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Cpe a~ ~ M-~.’)
EM P0WERMENT A TRAJECTÓRIA 33
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primazia da política para proteger os interesses do povo, especi3jjxiatíe dos
inovação”. Mas, tal como vimos no capítulo 1, a periferia do mundo com sectores disempowered, das mulheres e das gerações futur~~.as≤êíites no espa
preende talvez 60% da população mundial. Este é o verdadeiro drama ao 1o de vida da localidade, região e nação.
qual o desenvolvimento alternativo responde. Embora um desenvolvimento altern~yo1~a inicialmente baseado em
Os quatro domínios da prática social têm relações tradicionais umas localidades particulares, o seu obj~tiv< alongo prazo é transformar a totali
com as outras. No Ocidente, ao longo dos últimos 200 anos, o poder ter~-se dade da sociedade através dj.acçao política aos níveis nacional e internacio
vindo a acumular no eixo vertical a-a’ da figura 2.2, ligando o estado cjm a nal. Sem este sal~ualif&tivo do local pora o global, o desenvolvimento
economia empresarial~ largamente a expensas do poder ao longo d/ eixo alternativo c~ptinuará encapsulado dentro de um sistema de poder altamen
horizontal b-b’, que liga a sociedade civil à comunidade politica. A hVtória de te r~jiti< incapaz de progredir em direcção ao genuíno desenvolvimento
resistência civil contada na secção anterior pode portanto ser vista como p9íte de uma qae procura.
lenta recuperaçio do poder político e social pelos grupos domésticos, ass/ciações civis
e movimentos sociais. A autonomia estatal é desafiada por reiv,ifidicações de
soberania dos cidadãos. Por estranho que pareça, a teoria dg/contrato social Empowerment
de Locke, Montesquieu e Rousseau, de acordo com o qóe o estado tem
ultimamente prestado contas ao povo organizado como /omunidade políti Um desenvolvimento alternativo centra-se no povo e no seu ambiente, ao
ca, tem sido ressuscitada em lugares onde este funda9~nto é virtualmente invés de se centrar na produção e nos lucros. E quando o paradigma da
desconhecido, acompanhada de novas reivindicaçõef de governação parti dominação aborda a questão do crescimento económico da perspectiva da
cipada. / empresa, que é o fundamento da economia neoclássica, ao mesmo tempo um
Aquilo a que chamei de processo de excj4são virtual dos poderes desenvolvimento alternativo, baseado como tem que ser, nos espaços de vida
económico e político pode agora ser melhor coiwreendido como um proces da sociedade civil, aborda a questão de uma melhoria das condições de vida
so histórico de disempowertfleflt sistemático. extremo, o disempowerment e de existência da perspectiva doméstica.
toma a forma de uma ditadura, apoiada 7elo poder militar que fecha a A ciência económica opera com um modelo de homo ieconomicus, com
comunidade política, impõe controlos rigorosos a movimentos sociais e tenta preendido como um ser racional, que maximiza a utilidade, com uni cálculo
infiltrar-se e subornar associações civisØ todos os tipos. Utiliza-se a intimi moral integrado: este cálculo diz-lhe que o que quer que promova o interesse
dação pelo estado para minar a acção,,colectiva dos cidadãos. material de cada um aumenta o interesse de todos os indivíduos no seu
Sob a redemocratiZação, são le,vantadas algumas ou todas as restrições conjunto, desde que as suas acções sejam governadas pelas regras da com
políticas, a regra da lei é reinstit~í4a e a vida civil normal é retomada. Ao petição de mercado.
mesmo tempo, multiplicam-sejOs movimentos de protesto, reclama-se o O ponto de partida do desenvolvimento alternativo é muito diferente.
poder político em nome da so5iédade civil e as margens da liberdade de acção As unidades domésticas são compostas por pessoas naturais isto é, por

pelo estado e pelas empres,s são reduzidas. seres humanos morais e tridimensionais que, desde que nascem, estão em
Este drama ocorre? todas as escalas territoriais. No entanto, é de interacção dinâmica uns com os outros. Como seres morais, todos nós temos
particular interesse par/um desenvolvimento alternativo, pelo menos mi certas obrigações: competimos, mas somos também capazes de aprender a
cialmente, a escala locØ, que é o terreno privilegiado dos sectores disempowe trabalhar juntos; relacionamo-nos uns com os outros, de acordo com um
red. Aqui, a luta envplve a redefinição dos papéis entre o estado e a sociedade complexo código moral, no ‘qual muitas das nossas respostas são cultural-
civil e a sociedadelivil e a economia empresarial, com atenção especial dada mente padronizadas; como seres morais, temos não apenas vontades ou
às novas formas/e participação política no planeamento~ acção comunitária, desejos, mas também necessidades, entre as quais as psicossociais de afecto,
organização e,conómica e relações de género nas comunidades doméstica e auto-expressão e estima, que não estão disponíveis como bens~ mas que
política. / surgem.directamente do contacto humano.
Mais importante ainda é que um desenvolvimento alternativo envolve A unidade doméstica pode ser definida como um grupo residencial de
um pro9esso de empowermeflt social e político cujo objectivo a longa prazo é pessoas vivendo sob o mesmo tecto e comendo da mesma panela.13 Cada
reequitibrar a estrutura de poder na sociedade, tornando a acção do estado
mais sujeita a prestação de contas, aumentando os poderes da sociedade civil Para uma discussão mais aprofundada acerca do conceito de casa, com citações da
na gestão dos seus próprios assuntos e tornando o negócio empresarial literatura relevante, vide capitulo 3.
socialmente mais responsável. Um desenvolvimento alternativo consiste na
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unidade doméstica constitui uma política e uma economia em miniatura; é larmente as que afectam o seu futuro como indivíduos.’4 O poder político
a unidade elementar da sociedade civil. As pessoas que residem numa não é portanto apenas o poder de votar; é também o poder da voz e da acção
unidade doméstica podem estar ou não ligadas por laços de sangue. As colectivas. Embora os indivíduos possam participar na política numa base
famílias verdadeiras incluem parentes que podem viver em unidades domés pessoal, a sua voz levanta-se não apenasem assembleias locais mas também,
ticas parcialniente dispersas mas que se mantêm ligadas entre si por padrões e talvez mais eficazmente, quando se mistura com as muitas vozes de
de obrigação mútua. associações políticas maiores — um partido, um movimento social ou um
Cada unidade doméstica empreende um processo diário de tomadas grupo de interesses, como um sindicato de trabalhadores ou agricultores.
de decisão conjuntas. Esta forma conjunta de decidir pode ser cristalizada O poder psicológico, finalmente, descreve-se melhor como uma percep
numa divisão tradicional de trabalho por género e idade, ou ser mais ou ção individual de força. Onde está presente manifesta-se num comportamen
menos aberta e conflituosa. O que é importante para os nossos objectivos to de autoconfiança. O empowennent psicológico é, muitas vezes, o resultado
neste trabalho é que as unidades domésticas produzem colectivamente as de uma acção vitoriosa nos domínios social ou político, embora possa tam
próprias vidas e meios de vida: são essencialmente produtivas e pró-activas. bém resultar de trabalho intersubjectivo. Um sentimento aumentado de força
Entender estas unidades domésticas como economias contrasta com o mo pessoal terá eteitos recursivos positivos na luta continuada da unidade
delo da teoria neoclássica para a qual a produção tem tipicamente lugar fora doméstica pelo aumento dos seus poderes social e político efectivos.
da casa, na fábrica, no campo ou no escritório. A unidade doméstica é tratada Como processo central, um desenvolvimento alternativo visa o empo
como uma unidade de consumo, para onde os trabalhadores regressam à werment da~ unidades domésticas e da dos seus membros individuais em
noite, e que se preocupa primariamente com a reprodução biológica do todos estes três sentidos. E, portanto, um processo que começa, quer por
trabalho e com o usufruto das actividades de lazer. Do mesmo modo, o baixo, quer pelo interior de formações sociais especificas territorialmente
consumo é visto como uma actividade privada essencialmente individuali com base territorial, como a aldeia ou a vizinhança, no barrio. Foca explícita-
zante, que não diz particularmente respeitb a ninguém, enquanto a produção mente as relações morais de pessoas individuais e unidades domésticas e
requer a cooperação de outros e é portanto uma actividade inerentemente retira os seus próprios valores dessa esfera, e não de qualquer desejo de
pública sujeita à regulação do estado, mesmo quando os meios de produção satisfação de objecli vos materiais, por importantes que sejam. Um desenvol
são privados. vimento alternativo não pode ser “guiado” por elites governantes, sem que
No desenvolvimento alternativo, as unidades domésticas são tratadas isso acarrete a destruição do carácter alternativo. E também muito diferente
siniultanearnente como públicas e centradas na produção. Como unidades dos processos impessoais responsáveis pelo princípio da eficácia do cresci
de produção, articulam relações de mercado e relações não mercantis. Como mento. Deve ser visto como um processo que procura o empowerment das
unidades políticas, são o território de luta pela atribuição de recursos domés unidades domésticas e dos seus membros individuais, através do envolvi
ticos para fins determinados e sobre direitos específicos, tais como reivindi mento destes em acções social e politicamente relevantes.
cações de propriedade. E porque enquanto unidades produtivas e pró-acti Dar voz aos sectores disempowered da população tende a seguir uma
vas exigem as acções cooperativas de outros, as relações comunitárias das certa sequência. O empowerment político parece necessitar de um certo pro
unidades domésticas são governadas pela reciprocidade, o princípio ético cesso prévio de empowerment social, através do qual se torne possível a
mais fundamental que orienta a conduta social (Ekeh, 1974). participação efectiva na política. Por exemplo, o empowerment social, espe
Perseguindo a luta pela vida e condições de vida, as unidades domés cialmente quando orientado para mulheres, pode conduzir à libertação das
ticas dispõem de três tipos de poder: social, político e psicológico. O poder lides domésticas escravizantes, e o tempo assim ganho, como qualquer
social diz respeito ao acesso a certas “bases” de produção doméstica, tais recurso excedente, pode ser aplicado de formas variadas, incluindo na prá
como a informação, o conhecimento e técnicas, a participação em organiza tica política. Pode também contribuir para um maior sentimento de autocon
ções sociais e os recursos financeiros. Quando uma economia doméstica fiança (como com as mulheres que participam nos talleres de Santiago), que
incrementa os acessos a estas bases, a sua capacidade de estabelecer e vem, em parte, de vencer o medo de agir fora do culturalmente sancionado
alcançar objectivos aumenta também. Um aumento de poder social pode (patriarcal) ou das normas impostas pelo estado. Em última análise, todavia,
portanto ser também compreendido como um aumento no acesso das uni os ganhos em poder social devem ser transferidos para poder político efec
dades domésticas às bases da sua riqueza produtiva.
O poder político diz respeito ao acesso dos membros individuais de 14 Na micropolitica da casa, pode também falar-se do poder político dos membros indivi
unidades domésticas ao processo pelo qual são tomadas decisões, particu duais, de mulheres e homens, irmãos, primogénitos e idosos.
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tivo, por forma que os interesses das unidades domésticas e das localidades Para uma muito maior extensão que o modelo dominante prevalecentç,
possam ser efectivamente defendidos e aceites na macroesfera da política o desenvolvimento alternativo acolhe as necessidades e os direitos estabelççid’os
regional, nacional e mesmo internacional. das unidades domésticas.17 Vê o primeiro como unia reivindicação política,
o segundo como uma reivindicação que foi reconhecida e consolidada na
organização institucional da sociedade. Vê portanto o desenvolvimento não
Política de desenvolvimento alternativo apenas como uma melhoria genuína e duradoura das condições de vida e.de
existência, mas também como uma luta política pelo empowerment das unida
Um desenvolvimento alternativo não nega a necessidade do crescimento j des domésticas e dos indivíduos.’8 E, mesmo enquanto reconhece a importância
continuado numa economia mundial dinâmica. Seria absurdo tentar subs/ das microesferas da vida política e territorial, compreendendo a intrínseca
tuir um desenvolvimento centrado nas pessoas por um outro centrad/na diversidade da vida, tenta remover os constrapgimentos estruturais às pos
produção, ou reduzir todas as questões de desenvolvimento às miqø&stru sibilidades de desenvolvimento local. Isto, á’daro, pede uma política regio
turas da unidade doméstica e da localidade. O que o desenydvimento nal, local e até internacional, mesmo que 1i~âja uma que tenha raízes profun
alternativo faz é procurar uma mudança nas estratégias,naciop~ís existentes das nas estruturas capilares da vida soci’~l.
através de uma política de democracia participada, de cres~jziÇento económi Apesar desta defesa de uma política de unidades de base, um desen
co apropriado, de igualdade de generos e de sustentab~hUade ou equidade volvimento alternativo necessita4e um estado forte que instaure as suas
entre gerações. Em suma, um desenvolvimento alte,yrfhtivo incorpora uma políticas. Um estado forte, no eiitanto, não é o que tem uma cúpula pesada e
dimensão política (democracia participada) comoydi dos objectivos de acção uma burocracia arrogante; ~,pelo contrário, um estado ágil e dialogante, que
principais. Não faz do crescimento económico7im fetiche, mas procura um presta contas aos seus cidadãos. Um estado que assenta no forte apoio de
caminho “apropriado”, que inclua a eficác/do crescimento como um dos uma democracia parti$’pada, em que os poderes para gerir problemas são
vários objectivos que têm de ser harmonip’dos.’5 Um crescimento económico mais bem trabalhad~s localmente, são entregues a unidades de governação
apropriado coloca a optimização da u,tiuização dos recursos acima de vários locais e ao própri~ povo, organizado em comunidades.
objectivos gerais e competitivos, ja1~ como a democracia participada ou a Dadas as,.Mltas de equilíbrio de poder no mundo actual, as esperanças
incorporação dos sectores exclpídos da população, nos piocessos mais am nas possibi~jd’ades de um desenvolvimento alternativo podem parecer “po
plos do desenvolvimento d≠ociedades. Além disso, segue-se um caminho lanistas” .,No entanto, se forem vistas como inspirando um movimento global
para o crescimento econórfiico apropriado, quando as medidas de mercado em pro}’~e um mundo mais justo, pode não ser uma visão impossível. Países
para a produção são/complementadas por cálculos dos custos sociais e ricoØ pobres podem trabalhar juntos neste campo, porque os países ricos
ambientais prováv,ei’s ou de terceiros, possivelmente imputados a qualquer t,iÇ populações excessivas e os seus pobres disempowered. Cálculos acerca da
novo investim~io. Diferenciando necessidades territoriais e especificas de referida subclasse, nos Estados Unidos, apontam para mais de 10% da
diferentes gpipos sociais, particularmente os disempowered defende um mo
,

do descefifalizado e participativo de tomadas de decisão no desenvolvimen intermédios entre os centros de decisão empresariais e os trabalhadores individuais e
to. A~.sfLesmo tempô, dá voz aos interesses das gerações futuras, que desejam consumidores. Na ideologia do capital, uma economia deste tipo é chamada de “livre”.
Reduz os interesses territoriais a um mínimo residual de “lei e ordem”, como a obrigato;
u~pá’continuidade histórica num desenvolvimento territorial.’6 riedade do cumprimento de contratos e a manutenção da ordem nas ruas. Também espera
que os estados territoriais lidem, o melhor possível, com as consequências sociais do
15 Na sua forma mais geral, a eficácia é uma medida da relação entre entrada e saída. Os investimento privado e das decisões de produção, tais como exaustão de recursos,
economistas partidários da doutrina económica dominante assumem que uma medida desemprego, depauperação, poluição, desflorestação e outros problemas “com,ms a
de saída agregada, como o PNB, é o objectivo “óbvio” do desenvolvimento e que este todos”. Em terceiro lugar, a territorialidade chama a nossa atenção para o ambiente físico:
deve ser alcançado ao custo mais baixo, com a produçãoa sermedida a preços do mercado os recursos básicos da economia, o valor estético das paisagens tradicionais, as condições
livre. Mas são concebíveis outras medidas de eficácia; por exemplo, a eficácia em relação de vida do ambiente construído, no qual todas as nossas acções ocorrem e que afectam a
a um emprego objectivo ou em relação à conservação de recursos. nossa vida, directa e indirectamente.
16 Poderia parecer desnecessário enfatizar explicitamente a territoriaiidade se não fossem 17 A bem dizer, a linguagem da economia dominante não tem palavras para necessidades
três considerações: primeiro, os territórios nacionais são articulações de territónos de e direitos. Os seus termos preferidos e, realmente, exclusivos são desejos e interesses
ordem inferior — províncias, distritos, cidades, bairros — cada um dos quais, com o seu económicos.
carácter peculiar, tem uma reivindicação de identidade histórica; segundo, o modelo 18 Qualquerdesenvolvimento propriamente dito leva a novas configurações do poder. A
dominante de crescimento económico expressa o desejo do capital global de uma econo potencial reestruturação do poder é o que impele os que receiam perder algum poder em
mia ‘sem fronteiras” na qual não existam nem interesses organizados nem poderes consequência de um desenvolvimento alternativo a resistirem a ele.
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1989). Organizações internacionais de auxílio fizeram eco deste ajaixo qualidade de vida das pessoas e para contribuir para definir padrões
nado apelo por uma livre competição de mercados numa e~noniia de vida apropriados;
aberta, e o7apel protector e redistributivo do estado teve de s~r cortado — os pobres devem tomar parte no aprovisionamento das suas p~pf1as
pela raiz.’ necessidades em vez de confiarem no estado para a resoluç~p-dos seus
problemas;
Como resultado desta série de “resoluções” favorecendo o crescimento eco — para se tomarem mais autoconfiante~ no aprovisipnamento das suas
nómico acelerado, as tomadas de decisão tecnocráticas, a produção e os necessidades, os pobres têm que adquirir primØm os meios de o fazer; e
mercados e a abordagem das necessidades básicas tornaram-se virtualmente programas antipobreza eficazes não po4çnr’~ser criados e viabilizados
inoperativas. Continuam a ser feitas referências às “necessidades não alcan de cima para baixo através de um~,,bffrocracia obediente, mas deve
çadas” do mundo,çobre (Comissão Mundial, 1987), mas existe pouca activi emergir da confusão da polí~p’íia qual os pobres continuamente
dade nesta frente. E assim a condição dos pobres continua a deteriorar-se exercem pressão para o ap,ie, ao nível macro, às suas próprias inicia
(Rodgers, 1989). tivas.
Mas os debates dos anos 70 não foram totalmente em vão. Deixaram-
-nos algumas firmes conclusões acerca da pobreza, que nos podem levar mais Todas estas lições contribuíram para uma nova percepção do que significa
adiante em direcção a um grande repensar da questão. Aprendemos, entre ser pobre. Da perspectiva do desenvolvimento alternativo, os pobres já não
outras coisas, que são vistos como incapazes a cargo do estado mas como pessoas que, apesar
de grandes constrangimentos, estão activamente empenhadas na produção
— as necessidades básicas são essencialniente reivindicações políticas por das suas próprias vidas e condições de existência.
direitos;
— as estratégias de maximização do crescimento não são em si suficientes
para satisfazer estas reivindicações, embora o crescimento rápido, co- pobreza como (dis) enipowerment
mona República da Coreia, em Taiwan e em Singapura seja compatível
com índices relativamente baixos de desigualdade de rendimentos; O modelo de (dis) empowerment da pobreza é uma variante política da
— a pobreza é um fenómeno multidimensional e não significa meramente abordagem das necessidades básicas. Centra-se na política ao invés de se
uma relativa falta de rendimento; centrar na questão do planeamento, como processo principal pelo qual são
— são necessários sistemas estatísticos muito melhorados para avaliar a identificadas as necessidades e procurados os meios para a satisfação destas.
O ponto de partida do modelo pressupõe que as famílias pobres não
14 O argumento de De Soto (1989) era particularmente apelativo para os utilizadores de têm poder social para melhorar as condições de vida dos seus membros.
mercados livres. Parecia oferecer uma saída para o embaraçador dilema da liberalização Coloca a economia doméstica no centro de um campo de poder social, em
da economia que, combinada com o crescimento dirigido para a exportação, isolaria mais
os pobres nas suas ‘reservas” — comunidades instaladas em terrenos estatais nos
que o seu relativo acesso às bases do poder social pode ser medido e
arredores de grandes cidades —, mesmo se gerasse números crescentes de trabalhadores comparado (fig. 4.1). Estes termos críticos necessitam de uma melhor expli
sem terra num território em rápida modernização. O argumento de De Soto, de que os cação.
pobres no sector informal das cidades, longe de levarem vidas improdutivas, demons Poder social é o poder associado à sociedade civil; é limitado por formas
travam engenhosidade e talento produzindo condições de vida para si próprios fdi uma
contrastantes de estado, economia e poder político (vide fig. 2.2). Cada forma
mensagem atraente na luta ideológica. Os pobres podiam agora ser retratados como a
vanguarda de um capitalismo empreendedor ainda por chegar, não só no Peru mas de poder é baseada em certos recursos a que pode aceder por um actor
também no resto da América Latina. É claro que o subtítulo do seu livro fez uma colectivo. O estado tem a lei do seu lado e uni monopólio sobre o uso legítimo
reivindicação ainda mais global: “A revolução invisível no Terceiro Mundo”. De Soto foi da violência. As empresas têm um acesso substancial a recursos financeiros,
assim arvorado a actor principal por, por exemplo, o San Francisco International Center o poder de deslocar capital de um lugar para outro e o de contratar e despedir.
for Economic Growth, que apoiou a publicação deste livro em língua inglesa. O objectivo
era desconstruir o estado keynesiano e entregar o poder ao mercado livre, O livro de De A comunidade política partidos, movimentos sociais, comissões de acção

Soto tornou possível lançar uma cortina de fumo em volta dos efeitos devastadores de política— tem o poder de votar, organizar manifestações de rua e comícios
uma política como esta entre os pobres. e de pressionar políticos através de lobbies. O poder da sociedade civil,
15 Mesmo o Movimento Ambientalista, do qual o Relatório Brundtland é uma expressão, finalmente, é medido pelo acesso diferencial das famiias às bases do poder
está dividido entre si. Os ecologistas profundos, por exemplo, têm uma atitude “A Terra
Primeiro!”, na qual o problema real da humanidade é a própria humanidade. social.
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Redes obtidos artigos básicos de consumo, tais como a alimentação, a água e


sociais
Recursos Inlornação os combustíveis; a frequência da doença na família e o acesso a serviços
linanceiros adequada
médicos; o tempo necessário para o desempenho de tarefas domésticas
LI essenciais; e a divisão do trabalho por género. Sem acesso a tempo
excedente, as opções familiares são severamente limitadas. É a segunda
base do poder social mais valorizada
3 Conhecimentos e técnicas. Referem-sê aos níveis educacionais e ao do
mínio de técnicas específicas por membros da economia familiar. Uni
Espaço de dades domésticas pobres compreendem correctamente que a educação
vida
delensável e o treino técnico de pelo menos alguns dos seus membros são essen
ciais para aumentar projectos económicos a longo prazo. Estão portanto
dispostos a investir fortemente tempa> energias e dinheiro,no desenvol
vimento dos “recursos humanos” familiares (vide figura 31).
4 Inforinaçdo adequada. É a informação razoavelniente correcta que su
porta a luta familiar pela subsistência, incluindo assuntos como melho
Conhecimento Instrumentos de trabalho res métodos de produção doméstica, práticas melhoradas de higiene,
e técnicas e condições de vida
métodos comprovados de cuidados infantis, práticas de saúde padro
Organização
social
nizadas, serviços públicos disponíveis, mudanças de configurações
políticas e oportunidades de trabalho remunerado. Sem o acesso contí
~ Acção do estado nuo a informações relevantes, os conhecimentos e técnicas são virtual
• Espaço de panicipação e negociação mente inúteis como recurso para o autodesenvolvimento.
EIJD Economia das unidades domésticas 5 Organização social. Refere-se a organizações formais e informais às
quais as famílias podem pertencer, como Igrejas, clubes de mães, clubes
Figura 4.1 Pobreza como falta de acesso às bases do poder social desportivos, associações para o melhoramento de bairros, círculos de
crédito, grupos de discussão, associações de inquilinos, sindicatos de
Existem oito bases de poder social, os principais meios disponíveis para agricultores, e associações para a irrigação de terras. As organizações
uma economia doméstica na produção da sua própria vida e condições de não são apenas os meios de uma vida com mais convívio, são também
vida. uma fonte de informação relevante, apoio mútuo e acção colectiva.
Ligam a família à sociedade exterior.
Espaço de vida defensável. Base territorial da economia doméstica, o 6 Redes sociais. São essenciais para acções autónomas baseadas em reci
espaço de vida defensável inclui o espaço físico no qual os membros da procidades. Tendem a aumentar com associações a organizações so
família cozinham, comem, dormem e guardam posses. Num sentido ciais, mas não são determinadas exclusivamente por estas asso- ciações.
mais lato, estende-se para além do espaço chamado “casa” para a Unidades domésticas com redes horizontais extensas entre famílias,
vizinhança imediata, onde a sociabilização e outras actividades de amigos e vizinhos têm maior margem de manobra que sem elas. Redes
suporte à existência têm lugar, principalmente no contexto da economia verticais, subindo através das hierarquias sociais, dão às unidades
moral de relações de não mercado. Conquistar uma posição segura e domésticas uma possibilidade de aceder a outras formawde poder, mas
permanente num bairro urbano amigável e que se entreajuda é o poder podem conduzir a relações de dependência patrono-cliente.
social mais altamente considerado de todos, e as famílias estão prepa 7 Instrumentos de trabalho e condições de vida. São as ferramentas da produ
radas para fazer praticamente qualquer sacrifício para o conseguir. ção doméstica: corpos vigorosos e saudáveis (força física) e, para os
2 Tempo excedente. E o tempo da economia doméstica disponível além e produtores rurais, acesso a água e terra produtiva. Incluem também as
acima do tempo necessário para obter as condições de vida e de subsis ferramentas utilizadas no trabalho doméstico informal (bicicletas, má
tência. É função de muitas coisas, tais como o tempo gasto na viagem quinas de costura) e na própria esfera doméstica (fogão, balde, acessó
para o trabalho (remunerado); o grau de facilidade com que podem ser rios de cozinha, recursos de higiene, etc.).
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8 Recursos financeiros Incluem o rendimento monetário liquido das uni • poder social são, por um lado, um esforço autobaseado e por outro uma luta
dades domésticas (vide figura 3.1), assim como os créditos formais e política e, portanto, colectiva para fazer chegar ao estado reivindicações de
informais. assis- tência financeira e/ou técnica. Mas, a maioria das unidades domésticas
não pretende que o estado actue unilateralmente: querem ajuda significativa,
Estas oito bases do poder social são distintas e, no entanto, interdependentes. • não esmolas que as reenviem para um estatuto de incapazes. Querem não
São interdependentes porque todas eles se ligam a meios.~4eohtençãQ ~e só ser consultadas sobre o assunto, mas tomarparte activa no aprovisiona
outros meios, num, proc ss em espiral de aumento de poder social. No mento das suas necessidades. A figura 4.1 m~tra seis espaços de participação
entanto, porque não se pode reduzi-las a urna dimensão simples como e negociação de acordo com o exposto, nos quais as unidades domésticas
dinheiro, que a doutrina dominante vê como o principal meio para o em po podem negociar soluções para os seus problemas com entidades do estado.
werment doméstico, são também independentes umas das outras. Estes espaços não são apresentados para a organização social nem para
O acesso relativo é urna medida da extensão em que as famílias coman as redes sociais, que são bases de poder da sociedade civil das quais o estado
dam os recursos básicos do autodesenvolvimento. As unidades domésticas se encontra excluído. Agindo em colaboração com outros, e para além do
podem ganhar maior acesso a recursos de vários modos. Qualquer que seja alcance do estado, as unidades domésticas podem aumentar as possibilida
o método — e é invariavelmente envolvida uma redistribuição de recursos des de ganhar acesso às restantes bases de poder. Isto é indicado pelas setas
de tempo disponíveis entre membros da unidade doméstica —, todas as Laterais que giram para fora a partir do eixo vertical na figura 4.1.0 modelo
unidades devem ter algum acesso a recursos para poderem sobreviver. de (dis) empowerment pode portanto ser visto também como um modelo de
Conceptualmente, o acesso pode ser medido a partir do centro da figura empowerment ou, mais rigorosamente, um modelo de self-empowerment colec
4.1, um zero virtual, para o círculo externo do diagrama, que representa o tivo. É, portanto, não apenas um modelo de pobreza e privação, mas também
máximo — teórico
— não quantiuicável. As unidades domésticas estarão um modelo de como a pobreza pode ser vencida e promovido um desenvol
alinhadas em pontos diferentes ao longo de cada um dos oito raios da roda, vimento genuíno.
do zero virtual ao limite hipotético. Obviamente, não pode ser usada uma Mesmo assim, existem sérios limites às utilizaçôës do modelo prescri
bitola única para medir o acesso às várias bases do poder social. No entanto, tas. Fazendo centrais as acções das unidades domésticas, o seu referente
podem ser feitas comparações grosseiras entre unidades domésticas. Em espacial é a microesfera da localidade. É a este nível que as unidades domés
geral, aumentar o acesso ao longo de urna das dimensões mostradas, melhora ticas compreendem mais claramente os seus interesses e são também moti
as condições de vida e de existência e, portanto, constitui uma medida de vadas e empenhadas. Mas os constrangimentos sobre o que pode ser local-
desenvolvimento genuíno. mente alcançado são grandes, porque a pobreza é uma condição de disempo
O acesso relativo também nos permite conceptualizar um nível de werment sistemático pela qual condições estruturais implícitas mantêm pobres
pobreza absoluta consistente com o ponto de vista multidimensional do mo os pobres e confinam o seu acesso ao poder social ao nível de sobrevivência
delo de pobreza. Pessoas que vivem nesta “linha” ou abaixo dela podem não diária.
ser capazes de sair da pobreza sem ajuda. No entanto, o modelo permite a No capítulo 2 sustentei que o crescimento económico dominante toma
cada unidade doméstica tomar as suas próprias decisões sobre como utilizar muita da população supérflua às necessidades da acumulação do capital. Os
recursos para ganhar mais acesso às várias bases do poder social. A maior constrangimentos sobre os pobres são, portanto, estruturais no sentido em
parte das unidades domésticas tende inicialmente a procurar alguma terra que o sistema das relações de poder que sustentam a produção capitalista
firme para as suas actividades — no campo, um pedaço de terra; na cidade, actuam também para manter os pobres disempowered. Não proporciona o
uma casa minimamente adequada. O tempo excedente é muitas vezes uma pleno emprego na economia formal; promove o crescimento de um padrão
segunda prioridade, e podem ser ambos dependentes das redes sociais e da de propriedade da terra que reduz pequenos camponeses a uma condição de
participação da unidade doméstica em organizações populares. Uma vez virtual desapossamento de terras; expulsa a “subclasse” da efectiva partici
minimamente satisfeitas estas “necessidades básicas”, no entanto, as unida pação política. Avançar para além da sobrevivência significa, então, que as
des domésticas podem estabelecer prioridades muito diferentes para si pró relações de poder dominantes na sociedade terão que mudar. Isto exige algo
prias, perseguindo objectivos muito diferentes. Neste ponto, a acção colecti mais que um acréscimo no acesso às bases do poder social. Exige a transfor
va baseada em objectivos partilhados é susceptível de conduzir a acções mais mação do poder social em poder político e uma política capaz de transformar
indivíduo-familiares. reivindicações políticas em direitos legítimos (vide capítulo 7). Aguerridas
As lutas das unidades familiares para ganhar maior acesso às bases do como são, as sociais-democracias do Ocidente alcançaram os direitos das
76 EMI’OWERMENT

famílias ao espaço de vida e ao tempo excedente há muito tempo. Mas a 5 REIVINDICAÇÕES POLÍTICAS [Ii
institucionalizaçâo destes direitos foi precedida de décadas de dura luta pela
habitação, pela semana de 40 horas, pelo salário mínimo e pelos serviços de DEMOCRACIA PARTICIPADA E CRESCIMENTO ECONÓMICO
assistência infantil. ADEQUADO
O modelo de (dis) empowerrnent da pobreza é simultaneamente descri
tivo e potencial. Ajuda-nos a olhar para a pobreza na perspectiva dos que
tentam acabar com ela e, se possível, melhorar as vidas dos pobres. O centro
activo deste esforço é a economia da unidade doméstica. Deste ponto de
vista, a pobreza é ser disempowered relativamente a certas bases do poder
social. Mas o modelo pode também ser virado do avesso e tomar-se potencial.
Os que são relativamente disempowered quererão mais poder e estão de facto
empenhados numa luta vitalícia para melhorar a sua situação, com respeito
a uma ou mais bases do poder social. As bases desta luta são mostradas nas
dimensões vertical e horizontal, na figura 4.1: espaço de vida e tempo
Imediatamente a seguir a um encontro mundial de organizações não gover
excedente, organização e redes sociais. Uma vez que estas bases sejam
namentais (ONG) em 1987, realizado em Londres pelo Banco Mundial em
minimamente garantidas, as unidades familiares podem devotar esforços às
colaboração com o Overseas Development Institute, um grupo mais restrito
restantes dimensões do poder social: conhecimento, técnicas e informação,
de ONG apenas de países pobres reuniu-se para discutir a cooperação entre
instrumentos de produção e recursos financeiros.
este tipo de organizações. O relatório produzido incluiu uma breve declara
Claro que, quando as unidades domésticas tentam alcançar estes objec
ção de princípios de desenvolvimentos alternativos que vale a pena repetir,
tivos, encontram obstáculos extraordinários. Os muito pobres vítimas da

antes de entrarmos numa discussão detalhada do desenvolvimento alterna
fome, trabalhadores rurais sem terra, unidades domésticas com mulheres por
tivo. Estes princípios são o mais próximo a que podemos chegar de um
chefes de família em bairros de lata das grandes cidades — podem simples
desenvolvimento alternativo visto actualmente a partir de dentro dos pró
mente não ter meios para se ajudar a si próprios. Precisam de ajuda das
prios países pobres, tal como foi definido por agentes de desenvolvimento
organizações religiosas, sindicatos e mesmo do estado. Mas mesmo para os
que não o estado (Drabek, 1987).
menos destituídos, o self-empowerment colectivo raramente é u~m processo
De acordo com o relatório da conferência, um desenvolvimento alter
espontâneo de acção comunitária: os agentes externos são criticamente im
nativo procura “inverter” processos destrutivos, tais como o “empobreci
portantes.
mento”,
O principal objectivo deste modelo, como era o da economia global, é
heurístico. Ambos os modelos devem ser agora utilizados para nos auxilia
— permitindo aos pobres a reaquisição “do poder e do controlo sobre as
rem a definir mais rigorosamente as tarefas que um desenvolvimento alter
suas próprias vidas e os recursos naturais e humanos que existem no
nativo deve ter como objectivo. Referirei estas tarefas como reivindicações
seu ambiente”;
políticas, porque é assim que surgem no contexto de movimentos sociais que
— fortalecendo “a sua capacidade inerente de definir objectivos de desen
procuram destronar o hegemonico modelo de crescimento, com uma alter
volvimento, estabelecer estratégias para aquisição de autoconfiança e
nativa com sentido, capaz de atrair apoio político.
de poder sobre os seus próprios destinos”;
— recusando “o compromisso com questões relacionadas com as identi
dades sociais e culturais de sociedades [pobresi”;
— colocando “especial ênfase e atenção na utilização e desenvolvimento
de esforços indígenas, mesmo que pequenos, que promovam a auto-
confiança”;
— desligando de processos de desenvolvimento “todas as ajudas intrinse
camente ligadas às políticas internacionais dos estados dadores”;
— reconhecendo “que organizações de desenvolvimento não governa-

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