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1. Introdução
1
Livre-docente pela USP. Mestre e Doutora pela PUC/SP. Autora dos livros Reponsabilidade tributária e o Código Civil de 2002
e Presunções no direito tributário. Professora do IBET, PUC/COGEAE e FGV. Advogada em São Paulo.
2
REsp 948.117, Rel. Min. Nancy Andrighi.
2
O direito positivo brasileiro prevê duas espécies de grupo empresarial: o de direito, disciplinado
pelos art. 265 a 278 da Lei n. 6.404/76, e o de fato, regulado pela legislação trabalhista (Decreto-lei n.
5.452/43) e tributária (IN RFB n. 971/09). Todavia, independentemente da espécie, as sociedades que integram
o grupo mantêm autonomia jurídica e econômica, vale dizer, ainda que componham uma unidade empresarial,
com objetivos e metas comuns, mantêm íntegras suas personalidades jurídicas, com patrimônios
individualizados, nos termos dos arts. 266 e 278, § 1º, da Lei 6.404/76.
Tal é a independência das sociedades que compõe o grupo econômico que a Lei das Sociedades
por Ações foi expressa ao prescrever que não haverá presunção de responsabilidade solidária entre elas,
devendo cada uma responder por suas obrigações, exceto nas hipóteses expressamente previstas na legislação
(art. 278, § 1º).
3
O grupo econômico “de direito” encontra-se regulado nos art. 265 a 278 da Lei 6.404/76. Por ora
interessa-nos o art. 265 e parágrafos, in verbis:
Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo,
grupo de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para
a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns.
§ 1º A sociedade controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou
indiretamente, e de modo permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de
sócio ou acionista, ou mediante acordo com outros sócios ou acionistas.
§ 2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá ao disposto no art.244.
A legislação societária não regulamenta o grupo econômico “de fato”3. Podemos encontrar na
legislação trabalhista e tributária definições acerca desta forma de organização, lembrando que, nesse último
caso, trata-se de regulamentação infralegal (instrução normativa). Vejamos:
3
Registre-se que mesmo o Grupo Econômico “de fato” é de direito, uma vez que, para ser tido como grupo, deve, necessariamente,
ter sido reconhecido juridicamente como tal.
4
§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica
própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial,
comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego,
solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
Art. 494. Caracteriza-se Grupo Econômico quando 2 (duas) ou mais empresas estiverem sob a direção,
o controle ou a administração de uma delas, compondo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra
atividade econômica.
De acordo com as normas acima citadas, há grupo econômico quando existir controle,
administração ou direção entre as sociedades envolvidas. E não há quando esses requisitos não se
revelarem presentes.
Fábio Ulhoa Coelho4, ao explicar o que são grupos de sociedade, ensina:
Quando, consideradas duas sociedades, uma detenha dez por cento ou mais do capital da outra, essas
companhias serão consideradas coligadas. A coligação corresponde, portanto, a um nível de
participação igual ou superior a dez por cento, desde que incapaz de conduzir o controle, haja vista a
possibilidade de controlar-se uma companhia (controle minoritário) com dez por cento do capital, ou
até com uma participação inferior.
Do exposto, podemos afirmar que para a configuração do grupo “de fato” é necessário que (i) uma
das sociedades tenha influência significativa na outra, sem controlá-la (coligada), ou (ii) uma das empresas
seja titular de direitos de sócio sobre as outras que lhe assegure, de modo permanente, preponderância nas
deliberações sociais, em especial o de eleger a maioria dos administradores (art. 116, ‘a’), hipótese em que
será considerada sociedade controladora.
De acordo com o art. 1.097 do Código Civil, consideram-se coligadas as sociedades que, em suas
relações de capital, são controladas, filiadas ou de simples participação, na forma dos art. 1.098 a 1.101 do
mesmo diploma legal.
E para serem consideradas controladas, filiadas ou de simples participação, as empresas deverão
possuir:
4
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual do Direito Comercial – Direito da empresa, 23ª ed. São Paulo. Saraiva. 2011, p. 256.
5
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 10. ed. rev., aum. e atual. Rio de Janeiro. Renovar, 2007, p. 522/523.
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1) Maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou assembleia geral e o poder de eleger a
maioria dos administradores;
2) O poder perante outra sociedade mediante ações ou quotas possuídas por sociedade já
controlada;
3) Dez por cento ou mais do capital da outra empresa sem controlá-la;
4) Menos do que dez por cento do capital de outra com direito a voto.
Em não sendo constatada qualquer uma das hipóteses acima, não há como admitir que duas
empresas sejam coligadas.
No que diz respeito às sociedades controladoras e controladas, temos que tal organização
societária se dá quando uma das empresas for titular de direitos de sócio sobre as outras, direitos esses que lhe
assegure, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais, em especial o de eleger a maioria
dos administradores (art. 116, ‘a’).
Nesse ponto, passa a ser relevante tratar das situações em que, formalmente, as sociedades não são
coligadas e tampouco controladas, mas que, em função dos indícios identificados, dentro de determinado
contexto, conclui-se pela formação de grupo econômico “de fato” e autoriza-se, normalmente com fulcro no
art. 50 do CC, o “redirecionamento” da cobrança da dívida.
Tais indícios consistem, precipuamente, na identificação das seguintes situações:
Independência meramente formal de pessoas jurídicas (que, na realidade, submetem-se a uma
mesma unidade gerencial, laboral e patrimonial)
Identidade de administradores e contadores
Formação de quadro societário pelos mesmos indivíduos ou seus parentes
Estrutura administrativa compartilhada
Atuação idêntica, similar ou complementar
Obviamente que, de forma isolada, tais indícios são irrelevantes para a comprovação da existência
de grupo econômico. E a ausência de alguns deles é igualmente irrelevante. O controle é o dado decisivo, em
que pese os fatos acima descritos colaborarem para o convencimento de que havia controle entre as pessoas
jurídicas envolvidas.
Portanto, um grande ponto de atenção que envolve a matéria em questão diz respeito às provas,
tanto da existência do grupo econômico (prova essa que não raramente é produzida de forma superficial,
pautando-se em fracas e inconsistentes presunções), quanto das condições que justificam a
corresponsabilidade, uma vez que compor um o grupo de sociedades é, por si só, fato totalmente insuficiente
para autorizar a responsabilidade patrimonial de terceiro.
no arrendamento mercantil e pela ilegitimidade do Banco Mercantil do Brasil S/A para figurar no polo
passivo da demanda.
2. A Primeira Seção/STJ pacificou entendimento no sentido de que o fato de haver pessoas jurídicas
que pertençam ao mesmo Grupo Econômico, por si só, não enseja a responsabilidade solidária, na forma
prevista no art. 124 do CTN. Precedentes: EREsp 859616/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/02/2011, DJe 18/02/2011; EREsp 834044/RS, Rel.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/09/2010, DJe
29/09/2010).
3. O que a recorrente pretende com a tese de ofensa ao art. 124 do CTN - legitimidade do Banco para
integrar a lide -, é, na verdade, rever a premissa fixada pelo Tribunal de origem, soberano na avaliação
do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que é vedado ao Superior Tribunal de Justiça por
sua Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido. AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.392.703 - RS
(2011/0040251-7
6. Deveras, o instituto da solidariedade vem previsto no art. 124 do CTN, verbis: (...) Nesse diapasão,
tem-se que o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal
implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à
ocorrência do fato imponível. Isto porque feriria a lógica jurídico-tributária a integração, no polo
passivo da relação jurídica, de alguém que não tenha tido qualquer participação na ocorrência
do fato gerador da obrigação. (...) 9. Destarte, a situação que evidencia a solidariedade, quanto ao
ISS, é a existência de duas ou mais pessoas na condição de prestadoras de apenas um único serviço
para o mesmo tomador, integrando, desse modo, o polo passivo da relação. Forçoso concluir,
portanto, que o interesse qualificado pela lei não há de ser o interesse econômico no resultado ou
no proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, mas o interesse
jurídico, vinculado à atuação comum ou conjunta da situação que constitui o fato imponível.
10. In casu, verifica-se que o Banco Alfa S/A não integra o polo passivo da execução, tão-somente pela
presunção de solidariedade decorrente do fato de pertencer ao mesmo Grupo Econômico da empresa
Alfa Arrendamento Mercantil S/A. Há que se considerar, necessariamente, que são pessoas jurídicas
distintas e que referido banco não ostenta a condição de contribuinte, uma vez que a prestação de serviço
decorrente de operações de leasing deu-se entre o tomador e a empresa arrendadora. (...)
Ademais, inexiste solidariedade entre a instituição bancária e a empresa arrendadora, uma vez
que realizam operações distintas, não tendo a instituição bancária gerência nas operações de
leasing. Dessa forma, com essas considerações, o que a recorrente pretende com a tese de ofensa ao art.
124 do CTN - legitimidade do Banco para integrar a lide - é, na verdade, rever a premissa fixada pelo
Tribunal de origem, soberano na avaliação do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que é
vedado ao Superior Tribunal de Justiça por sua Súmula n.7. Assim sendo, CONHEÇO do agravo de
instrumento para NÃO CONHECER do recurso especial. (destacamos)
Note-se a relevância dos termos fixados nessa decisão, de fundamental avaliação para que não se
extrapole a possibilidade legal da corresponsabilidade pelo débito tributário, em flagrante violação aos direitos
constitucionalmente assegurados aos contribuintes que cumprem com suas obrigações fiscais e não
participam, direta ou indiretamente, de fraudes. Vejamos:
1. O interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal implica que
as pessoas solidariamente vinculadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato
imponível. Isto porque feriria a lógica jurídico-tributária a integração, no polo passivo da relação jurídica, de
alguém que não tenha tido qualquer participação na ocorrência do fato gerador da obrigação.
2. Se não houver gerência de uma empresa sobre outra pertencente ao mesmo grupo, a
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b) Esse mesmo artigo não pode ser utilizado na hipótese de fraude e ausência de prática
comum do fato gerador, pois a lei não permite construção tão larga e extensiva de sentido, sendo
também tal prática contrária ao entendimento consolidado na jurisprudência do STJ.
Este enunciado, segundo nosso entendimento, não pode servir de fundamento de validade para o
redirecionamento, tendo em vista contemplar, apenas e tão somente, a responsabilidade de pessoas físicas que
tenham agido com excesso de poderes, infração de lei ou contrato social, posto contemplar, em seus incisos I
a III, os pais, tutores, curadores, administradores de bens de terceiros, inventariante, síndico, comissário,
tabeliães, escrivães, serventuários de ofício, mandatários, prepostos, empregados, diretores, gerentes e
representantes de pessoas jurídicas. Todos eles são pessoas físicas e, no caso, nosso propósito é analisar a
responsabilidade das pessoas jurídicas participantes de grupos econômicos.
Não percamos de vista, por fim, que o art. 135 do CTN é modalidade de sujeição passiva tributária
(art. 121, II, do CTN), devendo o terceiro ser chamado para participar do processo na qualidade de parte (autor
ou réu), com todas as consequências disso advindas (litisconsórcio, necessidade de o auto de infração ser
contra ele lavrado, decadência da inclusão do administrador para responder pela dívida, inscrição em dívida
ativa, prescrição no redirecionamento, ausência de CND etc.).
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Transcrevemos apenas o art. 135 do CTN, tendo em vista que o art. 50 do CC já foi objeto de transcrição nesse texto. Vejamos:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de
poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I - as pessoas referidas no art.anterior;
II - os mandatários, prepostos e empregados;
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
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Como vimos, o CTN não regula a responsabilidade tributária dos grupos econômicos na hipótese
de fraude. Assim, diante da inexistência de regra específica, cabe-nos analisar a aplicabilidade do art. 50 do
CC.
De acordo com referido artigo, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada se
houver abuso da personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Vejamos o que prescreve referido artigo, in verbis:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento das partes, ou do Ministério Público quando
lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios das pessoas jurídicas.
Nos termos da lei, a personalidade jurídica pode ser desconsiderada pelo Judiciário diante da
presença de abuso de personalidade, definido pelo cometimento de desvio de finalidade ou confusão
patrimonial.
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O desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica for indevidamente utilizada para fins
diversos dos previstos no ato constitutivo, e dos quais se infira a deliberada aplicação da sociedade em
finalidade irregular e danosa, provocando necessariamente lesão a direito de terceiros.
O desvio pode coincidir com as materialidades previstas no art. 135 do CTN – como por exemplo
a infração ao contrato social – mas este enunciado se diferencia no que diz respeito à autoria: no CTN temos
o administrador, responsável tributário que agiu de forma ilícita na gestão da sociedade. E como os grupos
econômicos não são pessoas físicas, as infrações tributárias por eles praticadas não estão tipificadas neste
artigo, e em nenhum outro do CTN, não havendo norma específica para o caso. Deve-se, portanto, aplicar
subsidiariamente o Código Civil.
Já a confusão patrimonial consiste na impossibilidade de fixação de limite entre os patrimônios da
pessoa jurídica e o dos sócios e acionistas, tamanha a mistura (confusão) que se estabelece entre ambos. Resta
configurada, por exemplo, quando a sociedade paga dívida do sócio e quando há bens também de sócio
registrados em nome da sociedade e vice-versa, não havendo suficiente distinção, no plano patrimonial, entre
as pessoas – o que pode ser verificado pela escrituração contábil, movimentação financeira e extratos
bancários.
Trata-se da concepção objetiva da desconsideração, que não toma como premissa a fraude e o
abuso, de caráter eminentemente subjetivo e de difícil comprovação. A prova, na confusão patrimonial, tende
a ser mais simples e objetiva.
Confira-se, a esse respeito, a seguinte decisão da lavra do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no
Agravo em Recurso Especial nº 231.558/PR – 4ª Turma – Relator Ministro Luis Felipe Salomão – DJ
18/12/2014), que acatou a desconsideração da personalidade jurídica por entender ter havido mistura de
patrimônios, perpetrada com a finalidade de fraudar credores ao impedir o adimplemento da dívida:
impedindo o adimplemento das dívidas, razão pela qual não há como excluí-las do pólo passivo da
execução" (fl. 368), sendo de rigor a ratificação do veredicto de primeiro grau neste tópico
Quanto à fraude à execução, na mesma linha, o acórdão recorrido entendeu presentes seus requisitos,
notadamente a má-fé entre as partes. (destacamos)
Sem dúvida alguma, a confusão patrimonial é eloquente indício de fraude. Mas só pode ser
entendida e aplicada como confusão patrimonial, e não como qualquer outro conjunto probatório que
justifique, finalisticamente, a garantia do crédito tributário mediante a atribuição de responsabilidade
patrimonial a terceiros. Para a garantia do crédito, o Fisco possui outros meios legítimos.
A jurisprudência vem construindo inúmeras acepções ao termo confusão patrimonial, em nossa
avaliação de forma equivocada e ao arrepio da lei, tendo em vista empregar uma amplitude quase que ilimitada
às possibilidades de desconsideração, em flagrante violação à legalidade e à segurança jurídica dos
contribuintes, que são paulatinamente surpreendidos com autos de infração e redirecionamentos de execuções
fiscais.
Ora, o termo confusão patrimonial, embora não definido em lei, não pode ser considerado de
elevada imprecisão semântica. Existe um conteúdo mínimo que nos permite concluir o que é confusão, e o
que não é.
Se duas empresas possuem os mesmos sócios e encontram-se estabelecidas na mesma localidade,
mas possuem contabilidade e movimentações financeiras próprias e há perfeita distinção patrimonial, não há
que se falar com confusão patrimonial!
A interpretação extensiva desconsidera o limite imposto pelo art. 50 do CC, construindo o
significado da proposição independente do enunciado prescritivo. Mas não percamos de vista que o texto é
início e limite para a interpretação. Em idêntico tempo e lugar encontramos interpretações diversas sobre os
mesmos eventos físicos, sobre as pessoas e seus valores. É possível conviver com a diferença, fruto da
imprecisão natural da linguagem e, sobretudo, das ideologias e da abertura do texto.
O texto normativo precisa ser aberto, caso contrário a lei seria excessivamente inflexível no tempo
e acabaria por deixar de regular as condutas humanas, sua razão de existir. Entretanto, é defeso ao intérprete
subverter o conteúdo semântico mínimo presente no contexto histórico em que ele se processa. E, por conteúdo
semântico mínimo, deve-se entender a significação de base do termo, outrora arbitrada e aceita pela sociedade
(consenso construído ao longo da história, em torno de um determinado significado).
O Supremo Tribunal Federal já enfrentou essa questão (RE 390.840-5), sendo as seguintes as
valiosas palavras do Min. Marco Aurélio:
Não posso, onde está escrito receita bruta, entender que houve referência a faturamento, a receita
líquida. Não posso! Se o fizer, estarei partindo para um campo de absoluto subjetivismo. Tenho que
enfrentar a lei tal como ela se contém. Tenho que proceder ao cotejo sem substituir-me como que ao
legislador, sem alterar o próprio texto legal.
Merece destaque, também, parte do voto do Min. César Peluso, nessa mesma decisão:
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Mostrou Saussure que ninguém pode duvidar de que o termo (signo lingüístico) não decorre da natureza
do objeto (significado), mas é estipulado arbitrariamente pelos usuários da linguagem, mediante
consenso construído ao longo da história, em torno de um código implícito de uso. Por maiores que
sejam as imprecisões, há sempre um limite de resistência, um conteúdo semântico mínimo,
recognoscível a cada vocábulo, para além do qual o intérprete não está autorizado. Na grande maioria
dos casos, os termos são tomados no significado vernacular corrente, segundo o que traduzem dentro
do campo de uso onde são colhidos, seja na área do próprio ordenamento jurídico, seja no âmbito das
demais ciências, como economia, biologia etc., sem necessidade de processo autônomo de elucidação.
Quando não haja conceito jurídico expresso, tem o intérprete de se socorrer, para a re-construção
semântica, dos instrumentos disponíveis no próprio sistema do direito positivo, ou nos diferentes corpos
de linguagem.
E como identificar o mínimo a partir do texto? Parece-nos que essa tarefa é possível mediante, a
princípio, (i) a contraposição às demais classes de definições dos termos (o que é renda não é serviço, receita,
circulação etc.); e (ii) pela definição pela negativa, ou seja, dentro do conjunto de fatos que podem ser
considerados confusão patrimonial, não podem ser aqueles que não impliquem mistura de patrimônios, tais como
mesmos sócios, estrutura administrativa (endereço, empregados, equipamentos, custos) e atividades
operacionais.
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COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, fl. 464.
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Ademais, com base numa interpretação teleológica, podemos afirmar que a finalidade da
disregard doctrine, contida no art. 50 do CC, é combater a utilização indevida do ente societário por seus
sócios, além do abuso de direito e da fraude contra credores. A utilização indevida da personalidade jurídica
pode, outrossim, compreender tanto a hipótese de o sócio esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica para fraudar
terceiros, quanto no caso de ele esvaziar o seu patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integralizar
em pessoas jurídicas, ou seja, transferir seus bens a entes societários, de modo a ocultar o seu patrimônio. O
esvaziamento aplica-se igualmente entre empresas de um mesmo grupo econômico.
E a jurisprudência não destoa da linha ora defendida. A esse respeito confira-se a decisão proferida
no Recurso Especial nº 948.117, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, e julgado em 22/6/10:
Por fim, a desconsideração inversa foi expressamente indicada no § 2º do art. 133 do CPC/15, o
que afasta qualquer dúvida acerca de sua aplicação para os casos de grupos econômicos.
4.3. Por que o art. 135 do CTN não trata da desconsideração da personalidade jurídica?
Uma última consideração sobre o tema precisa ser feita. Muito embora tanto na desconsideração
da personalidade jurídica, quanto na responsabilidade tributária, terceiro que não praticou o fato gerador acabe
sendo compelido a responder pelo passivo fiscal, no primeiro caso temos responsabilidade patrimonial,
fundada no art. 50 do CC, e no segundo responsabilidade tributária do administrador, hipótese de sujeição
passiva tributária (art. 121, II, do CTN), devendo o terceiro ser chamado para participar do processo na
qualidade de parte (autor ou réu), com todas as consequências disso.
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apresentar defesa prévia e opor embargos de terceiros – e não de devedor – quando o incidente não for
instaurado.
Observe-se, ademais, que referidos enunciados encontram-se no Capítulo IV do Título III do
Código, que dispõe sobre as hipóteses de intervenção de terceiros.
Se é assim, rigorosamente o correto é requerer a desconsideração da personalidade jurídica, e não
o redirecionamento da execução fiscal (como ocorre com os administradores – art. 135 do CTN).
Finalmente, temos a impossibilidade de inscrição do devedor em dívida ativa e no CADIN, a
inaplicabilidade da decadência da inclusão do terceiro da relação jurídica e os embargos de terceiro serem a
via processual adequada para discussão do mérito da cobrança, quando o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica não foi instaurado.
Fixadas todas as premissas acima, imprescindíveis à nossa reflexão, podemos agora analisar os
aspectos relevantes do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Vejamos o que prescreve a
lei:
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério
Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento
de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição
inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da
personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas
cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução,
será ineficaz em relação ao requerente.
Por incidente processual entenda-se o ato ou a série de atos realizados no curso de um processo,
sem que surja nova relação jurídica processual. O incidente é acessório à ação principal, provoca sua suspensão
e influencia o próprio mérito, devendo ser decidido pelo juiz antes da questão principal.
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De acordo com o CPC/15, o incidente não pode ser conhecido de ofício, sendo necessária a sua
provocação.
A lei referida nos parágrafos 1º do art. 133, e 4º do art. 134, é material. Interessa à seara tributária
o art. 50 do CC acima já analisado, embora existam legislações de outras naturezas a regular a desconsideração
da personalidade jurídica, tais como o art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, o art. 18 da Lei. 8.884/94
(Lei Antitruste) e o art. 4ª da Lei 8.078/90 (Lei do Meio Ambiente).
Reiteramos que o art. 135 do CTN, por não tratar da desconsideração de personalidade jurídica (e
sim de sujeição passiva tributária), não se sujeita ao incidente.
Sem dúvida alguma o CPC/15 poderia ter avançado mais, e também submetido a seu rito as
hipóteses de sujeição passiva, mas o fato que é não o fez. Portanto, de forma resumida temos o seguinte:
c) A defesa possa versar tanto sobre o mérito da cobrança propriamente dita (inexigibilidade do crédito
tributário), quanto sobre os pressupostos que autorizariam a inclusão do terceiro na lide, e que deve
defender-se por meio de embargos de terceiro se o incidente não for instaurado (art. 674, § 2º, III, do
CPC/15).
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A posição ora defendida é minoritária tendo em vista que o STJ decidiu que a dissolução irregular é infração à lei prevista no art.
135 (Súmula 435, EREsp 716412/PR etc.). Data vênia, não concordamos com esse entendimento e acreditamos que ele poderá ser
revisto, em especial a partir de todas as reflexões que se farão após o CPC/15. O caput do art. 135 do CTN é categórico ao afirmar
que a infração deve resultar no fato gerador. Esse não é o caso da dissolução irregular, que ocorre após esse evento.
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prejuízo à Justiça e em contramão a todo o esforço que vem sendo realizado para a diminuição de recursos e
a efetividade da prestação jurisdicional.
Por ser incidental e prejudicial, e ser cabível até mesmo na fase de cumprimento de sentença, o
processo principal deverá ser obrigatoriamente suspenso.
A instrução probatória pode ou não ocorrer, a depender do pedido formulado pelo terceiro
interveniente, nos termos do art. 136 do CPC/15, e do juiz, a quem compete acatar o pedido de produção de
outras provas além das apresentadas na manifestação preliminar da parte.
Finalmente, ao final do incidente processual será proferida decisão de natureza interlocutória (ato
pelo qual o juiz decide questão incidental com o processo ainda em curso), passível de recurso por meio de
agravo de instrumento (art. 1.015 do CPC/15).
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5) Considerações finais
Uma nova realidade jurídica tributária se apresenta, levando-nos a uma série de reflexões, dentre
elas as semelhanças e diferenças dos regimes jurídicos aplicáveis aos grupos econômicos e administradores,
e o incidente de desconsideração da personalidade jurídica introduzido pelo CPC/15.
As consequências da nova legislação processual (CPC/15), e da, talvez, mais adequada
interpretação dos artigos 50 do CC e 124, I e 135 do CTN, impõem-nos a necessidade de urgente reavaliação
dos regimes jurídicos até aqui aplicados pela jurisprudência e defendidos na doutrina.
São profundas as inovações que teremos pela frente, tais como os embargos de terceiros, a
responsabilidade meramente patrimonial e o próprio incidente. Os dois quadros abaixo visam, nesse contexto,
sintetizar nosso entendimento acerca da matéria, reiterando que neste trabalho tratamos da responsabilidade
por atos ilícitos.
Quadro I: grupos econômicos versus responsabilidade do administrador
INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA
Incidente processual
Aplicável somente no caso de desconsideração da
personalidade jurídica (art. 50 CC).
Desconsideração tradicional e inversa da
personalidade jurídica
Cabível em todas as fases do processo de
conhecimento, cumprimento de sentença e execução
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de título extrajudicial
Suspensão do processo principal
Defesa pode versar tanto sobre o mérito da cobrança
quanto sobre os pressupostos autorizadores da
corresponsabilidade patrimonial
Se a desconsideração for requerida na petição inicial,
dispensa-se a instauração do incidente
Possibilidade de ampla produção probatória antes do
despacho que autoriza a responsabilidade
patrimonial
Prescrição para o pedido de desconsideração: 5 anos
contados da identificação do ilícito (teoria da actio
nata)
Incidente será resolvido por decisão interlocutória,
passível de ser agravada