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Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – REDE LFG

Curso de Pós-graduação Lato Sensu TeleVirtual em


DIREITO PÚBLICO

Disciplina
Direito Constitucional

Aula 1
LEITURA OBRIGATÓRIA

Marcelo Novelino
Procurador Federal do Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS
Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho-RJ

DIREITOS FUNDAMENTAIS

Como citar este artigo:

NOVELINO, Marcelo. Direitos Fundamentais. Material da 1ª


aula da disciplina Direito Constitucional, ministrada no
curso de especialização televirtual em Direito Público –
UNIDERP/REDE LFG.
Direitos Fundamentais

1) Neoconstitucionalismo
2) Colisão e ponderação
3) Classificação dos Direitos Fundamentais
4) Eficácia das normas de Direitos fundamentais
5) A DPH e os Direitos Fundamentais
6) Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais
7) Reserva do possível e mínimo existencial

Princípios e regras como espécies normativas1

As tradicionais diferenciações entre princípios e normas devem ser


abandonadas para dar lugar à distinção entre princípios e regras, ambos espécies do gênero
norma.

1. Caracteres comuns

Ao classificar princípios e regras como norma, Alexy aponta os seguintes


caracteres em comum:
1º) ambos dizem o que deve ser;
2º) podem ser formulados com a ajuda de expressões deônticas básicas
(ordem, permissão, proibição); e,
3º) são razões para juízos concretos de dever-ser (ainda que de tipo
diferente).2

2. Critérios distintivos

Os principais critérios de distinção propostos pela doutrina são:

2.1. Abstratividade (ou generalidade)

Como característica das normas jurídicas em geral, a abstratividade está


presente tanto nos princípios quanto nas regras, posto que de maneira estruturalmente
diversa. A abstratividade das regras jurídicas caracteriza-se pela possibilidade de
abrangência, por seu pressuposto de fato (ou hipótese), de inúmeros casos homogêneos. Nos
princípios, ela se refere à heterogeneidade de casos potencialmente suscetíveis de entrar na
esfera de previsão de seu pressuposto fático. Por isso, costuma-se dizer que os princípios são
normas “generalíssimas”. 3

1
Este texto é parte integrante do Livro “Teoria da Constituição e controle de
constitucionalidade” (Marcelo Novelino, Ed. Juspodivm, 2008).
2
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 83.
3
Contrário à utilização deste critério, Alexy argumenta que existem normas com um alto grau
de abstratividade que não são princípios. Como exemplo, cita a norma do Código Penal alemão
2
2.2. Grau de determinação (Esser e Larenz)

Utilizado inicialmente para diferenciar princípios e normas, este critério


pode ser aplicado à distinção entre princípios e regras.
Para Joseph Esser o que diferencia o princípio de uma norma não é a
abstração ou o caráter geral, mas sim a “possibilidade de precisar os casos de aplicação”.
Enquanto as regras são aplicadas de forma direta e imediata aos casos previstos em seu
preceito, os princípios não são, em si mesmos, um “mandamento”, mas apenas a causa,
critério ou justificação deste.4
No mesmo sentido, Larenz afirma que os princípios são apenas o primeiro
passo para uma regulação e que necessitam, para sua condensação em normas e em decisões,
de uma concretização posterior.5

2.3. Dimensão (Alexy)

Para Robert Alexy a diferença entre princípios e regras não é apenas gradual,
mas também qualitativa. Enquanto as regras possuem somente a dimensão da validade, os
princípios possuem ainda a dimensão da importância, peso ou valor.
As regras suscitam apenas problemas de validade, pois, na hipótese de
conflito entre elas, uma não será válida e, portanto, deverá ser excluída ou abandonada. Esta
exclusão dar-se-á segundo os critérios para a solução de antinomias estabelecidos por outras
normas existentes no próprio ordenamento jurídico.
Quanto aos princípios, além da validade, suscitam ainda a questão da
importância ou valor; vale dizer, caso ocorra a colisão entre dois ou mais princípios válidos,
deve-se levar em conta para a solução do problema o peso relativo de cada um mediante a
ponderação e o balanceamento dos valores e interesses envolvidos.
A diferença qualitativa entre princípios e regras faz com que sua aplicação,
assim como a solução de seus conflitos, ocorra de modo diverso.
As análises feitas a seguir terão como base este critério.

3. Atuação prática

3.1. Princípios

correspondente ao art. 1º do Código Penal brasileiro e ao art. 5o, XXXIX da Constituição de 1988 (“não
há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”). Segundo ele, este
enunciado formula uma regra, tendo em vista que o que se exige é algo que sempre pode apenas ser ou
não ser cumprido, isto é, algo que nunca poderá ser objeto de ponderação diante de um caso concreto.
Este é um dos casos em que a teoria elaborada por Alexy se afasta do uso habitual (Teoria de los
derechos fundamentales, p. 104).
4
Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado, pp. 66-67.
5
Derecho justo: fundamentos de etica juridica, pp. 33-36. Na visão de Karl Larenz, “os
‘princípios jurídicos’ não são senão pautas gerais de valoração ou preferências valorativas em relação à
idéia do Direito que, todavia, não chegaram a condensar-se em regras jurídicas imediatamente
aplicáveis, mas que permitem apresentar ‘fundamentos justificativos’ delas” (Metodologia da ciência
do direito, p. 316).
3
Por serem a primeira etapa na concretização dos valores, os princípios
possuem um elevado conteúdo axiológico, tornando-se imprescindível como critério de
decisão em todo e qualquer discurso normativo.
Os princípios se caracterizam por possibilitar que a medida de seu
cumprimento se dê em diferentes graus. Ao contrário das regras que, quando válidas, devem
ser cumpridas na exata medida de suas prescrições, os princípios são “mandamentos de
otimização”, isto é, “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível,
dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”.6
Os princípios não estabelecem conseqüências automáticas, atuam apenas
como uma espécie de vetor que aponta a direção a ser seguida na decisão. Um determinado
princípio pode prevalecer em alguns casos e ser preterido em outros, o que não significa sua
exclusão. Isso ocorre por permitirem a ponderação de valores conforme o caso dado.
Quando se afirma que um princípio faz parte de um ordenamento jurídico, o
que se quer dizer é que os aplicadores do direito devem levá-lo em consideração – e não
necessariamente aplicá-lo –, se for o caso, como critério determinante na escolha de um ou
outro sentido.7
A análise e a opção por determinados princípios em detrimento de outros,
não ocorre abstratamente, um vez que eles não possuem um valor absoluto. Essa escolha só
pode ocorrer em face de uma situação concreta, na qual será avaliado qual princípio
envolvido possui um “peso relativo” maior, ou seja, relacionado àquele caso específico.
Apesar da necessidade de serem levados em conta qualquer que seja a situação em análise, é
sobretudo nos casos difíceis (hard cases) que os princípios atuam com maior peso e com toda
a sua força, servindo como base para a argumentação que fundamenta as sentenças.8
Dworkin explica que enquanto as regras impõem resultados, os princípios
atuam na orientação do sentido de uma decisão. Quando se chega a um resultado contrário ao
apontado pela regra é porque ela foi mudada ou abandonada; já os princípios, ainda que não
prevaleçam, sobrevivem intactos. Assim como os aplicadores do Direito devem seguir uma
regra considerada obrigatória, também devem decidir conforme os princípios considerados de
maior peso, ainda que existam outros, de peso menor, apontando em sentido contrário.9

3.2. Regras

As regras, ao prescreverem determinações, impõem resultados. Se uma regra


jurídica é válida, verificados os pressupostos de fato abstratamente previstos, ela deverá ser
aplicada automaticamente, de forma absoluta.
Enquanto a aplicação de um princípio ocorre de forma gradual (“mais ou
menos”), a de uma regra segue a lógica do tudo-ou-nada (“rules are aplicable in all-or-
nothing fashion”). Verificados os fatos nela previstos, o seu mandamento deve ser aceito.
Dworkin estabelece um paralelo entre as duas espécies normativas afirmando que os
princípios possuem um caráter prima facie, ao passo que as regras possuem um caráter
definitivo. Assim, as regras são aplicáveis na forma de juízos disjuntivos (in all-or-nothing
fashion): se os fatos estipulados por uma regra válida se dão, a resposta dada deve ser aceita.

6
Segundo Robert Alexy, princípios são “mandamentos de otimização” caracterizados pela
possibilidade de cumprimento em diferentes graus, sendo que a medida devida deste cumprimento
depende das circunstâncias fáticas (“caso concreto”) e jurídicas – cujo âmbito é determinado por
princípios e regras opostos. Já as regras “são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra
é válida, então há que se fazer exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. Portanto, as regras
contêm determinações no âmbito do fático e juridicamente possível” (Teoria de los derechos
fundamentales, pp. 86-87).
7
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously, p. 26.
8
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously, p. 29.
9
DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously, p. 35.
4
Por essa razão, distintamente do que se dá com os princípios, um enunciado preciso de uma
regra deve levar em conta todas as exceções que ela contém.10
Por sua vez, o modelo apresentado por Alexy traz a conclusão no sentido de
que as regras e os princípios, por serem argumentos distintos, possuem um diferente caráter
prima facie. Enquanto os princípios sempre são razões prima facie (aceitas em um primeiro
momento, mas posteriormente verificadas) as regras, quando aplicáveis sem qualquer
exceção, são argumentos definitivos para um juízo concreto de dever-ser.11 Isso significa que
os princípios, por apresentarem argumentos que podem ser desprezados por razões opostas,
não contêm nunca um mandamento definitivo, mas apenas prima facie. Já as regras válidas,
de modo diverso, exigem que se faça exatamente o que elas determinam. Mesmo o caráter
prima facie de algumas regras é algo basicamente diferente e essencialmente mais forte que
o dos princípios.

3.3. Postulados normativos

Humberto Ávila propõe uma categoria, situada no terreno das metanormas,


que não se confunde com princípios e regras. Esta espécie, denominada postulado normativo,
caracteriza-se por impor um dever de segundo grau consistente em “estabelecer a estrutura
de aplicação de outras normas”. Como exemplo, o autor menciona o postulado normativo da
proporcionalidade, denominado de princípio pela doutrina tradicional.12
Diversamente dos princípios, que estabelecem fins a serem buscados, ou das
regras, que são normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos ou atributivas
de poder, os postulados normativos estruturam a aplicação e prescrevem modos de raciocínio
e de argumentação em relação a outras normas.13

Postulados interpretativos (“Princípios hermenêuticos”)14

Alguns critérios utilizados na interpretação e aplicação das normas possuem


uma operacionalidade essencialmente distinta em relação aos princípios. São metanormas
que estabelecem critérios de interpretação ou a estrutura de aplicação de outras normas e
que, por isso, desempenham um importante papel hermenêutico dentro do ordenamento
jurídico.
Não obstante, apesar da forma diversa de atuação, a doutrina tem designado
esta espécie normativa como princípio. Por ser a denominação secundária, já que o nome é
apenas um rótulo que apomos às coisas, iremos utilizar a seguir a denominação tradicional.

1. Postulados de interpretação das leis: “a constitucionalização do Direito”

10
Taking rights seriously, pp. 24-25. Para Robert Alexy, este modelo apresentado por Dworkin é
muito simplório, uma vez que as regras necessitam de um modelo diferenciado devido à possibilidade
de introduzir-lhes uma cláusula de exceção. Quando isso ocorre, a regra perde seu caráter definitivo
para solucionar o caso. Essas cláusulas de exceção, ao contrário do que defende Dworkin, não poderiam
ser enumeradas sequer teoricamente, uma vez que um novo caso pode introduzir uma nova cláusula
(Teoria de los derechos fundamentales, pp. 99-100).
11
ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 101.
12
Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, pp. 88.
13
Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, pp. 89.
14
Este texto é parte integrante do Livro “Teoria da Constituição e controle de
constitucionalidade” (Marcelo Novelino, Ed. Juspodivm, 2008).
5
O reconhecimento de força normativa à constituição, a expansão da
jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática pós-positivista de
interpretação constitucional são alguns dos fatores apontados por Luis Roberto Barroso para a
ascensão institucional e teórica do direito constitucional. O deslocamento da constituição
para o centro do sistema jurídico fez com que ela passasse a ter um papel imprescindível na
interpretação de todos os demais ramos do Direito, dando origem a um fenômeno que vem
sendo denominado de filtragem constitucional. Esta consiste em uma “leitura” da ordem
jurídica “sob a lente da constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados”. Nesse
aspecto, a constitucionalização do direito não se identifica apenas com a inclusão de normas
próprias de outros domínios no texto constitucional, mas também com a leitura de seus
institutos sob a luz da constituição.15
Com base nessas premissas, será feita a análise de alguns postulados que,
embasados na supremacia da constituição, são utilizados na interpretação e aplicação de
normas infraconstitucionais.

1.1. Princípio da supremacia

Toda interpretação normativa se assenta no pressuposto da superioridade


jurídica da constituição, sendo que em razão dessa supremacia, nenhum ato jurídico será
válido se for incompatível com ela.16
A supremacia da constituição decorre da idéia de superioridade do poder
constituinte, o que faz com que sua obra esteja situada no ápice da pirâmide normativa,
servindo de fundamento de validade de todos os demais atos jurídicos.
No plano dogmático e positivo, a superioridade constitucional se traduz no
estabelecimento da forma (competência, procedimentos...) e do conteúdo dos atos
normativos infraconstitucionais que, na hipótese de inobservância dos critérios
constitucionalmente estabelecidos, serão submetidos ao controle de constitucionalidade.
Além de impedir a violação positiva (por ação) da constituição, o princípio da
supremacia impõe, em certos casos, o dever de legislar, pois a omissão inconstitucional
também constitui uma violação (negativa) a este princípio.
A missão do Judiciário de defender a supremacia da constituição tem papel
de destaque no sistema geral de freios e contrapesos concebido pelo constitucionalismo
moderno como forma de contenção do poder.17
Em acórdão unânime, o Supremo Tribunal Federal deixou consignado que “a
constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos
fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste – enquanto for respeitada –
constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais
ofendidos”.18

1.2. Princípio de presunção de constitucionalidade das leis

15
BARROSO, Luís Roberto. “Gestação de fetos anencefálicos e pesquisas com células-tronco:
dois temas acerca da vida e da dignidade na Constituição”, p. 108.
16
Ao lado do sistema federativo, a idéia de supremacia da constituição foi a mais importante
contribuição do constitucionalismo norte-americano, que tem ainda, como destaque, o sistema de
checks and balances e os direitos individuais.
17
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição, pp. 155-156.
18
STF - ADI n. 293-7, rel. Min. Celso Mello.
6
A idéia de que os poderes públicos retiram suas competências da Lei Maior
suscita uma presunção, ainda que relativa (iuris tantum), de conformidade entre os atos por
eles produzidos e a constituição.
Reforça esta presunção o fato de que, antes de promulgadas, as leis passam
por um controle preventivo de constitucionalidade no âmbito dos Poderes Legislativo
(Comissões de Constituição e Justiça), Executivo (veto jurídico) e, em certos casos, até do
Judiciário (mandado de segurança impetrado por parlamentar em face da inobservância do
devido processo legislativo constitucional). Esta análise prévia não impede um posterior
reconhecimento da inconstitucionalidade pelo órgão jurisdicional competente.
Luís Roberto Barroso assinala que este princípio “desempenha função
pragmática indispensável na manutenção da imperatividade das normas jurídicas e, por via de
conseqüência, na harmonia do sistema”, uma vez que o “descumprimento ou não-aplicação
da lei, sob o fundamento de inconstitucionalidade, antes que o vício haja sido proclamado
pelo órgão competente, sujeita a vontade insubmissa às sanções prescritas pelo
ordenamento”.19
A conseqüência prática deste princípio é que, no caso de dúvida acerca da
constitucionalidade, deve a norma ser considerada como válida. Assim, havendo várias
interpretações possíveis, deve o intérprete optar por aquela que seja compatível com a
constituição (interpretação conforme a constituição).
No Brasil, este princípio tem sido reconhecido pela doutrina e pela
jurisprudência que, em diversas ocasiões, já deixou assentado que “a dúvida milita em favor
da lei, que a violação da constituição há de ser manifesta e que a inconstitucionalidade nunca
se presume”.20
Segundo entendimento do STJ, o Chefe do Poder Executivo, em virtude de
sua competência para produzir atos de igual categoria em relação ao Legislativo, deve negar
cumprimento a uma lei inconstitucional.21

1.3. Princípio da interpretação conforme a constituição

Este princípio é uma decorrência da supremacia das normas constitucionais e


da presunção de constitucionalidade das leis. Vale dizer: Se os atos infraconstitucionais têm
como fundamento de validade a constituição, presume-se que os poderes, que dela retiram
sua competência, agiram em conformidade com os seus preceitos, o que nos leva a concluir
que, na dúvida, deve-se optar pela constitucionalidade do ato. Assim, a declaração de
inconstitucionalidade deve ser o último recurso de que lançará mão o juiz.
Portanto, quando da interpretação de normas infraconstitucionais
polissêmicas ou plurissignificativas, deve-se dar prevalência à que lhes confira sentido
compatível, e não conflitante, com a constituição.22

19
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição, pp. 164-165.
20
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição, p. 170. A presunção de
constitucionalidade “é uma decorrência do princípio geral da separação dos poderes e funciona como
fator de autolimitação da atividade do Judiciário que, em reverência à atuação dos demais Poderes,
somente deve invalidar-lhes os atos diante de casos de inconstitucionalidade flagrante e
incontestável” (p. 174).
21
STJ – Resp n. 23.121-92/GO, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.
22
STF - ADI (MC) n. 2.238/DF, rel. Min. Ilmar Galvão (12.2.2003)
“O Tribunal conferiu interpretação conforme à Constituição Federal ao inciso II do art. 21 da
LC 101/2000 (“Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e
não atenda: ... II – o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo.”),
para que se entenda como “limite legal” o previsto em lei complementar” (CF, art. 169. A despesa
com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá
exceder os limites estabelecidos em lei complementar)
7
A interpretação conforme contém um princípio conservador da norma, que
tem por escopo preservar a autoridade do comando normativo e o princípio da separação dos
poderes. Sua finalidade “é possibilitar a manutenção no ordenamento jurídico das leis e atos
normativos editados pelo poder competente que guardem valor interpretativo compatível
com o texto constitucional”,23 evitando-se a anulação de normas dúbias.
Nesse sentido, o Tribunal Constitucional Federal alemão por reiteradas vezes
asseverou que nenhuma lei será declarada inconstitucional quando comportar uma
interpretação em harmonia com a constituição e, assim, puder conservar seu sentido ou
significado.
No caso concreto, para conservar a validade do dispositivo, o aplicador do
direito lhe confere um sentido compatível com o texto constitucional, fixando uma
determinada interpretação e afastando, em princípio, outras possibilidades. O ato
questionado é declarado legítimo, desde que interpretado em conformidade com a
constituição, sendo que o resultado da interpretação é, via de regra, incorporado
resumidamente na parte dispositiva da decisão24 (e.g.: A norma “X” é constitucional, desde
que interpretada no sentido “A”).25
No entanto, não é permitido ao intérprete contrariar o sentido literal da lei,
nem o objetivo que o legislador inequivocamente pretendeu alcançar com a regulamentação,
tendo em vista que a finalidade da lei não deve ser desprezada. Assim, este princípio
encontra dois limites: o sentido claro do texto (não pode ser contra legem) e o fim
contemplado pelo legislador.26 Este não pode ser substituído pela vontade do juiz, em razão
da preeminência conferida ao legislativo para concretizar a constituição, o que torna esta
espécie de interpretação um princípio de autolimitação judiciária.27
Problemática é a utilização deste princípio em relação à emenda. Se no caso
da lei ordinária a constituição permanece intocada, na emenda não acontece o mesmo. Esse
evento deve ser limitado através da aferição da constitucionalidade da emenda baseada nos
princípios constantes das cláusulas pétreas.28

1.3.1. Declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto

Nesta espécie, uma determinada hipótese de aplicação da lei é considerada


inconstitucional sem que ocorra qualquer alteração em seu texto, ocorrendo uma redução
apenas no âmbito de aplicação da lei. A declaração de nulidade é dotada de maior clareza e
segurança jurídica expressa na parte dispositiva da decisão (Ex.: a lei X é inconstitucional se

23
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 46.
24
MARTINS, Ives Gandra da Silva et al. Controle concentrado de constitucionalidade, p. 295.
25
STF – ADI (MC) n. 2979-7/ES, rel. Min. Cezar Peluso. “É constitucional lei estadual que regule
promoção, dita “peculiar”, de praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, desde que se lhe
subentenda, por interpretação conforme à Constituição, que cada promoção só pode efetivar-se
quando exista, na classe ou nível superior, cargo vago”.
26
STF – Rp n. 1417/DF, rel. Min. Moreira Alves (DJ: 15/04/1988) “O princípio da interpretação
conforme a constituição (verfassungskonforme auslegung) é princípio que se situa no âmbito do
controle da constitucionalidade, e não apenas simples regra de interpretação. A aplicação desse
princípio sofre, porém, restrições, uma vez que, ao declarar a inconstitucionalidade de uma lei em
tese, o STF - em sua função de corte constitucional - atua como legislador negativo, mas não tem o
poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa da instituída pelo poder
legislativo. Por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a constituição
contrariar o sentido inequívoco que o poder legislativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o
princípio da interpretação conforme a constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma
jurídica, o que e privativo do legislador positivo”.
27
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional, p. 232.
28
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional, p. 234.
8
aplicável a tal hipótese; a lei Y é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em
determinado exercício financeiro).29
Alguns autores sustentam que, em certos casos, a interpretação conforme a
constituição se equipara a uma declaração de nulidade sem redução de texto, pois, não raro,
“a preservação da norma, cuja expressão literal comporta alternativas constitucionais e
alternativas inconstitucionais, ocorre mediante restrição das possibilidades de interpretação,
reconhecendo-se a validade da lei com a exclusão da interpretação considerada
inconstitucional”.30
Na jurisprudência do STF é possível encontrar decisões nas quais a
interpretação conforme corresponde a um juízo de inconstitucionalidade, como nos casos
transcritos a seguir:

O Tribunal, à unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a


inconstitucionalidade do inciso I do artigo 5º da Lei nº 6489, de 27 de setembro
de 2002, do Estado do Pará, para aplicar-lhe interpretação conforme à
Constituição Federal, no sentido de que sejam excluídos do âmbito da sua
aplicação os créditos relativos ao ICMS que não tenham sido objeto de convênio
entre os Estados da Federação... (STF – ADI (MC) nº 3246/PA, rel. Min. Carlos
Britto, 19/04/2006)
O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação direta para dar
interpretação conforme à Constituição ao preceito regimental objeto da causa,
sem redução de texto... (STF – ADI (MC) nº 2924-0/SP, rel. Min. Carlos Velloso,
30/11/2005)
O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição, para, sem redução de
texto, restringir-lhes a exegese, em ordem a que, afastada qualquer outra
possibilidade interpretativa, seja fixado o entendimento de que o Ministério
Público referido em tais normas é o Ministério Público especial com atuação
exclusiva junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. (STF – ADI
(MC) nº 2884-7/RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJ 20/05/2005)

Não obstante, Gilmar Ferreira Mendes adverte que “não se pode afirmar com
segurança se, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme a
Constituição há de ser sempre, equiparada a uma declaração de nulidade sem redução de
texto”. Segundo o eminente constitucionalista, tudo indica que o STF afastou-se,
gradualmente, “da posição inicialmente fixada, que equiparava simplesmente a interpretação
conforme a Constituição à declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto”.31
Em decisão publicada no DJ em 03/02/2006, cujo relator foi o Ministro
Sepúlveda Pertence, a ementa foi redigida nos seguintes termos:

EMENTA: 1. Fazenda Pública: execução não embargada: honorários de


advogado: MPr 2.180/2001: constitucionalidade declarada pelo STF, com
interpretação conforme ao art. 1º-D da L. 9.494/97, na redação que lhe foi
dada pela MPr 2.180-35/2001, de modo a reduzir-lhe a aplicação à hipótese de
execução por quantia certa contra a Fazenda Pública (C. Pr. Civil, art. 730),
excluídos os casos de pagamento de obrigações definidos em lei como de
pequeno valor (CF/88, art. 100, § 3º) (RE (AgR)nº 453056 / RS).
De fato, não se pode negar que os dois institutos possuem pontos em comum, a
saber:
1º) Podem ser utilizados tanto no controle concentrado, quanto no difuso;

29
MARTINS, Ives Gandra da Silva et al. Controle concentrado de constitucionalidade, p. 301.
30
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional, p. 235.
31
MARTINS, Ives Gandra da Silva et al. Controle concentrado de constitucionalidade, p. 303.
9
2º) sua utilização implica a redução do âmbito de aplicação da norma;
2º) não há qualquer alteração no texto normativo.
Todavia, ao se equiparar as duas técnicas, surgem as seguintes dificuldades:
1a) no controle difuso, haveria necessidade de remeter os autos ao pleno;
2a) o Tribunal, ao fixar como constitucional dada interpretação, não declara,
nem poderia fazê-lo, a inconstitucionalidade de todas as outras possíveis
interpretações de certo texto normativo;
3ª) A interpretação conforme é um postulado interpretativo, utilizável por
qualquer intérprete da constituição. A declaração de nulidade é uma técnica de
decisão que só pode ser utilizada pelo Poder Judiciário.

Gilmar Ferreira Mendes observa que apesar de inegável a semelhança entre


ambas, é certo que, enquanto na interpretação conforme a Constituição se tem,
dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é
conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto,
a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação (...)
do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal.32
Portanto, apesar da proximidade e dos efeitos semelhantes, não se deve
equiparar tais institutos. Na interpretação conforme, há uma declaração de
constitucionalidade, conferindo-se um sentido à norma e, em princípio, afastando-se todos os
demais. Na declaração de nulidade sem redução de texto, há um juízo de
inconstitucionalidade, excluindo-se uma determinada interpretação e permitindo-se as
demais, desde que comportadas pelo seu texto. Neste caso, os tribunais deverão observar a
cláusula da reserva de plenário (CF, art. 97). Pela redação dada ao dispositivo da Lei n.
9868/99, parece-nos que foi feita uma clara opção legislativa pela separação das duas
figuras.33

2. Postulados de interpretação da constituição

O catálogo de critérios utilizados na concretização da constituição pode


variar conforme o autor. A seguir será feita a análise dos postulados elencados por Konrad
Hesse34 e Friedrich Müller.35

2.1. Princípio da unidade da constituição

A idéia de unidade da ordem jurídica se irradia a partir da constituição e


sobre ela também se projeta. Considerando-se o ordenamento jurídico como um sistema, a

32
MARTINS, Ives Gandra da Silva et al. Controle concentrado de constitucionalidade, pp. 300-
301. Em outra obra sobre o tema, o autor esclarece ainda que “a declaração de compatibilidade não
corresponde nem a uma censura de outras interpretações nem à fixação de uma única interpretação
como válida”, uma vez que em outras aplicações poderão ser desenvolvidas interpretações diversas
em conformidade com o texto constitucional. A equivalência da declaração de inconstitucionalidade
parcial sem redução de texto com a interpretação conforme a constituição só seria possível se se
entendesse que esta “não é apenas uma regra normal de hermenêutica, mas modalidade específica de
decisão”, como é o caso daquela. (MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional, pp. 236-237).
33
Art. 28, parágrafo único: A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade,
inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem
redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder
Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
34
Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 65-69.
35
Métodos de trabalho do direito constitucional, pp. 81-88.
10
constituição seria o elo entre os seus elementos, por ser a origem comum de todas as normas.
É ela, como norma fundamental, que confere unidade e caráter sistemático ao ordenamento.
O princípio da unidade consiste em uma especificação da interpretação
sistemática. O fundamento para que uma norma seja analisada na conexão total na qual ela
se insere, e não individualmente, decorre da conexão e interdependência entre os elementos
individuais da constituição.36
As normas constitucionais não devem ser consideradas isoladamente, mas
como preceitos integrados num sistema interno unitário de regras e princípios. A pluralidade
de concepções, o pluralismo e antagonismo de idéias subjacentes ao pacto fundador tornam
imprescindível a unidade da interpretação.
Considerado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha como o mais
importante princípio de interpretação constitucional, impõe ao intérprete o dever de
harmonização das tensões e contradições existentes entre as normas da constituição.37
Este princípio afasta a tese de hierarquia entre dispositivos de uma
constituição, impossibilitando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma
constitucional originária.38

2.2. Princípio da concordância prática (ou da harmonização)

Este postulado também apresenta uma estreita ligação com o princípio da


unidade, distinguindo-se deste por não atuar apenas diante da existência de contradições
normativas abstratas, mas também, diante de casos concretos de concorrência e colisão de
direitos.39
Nestas hipóteses, os bens protegidos pela constituição devem ser tratados de
modo que a afirmação de um não implique o sacrifício total do outro. Vale dizer, havendo
uma colisão entre dois ou mais direitos fundamentais, o intérprete deve utilizar-se deste
postulado, a fim de coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, realizando uma
redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles.
A concretização não deve afastar globalmente uma norma para aplicação
total da outra, devendo haver uma otimização de todas as normas e bens tutelados
envolvidos. Müller aponta que este postulado se posiciona contrariamente às técnicas da
“ponderação de valores” ou de “bens”.40 Por sua vez, Hesse argumenta que a “ponderação”
carece de uma diretiva como esta, faltando-lhe o apoio de sustentação, além do risco
constante de abandonar a unidade constitucional.41

36
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 65.
Segundo o catedrático da Universidade de Freiburg, o mesmo vale para os direitos humanos
consagrados em tratados internacionais, os quais devem ser levados em consideração na interpretação
dos direitos fundamentais consagrados em uma constituição (p. 66).
37
MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 84.
38
A tese de existência de hierarquia entre normas da constituição foi abordada por Otto Bachof
em sua famosa obra “Normas constitucionais inconstitucionais?”, na qual analisa várias hipóteses
suscitadas por Krüger, como a de violação a um preceito de grau superior (preceito material
fundamental da constituição) por outro de significado secundário (apenas formalmente constitucional)
do mesmo documento. Apesar de não admitir tais hipóteses, o professor da Universidade de Tübingen
adota uma postura jusnaturalista ao reconhece a possibilidade de se qualificar como
“inconstitucional” uma norma originária que pertença formalmente à constituição, mas que venha a
infringir uma outra norma constitucional positivadora de um “direito supralegal”. Neste caso, segundo
Bachof, tal norma seria contrária ao direito natural e careceria de legitimidade, “no sentido de
obrigatoriedade jurídica” (Normas constitucionais inconstitucionais?, pp. 48-70).
39
MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 86.
40
MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 86.
41
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 67.
11
Por esta razão, diante da existência de uma colisão entre dois direitos
constitucionalmente consagrados, cabe ao intérprete, em primeiro lugar, tentar a
harmonização dos valores envolvidos reduzindo proporcionalmente o âmbito de aplicação de
cada um deles. Somente quando a utilização deste postulado não for possível, diante das
circunstâncias do caso concreto, é que deverá o intérprete afastar uma norma para a
aplicação da outra.

2.3. Princípio da convivência das liberdades públicas (ou relatividade)

Nenhum direito, por mais importante que seja, pode ser considerado
absoluto. Todos, inclusive os direitos e garantias fundamentais, encontram limites
estabelecidos por outros direitos igualmente consagrados no texto constitucional.42
A tese da existência de direitos absolutos dificilmente se sustentaria diante
da colisão entre dois destes direitos titularizados por indivíduos distintos. A impossibilidade
de prevalência de dois direitos absolutos, sem que haja uma cedência recíproca, inviabiliza a
adoção deste entendimento.
Em virtude da relatividade dos direitos, não se pode estabelecer, em
abstrato, uma hierarquia normativa entre eles. Havendo um conflito, apenas diante de um
caso concreto será possível concluir acerca de qual deles deverá prevalecer naquela hipótese.

2.4. Princípio da máxima efetividade

Ligado ao princípio da força normativa, este postulado foi desenvolvido pelo


Tribunal Constitucional Federal Alemão para conferir maior efetividade aos direitos
fundamentais, os quais devem ser submetidos a uma interpretação ampla. Com isso, sua
atuação se aproxima bastante do enunciado “in dubio pro libertate”, que parte de uma
presunção de liberdade a favor do cidadão.43
Conhecido também como princípio da eficiência ou princípio da
interpretação efetiva, impõe que na interpretação das normas de direitos fundamentais se
atribua o sentido que lhes empreste a maior efetividade possível, a qual significa a realização
do direito, “o desempenho concreto de sua função social”.44
Embora originariamente ligado à tese da atualidade das normas
programáticas, hoje este princípio é invocado, sobretudo, no âmbito dos direitos
fundamentais.45
Müller afirma que sua utilização é problemática em relação ao princípio da
unidade e que, ao que tudo indica, a jurisprudência teve uma compreensão equivocada de um

42
STF - RTJ 173/807-808, rel. Min. Celso de Mello. “Não há, no sistema constitucional brasileiro,
direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse
público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que
excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas
individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O
estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão
sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações
de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a
assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido
em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros”.
43
MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 87.
44
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição, p. 220.
45
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 1.187.
12
entendimento da literatura científica que se referia à alternativa “enunciado programático”
ou “norma jurídica atual”.46
Para assegurar a efetividade dos direitos fundamentais, assim como a tutela
de situações jurídicas subjetivas, a Constituição consagrou um conjunto de ações – habeas
corpus, habeas data, mandado de segurança e ação popular –, além de dois instrumentos para
neutralizar as omissões inconstitucionais: o mandado de injunção e a ADI por omissão.

Classificação das normas constitucionais quanto à eficácia47

Todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia jurídica. O que as


difere é o seu grau, variável conforme a densidade normativa outorgada pelo legislador
constituinte e a “concretude” da norma.
Todavia, no tocante à sua eficácia social (ou efetividade), as normas
constitucionais apresentam sérios problemas.48 Uma das causas é o fato de a constituição
regular o fenômeno político, difícil de ser enquadrado dentro de parâmetros jurídicos. O grau
de eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais e a determinação do caráter jurídico
das normas programáticas são, no que se refere ao caráter normativo das constituições, os
maiores problemas do constitucionalismo contemporâneo.49
Em outros tempos, a ineficácia imediata das normas constitucionais era a
regra, sendo a Lei Maior vista como um conjunto de preceitos dependentes de uma legislação
ordinária posterior para sua aplicação. Esse pensamento de outrora, aos poucos, vem sendo
superado pela concepção de que não existem normas carentes de eficácia na Lei
Fundamental. Atualmente, é reconhecida a existência de diferentes graus de eficácia e
aplicabilidade, não mais a ausência total dessas qualidades.
De acordo com o grau de sua eficácia, as normas constitucionais podem ser
agrupadas nas seguintes espécies:

1. Normas constitucionais de eficácia absoluta

Segundo Maria Helena Diniz, seriam de eficácia absoluta as normas


constitucionais intangíveis, protegidas até mesmo contra a ação do poder derivado
reformador.50
Possuem eficácia positiva, por estarem aptas a serem imediatamente
aplicadas aos casos a que se referem; e, negativa, decorrente de sua força paralisante total
de qualquer norma, criada por emenda ou por lei infraconstitucional, que as contrarie.

46
MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional, p. 88.
47
Este texto é parte integrante do Livro “Teoria da Constituição e controle de
constitucionalidade” (Marcelo Novelino, Ed. Juspodivm, 2008).
48
Denominamos de eficácia social ou efetividade a produção efetiva dos efeitos para o qual a
norma foi criada. Esse sentido não se confunde com o de eficácia jurídica que é tão-somente a aptidão
da norma para produzir os efeitos que lhe são próprios.
49
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 210. Lenio Luiz Streck sustenta que “a
eficácia das normas constitucionais exige um redimensionamento do papel do jurista e do Poder
Judiciário nesse complexo jogo de forças, na medida em que se coloca o seguinte paradoxo: uma
Constituição rica em direitos (individuais, coletivos e sociais) e uma prática jurídico-judiciária que,
reiteradamente, (só) nega a aplicação de tais direitos” (“As constituições sociais e a dignidade da
pessoa humana como princípio fundamental”. 1988-1998: Uma década de Constituição, p. 314).
50
Norma constitucional e seus efeitos, pp. 107 a 109. A autora propõe a seguinte classificação:
normas supereficazes ou com eficácia absoluta; normas com eficácia plena; normas com eficácia
relativa restringível; e, normas com eficácia relativa complementável ou dependentes de
complementação.
13
Sua aplicabilidade é direta, imediata e integral.
Dessa espécie as normas referentes à federação (art. 1o), à separação dos
o
poderes (art. 2 ), ao voto direto, secreto, universal e periódico (art. 14), além de alguns
direitos e garantias individuais, todos consubstanciadas em cláusulas pétreas, conforme
dispõe o art. 60, § 4o da Constituição da República.
A diferença em relação às normas de eficácia plena seria que estas, apesar
de também incidirem imediatamente, de forma direta e integral, podem ser modificadas por
emenda.
Para José Afonso da Silva esta classe não seria cabível por se basear no
critério de modificabilidade constitucional, já que do ponto de vista de sua aplicabilidade são
normas de eficácia plena.51

2. Normas constitucionais de eficácia plena

A Constituição de 1988 revela uma acentuada tendência no sentido de deixar


ao legislador ordinário a complementação de suas normas. Não obstante, a maioria de seus
dispositivos, sobretudo os referentes à organização e limitação dos poderes estatais, acolhem
normas de eficácia plena.52
Possuem aplicabilidade imediata e direta por não dependerem de legislação
posterior para sua inteira operatividade, estando aptas a produzir, desde sua entrada em
vigor, seus efeitos essenciais (eficácia positiva e negativa). Por essa razão são conhecidas
também como normas auto-aplicáveis, auto-executáveis (“self executing provisions”) ou
bastantes em si.
Por terem aplicabilidade integral, estas normas não podem sofrer restrições
por parte do legislador infraconstitucional, o que não significa a impossibilidade de
regulamentação dos interesses nela consagrados. Ademais, na concepção adotada por Maria
Helena Diniz, diversamente do que ocorre com as normas de eficácia absoluta, são suscetíveis
à reforma por meio de emendas.53
Desta espécie as normas constitucionais que possuem todos os elementos e
requisitos para a sua incidência direta, isto é, cuja regulamentação normativa é certa e
precisa a ponto de possibilitar que dela seja extraída a conduta positiva ou negativa a ser
seguida. São normas consideradas completas, o que não significa serem necessariamente
efetivas.54
Pertencem a esta categoria, de um modo geral, as normas que contenham
proibições (art. 145, § 2º) ou vedações (art. 19); as que confiram isenções (art. 184, § 5º),
imunidades (arts. 53 e 150, I a VI) ou prerrogativas (art. 128, § 5o, I); as que não indiquem
processos especiais para a sua execução e as que já se encontrem suficientemente
explicitadas na definição dos interesses nelas resguardados.55

3. Normas constitucionais de eficácia contida

Conhecidas também como normas de eficácia redutível ou restringível,56


possuem aplicabilidade imediata, direta, mas possivelmente não integral. Isso porque apesar

51
Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 87.
52
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, pp. 88-89.
53
Norma constitucional e seus efeitos, p. 110.
54
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 99.
55
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 101.
56
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, p. 24.
14
de aptas a regular de forma suficiente os interesses relativos ao seu conteúdo (direta), desde
sua entrada em vigor (imediata), reclamam, em regra, uma atuação por parte do legislador
no sentido de reduzir o seu alcance (não integral), mencionando uma legislação futura
(“...nos termos da lei”; “...na forma da lei”; “...que a lei estabelecer”).
A aplicabilidade dessas normas ocorre independentemente da intervenção do
legislador ordinário, não ficando condicionada à existência de uma normação
infraconstitucional ulterior, apesar de poder ser limitada por ela. Algumas indicam elementos
restritivos diversos da lei, como alguns conceitos de direito público (ordem pública,
segurança nacional ou pública, integridade nacional, bons costumes, necessidade ou utilidade
pública, perigo público iminente...).57
Possuem eficácia positiva e negativa. Enquanto não for elaborada a norma
restritiva, terão aplicabilidade integral. É como se fossem uma norma de eficácia plena
passível de restrição.
Em regra, consagram direitos dos indivíduos ou de entidades públicas ou
privadas, passíveis de limitação por regras de contenção de sua eficácia.58
É possível verificar a existência de várias destas normas dentre aquelas que
estatuem direitos e garantias fundamentais. À guisa de exemplo podemos citar o direito de
greve previsto no art. 9o, cuja aplicabilidade será integral até ser criada uma lei definindo os
serviços e atividades essenciais (§ 1o); a inviolabilidade das comunicações telefônicas (art. 5o,
XII), que só pôde ser restringida após o advento da lei n. 9296/96; e, a liberdade de exercício
profissional, irrestrita até ser criada uma lei estabelecendo os requisitos para exercê-la.59
Em certos casos, a restrição poderá advir de outra norma constitucional,
como ocorre com a liberdade de reunião (art. 5o, XVI), sujeita à restrição durante o estado de
defesa (art. 136, § 1o, I, “a”) ou à suspensão em estado de sítio (art. 139, IV).

4. Normas constitucionais de eficácia limitada

Algumas normas constitucionais só manifestam a plenitude dos efeitos


jurídicos pretendidos pelo constituinte, após a emissão de atos normativos previstos ou
requeridos por ela, razão pela qual possuem uma eficácia limitada.60
A aplicabilidade dessas normas é indireta, mediata e reduzida, pois só
incidem totalmente sobre os interesses objeto de sua regulamentação jurídica “após uma
normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia, conquanto tenham uma incidência
reduzida e surtam outros efeitos não-essenciais”.61 São normas que dependem da emissão de
uma normatividade futura (mediata)62, em que o legislador, integrando-lhes a eficácia
mediante lei (indireta), dê-lhes capacidade de execução dos interesses visados.
Apesar de não possuírem, desde sua entrada em vigor, uma eficácia positiva,
são dotadas de eficácia negativa, ab-rogando a legislação precedente que lhe for
incompatível e impedindo que o legislador edite normas em sentido oposto ao assegurado
pela Constituição.

57
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, pp. 103-104.
58
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 116.
59
CF, art. 5º, XIII. É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer.
60
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, pp. 81-82.
61
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 83.
62
No que tange à sua aplicabilidade, apesar de dependerem de lei para terem
eficácia positiva, têm aplicabilidade imediata no tocante à legislação anterior, bem como em relação à
legislação futura, que a elas tem que se conformar (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas
constitucionais, p. 135).
15
A seguir, serão analisadas as duas sub-espécies nas quais se enquadram as
normas constitucionais de eficácia limitada.

4.1. Normas de princípio institutivo (ou organizatório)

São aquelas que dependem de lei para organizar ou dar estrutura, a


entidades, órgãos ou instituições previstos na Constituição. Seu conteúdo é eminentemente
organizativo e regulativo.63
Sua característica fundamental está no fato de indicar uma “legislação futura
que lhes complete a eficácia e lhes dê efetiva aplicação”.64
O legislador constituinte limita-se a traçar esquemas gerais reservando ao
legislador ordinário a função de complementar o que foi iniciado, conforme os critérios, os
requisitos, as condições e as circunstâncias previstas na norma.65
Podem determinar a emissão de uma legislação integrativa de forma
peremptória (normas impositivas) ou apenas possibilitar, sem obrigar, a instituição ou
regulação da situação nelas delineadas (normas facultativas ou permissivas).66 Nesta última
hipótese, a discricionariedade do legislador quanto à iniciativa é total, sendo incabível
qualquer declaração de inconstitucionalidade por omissão.67
De acordo com o entendimento de José Afonso da Silva a obrigatoriedade de
legislar decorrente destas normas, apesar de ter natureza jurídica, é de pouca eficácia, uma
vez que não possui nenhuma sanção específica, sendo que o legislador não pode ser
constrangido a legislar. Não obstante, havendo lei integrativa preexistente, esta não poderá
ser simplesmente revogada (vácuo legislativo), pois a discricionariedade do legislador só se
verifica no tocante à iniciativa. 68

4.2. Normas de princípio programático

Em determinados casos, sobretudo no âmbito dos direitos sociais, em vez de


regular direta e imediatamente um interesse, o legislador constituinte opta por traçar apenas
princípios indicativos dos fins e objetivos do Estado. Tais princípios, que se distinguem dos
anteriores por seus fins e conteúdos, impõem aos órgãos do Estado uma finalidade a ser
cumprida (obrigação de resultado), sem, entretanto, apontar os meios a serem adotados para
atingi-la.
Vinculadas à disciplina das relações econômico-sociais, as normas de princípio
programático localizam-se, sobretudo, nos Títulos VII e VIII, apresentando-se no texto
constitucional consubstanciadas em esquemas genéricos, diretrizes e programas de ação.69

63
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, pp. 125-126.
64
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 123. O autor cita como
exemplo, dentre outros: art. 18, § 2º; art. 33; art. 91, § 2º; art. 93; art. 113; art. 161; art. 163 e art.
192.
65
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 125.
66
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, pp. 126-127. Exemplo: a)
impositivas - art. 20, § 2º; art. 32, § 4º; art. 33; art. 88; art. 90, § 2º; art. 107, parágrafo único; art.
109, VI; art. 111, § 3º; art. 113; art. 128, § 5º e art. 121; e, b) facultativas ou permissivas – art. 22,
parágrafo único; art. 25, § 3º; art. 125, § 3º; art. 154, I; e art. 195, § 4º.
67
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 134.
68
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 129. O autor afirma que
“ninguém tem direito subjetivo à aprovação de qualquer lei, ainda que determinada no texto da
constituição”.
69
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, pp. 137-138.
16
Segundo José Afonso da Silva, são normas que “envolvem um conteúdo social
e objetivam a interferência do Estado na ordem econômico-social, mediante prestações
positivas, a fim de propiciar a realização do bem comum, através da democracia social”.70
Levando em consideração os sujeitos mais diretamente vinculados, o autor distingue três
categorias dentro desta espécie:
1ª) normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade: são as que
mencionam uma legislação futura para implementação do programa previsto, o qual fica
dependente da atividade do legislador e de sua discricionariedade (Ex.: art. 7º, incisos XI, XX
e XXVII; art. 173, § 4º; art. 216, § 3º e art. 218, § 4º);71
2ª) normas programáticas referidas aos Poderes Públicos: por não
mencionarem nenhuma legislação, nem sempre carecem de lei para o seu cumprimento,
vinculando todo o Poder Público (Ex.: art. 21, IX; art. 48, IV; art. 184; art. 211, § 1º; art. 215,
caput e § 1º; art. 216, § 1º; art. 217; art. 218 e art. 226);
3ª) normas programáticas dirigidas à ordem econômico-social em geral: por
postularem a observância de toda a ordem sócio-econômica, qualquer conduta praticada por
um sujeito (público ou privado) que esteja em sentido oposto à sua determinação, revelar-se-
á inconstitucional (Ex.: art. 170; art. 193; art. 196 e art. 205).72

5. Normas constitucionais de eficácia exaurida (ou esvaída)

Segundo Uadi Lammêgo Bulos seriam as normas da Constituição que já


efetivaram seus comandos. É o caso das normas pertencentes ao Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, cuja hipótese prevista em seu pressuposto fático já ocorreu.73

70
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 125.
71
José Afonso da Silva invoca a lição de Balladore Pallieri para esclarecer que apesar de não
conseguirem constranger, juridicamente, o legislador a seguir aquela via, as normas programáticas
impedem que ele siga uma via diversa ou mesmo que volte atrás, após ter dado execução à norma
constitucional (Op. cit., p. 158).
72
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, pp. 147-150.
73
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada, p. 335.
17

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