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PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
JOÃO PESSOA - PB
2008
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JOÃO PESSOA - PB
2008
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Esta tese foi submetida a exame como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Doutor em Letras, outorgado pela Universidade Federal da
Paraíba – UFPB, encontrando-se à disposição dos interessados na Biblioteca
Central da citada Universidade. Citações de trechos desta tese são permitidas,
desde que cumpram as normas da ética científica.
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________
____________________________________
____________________________________
_______________________________________
_______________________________________
Profa. Dra. Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega – UFCG (suplente)
RESUMO
ABSTRACT
RÉSUMÉ
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Hélder Pinheiro que conjugou com maestria e
sensibilidade os rumos da orientação.
Ao Prof. Dr. José Edilson de Amorim, pela leitura crítica feita ao meu
trabalho, por ocasião do exame de qualificação.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11
CONCLUSÃO
........................................................................................................................... .178
INTRODUÇÃO
Dentre as várias razões que nos fizeram incursionar por esta temática, vale
ressaltar a influência da nossa formação na área de literatura, quando tomamos
conhecimento da obra poética e ensaística de Cecília Meireles, bem como a
contribuição advinda das inúmeras questões formuladas durante nossas
atividades como professora de Literatura da Universidade Estadual do Ceará e
durante as disciplinas ministradas em cursos de formação de professores. Além
disso, acreditamos que este trabalho se justifica porque as idéias de Cecília
Meireles têm uma atualidade surpreendente no que tange às questões sobre a
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terceiro capitulo, que focaliza a crônica entre leitores, os quais são divididos em
dois grupos: o primeiro formado por alunos de uma escola pública de Fortaleza e
o segundo, por leitores navegadores do blog ―Navegando com Cecília Meireles‖ 1,
especialmente criado para compor a experiência de leitura das crônicas de Cecília
Meireles. Com estas duas experiências, objetivamos ampliar o leque de leitores
para as crônicas de Cecília Meireles, bem como pretendemos refletir sobre as
possíveis reações dos leitores diante de textos, que, a despeito de terem sido
escritos há algumas décadas, apresentam-se próximos do universo dos leitores
de hoje, pela capacidade de encantar e fazer refletir sobre o homem e sobre a
vida.
Partindo do pressuposto de que a preocupação com a leitura e o leitor é
um dos fios condutores do projeto estético-pedagógico de Cecília Meireles,
buscamos na leitura dos teóricos da Estética da Recepção o suporte para analisar
a recepção e os efeitos provocados pelo conjunto das crônicas cecilianas, junto
aos dois grupos de leitores: os estudantes e os internautas. Os principais textos
teóricos utilizados estão reunidos na coletânea Literatura e o leitor, organizada
por Costa Lima (2002). Além desses, baseamo-nos na obra de Wolfgang Iser O
ato da leitura: teoria do efeito estético, bem como no livro Leitura, de Vincent
Jouve.
Com essa pesquisa, As crônicas de Cecília Meireles: um projeto estético e
pedagógico, desejamos, antes de tudo, por em evidência o perfil de Cecília
Meireles como poeta e educadora, destacando a atualidade de seu pensamento,
junto ao ideal de educação que se busca para os dias hodiernos e futuros, voltado
para a formação estética de crianças e jovens.
1
O blog ―Navegando com Cecília Meireles‖ está situado no seguinte endereço eletrônico:
<http://mvals.blog.uol.com.br>.
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CAPÍTULO I
________________________________________________________________
―A educação é uma causa que abraço com paixão assim como a poesia‖.
(Cecília Meireles)
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Conferir os estudos organizados por LIMA (1979), os quais reúnem textos dos principais teóricos
da Estética da recepção, notadamente os de autoria de Hans Robert Yauss e Wolfgang Iser.
3
Publicado, inicialmente, em treze números da revista Ocidente, em Portugal, no período de 1938
a 1940, e depois, no Brasil, em forma de livro, postumamente, em 1980. A respeito de Olhinhos de
gato, conferir: NEVES, Margarida de Sousa. Paisagens secretas: memórias da infância. IN: Cecília
Meireles: poética da educação. Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 2001.
18
4
Entrevista concedida a Fagundes de Meneses, da revista Manchete e transcrita em:
DAMASCENO, Darcy. Notícia biográfica. IN: MEIRELES, Cecília. Obra poética. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar,1987, p. 58,59.
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A figura da babá Pedrina aparece reiteradas vezes na obra ceciliana como personagem
importante da infância da autora, na medida em que contribuiu, de maneira diversificada e lúdica
para a formação de Cecília Meireles no âmbito das manifestações da cultura popular.
19
Ainda nesse livro, Cecília retoma esta mesma idéia, destacando o caráter
universal do ato de narrar:
6
Esta obra é o resultado da reunião de três conferências proferidas por Cecília Meireles, durante
sua visita a Minas Gerais, em 1949. Sua primeira publicação ocorreu em 1951, como parte da
Coleção Pedagógica, projeto encetado pela Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais.
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7
A este respeito vale conferir os três volumes editados pela Nova Fronteira, em 1998 (v.1) e 1999
(v. 2 e 3) com organização e apresentação do Prof. Leodegário de Azevedo Filho.
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A publicação deste livro possibilita aos leitores o conhecimento de duas facetas pouco
divulgadas de Cecília Meireles: a de pesquisadora da cultura popular e a de desenhista.
Utilizando-se da aquarela, do nanquim e do crayon, a artista traça um estudo dos gestos e dos
ritmos que envolvem as manifestações da cultura popular no Brasil, com textos descritivos que
ajudam na composição dos quadros, como legendas para os mesmos. O primeiro resultado
prático desses estudos redundou na exposição realizada em 18 de abril de 1933, no Rio de
Janeiro. No ano seguinte, a exposição ocorreu em Lisboa, paralelamente a três conferências
proferidas pela pesquisadora do folclore. Diante da repercussão obtida, surge em 1935, a
publicação em separata da Revista Mundo português. Apenas em 1983, sob o patrocínio da
FUNARTE, a referida pesquisa surge no formato de livro, em comemoração ao cinqüentenário da
primeira exposição. Em 2003, a editora Martins Fontes lança outra edição, em belíssimo formato,
com duas versões: uma em português e outra em inglês.
9
Cf.Três conferências sobre cultura hispano-americana. Ed. Departamento de Imprensa Nacional,
MEC, 1959.
10
Para uma leitura mais ampla deste assunto, conferir o ensaio de FARRA, Maria Lúcia Dal.
Cecília Meireles: Imagens femininas. 2005, disponível em:<http://www.scielo.br/pdf./cpa/n27/
32147/pdf>.
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11
O termo é aqui utilizado numa referência ao poema ―Com licença poética, de Adélia Prado. Cf.
PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991.
24
Definição:
Concha, mas de orelha;
Água, mas de lágrimas;
Ar com sentimento.
_ Brisa, viração
Da asa de uma abelha.
(BANDEIRA, 1970, p.186, 187).
12
As idéias de Cecília Meireles sobre educação serão apontadas e discutidas no capítulo II do
presente estudo.
25
(...) o esforço maior e mais bem sucedido, em grande parte vitorioso, para
ajustar numa posição única e coerente os dois projetos do Modernismo,
26
13
Conferir os estudos de Darcy Damasceno (1987), Eliane Zagury (1973) e Leodegário de
Azevedo Filho (1970) e (2001).
27
Ela é desses artistas que tiram seu ouro onde o encontram, escolhendo
por si, com rara independência. E seria este o maior de
sua personalidade, o ecletismo, se ainda não fosse maior o misterioso
acerto, dom raro com que ela se conserva sempre dentro da mais íntima e
verdadeira poesia (ANDRADE, IN: MEIRELES, 1987, p.37).
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Educador baiano que assumiu vários cargos públicos dentre eles os de Inspetor geral de ensino
na Bahia, aos 24 anos e no Distrito Federal, aos 31 anos. Conheceu de perto as metodologias
inovadoras européias em viagem realizada em 1925,bem como as idéias do filósofo e pedagogo
americano John Dewey, na condição de aluno na Universidade Columbia, nos Estados Unidos, em
1926.
15
Nasceu em Minas Gerais, teve formação jesuítica e atuou no jornalismo escrevendo para o
jornal O estado de S. Paulo questões relativas à instrução pública,colaborando para a criação da
Universidade de São Paulo.em 1922,organizou as ―Conferências de Educação‘ e em 1924,fundou
a associação Brasileira de educação (ABE).
16
Educador paulista, Lourenço Filho formou-se pela Escola Normal de São Paulo, vindo depois a
ser professor de diversas escolas normais paulistas e em 1922, da Escola norma de Fortaleza, a
convite do governo cearense que o nomeou também diretor da instrução pública, notabilizando-se
por diversas reformas no ensino. Em 1932, na capital federal, exerce as funções de chefe de gabinete
do ministro da Educação Francisco Campos e de diretor do Instituto de Educação. Foi também um
estudioso da influências da Psicologia nas práticas pedagógicas. Recebeu muitas críticas de seus
companheiros escolanovistas por não ter rompido com o governo Vargas.
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difusão dos princípios da Escola Nova17 cujo movimento educacional tinha como
premissa o caráter transformador do papel da família, da igreja e do Estado na
educação dos jovens. Com inspiração nas idéias do filósofo norte-americano John
Dewey (1859-1952) e do suíço Claparède (1873-1940), os escolanovistas
defendiam uma escola igualitária, priorizando a manutenção dos direitos e das
liberdades individuais.
Nesse contexto, conforme Valéria Lamego,18 surgiu, em junho de 1930, o
Diário de Notícias, propondo-se a ser mais do que um simples matutino, na
medida em que era o único órgão de imprensa que apresentava página
totalmente dedicada à educação, intitulada "Página de Educação", dirigida por
Cecília Meireles, contendo entrevistas, noticiário, artigos e uma coluna intitulada
"Comentário", na qual Cecília publicou mais de 700 textos. Ainda conforme as
palavras da pesquisadora, ―a Página de Educação dividia-se em dois planos: o
primeiro, marcado pelas digressões filosóficas e ideológicas de sua diretora, e o
segundo, voltado inteiramente para a luta política‖ (LAMEGO, 1996, p.34).
Eis um exemplo contundente do vigor do discurso ceciliano na imprensa,
permeado pelas idéias de um Brasil novo, tão caro aos intelectuais de seu tempo:
17
Com influências européias e norte-americanas, a Escola Nova foi um movimento de renovação
do ensino, ocorrido na primeira metade do século XX. No Brasil, propagou-se movido pelo
pensamento democrático de um grupo de educadores que, em 1932, redigiu e publicou o
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova.Dentre os 26 signatários desse manifesto, estava
Cecília Meireles.
18
Consideramos a leitura de sua obra A farpa na lira: Cecília Meireles e a revolução de 30 (1996)
fundamental para quem se interessa por um estudo mais específico da atuação de Cecília
Meireles no jornalismo.
29
Ainda na mesma crônica, a autora pondera que sob o influxo das ações do
governo, a escola, na condição de instituição social, não ―pôde e não soube, por
muito tempo, compreender o papel que tinha a representar‖, limitando-se a
proferir discursos marcados por uma retórica vazia e populista aos moldes dos
discursos dos governantes (idem).
19
A correspondência entre Cecília Meireles e Fernando de Azevedo encontra-se no Instituto de
Estudos Brasileiros da USP, sob o título de Correspondência passiva. A pesquisadora Valéria
Lamego (1996) reuniu algumas destas cartas em seu livro, do qual nos utilizamos para
complementar nossa análise do projeto estético-pedagógico de Cecília Meireles.
31
Por outro lado, a escritora declara também o seu temor com relação à
―confusão de idéias que, às vezes, substitui a seleção de idéias. É essa
precipitação de fatos que, às vezes, aparece em lugar do desenvolvimento de
fatos‖ (Idem.). Nesse aspecto, ela critica os ―pedagogos de última hora‖, termo
com que classifica os que se aproveitam da obra educacional em benefício
próprio.
Nas palavras da própria Cecília, ―a educação era uma das coisas deste
mundo em que acreditava de maneira inabalável‖ (MEIRELES, 1998, v.1, p.46) e,
por isto mesmo, defendia ser da responsabilidade de todos os segmentos sociais
a tarefa de defendê-la, aprimorá-la continuadamente, uma vez que ―a
responsabilidade política, na obra educacional, é ponto que não se pode perder
de vista, quando se tenta a reconstrução de uma pátria‖ (Ibidem, p. 115), pondera
a escritora.
Deste modo, na posição de jornalista, defendeu para a imprensa a função
não apenas de informar a verdade dos fatos, mas a responsabilidade de tomar
para si também a tarefa de educar, pois, segundo ela ―na vida moderna, o jornal
tende, cada vez mais, a ser, para o povo, a forma rápida e imediata de cultura e,
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20
As cartas endereçadas a Henriqueta Lisboa (1899- 1985) encontram-se no arquivo desta
escritora, sob a guarda do Acervo de Escritores Mineiros, mantido pela Universidade Federal de
Minas Gerais. As cartas de Henriqueta destinadas à Cecília não foram, ainda, disponibilizadas ao
público, mas sobre as cartas arquivadas, registramos o estudo: DUARTE, Kelen Belfenatti Paiva
C. L. Histórias de vida e amizade:as cartas de Mário, Drummond e Cecília para Henriqueta Lisboa.
Faculdade de Letras da UFMG, Belo Horizonte, 2006. Dissertação de Mestrado.
21
Além da correspondência trocada entre os dois escritores, este livro traz uma antologia de
poemas de Mário de Andrade, acompanhadas de anotações feitas por Cecília Meireles, em razão
de uma encomenda feita a ela pela Prefeitura do Distrito Federal, para homenagear o poeta
paulista no décimo quinto aniversário de sua morte. Ao final do livro, há alguns poemas de
Viagem seguidos de breves anotações feitas por Mário de Andrade, comprovando o que nos diz
Alfredo Bosi no prefácio:‖É Cecília Meireles lendo Mário de Andrade. E é Mário lendo Cecília‖
(MEIRELES, 1996, p.11).
33
Tive muita pena de não encontrar você em São Paulo, pois uma das
minhas curiosidades era o Departamento de Cultura e Recreação. Li
uma entrevista sua a respeito, e, pelas afinidades dessa obra com a que
eu mesma venho realizando no Centro de Cultura Infantil, interessava-
me senti-la de perto (Ibidem, p. 290).
22
Estas cartas fazem parte do espólio de Armando Cortes-Rodrigues, arquivado no Museu Carlos
Machado de Ponta Delgada, em Portugal.
35
Por outro lado, sua veia crítica, notadamente à sociedade capitalista de sua
época, moldada pelo consumismo, ecoa nas palavras de Cecília diante das ruas
movimentadas de Nova Iorque, durante visita da poeta aos Estados Unidos, em
1940:
23
Recomendamos conferir Ana Maria Domingues de Oliveira (2001).
37
[...] linda, entre os travesseiros, sentada como uma rainha. [...] Havia
pombos no terraço do apartamento lá do hospital, e nesse instante ela
disse: ‗Toda manhã, na hora do café, jogo miolo de pão para eles e eles
conversam comigo‘. Aí o poeta Paulo Bonfim perguntou: ‗E o que é que
os pombos dizem, Cecília?‘ Ela respondeu: ‗Ainda não sei, mais tempo
aqui, vou descobrir.‗ Foi esta a última visão de Cecília (TELES apud
NISKIER, 2007, p.9).
A cronista ainda percebe ser o despertar desse sono, dessa fadiga a que
alguns se entregam uma das funções da educação, não obstante tenha
consciência da grande dificuldade que essa tarefa engendra. É, no entanto, com
otimismo que a educadora Cecília crê na ação de despertar, pois, ―há, nessa ação
de despertar, uma beleza criadora, luminosa e forte. Fazer o homem contemplar-
41
se e querer alguma coisa para o seu destino, e trabalhar para ele, e ganhar ou
perder com uma superior compreensão (Idem, p. 60).
A ação de despertar constitui o primeiro passo no caminho de qualquer
projeto de natureza social. Neste aspecto, Cecília Meireles atribuía o imperativo
de um despertar também para a arte, na medida em que concebia a íntima
relação entre arte e vida, ambas convergindo para a educação, como
depreendemos de suas palavras, na crônica ―Arte e educação‖:
24
O espólio da obra ceciliana encontra-se sob disputa judicial, no âmbito familiar, o que dificulta o
conhecimento da biblioteca pessoal de Cecília Meireles.
42
25
Poeta que, mediante o pseudônimo de Maria Valupi, publicou cinco livros de poemas entre 1948
e1967.
43
26
As 27 cartas, coligidas na obra A educação estética do homem, escritas
em 1793 e publicadas entre setembro de 1794 e junho de 1795, apresentam-se
sob a forma de ensaios, dado o caráter reflexivo nelas contido e constituem uma
fonte valiosa para os estudos filosóficos e literários, notadamente, por
contextualizarem o idealismo e o romantismo alemães, além de nos oferecerem
um painel multidisciplinar para o estudo da arte, através de uma instigante
incursão na História, na Filosofia e na Antropologia. Nelas o ensaísta expõe seu
interesse em investigar a arte, confessando a base de seu pensamento filosófico:
não quero ocultar a matriz kantiana da maior parte dos princípios em que
repousam as afirmações que se seguirão; à minha incapacidade,
entretanto, e não àqueles princípios, fique atribuída a reminiscência de
qualquer escola filosófica que a vós se imponha (SCHILLER, 2002,
p.20).
26
Vale destacar que, pelo fato de nosso trabalho contemplar a obra de Schiller, a partir dos pontos
de convergência com algumas das idéias contidas nas Crônicas de educação de Cecília Meireles,
objeto de análise deste trabalho, utilizamo-nos apenas de algumas das cartas contidas em: A
educação estética do homem, 2002. As citações desta obra virão marcadas, no próprio texto, com
a indicação apenas da página.
27
Acreditamos que tanto para Schiller quanto para Cecília Meireles, o conceito de beleza tem sua
base em Platão, e, dessa forma, reiteramos o pensamento de Leonel Ribeiro dos Santos (1996, p.
211) quando afirma que: ―Também para Schiller, a beleza se inscreve entre o inteligível e o
46
seu mais amplo sentido. No tocante a essa aproximação, por nós estabelecida,
entre os dois escritores, vale salientar também as diferenças percebidas,
notadamente no modo como os dois projetos de educação estética foram
divulgados. Schiller produziu as cartas-ensaio dirigidas ao seu mecenas,
conferindo-lhe um caráter mais teórico, enquanto Cecília Meireles, através de sua
ação jornalística, atribuiu um sentido mais pragmático às suas reflexões, já que,
cotidianamente, atingia o público leitor do Diário de Notícias e demais jornais para
os quais assumiu a função de cronista.
O gênero epistolar, por exemplo, escolhido por Schiller para dar forma às
suas reflexões, postas num discurso não linear de alto poder sugestivo, denota
bem a presença do artista (poeta e dramaturgo) sem, contudo, apagar a reflexão
filosófica. Afinal, o autor mesmo salienta o caráter emotivo de seus textos, ao
afirmar em sua primeira carta que suas investigações exigem ―com freqüência, o
apelo não só a princípios, mas também a sentimentos‖ (p.19).
Jürgen Habermas (2002), representante da Escola de Frankfurt, considera
que as cartas schillerianas configuram ―o primeiro escrito programático para uma
crítica estética da modernidade‖, na medida em que Schiller procura harmonizar
os dois pólos da cisão provocada pela filosofia crítica: razão e sensibilidade. O
crítico destaca também o caráter utópico do projeto estético de Schiller, uma vez
que o poeta alemão ―atribui à arte uma função social e revolucionária unificadora
e ―uma forma comunicativa nas relações intersubjetivas dos homens‖ (Idem,
p.65).
Ainda segundo Habermas, a crítica feita por Schiller em A educação estética
do homem, se estende à sociedade burguesa, aos moldes de Marx: ―De um só
fôlego, com a crítica do trabalho alienado e da burocracia, Schiller se volta contra
uma ciência intelectualizada e altamente especializada, que se afasta dos
problemas do cotidiano‖ (Ibidem, p.67).
Schiller aponta nas cartas iniciais, principalmente, nas de número V e VII, a
situação sombria de sua época, fins do século XVIII, afirmando que o curso dos
acontecimentos não mais permite a satisfação através da arte idealista. A época
está entregue ao utilitarismo, ao crescimento do mercado – inclusive do mercado
da arte – e o progresso científico e técnico avança a passos largos. A ciência
alarga seus limites, diz Schiller, e estreita os da arte, como está posto na carta II,
que demonstra o descrédito do autor e, principalmente, a sua preocupação com a
desvalorização da arte, reduzida ao aspecto utilitarista:
28
Defendia-se a arete da tragédia, da comédia, da poesia, da música; a arete da filosofia ou a
arete do saber; a arete dos esportes/ginástica e a arete da política,
49
entre o homem físico e o moral. Assim, tanto o jogo quanto a obra de arte, os
quais se pautam a partir do princípio da criação, da invenção e propiciam o
exercício da memória, da imaginação e do sonho, são considerados fundamentais
a uma vida plena.
Ao defender uma educação voltada para a experiência estética, Schiller
acredita que, a partir desta experiência, nos tornamos conscientes de aspectos de
nós mesmos, os quais são reveladores de uma plenitude que, de outro modo,
poderíamos não saber existentes. Portanto, para o filósofo alemão, a educação
estética configura-se como uma atividade que tem por intenção formar o todo das
nossas faculdades sensíveis e espirituais, numa harmonia possível.
A leitura das cartas de Schiller faz crescer em nós a certeza de que a arte
tem um papel a desempenhar na formação do homem, sobretudo, via literatura.
Para tanto, é mister que se advogue a sua presença na vida humana como um
direito coletivo e dever do Estado e da educação.
Na esteira do pensamento schilleriano, Cecília Meireles dá mostras de seu
pensamento apologético em relação à educação estética, quando assim se
expressa na crônica ―Beleza‖: ―não importa que a forma seja simples, sóbria,
harmoniosa; dentro dela há um transbordamento de emoção, de idéia ou de
gozo. É a beleza, então (MEIRELES, 2001, v.1, p.37). No mesmo texto, a
cronista defende a necessidade que o ser humano tem de fruir a beleza:
Não há sofrimento maior que o das criaturas que vivem sem beleza.
Porque essas realmente serão incapazes de resistir ao peso dos
acontecimentos: falta-lhes aquele dom de tudo transformar com a força
criadora que retira do fundo das noites mais trágicas a face ressuscitada
de um novo amanhã (MEIRELES, 2001, v.1, p.37).
29
Os principais estudos da Literatura Comparada aqui no Brasil são: CARVALHAL, Tânia F.
Literatura comparada. São Paulo: Ática, 1998._______. Literatura comparada no mundo: questões
53
Esse foi o traço dominante das crônicas de Cecília Meireles, tecidas entre a
poesia e a reflexão, o sonho e a realidade, desvelando entre as coisas simples do
cotidiano, novos sentidos e sentimentos que nos levam a transcender as
aparências das verdades instituídas, e, antes de tudo, enxergar as ―pequenas
felicidades certas, que estão diante de‖ nossas janelas, numa evocação ao
aprendizado especial via literatura, como sugere em sua crônica ―A arte de ser
feliz‖, objeto de leitura de nosso próximo capítulo.
e métodos. Porto alegre: L&PM, 1997, e NITRINNI, Sandra. Literatura comparada. São Paulo:
Edusp, 2997; COUTINHO, Eduardo e CARVALHAL, Tânia F. Literatura comparada em suas
fontes. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
54
CAPÍTULO II
______________________________________________________________
DE CECÍLIA MEIRELES
―Então nos voltamos para a educação. Como um último apelo. Para que o sonho
não se perca, e se faça realidade sem deixar de ser sonho‖.
(Cecília Meireles)
55
Que melhor idéia do que essa: abrir bem o ventilador em cima dos
apontamentos de estudo do último ano, principalmente se forem do
curso secundário. Adeus teoremas, adeus leis de ótica, adeus guerras
mal contadas, adeus ciência mal aprendida, adeus química sem
experiências, adeus geografia sem viagens, adeus gramática sem vida...
Um ventilador no meio da pedagogia! Mas que idéia tiveram esses
57
30
As demais citações das Crônicas de educação, de Cecília Meireles, nosso objeto de análise,
virão, apenas com as indicações de volume e página.
58
sua condição humana, para, então, as integrar na vida social‖ (MEIRELES, 1998,
v.2, p.75).
31
O termo letramento, conforme Magda soares (2003), tem sido amplamente divulgado a partir do
momento em que o conceito de alfabetização tornou-se insatisfatório. Não basta mais saber ler e
escrever tão somente, é preciso saber fazer uso da leitura e da escrita. A partir do momento em
que as sociedades tornaram-se cada vez mais centradas na escrita e multiplicam-se as demandas
por práticas de leitura e de escrita não só na cultura do papel, mas também na nova cultura da tela
com os meios eletrônicos, é insuficiente ser apenas alfabetizado.
60
Esta reflexão de Cecília Meireles faz lembrar a educação nos dias atuais,
quando observamos nos discursos governamentais a tão propalada propaganda
―Criança na escola‖. É fato notório que houve, nos últimos dez anos, uma redução
considerável no número de crianças fora da escola, no entanto, as estatísticas da
qualidade do aprendizado, notadamente, as relativas à leitura, impressionam pelo
baixíssimo nível, como atestam os dados do PISA32 e do SAEB, 33
relativos às
últimas avaliações. Em 2007, por exemplo, o Brasil foi reprovado nas três provas
e, na avaliação de leitura, ficou na 48ª posição entre 56 países participantes.
Nessa prova, 56% ficaram apenas no nível 1, numa escala que vai até cinco, o
que significa afirmar que os alunos se restringem à capacidade de localizar
informações explícitas no texto e fazer associações simples.
Quando visitamos algumas escolas ou quando ouvimos relatos de professores,
constatamos que há uma parte numerosa de alunos juntando letras, palavras e
até frases, mas não sabendo atribuir sentidos como bem já alertava Cecília em
sua época. Mudaram os tempos, mas alguns problemas permanecem
assombrando ainda as nossas escolas.
32
O PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), instituído no ano de 2000, é um
programa internacional de avaliação comparada, que tem como principal objetivo produzir
indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais, avaliando o desempenho de alunos na
faixa dos 15 anos. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
desenvolve e coordena as ações do programa, contando com a participação de uma coordenação
em cada país participante. No Brasil, quem coordena o PISA é o INEP – Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais ―Anísio Teixeira‖. O processo avaliativo do programa ocorre a
cada três anos e consta da aplicação de um questionário socioeconômico e cultural e de uma
prova de conhecimentos que envolvem três áreas: Leitura, Matemática e Ciências. O programa
examina também a capacidade dos alunos de analisar, raciocinar e aplicar o conhecimento
adquirido em sua vida diária. Maiores informações na página eletrônica do INEP:
www.inep.gov.br/internacional/pisa/.
33
O SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), criado em 1990, realiza uma
avaliação nacional coordenada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
(INEP) e destinada a fornecer informações sobre a qualidade, a eqüidade e a eficiência da
educação básica brasileira, com ênfase na discussão dos conteúdos específicos da escola.
61
Além disso, Mário, o que nós escrevemos passa a ser outra coisa, a
cada pessoa que nos lê... E eles gostam não é do que nós dissemos,
mas do q. eles supõem encontrar, mesmo quando não exista. Você
ainda não se viu interpretado pelos seus leitores, e, mais do que isso,
adorado na interpretação que lhe ofereciam? E não se sentiu
compungido? (MEIRELES, 1996, p.300, 301).
A visão ceciliana sobre a leitura literária, exposta acima, encontra eco nos
estudos de Antonio Candido, quando este expressa seu pensamento sobre a obra
literária como um sistema vivo e dinâmico a cada leitura realizada pelo leitor:
Os versos acima deixam bem claro que na tarefa da escrita não basta
apenas conhecer os sentidos, é preciso senti-los. Na mesma linha de
pensamento, é preciso ultrapassar os limites do real, adentrando também aquilo
que está além, ou seja, a representação simbólica do mundo.
Pensei, então, em fazer passar estes contos por uma classe de quarto
ou quinto ano que desconhecendo autora, finalidade, etc., opinasse com
toda a isenção sobre o assunto. (,,,) Creio que será interessante fazê-la
e, assim, terei mais certeza ao escrever os contos que faltam
(MEIRELES, apud LAMEGO, 1996, p. 228).
A crônica ―Nós e as crianças‖ toca ainda em outra questão que deve ser
considerada pelos que fazem a educação: a capacidade recíproca de
aprendizado entre os adultos e as crianças, numa relação de confiança mútua.
Assim, afirma Cecília:
O menino poeta
Quero ver de perto
Quero ver de perto
Para me ensinar
As bonitas cousas
Do céu e do mar.
(LISBOA, 1976, p.20)
35
A escritora mineira produziu também, diversos ensaios, discursos, conferências, prefácios,
artigos de periódicos e traduções. Exerceu os cargos de inspetora de ensino de Minas Gerais e
de professora de literatura na Escola de Biblioteconomia da UFMG.
67
Uma menina perguntou-me, um dia, por que Deus não fazia árvores
azuis. Isso parece uma futilidade, mas envolve uma visão diferente da
paisagem. É uma outra paisagem, imaginada, que se faz sensível, e vem
pedir à menina as razões de sua impossibilidade (...).
Li, certa vez, num poema de um menino, esta coisa adorável: ―dei um
salto melancólico‖ (v. 5, p. 294).
Assim que a criança atinge a ―idade da razão‖, assim que perde seu
direito absoluto de imaginar o mundo, a mãe assume o dever, como
fazem todos os educadores, de ensiná-la a ser objetiva – objetiva à
36
Disponível em < http://rubemalves.locaweb.com.br/hall/wwwpctc3/newfiles/escutatoria/php>
69
37
Cf. BENJAMIN,1995, p. 71-142.
70
Essa afirmação nos transporta para o lugar ocupado pela cultura lúdica em
nossa sociedade, cujos desígnios capitalistas relegam o brincar à insignificância
das coisas inúteis, numa perspectiva que se opõe, especialmente, ao trabalho,
atividade que sustenta a movimentação do capital, seja através de mãos adultas
ou infantis.
(...)
Onde está meu anel
73
e o banquinho quadrado
e o sabiá na mangueira
e o gato no telhado?
(MEIRELES, 2001, p. 1494).
Por que motivo as crianças de modo geral são poetas e, com o tempo,
deixam de sê-lo?. Será a poesia um estado de infância relacionado com
74
Talvez a ciência pedagógica não diga tudo, se não for animada por um
sopro sentimental, que a aproxime do lirismo da vida quando apenas
começa; desse lirismo que os homens, com o correr do tempo, ou perdem
ou escondem, cautelosos e envergonhados, como se o nosso destino, não
fosse o sermos humanos, mas práticos (MEIRELES, 1979, p.28).
vivência estética, cria-se no leitor certo estado lúdico que o aproxima da criança
em seu brincar e em seu olhar desautomatizado das coisas, produzindo sentidos,
que fogem à lógica habitual. Neste aspecto, a poeta-educadora sugere: ―É
poesia que precisamos dar às crianças. Poesia natural, simples e profunda.
Radicação na vida. Visão da beleza do mundo. Amor à terra. O mais lhe virá por
acréscimo.‖ (v.5, p.353).
Cecília percebe a literatura como o ponto de partida privilegiado para o
desenvolvimento da educação estética e para a formação de leitores, pois, por
meio dela, a ficção, notadamente a sua, se integra com a realidade, na medida
em que sua matéria prima é extraída da experiência cotidiana através da
observação, da reflexão e do sonho do homem, enfim da própria vida. Nesse
sentido, pode despertar o interesse do leitor de qualquer idade. Logo, é
fundamental que sua presença seja algo permanente na educação escolar em
todos os seus níveis.
Ao refletir sobre esta perspectiva de educação estética, a escritora
distingue a função desempenhada pelos livros didáticos daquela que compete aos
livros de literatura infantil no processo educacional. Os primeiros, são livros de
aprender a ler, os livros das diferentes disciplinas. São didáticos, pois, ―o que se
tem em vista é o exercício da linguagem e a obediência a estas ou àquelas
recomendações pedagógicas‖, ficando os textos na dependência desse
mecanismo, ―sem grandes possibilidades para a imaginação‖, mesmo quando se
trata dos textos literários que, ao mudarem de suporte, sofrem, no geral, coerção
dos objetivos pedagógicos, transformando-se, muitas vezes, em meros pretextos
de conteúdos diversos (MEIRELES, 1979, p.23).
Já os livros de literatura infantil são aqueles que contêm, exclusivamente,
textos literários e que devem ser abordados como arte, como provedores de
experiências lúdicas e do prazer estético.
Na discussão sobre literatura infantil, a poeta e educadora enfatiza a
relação profunda e necessária entre poesia e educação, afirmando que "é natural
que haja entre educação e poesia uma assonância completa, uma vez que ambas
são a própria ansiedade de representar a vida: uma imaginando-a, outra
procurando cumpri-la, uma anunciando-a, outra fixando-a em realidade", (v. 4, p.
75)
76
38
Muitas pesquisas acadêmicas indicam ser a poesia um dos gêneros menos trabalhados na
escola e quando, acontece de ser levado para a sala de aula, ainda há uma resistência na leitura
oralizada do poema, sem pretextos outros que não seja a fruição estética. A este respeito, conferir
as diversas sugestões de leitura do poema contidas no livro Poesia na sala de aula, de Hélder
Pinheiro (2007).
39
Disponível em <http://www.ideducacao.org.br/index.php?p=noticias&n=35>
77
Escrever para crianças tem de ser uma ciência e uma arte, ao mesmo
tempo. Mas, desgraçadamente, entre nós, vem sendo, desde muito, uma
indústria." (...) Ciência, porque é preciso conhecer a criança, ―as íntimas
condições dessas pequenas vidas, o seu funcionamento, as suas
características, as suas possibilidades - e todo o infinito que essas
palavras comportam - para escolher, distribuir, graduar, apresentar o
assunto.
Tem de ser uma arte porque, ainda quando atendendo a tudo isso, se
não estivermos diante de alguém que tenha o dom de fazer de uma
pequena e delicada coisa uma completa obra de arte, não possuiremos o
livro adequado ao leitor a que se destina. (v.4, p.121).
Esse alguém é o escritor, ―criatura que se distingue das outras pela sua
intuição, pela sua sensibilidade, especial e pelo poder de criar, de acordo com a
vibração que lhe transmite cada ambiente‖. Estes são guiados, ―pela delicadeza
do seu tato espiritual, e pelo desejo superior de um convívio íntimo com a alma
infantil‖ (v.4, p. 121, 122).
78
Não são as coisas que saltam das páginas em direção à criança que as
contempla – a própria criança penetra-as no momento da contemplação,
como nuvem que sacia com o esplendor colorido desse mundo pictórico.
Frente ao livro ilustrado a criança coloca em prática a arte dos taoístas
consumados: vence a parede ilusória da superfície e, esgueirando-se
entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco onde o conto
de fadas vive (BENJAMIN, 2002, p.69).
Aquele inquérito de que lhe falei, sobre literatura infantil, só agora está
chegando ao fim. Creio que até o dia 15 estará terminado, com o
respectivo relatório, etc. Foi ele que me impossibilitou de me dedicar
completamente ao seu livro. Mas creio que também agora nos vai ser
bastante útil, pois, com cerca de 1500 questionários, com 12 respostas
cada um, já se pode avaliar do interesse e das disposições literárias da
nossa infância e encaminhar melhor um livro que se lhe queira oferecer
(Ibid., p.222).
80
seu poema ―A dona contrariada‖, bordou outros projetos, apesar das nuvens
turvas e dos ―ventos do oceano,/ roubadores de navios,/ e [que] desmancharam-
lhe o pano,/ remexendo-lhe nos fios‖ (MEIRELES, 2001, p.385). Entre estes
projetos destinados, direta ou indiretamente, à formação estética da criança,
destacamos o livro Problemas da literatura infantil e o seu livro de poesia infantil
Ou isto ou aquilo.
40
Outras obras dedicadas ao público infantil são: Criança meu amor (leitura). Rio de Janeiro:
Anuário do Brasil, 1923; A festa das letras (poesia/didático), com Josué de Castro. Porto Alegre:
Globo, 1937. Rute e Alberto resolvem ser turistas (matéria do programa de Ciências do 3" ano
elementar). Porto Alegre: Globo, 1939. Rute e Alberto (adap. para o ensino de Língua
Portuguesa). Boston . D.C Heath, 1945. A nau catarineta (peça folclórica para o teatro de
marionetes). Rio de Janeiro: 1946 (mimeo) Rui - pequena história de uma grande vida (biografia).
Rio de Janeiro . Livros de Portugal, 1949. Giroflê, giroflá (prosa). Rio de Janeiro: Civilização
82
poesia infantil encontrou seu caminho e seu público alvo, na medida em que
buscou focar, na criação poética, o mundo da criança, seu cotidiano e seus
interesses, de modo criativo, alegre e lúdico. Desde então, as cantigas de roda,
trava-línguas, parlendas e outros brinquedos da infância passaram a servir de
fonte de inspiração para o exercício da poesia infantil.
Brasileira, 1956. Observamos que algumas dessas obras, por terem sido produzidas com objetivos
didáticos, ainda se mantêm distantes dos aspectos estéticos e lúdicos presentes em Ou isto ou
aquilo (1964).
83
E em seguida sugere:
O educador precisa entrar em sintonia com essa escola que forma para a
vida, não apenas o aluno, mas também o próprio professor, à medida em que
alunos e professores aprendem no processo. Na esteira do pensamento de
Cecília Meireles, somos desafiados a pensar uma educação integral, formando o
homem em todas as suas dimensões e não somente na dimensão intelectual,
uma vez que, parece-nos insuficiente educar apenas o indivíduo competente e
capaz de competir e fazer parte do mercado de trabalho, como adverte Teixeira
(1999). Urge também educar e formar o homem ético, responsável, criativo,
sensível, participante de uma comunidade humana e, como tal, incidente sobre a
sua realidade social (TEIXEIRA, 1999, p. 08).
Desta forma, a Literatura torna-se um instrumento relevante e rico de
possibilidades, aberto para se trabalhar a educação da sensibilidade neste mundo
invadido pela frieza da técnica que, segundo Gilberto de Melo Kujawski, provoca a
radical desumanização do mundo (1991, p.144).
Nesta perspectiva, um projeto de educação estética, balizado a partir de
textos literários como a obra de Cecília Meireles, muito poderá contribuir para a
educação total do homem, inclusive a educação do sentimento.
O oriente tem sido uma paixão constante na minha vida: não, porém,
pelo seu chamado ‗exotismo‘ – que é atração e curiosidade de turistas,
– mas pela sua profundidade poética, que é uma outra maneira de ser da
sabedoria. Como se cristalizou em mim esse sentimento de admiração
emocionada por esses povos distantes, não é fácil de explicar em
poucas linhas. Mas foi uma cristalização muito lenta, dos primeiros
tempos da infância (MEIRELES, 1980, p.36).
Boa parte dessa meditação da Cecília viajante pode ser encontrada nos
três volumes que compõem o projeto editorial Crônicas de viagem, no qual
―existe uma teoria do viajar que é também uma teoria poética‖ conforme
Margarida Gouveia (2001, p. 112).
Cecília Meireles valorizava também as viagens que se fazem sem sair do
lugar, por isso distingue: ―há as viagens que se sonham e as viagens que se
fazem – o que é muito diferente. O sonho do viajante está lá longe, no fim da
viagem, onde habitam as coisas imaginadas‖ (MEIRELES, 1998, v. 1, p. 243).
Neste sentido, Cecília foi sempre uma viajante constante, na medida em que,
sempre procurou, principalmente através da leitura, o conhecimento de outras
culturas, de outros povos, de modo que antes mesmo de realizar concretamente
uma viagem, ela já dava sinais de conhecer o lugar, antes mesmo de lá estar.
Escolhemos um trecho em que Cecília, ao visitar a Índia, fala sobre a
Universidade de Shantiniketan, situada em Calcutá, da qual a escritora já detinha
informações e nutria uma admiração pelo notável trabalho de educação
desenvolvido nesta instituição. Eis as palavras da cronista:
A poesia se faz presente em boa parte das crônicas cecilianas, a tal ponto
que, durante a leitura, temos a impressão de que estamos lendo um poema,
tamanha é a pujança de seu lirismo que nos faz adjetivar seus textos cronísticos
de prosa poética.
Há, de modo geral, uma dificuldade na classificação da crônica, dado o
hibridismo de sua natureza de texto jornalístico e literário. Isto, todavia, não se
constitui motivo de inferioridade para a crônica, pois compartilhamos o
pensamento de Octávio Paz quando afirma que classificar não é entender nem
compreender: ―Como todas as classificações, as nomenclaturas são instrumentos
de trabalho. No entanto, são instrumentos que se tornam inúteis quando
queremos empregá-los para tarefas mais sutis do que a simples ordenação
externa‖ (PAZ, 1982, p.17).
características que perpassam toda a sua crônica de natureza diversa, dos livros
Quadrante, (1962), Quadrante II,(1963) e Escolha seu sonho, (1964), publicados
em vida, até as coletâneas: Vozes da cidade, (1965), Inéditos, (1967), O que se
diz e o que se entende, (1980), Ilusões do mundo, (1982) e Crônicas tomo I,
(1997), Crônicas de viagem I, (1998), publicadas após sua morte.
Testemunha e crítica de seu tempo, Cecília Meireles escreve também sob
a influência de acontecimentos como a Segunda Guerra mundial41 que
aterrorizava os espíritos sensíveis como o dela. Na crônica ―Oh! A bomba‖,
publicada inicialmente no jornal Folha carioca, em 11 de agosto de 1945, ela
comenta sobre a destruição de valores e sentimentos humanos, como o desejo
de ser justo, exemplo que já nem figura nas antologias; a convicção no valor das
coisas morais...; o respeito pela condição humana; a alegria de ser fraternal,
tudo isto apresentado com um afastamento da função referencial, numa
aproximação com a função poética da linguagem. Vejamos um trecho da referida
crônica: ―A bomba atômica não deve causar tanta admiração nem tanto susto.
Ela é apenas a representação plástica do que uma parte da humanidade tem
surdamente realizado, nesses invisíveis laboratórios que também somos‖
(MEIRELES, 1998, p.189).
Mesmo quando escreve para o jornal, Cecília não abre mão da linguagem
literária, conseguindo exercer a sua capacidade criativa e usar o recurso do
humor e da reflexão para captar o fato cotidiano, tornando-o mais leve e atrativo
aos olhos do leitor, de modo que a leitura transforma-se num ato de fruição e um
exercício de enriquecimento cultural. Além disso, devemos ressaltar, em
consonância com Margarida Gouveia, a profundidade reflexiva resultante das
experiências vividas e dos fatos circunstanciais presentes nos textos cecilianos:
41
Este tema é discutido por: MOURA, Murilo Marcondes de. Três poetas brasileiros e a Segunda
Guerra Mundial: Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Murilo Mendes. São Paulo:
FLCH/USP, 1998.
93
Há uma graça fluida nos comentários que ela [Cecília Meireles] vai
tecendo à margem da confusão, dos tiques, dos equívocos, dos
absurdos da vida cotidiana. Em vez de censura, o sorriso reticente, mas
suave, de ironia sem amargor. Sorriso de pena pelos que não sabem ver
43
e conviver, perturbando a vida geral
42
A partir do título A farpa na lira, estudo de Valéria Lamego sobre Cecília Meireles e a revolução
de 30.
43
A edição utilizada é: MEIRELES, Cecília. Escolha seu sonho. Rio de Janeiro: Record, 2005. As
demais citações deste livro virão identificadas com a abreviatura da obra e o número da página no
corpo do trabalho.
95
para o sonho, até atingir a pergunta final, posta entre parênteses, como num
sussurro para não acordar quem, possivelmente, já esteja a sonhar: ― Ahl... – (que
gostaria você de sonhar esta noite?)‖ (Idem).
A crônica ―Liberdade‖ encabeça o rol dos textos de Escolha seu sonho e se
constitui numa reflexão em torno da palavra liberdade. A autora destaca,
inicialmente, o alcance de tal palavra, pois sobre ela e a partir dela, muito já se
produziu: ―por ela se tem até morrido com alegria e felicidade‖, como ressalta
Cecília. O tema aparece em outras obras, mas é, nos versos do Romanceiro da
inconfidência (1953) que ele ganha vôos mais altos, na medida em que a autora
traça, no grande cenário histórico-lírico em que se entrecruzam diversas vozes,
um painel sobre a liberdade tão poeticamente definida: ―Liberdade - essa palavra/
que o sonho humano alimenta: / que não há ninguém que explique,/ e ninguém
que não entenda!‖ (MEIRELES, 2001, p.813).
Este tema ganha relevância na poética de Cecília Meireles, visível pela
recorrência tanto na obra em verso quanto em prosa, como podemos constatar,
por exemplo, ainda no início da sua atividade jornalística, quando escreveu várias
crônicas para o Diário de notícias, voltadas para a temática da liberdade. Bastante
perspicaz na observação dos anos difíceis da década de 30, e compreendendo
que ―a liberdade é um clamor do espírito‖ (MEIRELES, 2001, v.1, p.9), ela a
defende com entusiasmo, chamando-nos a atenção, na crônica ―A extensão para
liberdade‖, para as formas de escravização às quais a humanidade está
invariavelmente sendo tragada:
idéia evocada por Cecília Meireles remete-nos também ao mito grego de Ícaro,
personagem que, ao tentar galgar o espaço, suas asas derretem e ele cai.
A leitura dessa crônica nos leva a fazer associações entre as crianças, os
poetas, simbolizados, na crônica, pela figura dos ―sonhadores‖ e os loucos que
―sonharam sair de seus pavilhões, usando a fórmula do incêndio para chegarem à
liberdade, morreram queimados, com o mapa da liberdade nas mãos‖ ( E.S.S.,
p.9).
A fala dos poetas que sonham um mundo diferente ressoa como a
possibilidade de alcançarmos essa liberdade tão sonhada, afinal, a poesia é a
possibilidade do vôo, a ascensão, o levantar-se. A poesia é uma das formas
máximas de transcendência e de suprema reinvenção da realidade.
A escritora encerra sua crônica com uma reflexão sobre a linguagem, na
medida em que a referência à Babel sintetiza o caos na comunicação humana, a
partir do sentido bíblico, tendo em vista que a falta de compreensão na
comunicação entre as pessoas, apesar de todo o aparato tecnológico da
modernidade, torna os seres solitários e individualistas, fato que impede a
construção da liberdade.
É sob esta perspectiva de sentimento do mundo que as crônicas mantêm
uma atualidade e interesse surpreendentes para a leitura nos nossos dias. Em
―Tempo incerto‖, por exemplo, a autora reitera a vertente de reflexão sobre
questões que envolvem a relação do homem com o mundo, expressas em tom
melancólico e, ao mesmo tempo, indignado:
E a vocação das pessoas, hoje em dia, não é para o diálogo com ou sem
palavras, mas para balas de diversos calibres. Perto disso a carestia da
101
―Arte de ser feliz‖ talvez seja uma das crônicas mais conhecidas de Cecília
Meireles, fazendo-se presente em antologias da autora, em alguns manuais
didáticos e em páginas virtuais, como os blogs e sites44 sobre Cecília Meireles. O
fato da popularidade desta crônica, todavia, não foi determinante para que a
escolhêssemos como um dos textos a ser por nós apreciado, de modo mais
detido, neste trabalho. O que motivou a sua escolha foi o fato dela apresentar as
marcas do ideário estético e pedagógico cecilianos, espécie de síntese que
retoma as principais categorias observadas e discutidas na presente tese, tais
como: a infância, o belo (a arte) e a educação estética, particularmente, através
da literatura.
A partir do título, percebemos a noção de aprendizado que se estende por
todo o texto, o qual nos sugere que é preciso aprender através da arte, apreender
novos olhares sobre o mundo, saber olhar pelas janelas, quem sabe, aprender até
mesmo a abrir as janelas. Esta é a reflexão que a cronista apresenta ao leitor,
num tom de monólogo ou de confissão.
A propensão didática, percebida, nesta crônica, pode fazê-la confundir-se
com os textos de auto-ajuda, no sentido de que há uma formulação ligada ao
modo de se fazer ou conseguir algo, no caso, ser feliz. Compreendemos, no
entanto, que uma leitura nesta perspectiva, atrelada à auto-ajuda, não é a mais
adequada ou pode conferir um caráter muito pragmático à crônica.
A narrativa ceciliana condensa elementos básicos da crônica, tais como, a
função emotiva e referencial da linguagem, que expressam pensamentos e
emoções sensíveis da autora, na sua condição de ser que vive, sente e observa
atentamente os fatos e o espaço circundantes.
Dos seis parágrafos que constituem a organização textual da crônica,
quatro apresentam a anáfora, no uso da expressão narrativa ―houve um tempo‖,
associada à oração adjetiva: "em que a minha janela se abria..." à semelhança de
44
Quando inserimos o titulo ―Arte de ser feliz‖ no Google, encontramos aproximadamente 165.000
registros entre sites e blogs. Eis alguns dos endereços que trazem a crônica ceciliana:
http://www.jornaldepoesia.jor.br; http://www.releituras.com.br.
104
Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que
parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim seco. Era
uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e em
silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma regra: era uma espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para
as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração
ficava completamente feliz (E.S.S., p.20).
45
O termo intratextualidade, também chamado de autotextualidade, é usado na Lingüística textual
para explicar o recurso da intertextualidade ocorrida com material textual do mesmo autor. A este
respeito cf. KOCH, Ingedore G. Villaça.O texto e a construção de sentidos. 7 ed.,São Paulo:
Contexto, 2003.
108
seguinte trecho: ―Em Patna, a janela abria para um enorme terreiro. Havia flores
de ervilha de todas cores. E havia a grande mangueira sob a qual um grupo de
crianças tranquilamente ouvia as histórias que uma mulher contava‖ (Ibidem,
p.42).
Notamos nestas linhas um modo peculiar da escritora de ver/sentir o
mundo, ligado ao seu projeto estético-pedagógico, apontando para a transmissão
e troca de saberes através da arte.
No transcurso da leitura da crônica ―Arte de ser feliz‖, outra janela é aberta,
apresentando uma cena que revela a relação de Cecília Meireles com a tradição,
referenciada pela imagem de uma mulher que, à sombra de uma mangueira,
cercada de crianças, contava histórias.
Difícil não associarmos esta imagem às figuras do narrador descrito por
Walter Benjamin, seja como alguém que vem de longe, os viajantes, afinal, "quem
viaja tem muito para contar", seja como pessoas que não saem de seu país, mas
apreendem as histórias e a tradição de seu povo (BENJAMIN, 1986, p.198).
Isto nos remete à própria Cecília Meireles, cuja família foi marcada pela
presença de viajantes que saíram dos açores e aportaram em terras brasileiras,
trazendo na bagagem uma tradição cultural muito rica. Como já foi visto no
capítulo inicial deste trabalho, esta herança serviu de esteio para a formação
leitora da menina Cecília, como podemos comprovar nas suas próprias palavras:
―Quando eu ainda não sabia ler, brincava com os livros e imaginava-os cheios de
vozes contando o mundo‖ (MEIRELES, 1984, p.8). Além disso, deixou marcas
também na tessitura de sua obra, corroborando o pensamento de Benjamin: "A
experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os
narradores‖ (BENJAMIN, op. cit., p. 198).
Na condição de estudiosa do fenômeno literário, Cecília Meireles
compartilha o pensamento benjaminiano no que tange à questão do narrador,
compreendendo ela que ―o gosto de contar é idêntico ao de escrever – e os
primeiros narradores são os antepassados anônimos de todos os escritores‖
(MEIRELES, 1979, p.42).
De modo perspicaz, a cronista, em Problemas da literatura infantil, não crê
na morte do narrador, mesmo com o advento e o desenvolvimento da imprensa e
das novas tecnologias:
109
Atrelada à terceira janela, a crônica ―Arte de ser feliz‖ destaca a fruição dos
receptores das histórias narradas: ―as crianças tinham tal expressão no rosto, e
às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava
do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente
feliz‖ (E.S.S., p. 21). Esta cena evoca as palavras de Cecília quando reflete sobre
a transposição da literatura oral para a escrita:
Caminhávamos devagar,
ao longo desses dias felizes,
pensando que a Inteligência
era uma sombra da Beleza.
(MEIRELES, 2001, p.566)
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante
de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só
existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso
aprender a olhar, para poder vê-Ias assim (E.S.S., p.21).
Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica os teus braços para semearem tudo.
113
Ainda nas linhas de Cânticos, Cecília Meireles nos faz refletir sobre a
possibilidade de ver melhor e além, como está expresso nos versos abaixo:
CAPÍTULO III
________________________________________________________________
Como não li algumas de suas crônicas, não posso falar a respeito, mas
desde criança leio poemas e historinhas de Cecília Meireles infantis.
Até hoje, me emociono ao vislumbrar seus versos tão profundos que dizem
menos para dizer mais! (Cecília).
Vale destacar que a maioria revelou ter procurado o mini-curso por gostar
da poesia ceciliana. Com relação aos participantes professores, constatamos que
os mesmos não costumam levar a crônica para a sala de aula. Vejamos a tabela:
46
Aspectos percebidos tanto pelas expressões faciais dos alunos diante da leitura, quanto pelos
depoimentos colhidos após a leitura das crônicas. Alguns destes depoimentos estão transcritos e
comentados na avaliação da experiência de leitura com os alunos, bem como na parte anexa
deste trabalho.
121
ALUNO: chama a atenção a forma como Cecília faz a crítica, com uma
linguagem engraçada, humor e ironia.
47
A decisão dos alunos de participar do mini-curso se deu de forma voluntária, a partir da nossa
ida à escola e da apresentação de nosso projeto para a direção da mesma.
122
48
Através do Big Brother, esse tipo de programação, no Brasil, vem alcançando índices altos de
audiência, notadamente, do público infanto-juvenil.
124
vez mais vigente em algumas práticas escolares, pode ser considerado um dos
principais fatores do distanciamento dos jovens em relação à leitura, pois,
motivados por este princípio, alguns professores atribuem atividades escritas
após cada leitura feita, de modo que a leitura é trabalhada como pretexto.
Por outro lado, em menor número, alguns alunos responderam que
concebem a leitura como algo prazeroso, afirmando que ―ler é viajar em um
mundo mágico‖. Um dos alunos expressou que ler é ―viver situações do
personagem‖, o que denota a integração do leitor com o texto ao nível emocional.
Para estes leitores, portanto, experimentar a linguagem literária significa vivenciar
concretamente a leitura, sentir prazer, fruir seu jogo lúdico, adquirir visões sobre o
mundo e sobre si mesmo.
A esse respeito Vincent Jouve (2002, p. 20, 21) diz:
49
Vale salientar que este diálogo procurou considerar não somente as falas, mas os gestos, os
olhares, os sorrisos, enfim a expressão do corpo e da mente.
50
Todas as crônicas do corpus de leitura da presente pesquisa foram escritas para programas
radiofônicos das emissoras MEC e Roquette Pinto, nos anos de 1961 a 1663 e, posteriormente,
organizadas em antologias coletivas (Quadrante I e II, Vozes da cidade, 1965, e antologias
individuais como é o caso de Escolha seu sonho.
51
A predição é uma das estratégias metacognitivas da leitura, de base psicolingüística, consoante
K. Goodman (1987), responsável por suscitar no leitor a antecipação do que vai ser lido, ao
mesmo tempo em que o mesmo vai processando a sua compreensão. A este respeito conferir:
GOODMAN, Keneth. O processo da leitura – considerações a respeito das línguas e do
desenvolvimento. In: FERREIRO, E. e PALÀCIO, M. Os processos de leitura e escrita- novas
perspectivas. Porto Alegre: Artes médicas, 1987, pp. 11-22.
127
1º encontro
52
Todos os elementos que margeiam um texto são considerados paratextuais e o título é um dos
mais importantes e visíveis, sendo responsável pela divulgação da obra.
53
Algumas antologias foram editadas a título de paradidáticos como: Janela mágica e Giroflê,
giroflá, pela editora Moderna
128
proporcionado pelo poético, que somos seres livres, pois a maior liberdade
concedida aos homens é a de sonhar.
Antes de realizarmos a leitura, propriamente dita, da crônica, no primeiro
encontro de leitura com os alunos da Escola Moreira de Sousa, realizamos a
predição a partir do título, através da qual colhemos apenas duas colocações
diferentes: de um lado, a idéia de ―infância destruída‖ e de outro, o esquema em
que ―uma pessoa revoltada queima seus brinquedos‖.
Tendo em vista que a estratégia da predição, necessariamente, não
implica em confirmação do tema a ser trabalhado pelo texto, consideramos que os
dois exemplos são significativos porque trazem, de um lado a aproximação
metonímica feita pelo primeiro aluno ao relacionar ―brinquedo‖ à infância e, por
outro lado, o segundo aluno ao fazer referência à revolta, traz subjacente a idéia
de violência, presente no nosso contexto social de forma bastante intensa,
certamente, em alusão à palavra incêndio.
Consideramos que esta etapa inicial rendeu muito pouco, o que
relacionamos, de certa forma, ao fato de ser este o nosso primeiro encontro com
a turma de alunos, por não trabalharmos na escola e, sobretudo, pela prática
cotidiana, ainda existente, do aluno falar pouco sobre o texto, pois, na maioria das
vezes, ele considera ser o professor aquele que detém a autoridade e o
conhecimento sobre o texto. Vale considerar que em muitos casos, é o próprio
professor que ajuda a consolidar a idéia da ―superioridade‖ de sua voz em relação
à voz do aluno.
A despeito da pouca participação, observada, neste primeiro encontro, não
desistimos da estratégia de predição, pois acreditamos que ela é profícua em
termos de aquecimento para o jogo com o texto, quando esperamos que,
efetivamente, o aluno assuma seu papel de leitor e jogador.
Ao serem indagados sobre os sentimentos despertados na leitura de
―Brinquedos incendiados‖, de imediato, um dos alunos expressou que havia
sentido tristeza. Questionado sobre o porquê de tal sentimento, ele fez referência
ao final da crônica, fazendo a leitura em voz alta do último parágrafo. Vale
destacar que, neste trecho, Cecília metaforiza a morte através do incêndio dos
brinquedos, podendo aludir à dura aprendizagem que se faz através da
experiência da perda, algo inerente à condição humana.
130
Vale salientar, inclusive, que essa parte final foi indicada pela maioria do
grupo como a parte de que mais gostaram, porque ―é a parte que mais mexe com
a fantasia, a poesia‖, conforme a fala de um dos alunos. Além disso, podemos
vislumbrar nessa colocação, a expressão da emoção do leitor despertada pela
crônica, remetendo às palavras de Vincent Jouve quando afirma que:
54
Adotamos a definição das funções da literatura, segundo proposição de Antonio Candido no
ensaio A literatura e a formação do homem (1999).
55
O termo ―devaneio‖ é aqui utilizado segundo a ótica de Gaston Bachelard (1988), que concebe o
devaneio (réverie) incorporado à imaginação poética, tendo na realidade sensível do mundo, o
seu ponto de partida, a partir da influência da terra, da água, do ar e do fogo.
131
2º encontro
56
Em nota editorial, o crítico Darcy Damasceno informa que Ilusões do mundo é uma versão
ampliada de Inéditos (1967) cujas crônicas tinham sido escritas para programas radiofônicos, nos
anos de 1961 a 1963.
132
Figura 1
fonte: <http://www.apenas_mais_um.blogger.com.br/anjo%20no%20escuro.jpg>
133
Mediadora:
O que essa gravura sugere a vocês:
Alunos:
―O céu estrelado.‖
―um anjo‘
―Aqui dá pra perceber que o sol vem nascendo porque lá no finalzinho tá
ficando mais claro.‖
Mediadora:
O que essa imagem faz vocês lembrarem; ela faz vocês lembrarem de
alguma coisa em especial; alguma coisa que vocês viveram, que vocês
viram?
Alunos:
Lembra tristeza.
Pra mim faz pensar mais na reflexão, como um momento em que você
está sozinha em um local, observando o que você mais gosta, no caso,
eu acho que ele gostava mais de observar o luar, pensando na vida, pra
mim é isso.
Eu acho que ele tá aí porque aí é calmo, e pode pensar um pouco.
Mediadora:
Com essa primeira leitura, em voz alta, todos lendo, vocês conseguiram,
já, atribuir alguns significados a esse texto? Já são capazes de dizer os
sentidos com que esse texto trabalha?
134
Alunos:
―O que vem na minha cabeça é que o guarda era o anjo da figura,
observando a lua, o céu e o mar.‖
―Como se fosse o anjo da guarda.‖
―Ele é o anjo da guarda da rua.‖
Aluno: um anjo sendo guarda.
Aluno: não concordo, pois como diz aqui no final do texto na última linha,
ele é ―anjo porém armado‖. Eu acho que ele não é anjo não, porque está
armado e arma lembra bala, morte. Ele pode muito bem confundir o
cidadão com o bandido. Acho que tem dois sentidos aí.
Aluno. É. Tem dois sentidos. Anjos têm vários sentidos. (Lê mais uma
vez a última frase).
57
As transcrições dos textos escritos pelos alunos mantiveram a escrita original sem nenhum tipo
de correção.
135
tarde nas ruas. Também levava nós adolecentes para casa quando tinha
festas nós marcava hora com o tio Zé. A atenção que ele nós dava era
maravilhosa. Até já aconteceu uma vez que eu e a minha sobrinha vinha
de uma novena e vinha um cara que ia assaltar ajente e o seu Zé via e
quando o rapaz anunciou o assalto o seu Zé pegou ele e levou, ele para
a delegacia (Thais).
Bem eu achei esta crônica muito realista, pois ela lembra o que acontece
com a gente mesmo, nesta crônica eu senti um texto suave tranqüilo de
se ler e bom de se ouvir. Este texto me lembrou dos guardas que ficam
rondando pela a noite ―protejendo‖, dos perigos que acontece. Anjo da
noite, pra mim significar 1º anjo tem dois sentidos, pois existe o anjo do
bem e existe o anjo do mal, ele pode nos proteger. Bem foi isso que eu
entendi sobre esta crônica (Anjo da Noite) (Lourdes).
O texto fala do anjo da noite; a palavra anjo da noite ela pode ter dois
sentidos. O primeiro: Fala do anjo, o anjo protege ele guarda, livra do
mal. O segundo sentido: Fala que ele é um anjo da noite que protege,
mas que arma.
O guarda pode ser um anjo mais também pode ser um anjo da
escuridão, ou seja um anjo das trevas. Porque apesar de ele ser um
anjo, ele pode matar uma pessoa, mesmo que ele não queira.
O texto resalta que à noite, o mundo é bonito. Ele quis dizer que à noite
não lembra só sono, ou dormir, mais também relata que existe muito
sonhos, existe ainda pessoas que sonham. Fala que até os doentes
parecem mais felizes.
Por isso seja feliz apesar da escuridão que você tiver na sua vida!!!
(Luana)
Para mim esse texto fala sobre o poder que os homens tem de proteger
o mundo; mas muitas vezes, o próprio homem acaba abusando desse
poder usando armas ou coisas que passam destruir o mundo. O próprio
homem, não percebe, que a vida é tão bela, tão magnífica, tão
importante; e acaba destruindo a paz que tanto prezamos e amamos. O
titulo para mim, Anjo da noite, relata como um homem pode mudar o
rumo de uma vida, um lar, uma noite (Anderson).
3º encontro
58
A citada crônica faz parte da antologia Escolha seu sonho, cuja 1ª edição é de 1964.
137
emitirá sua opinião sobre o tema, sem envolver-se afetivamente com as idéias
postas.
Essa suposta objetividade dominante começa a se enfraquecer, logo em
seguida, quando Cecília, à maneira de um aviso ao leitor diz: ―quem se quiser
distrair não precisa ir à Pasárgada do Bandeira nem a minha Ilha do Nanja; não
precisa sair de sua cidade, talvez nem da sua rua, nem da sua pessoa‖ ( E.S.S.,
p.13), concluindo o pensamento com uma idéia entre parêntese que manifesta
uma voz em off, numa espécie de comentário a meio tom, o qual traz para a cena,
a presença de uma primeira pessoa pluralizada: ―(Somos engraçadíssimos,
também, com tantas dúvidas, audácias, temores, ignorâncias, convicções...)‖
(idem.).
Na verdade, todo texto, o qual terá sua temática melhor explicitada a partir
do terceiro parágrafo, se constrói na confluência entre o discurso objetivo e o
subjetivo. Não seria esta uma característica da crônica? Certamente, em especial,
quando se refere à crônica de Cecília Meireles.
Em linhas gerais, ―Mundo engraçado‖ centraliza seu foco de interesse na
crítica ao comportamento humano, marcado pela presença de dois tipos: os
mentirosos e os posudos.
Quanto à leitura da crônica pelos alunos da escola Moreira de Sousa, ao
iniciarmos com a predição, alguns desses jovens leitores lançaram a hipótese de
que o texto poderia ser ―uma piada sobre o mundo‖, idéia que foi descartada
quando lembramos a eles que a crônica e a piada são dois gêneros textuais
bastante diferentes. Assim, quando perguntamos o que podia ter deixado a
crônica engraçada, um dos alunos respondeu: ― O modo como se lê o texto‖.
Sem descartar essa possibilidade de leitura, pois sabemos que a
enunciação pode interferir sensivelmente no sentido do texto, posteriormente,
percebemos que escapou aos alunos e a nós, naquele momento, a idéia de que o
modo como se escreve um texto, voltado para certo tom como o humorístico ou o
irônico, pode deixar o texto engraçado.
Após a leitura da crônica, os alunos perceberam que o predicativo de
mundo não se ligava ao engraçado que provoca o riso, outrossim, à idéia de que
o mundo dos homens possui cada coisa estapafúrdia que só vendo para
acreditar. A esse respeito, um dos alunos diz:
138
Aluno: pousudo é metido à besta, quer ser o que não é, deixa de comer
pra escovar o cabelo. As patricinhas.
Aluno: Os políticos.
Aluno: Esse texto aqui se baseia mais nos políticos, eles são mentirosos,
mas não posudos. Por exemplo, quando eles usam um óculos e
quebram, eles compram um outro mais bonito ainda.
Aluno: aqui se diz que uma das qualidades dos posudos é andar com os
bolsos cheios do dinheiro que não é deles e os políticos andam com o
dinheiro que não é deles.
139
4º encontro
59
Publicada inicialmente no jornal Folha de S. Paulo, em 11 de julho de 1948. Compõe também o
volume Melhores crônicas: Cecília Meireles (2003).
140
Logo que uma noção humana toma forma de palavra — que é o que dá
existência às noções — vai habitar o Dicionário. As noções velhas vão
ficando, com seus sestros de gente antiga, suas rugas, seus vestidos
fora de moda; as noções novas vão chegando, com suas petulâncias,
seus arrebiques, às vezes, sua rusticidade, sua grosseria (Idem).
141
Vimos, nas páginas anteriores deste estudo, o quanto Cecília Meireles fez
uso da palavra ao longo de sua trajetória profissional, seja na forma de versos e
na de prosa poética, seja no ensaio e nas conferências em torno dos assuntos
literários, educacionais, folclóricos, dentre outros. Desta forma, a apologia que ela
faz ao dicionário torna-se, antes de tudo, uma defesa da própria palavra na sua
condição de elemento de comunicação e de criação literária, abrindo-se como
―porta para o infinito‖,60 na expressão de Guimarães Rosa.
À semelhança do interesse e preocupação de Cecília Meireles pela criação
literária, aflora também o pendor para a reflexão sobre o ensino. Nesta crônica, a
autora lamenta a falta de aproximação afetiva da criança em relação ao dicionário
que, de forma metonímica, representa a literatura, como podemos constatar no
seguinte trecho:
.
Na mesma linha do pensamento acima, encontramos, no livro Problemas
da literatura infantil, outra alusão à força instrutiva e poética do dicionário:
Mas um livro existe que ainda não foi aqui referido, e merece lugar
proeminente nas bibliotecas infantis: o dicionário ou a enciclopédia. Não
há outro mais instrutivo nem poético, apesar da aparente severidade, e
se for tratado com ternura. Porque é preciso uma ternura, para tratar os
livros, como se fossem pessoas (MEIRELES, op. cit., p.116).
60
Expressão usada pelo escritor em entrevista a Günter Lorenz, publicada no 1º volume de sua
Ficção Completa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1994, p.47.
142
Mediadora: O texto que nós vamos ler hoje tem a ver com a dinâmica
que fizemos. A crônica começa assim: ―Qual o livro que você levaria para
uma ilha deserta? Podem falar nome de livros, podem se referir a
gêneros, etc.
Aluno: Policial.
Elas surgiram para expressar melhor o que a gente sente. Antes de criar
as palavras eles se expressavam com desenhos e agora a gente se
expressa com palavras. É tanto que se você fala uma palavra feia pra
alguém, fica magoado, é como um tapa na cara.
Aluno: Porque ela viaja dentro do dicionário. Ela lê cada palavra e seu
significado e ela imagina praticando aquela palavra...
Mediadora: O que mais?
Aluno: Eu acho que a pessoa tem que ler o livro que se sente bem. Ela
se sente bem lendo o dicionário.
Aluno: Do mesmo jeito que ela levaria o livro para uma ilha deserta
porque dentro do dicionário ela viajaria mais pelo universo e como o
titulo é O livro da solidão é porque quando a pessoa está solitário e tem
um dicionário na mão, ela pode viajar muito mais dentro do dicionário do
que em qualquer livro.
Mediadora: Como é que é feita essa viagem? Como é que ela viajaria?
Aluno: No pensamento, na imaginação.
5º encontro
Não sei o que se passou para que a Ilha do Nanja começasse a chamar
por mim com tanta veemência. Ou eu por ela. De repente, sentia-me
solicitada pelo seu refúgio: era a minha barca e a minha cabana, meu
bosque de oráculo e minha palavra de proteção. Que incríveis coisas se
me têm feito presentes, para que a ilha do Nanja chegue a parecer um
exílio feliz? (MEIRELES, 1982, p.114).
62
Estes textos encontram-se nas seguintes obras:Ilusões do mundo (1982), Inéditos (1967) e
Melhores crônicas: Cecília Meireles (2003).
63
Nanja está presente também nas crônicas: ―A Ilha do Nanja‖, ―Saudades da Ilha do Nanja‖ e
―Férias na ilha do Nanja‖.
148
ALUNO: [Nanja é] o que todos queriam que fosse pelo menos a maioria.
Só que hoje, as pessoas estão esquecendo o que é o verdadeiro natal.
ALUNO: muitos acham que o natal é só ganhar presente, mas não é só
isso.
Sim, porque com os encontros eu perdi parte a vergonha que eu tinha de ler
em publico (Everton)
Sim. Porque eu aprendi a ler melhor, aprendi sobre uma autora que eu
nunca tinha ouvido fala. Li poemas legais escritos por Cecília Meireles, eu
gostei muito e gostaria de voltar no próximo ano (João)
Foram muito bons, pois aprendi a interpretar textos. Sim, porque antes de
começar o curso, eu não conseguia interpretar textos, ou seja não fazia
boas leituras porque não conseguia entender (Camila).
Três aspectos nas falas dos alunos nos chamam a atenção: primeiro, a
perda da vergonha de ler em voz alta para um determinado público; segundo,
saber interpretar e terceiro a idéia de aprender a ler melhor.
A respeito do desconhecimento das crônicas e da própria autora, por parte
dos alunos, consideramos um ponto que favoreceu, de certo modo, a recepção
das crônicas de Cecília Meireles, pois, conforme dizem as pesquisadoras Bordini
e Aguiar, o contato com o novo é tão importante quanto à experiência com o
64
O questionário dado e as respostas dos alunos encontram-se em anexo, no final deste trabalho.
151
Nunca tinha nem ouvido o nome de Cecília Meireles agora que conheço
mesmo ela não estando pessoaumente aqui gostei muito das historias dela
aliás nós se prestarmos atenção ela está nos livros (Thiago).
Bom, não está tão bem, porque aqui no Joaquim Moreira a leitura não está
bem os alunos tem medo de ler e gaquejar. E de repente o professor não
deixa o aluno ler e dificulta.(Ângela)
Ainda é um pouco precária pois muitas alunas não querem ler (...). Falta
incentivação (Chislândia).
65
Cf.<http://www.webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/modulo5/e1_anexo.19.html>
156
66
Não daremos destaque à grafia das palavras de origem inglesa, presentes neste capítulo, como
weblog, site, link, etc, por considerarmos que as mesmas já foram incorporadas ao universo da
comunicação eletrêonica e virtual.
67
HTML expressão inglesa HyperText Markup Language, que significa Linguagem de Marcação
de Hipertexto, utilizada para produzir páginas na Web.
68
Link é uma ligação ou passagem por meio da qual se pode saltar para outra parte na mesma
página, site ou qualquer outro recurso disponível como: imagens, áudio, vídeo, etc.
157
recursos são muito utilizados por poetas iniciantes ou não que, a título de
divulgação, exibem as leituras de seus textos.
pesquisa virtual, através do Google,69 que há milhares de blogs e sites que fazem
referência à sua vida e à sua obra, em especial à obra em versos.
É preciso salientar que a construção de nosso blog ―Navegando com
70
Cecília Meireles‖ não teve o interesse de aumentar as ocorrências referentes à
escritora. Como parte de nossa pesquisa de doutorado, este blog foi orientado
pelos interesses de divulgar a crônica de Cecília Meireles e analisar, na medida
do possível, a recepção das crônicas da poeta-educadora pelos leitores
navegadores. Associado a estes objetivos, pretendemos também ampliar e
diversificar o leque de leitores para as crônicas de Cecília Meireles, ao mesmo
tempo em que ressaltamos a importância dos novos suportes para a formação de
leitores.
A leitura das crônicas de Cecília Meireles através do blog – diferentemente
da leitura no ambiente escolar ou acadêmico, que quase sempre é avaliada, como
lembra Magda Soares (1999), prestando-se ainda a interesses pedagógicos
diversos, sobretudo voltados à aprendizagem metalingüística –, permitiu uma
interação texto/leitor com mais liberdade, marcada pelo simples prazer da leitura.
Isto porque o leitor não tinha a obrigação de preencher fichas de leitura,
questionários ou outros instrumentos avaliativos. Antes, ao se deparar com o
blog, tinha a total liberdade de ler ou não os textos e, caso desejasse efetuar a
leitura, poderia escolher, entre os textos disponíveis, aquele(s) que
despertasse(m) o seu interesse de leitura. Além disso, apesar de haver, na
introdução do blog, um convite à leitura, com sugestões para que os internautas
deixassem seus comentários, relativo(s) ao(s) texto(s) lido(s), o leitor poderia, por
conta própria, decidir somente ler e não comentar. Há que ressaltar ainda o fato
de que o leitor, caso quisesse, poderia preservar sua identidade, utilizando-se de
um pseudônimo.
A liberdade suscitada pela leitura do blog se estende também à ausência
de um mediador, diferentemente da experiência com o grupo de alunos, no qual
estivemos pessoalmente, orientando a leitura, sugerindo, fazendo perguntas. Isto,
69
Principal site de busca na internet. Ao acessá-lo, utilizamos a palavra-chave ―blogs sobre Cecília
Meireles‖ para busca em toda a web e constatamos o resultado de aproximadamente 151.000
registros. Restringindo a busca para páginas em língua portuguesa, encontramos 140.000
registros e limitando a pesquisa para somente páginas no Brasil, o número baixa para 33.000.
70
Existe uma tendência no mundo virtual em valorizar as estatísticas, notadamente com relação
ao número de visitantes de um site, blog, fotoblog ou do número de pessoas adicionadas ao Orkut
e similares
159
contudo, não impede que haja uma interação entre os leitores e a pessoa que
criou o blog, na medida em que este responde ao comentário enviado pelo leitor.
Existe também a possibilidade dos leitores comentarem os textos uns dos outros,
formando uma rede de trocas de experiências.
Assim, embora estivéssemos cientes das possíveis conseqüências que
essa liberdade poderia trazer para esta pesquisa, uma vez que dependeríamos
dos comentários postados para averiguar a interação do leitor navegador com o
texto de Cecília Meireles, estávamos apostando na idéia de que a leitura literária
deve ser orientada pela liberdade e pelo prazer. Por isso, escolhemos o blog
como ferramenta para pôr em exercício entre os leitores internautas a prática da
leitura espontânea, acalentada pelo prazer do texto.
71
―Navegando com Cecília Meireles‖ foi formatado no dia 11 de outubro de
2007 e até março de 2008, registramos 460 acessos ao blog, com 37
comentários72 aprovados, os quais são tomados como objeto de apreciação,
neste capítulo.
A primeira crônica postada foi ―Primavera‖, introduzida por um pequeno
texto explicativo sobre os objetivos do blog, seguido de um convite ao leitor para
navegar nos textos cecilianos. Logo abaixo, inserimos uma imagem com quatro
73
fotografias de flores diversas, como um paratexto à crônica que se seguia.
Dos cinco comentários que recebemos para a crônica ―Primavera‖, três
expressam, tão somente, elogios ao blog, enquanto os outros dois tecem
comentários ilustrativos dos efeitos provocados pela leitura do texto, como
podemos constatar pelos comentários das leitoras cearenses, Marlúcia, da cidade
de Ocara e Menina-flor, de Fortaleza.
A dualidade de sensações e sentimentos aflorados pelo texto de Cecília é o
foco central do comentário da leitora Marlúcia que, assim, se expressou sobre a
71
Das oito crônicas publicadas no blog, apenas ―Anjo da noite‖, postada em 13 de outubro de
2007, não recebeu nenhum comentário dos leitores navegadores.
72
A participação dos leitores navegadores foi registrada na forma literal dos comentários enviados,
sem correções gramaticais e conservando a forma abreviada de algumas palavras, forma peculiar
a muitos internautas.
73
Procuramos inserir, no blog, algumas imagens anexadas antes ou após a escrita da crônica,
tendo em vista que o recurso visual é um dos componentes fundamentais para este tipo de
comunicação. O blog poderá ser visto em páginas impressas no caderno de anexos que
acompanha este trabalho.
160
A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem
acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação
do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas
criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a
preparar sua vida para a primavera que chega. Finos clarins que não
ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das
raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria
de nascer, no espírito das flores (...) (MEIRELES, 1998, p.366).
74
Entendido como qualquer experiência estética que desperte o estado poético no leitor, seja
literária, musical, plástica e outras.
162
Seres que olham a janela de um ângulo tão difícil. Difícil somos nós e a
forma de analisar tudo ao nosso redor. Na maioria das vezes, nossos
olhos só veêm o que é imperfeito ou até mesmo o que não é feito para
nós. Já outros que tiram a janela, vivem entre quatro paredes, são
aqueles que fecham os olhos para o mundo e olham só para si (Kélvia).
O outro comentário para a crônica ―Arte de ser feliz‖ foi enviado pelo leitor
navegador João Felipe, de Fortaleza, que revelou a sua alegria ao se deparar
novamente com a crônica:
Fiquei muito feliz ao encontrar este texto no seu blog, pois ele lembra os
meus tempos de estudante da 8a série, período em que li pela primeira
vez este texto levado pela professora de Português. Na época eu pensei
que fosse uma poesia. Gostei muito do modo como a autora vai falando
das coisas q vê durante as fases de sua vida. Isso desperta em mim a
certeza de q é preciso realmente saber olhar tudo com afeto para poder
enxergar a beleza q existe no mundo. Acho q o texto tb desperta a idéia
de solidariedade qdo fala do homem regando a planta, isto é fazendo
sua parte para a manutenção da vida.
perdendo algo que eu gostasse. Ela é muito legal,e vale a pena ler varias
vezes!!! Gostei muito!!! (Bárbara,11 anos)
Liberdade, um tema muito discutido por todos mas como a autora muito
bem coloca a liberdade esta nas escolhas e no que você acredita ser a
liberdade (Line).
Todos tem o seu livre arbítrio mas tudo tem os seus limites,como: você
por sua vontade própria pode matar, poder pode, mas não deve!!! É
como se um garoto estivesse atrás de uma pipa que estivesse caindo e
atravessaria a rua sem olhar para os lados e isto lhe custaria á vida,ou
uma pessoa dirigir bêbada.Todas as pessoas tem a sua liberdade mas
tem que usar ela de um modo certo e não de outro que possa lhe
prejudicar.
O leitor Ailton José, por sua vez, não generalizou, pois fez a distinção entre
os políticos ―que são acreditáveis e aqueles que mentem por convicção‖. Com
relação a estes, as palavras de Ailton são incisivas no que tange ao poder de
convencimento: ―Eles falam com tanta seriedade que o eleitor ignorante acredita
na sua versão. Eles transformam seus amigos em poderosos e influentes
assessores, com muito poder de barganha‖. Neste aspecto, o leitor navegador
salienta o efeito em cadeia que o comportamento destes políticos mentirosos e
posudos provoca em quem os rodeia: ‖Os posudos são os cabos eleitorais, eles
passam a ser tão mentirosos quanto o candidato, fazem promessas iguais ao
político que apóiam‖.
As crianças têm essa qualidade admirável: sabem ver a vida com uns
olhos puríssimos, que tiram os limites do espaço, do tempo, das
personalidade, e reduzem tudo a um jogo maravilhoso, a um baile do
espírito muito diverso deste baile de máscaras em que lá vamos dia por
dia.... (MEIRELES, 2001, v.01, p.209).
Ah, como a gente viaja nas palavras de Cecília Meireles. Como me sinto
leve ao mergulhar na imaginação que o seu texto provoca. e como é
preciso continuar com nossos sonhos para que a beleza de viver
permaneça. Obrigada por divulgar estes textos neste blog maravilhoso.
quando criança, como exemplifica a própria Cecília: ―Quando eu ainda não sabia
ler, brincava com os livros e imaginava-os cheios de vozes, contando o mundo‖
(MEIRELES, 1979, p.8).
Concernente à idéia de viagem, o comentário da leitora Janaína, de
Fortaleza, mescla duas das muitas formas diferentes de viajar: a viagem no tempo
e na imaginação.
―A ESPERANÇA DA CONTINUAÇÃO”
______________________________________________________________
(Cecília Meireles)
178
CONCLUSÃO
pessoal com que a autora revela sua experiência diante do mundo que a
circunda. Diversos recursos, como o ritmo, imagens, aliterações, anáforas dentre
outros, cruzam-se nos fios de palavras, compondo um tecido poético que dialoga,
muitas vezes, com sua obra em versos. Acrescentemos a isso, o fato de que
Cecília Meireles, atendendo às particularidades da crônica, escreve também sob
a inspiração de acontecimentos da época, utilizando-se do humor e da reflexão
para captar o fato cotidiano, tornando-o mais leve e atrativo aos olhos do leitor.
Esses atributos são responsáveis, de certa forma, pela boa recepção das
crônicas de Cecília Meireles por leitores diversos, possibilitando, ao gênero, um
maior espaço nas aulas de leitura e de literatura. Acreditamos que o poder de
sedução das crônicas dessa escritora, junto aos leitores, se evidencia, sobretudo
quando o professor chama a atenção dos leitores para a forma organizacional, os
aspectos argumentativos, bem como para os jogos de imagens que tanto
propiciam a interação leitor/texto, sem dirigir, no entanto, a interpretação do texto.
A interação texto-leitor se deve também ao fato de que Cecília Meireles,
através de sua vocação múltipla, conjuga, em suas crônicas, arte e humanização,
evidenciando seu compromisso estético e a sua preocupação com tudo o que diz
respeito à vida humana. Além disso, seus textos, à semelhança de ―janelas‖
abertas, nos apresentam diferentes modos de ver as pessoas e o mundo, num
convite constante ao exercício do olhar e do aprender. Foi o que pudemos
constatar com as duas experiências de leitura que realizamos junto a dois grupos
de leitores: os leitores escolares e os leitores internautas.
No primeiro caso, consideramos que levar as crônicas de Cecília Meireles
para que jovens estudantes as lessem de forma prazerosa, voluntária e sem
nenhuma atividade avaliativa atrelada foi uma experiência bastante significativa,
porque oportunizou, inicialmente, o acesso desses leitores aos textos cronísticos
de Cecília, haja vista, que eles ainda não os conheciam. Além disso, nos
possibilitou a análise da recepção dos textos por leitores distanciados no tempo e
no espaço da escrita das crônicas, revelando uma interação que aponta para a
atualidade e beleza desses textos.
A experiência de leitura no blog ―Navegando com Cecília Meireles‖, por sua
vez, possibilitou momentos únicos de reflexão e fruição estética, tanto para nós
que organizamos o referido blog, como para alguns daqueles que o acessaram.
184
BIBLIOGRAFIA
DE CECÍLIA MEIRELES
MELLO, Ana Maria Lisboa de (Org.). Cecília Meireles & Murilo Mendes.
(1901/2001). Porto Alegre: Uniprom, 2002, 380 p.
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Meireles. São Paulo: Humanitas, 2001.
GERAL
ASSIS, Machado de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992, v.2.
190
BOSI, Alfredo. Céu, inferno. Ensaios de crítica literária e ideológica. 2. ed. São
Paulo: Livraria duas cidades/Editora 34, 2003.
_______ Machado de Assis - O enigma do olhar. São Paulo, Editor Ática, 1999.
________. O ser e o tempo na poesia. 6 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
2000.
Coordenação Carlos Susekind, Tradução Vera da Costa e Silva et. al, Rio de
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COELHO, Marcelo. Notícias sobre a crônica. In: CASTRO, Gustavo de &
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COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil: das
origens indo-européias ao Brasil contemporâneo. 4. ed., rev. São Paulo: Editora
Ática, 1991 (Col. Série Fundamentos, 88).
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ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1987 (Col.
Teses, 1).
ANEXOS
________________________________________________________
ANEXO 01
198
8. C. Patrícia (13 X X
anos)
ANEXO 02
Ler é Ler é sair da Ajuda a ter Ler é Entrar num Estar Viajar
Alunos entender ignorância ou sucesso aprender mundo de informado e
aprender nos estudos a escrever descoberta arte
algo e na vida
Sheila X
(14)
Isabela X X
(12)
Lourdes X
(15)
Alex x
(13)
Weyne X
(15)
Ana X X
Luíza
(16)
Leslyê X
(16)
Patrícia X
(13)
Sara X
(14)
Taís X
(14)
Luana X X
(15)
Ivina X X
(13)
Martins X X
(16)
Marinéli X
a (19)
Clevison X
(14)
Bruna X
(14)
Denis X
(13)
ANEXO 03
200
FRENQUENTAM A BIBLIOTECA
ANEXO 04
ANEXO 05
201
ANEXO 06
202
ANEXO 07
ANEXO 08
FRENQUENTAM A BIBLIOTECA
ANEXO 09
ANEXO 10
BLOG
NAVEGANDO COM CECÍLIA MEIRELES
07/02/2008
CRÔNICA 08 ESCOLHA O SEU SONHO
Caros leitores,
Vocês já imaginaram a vida sem o sonho? Cecília Meireles nos faz acreditar que é preciso sonhar
para podermos viver melhor. Por isso, iniciamos o ano de 2008, divulgando a crônica ―Escolha o
seu sonho‖. Após a leitura, reiteramos o convite para que vocês falem das leituras, das suas
reações diante dos textos e, até mesmo, dos seus sonhos.
Abraços,
Valdênia
Escrito por Maria Valdênia às 13h04 [ (7) Vários Comentários ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
08/12/2007
VISÃO DE CECÍLIA SOBRE O NATAL
Compras de Natal
um sabonete em forma de flor (que nem se possa guardar como flor nem usar
como sabonete), e cobra-se pelo adorável conjunto o preço de uma cesta de
rosas. Todos ficamos extremamente felizes!
MEIRELES, Cecília. Janela mágica.3 ed., São Paulo: Editora Moderna, 2003, pp. 54-56.
Na Ilha do Nanja, pelo Natal, todos vestem uma roupinha nova — mas
uma roupinha barata, pois é gente pobre — apenas pelo decoro de participar de
uma festa que eles acham ser a maior da humanidade. Além da roupinha nova,
melhoram um pouco a janta, porque nós, humanos, quase sempre associamos à
alegria da alma um certo bem-estar físico, geralmente representado por um
210
Escrito por Maria Valdênia às 12h22 [ (3) Vários Comentários ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
13/11/2007
211
Mundo Engraçado
Cecília Meireles
papel que não existe, um editor que ainda não nasceu e um leitor que terá de sofrer
várias encarnações para ser digno de o entender.
Em geral os mentirosos são muito agradáveis, desde que não se tome como
verdade nada do que dizem. E esse é o inconveniente: às vezes, leva-se algum tempo
para se fazer a identificação. Uma vez feita, porém, que maravilha! – é só deixá-los
falar. É como um sonho, uma história de aventuras, um filme colorido.
Há também os posudos. Os posudos ainda são mais engraçados que os
mentirosos e geralmente acumulam as funções. O que os torna mais engraçados é
serem tão solenes. Os posudos funcionários são deslumbrantes! Como se sentam à
sua mesa! Como consertam os óculos! Que coisas dizem! As coisas que dizem são
poemas épicos com a fita posta ao contrário. Não se entende nada – mas que
diapasão! que delicadas barafundas! que sons! que ritmos! Seus discursos e as palmas
que os acompanham conseguem realizar o prodígio de serem a coisa mais cômica da
terra pronunciada no tom mais sério, mais grave, mais trágico – de modo que o
ouvinte, que rebenta de rir por dentro, sofre uma atrapalhação emocional e consegue
manter-se estático, paralisado, equivocado.
Os posudos, porém, são menos agradáveis que os simples mentirosos. Os
mentirosos têm um jeito frívolo, como se andassem acompanhados de um criado que
anunciasse: "Não creiam em nada do que o meu amo diz!" Mas os posudos levam um
séqüito de criados, todos posudos também, que recolhem nas sacolas, grandes e
pequenas gorjetas, porque uma das qualidades do posudo é andar sempre com muito
dinheiro – que não é seu!
(MEIRELES, Cecília. Escolha seu sonho. 26 ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2005,
p.13,14)
Escrito por Maria Valdênia às 11h30 [ (4) Vários Comentários ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
08/11/2007
PALAVRAS DE DRUMMOND SOBRE CECÍLIA
213
Escrito por Maria Valdênia às 23h48 [ (0) Comente ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
07/11/2007
ANIVERSÁRIO DE CECÍLIA MEIRELES
214
Cântico IV
Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E ENTÃO SERÁS ETERNO.
HERANÇA
215
Escrito por Maria Valdênia às 14h32 [ (2) Vários Comentários ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
29/10/2007
DIA NACIONAL DO LIVRO
Cecília Meireles foi uma defensora implacável da leitura e, por isso mesmo amava os
livros e propagava-os, inclusive organizando e coordenando o Centro cultural Pavilhão
Mourisco, no Rio de Janeiro, espaço no qual as crianças e os livros eram personagens
centrais.
“Ah! tu, livro despretensioso, que na sombra de uma prateleira, uma criança livremente
descobriu, pelo qual se encantou, e sem figuras, sem extravagâncias, esqueceu as horas,
os companheiros, a merenda ... tu, sim, és um livro infantil, e o seu prestígio será, na
verdade, imortal. Pois não basta um pouco de atenção dada a uma leitura, para revelar
uma preferência ou uma aprovação. É preciso que a criança viva sua influência, fique
carregando para sempre, através da vida, essa paisagem, essa música, esse
descobrimento, essa comunicação...”
Escrito por Maria Valdênia às 12h16 [ (2) Vários Comentários ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
24/10/2007
CRÔNICA 06
L IBERDADE
D E V E E X I S TI R N O S H O M E N S U M S E N T I M E N T O P R O F U N D O Q U E C O R R E S P O N D E A
E S S A P A L A V R A LIBERDADE, P O I S S O B R E E L A S E T Ê M E S C R I TO P O E M A S E H I N O S , A E L A
S E TÊ M L E V A N TA D O E S T Á TU A S E M O N U M E N TO S , P O R E L A S E TE M A T É M O R R I D O C O M
ALEGRIA E FELICIDADE.
Diz-se que o homem nasceu livre, que a liberdade de cada um acaba onde começa
a liberdade de outrem; que onde não há liberdade não há pátria; que a morte é preferível
à falta de liberdade; que renunciar à liberdade é renunciar à própria condição humana;
que a liberdade é o maior bem do mundo; que a liberdade é o oposto à fatalidade e à
escravidão; nossos bisavós gritavam "Liberdade, Igualdade e Fraternidade! "; nossos
avós cantaram: "Ou ficar a Pátria livre/ ou morrer pelo Brasil!"; nossos pais pediam:
"Liberdade! Liberdade!/ abre as asas sobre nós", e nós recordamos todos os dias que "o
sol da liberdade em raios fúlgidos/ brilhou no céu da Pátria..." em certo instante.
Ser livre como diria o famoso conselheiro... é não ser escravo; é agir segundo a
nossa cabeça e o nosso coração, mesmo tendo de partir esse coração e essa cabeça para
encontrar um caminho... Enfim, ser livre é ser responsável, é repudiar a condição de
autômato e de teleguiado é proclamar o triunfo luminoso do espírito. (Suponho que seja
isso.)
218
Ser livre é ir mais além: é buscar outro espaço, outras dimensões, é ampliar a
órbita da vida. É não estar acorrentado. É não viver obrigatoriamente entre quatro
paredes.
Os papagaios vão pelos ares até onde os meninos de outrora (muito de outrora!...)
não acreditavam que se pudesse chegar tão simplesmente, com um fio de linha e um
pouco de vento! ...
Mas os sonhadores vão para a frente, soltando seus papagaios, morrendo nos
seus incêndios, como as crianças e os loucos. E cantando aqueles hinos, que falam de
asas, de raios fúlgidos linguagem de seus antepassados, estranha linguagem humana,
nestes andaimes dos construtores de Babel...
Escrito por Maria valdênia às 00h43 [ (6) Vários Comentários ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
21/10/2007
CRÔNICA -05
Edmundo, o Céptico
Naquele tempo, nós não sabíamos o que fosse cepticismo. Mas Edmundo era
céptico. As pessoas aborreciam-se e chamavam-no de teimoso. Era uma grande
injustiça e uma definição errada.
219
Edmundo foi aluno muito difícil. Até os colegas perdiam a paciência com as
suas dúvidas. Alguém devia ter tentado enganá-lo, um dia, para que ele assim
desconfiasse de tudo e de todos. Mas de si, não; pois foi a primeira pessoa que me
disse estar a ponto de inventar o moto contínuo, invenção que naquele tempo andava
muito em moda, mais ou menos como, hoje, as aventuras espaciais.
Edmundo resistiu um pouco. Depois, achou que todos estávamos ficando bobos
demais. Disse: "Eu não acredito!" Foi mexer no arsenal do mágico e não pudemos ver
mais as moedas entrarem por um ouvido e saírem pelo outro, nem da cartola vazia
debandar um pombo voando... (Edmundo estragava tudo. Edmundo não admitia a
mentira. Edmundo morreu cedo. E quem sabe, meu Deus, com que verdades?)
Texto extraído do livro "Quadrante 2", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1962, pág.
122.
220
Escrito por Maria valdênia às 19h00 [ (1) Apenas 1 comentário ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
15/10/2007
Referência:
221
Escrito por Maria valdênia às 13h29 [ (1) Apenas 1 comentário ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
Se há uma criatura que tenha necessidade de formar e manter constantemente firme uma
personalidade segura e complexa, essa é o professor.
Destinado a pôr-se em contato com a infância e a adolescência, nas suas mais várias e
incoerentes modalidades, tendo de compreender as inquietações da criança e do jovem, para bem
os orientar e satisfazer sua vida, deve ser também um contínuo aperfeiçoamento, uma
concentração permanente de energias que sirvam de base e assegurem a sua possibilidade,
variando sobre si mesmo, chegar a apreender cada fenômeno circunstante, conciliando todos os
222
desacordos aparentes, todas as variações humanas nessa visão total indispensável aos
educadores.
É, certamente, uma grande obra chegar a consolidar-se numa personalidade assim. Ser ao
mesmo tempo um resultado — como todos somos — da época, do meio, da família, com
características próprias, enérgicas, pessoais, e poder ser o que é cada aluno, descer à sua alma,
feita de mil complexidades, também, para se poder pôr em contato com ela, e estimular-lhe o
poder vital e a capacidade de evolução.
E saber ir e vir em redor desse mistério que existe em cada criatura, fornecendo-lhe cores
luminosas para se definir, vibratilidades ardentes para se manifestar, força profunda para se
erguer até o máximo, sem vacilações nem perigos. Saber ser poeta para inspirar. Quando a
mocidade procura um rumo para a sua vida, leva consigo, no mais íntimo do peito, um exemplo
guardado, que lhe serve de ideal.
Quantas vezes, entre esse ideal e o professor, se abrem enormes precipícios, de onde se
originam os mais tristes desenganos e as dúvidas mais dolorosas!
Como seria admirável se o professor pudesse ser tão perfeito que constituísse, ele mesmo,
o exemplo amado de seus alunos!
E, depois de ter vivido diante dos seus olhos, dirigindo uma classe, pudesse morar para
sempre na sua vida, orientando-a e fortalecendo-aom a inesgotável fecundidade da sua
recordação.
MEIRELES, C E C Í L I A . C R Ô N I C A S D E E D U C AÇ ÃO V . 3, R I O D E J A N E I R O : N O V A F R O N T E I R A , P .
147.
Escrito por Maria valdênia às 10h15 [ (2) Vários Comentários ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
14/10/2007
Crônca 04 - Brinquedos incendiados
223
Brinquedos incendiados
Cecília Meireles
Uma noite houve um incêndio num bazar. E no fogo total desapareceram consumidos os
seus brinquedos. Nós, crianças, conhecíamos aqueles brinquedos um por um, de tanto mirá-los nos
mostruários – uns , pendentes de longos barbantes; outros, apenas entrevistos em suas caixas. Ah!
Maravilhosas bonecas louras, de chapéus de seda! Pianos cujos sons cheiravam a metal e verniz!
Carneirinhos lanudos, de guizo ao pescoço! Piões zumbidores! – e uns bondes com algumas letras
escritas ao contrário, coisa que muito nos seduzia – filhotes que éramos, então, de M. Jordain,
fazendo a nossa poesia concreta antes do tempo.
Às vezes, num aniversário, ou pelo Natal, conseguíamos receber de presente alguns
bonequinhos de celulóide, modesto cavalinhos de lata, bolas de gude, barquinhos sem possibilidade
de navegação... – pois aquelas admiráveis bonecas de seda e filó, aqueles batalhões completos de
soldados de chumbo, aquelas casas de madeira com portas e janelas, isso não chegávamos a
imaginar sequer para onde iria. Amávamos os brinquedos sem esperança nem inveja, sabendo que
jamais chegariam às nossas mãos, possuindo-os apenas em sonho, como se para isso, apenas,
tivessem sido feitos.
Assim, o bando que passava, de casa para a escola e da escola para casa, parava longo
tempo a contemplar aqueles brinquedos e lia aqueles nítidos preços, com seus cifrões e zeros, sem
muita noção do valor – porque nós, crianças, de bolsos vazios, como namorados antigos, éramos só
renúncia e amor. Bastava-nos levar na memória aquelas imagens e deixar cravadas nelas, como
setas, os nossos olhos.
Ora, uma noite, correu a notícia de que o bazar incendiara. E foi uma espécie de festa
fantástica. O fogo ia muito alto, o céu ficava todo rubro, voavam chispas e labaredas pelo bairro
todo. As crianças queriam ver o incêndio de perto, não se contentavam com portas e janelas,
fugiam para a rua, onde brilhavam bombeiros entre jorros d’água. A elas não interessavam nada
peças de pano, cetins, cretones, cobertores, que os adultos lamentavam. Sofriam pelos cavalinhos e
bonecas, os trens e palhaços, fechados, sufocados em suas grandes caixas. Brinquedos que jamais
teriam possuído, sonhos apenas da infância, amor platônico.
O incêndio, porém, levou tudo. O bazar ficou sendo um fumoso galpão de cinzas.
Felizmente, ninguém tinha morrido – diziam em redor. Como não tinha morrido ninguém?
, pensavam as crianças. Tinha morrido o mundo e, dentro dele, os olhos amorosos das crianças, ali
deixados.
224
MEIRELES, Cecília. Escolha o seu sonho. 26ª Ed., Rio de Janeiro: Record, 200, (pp. 121-122)
Escrito por Maria valdênia às 15h58 [ (4) Vários Comentários ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
13/10/2007
crônica 03 - O Anjo da noite
O ANJO DA NOITE
grandes e pequenos cães rosnam, ganem, uivam, na densa escuridão da noite todos
sobressaltados pelo trilhar do apito do guarda-noturno. Pelo mesmo motivo, faz-se um hiato no
jardim, entre os insetos que ciciavam e sussurravam nas frondes: que novo bicho é esse, que
começa a cantar com uma voz que eles julgam conhecer, que se parece com a sua, mas que se
eleva com uma força gigantesca?
Passo a passo, o guarda-noturno vai subindo a rua. Já não apita: vai caminhando
descansadamente, como quem passeia, como quem pensa, como um poeta numa alameda
silenciosa, sob árvores em flor. Assim vai andando o guarda-noturno. Se a noite é bem
sossegada, pode-se ouvir sua mão sacudir a caixa de fósforos e até adivinhar, com bom ouvido,
quantos fósforos estão lá dentro. Os cães emudecem. Os insetos recomeçam a ciciar.
O guarda-noturno olha para as casas, para os edifícios, para os muros e grades, para as
janelas e os portões. Uma pequena luz, lá em cima: há várias noites, aquela vaga claridade na
janela: é uma pessoa doente? O guarda-noturno caminha com delicadeza, para não assustar,
para não acordar ninguém. Lá vão seus passos vagarosos, cadenciados, cosendo a sua sombra
com a pedra da calçada.
Vagos rumores de bondes, de ônibus, os últimos veículos, já sonolentos que vão e voltam
quase vazios. O guarda-noturno, que passa rente às casas, pode ouvir ainda a música de algum
rádio, o choro de alguma criança. Mas vai andando. A noite é serena, a rua está em paz, o luar
põe uma névoa azulada nos jardins, nos terraços, nas fachadas: o guarda- noturno pára e
contempla.
À noite, o mundo é bonito, como se não houvesse desacordos, aflições,
Ameaças. Mesmo os doentes parece que são mais felizes: esperam dormir um pouco à suavidade
da sombra e do silêncio. Há muitos sonhos em cada casa. É bom ter uma casa, dormir, sonhar. O
gato retardatário que volta apressado, com certo ar de culpa, num pulo exato galga o muro e
desaparece: ele também tem o seu cantinho para descansar. O mundo podia ser tranqüilo. As
pessoas podiam ser amáveis. No entanto, ele mesmo, o guarda-noturno, traz um bom revólver
no bolso, para defender uma rua...
E se um pequeno rumor chega ao seu ouvido e um vulto parece apontar na esquina, o
guarda-noturno torna a trilar longamente, como quem vai soprando um longo colar de contas
de vidro. E começa a andar, passo a passo, firme e cauteloso, dissipando ladrões e fantasmas. É a
hora muito profunda em que os insetos do jardim estão completamente extasiados, ao perfume
da gardênia e à brancura da lua. E as pessoas adormecidas sentem, dentro de seus sonhos, que o
guarda-noturno está tomando conta da noite, a vagar pelas ruas, anjo sem asas, porém armado.
MEIRELES, Cecília et. al. Quadrante 2. 3ª Ed., Rio de Janeiro: Editora do autor,
Escrito por Maria valdênia às 22h52 [ (0) Comente ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
12/10/2007
Crônica 02 - Arte de ser feliz
226
MEIRELES, Cecília. Escolha o seu sonho. 26ª Ed., Rio de Janeiro: Record, 200, pp. 20,21
Escrito por Maria valdênia às 10h39 [ (2) Vários Comentários ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
Crianças que carregam ao colo os irmãozinhos, o dia inteiro, que deles cuidam,
enquanto a mãe anda nutros afazeres. Crianças que vão à feira, que entregam roupa
lavada, que carregam marmitas, que, de mil e uma formas sacrificam o princípio da sua
existência, sem saber que a sacrificam, - embora nessa consciência fique um travo de
melancolia, qualquer coisa de saudade de uma vida que
(MEIRELES, Cecília. Crônicas de Educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, v.1, p.111)
apreciar a beleza simples das pequenas coisas e admitir outras vidas, além da sua, neste
mundo tão grande.
(...)
E é por isso que eu digo que a arte de brincar se vai perdendo. A máquina está
gastando a infância.
Escrito por Maria valdênia às 10h28 [ (1) Apenas 1 comentário ] [ envie esta mensagem ] [ link ]
11/10/2007
Crônica 01- Primavera
229
PRIMAVERA
A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite
no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando
outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam
pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo
confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria
de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como
os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias
tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos
ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem
dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra
maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a
primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta
ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros
hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo
que, outrora se entendeu e amou.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por
fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a
primavera, dona da vida — e efêmera.
MEIRELES, Cecília. - Obra em Prosa - Volume 1, Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro,
1998, pág. 366.
Escrito por Maria valdênia às 21h58 [ (5) Vários Comentários ] [ envie esta mensagem ] [ link ]