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Capítulo—J/

Eseola Aniorclaçacla
Compromisso do psicólogo
com este contexto1

Raquel Souza Lobo Guzzo

Introdução
É inegável o papel da Educação na constituição das pessoas e
organização da sociedade. No entanto, este processo pode tomar
diferentes direçoes, dependendo das concepções de Homem e de
õ Mundo assumidas e que, por isso, orientam a maneira de viver. Há uma
vocação ontológica para o Homem, enquanto sujeito que opera e
transforma o mundo (Freire, 1973). Enquanto sujeito de sua própria
história espera-se dele uma maneira única de crescer e se desenvolver,
especialmente pautada pela noção clara da necessidade de sua
completude pelo e com o outro em processos de interação.
Esta ideia apresenta-se imersa em um cenário social no qual,
como um ser incompleto, o Homem só pode vir a se completar com
outros. Para isso, é preciso que tenha consciência, ou seja, que
reconheça a importância desta afirmação implicada nas mais
diversas formas de relação com os outros. As pessoas se constituem
em relação com os outros.
Nesta circunstância de interação é que o processo educativo
ocorre. E hoje, a cada dia mais, as relações entre as pessoas estão
refletindo a coisifícação do outro em diferentes contextos, o que
1. Projeto Financiado pelo Cnpq.
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Escola Amordaçada

tem mostrado o quanto as pessoas têm consciência sobre o papel do longe de ser alcançado em comunidades marginalizadas. E o cotidiano
outro em sua constituição pessoal e forma de viver. da escola pública demonstra bem isto constitui-se em um cenário da
Diferentes aspectos da convivência social têm impacto sobre mais explícita forma de exclusão social. H o que é pior uma exclusão
as pessoas. A desigualdade nas relações sociais, a violação dos no discurso da inclusão. Enquanto na década de 1980 a evasão e a
direitos fundamentais, por exemplo, deixam marcas. A cada dia, reprovação retratavam a exclusão do sistema educacional, hoje, com
pessoas decidem umas pelas outras e assumem em seu cotidiano de estatísticas que anunciam o ingresso para quase todas as crianças na
foi ma autoritária estilos de vida, e necessidades são forjadas, no escola, a redução do analfabetismo e da reprovação (INEP, 2003), a
â m b i t o de um processo invisível de contaminação ideológica. As situação parece mais perversa — inclui-se para excluir.
marcas desta forma de vida se propagam como uma epidemia, A Educação poderia ter o papel de romper este ciclo, se
reproduzindo uni cenário de violência e opressão, injustiças e assumisse promover condições para uma transformação na ordem
exploração das pessoas entre si nos mais diferentes contextos. É a social vivendo em seu cotidiano a igualdade entre as pessoas, a
loi ma de viver produzida sob a égide do capitalismo. convivência respeitosa, justa e a importância que cada um tem na
( ) propósito deste capítulo é refletir sobre a escola e o processo formação de um coletivo.
educativo imersos em uma sociedade capitalista, especialmente pelo Uma sociedade alternativa que valorize as ideias do bem
olhar da psicologia. A civilização capitalista ocidental, em sua forma comum, o interesse público, os direitos universais, a gratuidade;
aluai, cria valores que permeiam as relações sociais, a cultura e a que responda às aspirações da humanidade a uma nova forma de
educação corno um todo. O Capital e o Mercado constituem-se na vida, livre, igualitária, democrática e solidária pode ser construída
estrutura (uiulantc deste regime. Neste regime, quem tem mais vale por diferentes formas, entre elas, a presença revolucionária do
mais, quem não tem nada, não vale nada. O capitalismo mercantilizou processo educativo libertador e não domesticador.
a vida humana, li esta lógica é expandida para todos os setores da vida Educação tal como nos ensina Paulo Freire (1973) é um
humana. Kondcr (2000, p. 9) ilustra bem esta situação quando diz: "que-fazer humano", portanto, ocorre em um tempo e um espaço, entre
i lido rende a se? transformar em mercadoria, passando a as pessoas, umas com as outras. Diante disso é imprescindível que, ao
sec mensurável, a ter um preço, a se traduzir numa cifra. se pensar no processo educativo, possa se ter claro o lugar do homem
( "ria••',(' u n i movimento que cresce e lança em competição neste mundo, para se adaptar a ele (homem enquanto objetp) ou
todos contra todos. Os indivíduos são envolvidos numa transformá-lo (enquanto sujeito). Em todos os espaços de convivência
disputa ilimitada p a r a que se definam os "vitoriosos" (os humana pode ocorrer um processo educativo, no entanto, este capítulo
w/nncrs) e os "perdedores" (os loosers). Essa disputa mobiliza focaliza o espaço da escola como um espaço de educação.
os sujeitos, exige deles que sejam indivíduos autónomos, Viver o cotidiano da escola tem sido viver o desalento de um
i -li //>M•<•/;</<•(/o/•<", <• í om/H'f/7/Vo.v processo adaptativo e domesticador em relação ao mundo. Pouco se
Não i m p o r i a o que pensam ou sentem as pessoas que vivem
conhece acerca das crianças que a frequentam. Pouco se faz pelas
este s i s t e m a . A e i v i l i x a e a » > d o d i n h e i r o e do c a p i t a l t r a n s f o r m a t u d o possibilidades de transformação coletiva e individual, enfim,
em mercadoria e neste m n f e x í o as relações se subvertem. A tem-se a visão de um imenso espaço onde as pessoas não aparecem
i i u - r e a d o r i a se reveste de. v a l o r c a pessoa perde a importância como sujeitos e, portanto, não se pode transformar.
passa a ser considerada, somente na medida em que possui bens. No nível da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, a escola
l i s t a situação rellete se de forma muito intensa no contexto da tem sido uma instância reprodutora da ideologia dominante; lugar onde
escola, í Yianças são excluídas ou rejeitadas em sua pobreza, sua forma prevalece a negligência política observada pelo imenso número de
t. i e. :ic vestir, seu espaço de morar ou viver, seu jeito de agir, falar ou crianças sem saber ler ou escrever; o abandono das estruturas
mesmo sentir. O padrão idealizado pela civilização do dinheiro está educacionais, especialmente nas condições físicas do espaço escolar e
onde podem ser vistas de forma clara as consequências de políticas
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neoliberais, que deixam a qualidade do ensino ao sabor cio vento relações profcssor-aluno e a escola com sua prática consegue anular,
mercadológico. dcsvalori/.ar, ignorar a realidade; em que crianças e adolescentes
Neste sistema educacional, em que escolas públicas (municipais vivem, l Ini enorme abismo se interpõe entre o processo educacional
e estaduais) continuam reproduzindo o processo de dominação da classe (dado pela escola) c a vida cotidiana (das crianças).
dominante sobre as massas pobres, enquanto que escolas particulares Da leitura de Gentili (1998) e Gentili e Alencar (2003)
são voltadas para os interesses de sustentação de uma elite económica, depreende-se a preocupação por um tempo de desencanto, que já dá
estão fincadas as fortes e profundas raízes da desigualdade social. mostras de um estado de paralisação, o qual somente contribui para
Há anos, vivo o interior da escola brasileira procurando, como agravar as desigualdades sociais, o pragmatismo como justificativa
profissional de .psicologia, compreender as possibilidades de para o conformismo, o ceticismo e a aceitação fatalista da realidade.
transformação radical da sociedade por meio de um processo No trabalho com professoras de primeira à quarta série em
educativo que vise ao desenvolvimento da autonomia, emancipação c i u ( n i t r o s semanais de discussão, é surpreendente observar a
c libertação, necessárias a qualquer processo de mudança social. distância que existe entre as duas classes sociais tão bem expostas
O contato direto, sobretudo com Instituições Públicas de nu relação do professor com o aluno. A distância é marcada por
Educação Infantil e de Ensino Fundamental, tem me chamado a contrastes tão fortes, que professores têm medo de seus alunos, de
atenção por diferentes formas. A mais recente tem sido a figura de uma suas famílias, ao mesmo tempo em que esperam deles que pensem e
escola que não se posiciona, que não reage, que não desperta para sua que vivam de acordo com valores que são expressões da classe
importância como espaço de libertação e conscientização, de dominante. Crianças "limpinhas", bem alimentadas, com o
revolução e emancipação, de crescimento e de vida — uma escola material escolar cuidado, lições de casa realizadas com sucesso,
amordaçada que se imobiliza diante da realidade sem conseguir buscar que facilmente obedecem a ordens, que se respeitam e os seus
caminhos para sua superação. Uma escola em que a alienação se professores, que falam baixo de forma delicada, atenciosa e
manifesta sob diferentes formas. Cindida da comunidade onde está amigável, que confiam nas pessoas, que não roubam, não agridem e
inserida, distante da população, a escola fica à mercê de práticas muitas prestam atenção em tudo que a professora fala, que têm pais e mães
vezes reacionárias de seus agentes. Neste espaço educativo, disponíveis e amistosos, são algumas das expectativas idealizadas
professores e funcionários temem descortinar a vida das crianças que a para aqueles que estudam nas escolas públicas.
frequentam para°não se comprometerem com sua realidade, com a No contato com as professoras, fica denunciada esta distancia e a
qual não se sentem capazes de lidar. Assim, mesmo vivendo uma resistência à sua superação, como se pode ver no depoimento de uma
rotina sem sentido para grande parte das crianças na escola — expressa delas, professora de primeira série, quando anuncia no grupo de
pela prática pedagógica descontextualizada e impregnada da ideologia discussão, que ao terminar o dia enquanto sai da escola inicia consigo
dominante - os professores procuram formas alternativas de superar o mesma, um processo de total esquecimento e desligamento de tijdo o
mal-estar e descontentamento e acabam por exercer a autoridade e a que tinha visto e ouvido naquele contexto para poder conseguir viver a
violência, reproduzindo as relações desumanizadas presentes na própria vida. Ao mesmo tempo que não conhecia e nem podia imaginar
sociedade. Instala-se um ciclo de difícil rompimento e de perigosas como viviam as crianças que estavam em sua classe, tentava fazer o
ramificações. Sem assumir responsabilidades pelos problemas melhor para elas no espaço da sala de aula e procurava pensar que não
causados, a escola encaminha para diferentes setores da sociedade podia fazer mais nada além de ser "boa professora". Este depoimento
aquilo que deveria ser objeto de sua própria reflexão e intervenção. mostra o quanto é penoso para o professor, cotidianamente, sentir-se
Com isso, em vez de espaço que fomenta o pensamento impotente diante de crianças com quem mantém um vínculo educativo e
humano passa a ser um campo de batalhas (Aquino, 1998), que no algumas vezes, afetivo.
cotidiano se concretiza em mecanismos de violência simbólica e Em outro espaço educativo, em uma reunião de planejamento
institucionalizada. As desigualdades sociais se reproduzem nas pedagógico, um ex-aluno de 15 anos, entra armado e alcoolizado na
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sala para roubar um carro. Todos o reconhecem.e se paralisam diante e para o respeito pelo desenvolvimento daqueles que estão vivendo o
da situação, pois este aluno passou pela escola assim como seus irmãos processo de escolarização. A ação do psicólogo é política, na medida
e depois de sucessivos fracassos, acabou tomando outro caminho. Ao em que deve influenciar mudanças cm seu contexto de trabalho. Fica
refletirmos sobre Q ocorrido, novamente a escola nas pessoas de seus clara esta dificuldade na manifestação contundente de uma professo-
professores mostra-se impotente diante da ameaça constante e ra do ensino fundamental, mais especificamente da segunda série, di-
ostensiva do tráfico, especialmente contra as crianças — "há muitas ante da queixa de que seu aluno não presta atenção, não tem interesse
crianças ameaçadas pelo tráfico, mas ninguém podefazer nada ", fala em aprender, falta à aula, é inquieto, desrespeitoso das regras na sala
uma professora. de aula, que, responde a pergunta do psicólogo sobre se ela compre-
Mesmo refletindo sobre o que acontece na realidade, poucos endia o que este menino estava vivendo, com a seguinte exclamação:
conseguem transformar a rotina em um espaço de significado para "M7o quero nem saber... ele tem que me respeitar!".
estas crianças - currículos estéreis, tarefas burocráticas mantêm um A situação na escola pública está insustentável. Talvez por
"que fazer" que justifica um processo educativo, completainente isso, torna-se imperativo a busca por fornias de compreendê-la com
alienador. As inúmeras possibilidades de reflexões sobre alternativas novas referências que passam por um olhar ético e político, com-
que possam lidar jcom um cotidiano violento e injusto parecem não prometido com mudanças verdadeiras e não apenas sustentadoras
conseguir mobilizar a direção e professores, na tentativa de romperem da situação. É como se se tivesse chegado a um limite, em que todos
com uma postura que mantém a dinâmica da escola e acabam por ali não conseguem mais deixar de sentir um desejo de mudança. Só
reproduzir a rotina de sempre, excludente e violentadora. que para mudar é preciso um processo intenso de conscientização,
Diante de um fato social e político de grande intensidade, uni sobretudo, compreendendo como as políticas sociais e a ideologia
currículo a ser cumprido parece ser a única experiência importante que a dominante afetam o cotidiano de uma comunidade, com a qual a es-
escola deve proporcionar. Iniciativas de mudança ocorrem quase cola tem que lidar.
Dsempre, de forma isolada, sem reconhecimento e apoio da própria Ao discutir o impacto das políticas neoliberais sobre a
estrutura de poder do Estado. Sem refletir sobre o que acontece, sem Educação, Gentili (1998) apresenta o cenário da escola pública
propor mudanças na qualidade das relações neste espaço, cada vez mais brasileira e mostra que é preciso reagir, não apenas no sentido de
as crianças fracassam e a escola fica amordaçada diante da realidade — mudanças estruturais e de funcionamento dos sistemas escolares,
não diz mais nada, não faz mais nada, entrega-se ao silêncio de quem é mas principalmente, no de transformações radicais relacionadas
cúmplice e deixa um enorme número de crianças e adolescentes aos sentidos construídos e atribuídos à Educação, como prática
viverem uma injustiça sem precedentes. Um exemplo deste cenário é a política. A escola e o sistema educacional são uma parte da vida que
pergunta que ecoa no espaço educativo de uma professora de pré-escola: produzem um conjunto de políticas voltadas para a alienação e a
"Fui professora de todos os bandidos deste bairro... de que serviu minha perda de autonomia em grande parte da população.
prática pedagógica, o que valeu a escola para eles? " As políticas neoliberais estão tendo um efeito devastador na
A presença do psicólogo neste contexto pode ser considerada vida cotidiana e não se aperceber disso é no mínimo viver fugindo
de duas formas: ou se posiciona como um profissional a mais para re- da realidade. O desalento e a desesperança tomam conta de admi-
produzir as desigualdades, a violência e a exclusão social entendendo nistradores c professores, quando não a alienação e o fatalismo ma-
a criança como responsável pelo seu próprio fracasso e trabalhando nifestos principalmente na total descrença de que é possível rfvudar
para a manutenção da escola instituída pela classe dominante, ou pro- alguma coisa no cotidiano daquelas crianças e, por consequência,
cura pelo diálogo, pela reflexão e pela intervenção descortinar o que na comunidade em que vivem.
consiste a vida hoje para tantos e, especialmente, para professores da Participar da Escola Pública é encarar um espaço dinâmico
redr pública, descobrir formas de tomar a escola um espaço para o cheio de imprevistos e de realizações, mas é também estar em meio a
exercício de liberdade e autonomia, para a expressão de sentimentos um terrorismo político, especialmente, para aqueles que se alimentam
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da utopia, a qual incita as práticas humanas e impede a história de se Uma segunda consequência foi denominada pelo autor como
congelar nos fatos atuais (Boff, 2002). De forma realista, compreender polarização social c é próxima da primeira, ou seja, a vida passa a ser
a escola a partir do terrorismo político que recai sobre ela é uma tarefa dirigida por esquemas morais que classificam todas coisas, eventos e
desafiadora e crítica. pessoas, cm bons ou maus, de acordo com os esquemas e valores
Martín-Baró (2003), analisando as consequências psicológicas dominantes. A escola pode contribuir para a polarização social
t li) terrorismo político, chama a atenção para dimensões diferentes deste enquanto espaço ideológico de desigualdades - há os que aprendem e
fenómeno. Para o autor, terrorismo político pode ser entendido como os que não aprendem, os bons e os maus estudantes, as.boas e más
uma série de fatos extraordinários ou ordinários e cotidianos, cujas famílias, as boas (as particulares) e as más escolas (as públicas)
consequências «têm efeitos sobre indivíduos e comunidades. As impregnando o discurso e as posições sociais.
dimensões de um ato terrorista podem ser consideradas a partir de três Em decorrência disso, como uma terceira consequência, há o
categorias: uma refere-se a indivíduos ou grupos isolados que enfraquecimento da autonomia pessoal e da confiança em si mesmo. A
desencadeiam atos terroristas representando interesses especiais; uma vida social transforma-se em um jogo em que as pessoas têm de
segunda relaciona-se a uma série de eventos que podem ser vistos como aparentar o que não são para serem aceitas, ou precisam aprender a
extraordinários ou cotidianos, dependendo de como as informações são decifrai- como se apresentar diante dos outros para não terem problemas.
veiculadas pela mídia; uma terceira que examina as consequências do Neste jogo, perde-se a originalidade, a espontaneidade, a criatividade.
terrorismo para os indivíduos e para as comunidades. Mesmo Não se pensa mais em capacidades ou iniciativas próprias, vale a ação
l
circunstanciados! por uma guerra, as reflexões do autor me estimularam conforme o esperado ou exigido. Divergir é perigoso. Aqui a escola
a analisar as mesmas dimensões por ele apresentadas, tomando como novamente tem de sobra a manifestação desta terceira consequência. O
referência a situação da escola no Brasil e o cotidiano que atemoriza, que fracasso dos estudantes para. aprender, as formas agressivas de se
adoece, que exclui, que paralisa, mesmo dentro de um equipamento do relacionar neste espaço e, mais do que isso, a incapacidade de diálogo e
estado. Entendo q descaso com a educação como um ato terrorista e por escuta que tornam as relações autoritárias neste espaço, são exemplos
isso reflito sobre suas consequências utilizando-me do referencial desta terceira consequência do terrorismo político.
político apresentado por Martín-Baró. A última consequência apresentada por Martín-Baró
Estas consequências aparecem de diferentes formas, seja por refere-se à desvalorização da vida humana. A vida humana perde o
psicopatologias individuais seja por gerar na população um estado valor. A convivência contínua com a morte e a negligência social
D de pânico ou terror psicológico que pode ser expresso por um medo passam a ser rotina e ninguém mais se importa com o que acontece.
interiorizado, pela paralisação e desesperança, especialmente, Infelizmente, exemplos vivos de desvalorização dos estudantes e
quando se relaciona a um projeto político que não leva em conside- suas famílias estão presentes na dinâmica da escola. E pouco se
ração as suas necessidades. Com isso, manifestam-se os diferentes sabe sobre o impacto que isso traz para as crianças em seu processo
modos de alienação. de desenvolvimento como pessoa e cidadã.
Uma das primeiras consequências psicossociais deste estado é De forma análoga, olhamos para a situação brasileira que,
a que o autor denomina de "rigidez do marco geral de referência para paulatinamente, caminha para um quadro psicossocial em que estão '
° a vida social" — as pessoas não se sentem livres para viver, o que só presentes estas consequências, apontadas por Martín-Baró. É neste
faz aumentar os estereótipos sociais. Criar e manter estereótipos é um contexto que o Psicólogo precisa atuar, olhando para o cenário e sua
caminho para a paralisação e o conformismo — contexto especial para dinâmica. Não sendo formado para atuar nestes contextos, aqueles
a dominação e a opressão. A escola está repleta de estereótipos que psicólogos que escolhem este espaço de trabalho para buscar uma
transparecem nas relações entre estudantes ou de estudantes c seus forma de transformar o que está posto sentem-se impotentes, sem
professores e equipe da escola. Está paralisada em sua autonomia perceberem sentido ein uma forma tradicional de intervenção, pois
educativa. sua prática se mantém fundamentada em uma ideologia que provoca
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e mantém o cenário da dominação e violência, cujas consequências Transformar a realidade passa a constituir a principal proposta
traduzem-se na culpa da criança e sua família e no consequente e da Psicologia tia Libertação, especialmente porque assume como
esperado fracasso escolar. Quando se critica esta situação, o objetivo a capacidade de ação de cada pessoa sobre a dinâmica de
psicólogo não busca fundamentos teóricos e práticos que sustentem a suas vidas na busca de dignidade, sempre associadas ao bem-estar
ruptura com o modelo de intervenção dominante e que proponham, coletivo. A miséria e as desigualdades são incompatíveis com o bem
de forma concreta e comprometida, a compreensão e a solução para estar de um coletivo e a psicologia da libertação se propõe a refletir
os problemas ali tão evidentes.
sobre esta realidade e denunciá-la, mais do que tentar assimilá-la,
A relação entre a psicologia escolar, a conscientização c a
incorporando às pessoas as responsabilidades sobre a situação. Para
educação libertadora pode resultar em um modelo de intervenção para
Martín-Baró, trata-se de dispor o conhecimento psicológico a serviço
0 compromisso profissional com uma transformação do espaço
educativo. Algumas situações concretas no trabalho com as escolas da construção de uma sociedade, em que o bem-estar de uns poucos
evidenciam como estes espaços estão distantes de serem lugar de não se assente sobre o mal-estar, a tragédia na vida dos demais; em
emancipação e libertação e o quanto a imagem do psicólogo nestes que a realização de uns não requeira a negação da dos outros; em que
contextos é a de um profissional que "atende crianças problemas". o interesse de poucos não exija a desumanização de todos.
Ao se fafor em libertação é preciso retomar aqui alguns elementos A vida pode ser compreendida como uma sucessão de ações
essenciais para a compreensão deste processo. Libertação é aqui e experiências de sentido e coerência que se estabelecem de acordo
entendida corho um processo comprometido com o tomar o Homem com os valores que norteiam as ações no mundo, para as cfftais
sujeito de sua própria história - alguém que sabe decidir, escolher, devemos nos voltar conscientes e ativos, reconhecendo o que cada
persistir e lutar pior condições essencialmente dignas para sua vida. elemento do cotidiano tem e traz para desenvolvimento. A situação
Se a essência humana depende menos de seu funcionamento social do mundo está ameaçando o futuro de toda a vida. Isto pode
biológico e mais da qualidade das relações sociais que desenvolve parecer muito óbvio, mas é preciso que seja assim? Esta pergunta
no cotidiano, então, para se viver bem e de um modo saudável, é nos leva a refletir, que as pessoas, de maneira perigosa, iludem-se
preciso que sejam construídas possibilidades de humanização das ignorando aquilo que está em seu caminho como se fosse óbvio e,
relações em espaços de vida, favorecendo pessoas e grupos em uma por isso, natural. É preciso ver dentro e através da realidade,
determinada sociedade. desnaturalizando a história.
Martín-Baró (1998) nesta perspectiva apresenta a psicologia O compromisso ético e político do psicólogo, quando atua
da libertação como um chamado à ação, um desafio para o desenvol- em contextos educacionais, passa a ser o bem-estar daqueles que
vimento de uma prática e uma teoria, que têm como base experiênci- estão envolvidos em diferentes partes da comunidade. A escola
as < ! < • comunidades locais em que o psicólogo trabalha. deve ser entendida como um dos espaços comunitários e por esta
Na busca por caminhos para compreender o processo de razão destaca-se a necessidade do trabalho em redes de integração
transformação pessoal c de contextos específicos e contribuir com ele,
que sejam construídas nos diferentes sistemas onde as pessoas se
im;,, piolissionais di' psicologia, deírontamo-nos com um conjunto de
desenvolvem e vivem a escola, a família c outras instituições
! < - ( > i i . r , i- miei vr.nrors c|ne nem sempre respondem às demandas de
ii.msloi mai;ao da lealidadc específica com que trabalhamos. Neste sociais, ao mesmo tempo que se recobra a memória histórica
sei i l i d o , a psiei )lo!' ia da libertação oferece a possibilidade cie daqueles que são vítimas da opressão (Martín-Baró, 1996).
i|iiesiionamcnlo e r i í t i c a do que ocorre, estabelecendo compromissos A conscientização se caracteriza, portanto, por um processo
1 om nina movimentação popular na direção de uma maior autonomia de transformação pessoal e social vivido por quem é oprimido na
e |n:ispectivas concretas de decisão e escolha da própria vida. descoberta de sua realidade. É mais do que uma mudança de opinião
sobre a realidade, é a mudança na forma de se relacionar no mundo.
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Para Martín-Baró (1996) a conscientização deve ver o horizonte da Referências


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preserva o foco no pessoal sem contudo se considerar oposto ou Boff, L. (2002). Fitndamentalismo: A globalização c o futuro da humanidade. Rio
estranho ao social. O pessoal aqui é.o correlato dialético do social e, de Janeiro: Sextante. ' s
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Petrópolis: Vozes.
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este processo de conscientização requer do psicólogo uma resposta Brasil- 1990/2000. Brasília: INEP.
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ajudar a descobrir meios de substituir ações violentas por formas mais (pp. 259-285). Madrid: Trotta.
racionais de se agir; e contribuir para a formação de uma identidade
coletiva que responda à realidade. Por isso, precisam repensar sua
imagem, enquanto profissionais que cuidam de crianças-problema,
precisam assumir a perspectiva da maioria da população e, por fim,
precisam assumir uma escolha radical entre a acomodação a um
sistema social que beneficia poucos e a crítica confrontação em favor
daqueles que são a maioria.
Para uma educação problematizadora, o importante segundo
Freire (1997) está em que as pessoas submetidas à dominação lutem
por sua emancipação. Esta é a razão por que esta forma de compre-
ender e agir neste processo não pode servir ao opressor, pois nenhu-
ma ordem opressora suportaria que os oprimidos todos pa.v;;iv;< M n a dizer
- por quê? (p. 78).

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