores estruturantes dum desenvolvimento endógeno e configurantes


duma integração económica interna (sectorial e regional) mantiveram-se
dotados duma inércia impeditiva de melhorarem a sua participação relativa
no tecido económico nacional: agricultura, indústria transformadora,
construção, energia e água;
 os sectores de enclave, que veiculam uma forte dependência do exterior e
que contribuem para uma diminuição do rendimento nacional, viram a sua
posição conjunta melhorada, ainda que ligeiramente: 49,1% em 1998 e
50,3% em 2002.

O quadro seguinte transcreve as taxas anuais de crescimento a preços constantes de


1992:

TAXAS ANUAIS MÉDIAS DE CRESCIMENTO A PREÇOS DE 1992


1997 1998 1999 2000 2001 2002
Agricultura,silvicultura,pescas 10,2 5,2 1,3 9,3 18 12,1
Petróleo bruto e gás 4,7 3,5 1 0,4 -1 25
Diamantes e outras 53,4 90,2 39,5 13,3 19,5 6,6
Indústria transformadora 9,3 4,9 7,1 8,9 9,8 10,1
Energia e água 9,4 14,5 1,3 0,8 10 10
Construção 13 10 5 7,5 8,5 10
Serviços mercantis 9,4 5 4,4 3,4 6 11,6
Serviços não mercantis 5,5 0 -7,5 1,5 1 2,5
PIB preços de mercado 7,7 5,5 2,7 3,6 5,2 15,5
FONTE: INE-Contas Nacionais

A análise das dinâmicas de crescimento revela que todos os sectores da economia


angolana não apresentam tendências estabilizadas de variação, evoluindo num
processo de altos e baixos acentuados:

 os sectores de enclave, porque dependem das condições de oferta e


procura dos mercados internacionais, ajustando as concessionárias que
operam no mercado angolano as suas estratégias de extracção. Mas ainda
porque a actividade destes sectores tem como ponto chave a descoberta

213
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

de novas fontes e o esgotamento das existentes, de cuja conjugação


resulta a respectiva produção;
 os restantes sectores, porque tributários de condições atmosféricas, da
maior ou menor disponibilidade de divisas e do respectivo preço, da maior
ou menor disponibilidade de crédito e do seu preço, de imponderabilidades
diversas (energia, água, transportes, mão-de-obra qualificada, burocracia e
corrupção, etc.), das altas taxas de inflação e das inúmeras consequências
da guerra223.

- Inflação

A inflação no país continua a situar-se em patamares prejudiciais ao crescimento da


economia não mineral, à redução efectiva da pobreza e à melhoria do bem estar geral
da população. O quadro seguinte mostra-o:
COMPORTAMENTO DA INFLAÇÃO
(valores em percentagem)
ANOS Média aritmé- Média geomé- Inflação média Inflação média Inflação acu-
tica mensal trica mensal anual (aritmé) Anual(geomé) mulada
1991 9,2 8,8 183,6 180,1 175,7
1992 16,6 16,0 275,7 252,9 495,8
1993 28,2 28,0 1169,6 1060,3 1837,7
1994 22,5 21,9 1155,7 1104,8 971,9
1995 37,0 35,7 2067,6 1917,0 3783,4
1996 29,3 26,9 5867,9 5027,0 1651,3
1997 4,3 4,2 343,3 143,8 64,0
1998 7,5 7,4 104,0 98,8 134,8
1999 13,1 12,9 231,5 223,0 329,0
2000 11,6 11,5 344,4 339,7 268,4
2001 6,7 6,6 169,3 162,5 116,1
2002 6,2 6,2 109,3 109,0 105,6
FONTE: INE-Índice de Preços no Consumidor.

Apesar de ainda muito elevada, tem-se, no entanto, vindo a verificar uma tendência
sustentada de redução da inflação:

 as taxas médias mensais de inflação têm vindo, paulatinamente, a diminuir,


particularmente a partir de 1999, com as reformas estruturais de mercado
introduzidas na política monetária e cambial224;
 a inflação média anual - diferente da inflação medida no último mês de
cada ano - regista, igualmente, uma tendência positiva de decrescimento
sensível. As oscilações que se registaram até 1999 foram substituídas por
uma tendência evidente de diminuição da inflação, sendo de sublinhar a
quebra ocorrida entre 2000 e 2001 de cerca de 51%;
 de igual modo, o indicador inflacionista da taxa acumulada no final de cada
ano aponta no mesmo sentido, sendo de destacar as quebras verificadas
no ritmo de crescimento dos preços entre 1999 e 2000 (18,4%) e entre
2000 e 2001 (56,8%).

223
Em relação a estes dois aspectos um dos sectores de enclave tem passado completamente ao lado, não
sendo estas as suas dificuldades. A lógica de funcionamento é a do dólar e as oscilações da produção
estão apenas relacionadas com as condições da procura mundial, pois mesmo as questões de
financiamento estão facilitadas pelos mercados financeiros internacionais.
224
As baixas taxas médias mensais de inflação conseguidas em 1997 e 1998 - de resto as mais baixas
registadas entre 1991 e 2002 - ficaram a dever-se, sobretudo, a actuações administrativas restritivas e não
a uma política económica de mercado.

214
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Parece não serem, por enquanto, completamente consensuais as reais causas da


inflação em Angola, sendo, igualmente, divergentes as formas convincentes de a
debelar.

O FMI225, como sempre, coloca toda a ênfase nas componentes monetárias, sugerindo
que a persistência da inflação em Angola se deve:

 a um aumento rápido da base monetária como percentagem do PIB (a


chamada “seigniorage” do Banco Central);
 uma alta velocidade de circulação da moeda (a taxa de circulação da
moeda ou o número de vezes que a moeda muda de mãos num
determinado período de tempo);
 um rápido crescimento da velocidade de circulação da moeda.

O estudo “O Sistema e a Política de Preços em Angola”226 identificava como causas


principais:

 formação de estruturas oligopolísticas nos principais circuitos comerciais;


 estrutura e natureza do sistema de subsídios;
 políticas macroeconómicas, em particular a fiscal, a monetária e a de
preços;
 factores associados à “fileira” das importações227;
 factores de enquadramento da oferta interna, desde as infraestruturas
(particularmente energia e água), à burocracia estatal e à obtenção de
crédito;
 factores associados à organização dos mercados de distribuição.

Mais recentemente, um outro trabalho intitulado “Estudo sobre a Política de


Rendimentos e Preços228” apontava como causas da inflação no país:

 o modelo de conversão das receitas fiscais petrolíferas;


 a desregulação dos preços de importação;
 as receitas de “seignioriagem”;
 o descontrolo dos agregados monetários;
 os défices orçamentais e o descontrolo das despesas públicas;
 o funcionamento dos mercados.

José Cerqueira229 identifica quatro fontes distintas da inflação:

 inflação fiscal, correspondente à medida relativa do défice fiscal expressa


como uma fracção do fluxo simultâneo da produção nacional;
 inflação capitalista, medida pelas variações do estoque de crédito que
ocorrem durante um período considerado de produção;
 inflação importada correspondente à medida relativa às exportações e
expressa como uma fracção do fluxo de produção;

225
FMI, Aide Mémoire, January 2003 e Angola: a note on inflation, November 2002.
226
Ministério do Planeamento/CESO CI, 1998, páginas 4/21.
227
Entre o valor FOB e o valor CIF a margem é, em média, de 25,2 pontos percentuais e entre o valor CIF
e o preço de venda ao público a diferença é de 4,2 vezes no mercado formal e 4,8 vezes no mercado
informal (página 15 do citado estudo).
228
Ministério das Finanças, Abril de 2002.
229
É possível baixar a inflação para 30% em 2003? Artigo publicado no semanário Angolense, Abril
2003.

215
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 inflação trabalhista, medida pela taxa de elevação no volume de salários


que ocorre acima dos ganhos de produtividade.

Alves da Rocha230 salienta: “ o sistema económico administrativo e a incorrecta política


económica (particularmente a cambial) do passado, arrastaram o sector produtivo
nacional, em especial a indústria transformadora, para falsas situações de pleno
emprego, ao reduzir drasticamente a sua capacidade operacional de produção,
aumentando, em consequência, o hiato entre capacidade instalada e capacidade real
de utilização. Esta redução da capacidade utilizada, de transitória foi-se transformando
em efectiva e real, pela via da obsolescência tecnológica, da falta de conservação das
instalações e dos equipamentos, dos equipamentos estragados por falta de utilização,
da descapitalização dos conhecimentos e da experiência dos trabalhadores, etc. O
sistema produtivo não petrolífero foi, assim e paulatinamente, empurrado para zonas
de falso pleno emprego, do que só não resultou uma inflação aberta e declarada
porque as descompressões momentâneas consentidas pelas importações e pelo
alargamento dum sector informal de solidariedade social e de reprodução económica o
impediu ou adiou. A contrapartida ao recurso sistemático às importações foi o
desequilíbrio estrutural das contas externas e o avolumar da dívida externa do país.”
Na verdade, está-se perante uma estrutura económica interna com um grau de
contrariedade muito fraco a determinados choques: qualquer aumento das despesas
públicas em bens e serviços ou em salários dos funcionários públicos é imediatamente
absorvido pelos preços. O sistema imunológico da economia nacional não apresenta
capacidades de resistência a determinados choques internos e externos, o que
equivale a considerar que antes de o reforçar com políticas de oferta, os choques
terão de ser debelados. Isto é: de que vale conceder incentivos fiscais e financeiros à
produção se a inflação, provocada pelos choques dos gastos públicos excessivos e
não orçamentados (logo não controláveis pela política fiscal), anula a sua expressão
real e efectiva?

Apesar de todas estas contribuições, o que é facto é que o fenómeno da inflação


continua a representar uma disfuncionalidade grave do sistema económico nacional e
muito embora o comportamento de longo prazo aponte claramente no sentido duma
baixa generalizada da tendência de elevação dos preços231 , o seu nível actual é ainda
muito alto, respondendo pelos fenómenos de fuga à moeda nacional e dolarização da
economia.

- Indicadores do comércio externo

A economia de enclave – cuja maior ou menor representatividade interna depende


apenas das condições de procura e oferta dos mercados internacionais e das
estratégias das multinacionais predominantes – é a grande responsável pelo grau de
grande abertura do país ao exterior. As respectivas “ratio” apresentaram o
comportamento seguinte:

230
Angola: Estabilização, Reformas e Desenvolvimento, LAC, 1999, páginas 86,87 e 88.
231
Economia Angolana em 2002 - Alguns Contributos para a Análise do seu Comportamento, Ministério
do Planeamento, Março de 2003

216
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

INDICADORES DO COMÉRCIO EXTERNO (%)


ANOS 1997 1998 1999 2000 2001
EXP/PIB 65,8 57,4 87,2 92,4 71,1
M/PIB 33,9 32,9 54,8 49,9 35,6
(EXP+M)/PIB 99,7 90,3 142,0 142,3 106,7
Preço barril de
petróleo 18,5 12,1 17,4 27,1 22,7
Preço quila-
te diamante 287,0 156,2 165,3 171,2 133,5
EXPP/PIB 61,8 48,4 75,0 78,7 73,3
EXPP/PIBP 129,1 127,9 127,6 129,3 143,2
EXPD/PIB 5,1 6,7 10,5 8,2 7,7
EXPD/PIBD 116,8 124,3 126,0 125,9 108,5
EXPP/EXP 92,5 87,2 87,1 89,9 88,8
EXPD/EXP 7,6 12,0 12,2 9,3 10,5
Barris de pe-
tróleo anuais 260256 269588 272378 273183 270309
Exportação
petróleo 242474 250830 253600 256100 255200
Consumo in-
terno petró-
leo (%) 6,8 6,9 6,9 6,3 5,6
FONTES: Balança de Pagamentos, BNA, Direcção de Estudos e Estatística e INE, Contas Nacionais
NOTAS: EXPP e PIBP são as exportações e o PIB petrolífero; EXPD e PIBD são as mesmas grandezas
referidas aos diamantes.

Várias observações:

 a característica enclavista das actividades de extracção de petróleo e


diamantes expressa-se cabalmente pelos valores dos respectivos rácios de
exportação face ao PIB;
 no entanto, esses mesmos valores também podem ser denunciadores da
existência de divergências dos registos estatísticos das operações de
comércio externo232;
 os diamantes e o petróleo dominam completamente o panorama do
comércio externo de Angola, representando as restantes exportações
(café?, madeira?, mármores?) uma posição que nem sequer marginal pode
ser considerada;
 a actividade de exploração de petróleo está em 93% da quantidade
extraída orientada para o exterior, o que conjugado com a elevada
dependência das importações leva a afirmar que se trata de uma economia
que produz o que não consome e que consome o que não produz, sendo,
portanto, urgente a implementação do processo que conduza a uma maior
integração económica interna;
 os factos anteriores são justificativos da necessidade de se formular uma
Estratégia Nacional de Diversificação das Exportações, à semelhança do
que existe em muitos países africanos, em especial da SADC e no contexto
das recomendações da NEPAD.

- Indicadores orçamentais

Relativamente à execução fiscal as informações mais relevantes constam do quadro


seguinte:

232
Por exemplo, as informações sobre as exportações de diamantes fornecidas pelo Ministério da
Geologia e Minas reportam valores sistematicamente superiores aos constantes da Balança de Pagamentos
do BNA na rubrica “outras exportações”.

217
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

EXECUÇÃO ORÇAMENTAL
(milhões de dólares)
RUBRICAS 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Receitas totais 2796,4 1711,4 2723,7 4488,1 3980,5 4333,1
Receitas tribu 2772,1 1683,5 2707,4 4467,6 3952,0 4294,6
tárias
Petrolíferas 2329,8 1183,1 2376,1 4000,6 3208,7 3368,8
N/petrolíferas 442,3 500,4 331,3 467,0 743,3 925,8
Não tributária 24,3 27,8 16,2 20,5 28,6 38,5
Despesas cor 2611,1 3226,2 2954,4 4818,0 3963,3 4445,6
rentes
Desp.pessoal 784,1 592,3 258,0 526,1 724,8 1007,2
Bens e serviç 1360,8 1139,9 1652,1 2991,8 2197,2 2520,5
Juros 207,5 442,1 311,2 618,2 466,0 450,8
Transferências 258,7 68,6 645,4 596,0 499,5 466,9
Quase-fiscais - 983,4 87,6 86,0 75,8 -
Despesas de 359,7 381,0 784,7 560,7 567,6 413,5
capital
Despesas to- 2970,8 3607,3 3739,1 5378,7 4530,9 4859,0
tais
Saldo global -174,3 -1895,9 -1015,4 -890,6 -550,3 -525,9
Défice fiscal -2,3 -29,7 -17,0 -9,8 -6,2 -5,1
% do PIB
FONTE: Gabinete de Estudos do Ministério das Finanças

Mais do que o Orçamento Geral do Estado, é a execução orçamental que desencadeia


efeitos benéficos ou perversos sobre a economia233.

Deve-se, em termos necessariamente sintéticos, evidenciar o seguinte:

 o excessivo peso relativo da despesa pública em relação ao nível geral da


actividade económica, que nos últimos cinco anos foi calculado em mais de
50% (contra, por exemplo, 30% da média da SADC), o que acaba por se
tornar insustentável no quadro de uma política de combate consequente
contra a inflação234;
 a qualidade da despesa pública realizada é bastante questionável235, pela
falta de visibilidade dos seus resultados concretos sobre o bem estar
económico e social;
 a incapacidade da Tesouraria do Estado assumir as despesas executadas
à margem do Orçamento tem gerado um “stock” sistemático de atrasados
internos, que em 31 de Dezembro de 2002 ascenderam a 542 milhões de
dólares americanos;
 a pressão sistemática para o pagamento de despesas realizadas à margem
dos procedimentos legais estabelecidos no Sistema Integrado de Gestão
Financeira do Estado e para a aprovação e implementação de outros
233
O Orçamento, através da estrutura das despesas e receitas públicas, apresenta a função de preferência
do decisor público quanto às modalidades de realização das funções fiscais modernas de alocação,
estabilização e redistribuição. A execução orçamental mostra os desvios ocorridos nessas opções e avalia
os seus efeitos negativos sobre a actividade económica e o bem estar social, sendo o mais importante a
inflação. Em Angola, os Orçamentos de Estado têm-se mostrado preocupados quanto à necessidade de
controlo da inflação, mas as execuções orçamentais têm relegado para plano secundário este importante
desiderato, ao consagrarem, por exemplo, percentagens elevadas de despesas executadas à margem das
aprovadas no Orçamento e ao privilegiarem, ainda, o urgente sobre o importante. O urgente acaba por ser
sempre administrativo, consentindo, portanto, práticas desviacionistas e o tráfico de influências.
234
Os dividendos da paz têm de começar a ter uma expressão real e efectiva, em termos de crescimento
económico, de aumento das despesas alocativas do Estado e de redução expressiva da inflação, embora
compatível com as taxas de aumento da base material para o desenvolvimento sustentável.
235
Recorda-se aqui o que se afirmou na nota de rodapé anterior quanto à capacidade de os défices fiscais
levarem a um aumento significativo e sustentado da taxa de crescimento do produto, o que trás à coacção
justamente a qualidade das despesas públicas.

218
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

programas, projectos e actividades não inscritas – nem por consequência


aprovados pela Assembleia Nacional – tem contribuído para a consolidação
da imagem dum Estado que não cumpre as regras que ele próprio
estabelece e para os baixos índices de confiança que o sector privado
deposita na política económica, em particular na política orçamental.

O peso relativo de algumas importantes rubricas da execução orçamental


apresentaram a evolução seguinte:

1997 1998 1999 2000 2001 2002


Receitas pe-
trolíferas/PIB 31,1 18,5 39,7 44,2 36,0 32,4
Salários/PIB 10,5 9,3 4,3 5,8 8,1 9,7
Bens e servi-
ços/PIB 18,2 17,8 27,6 33,1 24,7 24,2
Juros/PIB 2,8 6,9 5,2 6,8 5,2 4,3
Despesas
quase fiscais
/PIB 0,0 15,4 1,5 1,0 0,9 0,0
Défice fiscal/
PIB -2,3 -29,7 -17,0 -9,8 -6,2 -5,1

Os valores anteriores demonstram que a execução fiscal não tem correspondido à


implementação duma política orçamental firme e disciplinada. Os salários e as
despesas em bens e serviços tem-se apresentado muitos oscilantes ao longo do
período em consideração, tendo a segunda categoria de despesas orçamentais
representado mais de 33% do PIB em 2000.

Os recebimentos registados pelo Ministério das Finanças a título de impostos


petrolíferos tem apresentado uma tendência clara de baixa, particularmente em
relação a 2000 e 1999. A explicação mais plausível que se pode encontrar para este
declínio relativo deste tipo de arrecadação fiscal é a da queda nas taxas efectivas de
tributação do petróleo, o que é indesejável e mesmo incompatível com os termos
contratuais dos Acordos de Partilha de produção entre o Estado e as companhias
petrolíferas236.

Seguramente que o clima envolvente duma execução orçamental com as


características acima evidenciadas tem de ser de instabilidade, particularmente nos
indicadores que servem de sinalizadores das decisões microeconómicas e das
estratégias empresariais, como o são os preços.

236
De acordo com Gonzalo Pastora e Sishuir Bahattarai – Angola: Origens e Aplicações da Receita
Pública do Petróleo, Abril de 2003 – os acordos de partilha de produção prevêem a transferência de uma
parcela crescente do chamado “oil profit” para o Estado. Calculam que o declínio nas taxas efectivas de
tributação representa uma insuficiência de receitas fiscais petrolíferas entre US$ 300 milhões e US$ 900
milhões de 2001 para 2002, o que, a ser verdade, representa uma verba muito importante para a
consumação dos programas de reinfraestruturação do país e de emergência e ajuda aos deslocados – sem
grande recurso à ajuda externa – que o Governo tem em mãos. Evidentemente que traduzem, igualmente,
uma punção muito expressiva das receitas públicas, uma vez que os impostos petrolíferos respondem por
70% a 90% do total da receita governamental. Num processo firme de combate à inflação este montante
de divisas certamente que fará muita falta para o cumprimento desse objectivo.

219
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

A ECONOMIA ANGOLANA E A ECONOMIA AFRICANA

- População, PIB e PIB por habitante

Um primeiro patamar de compreensão sobre o posicionamento da economia angolana


no contexto africano é o que decorre do cotejo com os valores globais continentais de
algumas variáveis económicas. Esse panorama é o constante do quadro seguinte:
ALGUNS INDICADORES ECONÓMICOS RELATIVOS A 2000
INDICADORES POPULAÇÃO Taxa cresci- PRODUTO Taxa cresci- PNB por habi- PIB por habi-
PAÍSES (milhares) mento popula- INTERNO mento do PIB tante tante
ção 1990/2000 BRUTO 1990/2000
ANGOLA 13134 3,3 6647 0,7 240 523
ÀFRICA 797800 2,6 588385 -0,1 671 693
Fonte: Banco Mundial – African Development Indicators, 2002
Notas: O PIB é a preços constantes de 1995 e está expresso em milhões de USD; o PIB por habitante está em USD;
as taxas de crescimento estão em percentagens. O valor do PNB por habitante difere do apresentado no parágrafo
1.1., devido aos diferentes métodos de cálculo utilizados: método Atlas para os 240 dólares e método directo para os
397 dólares. Acresce que os valores deste quadro são a preços de 1995.

Em termos relativos, a economia angolana – apesar da sua dimensão territorial que


coloca o país entre os sete mais vastos do continente – é bem pequena quando
inserida no todo continental: 1,6% da população e também cerca de 1,1% do PIB total
africano. Deste ponto de vista, a capacidade de influência sobre a política económica
continental é muito reduzida, senão mesmo insignificante237.

Quanto a determinadas dinâmicas, Angola também se queda na retaguarda da média


continental africana: o ritmo médio de crescimento da população entre 1990 e 1999 foi
superior – 3,3% contra 2,6% - o que pode colocar problemas sérios à melhoria
sustentada das condições de vida da população. Esta possibilidade está, de resto,
espelhada nos valores do produto médio por habitante: 523 USD contra 693USD, em
qualquer dos casos muito baixo, respectivamente, 1,43 USD e 1,89 USD por dia.

No concernente à variação média percentual do PIB entre 1990 e 2000, verifica-se que
enquanto o continente africano esteve em estagnação ou ligeira recessão económica
durante esse período – um crescimento médio do PIB a uma taxa negativa de 0,1% - a
economia angolana, apesar de tudo, cresceu a uma taxa média anual de 0,7%238.
- Transacções económicas com o exterior

As exportações e as importações são os actos económicos por via dos quais os


países se relacionam com o exterior. De resto, o comércio externo tem sido, desde há
muito tempo, considerado um dos factores de maior estímulo ao crescimento das
economias nacionais e de maior incremento da produtividade interna239.

237
Esta capacidade de partilhar as decisões de política económica continental passará, numa primeira
fase, por uma maior credibilidade da nossa política económica interna – se for capaz de soluções
inovadoras e eficazes para problemas que do mesmo modo afectam a generalidade dos países africanos
(atente-se nas referências elogiosas feitas a Cabo Verde na cimeira do G8 de Junho de 2001 no Canadá) –
e uma actuação mais contundente da diplomacia externa angolana.
238
Apesar de positivo, ainda assim inferior à taxa de crescimento demográfico, donde uma deterioração
do nível de vida médio angolano de 2,6% ao ano.
239
No entanto, modelos de crescimento económico excessivamente extrovertidos e concentrados em
poucos produtos de base ou primários são, basicamente, prejudiciais às economias nacionais, provocando
uma excessiva dependência externa de mercados e preços que se não controlam. O comércio externo é,
efectivamente, factor incontornável de desenvolvimento económico quando as estruturas económicas
internas forem fortes, resistentes, produtivas e competitivas. É por isto que os países subdesenvolvidos em
geral e os africanos em particular ainda se debatem com a escolha do melhor modelo possível de

220
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

INDICADORES DO COMÉRCIO EXTERNO


PAÍSES Exportações Importações (X+M)/PIB (x+m)/(X+M) X/PIB M/PIB X/M
Angola 7921 7565 142,3 4,4 92,4 49,9 104,7
África 182940 171578 64,1 100 33,1 31,0 107,0
Fonte: Banco Mundial – African Development Indicators, 2002
Notas: Os valores do comércio externo estão em milhões de USD correntes de 2000. Os rácios estão em
percentagem.

Comprova-se, igualmente pelo comércio externo, que a economia angolana detém um


fraco posicionamento, embora melhorado em relação ao PIB: as exportações e as
importações angolanas não ultrapassam 4% do total do comércio externo do
continente africano. Para além disso, evidencia-se que a economia angolana é muito
mais dependente do exterior que o conjunto económico africano, uma vez que a
respectiva taxa é de 164,4% no primeiro caso e tão somente de 64,1% no segundo.
Tal circunstância fica a dever-se à perversa estrutura económica angolana, em que a
economia petrolífera a domina por completo240.

Apura-se ainda que Angola apresenta um coeficiente de entrada de importações muito


elevado (74,2% do PIB), explicado, como é consabido, pela desajustada política
económica aplicada entre 1975 e 1999, em que as importações foram
deliberadamente preferidas à produção nacional.

O exagerado peso da economia petrolífera em Angola acaba por deturpar o significado


dos indicadores de comércio externo, sendo, neste contexto, desaconselhável estribar
uma estratégia de promoção das exportações e de substituição das importações nos
respectivos valores.

A ECONOMIA ANGOLANA E ALGUMAS ECONOMIAS AFRICANAS PRODUTORAS DE PETRÓLEO

Uma outra abordagem quanto à implantação da economia angolana no contexto


africano pode ser dada pela via da comparação com alguns dos países produtores de
petróleo. Os países escolhidos foram a Argélia e o Egipto da zona árabe e tradicionais
apoiantes de Angola e a Nigéria – o maior produtor e exportador africano ao sul do
deserto – a Costa do Marfim, o Gabão e a República do Congo da área geográfica da
CEEAC.

- População, PIB e PIB por habitante

O maior país africano em termos populacionais, conforme é sabido, é a Nigéria que


debitou um quantitativo populacional, referente a 2000, de aproximadamente 16% da
população total do continente africano. Os seus quase 127 milhões de habitantes
representam quase 64% da população total da SADC e praticamente 10 vezes mais a
população angolana. Por outro lado, a dinâmica de crescimento populacional
patenteada entre 1990 e 2000 é das mais altas do continente africano (3,5% de taxa
média anual de variação), embora mais baixa do que a de Angola e do Congo
Democrático.

desenvolvimento, em que a articulação entre promoção das exportações e substituição das importações se
faça em duas direcções, a da competitividade e dos ganhos de produtividade e o da criação dos mercados
internos (a economia norte-americana – que representa mais de ¼ da economia mundial – quase que não
precisaria de exportar, porque o seu mercado interno era constituído, em 1999, por mais de 280 milhões
de habitantes com um poder de compra médio anual por pessoa de 31872 USD).
240
Cerca de 93% da quantidade extraída de petróleo é exportada em bruto, decorrendo os efeitos
multiplicadores reconhecidos à fileira do petróleo em total benefício das economias compradoras do
crude nacional. Esta constatação leva a questionar sobre a verdadeira estratégia de extracção do petróleo
angolano e, de facto, ao serviço de quem é que está.

221
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

ALGUNS INDICADORES ECONÓMICOS RELATIVOS A 2000


INDICADORES POPULAÇÃO Taxa de cres- PRODUTO Taxa de cres- PNB por habi-
PAÍSES (mlilhares) cimento da po- INTERNO cimento do tante (método
pulação 1990/ BRUTO PIB 1990/2000 ATLAS)
2000
ANGOLA 13134 3,3 6647 0,7 240
República do
Congo 2900 2,8 2539 -0,3 630
Costa do
Marfim 16000 3,1 11890 3,1 660
Gabão 1210’ 2,6 5385 2,9 3180
Nigéria 126900 3,5 32184 2,7 260
Argélia 30900 2,0 48819 1,6 1590
Egipto 63800 2,0 78422 4,5 1490
FONTE: Banco Mundial, African Development Indicators, 2002
NOTAS: A população está expressa em mil habitantes, enquanto que o PIB(Produto Interno Bruto) se conta em
milhões de USD e a preços de 1995; a taxa média de crescimento demográfico (tcpop90-99) é em percentagem, bem
como a taxa de crescimento média do PIB; o PIB per capita está em dólares dos Estados Unidos, refere-se à média
entre 1990/99 e foi calculado pelo método ATLAS.

Entre as economias seleccionadas verifica-se que a maior é a do Egipto com um PIB


de aproximadamente 80 biliões de USD – 2,4 vezes mais a da Nigéria e 11,8 vezes a
angolana. Esta disparidade tem como principal reflexo os níveis de rendimento médio
por habitante, mais elevado no Egipto ($1490 por ano e pessoa) e mais baixo na
Nigéria ($260) e em Angola ($240).

De resto, neste atributo é o Gabão o país onde o nível médio de vida é o mais
elevado, desfrutando cada cidadão de um rendimento médio anual de $3180,
sensivelmente 13 vezes mais o angolano, 12 vezes o nigeriano e 2 vezes o da Argélia,
a segunda melhor economia da amostra.

No concernente às dinâmicas evolutivas são as economias egípcia, gabonesa e costa-


marfinense as mais activas, com taxas médias anuais de crescimento do PIB de,
respectivamente, 4,5%, 2,9% e 3,1% para o período entre 1990 e 2000. Angola, como
já salientado, experimentou um período de relativa estagnação económica, traduzida
por uma taxa média anual de crescimento de 0,7%.

- Transacções económicas com o exterior

A economia com o segundo maior grau de exposição ao exterior, a seguir a Angola é a


República do Congo (o somatório das suas exportações e importações representou,
em 2000, mais de 120% do PIB). Isto significa, precisamente, que, e á semelhança de
Angola, se trata de uma economia que não consome o que produz e que consome o
que não produz. Esta característica é própria das chamadas economias de enclave241.

241
Ou também apelidadas de economias rendeiras, dado o peso na economia e no Orçamento de Estado
das rendas provenientes da exploração e exportação em bruto de produtos de base e de matérias primas
consideradas de natureza estratégia para as economias desenvolvidas que as importam. É justamente neste
quadro de análise que se pode colocar a questão quanto ao carácter da estratégia de exploração – ou de
exaustão – do petróleo actualmente seguida por Angola. A circunstância de apenas 7% da quantidade
extraída ser aproveitada internamente leva a concluir que os principais interesses a quem esta estratégia
serve são dos Estados Unidos e das economias que importam este recurso mineral. A questão das receitas
fiscais que a exportação de petróleo proporciona – e que pode ser aduzida como justificação para o
aumento da produção de petróleo – é de natureza bem diferente e a sua discussão tem dois pólos, quais
sejam, o do financiamento da guerra e o da constituição de uma burguesia nacional endinheirada, mas
muito pouco empreendedora. Se a questão do financiamento da guerra pode ser, em parte, revertida à
problemática da defesa da integridade territorial e da garantia da segurança interna, já a do
enriquecimento fácil por intermédio de processos ilícitos levanta, certamente, discussão em termos éticos,
morais e de justiça na repartição dos frutos da exploração de um recurso que é da Nação, portanto, de
todos.

222
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Em termos de valor bruto das exportações são, e pela ordem que se segue, o Egipto,
a Argélia e a Nigéria os maiores exportadores desta amostra e dos maiores de toda a
África242. No entanto – e esta é uma diferença significativa em relação a Angola em
que as exportações representaram, em 2000, mais de 90% do PIB243 - as economias
citadas apresentam uma estrutura económica interna muito mais equilibrada, já que as
vendas ao exterior não ultrapassaram os 52% do PIB.

Quanto às importações, Angola e a República do Congo são os países onde o rácio


em relação ao PIB é mais elevado, respectivamente, 74,2%244 e 41,8%. Também
deste ponto de vista o Egipto, a Argélia e a Nigéria confirmam a existência de
estruturas produtivas internas mais equilibradas, já que o peso das importações sobre
o volume global de actividade não suplanta os 42%.

O quadro seguinte sintetiza a informação referente às transacções económicas com o


exterior deste pequeno grupo de países (valores relativos a 2000).

INDICADORES EXPORTS IMPORTS (X+M)/PIB (x+m)/(X+M) X/PIB M/PIB X/M


PAÍSES
Angola 7921 7565 142,3 14,0 92,4 49,9 104,7
Congo, República 2526 1345 120,4 2,4 53,7 41,8 188,0
Costa Marfim 4298 3698 85,4 5,7 45,9 39,5 116,0
Gabão 1825 1718 71,8 2,5 37,0 34,8 106,0
Nigéria 21499 16861 93,9 27,2 52,3 41,0 128,0
Argélia 22579 11709 76,7 24,3 52,4 22,0 193,0
Egipto 15940 22457 38,8 27,2 16,1 22,7 71,0
FONTE: Banco Mundial, African Development Indicators, 2002.
NOTAS: As exportações e as importações estão referenciadas em milhões de USD; todos os rácios estão
em percentagem; X simboliza as exportações e M as importações.

- Estrutura regional do PIB

Analisando a participação da actividade económica de cada um dos países constantes


desta amostra no total do PIB africano constata-se o seguinte (valores a preços
constantes de 1995):

 a participação de Angola tem vindo a melhorar entre 1994 e 2000: de 0,9%


passou para 1,13% do volume global da actividade económica africana; no
contexto das economias representadas no quadro anterior, a angolana foi a
que mais viu aumentar a sua comparticipação para a economia africana:
25,6% entre 1994 e 2000;
 dentre as economias produtoras de petróleo seleccionadas é a do Egipto
que responde pela maior participação percentual do PIB africano (13,3%
em 2000) e com uma tendência de aumento (12% em 1994);
 a economia nigeriana tem visto o seu peso relativo decrescer ao longo do
período considerado: 5,7% em 1994, 5,6% em 1996 e 5,4% em 2000;
 a economia congolesa não chega a representar 0,5% da economia africana
e com uma tendência de regressão durante o período em apreço;

242
Ainda assim com uma menor expressão do que a África do Sul, como se poderá constatar no parágrafo
3. A economia sul-africana é, indiscutivelmente, uma das maiores de todo o continente, senão mesmo a
maior quando apreciada segundo determinados ângulos de análise.
243
Com toda a propriedade somos de facto uma economia que não consome o que produz. Deste ponto de
vista, ou seja, do peso das exportações no PIB, Angola é o maior exportador entre todos os países da
amostra e seguramente um dos maiores de África.
244
Também aqui Angola aparece como um dos países que mais consome o que não produz.

223
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 a Costa do Marfim foi a segunda economia que mais viu subir a sua
contribuição percentual: cerca de 10,3% entre 1994 e 2000.

As informações mais relevantes a este propósito encontram-se no quadro seguinte:

INDICADORES PIB PREÇOS 1985 (milhões de USD) ESTRUTURA REGIONAL DO PIB


PAÍSES 1994 1996 2000 1994 1996 2000
Angola 4703 5706 6647 0,9 1,10 1,13
Congo, República 2414 2402 2539 0,51 0,46 0,43
Costa Marfim 9332 10682 11890 1,95 2,06 2,15
Gabão 4635 5213 5385 0,97 1,00 0,91
Nigéria 27423 29318 32184 5,74 5,64 5,47
Argélia 39720 42815 48819 8,31 8,24 8,30
Egipto 57478 63173 78422 12,03 12,16 13,32
AFRICA 477884 519380 588325 100 100 100
FONTE: Banco Mundial, African Development Indicators, 2002

- Força e estabilidade das economias

As dinâmicas de evolução económica e os processos de estabilidade macroeconómica


são, como se sabe, importantes condições para a mobilização do investimento
privado, nacional e estrangeiro.

Quanto à estabilidade macroeconómica – avaliada segundo os prismas do índice de


preços no consumidor, do valor relativo do défice orçamental em termos de PIB e do
“spread” cambial – os países mais estáveis da amostra foram, entre 1990 e 2000, o
Gabão e a Costa do Marfim. O mais instável foi, indubitavelmente, Angola, onde a taxa
média de inflação no período foi de 544,3% (contra, respectivamente, 5,5% e 6,6%
daqueles países), o diferencial cambial entre o oficial e o paralelo se estabeleceu em
3,77 vezes (1% apenas nos casos referidos) e o défice orçamental se situou nos
22,9% do PIB (6,8% na Costa do Marfim e 2,4% no Gabão). Em termos de disputa dos
fluxos do investimento estrangeiro estes dois países apresentam-se com condições
muito superiores às de Angola para o fazer duma forma mais atractiva245.

INDICADORES tcPIB90-99 PNBpc IPC90-00 DO90-00 Real Effective Exchange Rate


1990-
PAÍSES 1975-1984 1985-1989 2000
Angola 0,7 240 544,3 -22,9 200,95
Congo, República -0,3 630 9,9 -10,1 102,2 102,1 82,3
Costa Marfim 3,1 660 6,6 -6,8 90 94,5 80,4
Gabão 2,9 3180 5,5 -2,4 102,5 98,7 73,5
Nigéria 2,7 260 32,6 1,0 431,4 282,8 140,6
Argélia 1,6 1590 18,2 0,0 152,2 152,2 64,7
Egipto 4,5 1490 9,2 -4,9 103,4 126,2
AFRICA 2,6 671 10,2 -4,8 72,9 107,8 87,4
FONTE: Banco Mundial, African Development Indicators, 2002.

O índice denominado “real effective exchange rate” é o que mais directamente mede a
competitividade de um país, em particular da competitividade dos preços de
exportação dum país relativamente aos seus parceiros económicos. Uma diminuição

245
Exceptuando-se a economia mineral de Angola – para onde o investimento estrangeiro,
particularmente para o domínio petrolífero, tem fluído a uma cadência regular e com uma expressão
quantitativa importante, fazendo de Angola o país onde mais investimentos estrangeiros ocorrem – o resto
não tem sido objecto de uma procura expressiva e sustentada da parte dos investidores externos. Claro
que a insegurança militar deve ter contribuído para essa situação. Mas a instabilidade económica responde
também por uma parte importante deste desinteresse.

224
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

do seu valor indica uma real depreciação, enquanto que uma subida traduz uma
valorização/apreciação da taxa de câmbio. Assim, no período entre 1990 e 2000 foram
o Gabão, a Argélia e a Costa do Marfim os países africanos desta amostra os que
patentearam os melhores índices de competitividade externa.

A ECONOMIA ANGOLANA NA SADC E OS DIFERENTES DESAFIOS

- População

De acordo com estimativas referentes a 2000 o espaço regional austral, constituído


pelos catorze países da SADC, detinha um quantitativo populacional de cerca de 200
milhões de habitantes, extremamente significativo do ponto de vista da sua integração
económica. Os países mais populosos são o Congo Democrático, a África do Sul e a
Tanzânia, seguidos a alguma distância por Moçambique. Os países de menor volume
populacional absoluto são as Sheyshelles, a Swazilândia, as Maurícias, a Namíbia e o
Lesotho. Angola emparceira-se com o Zimbabwe e a Zâmbia.

População actual e futura e indicadores demográficos da SADC


População 1999 Taxas médias Taxas de fecundi- Projecção da po-
(milhões habitan) crescimento Dade pulação 2015
PAÍSES 1990-1999(%)

África do Sul 42,8 2,0 2,8 58,8


Angola 13,1 3,3 6,8 20,8
Botswana 1,6 2,4 4,4 2,4
Congo Democráti. 51,4 3,2 6,2 82,3

Lesotho 2,1 2,3 4,8 3,0


Malawi 11,0 2,7 6,4 16,8
Maurícias 1,2 1,2 1,9 1,4
Moçambique 17,6 2,2 5,3 24,5
Namíbia 1,7 2,6 4,9 2,6
Sheyshelles 0,08 1,5 2,1 0,1
Swazilândia 1,05 3,2 4,7 1,7
Tanzânia 33,7 2,9 5,5 53,1
Zâmbia 10,1 2,7 5,6 15,5
Zimbabwe 12,6 2,8 3,8 17,5
SADC 199,8 2,5 4,7 247,5
ÁFRICA 797,8 2,6 4,9 989,90
FONTES: African Economic Indicators,2002; Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, PNUD, 2001

As dinâmicas populacionais são muito diferentes entre os países da SADC: enquanto


as Maurícias e mesmo as Sheyshelles patenteiam comportamentos populacionais
correspondentes a fases de estabilização demográfica - quase comparáveis aos dos
países desenvolvidos - Angola, Congo Democrático, Malawi, Swazilândia, Tanzânia e
Zâmbia (justamente os menos industrializados e desenvolvidos da região) são os que
apresentam taxas médias de crescimento demográfico elevadas e bem acima da
média da região.

Uma projecção linear para os próximos 15 anos aponta no sentido dum potencial
mercado demográfico de quase 248 milhões de habitantes, ou seja, qualquer coisa
como 78% da dimensão actual da União Europeia. Esta mesma cifra representará um
acréscimo de cerca de 23,9% no volume global de população da região da SADC. Se
as dinâmicas económicas forem no sentido da criação de suficiente riqueza, poder-se-
á estar face a um mercado com uma aceitável dimensão económica.

Se o ritmo de crescimento demográfico de Angola se mantiver inalterado, a sua


população mais do que duplicará num lapso de tempo de 22 anos246 (mais ou menos
uma geração).

246
1,033^22=2,0427

225
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

- Dimensão económica dos países

Uma das formas de se perceber a inserção da economia nacional nas economias da


SADC é através da utilização de determinados indicadores macroeconómicos.

O país claramente dominante na SADC é a África do Sul, cuja criação anual de


riqueza representa em média mais de 3/4 do total da região. Deve ser um caso
singular no mundo um país deter semelhante preponderância e domínio numa região,
explicados não apenas pelo viés do volume de população, mas principalmente pela
sua estrutura económica e pela capacidade produtiva e tecnológica de criação de
actividades e de multiplicação de rendimentos. Os desequilíbrios regionais na
capacidade de criação de riqueza a favor dum único país fazem recear que os mais
importantes efeitos de polarização de actividades económicas e de multiplicação de
rendimentos, num contexto de liberalização do comércio e de integração económica,
venham a ocorrer, quase integralmente, a seu favor. Por outro lado e numa óptica de
aproveitamento de determinadas vantagens comparativas internas, o predomínio dum
país pode vir a ocasionar - no quadro das estratégias nacionais de redução dos
desequilíbrios regionais - o aparecimento dum elevado grau de concentração de
especializações produtivas, reduzindo-se a capacidade de resistência interna à
concorrência externa.

De realçar que no conjunto económico de todo o continente africano, a SADC


representa 37,3% do PIB global a preços de 1995, o que não deixa de ser
extremamente significativo, traduzindo, afinal, as enormes potencialidades desta
região austral.

ACTIVIDADE ECONÓMICA E ESTRUTURA REGIONAL DA SADC


PIB a preços de 1985 (milhões de USD) ESTRUTURA REGIONAL DO PIB (%)
PAÍSES 1994 1996 2000 1994 1996 2000
Angola 4703 5706 6647 2,5 2,8 2,9
Botswana 4662 5239 6330 2,4 2,5 2,9
R.D.Congo 6294 6281 n.d 3,3 3,0 n.d
Lesotho 892 1026 1122 0,5 0,5 0,5
Malawi 1224 1533 1739 0,6 0,7 0,8
Maurícias 3785 4199 5253 2,0 2,0 2,4
Moçambiq. 2294 2562 3380 1,2 1,2 1,6
Namíbia 3109 3293 4230 1,6 1,6 1,9
Seycheles 511 532 569 0,3 0,3 0,3
S. Africa 146547 157386 170568 76,7 76,4 77,7
Swazilândia 1234 1317 1543 0,7 0,6 0,7
Tanzânia 5074 5494 6419 2,7 2,7 2,9
Zâmbia 3559 3699 3959 1,9 1,8 1,8
Zimbabwe 7102 7843 7838 3,7 3,8 3,6
SADC 190990 206110 219597 100 100 100
AFRICA 477884 519380 588385 40,0 39,7 37,3
Fontes: African Development Indicators, 2002; World Development Report, 2002

Quanto ao produto médio por habitante247, a região da SADC gerou, em 2000, 1099,1
dólares dos Estados Unidos por cada cidadão (cerca de 44% mais do que a média de
todo o continente africano, que em 2000 se cifrou em 737,5 USD/habitante). Porém, as
diferenças entre os vários países são absolutamente visíveis:

247
Os valores constantes do respectivo quadro basearam-se no método Atlas de cálculo que permite,
através das taxas de câmbio e dos índices de preços no consumidor de cada país, tornar o rendimento
médio por habitante comparável. Os valores referidos foram retirados do African Development Indicators
de 2002.

226
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 entre o valor mais baixo do rendimento médio por habitante ($110 para o
Congo Democrático) e o valor mais elevado ($7310 para as Seycheles) vai
uma diferença de mais de 66 vezes, ou seja, 6545,5% mais);
 entre o rendimento médio mais baixo e a média da SADC vai uma diferença
de mais de 10 vezes (aproximadamente 900%) e entre esta e o rendimento
mais elevado estabelece-se uma assimetria expressa em 6,7 vezes
(qualquer coisa como 565,2%);
 o rendimento médio dos países que mais se aproximam do valor mais alto
detido pelas Seychelles ainda representa uma diferença de 92,3% para as
Maurícias, 121,5% para o Botswana e 142% para a África do Sul.

Os valores do rendimento médio por habitante - comparáveis entre os países - pode


ser acompanhado no quadro seguinte:

PAÍSES PNB por habitante (ATLAS) Taxa de crescimento do PNB por


(usd) habitante entre 1988-2000
(%)
Angola 240 -8,7
Botswana 3300 2,2
Congo,R.D 110 0,2
Lesotho 540 -0,4
Malawi 170 0,6
Maurícias 3800 4,2
Moçambique 210 3,4
Namíbia 2050 2,2
Seycheles 7310 1,9
S. Africa 3020 -0,3
Swazilândia 1290 0,7
Tanzânia 280 0,5
Zâmbia 300 -2,2
Zimbabwe 480 -0,4
SADC 1099 -

Em termos de dinâmicas de crescimento entre 1991 e 2000248, a preços de 1995 e de


acordo com as estatísticas do African Development Indicators de 2002, o destaque é
para o Botswana (4,5%), Moçambique (5,5%), Lesotho (4,5%) e as Maurícias (5,2%),
com taxas médias de variação no década muito superiores à média regional e à de
muitos outros países. Sobretudo as ilhas Maurícias, ao terem incrementado o seu
produto interno a uma cadência média anual de 5,2% e ao serem possuidoras duma
estrutura produtiva interna relativamente diversificada - embora assente no turismo,
açúcar e cana, têxteis e vestuário - são o país melhor estruturado da região, a seguir à
África do Sul. Se o período de análise for mais restrito e circunscrever-se a 1994-1999,
Angola (com 6,4% de crescimento médio anual), Botswana (4,8%) e Malawi (6,6%)
apresentam-se, também, com assinaláveis taxas de variação média anual do produto
interno, embora para o primeiro dos países indicados tal se ficar a dever apenas ao
crescimento da indústria de extracção petrolífera (com regressões na agricultura,
energia e água, comércio e estagnação na indústria transformadora), para o segundo
ao peso da extracção de diamantes e para o terceiro à preponderância da agricultura.
Tratam-se, na verdade, de estruturas económicas e produtivas internamente muito
desequilibradas e dependentes de um único ramo de actividade, e cuja capacidade de
resistência aos desafios duma liberalização do comércio são muito reduzidas no actual
momento.

248
Neste período de tempo a taxa de crescimento médio do PIB angolano foi de apenas 0,7%, claramente
em contrapé quando comparada com os restantes países. Descontando o crescimento demográfico (3,3%
ao ano), o rendimento médio por habitante decresceu 2,6% ao ano. A RDC regrediu em média 4,6% ao
ano. A taxa média anual da África do Sul foi tão somente de 1,96%. Estas taxas de crescimento foram
calculadas pelo método logaritmo-exponencial baseado nos valores dos PIB’s a preços de 1995.

227
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Dum ponto de vista de dimensão económica dos mercados internos, traduzida pela
capitação do produto interno, os países melhor apetrechados são as Sheyshelles, as
Maurícias, o Botswana, a África do Sul, a Namíbia e a Swazilândia, com valores
superiores à média da região.

Quanto a Angola, os desafios que se colocam são imensos (no pressuposto de que o
crescimento de 6,4%249 se mantenha no futuro e de que os restantes países tenham
crescimento zero):

* 35 anos para atingir a média do rendimento por habitante da região;


* 92 anos para se colocar de parceria com as Sheyshelles;
* 70 anos para ombrear com a África do Sul,

ou seja, está-se a falar de gerações para que Angola consiga ocupar um lugar cimeiro
no contexto económico da região austral do continente africano250.

Claro que em posição igualmente desfavorável estão o Congo Democrático,


Moçambique, Lesotho, Malawi, Tanzânia e Zâmbia.

Como o crescimento económico não pode parar, Angola terá de implementar


estratégias globais de crescimento que favoreçam os sectores e fileiras de maior valor
acrescentado interno, como o petróleo (refinados, derivados, química), as madeiras
(aglomerados, contraplacados, painéis de partículas, pasta de papel), o algodão
(têxteis e confecções), a energia hidroeléctrica e produtos de elevado conteúdo
energético (cimento, alumínio e siderurgia). Os períodos de derrogação que Angola
conseguir negociar para a adesão ao protocolo de liberalização do comércio intra-
regional terão de ser aproveitados para a introdução de reformas estruturais profundas
nos sectores existentes, de modo a imprimir-se uma dinâmica de crescimento muito
maior do que a que tem sido registada no passado, compatível com as suas
potencialidades naturais e passível de catapultar o país para estádios de
desenvolvimento mais aproximados dos seus parceiros comunitários. É perfeitamente
possível esperar, a partir da consolidação da paz e da realização de investimentos
básicos promotores da reconciliação nacional e da integração do espaço económico
interno, taxas de crescimento médio do produto interno da ordem dos 12,6% ao ano,
durante 10 anos. Neste contexto, o produto interno bruto poderia ser multiplicado por
3,25 em valor absoluto e o produto por habitante por 2,38 (quase 810 dólares).

249
Média registada entre 1994 e 1999, para o crescimento do PIB. Descontando a taxa demográfica média
(3,3% ao ano), a renda média por habitante crescerá, tão somente, 3,1% ao ano.
250
É evidente que este tipo de exercícios acaba por ser bastante linear, secundarizando-se outros factores
que podem interagir em favor da aceleração dos processos de mudança. No entanto, têm o grande mérito
de pôr a descoberto as diferenças e os atrasos entre os países e de chamar a atenção para a necessidade de
determinadas políticas estruturais. No caso do nosso país, pode ser discutível que a economia cresça,
sustentadamente, 6,4% ao ano: para determinados pontos de vista a economia nacional até pode crescer a
mais de 10% ano, enquanto que muitos investigadores sustentam que existem limites muito sérios ao
elevado crescimento económico (ver a este propósito, Alves da Rocha - Os Limites do Crescimento
Económico em Angola, LAC/Executive Center, 2001). Por outro lado, este exercício reaviva a
necessidade de se lançarem políticas demográficas pró-activas, tendentes a reduzir a taxa de crescimento
demográfico de 3,3% ao ano, uma das mais elevadas do mundo. Qualquer redução nesta taxa implica,
quase de imediato, uma melhoria assinalável nas condições de vida presentes. Em definitivo, o nosso
atraso face aos países mais desenvolvidos da SADC é patente, não apenas por este prisma de análise,
quanto por outros, talvez até mais expressivos, como o são as estruturas sectoriais do PIB e as estruturas
produtivas, que no parágrafo seguinte serão aflorados.

228
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

- A importância do comércio externo

O comércio externo não exerce o mesmo papel em todos os países da SADC. Já ficou
explícita a posição de bastante fragilidade das relações económicas angolanas, quer
no contexto africano, quer, ainda, no quadro do grupo dos países produtores de
petróleo no continente. No entrecho da região austral do continente africano a
estrutura das exportações e das importações angolanas é muito diferente da média da
região, sobressaindo os aspectos algozes duma desmesurada concentração da
actividade de extracção de petróleo.

O COMÉRCIO EXTERNO NA REGIÃO DA SADC


PAÍSES Exportações Importações (X+M)/PIB (x+m)/(X+M) X/PIB M/PIB X/M
Angola 7921 7565 142,3 13,1 92,4 49,9 104,7
Botswana 1650 1982 60,6 3,2 27,5 33,0 83,2
R.D.Congo 1937 1902 49,5 3,4 25,0 24,5 101,8
Lesotho 222 891 127,3 1,0 25,4 101,9 24,9
Malawi 490 770 69,6 1,1 27,1 42,5 63,6
Maurícias 2708 2923 132,7 5,0 63,8 68,9 92,6
Moçambiq. 465 1494 47,3 1,7 11,2 36,1 31,1
Namíbia 1620 1954 116,2 3,2 52,7 63,5 82,9
Seycheles 386 483 159,4 0,8 70,8 88,6 79,9
S. Africa 33321 30009 48,3 55,9 25,4 22,9 111,0
Swazilândia 1305 1205 205,2 2,2 106,7 98,5 108,3
Tanzânia 1163 2457 41,3 3,2 13,3 28,0 47,3
Zâmbia 701 1287 63,1 1,7 22,3 40,9 54,5
Zimbabwe 2537 2560 90,9 4,5 45,2 45,6 99,1
SADC 56839 56457 60,6 100 30,4 30,2 100,7
Fonte: Banco Mundial – African Developmente Indicators, 2002
Notas: Os valores das exportações e das importações estão em milhões de USD correntes de 2000 e os rácios em
percentagens. As exportações e as importações são não factoriais. As exportações estão designadas por X e as
importações por M. As minúsculas x e m simbolizam o peso das exportações e das importações de cada país do total a
região.

Por causa do expressivo peso do petróleo na estrutura económica de Angola, a nossa


participação no valor global do comércio externo da região foi a segunda em 1999,
imediatamente a seguir à da África do Sul, a maior economia da SADC. No entanto, o
grau de exposição a choques externos é consideravelmente maior em Angola, onde o
respectivo comércio externo suplanta o PIB em mais de 74% (na África do Sul o índice
de abertura económica foi de apenas 48,3%251).

Com graus de exposição semelhantes ao de Angola perfilam-se as Seycheles, as


Maurícias e o Lesotho, as duas primeiras verdadeiras economias de influência
externa, em que o peso das importações e das exportações no PIB é bastante
aproximado. O Lesotho é uma verdadeira economia de importação – completamente
dependente da África do Sul – sendo a respectiva capacidade de importação (medida
pelo rácio X/M) muito baixa (cerca de 25%), o que faz pressagiar dificuldades na
balança de pagamentos e na dívida externa perante a África do Sul.

De destacar a Swazilândia, pequeno país de pouco mais de um milhão de habitantes,


e a África do Sul que patenteiam uma capacidade de importação positiva e de cerca
de 108% e 111% respectivamente.

- Estruturas sectoriais

A análise das estruturas económicas e produtivas dos países da SADC confirma o


essencial das observações avançadas no item anterior. A África do Sul e as
251
O que significa que a sua estrutura económica interna deve ser relativamente equilibrada, forte e
competitiva. Nestas circunstâncias, e conforme o que se referiu mais atrás, o comércio externo pode
efectivamente ser um dos factores essenciais do processo de crescimento económico.

229
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

Sheyshelles parece encontrarem-se numa fase importante de transição para


economias de serviços, enquanto nas Maurícias e na Namíbia ainda pontifica o sector
industrial, porém com assinaláveis diferenças relativamente ao peso da indústria
transformadora, muito maior no primeiro do que no segundo país. Em Angola o peso
do sector industrial é explicado, apenas, pela importância crescente do sector de
extracção mineira primária como os diamantes e sobretudo o petróleo, o que pode ser
comprovado pela análise da estrutura produtiva do país, onde a indústria
transformadora não representou mais do que 5% do PIB em 1999. Inclusivamente,
ocorreu um agravamento da dependência em relação ao sector mineiro de extracção
primária, cujo peso no PIB passou de 63% em 1994 para quase 2/3 em 1999.

Os países de maior dinamismo no processo de transformação produtiva - traduzido


pela evolução da participação das manufacturas no PIB - são, uma vez mais, a África
do Sul (7% para 24%), as Maurícias (7% para 23%) e a Namíbia (de 3% para 12%).
Não foi possível a recolha de informação para as Sheyshelles, mas acredita-se que o
essencial do peso da indústria no PIB se deve à indústria de transformação. Como
casos interessantes são de referir o Lesotho (de 8% para 16%) e a Zâmbia (de 8%
para 30%). O Congo Democrático é um exemplo de desindustrialização no período
considerado, durante o qual quer a indústria, quer a manufactura perderam
importância relativa.

Aparentemente serão a África do Sul, as Maurícias, as Sheyshelles e a Namíbia os


países cujos produtos poderão competir no mercado interno angolano em condições
vantajosas relativamente à produção nacional. Casos a seguir atentamente poderão
ser os da Zâmbia e do Zimbabwe.

Estruturas económicas e estruturas produtivas


ESTRUTURAECONÓMICA ESTRUTURAPRODUTIVA
INDÚSTRIA OUTRA
AGRICUL-TURA INDÚSTRIA SERVIÇOS AGRICUL-TURA TRANSF. INDUSTRIA SERVIÇOS
PAÍSES 1994 1998 1994 1998 1994 1998 1994 1998 1994 1998 1994 1998 1994 1998
A. doSul 4,9 4,5 34,6 33,4 60,5 62,1 5 5 7 24 28 9 61 62
Angola 6,7 8,5 66,9 71,7 26,4 19,8 7 9 6 4 61 68 26 20
Botswana 4,3 3,6 46,1 44,6 49,6 51,8 4 4 2 44 45 50 50
CongoDemocático 50,7 60,4 18,8 16,8 30,5 22,8 51 60 8 5 11 12 31 23
Lesotho 15,3 15,9 35,6 33,3 49,1 50,8 15 16 8 16 28 17 49 51
Malawi 24,5 37,5 21,3 18,5 54,2 44 25 38 3 7 18 12 54 44
Mauricias 9,4 10,5 33,5 34,7 57,1 54,8 9 11 7 23 27 12 57 55
Moçambique 33,7 36,4 17,7 25,2 48,6 38,4 34 36 18 25 49 38
Namíbia 12,4 10,5 31,8 31,9 55,8 57,6 12 11 3 12 29 20 56 58
Sheyshelles 4,3 3,9 18,4 27,4 77,3 68,7 4 4 18 27 77 69
Swazilândia 17 16,7 42,1 42,7 40,9 40,6 17 17 42 43 41 41
Tanzânia 45,5 46,2 15,2 15,5 39,3 38,3 46 46 1 7 14 9 39 38
Zâmbia 11,8 13,2 35,6 30,4 52,6 56,4 12 13 8 30 28 0 52 55
Zimbabwe 16,3 17 31,7 28,4 52 54,6 16 17 11 19 21 7 57 57
TOTAL 9 9,1 34,2 34,5 56,8 57,4
FONTE: Banco Mundial, World Economic Indicators, 2000

- Estruturas regionais dos valores acrescentados

O predomínio da África do Sul é arrasador quando se observa a repatição por países


dos valores acrescentados dos três principais sectores de actividades das economias,
a saber, a agricultura, a indústria (extractiva e transformadora) e os serviços. E o
quadro seguinte esclarece o suficiente quanto a este assunto:

230
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

 na agricultura a hegemonia da África do Sul aparece um pouco mitigada


pelo posicionamento do Congo Democrático e da Tanzânia, muito embora
ainda apareça com uma partição relativa de 36,2% em 1999. No entanto,
apesar do seu domínio, entre 1994 e 1999 fica patente uma tendência de
involução do seu peso relativo, passando de 41,4% para 36,2%. Angola
tem uma participação na agricultura da região da SDAC muito modesta,
não mais de cerca de 2,8% em 1999, muito embora com uma tendência
evolutiva positiva (1,98% em 1994). Trata-se, porém, de alterações pouco
expressivas e sempre duvidosas em termos da sua auto-
sustentabilidade252;
 a despeito da sua influência arrasadora do ponto de vista da estrutura
económica interna, o sector mineral de Angola não ombreia, ainda, com o
da África do Sul, aprecendo este país, e uma vez mais, a liderar a
economia regional dum modo absolutamente destacado253. Angola é o
segundo país mais representativo da estrutura regional do valor
acrescentado nas indústrias extractiva e transformadora, mas a uma
distância abiçal da África do Sul: 75% do valor acrescentado de 1999 foi
criado por si, enquanto que Angola apenas contribuiu com 6,3%! O
Zimbabwe é o país que aparece em terceiro lugar. O comportamento
anteriormente registado na agricultura para a África do Sul no sentido de
uma perda, lenta, de influência, é, igualmente, observado neste sector de
actividade: entre 1994 e 1999 a África DO Sul perdeu, praticamente, 2
pontos percentuais em favor de países teceiros, um dos quais certamente
Angola (um ganho, no mesmo período de tempo, de 3 pontos percentuais;
 quanto ao sector terciário – comércio, bancos e seguros, transportes e
serviços diversos – a predominância da África do Sul é ainda mais
demolidora, respondendo por mais de 81% de toda a região SADC, com
uma ténue tendência de aumento entre 1994 e 1999. Face aos resultados
percentuais dos restantes países da região, poder-se-á dizer que o
importante sector dos serviços é aí praticamente incipiente. Salvaguardam-
se o Botswana, as Maurícias e o Zimbabwe.

252
Claro que o conflito militar penalizou de modo notório e indelével a actividade agrícola nacional,
sendo necessários muitos anos para se reporem as tendências do passado e se recuperarem os equilíbrios
sociológicos e económicos fundamentais.
253
Evidentemente que devem ser sopesadas as diferenças de natureza dos sectores minerais em presença
quando se comparam a África do Sul e Angola: no nosso país é o petróleo o produto dominante, enquanto
que na África do Sul existe uma maior diversidade de produtos minerais, com destaque para os diamantes.

231
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o
Mundo

ESTRUTURAS REGIONAIS DOS VALORES ACRESCENTADOS SECTORIAIS


AGRICULTURA INDÚSTRIA (extractiva+tran SERVIÇOS DIVERSOS
PAÍSES sformadora)
1994 1996 1999 1994 1996 1999 1994 1996 1999
Angola 2,0 2,5 2,8 5,1 5,7 6,3 1,3 1,5 1,5
Botswan. 1,3 1,1 1,2 3,6 3,8 3,9 2,3 2,5 2,7
R.D.Cong 20,0 20,9 20,5 2,0 1,7 1,7 1,9 1,4 1,1
Lesotho 0,9 1,0 1,0 0,5 0,5 0,6 0,3 0,3 0,3
Malawi 1,9 2,9 3,2 0,4 0,4 0,4 0,5 0,6 0,6
Maurícias 1,9 2,0 1,5 1,8 1,9 2,2 1,9 2,0 2,2
Moçamb. 4,4 5,3 6,2 0,6 0,8 1,5 1,0 0,9 0,8
Namíbia 2,2 2,1 2,1 1,5 1,4 1,5 1,5 1,5 1,5
Seychel. 0,1 0,1 0,1 0,2 0,2 0,2 0,4 0,4 0,2
S. Africa 41,5 37,6 36,2 77,1 76,8 74,9 81,7 81,7 81,6
Swazilân. 1,0 1,1 1,0 0,7 0,7 0,7 0,4 0,4 0,4
Tanzania 13,5 13,6 13,8 1,2 1,2 1,4 1,8 1,8 1,9
Zambia 2,6 3,2 3,3 2,1 1,7 1,5 1,4 1,5 1,6
Zimbabw 6,5 6,6 7,2 3,2 3,2 3,0 3,3 3,5 3,5
SADC 100 100 100 100 100 100 100 100 100
AFRICA 20,4 20,3 20,8 39,2 38,6 36,3 44,8 44,9 43,5
FONTE: African Development Indicators, 2002

- Força e estabilidade das economias

São vários os indicadores que podem ser utilizados para se aquilatar da força e da
estabilidade das economias da região austral africana. Por exemplo, o “spread”

cambial entre os mercados oficial e paralelo - que existem em todas as economias


da sub-região - é um deles, e quanto menor for este hiato maior será a estabilidade
dos mercados cambiais nacionais, ponto de partida fundamental para a obtenção de
níveis comparados de competitividade. Mas o “spread” oficial/paralelo também serve
para se aquilatar sobre a natureza da política cambial: diferenças elevadas entre as
respectivas taxas de câmbio denunciam controles artificiais e administrativos sobre o
mercado de divisas. Países existem na SADC onde a questão do “spread”
oficial/paralelo deixou de se colocar de forma tão dramática quanto em outros. A
panorâmica deste ponto de vista está espelhada no quadro seguinte.

232
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de artigos, palestras e conferências sobre Angola, África e o Mundo

FORÇA E ESTABILIDADE DAS ECONOMIAS


INDICADORES tcPIB90-00 PIBpc90-00 IPC90-00 DO90-00 Real Effective Exchange Rate
PAÍSES 1975-1984 1985-1989 1990-2000
Angola 0,7 406 544,3 -22,9 200,9
Botswana 4,4 3188 10,7 3,7 114,2 92,4 100,7
Congo,R.D -5,6 157 900 335,1 126,8 95,5
Lesotho 2,1 637 10,6 -3,2 116,8 109,9 105,9
Malawi 3,7 196 29,9 -12,1 108,1 97,5 99
Maurícias 5,5 3285 6,8 -4,2
Moçamb. 5,6 167 32,2 -14,1 150,1 205,2 70,9
Namíbia 4,2 2175 9,8 -3,7 133,6 105,3 100,1
Seycheles 3 6492 1,4 -9 103,8 109,4 103,1
S. Africa 1,7 3365 9,7 -5,4 134,6 97,3 95,8
Swazilând. 3,4 1327 9,6 -1,6 81,3
Tanzânia 3 201 22,7 -2,5 138,3 109,7
Zâmbia 0,4 362 63,8 -11 143,7 85,3 108,1
Zimbabwe 2,5 694 26,4 -9,6 167,1 127,3 82,9
SADC 2,5 906,71 119,9 -6,8 150,71 117,7 106,1
FONTE: African Development Indicators, 2002

Outros indicadores da força e estabilidade das economias são as taxas médias de


inflação, a taxa de câmbio real e efectiva, as taxas médias de crescimento real do PIB
e o desequilíbrio orçamental e cujos valores também constam do quadro anterior.

Verifica-se então que:

(a) Angola não apresenta nos períodos considerados nem estabilidade (taxas
de inflação extremamente elevadas), nem força (crescimento económico muito
reduzido e devido, sobretudo, aos sectores do petróleo e dos diamantes,
essencialmente virados para o exterior). A depreciação ocorrida na taxa de câmbio
não foi aproveitada para se fomentarem as exportações, dada a sua concentração no
petróleo e em outros produtos de extracção mineral primária que obedecem a lógicas
de cartéis e não de concorrência aberta;
(b) as Maurícias e as Seychelles são os países mais equilibrados da região,
com economias estáveis (níveis de inflação baixos), competitivas e em franco
crescimento;
(c) a África do Sul e a Namíbia são também economias bem estruturadas e
estabilizadas, embora com performances inferiores às dos dois anteriores países.
CONCLUSÕES:

Da breve análise efectuada nas páginas anteriores pode concluir-se:

 Angola, por motivos variados, encontra-se, no momento presente, bastante


mal posicionada face à maioria dos seus parceiros económicos da SADC.
Este deficiente posicionamento é visível de vários ângulos, dentre os quais
o das condições de vida da população;
 a economia angolana está estruturalmente desarticulada, perdendo-se, por
este motivo, as sinergias adstritas à maior densidade de relações
económicas entre os sectores de actividade;
 a economia angolana está concentrada no sector mineiro (diamantes e
petróleo), ficando, assim, muito mais exposta às alterações da conjuntura
internacional e menos habilitada a enfrentar a concorrência que muitos dos
seus parceiros regionais estão em condições de efectuar;
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

 a aceitação dos instrumentos de liberalização do comércio entre os países


da SADC pode colocar Angola numa posição de manifesta debilidade,
perdendo-se muitos dos efeitos de incentivação da actividade económica
reconhecidos à liberalização dos fluxos de mercadorias;
 a estabilidade macroeconómica em Angola - reconhecidamente um factor
importante de competitividade internacional - está longe de emparceirar
com a maioria dos países da SADC (a única excepção é o Congo
Democrático que nesta matéria ainda está pior do que Angola);
 as políticas de estabilização e de desenvolvimento em Angola são
fundamentais para que o país possa reunir outros argumentos que lhe
confiram capacidade de disputa deste mercado regional.

2.- O NOVO REGIME DE COMÉRCIO NO ÂMBITO DOS ACORDOS DE PARCERIA


ECONÓMICA REGIONAIS E SEUS EVENTUAIS IMPACTOS NA SADC
(Comunicação apresentada ao Seminário “O Acordo de Cotonou: Inovações e Desafios”
promovido pela Fundação Friedrich Ebert, 16-17 de Junho de 2003)

254
PROTECCIONISMO/LIVRE-CAMBISMO: UMA DISCUSSÃO AINDA ACTUAL?

O livre-cambismo é apresentado como a panaceia para o desenvolvimento económico,


em particular dos países que mais dele necessitam e apelidados de menos
desenvolvidos ou de países pobres. O livre-cambismo é a doutrina de referência de
todas as organizações multilaterais (Fundo Monetário Internacional, Organização
Mundial do Comércio, Banco Mundial) e das instituições europeias.

Do ponto de vista da investigação científica é extraordinariamente gratificante indagar


até que ponto o livre-cambismo foi ou tem sido um factor de crescimento económico e,
“ a contrario sensu” verificar se o proteccionismo foi ou é uma “velharia” económica,
imprestável e mesmo perversa.

Os mais importantes historiadores económicos – dos quais Paul Bairoch, Ha-Joon


Chang, Jonh Garraty, Mark Carnes e Angus Madison estão, provavelmente, entre os
mais actuais – são de opinião que a História Económica demonstra tratar-se dum mito
a relação entre o desenvolvimento económico e o livre-cambismo. Ou seja, as suas
investigações/conclusões contestam que o livre-cambismo seja efectivamente um
factor fundamental para o arranque do crescimento económico, embora se reconheça
que, uma vez as economias colocadas num determinado patamar, o livre-cambismo
seja um atributo que pode fortemente contribuir para a sua sustentabilidade, mormente
através da competitividade255.

O livre-cambismo foi a doutrina económica dominante – pelos factos? Pelas


instituições multilaterais que governam o mundo? Pelas actuais potências económicas
mundiais? – durante as décadas de 80 e 90 do século passado. Depois da crise da
dívida externa de 1982 e da exigência dos programas de ajustamento estrutural pelo

254
Este parágrafo segue de perto alguns pontos do excelente e extenso artigo de Ha-Joon Chang no Le
Monde Diplomatique de Junho de 2003 e intitulado “Du Proteccionisme au Libre-échangisme, une
conversion opportuniste”.
255
Ou seja, será que há um momento do processo de crescimento económico em que o livre-cambismo é
um factor de consolidação e de maior impulso?

234
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

FMI e o Banco Mundial, muitos – praticamente a totalidade – dos países em vias de


desenvolvimento liberalizaram, radicalmente, o seu comércio. O afundamento do
comunismo em 1991 abriu novos espaços económicos ao livre-cambismo. Durante os
anos 90, importantes acordos de liberalização do comércio foram assinados, entre os
quais o Acordo de Livre Comércio Norte-Americano (ALENA) que agrupa os Estados
Unidos, o Canadá e o México, e o Acordo que finalizou com as negociações do
Uruguai Round em 1994 em Marrakech e que criou, em 1995, a Organização Mundial
do Comércio, a expressão máxima do livre comércio mundial. Esta organização
internacional continua a fazer enormes pressões para que as reduções das tarifas
aduaneiras dos diferentes países sejam cada vez mais fortes e rápidas, ao mesmo
tempo que reivindica o alargamento da sua competência a outros domínios, como a
regulação dos movimentos de capitais no exterior e a concorrência, que não figuravam
no seu mandato inicial.

Os defensores do livre-cambismo acreditam agir no sentido da História, porquanto é


esta política que tem estado na origem da riqueza dos países desenvolvidos, o que, de
resto, Adam Smith já o admitia no século XVIII quando resolveu inquirir sobre as
causas da riqueza das Nações. No entanto, os factos parece não darem inteiramente
razão aos livre cambistas, nem os do passado, nem mesmo os mais actuais, e nestes
incluo os relacionados com as performances económicas africanas.

Na verdade, os estudiosos da História Económica são taxativos ao afirmarem que


quando os actuais países desenvolvidos da OCDE eram ainda subdesenvolvidos, não
puseram em prática nenhuma das políticas liberais que actualmente preconizam. E
mais contundentemente: em mais parte nenhuma o desvio entre o mito e a realidade
histórica é mais flagrante do que nos casos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos da
América.

Os factos históricos do passado revelam que:

(a) quanto à Grã-Bretanha

 durante os séculos XIV e XV utilizou políticas dirigistas e


intervencionistas de protecção e promoção das suas indústrias
estratégicas, das quais de destacavam os lanifícios;
 entre 1721 e 1846 praticou uma política comercial particularmente
voluntarista, utilizando activamente a protecção aduaneira, a baixa
de tarifas para as importações de “inputs” necessários às
exportações, medidas que nos dias de hoje foram utilizadas pelo
Japão e pelos “tigres” asiáticos;
 o seu avanço tecnológico – que lhe permitiu uma conversão sem
máculas ao livre-cambismo – foi construído ao abrigo de barreiras
tarifárias elevadas durante um período longo de tempo;
 foi o primeiro país a aplicar a teoria de Friedrich List (economista
alemão do século XIX e que apresentou uma teoria sistematizada
sobre o proteccionismo ofensivo) de protecção às indústrias
nascentes;
 durante o século XIX e princípios do século XX as tarifas
proteccionistas estiveram dentro dum intervalo de 40% a 50%.

(b) quanto aos Estados Unidos

235
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

 foi neste país – pátria e bastião do proteccionismo moderno, para se


utilizar a expressão de Paul Bairoch256 - que a teoria das indústrias
nascentes foi desenvolvida e aplicada por Alexander Hamilton,
primeiro Secretário do Tesouro entre 1789 e 1795, e pelo
economista Daniel Raymond e que numerosos intelectuais e
políticos do século XIX compreenderam que o livre-cambismo não
era adaptado às necessidades de desenvolvimento económico do
país nesse momento;
 entre 1830 e o final da segunda guerra mundial, os direitos
aduaneiros foram dos mais elevados do mundo; se se acrescentar
que devido aos elevados custos de transporte até 1870 beneficiava
dum proteccionismo natural257, pode concluir-se que as indústrias
americanas foram literalmente as mais protegidas do mundo até
1945, com uma tarifa média sobre as importações de cerca de 45%;
 a Guerra da Secessão não foi uma guerra para a libertação dos
escravos do Sul do país, mas uma guerra entre o proteccionismo
económico do Norte e o livre.cambismo do Sul, e acabou por vencer
o proteccionismo258.

Conclusões semelhantes poderiam ser aduzidas em relação a outros países hoje


desenvolvidos: sempre que se tratou de reduzir o atraso económico face aos mais
desenvolvidos todos utilizaram, em maior ou menor extensão, instrumentos
proteccionistas, como as tarifas aduaneiras, as subvenções, as reduções de impostos,
os créditos bonificados e outras ferramentas de pendor defensivo, para promover as
respectivas indústrias. E é francamente curioso sublinhar que foram justamente as
duas potências de raiz anglo-saxónica – presumidamente as campeãs do livre-
cambismo – e não a Alemanha, a França e o Japão, a quem se acusa de serem
economias de intervenção estatal exagerada, que mais agressivamente utilizaram as
protecções tarifárias em defesa das suas indústrias. Durante o século XIX e início do
século XX, os direitos aduaneiros foram relativamente fracos em França e na
Alemanha (entre 15% e 20%) e no Japão, com pouco mais do que 5%, até 1911.
Durante este mesmo período e conforme registado já, a protecção efectiva nos
Estados Unidos e no Reino Unido rondou os 50%.

Os factos históricos mais recentes também são merecedores de alguma atenção. O


pequeno número de livre-cambistas que reconhece o passado proteccionista das
grandes potências económicas de hoje, argumenta, no entanto, que, no mundo
globalizado dos nossos dias, as doutrinas proteccionistas não têm espaço de
afirmação enquanto instrumentos das políticas de desenvolvimento. Afirma-se que a
superioridade do livre-cambismo está amplamente demonstrada pelo crescimento
recorde dos dois últimos decénios do século XX - durante o qual a liberalização das
economias foi o facto mais marcante – superior aos dos períodos correspondentes em
que o intervencionismo foi praticado (entre 1945 e 1975, os gloriosos 30, como ficaram
conhecidos estes anos do pós-segunda guerra mundial e doutrina keynesiana). Se o
livre-cambismo foi tão eficaz como se apregoa, então o crescimento económico
256
Mitos e Paradoxos da História Económica, Terramar, 2001.
257
Os Estados Unidos beneficiaram, também, da existência dum importante mercado interno, quer em
termos de dimensão populacional, quer em termos de poder de compra médio. Ou seja, o
desenvolvimento económico da maior potência mundial foi conseguido muito à base da criação dum
amplo mercado interno que possibilitou economias de escala significativas e reduções expressivas de
custo, o que conjugadamente permitiu trabalhar com custos marginais baixos no mercado internacional e
aceitar o livre-cambismo como um factor acrescido de crescimento e competitividade.
258
Abraham Lincoln, proteccionista convicto, afirmou que se pudesse salvar a União sem libertar nenhum
escravo o faria. De resto, para quem considerava os negros como uma raça inferior, a emancipação dos
escravos era apenas uma questão de estratégia política e militar para ganhar a guerra.

236
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

deveria ter-se acelerado substancialmente no decurso dos anos 80 e 90 do século


passado. Vejamos os factos:

 durante os decénios 1960 e 1970 – fase da economia mundial em


que foram evidentes as práticas intervencionistas e proteccionistas
das economias mais desenvolvidas, até em franco e claro prejuízo
das ainda colónias britânicas, francesas, portuguesas, belgas e
holandesas – o crescimento económico nas suas diferentes
vertentes apresentou as cifras seguintes:
- o rendimento médio mundial per capita cresceu cerca de
3% ao ano, contra 2,3% durante 1980 e 1990;
- nos países desenvolvidos o crescimento do rendimento
médio por habitante recuou de 3,2% registado entre 1960 e
1980, para 2,3% entre 1980 e 1999;
- nos países economicamente mais atrasados a queda foi de
3% para 1,5%, nos mesmos períodos; de sublinhar que a
cifra de 1,5% tem já em consideração a China e a Índia,
países de fortes performances económicas, mas que não
adoptaram os modelos e as receitas liberais;
 durante os anos 1980 e 1990 na América Latina o crescimento do
rendimento médio por habitante foi praticamente nulo: 0,6% contra
3,1% de 1960 a 1980;
 no Próximo Oriente a queda do rendimento médio por habitante nas
duas últimas décadas foi de cerca de –0,2% ao ano;
 depois do início da sua transição para o capitalismo, os antigos
países comunistas europeus foram palco de retracções económicas
absolutamente dramáticas.

E relativamente à África, no fundo o que nos importa mais de perto? O quadro


seguinte expressa a situação a que a liberalização das economias conduziu.

TENDÊNCIAS DE LONGO PRAZO NA ÁFRICA SUBSARIANA


(taxas médias anuais)
CRESCIMENTOS VERIFICADOS CRESCIMENTOS PREVISTOS
VARIÁVEIS 1988/97 1989/98 1991/00 2000 2001 2002 2003 2004 98/07 99/08 05/15
Real GDP 2,3 2,4 2,2 3,2 2,9 2,5 3,2 3,8 3,8 3,4 3,7
GDPpercap. -0,4 -0,3 -0,4 0,7 0,5 0,1 0,9 1,5 1,0 1,0 1,5
Consuption
per capita -0,4 -0,4 -0,6 -1,4 0,7 0,3 0,8 1,3 0,8 0,9 1,2
Inflation 10,2 9,7 9,8 6,3 5,4 4,3 3,9 4,2 8,0 5,5 ..
Gross do-
mestic inves
tment/GDP 16,0 16,8 16,9 17,9 18,7 18,9 18,6 18,2 17,0 18,4 21,2
Budget ba-
lance/GDP -6,0 -5,3 -3,0 -0,6 -0,3 -0,4 -0,5 -0,3 -3,7 -4,1 ..
Export grow
th 4,8 4,3 4,1 4,3 2,8 1,1 5,3 5,8 5,2 4,9 ..
Current ac-
count/GDP -1,4 -2,0 -2,1 -2,3 -2,2 -3,0 -1,8 -1,2 0,3 -2,0 ..
GDP of oil
exporters 3,9 2,9 2,5 4,8 4,4 2,0 3,6 3,8 3,4 3,2 ..
FONTES: Global Economics Prospects and the Developing Countries, World Bank, 1998/99, 2000, 2003

Deve acrescentar-se que entre 1960/1970 e 1970/1980 o crescimento do rendimento


por habitante foi de, respectivamente, 2,5% e 2% ao ano.

Todos estes valores ganham maior significado por se referirem a comportamentos


económicos na base duma grande abertura da maior parte das economias africanas,
particularmente daquelas que se regeram – ou ainda regem – por Programas de
Ajustamento Estrutural do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial.

237
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

Em conclusão: a experiência neoliberal das duas últimas décadas revelou-se incapaz


de cumprir com a sua principal promessa, qual seja, a da aceleração do crescimento.
E no entanto, foi em seu nome que tudo o resto foi sacrificado: a equidade em favor da
eficiência, o ambiente em favor da poluição, a melhor distribuição do rendimento
mundial em favor da sua extraordinária concentração pessoal nos países mais ricos, a
pobreza em favor da riqueza, a exclusão social em favor do reforço das classes mais
ricas, etc. Apesar destes insucessos, esta doutrina continua a impor-se, não pelos
factos, mas graças a um poderoso aparelho económico-político-ideológico (o
pensamento único que se pretende aplicar não é apenas uma figura de retórica
intelectual) com os seus pontos focais na santíssima trindade (FMI-Banco Mundial-
OMC) e nas instituições dos países da OCDE.

A CONVENÇÃO DE COTONOU

A nova convenção que regula as relações económicas e a cooperação para o


desenvolvimento entre os países ACP e a União Europeia representa em muitos dos
seus domínios de intervenção uma rotura com as Convenções de Lomé. A sua
validade é para 20 anos.

Uma das grandes novidades da convenção de Cotonou é a da consideração de três


dimensões convergentes que devem enquadrar e regular a cooperação económica
entre os Estados ACP e os países da União Europeia.

 As linhas mestras

Pela leitura do texto da Convenção é possível detectar três extensões principais do


quadro geral de cooperação:

(a) dimensão política

Foram considerados na convenção bastantes princípios de natureza política que


disciplinam e condicionam os diferentes tipos de cooperação económica entre os
parceiros do acordo. A cooperação ACP/UE deve visar, entre outros objectivos:

- a obtenção nos primeiros países dum desenvolvimento durável centrado na


pessoa humana, enquanto sujeito e objecto principal do desenvolvimento (artº 9, nº1);
- o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais (artº 9,
nº2);
- a defesa da democracia (artº9, nº2);
- a boa gestão e o combate à corrupção (artº 9, nº2 e artº 97);
- a participação da sociedade civil e do sector privado na definição das
estratégias, dos planos e das políticas de desenvolvimento sustentável (artº10, nº1);
- o reconhecimento dos princípios de economia de mercado apoiados em
regras de concorrência transparente e em políticas económicas e sociais sãs;
- a promoção e a defesa da paz na região UE/ACP (artº11);
- a discussão da globalização da cidadania no espaço geográfico abrangido
pela convenção traduzida nas migrações (artº 13).

(b) dimensão económica

Determinados códigos económicos foram considerados como devendo reger as


relações de cooperação entre a União Europeia e os Estados ACP. Ficou estabelecido
que:

238
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

- o objectivo central da cooperação entre as partes signatárias é o da redução


imediata e o da erradicação a prazo da pobreza, o desenvolvimento sustentável e a
integração progressiva dos ACP na economia mundial (artº 19, nº1);
- os objectivos complementares são os do crescimento económico rápido e
sustentado, do desenvolvimento do sector privado, o do aumento do emprego, o do
acesso aos recursos produtivos e às actividades económicas – ou seja, a redução
substancial da burocracia do Estado – e o da promoção da cooperação e integração
regional (artº 20, nº1 a));
- a realização e a consolidação de reformas macroeconómicas e de correcções
estruturais devem acompanhar a definição e implementação dos Planos Indicativos
Nacionais (artº22); as reformas referidas como essenciais são a liberalização e a
abertura das economias ACP, a privatização e o reforço do sistema financeiro;
- o desenvolvimento sectorial é uma pedra importante do desenvolvimento
económico sustentado (artº23);
- a cooperação ACP/UE visará a promoção da integração progressiva dos
primeiros países na economia mundial, com destaque para a liberalização das trocas e
a remoção de barreiras à importação (artº 34, nº 1 e 2); esta integração na ordem
económica mundial deverá, no entanto, ser feita no respeito das prioridades de
desenvolvimento e das escolhas de política económica dos ACP;
- se deve proceder a uma negociação calendarizada dos acordos comerciais
para a completa liberalização do comércio internacional, no respeito dos prazos
acordados e estabelecidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (artº 44 e
45).

(c) dimensão técnica

O processo de apoio económico aos programas e projectos nos Estados ACP foi
objecto duma reformulação profunda do ponto de vista técnico e metodológico. A nova
Convenção pretende accionar mecanismos que garantam:

- coerência, flexibilidade e eficácia da ajuda da União Europeia, mormente por


intermédio do reagrupamento de determinados instrumentos da cooperação;
- intervenções de grande escala com impactos económicos e sociais visíveis,
através de programas de ajuda sectoriais;
- condicionalidade das ajudas financeiras a programas sociais e económicos
concretos, o que significa que os fundos previstos na Convenção não são direitos
adquiridos, mas deverão tomar a forma de envelopes indicativos;
- participação dos agentes não governamentais na formulação e
implementação dos programas de apoio comunitário;
- apropriação local em todos os níveis do processo de desenvolvimento (artº56,
nº1, a));
- responsabilidade de preparação, elaboração e execução dos programas e
projectos de desenvolvimento (artº 57, nº2).

 A cooperação financeira

As regras estabelecidas para a cooperação financeira estão contempladas nos artigos


76 e 77 da Convenção e nos artigos 1, 2 e 4 do Anexo II.

São considerados dois pacotes financeiros:

- um pacote de ajudas não reembolsáveis, que configuram os apoios ao


desenvolvimento económico, ao desenvolvimento social e humano, às reformas
macroeconómicas e institucionais e à cooperação e integração regional. Trata-se dum
envelope dirigido aos Estados ACP para o aplicarem segundo determinados critérios e

239
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

consoante as fragilidades estruturais internas. Está dotado com cerca de 13,5 biliões
de euros;
- um pacote de ajudas reembolsáveis em condições de juros bonificados e de
prazos largos de reembolso e destinado ao apoio ao desenvolvimento do sector
privado. É gerido pelo Banco Europeu de Investimentos sob a forma duma Facilidade
de Investimento e está dotado com 10 biliões de euros provenientes do Fundo
Europeu de Desenvolvimento, mais 1,7 biliões de euros dos fundos próprios do BEI e
virados para o financiamento de projectos económicos regionais.

 Os critérios de acesso

Estão claramente defendidos critérios de acesso aos fundos que veiculam a


cooperação financeira. Para além dos princípios gerais de natureza política e do
destaque dado à redução da pobreza, imperam outros comedimentos que regem o
acesso aos diferentes pacotes financeiros considerados na Convenção.

Assim, para o pacote de ajudas não reembolsáveis os critérios devem respeitar:

- as necessidades sociais, avaliadas de acordo com determinados indicadores


mais ou menos tradicionais como o rendimento por habitante, o índice de
desenvolvimento humano, a taxa de pobreza, a estrutura demográfica, a ratio da
dívida externa, o peso das despesas orçamentais na saúde e na educação;
- o desempenho económico interno, arbitrado pelo avanço das reformas
económicas e institucionais, do combate à corrupção, do controlo da inflação, da
satisfação dos compromissos da dívida externa, da gestão orçamental e da
transparência da gestão macroeconómica;
- a capacidade de absorção sectorial reflectida no grau de utilização dos apoios
financeiros, no índice de capacitação e autonomia das estruturas governamentais, no
tratamento orçamental das despesas recorrentes (sustentabilidade dos projectos), etc;
- a integração regional enquanto factor de reforço das estruturas económicas
nacionais e de viabilização duma abertura eficaz ao comércio mundial.

Para o envelope de ajudas reembolsáveis os critérios são essencialmente de mercado


e respeitam a validade dos projectos, o partenariado UE/ACP e o partenariado
ACP/ACP.

OBJECTIVOS DO ACORDO DE COTONOU

O Acordo de Cotonou tem como fundamento doutrinário o livre-cambismo. Pretende


construir uma Zona de Livre Comércio259 entre a União Europeia e os países ACP, na
presunção de que será o melhor e mais fácil caminho para a erradicação do
subdesenvolvimento e da pobreza que vigoram nos ACP.

Este acordo prevê a concretização, no médio prazo, dum novo quadro comercial
caracterizado pela supressão progressiva dos entraves às trocas entre os países ACP

259
De acordo com a Teoria da Integração Económica o único mecanismo de funcionamento correcto
duma Zona de Livre Comércio entre países com níveis diferentes de desenvolvimento económico – de
resto utilizado na construção da CEE e da União Europeia – é o da transferência de recursos financeiros
dos mais ricos para os mais atrasados e de mão-de-obra dos segundos para os primeiros. Evidentemente
que, salvo as transferências financeiras previstas no Acordo de Cotonou provenientes do FED e de outras
fontes, a livre circulação de pessoas no espaço EU-ACP está posta fora de causa. Aliás, as transferências
financeiras são justamente feitas para se travarem os movimentos de emigração em direcção aos países
europeus, acreditando-se que ao fomentarem o crescimento económico criarão localmente maiores
oportunidades de emprego.

240
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

e entre si e a União Europeia e em conformidade com as determinantes doutrinárias


da OMC.

Para se atingir este objectivo os acordos de parceria económica serão os


instrumentos mais favoráveis, os quais deverão ser negociados até 2008, para a sua
entrada em vigor daqui para a frente. Até lá, as actuais preferências não recíprocas
entre os ACP e a União Europeia, do mesmo modo que os diferentes protocolos de
produtos, serão mantidos.

O Acordo de Cotonou assume-se, também, como um instrumento de apoio aos


esforços de integração económica regional em curso, nomeadamente, na África
subsariana, facilitando a sua inserção gradual e harmoniosa na economia mundial.

Face a estes objectivos, dominados pelo livre-cambismo e aparentemente sem


levarem em devida conta as amplas diferenças de produtividade entre os países que
constituirão esta Zona de Livre Comércio, os países ACP têm enormes desafios a
ultrapassar, devendo, durante a duração do Acordo, preparar-se para enfrentar a
concorrência num mercado internacional cada vez mais competitivo e dominado pelas
grandes potências económicas e as grandes multinacionais. As dúvidas são,
obviamente, muitas quanto à capacidade destes países, num ambiente internacional
cada vez mais aberto e hostil, de erradicarem a pobreza pelo crescimento económico
que o livre-cambismo possa proporcionar260.
Os países são muito diferentes entre si – em dotação de recursos naturais, em cultura,
em ambição, em níveis de produtividade, em condições para o crescimento, etc. – não
conduzindo modelos únicos a uma mesma dinâmica de crescimento. O mundo tem
várias velocidades de desenvolvimento e a sua integração harmónica para a defesa da
civilização e da humanidade implica abordagens diversas, ajustáveis aos problemas
concretos de cada sociedade.
261
AS NOVAS DISPOSIÇÕES SOBRE O COMÉRCIO E AS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

As novas disposições sobre o comércio entre os ACP e a União Europeia cobrem


duas áreas importantes das relações comerciais entre os países membros desta futura
Zona de Livre Comércio. A primeira refere-se ao prolongamento das actuais
preferências comerciais não recíprocas até 1 de Janeiro de 2008, o que significa que
os países ACP ainda podem aproveitar as condições vantajosas de acesso aos
mercados da União Europeia ainda provenientes de Lomé IV.

A segunda componente inclui um compromisso de se introduzirem, sempre que


possível, de mecanismos visando o estabelecimento de preferências comerciais
recíprocas entre a União Europeia e os países ACP. O significado desta abordagem
das novas disposições é o de que – e ao contrário do que sucede actualmente – os
países ACP concedam preferências comerciais a exportadores da União Europeia,
que não são extensivas a outros países da OCDE, em troca de um prolongamento de
acesso preferencial ao mercado europeu integrado.

260
Na África subsariana serão necessárias taxas de crescimento do PIB acima dos 10% anuais para que a
pobreza seja erradicada. A NEPAD aponta, por exemplo, uma taxa de crescimento de 8% durante 12 anos
para que os índices de pobreza sejam reduzidos a metade. Esta taxa determina que a taxa de investimento
se aproxime dos 25% em cada ano. Face aos factos registados no passado e olhados em revista no
parágrafo anterior desta comunicação, estes valores não serão possíveis, com ou sem Acordo de Cotonou.
261
Para um aprofundamento desta matéria ver “O Novo Acordo ACP-EU, Guia do Utilizador”, Fundação
Friedrich Ebert e Centro de Estudos de Comércio e Desenvolvimento, 2000.

241
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

É justamente este compromisso de alteração de preferências não recíprocas para


preferências recíprocas face a outros países da OCDE que constitui a mudança
fundamental da base das relações comerciais ACP-UE a partir de 2008.

As questões/preocupações que se podem colocar são, em resumo:

 estas novas disposições resistirão à globalização e à tendência de


se constituírem blocos económicos regionais?
 a reciprocidade é/será real e efectiva face a países com níveis tão
diferenciados de produtividade económica? Os níveis de
competitividade nunca se igualizarão até 2008, haja em vista que
uma competitividade estrutural demora tempo a ser construída,
porque é tributária do aprofundamento e extensão dos sistemas de
ensino e formação, da qualidade dos recursos humanos e das
estratégias empresariais, da destreza da mão-de-obra, dos valores
culturais e da maior ou menor influência das tradições, do esforço e
da capacidade de investigação, da aplicação das novas tecnologias,
etc.;
 a reciprocidade absoluta face a terceiros países – da OCDE e outros
– não viola as regras da OMC?
 os países das Caraíbas e do Pacífico – alguns dos quais com
desempenhos económicos muito superiores aos de África – não
darão no futuro preferência à integração nas suas zonas geográficas
de influência, em detrimento da União Europeia e de África?

O objectivo principal da cooperação económica e comercial do Acordo de Cotonou é o


de promover a integração progressiva e harmoniosa dos ACP na economia mundial,
sendo as disposições preferenciais recíprocas e não recíprocas um dos instrumentos.
Espera-se que o Acordo de Cotonou possa contribuir para uma integração gradual e
suave dos ACP na economia mundial, condição indispensável para um
desenvolvimento sustentável e para a erradicação da pobreza. Neste contexto os
mecanismos de aplicação do Acordo de Cotonou deverão contribuir para:

 aumentar as capacidades de produção dos ACP, de modo a


acrescerem a sua participação relativa no comércio internacional;
 criar uma nova dinâmica de comércio;
 fortalecer as políticas ACP de investimento e comércio;
 melhorar a capacidade dos ACP em lidar com as questões ligadas
ao comércio.

Na medida em que tudo isto deve ser feito em plena consonância com as disposições
imperativas e omnipresentes da OMC, as altercações seguintes são pertinentes:

 a erradicação da pobreza pela integração no comércio mundial é


uma utopia, de que o aumento da pobreza e da exclusão social nos
próprios países desenvolvidos e dominadores do comércio
internacional é uma das provas mais insofismáveis262;

262
Para além de crescimento económico substancial e sustentado, a erradicação da pobreza exige um
modelo concreto de desenvolvimento em que predomine a utilização mais do que proporcional de mão-
de-obra em relação ao capital, a distribuição mais equitativa da riqueza e dos activos a montante, a
intervenção social do Estado e uma verdadeira parceria internacional para o desenvolvimento humano. O
papel da APD neste contexto teria de ser radicalmente alterado.

242
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

 a participação activa dos ACP está condicionada pelos interesses


económicos dos países dominantes da OCDE, na circunstância os
Estados Unidos, o Canadá e o Japão;
 o problema não está na integração na economia e no comércio
mundial, mas sim a forma como é efectivada. O proteccionismo
serviu para que a OCDE de hoje seja desenvolvida, deixando de
valer porque o livre-cambismo ajusta-se, agora, melhor aos seus
interesses;
 as economias ACP, sem excepção e independentemente do regime
político, sempre estiveram integradas no comércio mundial, pelo
menos desde o fim do comércio dos escravos. No entanto, este
facto não forneceu as bases nem para o desenvolvimento
sustentado, nem para a erradicação da pobreza, o que coloca a
questão sobre se o modelo de cooperação económica e comercial
contemplado no Acordo de Cotonou é o instrumento mais
apropriado para a finalidade pretendida, ou se, pelo contrário, não
haverá de encarar a necessidade de se transformarem as suas
bases doutrinárias de fundamentação.

As disposições transitórias sobre o comércio entre a União Europeia e os ACP, ao


referirem que até 1 de Janeiro de 2008 os exportadores africanos, das Caraíbas e do
Pacífico continuarão a beneficiar de um acesso livre de impostos ao mercado da
Comunidade europeia para os produtos com a denominação de origem ACP, admitem,
explicitamente, que continuarão a vigorar os protocolos sectoriais referentes á carne
bovina, à banana, ao açúcar e ao rum. O curioso a assinalar é que Angola não figura
como país exportador – a quem são atribuídas cotas de exportação para o mercado
comum europeu – em nenhum destes protocolos sectoriais, devido, naturalmente, à
circunstância de que para além do petróleo não se exporta mais nada digna de
referência.
263
ACORDOS DE PARCERIA ECONÓMICA

Os acordos de parceria económica deverão ser negociados durante o período de


transição entre as actuais disposições comerciais e as que passarão a vigorar a partir
de 1 de Janeiro de 2008, na base da reciprocidade de condições de exportação e de
acesso aos mercados. A principal direcção da política da União Europeia vai no
sentido de acordos preferenciais comerciais recíprocos sob a forma de acordos de
parceria económica. No caso da África do Sul o acordo de parceria económica tem
sido chamado de Acordo de Comércio, Desenvolvimento e Cooperação e apesar do
nome mudar, as disposições básicas a serem estabelecidas, após o período
transitório, permanecem as mesmas, uma área de comércio livre compatível com as
regras da OMC.

Estes acordos de parceria económica serão estabelecidos com os países ACP que se
considerem preparados para o fazer, ao nível ajuizado como adequado e segundo os
procedimentos aceites pelos intervenientes.

Os acordos de parceria económica têm em vista definir o calendário para a eliminação


progressiva dos obstáculos às trocas comerciais entre as partes e segundo as normas
e procedimentos da OMC nesta matéria.

263
Para um maior aprofundamento ver igualmente O Novo Acordo ACP-UE, Guia do Utilizador, páginas
75-85.

243
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

Existem aspectos positivos nestes acordos de parceria económica, uma vez que, em
primeiro lugar se dá a possibilidade de os países escolherem por esta ou outra
modalidade e, em segundo se atende aos diferentes níveis de desenvolvimento e de
impacto socio-económico das medidas comerciais de cada um dos ACP, bem como á
sua capacidade de se adaptarem e ajustarem aos processos de liberalização.

No que respeita aos acordos de comércio ACP-UE depois de Janeiro de 2008, o


Acordo de Cotonou prevê duas alternativas: uma introdução progressiva da
reciprocidade nas relações comerciais e uma extensão das preferências comerciais
não recíprocas. Dentro da segunda opção estão considerados os acordos de parceria
económica com três modalidades: acordos de parceria económica bilateral –
negociados de forma independente ao nível nacional – acordos de parceria económica
bilateral negociados num quadro de coordenação regional e acordos de parceria
económica negociados regionalmente, como é o caso da SADC.

A posição da Comissão Europeia é no sentido de favorecer os Acordos Regionais de


Parceria Económica. É uma atitude positiva, porque assim é possível contemplar
tratamentos comerciais diferenciados por diferentes agrupamentos regionais de
países, consoante o respectivo nível de desenvolvimento. No entanto, levanta-se um
enorme problema relacionado com a circunstância de o grupo ACP ser tão
diversificado quanto as suas regiões: como podem ser estruturados acordos regionais
específicos de modo a acomodar a diversidade que existe dentro de cada região
ACP? Problema agravado pela inexistência de instituições regionais ACP, firmemente
estabelecidas e funcionais e capazes de assumirem a liderança dos processos de
liberalização das relações comerciais. Como negociar acordos regionais de parceria
económica num contexto de vazio institucional? Com a SADC este constrangimento
poderá estar ultrapassado, porquanto esta organização económica regional dispõe de
instituições específicas revestidas de poder e de capacidade negocial em nome dos 14
países integrantes.

A resposta da Comissão Europeia tem sido dupla:

 por um lado, tem vindo a incentivar os processos de integração


económica regional e de criação de capacidades regionais264;
 por outro e face à insipiência da maioria dos processos de
integração económica regional, devem ser concluídos acordos
individuais com cada país, tendo em conta o prazo de 2008.
EVENTUAIS IMPACTOS

O estudo de impactos é sempre complexo, porque depende de múltiplos factores de


diferente constituição.

A SADC é, antes de mais, uma região de enorme heterogeneidade. Para além das
profundas diferenças demográficas, sociais e económicas, a região apresenta,
igualmente, desigualdades políticas. Os processos de transição democrática estão
longe de estarem consolidados em todos os países constituintes e, mesmo neste
contexto, existem países mais atrasados do que outros. Persistem problemas latentes
de enorme complexidade interna, como a guerra em Angola e na República
Democrática do Congo, a reforma agrária no Zimbabwe e na África do Sul, os

264
O caso do RISDP da SADC (Plano Estratégico Indicativo de Desenvolvimento Regional) tem sido
paradigmático: é o primeiro programa regional elaborado em África, tem a anuência de todos os países
integrantes e tem sido discutido e negociado com a comunidade internacional, em particular a Comissão
Europeia.

244
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

problemas raciais nalguns dos países de colonização britânica (África do Sul, Namíbia
e Zimbabwe), a disputa das hegemonias regionais (Angola e África do Sul), a
instabilidade política de Moçambique e mais alguns outros.

É consabido que a democracia e a estabilidade política são dois dos mais importantes
elementos de sucesso dos projectos de integração económica, tendo, de resto sido os
responsáveis pela demora de integração na ex-Comunidade Económica Europeia de
Portugal, Espanha e Grécia. Neste aspecto a Convenção de Cotonou, na dimensão
política dos seus princípios de aplicabilidade, pode vir a ser um factor importante de
facilitação da integração económica da SADC, ao consagrar a democracia, a defesa
dos direitos humanos, a paz e a cooperação regional como alguns dos seus
componentes mais marcantes. A relativa condicionalidade dos Programas Indicativos
Nacionais a estes princípios políticos básicos certamente que contribuirá para a
aceleração dos processos internos de transparência e participação democrática.

Dum ponto de vista económico o impacto da Convenção de Cotonou na SADC e nos


países que a integram vai ser muito diferenciado, podendo em alguns casos contribuir
para uma aceleração dos processos de integração económica nacional e noutros para
uma maior desagregação dos tecidos produtivos internos. Tudo vai depender das
estratégias nacionais de transição para a economia de mercado, da aceleração das
reformas estruturais, das condições económicas actuais e da resolução dos problemas
políticos internos. A defesa e a aplicação do principio da liberalização económica e de
aderência à ordem económica mundial feitos na Convenção de Cotonou – embora
sujeitos às prioridades de desenvolvimento e às escolhas políticas dos países ACP –
são como que paus de dois gumes em termos económicos e sociais internos. Os
países economicamente mais fortes e estáveis certamente que retirarão benefícios
mais ou menos imediatos daqueles princípios, enquanto que os países mais frágeis
seguramente ficarão mais à mercê dos seus efeitos deletérios e perversos. Não basta
defender-se teoricamente que o mercado mundial é o melhor espaço para se construir
uma competitividade económica estrutural e sustentável. É fundamental que se
disponham de condições internas de partida para que a verdade teórica se apresente
com substrato prático e concreto.

 Liberalização do comércio

Muito embora estejam consagrados diferentes calendários para a liberalização do


comércio externo dos países ACP e a despeito, ainda, de este princípio não ser
tomado como de grande condicionalidade para a concessão de ajuda financeira, o
facto, porém, é que deixam de poder estar consagradas estratégias ou políticas
excessivamente protectoras dos tecidos produtivos nacionais. Tratam-se de
intervenções que podem ferir os interesses económicos dos países da União Europeia
e mesmo de alguns países da SADC, com estruturas económicas mais consagradas e
integradas.

A absorção interna dos processos de liberalização comercial em cada um dos países


da SADC vai depender de muitos factores, como a redução da pobreza – uma das
muitas situações que certamente sairão agravadas a curto prazo com a abertura das
economias e a sua integração em espaços onde a eficiência é o critério único de
validação da actividade económica – o desenvolvimento do sector privado, as
estratégias de integração económica dos mercados nacionais, a dimensão dos
programas de (re)infraestruturação dos países, a aceleração dos processos de
privatização, a celeridade dos regimes de reestruturação e reforço dos sistemas
financeiros nacionais e da eventualidade de constituição dum sistema financeiro
regional, a aceleração das reformas económicas, etc.

245
OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

São muitos factores, diferentes embora convergentes entre si, que exigem uma gestão
muito complicada dos modelos de mudança económica. A Convenção de Cotonou,
conquanto defenda o princípio da liberalização comercial, não dispõe, no entanto, de
mecanismos ou de instrumentos que esbatam o impacto dos efeitos perversos e das
desvantagens que se abaterão sobre as estruturas económicas mais combalidas dos
países da SADC. Neste aspecto tudo dependerá da forma como cada país aplicar as
ajudas financeiras concedidas ao abrigo da Convenção.

 Projectos regionais

A promoção da cooperação e da integração regional é, como se viu, um dos princípios


económicos retractados na Convenção. No entanto, apenas 1,3 biliões de euros lhe
estão consagrados, muito provavelmente devido à constatação do estado de relativo
atraso em que a integração regional se encontra, nomeadamente em África, onde
muitos estádios dum processo de integração económica ainda não foram postos em
marcha.

É manifesto que a Convenção atribui uma evidente prioridade aos projectos e


programas nacionais, correspondendo a uma correcta leitura sobre as insuficiências
estruturais internas de todos os países ACP.

A aposta reflectida na Convenção acerca da integração regional converte o sector


privado no seu agente principal. São, assim, os projectos de cooperação empresarial
os que detêm maior importância na Facilidade de Investimento gerida pelo Banco
Europeu de Investimento e também os que poderão ajudar a estruturação duma
competitividade económica regional.

 Projectos nacionais

Conforme se referiu mais atrás o envelope das ajudas financeiras não reembolsáveis é
o mais expressivo da Convenção de Cotonou. A sua utilização está regularizada por
uma série de critérios específicos – sociais, económicos e institucionais – que cada
país terá de respeitar. A preocupação central é a de contribuir para a criação de
condições internas em cada país no sentido de proporcionar um crescimento
económico sustentado e uma integração positiva na ordem económica mundial.

Porém, a maior vantagem que se poderia retirar dos apoios financeiros da União
Europeia dependeria de os mesmos poderem ser considerados como fundos
estruturais de coesão interna e mesmo de coesão regional, um pouco à semelhança
do que aconteceu com Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda. Tal hipótese não tem
consagração na Convenção, ficando, portanto, dependente da natureza dos
programas indicativos nacionais e das características dos projectos a serem aí
considerados.

É, todavia, evidente que num contexto de profundas assimetrias e diferenças


económicas e sociais os fundos da União Europeia não terão os mesmos impactos
nos vários países da região. Os países onde os processos de reformas económicas
estão mais avançados e onde as respectivas estruturas económicas são mais fortes e
integradas, os apoios financeiros terão um maior impacto económico e social levando
ao reforço e fortalecimento dos tecidos produtivos nacionais e apresentação dum
coeficiente mais elevado de absorção interna. Serão os casos da África do Sul, das
Maurícias, do Botswana, da Namíbia e das Seyshelles.

 Investimentos

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OPINIÕES E REFLEXÕES Colectânea de Artigos, Conferências e Palestras sobre Angola, África e o Mundo

Uma das áreas onde os impactos poderão ser significativos é a dos investimentos.
Ainda que tudo dependa das capacidades nacionais de programação e gestão dos
investimentos públicos, dos sistemas de incentivos ao investimento privado e das
condições oferecidas aos capitais estrangeiros, parece convincente que as ajudas
financeiras da União Europeia ao abrigo da Convenção de Cotonou – quer aos
Estados, que ao sector privado – poderão transformar-se num importante elemento
complementar dos investimentos principais, públicos e privados.

A dimensão dos respectivos efeitos está, todavia, limitada por alguns factores, tais
como: a capacidade interna de absorção – medida não só em termos puramente
financeiros e relacionados com o grau de execução dos respectivos projectos, mas
igualmente dum ponto de vista económico, o que tem a ver com a sua real
efectividade – a coordenação eficaz da ajuda pública ao desenvolvimento, o concerto
investimento público/investimento privado de que depende a maior eficiência
económica dos dois, o grau de integração económica interna, o modelo de gestão
macroeconómica e a qualidade do sistema financeiro interno.

Uma vez mais serão os países da linha da frente económica da SADC que retirarão
vantagens adicionais dos apoios financeiros e da Facilidade de Investimento
aclamados na Convenção de Cotonou.

 Sector privado

As parcerias que estão previstas na Convenção entre investidores privados dos ACP e
da União Europeia assegurarão uma certa via de integração na ordem económica
mundial e nas ordens económicas sub-regionais.

A Facilidade de Investimento ao determinar a afectação de 10 biliões de euros


destinados ao financiamento de projectos privados nacionais e mais 1,3 biliões de
euros para as iniciativas específicas de vertente regional, concerteza que produzirá
efeitos económicos importantes nas economias dos ACP.

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