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BIBLOS, Rio Grande, 12: 65-73, 2000. BIBLOS, Rio Grande, 12: 65-73, 2000.
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combater o corsário francês Mondragon, que derrotou perto do Cabo A POLÊMICA NA HISTORIOGRAFIA
Finisterra, em 18 de janeiro de 1509. Em 1511, Pacheco comandou outra
armada com o objetivo de socorrer Tânger, obtendo sucesso. Após essa A historiografia, principalmente a portuguesa, desenvolve há muito
expedição, contraiu matrimônio com dona Antônia de Albuquerque, filha de tempo uma discussão sobre a possível viagem de Duarte Pacheco Pereira
Jorge Garcez, secretário de D. Manuel I, Assim, até 1519, Duarte às costas brasileiras. Nessa polêmica é possível distinguir dois grupos
II permaneceu na corte em Portugal, quando recebeu o lucrativo cargo de antagônicos, um favorável à viagem de Duarte Pacheco Pereira e outro
capitão do estabelecimento português de São Jorge da Mina, função que desfavorável.
desempenhou até 1522, quando, acusado de atos ilícitos, foi preso e "trazido O grupo favorável tem como expoente o Prof. Luciano Pereira da
a ferros" para Portugal, e posteriormente foi absolvido, vindo a falecer em Silva, em sua obra Duarte Pacheco Pereira precursor de Cabral. Este grupo
fins de 1532, ou nos primeiros meses de 1533. defende a hipótese da viagem de Duarte Pacheco, alegando,
Sua obra, Esmeraldo de Situ Orbis, segundo alguns autores, é a principalmente, a precisão náutica dos portugueses, os avanços nos
passagem ao "pensamento moderno" da literatura portuguesa. Segundo descobrimentos ultramarinos e a já mencionada política do sigilo, que no
Joaquim Barradas de Carvalho, "Duarte Pacheco Pereira sugere-nos como período era dominante nas "Potências Ibéricas".
uma personagem revolucionária, e a sua obra, o Esmeraldo de Situ Orbis, Cabe destacar que o livro Esmeraldo de Situ Orbis foi escrito entre os
marca uma ruptura na mentalidade portuguesa do tempo. Muitos aspectos anos de 1505 e 1508 e, portanto, não necessitando mais manter sigilo sobre
distinguem a obra de Pacheco de todas as que a precederam" (Carvalho, os descobrimentos marítimos, visto que a conjuntura político-administrativa
1964, p. 303). dos reinos ibéricos era totalmente diferenciada, com um "refluxo na política
Neste contexto, Carvalho aproxima o pensamento e a obra de Duarte de aproximação", já mencionada, outrora vigente.
Pacheco a Leonardo da Vinci, visto que ambos os autores marcam o O grupo da historiografia que se mostra desfavorável à viagem de
desenvolvimento da "moderna literatura científica". Outra posição importante Duarte Pacheco às costas do Brasil em 1498 possui como base a obra
perante a obra de Duarte Pacheco é a de Jaime Cortesão, em seu livro sobre Viagens ao Sul, de Samuel Eliot Morison. Este grupo tece uma série de
1I a política de sigilo nos descobrimentos. Cortesão utiliza os dados fornecidos teorias sobre a impossibilidade da viagem de Pacheco, entre as quais,
I por Duarte Pacheco para comprovar o alto grau de conhecimento náutico destacamos a questão da aproximação em que se encontravam os tronos
dos portugueses durante os descobrimentos, ou seja, os dados contidos no ibéricos no período da referida viagem; ressalvamos, como já mencionado
Esmeraldo de Situ Orbis são, para Cortesão, sempre os verdadeiros e assim anteriormente, que existia uma possibilidade de união das coroas por via de
utilizados para confrontar os dados oficiais que a Coroa Portuguesa colocava casamento dos príncipes herdeiros. Outra questão abordada pelo grupo
ao público, no já mencionado contexto histórico. Segundo Cortesão, contrário à viagem é o Tratado de Tordesilhas, visto que este colocava as
costas brasileiras em território de domínio português. Neste contexto, na
o representante mais acabado em Portugal, ao findar o século XV, desse opinião dos autores contrários à viagem de 1498, não haveria motivo para
novo tipo social de navegante-cosmógrafo, profundamente absorvido pelos que o governo português não divulgasse a viagem logo após o retorno de
problemas da náutica e da geografia, que os descobrimentos dia a dia Duarte Pacheco, e com isso levantaram algumas hipóteses sobre o tema
suscitavam, é Duarte Pacheco. E um facto, que devemos relembrar, dá a
medida da ciência geográfica lusitana, naquela época: Duarte Pacheco
em questão.
calculava, como vimos, o valor do grau terrestre em 18 léguas, ou seja,
Uma primeira é que, se houve a viagem, foi mal-sucedida, pois:
106,56 quilômetros com erro por carência de 4% (o valor é de 111 "apesar da intensa pesquisa - Pacheco tornou-se, por via das últimas
quilômetros), enquanto Colombo, seu contemporâneo, adotava o valor de 56 explorações no Extremo Oriente, um herói nacional - não se encontrou uma
milhas e 2/3, isto é, pouco mais de 14 léguas e um pouco menos de 84 única referência, salvo a dele próprio, a qualquer viagem dos portugueses
quilômetros. Pacheco errava, pois, por 4 quilômetros e meio; Colombo, por para o ocidente em 1498. O fracasso é a explicação mais óbvia para o
mais de 27. silêncio" (Morison, [s.d.], p. 2).
Outra hipótese seria a de que Duarte Pacheco teria participado como
Com o exposto acima, percebemos que Duarte Pacheco Pereira é um observador do governo português da terceira viagem de Colombo, como
expoente para a sua época, tanto como figura política ou como cientista. prescrevia o Tratado de Tordesilhas, e assim, quando redigiu o Esmeraldo,
Destacamos, assim, o relevante papel que a análise de sua obra possui, fez alusão ao fato. Cabe destacar que a teoria supracitada, como outras,
para uma compreensão mais ampla do período histórico em que o autor tem por objetivo explicar o alto grau de conhecimento na descrição de
estava inserido. Pacheco em sua obra sobre a "Costa Ocidental".
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exemplo, o fato de que na época, Duarte Pacheco era, como já citado, figura que o autor, quando se refere aos indígenas, deixa transparecer que teve
de relativo prestígio em comandar uma missão desse tipo, e ainda, de que a um contato direto com eles, principalmente na utilização da frase "achamos,
viagem de Cabral ocorrera tranqüilamente, como se outras a tivesse pedido por experiência", portanto não deixando dúvidas de sua viagem para a costa
e indicado o caminho a percorrer. Cabe destacar que nos documentos sobre "ocidental" .
a viagem de Cabral não existe muita "surpresa" com a descoberta e que os Concluímos, conforme o exposto acima, que a viagem de Duarte
conhecimentos náuticos dos portugueses jamais permitiriam um erro de Pacheco às costas brasileiras, em 1498, realmente aconteceu, mas não fora
tamanha magnitude como errar o caminho para a índia e chegar às costas divulgada ao público, por razões político-administrativas.
brasileiras. É interessante ressaltar que só é possível atravessar a corrente
do Equador em um ponto específico, perto do arquipélago de Cabo Verde e
que Cabral não teve a menor dificuldade ao fazê-Io, o que permite concluir BIBLIOGRAFIA
que outros o precederam.
AZEVEDO, J. Lúcio de. Épocas de Portugal económico. 4. ed. Lisboa: Livraria Clássica
Um importante aspecto a ser lembrado é o fato de que Duarte Editora, s. d.
Pacheco escreveu sua obra a pedido do monarca português, e portanto não CARVALHO, Joaquim Barradas de. O Esmeraldo de Situ Orbis de Duarte Pacheco Pereira na
teria razões para mentir, visto que sua obra seria entregue para o rei luso. história da cultura. São Paulo: Ed. da Universidade-USP, 1964.
Outro aspecto de destaque é que o contexto histórico que impedia a CORTESÃO, Jaime. A política de sigilo no Descobrimento. Lisboa: Neogravura, 1960.
MORISON, Samuel Eliot. As viagens ao Sul. Lisboa: s/editora., s. d. (Fragmento de texto).
divulgação da viagem de 1498 não vigorava em 1505. PEREIRA, Duarte Pacheco. Esmeraldo de Situ Orbis. 3. ed. Lisboa, 1988 (introdução e
Por fim, destacamos que a passagem referente à viagem de 1498, na anotações históricas pelo Académico Damião Peres). Academia Portuguesa de História.
obra de Pacheco, tem apenas o caráter ilustrativo de uma teoria sua, de que SERRÃO, Joaquim V. História de Portugal (1415-1495).3. ed. Lisboa: Verbo, 1980.
os oceanos são rodeados de terra. Isso nos leva a afirmar que Pacheco não ---o História de Portugal (1495-1580). 2. ed. Lisboa: Verbo, 1980.
se enganou sobre o fato, nem o dissimulou deliberadamente. Percebemos
isso em outra citação sua na obra Esmera/do de Situ Orbis, em que o autor
faz uma descrição detalhada dos indígenas. Segundo Duarte Pacheco,