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VOL. II .NúM.1
*
FLORESTAN FERNANDES,
Sociologia como Afirmação; CEL-
SO FURTADO, Reflexões sôbre
a pré-revoluçãt? brasile~; EZIO
TA. VORA DOS SANTOS, Mercado
interno e desenvolvimento; FER-
NANDO HENRIQUE CARDOSO,
O método ' dialético na análise
sociológica; HllLIO SCHLITTLER
SILVA, Comércio exterior do Bra-
sil e desenvolvimento econômico;
ANíBAL PINTO, Notas sobre
la distribución deI ingreso y la
estrategia de' la redistribució1.l;
ADJUARDO TERRA CA.LDEIJ~A,
Estudo sôbre . discriminação de
preços; UNESCO/CEPAL/OEA,
Relatório sôbre os aspect.o s sociais
DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONOMICAS
do desenvolvimento econúmico na
DA UNIVERSIDADE DE MINAS GERAIS
América I.,a:tina; CEPA !..I; A . Infll'- .
BELO HORIZONTE, BRAS~L ção no Brasil.
REVISTA BR AS ILEI RA DE CIÊNCIAS SOCIAIS REV ISTA BRAS IL EIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
1)" Fncul.1ade d e Ciências Econômicas da Universida de de l\linas Gerais PUBLICAÇAO QUADRIMEST RAL ,
P ublicação qu adrimes tral editada em março, j ulho e n ovembro
VOL. II MARÇO DE 1962
S E CRETARIO
íNDICE
P rofessor Julio Barbosa
'I'ô!la cv'/"Tcspondência deveTá ser endereçada ao SecretáTio ( 1II .. (,,' d41 úx tCl'ÍOl' c desenvolvimento econômico do Brasil, Hélio
lia. JU1V/87'A BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS) à rua :->ellli ltI l' Silva . . . .. . .. ....... . . . .. ... , . " " . .. . . . , .. . ' .... 107
Unri./'i l)('(. , 882) Bdo lIorizontc) Bmsil, N "I " " " "1,,,(\ l u. Cll l-4 l,l'lIl11dólI d eI ing l'eso y la estl'at egia de la l'edis-
I.l'Ihll«'l .... t\ nUm l P i n lo .. .. . .... .. .. . , . . .... . .. . .. . .. . ... , . 175
I'Jtlr.Ç OH l r. ASS INA'I'( I J~A S :
I': 1,111141 " hl"\ clI"c'I'I III III II.Çl 41 cio III'C~:os, Admardo T erra Caldeir a .. 195
1'1'(' (; 0 do /lún l (' I'O r$ :300,00 / US$ J ,00 I(,C.III,I l'I u " hl'(\ U" tt" p' ''' I,ur-' "oc',III,11-4 d o dC Isellvolv ill1cn t o econômico
" '" 1\ 111 I'I C"L 1.11,111 ...., IINrr::-; ' ( / l ~rAL / EA .. . . . . . ... . . . . . . 251
Á HII I II IL III I'H. I Ulwd '1 '$ HOO,OO / LJ8$ : ~ , O()
111 1'1111. ,u "" UI·II,MII . (J lill' A I, .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271
CI 1I" .lIel" cl ~ ~ \ C ~ I' U . ~ I" ".It~. ~ II C \ ••~ . .. ht .", 11",01'" "II I' I'" II I"
I " /lel lI l',·II·" 1111, 1I 11C 1H, , 1'1 .... e111 1'11 11111 , HII' , 111.11' " HI ' I ~ 11111 . , Nu' ,1111 .11 ' ...·/111 1'1 :10J
Colaboram neste número:
ção de explicar a realidade social nas condições de suas ma- relações essenciais que aparecem de imediato, como afirmava
nifestações empíricas é, em geral, dominante neS$e tipo de Marx, «mistificadas», (3)
trabalho, Sociolàgicamente isso significa que a interpretação dia-
Na interpretação dialética as relações que se procura lética opera com relações que se manifestam em dois planos,
determinar nas totalidades também estão referidas de maneira Existem motivos, fins e condições sociais que os agentes so-
imediata aos processos sociais reais, e também existe o escôpo ciais se representam em função das manifestações que assu-
de reproduzir o real como concreto, Mas, neste caso, o con- mem empiricamente, Ê evidente que tanto como representa-
creto aparece como o resultado de um processo de conheci- ções sociais quanto como resultados efetivos de representações,
mento marcado por um movimento da razão que implica numa êsses fenômenos se exprimem através de regularidades obje-
elaboração muito mais complexa do que a abstração dos pa- tivas que podem ser verificadas e explicadas sociolàgicamente
drões gerais, ainda que essenciais, que regulam a interação (sem têrmos de conexões estruturais, funcionais ou de sen-
nas condições empíricas de sua manifestação, Mesmo n deH- tido), Porém, a explicação científica deve passar da análise
coberta que se obtém nas explanações descritivas dus condI- dêsse plano para a descoberta das conexões que as regula-
ções e fatôres cujos efeitos resultam na produção, numu dt\l<u'- ridades empíricas mantêm com as condições, fatôres, e efeitos
minada «ordem», de um sistema integrudo ou de umu Hitunçii.o essenciais que determinam realmente a dinâmica e o sentido
social dada, é insuficiente para os propó/ilitos cognitivos da do processo social. Ê óbvio que os motivos e fatôres que ope-
interpretação dialética, Nesse último tipo do ('xplicuçlto, pUl'll ram no plano das relações essenciais não cáem necessàriamente
que as relações que se procura determinur numu totalidltde no nível de consciência social, ou aparecem deformados,
assumam sentido heuristico, elas não podem ser retidas cem-
Entretanto, os dois planos da totalidade concreta não su.o
ceptualmente como simples reprodução no pensamento de rela- concebidos teàricamente como se um fôsse a conseqUência
ções empíricas, nem basta que a teoria seja capaz de descobrir irreversível ou mecânica do outro, nem, muito menos, como
os padrões que regem as conexões entre as relações, O ponto
se os processos sociais, tal qual os agentes sociais os repre-
de partida imediato, o real, transfigura-se na análise dialé-
sentam, se constituíssem como meros «envólucros» sem cficáclll
tica, numa série de mediações pelas quais as determinações sôbre as condições que realmente determinam o procesHo
imediatas e simples (e por isso mesmo parciais, abstratas) social, Ao contrário, as relações entre os dois planos são dill-
alcançam inteligibilidade ao circunscreverem-se em constela- léticas, e, na construção das totalidades sociais, é nccessárlo
ções globais (concretas), Por isso o concreto foi definido em
elucidar as conexões recíprocas que os mantém como umn
conhecida frase de Marx, como «a síntese de muitas deter-
unidade entre polos opostos, diversos, mas integrados,
minações, a unidade do diverso», Mas a operação intelectual
Êsse procedimento metodológico explicita-se na análise' dn.
pela qual se obtém a «totalidade concreta» implica em que o
movimento da razão e o movimento da realidade sejam vistos sociedade capitalista em O Capital. Por um lado, há um movl-
através de relações recíprocas, e determinados em sua cone-
3, Estas explanações fundam-se nos segulntoR trnbnlhoH 11r M IU'X :
xão total, Por isso, a interpretação totalizadora na dialética
a) El Oapital, critica dc ln cconomia. 1IOUtiOa., t.rn<l, «11\ Wl1I1-
faz-se através da elaboração de categorias capazes de reter, ceslao RoceH, Fonuo d(1 Cnltnt'n ]J]conõmlcll, Mt'\xl(~(),III4I1, li
ao mesmo tempo, as contradições do real em têrmos dos fatô- tomos,
res histórico-sociais efetivos de sua produção (e, neste sentido, b) OrU1.01l, /lI/. 10001/,01l/.tl/. 1'oIlU./'II, tl'ull, ]1'lm'oHtrtll Wl\l'tJn.Il!'lIllt,
categorias «saturadas histàricamente», empiricas) e de cate-
gorias não definidas empiricamento, capnzoH do desvendar fUI
, . l!ldltl\l'll lI']n.1l1ll., Hn,() 1'11,1110, 111111,
(~) M'N/l1'tl ti" III 1'hf,IIlNlll"',''', ]Olllllllm~ HIlI,ln]Il,., I'nl'IH, 11147,
92 REVISTA BRASILEIRA DE CIJ;;NCIAS SOCIAIS o MÉTODO DIALÉTICO NA ANALISE SOCIOLÓGICA
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mento da razão para a determinação das relações essenciais A mais-valia não se inscreve como um dado da realidade
e a revelação conseqüente da forma imediata que essas rela- empírica, como o lucro. Entretanto, só a partir daquéle
ções assumem na realidade; determina-se a mais-valia como conceito é possível entender o sistema capitalista como uma
conceito básico do sistema capitalista e ipso facto desvenda-se totalidade concreta: como num movimento de determinações
Rua aparência empírica sob a forma de lucro, o mesmo suce- essenciais (classe capitalista e classe proletária produzindo
dt'lldo no que diz respeito à taxa de mais-valia e à taxa mais valia em condições determinadas de organização das
de lucro: fôrças produtivas) que se objetivam sob formas que ao mes-
mo tempo as negam e exprimem (o lucro, o mercado, a cir-
«ainda que a taxa de lucro difira numericamente
culação e distribuição de mercadorias etc).
da taxa de mais-valia, enquanto mais-valia e lucro
são realmente o mesmo e iguais numericamente, o Por outro lado, o real fenomênico não possui a significação
lucro é, contudo, uma forma transfigurada de mais- de uma construção do espírito destituída de conteúdo, sentido
valia, forma na qual se delineiam e se obscurecem e eficácia. Ao contrário, êle é um modo de ser determinado
sua origem e o segrêdo de sua existência, Na reali- que exprime um dos níveis da totalidade concreta, e mantém
dade o lucro não é outra coisa senão a forma sob relações dialéticas com as relações essenciais que não se obje-
a qual se manifesta a mais-valia, que só pode des- tivam empiricamente. Por isso, a concorrência e as leis do
nudar-se através da análise que a despoja daquelas mercado no sistema capitalista não são analisados como slm-
Vl'8h~s, Na mais-valia põe-se a nú a relação entre o pIes formas mistificadas de existir e de ter consciência da vida
I~apital e o trabalho. Ao contrário, na relação entre capitalista, mas como formas reais que surgem num dos níveis
o eapital e o lucro, quer dizer, entre o capital e a do movimento do capital considerado como um processo total:
rnaiH-valia tal como aparece como o remanescente
Híib,'(' () preço de custo da mercadoria realizado no «Aqui, no Livro III, não se trata de formular
pt'O(~I'HR() de cireulação, e, de outro lado, como rema- reflexões reais sôbre esta unidade (a unidade do
1\ I'HI: I' ,11<, que há de determinar-se mais concretamente processo de produção e do processo de circulação),
I II II' Nua l'l~laGão com o capital total, o capital aparece mas, pelo contrário, de descobrir e expor as formas
I'Cl/IW lima rela.ção consigo mesmo, relação que se concretas que surgem do processo de movimento do
dill! illgl1(', eomo soma originária de valor, do valor capital considerado como um todo. Em seu movi-
IH'IVO :wl'(,8cido por êle meAmo, ExiRtc a consciência
mento real os capitais se enfrentam sob estas formas
dc' 11"(' (';H(,(' valor novo é engendrado pelo capitul no
concretas, nas quais tanto o perfil do capital no pro-
dc 'c 'ellTc'" (lo pl'OC<'8flO dC' lJl'odu"íl,o <~ do proceRRO d('
cesso direto de produção como seu perfil no processo
('il'('lllw:ii,o, MaH o modo como iHt.O ocot'!'(' Ilpllr(>(~('
de circulação não são mais do que dois momentos es-
IlIi,H! il'i('ado I' I~OIllO fru(,o di' IInalidlld('H i111'1'('n\:('H /lO
I'lúpl'io ('II. pi (ai.·, ('1)
de uma magnitude deHta taxa, a taxa de maiH-valia não exprcRfia Hcnuo
o 1111c cm realidadc (': ll111a medida difitintn ela maiK-valia na qlln.l fiO
1\1111'~, /II/ ('rl/I/I,,/, 1"111" III, v,,1. I, 1"'/1: '{II 0" ('/lptlllloll I c' II toma eOl11o llllHe o valol' do capital ('111 H(~II C~()Il.ll1l1t() 11 Ilf'lo Hll11ploHIlWIII.C1
"fI,d,' \',,111111,' /ln" "/IIIC' III' 111 III 1'111'11, /I ('''1111'''1'1'1111110 cio I"'ohllllllll 1I11110clo" o valo!' dll. pal'to cJlI cllplJal elc' QIlC1 III1IU~" CIlI'(11.1I.11111111.1' (() (~llpll,1I.1 val'IIi.-
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94 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS o MÉTODO DIALÉTICO NA ANÁLISE SOCIOLÓGICA
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pecíficos e determinados. As manifestações do capi- que a vinculam à totalidade do sistema, como uma forma de
tal, tal como se desenvolvem neste livro, vão se manifestação da mais-valia:
aproximando, pois, gradualmente, da forma sob a
qual se apresentam na própria superfície da socie- «A mercadoria se apresenta à primeira vista
dade, através da ação mútua dos diversos capitais, como um valor de utilidade, como um conjunto de
através da concorrência, e tal como se refletem na propriedades desfrutáveis. Em virtude de sua ser-
consciência habitual dos agentes da produção». (5) ventia social, entra um jôgo de trocas, adquirindo
dêste modo novas propriedades e uma nova forma
o
movimento da razão ao elevar-se do particular para de valor de uso originário ( ... ). O originário é
o geral percorre, pois, um circuito no qual se desenvolve uma negado no fenômeno constituído por êle ( ... ). Essa
dialética entre o abstrato e o concreto. Ê assim, e não pelo substância, chamada valor, não é nada em si mesma,
recurso a um procedimento metodológico empirista, que se mas é, pelo contrário, constituída pela própria relação
constitui uma totalidade concreta. Por isso Marx diz que o de troca como um ser autônomo, que nega enfim a
concreto aparece como o ponto de chegada quando é o ver- diversidade ilimitada de suas aparências. Em suma,
dadeiro ponto de partida: não há mediação sem o imediato e parte-se da aparência sensível para, numa série de
vice-versa. Entretanto, se o real, como imediato, reaparece, negações das etapas anteriores, atingir uma enti-
mediatizado pela teoria, na totalidade que o circunscreve, e dade que, em si mesma, não posiui nenhuma das
Hl~ as categorias são expressões de relações reais, (6) disso nuo propriedades das qualidades dos momentos consti-
decorre que o ponto de partida e o ponto de chegada definem- tutivos». (8)
/:10 por relações de identidade, ou que seja possível pensar o
objeto independente da teoria. Com efeito, a mercadoria, quo Em análises dêsse tipo, o real como ponto de partida não
ó o ponto de partida para a análise do capitalismo, é tamb6m é um objeto empírico sôbre o qual se debruça o espírito, con-
o ponto de chegada. Mas, no primeiro momento, ela é, como cebido metafisicamente, razão e realidade, de forma estan-
Il I'orma elementar de riqueza nas sociedades capitalistas, um que. Êle é dado, como representação, através de um esquema
,. objdo exterior, uma coisa apta para satisfazer qualquer UJIO de significações que, por sua vez, só tem sentido com refe-
dt~ necessidades humanas». (7) Percorrido o circuito de COllH-
rência a uma realidade determinada. (9)
tiI.Ui«H,O e explicitação do «sistema capitalista», a mcrcuuodlt
8. Gianotti, J. Arthur, "Notas para uma análise metodológica de
/"t'(J('finc-/:1e como categoria hhltórico-social, nega a forma 1111- O Oapital) Revista Brasiliense) ll9 29, São Paulo, maio-junho de 1960,
I~ill.l que assumira e /:10 l't~vda, depois de explicitados OH ploM pág. 65. Vêr também, sôbre o mesmo problema, pág. 69.
9. "A própria ciência histórica burguêsa, visa, é verdade, estudos
fi, Mal'x, JiJl O(/lI!/.f/l, 101110 III, VO!. I, pl~.L:'. fi7, concretos; ela acusa mesmo o materialismo histórico de violar a unici-
dade concreta dos acontecimentos históricos. Seu êrro está em pre-
II, A JlI'r.pl'ln 1111(:11.11 cio \'/1.101', IW, 110 :IIHI.I'I11/1. ('II pll111111111, cll'III'" vol·
tender encontrar êsse concreto no individuo histórico empirico (trate-se
VI<lIl, )/II,I'(\I~(\ '11,'111. ""'//I""j,/,, '1"11 <11'1111111)/""1111., leig·I"/I.llI'"II" 1111111, "IIIII;nO
111\,-
de um homem, de uma claHHe ou de um povo) e na consciência que
'/111'11, 1\ /I. I'X)/l'nH:lllo 1~1I11/1,,1I'11I11
de' 11111 pI'OI'P/IIIO 1'1'/1.1 '1111', ('111110 1/1.1, !tpn-
é dada empIricamente (quer dizer, dada pela psicologia individual ou
1"'1'(\ Ith(I.t)l'h~/l.lIl1\1ll.cl Iflll,',~ cio pl"lIo d"'lI1l1volvlllll'lIlo do /11111"1111\. ('11.1.'1-
pela pHI(!o!ogln daH mnHHo,H). Porl'im, 1}11Ilnclo ela crô ter encontrado
1lI,lInll1. (IIU 11('0110111111, dll II'III'IUI dlt'"IIIH I,
() quo hl\ !lo ml\1I4 eOIWI'nl.o, (IHlli o ntll.IH longo }1oHHlvol dtlHHo concreto:
7, MltI'X, 101 UIIII./III, I'U , 1011111 I, vol. I, 1'' ' ' ao. (/, /wOj,lrlllli" 1'11111." Ifllaltrlarlt1 (111111'1'1 1/11, II. OI'l{llIll:r.nço'o I1n Ill'()(luOn,o num
I ' M~)'I'IIIIII IIIAJ.Ii:'I'II'1I N.I 1\ N,'I.I;iI': 1\11,'1111.111111'.1
116 HI';VIH'rA BItAHILIoJIUA m; CIBNClAS SOCIAIS 117
Chega-se, dessa forma, ao resultado fundamenial tlôhl'c como produto «objetivado» da atividade social, e nesse sentido
as possibilidades de aplicação do método dialético na Hocio- como um conjunto de padrões que motivam a ação humana
logia. Através dêle é possível lidar com os fenômenos SOCilliH, (sistema cuja inteligibilidade se encerra nas relações recípro-
tanto em função do que possuem de singular e concreto como cas entre normas dadas), e como «processo», isto é, como algo
em função das normas gerais que se exprimem, como dife- que se está criando pela atividade humana através da negação
renças, nas singularidades. Por isso, o método diaUitico 1ltll'- " de um dado estado de coisas e da projeção de um vir-a-ser
mite a análise dos processos sociais recorrentes em cOIlClxão ainda não configurado socialmente (o que, neste caso, torna
com os mecanismos regulares de mudança. Como a interprl'- explicável, em têrmos de sentido, o sistema produzido e o que
tação dialética lida, simultâneamente, com o particular c o se está produzindo) .
geral, pode-se, sem o risco de transformar a explicação obtida
A explanação sôbre o tipo de análise estrutural legítima,
numa forma ideográfica de análise, explicar as relações, regu-
nos trabalhos sociológicos que utilizam o método dialético,
laridades e modificações dos fenômenos sociais nas condiçõllH I
leva à compreensão dos limites da aplicação das pesquisas
efetivas de sua produção, concretamente situados.
de conexões funcionais nesse tipo de trabalho. Sem o recurso
No que diz respeito às possibilidades gerais de utilização
às relações de interdependência entre uma «atividade parcial»
da dialética na sociologia, cabe salientar ainda que os pressu-
e uma «atividade tota!» ou entre os componentes da estrutura
postos metodológicos, aludidos acima, mosiram que, atruvéH
social e sua continuidade não é possível representar a atividade
dêste método, os fenômenos sociais podem SCI' eaplalloH inil'I'- •
~ocial humana organizada em sistemas sociais, nem portanto
pretativamente, tanto como resultadoH incessanil'nwntc reno-
explicá-la, como em parte ela é, enquanto resultado de condi-
vados da atividade humana criadora quanto como efeitoH de
ções sociais dadas. Entretanto, também nesse caso, a repre-
normas estáveis que resultaram da atividade humana anie- ~
sentação da atividade social vista em conexão com o «funcio-
rior. O método dialético permiie, portanto, u unálise ou inie- ..
namento» de um sistema de interação já constituído só S13
ração social a partir de situações, condições, fatôres () efeitos
completa dialeticamente quando se retorna ao polo oposto, que
sociais que se repetem, produzindo configurações sociais cHiá-
é a atividade social que constitui os padrões de integração
veis e fixando padrões de inter-relações. Dêsse ângulo a aná-
funcional. O recurso às explicações estruturais e funcionais
lise torna-se estrutural.
na análise dialética depende portanto da subordinação destas
Porém, mesmo neste caso, não se confunde com a abor- técnicas explicativas às representações fundamentais que o
dagem «estruturalista», pois a análise estrutural na interpre-
método dialético supõe da realidade social.
tação dialética parte de intuitos explicativos e de pressupostos
sôbre a realidade social diversos. Sua legitimação metodológica Êste é o ponto metodológico crucial para entender a
depende da explicação concomitante do processo de consti- especificidade da utilização da dialética na pesquisa de cone-
tuição dos padrões de integração estrutural. Com essa expli- xões estruturais e funcionais em face dos outros métodos
cação desvenda-se o sentido que os agentes sociais emprestam aludidos neste artigo. Em certo sentido também seria pas-
às normas e se evidencia a qualidade de produto da atividade siveI, sem dúvida, analisar processos sociais históricos ou dia-
social concreta que caracteriza tóda estrutura. A análise não crónicos do ponto de vista estruturalista e do ponto de vista
resulta nunca na determinação de condições formais que regu- funcionalista. Sabe-se que Levi-Strauss, por exemplo, acre-
lam a ação, mas na determinação de uma constelação de dita que o «método histórico não é incompatível, de forma
significados expressos em normas sociais. As conexões estru- algurpa, com a atitude estrutura!», apesar de OS fenômenos sin-
turais devem, portanto, ser representadas ao mcsmo iempo crônicos oferecerem uma homogeneidade relativa que os torna
100 REVISTA BRASILEIRA DE Cr1l:NCIAS SOCIAIS
o MÉTODO DIALÊTICO NA ANÁLISE SOCWLÓGICA 101
mais fáceis de estudar que os fenômenos diilcrônicos. (12) Noutros têrmos, a análise funcionalista e a análise e~tru
Por outro lado, graças aos esforços de investigação e de sis- tural tanto ao definir a integração estrutural e funCIOnal
tematização teórica de autores como Merton, Florestan Fer- quanto ao lidar com os processos de aIter:ção d~ uma o~de~
nandes e Talcott Parsons, a moderna teoria funcionalista rede- social qualquer, acabam por tornar a _açao .so:I~1 (de _mdl-
finiu os procedimentos de análise e interpretação utilizados víduos ou de grupos) isenta de tensoes dlaletIc~s. E-lhes
por seus precursores, que a haviam constituído como um meio estranha a idéia de uma ação «que se faz a SI mesma>:,
de investigação adequada apenas para a análise de fenômenos através da negatividade, cm condições concretas e determI-
sincrônicos, (13) sendo capaz, modernamente, de analisar, den- nadas, e, ipso facto, não cabe a discussão, naquelas persp:c-
tro de certos limites, (14) fenômenos de seqüência. tivas, sôbre o sentido das ações e sôbre as transformaçoes
Contudo, na análise das seqüências funcionais e na cons- de sentido. (16)
trução dos modelos estruturais, se é possível, logicamente, Na interpretação dialética, ao contrário, procura-se evi:
reter as condições de redefinição dos sistemas, e se, portanto, denciar o sentido que é inerente à ação humana. e esta e
cabem análises diacrônicas, em nenhuma circunstância o pró- representada logicamente de forma a reter a qua~dade que
prio processo de modif.'cação das condições estruturais e fun- possui, de transformar a si e à natureza pela negaça~ d~ rea-
cionais é representado de forma que se entenda a ação social lidade constituída. As conseqüências destas pe?Ubarldades
humana com praxis que transforma pela negação, e que ao metodológicas podem tornar-se mais claras atraves da com-
t.ransformar, necessàriamente atribui e nega sentido a um
paração entre as condições pelas qua~s o ~r~c~sso de mudança
univorso determinado. Por êste mesmo motivo a validade das social é representado na interpretaçao dIaletIca por um lado
('xplicações funcionais e estruturais restringe-se àquelas situa- e na análise estrutural e funcional por outro lado. Na abor-
(;()l~S nas quais existe um universo de significações sociais
dagem estruturalista e entre os funcionalistas que. a,~elam
dado a um padrão definido de integração social total. (15) para a noção de desequilíbrio funcional ou para ~ a IdeIa de
«disfunção» para explicar o processo de mudanç,a, este ac~?~u
12. Levi-Strauss, Claude, "La notion de structure", já citado,
pli.g. :nn. sendo visto em têrmos mecanicistas ou atraves d? artIflCIO
01:\. Q11nnto às possibilidades de utilização do método funcionalista metodológico que consiste na representação da e~tatIca e da
IIn IUl~.lIlm de problemas de mudança social e de fenômenos sociais dia- dinâmica social como dois estados do fluxo SOCIal. Alguns
1'1 ,)1111'01'1, ver, eHpccialmente, F. Fernandes, "O método de interpretação funcionalistas, pretendendo escapar às críticas que tornam o
f',IIII'''''1Il11111n. na Hoclologia", Fundamentos Empíricos da Explicaço,o
funcionalismo solidário com a visão conservadora do mund~,
N""/o()/I" qk'l, Jú citado, eRp" págs, 284 e segts, Sôbre a "neutralidade
Idl.,M'l:kn" do flllwionaIismo, vêr Merton, R, K" op, cit.} esp" págs.
estabeleceram categorias capazes de redefinir a noção de ~qUl
:11l -1'1, Iíbrio através do recurso à idéia de funções que se neutrahzam
J.l. "II IIllLnlplllnr,.10 de sérieH causais continuas em relações de por disfunções. Porém, umas e outras são concebidas, como
III·qfl(\III'ln", JlOI.' exemplo, está excluida das análises funcionais, cf, F.
1I""'lIlIllIh'll, "11, nU,} pág. 281,
16. Os estruturalistas mais lúcidos, como Levi-Strauss, sa~em .que,
I ti. II'. ]"ot'nll.nclel4, 0Jl, cit,} págs, 271-272, discute de uma pera- "em mitologia como em lingüística a análise formal col.oca ImedIata-
1', ... 1IVII. 1'''1'''0111. II. elahol'nçfío <lo fato!.' tcmJlo na nnliliRe fllnclonallsta. mente uma questão: sentido") "Magie et Religion", op, mt:} pág. 2~6.
liI~plll'll 111111111"11, pOI' (jll" II. nl1(i.llllo fllncJonnl!i.;t.a H6 ]lode lidar eom slgnl- Mas neste caso há uma cisão metodológica entre o momento da análIse
n"III;Ii"" dlldllN: ""ln lOlllll Ilod('llndoH Jlí, c:onHl.Ilul<lllH COIllO ohJeto do
formal e o momento da análise de sentido, Por outro lado, sa~e-se que
III vl'I1I1,,'II.(;I1.0 " /111 1·1i1.1II111. do IIlOdo.1I. 1'01 (11' COlllo 1m 1)J'()(:oHHI1, lI.tllnlmonto os especialistas preocupados com a construção de modelos estao empe-
1011 111'.111., 1111 IlIp,IO d" 11""(10 cOllllldm'ndo) /I. (')w,'(:klll (11tH n.I.IVI<lIUJll/f
nhados em reter também as relações de significação, mas os resultados
vii /I,IN I'l1.l'II, I\. (·"IIIf,1I1I1'I11. <lntl ('oluUvldIUII"1 IIUIlIlII1I\.N" (pl1./{. :l7:.!) ,
dOstes esfof'ços ainda são pouco concludentes.
o MÉTODO DIALÉTICO NA ANÁLISE SOCIOLÓGICA 103
102 REVISTA BRASILEIRA DE CI.IDNCIAS SOCIAIS
socialmente definidos pelos grupos sociais e da capacidade mento, além de sua significação particular, um papH
de organização e de modificação que os agentes sociais forem de revelador: como o princípio que domina a pesquisa
capazes de desenvolver. A mudança estrutural não é repre é o da procura do conjunto sintético, cada fato, uma
sentada, pois, como um momento de desequilíbrio de um sis vez estabelecido, é interrogado e decifrado como parte
tema dado na direção da recuperação do equilíbrio em outro de um todo; é sôbre êle, pelo estudo de suas falhas e
tipo de sistema. Contràriamente, ela decorre da tensão entre de suas «sôbre-significações» que se determina, a título
ações humanas criadoras e das contradições que se formam de hipótese, a totalidade no interior da qual êle reen
no interior da própria estrutura social. Essa é sempre enca contra sua verdade. Assim, o marxismo vivo é heu
rada, dessa forma, como estrutura que está em modificação rístico: com relação à sua pesquisa concreta, seus
graças às contradições sôbre as quais repousa e graças à princípios e seu saber anterior aparecem como regu
l
ação humana. Os processos de mudança são dialeticamente ladores. Jamais, em Marx, encontram-se entidades:
analisados, portanto, como resultantes da própria atividade as totalidades (por exemplo «a pequena burguesia»
humana concreta que, no processo incessante de realizar os no O 18 Brumário) são vivas; definem-se por elas
padrões estruturais e funcionais de integração, nega-os, pro mesmas, nos quadros da pesquisa». (20)
vocando tensões e contradições sociais cuja resolução (supe /
..il
'.
ração) consiste na criação de novas formas de existência 1 A partir desta perspectiva é possível a utilização do
i:iocial. método dialético de forma heurística, porque o real não é dado
* * * a priori, mas constitui-se pelo esfôrço analítico da investiga
ção. Com isso evita-se a criação de novos Franksteins que,
Finalmente, cabe salientar como um dos requisitos funda em caso contrário, acabariam sendo criados, como muitas vê
mentais para a utilização do método dialético na sociologia zes ,o foram, em nome de um método que desejava acabar com
que as «totalidades sociais» reconstruídas pela análise dialé êles. Nesse ponto o paradigma para a análise sociológica pode
tica devem ser tratadas como totalidades singulares: ser tanto Marx quanto Max Weber na Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo. Em qualquer dos dois casos o método
«O marxismo aborda o processo histórico com não é empiricista, mas em , ambos a interpretação prende-se
esquemas universalizantes e totalizadores (...). a um momento analítico, que condiciona as possibilidades de
Mas em nenhum caso, nos trabalhos de Marx, esta globalização. Sem sólida base empírica a análise dialética na
perspectiva pretende impedir ou tornar inútil a apre sociologia desfaz-se, enquanto análise criadora, num forma
ciaGão do processo como totalidade singular. Quando lismo abstrato tão lastimável quanto qualquer tipo de escolás
êle estuda, por exemplo, a breve e trágica história tica, e acaba por transformar «a significação em intenção, o
da República de 1848, não se limita - como far-se-ia resultado em objetivo realmente visado».
hoje - a declarar que a pequena burguesia repu '1 Fica patente portanto que, se por um lado a interpretação
blicana traiu o proletariado, seu aliado. Ao contrá dialética na sociologia parte de uma atitude totalizadora e uni
l'io, füe tenta mostrar esta tragédia n:: pormenor e versalizante, por outro lado, em nome dêsses princípios, nada
110 conjunto. Se êle subordina os fatos anedóticos justifica as tentativas de muitos marxistas de transformar o
i1. totalidade {de um movimento, de uma atitude), 'é
11.Lt·uvfüi daqueles que pretende descobrir esta. Nou 20. Sartre, J. P., "Question de Méthode", Critique de la Raison
t.,·oH Wt'moH, o mnrxismo empresta a cada aconteci- Dialectiiue, Librairie Gallimard, Paris, 1960, pág. 27.
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