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ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA
Vol. 3 – Nº 3 – 2003
ISSN 1519-9096
Semestral
junho 2003
Revista da Alfabetização Solidária /Alfabetização Solidária.
v.3, n.3 jan./jun. 2003. São Paulo: UNIMARCO, 2003.
Semestral
ISSN 1519-9096
REVISTA DA
ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA
Vol. 3 – N º 3 – 2003
ISSN 1519-9096
Semestral
APRESENTAÇÃO ....................................................................................... 5
ARTIGOS
Um olhar sobre o letramento nos alfabetizadores e alfabetizandos de
Andorinha – BA e Bacurituba – MA
Alexandra Ferronato Beatrici ................................................................................ 7
Práticas bem-sucedidas de educação de jovens e adultos:
pontos de convergência
Candido Alberto Gomes ....................................................................................... 17
Alfabetização e subjetividade
Álvaro Pereira Gonçalves ..................................................................................... 29
Alfabetização Solidária: relação interativa no processo de capacitação
Rosa Maria Jorge Persona
Sumaya Persona de Carvalho .............................................................................. 39
Algumas práticas de letramento: uma experiência no programa Alfabetização
Solidária em Várzea Alegre/CE
Denize D. Campos Rizzotto ................................................................................. 47
Uma experiência de formação continuada em São Tomé e Príncipe, na África
Carmen Sá Brito Sigwalt
Neiva Costa Toneli ................................................................................................ 57
História e alfabetização no século XX:
leituras a partir do sonho de democratização da educação brasileira
Claudia Maria de Andrade e Silva
Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti ..................................................................... 71
O alfabetizador ribeirinho da Amazônia e a construção de uma prática
pedagógica sem propostas prontas
Lucileyde Feitosa Sousa ....................................................................................... 89
RESUMOS
O alfabetizador em matemática – aprendendo a conhecer e a fazer
o conhecimento matemático
Solange Maria Gomes dos Santos ....................................................................... 97
A Fundação EDUCAR na Paraíba: histórias e memórias
Maria Roberto de Lima ......................................................................................... 99
Contribuições de um projeto de arte e educação na alfabetização de jovens
e adultos do Programa Alfabetização Solidária
Carminda André e Kathya Maria Godoy ........................................................ 100
Primeiras experiências de leitura e escrita: práticas culturais
Imara Pizzato ....................................................................................................... 102
Uma experiência em Moçambique
Eneida Maria Abreu de Souza ........................................................................... 103
Uma metodologia dialógica e pró-ativa para alfabetização de jovens
e adultos
Deuzimar Serra Araújo ....................................................................................... 104
A EJA nas comunidades indígenas: desabafos e possibilidades
Antônio Jorge Paixão, Raimunda Benedita Caldas
e Tabita Fernandes da Silva ................................................................................. 106
O encontro de secretários municipais e coordenadores municipais –
sua repercussão na melhoria do PAS nos municípios como formadores
de ações para integralização, sociabilidade de cidadania
Afife Salim Sarquis Fazzano .............................................................................. 107
A sociabilidade nas famílias do nordeste brasileiro
Afife Salim Sarquis Fazzano .............................................................................. 108
Formação continuada na educação de pessoas jovens, adultas e
idosas: uma experiência no Estado da Bahia
Lorita Maria de Oliveira, Maria Helena Weschenfelder e José Jackson Reis
dos Santos ............................................................................................................. 109
Introdução
concepção de letramento numa perspectiva sócio-histórica nos
A leva a assumir que a linguagem é interação e, como tal, pressu-
põe a participação de sujeitos sociais que participam de ações contex-
tualizadas em situações sociais de uso real da linguagem.
“Por isso é que, na formação permanente dos professores, o mo-
mento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensan-
do criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar
Notas
1
Gray, 1956 enfatiza a natureza pragmática do letramento, em Soares, 1998, p.72.
Referências Bibliográficas:
ARROYO, Miguel.Educação Básica, Profissional e Sindical - um direito do traba-
lhador, um desafio para os sindicatos. In: Educação de Jovens e Adultos. Belo
Horizonte: Secretária Municipal de Educação. 1996.
FREIRE,Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática edu-
cativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
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São Paulo: Ed. UNESP, 2000.
FREIRE, Paulo. Conscientização. Teoria e Prática da Libertação. Morais: São
Paulo. 1980.
MADEIRA,Vicente de Paulo. Para falar de Andragogia, Programa Educação
do Trabalhador. v.2, CNI-SESI. 1999.
SOARES, Magda. Letramento. Um tema em três Gêneros. Belo Horizonte:
Autêntica,1998.
A riqueza da pluralidade
O precioso mosaico de experiências que foi apresentado no semi-
nário ilustrou a necessária flexibilidade na aprendizagem dos jovens
e adultos de acordo com o contexto econômico, social e cultural e
ambiental. Tal diversificação em dimensões intranacionais e interna-
cionais, além de ser um formidável desafio técnico, é uma fonte de
infinito enriquecimento dos processos educacionais. Os educadores pre-
cisam extrair vantagens desta pluralidade, em vez de eventualmente
considerá-la como um obstáculo, já que a realidade está longe de ser
singular. Com efeito, a diversidade não é uma fraqueza, mas uma re-
curso inigualável para a adaptação e a sobrevivência em tempos de
mudança e de crise, do mesmo modo que a biodiversidade.
Como conseqüência, de acordo particularmente com a experiên-
cia brasileira, as culturas oral e escrita não são opostas e a última não
pode ser encarada como inferior à primeira. Em vez de estabelecer uma
tensão destrutiva entre elas, os educadores devem promover o seu
mútuo enriquecimento. Um exemplo oferecido pelo seminário foi a
experiência israelense com os imigrantes etíopes, que demonstrou o
valor de integrar o processo educacional nos respectivos contextos e,
assim, de construir e não de queimar pontes de mão dupla. A cultura e
a língua desses imigrantes é amplamente usada e respeitada no pro-
cesso, tendo como elos educadores que, de preferência, partilham das
suas experiências e/ou têm a mesma origem. Sua aprendizagem parte
Referências Bibliográficas
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sonhos. Em Aberto, Brasília, v. 17, nº 71, p. 9-20, jan. 2000.
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ROBINSON, Clinton. United Nations Literacy Decade: a proposal for the
coordinating role of UNESCO. /S.n.t./, 2002.
SETÚBAL, Maria A. Os programas de correção de fluxo no contexto das
políticas educacionais contemporâneas. Em Aberto, Brasília, v. 17, nº 71,
p. 9-20, jan. 2000.
Pressupostos teóricos
Nesta parte do trabalho, fazemos um confronto de diferentes con-
cepções de escrita-leitura, segundo vários autores.
Conclusão
A classe que domina a produção cultural domina também o sistema
de idéias. Este modelo instaura a cultura que o usuário reproduz em to-
dos os seus discursos. Para Douglas (1966, p. 14-15), não há sociedade que
se mantenha, se não investir legitimamente em sua própria reprodução,
“lançando poderes para prosperar e para retaliar ataques(...), pois a socie-
dade não existe num vácuo neutro, nem sem comando”. Fazem parte do
laço social os esforços dos homens no sentido de forçar uma “boa cidada-
nia”, ou seja, a reprodução de subjetividades.
Observamos uma forte determinação da concepção de redenção,
de carência e obscuridade, assim como o alcance de uma condição de
plenitude que o próprio informante define; a partir da metáfora das
luzes, passa a ver por meio da alfabetização o que antes não via. A
categoria letramento não está presente, explicitamente, nas redações;
Notas
1
Exemplo dessa segregação é mostrada na reportagem do Jornal Folha de
S. Paulo, 1 caderno, p. 2, agosto de 2000. Nas eleições municipais de 2000, a
Justiça Eleitoral, para fazer valer a Constituição Federal, que determina que
apenas cidadãos alfabetizados podem concorrer a cargos eletivos, aplicou
teste nos candidatos que não demonstravam ter instrução formal. No Estado
de São Paulo. 1.521 postulantes foram reprovados. Nos quinze municípios
cearenses em que os testes tinham sido aplicados até a data da publicação, 70
candidatos foram reprovados sendo que 30 já tinham sido vereadores.
2
Tal é a visão dos nossos informantes, refletida em suas redações.
3
M. Pêcheux (1975 p.162) chama de interdiscurso ao “todo complexo com
dominante das formações discursivas”, e é por esse conceito que se podem
apreender as relações entre elas, quer dizer, a relação (a separação) de uma
formação discursiva com o “exterior”. Orlandi explica o interdiscurso como
“o lugar de constituição dos sentidos, a verticalidade (domínio de memó-
ria) do dizer, que retorna sob a forma pré-construído, o já dito”. Diz ainda
que “a relação entre as formações discursivas é ‘soldada’ pela existência do
interdiscurso. E a exterioridade (...) constitutiva só se define em função dos
interdiscursos, ou melhor, essa exterioridade tem o seu modo de existência
definido pelo interdiscurso”. Pêcheux distingue, ainda, o interdiscurso do
intradiscurso, isto é, do funcionamento do discurso com relação a si mesmo
(o que digo agora, com relação ao que eu disse antes e ao que eu direi depois,
portanto o conjunto dos fenômenos de ‘co-referência’ que garantem aquilo
que se pode chamar ‘fio do discurso’, enquanto discurso de um sujeito”
(1975 p.166).
Notas
1
Mestre em Educação- Coordenadora Pedagógica do 1º ciclo – ESEBA-UFU
– Coordenadora Setorial do Programa Alfabetização Solidária – município de
Várzea Alegre Ceará: 1998/2002 .
2
KLEIMAN, SIGNORINI e Colaboradores (2000) .
3
Picoli (2000) pesquisou o processo de aquisição de escrita pelo adulto tendo
como categorias de análise as etapas que caracterizam a linha evolutiva na
aquisição da escrita segundo FERREIRO (1989).
4
Segundo Signorini (2000, p.45), a escrita funcional, “refere-se às habilida-
des de uso funcional da escrita, como ler placas e instruções, preencher formu-
lários, fazer requerimentos (...)”.
5
A mesma autora esclarece que a oralidade letrada refere-se às habilidades
orais que os indivíduos desenvolvem em suas práticas sociais, participando de
reuniões na comunidades e eventos sociais em geral.
6
A Universidade Federal de Uberlândia coordena através da PROEX/
ESEBA/FACED sete municípios localizados no interior do Estado do Ceará,
enquanto parceira do Programa Alfabetização Solidária.
7
A estratégia de projetos ou metodologia de projetos é uma proposta pe-
dagógica que possibilita uma aprendizagem significativa, pois tem como prin-
cípio a interação do aluno na construção do processo, além de permitir o
diálogo entre vários conteúdos estudados. Outra opção, seria a utilização de
temas geradores.
8
Gênero: grupos de indivíduos que são constituídos de acordo com característi-
cas comuns, podendo ser organizados de acordo com as atividades desenvolvidas
como por exemplo a agricultura ou mesmo quanto ao sexo (masculino, feminino).
10
A estratégia de projetos ou metodologia de projetos é uma proposta pedagó-
REVISTA DA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA – VOL. 3 Nº 3
Algumas práticas de letramento: uma experiência no programa Alfabetização... – p. 47-56 | 55
gica que possibilita uma aprendizagem significativa, pois tem como princípio a
interação do aluno na construção do processo, além de permitir o diálogo entre
vários conteúdos estudados. Outra opção, seria a utilização de temas geradores.
Bibliografia
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KLEIMAN, A. K. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na
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PICOLI, F. Para Mio a Mudasa na Tié Probemas”: as Primeiras Produções do
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2000. p. 103.122.
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SIGNORINI, I. O Contexto Sociocultural e Econômico: Às Margens da Sociedade
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ção de jovens e adultos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 40-53.
SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1992
. Letramento: Um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,1998.
Notas
1
Professora da Universidade Federal do Paraná e Coordenadora do Programa
“Alfabetização Solidária” na UFPR.
2
Professora da PUC-Minas e Coordenadora do Programa “Alfabetização So-
lidária” na Universidade.
3
Trata-se da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, publicação original de
1929. A tradução brasileira consultada é de 1999.
Referência Bibliográfica
SIGWALT, Carmen. A Formação do Professor Alfabetizador: Caminhos e
Descaminhos – dissertação de Mestrado. UFPR: 1992.
KLEIN, Lígia Regina. Proposta política Pedagógica de Mato Grosso do Sul. 2000.
Sugestão de texto:
As ilhas de São Tomé e Príncipe são irmãs do Brasil por parte de Portugal.
Elas foram descobertas em 1471 pelos navegadores portugueses João de San-
tarém e Pedro Escobar. O Brasil foi descoberto em 1500 pelo navegador por-
tuguês Pedro Álvares Cabral.
São Tomé e Príncipe é um dos cinco países africanos que, junto com Brasil
e Portugal, formam a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Temos muito em comum com São Tomé e Príncipe. A mesma língua, a mes-
ma alma, metade africana e metade portuguesa. Gosto e jeito para a música.
Sugestão de texto:
Dona Alda encontrou com Ernesto e perguntou:
– Como vai a vida?
Ernesto respondeu:
– Leve, leve.
Sugestão de texto:
História de vida
Meu nome é _________, moro no distrito de Neve. Levanto bem cedo
para pescar. Quando era criança não pude estudar, por isso, à noite, vou à
escola. Estou aprendendo a ler e a escrever.
Outros textos: bilhetes, cartazes, propagandas, anúncios, convites,
notícias, receitas, lista de compras etc.
Anexo 3
Oh mãe,
Mulher incansável
As tuas canções aprendi:
A que triturava o izaquente
E a que embalava a criança
Que era eu.
Oh mãe,
Mulher incansável
Pelo teu leite
Pelas tuas canções
Pela felicidade de teus filhos,
Eu te agradeço
Mil vezes
Oh minha mãe.
Autora: Alda do Espírito Santo
Modo de preparar:
Depois de preparada a fruta-pão, põe-se a cozer em água e sal. Depois de
cozida, é pisada. Juntam-se as gemas dos ovos, as claras batidas em castelo
e o açúcar. A forma é barrada com açúcar queimado e o pudim é cozido
em banho-maria.
Considerações Iniciais
Matizes da democratização
Para estabelecermos elementos controversos e semelhantes da his-
toriografia a respeito da democratização do ensino brasileiro, pro-
curamos focalizar outros estudos que pudessem nos permitir, ao final
dessa análise, estabelecer algumas considerações sobre o assunto.
A escolha recai sobre os estudos de Celso Beiseigel, que centra sua
análise no período correspondente ao processo de democratização edu-
cacional, detectado na “progressiva extensão das oportunidades de
acesso à escola, em todos os níveis de ensino, para setores cada vez
mais amplos da coletividade” (1986, p. 383).
Enfatiza a existência de dois movimentos responsáveis pela “demo-
cratização”: 1) aumento de matrículas e 2) criação de um modelo único
de escola no nível médio.
O primeiro caso pode ser exemplificado pela Campanha de Edu-
cação de Adultos (ensino supletivo), MOBRAL e outros movimentos
regionais, que foram responsáveis pela ampliação das oportunidades
de ensino primário.
Nesta perspectiva, também houve aumento de cursos de ensino
médio e superior. Todavia, a oferta do número de vagas não acompa-
nhou a expansão da procura de oportunidades para o ensino superior,
acarretando à educação o aparecimento de um novo tipo de escola:
uma instituição voltada à obtenção de lucros.
Destarte, coexistiam dois tipos de escolas: 1) elitista, caracterizado
por crescentes índices de competição em torno de poucas vagas disponí-
veis e 2) escolas para absorver toda a clientela que pudessem alcançar,
exigindo dos candidatos somente habilitação de nível médio e pagamento
das mensalidades. Apesar desta dualidade existente no nível superior,
esta característica demonstra uma abertura de oportunidades.
Celso Beiseigel (1986, p. 389) vale-se de dois exemplos para explicitar
as modificações do sistema escolar brasileiro. No Estado de São Paulo, por
volta de 1970, pode-se perceber que “as barreiras seletivas vêm sendo pouco
a pouco empurradas para os degraus mais elevados da pirâmide escolar”.
Na contra-mão da história
Dentre as propostas de democratização e desenvolvimento de um
sistema que atingisse realmente as “bases populares”, estava o per-
nambucano Paulo Freire. Nascido em Recife, em 1921, sendo o Nordes-
te, além de cenário inicial de sua vida, uma amostra – com 15 milhões de
analfabetos (IBGE, 1960), de um universo que apontava a crise do sis-
tema educacional brasileiro, o que inspirou a elaboração de sua teoria.
No II Congresso Nacional de Educação de Adultos, em 1958, no
Rio de Janeiro, Paulo Freire apresentou o relatório “A Educação de
Adultos e as Populações Marginais: O Problema dos Mocambos”, fir-
mando-se como um educador progressista ao apresentar uma filoso-
fia renovadora.
“Que a educação de adultos das Zonas dos Mocambos existentes
em Pernambuco se fundamente na consciência da realidade da coti-
dianidade vivida pelos alfabetizandos para jamais reduzir-se num
simples conhecer de letras, palavras e frases” (FREIRE, 1958, p. 12)
Ainda constava no relatório que a alfabetização de adultos não po-
deria ser “sobre – verticalmente – ou para – assistencialista – o homem,
mas com o homem, com os educandos e com a realidade”.
O conhecimento popular e a referência local já eram valorizados
por Paulo Freire. Até a condição da mulher foi citada quando diz que
esta deveria “superar suas condições de miséria mudando a natureza
de suas próprias práticas domésticas”.
Suas primeiras experiências foram em Angicos, no estado do Rio
Grande do Norte, em 1963, quando 300 trabalhadores rurais foram
alfabetizados em 45 dias. A prática deu respaldo para a sistematização
do método, cujo princípio é a valorização da realidade do educando
no processo de ensino-aprendizagem.
Em 1964, Paulo Freire foi exilado, através do golpe militar, devi-
do à sua atuação na Campanha Nacional de Alfabetização, e, após
setenta e cinco dias preso, foi para o Chile para orientar e coordenar o
É preciso avançar
A alfabetização, entendida como aquisição das competências lin-
güísticas, parece insuficiente no mundo contemporâneo para estabele-
cer uma comunicação efetiva.
Valorizando os recursos da época – chamados anos de chumbo
por compreenderem o período de ditadura militar brasileira para
avançar no processo de alfabetização/letramento, Freire inseriu ele-
mentos audiovisuais no desenvolvimento do seu trabalho a partir da
valorização de ambientes interativos e, mais tarde, reforçou o uso do
vídeo, da televisão e da informática, como afirma Moacir Gadotti em
seu artigo A prática à altura do sonho (1998).
O método de alfabetização de Freire, aprovado pela Conferência
Nacional dos Bispos no Brasil (1963), foi adotado pelo Movimento de
Educação de Base (MEB) das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs),
lideradas por Frei Leonardo Boff, Frei Beto e outros adeptos da Teolo-
gia da Libertação, como adequado para alfabetizar através da Telesco-
la – Educação à distância usando rádio e monitores.
No âmbito religioso a valorização comunicacional foi ampliada de
tal forma que a Igreja criou o termo Comunicação Social, utilizada pelas
CEBs e mais tarde, já com perfil de comunicação de massa, pela Reno-
vação Carismática Católica.
Embora não haja uma proposta linear no pensamento de Paulo
Freire a respeito da relação Educação e Comunicação, no livro Comu-
nicação ou extensão ele discute a importância da ação comunicacional
no ato de educar, como se o conteúdo para ser relevante e significati-
vo não pudesse desprezar a forma. O meio se torna um veículo que
Considerações Finais
No período militar, destacaram-se alguns métodos pedagógicos – a
exemplo daquele desenvolvido pelo educador Paulo Freire –, que res-
pondiam às expectativas dos grupos dirigentes, no Governo da União, e
aos objetivos fixados para o movimento estudantil na área da educação.
O método Paulo Freire apontava alguns itens relevantes à educação:
crítica às condições de vida, sob uma coordenação de debates; incentivo a
reflexão e investigação dos modos de organização da sociedade brasileira.
No entanto, as tentativas de democratização da educação no Brasil
foram barradas com o golpe de 1964.
Isto explica-se pelo fato de que, “ao tentarem atuar sobre as matri-
zes estruturais das desigualdades que procuravam combater, os
movimentos de educação popular empreendidos no âmbito do
Estado ‘populista’, talvez estivessem finalmente ultrapassando os
limites possíveis do processo de democratização do ensino e da
sociedade, na ordem social capitalista” (Beiseigel, 1986, p. 416).
Apesar de sonhado e postulado por todas as tendências acima en-
focadas, o processo de democratização do ensino e, conseqüentemente,
de democratização institucional, ainda é um problema contemporâ-
neo, um caminho que se começa a percorrer, sem, no entanto, vislum-
brar-se o seu fim.
Entrementes, em pleno século XXI, podemos ver a realização de
um sonho, de um planejamento de longa duração iniciar as primeiras
colheitas da aplicação e desenvolvimento de parcerias que integram
instituições de ensino superior e comunidades sem letramento.
Notas
* Especialista em Psicopedagogia pelo Centro Educacional de Pós-Gra-
duação Olga Mettig. Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Educação
da Bahia e em Relações Públicas pela Universidade Salvador. Coordenadora
dos Programas Alfabetização Solidária e Universidade Solidária dentro da
Referências Bibliográficas
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HOLLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira,
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OLIVEIRA, Francisco de. A emergência do modo de produção de mercadorias:
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HOLLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira,
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RODRIGUES, Cláudio J. O magistério secundário estadual da Paraíba. São
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XAVIER, Maria Elizabete. Capitalismo e Escola no Brasil: A constituição do
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ZABALETA, Marta. Contextualizando la utopia de Paulo Freire. Revista Ges-
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1. Escolha do tema
A escolha do tema está relacionada ao contato estabelecido com os
alfabetizadores de Juruá e Careiro da Várzea – AM através do Programa
Alfabetização Solidária, desde 1997.
Optou-se em fazer uma análise sincrônica do trabalho desenvolvido
ao longo das nove etapas do curso de Capacitação de Alfabetizadores.
Por isso, o enfoque maior será dado a uma das atividades desenvolvi-
das no último treinamento, ocorrido em janeiro de 2000, na cidade de
Porto Velho, Estado de Rondônia.
No último treinamento, uma das atividades propostas se voltou para
a reflexão sobre o texto da “receita”.3 Através desse texto, procurou-se
debater e tecer reflexões sobre “o como” se dá o processo de alfabetização
“com e sem propostas prontas” e, a partir disso, foram propostos aos alfa-
betizadores o desafio de construírem as suas “propostas prontas”, se é
que existem verdadeiramente, propostas prontas para se alfabetizar alguém.
Entretanto, observa-se que esta opção pela chamada proposta pron-
ta está mudando e sem dúvida começa pelo repensar a prática pedagó-
gica: para que alfabetizar? Como alfabetizar? Quando? Por quê?
A proposta pronta silencia a voz do alfabetizando porque concebe o
sujeito no vazio, sem voz e Paulo Freire já dizia que não há sujeito no
vazio: o sujeito precisa falar, ser ouvido e interagir socialmente.
Sem dúvida, cabe à escola e ao alfabetizador espaços de interação
em sala para que o alfabetizando tenha a oportunidade de dizer a sua
“palavramundo” e, dessa forma, exercer a sua cidadania.
2. Conhecendo municípios
Juruá – o município de Juruá está localizado à margem direita do rio
Juruá. Antigamente Juruá era um pequeno seringal, conhecido como
“Caitaú’ e pertencia a um seringalista cearense chamado Raimundo
3. Conhecendo os alfabetizadores
Os alfabetizadores são oriundos das áreas ribeirinhas da Amazô-
nia e aceitaram o desafio de participar do Programa Alfabetização
Solidária – PAS, tendo como objetivo alfabetizar, durante cinco me-
ses, em suas comunidades, jovens e adultos que não tiveram acesso ao
processo de escolarização.
O curso de capacitação em alfabetização de adultos tem como obje-
tivo oferecer elementos teórico-práticos a partir de uma visão sociointe-
racionista, repensando a questão da alfabetização de adultos, de modo
que haja uma contextualização da realidade amazônica bem como de
todo o país. Os professores saem dos seus municípios com destino a
Porto Velho para participarem do curso na Universidade Federal de
Rondônia, em Porto Velho.
O curso de capacitação promoveu além da troca de experiência,
o repensar da prática pedagógica, da experiência em leitura e produ-
ção textual, conforme se constata nas falas de alguns alfabetizadores:
Depoimento 1
“Participei da capacitação, com o objetivo de conseguir vários en-
sinamentos para eles (alunos). Farei com que eles aprendam muitas
coisas dos seus interesses. Eu vou assumir a responsabilidade de ser
uma boa educadora e, sobretudo, amiga deles...sinto-me feliz por poder
realizar esse trabalho dentro de minha própria comunidade, no municí-
pio de Careiro da Várzea”.
Proposta 1:
“A melhor maneira para alfabetizar jovens e adultos é através das
histórias infantis, que eles mesmos poderão criar junto com os co-
legas da escola ou com jornais velhos, revistas para poder enten-
der o mundo ao seu redor e para ele se sentir mais à vontade.
Faça ele ficar à vontade na sua sala de aula. Faça o possível para
que seja uma maneira bem prática para facilitar a sua leitura”.
O alfabetizador lançou mão de alfabetizar a partir das histórias
infantis que eles poderão criar, juntamente com outros colegas, consi-
derando a chamada escrita social que corresponde aos textos, tais como:
jornais, revistas, embalagens que fazem parte do cotidiano dos alunos
em processo de alfabetização. O contato com a chamada escrita social
permitirá ao alfabetizando, segundo o alfabetizador ,“entender o mun-
do ao seu redor”, criando as histórias infantis a partir dessas alternati-
vas sugeridas pelo alfabetizador.
Proposta 2:
“Repita a receita quando for necessário, pois cada educando tem
um ritmo próprio e este precisa ser respeitado para que ele se sinta
feliz para poder adquirir novas coisas para o seu dia a dia e traba-
lhar com perseverança em seus conhecimentos”.
Proposta 3:
“Em primeiro lugar, saber o que o adulto já conhece e usar isso vai
ser o ponto de partida para a sua alfabetização.
Ela sempre tem que saber a realidade de seus alunos e assim
ficará mais fácil de trabalhar com a escrita e a realidade do alu-
no no sentido de poder ajudar no seu dia a dia e no mundo do
qual ele vive.
Isso ficará muito mais fácil se o professor usa material prático
para que a pessoa não fique sem motivação”.
A alfabetizadora priorizou o saber de mundo do alfabetizando, isto
é, a chamada “palavramundo”, tendo como ponto de partida para al-
fabetizar o conhecimento de mundo do aluno.
Proposta 4:
“Pegue o adulto com carinho, enrole no coração, salpique um pou-
co de doçura mexa com uma colher de atenção leve ao fogo do
incentivo e jamais deixe apagar a chama dos seus alunos de conse-
guir alcançar seus sonhos.
Apresente livros que possam despertar o interesse e manter o am-
biente nem um pouco cansativo nem para o professor nem para o
aluno e que ele ganhe muito com isso e pronto”.
A proposta do alfabetizador é extremamente poética, sendo que os
ingredientes estão recheados de: carinho, coração, doçura, incentivo,
atenção, sonhos, interesse etc. Todos esses ingredientes contribuirão
no processo de alfabetização, pois o alfabetizador assume o papel de
incentivador e mediador do conhecimento, ou seja, educador e edu-
cando interagem constantemente, construindo o conhecimento de
modo coletivo.
5. Conclusão
Pode-se chegar a algumas considerações, a partir das chamadas
“propostas” escritas pelos alfabetizadores do Amazonas: o alfabetiza-
dor concebe o processo de alfabetização como compreensão da realida-
de, processo este criativo, onde a aprendizagem da leitura e da escrita
possibilitará ao educando compreender o universo que o cerca, de
maneira crítica e militante.
A concepção de linguagem que permeia a prática desses profissio-
nais contempla a concepção defendida no início do presente trabalho:
linguagem é interlocução.
A linguagem é vista como processo de interlocução, isto é, as várias
vozes se entrecruzam em um contexto sócio-histórico e ideológico. Dessa
forma, o diálogo em sentido amplo é que caracteriza a linguagem e as
atividades propostas pelos alfabetizadores.
Percebe-se que não existe uma “proposta pronta” para se alfabetizar
alguém, ou melhor, cada alfabetizador cria e enriquece a sua própria
prática com ingredientes que sejam saboreados por todos os alfabeti-
zandos, de modo coletivo e dinâmico.
Esses ingredientes precisam levar em consideração: a cultura, as his-
tórias, experiências, as diferentes linguagens; valorizar o saber que o
aluno produz fora da escola e, principalmente, o professor-alfabetiza-
dor deve manter, segundo Silva (1998) o compromisso político de ser um
militante da mudança.
Um dos aspectos que tornou a capacitação interessante foi o fato
de os alfabetizadores compartilharem as suas experiências de leitura,
análise e produção de textos, que indicou uma criticidade do grupo
participante. Como se observou, as propostas construídas durante o
curso foram diferenciadas: alguns colocaram fortes doses de criativi-
dade, de lirismo, de compromisso político etc.
Notas
1
Coordenadora Geral do Programa Alfabetização Solidária, pesquisadora
no Projeto Beradão e Mestranda do Programa Institucional em Desenvolvi-
mento Regional da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Endereço eletrô-
nico: lucileyd@unir.br
2
CARVALHO, Marlene. “Alfabetização sem receita e receita de alfabetização”.
Belo Horizonte, Centro de aperfeiçoamento de profissionais da educação, 1996.
3
CARVALHO, Marlene. “Alfabetização sem receita e receita de alfabetização”.
Belo Horizonte, Centro de aperfeiçoamento de profissionais da educação.
Referências Bibliográficas
CARVALHO, M. “Alfabetização sem receita e receita de alfabetização”. In:
Carpe diem. Belo Horizonte, Centro de aperfeiçoamento de profissionais da
educação, 1996.
FREIRE, P. A importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam,
São Paulo, Editora Autores Associados e Cortez Editora, 1982.
FREITAS, M.T. O pensamento de Vygotsky e Bakhtin no Brasil. São Paulo,
Campinas, Papirus, 1994.
KRAMER, S. Por entre pedras: arma e sonho na escola. São Paulo, Ática, 1994.
SILVA, E. T. Criticidade e leitura: ensaios, Campinas, Mercado de Letras:
Associação de Leitura no Brasil, 1998.
FAFIPAR
Caixa Postal 117 – CEP: 83203-280 – Paranaguá-PR
Tel.: (41) 423-3644
E-mail: sgsantos@fafipar.br
Carminda André
Universidade Estadual Paulista
Kathya Maria Godoy
Universidade Estadual Paulista
E-mail: kathya.ivo@terra.com.br
E-mail: deusa@vpnet.com.br
E-mail: paraense@uepa.br
1
Doutoranda do Programa de Pós em Sociologia pela UNESP, Campus de Araraquara/
SP; Mestre em Educação pela UNOESTE de Presidente Prudente/SP; professora do
Departamento de Educação da UNOESTE. Coordenadora Geral do Programa Alfabe-
tização Solidária pela UNOESTE.