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CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

N. 2 - 1. semestre de 2000 1
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES
EXPEDIENTE

CADERNO DE PESQUISA CEAPOG/IMES

Programa de Mestrado em Administração


CEAPOG – Centro de Estudos de Aperfeiçoamento e Pós-Graduação do IMES -
Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul

Ano 1 – N. 2
1. semestre de 2000
ISSN 1517-820X

Diretor da Mantenedora
Prof. Marco Antonio Santos Silva

Reitor do Centro Universitário


Prof. Laércio Baptista da Silva

Pró-reitores
Prof. Carlos Alberto de Macedo (Graduação), Prof. Dr. Sílvio Minciotti (Pós-Graduação e Pesquisa) e
Prof. Joaquim Celso Freire Silva (Comunitária e Extensão)

CEAPOG

Coordenador Geral
Prof. Dr. Silvio Minciotti

Coordenador do Laboratório de Gestão da Sociedade Regional


Prof. Dr. Luiz Roberto Alves

Editor
Prof. Dr. Roberto Elísio dos Santos (MTb – 15.637)

Secretárias
Roseli Tamiazi, Neusa Aparecida Marques e Marlene Forestiere de Melo

Estagiárias do Laboratório de Gestão da Sociedade Regional


Telma Tania V. F. de Carvalho, Lígia Roza e Leticia Lopez

Revisão
Simone Zaccarias

Correspondência
IMES – Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano do Sul
A/C Caderno de Pesquisa CEAPOG-IMES
Avenida Goiás, 3400
São Caetano do Sul – São Paulo – Brasil
CEP 09550-051
E-mail: labgest@imes.com.br

2 N. 2 - 1. semestre de 2000
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SUMÁRIO

Crônica

Cotidianíssimo (Prof. Joaquim Celso Freire Silva).............................................................................4

Introdução

Prof. Dr. Luiz Roberto Alves................................................................................................................5

Normas para apresentação de trabalhos...............................................................................................6

Artigos

1. Grande ABC: regionalidade e história cultural em questão (Prof. Dr. Luiz Roberto Alves).........7

2. Megacidades: uma proposta para o eixo Tamanduatehi (Prof. Angélica Benatti Alvim/
Prof. Enio Moro Junior/Prof. Mario Figueroa).................................................................................... 14

3. Reinventando o planejamento regional em um contexto de reestruturação econômica


local: o caso da Região do Grande ABC (Prof. Dr. Jeroen Klink)....................................................... 22

4. Comunicação nas organizações voltadas para a qualidade (Prof. David Garcia Penof)................. 28

Seminários

II Seminário Interno............................................................................................................................. 32

1. Planejamento econômico regional (Claudia Polo Denadai Gonçalves/Carlos Rogério Prado/


Francisco F. da Silva)........................................................................................................................... 33

2. Inclusão social e cidadania no século XXI (Maria Aparecida R. Belezi/


Carlos Eduardo Ferrari)........................................................................................................................ 40

3. Políticas públicas de Cultura (Telma Tania V. F. de Carvalho)....................................................... 48

Resenha

COMPANS, Rose. “O paradigma das global cities nas estratégias de desenvolvimento local”
(Telma Tania V. F. de Carvalho).......................................................................................................... 55

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CRÔNICA

Cotidianíssimo
Prof. JOAQUIM CELSO FREIRE SILVA*

Subindo uma ladeira de pés no chão Descendo de terno do décimo andar


Correndo atrás de uma bola de pano Enfrentando o trânsito letárgico de todo dia
(feita com uma meia que já deixava Fazendo o “B.O.” do último assalto
nu o calcanhar do pai) Comprando um presente no shopping-
Tecendo os fios do algodão center
colhido ano passado Recebendo e enviando precisos “e-
Preparando a terra para quando mails”
a chuva chegar Marcando ofegante o eletrônico ponto
Sentado ou em pé numa sala de Vivendo aventuras num videogame
aula Saindo de casa apressado e ao celular
Abrindo o armazém numa rua Pagando alguma prestação vencida
qualquer Esperando numa fila de escasso
Jogando conversa numa emprego
janela ou num bar Analisando o relatório das vendas do
Tocando boiada pra outra mês
invernada Fechando os vidros em um cruzamento
Escrevendo uma carta pro filho Lendo as últimas notícias do dia
de longe Maldizendo o voto da última eleição
Amassando o barro e construindo Construindo prédios e vendendo
esperança miçangas
Ouvindo prosa de gente mais velha Discutindo economia, competitividade,
Rezando novena em comunhão e globalização
de fé Apertando botões na sessão de
Cantando modinhas e riscando violas montagem
Fazendo quitutes pro café da manhã Criando modernas tecnologias e sistemas
Regando angélicas ao entardecer Fazendo apressado um trabalho escolar
Pulando num rio de águas (ainda) cristalinas Esperando o domingo pra nada fazer
Tomando uma pura caninha de engenho Bebendo um bom vinho português
Ligando o rádio na “Voz do Brasil”… “Speaking in English” e “hablando en Español”…

Vive uma gente que ama e faz o seu lugar. Vive uma gente que faz e ama o seu lugar.

* Professor do IMES e da FSA; coordenador de Comunicação do IMES, poeta e aluno do PMA do


CEAPOG-IMES.
Ilustração: Rodrigo Dias Arraya, desenhista e publicitário e aluno do curso de Publicidade e Propaganda
do IMES.

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INTRODUÇÃO

AS MEGACIDADES E A COMPLEXA TAREFA DE CONSTRUÍ-LAS

Prof. Dr. LUIZ ROBERTO ALVES*

A tarefa que consiste na revitalização das cidades e regiões será muito complexa. Apesar do
bombardeio de informações áudio-visuais que nos anunciam a vida facilitada. Ora, como seria fácil
combinar a mudança de sistemas administrativos e tecnológicos com a conquista de uma nova atitude
diante da cidade? Fica evidente, pois, que a vida virtual glamurizada pela mídia e pelos outdoors não
resiste a três dias de falta d’água, a um assalto ou à fila de hospital. Parece que convivemos com o céu e
inferno, diariamente.
Mas não é assim. A vida nas megacidades, nas metrópoles, escapará das dicotomias tradicionais
por uma nova consciência superadora do cômodo ou incômodo, do bem/mal, da felicidade e seu
contrário. No lugar dessa sensação de vida dividida (que para a maioria dos segmentos sociais significa
pouquíssima alegria e muito enfado) o que se espera de nós, megacidadãos e megacidadãs, é a amplia-
ção dos sentidos que nos educaram e nos treinaram a viver nesses espaços em contínua construção.
Um novo sentido para o uso dos equipamentos coletivos, a melhor compreensão do fim das fronteiras
entre urbes, a avaliação adequada dos investimentos na construção das coisas públicas e a criação de
critérios para compatibilizar (e esclarecer!) o que é privado e o que é público.
Quando participamos do congresso de Hong Kong denominado Megacities (fevereiro de 2000),
ouvimos sistematicamente o discurso da consciência da cidade, do resgate da pessoa na metrópole, de
como conciliar o desenvolvimento “com a criação de passarinhos e a plantação de verduras na casa”.
Que fiquem de fora os mitos que nos embalaram, ou seja, que as tecnologias necessariamente
facilitariam a vida, que a democratização do todo social traria governos melhores às cidades, que as
intervenções dos especialistas resolveriam os problemas dos centros e dos bairros em que vivemos e
por onde passamos. Ninguém e nada nos salvará fora da criação de novas formas de participação e
consciência. Mais vigilância e melhor inteligência sobre a cidade plural e complexa que nos abriga.
Consciência de que a ação política que vige sobre as cidades ainda é medíocre.
O presente caderno de pesquisa do IMES, agora Centro Universitário, trata da nossa grande
cidade sem fronteiras físicas, mas repleta de fronteiras de conhecimento, éticas, políticas. Elas se
tornam laboratórios para inovações técnicas e sociais, mas acima de tudo ainda devem ser o nosso
lugar de viver e conviver. E aí residem as grandes questões. Devemos acompanhar os projetos de
mudança com atitude crítica, pautada por valores coletivos e a melhor capacidade avaliadora.
Assumir a complexidade, considerar que vivemos na cidade multicultural, exigir direitos pes-
soais, avaliar cada projeto e cada processo, demandar políticas públicas prioritárias, produzir memória
da história metropolitana. Fazer história.
Não obstante diversos e diferentes, os textos básicos deste caderno sugerem a criação de nova
sensibilidade para com a cidade, condição para que as intervenções técnicas e políticas, mais a memó-
ria acumulada, não nos alienem das responsabilidades, direitos e deveres, mas ao contrário, os tornem
inadiáveis. Assumir a cidade, ser cidadão da polis, é tarefa para já.

* Professor e pesquisador da USP e do IMES; coordenador do Laboratório de Gestão da Sociedade


Regional do CEAPOG/IMES, e autor de, entre outras publicações, Culturas do Trabalho – comunica-
ção para a cidadania (Santo André: Alpharrabio Edições, 1999).

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

Os artigos acadêmicos enviados à Comissão Editorial do Caderno de Pesquisa do CEAPOG-IMES devem


seguir às seguintes normas:

1. Ser entregues em disquete (Word 6.0), com cópia impressa anexa;


2. Ser digitados em corpo 12, espaço duplo (com endentação de 12,4 mm na primeira linha de cada parágrafo),
fonte Times New Roman, alinhamento justificado;
3. Conter: Resumo e 3 palavras-chave, em português e inglês (Abstract e Key words);
4. Indicar as citações: os autores referidos no corpo do texto (nome do autor, ano de publicação e página da
citação) devem ter obrigatoriamente referência completa na bibliografia básica, no final do texto. O autor deve
conferir as informações das citações com as da bibliografia.
5. Conter bibliografia, com a seguinte padronização:
SOBRENOME DO AUTOR, nome. Título da obra, n. da edição. Local: editora, ano de publicação.
6. Registrar o(s) nome(s) do(s) autor(es) do artigo, assim como seu(s) cargo(s), titulação e vinculação com o CEAPOG-
IMES.

O Editor

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GRANDE ABC: REGIONALIDADE E HISTÓRIA


CULTURAL EM QUESTÃO 1

Prof. Dr. LUIZ ROBERTO ALVES*

RESUMO: Trabalho realizado na perspectiva dos globalization and regionalization. Located within the
estudos culturais, que busca mostrar como a memória Brazilian micro-region of the Greater ABC region, the
cultural colabora para a criação de um senso agudo de biggest industrial complex in Brazil from the 1950
microrregionalidade na sociedade que sofre profundas onwards, the region has both gone through a phase of
transformações em seus modos de produção social e social advance and the development of its political
econômica. Noutras palavras, como o processo de awareness regarding the intense urbanization of the
comunicação se organiza como epistemologia no seven cities. The latter includes an increasing awareness
movimento histórico da cidade sujeita à tensão entre about the severe problems the region is facing from
globalização e regionalização. Localizado na the 1980s onwards which are related to the impact of
microrregião brasileira do Grande ABC, maior parque globalization of the labor processes and the
industrial do Brasil a partir dos anos 50, evidencia os internationalization of the capital markets. Despite of
avanços sociais e o desenvolvimento de consciência the severe nature of these new situations, the paper
política sobre a intensa urbanização desse conjunto de shows how the collective memory of migrants and
sete cidades e os graves problemas sofridos nos anos immigrants was able to update itself within the context
80 pela ocorrência da globalização dos processos de of these new situations. That is, in the middle of a
trabalho e da internacionalização dos capitais. A despeito situation of tension, it created answers through new
da gravidade das novas situações, faz ver o modo como forms of representation and through the elaboration
a memória coletiva migrante e imigrante foi capaz de of new instruments of production and dissemination
atualizar-se no contexto das novas situações e, no meio of information capable of realizing a new social synergy,
da tensão, produzir respostas sob a forma de novos a new consensus and, consequently, political agreements
modos de representação social e da criação de with a potentially problem solving character. Examples
instrumentos de produção e disseminação de are given on the formation of a consorcio among cities,
informação capazes de realizar nova sinergia social, a Regional Chamber, a Regional Development Agency,
novos consensos e conseqüentes acordos políticos and a Forum for Issues on Citizenship, all opening up
prenunciadores de superação de problemas. Exemplifica perspectives for a new regional visibility and an influence
com a formação de consórcio de cidades, câmara capable of changing the traditional political culture.
regional, agência de desenvolvimento e fórum da
cidadania, abrindo perspectivas para uma nova
visibilidade regional e sua influência na mudança da PALAVRAS-CHAVE: regionalidade; cultura política;
cultura política tradicional. globalização; exclusão; consensos coletivos.

ABSTRACT: This paper should be seen within the KEY WORDS: new regionalism; political culture;
perspective of cultural studies. Its main objective is to globalization; social exclusion; collective consensus.
show how cultural memory is conducive in creating a
clear sense of belonging to a microregion within a
society that is undergoing profound transformations
in its social and economic mode of production. In other
words, how the communications process organizes 1 Trabalho apresentado ao evento internacional
itself as an epistemology within the historical movement “Megacities 2000”, realizado em Hong Kong, de 8 a 10
of the city, itself subject to the tension between de fevereiro de 2000.

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1. INTRODUÇÃO avanços, os desafios e as dificuldades do projeto coletivo


em curso. Nessas periferias metropolitanas, a
A presente reflexão realiza-se no campo da modernidade se nutre da tradição, veiculada pela
história cultural aplicada à periferia metropolitana, memória coletiva de trabalhadores que tiveram de
precisamente à microrregião sudeste de São Paulo, conquistar salário, espaço social e liberdade desde os
denominada Grande ABC. Considera que a história da tempos de substituição da mão-de-obra escrava do final
cultura provê equipamentos simbólicos ao grupo social do século passado. Qualquer novo projeto e condição
que se defronta com mudanças significativas em seus social é questionado e sentido por esta base cultural
modos de produção social. Cultura, aqui, é entendida comum.
como criação e circulação de símbolos de coesão social.
Como parte dos estudos culturais aplicados à vida da
megacidade, considera uma microrregião, no caso a mais
industrializada do Brasil a partir dos anos 50. Destaca 2. HISTÓRIA, CULTURA E
os seus diversos impactos originados no processo de CONTEXTO URBANO
globalização, quer as mudanças dos processos de
trabalho, quer o movimento de mundialização dos A microrregião sudeste do espaço
metropolitano de São Paulo ocupa área 2 de 742 km e
capitais. Observa que a acumulação simbólica dos
grupos sociais imigrantes e migrantes, chegados à região distribui seus dois milhões e trezentos mil habitantes
entre fins do século passado e os anos 60 deste século, por sete cidades, estabelecendo a ocupação de quase
acompanhou tais processos, respondendo a eles na quatro mil pessoas por quilômetro quadrado. Colocada
medida da necessidade de produção de identificação e na rota de passagem entre o litoral e o planalto, a região
organização social, notadamente a partir do início desta somente é descoberta como lugar auxiliar ao projeto
década. Noutras palavras, na história cultural aqui de desenvolvimento de São Paulo a partir do fluxo de
analisada, produziu-se um senso agudo de imigrantes de 1877 e do estabelecimento da linha
microrregionalização no interior da metrópole, no qual ferroviária pelos ingleses, na mesma época, ligando São
os novos modos de reorganização social e política não Paulo ao porto marítimo de Santos. Em 1920 sua
respondem somente à exigência do mercado e do capital população era de 25.215 habitantes, que chegam a
internacionalizados, mas também a uma posição 90.726 durante a Segunda Guerra Mundial, 300 mil
epistemológica elaborada pelas culturas do trabalho, na época da segunda revolução industrial, década de
cujos valores acumulados e intensamente veiculados 60 e hoje quase dois milhões e meio de pessoas, no
exigem, hoje, repensar sentidos para o território na era contexto dos 17 milhões da megacidade de São Paulo.
da desterritorialização, identificações sociais no tempo Enquanto os imigrantes, notadamente italianos,
da perda de identidades, inclusão na sociedade que espanhóis, eslavos e depois japoneses, constituem-se
dispersa ações e segrega grupos empobrecidos, que na base profissional e cultural de sua população até os
sugere fluxos de participação social diante do evento anos 30, a explosão do projeto capitalista de base
dos fluxos virtuais. Se não mais podem fazer, tais industrial na seqüência da Segunda Guerra Mundial
culturas do trabalho, criadas pelos fluxos de imigrantes atrai milhares de brasileiros das regiões mais
e migrantes na sociedade intensamente industrializada, empobrecidas do país. Ergue-se nos anos 50 o pólo
pelo menos têm conseguido produzir consensos sociais industrial de empresas com tendência globalizadora,
mínimos, novos modos de organização da sociedade destacando-se os ramos químico, petroquímico, de
civil, crescimento da participação social, agenda de ações auto-peças eletro-mecânicas e montadoras de
e políticas urbanas para a inclusão social e um automóveis. Esse pólo substitui as antigas formas
questionamento sobre os modos como podemos e pioneiras e de base cooperativa da indústria oriunda
devemos nos orientar para a inserção da grande cidade da primeira revolução industrial do início do século:
nos fluxos globais. Internamente, esse processo cultural moveleira e têxtil. Hoje, a região conta com 4.768
questiona os velhos modos de produção da política e indústrias, mais vinte mil estabelecimentos comerciais
da administração das cidades, abrindo perspectiva de e prestadores de serviços, sendo 46% dos empregos
mudança da cultura política. Uma narrativa dos novos ainda oferecidos nas grandes indústrias de
fluxos da organização da polis microrregional mostra os transformação. Da força de trabalho de cerca de um
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milhão e duzentas mil pessoas, 2 22% encontram-se


a alienação e o silêncio da contigüidade periférica.
desempregadas. Acresce-se o fato de que 56% da área Esse esforço engendrou atos de conhecimento que
total de 742 km são protegidos como reserva ambiental interpenetraram dois sistemas de comunicação
da Mata Atläntica e sofrem especulação imobiliária e historicamente acumulados, o imigrante e o migrante,
invasões dos que reclamam moradia. A renda per capita produzindo a metáfora dos consensos coletivos em
regional é de 12 mil dólares anuais, enquanto a do Brasil torno da cidadania. A memória cultural imigrante,
é de 5 mil. O país tem a taxa de 19% de analfabetos e educada para a associatividade e para a coesão cultural
a região do Grande ABC alcança 10%. 40 milhões dos – que precisa superar o trauma da quase-forçada
160 milhões de brasileiros vivem na miséria, mas na emigração européia para o Novo Mundo – encontra-
região a taxa dos mais empobrecidos, que habitam se com a memória de grupos sociais nordestinos
cortiços e favelas, é de 11%. No entanto, o rendimento cansados da migração de seus ancestrais e exigente do
médio dos trabalhadores caiu 40% nos últimos oito enraizamento social e familiar. O fato é que a perigosa
anos e na região metropolitana de São Paulo a economia contigüidade de uma extensa mão-de-obra habitando
informal já atinge 55% das pessoas ocupadas com o periferias faz-se alta comunicabilidade pela experiência
processo produtivo. Pela ótica de sua história cultural, da memória histórica tecida em torno do valor maior
a região cruzou três ciclos e se encontra, hoje, no quarto do trabalho e do enraizamento que finaliza o processo
período histórico-cultural. O primeiro ciclo foi o das migratório. O que se observa é que a comunicação
passagens, pois foi caminho das mercadorias e produtos social, historicamente acumulada, torna-se
naturais para o primeiro ciclo importador-exportador epistemologia, sucessão de atos de conhecimento
do século XIX. Nesse período se materializa a ampliadores da educatividade social para a participação
importância estratégica da região, que começa a atrair na vida da polis. Sader lembrou-nos que os projetos e
imigrantes. O segundo ciclo pode ser denominado de práticas dessas populações organizadas da periferia
construção da identidade industrial, associada à autonomia sinalizam a vitória sobre a desintegração física e
política, concluída nos anos 50 deste século. Consolida- 2
simbólica, a conquista de direitos em meio à tensão
se nesse ciclo a simbolização do espaço inquieto, crítica, a intercomunicação de segmentos a produzir a
reivindicador, berço de movimentos sociais e políticos, condição de pessoa dentro da associatividade de
que ajudarão sobremaneira a garantir a trabalhadores e o aproveitamento da riqueza das cidades
redemocratização do Brasil nos anos 70 e 80, na saída para efetuar uma melhor distribuição de renda. Um
da ditadura militar. O terceiro ciclo foi o do conflito agudo projeto de humanidade, no qual diminuem as distâncias
entre capital e trabalho, concluído no início dos anos 90, entre o saber e o fazer. Assim, essas culturas
que ajudou o Brasil a construir sentidos para a organizadas em torno do trabalho apresentam, desde
cidadania e a participação social e acumulou valores o início do século, provas e exemplos de organização
para a criação dos novos consensos da sociedade regional social, criação partidária, associatividade de moradores
inserida no quarto ciclo, em processo acelerado de e bairros para a exigência de infra-estrutura de serviços
globalização, com suas conhecidas conseqüências para públicos, cooperativas de trabalho e crédito,
o terceiro mundo. reivindicações sindicais. A despeito de nichos de
O estudo etnográfico, a leitura dos documentos precariedade e de contradições, sempre denunciadas,
históricos e o o trabalho de ouvir descendentes dos o fato é que os indicadores de qualidade de vida da
antigos trabalhadores, representantes populares, líderes região do Grande ABC são amplamente superiores à
sindicais e patrões da indústria revelam lições média nacional. Três das nossas sete cidades
significativas para a história social de aglomerações encontram-se entre as cinqüenta com melhor qualidade
auxiliares às metrópoles. A melhor imagem para o de vida do Brasil, no universo de 5.500 municípios.
processo histórico-cultural dessa microrregião é a figura Prova-se, pois, que esse lugar já globalizante há várias
metonímica da contigüidade, pela qual a forte tensão social
produzida pela parte globalizadora do Brasil – desde o 2 SADER,
início do século – exigiu das formações étnico- Eder. Quando novos personagens entraram em
históricas concentradas nesse espaço de passagem e em cena. Experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São
meio à falta de raízes um alto esforço capaz de superar Paulo, 1970-1980. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988.
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décadas, embora de modo de produção fordista e hoje refaz-se nos últimos nove anos. Não somente para
quase obsoleto, de fato foi construtor de um modelo adaptar a sociedade regional ao imperativo das novas
que posso denominar “culturas do trabalho”, capaz de redes urbanas globalizadas, mas para analisar e
combinar a simbolização histórico-cultural com a interpretar seus processos de desenvolvimento, atitude
diversidade étnica, a favor da melhor qualidade de epistemológica, e para fortalecer suas instituições locais
vida, que a região tem ostentado nos últimos trinta e regionais, educando-se e produzindo estratégias
anos. Tais valores acumulam sentidos e forças para o culturais como política de inserção crítica nas redes.
novo momento histórico. Questionar os modos e lugares da concentração dos
capitais, destacar a tendência humanista de apontar para
3. GLOBALIZAR TAMBÉM A pessoas concretas, inseguras em processo de mudança
INTELIGÊNCIA REGIONAL cultural e não somente nós de uma cadeia produtiva
virtual. Produzir comunicação, no contexto dessa
memória cultural, vai muito além de submeter-se a novos
Uma região como o Grande ABC jamais poderia processos de informação; ao contrário, exige o
ter negado os avanços da globalização de processos de entendimento coletivo da infor mação e sua
produção e difusão e da internacionalização dos capitais, interpretação, como contribuintes, cidadãos e
pois os conhece e vive desde décadas. Não somente vê consumidores. Como seres culturais. Mais que nunca,
acontecer dentro de si as novas estratégias de mercado, fazer ver as crescentes exclusões dos mais periféricos e
a flexibilização dos modos do trabalho, as mutações exigir políticas públicas adequadas de parte das diversas
dos modos de produção, circulação e consumo de bens instâncias dos governos. Essa região, que conviveu com
e valores. Sofre o drama das exclusões sociais crescentes os sentidos de periferia e os superou, tem dificuldade
e do empobrecimento, tanto pela submissão dos de aceitar novas e mais cruéis formas de periferização
governos ao esquema monetarista quanto pela econômica, política e cultural.
diminuição das políticas públicas e pela precarização
do trabalho. Sofre também a perda do emprego Para alcançar esses objetivos e aprofundar esses
industrial: em agosto de 1990 era de 51% da força de temas, a sociedade civil da região e as administrações
públicas das sete cidades têm criado novas instituições,
trabalho regional e, em 1999, de 30%. Cresce o novos objetivos e métodos de articulação social e nova
emprego nos serviços e no comércio, mas com salários agenda política. Com base em experiências européias e
inferiores e precariedade na forma de contratação. Em americanas, debatidas em seminários internacionais
agosto de 1990 tínhamos desemprego de 9,9%. Em realizados no Brasil e no exterior, criaram-se nos últimos
outubro de 1999, o desemprego chegava a 22% de nove anos três instituições produtoras, veiculadoras e
trabalhadores disponíveis. negociadoras de informação e serviço: o Consórcio
A memória cultural criada em torno do trabalho Regional de Prefeitos, a Câmara Regional e a Agência
incumbiu-se de questionar o modo da globalização nesse de Desenvolvimento. O Consórcio, formado pelos sete
lugar altamente industrializado, principalmente o seu prefeitos e assessores especializados nas políticas
caráter não-inclusivo, a descontinuidade das políticas, a regionais prioritárias, é o lugar onde se geram os estudos
fragmentação do conhecimento, a alta integração de iniciais em torno de programas e políticas. Formado
partes privilegiadas e o abandono de amplos setores e em 1991, tem se preocupado especialmente com o
seus contingentes humanos. Às novas marcas da desenvolvimento sustentado, a destinação final dos
urbanidade em processo de globalização: alta tecnologia, resíduos, a revitalização das cadeias produtivas, a criação
sofisticação das finanças e ampliação dos serviços, essa de estrutura para o turismo de negócios e ecológico e a
história cultural aduziu a exigência de repensar priorização das crianças e adolescentes em situação de
identificações sociais, uso tecnológico para novos risco, bem como o combate ao analfabetismo. A
projetos educativos e revitalização do habitat urbano, Câmara Regional, composta pelos prefeitos, assessores,
ampliação da capacidade associativa para o encontro deputados, funcionários do governo de São Paulo e
de soluções baseadas em consensos coletivos. Isto é, o representantes da sociedade civil, iniciou suas atividades
que sempre foi tendência historicamente atualizada, em 1997 e buscou organizar as prioridades, ampliar
estudos por meio de dez grupos de trabalho, aprovar
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consensualmente 31 exigências básicas da região e estratégias de desenvolvimento baseados na agenda


negociar com o governo do Estado acordos e processos 21; a falta de sintonia entre os poderes públicos e as
de implantação das políticas negociadas. Os principais instituições de ensino superior, ainda voltadas para o
acordos já assinados e em processo de implantação, modo de produção do conhecimento anterior ao
acompanhados pelos representantes da sociedade, processo de globalização.
priorizam a implementação de um pólo tecnológico na
Conhecida a agenda, vários estímulos vindos do
região, o aumento da competitividade das cadeias
Vale do Ruhr, de Detroit, da Grande Leipzig, de Roterdã,
produtivas, a criação de novos sistemas de drenagem
da periferia de Milão, mais os projetos de inclusão
e efluentes industriais, a implantação de um hospital
social latino-americanos, animaram as pessoas e
regional, o aumento da oferta de habitação popular, a
instituições a fortalecer a tendência já iniciada nos anos
qualificação da mão-de-obra, a revitalização de
50 de criar nesse espaço regional movimentos
processos industriais, por exemplo a indústria de móveis,
associativos, reivindicatórios e políticos capazes de
a melhoria do transporte coletivo e o fortalecimento
garantir o equilíbrio social e a relativamente melhor
do movimento em favor de crianças e adolescentes
qualidade de vida. Um intenso processo
empobrecidos. De seu lado, a Agência de
comunicacional e uma nova rede política levou à
Desenvolvimento é produto das instituições anteriores
criação das novas instituições organizadas em torno
e um misto de banco de dados e instrumento de
de consensos progressivos. Um grande jornal regional,
marketing regional. Concentra informações sócio-
o Diário do Grande ABC, abraçou plenamente o projeto
econômicas, produz pesquisas, apóia e fomenta o
e foi veiculador cotidiano de todas as ações, críticas e
desenvolvimento de empresas, com vistas ao
propostas. Duas instituições ainda não se envolveram
desenvolvimento sustentado. Constitui-se como uma
plenamente: as universidades e as câmaras de
ONG, enquanto a Câmara Regional é um instrumento
vereadores. As primeiras somente agora começam a
político de parceria entre poderes e o Consórcio um
pensar a nova dinâmica regional e a sua necessidade
núcleo oficial de geração de projetos e necessidades.
de insumos científicos para o fortalecimento dos
No entanto, foi de fundamental importância para a
projetos negociados e as câmaras, com exceções, ainda
criação da Câmara e a Agência a formação do Fórum
respondem a um modo tradicional, mesmo arcaico, de
da Cidadania, órgão exclusivo da sociedade civil criado
fazer política. Por isso mesmo, a Agência de
em 1994 por algumas dezenas de associações, escolas,
Desenvolvimento busca alternativas para a
sindicatos e clubes de serviço. Teve ele a função de
implantação regional de pólos tecnológicos (como se
ombudsman de todo o processo, estimulando, criticando
dá na região italiana da Emilia Romagna), enquanto o
e analisando as ações do Consórcio, da Câmara e da
Fórum da Cidadania cria novos modos de representação
Agência. O Fórum da Cidadania tem representantes em
popular e institucional, não como substituição de um
todas as demais instituições. Efetivamente, esse novo
poder ou de uma função social, mas como estímulo
mecanismo de ação da sociedade organizada criou-se
para o seu crescimento. O que se deve destacar desse
pela consciência das profundas transformações dessa
processo de interlocução, de criação de comunicação e
sociedade periférica antigamente industrial. A partir de
de novos mediadores sociais é que o estigma da exclusão,
1990 ficou evidente que um novo modo de
conhecido nos processos imigratórios e migratórios,
representação social teria de contar com problemas
combatido nos movimentos de urbanização de favelas
ampliados pelo processo de globalização e
e amplamente veiculado pelos fortes sindicatos
internacionalização de capitais. São eles: a evasão de
regionais, foi reconhecido em toda a sua amplitude no
indústrias e sua implantação em outros centros do país
final dos anos 80. Tratou-se, pois, de dar respostas
e do exterior; os desafios do velho analfabetismo,
intensamente dialogadas como combate e superação
ampliado pelo analfabetismo diante das novas
daquele estigma. A despeito da difícil situação do
tecnologias; as novas atribuições do município para com
trabalho e da empregabilidade, dos riscos de perda das
a saúde e a educação; o crescimento acelerado do
identidades urbanas das sete cidades em mudança, dos
desemprego e a dificuldade de requalificação
lentos progressos da educação da juventude e sua
profissional; a ruptura das cadeias produtivas; a profissionalização e das crises dos antigos “clusters”
crescente degradação ecológica e a falta de planos e regionais, os acordos atingidos já saem do papel, a

N. 2 - 1. semestre de 2000 11
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

sociedade organizada está vigilante, novos construção de nova cultura política. Esperamos que
instrumentos para apoio ao trabalho e à renda familiar as relações entre cidades signifiquem amplamente
já foram implementados (exemplo: os denominados encontros de cultura e não somente encontros de
Bancos do Povo), algumas cidades descobrem sua mercado.
vocação turística, outras reorganizam seus espaços por
É claro que algumas experiências européias foram
meio de eixos de urbanização de vocação múltipla,
induzidas por uma estruturação legal, como nos
mostrou a pesquisa de Putnam na Itália moderna. No
Brasil, os projetos regionais precisam modelizar-se,
aceleramse projetos de renda mínima das famílias
alçar-se à condição de excelência por si mesmos,
associados à freqüência escolar das crianças. Alteram-
se estruturas de atendimento ao público nas prefeituras produzindo-se pela consciência de que o dilema pode
e os conselhos de vigilância sobre o meio ambiente não ser maior do que as forças coletivas. Deve dar-se
funcionam com eficiência. Acima de tudo, amplia-se a um amplo processo de comunicação capaz de educar
consciência crítica da população, o que fica provado as comunidades cívicas e remetê-las às práticas.
pelo debate público de idéias, pela interlocução através A região trabalha, hoje, no desenvolvimento de
da mídia regional, pela crítica às velhas práticas um plano estratégico, por meio de grupos ampliados
políticas. de participantes. Buscam-se novos consensos na
constituição de políticas públicas que formulem
CONCLUSÃO alternativas concretas para estas prioridades: educação
e tecnologia, sustentabilidade dos mananciais, infra-
Estamos diante de uma forma de regionalização estrutura, diversificação e fortalecimento das cadeias
nascida a partir da consciência local e regional, sem produtivas, qualidade ambiental, identidade regional e
uma estrutura oficial do Estado brasileiro. No entanto, suas estruturas institucionais. A grande questão, hoje, é
cremos que não cabe ao Estado ser o autor da garantir a futura governabilidade das propostas coletivas
descentralização microrregional, pois tal experiência, já e ter a certeza de que elas podem propiciar a reversão
conhecida em nossa história política e administrativa, do quadro de precariedade regional revelado no final
resultou em clientelismo, divisão de poderes entre as dos anos 80.
elites e ampliação de privilégios em poucas mãos. Nosso Não se pode ignorar que tal processo encontra-
feudalismo agrário projeta-se simbolicamente na se no meio do caminho, às vezes no purgatório político.
consciência política das elites que hegemonizam Depende das respostas governamentais às reformas
continuamente o poder. Sabemos, porém, que na tributária e política, ora em discussão nacional. Depende
ampliação das relações interregionais e das regiões com do comportamento do governo perante as dívidas
experiências internacionais, poder-se-á criar não um externa e interna, a primeira causadora da dependência
modelo, mas modos ainda não conhecidos de internacional e a segunda, secular, evidencia o Brasil
experiência de governos da polis, e estes modos novos, como um dos países mais injustos do mundo em
resultados da memória atualizada em consciência de distribuição de renda e atendimento a crianças e
novas representações sociais, poderão sugerir novas adolescentes. Depende, também, de alternativas às
relações entre cidades metropolitanas, quer dívidas dos municípios junto ao tesouro nacional. Por
3
internamente ao Brasil, quer no contexto do Mercosul isso, alguns projetos avançam lentamente; por exemplo
e talvez mais amplamente. Hoje são fortes as relações o de requalificação profissional, que pretendia capacitar
do Grande ABC com a Emilia Romagna, Itália, e com duzentos mil trabalhadores no domínio de novas
regiões da Holanda e da Alemanha. Temos bastante a tecnologias até o ano 2000, mas não chegará à metade,
aprender e talvez algo a oferecer, notadamente na por falta de recursos. No entanto, a região prefere
afirmar a negar. Propor no lugar de somente conjecturar.
Organizar-se politicamente em vez de exorcizar as
3 transformações internacionais. Ela aprendeu isso em
PUTNAM, Robert. Comunidade e Democracia. A
seu processo histórico de comunicação, em seu
experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: Fundação movimento de identificação de vocações para a
Getúlio Vargas, 1996. mudança. Deste modo, afirma-se o fim da condição de
12 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

periferia e se constitui parte do coração metropolitano, desafios. São Paulo: Makron Books, 1997.
anunciando claramente a necessidade de consolidar MORAES, Dênis de (org.). Globalização, mídia e cultura
culturas democráticas regionalizadas, capazes de contemporânea. Rio de Janeiro: Letra Livre, 1997
visibilizar-se nacional e internacionalmente; capazes
MORIN, Edgar. As grandes questões do nosso tempo. 4. ed.
também de mudar a nossa cultura política, ainda muito
Lisboa: Editorial Notícias, 1994.
distante da experiência que se gesta em alguns desses
espaços regionais. PRADO JR., Caio. A revolução brasileira. 5.ed. São Paulo:
Civilização Brasileira, 1977.
ORTIZ, Renato. Um outro território. Ensaios sobre a
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entre outras publicações, Culturas do Trabalho –
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MONTENEGRO, Eraldo de Freiras e BARROS, Jorge Alpharrabio Edições, 1999).
Pedro Dalledonne. Gestão estratégica. A arte de vencer
N. 2 - 1. semestre de 2000 13
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

MEGACIDADES: UMA PROPOSTA PARA O


1
EIXO TAMANDUATEHY

Prof. ANGÉLICA BENATTI ALVIM/Prof. ENIO MORO JUNIOR/


Prof. MARIO FIGUEROA*

RESUMO: A região metropolitana da Grande São da UniABC – Universidade do Grande ABC – pesquisou
Paulo atravessa um de seus momentos mais importantes. uma recente problemática da metrópole
Em função de um intenso processo de reconversão contemporânea: a súbita transformação de seus
econômica, sua principal base produtiva, o setor espaços, não se configurando como ambiente urbano
industrial, transforma-se em um importante pólo de de qualidade, mas vazios urbanos gerados pela evasão
comércio e serviços. Esta situação gera novas industrial ao longo do antigo sistema de transporte
necessidades de espaços na cidade, solicitando soluções ferroviário.
urbanas que possibilitem sua implantação e
Nestas áreas, a paisagem metropolitana altera-
desenvolvimento. A análise, a discussão e as propostas
se radicalmente. A fase atual de urbanização
de intervenção para o Eixo Tamanduatehi são objetivos
transforma-se em uma contra-urbanização, na qual
deste artigo.
inúmeros vazios são substituídos por grandes estruturas
terciárias isoladas.
ABSTRACTS: The Greater São Paulo metropolitain 2
A área de estudo escolhida envolve um trecho
region is the main industrial complex in Brazil, and its linear da metrópole (14 km de extensão – cerca de 10,5
economy is diversifying with new enterprises in the areas milhões m ), limitada, por um lado, pelo binômio Rio
of commerce, services, tourism and enterteinament. Tamanduateí/Avenida dos Estados e, por outro, pela
The region needs of new urban spaces and this article antiga Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, entre as Estações
intends discussing about the possibilities for programs Moóca e Santo André. Sua área de influência
and projects to Eixo Tamanduatehi, a new development compreende parte do município-sede e da sub-região
region in this special area. sudeste da Região Metropolitana de São Paulo: São Paulo
(distritos Moóca, Ipiranga e Vila Prudente); São Caetano
do Sul e Santo André, abrangendo um total de 1,23
PALAVRAS-CHAVE: urbanização; região metro- milhões de habitantes.
politana; Região do ABC.
A proposta é não encará-la como fragmentos
urbanos de vários municípios autônomos, mas como
KEY WORDS: urbanization; metropolitain region; um espaço a ser tratado integradamente, com caracte-
ABC Region. rísticas próprias, parte do espaço metropolitano.

1. INTRODUÇÃO
1 Equipe Megacidades:
No evento “São Paulo MEGACIDADES
2000”, exposto na 4 ª Bienal Internacional de Coordenação do projeto: Professores Angélica Benatti
Arquitetura, realizada em São Paulo de novembro de Alvim, Carlos Leite de Souza e Mario Figueroa; alunos:
1999 a janeiro de 2000, e no Seminário “Megacities José Gilberto Pires, Norberto Martins, Vitório
2000”, realizado em Hong Kong, China, em fevereiro Ultremari, Leonardo Garcia e Leonard Grava;
de 2000, a equipe do curso de Arquitetura e Urbanismo colaboração: Jaime Vega e Luciana Brasil.

14 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

2. “DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL” serviços o aumento verificado foi de 40,7% a 50,2% e,


DA METRÓPOLE no comércio, de 14,1% a 16,9%.
No Brasil, o Estado de São Paulo mantém há Como causas internas da desconcentração
décadas privilegiada posição econômica e demográfica industrial ocorrida na RMSP podem ser apontados: a
em relação aos demais estados do país. Segundos dados ausência de terrenos baratos, restrições legais, elevado
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em custo salarial e a pressão dos sindicatos. As externas
1996 São Paulo concentrava cerca de 38% do Produto estão relacionadas à mundialização da economia, à
Interno Bruto (PIB) do país e 22% da população bra- expansão do mercado nacional, à melhoria de infra-
sileira. estrutura em outras regiões, além das vantagens fiscais
oferecidas por outros estados e municípios.
A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP),
considerada a maior metrópole nacional, é composta Existe uma grande interrelação entre o nível de
por 39 municípios que juntos abrigam 16,6 milhões de atividades industriais e o crescimento do terciário
habitantes, cerca de 48,6% da população estadual e metropolitano. O setor terciário, desde os anos 70, vem
10,5% população nacional. Seus municípios estão sendo estruturado em forte articulação com as demandas
distribuídos em sete sub-regiões com níveis de desenvol- geradas pelo secundário: demanda intensiva por serviços
vimento e vocações distintas: norte, leste, oeste, sudoeste, especializados de produção, ligada à expansão e
nordeste, sudeste e centro. diversificação industrial; demanda de serviços pessoais
ligada à expansão das ocupações de alta qualificação e
É “ainda” líder econômica dentro de um Estado renda; centralização de serviços especializados com alto
considerado o mais desenvolvido no país. Entretanto, grau de sofisticação; exigência de desenvolvimento de
vem perdendo ano a ano sua posição para o interior do novos segmentos de apoio, a partir dos ajustes
Estado e outras regiões do país que crescem promovidos pela indústria nos anos 80, quando a
rapidamente, atraindo diversos empreendedores, além terciarização de vários serviços torna-se fundamental
de uma significativa parcela da população que está à (EMPLASA, 1994).
procura de “cidades sustentáveis”.
O setor terciário torna-se então o principal res-
“A metrópole paulista, que na década de 70 ponsável pela geração de novos empregos, mudando a
atraiu cerca de 2 milhões de pessoas de diversos locais tendência dos anos 70, fase em que o setor secundário
do Brasil, vem vivenciando, desde os anos 80, uma exercia esse papel. Ou seja, a desconcentração industrial
inversão da tendência histórica de concentração da metrópole passa a ser entendida em função de uma
populacional, onde sua taxa de crescimento populacional tendência de desaparecimento da indústria como unida-
reduziu-se de 4,46% no período 70/80 para 1,76% ao de principal de produção substituída pelo setor terciário.
ano no período 80/91 (...)” (ALVIM, 1996). Esse, por sua vez, está ligado principalmente às novas
A redução do ritmo de crescimento demográfico tendências mundiais de informatização das empresas e
na RMSP é acompanhada por importantes mudanças terciarização das relações de trabalho, além do aumento
no mercado de trabalho. Desde o final dos anos 70, a de mão-de-obra alocada na economia informal.
metrópole vem enfrentando os efeitos perversos da
globalização que atuam principalmente na sua
3. A ATUAL SITUAÇÃO DA
reestruturação produtiva, implicando na
ÁREA DE ESTUDO
desconcentração industrial, aliada ao crescimento do
setor terciário. Inicialmente, a industrialização da Grande São
Os dados da Fundação Seade (1999) Paulo estava diretamente associada à linha férrea. A
demonstram que no período 1986/1996 houve redução ferrovia consistia até a década de 40 no melhor meio
da participação da RMSP no Valor Adicionado na para o transporte de carga. O transporte de cargas dos
indústria estadual de 59,6% em 1986 para 51,96% em estabelecimentos industriais se fazia pelos desvios
1996, sendo a percentagem de pessoal, ocupado no setor ferroviários que muitas empresas construíam.
secundário da metrópole paulistana reduzida de 32,8% A suburbanização residencial das faixas
a 21,1%, no mesmo período, enquanto no setor de ferroviárias na metrópole paulista se relaciona com a

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industrialização da orla ferroviária e a localização das Na nossa área de estudo, apesar do predomínio
estações. Tanto o processo de suburbanização da atividade industrial (90% de indústrias contra 10%
residencial como o de suburbanização industrial eram de residências e atividades terciárias) inúmeros
norteados pela linha ferroviária. Nas principais zonas estabelecimentos estão sendo desativados e transferidos
industriais da Grande São Paulo, as fábricas antecederam para outras localizações que oferecem melhores
as residências, constituindo uma reserva potencial de vantagens fiscais, terra e mão-de-obra mais barata, além
mão-de-obra de imediata utilização. de não sofrerem a pressão dos sindicatos. Outras
A primeira ferrovia a cortar o planalto paulistano empresas estão simplesmente reduzindo sua capacidade
foi a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. O chamado produtiva e seu pessoal como forma de superar a crise e
“trinômio ferrovia/terreno grande e plano/curso ou entrar no mundo da automação, gerando inúmeros
d’água” caracterizou a implantação de várias indústrias espaços ociosos em suas unidades.
importantes na faixa entre a Moóca e Santo André: De acordo com levantamento de campo
Rhodia, Antarctica, Pirelli, Moinho São Jorge, etc. “Era realizado pela equipe Megacidades da UniABC, do total
conveniente implantar estabelecimentos industriais junto de 136 empresas existentes no trecho, cerca de 51% estão
à ferrovia que unia Santos a São Paulo, além dos em pleno funcionamento, 5% em funcionamento parcial
benefícios que os rios Tamanduateí e dos Meninos e 44% desativadas, sendo a maioria das indústrias desa-
ofereciam, de transporte a curta distância e água.” tivadas de grande e médio porte.
(LANGENBUCH, 1971). É interessante notar que as indústrias localizadas
Nos anos 40, a rodovia entra em cena e atrai dentro do limite do município de São Paulo encontram-
inúmeros estabelecimentos industriais ao longo de seu se com nível superior de atividades quando comparadas
percurso. A inauguração da Via Anchieta em 1947 foi Às empresas situadas nos municípios do ABC.
fundamental para mudar o eixo de industrialização dos Provavelmente, esse fato deve-se à diversificação de
municípios do ABC, que antes concentrava-se ao longo atividades existentes neste trecho, diferente das atividades
do rio Tamanduateí e linha férrea, entre os municípios das empresas do ABC, ligadas em geral ao setor
de São Caetano e Santo André, passando a localizar-se automobilístico.
em São Bernardo. No domínio da auto-estrada houve Outra tendência que se observa ao longo da
um verdadeira pulverização de empresas, ao passo que área é o processo de substituição das unidades industriais
no domínio ferroviário a polarização verificava-se em por grandes estr uturas comerciais tais como
torno das estações. hiper mercados, concessionárias de automóveis,
A partir dos anos 50, a indústria automobilística shopping-centers, etc., o que está longe de configurar-
ganha vulto e tanto as áreas situadas ao longo da ferrovia se em um novo padrão urbano consolidado.
como ao longo da rodovia, no sentido São Paulo-Santos, Decorrente dessas rápidas transformações, a pai-
recebem instalações produtivas do setor ou ligadas a este. sagem deste trecho da metrópole alterou-se radicalmente.
A sub-região Sudeste, onde se localiza grande Observa-se a presença de muitos vazios urbanos e em
parte de nossa área de estudo, sempre foi considerada a alguns casos a substituição destas unidades por grandes
segunda maior concentração econômica da RMSP estruturas terciárias isoladas do entorno urbano.
(depois do município-sede), distinguindo-se por conter Aliados às transformações produtivas e espaciais
um amplo mercado de trabalho especializado, com a ocorridas destacam-se, também, sérios problemas
coexistência de dois ramos industriais predominantes: urbanos decorrentes da falta de infra-estrutura relativa a
automobilístico e químico, além de elevada renda per transporte, saneamento básico, habitação, segurança,
capita de seus habitantes. Entretanto, recentemente, saúde, educação, áreas livres, entre outros, os quais
“sob efeitos da saturação da Região Metropolitana de refletem diretamente no declínio da qualidade de vida
São Paulo, do explícito incentivo dos governos estaduais do habitante metropolitano.
à interiorização do desenvolvimento e dos constantes
entreversos sindicais” (LIMA & MARCOCCIA, 1997), Outro dado relevante é a limitação da
observa-se um esvaziamento industrial aliado a vazios acessibilidade na área de estudo se considerarmos os
urbanos, áreas deterioradas e conseqüente desemprego. padrões de locomoção: menor tempo, menor custo,

16 N. 2 - 1. semestre de 2000
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maior segurança, maior conforto e maior número de está prevista a sua modernização e transformação em
viagens no modo individual. Na sub-região sudeste, metrô de superfície, fato que, se concretizado,
segundo a Pesquisa Origem-Destino da Companhia do solucionaria, em parte, vários problemas da área.
Metrô – OD/97 – o aumento da taxa de motorização
da população registrada foi a mais alta da RMSP: de 142
automóveis a cada mil habitantes em 1987, para 197 em 4. TENDÊNCIAS E VOCAÇÕES
1997. Isso significa que a população opta cada vez mais
pelo uso do automóvel em função da baixa e precária A área de estudo escolhida reflete de modo
oferta de transporte coletivo. bastante claro tendências da metrópole paulista. Por um
lado, observa-se a desconcentração industrial em pleno
Atualmente, o transporte ferroviário de andamento, conseqüência de diversos fatores internos
passageiros é operado pela Companhia Paulista de Trens e externos à metrópole: preço da terra, acessibilidade
Metropolitanos (CPTM). O número de viagens no reduzida, plantas compactas, aliados a informatização
sistema ferroviário metropolitano vem diminuindo ano e terciarização de serviços, custo da mão-de-obra e
a ano. Em 1987 esse modo de transporte representava pressão dos sindicatos, fortemente organizados nas áreas
4,38% do total de viagens motorizadas da metrópole, urbanas de maior porte. Por outro lado, grandes vazios
contra 7,68% de metrô, 42,83% de ônibus e 42,50% de urbanos, resultantes da própria transformação produtiva
autos; em 1997 o trem reduziu sua pequena participação da metrópole, são apropriados, em alguns casos, por
para 3,15%, contra 8,23% de metrô, 38,44% de ônibus ocupações irregulares ou aleatoriamente pelo setor
e 47,24% de autos (Fonte: OD/97) terciário. Outros ficam simplesmente abandonados,
Apesar da falta de dados específicos sobre a deteriorando ainda mais a paisagem metropolitana.
operação do sistema ferroviário no trecho estudado, a Aliadas a essas constatações, observam-se
pesquisa confirmou que o serviço ofertado está aquém vocações da área que são consideradas no decorrer do
do desejado: acessibilidade precária às estações, pouca trabalho: importante e estratégica localização – entre o
integração entre outros modos de transporte, falta de centro da metrópole e o caminho para a metrópole
segurança, conforto, confiabilidade no horário etc. Santista (área portuária); fácil acessibilidade a ser
O sistema viário da sub-região sudeste apresenta melhorada pela implantação da rede de transporte
várias deficiências, principalmente a incapacidade de coletivo integrada; a presença do Rio Tamanduateí, que
absorver o tráfego de autos e cargas que disputam o hoje representa problemas e no futuro, se recuperado,
mesmo espaço. As duas portas de entrada dos um elemento de renovação; grandes terrenos
municípios do conhecido ABC paulista (onde se insere disponíveis, que facilitam a implantação de novas
parte da área de estudo), a Av. dos Estados e a via Anchie- edificações com usos diversos, integradas a espaços
ta, desafiam a paciência dos motoristas que trafegam ali públicos; população lindeira carente e emergente de uma
diariamente. Na área de estudo, a Av. dos Estados “é nova centralidade urbana, além da proximidade a centros
uma sucessão de pistas mal conservadas que se estreitam urbanos equipados e com nível de renda per capita
à medida que se alarga o leito do rio Tamanduateí. Suas elevado (São Caetano, Santo André).
enchentes em época de chuvas provocam inúmeros Essas e outras tendências nos levam a pensar na
prejuízos e em épocas de seca, ela vive em obras” (LIMA urgência de requalificação desse espaço. As disfunções
& MARCOCCIA, 1997). urbanas, contidas atualmente nessa área, não são únicas
O Plano Integrado de Transportes Urbanos e nem exclusivas da metrópole paulista; por isso, devem
(PITU 2020), elaborado pelo Governo do Estado, prevê ser tratadas tanto em sua essência como parte de uma
a ampliação de infra-estrutura de transportes da RMSP, metrópole mundial: São Paulo.
com propostas de redes de alta, média e baixa capacidade
integrando os modos de transportes: sistemas sobre
5. A PROPOSTA
trilhos e sobre pneus. Conforme a proposta, a rede futura
de transportes metropolitanos prevista terá, no ano 2020,
cerca de 446 Km de extensão, contra 79 Km existentes O objetivo principal da inter venção é a
atualmente. Para a linha sudeste de trem metropolitano constituição de um novo eixo metropolitano que refaça a
N. 2 - 1. semestre de 2000 17
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cidade a partir de suas infra-estruturas e anule seus resíduos meio de transporte para cargas intra-urbanas e parte
urbanos, reconstruindo uma nova centralidade do lixo urbano é outra possibilidade a ser explorada
multifuncional, integrante de uma metrópole mais justa e e que contribuiria para a redução da circulação de
sustentável. cargas na área de estudo.
A equipe propõe uma Estratégia de – Implantação da via perimetral metropolitana: traçado
intra-urbano. Propõe-se a adoção do traçado intra-
Ocupação, a qual deve orientar um projeto urbano
para a área de estudo. Dois conjuntos de diretrizes foram urbano do anel viário metropolitano, conforme
definidos: Diretrizes Estruturais, ou seja, orientações proposta preliminar apresentada pelo arquiteto
espanhol Eduardo Leira no seu projeto para o “Eixo
de caráter metropolitano, as quais são fundamentais para
a requalificação não somente deste trecho, mas de outras Tamanduathey” (Prefeitura de Santo André). Trata-
áreas com tais características na metrópole. Diretrizes se de uma revisão crítica do Rodoanel, propondo-se
que este passe internamente à mancha urbana
Articuladoras, de caráter interno, são orientações
importantes para a real reinserção desta área em seu consolidada – na sua borda periférica –, atuando
entorno. assim como nova possibilidade de conexão.

As propostas ligadas a estas diretrizes são 5.2. Diretrizes Articuladoras


discriminadas a seguir:
• Melhoria da acessibilidade interna
5.1. Diretrizes Estruturais
Ações:
• Aprimoramento da infra-estrutura existente – Alterações de circulação no sistema viário principal
– implantação de um novo binômio Avenida dos
Ações: Estados/ferrovia – Avenida dos Estados/rio.
Deslocamento de uma pista da Av. dos Estados para
– Recuperação e modernização do sistema ferroviário junto do eixo da ferrovia, de forma a amenizar o
(metrô de superfície) e integração com demais problema de sua transposição. Desta forma a área
sistemas de transportes metropolitanos conferindo fica limitada por dois binômios de melhor absorção
à região a acessibilidade necessária para a sua junto à estruturação urbana lindeira: de um lado o
dinamização; binômio rio-avenida (apenas uma pista) e de outro, o
– Implantação de novas estações a cada 800m em média binômio ferrovia-avenida (apenas uma pista), agora
de modo a facilitar o acesso de pedestres à área. inseridos junto a um eixo verde (parque linear).
Associação das estações a novos equipamentos – Continuidade do tecido urbano – hierarquização de
urbanos (comércioserviços/instituições) que vias internas coletoras e de distribuição. Estabelecer
funcionarão como elementos catalisadores de a continuidade do tecido urbano do entorno através
transformações do espaço urbano. da extensão ou correção do sistema viário coletor e
– Recuperação do Rio Tamanduateí/utilização como de distribuição; desenho de novas morfologias
meio de transporte de curta distância (cargas e lixo). internas à área. A idéia é proporcionar a apropriação
Recuperar o Rio Tamanduateí e outros rios da área pelo pedestre e integrá-la ao entorno.
metropolitanos é condição básica para a
sustentabilidade da metrópole. Além de serem nossos – Estímulo às novas transposições das barreiras físicas
mananciais, contribuem, em muito, para a qualificação (veículos, pedestres, áreas edificadas). Passarelas,
do ar e da paisagem urbana, como elemento viadutos, edifícios-ponte programáticos e as novas
contemplativo e atenuante dos conflitos urbanos. O estações poderão ser distribuídos ao longo de todo
alargamento de seu leito e recuperação de seu o eixo, em pontos estratégicos, gerando um conjunto
percurso original, em trechos possíveis, poderá de novas possibilidades de transposição transversal
amenizar suas enchentes e conferir ao entorno uma da área, atualmente separadas pelas barreiras físicas
paisagem mais qualificada. A sua utilização como – rio e ferrovia.
18 N. 2 - 1. semestre de 2000
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• Recuperação ambiental entre empresas e poder público, visando à redução


de seus custos internos e à possibilidade de
usufruírem de vantagens coletivas: implantação de
Ações:
novos usos ligados à terciarização dos serviços sociais
– Implantação de um eixo verde linear ao longo do internos às empresas e de serviços de apoio às
vale do rio de forma a recuperar a permeabilidade empresas e de equipamentos urbanos que beneficiem
das áreas da várzea e integrar as diversas sub-áreas a comunidade como forma de garantir a qualidade
propostas. do espaço e valorizá-lo.
– Implantação de três bolsões de parques urbanos. – Estímulo à formação de eixo industrial tecnológico
Articulado ao parque linear, um conjunto de parques (tecnopólo metropolitano) e parcerias com centros
urbanos é proposto em pontos que se apropriam dos de pesquisas universitários. Paralelamente à
vazios mais significativos e articulam-se com reconfiguração e manutenção das indústrias
equipamentos já existentes na área lindeira. Nestes existentes, é necessário estimular a formação de novas
trechos, o rio deverá voltar ao seu percurso original unidades produtivas, ligadas à indústria limpa e de
onde o elemento água conferirá ao entorno uma ponta atuando como requalificadora do estoque
paisagem mais qualificada, recuperando as várzeas e industrial existente. Também é preciso estabelecer
reduzindo significativamente suas enchentes. parcerias entre as novas empresas, universidades e
poder público, no intuito de desenvolver centros de
pesquisa que contribuirão para formação de pessoal
• Estímulo a uma nova ocupação urbana qualificado e mudança do padrão cultural da
população.
Ações:
– Eliminação das áreas residuais (vazios urbanos)
através de novo parcelamento do solo e 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
requalificação dos vazios como espaços geradores
de urbanidade, incentivando a implantação de novos “O sucesso de uma cidade depende de algum modo de
edifícios ou reciclagem de antigos aliados a espaços seus habitantes e governo, mas prioritariamente de ambos,
públicos/semi-públicos necessários à vitalidade para sustentar um ambiente urbano e humano.”
urbana. (Richard Rogers, Cities for a small planet, 1997).
– Dinamização e criação de novos sub-centros aliados
à ocupação diversificada – mix de usos. Novos sub- A redução da planta industrial devido ao novo
centros integrados a edifícios plurifuncionais devem padrão produtivo contemporâneo, por um lado, e a
ser implantados, nos quais um mix de usos coexista efetiva saída das indústrias da Região Metropolitana, por
em um mesmo espaço de forma equilibrada: outro, têm gerado enormes estoques urbanos – áreas
habitação; comércio, serviço, lazer e cultura – desqualificadas, normalmente situadas ao longo do
favorecendo a sinergia da metrópole. antigo eixo de infra-estrutura que lhe dava suporte – a
– Incentivo à reconfiguração do parque industrial ferrovia. Essa áreas atualmente configuram-se em
existente. Estímulo à transformação da capacitação resíduos urbanos, “terrain vague”, dentro da cidade
gerencial interna da iniciativa privada à parceria do contemporânea. Este não é um problema absolutamente
poder público e do próprio setor privado na novo e nem mesmo localizado. Trata-se de uma
requalificação da área através de parcerias e formação verdadeira tendência de quase todas as áreas
de cooperativas. Internamente, a redução da planta metropolitanas contemporâneas.
industrial, associada à modernização das bases Se as conseqüências advindas da globalização
produtivas, gera espaços ociosos, que devem ser impõem de imediato estas disfunções urbanas, num
aproveitados para outros fins pelos próprios segundo momento, no qual a metrópole se projeta como
empresários, que atualmente querem diversificar seus nova, reequipada, é obrigada a concorrer com suas
negócios: áreas culturais, prestação de serviços, vizinhas – por vezes nem tão próximas geogra-
atividades comerciais. Externamente, podem ser ficamente. As cidades mundiais concorrem entre si e
desenvolvidas parcerias entre as próprias empresas e disputam acirradamente o mesmo mercado. Não é por
N. 2 - 1. semestre de 2000 19
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

acaso que há, desde o início da década de 80, vários CASTELLS, Manuel e BORJA, Jordi. As cidades como
projetos urbanos, em todo o mundo, destinados à revita- Atores políticos. Novos Estudos CEBRAP n. 45, jul.
lização urbana de áreas degradadas, requalificação de cen- 1996, p.152-166.
tros urbanos, reutilização de áreas residuais industriais. BRITISH COLUMBIA UNIVERSITY. Sustainable urban
É extremamente necessário reconfigurar áreas landscapes. The surrey design charrette. Canadá: Patrick
metropolitanas dentro das novas demandas impostas pe- M. Condon (James Taylor Chair in Landscapes),
la globalização, mas sem ignorar suas fragilidades, confli- 1996.
tos e potencialidades locais, além do cotidiano de seus DANIEL, Celso. Governo local e reforma urbana num
habitantes. Pensar globalmente, agir localmente. Ou seja, quadro de crise estrutural. In: Globalização, fragmentação
requalificar suas áreas “doentes”, dotá-las de suporte e reforma urbana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
físico para serem competitivas mundialmente e, ao mes- 1994.
mo tempo, proporcionar qualidade de vida a seus
DEL RIO, Vicente. Revitalização de centros urbanos:
habitantes.
o novo paradigma de desenvolvimento e seu modelo
Acredita-se que áreas como estas necessitem de urbanístico”. Revista Pós-Graduação. Arquitetura e
um projeto urbano que mostre seu potencial físico, rein- Urbanismo n.4, p. 53-64. São Paulo: FAU-USP, dez.
serindo-as no tecido urbano do entorno conferindo ur- 1993.
banidade, e da concepção de um plano estratégico que FINGERMANN, Henrique (org. ed. bras.). Parceria
corrija suas atuais disfunções urbanas e reintegre-as ao público-privado: cooperação financeira e organizacional entre
espaço metropolitano. Entretanto, cabe dizer, o sucesso o setor privado e administrações públicas locais. V. 2. São
de projetos como este depende de todos os atores envol- Paulo: Summus, 1993.
vidos, responsáveis pela construção de uma nova cidade.
EMURB/SEMPLA. Operação Urbana Sudeste – estudo
As disfunções urbanas, contidas atualmente preliminar. São Paulo, 1999 (mimeo).
nessa área, não são únicas e nem exclusivas da metrópole
GUELL, José. Planificación Estratégica de la ciudades.
paulista; por isso devem ser tratadas tanto em sua
Barcelona: Gustavo Gilli, 1997.
essência como parte de uma metrópole mundial – São
Paulo. A metrópole deve, ao mesmo tempo, equipar-se KOALHAAS, Rem. Projects Urbans – Urbans Pojects –
para as novas demandas de uma cidade mundial e 1985-1990. Barcelona: Gustavo Gilli, 1997.
conferir aos seus usuários espaços qualificados dentro LANGENBUCH, Jurgen. A estruturação da Grande São
de uma cidade justa e sustentável. Paulo. Rio de Janeiro: FIBGE, 1971.
LIMA, Daniel & MARCOCCIA, Maria Luísa. Grande
ABC tem futuro? Livre Mercado, 1997.
BIBLIOGRAFIA MONTANER, Josep M. La Modernidad Superada
Arquitectura arte y pensamiento del siglo XX. Barcelona:
Gustavo Gilli, 1997.
AGUIAR, M. Alice de M. Reurbanização do Bairro
PORTAS, Nuno. Tendências do Urbanismo na Europa.
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Óculum 3, p. 4-13. São Paulo: mar. 1993.
de Graduação. São Caetano do Sul: UNIABC- 1999.
ROGERS, Richards. Cities for a small planet. Londres, 1997.
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BORJA, D. e CASTELLS, M. Local and global. The v.).
management of the cities in the information age. Estambul: SÃO PAULO (Estado). Pesquisa Origem-Destino 1997. –
United Nations Center for Human Settlements Síntese das Informações. São Paulo: STM / Metrô.1998
Habitat II , 1996.

20 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

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Ambiente – SMA. Fundação Estadual de Análise de Metropolitano de Santo André – eixo Tamanduateí.
Dados – Seade. 1999. Diário do Grande ABC, jun.1999.
__________. Plano Metropolitano de Transportes Urbanos SOLÀ MORALES, Ignacy. Presente y Futuro: Arquitectura
2020 – PITU 2020 (proposta). Secretaria de en la ciudades. XIX UIA Barcelona, 1996.
Transportes Metropolitanos – STM, 1998.
__________. Banco de Dados e Informações sobre os Municípios
da Região Metropolitana de São Paulo – 1998. STM
* Professores da UniABC.
EMPLASA, 1998 (cd rom).

N. 2 - 1. semestre de 2000 21
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

REINVENTANDO O PLANEJAMENTO REGIONAL EM UM CON-


TEXTO DE REESTRUTURAÇÃO ECONÔMICA LOCAL: O
CASO DA REGIÃO DO GRANDE ABC*

Prof. Dr. JEROEN KLINK**

RESUMO: O dramático impacto da reestruturação As conseqüências das tendências acima citadas


econômica local na Região do Grande ABC. têm repercutido no aumento dos níveis de desemprego
e na redução do valor agregado gerado na Região do
Grande ABC. A evolução do valor agregado nesta região
ABSTRACT: The dramatic impact of local economic e sua participação na economia geral do Estado de São
restruturing on the Greater ABC region. Paulo são mostradas na Tabela 1 (ver p. 24), enquanto
o desenvolvimento dos níveis de empregos formais é
descrito na Tabela 2 (ver p. 25). Como pode ser visto, a
PALAVRAS-CHAVE: Economia regional; Novo Re- diminuição do emprego industrial tem sido dramática,
gionalismo; Grande ABC. particularmente naqueles setores altamente relevantes
para a região, a exemplo das montadoras de automóveis
e dos setores metalúrgicos e mecânicos.
KEY WORDS: Regional economy; New Regionalism;
O que dizer das iniciativas políticas que têm se
Greater ABC.
apresentado até o momento? De fato, um número
crescente de municípios brasileiros tem começado a
implementar frentes de trabalho locais e projetos de
geração de renda (KLINK, 1999). 1 De certa forma,
1. INTRODUÇÃO esta tendência pode ser vista como uma conseqüência
lógica do caráter do federalismo brasileiro, no qual os
A Região do Grande ABC, composta de sete municípios possuem uma vasta autonomia em uma
municípios localizados nos arredores da região grande variedade de atribuições. Contudo, percebe-se
metropolitana de São Paulo, tem sofrido um processo normalmente que esses esforços municipais ainda falham
de reestruturação econômica que se intensificou nos no que tange à escala e à coordenação, sem mencionar a
últimos anos. Primeiramente, e como parte de um dramática falta de recursos financeiros que sustentam
processo que começou já na década de 70, diversas de essas políticas (ARRETCHE, 1996).
suas indústrias mais importantes vinham implementando O objetivo deste artigo é mostrar que
investimentos fora da região, manifestamente por causa administrações locais, ao unir forças e formar parcerias
dos elevados níveis de deseconomias de aglomeração com os investidores do setor privado, da sociedade civil
na área de São Paulo, associados ao congestionamento e do Governo do Estado, podem prosperar tanto na
viário, aos problemas ambientais, à falta de espaço, à escala como na efetividade de suas políticas de
forte pressão sindical e à baixa qualidade de vida revitalização. Além disso, argumentamos que trata-se de
generalizada (CANO, 1995). Em segundo lugar, tornou- uma promissora proposta complementar aos modelos
se evidente que o modelo de desenvolvimento brasileiro,
baseado na substituição de importações, chegara a seu
limite. Conseqüentemente, e também como resultado
1
da abertura da economia brasileira, os setores industriais Exemplo claro desta tendência é a criação de pro-
domésticos estão sendo forçados a se modernizar e a gramas de micro-crédito, a implementação de frentes de
introduzir novas técnicas de produção e gerenciamento trabalho e a manutenção e elaboração de programas para
com o objetivo de aumentar o nível de produtividade. incubadores de empresas e cooperativas.

22 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

de planejamento metropolitano rígidos e autoritários, seriam necessários para uma estratégia regional de
que, também no Brasil, provaram-se pouco eficientes revitalização.
na coordenação do planejamento local. O processo de coordenação regional de políticas
municipais passou por uma crise profunda de 1993 a
1996 devido ao enfraquecimento do Consórcio. Nesse
2. INICIATIVAS DE DESENVOLVIMENTO meio tempo, porém, a comunidade local estava tomando
REGIONAL NO GRANDE ABC iniciativas complementares relevantes por conta própria,
refletindo o despertar da identidade regional e a
No início da década de 90, um processo começou consciência dos problemas comuns que as prefeituras
a ser estabelecido, pelo qual a região passou a dar ênfase da região estavam compartilhando. Sem sombra de
a sua própria identidade econômica, política e cultural. dúvida, uma das iniciativas mais importantes nesse
Há uma crescente percepção de que o número de sentido foi a criação do Fórum da Cidadania, composto
problemas e de potencialidades da região excede a por mais de cem Organizações Não-Governamentais
totalidade daqueles que existem nos sete municípios. (ONGs) da sociedade civil, a exemplo de associações
No que concerne ao setor público, por exemplo, empresariais, sindicatos, movimentos ecológicos, grupos
esta consciência levou à criação, em dezembro de 1990, ambientalistas, entre outros. A pauta do Fórum deu
do Consórcio Intermunicipal da Região do Grande ABC, ênfase às demandas regionais.
cujo foco principal residia na coordenação das políticas
municipais, uma vez que estas têm consideráveis
implicações sobre as decisões tomadas. Inicialmente, os 3. A CRIAÇÃO DA CÂMARA REGIONAL DO
esforços foram concentrados nas questões do GRANDE ABC
armazenamento de resíduos sólidos e do controle
hídrico. Um ano depois, um Fórum de Desenvolvimento Em 1996, o Governo do Estado de São Paulo,
Econômico Regional foi criado em Santo André, por por meio da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia,
causa da ativa participação dos líderes públicos, lançou uma proposta concernente a uma câmara para a
empresariais, sindicais e comunitários. O Fórum, ao lado Região do ABC, com o propósito de discutir questões
do Consórcio Intermunicipal, organizou, no segundo de desenvolvimento econômico local. A Câmara seria
semestre de 1992, um seminário regional com o tema composta por representantes da comunidade local. Em
“Fórum ABC para o ano 2000”, que levou a um acordo, seguida, a proposta foi discutida pelo Fórum da
fixado entre os mais relevantes participantes do processo Cidadania do Grande ABC. Com a posse de sete novos
decisório regional, sobre os elementos essenciais que prefeitos, em janeiro de 1997, todos eles dedicados às

Tabela 1: Valor Agregado no Estado de São Paulo, na cidade de São Paulo e na Região do Grande ABC Paulista
(valores em reais*)

1980 Part em v. a. estad. 1993 Part em v. a. estad.


Estado de São Paulo 177.673.825.528 100,00% 161.077.074.122 100,00%
Cidade de São Paulo 65.735.919.984 37,00% 47.829.088.692 29,69%
Grande ABC Paulista 24.750.125.208 13,93% 18.917.049.688 11,74%
Diadema 2.501.744.322 1,41% 2.239.479.605 1,39%
Santo André 6.401. 190.267 3,40% 3.177.451.443 1,97%
São Bernardo do Campo 9.519.790.567 5,36% 7.697.892.340 4,78%
São Caetano do Sul 3.529.187.903 1,99% 2.521.567.823 1,57%
Mauá 2.749.670.416 1,55% 2.867.750.905 1,78%
Ribeirão Pires 372.755.688 0,21% 369.297.161 0,23%
Rio Grande da Serra 35.786.045 0,02% 43.610.411 0,03%

Fonte: Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados, Perfil Municipal)


* Em 25 de agosto de 1999, 1 US $ = R$ 1,92.

N. 2 - 1. semestre de 2000 23
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

Tabela 2: Evolução do emprego formal de 1986 a 1996. Confronto entre a Região do


ABC e o Estado de São Paulo
Região do ABC Estado de São Paulo

Subsetor IBGE 1986 1996 1986 1996

Total Total Total Total


Extração mineral 546 184 23.579 21.143
Produtos minerais não metálicos 21.233 9.980 192.706 120.990
Indústria metalúrgica 78.493 42.847 504.969 313.311
Indústria mecânica 46.073 23.283 379.112 221.749
Eletrônicos e Comunicações 28.834 13.250 328.347 155.468
Transportes e montadoras de veículos 155.914 89.406 409.764 262.882
Processamento de madeira e mobiliário 19.172 8.577 186.260 107.255
Indústria gráfica, de papel e editorial 13.175 12.393 229.03 1 207.648
Borracha, plásticos, couro etc. 39.671 17.666 320.849 151.951
Químico, farmacêutico etc. 69.104 53.928 440.972 361.326
Têxtil 26.831 20.037 684.510 393.072
Calçados 1.258 294 137.246 70.354
Processamento de alimentos 18.579 19.654 467.724 500.742
Serviços industriais 750 3.352 67.989 118.663
Construção civil 21.298 32.738 643.896 710.771
Comércio varejista 75.724 83.739 1.208.959 1.385.436
Comércio atacadista 16.692 15.917 343.331 357.266
Bancos e seguros 18.473 10.406 453.895 308.116
Imobiliário 48.467 105.088 1.213.89 1.414. 461
Serviços de Transporte e Comunicação 40.726 45.148 550.304 608.021
Serviços hoteleiros, de alimentação, de
reparos, conserto de eletrodomésticos etc. 55.424 41.806 1.127.140 940.750
Serviços médicos 13.889 22.283 156.278 345.633
Educação 5.581 17.733 79.459 316.355
Administração Pública 32.997 36.291 1.330.356 1.336.514
Agricultura 193 3.983 253.012 634.601
Outros/Ignorado 2.381 1.102 65.025 20.088

Total 851.478 751.085 11.798.610 11.384.566

Fontes: Ministério do Trabalho, RAIS, Arquivos administrativos, Base Estatística 1986 e 1996.

questões regionais, foi dado um decisivo passo em seu secretário de Ciência e Tecnologia. Os governos
direção a uma nova forma de regionalidade. Em 12 de locais, por meio do envolvimento direto dos prefeitos,
março daquele ano, na presença dos mais importantes complementados por uma ativa participação de um
líderes regionais e do Governo estadual, a Câmara foi grande número de planejadores nos grupos de trabalho,
oficialmente criada. podem ser considerados a espinha dorsal da Câmara.
Existem três tipos de atores envolvidos na Em uma região conhecida pelo grau de organização de
Câmara, advindos da sociedade civil, do setor público e seus sindicatos de trabalhadores, é um fato significativo
da economia local (sindicatos de trabalhadores e que os trabalhadores estão sendo representados pelos
associações empresariais). Na prática, evidentemente, a mais poderosos sindicatos da região do ABC. Estas
participação de tais atores não é homogênea. Em relação representações de trabalhadores estão se tornando
à participação do nível estadual, por exemplo, pode ser conscientes do fato de que uma aproximação mais
percebido que, além do consciente embora genérico coordenada com outros participantes é necessária com
envolvimento do governador, há um papel ativo para o fito de manter e aumentar os níveis de emprego. A

24 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

participação empresarial foi diferente no começo, mas seminário de trabalho foi organizado, em julho de 1997,
tem crescido significativamente após a fase inicial. Por o qual teve por conseqüência a aprovação de uma
outro lado, há uma confiável e estável participação do primeira lista composta por 31 propostas para acordos
comércio local e dos setores industriais menores, regionais específicos para o desenvolvimento social,
representados por suas associações comerciais e pelas econômico e territorial.
delegações da CIESP – Centro de Indústrias do Estado Um esforço seletivo foi feito com a intenção de
de São Paulo. Além disso, importantes segmentos da transformar as recomendações mais viáveis nos
economia regional (isto é, montadoras de automóveis, primeiros nove acordos regionais, fir mados em
assim como seus fornecedores, e o setor petroquímico) novembro de 1997. Nesse ínterim, a participação de
também confirmaram sua participação na Câmara no novos parceiros, do setor de montadoras de veículos,
início de 1998. Finalmente, as instituições da sociedade de seus fornecedores e da indústria petroquímica, já
civil têm participado de uma forma consistente, mencionados, representou um importante passo adiante
reforçando seu papel pelo envolvimento ativo no Fórum para a conquista de doze acordos complementares, em
em questões de cidadania. agosto de 1998. Os 21 acordos estabelecidos até 1999
estão resumidos na Tabela 3. Deve-se enfatizar que,
4. OS PRIMEIROS ACORDOS REGIONAIS dependendo do caráter desses acordos, os participantes
e as fontes de recursos definidos serão diferentes. Os
Desde o primeiro instante, em março de 1997, acordos sobre a semana de trabalho (no comércio
os chamados grupos de trabalho temáticos foram criados regional), por exemplo, foram arquitetados pelos
e começaram suas discussões. Esses debates levaram a sindicatos e as entidades patronais. Outro exemplo
propostas para a elaboração de acordos regionais, refere-se ao movimento de erradicação do analfabetismo,
definindo também atores e fontes de recursos. O desafio elaborado pelos prefeitos, pelo Governo do Estado e
inicial com o qual a Câmara se deparou foi definir as por organizações comunitárias.
prioridades dessas propostas e organizá-las a fim de Fica além do escopo deste artigo descrever em
manter suas consistências internas. Por conseguinte, um detalhes o conteúdo dos 21 acordos. Ao invés disso,

Tabela 3: Evolução dos acordos regionais

Grupos Temáticos Novembro/1997 Agosto/1998


Desenvolvimento Agência de Desenvolvimento Regional
econômico Competitividade de cadeias produtivas
Comércio local
Pólos tecnológicos
Montadoras de automóveis
Indústria moveleira
Indústria petroquímica
Investimentos no sistema viário
Desenvolvimento Microdrenagem
físico Transporte público regional
Sistema viário e trânsito regional
Habitação
Rejeitos líquidos industriais
Turismo regional
Revisão da legislação ambiental do Estado
Desenvolvimento Crianças de rua
social Saúde
Campanha contra o analfabetismo

Fonte: Conselho da Região do Grande ABC (1999)

N. 2 - 1. semestre de 2000 25
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

eles serão analisados a partir dos resultados concretos lugar, a Câmara está ativamente envolvida nas
já auferidos. discussões para criar condições, por meio da revisão
No que diz respeito ao componente de desenvol- da legislação ambiental do Estado, para a
vimento econômico, por exemplo, a Agência Regional implementação de atividades industriais não poluentes
de Desenvolvimento foi criada em outubro de 1998. Sua compatíveis com a preservação das áreas de
diretoria é composta pelo setor privado (associações em- mananciais. Os participantes destas discussões são o
presariais, sindicatos de trabalhadores, SEBRAE; juntos Estado, os poderes locais, indústrias e sociedade civil.
possuem 51% dos membros) e o Consórcio In- O envolvimento da Câmara não pode ser superestimado
termunicipal (com uma participação de 49%). Entre considerando-se o fato de que diversas cidades da
outros, está atualmente desenvolvendo um sistema Região do ABC têm mais da metade de suas superfícies
regional de dados e indicadores sócio-econômicos, uma em zonas sensíveis do ponto de vista ambiental, as
estratégia de renda e emprego para pequenas e médias quais se encontram sob uma rígida legislação estadual
empresas e uma estratégia de marketing que tem por restritiva a quase toda atividade econômica. Ao memo
objetivo reverter a imagem negativa que a Região ainda tempo, a Câmara, por meio de um grupo de trabalho
acredita possuir. O trabalho de competitividade das prin- específico, está elaborando um plano regional voltado
cipais cadeias produtivas tem conduzido a resultados à exploração do potencial para o eco-turismo nas vastas
concretos para as empresas manufaturadoras de plástico. áreas verdes próximas e ao redor dos mananciais.
As empresas de pequeno e médio portes deste setor co-
meçaram a adotar práticas mais cooperativas entre si,
por meio, por exemplo, da implementação de procedi- CONCLUSÃO
mentos centralizados de compra e de exportação. É
A primeira avaliação das atividades da Câmara
importante mencionar, ainda, o programa para um fundo
demonstra que há, ainda, muito trabalho pela frente.
de crédito em nível estadual que está em um estágio muito
Alguns dos acordos inerentes a temas físicos ou
avançado de elaboração e negociação com o Governo
econômicos precisam ser aperfeiçoados, e outros,
do Estado de São Paulo. Este fundo será crucial para
particularmente os que se referem a moradia e transporte,
facilitar o acesso de pequenas e médias empresas a linhas
estão esperando implementação efetiva.
de créditos, imensamente necessários para sua
Portanto, como uma decisão consciente de
modernização tecnológica e gerencial. Finalmente, um
melhorar sistematicamente as questões acima descritas,
ambicioso plano para treinar cerca de doze mil
quase que totalmente como um mecanismo informal de
trabalhadores a partir do ano 2000 já foi iniciado no
planejamento, no começo de 1999, a Câmara deu início
pólo petroquímico, beneficiando principalmente
aos trabalhos para um processo formal de planejamento
trabalhadores recém-demitidos pelo setor de plásticos.
estratégico que está sendo apoiado por um subsídio do
No que se refere aos acordos para o desenvol- BID (para a Agência de Desenvolvimento Regional, sua
vimento físico e territorial, progresso concreto tem sido parte legalmente estabelecida). Em conseqüência, em
feito em pouco tempo. Primeiramente, concluíram-se julho de 1999, o documento “Cenário desejado do
as melhorias físicas nas vias expressas “Anchieta” e futuro”, que inclui seus projetos prioritários, foi
“Avenida dos Estados”, estradas que ligam a Região do aprovado pelo Comitê Executivo da Câmara Regional.
ABC à cidade de São Paulo. Foram aplicados recursos Este é o primeiro passo para um plano estratégico
dos três municípios afetados e do Governo do Estado. inteligível aprovado no final daquele ano, abarcando
Vários investimentos complementares ao longo do ações prioritárias e investimentos, atores responsáveis
sistema rodoviário “Anchieta” foram concluídos em por sua implementação e pelos recursos financeiros.
1999, envolvendo o município de São Bernardo e o De acordo com Daniel (1997), a Câmara pode
Governo do Estado. Em segundo lugar, enchentes têm ser considerada como um novo modelo de governance em
causado progressivamente mais danos ao sistema viário nível regional. Sua primeira dimensão é seu foco na
da região metropolitana. Como parte de uma estratégia democracia participativa. De fato, a Câmara do Grande
de prevenção às enchentes, cinco reservatórios de con- ABC representa a fundação de uma ampla esfera
tenção estão sendo implementados. A construção de democrática, ao mesmo tempo pública e “não estatal”.
reservatórios adicionais foi iniciada em 1999. Em terceiro Este fato facilita um processo de planejamento que

26 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

contempla participantes com interesses conflitantes, BIBLIOGRAFIA


onde, de maneira transparente, negociações de interesses
específicos são transformadas em decisões consensuais. ARRETCHE, Marta T. S. A descentralização como
Em segundo lugar, a Câmara possui mecanismos sutis condição de governabilidade: solução ou miragem.
para a coordenação horizontal e vertical. A proposta de Espaço e Debates, 1996, v. 39.
trabalhar com vistas a acordos regionais está sintonizada CANO, Wilson. Auge e inflexão da desconcentração
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decisórios hierarquizados. A presença do Governo do federação em perspectiva. Ensaios selecionados. São Paulo:
Estado significa que a coordenação não ocorre apenas FUNDAP, 1995, p. 399-416.
horizontalmente. Ao contrário, a coordenação da Câmara
Câmara Regional do Grande ABC. Relatório Anual. São
é mais complexa, é horizontal e vertical. Em terceiro
Bernardo, 1999.
lugar, e em direta relação com o prévio argumento sobre
a coordenação, a estrutura institucional da Câmara é DANIEL, Celso. Uma experiência de desenvolvimento econômico
muito flexível – em contraste com a rigidez institucional local: a Câmara Regional do Grande ABC. Santo André,
que caracteriza o modelo formal de planejamento dezembro de 1999.
metropolitano de vários países, inclusive o do Brasil. O KLINK, Jeroen. The future is coming. Economic
modelo de planejamento metropolitano do Brasil, restructuring in the São Paulo fringe: the case of
engendrado na década de 60, durante a vigência do Diadema. Habitat International n. 3, v. 23, 1999.
regime militar, prova-se inviável. Assim, considerando
o vácuo institucional vigente e o cenário de rápida
transformações, esta flexibilidade institucional é uma
importante vantagem da Câmara.
Deve-se enfatizar, contudo, que a Câmara não
pode ser vista como uma panacéia para todos os
problemas de desenvolvimento urbano e regional. Mais * Tradução do original em inglês: Prof. Dr.
particularmente, uma de suas principais fraquezas, sua Roberto Elísio dos Santos.
inabilidade de gerar sistematicamente seus próprios ** Assessor especial de Relações Internacionais
recursos financeiros, relaciona-se à falta de definição na e de Captação de Recursos da Prefeitura de Santo
legislação a respeito dessas novas formas de André, doutor em Economia Urbana pela
governabilidade regional. Ironicamente, porém, a maior Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
força da Câmara, sua flexibilidade, está intrinsecamente Universidade de São Paulo e professor do PMA
ligada a sua fraqueza, a falta de fluxo contínuo de recursos do CEAPOG-IMES.
para a Região.

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CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES VOLTADAS PARA A QUALIDADE

Prof. DAVID GARCIA PENOF*

RESUMO: O texto tem por objetivo evidenciar o forte consultor em Implantação de Sistemas da Qualidade.
relacionamento existente entre a comunicação e a O objetivo deste trabalho é permitir um delineamento
qualidade nas organizações. A comunicação exerce um de como os sistemas comunicacionais interferem no
grande e expressivo poder, legitimando outros poderes gerenciamento da qualidade nas organizações.
existentes, como o poder coercitivo, de recompensa e
técnico. A comunicação deve ser praticada como um 2. A COMUNICAÇÃO COMO PODER
processo que ocorre entre pessoas, muito além da idéia NAS ORGANIZAÇÕES
simplória de emissor, mensagem e receptor; ela é também
uma ferramenta de gestão empresarial. Podemos caracterizar uma empresa, como sendo
uma unidade sócio-econômica voltada para a produção
de um determinado produto – bem ou serviço. A
ABSTRACT: This article has as objective to empresa reúne os recursos econômicos capital e trabalho,
demonstrate the strong relationship between e ainda normas e procedimentos de natureza técnica que
communication and quality in organizations. permitem a operacionalização dos demais.
Communication has a great and expressive power, which Uma empresa não apenas objetiva gerar bens
puts in evidence other existing powers, like coercitive, econômicos, para uma relação de troca entre produtor e
rewarding and technical ones. Communication must be consumidor, mas procura também desempenhar papel
practiced like a process that occurs among people, significativo no tecido social, missão que deve cumprir
beyond the simple idea of emissor, message and qualquer que seja o contexto político.
receptor; and it is a management tool. Se entender mos por organização o
ordenamento, a disposição das partes que compõem um
todo, ou, no dizer de TALCOTT PARSONS (1974), a
PALAVRAS-CHAVE: comunicação; qualidade; poder; unidade social direcionada à consecução de suas metas
gestão empresarial. específicas, vamos constatar na extensão do conceito,
os fundamentos dos princípios sistêmicos. Na visão de
WALTER BUCKLEY (1971), o sistema é uma entidade
KEY WORDS: communication; quality; power; concreta ou abstrata, que reúne componentes que se
management. relacionam mutuamente. Vale ressaltar uma característica
fundamental do sistema que permite inferir que o todo,
pela Teoria de Sistemas, é maior que a soma de suas
1. INTRODUÇÃO partes, evidenciando-se o caráter organizacional que
constitui o elemento comprobatório do conceito.
O extraordinário progresso experimentado pelas Segundo REGO (1986), a comunicação é um
técnicas de comunicação nas últimas décadas representa sistema aberto, semelhante à empresa; e como tal, a
para a Humanidade uma conquista e um desafio. comunicação é organizada pelos elementos – fonte,
Conquista, na medida em que propicia possibilidades codificador, canal, mensagem, decodificador, receptor
de difusão de conhecimentos e de informações numa e ingredientes que revitalizam o processo.
escala antes inimaginável. Desafio, na medida em que o
avanço tecnológico impõe uma séria revisão e É importante identificar nos elementos que
reestruturação dos pressupostos teóricos de tudo o que formam o processo comunicacional os condicionantes
se entende por comunicação. sociológicos e antropológicos que envolvem as fontes,
Neste artigo, procuro fazer uso dos resultados os codificadores, os decodificadores e os receptores. São
obtidos em diversas experiências pelas quais passei como estes fatores que estão à disposição das organizações

28 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

para o ordenamento e cumprimento de metas e estrutura dos sistemas de gestão, propiciando um


objetivos. conjunto de procedimentos fundamentais: o
De nada vale uma palestra sobre a situação desenvolvimento das pessoas para uma conduta
econômico-financeira da empresa, aos operadores de comunicacional voltada para a ação e a construção de
máquinas de uma área de usinagem de blocos de motor sistemas de comunicação.
se os mesmos não tiverem como relacionar o tema com Segundo AMORIM (1999), a proposta de
sua condição social na estrutura , e ainda não perceberem desenvolvimento pessoal consiste em sensibilizar as
onde se inserem no contexto da palestra. Muitas vezes pessoas para um certo grupo de conceitos básicos e de
tais palestras são insinuantes de desequilíbrio financeiro distinções lingüísticas , apresentando em seguida, a partir
e buscam minimizar insatisfações e prováveis alterações da estrutura dos atos ilocucionários, as ferramentas para
de grupos nas organizações. Tais atos comunicacionais a comunicação eficaz. O sistema de comunicação, por
são desprovidos de corpo e seus resultados, altamente sua vez, deve ser elaborado de modo a fazer fluir o
questionáveis. Podemos afirmar que tal procedimento conjunto dos atos de fala da instituição.
não se trata de um processo comunicacional. Observamos, ainda, em muitas empresas, formas
Para atingir seus objetivos, uma organização deve de gerenciamento tradicionais inspiradas no modelo
perseguir um equilíbrio entre as partes que a formam. Fordista, pelo qual a comunicação submete-se ao
Tal equilíbrio é resultante da disposição ordenada entre marketing, referente à dimensão externa da empresa e
as partes. Essa disposição é obtida graças ao processo ao endomarketing quando interna (em que pesem as
comunicacional. Pode-se afirmar, em conseqüência, que, críticas quanto ao uso da palavra) ou, em última instância,
ao se organizar uma empresa, como bem lembra LEE a comunicação submete-se à atuação do profissional de
THAYER (1979), na verdade está se organizando o Relações Públicas. Algumas empresas têm ainda suas
processo de comunicação entre suas partes. próprias publicações, porém não passam de ações
A comunicação exerce um grande poder, fragmentadas e evidentemente mostram o desperdício
conforme lembra DEUTSCH (1979), que mostra o do potencial da comunicação efetiva.
poder como possibilidade de uma pessoa ou uma Quando uma empresa necessita implementar
entidade gerar influência sobre outrem. A comunicação projetos para melhoria da qualidade organizacional, por
exerce, em sua plenitude, um poder que Rego coloca exemplo o Sistema da Qualidade NBR ISO 9000,
como sendo um poder expressivo, legitimando outros costuma lançar mão de campanhas pontuais. Tais
poderes existentes na organização, como o poder campanhas pontuais têm no seu conteúdo, por exemplo,
coercitivo, de recompensa e técnico, entre outros. a elaboração de slogan, bottons, palestras isoladas etc.
Um exemplo clássico de poder de recompensa Em muitas dessas empresas fordistas, os perfis
é o fato de a empresa constantemente expor aos seus autoritários de seus gestores, geralmente avessos à
colaboradores suas metas e objetivos de produção e transparência e à participação, buscam por esconder e
faturamento e, alavancado por esses dois, um programa manipular informações, procurando, em última instância,
de remuneração variável. Quanto melhor a comunicação que as pessoas saibam o menos possível. Desnecessário
de tais metas e objetivos, maior será o empenho por dizer que além da provável ineficácia, as estratégias
parte dos colaboradores em atingir tais resultados. Em centralizadoras desperdiçam energia e desrespeitam as
muitos outros casos, o não alcance dos objetivos pessoas. Observa-se tal procedimento nos treinamentos
provocará a demissão de funcionários diversos, realizados para que os funcionários de determinada
envolvendo o poder coercitivo e a respectiva organização gravem em suas mentes a política da
comunicação para tal. qualidade como um fato isolado, apenas para atender ao
Atualmente, as empresas perseguem provável questionamento de um auditor externo. O
exaustivamente metas, tais como: compromisso em funcionário não sabe sequer o porquê daquele
torno dos objetivos da empresa, perdas zero, flexibilidade treinamento.
e capacidade de reação rápida e positiva às mudanças, O fenômeno da comunicação deve ser algo que
envolvimento efetivo de pessoas com as inovações e ocorre entre as pessoas, muito além da idéia simplória
melhorias dos sistemas gerenciais e produtividade dos de emissor, mensagem, receptor. A comunicação tem
trabalhos em equipe. A comunicação enquadra-se na de ser usada como ferramenta de gestão, melhorando a

N. 2 - 1. semestre de 2000 29
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

relação entre as pessoas e a relação entre pessoas e importante é informar o sistema das mudanças no
instituição. ambiente, informar que a situação não está se repetindo,
A unidade básica da comunicação é a linguagem, estando inviabilizadas as velhas estratégias, vitoriosas no
à qual adiciona-se a noção de compromisso e de escutar, passado, mas obsoletas e inadequadas no presente. A
de inspiração heideggeriana. A linguagem pode estar dificuldade reside em que a percepção da informação e,
adequada para obter a ação ou, ao contrário, para sobretudo, seu aprendizado não é um processo isento
dificultá-la. de resistências tanto no que se refere ao indivíduo,
Um grupo de distinções lingüísticas é a base para quanto à organização.
a organização posterior das ferramentas para a As instituições empenhadas em mudanças
comunicação. As distinções são: juízo; aprender; escutar organizacionais ou na adoção de quaisquer novas
e conversar. técnicas se deparam, em maior ou menor grau, com a
O juízo expressa a subjetividade, os valores de resistência das pessoas ao novo. Parte dessa resistência
uma pessoa. Frases do tipo ‘ele é competente’, ou ‘ele é decorre da experiência do aprendizado enquanto perda,
imaturo’ ilustram um juízo, não sendo possível e não enquanto adição de um outro ‘saber’.
determinar se são verdadeiras ou falsas, certas ou erradas. Um exemplo é a necessidade de se documentar
A primeira lição para o trabalho em grupo é que, o procedimento operacional de uma máquina qualquer.
literalmente, não se perde tempo discutindo a veracidade O operador não aceita a possibilidade de que existe um
de um juízo. A formação de um juízo origina-se em um modo melhor de operação além daquele que ele executa
ou mais fatos anteriores; portanto, apresentar os fatos há 10 anos. Nesse caso, a dificuldade de implementação
e contexto é oferecer àquele que escuta os fundamentos do procedimento é imensa. Por outro lado, o fato de
nos quais se originou o juízo. chamar o operador a participar da elaboração de um
As auditorias para certificação dos Sistemas da novo procedimento para melhoria da sua condição de
Qualidade anteriormente descritos trazem consigo trabalho poderá motivá-lo a aprender mais e até mesmo
alguns juízos elaborados pelos auditores externos e que reduzir sua resistência à mudança.
normalmente, se inseridos no contexto da auditoria e Objetivando apreender o pano de fundo
apoiados em normas e procedimentos documentados presente na comunicação e na articulação de
(conforme exigido pelos sistemas), são aceitos pelos compromissos, define-se primeiramente o estado de
auditados sem grandes questionamentos. Porém, apenas ânimo, apresentado como o modo particular de cada
um juízo externalizado sem base e/ou fundamentação um situar-se no mundo, algo que o indivíduo é, criado a
teórica (suporte documentado) pode provocar uma séria partir da própria presença.
discussão e até mesmo o abandono da auditoria, que Seguindo a tradição de Heidegger, o estado de
em muitos casos tem valor expressivo. O juízo é um ânimo é um fenômeno fundamentalmente unido ao
veredicto, fecha ou abre possibilidades de ação entendimento, um certo sintonizar-se com nossa
comunicativa. situação, o que nos abre certas possibilidades e,
O fenômeno da aprendizagem respeita as simultaneamente, nos fecha outras (Heidegger, apud
particularidades de organizações complexas ou criativas. FLORES, 1989).
Pode ocorrer por meio da tentativa e erro, por ganhos e À estrutura unificada de entendimento e estado
perdas, dado o ambiente e a necessidade de adaptação. de ânimo dá-se o nome de escutar (FLORES,1989).
Este é o processo biológico imposto aos seres vivos, Desenvolver a habilidade de escutar é empenhar-se em
lento e incômodo. Uma organização precisa aprender aguçar a percepção do contexto e do mundo particular
muito mais rapidamente, sendo instada a dar respostas do outro. Quanto às pessoas, a escuta faz-se a partir de
céleres. Essa dinâmica é possível através da avaliação de todas as evidências possíveis, tais como tom de voz,
seu comportamento na cadeia, evitando alternativas expressão corporal, etc.
malsucedidas e repetindo aquelas bem-sucedidas no
passado (BEER,1969).Tal mecanismo de aprendizado, À conveniência dos objetivos voltados à gestão
se, de um lado, reduz o tempo de respostas às demandas organizacional, propõe-se conteúdos diferentes às
da adaptação, por outro, torna o sistema relativamente expressões convencer e conversar. Convencer destaca o
resistente às mudanças, alimentando a tendência à ter mo vencer – a aproximação visando ao
perpetuar procedimentos. Entende-se, portanto, que o convencimento é um gesto de imposição. No conversar,

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CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

destaca-se o termo versar (aprender) – a aproximação uma unidade humana dependente de interações. Mais
visando conversar é um gesto de apresentar os meus que desenvolver o espírito corporativo, o que se pretende
juízos ao outro, dispondo-me a abrigar também os seus é que cada um perceba com clareza no contexto da
juízos, mantendo-me interessado e aberto ao seu
mundo. organização, e perceba a organização no contexto da
Resumidamente, as reflexões levadas a efeito pela sociedade.’”
ontologia da linguagem e pela cibernética ensinam a
perceber que as instituições são também fenômenos BIBLIOGRAFIA
lingüísticos, de modo que a comunicação deveria fazer
parte dos procedimentos organizacionais fundamentais, AMORIM, Maria Cristina Sanches. Comunicação
o que per mitiria avançar na descentralização planejada, recurso fundamental para a eficácia da gestão
administrativa sem perda de coerência, com maior organizacional. Caderno de pesquisas em
eficácia na realização das tarefas e na construção de administração. São Paulo, v.1, n.9, 2. trimestre/99.
espaços profissionais pautados também pelo respeito BUCKLEY, Walter. A sociologia e a moderna teoria dos
às pessoas e suas condutas individuais. sistemas. São Paulo: Cultrix, 1971.
A comunicação organizacional deve ser
conduzida por um centro de coordenação responsável DEUTSCH, Karl W. Política e governo. Trad. Maria José
por pesquisas, estratégias., táticas, políticas, normas, da Costa e Félix Matoso Miranda Mendes. Brasília:
métodos, processos, canais, fluxos, níveis, programas, Universidade de Brasília, 1979.
planos, projetos, tudo isso apoiado por técnicas que GUIMARÃES, Jorge Lessa. Qualidade competitiva no Brasil.
denotem uma cultura e uma identidade organizacional. Salvador: Casa da Qualidade,1995.
Rego finaliza seu texto enfatizando a idéia de PARSONS, Talcott. O sistema das sociedades modernas. São
um mundo que se renova e a de um mundo em relações, Paulo: Pioneira, 1974.
onde o sistema empresa não pode ser dissociado do
conjunto de variáveis e fatores que integram a célula REGO, Francisco Gaudêncio Torquato do. Comunicação
social. empresarial, comunicação institucional: conceitos, estratégias,
O que se deseja, enfim, é a aproximação entre sistemas, estrutura, planejamento e técnicas. São Paulo:
os valores reais do trinômio sociedade – empresa – Summus, 1986.
comunicação. THAYER, Lee. Comunicação: fundamentos e processos; na
De acordo com GUIMARÃES (1995), “em organização, na administração, nas relações interpessoais. São
artigo intitulado ‘A hora e a vez dos empresários do Paulo: Atlas, 1979.
saber’, escrito para Ícaro – Revista de Bordo da Varig, o
sociólogo e consultor educacional em São Paulo, Alberto
de Oliveira, descreve brilhantemente as virtudes da * Professor do IMES e aluno do PMA do
empresa enquanto uma comunidade de aprendizagem. CEAPOG-IMES.
Ele diz: ‘...a empresa é um organismo vivo, em mutação:

N. 2 - 1. semestre de 2000 31
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

II SEMINÁRIO INTERNO

O Laboratório de Gestão da Sociedade Regional do IMES e a disciplina “Políticas


Sociais para a Administração da Cidade”, com o objetivo de refletir sobre as políticas públicas
desenvolvidas e implementadas na região do Grande ABC, promoveram o II Seminário Interno nos
dias 20 e 27 de outubro e 10 de novembro de 1999, quando foram discutidos, respectivamente, os
temas “Políticas de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC”, “Políticas de Inclusão Social e
Cidadania” e “Políticas Públicas de Cultura”, com ênfase ao processo de regionalização do ABC.
Realizado em 20 de outubro de 1999, o debate sobre “Políticas de Desenvolvimento
Econômico do Grande ABC promoveu o encontro entre três prefeituras, com a participação de
Ayrton Cardoso (da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Santo André), Evaristo Peroni
(diretor do Fomento do Comércio e Serviços de São Bernado do Campo) e Jerson Ourives (secretário
do Desenvolvimento Econômico de São Caetano do Sul), além de Jorge Hereda (do Consórcio
Intermunicipal) e José L. Pechtol (do Fórum da Cidadania).
O debate sobre “Políticas Públicas de Inclusão Social e Cidadania”, realizado em 27 de
outubro de 1999, contou com a participação de Marlene Zola (da Secretaria do Desenvolvimento
Social e Cidadania de São Bernardo do Campo), Gil Gonçalves (da Secretaria da Criança, Família e
Bem Estar Social de Mauá), Cormarie G. Perez (assistente social da Secretaria de Assuntos Jurídicos
e Cidadania de Ribeirão Pires), Olivier Negri Filho (vereador de Mauá), Marcos Gonçalves (da
AVAPE) e Wagner Barbato (do Procon de São Caetano do Sul). Seu objetivo foi o de levantar as
questões da inclusão social e cidadania (condição da criança e do adolescente em situação de risco,
desemprego, violência e a implantação da “Loas”), buscando verificar o que foi realizado até o
presente momento e qual a visão dos convidados em relação às abordagens destes temas dentro de
um modelo de Gestão Regional.
Participaram do debate sobre “Políticas Públicas de Cultura” Altair José Moreira (da Secretaria
de Cultura de Santo André), Martha de Bethânia (da Secretaria de Cultura de Diadema), Júlio
Mendonça (da Secretaria de Cultura de São Bernardo do Campo) e José Aparecido Barbosa (da
Secretaria de Cul-tura de Mauá). Todos os municípios caminham para a implementação de políticas
que visam à parceria entre comunidade e município, procurando dessa maneira atender de forma
mais completa a demanda da população e viabilizando seu desenvolvimento sociocultural.
Fotos: Fabiano Alves/“Livre Mercado”

32 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

PLANEJAMENTO ECONÔMICO REGIONAL

CLAUDIA POLO DENADAI GONÇALVES/


CARLOS ROGÉRIO PRADO/ FRANCISCO F. DA SILVA*

1. INTRODUÇÃO politicamente neutra. Implica, na realidade,


rearticulação de interesses e realocação de recursos.
O papel do governo local varia em cada época e Pareto havia desenvolvido um conceito mais
circunstância, segundo os atores que participam da amplo de eficiência, onde ninguém melhora às custas
definição da cena política e as funções exercidas pelo da piora de alguém. Tiebout usou o conceito de Pareto
Estado no qual aquele governo local está inscrito. para desenvolver a definição do que seria um governo
Tocqueville é um dos primeiros a defender o local eficiente: todos recebem os serviços para os quais
fortalecimento do governo local como modo de há demanda econômica e ninguém recebe serviços não-
enfrentamento do poder absolutista e desenvolvimento desejados. Ao aproximar-se desse ideal, os governos
da democracia. Também em Montesquieu encontra-se locais alcançam uma relação muito favorável entre nível
a defesa da divisão de poderes e da fragmentação do de impostos cobrados e volume e qualidade de serviços
Estado em vários níveis, como modo de assegurar o prestados; assim, a localidade se torna atraente.
controle democrático do Estado. Na atual fase da economia mundial, é
Durante o período do fordismo os governos locais precisamente a combinação da dispersão global das
tiveram papéis bastante definidos. Nesse período os atividades econômicas e da integração global, mediante
Estados Nacionais têm um papel claro em relação às uma concentração contínua do controle econômico e
empresas monopolistas e intervêm no mercado através da propriedade, que tem contribuído para o papel
de renda e preços. Os principais atores políticos – estratégico desempenhado por certas grandes cidades,
sindicatos, partidos políticos – estão organizados denominadas cidades globais [global cities] (SASSEN, 1998).
nacionalmente. As atividades ligadas às guerras também Algumas têm sido centros do comércio mundial e da
colaboraram para uma maior centralização e atividade bancária durante séculos, mas, além dessas
fortalecimento dos Estados Nacionais. funções de longa duração, as cidades globais da
O papel do governo local dentro do Estado de Bem- atualidade são:
Estar é o de prestar serviços tais como educação, 1. pontos de comando na organização da economia
habitação, transportes e outros serviços sociais. Em mundial;
outras palavras, produzir os serviços de consumo 2. lugares e mercados fundamentais para as indústrias
coletivo. São essas as condições para manter a demanda de destaque do atual período, isto é, as finanças e os
e a produção em massa. serviços especializados destinados às empresas;
A crise do fordismo provoca o aumento do 3. lugares de produção fundamentais para essas
desemprego, das ocupações temporárias, a fragmentação indústrias, incluindo a produção de inovações.
da classe trabalhadora e o conseqüente enfraquecimento
dos sindicatos. As negociações deixam de ser nacionais Várias cidades também preenchem funções
para se darem no âmbito das empresas. O mercado de equivalentes em escalas geográficas menores, no que se
trabalho passa a ter um caráter mais acentuadamente refere a regiões transnacionais e subnacionais.
local, flexibilizando-se. O rápido crescimento da indústria financeira e
O fortalecimento da localidade como centro de serviços altamente especializados gera não apenas
impulsionador de políticas tem gerado, tanto nos Estados empregos técnicos e administrativos de alto nível, como
Unidos, como na Europa Ocidental, estratégias de também empregos que não exigem qualificação e que
desenvolvimento econômico local. A busca de eficiência não é apresentam baixa remuneração, além de novas

N. 2 - 1. semestre de 2000 33
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

desigualdades econômicas nas cidades, sobretudo nas 2. DESCRIÇÃO


cidades globais e em suas contrapartidas regionais.
(SASSEN, 1998). O seminário sobre Desenvolvimento
Econômico Regional, realizado no dia 20 de outubro
As cidades globais são os lugares-chaves para de 1999, buscou chamar a atenção dos atores então
os serviços avançados e para as telecomunicações presentes para a relevância dos aspectos político-
necessárias à implantação e ao gerenciamento das institucionais do Grande ABC, que, num âmbito geral,
operações econômicas globais. Segundo SASSEN (1998, encontram-se ainda negligenciados, e portanto deixando
p.47) “o surgimento de um novo tipo de sistema urbano de facilitar o desenvolvimento regional. Nesse sentido
opera em níveis regionais, globais e transnacionais. Trata- descrevermos a seguir as estratégias adotadas pelos atores
se de um sistema no qual as cidades são pontos centrais individualmente, que participaram efetivamente deste
fundamentais para a coordenação internacional e para a seminário, procurando identificar as políticas regionais
prestação de serviços das empresas, mercados e até relevantes para o desenvolvimento econômico da Região
mesmo de economias inteiras que, cada vez mais, são do Grande ABC.
transnacionais. Essas cidades despontam como lugares
estratégicos na economia global. A maioria delas, porém, São Caetano do Sul – O representante do
incluindo a maior parte das grandes cidades, não faz município de São Caetano do Sul, Jerson Ourives,
parte desses novos sistemas urbanos transnacionais. Os mostrou a preocupação em elaborar um plano de
sistemas urbanos são co-extensivos com os Estados- trabalho que se coloque regionalmente por meio das
Nação”. ações do Consórcio, da Câmara Regional do ABC e a
Talvez estejamos presenciando um processo de Agência de Desenvolvimento Econômico. O trabalho
recentralização em certas cidades que, de certo modo, desenvolvido no município prioriza a micro e a pequena
têm sido periféricas. Algumas das cidades menores da empresa, buscandosubstituir a grande empresa pelas
Europa, América e Ásia provavelmente se beneficiarão menores. Isto se deve às mudanças ocorridas nos 10
do mercado à medida que puderem expandir suas últimos anos na região do Grande ABC, com o
atividades e funcionarem como pontos de conexão com esvaziamento de grandes parques industriais, e São
regiões mais amplas. Caetano está inserido neste contexto.
Sobre esse plano de trabalho, o município partiu
Enquanto a política interna continua a reger-se
para a formação de parcerias e de campos de trabalhos.
pelas questões locais e paroquiais, o mundo – queiramos
Como parcerias foram procurados o SEBRAE e a
ou não – está entrando na era planetária, o que não
ACISCS, e compuseram um plano de trabalho, que já
implica, pelo menos a curto prazo, a redução das tensões
fazia parte das idéias do SEBRAE, a EPC – Empresa de
e conflitos e um grau mais elevado de governabilidade;
Participação Comunitária. O objetivo deste trabalho é
não se trata, apenas, de interesses econômicos. Estão
captar pequenas economias, gerando mais empregos e
em jogo os símbolos e valores que conferem significado
novos empreendedores para o município. Segundo
à existência humana, individual e coletivamente. Na
Jerson Ourives, a função do órgão público é justamente
impossibilidade de retornar ao passado ou mesmo de
criar novas ações e novas oportunidades a esses
manter o status quo, cumpre-nos desenvolver e postular
empreendedores que estavam à margem do processo.
um paradigma alternativo, com parâmetros diferentes
do Estado-Nação tradicional. À medida que o sistema Santo André – O representante do município
econômico se torna globalizante, tendem a surgir de Santo André, Ayrton Cardoso, chamou a atenção às
pressões sobre as identidades culturais, cuja diversidade raízes culturais da região, que andam esquecidas e
e riqueza constituem um dos pilares de uma sociedade precisam ser resgatadas; ao mesmo tempo, é preciso
democrática e sustentável. repensar algumas posições mais regionais e menos
“Governar tornou-se a arte de relações públicas, individualizadas. Para Ayrton, o planejamento é um
de marketing e de administração de recursos financeiros, trabalho de pesquisar, analisar, divulgar informações para
muito distante da preocupação de gerar uma cultura depois se tomar decisões seguras na execução de ações
política democrática em sociedades crescentemente futuras. A Região está passando por grandes mudanças
heterogêneas, complexas e dinâmicas e onde todos estão cujo naipe é a prestação de serviços, principalmente
em busca de seus rumos e destinos.” industriais.
34 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

Foi levantada a questão do zoneamento urbano, econômico nada mais é do que a plena utilização dos
pois é preciso se preocupar com o uso certo do solo e recursos para produzir o bem estar da humanidade, da
das águas, evitando mais poluição. Portanto, serviços população. Esse conceito vem mudando com o passar
industriais devem ser fixados em pólos industriais, e do tempo; antigamente, o que provocava o
comerciais, em zonas comerciais. Com base nesta desenvolvimento econômico eram basicamente três
questão, deve-se pensar numa melhor maneira de se fatores: a terra, o capital e o trabalho, mais tarde se
executar a cadeia produtiva da cidade. É preciso inserindo na terra os recursos naturais e mais
identificar as falhas de mercado existentes para então recentemente, com a revolução industrial, a tecnologia.
gerar incentivos e, assim, supri-las, com isso gerando Na década de 80, porém, identificou-se a existência de
novos empregos, novos postos de trabalhos e novas capitais tangíveis e intangíveis, sendo que, somados,
comunidades sem falhas de planejamento. geram o novo conceito de desenvolvimento econômico.
O município possui um programa de formação Os capitais tangíveis são a terra, capital, trabalho e
de novos empreendedores, as micro-empresas abertas tecnologia e os capitais intangíveis são os recursos que
com recursos originados de uma demissão. Segundo podem ser materiais, humanos, psicossociais e
índices do próprio SEBRAE, as micro-empresas investimentos na sociedade.
apresentam dificuldades econômicas no prazo de apenas As molas mestras para essa nova visão, para esse
2 anos, devido principalmente à falta de preparo desses novo conceito de desenvolvimento econômico são o
novos empreendedores. Nesse sentido, o município, em conhecimento científico, o consenso social e o poder
conjunto com o SEBRAE e o BID, elaborou um político coletivo. É preciso que haja na sociedade um
programa de treinamento e desenvolvimento desses consenso social e maior participação. Hoje, o conceito
empresários, para que suas empresas tenham uma de desenvolvimento é sinergético, diferentemente do
sobrevida maior. conceito que provinha da utilização dos benefícios
O município apresenta também programas de gerados pelos recursos. O importante, atualmente, é o
formação de cooperativismo entre os micro e pequenos índice de desenvolvimento humano, não interessando,
empresários para identificar novos seguimentos de por exemplo, quantas escolas existem, mas se toda a
mercado, mercados onde tais empresas não conseguem população tem acesso a elas.
atuar sozinhas por falta de demanda na produção, o que Em relação ao município de São Bernardo do
faz com que elas atuem juntas na forma de associação. Campo, dentro da Câmara foi criado um grupo para
Essa foi a forma encontrada pelo município para que as recuperar o setor moveleiro não só da cidade como
empresas obtivessem sucesso na busca de novos também da região. Este grupo conseguiu importantes
mercados. adesões, como a do SEBRAE, de prefeituras interessadas
Criou-se um conselho de desenvolvimento no projeto e do sindicato moveleiro de São Bernardo
econômico, com a participação de um conselho do Campo. Foram traçadas algumas políticas, que vão
partidário, tendo na sua composição 18 integrantes, desde a planta da fábrica até o empresário. Outro fator
sendo nove da sociedade civil para a discussão do importante no setor moveleiro é a reciclagem de resíduo
fortalecimento do desempenho em geral das empresas sólido; quanto a isso, foi feito um acordo com a FEI –
e programas ligados ao turismo. Pensa-se no turismo SBC, segundo o qual alunos orientados pelos professores
voltado para a vocação da região, o turismo cultural, desenvolveram novas técnicas para tornar esse material
realização de eventos e o turismo empresarial. economicamente viável; nesse sentido, estão procurando
Em complemento a esses programas, Santo parceiros para construir uma mini-usina para processar
André está desenvolvendo um programa chamado Santo esse material.
André Cidade Futuro, que visa a discutir o Outra política que nasceu de reuniões na Câmara
encaminhamento de projetos relativos a melhora no foi a de homogeneização das alíquotas de ISS, a qual
urbanismo, no caso o eixo Tamanduatei e a Cidade Pirelli. tem atraído empresas de serviços para a região e para os
municípios, não pela guerra fiscal, mas sim de acordo
São Bernardo do Campo – Evaristo Peroni,
com a vocação de cada uma.
representante do município de São Bernardo do Campo,
abriu seu discurso conceituando desenvolvimento Como última política, foi mencionada a rede de
econômico. Segundo Evaristo, desenvolvimento merco-cidades, que é a reunião de cidades do Mercosul

N. 2 - 1. semestre de 2000 35
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

com 500 mil habitantes ou até menos, mas que se A região do grande ABC há algum tempo vem
destacam de alguma forma em sua região. Essa rede de perdendo a interlocução com o Estado que mantinha
merco-cidades é a troca de experiências e acordos entre nas décadas de 60 e 70; assim, os municípios tiveram
essas cidades. que assumir certas atribuições. Foi através deste consenso
que o Consórcio e a Câmara foram criados, para dar
Fórum da Cidadania – O representante do maior autonomia à Região perante o Estado e maior
Fórum da Cidadania, José L. Pechtool, destacou a interlocução junto a todos os atores e agentes que
preocupação do Fórum com as políticas voltadas ao buscam minorar a crise ou até reverter seus efeitos. O
desenvolvimento econômico regional. O Fórum não as que está se fazendo é buscar um consenso entre governo,
executa, mas as formula, estuda, analisa e encaminha para entidades representativas e a sociedade.
as prefeituras, para a Câmara Regional, para quem de Desde 1997/1998, estão sendo firmados acordos
direito possa executar essas políticas. e protocolos de intenções, totalizando 21 acordos de
A preocupação inicial era a geração de emprego planejamento estratégico. Elaborou-se uma avaliação que
e de renda, pois achava-se que, dentro desta questão, proporcionou uma visão mais completa da Região,
poderia se dar a cidadania. Outra preocupação do Fórum chegando a um cenário ideal para o ABC. Foi feito um
no momento é: será que realmente haverá um documento para ser discutida a situação da Região, cuja
desenvolvimento se nós trouxermos mais grandes leitura revelou que o ABC sempre foi considerado
supermercados para a região? Como ficam os pequenos periferia da capital, porém com uma potência econômica
comerciantes? O grande desafio é trazer grandes muito grande. Para reverter a lógica da periferia urbana,
mercados sem matar os já existentes. realizou-se uma reunião no qual foram estabelecidos sete
Outra visão dentro do grupo de eixos estruturantes, que formam um conjunto de metas
desenvolvimento econômico do Fórum é a noção de a se traçar para se chegar ao cenário desejado para a
sustentabilidade que está por trás desse desenvolvimento Região. Definiram-se quais os eixos seriam trabalhados
econômico, que implica numa necessária interrelação a curto, médio e longo prazos até o ano de 2010,
entre qualidade de vida, equilíbrio ambiental e essa aproximadamente.
necessidade de desenvolvimento. Entende-se por fatores fundamentais educação
O Fórum também se preocupa com a auto- e tecnologia, seja com o intuito de melhorar o nível
gestão, no sentido de recuperação de empresas antes educacional do trabalhador ou de qualificar a população
que elas quebrem, tornando os empregados também como um todo. Quanto à tecnologia, é preciso criar
donos participantes nos rumos da empresa. Como pólos de tecnologia e pesquisa (eixo 1).
exemplo de sucesso, Auto Forja e Cobertores Paraíba. Outra questão importante é que há 56% de área
de preservação de mananciais, ou seja, áreas que nunca
Consórcio – O representante do Consórcio, foram preocupação quanto ao desenvolvimento, e que
Jorge Fontes Hereda, mostrou a preocupação do órgâo agora exigem planos para a sua sustentabilidade, em
em como chegar à sociedade mais fortemente. O busca de alternativas para que se desenvolvam de forma
planejamento estratégico na região não está relacionado ordenada, porque hoje são consideradas regiões que
com planejamento dos planos plurianuais, socialismo atrapalham a vida das pessoas.
real e similares. Seria até impossível fazer isso, pois não
existe o controle dos meios de produção. Deve-se ressaltar, ainda, na análise da pesquisa,
Com a globalização, na qual os governos do a sensibilidade e a infra-estrutura. Um eixo que mereceu
mundo estão envolvidos, até a ONU se descaracterizou destaque diz respeito à diversificação e ao fortalecimento
para descobrir soluções locais. É neste momento que dos meios e cadeias produtivas. A estrutura da região é
aparece no mundo o fato dos municípios começam a vertical, fordista. A própria pesquisa do SEADE,
assumir novos tarefas, preocupando-se com o encomendada pelo Consórcio, aponta um perfil diferente
desenvolvimento econômico, desemprego e outros do resto de São Paulo. A grande indústria no ABC é a
fatores que se concentravam em outros níveis de que mais contrata e mais gera recursos, ao contrário de
governo. Para Hereda, é preciso impor um mínimo de outras partes de São Paulo. As grandes indústrias do
regras para haja um processo de globalização que não ABC empregam 46% da população economicamente
seja tão desordenado. ativa.

36 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

Não se deseja acabar com o que o ABC tem de e a Agência de Desenvolvimento produzam programas
diferente, mas fortalecer e desenvolver adequadamente, de trabalho. A região necessita de uma resposta.
manter essa cadeia de produção, criar sinergia dentro Não é sem razão que os temas ligados a essas
dessa cadeia e conseguir uma lógica com a criação de políticas públicas estão representados no Planejamento
novas cadeias produtivas. Estratégico Regional, os famosos eixos estruturantes,
Outros eixos de discussão muito importantes são que aqui merecem uma definição: a concepção
os de caráter institucional, pois qualquer lugar que obteve estratégica compreende a realidade em permanente
um crescimento endógeno teve de considerar esta mudança, resultado do desenvolvimento dos conflitos
questão. Curitiba, por exemplo, conseguiu formar o e das disputas que o animam. O adjetivo estratégico
consenso da importância do verde na cidade. qualifica, então, algo que é orientador e estruturante de
Por fim, uma questão que não é só regional, um conjunto de ações intencionais e articuladas, voltadas
mas também mundial: a da inclusão social. ao alcance de objetivos de médio e longo prazo, em
meio a ações e reações de iniciativa externa; a formulação,
a decisão e a execução geralmente são exercidas por
3. VISÃO ANALÍTICA E CRÍTICA
diferentes atores. Nos parecem frágeis, desconectados,
Pode-se analisar os representantes municipais sem uma visão global da conjuntura a ser enfrentada.
de São Caetano do Sul, Santo André e São Bernardo Em vez de nos espelharmos nas experiências
do Campo, que trabalham na política pública de regionais de sucesso pelo mundo afora e tirarmos delas
desenvolvimento econômico em conjunto com o lições para melhor desenvolver a região, ficamos muitas
Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e a Câmara vezes admirando como algumas áreas degradadas e
Regional, como bem intencionados, transformando a ultrapassadas tecnologicamente estão conseguindo
intenção em seqüências de ações que buscam informar despontar como alternativas econômicas para o próximo
e formar para o crescimento local e regional. século, e com isso permanecer num seleto grupo de
Quando ouvimos os responsáveis por tais regiões vencedoras. Não podemos admitir a
políticas econômicas, percebemos terem conhecimento possibilidade de sermos periferia econômica da cidade
da realidade dos problemas econômicos locais, a questão de São Paulo, produzindo aproximadamente 45% da
da informalidade, dos conflitos da municipalidade com riqueza industrial do Estado de São Paulo.
o governo do Estado e dos próprios erros
administrativos ligados à burocracia, precária Não existem receitas econômicas para o
comunicação e a duplicação de esforços em nível despreparo administrativo público como precatórios,
regional. Isto posto, sucedem-se várias práticas de déficit orçamentário e outras políticas públicas
sucesso, como o fato de cada cidade contar com o seu equivocadas entre outras. Nem especialistas como Allen
mix, não havendo confronto umas com as outras, a Scott, Tomas Grohé, Jodi Borja, entre outros, podem
dar respostas para a nossa regionalidade, se entre nós
viabilização da formalidade dos empreendedores, a
isto não for aprofundado e expandido para mais
formação de cooperativas e o apoio das Associações
interlocutores locais. Não podemos crescer
Comerciais e do SEBRAE.
Para continuar nossa análise, devemos refletir endogenamente sem quebrar estas barreiras municipais.
sobre uma falha comum aos sete municípios que Muitas vezes estamos repetindo para nós mesmos as
compõem a Região em sua capacidade de interlocução ações realizadas; temos que avaliar que estas ações
para a queda de fronteiras municipais e a consecução propostas têm a dimensão de 2,5 milhões de habitantes
de programas que enfrentem os problemas, com a à espera de soluções ou de atitudes que vislumbrem uma
eleição das políticas sociais como início das estratégias possível solução.
regionais. Percebemos a pouca integração entre os
secretários e diretores municipais da região num todo,
não realizando estudos em profundidade, transferindo CONCLUSÃO
ou esperando que as lideranças regionais realizem as
políticas regionalizadas, aguardando que o Fórum da Um novo “espaço de fluxos” precisa substituir
Cidade, a Câmara Regional, o Consórcio Intermunicipal o “espaço dos lugares”. O elemento central da

N. 2 - 1. semestre de 2000 37
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

produtividade no novo modo de desenvolvimento Desde os anos 90, no Brasil, ou desde a década
informacional, que sucede ao industrial, baseia-se agora de 80, nos Estados Unidos e Europa, os municípios
na qualidade do conhecimento e no processamento da devem responder a uma agenda ampla de desafios.
informação, convertida ao mesmo tempo em matéria- “Temas como o desenvolvimento econômico, a
prima e produto, e não mais nas fontes de energia e na formação e reciclagem de mão-de-obra ou a articulação
qualidade do seu uso como no modelo anterior, de supramunicipal, que antes implicavam apenas a
acordo com CASTELLS (1995). responsabilidade de governos regionais ou nacionais,
Os aspectos da acessibilidade e da qualidade entraram na agenda municipal, somando-se a outros que
de vida oferecidos são igualmente cruciais para a demandam esforços permanentes dos governos locais
escolha da localização das sedes empresariais e dos – saúde, educação, proteção a grupos desfavorecidos”
centros de produção chaves. (PACHECO, 1999, p. 39).
Um bom exemplo é o fenômeno da “Terceira A mudança nas estratégias de localização das
Via”, considerado uma experiência bem-sucedida de empresas, que acompanhou a superação do paradigma
“desenvolvimento local endógeno”, ou seja, devido fordista de produção e os efeitos da globalização sobre
essencialmente à sua dinâmica interna, cujas a produção e os serviços trouxeram à tona um aparente
características fundamentais poderiam ser também paradoxo: a mundialização dos fluxos é acompanhada
encontradas nas grandes metrópoles, como nos distritos pela emergência da localidade. Nesse contexto, cabe aos
de alta tecnologia, eletrônica e aeronáutica, de confecção, municípios um novo desafio: serem mais competitivos,
de cinema e televisão, além do distrito comercial e por meio de estratégias que não se baseiem na guerra
financeiro central, existentes na cidade de Los Angeles, fiscal, pois esta leva a um jogo de soma zero (HARVEY,
como observa SCOTT (1994). 1996). O que se precisa é de um jogo virtuoso cuja soma
Destaque para a contribuição de Scott é o caráter seja positiva: competição e colaboração entre municípios
ainda tipicamente industrial que pode assumir o e atores sociais têm sido a chave de estratégias locais
desenvolvimento urbano, negligenciado nas análises bem-sucedidas.
anteriores que pareciam sugerir uma especialização Na administração das cidades, não há ponto de
financeira e de serviços avançados das economias equilíbrio ou movimento sem aceleração. Em
metropolitanas. decorrência de ameaças externas ou de problemas
O novo papel das cidades no quadro de próprios, a gestão de uma cidade tende a se deparar com
reestruturação produtiva e da globalização, descoladas novos desafios. Uma atitude passiva em relação ao futuro
dos contextos nos quais foram formuladas, e, assim, que se desenha deixa poucas alternativas ao
reproduzidas como leis positivas cuja validade dispensa administrador municipal, sendo a mais usual o aumento
mediações e relativizações temporais e históricas, uma dos gastos públicos para superar dificuldades decorrentes
vez tendo sido comprovadas empiricamente. da falta de planejamento. É o caminho para ampliação
A articulação entre o local e o global, o núcleo
do endividamento e o aumento de taxas e impostos. A
duro do paradigma que sugere a não pertinência do
falta de planejamento está associada a uma má
espaço, Estado e economia nacionais para o
administração financeira.
desenvolvimento econômico das cidades, bastando para Outro elemento de destaque na nova realidade
tanto estratégias endógenas de atratividade e inserção mundial globalizada é a crescente concorrência entre as
nas redes de fluxos econômicos globais, não corresponde cidades. Os municípios competem entre si na atração
à lógica do investimento estrangeiro que segue de investimentos e de visitantes. Segundo Philip Kotler,
obedecendo as antigas relações entre centro e periferia a atratividade de uma cidade é resultado da composição
(LEVY, 1998). de três capacidades: investibilidade, habitabilidade e
Borja & Castells consideram que é na articulação visitabilidade. Essas três capacidades reforçam-se
entre o local e o global que se encontra, em última mutuamente, concorrendo para a melhoria contínua da
instância, “a fonte dos novos processos de situação das cidades. Em outras palavras, quem quer
transformação urbana, e, portanto, os pontos de investir busca cidades bem administradas e com boa
incidência de políticas urbanas, locais e globais, capazes qualidade de vida.
de inverter o processo de deterioração da qualidade de É interessante notar que o descobrimento do
vida nas cidades” (1998, p .35). papel a ser exercido pelo município no campo social
38 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

ocorreu tanto pelo lado dos que advogam os princípios CASTELLS, M. La ciudad informacional. Tecnologías de la
econômicos neoliberais, como daqueles que, apesar da información, reestructuración económica y el processo urbano-
crise financeira do Estado, do tamanho do desemprego regional. Madrid: Alianza Editorial, 1995.
e da competitividade internacional provocada pelo DUNLEAVY, P. Urban Political Analysis, The Politics of
aprofundamento da mundialização do capital, ainda Collective Consumption. London: Macmillan, 1980.
defendem a manutenção da proteção social concedida
pelo Welfare State. Dessa forma, hoje é possível se GEDDES, Patrick. Cidades em evolução. Campinas: Papirus,
encontrar, discutindo a mesma agenda, políticos, 1994.
GOLDSMITH, M. “The Future of Local Government”,
administradores e pesquisadores de origem ideológica
paper apresentado para a Conference on the future of
diferente. Embora com motivações diferentes, todos
European Cities. Porto, Portugal: European Science
buscam a melhor maneira de o município assumir o papel
Foundation, 1991.
de organizador e ou executor de diferentes políticas
sociais. Todos acreditam que o município tem vocação HARVEY, D. Do gerenciamento ao empresariamento:
para fazer uma política social mais integrada, mais a transformação da administração urbana no
eficiente, mais participativa e mais eqüitativa. capitalismo tardio. Espaço & debates, ano XVI, n. 39.
Com todas essas nuances, os processos de 1996, p. 121-45.
municipalização, democratização e, agora, de LASH, S. e URRY, J. The end of organized capitalism. Oxford:
globalização, deram maior legitimidade aos governos Poity Press/Basil Blackwell,1987.
locais e fizeram emergir a cidade, no Brasil, como ator LEVY, Evelyn. Democracia nas cidades globais, um estudo sobre
político capaz de assumir acordos e associações, Londres e São Paulo. São Paulo: Studio Nobel, 1998.
passando a representar o papel de pólo central na
articulação entre a sociedade civil, a iniciativa privada e PACHECO, Regina Silvia. Administração pública
as diferentes instâncias do Estado (CASTELLS & gerencial: desafios e oportunidades para os
BORJA, apud VIANNA, 1998). municípios brasileiros. In: O Município no Século XXI:
Percebe-se que os representantes das prefeituras Cenários e Perspectivas. São Paulo: Fundação Prefeito
reunidos no IMES não conseguiram disfarçar a Faria Lima – Cepam, 1999.
dificuldade de não gozarem de autonomia funcional para SASSEN, Saskia. As cidades na economia mundial. São Paulo:
desenvolver políticas públicas que satisfaçam as Studio Nobel, 1998.
necessidades regionais, pois as secretarias ou diretorias SCOTT, Allen J. A economia metropolitana.
da área econômica passaram a integrar as preocupações Organização industrial e crescimento urbano”. In:
municipais a partir de 1997 e, em nível regional, a partir BENKO, Georges e LIPIETZ, Alain (orgs). As regiões
de 1998, com a Agência de Desenvolvimento ganhadoras. Distritos e redes: os novos paradigmas da geografia
Econômico. Nota-se que a estrutura atual é insuficiente econômica. Oeiras: Celta Editora, 1994, p. 63 –73.
para atender à demanda existente, concentrando os
esforços somente em seus municípios. Os VIANNA, A. L. D. Novos riscos, a cidade e a
administradores públicos da região ainda não intersetorialidade das políticas públicas. Revista de
perceberam que o temário regional vai além de questões Administração Pública, v. 32, n. 2, 1998, p. 23-33.
econômicas e socioculturais, que se desdobram nos RATTER, Henrique. Liderança para uma sociedade
chamados sete eixos estruturantes da Câmara do Grande sustentável. São Paulo: Studio Nobel, 1998.
ABC.

BIBLIOGRAFIA

BORJA, J. e CASTELLS, M. Local y global. La gestión de


las ciudades en la era de la información. Madri: Taurus, * Alunos do PMA do CEAPOG-IMES.
1998.
N. 2 - 1. semestre de 2000 39
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

INCLUSÃO SOCIAL E CIDADANIA NO SÉCULO XXI

“ Cada pessoa equivale a um grão de areia, mas


uma multidão é como uma pedra de
ouro.” Provérbio chinês

RESUMO: Este artigo tem como objetivo abordar as KEY WORDS: public politics; social inclusion;
políticas públicas de Inclusão Social e Cidadania, na citizenship.
região do grande ABC, e o que se tem feito para
minimizar essa problemática, que a cada dia ocupa mais
espaço no meio social. 1. INTRODUÇÃO
O texto é embasado nos depoimentos de
representantes das prefeituras e ONGs, responsáveis Os alunos do curso de Mestrado em
por essas políticas, durante o 2º Seminário realizado pelo Administração do IMES, dentro da linha temática
Laboratório de Gestão da Sociedade Regional, no curso “Gestão da Sociedade Regional”, e orientados pelos
de Mestrado do IMES, realizado em outubro de 1999, e professores Luiz Roberto Alves e Jeroen Klink,
complementado com referencial teórico. promoveram em outubro de 1999 o 2º Seminário sobre
O que se pode observar é que as políticas de Políticas Públicas, destacando as políticas de
Inclusão Social e Cidadania são trabalhadas localmente, Planejamento Estratégico, Inclusão Social e Cidadania e
sem a preocupação de se criar um plano mais abrangente, Políticas de Culturas.
para facilitar as ações de Inclusão Social e a prática da No encontro estiveram presentes Marcos
Cidadania regionalmente. Antônio Gonçalves, diretor da AVAPE (Associação para
Valorização e Promoção de Excepcionais); Cormarie G.
ABSTRACT: This article has the purpose of Perez, assistente social da prefeitura de Ribeirão Pires,
approaching the public politics of Social and Citizenship Marlene B. Zola, representante da Secretaria de
Inclusion, in the Greater ABC region, and what has been Desenvolvimento Social e Cidadania de São Bernardo
done for reducing this problem, which day by day is do Campo; Gil Gonçalves Júnior, Secretário do Bem-
increasing in the social atmosphere. estar Social de Mauá; Olivier Negri Filho, vereador de
The text is based in the ONGs and Town halls Mauá, e Wagner Barbato, diretor do Procon de São
delegates’ depositions, responsables by these politics, Caetano do Sul.
during the 2nd Seminar accomplished by the Regional O presente artigo abordará as políticas públicas
Society Administration Laboratory, in the IMES de Inclusão Social e Cidadania, e se estas políticas estão
mastership course, which had taken place in October conseguindo equacionar problemas relacionados ao
1999, and was complemented by the theorical desemprego, geração de renda, desigualdade social,
reference. portadores de deficiência física e direitos à Cidadania.
It can be observed that the politcs of Social A exclusão social é crescente em todos os
Citizenship Inclusion are worked on the premises, segmentos sociais, principalmente após o início dos anos
without the concern to produce a plan of inclusion to 90, com a globalização, quando regiões e países mais
make easy the Social Inclusion and the practice of the desenvolvidos usufruem de riqueza, progresso, melhores
Citizenship regionally. condições de vida, e os demais são condenados à
exclusão, à marginalizacão e à miséria.
PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas; inclusão Na América Latina, com o perde-ganha da
social; cidadania. abertura ao comércio e aos investimentos externos,
40 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

for mado, de um lado, por polarização social e organizado, a agressão ao meio ambiente e a
deterioração das condições de emprego e, de outro, por desigualdade social.
sofisticação da produção e amadurecimento da relação Explodirão operações pessoais via redes
empregado-empregador, há um movimento multi- eletrônicas, a crença na solidariedade , na auto-ajuda e a
direcional de inclusão e exclusão social. adesão às tecnologias de informação.
Segundo Gilberto Dupas, há uma dialética da Várias cidades se rebelarão contra governos
inclusão e da exclusão social em países periféricos como centrais, provocando grandes crises nos Estados-nação.
o Brasil: a primeira se dá por meio do trabalho flexível e Haverá grande aumento da participação
informal, enquanto a segunda consiste na eliminação do comunitária, os setores públicos e privados sem fins
emprego formal. lucrativos intensificarão as parcerias com ONGs ativas,
No Brasil, há dez anos havia um milhão de promovendo a educação e a assistência social.
bancários empregados, hoje são 450 mil. No Grande Hoje, os principais países estão se preocupando
ABC, em 1995, as empresas metalúrgicas empregavam com os gastos de bem-estar social, que crescerão nas
150 mil, hoje são 35 mil. próximas décadas. Uma das razões para isso é o rápido
Entre 1991 e 1998, o número de empregos aumento do número de idosos em todos os países,
formais caiu 27%, enquanto os informais aumentaram inclusive o Brasil.
32%. Há uma fragmentação da cadeia produtiva, que As necessidades sociais ocorrerão de duas
busca fatores mais favoráveis como mão-de-obra mais formas: por caridade, por meio de ajuda aos pobres,
barata, trabalho infantil ou leis ambientais mais flexíveis. incapacitados, desamparados e vítimas, e por mudanças
Em São Paulo, atualmente existem 8,4 milhões na comunidade decorrentes da força de trabalho e nas
de pessoas abaixo da linha de pobreza, com renda per pessoas pela demanda por aptidões e conhecimento,
capita mensal de R$ 149,00, segundo pesquisa realizada devido à exigência do mercado de trabalho por
pelo IPEA. qualificação da mão-de-obra.
Um dos problemas sociais que preocupam as O estudo faz um alerta para reflexões sobre as
sociedades do mundo todo neste fim de século é a políticas públicas implementadas hoje no mundo.
exclusão social, contingente de excluídos que coloca em
risco cada vez mais o menor número de incluídos.
Segundo Dom Helder Câmara, ex- arcebispo do 2. REFLEXÃO SOBRE POLÍTICAS
Recife, os excluídos são os analfabetos, os PÚBLICAS E DE INCLUSÃO SOCIAL
desempregados, vítimas da globalização e da automação,
quando o mercado passou a exigir um menor número “Políticas Públicas são ações dos governos
de empregados e profissionais mais qualificados. destinadas a distribuir e alocar valores para a
São os pobres que têm fome e sede de justiça, comunidade” (FINGERMANN, 1992).
que desejam estudar e não encontram vagas, os que pre- Políticas Públicas também podem ser entendidas
cisam de saúde e o Estado não oferece; os aposentados, como ações de atores políticos, visando a uma melhor
deficientes físicos, que não são respeitados em seus qualidade de vida cultural e social, e ao desenvolvimento
direitos mais legítimos. Diante desse quadro, uma questão da cidadania e das necessidades básicas de seus cidadãos,
pode ser formulada: como será o próximo século? como educação, saúde, emprego e lazer.
Segundo um estudo sobre os cenários futuros, Segundo Luiz Roberto Alves, Políticas Públicas
visto por um observador no ano de 2010, realizado pela devem constituir-se em um processo de trabalho onde
Forward Studies Unit (órgão da Comissão Européia), os objetivos e metodologias são fundamentados na
citado por Gilberto Dupas, a Terceira Revolução participação grupal ou coletiva. As ações e
Industrial será acompanhada por uma explosão da procedimentos capazes de produzir a interação e os
capacidade empresarial ligada à tecnologia da objetivos devem considerar a criação simbólica das
informação, inovação tecnológica e capacidade de pessoas e instituições envolvidas e ser abrangentes,
organização, com grande ênfase na iniciativa e na quanto à difusão e ao consumo de bens socioculturais.
autoconfiança.
O consumismo será exacerbado e a exclusão Em um processo de Políticas Públicas, é
social aceita como inevitável. Crescerão o crime necessária a participação de três atores. O gerador é

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aquele que implementa a Política Pública. O transmissor sobre soluções e efetivar a equiparação de
é aquele que a executa, difunde e desenvolve. Já o oportunidades para todos (SASSAKI, 1997, p.3).
receptor se beneficia dela e fornece feedback ao agente Em várias partes do mundo, já é realidade a
gerador, de forma que permita uma avaliação constante prática da inclusão, tendo as primeiras tentativas
da Política Pública implementada, bem como de seus começado há cerca de 10 anos nos Estados Unidos e na
resultados. Europa. O processo de inclusão vem sendo aplicado
Portanto, políticas públicas são ações geradas em cada sistema social; quanto mais sistemas comuns
por discurso e produção de atores envolvidos num da sociedade adotarem a inclusão, mais cedo se
processo de trabalho político, visando à melhoria na completará a construção de uma verdadeira sociedade
qualidade de vida, ao desenvolvimento da cidadania e para todos, “a sociedade inclusiva”.
ao atendimento de outras necessidades e desejos sociais. A ONU (Organização das Nações Unidas) foi
Segundo Shahif Yusuf, assessor do Banco provavelmente a primeira entidade a cunhar explicita-
Mundial de Desenvolvimento (BIRD), o último relatório mente a expressão “sociedade para todos”, que está regis-
do BIRD sobre a globalização no século XXI destaca trada na resolução 45/91 da Assembléia Geral das Na-
quatro pontos essenciais para o sucesso de políticas ções Unidas, ocorrida em 1990. Desde então, seus docu-
públicas nesse próximo milênio: mentos vêm relembrando constantemente a meta de uma
– a estabilidade macroeconômica é essencial para sociedade para todos em torno do ano 2010. Em outras
o crescimento e indispensável para o desenvolvimento; palavras, foi dado ao processo de consecução da meta
– as políticas públicas devem priorizar as de uma sociedade inclusiva o prazo de cerca de 20 anos
necessidades humanas; (1991-2010).
– nenhuma política isolada promoverá o Para apoiar ações concretas nesse sentido, existe
desenvolvimento, é necessária uma abordagem o Fundo Voluntário das Nações Unidas sobre
abrangente; Deficiência, aprovado pela Assembléia Geral por meio
– o desenvolvimento sustentado precisa ser da resolução 40/31 (UNITED NATIONS, 1997, p. 5).
socialmente inclusivo e flexível para adaptar-se à Os governos têm responsabilidade direta de
evolução das circunstâncias. criar ações para minimizar esse problema, por meio da
promoção do crescimento econômico sustentado, com
a adoção de políticas corretas. Devem promover
programas em parceria com o setor privado destinados
3. POLÍTICAS DE INCLUSÃO SOCIAL ao treinamento dos trabalhadores dispensados e reciclar
E CIDADANIA aqueles que ainda se encontram empregados. Estimular
a flexibilização de regras relativas às relações de trabalho,
Dentre as Políticas Públicas, a de Inclusão Social
de modo a preservar o número de empregos, e facilitar
e Cidadania, tema desse artigo, constitui a prática mais
as negociações entre empresas e trabalhadores. Por fim,
recente de que se tem notícia no campo das necessidades
viabilizar a concessão de créditos pelos bancos estatais
especiais, tanto no Brasil como em outros países.
e a inclusão de incentivos na legislação tributária
A Inclusão Social vem aos poucos substituindo
(CARDOSO, 1996).
a prática da integração social, que há quatro décadas “A sociedade para todos, consciente da
ocupa o lugar da segregação e da exclusão de pessoas diversidade da raça humana, é aquela que estaria
consideradas diferentes da maioria da população de estruturada para atender às necessidades de cada cidadão,
qualquer sociedade. das maiorias às minorias, dos privilegiados aos
Conceitua-se a inclusão social como o processo marginalizados” (WERNECK, 1997, p. 21).
pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em A prática da inclusão social repousa em
seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades princípios até então considerados incomuns, tais como:
especiais que, simultaneamente, preparam-se para a aceitação das diferenças individuais, a valorização de
assumir seus papéis na sociedade. cada pessoa, a convivência dentro da diversidade
A inclusão social constitui, então, um processo humana, a aprendizagem por meio da cooperação.
bilateral no qual as pessoas (ainda excluídas) e a sociedade A diversidade humana é representada,
buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir principalmente, por origem, nacionalidade, opção sexual,
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religião, gênero, cor, idade, raça e deficiência. Assim, a sociedade é chamada a ver os
Para incluir pessoas, a sociedade deve ser modi- problemas que ela cria para as pessoas portadoras de
ficada, a partir do entendimento de que ela é que precisa necessidades especiais, causando-lhes incapacidade (ou
ser capaz de atender às necessidades de seus membros. desvantagem) no desempenho de papéis sociais em
A inclusão social, portanto, é um processo que virtude de: seus ambientes restritos; suas políticas
contribui para a construção de um novo tipo de discriminatórias e suas atitudes preconceituosas que
sociedade por meio de transformações, pequenas e rejeitam a minoria e todas as formas de diferenças; seus
grandes, nos ambientes físicos (espaços internos e discutíveis padrões de normalidade; seus objetos e
externos, equipamentos, aparelhos e utensílios, outros bens inacessíveis do ponto de vista físico; seus
mobiliário e meios de transporte), nos procedimentos pré-requisitos atingíveis apenas pela maioria
técnicos e na mentalidade de todas as pessoas, portanto aparentemente homogênea; sua quase total
também do próprio portador de necessidades especiais. desinformação sobre necessidades especiais e sobre
direitos das pessoas que têm essas necessidades; suas
práticas discriminatórias em muitos setores da atividade
4. POLÍTICAS DE INCLUSÃO SOCIAL E humana.
O DEFICIENTE FÍSICO Atualmente, vem crescendo muito a parceria
entre setores públicos e privados, ONGs em projetos
Os praticantes da inclusão social de deficientes sociais, buscando a inclusão na sociedade de pessoas
físicos se baseiam no modelo social da deficiência, no menos favorecidas.
qual os problemas das pessoas com necessidades espe- O incentivo às organizações comunitárias
ciais não estão nelas, mas na sociedade em que elas vivem. autônomas no setor social é um passo importante na
Para WESTMACOTT (1996), “o modelo social reformulação do governo para que ele recupere seu
da deficiência diz que são as atitudes da sociedade e o desempenho.
nosso ambiente que necessitam mudar”. Assim, a inclusão social pode ocorrer no
FLETCHER (1996, p. 7) explica que o modelo mercado de trabalho, na educação, no esportes e lazer,
social da deficiência “focaliza os ambientes e barreiras etc. Quando isso acontece, pode-se falar em:
incapaci-tantes da sociedade e não as pessoas deficientes.
O modelo social foi formulado por pessoas com
deficiência e agora vem sendo aceito também por Empresa inclusiva
profissionais não-deficientes. Ele enfatiza os direitos hu-
manos e a equiparação de oportunidades”. Diz-se que a empresa é inclusiva quando não
Em meados da década de 80, CLEMENTE exclui funcionários ou candidatos a emprego em razão
FILHO (1985, p. 21-22) já afirmava que a comunidade de qualquer atributo individual do tipo: nacionalidade
como um todo deveria aprender a ajustar-se às (país de nascimento), naturalidade (cidade de
necessidades especiais de seus cidadãos portadores de nascimento), sexo, cor (etnias diversas), deficiência (física,
deficiência. Para este autor, o desenvolvimento (por mental, visual, auditiva ou múltipla), compleição
meio da educação, reabilitação, qualificação profissional anatômica (gordas, magras, altas, baixas), idade etc. Todos
etc.) das pessoas deficientes deve ocorrer dentro do os funcionários, com ou sem alguns desses atributos
processo de inclu-são e não como um pré-requisito para individuais, trabalham juntos.
que possam fazer parte da sociedade, como se elas Empresas que investem na implementação de
“precisassem pagar ‘ingressos’ para integrar a uma filosofia de inclusão social, no ambiente de trabalho,
comunidade” (1996, p. 4). preocupam-se em:
– adaptar alguns postos de trabalho bem como
Cabe, portanto, à sociedade eliminar todas as ferramentas e procedimentos;
barreiras físicas, programáticas e atitudinais para que as – revisar a política de admissão e desen-
pessoas com necessidades especiais possam ter acesso volvimento de recursos humanos;
aos serviços, lugares, informações e bens necessários – capacitar seu quadro de pessoal a respeito de
ao seu desenvolvimento pessoal, social, educacional e abordagens inclusivas na empresa.
profissional. Buscam, assim, melhoria nas relações de
N. 2 - 1. semestre de 2000 43
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

trabalho; aumento da produtividade com qualidade e – .adaptar regras bem como procedimentos e
criatividade; maior satisfação de empregados e recursos físicos para cada atividade;
dirigentes, e melhoria da imagem da empresa perante a – capacitar monitores de lazer, esporte e re-
creação–a pesquisar
respeito deexperiências
abordagensde inclusãoinclusivas;
e técnicas no lazer,
comunidade local e internacional. esporte e recreação.
Educação inclusiva
Na área da educação, escolas que implementam O empenho desses centros de recreação e de
políticas de inclusão social não excluem alunos, sejam seus atores na implementação da filosofia de inclusão
eles crianças ou jovens candidatos à matrícula em razão social no lazer e nos esportes poderá proporcionar um
eaumento
melhoria na
da competência
variedade de física e social, esociais
modelos crescimento
pela
de: sexo, cor (etnias diversas), deficiência (física, mental, do senso dedos
‘pertencer à comunidade’.
visual, auditiva ou múltipla), classe social (situação sócio- diversidade participantes; aumento da auto-estima
econômica), condições de saúde (vírus HIV, epilepsia,
Cidadania
síndrome de Tourette, transtorno mental etc.) e outros.
Todos estudam juntos nas mesmas classes.
Tomam algumas medidas simples e econômicas
como: Cidadania é a disposição de contribuir para o
– investir no capital humano; país. Significa compromisso ativo, responsabilidade,
país.
fazerSem cidadania
diferença a política se esvazia,
na comunidade, o nacionalismo
na sociedade, no seu
– adaptar recintos da escola bem como técnicas
didáticas e atividades de aprendizagem; se degenera (DRUKER, 1999, p. 159, 161,162).
– revisar a política de contratação e
treinamento de professores e funcionários; para É promover uma mudança de consciência nas
professores de educação especial e do ensino regular, pessoas, mostrando a elas a necessidade de se
adotar esquemas de apoio e treinamento, para trabalhar reconhece-rem como agentes de transformação no meio
de
em que
que évivem.
preciso agirisso,
Para localmente, fazendo
é necessário o que
divulgar for
a idéia
com alunos que apresentem necessidades especiais,
decorrentes ou não da deficiência; possível, pen-sando que a mudança de atitudes em nível
– capacitar seu quadro de pessoal a respeito local irá se refletir como um exemplo a ser seguido em
de abordagens inclusivas na escola. nível global.

É mudança da mentalidade comum de que não


A implementação de uma filosofia de inclusão
é possívelÉsea fazer
mundo. buscanada
das em favor do melhoramento
semelhanças do
ao invés de foco
social no ambiente educacional poderá proporcionar
melhoria nas relações entre os estudantes e professores, nas diferenças. É a divulgação de idéias que possam
na qualidade de ensino e no desempenho escolar de contribuir para o melhoramento da comunidade e do
todos os alunos; maior satisfação de alunos e mundo, por meio da cooperação entre as pessoas.
professores, e melhoria da imagem da escola perante
as famílias e a comunidade local e internacional. A educação é um fator primordial para formar
atores multiplicadores
o bem-estar de ações
de todos, pois coletivas,
a educação voltadasaopara
possibilita ci-
A educação promove uma força de trabalho me-
dadão uma capacidade melhor de reflexão, quanto aos
lhor preparada transformação
em constante para enfrentar ose desafios
é fundamental para o
de um mundo
exercício da cidadania. seus direitos e deveres, dentro da sociedade em que vive.

Esporte e lazer inclusivos A sobrevivência na sociedade depende cada vez


mais de conhecimento, pois diante da complexidade da
interpretar
organizaçãoinformações impede
social, a falta a participação
de recursos para efetiva
obter ee
As áreas de lazer e esportes públicas ou privadas a tomada de decisões em relação as problemas sociais.
que se preocupam com a inclusão social não excluem Impede, ainda, o acesso ao conhecimento mais elaborado
de suas atividades pessoas em razão de qualquer atributo e dificulta o acesso ao trabalho.
individual. Todos os participantes, com ou sem alguns
atributos individuais, participam juntos no lazer e nos
esportes. Tomam algumas medidas simples e econômicas 5. O LOCAL E A INCLUSÃO SOCIAL
como:
44 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

6. RELATÓRIO DO SEMINÁRIO
O século XXI está criando uma nova realidade Estes representantes abordaram projetos de
real. asEcidades,
para as cidades, embora
o local interagenem
com sempre de tempo
o global em forma inclusão social que estão sendo desenvolvidos em seus
satisfatória, devido a seus restritos recursos para investir municípios, bem como seus pontos de vista em relação
na área social, ainda acabam sendo mais eficientes e a essa problemática. Procuramos elencar de maneira
eficazes do que o governo central. sintética as idéias e propostas de cada expositor.
Marcos Antônio Gonçalves, diretor da AVAPE,
As cidades que entenderem que são o centro
de gravidade de atividades econômicas sociais, (Associação para Valorização e Promoção de
políticas, culturais e lugar de identificação poderão criar Excepcionais), sediada em São Bernardo do Campo,
modelos e políticas adequadas, contribuindo para o bem representante do terceiro setor, iniciou sua apresentação
estar de seus munícipes (FACHIN e CHANLAT, 1998). falando sobre a importância das ONGs no atual
Borja & Castells consideram que é na articulação contexto nacional e mundial.
novos
entre oprocessos
local e o de transformação
global urbana“ae, fonte
que se encontra portanto,
dos O terceiro setor no mundo, segundo ele, é um
os pontos de incidência de políticas urbanas, locais e
dos setores que mais movimentam capitais e geram 8%
globais, capazes de inverter o processo de deterioração
dos empregos:
entidades. É o só no que
setor Brasilvem
temos cerca de 200.000
empregando mais e
da qualidade de vida nas cidades” (1998, p. 35).
crescendo de forma violenta (70% das entidades
As cidades têm encontrado certa dificuldade surgiram a partir de 1982). Seus integrantes são
para atender às necessidades sociais, pois as despesas voluntários, portanto quem está salvando o país quanto
têm crescido muito mais que as receitas nesse setor, aos trabalhos de caráter social é o terceiro setor.
devido ao aumento da demanda por serviços públicos, A AVAPE é uma entidade filantrópica sem fins
da população mais carente. lucrativos, a primeira a ter ISO 9002, que atende, hoje,
No Planejamento Regional Estratégico do ABC, sete mil pessoas portadoras de deficiência. Emprega,
aprovado em 02 ago. 1999, no Eixo Estruturante nº 7, em média, 1.300 por ano, e tem mais de 40 unidades.
que trata da Inclusão Social, foram destacados programas Seu foco principal está em São Paulo, Grande ABC e
e ações para serem desenvolvidos nos próximos 10 anos, Vale do Paraíba e sua filosofia é desenvolver trabalho
como: programa de renda mínima; frentes de trabalho; junto com a sociedade.
estímulo a cooperativas de trabalhadores; amparo à O projeto Avape Verde envolve produtos
criança; campanha de orientação para prevenção de cultiva-dos sem agrotóxico, que serão comercializados
urbanização
drogas; apoiodeàfavelas;
pessoa ampliação
portadora dade oferta de moradia
deficiência física; no mer-cado. O Pão de Açúcar emprega idosos,
pelo CDHU; redução dos índices de violência e presidiários e portadores de deficiência.
criminalidade; implantação de policiamento comunitário, Um acordo com o SEBRAE envolve pequenas
entre outros. entidades, pois são essas pequenas entidades que
atendem à grande demanda de excluídos.
Na região do Grande ABC, os governos locais,
o Fórum da Cidadania, a Câmara Regional e ONGs, já Marcos Antônio Gonçalves critica a ausência
estão desenvolvendo alguns desses projetos relacionados de políticas públicas específicas, o uso inadequado de
com a geração de emprego e renda, saúde, violência verbas e a postura do Estado que, em alguns momentos,
contra mulheres e adolescentes, alfabetização de adultos, segundo ele, não atua como parceiro do terceiro setor,
programas voltados à criança, segurança pública, mas como oponente. Ressalta a importância de se iniciar
habitação, saúde e outros. trabalhos em nível local, e destaca órgãos como Câmara
Regional, Fórum da Cidadania e Agência de
Desenvolvimento, para o fortalecimento do Grande
Esses projetos foram relatados pelos secretários ABC como região. Lembra da necessidade de trabalhar
polí-ticas de inclusão, voltadas não só ao PPD, mas
das prefeituras dos municípios que compareceram ao também às minorias como negros, mulheres e idosos. A
2º Seminário sobre Políticas Públicas, ONGs e sociedade soma de todas estas minorias constitui uma grande
civil dos municípios da Região do Grande ABC. maioria.
N. 2 - 1. semestre de 2000 45
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

Cor marie G. Perez, assistente social da trabalhar políticas dentro de um contexto regional.
Prefeitura de Ribeirão Pires, destacou programas que Hoje, São Bernardo do Campo, em parceria com a
norteiam a condução dessas políticas; o enfrentamento Câmara Regional do ABC, trabalha o projeto “Criança
à pobreza tendo como eixo a família; extensão aos Prioridade 1”, voltado para políticas públicas de
direitos de cidadania; mobilização social, e fortalecimento cultura, educação e trabalho. Os cursos de iniciação
permanente dos mecanismos de gestão. profissional, que preparam jovens para o mercado de
O projeto de complementação de renda, em trabalho, já prepararam mais de 2.500 jovens em 4
parceria com o Governo do Estado de São Paulo, meses.
atende atualmente 54 famílias com renda de até 2 Marlene B. Zola citou uma cooperativa de
salários mínimos, e que tenham filhos menores de 18 costureiras (onde se trabalha a cultura de associativismo),
anos. A família recebe 50 reais por criança que estiver o programa de qualificação profissional a vários
na escola, sendo o valor pago proporcional ao número segmentos da sociedade, e o programa de
de crianças que freqüentam a escola. complementação de renda que atende a cerca de 200
O Integrar, criado em parceira com a CUT, visa famílias carentes.
à qualificação profissional de trabalhadores desem- A Secretaria de Desenvolvimento Social e
pregados para o mercado de trabalho, formando mão- Cidadania vem desenvolvendo programas que possam
de-obra mais especializada. construir a base de uma sociedade que prioriza a questão
Quanto ao direito à Cidadania, a sessão de da cidadania e do desenvolvimento humano.
assuntos jurídicos dá assistência à criança e ao Gil Gonçalves Júnior, secretário do Bem-estar
adolescente e encaminha menores infratores julgados Social da Prefeitura de Mauá, diz que a assistência social
pelo Poder Judiciário a prestar serviços à comunidade do ponto de vista de políticas públicas é muito recente,
como reparação do mal causado à sociedade. começou a partir de 1993.
No que concerne aos portadores de deficiência, Ele destaca a importância de pensarmos
há somente a APAE. O município também conta com a regionalmente, lembrando problemas comuns à região
Casa da Juventude, o Centro de Referência do Idoso, a como desemprego, habitação, educação etc. Para Gil
Casa da Cidadania, onde funciona o Procon e o Conselho Gonçalves Júnior, um dos grandes fatores para que o
Tutelar do Menor e é feito o atendimento e orientação trabalho regional seja fortalecido é o desenvolvimento
ao munícipe, quanto a suas necessidades básicas. de parcerias com Organizações Não-Governamentais,
No que se refere aos migrantes e moradores de criando-se assim uma rede de trabalho com qualidade.
rua de Ribeirão Pires, ainda não existe programa algum Para ele, o problema dos moradores de rua deve
sendo desenvolvido. ser resolvido regionalmente, já que se deslocam com
Segundo Cormarie G. Perez, os menores facilidade.
infratores e os direitos da criança e do adolescente devem tano doWagner Barbato,
Sul, enfatizou diretor do Procon
a importância de São Cae-
da conscientização
ser tratados regionalmente. da população quanto aos seus direitos sociais. Destacou
Em sua exposição, Cormarie G. Perez salientou o Procon, que a cada ano atende a um maior número
as dificuldades na aplicação de recursos financeiros, em de reclamações de serviços públicos e privados, o que
virtude das limitações do município. contribuiu para uma melhoria na qualidade dos serviços
Marlene B. Zola, representante da Secretaria e produtos, bons indícios de que a sociedade está
de Desenvolvimento Social e Cidadania de São valorizando seus direitos de cidadão.
Bernardo do Campo, destacou que a reordenação de Ele destacou também os programas sociais da
políticas públicas (até então muito diversificadas e
prefeitura que dão muita importância à criança e ao
segmentadas) e a criação da Secretaria de
adolescente na área de esporte, educação, e os
Desenvolvimento Social e Cidadania foram grandes
vitórias da atual administração.
A transformação da Fubem em Fundação programas voltados à terceira idade, os quais
Criança deu uma nova lógica de funcionamento e proporcionam aos idosos uma vida mais saudável e
proporcionou o repensar da instituição e suas diretrizes. participativa.
Também foi colocado o interesse do município em
Segundo Olivier Negri Filho, vereador de Mauá,
46 N. 2 - 1. semestre de 2000
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

há excelentes leis, mas não colocadas em prática, o que Urge criar massa crítica, abrir polêmicas e
dificulta a evolução e a condução das políticas públicas. expectativas de soluções para os problemas em
Sendo assim, para que ocorram mudanças é conjunto com a sociedade local e regional; estimular a
fundamental que as pessoas adquiram consciência participação de representantes dos sete municípios em
crítica e cidadania. encontros de interesses comuns, para equacionar
problemas sociais, de meio ambiente, que afetam toda
7. ANÁLISE CRÍTICA a região; facilitar a troca de informações entre secretarias
e órgãos competentes sobre projetos que sejam de
A necessidade de se pensar em Políticas interesse comum, e que propiciem o aumento da
inclusão social; despertar na sociedade o compromisso
Públicas em âmbito regional ficou evidente na fala de
com a região, pois é o lugar em que se vive, local do seu
todos os participantes. Pode-se observar que esta
cotidiano, de sua sobrevivência e desenvolvimento.
necessidade, em grande parte das colocações, está
A Região do Grande ABC é muito importante
atrelada a questões pontuais. Não se fala em um
no contexto social, tem uma das melhores renda per
planejamento de Políticas Públicas regionais de capita do país é considerada o maior pólo industrial de
para outrase poderá
São Paulo, regiões.se tornar um modelo de gestão social
maneira mais ampla, falta comunicação e troca de O curso de mestrado de Gestão da Sociedade
informação entre os representantes dos sete municípios. ALVES, Luiz Roberto. Políticas Sociais; como localizá-las,
Regional tem como objetivo criar um banco de dados
pro ceder a sua avaliação e superar deficiências em
Hoje, o Grande ABC passa por um momento sua prática social. Apostilado. São Paulo: ECA/USP,
de transição. Verifica-se redução nos postos de trabalho, 1998.
em função do esvaziamento do setor industrial na região
CAMPANS, Rose. O paradigma das global cities nas es
e um crescimento das demandas sociais. Com isso tem- tratégias de desenvolvimento local. O local e o global.
se um número cada vez maior de excluídos, e por Revista de Estudos Urbanos e Regionais n. 1. São Paulo:
conseqüência a necessidade de uma quebra de fronteiras USP, maio 1999.
municipais e de paradigmas na concepção de Políticas CARDOSO, Fernando Henrique. Conseqüências sociais da
Públicas de Inclusão e Cidadania. globalização.[Conferência] Nova Delhi, Índia, 27 jan.
Algumas ações práticas, como a criação dos 1996.
centros de referência do idoso, mulher, juventude e DRUKER, Peter Ferdinand. Sociedade pós- capitalista.São
deficiente, bem como os esforços em capacitar e Paulo: Pioneira, 1999.
recapacitar mão-de-obra, são indícios de que o Grande DUPAS, Gilberto. Globalização promove inclusão e
ABC começa a caminhar para um processo de exclusão social, O Estado de São Paulo, 5 dez. 1999,
mudanças, que
problemas masa ainda
região éenfrenta.
muito pouco, diante dos Caderno B4.
DUPAS, Gilberto. Onde está o poder econômico no sé
culo 21, O Estado de São Paulo, 17 set.1999, Ca
CONCLUSÃO derno A13.
O objetivo deste Seminário foi promover o
FACHIN, Roberto e CHANLAT, Alain. Governo municipal
debate entre os mestrandos, representantes dos
na América Latina: Inovações e perplexidades.Porto
municípios e instituições da Região do Grande ABC, sobre toda a Região do Grande ABC, e desenvolver
Alegre: Sulina/UFRGS, 1998.
levantando as questões que dificultam a inclusão social trabalhos e dissertações que possam contribuir para o
bem como o desenvolvimento da cidadania, buscando levantamento dos problemas da região, propor soluções,
verificar o que já foi realizado até o presente momento promover encontros entre as universidades locais e a
e qual a visão dos convidados em relação à abordagem sociedade para discutir políticas públicas e o
desses temas. fortalecimento da cidadania.
Observa-se que há um consenso entre os
palestrantes dos municípios presentes nesse seminário
quanto à necessidade de se discutir determinados *Alunos do PMA do CEAPOG-IMES.
problemas sociais regionalmente e não localmente. BIBLIOGRAFIA

N. 2 - 1. semestre de 2000 47
CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

POLÍTICAS PÚBLICAS DE CULTURA

TELMA TANIA V. F. DE CARVALHO*

A globalização da economia mundial impõe Júlio Mendonça; produtores culturais regionais como
novos desafios para as sociedades/cidades. A velocidade Daniel Lima (Livre Mercado) e Rosana Costa (Diário do
e a abrangência das comunicações invadem limites Grande ABC), Roberto Elísio dos Santos e Jeroen Klink
territoriais de forma devastadora e impositiva, ditando (professores do IMES), Alexandre Takara (professor da
novas tendências e formas de organização social que UMESP), Dilma de Melo Silva (professora da ECA/
acontecem em todos os cantos do mundo. USP), escritores e alunos do curso de mestrado do IMES.
Outras culturas e costumes coletivos entram A coordenação coube ao prof. Luiz Roberto
em nossas mentes através dos mais diversos meios de Alves, que agradeceu aos participantes a oportunidade
comunicação e parecem ser comuns às nossas de debater e refletir sobre políticas públicas de cultura
sociedades. e educação, e propôs uma análise de como estas políticas
Segundo Aloísio Magalhães, citado por acompanham as demais políticas regionais ligadas a
GONÇALVES (1995), “um dos problemas com que se desenvolvimento, economia etc., por acreditar serem os
defrontam os países no mundo moderno é a perda da elementos de cultura e educação os sinais para onde
identidade cultural, isto é, a progressiva redução de caminha a região.
valores que lhes são próprios de peculiaridades que lhes
diferenciam as culturas”.
A reflexão que passa do global e vai para o EXPOSITORES
regional tem que enfocar como as cidades estão
enfrentando esta quantidade de informação oriunda de Diadema – Para Martha de Bethânia, as políticas
todas as partes do planeta e seus efeitos quanto à públicas de cultura de Diadema têm como prioridade
identificação local das cidades por seus habitantes. as políticas de formação. A compreensão destas políticas
Preservar a identidade local é criar símbolos de está fundada na efetiva participação da comunidade. É
ligação entre a cidade e seus cidadãos; é criar uma relação através do processo de formação, ou seja, existência de
de parceria entre a comunidade e seus representantes; é oportunidades e acesso aos instrumentos culturais, que
desenvolver o sentimento de cidadania. GLAUCIA se criam os mecanismos mais eficientes de inclusão
VILLAS BÔAS (1995) afirma que estas ações são social.
fundamentais para evidenciar as diferenças entre grupos Os elementos de cultura são os melhores
humanos e acentuar as relações de solidariedade e coesão. instrumentos de inclusão social e se o Brasil tivesse
Com o objetivo de conhecer e discutir as investido em Educação e Cultura, a situação estaria
políticas públicas de cultura da Região do Grande ABC, bem menos trágica. O ensino público passa por muitas
o Laboratório de Gestão da Sociedade Regional e a dificuldades. O investimento em educação e cultura
disciplina de Políticas Sociais para a Administração da deveria ser em torno de 60% do orçamento, mas isso
Cidade realizaram, em 10 de novembro de 1999, o II não acontece. Diadema trabalha políticas da periferia
Seminário Interno “ Políticas Públicas de Cultura”, onde para o centro, e não o inverso, como geralmente ocorre.
se verificou como os municípios do Grande ABC estão Desde as artes plásticas até teatro e outras linguagens
articulando esses novos desafios e que propostas têm culturais, são oferecidas 6000 vagas nas oficinas. A
para a identificação da comunidade/cidade e percepção é que não basta trabalhar, oferecendo políticas
desenvolvimento da cidadania através dos elementos de voltadas para oficinas culturais, sem que haja a
cultura. preocupação com as condições sócio-econômicas das
Participaram deste seminário os representantes pessoas.
das Secretarias das Prefeituras de Diadema, Martha de Diadema conta hoje com 10 centros culturais,
Bethânia; de Mauá, José Aparecido Barbosa, de Santo 12 bibliotecas que atendem qualitativamente seus clientes,
André, Altair José Moreira e de São Bernardo do Campo, cerca de 300 mil pessoas da cidade e região.

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CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

Existe também um espaço chamado Casa da tinham a perspectiva esportiva. A partir da gestão de
Música, um espaço de diagnóstico e sensibilização da 1989 e 1993, percebeu-se que eles eram locais
comunidade, por meio de seu centro de atendimento privilegiados para a processo de descentralização e
integral, que contempla mais de 1.000 pessoas com aulas promoção do acesso às linguagens artísticas.
que vão desde piano, técnica vocal e quase todos os A grande discussão no processo educativo
naipes de linguagem musical, com o acompanhamento baseia-se em culturalizar a educação, olhar a criança ou
da vida escolar do aluno. pessoa como detentora de um conhecimento. Não tratar
Para atender à demanda de pessoas oriundas de os indivíduos de forma autônoma, mecânica. A maior
oficinas, que tenham passado pelo processo de agressão na escola de educação é sua forma impositiva.
sensibilização e não possam continuar com as aulas de O princípio desta política de formação é a
piano, violino, teatro etc., surgiu, nesta gestão, a idéia questão de como reforçar e projetar uma identidade
de criar centros permanentes de formação para os alunos local em virtude dos processos globalizantes. Através
que optarem por qualquer uma das linguagens artísticas. da formação e difusão, garante-se que a população tenha
Entre os vários grupos que fazem parte desse acesso à informação e às mudanças tecnológicas.
processo de formação, há também uma videoteca, um A escola de formação não precisa se preocupar
centro de memórias, a companhia de dança (que é em formar um artista, o objetivo é sensibilizar o
profissional), uma orquestra sinfônica e o centro da indivíduo com relação à questão cultural, criar a
fotografia, onde foi montado um laboratório de identidade cultural com o local. É lógico que este acesso
ampliação de fotos e revelação. Portanto, a pedra propicia a algumas pessoas a profissionalização, o
fundamental é essa política de formação com ênfase à aprofundamento desta linguagem.
cultura e à literatura. O Cine Teatro Carlos Gomes é um bem cultural
da cidade extremamente importante, tombado pelo
Santo André – Altair José Moreira enfatiza que a prefeito Celso Daniel como patrimônio cultural da
formação é, num sentido mais amplo, a oportunidade cidade, cuja expectativa é tornar-se um centro de
de as pessoas terem acesso às linguagens artísticas e ao formação audiovisual.
Existe, ainda, uma biblioteca central, outra
mesmo tempo saírem com subsídio, capacitadas para
regional e dez bibliotecas em centros comunitários.
lerem sua realidade e reconstruir, através disso, uma nova
perspectiva e alternativa de vida. Está em desenvolvimento o programa de leitura
voluntária, no qual as pessoas dedicam algumas horas
Portanto, este trabalho de formação tem o
para contar histórias etc., e for mam-se leitores
sentido de não apenas saber manusear ou terminar a
voluntários nos centros comunitários. É impressionante
leitura, mas é a referência que o aprendizado produz
como as pessoas da sociedade civil são sensíveis a este
para o desenvolvimento não só individual como
chamamento. As pessoas doam seu tempo com um
coletivamente.
Nesse sentido, foi criada a Escola Municipal prazer enorme, e já existem crianças de 8 e 9 anos
de Iniciação Artística (EMIA). Estas escolas trabalham envolvidas neste projeto.
com crianças na faixa de 5 a 16 anos e funcionam com Há um fundo de cultura que dá apoio à produção
módulos de acordo com a faixa etária. Existem os local. Este fundo começou em 1991, timidamente. Na
módulos de artes plásticas, dança, teatro até serralheria, atual administração, o fundo começou a ser usado. Os
por exemplo. recursos estão na ordem de 383 mil reais, porque não
A estratégia de formação começa com a foram utilizados nas gestões de 1994 a 1997, e são
sensibilização das crianças, das pessoas na EMIA. No oriundos da arrecadação das bilheterias do teatro e venda
segundo momento, na Casa do Olhar (artes plásticas), de qualquer produto do departamento de cultura pela
na Casa da Palavra (letras) e na Escola Livre (teatro), administração. Os conselheiros de cultura escolhem os
espaços mais específicos, as pessoas teriam projetos que serão beneficiados pelo fundo.
aprofundamento cultural.
Cerca de 46% do orçamento da prefeitura são São Bernardo do Campo – Para Júlio Mendonça, São
destinados à formação. Existem 22 centros comunitários Bernardo e Santo André têm, sob alguns aspectos, uma
de médio e grande porte. Esses centros, em sua criação, situação um pouco diferente das demais cidades no

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CADERNO DE PESQUISA CEAPOG-IMES

ABC, por terem já uma tradição anterior, uma política anos de experiência comprovam um avanço sobretudo
de investimentos em eventos culturais com espaços qualitativo, principalmente na área de teatro.
culturais e teatros voltados para uma programação As oficinas de teatro estão mais desenvolvidas;
cultural. Nos últimos anos, Diadema teve uma política os grupos que delas surgiram têm se mantido como
cultural bastante voltada para eventos culturais ou pelo grupos autônomos, utilizando o espaço da prefeitura
menos em parte, sendo importante na formação de para desenvolver seus trabalhos. São Bernardo do
público. No caso de Santo André e São Bernardo, mais Campo tem uma tradição de oferecer espaços para
particularmente neste último, se criam alguns impasses grupos de teatro, não só da cidade, como também da
e dificuldades. A Administração de 1989 a 1992 procurou região, pretendendo, no último ano da atual gestão, criar
descentralizar alguns programas da secretaria de cultura. uma política de temporadas de apresentação de teatro
Uma das formas, bandeira da administração de 1992, com grupos da região, como o circuito de teatro do ABC,
foi a questão da integração. que mostrou produções de qualidade na região.
Luiz Roberto Alves, em seu livro Culturas do Enfim, as experiências e ações que deram maior
Trabalho – comunicação para a cidadania, fala da necessidade notoriedade foram a criação de espaços culturais no
de superar a fragmentação das ações. De 1993 a 1996 município, o Cine Teatro Carlos Gomes, a Câmara de
ocorreu um refluxo das ações desenvolvidas em São Cultura e outros. Houve uma prioridade, nos dois
Bernardo do Campo de 1989 a 1992. Ainda assim, alguns primeiros anos da administração, na reforma do
avanços feitos na descentralização da atuação da patrimônio, espaços e equipamentos.
Secretaria foram em parte mantidos, como é o caso do
projeto da terceira idade que foi criado durante a
administração de 1989 a 1992 e teve continuidade na Mauá – Na opinião de José Aparecido Barbosa, Mauá
gestão posterior. O grupo Viver Bem a Idade se encontra numa situação caótica em todos os sentidos.
permanece atuante até hoje. A cidade ficou durante dez anos sem cinema e ainda
Uma linha de atuação estabelecida durante aquela não possui teatro. A ênfase do trabalho está em reabilitar,
administração é a questão da articulação, da difusão, da criar uma base para que possamos começar a implantar
formação e da informação. O objetivo é estender esta políticas culturais na cidade.
linha norteadora de difusão, informação e formação a A gestão da Secretaria da Cultura estava
projetos especiais como, por exemplo, o projeto Terceira vinculada à de Educação, que, posteriormente, foi
Idade, a programação de oficinas e palestras no Espaço desmembrada, e as ações estavam mais direcionadas para
Henfil. o esporte.
A Mostra do Cinema Brasileiro,um evento A Prefeitura não dispõe de espaços e implantou
tradicional em São Bernardo do Campo com mais de um programa de recuperação de áreas públicas.
20 anos de existência, a partir do ano passado recebeu O processo de formação busca, por meio de
mais investimentos para contemplar a difusão da oficinas, possibilitar o acesso da juventude à cultura, coisa
produção crescente do Cinema Brasileiro. que não existia.
Com a ampliação do foco, passou-se a investir Infelizmente, algumas políticas implementadas
também na formação de oficinas. Já na amostra deste por certos governos têm caráter predatório, o que acaba
ano, nas regiões menos centralizadas, os bairros são comprometendo governos futuros, como é o caso de
beneficiados pelo projeto Cine Mambembe. Mauá. As ações estão voltadas para a recuperação de
Atualmente, os trabalhos estão sendo espaços e criação de alternativas de utilização destas áreas.
desenvolvidos com o envolvimento de várias secretarias, A proposta é a construção de um “espaço”, no
como é o caso do lixão do Alvarenga, uma região muito sentido de poder sediar alguns eventos, para que a
extensa, carente, violenta e onde se concentra muita população local tenha acesso a uma diversificação de
vegetação. As ações foram pactuadas conjuntamente com cultura..
a Secretaria do Meio Ambiente. Independente disso, alguns resultados foram
São Bernardo do Campo compromete um terço obtidos com outros programas. Entre eles, o mais forte
de seu orçamento com projetos de formação. Hoje existe é o teatro. Podemos citar, por exemplo, a montagem da
basicamente uma grade de programação e informação peça Auto da Compadecida, encenada e produzida pelos
que deu início a esse processo de formação. Os nove próprios alunos. Como não existe um teatro, o
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Educandário sediou uma temporada e, agora com a preocupação muito grande com a estetização da
descentralização, as apresentações acontecem ao ar livre; violência, mas não se pensou ainda na cultura como
desta forma é feita a divulgação das oficinas já existentes. solução do problema. O que se pretende fazer para gerar
Um dos objetivos deste programa, além de dar oportunidade cultural e conseqüentemente propiciar a
acesso à cultura, é tornar os projetos independentes da inclusão social?
vontade do governo e sensibilizar a população quanto à A quinta questão tem como preocupação o
importância da cultura.A participação da comunidade é preconceito dos habitantes das cidades e da região em
o eixo de todos os projetos. relação aos produtos culturais locais. Até que ponto a
Mauá conta com uma biblioteca central e três profissionalização dos grupos da região é o caminho
ramais, com acervo estimado em 23.000 livros. Dentro para acabar ou não com o preconceito?
da biblioteca, foi criado um espaço para debates, onde O circuito do teatro do grande ABC percorreu
há palestras e discussões mensalmente. os seis municípios, menos Rio Grande da Serra. As
O Museu, que é a casa da cultura, tem o papel realidades culturais variam muito nas cidades. Quando
de resgatar a identidade local, recuperar a história da se pensa na gestão pública da cultura em termos de
cidade, preservar o espaço e o patrimônio, e ser o palco região, observa-se que Diadema não cobra ingressos, e
de atividades que possibilitem essa manifestação e criação que, por outro lado, Rio Grande da Serra, um município
de novos valores e expectativas culturais. pobre, que não tem recursos para projetos culturais. Em
Anualmente, acontecem mostras de teatro. O vista disso, a sexta e última questão é: o que fazer para
teatro é, de fato, um segmento, com tendência a atender as necessidades destes municípios considerando
manifestação e ampliação da participação da população. suas realidades e como pensar em termos de uma
Essa é a linha prioritária na questão da identidade cultural regional?
formação: o envolvimento da comunidade nos projetos
que estão em desenvolvimento para garantir a Os expositores fizeram as seguintes reflexões
continuidade política. sobre as questões levantadas :

Martha de Bethânia – Em relação ao preconceito à


DEBATE produção cultural da região, levanto dúvidas se ele existe
ou se existe na verdade uma ausência de um espaço,
O professor Alexandre Takara comentou a onde a região possa agir mais. Parece ser mais a falta de
importância que os parâmetros curriculares nacionais mapeamento, de diagnóstico. A região não está
dão às humanidades, focalizando a estética da mobilizada para ter uma grande agenda que contemple
sensibilidade, política de igualdade e ética de identidade. a produção regional. Não existe o preconceito; é a falta
Na primeira questão, indagou se as Secretarias de Cultura de articulação, organização e identificação desses
e Educação, já que ambas constituem interface do talentos, o que significa que a região poderia estar
mesmo processo de ensino e aprendizagem, estão sendo propondo, a exemplo de Diadema, que está lançando
administradas de forma integrada. um guia, um senso cultural pelo qual a população poderia
A segunda questão colocada diz respeito a tempo ter ciência de todos os produtos, os artistas, produtores,
e espaço. Considerando o fator tempo e ação cultural, equipamentos, manifestações, ou seja, uma radiografia
quais os projetos culturais para o futuro levando-se em completa das atividades culturais. O profissionalismo não
conta as descontinuidades políticas administrativas que é a solução, via de regra. Diadema tem contratado grupos
acontecem de quatro em quatro anos após as eleições? de São Bernardo do Campo e de outros municípios que
A terceira pergunta refere-se à sociedade
são produtos de oficinas e com bom desempenho.
brasileira. Sendo a sociedade brasileira uma sociedade
de classes e portanto uma sociedade de desigualdades A questão das desigualdades, Diadema responde
sociais, de que maneira a política cultural visa a atender, através da gratuidade absoluta, quer seja da difusão, seja
ao mesmo tempo, a classe média dos centros das cidades nos equipamentos, ou na divulgação dos produtos
e população da periferia? culturais. Quanto à descentralização, os grandes eventos
que são desenvolvidos nas áreas mais centrais estão
A quarta questão contempla o problema crucial sendo levados para as periferias e vice-versa, havendo
no século XX: a questão da violência. Há uma desta forma uma troca de experiências dos grandes

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produtores com aqueles que estão iniciando agora, o Lima foram direcionadas para cada expositor, como
que tem produzido grandes resultados. segue:
Quanto à descontinuidade política,
desenvolvem-se estudos para formatar legalmente alguns
dos projetos de Diadema, que estão referendados e Mauá – Por que os setores de cultura não estabelecem
consolidados com a comunidade: as companhias de temas-eixo e os transformam em planejamento
dança e teatro, por exemplo, podem ser transformadas estratégico dentro das especificidades de cada município,
em fundações, tendo assim vida própria e independência trabalhando conjuntamente de forma empresarial,
de vontade política, ou não podendo ser inativadas com como, por exemplo, desenvolvendo programas de
o término de mandato de governos. marketing regionais?

Altair José Moreira – A municipalização pode propiciar José Aparecido Barbosa – Com relação ao
a criação de uma cultura e educação com o jeito de cada estabelecimento de eixos para trabalhar em conjunto,
cidade. As administrações e a cultura possuem tempos isso já é feito pela Câmara Regional e pelo Consórcio
diferentes. Uma gestão acaba e a cultura permanece, pois Intermunicipal. É uma situação nova, como este
sua velocidade de desenvolvimento é bem mais lenta. seminário aqui no IMES, o que possibilita a formação
As administrações não devem implementar políticas de de políticas conjuntas entre os municípios.
cultura imediatista, ainda mais quando se considera o A orientação tanto do governo, quanto do
processo de formação, que deve ser constante. prefeito, é de estabelecer eixos que possam ser
Educação e Cultura municipalizadas podem, trabalhados regionalmente, salvo as diferenças
com maior facilidade, desenvolver as identidades das pertinentes a cada cidade. Talvez, a partir deste
cidades e conseqüentemente das regiões, construindo seminário, surja uma base para a integração regional.
caminhos que atendam à demanda local Os eixos pragmáticos são aspectos pensados em
independentemente da vontade do governo estatal. conjunto pelos orgãos como Câmara Regional, Agência
de Desenvolvimento e Consórcio Intermunicipal. Se as
prefeituras desenvolverem políticas distintamente, estarão
Julio Mendonça – Com base no que foi exposto por competindo com estes órgãos. Cabe ao governo
Altair José Moreira, a municipalização da Cultura e municipal executar e implementar as políticas estudadas
Educação viabiliza os projetos culturais da região. Por e desenvolvidas por estes orgãos regionais.
exemplo, em São Bernardo do Campo era muito difícil
consolidar um projeto integralmente, pois havia
dependência da vontade e disponibilidade estatal.Com São Bernardo do Campo – Por que não se trabalha
a municipalização, a cultura está mais próxima e inserida mais no sentido da sinergia, de haver integração entre
dentro da realidade e identidade local. as escolas particulares e empresas de grande, médio e
O trabalho de formação não pode considerar pequeno porte para estarem mais próximos da
apenas as quatro linhas tradicionais de cultura. comunidade na formação desses projetos culturais?
Consideremos o exemplo de Diadema, com o hip hop,
que surtiu efeitos satisfatórios, mostrando a capacidade
dos jovens de reinventar a realidade que vivenciam e de Júlio Mendonça – Em relação à integração do Setor
perceber as raízes de seus problemas. Público, no caso do Departamento de Cultura junto ao
empresariado, como primeira dificuldade temos a
formação no funcionalismo. A maioria dos funcionários
Daniel Lima argumenta que o poder público e é formada na área humanística, não há muita ligação
o empresariado em geral não possuem senso com marketing.
cooperativo: o grande ABC ainda existe só na forma Estamos procurando fazer cursos, entender
metafórica, pois são sete cidades com realidades e melhor as leis de incentivo à cultura, etc; mas quanto à
políticas distintas. Com interesse nas articulações de questão da regionalização, eu gostaria de trazer
políticas regionais, as questões formuladas por Daniel novamente à tona que os municípios, por mais que se

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preparem para enfrentar essa questão, tenho a impressão é um elemento fundamental para a consolidação do
de que não teriam muito sucesso. Os problemas que os equilíbrio social?
municípios estão enfrentando são mais ou menos
comuns, de forma regional, mas é como José Aparecido
comentou: Mauá não tem o parque industrial igual ao Martha de Bethânia – As políticas culturais, em todas
de São Bernardo do Campo, mas a realidade é que as suas formas, têm contribuído bastante para melhorar
grandes empresas, sejam nacionais ou multinacionais, os índices de violência. Juntamente com outros
apóiam projetos culturais; a maioria das vezes, porém, programas das demais Secretarias, estas políticas fazem
são projetos de grande valor e custo, o que infelizmente parte da sinergia dessa gestão, a exemplo da urbanização
está longe da realidade local. Como exemplo, temos o de favelas, entre outras.
projeto Nova Vera Cruz, cujos incentivos são bem Diadema, sem essas políticas culturais e outras
modestos; até a Volkswagen, que fica sediada na cidade, que vêm sendo desenvolvidas, estaria pior do que antes.
vem diminuindo o seu incentivo ao projeto. A população sempre tende a crescer gerando uma
A saída está no diálogo para se achar novas demanda de serviços.
soluçoes regionais, traçar metas e executá-las da melhor
forma possível. Gostaria de aproveitar para elogiar
CONCLUSÕES/PROPOSTAS
novamente essa iniciativa do IMES.

As Secretarias de Cultura demonstraram grande


Santo André – Quais os efeitos da globalização preocupação e empenho no desenvolvimento de ações
cultural para a nossa região, historicamente fragmentada que promovam a Cultura em seus municípios.
pelos imigrantes que aqui se instalaram e que, salvo Todos os municípios caminham para a
algumas exceções, não contribuiram muito com a região implementação de políticas que visam à parceria entre
quanto ao aspecto de cidadania e não corporativismo comunidade e município, procurando desta maneira
nas fábricas? atender de forma mais completa a demanda da
população e viabilizando seu desenvolvimento
Altair José Moreira – Os efeitos da globalização em sociocultural.
Santo André, que acompanham a evolução e os efeitos Nesse sentido, JORGE ANDRADE (1999)
do capital, trouxeram um desafio: pensar em políticas descreve que é fundamental conhecer profundamente a
públicas para o futuro. realidade da população a ser atingida, definindo sua
As indústrias de automóveis não são mais as situação sócio-econômica-cultural para planejar ações
grandes promotoras de empregos no Grande ABC, o culturais direcionadas, capazes de atender às necessidades
setor de serviços e o de entretenimento são as novas humanas e culturais destes grupos.
formas. As cidades foram surpreendidas pela Para tanto, a cultura de cada local/cidade deve
globalização. ser minuciosamente estudada, a ponto de identificar
Podemos apontar o êxodo industrial decorrente quais os anseios e alternativas para a inserção cultural
da guerra fiscal, os produtos importados mais baratos destes indivíduos.
JORGE ANDRADE (1999) afirma ocorrer
que os nacionais e o fechamento de empreendimentos/
neste processo a transformação do homem, “dar cultura
empresas scom muita facilidade.
Hoje, existem identidades com características é fazer crescer, é, conseqüentemente, dar visão, é libertar
locais que podem ser mundiais. O sentimento que se a criatividade que existe latente em cada ser”.
tem numa região pode ser o mesmo no mundo inteiro, O indivíduo inserido promove o processo de
há mais agilidade na comunicação e circulação de valores, transformação e fortalecimento cultural da sociedade,
mas um dado é muito animador: o Brasil é o terceiro onde passa a interagir e otimizar os elementos de
mercado mundial que consome sua própria cultura. comunicação que são indispensáveis na formação da
identidade cultural.
Diadema – O que seria de Diadema sem o aporte da No Grande ABC, observa-se portanto uma
cultura, no tocante à violência, considerando que a cultura grande diversificação cultural em decorrência dos

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diferentes níveis sócio-econômicos presentes nas Estes estudos compreendem o conhecimento


cidades, que se refletem na oferta de cursos e atividades e identificação da comunidade regional, bem como a
variados como respostas para a integração e demanda de cursos, oficinas e outras formas culturais,
desenvolvimento da comunidade: oficinas de arte, teatro, com intuito de conjuntamente, elaborar um
dança, expressão, hip hop etc., estando as Secretarias planejamento estratégico que atenda os anseios e
sensíveis aos modos culturais contemporâneos. propiciem o desenvolvimento da cidadania.
Há um consenso nas Secretarias de Cultura que
a administração e os investimentos em políticas de
cultura devem contemplar a formação.
O objetivo principal destas políticas culturais Há, neste mecanismo, dois objetivos
em Aloísio Magalhães, citado por GONÇALVES fundamentais para o desenvolvimento cultural nas
(1995), deve ser a identificação e a defesa dos cidades: 1) mobilizar as universidades para os processos
componentes da cultura brasileira. O autor considera culturais e, principalmente, desenvolver o sentido da
que os governos priorizam as políticas tecnológicas e cidadania na classe estudantil; 2) elevar a qualidade
econômicas, como sendo as protagonistas do processo de ensino, pois os projetos sociais, econômicos, culturais
de desenvolvimento urbano, e negligenciam que a etc. desenvolvidos pelos grupos envolvidos, proveriam
formação do caráter nacional/local, através de os municípios de propostas/projetos nas áreas técnicas/
processos culturais, é os verdadeiro alicerce para a socias, econômicas etc.
sustentabilidade do desenvolvimento tecnológico-
econômico.
Isso estimularia a concorrência positiva entre
as universidades para desenvolver pesquisa, pois
Os grandes entraves aos planos culturais melhores projetos seriam implementados pelas
encontram-se nas limitadas verbas das Secretarias. A prefeituras da Região.
falta de patrocinadores e investimentos dificulta a O encontro per mitiu a reflexão e deu
produção e difusão de cultura localmente. Os oportunidade para as prefeituras reavaliarem seus
municípios desenvolvem seus projetos culturais objetivos, incluindo em suas agendas a questão regional
isoladamente e a interlocução de políticas regionais nas como nova tendência na gestão pública.
áreas culturais é inexistente, o que constitui uma
grande lacuna e entrave para as políticas regionalizadas.

Em grande parte dos problemas levantados,


como patrocínio e divulgação (suporte de marketing), a
implementação de ações regionais aparece como
alternativa para a aquisição de recursos e fortalecimento
da produção local.

A Região conta com organismos regionais, como


a Câmara Regional, o Consórcio Intermunicipal de
Prefeitos, a Agência de Desenvolvimento Econômico e
o Fórum da Cidadania. A Câmara Regional, por
exemplo, possui um programa para recuperar e
conservar o patrimônio
Estes histórico-cultural
atores regionais da Região.
poderão ser os
articuladores e interlocutores de processos
regionalizados, mobilizando as universidades, centros
universitários e prefeituras para a formação de parcerias, BIBLIOGRAFIA
com o objetivo de desenvolver estudos e pesquisas.

ALVES, Luiz Roberto. Culturas do Trabalho –


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RESENHA

COMPANS, Rose. “O paradigma das global cities nas estratégias de desenvolvimento


local”, in Revistas de Estudos Urbanos e Regionais n. 1. São Paulo: USP, maio/1999.

TELMA TANIA V. F. DE CARVALHO*

O artigo de Rose Compans apresenta as novas avançados, tecnologia de comunicação/informação e


estratégias de desenvolvimento econômico considerando uma especialização financeira. Por último, os centros
os processos de reestruturação produtiva com a nodais se caracterizam por proporcionar uma qualidade
descentralização da produção e concentração do controle de vida atraente ao pessoal altamente qualificado oriundo
dos fluxos de capitais, mercadorias e, fundamentalmente, de empresas multinacionais.
da informação, proporcionando às cidades novas formas Em seguida, a autora analisa as características
de articulação entre o local e o global sem a interferência das “global cities”, estabelecendo parâmetros para a
das esferas regional e nacional. avaliação da realidade existente nos países periféricos.
Primeiramente, faz uma abordagem sobre a Ela assinala alguns destes pressupostos que são
produção teórica no Terceiro Mundo, enfocando os elementares nas paradigmáticas global cities:
novos papéis das cidades como centros de gestão dos – O determinismo tecnológico, referente às
fluxos de capitais, denominando estes lugares como condições de comunicação/transmissão, o suporte de
“nós de conexão” desta rede mundial. Esta forma de infra-estrutura de telecomunicações e as facilidades nos
organização sociotécnica da produção consiste no novo sistemas de transportes, bem como a manutenção e o
ciclo de desenvolvimento impulsionado pelas inovações desenvolvimento de novas tecnologias, dificultam a
na tecnologia de informação. inserção de outras cidades nesta rede mundial;
Neste novo modelo organizacional, o ponto – A articulação entre o local e global promove
principal é a qualidade do conhecimento e do transformações urbanas que desenham novas formas
processamento da informação que converge para a de desenvolvimento econômico e conseqüente melhora
valorização da matéria-prima e da produtividade, na qualidade de vida, fundamentada na constatação
deixando supostamente para o segundo plano as empírica de que os serviços avançados e as empresas
preocupações com os meios e a forma de produção de alta tecnologia oferecem maior crescimento
existente no período predominantemente industrial. econômico e oferta de postos de trabalho, representando
A autora cita exemplos de estratégias de um aumento do PIB nestes países estudados;
localização de algumas empresas americanas na fixação – O novo papel das cidades, como lugares de
de unidades junto a centros universitários de investigação produção pós-industrial, está associado aos processos
científica e a centros financeiros que possuem modernas de reestruturação produtiva atribuídos ao aparecimento
técnicas de intercâmbio que continuamente inovam seus de várias empresas de serviços que atendem à produção
processos técnico-administrativos. e promovem a concorrência e aprimoramento das
Isto significa acessibilidade a uma rede de unidades produtivas.
telecomunicações e meios modernos e eficientes de A autora finaliza assinalando as novas estratégias
transporte que possibilitem às empresas descentralizar de desenvolvimento local implementadas por consulto-
atividades com o objetivo de aumentar a produtividade res internacionais que estão voltadas para a identificação
e expandir suas atividades em novos mercados. da vocação das cidades para o setor terciário.
Portanto, estes locais, os chamados “centros Rose Compans descreve que os processos
nodais”, devem possuir infra-estrutura urbana que globa-lizantes impõem desafios às cidades: tornarem-
satisfaça as necessidades técnico-socias que podem ser se com-petitivas e, dessa forma, serem inseridas nas
traduzidas em uma presença de uma rede de serviços redes de fluxos econômicos globais.

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Para tanto, transformações endógenas, sejam Já o segundo elemento está fundamentado na


políticas, institucionais ou físicas, fazem-se necessárias determinação da vocação das cidades para o setor ter-
para melhorar a atratividade da cidade e promover o mar- ciário avançado.
keting urbano. Por fim, o terceiro elemento é a dester-
As redes de comunicação estruturadas a partir ritorialização das cidades, visto que a globalização invade
da globalização dos mercados mundiais desenham novas fronteiras político-administrativas dos Estados-nação,
formas culturais que determinam a criação de símbolos em função da existência de sistemas de informação
e códigos nas cidades. Esta flexibilização das cidades na ligando todos os locais/cidades em redes, o que
redefinição das suas relações capital/trabalho e a leitura evidencia uma relação de subordinação do local ao
da realidade local/global parecem ser o ponto deter- global, pois as articulações acontecem sem a
minante para sua participação nos fluxos de capital intermediação das esferas regional e nacional.
mundial. Esta subordinação local/global traduz uma nova
O novo modelo de gestão urbana pressupõe uma forma organizativa, na qual as cidades são administradas
subordinação do local ao global, na qual os sistemas como empresas, priorizando a implementação de ações
públicos não são os únicos determinantes na definição que atendam aos interesses de grupos representados por
de ações a serem implementadas, tendo que considerar empresas multinacionais, em detrimento da função
os fenômenos externos para adaptar e conceber as principal, nata, da instituição pública, que é o
políticas urbanas em ascensão, direcionadas à elaboração estabelecimento de políticas urbanas voltadas para o
de estratégias que coloquem as cidades em condições desenvolvimento econômico-social, objetivando o bem
de enfrentar a concorrência internacional e ofertar comum da população local.
serviços, atividades produtivas e recursos humanos que A crítica de Rose Compans baseia-se neste
canalizem condições básicas para a instalação de dualismo que determina o aumento da segregação social
empresas globais nas cidades, como: nas cidades. De um lado, elementos paradigmáticos estão
– infra-estrutura urbana de suporte às atividades fundamentados em aspectos econômicos que visam a
econômicas; atingir níveis de competitividade e produtividade capazes
– sistemas modernos de conexão a redes de transformar as cidades em locais atraentes para
internacionais; investimentos e implantação de novas empresas; por
– desenvolvimento e provimento de mão-de- outro lado, a diminuição dos investimentos nas áreas
obra qualificada; sociais, que implica o aumento e o agravamento de
– excelência na prestação de serviços públicos; problemas urbanos, como a violência, delinqüência
– criação de símbolos e códigos que fortaleçam juvenil, precárias formas de habitação, degradação
a imagem das cidades. ambiental etc., promovendo o crescente distanciamento
entre a população integrada e a excluída.

A autora termina sua conclusão propondo a


seguinte reflexão: qual o futuro poderá este modelo de
CONCLUSÃOCONCLUSC ÃOC
progresso, segregador e excludente, reservar às nossas
cidades e aos nossos povos?
A autora faz uma reflexão crítica baseada em
três elementos paradigmáticos que sustentam as
estratégias de desenvolvimento local.
O primeiro elemento está relacionado aos novos
papéis assumidos pelas cidades como centros de coman-
do da gestão de fluxos de capitais, mercadorias e infor-
mações. Para suportar este novo modelo de gerencia-
mento, onde o sistema produtivo é descentralizado em
unidades multilocalizadas e as funções de controle estão * Aluna do PMA do CEAPOG-IMES e
centralizadas, é imprescindível a existência de infra- estagiária do Laboratório de Gestão da Sociedade
estrutura urbana de qualidade. Regional.

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