Sunteți pe pagina 1din 13

Francisco José Calazans Falcon

História cultural e história da educação*

Francisco José Calazans Falcon


Universidade Salgado de Oliveira, Programa de Pós-Graduação em História

Introdução na atualidade historiográfica, nele situando a questão


especifica da história da educação.
A tentativa de reunir duas formas de história –
da cultural e a da educação –, que só muito raramente As evidências empíricas de uma ausência
andam juntas, levou-me a pensar seriamente nos mo-
tivos que poderiam explicar a realidade de tal separa- Escolhi aleatoriamente algumas das obras que, a
ção. Ao longo deste artigo tentarei explicitar o enca- partir dos anos de 1970, procuram analisar, segundo
minhamento que demos ao exame dessa realidade. perspectivas bastante distintas, os rumos da produ-
O texto está dividido em três partes principais: a ção historiográfica ocidental. Entre os inúmeros as-
primeira trata de algo que se afigura à primeira vista pectos abordados em tais obras (coletivas, por sinal),
como uma espécie de ausência, isto é, ao fato de que, observa-se sempre a importância cada vez maior da
salvo algumas poucas exceções, não se pode consta- história cultural, de início restrita à chamada histó-
tar a presença da história da educação no território da ria das mentalidades. Mas também se pode observar
oficina da história; a segunda aborda certas questões nesse mesmo universo textual a ausência quase com-
disciplinares e institucionais, mas também historio- pleta de trabalhos relativos à história da educação,
gráficas, que têm concorrido para a exclusão de de- como se não competisse realmente aos historiadores
terminadas disciplinas históricas do âmbito do terri- o estudo e a pesquisa de tal história.
tório do historiador; a terceira, enfim, busca trabalhar Apenas para exemplificar tal ausência, selecio-
em linhas mais gerais o problema da história cultural nei alguns dos trabalhos mais importantes de teoria e
historiografia publicados ao longo das ultimas três
décadas, como uma forma de documentar empirica-
* Artigo redigido a partir da exposição realizada no Grupo mente essas afirmações.
de Trabalho História da Educação na 27a Reunião Anual da ANPEd Em 1976 foi publicada no Brasil, pela editora
(Caxambu, MG, 21 a 24 de novembro de 2004). Francisco Alves, a tradução dos três volumes organi-

328 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006


História cultural e história da educação

zados por Jacques Le Goff e Pierre Nora intitulados notei que em nenhuma delas foi possível localizar al-
Faire de l’histoire, respectivamente: História: novos gum texto, alguma referência, à história da educação.
objetos, História: novos abordagens e História: no- Certamente esses exemplos poderiam ser multi-
vos problemas. Em nenhum desses três volumes, con- plicados, porém isso pouco acrescentaria ao meu ar-
tudo, há qualquer referência à história da educação, gumento. Se fosse dada preferência a textos de autores
ao passo que entre os “novos problemas” e as “novas franceses, ingleses, italianos, espanhóis, portugueses
abordagens” encontramos temas tipicamente culturais, e norte-americanos, seria possível observar algumas
além do famoso artigo de Le Goff intitulado “As men- diferenças com relação à inserção da temática da edu-
talidades: uma história ambígua”. Quando muito se cação no âmbito da disciplina histórica, ou, mais con-
poderia hoje assinalar a presença de um artigo pre- cretamente, na esfera da história cultural, embora não
cursor de Roger Chartier e Daniel Roche (1976) – “O necessariamente com a história da educação. Veja-
livro: uma mudança de perspectiva” –, desde que, é mos alguns desses casos:
claro, sejam situados os estudos sobre livros, leitores
e leituras no âmbito de uma história cultural voltada 1. Georges Duby, em seu artigo sobre “Histoire
para aquelas práticas sociais mais diretamente liga- des mentalités”, hoje um autêntico clássico, publi-
das a perspectivas pedagógicas. Essa é, no entanto, cado na coletânea L’histoire et ses méthodes, orga-
uma questão a ser retomada mais adiante. nizada por Charles Samaran em 1961, afirma que o
Em 1997 foi publicada a obra intitulada Domínios estudo das mentalidades do passado deve apoiar-se
da história, organizada por Ciro Flamarion Cardoso e numa história da educação entendida no seu sentido
Ronaldo Vainfas. A respeito desse livro pode-se fazer mais lato, isto é, deve partir de todas as comunica-
duas observações: em seus 19 capítulos não há nenhum ções, e do seu meio, “dos meios através dos quais o
dedicado à história da educação; e em nenhum dos dois indivíduo recebe os modelos culturais, e, portanto,
capítulos que mais se aproximam de nossas atuais in- em princípio, deve partir de uma história da infân-
dagações – o capítulo 2, de Hebe Castro, sobre “Histó- cia” (p. 917-918).
ria social”, e o capítulo 5, de Ronaldo Vainfas, sobre 2. Nos textos do Colóquio Franco-Húngaro de
“História das mentalidades e história cultural” – há Tihany, organizados em 1982 por Jacques Le Goff e
qualquer referência à história da educação. Bela Kopeczi com o título Objet et méthodes de
Em 1998 foi editada a tradução brasileira de l’histoire de la culture, só consegui destacar dois ar-
Passés recomposés, com o título Passados recompos- tigos mais ou menos relacionados com o tema que
tos: campos e canteiros da história, obra organizada ora nos ocupa: “Universidade e sociedade na Europa
por Jean Boutier e Dominique Julia. Também nesse Moderna”, de Jacques Revel, e “A constituição de uma
caso, apesar de a temática ser extremamente contem- rede de colégios em França do século XVI ao XVIII”,
porânea dos diversos artigos, a educação – e não ape- de Dominique Julia.
nas sua história – primou pela ausência. 3. Roger Chartier, em A história cultural: entre
Em 2001 foi publicado Brasil-Portugal: histó- prática e representações (tradução portuguesa publi-
ria, agenda para o milênio, livro organizado pelos cada em 1990), inclui dois capítulos bastante próxi-
professores José Jobson Arruda e Luís Adão da Fon- mos de nossos atuais interesses: o capítulo 4 – “Tex-
seca, que traz o conjunto das contribuições apresen- tos, impressos, leituras”, e o capítulo 5 – “Práticas e
tadas no ano anterior, em São Paulo, em uma reunião representações: leituras camponesas em França no sé-
da qual participaram algumas dezenas de historiado- culo XVIII”.
res brasileiros e portugueses. Examinei, então, aten- 4. Em A nova história cultural (1992), organiza-
tamente as seis partes temáticas nas quais se reúnem do por Lynn Hunt, praticamente não há nada a respei-
as diversas contribuições até agora apresentadas, e to de educação, história e cultura, com exceção do

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 329


Francisco José Calazans Falcon

texto de Chartier sobre “Textos, impressos, leituras”, trabalhos, sobretudo dissertações e teses, na história
já mencionado. das leituras e dos impressos; a grande utilização de
conceitos como circulação, apropriação, representa-
Há também, embora relativamente raros ainda, ção, saberes e culturas escolares, ou seja, a preocu-
alguns trabalhos mais ou menos recentes que abordam pação com as práticas culturais (p. 60 e notas 28 e
e discutem os problemas principais das relações entre 29). Segundo a autora, “a contribuição que a história
a história da educação e a história produzida pelos his- cultural, como campo dotado de aportes teórico-
toriadores, assim como a questão específica das rela- metodológicos, pode dar ao avanço da história da edu-
ções entre história da educação e história cultural: cação está no descortinamento de dimensões ainda
pouco exploradas, fora da escola e da escolarização,
1. Thais Nivia de Lima e Fonseca é autora de bem como a imposição corajosa de novos olhares so-
um interessante artigo intitulado “História da edu- bre essa que é uma dimensão já tradicional” (p. 72).
cação e história cultural”, publicado em 2003 na 2. Pere Solà, em comunicação apresentada por
coletânea História e historiografia da educação no ocasião do Congresso Internacional “História a De-
Brasil, por ela organizada juntamente com Cynthia bate”, realizada em 1993, em Santiago de Compostela,
Veiga Greive. Depois de definir a história cultural e publicada no tomo dois das respectivas Actas com o
como um campo historiográfico, a autora aí situa a título “El estudio diacrónico de los fenómenos edu-
história da educação como um dos seus campos de cativos y las tendencias historiográficas actuales”,
investigação. Assim, entendida como uma especia- aborda diversas questões bastante atuais a respeito da
lização da história, a história da educação não pode história da educação em suas relações com a produ-
ser vista como um campo dotado de metodologia ção historiográfica contemporânea.
própria e construtor de seus próprios referenciais teó- 3. Marta Maria Chagas de Carvalho, da Pontifí-
ricos. Nesse particular, aliás, a autora critica as pro- cia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
postas de Diana Gonçalves Vidal e Luciano Mendes em um artigo intitulado “A configuração da historio-
de Faria Filho (Lima e Fonseca, 2003, p. 59 e nota grafia educacional brasileira”, publicado em 1998 no
25), bem como a tentativa de Marta Carvalho e livro organizado por Marcos Cezar de Freitas com o
Clarice Nunes no sentido de demarcar fronteiras título Historiografia brasileira em perspectiva, ana-
entre a história cultural e a história da educação, pois, lisa algumas das tendências que têm marcado a histó-
no seu entender, as duas não se equivaleriam como ria da educação entre nós, tomando como seu princi-
campo historiográfico. Na verdade, portanto, a his- pal exemplo a obra de Fernando de Azevedo e a
tória da educação utiliza-se dos procedimentos me- tradição que se construiu a partir daí.
todológicos, dos conceitos e referenciais teóricos,
bem como de muitos objetos de investigação per- Tradições e querelas disciplinares
tencentes à história cultural, e é no âmbito desta úl-
tima que devemos situá-la: “os últimos balanços rea- Memórias e história
lizados sobre a produção em história da educação
indicam uma forte e já reconhecida tendência das Há muitos anos, durante a segunda metade da
pesquisas na direção da nova história, especialmen- década de 1960, participei das discussões que tinham
te da história cultural” (p. 59-60 e nota 27). como tema central a questão da reforma universitá-
Como principais evidências do que afirma, ria. Do bojo desse debate emergiu a proposta de li-
Lima e Fonseca (2003) menciona: a busca de novos quidação das faculdades de filosofia, há muito acusa-
objetos e de novas abordagens; a recorrência das re- das – injustamente, por sinal – de constituírem um
ferências a autores como Roger Chartier; a ênfase dos sério obstáculo à implementação de uma nova uni-

330 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006


História cultural e história da educação

versidade. Não cabe discutir, aqui e agora, a questão educação ou como ciência auxiliar da educação
das faculdades de filosofia. O fato é que, trabalhando (1990, p. 3-11).
na antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade Diana Gonçalves Vidal e Luciano Mendes de
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e na Universidade Faria Filho (2003), em interessante artigo intitulado
Federal Fluminense (UFF), presenciei o desmembra- “História da educação no Brasil: a constituição his-
mento das antigas faculdades de filosofia e a criação tórica do campo (1880/1970)”, apresentam vários
dos novos institutos: o Instituto de Filosofia e Ciên- elementos analíticos e críticos acerca dos caminhos
cias Sociais, na UFRJ, e o Instituto de Ciências, His- trilhados pela história da educação. Em primeiro lu-
tória e Filosofia, na UFF. gar, o histórico da disciplina a partir de três verten-
Durante as intermináveis discussões que marca- tes: a tradição historiográfica do Instituto Histórico
ram a constituição dessas novas unidades, tive mi- e Geográfico Brasileiro (IHGB); as escolas de for-
nhas primeiras experiências sobre as dificuldades reais mação do magistério; a produção acadêmica, de 1940
do historiador para lidar com as chamadas discipli- a 1970. Tomando como ponto de partida a persistên-
nas setoriais de história – as disciplinas que, embora cia maior ou menor dessas três vertentes, vêm, em
fossem de história, não faziam parte dos departamen- segundo lugar, os trabalhos realizados nos últimos
tos de história. Seria lógico, então (assim pensáva- vinte anos: temas e períodos, abordagens teóricas
mos nós, os historiadores), que a reforma em curso mais recorrentes, características historiográficas,
alocasse tais disciplinas de história nos departamen- sobretudo a liderança acadêmica do grupo mais li-
tos de história de cada universidade. gado a Laerte Ramos de Carvalho. Com o surgimento
Ledo engano. Aos poucos, viríamos a perceber dos programas de pós-graduação em educação, ma-
as dificuldades de toda ordem para se tomarem pro- nifestou-se a tendência a utilizar como referencial
vidências aparentemente tão lógicas e naturais. Na teórico o marxismo de Althusser e, a seguir, de
verdade, não havíamos previsto que para cada uma Gramsci, fato este assinalado por Mirian Jorge Warde
das histórias de..., dispersas pelos diferentes departa- e Marta Carvalho (2000). Empenhada em explicar o
mentos da universidade, existiam sempre ponderáveis presente e nele intervir, essa historiografia confir-
razões a recomendar sua permanência institucional mou o pragmatismo dos anos de 1930 e de 1940, e
nos departamentos em que já se achavam alocadas. consolidou a escrita de uma história da educação
Tradição, razões práticas, argumentos teóricos, tudo presa ao presentismo pragmatista (idem, p. 25-26),
pesava a favor do statu quo. aliás, com um certo viés salvacionista em alguns
No fundo, como no caso da educação, tratava-se autores mais vinculados ao pensamento religioso ou
de uma disciplina (história da educação) que não foi aos engajamentos políticos.
instituída como especialização temática de história, Durante a década de 1980 foram criados vários
mas como parte integrante de uma ciência da educa- grupos de trabalho de história da educação. Em 1984,
ção. Só mais recentemente o mapeamento e a crítica na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesqui-
da historiografia educacional brasileira “têm posto em sa em Educação (ANPEd), surgiu o GT História da
evidência os constrangimentos teóricos e institucio- Educação, no qual se difundiram novos horizontes de
nais que marcaram o processo de constituição da his- investigação na área, tais como a história das menta-
tória da educação como disciplina escolar e campo lidades, o pós-estruturalismo e a história cultural. Em
de pesquisas” (Carvalho, 1998, p. 329). Trata-se da- 1986 era criado o Grupo de Estudos e Pesquisas His-
quilo que Mirian Jorge Warde (1990) denominou de tória, Sociedade e Educação no Brasil, na Universi-
presentismo pragmatista, ou seja, ao fato de que a dade Estadual de Campinas (UNICAMP), caracteri-
história da educação não foi instituída como especia- zado por um certo viés marxista de análise histórica.
lização temática da história, mas como ciência da Em 1999 foi criada a Sociedade Brasileira de Histó-

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 331


Francisco José Calazans Falcon

ria da Educação (SBHE) e, em 2001, a Revista Brasi- fia ou metódica, uma espécie de divisão do trabalho
leira de História da Educação (Vidal & Faria Filho, historiográfico: aos historiadores, a história política
2003, p. 58-59). Tais iniciativas denotam não apenas (acontecimentos políticos, grandes líderes civis e mi-
o crescente interesse por um campo específico – o da litares, diplomacia, guerras, instituições e idéias polí-
história da educação –, mas têm também como con- ticas); aos demais, especialistas em outros campos da
seqüência uma preocupação dos pesquisadores com realidade histórica, a história da arte, da literatura, da
os seus pressupostos teórico-metodológicos e, ainda, filosofia, da ciência, da música, do direito, da educa-
a sua inserção nas perspectivas propriamente histo- ção, entendidas como especializações acadêmicas e
riográficas. científicas.
Assim, compartimentadas em saberes acadêmi-
Em busca de novos caminhos cos disciplinados e institucionalizados, as chamadas
manifestações culturais passaram a constituir os ob-
Acredito já haver demonstrado que aquela pri- jetos de historiografias particulares, incomunicáveis
meira impressão de ausência da história da educação umas com as outras, organizadas cronologicamente e
do ponto de vista da oficina do historiador precisa com características meramente descritivas, factuais,
ser relativizada pelas tendências mais recentes no quase sempre ancoradas nas noções de influência,
âmbito da história da educação. Todavia, persiste ainda sucessão, escolas e eras ou períodos ditos históricos
hoje um certo distanciamento que tem a ver tanto com que pouco ou nada tinham a ver com a história dos
as heranças das separações disciplinares quanto com historiadores propriamente dita.
a natureza mesma da história da educação. Estamos Essa é, evidentemente, uma visão um tanto sim-
aqui, ao que tudo indica, ante a diferença entre dois plificada da história da história durante o século XX.
tipos de histórias: as chamadas histórias de (histórias Para sermos mais exatos, porém, precisaríamos lem-
de algo, ou seja, de determinado objeto), e as histó- brar o lento processo que levou à constituição de uma
rias algo (adjetivadas, referidas a determinado aspecto história econômica independente da teoria econômi-
tido como inerente à história). No primeiro caso, para ca, primeiramente na Grã-Bretanha e a seguir na Fran-
exemplificar, temos a história da arte, da literatura, ça e em outros países. Recordemos, por exemplo, que
da filosofia, das ciências, do direito, entre muitas ou- a revista lançada por Marc Bloch e Lucien Febre, em
tras, inclusive, é claro, a história da educação. Todas 1929, origem da chamada École des Annales, chama-
se intitulam de histórias, mas, na realidade, cada uma va-se Revue d’Histoire Économique et Sociale. Rele-
delas está vinculada a um campo específico do co- gando a um lugar secundário a historiografia dita po-
nhecimento, de tal maneira que a perspectiva históri- sitivista, a Escola dos Annales enfatizou o econômico,
ca constitui apenas um tipo possível de abordagem, o social e o meio geográfico. Nos anos de 1960, quan-
algo que se situa entre uma espécie de história apli- do estava no seu apogeu a história dos analistas,
cada a determinados objetos e a visão que se supõe Frédéric Mauro (1969, 1975) sublinhou a necessida-
histórica acerca do desenvolvimento de idéias ou teo- de de uma autêntica história social que preenchesse
rias ao longo de um eixo cronológico. as lacunas então existentes, segundo ele, entre a di-
Já em relação ao segundo tipo de histórias, sua mensão política e a econômica. Desenvolveram-se,
razão de ser encontra-se provavelmente na própria assim, as histórias das estruturas, dos movimentos
história da historiografia: após as concepções totali- sociais e das mentalidades coletivas.
zadoras, de origem iluminista, típicas das diversas his- Essa idéia de algo como uma história em três di-
tórias universais legadas pelo século XIX (historicis- mensões, ou de um real tridimensional, veio a ser
tas, marxistas, positivistas), afirmou-se, desde o final modificada, a partir de meados dos anos de 1970, pelo
desse mesmo século, com o domínio da historiogra- advento da história cultural, ou seja, o reconhecimento

332 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006


História cultural e história da educação

de uma outra dimensão ou característica inerente à considerada nem como campo de investigação, nem
realidade histórica: a dimensão cultural. como objeto ou abordagem nos debates envolvendo a
Assim resumidamente descritas as origens quer nova história, a história das mentalidades, a história
das abordagens ou dimensões da realidade histórica, social e a história cultural. Aliás, no livro Domínios
quer das disciplinas setoriais, como vem a ser o caso da história (Cardoso & Vainfas, 1997), como já vi-
da história da educação, fica evidenciado que tais dis- mos, há diferenças entre territórios ou áreas e cam-
ciplinas possuem o caráter de disciplinas de intersec- pos de investigação e linhas de pesquisa, cujos obje-
ção entre dois campos principais – no caso em tela, tos podem ser tratados à luz dos pressupostos
entre o campo das ciências históricas e o das ciências teórico-metodológicos daqueles. O mais interessan-
da educação. Permanece no ar o problema da autono- te, no entanto, é a constatação da autora: “a história
mia da história da educação em relação às ciências da da educação não aparece nem como território, nem
educação, sendo válido perguntar, com Solà (1995, p. como campo de investigação, sequer como tema”
213): o que é a história da educação? História aplica- (Lima e Fonseca, 2003, p. 52).
da aos fenômenos educativos ou teoria da educação, Assim, há necessidade de uma reflexão mais
quer dizer, exposição da ciência pedagógica por uma sistemática sobre os argumentos que tentam susten-
forma histórica? Segundo esse mesmo autor, a histó- tar uma propalada autonomia da história da educação
ria da educação não se libertou ainda de seu antigo como um campo historiográfico particular, ao lado
lastro filosófico mesmo funcionando hoje, em geral, da história política, ou, como querem outros, da his-
nos departamentos de teoria e história da educação, o tória cultural. Na verdade, porém, a educação é um
que implica o fato de que seus pesquisadores e do- tema/objeto de investigação necessário à compreen-
centes são, na maioria das vezes, universitários sem são da formação cultural de uma sociedade (idem).
formação histórica específica.
Em conseqüência desses elementos, tende-se a A história cultural na historiografia
esquecer com demasiada freqüência, na prática, que contemporânea

[...] o sentido da história educativa não se esgota no Penso que esta talvez não venha a ser a oportuni-
escolar, e que o educativo (e o escolar) fazem parte de uma dade mais adequada para apresentar as principais ques-
complexa engrenagem cultural e social. Passa-se por cima tões conceituais e suas implicações historiográficas
da questão de que a história do fato educativo se inscreve do ponto de vista da história cultural.
na história da cultura, da transmissão cultural, da formação Trabalho, desde 1990, com diversos aspectos da
e reprodução de mentalidades e atitudes coletivas... Esque- história cultural e sei muito bem que não haveria como
ce-se a vital inserção da história da educação na história da retomar, aqui e agora, as inúmeras questões abrangidas
sociedade tout court. (Solà, 1995, p. 215-216) por esse campo da produção historiográfica na atua-
lidade. Vou, portanto, tão-somente apresentar algu-
De fato, sublinha Solà, uma informação correta mas breves indicações e comentários, tendo em vista
e profunda de tipo histórico contextualizador é im- a problemática da história da educação.
prescindível para a compreensão do sentido da práxis 1. Toda vez que se aborda o tema da história cul-
humana e, dentro dela, da intervenção educativa. tural emerge obrigatoriamente, no âmbito do proble-
Lima e Fonseca (2003) tenta examinar a questão ma das relações entre história e cultura, a indagação a
da história da educação do ponto de vista da historio- respeito das diferenças, ou não, entre história da cul-
grafia contemporânea, com ênfase na história cultu- tura e história cultural. O primeiro obstáculo aqui vem
ral. Tal como sublinhei na primeira parte deste traba- a ser o conceito de cultura. Há então que se distinguir
lho, a autora constata que a história social não é entre a historiografia da cultura elaborada a partir dos

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 333


Francisco José Calazans Falcon

pressupostos da Ilustração e aquela elaborada em fun- tura. Logo, em lugar de um tipo de abordagem ou de
ção de pressupostos antropológicos, na qual mais e uma dimensão do real, tratar-se-ia do recorte de obje-
mais se destaca o caráter plural da noção de cultura e tos históricos reconhecidos como culturais.
sua multiplicidade de definições. Logo, é preciso re- Que não se trata de um simples jogo de palavras,
conhecer que cultura constitui um nome aplicável a pode-se perceber com clareza, por exemplo, em
um campo semântico e, como tal, em processo contí- Gombrich (1994), quando se propõe a definir aquilo
nuo de ampliação e complexificação (Falcon, 2002). que deveria ser uma verdadeira história cultural, em
Denys Cuche (1999), ao analisar A noção de cul- oposição à “velha história da cultura”, autêntico obs-
tura nas ciências sociais, percorre o longo itinerário táculo epistemológico, segundo ele, no caminho da
conceitual e metodológico que se inicia com a gênese construção necessária de uma “história cultural real-
da palavra e da idéia de cultura, passa pela invenção mente histórica”.
do conceito científico de cultura, em Edward B. Tylor Peter Burke (2000), ao escrever sobre as Varie-
e Franz Boas, seu triunfo no século XX, e as diferen- dades de história cultural, assinala o fato de que hoje
tes configurações mais ou menos recentes das varia- já existem muitos historiadores que preferem definir-
das acepções e relações construídas em função desse se como historiadores culturais, algo talvez impensá-
mesmo conceito de cultura. Particularmente instigan- vel há alguns poucos anos. Ao mesmo tempo, a maio-
tes, aliás, são o capítulo 4, sobre o “Estudo das rela- ria desses historiadores prefere trabalhar com
ções entre as culturas e a renovação do conceito de disciplinas setoriais em vez de escrever sobre cultu-
cultura”, e o capítulo 5, intitulado “Hierarquias so- ras totais – como reação à dependência da antiga his-
ciais e hierarquias culturais”. tória cultural ao postulado da unidade ou consenso
2. Uma das maneiras utilizadas pelos historiado- cultural (tipo “espírito do tempo”, weltanschauung,
res do cultural para contornar as intermináveis dis- “civilizações” etc.). Outro exemplo desse tipo de crí-
cussões a propósito dos objetos culturais que consti- tica a um conceito unitário de cultura é dado por
tuiriam a matéria-prima da história cultural foi, ou Thompson (1963, 1968) em seu conhecido estudo
tem sido, a de pensar a história cultural como uma sobre a formação da classe operária inglesa.
certa forma de abordagem do real histórico e, ao mes- Afirma Schorske (1988) que, assim como é ne-
mo tempo, encarar a dimensão ou perspectiva cultu- cessário conhecer os métodos críticos da ciência mo-
ral como alguma coisa que está presente na econo- derna para interpretá-la historicamente, também é pre-
mia, na política e na sociedade como um todo. ciso conhecer os tipos de análise empregados pelos
Assim, entendendo-se o cultural como um certo estudiosos de humanidades para se poder abordar a
tipo de enfoque ou abordagem, ficaria de pé a idéia produção cultural não-científica do século XX. Mas
da unidade da história – “só existe uma história”. o historiador não partilha totalmente do objetivo do
Logo, a ser aceito esse ponto de vista, a história cul- analista de textos na área de humanas. Este visa o
tural equivale teoricamente às outras grandes divi- máximo de elucidação de um produto cultural, rela-
sões da história – a econômica, a política e a social. cionando todos os princípios de análise com o seu
No lugar de objetos previamente definidos como cul- conteúdo particular. Já o historiador procura situar e
turais, a história cultural contemplaria de fato o co- interpretar temporalmente o artefato, num campo no
nhecimento de uma dimensão do real. qual se cruzam duas linhas. Uma é vertical, ou
Haveria assim uma diferença conceitual bastan- diacrônica, com a qual ele estabelece a relação de um
te real entre história cultural e história da cultura, já texto ou um sistema de pensamento com expressões
que esta última se definiria a partir de objetos – ou de anteriores no mesmo ramo de atividade cultural (pin-
um único objeto, a cultura – reconhecidos como aque- tura, política etc.). A outra é horizontal, ou sincrônica;
les pertencentes, ou inerentes, à própria idéia de cul- com ela, o historiador avalia a relação do conteúdo

334 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006


História cultural e história da educação

do objeto intelectual com as outras coisas que vêm gem tanto das representações como das práticas so-
surgindo, simultaneamente, em outros ramos ou as- ciais de acordo com as concepções típicas das diver-
pectos de uma cultura. O fio diacrônico é a urdidura, sas teorias sociais.
e o sincrônico é a trama do tecido da história cultural. 3. O conceito de história cultural também não se
O historiador é o tecelão, mas a qualidade do tecido de- encontra imune ao conflito dos sentidos: há quem
pende da firmeza e cor dos fios. Ele tem de aprender pense a história cultural nos moldes da velha oposi-
um pouco de fiação com as disciplinas especializa- ção historicista entre um mundo natural e um mundo
das, cujos estudiosos, na verdade, perderam o inte- da cultura, ou humano, histórico por definição. No
resse de utilizar a história como uma de suas modali- bojo de algumas dessas interpretações, persiste, não
dades básicas de entendimento – mas ainda sabem raro, uma associação do cultural ao espiritual ou men-
melhor do que o historiador o que constitui, em seu tal, fazendo-nos recordar as conhecidas distinções
ofício, um fio resistente de cor firme (1988, p. 17). O oitocentistas entre uma alta cultura, ou cultura das
ponto de vista de Chartier (1990) a respeito da natu- elites letradas, e uma cultura popular, iletrada, por
reza da história cultural foi expresso de uma forma definição, e muito próxima, quando não mesmo idên-
bastante sintética: tica, das manifestações chamadas então folclóricas.
Já no território marxista, a história cultural ora
[...] trata-se de identificar o modo como em diferen- vem referida aos produtos e manifestações da cultura
tes lugares e momentos determinada realidade social é cons- material, ora se restringe ao estudo das formas de
truída, pensada, dada a ler, [sendo necessário] considerar consciência social, e aí entra em cena o problema da
os esquemas geradores das classificações e das percepções ideologia. Muito comum, também, é a discussão se-
próprias de cada grupo ou meio como verdadeiras institui- gundo pressupostos estruturais – e estruturalistas, mais
ções sociais, incorporando sob a forma de categorias men- recentemente –, na qual se indaga se a cultura e o
tais e de representações coletivas as demarcações da pró- cultural constituem ou não uma instância do real, sua
pria organização social. (p. 25, nota 45) autonomia relativa e as relações que mantêm com as
outras instâncias do real.
Afirma ele, ainda, que podemos
História cultural ou histórias culturais?
[...] pensar uma história cultural do social que tome
por objeto a compreensão das formas e dos motivos, isto é, De acordo com o conceito de cultura que se te-
das representações do mundo social que, à revelia dos ato- nha em vista, há pelo menos duas concepções básicas
res sociais, traduzem as suas posições e interesses objetiva- acerca do campo de abrangência da história cultural:
mente confrontados e que, paralelamente, descrevem a so- a primeira delas define a história cultural como histó-
ciedade tal como pensam que ela é ou como gostariam que ria da cultura intelectual ou desinteressada, voltada
fosse. (idem, ibidem) para as coisas do espírito, sinônimo talvez de história
intelectual, e muito próxima da antiga história das
Essas duas citações permitem-nos perceber que idéias. Basicamente voltada para as formas textuais
estamos diante de duas concepções da história cultu- em geral, essa história cultural identifica-se bastante
ral: uma que a associa a uma história da cultura orien- com a chamada alta cultura, ou cultura dominante.
tada para o recorte e a análise de objetos específicos Já no caso da segunda, porém, a história cultural
chamados objetos culturais – e aí entra, é claro, a dis- compreende tanto a cultura intelectual (ou do espíri-
tinção entre cultura material e cultura imaterial (ou to) quanto a cultura material, ou seja, a erudita e a
espiritual); e outra que privilegia o critério dos pres- popular, a cultura científica, filosófica e artística, mais
supostos metodológicos que têm em vista a aborda- sofisticada, e a cultura cotidiana, ou do senso comum.

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 335


Francisco José Calazans Falcon

Freqüentemente, a alta cultura, enquanto cultura do- homogêneos, a história cultural vê-se sempre diante
minante, é associada às chamadas elites ou classes da dificuldade de recortar objetos culturais. Daí po-
letradas, ao passo que a cultura cotidiana é vista como demos perceber atitudes bastante diferenciadas entre
a cultura popular, ou dominada. os historiadores diante da história cultural: há os que
Todas essas denominações e oposições vêm sen- definem o cultural como tudo aquilo não classificado
do submetidas a críticas constantes. Para não poucos como econômico, político, social; mas há também
historiadores, aliás, tais dicotomias culturais são de- quem veja o cultural como uma dimensão transdisci-
masiado simplistas, reducionistas e irreais – tal como plinar, inerente ao próprio real, própria de todo o fa-
se dá, por exemplo, com Roger Chartier (1990), zer humano. Logo, não haveria como circunscrever o
Jacques Revel (1989) e Carlo Ginzburg (1991) –, já cultural em termos de região ou nível, pois, a rigor,
que a dinâmica das relações culturais e sociais tende ele faz parte de todos os níveis.
a misturar essas divisões e distinções aparentemente 3. Não se trata apenas de um novo espaço ou
tão homogêneas. Quanto aos autores marxistas, suas dimensão do real, distinto, separado e definido em
críticas têm sido endereçadas a esse conceito supos- termos espaciais ou hierárquicos em relação aos de-
tamente amplo de história cultural, mas que deixa de mais espaços, regiões ou níveis desse mesmo real.
fora praticamente toda a cultura material.
Trabalhar cada vez menos com um conceito úni- Assim, chega-se a uma conclusão bastante in-
co de cultura ou com suas supostas oposições teressante: a história cultural não deveria ser apenas
dicotômicas parece ser a tendência entre os historia- uma denominação ou rótulo que se aplicaria a um
dores do cultural. campo de estudos constituído de objetos e temas es-
pecíficos. A idéia de atribuir uma espécie de lugar
Alguns problemas da história cultural ao cultural em termos de realidade histórica, um lu-
gar situado entre o econômico, o político e o social,
A historiografia contemporânea vem demonstran- talvez tenha tido sua razão de ser no começo da his-
do a realidade e a especificidade da história cultural. tória cultural. Hoje, todavia, sabe-se que esse lugar
No limite, aliás, já existem aqueles que admitem não não existe, assim como tampouco existe uma
ser mais aceitável tentar pensá-la segundo os esque- alocação arquitetônica que permita dizer se a histó-
mas explicativos que legitimam os demais campos ria cultural está acima, abaixo, ou ao lado de outros
do conhecimento histórico, tal como acabo de fazer. aspectos do real.
De qualquer modo, porém, é preciso ter em vista pelo
menos três coisas a respeito da história cultural: Objetos e métodos da história cultural

1. A história cultural não deve ser encarada como Afirma Georges Duby (1982, p. 14) que “a his-
mais uma entre as diversas disciplinas históricas espe- tória cultural tem como proposta observar no passa-
cializadas e definidas em função das temáticas respecti- do, em meio aos movimentos de conjunto de uma ci-
vas. O cultural constitui um campo multi e interdiscipli- vilização, os mecanismos de produção dos objetos
nar, capaz de articular os temas e as questões mais ou culturais” (da produção vulgar à mais refinada).
menos dispersos pelas disciplinas especializadas. Nas atas do Colóquio Franco-Húngaro de Tihany
2. Ela não é apenas mais um tipo de enfoque ou sobre “Objeto e métodos da história da cultura”, rea-
abordagem. Ao contrário de abordagens como a eco- lizado em 1977, do qual participaram Duby, Le Goff,
nômica, a política, a social ou a intelectual, nas quais Makkai e Kosary (os dois últimos historiadores hún-
o historiador recorta e destaca da totalidade histórica garos), ficaram registradas as seguintes indicações
certos tipos ou conjuntos de objetos relativamente temáticas (cf. Le Goff & Kopeczi, 1982):

336 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006


História cultural e história da educação

a) Visões de mundo: sistemas de valores e de que arrasta a evolução de uma cultura, e as suas es-
normas ligados às necessidades econômicas, truturas profundas. Entre estas últimas estão situadas
sociais e políticas da sociedade, sua influência as estruturas econômicas e suas conexões com os rit-
sobre o conhecimento cotidiano, científico e mos da produção cultural em certas épocas.
artístico e sobre as atitudes e modos de vida. Ainda segundo Duby, há também outros fatores,
b) Política cultural: as concepções das diferen- não-econômicos, a considerar:
tes classes e camadas sociais e dos diversos
movimentos e correntes. a) uma herança, um capital de formas de que
c) Atividades institucionais na difusão da cul- cada geração lança mão (formas literárias,
tura material e intelectual (ensino, edição, artísticas, filosóficas);
imprensa, rádio, televisão, igrejas e organi- b) os fatores ideológicos, o papel do imaginá-
zações sociais; a língua como meio de comu- rio, do sistema de valores, das imagens que
nicação). servem para explicar o mundo;
d) Intelectuais: seu papel/função como difusores c) o fato de que não existe apenas uma cultura,
da cultura e a sua realização/concretização. mas sim culturas, mesmo em sociedades pou-
e) Ciência: condições de existência, resultados co evoluídas; logo, é importante não traba-
e funções no cotidiano, no desenvolvimento lhar com as noções de povo e elite como se
da sociedade, da consciência cotidiana e das fossem blocos homogêneos, ignorando-lhes
ideologias. as estratificações e combinações variadas –
f) Literatura e artes: condições de existência, re- “os deslizamentos, passagens, interferências,
sultados, funções e influência sobre a cons- origens da complexidade do espaço cultural”
ciência cotidiana, as ideologias, as atitudes e (apud Falcon, 2002, p. 100-102).
os modos de vida; a imagem da sociedade e
do homem em seus produtos. A título de conclusão
g) Cultura material e intelectual da vida cotidia-
na das diversas classes, camadas e grupos Segundo Jean-Pierre Rioux (in Rioux & Sirinelli,
sociais. Principais características. 1997, p. 17-18), é possível distinguir pelo menos qua-
h) Tradição e inovação cultural de uma época; tro blocos mais importantes no âmbito da história
valores que se transmitem ou que desapare- cultural:
cem; lugar do período em causa na evolu-
ção global de determinado povo ou da hu- a) A história das políticas e das instituições cul-
manidade. turais, abrindo caminho ao estudo das rela-
ções entre o político e o cultural (ideais, ato-
Quanto aos métodos, Duby (1982, p. 14-17) su- res, culturas políticas).
blinha o conceito de produção cultural, pois, segun- b) A história das mediações e dos mediadores, no
do afirma, o historiador deve considerar o conjunto sentido estrito de uma difusão instituída de sa-
da produção cultural e as relações que possam existir beres e de informações, mas também, em senti-
entre os acontecimentos produzidos no topo do edifí- do mais amplo, de inventário dos transmisso-
cio – como obra-prima – e essa base quase inerte da res, dos fluxos de circulação de conceitos, ideais
produção corrente, pois, em geral, as disciplinas se- e objetos culturais; das maneiras à mesa, à es-
paradas/especializadas permanecem ancoradas no cola, do rito religioso à moda etc.
excepcional. Seria fundamental, segundo ele, eluci- c) A história das práticas culturais, que não deve
dar as relações existentes entre o movimento criador, ficar fechada em si mesma, sinônimo de um

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 337


Francisco José Calazans Falcon

sociocultural sempre presente no horizonte de CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e represen-
pesquisa e levando a revisitar a religião vivi- tações. Lisboa: DIFEL, 1990.
da, as sociabilidades, as memórias particula- CHARTIER, Roger; ROCHE, Daniel. O livro: uma mudança de pers-
res, as promoções identitárias e os usos e cos- pectiva. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Orgs.). História: no-
tumes dos grupos humanos. vos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p. 99-115.
d) A história, enfim, dos signos e símbolos exibi- CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru:
dos, dos lugares expressivos e as sensibilida- EDUSC, 1999.
des difusas, ancorada sobre os textos e as obras DUBY, Georges. Histoire des mentalités. In: SAMARAN, Charles
de criação, sempre íntima, alegórica e emble- (Org.). L’histoire et ses méthodes. Paris: Gallimard, 1961. p. 937-966.
mática, valorizando as ferramentas mentais e . Problèmes et méthodes en histoire culturel. In: LE
as evoluções dos sentidos, misturando os ob- GOFF, Jacques; KOPECZI, Bela (Orgs.). Objet et méthodes de
jetos, as práticas, as configurações e os sonhos. l’histoire de la culture. Actes du Colloque Franco-Hongrois de
Sirinelli (2004) refere-se à síntese entre os dois Tihany. Paris/Budapest: Éditions du Centre National de la
pólos possíveis de uma história cultural, con- Recherche Scientifique/Akademiai Kiadó, 1982. p. 13-18.
cebida ao mesmo tempo como história das re- FALCON, Francisco J. C. História cultural. Rio de Janeiro:
presentações do mundo e como a das elabora- Campus, 2002.
das produções do espírito, desde os sistemas GINZBURG, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa:
de pensamento mais construídos até as sensi- Difel, 1991.
bilidades mais simples. Esses pólos delimitam GOMBRICH, Ernest Hans. Para uma história cultural. Lisboa:
um campo de estudo, tendo por objeto tudo Gradiva, 1994.
aquilo que é dotado de sentido em um grupo HUNT, Lynn (Org.). A nova história cultural. Trad. Jefferson Luiz
humano em uma certa data. Daí a validade da Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
definição proposta para a história cultural: LE GOFF, Jacques; KOPECZI, Bela (Orgs.). Objet et méthodes de
como os homens representam e representam- l’histoire de la culture. Actes du Colloque Franco-Hongrois de
se no mundo que os cerca. Tihany. Paris/Budapest: Éditions du CNRS/Akademiai Kiadó, 1982.
LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Orgs.). História: novas abor-
Referências bibliográficas dagens. Tradução Theo Santiago. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1976c.
ARRUDA, José Jobson; FONSECA, Luís Adão (Orgs.). Brasil- . História: novos objetos. Trad. Theo Santiago. Rio
Portugal: história, agenda para o milênio. São Paulo/Portugal: de Janeiro: Francisco Alves, 1976a.
FAPESP/EDUSC/ICCTI, 2001. . História: novos problemas. Trad. Theo Santiago. Rio
BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique (Orgs.). Passados recom- de Janeiro: Francisco Alves, 1976b.
postos; campos e canteiros da história. Trad. Marcella Mortara e LIMA E FONSECA, Thais Nivia de. História da educação e his-
Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Ed. FGV, 1998. tória cultural. In: GREIVE, Cynthia Veiga; LIMA E FONSECA,
BURKE, Peter. Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Thais Nivia de (Orgs.). História e historiografia da educação no
Civilização Brasileira, 2000. Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 49-75.
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domí- MAURO, Frédéric. Nova história e novo mundo. São Paulo: Pers-
nios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: pectiva, 1969.
Campus, 1997. . Do Brasil à América. São Paulo: Perspectiva, 1975.
CARVALHO, Marta Maria Chagas de. A configuração da histo- REVEL, Jacques. A invenção da sociedade. Rio de Janeiro:
riografia educacional brasileira. In: FREITAS, Marcos Cezar de Bertrand Brasil; Lisboa: Difel, 1989.
(Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Con- RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Pour une histoire
texto, 1998. p. 329-353. culturelle. Paris: Seuil, 1997.

338 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006


História cultural e história da educação

SCHORSKE, Carl E. Viena fin-de-siècle: política e cultura. São FRANCISCO JOSÉ CALAZANS FALCON, livre-docen-
Paulo: Ed. UNICAMP/Cia. das Letras, 1988. te em história moderna pela Universidade Federal Fluminense
SIRINELLI, Jean-François. Este século tinha sessenta anos: a Fran- (UFF), professor titular aposentado da mesma universidade, as-
ça dos sixties revisitada. Tempo Social, São Paulo: Revista de So- sim como da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
ciologia da USP, v. 8, n. 16, p. 14-17, jan./jun. 2004. da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-
SOLÀ, Pere. El estúdio diacrónico de los fenómenos educativos y Rio), é atualmente professor do Programa de Pós-Graduação em
las tendencias historiográficas actuales. In: CONGRESO INTER- História da Universidade Salgado de Oliveira. Trabalhos publi-
NACIONAL “HISTÓRIA A DEBATE”, 1993, Santiago de cados: A época pombalina (São Paulo: Ática, 1982), Mercanti-
Compostela. Actas... Santiago de Compostela: Carlos Barros Edi- lismo e transição (São Paulo: Brasiliense, 1982); Iluminismo (São
tor, 1995. t. II, p. 213-220. Paulo: Ática, 1986); Tempos modernos: ensaios de história cul-
THOMPSON, Edward P. The making of the english working class. tural (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000); História
Victor Gollancz, 1963, Pelican Books, 1968. cultural (Rio de Janeiro: Campus, 2002); A formação do mundo
VIDAL, Diana; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. História da moderno (Rio de Janeiro: Campus, 2006), os dois últimos em
educação no Brasil: a constituição histórica do campo (1880/1970). colaboração com Antonio Edmilson Martins Rodrigues. Pesqui-
Revista Brasileira de História, São Paulo: ANPUH, v. 23, n. 45, sas em andamento: “Historiografia brasileira: a época cientifi-
p. 37-70, 2003. cista – Capistrano de Abreu”; “Teoria da historiografia contem-
WARDE, Miriam Jorge. Contribuições da história para a educa- porânea; as historiografias modernas e pós-modernas”. E-mail:
ção. Em Aberto, Brasília: INEP/MEC, ano 9, n. 47, p. 3-11, jul./ prof@franciscofalcon.com.br
set. 1990.
. CARVALHO, Marta. Política e cultura na produção
da história da educação no Brasil. Contemporaneidade e educa- Recebido em novembro de 2005
ção, ano V, n. 7, p. 9-33, 1. set. 2000. Aprovado em fevereiro de 2006

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 339


Resumos/Abstracts/Resumens

especialidad cultural, que marca a la Cultural history and the history of cultural y la ausencia casi completa de
escuela xakriabá. education trabajos relativos a la historia cultural
Palabras claves: educación indígena; The article analyses the separation de la educación. Aborda cuestiones
cultura escolar; antropología de la between cultural history and the history disciplinares e institucionales, pero
educación of education. It verifies the growing también historiográficas, que
importance of cultural history and the concurren para la exclusión de deter-
Francisco José Calazans Falcon almost complete absence of studies on minadas disciplinas, como la historia
História cultural e história da the cultural history of education based de la educación, del ámbito de trabajo
educação on an examination of works starting in del historiador. Durante la década de
O artigo analisa a separação entre a the 1970s. It deals with disciplinary, 1980, detecta un mayor interés por la
história cultural e a história da educa- institutional and historiographic historia de la educación y por su
ção. Examinando obras a partir dos questions which contribute to the inserción en las perspectivas
anos de 1970, verifica a importância exclusion of determined subject areas historiográficas. Focaliza algunas
crescente da história cultural e a au- like the history of education in the ambit cuestiones que interesan a los historia-
sência quase completa de trabalhos of work of the historian. It detects a dores y a los historiadores de la
relativos à história cultural da educa- greater interest in the history of educación; las relaciones entre
ção. Aborda questões disciplinares e education during the 1980s, and in its historia y cultura; la tentativa de con-
institucionais, mas também insertion in historiographic siderar la historia cultural bajo dos
historiográficas, que concorrem para perspectives. It focuses on some perspectivas; una que le atribuye el re-
a exclusão de determinadas discipli- questions which are of interest to corte y análisis de objetos culturales, y
nas, como a história da educação, do historians and historians of education: otra que privilegia los presupuestos
âmbito de trabalho do historiador. the relation between history and metodológicos, abordando tanto las
Durante a década de 1980, detecta culture; the attempt to consider cultu- prácticas sociales como sus
maior interesse pela história da edu- ral history from two perspectives – one presentaciones, de acuerdo con
cação e por sua inserção nas perspec- which attributes to it the separation concepciones de las diversas teorías
tivas historiográficas. Focaliza algu- and analysis of cultural objects and the sociales. Concluye que la historia cul-
mas questões que interessam aos other which privileges methodological tural es un campo multi o interdiscipli-
historiadores e aos historiadores da presuppositions dealing with both so- nar, no apenas un tipo de abordage, ni
educação: as relações entre história e cial practices and their apenas un nuevo espacio o dimensión
cultura; a tentativa de considerar a representations, in accordance with de lo real, y enfatiza la necesidad de
história cultural em duas perspecti- conceptions from diverse social una reflexión más sistemática sobre la
vas: uma que lhe atribui o recorte e theories. It concludes that cultural educación como un tema/objeto de
análise de objetos culturais, e outra history is a multi or interdisciplinary investigación necesario a la
que privilegia os pressupostos meto- field, not simply a kind of approach comprensión de la formación cultural
dológicos, abordando tanto as práti- nor a new space or dimension of de una sociedad.
cas sociais como as suas representa- reality and emphasizes the need for a Palabras claves: historia cultural;
ções, de acordo com concepções das more systematic reflection on education historia de la educación
diversas teorias sociais. Conclui que as a theme/object of investigation
a história cultural é um campo multi necessary for understanding the cultu- Luiz Felipe Baêta Neves
ou interdisciplinar, não apenas um ral formation of a society. História intelectual e história da
tipo de abordagem, nem apenas um Key-words: cultural history; history of educação
novo espaço ou dimensão do real, e education O texto começa por tratar do uso ana-
enfatiza a necessidade de uma refle- Historia cultural y historia de la crônico de palavras e idéias. Tal uso
xão mais sistemática sobre a educa- educación caracteriza-se por uma rigidez na inter-
ção como um tema/objeto de investi- El artículo analiza la separación entre pretação da linguagem, que acaba por
gação necessário à compreensão da la historia cultural y la historia de la se fixar nos significados correntes na
formação cultural de uma sociedade. educación. Examinando obras a partir época em que se escreve a história.
Palavras-chave: história cultural; de los años de 1970, se verifica la Essa reificação do discurso tende a des-
história da educação importancia creciente de la historia considerar as possíveis significações

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 375

S-ar putea să vă placă și