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Ciências Sociais em Saúde Coletiva
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Marcela Eduardo Pfeiffer Castellonos Maric Andréo Loyolo
INTRODUçAO
As Ciências Sociais em Saírde (CSS) consisteru, ao
mesmo tempo, em ulna área do conhecimento e em um
eixo da Saúc1e Coletiva. As CSS são compostas por prá-
ticas científicas e de ensino, com grandes desdobramen-
tos para a estruturação de respostas sociais organizadas
para os problernas e necessidades ern saúde. Vale 1em-
brar que não há um ponto cle vista homogôneo e consen-
sual sobre os objetos e questões enfrentados pelas CSS,
tampouco sobre seu próprio processo de constituiçâo e
desenvolvimento. Um conjunto de estudos, publicados
no Brasil nos últimos 20 anos, procura descrever e anali-
sar as práticas científicas e pedagógicas das CSS sob di-
veÍsos aspectos e interessesl. Alguns desses estudos per-
fazem amplos pânoramas, enquanto outros se dedicam
ao aprofundamento de qtiestões específicas. Recorrere-
mos a alguns desses trabalhos ao longo deste texto, mas
sem a pretensão de apresentar sistematicamente seus
resultados e análises. nem sequer r.efazer o caminho por
eles percorrido. Acreditamos que o ieitor encontrará nas
referências bibliográficas valiosas indicaçôes para arn-
pliar e aprofundar sua visão sobre a área.
Este capítulo, organizado em trôs partes pr.incipais,
se dirige, principalmente, àqueles que iniciam suas lei-
turas e aproximações com as CSS. Cada parte foi elabo-
rada por urn dos autores, o que não afastou eventuais
contribuições dos outros. A prirneira parfe, de respon-
sabilidade de NIaycelo Castellanos, ptocurâ situar o
contexto cle surgimento das CSS; introduzir algumas
de suas formulações e autores, destacar sua contribui-
çào para formuiações fundamentais do campo da Saúde
Coietiva e apontar algumas questões reiativas à sua
1"r"brar cle Alves & &Iina5,o (1994), Á1ves (2006), Bar-
""d.r"--
ros & Nur:es (2009), Canesqui (1995, 1997, 200ã, 2007), Gonre-* &
Goldenberg (2003), Nlarsiglia et al. (2003), llinavo (2006). Nunes
(1992, 1999, 2003, 2006). dentre outros.
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jorge Alberto Bernstein lriart
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inscrição nesse câmpo, e, finalmente, problematizar a de-
finição de necessidades em saúrde. A segunda parte, de
responsabilidade de &Íaria Andróa Loyola, apresenta e
discute algur-rs conceitos centrais para a análise da re-
laçào indivíduo-sociedade a partir de três grandes en-
foques das CSS. A terceira parte, de responsabilidade
de Jorge lriart, âpresenta alguns temâs ciássicos, assim
corno noyos objetos e qu.estões emergentes que desafiam
a reffexâo e as práticas das CSS na contemporaneidade.
Com isso acreditamos introduair o leitor em ideias ê con-
textos fundamentais das CSS, assim como em questões
e contribuições dessa área no ca*1po c1a Saúde Coletiva.
CIÊNcIAs SocIAIs EM SAÚDE: sITUANDo
ALGUNS CONTEXTOS, IDEIAS E
coNTRIBUrÇÔES
Origens do pensamento social em saúde
O surgimento do pensamento sacial em saúde, na
modernidade, pode ser identificado em análises e ques-
tões enfrentadas por autores ciássicos da sociologia e da
antropologia, de meados do século XIX a meados do sé-
culo XX, ainda que não tenha recebido por parte desses
uma atenção sistematizada. Também podemos localizar
a origem desse pensamento em um momento anterior,
no contexto de estruturação da medicina social, da higie-
ne social e da saúde púhlica, especialmente na Europa e
nos EUÀ (Itiunes, 1992, 1999).
Poltanto. a incorporação das questões sociais no cam-
po da saúde não á nenhuma novidade, ainda que seja
constante foco de debates e controvérsias. Pode-se apon-
târ o texto "Medicina Social", escrito por Jules Guérin,
em 1848. como um pi€cursor da ideia de que as práticas
e serviços rnédicos deveri.am ser vistos como trens pú-
blicos e, portanto, objeto privilegiado de reflexôes e in-
tervenções da esfera púb1ica (Nunes, 1999). A saúde do
567

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povo como um assunto de Estado ó uma noção hásica da
medicina social, desenvolvida no processo de consolida-
ção dos Estados nacionais, na Europa (Foucault, 1979;
Nunes, 2000). l.ío transcorrer dos sécu1os XVII, XVIII e
XIX, firmou-se uma importante aliança entre a rnedici-
na e o Estado, quando se tonra o "social" como espaço
primeiro focalizado peios saberes e práti.cas em saíide.
saberes e práticas operacionalizados por médicos e ou-
tros profissionais inscriios comc agentes institucionais
nos apareihos estatais em fornação.
Traçada inicialmente na Eurcpa e reproduzida em
outras partes do mundo (inclusive no Brasil). essa alian-
ça garantiu aos profissionais de saúde um largo poder de
intewenção sobre a vida individual e social. ao mesmo
tempo que viabilizou a implementação de estratégias de
controle do Estado sobre a sociedade. Essa intervenção
se dá mediante a normatização da vida social e da inter-
nalizaçãc de dispositivos disciplinares que se inscrevem
no agir, no sentir e no pensar dos indir,íduos e grupos
sociais (Foucault, 1979). Esses dispositivos alcançaram,
inclusive, aquilo que nos parece mais emblemático do
dominio privado * nosso corpo e dinâmicas familiares.
Assirn, por exemplo, as tramas familiares tornaram-se
um ohjeto privilegiado de investirnento do Estado - no
campo do direito (tril:unal de menores), do ensino (es-
colas/pedagogia) e da saúde (pediatria). no sentido de
regular o cuidado dirigido às crianças. Nesse processo,
as dinâmicas, papéis sociais e relações de cuidado cons-
tituídas nas tramas familiares passararn a ser intelpe-
iados por profissionais e instituições de saúde. Nesse
sentido, o corpo infantil e a famíiia convertern-se em um
hibrido público-privado, regulado por nornras e disposi-
tivos disciplinares {Donzelot, 1986).
Assim, a saúde deixa de set'um assunto circunscrito
ao âmbito privado e cle dominio individual para ser con-
siderada um objeto de interesse pirblico (em particular,
do Estado). As consequências dessa mudança são vastas
e profundas: entre o nascer e o morrer ternos nossas vi-
das e formas de viver enredadas em linhas de preocupa-
ções e atenções instauradas por práticas e agentes insti-
tucionais, dentre os quais se destacam os profissionais de
saúde. Assirn, via de regra, nascemos e Inorremos nos ser-
viços de saúde. No entanto. mais importante do que isso,
tudc o que fazemcs fora dos serviços de saúde interessa
aos profissionais que 1á trabaiham. lrião por mera curiosi-
dade, mas por obrigação profissional. Assim, as práticas
sociais relativas à alimentação, à sexualidade, aos rela-
cionamentos famiiiares, ao trabalho. ao lazer. dentr.e ou-
tros aspectos da vida, sãs iomadas couro objeto legítimo
de investigação e intervenção dos profissionais de saúde,
ern u§r contexto de intensa medicaiização social.
Esse processo de medicalizaçào social avança com
a expansão e o fortalecimento dos sistemas formais de
saúde, apoiados na racionalidade científicâ e na profis-
.T
Seção VI e ESTADOS DA ARTI
sionalização e tecnificação do trabalho em saúde. A-",ança
com a estruturação de sistemas formais de saúde poucr:,
permeáveis ao pluralismo terapêutico (Tesser & Barrr:;.
2008) e às diferentes racionalidades que fundamenta*;
as práticas em saúde (Good, 1994; Luz, 1996, 2005i.
muitas vezes etn arranjos hítrridos e compiexos (Barr*.o"
2000). Avança enfim com o processo de racionalização d*
vida social.
Na antropologia, podemos identificar refiexões im-
portantes sobre o tema da saúde em autores ciássic**"
corno W. Rivers, E. Evans-Pritchard, V. Turner e R,
Benedict e C. Leyy-Strauss. entre outros. A antropologin
enfoca centralmente a dimensão cuitural da vicla social,
Assim, a partir de ciiferentes correntes teóricas" ela con-
sidera as práticas sociais enquanto práticas simbólica=
que delimitam possibilidades interpretativas e signific*-
dos atribuidos aos fenômenos sociais. As práticas cuire-
rais articulanr representações sabre diversas esferas sr'
ciais (econômicas, política etc.)" entre as quais se inclue::
representações sobre corpo, saírde e doença, formanril
uma matriz cultural ou url1 sistema simbólico. Não e ie
se estranhar que esses autores tenham se interessadr.
pelas concepções de saúde e doença e práticas de crira *
cuidado (rnedicina popular, xamanismo etc.), dada su:*
declicação à compreensão de interpretações "natir.a{"
sobre a vida sociai e individuai. Essas concepçôes e pra-
ticas foram analisadas em relação aos sistemas socia:.
e sirnbólicos que as integram. São estudos que enfocam
as interpretações dadas por mernbros de determinadar
sociedades aos fenômetros de saúde e doença, delimit*;:"
do sua natureza e suas causas. A deÍinição da natur"eax
desses fenômenos é dada pelo acionamento de diferenr"*
categorias sociais que delimitam as distinções e/ou r*i*-
ções etrtre o domínio físi.co, mental, espiritual, ou arnc r
entre o natriral e o sotrrenatural, o presente e o passad;:,..
As explicações causais fundamentam-se em reiações d*
sentido estabelecidas entre esses domínios ou em ur
mesmo domínio, podendo se dirigir a confli.tos, inr,ej*;
magia, falha rnoral, aiimentação, micróbios, agentes !, -
xicos, modo de vida e trabalho. Essas interpretaçôes sÀ*
acionadas por categorias como quente-frio, seco-úuriii;:
infortúnio, mau-olhado, sangue ruim, nervoso, infecçÀ,.-r,.
clano etc.
Os estudos mostram que o "maVsofritnento^' n+*:
semple é identificado no indivíduo, rnâs atinge e p*r-
tence a um grupo social específico. A}ém disso, o qu* ô
considerado doençalpatológico em rim dado contextc r:-
cial nem sempre o é em outro contexto. Assim, advogs.-
a defesa de um relativismo cultural na abordagem is,*
questões e práticas de saúde - como de resto da vicla +:-
cia1. Defende-se, também. que as práticas de saírdr rr--
plicam pi'incípios, conceitos, regras e significados quÉ. i' .a'a,
selem acionados pelos indivídrlos e grupos sociais. rucd"-
lam e se expressam nas formas como eles vivem. §es*q*
rl,
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 . Ciências Sociais em Saúde Coletiva
{apítulo 38
sentido, as concepções de saúde e doença (e o conjunto de
práticas sociais em que estas são formuladas) estariam
:empre relacionadas com concepções e sistemas sociâis
mais amplos, implicados nas situações específicâs en-
írentadas pelos indivídLlos e grupos sociais.
Essas análises indicam a existência de urna relação
estreita entre nattlreza e câu§a do "ma1/sofrintento", de
um lad.o, e o tipo de intervenção ou resposta socialmen-
íe acionada e legitimada para aquela situaçáo, de ou-
tro. Parte das análises empreendidas por esses e outlos
autores mostram que a eficácia terapêutica das inter'
venções está intimamente relacionada com os processos
de legitimação sociai dos agentes e práticas de cura e
cuidado. Lev-rr-Strauss (1975) retoma essa questào com o
conceiio de eficácia simbólica, a partir do qual ele propõe
que a efetividade terapêuti.ca assenta-se na regulação
estrutural que o sistema sociai exerce sobre as posições,
ações a interpretações assumidas pelo doente/sofredor
e pelo curadorlcuidador em contextos específicos de in-
teração social. Ao se perguntar como pode o xamã rea-
lizar uma intervenÇão terapêutica efetiva sem manter
{ontato físico com o doente/sofredor, e1e propõe que essa
efetividade assenta-se em um sistema de crenças - do
d.oente no xamã, do xamã na sua intervenção e da so-
derlade naqueias práticas de curaicuiclado. Os processos
rituais (gestos, palavras, cantos etc.) empreendidos pelo
xamã restituem posiçôes e lugares simbólicos que inter-
r,êm sobre as condições de saúde do doente.
Estudos sobre a eficácia simbóiica das intervenções
em saúrle (Lev5'-5x.urrss, 1975; Bibeau, 1983) e tantos
autros estudos antropológicos mostrâm a importância
de superarmos uma posiçâo etnocêntrica sobre contextos
culturais estranhos âo nosso, evitando assim lermos o
arundo à nossa medida. ltíesse sentido, ao inl'estigarmos
a áimensão cultural da vida social, clevemos "suspender"
ou colocar entre parônteses alguns dos pressupostos e
categorias que orientam nosso oihar. para nos abrirmos
à compreensão do Outro (aiteridade), à compreensào de
iógieas que diferem da§ nossas, mâs que netn por isso
*ão menos válidas e efetivas socialmente. Além disso,
esse tipo de análise mostÍa que as práticas científlcas
também se constituern culturalmente. enquanto normas
legitimadas e negociadas em processos sociais específi-
.o.. É i*p*ttante lernbrar que a relação entre a eficácia
simbólica e o caváter ritual das práticas de cura e cuida-
do se estatrelece não apenas no contexto da magia, mas
também da ciência (Bonet, 2004).
A antropologia deflne cultula como um sistema sim-
bólico; formas de pensar que conformam uma visão de
mundo; valores e motivaçÔes conscientes e inconscien-
les. Para a antropologia interpretativa, a cultura é uma
espécie de lente através da quai as pessoas interpretam
' e dão sentido a seu mundo (Geertz, i989). A ciência não
Êscapa a essâ dinâmica, podendo ser vista como um sis-
569
tema simbó1ico, na medida em que opera linguagens,
saberes. perspectivas, interpretações. Forém, ela procu-
ra incessantemente se distinguir de outros saberes ou
formas de produção de conhecimentos, afirrnando-§e e
sendo legrtitnada cottto superior a estes, ao se autorre-
presentar corno sistemática, rigorosa, objetiva, em con-
lraposição e outros conhecimentos representados como
fragmentados, infundados, subjetivos. Devemos iernbrar
que nem a cultuva nem a ciência devem ser apreendidas
coÍmo um conjunto homogêneo e completamente çoerente
de significações, mas como linguagens dinâmicas, coru-
plexas e multifacetadas que corrtportarn contradições e
a coexistência, no rnesmo contexto social, de diferentes
visôes de mundo e quadros de referência.
Como mostra Bourdíeu (1989), a produção cultural se
dá em meio a uma rlisputa pelo poder simbólico, ou seja, o
pocler de produçãc e legitimaçáo de significados culturais
dominantes. Muitas vezes, esses sigrrificados represen-
tam a legitimação da hierarquia social e de privilégios de
determinados grupos clominantes na sociedade' O Estado
e a ciência operâm nessas disputas procurando regular
e legitimar discursos que §ustentarn determinados "regi-
mes de verciade" (Foucault, 1996, 1999, 2000)'
Essas ideias nos mostram que, seja inseridas em um
sistema de saúde forrnal, seja em um sistema social mais
ampio. as práticas em saúde podem ser referidas a siste-
rnas sociais e simbólicos eü1 que se travam relações entre
interpretações, saberes e pr:áticas sociais distintas, sem-
pre inscritas em relações de poder.
Da mesma rnaneiva que na antropologia, podemos
identificar contribuições importantes dos autores clássi'
cos da sociologia à reflexão e análise do tema da saúde,
ainda que este nâo tenha recebido ur:ra atenção específi-
ca e sistematizada. Assim, Durkheim analisa o suicídio
como uma patologia sociai que deve ser explicada por
causas sociais, relacionadas com íragilid'ades nas rela-
ções de solidariedade e coesão social. Ele mostra
como
fenômenos aparentemente individuais, como o suicídio,
podem ser analisadôs como "fatos sociais". Marx analisa
as condições de trabalhc e a inserção social da classe tra-
balhadora no modo de produção capitalista, apontaudo
suas implicações para as condições de vida do proletaria-
do e possibilidacles de superaçâo. Fara ele, o que define
a condição humana é sua capacidacle de projetar e trans-
formar o real, através do processo de trabalhtl' Quando
o trabalhador não pode definir os sentidos dos processos
de trabalho em que está inserido, ele é desumanizado
em um processo que o "coisifica"' Weber dedicou-se a
anâlisar a ação social em ulna perspectiva compreensiva
interessada pelos sentidos atribuidos a tal ação, com-
preendidos em termos de tipos ideais - isto é, espécies de
earicaturas em qlle os principais traços são exagerados
parâ serem mais bem compreendidos em suas relações
com outros elementos do quadro' Weber analisou as re-

570
lações entre diferentes esferas da vicla {econômica, polí-
tica, religiosa etc.) e fcrrmas de dominação, sem assuurir
umâ hierârquização predefinida de uma esÍ'era sobre a
outra. Assim, o imperativo econômico, afirmado de modo
contundente na abordagem marxista, é relativizado por
Weber. Desse modo, outras formas de dominaçào ga-
nham relevo em suas análises. No que se refere às ques-
tões de saúde, podemos destacar processos de dominação
operados na organização burocrática, eada vez mais im-
portante em sociedades que vivenciam forte processo de
raeionalização da vicia sociâl.
Aigumas ideias weberianas exerceram larga in8uên-
cia sobre as bases da sociologia da sairde, por intermédio
de um de seus precursores. Taicott Parsor:s, principal
representante do funcionaiismo norte-americano" dedica
um capítulo inteiro de seu principal livro. O Sistema So-
cial, à análise do papel sociai da medicina na sociedacle
urbana dos EUA nos anos 1950. Trata-se, provavelmen-
te, do primeiro textr: da sociologia c1a rnedicina/saúde
propriamente dita. Sua anáiise, fortemente influenciada
por Weber (Gerhardt, 2002, 2011). incide sobre o contex-
to marcado pelo racionalismo individualista. Nesse tra-
balho, ele propõe que a medicina cumpre uma função de
reguiaçào social, na rnedida em que atua na normaliza-
çào de situações desviantes. A patologia é vista como um
desvio sociai, pois, muitas vezes. limita a realização das
atividades cotidianas. l.iesse sentido, a medicina deve
ser analisada em relação ao sistema social. Para ele. o
médico é um agente social que culrpre um papel social
específico. O médico deve julgar a reaiidacle (legitimiria-
de) da situação desviante e restabelecer a normajidade,
com base na autoridade de um saber esotér'ico (mono-
pólio do conhecimento especializado) e por meio de uma
atuação neutra e ética. O paciente. por sua vez, tarn-
bém exerce um papel social especíÊco. Ele úeve desejar
a curâ e/ou restabelecimento, aderindo ao diagnóstico e
tratamento indicado pelo módico. perfazendo â car.l.eira
dc paciente. Isto é, sritlmetendo-se ao conjunto de encoa-
tros, procedimentos e intervençôes ploporcionados peJ.os
profissionais e instituições de saúde.
Desenvolvimentos das ciências sociais em
saúde - breves notas
Se as reflexões das ciências sociais sobre as questões
de saúde podem ser identificadas antes do século XX. é
a partir do fim daII Guerra Mundial que elas tomam
a saúde como objeto específico e sislemático de estudo
(Nunes, 1992, 1999). E ,.***u momento que âs CSS co-
meçâm a consolidar-se no mundo enquaÍrto área especí-
fica, estruturada em departamentos. associações e tex-
tos acadêmicos.
A necessidade de reconstrução das nações europeias,
cujas estrutur'âs produtir.as e sociais esiavâm bastante
l
Seção Vl r ESTADOS DA Àâí{
fragilizadas, foi:mou a base par:a um novo pacto sor:id
em favor do Estado de Bern-Estar Sociai. Os sisten--as
públicos de saúde representarâm um componente estrlí*
tural desse pacto, elevando o interesse científico so"b *
as questões de saúcle. lJos EUA, os traumas de guerr'e
impulsionaram o interesse e o iavestimento público *::;
estudos da chamada Ciências da Conduta. Dando r**-
tinuidade à análise sobre o "papel do cioente" (Farscr:.-r,"
19õ1). novos estudos irão revisitar a visão parsonian.
buscando arnpliá-la e aprofundar algurnas questões, co:;:
forte interesse no contexto hospitalar e no desenvchi-
mento de conhecimento aplicado sobre práticas presÊr"
tivas. dentre outra§. Esses estudos não focalizaram ar
relações tle poder e contradições sociais presentes **;
práticas de saúde. De modo coerente com o contexto rin
"Guerra Fria", as análises empreendidâs procura\:â?§
identi§car fatores de mediação social que conduzisseç:
a uma rápida intervenção sobre os "desvios" e conflit*s.
sem mexer nas contradições que os sustentavam.
Essa ênfase começará a mudar, ainda na mesma de,.-
cada, com estudos riue exploraram â relação entre pr*-
blemas mentais e classe social (Holligshead & Redlicli.
1958), por exemplo. hÍas será no decorrer dos anos 196úi
e 1970, cientro cle um contexto social mais ampio de cor:-
testaçâo das instituições, dos saberes e dos poderes, qu*
ganharão frlego algurnas críticas à anáiise das ciências
c1a conduta e clo funcionalismo sociológico na saúde. 8.."
sas críticas foram especi.almente feitas por autores do i-n-
teracionisn:o simbólico norte-americâno, com destaque
para Eiliot Freidson. Crilica-se a análise (e se questiona
a existêncial) de relações sociais entre Ggentes uniuersqis.
tal qual concebida por Parsons, quando este pressupô*
uma reiação completamente assimétrica e consensuai
entre arédico e paciente. Para Freidson ([1970] 2009). a
análise parsoniana não considera os conflitos entre mé-
dico e paciente. pois não considera a heterogeneidade
social e as relações de poder presentes nos ccntextos de
interação er! que esse encontro se estabelece. Em outi:os
terrnos. poderíamos dizer que não considera a dimen-
são (micro)política das diferenças de gênero, de classe
social, de geração, de raça/etnia presentes na relaçãc
médico-paciente. Segundo o interacionismo simbólico, o
encontro entre "o médico e o doente se caracteriza por
um conflito resultante da divergência de perspectivas e
de interesses [...] O medico enxerga o paciente e suas
necessiilades a partir das caiegorias cie sua especialida-
de [...] O doente. em compensaçào, entende sua doença
em {'unçâo das exigências da vida quotidiana e de acor-
do com seu contexto cultura. Ele gostaria que o médico
aceitasse a sua própria definição do problema" (Adam &
Herzlich. 2001: 96-7). Esse "modelo conflitivo" é sensíve1
às relações entre estrutura social, cultura e poder. Por
isso mesmo. tem grande pertinência em contextos epide-
miológicos com forte presença de doenças crônicas. Isso
 . s7L
Capítulo 38 Ciências Sociais em Saúde Csletiva
porque aquele que é acometido por uma condição crÔni-
ca vealtza intenso contato com a "cultula profissional/
institucionaÍ'dos serviços e proâssionais de saúde, em
seu extenso itinerário terapêutico. Desse modo, muitas
vezes. ele incorpora conhecimentos e posturas bastante
ativos na relação mantida com esses profissionais' Se-
guindo o caminho aberto por Ivan liti.ch (i97a) e Erwing
Goffman (1963), urna série de trabalhos - também pro-
duzidos no mesmo colltexto socia] de contestação - irá
denunciar o caráter iatrogênico das ações dos profissio-
nais de saúde, especialmente daquelas realizadas nas
instituições asilares. Essas instituições sáo considera-
das por Goffman "instituiçôes totais", ou seja, lugares de
residência e trabalho em que inclivíduos classificados em
uma situação semelhante (doentes mentais' criminosos
etc.) são separados de outros espaços de sociabilitlade e
têm sua vida formalmente administrada pela institui-
totais não re-
ção. O caráter iatrogênico das instituições
sicliria Llnicamente na reclusão a qtle os 'internos" estão
impli'cações pâra a
submetidos, mas também em suas
submetidos
identidade social e pessoal desses sujeitos'
que estào a ritos institucionais que imprimem tnudanças
em seus co pos e em suas interações sociais' Goffman
(1961, 1963) e Scheff (1966) mostram como as pe§§oas
rctuladas como "doente§ mentais". por exemplo' passam
a ser objeto de intervenções institucionais' a partir das
quais sofrem inter:sos processos de rotulação e estigma-
tízaçào.
Outra or:dem de criticas também se impôs à ênfase
cornportamentalista e funcionalista da primeira geração
de estudos em CSS' Dessa vez fundamentaclas ao mate-
rialismo histórico, essas críticas denunciavâm â sllposta
"neutralidade" d.a interpretação científica, uma ên{ase
no estudo do espaço hospitalar e pouea ou nenhuma fo-
calização de processos tle transformação social das prá-
ticas e contextos analisaclos (Nunes' 1937)' Os estudos
orj.entados pelo referencial marxista investiram' espe-
cialmente no contexto latino-americano dos anos 1970 e
1980, na análise das relaçôes entre saúde e estrutura so-
cial. Destacam-se tanto a investigaçáo de representações
e ccncepções da saúde e da dcença predominantes em
camadas populares como do processo de determinação
social da saúde, analisado a partir de snas relaçôes com
o modo de produção (lrlunes, 2000)'
l{esses estudos, gera}mente, parte-se da ideia de
que essas repre§entações, heterogêueas entre distintos
grupos sociais, estáo intimamente ligadas ao contexto
social, político, econômico e aos valores vigentes na §o'
ciedade. Há um grande interesse na análise clas impli-
cações das relações de produção e de trabalho para as
condições de vida e saúde (Laurelt, 1983)' A necessidade
da restauração da capacidade produtiva clos corpos dos
trabalhadores tornou-se um fator importante na repro-
duçáo do sistema capitalista, orientando a organização
dos serviços cle saúde e sua justificativa ideoiógica (À{í-
nayo, 1997). hlas sociedades capitalistas, aponta'se a
intensificaçáo da representação, muito presente entre
as classes trabalhaclora§, que iguala saúde à capaci-
dacle para o trabalho (Boltanski, 1979)' Vários estudos
mostram como a organização das práticas e dos siste-
mas c1e sairde pode ser alralisada como uma resposta
à necessiclade de reprodução social de corpos e mentes
de trabalhadores de setores estratégicos da economia
(ainda que não consista na resposta nrais adequada
às necessiclades soclais dos trabalhadores desses e
de outros setores) (Donnangelo, 19?6; Cohn, 1996)' A
mercantilização dos serviços de saúde, a estruturação
da prática méclica em grandes organizações {hospitais
etc.) e a proletarização do trabalho em saírde também
foram analisados, com destaque para suas implicações
pala a autonomia profissional e para a relação terapêuti-
ca, a qual se assernelha cada vez mais âo encontro entre
um profissicnal que vende bens médicos e um pacierrte
que os consome (Nlachado, 199?; Freidson, 1998)' Atriás'
ao buscar analisar as práticas dos profissionais de saúde
em termos dos processos de trabalho em que se esttutu'
r-am, es§a autonomia mostra'se muito mais um ideal
do
que
qlle uma realidade técnica. Schraiber (1993) mostra
essa autonomia é ela própria umâ representação
que é
e reprodu-
reafirmada em novos contextos cle produção
ção cla prátíca rnéd.ica, renovando sua
centralidade na
icientidade profissional, ainda que não se traduza e1:1 um
nexo técnico de trabaiho autônotno'
A reflexão sobre os instrumentos, saberes' modelos
cle atenção enr saúde, clefinidos ern tertrlos cle tecnologias
socialmente d.efinidas (em suas articulações internas e
externas), possibiiitará a anáiise das relações entre a es-
truturação do processo de trabalho em saúde e os contex-
tos sociais mais amplos em que se inserem' Vale lembrar
a defini.ção assumicla em importante trâbâlho da área
sobre a questão: "Tecnologia refere-se aos nexos técniccls
estabeleci.d.os no interior clo processo de trabalho entre a
atividade operante e os objetos de trabaiho, através da-
queles instrumentos [de trabalho] ["'] fsendo assim] um
conjunto de saberes e instrumentos que expre§sâ' nos
processos de produção dos serviços, a tede de relações so-
ciais em que seus agentes articulam sua prática em uma
totalidade social" (ilIendes Gonçalves, 1994: 19 e 32)'
A partir da ciécada de 1980, as análises passam a in-
cid.ir sobre relações de poder mais matizadas, explorando
em profundidade processos de negociação entre o doente
e os proÊssionais de saúde, em diferentes contextos ins'
titucionais e sociais. NIais uma vez, os estudos sociológi-
cos sobre o acloecimento crônico rendem formulações teó-
ricas relevantÊs parâ o debate sociológico no carnpo da
saúde. Nesse sentido, destaca-se o modelo da "ordem ne-
gociada", desenvolvido por Anselm Strauss (1978), para
compreender os acordos e relações estabelecidas entre
572
diferentes categorias profissionais, no contexto hospita-
lar, a propósito da definiçâo das práticas terapêuticas
e intervenções institucionais dingidas ac paciente com
probleruas crônicos de saúde. Nessa análise, {lca eviden-
te que as hierarquias presentes não são totalmente d-
gidas e qrie os acordos firmados são setnpre provisórios.
em reiação & seus objetivos e termos (Adam & Herzlich,
2001). Há um claro interesse na análise do adoecimento
e do cuidado enquanto experiôncias sociaj.s (Kleinman.
19801 Àlves, 1993). Os estudos narrativos, também, des-
pontarão a partir da crise das explicações totalizalltes
(positivismo, funcionalismo, marxismo etc.), explorando
as relações entre a experiôncia pessoal e social mais am-
p1a, ao anaiisar as formas de interpretação e processos
de signiflcação das experiências de acloecimento e cuida-
do em contextüs sociais específicos (Canesqtti, 2007). Es-
ses estudos, muitas ysTg*c, sc interessam especiaimente
pelo enfoque narrativo biográfrco (Bury. 1982; Roberts.
2002; Casteilanos, 2011). A investigação dos itinerár:ios
terapâttticos ganha reievância nessa linha de estudos.
promovendo a análise das lógicas que orientanl o ace-qso
e o uso cle determinados setores assistenciais (popr-ilar.
informal cu profissional) ou tipos de busca cle ajuda acio-
nados pelos sujeitos adoecidos (Kieinman. 1978, 1980:
Helrnan, 2003; Trad, 2010: Cabral, 2011).
Ciências sociais em saúde e Saúde Coletiva:
premissas e questôes fundamentais
h{riito ernbora, as CSS se estruturelr como uma área
específica do conhecimento, â partir de seu recorte dis-
cipiinar, vimos que eia toma como objeto questões e pro-
cessos próprios ao carnpo da sa/rde (e, mais particular-
mente, da Saúde Coletiva), sofrendo a partir claí diferen-
tes infiexões em suas práticas peciagógicas e cientíâcas.
Assim, se nos EUÂ as CSS se estruturaram nos departa-
mentoii cie ciência,c sociais, no Brasil se estru-rulam prio-
ritariamente nos departamentos de rnedicina preventj.va
e social {e congêr:eres) da escola r::édrca. Essa situação
implicou aiguns tensionamentos e questões. De um
lado, as CSS sâo dernandadas a produzir conhecimentr:s
"aplicados" e/ou "adequados" aos problemas e questôes
enfrentados pelos profissionais de saúde. de outro 1ado,
elas adotam um posicionaüento crítico ao pararligma
biornédico e às práticas dos proÊssionais e instituições
de saúde {Nunes, 1997, $52).
Parém, rnais tim elemento iruprime relevo específico
às CSS no Brasil. Sua inscriçãc| no campo da Saúde Cole-
tiva implica a produção de uma reflexão teórica e crítica
cr:mprometida com a análise rle situações e práticas de
saúde, visando à superação de problemas e lirnitaçôes aí
identificados, assim como implica a relação ince*qsante
cçm saberes fundametrtados em paradigmas distintos e
conflitantes. Assim, as CSS enriquecem, com seus refe-
Seção VI . ESTADOS DA ARTÊ
renciais teóricos. as análises empreendidas no campo da
Saúde Coletir.a. ao mesmo tempo que produzem conheci-
nrentos específicos â esse campo. Nesse sentido, as CSS
no Brasil o1'a âparecem delimitadas em um recorte disci-
plinar específico. or-a se confundem com a próplio campa
mais amplo da Saúde Coletiva.
Essa inscrição torna possível uma abertula cla área
da saúde aos profissionais das ciências humanas e so-
ciais, ainda que delimitada e tensionada por questões
e inieresses mais específicos dessa gtande área. ){o que
se reíere especificamente à Saúde Coletiva, esses pro-
cessos de incorporaçâo e de delimitaçào. de aproxima-
ção e distanciamento, de valorização e disputa se veem
presentes nas relações entre as ciências hLrmanas e so-
ciais erri saúcie, epidemiologia e política, planejamento e
gestão. Esses três componentes da Saúeie Coletiva são
apontados, muitas vezes, como seus principais eixos ou
"piiares c1e sustentação", configurando-a como Lln1 campo
científico interdisciplinar' (Paim & Álmeida-Filho, 2000).
Assim, se cada quai contribui de maneira específica ao
cân1po cia Sa.úde Coletiva, será nas complexas relações
estabelecirlas entve eles que encontraremos urnâ "tensão
harmônica" desse campo ou o "tortr" da Saúde Coletiva,
para utilizar Llma metáfora musical.
Ás contribuições das CSS foram, arnpia e proíun-
clamente. incolporadas nes$e campo, integrando algu-
mas cle suas folmulações centrais (liunes, 1994; Fleury.
1997, 198õ; Paim e Almeida-Filho, 2000). Sem analisar
a questào profur:damente. destacarerlos de moclo taqui-
gráfi co dessas incorporações.
Considerar as ações de saúde como práticas sociais é
um plessuposto íundamenta] da Saúcle Coietiva que no§
obriga a incorporar - de diferentes maneiras e Iugares
ciesse campo - a análise do contexto social e da perspecti-
va histórica. Assiur, na Sairde Coletiva somos instados a
considerar. ccm consistência teórica e consequência po-
lítica. a dimensão sociai e a perspectiva histórica clos
llrocessos e práticas de saúde. Em outras palavras. to-
mar a saírde cofio um processo sociai e histórico é um
presslrposto teórico da §aúde Cotretiva. Isso se verifica
nas análises que relacionarr esse processos e práticas
com âs conjunturas e estruturas produtivas e de po-
der em que se inserem: nas análises que buscam com-
preender os sentidos e significados das ações e expe-
riências sociais presentes no processo saúde-doença-
-cuieladol ou ainda, na análise da organização social da-s
práticas de saúde e das respostas socj"ais organizadas às
necessidacles de saúde; o1l mesmo. na análise da distri-
buição social do processo saúcle-doença e de seus deter-
minantes sociais, dentre outras.
Nesse sentido. os objetos de investigação e de in-
tervençào da Safide Coletiva não se confundem com o
corpo indirridual e biológico. tratâ-§e de um corpo de
objetos (indivíduos. populações; políticas e instituições;
Capítulo 38 . Ciências Sociais em Saúde Coletiva
doenças e agravos; necessidades de saúde etc.) instados
nessa relação com o social e o histórico. Ào investigar.
sob diferentes pontos de vista, as situações de saúde que
afetam indir'íduos e populações, a Saúde Coletiva deve'
rá analisá-1as como uma produção material e simbólica
existente na tensâo "biossocial". Aqui, estamos diante de
outra contrihuição fundamental das CSS, pois essa cltt-
pla determinação ("biossocial") se reflete tanto em práti-
cas corporais culturalmente definidas quanto em perfis
epidemiológicos socialmente determinados. Assim. por
exemplo, estrutul'âs de poder micro e macrossociais têm
especial reler.ância paÍâ a análise dos processos r:rate-
riais e si.r:rbóiicos de estratificação social das crianças,
dos adultos, dos idosos, do trabalhador' do morador de
rua, dentre outros. Devemos iembrar qtle os proce§sos
de estratificação social se expressam tanto na deiermi-
naçào das condições de vida dos grupos ou segmentos
sociais col11o llos proÇessos de negociação das i.dentida-
des e valores clesses grupos e segmentos no âmbito clas
interaçôes sociais. Assim, por exemplo, as populaçôes etn
situaçãa de rua têm sua vulnerabilidade social extrema-
mente aumentada não apenas ern decorrência das más
condições de vida, mas tambérn em vista dos estigmas
que a{etam sua identidacle, mui.tas vezes reforçados por
mârcas rnateriais e sirnbó1icas relacionadac com âs es-
tratégias de sobrevivência na rua (roupas, cheiro, ges-
tualitlade, r,ocabtilário etc.).
Entender a saúde como política é outla incolpora-
ção fundamental das CSS no câmpo da Saúde Coletiva.
ciestacada recentemente em importante publicação in-
ternacionai sobre o Sistema Único de Saúde no Brasil, a
quall,;razem suâ capâ â seguinte afirmativa: "Em ú1tima
análise, o <lesafio é político, exigindo um engajamento
contínuo pela sociedacle brasileira como um todo' para
âssegurâr o direito à saúde para todos os brasileiros"
(Paim eÍ at., 2011). Levar em consideração as relações
de pocler que orientam o acesso a bens e serviços, assim
Çomo os sentidos das práticas de saúrie, ó um fundamen-
to da Saúde Coletiva qlle renovâ seu investimento na
análise dos processos de determinação social em saúde
e seu compromisso cüm a identificação e superação dos
mecanismos de reprodução social e de aprofundamento
clas iniquidades em saúde. Nos leva assiur a analisar
criticanente as ideologias, 1ógicas e relações de poder
reproduzidas nas práticas de saúde. Nos leva a identi-
ficar e criticar diferentes estratéççias de opressão e de
dominaçâo inscritas nos corpos e nos modos de agir em
saúde, sejam elas relacionadas com questões de gênero,
à nedicalização social, à hegemonia de determinaclo tipo
de racionalidade médica ou de saberes em saúde. enfim,
relacionadas com os processos de "colonização" da vida
sociai efetuada pelos discursos e práticas em saíide'
Analisar a saúde enquantc setor produtivo relacio-
nado com as estruturas sociais mais ampias e o campo do
573
saber é outra contribuiçáo a ser destacada. Trata-se, de
um lado, da análise das políticas de saúde e do processo
de estrutulaçâo da rede assistencial, com clara influên-
cia marxista, a qual está intel'essada na relação "capitai-
-tra.balho". ?rata-se, de outro iado, da análise dos pro-
cessos de trabalho em saúde e das tecnoiogias em saúde,
interessada na relação "saber-traba1ho". Procura-se, nesse
caso. analisar processo de trabalho ern saúde rnostrando
a íntima relação existente etttre os diferentes arranjos
teenológicos (tecnoioglas materiais e imateriais), seus
obietos e a constituição de sujeitos (com maior ou menor
grau de ar-rtonomia para definir as finalidades do traba-
tho). Ern ambos os câsos. busca-se estudar es§as ques-
tões em suas relações com o contexto político, econômico,
institucionai e científico.
Àinda que outros pontos possanr ser levantados,
cabe destacar a tendência a criticar ttm ponto de vista
tecnocrático e autoritário para se definir o que vêm a ser
necessirlaci.es ern saúde que legitimaü1ente requisitem
urÍra resposta social organizada expressa pelas institui-
ções de saúcle reguladas pelo Estado'
Necessidades, problemas de saúde e
respostas sociais problematizadas à luz das
Ciências Sociais em Saúde Coletiva
A varieclade e o cal'áter frequentemente restrito e
restdtivo das conceptualizaçôes do cr:letivo/social
não invalidam o fato de que as práticas saaitárias
se viram constantemente invadidas pela necessi-
clade de construção do social como objeto de análise
e como canlpo de intervenção. Nem devem induzir a
suposi.ção de que a vicia social concreta acabe por tor-
11ar-se mero produto dessas opções conceituais. Ela
irromperá, certamente, sob outras formas, também
no catnpo do sakrer, quando as malhas conceituais e
sociais se revelarem estreitas em face da concretude
dos processos sociais. (Donnangelo, 1983)
[...] Tanto o mundo natural como o mundo social se
encontram deternrinados e em constante devir, pc'
rém sua ciiferença radica em que no segundo o conhe-
cimento se transforma em consciência e sentido de
necessidade e necessidade de ação. (Granda, 1994)
As CSS mantêm uma posiçáo crítica em relação ao
processo de metlicalização sociai, à biomedicina e a tec-
nocracia que, rnuitas vezes, caracteriza a ação de insti-
tuições e proÊssionais de saúde, inclusive, ao longo da
história cla Saúde Pública. Essa crítica. evidenternente,
não deve substituir um prôcesso de "colonização módiea"
da vida social por um "imperiaiismo sociológico" sobre as
práticas de saúde (Gerhardt, 1990). Feita essa ressalva,
cabe afirmar que se trata de uma posiçâo crítica valio-

s74
sa para a construção cle contextos e práticas em sairde
que fragilizem ou mininizem o "agir prescritivo" da área
áa saúde (Castiel & Dardet-Diaz, 2ÜÜ7)' privilegiando
trocas e relações pautadas peio diálogo' autonomia' pac-
compronletirnento dos ator-es sociais envolvidos'
tuação e
Trata-se de utna crítica ao autoritarisno social clue
ainda rivaliza fortemente com a recletaocratização pc-
Iítica cotrquistada recentemente no Bvasil' Assim' essa
crítica ganha força no movimento de Reforma Sanitária
Brasiieira e na defesa do controle social e da participa-
tamtréÍr nos investi-
çáo popular no SUS. Ganha força
;o;ot teóricos e políticos realizados a partir da bandei-
ra cla "humanizaçáo" (Deslancles, 2004, 2006) e da "inte-
gralidade" (Pinheiro & Matos, 2005), quando se colocam
ã* .*1"ro a experiência, â p€r'spectiva e os interesses de
perspectiva
usuários e trabatrhadoles em sairde, em tlma
mais horizontal e loagitudinal'
I.lesse sentido, a identificação de problenras Ê nêces-
de res-
sidades de saúde e a conseqllente estruturação
consideraÇão
postas sociais organizadas devem levar em
rliferentes interesses e perspectivas <los individuos e
gl'upos sociais envolvidos. fortalecendo os processos de
negociaçáo e pactuação social (Silva et al" 20A7)'
Assim'
que é problema, do que é necessiclade e ile
u a*Arr;iao do
quais são as respostas mais adequarlas e efetilrâs ilara
enfrentá-1os não pode ser realizada rinilateralmente'
Aqui se questiona tanto uma suposta neutralidade e sL1-
perioridade do saber científicc iquanclo este §e apresenta
.rm ponto de vista puramente "técnico e objetivo"
"o*o os interesses e per"spectivas que pro-
soirre o real) quanto
curam iegitimar-se unicamente na defesa da "experiên-
cia subjetiva" de quem vive o problemâ aa "pele" (vocali-
zâdo em tevmos de demandas inclividuais)' Assim' nem
os prol:lemas cle saúde "objetivados" pela epidemiologia
ou pela clínica nem a demanda espontânea "vocalizada"'
pelos usuários de saúde devem isoladamente definir as
necessidades etn saúde. Essas necessiciades Cevem sei:
definidas mediante a interiocuçâo entre saberes e sujei-
tos e a pactuação cle modos cle superação clos conflitos aí
surgidos.
Ao procurarem identificâr esse§ problemas' neces§r-
dades e respostas sociais por meio de análises que levam
em consideraçâo as dimensões macro e micropolíticas
das conilições e práticas de saírde. as CSS defendem
que
devemos identificar difelentes perspectivas' satreres e
interesses em ciisputa na formulação e a.cionamento le-
gítimo cle recursos sociais (por exemplo, ações, selviÇos'
progrrrou, e po1íticas ôe saúde)' Nessas situações' os in-
àioíd,,o*, gÍupos e instituições se constituem em "sujei-
tos coletivos" ou atores sociais em disputa e estabelecem
c{iferentes sentidos para a§ necessidades singulares'
particulares e gerais em saúde' As análises das questões
ãu clusse social, gênero, de raça/etnia, de geraçáolidade'
dentre outras, rnostram que não é possível deflnir lleces-
Seção VI r ESTADOS DA ARTI
sidades em saúde sem entrar nesse campo de disputar.
I'Iostram também que essâ definição resulta não apen*s
das posições sociais e relações rie poder em que os su'
jeito; estão sobredeterminadamente inscritos' mas tan-"-
bém das identidacles sociais e posicionamentos po}íticti-
atigamente produzidos por esses sujeitos. lrTesse senticil -
as necessidades em saúde se definem no entlecruzamen'
to entre as estrululas e os suieitos' Para identificá-las
devemos olhar para a determinação social do
process:
in*
saúde-doença-cuidado' -cem perder de vista as ações e
terações sociais que atribuem sentidos e clireções a ess'
processu.
Ao investigarem a experiência de adoecirnentc *
cuidado de deterrninados suieitos ou grupos sociais' a'*
longo de seus itinerários terapêuticos, as CSS aponta*r
para diferentes perspectivas e interesses clue se lntert-
-relacionam, não sem confiitos, na definição do que ven:
e gru-
a ser o "problema" vivenciado por aqueles sujeitos
pos dus melhores estratégias de intervençào sobre es=+
"
problerna. Assim, ccnceitos cono experiôncia de enfer-
rnidacle, itinerário terapêutico, modelos explicativos'
sa"
relevantes par'â
tores da assistência, dentre outros, sáo
assumirmos um ponto de vista não tecnocrático sobre
as realidatles que pretentlemos conhecer e intervir'
Sã*
valicsas as análises que incidem soble os contextos clt
interaçáo social (família, escola, serviços de saúde'' bair-
ro etc,i, perguntando-se sobre os sentidos das práticai
c1e saúcte e sua relação coÍl a definição
cle necessidade*
que esses sentid*s
em saúiLe (Trarl. 2006). Vale lembrar
sâo definidos em relações intersubjetivas, na medida eru
que os sujeitos se definem sempre de maneira relacionatr"
tendo por referência o Outro (por sua vez, dinâmico *
que se reapresenta de diferentes maneiras e circunstân-
cias). Por Yezes. es§as aaálises perguntam petros limites
entre os sentidos clo "êxito técnieo" e do "sucesso prátic*""
das ações de saúde (A-vres, 2001) e nos nlostram que nem
sempre as necessidades em saúde se dirigem central-
mente a problemas de saúde ou doenças, mas també*
ao acesso a bens e serviços e relações interpessoais c1t
cuidado (Ceciiio. 2001: Cecí1io & Matsumoto, 2006)'
Essas análises levantam questões sobre a ética t
a politicidade c1o cuidado' dos modelos cle atenção' c1*:
progrârnas e políticas de saúde. Perguntarn quem sác
os sujeitos e a partir de quais i.ugares, critérios e pro"
cessos deÊnem as necessidades, situaçôes e problema"'
de saúdel os profissionais, os pesquisadores, os ges'
tores da saúde? Intiividualmente ou a pârtir de sua;
deferentes formas organizativas?
Àssim, recusatrdo a neutralidade clas práticas e sa'
beres em saúde, as ÜSS fovnecem elementos teóricas
para analisar os processos tie construção e iegitimaçãt
social dos probleraas, situações e necessidades a serem
enfrentarlas e clas estratégias de enfrentamento det-
sas realidades. Ao fazê-lo, refletem criticamente sobre
 s75
Capítulo 38 + Ciênciat Sotillu't'!u''ld:
Cnl"tiuu

lias ciências sociais, essa contraposição se traduz

demanclas e necessicla-
os próprios conceitos de sujeito' a sociedade' dentre as
carnpo cia er::r interpretações teóricas sobre
à*, uáotuaos nas aná1ises elnpreendidas no profunda mais conhecidas, a estttúuralista' a
iruteracít:illsmo sim-
umâ ampla e
Saircle Coletiva. Sem recuperar colocadas em
consistentes foranr bó1ico e a canstrtLdíuisnzo - frequentemente
discussáo, vale lembrar que críticas e mu-
noção de indir'ídur"r' de oposição, mas qlle na realidade se complementam
i*itu. a equivalência de sujeito à
estruturalisla acentua
probiemas t.ror.."nt" se constituem' A visão
a"*rrldu. a carências e de necessidades a segunclo o âspecto determinante e coercitivo
rlo tnunclo social e
sociaislcle saúde tecnicamente objetivadosl as cüssificações historicamente construídas
que hierar-
frequentes
S,"r, trggr)- equivalências ainda bastante posiçÔes sociaiss' Na
emtraba}hosproduzidosnoitrteriordopróprioCa[1p0
l.,iru* r:s incli','ítiuos em cliferentes a indivíduo octipa
linrite e â pos- oi.ão corsÍr utiuist{t ou ittdíuídualista'
Saúde Coletiva. A ídentificação desse
da proelu-
o enfrentamento lugar d.e destaque, sendo a sociedade consid'eracla
sibiiiclad.e cle sua superação irnplicam to das decisões, clas ações e dos âtos de
conhecimento de
dirigicias à aná1ise
de grancles questões teórico'políticas indivíduos conscientes, aos qr:ais o mundo
é dado como
e estri'rturas (Bcds-
clas relações entre sujeitos -sociais 2003; imediatamente familiar e significar-rte'1'
tein, 1992; Minayo, 2001; Gornes & Golclenberg'
e às inter-relações Essa','isáomaisgeralctesubjetívidade'comoasacte-
Pires, 2005; Zionni e Whestfal' 200?) dacle lnteríorizad,ç' corao diriam
os sociólogos' ou como a
a Saúde
as CSS e os outl'os saberes que compôem não
entre utltttrct irt-corporada, col1to rlrriam os antropólogos'
Coletiva (Nunes, 2003)' necessariamente nos esclarece sobre
os tipos de socieda-

de ou de cultura qne são incorporados''

ESTRUTU RA SOCIAL: INDIVÍDUO, Algurrs estudicsos clessas áreas' localizados
especial-
cientistas sociais' filóscfos'
SOCIEDADE E SAÚDE irente na Saiide Coletir"a -
Dssde seus primórdios' as ciências
humanas e so- fsicólogos e psieanalistas infiuenciaclos por Foucault
*' enfrentar esse problema'
ciais se pÍeocupam com a difícil relação
entre o sulojetivo irgua, 1g'ie) vêtn tentando forma de do-
e o objetivo ou, nos ternros
dessas cj'ências' com a relação enfatizanclo os conteirclos de ileterminacla
os {enôlnenos psi- socied"ade oci'clental con-
lnir-ração presente na cultura d'a
entre o indir''ítiuo e a sociedade' entre de reintrocluzil
cológicos e os fenômenos sociais'
Arnda que o resultaclo tefttporâllea. Se esse esfolço ten: o mérito
uma climensáçr de poder e de
de históricas divisões cle trabaiho nesse câtr-rpo ctro conhe- or rro.u.ro. subjetivos em
de transformaÇão
.l*urrro tenha conferitlo urna forte autonomia àqueles realinhá-los ãos processos históricos
das culturas contemporâneas' aitrda
fenôrrrenos-levandoapsico}ogiaaseespecializarno das sociedacies e
e à slra sub- assim. eles pern:anecem e111 um nír'el bastante geral e
trato rlas questões referentes ao inclivíduo cleixarem a impressão
e a sociologia e a antropologia às
re-
questões abstrato, u for.to t1e muitos r1eles
i"ti"ia*d" *' a cultura oci-
f*rur,tuu à coletivid'ade social e cultural
tanto em sua§ de que a cr-lltura (ou' mais especiflcamente'
posteriores' es' c1e existência própria e de
capacidade
origens corlo e111 seus clesenvolvimentos àu*tufl é dotarla
simples fato de existir e' talvez' o
mais
sas rlisciplinas não têm conseguido
evitar essa questão' t1e coerção pelo
que só é possivel
0 que vem caracterizando mtiitas dessas
abordagens importante. deixancio a impressáo cle
(externa' prática' up.uurlá*rocaráterdanormaatvar'ésdapróprianomâ
é a cnntraposição entre "r'lcla objetiva" e institucionais'
(interna' emocionaf indivi- não cle suas manifestações inclividuais
coletiva) e a "vida subjetiva" e
são distrihuí-
cluai). sencio o aspectomais congruente
da maioria delas o que ple§supoe que âs normâs culturais
e *'ociedade implica ,1u* .,*tifor'*e e hcmcgeneamente
em toda sociedade ou
o rle que a reiação entre inclivícluo da me§ma 111âne1-
otrjetividaCe na que todos os intiivíCuos a incorporam
u .or.ridurnção da sribjetividade a éa normas dominantes
perspectiva d"e sria constituição recíproca:
o inclivíduo ::a. Entretanto' mesmo no caso das
pela societlade' nras etrraisuniversais.elasnãosãohomogêrreâsnemhomo.
,.ao à op*rlos afetado externarnente
u* .orr*ii*.ri por ela, isto é' por suâ
introjeção' Quanto a geneamente abson'idas pelos indivíduos'
(skinner' 1998) comct
isso. tanto o behaviorismo radical
tidos como mais representativos desta
côrl'en-
1969) estác de acorclo: é Çr= *- **res
a p"i..r.á1ire uroderna (Freud' suas aborclagells pÔsisaxü diferir,e
disponibilizando te nas ciências sociais' etnbora
a cultura que modela a subjetividarle' encontram-se Emile
pa-
costlllnes' valores' rlesrlo contraditar-se sob diverscs aspect{}s'
para os indir'ídu':s seus hábitos e
Dulkherrr (2üO3. ?t10) e Claude Lévi-Strar'rss (2008)' e enlre os
sociais etc'2' l{arx (19?ô), principalrneBte
clrõe-" de comportamento' normâs âutore§ rnarxista-s. além do próprio
Louis Âlthus-cer (198ã)'
psico}ogia e na
,P""-ú*.1"'*. tânto nâs ciências scciais rotlo na lPara essa perspectiria consultar' principaimente' Peter Berger &
nzecnnism2s por meio dos Louis'Dumont (1985')' Georg Simnel
psiranálise' tém se preocupado corn os Thomas Luckmann i#tlt
criilurais (valores' regras eic') são incorpo::adas (2011) e Clifford Geeltz (1989)'
;;;;i;';;"t-as com os relculos
(estímtilos,,*p'u"ao''"tuções famiirare:)l':Yttot isem esquecer, de*tre oàr.u.. u* ciássicasdescrições da sociedacle
na iamília' esco- Durkheim {2010)'
desta incorpoluçao (*tp"'ii'''cias de"sociabiiid-arle
ocide.iai dos -*éculos VlII e XIX feitas por Ér:rlie
local' p'-oflssionâl etc'): outros lIars (1976)'
;á, ;;, ;;;"- à" o*igo"' cor, unidade com a§ normâs'
llax Weber {198?) e Karl
tr conleliclos'
.o"t sens ou seja'
uir'rãu,
ii:
:it,

Como o de subjetividade, o conceito de ciasse social
§
é complexo e varia de acordo com as teorias qLle o cons-
í! troem. Mas. ao contrário dos conceitos de indivíduo e de
t subjetividade, plenamente atuais e amplamente utiliza-
',i
dos, o conceito clássico de ciasse social constitui, hoje,
um conceito em desuso nas ciências humanas e sociais.
Sabemos que as classes sociais se estruturam em fun-
ção de yários fatores, inclusive culturais, e que denotam
classificação, estratificação, hierarquízaçáo. Em ciências
sociais, a expressão classe social, para muitos. é indisso-
ciável de um sistema de dominação (mais precisamente
do sisterna de dominação capitalista), aspecto facilmente
esquecido quando se utiiiza apenas o conceito de hierar-
quia6. Por isso, grande parte dos pesquisadores da atua-
lidade prefere usar categorias como cantadas, estrutos.
grupasl poiiticamente menos marcadas, ou seja, não ne-
cessariamenie vinculadas a uÍn sistema de dominação
como 0 de cfuzssa sociç"r.l.
Para autores como Pierre BourdieuT, uma sociedade
diferenciada não forma uma totajidade única, integrada
por funções sistemáticas, uma cultura comum, conflitos
entrecruzados olr uma autoridade global, mas consiste
ern urn conjunto de espaços de jogos relativamente autô-
nomos, que não podern ser remetidos a uma lógica social
única, seja aquela do capitalismo, da modernidade on da
pós-modernidade. Para ele, a oposição entre a sociedade
e o indivíduo e sua tradução na antinomia do estrutu-
rqlismo e o canstruíiuisrno entre o determinismo social
e o individualismo metodológico, entre o mecanicismo
que percebe a ação como o efeito mecânico das pressôes
exercidas pelas causas externas e o finalisrno que, nota-
damente com â teoria da ação racional, acredita que o
%t" * .**"*m grande pârte. âo fato de a clefinição dominan-
te de classe social, durante quase todo o -séeulo passado. ter sido
aquela dada por À,1arx e utilizada pelos rnovimentos socialistas e
comunistas que entram em declínio com a queda do muro de Ber-
lim. Na definição marxista de classes, estas se constroem nâs re-
lações de prodtição, ou seja. no âmbito econômico. para ele. as
relaçôes de produção constituem as relaçôes de classe, marcadas
fortemente pelo antagonisno entre os detentores dos meios de
produção e os portadores da força de trabalho, representados, na
sociedade capitalista, pela br-uguesia e o proletariado. respecti.
vâmênte (cf. il{arx, 19?6). Entre os marxistas. Louis À}thusser
(198ã) e Á.ntónio Gramsci (2001) se destacam por pensar âs re-
Iações entre cuitura e economia ou, mais especificamente. a de-
terminação tlaquela pelas relaçôes econôrnicas de produçâo seni
conseguir, errtretanto, superar o mecanicismo e/ou a fltidez desta
cleterminaçâo. A expressão classe sccial é hoje amplamente uti"
lizada como instrumeàlo para venda-*. morketing e pesquisa de
rnercado. Com base em dados sobre o poder aquisitivo. a popula-
çáo investigada, por meio de pesquisas quantitativas, é classi6-
cada segundo seu potencial e nível de consumo, em A, B. C. D. E
etc. Esta classificaçâo é usada também nas pesquisas de opiniáo.
como âs de tipo eieitoral.
?Em sua extensa obra. Bourdieu aborda. de maneira
exaustiva e
exemplar. as relações entre essas rliferentes e complexas dimen-
sões da realidade social - indivirlual, econômica, cultural ou simbó-
Iica. Par:a uma relação de seus principais livros e artigos. incluindo
traduções em português, consultar Bourdieu (2002).
Seção VI r ESTADOS DA ARTE
âtor age de maneira livre, consciente, sâo prejudiciais a*
conhecimento. A ciência sociâl não tem de escolher en-
tre esses dois polos, porque a reaiidade histórica, tanta
a do indivíduo eomo a da sociedade, resicle nas relações
entÍe âmbos, e estas sim constituem o verdadeiro foc*
da análise sociológica. Para lidar com essas relações sem
recair na fa]ácia rlas antinomias sociais mencionadas"
Bourdieu constyuiu alguns conceitos-chave, tais como Gs
ccnceitos de campo, habitus, rupítal econômíca, cu.ltur*]
e social.
Um campa econômico, poiítico, culturâl, cientíS-
-
co, -iornalístico. médico etc.-, é um sistema estruturactr*
de forças objetivas, uma configuração relacionai que, à
maneirâ de um campo magnético, é dotado de uma gra-
vidade específi,ca, capaz dê irnpor sna lógica a todos os
agentes que nele penetram.
Íjm campo é tarnbém urn espaço de conflitos e dr
concorrência no quâ1 os cütlcorrentes lutam para esiâ-
belecer o monopóiio sobre a espéci€ especí§ca do capital
pertinente ao câmpo {a autoridade €ulturai no cami:cf
artístico, a científica no campo cientÍfico, a definição d,_,-
minante de saúdeldoerçâ, no campo da saúde etc.). N*a;
cliferentes câmpos! existe uma correspondência entre *i
divisões objetivas do mundo social * notadâmente ent]:*
dominantes e dominados - e os princípios de visào e de
divisão que os agente§ thes aplicam. A posição e o sLrces-
so dos indivíduos e grupos que atuâm em determinad*
campo dependem do tipo e do montânte de capital acri,
mulado: capital econômico (riquezas ou bens econômicü.
acsmulados), capital ctr,ltural (relaçào privilegiada com
a cultura eruclita e escolar), cupital soclal (red.e de r$a-
ções sociais que franqueiam o acesso ao poder) e capit*i
simbólica (formado pelo conjunto de signos e símbol*p
que situam o indivíduo no espaço social) (Loyola, 200?:
66). Depende também do tipo de capital mais valoriza-
do ern um campo; o que é valorizado em uÍn, poderá ser
depreciado em outro: os vâlol.es do campo dos negócics.
por exemplo, onde preilomina o capital econômiÇo, sã[i
inversos àqueles do carnpo culturai, onde o que impo].tà
é a estima dos pares. o desinteresse e a distância apa-
rentes em relaçào aos valores mercantiss. IJm campo *-
assim, üm espaço de relações em movimento, cujo esta-
do o pesquisador deve permanentemente construir e/clu
leconstruir.
Nos diferentes campos, existe umâ correspondê*-
cia entre as dir,,isôes objetivas do mundo sociai - nç-
tadamente entre dominantes e dominados * e os prin-
cípios de visão e de divisão que os agentes thes apli-
cam. As divisões sociais e os esquenras mentais -{â+
estruturalmente homólogos, pois são geneticâmenr*
ligados. A exposição repetida às condições sociais cleli,
-4,.*1r*"t"..
". subcampo universitário
vem sendo principalmente
<1o espaço cultural, o qri*.
valorizado é o número de publicaç*i:*
em perióclicos internacionais (Loyola. 2008, 2010).
Capítulo 38 . Ciências Sociais em Saúde Coletiva
nidas imprime nos inc{ivíeiuos uru conjunto de disposi-
ções duráveis e transferíveis, que são a i::teriorização
da realidade externa, das pressões de seu meio social
inscritas no organismo (Loyola, 2002). liisso constitui
o habitus, que conjuntamente cofl o conceito de campo
são relaciernais, no senti.do de que só podem funcionar
um err relação ao outro. O habitus constitui um sis-
tema de esquelnas de percepção, de apreciação e de
ação; um conjunto de conhecimentos práticos adqui-
ridos ao longo do teftpo que nos permitem perceber.
agir e evoluir com naturalidade em um universo social
dado. Enquanto coletivo individualizado pela incor-
poraçâo do social, ou indivíduo bioiógico coletivizado
peia socializaçào, o hsbitus não é uma invariante an-
tropológica. mas unla matriz geradora, historicamen-
te constituida, institucionalmente enraizada e sociai-
mente variável. O lzabítus é um r:perador de raciona-
iic{ade, mas de uma racionalidacle prática, inerente a
unr sistema histórico de relações sociais; o l'tabitus é
criacior, inveniivo, mas nos limites de suas estruturas
(Lo5'ola. 2002: ti8-9),
Ern síntese, tanto âs construções como as traciuções
e retraduÇões dos valores e nürmas sociais passam por
uru sistema de estratificaçáo social e simbólico que se
organiza em d-iferentes cümpas, mediante as relações en-
tre os diferentes atores sociais que os integram - âgen-
tes e clientela *, sendo em ambos os casos determinadas
pelo ftoôirus de classe (e este pelo rnontante de capital
econômico, cultural ou social acumulado) que os aproxi-
ma ou riistancia.
A ideia de lzçbitus ó especialmente importânte no
campo da saiide, porque ele ó ern grande pârte respon-
sável pelas escolhas em matéria de saúde, pelas itine-
rários terapôuticos que deterrninada população efetua,
em íunção dcs serviços de saúde disponíveis em deter-
minado campo. No campo médico estudado por Lo5.oia
(1984, 1987, 1991) e utilizado para exempliflcar o tipo de
anáiise descrito, tanto a oferta como a demanda de ser-
viços de cura, relativas às rnedicinas consideradas - me-
dicirua popular e hom.eopatia -, transcorriam segrrndo as
crençâs e a visão d.e mundo preconizadas pel:s especia-
iistas dessas meclicinas e compartilhadas por sua clien-
tela. Em função dessas crenças e de suas teorias sobre
a saúcle e a doença, essas medicinas se hierarquizavam a
partir de sua proximidade maior ou menor cam as ciên-
cias ou com religiões, presentes Ro carnpo - catolicismo
popular, igrejas pentecostais, umbanda e candomblé, no
câsú dâ medicina popular; espirit smo kardecista. igi'eia
metodista, i:udista e messiânica, no caso da homeopatia.
Elas se hierarquiza\,âm tâmbém ern funçâo da classe ou
posição sociai de sua clientela. Quanto mais perto da me-
dicirzct cientílica oficia1, mais elevada a classe sociai dos
agentes e de seus clientes; quanto mais perto da religião,
mais baixa.
577
As representações dc corpo. da saúde e da doença dos
clientes dessas rredicinas intervinham constantemente
ern sua relação com o sisiema de ofertas terapêr.tticas -
seja na maneira como se cuidavam, seja na escolha que
faziam de uma ou outrâ categaria de especialistas. Os
clientes cla medicina popular tinhan: em comuffr cüIr1
aqueles da horneopatia o fato de negarem os dualismos
corpo/espirita ou carpo/alma, objetiuismolaújetíuísm.a e
o mec{trzicisma argônico da medicina científica ou oficial.
Os primeirr:s, mais riependentes dos serviços de cura
oferecidos pela-" religiões, enfatizavâm, sobretudo, as
categorias espírito/matéría - negatrdo a existôncia da
doença mental (iclentificada em seu universo simbó1ico
coiao doença espiritual); os clientes da homeopatia enfa-
tizavam. principaimente, âs categorias corpo/cabeça e a
participação do próprio indivíduo naqueie processo, em
um tipo de voluntarisrno earacterístico das camadas que
se orientam fortemente por umâ conduta de mobilidade.
As representações sobre saúde e doença dos clientes
dessas medicinas se apoiavam. também, em um si,çten:a
de cposições organizado a partir da visão e da utilização
do ccrpo, que refietia ern grande parte sua posição de
classe. Exercendo atividâdes que denrandavam um uso
intensivo clo corpo, os clientes da metiicina popular defi-
nianr saírde e doença peia oposição tlas categorras farça/
fraqueza, contrapondo situaçôes que passibilitavam ou
impossibilitavain o uso clo corpo parâ o trabalho. Fara os
clientes da homeopatia, saúde e daença erârn represen-
tadas como situações d,e equiltbrío/deseqttiííbrio fisico e
mental. categorias que reprociuziam, no plano simbóiico,
sua posição equilibrada e equilibrante entre as camadas
socialmente mais privilegiadas e/ou mais desprovidas.
Entretanto, as relações entre medicina popular e
I*edicina científica oficiai e enrre esta medicina e homeo-
patia não el'âm estáticâs: âo contrário, nos dois casos,
o recurso alternativc, e mesmo concomitante aos dois
sistemas de tratantento. produzia efeitos sobre ambos,
reforçando-os mutuamente. A oposição entle elas se tra-
duzia. ao mesmo tempo, coü1o oposições de classe * as
representações da doença sendo determinadas por urn
conjunto de características sclciológicas que podiam ser
resumidas na noção de lzaàiÍus mais ou menos "letra-
do" ou "corporal". Tanto na meilicina populal como na
homeopatia, o sistema de relaçôes ccm a medicina cien-
tífica era caracterizado. simultaneaffIente, pela comple-
mentaridade {reconirecirnento cia medicina oficial e de
seu sisterna terapôutico) e pela oposição (de visões do
corpo, da saírde e da doença).
Assim. ao mesmo tempo que rejeitavam e reivindica-
vam o âcesso às telapias oferecidas peia medicina cien-
tífica, os clientes da medicina popuiar e da homeopatia,
n:ais próximas de suas repi:esentações do coÍpo e de sua
reiação com o mundo podiam, através delas, subtrair
parcialmente à iraposição da visão do mundo das classes

578
dominantes veiculada pela medicina científica oficial e
pela biornedicina e contrabalançar' assim' a relação de
àominaçáo que Íesulta da prática médica científica oÊ-
cial. Eles podem, inclusive. afirmar sua própria identi-
dade e reivindicar um saber própric sobve o corpo e a
mé-
doença e, por esta via, se contrapor às interpretaçôes
dicas clominantes'
TEMAS E QUESTÕES CLASSICA§ E
CONTEMPORANEAS
Olhar das ciências §ociais sobre a
biomedicina
O termo biomedicir"ra tem sido freqnentemente uti-
a me-
iizado nos trabalhos antropológicos para designar
dicina moderna, lemetendo à estrutura institttcional áa
medici:ra no Ocidente e enfatizando a primazia
de sua
base epistemoiógica e ontológica centracla na flsiopato-
domi'
logia (Kleinman, 1995)' Para o modelo biomédico
saúde e doença constituem'
nJrotu em nossa sociedade,
sobretudo, fenômenos de ordem biológica
que devem ser
tratados por meio cle uma ação de natureza técnlca' O
"des-
olhar das ciências soclais tem cantribuído para a
naturalização" do saber hiomédico, evidenciando a ínte-
ração complexâ entre biologia, práticas sociais e cultura
na produção da doença comr: objeto social e experiôncia
oi ri lu. Assirr, o foco da doença como entidade biológi-
ca desloca-se para a experiêneia da enfern-ridade em um
dado contexto social e cultural'
Às preurissas básicas da perspectiva hiomédica in-
cluem a racionalid aàe cientifrca. a ênfase nâ mensurâ-
bioquímicos' o mecani-
ção objetiva e numérica de dados
cismo (que tem comô rnetáfora clominante o corpo como
o ciualismo colpo-mente' a visão
máquina bioquírníca),
da enfermiclade como entidade ontoiógica (atribuindo-
-lhe uma identidacle mórbida que é inclependente do
sujeito e do contexto sociocultural em que este está i"n-
serido) e a ênfase do diagnóstico e tratamento sobre o
indivíduo doente em cletrimento da famíiia ou da co§lu-
uidade (Helman,20ü3).
Essas premissas se refletem de várias maneiras na
prática médica. co111o. por exernplc' no §lomento em q$e
* d"*ord"m orgânica é percebida como o verdadeiro obje-
to da medicina; quanclo a racionalidarle clentífica despre-
qüânclo o
za as dimensões emocionais e morais da afliÇão;
médico se coioca:ra posição cle conhecedor ativo' deixando
o paciente na posição cle conhecedor passivo; e tra desper-
sonalizaçáo dos pacientes' Em especial, a dificuldade dos
médicos na escuta das queixas dos pacientes repercute
de modo negativo na qualiriade da relação terapêutica'
Como afii:mam Kirrnayer et al' (199ã), epistemologi-
camente, a biomedicina separa evidências objelivas
de
doença. a partir cle sinais físicos e testes laboratoriais'
do
Seção VI + ESTADOS DA ARTE
cliscurso subjetivo do paciente sobre sua doença, atribuin-
s'
cio credibilidade clistinta às duas fontes de informação
paciente'
muitas vezes, cleslegitirnando a qtieixa do
Os conceitos de drlsease, illness e sickruess, desenvol-
vidos pela antropologia médica anglo-saxã (Kleinmar:"
1980: Young 1982), ajudam a comp?eender didaticamerl-
te essâs climensões objetiva e subjetiva da doença' Dise«'
se, que nós porleríamos associar a patolcgia, refere-se
à
doença tal como concebida peia biomedicina' designandc'
anormaliciades na estrutura oLl função dos órgãos ou sis-
ternas orgânicos, e a estados patológçicos independente"
mênte de serem ou não culturalmente reconhecidos'
Já itlness, ou enfermidsde, refere-se à percepçât'
e à experiência do paciente da patoiogia ou de outro*
estados "socialmente clesvalorizados", independente'
mente de serem otl náo reconhecidos pela biomedicina
como doença. O conceito d'e íllness rernete aos signi{i-
cadas que a pessoâ atribui aos sinais e sintomas cor"
porais, qne podem ou não ser interpretados por e1a r-
por seu meio cultural corno doença' Uma pessoa que
i'efira sentir peso llos ombros, desânimo, dores difusas
"so-
e acredite estar com "encosto tle morto", estado
cialmente desvalorizado", cujos sintomas são explica'
dos peio candomblé, umbanda e espiritismo karclecista
como causados pela ação nefasta de um espírito' estâ-
ria com illruess (enferr*iclade) sem disease (patologial
A clisease tambóm pocle ocomer na ausência da illnes*"
como no caso de uma hipertensão não diagnosticacia e
assintcmática. O conceito de illrtess remete assim al
morlo como a cloença é trazida à experiêncla individual
e se torna significativa paÍa o paciente' pois,
para que a
que eia inter-
pessoa se reconheça doente, é necessário
prete os sintomas experienciados como sinais de uma
.io"*çu. Essa interpretâção é fortemenie influenciada
pelo co:rtexto cultural em que o indivíduo está inserid*'
É a cultura qr.te fornece as lentes através das quais será
realizacia a leitr.rra clos sinais corporâi§' lnfiuenciandc
a apreensão cognitiva clos sinlornas, a cultura contri'
bui para determinar se eles serão avaliados como irre-
levantes. naturais e não indicadores de doença ol1 se'
ao contrário, serão percebidos como algo que detnanct*
ajuda terapêutica imediata'
Por firn, o conceito de slcÀness (doença), como prÚ-
posto por Young (1982), enfatiza a dirnensão sociai ria
enfermidade incorporando ao esqllema de Kleinman *
compreensão d.os falores sociais, polÍticos e eccnôn:ic+*
que se encont::am na base da determinação social da:
doenças.
Parte da eiiÍlcu1dade encontrada pelos médicos r:a
reiação terapêutica deve-se ao fato de que o objetivo t*-
rapêutico do moclelo bir:médico é intervir no processo da
doença. visanrlo à cura da patologia {disease), sem con-
siderav sua dimensão subjetiva {illness}' Nesse sentiel*"
a biornedicina está voltada pâl'a a remissão dos sint*-

Capítulo 38 . Ciências Sociais em Saúde Coletiva
mas, o que Kleinman (1980) denomina curing (cura cla
patologia) em oposição a ?tealing (cura da enfermidade),
conceito que remete à percepção do paciente sobre seu
problerrra e se ele se considera curaclo. Heating designa
então o objetivo terapêutico dos moelelos terapêuticos
ci"rlturais que, diferentemente da biomedicina, nâo es_
tão necessariamente voltados parâ os sinais e sintomas
e visam, sobretudo, tya.àet ao entendimento do paciente
aspectos escondidos da realidade da enferruidade, trans-
forrnando-a e reformulando a maneira como são com_
preendidos (Kleinman, 1SB0). As práticas terapêuticas
populares e reiigiosas geralmenfe centram seus esforços
na busca clo sentido da doença par.a o paciente. atuancLo
sobre a illness (enfermidade).
Como mostra Montero (1985) em seu estudo sobre as
práticas terapêuticas na umbanda, a concepção religiosa
da doença transcende a finalidade puramente técnica da
cura. A mãe de santo, mediante a interpretação religiosa
do infortúnio, busca articular a multiplicidacle de sensa-
ções e acontecimentos percebidos de maneira caótica e
atomizada pelo indivídno doente" permitind.o_ihe cons-
truir um discurso que dê senrido à doença. A ordenação
da experi.ência de sofrimento transforma a relação do Er.t
com o mundo, favorecendo urn certo rearranjo das relações
pessoais e o enfrentamento das situaçôes-problema que se
encontram associadas à enfennidade (X,Iontero, 1ggõ).
A dimensão cultural e intersubjetiva da enfermi-
dade é extremamente importante para a relação tera-
pêutica, pois todas as doenças estão envoltas em Lepr.e-
sentaçôes cuiturais que são apropriadas e reelaboradas
pelos indivíduos quando vivenciam situaçôes cle doença.
Sobretudo nas doenças graves, existe a necessídade do
paciente de buscay uma explicação existencial para a
enfermidade. Para fazer referência a essa rede de sig-
nificados associada à doença, o antropólogo Byron Good
(1977) cunhou o conceito d.e rede semô,ntics da enfermi-
dade (illness semantic network). Essa rede constitui_se
de paiavras, metáforas, situações, sintomas, experiên_
cias e sentimentos que estão associados à doença e que a
tornam significativa pârâ o doente (Good, lgga).
Como mostram os estudos de Loyola (igg4) e Mon-
tero (1985). entre outros, a população combina cliferen-
tes alternativas terapêuticas em busca de dar conta das
distintas dimensões da doença. Essas autoras mostram
tamtrém como o recrlrso às terapias popuiares represen_
ta um modo de relativização do sal:er médico e de re-
sistência das camadas populares à expropriação de seu
saber sobre a saúde e a doença. Em seu estudo sobre
as práticas terapêrrticas na umbancla, hlontero discute
como o saber religiosr: sobre a cura não se opõe direta-
mente à biomedicina, mas constrói sua iegitimidade nos
espaços onde a biomedicina encontra seus limites.
Seria importante que os profissionais de saúde co_
nhecessem mais profundamente o coRtexto sociocultural
l
579
em que estão inseridos seus pacientes e estivessem mais
atentos a cúrno difereaças na Jinguagerzl. l€presentaçôes
e cód.igos cle ieitura do corpo se refletem no encontro te_
rapêritico. Estudos antropoiógicos têm discutido como,
no diálogo eom os profissionais de sairde, a população
incorpora termos e conceitos médicos. realizando, I1o en_
tânto. umâ releitura destes mesmos segundo sua matriz
cultural. Em estudo yealizad.o com rnulheres das classes
popuiares no Sul do Brasil. Leal (lgg5) mostra como o
discurso médico sobre a reprodução e a anticoncepção,
âpesaÍ de bastante disseminado, é ressignifi.cacio pela
população que não o identifica como a única possibiii-
dade de explicação de processos orgâni.cos, como a yepro_
dução humana. A autora parte da evidência etnográfica,
recorrente entre âs mulheres das classes popuiares, se-
gundo a quai o período fértii se sobrepõe ou está ime-
diatamente vinculado ao período menstrual. O traba-
lho constante de orientação, realizaclo nos prog:râmas e
ações de planejamento familiar ou grlrpos de pré-natal *
oferecidos nos postos de saúde locais a uma população
que, apesar <ie viver em precária situação socioeconômi-
ca, tem acesso gratuito a serviços módicos efetivos e a di_
ferentes métodos contraceptil,os
-, não necessariamente
transforma as representações e práticas relacionaclas
com a contracepção. Leaj mostrâ, então" a necessidade
de compreensâo el_a lógica que ordena âs represetltações
de rnulheres clas classes populares sobre seus col-pos,
fluidos e concepção, rnatriz cultural por meio da qual as
mulheres realizam uma releitura do discurso rnédi.co. O
modeio cutrtural de corpo inclui noçôes de uma dinâmica
de aberir.rra e fechamento, estados de umidade e calor e
circulação cle substâncias condutorâs, entre as quais o
sangue assume grande importância simbóiica. para as
rnulheres, a fecundação é uma fonna de contágio na qual
ocorre o encontro de fluidos ccrporais: o sanguê (subs_
tância percebida co:no feminina) e o sêmem (substância
fértii masculina). O sangue seria então um fluido vitai
constl'utor do próprio feto e associado à fertilidade.
O estudo das diversas formas de racionalidades mé-
dicas, concepções e representações sobre saúde e daença
torna possível reiativizat nosso ponto de vista e nossa
prática, enriqnecendo-os a partir de outras perspectivas.
O conhecimento do modo corao âs pessoâs vivenciam,
atribuem significados e lidam com o mal-estar, o sofri-
mento e â dor em distintos contextos socioculturais pos-
sibilita expandir e aprofundar nossa ccmpreensão sobre
o ser humano. Hoje, mais do que nuncâ, é necessári.o hu-
manizar a prática biomédica que. como observa Klein_
man (199õ), apesar de ter alcançado um desenvolvimen-
to tecnológico sern pai:alelo, quando comparada a outrâs
formas de medicina, teria o que ganhar ao aprencler com
as medicinas tradicionais, popuiares ou alternativas, em
termos de humanização de sua prática. O crescimento
nas sociedades ocidentais do recurso às medicinas alter-
 580
nativas refiete a busca pela população de outras racio-
nalidades terapêuticas, fenômeno que Madel Luz (1997)
situa no interior cle uma crise sanitária e médica na so-
cieclade atual.
Para a humanização da prática médica e, particu-
larmente, para a melhoria da qualidade do atendimento
à poprrlação pelo SUS, seria taml:ém importalte que os
profissionais de saúde adquirissem maior conhecimento
do contexto cultural no qual estão inseridos sells pacien-
tes, o que ihes permitiria desenvolver maior sensibiiida-
de em sua atuação junto à pcpulação e assim melhorar a
qualidade do encontro terapêutico e das ações de educa-
entanto. que a
ção em saúde. É importante observar, no
postura dos profissionais da saúde com relação ao conhe-
cimento do contexto sociocultural de seus pacientes deve
ser guiada pela recusa ao etnocentrisrno que caLacteriza
a perspectiva antropológica. Assim, não se trata c1e co-
nhecer para rnelhor dominar, mâs de se cleixar iransfor'
mar no diálogo com o saber do Outro' E necessário pro-
curar compreender a aiteridade em sua própria lógica,
evitando projetar sobre ela no§§os conceitos e preconcei-
tos, Como afirma Minayo (1997). seria importante pal'a o
profissional da saúde perceber o grau. de bom senso con-
tido nas queixas do paciente, procurando compreender
esse discurso diferenciado à luz das condições de l'ida e
trabalho dessas pessoâs e dcs significados culturais que
formatam a percepção e expressão da doença'
No atual contexto de construção do SUS' no qual a
participação dos usuários, como sujeitos da saúde, é um
princípio fundarnentatr, torna-se importante conhecer
com mais profundidade as experiências e concepções da
população com relação ao processo saúde-cloença e suas
expectativas sobre os serviços de saúrle' Como afirma
Vaitsman (1992), uma concepção arnpliada de saúde de-
veria recuperar o significado do indivíduo em sua singu-
laridade e subjetividade na relação com os outros e coín o
mundo, o que não se expressa âpenas por meio do traba-
lho (o corpo produtivo), mas também do iazer, do afeto,
da sexualidade e das relações com o meio ambiente.
Olhar so(ioantropológico sobre o corpo
Nas duas última-q décadas, houve um renovado inte-
resse das ciôncias sociais pelo estudo do ccrpo. Desde o
seminal artigo de Marcel Mauss (20Ü3)e, cuja principal
contribuiçâo foi, sem dúvida, a de mostrar como o coryo'
ionge d.e ser um dado natural' era produto de um aprendi-
zado social e cultural, muitos cientistas sociais passaram
a problematizar e discutir as relações entre a sociedade
e o corpo. Mauss (2003) def;niu o conceito de técnicas do
corpo como o modo como âs pe§soas em diferentes contex-
tos culturais se seÍvem de seus corpús. Para e1e, o corpo é
o primeiro e mais natural instrumento do ser humano e a
ePtrblicado originalmente em 1936' no Journal dc Pslteh'ologie'
í:.
&l
fi
Seção VI r ESTADOS DA ARTE
arte utilização está associada à educação e à iml-
cle sua
tação. Â noção de habitus, presente no artigo de NÍaus*
e depois retrabaihada por Bcurdiett, remete a ideia Co
adquirido e sua variação é concebicla como resultado da
socialização a que estão submetidos os individuos. Nes-*e
processo, a sociedade inscreve-se no corpo, construindo a
sensibilidade, os gostos, as formas de vestir, os modos de
caminhar, comeÍ etc. Consequentemente, culturas dife'
rentes engendrarão diferentes técnicas do corpo. Maus*
inaugura assim um novo olhar sobre a corporeidade hu"
mana^ apreendida enquanto fenômeno social e cultural'
objeto de representaçôes e de simbolismo'
Em outro esluclo ciássico, a antropóloga britânica
I'lar1' Douglas (1976) mostÍa como o corpo, enquanlt
símbolo da sociedade, funciona como uI11 espeiho qu+
reflete as tensões sociais. Enquanto símbolo natural' e
iócus no qual são reproduzidos os poderes e perigos atri-
buídos à estrutura sociai, o corpo cumpÍe o duplo papti
de fonte de metáfora§ para a representação de e§trtltu-
ras sociais, ao mesmo tempo que serve como imagem d*
sociedade.
Yários estud.os etnogr:áficos têm mostrado, descle en'
tão, como as concepçôes de corpo, de seus limites e da
noção de pes§oa variam ern diferente§ culturas. O dua'
lismo mente/corpo ou corpo/espírito, tão naturalizado ::*
pensamento ocidental, não é encontrado em numerosa§
sociedades (Le Breton, 201i)' Em outras' a noção de
colpo não se restringe ao corpo físico ou biológico, as-
scci.ando-se a uma coacepção de pessoa mais holista *
relacional. Já a concepção de corpo dominante nas so-
ciedades ocidentais implica o "isolamen|o do sujeito en:
relaÇão aos otitros (uma estrutura social de tipo indivi-
dualista). em relação ao cosmo (as matérias-primas qu.
compõem o corpo não iêm qualquer correspondência en:
outra parte) e em relaçào a ele mesmo (ter um corpo
mais do que ser um corpo)" (te Breton, 2011: 9).
Estudos socioantropológicos, sobretudo, na pers'
peetiva fenomenológica, têm desenvolviclo uma no1:&
forma de abordar o corpo, deslocando o enfoque de se';
simbolismo e enfatizando o eorpo como base existencial
da cultura (Csordas. 1990). Csordas (1990), inspiraclr:r
em h{erleau-Ponty. propõe o paradigma da embodimeni
(corporificação) partindo do presscposto de que nossâ
existência no mundo é corporal e que o corpo não é urn
simplesmente objeto da cultura, mas um agente prod*'
tor cle sentidc. biessa perspectiva. corpo e subjetividad'l
estâo intimamente imbricados. Lio lugar do dualism*
corpo-consciência, temos o "cotpo vivido" que pas§a â s§r
pensado como sujeito da cultura, com capacidade ativa
de reconstruir esquemas cor?orâis e subjetividades.
Culto aa corpo na cantemporsneidade
lria coutemporaneidade' a preocupâção com â âp**
rência corporai e a disseminação de cuidados corn o c*r'
 . 581
Capítulo 38 Ciências Sociais em Saúde Coletiva
po é um fenômenc crescente. Cada vez mais mtllheres
e hosrens dedicam tet:rpo e recursos financeiros com o
objetivo de alterar as configurações anatômicas e estéti-
cas da forma fisica.
A ernergência do culto âo corpo contemporâneo está
intimartente ligada ao desenvolvimento da sociedade de
consumo, na qual o corpo tornou-se também um objeto
que pcde ser gerido como um capital (Courtine, 1995;
Goldemberg, 2006; Iriart eí ol., 2009)' conferindo poder
simbólico a seus detentores. Essa supervalorização do
invólucro corporal se refi.ete na proliferaçáo úo que Cour'
tine (1995) denominou técnicas de cuidado e gerencia-
mento rlos corpos, como dietas, jogging, musculação, gi-
násticas e cirurgias estéticas. Valtada para os cuidados
com o corpo, a chamada indústria da beleza movirnenta
bilhões de clólares ao redor do mundo.
O aumento do poder de influência dos meios de co-
municaçáo contribuiu na disseminação de valores e de
uodelos de corpos ideais com ênfase na beleza e na ju-
ventude como atributos de um corpo desejávei' A prin-
cipal mensagem disseminada por essa indústria é que,
à medicla que se adquirem e utilizam os produtos e ser-
viços adequados, o coÍpo se torna um bem atraente e
valorizado no mercado de trabaiho e da atração sexual
(Featherstone, 1995).
A busca de padrões ideais de corpo socialmente va-
lorizados tornou-se, no entanto, fonte de crescente insa-
tisfação e ansiedade. Na contertporaneidade, as pessoas
são convidad.as a exercer um constânte monitovarnento
de seus corpos em busca de imperfeições e a investir
tempo, energia e recursos flnanceiros na remodeiagem
de seus corpos. Dissemina-se a concepção de um corpo
p}ástico, senelo os indivíduos responsáveis por sua re-
construçáo, segundo os padrões estéticos dorninantes' O
corpo torna-se assim um acessório da pessoa' irnplica-
do ern urrra encenação de si (Le Breton, 2003)' Busca-se
cada vez mais a construção identitária na aparência cor-
poral, que deve passar a refletir a essência clo sujeito em
urn esforço constante de exteriorização da subjetividatle
(Le Breton, 2003). O discurso sobre o corpo per-feito está
permeado tarnbém por um discurso moral que classifica
os col'pos segundo os padrões valorizados soclalmente e
exclui aqueles que náo se ajustam às ncrmas ideais' a
exemplo dos ohesos, que são vistos como "desleixados" e
culpados por sua condição.
Novos objetos e desafios para as ciências
sociais em saúde
As transformações sociais associ.adas ao processo de
giobalização e o crescente desenvolvimento tecnológico
levam à emergência de novos objetos de estudos para
as CSS (Iriart & Caprara, 201i). Em um mundo globa-
lizado, no qual processos políticos, econômicos e demo-
gráÊcos transcendem as fronteiras geográficas com im-
pactos transnacionais, os probiemas de saúde assurneln
também uma dirnensào global. Doenças infecciosas, a
exemplo do qu.e aconteceu com a AIDS, a glipe aviária
ou a SARS, podem se disseminar rapidamente por vários
países do mundo, c{emandando ações que u}trapassarn o
níve1 1acal. O mestno vale para problemas emergentes,
como âs rnudanças climáticas giolrais, as ameaças de
bioterrorismo, o comércio internacional de órgãos ou a
poluição, que atravessam as fronteiras nacionais'
Iiovas formas de sociabilidade e de subjetivação
surgem cotn â rápida disseminação e popularização da
internet. A intensificação do fluxo de pessoa§' de infor-
mações e intercâmbios culturais produz tensões entre
processos globais e identidades socioculturais locais
flÁhitefortl & Manclerson, 2000)' Nesse contexto, as ciên-
cias sociais têm um papel importante na reflexão e aná-
lise dessas transformações sociais e sell impacto sobre a
saúde, ievando em conta as interações cornplexas existen-
tes entíe as culturas, sistetnas econômicos' organizações
políticas e a ecoiogia do planeta (Iriart & Caprara, 2011)'
No campo da inovação tecnológica, os avarrços da
biologia molecular, cla genômicâ e dâs hiotecnologias
prometem transfornrar radicalmente o modo como pen-
samos o corpo. a saúcle e a doença, suscitando também
importantes questões éticas que devem ser objeto de re-
flexão d.os cientistas sociais em saúde'
O desenvolvimenlo da engenharia genética, ao me§-
mo tempo que aporta fantásticas promessas utópicas'
traz também o temor do surgimento de novas desigualda-
des sociais, o risco do retorno do fantasma da eugenia em
projetos de aprimoramento da espécie humana' a cons-
tituição de novos dispositivos rie biopoder e o perigo do
esfacelamento das fronteiras entre as diferentes {ormas
cle vida nos proce§sos de transmutações gônicas (Sibilia,
?003; Iriart & Caprara, 201 1)- A nova genética abre a pos-
sibilidade de uma evolução artificial ou evolução pós-bio-
iógica em que novas espécies, organismcs geneticamente
modificados, tanto vegetâis como animais, são criados
artificial:nente em um mercado florescente que registra
intensa concentração de capitais (Sibilia' 2003)'
As terapias genéticas ttazem no horizonte a perspec-
tiva de uma medicina preditiva e personaiizada que pro-
mete diagnosticar a enfermidade antes de sua aparição'
suscitando importantes transfarmações em nossâ concep-
reificação
ção de saúde e de áoença. Em um processo de
do risco genético, que pâssa a ser visto como â própria
doença, suÍge umâ nova categoria social, a dos pacientes
potenciais ou doentes pré-sintomáticos (Sfez, 1996)'
O olhar das clências sociais mostra que as tecnologias
não sâo neutras, mas estão permeadas porinteresses so-
ciais, políticos e econômicos subjacentes à sua produção'
Nesse contexto, as ciências sociais têm um papel impor-
tante tânto no desvelamento dos fatores mâcroestrutu-

rais, e nas relaçôes de poder e de dominação associadas
à produção e à implementação das novas biotecnologias,
como rra compreensão de suas repercussôes na vida dos
sujeitos, fazendo emergir o saber local' os dilemas éticos
e a experiência dos inclivíduos e rlas comunidacles que
estão divetamente afetados pelas inovações tecnológicas
(Lock & Nguyen, 2010; Iriart & Caprara' 2011)'
C0NSIDERAçOES FINAIS
Relação médico-paciente, profissãc, processo de es-
pecialização e tecnificação do trabalho em saiide' insti-
tucionaiização dos cuidados em saúde, modelos expiica-
tivos cio processo saúde-cloença, deterrrinaçâo social da
prá-
saúde, políticas de saúrle e organização social das
pelas
ticas em saúde são alguns dos temas aboldados
CSS. Diversos qttadros teórico-metodológicos fornecem
parârnetros parâ as investigaçÕes em CSS, ainda que
po..".rro. falar em grandes abordagens' algumas das
quais procuramo§ aqui apresentar' Não privilegiamos
os âspectos metodológicos, nem procuramos apresentâr
o processo de institucionalização das CS§, em termos
de
suas práticas científicas e de ensino' Optamos por situar
contextos e questôes fundamentais das CSS, identifican-
do contribuições para o carnpo da Saúde Caletiva' Fei-
to esse percurso, sobressai a valiosa contribuição desse
eixo fundante da Saúde Coletiva brasileira para a âbor-
dagem da saúde como produto e constructo histórico'
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