Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
1. Introdução
1
mundial desterritorializado e posteriormente à economia que vivemos hoje. O fenômeno
da globalização se tornou visível para todos nas últimas décadas, fim do século XX, quando
envolveu todos os aspectos da vida moderna.
2
Interage de modo muito diversificado com outras transformações no sistema
mundial que lhe são concomitantes, tais como o aumento dramático das
desigualdades entre a sobrepopulação, a catástrofe ambiental, os conflitos
étnicos, a migração internacional massiva, a emergência de novos estados e a
falência ou implosão de outros, a proliferação de guerras civis, o crime
globalmente organizado, a democracia formal como condição política para a
assistência internacional, etc. (SANTOS, 2005, p.26)
Apesar das medidas terem sido criadas para serem aplicados na América Latina, o
termo foi utilizado em todo mundo para justificar as políticas neoliberais. Com essas
medidas seria inevitável a falência do Estado provedor de bem-estar social, pois a
economia se desvincula da função do Estado, e passa a ditar as novas normas, como diria
Zygmunt Bauman - a economia é de área não política.
3
Assim, com a falência do poder do Estado, o poder passa às mãos das empresas,
que tem como único objetivo maximizar o lucro, mesmo que tenha que sacrificar a
natureza, e o próprio homem. O Estado perde o controle sobre o rumo das coisas, além de
permitir a violação de direitos. A privatização torna-se inerente, já que o Estado não
cumpre com suas obrigações, e por isso a crença do Estado como um ente desnecessário.
podemos trasladar esta temática a América Latina. La gente merece tanta salud
como pueda pagar, tanta educación como pueda pagar, tanta seguridad como
pueda pagar. Y se no pueden pagar, entonces no merecen ni educa ción, ni salud,
ni seguridad. Son responsables por su suerte. Nosotros, los que podemos pagar,
no somos responsables por su pobreza” (GALLARDO, 2004, p. 60)
4
É neste contexto desenvolvimentista que fica a pergunta: para quem está indo este
desenvolvimento? Este mundo interligado que está germinando, intensificando e
generalizando os problemas da proletarização, pauperização; carências habitacionais, de
saúde, de alimentação, de ensino e cultura; a formação de subclasses composta por
coletividades de excluídos, descartáveis; caracterizando uma desconstrução estrutural que
produz pobreza e miséria. Neste sentido “essa mesma fábrica fermenta o progresso e a
decadência, a transformação e o retrocesso, a reforma e a revolução, a revolução e a
contra-revolução” (IANNI, 2004, p. 19).
O Estado liberal, foi teorizado pelas idéias liberais de Adam Smith. Segundo ele, as
funções do Estado se limitavam a interesses da defesa, o judiciário, obras públicas, e o
resto laissez-faire, laissez passer. Esse modelo de Estado se manteve até suas primeiras
crises da primeira metade do século XX. Surgindo assim então, um Estado Social, capaz de
superar as contradições do mercado e suas exclusões sociais, ou ainda, como sugere
Giddens, é o Estado em que há “trabalho para aqueles que irão labutar, castigo para
aqueles que não irão fazê-lo, e pão para aqueles que não podem fazê-lo” (GIDDENS, 1996,
p.154).
5
como gestor da sociedade tem o poder de decidir, mas, no entanto qual a tendência dessa
decisão? Com quem ou com o quê está comprometido este poder? Quais as conseqüências
dessas decisões na sociedade?
Determinadas posições do poder público, seja de qualquer esfera do estado,
refletem diretamente nas relações econômicas, porém, se este poder estiver
comprometido, para não dizer concentrado, em um objetivo - para com o bem-estar da
sociedade – torna-se mais próximos de sua concretização. Todavia, o Estado mínimo,
sempre que necessário ou lhe convém, deu e dá impulso para o livre mercado conseguir
atingir suas metas. É evidente nessas intervenções o comprometimento do poder público
com determinados setores.
O mais alarmante nessa relação são as conseqüências sociais, as freqüentes
violações de direitos políticos e a influência na economia. Isso ocorre por que os governos
preocupados ou até pressionados pela necessidade de apresentar resultado no campo
econômico submetem seu poder de decisão as exigências do capital, de acordo com os
padrões neoliberais proclamados pelas já conhecidas políticas de governos por Reagan e
Tatcher, este processo conhecido como modernização implica para o Estado em uma
“flexibilização” dos direitos sociais, uma série de subsídios, isenções fiscais entre outros
benefícios para empresas.
A política de desregulamentação, deslegalização e desconstitucionalização segue,
promovido por governos para suprimir os requisitos dos investidores, ou seja, o
ordenamento jurídico interno sofre modificações para adaptarem-se ao mercado, regras
constitucionais modificadas, leis ordinárias suprimidas ou elaboradas são exemplos do
procedimento adotado.
6
3.1 O Estado Democrático de Consumo – a redescoberta da igualdade como
condição de justiça
7
No mundo organizado com base na liberdade econômica absoluta, o Estado não
mais pode fazer que tentar administrar o funcionamento da sociedade para o sucesso das
empresas, nacionais e transnacionais. Destituído até mesmo de meios fiscais para operar
políticas públicas adequadas, vêem-se os governos cada dia menos capazes de zelar pelo
bem-estar geral. Daí decorrem, à filantropia privada para atendimento paliativo aos
indivíduos e comunidades mais carentes.
8
afetada pela subalimentação e 40 mil morrem de fome por ano, de acordo com índices da
ONU, 15 mil mortos por ano é indicador de guerra.
É nesta sociedade moderna que se criam e recriam as mais engenhosas formas de
violência, desde as mais arcaicas às mais sofisticadas; materiais e espirituais, pauperização
e desintegração cultural; mantendo a luta pela vida a lei da selva, onde sobrevive o mais
forte e sucumbem os mais fracos, assumindo o culto ao lucro, competitividade, ambição e
acumulação.
Com isso alimenta-se os dados estatísticos e indicadores sociais; dados como: 27
(vinte e sete) homicídios por 100.000 (cem mil) habitantes brasileiros, lhe concedendo
uma quarta posição nos países mais violentos do mundo, perdendo apenas para Colômbia,
Rússia e Venezuela (IBGE, 2004), dois deles também países subdesemvolvidos; ainda, de
par com isso, acrescenta-se que o Brasil novamente ocupa o quarto lugar, no entanto,
referente a concentração de renda, perdendo apenas para Serra Leoa, República Centro-
Africada e Suazilândia (FGV, 2005), ao passo que, o Brasil possui a 9ª (nona) economia
mundial; não obstante isto, tem em seu território cerca de 50 milhões de pessoas vivendo
em condições de indigência, com renda inferior a R$ 80,00 por mês (oitenta reais -
aproximadamente quarenta dólares), ou seja, 29,26% da população do país não consegue
atender minimamente a suas necessidades diárias.
Diante da situação brevemente apresentada, sedimenta-se a situação de estado de
terror em que se encontram milhões de pessoas submetidas a este modo de vida que se diz
moderno, que se apresenta como sendo o último modelo societário, o ápice da razão
humana em termos de economia e sociabilidade, esta marcada pela constante insegurança
social, política, jurídica, cultural. Esta insegurança que se faz um inimigo onipresente,
ubíquo; causando o pânico social latente e intermitente.
Paralelamente a este contexto Atílio Borón nos traz o fato do Estado acentuar seu
caráter repressor:
criminalização do protesto social, em que as figuras do pobre, do desempregado,
do sem-teto ou do indocumentado e dos condenados pelo sistema geral são
satanizadas e convertidas em figuras sinistras e desumanas. Desse modo, as
vítimas do capitalismo, os condenados à exclusão e ao lento genocídio se
transformam em delinqüentes, em narcotraficantes ou em terroristas. Graças à
alquimia da globalização neoliberal, as vitimas se transformam em algozes 20”.
Convergindo com o lema global do capitalismo TINA (there is no alternative/ não
há alternativa) sendo que se produz um terror, necessário para prosseguir com a
estratégia da globalização hegemônica capitalista opressora.
9
Uma faceta do Estado e sociedade moderna que se faz muito visível, haja vista a
globalização e a postura estatal excluindo do mercado de trabalho e consumo, perdendo
progressivamente as condições de exercício dos direitos humanos de primeira geração e
paulatinamente os de segunda e terceira gerações. São condenados à marginalidade
econômica, social e cultural à condições hobbesianas de vida, não mais aparecendo como
portadores de direitos subjetivos, no entanto, não são liberados das obrigações e deveres
estabelecidos pela legislação.
O processo de globalização está concentrando poder e marginalizando o pobre. Na
atualidade aqueles que não participam do esquema consumista são vistos como “sujeira”,
pessoas incapazes de ser “indivíduos livres”. Dentro dos novos “templos consumistas” é
impedida a entrada desse tipo de consumidor falho, cercando-se de câmeras de vigilância,
alarmes, etc., enquanto os afortunados desfrutam sua “liberdade”. “Uma boa parcela da
humanidade, por desinteresse ou incapacidade, não é mais capaz de obedecer às leis[...]
costumes derivados dessa racionalidade hegemônica. Daí a proliferação de ‘ilegais,
‘irregulares’, ‘informais”(SANTOS,2000, p.120). Nessa ótica, governos são eleitos para
manter o perigoso atrás das grades, representado por aqueles que não tem o poder de
consumo.
Para isso, o rejeitado/ excluído recorre aos únicos meios à sua disposição, todos
contendo alguma dose de violência; é o único recurso que pode aumentar seu
‘poder de prejudicar’, único poder que podem opor ao poder esmagador dos que
os rejeitam e excluem. A estratégia de ‘rejeitar os que rejeitam’ logo afunda no
estereótipo do rejeitado, acrescentando à imagem do crime a inerente propensão
do criminoso à reincidência. No final, as prisões surgem como o principal
instrumento de uma profecia que cumpre a si mesma (BAUMAN, 1999 , p.135)
10
Justamente trabalhando com esta idéia de dispensabilidade de adesão individual à
globalização ela põe todos em movimento, mesmo que não material; idéia trazida por
Zygmunt Bauman:
a imobilidade não é uma opção realista num mundo em permanente mudança. E,
no entanto, os efeitos dessa nova condição são radicalmente desiguais. Alguns de
nós tornam-se plena e verdadeiramente ‘globais’; alguns se fixam na sua
‘localidade’ – transe que não é nem agradável nem suportável num mundo em
que os ‘globais’ dão o tom e fazem as regras do jogo da vida. Ser local num mundo
globalizado é sinal de privação e degradação social (BAUMAN, 1999, p.8)
Acrescentando que esta imobilidade está dada à quem não possui meios de investir
neste mercado global e este mesmo mercado os admiti como dispensáveis. Salientando
ainda, o caráter irreversível da globalização como anteriormente colocado; nos permitindo
e vislumbrando apenas trabalhar com ela em outros moldes, completamente diferentes,
como nos apresenta Boaventura de Sousa Santos sob a terminologia de Globalização
Contra-Hegemônica como uma possível solução para esta situação e estrutura desigual,
opressora e aterrorizante.
Na Conceituação do próprio autor, a articulação transnacional de movimentos,
associações e organizações que defendem interesses e grupos subalternizados ou
marginalizados pelo capitalismo global. A Globalização Contra-Hegemônica é fundamental
para organizar e disseminar estratégias políticas eficazes, criar alternativas ao comercio
livre por via de iniciativas de comércio justo e garantir o acesso das ONG’s dos países
periféricos ao conhecimento técnico e às redes políticas onde emergem as políticas
hegemônicas que afetam estes países, ou ainda globalização estruturada horizontalmente,
assumindo o princípio da Comunidade, que há muito Rousseau já falava, afirmando a
obrigação política horizontal e solidária de cidadão a cidadão.
Santos preconiza a valorização ao terceiro setor, ou como chamados em várias
localidades, economia social, sector voluntário ou mais comumente conhecida como
Organizações Não-Governamentais nos países do chamado terceiro mundo assumindo
características tanto do setor privado como do público; digo a eficiência e estrutura
administrativa semelhante às do setor privado e por outro lado se assentar no interesse
público, não visando os interesses do capital lucrativo, visando, sobretudo o valor humano.
Neste sentido, Antônio Carlos Wolkmer apresenta sob a terminologia de direito ao
desenvolvimento; que está fundado na solidariedade, na superação da miséria, na
melhoria das condições sócio-econômicas – em síntese, na força criadora do poder
comunitário e em favorecer a realização integral do ser humano com dignidade.
Se o neoliberalismo ajustou e estabilizou a economia, logrando alcançar a queda da
inflação, a implementação da austeridade fiscal e a recuperação dos lucros; acabou por
contribuir e acelerar imensos desequilíbrios econômicos, elevadas taxas de desemprego,
profundas desigualdades sociais e acentuados desajustes no quotidiano das sociedades – e
11
o que pretende essa Globalização Contra-hegemônica é aparar estas arestas, estas
disparidades gritantes, abismais entre os pólos desta relação global.
Partimos da idéia de autonomia e auto-estima como fatores constitutivos e
“empoderadores” da existência quotidiana para apresentar uma alternativa a este
processo de globalização hegemônico-opressor.
Autonomia, vez que o Poder Público deve e pode, desde que se articule para tanto,
proporcionar o nascimento dos direitos, através de seu Poder Legislativo, o que longe está
de ser o suficiente; através do Executivo trabalhar a fim de propiciar as políticas públicas,
sociais com o fito de reordenar a sociedade moderna, no entanto o que se verifica e
anteriormente foi mostrado brevemente o descompasso que se faz latente; e através do
Poder Judiciário, não apenas para garantir a resolução de conflitos, mas fazer com que o
Executivo cumpra com as suas funções de garantidor das condições mínimas de dignidade.
O que se verifica atualmente é o desmantelamento do Estado em prestar algumas
garantias e, desta feita, o que se pretende não é a completa extinção e o desmantelamento
do Estado. Muito antes pelo contrário, se pretende o fortalecimento do mesmo, através de
protecionismo da economia própria local ou regional, de investimento em tecnologia,
industrialização e produção técnico-científica. Através da educação e da integração
cultural, trabalhar a idéia de comunidade solidária e o fortalecimento identitário, se
unindo para defender-se da opressão.
Paralelamente a esta medida, de fortalecimento do Estado, Boaventura nos traz
como perspectiva, o incentivo ao terceiro setor, trabalho voluntariado, mais comumente
conhecidos como organizações não-governamentais (ONG’s) – saída não institucionalizada
estatalmente e com a eficiência o setor privado, abstendo-se do fito lucrativo,
desenvolvendo o valor humano.
Lembrando que o fortalecimento do terceiro setor não implica na minimização da
função do Estado, em tarefas públicas não executadas pelo mesmo. O terceiro setor faz-se
necessário frente à ineficiência estatal em questões sociais, porém, devemos nos atentar
para que essas entidades não substituam o ente público. O compromisso em executar
políticas públicas deve ser responsabilidade irrenunciável do Estado, sendo assim, o
terceiro setor como um fortalecimento deste. Além do mais, esse setor, considerado
intermediário entre o público e o privado, devem obedecer a limites, para não pôr em
“xeque” a soberania do Estado, devido a seu crescimento.
O capitalismo gerou a noção do individualismo, em contrapartida ao pensamento
de união. Esse egocentrismo foi aprofundado com o neoliberalismo, segundo Milton
Santos, “o capital em estado puro”, então perdemos completamente a noção de
comunidade, o que prevalece é o “eu” frente ao “nós”. Sabemos que ninguém se salva
12
sozinho, ninguém salva ninguém, nos salvamos em comunhão. Enquanto tivermos o
pensamento individualista de salvar a própria pele, estaremos todos condenados ao
fracasso, e o fracasso na globalização é a própria exclusão.
Como nos coloca Helio Gallardo:
Quando se menciona a los derechos de segunda generación, los derechos
económicos, sociales y culturales, como discriminados y olvidados, lo que se dice
es que se ha renunciado, muchos renunciado y, sobre todo, cada uno de nosotros
ha renunciado, a la responsabilidad moral y juridica de construir el sujeto
humano plural que crece desde su autonomía y autoestima. Si olvidamos estos
derechos es porque hemos renunciado a crecer y a proyetarnos en humanidad
desde nosotros mismos (GALLARDO, 2004, p.64)
13