Atuações Educativas de Êxito: transformação da gestão e da aprendizagem na

escola com base em evidências.

Ramon Flecha
Comunidade de Pesquisa sobre Excelência para Todos (CREA)
Universidade de Barcelona (UB)

Roseli Rodrigues de Mello

Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (NIASE)
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

É possível garantir aprendizagem máxima a estudantes da educação básica e,

ademais, que isto aconteça num clima participativo e de convívio em solidariedade?
Sim, é nossa resposta. Há uma utopia real (Wright, 2010) constituída pelo projeto de
transformação de escolas em Comunidades de Aprendizagem (Elboj et. al, 2002),
desenvolvido pelo CREA/UB, que o fez com base em Atuações Educativas de Êxito
(Flecha; Soler, 2014). Nas Atuações Educativas de Êxito (AEE) que compõem uma
Comunidade de Aprendizagem (CdA), sonho e ciência são indissociáveis e se
encontram em benefício de estudantes de diferentes países, inclusive do Brasil,
transformando condições de aprendizagem e de convivência nas escolas, a partir da
participação da comunidade. No Brasil, desde 2002, NIASE/UFSCar, vem estudando e
constatando a transferibilidade das AEE e de CdA para o país (Mello, Braga e Gabassa,
2012).

Atuações Educativas de Êxito (AEE)

O conceito de AEE foi gerado ao longo da pesquisa INCLUD-ED (Estratégias
para la inclusión y la cohesión social en Europa desde la educación), realizada no
período de 2006 a 2011, e coordenada pelo CREA/UB, dentro do Programa de
Referência Marco 6FP, da União Européia. Com pesquisadores de catorze países
europeus, buscaram-se escolas de contextos multiculturais desfavorecidos que
apresentassem resultados expressivos na aprendizagem de leitura pela maioria das
crianças. O maior avanço identificado (que passou de 15% a 85% de crianças que
atingiram níveis importantes de leitura) foi o de escolas que haviam se transformado em
CdA (Valls-Carol; Padros-Galhardo; Aguilera-Jiménez, 2014).
 Na pesquisa, foram realizadas: revisão bibliográfica nas principais revistas
científicas internacionais, sobre práticas que geram sucesso de aprendizagem e de
convivência; análise documental de relatórios e exames de larga escala, nacionais e
internacionais, bem como de políticas dos países envolvidos. Em pesquisa de campo,
foram coletados dados quantitativos e dados qualitativos (Valls-Carol; Padros-
Galhardo; Aguilera-Jiménez, 2014). Buscaram-se evidências a respeito de quais
elementos e quais atuações educativas promovem o sucesso de aprendizagem (eficácia),
em todo o alunado (equidade), em clima de solidariedade e boa convivência (coesão
social).
Como resultados, encontrou-se que as práticas bem sucedidas: a) fomentam a
participação educativa das famílias na escola; b) estão voltadas à inclusão total nas
aulas, não segregando estudantes por níveis de aprendizagem ou os retirando da aula
regular; c) estendem os espaços e tempos de aprendizagem para todos na escola.
(INCLUD-ED, 2012). Ademais, evidenciou-se que, dentre todas as práticas que
alcançavam os melhores resultados em articulação entre eficácia, equidade e coesão
social, as atuações realizadas em escolas que eram CdA alcançavam os melhores
resultados.
Foi possível com a pesquisa ultrapassar o conceito de boas práticas e gerar o
conceito de AEE. Enquanto as boas práticas se fixam nos processos desenvolvidos e no
caráter de inovação, as AEE focam nos resultados de aprendizagem, ou seja, em
evidências sobre quais elementos das atuações garantem aprendizagem e são
transferíveis aos mais diferentes contextos, neles produzindo resultados de eficácia,
equidade e coesão social.

Atuações Educativas de Êxito (AEE) em Comunidades de Aprendizagem

(CdA)
As sete AEE estudadas e comprovadas no projeto INCLUD-ED podem ser
descritas em seus elementos essenciais da maneira que segue.
Participação educativa, avaliativa e decisória da comunidade: os elementos
essenciais evidenciados na pesquisa, para que a participação da comunidade gere
aumento dos resultados de aprendizagem e melhora do clima de convivência nas escolas
dizem respeito à participação educativa (em atividades de aprendizagem para si e para
os estudantes da escola), à participação decisória (poder indicar os avanços a serem
realizados na escola e no entorno e planejar como fazê-lo, envolvendo-se com a
implementação de ações) e avaliativa (poder, em conjunto com os profissionais, avaliar
se as ações empreendidas chegaram onde era necessário e, então, planejar novas ações
para continuar avançando). Em CdA, as comissões mistas (compostas por familiares,
pessoas do entorno, profissionais da escola e estudantes) garantem a participação
avaliativa e decisória para promover eficácia, equidade e coesão social. A participação
educativa da comunidade se dá também em atividades de aprendizagem para os
estudantes e para si.
Perspectiva inclusiva de todo o alunado: atividades de aprendizagem são
montadas para que todos os estudantes participem conjuntamente em aula. Ao invés de
segregar os alunos com desempenho acadêmico menor em turmas ou em atividades que
os retiram da aula regular para trabalhar com professores especialistas, tais especialistas
entram na sala de aula, juntamente com familiares, para apoiar aos estudantes e para
dinamizar que eles se apoiem entre si. Grupos interativos e tertúlias literárias
dialógicas são AEE focadas na aprendizagem instrumental de todos.
Os grupos interativos são organizados em sala de aula, com atividades de
revisão de temas e conteúdos trabalhados pelos professores e professoras. Organizam-se
os grupos com a máxima diversidade interna em cada um (culturas, origens, níveis
acadêmicos, gênero, etc.) para que resolvam colaborativamente a atividade. A turma é
dividida em quatro ou cinco grupos, cada qual com atividade específica, dinamizado por
uma pessoa voluntária e pelos quais todos os alunos passam. Fomentam-se
solidariedade, aprendizagem instrumental e se aceleram compreensões.
As tertúlias literárias dialógicas envolvem o compartilhamento da leitura de
livros de literatura clássica entre estudantes, a pessoa moderadora e pessoas da
comunidade. Decidido o trecho a ser lido para um encontro, cada participante o lê antes
da atividade e traz uma passagem do lido para comentar com o grupo - que lhe há feito
lembrar algo, discordar ou concordar com algo, pesquisar algo, ter dúvida sobre algo.
Chegado o dia do encontro, uma pessoa moderadora (geralmente a professora ou
professor, mas também pode ser um familiar ou outra pessoa do entorno) anota a
sequência de inscrições e faz a mediação com base em diálogo igualitário (falar com
sinceridade e respeito, com base em argumentos; posicionar-se com argumentos de
diálogo e não de poder). Os elementos centrais das Tertúlias Literárias Dialógicas são
dois: diálogo igualitário e leitura de literatura clássica; são eles que a tornam uma
Atuação Educativa de Êxito, ou seja, o que garante aprendizagem instrumental de
máxima qualidade para todas as pessoas envolvidas em ambiente que cultiva
solidariedade.
A extensão do tempo de estudo por meio de biblioteca tutorada é outra atuação
educativa de êxito. Quanto mais tempo de possibilidade de estudo, em diálogo com
outras pessoas, mais aprendizagem se gera. A biblioteca tutorada implica a abertura da
biblioteca da escola, ou de espaço que cumpra tal função, fora do horário da aula, para
que se possa ler em conjunto, fazer pesquisa, realizar tarefas, ler, preparar a leitura para
as Tertúlias Literárias Dialógicas. A presença da comunidade como voluntária, para
apoiar os estudantes é o elemento central, agregado ao estabelecimento de relações com
base em diálogo igualitário, solidariedade e respeito aos direitos humanos. A biblioteca
tutorada pode também se abrir como espaço de estudo para pessoas do entorno,
gerando-se na escola um lugar para que todos aprendam.
Como se pode observar nas AEE até aqui descritas, os familiares dos estudantes
passam a compor força central na escola, estando presentes como voluntários em várias
atividades, garantindo sua participação educativa. Porém, sua presença educativa
também se dá por meio de atividades de formação de familiares. A escola pode passar
a oferecer cursos de necessidade dos familiares e comunidade de entorno, indicados na
fase dos sonhos, e organizados e viabilizados pelas comissões mistas. Ao envolverem-se
com sua própria formação, os familiares reforçam nos estudantes, seus descendentes, o
valor da escola e do estudo e passam a ter novos instrumentos para apoiar suas crianças
e jovens.
O modelo dialógico de prevenção de violência é outra Atuação Educativa de
Êxito. A partir da detecção de uma ação que seja recorrente na escola e que seja
amplamente reconhecida pela sociedade como um problema e uma violência, monta-se
uma comissão mista entre estudantes, familiares, profissional da escola, que será
responsável por levantar junto a todos os estudantes, de sala em sala, a problemática na
escola, propor uma primeira redação de norma, debate-la com todos, chegar a uma
formulação posta em consenso entre estudantes e profissionais e, então, levá-la a uma
assembleia com familiares, para que ela assuma sua forma definitiva e que todos a
assumam como sua. Tal comissão continuará atuando em torno da norma dialogada,
para acompanhar se ela está de fato servindo como parâmetro ou se tem de ser
reformulada, ou mesmo abandonada em caso de que a situação que a gerou foi superada
na escola.
 Por fim, a formação dialógica do professorado, nas bases teóricas da
aprendizagem dialógica, das AEE e das CdA garantem aos profissionais a retomada de
seu lugar de estudiosos e intelectuais. Por meio de Tertúlias Pedagógicas Dialógicas,
que envolvem a leitura de bases dialógicas e de artigos publicados pela comunidade
científica internacional, os profissionais compartilham entre si análises de seu cotidiano,
dos desafios a enfrentar, de ações a implementar, de como melhorar o trabalho
desenvolvido na escola.
A transformação de escolas em CdA envolve essas sete AEE. Muitas escolas em
diferentes países europeus e latino-americanos se transformaram em CdA e vêm
desenvolvendo várias AEE; outras escolas, embora não tenham se transformado em
Comunidade de Aprendizagem desenvolvem Tertúlias Literárias Dialógicas e /ou
Grupos Interativos.

Concluindo
Há que se pautar a educação em atuações comprovadas em sua efetividade para
se gerar aprendizagem instrumental, com equidade e em clima de solidariedade.
Resultados de aprendizagem de escolas que desenvolvem AEE podem ser
notados no IDEB ou nas provas internacionais (que não são em si instrumentos para
guiar as aprendizagens nas escolas, mas que nos oferecem parâmetros para visualizar
em que âmbito uma escola está diante de um quadro geral). No Brasil, destacamos como
exemplo o município de Tremembé, no Estado de São Paulo, que, ao aderir à
transformação das escolas de ensino fundamental em CdA, ascendeu significativamente
no IDEB, de 2013 a 2015 (indicador de fluxo de 0, 96, e indicador de aprendizado de
6,8). Verificar em: http://ideb.inep.gov.br/ . Com relação ao clima estabelecido nas
escolas, depoimentos de profissionais, estudantes e familiares podem ser ouvidos
diretamente na página web www.comunidadedeaprendizagem.com
Assim, concluímos: é possível e desejável se fazer educação com base em
evidências.

Referências
ELBOJ, C.; PUIGDELLÍVOL, I.; SOLER, M. & VALLS, R. Comunidades de
aprendizaje – transformar la educación. Barcelona: Graó (1. Ed), 2002.
FLECHA, R., & SOLER, M. (2014). Communicative Methodology: Successful actions
and dialogic democracy. Current Sociology, 62(2), 232–242.
https://doi.org/10.1177/0011392113515141
INCLUD-ED. Final Report. En: http://creaub.info/included/wp-
content/uploads/2010/12/D25.2_Final-Report_final.pdf. Barcelona: CREA, 2012.
(Consultado el 24 de enero 2014).
MELLO, R.; BRAGA, F.M.; GABASSA, V. Comunidades de Aprendizagem: outra
escola é possível. São Carlos: EDUFSCar, 2012.
VALLS-CAROL, R.; PRADOS-GALLARDO, M; AGUILERA-JIMÉNEZ, A. El
proyecto INCLUD-ED: estrategias para la inclusión y la cohesión social en Europa
desde la educación. Investigación en la escuela, v.82, p. 31-43, 2014.
http://www.investigacionenlaescuela.es/articulos/R82/R-82.3.pdf
WRIGHT , E.O. Envisioning Real Utopias. http://www.ssc.wisc.edu/~wright/ERU.htm ,
2010. Consultado em 15 de março de 2017.