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Título: Uma grande paixão

Autor: Day Leclaire


Título original: The provocative proposal
Dados da Edição: Editora Nova Cultural 2001
Publicação original: 2000
Gênero: Romance contemporâneo
Digitalização e correção: Nina
Estado da Obra: Corrigida

Afinal, qual era a sua função?


Tess Lonigan não aguentava mais os planos que suas amigas, Emma e Raine, armavam
para fazê-la casar-se novamente. Com uma carreira de sucesso e muita responsahilidade,
Tess decidiu contratar um novo assistente para ajudá-la no trabalho e também para fingir
ser seu noivo... tudo para fazer as amigas desistirem de seus planos. Com o passar dos
dias, porém, percebeu que algo em seu plano começava a dar errado, pois se deu conta de
que o "novo assistente" estava controlando ç ocupando todos os seus passos e
pensamentos! E que a farsa estava se transformando em uma grande paixão!
PRÓLOGO

Tess Lonigan dirigiu-se ao único feixe de luz que quebrava o escuro da sala.
— É aqui o Comité Matrimonial?
Após a pergunta, ouviu barulho de folhas de papéis sendo remexidas e alguns
comentários sussurrados. Por fim, uma voz conhecida se pronunciou:
— É, sim. Em que podemos ajudá-la?
Tess esforçou-se para conter o riso. Seu irmão tentava disfarçar a entonação com um
sotaque sulista, que não estava funcionando. O máximo que conseguiu foi fazê-la
achar graça.
— Tenho duas amigas para as quais gostaria que arrumassem o marido
perfeito. A primeira é Emma Palmer, de San Francisco, e a outra, Raine Featherstone,
do Texas.
— Mas elas querem que esse arranjo matrimonial?
— Na verdade, não. Mas eu tenho sua permissão.
— Tudo bem, aceitamos o desafio. — Até que enfim Seth parou de falar com
daquele jeito ridículo. — Mas como pode ter a anuência se suas amigas não estão
interessadas?
— Quando éramos adolescentes, fizemos um pacto"; se qualquer uma de nós
chegasse aos trinta anos sem encontrar sua alma gémea, as outras ficariam
encarregadas de resolver a questão.
Mais papéis remexidos e mais sussurros. Tess queria poder ver quem eram os
membros daquele comité. Mas a iluminação fora arrumada de tal maneira que aquilo
seria impossível.
Otimo. Estava entrando num filme noir, sendo interrogada sob uma luzinha fraca por
um comité secreto como se fosse uma donzela aflita.
Ela forçou um sorriso. Tudo bem, talvez não fosse exa-tamente uma donzela aflita,
mas, no momento, lhe pareceu conveniente. Agora, tudo de que precisava era um
protagonista valentão, e tudo estaria completo.
Mal concluíra seu pensamento quando outra pessoa se fez ouvir:
— Seu argumento é intrigante. Como pode ter certeza de que tudo não passou
de uma brincadeira de adolescente?
Tess não reconheceu quem falava, mas suas palavras soaram graves e mais ríspidas
que as de seu irmão.
— Talvez tenha sido. — Tess deu de ombros.
— Então, por que motivo iríamos virar o jogo contra as moças?
— Contra? — Tess cruzando os braços sobre o peito. — E essa a opinião de
vocês sobre casamento? Um jogo entre dois adversários? Como pode? E eu que
pensei que eram uma espécie de cupidos modernos...
— Só promovemos arranjos matrimoniais para aqueles que estão prontos para
assumir um compromisso sério.
— Nesse caso, minhas amigas são escolhas perfeitas!
Além de estarem prontas para se casar, uma delas já tem um pretendente na porta ao
lado.
— Sendo assim, para que precisa de nós?
— Porque a tolinha ainda não percebeu o quão incrível aquele homem é. Para
ser honesta, aquelas duas estão precisando de um empurrãozinho. Isso será fácil para
vocês. Tudo o que têm a fazer é enviar o Instigador. Estou certa que ele levará pouco
tempo para concluir o trabalho.
Seth gemeu.
— Como sabe sobre o Instigador? — questionou o estranho.
Tess assumiu sua expressão mais inocente. É claro que, depois de completar trinta
anos, ser capaz de fingir inocência não era mais uma tarefa tão simples.
— Ah! Era segredo?,
— Mas que droga, Tess! Lógico que era.
Ela sorriu, muito doce.
— Eu pensava que irmãos mais velhos não tinham conversas secretas onde as
irmãzinhas pudessem ouvir...
— Já chega! — Desse modo, o desconhecido impôs um silêncio absoluto.
Tess ficou impressionada. Nunca conseguira tal feito com seus funcionários.
— Aceitaremos seu caso com uma condição.
— Sério? E qual é? — Tess quis saber.
— Este comité trabalha em sigilo. Queremos que as coisas continuem como
estão.
— Creio ser mais prudente, mesmo. Imaginar um bando de loucos correndo
por aí, instigando casos de amor, é meio difícil de engolir.
— Devo lhe dizer que temos um número recorde de sucesso — Seth a
interrompeu. — Trezentos e vinte e dois casais já foram formados por nossa agência.
Sabe por quê? Porque promovemos mais casamentos que... que...
— Que aquela gente da Agência Cinderela Apaixonada e da Par Perfeito —
outro alguém completou.
— Para ser honesto, senhorita, estamos na frente de todos os concorrentes.
— Já entendi tudo. — Tess respirou fundo. — Vamos acertar tudo: vocês
arrumam o marido ideal para minhas amigas, e eu não falo nada sobre sua pequena
organização. Temos um acordo?
— Fechado! — Seth concordou.
Pelo visto, nenhum outro esclarecimento era necessário. A porta atrás de Tess abriu-
se, e o feixe de luz se apagou. Tudo bem, se eles queriam que ela se retirasse, Tess
não iria se opor. Porém, uma dúvida persistia: será que não cometera um grande
equívoco?
— Bem, e aí? — Seth indagou, no minuto em que sua irmã se foi.
Shadoe acendeu a lâmpada:
— O quanto ela sabe?
— Sobre nossos planos de arrumar-lhe um marido? Nada. Sua vinda aqui hoje
foi mera coincidência. Minha culpa, creio. Tess escutou uma conversa telefónica e
resolveu tirar proveito da situação a fim de ajudar Emma e Raine.
— Mas descobriu sobre o Instigador.
— Entretanto, nem sequer imagina que se chama Shayde, e muito menos que
será o Instigador responsável por lhe arrumar um romance.
— Como acha que reagirá quando souber o que fizemos?
— Decerto, não vai gostar. De jeito nenhum. — Seth ergueu as mãos. — Mas,
até lá, espero que já seja tarde demais. Tess já estará apaixonada, querendo ou não.
Shadoe assentiu.
— Nesse caso, prossigamos. Telefonarei para meu irmão e darei início os
procedimentos. Assim que terminarmos com Tess, daremos atenção a suas amigas.

CAPÍTULO I

Ele veio com a noite, encarnando suas incríveis qualidades e desenterrando do fundo
de seu íntimo sua feminilidade havia muito adormecida.
Tess Lonigan sentou-se a sua mesa, segura e prática, e tentou encontrar algo racional
naquele homem que só poderia ser descrito de uma maneira: moreno, misterioso e
perigoso. Muito perigoso.
O estranho ficou de pé no outro lado da sala e, por um longo momento, ambos se
observavam com minúcia.
A luminosidade que vinha do abajur parecia penetrar seu manto de sombras, fazendo
com que o rapaz escurecesse tudo a seu redor. Evidente que sua roupa preta e seus
negros cabelos não ajudavam, tudo isso aliado à calma que o cercava.
Piores eram seus olhos. Tess não conseguia precisar seu tom, mas era a única coisa
que fugia daquela máscara de escuridão, pois brilhavam como estrelas cadentes. O
poder de seu olhar emanava para todas as direções, uma sensação desconcertante que
ela jamais presenciara.
"Moreno, misterioso e perigoso..."
Essas palavras repetiam-se como um refrão em seu cérebro, e um pequeno calafrio a
fez franzir o cenho. Sem dúvida, aquelas não eram qualidades que Tess apreciava.
Como Jeanne, da agência de empregos, pôde achar que aquele moço era apropriado
para o serviço?
Percebendo que já estava a ponto de quebrar seu lápis ao meio, Tess colocou-o no
lugar e tomou uma decisão: não, aquele jovem nunca poderia fazê-lo.
Desesperada para terminar aquela batalha de pensamentos, gesticulou para ele se
aproximar. Em outras circunstâncias, seria Tess a levantar-se e apertar-lhe a mão,
oferecendo um sorriso de boas-vindas. Mas, no momento, sua intuição avisou que
aquilo seria um erro. O maior de todos, todavia, foi ter marcado aquele encontro para
o fim do expediente.
Tudo parecia mais intenso « exagerado com o pôr-do-sol. Mas não tivera escolha.
Não queria que ninguém soubesse o porquê de estar contratando alguém de fora.
O homem moveu-se rápido, como que deslizando na semi-escuridão, que
continuavam a segui-lo formando um manto a sua volta.
— A senhora precisa de meus serviços?
Até mesmo sua voz lhe soou mal. Em vez de tranquila e educada, soava um tanto
rascante, e fez Tess se lembrar do desconhecido com quem falara no Comité
Matrimonial. Mas era ainda mais rude e muito mais grave.
— Você foi enviado pela agência de empregos?
Shayde inclinou a cabeça, assentindo. Seus cabelos caíam sobre seu colarinho, em
pndas rebeldes, uma expressão in-duvidosa de uma pessoa que se escondia atrás de
uma máscara impenetrável.
— Fui escolhido pessoalmente por Jeanne. Sou o candidato mais adequado
para o cargo.
Uma intensa onda de vulnerabilidade a pegou de surpresa e resultou em uma
brusquidão nada comum em seu caráter:
— Duvido que Jeanne tenha procurado direito.
Shayde ouviu a crítica sem comentar, embora Tess tenha notado um certo cintilar de
prazer em suas pupilas. Eram olhos ímpares, de uma tonalidade azul-prateada,
diferentes de tudo o que já vira antes.
— Peço-lhe para verificar minhas qualificações antes de fazer julgamentos
precipitados sobre mim.
Tess forçou um sorriso de anuência.
— Excelente ponto. Ainda mais considerando que uma das qualificações se
refere a como nós interagimos, isso não levará muito tempo.
Shayde não respondeu. Preferiu observá-la, e também a seu escritório.
Se ele achava que iria descobrir algo de seu caráter, iria fracassar. Tess decorara
tudo em tons claros e estilo sóbrio, a fim de deixar seus clientes relaxados, e se vestia
de forma a aparentar uma amizade nada ameaçadora. Tudo foi calculado em
pormenores, e nada ali tinha a ver com sua natureza verdadeira.
— Sempre tira conclusões precipitadas sobre os outros? — Shayde quis saber,
assim que acabou de fazer sua análise.
— Não.
Ele dirigiu sua atenção total a ela e esforçou-se para não reagir a uma expressão tão
suave e penetrante.
— Mas em meu caso... — De propósito deixou a frase sem completar.
Para sua surpresa, Tess resolveu responder-lhe, o que a irritou ainda mais. Preferia
guardar para si seus julgamentos, mas havia algo naquele estranho que a forçava a
falar:
— Você não é o tipo com quem eu casaria.
Por um desconcertante momento, o silêncio reinou.
— Talvez fosse melhor começarmos de novo. Você é Tess Lonigan?
Ela fez que sim.
— Eu sou Shayde. Estou aqui para uma entrevista de emprego.
— Shayde? Esse é seu sobrenome?
— Esse é todo meu nome.
Shayde afirmou com tanta convicção que já não restava mais o que perguntar. Era
um nome bizarro, mas combinava com ele.
— Por favor, sente-se, senhor...
— Apenas Shayde — enfatizou, gentil.
— Está bem. Por favor, acomode-se.
Tentando disfarçar seu desconforto, Tess trocou alguns papéis de lugar. Isso lhe
daria um momento para refletir sua reação perante Shayde.
Aquilo era ridículo. Nunca enfrentara problema algum ao entrevistar um candidato
antes. Por que agora era diferente?
Mas era, não havia como dizer o contrário. Ele era. Tess sentiu que uma perigosa
masculinidade o envolvia e que uma sombria sensação a invadiu. Toda sua
feminilidade estava aflorando, de maneira incontrolável, como ondas revoltas
tentando penetrar na areia.
Não estava se reconhecendo, e o mais: estava correspondendo! Queria deixar aflorar
seus instintos. Um macho possuindo uma fêmea... Mulher submissa ao homem...
Positivo contra negativo...
"Não se esqueça do que esta em jogo!" De súbito, ela relembrou, o que a fez retornar
à situação. Após um momento infindável, Tess levantou o olhar, de forma a encarar
Shayde, e por fim perguntou:
— O que Jeanne lhe disse sobre o cargo?
— Que você precisava de um homem para acompanhá-la a encontros de
negócios.
— Não estou interessada em um acompanhante profissional.
— Isso é bom, pois não tenho nada a ver com gente assim.
— Então, o que você é? — A questão escapou antes que Tess pudesse se
controlar.
Era uma pergunta penosa de se fazer, que vinha de dentro de seu coração. Era
também uma renúncia, daquelas que toda mulher faz, mesmo na posição de chefe.
Uma olhadinha para Shayde fez com que Tess recobrasse sua altivez.
— Ou melhor, em que você já trabalhou?
— Tenho um currículo. Ali você poderá comprovar o quão eclética é minha
experiência, meus conhecimentos são variados, e posso me portar bem em diferentes
situações. Jeanne confirmou todas as minhas referências. Poderá constatar que são
impecáveis.
— Ela não o mandaria se não fossem.
— Espero que não se esqueça disso durante o processo de seleção.
Shayde recostou-se no espaldar. Movera-se com uma graça preguiçosa que
conflitava sobremaneira com a tensão de alguém prestes a reagir a uma pequena
provocação.
—Por que não me fala um pouco das tarefas dessa posição? Na verdade, por que não
me explica o que precisa e por quê?
Tess não pretendia ir tão longe, não até encontrar o candidato certo. Mas alguma
coisa na personalidade dele obrigava-a a seguir adiante.
— A empresa para quem trabalho chama-se Altruistics Inc. Já ouviu falar?
— Vocês pedem dinheiro em nome de diferentes entidades beneficentes,
certo?
— Isso mesmo. Somos uma empresa privada que conseguiu com sucesso
arrecadar milhões de dólares para a pesquisa da cura do câncer, a construção de
abrigos e programas contra o uso de drogas. Você traz uma boa causa e nós
persuadimos os que têm os bolsos cheios de dinheiro a nos auxiliar.
— Por que estou sentindo que vem vindo um porém?
— Talvez porque exista um. — Tess sorriu. — Está pronto?
— Vá em frente.
— Estou a ponto de ser promovida.
Shayde levou um minuto para assimilar seu comentário antes de fazer a próxima
pergunta lógica:
— E para ser promovida, depende de...
— ...meu sucesso nas próximas duas semanas ela respondeu, interropendo-o.
— Intrigante. De que forma seu sucesso será medido?
Tess deveria explicar-lhe com detalhes. Alguma coisa lhe dizia que Shayde fazia
parte do rol dos que não aceitam nada menos que a verdade.
— Temos benfeitores em potencial que costumamos chamar de Impossíveis.
No passado, era impossível conseguir deles alguma quantia.
— Ou seja, trocando em miúdos, eles já têm suas próprias formas de fazer
caridade e não estão interessados em liberar o caixa para vocês.
— Mas isso não nos impede de tentar.
— Devo presumir que tem quinze dias para conquistar um desses Impossíveis.
A sagacidade de Shayde a impressionou.
—É isso aí. Na próxima semana, iremos lançar uma grande campanha em prol da
cura do câncer. Nessa noite, o presidente da empresa me encarregará de persuadir um
desses Impossíveis.
Um pequeno sorriso brotou dos lábios de Shayde.
— E nosso desafio começa.
— Certo. Entretanto, tenho três obstáculos a enfrentar. O primeiro é que, aos
trinta anos, sou considerada muito jovem para essa promoção. Suspeito que seja por
isso que vão me designar a conquistar um Impossível.
— Devo supor que seu segundo obstáculo é que existe outro alguém querendo
ser promovido.
— Sim. Outra mulher também concorre ao cargo. Ela é um pouco mais velha.
Suas crianças já estão crescidas, e parece está muito ansiosa por fazer decolar sua
carreira.
— Você disse três obstáculos. Qual é o último?
— Não sou casada.
— Presumo que o sr. Lonigan não está fora de combate...
— Ele faleceu há nove anos.
Seria compaixão o que Tess vira em seu olhar? Com toda aquela habilidade de
esconder suas reações, ela sentiu dificuldade em saber o qife Shayde estava
pensando, embora tivesse percebido uma certa suavidade.
— Agora ficou claro o motivo de eu estar aqui.
— É isso mesmo, sr. Shayde.
— Só gostaria de saber por que seu estado civil é um impedimento à
promoção.
— Bem, meu trabalho requer uma vida social intensa. Caso eu consiga ser
promovida, precisarei interagir socialmente ainda mais. Eu costumava lidar com essa
situação, sem restrições.
— Deixe-me adivinhar... Isso mudou há pouco.
— Creio que ter um acompanhante em determinadas ocasiões pode ser
vantajoso.
— Ah! Era isso o que tinha para me dizer?
— Sim. — Não havia nenhuma razão para lhe explicar os pormenores que a
levaram a tomar aquela decisão. — Necessito de um acompanhante, e ponto final. E
preciso dele pronto para a campanha contra o câncer.
— A pergunta é: por quê? Porque uma mulher solteira pode entreter de muitas
formas seus clientes...
A perspicácia de Shayde a estava irritando.
— Não creio que isso seja complicado para mim — ela afirmou, indignada.
— A não ser que alguém decida que você faz parte da oferta.
— Sim, você está certo. — Tess se viu obrigada a concordar, embora até
aquela data tivesse conseguido se livrar dos inconvenientes com destreza.
Mas seria mais seguro manter longe um homem como Dick Smith.
— Tenho a impressão de que sou a solução perfeita. — Shayde pôs as mãos no
encosto da cadeira onde Tess estava sentada. — Você quer que eu assuma o papel de
marido?
— Digamos que seja mais ou menos isso. Mas é temporário. Só vai durar até
eu conseguir minha promoção.
— E depois de ser promovida? Como será?
— Isso é problema meu.
Mas Shayde não se deu por satisfeito.
— Já que não me contará tudo, talvez possamos discutir sobre minhas
atribuições. O que quer de mim?
— Conforme falei, necessito de um acompanhante para vários compromissos
de negócios e também alguém que possa ir comigo a qualquer evento social a que
seja convidada: jantares, festas, piqueniques no parque...
— Tem mais, não tem?
Como ele podia ser tão astuto?! Tess conhecera gente perspicaz, mas Shayde era
muito mais do que isso. Forçou-se a falar com uma franqueza que não lhe soou
natural:
— Tenho de convencer as pessoas de que somos um casal de verdade.
— Quer dizer amantes?
Tess o encarou.
— É preciso que todos acreditem que nossa relação é séria e que temos a
intenção de nos casar. É por isso que você não serve para o cargo, pois não é o tipo
que me agrada.
Naquele momento, a máscara que cobria seu verdadeiro eu caiu, e Tess pôde ver o
que Shayde estava sentindo.
Shayde tomou aquilo como um desafio, o que não fora intencional. Otimo! Diga a
um homem que não pode fazer algo e ele irá querer provar o contrário.
— Tem certeza disso, sra. Lonigan?
-— Positivo.
— O que a faz estar tão segura?
— Experiência. Você não é nada parecido com meu falecido marido.
— Seu casamento foi bom?
— Maravilhoso. — Pensou em esconder suas emoções, tentando não
demonstrar o quão devastada ficara com a perda de Robert. — Pena que tão curto.
— Lamento. Isto torna sua situação mais difícil.
Se Shayde apenas parasse de encará-la como se pudesse ver tudo o que sua alma
sentia... O que disse, ao menos, pareceu gentil, e de alguma forma a acalentaram. Ele
era muito diferente de seu marido refinado, e ainda assim Tess sentia, no fundo, que
podia confiar nele.
Tess meneou sua cabeça em sinal afirmativo. Devia estar perdendo o último
resquício de bom senso.
— Olhe, sr. Shayde, como me sinto não é importante. Além do mais, não achp
que uma ou duas semanas trabalhando juntos serão algo difícil de realizar.
— E por quê?
— Porque tudo será muito simples. Nossa relação se dará apenas no âmbito
comercial, entendeu? Nada de pessoal.
— Acha que enganaremos alguém desse jeito? Qualquer mulher mais astuta
perceberá a farsa.
— Serão só alguns jantares. Não teremos de ser íntimos.
— Tess se deu conta de que falava como se já o tivesse contratado. Assim, tentou
corrigir-se. — Não me relacionarei com intimamente com o rapaz que contratar.
Shayde soltou uma gargalhada. Um som peculiar, delicioso, muito masculino.
— Seja franca: você não percebe quando um casal não tem nenhum
envolvimento íntimo?
Tess ignorou a questão, pois sabia muito bem que conseguiria enganar a todos.
Achava que um pequeno relatório antes do encontro seria suficiente.
Shayde se calou, e Tess sentiu-se vitoriosa. Mas por pouco tempo.
— Por que não me diz o que a atrai num homem?
— Para você se tornar meu tipo?
— Sou bastante versátil...
Shayde não fazia ideia do quanto a deixava intimidada. Não serviria para seus
propósitos. Sua voz grave combinava com seu temperamento. Tess precisava de
alguém de toque suave, que pudesse atrair mulheres,de todas as idades, ao mesmo
tempo que manteria longe alguns clientes mais afoitos.
Seu acompanhante, supunha-se, colocaria um ponto final em qualquer dúvida que
surgisse sobre seu estado civil, sem, é lógico, afastar contribuintes potenciais. No
entanto, Shayde iria intimidar a todos.
— Não tenho dúvida disso — Tess mentiu. — Mas...
Shayde a interrompeu sem pestanejar:
— Vamos direto ao assunto, sra. Lonigan. A senhora tem um estereótipo do
sujeito que quer contratar e uma razão para tal escolha. E isso, acredito eu, prefere
manter para si.
O acerto milimétrico de seus palpites quebrou a frieza de Tess:
— Como pode saber isso?!
— Uma de minhas maiores virtudes é meu instinto. As vezes, posso ver
através da alma. Gostaria que eu lhe falasse mais a seu respeito?
— Não. — Foi seu mais sincero comentário desde que esta entrevista
começou. — Mas duvido que isso seja um impedimento para você parar de falar.
— Está certa. Não é.
Tess recostou-se e cruzou as pernas, tentando passar a impressão de que controlava a
situação.
— Por favor, sr. Shayde, o que você vê?
Ele olhava fixo para seus cabelos, e percebeu as mechas vermelho-douradas caindo-
lhe sobre a testa. Havia reparado, assim que chegou, que Tess quase não usava
maquiagem.
— As pessoas a consideram aberta e amigável.
— É porque sou assim mesmo.
Shayde fez que não.
— Nem um pouco. Você usa a cabeleira desse modo para que ninguém
suspeite de sua necessidade de controlar tudo, inclusive a si mesma.
— Isso é chamado de autodisciplina, não controle.
— Uma ova! Gosta de manter tudo sob rédeas curtas, assim como eu também.
Você é uma linda mulher, mas toma cuidado para não chamar a atenção para sua
beleza, que pode intimidar seus clientes, sobretudo os homens.
— Não sou intimidadora.
— Sua intimidação está escondida. Sua inteligência nata e sua habilidade,
ainda mais. Mas só consegue acertar as pessoas com essas qualidades, quando está
desesperada tentando manter distância.
— Não poderia estar mais enganado.
Shayde continuou como se ela não tivesse dito nada:
— Veste-se com uma elegância simples, porque é elegante por natureza. Não é
nada programado.
— Muito bem, já acabou — Tess o cortou, tentando dar um fim àquela seção
de auto-análise.
Shayde resolveu parar, pois não havia mais por que insistir em falar da vida pessoal
de Tess. Sabia, no fundo, que ela tinha sido machucada por dentro e por esse motivo
resolvera contratar um acompanhante. Temia se machucar de novo.
Como fazê-lo parar? Tess não queria escutar mais nada. Como aquele estranho sabia
tanto a seu respeito? Como podia ver coisas que estavam tão escondidas que nem ela
mesma lembrava mais?
A caneta deslizou sob seus dedos, caindo ao chão. Shayde tinha o dom de abalar
suas estruturas, e estava na hora de detê-lo. Desse modo, Tess respirou fundo,
tentando disfarçar sua agonia.
— Acho que já é o bastante. — Ela fez sinal um para que ele partisse.
Mas Shayde não queria ir antes de saber se conseguiria o emprego.
—Diferente do que disse no início, contratar alguém parecido com seu marido não
funcionará. E vou lhe dizer o porquê. Você está com medo de se apaixonar outra vez.
Muito bem, Shayde atingiu seu objetivo. Tess ficou possessa. Bateu as mãos no
tampo, tentando controlar a fúria que a dominava.
— Não se preocupe com isso, sr. Shayde. Nem de longe, você se parece com
Robert!
— Também não pode contratar alguém que a atraia. E eu atraio você...
A ira que esquentou seu rosto esvaiu-se, e Tess se sentiu gelada até os ossos.
— Quem é você, afinal?!
— Sou o homem que você vai contratar.
— Sem chance!
Tess não podia admitir que ele sabia demais. Se o fizesse, Shayde veria quanto seu
assédio funcionara. O mais importante agora era se livrar dele. Aquele homem
percebera o quanto estava atraída por ele. Por isso, tinha de partir.
— Vamos encerrar, sr. Shayde. Mande-me seu currículo,
e eu entrarei em contato, caso venha a ser escolhido.
A oferta de um futuro compromisso funcionou. Shayde, enfim, alcançou a porta e se
foi.
Tess afundou no assento, sentindb-se aliviada. Só tinha uma chance agora. Se
escolhesse mal, sua promoção iria por água abaixo. Não ia aguentar a perda. Tinha de
dar certo, mas o mais engraçado de tudo era: como Shayde podia saber disso?

CAPITULO II

Assim que deixou o escritório de Tess, Shayde Lpegou seu celular e discou um
número da memória:
— Shadoe? Sou eu.
— Como se saiu? — seu irmão quis saber.
— Acho que a sra. Lonigan não gostou de mim nem um pouco.
— Conseguiu a vaga?
Havia momentos em que o irmão mais velho de Shayde parecia não entendei direito
as coisas.
— Eu disse que ela não gostou de mim. — Shayde pôde escutar o muxoxo de
Shadoe do outro lado da linha. — O que quer dizer que não fui contratado.
— É melhor dar um jeito nisso, Shayde. A chefe não vai gostar nada.
Sem dúvida, a patroa de Shadoe era a mulher mais estranha com quem Shayde já
lidara. Embora nunca tivessem se encontrado pessoalmente, devido a sua fanática
mania de preservar sua identidade secreta, Shayde percebera durante suas conversas
telefónicas que era tão apática a ponto de não demonstrar sentimento algum, seja de
raiva ou de prazer. Uma vez determinada, nada nem ninguém conseguiam dissuadi-la.
— Dar um jeito, Shadoe? Mas de que maneira? Como posso obrigar a sra.
Lonigan a me contratar?
— Tenho certeza de que seus métodos funcionarão.
— Por que você não tenta, sr. Irmão Mais Velho? Quem sabe consiga. Parece
que esqueceu que sou apenas um voluntário. Não estou recebendo um tostão para
arruinar a vida de ninguém. Não sinto nenhum prazer nisso. Eu e a sra. Lonigan
seríamos um desastre.
— Vamos fazer uma coisa. Enviarei para você um e-mail com um relatório
mais completo sobre a sra. Lonigan. Garanto que encontrará alguma fraqueza que
possa ajudá-lo. Aguardarei por seus comentários em quarenta e oito horas.
— Já vou avisando que não farei chantagem com ela, Shadoe. Deixei isso
muito claro quando me pediu ajuda. Não trabalho dessa maneira.
Shadoe calou-se por um momento, dando a impressão de que tinha desligado.
— Está desistindo, irmãozinho? — perguntou, irónico.
— De jeito nenhum!
Mas no fundo era tudo o que Shayde queria. Eles estavam cometendo um erro,
armando aquele circo com a sra. Lonigan. Não dava a mínima se arrumassem uma
dúzia de pares para Tess, pois acreditava que ninguém seria capaz de escolher um
marido para ela.
Como poderia explicar sua intuição? Shayde vivia dela, confiava e dependia dela. E
sua intuição dizia que Tess iria odiar que o comité invadisse sua vida pessoal.
Nunca conhecera uma garota igual. Não podia evitar a lembrança que lhe vinha à
memória a cada minuto: assustada, frágil, desconfiada... Vulnerável. E mesmo assim,
Tess possuía uma forte determinação que escondia suas apreensões.
Mesmo vendo que seus lindos olhos azuis revelavam uma imensa tristeza, ainda
podia incendiar de paixão. O nervosismo de Shayde conflitava com seu desejo. Fogo
queimando o gelo. O contraste do preto no branco.
Talvez aquilo explicasse o porquê de insistência de Shayde. Queria vê-la sem a
máscara, descobrir sua verdadeira essência, não os elementos que Tess usava para
enganar o mundo a seu redor. E conseguira, muito mais do que ela imaginara revelar.
Shayde tirara duas conclusões. A primeira era que Tess não aceitaria de boa vontade
o auxílio de uma agência matrimonial. Quando descobrisse tudo, ia infernizar o
comite.
Segundo: existia algo mais além daquela promoção. Caso contrário, Tess não se
sujeitaria a contratar um acompanhante. Fosse lá o que fosse, conseguiu que a tão
controlada sra. Lonigan perdesse as estribeiras. O que agora o fez tirar uma terceira
conclusão.
Ela precisava dele!
— Shayde? — disse a chefe de Shadoe, entrando na conversa. Como sempre
sua voz soava mecânica, como uma gravação. — Explique-me sua relutância em
aceitar essa tarefa.
Shayde soltou a respiração como um sinal. Ela não iria comprar a ideia de "meu
instinto avisou", o que significava que tinha de inventar algo bem rápido. Entretanto,
não havia pensado em nada. Ainda.
— Tess não está pronta para um novo romance. Só se importa com a carreira.
Embora haja algo nela...
— Não é você quem decide se a garota está pronta ou não — interrompeu-o
Shadoe.
Shayde gelou. Como fazer Shadoe entender?
— Eu estive com ela, você não. E tenho a impressão de que Tess não pretende
manter nenhum relacionamento.
— Nós já encontramos seu par perfeito.
Shayde fez uma careta. Nunca seu irmão se mostrara tão arrogante quanto naquele
momento.
— Muito bem. E se Tess não quiser um par perfeito ou qualquer outro
homem?
Era a vez da chefe se pronunciar:
— A decisão já está tomada. Como Instigador, seu trabalho é iniciar os
eventos, e não discutir prós e contras. Você junta os elementos e deixa que eles
interajam.
— E se nada acontecer?
— No final, quem decide é ela.
— Isso você que está dizendo.
— O comité nunca se enganou — fez questão de afirmar.
— Para tudo há uma primeira vez — Shayde retrucou.
Os dois ignoraram o que Shayde disse. Eles formavam um grande time.
— Shayde, passo número um: consiga o cargo — ordenou Shayde.
.— Sim, senhor — ironizou.
Shayde resolvera levar adiante suas ordens, dando as costas para sua intuição.
Shadoe e a chefe alegavam que o comité nunca se enganara. Já que ele não podia
estar frente a frente com eles para provar suas teorias, deixaria para lá.
— Amanhã, eu e a sra.
Lonigan estaremos brincando de amantes.
O irmão reagiu conforme Shayde previra.
— Ela não é para você, irmãozinho — Shadoe advertiu-o.
Shayde não se preocupou em retrucar. Apenas desligou o aparelho. Não queria
revelar seu segundo pensamento: "Uma ova que não é!".
— O que acha? — Shadoe perguntou.
— Desenrolar interessante.
Shadoe reclinou sua cadeira ao máximo e colocou os pés em cima da mesa.
— Dê-lhe algum tempo, chefe. Meu irmão é novo nisso. No final, Shayde
conseguirá.
— Acho que teria sido melhor você ter realizado essa tarefa.
— Não! — Seus olhos faiscaram. — É mais divertido desse jeito!
— E se Shayde cometer um erro? — A chefe gelou só de imaginar. — Pode
acontecer, você sabe.
— Estaremos aqui para juntar os pedaços.
— É, talvez...
— O que está havendo? — Shadoe quis saber. — Está tendo algum
pressentimento?
— Um ou dois. De todos os encontros que arranjamos, este é o mais fadado a
fracassar.
— Por causa de Shayde?
— E também por causa de Tess Lonigan. E se Shayde resolver conduzir as
coisas do jeito dele? Sabemos muito bem do que ele é capaz.
— Nunca fracassamos antes, chefe. E não será desta vez.
— Promete, Shadoe? — Sorriu.
— Shayde irá até o final. Tem minha palavra.
O telefone de Tess tocou. Ela prendeu o fone entre a orelha e o ombro.
— Altruistics.
— Querida! Que bom falar com você de novo!
No instante em que escutou aquela voz, Tess pousou a caneta na mesa e endireitou-
se na cadeira.
— Sra. Smith, mas que surpresa...
— Não sei por que se surpreendeu, querida. Eu avisei que manteria contato.
— Em que posso ajudá-la?
— Resolvi que amanhã será o dia.
"Oh, não!" Tess calou-se por um instante. Vinha protelando aquele momento fazia
cinco anos. Desde que conhecera a sra. Adelaide Smith que a teimosa senhora insistia
em arrumar-lhe um marido. Não se interessou em descobrir se Tess queria ou não
tornar a se casar. Ou mesmo se algum daqueles encontros forçados tinha dado certo.
Pelo visto, o objetivo de encontrar um par para Tess tornara-se quase uma obsessão.
— Sra. Smith, gostaria muito que a senhora esquecesse essa ideia de me juntar
a seu filho. Ele é um cliente em potencial e pode causar um conflito de interesses.
Não só isso, como Tess também suspeitava que seu chefe havia escolhido Adelaide
Smith como a Impossível que Tess teria que convencer.
— Temo que não há outro modo, meu bem. Precisa de um homem em sua
vida, e quero assegurar que esse será Dick. Meu filho é perfeito para você. Não sei
como isso não me ocorreu antes. Decerto porque ele andava tão ocupado amealhando
seus milhões que nunca iria dar-lhe a atenção merecida.
Adorável. Era tudo o que Tess queria: um milionário centrado.
— Sra. Smith, a senhora não entende. Estou para ser promovida. Eu tenho de...
— ...convencer um Impossível. Sim, meu anjo, estou a par.
Tess relutava em acreditar no que ouvia. Como Adelaide sabia daquilo?
— Tenho minhas fontes. Também sou determinada quando quero alguma
coisa, para o caso de ainda não ter notado. Não desisto fácil.
Isso Tess já percebera. O que deixava sua posição mais delicada ainda.
Ela tentou de todas as maneiras possíveis esgueirar-se durante os últimos anos:
dissera "sim", dissera "não", explicou, implorou, ameaçou. Nada detivera aquela
mulher.
Se os Smith não estivessem no topo da lista dos Impossíveis, Tess já teria se livrado
dela. Mas como diria a seu chefe, Al Portman, que aquela doce e adorável senhora
era implacável como um tubarão quando resolvia dar uma de casamenteira?
Adelaide a provocou:
— Seria magnífico. Já posso até imaginar. Você e Díck encontram-se, graças a
meus esforços. Em um segundo, se apaixonam. Dick faz um gordo cheque, e você é
promovida. Em um mês, casam-se. Em menos de um ano, me dão um neto. Você
larga o emprego. E aí, me dão mais netos. Não é a coisa mais linda do mundo?!
"Netos? Largar o emprego? Não, de jeito nenhum! Não!" O desespero tomou conta
de Tess.
— Creio que suas fontes falharam, sra. Smith.
— Como assim?
— Estou envolvida num sério relacionamento.
— Tolice! Meus informantes não falham.
— Estranho... Considerando o quão envolvidos estamos, estou pasma por
ninguém ter lhe contado nada.
— Mas Dick...
— Adoraria conhecer seu filho, sra. Smith, com o intuito de conversarmos
sobre uma doação. Mas estou comprometida com esse homem, e não sou do tipo que
pula de galho em galho, se é que me entende. A senhora não ia querer uma mulher
assim como nora, estou certa?
— Evidente que não, querida. — Adelaide parecia não ter se abalado. — Mas
tem certeza de que essa pessoa serve para você?
— Acredite-me, ele é fantástico!
— Ah, tive uma grande ideia! — A senhora riu, satisfeita.
— Traga-o para a recepção de amanhã, para eu conhecê-lo. Se gostar dele, desistirei.
Até me proponho a dar uma força com Dick, quanto à doação. O que acha?
— Será excelente, sra. Smith. Obrigada.
Tess perdera muito tempo. Se os planos de Al fossem aqueles, Dick seria seu
Impossível. Tendo experimentado as garras de Adelaide antes, Tess sabia já poder
dar adeus a sua promoção, se não arrumasse um jeito de ir acompanhada à festa no
dia seguinte.
Lastimou-se. Não havia outra saída a não ser contratar um namorado antes disso.
Uma vez que não encontrara ninguém mais qualificado que Shayde até então, não iria
consegui-lo em menos de vinte e quatro horas. Para ser honesta, nem procurando por
muitos meses acharia alguém como ele.
Nenhum dos outros candidatos que entrevistou chegou aos pés das qualificações
profissionais e pessoais de Shayde. A única coisa que a impedia de pegar o telefone e
ligar para Jeanne era seu orgulho. Não queria dar o braço a torcer.
A escrivaninha, buscou pelo aparelho telefónico e começou a discar para a agência
de empregos. Nem precisou olhar para o telefone, discara tantas vezes aquele número
nos últimos dias que jamais iria esquecê-lo.
Tess levou alguns segundos para informar qual tinha sido sua escolha e obter a
informação necessária para con-tatar Shayde. Sem demora, começou a discar,
evitando cogitar desistir.
— Aqui é Tess Lonigan — falou no exato momento em que Shayde
respondeu.
— Pois não, sra. Lonigan. O que posso fazer pela senhora? Como se ele não
soubesse...
— Tomei minha decisão sobre o cargo. Se ainda estiver disponível, gostaria de
contratá-lo.
— Estou, sim. Mas tenho algumas condições que gostaria de discutir com a
senhora antes de começar.
Ela não esperava por aquilo.
— Do que se trata?
— Seria melhor conversarmos pessoalmente. Estará livre esta noite?
Aquilo não estava cheirando bem. Tess hesitou, pensando em como resolver essa
situação. Por mais que odiasse concordar, Shayde tinha razão. E não adiantaria tentar
fazè-lo falar pelo telefone. Seria inútil. Shayde decidira o que iria fazer, e ela não
conseguiria impedi-lo de impor suas condições, quaisquer que fossem.
— Sim, estou livre, sr. Shayde. Onde nos encontraremos?
— Em sua casa.
— De jeito nenhum.
— Em sua casa — ele repetiu. — Olhe, sra. Lonigan, Jeanne já investigou
toda minha vida. Estará segura comigo.
— Não estou bem certa disso.
— Tem de admitir que isso será algo muito particular. Seu plano de contratar
um homem para ser seu suposto amante falhará se não nos conhecermos melhor.
Acha que me pegando em casa cinco minutos antes da recepção convencerá alguém?
— Eu... — Não sabia o que responder. — É, acho que não.
— Sendo assim, estamos combinados. Às oito horas?
Um burburinho podia ser ouvido soando próximo de Shayde.
— Tenho de ir, sra. Lonigan.
— Não quer meu endereço?
— Ah, claro...
Logo que anotou a informação, Shayde desligou.
Tess afundou no assento, tentando colocar as ideias em ordens e arrumar uma
explicação racional para o que acabara de fazer. Lógica não era, muito menos
emocional. Era o desespero que justificava suas ações, mas sentiu-se pior do que
antes.
E se tivesse contratado um lunático, ou um maníaco? No instante em que isso lhe
ocorreu, ficou em pânico. O melhor a fazer era pedir ajuda a seu irmão. Seth possuía
uma empresa de construção e com certeza poderia mandar alguém para protegê-la.
Portanto, ligou para ele.
—Vamos lá, Seth, é claro que conhece alguém para me indicar! Preciso de um rapaz
grande e forte dentro de minha casa esta noite, enquanto recebo esse moço. E lembre-
se: quem quer que seja, terá de ser muito robusto e intimidador. Certo?
Seth não estava acreditando naquilo.
— Você é uma boba, Tess. Não acredito que uma garota tão inteligente pôde
convidar um estranho para ir a sua residência.
— Tive de fazer isso. E vai funcionar, embora não acredite. Faça com que a
pessoa esteja lá um pouco antes das oito.
— Tudo bem..
— Só mais uma perguntinha e o deixo em paz, Seth.
— Diga.
— O comité já está vendo meu pedido?
— Tess, você não é nossa única cliente. Pegaremos o caso de Emma e Raine
assim que possível. Dê-nos mais um tempo.
— Espero que sejam bons mesmo. Emma e Raine merecem ser felizes.
— Não serão apeiías felizes. Garantimos amor eterno.
— Por enquanto, preocupe-se com meu guarda-costas.
— Fique sossegada. Já tenho um perfeito candidato.
Tess escolheu calça jeans e uma blusa curta entrelaçada, sem mangas, que deixava
um pouco de sua cintura à mostra. Penteando os cabelos, olhou sua imagem no
espelho com orgulho.
"Deixe que ele diga que sou casualmente elegante." Às sete horas e quarenta e cinco
minutos a campainha
tocou. Tess abriu a porta e deparou com um gigante.
— Seth pediu que eu viesse. Meu nome é Buli — falou, quase rosnando, e
entregando-lhe um bilhete.
Tess,
Este é Buli. Não se assuste. Ele opera com poucas instruções.
Boa sorte! Seth.
— Entre, Buli. Fique à vontade. — Sorriu, simpática. — Quer beber algo?
— Não posso, seu irmão falou: nada de álcool.
— Um refrigerante, um café?
— Um café cai bem. Obrigado.
Tess foi à cozinha e trouxe-lhe uma caneca fumegante.
— Esse sujeito que vem aqui está lhe fazendo ameaças?
— Não, de jeito nenhum! É que não o conheço muito bem, e por isso achei
melhor ter alguém por perto para me proteger, caso seja necessário.
— Se você quiser, ponho o homem para correr!
— Não será necessário, Buli. Só preciso que fique aqui por perto.
Onde seu irmão encontrara aquela preciosidade? Pobre Shayde... Se Tess não fizesse
algo para protegê-lo daquele brutamontes, iria ficar sem acompanhante e sem
promoção.
— Buli... Isso não deve levar muito tempo. Temos apenas um assunto a tratar.
Assim que eu e ele acabarmos, você estará dispensado. Mas, até que meu amigo se
vá, quero que fique aqui. Entendeu?
— Sim, madame. Estarei aqui.
Se a campainha não tivesse tocado, Tess teria repassado as instruções mais uma vez
para assegurar-se de que Buli compreendera tudo.
Shayde estava à soleira.
— Por favor, entre — Tess convidou-o a entrar com uma certa formalidade,
que no entanto nem chegava perto do que sentiu no momento em que o encarou.
Buli avistou Shayde assim que a porta se fechou. Olhando para Tess, franziu o
cenho.
— Ele é seu amigo? — Buli quis saber.
— Nós nos conhecemos há pouco.
— Olá, Buli, como vai indo? — Shayde aproximou-se do gigante.
— Ei, Shayde! O que está fazendo aqui? — Buli gritou, apertando-lhe a mão.
— Tenho um encontro com a sra. Lonigan! — respondeu, animado.
Um profundo suspiro veio de dentro de Buli, que se virou na direção de Tess.
— É deste camarada que tenho de protegê-la? — indagou, incrédulo.
Tess não podia crer no que estava acontecendo. Shayde cruzou os braços sobre o
peito e meneou a cabeça em desagravo.
— Que início de relacionamento, não, sra. Lonigan?
— Não é bem isso, Buli... Veja, Shayde, eu...
— Desculpe-me, sra. Lonigan. É que Shayde... Não posso com ele. Shayde é
melhor que eu.
— Eu me encarrego de tudo, velho amigo — Shayde interveio. — Pode ir
agora, Buli.
— Como assim? — Tess pôs as mãos na cintura. — Você deve ficar até
Shayde partir.
— Sra. Lonigan, o que me disse era que precisava ter certeza de que estaria
segura. E, com Shayde aqui, garanto que estará.
Não houve tempo .para protestar. Quando pôde voltar a raciocinar, Buli já tinha
saído.
— Não era bem o que eu tinha planejado para hoje.
— Nervosa com nosso primeiro encontro, querida?
— Uma vez que não o conheço direito, achei melhor me precaver, sr. Shayde.
— Costuma convidar Buli para todos os seus encontros?
— Todos — Tess mentiu.
Shayde não se incomodou em corrigi-la. Era óbvio que aquela era a primeira vez que
Tess via Buli. Em vez disso, sorriu, e ela pôde sentir o calor a aquecê-la.
Fora uma idiota ao pensar que Shayde era um lunático ou pervertido. Ele não
precisava disso para ter o que queria. Bastava sorrir daquele jeito avassalador que
teria tudo.
Aos poucos, ia percebendo o quanto Shayde era impressionante. Seus ombros eram
fabulosos, o corpo, musculoso, e seu olhar brilhavam com uma intensidade
inigualável, parecendo que ia roubar-lhe a respiração.
Ela interrompeu os devaneios. "Já chega." Shayde convidara-se para vir a sua casa
por um motivo e, se fosse inteligente, não iria perder tempo tentando descobrir o que
ele queria, afinal. Era melhor concentrar-se nos negócios.
— Onde conheceu Buli?
— Assim, vamos retroceder. — Shayde olhou ao redor à procura de algo. —
Onde ficam seus aposentos?
— Nós não iremos lá. Que tolice é essa?
Shayde arqueou uma sobrancelha.
— Meu Deus! Que mente fértil a sua!
Tess não se preocupou em responder, mas o guiou para dentro da sala.
— Venha, Shayde. Vamos até a cozinha. Poderemos conversar e tomar um
café.
— Irei aonde me levar. Nada melhor que um café para iniciar uma boa
conversa.
— É o máximo que teremos, hoje. O café será o início e o fim de nosso
primeiro encontro. — Não conseguiu conter o riso.
— Ora, ora! Você é bem difícil...
— Imagino que seus primeiros encontros tendem a ser mais interessantes.
— Como via de regra, sim.
— Sinto desapontá-lo.
— Veremos quem ficará desapontado quando a noite findar.
Com um gesto, Tess o guiou até a cozinha. Logo, já estava preparando o café.
— Quando nos falamos ao telefone, você mencionou algumas condições para
aceitar o emprego. — Tess tirou as canecas do armário. — Quais são?
— Vejo que é uma mulher que prefere ir direto ao ponto. Muito bem, vamos
lá. Você quer que nos comportemos como amantes, certo? Para isso, teremos de
passar algum tempo juntos para que possamos parecer mais convincentes diante dos
outros.
— Impossível. A festa é amanhã à noite.
— Nesse caso, temos muito trabalho a fazer.
— Isso é desnecessário, Shayde. Se dissermos às pessoas que somos um casal,
elas acreditarão.
— Acho que é muito arriscado.
— Prefiro correr o risco.
Shayde esperou que Tess se aproximasse para servi-lo e, no momento em que se
sentou à mesa, pegou sua mão. A reação de Tess foi imediata e instintiva: esgueirou-
se. Ele gargalhou.
— Entende o que eu quis dizer?
Tess odiava ter de admitir que Shayde estava certo.
— É verdade, teremos de nos acostumar um com o outro.
— Segunda condição: nosso desempenho em público ficará a meu comando.
— Gostaria que lembrasse que a chefe aqui sou eu!
— Terceira condição — prosseguiu, sem dar a mínima para Tess.
— Espero que seja a última.
— É, sim.
— Não que eu esteja concordando com as outras. Mas prometo que levarei em
consideração suas condições.
— Que bom! — Completou-o com um sorriso genuíno. — Minha terceira
condição: vamos morar juntos.
CAPÍTULO III

Shayde não podia acreditar que tinha dito aquilo. Mas agora que já dissera, e achou
a ideia um pouco apelativa. O que diria o comité se descobrisse que estava instigando
um relacionamento de Tess com ele, em vez de instigar o escolhido? De alguma
forma se perdera, via-se sem rumo.
Tess afastou-se o máximo que pôde, encarando-o com um olhar que misturava
descrença e perplexidade. Com aquela atitude, Shayde, por fim, fazendo ruir sua
aparência gélida, que ajudava a manter as pessoas distantes.
Embora também se visse vulnerável, pois baixara a guarda, Shayde só pensava em
protegê-la.
— Você perdeu a cabeça?!
— Não, Tess.
— Eu é que devo ter perdido a minha quando achei que podíamos trabalhar
juntos. Obrigada por ter vindo, sr. Shayde. Amanhã ligarei para Jeanne e marcarei
outro candidato.
Shayde sabia reconhecer o medo, e era isso o que Tess sentia. Agora, por que uma
mera sugestão causara tal pânico?
— Sua festa é amanhã. Seja honesta: acha que vai encontrar alguém que possa
fazer o serviço a tempo?
— Ainda acredita que é possível? — Tess deu de ombros com tanta
displicência que Shayde teve certeza de que ela estava fingindo. — Se você pode, por
que não outro?
— Eu lhe mostrarei.
Shayde ignorou a voz da consciência. Não iria ouvi-la daquela vez. A intuição dizia:
"Saia daí, vá embora. Não a toque. Tess não é para você." Porém, ficou de pé e puxou
a cadeira para perto dela.
Segurando-a pela cintura, Shayde a puxou para si e a beijou com a fineza de um
homem das cavernas. Nem ele sabia que podia ser tão troglodita. Talvez fosse algum
traço genético que estivera adormecido até encontrar a hora certa e a mulher certa.
Ou talvez fosse um imbecil. É, era o mais provável.
Em especial considerando que suas táticas não estavam funcionando.
Tess não correspondeu ao abraço e tentou virar-se contra ele. Seus braços e suas
pernas se enrolaram com os dele na posição mais esquisita possível. Acabaram por
chocar seus narizes enquanto os lábios se entortaram.
Shayde ainda tentou consertar o desalinho. Braços e pernas lutavam para se
desvencilhar. A boca de Tess estava perdida em algum lugar da face de Shayde.
— Sexta série — Shayde murmurou. — Droga!
— Hum?! — Tess tentou falar.
Ele tentava libertar-se, num misto de prazer e resignação.
— Lisa Penn, na sexta série. Ela foi a primeira garota que beijei, e foi a pidr
experiência de minha vida. Creio que dela também.
Tess esforçava-se para livrar-se daquela posição, sem grande sucesso. Acabou por
acertar-lhe a virilha, e Shayde suprimiu um grito.
— Não sei como lhe dizer isso, sr. Shayde, mas não progrediu muito desde
então.
Shayde, com todo o cuidado, alinhou-se até que estivesse pronto para se erguer sem
maiores danos físicos a nenhum dos dois.
— Admito que nossa primeira tentativa falhou, Tess. Mas na próxima vez...
— Não haverá uma próxima vez. Acaba de provar em definitivo que não há a
mínima chance de dar certo entre nós.
— O que provei é que precisamos mesmo treinar mais para nos mostrar como
um casal, a não ser que saiba um meio de corrigir nosso ângulo de trajeto.
— Interessante ponto de vista... — Tess respirou fundo.
— Talvez tenhamos começado errado. Ou quem sabe alguma interferência
magnética tenha alterado nossos giroscópios. O que quer que tenha sido, ainda dá
tempo de alterar.
— Não sou uma espécie de estação ou nave espacial, e muito menos você um
astronauta a ponto de embarcar em... — ela hesitou — ...mim.
Tess estava certa. Não que ele fosse admitir. De algum modo, fracassara. Mas
insistiria.
— E aí que se engana, Tess. Pode ser que eu devesse ter escolhido uma
analogia melhor, embora isso não mude o fato de que você precisa de alguém com
quem possa interagir física e intelectualmente. E eu sou esse homem!
— Não, não é. E só foi preciso de um beijo para provar.
— Aquilo não prova nada. Entretanto, se eu a pegar de surpresa e você se
esgueirar daquela forma, não convence remos ninguém.
— Há uma explicação.
— Medo?
— Não! Você é meu empregado, não meu amante.
— Mas fui contratado para ambos os papéis.
Tess não iria permitir que Shayde continuasse com aquilo.
— Eu o contratei para ser meu empregado e para fazer o papel de amante. Isso
não significa que tem de beijar sua patroa. Ou agarrar chefes faz parte de- seu
procedimento operacional padrão?
— Que eu me lembre, você é o primeiro patrão a quem beijo. — Shayde a
olhou com franqueza. — Para ser franco, não estou convencido de que foi uma boa
aproximação.
— Nem sequer média. O máximo que conseguiu foi ser despedido.
Shayde não se conteve:
— Está me demitindo?
Tess queria fazê-lo, e ele sabia disso. Seu único receio era ter de iniciar todo o
processo de seleção outra vez. Visto que ela não tinha tempo, foi isso o que o salvou.
— Tenho a intenção de permanecer com você. Embora receie que não aceitarei
suas condições.
— Então, não pretende estar comigo antes do evento? — Shayde indagou, com
humildade.
Tess contornou a mesa, evitando olhá-lo até que alcançasse uma distância segura.
— E quando seria isso? A festa beneficente será amanhã à noite, e durante o
dia tenho de trabalhar. Não acha que negligenciarei minhas tarefas diárias para estar
com você, não é? Sem chance.
Shayde concluiu o óbvio:
— Então, teremos de fazer tudo agora.
— E isso mesmo.
A resposta nada entusiasmada de Tess era o máximo que Shayde podia esperar. Nem
cogitou tentar mais nada.
— Sendo assim, pelo menos concordou com minha primeira condição. Diga-
me, Tess, o que tem contra a condição de como interagimos em público?
— Não permitirei que você prejudique minha carreira.
— E o que tem sua carreira com isso? Estou falando de sermos um casal.
Imagine se resolvo lhe dar um beijo durante um jantar e você me dá um fora.
— Não estávamos em público quando aconteceu, sr. Shayde. E, além do mais,
não esperava que você me tocasse.
— Posso surpreendê-la quando estivermos na presença de um cliente ou um
amigo. E o que fará? Dirá que sente muito? Ainda temos muito o que praticar.
— Não seja ridículo!
— Isso mesmo. Estou sendo ridículo. Você não precisa dizer uma palavra para
mostrar aos outros o quanto somos incompatíveis. Veja aquele beijo. Nem de nos
beijar fomos capazes, uma coisa tão simples e natural.
— Como não nos beijaremos em lugar algum, não vejo qual é o problema. —
Tess demorou o quanto pôde para pegar a caneca de café, tentando escolher as
palavras: — E ainda quer que moremos juntos. Essa é boa!
Shayde tentou não reagir à provocação.
— Ajudaria muito, Tess. Nada melhor que dividir pijamas para quebrar a
formalidade.
— Deixe-me adivinhar. O fato é que você não usa pijamas.
Shayde se manteve quieto. Não precisava falar nada.
Tess retornou ao tom formal:
— Parece que não compreendeu que este trabalho só durará alguns dias. Não
temos necessidade de transformar essa farsa em uma superprodução.
— Só levará um ou dois dias para convencer um Impossível?
— Se eu tiver sorte...
— E se não tiver? — Esperou pelo impacto da questão, antes de continuar: —
E depois? Digamos que consiga o cargo que almeja. Não será necessário manter a
farsa por mais um tempo? Ou essa razão misteriosa, que a convenceu a contratar-me,
desaparecerá no minuto em que for promovida?
— Por que está fazendo isso? Eu o contratei para uma simples tarefa, e de
algum modo você está querendo levar isso longe demais. Por quê?
— Levo minhas funções a sério.
Tess rejeitou a resposta de imediato:
— É mais do que isso. De onde conhece Buli? Eu o conheci por intermédio de
meu irmão. E você?
— Também o conheci por causa de Seth.
A mão de Tess tremeu, e ela derrubou todo o café.
— Você conhece...
— Seth? Sim. Fomos colegas de faculdade.
— Não me contou. Seth nunca... — Tess suspirou. — Não estou entendendo
nada.
Uma pitada de sinceridade cairia bem. Shayde se postou no canto oposto àquele em
que Tess estava.
— Depois de me contratar, você ligou para seu irmão para pedir um... Creio
que um protetor, se essa é a melhor definição. Vamos dizer que Buli não foi sua
primeira opção.
— Ele procurou você?!
— Seth não sabia que eu era a causa principal de seu problema e, como sou o
melhor que conhece, me telefonou.
— Verdade? Se é o melhor, por que resolveu fazer as vezes de garoto de
programa?
Shayde deu de ombros.
— Estou entre dois trabalhos.
Por sorte, Tess não quis saber do que se tratava. Estava mais preocupada com outro
detalhe.
— O que contou a Seth? Digo... sobre nós dois.
— Falei a seu irmão que você precisava de um par para acompanhá-la em
ocasiões de negócios. Tenho a impressão de que Seth achou que devia ser uma
decisão prática baseada em sua situação atual.
— Então por que ele mandou Buli?
— Porque queria convencê-la de que estaria segura comigo.
Um sorriso genuíno surgiu nos lábios dela. Que os céus o ajudassem, aquela garota
era esplêndida! Será que Tess fazia uma vaga ideia do que um sorriso daqueles
causavam em um homem?
— Buli me convenceu de que você é um bom guarda-costas, embora eu ainda
não esteja tão segura em relação a mim.
— Existe uma razão.
— E qual é?
— Sou um excelente protetor contra estranhos. Mas não contra mim mesmo.
— Então, ficarei flerta. — Tess limpava o café enquanto trocavam olhares pòr
sobre a bancada. — Isso nos leva de novo às condições.
— Pelo jeito, chegamos a um acordo. Você aceita as minhas condições. —
Tentou esconder sua alegria.
— As duas primeiras, sim, sr. Shayde, mas quanto a mudar para cá, de
maneira alguma.
Shayde não se importava com a terceira condição. Nem ao menos sabia por que
falara aquilo. Já atingira seu ob-jetivo com as duas primeiras.
— Ótimo. Nesse caso, vamos começar agora.
— Agora?!
Será que Tess podia imaginar o quanto suas emoções eram nítidas? Shayde
duvidava. Ou quem sabe, ela estava tentando despistá-lo. Mostrar os sentimentos de
forma tão clara não a ajudaria a lidar com seus clientes.
Quem sabe esse comportamento fosse fruto da situação que vivia naquele momento:
uma simples resposta a um rapaz. Ao observá-la naquele instante, tão indefesa, um
desejo quase incontrolável despertou dentro dele, e uma vontade irresistível de tomá-
la nos braços se fez presente.
Homem versus mulher e seu instinto mais primitivo, a essência da paixão
penetrando no ar. Ele se viu obedecendo ao chamado do amor.
Shayde deixou a compostura de lado e aproximou-se.
— Você prometeu que passaríamos algumas horas juntos esta noite. — Parou
a uma dois passos de Tess. — Sugiro que comecemos já.
— Tenho uma sugestão melhor. Uma hora antes da festa de amanhã, nós nos
encontraremos e conversaremos um pouco.
— Poderíamos até fazer isso, se fosse você quem desse as ordens. Mas como
não é.
— Já discutimos sobre isso o bastante, sr. Shayde. Eu sou a chefe aqui.
— Você paga meu salário, porém, quem toma decisões sou eu. — Shayde se
aproximou ainda mais. — Já está tentando violar nosso acordo?
— Não. Sim! Não tente tornar as coisas difíceis.
Shayde sorriu com simpatia.
— Vamos facilitar, tudo bem? Por falar nisso, pare de me tratar por "senhor".
Tomando-lhe a caneca da mão, Shayde escorregou os dedos por entre os cabelos de
Tess, e depois lhe acariciou o rosto.
— O que pensa que está fazendo?!
— Corrigindo um erro.
— Concordamos que não haveria mais beijos.
— Isso foi antes de você prometer fazer as coisas a meu modo.
Tess enrubesceu.
— Estou achando tudo muito complicado. Dê-me uma oportunidade. Temos
vinte e quatro horas para nos acostumar um ao outro.
— Lamento, mas faremos tudo à minha maneira. — Shayde abaixou a cabeça
e murmurou a seu ouvido: — Confie em mim.
Ele não lhe deu nenhuma chance de raciocinar. Dessa vez, de modo suave e perfeito,
cobriu por completo os lábios de Tess.
As bocas se encaixaram à perfeição, e ele pôde sentir todo o gosto dela. Tudo em
Tess era inacreditável. Seus cabelos, seus olhos, seu cheiro e sua pele. Shayde sentiu
aflorar seus mais puros sentimentos, e a chama que se acendeu poderia tornar tudo
muito intenso, sem o menor esforço.
No começo, ela se manteve rígida, mas não lutara nem também participara.
— Relaxe — Shayde a encorajou. — Não iremos fazer nada que a deixe
desconfortável. Vamos selar a paz.
As mãos de Tess tocaram os ombros de Shayde, segurando de leve. Ainda não
decidira se devia empurrá-lo ou o abraçá-lo.
— Você está diferente.
— Diferente como?
— É tão forte! Parece tão... à vontade.
— É porque sou assim — admitiu, sem pestanejar. — Mas não uso essas
qualidades para machucar as pessoas.
— Nem mesmo a quem está protegendo?
— De forma alguma. Nunca contra as mocinhas.
— E eu seria considerada uma mocinha.
— Sem sombra de dúvida.
Shayde tornou a beijá-la, tomando mais cuidado, num ritmo menos frenético. Tess
rendeu-se. Estava na ponta dos pés, e assim podia acariciá-lo, como num toque
experimental.
Até que relaxou, deixando-se abraçar e correspondendo aos carinhos. Sua respiração
acelerou, mas não vacilou. Shayde pôde sentir que Tess ainda não se entregara. Era
incrível seu autocontrole.
Shayde percebeu que Tess queria parar. Não entendia por que ela nunca baixava a
guarda. Por qúe resistir a algo que ambos almejavam? Bem, era melhor não insistir,
por enquanto.
Shayde recuou e estudou a expressão dela.
— E um começo, creio eu.
— Não tão bem-sucedido — ela admitiu.
Não. Ao menos não tanto quanto Shayde gostaria que fosse. Eles ainda continuavam
a ser dois estranhos, os corpos lutando em busca de um equilíbrio. Shayde sabia a
razão.
— Não foi tão mal assim, Tess. Se levarmos em conta que nos conhecemos tão
pouco... Também tenho certeza de que você é o tipo de mulher que prefere construir
uma relação devagar, à moda antiga.
— Há algo errado nisso?
— Nada. Só que não temos tempo para agir assim.
Tess soltou-se dele.
— Você não entende, Shayde? Não quero construir ne nhuma relação nem
com você nem com ninguém.
— Sim, entendi.
"Eu, sim, mas o comité ainda está tendo dificuldades com esse pormenor."
— Se não quer ter ninguém, por que precisa inventar uma relação, Tess? O
que tem por trás dessa promoção que a está forçando a isso?
— Não é de sua conta.
— É, sim. Se está interferindo em meu trabalho, tenho o direito de saber. — Já
não se importava em insistir. Tinha de descobrir. — Você é independente, uma garota
que traça seu próprio destino. Portanto, como pode estar sendo forçada a fazer algo
que não quer. Por quê?
— Eu já disse...
— Algum cliente está querendo fazer sexo com você?
— Não!
Tess reagiu com tanta convicção que Shayde não ousaria duvidar que fora sincera.
— Olhe, quero tentar outra coisa. Mas não há espaço na cozinha para o que
pretendo.
Tess não argumentou. Com indiferença, guiou-o até a sala. Uma vez no hall,
encarou-o.
— E agora?
— Quero dançar com você.
— Dançar? — Tess o fitou como se ele tivesse perdido o juízo. — Não há
música!
— Melhor ainda. Assim nossos corpos poderão ouvir um ao outro.
— Ah... Já entendi. Você é um daqueles tipos.
Shayde franziu o cenho. Do que ela está falando?
— O que quer dizer, Tess?
— Você sabe... Um daqueles sujeitos pós-modernos, filósofos excêntricos.
Cristais, dançar sem música, incenso indiano....
Oh, Céus! Shayde não achou um jeito de contestar. Considerando o quanto Tess era
teimosa, qualquer resposta iria confirmar sua suspeita. Ele não gostava de perder.
Passando as mãos pela cintura dela, puxou-a, encaixando-a entre as coxas.
— Você é perspicaz — sibilou por entre os dentes. — Minha casa é rodeada
de cristais, e já li todos os livros de filosofia disponíveis. Entendo tudo de astros.
Enquanto falava, Shayde espalmou a mão nas costas de Tess, apertando-a contra seu
peito musculoso.
— Posso enfrentar qualquer eventualidade.
Tess precisou respirar fundo duas vezes antes de responder:
— Deixe-me adivinhar. Não sou tão boa em julgar o caráter das pessoas
quanto você.
Shayde moveu-se num lento círculo, com as mãos nos quadris dela, encorajando-a a
seguir a cadência.
Um sorriso meie nervoso escapou dos lábios de Tess.
— Sabia que seus olhos ficam acinzentados quando está zangado?
Para frustração de Shayde, os movimentos de Tess iam no sentido oposto aos dos
dele. Em vez de acompanhá-lo, ela ziguezagueava ao contrário. Isso quando não
pisava em seus pés.
— Se ainda não notou, Shayde, isso não está funcionando.
— Funcionaria melhor se você parasse de tentar conduzir. Essa tarefa é minha.
— Desculpe-me. É que estou acostumada a dar as ordens.
— Então, empatamos.
— Está bem, Shayde, vamos dançar. Mas o máximo que conseguiremos é
provar que somos incompatíveis em tudo.
— Tess, alguma vez já observou casais numa pista de dança?
— Claro.
— Não dá para perceber a diferença entre os que estão acostumados um com o
outro e os que não estão?
— Sim.
— Há intimidade nos movimentos dos namorados. Uma cumplicidade.
Movem-se no mesmo ritmo. — Tornou a puxá-la. — Ande, mais um vez.
— Eu preferia parar.
— Tess, só mais uma. Se não conseguimos nem dançar juntos, como
convenceremos os outros...
— ...de que somos um casal. — Tess fixou o olhar por cima do ombro de
Shayde. — Só mais uma tentativa. Se não der certo, desistiremos.
Shayde agora fazia os passos mais simples possíveis. Mas nada parecia ajudar.
— Relaxe, Tess.
— Estou tentando.
— Esforce-se.
Ela tentou esgueirar-se, e Shayde a segurou de forma a alinhar suas formas na
mesma cadência. Nunca antes tivera em seus braços uma garota tão resistente.
— Creio que você não gosta que eu a toque. Que falta de sorte, coração.
Cóntratou-me para um serviço, e vou fazê-lo de um modo ou de outro. Sugiro que
feche cerre as pálpebras e pense nos motivos que a levaram a me contratar. Caso
forem importantes, acabará cooperando. Assim, pare de lutar e faça o que digo,
senão, adeus, promoção.
Tess hesitou por um momento, mas em seguida firmou-se. Pousando os dedos sobre
o ombro de Shayde, encostou-se dele.
— Dance, Shayde — ordenou-lhe.
Ele a conduziu devagar. Enfim, ela seguiu seus passos. Daí em diante, não tornou a
pisar nos dedos de Shayde.
Após completar um pequeno circuito, Shayde a segurou com firmeza para evitar que
escapasse.
— De novo, Tess.
Tudo agora parecia dar certo, com uma natural fluidez no lugar da resistência. Para
satisfação de Shayde, Tess antecipou os movimentos e o acompanhou com facilidade.
Tess possuía um ritmo nato. Uma vez terminado o segundo círculo, ela tentou
finalizar a dança.
— Não quero parar... — Shayde quase implorou.
Tess fez uma careta, mas não protestou.
Shayde deu passos mais complicados, o que não foi nenhum problema para ela.
Aceitando o desafio com um belo sorriso, Tess o acompanhou, grudando-se nele.
Shayde pôde senti-la. Por um breve momento, Tess se soltou, como os amantes
fazem. A música vinha de dentro, os ritmos combinavam.
Shayde não resistiu e a beijou com ardor. A resposta de Tess era tudo o que ele
queria. Os corações batiam no compasso cadenciado, quebrando o silencioso
chamado dos enamorados.
Tess se arrepiou, sua pele acariciava a dele, e uma forte sensualidade brotou em seu
olhar. Umedecendo os lábios, ergueu o queixo, preparando-se para o beijo.
Ela dava sinais de que estava pronta. Via-se isso no rubor das faces, na
correspondência aos carinhos. Shayde não se conteve e começou a afagar-lhe os seios
com a ponta dos dedos.
Se alguém os visse naquele momento, não restariam dúvidas sobre o romance. Eram
assim que os beijos tinham de ser, e era daquele modo que Tess deveria agir a cada
toque dele.
Logo em seguida, tudo terminou como havia começado: abruptamente. Tess livrou-
se do abraço, encarando Shayde, apática.
— Perdeu a cabeça? — Cruzou os braços. — O que pensa que está fazendo?
— Dançando, Tess.
— Aquilo não era dançar. Você me tocou. Isso nunca poderia ter acontecido.
Como pôde?!
— Eu pude. E fiz. — Shayde chegou mais perto. — E não só aconteceu como,
agora que sei como alcançá-la, vou fazê-lo sempre. Entendeu?
CAPÍTULO IV

Tess balançou a cabeça, mas não recuou uma polegada sequer.


— Não lhe darei oportunidade para que isso torne a acontecer. Esqueci-me por
um momento, enquanto dançávamos. Foi apenas uma distração.
Shayde engoliu em seco. Distração? Tess considerou a experiência uma distraçãoll
De que era feita aquela mulher?! Tess fez brotar em Shayde um desejo ardente nunca
antes experimentado.
— Nesse caso, Tess, é melhor que fique distraída com mais frequência ou seu
esquema irá por água abaixo. Por um momento, você baixou a guarda. Jteagiu como
uma garota reage quando está nos braços de seu amante.
— Você não é meu amante, e não quero dançar daquele jeito de novo.
— Por quê?
Antes de responder, Tess deu-lhe as costas e saiu andando.
— Conseguiu provar sua teoria, Shayde. Isso não está funcionando. Temos
problemas quando andamos, falamos e sobretudo dançamos. Melhor evitarmos dançar
amanhã à noite.
— Não é disso que estou falando. — Tentava controlar a frustração. — Sabe
bem o que estou querendo, e resolveu dificultar tudo. Por quê? O que está
acontecendo, Tess?
— Já é tarde. É melhor ir embora.
— Não são nem nove horas! E ainda não terminamos.
Tess o encarou mais uma vez. Suas íris escureceram num tom índigo, e ela
comprimira os lábios tentando evitar que tremessem. Fitou-o com desconfiança, e
Shayde suspeitou que qualquer palavra dita naquele instante iria acabar com tudo.
— Basta, Shayde! Não dançarei mais com você e ponto final!
Ela o acertara. Shayde decidiu se expressar com a entonação mais suave possível, o
que, por si só, era um desafio e tanto, pois nunca tivera um timbre capaz de acalmar
cachorros ou ninar crianças.
— Nossa dança a fez lembrar-se de Robert, não?
— Errou.
Shayde franziu o cenho. O que pôde tê-la deixado tão aborrecida? Se fora algo que
Tess e o marido tinham feito... Oh, céus! Foi o que não fizeram. Como foi capaz de
ser tão inábil?
— Ficou triste porque nunca dançou assim com Robert, não é? Quando
descrevi como os amantes se comportam, sobre a intimidade dos casais... Nunca teve
isso com seu marido?
— Acertou. — Tess falou tão baixo que Shayde quase não conseguiu ouvi-la.
Não importava o quanto suas palavras a feriram. Era óbvio que não magoaram tanto
quanto a forma como ele conduziu a dança. Tess nunca experimentara aquela sen-
sação com o marido.
Cheio de compaixão, Shayde pensou num jeito de reparar o dano.
— Então, você e Robert nunca dançaram bem. Mas isso não invalida seu
relacionamento. Sabe disso.
— Importa-se em mudar de assunto?
— Se não quiser dançar amanhã, tudo bem. Entretanto, ainda não acabamos.
Temos de nos sentir confortáveis um com o outro. Vamos trabalhar mais um pouco?
Tess passou a mão pelos cabelos, despenteando as mechas onduladas. A luz do hall
iluminou os cachos, ressaltando as mechas ruivas e as douradas. O movimento
também levantou seu top, deixando à mostra seu ventre.
Tess era uma mulher de contrastes, uma intrigante mistura de gelo e chama. Por
mais que tentasse manter as pessoas a distância, seu calor interno as atraía, tentadas
que ficavam a quebrar a barreira fria e alcançar as brasas. Ela parecia não saber o
quanto era atraente. Ou fingia, preferindo concentrar tudo em sua carreira.
— O que mais agora, Shayde?
— Um filme e pipocas.
Tess ficou confusa com o que ouviu.
— Está me convidando para sair?
— Não. Refiro-me a pipocas de microondas e uma fita de vídeo.
Shayde estava certo de que ela iria argumentar. Após um breve momento, Tess se
pronunciou:
— Um filme e irá embora?
— Isso mesmo.
— E quando acabarmos todos acreditarão que temos um romance?
— Digamos que teremos uma chance razoável.
Devia ter algo estranho em sua sugestão, embora Tess duvidasse de que seria capaz
de descobrir.
Não haviam se passado nem cinco minutos quando ela compreendeu o que Shayde
planejara. A primeira pista veio quando ele colocou a fita no videocassete e apagou
as luzes.
— O que está fazendo?
— Apagando as lâmpadas.
— Isso é evidente. Quero saber por quê.
— Porque vejo filmes no escuro. E para dar clima.
Depois do que houve na sala, Tess não pretendia sequer ouvir falar desse tipo de
coisa. O certo seria ter todas as luzes acesas e no mínimo um metro a separá-los.
Deixou a sala, rumo à cozinha.
— Pode começar sem mini. Vou fazer a pipoca.
Tess resolveu que iria demorar ao máximo. Contudo, fazer pipoca no microondas
não levava mais do que cinco minutos. Nada estava correndo a seu contento.
Seria melhor se Shayde se comportasse como um empregado devia se comportar.
Mas ele a beijara, dançara com ela... E ela havia correspondido.
Tess andava de um lado para outro. Além de ter gostado do beijo, quase fez amor
com ele no meio do hall. Por que seu corpo resolvera rebelar-se justo naquele
momento e justo com Shayde?!
Conseguira manter os homens longe durante os últimos nove anos, colocando a
carreira na frente de qualquer envolvimento. Em poucas horas, porém, Shayde
conseguira colocar todas elas por terra.
"Encare a situação, Tess", ordenou a si mesma. O doloroso era que estava balançada,
uma reação bastante normal. Sentia saudade de Robert e do que tinham partilhado.
Além disso, Tess não queria passar de novo pelo tormento que a assolara por causa
da morte do marido. Sofrera muito.
Seu único objetivo tornou-se sua carreira, e nada mais. E não seria um sujeito sem
sobrenome que iria complicar sua vida. O que significava...
Tomou uma decisão. Assim que a pipoca ficasse pronta, marcharia para a sala e
colocaria Shayde em seu devido lugar. Com isso, sen^iu-se bem melhor.
Despejando a pipoca numa tigela, deixou a cozinha. O filme já ia começar.
Shayde estava esparramado no meio do sofá, com as pernas esticadas. Tess colocou
a tigela sobre a mesa e, antes que ela começasse seu belo discurso, Shayde a agarrou
pela cintura e a trouxe para seu lado.
Tess ainda tentou se desvencilhar, mas desistiu, pois era inútil. Se Buli não era
capaz de vencê-lo, ela também não seria.
— O que acha que está fazendo, Shayde?
— Assistindo a um filme com você.
— Costumo vê-los na posição vertical. E além do mais, decidi...
— Jura? Não sabe o que está perdendo. — Shayde encheu a mão com pipoca.
— Relaxe, Tess!
— Não posso! Decidi que você deve partir.
— Até sei quando resolveu isso. Bastaram três ou quatro minutos sozinha.
Para uma moça inteligente como você, esse tempo é suficiente para tomar decisões.
— Isso é um palpite?
— De forma alguma. Foi bem previsível. Relutou em me contratar desde o
início. Como buscou alguém melhor e não conseguiu, fui sua última opção. E por
esse motivo luta sem parar contra sua resolução.
Mais uma vez, Shayde conseguira ver o que ela preferia deixar oculto. Por que ele
não podia, além de bonito, ser um pouco mais sutil? Por que era tão difícil deixá-la
no comando, conversar com clientes e amigos e só agir no estilo "Mim, Tarzan; você,
Jane" quando necessário?
— Tudo bem. Pode ficar mais um pouco — concordou, relutante.
Shayde recostou-se de um jeito que ficaria impossível Tess sair dali. Ele era tão
agressivamente masculino... Após tanto tempo sem um homem a seu lado, tudo em
Shayde parecia estranho para Tess: seu aroma, sua barba, seu toque, a voz grave...
Tess tentou ajeitar-se ao lado daquele estranho, sem muito sucesso.
— Só não entendo por que não podemos assistir ao filme sentados.
— Porque assim eu não poderia segurá-la de forma a nos familiarizarmos o
suficiente para você não recuar cada vez que tocá-la.
— Se eu prometer não recuar, me deixa sentar?
— Querida, numa situação normal, eu faria tudo bem devagar. Ainda mais
com você. Mas não é o caso. Não quer que até amanhã à noite todos se convençam de
que estamos juntos? Ótimo. Sou a pessoa certo para isso. Todavia, não vai acontecer
até que se sinta confortável comigo.
— Adianta falar que não consigo?
Shayde suspirou, fazendo com que os cabelos dela esvoaçassem.
Tess teve um calafrio. Não estava atraída por ele. Não poderia estar. Suas reações se
davam porque se encontrava cansada, estressada. E... bem, toda aquela masculinidade
a deixava suscetível.
Shayde não tinha culpa por Tess não chegar perto de um homem há anos e por seu
desejo de fugir conflitar com o de se entregar por inteiro e perder-se em meio ao
prazer.
— Tenho plena consciência de que não se sente à vontade comigo, Tess.
Sugiro que se concentre no filme e me ignore.
Ignorá-lo? Shayde só podia estar brincando. Como Tess faria isso. O sofá era
estreito, e ele estava tão próximo que ela sentia as batidas de seu coração, a
respiração, seus músculos.
Shayde passou o outro braço pela cintura dela e encheu de novo a mão com pipoca,
levando algumas à boca de Tess. Fechando os olhos, ela aceitou. Nunca antes alguém
levara comida a sua boca, nem mesmo Robert.
Havia algo nele, algo que espantava a inibição. Por mais que tentasse fugir, queria
ter aquela intimidade.
Duas horas depois, ao ver os créditos subindo na tela, Tess disse:
— O filme acabou. E também nossa noite.
— Não ligo a mínima para o filme, Tess. Só há uma coisa que quero fazer.
Ela não ousaria perguntar o que seria. Mas isso não o impediu de prosseguir.
Shayde a tomou nos braços e a beijou bem devagar. Foi um beijo bem melhor do que
o anterior. Daquela vez, Tess rendeu-se por completo, abraçando-o forte.
— Abra-se para mim, Tess.
Os lábios dela se entreabriram, e Tess, ofegante, esperava por mais.
O desejo tomou conta de Shayde. Suas mãos encontraram a fenda da blusa e ele
pôde sentir a pele maeia e os músculos tensos reagindo a seus toques. Todo o
antagonismo se fora.
Será que Tess sabia o quanto ele estava inebriado com sua pele, seu perfume, seu
gosto?
Shayde deveria estar no controle, porém, um simples beijo arruinara anos de
treinamento. Suas mais primitivas emoções vieram à tona. Paixão, atração, sexo.
Uma ardente vontade de fazer amor.
— Você não me pertence.
Tess o encarou com os olhos cintilantes.
— O quê?
— Isto não poderia estar acontecendo.
Ela escondeu a cabeça no ombro de Shayde. Demorou um minuto para ele perceber
que estava rindo.
— Agora resolve que não deveríamos fazer isso. Pensei que fosse mais um
exercício.
— Só temos de nos acostumar um com o outro. Isso é tudo.
— Considerando onde foram parar suas mãos, eu diria que estamos mais do
que acostumados.
Tess não lembrava o momento em que seu sutiã deixara de ser uma barreira. Shayde
enchera as mãos com seus seios, os polegares acariciavam seus mamilos. O aroma de
Tess preenchia o ar, um chamado silencioso de uma mulher por seu amante.
Estava livre, seu recato desaparecera. Tess estava pronta para ser amada. Mas não
por qualquer um, e sim ele.
Shayde cerrou as pálpebras. Que ironia do destino! Passara a noite toda tentando
provocar aquilo, e agora que conseguira não sabia o que fazer.
Tess não podia ser sua, por mais que a quisesse. Fora um tolo ao tentar forçar um
relacionamento. Se não estivesse tão atraído por ela, não se acharia naquela situação.
Mas tinha que corrigir seu erro.
— Você não está mais se esgueirando, Tess.
— Há uma razão para isso.
— Deve ser porque já se sente confortável comigo.
— Nem um pouco, na verdade.
— Mas está fisicamente atraída.
Não havia motivo para negar. E ambos sabiam disso.
— Temo que sim. Mas não deveria. Você é meu empregado, e não meu
namorado. Olhe, Shayde, já provou sua teoria. Há uma grande chance de eu não
repeli-lo, na próxima vez que me tocar.
— Aí então pode ser que eu não a deixe ir.
— Terá de fazê-lo. Nossa relação se restringe ao âmbito profissional. — Tess
lutou para manter a compostura.
Shayde nunca relutara tanto para sair dos braços de uma mulher. Talvez, se tivessem
feito amor, não estaria vivendo aquele dilema.
Tess arrumou a cabeleira e depois a roupa. Impressionante... Em questão de
segundos, sua libido tomou conta de seus atos. Ela levantou-se do sofá e fitou-o.
Shayde pôde sentir que as barreiras de Tess não eram tão instransponíveis quanto ela
gostaria que fossem. Mas não a queria assim. Da próxima vez, teria de ser uma
decisão mútua, bilateral.
— Tornarei a tocá-la, Tess. Sabe disso, não?
— Não será rechaçado desde que estejamos na presença de outras pessoas.
— E quando estivermos a sós?
— Nada de toques. Manteremos distância.
Hora de partir. Nada de pressioná-la mais.
— Quando devo pegá-la, amanhã?
— A festa começa às sete horas. Jantar incluído.
— Às seis e quinze está bom?
— Certo. O traje é black-tie. Algum problema para você?
— De forma alguma.
Shayde não resistiu a levantar-lhe o queixo e dar-lhe um beijo.
— Boa noite, Tess.
— Boa noite.
Ele não a deixou fechar a porta sem um último aviso:
— Até a próxima, querida.
Se as palavras soaram como um aviso foi porque eram mesmo. Não importava o que
viesse a acontecer. Nem o que seu irmão lhe dissera. Shayde a teria junto a si de
novo.
E muito em breve.
CAPITULO V

No minuto em que Tess escutou a porta se fechar, jogou-se no sofá e levou as mãos
à cabeça. O que fizera? Permitira que um completo estranho a tocasse de forma tão
íntima como se fosse um amante. Não apenas aceitava seus beijos e carinhos como
ainda gostava deles!
— Ou me tornei uma solteirona frustrada ou tantos anos sem um homem estão
mostrando seus efeitos, agora.
Ambas as possibilidades tinham um fundo de verdade. Sem dúvida, havia muito
tempo desde a última vez que fizera amor. Nove anos, para ser exata.
Até aquela noite, Tess não sentira necessidade de levar um namorado para cama.
Não depois de Robert. Ninguém nunca a atraíra tanto quanto seu marido. Shayde,
porém, desenterrou emoções que julgava estarem mortas. E aquilo a perturbou. E
muito.
Não queria sentir aquilo outra vez. A perda de Robert foi a pior experiência de sua
vida. Tess não achou que fosse recuperar-se um dia. Para fugir àquela angústia,
concentrou todas as energias no trabalho. Agora que estava prestes a tornar-se a mais
jovem vice-presidente da empresa, não iria estragar tudo por causa de alguém ou de
alguma coisa.
E Shayde estava ameaçando sua promoção, tentando distraí-la num momento
importante da carreira. Além do mais, o que ele tinha a lhe oferecer? Uma noite de
sexo e nada mais.
Aos poucos, Tess foi recobrando a compostura. Cruzou as mãos sobre o colo. Não
estava interessada em Shayde como homem, disse a si com firmeza. Não. Não ligava
a mínima para ele, nem para sua forte presença, nem para seu passado.
Mas, por mais que se esforçasse, não parava de pensar na ardente volúpia que
Shayde fez despertar quando a tocou. Era só um desejo físico, uma reação hormonal.
Bem, todas as sensações teriam de ser esquecidas e sublimadas, pelo menos
enquanto estivesse na companhia de Shayde, o que não demoraria muito.
Visto que chegou a uma decisão, Tess resolveu que devia ir dormir. Na manhã
seguinte, já teria retomado o autocontrole.
Começou a deixar o sofá, mas hesitou. Incapaz de encontrar uma explicação para o
sentimento que a invadia, pegou as almofadas e mergulhou de novo no sofá. O aroma
de Shayde entrou por suas narinas e alcançou suas entranhas. Deveria ir logo para
cama e procurar adormecer, para livrar-se de vez das imagens das últimas horas.
Em vez disso, abraçou as almofadas à procura do acalanto de Shayde e relembrou
cada minuto que passou em seus braços. Já que não o teria como homem, teria as
memórias.
Extasiada com as recordações, acabou adormecendo ali mesmo.
Shayde vagava pelas ruas de Seattle na esperança de que a caminhada sob a chuva o
ajudasse a recuperar a tranquilidade. Deus do céu! O que aprontara?
Uma coisa era tentar que Tess reagisse, mas, desde o momento em que a trouxe para
si no sofá, despertando seu lado mais feminino, ele deixara de racionalizar.
Fez Tess se lembrar de como agiam um homem e uma mulher. Mas ela não era dele.
Sua tarefa era instigar um romance entre Tess e o escolhido pelo comité. Tentar
despir a sra. Lonigan não era a melhor forma de cumprir sua tarefa.
Todavia, nada mudava o fato de que a queira. Céus, e como a queria!
Seu celular tocou, e ele atendeu de pronto.
— Shayde falando.
—Quero um relatório do Projeto Lonigan.
Shayde deixou escapar um muxoxo. Tudo que precisava ] naquele momento era
ouvir a chefe.
— Como está passando nessa linda noite, chefe?
— Bem. — Nada a faria desviar o foco do negócio. — Creio que lhe pedi
algo, Shayde.
— Tess está progredindo — limitou-se a informar.
— Explique-se melhor.
— Ela talvez esteja pronta para um relacionamento.
— Seja mais específico, Shayde.
Shadoe escolheu justo aquele momento para entrar na conversa:
— Está parecendo que você não entendeu direito o que deve fazer,
irmãozinho. O que andou aprontando?
Shayde vacilou. Era melhor escolher com cuidado o que dizer.
— Quando a encontrei pela primeira vez, Tess só se preocupava com a
carreira. Pode ser que isso tenha mudado.
A chefe quis saber:
— Mudou como?
— Tess me parece mais disponível a encontrar alguém.
— E como sabe disso?
"Você só pode estar brincando, chefe."
— Um homem sabe.
— Já discutimos esse assunto — Shadoe tornou a interferir. — Tess não é para
você.
Uma fúria inexplicável tomou conta de Shayde.
— Não precisa ficar repetindo isso! Dizer a alguém que não pode ter algo o
fará mais determinado em conseguir.
—Esqueça isso, irmão. Tess Lonigan não será sua.
Shayde parou sob uma marquise para proteger-se da chuva, sacudindo os cabelos
molhados.
— Querem um relato? Aí vai. A srta. Lonigan só pensa no trabalho e não tem
encontros, a não ser como meio de alcançar sua promoção. Posso até afirmar que
ainda ama o falecido marido. E mais: é frustrada sexualmente, o que decerto só irá
atrapalhar um casamento. Satisfeitos?
Shadoe não recuou.
— Amanhã à noite irá apresentá-la àquele que escolhemos, Shayde. Alguma
pergunta?
— Sim, tenho. Tess não ao pediu ao comité que lhe encontrassem um marido.
Pediu que o fizessem para duas amigas. Por que estamos interferindo na vida dela?
— Seth, colocou o nome dela na lista muito antes de ela aparecer no comité.
Foi mera coincidência que tenha nos procurado para casar Emma e Raine.
Shayde teve ganas de enforcar Seth.
— Por que o cretino faria isso com Tess?
— Não acha que ela merece ser feliz?
— Merece, Shadoe. E isso pra mim parece é um castigo.
— Só porque tem aversão a casamento, não significa que todos também têm,
meu irmão. E Tess não faz parte de sua vertente. Caso fizesse, não iria tentar arrumar
um marido para as amigas.
Por mais que Shayde não quisesse admitir, tudo estava muito claro. Por que lutar
contra o inevitável? O comité jamais errara. Já os vira em ação, sabia o quanto eram
bons em suas escolhas.
— Então me diga logo: quem é a vítima? — Shayde precisava descobrir.
A chefe tornou a falar:
— Alguém que Tess já conhece. Assim como você. E é por isso que o
escolhemos para o trabalho. Todos os dados sobre o rapaz foram mandados para seu
e-mail. Tudo o que tem a fazer é instigar o romance.
— É só colocá-los juntos e deixar a natureza tomar seu curso?
— Isso seria suficiente — ela confirmou.
— Certo. Começarei amanhã. Algo mais?
Era a vez de Shadoe comentar:
— Uma última sugestão, irmãozinho. Faça apenas seu trabalho.
Não havia mais nada a dizer. Desligando o aparelho, Shayde parou para olhar as
ruas desertas/Desempenharia sua tarefa, como sempre fizera, A única questão era que
nunca antes sentira aversão por um projeto ou arranjo matrimonial.
Talvez quando encontrasse o tal príncipe que o comité escolhera mudasse de
opinião. Podia até ser que concordasse que os dois formavam um par perfeito. Mas
podia apostar que não.
Quando Shayde se lembrou do jeito que Tess reagiu a suas carícias, o quanto se
entregou a ele, o quanto os lábios dela o chamavam, duvidou ainda mais que o
arranjo iria funcionar.
Estava certo de que o comité se equivocara. E daria um jeito de provar que tinha
razão.
Shayde chegou às seis e quinze em ponto.
Tess abriu a porta, e ele tentou esconder sua reação. Ela estava deslumbrante. Vestia
um longo tomara-que-caia marfim, que acentuava cada uma de suas perfeitas curvas,
e um bolero curto dava o toque final.
A cor da roupa realçava o tom da pele e dos cabelos de Tess. E seus olhos azuis
cintilavam. Prendera os cabelos num delicado coque e calçava sapatos com salto
altíssimo. Mantinha um ar de frescor que deixaria uma princesa de gelo orgulhosa.
— Você está linda, Tess. — Sem se conter, invadiu o espaço e a beijou.
Tess retribuiu, permitindo a Shayde que a abraçasse. Uma pequena tensão surgiu
entre eles, e ela respirou fundo. Não reagia daquele modo por nervoso, e sim por
prudência.
Com discrição, deu um passo atrás, fortalecendo suas barreiras com uma velocidade
impressionante.
— Não contarei... — Shayde murmurou.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Como?
— Não contarei a ninguém que você recuou quando a toquei. Será nosso
segredo.
Após um longo momento, Tess esboçou um sorriso.
— Você é impossível, Shayde.
— Eu a avisei — brincou.
Tess o fitou por um instante, sem saber direito como lidar com ele.
—: Tomei uma decisão depois que você foi embora ontem. Não irá mais me tocar.
Shayde não resistiu, e a acariciou mais uma vez, passando a mão por seu queixo.
— Não se torture, Tess. Você conseguiu resistir por trinta segundos.
— Cinco!
Oh, céus! As pernas de Shayde ficaram bambas. Eles estavam em apuros.
— Se não sairmos agora, não conseguiremos mais.
Tess pegou a bolsa e apontou para a porta.
— Podemos ir? Não quero me atrasar.
Shayde também não queria. Tinha pressa de encontrar o futuro marido de Tess e
instigar logo o romance. E em seguida, sairia do caminho dela para sempre. Assim,
Tess seria feliz com seu príncipe encantado, e Shayde seguiria adiante.
Ele a seguia, sem conseguir desviar o olhar da cadência perfeita de seus quadris. Ao
alcançá-la, tomou-lhe a mão.
Seguiram por todo o trajeto em silêncio. Fora um olhar inquisidor ao ver o Jaguar de
Shayde, Tess nada disse. Foi melhor assim. Ele duvidava que poderia mentir sobre
como pôde comprar um automóvel daqueles com o salário de empregado temporário.
Entretanto, se lhe contasse a verdade sobre o carro, teria de responder a outras
indagações que no momento não poderia. Como explicar que passava a maior parte
do dia administrando sua fortuna no mercado de ações e o resto da noite instigando
romances para o Comité Matrimonial?
Chegaram cedo à festa beneficente, o que permitiu a Tess apresentá-lo a seus
colaboradores e, também a seu chefe. Al Portman era jovial, de olhar inteligente, e
Shayde concluiu que iriam precisar se esforçar para convencê-lo.
A orquestra começou a tocar assim que Tess concluiu as apresentações, e Shayde
não se fez de rogado. Pegando-a pelo braço, encaminhou-se para a pista de dança.
— Hora de começar o show — sussurrou ao ouvido dela.
Para alívio de Shayde, Tess não recuou, deixando-se levar. Ele a puxou contra si,
pousando a mão em suas costas. Ela estava incrível.
Mal tinham dado os primeiros passos, quando Tess tropeçou. Encarou Shayde. No
instante em que os olhares se encontraram, pisou no pé dele.
— Acho que não vou conseguir, Shayde.
A reação de Tess ao tropeço não poderia ter sido pior. Ficou rígida, seu rosto
espelhava preocupação.
— Lógico que vai. — E Shayde começou de novo, agora menos ousado.
— Por favor. Eu lhe disse que não tornaria a dançar com você.
— Eu lembro. E recordo que também lhe falei que esta é nossa única chance.
— Nesse caso, é melhor pararmos ou vou arruinar tudo.
— Fique tranquila, querida. Não arruinará coisa alguma. Dançaremos como
fizemos na noite passada.
Tess voltou a pisar no dedão de Shayde. Já havia feito aquilo na véspera, mas ele
achara que ela se esquecera de um passo em particular.
— Vê?! Não está funcionando! — Tess mordiscou o lábio. — Acho que vou
fingir que torci o tornozelo. Assim, você me carrega até a mesa e não dançamos mais
até a festa acabar.
— Acalme-se, Tess. É agora ou nunca.
Se Shayde não conseguisse fazê-la ser convincente logo na primeira dança, tudo o
mais que tentassem seria um fiasco.
— Feche os olhos.
— O quê?
— Feche os olhos! Agora Tess!
Suas faces coraram, mas ela obedeceu.
— E agora?
— Escute minha voz. Sinta meus movimentos e finja que estamos no hall de
sua casa.
Tess errou o primeiro passo, e em seguida, como por encanto, começou a
acompanhá-lo.
— Está ótimo! Concentre-se em mim, e em mais nada. Não a decepcionarei.
Farei tudo o que estiver a meu alcance para você ser promovida. Confie em mim.
— Sem dúvida sabe como agradar uma mulher.
— Não é nada disso, Tess. Estou sendo sincero.
— Gostaria de poder acreditar.
— E pode. — Precisava distraí-la para evitar que ela notasse o que estavam
fazendo. — Posso lhe fazer uma pergunta? Você é forte, determinada. Como uma
simples dança pode abatê-la desta forma?
— É tudo culpa sua.
— Minha?
Ótimo. Estava funcionando. Tess deslizava na pista.
— Por quê, Tess?
Ela ergueu o queixo e o encarou.
— É uma conclusão óbvia. Não tenho nenhum problema em dançar com
nenhum outro. Só com você. Portanto, culpa sua.
— Entendi. Todos os outros sujeitos com quem dançou deixavam-na conduzir.
— Não é nada disso.
Shayde a segurou cdm mais firmeza, embora com cautela, para evitar que recuasse.
— Aposto que eles não a tomavam com firmeza. Nem mesmo de mentirinha.
Tess sentiu um arrepio, mas acabou rendendo-se e passou as mãos pela nuca de
Shayde.
— Tem certeza de que é tudo farsa?
Shayde disfarçou o sorriso de satisfação. Por fim, conseguiram repetir a experiência
da véspera. O movimento de seus corpos encontrou a cadência perfeita dos amantes.
— Para nosso bem, é melhor que seja.
Tess abriu os olhos e o fitou, séria.
— Até que enfim concordou com minha ideia original, Shayde!
— E qual seria?
Tess agora acariciava os cabelos negros dele com a ponta dos dedos.
— Você prometeu que manteríamos distância, lembra-se?
— Ah, sim... Como quiser, senhorita.
Tess massageava o couro cabeludo de Shayde com movimentos circulares que o
estavam hipnotizando.
— Acha que estamos indo bem neste primeiro ato? — ela quis saber.
Shayde afastou-se a fim de olhá-la nos olhos, deixando transparecer o sorriso
malicioso que brotara em seu semblante.
— É isso o que estamos fazendo, Tess? Encenando o primeiro ato?
— O que mais poderia ser?
— Não sei. — Shayde rodopiou, conduzindo-a para o meio do salão. —
Talvez não estejamos fingindo.
— Claro que estamos. E muito bem. Ontem à noite você me disse que
tínhamos de ser convincentes. E que só teríamos uma chance. Incrível o que um bom
motivo faz com uma mulher.
— Estou certo de que está fazendo um ótimo trabalho de persuasão. Desde que
começamos a dançar, seus colegas não pararam de nos contemplar.
— Acha que eles estão acreditando no que vêem?
— Ainda tem dúvida, querida? Até eu estou.
Para desapontamento de Shayde, Tess parou de afagá-lo.
— Não exagere, Shayde. Está me.pondo nervosa. Lembra-se do que acontece
quando fico nervosa, não?!
— Quer dizer que vai pisar em meu pé de novo?
— Não é bem isso. Mas não vamos discutir agora. Estamos fazendo um bom
trabalho. Não quero estragar tudo o que já conseguimos.
— Sendo assim, posso abraçá-la mais forte? — Shayde a estreitou mais e
aproximou seus lábios dos dela. — O que aconteceria se eu fizesse isso? — Ameaçou
beijá-la.
Tess umedeceu os lábios, e Shayde se deliciou com o fato de ela ter demorado a
formular uma resposta:
— E se eu pisar em seu pé?
— Que maldade! Não seria adequado, não é?
Tess balançou a cabeça em negativa, e pequenos cachos se desprenderam do coque e
caíram sobre o rosto, fazendo um contraste com o tom de pele pálido.
— Não, mesmo.
— Talvez fosse melhor lhe roubar um beijo. — Shayde chegou quase a tocar
sua boca, mas se conteve.
O coração de Tess disparou. Sentia o suor escorrer por entre os seios.
— Quero parar agora.
— Péssima ideia. Seus clientes iriam desconfiar.
Tess engoliu em seco e deu sorriu, sem graça.
— O que destruiria tudo o que conseguimos até agora.
— Creio que é melhor não beijá-la.
— É evidente.
Shayde fingiu crer no que Téss dizia.
— Então, vamos apenas dançar.
Segurando-a com firmeza, ele rodopiou mais uma vez pela pista, sentindo um certo
prazer nos delicados movimentos de suas formas.
Tess julgava-se no paraíso, estando nos braços de Shayde. Sentia-se quente, viva,
ardente. Ardia de desejo, e isso era um problema e tanto.
Shayde podia inventar todas as desculpas do mundo, mas o simples fato era: ele a
queria demais. Aquele sentimento o estava dominando. Adoraria levá-la para sua
cama. Desejava tanto aquela mulher que poderia cometer uma loucura.
Queria aqueles cachos ruivos espalhados em seu travesseiro. Sua pele iluminando o
leito. Seus quadris movendo-se sobre ele.
"Ela não serve para você." As palavras lhe vieram à memória de repente. Por que
havia se lembrado logo agora? Estava comprometido com o comité.
Droga! Nunca antes quebrara uma promessa. E não importava o quanto a verdade
doesse, mas tinha de levar a cabo sua missão. Em algum momento da festa Shayde
deveria apresentar a Tess seu par perfeito. Aquele que iria tirá-la de seus braços.
Bom, já que não tinha outro jeito, iria começar seu trabalho.
Tess cutucou Shayde no ombro.
— O que há de errado?
— Perdão... o que disse?
— Parece que está a milhas daqui.
Shayde devia tirá-la dali naquele minuto, já que haviam parado de dançar. Mas,
ignorando qualquer impulso racional, abraçou-a com mais força.
— Eu estava perdido em meus pensamentos.
Tess correspondeu ao abraço e encostou a testa no peito dele.
— A julgar por sua expressão, não eram nem um pouco agradáveis. Gostaria
de dividi-los comigo?
— Não é nada demais, só uma obrigação que tenho de cumprir.
Tess assentiu em perfeito entendimento.
— Sei tudo sobre obrigações. Sobretudo as mais desagradáveis. É algo
relacionado a trabalho?
Antes que Shayde pudesse responder, Al Portman interrompeu-o, sorridente:
— Desculpem-me pela interrupção. Está quase na hora do jantar. Assim que
terminarmos, vou lhe dizer quem será seu Impossível, Tess.
— Estou ansiosa, Al.
Algo em sua entonação fez com que Shayde sentisse que ela mentia. Considerando o
quanto estava determinada a conseguir a promoção, não vislumbrava o porquê da
apreensão.
— O que há de errado, Tess? — perguntou, discreto, ao se dirigirem para a
mesa.
— Acho que já sei quem Al escolheu para mim.
— E?
— E, se estiver certa, não terei a menor chance.
— Por quê?
— Digamos que algumas complicações de ordem pessoal
estão interferindo em minhas relações profissionais.
— Complicações de ordem romântica?
— Você é bom, mesmo, Shayde.
— O melhor.
E também era muito bom em desvendar mistérios. Aquele tal Impossível estava
tentando pôr as mãos nela. Talvez tivesse oferecido dinheiro à Altruistics Inc. em
troca de uma deliciosa noite de sexo com Tess. E a solução encontrada por ela havia
sido contratar um homem para desempenhar o papel de amante, a fim de evitar as
investidas indesejáveis. Shayde tentou manter-se calmo, mas acabou se alterando
mais do que o normal.
— No que posso ajudá-la, Tess?
"Além de quebrar o nariz desse cretino?", quase concluiu. Ela o encarou, e o modo
como o fez abrandou os ânimos de Shayde.
— Fique por perto — Tess implorou.
— Quer dizer que foi por causa desse tal sujeito que me contratou.
— Isso mesmo.
— E terei de dar sinais de nosso romance para mantê-lo afastado de você
quando for solicitar a doação. Certo?
Tess não precisou responder. A expressão tensa o fizera em seu lugar. Assim que
ficasse a sós com Tess, Shayde iria perguntar o nome do indivíduo e descobrir o que
ele queria com ela. Depois, iria procurá-lo e alertá-lo para ficar longe de Tess ou
perderia alguns dentes.
Shayde respirou fundo, em desagravo.
Mas algo o intrigava. Havia uma chance de aquele palhaço ser o homem escolhido
pelo comité. Entrementes, Grayson Shaw não era o tipo de canalha descrito por Tess.
Mas a esperança é a última que morre. Quem sabe Grayson tivesse se transformado
num total idiota desde a última ocasião em que se encontraram. Na semana anterior...
Se tudo isso se mostrasse verdadeiro, Shayde iria gargalhar diante do comité por ter
feito a escolha errada, e Tess seria toda sua!

CAPÍTULO VI

Adelaide Smith não compareceu ao evento. Tess não sabia dizer se sentia-se aliviada
ou preocupada com a ausência da sra. Casamenteira.
Será que todos os inconvenientes decorrentes da contratação de Shayde tinham sido
inúteis? O principal motivo de toda aquela farsa era evitar a ação de Adelaide e, no
final, ela não aparecera na festa. A única coisa boa que a ausência dela proporcionou
foi que Tess não teria de aturar nenhum de seus filhos mercenários.
Após a refeição, Tess circulou por entre seus clientes e benfeitores, esperando por
Al Portman e o anúncio de quem fora escolhido como seu Impossível.
Sem perceber, parou ao lado de Grayson Shaw, que figurava na lista de potenciais
doadores, ao lado do nome dos Smith.
Para surpresa de Tess, Shayde cumprimentou Grayson com um aperto de mão.
— Como vai, Gray?
— Nada mal. E você?
— Indo.
Tess, incrédula, encarou os dois.
— Vocês se conhecem?
— Já tivemos negócios juntos — disse Grayson.
Tess virou-se para Shayde.
— Conhece as pessoas mais interessantes da cidade, hein?
— Interessantes? Não deixe Gray enganá-la, Tess. Ele se torna a pessoa mais
enjoada do mundo quando se trata de trabalho.
Grayson aceitou o comentário de Shayde sem contestar.
— Culpado! — brincou Gray, erguendo as mãos.
Tess não podia crer que aquela cena era real. Havia uma sofisticação em Gray que
indicava que nunca molestaria uma dama. Para ser honesta, admitiu que desde a
primeira vez que vira Grayson Shaw gostara dele. Sempre o achava elegante e bonito.
Algumas pessoas podiam até julgá-lo austero, talvez porque aparentasse ser muito
centrado. Mas seu senso de humor e a forma como tratava os outros mostrava o
quanto considerava seus semelhantes. Ou talvez, Tess o apreciasse apenas porque, de
alguma forma, Grayson a fazia lembrar Robert.
— Conte-me uma coisa, Gray. — Aquele olhar desafiador de Shayde fez Tess
sentir que algo estranho iria acontecer.
— Quando alguém se aproxima de você vestida com elegância e tenta lhe arrancar
uma doação, costuma misturar negócios com prazer?
Tess quase desmaiou de susto. Não! Shayde confundira tudo!
Ela abriu a boca para falar, mas a voz não saiu. Desesperada, balançava a cabeça.
Gray franziu o cenho.
— Repita, por favor, Shayde.
— Você sabe... "Eu lhe faço um favor e você me faz outro. Mas primeiro tire a
roupa."
— Está flertando comigo, velho amigo?
— Lógico que não! Quis dizer com uma mulher, e você entendeu.
Gray encarou Tess, que percebeu uma certa fúria. Do jeito que sentia o calor arder
nas faces, tinha certeza de que estava roxa de vergonha. Podia apostar tudo o que
tinha que qualquer um que a visse naquele momento perceberia que estava em
pânico.
De repente, a irritação de Gray foi substituída pela ironia.
— Sem roupas? Hum... interessante. — Gray fingiu considerar a possibilidade.
— Tenho de admitir, nunca pensei em usar esse método antes.
— Tem certeza? — Shayde pareceu desapontado. — Nunca? Nem uma
insinuação? Um sorriso? Um piscada? Nada que pudesse ser mal interpretado?
Gray virou-se para Tess.
— O que tem a dizer, sra. Lonigan? Alguma vez enviei sinais inconvenientes?
Fiz algo errado sem perceber? — Arqueou uma sobrancelha. — Acho que devo ter
sorrido em uma ou duas ocasiões.
— De forma alguma, sr. Shaw. Nunca insinuou nada. — Virou-se para
Shayde. — Nada que fosse impróprio aconteceu nas poucas vezes que nos
encontramos.
Shayde nem se incomodou em esconder o sorriso de satisfação.
— Jura, Tess?
— Juro!
A música recomeçou, e Tess aproveitou o ensejo para encerrar o assunto.
— Sr. Shaw, gostaria de me tirar para dançar?
— Só se você prometer que não irá misturar negócios com prazer. — Para
imenso alívio de Tess, Gray sorria.
— Prometo.
Tess lançou a Shayde um olhar exasperado por cima do ombro de Gray, mas
surpreendeu-se ao perceber que ele se conformara.
Ela moveu os lábios, dizendo: "Comporte-se, Shayde. Gray é um Impossível".
Dançaram em silêncio por alguns minutos, mas foi o suficiente para Tess perceber
que todo aquele constrangimento que sentia dançando com Shayde não se dava com
Grayson. Sentia-se confortável junto dele, acompanhava-o com facilidade.
Mas, por outro lado, seu coração nada sentia. Aquela vontade louca de sair dali,
deitar-se na primeira cama e fazer amor selvagem só a acometia quando estava nos
braços de Shayde.
Assim era melhor, ainda mais em se considerando a pequena discussão que os dois
homens acabaram de ter.
— Pensando num meio de conseguir a paz mundial?
— Perdão? — Tess tentou concentrar-se em Gray.
— Só estava tentando quebrar o gelo. — Gray fixou nela seus olhos azuis. —
Mas acho que fracassei.
— Perdoe-me, Gray. Eu estava pensando em... — Voltou a corar. — Estava só
pensando.
Grayson tentou acabar com o constrangimento lançando um charmoso sorriso.
— Não se preocupe com Shayde. Conhecemo-nos há séculos. Porém, presumo
que você andou tendo problemas com algum cliente.
Tess fez que não.
— Isso é ridículo. Shayde confundiu tudo. Não há nada além de uma senhora
casamenteira querendo me arrumar um marido.
— Shayde me surpreendeu agora. Ele sempre é tão astuto...
Gray a encarou com um olhar especulativo antes de mudar de assunto:
— Creio que temos uma amiga em comum. Emma Pahner.
— Ah, claro! Emma e eu fomos colegas de faculdade. — Tess, enfim, pôde
relaxar. — Somos amigas faz anos.
— Descobri isso há algumas semanas. Vi uma foto de vocês sentadas numa
cerca com mais uma moça de cabelos negros.
— Essa outra é Raine Featherstone. A foto foi tirada no rancho de Raine, no
ano de nossa formatura. Todas nós temos uma em um porta-retrato. — Tess suspirou
com a lembrança daqueles dias. — Faz meses que não vou a San Francisco. Como
está Emma?
— Caprichosa — Gray resumiu.
Tess levou alguns momentos para digerir a resposta.
— Nunca imaginei esse termo para descrevê-la. Entretanto, tenho de admitir
que é perfeita. Emma sempre foi um espírito livre.
— Ou melhor, ela sempre fez as coisas a seu jeito, sem perceber o quanto seus
atos afetam os que a cercam.
Tess não pôde deixar de rir.
— Vejo que conhece Emma muito bem.
— Até demais. Conheço-a desde quando usava fraldas.
— Ela parece muito doce, mas é mais teimosa de nós três.
— Aprendi com o tempo que Emma é mais cabeça-dura que meia dúzia de
mulas juntas.
— Essa é nossa Emma!
Shayde postou-se perto de uma pilastra e ficou a observar Tess sem que ela
percebesse. Quem diria? Toda cheia de melindres, e acabou por tornar-se uma exímia
dançarina. Além de acompanhar com perfeição os passos de Grayson, o que, aliás, já
estava sendo comentado pelos demais observadores, estava muito relaxada e natural.
E se não bastasse, sorria. O orgulho de Shayde estava ferido. Para ele Tess não
sorrira ao dançarem.
Gray rodopiava pelo salão, com passos mais complicados dos que aqueles tentados
por Shayde, e Tess mesmo assim parecia deslizar. Ela não só se deixava conduzir
como também permitiu a proximidade entre eles.
Os dois estavam tão próximos que as curvas de Tess encaixavam-se no corpo
atlético de Gray. Sem se dar conta, Shayde trincava os dentes de raiva. Aquele era o
homem que seu irmão escolhera para Tess. O tal sujeito suave e sofisticado, muito
adequado para a executiva gélida e competente.
Shayde sentia-se prestes a explodir. Duvidava que Sha-doe estivesse certo. Aquilo
não poderia funcionar. Gray e Tess pareciam um casal saído de uma fotonovela!
Por que Gray não era o homem que Tess queria manter longe de si? Tornaria tudo
muito mais simples. Dessa forma, Shayde poderia dizer ao comité que eles
cometeram um equívoco e mandaria Gray e o comité para o espaço. E talvez pudesse
resolver a situação sem parecer um tolo apaixonado.
Quando a música terminou e Tess e Gray aproximaram-se de Shayde, que teve de
reunir todas as forças para esboçar um sorriso.
Tess, embora tivesse percebido, fingiu não dar a mínima. Após um minuto de
conversa, Gray desculpou-se e os deixou a sós. Assim que o viu longe o suficiente,
Tess virou-se para Shayde.
— O que há de errado?
Ele procurou responder da maneira mais fácil:
— Nada.
— Não me venha com essa, Shayde. Você está se comportando como um
machista, e quero saber por quê.
Otimo! Estava louco por uma briguinha. E Gray, como sempre, saiu à francesa. Já
que era para brigar, que fosse de forma mais agradável: com Tess.
— Que história é essa de machista?
— Deixe de se fazer de bobo. Você sabe. — Tess balançou os cabelos. —
Refiro-me àquela história de homem quando um outro está invadindo seu território.
Só faltou você virar um leão para defender sua fêmea. Foi por isso que se comportou
feito idiota com Gray?
— Ora, quanta bobagem! — Shayde fingiu não ter escutado o comentário
sobre o leão, talvez por ser a mais pura verdade.
— Se assim se sente melhor, tudo bem. Mas, se não ficou assim por causa da
conversa com Gray, então foi porque dançamos.
— Não seja ridícula! Por que isso me incomodaria?
Talvez se Tess não tivesse cruzado os braços sobre o peito e erguido uma sobrancelha
em total descrença, Shayde tivesse encerrado o assunte.
— Você não recuou uma só vez! — disse Shayde, indignado.
— Como é?
Pela primeira vez em muito tempo, Shayde perdeu o autocontrole.
— Por que as mulheres sempre fazem isso? Quando querem se fazer de
desentendidas, vêm com essa conversa de "O que disse? Não entendi uma só
palavra", quando na realidade entenderam tudo muito bem. No fundo, querem é que
nós, homens, gastemos todas nossas palavras para, no final, constatarmos que
fizemos papel de bobos!
Tess achou graça.
— Pior é que funciona, não é, Shayde?
— Olhe, eu não vou cair nessa. — A voz de Shayde parecia uma avalanche de
pedras rolando de uma montanha. — Não se afastou enquanto dançava com Shaw, e
sabe muito bem o que quero dizer com isso.
— Queria que eu tivesse recuado?
— Tess, não se faça de desentendida. Nem sequer pisou no pé dele. E comigo
não consegue dar uma única volta pelo salão. Por que isso?
— Acho que é porque não me sinto atraída por Gray.
Shayde começou a falar algo, mas parou. "Bom tiro, Tess!"
Só podia pensar em uma coisa agora. Shayde a tomou pela mão, afastando-a dali e
chegando a um canto onde ninguém poderia vê-los.
Abraçando-a com força, beijou-a. Ela retribuiu, parecendo faminta por ele. Onde
estava a hesitação? E a distância? Eles não tinham sido feitos um para o outro e,
mesmo assim, se davam tão bem. Como um sentimento desses não era perfeito?
O desejo que Shayde sentira na véspera aflorou com mais força ainda. Não restavam
mais dúvidas sobre a força da paixão. Tess não mais controlava ou escondia a sua.
Um som escapou de sua garganta, um murmúrio voluptuoso. Tess era uma mulher de
contrastes. Seu corpo macio encontrava o dele, mas uma tensão encobria seus
desejos. Uma combinação explosiva.
Shayde escorregou as mãos por debaixo do bolero de Tess, acariciou os seios
delicados e sentiu toda a sua masculinidade despertar.
Ele a queria. Já! Não importando a hora, o lugar ou as consequências.
— Sra. Lonigan?
Shayde virou-se devagar, escondendo Tess atrás de si. Al Portman estava bem perto
deles. Um olhar de desaprovação podia ser notado.
— Desculpe-nos, sr. Portman. Não tínhamos percebido sua presença.
— Deu para notar, cavalheiro. De qualquer forma, não creio que este lugar
seja apropriado para esse tipo de comportamento.
Shayde tinha de agir. E precisava ser naquele segundo. Só uma solução lhe ocorreu.
Entretanto, iria enfurecer Tess. Isso para não mencionar Shadoe. Mas não era a hora
de se preocupar com seu irmão. Se Shayde não reparasse o dano que poderia causar à
carreira de Tess, nunca iria se perdoar.
— O senhor está certo. Deveria ter deixado para depois da festa o pedido de
casamento. É tudo minha culpa.
— Como pôde? — Tess murmurou para Shayde.
Ele a enlaçou pelos ombros, envolvendo-a com ternura. Gostaria que Tess lhe desse
mais chances de fazer aquilo. Embora ela transparecesse uma sensação de calma, seus
lábios estavam borrados de batom e úmidos em decorrência do beijo trocado com
Shayde. E seu rosto ainda brilhava com os reflexos de uma mulher apaixonada.
Considerando o quanto aquele evento afetaria sua carreira, ofender seu chefe não
seria a melhor maneira de sair dele ilesa.
— Pedido de casamento? — Portman arregalou os olhos.
Shayde inclinou a cabeça.
— Mais uma vez, perdoe-me. Deveria ter escolhido um momento mais
apropriado.
— De jeito nenhum! Parabéns, Tess! Não imagina como estou contente por
você. Sei o quanto tem sido difícil desde a morte de Robert.
— Obrigada...
— Agora que entendi tudo, peço perdão por ter interrompido num momento
tão especial. — Al deu um passo atrás, indicando que os deixaria à vontade. — Como
sabe, planejava lhe atribuir um Impossível esta noite, mas podemos esperar um
momento mais conveniente.
Tess soltou-se de Shayde.
— Agora é o momento mais conveniente, Al.
— Não é nenhum impedimento para nós, sr. Portman! — Shayde procurou
apoiá-la em sua decisão.
Portman hesitou, mas prosseguiu:
— Já que insistem, fico contente em lhe entregar os nomes dos Impossíveis.
— Está querendo dizer que me atribuiu mais de um? — Tess parecia
incrédula.
— Sim, mas só precisa conseguir arrebatar um deles — Al foi rápido na
resposta, para não melindrar Tess. — Tenho de admitir que no começo só havia
pensado em lhe atribuir um único, Dick Smith, e ver como se sairia. A tensão tomou
conta de Tess.
— Não creio que haveria alguma complicação com o sr. Smith, Al. O que o
fez mudar de ideia?
Embora se expressasse com tranquilidade suficiente para enganar Portman, Shayde
podia apostar que Tess estava prestes a desmaiar.
Tess, num gesto inusitado, pousou a mão no braço de Shayde. Era a primeira vez
que tomava a iniciativa de tocá-lo, para deleite dele. Imaginava se ela havia se dado
conta do que fizera. De alguma forma, duvidava, o que significava que algo que Al
lhe falara a fizera reagir daquela maneira.
Shayde suspeitava que devia ser algo relacionado com Dick Smith, mas decerto Dick
não podia ser o homem de quem ela estava tentando se manter longe. Céus! Tudo fi-
cava mais complicado a cada minuto!
Al Portman deu uma olhada no salão e voltou a Tess:
— Depois de observar alguns acontecimentos, acrescentei na lista o sr. Shaw.
Pareceu-me que vocês dois já anteciparam um certo contato, o que facilitaria as
coisas. E o terceiro Impossível... O que acha de Walt Moore?
— Está ótimo, Al. Darei o melhor de mim para tornar um desses três o melhor
de nossos benfeitores.
— Garanto que conseguirá. — Portman estendeu a mão para Shayde. —
Parabéns! Escolheu uma mulher maravilhosa. Todos somos fãs de Tess.
Shayde assentiu
— Não sei se fui eu quem a escolhi. Tess é muito senhora de si. Eu é que
tenho sorte de ter sido escolhido por ela.
— Está certíssimo, companheiro. Bem, se me permitem, voltarei à festa.
Espero que não se incomodem se eu espalhar a boa notícia.
Shayde e'sforçou-se para não urrar quando Tess cravou as unhas em seu braço.
— De jeito nenhum, fique à vontade! — Tess nem mesmo disfarçou o sorriso
contrafeito. — Foi tudo tão inesperado... Achei que hoje seria só trabalho, não
gostaria que essa notícia atrapalhasse a noite.
Al não percebeu a deixa:
— Ao contrário. Acredito que todos ficarão mais generosos ao saber do
casamento.
Assim que Al se foi, Tess fuzilou Shayde com o olhar. Nunca deveria tê-lo
contratado. Talvez aquilo tudo fosse parte do problema do descontrole hormonal.
Agora não mais. Qualquer atração que tivesse sentido por Shayde deixaria de existir.
Iria detê-lo já.
Só precisava descobrir um jeito de fazer isso.
— Ficou maluco?!
— Eu sabia! — Passou os dedos por entre os cabelos de Tess, tentando
arrumar o coque. Não que ela tivesse prestado atenção a esse pormenor. — Por que
não estou surpreso com sua reação? Acabei de salvá-la de um desastre, e me trata
assim. Deixe-me adivinhar. Não aprovou a forma que arranjei de consertar a situação.
— Em primeiro lugar, foi você que me arrastou para cá e me agarrou. Em
segundo: não aprovei, não. Nem um pouquinho!
— Talvez tivesse sido melhor deixar seu chefe achar que você estava
namorando, em vez de trabalhando.
— Essa decisão era %ninha, não sua. E meu trabalho que está em jogo, não o
seu.
— Muito bem. Quero saber se teria tido uma ideia melhor para explicar nosso
agarramento no meio do evento. Foi pega em flagrante, Tess. Tentei consertar a
situação da melhor forma possível.
— Porém, sua "melhor forma possível" fez tudo ficar muito mais complicado.
Você vive se esquecendo de que o contratei para desempenhar um papel. É uma
posição temporária. Agora isso tudo tomará maiores proporções. Como vou explicar
seu súbito desaparecimento?
— E só dizer que não deu certo. Que não era o homem com quem sonhou.
Pode até escolher quem será a vítima, eu ou você. Pense no que será mais vantajoso.
Até lá, estarei a sua disposição.
— Mas não era isso o que tinha planejado.
— Agora empatamos. Também não planejei nada disso. Apenas teremos de... Tess,
até que horas temos de ficar aqui?
—Poderemos sair a qualquer minuto, creio eu. Mas, graças ao anúncio de Al,
seremos cumprimentados por todos
jaté chegarmos à saída.
Shayde a tomou pela mão e começou a cruzar o salão. [Mechas caíam do penteado
de Tess. Não havia dúvida de [que o beijo de Shayde não ajudara a acalmá-la.
Shayde começou a tirar os grampos que prendiam o coque, [ao se encaminharem-se
para a porta.
— Precisa se despedir de mais alguém? — perguntou Shayde, num certo tom
de urgência.
— Já falei o suficiente com Gray e, Dick Smith e Walt PMoore não vieram.
Portanto, não há mais nada a fazer.
— Ótimo! Então podemos ir?
— Sim. — Tess ficou meio confusa com a pressa de Shayde.
— Traçaremos um plano assim que chegarmos a sua casa.
Aí, sim, decidiremos o que fazer.
Com destreza, Shayde cruzou todo o recinto, passando por clientes, benfeitores e
colegas de Tess, sem dificuldade. Continuava encantando-a com sua delicadeza e
habilidade, determinado a tirá-la dali rápido.
Num piscar de olhos, chegaram à saída, e o manobrista já aguardava com o Jaguar
ligado.
Tess olhou Shayde com admiração.
— Tenho de admitir que quando decide fazer alguma coisa, o faz
imediatamente.
— Eu a apressei demais? Desculpe-me.
— Tudo bem. Estava pronta para ir embora mesmo antes do início da festa.
Shayde, você se importaria de parar alguns minutos em meu escritório para que eu
possa pegar alguns arquivos antes de me deixar em casa?
— De forma alguma. Também gostaria de parar um minuto em meu
apartamento, se não for incómodo.
— De modo nenhum.
Seguiram em silêncio por dez minutos, até pararem diante de um arranha-céu.
Pedindo licença, Shayde sumiu pela portaria do edifício. Quanto retornou, engrenou a
primeira marcha, e seguiram em direção à Altruistics Inc.
Lá, Tess destrancou a porta do prédio com sua chave e aproximou-se da recepção.
Após poucas palavras com o segurança, dirigiram-se pelos corredores vazios em
direção ao elevador. Assim que entrou em sua sala, ela acendeu as luzes.
— Só preciso pegar alguns papéis, e depois, podemos ir.
Shayde a deteve, antes que pudesse abrir o arquivo.
— Tenho algo para você, primeiro.
O tom dele estava mais calmo que o normal, e Tess não compreendeu até ver o que
Shayde segurava: uma linda caixa de veludo. Dentro, o anel mais exuberante que
Tess já vira na vida. Tirando-o do forro vermelho, Shayde tomou a mão direita de
Tess e colocou-o em seu dedo.
— Agora é oficial, querida. Você é minha.

CAPÍTULO VII

Tess fitava, surpresa, o anel de diamante. A jóia brilhava como fogo sob a luz que
incidia de sua mesa.
A grossa argola de ouro se ajustou a seu dedo como se tivesse sido feito sob medida.
Suas mãos tremeram de leve, e faíscas cor-de-rosa dispararam do centro do solitário.
Um brilhante rosa? Nunca vira algo parecido.
— Oh, Shayde... Foi por isso que passou em seu apartamento? Para pegar isto?
Ele assentiu.
— Meu avô trouxe a pedra da Austrália quando emigrou para cá. Não se sabe
ao certo como ele o adquiriu, mas tinha a intenção de vendê-lo e começar seu próprio
negócio. Em vez disso, deu-o a minha avó.
Tess o encarou incrédula.
— Não posso aceitá-lo. Não precisa ser um especialista para saber quão caro é
este anel. Deve valer uma fortuna. Ficaria arrasada se o perdesse.
— Considere como um empréstimo temporário. Pode me devolver quando não
precisar mais dele.
— Não. — Tess começou a tirá-lo do anular, mas Shayde interrompeu-a,
fechando com gentileza sua mão sobre a dela.
— Seus colegas de trabalho esperam vê-la chegar amanhã usando uma jóia de
noivado, e seus clientes também.
Lágrimas inesperadas marejaram seus olhos.
— Não, não posso usá-lo.
— Você não está traindo Robert, Tess.
Céus, como Shayde podia fazer aquilo? Mais uma vez acertara em cheio,
adivinhando o que a perturbava. Como podia ver com tamanha clareza tudo o que
tentava esconder? Era uma habilidade irritante. Levou alguns segundos para se
recobrar e responder:
— Sempre me surpreende quando faz isso, sabia?
— Já percebeu o que acontece quando me envolvo na situação, não é, Tess?
Ela não resistiu a provocá-lo:
— Você leva a mulher para um canto escuro para fazerem amor
apaixonadamente?
— Só às terças-feiras. E apenas com lindas ruivas de olhos azuis brilhantes e
um sorriso irresistível. — Ergueu a mão dela e observou o solitário. — Robert
também lhe deu um destes? É por isso que ficou tão perturbada?
— Não. Tínhamos pouco dinheiro quando nos casamos e decidimos empregá-
lo em algo mais útil. Compramos alianças simples. Robert prometeu me dar um anel
valioso quando nosso primeiro filho nascesse.
As palavras ficaram presas na garganta. Shayde envolveu-a num abraço carinhoso.
— Sinto muito, Tess. Você o amava, não?
Ela assentiu.
— Seis meses não foram suficientes para tanto sentimento.
— Ainda sente falta dele.
Shayde não tinha feito uma pergunta, mas ela respondeu assim mesmo:
— Sim, mas não da maneira como imagina. — Recostou o rosto no peito
musculoso, e as batidas firmes de seu coração fizeram-na acalmar-se, enquanto
tentava explicar: — Tenho saudade do que dividíamos, de estar com um homem que
me entendia da mesma forma que eu a ele. E de coisas simples como ser abraçada
deste jeito. Havia anos que não fazia algo tão bom. Até tinha me esquecido como é
gostoso.
— Durante todo esse tempo não encontrou ninguém que possuísse as
qualidades de Robert?
— Claro, Gray as tem. E quase tão atencioso quanto ele e tem o mesmo senso
de humor. Mas não quero outro Robert.
— A confissão lhe escapou. — Meu marido faz parte do meu passado.
A respiração de Shayde tornou-se mais ofegante, e Tess flagrou-se fitando-o sem
poder desviar o olhar. Não deveria estar tão próxima dele, e muito menos permitir
que a enlaçasse da mesma forma que fizera na festa beneficente.
— Talvez eu possa oferecer-lhe algo diferente, no futuro — Shayde
sussurrou, próximo a seus lábios.
Em seguida, deslizou as mãos por entre seus cabelos, puxando-lhe a cabeça para
facilitar o acesso a sua boca. Explorou-a, exigente. Seu toque audacioso e sedutor a
fez responder à altura, desejando tudo o que tivesse a oferecer.
Tess mantivera-se imune àquelas sensações durante anos. O medo a bloqueara.
Temera a perda, trair Robert ou não sentir por mais ninguém o que sentira pelo
marido. E se acabasse experimentando um amor tão profundo quanto o que conhecera
com ele? E se fosse ainda maior? O que faria se o perdesse assim como perdera
Robert? No fundo de sua alma, ainda pairava o pavor de passar por toda aquela
situação de novo.
Com Shayde, Tess arriscara todas essas possibilidades. Não podia se controlar.
Vivera sozinha até então, construíra uma barreira emocional sólida em torno de si.
Com aquele beijo apaixonado, descobriu que queria mais. Desejava alguém em sua
vida e em sua cama. Mais do que isso: queria-o em seu coração, sentir o profundo e
intenso prazer que sente uma mulher quando encontra o homem de sua vida.
Não percebeu que chorava até que Shayde interrompeu o beijo, removendo, com o
polegar, as lágrimas de sua face.
— Não Tess, por favor, não chore. Não precisa usar o anel se não quiser.
Podemos dizer às pessoas que ainda estamos procurando um que nos agrade.
A oferta era tentadora, mas chegara a hora de deixar para o que passara e seguir em
frente.
— Eu o usarei.
— Não tive a intenção de fazê-la chorar.
Ela meneou a cabeça.
— Shayde, não foi culpa sua. Apenas me fez ver coisas que tentava ignorar há
anos. Sabe, descobri que estou noiva de um rapaz de quem não sei o sobrenome.
Shayde hesitou.
— Isso é um problema, não?
Tess sorriu, hesitante.
— Só se alguém perguntar e eu não souber dizer.
— Temos de fazer alguma coisa sobre isso. — Deu de ombros, decidindo que
aquilo não era importante. — Por enquanto, fale-me sobre esses Impossíveis que lhe
foram designados.
— Ah! Uma mudança rápida de assunto é uma excelente estratégia para se
fugir de uma questão.
Os olhos dele brilharam de satisfação.
— Já conheço Gray, portanto não é necessário que me dê nenhuma informação
sobre ele.
Tess franziu a testa, fingindo aborrecimento.
— E Gray o conhece. Assim, talvez eu possa perguntar-lhe qual seu
sobrenome.
— Excelente! Você poderia dizer: "Desculpe-me, Gray. Poderia preencher este
cheque de milhões de dólares e revelar o sobrenome do "meu noivo?"
Ela suspirou, resignada.
— Bem, foi só uma ideia.
— Conte-me sobre Walt Moore.
— Não acredito! Está me dizendo que há alguém lá que lhe é estranho? Quem
diria? Parecia conhecer todos. Por falar nisso, Shayde, conhece mesmo todo mundo.
Buli, Séth, Gray...
— Walt Moore. Fale-me dele.
Ela atendeu a seu pedido, que mais parecia uma ordem.
— Pelo visto, o sr. Moore é um homem idoso, de alta posição e costumes
rígidos. Dizem que detesta sair de casa, prefere se manter recluso.
— Interessante. Haveria alguma possibilidade de tirá-lo da clausura e arranjar
um encontro com ele?
— Acho difícil.
Shayde observou-a tirar algumas pastas de um arquivo e colocá-las sobre a mesa.
Pegou a pasta de cima.
— Que tal Dick Smith, Tess? Qual é sua história?
— Não o conheço. Acho que não gosta de publicidade, ao contrário de sua
mãe.
— Certo, agora é minha vez. — Shayde a encarou com intensidade. — Poderia
jurar que ficou perturbada quando Portman indicou-o a você. É ele a fonte de seus
problemas?
— Não. — Após alguns instantes acrescentou: — É a mãe dele.
— Adelaide tem interesse em você?
Ela olhou-o, admirada.
— Isso está ficando cada vez mais interessante. Conhece Adelaide também?
— Bem demais.
— Desse modo, deve saber que tipo de casamenteira ela é.
— Depois de suportá-la por mais de dez anos tentando fazer-me casar com a
primeira garota que se qualifique como esposa? Sim, estou acostumado com essa sua
qualidade peculiar.
— Adelaide está tentando me empurrar para o filho dela.
— Qual?
Tess afundou na cadeira atrás da escrivaninha.
— Deve estar brincando... Há mais de um? Oh, não vou suportar isso! Está
dizendo que se ela falhar com o primeiro...
— ...tentará com Tom.
— Tom? — Tess piscou várias vezes. — Ela nunca o mencionou.
— Então é com Dick.
— Tom e Dick Smith? — Tess não sabia se ria ou ficava horrorizada.
— Adelaide tem dois filhos e sua filha Harry. E uma senhora maravilhosa.
Apenas um pouco...
— Incomum.
— Isso mesmo. — Shayde franziu o cenho. — Está me dizendo que Adelaide
é a razão por ter me contratado?
— Sim.
— Céus... Não podia ter lidado com as artimanhas de uma casamenteira de
plantão sem chegar a esse extremo?
Shayde a pôs em xeque. Tess levantou-se, saindo do foco de luz. A penumbra a
protegia do olhar mordaz dele.
— Para sua informação, lidei com isso durante cinco anos, e continuaria, se
não fosse por uma complicação.
Shayde não se moveu.
— Deixe-me adivinhar. Dick Smith é a condição para sua promoção.
— Na mosca! Depois de tentar casar-me com vários homens que achava
adequados, Adelaide colocou na cabeça que seu filho e eu formamos um belo casal, e
não há nada que eu diga que a demova.
— Por que não aceitou conhecer o rapaz e o despachou?
— Você mesmo já respondeu: a promoção. Ao mesmo tempo que Adelaide
insistia nisso, Al indicou Dick como o Impossível que eu estava aguardando para
conseguir o cargo.
— E?
— Não entendeu? É um conflito de interesses!
— Ora, Tess, seja razoável! Saia com o sujeito. Conte-lhe sobre o plano de sua
doce e romântica mãe e depois peça a doação.
— E em seguida? O que acontecerá quando Dick me trouxer em casa e quiser
que eu lhe mostre quão grata estou pela doação?
— Simples: evite seu beijo, estenda a mão e diga-lhe que foi um prazer fazer
negócio com ele, e que, quando tiver vontade de ser generoso outra vez, que fique à
vontade. O que há de tão difícil nisso?
— Maravilhoso! Só que as coisas não funcionam dessa maneira. Esse é um
negócio sério!
— Eu sei.
— Pois não parece. Estamos falando de doadores que contribuem com
centenas e centenas de dólares para causas que podem significar a diferença entre a
vida e a morte para gente necessitada. Damos satisfação de cada tostão que
angariamos, para evitar que haja algum deslize e para que tudo seja empregado para o
fim destinado. Não posso ter um relacionamento pessoal com um doador. Não
angario fundos dessa forma.
— Droga, Tess, não insinuei que...
— Mas é o que os outros dirão — interrompeu-o, exasperada. — Por isso
cheguei ao extremo de contratar você. Se tiver um compromisso sério, qualquer
acordo com o filho de Adelaide terá de se restringir ao campo profissional. Posso
abordá-lo, explicar em que causas aplicaremos o dinheiro arrecadado. Se o sr. Smith
disser "não", nada poderei fazer, mas se a resposta for "sim", receberei minha
promoção por mérito próprio.
— É preferível a morte à desonra — murmurou, malicioso. — Acertei?
— Sem dúvida. Não quero ser promovida se não for por competência.
— Bem, e agora?
— Estudarei os registros dos três Impossíveis para ver se encontro alguma
informação que aponte um caminho para abordá-los.
Shayde ergueu-se e falou, decidido:
— Nesse caso, vou levá-la para casa, para que possa trabalhar.
— Obrigada. Fico grata pela forma como representou, esta noite, Shayde. Não
precisava ter dito a Al que estávamos noivos. Teve razão quando disse que anunciar
nosso noivado era a única saída, naquela situação. Se não tivesse dado uma
explicação plausível, Al poderia...
— Esqueça. Tudo acabou bem, e a história do nosso compromisso também
funcionará.
— Você parece tão confiante...
— Porque é assim que me sinto. — Shayde pegou as pastas que ela tirara do
armário. — Podemos ir?
— Considerando a noite que ainda tenho pela frente, é melhor nos
apressarmos.
Assim que deixou Tess em casa, Shayde abriu seu celular. Era melhor dizer a
Shadoe como arruinara tudo antes que seu irmão soubesse por terceiros. Depois,
poria sua tarefa em prática. Por mais que detestasse aquilo, não podia mais adiar suas
responsabilidades. Era hora de promover um romance entre Gray e Tess.
CAPÍTULO VIII

— Em que pé estão as coisas? — perguntou a chefe. Shadoe desligou o


telefone.
— Meu irmão está metendo os pés pelas mãos.
— Explique-se.
— Está estragando tudo.
— Você tem de intervir.
— Ainda não. — Shadoe inclinou-se para trás na cadeira e colocou os pés
sobre o tampo. — Confio plenamente nele. Terá tudo resolvido a contento.
— E se falhar?
— Shayde? — Shadoe ponderou por instantes. — Qual a possibilidade de isso
acontecer?

— Consultei minha estatística duas vezes. A probabilidade é de dez contra um


de que falhe.
— Tem certeza? — Shadoe franziu o cenho. — Segundo meus cálculos, as
chances de sucesso são maiores do que isso.
— Não, dez contra um.
— Entendo... — Shadoe sorriu complacente. — Muito encorajador. Do jeito
que ele é habilidoso, tirará isso de letra!
No instante em que terminou de falar com Shadoe, Shayde discou outro número. Ao
primeiro toque, atenderam.
— Sim, querido?
— Mãe, o que andou aprontando?
— Filho, sabe que horas são?
— Não tente me distrair. Quero uma explicação, e agora!
— São duas da manhã. — Adelaide fez uma pausa. — Pode me dizer que
explicação é essa ou se trata de uma charada?
— Quer uma charada? Pois tenho duas palavras para você: Tess Lonigan.
— Pobre menina... Tão triste o modo como perdeu o marido... Tenho feito o
possível para ajudá-la. — Adelaide bocejou. — Mas é um pouquinho tola.
— Então admite? Está atacando de casamenteira outra vez?
— Claro! Sabe que isso me mantém ocupada.
Shayde sibilou entre os dentes.
— Vai parar com isso agora mesmo, mãe.
— Está bem. Na verdade, nem precisava me pedir. De qualquer forma, já está
tudo arranjado, mesmo.
— Como assim?
— Quero dizer que já terminei com Tess.
— E isso significa que...
— A partir do momento em que ela encontrou o marido perfeito, não tenho
mais nada a fazer. E, por falar nisso, parabéns pelo noivado. Tess não poderia ter
escolhido melhor. Espere um instante. — Sua risada soou alta e clara.
— De fato fui eu que a escolhi para você. Boa noite, meu anjo!
O aparelho ficou mudo, e Shayde fechou o celular com força. Já devia ter imaginado
que sua doce mãezinha estaria um passo a sua frente.
Balançou a cabeça, desgostoso. Adelaide sempre fizera isso. Tudo bem. Então
soubera do noivado. Isso era irremediável. Agora, tinha de decidir a atitude a tomar.
Seus lábios contraíram-se. Teria de cumprir o que havia prometido. Providenciaria
para que Tess tivesse seu final feliz.
Mesmo que isso significasse a infelicidade dele.
A primeira coisa que Shayde fez naquela manhã foi encher o escritório de Tess de
flores. Aquilo não tinha nada a ver com as providências que iria tomar para promover
o romance dela com Gray, mas não pôde deixar de lembrar que uma mulher que
acabou de ficar noiva deveria receber muitas flores.
Depois, seguiu adiante. Tinha uma tarefa a desempenhar, e precisava colocá-la em
prática, a despeito do que sentia em relação a isso.
Seu olhar tornou-se sombrio ao imaginar Tess nos braços de Gray, respondendo a
seus beijos, sendo tocada por outro homem. Não compreendia o sentimento de posse
que tomava conta dele, ou talvez tivesse medo de descobrir o que sentia. Qualquer
que fosse a razão, teve de fazer um esforço so-bre-humano para telefonar a Gray.
O telefonema foi um erro.
Em menos de uma hora Tess estava a sua porta, furiosa. Até seus desalinhados
cachos ruivos, pendendo sobre a testa, demonstravam o estado em que se encontrava.
Shayde nem se atreveu a perguntar como havia passado pelo segurança do prédio.
Mas o que mais o preocupava era como encontrara seu apartamento, se nem ao menos
sabia seu nome.
No instante em que Shayde abriu a porta, Tess entrou com a velocidade de um raio.
— Pode começar a falar, Shayde. Quero ouvir cada sílabado que disse a Gray
e por quê! — Deu mais três passos e estacou, deslumbrada. — Nossa!
— Fique à vontade.
Tess demorou um minuto observando tudo o que podia no apartamento, do saguão
onde se encontrava.
— Este lugar é incrível. Quero dizer... incrível mesmo. — Com uma expressão
relutante, tornou a encará-lo, voltando a atenção para o motivo que a fizera se abalar
até ali. — Muito bem, diga!
— Suponho que não esteja se referindo ao Impossível.
Ela não alterou o tom de voz:
— Falaremos sobre isso daqui a pouco. Primeiro quero saber o que falou com
Gray e por quê, Shayde! — repetiu.
— Eu?! — Shayde fingiu inocência, coisa que não sabia fazer muito bem.
Com um pouco de sorte, talvez Tess não percebesse, o que não seria muito provável.
De qualquer forma, arriscaria. — Do que está falando?
— Contou a Gray tudo sobre nosso falso noivado.
Droga! A próxima vez que encontrasse seu velho amigo haveria de lhe dar uma lição.
Talvez um bom soco no queixo fosse o mais indicado. Pensando bem, dois socos
seriam a conta certa para sua indiscrição.
— Ah! Isso?
— Sim, isso mesmo. — Algo em sua entonação o fez tremer. — Como pôde
contar a ele algo tão íntimo?
Tess parecia bastante magoada. O que mais o inquietava era o fato de ter sido o
causador daquela mágoa. Procurou uma desculpa, algo que consertasse o estrago que
causara.
— Olhe, querida, Gray arrancou a confissão de mim.
"Que desculpa esfarrapada, Shayde. Você já foi melhor que isso."
— É mesmo? Logo de você? — Tess também achara sua desculpa esfarrapada.
Fitou-o com evidente descrença. — Isso é um paradoxo! — concluiu, indignada.
Shayde pigarreou.
— A culpa foi da noite maldormida e do pouco café que ingeri esta manhã.
— Chega de brincadeira, Shayde! — A mágoa transformara-se em irritação.
— Exceto uma vez, sempre se mostrou sincero comigo.
A que exceção Tess estaria se referindo? Talvez fosse mais seguro não perguntar,
levando em conta que desde que se conheceram raras vezes tinha sido sincero. Mas,
já que a honestidade era vital para ela e costumava ser também para ele, faria o
possível para dar-lhe uma resposta que parecesse franca.
— Fui eu quem inventou nosso noivado. Assim, resolvi contar a Gray toda a
verdade. Achei que, se estivesse ciente disso, não iria culpá-la quando tudo entre nós
terminasse. Queria que ele tivesse certeza de que a responsabilidade não era sua.
Levou algum tempo até que sua explicação a amolecesse.
— Devo avisá-lo de que, o que quer que tenha dito a Gray, o preocupou. Não
sei por quê, mas ele está muito interessado em meu bem-estar.
— Ótimo. Muito me alegra que Gray se preocupe com você.
Se era tão bom, por que tinha vontade de quebrar alguma coisa? Devia estar
satisfeito com o repentino impulso pro-tetor de Gray para com Tess, em vez de reagir
como uma fera pressentindo o inimigo.
— Deveria estar satisfeita por ele ter ligado. Isso os coloca numa situação
amigável. Pode ser muito útil, quando for solicitar uma doação, Tess.
— Não concordo, e não estou me sentindo nem um pouco confortável em estar
numa situação amigável com Gray. Procuro manter uma distância profissional, neste
caso, lembra-se?— Lançou um olhar escrutinador que fez soar todos os seus alarmes.
— Fico imaginando o que ele sabe sobre você que o deixa assim tão preocupado.
Suponho que não tenha a mínima ideia.
— Nenhuma. — Shayde precisava mudar de assunto, e já! — Se isso a faz
sentir melhor, nossa conversa teve um lado positivo.
Não esperou que ela respondesse, era melhor continuar falando:
— Usei todos os subterfúgios que podia e consegui descobrir como está a
agenda de Gray esta semana.
Para sua satisfação, Tess pareceu impressionada, e a raiva cedeu lugar à excitação.
— Como foi capaz?
— Eu perguntei.
Ela estudou-o por instantes, depois gargalhou.
— Você é demais, Shayde! Jamais pensaria nisso.
A risada de Tess aliviou sua tensão, permitindo que Shayde falasse com pretensa
alegria:
— É por isso que me contratou. Eu sou o melhor. — Incapaz de manter as
mãos afastadas dela, tirou uma mecha de seu rosto. — Gray disse-me que estará livre
para almoçar na sexta-feira. Reservei uma mesa na Casa de Milão para as treze horas.
Tudo o que tem a fazer é convidá-lo.
— Como?! Não cuidou desse detalhe também?
Shayde deu de ombros. Já tinha preparado a base para um romance entre Tess e
Gray. Será que teria de entregá-la em uma bandeja também? Nem pensar!
— Ei, a promoção é sua, garota! Sei o quanto é importante para você obtê-la
por seus próprios meios.
— E a conseguirei!
Shayde sorriu, enternecido.
— Não duvidei disso nem por um segundo. — Com um gesto indicando a
cozinha, acrescentou: — Posso oferecer-lhe um café?
— Não, obrigada. Bem, já vou indo. Agradeço por tudo, Shayde. Você é um
sujeito e tanto.
— Não por isso...
Muito bem, ele tinha prometido a si mesmo não aparecer durante o almoço. Jurara
solenemente que os deixaria à vontade.
Consultou o relógio. Uma hora era tempo suficiente, certo? E se não fosse...
Contraiu os músculos do maxilar. Já havia esperado o máximo que pôde. Afinal, era
o Instigador. Passar no restaurante para ver como estava indo o romance fazia parte
do que poderia se chamar de "ossos do ofício".
Tentou convencer-se disso ao subir no elevador para o restaurante na cobertura do
Torre Real. Chegando ao saguão, cumprimentou Geórgio, o idoso maitre.
— Como estão as coisas, Geórgio?
— Excelentes, senhor...
— Shayde — interrompeu-o, com brusquidão.
Droga, só faltava Geórgio ter mencionado seu verdadeiro nome quando Gray e Tess
chegaram! Seu disfarce seria descoberto, nesse caso, e sua adorável chefe o faria em
pedaços.
— Hoje é Shayde.
— É claro, senhor.
Antes que pudesse indagar por Tess, Gray entrou no recinto, vindo do salão
principal. Quando alcançou Shayde, arqueou as sobrancelhas.
— Muito bem, amigo. O quê, afinal, está acontecendo?
Uma raiva irracional tomou conta de Shayde. Recordava-se mais ou menos de dever
alguma coisa a Gray. Algo a ver com Tess. Um sorriso forçado estampou-se em seu
semblante. Devia a seu velho companheiro um soco no queixo. E sentia-se disposto a
pagar a dívida.
— Está tendo um almoço agradável? — A questão soou bastante semelhante
ao rosnando de um dobermann.
Talvez seu tom de voz, ou mesmo o fato de ter agido como uma fera pronta a atacar,
tivesse provocado a reação de Gray. Os dois homens colidiram, batendo contra a
parede próxima.
— Por que tenta empurrar sua noiva por minha goela abaixo sempre que tem
uma oportunidade?
Shayde pegou-o pelo colarinho.
— Você encostou as mãos nela? Porque, se encostou, eu juro que...
— Evidente que sim! — O olhar de Gray se inflamou, ao empurrar com os
punhos fechados o peito de Shayde. — Nem almoçamos direito, para ficarmos
atracados um ao outro. Agitamos a Casa de Milão como nunca em toda sua história!
Antes que Shayde pudesse reagir, o mattre apareceu ao lado deles.
— Cavalheiros? — Seu modo de falar era tranquilo, porém, contundente.
Funcionou como um balde de gelo sobre eles. — Não me forcem a expulsá-los como
se fossem dois adolescentes arruaceiros.
Por um minuto que pareceu interminável, Shayde e Gray trocaram olhares
ameaçadores. Depois, devagar e com relutância, se separaram.
— Peço-lhe desculpas, Geórgio — murmurou Shayde. — Não sei o que deu
em mim.
A expressão do maitre tornou-se indulgente.
— Ruivas também são uma de minhas fraquezas, senhor.
Mas estou de certo que não é o caso do sr. Shaw.
Gray meneou a cabeça. O espanto substituiu a raiva em seu rosto.
— Geórgio está certo. Tess é fenomenal, mas não faz meu género. O que nos
leva a uma questão interessante... — analisou Shayde. — Por que tentou empurrá-la
para mim durante toda esta semana? Se queria conseguir uma doação para a
Altruistics Inc. era só pedir.
— Está bem. Que tal fazer uma doação?
— Fechado.
— Otimo. — Shayde passou a mão nos cabelos. Nunca se sentira tão
inadequado em toda sua vida. Aquela situação de instigador de romances o estava
exasperando. — Ajudaria se o relembrasse de que Tess não é minha noiva de
verdade?
— Nem um pouco. Agora, fale. O que está acontecendo?
Shayde exalou um longo suspiro.
— É assim que não está interessado?
— Se já não existisse outra pessoa, admito que ficaria tentado. Mas não, não
tenho interesse nela. — Tocou com o indicador o queixo de Shayde. — E se estivesse
apaixonado por uma garota como sua noiva postiça, deixaria de agir como um tolo e
tentaria transformar a fantasia em realidade.
Shayde arregalou os olhos. Por que não havia pensado nisso?
— Quer dizer que está fora da jogada?
— Nunca estive na jogada, Shayde. Diga a Tess que meu pessoal lhe enviará
um cheque no início da próxima semana. — Gray fez um gesto, indicando a direção
do salão principal. — Por falar nisso, ela está a sua espera. Eu lhe disse que você não
viria, mas pelo que parece deve ter lhe garantido que vinha, e isso bastou para que
Tess o esperasse. Aquela garota confia muito em você. Sugiro que não faça nada para
desapontá-la.
— Eu não menti para Tess. Não exatamente.
— Acha que ela concordará com isso? — Gray não lhe deu tempo de
responder. — Devo avisá-lo: Tess está furiosa, e não a culpo por isso. Vá com calma
e tente esclarecer tudo. Quem sabe? Talvez funcione.
Dando-lhe as costas, Gray entrou no elevador, deixando Shayde fitando-o, atónito.
Em grande parte pelo casamento perfeito esperado pelo comité. Que falha absurda!
Gray não a queria! O que deixava patente que o pobre Gray era maluco. Fato que o
comité não levara em consideração quando o escolhera.
Shayde atravessou o corredor de mármore que levava ao salão principal, procurando
por Tess. Avistou-a a uma mesa junto às janelas. Como Gray o alertara, parecia
transtornada. A irritação emprestara um lindo rubor a suas faces e tornou seus olhos
azuis mais escuros.
No momento em que o viu, Tess pegou sua taça e sorveu um grande gole do vinho.
O que Gray teria dito a ela? Decerto não revelara sua identidade. Caso contrário, não
o estaria esperando.
Shayde alcançou a mesa e puxou a cadeira diante dela. Desejava tomá-la em seus
braços e dar-lhe todo o carinho de que precisava. O comité que fosse plantar batatas.
O olhar de Tess demonstrava que preferia falar de negócios.
Lutando contra seus instintos, Shayde procurou parecer o mais profissional possível.
— Posso me sentar? — Sentou-se. Até ali, tudo bem. — Desculpe-me, estou
atrasado.
— Eu também. .Acabei de passar por uma das situações mais embaraçosas de
minha existência.
— Embaraçosa? Como assim?
— Que inocente! Isso não vai funcionar! — Tess cruzou as mãos e apertou
seus lábios de uma forma que traduzia toda sua ira.
Shayde daria tudo para descontraí-los num beijo demorado e profundo.
— Qual seu verdadeiro relacionamento com Gray, Shayde?
Ele fitou seu olhar irritado e pôs de lado a vontade de beijá-la. Não podia se distrair
agora. Esperava não ter de contar aquilo até que ela recebesse sua promoção, mas
desde o início considerara essa possibilidade;
— Nós nos conhecemos muito bem.
A confissão não a agradou.
— Quão bem?
Shayde não tinha como evitar a explicação:
— Fomos colegas de colégio.
Se a julgava irritada até então, ainda não vira nada. Seus dedos se apertaram até
perderem a cor, e sua boca se contraiu tanto que não haveria beijo no mundo que con-
seguisse abri-la.
— E não teve oportunidade de mencionar esse pequeno detalhe antes?
Shayde não sabia como, mas pôde articular uma frase:
— Pensei que não seria uma boa ideia.
— Por quê?
— Porque você o teria cortado de sua lista.
— O que quer dizer com isso? — questionou, mais controlada.
— Se soubesse que eu tinha como pressioná-lo, teria se recusado a tentar
convencê-lo. Sabe por quê? — Shayde deu de ombros. — Conflito de interesses,
lógico. O mesmo problema que você tem com Adelaide.
— Essa era uma decisão minha — Tess argumentou.
— Está brincando, não? — Recostou-se no espaldar, estudando-a, frustrado.
— Sei que atitude tomaria. Droga, querida, você me contratou só pela mera
possibilidade de um conflito de interesses com Dick Smith! Não é a mesma situação?
— Certo, mas eu deveria ter sido informada.
— Tudo bem. Agora já sabe. Irá pedir a doação a Gray ou não?
Decidida, Tess o encarou.
— Não.
— Por quê? — indagou, apesar de já saber a resposta.
— Pelo fato de ser seu colega de escola Gray irá se sentir na obrigação de
contribuir, e não conseguirei minha promoção dessa forma.
Foi a vez de Shayde se irritar. Inclinou-se em direção dela.
— E os benefícios que isso trará à Altruistics Inc.? Acha que se importam de
onde vem o dinheiro ou se Gray só está doando porque é amigo de seu noivo? Pois
garanto-lhe que não. O cheque será descontado da mesma forma, e essa quantia será
útil a causas nobres.
— Você não entende... — Tess se aproximou mais, até seus narizes quase se
colarem. — Tenho de conseguir esse cargo por meio de meus próprios esforços. Não
posso aceitar ajuda externa.
— Por quê?! — Shayde parecia confuso. — E por que a maneira de você
conseguir as doações é mais importante do que obtê-las? O benefício que trará não
justifica os meios pelos quais foi conseguida?
— Estou exagerando, não?
— O que há, querida? Está levando a história da morte antes da desonra muito
a sério. Não estou compreendendo.
— Shayde... — Deteve-se, incapaz de continuar.
— Diga-me, Tess — insistiu, com doçura. — Por que isso é tão sério para
você?
Tess tentou responder, mas as palavras morreram em seus lábios. Para a preocupação
de Shayde, lágrimas marejaram seus olhos.
Ele não hesitou:
— Já pediu a conta?
— Ainda não — disse, com voz embargada.
Shayde colocou algumas notas sobre a mesa, que cobririam muito bem as despesas, e
levantou-se.
— Vamos sair daqui.
Colocando o braço em volta dos ombros dela, guiou-a para fora do restaurante. Em
alguns instantes, alcançaram o estacionamento.
Quando Tess se encontrou acomodada ao lado dele no banco do passageiro, Shayde
jogou o telefone celular em seu colo.
— Ligue para seu escritório e diga-lhes que não voltará hoje.
Para seu alívio, ela não argumentou e fez a ligação.
— Seu apartamento ou o meu? — propôs, após Tess desligar.
— Gostaria de conhecer melhor o seu.
Completaram o percurso no mais completo silêncio. Shayde olhou-a de soslaio
apenas uma vez. Não podia fazê-lo se queria chegar logo a sua casa. Tess parecia tão
fragilizada que, se a fitasse por alguns instantes que fosse, encostaria o Jaguar no
primeiro estacionamento e exigiria uma explicação.
Assim que entraram no apartamento, Shayde fechou a porta e abraçou-a por um longo
minuto, sem nada dizer.
Por fim, falou:
— Não sei o que há de errado, Tess, mas farei tudo o que puder para ajudá-la. Mas, para
isso, terá de me contar o que está acontecendo.
CAPÍTULO IX

Tess relaxou nos braços de Shayde, absorvendo toda sua força. Se fosse honesta
consigo, admitiria que ele a fazia se sentir protegida. Não que precisasse de alguém
para protegê-la. Fazia muito tempo se acostumara a ser a mais forte. Os outros
depositavam sua confiança nela, e Tess nunca hesitara em prestar ajuda aos que
necessitavam.
Mas nos últimos momentos estava aproveitando o que Shayde oferecia de modo tão
generoso. E era bom. Maravilhoso.
As carícias dele a acalmaram e acalentaram, permitindo que falasse sobre a
experiência mais dolorosa que já tivera.
— Você percebeu que durante todas as nossas conversas, nunca quis saber
como foi que Robert morreu? — Passando seus braços sobre os quadris de Shayde,
Tess encostou o rosto em seu peito, e continuou a falar: — Por quê?
— Achei que era melhor esperar que me contasse.
— Quero que você saiba.
— Então, vamos entrar. Este não é o tipo de conversa para termos no hall.
Shayde a conduziu até uma enorme sala de estar. Do chão ao teto, uma grande janela
oferecia uma vista maravilhosa. Ainda era cedo para se ter neve, e as folhas do velho
carvalho ainda podiam ser vistas, contrastando com o cristalino céu azul.
Tess aproximou-se da vidraça, para admirar a linda vista. A tensão começou a
esvair-se de seus músculos, e já podia sentir a paz invadindo seu corpo.
— Como foi que Robert faleceu, Tess?
— Foi vítima de leucemia.
— Oh, Deus! — Agora Shayde a segurava com mais firmeza, tentando fazê-la
sentir-se mais protegida ainda.
— Foi horrível!
— Quanto tempo tinham de casados quando os médicos diagnosticaram a
doença?
Parte das recordações já não eram tão vívidas na memória de Tess, mas parte ainda
doía muito. Com que dramatici-dade a vida mudou depois da descoberta da doença!
Ela e Robert abandonaram a juventude e passaram a medir cada momento, lutando
contra cada minuto.
— Não éramos casados ainda. A leucemia foi diagnosticada durante nosso
último ano de colégio.
Tess surpreendeu Shayde com a revelação.
— Você já conhecia Robert?
— Sim, éramos amigos de infância. — Tess sorriu por entre as lágrimas,
relembrando todos os bons instantes.
E, assim que atingiram a fase adulta, suas vidas revelaram uma grande armadilha do
destino.
— Conforme íamos crescendo, nossa amizade ia se tornando algo maior.
— Como descobriram a leucemia?
Tess fixou o olhar nas montanhas distantes, buscando equilíbrio e serenidade.
Quantos dias passara olhando para o horizonte na esperança de diminuir a agonia?
Respirou fundo reunindo energia para continuar falando, e a presença de Shayde
fazia com que fosse mais fácil manter a compostura.
— Durante o colégio, os interesses de Robert giravam em torno do beisebol.
Era sua paixão. Além de ser o melhor batedor, era capitão do time. No meio da
temporada, machucou o braço numa partida. Durante o tratamento da lesão, os
médicos detectaram a doença.
— Sinto muito, Tess...
— Não pode imaginar a comoção causada em toda a comunidade. Robert
inspirou uma certa atitude das pessoas.
— Olhou por sobre o ombro dele. — Você teria gostado dele, Shayde. Robert era
inteligente, generoso e de boa índole.
— Você me disse que Gray parecia um pouco com Robert.
Ela assentiu.
— Já que foi colega de quarto de Gray durante os anos de faculdade, sem
dúvida iria gostar do jeito de Robert, mesmo quanto era adolescente. Era um ser
especial.
Encostou a cabeça no tórax de Shayde.
— Robert passou por todos aqueles tratamentos contra o câncer sem reclamar
uma única vez. E ainda encorajava os outros pacientes a terem fé, e os fazia sorrir.
— Quando foi que se casaram? Depois de terminar o colégio?
Tess fez que não.
— Éramos muito jovens, e ambos sabíamos disso. Esperaríamos até estar na
faculdade. Naquela época, a leucemia de Robert regrediu, e chegamos a acreditar que
ele estava curado.
— Mas não estava, certo?
— Não.
A simples palavra resumia tudo.
— Quando decidiram se casar?
— Durante o segundo ano de faculdade. Estávamos no campo, aproveitando^
os dias de primavera. Tínhamos acabado de terminar a última prova, estávamos
deitados na grama, quando Robert me pediu em casamento.
— Deixe-me adivinhar. — A voz de Shayde soou mais grave do que o normal,
se é que isso era possível. — Você disse "sim".
— Errou. Se me lembro bem, falei que ele estava sendo tolo. — Tess ergueu o
olhar. — Não foi nada romântico.
A expressão de Shayde se suavizou.
— Acho que já era uma mulher prática desde aquela época.
— Ao extremo. — Seu sorriso se esvaiu. — E aí, Robert ficou sério e disse
que eu não tinha aprendido nada com sua doença. Afirmou que tínhamos de
aproveitar cada segundo e buscar a felicidade em todas as horas, independente do que
fosse acontecer depois. Três horas depois, chegávamos a uma pequena igreja em
Reno, Nevada. Casamo-nos naquela mesma noite.
— Imagino que a lua-de-mel não tenha durado muito.
Tess fez um esgar. O pranto rolou de seus olhos, e ela
suspirou, tentando se manter firme. Não que tenha enganado Shayde.
Ele a enlaçou e a apertou com carinho. O silêncio de Shayde queria dizer que
sempre estaria por perto, usando de todo seu vigor para protegê-la de qualquer
sofrimento.
Tess ouviu as batidas do coração de Shayde, e aquilo a acalmou.
— Logo após o início do segundo semestre, descobrimos que o câncer voltou.
Assim, tranquei matrícula na faculdade para cuidar de Robert. — Engoliu em seco,
tentando desfazer o nó da garganta. — Ele não comemorou o Natal, aquele ano.
Shayde acariciava as costas de Tess.
— Lamento, Tess. Sinto muito, mesmo. Deve ter sido terrível.
— Robert era tão incrível! Não podia ter morrido...
— Não se torture mais. — As palavras dele saíram com dificuldade, como que
tivesse absorvido parte da dor de Tess.
— Robert tinha você. Isso deve ter feito uma enorme diferença.
— Fiquei feliz por termos nos casado. E por termos tido tantos momentos
bons.
— Posso jurar que Robert também. — Esperou que ela recobrasse o controle,
abraçando-a sem dizer nada. Após alguns minutos, resolveu falar: — Acredito que
tenha sido a morte de seu marido o que a levou a trabalhar na Altruistics Inc.
— Isso mesmo. Assim como é a razão de eu estar obcecada por essa
promoção.
— Creio que começou a trabalhar lá logo após o falecimento de seu marido. E
que escolheu a Altruistics Inc. devido a todos os esforços deles em campanhas para a
ajuda a portadores de leucemia.
— Acertou de novo.
— Mas tem mais alguma coisa, não?
— Muito mais.
— Você acabou a faculdade.
— Uma semana após o funeral, eu tinha dezenas de contas para pagar.
Procurei a Altruistics Inc. e preenchi um formulário de pedido de emprego. Al
Portman me entrevistou.
— E a contratou.
— Preferiu a mim a um outro candidato mais qualificado.
Como sempre, a perspicácia de Shayde concluiu o resto da história.
— Por causa de Robert.
— Foi isso mesmo. Só que eu não lhe disse uma só palavra sobre Robert. Al
soube por minhas referências.
— E desde então tem feito o possível e o impossível para provar que você era
melhor do que o outro candidato.
Shayde chegou à mais óbvia conclusão, e Tess não iria discordar. E também, como
poderia? Era a mais pura verdade.
— E se me empenhei tanto no desenvolver de minhas funções, acho que agora
você entende.
— Evidente que entendo. Durante todos esses anos você se questionava se Al
Portman tinha feito a escolha certa, e as pessoas que acabariam pagando o preço da
escolha de Al seriam justo aquelas beneficiadas pela Altruistics Inc.
— Não vê, Shayde? O trabalho é mais importante do que a pessoa que o está
executando.
— O que compreendo é que quem o executa agora é a melhor de todas. Você,
mais do qualquer um, sabe o quanto essa colaboração é vital, o quanto as
contribuições são importantes para a continuidade da Altruistics Inc.
— Mas o outro candidato...
— Talvez ele até fosse mais experiente. Mas é óbvio que Al viu algo especial
em você que não viu no outro. Se eu pudesse afirmar, diria que Al viu seu coração.
Soube que daria sua vida pela causa, que não aceitaria um "não" como resposta e não
desistiria com facilidade. Ou terei me enganado sobre seu caráter?
— Eu faria qualquer coisa para evitar que outra pessoa como o Robert se
fosse!
— É isso o que deve dizer a Walt Moore.
O comentário de Shayde atraiu toda a atenção de Tess.
— Do que está falando?
— De seu terceiro Impossível. Walt é um Impossível que perdeu a mulher para
a leucemia. Você deve ter lido isso em seu arquivo.
Tess não gostou de ouvir aquilo.
— Nunca capitalizei sobre a morte de Robert, e não será agora que irei fazê-
lo.
— Capitalizar?! Eu diria simpatizar. Que tal se aproximar de Moore e dizer o
quanto você sabe sobre o que ele está sentindo. Enfatizar que a leucemia é uma
doença que leva jovens e idosos, ricos e pobres, e que ele pode fazer alguma coisa
para ajudar?
— Não sei se conseguiria falar de Robert para Moore. Depois de todos esse
anos, mal consegui contar a você.
— E é por isso que Walt Moore entenderá. E se não entender não haverá nada
mais que possa fazer para convencê-lo, Tess. Mas pelo menos há uma chance de
mostrar-lhe que sua contribuição poderá fazer a diferença na vida de uma outra
esposa.
Tess não acreditava que tinha ido tão fundo. Como podia ter se aberto tanto para um
total estranho? Era tudo muito íntimo, muito pessoal. Libertara sentimentos
escondidos por quase uma década.
Outra vez, Shayde lera seus pensamentos.
— Já é hora de você dividir seu marido com os outros, Tess. É chegado o
momento de colocar um rosto no homem que é responsável por seu trabalho na
Altruistics Inc. Não precisa mais se sentir culpada.
Culpada? Ela livrou-se dos braços de Shayde.
— E melhor explicar o que quis dizer.
— É simples, Tess. Conseguiu sobreviver e Robert, não. Você mesma disse
isso. Ele era um homem incrível. Todos que o conheceram o amaram. Portanto, não
merecia morrer.
— Robert não merecia morrer! — Tess repetia aos prantos.
— E se não tivesse morrido, o que estaria fazendo agora?
Tess congelou.
— Ele... Ele...
— Sem dúvida estaria trabalhando na Altruistics Inc, convencendo
Impossíveis a doar dinheiro para campanhas contra o câncer. Robert lhe falou que
planejava dedicar-se por inteiro à cura da leucemia se tivesse sobrevivido. E quando
a doença tirou-o de você, decidiu pegar a causa dele.
A astúcia de Shayde a encantava e assustava. Tess precisou tentar três vezes antes de
conseguir articular as palavras:
— Eu tinha de fazer algo para ajudar, Shayde. Não podia deixar o sonho de
Robert ir junto para o túmulo.
— É lógico que não. Não entende, Tess? Você é tão especial quanto Robert.
Possui a mesma bondade inata. — Shayde ergueu o queixo dela.
— Pode não funcionar com Walt Moore.
— Mas e se funcionar?
Shayde estava certo. Por mais que odiasse admitir, já era hora de colocar tudo aquilo
para fora e mostrar a própria dor para os semelhantes.
— Tudo bem, tentarei um encontro com Walt.
— Eu sabia, Tess! — Shayde a beijou com suavidade. — Se puder auxiliá-la
de alguma forma, estou à disposição.
— Você me segura, se eu cair?
— Sempre.
Aquilo soou como mais doce das promessas. E como um sentimento que Tess não
experimentava fazia muitos anos: a esperança.
— Muito bem, docinho. Está na hora. — Shayde arrumou a gola da camiseta
de Tess e ajeitou alguns cachos que caíam sobre a sobrancelha. — Minhas fontes me
informaram que Moore vem ao parque todas as noites, sempre no mesmo horário, o
que significa que estará chegando em alguns instantes.
— Duvido que ele vá gostar de ser interrompido.
— Com certeza, não gostará. Porém, considerando as outras tentativas de
marcar um encontro mais formal, suspeito que esse é o único modo de conversar com
ele.
Shayde olhou para a direção de um arbusto e viu um senhor se aproximando.
— Aí vem Walt! Está pronta?
— Não, mas nada me fará parar agora. — Tess levantou a cabeça num gesto
de apelo. — Deseje-me sorte.
Shayde não pôde resistir, tomou-a nos braços e deu-lhe um beijo encorajador. Se
estivessem em outro lugar e em outra ocasião, ele teria ido muito mais longe, talvez
porque Tess fazia de um simples beijo algo fantástico.
Relutante, deixou-a ir.
— Boa sorte, amor. Seja honesta com Walt Moore.
Com um sorriso nervoso, Tess seguiu pelo parque, deixando Shayde a desejar que
pudesse fazer algo para ajudá-la naquela situação.
No entanto, não havia nada que pudesse fazer. Tess precisava ganhar sua promoção
de forma justa, e ele não interferiria.
Tess cruzou a cerca que dividia o parque, e logo alcançou o banco onde o sr. Moore
estava sentado. Tomando fôlego, estalou os dedos e enfiou as mãos no bolso do
agasalho.
Os minutos seguintes foram os mais cruciais. Se Tess conseguisse falar com Moore,
Shayde podia apostar que acertaria o tiro no alvo. Encostou-se numa árvore, cruzou
os braços diante de si e ficou a observá-los de longe.
A princípio, Walt não se incomodou de ser importunado, até mesmo permitiu que
Tess se acomodasse a seu lado. Aos poucos, à medida que Tess falava, Moore ia
mudando de cor. Estava em posição de defesa, meneando a cabeça em negativa. Mas,
pelo menos, a escutava.
Após dez minutos de conversação, Walt ergueu-se. Falou alguma coisa para Tess,
algo que tinha o impacto de uma bofetada, e saiu andando.
Shayde não esperou. Saiu de trás da árvore e correu ao encontro dela. Tess
permaneceu quieta. Apenas irrompeu em lágrimas e o abraçou.
— Você tentou — Shayde a consolou. — Pelo menos, tentou, querida.
— Por favor, Shayde, leve-me para casa.
Shayde não se fez de rogado.
Em alguns minutos, já estavam em seu Jaguar, a caminho do lago Green. Para
desespero de Shayde, Tess não deu uma só palavra durante a jornada.
Estacionando o carro na calçada do edifício de Tess, Shay-de a acompanhou até o
apartamento.
— Você fez o melhor que pôde.
— Meu melhor não foi o bastante. Contar a Walt sobre Robert não fez a menor
diferença. Ele me disse que tinha sua maneira de ajudar, e dar dinheiro a uma causa
não traria sua mulher de volta.
— Talvez ele reconsidere, quando pensar melhor no que disse. As pessoas a
ouvem, Tess. Ainda que Walt Moore se recuse a cooperar, ele a escutou. E qualquer
hora dessas, irá admitir que você está certa e perceberá que é melhor ser útil do que
ficar apático.
O que Shayde dissera poderia ter surtido um efeito melhor se ela não estivesse se
sentindo tão derrotada.
— Obrigada por me acompanhar — disse ela, num tom profissional. — Se
você tem outros planos, não quero atrapalhá-lo. Pode ir, se quiser.
— Não vou deixá-la.
Sem pestanejar, Shayde a puxou para si. Tess nem pensou em recuar. Pelo contrário,
passou os braços pelo pescoço dele e levantou o rosto.
— O que está fazendo?
— Segurando você. — Shayde a beijou com paixão, e toda tensão esvaiu-se do
corpo de Tess. — Querida, você não caiu. Mas, se tivesse caído, eu estaria lá para
segurá-la, conforme prometi. E, de alguma forma, tenho a impressão de que vai dar
uma de chefe e me despedir, e depois ficar sozinha lambendo as feridas.
— Presumo que você não me deixará sozinha.
— Sem a menor chance. Se há alguma ferida para cuidar, eu sou o homem
para o serviço.
— Já que é assim, tenho uma ordem para você.
— E qual é?
— Leve-me para meu quarto. É por ali.
Shayde franziu o cenho.
— O que devo fazer quando chegar lá? Sair?
— Nada disso! Você irá fazer amor selvagem comigo. — As palavras
pareciam ao mesmo tempo uma súplica e uma ordem.
Shayde a pegou no colo e foi se encaminhando para seus aposentos. Mas sua
consciência falava para ele parar. Portanto, parou ainda no hall.
— Não sei se essa é uma boa ideia. — Atordoado, Shayde a colocou no chão.
— Em minha opinião, é excelente.
— Por que está fazendo isso, Tess? Porque está triste e sozinha, precisando de
um homem?
— Precisando de um homem, como? Qualquer um? — perguntou, indignada.
— É isso o que está pensando?
— Eu a conheço mais do que imagina. Você não é do tipo que aprecia sexo
casual.
Tess não pôde deixar de gargalhar.
— Está me dizendo que você é? Qual é, Shayde? É nisso que está interessado?
Sexo casual? Ou não está interessado em sexo?
Ele a puxou para mais perto, e Tess sentiu toda a vibração que emanava dele. Não
havia dúvidas que Shayde a queria.
— Ainda acha que não estou interessado? Desejo físico não é o problema aqui,
garota.
— Mas quer mais do que uma noite de sexo, não é?
— Sim, quero.
Tess o encarou. Direta. Certeira.
— Eu também quero.
— Tess...
Sem mais, ela o beijou com muito ardor. Desabotoou a blusa e a atirou longe. Em
seguida, despiu a saia e a meia de náilon.
— O que está fazendo, Tess?
— Não quero que paire nenhuma dúvida sobre o que quero agora.
— No meio do hall?
— Se é assim que você prefere... O chão é um pouco duro, mas, se quiser,
podemos prosseguir no quarto.
— Não foi isso o que quis dizer.
— Que pena! — Tess tirou o resto das roupas que sobravam, e o levou para a
suíte. Parou à soleira e o encarou.
— A escolha é sua, Shayde. Você me pegou. E agora, o que vai fazer?
— Não devia me desafiar, mocinha.
Tess não perdeu tempo em retrucar. Prosseguiu andando em direção a seus
aposentos. Shayde não resistiu e a seguiu atrás dela, alcançando-a.
— Espero que esse desafio seja me jogar no leito e me pôr o mais próximo
possível de seu corpo.
— Acertou!
Ele a deitou na cama com toda a delicadeza e começou a acariciar todas as curvas
sinuosas.
Tess mordiscava o lábio, um milhão de coisas passavam por sua cabeça naquele
momento. Agora desistira de vez de reagir. Por que se incomodar? Shayde sabia que
o queria tanto quanto ele a desejava. Sabia que ela estava desesperada para fazerem
amor.
Tess passara os últimos anos ignorando seus sentimentos, mas não faria mais isso.
Shayde merecia toda sua honestidade.
— Shayde, por favor, chega de joguinhos. Quero que me ame. Agora!
Shayde deitou sobre Tess de forma que a luz do sol iluminou seus olhos azul-
prateados.
— Tem certeza de que não se arrependerá depois?
— Nunca estive tão certa de algo em minha vida.
A luminosidade da tarde entrava por uma fresta da cortina, intensificando as cores
dos lençóis e travesseiros. Dava a impressão de que estavam no meio de uma floresta
na primavera.
Tess projetara o quarto para provocar essa reação de luzes. As formas e os tons
selvagens combinavam com seu estilo provocante, invocando emoções que recusou-
se a permitir que se libertassem de seu interior até então. Naquele momento, a
inibição acabara, e era de novo uma mulher. Nada que não fosse natural e genuíno
seria permitido.
Tess procurou por Shayde, tomando-lhe a mão e colocando-a sobre a sua.
— Ainda está com muita roupa.
— Faça alguma coisa quanto a isso, querida.
— Ah, um homem tímido! Gosto disso.
Sentada no colchão, Tess começou a desabotoar a camisa de Shayde, aproveitando
cada segundo de deleite. Quando se viu sem a peça, ele segurou o rosto de Tess e a
beijou com voracidade.
Tess livrou-se do sutiã enquanto Shayde buscava pelo preservativo dentro da
carteira, ao mesmo tempo que tirava o resto das roupas.
Tess, um pouco ansiosa, com o coração acelerado, acabou de se despir.
Era um momento de certa vulnerabilidade, que Shayde reconheceu antes dela.
— Eu sou o primeiro?
— Desde Robert, sim.
— Por que me escolheu, querida?
— Porque... porque você é a pessoa certa. — Tess levantou-se e deslizou os
dedos pelos cabelos de Shayde, traçando um caminho até a boca. Ficou acariciando
os lábios dele, sorrindo, enquanto ele lhe beijava a palma. — Desde a morte de
Robert, tive medo do amor. Estive compensando sua perda com meu trabalho. Era
mais seguro. Não iria suportar outra experiência igual.
— Não me perderá, Tess.
— Promete? — Era um chamado de dentro do coração.
— Prometo. Não importa o que aconteça, estarei sempre a seu lado.
E em seguida, tornou a beijá-la.
Foi um beijo diferente de todos os outros. Era uma prova do desejo e das promessas
feitas. Um aviso de uma porta do passado se fechando e a do futuro se abrindo.
Mesmo sem saber o que o destino lhes reservava, Tess poderia estar segura de que
Shayde estaria ali.
Como pôde ser tão cega? Amava aquele homem. Adorava-o com uma intensidade
que nunca experimentara. O que sentira por Robert era diferente. Um primeiro amor
que não tivera a chance de amadurecer e tornar-se algo profundo e eterno.
— Shayde... Faça amor comigo.
— Lógico, querida. — Ele encheu as mãos com os cabelos de Tess,
permitindo que os cachos caíssem por entre os dedos. O brilho do sol cintilava nas
mechas avermelhadas, contrastando com a brancura de sua pele. — Todos os fan-
tasmas já se foram?
— Sim. E não voltarão.
Com infinita ternura, Shayde a beijou mais uma vez. Não a apressaria, esperaria a
luxúria falar mais alto.
E não demorou muito. Tudo nele despertava paixão. A largura de seus ombros, a
musculatura potente, os pêlos do peito formando um triângulo, seu jeito de olhar. Por
isso tudo, Tess abriu-se para ele.
— Devagar...
— Prefiro ir mais rápido, Shayde. Tentaremos ir devagar depois.
Para frustração de Tess, ele não lhe deu ouvidos e seguiu a cadência ritmada e lenta.
Beijava seus seios, acariciava sua cabeleira, e a cada carícia ela ia se entregando.
Entregou-se por inteiro, como jamais fizera antes. Shayde a penetrou com
suavidade, mas Tess queria mais, e acelerou a cadência ritmada dele, usando todos
seus instintos ocultos na alma.
Horas se passaram, ou teriam sido minutos? O tempo não significava nada. Eles
atingiram o clímax simultaneamente, uma explosão de delícias.
Tess o encarou Shayde. Suas pupilas pareciam diamantes de tanto que brilhavam. Os
fantasmas haviam partido e em seu lugar um lindo sentimento se instalara.
Com ele, Tess encontrou o amor.
Shayde pulou da cama enquanto ela ainda dormia. Vestindo a calça, saiu em silêncio
da suíte. Chegando à sala, pegou o celular e discou um número.
— Tem ideia de que horas são? — a voz sonolenta de Shadoe perguntou.
— Estou me demitindo.
— Como é?
— Acorde e escute o que digo, Shadoe. Estou me demitindo. Não sou mais seu
Instigador. Avise ao comité que estou fora.
— Aposto que sua decisão tem alguma coisa a ver com Tess Lonigan.
— Recuso-me a entregá-la a Gray. Eles não combinam.
— E você combina?
— Sem dúvida.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Tudo bem. Nesse caso, ela é toda sua.
A reação de Shadoe foi tão inesperada, que Shayde não reagiu.
— Ela é toda minha...
— Todinha.
Shayde, enfim, compreendeu. As peças agora se encaixavam.
— Você me enganou, Shadoe!
— Funcionou melhor do que planejamos.
— Você me paga, seu...
— Estou morrendo de medo! — Shadoe gargalhou:
Shayde desligou. Às favas com seu irmão e o comite!
Pelo menos um de seus problemas estava resolvido. Restava arrumar um modo de
contar tudo a Tess.
Quando se virou, deu de cara com ela. E, pelo que viu, deu para perceber que ela já
estava ali desde o começo de sua conversa.
Bom, agora só tinha de resolver mais duas questões...

CAPÍTULO X

— Você é um Instigador!
— Não, Tess, eu sou o Instigador. — Shayde passou a mão pelo queixo. — Aliás, era.
Acabei de me demitir.
— O comité o escolheu para me instigar para um romance? — perguntou,
incrédula.
— Sim.
— E deveria me jogar para cima de Grayson Shaw?
Ele hesitou.
— Isso é meio complicado, Tess.
— Então por quetaão simplifica tudo para mim? Ou não entende a palavra
"simples"? Ou melhor, lógico que compreende, embora não admita que tudo é muito
mais simples do que parece, assim como sua falta de habilidade para saber o conceito
de verdade e honestidade.
Ela estava furiosa. Fora de controle. Mas Shayde não a culpava por isso.
— Atribuíram-me a tarefa de instigar um romance entre você e Gray, mas...
— Quem lhe deu o direito de me arrumar um marido?!
— Tess vinha se aproximando a passos largos, vestida com a camisa dele. — Por que
não começa por esse ponto?!
— Quem lhe deu o direito de arrumar um marido para suas amigas? — Shayde
tentava virar o jogo.
Aquilo a fez parar, causando um certo desconforto.
— Pode-se dizer que elas me pediram para fazer isso.
Shayde assentiu.
— É por aí, Tess. Alguém procurou o comité para fazer o pedido. Uma vez
aceito, o comité investiga a situação e decide se pode ou não garantir um arranjo
perfeito.
— E se não funcionar?
— Nada de romance.
Shayde pôde notar a dificuldade de Tess em juntar as peças. O que não demorou
muito. No momento em que percebeu, fechou os olhos, a dor substituía a ira.
— Primeiro alguém faz o pedido ao comité?
— Sim.
Encarou Shayde, colocando as mãos nos quadris. Tess estava indefesa, e ele sentiu-se
arrasado.
— O que significa que alguém procurou vocês para encontrar um par para mim?
— Sim.
— E quem foi?
— Lamento. Não posso revelar quem foi.
— Foi Seth, não foi?
— Isso importa?
— Não.
A tristeza tomou conta de Tess. Shayde foi se aproximando dela, querendo abraçá-la,
pois precisava consertar tudo. Mas não foi uma boa ideia.
— Não me toque, Shayde!
— Mas, querida...
— Por que pediu demissão do comité? Foi porque dormiu comigo? Sou agora
um conflito de interesses? Ah, entendi!
Você se acha melhor do que o príncipe encantado.
O primeiro sinal de cólera penetrou na fortaleza de autocontrole chamada Shayde.
— Sim, eu me demiti por causa de nosso relacionamento...Sim, agora você é um
conflito de interesses. E sim, sou melhor do que seu príncipe encantado, ainda mais
porque escolheram o príncipe errado para você.
Tess ficou intrigada.
— O que há de errado com Gray?
— Não serve para você.
— Isso sou eu quem decide.
A fúria aumentou, intensificando cada momento seguinte.
— Você fez sua escolha esta noite, Tess. Resolveu fazê-la quando me levou
para a cama.
— Hoje provou o quanto me enganei sobre você, Shayde.
— Não me venha com essa! Não está atraída por Gray. Sei que me quer, e sabe
disso também.
— Sinto desapontá-lo, mas Gray é muito atraente.
Era a mais pura verdade, e isso feriu Shayde lá no fundo. Agora estava mais do que
furioso.
— Bem, então é melhor desistir. Gray não está interessado em você.
Tess não acreditou no que ouviu.
— Como sabe disso?
O suor escorria do rosto de Shayde. Não podia crer no que estava acontecendo. Como
podia ser possível o comité ter acertado com todo o mundo, e com ela, não?
— Desculpe-me, eu não devia ter lhe contado.
Tess insistiu em saber a verdade.
— Fale!
— Sei porque ele me contou que está se envolveu com outra mulher. Somos
velhos amigos, lembra-se?
— Perguntou a Gray se estava interessado em mim? Pediu-lhe permissão para
me levar para a cama? Gray também está metido nessa droga de comité?!
— Acalme-se, Tess. — Passou a mão por entre os cabelos. Precisava de um
tempo para descobrir uma maneira de explicar tudo. Com apenas uma olhada para
Tess, soube que não seria tão fácil. — Gray não está metido nessa história. Não fazia
ideia de que o comité o havia escolhido para você. O que não percebeu ainda é que...
— Quero meu nome fora dessa lista.
— Já está.
— Obrigada. — Tess se dirigiu à porta. — Pode ir, agora.
— Não vou a lugar algum. Não até que me escute.
— Não há mais nada a dizer.
— Há sim, muito mais do que possa imaginar.
— Pedi para ir, Shayde. Por favor, vá.
Se Tess não estivesse tão firme, ele continuaria argumentando. Mas, naquele
momento, o melhor era atendê-la.
—Tudo bem, eu irei. Entretanto, só para seu conhecimento, Gray não sabe nada sobre
o comité. Era apenas um dos supostos candidatos a bom marido.
Tess agora não entendia mais nada.
— Então, quem era o escolhido? — A voz falhou, mas ela prosseguiu: — Você?
Eles pensaram em você para ser meu príncipe?!
— Está dizendo que não sirvo?
Ela ia responder, mas se conteve.
— Prefere calar-se a admitir que sou perfeito, Tess?
Shayde lutava para disfarçar seu nervosismo. Um pouco de tato não faria mal naquelas
circunstâncias.
No entanto, ela estava muito próxima dele, e aquela proximidade o estava deixando
louco. Tess sofria, e Shayde podia ver isso em seu olhar. Tudo nela o distraía,
provocando um contraste entre a raiva e a vulnerabilidade.
A boca de Tess continuava vermelha e marcada pelos beijos. A pele, pálida, mas as
faces estavam coradas. Shayde queria poder contar-lhe tudo, devolver-lhe a segurança,
usar de todos os meios disponíveis para explicar a mentira. Mas não ia acontecer nada
enquanto ela estivesse daquele jeito.
Lógica! Tinha de usar a lógica, não podia usar o instinto.
— Por que é aceitável que você vá ao comité solicitar um arranjo para suas
amigas, mas outra pessoa que a ama, com a melhor das intenções, não pode fazer o
mesmo por você?
— Raine e Emma me pediram para fazê-lo — decidiu manter a história. —
Todavia, não pedi a ninguém para fazer isso comigo.
— Está mentindo, e sabe disso. As três fizeram um pacto na adolescência.
Muitos anos já se passaram. Por acaso, verificou com elas se o acordo ainda estava de
pé?
A julgar pela expressão de Tess, Shayde já sabia a resposta.
— Não, Shayde. Não verifiquei.
— Raciocine, querida. Por que serviria para elas e não para você? Se não
tivesse ouvido meu telefonema, nunca teria descoberto que o comité estava trabalhando
em seu caso. Assim como suas amigas nunca descobrirão.
— O que importa é que eu descobri.
— Sim. Mas o que o comité lhe fez de tão ruim? Eles me fizeram jogar Grayson
Shaw em seu colo. O que houve depois foi sua culpa.
— Nada aconteceu.
— Há uma razão para estar negando. — Shayde chegava perto demais dela, mas
percebeu logo e parou.
Tess não o deixaria tocá-la e ainda se recusaria a continuar escutando.
— Não entende, Tess? A escolha foi sua. Você rejeitou Gray.
— E escolhi você. Funcionou não é? De alguma forma, o comité conseguiu me
desencalhar! — Afastou-se dele. — Olhe, avise àquela gente que estou recusando a
oferta e que, por favor, não me mandem mais nenhum príncipe encantado!
— Está cometendo um erro.
Tess cruzou os braços, a perfeita imagem da teimosia.
— O erro é meu!
— Tess! Está desistindo de uma coisa que levou anos para encontrar. Permitirá
que o medo vença?
— Não é medo, é rfiiva!
— Tem todo o direito de estar zangada. Mas não se deixe levar por isso, agora,
pode perder um sentimento único.
Prometi que nunca a deixaria, e não a deixarei. Sempre estarei por perto.
— Também prometeu me pegar, caso eu caísse. — Tirou o anel de noivado do
dedo. — Só não esperava que fosse
você quem iria me empurrar.
— Também sou aquele que vai impedir sua queda.
Shayde podia sentir que a tensão aumentava e que ela
não aguentaria muito mais. Ficar ali não melhoraria nada. E muito menos a Tess. Só
uma coisa ajudaria e, embora relutante, aceitou o fato. Pegou a jóia da mão dela e a
guardou no bolso.
— Tudo bem, vou deixá-la em paz. O que aconteceu agora coloca um fim em
uma mentira. Porém, da próxima vez que este anel for parar em seu dedo... e irá parar
em seu dedo de novo... será da forma correta.
Shayde não ousou tocá-la. Apanhou suas coisas espalhadas pelo tapete e se foi. Estava
sem camisa, pois Tess a vestira ao se levantar da cama, e ele não iria lhe pedir que a
tirasse.
Assim que bateu a porta, postou-se do lado de fora, ardendo de vontade de voltar
atrás.
Shayde dirigiu sem a menor pressa pelas ruas desertas, tendo o ruído do motor do
Jaguar como única companhia. Deveria ter contado tudo a ela. Refletiu que precisava
ter dito a Tess que era um Instigador, mas que desistiu no momento em que se
apaixonou.
Por que não o fez?
Por uma única razão: estava com medo.
A ironia da situação o fez sorrir. Shayde e Tess ficaram presos a uma armadilha. Ela,
com medo de se aproximar de um homem outra vez, e ele temendo contar tudo e ser
ridicularizado por trabalhar para o comité. Orgulho idiota.
Sentiu um aperto na boca do estômago assim que encarou a realidade que tentou
esconder de si. Havia uma grande chance de não conseguir reatar o relacionamento por
uma simples e desastrosa razão...
— Primeiro, não contei que era um Instigador, e segundo
não falei quem eu sou. E a última é a pior de todas.
Talvez Tess pudesse até perdoá-lo pela primeira mentira. Mas nunca perdoaria a
segunda. Shayde chegou à conclusão de que só lhe restava uma opção, que iria ajudá-
la, mesmo que não ajudasse a retomar a relação.
Já estava convencido de que estragara tudo, mesmo. Entrementes, resolveu que
poderia fazer com que ao menos Tess conseguisse a promoção que tanto queria.
"Ainda há esperança", pensou.
— Entre, Tess. — Al Portman abria a porta de seu escritório. — Sente-se, por
favor.
— Obrigada por me receber. — Acomodou-se numa cadeira em frente à mesa
de seu chefe. — Gostaria de atualizá-lo sobre alguns assuntos.
— Tudo bem. Mas primeiro quero lhe dar os parabéns por seu novo cargo. —
Al se ergueu da poltrona para apertar-lhe a mão. — Cerca de uma hora atrás, você foi
nomeada a mais nova vice-presidente da Altruistics Inc.
Tess lutou para não desmaiar.
— Acredito que tenha recebido uma doação de algum de meus Impossíveis, Al.
Sem uma palavra, Al abriu uma pasta e retirou dela um cheque, que entregou a Tess.
— Veja você mesma.
Ela viu a quantia, muito bem impressa na folha assinada por Grayson Shaw.
— Ele foi bem generoso — falou, meio sem graça.
— Também achamos.
— Entretanto, há algo que deveria saber...
— Não acabei ainda. — Al retirou outro cheque da mesma pasta e o colocou ao
lado do de Gray. — O sr. Smith também esteve aqui. E foi ainda mais generoso que o
sr. Shaw.
"Oh, não! Isso é um desastre" Tess não poderia deixar que Al pensasse que ela
conseguira os cheques usando meios não tão nobres.
— Al, antes de continuar, gostaria que soubesse que pode ter havido um
conflito de interesses nessas doações. Se está baseando minha promoção nessas duas
arrecadações...
Portman sorriu.
— Já sabemos sobre o "conflito de interesses". O sr. Smith esteve aqui e nos
explicou a situação. E não vejo nenhum problema.
Ela tomou fôlego para continuar:
— Desculpe-me, mas eu vejo.
— O sr. Smith alertou-me de que iria dizer isso.
— E...
— Eu até poderia concordar com você, se não fosse este pequeno detalhe. —
Ele retirou um último cheque da pasta e o colocou ao lado dos outros dois. — Olhe.
A assinatura era de Walt Moore. E era o mais alto dos três.
— Não estou acreditando!
— O sr. Moore nos procurou depois da conversa que você teve com ele sobre
Robert. Talvez os outros dois cavalheiros
tenham feito a doação porque estão envolvidos com você de certa forma. Mas a doação
do sr. Moore é fruto de seu ótimo trabalho e de seus esforços.
Tess afundou no assento de tanta excitação.
— Eu consegui!
— Sim, Tess, conseguiu.
— E... — Mordiscou o lábio. — E quanto ao sr. Smith?
— Acho que encontrou um homem muito especial. Desejo toda a felicidade
para vocês dois.
Tess piscou.
— Isso é um pouco prematuro — disse, com ares de vice-presidente.
— Espero que não. — Al guardou os cheques. — E sabe o que mais? Tem ideia
de por que insisti em lhe atribuir um Impossível antes de promovê-la?
— Não é um pré-requisito para se tornar vice-presidente? — Algo que Shayde
dissera lhe ocorreu. — Foi por causa de Robert? Contratou-me porque poderia usar a
morte dele para angariar doações?
As perguntas soaram mais agressivas do que ela pretendia. Porém, não tinha como
voltar atrás.
— Foi por isso que me escolheu, em vez do candidato mais qualificado?
Portman estava de queixo caído.
— De forma alguma! Jamais usaria a morte de Robert como qualificação, Tess.
Queria contratar um profissional dedicado. Alguém que pudesse compreender a
necessidade real de nossas causas e arrecadar doações de forma profissional, mas
também convincente. Nesse ponto, você era a melhor opção.
— Sinto muito, Al... Mas ainda não entendi. Se não era para usar o falecimento
de meu marido para arrebatar um Impossível, então foi...
— Na verdade, tem a ver com Robert, sim. — Al ajeitou-se poltrona. — Tenho
de admitir que foi meio antiprofissional
de minha parte. Pedi que arrebatasse um Impossível porque sabia que era a única
maneira de acertar as contas com seu passado, querida. Tinha certeza de que só
conseguiria convencer um dos três se lhes contasse sobre o que lhe aconteceu, coisa
que nunca fizera com nenhum outro cliente ou benfeitor.
— E se eu me abrisse com eles sobre Robert...
Al Portman a encarou sem reservas.
— Por fim, colocaria o passado em seu devido lugar: no passado. Também
chegaria à conclusão de quando seria
apropriado discutir as circunstâncias da morte de Robert com pessoas que também
tiveram o mesmo problema. Como
Walt Moore. Tess, não tenho dúvida de que é a pessoa que quero como vice-presidente.
— Em outras palavras, parei de usar os sonhos de Robert e comecei a usar os
meus. Acabei com o medo de me apro
ximar dos outros por temer perdê-los.
— Gostaria que me perdoasse. Não foi honesto de minha parte colocá-la nessa
situação sem lhe contar a verdade.
Espero que possa me entender.
— Não há nada para perdoar. — Esboçou um sorriso radiante. — Al, importa-se
se eu tirar a tarde de folga?
— Vai recuperar seu anel? — Al perguntou, com toda a inocência. —
Repareiíque não a está usando.
— Não se preocupe. Eu sei onde o deixei.
Shayde abriu a porta ao primeiro toque e encontrou Tess parada à soleira. Ele não
ousou reagir, pensando ser um sonho.
— Olá, Shayde.
— Dick Smith, por favor. — Era melhor contar logo. Talvez não fosse a melhor
maneira de revelar tudo, mas era a única chance que teria. — Meu verdadeiro nome é
Dick Smith.
Ela o ouviu com serenidade.
— Por que então todos o tratam por Shayde?
— Se tivesse um nome como o meu, aposto como usaria um apelido. É comum
demais.
— Tom e Harry também têm apelido, assim como Shayde?
— Shadoe e Spirit, para ser exato.
— E Adelaide, lógico, é sua mãe coruja.
— Ela nos ama muito. O problema é que ela é...
— Autêntica. Acho que concordamos nesse ponto. — Tess fez menção de
entrar. — Acho que precisamos conversar. Posso?
Resmungando desculpas, Shayde abriu-lhe passagem. Só conseguia pensar na melhor
forma de sumir. Se tivesse mais alguns minutos, colocaria a corda no pescoço e
esperaria Tess chutar o banco.
— Quer beber alguma coisa? — Conduziu-a para a sala de estar. — Café,
refrigerante, arsénico?
Tess sorriu, para imenso alívio de Shayde.
— Não, obrigada. Vim aqui para lhe contar as novidades. Bem, a menos que
tivesse muito enganado, ela estava pronta para chutar o banco.
Shayde afrouxou o nó da gravata.
— Tess, não imagina como foi duro saber que bastaria assinar um cheque e sua
promoção estaria garantida.
— Engraçado! Achei que tinha feito isso.
— Só depois que terminamos tudo — protestou. — A doação para a Altruistics
Inc. foi justa e não teve nada a ver conosco.
— E também porque não era para eu saber que Dick Smith é Shayde. —
Arqueou uma sobrancelha. — Sabe muito bem que não aceitaria a promoção se tivesse
descoberto que você e Dick são a mesma pessoa.
— Confesso que esse pensamento me ocorreu.
— Por isso, sacrificou nosso relacionamento para eu conseguir ser promovida.
— Conseguiu o cargo de forma honesta, Tess. Se tivesse se aproximado de mim
em nome da Altruistics Inc., teria me convencido no minuto seguinte a doar dinheiro à
causa e às pessoas necessitadas. Eu lhe disse antes, você tem um coração enorme. E
todos sentem isso, por esse motivo colaboram. Você não declinou da promoção, não é?
— Cheguei a ponderar a esse respeito.
— E o que a impediu de fazê-lo?
— Um cheque de Walt Moore.
Shayde não estava acreditando.
— De Moore?! — Não resistiu e a ergueu no colo. — Conseguiu dobrar o mais
difícil de todos!
— Ele não era o mais difícil, Dick. E um doce velhinho solitário, que sente a
falta da esposa.
Dick a colocou no chão e segurou as mãos dela.
— Isso merece uma comemoração. Que tal champanhe?
— Ainda não. Não vim aqui só para lhe contar da promoção. Há outra razão.
— Qual?
— Vim pedir-lhe ajuda.
Ajuda? Estaria brincando? Shayde deu um sorriso largo.
— Querida, é o que faço para viver. Claro! Qualquer coisa. O que posso fazer?
Quero que esteja certa de que farei tudo a meu alcance.
Tess respirou fundo, cruzando os dedos, e Shayde congelou. Aquilo não era nada
bom, ele pensou.
— Diga, Tess: O que há de errado?
— Perdi meu noivo em algum lugar ao longo do caminho. Achei que poderia
me ajudar a encontrá-lo.
Levou alguns segundos para Shayde digerir o que acabara de escutar. Cerrou as
pálpebras e as esfregou, certo de que seu coração apaixonado lhe pregava uma peça.
Demorou um pouco para formular uma resposta:
— Você não o perdeu, querida, apenas não sabia quem ele era.
— Na verdade, sabia, sim.
— O quê?! Descobriu que eu era Dick Smith? Desde quando? Como?
— Na noite do jantar beneficente. Na verdade, foi na manhã seguinte. Não sei
como, mas descobri sozinha.
— Espere aí. Quase me matou quando soube que eu era um Instigador, mas
quando descobriu que era Dick Smith não deu importância?
— De certo modo, essa última descoberta era mais fácil de desculpar.
Dick não aguentou mais, tomou-a nos braços. Para sua alegria, Tess correspondeu.
Mais do que isso, apertava-o com força.
— Por que aceitou a mentira?
— Porque já estava apaixonada por Dick Smith. — Tess começou a desatar o nó
da gravata. As mãos tremiam um pouco. — Mas tinha medo do Instigador.
A explicação não fazia sentido para Shayde.
— Era meu trabalho fazer com que o destino encontrasse a perfeição. O que há
de tão apavorante nisso?
— Eu queria aceitar a oferta do comité. — A confissão veio de forma branda.
— Desejava muito, muito mais do que pode supor. Porém, ao mesmo tempo, temia me
apaixonar de novo e tornar a sofrer. Por isso, resolvi que buscaria a felicidade para
Emma e Raine, em vez de buscar para mim.
As lágrimas corriam dos olhos de Tess, mas ela continuou, pois não podia parar agora:
— Disse-me há pouco que seu trabalho era fazer o destino encontrar a
perfeição. Você é a perfeição, Dick.
— Não, querida. — Acariciou-lhe a face com o polegar.
— Você, sim. Quando nos vimos pela primeira vez, minha intenção era jogá-la para
cima de Gray.
— E se eu não tivesse aceitado?
— Continuaria tentando até me convencer de que não serviam um para o outro.
Mas algo aconteceu antes que eu começasse.
— E o que foi?
— Apaixonei-me por você. — Abraçou-a mais forte. — Não sei se foi nessa
ordem, mas comecei a me preocupar com você, com sua causa, com sua promoção.
Tudo em você me interessava.
— Também me apaixonei, Dick.
— E tinha medo de me amar?
— Sim.
— E agora?
— Tenho duas opções: ou continuo covarde ou agarro o que quero com ambas
as mãos. — Tess o puxou para si.
Ele sorriu com ternura.
— Estou sonhando ou você está me agarrando?
— Não está sonhando. Eu te amo, Shayde. Eu te amo, Dick. E sabe que também
amo o Instigador?
— Quer dizer que não se incomodará se eu continuar trabalhando para o
comité?
— Enquanto fizer com que o destino encontre a perfeição, não me oporei.
Dick a beijou, um beijo de eterna promessa. E ela retribuiu com extremo ardor.
Alcançando o bolso da calça, Dick procurou pelo solitário que outrora fora de sua avó.
Levava-o consigo desde o momento em que Tess o devolvera. A proximidade da jóia
lhe soava como uma esperança. Tomando-lhe a mão, devolveu o anel ao anular de
Tess. Daquela vez, seria para sempre.
Daquela vez, seria por amor.
EPÍLOGO

Shadoe abriu a garrafa de champanhe e encheu duas taças de cristal, levando-as para o
sofá.
— Parabéns, garota! Conseguiu de novo!
— Prefiro que me chame de chefe, se não se importa.
— Hum... — Shadoe entregou-lhe a taça e beijou-lhe o rosto. — Para ser sincero,
prefiro chamá-la de mamãe.
Adelaide assentiu.
— Acha que devemos contar a verdade a seu irmão?
Shadoe jogou-se no sofá e cobriu-se de almofadas.
— Depois da lua-de-mel, quem sabe...
— Ou talvez quando nos procurar de novo para ajudar no comite. Ficar só investindo
dinheiro deve ser muito aborrecido.
— Eu acho um enfado.
— Além do mais, temos de trabalhar nas amigas de Tess. Não podemos esquecê-las.
Aposto que seu irmão irá querer instigar o romance.
— Só se for do agrado de sua noiva — brincou Shadoe, servindo-se de mais uma
taça. — Então, quem será a próxima da lista? Emma ou Raine?
— Emma. Não podemos deixar Gray esperando para sempre. Certo? Ele ajudou tanto
instigando Tess e Dick...
Shadoe sorriu.
— Está certíssima, mamãe. Um brinde a Emma e Gray!
— Não creio que será fácil...
Shadoe franziu o cenho.
— Acha que será mais difícil do que com Dick e Tess?
— Muito pior, querido! Mas já sei por onde começaremos.

FIM

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