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MARÇO 1962

VOL. II .NúM.1
*

FLORESTAN FERNANDES,
Sociologia como Afirmação; CEL-
SO FURTADO, Reflexões sôbre
a pré-revoluçãt? brasile~; EZIO
TA. VORA DOS SANTOS, Mercado
interno e desenvolvimento; FER-
NANDO HENRIQUE CARDOSO,
O método ' dialético na análise
sociológica; HllLIO SCHLITTLER
SILVA, Comércio exterior do Bra-
sil e desenvolvimento econômico;
ANíBAL PINTO, Notas sobre
la distribución deI ingreso y la
estrategia de' la redistribució1.l;
ADJUARDO TERRA CA.LDEIJ~A,
Estudo sôbre . discriminação de
preços; UNESCO/CEPAL/OEA,
Relatório sôbre os aspect.o s sociais
DA FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONOMICAS
do desenvolvimento econúmico na
DA UNIVERSIDADE DE MINAS GERAIS
América I.,a:tina; CEPA !..I; A . Infll'- .
BELO HORIZONTE, BRAS~L ção no Brasil.
REVISTA BR AS ILEI RA DE CIÊNCIAS SOCIAIS REV ISTA BRAS IL EIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
1)" Fncul.1ade d e Ciências Econômicas da Universida de de l\linas Gerais PUBLICAÇAO QUADRIMEST RAL ,
P ublicação qu adrimes tral editada em março, j ulho e n ovembro
VOL. II MARÇO DE 1962

OON:::.1 F:LHO DE DIREÇAO:

Diretor - Professor Fra ncisco de Assis Castro ,

M embros - Prof es sôres D om ício d e F igueiredo Murta ,


Pet r ônio de Assis Fonseca, Osório da Rocha
Diniz e Waldemar Gontijo Maciel.

( JOMI S , '.A.O DE R EDA ÇA O:

Membros - Professôres Orla n do M , Ca rvalho, Edgar de


*
Godói da M ata Machado, Morse Belém Tei-
x eira , Emílio de Guima rães Moura, New-
ton A n tônio da Silva Pereira, Hélio Pontes,
Obreg on d e Ca rva lho e F rancisco Iglesias ,

S E CRETARIO
íNDICE
P rofessor Julio Barbosa

A ~ (l cio logia como A firmação, F lorest a n Ferna nd es "",., . ,... . 3

* Hcflexões sôbre a pl'é-l'evolução brasileira , Cels o Furtado ... . . " , 40

MCl'caclo interno e desenvolvimento, Ezio Távora dos Sa ntos , ." 57


Os (I.1'l'igvs assinados são de exclusiva r esponsabilii/;ade
Ilos ,'I( :U S ((,u l n'r cs ,
o ll1é t o(lo c1ia lético na análise s ociológica, F ernando Henrique Cardoso 85

'I'ô!la cv'/"Tcspondência deveTá ser endereçada ao SecretáTio ( 1II .. (,,' d41 úx tCl'ÍOl' c desenvolvimento econômico do Brasil, Hélio
lia. JU1V/87'A BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS) à rua :->ellli ltI l' Silva . . . .. . .. ....... . . . .. ... , . " " . .. . . . , .. . ' .... 107
Unri./'i l)('(. , 882) Bdo lIorizontc) Bmsil, N "I " " " "1,,,(\ l u. Cll l-4 l,l'lIl11dólI d eI ing l'eso y la estl'at egia de la l'edis-
I.l'Ihll«'l .... t\ nUm l P i n lo .. .. . .... .. .. . , . . .... . .. . .. . .. . ... , . 175
I'Jtlr.Ç OH l r. ASS INA'I'( I J~A S :
I': 1,111141 " hl"\ clI"c'I'I III III II.Çl 41 cio III'C~:os, Admardo T erra Caldeir a .. 195
1'1'(' (; 0 do /lún l (' I'O r$ :300,00 / US$ J ,00 I(,C.III,I l'I u " hl'(\ U" tt" p' ''' I,ur-' "oc',III,11-4 d o dC Isellvolv ill1cn t o econômico
" '" 1\ 111 I'I C"L 1.11,111 ...., IINrr::-; ' ( / l ~rAL / EA .. . . . . . ... . . . . . . 251
Á HII I II IL III I'H. I Ulwd '1 '$ HOO,OO / LJ8$ : ~ , O()
111 1'1111. ,u "" UI·II,MII . (J lill' A I, .. .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271
CI 1I" .lIel" cl ~ ~ \ C ~ I' U . ~ I" ".It~. ~ II C \ ••~ . .. ht .", 11",01'" "II I' I'" II I"
I " /lel lI l',·II·" 1111, 1I 11C 1H, , 1'1 .... e111 1'11 11111 , HII' , 111.11' " HI ' I ~ 11111 . , Nu' ,1111 .11 ' ...·/111 1'1 :10J
Colaboram neste número:

FLORESTAN FERNANDES, da Faculdade de Filosofia, Ciências


e Letras da Universidade de São Paulo

CELSO FURTADO, Superintendente da SUDENE

EZIO TAvORA DOS SANTOS, do Banco Nacional do Desenvol-


vimento Econômico

F ERNANDO HENRIQUE CARDOSO, da Faculdade de Filos ofia,


Ciências e Letras da Universidade de São Paulo

HÉLIO SCHLITTLER SILVA, da Faculdade de Ciências Econô-


micas da Universidade do Brasil e do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico

ANíBAL PINTO, Diretor do Centro de Desenvolvimen to


CEPAL/ BNDE

ADMARDO TERRA CALDEIRA, da Faculdade do C I n ' IUH J1J 'O.ll •


micas da Universidade de MlnulJ mlH
o método dialético na análise
sociológica

Fernando Henrique Cardoso

Tentarei explicitar neste artigo algumas implicações meto-


dológicas da utilização do método dialético na análise socio-
lógica, visando delimitar, sucintamente, as possibilidades e o
alcance desta técnica interpretativa na explicação científica
da realidade social. Essa discussão se impõe porque, graças
a motivos que não cabe esclarecer aqui, a sociologia consti-
tuiu-se como ciência a partir de trabalhos de investigação e
de esforços de elaboração teórica que, em regra, aproveita-
ram muito pouco da contribuição de Marx e de outros autores
que tentaram utilizar o método dialético na análise dos fenô-
menos sociais. Antes ao contrário, nos CÍrculos acadêmicos
mais conspícuos formou-se a convicção de que a interpretação
dialética, por estar imediatamente vinculada a um ponto de
vista filosófico e a uma atitude definida diante dos problemas
sociais, não é capaz de adequar-se aos cânones da explicação
científica que impõem a ausência de juízos de valor nas aná-
lises sociológicas.
Entretanto, nos trabalhos de Marx, como em algumas
obras de exegese e em certos trabalhos de investigação (prin-
cipalmente de história) e mesmo de elaboração teórica (basta
citar Freyer c Mannhein), a análise dialética não se confunde
com fi crítica da sociedade a partir de posições valorativas
(lI'ÔVinml'IÜ(, uHHumiduR, nem se reduz à técnica do desmasca-
l'IlIlll'1I1o idl'olúgieo. 1)0 pont.o dI' ViHbl científico, portanto, o
Jll'ohll'lnll IlIu'u Il uUlhm(;(1.O du illl('l'pl'duGuo diulóUeu estaria
86 REVISTA BRASILEIRA DE CIf::NCIAS SOCIAIS o MÉTODO DIALÉTICO NA ANÁLISE SOCIOLÓGICA 87
na determinação dos procedimentos metodológicos requeridos guIo, portanto, a importância metodológica do conceito de
por êsse tipo de abordagem e na discussão da compatibilidade totalidade não diz respeito apenas à necessidade que êle supõe
dêsses procedimentos com a problemática sociológica, Tenta- da retenção e explicação de situações sociais globais; a abor-
rei discutir algumas dessas questões em suas implicações mais dagem totalizadora transforma-se numa perspectiva de inter-
gerais partindo, inicialmente, da análise do conceito de tota- pretaºão para a análise de cada um e de todos os fenômenos
lidade, Para êsse fim, recorrerei, comparativamente, a outras sociais, A totalidade assim entendida pressupõe não apenas a
modalidades de interpretação sociológica que também lançam existência de diferenças numa unidade, mas também a exis-
mão de procedimentos totalizadores, procurando ressaltar n tência de «conexões orgânicas» que explicam, ao mesmo tem-
especificidade e as condições de utilização legítima da interpre- po, o modo de inter-relacionamento existente entre as deter-
tação dialética na sociologia, Através da análise do proce- minações que constituem as totalidades e o próprio processo
dimento totalizador na interpretação dialética procurarei ovi- de constituiºão das totalidades , Noutros têrmos, quando se
denciar os mecanismos teóricos pelos quais se obtbm, com Il afirma que a análise dialética na sociologia assume uma pers-
utilização dêste método, o conhecimento cientifico, No"II'oH pectiva totalizadora, diz-se, implicitamente, que ela visa desco-
têrmos, tentarei mostrar as condições metodológieuH 1I1'(~I'HHh· brir as determina~es essenciais, capazes de explicar tanto a
rias para a explicação cientifica da realidade Hocia! i /lI pOHI HIi formação dos padrões que regem as formas de interação social
pelo método dialético de interpretação, Na pll./'I.(' fi 1111.1 do quanto as condições e os efeitos de sua manifestação,
artigo esboçarei as características fundallH'lIlaiH daH pOHHihl-
lidades que o método dialético o[Cl'('ec pa/'II, II, /,('pn'H(·III./lI;IW A perspectiva totalizadora tem, portanto, na interpreta-
ção dialética, uma intenção heurística, Por certo, também nou-
dos fenômenos estruturais e para a allúliH(' c!OH p/'O(~('HHW~ de'
tras modalidades de explicação sociológica recorre-se à noção
mudança social. À guisa de obl:wrvul,üo I~Olll~IIIHiva, 1'('HHalllu,(.j
de totalidade e em algumas delas isso é feito com propósitos
que o método de interpretação diulétiea, ]llll'll te'l' fOI 'OH di' illH-
trumento científico de análise, prceiHa H('I' ntili~lld() HI~llI rdi- explicativos e não meramente descritivos, Entretanto, o pro-
rar dos dados o valor heurístico que pOHHíwm: Hcm sólida base blema não está em saber se a dialética, como a interpretação
empírica a análise dialética corre o risco de pcrdN'-se em con- funcionalista ou a abordagem «estruturalista»,etc., utilizam a
siderações abstratas destituídas de valor explicativo real. noção de todo, mas está em determinar como, ou seja, me-
diante que requisitos metodológicos e com que intenções cogni-
tivas constróem-se as totalidades nas diversas formas de inter-
ii' "" * pretação, Como o objetivo da discussão na primeira parte
dêste artigo se restringe à caracterização do procedimento
o conceito de totalidade não se refere, ou pelo menos não totalizador na interpretação dialética, resumir-se-á a análise à
se resume, na dialética, à reprodução de tôdas as condições,
comparação dêsse procedimento com técnicas diversas de inter-
fatôres, mecanismos e efeitos sociais que interferem na pro-
dução de um fenômeno, processo ou situação social, Na expli- pretação, para salientar a peculiaridade desta forma de con-
cação dialética o conceito de totalidade é utilizado como um ceber e explicar teoricamente a realidade social.
recurso interpretativo pelo qual se visa compreender, como Assim, também na análise funcionalista a noção do «todo:.
explicitamente escreveu Marx, no post-fácio da Contribuição desempenha um papel de primeira importância. Para muitos
à Crítica da Economia Política, não a identidade, o padrão funcionnlistas o recurso ao conceito e às análises ao nivel doa
de invariância, mas as diferenças em uma unidade, tal como sistemas Hoein.iH globll.iH on tIn.A nnidn.dl'H funelollulH totllis
são engendradas em uma totalidade determinlldu., D(~RHP fi,fI- Ü'IJ.J1H('O/,1II01l-H(I IIII'HIIIO ('/II 1'01'11 ulnelo JI'U'/L IL Iln(lIh", thlM fUJ\-
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ções sociais. Os autores que redefiniram modernamente os Porém, pelas próprias condições metodológicas da abor-
procedimentos interpretativos da análise funcional não deixa- dagem funcionalista, as «unidades funcionais», são definidas
ram de sublinhar a importância da definição precisa das diver- de molde a possibilitar a análise das relações de coexistência
!:las totalidades ou «unidades funcionais»: ou de interdependência nas condi~ões empíricas em que as
«unidades funcionais» consideradas se manifestam. Tal pro-
«Do estudo crítico dêste postulado ( «postulado cedimento se impõe porque a abstração das relações eviden-
da unidade funcional») decorre que uma teoria de ciadas pelo método funcionalista depende da definição precisa
análise funcional precisa começar pela definição das do universo empírico em que se inclui o objeto da análise.
unidades sociais servidas por funções sociais dadas, Esta implicação metodológica faz com que as totalidades reque-,
e reconhecer aos elementos culturais a possibilidade ridas pela análise funcionalista, mesmo quando a investigação
de possuir múltiplas conseqüências, algumas delas não seja de orientação empiricista, caracterizem-se pela tenta-
funcionais e outras, talvez, disfuncionais»; «( ... ) na tiva de reter as condições empíricas de produção dos fenôme-
conexões funcionais, que eram descritas ap0nltfl pUI'- nos sociais.
cialmente nas concepções teleológica c meennklMtn,
são descritas sinteticamente na conc('pçilo llOMIUvll Procedimentos globalizadores têm sido empregados, por
outro lado, em grande parte das tentativas de investigação
de função social. Por moio dosta, lJ tlOHHfwl I'IWJ,CIlI'-
sistemática de situações, processos ou fenômenos sociais,
se, portanto, à determinação (~()mJlI(ltll clll 1'1I111~ílo tlo/.
sejam funcionalistas ou não os autores. Umas das preocupa-
fenômenos sociais, () que' tc'm 1111111. 1" 1111'1111' Impot'-
ções dominantes nas investigações de campo nas ciências so-
tância para o estabelocimC'nto du I'l\dl' t otnl dI' mml-
ciais tem sido exatamente a descrição de situações globais,
ficações e de influêncÍltH dl l llltl/l 1l1;!\O, J'(II/l.c;illl ou lnH- seja através da análise de um sistema social inclusivo (como
tituições sociais, eonlO mlllt I) lll'm o dl'lIIollHt t'OU em grande parte dos «estudos de comunidade»), seja na expla-
Malinowski». (1) nação descritiva de processos sociais, instituições ou grupos
determinados. A antropologia social inglêsa, por exemplo,
I, () primeiro t.ext.o (o. "" M(\/'IOIl, n, 1< ; "Mnnll'I\Ht Hnl! Lnt,ent
11'11 IH'tlOIl H" , Soci/l.l 'I' hlJo'/'U III/ti. Nodfll N (/,111'1111'1 , 'l'h(1 1"1"'" I'I'I\HH, O 11ln<~()(I,
desenvolveu uma série de trabalhos clássicos sôbre grupos
'
JlI'M :17; () I-WKlln!lo (o. "" 1I'(II'I111ll1ltlN, 1 1/11'(\/111111, "O lIl(olodo do Inl.o!'- tribais, como no The Andaman IsIanders de Radcliffe-Brown,
"
JlI'"III,I;O,O I'lIndoll/lIlHIII. nu 1111/ 11/1101« 111", /1'UlltI" 11/1'11 (,,/I /d'/II'l/'/.','klm (/11 /C,j'- em que são reproduzidas as condições globais de existência
11/j"fI~'t1" Nodo/rl!/'/,III/, ('Olllpllllhlll Illtlll{)I'1I NIII' 11111111 , H/lo PUlllo, :IIIMI, social, descritas e empiricamente explicadas em sua complexi-
JlIIM :WO, A PI'ÚIII'III. ('0111'1 11"]1\/1 pOIlIlIV/I d" 1'11111;(111 Hodnl, eorno J.', dade, unidade e diversidade. Noutras obras, como em Argo-
1""I'lIlIlIlhl/1 II. dl'l'hll l , Hllp()fI " 1I(lI"'II/lltllltI., IlIldodolt'lg'kn du un(tlhlO do
nauts of the Western Pa.cific de Malinowski, são discutidos
1111111 lollllldnc'It,: "1\ 1'1111\;1\/1 (I I'"I"llIlItlll, 1t)"h~IIIIH\Iltl~, (~OIn() lImu rolaçfl.o
"", IIIIIII'rI"JllllltI/lII('IIt "1111'" 1111111 IIllvlrllltlr' PILI'du.1 I' IIIl1n ILtlvldndc totul
todos os efeitos de uma determinada instituição sôbre o con-
1111 "1111'11 11111 1'01111111111111'" rorlll'IIIIII'1I.1 I' II. l'onUllllldutlo da eHtl'ut.llrn, junto e cada um dos aspectos particulares da cultura e da
"111 ,11111H PIlI'1 "11 1111 1'1111111 11111 I IItI II , I't'P"IlIIt'I1t.nntlo-Ho OH Oll1l11enloH dCHHIt organização social de um povo. (2) Entretanto, a preocupa-
1t1111IJAII, d., 11111111111 dIVIII'/11111 " "111 J:'I'I1I1I1 Vlt.I'lfLVloJH, qllnl' e01l1O «111.01'1111-
IIudlll", '11111" 1'1111111 111'1(11'111111111111'/1" (/I(t,,', :u,r,) , 1'111'11 (lHI.I1H IllltOl'CH HH 2. Sôbre o grau de generalização que se obtém neste tipo de
"11111111111111 .. ", "'lIl'lItl"," MAli vlul",! C\l1I I.lIl'IJJOH tio /{1'ftIlH vn.rlftvnlH do Into- investigação, vêr F. Fernandes, "A reconAtrução da Rcalidade nUA
1I'IIIl"" "'111'1.1, " 1\11" "vIIi'! 11 l1oCno I'O!HIU)'VIUJOl'!l. dll I1hil.tlmllH ml1 CiênclaA SocluiR", FundarnentlJ,S liJmJl1ric(),~ t/.n Ij};flJl'I(;aç(L1I 8l1ciolófJka,
"1411111111'111 oit" pág, 33-34,
90 REVISTA BRASILEIRA DE CI1!JNCIAS SOCIAIS o MÉTODO DIALÉTICO NA ANÁLISE SOCIOLÓGICA 91

ção de explicar a realidade social nas condições de suas ma- relações essenciais que aparecem de imediato, como afirmava
nifestações empíricas é, em geral, dominante neS$e tipo de Marx, «mistificadas», (3)
trabalho, Sociolàgicamente isso significa que a interpretação dia-
Na interpretação dialética as relações que se procura lética opera com relações que se manifestam em dois planos,
determinar nas totalidades também estão referidas de maneira Existem motivos, fins e condições sociais que os agentes so-
imediata aos processos sociais reais, e também existe o escôpo ciais se representam em função das manifestações que assu-
de reproduzir o real como concreto, Mas, neste caso, o con- mem empiricamente, Ê evidente que tanto como representa-
creto aparece como o resultado de um processo de conheci- ções sociais quanto como resultados efetivos de representações,
mento marcado por um movimento da razão que implica numa êsses fenômenos se exprimem através de regularidades obje-
elaboração muito mais complexa do que a abstração dos pa- tivas que podem ser verificadas e explicadas sociolàgicamente
drões gerais, ainda que essenciais, que regulam a interação (sem têrmos de conexões estruturais, funcionais ou de sen-
nas condições empíricas de sua manifestação, Mesmo n deH- tido), Porém, a explicação científica deve passar da análise
coberta que se obtém nas explanações descritivas dus condI- dêsse plano para a descoberta das conexões que as regula-
ções e fatôres cujos efeitos resultam na produção, numu dt\l<u'- ridades empíricas mantêm com as condições, fatôres, e efeitos
minada «ordem», de um sistema integrudo ou de umu Hitunçii.o essenciais que determinam realmente a dinâmica e o sentido
social dada, é insuficiente para os propó/ilitos cognitivos da do processo social. Ê óbvio que os motivos e fatôres que ope-
interpretação dialética, Nesse último tipo do ('xplicuçlto, pUl'll ram no plano das relações essenciais não cáem necessàriamente
que as relações que se procura determinur numu totalidltde no nível de consciência social, ou aparecem deformados,
assumam sentido heuristico, elas não podem ser retidas cem-
Entretanto, os dois planos da totalidade concreta não su.o
ceptualmente como simples reprodução no pensamento de rela- concebidos teàricamente como se um fôsse a conseqUência
ções empíricas, nem basta que a teoria seja capaz de descobrir irreversível ou mecânica do outro, nem, muito menos, como
os padrões que regem as conexões entre as relações, O ponto
se os processos sociais, tal qual os agentes sociais os repre-
de partida imediato, o real, transfigura-se na análise dialé-
sentam, se constituíssem como meros «envólucros» sem cficáclll
tica, numa série de mediações pelas quais as determinações sôbre as condições que realmente determinam o procesHo
imediatas e simples (e por isso mesmo parciais, abstratas) social, Ao contrário, as relações entre os dois planos são dill-
alcançam inteligibilidade ao circunscreverem-se em constela- léticas, e, na construção das totalidades sociais, é nccessárlo
ções globais (concretas), Por isso o concreto foi definido em
elucidar as conexões recíprocas que os mantém como umn
conhecida frase de Marx, como «a síntese de muitas deter-
unidade entre polos opostos, diversos, mas integrados,
minações, a unidade do diverso», Mas a operação intelectual
Êsse procedimento metodológico explicita-se na análise' dn.
pela qual se obtém a «totalidade concreta» implica em que o
movimento da razão e o movimento da realidade sejam vistos sociedade capitalista em O Capital. Por um lado, há um movl-
através de relações recíprocas, e determinados em sua cone-
3, Estas explanações fundam-se nos segulntoR trnbnlhoH 11r M IU'X :
xão total, Por isso, a interpretação totalizadora na dialética
a) El Oapital, critica dc ln cconomia. 1IOUtiOa., t.rn<l, «11\ Wl1I1-
faz-se através da elaboração de categorias capazes de reter, ceslao RoceH, Fonuo d(1 Cnltnt'n ]J]conõmlcll, Mt'\xl(~(),III4I1, li
ao mesmo tempo, as contradições do real em têrmos dos fatô- tomos,
res histórico-sociais efetivos de sua produção (e, neste sentido, b) OrU1.01l, /lI/. 10001/,01l/.tl/. 1'oIlU./'II, tl'ull, ]1'lm'oHtrtll Wl\l'tJn.Il!'lIllt,
categorias «saturadas histàricamente», empiricas) e de cate-
gorias não definidas empiricamento, capnzoH do desvendar fUI
, . l!ldltl\l'll lI']n.1l1ll., Hn,() 1'11,1110, 111111,
(~) M'N/l1'tl ti" III 1'hf,IIlNlll"',''', ]Olllllllm~ HIlI,ln]Il,., I'nl'IH, 11147,
92 REVISTA BRASILEIRA DE CIJ;;NCIAS SOCIAIS o MÉTODO DIALÉTICO NA ANALISE SOCIOLÓGICA
93
mento da razão para a determinação das relações essenciais A mais-valia não se inscreve como um dado da realidade
e a revelação conseqüente da forma imediata que essas rela- empírica, como o lucro. Entretanto, só a partir daquéle
ções assumem na realidade; determina-se a mais-valia como conceito é possível entender o sistema capitalista como uma
conceito básico do sistema capitalista e ipso facto desvenda-se totalidade concreta: como num movimento de determinações
Rua aparência empírica sob a forma de lucro, o mesmo suce- essenciais (classe capitalista e classe proletária produzindo
dt'lldo no que diz respeito à taxa de mais-valia e à taxa mais valia em condições determinadas de organização das
de lucro: fôrças produtivas) que se objetivam sob formas que ao mes-
mo tempo as negam e exprimem (o lucro, o mercado, a cir-
«ainda que a taxa de lucro difira numericamente
culação e distribuição de mercadorias etc).
da taxa de mais-valia, enquanto mais-valia e lucro
são realmente o mesmo e iguais numericamente, o Por outro lado, o real fenomênico não possui a significação
lucro é, contudo, uma forma transfigurada de mais- de uma construção do espírito destituída de conteúdo, sentido
valia, forma na qual se delineiam e se obscurecem e eficácia. Ao contrário, êle é um modo de ser determinado
sua origem e o segrêdo de sua existência, Na reali- que exprime um dos níveis da totalidade concreta, e mantém
dade o lucro não é outra coisa senão a forma sob relações dialéticas com as relações essenciais que não se obje-
a qual se manifesta a mais-valia, que só pode des- tivam empiricamente. Por isso, a concorrência e as leis do
nudar-se através da análise que a despoja daquelas mercado no sistema capitalista não são analisados como slm-
Vl'8h~s, Na mais-valia põe-se a nú a relação entre o pIes formas mistificadas de existir e de ter consciência da vida
I~apital e o trabalho. Ao contrário, na relação entre capitalista, mas como formas reais que surgem num dos níveis
o eapital e o lucro, quer dizer, entre o capital e a do movimento do capital considerado como um processo total:
rnaiH-valia tal como aparece como o remanescente
Híib,'(' () preço de custo da mercadoria realizado no «Aqui, no Livro III, não se trata de formular
pt'O(~I'HR() de cireulação, e, de outro lado, como rema- reflexões reais sôbre esta unidade (a unidade do
1\ I'HI: I' ,11<, que há de determinar-se mais concretamente processo de produção e do processo de circulação),
I II II' Nua l'l~laGão com o capital total, o capital aparece mas, pelo contrário, de descobrir e expor as formas
I'Cl/IW lima rela.ção consigo mesmo, relação que se concretas que surgem do processo de movimento do
dill! illgl1(', eomo soma originária de valor, do valor capital considerado como um todo. Em seu movi-
IH'IVO :wl'(,8cido por êle meAmo, ExiRtc a consciência
mento real os capitais se enfrentam sob estas formas
dc' 11"(' (';H(,(' valor novo é engendrado pelo capitul no
concretas, nas quais tanto o perfil do capital no pro-
dc 'c 'ellTc'" (lo pl'OC<'8flO dC' lJl'odu"íl,o <~ do proceRRO d('
cesso direto de produção como seu perfil no processo
('il'('lllw:ii,o, MaH o modo como iHt.O ocot'!'(' Ilpllr(>(~('
de circulação não são mais do que dois momentos es-
IlIi,H! il'i('ado I' I~OIllO fru(,o di' IInalidlld('H i111'1'('n\:('H /lO
I'lúpl'io ('II. pi (ai.·, ('1)
de uma magnitude deHta taxa, a taxa de maiH-valia não exprcRfia Hcnuo
o 1111c cm realidadc (': ll111a medida difitintn ela maiK-valia na qlln.l fiO
1\1111'~, /II/ ('rl/I/I,,/, 1"111" III, v,,1. I, 1"'/1: '{II 0" ('/lptlllloll I c' II toma eOl11o llllHe o valol' do capital ('111 H(~II C~()Il.ll1l1t() 11 Ilf'lo Hll11ploHIlWIII.C1
"fI,d,' \',,111111,' /ln" "/IIIC' III' 111 III 1'111'11, /I ('''1111'''1'1'1111110 cio I"'ohllllllll 1I11110clo" o valo!' dll. pal'to cJlI cllplJal elc' QIlC1 III1IU~" CIlI'(11.1I.11111111.1' (() (~llpll,1I.1 val'IIi.-
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c11:""", 1111 111111]1111 cJlIl1 1'1'11(\1111"111'1 I 1111 1'011111/1 OC'OI'I'I'III IIIVI"'/Ill1ll'''lln ( " , I",
nHll1c1l1c!I. III 1/.11 tll'lHhe "I '10'11 lido c1.. 1111111 lll/lll II., IIl1d,.-VllJlrt c1lld/l\ • 1"\1(, 714,
94 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS o MÉTODO DIALÉTICO NA ANÁLISE SOCIOLÓGICA
95
pecíficos e determinados. As manifestações do capi- que a vinculam à totalidade do sistema, como uma forma de
tal, tal como se desenvolvem neste livro, vão se manifestação da mais-valia:
aproximando, pois, gradualmente, da forma sob a
qual se apresentam na própria superfície da socie- «A mercadoria se apresenta à primeira vista
dade, através da ação mútua dos diversos capitais, como um valor de utilidade, como um conjunto de
através da concorrência, e tal como se refletem na propriedades desfrutáveis. Em virtude de sua ser-
consciência habitual dos agentes da produção». (5) ventia social, entra um jôgo de trocas, adquirindo
dêste modo novas propriedades e uma nova forma
o
movimento da razão ao elevar-se do particular para de valor de uso originário ( ... ). O originário é
o geral percorre, pois, um circuito no qual se desenvolve uma negado no fenômeno constituído por êle ( ... ). Essa
dialética entre o abstrato e o concreto. Ê assim, e não pelo substância, chamada valor, não é nada em si mesma,
recurso a um procedimento metodológico empirista, que se mas é, pelo contrário, constituída pela própria relação
constitui uma totalidade concreta. Por isso Marx diz que o de troca como um ser autônomo, que nega enfim a
concreto aparece como o ponto de chegada quando é o ver- diversidade ilimitada de suas aparências. Em suma,
dadeiro ponto de partida: não há mediação sem o imediato e parte-se da aparência sensível para, numa série de
vice-versa. Entretanto, se o real, como imediato, reaparece, negações das etapas anteriores, atingir uma enti-
mediatizado pela teoria, na totalidade que o circunscreve, e dade que, em si mesma, não posiui nenhuma das
Hl~ as categorias são expressões de relações reais, (6) disso nuo propriedades das qualidades dos momentos consti-
decorre que o ponto de partida e o ponto de chegada definem- tutivos». (8)
/:10 por relações de identidade, ou que seja possível pensar o
objeto independente da teoria. Com efeito, a mercadoria, quo Em análises dêsse tipo, o real como ponto de partida não
ó o ponto de partida para a análise do capitalismo, é tamb6m é um objeto empírico sôbre o qual se debruça o espírito, con-
o ponto de chegada. Mas, no primeiro momento, ela é, como cebido metafisicamente, razão e realidade, de forma estan-
Il I'orma elementar de riqueza nas sociedades capitalistas, um que. Êle é dado, como representação, através de um esquema
,. objdo exterior, uma coisa apta para satisfazer qualquer UJIO de significações que, por sua vez, só tem sentido com refe-
dt~ necessidades humanas». (7) Percorrido o circuito de COllH-
rência a uma realidade determinada. (9)
tiI.Ui«H,O e explicitação do «sistema capitalista», a mcrcuuodlt
8. Gianotti, J. Arthur, "Notas para uma análise metodológica de
/"t'(J('finc-/:1e como categoria hhltórico-social, nega a forma 1111- O Oapital) Revista Brasiliense) ll9 29, São Paulo, maio-junho de 1960,
I~ill.l que assumira e /:10 l't~vda, depois de explicitados OH ploM pág. 65. Vêr também, sôbre o mesmo problema, pág. 69.
9. "A própria ciência histórica burguêsa, visa, é verdade, estudos
fi, Mal'x, JiJl O(/lI!/.f/l, 101110 III, VO!. I, pl~.L:'. fi7, concretos; ela acusa mesmo o materialismo histórico de violar a unici-
dade concreta dos acontecimentos históricos. Seu êrro está em pre-
II, A JlI'r.pl'ln 1111(:11.11 cio \'/1.101', IW, 110 :IIHI.I'I11/1. ('II pll111111111, cll'III'" vol·
tender encontrar êsse concreto no individuo histórico empirico (trate-se
VI<lIl, )/II,I'(\I~(\ '11,'111. ""'//I""j,/,, '1"11 <11'1111111)/""1111., leig·I"/I.llI'"II" 1111111, "IIIII;nO
111\,-
de um homem, de uma claHHe ou de um povo) e na consciência que
'/111'11, 1\ /I. I'X)/l'nH:lllo 1~1I11/1,,1I'11I11
de' 11111 pI'OI'P/IIIO 1'1'/1.1 '1111', ('111110 1/1.1, !tpn-
é dada empIricamente (quer dizer, dada pela psicologia individual ou
1"'1'(\ Ith(I.t)l'h~/l.lIl1\1ll.cl Iflll,',~ cio pl"lIo d"'lI1l1volvlllll'lIlo do /11111"1111\. ('11.1.'1-
pela pHI(!o!ogln daH mnHHo,H). Porl'im, 1}11Ilnclo ela crô ter encontrado
1lI,lInll1. (IIU 11('0110111111, dll II'III'IUI dlt'"IIIH I,
() quo hl\ !lo ml\1I4 eOIWI'nl.o, (IHlli o ntll.IH longo }1oHHlvol dtlHHo concreto:
7, MltI'X, 101 UIIII./III, I'U , 1011111 I, vol. I, 1'' ' ' ao. (/, /wOj,lrlllli" 1'11111." Ifllaltrlarlt1 (111111'1'1 1/11, II. OI'l{llIll:r.nço'o I1n Ill'()(luOn,o num
I ' M~)'I'IIIIII IIIAJ.Ii:'I'II'1I N.I 1\ N,'I.I;iI': 1\11,'1111.111111'.1
116 HI';VIH'rA BItAHILIoJIUA m; CIBNClAS SOCIAIS 117

Em certo sentido, portanto, a análise das totalidades na <:I'/I,I;II.H


PI'I)('I'dillll'ldo I' plI/l/lÍv,'1 ,'xplil'/l1' oH I','II()-
II ("HIll'
dialética possúi um ponto de contacto com as correntes «estru- IIU'IIOH Ho(~III.I/I IIII.H (~olldic,úI'/1
I'I'aiH dI' HIII I, pl'011l1l;11.0 1i"1I1 qlW,
turalistas» que procuram elaborar, através do conceito de es- no IIll'Hmo 11'11lpO, H ({'(~lIh~1I. illll'l'fll'd.lltivll. i III pOli lt,u, l'0ll10 POli_
trutura concebido como um modêlo, um instrumento concep- dic;ii.o lk validadl', qll<' Il. HlIlI.lhw ('HI".in dl'('IIIHH~I'lttt d" 11111,111.1""
tual-metodológico para a determinação (e conseqüente expli- ('Hü'dta hH eondil,õl'H :lOdaiH 1'lllpll'ieatlH'lIlt' dlLdllH, (!Olll (.",.110,
cação) das condições básicas ou nucleares que definem as IL Ilxplleução uiulétiea é obtida qualldo, 110 II)('HIIIO IIHlvlllll'1I1 II
possibilidades de interação numa sociedade dada. O procedi- da t'mdlo, os fenÔm('110H Bfí.o (~olw(~hic!w-l I' 1lllll.lilmdo/i cOIII ..1'/', ••
mento metódico para a análise estrutural, tal como 'é enten- l'tmciu no singular p ao gl~l'al, (!OI1l }·('JIl.I,fí.o ao qllal o pnrt "~I\II1.I'
dida, por exemplo, por Levi-Strauss e NadeI, leva à construção nã.o ó senuo uma dirm'(~lwi:tI,fi,(). Noull'aH palavl'wJ, IW 1111'"1110
de uma matriz, pela qual são ordenados teoricamente os pa- tempo que a interpl'daf'ii.o dill.lMica na Hodolog'ia ViH/l ,'xpllc'llI'
drões e combinações possíveis de padrões de comportamen- os fenômenos sociail:l em tê!'JnOI:l dl~ hicl 1'1, 11111111, Ii<" 1I11~n1lCIt
to. (10) Entretanto, a semelhança no procedimento é formal: êste tipo de conhecimento diu!ôt.kanH'nü, quando {~ (~/I.p/l.~ dl1
num e noutro caso os requisitos metodológicos para a gene- ultrapassar, através da ra7.ão, 1\.:1 Jimillu:Õt'H do I'nl.u, (~IIIt1I)rl\'
ralização dependem da elaboração interpretativa de categorias cndclldo-o atI'avé", de um padrão, IH1.o 'ó r"i(o, pO""'II1, ~II'III
capazes de exprimir determinações gerais. Nisso, contudo, que a explicação se l'l)I.'IUIWI, :'I. ])('HqlliHII. daH dl't"I'lnltllu;Ii\1"
cessa a analogia. Na verdade, a técnica de elaboração e repre- gerais e sem que, muito m('11m" ÜilllHrOI'IIH'III-H(' OH rui 111'1 11111
sentação das totalidades através do método dialético difere conseqüências de padrões gerais.
da técnica utilizada pelos estruturalistas. Êstes elaboram
modelos que exprimem relações vazias de conteúdo significa- Tal técnica inierprdativa .11:1,0 l!t'ixa, I' (:('1'10, d .. 1111111.111'
tivo, para assim reter interpretativamente, como padrões, as possibilidades ue gClwl'alb:ac::i.o do (!OIl"('(~illll'lIlo olllldo
quaisquer tipos de ação social concreta. Já a análise dialética àquelas situa~;ões que tClldall1 a "('prodllzi/' (I IlIl'UIlIO 111'0 d'1
procura sintetizar em seu procedimento totalizador tanto o vinculação concreta entre as dd(~I'lIIi II'I.I:ÚI 'H ('HH( 'lIdlllH (1'11.1'1 ,.
que Marx chamava de determinações gerais (os processos culares) e as detcl'minal,ões gl'l'aiH, (', pO/' 0111/'0 Indo, 1Ií10
sociais recorrentes) como as determinações particulares (os deixa de inflctir o fóco de llnúli/1(' 1)/1.1'/1. OH pl'OCI'lIHOH dll dll'".
processos emergentes), vislumbrando nestas o elemento expli- renciação e transfol'mac:ii.o dWl HiHI('lllaH Ho(~ill.iH, poh~ " 1111"
cativo do sentido das totalidades sociais. (11) determimu;ões pUl'UellJal'('ll (1'11' o 11INoc!o vai IJlltw/l.I' o III'XII
explicativo das l.o(ll.lidll.!ll'll (~OII(!I'I'1 IlH. Nii,(l ohlll Hill ", I'H~IHI
nível determinado do desenvolvimento social e a divisão em classes
que ela opera na sociedade, Lukacs, G., Historie et Conscience de Classe, limituçõus ga I'alltl 'II I a POHHillilidad,' d,' al(~all':HI"'/H', /lO 1111'1111111
Les Editions du Minuit, Paris, 1960. O trabalho de Lukacs aquí refe- tempo, uma l'xplil~H(:fi,1I qlll' I l'all:1(~('lldl' OH lilllitl'" do "011111'"
rido, bem como o artigo sôbre consciência de classe, do mesmo livro, cinwuto fae1.\l1l1 141'111 ap' 'Ial' p:ll'a 1'111'111<1:: dI' :lIIhl i~lI' <1"<' 1111 pli-
são essenciais para a análise de conceito de totalidade na dialética.
cam lt'tgi(~allH'llI(' lia ,'lilllill:II:;W da:l (!lIlldif:ii"H 1"'Hit~ dI' III'0dll
10. Levi-Strauss, Claude, "La notion de Structure em Ethnologie",
Antropologie Structurale, Librairie Plon, Paris, 1958; NadeI, S. F., «ão dUH u!lvidnd"/I HlwilliH.
The Theory of Social Structure, Cohem & West, London, 1957. Existem
diferenças, que não cabe analisar aqui, na maneira como êstes autores IHIl i'l1I1I11I1:1, V"I', ":'1"'1'1111""'1<11" Mil I"'" l'IIII//'II'lfll.',I" ,i 1'/,//1"<1 .I" /II""
caracterizam o conceito de estrutura e quanto ao valor heurístico e 'l/IIII/'ltI, 1'111111.,.1, 11'11<1 I"~ 1"1'111111111"", 1':<11/"1'/1 11'/1111111, :111 .. 1'1111/ .. , 111111,
metodológico da abordagem "estruturalista". lll't,gll. :.lO:1 ~~(H VI'" /11/1<1", ti 1'''IIiI"I, .h .. ii 11<1 .. , 1""1" II. "111'1/111<111 I /I ~,
11. Sôbre as determinações gerais e as determinações particulares II I". "'''1'1111.11111'11, "( 1:1 1',,">1,1"11111111111. 111,1111;111' 1111 :1111'1,,11'1-: 111", 1/'/I/ltI'II/II'/lI""
que operam nas totalidades, bem como sôbre a explicação a partir des- ]lJ11/.111I"!,'",~ dtl M.I'IIII,·",:,lu NU'·}II/li.'!},·." 1'/1" "111'. 1'1, "/11', ""1&, 1:tI1.
98 REVISTA BRASILEIRA DE Clfo:NCIAH HOC'IAIH- o MÉTODO DIALÉTICO NA ANÁLISE SOCIOLÓGICA 99

Chega-se, dessa forma, ao resultado fundamenial tlôhl'c como produto «objetivado» da atividade social, e nesse sentido
as possibilidades de aplicação do método dialético na Hocio- como um conjunto de padrões que motivam a ação humana
logia. Através dêle é possível lidar com os fenômenos SOCilliH, (sistema cuja inteligibilidade se encerra nas relações recípro-
tanto em função do que possuem de singular e concreto como cas entre normas dadas), e como «processo», isto é, como algo
em função das normas gerais que se exprimem, como dife- que se está criando pela atividade humana através da negação
renças, nas singularidades. Por isso, o método diaUitico 1ltll'- " de um dado estado de coisas e da projeção de um vir-a-ser
mite a análise dos processos sociais recorrentes em cOIlClxão ainda não configurado socialmente (o que, neste caso, torna
com os mecanismos regulares de mudança. Como a interprl'- explicável, em têrmos de sentido, o sistema produzido e o que
tação dialética lida, simultâneamente, com o particular c o se está produzindo) .
geral, pode-se, sem o risco de transformar a explicação obtida
A explanação sôbre o tipo de análise estrutural legítima,
numa forma ideográfica de análise, explicar as relações, regu-
nos trabalhos sociológicos que utilizam o método dialético,
laridades e modificações dos fenômenos sociais nas condiçõllH I
leva à compreensão dos limites da aplicação das pesquisas
efetivas de sua produção, concretamente situados.
de conexões funcionais nesse tipo de trabalho. Sem o recurso
No que diz respeito às possibilidades gerais de utilização
às relações de interdependência entre uma «atividade parcial»
da dialética na sociologia, cabe salientar ainda que os pressu-
e uma «atividade tota!» ou entre os componentes da estrutura
postos metodológicos, aludidos acima, mosiram que, atruvéH
social e sua continuidade não é possível representar a atividade
dêste método, os fenômenos sociais podem SCI' eaplalloH inil'I'- •
~ocial humana organizada em sistemas sociais, nem portanto
pretativamente, tanto como resultadoH incessanil'nwntc reno-
explicá-la, como em parte ela é, enquanto resultado de condi-
vados da atividade humana criadora quanto como efeitoH de
ções sociais dadas. Entretanto, também nesse caso, a repre-
normas estáveis que resultaram da atividade humana anie- ~
sentação da atividade social vista em conexão com o «funcio-
rior. O método dialético permiie, portanto, u unálise ou inie- ..
namento» de um sistema de interação já constituído só S13
ração social a partir de situações, condições, fatôres () efeitos
completa dialeticamente quando se retorna ao polo oposto, que
sociais que se repetem, produzindo configurações sociais cHiá-
é a atividade social que constitui os padrões de integração
veis e fixando padrões de inter-relações. Dêsse ângulo a aná-
funcional. O recurso às explicações estruturais e funcionais
lise torna-se estrutural.
na análise dialética depende portanto da subordinação destas
Porém, mesmo neste caso, não se confunde com a abor- técnicas explicativas às representações fundamentais que o
dagem «estruturalista», pois a análise estrutural na interpre-
método dialético supõe da realidade social.
tação dialética parte de intuitos explicativos e de pressupostos
sôbre a realidade social diversos. Sua legitimação metodológica Êste é o ponto metodológico crucial para entender a
depende da explicação concomitante do processo de consti- especificidade da utilização da dialética na pesquisa de cone-
tuição dos padrões de integração estrutural. Com essa expli- xões estruturais e funcionais em face dos outros métodos
cação desvenda-se o sentido que os agentes sociais emprestam aludidos neste artigo. Em certo sentido também seria pas-
às normas e se evidencia a qualidade de produto da atividade siveI, sem dúvida, analisar processos sociais históricos ou dia-
social concreta que caracteriza tóda estrutura. A análise não crónicos do ponto de vista estruturalista e do ponto de vista
resulta nunca na determinação de condições formais que regu- funcionalista. Sabe-se que Levi-Strauss, por exemplo, acre-
lam a ação, mas na determinação de uma constelação de dita que o «método histórico não é incompatível, de forma
significados expressos em normas sociais. As conexões estru- algurpa, com a atitude estrutura!», apesar de OS fenômenos sin-
turais devem, portanto, ser representadas ao mcsmo iempo crônicos oferecerem uma homogeneidade relativa que os torna
100 REVISTA BRASILEIRA DE Cr1l:NCIAS SOCIAIS
o MÉTODO DIALÊTICO NA ANÁLISE SOCWLÓGICA 101
mais fáceis de estudar que os fenômenos diilcrônicos. (12) Noutros têrmos, a análise funcionalista e a análise e~tru­
Por outro lado, graças aos esforços de investigação e de sis- tural tanto ao definir a integração estrutural e funCIOnal
tematização teórica de autores como Merton, Florestan Fer- quanto ao lidar com os processos de aIter:ção d~ uma o~de~
nandes e Talcott Parsons, a moderna teoria funcionalista rede- social qualquer, acabam por tornar a _açao .so:I~1 (de _mdl-
finiu os procedimentos de análise e interpretação utilizados víduos ou de grupos) isenta de tensoes dlaletIc~s. E-lhes
por seus precursores, que a haviam constituído como um meio estranha a idéia de uma ação «que se faz a SI mesma>:,
de investigação adequada apenas para a análise de fenômenos através da negatividade, cm condições concretas e determI-
sincrônicos, (13) sendo capaz, modernamente, de analisar, den- nadas, e, ipso facto, não cabe a discussão, naquelas persp:c-
tro de certos limites, (14) fenômenos de seqüência. tivas, sôbre o sentido das ações e sôbre as transformaçoes
Contudo, na análise das seqüências funcionais e na cons- de sentido. (16)
trução dos modelos estruturais, se é possível, logicamente, Na interpretação dialética, ao contrário, procura-se evi:
reter as condições de redefinição dos sistemas, e se, portanto, denciar o sentido que é inerente à ação humana. e esta e
cabem análises diacrônicas, em nenhuma circunstância o pró- representada logicamente de forma a reter a qua~dade que
prio processo de modif.'cação das condições estruturais e fun- possui, de transformar a si e à natureza pela negaça~ d~ rea-
cionais é representado de forma que se entenda a ação social lidade constituída. As conseqüências destas pe?Ubarldades
humana com praxis que transforma pela negação, e que ao metodológicas podem tornar-se mais claras atraves da com-
t.ransformar, necessàriamente atribui e nega sentido a um
paração entre as condições pelas qua~s o ~r~c~sso de mudança
univorso determinado. Por êste mesmo motivo a validade das social é representado na interpretaçao dIaletIca por um lado
('xplicações funcionais e estruturais restringe-se àquelas situa- e na análise estrutural e funcional por outro lado. Na abor-
(;()l~S nas quais existe um universo de significações sociais
dagem estruturalista e entre os funcionalistas que. a,~elam
dado a um padrão definido de integração social total. (15) para a noção de desequilíbrio funcional ou para ~ a IdeIa de
«disfunção» para explicar o processo de mudanç,a, este ac~?~u
12. Levi-Strauss, Claude, "La notion de structure", já citado,
pli.g. :nn. sendo visto em têrmos mecanicistas ou atraves d? artIflCIO
01:\. Q11nnto às possibilidades de utilização do método funcionalista metodológico que consiste na representação da e~tatIca e da
IIn IUl~.lIlm de problemas de mudança social e de fenômenos sociais dia- dinâmica social como dois estados do fluxo SOCIal. Alguns
1'1 ,)1111'01'1, ver, eHpccialmente, F. Fernandes, "O método de interpretação funcionalistas, pretendendo escapar às críticas que tornam o
f',IIII'''''1Il11111n. na Hoclologia", Fundamentos Empíricos da Explicaço,o
funcionalismo solidário com a visão conservadora do mund~,
N""/o()/I" qk'l, Jú citado, eRp" págs, 284 e segts, Sôbre a "neutralidade
Idl.,M'l:kn" do flllwionaIismo, vêr Merton, R, K" op, cit.} esp" págs.
estabeleceram categorias capazes de redefinir a noção de ~qUl­
:11l -1'1, Iíbrio através do recurso à idéia de funções que se neutrahzam
J.l. "II IIllLnlplllnr,.10 de sérieH causais continuas em relações de por disfunções. Porém, umas e outras são concebidas, como
III·qfl(\III'ln", JlOI.' exemplo, está excluida das análises funcionais, cf, F.
1I""'lIlIllIh'll, "11, nU,} pág. 281,
16. Os estruturalistas mais lúcidos, como Levi-Strauss, sa~em .que,
I ti. II'. ]"ot'nll.nclel4, 0Jl, cit,} págs, 271-272, discute de uma pera- "em mitologia como em lingüística a análise formal col.oca ImedIata-
1', ... 1IVII. 1'''1'''0111. II. elahol'nçfío <lo fato!.' tcmJlo na nnliliRe fllnclonallsta. mente uma questão: sentido") "Magie et Religion", op, mt:} pág. 2~6.
liI~plll'll 111111111"11, pOI' (jll" II. nl1(i.llllo fllncJonnl!i.;t.a H6 ]lode lidar eom slgnl- Mas neste caso há uma cisão metodológica entre o momento da análIse
n"III;Ii"" dlldllN: ""ln lOlllll Ilod('llndoH Jlí, c:onHl.Ilul<lllH COIllO ohJeto do
formal e o momento da análise de sentido, Por outro lado, sa~e-se que
III vl'I1I1,,'II.(;I1.0 " /111 1·1i1.1II111. do IIlOdo.1I. 1'01 (11' COlllo 1m 1)J'()(:oHHI1, lI.tllnlmonto os especialistas preocupados com a construção de modelos estao empe-
1011 111'.111., 1111 IlIp,IO d" 11""(10 cOllllldm'ndo) /I. (')w,'(:klll (11tH n.I.IVI<lIUJll/f
nhados em reter também as relações de significação, mas os resultados
vii /I,IN I'l1.l'II, I\. (·"IIIf,1I1I1'I11. <lntl ('oluUvldIUII"1 IIUIlIlII1I\.N" (pl1./{. :l7:.!) ,
dOstes esfof'ços ainda são pouco concludentes.
o MÉTODO DIALÉTICO NA ANÁLISE SOCIOLÓGICA 103
102 REVISTA BRASILEIRA DE CI.IDNCIAS SOCIAIS

Ê a reprodução das formas de interação que.. leva à trans"~


«fôrças», externas à atividade negadora do homem, de cujo
jôgo aparece uma resultante: formação (basta pensar no ciclo do capital total em conexão
com as crises). Isto fica evidente quando se relembra que o
«Em qualquer caso, um elemento pode ter, ao circuito dialético não se resolve numa identidade e quando se
mesmo tempo, conseqüências funcionais e disfuncio- pensa a mudança, não em função de fôrças opostas que pro-
duzem uma resultante, mas em função de «tensões» entre
nais; isto dá lugar ao aparecimento .do problema
determinações humanas que, ao permutarem incessante e
importante e difícil de estabelecer o padr.ão de resul-
simultâneamente o sentido que possuem, transformam reci-
tado líquido do feixe de conseqüências». (17) procamente suas qualidades, recriando-se. Por isso, a análise
das condições de coexistência, através do método dialético é,
Na análise dialética, ao contrário, os requisitos metodo- ao mesmo tempo, a análise das suas próprias condições de
lógicos permitem, como é óbvio, explicar a atividade social sucessão.
em têrmos de conexões de sentido. Além disso, neste tipo
Diante dessas possibilidades, o artifício metodológico fun-
de interpretação, não há necessidade, logicamente, de operar
cionalista parece pobre para interpretar as conexões funcionais
cm têrmos de processos estanques ou mecânicos quando se
que se estabelecem numa mesma sociedade, quando ela se confi-
trata da passagem de fenômenos sincrônicos para diacrônicos.
gura em constelações sociais diversas em momentos históricos
De fato, a sincronia e a diacronia inserem-se, na dialética,
distintos. O artifício se resume à pesquisa de grupos de cone-
eomo polos cujo circuito incessantemente refeito produz, ao xões válidos para cada fase histórico-social, vistas desconti-
mesmo tempo, a simultaneidade e a sucessão: nuamente. Entre um padrão estrutural ou organizatório e
outro há um hiato: o método funcionalista é cego para com-
«Considerado em seu conjunto, o capital aparece, preender a transformação em suas implicações globais. Supõe
pois, simultâneamente e coexistindo no espaço em requisitos para a elaboração metodológica que retiram a histo-
suas diferentes fases. Mas cada uma de suas partes ricidade peculiar do comportamento humano (a negatividade),
passa constantemente, e por turno, de uma fase a e não é capaz de representar as vinculações recíprocas e con-
outra, de uma a outra forma funcional, funcionando traditórias entre a simultaneidade e a sucessão, que exprimem
sucessivamente através de tôdas. Estas formas são o movimento da história.
portanto formas fluidas, cuja simultaneidade acha-se Em contraposição, na interpretação dialética o fluxo social
determinada por sua sucessão ( ... ) êstes processos é representado como um contínuo. Sociologicamente êste tipo
especiais não são mais do que momentos simultâneos de representação pode ser elaborado porque a ação é vista ao
c sucessivos do processo total. Ê a unidade dos três mesmo tempo como resultado motivado por condições exte-
ciclos, e não a interrupção de que falamos acima, riores e como praxis, (19) e porque os sistemas sociais não
que realiza a continuidade do processo total. O capi- são concebidos como «sistemas fechados», mas como «siste-
tul global da sociedade possui sempre esta continui- mas abertos». O curso das modificações sociais, na medida
dudc e seu processo representa sempre a unidade dos em que a açao também é praxis, vai depender dos propósitos
lr-êH cicloH». (18)
19. Sôbre o conceito de. praxi8 vêr Karl Marx, "Theses sur
17 Mnl'l,lItI, H. I{., 01'. (lU., JlI\J{. iii. Feuerbach", in Marx, Karl e Engels, Friedrich, Etude8 Philo8ophique8,
1M. MIU'K, IiJI (ll//'HI/l, ('II., llllllll II, Jli\6C. 112. ,
Editions Sociales, Paris, 1951, especialmente as teses 1 e llI.
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socialmente definidos pelos grupos sociais e da capacidade mento, além de sua significação particular, um papH
de organização e de modificação que os agentes sociais forem de revelador: como o princípio que domina a pesquisa
capazes de desenvolver. A mudança estrutural não é repre­ é o da procura do conjunto sintético, cada fato, uma
sentada, pois, como um momento de desequilíbrio de um sis­ vez estabelecido, é interrogado e decifrado como parte
tema dado na direção da recuperação do equilíbrio em outro de um todo; é sôbre êle, pelo estudo de suas falhas e
tipo de sistema. Contràriamente, ela decorre da tensão entre de suas «sôbre-significações» que se determina, a título
ações humanas criadoras e das contradições que se formam de hipótese, a totalidade no interior da qual êle reen­
no interior da própria estrutura social. Essa é sempre enca­ contra sua verdade. Assim, o marxismo vivo é heu­
rada, dessa forma, como estrutura que está em modificação rístico: com relação à sua pesquisa concreta, seus
graças às contradições sôbre as quais repousa e graças à princípios e seu saber anterior aparecem como regu­

l
ação humana. Os processos de mudança são dialeticamente ladores. Jamais, em Marx, encontram-se entidades:
analisados, portanto, como resultantes da própria atividade as totalidades (por exemplo «a pequena burguesia»
humana concreta que, no processo incessante de realizar os no O 18 Brumário) são vivas; definem-se por elas
padrões estruturais e funcionais de integração, nega-os, pro­ mesmas, nos quadros da pesquisa». (20)
vocando tensões e contradições sociais cuja resolução (supe­ /

..il
'.

ração) consiste na criação de novas formas de existência 1 A partir desta perspectiva é possível a utilização do
i:iocial. método dialético de forma heurística, porque o real não é dado
* * * a priori, mas constitui-se pelo esfôrço analítico da investiga­
ção. Com isso evita-se a criação de novos Franksteins que,
Finalmente, cabe salientar como um dos requisitos funda­ em caso contrário, acabariam sendo criados, como muitas vê­
mentais para a utilização do método dialético na sociologia zes ,o foram, em nome de um método que desejava acabar com
que as «totalidades sociais» reconstruídas pela análise dialé­ êles. Nesse ponto o paradigma para a análise sociológica pode
tica devem ser tratadas como totalidades singulares: ser tanto Marx quanto Max Weber na Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo. Em qualquer dos dois casos o método
«O marxismo aborda o processo histórico com não é empiricista, mas em , ambos a interpretação prende-se
esquemas universalizantes e totalizadores (...). a um momento analítico, que condiciona as possibilidades de
Mas em nenhum caso, nos trabalhos de Marx, esta globalização. Sem sólida base empírica a análise dialética na
perspectiva pretende impedir ou tornar inútil a apre­ sociologia desfaz-se, enquanto análise criadora, num forma­
ciaGão do processo como totalidade singular. Quando lismo abstrato tão lastimável quanto qualquer tipo de escolás­
êle estuda, por exemplo, a breve e trágica história tica, e acaba por transformar «a significação em intenção, o
da República de 1848, não se limita - como far-se-ia resultado em objetivo realmente visado».
hoje - a declarar que a pequena burguesia repu­ '1 Fica patente portanto que, se por um lado a interpretação
blicana traiu o proletariado, seu aliado. Ao contrá­ dialética na sociologia parte de uma atitude totalizadora e uni­
l'io, füe tenta mostrar esta tragédia n:: pormenor e versalizante, por outro lado, em nome dêsses princípios, nada
110 conjunto. Se êle subordina os fatos anedóticos justifica as tentativas de muitos marxistas de transformar o
i1. totalidade {de um movimento, de uma atitude), 'é
11.Lt·uvfüi daqueles que pretende descobrir esta. Nou­ 20. Sartre, J. P., "Question de Méthode", Critique de la Raison
t.,·oH Wt'moH, o mnrxismo empresta a cada aconteci- Dialectiiue, Librairie Gallimard, Paris, 1960, pág. 27.
106 REVISTf BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS

processo de conhecimento em mera procura de fatos e situa-


ções empíricas capazes de provar a verdade contida nos esque-
mas abstratos de determinações gerais. E claro que existem
determinações comuns, e que elas desempenham funções defi-
nidas na análise dialética. Porém, o conhecimento dos proces-
sos históricos sociais depende, como vimos, não dessas deter-
minações em si mesmas ou de sua verificação particular (que
suporia a identidade entre o comum e o singular), mas das
relações entre o geral e o particular numa totalidade concreta.
Noutros têrmos, é necessário encarar os eventos parti-
culares através de uma perspectiva capaz de torná-los fatôres
criadores na interpretação sociológica. O cuidado na deter-
minação precisa dos fatos ou situações e na construção «ana-
lítica» (21) das totalidades sociais permite que os requisitos
de aplicação do método dialético relativos à natureza das tota-
lidades como «totalidades em processo de produção», consti-
tuídas atral'és de praxis social, sejam preenchidos nas descri-
ções e interpretações levadas a efeito. Trata-se de explicar os
processos, as situações e os sistemas não do ponto de vista da
história já decorrida, quando tudo parece ter-se dirigido na
direção de finalidades engendradas por condições dadas, mas
do ponto de vista da história como realização da atividade
humana coletiva. Realização, é certo, na qual os fins visados e
os resultados conseguidos não são coincidentes, e onde a neces-
I
, i sidade criada pelos fatos já estabelecidos indica, nas grandes
linhas, o curso provável da ação, mas que sem a referência
direta à atividade significante dos homens agindo em comum
torna-se opaca para a compreensão científica.

21. Está claro que a referência à construção "analítica" das tota-


lidades é relativa. Todo o procedimento dialético de interpretação ou
de análise supõe a realização do circuito abstrato-concreto já indicado.
Ji.efiro-me apenas ao procedimento heurístico que evita a "dedmlão" do
real a partir de totalidades abstratall, defln1das a prtort.

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