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Talento esportivo – uma revisão conceitual
Raquel Pedercini1 – CREF: 1048G/MG
Diferenças entre atletas considerados talentosos e outros atletas
de alta performance são raros na literatura. De acordo com diversos
autores, a maioria dos estudos se preocupa apenas com o processo
de identificação e desenvolvimento do talento esportivo1-4. Outra
área de pesquisa que é normalmente encontrada na área de talento
esportivo é relacionada aos componentes cineantropométricos dos
atletas considerados talentosos5-8.
Pesquisadores costumam usar o termo talento para explicar a
diferença entre atletas que se diferenciam de outros baseando-se
em alguma qualidade especial que tenham. Usualmente é alguma
característica relacionada a habilidade, capacidade e/ou resultado,
que o levam ao alto nível de desempenho. No entanto, assim como
uma série de conceitos específicos, o talento não é diretamente
observado mas sim uma característica inferida.
Ambos, pesquisadores e profissionais que atuam na área,
concordam que o desempenho esportivo sofre influência de múltiplos
fatores como componentes biomecânicos, componentes fisiológicos,
aspectos físicos e determinantes psicológicos9. Muito interesse tem
originado a partir de tentativas de determinar a contribuição relativa
dos fatores genéticos e ambientais/experiência para o alto nível de
desempenho humano10.
Historicamente, os superdotados ou pessoas com talento eram
referidas como aquelas que conseguiam desempenhar alguma
atividade de maneira direfente, normalmente melhor ou mais rápida
que seus semelhantes11. Definições de pessoas/crianças com talento
têm sido descritas por diversos autores ao longo dos anos. Uma
definição interessante diz que “crianças superdotadas e talentosas
são aquelas, identificadas por profissionais qualificados, que por
suas virtudes e habilidades se sobressaem, e são capazes de atingir
uma performance elevada” (p.47)12. Uma outra definição de talentos
é ainda encontrada na literatura como sendo pessoas com idade
compreendida entre 8 a 18 anos, reconhecidas em suas escolas por
possuir capacidade intellectual acima da média, além de demonstrar
nível de diferentes performances também acima da média2.
Cientistas têm definido o talento esportivo, desde o Congresso
Científico Olímpico em Seoul (1988), como pessoas que atingem
melhores resultados quando comparadas a outras pessoas, no
mesmo estágio da vida, em decorrência de suas capacidades de
1 University of Regina Faculty of Kinesiology and Health Studies Regina / Saskatchewan – Canada raquelpedercini@hotmail.com
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Fit Perf J. | Rio de Janeiro | 9 | 4 | 26-31 | out/dez 2010
performance13. Em uma definição bem simplista, é afirmado que
pessoas talentosas são aquelas que possuem aptidões especiais
para performance esportiva5.
Outra definição explica que um indivíduo pode ser
chamado de talento esportivo quando “em um determinado
estágio de desenvolvimento, ele(a) tem certa condição física,
motora e psicológica, e que, em condições externas favoráveis,
irão proporcionar grandes probabilidades de obtenção de bons
resultados futuros” (p.43)6. Uma definição muito mais complexa
define o talento esportivo como sendo “o(a) aquele atleta que reúne
capacidades complexas, tanto genéticas quanto fenotípicas em
harmonia com os aspectos psicológicos, socioculturais, ambientais
e políticoeconômicos, que desempenham as funções esportivas
de maneira ótima em relação aos demais atletas da mesma
modalidade” (p.148)14.
É possível encontrar uma infinidade de definições do que venha
a ser talento esportivo. As definições vão variar de acordo com o
entendimento dos autores sobre a fundamentação do que é talento
para cada um deles, ou seja, a teoria que cada autor defende e/ou
acredita ser a melhor para a definição da terminologia.
Algumas divergências sobre a definição de talento esportivo
são pontos de discussão entre os cientistas9, 15. Uma forma de
evitar essas controvérsias é definir o que é talento procurando por
evidências que ‘provem’ sua existência16.
A existência de “autistas brilhantes” e “crianças prodígio” são
exemplos da legitimidade do talento inato15. No entanto, para esses
autores, a prática ainda é um componente determinante para que o
talento se manifeste.
Muito interesse tem originado a partir das tentativas de
se determinar a relativa contribuição dos fatores genéticos e
ambientais/experimentação para se atingir o alto nível de
desempenho humano10. Para identificar o que é talento esportivo
três teorias serão descritas a seguir: a) genética; b) ambiental, e c)
interacionista17.
a) Teoria Genética
Algumas pessoas acreditam que o talento é baseado em
uma certa habilidade herdada que fará com que seu possuidor se

destaque em dada habilidade. “A crença de que o talento é uma
característica inata é, na verdade, o conceito principal atribuído a
atletas de extraordinária performance os quais são anunciados quase
que diariamente pela mídia com a utilização da palavra ‘talentosos’
usada para definir o atleta altamente habilidos”(p.269)18. A teoria
genética explica esse ‘fenômeno’ de uma maneira bem simplista:
o indivíduo nasce com o componente que o define(definirá) como
talento19.
Quando as primeiras discussões sobre como uma pessoa podia
ser mais habilidosa que outras, em 1870, cientistas acreditavam que
o componente genético era a principal razão capaz de explicar
essas diferenças6. Uma declaração feita por pesquisadores diz que
“talentos não podem ser adquiridos, eles têm que ser possuídos por
prodígios que nascerão com o talento” (p.310)20. Alguns outros
estudos explicam o componente genético como sendo a fonte do
talento em diversas áreas do conhecimento21. Os resultados de
uma pesquisa inglesa informal afirmam que “mais de três quartos
dos professores de música que decidem quais jovens vão receber
instruções musicais, acreditam que crianças não vão ser bem
sucedidas no campo da música a não ser que tenham uma aptidão
inata especial” (p399)22.
Um estudo com irmãos gêmeos apontou que “em esportes
de alta performance contemporâneos, o potencial genético tem
um significado decisivo e vem claramente ganhando espaço sobre
as influências ambientais”23. A influência genética na área do
movimento é significante e os estudos mostram a importância do
componente genético sobre o componente ambiental24.
Com o advento da identificação do genoma humano, em
2001, os estudos para “construir um super atleta” se tornaram mais
intensificados. Os cientistas começaram a desenvolver seus estudos
em busca do componente essencial de um grande atleta, acreditando
que o segredo do sucesso reside na explicação genética. Isso
pode ser ilustrado de acordo com os esforços de pesquisadores
em identificar velocistas e corredores de resistência com base em
diferentes alelos (ex.: formas), de um único ‘gen’, conhecido como
-actina-325.
Estudos7,26,27 mostram a percepção de atletas talentosos sobre
seu prórpio talento. De acordo com esses estudos, o componente
genético é a principal razão que os faz ser bom atletas, o que
significa que, a maioria deles acredita que nasceu com “uma
qualidade especial”.
Apesar da Teoria Genética ainda ser aceita por alguns
autores, ela tem sido menos utilizada pela comunidade científica
em decorrência das discussões sobre a importância do ambiente/
experimentação para o desenvolvimento de uma habilidade.
b) Teoria Ambiental
No artigo provocative chamado ‘Talento inato: realidade ou
mito?’, os autores afirmam categoricamente: “talentos inatos são
ficção, não um fato” (p.347)15. A definição de talento é considerada
mais fluída, o que quer dizer que o talento não é uma característica
identificável em um dado momento histórico do indivíduo e que se
mantém sem modificação ao longo da vida26. A Teoria Ambiental
(ou também chamada de ambientalista), explica de maneira
construtiva: qualquer pessoa pode se tornar um talento simplesmente
sendo exposta ao ambiente propício e sendo estimulada às práticas
e atividades específicas19.
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Talento esportivo – uma revisão conceitual
A demonstração de habilidades ótimas quando ainda em
idades consideradas muito jovens não é uma evidência de um talento,
exceto se aparecer sem qualquer oportunidade de aprendizado15.
Diversas críticas em relação ao que vem a ser talento têm
surgido e cientistas contribuíram com evidências substanciais sobre
os efeitos de práticas deliberadas sendo mais decisivas e mais
comumente convincentes28.
Como parte da discussão sobre formação de talentos, é
possível encontrar que, menos de um terço da população que é
considerada talentosa em algum campo de conhecimento, foi uma
criança precoce29. Muitos autores concordam que o processo de
desenvolvimento de talentos acontece por meio de pelo menos
10.000 horas de prática deliberada, durando em média entre seis
a dez anos de treinamento9,11,30-36. Um outro estudo descreveu “não
existir diferença significativa entre jovens músicos de grande sucesso
e outras crianças com a mesma quantidade de treinamento e tempo
de prática necessário para atingir o progresso sucessivo de notas
no Exame da Associação de Música Inglês” (p.404)37. A mesma
observação foi feita em um estudo longitudinal com jogadores de
tênis de elite na Alemanha. Assim como, no estudo dos músicos
da Inglaterra, foi encontrado que habilidades prematuras que
antecipassem a performance no tênis na fase adulta não tinham sido
encontradas quando comparadas à mesma quantidade de tempo de
prática de outros jogadores38.
Em conclusão, os cientistas parecem concordar que períodos
massivos de preparação e treinamento são essenciais para se atingir
o sucesso e alcançar o ‘status’ de talento.
c) Teoria Interacionista
A existência da transmissão genética do talento é identificada
como necessária, mas não suficiente para o surgimento de um
‘gênio’15. A Teoria Interacionista explica esse fenomêno pela
união das duas teorias previamente descritas: o indivíduo tem que
combinar o componente genético, assim como tem que ser exposto
ao ambiente em que possa ter estímulos. Somente dessa forma ele
irá alcança o potencial de ser talento19.
O talento esportivo é entendido pela ciência como algo além
do dom. Existe uma interrelação entre habilidades, capacidades,
aspectos biológicos, aspectos psicológicos, e aspectos fisiológicos
que, diante de condições ambientais propícias, podem proporcionar
uma performance além da média da população33.
O talento depende de uma rede emaranhada de relações
entre o seu potencial inato e o ambiente ao qual está inserido. Isso
significa dizer que o talento é mais que uma capacidade genética
previamente demonstrada7. O talento será revelado ao longo
do tempo, depois que as potencialidades genéticas receberem
instruções para se manifestarem correta e apropriadamente, somente
então estarão prontas para se desenvolver.
Um bom exemplo disso vem sendo utilizado pelos estudiosos
da dermatoglifia, que é um método, que utiliza as impressões
digitais como o determinante genético e tem sido utilizado para
associação com as qualidades físicas básicas e a tipologia de fibras
musculares39. Isso faz com que as impressões digitais passem a ser
ligadas diretamente às manifestações funcionais como resistência,
velocidade, coordenação, força e atividades cíclicas40.
Pesquisadores7,19,26,41-45 têm descrito em seus trabalhos
sobre a importância de adicionar fatores psicosociais aos fatores
fisiológicos para determinar uma boa performance esportiva ou,
29
Pedercini

uma performance atlética acima da média da população.
A habilidade inata, o desejo de praticar e a energia
adequada para o trabalho árduo são essenciais para a manifestação
do talento de um indivíduo28-30,43,46,47.
Propriedade do Talento:
Após uma breve discussão sobre três teorias que conceituam
o talento esportivo, cientistas começaram uma discussão sobre as
propriedades do talento15. Foram feitas cinco sugestões:
1) São originados em estruturas transmitidas geneticamente e,
portanto, são, no mínimo, parcialmente inatos;
2) Seus efeitos completos podem não ser evidentes em um
estágio inicial, mas haverão algumas indicações antecipadas,
permitindo que as pessoas treinadas para identificar a presença
de talento antes de níveis excepcionais de desempenho maduro
sejam demonstradas;
3) Estas indicações iniciais de talento fornecem bases para prever
quem provavelmente alcançará a excelência;
4) Apenas uma minoria da população é considerada talento, pois
se todas as crianças o fossem, não haveria maneira de prever ou
explicar o sucesso diferencial de cada uma;
5) Raramente os talentosos são de um único domínio específico.
Embora alguns autores48-50 não gostem de categorizar os
talentos nessas cinco categorias de propriedades do talento, parece
que a maioria da comunidade científica a tem usado, pelo menos
de alguma maneira, para ajudar na definição do que é talento
esportivo.
“Talento sem performance não existe” (p.64)6. Os resultados
de desempenho, no mínimo acima da média, mostram talento. As
diferenças de resultados, o que significa melhores resultados de
desempenho, são uma prova essencial do talento.
Historicamente, a pesquisa específica tem focado tipicamente
sobre o papel da genética ou a influência ambiental como
instrumentos para explicar como talentos aparecem. Esta abordagem
dualista “falhou em não conseguir imitar a natureza complementar
da relação entre as restrições que envolvam o indivíduo e o
ambiente”(p.280)51.
Esta interação dinâmica relacionada com atletas talentosos
pode aparecer de duas maneiras. Em primeiro lugar, é preciso
considerar o crescimento pessoal, desenvolvimento e treinamento,
pois estes podem provocar diferentes desenvolvimentos dos
determinantes de performance. Além disso, os níveis de maturidade,
o perfil histórico de prática, ou mesmo resistência ao teste de
estresse são requisitos a serem considerados, a fim de compreender
o componente dinâmico de talento.
A fim de compreender o componente dinâmico do talento, os
pesquisadores vêm descrevendo a necessidade da “performance
final” como a meta de pessoas com talento6. Neste sentido, o tipo de
processo e o ritmo de desenvolvimento é levado em consideração5.
O talento, então, está estruturado no decorrer de um processo ativo e
focado, em que ele/ela é influenciado/a por mudanças ambientais,
incluindo as alterações de personalidade (ver Figura I).

Componentes Estáticos e Dinâmicos:

Uma outra linha comum de estudos sobre talento tem sido
chamada de metodologia estática e dinâmica6. De acordo com esse
autor, o indivíduo talentoso carrega consigo componentes estáticos
e dinâmicos. Por causa disso, eles (indivíduos talentosos) precisam
ter disposição, demonstrar desejo/vontade, estar no ambiente social
adequado e apresentar bons resultados de desempenho. Por outro
lado, a abordagem dinâmica descreve um processo ativo monitorado
por pessoal qualificado que irá preparar a base de ‘um talento’ que,
mais tarde, irá atingir resultados superiores.
Na perspectiva de ter a disposição para o talento, pode-se
dizer que “uma vocação ainda não foi totalmente revelada” (p.63)6.
Esta tentativa de definição implica a idéia de que há algo de
embrião que se desenvolve ao longo do tempo.
Figura I: Talento no esporte: relação dinâmica de acordo com a
Sobre a demonstrar o desejo/vontade, o autor afirma que “o
performance competitiva do indivíduo nos níveis inicial, presente e
poder para alcançar um alto desempenho não é suficiente, é preciso
final (t – treinável; n-t – não-treinável). Fonte: “Desempenho e Talento
também querer alcançar a excelência” (p.63)6. Corroborando com
Esportivo”(p.92)5
essa idéia, outros autores9,11,15,30,31,35,36 também afirmam sobre a
importância da motivação pessoal para se alcançar melhores
resultados.
Parece bastante evidente que as características inatas não se
Diversos especialistas dessa area de conhecimento afirmam
traduzem automaticamente em um desempenho excepcional em
que “o desenvolvimento do talento esportivo está diretamente
estágio adulto52. Efeitos de maturação e treinamento são exemplos
associado ao ambiente social aonde o indivíduo vive”(p.63)6.
de fatores que podem impactar diretamente no processo de
Considera-se o que o ambiente pode oferecer e a quantidade de
desenvolvimento.
aceitação, valorização e reconhecimento existente para saber se
Esta ideia dinâmica de talento fornece uma explicação
a promoção/descoberta do talento vai valer a pena. Em outras
para as pessoas que demonstraram talento em idades precoces
palavras, é inquestionável a relação entre as condições básicas da
(como por exemplo Pablo Picasso e Nadia Comaneci) e pessoas
sociedade e do desenvolvimento de talentos no esporte.
que demonstraram talento mais tarde na vida (como por exemplo

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Albert Einstein e Michael Jordan), considerando os domínios de
desempenho. Os talentos de tenra idade, serão os únicos que têm
padrões adequados de todos os componentes de talento desde
o “começo”. No entanto, os que se desenvolverem tardiamente
poderão ainda processar toda a variedade de características
necessárias, mas terão um ou mais componentes que não começarão
a se desenvolver até muito mais tarde9. Alguns autores parecem
concordar que “só porque um traço reivindica uma base genética
não significa automaticamente que o traço apareça em tudo de uma
vez. Pelo contrário, muitas características, mesmo que obviamente
sob controle genético, levam muitos anos, mesmo décadas, a
emergir” (p.449)52.
Tem crescido gradualmente entre os pesquisadores o
reconhecimento de que talento é um conceito dinâmico e que não só
os fatores interagem, mas também se alteram em função do tempo.
O debate inatoambiente diz respeito ao grau em que um indivíduo é
um produto de seus genes ou não, gerando dúvidas sobre o papel da
genética, influências ambientais e as experiência em uma variedade
de contextos, incluindo o desenvolvimento musical, performance no
campo das artes, no campo educacional e performance atlética.
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