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RESUMO: O artigo tem como objectivo compreender a concepção da Ética adoptada no ensino de
Filosofia no nível médio moçambicano para “colmatar” o que o discurso oficial designa por défice
moral, que vigora entre os estudantes egressos do ensino médio. Como metodologia, primeiro, é feita
uma discussão teórico-bibliográfica sobre as modalidades de inclusão da Ética na educação escolar –
como tema transversal e/ou como tópico de ensino de Filosofia; segundo, é explicitado o lugar
pedagógico da Ética no Ensino da Filosofia em Moçambique, com base nos documentos e
informações oficiais e na informação dos entrevistados que participaram do processo de reintrodução
da Filosofia no ensino médio moçambicano. Os resultados da reflexão-pesquisa indicam que: a
concepção de Ética adoptada, fundamentada no personalismo, visando superar o “défice” moral, é
difusa; e há uma contradição interna entre os conteúdos, as metodologias de ensino propostas para a
abordagem da Ética no ensino da Filosofia e a informação dos intelectuais entrevistados, pois as
orientações metodológicas sinalizam para uma Ética prescritiva e disciplinadora. Assim, de uma Ética
afirmada como reflexão filosófica sobre a moral, a concepção da Ética presente no programa de ensino
de Filosofia para o nível médio, inclina-se mais a uma educação moral.
Palavras-chave: Educação escolar, Ética, ensino de Filosofia
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volta ao Sistema Nacional de Educação de o que o discurso oficial designou por défice
Moçambique, tendo a Ética como um dos moral que vigora entre os estudantes
eixois temáticos. Nestes termos, cabe egressos do ensino médio. Ao longo do
indagar: a que problemas colocados pela texto, são examinados os fundamentos
realidade moçambicana a Ética vinha filosófico-antropológicos em que se
responder através do ensino de Filosofia? sustenta a referida concepção da Ética.
Para o alcance do objectivo proposto,
A inclusão da Ética no ensino de Filosofia, respondendo às perguntas colocadas,
conforme documentos e discursos oficiais primeiro, é feita uma discussão teórico-
(UP, 1997a; 1997b e 1998a)3 tinha como bibliográfica sobre as modalidades de
propósito resolver o que se convencionou inclusão da Ética na educação escolar –
chamar de “défice moral”, que se como tema transversal e como tópico de
manifestava nos alunos egressos do ensino ensino de Filosofia. Depois, procede-se à
médio (UP, 1998b). O “défice”, de acordo explicitação do lugar pedagógico da Ética
com os documentos oficiais, seria o no Ensino da Filosofia em Moçambique,
resultado da ausência da Filosofia no nível com base nos documentos e nas falas
médio (UP, 1998b). Por isso, que a oficiais, resultantes das entrevistas com os
inclusão da Ética no Ensino da Filosofia intelectuais orgânicos (Gramsci), que
era para “colmatar” o “défice moral”,(UP, estiveram envolvidos no processo da
1997a, 1997b)4. reintrodução do ensino da Filosofia no
nível médio no país. Explicitado o lugar
A partir das explicação sobre as razões que pedagógico da Ética no programa de
levaram à inclusão da Ética no programa ensino da Filosofia, busca-se compreender
de ensino de Filosofia para o nível médio a concepção da Ética proposta, através do
do Sistema de Educação de Moçambique, exame das orientações metodológicas para
algumas questões podem ser levantadas, a abordagem da Ética e da fala dos
nos seguintes termos: de que modo se intelectuais envolvidos no processo de
manifestavam essas perplexidades, reintroduçao do ensino da Filosofia no
configurando um “défice moral” ? Como é país.
que a Etica, no ensino de Filosofia, poderia
resolver e/ou responder a essas Para tal, respondendo às questões acima
perplexidades, superando, assim, o “défice colocadas, primeiro, fazemos uma
moral”? Que concepção de Ética foi discussão teórica sobre a Ética e a
adoptada no ensino de Filosofia que Educação escolar, em que explicitamos o
melhor contribuiria para superar o “défice significado de cada um dos termos usados.
moral”? Em que se fundamenta essa Ainda no âmbito teórico bibliográfico,
concepção? A que tradição de pensamento também fazemos uma discussão sumária
pertence essa concepção de Ética: à sobre as modalidades de inclusão da Ética
africana ou à ocidental? na educação escolar, para depois,
examinarmos o lugar pedagógico da Ética
Essas foram algumas das questões que no Ensino da Filosofia em Moçambique,
orientaram a pesquisa de Doutoramento, com base nos documentos e falas oficiais.
em que parte dos resultados, que Estes documentos foram recolhidos,
respondem exclusivamente às questões respectivamente, na Direcção Nacional do
acima colocadas são apresentados no Ensino Geral do Ministério da Educação e
presente texto. O objectivo deste texto é o no Departamento de Filosofia na
de examinar e de compreender a concepção Universidade Pedagógica, em Maputo,
da Ética adoptada no ensino de Filosofia no aquando da nossa pesquisa de campo, na
nível médio moçambicano para “colmatar” cidade de Maputo, no ano de 2007.
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Platão admitia que o alcance da virtude, dos conteúdos do eixto Ética no programa
um dos objetivos do ensino da ética, de ensino de Filosofia e as orientações
dependia do conhecimento. Aristóteles, no metodológicas para abordagem da Ética no
entanto, sustenta que certas virtudes, as respectivo programa de ensino, em que
morais, não resultam de um conhecimento. maior ênfase é dada aos resultados práticos
Essas virtudes, como a coragem, por que se esperam da Ética no ensino da
exemplo, são aprendidas pela imitação dos Filosofia6. Através da categoria pessoa,
modelos de pessoas corajosas, não espera-se que Ética no ensino da Filosofia
dependendo, portanto, de uma prévia faça com que o aluno não somente seja
instrução. O aprendizado da coragem, capaz de apreender “o conceito de pessoa,
defende Aristóteles, não garante que o bem como reconhecer-se como tal”
aprendiz venha a ser corajoso. Anterior a (MINED, 2000, p.5). Para se alcançar esse
esse debate, Protágoras sustentou que o objectivo prático, nos conteúdos
aprendizado de valores não resultava de programáticos, o aluno deve responder à
um ensino didáctico, mas do concurso de pergunta antropológica “quem sou eu?”
influências semelhantes, ou seja, através (idem, p.5).
de exemplos. Assim, a educação ética é
uma tarefa de toda a sociedade, em que Em termos metodológicos, é sugerido ao
cada cidadão seja dado como modelo ou professor que leve os alunos a lideram com
referência de valores éticos que, para o a “questão de como me vejo”, visando a
caso grego, era a virtude. Pode ser que os mesmos construam “uma imagem
infrutífero o ensino, na escola, dos temas própria através de entrevistas consigo
que visam à moralização social, se os mesmos ou de uma descrição da sua
exemplos da vida prática de vários pessoa para o anúncio no jornal”. Eu sou
“cidadãos” são contra-prova da moralidade uma pessoa dotada de moral: eis a resposta
que se ensina escola. Num mundo marcado que se espera do processo de indagação
pela corrupção, pelo individualismo, pela dos alunos sobre si mesmos (idem).
lei do mais forte em função do capitalismo
selvagem, não soa contraditório dizer aos Para o alcance dos objectivos do eixo
alunos que devem ser “bons cidadãos?” A temático de Ética no programa final de
vida, e não somente a escola, é também ensino de Filosofia, os conteúdos
um espaço de educação. programáticos foram organizados em duas
secções: aprimeira aborda o conceito de
Portanto, a compreensão das normas e dos pessoa, tendo como subseções os temas da
valores não garante a moralidade. Até que consciência e da idéia do Bem; e a segunda
ponto a Ética no ensino da Filosofia tem versa sobre a relação com outros e com o
levado os alunos a compreenderem a meio ambiente. Esta última secção, por sua
justificabilidade e a fundamentabilidade vez, contém três subsecções: a da Ética
dos valores? Que concepção da Ética está Individual, em que os conceitos que devem
sendo defendida por esses intelectuais? E, orientar a discussão são os sentimentos,
a partir da fala dos intelectuais e do “de amor, de amizade, de sofrimento, de
programa de ensino de Filosofia, qual a indiferença e de ódio” (MINED, 2000,
concepção de Ética se faz presente no p.5).
programa de ensino de Filosofia?
Na subsessão da ética individual, os
A CONCEPÇÃO DA ÉTICA referidos sentimentos, conforme o
programa de ensino, tem de ser reflectidos
A concepção de Ética proposta para o em vários âmbitos. O amor e a amizade
ensino de Filosofia foi inferida do exame têm de ser relacionados aos pais, aos
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amigos, aos parceiros(a)s e à Pátria. O com os outros. O desejo que deve ser
sofrimento tem de ser referenciado ao abordado é o de parceria, relacionado ao
“isolamento, à doença, e aos desejos não namorado/namorada em face ao problema
realizados” (idem, p.5). Ainda em relação da HIV-SIDA, perguntando-se pelo modo
aos sentimentos acima explicitados, os de agir perante esse desejo e as
alunos devem responder à três perguntas: implicações que possam advir do mesmo,
“porquê e como se reconhecem tais como é o caso da mencionada doença.
sentimentos e como devemos encará-los? Depois, a orientação metodológica é de
Sob o ponto de vista metodológico, para se fazer os alunos “compararem o amor na
alcançar os objectivos que se esperam da família e na escola” (Op. Cit., p.5).
Ética na abordagem dos conteúdos
propostos, orienta-se ao professor que leve Em relação ao sofrimento, ao ódio e à
os alunos a fazerem um exame de suas indiferença, considerados formas de
próprias consciências7. Com efeito, nas relação com outras pessoas, o professor é
orientações metodológicas, pede-se ao orientado metodologicamente a levar o
professor para fazer os alunos voltarem-se aluno a se perguntar: primeiro, pela
para si próprios, perguntando-se pelas “experiência de sofrimento, de ódio e de
situações em que tiveram “uma boa ou má indiferença” que ele possui; segundo, pelas
consciência” e pelos momentos que “conseqüências de tais sentimentos”;
tiveram “sentimentos de culpa” (MINED, terceiro, por o que ele pode “fazer para
2000, p.5). Visando a auxiliar os alunos a aliviar o sofrimento dos outros”; e, quarto,
se lembrarem desses momentos, nessa pelo modo através do qual o aluno deve
indagação sobre si próprios, o programa de “proceder cordialmente mesmo para quem
ensino propõe, como ponto de partida, os lhe é indiferente” (Ibidem, p.6).
temas de “roubo, experiência de violência
e experiência de guerra”, dentre outros Na segunda subsecção, da Ética Social, os
temas e experiências que o professor julgar conteúdos propostos são a liberdade, a
pertinentes. Após essa injunção, é responsabilidade e a justiça nas
recomendado ao professor que apresente a perspectivas personalista, marxista e
idéia do Bem, conforme essa idéia é existencialista, respectivamente, e os
defendida em Sócrates. Feita a conceitos de virtude, de mérito e de
apresentação da idéia do Bem em Sócrates, sanção. Em termos metodológicos, o
o professor é orientado a pedir aos alunos professor é orientado para promover os
para falarem dos seus sentimentos e debates entre os alunos sobre os temas
apresentarem os modos através dos quais mencionados. O primeiro tema de debate é
esses mesmos sentimentos se manifestam o da justiça/injustiça. A pergunta
ou se exprimem (MINED, 2000, p.5). orientadora do debate é: “como os alunos
Além dessa apresentação, também o reconhecem a prática da justiça/injustiça?”
professor é orientado a pedir aos alunos Durante os debates, o professor também é
para “confessarem” “se têm algum orientado a fazer com que os alunos não
sentimento que lhes custe manifestar” somente falem da justiça/injustiça no
(idem – grifos nossos) e explicarem as âmbito familiar, no espaço escolar e na
causas subjacentes a essa dificuldade. vida pública do país”, bem como tomem
“uma posição de modo a impedirem a
O desejo e o amor, são dois temas prática da injustiça”(Idem,p.6). Diante da
propostos para o desenvolvimento em sala injustiça, pede-se a cada aluno(a) para
de aula, visando a alcançar o objectivo de responder à pergunta: “que devo fazer?”
fazer com os alunos tenham consciência
sobre as diferentes formas de suas relações
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A leitura e discussão da Declaração Geral com essa guerra, e outras acções realizadas
dos Direitos Humanos, da Carta Africana “pela Paz em Moçambique” (ibidem, p.15).
dos Direitos Humanos e a reflexão sobre a
liberdade – o sentimento e os limites da O programa também apela para a
liberdade individual – completam as “necessidade da mudança de mentalidades
orientações metodológicas para a para a questão da paz e a criação de novas
abordagem dos conteúdos da Ética social8. atitudes” (idem). Para isso, no eixo
temático Ética, a paz deve ser vista como:
É em função do respeito para com o outro, consciência, convicção e acção (MINED,
visto como pessoa moral, que a Ética no 2000, p.15), discutindo-se as implicações
ensino de Filosofia também deve fazer do problema da paz para a educação. Nessa
com que o aluno compreenda “a efectiva necessidade de mudança de mentalidade e
necessidade da Paz em Moçambique e no criação de novas atitudes perante a paz, o
mundo para a plena realização dos direitos programa de Filosofia destaca a
do homem e para o seu desenvolvimento” pertinência da “valorização dos meios
(MINED, 2000, p.14). Além de fazer pacíficos para se encontrar a paz, da
compreender a necessidade da Paz, a Ética conversão da ciência e da técnica para fins
também tem de zelar para que o aluno pacíficos, da intercomunicação cultural e
conheça e tome “consciência das causas e étnica e a nova ordem de distribuição de
efeitos das guerras mundiais, coloniais, recursos” (idem).
civis e étnicas”. A necessidade dessa
tomada de consciência visa a justificar “a A orientação metodológica para a
imperiosidade da paz” (idem). abordagem do tema “paz como problema
moral” é a discussão dos episódios de
A Paz, concebida como valor moral, foi guerra em Moçambique e em outros
proposta como tema de discussão nas aulas países, através da realização de mesas
de Filosofia para o segundo ano do nível redondas, simpósios e debates” (MINED,
médio. Para se alcançarem os objectivos 2000,p.14). Nos debates, acrescenta o
do eixo, foi proposto como conteúdos de programa de Filosofia, devem ser
abordagem, o tema “sentido da paz”. Ao discutidas questões tais como os “factores
professor é pedido que relacione “a paz e a que perigam a paz em Moçambique e no
guerra; a paz e a liberdade; a paz e a mundo, medidas concretas a favor da Paz e
justiça; paz e trabalho; paz e tolerância; as conseqüências da guerra em
paz e soberania; paz e educação; paz e Moçambique” (idem).
ciência; paz e desenvolvimento; e paz e
cultura” (idem). Assim, visando a curar os males morais
advindos da guerra, foram propostos os
Discutido o sentido da Paz e estabelecidas dois temas para as aulas de Ética – “a
as relações acima mencionadas, é sugerido, pessoa como sujeito moral e a paz como
no programa de ensino, que se aborde o valor moral”. Os sentimentos de amor, de
processo de construção da paz em amizade e a justiça são os valores morais a
Moçambique, incidindo sobre os acordos serem difundidos pela Ética no ensino de
que possibilitaram essa paz: os acordos de Filosofia para curar a intolerância, o ódio e
Lusaka, em 1974, que puseram fim à a indiferença causados pela guerra. Para
guerra colonial; os acordos de N’komati, que essa “cura” se efective, os alunos
1984, que foram uma tentativa de pôr fim à devem, primeiro, reconhecer-se como
guerra de desestabilização; os acordos de pessoas morais, dotados de uma
Roma, 1992, que efetivamente acabaram consciência, condição para o
reconhecimento do valor da consciência do
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outro, e também, que ser vistos como personalismo, tendo proposto a centralidade da
pessoa moral. Seria com base nos conceitos pessoa humana com base no cristianismo,
e conteúdos de cada um dos temas e diferindo do personalismo americano,
subtemas propostos no eixo da Ética no vinculado à posições filosóficas idealistas.
ensino da Filosofia que o défice moral seria
superado. O personalismo proposto por Mounier
posicionava-se contra a “ditadura” do
OS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS dinheiro, imposta pelo capitalismo no
início do século XX, que também era uma
Os programa de ensino de Filosofia ditadura contra a pessoa humana, neste
recomenda que se faça a discussão dos caso, reduzida à “objecto no plano da
temas e conteúdos propostos pela Ética nas existência económica (MOUNIER,
perspectivas personalista, marxista e 2004,p.121). Tornado um poder anônimo,
existencialista, respectivamente. Essas três o dinheiro e as benesses que dele resultam,
correntes de pensamento constituem, argumenta Mounier, “endurecem as classes
portanto, os fundamentos filosóficos em e alienam o homem real” (Idem). O
que se sustenta a Ética no ensino de homem europeu, alienado de si próprio
Filosofia. pelo dinheiro, o resultado foi a destruição
dos seus valores pela tirania da produção e
É importante ressaltar que tanto o do lucro e o deslocamento da sua condição
personalismo quanto o marxismo e o de pessoa humana pelo “delírio da
existencialismo não são correntes de especulação” (Ibidem, p.21).
pensamento unívocas. Encontram-se, no
interior de cada uma delas, orientações e O socialismo, conforme Mounier, era a
posições divergentes entre os autores que solução para os problemas pelos quais o
as sustentam. Homem do século XX passava: a alienação
da pessoa pelo dinheiro e pelas
Em relação ao personalismo, por exemplo organizações. Era um socialismo
– a corrente que predomina nos conteúdos caracterizado pela
da eixo temático da Ética - ele insere-se
dentro de uma longa tradição de abolição da condição proletária, substituição
pensamento9 que ganhou força e vigor no de uma economia anárquica, fundada no
século XX, no contexto das crises pelas lucro, por uma economia organizada em
quais a Europa passou: a depressão ordem às perspectivas totais das pessoas, a
econômica, as duas guerras mundiais e o socialização sem estatização, em fim [...] o
totalitarismo. Estes factos comportaram primado do trabalho da responsabilidade
pessoal sobre as estruturas anônimas
uma “crise espiritual” e revelavam ser vãs
(MOUNIER, 2004, p.122).
as pretensões do homem ocidental: a
aposta num futuro radioso, de progresso e O autor buscava mediações através das
de prosperidade com base na ciência e na quais se poderia passar da desordem
técnica. Os acontecimentos do século XX, “ética” à uma nova ordem, na qual a pessoa
descritos por autores como Bourg (1997), humana tivesse primazia, considerada na
mostravam uma Europa dilacerada e um sua inobjectibilidade, inviolabilidade,
homem ocidental também dilacerado, liberdade, criatividade e responsabilidade,
vivendo o pessimismo, o reino da absoluta com alma encarnada num corpo, situada na
permissividade e do não sentido. história e constitutivamente comunitária. A
defesa do socialismo personalista feita por
Foi neste contexto da crise ética da
Mounier, também constitui uma luta contra
modernidade europeia que Mounier (2004)
o socialismo real imposto na Europa pelo
apresentou as suas reflexões sobre o
Rev. Cient. UEM,Ser.: Ciências da Educação, Vol. 1, No 0, pp 42-59, 2012
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domínio prático, qual seja, o agir moral do político e económicas, com implicações
indivíduo. sócio-culturais.
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1 Etimologicamente, conforme observa Lima Vaz (1997), o termo modernidade proveio do advérbio latino modus que significa há pou co ou recentemente e
refere-se a uma estrutura na representação do tempo, em que se dá privilégio ao presente, desqualificando a primazia do antigo, “pondo em que stão a instância
normativa do passado” (p.226). Desse modo, a primeiro ciclo da modernidade no ocidente teve lugar na Grécia, o se gundo na idade média e o terceiro ciclo
quando da ilustração, que Perine (1992) designa por modernidade moderna.
2 Conforme Lima Vaz, o enigma da modernidade resulta da impossibilidade da Civilização Ocidental de criar um ethos adequado ao seu projecto e às suas
práticas de Civilização Universal (Lima Vaz, 1997, p.141). Esclarecimentos adicionais sobre o significado do termo enigma da modernidade, no sentido que
ele é usado por Lima Vaz podem ser consultados em Perine (2002, pp: 49-68).
3 Para a elaboração do trabalho, conforme será exposto na apresentação do roteiro metodológico, foram consultados documentos elaborados pelo Ministério da
Educação (MINED) sobre o processo de reintrodução da Filosofia, quanto os elaborados pelo Departamento de Filosofia da Universidade Pedagógica (UP), a
instituição que teve a responsabilidade de efetivar o projeto de reintrodução da Filosofia a pedido do Ministério da Educação.
4 De acordo com o documento pesquisado, os estudantes do nível médio apresentavam três déficits: o epistemológico, o moral e o político. Assim, o programa de
ensino de Filosofia estava organizado, em vista desses três déficits, em três eixos temáticos: a Lógica e a Epistemologia, a Ética e a Filosofia Política.
5 O conceito de moralizar, conforme o intelectual em referência, deve ser entendido no sentido de as pessoas “saberem quais são os valores, as pessoas saberem
quais são as normas e que as pessoas respeitem essas normas a partir da compreensão da sua justificabilidade, da compreensão da sua fundamentabilidade”
[idem, idem].
6 Pretendemos destacar que nos programas anteriores havia uma mistura de informação filosófica-antropológica, sem um compromisso educativo efetivo, no
sentido de ideal de homem que se pretende com a inclusão do eixo temático de Ética.
7 O programa final de ensino de Filosofia apresenta três colunas. Na primeira coluna são apresentados os objetivos de cada um d os eixos. Na segunda, a
distribuição dos conteúdos e, na terceira, as orientações metodológicas. A leitura do programa
8 Existe uma terceira subseção que discute os problemas da Ética ambiental e da Bióetica. Para os objetivos da pesquisa, nos circunscrevemos aos conteúdos da
Ética individual e da Ética individual. Tal opção não significa que aqueles problemas não sejam relevantes na formação do aluno. Interessava-nos compreender
os problemas sociais que a Ética no ensino de Filosofia vinha responder, de acordo com os contextos histórico, político e econômico por que Moçambique
passava e ainda passa.
10 Usamos o termo “inacabada modernidade”, pois, conforme será discutido, o projeto de modernidade socialista foi abandonado pelos principais defensores,
sem aviso prévio aos “destinatários” do mesmo, isto é, as maiorias sociais.
11 Sobre o significado do conceito de modernidad em uso neste texto ver Lima Vaz (2002)
12 Graça Machel, formou-se como Bacharel em Filologia da Língua Alemã pela Universidade de Lisboa. Foi Ministra da Educação e da Cultura no primeiro
governo moçambicano durante cerca de 12 anos ( 1976-1988). Criou uma organização sem fins lucrativos a Fundação para o Desenvolvimento da
Comunidade. Em 1990 foi nomeada pelo Secretário Geral da Organização das Nações Unidas para o Estudo do Impacto dos Conflitos Armados na Infância.
Como reconhecimento do seu trabalho, recebeu a "Medalha Nansen" das Nações Unidas em 1995.Entre as várias atividades que desempenha atualmente,
podem ser mencioadas a chancelaria da Universidade de Cape Town, uma das mais importantes Instituições de Ensino Superior da África do Sul.
13 Para Sócrates, o verdadeiro valor do homem reside no bem da alma, isto é, no cuidado do homem interior. Esse cuidado exige, antes de mais nada, o
conhecimento de si mesmo, que emana da célebre injunção: “conhece-te a ti mesmo”. Todo o ensinamento socrático admite ser condensado nestas duas
proposições: “conhece-te a ti mesmo” e “cuida de ti mesmo”. E o “si mesmo” significa a própria alma, o homem interior — não o próprio corpo.
15 Sobre esta temática ver em GONÇALVES, António Cioriano Parafino. “A reintrodução do ensino de Filosofia em Moçambique: atores, estratégias e
fundamentos. Cadernos de Educação. Universidade Federal de Pelotas. Maio-Agosto 2010, pp 237-271
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