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Neste capítulo, John Stuart Mill (1806-1873) responde a algumas acusações feitas
à moral utilitarista. Destacamos aqui pontos que consideramos centrais.
“É melhor ser um ser humano insatisfeito que um porco satisfeito, é melhor ser
um Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito. Caso o tolo ou o porco forem de
opinião diferente, é que conhecem apenas um lado da questão. A outra parte
conhece os dois lados para fazer a comparação” (MILL, p.33)
“Senhora,
Algumas vezes coloquei a mim mesmo uma dúvida: saber se é melhor estar alegre
e contente, imaginando que os bens que possuímos são maiores e mais
estimáveis do que são e ignorando os que nos faltam (...) ou se é melhor ter mais
consideração e saber, para conhecer o justo valor de uns e de outros, e com isto
tornar-se mais triste. Se eu pensasse que o soberano bem fosse a alegria, nunca
duvidaria de que deveríamos dedicar-nos a tornarmo-nos alegres a qualquer
preço, e eu aprovaria a brutalidade daqueles que afogam suas mágoas no vinho
ou as atordoam com o fumo. Mas eu distingo entre o soberano bem, que consiste
no exercício da virtude (...) e a satisfação do espírito que acompanha esta posse.
É por isto que é uma maior perfeição conhecer a verdade, mesmo que
desvantajosa a nós, que ignorá-la, e eu confesso que é melhor estar menos alegre
e ter mais conhecimento.” (Descartes, R. Carta a Elizabeth, 6 de outubro de 1645)
- Para definir a sua regra de produzir a maior felicidade, o critério utilitarista “não é
o critério do próprio agente, mas o da maior soma da felicidade geral” (p.35).
Não é claro que o desejo de promover a maior soma de felicidade possa ser
deduzido do desejo evidente que cada um tem por sua própria felicidade.
Mill propõe: 1- julgar a pessoa por suas ações – e não o contrário; e 2- julgar as
ações por suas conseqüências (no sentido do que o agente quer produzir – que
Mill define como sua intenção). Assim, não se levam em conta os motivos
(motivações interiores, subjetivas da ação), mas a intenção ou o resultado que se
atinge voluntariamente.
Por exemplo, na seguinte situação:
Posso prejudicar um colega para conseguir uma promoção. Mas não o faço porque
tenho medo de ser descoberta e, finalmente, ser despedida.
O que conta, para o utilitarista, o que conta é o resultado da ação (o colega não foi
prejudicado) e não o motivo interior (o medo de ser descoberta).
Uma mentira pode ter uma utilidade imediata e particular: ser “conveniente” ao
indivíduo, ou mesmo resolver um problema de um grande grupo numa
determinada situação. No entanto, analisando a questão de uma maneira mais
ampla, é preciso considerar que, para o funcionamento e bem estar da sociedade
em geral é muito útil que todos obedeçam à regra “não mentir”.
Comentários:
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Sugestões de leitura:
http://criticanarede.com/html/eti_mill.html
In WILLIAMS, B. Moral. Uma introdução à ética. Trad. Remo Manarino Filho. São
Paulo, Ed. Martins Fontes, cap. 5.
Williams também afirma que o utilitarismo não consegue realizar todas as suas
promessas ao mesmo tempo; que elas entram em contradição entre si.
Mas, neste caso, estamos ainda falando de felicidade, num sentido com o qual
todos concordariam (atrativo 2)? Será que todos concordariam que felicidade é
igual ao prazer e à ausência de dor?
E1- A felicidade, para corresponder à idéia que muita gente faz dela (como
exige o atrativo 2), dificilmente pode ser definida apenas como prazer e
ausência de dor.vi (Para esclarecer este ponto, Williams acrescenta que “as
pessoas incluem entre os ingredientes de uma vida feliz coisas que
necessariamente envolvem valores diferentes do prazer – tais como
integridade, por exemplo, ou espontaneidade, ou liberdade, ou amor, ou
expressão artística” - p. 147).
A tese defendida por Williams é a de que há valores não mensuráveis – nem tudo
pode ser medido e calculado, como quer o utilitarismo.
Crítica de Williams
O utilitarismo não consegue ser coerente com sua admiração por muitos
valores humanos que se opõem ao Princípios da Maior Felicidade (p. 159).
IV- O utilitarista não pode querer que as pessoas acreditem no utilitarismo (p.
160-165)
Nas páginas finais, o autor defende a idéia de que o utilitarismo é uma teoria que
em geral torna a sociedade pior, pois diminui a exigência moral das pessoas. Isto
porque, se todos agirem somente com a preocupação de evitar o maior mal,
podem admitir ações que compactuem com o mal menor. Assim, quase ninguém
agirá segundo princípios mais exigentes, recusando-se a compactuar com ações
más. De modo que, seja o utilitarismo verdadeiro ou falso, em nome da maior
felicidade, é melhor que as pessoas não acreditem nele.
i Utilitarismo dos atos – é a forma clássica do utilitarismo. Nesta, cada ação particular
deve ser avaliada por suas conseqüências, e deve se escolher, em cada caso, o curso de ação
que contribua para a maior felicidade do maior número de pessoas.
iii Williams lembra que, apesar de recusar um fundamento religioso para a moral, o
utilitarismo acaba por afirmar um tipo de moralidade cujo conteúdo é muito compatível com
a religião cristã. De fato, no capítulo cap. 2 de sua obra O Utilitarismo, J. S. Mill afirma que
não há oposição entre a moral cristã e a moral utilitarista; a nosso ver, porém, Mill faz uma
interpretação utilitarista do cristianismo, ao afirmar que a finalidade desta religião é a
felicidade humana.
iv Situações trágicas são aquelas nas quais qualquer opção pode parecer errada. Por
exemplo: uma situação na qual seja exigido sacrificar a vida de uma pessoa para salvar
várias.
v Este ponto é analisado por Williams, neste mesmo livro, no capítulo intitulado: “De que
trata a moralidade?”. Williams mostra que, para algumas perspectivas éticas, a felicidade
não é o único e enm o mais alto valor.
vi De fato, o próprio J. S. Mill recusa definir a felicidade apenas como um tipo simples de
prazer. No cap. 2 de seu livro O Utilitarismo, Mill introduz uma diferenciação qualitativa
nos prazeres, ao falar de prazeres inferiores (sensíveis) e prazeres superiores (prazeres
intelectuais, o prazer de dedicar-se ao outro, de desenvolver um talento, etc.). Para Williams
, J. S. Mill está certo em admitir que a felicidade envolve coisas diferentes do prazer; mas,
ao fazer isto, J. S. Mill deixaria de ser um utilitarista coerente. Em geral, os críticos do
utilitarismo vão apontar os problemas trazidos pela diferenciação entre tipos de prazer: 1- a
definição de prazer fica extensa demais, e pode até incluir ações que envolvem sacrifício,
etc.; e 2- o que torna uma coisa “superior” a outra parece não ser o fato mesmo de trazer ou
implicar em prazer, mas alguma outra característica – e daí o utilitarismo estaria afirmando
valores diferentes do prazer.
vii O ponto central aqui é o conflito entre utilidade e justiça. Este ponto é tratado
longamente por J. S. Mill no cap. 5 de seu livro O Utilitarismo. Ele defende a idéia de que
as regras de justiça se fundamentam em desejos e necessidades absolutamente fundamentais
do ser humano – e portanto essenciais para a maior felicidade do maior número de pessoas.
Embora ele mesmo não fale de “utilitarismo de regras”, muitas idéias ali expostas já
apontam naquela direção.
viii Na verdade, no caso das regras de justiça e das regras referentes às relações entre
pessoas (cumprimento de promessas, veracidade) é muito importante que acreditemos que
as pessoas vão respeitar estas regras quaisquer que sejam as consequências.
ix Ou, como escreve Cláudio Costa: “Apesar de tudo isso, o utilitarismo de regras encontra-
se aberto a uma objeção que considero fatal. É que sempre podemos imaginar situações nas
quais as regras precisam ser violadas! Imagine que um astronauta desça à terra tendo em sua
cápsula um microorganismo que pode se espalhar pelo ar e contra o qual os seres humanos
não possuem a menor resistência. As pessoas que tiveram contato com o microorganismo na
colônia de Marte foram todas rapidamente dizimadas. O astronauta encontra-se fechado em
uma cápsula e a única solução que resta é deixá-lo morrer, pois abri-la seria arriscado
demais... A regra de respeito à vida humana é aqui derrogada por considerações utilitárias.”
shttp://www.filosofia.cchla.ufrn.br/claudio/filosofia_pratica/introducao_utilitarista_etica.pdf