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CADERNOS DE CULTURA
CULTURA RELIGIOSA 1
O Fenômeno Religioso
Prof. Josimar Azevedo*
Adaptação: Prof . José Ruiz
“A intenção da religião não é explicar o mundo. Ela nasce, justamente, do protesto contra
este mundo que pode ser descrito e explicado pela ciência. A descrição científica, ao se
manter rigorosamente dentro dos limites da realidade instaurada, sacraliza a ordem
estabelecida de coisas. A religião, ao contrário, é a voz de uma consciência que não pode
encontrar descanso no mundo, tal como ele é, e que tem como seu projeto transcendê-lo”
(ALVES, R. O enigma da religião, p. 25, Citado em: BOFF, Ecologia, p. 63-64).
Todavia, os propósitos da religião podem ser orientados para caminhos diversos. A história
da humanidade, também, está profundamente marcada por experiências negativas de
violência, etnocentrismos, autoritarismos, patriarcalismos, preconceitos, feitos em nome da
religião. Atualmente, muitos dos conflitos mundiais estão fundamentados no fanatismo e
fundamentalismo religiosos; basta lembrar os recentes acontecimentos que ficaram conhecidos
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O Prof. Josimar é teólogo, professor na PUC MINAS
como “11 de setembro”, a “Guerra do Iraque” e o terrorismo ainda em curso. A religião, ainda,
tem servido como fundamento de projetos políticos e econômicos desumanizantes, que têm
conduzido parte da humanidade para a fome, o abandono e a exclusão.
Desta forma, o fenômeno religioso, tão antigo quanto a humanidade, se apresenta como
uma realidade sempre atual e desafiante. Refletir sobre ele, significa buscar entender a teia de
relações vitais na qual ele se constrói e se entende, identificar os elementos dessa construção,
suas possíveis representações, codificações, interesses e significados. Tal conhecimento é de
fundamental importância, pois permite:
ATIVIDADE.
1. Religião, humanidade, ciência, valores... tem andado juntos ao longo da história, mas
nem sempre na mesma direção.
Em sua opinião, como tem sido essa “companhia”? Justifique.
O ser humano é um ser que não se contenta em viver enclausurado dentro dos limites
da história, da vida física, do perceptível e compreensível, ele sempre se projeta inquietamente
para o mais, para o maior, para o além. A sensação de incompletude, de carência que lhe
assola a existência o tempo inteiro, o remete, constantemente, na busca do eterno e
definitivo. Esta abertura radical, essa projeção infinita do ser humano é o que caracteriza,
antropologicamente, sua religiosidade.
A Religiosidade é, portanto, uma atitude dinâmica de abertura efetiva da pessoa ao
sentido fundamental, radical de sua existência – seja qual for o modo como este sentido é
percebido –, a ponto de tornar-se a orientação básica de sua vida. Parte das perguntas: de
onde vim? Qual a razão de existir? Pra onde vou? unindo passado, presente e futuro. É uma
atitude pessoal de protesto do ser com relação ao mundo que ele integra, buscando respostas,
soluções existenciais que o extrapolem. Neste sentido, apresenta-se como a dimensão mais
profunda da vida, como a matriz de todas, capaz de projetar o ser humano para além dos
limites, suprir sua ignorância em relação à existência, transcendê-lo e determinar seu modo de
intervenção na história.
A religiosidade, como dimensão constitutiva de todo ser humano, é anterior à religião .
O ser humano é histórico, por isso, sua religiosidade é exteriorizada dentro de sistemas
formais (ritos, mitos, doutrinas, mistérios, celebrações, reuniões, comunidades, tradições,
etc.), próprios de seu espaço cultural. Esta maneira de viver a religiosidade, no colorido
conjuntural das épocas e dos lugares, profundamente marcada pelas circunstâncias históricas,
é o que constitui a grande diversidade e pluralidade das religiões. As religiões são as
respostas, no plural, das perguntas humanas pelo sentido, codificando seus mais nobres
desejos, anseios e expectativas, suas mais sofridas angústias e suas mais profundas
esperanças.
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Simbolismo religioso
Para viabilizar toda essa experiência que as religiões comportam, o ser humano cria
símbolos. Ele tem necessidade dos símbolos para a sua orientação e ordenação do mundo em
que vive. O símbolo é um nexo que une a manifestação terrena e o sagrado que nela se
manifesta, constituindo uma única experiência. As religiões, portanto, ao nascerem da
transparência das manifestações humanas, do quotidiano para a realidade última, apresentam-
se, em sua expressão e comunicação, de forma obrigatoriamente simbólica.
O simbolismo religioso abrange especialmente as palavras religiosas (linguagem
sagrada: latim, sânscrito, etc.), objetos visíveis (representação visual do sagrado), ações
(ritual), músicas, danças, etc. Os símbolos têm um grande papel em todas as atividades
religiosas. Não há religião sem símbolos. Tudo pode tornar-se símbolo quando há um
significado que vai além daquilo que a pessoa vê, ouve, sente, cheira ou toca. É próprio do
símbolo expressar significados que não podem ser percebidos diretamente pelos sentidos.
Todavia, toda linguagem simbólica está estreitamente relacionada com seu contexto, a partir
de onde ela se faz entender em seu significado.
O símbolo, portanto, é sinal que combina dois aspectos da realidade: objetivo (mundo
exterior dos seres e objetos) e subjetivo (mundo interior de sua experiência). Os símbolos são
marcos de orientação, formulações de sentido que o homem utiliza para identificar, explicar e
ordenar suas experiências internas e as que o mundo exterior nele provoca. O símbolo possui
dois componentes: vivencial, pré-racional (com suas raízes no mundo interior das emoções, na
camada psíquica do inconsciente) e racional: pertencente à camada da consciência reflexa. A
união de ambos os componentes constitui o símbolo.
Em síntese, podemos definir o símbolo como a formulação figurada de uma experiência
humana, com o fim de lhe atribuir sentido no interior do mundo. Entre os dois elementos
constitutivos do símbolo, podemos encontrar o significante (a imagem ou realidade em que o
símbolo se encarna) e o significado (a experiência expressada).
A partir desses pressupostos entendemos a Religião como relegere (reler), ou seja, é
preciso aprender a decodificar o fenômeno religioso presente em cada contexto. Wittengstein
define a religião como um abajur que ilumina bem um determinado lugar e emite pouca luz
para outro contexto. Desta forma, não há uma definição que esgote o sentido da religião. Em
sua estrutura simbólica, a religião apresenta-se sempre revestida de um dinamismo originário,
que faz e refaz seu significado constantemente. É algo vivo, em constante processo de
construção, subordinado à complexidade das possibilidades do ser humano conceber o
universo inteiro como algo humanamente significativo.
Como fenômeno humano, as religiões estão subordinadas as condições de
possibilidades da história, encontrando aí suas riquezas, limites e definições. Por isso não
convém falar de religião, mas de religiões, para expressar sua pluralidade de formas e
complexidade de interpretações.
ATIVIDADE
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A religião pode, ainda, ser definida a partir de seu objeto (religião como crença em
seres sobrenaturais: Deus, deuses, espíritos etc.), ou a partir de sua função (Religião como um
instrumento para resolver problemas existenciais, legitimar a ordem social, proteger a pessoa
contra a angústia etc.
Desta forma, a complexidade da religião, permite que ela seja compreendida de muitas
formas:
Todas as definições de religião propostas mostram que religião é algo que não se
conforma dentro de uma definição. Assim como não existe a religião perfeita, também não
existe uma definição perfeita. A definição se presta ao serviço de ser mais útil que verdadeira,
por que ela é um instrumento de trabalho e não a finalidade da pesquisa. Toda e qualquer
definição possui uma subjetividade inerente que a determina.
ATIVIDADE
1. Identifique alguns elementos que não podem faltar numa visão –mesmo que
parcial- de Religião.
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O conceito cultura
“Na história das religiões, observa-se uma progressiva retirada dos seres divinos da
natureza para o além. Esta “transcendentalização” desarticulou a antiga síntese entre
natureza, cultura e religião. A conquista da autonomia humana em face das
contingências da natureza também é um dado religioso. Para se libertar desta natureza
arbitrária, do destino cego e da programação natural, o homem tinha de dessacralizar
esta natureza externa e interna (consciência). O Deus soberano, pessoal e
transcendente do judeu-cristianismo é criador dessa natureza, não o seu inquilino. O
processo de dessacralização da natureza, porém, está na raiz do processo de
secularização. Em diferentes vertentes deste processo de secularização, Deus não só
deixou de ser habitante da natureza. Deixou de ser também o seu criador. No ateísmo
prático e programático deixou até de existir”. (SUESS, Culturas e Evangelização, p. 42)
“Nenhuma cultura, nenhuma religião são entidades fechadas. Pelas culturas, os seres
humanos constroem os meios de habitar o mundo, segundo as modalidades de uma
riqueza e inventividade extraordinária; esse esforço, na base da cultura, lhe é comum.
Em todas as partes e sempre a humanidade encontrou e encontra os mesmos
problemas de sobrevivência, do sentido da diferença dos sexos, da seqüência de
gerações, do sofrimento, da morte. As respostas, os desafios fundamentais e as
interrogações são os mesmo. Eis o que funda certa transversalidade entre as culturas,
uma possibilidade de compreendermo-nos nas nossas próprias diferenças” (P. Valadier,
La mondialisation et les cultures, in Études n. 3955, novembre, 2001, p. 512. Citado
em: LIBANIO, A religião, p. 150).
ATIVIDADE
“Hoje há clareza suficiente para saber como as relações são mútuas, mas não iguais no
tempo, no espaço e nas questões. Há momentos, há lugares, há temas em que a
religião influencia mais a sociedade. Há outros em que o braço da balança inclina-se
para a sociedade”. Dito de maneira simplificadíssima, na Idade Média a religião
influenciava mais a vida da sociedade do que por ela era influenciada. E na
modernidade inverte-se o processo. A economia, a política, a cultura modernas
impactam tão profundamente a religião, a ponto de teóricos interpretá-la como mera
ressonância da sociedade. Se antes se dizia que cada religião era seu povo, depois
valeu o aforismo ‘omnis regio, ibi religio’ – ‘cada região, sua religião’”. (LIBANIO, A
religião, p. 46)
ATIVIDADE
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
“Estudo objetivo das relações sociais estabelecidas pelas religiões. Abrange os dois
campos relacionais, interpessoal e intergrupal; e considera as instituições, normas, leis
e valores criados por essas relações no campo religioso”. (SHLESINGER, Hugo et
PORTO, Humberto. As religiões, p. 255).
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FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO
PSICOLOGIA DA RELIGIÃO
“Disciplina autônoma que tem por objeto a análise dos elementos comuns da diversas
religiões com o fito de decifrar-lhes as leis de evolução e sobretudo precisar a origem e
a forma primeira da religião”. (SHLESINGER, Hugo et PORTO, Humberto. As religiões,
p. 63).
A história da relação entre religião e ciência, foi também profundamente marcada por
conflitos e hostilidades. No ocidente, de forma particular, o confronto foi desde a submissão da
ciência à teologia, enquanto expressão refletida da fé, passando pelos conflitos que se
agravaram na modernidade e por uma seguinte etapa intermediária de harmonização
apologética até chegar a ruptura radical com o positivismo da ciência. Neste contexto, a
relação entre fé cristã e ciência levou a uma ruptura catastrófica entre Igreja e mundo
moderno, a tal ponto que chegou–se à crer, por um lado, na endemonização da ciência e, por
outro, que a ciência moderna ia extinguir definitivamente a religião e eliminar Deus da cultura
contemporânea.
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“Durante mais ou menos dois milênios, acreditou-se, com fundamento nas afirmações
bíblicas, que o universo fora criado em sete dias e que essa criação datava de cerca de
4.000 a.C. Ora, hoje os astrofísicos calculam em cerca de quinze bilhões de anos de
idade do nosso universo, e são mais ou menos capazes de reconstruir as principais
fases dessa história, a partir do “big bang” inicial, que se supõe ter sido o “começo” do
mundo. Passou-se do fixismo a transformismo; de um mundo terminado e estável, a
um universo em expansão e em constante evolução. Portanto, aparentemente há uma
grande distância entre essas descobertas prodigiosas e as duas narrativas bíblicas da
criação do mundo, que nos mostram, por exemplo, Deus modelando a terra como um
oleiro trabalha a argila, ou “operando” Adão para tirar dele uma costela e poder formar
Eva! Infelizmente, durante muito tempo, quiseram tomar essas imagens – aliás, ricas
de significação em outro nível – por verdades científicas... o que elas absolutamente
não eram. ...Esse lamentável engano contribuiu para formar, na mente de inúmero
não-crentes – e de certos crentes constrangidos em sua fé, por esse fato -, a convicção
de que não se podia aceitar ao mesmo tempo o que afirmava a ciência e o que dizia a
Bíblia. E, portanto, que não era possível crer simultaneamente na ciência e em Deus!”
(MORIN, Dominique. Para falar de Deus. São Paulo, Loyola, 1993, p. 39);
Afinal, historicamente, nem a Igreja nem a ciência lograram êxito em suas pretensões
funestas. Hoje se tenta superar tal momento, principalmente depois do doloroso caso Galileu e
dos problemas da evolução pós-Darwin, a partir da consciência de que a realidade é muito
mais complexa do que se acreditara no momento em que o positivismo triunfante atacava
com violência uma Igreja imobilizada no conservadorismo e na desconfiança. Na verdade, cada
vez mais se foi evidenciando que, não apenas a ciência não contradizia a confissão do Deus da
Revelação cristã, mas que às vezes até poderia levar a ele. Desta forma, pauta-se por uma
compreensão hermenêutico - crítica de ambas as partes.
“É possível fechar os olhos para o fato de que o relacionamento entre ciência e religião
melhoram lentamente, apesar da desconfiança recíproca persistente? Estamos
caminhando na direção de uma nova abertura... É entre os físicos que a coisa é mais
surpreendente: muitos vêem hoje como é insuficiente a imagem do mundo e a
concepção materialista e positivista da realidade; como é relativo também o seu
método mesmo. É precisamente entre os físicos que não se vêem mais, na atualidade,
senão poucos ateus militantes, ainda que haja um bom número de agnósticos. A
invenção da bomba atômica mas, cada vez mais, também os resultados negativos do
progresso científico e técnico em geral, suscitaram, em primeiro lugar entre os físicos
nucleares, a questão da responsabilidade na ação científica e técnica e, por sua vez, o
questionamento sobre o sentido que se há de procurar, sobre a escala de valores, sobre
os modelos que se seguirão e - para encontrar-lhes um fundamento – sobre a religião”
(H. KÜNG, Dieu existe-t-il?, Seuil, 1981, p. 640. Citado em: MORIN, Dominique. Para
falar de Deus. São Paulo, Loyola, 1993, p. 57);
Nova cosmologia
“A partir dos anos 20, com a teoria da relatividade de Eistein, com a física quântica de
Bohr, com o princípio de indeterminabilidade de Heisenberg, com as contribuições da
física teórica de I. Pringogine e I. Stengers, bem como com as conquistas da psicologia
do profundo (S Freud e C. G. Jung), da psicologia transpessoal (A. Maslow, P. Weil), da
biogenética, da cibernética e da ecologia profunda surgiu uma nova cosmologia. Passa-
se rapidamente das era industrial a era da comunicação e do gerenciamento da
complexidade, transita-se de um mundo “materialista” (orientado na produção de bens
materiais) para um mundo “pós-materialista” e espiritual (interessado na integração do
cotidiano com místico). Diante dessa realidade, a síntese desempenha uma função
mais primordial que a análise, a visão holística e orgânica deve completar a visão
setorializada das ciências. Importa articular as duas maneiras de viver e de ler o
mundo, a do homem e a da mulher. Por isso, a nova cosmologia incorpora fortes
elementos femininos, já que ela, culturalmente, vinha marcada de modo quase
exclusivo por elementos masculinos”. (BOFF, Ecologia, p. 64-65);
ATIVIDADE
Bibliografia
MALINOWSKI, B. Magic, Science and Religion, New York, doubleday Books, 1948, p. 17
BERGSON, H. As duas fontes da moral e da religião. Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 85.
SIMÕES, Jorge. Cultura religiosa. O Homem e o Fenômeno Religioso. São Paulo: Loyola, 1994.
SHLESINGER, Hugo e PORTO, Humberto. As religiões ontem e hoje. São Paulo: Paulinas, 1982.
MADURO, Otto. Religião e luta de classes: quadro teórico para a análise de suas inter-relações
na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1981.
VV.AA. Interfaces do Sagrado em véspera de milênio. São Paulo: CRE PUC-SP – OLHO dágua,
1996, p. 38);
1. INTRODUÇÃO
O fato de a pessoa ser o único ser vivo capaz de estabelecer relações livres, e por isso
gratuitas, é uma característica humana, essencial e exclusiva. A necessidade e o instinto não são os
únicos motivos que levam à pessoa humana a conviver, a trocar objetos e experiências, a se
comunicar. Na liberdade intrínseca e fundamental da estrutura humana se fundamenta a capacidade
de “com-fiar”, de crer, de esperar, de fiar-se dos outros.
O ser humano é voltado para o sagrado, para o transcendente, para o mysterium, para o
numinoso... isto é, a transcendência é uma das dimensões constituintes do ser humano.
As relações humanas podem estar fundamentadas em múltiplas razões, sejam estas de
necessidade ou supervivência, mas também de confiança e esperança. Por tanto é legítimo pesquisar
onde é que se alicerçam as relações com o mysterimun.
A questão é que a resposta que parece lógica, a Fé, resulta ser ao mesmo tempo solução e
problema (nossa sociedade destaca mais a situação problemática da fé) mas essa situação não
acontece igualmente em todos os momentos históricos, em todas as culturas, em todos os estágios
da vida humana. Houve momentos de grande concordância em questões de Fé; há culturas mais
religiosas do que outras. Há idades em que mais facilmente cremos; a infância, a adolescência e
juventude, a idade adulta, na “melhor idade”... Alguns até destacam o fato de que aparentemente as
mulheres são mais sensíveis à dimensão da Fé. Seria, então, correto afirmar que para a pessoa
madura e inteligente, ocidental, moderna e secular... o a-teísmo é a única postura pertinente? A
opção pela fé seria coisa de pessoas ou sociedades fracas?
A morte de Deus já foi anunciada:
Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos
de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais
sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará
desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos
sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós?
Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele?
Nunca existiu acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer
parte, mercê deste acto, de uma história superior a toda a história até hoje! —
NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência, §125
Porém nem Deus morreu, nem a Fé ficou obsoleta, nem a humanidade passou a viver como
nas sociedades preconizadas pelas ideologias ou pelas economias, isto é, sociedades que teriam
superado o estágio primitivo da fé. Assistimos hoje em dia a um aumento da curiosidade pelas
relegiões, mas trata-se de uma curiosidade intelectual. O exôtico dá ibope...
Convém destacar que nosso tema e a Fé, e não a Religião. Embora pertençam a um mesmo
universo semântico, têm suas diferenças. A Fé terá um tratamento sustantivo; a Religião adjetivo;
assim entenderemos a expressão fé religiosa. E a partir daí perceberemos que o termo fé cobre
outras realidades, anteriores e posteriores à experiência religiosa. A Fé não se identifica com a
Religião.
2. FÉ HUMANA
A Fé é uma experiência humana fundamental que se faz entre as pessoas e que se prolonga
para coisas, mistérios e religiões. Crer é a condicção de existir num convívio humano. Nascemos
incompletos. Observe as diferenças ao compararmos com os animais; eles conseguem com horas
ou dias libertar-se dos vínculos de seus progenitores. Já o ser humano recém-nascido permanece
numa dependência total de vida e morte em relação aos pais e aos que cuidam dele. Tal situação de
incompletude predispõe-nos –e até nos obriga- a manter uma atitude de confiança no outro.
Necessitamos da liberdade de outros para existir.
O primeiro movimento instintivo é o de confiança no outro que acolhe, que protege, que
cuida. O sucesso dessa primeira experiência humana colocará a base psicológica para a fé. Como
poderá ter fé quem já na infancia viu frustrada e traida a confiança? É claro que a confiança cresce
junto da desconfiança, a experiência nos ensina em quem podemos confiar e de quem devemos
desconfiar. Por isso existem crianças mais ‘confiadas’ do que outras que são mais tímidas.
Nos primeiros momentos da vida planta-se a semente da fé humana ou da resistência a ela.
O jogo de experiências, que constitui nossa existência, irá nos ensinar a dificuldade de discernir em
quem ter fé. A infidelidade e a traição de amigos, de pessoas em quem acreditamos, deixam-nos
perplexos.
A fé humana implica, necessariamente, risco. Não vamos conseguir nunca penetrar no
íntimo da outra pessoa; somos mistério para o outro. Mais uma vez é por causa da liberdade. Então,
que podemos fazer? Devemos arriscar-nos e confiar? Devemos ser cautos e desconfiados?
Devemos é utilizar a razão, a inteligência para poder discernir os sinais de credibilidade. Ao
observar pessoas, detectamos elementos que abonam ou desabonam a veracidade de suas palavras e
condutas. Ao discernir, atribuimos fé ou desconfiança. A questão está nos sinais de credibilidade:
quais permitem maior ou menor credibilidade?
Os sinais de credibilidade não pertencem ao campo das ciências exatas, não são empíricas;
esses sinais dependem de culturas, idades, histórico-existencias, etnias. Numa relação constante
com a cultura em que se vive, cada um constrói os sinais de credibilidade que opera nas relações
humanas, confiando numas e não em outras. Essa fé humana não é definitiva. Os sinais emitidos
pelos outros estão sujeitos à mudança. Daí que a fé humana está sempre sujeita a reversões; basta
pensar nas separações, nas amizades desfeitas, nas traições... Toda fé humana é um risco inevitável
pelos dois lados –o de quem crê, porque é falível a nossa percepção do outro, e o de quem se crê,
porque também ele pode enganar.
A verdadeira experiência de fé humana exige de quem crê a verdade de sua existência, a
veracidade de seu ser. A fé é sempre bilateral. De um lado há entrega; de outro aceitação merecida.
Portanto, a fé humana se opõe à ilusão, ao engano, à mentira, ao mito, à surperstição.
Conclusão
A pesar da crescente onda de descrença, o ser humano ainda vive mais da fé do que da
desconfiança. A vida sem fé, sem confiança, é impossível. Quem garante que o garçom me traz um
alimento comestível e não veneno? Ou quem diz que o taxista me levará para o endereço que pedi?
O ser humano é paradoxalmente um ser de fé e de desconfiança com predomínio da fé; uma
constante falta de fé humana nos levaria à locura.
A psicologia tem demonstrado a importância de figuras simbólicas e significativas no
desenvolvimento da personalidade, especialmente de crianças e jovens, que nelas confiam e
segundo elas se moldam.
3. FÉ RELIGIOSA
Essa fé religiosa é construída sobre a base humana. Sem fé humana não havería fé religiosa,
mas ela pede un salto para além da esfera das relações humanas: entra-se no campo do mistério.
O mistério tem dupla conotação: de limite e de sedução, ou no dizer de R.Otto é o
tremendum e o fascinans. Quando alguma coisa desafia nossa inteligência dizemos : “isso é um
mistério!” O mistério marca o limite do conhecimento... e o início da descoberta. Para o ser
humano, mistério é –principalmente- tudo aquilo que ainda não é conhecido. È assim que os
cientistas pensam. (O mito do eterno progresso)
Devemos fazer algum alerta, principalmente sobre essa postura que identifica a realidade
com o verificável. Partindo dessa perspectiva o mistério é apenas algo transitório que aguarda seu
momento para ser desvendado. E se alguma coisa não pode ser desvelada, então não é mistério, e
sim mito, superstição, fábula... isto é: mentira!! Parece que a razão não sería parceira, co-
responsável com a fé, para interpretar a realidade, e sim o antídoto da fé, que desse modo pasaria a
ser uma categoria totalmente prescindível, e incluso, necesáriamente prescindível. No império
absoluto da razão não há lugar para nehuma realidade transcendente ou sobrenatural. A
fenomenologia da religião constata como experiência existente em todas as culturas, exceto na
cultura moderna, a realidade do mistério
A realidade a que se refere o termo “mistério” tem tudo a ver com o campo religioso; traz o
significado de iniciar (alguém) nos mistérios (religiosos), de ensinar e instruir. Apenas
analogicamente, mistério significa “segredo”. Mistério é, fundamentalmente, algo transcendente
onde a razão não é a ferramenta mais adequada.
O termo “religioso” que estamos utilizando como adjetivo da fé tem dois lados:
- lado subjetivo: re-ligar, relacionar. Ele comprende meios, ritos, cultos, lugares e
pessoas que permitem, facilitam e mediam nossa relação com o mundo divino.
- lado objetivo: re-ler. Ser religioso é cuidar das coisas que pertencem ao culto dos
deuses, escolhendo-as.
A fé religiosa implica, portanto, ligar-se com o mundo divino e cuidar das coisas do culto.
Implica a bipolaridade de dois universos existenciais: o humano e o divino.
Conclusão
A fé religiosa identifica-a antes com um sentimento religioso, vago, sem contornos, que
responde à necessidade afetiva pessoal de ligar-se a um mistério. É de tendência monista, isto é, de
uma concepção do mundo pensada como uma grande e unica realidade. Somos parcela dessa
realidade, por isso a encontramos em nós mesmos. Rompe-se qualquer dualidade de criatura e
criador, de ser finito e infinito. Somos todos um só.
Essa fé situa-se no lado oposto da racionalidade moderna que consideraria essas reflexões
como puro mito, fantasmagorias, projeções inconscientes da subjetividade. A fé religiosa respira a
sacralidade do mundo e da inerioridade subjetiva.
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4. FÉ TEOLOGAL
Este estágio aparece como um aprofundamento que não se segue necessáriamente dos
anteriores –fé humana e fé religiosa- mas que apresenta elementos similares com eles. O Ser
humano continua estabelecendo relações de confiança, mas desta vez não mais com pessoas, com
referências sagradas, com o mystério... a fé teologal implica outro horizonte de compreensãso:
significa que se dirige explicitamente a um Deus pessoal.
A fé teologal é explícita nas relgiiôes monoteístas –judaísmo, cristianismo e islamismo- e
nelas aparecem dois elementos fundamentais:
Podemos dizer que a fé teologal é uma “res-posta” humana a uma “pro-posta” divina. Supôe
um Deus que se autocomunica com o ser humano. Assim a fé teologal é também um relação
dialogal entre Deus e a creatura
QUESTÕES ABERTAS